Monografia toda pronta
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Niterói,2012
GABRIELA BRUM PRZEWODOWSKA FERREIRA
ESTAMIRA E O SUJEITO PÓS-MODERNO
Dissertação apresentada àUniversidade Estácio de Sá comorequisito parcial para aobtenção de Bacharel emJornalismo
ORIENTADORA: Profª. Drª Soraya Vénegas
Niterói,2012i
GABRIELA BRUM PRZEWODOWSKA FERREIRA
ESTAMIRA E O SUJEITO PÓS-MODERNO
GrauBANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________Prof. Ms. Gutenberg Barbosa Batista Junior
Universidade Estácio de Sá
_____________________________________________________________Profª. Ana Lúcia Moraes
Universidade Estácio de Sá
_____________________________________________________________Profª.Drª Soraya Vénegas
(orientadora)Universidade Estácio de Sá
Niterói,2012ii
Dedico à minha mãe e à minha filha.
iiiAGRADECIMENTOS
À Deus em primeiro lugar e á minha mãe,
Hélia Brum, por acreditar em mim desde o primeiro momento de
minha existência e por sempre reforçar esses créditos,
fazendo com que eu nunca perdesse as forças diante de
qualquer situação. Pelo amor incondicional de uma vida
inteira e pela dedicação a mim.
Aos meus Orixás, meus amigos espirituais
(minha rainha, promessa é dívida!), ao GEAP e ao meu
padrinho, amigo, pai, etc Aílton Viégas, por me ouvir e
sempre se preocupar se eu estava bem ou não. Por estar ao meu
lado em todos os momentos da minha vida e por sempre ter as
palavras certas quando eu preciso. Por cuidar do meu coração
e do meu espírito. Aos meus irmãos do GEAP e á minha madrinha
Geni Viégas..
A minha filha, que mesmo ainda em meu ventre
me dá forças pra seguir em frente. Cada “chute” na minha
barriga soa como: “Vamos mamãe, mais um passo a frente.”. Ao
meu namorado Cristiano de Brito por estar ao meu lado e à
minha florzinha Dayana Cunha, pelos sorrisos, pelo carinho,
pelos abraços e pelos “te amo” que acalentaram o coração. À
minha irmã Fabiana e ao meu afilhado Caio por existirem na
minha vida. À minha comadre Mary Diniz e meus compadres Paulo
Veloso e Pedro Augustus por tudo.
Aos meus amigos/irmãos de caminhada, tanto de
dentro da universidade quanto os de fora: Rafaela Gagliardi e
Roseane Araújo por fazermos praticamente um pacto pra nos
formarmos juntas e uma por dar força a outra! Vocês foram
muito importantes amigas, os lanches, cafés, os papos etc,
obrigada por tudo. A professora Ana Lúcia Moraes, pela ajuda
acadêmica e pela ajuda pessoal, pelas aulas maravilhosas e
pelas conversas no pátio! Jamais esquecerei Aninha, obrigada
por tudo. À minhas amigas de infância e às que não são de
infância, mas que sei que torcem sempre por mim: Kelly
Calazans, Ana Paula Martins, Karla Valéria, Rodolfo Franco,
Carolina Raposo, Carolina Findlay, Franciny Spindola entre
outros que mesmo que não coloque o nome aqui, sabem que têm
de mim meu coração.
iv
“Tudo o que é imaginário tem, existe e é...”(Estamira)
vRESUMO
Um projeto de fotografia que duraria doze
anos e de repente uma personagem que mudaria a vida de um
fotógrafo e sua própria vida. Segundo a personagem do
documentário de Marcos Prado, ela tinha a missão de revelar a
verdade, e o fotógrafo a missão de revelar a verdade da
mesma. Então, nasce a idéia do documentário Estamira. Estamira
se diz estar em todo lugar além de desafiar os homens a cada
frase ou palavra dita. O que nossa personagem teria de
semelhança e de diferente do sujeito pós-moderno? É o que
Marcos Prado nos apresenta em seu documentário e o que
buscamos constatar nesse trabalho acadêmico.
PALAVRAS-CHAVE: Documentário/Estamira/Pós-Modernidade
vi
SUMÁRIO
Introdução ..................................................
.............................................................
..... 09
Capítulo 1 – O
documentário ................................................
..................................... 11
1.1 – A história do documentário no cenário
mundial ..................................... 11
1.2 – A história do documentário no cenário
nacional .................................... 16
1.3 – A história de
Estamira ....................................................
......................... 22
Capítulo 2 – Pós-modernidade e
documentário.................................................
....... 25
2.1 – O conceito de pós
modernidade .............. ..................................
............. 25
2.2 – O indivíduo pós-
moderno .....................................................
.................. 28
2.3 – A linguagem do
documentário ................................................
................ 31
Capítulo 3 – Estamira
.............................................................
.................................... 25
3.1 – O fotógrafo e a
catadora ....................................................
..................... 34
3.2 – Estamira e a pós-
modernidade .................................................
.............. 36
3.3 – Decupagem das cenas do
documentário ................................................
42
Conclusão ...................................................
.............................................................
... 57
Introdução
Entre uma fotografia e outra no lixão de Gramacho o
fotógrafo Marcos Prado se depara com Estamira. Era o ponta-pé
inicial para o documentário que seria finalizado no segundo
semestre de 2004 e que ganharia trinta e três prêmios entre
festivais nacionais e internacionais, entre eles o Grande
Prêmio de Cinema de Direitos Humanos de Nuremberg, no 4º
Festival Internacional de Direitos Humanos em Nuremberg, em
2005.
Escolher o filme Estamira como objeto de trabalho parece
a principio apenas mais uma análise documental. Porém
esmiuçar cada pedaço já fragmentado da personagem é abordar
até onde somos normais. Quem são os doentes no mundo de hoje
e até onde deixamos passar despercebido, ou não queremos ver
além do que os nossos olhos mostram. A personagem Estamira, a
princípio é apenas mais uma trabalhadora no ramo da
reciclagem, até que ela resolve falar a sua verdade. Com isso
contou com a ajuda do fotógrafo Marcos Prado. O que vamos
mostrar nesse trabalho acadêmico? Além da verdade de
Estamira, mostrada pelo fotógrafo.
Serão analisados neste trabalho acadêmico os discursos
que pairam em volta da personagem Estamira, para
compreendermos melhor o que a própria diz e comparar ao
discurso pós-moderno entre os discursos institucionais, além
das falas da personagem no documentário. A pesquisa será
documental e terá como base o documentário Estamira, de Marcos
Prado para que seja compreendida melhor a história da
personagem. O objeto se observação será nossa personagem
Estamira, que dá nome ao documentário, dentro do seu meio,
além de entrevistas e o que deixou Estamira tão visível
dentro do documentário: falas, comportamento e brigas e como
isso está inserido no mundo contemporâneo.
O trabalho acadêmico será dividido em três capítulos,
onde o primeiro abordará a história do documentário no
cenário mundial e nacional, além da história de nossa
personagem. A importância de sabermos de onde surgiu o
primeiro documentário e seus precursores, além de como ele
foi trabalhado até chegar a forma de apresentação de hoje até
chegarmos ao nosso objeto, com sua história até a sua morte.
No segundo capítulo abordamos o tema que será
comparado ao objeto: a pós-modernidade e como as pessoas se
comportam hoje em dia com tanta informação lançada a em tempo
integral, segundo os autores especialistas no tema, como
Zigmunt Bauman, Stuart Hall, Milton Santos, entre outros
responsáveis por estudos sobre a pós-modernidade, o sujeito
pós-moderno, além de globalização e sociedade de consumo. E o
capítulo é fechado com a linguagem que é usada no
documentário e como essa linguagem interfere no modo de visão
de quem assiste, de quem absorve o que é transmitido pelo
documentarista.
No terceiro e último capítulo entrelaçamos o objeto
escolhido, a personagem Estamira, com o que foi abordado no
capítulo dois, ou seja, como Estamira vive, se coloca e é
colocada no mundo pós-moderno e qual é sua visão do mesmo
dentro do documentário, do que Marcos Prado lança aos nossos
olhos. Além disso apresentaremos como o fotógrafo chegou a
nossa personagem e no ultimo item, a comprovação de nossos
estudos e as comprovações que teremos até o ultimo capítulo.
Capítulo 1
O Documentário
No primeiro capítulo apresentaremos as histórias que
marcam esse trabalho acadêmico: A história do documentário no
mundo, contanto sobre os primeiros filmes realizados e os
precursores do gênero. Como chegou o documentário no Brasil e
como se desenvolveu até chegarmos á história de Estamira,
nosso objeto e personagem do filme de Marcos Prado (Estamira –
2004).
Segundo o autor Bill Nichols1, a voz do documentário é
relacionada à maneira como o vídeo ou o filme falam do mundo,
porém diferente dos outros modos de cinema, de uma maneira
especial. O que Nichols chama de voz, seria o argumento que
foi usado no tema e no processo de feitura do filme. Porém,
ele relata que não adianta de nada começar a falar deste
processo sem antes falar dos primórdios do documentário.
1.1 – História do documentário no cenário mundial.
Nichols explica que ninguém teve a intenção de
inventar o documentário, que na verdade, a intenção aconteceu
depois do fato propriamente dito. Ou seja, primeiro veio a
forma de filmagem depois veio a nomenclatura e suas
peculiaridades. Surgiu com o desejo de cineastas e escritores,como eu, de compreender como as coisas chegaramao ponto que estão hoje. Mas, para aqueles quevieram antes, bem antes, de nós, o ponto oponto em que estão as coisas hoje era meraespeculação.2
1 NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. São Paulo: Editora Papirus, 2005.2 Idem, Ibidem, p. 116.
Segundo Nichols, o interesse dos cineastas não era
abrir um caminho livre para o desenvolvimento do
documentário, para as produções documentais, era apenas a
exploração dos limites do cinema, a descoberta de até onde
eles podiam ir. Assim como a fotografia, a chegada do cinema
foi um fenômeno, uma revelação. Nichols diz que “uma forma
corrente de explicar a ascensão do documentário inclui a
história do amor do cinema pela superfície das coisas, sua
capacidade incomum de captar a vida como ela é.”3
Ele afirma que os primeiros filmes dos irmãos Lumiére,
ainda mudos (em 1926 o cinema ganha sonoridade, porém ainda
não é falado, mas sim acompanhado por orquestras)4. no
século XIX – Saída dos trabalhadores das fábricas Lumiére, A chegada do
comboio à estação, O regador regado e O almoço do bebê) são apenas um
pequeno passo para a geração do cinema documentário. Esses
filmes são compostos de apenas um plano e durar pouco, porém
diferente do cinema de ficção, ele diz que “parecem oferecer
uma janela para o mundo histórico.”5 Os filmes de ficção,
segundo Nichols, aparentam a nós entrarmos em um mundo
privado e incomum, como se não existisse, diferente do cinema
documentário que aparenta que da nossa poltrona podemos ver
uma outra parte do mundo que realmente existe, que não é nem
privada nem incomum. “Essas primeiras obras serviram
3 Idem, ibiden, p. 1164 Claudia Farias, A história do cinema – Parte II. Disponível em: http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=3258&AUT_ID=24 – Em 31/08/2011.5 Idem, ibidem.
tipicamente como “origem” do documentário ao manter uma “fé
na imagem”, afirma Nichols.
A exibição dos irmãos Lumiére (Louis Lumiére e Antoine
Lumiére), segundo Waldemar Lima6, diretor de fotografia da
ABC (Associação Brasileira de Cinema), foi uma fato
revolucionário, quando as pessoas puderam ver pela primeira
vez a fotografia em movimento e foi realizado em Paris, no
dia 28 de dezembro de 1895. Lima em seu artigo afirma que no
local existe hoje uma placa para registrar o fato que tem
escrito: “Aqui em 28 de Dezembro de 1895 teve lugar a
primeira projeção pública de fotografias animadas”. Lima nos
expõe que o cinematógrafo não foi o primeiro equipamento a
ser inventado. Ele é fruto de muitas pesquisas feitas
anteriormente que tiveram sua notoriedade, porém não foram
adiante, como o Revolver fotográfico de Jules Jansse que
consistia em estudar os astros7, a metralhadora fotográfica
do Dr. Etienne-Jules Marey que foi criado para o estudo do
movimento das imagens8, o fonoscópio de Demeny que através de
projeção, reproduzia a ilusão da fala9 e o Quinetoscópio que
nada mais era do que uma caixa de projeção, porém esta
projeção ao invés de ser para fora...era para dentro de uma
caixa, onde olhava-se através de uma abertura na parte
superior e foi criado por Edison na América10. Porém, apesar6 Waldemar Lima, Os irmãos Lumiére e a invenção do cinema, disponível em:http://www.luzcamera.com.br/?p=106 – Em 30/08/2011.7 José Ribeiro, As imagens da cidadania, disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/ribeiro-jose-as-imagens-da-ciencia.html Em 30/08/20118 Idem, ibidem.9 Idem.10 Waldemar Lima, Os irmãos Lumiére e a invenção do cinema, disponível em:http://www.luzcamera.com.br/?p=106 – Em 30/08/2011.
da importância que tiveram as outras invenções, Lima pontua
que a que a que mais influenciou os irmãos Lumiére para a
criação do cinematógrafo foi o Quintetoscópio de Thomas
Edison. Lima afirma que a persistência e a criatividade, e
por terem sido amantes da fotografia desde sua adolescência
foi o que levou os Irmãos Lumiére a criarem não só a câmera
de filmar, mas também uma forma de projeção: a primeira
exibição foi realizada na sala dois irmãos sobre um lençol
branco. Na data de 13 de fevereiro de 1895, a invenção foi
patenteada por eles, tendo sua primeira exibição pública
apenas no mês de dezembro do mesmo ano.
O mestre em comunicação Silvio Da-Rin chama em seu
livro Espelho Partido11, o filme do americano Robert Flaherty
(1884-1951), Nanook of the North, de “protótipo de um novo
gênero”. Exibido em 1922, o filme de Flaherty foi o resultado
de dez anos de pesquisa, em contato com os Inuik, que
habitavam a Baía de Hudson, no norte do Canadá. Da-Rin afirma
que antes de partir para a sua terceira expedição à baía de
Hudson em 1913, seu financiador Willian Makenzie o persuadiu
a levar com ele uma câmera de filmar. Porém Flaherty tinha
apenas um curso básico de fotografia e foi o que permitiu ao
cineasta a registrar um grande material descritivo do
cotidiano dos esquimós. Porém um acidente com um cigarro
aceso lhe custou a edição que já estava praticamente pronta,
incendiando todos os negativos. Depois de muito trabalho para
levantar fundos, só após a guerra, em 1920, Flaherty
11 DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue Editorial,2006.
conseguiu os recursos necessários para a exibição de seu
filme, ainda mudo no ano de sua exibição (1922). Da- Rin
conta, “Seu filme, apesar da incredulidade dos primeiros
distribuidores procurados, foi afinal lançado pela Pathé, em
junho de 1922 e recebido como uma revelação”12. O filme era
diferente no ponto de vista que o cineasta coloca os fatos
testemunhados em uma perspectiva dramática: a construção do
personagem (Nanook e sua família) em sua vida cotidiana
diferente do que muita gente já havia visto. Da-Rin faz uma
citação do próprio Flaherty em seu livro, O documentário é filmado no próprio lugar quese quer reproduzir, com as pessoas do lugar.Assim, o trabalho de seleção será realizadosobre material documental, com a finalidade denarrar a verdade da forma mais adequada e nãodissimulando-a por trás de um elegante véu deficção, e quando, como corresponde ao âmbito desuas atribuições, infunde à realidade o sentidodramático, este sentido surge da próprianatureza e não unicamente da mente de umescritor mais ou menos engenhoso. 13
A partir do sucesso de público e de crítica de Nanook of
de North estavam se abrindo novos horizontes relacionados a
forma de produção cinematográfica, o registro da realidade.
Segundo Da-Rin, foi com o escocês John Grierson (1898-1972)
que o cinema documentado ganhou uma finalidade social.
Grierson era formado em filosofia moral e metafísica e tinha
uma especialização em ciências sociais, além de um projeto de
educação pública através do cinema. “...acabou em Hollywood
atraído pela disponibilidade de dados sobre as preferências12 Idem, Ibidem, p. 45.13 Idem, Ibidem, p. 45
cinematográficas do publico norte-americano. Este desvio de
rota seria determinante para o desenvolvimento de toda uma
vida dedicada ao documentário.”14 Da-Rin afirma que nos anos
20, os filmes americanos dominavam 95% do mercado, então
Grierson percebeu que para competir com o mercado
cinematográfico americano ele teria maior sucesso se
investisse em cinema no âmbito governamental e não comercial.
O primeiro filme realizado por Grierson foi Difters,
sobre a vida dos pescadores de arenque, exibido em 1929, e a
partir daí descobriu sua verdadeira vocação, a de produtor.
Ele acreditava que os documentários deveriam servir à
sociedade. Foi Grierson, segundo a Professora Dra. Marília
Franco15, quem usou a primeira vez o termo documentário, ao
escrever um artigo para o jornal New York Sun sobre o filme de
Robert Flaherty Moana” e o termo foi usado por causa do
termo francês “documentaire”, que se chamavam os filmes de
viagens. Após a exibição de seu primeiro filme (Difters),
Grierson produziu diversos filmes, inclusive de Robert
Flaherty (Industrial Britanic em 1933 e Mano of Aran em 1935). Da-
Rin explica que seus filmes foram os primeiros a colocar
trabalhadores ingleses nas telas, criando assim um cinema
“realista na Inglaterra”, tendo como ponto de partida a
educação através dos documentários. Porém, Da-Rin afirma que
muitas vezes o produtor deu muita importância a determinados
valores, como finalidades sociais e educativas, chegando a14 DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. p. 55.15 Profa. Dra. Marília Franco, Grierson e a Escola Inglesa de cinema, disponível em: http://www.mnemocine.com.br/aruanda/grierson.htm - Em 27/08/2011.
“excessos retóricos”, que deixavam para trás a parte
artística do movimento, por que ele sabia o quanto era
difícil captar recursos e sabia que se quisesse captar
recursos públicos, tinha que conquistar a confiança dos
setores conservadores, por esse motivo seus documentários
eram exclusivamente institucionais, chegando até mesmo a
receber encomendas de empresas privadas.
Segundo Da-Rin16 , Grierson dividira os documentários
em duas categorias: “superior” e “inferior”. Ele define de
categoria inferior os filmes que “descrevem a
realidade...filmes educativos ou científicos e os
travelogues17”. E classifica como superiores os filmes que
passam de uma “descrição simples (fantasiosa) do material
natural, para o seu arranjo, rearranjo e formalização
criativa”18. Para Grierson, a não dramatização seria um meio
de revelar de forma criativa da realidade de nosso meio. Por
isso, o trabalho de Flaherty o encantava tanto. Ele diz que:
“o documentário deve fotografar a cena viva e a história, nós
acreditamos que o ator original (ou nativo), e a cena
original (ou natural) são os melhores guias para uma
interpretação cinematográfica do mundo moderno”19. Ou seja,
para ele, o importante é o que a partir do tratamento do
16 DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. p. 7217 Travelogue: Filmes que retratam viagens a lugares de pouco conhecimentodo público, ou pra um público específico. Revista de cinema online – Manuel de Oliverira, Um filme falado, 2003, disponível em: http://www.contracampo.com.br/70/filmefalado.htm - Em 31/08/201118 DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. p. 7219 Idem, ibidem, p. 72
filme, no sentido original, o que esse filme vai causar nos
espectadores.
Outro precursor da técnica de documentar fatos
cinematograficamente e defender de maneira intransigente o
modo de fazê-lo foi o polonês Denis Arkadievicht Kaufman.
Segundo Da-Rin20, aos 22 anos Kaufman adotou o nome de Dziga
Vertov, que significa literalmente “pião giratório” e em
linguagem conotativa “movimentos perpétuos”. No ano de 1916
estava trabalhando com o estudo da percepção humana no
Instituto Psiconeurológico de Petrogrado e a parte criou o
“laboratório de ouvido” que com um antigo fonógrafo (aparelho
que gravava e reproduzia sons)21, desenvolvia experiências e
montagens de vozes e ruídos mecânicos e naturais. Vertov era
extremamente político e ideológico, diante da fase que a
União Soviética vivia, e não apenas uma vez em seus escritos,
ele citou Lênin: “a produção de novos filmes impregnados das
idéias comunistas que refletem a realidade soviética deve
começar pelas atualidades.”22, além de ter feito um filme
inspirado em Lênin (Três cântigos pra Lênin - 1934). Para ele o
cinema deveria ter uma função social. Vertov partia de quatro
pressupostos: “é preciso educar as massas”, “a percepção do
homem é limitada”, “as máquinas possuem aptidões que o homem
não tem” e o quarto pressuposto que era: “o cinema como
20 Idem, Ibidem, p. 10921Carlos Rossi, Invenções – O fonógrafo de tomas Édson, disponível em: http://pt.shvoong.com/books/dictionary/1629287-inven%C3%A7%C3%B5es-fon%C3%B3grafo-C3%A9dison/ - Em 31/08/201122 VERTOV, D apud DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: AzougueEditorial, 2006. p. 112
revelador do mundo”23. O cinema-Olho (kino glaz), era o termo
que Vertov usava para explicar o cinema-verdade. Ele por
várias vezes insistiu que “o cinema olho” era o meio, “o
objeto era a verdade”24. O cinema-olho foi o conceito chave
do método que Vertov usava, pois ele achava que durante as
filmagens, a câmera não tinha que atrapalhar ou modificar o
ambiente que deve ser registrado e para isso a câmera deveria
ser “invisível” para que o filme cumprisse a sua função,
revelar os fatos verdadeiros, como na expressão “o olho que
tudo vê”. Em 1930 Vertov lançou o filme onde ele pôde colocar
em pratica as idéias em que trabalhava no “laboratório do
ouvido” (1916), e foi o pioneiro em propor um cinema
documental sonoro com externas. Vertov diz: “Nós não nos
satisfazemos em simplesmente coincidir a imagem com o som e
nós não seguimos a linha que, ma nossa situação era aquela da
resistência máxima, aquela das interações complexas do som e
da imagem”25.
O seu filme mais conhecido seria O homem com a câmera,
que nada mais é do que o cotidiano dos moradores e
trabalhadores de Moscou. Além de ter imagens de sua mulher,
que era a responsável pela montagem dos filmes, as fábricas,
pessoas dançando, etc. Um filme totalmente descontínuo,
diferente de Flaherty, Grieson e como se estava acostumado a
ver desde os irmãos Lumiére, pois não era um filme com
princípio, meio e fim, eram cenas rápidas do cotidiano, com23 DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006. p. 11324 Idem, Ibidem, p. 11325 VERTOV, D apud DA-RIN, Silvio. Espelho Partido. Rio de Janeiro: AzougueEditorial, 2006. p. 122
cortes secos, de vários lugares, uma atrás da outra, quase
que ao mesmo tempo.
Da-Rin afirma que Dziga Vertov pagou caro por sua
visão radical das idéias e por não ceder ao socialismo. Um
exemplo disso é que Grierson não gostava do “artificialismo
do estúdio, e Vertov, além disso, ainda desprezava qualquer
tom dramatúrgico que o documentário pudesse vir a ter. Não
entendido pelos precursores do gênero, foi excluído pelas
autoridades, que rejeitavam os seus projetos mais ambiciosos.
No próximo item estaremos apontando como foi a chegada
do documentário no cenário nacional e como se desenvolveu até
chegarmos onde estamos hoje.
1.2 – A história do cinema no cenário nacional
Thiago Altafini, em seu artigo Cinema Documentário
Brasileiro26, explica que a primeira gravação documental
realizada em terras brasileiras aconteceu no ano de 1898 por
Afonso Segreto. O filme nada mais era do que uma tomada feita
na volta de sua viagem à Itália, onde foi comprar
equipamentos e filmes cinematográficos. A tomada registrava a
entrada do navio em que estava na Baía de Guanabara, no
estado do Rio de Janeiro.
Gustavo Surans Gonçalves aponta em seu artigo Panorama
do documentário no Brasil27 que após a chegada do equipamento e o
primeiro registro, Paschoal e Afonso Segreto registravam
26 Thiago Altafini, Cinema Documentário Brasileiro – Evolução Histórica dalinguagem, 1999, disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/Altafini-thiago-Cinema-Documentario-Brasileiro.html em 08/09/201127 Gustavo Surans Gonçalves, Panorama do documentário no Brasil, disponível em: http://www.doc.ubi.pt/01/artigo_gustavo_soranz_brasil.pdf em 08/09/2011
regularmente o que acontecia na sociedade brasileira e essas
imagens se tornaram regulares no Brasil através de,
principalmente, fotógrafos, que se “convertiam” para o uso
dos equipamentos cinematográfico, normalmente filmagens
regionais. Com isso os filmes etnográficos, com ajuda dos
profissionais de antropologia, revelaram um Brasil que não
era conhecido no meio urbano, na época de 1910 a 1920.
Gonçalves usa o termo “cinema natural” para destacar o uso de
imagens relacionadas às diversas culturas. Dentro dessas
realizações cinematográficas, estão as descobertas de tribos
indígenas e suas características, onde se destaca A Comissão
Rondon (Comissão de Linhas telegráficas e estratégicas do
Mato Grosso ao Amazonas). A comissão Rondon fez inúmeros
filmes de suas expedições. Destaca-se o filme Rituais e Festas
Bororo de 1917, como a primeira experiência cinematográfica
de sucesso e um dos primeiros filmes antropológicos.
Segundo Gonçalves, o cinema de propaganda, baseado nas
belezas naturais do Brasil, tendo como publico alvo os
estrangeiros também fez sucesso entre 1920 a 1935 com Silvino
Santos, que produziu mais de dez filmes, sendo dois desses
longas-metragens. Já em 1936, o governo brasileiro criou o
INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), que teve como
base, no mesmo período, experiências de outros países como
Alemanha, Itália, França e URSS. O responsável foi o
antropólogo Edgar Roquette Pinto, que tinha como objetivo de
“democratizar o conhecimento, partindo das classes
intelectualizadas para as desfavorecidas”28. O diretor do
28 Idem.
INCE, foi por trinta anos o cineasta Humberto Mauro, que já
trabalhava com cinema ficcional em Cataguases (Minas Gerais).
A partir daí, as produções são de cunho educacional e
cientifico, mostrando nossa flora, fauna, o meio rural,
documentários de cerimônias oficiais. Mauro produziu 354
filmes nesse período, ajudando ao INCE a se tornar um centro
de produções de curta-metragens. Em 1945, Humberto Mauro
produziu a série Brasilianas, que consistia em uma série de
filmes que reproduziam musicas do folclore brasileiro.
Gonçalves relata que nas décadas de 30 a 60, o INCE
não produziu apenas documentários de Humberto Mauro, mas
financiou também outros diretores. Na década de 60, é a
década de prevalece o “Moderno Documentário Brasileiro”, com
filmes que tinham como tema o subdesenvolvimento e a
desigualdade do país. Em 1962, as técnicas do cinema verdade
chegam, a partir de um seminário Realizado pela UNESCO
(United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization) e a Divisão de Assuntos Cuturais do Itamaraty
que trouxe ao Rio de Janeiro o documentarista sueco Arne
Sucksdorff. Em São Paulo, nos anos 60 surgiu um novo grupo de
documentaristas. Entre eles estavam Vladmir Herzog, João
Batista de Andrade, Maurice Capovilla, Sérgio Muniz e Renato
Tapajós que mantinham contato com a Escola de Argentina de
Documentário.
Em 1964 e 1965 o fotógrafo Thomas Farkas produziu
quatro médias-metragens (Viramundo, de Geraldo Sarno; Memória
do Cangaço de Paulo Gil Soares; Nossa Escola de Samba do Argentino
Manuel Horácio Gimenez e Subterrâneos do futebol de Maurice
Capovilla, mas alguns tiveram seus filmes censurados e foram
perseguidos pelo regime militar. Foi o que aconteceu com
Eduardo Coutinho, que iniciava seus trabalhos em 1964, com o
filme Cabra marcado para morrer, que só foi concluído 20 anos
depois, pois suas filmagens foram interrompidas pelo governo
militar. A partir daí, o filme de Eduardo Coutinho (Cabra
marcado para morrer - 1984) se tornou uma referência dentro do
gênero documentário.
Ainda no “ritmo” da ditadura, João Batista de Andrade
tem seu filme Liberdade de Imprensa – 1968 apreendido pelo
exército após fazer duas exibições. Vladmir Carvalho iniciou
a produção de O país de Saruê que teve três etapas em suas
filmagens, um por causa da chuva, a segunda terminando a
primeira etapa e a terceira no ano de 1970, porém em 1971, o
filme foi censurado, tendo permissão para exibição apenas em
1979. Glauber Rocha produziu em 1977, o filme Di, no qual ele
faz a documentação do funeral do pintor Di Cavalcanti, de uma
forma reveladora. Glauber foi quem marcou o cinema novo, além
de vários outros cineastas que da década de 70 como Walter
Lima Jr, Luiz Carlos Maciel, Hermano Penna
Gonçalves afirma que na década de 80, “com a ampla
produção dividida entre curtas, médios e longas metragens”29,
surgem novos nomes como o de Sylvio Back, que produziu
filmes com arquivos de outros documentários e filmes
ficcionais com recortes e colagens, ele fez Revolução de 30 –
1980, que tirou imagens de dezenove filmes, nos quais
29 Gustavo Surans Gonçalves, Panorama do documentário no Brasil, disponível em: http://www.doc.ubi.pt/01/artigo_gustavo_soranz_brasil.pdf em 08/09/2011
reproduz arquivos dos anos 20 e 30 e o segundo seria República
Guarani – 1982 traçando o panorama da cultura indígena,
abordando entre esses e outros documentários vários temas de
cunho político e relacionado à região Sul do país. Já em
1984, Silvio Tendler fez Jango – 1981 e foi exibido até 1984,
além de produzir mais alguns documentários relacionados a
personalidades históricas, como JK, que também teve seu valor
com relação às bilheterias da década. No final do anos 80 e
inicio dos anos 90, o gênero perdeu sua visibilidade, sua
fama diante dos espectadores. Porém Otávio Bezerra mantém sua
produção. Fez Uma avenida chamada Brasil – 1989, no qual tratava
da violência em volta da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro.
Além de A dívida da vida – 1992, no qual abordava da dívida
externa, e foi filmado em diversos estados brasileiros e com
participação freqüente do sociólogo Herbert de Souza, o
Betinho. Ainda em 1989, o cineasta Jorge Furtado produziu Ilha
das flores – 1989, trazendo uma reflexão sobre o documentário nos
quesitos ficção e não-ficção.
Em 1989 que é lançado o programa Documento Especial
produzido e dirigido por Nelson Hoineff, que era um misto de
reportagem e documentário, que segundo Gonçalves, “Deu voz
aos pobres e excluídos com uma abordagem de cinema-verdade,
longe do sensacionalismo barato”30. Walter Salles é um deles,
que iniciou sua vida no cinema através da televisão quando
realizou os documentários Japão, uma viagem no tempo – 1986, Franz
Krajcberg – o poeta dos vestígios – 1987 e as séries China, o império do
30 Idem.
centro – 1987 e América – 1988, dirigidas por seu irmão João
Moreira Salles que ainda co-dirigiu com Kátia Lund o filme
Notícias de uma guerra particular no ano de 1999.
Eduardo Coutinho começa a se projetar ainda mais no
meio logo após o lançamento de Cabra Marcado para morrer em 1984
e passou a se dedicar a produção de filmes de média-duração
como Santa Marta: Duas semanas no morro – 1987. Nos anos 90 ele
lançou Fio da memória – 1991 e Boca de lixo – 1992, todos em 35
mm, e no final da década de 90 voltou aos longa-metragens,
porém no formato digital. Hoje Coutinho volta a trabalhar
com o formato de 35 mm, pois, como explica Gonçalves, esse
seria “o suporte do cinema-verdade” para ele.
Segundo Gonçalves, além de uma larga produção para a
TV a cabo, o documentário chega no fim dos anos 90 novamente
às salas de cinema com O empresário da selva - 1997 de Aurélio
Michilles que mostra o trabalho do precursor Silvino Santos
na Amazônia. Fé – 1999, de Ricardo Dias, registra as
manifestações religiosas de diversos lugares no Brasil.
Marcelo Caldas e Marcelo Luna filmam O Rap do Pequeno Príncipe
Contra as Almas Sebosas – 2000, que trata das desigualdades
sociais.
Com tecnologia avançada e equipamentos cada vez mais
baratos houve o aumento na produção. Paulo Sacramento produz
em 2004 O prisioneiro da grade de ferro, que tratava de filmagens
dentro do Carandiru, além de filmagens feitas pelos próprios
presos. No mesmo ano, José Padilha fez Ônibus 174 (junto ao
fotógrafo Marcos Prado) que conta o seqüestro do ônibus no
Rio de Janeiro com imagens de arquivo sobre o acontecimento,
que teve grande visibilidade na mídia e pela ação
“desastrosa” da polícia. Assim também, outras pessoas, o
filme seria seu primeiro longa-metragem como diretor e em
2005 produz Estamira com direção também do fotógrafo Marcos
Prado que ganha inúmeros prêmios, no Brasil e fora dele
mostrando a história de uma catadora de lixo que trabalha no
Aterro Sanitário de Gramacho.Profissionais ligados a poéticas eletrônicas edigitais, com trabalhos experimentais em curtaduração, começam a se aventurar em longas-metragens. A convergência de linguagens e ohibridismo dos suportes marcam os trabalhos,buscando uma relação mais sensorial com arealidade, indicando novos caminhos aodocumentário em obras como Do outro lado do Rio –2004, de Lucas Bambozzi e Alma do osso, 2004, de cãoGuimarães.31
Gonçalves aponta em seu artigo a criação de um
programa que financia a produção e a teledifusão de
documentários. O DOCTV é um convênio entre a Secretaria do
Audiovisual do Ministério da Cultura com a TV Cultura de São
Paulo e a Associação Brasileira das Emissoras Públicas,
Educativas e Culturais (ABEPEC), com o apoio da Associação
Brasileira de Documentaristas (ABD). A intenção era promover
a regionalização e a interação entre as produções
independentes e as tevês públicas. O programa foi criado no
ano de 2003, no mesmo ano com o título de Brasil Imaginário, fez
programas de formação, além de oficinas de formatação de
31 Gustavo Surans Gonçalves, Panorama do documentário no Brasil, disponível em: http://www.doc.ubi.pt/01/artigo_gustavo_soranz_brasil.pdf em 13/09/2011.
projetos e de história e estética do documentário, com a
orientação nomes importantes para o documentário nacional. Produziu vinte e seis filmes exibidos em redenacional, que ajudaram a movimentar o setor deAudiovisual fora dos grandes centroseconômicos, e ao mesmo tempo em que levou ástelas da tevê aberta a produção realizada forado eixo Rio/São Paulo, demonstrando toda adiversidade das expressões culturais dasdiferentes regiões brasileiras. 32
Gonçalves afirma que o projeto foi de grande
importância para o país, fazendo com que outros estados (como
Norte e Nordeste do país) tivessem acesso a uma formatação
adequada ao documentário, fazendo com que as produções se
afastassem do modelo jornalístico e institucional. O DOCTV
inspirou outros programas de financiamento nas emissoras de
tevê de alguns estados, como foi o caso do Documenta Brasil que
foi criado pela Associação Brasileira de Produtoras
Independentes de Televisão (ABPI-TV) com o apoio do Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT) e do Ministério da Cultura
através da Secretaria do Audiovisual. No ano de 2006, o
programa foi considerado modelo de política pública, como
consta no próprio site33, quando foi criado o DOCTV-IBERO
AMERICA, que fixou o sistema de teledifusão em treze países
da América Latina, além de Portugal e Espanha, com
desdobramentos para outros programas como o DOCTV Colômbia e
o DOCTV CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).
32 Gustavo Surans Gonçalves, Panorama do documentário no Brasil, disponível em: http://www.doc.ubi.pt/01/artigo_gustavo_soranz_brasil.pdf em 13/09/2011.33 http://www.tvcultura.com.br/doctv/sobre em 13/09/2011.
Rosemary Segurado em seu artigo Documentário e os percursos
da vida contemporânea cita que o gênero vem crescendo cada dia
mais “ocupando um lugar jamais visto no circuito
cinematográfico brasileiro”34. Segurado diz que com isso
gera-se um aumento de produção, maior número de exibições e
estréias e claro, o público aumenta. Explica que a partir dos
documentários temos maior acesso ás culturas contemporâneas e
suas particularidades, o que dá maior visibilidade ao ser
humano de um modo em geral e suas singularidades.
Dentro da história do documentário no Brasil não
podemos deixar de citar nesse trabalho acadêmico a história
de nossa personagem, sua vida como foi até aqui e por que
virou documentário.
1.3 – A história de Estamira.
Segundo o site História do cinema brasileiro35, Estamira Gomes
de Sousa (que tinha o diagnóstico de esquizofrenia) faleceu
de infecção em 28 de Julho de 2011 aos setenta e dois anos,
no hospital Miguel Couto, na Gávea. O diretor do filme,
Marcos Prado, que projetou Estamira para o mundo inteiro
(Estamira – 2004) e seu filho Ernani dizem que isso aconteceu
por negligencia do hospital. Estamira faleceu tendo só com o
filho (Ernani) como testemunha.
Em resenha sobre a vida de Estamira, Mariane M. O.36
relata que a personagem conta no próprio filme lembranças de34 Rosemary Segurado, Documentários e os percursos da vida contemporânea, disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/aurora/article/viewFile/6343/4651.35http://www.historiadocinemabrasileiro.com.br/morre-estamira-personagem-titulo-de-premiado-documentario-brasileiro/, em: 13/09/2011.36 Mariane M. O., Estamira, disponível em: http://tintadotinteiro.blogspot.com/2010/07/estamira.html, em 13/09/2011.
uma história sofrida. A sua mãe foi internada em um Hospital
Psiquiátrico com sintomas de depressão. No hospital chegou a
receber tratamento de choque e foi maltratada. Estamira
sofria abuso sexual de seu avô desde os nove anos e com doze
ele a colocou para trabalhar em um bordel, do qual só foi
sair com dezessete anos para se casar. Já com o primeiro
filho, Ernani, resolveu sair pois seu marido a traía e era
violento. A história se repetiu com o segundo marido (um
imigrante italiano) com quem teve mais duas filhas. Quando
saiu de casa e começou a demonstrar alguns sinais de
“insanidade”.
Segundo Mariane37, Estamira criou dois de seus três
filhos sozinha (Ernani e Carolina). Já a mais nova (Maria
Rita) foi criada por uma vizinha, que se passou por
Assistente Social, para que Estamira, não se voltasse contra
a possível “adoção”. Na época em que foi gravado o filme,
Maria Rita, já com vinte e um anos, sempre ia visitar a mãe
biológica.
Segundo o artigo de Ana Paula Penkala, depois da
segunda separação Estamira começou a viver do lixo onde
recolhia material reciclável e até mesmo comida para criar
seus dois filhos. Foi estuprada duas vezes, passou a não
acreditar mais em Deus “passando de mulher religiosa, a ser
crítica da religião”38. Trabalhou no lixão de Gramacho por
mais de vinte anos e era lá que se sentia bem, onde era como37 Idem.38 Ana Paula Penkala, Estamira e os urubus: critica da razão (ao contrario) pós-moderna, disponível em:http://ufrgs.academia.edu/AnaPaulaPenkala/Papers/632578/Estamira_e_os_urubus_critica_da_razao_ao_contrario_pos-moderna, em: 13/09/2011.
se fosse protetora de seus amigos que também trabalhavam lá.
Sua filha do meio nunca quis interna-lá, por causa do que já
havia acontecido com sua avó e porque entendia que ali era
onde ela se sentia bem, já que a própria Estamira sentia o
peso da internação de sua mãe. Dizia que não queria sentir o
mesmo peso que a catadora de lixo. O filho mais velho,
“fanático” da Igreja Pentecostal, era a favor de interná-la
pois achava que alem disso a mãe possuía o “demônio no
corpo”. Estamira tinha um discurso forte com relação à
religião, ela dizia:Que Deus é esse? Que Jesus é esse que só falaem guerra e não sei o que!? Quem já teve medode dizer a verdade, largou de morrer? Largou?Quem “ando” com Deus dia e noite [...] largoude morrer? Quem fez o que ele mandou, o que oda quadrilha dele manda, largou de morrer?Largou de passar fome? Largou de miséria? Ahn,não dá!39
Segundo Penkala, mesmo com o diagnóstico de
esquizofrenia, ela oscilava entre os discursos lúcidos e os
discursos confusos. Entre um e outro havia a constante
crítica á sociedade de consumo deliberada e á humanidade
assim como os “fanáticos”, que ela chamava de “espertos ao
contrário”. Foi no ano de 2000, que Estamira conheceu Marcos
Prado, fotógrafo que a partir de uma frase, levou o
documentário Estamira à ganhar diversos prêmios. Ela dizia que
a missão de Marcos era revelar a missão dela.
Recebia acompanhamento especializado, primeiro no
Hospital Psiquiátrico, e depois no Centro de Assistência
Psicosocial a partir do ano de 2002 e dizia que os médicos39 Idem.
eram copiadores, que só copiavam as receitas. Estamira tinha
o mesmo discurso relacionado ás crianças nas escolas, que
elas só aprendiam a copiar, e não a raciocinar, a pensar,
explica Mariane em sua resenha. Chegou até mesmo ter sua fase
de estabilidade, como mostram as fotos no filme.
A reportagem da revista Quem, sobre a sua morte, conta
que estava ansiosa para passar para a casa de tijolos que o
cineasta Marcos Prado estava construindo para ela com o
dinheiro recebido dos prêmios do filme. Acordava sempre ás
quatro da manhã e só ia dormir após o programa SBT Brasil. A
sua casa era para ela, como a mesma dizia “um castelo”
construído com coisas que vem do lixo.
Em entrevista a revista TPM40, Prado relata que
Estamira chegou a uma fase de estar vivendo dopada, por causa
das altas doses de remédio. Prado na mesma entrevista comenta
que criou uma amizade pela catadora de lixo e ela em outra
entrevista41 comenta que gostava muito do cineasta.
No segundo capítulo abordaremos a pós-modernidade suas
peculiaridades, desde o seu surgimento até quando e como foi
se concretizando.
40 http://revistatpm.uol.com.br/56/estamira/02.htm em 13/09/2011.41 http://www.historiadocinemabrasileiro.com.br/morre-estamira-personagem-titulo-de-premiado-documentario-brasileiro/ em: 13/09/2011.
Capítulo 2
A Pós-Modernidade
Este capítulo busca refletir sobre pós-modernidade e
seus conceitos básicos, como o surgimento e avanços no meio
social, cultural e cientifico. Como se comporta o sujeito
pós-moderno diante de um mundo globalizado e é claro, como um
dos aspectos da pós-modernidade, a linguagem documental e a
imagem.
Segundo Raúl Kerbs42, a era moderna foi a era de
ascendência do pensamento ocidental em vários quesitos, como
referencia religiosa, constrangimentos, restrições e
tradições em diversas áreas sóciopoliticas mantendo seu
conservadorismo e se tornando assim uma fase de “referencial
exterior ao indivíduo”. Porém Kerbs assinala que diante desse
subjetivismo, de pensamentos no passado e no futuro, houve
uma necessidade de mudança, em conseqüência do aniquilamento
42 Raúl Kerbs, A ética no pós-modernismo, disponível em: http://dialogue.adventist.org/articles/14_2_kerbs_p.htm, em 14/09/2011.
do objetivismo, surgindo a partir daí, segundo o autor “uma
nova moralidade”.
2.1 – O conceito de pós-modernidade.
Segundo Jair Ferreira dos Santos43 em seu livro O que é
pós-modernidade, o termo é usado para marcar as mudanças
acontecidas nas ciências, nas artes e nas sociedades desde
1950, quando, para ele, acaba a era moderna. Os
acontecimentos que marcam esse novo modo de vida são a
arquitetura e a computação nos anos 50, vai crescendo com a
arte pop nos anos 60 e com a crítica da cultura do ocidente
nos anos 70 ganha força para chegar ao que o mesmo chama de
“amadurecimento” tomando campo pela moda, no cinema, na
música, na tecnociência, passando dos alimentos aos
microcomputadores. Dos Santos expõe que não se sabe se a
partir desses acontecimentos citados, estamos entrando em
“decadência ou renascimento cultural.” O autor conta de forma
caricata, a representação de um dos pontos da pós-
modernidade: “Que criança linda” – Diz a amiga a mãe da
garota. – “Isso é porque você não viu a fotografia dela à
cores” – Respondeu a mãe”. Ele mostra com essa “piada” que
nessa nova fase damos mais valor às imagens do que aos
originais, aos objetos, “a reprodução técnica do real”. Dos
Santos relata o porquê disso, por que preferimos as imagens,
como o exemplo dado, do que o real. Preferimos a simulação do
real porque como a fotografia, embeleza e intensifica o real.
Chama de fabricação do hiper-real que vem a ser mais
43 SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-modernidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.
interessante do que a própria realidade. Tudo isso começa com
a chegada da imagem televisiva. O autor acrescenta:Sublinhamos até aqui palavras que sãoverdadeiras senhas para invocar o fantasma dopós-moderno: chip, saturação, sedução,niilismo, simulacro, hiper-real, digital,desreferencialização, etc. Dificilmente elasserviriam para descrever o mundo de 30 ou 40anos atrás, o mundo moderno... 44
Para dos Santos, simbolicamente a pós-modernidade
nasceu “às 8 horas e 15 minutos do dia 06 de agosto de 1945”,
quando a cidade de Hiroshima (no Japão) foi atingida pela
bomba atômica, porém baseado em fatos cientificamente
concretos, a mesma teve seu início por volta de 1955, porém
só deu os seus primeiros passos pelos anos 60, quando
começaram as manifestações culturais, cientificas e sociais.
Ele cita exemplos como, a descoberta do DNA (1953), o pintor
Jasper Johns, que ironiza a América com sua bandeira sobre a
tela (1955), O escritor John Barth publica seu romance A ópera
flutuante, com um certo “humor apocalíptico” (1956), a
descoberta do chip (1957), mesmo ano que o Sputnik soviético
revoluciona a astronáutica e as telecomunicações.
Raymundo de Lima45 explica em seu artigo que o conceito
“pós-modernidade” só foi aplicado no final da década de 70
pelo filósofo francês Jean-François Lyotard, quando publicou
“A condição pós-moderna”. Para o autor a fase de pós-modernidade,
citando o filósofo brasileiro Dermeval Saviani, é
44 SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-modernidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004. http://pt.scribd.com/doc/6656714/Santos-Jair-Ferreira-Dos-O-Que-e-Pos-Moderno45 Raymundo de Lima, Para entender o pós-modernismo, disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/035/35eraylima.htm, em 14/09/2011.
classificada como efeitos de uma época de “fragmentação” e
“superficialidade”, e diz ainda que seria uma visão marxista
e pós capitalista, classificando também como um meio perigoso
de se ver as coisas, pois ele acha que nem tudo se deve levar
a ferro e fogo.
Segundo Rafael Rossoto Ioris46, citando Mike
Featherstone em seu livro, a pós-modernidade nasce da
globalização, redistribuindo as “dinâmicas culturais” e
diluindo o que antes havia uma “unidade e coerência”, fazendo
com que existisse, ao invés de apenas uma esfera cultural e
social, várias esferas culturais e sociais. A quebra das
fronteiras no tempo e no espaço físico também foi gerada pela
globalização. “Os hibridismos e sincretismos”, que antes eram
raridades no estado moderno, hoje tem sua pluraridade na pós-
modernidade e cada vez mais essa demanda aumenta de acordo
com as evoluções nos campos científicos, tecnológicos,
culturais, sociais etc. Porém nesta mesma linha de raciocínio
o autor explica que essa nova ordem global é geradora de
igualdades e diferenças. Muitos grupos compostos por
indivíduos que tem muito em comum em contraponto com muitos
grupos que não tem nada em comum.
Milton Santos47 destaca a globalização como o ápice do
processo capitalista e faz uma divisão do conceito de
globalização. Para ele existem três tipos: “a globalização
como fábula”, “a globalização como ela é: perversa” e a
46 IORIS, Rafael Dossoto. Culturas em choque: a globalização e os desafiospara a convivência multicultura, São Paulo. Editora Annablume, 2007. 47 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro, Editora Record, 2008. p.19.
“globalização como ela pode ser”. No primeiro ele diz que nos
fazem acreditar que a globalização é uma coisa boa, diante de
maiores possibilidades, no sentido de informação, distancia
(como já foi citado acima), um mundo único em suas
possibilidades, porém sem união e com grande estímulo ao
consumo. Ele finaliza dizendo que estaríamos diante de um
mundo do qual sua essencialidade seria a fabulação dos fatos.
Na segunda classificação de globalização (a globalização
perversa), e aponta vários pontos críticos que a mesma gerou,
como desemprego, pobreza, perda da qualidade de vida pelas
classes médias, redução dos salarios, fome, aumentos dos
indivíduos desabrigados, novas enfermidades, como a AIDS e
retorno de antigas enfermidades, mortalidade infantil, falta
de acesso à educação de qualidade, além do que ele chama de
“males espirituais e morais”, como o egoísmo, o cinismo e a
corrupção. Santos acrescenta que:A perversidade sistêmica que está na raiz dessaevolução negativa da humanidade tem relação coma adesão desenfreada aos comportamentoscompetitivos que atualmente caracterizam asações hegemônicas. Todas essas mazelas sãodireta ou indiretamente imputáveis ao presenteprocesso de globalização. 48
Porém Santos finaliza essa questão das três faces da
globalização com um ar de esperança. O terceiro tipo de
globalização é a globalização como deveria ser ou como pode
ser. O autor pontua que pode ser construído um novo mundo com
uma globalização mais humana com base na “unicidade da
técnica”, a “convergência do momento” e o “conhecimento do
48 Idem, Ibidem, p.20
planeta”, que são as mesmas bases utilizadas pela
“globalização perversa”, gerando uma mudança de comportamento
no âmbito político e social. Em teoria, diante das
possibilidades de novos discursos, podemos produzir um outra
narrativa, uma outra história, pois pela primeira vez, diante
do vai e vem de informação, o conceito de universalidade sai
da mente do homem e dos desejos dos filósofos para se
concretizar na vida de cada ser humano.
Sendo assim o traço definidor de pós-modernidade, para
José Claudinei Lombardi49 seria “a perda da credibilidade”
com a junção entre capital, ciência e estado, fazendo com que
tudo gire em torno da eficácia e da atuação em determinada
circunstância. Seria como se todas as áreas tivessem um
contrato temporário: a ocupacional, emocional, a política e
até mesmo a área sexual. A pós-modernidade então tem sua
consolidação no início da década de 90, com o capitalismo e a
predominância dos discursos de direita além da queda da União
Soviética. Portanto ele afirma que a pós-modernidade é um
conceito totalmente ligado à cultura global e sua ideologia
neoliberal. E dentro dela há uma total modificação em várias
áreas, interferindo inclusive no modo de vida dos indivíduos,
da humanidade pós-moderna e globalizada. As referencias e os
valores são mudados nesse período de transição entre
modernidade e a pós-modernidade/globalização.
2.2 – O indivíduo pós-moderno.
49 LOMBARDI, José Claudinei. Globalização, pós-modernidade e educação: histórias, filosofia e temas transversais, São Paulo, Editora: Autores Associados, 2003.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, em seu livro
Modernidade Liquida50 define como fluidez, sendo uma “qualidade
dos líquidos e dos gases”, segundo a enciclopédia britânica,
explicando que em estado de inércia, não podem ser
modificados, independente da força que for exercida em cima
do que for fluido. Ou seja, segundo ele “os líquidos,
deferente dos sólidos, não mantém sua forma com facilidade”.
Os líquidos “escorrem”, “vazam”, “inundam”, “pingam”, são
“filtrados”, diferente dos sólidos, podem estar em vários
espaços ao mesmo tempo, além de serem “leves”. Fluidez é a
metáfora que ele usa para marcar a pós-modernidade. São
tempos em que as transformações na vida do indivíduo são
aceleradas e a diluição dos laços cada vez mais constantes,
trazendo a sensação de uma falsa liberdade e vindo a tona o
desamparo social. O autor coloca a questão da tribalização,
sendo a sociedade dividida por guetos, onde quem for
diferente daquele que possui o poder, no caso, quem tem uma
situação financeira muito boa, é excluído e logo
marginalizado.
Segundo Bauman, em O mal estar da pós-modernidade51, toda era
tem sua ordem de pureza e também suas impurezas. Tem algo a
ser “eliminado”, “reorganizado” para que assim seja mantida a
ordem. A pós-modernidade cria e anula os estranhos e os
indivíduos que nela vivem, fazem o mesmo. Ele sugere que
“todas as sociedades produzem estranhos”52, porém os
50 BAUMAN, Zygmunt.Modernidade liquida. Tradução: Plínio Sentzien, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2001.p.851 Idem, Ibidem, p. 2752 Idem, Ibidem, p. 27
estranhos são criados de acordo com cada sociedade, ou seja,
cada sociedade tem sua própria “espécie de estranhos”. Esses
estranhos seriam os indivíduos que não se encaixam moralmente
a sociedade . Sendo assim os estranhos da sociedade pós-
moderna são os que não têm uma “posição justa e segura na
sociedade” (diz-se segura, no sentido financeiro), fazendo
com que os indivíduos não construam uma identidade própria,
uma identidade concreta numa era de líquidos, o que acaba se
transformando em um fardo, já que a pluralidade e o mercado
andam de mãos dadas. Essa necessidade de se obter uma
identidade implica no medo de perder uma liberdade que as
pessoas acham que existe, mas na verdade, estão presas a
esses paradigmas, pois o sujeito não quer se tornar um
estranho, não quer ser odiados não quer ser “viscoso”, como
define o autor. Bauman complementa:Pode-se esperar que quanto menos as pessoascontrolem e possam controlar suas vidas, bemcomo suas fecundas identidades, mais verão asoutras como viscosas e mais frequentementetentarão desprender-se dos estranhos que elasexperimentam como uma envolvente, sufocante,absorvente e informe substância. 53
Bauman chama os sujeitos da sociedade pós-moderna, de
“coletores de sensações” ou “colecionadores de experiências”
(pelo menos os mais ricos), que precisam se preocupar com sua
imagem a qualquer custo e com sua posição dentro da
sociedade, para que continuem assim desfrutando das diversas
sensações que o mundo pós-moderno oferece e para afastar os
estranhos, pois estes não podem compartilhar das mesmas
53 Idem, Ibidem, p. 40
sensações. E não pensam em eliminar os estranhos, mas sim
viver acima deles, sendo eles um problema que pode ser
ignorado a qualquer hora ou custo, estereotipando os
indivíduos.
Ele diz que os “demônios interiores desse tipo de
sociedade nascem dos poderes do mercado consumidor”54,
dividindo a sociedade em indivíduos que podem consumir e
aqueles que tentam se adequar a ela, mesmo não podendo
consumir, porém mascarando essa falta de poder e aumentando a
violência. Bauman explica que o que acaba acontecendo é um
abismo social, pois todos querem ter, porém poucos podem
dentro da sociedade de consumo desenfreado, cujo abismo
social inferioriza os que não podem consumir, fazendo com
eles sejam marginalizados, sendo considerados os restos, o
lixo social. Ou seja, a sociedade pós-moderna reduziu o
indivíduo a mero consumidor.
No artigo publicado 30.05.2002 no jornal A Razão,
Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira55 usa uma metáfora de
Bauman: “turistas e vagabundos”, citando quem são os heróis e
as vítimas do capitalismo, da globalização e consequentemente
da pós-modernidade. Holgonsi cita que Bauman expressa em seus
escritos que essa oposição (turistas e vagabundos) é o que
divide a sociedade pós-moderna. Ele complementa:Valem portanto, os turistas, aqueles que serecusam a qualquer forma de fixação;movimentam-se porque assim o preferem; saem echegam em qualquer tempo e a qualquer espaço
54 Idem, Ibidem, p. 5455 Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira, cultura de consumo pós-moderna, disponível em: http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/consumismo2.html em: 01/07/2011.
para realizarem seus sonhos, suas fantasias,suas necessidades de consumo e seu estilo devida. Já os vagabundos “são luas escuras querefletem o brilho de sóis brilhantes; são osrestos do mundo que se dedicaram aos serviçosdos turistas”. Movimentam-se porque estão sendoempurrados pela necessidade de sobrevivência, emesmo assim existem severas restrições notempoespaço em que eles perambulam.56
Mike Featherstone, citado por João Valente Aguiar57
apresenta a pós-modernidade como uma nova ordem cultural que
ultrapassa as variedades de indivíduos em nossa sociedade e
as instituições que se encontram no “espaço social global”.
Ele a define como uma variável externa a mutação da vida
cotidiana onde a prioridade é a estética (busca pela
identidade, apresentação, aparência e estilo de vida), por
parte das novas classes. Ele diz que seria como se o sujeito
pós-moderno coincidentemente inventasse uma forma de vida em
que seu corpo, sua casa e seu carro (seus bens materiais) são
vistos como uma extensão da sua pessoa, expressando
individualidade do portador. Uma mudança drástica em tão
pouco tempo no modo de vida do individuo e em sua forma de
pensar.
No artigo de Sheila Campelo58 sobre o sujeito pós-
moderno, ela cita Stuar Hall nos mostrando que a identidade
56 Idem. 57 João Valente Aguiar, O pós-modernismo como ideologia estrutural da instância cultural no capitalismo neoliberal – disponível em : http://sites.google.com/site/joaovalenteaguiar/p%C3%B3s-modernismo), em: 05/03/201258 Sheila Campello, Redes sociais na internet: possibilidades de aplicaçãonaarte-educação a distância – disponível em : http://arte.unb.br/7art/textos/sheilacampello.pdf, em: 13/03/2012
do sujeito pós-moderno é mutável de acordo com o que impõe a
sociedade capitalista, globalizada e de consumo,
descentralizando-se sempre que possível para estar inserido
na sociedade.
No próximo item pontuaremos a linguagem documental e
como o autor utilizando de vários artifícios nos mostra o que
sentir diante do que nos apresenta.
2.3 – Linguagem do documentário.
Segundo Manuela Penáfria em seu artigo O ponto de vista no
filme documentário59, o estilo cinematográfico que chamamos de
documentário é também uma forma de fazer cinema, sendo assim,
sua linguagem é muito parecida, tendo o documentário e o
cinema ficcional, é claro, suas peculiaridades. Bill
Nichols, quando vai falar de ética em seu livro Introdução ao
Documentário60 ele pontua que todo filme é um documentário.
Nichols apresenta a forma de filmagem em geral, até mesmo uma
ficção, como uma abordagem das formas culturais e das pessoas
que fazem parte daquela determinada cultura. Sendo assim,
concluímos nesse primeiro momento que Penáfria fala do
documentário em sua parte técnica e essa semelhança técnica
como cinema e Nichols aborda a visão, o ponto de vista, como
no artigo de Penáfria, quando diz que todo filme é um
documentário. Sendo assim, a linguagem do documentário,
segundo os dois autores em questão seria a junção das
técnicas cinematográficas com o ponto de vista do cineasta59 Manuela Penáfria, O ponto de vista no filme documentário – Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/penafria-manuela-ponto-vista-doc.pdf, em: 05/03/201160 NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. São Paulo: Editora Papirus, 2005, p. 26
diante do que ele gostaria de mostrar para seu publico,
diante do seu foco.
Penáfria fala que o documentário é dúbio na sua forma
de produção. Por um lado temos a tecnologia do cinema, (com
suas câmera, tomadas, iluminação, preocupação com estética,
escolha de planos) e do outro há uma cobrança do mais próximo
da realidade possível e com isso ele deva proceder com o que
ela chama de “conjunto de convenções” (não existe atores
dirigidos, não há cenários montados (sets de filmagens), são
usadas imagens de arquivos etc). Pelo menos essas são as
condições esperadas pelos espectadores. Porém ela afirma em
seu artigo que o ponto de vista, que normalmente é a visão
que o cineasta tem sobre determinado assunto, define com quem
o espectador se identifica e a forma como lê os planos e o
filme e interpreta a ação usados pelo cineasta. É através das
formas de filmagem e montagem do filme, que o documentarista
define como quer contar aquela história ao seu público.
Penáfria afirma que é como se cada plano usado fosse um ponto
de vista.
Nichols61, em seu livro fala que a voz do documentário
pode transmitir um ponto de vista, defender uma causa ou
apresentar um argumento. A mesma voz está diretamente ligada
ao estilo de se fazer documentário e acrescenta:No documentário, o estilo deriva parcialmenteda tentativa do diretor de traduzir seu pontode vista sobre o mundo histórico em termosvisuais e também de seu envolvimento direto como filme. Ou seja...o estilo ou a voz do
61 NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. São Paulo: Editora Papirus,2005, p. 73
documentário revelam uma forma distinta deenvolvimento no mundo histórico.62
Nichols destaca as técnicas usadas para gerar a
impressão de conclusão e comprovação. Cita a divisão de
Aristóteles na Retórica e sua importância para convencer o
espectador da validade de um argumento ou perspectiva, e
estas são três as provas: 1) “Ético: dá a impressão de bom
caráter ético ou moral”; 2) “Emocional: que apela para a
emoção do publico para produzir o humor desejado. Que coloca
o publico na disposição de ânimo correta ou que estabelece um
estado de espírito favorável a um determinado ponto de
vista”; 3) “Demonstrativo: que usa o raciocínio ou
demonstração do real ou aparente; que comprova ou dá a
impressão de comprovar a questão.”63 As três questões
abordadas pelo cineasta no documentário torna-o verossímil,
convincente e comovente.
Nichols apresenta também, além das leis da retórica,
seis tipos ou modos de fazer documentário, sendo eles: Modo
poético, modo expositivo, modo observativo, modo
participativo, modo reflexivo e modo performático. O modo
poético não tem preocupação com argumentação, linearidade,
apresentação dos atores sociais ou localização no tempo ou
espaço. O modo expositivo tem a estrutura mais retórica e
argumentativa. Normalmente tem voz-off (voz de fundo) e suas
imagens complementam o que é dito em Off. Modo observativo o
cineasta capta as imagens sem interferir em seu processo. A
filmagem mostra exatamente o conteúdo como ele é. Modo62 Idem, Ibidem, p. 7563 Idem, Ibidem, p. 75
participativo é o modo que o documentarista interfere de
forma a acrescentar nas filmagens, ou seja ele esta dentro do
filme literalmente. O modo reflexivo mostra a preocupação do
cineasta em como aquele filme afetará á vida do ator social,
do espectador e suas responsabilidades no meio social. O modo
performático tem na subjetividade o peso maior e a junção
entre o real e o imaginário como assinatura do cineasta.
Brian Winston define em seu artigo (A maldição do
“jornalístico” na era digital)64 o que seria cinema verdade e
em contraponto cinema direto. Ele diz que o cinema direto
(estilo dominante nos Estados Unidos) oculta o processo de
produção e o cinema verdade (teve seu inicio na França) chega
ao ponto de até mesmo exibir seu cineasta na tela, além de
seus equipamentos. Porém ambos precisam de equipamento móvel
e leve para as filmagens. Ambos os modos são geralmente
confundidos.
Ainda relacionado ao que faz a linguagem documental,
Marcelo Teixeira65 cita alguns planos de vídeos, os quais
ajudam a dar forma ao que o cineasta quer mostrar. São eles:
Plano Aberto: Quando o personagem aparece junto ao que ele
tem em volta; Plano Médio: O personagem aparece com poucas
informações a sua volta; Plano americano: Personagem só é
mostrado do joelho pra cima; Plano detalhe: foca apenas parte
especifica do personagem ou algum outro detalhe; Close:
Destaca uma ação ou expressão facial; Big Close: detalha
64 Brian Winston, A maldição do “jornaístico” na era digital, disponível em: http://books.google.com.br/books, em: 06/03/201165 http://pt.scribd.com/api_user_11797_Fifys/d/7273712-TEIXEIRA-Marcelo-Planos-Cinematograficos
alguma ação dos olhos; Zoon In: Sai de um plano mais
abrangente para um mais detalhado; Zoon Out: De um mais
detalhado para um mais abrangente; Plongee: do Francês “Plano
Geral” e mostra o personagem de cima; Contra Plongee: mostra
o personagem de baixo; Travelling: A câmera em movimento
mostra o que esta acontecendo na cena. Estes são os mais
conhecido e mais usados para formar o olhar e a linguagem dos
cineastas nos documentários.
Capítulo 3
Estamira
No terceiro capítulo destacamos as peculiaridades de
Estamira e as comparamos com o sujeito pós-moderno,
relacionando a personagem a pós-modernidade. Como ela viveu
essa realidade, pelas lentes do autor do documentário.
Associamos as idéias de Estamira, mostradas no vídeo, aos
conceitos estudados no capítulo anterior
O primeiro item nos apresenta a chegada do autor até a
personagem até, como ela diz, a revelação da verdade. Já no
segundo item, mostramos como a personagem vivencia, pelas
lentes de Prado, a pós modernidade, comparando a mesma ao
sujeito pós-moderno. O terceiro item, escolhemos cinco cenas
que mostram o que foi constatado nesse estudo acadêmico.
3.1 – O fotógrafo e a catadora de lixo
Marcos Prado é brasileiro, porém estudou fotografia no
Brooks Institute of Photography, na Califórnia na década de
80. Trabalhou como freelancer na Revista Veja, Trip, na Folha de
São Paulo, para o Jornal do Brasil, O Globo e recebeu diversos
prêmios nacionais e internacionais de fotografia. Têm fotos
nos acervos permanentes do MAM (Museu de Arte Moderna, do Rio
de Janeiro), no MASP (Museu de Arte Assis Chateaubriand, de
São Paulo) e no MAM de São Paulo. Em 1998 co-produziu o
documentário Os Carvoeiros, que assim como Estamira, nasceu de um
ensaio fotográfico de sua autoria, porém Estamira seria uma
produção individual, segundo o site mnemocine66.
No início era apenas um trabalho no aterro sanitário
que deveria durar 12 anos, como Prado relatou em um
entrevista no Bate Papo do provedor Uol67. Em 1994, o
fotógrafo resolveu fazer um trabalho sobre o lixão de
Gramacho, abastecido diariamente pelo lixo de boa parte do
Rio de Janeiro e claro, de sua casa também. O lixão de
66 http://www.mnemocine.com.br/promo/estamira.htm67 Em:http://tc.batepapo.uol.com.br/convidados/arquivo/cinema/ult1743u270.jhtm
Gramacho que segundo especulava-se na época deveria ter sido
banido do bairro Jardim Gramacho em 2005. Seis anos após o
começo de seu trabalho, no ano de 2000, resolveu tirar umas
fotos no aterro sanitário e deparou-se com Estamira, a
personagem principal do documentário. Foi a primeira pessoa
que encontrou. Quando perguntou se podia fotografá-la ela
aceitou, mas com uma condição, que conversassem após as
fotos. Ela o informou que ele tinha a missão de revelar a
missão dela e que a missão de Estamira era revelar a verdade.
Um mês depois, quando Prado foi procurar a personagem, após
ter Estamira na cabeça em tempo integral, ela anuncia a ele:
“Tarda, mas não falha...”68
Prado descobriu que apesar do trabalho no lixão ser
degradante perante a sociedade, muitos trabalhadores não
queriam sair de lá, pois chegavam a ganhar até R$ 1.200,00
mensalmente, podendo trabalhar a hora que quiser, e dentre
esses, Estamira, que tinha o lixão como o quintal de sua
casa, onde passava maior parte de seu tempo.
Ao chegar a personagem Estamira e se deparar com um
turbilhão de idéias que pareciam tão lúcidas e ao mesmo tempo
que partiam de uma cabeça com sérios distúrbios, Prado
resolveu então fazer o documentário que durou quatro anos de
filmagem e nos primeiros dois anos ainda não se tinha um
roteiro a seguir. O filme era apenas imagens aleatórias da
68 Darlan Roberto dos Santos, O transbordo de Estamira, disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ECAP-8CBNCL/1/o_transbordo_em_estamira__de_marcos_prado___darlan_roberto_d.pdf, em: 13/03/2012
vida cotidiana da personagem. A partir daí, o lixão começou a
ser apenas pano de fundo para o que viria mais a frente.
A equipe era formada por apenas três pessoas que eram
Prado, um técnico de som e um assistente de direção. Ele
relata em entrevista69 que a técnica usada para a escolha do
personagem foi ser escolhido pelo personagem, não procurando
o encontro, mas deixando as coisas acontecerem naturalmente.
No decorrer das filmagens, após dois anos de gravação,
Estamira ainda lembrava da primeira frase que tinha falado
pra Prado quando o encontrou. Que há dois anos passados, ela
tinha dado a ele a missão de contar a história dela e que a
missão era dele. Foi a primeira pessoa que viu as filmagens e
disse a ele que se aquela era a missão dele, ela não ia falar
nada.
Segundo Suzana França Pedrinho70, em seu trabalho de
conclusão de curso para a Universidade Estácio de Sá em 2006,
em entrevista concedida pelo fotógrafo para a autora para a
realização do trabalho acadêmico, Prado afirma que no início
de cada filmagem, ele conversava com Estamira sobre qual
seria o tema abordado e quais seriam os questionamentos
feitos a ela, além de que “sua inteligência sempre o
impressionou”71
A estréia do filme foi no ano de 2004 no Festival de
cinema do Rio de Janeiro e a partir daí ganhou 33 prêmios no
Brasil e exterior. E ainda gerou um Cd com a trilha sonora do69 Em: http://tc.batepapo.uol.com.br/convidados/arquivo/cinema/ult1743u270.jhtm70 PEDRINHO, Suzana França. Um elogio à loucura: Estamira, quando a fotografia ganha movimento. Universidade Estácio de Sá. 200671 Idem, Ibidem, p. 34
filme. No ano de 2011, atriz Dani Barros72 decidiu adaptar o
filme de Marcos Prado para o teatro e fez o monólogo Estamira –
a beira do mundo. Além de formatar o texto a atriz ainda assumiu
o papel da personagem e começou as apresentações no teatro
Laura Alvim.
3.2 – Estamira e a pós-modernidade
No filme, Marcos Prado apresenta o cotidiano de
Estamira entre os amigos, família, sua vida no passado e sua
vida no presente. As cenas oscilam entre preto e branco,
dando um tom melancólico e até mesmo muitas vezes de
sofrimento, e o colorido que mostra que achamos que é
sofrimento, é apenas Estamira, a beira do mundo, como ela
mesmo se intitula.
O filme começa com Estamira saindo de manhã cedo para
ir para o trabalho, destino: Aterro sanitário de Gramacho. As
cenas são em preto e branco até chegar ao lixão e ela se
apresentar dizendo: “A minha missão além de eu ser a Estamira
é de revelar a verdade, somente a verdade...”. Logo após
Estamira revelar a sua missão, Marcos Prado mostra cenas do
lixão (fotografias em movimento), como o por do sol e o fogo
que sai dos galões para clarear o lugar que eles se
encontram, onde dormirão.
De manhã, na cena seguinte, em preto e branco,
chegam vários caminhões de lixo no aterro sanitário e os
trabalhadores, junto aos urubus e cachorros catam o que
precisam para a sua sobrevivência.
72 http://www.globoteatro.com.br/bocadecena-1020-dani-barros.htm
Em vários momentos/cenas do filme, a protagonista
mostra sua revolta com as religiões, com Deus e com a figura
de Jesus. Quando ela fala que trabalho é uma coisa,
sacrifício é outra, quando o seu filho começa a falar de
religião em sua casa e ou o seu neto a questiona sobre Deus.
Estamira mostra total desapego a religião, como o sujeito pós
moderno fluidifica suas relações, segundo Bauman73, assim é a
relação de Estamira com Deus, além de uma não aceitação da
condição imposta pelos seus, nesse caso, seu filho, de que
devemos nos apegar a esse Deus. A personagem demonstra mais
uma vez que foi moldada à idade moderna, acreditando no que é
visto e não no que é imposto pelos outros.
Estamira mostra em sua indignação pelo serviço médico
onde se trata, diz até que gosta da médica, mas que eles são
copiadores, pois só perguntam, não examinam e passam receitas
apenas para dopar, não para tratar.
Seus três filhos, como mostram cenas do filme falam
dela como uma batalhadora, porém com pontos de vista
diferentes. A filha mais velha não quer que ela tenha o mesmo
destino que sua avó, que viveu em um manicômio, seu filho é a
favor de interná-la, porém ainda acrescenta que essa
perturbação dela é coisa do Diabo e a sua Filha Maria Rita, a
mais nova, tem muito orgulho da mãe, de como ela vive e de
como ela se sustenta e ainda acrescenta que se algum dia ela
não tiver mais a vida que tem em Gramacho, ela acha que sua
mãe morre. A família é muito unida, apesar de todas as
73 BAUMAN, Zygmunt.Modernidade liquida. Tradução: Plínio Sentzien, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2001.p.8
diferenças estão sempre um ao lado do outro, apoiando ou
tentando melhorar a situação.
Seus amigos são seus protegidos, e tem um carinho
imenso pela catadora de lixo. Ela briga quando tem que
brigar, mas os trata com todo carinho. Sua relação com o
outro é de dedicação e apesar de trabalharem no mesmo lugar,
não há competição entre eles, e principalmente, de Estamira
para eles, o que na pós-modernidade não existe.
E por fim, Estamira em seu momento com ela mesma, na
praia. Em OFF a voz da catadora de lixo dizendo que não vai
mudar, que ela nasceu assim, e vai morrer assim. O filme
termina à beira do mar, com Estamira contemplando as ondas
batendo forte.
No conceito de pós-modernidade dado por Jair Ferreira
dos Santos74, ele aponta que a mesma tem seu início a partir
de 1950 com o fim da era moderna como vimos no capítulo dois,
onde há uma supervalorização da imagem, mais do que o que se
vê a olho nu. Mas o que valoriza a mulher que nasceu em 1939
(segundo Santos, ainda na era moderna), numa época em que o
autor Raymundo de Lima75 afirma ser uma época de fragmentação
e superficialidade?
Uma mulher com diagnóstico de esquizofrenia que
segundo Ana Paula Penkala76 oscilava entre a lucidez e a
74 SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-modernidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004. 75 Raymundo de Lima, Para entender o pós-modernismo, disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/035/35eraylima.htm, em 14/09/2011.76 Ana Paula Penkala, Estamira e os urubus: critica da razão (ao contrario) pós-moderna, disponível em:http://ufrgs.academia.edu/AnaPaulaPenkala/Papers/632578/Estamira_e_os_urubus_critica_da_razao_ao_contrario_pos-moderna, em: 13/09/2011.
confusão mental, com seus discursos que poderiam chocar a
qualquer pessoa, porém que abrangiam assuntos que são
pautados em nossa sociedade atual como sociedade de consumo,
globalização, discurso religiosos e de cunho social.
Mariane77 em seu artigo aponta a critica de Estamira
sobre seu acompanhamento psiquiátrico no hospital e no centro
de assistência psicossocial, a autora chama atenção para a
fala da personagem, quando diz que os médicos hoje em dia só
copiam as receitas, que não examinam seus pacientes.
Constata-se que quando Lima78 fala sobre a pós-modernidade e
sua fragmentação e sua superficialidade é o mesmo apontamento
que Baumam79 faz sobre o sujeito pós-moderno quando fala em
fluidez e desprendimento definindo a falta de comprometimento
do sistema de saúde público e seus médicos, segundo Estamira.
Já em O mal estar da pós modernidade80, nota-se que quando
Bauman descreve a pureza social, ainda aponta que toda
sociedade tem suas impurezas e que toda impureza deve ser
abolida ou deve ser reorganizada. Observa-se que Estamira e
sua geração anterior, no caso sua mãe, se encontravam nesse
processo. Já que não podiam ser eliminadas da sociedade, eram
de alguma forma excluídas, em sanatórios, bordéis e aterros
sanitários. Lugares estes que Penkala aponta como destino
para os que incomodavam socialmente. Diante da idéia de
Bauman sobre o sujeito pós-moderno podemos também citar que77 Mariane M. O., Estamira, disponível em: http://tintadotinteiro.blogspot.com/2010/07/estamira.html, em 13/09/2011.78 Raymundo de Lima, Para entender o pós-modernismo, disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/035/35eraylima.htm, em 14/09/2011.79 BAUMAN, Zygmunt.Modernidade liquida. Tradução: Plínio Sentzien, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2001.p.880 Idem, Ibidem, p. 8
ele aplica ao individuo pós-moderno (os mais ricos), que eles
não visam em momento algum eliminar o sujeito que é impuro,
ou seja, que é diferente a ele. Ele apenas o ignora diante de
tantas possibilidades e portas abertas para esses indivíduos
(os puros), simplesmente não tem tempo para que possam
observar o “lixo” a sua volta, como acontece com os
trabalhadores do aterro sanitário e com Estamira, que o
fotógrafo Marcos Prado colocou em cena social novamente a
partir do documentário.
Diante da idéia de Bauman quando usa as expressões
“turistas e vagabundos”, citadas por Holgonsi Soares
Gonçalves Siqueira81 em seu artigo, observamos que a teoria
se aplica exatamente ao que vivenciara a catadora, formando
assim segundo a teoria de Bauman, um abismo entre um e outro,
fazendo com que a personagem seja do núcleo dos vagabundos,
que o autor diz ser a sombra dos turistas. Vagabundos,
segundo o autor em Cultura de consumo pós-moderna, quem faz o
trabalho sujo e para a sua sobrevivência, sem oportunidades,
não se movimentando no tempo e espaço como os turistas
(individuo pós-moderno) que mesmo que não tenha capital o
suficiente, ainda tenta de diversas formas se adequar a
sociedade, fazendo com que os “vagabundos” de Bauman sejam
empurrados pela sorte, pelo trabalho e pela procura pelo
sustento.
81 Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira, cultura de consumo pós-moderna, disponível em: http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/consumismo2.html em: 01/07/2011.
Para Estamira, segundo Mariane82, os turistas de Bauman
são definidos na fala da personagem por “espertos ao
contrário”, quando ela diz “Não tem mais inocentes, tem
esperto ao contrario”, ou seja, os que se acham espertos, mas
que na verdade não sabem nem em que lugar estão diante da
sociedade, querem e tiram proveito de tudo e não olham para o
lado, apenas para frente. O autor chama a atenção para a
procura de uma identidade para que o sujeito possa se
encontrar nesse mundo, que seria o que Estamira chama de
“fanáticos”, como aponta Mariane.
Estamira trabalhou mais de vinte anos no lixão de
Gramacho porque era lá que ela se sentia bem, se sentia
protegida e protetora de seus amigos, contata-se então que
quando Bauman fala em tribalização, há uma similaridade com o
modo de vida da personagem, onde o excluído ou pior, além de
excluído o sujeito é marginalizado é quem não tem o poder
financeiro, que seriam os trabalhadores do lixão, que segundo
Penkala83, ainda tinham a proteção da amiga Estamira. João
seu amigo, fala que sempre foram amigos e ela fala “Só teve
uma vez que ele me estranhou...” e ele responde: “eu, eu te
estranhei...só se eu tava “bebo”.
O autor José Claudinei Lombardi84 chama atenção para a
“perda da credibilidade” na sociedade pós-moderna como traço82 Mariane M. O., Estamira, disponível em: http://tintadotinteiro.blogspot.com/2010/07/estamira.html, em 13/09/2011.83 Ana Paula Penkala, Estamira e os urubus: critica da razão (ao contrario) pós-moderna, disponível em:http://ufrgs.academia.edu/AnaPaulaPenkala/Papers/632578/Estamira_e_os_urubus_critica_da_razao_ao_contrario_pos-moderna, em: 13/09/2011.84 LOMBARDI, José Claudinei. Globalização, pós-modernidade e educação: histórias, filosofia e temas transversais, São Paulo, Editora: Autores Associados, 2003.
definidor, e segundo o artigo de Ana Paula Penkala85, foi
exatamente essa perda de credibilidade na sociedade e no ser
humano, além de suas questões religiosas, que fez Estamira
chegar onde chegou. Para ela, com muita dignidade e orgulho,
porém para muitos (por exemplo para o sujeito pós-moderno em
geral, segundo a definição de Bauman, quando fala em turistas
e vagabundos citada anteriormente), um modo de vida fora dos
padrões impostos pela sociedade contemporânea, de consumo,
globalizada ou pós moderna. Depois de muitos acontecimentos
trágicos na sua vida e depois de passar por duas separações,
Estamira começou a ter no lixo sua fonte de sustento e até
mesmo de vida, já que sua vida social era em meio aos seus
amigos que também trabalhavam no aterro sanitário.
Ela fala que nunca teve sorte na vida, que sua única
sorte foi ter conhecido o Sr Gramacho, que ela ama, adora,
como ama seus filhos. Sua falta de credibilidade chegou ao
ponto de desacreditar de Deus ou de religião, sua fé é nela
mesma. Perguntava a quem quisesse ouvir com um discurso
aparentemente lúcido, porem aos gritos que com Deus/Jesus ou
sem Deus/Jesus teríamos todos, o mesmo destino: a morte.
Também podemos associar a sua falta de credibilidade à sua
critica a saúde, falando das cópias das receitas médicas,
citadas acima, e complementa falando sobre as crianças nas
escolas que só aprendem a copiar, não aprendem a raciocinar.
85 Ana Paula Penkala, Estamira e os urubus: critica da razão (ao contrario) pós-moderna, disponível em:http://ufrgs.academia.edu/AnaPaulaPenkala/Papers/632578/Estamira_e_os_urubus_critica_da_razao_ao_contrario_pos-moderna, em: 13/09/2011.
Lombardi fala da degeneração dos valores e da criação
de novos valores na pós-modernidade, valores esses que
segundo Bauman são tão fluidos quanto à sociedade, já que há
uma pressão para que os indivíduos achem sua identidade em um
mundo globalizado e tribalizado. Porém, Estamira nos mostra
que seus valores não têm nada haver com as identidades
procuradas na pós-modernidade. Quando ela fala de sua casa,
que nem de tijolos era, ela se referia a mesma como um
castelo e suas riquezas, eram as coisas que vinham do lixo.
Cada objeto de decoração que ela achava era como se tivesse
achado um tesouro, pois vinha do trabalho dela da mesma forma
como se tivesse comprado o objeto, vinha do que ela gostava
de fazer, e vinha de onde ela se sentia bem, de onde ela era
feliz. Ela fala também: “Isso aqui é um depósito dos restos,
ás vezes é só resto e às vezes vem também descuido. Resto e
descuido...Quem revelou o homem como único incondicional,
ensinou ele a conservar as coisas, e conservar as coisas é
proteger, lavar, limpar e usar mais o quanto pode. Você tem
sua camisa, você esta vestido, você esta suado, você não vai
tirar sua camisa e jogar fora, você não pode fazer isso. Quem
revelou o homem como único incondicional, não ensinou a
trair, não ensinou a humilhar, não ensinou a tirar, ensinou a
ajudar. Miséria não, mas as regras sim, economizar as coisas
é maravilho, porque quem economiza, tem. Então as pessoas têm
que prestar atenção no que eles usam, no que eles têm, porque
ficar sem é muito ruim.”86
86 Idem.
Milton Santos87 quando fala de seus três tipos de
globalização: “a globalização como fábula”, “globalização
perversa (como ela é)” e a “globalização como poderia ser”, e
diante da idéia que Estamira vivesse em mundo globalizado,
como o autor afirma que hoje vivemos, podemos associar a
teoria de Santos com o documentário e com a história de
Estamira. Seria: “Estamira como fábula”: a mulher guerreira
que conseguiu criar seus filhos com o trabalho de reciclagem
dia e noite no lixão de Gramacho. “Estamira como ela é”: a
mulher que, aparentemente, se excluiu da sociedade porque não
concorda com o tipo de vida aos quais as pessoas se prestam
na sociedade pós-moderna e se sente melhor junto aos iguais a
ela, porque na verdade não foi ela que se excluiu dessa
sociedade, ela foi excluída já que não se encaixava ao padrão
social e nem queria que sua vida fosse uma eterna busca pelo
“ser como o outro”. E finalmente, “Estamira como poderia
ser”, se ela quisesse uma trabalhadora do lixão, porém que
não fosse invisível a sociedade, mas que ao juntarmos nosso
lixo diário, lembrássemos que existem milhares de Estamiras
que tiram de nossos restos seus valores, seu sustento e sua
dignidade. Que essas pessoas não representassem nosso lixo
social, nossos restos, mas que representassem para nós em
geral colaboradores, que sem eles, nossa sociedade
aparentemente tão límpida, seria tão impura quando nossos
lixões.
87 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro, Editora Record, 2008. p.19.
No próximo item teremos uma seleção de cenas que
concretizam o que analisamos nesse item, mostrando algumas
visões que Estamira tinha com relação ao mundo em que
vivemos.
3.3 – Decupagem das cenas.
Foram escolhidas cinco cenas do documentário, cuja
escolha foi baseada no que foi abordado no segundo capítulo,
sobre a pós-modernidade e o sujeito pós-moderno. As cenas
escolhidas foram as que, a partir da visão de Marcos Prado
sobre Estamira, nos mostram que as idéias da catadora, mesmo
fragmentadas, são idéias modernas e que Estamira parece viver
em um mundo a parte ao que vivemos hoje, que é o conceito do
pós-moderno, o mundo globalizado e extremamente consumista.
Estamira, pelo que nos mostra o documentário, não tenta se
adaptar á pós-modernidade, ela vive e passa aos outros
rigidamente os conceitos modernos e a partir das cenas
selecionadas mostraremos como isso se faz presente no dia a
dia da catadora.
Cena 1 – De Campo Grande à Gramacho
TC: 00:01:00 – 00:05:31
A cena começa com a imagem da casa de Estamira em
Preto e Branco granulada. A música torna a cena pesada e até
sofrida, assim como o efeito preto e branco granulado. Com
plano detalhe a filmagem vai mostrando objetos encontrados em
seu quintal como garrafa, bule, enfeite em formato de lua
etc. Quando aparece Estamira se aprontando para ir trabalhar.
A cena seguinte mostra Estamira andando em direção ao ponto
de ônibus, pela calçada, ela para e em plano aberto aparece
ela entrando no ônibus. Plano detalhe para as suas feições,
até que aparece uma placa escrita “Gramacho, ultima saída”.
Logo Estamira ainda dentro do ônibus, de pé e depois fora do
ônibus, passa embaixo de duas placas: uma escrita “Comlurb” e
a outra “Aterro metropolitando de Gramacho” que inviabiliza
demais carros a seguirem em frente.
Estamira caminha pela estrada que dá acesso ao lixão
passando por vários caminhões de lixo. São usados vários
tipos de planos para mostrar a caminhada da protagonista em
aproximadamente um minuto e cinqüenta de filme. Até que ela
chega ao lixão, troca a sua roupa e fecha a cena com plano
aberto em Estamira e o lixão de pano de fundo. Logo em
seguida, vários sacos de lixo voando em um céu azul (a cena
já é colorida) e o nome do filme, Estamira.
O autor do documentário, com as cenas em preto e
branco nos faz pensar em uma Estamira sofrida, cujas imagens
dos objetos no quintal poderiam representar seus sonhos, ou o
sonho de querer adquirir bens materiais (enfeites, uma casa
nova – quando mostra seu barraco – etc). Logo em seguida,
quando a personagem esta indo para o ponto de ônibus, o
granulado da cena parece fazer com que ela se movimente
devagar, dando a mesma impressão de solidão, esgotamento,
cansaço do trabalho, já que a personagem já é uma senhora
idosa. Os diferentes planos que são mostrados Estamira
caminhando após passar a placa do aterro Santitário, faz com
que a caminhada seja longa, cansativa e como falamos
anteriormente, pesada
Passa ao receptor uma sensação de insatisfação em
fazer aquilo mais um dia (as imagens granuladas, que fazem
com que os passos sejam mais lentos), porém há a necessidade
de se ter, de estar encaixado na sociedade que a pessoa nunca
para de trabalhar, que é a linguagem pós-moderna. Então a
linguagem documental nesta cena nos faz identificar que há
uma necessidade e uma insatisfação no mundo de Estamira. A
placa do aterro sanitário de gramacho com a sinalização para
carros não seguirem em frente, dá a impressão de um beco sem
saída, como se pra personagem, trabalhar ali representasse
exatamente isso...a única saída que ela tem, o não poder
seguir em frente. Quando ela termina com a cena colorida das
sacolas no lixão voando, é como se tirasse um peso da cena,
um peso da personagem sem nem ao menos mostrá-la. O colorido
mostra para o receptor que ainda vem mais coisa, Estamira não
é aquele peso, aquele sofrimento ou a “calmaria” do silêncio
da cena. Mas quem seria Estamira?
Cena 2 – Estamira fala de Deus
TC: 00:48:45 – 00:51:18
A cena começa com plano detalhe na personagem e ela
começa a falar de Deus. Cena é colorida dessa vez e ela
começa falando: “Trocadilho, safado, canalha, assaltante de
poder, manjado e desmascarado...” e cospe no chão. Logo em
seguida um close mostra a personagem extremamente alterada em
close, a câmera sempre parada, e ela fala: “Me trata como eu
trato, que eu te trato, me trata com o teu trato que eu te
devolvo o teu trato. E faço questão de devolver em
triplo...Onde já se viu uma coisa dessa, a pessoa não pode
nem andar na rua onde mora, nem trabalhar em casa, nem
trabalhar em lugar nenhum. Que Deus é esse, que Jesus é esse?
Que só fala em guerra...não é ele que é o próprio trocadilho,
só pra otário, esperto ao contrário”. Mostra ela com a bíblia
na mão, corta e volta ao com a câmera para o rosto dela e ela
está dizendo: “quem já teve medo de dizer a verdade largou de
morrer, quem anda com Deus noite e dia, dia e noite na boca,
largou de morrer, quem fez o que ele mandou, o que a
quadrilha dele manda, largou de morrer, largou de passar
fome, largou de miséria?”
Alterada, senta no sofá e pega um pedaço de pau,
batendo no chão e fala: “...Não adianta, nada nem ninguém vai
mudar meu ser...Eu sou Estamira, aqui, ali, lá, no inferno,
no céu, no caralho...onde for...antes de eu nascer eu já
sabia disso tudo, antes de eu ser carne e sangue...eu sou
Estamira, sou a beira do mundo, estou aqui, lá, cá, e todos
dependem de mim...todos...”
O sujeito pós-moderno se comporta religiosamente em
busca de algo a que se apegar, algo que faça com que ele ache
que está sempre protegido e que quando o turbilhão passar, no
caso a vida, ele vai estar no paraíso. Então ele procura as
religiões para que isso seja a sua base, diferente da
modernidade, quando a ciência ganhou maior importância diante
do que não se via.
A personagem age de forma moderna, quando cita as
religiões, não aceita de forma alguma o fanatismo, indo
contra o pensamento de seu filho mais velho, que é
evangélico. Segundo ele, devemos temer a Deus, e Estamira em
tempo nenhum se põe nessa posição de temente a Deus ou a
Jesus Cristo, muito pelo contrário ela se põe tão poderosa
como eles, como se viesse do mesmo lugar que eles. Sempre foi
ela para fazer tudo dentro de casa. Inclusive criar os filhos
sozinha, sem ajuda de ninguém, e por ter passado por muitas
intempéries no meio do caminho quando ainda acreditava em
Deus, ou em religião, hoje o seu discurso é que nunca deixou
de passar por nada por acreditar em Deus, e que ninguém,
assim como ela, mesmo sendo Estamira, vai deixar de morrer
por acreditar em Deus.
Cena 3 – Os médicos para Estamira
TC: 00:61:24 – 00:67:17
Estamira chega até o Centro de Apoio Psicossocial José
Miller, em Nova Iguaçu, no qual faz seu tratamento e pega
seus remédios. A cena é novamente em preto e branco, ela
caminha, chega até o centro, entra. É atendida, pega seus
remédios e sai. Nesse tempo em Off, a personagem fala: “...A
doutora me perguntou se eu ainda estava escutando as vozes
que eu escutava...E eu escuto e as vezes fico me perguntando,
como é que eu sou lúcida. Estamira sem carne, invisível, vê e
sente as coisas tudinho...”
Corta a cena e Estamira já esta em casa, em seu
quarto. A cena é colorida. Ela ri de si mesma e diz: “A
doutora passou remédio pra raiva...” e logo desabafa: “...eu
fiquei muito triste e ainda ela disse que Deus a livrasse
disso. Disse que tinha que voltar em 40 dias.” Nesta hora
mostra o cartão de marcação de consulta do centro. E
completa: “... Eu gosto dela, quero bem a ela, mas ela é
copiadora, eles estão fazendo sabe o que?...dopando...quem
quer que seja com um só remédio...se fez bem, pára, dá um
tempo, se fez mal, vai lá, reclama. Como eu fui três vezes,
na quarta vez que fui atendida...não quero o mal deles
não...eles tão copiando, o tal de Diazepan então, se eu beber
o tal do Diazepan, eu fico mais louca. Como é que eu vou
ficar indo lá, todo dia, toda hora, todo mês tomando o mesmo
remédio....eu ia devolver a ela...quem sabe sou eu, quem sabe
é o cliente, fica se viciando, se dopando.” Ainda mais
alterada, ela fala que ia devolver o remédio e que alguém
pode precisar. Mostra os remédios e diz que esses remédios
são da quadrilha, que os remédios são dopantes. E corta a
cena.
Estamira nunca pensa só em si. Além dela achar que os
remédios são dopantes, como ela mesma diz, ela diz que não
servem pra ela e que ela esta pegando uma medicação dada pelo
governo que outra pessoa pode precisar, quando mostra a
cicatriz em suas costas, diz que não precisou de remédio, e
que devolveu, para que outra pessoa que precisasse usasse.
Faz criticas ao sistema, não à profissional que atende ela,
ela diz que hoje todo mundo só aprende a copiar, que médica
mal pergunta como ela se sente, apenas receita novamente o
que já havia receitado antes. Além de achar que o sistema a
quer dopada, como se ela, ou outros, estando dopados, não
podem reclamar ou correr atrás dos seus direitos. O
atendimento é rápido e isso aborrece mais ainda Estamira e
além de ser uma crítica da personagem, ao mostrar as cenas no
documentário, acaba se tornando uma crítica também do
documentarista.
Cena 4 – A visão de Estamira sobre o trabalho
TC: 01:18:35 – 01:20:50
A cena é colorida e começa no lixão a noite. A imagem
mostra o fogo que sai dos galões para iluminar e as luzes por
detrás do fogo. Ainda a noite continuam chegando caminhões de
lixo. Os catadores improvisam lanternas para enxergar o lixo
que chega e fazer a seleção. E em off a voz de Estamira
dizendo: “Isto aqui é um disfarce, disfarce de escravo
disfarçado de liberto...olha a Isabel, ela soltou eles né e
não deu emprego pros escravos, passam fome, comem qualquer
coisa, igual a animais, não tem educação...então é muito
triste...” Logo a cena fica preto e braço e a marcação
temporal mostra na tela que é Natal do ano de 2001. Mostra o
lixão, o fogo, parecendo já ser de dia e os trabalhadores
alguns fazendo a seleção do lixo, outros sentados e em Off
Estamira fala: “foi combinado: alimentai-vos o corpo com o
suor do próprio rosto, sacrifício é uma coisa, trabalhar é
outra...absoluto, eu, Estamira que te digo...trabalhar...não
sacrificar.” Corta a cena.
Apesar dos dados coletados sobre Estamira nos
apresentarem uma Estamira semi-analfabeta, a mesma tem
conhecimento sobre história, quando fala da escravidão e que
ainda somos escravos, fala da princesa Isabel com propriedade
continua a criticar o sistema.
Cena 5 – Estamira na praia
TC: 01:47:35 – 01:53:50
A ultima cena do documentário é como a primeira: em
preto e branco granulado e mostrando Estamira em frente ao
mar. O mar está batendo forte e Estamira pára e conversa com
o mar, ou pelo menos gesticula em direção a ele. Ela diz, em
off, que nasceu assim, e que não vai mudar seu ser. Não gosta
de erros, suspeita, humilhação ou perversidade. Ela senta e
desprende o cabelo, logo para em direção ao mar e molha os
pés, até que ajoelha-se e se entrega às ondas do mar, pedindo
para não empurrar ela e nem puxar. A cena já não é tão pesada
como a primeira, tão sofrida. Ela ri, brinca com as ondas e
diz: “eu nunca tive sorte, a única sorte que eu tive foi de
conhecer o Sr Jardim Gramacho que eu amo, adoro, como eu amo
meus filhos, meu amigos...”. Conversa com suas filhas
marítimas e diz que não pode ir ainda. Em frente ao mar
revolto e gesticulando ela passa para nós uma serenidade.
Como se fosse um momento de reflexão e conclui: “Tudo o que é
imaginário, tem, existe e é...”. Com isso o autor nos mostra
que num momento de reflexão, Estamira parece nos pedir pra
não parar de sonhar, para não perdermos a esperança, que o
que pode parecer utopia, pode um dia realmente existir e nos
surpreender.
Conclusão
Segundo a visão apresentada por Marcos Prado, Estamira
vive em um mundo pós-moderno, com conceitos modernos, porém
fragmentada como o sujeito pós-moderno. O modo como lida com
as idéias da pós-modernidade, chega a ser de alguma forma
radical, quando seu estouro faz com que as pessoas silenciem
e atribuam aquelas idéias à esquizofrenia. Defende á unhas e
dentes seus conceitos familiares, religiosos, relacionados à
saúde pública, sociais e principalmente os princípios do
trabalho e do trabalhador. Não aceita de forma alguma que a
pessoa se mate de trabalhar para sobreviver, porém tem o
lixão de Gramacho não só como seu trabalho, mas como extensão
de sua casa, de onde não tira apenas o dinheiro para sua
sobrevivência, mas tudo o que existe em sua casa, “seu
castelo”, como ela fala, inclusive o alimento (compotas e
conservantes), o que só faria quem precisa sobreviver. Não
gosta de tratar o aterro sanitário como lixão, pois diz que
foi a melhor coisa que aconteceu na vida dela. Cita a
importância de se economizar as coisas e não se jogar tudo
fora, não trata as coisas como descartáveis, assim como as
pessoas. Diz que no lixo não existe só resto, mas também
descuido. Seria então Estamira o descuido da sociedade pós-
moderna, que deixou de lado os que não lhe poderiam
representar com a globalização em outros lugares do mundo?
Seria Estamira, na visão de Marcos Prado, o descuido de uma
sociedade que se preocupa em estar em vários lugares ao mesmo
tempo e olhando para si mesmo sempre, competitivamente,
enquanto há pessoas que não precisam competir com nada e
acabam ficando pra traz.
Através das câmeras ela fala sobre escravidão, quando
fala dos trabalhadores de hoje em dia, que ninguém é liberto,
que ainda somos escravos. O que nos faz parar para pensar que
não temos mais horas de trabalho, trabalhamos a qualquer hora
do dia, de manhã, de tarde e de noite se quisermos ter uma
vida digna, segundo parâmetros de nossa sociedade
contemporânea.
O filme mostra que sua relação com a religião não é a
das melhores, não aceita que as religiões escravizem as
pessoas e seu modo de pensar, e depois de tudo o que
aconteceu em sua vida, seu discurso é que Deus existe, mas
ninguém deixa de passar o que tem que passar por fazer o que
Deus quer. Antes de dar sinais de sua doença, era uma pessoa
extremamente religiosa e depois de passar por muitas coisas
ruins e já dando sinais da doença, não aceita mais a religião
como antes, muito menos o Deus que as pessoas acreditam.
Prado mostra através de Estamira que hoje em dia
ninguém aprende nada, os médicos e as crianças apenas copiam,
e que a falta de tempo que o mundo pós-moderno nos impõe nos
faz não prestar atenção ao que nos é apresentado, pois não
temos como perder tempo, principalmente com o outro.
É como se ela (através da visão do fotógrafo) fosse o
resto da sociedade pós-moderna, o lixo, o que sobra da
sociedade, assim como o que restou da modernidade na
contemporaneidade. Ninguém se importa, ninguém quer saber,
ninguém se preocupa em ouvir. A idéia dela é outra, quando
fala que todos os homens têm que ser iguais, uma visão de que
ela sabe o que acontece, e ela vê o que acontece com os
outros, que por isso que cuida tão bem de seus amigos do
lixão, porque pra ela aquilo é ouro, mas acha que eles
mereciam ter uma vida melhor. Porém, assim como Estamira,
acabam se tornando invisíveis perante a sociedade e sem voz
ativa, pois se são invisíveis não são ouvidos também, porém
ela fala e grita e pra quem quiser e pra quem não quiser
ouvir, pois ela é Estamira.
Prado aponta seus momentos de loucura, como quando ela
parece falar em outras línguas inexistentes ou desconhecidas,
ou quando ela parece falar com alguém são acobertados,
esquecidos, por conta de suas frases de efeito que parecem
vir de uma pessoa completamente lúcida, politizada e com o
vocabulário vasto. Pergunta-se se uma pessoa na situação
dela, no mundo de hoje, teria a auto estima que ela tem? Pelo
o que o autor do documentário nos mostra, não pelo trabalho
com o lixo, já que vemos por aí muitas pessoas que trabalham
com reciclagem, mas de se sentir parte dele (e já que ela não
gosta de chamar o lixo de lixo), não vendo como um trabalho
degradante e literalmente sujo.
O autor do documentário mostra que Estamira é uma
guerreira, que leva a vida como todos deveriam levar na
opinião de muitos: ser feliz com o que tem, e ela é
extremamente feliz com seu trabalho, com sua família, com sua
casa e com o “sr. Gramacho”, como ela chama o aterro
sanitário. É claro que o ideal é termos o suficiente e pra
Estamira, o que ela vive é o suficiente, como se fosse uma
rainha e o “sr. Gramacho” o seu reino, seu castelo construído
com base no seu reinado de trabalho e luta. Existe uma troca
mútua entre Estamira e o sr. Gramacho, onde o sr. Gramacho
ajuda a Estamira e seus companheiros a sobreviver, e eles o
são gratos por isso e Estamira ajuda o sr Gramacho com a
reciclagem.
A visão do autor nos prova que apesar de muitas
lembranças ruins, nada disso fazia parte do cotidiano de
Estamira, ela havia dado a volta por cima, da maneira dela,
do jeito que a faz feliz, mas sacudiu a poeira e deu a volta
por cima. E que bom que alguém deu a ela o direito de falar,
de revelar essa verdade que tanto assombra a nós, a verdade
de que, sim, em um mundo globalizado, descentralizado no
sentido que podemos estar em qualquer lugar a qualquer hora e
de tecnologias existam Estamiras, exista alguém que pode
viver sem um computador, sem um Iphone, sem nem mesmo
telefone e assim mesmo se achar a pessoa mais rica do mundo.
Que bom que exista alguém que tenha dado voz a Estamira, já
que nós mesmos nem imaginávamos que alguém que pudesse
trabalhar em Gramacho tivesse algo a dizer. E que fizesse
tanta gente pensar, em meio as imagens de detritos na tevê.
Segundo o filme, ainda devem existir muitas Estamiras,
com muitas “verdades” a dizer e com muita felicidade a
transbordar, nesse mundo em que nós vivemos, onde vale mais o
que está na vitrine de um shopping ao ser humano que se torna
o lixo da sociedade e invisibilizado por nós mesmos. Nós que
tentamos nos adaptar a qualquer custo ás formas de vivencias
da pós modernidade, enquanto pessoas como Estamira
simplesmente vivem, sem precisar competir umas com as outra e
nem mudar para serem aceitas por um grupo, ou por qualquer
pessoa.
O filme nos mostra, comparando as linhas estudadas no
capítulo um deste trabalho acadêmico (Flaherty, Vertov e
Grierson) à Estamira que o filme nada mais é do que o que
Vertov fez na construção do cine-olho, além de usar o conceito
de cinema verdade.
E no final, segundo reportagens da época comparado ao
que o autor nos fez acreditar sobre a personagem, Estamira
morreu como qualquer marginalizado, como qualquer excluído ou
como qualquer pessoa que tente se adaptar ao mundo pós
moderno e não tem poder aquisitivo pra isso: morreu no
corredor de um hospital público, onde a única pessoa que
estava com ela na hora era seu filho. A vida, as palavras, o
modo de viver e aceitar suas condições e falar o que pensa
diante de quem fosse era o diferenciava a personagem dos
outros “vagabundos” (como diria Bauman), porém seu fim, foi
igual ao de uma pessoa qualquer, e sua história, eu tenho
certeza, que fez a diferença na vida de muitos que a
assistiram na telinha, e graças a Marcos Prado, que teve a
honra de revelar a sua verdade para nós.
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