Gabarito para Monografia

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICA DE SANTA CATARINA EM JARAGUÁ DO SUL CURSO DE DIREITO PESQUISA EM CIÊNCIA JURÍDICA (TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO) ANDYARA BATISTA MOREIRA IMPUTABILIDADE DOS ASSASSINOS EM SÉRIE PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS COM BASE NA ANÁLISE CRIMINOLÓGICA COMPORTAMENTAL JARAGUÁ DO SUL 2015

Transcript of Gabarito para Monografia

CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICA DE SANTA CATARINA EM JARAGUÁ DO SUL

CURSO DE DIREITO PESQUISA EM CIÊNCIA JURÍDICA (TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO)

ANDYARA BATISTA MOREIRA

IMPUTABILIDADE DOS ASSASSINOS EM SÉRIE PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS COM BASE NA ANÁLISE CRIMINOLÓGICA

COMPORTAMENTAL

JARAGUÁ DO SUL 2015

ANDYARA BATISTA MOREIRA

IMPUTABILIDADE DOS ASSASSINOS EM SÉRIE PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS COM BASE NA ANÁLISE CRIMINOLÓGICA

COMPORTAMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Pesquisa em Ciência Jurídica – Trabalho de Conclusão de Curso e obtenção do grau de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário – Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul (SC) Orientador: Prof. Esp. Diego Augusto Bayer

JARAGUÁ DO SUL 2015

ANDYARA BATISTA MOREIRA

IMPUTABILIDADE DOS ASSASSINOS EM SÉRIE PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS COM BASE NA ANÁLISE CRIMINOLÓGICA

COMPORTAMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado com nota ___ apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Pesquisa em Ciência Jurídica – Trabalho de Conclusão de Curso e obtenção do grau de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário – Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul (SC), julgado pela Banca Examinadora formada pelos professores:

_________________________________ Membro: Prof. MSc. Daniel de Mello Massimino, Centro Universitário – Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul _________________________________ Presidente: Prof. Esp. Diego Augusto Bayer – Orientador, Centro Universitário – Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul _________________________________ Membro: Jaraguá do Sul, ___ de _______ de 2015.

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, Waldemiro Batista Moreira, in memorian, que me ensinou o valor do

estudo, fazendo-se presente a todo momento através de seus ensinamentos,

símbolo de coragem, determinação e honestidade.

A minha mãe, Renate Ikier Moreira, pelo amor, incentivo, apoio incondicional e

renúncias, às quais jamais poderei retribuir na mesma intensidade.

A minha família, alicerce da vida.

Ao meu namorado, que sempre esteve ao meu lado no decorrer desta caminhada.

Ao meu orientador, que dividiu seus conhecimentos, tornando possível esta

conquista.

A todos os meus amigos, que direta ou indiretamente me impulsionaram na direção

do caminho escolhido e do qual pretendo honrar.

O escorpião aproximou-se do sapo que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem. Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno e eu vou morrer.” Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar. Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme. Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente: - Porque essa é a minha natureza! (Fábula, citada por SILVA, 2008, p. 15)

RESUMO

Criminosos estão presentes em todas as sociedades e inegavelmente durante toda a história da humanidade, tenham sido as suas condutas tipificadas ou não. Em especial atenção aos assassinos em série, que geram polêmicas e medos originados de dúvidas que poucos se atrevem a questionar. Esclarece, contudo, que a tentativa em negar suas existências no meio ao qual vivemos não faz com que tais assassinos desapareçam, podendo estar o mais próximo imaginável, sem se fazerem notar. O estudo e compreensão da criminologia auxilia à desvendar tais criminosos e é neste ponto que a presente pesquisa vai embasar-se, em um contexto aplicado ao assassino em série e suas vítimas, bem como ao seu convívio social. Desta forma, trazendo para o campo de conhecimento, aspectos psicológicos e psiquiátricos em relação ao que pode estar diretamente relacionado aos comportamentos tidos como cruéis que tais agentes praticam. Será apresentada uma conceituação sobre o campo da criminologia, do que vem a ser a figura jurídica de um assassino em série, de transtornos mentais dos quais podem os mesmos ser portadores, quais sejam, psicoses e psicopatia, bem como os reflexos na imputabilidade destes agentes criminosos, levando-se em consideração a legislação penal vigente e aplicável. PALAVRAS CHAVES: Criminologia; Assassinos em série; Transtornos Mentais; Imputabilidade.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ampl. ampliada

atual. atualizada

CF Constituição Federal

CP Código Penal Brasileiro

CPP Código de Processo Penal

ed. edição

FBI Agência Federal de Investigação

LEP Lei de Execução Penal

LICP Lei de Introdução ao Código Penal

MP Ministério Público

p. página

PIPC Projeto de Investigação da Personalidade Criminal

rev. revisada

ver. verificada

vol. volume

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Incidente de Insanidade Mental ............................................................. 63

Quadro 01 – Das penas privativas de liberdade........................................................ 68

Quadro 02 – Classificação dos assassinos em série segundo sua motivação ......... 79

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2 CRIMINOLOGIA .................................................................................................... 15

2.1 CONCEITO ......................................................................................................... 15

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA .................................................................................... 16

2.2.1 Escola Clássica .............................................................................................. 18

2.2.2 Escola Cartográfica ou Estatística Moral ..................................................... 21

2.2.3 Escola Positiva ............................................................................................... 23

2.2.4 Escola Técnico-Jurídica ou Neoclássica ..................................................... 28

2.3 CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA EMPÍRICA E INTERDISCIPLINAR .............. 31

2.4 MODERNA CRIMINOLOGIA ............................................................................... 34

2.4.1 Do delito .......................................................................................................... 36

2.4.2 Do delinquente ............................................................................................... 39

2.4.3 Da vítima ......................................................................................................... 42

2.4.4 Do controle Social .......................................................................................... 45

3 CULPABILIDADE .................................................................................................. 50

3.1 IMPUTABILIDADE .............................................................................................. 53

3.1.1 Inimputabilidade ............................................................................................. 54

3.1.2 Semi-imputabilidade ...................................................................................... 58

3.2 INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL ............................................................. 60

3.3 SANÇÕES ........................................................................................................... 63

3.3.1 Das penas ...................................................................................................... 64

3.3.2 Das medidas de Segurança ........................................................................... 71

4 ASSASSINOS ........................................................................................................ 76

4.1 ASSASSINOS EM SÉRIE – “SERIAL-KILLERS” ............................................... 77

4.1.1 Concurso de crimes ...................................................................................... 80

5 TRANSTORNOS MENTAIS ................................................................................... 82

5.1 PSICOSE ........................................................................................................... 84

5.1.1 Esquizofrenia .................................................................................................. 85

5.1.2 Paranoia .......................................................................................................... 89

5.1.3 Melancolia – maníaco depressiva ou transtorno bipolar ............................ 93

5.2 PSICOPATIA OU PERSONALIDADE ANTISSOCIAL ....................................... 96

6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 103

7 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 106

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1 INTRODUÇÃO

O tema em estudo, objeto da presente pesquisa, tem por foco o assassino

em série e todos os contornos que envolvem a questão no ordenamento jurídico

penal brasileiro, em especial ressalta-se o problema de pesquisa, qual seja, busca-

se identificar se os assassinos em série são considerados imputáveis, semi-

imputáveis ou inimputáveis e em segundo momento questiona-se sobre a sanção

adequada a ser aplicada ao referido agente delituoso.

A pesquisa apresenta ainda duas hipóteses previamente formuladas, a

primeira afirmando que em razão dos transtornos mentais dos quais os assassinos

em série são portadores, tem-se que os mesmos tornam-se inimputáveis ou semi-

imputáveis, não podendo desta forma ser-lhes aplicado qualquer tipo de pena,

apenas medidas de segurança.

Ainda, em complemento, pode-se verificar que tais preceitos legislativos

penais não vêm sendo aplicados quando do julgamento de referidos indivíduos,

fundamentando tal hipótese na defasagem do judiciário em identificar tais

transtornos e orientar o julgamento em relação à estes

Assim sendo, para que possa-se chegar à um consenso sobre o problema

proposto, bem como, verificar as hipóteses apresentadas, será abordado os

transtornos mentais que tais indivíduos podem ser portadores, objetivando

compreender o comportamento dos mesmos e seus motivos, explanando sobre a

imputabilidade e a sanção penal mais adequada à ser aplicada diante do caso

concreto.

Referida pesquisa se faz de extrema importância, primeiramente em razão

de tratar-se de fatos concretos e que causam muitas especulações e explicações

rasas, sem o emprego de todo o conhecimento que a questão necessita, para isto

busca-se um aprofundamento no entorno da indagação.

Será analisado o campo da criminologia de modo aprofundado, desde um

contexto histórico sobre sua evolução até a moderna criminologia, para assim

delimitar os parâmetros auxiliares à posterior conceituação de assassino em série,

buscando ainda, a compreensão de seu comportamento, para tanto como advém da

própria ciência apresentada, será analisado o crime, o agente criminoso, as vítimas

e o controle social, em um conteúdo necessário para fornecer a base do estudo, que

ultrapassa o campo individual, tornando-se um tema social.

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O estudo da criminologia irá trazer para dentro do trabalho uma

compreensão mais ampla e profunda do enredo, servindo como alicerces na

construção do pensamento objetivado, sendo através desta ciência que se analisa o

que encontra-se além do simples delito como disposto no texto legal, faz a

introdução à própria compreensão do crime, pois, para entender a figura do

assassino em série é de suma importância averiguar que isto envolve questões mais

complexas das limitadas apresentadas em lei, em um conceito meramente formal,

necessário entender a própria figura do assassino, do agente criminoso, não como

um delinquente que basta a si mesmo, mas aceitar que transcende reflexos do seu

ser em relação às suas condutas e consequentemente às suas vítimas.

De forma complementar, respectiva ciência irá ajudar à assimilar tudo o que

envolve o tema, fazendo uma decomposição de todos os fatos e individualizações

que constituem a relação de um agente criminoso e, consequentemente, de um

assassino em série.

Ademais, será apresentado o quesito social, este apresentado em uma

forma de controle destes implacáveis delitos, em outras palavras, o estudo vai trazer

a análise do crime, do agente criminoso e de suas vítimas, bem como o controle em

análise do comportamento, para após, vencido estes primeiros aprofundamentos

quanto à moderna criminologia, ser elucidado o integral conceito de assassino em

série, ou seja, sua totalidade, na busca incansável de obstar tais acontecimentos

cruéis que abarcam e aterrorizam a sociedade, com nuances que beiram ao

inimaginável.

Adiante será analisado sobre a imputabilidade e suas consequências, em

uma compreensão jurídica, pois, tais conhecimentos em momento oportuno serão

aplicados diretamente aos assassinos em série.

Ultrapassado este indispensável pilar que sustentará toda a pesquisa, e

pode-se dizer que mais voltado aos conhecimentos criminais de modo específico,

adentra-se posteriormente em um campo diverso, mas complementar, direcionado

especialmente aos assassinos em série, para isto, deixa o estudo de amparar-se

unicamente na visão jurídica, para socorrer-se à psicologia e psiquiatria, pois,

necessária se faz a explanação sobre os transtornos mentais que tais agentes

podem e são portadores e que os condicionam em níveis diferenciados nas suas

ações, podendo citar de antemão as psicoses e a psicopatia.

A mente humana é ainda um grande enigma, porém, há estudos que tentam

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na medida de suas limitações explicar alguns de seus mistérios, entre estes os

transtornos ou simplesmente, conforme alguns brilhantes estudiosos, como sendo

comportamentos anormais.

Os assassinos em série, quando analisados individualmente, percebe-se

que apresentam comportamentos e atitudes que assemelham-se com outros no

mesmo grupo, podendo desta forma ser diagnosticado com algum tipo de transtorno

específico, ou em alguns casos a junção de alguns deles, a pesquisa irá trazer em

questão os principais e rotineiramente apresentados por tais criminosos, não

esgotando a gama, porém, apresentando sustentáculo inicial para a total

compreensão.

Neste contexto, trazendo características sobre os aspectos que englobam

tais transtornos, suas principais peculiaridades e o modo que podem os mesmos

desencadear o cometimento de crimes bárbaros como o assassinato, em acréscimo

destes serem em série, ou seja, não limitam-se à um único episódio de horror.

Não que o diagnóstico por si só retire a capacidade do criminoso em

manifestar-se em relação aos seus atos, mas deve ser levado em consideração

quando do questionamento sobre a imputabilidade e suas formas, neste sentido o

estudo pretende fazer um embasamento sobre a gravidade de tais transtornos em

relação à influência que exerce sobre o indivíduo, com exploração do que vêm

sendo aceito no meio jurídico.

Introduzem-se a partir deste momento o início da conclusão almejada, pois

somente com o conhecimento do cenário geral que envolve o mundo do assassino

em série, seja no aspecto criminológico ou na área psíquica, que pode-se passar a

justapor os comandos legais aplicáveis, definindo assim a pena a ser estipulada ou

as medidas de segurança que se fizerem mais apropriadas ao caso, lembrando-se

neste ponto que tudo deve ser analisado subjetivamente para compreensão e

conclusão satisfatória do assunto estudado, pois, só pode realmente ser aplicado

objetivamente diante do caso concreto e de exames mais detalhados e precisos,

levando-se em consideração a individualização de cada ser humano quando em

relação da aplicação da sanção correspondente.

Desta forma, o estudo vai traçar parâmetros e encontrar o meio mais eficaz

de ser a tutela estatal prestada em conformidade com princípios gerais de direito e

precisamente do direito penal, como persegue o real sentido do significado de

justiça.

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Por fim, como última análise, o estudo trará entrelaçado aos seus

ensinamentos casos concretos de assassinos em série que abalaram todo o mundo,

e dos quais muitos ainda guardam mistérios indesvendáveis, assombram a mente

até dos mais céticos, servindo de enredo para filmes e livros, tentando na medida do

possível fazer a aplicação dos conhecimentos adquiridos no decorrer de toda a

pesquisa para sucintamente tentar esclarecer sobre um ponto de vista mais firme,

distante da visão mediana que deve-se abandonar para aprimoramento da questão.

Para o desenrolar eficaz do fim pretendido, será utilizado no

desenvolvimento da pesquisa o critério metodológico hipotético-dedutivo, por

mostrar-se o mais adequado, desta forma, levando-se em consideração a temática

definida e a busca pelo objeto almejado, qual seja, a indagação se pode o assassino

em série ser considerado imputável, semi-imputável ou inimputável para fins de

aplicação de sanções penais adequadas, entre as quais, medida de segurança ou

pena.

Nestes termos, se desenvolverá o estudo pretendido em relação aos

assassinos em série, envolvendo inevitavelmente campos distintos, mas que

complementam-se em uma sequência lógica, pois, só assim permite-se visualizar o

emaranhado de ideias que formam um total harmônico, podendo a partir deste

ensejo responder de maneira fundamentada os dilemas que objetivam a presente

busca de saber.

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2 CRIMINOLOGIA

2.1 CONCEITO

A princípio, para que o estudo se desenvolva da maneira mais adequada

possível, necessário se faz a conceituação da ciência jurídica que embasa todo o

âmbito no qual insere-se a pesquisa sobre assassinos em série, qual seja, a

criminologia e seus detalhes.

Utiliza-se para tanto de conceitos doutrinários gerais, para uma primária

visão sobre o todo, sendo que em momento oportuno será tecido melhores

classificações em relação às suas diversas peculiaridades, pois, não pode-se

esquecer que a questão de assassinos em série é mais profunda e complexa do que

possa o próprio significado contido na expressão induzir e transmitir, sendo

necessário o agrupamento de informações relacionadas para formar um conjunto

simétrico e satisfatório.

Todavia, neste primeiro contato com a ciência, adequado se faz as cativas

palavras de Molina e Gomes (2010, vol. 5, p. 34), autores estes que são

considerados um marco histórico, e no fragmento adiante exibido trazem de maneira

clara a nova roupagem da criminologia:

Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma formulação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplando este como problema individual e como problema social -, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva do homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito.

Ressalta-se ainda, que o conceito supra citado faz referência a uma visão

mais moderna desta ciência, pois, conforme verifica-se claramente, traz o estudo à

quatro principais quesitos que a englobam, quais sejam, o crime, o criminoso, a

vítima e o controle social, sendo este o conceito mais adequado e pertinente para

explanar sobre assassinatos em série, examinando perspectivas diversas para um

desenlace preciso.

Entretanto, o conceito de criminologia apesar de ter adquirido moldura

moderna representada por tais palavras, advém de outrora, pois a origem desta

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ciência esteve presente desde os primórdios das sociedades, com pensamentos

relacionados que foram aprimorando-se e tornando-se efetivamente um campo de

estudo científico, preocupou-se assim em oferecer a devida dedicação ao crime e

sua compreensão, tentar conhecê-lo na sua raiz, pois, somente a partir deste ponto

poderia ser alcançado o intento da prevenção mais adequada, sendo inegável o

fascínio que tal conteúdo incorpora nos seres humanos, fazendo com que muitos

dediquem-se intensamente aos seus saberes.

Destarte, nada de anormal se verifica no fato de que durante a história vários

conceitos de criminologia foram propostos, em decorrência da maneira como era

observada pelos estudiosos em relação ao paradigma orientador, reflexo da cultura

apresentada na linha temporal.

Para melhor elucidação do aqui exposto, seguem alguns esclarecimentos

destes conceitos dispersos pela história, Bissoli Filho (1998, p. 52), sintetiza os

mesmos de maneira sublime:

Enquanto através do paradigma tradicional (etiológico) procura-se explicar as causas da criminalidade e indicar meios de combate-las (em especial através da pena), no paradigma da reação social (o novo paradigma) procura-se investigar a “reação social”, ou seja, a ação do sistema penal em face à criminalidade. Assim, as categorias crime, homem criminoso e pena, das Ciências Criminais tradicionais, passam a ser estudadas sob uma nova ótica, não mais nas suas “causas” (paradigma etiológico), mas sim como resultado da reação (definição e seleção), ensejada pelo próprio sistema penal, que, no novo paradigma, converte-se em objeto.

Ou seja, conforme já pontuado, o conceito de criminologia sofreu muitas

alterações desde o seu surgimento, sendo trazido esta curiosidade ao presente

estudo por mero saber, pois, como o objetivo principal é o aprendizado dos

assassinos em série e não da ciência criminal em si, utiliza-se para conduzir ao

objetivo, com base nos ditames apresentados, a percepção moderna desta ciência,

por se enquadrar melhor ao fim desejado.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A busca por compreensão do crime está presente na realidade das

civilizações humanas e assim sempre o esteve, sendo previsível a afirmação de que

a perquirição de conhecimento dentro do campo criminal faz surgir muitas dúvidas,

questionamentos e por que não descrever, necessidade de sabedoria na procura por

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libertação do medo, no desejo implacável de preveni-lo, pois o receio é dissipado

diante do conhecimento.

Desta forma, percebe-se uma evolução histórica lenta sobre o real

reconhecimento da criminologia como ciência, apesar de no campo fático haver

considerações de sempre ter existido, conforme melhor acentua este pensamento o

doutrinador Bernaldo de Quirós (apud MOLINA; GOMES, 2010, vol. 5, p. 166):

Criminologia houve sempre, desde que tem havido crimes...; uma Criminologia, ao menos, incipiente, rudimentar, elementar; tão elementar e obscura, tão pedestre e vulgar como os romances de cego, que sempre tiveram no delito uma de suas favoritas inspirações.

Os juristas portugueses Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade

(apud BISSOLI FILHO, 1998, p. 27-28), vem ao encontro das palavras ditas acima,

explanando sobre o surgimento das ciências criminais:

[...] só aparentemente é curta a história da Criminologia, cujo aparecimento como ‘ciência’ costuma localizar-se há pouco mais de um século. É que a história da Criminologia é a história de um ‘tempo’ enriquecido pela contínua sucessão, alternância ou confluência de métodos, de técnicas de investigação, de áreas de interesse, de envolvimentos teoréticos e ideológicos – em suma, de ‘escolas criminológicas’.

Segue sensatas lições de Calhau (2009, p. 7), ao adentrar no campo histórico

do termo criminologia e o real significado de seu surgimento:

Etimologicamente, Criminologia deriva do latim crimen (crime, delito) e do grego logo (tratado). Foi o antropólogo francês, Paul Topinard (1830-1911), o primeiro a utilizar este termo no ano de 1879. Todavia, o termo só passou a ser aceito internacionalmente com a publicação da obra Criminologia, já no ano de 1885, de Raffaele Garofalo (1851-1934).

Quando fala-se de criminologia e de seu contexto histórico, não pode ser

aceito meios de evitar que adentre-se a uma melhor compreensão sobre sua

evolução lógica, sem que para isto seja necessário utilizar-se das ideias presentes

em suas diversas escolas, ou ao menos as principais, cada qual representada por

doutrinadores e estudiosos brilhantes, fazendo breve explanação sobre cada uma

delas, que consequentemente enriqueceram o desenvolvimento natural do estudo

do crime até o momento atual.

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Outra face que se evidência na doutrina é quanto ao real surgimento da

criminologia como ciência, pois, apesar do aqui já proposto quanto à ideia de ser a

preocupação com o crime muito mais antiga que os marcos doutrinários expressos,

há ainda a divisão da criminologia em dois grandes pontos, assim exemplificado por

Calhau (2009, p. 17):

Uma das classificações históricas da Criminologia divide o seu desenvolvimento em duas fases: período pré-científico e período científico. O período pré-científico abrange desde a Antiguidade, onde encontramos alguns textos esparsos de alguns autores que já demonstravam preocupação com o crime, terminando com o surgimento do trabalho de Beccaria ou de Lombroso [...] A maioria da doutrina aponta o surgimento da fase científica com o trabalho de Cesare Lombroso, mas há autores que acreditam o nascimento da Criminologia a Cesare Beccaria também.

Porém, deixando esta discussão doutrinária para outro momento mais

oportuno, segue o estudo atentando em relação às escolas criminológicas, assim se

colocando Bissoli Filho (1998, p. 29):

As Escolas Penais Clássica, Positiva e Neoclássica ou Técnico-Jurídica marcam o início da sistematização do estudo acerca do crime, do criminoso e da pena. Os diversos aspectos inerentes ao crime, ao criminoso e à pena, são tratados de maneira peculiar por cada uma delas.

Conduzir-se adiante à um apanhado histórico sobre cada uma das principais

escolas que marcaram a compreensão do estudo do crime, fazendo breve síntese

sobre suas ideologias e contribuições significativas, sendo através dos métodos

utilizados ou ainda das descobertas feitas por estes, em respeito aos seus

fundadores que são exaltados até hoje nos meios jurídicos relacionados.

2.2.1. Escola Clássica

A escola clássica é apontada doutrinariamente, de modo pacífico, como

sendo orientada por Cesare Beccaria, principalmente em atenção especial à uma de

suas principais obras, qual seja, “Dos delitos e das penas”, autor que ainda hoje

encontra muitas críticas em seus pensamentos, por serem resultados de uma

determinada época conflituosa doutrinariamente falando, porém, inegável suas

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contribuições valiosíssimas nas cadeiras iniciais de qualquer curso jurídico, ao

adentrar-se no direito penal.

O surgimento de referida escola é bem explanado nas palavras de Ferri

(1998, p. 57), doutrinador renomado quanto ao estudo do direito criminal e, conforme

posteriormente será analisado, também contribui grandemente nesta ciência, o

mesmo coloca:

A Escola Clássica Criminal (filosófica-jurídica – crítico-forense - penitenciária). – Em seguida à generosa e eloquente iniciativa de César Beccaria, nos últimos anos do século XVIII e na primeira metade do século XIX, o estudo teórico da justiça penal – determinou, sobretudo na Itália e depois na Alemanha, França e outros países, a formação de uma grande corrente científica, que em toda a parte se chama “a Escola Clássica Criminal”.

Tendo ainda o mesmo autor (1998, p. 58), quando em comento às

mudanças ocorridas em épocas distintas que refletiram na atuação do Estado,

expõe que, “a Escola Clássica, em seguida à Revolução Francesa, teve uma

orientação político-social em pleno acordo com as reivindicações dos “direitos do

homem”.

Neste liame, com base em um contexto político-social, referida escola

preocupou-se mais no estudo da pena em si, dispensando atenção concentrada à

este aspecto, ou seja, nos limites de punir do Estado, em uma concepção segundo

os ensinamentos de Beccaria, como bem expõe Ferri (1998, p. 58-59), a escola

clássica:

I. Expôs e estabeleceu a razão e os limites do direito de punir por parte do Estado. II. Opôs-se à ferocidade das penas, invocando e obtendo a abolição das penas capitais, corporais e infamantes com uma mitigação geral das penas conservadas (carcerárias, retentivas, pecuniárias, interditórias). III. Reivindicou todas as garantias para o indivíduo, quer durante o processo, que na aplicação da lei punitiva.

Ou seja, referida escola que marca um dos primeiros momentos da

criminologia como ciência, não verifica-se muita correlação com o conceito atual e

suas preocupações, tendo em decorrência do poder soberano do Estado, se voltado

mais em limitá-lo quanto à aplicação de penas ao indivíduo delituoso, expondo sobre

as sanções em si no estudo inicial sobre crimes, sem levar em consideração o

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contexto em que este mesmo crime é desenvolvido, sendo uma visão mais restrita,

mas mesmo assim, de suma validade.

Para melhor exemplificar a ideia central desta época inicial da criminologia

como ciência, utiliza-se das sábias palavras de Molina e Gomes (2010, p. 166),

principalmente em relação à influência iluminista que refletiu durante todo o período

estudado:

A denominada “Criminologia Clássica” assumiu o legado liberal, racionalista e humanista do Iluminismo, especialmente sua orientação jusnaturalista. Deduz os postulados que a caracterizam do jusnaturalismo. Concebe o crime como fato individual, isolado, como mera infração à lei: é a contradição com a norma jurídica que dá sentido ao delito, sem que seja necessária uma referência à personalidade do autor (mero sujeito ativo do fato) ou à sua realidade social, para compreendê-lo. O decisivo é mesmo o fato, não o autor. A determinação sempre justa da lei, igual para todos e acertada é infringida pelo delinquente em uma decisão livre e soberana.

Sendo assim, em decorrência desta corrente jusnaturalista, que influência a

escola clássica da criminologia, o crime era atribuído à livre decisão do agente

criminoso em cometê-lo, sem que fosse levado em consideração os motivos e

causas determinantes do delito, era considerado um fato individual, isolado, onde

adequava-se a conduta ao tipo penal apropriado, apenas isto, neste ponto que

surgem as maiores críticas doutrinárias, pois, não havia um estudo de criminologia

de fato, análise etiológica, e sim do crime como disposto na lei penal e suas

consequentes penas com base em uma lei entendida como justa, menosprezou-se o

autor, pois este livre para agir em razão de sua consciência.

Neste paradigma, ao dispor sobre a escola clássica, vale frisar os

ensinamentos de Andrade (apud BISSOLI FILHO, 1998, p. 32) ao comentar que seu

postulado fundamental:

(...) empreenderá uma vigorosa racionalização do poder punitivo em nome, precisamente, da necessidade de garantir o indivíduo contra toda intervenção estatal arbitrária. Daí porque a denominação de garantismo seja talvez a que melhor espelhe o seu projeto racionalizador.

Os doutrinadores Molina e Gomes (2010, p. 167), apresentam os motivos

que levam a escola clássica à adotar esses postulados como objeto de aplicação em

suas ideias centrais:

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A Escola Clássica teve que enfrentar, antes de tudo, o velho regime, o sistema penal caótico, cruel e arbitrário das monarquias absolutas. Não poderia corresponder a ela, ainda, a missão posterior de investigar as causas do crime para combate-lo. Era mister, primeiro, racionalizar e humanizar o panorama legislativo e o funcionamento de suas instituições, buscando um novo marco, uma nova fundamentação para ele. Como consequência, a Escola Clássica se enfrenta muito tarde com o problema criminal: limita-se a responder ao comportamento delitivo com uma pena justa, proporcionada e útil, mas, não se interessa pela gênese e etiologia daquele nem trata de preveni-lo e antecipar-se ao mesmo.

Com a consequente verificação de que apenas tratar o crime como formado

em si mesmo, sem uma análise mais aprofundada das influências comportamentais

deste, do indivíduo em si e dos controles sociais, a escola clássica foi perdendo

espaço e adquirindo cada vez menos seguidores, tendo assim, a escola positiva

surgido através de uma ponte feita com o auxílio da Escola Cartográfica ou

Estatística Moral, que adiante será melhor conceituada e verificado sua importância

para criminologia, pois, necessário fazia-se ultrapassar aquela visão clássica

limitada.

2.2.2 Escola Cartográfica ou Estatística Moral

Pouco se fala nesta escola, pois, por muitos doutrinários acredita-se que a

consequência história temporal da escola clássica se deu com o surgimento

subsequente da escola positiva, contudo vale a pena fazer um breve embasamento

sobre a escola cartográfica ou estatística moral, conforme aceito e explanado por

alguns estudiosos, podendo ser compreendida como uma baliza para a criminologia

moderna.

Tal como o próprio nome indica, esta escola baseia-se em um diagnóstico

estatístico sobre o crime, não dispensa tanta atenção ao fato, ao crime singular, mas

sim em relação ao seu fenômeno social, adentrando desta forma no seu contexto,

de maneira ainda tímida, mas de considerável relevância para o aprimoramento

desta ciência.

Para melhor esclarecer essas palavras, apoia-se novamente nos

ensinamentos de Molina e Gomes (2010, p. 169), pois, conforme já exposto

anteriormente, são poucos os doutrinadores que admitem a existência de tal escola

no campo criminológico, alguns simplesmente negando sua existência e outros

22

encaixando-a em outras escolas de maior reconhecimento, porém, para o presente

trabalho preferiu-se trata-la em separado:

Especial interesse possui a chamada Estatística Moral ou escola Cartográfica, cujos principais representantes são Quetelet (1796-1874), Guerry (1802-1866), V. Mair, Fregier e Maygew, genuínos precursores do positivismo sociológico e do método estatístico, que criam a concepção do delito como fenômeno coletivo e fato social – regular e normal -, regido por leis naturais, como qualquer outro acontecimento, e que deve ser submetido a uma análise quantitativa.

Tais métodos apresentados por esta escola surgiram no intuito de uma

resposta às complicações sociais que foram instalando-se na sociedade, não sendo

mais viável a visão do iluminismo, pois considerada até mesmo ingênua suas

prerrogativas por aqueles que seguiam seus ensinamentos, sendo substancial a

visão dos entornos sociais.

Conforme o mesmo autor logo acima citado (2010, p. 169), este descreve

sabiamente o que segue:

Para a Escola Cartográfica ou estatística Moral o crime é um fenômeno social, de massas, não um acontecimento individual; o delinquente concreto, com sua eventual decisão, não altera em termos estatisticamente significativos o volume e a estrutura da criminalidade. A liberdade individual, em última análise, é um problema psicológico, subjetivo, sem transcendência estatística. [...] De acordo com esta análise estatística, interessa averiguar não somente as causas do delito, senão também observar sua frequência média relativa, sua distribuição serial e identificar suas principais variáveis. O delito, em terceiro lugar, é um fenômeno normal, isto é, inevitável, constante, regular, necessário.

Em vista disso, referida escola utilizava-se do meio estatístico para estudar o

crime, sendo um grande avanço do histórico criminal, pois, passou-se a levar em

consideração não apenas o crime como estabelecido na lei, como a simples conduta

do agente delituoso, indo além e verificando o contexto social, rompendo com

pensamentos iluministas.

Após breve síntese sobre esta escola, feito este vínculo necessário para

melhor compreensão e complemento da ciência criminológica, apesar de que por

muitos não é exaltada ou sequer considerada, ressalta-se suas valiosas ideias e

ensinamentos, passando-se adiante ao positivismo em si, sendo que a escola

positiva veio de encontro com o classicismo.

23

2.2.3 Escola Positiva

Em contrapartida ao que ocorreu com a escola clássica, que trouxe em seus

fundamentos reflexos do momento político e social que apresentava-se no período,

realizando um estudo do crime com bases fortemente reflexas do iluminismo, a

escola positiva por sua vez, apesar de também ter-se induzida por fatores históricos,

foi além da simples figura do delito para compreendê-lo, não limitando-se às suas

penas conforme posicionava Beccaria, rompendo barreiras em uma visão mais

ampla sobre os acontecimentos criminosos.

Conveniente se faz a introdução à esta escola, com os ensinamentos de

Bissoli Filho (1998, p. 34), ao descrever os princípios de sua formação histórica na

evolução criminológica:

Formou-se, a partir da década de setenta do século XIX, quando o horizonte histórico de transformações nas funções do Estado caminhavam para o intervencionismo na ordem econômica e social, sob a égide de novas ideologias políticas de cunho social ou socialista.

O surgimento do positivismo veio em confronto ao fim da escola clássica,

apesar de ter-se neste lapso temporal surgido outras escolas de menor relevância,

pois, conforme exposto doutrinariamente, a escola clássica não atendeu aos intuitos

sociais, atentou-se apenas na limitação de penas impostas pelo poder soberano do

Estado.

A escola positiva teve três grandes idealizadores, apesar de inúmeros

seguidores, doutrinadores que acreditavam que o estudo criminológico deve se

embasar não na ocorrência do crime como livre arbítrio, e sim, em relação à outros

aspectos do criminoso, ensinamentos estes apresentados por Dias e Andrade (apud

BISSOLI FILHO, 1998, p. 34):

Foi dentro dessas orientações que os positivistas Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garófalo iniciaram os estudos das causas do crime, a partir do homem criminoso, o primeiro destacando os fatores “antropológicos”, o segundo os “sociológicos” e o último os “psicológicos”.

Nesta linha de raciocínio, quando diante das contribuições apresentadas por

Lombroso, ou seja, levando-se em consideração os fatores antropológicos no estudo

do crime, e com base em todas as pesquisas que esse autor desenvolveu no campo

24

criminal, são estas que trazem ao mesmo a condição de um dos principais

idealizadores da escola positiva, tendo o próprio concluído, segundo Bissoli Filho

(1998, p. 35), que:

[...] o delito é um ente natural, um fenômeno necessário, como o nascimento, a morte, a concepção, determinado por causas biológicas de natureza sobretudo hereditárias. Estas conclusões estão contidas na sua obra O Homem Criminoso, publicada no ano de 1876.

Neste vínculo, Bissoli Filho (1998, p. 35), faz uma síntese da ideia

apresentada na obra de Lombroso, qual seja, “O Homem Delinquente,” assim

dispondo:

Esta conclusão tornou-se a essência da teoria do criminoso nato, que estabeleceu uma relação entre o instinto sanguinário e a regressão atávica, admitindo que o homem criminoso é nato, idêntico ao louco moral, apresenta base epiléptica e constitui, por um conjunto de anomalias, um tipo especial denominado “lombrosiano”.

Contudo, apesar de ser exaltado a teoria de criminoso nato apresentado por

Lombroso, este contribuiu ainda mais profundamente no estudo da criminologia, em

respeitada atenção ao seu método de estudo, neste liame, apresentado por Molina e

Gomes (2010, p. 178), ao dispor que a contribuição do autor não se limitou à sua

tipologia ou teoria criminológica:

[...] senão no método que utilizou em suas investigações: método empírico. Sua teoria do “delinquente nato” foi formulada com base em resultados de mais de quatrocentas autópsias de delinquentes e seis mil análises de delinquentes vivos; e o atavismo que, conforme seu ponto de vista, caracteriza o tipo criminoso – ao que parece -, contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisões europeias.

Com base na própria obra de Lombroso, podemos definir seu ponto de vista,

em relação ao estudo do criminoso, conforme bem colocado por Molina e Gomes

(2010, p. 179):

[...] o delinquente padece uma série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais (fronte esquiva e baixa, grande desenvolvimento dos arcos supraciliares, assimetrias cranianas, fusão dos ossos atlas e occipital, grande desenvolvimento das maças do rosto, orelhas em forma de asa, tubérculo de Darwin, uso frequente de tatuagens, notável insensibilidade à dor, instabilidade afetiva, uso frequente de um determinado jargão, altos índices de reincidência etc.).

25

Ocorre que, com tais colocações de estigmas baseados em seus métodos

empíricos, surtiu no campo doutrinário muitas críticas à teoria lombrosiana,

principalmente em relação à superação de tais preceitos pela medicina legal, neste

aspecto em específico, melhor colocado tal afirmação por Sebastião José Roque,

professor da Universidade São Francisco, SP, ao traduzir a própria obra de

Lombroso e tecer colocações iniciais sobre a mesma (2007, p. 10):

Os modernos cultores da Medicina Legal consideram fracas as teorias lombrosianas. As pesquisas nos crânios e esqueletos não chegam a formar segura conclusão sobre as correlações da ossatura com o comportamento psicológico. Os fatos são insuficientes para autorizar a tendência hereditária (atávica) de um ser humana para a vida criminal, causada pela formação física.

Lógica encontra os ensinamentos anteriores com os de Calhau (2009, p. 20),

ao expor em relação às reprovações dos métodos positivistas, atestando que, o

“grande equívoco dos positivistas foi acreditar na possibilidade de se descobrir uma

causa biológica para o fenômeno criminal”.

Para findar este breve estudo sobre o posicionamento de Lombroso, vale

destacar o que expõe Ferri (1998, p. 62), pois ninguém mais pertinente para explicar

o assunto, senão um dos fundadores da escola positiva:

César Lombroso, observando e estudando os delinquentes na sua vida e nos seus traços anatômicos, com os critérios e os instrumentos da antropologia geral, criou desta ciência o novo ramo da antropologia criminal, que naturalmente, compreende o estudo não somente orgânico, mas também e principalmente psicológico do “homem delinquente”.

Trilhado essa primeira diretriz, passa-se às contribuições de Ferri para a

escola positiva, considerado por muitos como sendo o pai da sociologia criminal,

este estudioso era um profundo seguidor das colocações positivistas, tendo

encontrado seu espaço nesta escola e da qual trouxe gigantescas contribuições que

a seguir restarão melhor explanadas.

Expondo a visão de Ferri, consoante as palavras de Molina e Gomes (2010,

p. 180):

O delito, para Ferri, não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual (o que contraria a tese antropológica de Lombroso), senão –

26

como qualquer outro acontecimento natural ou social – resultado da contribuição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais. [...] Entende, pois, que a criminalidade é um fenômeno social como outros, que se rege por sua própria dinâmica, de modo que o cientista poderia antecipar o número exato de delitos e a classe deles, em uma determinada sociedade e em um momento concreto, se contasse com todos os fatores individuais, físicos e sociais antes citados e fosse capaz de quantificar a incidência de cada um deles.

Para Ferri os crimes não podem ser explicados com base na teoria de

Lombroso, pois, o delito neste aspecto representa um movimento específico, sendo

assim um fenômeno social, sua teoria volta especificamente em evitar o crime, para

isto estabelecendo critérios que devem ser verificados antecipadamente ao seu

cometimento.

Calhau (2009, p. 20), acrescenta em relação crítica aos ideais de Lombroso,

que “Ferri procurou corrigir essa postura unilateral, ao escrever sua Sociologia

Criminal, onde acentua a importância dos fatores socioeconômicos e culturais da

delinquência”.

Na visão de Ferri (apud BISSOLI FILHO, 1998, p. 38):

A principal condição para que alguém seja considerado legal ou socialmente delinquente é que o crime por ele praticado seja a “expressão genuína da sua personalidade”. Assim, um homem será considerado delinquente se, num dado momento de sua vida, uma ideia criminosa tenha atravessado os seus sentimentos mais ou menos anormais, direta ou indiretamente, por sensações do mundo externo, e esta ideia não encontre nas suas condições físico-psíquicas do momento (permanentes ou transitórias) uma suficiente inibição ou por repugnância moral ou por previsão de danosas consequências, ou por ambas conjuntamente. A diferença entre o homem honesto e o homem delinquente está em que, no primeiro, o relâmpago dessa ideia se dissipa ou é repelida, ao passo que na mente do outro fica, se enraíza, se aprofunda e se intensifica até se transformar em volição ativa, que se exterioriza numa correspondente ação muscular.

Ademais, tem-se o terceiro principal fundador da escola positiva, qual seja,

Rafael Garofalo, com suas ideias que foram aderidas por tal escola na busca de um

estudo mais aprofundado sobre a criminologia, por sua vez, como afirma Bissoli

Filho (1998, p. 35), Garófalo “estudou o delito e a repressão penal sob um critério

naturalista, utilizando-se de métodos experimentais e da análise das estatísticas,

através de documentos fornecidos pela Psicofisiologia e pela Antropologia”.

A principal obra de Garófalo a marcar o desenvolvimento histórico da escola

positiva foi denominada “Criminologia: Estudo sobre o delito e a repressão penal”,

27

conforme Bissoli Filho assim colocou (1998, p. 35), tendo ainda, acrescentado o que

segue:

Nela, Garófalo (1925, p. 30-59) desenvolveu o conceito de “delito natural”, concluindo que nele aparece sempre a lesão de algum daqueles sentimentos mais profundamente radicados no espírito humano e que, no seu conjunto, formam o que se chama “senso comum”.

Garófalo é entendido doutrinariamente como um autor que ponderou em seus

conceitos e teorias em relação aos demais fundadores da escola positiva, para este

autor (apud MOLINA; GOMES, 2010, p. 181), “os positivistas, até então, haviam se

esforçado para descrever as características do delinquente, do criminoso, em lugar

de definir o próprio conceito de “crime” como objeto específico da nova disciplina

(Criminologia).”.

Este autor defende a ordem social, onde acredita que deve o criminoso ser

banido do convívio social se com esse não puder associar-se, neste sentido

segundo Bissoli Filho (1998, p. 37), “ele pretendeu, com sua teoria, na verdade, a

existência de uma sociedade sem conflitos, mas dividida em bons e maus,

agravando com isto os conflitos já existentes”, segundo o mesmo autor (1998, p. 36),

acrescenta:

Garófalo contrapõe-se aos conceitos de crime e de criminoso, formulados pelos juristas da Escola Clássica, pois, segundo estes, o criminoso “não” é um homem anormal. Também não considera o delito apenas no momento atual, sem dar conta da sua derivação ou das suas consequências, motivo pelo qual julga inútil o conceito jurídico de crime, pois, enquanto para os juristas o delito reside na violação de “direitos”, no seu entender reside na violação dos “sentimentos morais” mais profundos. Por isso, a exemplo dos demais positivistas, também desenvolve a ideia da “anomalia moral” do criminoso, ou seja, de que os criminosos constituem uma classe de seres moralmente degenerados.

Com base no aqui apresentado, demonstrado o posicionamento dos três

principais seguidores e fundadores da escola positiva, quais sejam, Cesare

Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garófalo, percebe-se o início da criminologia em

relação ao cenário que vai além do crime, ultrapassando uma visão limitada ao

delito, à pena aplicada em consequência lógica da lei penal, pois, preocupou-se

também à vários aspectos que envolvem o crime, fazendo esse divisor de águas da

escola clássica para a positiva.

28

Assim, finaliza-se os ensinamentos expostos sobre o positivismo na

criminologia, com as palavras de Ferri (1998, p. 64):

A diferença profunda e decisiva entre as duas escolas está portanto principalmente no Método: dedutivo, de lógica abstrata, para a escola clássica, - indutivo e de observação dos fatos para a escola positiva; aquela tendo por objeto “o crime” como entidade jurídica, esta, ao contrário, “o delinquente” como pessoa, revelando-se mais ou menos socialmente perigosa pelo delito praticado.

2.2.4 Escola Técnico-Jurídica ou Neoclássica

O presente estudo fixa-se, primordialmente, em elucidar apenas sobre as

principais escolas que surgiram com a evolução histórica da criminologia, visto que

em pesquisas doutrinárias apresentam-se diversas outras, que não ganharam o

condão de representarem grande relevância para os estudiosos, marcando apenas

ligações discretas com as aqui expostas, servindo como se fosse uma singela

conexão entre elas, uma ponte, para que pudesse dar espaço à superação de uma e

surgimento de outra.

Vencendo esta explicação necessária para dissipar dúvidas em relação a

evolução do estudo do crime, passa-se a uma breve conceituação sobre os

neoclássicos, visto que referida escola surgiu dos conflitos entre conceitos clássicos

e positivos, dos quais anteriormente pode-se verificar, veio desta forma para mesclar

ambos ensinamentos e fazer surgir uma nova forma de encarar o estudo do crime,

mas igualmente em relação às escolas aqui já preceituadas, esta também foi objeto

de críticas que levaram consequentemente a sua superação por outra mais moderna

e dinâmica.

Para melhor embasar o aqui dito, adequado se faz as palavras de Bissoli

Filho (1998, p. 42):

Assim, a Escola Técnico-jurídica ou Neoclássica adotou da Escola Positiva as premissas acerca da gênese natural da criminalidade, com o propósito de utilizar os dados da Antropologia e da Sociologia Criminal, pondo em maior relevo o delinquente perante o crime, mas observou da Escola Clássica o princípio da responsabilidade moral, ou seja, da distinção entre delinquentes “imputáveis” e “não imputáveis”, admitindo todavia que também destes se deve ocupar a lei penal, porém com medidas que são providências de segurança e, por isso mesmo, substancialmente diversas das penas, que representam o castigo proporcionado à culpa.

29

Apresentado por todas as doutrinas, o estudioso que marcou esta nova fase

da criminologia, foi o jurista Arturo Rocco, tendo suas ideias grande aplicação em

comento às leis penais vigentes, neste sentido Ferri (1998, p. 79):

[...] a orientação do tecnicismo jurídico afirmado na Itália em fins do século XIX, que se junta à corrente crítico-forense da Escola Clássica, mas sendo, sobretudo, uma derivação e uma imitação da orientação germânica, enquanto entende que o único argumento de estudo para o criminalista é a lei penal vigente em cada país, pois esta é a única “realidade positiva” para o jurista; estudo da lei penal vigente, aliás, que se deve confiar ao único magistério da lógica abstrata, no caso, chamada “lógica jurídica”.

Nessa nova conceituação de direito criminal, buscou-se dar mais autonomia

ao estudo do crime, fazendo um divisor com as demais disciplinas, pois a

criminologia deveria encontrar seu lugar como ciência autônoma, limitando tal

estudo, como já exposto, às normais penais vigentes.

Nesta relação, assim se posicionada Bissoli Filho (1998, p. 43), ao colocar os

fundamentos da escola neoclássica:

Assim, o Direito Penal Positivo, único dado da realidade, passa a constituir o objeto da Ciência do Direito Penal, que tem por tarefa a elaboração técnico-jurídica deste Direito, buscando proporcionar não somente o conhecimento empírico, mas também o científico àqueles que são chamados, por sua missão na vida social, a interpretar e a aplicar o Direito como operadores jurídicos.

Foi proposta uma sistematização em relação ao estudo do crime, onde fosse

considerado a norma positivada para a sua interpretação, sendo esses os principais

fundamentos desta escola, daí deriva a nomenclatura de técnico-jurídica, pois, faz

este aprimoramento quanto ao estudo e desenvolvimento do crime, a partir da

técnica da lei penal vigente.

Contudo, deve-se ainda levar em consideração as demais características que

marcaram esse novo panorama da criminologia, os quais resumidamente se

apresentam pelos ensinamentos de Luiz Régis Prado e Cezar Roberto Bitencourt

(apud BISSOLI FILHO, 1988, p. 43-44), que sintetizaram as características da escola

técnico-jurídica:

a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo individual e social; b) a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; c) a medida de segurança – preventiva, aplicável aos inimputáveis; d) responsabilidade

30

moral (vontade livre); f) método técnico-jurídico; e g) refuta o emprego da filosofia no campo penal.

A visão neoclássica veio a receber depreciações em decorrência de ter se

baseado em outras ciências jurídicas que apresentavam uma lógica abstrata, que

não seria viável ou a mais adequada a solucionar os problemas que o estudo do

crime se propunha a resolver, tal afirmativa com base nos próprios ensinamentos de

seu idealizador Rocco (apud FERRI, 1998, p. 83-84):

O primeiro e mais geral critério que se pode fornecer talvez para o Estudo técnico do direito positivo penal, que se queira útil à ciência e à vida, é seguir o caminho seguro e fiel dos cultores do direito privado primeiramente e, depois, dos do direito administrativo e processual, desta forma magistralmente percorrendo o mesmo caminho por onde parecem enveredar atualmente, com passo seguro, também o direito constitucional e o direito internacional, apoderando-se ao mesmo tempo, dos processos próprios daqueles, entra as ciências agora referidas, que, como o direito privado, são exemplo evidente de aperfeiçoada técnica do direito.

Ou seja, a criminologia na visão da escola neoclássica tornou-se muito

abstrata, pois para que se efetive de maneira satisfatória os caminhos do direito

penal, segundo críticas, não pode ser desprezado a figura do criminoso, daquele

que pratica o delito estabelecido na norma vigente, sendo julgado o seu idealizador

por seguir preceitos de outras ciências, das quais pouco importa fatores externos,

atendo-se aos meros pressupostos positivados na norma, conforme anteriormente

demonstrado e citado algumas dessas ciências abstratas.

Ferri acrescenta (1998, p. 85):

Limitar-se, como faz o civilista, a considerar, no direito penal, os casos excepcionais e taxativos de menoridade, loucura, surdo-mudez, embriagues, ímpeto de ira ou de dor, para ignorar em todos os outros casos, que são em grande maioria, a personalidade do criminoso, tendo em vista somente, pela lógica abstrata, a “entidade jurídica” do crime, significa desconhecer a índole própria do direito penal.

Um vez que, quando se está diante de um fato criminoso, deve-se levar em

consideração não apenas o fato em si, pronto e acabado, mas sim aquele que o

praticou, ou seja, o agente delituoso, para que só assim possa ser aplicado a norma

vigente de maneira eficaz à atender plenamente o seu objetivo final, compreendendo

o meio, as circunstâncias que levaram ao cometimento do delito, para apenas a

31

partir da análise desse ponto essencial, conseguir-se atingir o fim de modo efetivo,

sem abstração.

Ferri (1998, p. 87) diz que “o direito, como estudo científico das normas de

conduta social, deve servir à vida prática e quotidiana e não ser fim de si mesmo e

exercício solitário de dialética infecunda”.

Conforme ocorreu com as demais correntes, esta escola também foi superada

e após algumas evoluções no estudo da criminologia, que se sucederam no

transcorrer histórico, surgiu um novo paradigma criminológico, do qual será utilizado

para abordagem do tema dos assassinos em série, sem contudo deixar de exaltar

os ensinamentos já adquiridos através de todos os conflitos sociais que surgiram ao

seu redor, e dos quais fez-se breve explanação, pois, para tecer profundas análises

na evolução, necessário se faz anos de aplicação, no qual o presente estudo não

dispõe de tempo hábil para tal.

Conquistado esta primeira linha de raciocínio, conduzir-se a pesquisa para os

métodos de atuação desta admirável ciência criminal como vem sendo

compreendida atualmente, para assim poder-se construir a exploração de sua

efetiva aplicação no estudo dos assassinos em série, com base em seus

comportamentos e fatores mentais.

2.3 CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA EMPÍRICA E INTERDISCIPLINAR

De fundamental importância faz-se as palavras introdutórias de Molina e

Gomes (2010, p. 35), para que possa-se compreender o método utilizado na busca

de conhecimento da ciência estudada:

A Criminologia é uma ciência. Reúne uma informação válida, confiável e contrastada sobre o problema criminal, que é obtida graças a um método (empírico) que se baseia na análise e observação da realidade. Não se trata, pois, de uma “arte” ou de uma “praxis”, senão de uma genuína “ciência”. Precisamente por isso a Criminologia dispõe de um objeto de conhecimento próprio, de um método ou métodos e de sólido corpo doutrinário sobre o fenômeno delitivo, confirmado, por certo, por mais de um século de investigações. (grifo meu)

A criminologia como ciência empírica, no estudo do crime e suas

particularidades, baseia sua pesquisa na observação da realidade, utilizando dos

dados colhidos para formular suas preposições, transformando as mesmas em

32

informações, interpretando os dados e extraindo-se sua essência, por isto entendido

doutrinariamente como uma ciência do “ser” e não “exata”.

O empirismo da ciência criminológica foi uma luta entre as duas maiores

escolas, qual sejam, a clássica e a positiva, tendo nesta última o seu surgimento

como método utilizado por tal ciência.

Assim, melhor exposto por Molina e Gomes (2010, p. 36):

A Criminologia adquiriu autonomia e status de ciência quando o positivismo generalizou o emprego do método empírico, isto é, quando a análise, a observação e a indução substituíram a especulação e o silogismo, superando o método abstrato, formal e dedutivo do mundo clássico.

Baseado nos preciosos ensinamentos de Calhau (2009, p. 30), quando o

autor tece comentários em relação ao método empírico aplicado na criminologia,

este engloba três pontos essenciais para melhor compreensão, quais sejam, a

análise, esta voltada aos fatos criminosos, após, a observação destes fatos e a

consequente indução que extraísse a seguir, formando assim, uma consequência

lógica para o conhecimento investigado.

Estando caracterizada a criminologia como efetiva ciência, em consideração

ao seu método empírico, o mesmo autor, Calhau (2009, p. 36), acrescenta reflexões,

das quais se transcreve:

Empirismo não é achismo. O método empírico é árduo e pouco íntimo dos profissionais do meio jurídico (juízes, promotores de justiça, delegados e advogados) e lamentavelmente muitas pessoas se apresentam como criminólogos, emitindo opiniões totalmente sem fundamentos científicos e com base em entrevistas pessoais, sem nenhuma observação rigorosa do método científico e emitindo juízos de valor (acho isso, acho aquilo etc.).

Referido método possui grande importância e valia na pesquisa sobre o

crime, contudo deve-se tomar o cuidado para não utilizá-lo de forma superficial,

inadequada, conforme o próprio autor coloca, baseado em “achismos”, pois, caso

assim ocorra, não pode-se considerar um conhecimento científico e sim apenas uma

opinião sem fundamentos que lhe concedam validade.

Ultrapassado esse primeiro questionamento quanto ao método utilizado pela

criminologia atual, qual seja, o método empírico, adentra-se a seguir no conceito de

interdisciplinaridade de respectiva ciência.

33

Para Molina e Gomes (2010, p. 38), “o princípio interdisciplinar acha-se

significativamente associado ao processo histórico de consolidação da Criminologia

como ciência autônoma.”

Pois, há um emaranhado de disciplinas que ocupam-se do estudo do crime

como fenômeno, cada uma utilizando de seus métodos em prol dos seus interesses,

para Calhau (2009, p. 10):

A Criminologia é uma ciência plural. Buscando o conhecimento científico, a Criminologia recebe a influência e a contribuição de diversas outras ciências (Psicologia, Sociologia, Biologia, Medicina Legal, Criminalística, Direito, Política etc.) com seus métodos respectivos.

Nesta mesma linha de raciocínio, Reckless (apud KONVALINA-SIMAS, 2013,

p. 563-564):

A Criminologia não se trata apenas de uma ciência comportamental mas é, de igual modo, uma ciência aplicada e uma ciência de controle social que recebe contributos de áreas tão diversas quanto a biologia, a antropologia, a fisiologia, a medicina, a psiquiatria, a psicologia, a economia, o direito e as ciências políticas entre outros. [...] Para aqueles profissionais que estudam as causas e as circunstâncias nas quais se desenrola o crime, a Criminologia é uma ciência social. Para aqueles profissionais que analisam as ações, escolhas, psicologia e personalidade dos criminosos, a Criminologia é uma ciência cognitiva ou comportamental. Para os profissionais que procuram as correlações entre fatores biológicos e o comportamento criminal, a Criminologia é uma ciência contígua à química e à genética. E, finalmente, para os que procuram respostas para questões legais e investigativas, a Criminologia é uma ciência comportamental forense.

Facilmente verificável, através das palavras expostas, que o estudo da

criminologia como ciência, comporta vários desdobramentos em relação à campos

diversos, cada qual se aprofundando no que lhes seja pertinente, para juntos

formarem uma conclusão global, acrescentando a mesma autora, Kovalina-Simas

(2013, p. 565), que “a Criminologia é, de fato, multidisciplinar tanto na sua teoria

como na sua prática. “.

Compreendido estas duas questões propostas, quais sejam, o método

empírico e a interdisciplinaridade da criminologia como ciência, a presente pesquisa

se propõe, nos ensinamentos subsequentes, à situar o leitor no campo da moderna

criminologia, pois, esta será a base principal a fundamentar a pesquisa quanto aos

assassinos em série, segundo os objetivos traçados.

34

2.4 MODERNA CRIMINOLOGIA

A partir de todo o embasamento teórico quanto à evolução do estudo da

criminologia, em um patamar histórico, levando-se em consideração as principais

escolas que marcaram este período e seus mais significativos idealizadores,

adentra-se adiante no estudo desta ciência criminal em um panorama atual, ou seja,

a criminologia moderna e suas diversas características, que vem oportunamente

auxiliar na compreensão e procura de respostas do tema proposto pela presente

pesquisa.

Para melhor compreensão e percepção geral dos pilares atuais da

criminologia moderna, segundo Calhau (2009, p. 33), bem como pacífica doutrina, o

objeto de respectiva ciência engloba quatro preocupações centrais, utilizando da

interdisciplinaridade para estudá-los, quais sejam, o delito, o delinquente, a vítima e

o controle social, estes que restarão melhor demonstrados adiante.

Observa-se assim, com base em tudo até este momento explanado, que o

objeto desta ciência sofreu consideráveis mudanças na sua aplicação, desde a

proposta de seu surgimento até o contexto contemporâneo, reflexos estes das

mudanças que a sociedade percorreu e que fizeram com as necessidades fossem

alteradas.

Neste liame, válidas palavras e considerações de Calhau (2009, p. 33), que

adiante segue:

Na época de Beccaria, a investigação era com relação apenas ao crime. Com o surgimento da Escola Positiva, e de Lombroso e seus seguidores, o objetivo de estudo da Criminologia passou a ser o delinquente. Até aí, verificamos uma substituição do objeto de estudo da Criminologia. Durante muito tempo foram apenas o delito e o delinquente os objetos de estudo da Criminolgia. Da metade do século XX até a atualidade, passamos a ter não mais uma substituição, mas também uma ampliação do objeto de estudo, porquanto são mantidos os interesses com o crime e o delinquente, e são adicionados mais dois pontos: a vítima e o controle social.

A evolução da criminologia tendeu à ampliar seu campo de atuação,

englobando um panorama mais amplo, pois, só assim seria possível que sua

essência ficasse completa, vislumbrando o estudo em todas as suas peculiaridades

para que sua aplicação torne-se efetiva e satisfatória, pois, não basta apenas a

compreensão de um ou outro ponto do crime, e sim, de todas as partes que o

compõem.

35

Ou seja, não pode referida ciência se limitar ao crime e ao criminoso, como

foi tendência para Beccaria e Lombroso, tendo suas escolas sido superadas em

decorrência de tais limitações, que por si só não foram capazes de resolver todos os

questionamentos que se levantam neste campo tão complexo, tendo que ser

considerado o crime em razão de propósitos mais legítimos, pois, só assim pode-se

aplicar a ciência no mundo fático.

O surgimento da criminologia moderna vem com o intuito de suprir lacunas

que necessitavam preenchimento, como verifica-se analogamente na montagem de

uma máquina, onde só pode propiciar um bom funcionamento se presente todas as

peças que compõe um todo harmônico.

Partindo destes pressupostos, temos presente as principais características

da moderna criminologia, que fundamentam seus estudos, segundo Molina e Gomes

(apud CALHAU, 2009, p. 14):

Parte da caracterização do crime como “problema” – face humana e dolorosa do crime; Amplia o âmbito tradicional da Criminologia (adiciona a vítima e o controle social ao seu objeto); Acentua a orientação “prevencionista” do saber criminológico, diante da obsessão repressiva explícita de outros modelos convencionais; Substitui o conceito “tratamento” (conotação clínica e individualista) por “intervenção” (noção mais dinâmica, complexa e pluridimensional, mais próxima da realidade criminal); Destaca a análise e avaliação dos modelos de reação ao delito como um dos objetos da Criminologia; Não renuncia, porém, a uma análise etiológica do delito (desviação primária) no marco do ordenamento jurídico como referência última.

Assim sendo, sem deixar de lado todo o conhecimento adquirido ao longo

dos séculos através do surgimento das mais diversas escolas criminais, a face

moderna da criminologia tornou-se mais completa, e nesse liame, a seguir passa-se

à dissecação desta ciência em suas quatro principais fontes de estudo, quais sejam,

o delito, o delinquente, a vítima e o controle social.

Finalizando esta breve introdução da moderna criminologia, Molina e Gomes

(2010, p. 65), colocam que, “uma das características mais destacadas da moderna

Criminologia – e do perfil de sua evolução nos últimos anos – é a progressiva

ampliação e problematização do seu objeto.”, afirmação esta facilmente destacada

na análise das escolas até o momento conceituadas.

36

2.4.1 Do delito

Não há maneira melhor de analisar o crime do que partindo de um conceito

claro e objetivo, não finalizado em si, mas que serve como ponto de partida para a

travessia de seu real conhecimento.

Assim, Netto (2008, p. 210), apresenta-se digno em suas palavras sobre o

delito, este em um contexto mais voltado ao direito penal em si, jurídico-penal e não

criminológico, ao dispor que delito é “todo fato ilícito voluntário, do qual resulte em

um dano aos interesses ou à pessoa de alguém, sujeitando o agente às sanções

previstas em lei, também, do ato que a lei declara punível.”

Apesar de restrito, tal conceito funciona como início para a criminologia, em

principal atenção à obra de Cesare Beccaria, “Dos delitos e das Penas”, que

dedicou-se exclusivamente à este ponto.

O delito é um dos aspectos que envolvem a ciência da criminologia, e que

desde o início de seu estudo começou-se a ser-lhe dispensado grande atenção,

principalmente na escola clássica e não deixando de ser objeto das demais no

transcorrer de sua evolução histórica, indiferente de ser com maior ou menor força,

não podendo ser diferente na moderna criminologia, que inquieta-se com o delito,

estando entre suas quatro principais dimensões.

Objeto de profundas preocupações não só para os grandes estudiosos

jurídicos, quanto para todas as pessoas da humanidade, desde tempos primórdios,

em decorrência da periculosidade que apresenta para a sociedade em qualquer

lugar do mundo, podendo-se perceber tal afirmativa diretamente no convívio social e

em todos os meios de comunicação, sendo considerado uma das maiores fontes de

interesse dos povos.

Nesse desenlace conceitual, válidas as palavras de Calhau (2009, p.35):

O Delito Penal trabalha com três conceitos de delito: material, formal e analítico. O conceito material está vinculado ao ato que possui danosidade social, ou que provoque lesão a um bem jurídico. O conceito formal está ligado ao fato de existir uma lei penal que descreva determinado ato como infração criminal. Já o conceito analítico expõe os elementos estruturais e aspectos essenciais do conceito crime.

Contudo, não basta ao estudo da criminologia a mera conceituação do que

vem a ser o delito, o crime em si, pois, de nada adianta ser apresentado conforme o

37

que disciplina a lei, em consequência de que se o indivíduo praticar aquela conduta

estará incorrendo na prática do mesmo, a criminologia busca ir além, adentrar nas

mais diversas complexidades que o envolvem.

Calhau (2009, p. 36-37), assim analisa:

A Criminologia moderna busca se antecipar aos fatos que precedem o conceito jurídico-penal de delito. O Direito Penal só age após a execução (ex.: tentativa) ou na consumação do crime. A Criminologia quer mais! Ela quer entender a dinâmica do crime e intervir nesse processo com o intuito de dissuadir o agente de praticar o crime, o que pode ocorrer das mais variadas formas.

Fácil perceber a distância de conceitos de delito para a criminologia e para o

direito penal, apesar de não poder ser analisados separadamente em relação ao

objeto da presente pesquisa, pois, um tende a complementar o outro em uma

sequência lógica.

Para Göppinger (apud MOLINA; GOMES, 2010, p. 68):

O conceito “penal” de delito tem natureza formal e normativa. Contempla – isola – um fragmento parcial da realidade, com critérios valorativos. O jurista cuida do fato delitivo como abstração, não de forma direta ou imediata, senão por meio da figura típica prevista na norma, isto é, valorativamente, normativamente. As definições “formais” de delito delimitam a intervenção punitiva do Estado, por imperativo inescusável do princípio de legalidade. O “realismo” criminológico, pelo contrário, libera as disciplinas empíricas destas exigências garantidoras (“garantistas”) típicas do Direito, reclamando do investigador um análise totalizadora do delito, sem mediações formais ou valorativas que relativizem ou obstaculizem seu diagnóstico. Interessa à Criminologia não tanto a qualificação formal “correta” de um acontecimento penalmente relevante, senão “a imagem global do fato e do seu autor”: a etiologia do fato real, sua estrutura interna e dinâmica, formas de manifestação, técnicas de prevenção do mesmo e programas de intervenção no infrator etc.

Ou seja, partindo destas premissas temos que, o delito na visão

criminológica não pode ser visto da mesma maneira do que na visão puramente

penal, formal, pois, se de um lado o crime ocupa-se basicamente da norma penal, a

atenção a ser dispensada pela criminologia é mais detalhista e empírica, levando-se

em consideração o conjunto biológico, por exemplo, de seus transgressores, ou

ainda os motivos que impeliram ao cometimento do crime.

Percebe-se neste ponto que, apesar da diferença espantosa de

conceituações, as mesmas se interligam em várias situações cruciais e que devem

38

ser observadas no decorrer deste estudo, para alcançar uma conclusão satisfatória

a ser aplicada em relação aos assassinos em série.

Um exemplo da visão criminológica, e que vem a ser útil para uma melhor

compreensão do cuidado com o delito para esta ciência, consta apresentado por

Molina e Gomes (2010, p. 67):

Assim, por exemplo, certos comportamentos como a cleptomania ou a piromania que, para o Direito Penal, têm caracterização puramente patrimonial, merecem do criminólogo outra leitura, muito mais realista e sutil, de acordo com o conjunto biológico e motivacional daqueles.

Neste liame, Calhau (2009, p. 36):

A Criminologia moderna não mais se assenta no dogma de que convivemos em uma sociedade consensual. Pelo contrário, vivemos em uma sociedade conflitiva. Não basta afirmar que crime é o conceito legal. Isso não explica tudo e não ajuda em quase nada na percepção da origem crime. O crime é muito complexo, ele pode ter origens das mais diversas como o excessivo desnível social de uma localidade, defeitos hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica como traumas, fobias e transtornos de toda ordem emocional etc.

Porém, há de se observar que no decorrer do estudo do crime muitos outros

conceitos foram criados na história, conforme verifica-se no “delito natural” e que

anteriormente já foi exemplificado, mas, para o objetivo atual buscado na pesquisa

não verifica-se necessário a conceituação pormenorizada dos mesmos, pois, basta

que saibamos o que até aqui já foi exposto, bem como a forma atual de

compreensão deste fenômeno pela moderna criminologia, ou seja, ultrapassar os

limites legais e verificar a dinâmica completa do tipo penal.

Para complementar esta breve explanação, Molina e Gomes (2010, p. 69),

descrevem que “o conceito penal de delito é um conceito jurídico-formal, normativo e

estático. O conceito criminológico é um conceito empírico, real e dinâmico.”.

Ressalta-se tais características, pois, para a criminologia a utilização do

método empírico, proporciona esta abordagem mais completa, na busca da

realidade criminal de forma dinâmica, não estando o estudo do delito limitado

apenas ao indivíduo, como fim em si mesmo, praticante do tipo penal já pré-definido,

a criminologia avança no sentido de embasar seu estudo nos reflexos sociais do

delito, nas particularidades do mesmo, para tentar assim frear tais condutas antes

mesmo de ocorrerem e não apenas tabelar após sua consumação, tudo isto se

39

fazendo possível através do liame necessário à própria observação dos

delinquentes, que a seguir será tecido adequada apreciação do aqui já afirmado.

2.4.2 Do delinquente

Quando adentra-se no estudo do delinquente, impossível não fazer

referência à obra de Lombroso, que foi um ícone da escola positiva, qual seja, “O

Homem Delinquente”, vez que, a aprendizagem dedicada ao praticante do delito

esteve muito presente naquela época, não podendo ser diferente na criminologia

moderna, porém, com uma sistemática diferenciada da abordagem antes

dispensada.

Por meio de Lombroso surgiu a figura do delinquente nato, sendo esta uma

visão bastante catastrófica sobre o agente, que com o passar dos anos foi se

evoluindo e modificando de maneira mais benéfica, porém, inicia-se as primeiras

linhas de compreensão quanto ao delinquente deste ponto de partida, para que seja

possível a completa percepção.

Palavras estas baseadas em sua própria obra, citando-se ainda, conforme o

mesmo coloca (2007, p. 8), que “na realidade, para os delinquentes-natos adultos

não há muitos remédios; é necessário isolá-los para sempre, nos casos incorrigíveis,

e suprimi-los quando a incorrigibilidade os torna demasiado perigosos.”

Todavia, apesar de não ser estes ensinamentos tidos como verdades

absolutas nos dias atuais e principalmente na criminologia recente, há muitos

estudiosos que quando fala-se de assassinos em série, levando-se em consideração

suas particularidades de transtornos mentais, tentem à fazer uma analogia de

compreensão, pois, veem o delinquente, neste caso em específico, como uma

pessoa sem qualquer chance de correção, verdadeiros delinquentes-natos que

devem ser afastados da sociedade.

Adiante, em relação a uma visão mais voltada ao direito penal em si, temos

as palavras de Netto (2008, p. 210), ao estabelecer que o delinquente é a “pessoa

que cometeu um delito ou praticou uma falta capitulada como crime ou contravenção

na lei penal.”.

Porém, sendo este segundo conceito, considerado bastante limitado e

insuficiente para o objeto proposto na ciência da criminologia, igualmente como

40

ocorre no delito, pois, respectiva ciência é mais profunda e complexa nos seus

objetivos, indo sempre além da visão formal técnica.

Ultrapassado estas conceituações, necessário faz-se o aprofundamento do

contexto abordado, para isto utiliza-se das oportunas palavras de Molina e Gomes

(2010, p. 71):

Na moderna Criminologia, no entanto, o estudo do homem delinquente passou a um segundo plano, como consequência do giro sociológico experimentado por ela e da necessária superação dos enfoques individualistas em atenção aos objetivos político-criminais. O centro de interesse das investigações – ainda que não tenha abandonado a pessoa do infrator – deslocou-se, prioritariamente, para a conduta delitiva mesma, para a vítima e para o controle social. Em todo caso, o delinquente é examinado em suas “interdependências sociais”, como unidade biopsicossocial e não de uma perspectiva biopsicopátológica, como sucedera com tantas obras clássicas orientadas pelo espírito individualista e correcionalísta da Criminologia tradicional.

Conforme anteriormente já explanado, a moderna criminologia tal como

ciência interdisciplinar, quanto ao estudo e compreensão dos delinquentes, além de

outros campos específicos, ganha essencial auxílio através das contribuições

oferecidas pela psicologia criminal, vez que, suas técnicas investigativas

proporcionam primordial contribuição à esta ciência, afirmação que extraísse

baseada nos ensinamentos de Molina e Gomes (2010, p. 71-72).

Para melhor asseverar o raciocínio anteriormente exposto, Luíz Angelo

Dourado (apud CALHAU, 2009, p. 40):

A Psicologia Criminal destina-se a estudar a personalidade do criminoso. A personalidade refere-se, usualmente, aos processos estáveis e relativamente coesos de comportamento, pensamento, reação e experiência, que são característicos de uma determinada pessoa. Por intermédio dessas características poderemos compreender e até prever grande parte do comportamento do indivíduo.

Percebe-se na parte final da citação, que a criminologia, com a ajuda da

psicologia criminal e das demais ciências, visa não apenas a definição do

delinquente como incurso no tipo penal ou ainda, a simples conceituação do mesmo

com base em seus traços de personalidade, estas características servindo apenas

como meio utilizado empiricamente para compreender e prever os atos do mesmo,

em intuito por vezes de precaução e prevenção do delito, até mesmo, conforme o

41

autor expõe, com a criação de programas sociais que busquem a diminuição das

reincidências criminais.

Em relação ao delinquente, no decorrer histórico, já foi lhe dispensado vários

ângulos de conceituações, seja como criminoso nato, no sentido de ser escravo de

seu futuro com base em suas peculiaridades imutáveis, pois, fadado à criminalidade

por fatores patológicos, sendo ainda, por muitos considerado como mera vítima da

sociedade que não lhe oferece amparo e desenvolvimento adequado, ou

simplesmente um mísero indivíduo que não possui capacidade da própria

compreensão do delito, conclusões estas embasadas em várias escolas da

criminologia.

Voltando-se à realidade atual, Molina e Gomes (2010, p. 72), ao descrever o

delinquente, assim coloca:

Esse homem, que cumpre as leis ou as infringe, não é o pecador dos clássicos, irreal e insondável; nem o animal selvagem e perigoso do positivismo, que inspira temor; nem o inválido da filosofia correcional, que necessita tutela e assistência; nem a pobre vítima da sociedade, mero pretexto para reclamar radical reforma das suas estruturas, como proclamam as teses marxistas. É o homem real e histórico do nosso tempo, que pode acatar as leis ou não cumpri-las por razões nem sempre acessíveis à nossa mente; um ser enigmático, complexo, torpe ou genial, herói ou miserável, porém, em todo o caso, mais um homem, como qualquer outro.

Nas referidas palavras, pode-se sintetizar todo esse emaranhado de

concepções quanto ao delinquente, chegando no patamar onde a criminologia se

encontra atualmente.

Para finalizar esta elucidação sobre a figura do delinquente para a moderna

criminologia, não pode-se deixar de mencionar o postulado formado quanto à

“normalidade”, para assim, por mais uma vez, tentar explicar os motivos de tais

fenômenos criminosos, mesmo que isto possa não lograr qualquer êxito, sendo tal

solução um grande mistério até para as mais aguçadas mentes.

Visto que, apontado por muitos que a normalidade ou anormalidade de

indivíduos não está tão diretamente relacionada à prática de delitos quanto se possa

supor, pois, não é uma ciência exata, uma matemática certeira, admitindo exceções

que não são raras.

Neste sentido, Molina e Gomes (2010, p. 73):

42

[...] são tantos os sujeitos “anormais” que não delinquem como os “normais” que infringem as leis. Dificilmente cabe afirmar, hoje, que só um ser patológico pode atrever-se a violar as leis, pois a experiência diária – e as estatísticas – constata o contrário: os indivíduos “normais” são os que cada vez mais delinquem. A criminalidade econômico-financeira, a de funcionários e profissionais, a juvenil, a de tráfico, dentre outras, confirmam esta evidência.

Destarte, nesta sobreposição de ideias e teorias, pode-se afirmar que a

figura do delinquente, para a moderna criminologia, não está até o momento

plenamente desenvolvida e acabada, bem como talvez nunca estará, sendo dilemas

milenares que assombram a humanidade, não sendo fornecido formulas para os

desvendar.

Assim sendo, basta para o desenrolar apropriado do estudo, saber que a

criminologia recebe de outros campos auxílio para a compreensão do criminoso, não

contentando-se a mesma com uma visão legalista e técnica do delinquente, indo

além, na busca incessante de toda a dinâmica que o envolve, de todas as

peculiaridades do indivíduo, para só assim poder-se idealizar uma forma de preparo

no intuito de precaver a incidência do próprio delito, em uma visão que chega a

beirar à utopia.

Conseguinte, temos a figura do assassino em série, que será com base na

análise criminológica, ou seja, em relação às suas psicoses e psicopatias que serão

analisados e submetido, enquadrados, nas leis penais vigentes, não sendo

explorado apenas o delito em si, o homicídio, mas sim tudo o que envolve tais atos

brutais e que por vezes assustam a humanidade, para direcionar o entendimento na

forma mais adequada de posicionar-se diante de tais fatos.

2.4.3 Da vítima

O estudo da vítima para a compreensão do fenômeno crime é, por assim

dizer, um avanço criminológico, pois, poucos estudos interessaram-se em estudá-la,

sendo tratado tal personagem apenas como uma consequência lógica do

cometimento do delito pelo delinquente.

A partir de um significado formal, Netto (2008, p. 561), coloca que a vítima é

“em direito penal, sujeito passivo do delito, ou da contravenção”, ou seja, o indivíduo

que figura na relação e à quem é dirigido as consequências do delito, aquele

43

escolhido pelo delinquente ou que de forma indireta sofreu algum dano com a

execução do crime ou contravenção penal.

Em relação aos assassinos em série são várias as vítimas, podendo chegar

à centenas, sendo necessário dispensar uma investigação em relação às mesmas,

visto que sem estas não existiria a própria figura do criminoso, muito menos com o

acréscimo serial.

Para a criminologia pode-se destacar três referências quanto à vítima ao

longo da história, para tanto utiliza-se das sábias palavras e ensinamentos de

Calhau (2009, p. 40), ao que a seguir é transcrito:

É inquestionável o valor que o estudo da vítima possui hoje para a Ciência total do Direito Penal. A vítima passou por três fases principais na história da civilização ocidental. No início, fase conhecida como idade de ouro, a vítima era muito valorizada, valorava-se muito a pacificação dos conflitos e a vítima era muito respeitada. Depois, com a responsabilização do Estado pelo conflito social, houve a chamada neutralização da vítima. O Estado, assumindo o monopólio da aplicação da pretensão punitiva, diminuiu a importância da vítima no conflito. Ela sempre era tratada como uma testemunha de segundo escalão, pois, aparentemente, ela possuía interesse direto na condenação dos acusados. E, por último, da década de 1950 para cá, adentramos na fase do redescobrimento da vítima, onde a sua importância é retomada sob um ângulo mais humano por parte do Estado.

Através do acentuado interesse pelo estudo das vítimas a partir do final do

século passado, conforme expõe o próprio autor em sequência lógica, a criminologia

fez surgir uma ciência ou disciplina a parte, sendo a vitimologia, onde esta figura no

papel principal, sendo criado inclusive centros de apoio para a mesma em diversos

lugares do mundo.

Há de se verificar ainda, no contexto atual, que a vítima ganhou grande

destaque na criação de novas leis, que procuram uma proteção mais efetiva quanto

à estas pessoas, não preocupando-se unicamente em punir o agressor, o

delinquente, aplicando simplesmente a sanção penal estabelecida em lei, como

também buscou proteger e amparar a parte passiva desta relação e seus familiares,

um contexto mais humanizado.

Calhau (2009, p. 41), exemplifica a necessidade de apoio por profissionais

capacitados à realizar um atendimento para minorar os impactos do crime sobre tais

pessoas:

44

Ao contrário do aspecto racional, que seria o fim do sofrimento ou a abrandamento da situação em face da ação do sistema repressivo estatal, a vítima criminal muitas vezes sofre danos psíquicos, físicos, sociais e econômicos adicionais, em consequência da reação formal e informal derivada do fato.

Esta importância de estudo da própria vítima do evento, se justifica pela

criminologia pela busca de minorar as possibilidades de um indivíduo ser exposto à

riscos, pois, conforme verifica-se no caso de assassinos em série, as vítimas de um

mesmo delinquente possuem por vezes características semelhantes, sejam estas

físicas, relativas à personalidade ou até mesmo do local onde frequentam ou se

encontram, dentre tantas outras que inundam este mundo obscuro.

Válidas as palavras de Konvalina-Simas (2013, p. 580), ao explicar de forma

sintética e clara sobre a vitimologia forense:

A vitimologia forense é o processo de investigação, caracterização e avaliação dos traços da personalidade da vítima, bem como da sua história de vida. Este processo compreende saber-se o mais possível acerca das vítimas: quem eram, onde e com quem passavam tempo e como viviam a sua vida. Conhecer as características das vítimas escolhidas por um ofensor pode permitir inferir acerca do modus operandi, motivação, formação e competências do perpetrador. Uma parte importante da vitimologia forense é a avaliação do risco, ou seja, é importante que o profiler determine o nível de risco ao qual a vítima se expunha regularmente na sua vida quotidiana, mas também o nível de exposição ao risco no momento da ocorrência. A partir da análise desta informação, o profiler pode inferir o grau de risco de detecção que o ofensor esteve disposto a correr para encontrar a vítima, o que, por sua vez, permitirá contextualizar outros comportamentos e escolhas do ofensor relativamente ao crime.

A vitimologia analisa a vítima para compreender o que à leva à esta

particularidade, qual a sua “contribuição”, mesmo que inconsciente, para tornar-se o

sujeito passivo do crime, em uma escala de fatores de riscos, para assim intentar a

sua prevenção de forma eficaz.

Molina e Gomes (2010, p. 78), acertadamente expõe as análises que devem

ser realizadas neste estudo criminológico da vítima, em relação à esta disciplina

chamada vitimologia:

Assim, costuma-se examinar cinco grupos de fatores: fatores individuais, concernentes ao comportamento da vítima, ao ofensor, às circunstâncias temporais e espaciais, e fatores sociais. Ao primeiro grupo pertenceriam variáveis pessoais como idade e sexo, ou características da personalidade e elementos de risco adotados (ex. atribuição de papéis, imitação, falta de defesa atc.). À vítima estariam associados fatores relativos ao seu estilo de

45

vida (ex. exposição a situações de risco), contato com infratores e atividades ilegais e os diversos vícios. A natureza do delito, as características do infrator, as motivações deste na escolha de sua vítima e sua relação com ela se encontrariam no terceiro grupo. No quarto, fotores como a maior ou menor periculosidade de determinados espaços e períodos (oportunidade). E entre as variáveis sociais citam-se as derivadas do entorno, e a própria estrutura social, a marginalização de determinados grupos e comunidades, grau de apoio emocional e reconhecimento da vítima pela sociedade (ex. apoio social informal, sistema de redes e habilidades sociais etc.).

Por questão de conhecimento, mas que não possui grande ou quase

nenhuma relevância para o estudo aplicado aos assassinos em série, vale expor

ainda o que as doutrinais criminológicas colocam em relação ao estudo da

vitimologia, neste aspecto dividindo a vitimização em primária, secundária e terciária.

Em apertada síntese, de acordo com os ensinamentos expostos por Molina

e Gomes (2010, p. 75/79), a primeira categoria está ligada as vítimas que sofrem

com o evento danoso de forma direta ou indireta, sendo estes efeitos materiais ou

psíquicos, a secundária estaria ligada à intervenção do sistema legal, que promovem

ainda mais dor à vítima ao fazê-la reviver os fatos, bem como à muitas vezes serem

julgadas pela defesa como culpadas das causas do crime, por fim, a terciária faz

menção aos custos da penalização sobre quem os suporta de forma pessoal ou por

terceiros.

Partindo de tudo o aqui ostentado, apesar de longe estar de englobar a

universalidade do que envolve a vítima para a criminologia, suficiente se faz estas

breves explanações para o fim ao qual a presente pesquisa almeja, bem como de

forma rápida e clara se evidenciou os principais fatores desta disciplina da

criminologia, ou até mesmo por muitos indicada como sendo ciência autônoma.

2.4.4 Do controle social

Neste momento, adentra-se no último ponto crucial para a compreensão do

estudo da criminologia moderna, qual seja, o controle social, visto que este pode ser

compreendido como sendo as barreiras, muitas vezes impostas, para os indivíduos

que compõem a sociedade, para desta forma permitir uma convivência saudável no

meio, tentando-se evitar das mais diversas maneiras o desvirtuamento de condutas

taxadas como delituosas ou simplesmente incorretas, fora dos padrões adequados e

aceitos para a sociabilização.

46

Trata-se de padrões de comportamento, onde o indivíduo é moldado para

agir de determinada maneira, pois, caso contrário estaria ferindo preceitos daquele

meio, transgredindo normas e consequentemente merecendo punições para isto,

formando o crime.

O estudo da criminologia quanto ao controle social, baseia-se nestes

aspectos, para Calhau (2009, p. 53):

O controle social é exercido das mais variadas formas, podendo ser discreto, tênue, difuso, como o olhar de reprovação de um professor ao aluno que demonstra não ter realizado uma tarefa de pesquisa prévia quando havia uma instrução anterior, e pode chegar ao ponto de levar uma pessoa a ser presa pela prática de um delito, com a utilização da pena, instrumento mais poderoso e duro utilizado pelo Estado ao exercer o controle social formal.

Pode-se perceber que o controle social é exercido das mais diversas

maneiras, mas iniciam na infância, quando os próprios pais e familiares ensinam

para a criança o conceito de certo e de errado, o que pode e o que é vedado fazer,

colocando e impondo as condutas aprováveis e as reprováveis, sob pena de

consequências, castigos.

Assim, também ocorre na entrada na escola e no mercado de trabalho, bem

como em todos os lugares onde o indivíduo se encontra, sendo o controle social

exercido nos mais diversos meios, através de regras, normas de conduta, entre

outras maneiras de limitar o indivíduo, prevendo consequências caso não sejam

respeitadas.

Precisamente, para Molina e Gomes (2010, p. 120), “o controle social é

entendido, assim, como o conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que

pretendem promover e garantir referido submetimento do indivíduo aos modelos e

normas comunitários.”.

De acordo com o que retira-se dos ensinamentos dos autores anteriormente

citados (2010, p. 120-121), neste aspecto a criminologia age, para desta forma com

base em implementação de tais controles, prevenir o desvirtuamento dos indivíduos

e evitar o cometimento de delitos, tem um caráter fortemente preventivo, contudo

pode ser transportado para uma visão repressiva, quando o controle é rompido e o

delito objetivamente ocorre, neste sentido entra a atuação de alguns órgãos, que

visam através de sua atuação manter a ordem social e mais uma vez tentar frear o

delinquente, para que este volte à enquadrar-se nos padrões aceitos.

47

Pode-se apresentar as três principais formas de controle social difundido

pela ciência moderna da criminologia, assim Calhau (2009, p. 56), expõe de maneira

breve:

a) Com sanções formais e informais. As sanções formais são aplicadas pelo Estado. Podem consistir principalmente em sanções cíveis, administrativas ou penais. Já as sanções informais não possuem coercibilidade. b) Com meios positivos e negativos. De acordo com o meio de atuação, os meios podem ser positivos (prêmios e incentivos) ou negativos (reprovações com aplicação de sanções). Esse sistema costuma ser utilizado na educação. c) Controle interno e externo. O controle interno é também chamado de autodisciplina. Desde que somos crianças aprendemos regras sociais. Elas vão sendo internalizadas e com o passar do tempo passam a nos orientar sobre como devemos agir para cumprir as regras sociais de cada situação. Quando a autodisciplina falha, a pessoa pode ser compelida a agir por meio de controle externo. Ele pode se dar pela ação da sociedade ou até do Estado.

Sendo assim, o controle social se perfaz de diversas maneiras, sendo visível

a importância deste para a sociedade, para que todos os indivíduos que a compõem

possam viver em harmonia, pois, caso não houvesse regras o caos estaria instalado,

podendo ser considerado um dos aspectos mais importantes no estudo da moderna

criminologia, uma vez que é através dele que a mesma ganha espaço no mundo

fático, ou seja, se o objetivo é justamente evitar que o fato ocorra, nada melhor para

isto, que a realização primordial de tal controle.

Calhau (2009, p. 54), demonstra as atuações de algumas das instituições

que contribuem para o controle social dentro do sistema formal, empregando os

meios necessários para impor limites aos indivíduos, neste sentido:

Dentro do sistema formal de controle social nós encontramos o Sistema da Justiça ou Justiça Criminal, formado pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias e Administração Penitenciária, os quais exercem um papel muito expressivo na condução do controle social formal, imposto pelo Poder Público.

Ademais, apesar da importância do controle social, é uma utopia acreditar

que o mesmo irá extinguir a prática de delitos por completo, vez que, apesar de

todas essas balizas, muitos delinquentes continuam a atuarem, isto se deve à

fatores diversos, entre os quais podemos citar o enfraquecimento do controle

informal exercido pelas famílias atuais, que encontram-se por vezes

desestruturadas, não fornecendo os pilares que sustentam a criação do indivíduo

48

desde o berço, sendo cada vez mais difícil adequá-lo posteriormente em acordo com

as regras da sociedade.

Molina e Gomes (2010, p. 123-124), assim exemplificam, “não se pode

ignorar que o atual enfraquecimento dos laços familiares e comunitários explica em

boa medida a escassa confiança depositada na efetividade do controle social

informal.”.

Outrossim, o mesmo autor (2010, p. 125), afirma:

Não se pode esquecer, por último, que o incremento das taxas de criminalidade não é consequência direta do fracasso do controle social, senão de outros fatores. O controle social falha porque o crime (devido a outras causas) aumenta.

A criminologia apesar de dedicar-se profundamente ao controle social, para

que o mesmo seja efetivado de maneira competente, no intuito de evitar que o delito

ocorra, não pode por si só ser responsável pela existência em grande gama de

delitos presentes no meio social, pois, não é o único responsável por tais taxas,

havendo muitos fatores que atuam em concorrência direta.

Quando fala-se de assassinos em série, o controle social age de diversas

maneiras, primeiramente pelas balizas informais que o indivíduo recebe desde a

infância e que podem moldar seus comportamentos para evitar assim que muitos

possíveis seriais venham algum dia em sua vida à consumar suas intenções, pois,

foram desde crianças freados por todas as pessoas que o cercavam, bem como

pelas normas penais que os proíbem do cometimento de delitos, prevendo sanções.

Destarte, quando tais limites não se mostram eficazes, o controle social não

falha por si só, muitas vezes há circunstâncias particulares e específicas que

contribuem para que haja a figura de um assassino em série, muitas vezes por

psicoses ou psicopatias, transtornos esses que em momento oportuno serão melhor

demonstrados e conceituados.

Assim, finaliza-se o estudo da criminologia com estas breves, mas

fundamentais explanações, tanto de seu objetivo, seu contexto e evolução histórica,

bem como com grande ênfase à moderna criminologia, que a partir de seu estudos

com métodos empíricos, funciona como ciência de suma importância à auxiliar na

compreensão dos assassinos em série, em fundamental atenção à

49

interdisciplinaridade que à envolve, cada campo disciplinar contribuindo para o

aperfeiçoamento da percepção de seu objeto de pesquisa.

50

3 CULPABILIDADE

Com a consequente evolução lógica do tema abordado, voltado aos

assassinos em série, após o desfecho criminológico aplicado ao estudo do

fenômeno criminoso, necessário se faz o desenrolar do trabalho, para tanto avança-

se na questão da culpabilidade do agente, do delinquente propriamente dito, pois, de

suma importância fazer algumas predefinições sobre as singularidades que isto

envolve para só após aplicarmos diretamente aos assassinos em série.

Não há neste aspecto melhores palavras que as do grande e respeitado

doutrinador criminal, Capez (2015, p. 317):

Conceito: quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição da pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. (grifo do autor)

Neste contexto, a culpabilidade não faz ligação ao crime como se elemento

do mesmo fosse, visto que, para que seja analisada a culpabilidade do agente

criminoso, antes já se analisou a existência ou não do crime, da prática de um fato

ilícito, após isto que se questiona se deve o agente responder ou não pela sua

conduta criminosa, sendo assim, verifica-se a existência de etapas diversas que

devem ser observadas e respeitadas dentro do processo criminal, não podendo se

passar para a subsequente se a anterior não restou completamente compreendida e

respondida pelo profissional jurídico.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Greco (2015, p. 139):

Culpabilidade diz respeito ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Reprovável ou censurável é aquela conduta levada a efeito pelo agente que, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo.

Assim, verifica-se a culpabilidade com o grau de consciência de o agente ter

agido em conformidade com a lei, mas preferindo o fez de modo diverso,

51

qualificando assim uma conduta reprovável e que merecerá a sanção

adequadamente aplicada.

Capez (2015, p. 318), ao ensinar sobre a culpabilidade como juízo de

reprovação, complementa:

Toda vez que se comete um fato típico e ilícito, o sujeito fica passível de ser submetido a uma censura por parte do poder punitivo estatal, como se lhe dissesse: “você errou e, por essa razão, poderá ser punido”. Nesse desvalor do autor e de sua conduta é que consiste a culpabilidade.

Plenamente compreensível a análise da culpabilidade do agente e do

momento de sua aplicação, ou seja, após a verificação do cometimento do delito,

adiante faz-se necessário informar que, apesar do princípio da culpabilidade não

estar expressamente inserido no texto constitucional, ele relaciona-se com vários

que ali se encontram, para exemplificar melhor a afirmação aqui exposta, Olga

Sänchez Martínez (apud GRECO, 2015, p.140):

Mais diversos ainda são os preceitos constitucionais aos quais se atribui o implícito reconhecimento do princípio da culpabilidade. Alguns o contemplam na ideia de dignidade da pessoa humana, outros no livre desenvolvimento da personalidade, outros no valor justiça ou na segurança jurídica, também se entende contido no princípio da legalidade e na presunção de inocência, ou na configuração do Estado como social e democrático de direito, e, finalmente, no princípio da reinserção social do delinquente.

Desta forma, pode-se considerar a culpabilidade como de suma importância

o seu total respeito na hora de realizar-se o procedimento penal, como sinônimo de

aplicação da norma penal em consonância com os preceitos e princípios

constitucionais, podendo ser eles os mais variados possíveis, mas que relacionam-

se entre si.

Outro ponto de suma importância para a compreensão da culpabilidade,

conforme Gustavo Bruzzone (apud GRECO, 2015, p. 142) apresenta, é quanto aos

sentidos que pode a mesma possuir, sendo vários, mas resumidos nas declarações

que seguem:

Quando nos referimos à culpabilidade podemos fazê-lo em diferentes sentidos. Por um lado fazemos referência ao conceito de culpabilidade que se refere à fundamentação da pena em si; somente podemos aplicar uma pena ao autor de um fato típico, antijurídico e culpável. Também nos referimos à culpabilidade em relação ao fundamento para determinação da

52

pena. Não o utilizamos para fundamentar a pena em si, senão para determinar a sua graduação: gravidade, tipo e intensidade. O terceiro conceito caracteriza a culpabilidade como oposto à responsabilidade pelo resultado.”.

Em atendimento ao que foi exposto, e em conformidade com os

ensinamentos de Greco (2015, p. 140-142), pode-se concluir que o primeiro sentido

diz respeito à valoração da culpabilidade, após já ter sido identificado que o agente

praticou um injusto penal.

O segundo sentido diz respeito exclusivamente à consideração da

culpabilidade para a aplicação da pena ao agente, como “critério regulador”,

devendo o julgador observar as regras do critério trifásico do artigo 68 do Código

Penal Brasileiro (CP), que remetem ao artigo 59 do mesmo diploma, do qual segue

integra:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (BRASIL, 2015a)

E finalmente, como terceiro sentido, temos o princípio impedidor da

responsabilidade penal objetiva, daquela sem culpa, pois, para que seja o resultado

atribuído ao agente, necessário se faz a existência de culpa ou dolo por parte

daquele.

Neste sentido, Nilo Batista (apud GRECO, 2015, p. 141), “impõe a

subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma

responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre a

conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico.”.

Tem-se ainda que, são três os elementos da culpabilidade segundo o CP,

para Capez (2015, p. 326), “a) imputabilidade; b) potencial consciência de ilicitude;

c) exigibilidade de conduta diversa.”.

A seguir restará melhor demonstrado a questão relativa à imputabilidade do

agente, com a explicação de seus desdobramentos, pois, será a partir destes

ensinamentos que restará alcançado o objeto da presente pesquisa, analisando

sobre a imputabilidade de assassinos em série, quando do cometimento dos

assassinatos.

53

3.1 IMPUTABILIDADE

Iniciando o estudo da imputabilidade, com a direta ligação à culpabilidade do

agente, utiliza-se das palavras de Bitencourt (2007, p.108):

Imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável. Imputabilidade não se confunde com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve responder por suas ações.

Tem-se ainda, o doutrinador Capez (2015, p. 326), em relação ao que é a

imputabilidade e sua direta ligação com a capacidade de comando dos próprios

atos, assim dispondo:

[...] é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento.

Para que uma pessoa seja considerada imputável para a lei penal, ela deve

ter plena compreensão do caráter de ilicitude do fato que cometeu ou que esteja

prestes à cometer, bem como de poder determinar-se de acordo com essa

compreensão, devendo estas duas características estarem presentes de forma

conexas, pois, caso isto não ocorra, não pode o mesmo responder por seus atos,

pelo menos, de forma integral.

Sanzo Brodt (apud GRECO, 2015, p. 448):

A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder ‘prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social’, deve ter, pois, ‘a percepção do significado ético-social do próprio agir’. O segundo, a ‘capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal.

54

Estando todas essas particularidades presentes, pode e deve o agente ser

considerada imputável, devendo assim ser aplicada a sanção penal à ele

estabelecida previamente na lei penal.

Contudo, muitas vezes não é isto que ocorre, conforme o presente estudo

diz respeito ao assassinos em série, restará demonstrado que a imputabilidade de

tais agentes criminosos por muitas vezes não é verificada, e quando isto ocorre, o

tratamento a ser dispensado aos mesmo é diverso, pois, possui um objetivo

específico, nesta linha partindo do princípio constitucional da igualdade, onde é

saber difundido, que deve-se tratar os iguais de forma igual, mas os desiguais de

forma desigual, por critérios óbvios de justiça.

Compreendido o até aqui fundamentado, é necessário frisar o que ocorre

quando o agente não apresenta em si todos os necessários atributos para ser

considerado plenamente imputável, neste sentido, há as causas dirimentes, que,

segundo Capez (2015, p. 326), “são aquelas que excluem a culpabilidade. Diferem

das excludentes, que excluem a ilicitude e podem ser legais e supralegais.”.

3.1.1 Inimputabilidade

Parte-se da premissa que todo agente é imputável, porém, podem ocorrer

causas que vão excluir esta imputabilidade, tornando-o inimputável, não verificando-

se, desta forma, a existência da culpabilidade e consequentemente não podendo a

pena estabelecida na lei ser aplicada, neste sentido os estudos e conclusões que

seguem.

Estabelece o CP:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (BRASIL, 2015a)

Ou seja, pode-se citar como causas de inimputabilidade, a doença mental, o

desenvolvimento mental incompleto ou retardado e ainda, a maturidade penal dos

menores de 18 anos, sendo nos dois primeiros casos, para que sejam considerados

inimputáveis, devem os agentes ser inteiramente incapazes de entender o caráter

55

ilícito da conduta, ou, mesmo que o entendam, não conseguem determinar-se de

acordo com referido entendimento, pois, caso esta incapacidade de compreensão ou

de autodeterminação seja apenas relativa, haverá apenas uma diminuição da pena,

que em momento oportuno será melhor embasado.

Neste liame, as sábias palavras de Bitencourt (2007, p.108), vem ao

encontro do aqui disposto:

A falta de sanidade mental ou a falta de maturidade mental, que é a hipótese da menoridade (18 anos), podem levar ao reconhecimento da inimputabilidade, pela incapacidade de culpabilidade. Podem levar, dizemos, porque a ausência dessa sanidade mental ou dessa maturidade mental constitui um dos aspectos caracterizadores da inimputabilidade.

Quando precisa-se analisar o caso concreto, diante das causas de exclusão

da imputabilidade por sanidade mental, faz-se necessário uma breve distinção entre

as três hipóteses apresentadas pela lei, para tanto, parte-se dos ensinamentos de

Capez (2015, p. 327-328):

Doença mental é perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou afetar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc.

Contudo, a expressão ‘doença mental’ sofreu e sofre muitas críticas de

profissionais da medicina, pois, estes inclinam sua opinião para a expressão

‘alienação mental’, porém, o doutrinador Nélson Hungria (apud GRECO, 2015, p.

449), explica melhor os motivos dos legisladores, no meio jurídico, terem optado por

empregar no texto da lei, como critério de inimputabilidade, a palavra doença e não

alienação:

O título ‘alienação mental’, ainda que tivesse um sentido incontroverso em psiquiatria, prestar-se-ia, na prática judiciária, notadamente no tribunal de juízes de fato, a deturpações e mal-entendidos. Entre gente que não cultiva a ciência psiquiátrica, alienação mental pode ser entendida de modo amplíssimo, isto é, como todo estado de quem está fora de si, alheio a si, ou de quem deixa de ser igual a si mesmo, seja ou não por causa patológica. [...] A preferência pela expressão ‘doença mental’ veio de que esta, nos tempos mais recentes, já superado em parte o critério de classificação a que aludia Gruhle, abrange todas as psicoses, quer orgânicas e tóxicas, quer as funcionais (funcionais propriamente ditas e sintomáticas), isto é, não só as resultantes de processo patológico instalado no mecanismo cerebral precedentemente são (paralisia geral progressiva, sífilis cerebral, demência

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senil, arteriosclerose cerebral, psicose traumática etc.) e as causadas por venenos ab externo (alcoolismo, morfinismo, cocainismo, saturnismo etc.) ou toxinas metabólicas (consecutivas a transtornos do metabolismo produzidos por infecções agudas, enfermidades geral etc.), como também as que representam perturbações mentais ligadas ao psiquismo normal por transições graduais ou que assentam, como diz Bumke, muito verossimilmente sobre anomalias não tanto da estrutura quanto da função do tecido nervoso ou desvios puramente quantitativos, que nada mais traduzem que variedades da disposição física normal, que correspondem funcionalmente desvios da normal conduta psíquica (esquizofrenia, loucura-circular, histeria paranoia).

Tais palavras, anteriormente citadas, esclarecem de forma segura, tanto a

opção por adotar o termo doença, quanto o que esta expressão engloba e quais são

as doenças mentais que podem resultar na exclusão da culpabilidade do agente,

tornando-o isento de pena, ou ao menos reduzindo esta.

Outro motivo que traz a inimputabilidade ao agente, é em relação ao

desenvolvimento mental incompleto ou retardado que o mesmo possa vir à

apresentar, sendo o primeiro, conforme Bitencourt (2007, p. 109):

Desenvolvimento mental incompleto, por sua vez, é aquele que ainda não se concluiu, abrangendo os surdos-mudos e os silvícolas inadaptados, em cujos casos a psicopatologia forense determinará, em cada caso concreto, se a anormalidade produz a incapacidade referida pela lei. A menoridade é o exemplo mais eloquente de desenvolvimento mental incompleto, mas, por presunção legal absoluta, está fora da imputabilidade.

Já, em relação ao desenvolvimento mental retardado, conforme Capez

(2015, p. 329), “é o incompatível com o estágio de vida em que se encontra a

pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para aquela idade

cronológica.”.

Em contrapartida ao que ocorre no desenvolvimento incompleto, que diz

respeito à real fase da vida do agente ou do conhecimento da realidade, no

desenvolvimento retardado, este condiz à capacidade do agente que não verifica-se

como o esperado e condizente para a sua faixa etária, podendo citar como

exemplos, segundo Bitencourt (2007, p. 109), “compreende-se a oligofrenia, em

suas formas tradicionais – idiotia, imbecilidade e debilidade mental.”.

Adentrando ao quesito de inimputabilidade por menoridade penal, nos

termos do artigo 27 anteriormente citado, tem-se uma questão puramente legal e

técnica, onde presume-se o desenvolvimento mental incompleto, neste sentido, vem

ao encontro os ensinamentos de Bitencourt (2007, p. 108):

57

A imaturidade mental, isoladamente, esgota o conceito de imputabilidade, porque, por presunção legal, o menor de dezoito anos é mentalmente imaturo e consequentemente, incapaz de culpabilidade. Nessa hipótese, é suficiente que se faça a comprovação da idade do menor, isto é, do aspecto puramente biológico.

Superada estas conceituações básicas das causas de inimputabilidade do

agente, necessário se faz à introdução dos critérios utilizados para aferir estas

excludentes de culpabilidade, quais sejam, o sistema biológico, o sistema

psicológico e o biopsicológico.

Utilizando os ensinamento de Capez (2015, p. 329-330), faz-se a seguir

breve síntese quanto ao que vem a ser tais critérios.

Assim sendo, quando diante do sistema biológico, necessário apenas a

verificação de ser o agente portador de alguma doença mental, ou de

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não sendo neste ponto verificado

a possibilidade de ter esta anomalia retirado ou não a capacidade de

autodeterminação do agente diante do delito, há uma presunção de

inimputabilidade.

Como exceção, quanto aos menores de 18 (dezoito anos), este

desenvolvimento incompleto presume de fato a incapacidade de entendimento do

caráter ilícito da norma e da vontade em autodeterminar-se em relação à tal, não

sendo necessário qualquer outro exame a respeito.

O critério psicológico, faz menção à parte final do artigo 26 do CP, ou seja,

não importa se está presente alguma anormalidade ou perturbação mental do

agente, mas apenas se no momento da ação ou omissão delituosa ele possuía, ou

não, condições de saber o caráter ilícito do fato e de autodeterminar-se em relação à

referido entendimento.

Contudo, ainda conforme Capez (2015, p. 330), o sistema adotado como

regra no direito penal brasileiro é o biopsicológico:

Sistema biopsicológico: combina os dois sistemas anteriores, exigindo que a causa geradora esteja prevista em lei e que, além disso, atue efetivamente no momento da ação delituosa, retirando do agente a capacidade de entendimento e vontade. Dessa forma, será inimputável aquele que, em razão de uma causa prevista em lei (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), atue no momento da prática da infração penal sem capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

58

O mesmo autor (2015, p. 330), ainda apresenta os requisitos para que seja

aplicado o sistema biopsicológico:

a) Causal: existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que são as causas previstas em lei. b) Cronológico: atuação ao tempo da capacidade de entender ou da capacidade de querer. c) Consequencial: perda total da capacidade de entender ou da capacidade de querer. Somente haverá inimputabilidade se os três requisitos estiverem presentes, à exceção dos menores de 18 anos, regidos pelo sistema biológico. (grifo do autor)

Por fim, tem-se outra causa que pode verificar-se forte o suficiente para

excluir a culpabilidade do agente, qual seja, a embriaguez, no entanto, por não ser

objetivo da presente pesquisa, será tecido apenas alguns aspectos referentes à tal

forma, sem maiores aprofundamentos.

Para configurar a exclusão da culpabilidade deve a embriaguez ser

completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, neste liame, Frederico

Marques (apud CAPEZ, 2015, p. 335-336), “na embriaguez fortuita, a alcoolização

decorre de fatores imprevistos, enquanto na derivada de força maior a intoxicação

provém de força externa que opera contra a vontade de uma pessoa, compelindo-a

a ingerir a bebida.”.

Ainda, segundo Capez (2015, p. 336), em relação à embriaguez incidental,

“quando completa, exclui a imputabilidade, e o agente fica isento de pena; quando

incompleta, não exclui, mas permite a diminuição da pena de 1/3 a 2/3, conforme o

grau de perturbação.”.

Por conseguinte, passa-se aos casos onde, apesar de não verificar-se a

inimputabilidade pela exclusão total da culpabilidade, há a incidência e aplicação da

semi-imputabilidade, que no caso dos assassinos em série, pode igualmente ser

verificada.

3.1.2 Semi-imputabilidade

Quando ao agente não é dispensado o tratamento legal da completa

imputabilidade, ou ainda, da completa inimputabilidade, verifica-se um meio termo,

neste sentido, de maneira a ensejar uma redução da pena aplicada.

59

Assim, novamente citando-se os preceitos do CP:

Art. 26 [...] Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 2015a)

Para Capez (2015, p. 340), a semi-imputabilidade é compreendida como

sendo:

A perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado. Alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais.

Constata-se uma similitude da semi-imputabilidade com a inimputabilidade,

residindo a diferença apenas no grau de entendimento do fato ilícito e da

autodeterminação em relação à este, a qual, se verificada completa isenta o agente

de pena e se parcial apenas diminui a mesma, ou ainda, podendo ser a mesma

substituída por medidas de segurança conforme mostre-se apropriada ao caso e

adequado ao fim de reeducação e ressocialização, se possível.

Assim sendo, em relação à consequência jurídica da semi-imputabilidade,

Capez (2015, p. 340):

Não exclui a imputabilidade, de modo que o agente será condenado pelo fato típico e ilícito que cometeu. Constatada a redução na capacidade de compreensão ou vontade, o juiz terá duas opções: reduzir a pena de 1/3 a 2/3 ou impor medida de segurança (mesmo aí a sentença continuará sendo condenatória). A escolha por medida de segurança somente poderá ser feita se o laudo de insanidade mental indicá-la como recomendável, não sendo arbitrária essa opção. Se for aplicada pena, o juiz estará obrigado a diminuí-la de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação, tratando-se de direito público subjetivo do agente, o qual não pode ser subtraído pelo julgador.

Conforme o mesmo autor expõe em sequência lógica, (2015, p. 340), há

ainda no parágrafo único do artigo 26 do CP, a supressão da expressão ‘doença

mental’, substituída por ‘perturbação da saúde mental’, sendo esta última

60

representada apenas por uma turbação na capacidade do agente, atenuando suas

consequências em relação ao comportamento do indivíduo delituoso.

A partir de tudo o até este momento exposto no presente trabalho,

esclarecido sobre a culpabilidade, a imputabilidade e consequentemente a

inimputabilidade e a semi-imputabilidade, necessário se faz algumas colocações

quanto ao momento processual para que se realize as perícias que determinarão o

grau de culpabilidade do agente.

3.2 INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL

Primeiramente, após o cometimento do delito inicia-se a ação penal, que no

caso dos assassinos em série é a pública incondicionada à representação da vítima,

até pelo fato de a maioria das vezes todas encontrarem-se mortas.

Sendo o delinquente processado pelo crime de homicídio, conforme o CP

expõe no artigo 121, “matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos”.

(BRASIL, 2015a).

Para Nucci (2010, p. 61), a ação penal, “é o direito do Estado-acusação

(Ministério Público) ou do ofendido de ingressar em Juízo, solicitando a prestação

jurisdicional, representada pela aplicação da lei penal ao caso concreto.”.

Quando verificado que o assassino em série, ou qualquer outro agente,

possa ser portador de alguma doença mental, abre-se espaço para o incidente de

insanidade mental, requerendo-se perícia para constatar sobre a imputabilidade do

mesmo, refletindo assim, seu resultado, no deslinde à ser tomado na continuidade

da ação penal.

Conforme Nucci (2010, p. 131):

Trata-se do procedimento incidente instaurado para apurar a imputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado, levando-se em consideração a sua capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato praticado ou de se determinar de acordo com tal entendimento. Constatada a inimputabilidade, o réu deve ser absolvido (a denominação absolvição sumária), aplicando-se lhe medida de segurança. Se for considerado semi-imputável, deve ser condenado, com a pena diminuída.

Ou seja, quando for levantada qualquer dúvida sobre a integridade mental

do autor do delito, deve ser requerido, por meio do incidente, a realiza da perícia

61

apta em constatar sua sanidade, pois, só com base em um laudo médico,

psiquiátrico, que o pode o juiz verificar a imputabilidade do mesmo.

O Código de Processo Penal (CPP) refere-se claramente em relação ao

incidente no processo, bem como, quem são as pessoas legitimadas para requerê-

lo:

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal. § 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente. § 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento. (BRASIL, 2015b)

Contudo, deve-se levar em consideração para que se inicie o incidente, que

haja dúvidas razoáveis quanto à insanidade do acusado, assim, não sendo qualquer

indício no processo que vai autorizar que o mesmo se proceda, inclusive para evitar

que seja o processo estendido demasiadamente por tática da defesa.

Ao encontro do acima dito, Nucci (2009, p. 335):

É preciso que a dúvida a respeito da sanidade mental do acusado ou indiciado seja razoável, demonstrativa de efetivo comprometimento da capacidade de entender o ilícito ou de determinar-se conforme esse entendimento. Crimes graves, réus reincidentes ou com antecedentes, ausência de motivo para o cometimento da infração, narrativas genéricas de testemunhas sobre a insanidade do réu, entre outras situações correlatas, não são motivos suficientes para a instauração do incidente.

Ainda, conforme extrai-se dos ensinamentos do mesmo autor (2009, p. 336),

quando o exame ocorre ainda na fase policial, investigatória, esta se dá por

representação da autoridade policial, que por si só não possuí competência para

determiná-lo, e caso isso ocorra, comprovando-se a inimputabilidade do indiciado,

pode o representante do Ministério Público (MP), no momento do oferecimento da

denúncia requerer, desde logo, a aplicação de medida de segurança, implicando

assim, na absolvição sumária, lembrando que em nenhum momento o incidente

implica em suspensão da prescrição.

Porém, deve-se atenção especial ao fato de ser o indiciado considerado

inimputável, pois, isto por si só não implica na imposição de medida de segurança,

62

devendo seguir o devido processo legal, conforme o texto da lei, através de curador,

afirmação esta com base nas palavras de Bitencourt (2007, p. 110):

A comprovação da inimputabilidade do agente, porém, não é suficiente para aplicar-se a medida de segurança. É preciso que se comprove que essa inimputabilidade, no caso concreto, é a causa da absolvição, ou seja, que a inimputabilidade é o fundamento da absolvição. Alguém recebe medida de segurança, por exemplo, porque, nas condições em que se encontra, não pode receber pena, ou seja, receberia pena se fosse imputável.

Adiante, o CPP:

Art. 150. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar. § 1o O exame não durará mais de quarenta e cinco dias, salvo se os peritos demonstrarem a necessidade de maior prazo. § 2o Se não houver prejuízo para a marcha do processo, o juiz poderá autorizar sejam os autos entregues aos peritos, para facilitar o exame. (BRASIL, 2015b)

Novamente reproduzindo os ensinamentos de Nucci (2009, p. 337), o autor

coloca que, atualmente o CP não utiliza mais a terminologia “manicômio judiciário” e

sim, “hospital de custódia e tratamento”, mas na prática não altera-se nada, sendo

este local similar ao regime fechado, não possuindo o internado liberdade para ir e

vir, porém, há condições de iniciar seu tratamento, bem como realizar os exames,

permanecendo durante a instrução se o acusado já estava preso, ou ainda, quanto

ao acusado solto se requerer os peritos, será internado em estabelecimento

adequado, sendo considerado constrangimento ilegal manter um doente mental em

presídio comum.

Ainda, o CP em seu artigo 99 dispõe quanto aos direitos do internado, que,

“o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares

e será submetido a tratamento.” (BRASIL, 2015a)

Por fim, de acordo com o que concerne saber sobre o incidente de

insanidade mental para o objetivo buscado na pesquisa, tem-se o artigo 151 do

CPP, que dispõe, “se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da

infração, irresponsável nos termos do art. 22 do CP, o processo prosseguirá, com a

presença do curador.”. (BRASIL, 2015b)

Ressalta-se que onde traz o artigo 22, trata-se do atual artigo 26 do CP.

63

Lembrando que o aqui analisado demonstra apenas os casos onde a

sanidade mental é questionada em relação à época do cometimento do delito, ou

seja, dos assassinatos, pois, pode ser a insanidade verificada no decurso do

processo, porém, tal fato não é aproveitável para a presente pesquisa.

Adiante, aprofundar-se-á as peculiaridades quanto às sanções aplicadas aos

agentes delituosos, sendo estas, as penas estabelecidas na lei ou ainda as medidas

de segurança, bem como, quando cada uma deverá ser administrada.

Para findar o exposto, adiante segue figura esquemática em relação ao

procedimento do incidente de insanidade mental, assim melhor exemplificando tudo

o até este momento colocado, conforme figura 01.

Figura 01 – Incidente de insanidade mental

Fonte: Nucci, 2010, p. 137.

3.3 SANÇÕES

Após verificada a ocorrência de um fato típico, ilícito e culpável, sendo

conhecida a autoria e tendo uma sentença condenatória, é consequência legal a

aplicação de uma sanção, podendo esta ser de duas especiais, quais sejam, a pena

e a medida de segurança, cada qual dedicada à um fim específico.

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Neste sentido, passa-se à analisar detalhadamente cada uma das espécies

de sanções, pois, diretamente ligado este ensinamento com o objetivo no qual se

desenvolve a pesquisa.

3.3.1 Das penas

As penas estão presentes no seio da sociedade deste tempos primórdios,

sendo aplicada sempre que uma regra pré-determinada era violada por um agente

que deveria ter a respeitado, surgindo na história várias leis à esse respeito.

Primeiramente, para poder-se compreender de forma satisfatória tudo o que

envolve a aplicação de uma pena como forma de reprimenda ao delinquente, passa-

se ao conceito do que vem a ser esta espécie de sanção, para isto, Capez (2015, p.

378-379):

Conceito de pena: sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (grifo do autor)

Este conceito é bem amplo e tenta de maneira clara englobar todos os

aspectos que envolvem a aplicação de uma pena, sendo esta imposta pelo Estado

de modo que traga uma resposta das infrações cometidas por seus tutelados, com o

fim não apenas de punir, mas também como forma de ressocialização e evitar a

reincidência do indivíduo através desta advertência.

Neste liame, válidas palavras de Cesare Beccaria (2006, p. 49), ao afirmar

que, “a finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem

desfazer um crime que já está praticado”, devendo assim, as penas ser aplicadas

aos delitos de forma proporcional, para reprimir a infração e possibilitar que atinja o

seu fim ressocializador, mesmo que por vezes isto falhe no mundo fático.

Outro aspecto importante que deve ser frisado quando do estudo das penas,

é a sua aplicação em respeito aos princípios expressos e implícitos na Constituição

Federal (CF), bem como o respeito à algumas vedações que verificam-se de suma

importância em um Estado democrático de direito.

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Assim, exemplifica de forma sintética, Bitencourt (2007, p. 136-137), sobre

os princípios da sanção penal e as caraterísticas presentes na pena:

a) Legalidade – a pena deve ser cominada por lei anterior ao fato (art. 5º, XXXIX, da CF; art. 1º do CP); b) individualização – a pena deve ser individualizada em cada caso concreto, segundo a culpabilidade do infrator (art. 5ª, XLVI, da CF); c) personalidade – nenhuma pena poderá passar da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, da CF); d) proporcionalidade – proporcional ao crime e nos limites da culpabilidade; e) humanidade – o Estado não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou lesionem a constituição físico-psíquica do condenado. Esse princípio fundamenta a proibição da pena de morte, da prisão perpétua e de quaisquer penas cruéis ou infamantes, de tortura e de maus-tratos.

Ademais, há de se adentrar nas finalidades da pena, com análise na lei

penal vigente, vez que tais funções incumbidas à aplicação desta sanção podem ser

compreendidas através de três teorias, das quais restará melhor compreendido nos

ensinamentos que seguem.

Para Capez (2015, p. 379), as três teorias podem ser resumidas nos

parágrafos seguintes:

a) Teoria absoluta ou da retribuição: a finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (punitur quia peccatum est). b) Teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção: a pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime (punitur ne peccetur). A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinquir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinquem porque têm medo de receber a punição). c) Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliatória: a pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (punitur quia peccatum est et ne peccetur). (grifo do autor)

Ou seja, as penas possuem o caráter absolutista quando tem o fim em si

próprias, independentes do meio social, daí o seu caráter de retribuição, pois, visam

tão somente impor outro mal em resposta à transgressão do agente delituoso, para

que assim chegue-se à falsa sensação de justiça, esta teoria pode ser verificada

com grande aplicação no início das primeiras sociedades, tanto que conforme já foi

anteriormente explanado surgiu a escola da criminologia clássica, contudo, pode-se

verificar que em tempos atuais muitas pessoas ainda identificam seus pensamentos

com ela.

66

Em contrapartida, a teoria relativa se baseia e fundamenta na prevenção do

delito, a pena deixa de ser um fim em si, e passa a possuir um propósito social,

havendo a prevenção especial direcionada ao agente criminoso e uma prevenção

social voltada ao ambiente.

Em outras palavras, as grandes contribuições de Ferrajoli (apud GRECO,

2015, p. 537):

São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como ‘castigo’,’ reação’, ‘reparação’ ou, ainda, ‘retribuição’ do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, ‘relativas’ todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos.

Contudo, a teoria adotada pelo direito brasileiro está representada na

terceira hipótese, sendo mista, onde unifica as duas teorias anteriores, podendo tal

conclusão se dar pela análise do artigo 59 do CP, em teor que segue:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (grifo meu) (BRASIL, 2015a)

Para concluir tal afirmação, as palavras de Santiago Mir Puig (apud GRECO,

2015, p. 36), que vem à esse encalço, “a retribuição, a prevenção geral e a especial

são distintos aspectos de um fenômeno complexo da pena.”.

Vencido estas características e finalidades da pena, passa-se ao estudo de

cada uma das espécies dela, para isto o CP assim preceitua:

Art. 32 - As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa. (BRASIL, 2015a)

A priori, quando fala-se de penas privativas de liberdade são estas as mais

lembradas por integrantes da sociedade, porém, fugindo desta visão leiga, tem-se

que respectiva espécie de pena é dividida, por sua vez, em pena de reclusão e de

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detenção, cada qual com suas peculiaridades e implicações legais, bem como à

pena de prisão simples destinada às contravenções penais.

Pertinente se faz o texto do artigo primeiro da Lei de Introdução ao Código

Penal (LICP):

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (grifo meu) (BRASIL, 2015c)

Assim sendo, entendido a existências de três espécies de pena privativa de

liberdade, quais seja, reclusão, detenção e prisão simples, tem-se que, segundo

Greco (2015, p. 545):

A pena privativa de liberdade vem prevista no preceito secundário de cada tipo penal incriminador, servindo à sua individualização, que permitirá a aferição da proporcionalidade entre a sanção que é cominada em comparação com o bem jurídico por ele protegido.

Sendo assim, pode-se concluir que a pena restritiva de liberdade conforme o

próprio nome induz, delimita o direito de liberdade do agente que praticou o tipo

penal, porém, de forma proporcional a mesma deve ser aplicada, atendendo aos

preceitos estabelecidos na norma penal, não podendo ser arbitrária e nem

discricionária, pois, apesar de haver certa autonomia para o juiz em estabelecer o

quantum de pena a ser aplicado, este encontra-se restringido ao estabelecido em

cada tipo penal, bem como ao atendimento dos critérios de fixação da pena.

Bitencourt (2007, p. 138), expõe brilhantemente em relação à forma de cada

regime a ser aplicado, assim, “a reclusão destina-se aos crimes mais graves, e

somente esta pode iniciar em regime fechado. A detenção está reservada para os

crimes de menor gravidade e jamais poderá iniciar seu cumprimento em regime

fechado (art. 33, caput, do CP).”, percebendo-se que o regime está diretamente

ligado ao grau de reprovabilidade da conduta do agente delinquente.

Sendo assim, quando fala-se do regime de cumprimento das penas

restritivas de liberdade, são estes três, quais sejam, regime fechado, regime

semiaberto e, por fim, regime aberto, valendo-se para sua aplicação dos

ensinamentos a seguir, conforme Quadro 01.

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Quadro 01 – Das penas privativas de liberdade

DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

RECLUSÃO DETENÇÃO

Regime inicial fechado: pena aplicada superior a 8 anos Regime inicial semiaberto: pena maior que 4 anos e não superior a 8 anos Regime inicial aberto: 4 anos ou menos Réu reincidente: a lei diz que o regime inicial fechado é obrigatório, mas a Súmula 269 do STJ diz que o juiz poderá fixar o semiaberto se a pena aplicada ao reincidente não exceder a 4 anos Circunstâncias judiciais desfavoráveis: juiz pode impor regime inicial fechado (é discricionário)

Regime inicial semiaberto: pena aplicada superior a 4 anos Regime inicial aberto: pena igual ou inferior a 4 anos Réu reincidente: semiaberto Circunstâncias judiciais desfavoráveis: juiz pode impor regime inicial semiaberto (faculdade)

Fonte: Capez, 2015, p. 382

A partir do anteriormente exposto, vale ainda dizer que, o regime inicial de

cumprimento da pena deve estar estabelecido na sentença condenatória do

delinquente, conforme preceitua a Lei de Execução Penal (LEP), em seu artigo 110,

“o juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o

cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33 e

seus parágrafos do Código Penal.” (BRASIL, 2015d)

Ademais, tem-se a progressão dos regimes de cumprimento da pena

privativa de liberdade, neste sentido, Greco (2015, p. 561):

O §2º do art. 33 do Código Penal determina que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado. A progressão é um misto de tempo mínimo de cumprimento de pena (critério objetivo) com mérito do condenado (critério subjetivo). A progressão é uma medida de política criminal que serve de estímulo ao condenado durante o cumprimento da pena. A possibilidade de ir galgando regimes menos rigorosos faz com que os condenados tenham a esperança de retorno paulatino ao convívio social.

Ultrapassado esta espécie de pena, com as características fundamentais

dispensadas à mesma, adentra-se no estudo quanto da pena restritiva de direitos

que vem como forma alternativa do Estado em responder aos agentes infratores,

sua aceitação pelo meio jurídico se dá principalmente pelo fato de a ressocialização

de penas carcerárias não atender ao papel do qual se dispunha.

Greco (2015, p. 599), faz uma breve e convicta introdução:

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Se apena é um mal necessário, devemos, num Estado Social e Democrático de Direito, buscar aquela que seja suficientemente forte para a proteção dos bens jurídicos essenciais, mas que, por outro lado, não atinja de forma brutal a dignidade da pessoa humana. As raízes iluministas do princípio da proporcionalidade fazem com que hoje, passados já três séculos, colhamos os frutos de um direito penal que visa ser menos cruel e procura observar os direitos fundamentais do homem.

As penas restritivas de direito estão enumeradas no artigo 43 do CP, rol este

ampliado pela Lei nº 9.714/98, em texto que segue:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (VETADO)

IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana. (BRASIL, 2015a)

Contudo, conforme pacífico na doutrina, apesar de a redação legal elencar

cinco tipos restritivos, esse rol é ampliado em respeito às subdivisões existentes na

“interdição temporária de direitos”, conforme bem coloca Luiz Flávio Gomes (apud

GRECO, 2015, p. 603):

Se considerarmos que a interdição temporária de direitos subdivide-se doravante em quatro (proibição do exercício de cargo, proibição do exercício de profissão, suspensão da habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados lugares), já chegamos a nove. A última sanção cominada é a prestação de outra natureza – art. 45, §2º.

Tem-se ainda, segundo os ensinamentos de Greco (2015, p. 603), que as

penas restritivas de direito, apesar de na lei penal ser apresentadas como

autônomas, isto se deu somente com a edição da Lei nº 11.343/2006, pois, antes

não havia hipóteses onde houvesse exclusivamente a restrição de direitos no

preceito secundário do tipo penal, o mesmo autor complementa, “tais penas, agora,

como regra, são substitutivas, ou seja, primeiramente aplica-se a pena privativa de

liberdade e, quando possível, presentes os requisitos legais, procede-se à sua

substituição.”.

Assim sendo, as penas restritivas de direito, para que possam ser

substituídas, necessitam necessariamente atender à alguns requisitos, estes

estabelecidos no CP:

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Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (BRASIL, 2015a)

Devendo ainda, tais critérios serem cumulativos, ou seja, todos estarem

presentes para que se possa realizar a substituição da pena, bem como, há a

possibilidade de conversão das penas restritivas de direito novamente em restritivas

de liberdade, segundo o que dispõe Greco (2015, p. 617), isso “quando ocorrer o

descumprimento injustificado da restrição imposta.”.

Ainda, quanto ao momento para realização da substituição por penas

restritivas de direito, Bitencourt (2007, p. 169), bem coloca:

a) Na sentença condenatória – ao fixar a pena definitiva, o juiz, verificando a quantidade de pena (não superior a quatro anos) ou a natureza do crime (culposo), constatando a presença dos requisitos legais, deve fazer a substituição por uma pena restritiva (art.59, IV); b) durante a execução – condenado que não obtiver a substituição na condenação poderá ter um anova oportunidade durante a execução, mediante “conversão” (art. 180 da LEP).

Por fim, mas não menos importante, tem-se a pena alternativa de multa,

sendo uma das três modalidades cominadas pelo CP, assim sendo, conforme Vera

Regina de Almeida Braga (apud GRECO, 2015, p. 619):

A pena de multa constitui uma modalidade de pena pecuniária, imposta pelo Estado às pessoas condenadas pela prática de infrações penais. Trata-se de uma retribuição não correspondente ao valor do dano causado, considerada como sanção de natureza patrimonial, por representar pagamento em dinheiro por determinação judicial, em virtude de sentença condenatória.

Referida pena de multa será direcionada ao fundo penitenciário, e será

aplicada conforme os critérios do CP:

Art. 44. [...] § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a

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pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. (BRASIL, 2015a)

A partir destas explanações quanto à pena, tratando-se de espécie de

sanção penal, passa-se à segunda variedade, que é a imposição de medidas de

segurança.

3.3.2 Das medidas de segurança

A questão das medidas de segurança é de suma importância para a

presente pesquisa, vez que, conforme em momento oportuno restará melhor

demonstrado, os assassinos em série, por vezes necessitarão que esta modalidade

de sanção lhes seja aplicada.

Quanto ao conceito e finalidade da medida de segurança, sendo estes dois

aspectos tratados juntos, pois, complementam-se, melhores palavras não há para

substituir os ensinamentos de Capez (2015, p. 466):

Conceito: sanção penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinquir. Finalidade: é exclusivamente preventiva, visando tratar o inimputável e o semi-imputável que demonstram, pela prática delitiva, potencialidade para novas ações danosas. (grifo do autor)

Ou seja, a imposição de medida de segurança pelo Estado possui um

caráter de prevenção para a sociedade, como forma de coibir que um agente

delituoso, seja por inimputabilidade ou em alguns casos por semi-imputabilidade,

permanecem no convívio social se apresentarem potencialidade para oferecer novos

perigos, porém, sem deixar de firmar o posicionamento de ser a mesma uma forma

de tratamento para o próprio indivíduo.

Neste segundo aspecto e finalidade, as palavras de Basileu Garcia (apud

GRECO, 2015, p. 754):

As medidas de segurança não traduzem castigo. Foram instituídas ao influxo do pensamento da defesa coletiva, atendendo à preocupação de

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prestar ao delinquente uma assistência reabilitadora. À pena – acrescenta-se – invariavelmente se relaciona um sentimento de reprovação social, mesmo porque se destina a punir, ao passo que as medidas de segurança não se voltam à pública animadversão, exatamente porque não representam senão meios assistenciais e de cura do indivíduo perigoso, para que possa readaptar-se à coletividade.

Conforme ensinamentos doutrinários, tem-se que o Sistema Penal a partir

da reforma de 84, deixou de utilizar o sistema duplo binário, que conforme Bitencourt

(2007, p. 323), “eliminou definitivamente a aplicação dupla de pena e medida de

segurança para os imputáveis e semi-imputáveis”, por lesão ao princípio ne bis in

idem, pois, conforme o mesmo autor, os fins das mesmas são distintos e não

poderia, desta maneira, o mesmo indivíduo suportar duas consequências pelo

mesmo fato.

Atualmente, o sistema aplicado às sanções é o vicariante, seguindo os já tão

citados ensinamentos, Bitencourt (2007, p. 323), assim explica:

Atualmente, o imputável que praticar conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, a medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado “fronteiriço”, sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário. As circunstâncias pessoais do infrator semi-imputável é que determinarão qual a resposta penal de que este necessita: se o seu estado pessoal demonstrar necessidade maior de tratamento, cumprirá medida de segurança; porém, se, ao contrário, este estado não se manifestar no caso concreto, cumprirá a pena correspondente ao delito praticado, com a redução prevista (art. 26, parágrafo único).

Estritamente vedado a aplicação das duas espécies de sanções para o

mesmo agente delituoso na prática de um mesmo delito, pois, impossível se torna

para a legislação penal a dupla condenação pelo mesmo fato, levando-se em

consideração que essas espécies não se complementam, pelo contrário, possuem

fins e objetivos diversos, devendo caso o indivíduo seja imputável ser-lhe aplicado a

pena correspondente, caso seja inimputável, atendendo sua periculosidade, ser-lhe-

á aplicado a medida de segurança mais apropriada, e no caso fronteiriço,

considerado o agente semi-imputável, conforme recomendações do perito, será

aplicada a pena com a diminuição correspondente ou, de forma excepcional, a

medida de segurança, neste último exemplo devendo ser considerado a

necessidade caso a caso.

Lembrando, que todos os princípios anteriormente comentados, que eram

dispensados às penas, devem aqui também ser aplicados.

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São duas as espécies de medidas de segurança, conforme o CP:

Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. (BRASIL, 2015a)

Havendo estas duas possibilidades, a primeira claramente mais grave do

que a segunda, será, conforme a necessidade de tratamento, aplicado uma ou outra,

conforme ensinamentos de Capez (2015, p. 467), sendo a internação uma medida

detentiva de acordo com o art. 97 do CP e o tratamento ambulatorial uma medida

restritiva em teor do mesmo artigo já citado, devendo ainda estar estabelecido tal

escolha quando da decisão proferida pelo juiz.

Neste liame, de suma importância as pontuações de Greco (2015, p. 756),

ao dispor sobre essas duas opções, bem como aos critérios de escolhas para que

isto de perfaça:

O juiz que absolver o agente, aplicando-lhe medida de segurança, deverá, na sua decisão, optar pelo tratamento que mais se adapte ao caso, ou seja, se for necessária a internação do inimputável, já o determinará; se o tratamento ambulatorial for o que melhor atender à situação do agente, este deverá ser imposto na decisão. O art. 97 do Código Penal aduz ainda que, se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. Entendemos que, independentemente dessa disposição legal, o julgador tem a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável, não importando se o fato definido como crime é punido com pena de reclusão ou de detenção.

Assim sendo, cabe ao juiz, baseado em laudos periciais, estabelecer a

medida de segurança à qual vai o agente cumprir, escolhendo aquela que mostrar-

se mais eficaz ao caso concreto.

Podendo ainda, conforme artigo 97, §4º do CP, “em qualquer fase do

tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa

providência for necessária para fins curativos.” (BRASIL, 2015a), porém, não

podendo o contrário ocorrer, de acordo com Bitencourt (2007, p. 469), “o contrário

não ocorre, uma vez que não previu a lei a possibilidade de o juiz converter a

medida de segurança de internação em tratamento ambulatorial.”.

Ademais, a LEP estabelece quanto ao início para o cumprimento da medida

de segurança o que segue:

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Art. 171. Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução. Art. 172. Ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária. (BRASIL, 2015d)

Tendo a mesma lei, nos artigos que seguem, estabelecido quanto aos

critérios para a expedição da guia para a execução da medida determinada na

sentença.

Vencido estas primeiras considerações, adentra-se aos prazos para o

cumprimento da medida de segurança, neste ponto a doutrina muitas vezes não

mostra-se pacífica quanto ao estabelecido na lei, vez que, conforme Greco (2015, p.

757), “a medida de segurança, como providência judicial curativa, não tem prazo

certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado

à cura ou à manutenção da saúde mental do imputável.”.

Porém, essa premissa legal, na visão de alguns doutrinadores, afronta a

vedação constitucional da prisão perpétua, assim já se posicionou André Copetti

(apud GRECO, 2015, p. 757):

Totalmente inadmissível que uma medida de segurança venha a ter uma duração maior que a medida da pena que seria aplicada a um imputável que tivesse sido condenado pelo mesmo delito. Se no tempo máximo da pena correspondente ao delito o internado não recuperou sua sanidade mental, injustificável é a sua manutenção em estabelecimento psiquiátrico forense, devendo, como medida racional e humanitária, ser tratado como qualquer outro doente mental que não tenha praticado qualquer delito.

Não há como ignorar, conforme ocorre com o objetivo da ressocialização em

estabelecimentos penitenciários, aqui o Estado também falha, pois, muitos são os

casos em que, o internado ou sujeito submetido à tratamento ambulatorial, nunca

tenha condições de retornar ao convívio social, neste aspecto, Greco (2015, p. 758),

complementa:

Por essas razões é que o Código Penal determina, nos §§ 1º e 2º do art. 97, que a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade, cujo prazo mínimo para internação ou tratamento ambulatorial deverá ser de um a três anos. Após esse prazo mínimo, será realizada perícia médica, devendo ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se assim determinar o juiz da execução.

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Contudo, tais prazos são apenas um marco legal, podendo os mesmo serem

realizados quando verificar-se necessário, havendo requerimento, para assim ser

possível diagnosticar a cessação da periculosidade do inimputável ou semi-

imputável.

Ademais, quando diante de causas de inimputabilidade, deve-se atenção

aos menores de 18 anos, que por presunção legal não possuem desenvolvimento

mental completo, neste sentido Capez (2015, p. 470), “não se aplica medida de

segurança, sujeitando-se o menor à legislação própria (Lei n. 8.069/90, Estatuto da

Criança e do Adolescente).”, pois, independe de diagnóstico para tal, sendo um

critério objetivo de inimputabilidade.

Para arrematar os ensinamentos até aqui dispostos, em referência à medida

de segurança, levando-se em consideração que esta é aplicada com fim preventivo

de um modo geral para a sociedade, e como meio de cura e tratamento para o

indivíduo que dela necessita, Capez (2015, p. 467), se encarrega sabiamente da

tarefa de finalizar as explanações:

Periculosidade: é a potencialidade para praticar ações lesivas. Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental. Na imputabilidade, a periculosidade é presumida. Basta o laudo apontar a perturbação mental para que a medida se segurança seja obrigatória. Na semi-imputabilidade, precisa ser constatada pelo juiz. Mesmo o laudo apontando a falta de higidez mental, deverá ainda ser investigado, no caso concreto, se é caso de pena ou de medida de segurança. No primeiro caso, tem-se a periculosidade presumida. No segundo, a periculosidade real. (grifo do autor)

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4 ASSASSINOS

Assassinos, uma palavra forte, mas de fundamental importância para a

pesquisa, visto que tudo o que até este momento foi exposto, servirá como base e

alicerce para resolução da questão proposta, qual seja, definir se tais agentes são

considerados imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis, diante da legislação

penal.

Assim sendo, para Netto (2008, p. 61), assassino, “em direito penal, é quem

comete ou manda cometer homicídio voluntário, com premeditação e

traiçoeiramente.”.

A palavra assassino, por vezes, é utilizada como sendo sinônimo de

homicida, porém, há algumas diferenciações, não que sejam fundamentais seu

entendimento para o fim ao qual se destinam, mas por questão de conhecimento,

preferiu-se por registrar.

Conforme o conceito anteriormente expresso, o assassinato traz em si três

características básicas, a voluntariedade em cometer o tipo penal ‘homicídio’,

utilizando-se de premeditação e modos traiçoeiros que, consequentemente,

dificultam a defesa da vítima.

O mesmo autor, Netto (2008, p. 61), traz a origem de referida expressão:

Derivado do árabe “haxisxim”, que significa vendedores de haxixe, constituía uma seita fundada na Pérsia cerca do ano 1090 da era cristã, por Hassan Sabbah, e que pregava a morte secreta, isto é, o homicídio premeditado, qualificado, dos inimigos da fé maometana.

O termo assassino induz à maldade, à crueldade utilizada pelo agente e que

visa com a premeditação conseguir meios de dificultar a defesa da vítima, daí vêm a

expressão “assassinos em série” e não “homicidas em série”.

Em contrapartida, para não pairar dúvidas, o homicídio é, para Netto (2008,

p. 318), “morte de um homem, causada por outro homem. Em sentido amplo, é o ato

pelo qual um indivíduo tira a vida de seu semelhante.”.

Ou seja, para configurar o homicídio basta que exista a conduta de um

homem retirar a vida de outrem, sem que para isto necessite de alguma

circunstância especial, como verifica-se no caso de cometimento de um, ou mais,

assassinatos.

77

Porém, superada esta sutil diferenciação, há de se verificar que ambos estão

incluídos no tipo penal descrito no artigo 121 do CP, “matar alguém.”, daí o motivo

de não ser imprescindível tal distinção para o presente estudo.

4.1 ASSASSINOS EM SÉRIE – “SERIAL-KILLERS”

Compreendido o emprego da expressão ‘assassinos’, tem-se esta

modalidade particular e especial de assassinos, que são os cometidos em série, em

pluralidade.

Para uma conceituação, não definitiva, mas diga-se de passagem que aceita

como verdadeira pelos estudiosos criminais, tem-se a definição elaborada pelo

Departamento de Ciências da Conduta da Agência Federal de Investigação (FBI)

(apud RÁMILA, 2012, p. 19), departamento este que possui como integrantes os

maiores especialistas mundiais em assassinos em série:

A definição comumente aceita para assassino em serial é a de uma pessoa que matou ao menos em três momentos e lugares diferentes separados com nitidez e com um espaço de tempo suficiente entre um crime e outro. Por suficiente deve-se entender que não sejam morte simultâneas, mas espaçadas em intervalos que podem ser desde várias horas até dias, meses e, inclusive, anos.

Tais características tentem, inclusive, à afastar a confusão que possa vir a

surgir entre os demais tipos de assassinos, como verifica-se no caso de

assassinatos em massa, pois, para que fique configurado a série delitiva,

necessariamente deve haver o lapso temporal entre um crime e outro, outro ponto

que deve ser frisado é o fato de, apesar de indicar-se pelo menos três vítimas, este

número não é pacífico na doutrina e perante os estudiosos criminais, alguns

deixando um campo mais aberto, com a expressão “número considerável”, podendo

inclusive ser menos de três, se, a partir das características restar configurado a

atuação de um assassino em série.

Contudo, o que normalmente ocorre, em análise de casos fáticos, o

delinquente que encaixa-se neste conceito até ser punido, isto quando ocorre,

comete inúmeros assassinatos, podendo ser dezenas ou até mesmo centenas, pois,

geralmente tais números não são precisos, algumas vítimas descobertas e outras

78

permanecem em completo mistério, afirmação esta que restará melhor demonstrada

quando adentrar-se em relação aos casos reais.

Tem-se ainda que a expressão “assassinos em série”, conforme Janire

Rámile (2012, p. 23-24), é dada sua autoria ao ex-agente do FBI Robert Ressler,

que era um grande investigador, tendo inclusive, no ano de 1978, desenvolvido um

Projeto de Investigação da Personalidade Criminal (PIPC), onde tinha-se como ideia

principal, “entrevistar os assassinos em série presos nas prisões americanas para

indagar as motivações que os levaram a matar, aprofundar-se em sua

personalidade, sua infância, adolescência...”, ou seja, obter todas as informações

para desvendar a mente desses assassinos.

É notória a informação de que os assassinos em série sempre estiveram

presentes no meio social, mesmo que não fossem, durante muito tempo,

reconhecidos como tal, principalmente pelo fatos de as pessoas não poderem

conceber a ideia de haver pessoas tidas como tão cruéis, capazes de barbáries

inimagináveis contra seus próprios semelhantes.

A autora Janire Rámile, em sua obra “Predadores Humanos”, traz uma

análise sobre esses assassinos, apontando em alguns trechos que tais

assassinatos, antes de haver estudos mais aprofundados, eram apontados como

possessões demoníacas, surgindo por vezes ligações culturais como, por exemplo,

lobisomens.

Mas, com o surgimento e desenvolvimento da psicanálise, marcado pelas

teorias de Freud e Jung, iniciou-se o estudo da mente humana, bem como, dos

assassinos em série, neste ponto, Janire Rámira (2012, p. 24-28), aponta duas

causas responsáveis pelo surgimento de um assassino em série, podendo os seus

autores serem psicóticos ou psicopatas, categorias estas que no desenrolar da

pesquisa serão melhor exemplificados e conceituados.

A psiquiatra americana Helen Morrison é uma das pesquisadoras de

assassinos em série mais respeitadas do mundo, a mesma concedeu uma entrevista

para a Revista Veja (ed. de 14.07.2004, p. 78-79), onde foi questionada quanto à

escolha das vítimas pelos assassinos em série, ao que a mesma respondeu:

Os assassinos seriais não fazem uma seleção nem se programam para matar. Atacam quem está no lugar errado, na hora errada e tem as características comuns a suas vítimas. É ele que decide que características são essas: pode ser louro, ter certa idade ou morar num bairro específico. Quem tiver o azar de possuir essas características corre perigo.

79

Assim sendo, quando fala-se sobre as vítimas de um assassino em série,

não há fórmulas pré-determinadas para enquadrá-la como possível vítima ou não,

apesar de haver estudos na criminologia que possam indicar algumas características

que podem levar à uma maior chance de uma pessoa tornar-se como tal, seja pelo

assassinato em si, ou qualquer outro crime, palavras estas que já foram melhor

explanadas em momento oportuno, quanto à moderna criminologia e a ramificação

da “vitimologia”.

Vítimas estas, que por vezes, restam esquecidas diante das façanhas

grandiosas de seus assassinos, assim escrevendo Clancy Sigal (apud RÁMILA,

2012, p. 128), “nos Estados Unidos, os assassinos são mais valorizados e

certamente mais admirados que suas vítimas.”, estas últimas servindo apenas como

um número na lista sangrenta que passaram à fazer parte, devendo tal assunto ser

ainda analisado de acordo com a disciplina da “vitimologia”, pertencente ao estudo

da criminologia que anteriormente já restou explanado.

Quando fala-se das motivações dos assassinatos em série, a doutrina,

apesar da existência de outras definições, aponta os seguintes tipos de assassinos

em série, conforme Quadro 2.

Quadro 02 – Classificação dos assassinos em série segundo sua motivação

ORIENTADOS PELO ATO

O tipo visionário O assassino mata como resposta a vozes ou visões que lhe exigem destruir uma pessoa ou uma categoria de pessoas. Correspondem claramente aos psicóticos.

O tipo missionário O assassino decide sair para cumprir a missão de liberar o mundo de uma categoria de pessoas, em sua crença de que sejam más para a sociedade.

O tipo hedonista orientado à comodidade Mata para sentir um estremecimento especial e para conseguir ganhos materiais.

O tipo hedonista orientado pela luxúria O sexo lhe excita enquanto assassina ou praticando-o com o cadáver.

O tipo hedonista orientado pela emoção Mata para alcançar o orgasmo.

O tipo orientado para o prazer/controle Sua satisfação principal é dominar a vida e a morte da vítima.

Fonte: Ronald M. Holmes e James de Burguer (apud RÁMILA, 2012, p. 38)

Frisando-se o fato de este rol não ser taxativo, havendo várias teorias à

respeito, mas a maioria apresenta similitude com o aqui exposto.

80

O mundo à parte que envolve os assassinos em série é obscuro e causa

medo social, contudo apesar de o presente estudo dedicar-se aos mesmos, não há

espaços para investigações mais profundas sobre tais criminosos, basta neste

momento, fazer a diferenciação de um assassino psicótico e de um assassino

psicopata, pois, diretamente ligado com a imputabilidade dos mesmos.

4.1.1 Concurso de crimes

Assim sendo, importante frisar o fato de assassinos em série ser uma

construção doutrinária o seu conceito, que conforme já exposto, não é pacífico,

porém, para as propostas da pesquisa suficiente faz-se o conhecimento

apresentado.

Nesta linha de raciocínio, outro ponto que vale mencionar é quanto às

consequências legais em relação à pena aplicada aos assassinos em série, para isto

utiliza-se das palavras de Bitencourt (2007, p. 252), quando adentra em relação aos

ensinamentos sobre o concurso de crimes:

Quando um sujeito, mediante unidade ou pluralidade de comportamentos, pratica dois ou mais delitos, surge o concurso de crimes – concursus delictorum. O concurso pode ocorrer entre crimes de qualquer espécie, comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos, consumados ou tentados, simples ou qualificados e ainda entre crimes e contravenções.

Destarte, nossa legislação penal prevê três espécies de concurso de crimes,

estando estes disciplinados nos artigos 69, 70 e 71, todos do Código Penal,

podendo assim serem definidos, respectivamente, como sendo concurso material,

concurso formal e crime continuado.

Quando fala-se especificamente sobre assassinos em série, pelas

conceituações de tal categoria, pode-se extrair a conclusão lógica de estar diante de

casos de concurso material, conforme expresso no texto da lei, ao qual segue

integra do artigo 69 do CP:

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeira aquela. (BRASIL, 2015a)

81

Ou seja, quando um mesmo indivíduo pratica mais de um assassinato,

presente lapsos temporais variáveis, ou seja, enquadrando-se dentro do conceito de

assassinos em série, quando do cálculo da pena responderá o mesmo por concurso

material de delitos, sendo assim as penas de cada crime serão somadas, havendo o

cumprimento cumulativo e simultâneo, por tratar-se de crimes idênticos puníveis com

reclusão.

Neste liame, novamente utiliza-se das palavras de Bitencourt (2007, p. 253):

Ocorre o concurso material quando o agente, mediante mais de uma conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. No concurso material há pluralidade de condutas e pluralidade de crimes. Quando os crimes praticados forem idênticos ocorre o concurso material homogêneo (dois homicídios), e quando forem diferentes caracterizar-se-á o concurso material heterogêneo (estupro e homicídio).

Por fim, o autor ainda salienta que para tais penas serem cumuladas deve

haver anteriormente a individualização de cada uma com base nos critérios de

dosimetria aplicadas, com a finalidade de saber-se sobre o montante que

corresponde à cada infração.

82

5 TRANSTORNOS MENTAIS

Na intenção de definir o que vem a ser transtornos mentais, para assim

analisar o comportamento de assassinos em série com base na verificação de

alguma espécie desta “anormalidade”, encontra-se certa dificuldade de uma

conceituação clara e objetiva, vez que, a definição recebeu várias alterações durante

o contexto histórico de seu estudo, restando ainda diretamente ligado à psiquiatria,

psicologia e ao estudo da criminologia como ciência interdisciplinar, pois, somente a

partir deste entendimento é que pode-se fazer as diferenciações entre as psicoses e

psicopatias, das quais os assassinos em série são portadores.

Para esta finalidade, convém destacar os valiosos ensinamentos de Holmes

(1997, p. 27), que é Ph.D. (Philosophiæ Doctor) em psicologia clínica, o qual traz, a

partir de um panorama histórico, respectivos transtornos como sendo tipos de

comportamentos anormais, afirmando ainda que, “a sociedade explicou e tratou o

comportamento anormal de diferentes maneiras em diferentes momentos.”.

E, conforme anteriormente já mencionado, no início das primeiras aparições de

transtornos mentais, bem como de surgimento de assassinos em série, Holmes

(1997, p. 26), fala sobre as explicações de causas demoníacas, ligadas à

fenômenos sobrenaturais, neste sentido:

A crença de que o comportamento anormal é causado por forças sobrenaturais que assumem o controle da mente ou do corpo é anterior ao começo da história escrita. Evidências na forma de rolos de papiro, monumentos e os antigos livros da Bíblia revelam que os antigos egípcios, árabes e hebreus acreditavam que o comportamento anormal era decorrente de possessão por forças sobrenaturais, como deuses irados, maus espíritos e demônios.

Porém, com estudos mais avançados, estas explicações foram sendo

superadas, mas mesmo assim o conceito não tornou-se claro, principalmente em

relação à diferenciação por estes profissionais de comportamentos anormais e de

doença mental, neste ponto residindo à grande crítica ao termo utilizado na lei penal,

quanto às causas de inimputabilidade.

Indo além, Holmes (1997, p. 31), assim coloca:

Chegar à uma definição em geral aceitável é difícil porque alguns teóricos definem o comportamento anormal do ponto de vista do indivíduo cujo comportamento está sendo considerado, enquanto outros teóricos definem

83

o comportamento anormal do ponto de vista da cultura na qual o indivíduo está vivendo.

O primeiro, conforme o autor, está ligado ao sofrimento do indivíduo e

incapacidade do mesmo, enquanto que o segundo está focalizado em desvios da

norma, em relação ao grau em que o indivíduo se desvia da norma cultural.

Ademais, o estudioso complementa (1997, p. 32):

Em suma, tanto os aspectos pessoais como os culturais do comportamento são levados em conta ao determinar o que é anormal, portanto, é possível que a normalidade difira de indivíduo para indivíduo, de cultura para cultura e de época para época. É arriscado tentar uma definição específica, mas se poderia dizer que comportamento anormal é o comportamento que é pessoalmente angustiante ou pessoalmente incapacitante ou é culturalmente tão afastado da norma que outros indivíduos o julgam como inapropriado ou mal-adaptativo.

Sendo assim, percebe-se a dificuldade encontrada para ter-se um conceito

aceito por todos os estudiosos, como sendo absoluto, porém, para melhor

compreender como vem atualmente sendo tratado na área jurídica, explica Nélson

Hungria (apud GRECO, 2009, p. 69), o enquadramento de transtornos mentais como

sendo ‘doenças mentais’, que “abrange todas as psicoses, quer as orgânicas e

tóxicas, quer as funcionais”, acrescenta:

[...] como também as que representam perturbações mentais ligadas ao psiquismo normal por transições graduais ou que assentam, como diz Bumke, muito verossimilhança sobre anomalias não tanto da estrutura quanto da função do tecido nervoso ou desvios puramente quantitativos, que nada mais traduzem que variedades da disposição física normal, a que correspondem funcionalmente desvios da normal conduta psíquica (esquizofrenia, loucura circular, histeria paranoia).

Fazendo-se essa breve introdução, passa-se às definições de transtornos

mentais, em duas de suas espécies, as psicoses e a psicopatia, pois, são as

mesmas que os assassinos em série podem vir a apresentar, de acordo com o laudo

psiquiátrico, bem como, de que forma estes transtornos afetam o entendimento do

indivíduo quando da consciência de ilicitude do delito, e do controle sobre suas

ações de agir de acordo com respectivo entendimento.

Pois, necessário tal compreensão sobre o comportamento do indivíduo, com

base em seus possíveis transtornos mentais, para que se possa determinar a

84

culpabilidade do agente, e neste aspecto, definir qual sanção mostra-se mais

adequada, se a pena ou a medida de segurança.

5.1 PSICOSE

As psicoses envolvem várias ramificações de transtornos mentais, podendo

certas delas ser diagnosticadas em assassinos em série, porém, para adentrar-se

nestes campos específicos, primeiramente faz-se necessário algumas breves

conceituações do que é a psicose, de um modo geral, e as suas principais

características.

Seguem rápidas palavras e esplêndidos ensinamentos de Rámila (2012, p.

24-25):

A psicose é uma doença mental que provoca em quem a tem uma alteração de seu sentido de realidade. O psicótico constrói um mundo próprio no qual o bem e o mal se fundem, levando o indivíduo a não ser consciente de seus atos. O ambiente, os valores, as normas comuns a nós não vigoram da mesma maneira em seus cérebros danificados, originando, muitas vezes, situações chamativas.

Neste liame, quando o indivíduo possui algum tipo de psicose, e, não

possuindo os freios morais, pois, em decorrência desses transtornos desconhece o

sentido de certo e errado, vem à praticar assassinatos em série, ele é considerado

inimputável ou semi-imputável, pois, não possui autocontrole, total ou relativo, sobre

seus atos, são movidos muitas vezes por vontades irreais, como se vivessem em um

mundo surreal.

E, deixando de lado a disputa sobre o conceito de doença mental, utilizado

pela lei penal em relação àquela empregada na psiquiatria, as categorias de

psicoses, esfera de anormalidades, são compreendidas pelos estudiosos do crime

como sendo uma doença mental, e por tal modo englobado no texto da lei.

Porém, para que evite-se equívocos, a mesma autora, em ensinamentos

subsequentes, coloca o fato de não ser todos os psicóticos perigosos, pois, muitos

deles são completamente inofensivos, e durante toda a sua vida não chegam a

cometer qualquer crime.

O surgimento de um assassino em série, portador dessas doenças,

transtornos mentais, é fruto da junção de vários outros fatores, como por exemplo, o

85

grau da doença, o tratamento que recebeu durante a vida, ou simplesmente a

oportunidade para cometimento do delito, sendo que, a grande maioria de psicóticos

possui uma vida normal, ou ao menos, o mais próximo dela.

Neste ponto, entra-se ainda a questão do controle social, apresentado

quando em estudo da criminologia moderna, pois, o mesmo tende à frear de certa

forma mesmo as pessoas tidas como “anormais”, principalmente dentro da família,

tornando a linha entre cometer o delito, ou não, mais forte ou mais fraca, inclusive

pelos tratamentos realizados com antecedência, após diagnosticado o transtorno.

Válidos ensinamentos de Quinet (2009, p.11), que em discurso sobre o

estudo das entidades clínicas da psicanálise, onde encontra-se inserido a psicose,

explica que tais construções se deram por Freud com base na nosografia da

psiquiatria clássica, demonstrando assim as contribuições destes dois campos.

Ademais, C. Soler (apud QUINET, 2009, p. 11), acrescenta brilhantemente:

As categorias que utilizamos hoje provêm da psiquiatria clássica: neurose, perversão e psicose, esta última repartida em dois grandes tipos, esquizofrenia e paranoia. A cada uma dessas categorias podemos fazer corresponder um nome na história pré-psicanalítica. Para a paranoia, Kraepelin, para a Esquizofrenia, Bleuler, para a perversão, Krafft-Ebing e para a neurose, Charcot.

Tendo ainda, Quinet (2009, p. 11), concluído, “à psicose um terceiro tipo

clínico que é a melancolia, base da psicose maníaco-depressiva, que Freud adota

principalmente a partir de Emil Kraepelin.”, assim será analisado adiante tanto a

esquizofrenia, a paranoia e a melancolia

Adiante, passa-se ao estudo de cada um desses três tipos de psicoses, que,

podem levar um indivíduo diagnosticado, em total fuga da realidade, à cometer

crimes brutais, podendo inclusive encaixar-se como assassinos em série, porém,

ressaltando que isto ocorre por estes possuírem uma visão distorcida da realidade,

não possuindo condições mentais de fazer o marco divisor entre certo e errado, de

acordo com os parâmetros sociais, podendo tais condições serem totais ou parciais,

dependendo caso a caso.

5.1.1 Esquizofrenia

86

A esquizofrenia, uma psicose tão falada mas pouco conhecida, muito se

questiona e se houve falar, mas poucas pessoas vão a fundo na compreensão deste

transtorno, ou ainda ‘doença mental’, como vem sendo tratado pelo meio jurídico e

pela presente pesquisa.

Para Quinet (2009, p. 62), explica que, “a esquizofrenia nasce do

entrecruzamento da psiquiatria com a psicanálise, uma vez que a concepção de

seus ensinamentos é tributária das leis que regem o inconsciente e da teoria da

libido de Freud.”, o mesmo autor ainda complementa (2009, p. 59), quando fala

sobre a esquizofrenia e a sua atuação no próprio ‘eu’ do indivíduo, “no registro do

Real, no que concerne ao gozo, verifica-se na esquizofrenia a fragmentação do gozo

do corpo, da fala e do pensamento – o gozo está disperso e tende a invadir todas as

instâncias sem enquadramento algum, de forma anárquica.”.

Ou seja, quando fala-se de um indivíduo com esquizofrenia, esses tem uma

percepção distorcida sobre si próprios, chegando à acreditar em uma realidade que

difere da própria, assim explica Bercherie (apud QUINET, 2009, p. 66), quanto à

esquize do sujeito, que se manifesta “na perda do poder regulador do eu e da

consciência sobre o curso do pensamento, e o conjunto das operações psicológicas

se encontra a serviço da ação dos completos.”.

Termos estes que para um operador do direito podem parecer complexos, e

o são, porém, para o objetivo da proposta pesquisada, melhor sorte assiste aos

ensinamentos de Bleuler (apud QUINET, 2009, p. 66), ao falar sobre tais indivíduos

e suas características, principalmente em relação aos laços sociais que estes

possuem:

Em seu contato com certas pessoas, muitos esquizofrênicos parecem exteriormente normais, e em relação a outros podem ser violentos, fechados ou negativos. Mas não se trata de dizer que essa transformação é voluntária ou apenas consciente. Existe muito simplesmente uma conexão totalmente diferente; sentimentos, pulsões e até mesmo associações, predominam em um quadro, são barrados em um outro, e em seu lugar outros sentimentos, pulsões e associações são colocados no circuito. Os dois produtos da esquize (Spaltung) da pessoa podem coexistir.

O indivíduo distorce a percepção que tem de si próprio, não sendo uma

atitude simulada, ocorre porque o transtorno que possui o faz acreditar que

realmente isso seja verdade, por tal fato, um assassino em série diagnosticado com

esquizofrenia é considerado inimputável na maioria das vezes, pois, quando do

87

cometimento do crime, encontra-se numa realidade diversa, sem qualquer

autocontrole sobre si e seus atos, não podendo determinar-se de forma consciente

em relação ao seu entendimento, ou ainda, quando tais sintomas verificam-se de

maneira relativa pode-se haver a semi-imputabilidade, mas neste caso tende-se

mesmo assim à aplicação de medida de segurança ao invés da pena.

O sujeito possui duas realidades apartadas e distintas, uma que é a que

todos podem captar e, por assim dizer, a que condiz com o mundo fático, e a outra é

a criada pelo portador de esquizofrenia, Freud (apud QUINOT, 2009, p. 67), afirma,

“duas atitudes psíquicas formaram-se, em vez de uma só – uma delas, a normal,

que leva em conta a realidade, e outra que, sob a influência das pulsões, desliga o

Ich da realidade.”.

Ademais, Holmes (1997, p. 236), ensina:

O termo esquizofrenia refere-se a um conjunto de transtornos que abrange o que são, sem dúvida, os mais complexos e assustadores sintomas que jamais encontraremos. Os indivíduos com esquizofrenia podem ouvir vozes, pensar que são controlados por outras pessoas, sentir insetos caminhando por passagens em seus corpos, acreditar que outros estão conspirando contra eles ou expressar-se usando linguagem sem sentido. Estima-se que 1 a 2% da população sofre de esquizofrenia. (Robins et al., 1984); portanto, este é um transtorno sério em termos tanto de natureza dos sintomas como do número de pessoas que sofrem dele. (grifo do autor)

Em comum acordo com as explicações do mesmo autor, em sua obra, o

presente trabalho não utilizará a expressão “esquizofrênico”, para designar a pessoa

diagnosticada com tal psicose, visto que, conforme o mesmo coloca, rotular o

indivíduo é muito sério, e este rótulo não é de todo verdade, pois, por mais que um

indivíduo possua tal transtorno, ele não necessariamente influi na vida inteira do

mesmo, havendo casos leves, onde as pessoas aprendem a viver com tais

sintomas, por exemplo, apesar de ouvirem vozes eles podem as ignorar.

Quanto aos sintomas da esquizofrenia, apesar de já ter-se comentado sobre

estes, pode-se sintetizar os mesmos nas palavras de Holmes (1997, p. 237-240), as

quais são transcritas a seguir:

Provavelmente os sintomas mais óbvios e mais importantes da esquizofrenia sejam cognitivos, os quais incluem alucinações, delírios, processos de pensamento perturbados e inundação cognitiva. [...]As alucinações são experiências perceptuais sem fundamentação na realidade. Considera-se um indivíduo que ouve, sente, cheira ou vê coisas que não estão realmente presentes está alucinado.

88

[...]Os delírios são crenças errôneas que são mantidas a despeito de fortes evidências em contrário. Alguns delírios são bizarros e patentemente absurdos; outros, embora possíveis, são improváveis. [...]Processos de Pensamento Perturbado. Foi sugerido que os processos de pensamento destes indivíduos caracterizam-se por um “afrouxamento” das ligações associativas entre os pensamentos, de modo que os indivíduos frequentemente desviam-se para pensamentos irrelevantes (Bleuler, 1936). [...]Inundação Cognitiva (Sobrecarga de Estímulos). Um elemento importante na experiência cognitiva das pessoas com esquizofrenia envolve uma ampliação excessiva da atenção que resulta no que pode ser denominado inundação cognitiva ou sobrecarga de estímulos. Muitas pessoas que sofrem de esquizofrenia carecem da habilidade de barrar estímulos internos e externos irrelevantes. (grifos do autor)

Quando fala-se especificamente sobre assassinos em série portadores de

esquizofrenia, um dos criminosos que melhor representam esta categoria é Richard

Trenton Chase, citado por Rámila (2012, p. 25), como sendo “exemplo do perfeito

assassino psicótico. Segundo sua mente, ele tinha de matar para regenerar seu

sangue que estava se transformando em pó.”, complementando a autora, que sua

primeira vítima foi seu vizinho, Ambrose Griffin, morto em 1977 com um tiro de rifle.

Ainda, Rámile (2012, p. 25-26):

Desde aquele 1977, todos o conheceriam pela especial brutalidade desenvolvida em suas vítimas, as quais esfaqueava, esquartejava e estripava, para levar ao seu apartamento as vísceras que mais o atraíam. Depois as guardaria em cubos ou recipientes de plástico. Seu vício em beber o sangue dos corpos desmembrados, sob a crença de que o seu estava se transformando em pó e era, por isso, necessário regenerá-lo, lhe valeu o apelido de o Vampiro de Sacramento. No julgamento posterior, quando falou sobre uma conspiração promovida contra ele por agentes extraterrestres e grupos nazistas, o criminoso se mostrou como o que realmente era: uma pessoa mentalmente doente sem nenhum controle médico ou familiar.

Realizado as primeiras conceituações de esquizofrenia, bem como à um

famoso caso de assassino em série diagnosticado com esta psicose, remete-se à

esquizofrenia paranoide, porém, para não restar confusões, adiante será explanado

sobre outra espécie de psicose, denominada simplesmente de paranoide, pois, na

esquizofrenia muitos dos delírios e alucinações ocorrem voltados à própria

percepção de realidade do indivíduo, enquanto que na paranoide ela volta-se ao

externo, ao outro, como se houvesse conspirações.

Muito comum as psicoses esquizofrenia e paranoide serem tratadas como

sinônimos, pois, por muitas vezes se confundem ou se complementam, mas não são

iguais, assim sendo, para finalizar estas conceituações, Quinet (2009, p. 59):

89

No registro do Real, no que concerne ao gozo, verifica-se na esquizofrenia a fragmentação do gozo do corpo, da fala e do pensamento – o gozo está disperso e tende a invadir todas as instâncias sem enquadramento algum, de forma anárquica. Na paranoia, em contraposição, há uma concentração do gozo no Outro, na figura do perseguidor, da pessoa amada ou odiada, do traidor etc.

Pontuações estas, que serão melhor analisadas e aprofundadas, nos

estudos que seguem.

5.1.2 Paranoia

Conforme dita acima, a paranoia muitas vezes é confundida com a

esquizofrenia, podendo inclusive ser apresentada em uma de suas versões,

contudo, para o objetivo buscado nesta pesquisa, referida psicose será tratada de

forma unitária, para que possa-se compreender suas principais nuances, estas

fortes o suficiente para fazer surgir um assassino em série.

Para adentrar-se neste campo tão desconhecido e assustador, por assim

dizer, a seguir pode-se verificar uma pequena diferenciação entre as três psicoses

das quais o estudo se propõe à desvendar, ou simplesmente, clarear seu

entendimento.

Quinet (2009, p. 50):

Trata-se do retorno no outro, meu semelhante, daquilo que é minha Outra cena, o inconsciente. Nesse retorno, meu semelhante, o pequeno outro, se transforma num grande Outro. Quem é esse outro? Na paranoia, o outro é sem lei e quer prejudicar o sujeito. Na esquizofrenia, o sujeito se retrai autistamente em relação ao outro da injúria alucinatória. O melancólico é o indigno do outro e culpado pela ruína do social; o maníaco é o pródigo que faz do outro sua fartura, e o megalomaníaco é o Um que se considera o outro de todos os outros e quer ordenar o social.

Atendo-se às três primeiras descrições, nesta breve analogia de sentidos em

relação ao “outro”, ao subconsciente do psicótico, já desvendado o necessário

quanto à esquizofrenia, é claro, longe de esgotar todas as suas peculiaridades,

passa-se adiante ao aprofundamento da paranoia, como bem disse o autor, ao outro

sem lei que objetiva prejudicar o sujeito.

Quinet (2009, p. 54), extraordinariamente nos apresenta a paranoia e suas

reações ao sujeito diagnosticado com referida psicose, facilmente a partir desta

90

citação, poderá ser melhor compreendido a figura de um assassino em série, porém,

lembrando que referida psicose é uma causa de inimputabilidade ou semi-

imputabilidade, dependendo caso a caso, e de como o agente poderia ter limitado

seu autocontrole perante a situação concreta:

O paranoico faz um laço social muito rígido devido à identificação imediata com um significante ideal, ao qual ele se encontra retido devido, como veremos, ao mecanismo de retenção (Verhaltung). Ele é o Um da liderança, o único, aquele que sabe o que é bom para os outros. Se identificado à lei e ocupando postos de poder, ele se torna facilmente um tirano, porque se acredita aquilo que ele representa: rei, presidente, chefe de seitas religiosas ou político, como diz Freud. O paranoico, pela sua afinidade com o S¹, coletiviza, podendo levar seus súditos ao pior, inclusive ao suicídio coletivo (verificamos aí uma paranoia em massa). Ele pode também entrar no discurso do universitário identificando-se ao saber e tratando a todos como objetos, o que por vezes o faz parecer perverso, um burocrata do saber sobre o gozo.

A pessoa com paranoia pode nunca se tornar um criminoso, um agente

delituoso, porém, quando possui algumas oportunidades, alguns fatores propícios

para isto, ele dá vasão à psicose, por acreditar ser o dono da verdade, ser detentor

de saberes únicos, guiando seus atos em prol do que acredita, mas não por

formação de simples opiniões embasadas em fundamentos sólidos, e sim como

resultado deste transtorno mental que retêm seu pensamento e tudo que o cerca.

Podendo ainda, este controle que a psicose desenvolve sobre o indivíduo,

ser em diferentes graus, podendo muitas vezes encontrar freios até mesmo na

sociedade, na família, na escola, ou em tratamentos clínicos, como percebe-se no

caso do controle social aplicado à moderna criminologia, contudo quando isto não

ocorre, ou não é forte o suficiente para freá-lo, o indivíduo com paranoia torna-se um

perigo para os outros e para si mesmo, se suas convicções forem semblante e

passíveis de consequências catastróficas.

Para Holmes (1997, p. 245), ainda que esse autor apresente em sua obra a

paranoide como sendo um tipo de esquizofrenia, deve-se compreender que o

presente trabalho não visa referida discussão, tão somente apresentar tais psicoses

e algumas de suas características que podem fazer surgir um assassino em série,

desta forma, validos ensinamentos podem ser extraídos do trecho a seguir:

Os sintomas dominantes na esquizofrenia paranoide são delírios de perseguição e grandiosidade. Por exemplo, os pacientes podem pensar que os familiares estão conspirando contra eles a fim de roubar uma herança há

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muito tempo perdida (perseguição) que os colocaria entre as pessoas mais ricas do mundo (grandiosidade). Os pacientes com esquizofrenia paranoide também as vezes tem alucinações com um conteúdo persecutório ou grandioso (ex. vozes os criticam ou lhes contam que eles tem talentos especiais). No entanto, tais pacientes não apresentam desorganização de pensamento ou comportamento. De fato, além dos seus delírios, eles seguidamente comportam-se de modo bastante normal. É provável que devido às suas preocupações sobre perseguição e sua necessidade de defender seu elevado autoconceito, tais indivíduos tendem a ser ansiosos, argumentativos e às vezes violentos quando confrontados.

O indivíduo com transtorno paranoide, tende a ser uma pessoa desconfiada

e com mania de grandiosidade, desconfia com frequência das pessoas por acreditar

estar sendo perseguido, haver conspirações contra o mesmo, seja no ambiente

familiar, escolar ou até mesmo profissional, por tais motivos seu relacionamento

social é muito limitado.

Em contrapartida, o indivíduo sente necessidade de se alto avaliar

constantemente, a impressão que passa para os outros, não admitindo ser

contrariados, e neste ponto surge seu principal perigo, pois, tendem a demonstrar

agressividade quando sentem-se afrontados em suas convicções, conforme citado,

podendo ser ansiosos e muito argumentativos, possuindo a necessidade de

sentirem-se aprovados.

Aproveitando este desfecho, a pesquisa traz para elucidar os conhecimentos

acima expostos, o caso de Herbert Mullin, um assassino em série que apesar de não

ter estado tão presente nas mídias, seus crimes merecem atenção, pois retratam o

aqui colocado, para isto utiliza-se dos ensinamentos de Rámila (2012, p. 26-27),

fazendo-se breves considerações à respeito.

Herbert era um homem descrito pelos vizinhos, na comunidade californiana

de Santa Cruz, como sendo uma pessoa sã e normal, contudo, aproximadamente no

ano de 1960 envolveu-se com drogas, maconha e LSD, que aceleraram os sintomas

de sua esquizofrenia paranoide, mudando radicalmente seu aspecto e

comportamento, vivendo nos anos que seguiram várias novas experiências, dentre

estas, treinou para ser boxeador, porém, não conseguiu encontrar seu lugar,

sentindo-se deslocado, inadaptado socialmente.

Ainda, conforme a autora (2012, p. 27), “sua mente forja a crença de que, se

a Califórnia ainda não havia sucumbido ao grande terremoto, era porque a guerra do

Vietnã deixara um número suficiente de vítimas americanas para aplacar a ira da

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natureza”, assim sendo, após o fim da guerra, Herbert decide prosseguir com a

“oferenda”.

Rámile (2012, p. 27):

A primeira vítima é um vagabundo de 55 anos que ele pega com seu carro. Aproveitando um descuido, quebra-lhe a cabeça com um bastão e abandona seu corpo em um bosque próximo. Duas semanas depois, faz o mesmo com outra carona, a qual ele mata esfaqueando-a no peito. Arrasta seu corpo para outro bosque, abre seu abdome e pendura as vísceras em diferentes galhos para observar se estão contaminadas. Sua mente associava o aumento da contaminação com a chegada do terremoto. Quatro dias mais tarde, Mullin entra em um confessionário, a 24 quilômetros de Santa Cruz, e mata o padre a golpes de facadas, segundo ele, porque este se havia oferecido como voluntário para ser o próximo sacrificado.

Destarte, percebe-se que o assassino em série quando diagnosticado com

paranoia, ou esquizofrenia paranoide, o mesmo perde a percepção sobre o mundo

fático, por tais fatos, devendo ser considerado inimputável, ou ao menos, semi-

imputável.

As palavras de Rámila (2012, p. 26) são de profunda importância,

principalmente por sua obra ser um estudo aplicado diretamente ao estudo de

assassinos em série, sendo esclarecedoras nos pontos que seguem:

A esquizofrenia paranoide é um tipo de psicose caracterizada em seu aspecto mais comum no qual o doente reúne informações e dados enviesados de diferentes fontes, criando em sua mente uma ilusão que pode levá-lo a acreditar que seja o centro de uma conspiração ou o eleito para realizar um determinado ato, por exemplo. Essas crenças costumam vir acompanhadas de vozes ou imagens somente perceptíveis pelo sujeito. Mesmo que a imensa maioria dessas pessoas seja inofensiva e possa levar uma vida quase normal com o uso de medicamentos prescritos, os crimes cometidos são tão horríveis que, como antes apontava a ira popular, levam a estigmatizar todos os doentes mentais.

Desta forma, os assassinos em série quando diagnosticados com paranoide,

ou ainda esquizofrenia paranoide, tentem a possuir sua culpabilidade em grau

menos verificável ou até mesmo inexistente, vez que, agem em relação à psicose,

em razão das conspirações que acredita estar sendo vítima, ou ainda, o escolhido

para realizar determinados atos, por exemplo, matar determinado grupo de pessoas.

O indivíduo não possui consciência clara sobre o que é o certo e o errado,

ele acredita com todas as suas foras nas convicções que possui, podendo, sem um

tratamento eficaz, moldar seus atos e condutas em relação às suas crenças,

trazendo resultados bizarros e assustadores.

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5.1.3 Melancolia – maníaco depressivo ou transtorno bipolar

Passa-se para a última psicose à ser estudada na presente pesquisa,

porém, neste ponto fazendo uma ressalva, que apesar de ser aqui citado apenas

três psicoses, estas foram selecionadas por aparecerem com mais frequência em

assassinos em série, contudo não pode-se o conhecimento ficar limitado à isto, visto

que não há fórmulas para determinar a formação de um delinquente, e podem

muitos outros transtornos ser diagnosticados, contudo, a partir das conclusões

lógicas que serão retiradas da fundamentação total exposta, torna-se mais

compreensível fazer o encaixe e enquadramento necessário quanto às demais

psicoses e transtornos como um todo, e como estes atuam na imputabilidade do

agente.

A melancolia não pode ser analisada em apartado de quadros de depressão,

mesmo que com esta não se confunda, assim posto por Quinet (2009, p. 169):

A melancolia, como quadro clínico, está perdida, atualmente sob etiqueta de distúrbio bipolar, e para o senso comum entra na categoria genérica da depressão. Hoje em dia essa se encontra universalizada, e quanto mais sobre ela se fala, escreve e pesquisa, tanto mais ela é encontrada nos mais insuspeitos recônditos de nossa civilização. O significante é realmente criacionista, e o significante “depressão” parece ter engendrado o batalhão de sujeitos que assim qualificam seu estado d’alma quando se encontram tristes, desanimados, frustrados, enlutados, anoréxicos, apáticos, desiludidos, entediados, impotentes, angustiados etc.

O agente diagnosticado com melancolia, ou hoje em dia, tratado como

portador de transtorno bipolar, tende à apresentar características de depressão, ficar

abatido, demonstrando a dor na própria existência, encarando a vida desta forma

pessimista, bem como oscilando na inversão deste quadro.

Quando fala-se sobre a psicose maníaco depressiva, é uma das psicoses

que se deve dispensar mais atenção, vez que, em regra, uma pessoa deprimida,

melancólica, não apresenta grandes perigos, sendo um estado do seu ser, de seus

próprios sentimentos internos e não exteriorizados, contudo, em contrapartida, tem-

se a fase tida como maníaca, neste aspecto podendo fazer surgir o assassino em

série, como se fosse duas faces da mesma moeda, daí vem a atual denominação de

bipolaridade.

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Holmes (1997, p. 194), apresenta a bipolaridade como sendo um transtorno

de humor, e assim o define:

O transtorno bipolar é um dos dois transtornos de humor maiores. O outro é a depressão ou o que é com frequência chamado de transtorno unipolar. O transtorno bipolar difere do transtorno depressivo (unipolar) no sentido em que envolve mudanças de humor entre mania e depressão. Devido a estes desvios, o transtorno bipolar foi previamente referido como o transtorno maníaco-depressivo. (grifo do autor)

Assim sendo, pode-se compreender tal psicose, indiferente das

nomenclaturas recebidas pela psicologia ou psiquiatria, como sendo diretamente

relacionada com o humor do indivíduo diagnosticado, que oscila aos extremos da

mania ou da depressão.

Para o autor anteriormente citado (1997, p. 194), pode-se definir essas duas

fases de maneira à compreender melhor o contexto como um todo, primeiramente

quanto à mania:

Durante episódios maníacos, o humor predominante é a euforia. O paciente está empolgado, excessivamente feliz, emocionalmente expansivo e geralmente “voando alto”. [...] Sugere-se que a irritabilidade pode também estar presente durante um episódio maníaco, mas a irritabilidade é provavelmente apenas uma resposta às restrições impostas por pessoas em torno do indivíduo maníaco para limitar o comportamento inapropriado. Em outras palavras, para o indivíduo maníaco, “tudo serão rosas”, mas o indivíduo pode se tornar irritado e raivoso quando alguém tenta cortar estas rosas.

A partir destas palavras, e principalmente em relação à pertinente analogia

feita pelo autor, a fase maníaca é a mais perigosa para os indivíduos que cercam o

agente psicótico, ainda, segundo o mesmo autor em ensinamentos subsequentes,

vale ressaltar que é de difícil constatação esse transtorno nesta fase, pois a pessoa

aparenta estar bem, feliz, porém, esta condição torna-se exacerbada, e deste fato

provem à irritabilidade quando a sociedade começa à impor limites ao indivíduo,

porém, estas não são as únicas características maníacas, podendo ainda, em

complemento lógico do autor, ser verificado “autoestima inflamada e grandiosidade”,

tais indivíduos tendem a estar sempre “ligados”.

A segunda fase, e não menos importante, vez que complementa o círculo

psicótico, é a depressão, esta podendo estar ligada à vários outros fatores, como por

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exemplo, a dor, em suas diversas formas, e o estresse, entre tantas outras causas

que venham à influenciar no desencadeamento de um quadro grave de depressão.

No indivíduo que possui referido transtorno bipolar, a depressão surge após

a fase maníaca, ou antes, visto tratar-se de um círculo onde ambas são intercaladas

por um período de intervalo lúcido, podendo ser melhor compreendido o aqui

afirmado a partir da análise do que segue, Holmes (1997, p. 190):

Freud originariamente formulou a hipótese de que a depressão era uma reação à perda. Ele sugeriu que raiva em direção ao objeto perdido (pessoa) era voltada para dentro, sobre o eu, e resultava em depressão. Teóricos psicodinâmicos mais recentes apontaram para o papel do estresse em causar a depressão e sugeriram que uma perda pode ser um tipo de estresse. As evidências agora são abundantes de que o estresse agudo e crônico de muitos tipos podem conduzir à depressão [...]

Por fim, vale frisar, que tais períodos, seja maníaco, depressivo ou ainda

normal, podem ser diferenciados para cada indivíduo e de diferentes graus

verificados.

Exemplifica Quinet (2009, p. 187-188):

Baillarger, em 1854, afirmou, diante da Academia de Medicina, a existência de uma “loucura de forma dupla” em que a sucessão das duas formas constituí um único ataque “um gênero especial de alienação mental caracterizada pela existência de dois períodos”. Entre as duas fases – melancolia e mania – havia um período de pseudointermitência, uma vez que não se tratava de um retorno a um estado anterior. Falret reclamou a autoria e a prioridade dessa nova entidade mórbida que ele, quatro anos antes, já chamara de loucura circular caracterizada pela “reunião de três estados particulares (mania, melancolia e intervalo lúcido) que se sucedem em uma ordem determinada, possível prever, e impossível de ser transformado”. (grifo meu)

Quanto à periculosidade que tais indivíduos podem apresentar, Quinet

(2007, p. 188), quando refere-se neste ponto à melancolia, voltada à depressão,

coloca:

A inteligência era pouco perturbada, tendo o sujeito consciência de seu estado permanente de ansiedade; esses doentes eram sujeitos a crises de terror e a obsessões impulsivas próximas da vertigem (atração e horror ante o suicídio, o assassinato, os atos incongruentes ou obscenos).

Assim sendo, com base nestas psicoses, tratadas como transtorno de humor

por alguns profissionais da área, os assassinos em série podem vir a ser

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diagnosticados com o tipo de psicose explanada, porém, neste ponto quanto à sua

inimputabilidade ou semi-imputabilidade, por mais uma vez, tende à ser analisada

perante o caso concreto, vez que, pode afetar diretamente ou causar influências

sobre os atos praticados, dependendo do grau de avanço do transtorno sobre o

sujeito e de sua consciência quando do cometimento do delito.

Vencido estas conceituações quanto às psicoses, novamente lembrando o

fato de o presente trabalho ter citado apenas as três principais que podem

assassinos em série ser portadores, passa-se em ato contínuo, ao estudo da

psicopatia, que apesar de, por muitos, ser confundida como uma psicose, ou vice e

versa, não é esta uma verdade que deve ser aceita, pois, possui características que

divergem em parâmetros dimensionais.

5.2 PSICOPATIA OU PERSONALIDADE ANTISSOCIAL

Adentra-se em um dos campos mais obscuros e amedrontadores da mente

humana, a psicopatia, em princípio, dispensando fundamental atenção às palavras

de Rámila (2012, p. 28-29):

A outra categoria mencionada é a dos psicopatas, muito mais perigosos que os psicóticos por duas razões principais. A primeira porque costumam ser pessoas perfeitamente integradas na sociedade, e a segunda porque, quando liberam sua fúria descontrolada, a tendência comum é que se transformem em assassinos seriais. Talvez por isso, o professor de Psicologia da Universidade de Valencia e grande especialista criminal, Vicente Garrido Genóves, os qualifique como “o ser humano mais perigoso que existe”.

Nestas breves palavras, pode-se perceber um pouco do que envolve o

mundo de um psicopata, pessoas estas que por vezes alcançam grandes postos

dentro da sociedade, tendem à assumir cargos de chefia, e encontram-se livres de

qualquer suspeita.

Neste liame, Silva (2008, p. 16):

Para os desavisados, reconhecê-los não é uma tarefa tão fácil quanto se imagina. Os psicopatas enganam e representam muitíssimo bem! Seus talentos teatrais e seu poder de convencimento são tão impressionantes que chegam a usar as pessoas com a única intenção de atingir seus sórdidos objetivos. Tudo isso sem qualquer aviso prévio, em grande estilo, doa a quem doer.

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Necessário acrescentar quanto aos psicopatas, que os mesmo não

desenvolvem a psicopatia, eles simplesmente são assim, é de sua natureza, nestes

termos, Silva (2008, p. 89):

Importante destacar que ninguém vira psicopata da noite para o dia: eles nascem assim e permanecem assim durante toda a existência. Os psicopatas apresentam em sua história de vida alterações comportamentais sérias, desde a mais tenra infância até os seus últimos dias, revelando que antes de tudo a psicopatia se traduz numa maneira de ser, existir e perceber o mundo.

Em relação à imputabilidade de psicopatas, deve-se atenção ao que expõe

Rámila (2012, p. 28), ao descrever que eles, os psicopatas, ”não são doentes

mentais; repito, não são doentes mentais”, sabendo muito bem diferenciar o bem do

mal.

Ainda, a autora complementa, (2012, p. 28-29):

Como foi constatado, os psicóticos se caracterizam por ver a realidade de forma totalmente distorcida, mas os psicopatas a veem como é, e por isso sabem que matar é proibido e que, se forem pegos, acabarão na cadeia. [...] Explicadas as diferenças mais substâncias entre os psicóticos e os psicopatas, devem se fazer outros esclarecimentos importantes. O primeiro é que nem todos os assassinos seriais pertencem sempre a um desses dois grupos, mesmo que as estatísticas nos indiquem que a maior parte deles se encaixa neles. Estudos recentes dizem que a porcentagem de assassinos em série psicóticos está entre 10% e 20%. A porcentagem restante é quase integralmente pertencente aos psicopatas.

Neste liame, percebe-se a importância do estudo neste contorno, vez que a

porcentagem de assassinos em série que apresentam referida psicopatia é

altíssimo, seja entre os assassinos, ou até mesmo em relação à população como um

todo.

Porém, antes de ser aprofundado o assunto proposto, deve-se atenção às

nomenclaturas habitualmente utilizadas para definir tais pessoas, assim, Silva (2008,

p. 17), expõe, “além de psicopatas, eles também recebem as denominações de

sociopatas, personalidades anti-sociais, personalidades psicopáticas,

personalidades dissociais, personalidade amorais, entre outras.”, não sendo

necessário para o objetivo proposto, qualquer diferenciação entre estas.

Para Holmes (1997, p. 309), o mesmo refere-se à psicopatia como sendo

transtorno de personalidade antissocial, neste sentido deve-se importante atenção

aos seus ensinamentos:

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Transtorno de personalidade anti-social é o rótulo diagnóstico oficial para o problema que discutiremos nesta seção, mas os indivíduos com este transtorno são comumente referidos como psicopatas ou sociopatas. Por questões de conveniência neste capítulo usaremos a abreviatura TPA para transtorno de personalidade anti-social. Um entendimento completo do TPA é importante porque as pessoas com o transtorno encontram-se entre os indivíduos mais interpessoalmente destrutivos e emocionalmente prejudiciais em nossa sociedade. De forma interessante, com a maioria dos demais transtornos, a maioria dos problemas são sofridos pelo indivíduo com o transtorno, mas, no TPA, a maioria dos problemas é sofrida pelas pessoas que vivem em torno do indivíduo perturbado. Conforme veremos, uma das dificuldades com as pessoas que têm TPA é que elas não apresentam quaisquer dos sinais tradicionais do comportamento anormal (ansiedade, alucinações, delírios) e de fato, amiúde, parecem ser muito bem ajustadas, o que as torna excepcionalmente difícil de reconhecer e diagnosticar e, enquanto elas permanecem não-reconhecidas, continuam a causar problemas para as pessoas à sua volta. (grifo do autor)

Destarte, as constatações do surgimento de possíveis assassinos em série é

inevitável, vez que em decorrência do grau de seu transtorno ser apresentado no

seu inconsciente, estes indivíduos não medem esforços para conseguirem o que

querem, são ausentes de culpa e ansiedade, por tais motivos, muitos de seus crimes

demoram anos para serem descobertos, ou nunca são, pois, os psicopatas não

demonstram qualquer empatia com a dor dos outros, agem normalmente após

cometerem o delito, e raramente, para não dizer nunca, confessam seus atos.

Ademais, extraísse dos ensinamentos de Silva (2008, p. 15-19), que, os

psicopatas são pessoas muito bem apresentadas, de respeito na sociedade, por

vezes, ótimos profissionais, até mesmo de destaques, onde as pessoas que

convivem com o mesmo, vizinhos, parentes, quando a psicopatia chega ao ponto de

torná-los em verdadeiros criminosos, são fatos que chocam, que causam espanto,

que surpreendem todos à sua volta, pois, conforme já mencionado, encontravam-se

“acima de quaisquer suspeitas”.

Para Rámila (2012, p. 29), a mesma sintetiza as principais características

apresentadas por um psicopata:

Quais são as características principais dos psicopatas? A psiquiatria divide sua mente em duas áreas bem diferenciadas, a que engloba sua personalidade essencial e a centrada em seu estilo e modo de vida. Com respeito à primeira, os psicopatas se caracterizam por ser pessoas loquazes, de forte encanto pessoal, mesmo que, se nos aprofundarmos, observaremos que esse encanto é meramente superficial. Ou seja, os psicopatas são atraentes em um primeiro momento, sabem conversar, ser simpáticos, agradar... porém, quando são tratados com maior profundidade,

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como podem fazer os pais ou um cônjuge, é quando se vislumbram com clareza suas carências afetivas.

Complementando a autora, em relação à outras características que podem

ser associadas aos referidos indivíduos, que são a mentira e a manipulação, dos

quais os mesmos são mestres, para ocultar seus atos, e continuar mantendo sua

imagem de homem perfeito perante a sociedade, pois, primam por esta mais que

qualquer coisa, porém, por acreditarem que são superiores que qualquer outro ser

humano, tendem muitas vezes a serem descobertos por suas mentiras, pois,

subestimam a inteligência das pessoas que os cercam, muitas vezes fazendo da dos

próprios crimes uma brincadeira, onde sentem prazer.

Neste liame, segue os ensinamentos de Rámila (2012, p. 33):

Agora, por que mentir de maneira tão descarada podendo ser desmascarado tão facilmente? A resposta se encontra com outra das características dessas pessoas: pela insatisfação que sentem com suas vidas e os desejos de alcançar o que sempre quiseram. Isso, que é comum em muitos dos mortais, adquire neles elementos dramáticos, porque em sua busca por essa vida ideal não lhes interessa quem seja destruído no caminho.

Pessoas com transtornos antissociais, em conformidade com as palavras e

ensinamentos de Homes (1997, p. 309), mesmo após cometerem crimes bárbaros,

não demonstraram qualquer remorso, são indivíduos sem “consciência”, são ainda

pessoas que buscar o prazer à qualquer custo, conforme coloca o autor, guiadas

pelo ditado ”eu quero o que quero, quando quero”, muitas vezes demonstrando

impulsividade em seus atos, pois, seus desejos devem ser supridos no exato

momento que ocorrem, outra característica em evidência, é a superficialidade dos

sentimentos, a completa ausência de apegos emocionais aos outros, podendo matar

os próprios pais, companheiros, amigos, sem que isto os abale psicologicamente,

pois, não conseguem envolver-se verdadeiramente com os outros.

É notório o mistério que envolve tais pessoas, vez que para uma pessoa dita

“normal”, incompreensível se faz tais condutas e atitudes, bem como, outro aspecto

que chama bastante atenção, e que pode-se concluir de tudo o aqui exposto, tais

pessoas tendem a possuir inteligência aguçada, mas essa não é uma verdade

absoluta, vez que, pela necessidade de assumirem altos postos, esforçam-se para

passar uma imagem de pessoa de sucesso, falam bem, possuem uma

argumentação invejável, porém, não há como traçar um padrão de psicopatas,

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apesar de alguns atributos ficarem mais evidentes, conforme qualquer humano,

possuem suas peculiaridades.

Em sequência lógica, Rámila (2012, p. 36):

Como qualquer pessoa normal, cada psicopata é diferente do outro. Uns são mais simpáticos que outros, outros são intratáveis; uns são inteligentes, outros nem tanto. [...] As únicas características realmente comuns e persistentes em todos eles são a ausência de remorsos e a falta de empatia. Nenhum psicopata criminoso se arrependeu sinceramente de seus atos, alguns inclusive lamentaram não ter tido mais tempo para continuar matando. E os que demonstraram esse arrependimento... mentiram.

Silva (2008, p. 73), traz o caso de um dos mais temidos assassinos em série

do país, qual seja, Pedro Rodrigo Filho, o “Pedrinho Matador”, assim tido como

psicopata, através da análise dos relatos com que executa seus crimes:

[...] é um serial killer que afirma com orgulho ter matado mais de 100 pessoas, inclusive seu próprio pai. Na penitenciária do Estado, em São Paulo, ele é temido e respeitado pela comunidade carcerária. A primeira vez que matou, Pedrinho tinha apenas 14 anos e nunca mais parou. Com vários crimes nas costas, Pedro Rodrigo foi preso aos 18 anos, em 1973, e continuou matando dentro da prisão.

Em síntese das palavras do autor acima citado (2008, p. 73), Pedrinho já

matou dentro da cadeia 47 pessoas, dentre as mais de 100 que afirma também ter

assassinado, um criminoso que mata sem misericórdia quem atravessa seu caminho

ou simplesmente porque não gosta da pessoa, “Pedrinho sabe que matar é errado,

mas justifica seus atos como algo que vem de família: pais e avós também foram

matadores”, tendo inclusive tatuado em seu braço “Mato por prazer.”.

A partir deste caso, em relação ao “Pedrinho Matador”, inegavelmente

suscita um ponto crucial da pesquisa, quando fala-se dos psicopatas, e que mais

uma vez gera medos, é quanto à sua “ressocialização”, ao seu aprendizado com as

punições, neste sentido Holmes (1997, p. 309):

A maioria das pessoas com TPA também parece incapaz de beneficiar-se de punição. Em muitas situações estas pessoas podem evitar punição convencendo os outros de sua inocência, pela sua conversa. No entanto, quando são punidas, a punição não parece exercer qualquer efeito, independentemente de sua severidade. Uma vez que as pessoas com TPA não parecem aprender ou beneficiar-se de suas experiências, elas não são detidas e tendem a engajar-se nos mesmos comportamentos inapropriados mais de uma vez, mesmo quando são repetidamente punidas pelo comportamento.

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Assim, fácil perceber o motivo com que muitos dos psicopatas tentem à

condutas criminosas, vez que, não possuem capacidade de desenvolver

sentimentos de empatia, sendo assim, a reincidência é muito alta em relação aos

crimes, em especial aos assassinatos.

Neste liame, Silva (2008, p. 133):

Não é preciso ser vidente nem paranormal para perceber que pessoas com histórico de crimes violentos representam uma ameaça muito maior para a sociedade do que os criminosos que não apresentam a violência como uma marca registrada em seus crimes. Uma boa maneira de “prever” o que uma pessoa poderá fazer no futuro é saber o que ela fez no passado. [...] Estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (capacidade de cometer novos crimes) dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais.

Muitas vezes, os crimes de assassinos em série podem ter cunho sexual,

quanto isto é aplicado ao assassino em série, conforme as palavras do autor acima

(2008, p. 130), tais estupros, seguidos de morte, ou até mesmo o contrário, por mais

bizarro que possa parecer, é a combinação da “expressão totalmente desinibida de

seus desejos e fantasias sexuais, seu anseio por controle e poder e a percepção de

que suas vítimas são meros objetos destinados a lhe proporcionar prazer e

satisfação imediata.”.

Pode-se aqui relatar um dos crimes que mais chocou o Brasil nas últimas

décadas, um assassino em série perverso e cruel, impulsionado pelo desejo sexual,

qual seja, Francisco de Assis Pereira, o motoboy que ficou conhecido como

“maníaco do parque”, segundo Silva (2008, p. 130-131), “estuprou e matou pelo

menos 11 mulheres no Parque do Estado, situado na região sul da cidade de São

Paulo.”, ainda fazendo síntese de suas palavras, conforme o que segue.

Referido assassino em série foi capturado pela polícia e impressionou as

autoridades, em razão de ser um homem considerado feio, pobre, de pouca

instrução e que se quer portava armas, mas que convenceu várias mulheres,

algumas instruídas e ricas, a subir em sua moto e ir para o meio do mato com

alguém que sequer conheciam, crimes que ocorreram nos anos de 1997 e 1998.

Um típico exemplo de psicopata que tornou-se assassino em série, e, em

momento algum mostrou-se arrependido de seus atos, citando Silva (2008, p. 131),

este esclarece o comportamento deste criminoso após ser descoberto:

102

Francisco relatou que era muito simples: bastava falar aquilo que elas queriam ouvir. Ele as cobria de elogios, identificava-se como fotógrafo de moda, oferecia um bom cachê e convidava as moças para uma sessão de fotos em um ambiente ecológico. [...] Com igual tranquilidade, o réu confesso também narrou como matava suas vítimas: com o cadarço dos sapatos ou com uma cordinha que às vezes levava na pochete. “Eu dava meu jeito”, complementou. Nos vários depoimentos, frases do tipo “Matei. Fui eu”, “Sou ruim, gente. Ordinário” ou “Não venha comigo... Não aceite meu convite... Se você vier vai se dar mal” fizeram com que o país mergulhasse na mente de um assassino brutal.

Assim, com base à tudo até o momento explanado, passa-se às conclusões

objetivadas na presente pesquisa.

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6 CONCLUSÃO

Destarte, levando-se em consideração tudo o até aqui pesquisado e

devidamente explanado, conforme conhecimentos acima reproduzidos, pode-se

claramente extrair-se algumas considerações válidas para tentar fornecer a melhor

solução ao problema proposto pela pesquisa, qual seja, se assassinos em série são

considerados imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis, bem como à sanção

penal adequada à ser aplicada aos mesmos.

Verificou-se ainda que as hipóteses apresentadas foram parcialmente

confirmadas, pois, a primeira afirmava que em razão dos transtornos mentais dos

quais os assassinos em série são portadores, tem-se que os mesmos tornam-se

inimputáveis ou semi-imputáveis, não podendo desta forma ser-lhes aplicado

qualquer tipo de pena, apenas medidas de segurança, e, complementando afirmou-

se que tais preceitos legislativos penais não vêm sendo aplicados quando do

julgamento de referidos indivíduos, com base na dificuldade do judiciário em

identificar tais transtornos e orientar o julgamento em relação à estes.

Neste momento ressalta-se não tratar de verdades absolutas, pois, podem

alterar-se com o passar dos anos e a consequente evolução da legislação, bem

como do campo psiquiátrico e seu entendimento em relação aos transtornos

mentais, que influi diretamente à imputabilidade de tais agentes.

Porém, neste momento, atendo-se em relação aos conhecimentos

adquiridos com a criminologia aplicada aos assassinos em série, principalmente em

relação aos seus comportamentos, temos que os mesmos podem ser portadores de

vários tipos de transtornos mentais, que moldam seus atos com menor ou maior

força.

A lei penal vigente, em principal atenção ao CP e ao CPP, respectivos

diplomas legais trazem preceitos quanto à imputabilidade de agentes criminosos,

levando-se em consideração àqueles portadores de doenças mentais, nestes

termos, aceito em nossa jurisdição que tais doenças englobam as psicoses.

Por tais fatos, o assassino em série quando diagnosticado, através do

incidente de insanidade mental, com esquizofrenia, paranoia, melancolia maníaco-

depressiva, ou qualquer outra psicose que possa afetar sua condição de

compreender o caráter ilícito da norma, ou ainda, de determinar-se de acordo com

104

este entendimento, deve-se ser analisada sua culpabilidade no momento do

cometimento do delito.

Conforme dispõe o artigo 26, caput, do CP, se tais transtornos, doenças

mentais, refletirem totalmente nos atos do assassino em série, tornando-o

inteiramente incapaz, este será considerado inimputável, devendo assim, após o

devido processo legal, caso seja reconhecido o crime e a autoria, ser-lhe aplicado,

em respeito ao sistema vicariante, apenas medida de segurança, não traduzindo

castigo, mas sim, finalidade exclusivamente preventiva direcionada ao tratamento do

agente que demonstre potencialidade para novos delitos.

Ademais, levando-se em consideração as mesmas psicoses acima citadas,

tem-se ainda, que o assassino em série pode ser considerado apenas semi-

imputável, pois, com base no parágrafo único do artigo 26 do CP, ao tempo do

cometimento dos assassinatos, o mesmo em virtude de perturbação da saúde

mental não era inteiramente capaz, verificando-se assim um meio termo, devendo

nestes casos, conforme se verifique mais adequado ao caso concreto, ser-lhe

aplicado redução da pena, ou ainda, excepcionalmente medida de segurança para

tratamento do psicótico.

Contudo, percebe-se com os conhecimentos adquiridos que na maioria das

vezes o que ocorre em relação aos assassinos em série é que os mesmos são

diagnosticados como psicopatas, e não psicóticos, sendo este um quadro clínico

muito mais grave, mas que não enseja a aplicação da isenção da pena nem ao

menos a sua diminuição, pois, o delinquente tem plena capacidade de entender o

caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este, porém, em decorrência

de demais particularidades que a psicopatia apresenta, o mesmo comete o delito,

sem qualquer remorso ou empatia pela vítima.

Em ambos os casos deve ser exercido o controle social, aplicado pela

compreensão da criminologia moderna, principalmente quando do ambiente familiar,

pois, em relação aos psicóticos a grande maioria nunca cometerá qualquer crime

grave durante toda a vida, porém, muitas vezes isso se dá por balizas, limites

impostos pelo meio ao qual vivem, seja por uma boa estrutura familiar, um

tratamento precoce em relação ao diagnóstico, ou inúmeros outros fatores que

auxiliam na prevenção do surgimento de um possível assassino em série.

Quanto aos psicopatas, que representam a maioria esmagadora dos

assassinos em série, tais controles podem ser exercidos, mas são mais tênues, pois,

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a psicopatia, apesar de poder ser criado limites para o indivíduo, esta não tem

tratamento, não há como obrigar uma pessoa à possuir sentimentos dos quais a sua

natureza os privou, sendo difícil, ou até mesmo impossível qualquer ressocialização,

pois, o objetivo da sanção não surte qualquer efeito.

Vale frisar o fato de assassinos em série serem por vezes portadores de

psicoses ou psicopatia, porém, algumas vezes não são diagnosticadas, pois, deve

haver indícios forte o suficiente para ensejar a realização do exame de insanidade

mental, podendo passar por despercebido em relação àqueles que poderia

apresentar-se útil um tratamento adequado, sendo simplesmente jogados em

cadeias que não possibilitam qualquer tipo de auxílio na reinserção do indivíduo pela

sociedade.

Apenas por questão de complemento, em relação à pena em si, verificou-se

que quando da aplicação da mesma, há a cumulação destas, ou seja, das quais

foram aplicadas à cada delito, pois, trata-se de concurso de crime material

homogêneo.

Por fim, fazendo-se uma síntese da pesquisa, tem-se que assassinos em

série podem ser inimputáveis ou semi-imputáveis quando portadores de psicoses,

devendo ser analisado caso a caso a potencial consciência de ilicitude do fato

praticado ou o mesmo de poder determinar-se de acordo com este entendimento,

avaliado em razão do tempo do cometimento dos assassinatos, devendo ser

aplicado medida de segurança na primeira hipótese, ou pena reduzida na segunda

hipótese, podendo ainda, ser substituído pela medida de segurança se verificar-se

mais adequada.

E, quanto aos assassinos em série, tidos por psicopatas, os mesmos são

imputáveis, devendo ser aplicada a pena correspondente, pois, possuem total

consciência sobre seus atos.

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