Ramalho Ortigão Hollanda - Forgotten Books

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Transcript of Ramalho Ortigão Hollanda - Forgotten Books

R A M A L H O O R T I G Ã O

HO LLANDA

P O R T O

MAGALHÃES MOM —EDITORES

lVI !estemnn lm de ag radecimento e de estima— depois de oito an

nos de collaboração jornalística exercida na maxima liberdade

de espirito e na mais comp leta indep endencia de todo o p reconceito de

nacionalidade , de seita ou de partido—ofereço este livro aos dir e

clo res da Gaíela de Noticias » do Rio de Janeiro , Ferreira deMronjo

e Elrseo ! ! endes , os quaes , animando -me a exp ôr no seu jornal al

guns asp ectos de pai.;es es trang eiros, n ie mostraram con-

zp rehender

que na se-iencia o estudo comparativo

das'

sociedaa'es é o que mais se

guramente condi z .ao conhecimento das leis do p rogresso, e que na arte

o melhor inet/iodo de "educar ii'

um povo as suas faculdades creativas con

siste em interessar nos espectaculos da natureça descr evendo—os com

sinceridade e com srmpatliia .

Lisboa, agosto de

(

KAMALHO ORTIGÃO

S U MMA R IO

AS O RIGENS

I'I

ilipp e H e D . João l l l—A Inquisição duque d'

Alba. nos P aigesBaixos—A reiiolta—Declaração dos n

-

zaltrap illzos Gueux de

[er r e et gueux ,de mer— Al arn ix de Sainte-Aldegonde e Gn i

l/ierme o'

l'

aciturno — Iºormaç a'

o da nacionalidade— A guerraO cerco de —Indep endencia das P rovin cias Un idas O

- o . o o o o ' o o o o o o o o o o o o o o o o o o I)Z lg . l

P RIMEIRO S ASP EC'

I'

O S

Chegada a Amsterdam —As ruas , os canaes , os edyz'

cios , as barcas , oss inos , a multidão —Amsterdan i a

' noite O despe rtar da c idade'

Is creadas e os vendilhões Os velhos bairros Al ercado de./lores

e mercado de p eixe p alacio real— Santo An tonio lio/lande;A Bolsa Lucas Bois e P ocking Kalverstraat Os typos—Os vestuar ios—A indo/e do povo .

—A Kermesse . P ag,lªn

Vl ] ! Sum/nan o

CAMP OS E ALDEIAS

A pai.;agem—Asp ecto geral do solo As pastag ens O Westland

A Z elandia—A Gueldra—O Over - Yssel—A Fr isa—A Gro

n inga— A D r enthe— O trekschuit e a viação agz iatica— O regi

men das aguas P ag. 79

Z aandam— Os moinhos—A cabana de P edro o Grande . P ag. 98

O Z uidergée— Al onnichendan -

z — As ilhas de Afl arken d'

Url; e deSchokland—Os enterros e as bodas na ilha de Marhen . P ag. 95

A aldeia de Broek—A casa rustica — A naccaria e a queij eira— O

p rado— A cosinha — A/Íoueis e utensílios domesticos— Os costu

AS CIDADES

,fªln -

z sterdam—Con'

guraça'

o do p orto e da. cidade A tradição architecton ica— Bairros antigos e bairros modernos—Os ca.fes e os” tea tros— P a rques e jardins p ublicos—As escolas , os museus, ascollecç ões d

'

arte, as instituiç ões de bene/icencia . P ag. 1 09

Sununai“io IX

Rotterdam—Aspecto do porto Clero catho/ico e clero p rotestanteA passagem [“loogstraat

— O sabbado af noite—Os «musicos »Erasmo Costmnes comde embarcadiços fls

./undações

me; 'ciaes .

A Hara — P asseio a trave,7 da cidade—O cosmopolitismo—A clegan

cia—Recorda ções histor icas — Adela ide de P lo c/g est— AÍauricio

de N assau o Braz ileiro— A companhia das ]ndias—Sp inosaBinnenhof— Armin ius e (Jomar stadhoua

'er Mauricio de

Orange , Grotius , Hogerbeets e Barneveldt— Coujlicto religiosoMunic ipalismo e unitarismo— O supp l icio de Barneveldt

«Fata r iam innem'

ent n—A burguegia , a druastia dºOrang

'

e e o

povo exercito hot/andeç O equilibr io social— Corrida de

canal/os? 0 bosque da Hara

Scheueniugue— A p raia de banhos A duna—Habitações de banhistas

Terra ços de restauran tes ba l l/IO das senhoras 1 vida na

pra ia—A p ovoa ção dos p escadores P ag. 1 68

Arnhem — A Cintra hollandeça—As quintas , os jardins, as ma ttasOs clubs— O asy lo militar de Bronbeeh

—Ataarteu nan RossumOs condes . de Egmond N imegue Carlos Magno Clau

dio Civilis , o Viriato hollandeg— Co rnelio de Witt e João de

Cidades industriaes que a Hollandafabrica—A lap idação dos diamantes , as p edras , as oficinas , os op erar ios judeus P ag. 1 32

Alkmaar assedio hispanhol—«Alhemaria If'

ictrix v—A vida p ro

nincial—As noites de Alkmaar — A_f

eira dos que ij os . . P ag. [92

Haarlem—Seu resp ectivo cerco—Lourenco Koster, atj'

pographiae l it

teris mobilibus e metallo [usis innentor » —Kanau Hasselaer , a

V Summar io

padeira dºAljubarrota hollandeqa conde de Br ederode—Aj lo

r icultura naturalista Clusius—As tulipas. P ag. 1 99

U trecht— Os descendentes de Torquemada e os de João [Inss—Os mo

ravos _

.lansenius Os bispados de U trecht—é A/[useu archiep isci i

pal—S. IfVi/lelvrord e S . Boni/acio—Adr iano V] , o duque d

'

A/

lva , Lui; XII Napoleão Bonaparte . l“ :-tg. 205

Le id e—.Os estudan tes Os p rincipes —Recordacões do cer

co— Lucas de Lerde moinho de Rembrandt— Os Elgeiiieres

—lthena Rataum esp ir ito miiversitario— Festa inauguralda .

fºlcademia -

.la-

nus Dousa,Justus [. ipsius, .Meursius, Boer/lave,

P aulo Merit/a, Gronovius'

, Saumaise , Scal igero— Darn'in e Littré—A botelha de Ley de . l P ag. 2 1 3

Delft—« Os — Cidades que nascem, cidades que morrem , cidades que resuscitam

— A olar ia de Delft— Influencia _iaponega—O

esp ir ito da navegaç ão em P or tugal e na Hollanda— A gloria dCtrabalho e a do p avilhão das quinas—Fernão Mendes P in to , Gar

da Orla. e D . João de Castro P ag. 2 2 7

AS CASAS E O S INDIV IDUO S

navio e a casa— i l famil ia amphibia aconchego do lar _ O

tão e a sala de jantar—A r eligião na_]Lm z itia—A casa de cidade

e a. casa'

de campo Interior d'

artista e inter ior burgueg—A ja

milia Van Durl . P ag. 24 !

.S'

mu-mario -YÍ

'is nu it/teres na e xp osição de pin tura— P inturas , actr içes e escripto

ras v Al ademoise/le Sc/uvartgc e o seu atelier Como ella me re

- o o . 0 0 0 0 - O º º o o o o o o C o c o P arª

In terior de uma « villa » em . lrnhem—Hpatriciado ma g ia ,— Á edu

cação das crcanças—l lr. is

,vitalidade lio/landeça luxo -

. l in

s trucão das classes r icas,u

'

aiato de Amsten iam . . P age,. em

Alauifestações caracter'isticas da indole nacional - 1 economia scn

timen to democratica esp ir ito rotineiro— . l teimosia f culto

ia. tradição resp eito do trabalho . P ug. 2 43

Iobracon tra P rova da ana/rse P ela critica nacional dos costumesdo escr iptor Domus Dekker Last Companhia — Comp rehensão

lvuru'

uega do amor , da poesia , do romance, da litteratura dramatica « snob » da Hollanda e o « snob » port/(Q'

ue P ag.

AS CO LO N AS

['rog-

ramnm da e xposição colonial da Hol/anda— 1 :'

uunciado do p ro

blema—A India [lol/arideç cl— (J arc/upclago da .lava l Bata

via.

—lsp ectos da nature,

-

a e c a sociedade I l admin istr açãoju

-

ncciouatismo hollandeg— Os pr incip es asia/icos I exp loração

mercan til —l p roduccão c o traba/ho ind igena . P ag.

Xi! .S'

ummario

A A RTE

Seculos de p rogr esso e seculos de decadencia—A Hol/anda no se

culo XVl l — A p in tura _/loren tina , g enovega e jlan zenga A

art e ecclesiastica e a arte denzocratica— Como a pintura. con-

zeça

na Hollanda—A esthetica —O st'

rlo— b tireveldt , V an Ravestein ,

Van der Venne,Houthorst , Frans -Hals , Rembrandt e V an der

Helst O banquete dos arcabugeiros» —«A ronda da noite » Os

srndicos »—Op iniões da critica—Os quadros de Hats—Os «p etitsma itres »— Jan Steen ,

V an Ostade,Brat/mer , V an Laet" , I-

"

an de

Velde, Ruy sd ael , Dov, P aulo P otter, P ieter de Hooch, Melsu , Ter

burgº

, Van Mieris—A pa i,;agem— O quadro de g enero—A na tu

rega n ior ta— Conclusões—Influencia s da p in tura hollandega na

p in tura e na esthetica. modennd— O na tura lisnm— O p recomteito

da bet/e.;a [ins da ar te . . P ug. 3 1 5

«A: CULTURA.

Distincção entr e a organisação p ortugueça e a o“

gasnisação lio/tande

ça no ensino publico A un ivers idade e o lrceu— A liberdade deop in ião —docent'e-

n » e « cura tores » —/l jam/dade de letras

Summa; 'In XIII

A comp re/tensã o da theoloe'

ia—A lingua na cionalsação do ensino —Os doutoratos—Formação dc professores —Curso de empreg ados colcnuaes—w Os estudan tes— A instituicão do es

tudo P ug.

Importancia para a nossa educação publica do estudo comparativo das

p equenas nacionalidades [uturo da Hollanda—A drnast'

ia

O annexio rnsmo g ermanico—A defesa hollandega—A sua mari

nha—A mobilisaçã o das suas linhas d'

agua— A sua ane/(n idade

moral —A força das ideas no destino das nacões—Os meus vol g. 35 5

AS ORIGENS

Hollanda tomou na h is t or ia 0 nome de nação quando P ortu

gal, tendo j á quat ro secu los de exi s tencia, acabara de dehmi ro seu vas to papel gl or io so no drama da Renasc en ça.

Até o secu l o xv 1 e l la era para nó s o pantano t eneb roso , a reg iãoamphib ia, ora agua, ora terra fi rme ; um pouco de l odo envol to em ne

voa, periodicamente revol v ido pelas temp e s tades do Mar do Norte , hab itado por uma raça mysteriosa e mal d i ta dos D euses , para a qual oss ol dados de Cezar ol haram attonitos levando para Roma a not i c iadºesse povo s in is tro e lamentave l , condemnado a l utar inc e s santemen te

con tra a colera do c éu e con t ra a i nc l emenc ia do oceano sobre algunsmouchões de t erra movedi ça e fluc tuant e .

Foi prec i s o que Filippe n,herdan do de Carl o s v o condado ad

st r i c to a casa de Bav iera, pretendes se impor - lhe o catholicismo para

que a Hol landa en trass e na v ida his torica dando a human idade umnovo d i re i to— to do um novo mundo moral— o d i re i to de cada um al iberdade inviolavel da conscien c ia .

Na co rrespondenc ia de Fi l ipp e n , colligida e pub l i cada na Bel g i cape l o d i re ct or dos arch ivo s nacionaes Gachard, enc ontra- se o s egu in tet re cho de carta di ri g ida pel o rei de Hispanha ao seu embai xador emRoma

«As s egurare i s a sua san t i dade que eu procurare i regu lar as cousas da egre ja nos P aiz es Bai x os , s endo p os s ive l sem recorre r aforça

,

porque e s te me i o t raria comsigo a t otal destru i ç ão do pai z ; mas es toude te rm inado empregal

- a t odav ia,se n ão poder de outro modo regu

lar tudo como dese j o .

, e nºeste cas o quero ser eu mesmo o ex ecu tor

2 A Hollanda

das minhas intençõe s , sem que, nem o p eri go que eu pos sa c orre r,nem

a ruína dºessas províncias, nem a dos demai s e s tados que me ficam ,

p os sa obs tar que eu cumpra o que um príncipe christão , tementeDeus , deve fazer pe l o seu s ant o s e rv i ço e p e la manutenção da fé ç a

tholica. »

D . Joao tn, annun ciando para Roma ao negoc iador fre i Balthaz ar de Far ia a recepcão da bul la meditatio cordis, a qual c onfirmavadiíin itivamen te em P ortugal o domin i o da santa inquisicão, re str inge oseu applauso , com relação a al gun s d ip l omas menos c rué i s para com

os christãos novos , na s eguin te phrase«An te s qu i z de i xar de repricar n

ºaquillo de que sua sant idade ha

de dar con tas a Deus , por carregar sóm ente sob re e l l e , que di latar oservi ço que a n os so Senhor se faz c om a i nqu i s i ç ão . »

Eis ahi, ao ladoum do outro , os doi s homen s des t inados enunc1ar o prob lema a cu ja solucão se achava v in culado o futuro de doi sp equenos povos,

'

collocados geographicamente em pon to s t ão oppostosda Europa e reuni dos na hi storia a um mesmo moment o pe la catastrophe commum,

—a dominação de doi s despotas , inexoraveis com oduas mach inas d e guerra fabri cadas p e l o p rop rio concílio de Tren to .

para horror dos herege s , firme s e convi c t o s na sua fé c omo an ti gossacerdote s de Tyro ou de Carthago offerecendo aos deuse s aplacadoso sacrifício esp iatori o da rez humana ; ambos sombri os e ambos grandiosos como os portadores da v erdad e ab so luta, que e lle s suppunhamhaver re c eb ido da D ivi ndade j untamente com o sceptro do governo e

c om a e spada da j u s t i ca.

P ara oppôr á von tade e smagadora do soberano hispanhol Hol

landa anarchica, pob re e obs cura, teve a Li ga“

dos Mal trap i lhos . P or

tugal monarch i co , glorioso e r i co , P ortugal , que poucos annos an tes deslumb rava a Europa com a epºpeia das s uas navegaçõ es e se preparavapara dom inar o mundo p e la heranç a do imperi o de Carl os v , não tevere s i stencia que oppôr ao arb ítrio de um tyranno .

Tinha e s talado no nosso machinismo nac ional a mola real da for

ça. Então se viu que a sacris t ia portugueza nos envolvera em e xhala

As Origens 3

ções mai s pestilentes e mai s mor tíferas do que os vapores paludososdos charcos da Batav ia.

Em fren te da ameaca de an i qu i lamento lançada pel o despot i smocatholico , em P ortugal não appar

'

ece um homem . Na mesquinha Hollanda

, que n o mappa- mundi ap enas repres en ta um terço da superfi c ie

que P ortugal o ccupa no con t in en te europeu , l e vanta- se uma legião , laligue des pauvres gueux, e á fren te dºella doi s verdade iro s heroes : um

que é o braco da revol ta, Gu i l h erme dºOrange o Tac i turno ; o out ro

que é a cabeca da revol ução , Marnix de Sai n te-A l d egonde.

O s h i s toriadores abusam em geral de uma formula consagrada,

ao r eferirem - se aos movim en tos espon taneos do povo para a acqu i sicão das s uas lib erdades . O s fac tos demons tram pelo con t rari o

, me pa

rece , que não ha cousa mai s dormente , mai s c rassa e mais pass iva do

que e s sa formidavel mole de interes ses corre laci onados e de egºismos

s ol idar ios a cu ja cohesão geographica se chama um povo .

P ara de terminar um movimen to revoluc ionar i o na mas sa de uma

nacao é prec i s o, em primeiro logar, que haja uma i dea; é preci s o depo i s que e s sa ideia se t raduza n'uma formula artística, que p roduzaemoçao ; é prec is o , por u l t imo, que uma e spada dê o ex emp lo .

Não ha re vo lucao que v in gue quando nºella não concorrem es ses

t re s agen tes desti nados a p ôr de accordo , para um mesmo fim,a for

ç a, o s en t im ento e a razao .

A bande ira de batal ha, o hymno de guerra e o bas t ão de com

mando nao sao mais que os at tributos symb olicos'

dºessas tr es phases

da determinaç ao—a i deia, a c onvi c ç ão,o ac to .

Todo o povo que se sub leva e se bat e pela indep en denc ia e pelal ib erdade

,tem em si, mai s ou menos em evid en c ia, um p ensador

,um

art i s ta e um soldado .

Em P ortugal , o regimen eccl e s iast i co , envenenan do l en tamente asfontes da ph il osoph ia

,as fonte s da art e

,as fon te s da hon ra c ivi l e da

coragem mil i tar, hav ia- nos mani e tado de a'

n temao para a r es i st enc iaa serv idão p ol i t ica e á dommacao e strange ira.

p_ai z resava .

4 A Hollanda

O s philosophos t i nham - se convert ido em casuí s tas,di ri giam a con

5 c i enc ia publ i ca de den t ro dos confessionarios, cul t i vando nos e sp i r i

tos a analys e op tica do peccado com o mesmo carinho de micrographoscom que o p ovo cul t ivava os paras i tas da p el l e á p ortaria dos con

ventos .

O s homens de guerra t i nham - se fe i t o sal teadore s .

A arte hav ia morrido com Lu iz de Camõe s de mul e tas , s en tadoao s ol ent re os frades , no pat eo de S . Domingos .

A liga dos maltrap ilhos era formada por i n divi duos da prime iranob reza da Hol landa, ap esar do nome que adop taram e que l he s d e rao conde de Barlaymon t ao tranquillisar a gov ernadora Margar ida na

occasião em que iam ped ir - lhe a ab olicão do t r ibunal do Santo O thcio z—Madame, ce ne sont que des gueux .

Nove fidal gos , moços , saí do s quas i t odos da e scola de Geneb ra, reunem

- se no dia 5 de ab ri l de 1 566 no“ cas te l l o do prin c ipe de

O range , em Breda, para o fim de accordar na dec laração dos d ire i tos

que deviam ser impostos como cond ição amonarchia hispanhola. Eis as

conc lu sões dºessa declaraç ão redigida por Marnix e des t inada a ser o

prospec to da guerra :

«Tendo bem e dev idamente con s iderado todas as c oi sas , en tendemos que é de noss o dever ob s tar, afim de não sermos presa dºaquelles

que, sob côr de re l i g i ão ou de i nqui s i ção , querem enri quece r à custado nosso sangue e da n os sa fazenda. P e lo que, del ibe ramos fazer uma

b ôa, fi rme e e stave l alliança e c onfederação , obri gando - nos e prometten do uns aos outros

,p or j uramen to sol emne

,imp edi r que a di ta in

quisição se receba e sus tente , sob qual quer prete x to que s e ja . P ro

met temos e j uramos man ter e s ta alliança san tamen te e inviolavelmen tepara t odo s empre emquan to v i vo s formos . Tomamos a Deus por testemunha, e p e la eterna sal vação das nossas almas nos promet temos

re c iprocamen te t oda a as s i s t enc ia de corp o e b ens , como irmãos e fie i sc ompanhe i ros , de mãos dadas . E , se algum dos nossos confrades forperseguido pe la dita inqui s i ç ão, ou por ter adherido es ta confedera

6 A Hollanda

lagrimas da admiracão e do rec onhecimento naciorial,'

esse'

cõmpro'misso de honra con trahid

'

o por al guns homens“ ”

assumiu o'

prestigio de

uma lei moral , a con sagração de um dev er, .o gri t o supremo da pa

tr ia' chaman do os d isp ersos , reunindo os s ol i tar ios,guiando os erran

tes, fazendo v ibrar a mesma fibra em t odos os c orações '

e creandoum con j un to geral de t odos os impul sos para um fim commum,

es

pecie de c orrente magnet i ca que arrojava tudo conglob adamen te paraa fren te

,prendendo o des t ino dos t ib ios à sort e dos audazes .

Em P or tugal a vida de côrte co rrompera e arrui nara a nob reza.

A obra de Franc i s co I em V e rsai l l e s e em Chamb ord foi a ob rade D . Manue l , de D . J oão m e de D . Sebas t i ão, em Li sb oa. As emu

lações'

e as int rigas de palac io t inham ab sorvido as nob res asp i raçõese os graves i n tere s ses da v i da . A fidalgu ia, arrebanhada

'

em vol ta dorei,

'

ab dicara da sua importancia e da sua infiuencia nos so lares abandonados . O s fe i t ores e os rendeiros pred i l ec t os do morgado largavam a di

recçao das lavouras para acompanharem seu amo á oc ios idade l uxuosadacô rte, sub indo em categoria serv i l da obscu ri dade de trabal hadoresá graduação agaloada de escudeiros e de lacai o s . O s e st imul o s cavalleirosos da força, da leal dade e da j u st iça ex tingu iam—se na t radi ção .

A'

s honras t inham cessado de ir ao mer i to e ao val o r pes soal , ser

Vin'

d0 « unicamen te para estipendiar a lis on ja cortez ã e o servi l i smopalac iano . O l uxo tornára- se gro tes c o á força de ser des enfreado . O

v i c i o do j ogo era tão geral nos palac io s como a prost i tu i ç ão nos con

'ven tos. '

A moc idade aris tocrat i ca ch egara ao derrade i ro grau da decadeneiav i r i l ,

O escriptor quem de vemos os quadros mai s vivos doscostumes da ép oca

,D . Franci sc o Manuel de Me l l o

,p inta- nos os j o vens

fi dal gos da côr te de D . Sebas t i ão caminhando amparados nos braçosde doi s escude i ros

,arras tando os p és

,derreados , b ocejan tes ; e eram

prec is os quatro lacai os a cada caval l o para l he s cal car as luvas , para osestribar , para os collocar na se l la, para l hes met t er a redea na mão .

O s criados de pé acompanhavam o caval le i ro , ladeando—o , do i s aos est ribo s

,doi s ás camb '

as do fre i o . Era a afiec tação da e l eganc ia, a exa

geração da moda,levada até á imbec i l i dade, até ao cret in i smo. Homen s

As Origens . 7

dºes tes sao incapazes de fin ca- p é para qual quer resi s t en cia, e o seu des

t ino moral é obedecerem pass i vamen te ac orren t e das co i sas , c omo as

podridões da rua obedecem apassagem do enxurro que as leva ao su

midouro .

A ss im,p erant e o e s tab el ec im ento da in qu i s i ç ão em P ortugal

,os

cortez ãos e os auliç os fi ze ram - se ofiiciaes do san to offic i o , e sp iões dot r ibunal da Fé

,e sb irro s do d iv in o , pondo a honra de ser mandados

no pri vi l eg io augu s to de dob rar mai s uma vez no s e rv iço da magestaded iv ina o pobre e sp inhaco de sartic u lado nas des locações da dign idadeao s ervi ço da magestade humana.

No povo , que é a derrade ira camada em que p enet ram as i nfi l t raçõe s da corrup ção soc ial , hav ia em P ortugal c omo na Hollan da a es

tofa de que se fazem as i n ven c í v e i s guerri l has .

Quando o sapat ei ro Mart im Fernandes e o ole iro An toni o P i resforam ao conven to do Carmo , onde se reunia o braço da nobreza

, pro

t e s tar p e lo b raço popu lar em favor da i n dependenc ia,o cardeal D .

Henrique t remeu de terro r p e la revolução em Li sb oa, e, se j un to dºellese achas se n 'e s s e momen to um amavel e contemporisador Barlaymon t ,

e l l e poder ia dizer - lhe com mai s ve rdade do q ue á duquez a de P arma_ Cc ne sont que des gueux.

Esses do i s mesteiraes eram com effeito os nos sos gueux.

P ara di rig i r , porém , o mov iment o do p o vo na re ivindicação doss eu s d i re i t os , fal tou—nos en tão a cabeça de um Marnix, cu j o l ogar ti

gura t ão di s cut i da de P hebu s Mon i z es tá longe de poder p reencher nosdes t inos da re vo l ução portugueza.

P recisavamos do gen io de um homem que rep re sentas se por si o

genio de um povo , p rec i sava- se de uma intelligen ç ía dominadora comoera a de Sai nte-A l degonde

,como foi a de J oão das Regras .

P hebus Mon iz, ai nda quando ç ollocado pe la h is to ria a t o da a al

tu ra da sua l enda, não é ainda ass im mai s do que um simples coraçaode pat ri o ta dim inuído por uma pusillan ímidade de b eato .

E não é sobre as vagas ai n da que genero sas aspi rações do sent im ento que se hrma o equilíb rio de uma nacional i dade, mas sim sobre

8 A Hollanda

um sys tema s imple s e s ol i do de al gumas id e'as fundamentaes, l og icamente deduzidas

,sol idamente concat enadas .

O pat r i o t i smo , só , é apenas uma di spos i ção rec ep t iva. É forçoso

que um agen t e i n tel l e c tua l infiua nºessa di sp os i ção para que e l la se

c onverta nªuma ac t ivi dade .

Sob a ameaça da usu rpação de Fil ippe n o c e l ebre p rocu rador deLi sb oa, em vez de se d i ri gir ao povo para organ isar a re s i s tenc ia, diri

ge—se ao cardeal- rei para contemporisar pel o par lamen tari smo .

Exis t e,para s e r c onfron tada com a dec laração dos gueux, formu

lada p or Marn ix, a allegaç ão feita por P h ebus .

Diz -

o documento p or tu guez, que eu âelmen t e cop i o de uma t ranscripç ao do manuscripto fe i ta por O l ive i ra Mart in s :

«Se el—rei D . Fi l ipp e é christão,não qu ererá move r uma guerra

en tre christãos, por causa duvidosa, con tra a j u sta successao ; p orque ,sendo as s im , não t e rá b om suc c e s so

,e Deu s n ão s erá em seu favor ;

e' quando o quiz esse faze r, faremos o que s empre fi zemos ; b em sabemos pe rder a v i da pe la l ib e rdade , e, pos to que se jamos poucos e desarmados , e e l le poderoso e aperc eb ido

,e sp eranças tenho em Nosso

Senhor, que aj udará a '

efi'

ectuar uma s en tença dada por um rei . tao ç a

tholíco e tão santo e que não permit tírá sermos venc idos , poí s l e vam osa verdade .e a razao por gu ia. At t on i to es tou de vê r que, s endo a j u st i ca egual , . e es tando ainda o parecer de V os sa A l teza tão duvidoso , sei nc l ine para Cast e l la ! Como pode rá Vossa A l teza ex t in gu ir uma nação

que os' re is s eu s an teces s ores trabal haram tan to por ennob recer?um

reino que el l e s ganharam aos i n im igos da nos sa santa fé?Não sei c omoV ossa A l teza poderá acabar aquel las c inco chagas , que Je su s ChristoNos so Senhor deu por armas no Campo de O urique a e s t e re in o ; poder- se - hão e l las , sem rece i o ou t emor

,m ett e r en tre os l eões de '

Cas

te l la?Este n egocio é mai or do que todos os do mundo , por arduos quese jam ! Que fal ta é es ta de amigos

, que pobreza de vassallos reaes?P or

que nao tenho . por amigos do vosso s erv i ço , nem por c riados leaes,quem tal co i sa n os aconse lha. P or que querei s que vos es tal e o re inonas mãos?Não vê Vos sa A l t eza a nodoa que põe em seu nome?Aonde

As Origens 9

s e d irá que se en tre gou es te re i no a Cas t e l la,por t emor de se defen

der do seu poder?P e las lagrimas dos orphãos, que vi vem das e smolasdo re in o e de s eu rei natu ral ; pel o remed io dos fidal gos , que ide s entregar a um rei es t ranho ; pelas n ec ess idade s das viuvas ; p elas m is e riasdos pobre s , p e ço - vos , s enhor, que conserve i s es t e re in o na l ib e rdadeem que os re i s voss os ant epas sados o pu z eram ! repres en tai an te vossos olho s , que todos comigo dão vozes : a quem nos d e ixai s s enhor?

por q ue nos capt ivai s?! aonde nos l evai s ?! clama o povo , c lama a nossaconsciencia, clama a j u s ti ça e a razão

, e os nossos c lamores hão de che

gar ao ceo ! Dai- nos l ib erdade , e, se vos parecer que a nao merecemos ,t i rai -nos a v i da, para que com el la se acabe -

o nosso captiveíro : quq

an te s queremos,os V e rdade iros portuguez es, entregar de b oa vontade

a' v i da, do -

que pe rder a l ib e rdade . »

É fundamental a differenç a entre a att i tude de Marnix e a de P hee

bus . O confron to d o s doi s documen tos em que es sa differenç a s'

e ba

s e ia bas ta para nos dar a chave dos de s tino s pol í ti cos de P ortugal eda Hol landa .

depois .- do gran de confiiç to rel i gio so da Renascenca .

As palavras de Marn ix sao um p rot e sto resolu to e fi rme , um juramento sol emne e sagrado , de des embai nhar immediatamen te a es?

pada da revol ta e de dar até a ul t ima got ta de sangue para ob s tar eimp edi r que a pol it ica de Fili ppe I I , repre sen tada pe l o es tab e l ec imentoda i nqui s i ç ão nos P aiz es Bai x os , se ja ahi rec eb ida e supportada. E es tade l i beração as senta na s impl e s força que dá ao homem a conqu i sta intellectual de um d ire i to , a acquisiç ão de uma verdade, a pos se de uma

convic çãoAs palavras de P hebus Mon i z t êem a deb i l idade da supp l ica, las

t imav elmen te formulada em nome de todas as fraquezas com . que a

c orrupção havia depauperado o vi go r e envenenado a s e i va de uma

soc i edade .

P rocurador do povo e i n terp ret e dºelle,P hebu s al l ega em favor

da l ib e rdade todas as super s ti ções e todas as miserias que j us t ifi cama serv idão .

I gnorando que sao os povos que dão a i ndepend enc ia aos re i n os ,

'to A Hollanda

e nao os rei s qu é dão a autonomia aos p ovos,e l le i ncl ina- se, como se

est ive ss e em frente do sacrar io nac ional , dean te de um throno carc omido de sevandijas , no al t o do qual um vel ho padre amedrontado , livido , enrolado nas purp uras do cardeal e do rei

,treme confrangido de

sen il i dade e de pavor, e s cutando a vaga tempes tuosa que surge em t ornod 'e l le , e sob re a qual lhe parec e s en t i r j á de scoser - se e descon j untar- se

a jangada o sci l lante em que tem os p és .

Ee sse homem que P hebus Moniz'

imp lora.

Em nom e de que p rinc ip io?Em vi rtude de que di re i to?“ Em nome das cinco chagas de Christo, dadas p essoalmente ao reino

pelo mesmo Christo no camp o dºOurique !

P e l o s orphãos, que vivem das esmolas do rei !

P e l o remedio dos ]?dalgos, os quaes parece v ive rem de eguaes esmolas !

P e las necessidades das viuvasP e las miserias dos p obr esA expos i ção de P hebus Mon iz é j á o epítaphío da nação .

Essa voz genero sa e s inc era t em na h is tor ia a repercu ssão tragi cae lugubre de um memento .

P orque, eviden tement e , não é já uma nação que v i ve por t raz dovu l to sympathico do procu rador do povo de Li sboa nas c ort es dºAlmeirim . É uma soci edade ç ondemnada ; é um m iseravel aj un tamentode fanat i c os e de mendigos ; e um pov o sem t rabal ho ; é uma nobrezasem hon ra ; e um c lero sem cari dade ; e é um rei ao mesmo t empo ungido e t on surado , ente hyb rido e n eut ro , duplamente muti lado p e l oEstado para a Egre ja

,e pe la Egre ja para o Estado, varão sem v i ri l i

dade,sac ri s ta sem devoção

,prin cipe sem espada .

Marnix d i ri ge—se directamente ao povo , e guiado pe lo ax ioma Ubiveritas ibi patria, l e van ta a alma naci onal da Hol landa, impondo - lhe

a conv i cção p rofunda e indestructivel de uma s impl e s i d e'

a j u sta.

Esta idea pode—se formular'

nos s egui ntes termosTodo aquelle q ue attenta, por qual qu er modo que s e j a, con tra a

liberdade inviolavel e sagrada da conscienc ia humana,é um inim igo

As Origens I

que a natureza nos impelle'

a c ombater, eque Deus nos impõe o deverde e x te rm inar .

Toda a ob ra de Marnix na impuls ão da Hol landa para a guerrae para a vict oria da sua indep endenc ia ser e sume na defin ição e na pro

paganda d'e ssa ideia, a que el le deu succ e s s ivamen te t odas as formas

que pode tomar uma v erdade pas sando at rav ez do gen io de um ho

mem .

Dºessa i dea manejada por el le sae con st i tu i da e armada uma na

cionalidade comp le ta, ass im como sae a formação de um mundo dafecundidade de uma ce l lula.

Dºesse p rin cip i o e s tabe lec ido t i rou Marnix de Sain te-Aldegonde

tudo quan to é pre c iso para a ex i s tenc ia autónoma de um povo , i s to éuma re l i gi ão, uma philosophia, uma pol í t ica, um d ire i to, uma moral «e

uma art e .

Essa voz pri vi l egiada, de con sumado lit te rato e de fino ar t i s ta, põe

luz emquanto ennuncia.

Não'

e'

o tr ibuno popular das côrtes de Alme i r im ,de cu ja l in gua

apai xonada mas puer i l s o rri riam de litterario desdem os cul to s theol ogos e os palac ianos poetas d o part id o castel hano em P ortugal .

O chefe e sp i r i tual da revolução na Hol landa é um batal hador armado de t odos os in s trumento s do raciocín io e de t odos os pode resda palavra, dotado de uma cul tura encyclopediç a e de uma agilidadede argumen tação i nexced íve l , c on tra a qual toda a casu ís t i ca dos padres - mestre s do Concílio de Trento e

'

dos c onse l hos p rivados do Escurial esbarra afoc inhada

,como o touro hispanhol ao marrar no ar,

venc id o pe la des t re za do cap inha. V inha da grande es c ola de Genebra,esse seminario heroico

,do qual e sc reveu Michelet : «A todo o povo

em perigo Sparta com o exerc i t o mandava um spartano . As sim succe

deu com Genebra . A Inglat erra e l la deu P edro Martyr, Knox á Escocia, Marnix aos P aiz es—Bai x os ; t res homens e t r e s revolu ções . »

As clas s es sup eri ores , e l le fal la a l in gua e rud i ta e sabia do c las s ic i smo lit terario da Renascença; ao povo fal la na l i ngua s imples de umbom senso persuas ivo e convincen te .

»1 2 A Hollanda

Não'

h a fó rma alguma do p ensamento communicado e da commocão tran sm it tida, em que e l l e n ão i n troduza a i deia da revolução

,con

vert endo - a n 'uma esp eci e de '

atmosphera moral , de st i nada a envol veros . espiritos por todos os lados . P õe- a em prosa, em v erso

, em mu

sica, desenvolvendo - a na dire c ção de t odas as expan sõe s da e nerg iahumana

,na esphera e specu lat i va, na esphera affect iva, na esphera da

ac cao .

P ara e luc i dar o prob l ema pol i t i c o dos P aize s- Bai x os , escreve o livro i n t i tulado . A

'

Belgica libertada do dominio hispanhol ('

Belgicae l iberandae ab Hispanis, e tc .)a Instituição do .p rinCipe, a Adve '

rtencia aos

reis e aosp ovos,“

a Salvação da republica.

P ara e s c larece r oprobl ema re l i gi oso , arrancando a palav ra de Deusa tod o 'o r ev es timen to de fal sas i n t erpre tações cavi lo sas de se i ta ou depar t ido

,traduz os Evange l ho s em língua hollandez a, e entrega desven

dado ahermeneutica de cada um o t e x to '

das rev e laç ões . div inas . P u

b lica o l i vro famoso in t i tu lado Quadro das desaven ças da relig ião, do

q ual o h i storiador De Thou dizia : Mr . de Sainte Aldegonde a mis lar el igion en rabelaiserie, e Bayl e afiirmaVa que Marn ix hav ia arrancadomai s e sp iri to s ,

á egre ja romana do que Cal vi no .

P ara d i ss ipar as irresolucões ou as duv idas dos grupos p erp l ex os ,c ob re a Hol landa de pequenos opusculos , em q ue se debat em e re so lv em t odas as quest iunculas , tão embaraçosas , eme rgente s dos grande sd ebates . El l e -mesmo o diz em uma das suas cartas publ icadas na colleç cão de Bertio : Nos litteris et libellis quantum possumus eorum ani

mos ad libertatis stadium accendimus .

O l iv ro das Desavenças da relig ião , no qual as columnas do tem

plo pap i s ta são des troncadas com uma força de Sans ão , s ó foi impress odepoi s da morte de Marn is ; mas o port en toso sopro revo lu ci onari o quean ima e s sa obra de des t ruiç ão pal p i ta com um fragor de tempestadeem t odos Os escriptos d isp e rs os com que o auc tor p reparou emquan to

v ivo o adven to da i ndep en denc ia hollande z a.

Á mental i dade nac i onal as s im c on s t i tu ida pe l o tal ento , p el o t rabal h o e pe l o sabe r de um homem repart i do com uma fe cund i dade mara

r4 A : Hollanda

can ções nacionaes, as quaes segundo Bayl e , con tr ibui ram mai s para a

formação da Republ ica do que mu itos l i v ro s doutrinarios de grandet omo .

Marnix c ompl e ta fi nalmen te a sua miss ão,dando ao .

p ovo o seu .

hymno nac ional , Wilhelmus Lied, o cant i co sagrado dos s impl e s e doshumi l des

,dos perseguidos, dos des terrados , dos gueux de terre e dos

gueux de mer , a immortal canç ão patriotiç a, a Marseillaise da Hollanda.

Foi com es se gr it o de guerra que as fro tas hollandez as bateramno secul o XV I os navi o s híspanhoes até o mar das In dias . Foi com el le

que os so ldados da Repub l i ca de stroçaram o exerc i t o i nvasor de Lui z'

XIV , do qual se di s s e en t ão : Stetit sol . Foi com e l l e, emfim, que o he

roicoalm i rante Tromp atacou a armada inglez a, p ersegu indo ate'

o Ta

misa os seu s derradei ros navi os desmante lados pe la artilheria, vol tandoel le mesmo triumphan te á Hol landa, com a vas sou ra de bordo arro

gan temente arvorada no tope do mast ro grande,por c ima do victo

rioso pavi lhão neerlandez,em t e s temunho so l emn e de es tar varr i da a

superfi c ie dos mares , e re s t i tu í do ao c ommerc i o paciâco da Hol landao occeano libe rto—mare liberum.

As s im concluída a ob ra de Marnix de Sai n t e - A l d egonde , achava - se .

a re volução consumada pel o philosopho e p el o art i s ta na ord em das i deas .

e na o rdem dos s ent imentos .

Chamo - lhe philosopho e chamo - lhe art i s ta. Evit o e sc rupulosamentedar- lhe o nome vulgar e gro sse i ro de ag itador . P orque a i nfluenc iaenorme d

ºeste revoluc ionario e st á na forca contraria á dos que t omam

por offic i o acc ender as pai xões do povo p ela i n con t in enc ia tumul tuosadas phrases de l uta.

El le produziu um mov imento immenso prec isamen te pe la sua se

renidade profunda, pela posse e pela concen tração de sime smo , pe l orecolh imen to imperturb avel no t rabalh o , não se preoccupando senãode pensar com j u s t i ca e de e screver com art e .

Esse poderoso manob rador de e sp í ri t o s nunca se esforç ou em ser

outra, cousa mais do que um escriptor perfe i to . O editor do li v ro Des

As Origens 5:

avenças da '

religião (Leyde 1 605)diz nºuma advert en c ia ao lei tor o se

guin te :«Aquelles que, c omo eu, t i ve ram a honra de conhec er famil iar

mente não s ó a pessoa mas os e studos d es te homem , notar iam a sin

gular curios i dade que e l le punha em não de ixar sahi r á l uz obra sua

que se não achas se perfe i tamente pol ida com a max ima exactidao , e com

a max ima n i t i dez . »

Res tava confirmar a r e vo l ução por ac tos , convertendo em faet o o.

p rinc ip i o fecun do que , por uma rap i da ges tação psychologica, chegaraao período da viab i l i dade p rat i ca, ten do - se c onverti do succes s i vamentede i dea em s ent imento

,de sent im ento em asp i ração e de aspiracao em

neces si dade .

É nºesta derradei ra phas e da revolução da Hol landa—a phase da

guerra— que Gui lherm e d”

Orange ent ra fina lment e em scena cump rindoa missão que lhe es tava des t inada c omo completador da ob ra deMar

n ix .

O range é o sol dado por excellencia, profundamen te re l i g io so , tendopela v i da o desprezo dos martyres , convi c to , s imples , reso l u to .

Nada mai s perigoso para o e x i t o de uma cau sa en tregue á s or tedas armas do que a l oquac i dade dos generaes que di sc ursam sob re a

pol i t i ca ou sob re a dip lomac ia da ques t ão que defendem . O pr ior doCrat o , em vez da merec ida reputação de um amb ic io so enredador ecynico , t eria tal vez na hi s toria um l ogar sympathico se houves se sa

b ido bater- se calado . Gui lhe rme de '

O range , que não prec i sava do si

l euc io para mascara da sua alma de uma leal dade immacu lada,adop

tara-o t odav ia c omo complemen to do arnez no homem de guerra.

O nome de Taciturno quadra b em a es sa aus t era fi gura,um tanto

esp ec t ral, verdadei ra imagem do dever m i l i tar, que a imaginação nos

representa v e s t i do de aç o , de vi se i ra desc i da, guante s cal cados e lancaem punho , como um d esses paladinos de pon to em bran co, em que afigura do homem se occu l ta c ompl e tamen te na armadura do guerre i ro ,não offereç endo á v i s ta, de al to a bai xo

,s en ão uma

_fria superficie de

impenet rab ili dade e de re s ist encia.

[6 A Hollanda

Tendo receb ido a educação lit teraria de um pe rfei to human ista e

fal lando c in co l inguas , esse homem de uma tão doce expan s ib i l i dadena fami l ia e na amisade , torna—se caute l osamente quas i mudo , torna- se

monosyllabico na di rec ção prac t ica. da republ i ca. Res non verba .

Uma vez“p roc lamado nas s e te p roví n cias o princ ip io da s oberan ia

popu lar e do suffragi o . un i v e rsal , a reac ção das províncias catholicas

empregando a tactica s empre usada em circumstancias analogas, tra

tou de fazer cah i r a l iberdade s ob a ac ção refiexa da sua p rop ria forca.

Dá- se o prime i ro ataque parlamen tar na conferenc ia dos repres'

en

tante s dos e s tados cathol i c os com os rep resentantes dos es tados reformados em 1 577 .

O s ch efes do part i do hispanhol p rinc ip iam por expôr e desen vo lve r erudi tamente a theor ia do suffragi o , que os seus adversar io s es tab eleceram

, que e l l e s p ropr ios toleran temen te es tão dizem—de l iberados a acceítar. Em segu ida

,como o part i do hispanhol con ta com a

maio ria das dez prov íncias catholicas sob re as sete p rov í nc ias reformadas

, os o radore s , tendo em v i s ta preparar o debat e para que a quest ão da l ib erdade de con sc ienc ia se resol va p e la votação dos e s tadost erm inam pe lo s s eguintes termos :—P rome tteis

,poi s

,c omo nó s, submet ter- vos ad e cis ão dos Esta

dos Gerae s ?

O Tac i turno reflec te um momento e re sp ondeNão sei.

Recu sai s en tão obedienc ia as le i s ?

Não d i ss e que desob edec ia. Qual é a c oi sa sobre que se vae le

Supponhamos, por exemplo , que os E stados se occupam do exerc i c io da r e l igi ão .

O Tac i turn o in t e rrompe logoN ª

esse caso, recuso .

E , um momen to depoi s,arrebatado con tra o c ostum e no desen

vol vim ento da sua idea, ampl ias ni—P orque não quero que nos e spoliem .

As Origens 1 7

Não é es sa a i n t en ção de ninguem l—j u lgou deve r ob servar o

duque de Arschot .É—conc lu i u Gui lh erme .

O s doutores cathol i c os re sol v em em s e gu ida p rosegui r a di sc ussao em lat im para o fim de pô r um t ermo grave aos monosyllab os

an tiparlamen tares do Tac i turn o , e o dr . Gai l expõe j u ri d i cament e , nºuma

grave allegaç ao , que toda a lei é revogavel pelas d ispo s i ções sub sequentes de ou tra lei. Mas o príncipe de O range fe cha abrup tamen te o de

bate com uma p'

roposrç ao t e rm inante :—A l ib erdade de con sc i e nc ia, d i z e l l e , n ão é para nos mate r ia de

lei di scut í v e l . E um voto sagrado , que j uramos manter . Revoga—se umalei

,não se revoga um j uramento .

A tac i turn idad e do chefe t emporal da re vo luç ão hollandez a foi assim a barre i ra opp o s ta no mundo moral a inundaç ao as soladora doparlamen tar i smo democrat ic o , as sim como no mundo physi co foi o di

que fron te iro ao o ceano que deu á Hol landa a conqu i s ta do s ol o em

que e l la ass en ta.

Gui lherme dªO range nem se desment iu , n em t ergiversou, nem va

cilou jamai s .

El l e era o braço e scolhi do para ter uma espada fi ta ao c oracaodo adve rsari o . Esse braco nao fraque j ou um só momen to .

Tres t entat i vas d e assas s inat o maquinadas p e l os agen tes o

do par

t ido catholico se fru s traram ant es que o Tac i tu rn o en trasse na pos teridade pel o porti co gl orioso do martyrio .

Fillíppe n t inha- lhe posto p re ço á cab eca,p romet ten do por lei uma

re compensa de v in t e e c i nco mil escudos de oi ro e um tí tu l o de no

breza áquelle que matas s e o príncipe .

Es te ed i to fez surgi r c ent enare s de assass inos . O pr ime i ro que levan tou a mão foi um j ov en b i scainh o

, catholico fanat i c o , a quem um

frade dom in i cano hav ia ass egurado em nome de Deus a b emav en turan ça e a gl oria dos martyre s em troca dºesse hom ici d io . O pen i t en tepurificou - se para o as sal to pel o j e j um e p ela“ oraçao

,ouv iu m i s sa, com

mungou , cobriu—se de relíquias, i n troduziu—se como reque rente no pa

2

1 8 A Hollanda

lac i o de O ran ge , arras tou- se até e l l e humi lhado e supplicativo , e, a

que ima roupa, di sparou - lhe um ti ro de p is tola . A bala at rav e s sou a

max i l la do prínc ipe,mas o fe rim ento não foi mortal . Guil he rme curou - se

e o as sass ino foi e squart e jado , p regando—se—lhe os m embros a uma

das portas de Anv ers , dªonde os jesuítas os r eco lh eram n a ocç asião

da t omada da cidade p e l o duque de P arma,para os expor em re l i ca

r i os de ouro á v eneração dos fie i s .

O utras t entat i vas , egualmen te frus tradas , se seguiram a e s ta, até

que o príncipe foi morto , fina lm en t e , no dia 1 0 de j u l ho de 1 58 1 , na

p ropria casa em que hab i tava com sua família,no c onven to de Santa

Agatha, em Delft .Bal thazar Gérard, e sp erando—o a saida da casa de jantar, no s e

gundo degrau da e scada que conduz do re z do ch ão aos andare s superiores, d esfechou—lhe no p e i to uma p i stola carregada com t re s balas .

Ao e s trondo do t i ro a famil ia do prínc ipe , ai n da reun ida amesa,acodiu a tempo de o v êr e xp irar .

Morreu en tre sua i rm ã Catharina de Schwart z b ourg, e sua mulher Lu iz a de Col igny, a qual n a noi t e de S . Bartholomeu , em P ariz

,

hav ia j á vist o e xp i rar, assas s inados j un t o dºella, o alm irant e seu pae ,

e o sr . de Téligny seu p rime i ro mar ido .

O Tac i turn o, cabido na escada, amparado por um e scude iro , di ss eem fran cez

—Estou ferido . Meu Deus , t en de m i s e r i c ordia de mim e do meupob re povo !

Cat har ina p erguntou - lhe

—Encomm endas a J e sus Chr is to Nos so Senhor a tua alma?

El le r e spondeuSim .

E desmaiou .

Ergueram - o em bracos ; c ingiram—se - lhe es tre i tament e ao coraçãoe aos lab ios ; c obr iram - o de lagrimas . Es tava morto .

O sangue do venc edor do duque dª

A lb a,d e J oão dºAu stria, de

Reque sen s , de A l e xandre Farn eso , do Conc í l i o de Trento , da In qui

As Origens 1 9

s i ção , da i n tri ga palac iana e da i n tr iga c l e r i cal de todas as cô rtes e de

t odas as egrejas da Europa, e s s e gen e roso sangue , golfado de um co

raç ão sem macula,nªuma época em que a t rai ção e o c rim e assignala

vam s in i s t rament e na h i s toria t odas as cab eç as coroadas pe la real ezaou p ela t on sura

,c obria da mai s gl ori osa mortal ha o triumphador ma

gnanimo , que l ib ertara a pat ria, fun dando p ela prime ira vez uma re

publ i ca nas base s da sciencia e da v ir t ud e,s ob re a mai s p erfe i ta con

vicç ão democrat i ca da l ib erdade c iv i l e do d ev e r p es soal .P erant e o novo

,e s tranho e imprevi st o poder imp lan tado quas i re

pen tinamen te no con certo europ eu pe la e spada que pend eu á c i n tadºcste grande

.

homem , a pol i t ica do Escurial b aquêa minada pel os alic e rc e s ; Fi l ip p e n , herde iro do grand e imper io de Carl os Magno e de

Carlo s v , re cua su rpre so e at ton i to,e o monarchismo catholico da 50

berba e aguerrida Hispanha, s enhora d e m e ia Europa e de quas i todoo mar, pri nc ip ia a ro lar n

ºesse immenso abysmo de decadenc ia, do

qual n un ca mai s se torn ou a ergue r .

P ri s i on e i ro,em refen s

,de Car l o s 1x

,desde que t em no tícia em

França de que a i nqu i s i ção vae s er e s tab el ec ida por Fi l ip p e 1 1 nos P aiz es Bai xos

,Gui lherme d e O range conceb e o desígnio d e l ib e rtar a Hol

landa, e, desd e e s s e momen to até o do seu u lt imo susp iro

,t o da a sua

vi da é a c on sagração e'p i ca da força indestruct ivel q ue t em a vontadequando toma ç onvic tamen te a defe sa de uma

“v e rdade em confl ic t o comuma sup e rs t i ção .

A v i r tud e caract erí s t ica dos grande s lu tadore s dºesta natureza e abondade , a límpida bondad e , que para honra da nos sa e sp e c i e i l l um inaquanto é verdade i ro , as s im como a s omb ria tr i st eza en t en eb re c e—lugubre ex cep ção á natu reza—quanto e no mundo e rron eo e fal s o .

Est e homem, implacavel e t e rr í v e l para

“ t odos aquelles que combat ia, era da do çura mai s j ovial,, mais car inho sa e mai s t e rna para todos aquelles que governava .

Mari do e pae estremoso na fami l ia, j ov ial companhei ro na ami

zade,magn ific en t e n a h ospi tal idad e principe sca da sua casa, elle

'

pas

scava só,desarmado , sem chapeo

,como um bom v izinh o , nas ruas daa s

20 A Hollanda

c idade, i n tervindo pat ernalmen te nas p equenas d is cordias dom es t i cas ,fraternisando com os marinhe i ros e com os Operarios

,conv i dado às

fes tas de fami l ia, beb endo no mesmo copo com to da a gen te honrada,

t endo o seu l ogar marcado a t odas as mesas de jan tar, em t odas as

casas,ao canto aconchegado de t odas as cosinhas

,das adoraveis cosi

nhas da Ho l landa, verdadeiro foco da vida fami l iar n eerlandez a, forradas de carval ho envern i zado , de um as se i o sagrado

,propr io de cu l to

com o fogo de t urba na marm ita de cobre , a larga chamin é r e luzen tede faianças ,—al tar inviolavel e asylo sac rosanto da cas ta al e gria domestica de t oda uma raca de navegadores que ch egam do l on go curso ,e de ternas mulhe re s amant e s que os esp e ram cada dia no tep id o e

aromatico confor to de uma fe s ta dºarte .

Cerrado para o extrangeiro como um indecifrav el e temeroso mysterio, sendo o taciturno por excellencia para o proprio Escu rial

,a ta

citurnidade mesma, e l le era para o seu povo , para a fami l ia hollandez a,para o i n ter ior das cabanas que abr iam a meia porta para o de ixar entrar, para as mulheres que lhe e s tendiam a mão

,para as creanç as que

lhªa bei javam , para os homens que repart iam com e l le o vinho dos seus

copos de es tanho ,—para toda a Hol landa emfim— o pae Guilherme,o bom homem s imp les da rua, o s ol i do e fie l amigo de cada casa.

Taes são os doi s carac teres dominan tes , que o impu l s o das cir

cumstancias t ornou dom inadores , e cu ja infiuencia vae det erminar todaa orientação de uma nacional i dade que de rep ente surge , gerada n

ºum a

i dea, como no Genes i s b ib l i co surge a' l uz ev ocada nºuma palavra div ina.

Na h istoria do c erco de Leyde, recon tro sup remo que firmou a

independencia da Republ i ca das P rovíncias Unidas con tra as' armas

hispanholas, apparecem os symptomas vivos da ac ção de Guil herme ede Marnix na formaçao da alma hollandez a.

Dir- se - hia que o escriptor e o s ol dado haviam repart i do o seu co

ração e o seu espírito por cada um.

dos s i t iados .

A s li nhas de Leyde fe charam—se rep ent inamente e inesperadamente,sem

'

que a cidade t iv e sse t i do tempo de se abas tec e r de provi sõe s .

Guilherme de O range, que pro curava organ isar reforços e i n ten

22 A Hollanda

vas ta t ri ste za da agua morta,debai xo da qual j aziam sepu l tados os

casae s de tantas al d e ias , vo lun tar iamente sacrificadas ao mar,para que

e s s e e terno i n im igo e e t e rno p ro te c tor da Hol landa s occorres s e Leyde,a arca san ta da l ib e rdad e nac ional . A Ho tilha de O range av i s tava - se

ao l onge , mas não pod ia approximar- se, por fal ta de volume d

ºagua

p roporc ionado a l o tação dos nav i os .

O c erco fe chara—se no fi m de j unho,e era p rec iso que vi e s s em as

marés v i vas de s e t embro para que p od es s em calar ate Leyde as em

b arcaç õ es da Z e land ia, tripuladas por e ss e s in venc í ve i s l obos do mar

fataes á Hispanha e ás bal e ias,armados de machados e t razendo no

chap eo a famosa di v i sa—An tes turcos que p ap istas .Mas os dias succediam - se , succediam

—se as covas dos que iammorrendo afome

,e a esquadri l ha não ch egava.

Houve uma re vol ta .

Não ! uma c idade in te i ra n ão pod ia acabar as s im e s trangulando - se

a si m e sma. O s de Hispanha offereciam uma provi s ão de v íveres paranegociar as t reguas . Era prec i s o acceítar. Uma onda de p ovo encar=

re gou—s e de 0 ir dize r ao burgomes tre de Leyde , P i e t e r Adriaansz oonvan der W erf

ªf.

O magi s t rado re spondeuJure i d efende r Leyde at e

'

o ul t imo momento da minha v ida . Nãom e rendereí nunca . É - m e porém ind ifferent e morre r amanhã ou. morre rhoj e . Faço pres en t e d e minha vi da aos fracos e dou a carn e do meu

corp o aos faminto s . P ode is repart il - a en tre vó s matando -me no dever .E,arrancando a e spada da bai nha

,at i rou—a ti mul t i dão .

Houve um momento de re cuo,um in s tante de s i l enc i o , e l ogo de

p ois um gri to un isono de en thusíasmo pathetico .

O po vo,d e j oe l hos

,re s t i tu i u ao burgomes tre e ssa espada, qu e na

mao dºelle não era s ómen te a expre s são de uma honra mi l i tar , mas uma

gl oria humana .

Mui tos p opu lare s,eb ri os de val or communicado , sub iram ao al to

das t r in ch e iras e gri taram aos sol dados h íspanhoes os mai s p rovocadores e os mai s i nfamante s in sul to s .

As Origens 23

Mui tos cas te lhanos e scutavam . Houve um s i l enc i o, e uma vo z da

tr inche i ra de Leyde , i n t erpre tando o s ent imento d e todos os s i t iados ,di s s e

Quando para nos al im en tarmos fal tar a h erva nas ruas e fal tara casca nas arvore s , havemos de cortar o b raco e squerdo e come l - o .

Fica- nos ainda o braco d i re i to para defender as nos sas mulhe re s, a

nos sa rel igião e a nos sa l ib e rdade . E nun ca nos v ence re i s—sab eio - o '

P orque , quando não p ode rm os mai s para re s is t i r, de i taremos fogo ánossa cidadella de Leyde , e den t ro dºella morre remos t odos , sem ex

cepç ão ,—homens

,mulhe res e crean ç as .

Chegou finalmen t e a lua che ia de s e temb ro . O ven t o rodou ao

sudoe s te . Uma t emp es tade m edonha, que pare c ia s ubve rt e r a te rra,

desencadeou - se na co s ta. O s híspanhoes, tomados de um terro r pan icope rant e a fur ia nunca vi s ta do Mar do Norte

,fugi ram desordenada

mente,lan çan do aagua a artilheria, e abandonando o campo ao oc eano

que c res c ia para e l l e s .

O mesmo mar que des t roçava o e x e rcit o cas t e lhan o trazia aos

canaes Leyde a fro ta da Z e lan dia.

Houve um breve combat e , rap ido mas horri ve l,en tre os h i spa

nhoes r e tardados na fuga e os prime i ro s z elande z es desembarcados anado para os p ersegui r . O s soldados de Fi l ipp e 1 1 eram agarrados pelos r in s , j á met tidos na agua, j á t repados a

'

s arvore s,morto s a ma

chado pe la nuca, ou apunhalados na garganta como feras .

O s de Leyde , ex tenuados de fome , receb iam nos caes o pão quel h e s era lancado de bordo pe l os . maru j os .

A l gumas p essoas morre ram suffocadas a c omer .

Depoi s , tudo quanto res tava ai nda da popu lação d e Leyde foi aicath e dral .

Entoou - se o hymno de Luth e ro ; mas,aos prime i ros c ompas s os ,

o côro parou emmudeç ido pela commoç ão , e durant e al gun s m inu tosnão s e ouviu no in terior da b asílica s en ão o soluç o do povo que cho

rava .

O príncipe dºO range, em t e s temunho sol emn e da grat i dão da Hol

24 A Hollanda

landa á cidade de Leyde, p ergun tou qual das duas c ou sas e l la preferia —a abol i ção de t odos os tr ibutos , ou a creacão de uma unive rs idade . O s hab i tantes , con sul tados , op taram p e la un ivers i dade , em que

Marnix foi p rofe ss or,e que mai s tard e se t ornou tão cél eb re c omo um

dos grandes foco s da cul t ura i n te l l e c tual e da e ru di ção na Europa.

Diz - se que foi uma creanç a que , at t en tando no grande s i l enc io estranho do acampamen to hispanhol, atravessára as l in has e voltára a

Leyde com a not i c ia de que e s tava l e vantado o c erco,t razendo uma

marm ita de s opa de l egumes , que en con trara no campo .

Leyde c e l ebra ai n da ho j e o ann i ve rsar i o dºesse acon t ec im ento,dis

t ribuindo aos pobres uma sopa egual ai da marm i ta do acampamentocas te l hano .

Uma das c oisas que me t rouxe á Hol landa foi o de sej o de mo

lhar nªeste cal do de independenc ia uma codea da minha b rôa natal ,

foi a curios i dade de aprender no exemp lo de um pequeno povo heroicore t emperar em m im p ropri o con tra as n evroses da minha raca o res

pe i t o das v ir tude s obscuras e o amor das coi sas s imp l es .

Ao es crever as primeiras folhas dºeste l i vro nºum pequeno quarto

de viajant e pobre, a um fiorim por dia, na hosp i tal e i ra t e rra hol landeza, que tantos portuguez es aj udaram a fun dar como um refugio dopensamento pers egui do e do trabal ho ul t raj ado na sua p ob re patr iaeu n ão t enho mai s ambic i osa aspiração que a de repar t i r com aque lles que amo a minha s in c e ra e doce commo ç ão .

Não me oc cuparci da poss ib i l idade que t em um pai z p equeno,desgov ernado e fraco, de se for tal e c e r no e x emp lo e no con tact o deum pai z mais pequeno ainda

,s eu parente pelas afii nidades da educa

cão e da tradi ção marítima,com eguaes de stinos no commerc i o e na

navegação do mundo , e fort emen te equ i librado no trabal ho, no progre s s o

, na pro speri dade , na civilisação .

V im a'

Hol landa sem theoria a lguma p re conceb ida sob re semelhan t e assumpto . A cho -me aqui

,n ao como philosopho nem como po

l i t i c o,mas s impl e smen te como art is ta e como es tudant e .

Repet i r que a Hol landa é uma nação mui to mai s sab iamente dir i

As Orig ens 25

gi da do que P ortugal , parec e -me i nu t i l . Uma razao , ent re ou tras , bastapara exp l i car es ta dificrenca e para nos d i sp en sar do t rabalh o de procurar as demai s .

Essa razão é o d ique .

D iz um adag io popu lar :—D eusfez o mundo , e o hollandez a Hol

landa . Es ta phras e,de uma apparencia tão mer idi onalmen t e arrogant e ,

e a e xp re s s ão l i t t e ral de um simp l e s facto geol ogic o .

Todos os dema i s povos mode rnos da Europa tomaram a anteriores occupadores o t e rri tor io que pos suem . A Hol landa creou o s ol o

que tem . E com o so l o creou o c l ima. No t empo de Strab ão dizia- se

que toda a Hol landa pod ia s e r p erc orr i da sa l tan do dªarvore para ar

vore sem pô r p é no chão . O s ri o s trasb ordavam p eriod icamen te e i nundavam int e i ramen te a Batav ia uma ve z por anno . A t emp eratura era

tão asp e ra como a da Noruega . A chuva con t ínua e os c errados nevoe iros encob riam a lu z do dia

, que não durava mai s de quat ro horas .Chamava- se á Flandre s afloresta sem jim e sem misericordia . E ai ndano s ecul o xiv as al cat e ias de l obo s e as so l tas manadas de cavallos

s e l vagen s erravam no s o l o pal udoso e mov ed i ço da vel ha Hol lan da, a

que só t inham podi do adher i r como repres en tant e s da e spec i e humanaos mai s arro jados p escadores nomadas das tr ibu s germanicas, ves t idos de pel les de phoca, habi tando em p equenos barco s de couro .

Do in te r io r de Amsterdam part em ,al on gando—se ao mar, na dis

tancia de doi s m il me tro s um do out ro , do i s cli ques curvos em m e ialua, fazendo a bac ia do porto , dividido em doi s compart imen tos parami l nav i o s de qual que r bordo .

Um proloquio hollandez di z que Amste rdam est á ed ificada s ob reesp inhas de arenque . A c i dade inte ira rep ousa effectivamen te s ob re uml e i t o de mar re c ent emente e sgotado . Só para c onsol i dar as bas e s dopalac io real, foram prec i sas t reze mil e s tacas . No s ecul o xm ainda a

praça do Dam, que e

' hoj e o c entro da c i dade (Dam Sign ifi ca Dique),era ap enas um pequeno porto art ifi c ial , con struído por algun s mar inheiros da Fri sa. Depois , succ es s i vamen te , de s ecul o em s e cu l o , decl i qu e em dique, o pequeno burgo esprai ou para o mar, a onda de gen te

26 A Hollanda

c ob ri u a da agua, e fez - s e a vas ta c i dade que é hoj e a capi tal da Hol

lan da .

O diqu e do Hel d e r s obre o Mar do Nort e,com c erca de dez ki

lome tro s de ex t ens ão , repre s en ta de per si só uma epopea . É fe ito come norme s ç alháos e com sol idas e s tacas d e made i ra

, nºum paiz qu e não

tem pe dre i ras n em flores tas . O grani to e a p edra cal carea dªeste diqueve iu da Noruega e ve iu da Belgi ca . O s pinh e i ro s vi eram da Suec ia e

da Dinamarca. O tal ud e , de uma i n c l inação d e 40 graus , de s c e á profundidade de 60 me tro s no mar . N

ºuma larga e s trada c ruzam - se as

carruagen s sob re e s ta grande barre i ra, reforçada a in da por outros diques mai s p equenos

,fe it os de e s tacas em p al i s sada, de t rave s , de fa

ch inas,de t e rra, de argamas sa .

O pin tor V an O stade d i zia das p rime i ras ed ifi cações da be l la ci

dade de Har l em : «N i e s t e l ogar,onde ho j e vêdes e l evar - se uma al de ia,

navegavam— h ã ap enas 20 ann os— nav ios de al to bordo . »

O s campos de Harl em es tendem - s e nºuma sup e rfic i e de onze leguas d e circumferencia, dezoito m il hec tare s de te rra fert ilissima

,a

qual ai n da em 1 836 era um mar i n terior , esgotado por uma das obrasmai s maravi lhosas da en genharia hydraulica n

ºeste se cul o .

Finalmen te , desde o p r in cip i o do s ecul o xv 1 a te' ho j e

,não menos

de tresen tos e se s s en ta m il metro s d e t e rra foram conqui stados p elaHol landa sob re o oc eano , por meio do dique .

Brevemen te começara uma obra c ol os sal , mai s port en to sa ai nda

que a do e sgotamen to do lago de Harlem z—o e sgotamen to de todo ogolfo do Z uiderz ée l

O s caudal o sos ri os que de s embocam nas planices ho llandez as exi

gem do hab i tante tantas precauçõe s e tan to s re sguardos c omo o prop ri o mar .

E,ape z ar de tudo , as i nundaçõe s te em s ido pavorosas . Em 1 230,

c em mil hom en s morre ram afogados,quas i un icamente na Fri sa. Em

1 287 o Z u iderz e'

e , t omando a fô rma que ho j e tem ,engoliu oi t enta mil

vidas . Em 1 470 morre ram ví c timas da i nun dação v in t e mil homen s .

Trin ta m il, um secul o depo i s . Em 1 570 o mar c obri u com s ete pe'

s

As Origens 27

dºagua os pon tos mai s e l evados de Gron inga, de vorando nov e mil homens e s es senta mil cab eças de gado . Em 1 686 , passou O mar oi t o pc

'

s

ac ima dos d ique s,derribou 600 casas , e i nundou compl e tamente a Frisa.

Em Gron inga, em 1 7 1 7 , succumb iram doze mi l hom en s , s e i s mil caval l os e o i tenta mi l r ezes .

Cons tant ement e ro ídos na bas e p e l o mar, mui tos d es te s d ique ss ão egualmen t e m ord i dos do lado oppost o p e los r io s . Um sys t ema dec omportas

,s empre em movimen to

, abre - se aos r io s na maré vasan te,

fec ha- se ao mar na maré en ch en t e .

Se o d ique não ex is t is s e , seria imposs íve l á mai s arroj ada imag inação orat oria conc ebe r um t ropo t ão exorb itan temen te phan tastiç o

como o dique para caracterisar p e l o hyp erbaton a t enac idade in comparave l e o arroj o un ico da raca hollande z a .

É prec i so e s tar aqui,n o pai; concavo , concavo de t re s m et ros

abai x o do nive l do mar,e i r pas s ear por me ia hora j un to do cl iqu e , de

no i te, no s il e nc io p rofundo d e sta região do s i l enc io , e ouvi r rugi r a

vaga, do outro lado , a quat ro m et ros ac ima da al t ura da nos sa ç a

b eça, para c omprehender de rep en te , nºum só calafri o in traduzíve l por

palavras , quanto pode a audac ia.

Do lado de lá, a mas sa enorme d o mar t eme roso,bat e ás mar

radas no muro,e bat e c e r to como bat e o machado no l en ho , dilace

rando - lhe uma fib ra a cada golpe . Está cal cu lado que tod o o d iqueprecisa de ser renovado d e quat ro em quatro annos . Do lado de cá

um povo i nte i ro confi a na sua obra, e confi a nºaquelles em quem de

l e gou o cu idado de ve lar p or e l la .

Cal cu la- se em cerca de 1 4 m il c on to s de re is a importancia dasobras de defe sa fe itas e n tre o Escal da e o Dol lart . A s obras pre s en t e e

mente em const ruc ção e em p ro j e c to s ão tão consideraveis c omo as

obras j á concluídas e acham - se or çadas em mui tos mi l hões , que a po

pulação hollandez a pagará á forca de trabal ho e de economia. O e xamee 0 es tudo dºestes t rabal hos c on st i t u e o me lho r curso de en genhar iahydrau lica que e x i s t e no mundo . O que princ ipalmen t e ç aracterisa as

obras dos engenhe i ros hollandez es é 0 as sombroso arro j o na conc ep ção

28 A Hollanda

dos proj e ctos , a prudenc ia, a precau ç ao , o escrupulo mai s m et icu l os ona ex ecuç ão e no acabamen to dos t rabal h os .

O s erv i co das aguas , o Waterstaat, é o p onto cu lminante da ad

min i st ração da Hol landa, aquelle a que t udo se subord ina .

Em toda a part e , o povo , a um m oment o , dorme . A Hol landan unca adormece de todo . R eveza- se no di que . Só fe cha um dos olho s .E,ao m enor s i gnal de alarma, levan ta- se t udo .

A prime i ra infiuencia do cl i que e 0 des en volv im en to do e sp iri to deassoc iação , baseado na noção da s o l idari e dade . A sol i dar i edade do di

que e' para todos os hab i tant e s da Hol lan da, como a s ol idari e dade da

c orda para os v iajante s que fazem juntos , amarrados uns aos outros , aascen ção das escarpas resvaladiç as do ge l o , sobre os ab ysmos do MonteBran co .

A segunda i nfluenc ia do cl ique e a gravidade imposta ao ac to pol i t i co da delegação do poder .

P ara assumir a re sp onsab i l idad e de governar a Hol landa e'

pre

c i so,prime i ro que tudo ter uma instruccao te chn i ca, ter uma educacão

sc i ent ifi ca. É prec iso, em s egundo l ogar, ter um carac te r c omprovado

que afiiance b em garant i damen te t oda a ded icação de uma in telligen

cia ao de sempenho de um cargo .

O s triumphos—t ão fac e i s nºoutros paiz es—da med ioc ri dade pala

vrosa sobre o mer it o v erdade i ro na i n tri ga parlamentar sao impossi

vei s na Hol landa. As que stõ e s de adm in is tracao l ocal são questões devida ou de mort e . A forma pol i t ica do govern o é uma ques t ão secun

daria, sem i n teres se na opini ão . O que é preciso, é que quem admi nis

tra—venha de que partido v ier—t enha o saber t echnico e t enha a honestidade c iv i l .

É n i e ste pon to de vi s ta que o povo e l ege os que o rep res entam .

An te- homem , houve em Amsterdam uma reun ião de e l e i tore s , peran t e os quaes um ex- memb ro do c on se l ho mun ic ipal v e iu l evan tar umasu sp e i ta de i rregu lar i dade , que pe sava sob re os s eus ac tos , como vereador da c i dade e como di rec tor de uma companh ia de t ramways . Nãose trata de sab er, se este homem é um republ icano ou um monarch i

P R IMEIRO S ASP ECTO S

E nenhum outro pai z se t em dito , como da Hol landa, tan to b eme tanto mal. As relaçõ e s dos v iajante s s ão as mai s radi calm ent ec ont radic torias . Quaren ta e o i to horas depo is d e m e achar em

Amste rdam ,e u t inha comprehendido que a Hol landa mere ce t udo

quanto dª

ella se tem e sc rip to para m al e para bem , e eu mesmo e s tiveab so lutamente de accord o com a p rime ira dºessas op in iõ e s , e bem as

sim com a s egunda .

Chego nºum dom ingo de agosto de 1 883 á uma hora da tarde ,

v in do de A llemanha, e t endo pas sado a noi te em caminho de ferro .

A t rave s s o de madrugada, na humida fre sc ura,os l on gos campos de

A rnhem , o paraíso bo tan ic o da Hol landa. Em todas as gares hol landez as, d es d e a front e i ra até os p ol ders que alagam de v erdura os sub urb ios de Amsterdam ,

famí l ias,em grande s cachos d e homen s , de

mulhe re s e de crean ç as , as sal tam o trem , ap rov e i tando O feriado parai r a expos i ç ão da cap i tal .

Nºuma ce rta região en tre A rnhem e Utrech t todas as s enhoras tra

z em comsígo grandes ramos d e Hore s , ent re as quae s procuro avidament e as tul ipas . Não e s tamos no t emp o das tu l ipas , e os ramal het es ,apparatosam en te engravatados em pape l r ecortado , sao princ ipalmentec ompost os de ro sas e de res edas .

O s homen s do campo , na oc ios i dade do dom ingo , barb eados defres c o, nos s eus grandes collarinho s d e l inho gros so

,casaco s dom in i

calmen t e esc ovados,o cachimbo n a bocca, as mãos no s bol so s tr ian

gulares das cal ças de alçapão , o bonnet novo , de c e remonia, aprumado

32 A Hollanda

no al t o da cab eça, olham tranqu i l lamen te , á beira das s eb e s verde s oudas cancellas de made i ra pin tada .

A mul ti d ão em toilette agglomerada em magotes de famí l ia ásport i nh olas dos wagon s dá ao dia e á paiz agem um ri sonho ar de fe staburguez a . Desappareceram i n te i ramen te os un iform es m il i tare s do pess oal das l i nhas p ru s s ianas . O empregado das e s tações di st ingue - se ape

nas por um bonne t de gal ão , que e l le se apre ssa a t irar apenas t erm inadas as suas funccões officiaes . q uan to os emp re gados do combo io accommodam nas carruagen s os novos pas sage iro s , os empregados da e s tação , á porta das salas vasias

,subst i tuem o bonn e t de ser

v iço p e l o ponderoso chapéu de copa al ta, previamente anediado sob o

canh ão da sobrecasaca.

As carruagen s , un indo—se i n t e iramente á p lataforma, debai x o daqual e s condem as rodas

,de modo que se pode e n trar ou sahi r sem su

b ir nem de sc er,nºum só n i v e l , pare cem por e s te fact o mai s bai xas ,

mai s modes tas , mai s engracadamen te campest res .O s pas sage i ros hollandez es que se encasam no meu compar t imento

i n troduzem nºelle uma s en sação refr igeran te de acc i o , um vago che iro

de sab ão e de banho , en vol t o na impressao olphatica das fl ore s , mas

rec eb ido pe l o s o lhos .

Sin to—m e humilhadamen te mai s su j o do que me j u l gava en tre osmeus companhei ros da noi te, mai s emb arbado , mai s p oe i rent o e com

mai s cal o r .

A minha prov i s ão de roupa branca—ai de m im i—e sgo tou—se nav iagem do Rheno . Entro na fre s ca Hol landa vergonhosamen te , comum sacco de roupa su ja na mão . Sorr i—me

,porem

,a l embrança da m í

nha mala grande que expedi ha quinze d ias de P ari s direc tamen te nagrande vel oc idade para Amsterdam ,

e que en con trarei na e s tação , aochegar . E vou s egu indo mentalmente o

'

meu projec to : P onho a malanºum fiacre

,e,ant es de qual qu e r outra cou sa, no mai s largo t ro te , ao

con sulado do Brazi l , onde me e spe ram as cartas da minha famí l ia,da qual , e rrante ao acaso , de terra em t e rra

,não t enho not ic ias ha

tres semanas , Depoi s , ao Ams te l—Hotel : grande toilette c omple ta, um

P rimeiros Asp ectos 33

b om banho morno p rime iro com uma barra de sab ão , uma douche emseguida ; um almoço l ev e

,um cal do frio , doi s ovos quent es , uma cha

vena de chá preto , um charuto ; e em seguida—a paiz agem !Tal era o

meu r iden te p ro j e cto .

Vamos a' dura real i dade .

A minha mala nao e s ta na e stação do Rh eno ; acha—se provavelment e na e s tacao c ent ral . V ou de carruagem á e s tacao cent ral , e en

contro fe chados os armazen s,porque os armazens da es tacao central

n os dom ingos fecham ao me io dia. Mal d iç ão !Sigo para 0 consulado do Brazi l : c on sulado fe chado !A chancela

ria do con sulado : a chance lar ia fe chada ! P re tendo saber se tenho car

tas nºuma ou n

ºoutra part e

, e en tro em e xp l i cações por me i o d e ges t osc om a cr iada do con su l e com a do c hance l er . Impo ss ive l chegar a

faz ermo - no s comp rehender o que quer que s e ja. In s i s to por al gum tempon 'um j ogo de phy síonom ia feroz , n

'um brace jamento i ns ensato , nºum

dedilhamen to aereo n ervoso,enfurecido . As cr iadas b erram , o cocheiro

b e rra, eu b erro . Nao ha me io .

Ab solutamente p erd i da a e spe ranca de t e r al guma notí c ia, pormai s vaga, das cartas que me haj am s ido d ir igi das para Amste rdam ,

re s o lvo—m e a ent rar no hote l,porque emfim

, por mai s p re ssa qu e eu

t enha da minha corre sp ondencia e da minha roupa branca, a d ura verdade é que não pos s o ficar duran te v in te e quatro horas na rua áesp e ra que um domingo pass e para que se ab ram a hm de m e tran

quillisar o s escriptorios dos con sulados ex trange iros e dos caminhosde ferro em Amst e rdam !

Em Amstel Hotel não ha quarto al gum devolu to . Diri j o - me aBrackªsDoelen Hotel : tambem não ha quarto . V ou succ es sivamen te ao Krasnap olshi, ao Hotel Suisso, ao Hotel du cqféfrançais , ao Hotel deMunt.

N ão ha quarto em hote l n enhum , e eu vaguei o d ep o i s de t r es horasnas ruas de Amste rdam , d en tro de um coupe, conduzido por um co

che iro que me pare c e de tão mau humor c omo eu, e que cubro , dee spaco a e spaço

,de improperios medonhos

,envol to s nas mai s mons

truosas p ragas de que di spõe a l ingua patria.

34 A Hollanda

El l e p ela sua parte diz -me tambem palavras hollandez as em que

e ntra a palavra mener .

Acho—o i n conven ien te e malcreado .

Do ceo e l ec t ri c o cae—me sobre a cabeca um cal or sufio can te,cal or

do nort e , um cal or c inzen to , d e chumbo , mil vezes mai s in ioleravel do

que os nosso s calo re s az ues e diaphanos do su l .Um badalar at roador , de sin os que tangem todas as horas e todos

os quartos de hora em c ompas so s de menuete, ench e—me os ouvidose o c ereb ro de uma zoe i ra horriv e l .

O meu coup é,a pas s o por en t re uma mu l tid ão compac ta princ i

palm en te composta de labre gos de chapeu al to e d e b rin co n a ore l hap e l o b raco uns dos ou tro s

,percorre l entamen te em todas as direcco es

uma c idade ab so lutamen te in extricavel e incomprehen sivel.Nas demai s t e rras que t enho v is to , ou não ha rio nenhum ,

0

que ev i ta mui ta de sgraça e p oupa mui to desgos to d e gen t e que s eafoga, ou ha um rio s ó

, q ue c i nge , lade ia a c i dade , ou a atrav e s sa porme io d e um curso dºagua que , s erv indo de ponto de relação para as

di re c çõ e s e para as di stanc ias , aj uda a orien tar quem não conh ec e asruas . Mas imagin em que em Amsterdam tem a gen t e a impres s ão dehav er trin ta rios

,e e ss e s cortados por out ros tri n ta que os at rave s sam

em angul o re cto,cortados es t es por outros , que os atravessam obl i

quamen te , e que são ai nda c ortados por s eu turno , etc ! Amsterdamemfim

,com põe - s e de s e t en ta canaes e de noven ta i l has

,as quae s com

municam en tre s i por trezen tas p ont e s ! Não ha que d izer mai s nada .

E um labyr intho aquat i c o ; é uma t e ia de aranha enorme em que os

fios são dªagua ; uma rede de p e sca monstruosa com mal has fe i tas deruas , amarrada a quat ro es tacas e es tend ida sob re a superfi ci e do mar .

Quel . um horror !De quando em quando “ve j o p e l o meu post igo e quasi ao meu pos

t i go gen te que o lha para mim s entada em banco s que s e m ovem em

s i l enc io e s eguem a mesma dire c ção que eu s i go . É um vapor quevae no mesmo caminho

,e,0 que é mais

,no mesmo n ivel da minha car

ruagem . P orque es ta part i cu lar i dade inve rosímil e que pr inc ipalmente

P rimeiros Asp ectos 35

caracterisa Amste rdam . Em outras part e s tambem ha canaes,ha- os em

V en eza,havia- os em Anvers ai nda o anno pas sado, hã - os por mui to s

s í t i os . Mas em t oda ou tra part e o canal é um su l co , a rua t em par edãoe faz cae s

,a gent e d e sc e umas e scadas com mai s ou menos degraus

para embarcar . Mas em Amst e rdam , nada dªisso . Se nºuma praca ta

parem os olhos a um homem e o fize rem segui r nºuma dire c ção dada,

dºahi a pouco e l l e cuida ai nda que vae por uma rua fora, e por onde

e l l e vae e'

por um nav io den t ro .

Ao l ongo de um canal , qu e mai s tarde soub e chamar - se o Rokin,

ve j o e sta c o i sa impossi v e l : Um grande barco largo , chat o como umenorme l inguado mort o , at rav es sa a agua movid o á vara

'

por um ho

mem . Quas i á roda da carruagem em que eu vou,o hom em agacha—se

e desapparece com a embarcação por bai x o do macadam em que eu

continuo a rolar,com 0 meu trem á hora, com 0 meu saco de roupa

suj a, com a minha barba por fazer, e com a minha poe i ra das e s t radas da P russ ia .

A cada novo hote l a que paramos para ouvi r uma n ova re cusauma onda do oceano de povo que c oal ha as ruas

, para a c on templaro caso ; os homen s de br in co e de chap eu canudo , com len ç os de sedapre ta enrolados em duas vol tas ao p escoço , caras côr de queijo , apontam - me ao dedo com dedos como fueiros, e as raparigas riem .

Não me posso ter que os não d esc omponha em portuguez—Não terão vossês mai s nada que fazer s enao occuparem

- se da

minha vida,cor ja de estupidos l

? O ra quei ra D eus que eu ai nda hoj em e não aquarte l e sem ter dado quat ro puchões de brin co s a um ! Apa«

nhasse - vos nos meus s í t io s da s erra da Falperra que eu vos di r ia quemapon tava com t ran cas para 0 nariz das pes s oas

,se e ram vossês a mim

ou se era eu a vossês, s eu s lact icineos !Nas ruas e s tre i tas em que embocamos , os pred io s al to s , esgu ios ,

pre tos,t e rm inando em p ignon , pare c em—m e todos em es tado de t emu

lencia, cah índo de eb r ios .E só el l e s me fariam r i r no mau hum or rep isado e moído em que

eu vou !

36 A Hollanda

Un s trop e çam para deante como se foss em afoc inhar .O utros empinam—se retesos para traz , de birra.

Ha- os curvos , pare cendo que s e vao s e ntar para o lado de lá no

qu in tal .Tambem os ha aos doi s , de braco dado , arr imados ao hombro

um do outro , no ac t o de se prepararem para dormir as s im, em pe.

Ha—os ai nda na ac ção de cahi r de um lado para o lado fron te ir oda rua, como nos ant i go s hnaes de ac to em D . Mar ia, quando o Tas sosuffocado de ret i c e n cias exclamava

V ó s . soi s en tão . so is .

E 0 Theodorico,gargare jado

,n'um longo tremolo plangen te, res

pondia

T- e—u p- a- c l

Nªalguns s i t i os , a ponte em que vou en trar

,mysteriosamen te mo

vida por mãos in v i s íve is , e rgue - se de repen t e , como se a dessoldassem

dos p egoe s , l evanta—se perp endi cularme'n te ao sol o e faz —me barre i ra

,

emquan to na minha fre nt e at rave s sa um vapor . Em me io m inuto a

pont e tem - se l evantado e tem recahido tão s i l enc i o samen te c omo se

tudo is to fosse de al godão em rama . A minha carruagem p ros egue ; ovapor vol ta a um lado e enfi a por ou tra rua, meia agua, meia macadam,

ladeada de t i l ias e desembocando nºum monumento ao fundo .

Em muit o s predi o s o pas s e i o da rua faz patamar a do is lancos dee scada um dos quaes s obe em tres ou quat ro degraus ao prime i ro pavimento

,o outro de sce a um andar sub terraneo , c om a por ta e as janel las

fazendo fr en t e ao cort e de um fosso cavado ent re a casa e a rua. Enªesta s egunda c idade de sargeta, sotoposta á c i dade de Hor de t e rra

e de fior d'agua, v ive , mexe - s e , re sp i ra para c ima em baforadas quentes e ru idosas , t oda uma p"opu lação toup e ira .

De quando em quando , n ªuma c lare ira en tre as chaminé s e os p i

gnons das casas apparecem-me torres de egreja de formas tão diver

gent es ent re si, que não ha me io de j u lgar por e s te symptoma arch it e cton i co qual a re l ig i ão que pre domina na c idade a que e ssas torrespertencem . Umas são de arch itec t ura j esuítica e lembram a Torre dos

38 A Hollanda

Ap eio-me, finalment e , contrar iado , quas i á força. P refer i r ia j á agoraficar na carruagem , de rev indicta, amuado , t o rvo, in tratavel, como Diogenes no s eu ton el , com o bordão nodoso a um lado

,duas lan ternas

em vez de uma—as duas lant ernas do t rem—s emp re accesas , uma

resma de pap e l e um garrafão de t in ta às ord en s ; e e scachar de me i oa meio es t e pai z de barbaros septen trionaes , a golp e s de fi na e e rud itasatyra romana, á p onta de corrup tos , de depravados , de en cantadore sfolhe t in s lat i no s .

Um pai z com hot e i s de quarto s ch e i os ! um pai z c om consu ladosfechados ! um pai z com as malas da gent e re t idas at é o outro dia ! umpa i z com verao , emfim ! e com domingos ! Ah ! boas varas de Juvenal !

Ah ! boas corre ias de Ar i s tophan es !A j us to trabal hosamen te as minhas con tas com o coche i ro : quat ro

flor in s por quat ro horas de s e rvi co , o i t o francos , dez eseis t os tõe s , mil

e s e i s cent os ré i s , mai s duzen to s ré is de gorgeta, t udo para a mao gan

c hosa e mercenar ia dºeste j u deu , de sc enden te tal vez dos que D . Ma

nuel expul sou das j ud iar ias de Li sb oa,i rm ão dos de pau que fi caram

no Senhor do Mont e a'

arre ganhar para as conegas de Braga os s eust e rriv e i s d ente s de carn í voro s excommungados, amarellos e grandescomo t e clas de man iç ordios ve lho s !

E,p el os modos , no Hotel Rondeel que me acho .

Um criado guia- me, prec edendo—me com o meu sacco e com o

meu p laid, a um quart o do t er ce iro andar, de cama p or faze r, pon tasde phosphoros e pon tas de c i garro s e spal hadas no chão

,jan e l las fecha

das, santuari o ai nda m orno da ass i s t enc ia de um nob re viajant e h ispanhol

,grande de prime ira c las s e na prosap ia do sangue e na magnifi

c enc ia dos phosphoros de pau .

Esta é que é ent ão e ssa nítida Hol landa, cu ja reputação de frescura ench e o mundo c omo um de l i cado e p enet rante p erfume de líriosaz ues, aljofrados de

O ra, s e ja pel o amor de Deus ! Mas é s impl esmen te a Hispanha

ou a I tal ia i st o ! Is to é n em mai s nem menos do que Sev i lha, a t ransp irada, do que Tol edo , o p egaj os o, do que Napol es , o verminado !

P rimeiros Asp ectos 39

Faço uma ablução de puro c e remon ial,d e ponta d e nariz d en tro

de uma bacia do tamanho d e um p i re s,p orque no hote l n ão ha casa

de banhos , e d es ço para jan tar à table d'

hôte à s ci nc o horas e m eia.

Cen to e se s sen ta p es soas a mesa . O hote l , como todos os de Amsterdam , e s tá compl e tamen te che i o .

Fico s en tado en t re uma francez a e seu mari do .

El l e t em a pel le das mãos e a da cara em um estado de v e rmelhidão last imav el

,e pare c e preoccupar- se com i s to

,humedecendo em

gel o a ponta do guardanap o e tocando ao d e l e ve os pon tos mai s afo

gueados.

El la é uma dºessas s imp l e s burgue z as de P ari s , form i ga rab iga,

vide ira e e sp e rta, habi tuada a l idar com os freguez es de s eu e sp oso eapousser la roue , como lase diz ,

para lh e faze r andar para d ian te o com

mercio ; amavcl de re s to como todas as da sua e sp ec i e,falladora

,um

tanto gul osa, e de nariz arreb i tado como de rigor .

AO p rime iro p re t ex to en tab olamos con versa . Foi l ogo depo i s da

'

oudrieg- vous me p ermett r e, b l adame, de verser sur votre p ois

son un peu p lus de sauce, dite hollandaise dans nos pay s ? Lã !

Je vous r eme r cie infuimen t, Aglonsieur, vous êtes bien aimable .

E por ahi ad iant e fomos con t i nuando s empre . AO pat o com ameixasconhdenciou -me e l la que o hote l era um covi l d e s i cari os .

Faca i dea— e xp l i c ou—que n ó s,meu mar ido e eu , viaj amos com

coup on s Lubin . Não e vergonha n enhuma v ia jar com coup ons Lubin ,poi s não é ass im ? Fica mai s barat o

,e v iaja—s e da mesma man ei ra . Mas

nos ho te i s t ratam um pouco por c ima do hombro os portadores'

de

coup ons Lubin . Bem entendido , que i s s o m e é i n t e i ramen te indifferente , a mim ! Comprehende bem que não é para que ali o maitre d'hotelme t ome pela baroneza de Rot sch ild, q ue eu v im aHol landa . Mas ima

gin e q ue , ao p ed i r a c onta e s ta manhã , e l l e s nos queriam empalmaruma refe i ção , obrigando - nos a pagar o dia por in teiro , s em nos dar dejantar . Mas i s s o é que não ! Tome - me por quem qu i ze r o maitr e dºhotel que pouco se me dá , mas por t ola não . Que fi z eu

? Fu i re clamar

40 A Hollanda

peran te o consulado de Fran ca. O Sr . de Sai n t - Foix ve iu en tão aquip essoalmen t e e in t imou—os a que me des s em de jantar p e l o preço do dia.

P oi s quê ! O Sr . de Sai n t - Foix deu -me mi l vezes razão , agradec eu -me a

confiança que depuz era nºelle c omo del egado da Repub l i ca

,e accres

cen tou que , se t odas as mul he re s foss em o que eu sou, ha muito que t e

ria acabado no mundo a raça dos e s talajad e i ros prevaricadores . Crei o - o

b em !

—Aqu i para es te s enhor ,—ob s e rve i i nd icando o marido—é queme pare ce que os jantare s dºhotel

,com os s eus mô lhos i n c endiari os

,

nao s e rao o melhor regimen ind i cado para o caso da moles t ia de p e l le

que o afiiige .

Mole s tia de pe l le !— exc lamou susceptib ilisado o meu vi s inho .

Eu não t enho mol és tia nenhuma ; a un i ca coisa que eu t iv e foram mosqu i to s a noi te passada. Bem se vê que v . ai n da agora chegou a Ams

terdam,e que ain da cá não dorm iu ! Esta porcar ia dos canaes é um

vive iro de mosquedo pavoroso . Ao accender das l uze s enchem - s e osquartos de toda a variedade de mosquitos imaginaveis . Entre e l l e s haun s al to s de p ernas , pousando como aranhi ços de t re s andare s

,com

um rab ec ão em cada andar . q uanto á ac ção de taes in s ec tos sobreo corp o social , aqui a t em manifes ta em s eu s abominaveis efieitos '

E mostrava as mãos e os pul sos , tumídos de empolas rubras e

acerbas , c omo as de grandes fr i e i ras .

Bon i to ! Fal tava- lhe mai s es te at tractivo á Hol landa ! O s hot ei sarrancam—nos a p el l e , os mosqu ito s beb em—nos o sangue . Cá t omo nota !

Depoi s de jantar , e xaminando o programma dos e sp ec tacul os dan oi te, del ib ero fazer e sp erar um pouco os mosqu i tos p e la c eia que s oude s ti nado a forn ecer - l h es , e vou a doi s conc ertos

,um no Am stelsraat ,

l ogo ao pé da porta, ou tro no fim do canal do Rokin , no Nes.

P r ime i ro conc ert0 '

P equena sala de theatro c om uma ord em de camarot e s , bufetecom bal c ão ab erto sob re a p latea, casa che ia, cal o r suffocante , ar de se

tal har á faca,esp es so de fumo e de vap ores de cerv e ja azedada no

fundo das chop es . O s vio l i no s da orchestra furífuram uma esp e cie de

P rimeiros Asp ectos 4 1 ,

acompanhamen to emquan to, aº me i o do pal cº, de maos nas i lhargas ,dandinada, canalha, em ge s tos de voy ou , most rando j á as l igas , j á ossovacos nus

, uma cantºra carac t er i s t i ca, quatr iême dessous des FoliesBergeres, canta 0 N icolas . É uma canç㺠d'

hºmem, º que pouco im

porta. A p latea em p e sº refºrça º r i torn e l l o,e toda a sala en tôa : Le

voila” , Nicolas ! ah ! ah ! ah ! A cantora c e ssou mesmº de vºcalisar, e l la,º refrain ; de i xa dize r a orche stra, e exc lama apenas : A la mesur e, ldbas ! Un ! deux l . Alle; E º edihcio t od o vibra cºm t rovõe s de ap

plausos , cºm as mãos em palmas, com as b engalas não ch ão, cºm ºs

c ºpo s un s nºs ºutros .

Segundº concertoSala che ia cºmo no p re ceden t e . N㺠ha camarº te s . Simp l es b an

cadas de e s tre i ta prat e l e ira c ºr ri da para os cºpºs da bebida. En tradagratu i ta . Sete damas

,em toilette de c ircum stancia, pomposamen te sen

tadas nos s eusfauteuils d isp os tos em mei o abat -jour , sob o c larão duroe morden te dº gaz .

Uma dºessas mulheres,a s egunda á esquerda, é part i cu larmente

pavorosa. Ves t ido cur tº de merino brancº , im i tação abas tardada e su jade um velhº figu ri n o de Grévin ; botas verm elhas , atacadas e recor tadas no al t º

'

dº cano em p in ta de cºpas ; duas pernas plethºricas em

maillot de al gºdão,p enden dº ent re ºs pés da cadei ra; duas ºu tras

pernas nuas sahindº—lhe dºs hombros ; as duas mãos no regaç o ; osdoi s p é s no chãº

,ao lado um dº ºut rº , de bicºs para den trº . Uma

grºssa e esp e ssa sanefa de cab e l lº amarellº, durº e asp ero,de bºde ,

cobre - lhe a t e sta reb oluda e cae—lhe nos ºlhºs , pe sada c ºmº uma v i

s e i ra de chumbº . El la olha de sos lai o, emb ez errada, em mergulhº no

gºrdo de s i me sma, c omo um b icho cache i ro de sêb o ornadº de um

t ºpete de e sparto .

Do ladº oppos to,á di re i ta

,d es taca—se dº grupo vu lgar “

dos de

mai s typos de cºmpar sas , uma mulhe r d e perfil al t i vo , p oderºsº , olymp icº . Vest e

,em ºppºsiç 㺠à s ou tras , um v est ido de setim pre to cin

gido ao bustº , e de l onga cauda caindo - lhe aºs p é s em r egra, nºuma

ºndu lação espºjada de serpente . Corôa- a um s imples penteado em b an

42 A Hollanda

dºs cur tos , l ourºs , de um l ºuro de sºl, l e v ement e fr i sados e finºs cºmoseda.

A mai s distinc ta e aristrocatica figura de mulher que eu tenhºvi s to , era a de Madel e in e Brohan em pap ei s de grande dame nº pal c oda Comed ia Francesa ; e s ta creatura agora com n inguem s e pare ce tanto ,a n㺠ser um pºucº na expre s s 㺠physiºnomica cºm a imperatr i z Eugen ia

,comº cºm a Brºhan .

Ao p ianº um tisicº cºnfi rmado,t isicº em ul t imo grau , d e al b or

noz e cach e - nez, o pescoçº esgu io , º nari z afi lado , as ore lhas descar

nadas dº craneo, cabe l l o j á s e cco e mortº

,açoi ta cºm os s eus gran

des dedºs l í v ido s , de grºs sas p halanges , º m arfim das t e c las , fazendºcantar no prosc en'i o uma aria allemã

,l ugubre c omo um go t tejar de t o

cha s ob r e um cai x ão de defunctº, pºr uma mulh e r ves t ida de ci gana

de carnaval , arfan te , de ºlhºs em al vo,a m㺠e s tend ida no vagº , cºm

e st rel las d e cart ão dou rado cozi das aº duraque das bot inas , e 0 ç a

b e l l o pre tº em pennachº d e capacet e , até á c in ta.

Tºrn º a olhar para a divina mulher lºura ves ti da de setim preto ,e v e j o - a mover º nariz, mºv el- º c onstantemente

,

“nªum mºvimento cont inuo e con vu ls o de coel ho ! E ahi es tá d e svendado 0 mysteriº ! Estac reatu ra n㺠e s t á n 'um thronº, e es ta n ªum tabladº de botequim fei

r en se,porque o deus do re l e s a marcºu n

ªuma unhada cºm e ss e s i

gnal de fab ri ca, um ge i to , um tic , uma preguinha mov ed iça, um a pe

quena curva vib rat il,um só pºntº de b i cº de alhnete ali na es t rem i

dade de uma ven ta, um ind izí ve l , um quas i nada,e tºdo um abysmº.

q uan to se não canta, e º publ i cº desfruc ta º seu d inhe i rº c on t emplaudo ap enas as l i nhas dº quadrº vi v o

,e l la con tém qui e tº º nar i z,

por um esforcº h ero i co . q uan to as ºutras mul here s cantandº con

c en tram em si a at tencão dºs e sp ec tadºre s , e l la descan ç a º nari z .

mexendo—º ! E as s im ganha es ta p eregrina formusura a sua vida, cu l t ivando a est ranha e dura profi s s 㺠de não b ºlir cºm º nar i z deante d egen te duas horas pºr noi t e .

Vou -me de i tar at e rradº .

O meu quarto nº Rondeel fºi sat ísfactoriamen t e c lar ificado . O ta

P r imeiros Asp ectos 43

p et e ve rd e de l i s tas en carnadas acha—se bat i do e e s c ovado a primo r .Nºs mºve i s n 㺠pousa um grão de p ºe i ra.

A cama ab erta, as minhas ch in e las j un tas uma da ºutra aos p é sdo fauteuil, as peças do meu s e rv i co de toilette, º es t ºj º de barba, ºb inºculo

, a charut e ira, e s t 㺠cºllºcadºs sºbre chamin é,com um cert o

cu idadº car in hoso,de famil ia, e dão á minha habi taç㺠um novo as

pectº Cºnsºladºr , r econfortante . A s duas janel las , ab ertas a t oda a lar

gura da parede,de ixam entrar a fre scura calmante da noi t e , e descº

brem a l inha dº canal , em cu ja agua l i sa s e refi ectem como sob re umespe lho n egro as jan e l las d e al gumas casas ai nda illumin adas, e as lu

ze s ve rde s e verme lhas , fugi t i vas , das lante rnas dºs omnibus .Examino a cama : apprºximadament e a cama allema

, um pºucomai s curta ap enas , um sommier c

'

lastique, um trav e s s e irº em formade cunha appen so aº cºl ch 㺠e fazendo bas e ás almºfadas . D ei tado ,nºum b ºm aconchegº morno , cºm a p ºn ta do nari z apenas fºra daroupa para offerecer a menor superfi c i e pº ss í v e l ao assal t º dos mosquit os , apago a ve la e ass ist o immov el ao repas sar p e la minha me

moria de t ºdas as successivas s cenas de s t e dia an t ipathico e e s tup idº .

Uma impre s s㺠de meia hºst i l i dade l ºcal faz reve rt e r a ºu tros l ogare smai s p rºp íc ios º meu p ensamento b ºrb olet ean te , que pºu sa por fimem Li sbºa. Ve j o - a pºr detal h e s em escºrç ºs que l h e engros sam certasfe içõ e s e lhe d eprimem out ras em car i catu ra mons t ruºsa cºmo as ima

gen s refl e ct idas nºum esp e lhº convex º . E adorme ço , res ignado .

Nº dia s eguin te ponho—me a p é as c in cº horas , e abro as largasjane l las do meu quarto sobre o canal .

A l uz fresca e azu l da manhã, envºl ta no vapºr aquºs o da c idade ,banha suav emen te as cºi sas

,mit igando as dure z as dºs c on tornºs , e

esfumando - os em an i l .O t i j ºl º pre tº da fron taria das casas , brun ido p e l º tempo , t ºma,

sob a l u z Ob l íqua, reflexo s s c in t i l lant es de ve lha prata lav rada .

N㺠bol e fºl ha nas arvºres , o que dá às t i l ias , em dºi s renques

aº l ºngo do canal , uma immºb ilidade de t e la.

44 A Hollanda

Um si lenc iº p rºfundº , de navi o ancºrado em calmaria n ªum lago ,cºbre a c idade e parec e cah i r s ob re a agua mºrta da pºn ta dos b racos das rol danas sºb resaindº dº al t º dº p ignon de cada prediº , cºmoum dedo que apºnta nº ar para º predi o fron te i ro .

Ao p ei tori l de mai s de metade das jan el las , das jane l las quas i todas que tenhº em fren te de mim ,

uma fi e i ra d e vasºs de Hore s esmal taas fachadas com re l e vo 's de verdura salp i cada de p in tas escarlates .

Dº ladº d e l á dºs v idro s , de quandº em quan dº um s tºre b ran cº

franze e sºb e l en tament e . Depo i s a v idraça, corren do para cima comoas das ant igas casas de Li sboa, abre—se, recortando como fundº ás fiores um quadrado escurº na guarni ç ão branca dos cai x i l hos .

Junto de uma d essas janel las ab ertas uma rapari ga l º i ra, de tºucabranca, engomma. A ou tra jan el la uma ve lha de grande av ental , (examinº- a por um ocu l o)esfia, aparando á plaina, um repºlho de choucrout e .

Cre io que ain da não di ss e . Com certeza, não o d is s e a inda, eé impºrtante i s to para a comprehen são do que s e vae ler ach e ino meu sac o

,enrolada n

ºum papel

,uma camisa lavada, uma camisa

nºva, que comp rara em P ar i s,ao part i r , e de que me esque cera hºn

tem . É d e Bah ella, mas que impor ta?A Hº l landa, ás 6 horas da ma

nhã, pode b em permitt ír e ste agasalho ; al ém do que,sahirei em man

gas de camisa . E , defrºn te quas i do hote l Rondeel, avi s tei uma casade banhºs , construída em cottag e p intadº de bran cº , sob re e s tacas , nºcanaL

Eis ahi como um novo es tadº psychºlogiç o , quero d ize r , uma n ºvadi sp ºs i ção de n ervo s s e fez em mim ao r e ve r Amsterdam de manhãcedº, l ubrifi cado de an imº pºr um poucº de sab 㺠e por um res t o deroupa lavada.

—Ometaphysicos pºr que não hav e i s de permit t ir'

v ó s que a gent eme t ta a barre la, a barre la ao menos

,ent re as facu ldades da alma?

—pergun tava eu aº sahi r da casa de banhos e de ixando -me ir de mãosnos bº l sºs e nar iz aº fre sco

,ao acaso encantadºr de umprime iro pas

s e i o at ravez de uma c idade d esconhec ida.

46 A Hollanda

uma, . grande cºlher de pau ; lavam - se por fora as v id raças com um

grºssº p in ce l encab adº ; lavam - se a fri c ç ão de es cº va ºs p ei t or i s dasj ane l las , as pºrtas , as padieiras .

Depºi s en xuga- se tudº a panno, º p rédio , º pas se i o da rua e º

barc º . O n de naº chega o bracº l eva- se º pannº nºuma e sp ec i e de t e

naz, p ega d e madei ra larga e chata

,s egura por uma mola e encab ada

n ªum pau .

P r inc ip ia em s egu ida a toilette da casa p or dent ro .

A s cr iadas vem para a rua cºm ºs tap etes grande s dos s oalhos ecom os tapet es p equenos das mesas .

Nas ruas de menºs pas sagem que o Rok i n,t razem tambem as

bºtas para engraxar,trazem º fat º para bat e r

,trazem as gaiolas

,tra

z em ºs tachºs , trazem as caçaro las , t razem a bat e ria toda da cºsinha

para e sfregar, para pºl i r e para .r epo l i r at é a tºrnar bri lhante comºj oias de o i rº .

P ara sacud i r o tap et e , a c r iada de cada casa p ede o aux i l i º dac riada da casa v isínha

,e é as s im ,

duas a duas , que e l las se desempenham dºessa tarefa. Uma s egura de lá, a outra de cá , uma pºn ta em

cada mão . Depo i s, pºr um fort e impul sº s imul taneo , ab rem—se os b ra

ç ºs fazendo es talar º e s tofo cºmo es tala uma ban d ei ra desfral dada aº

tufão . E is to uma vez,duas v eze s

,dez

,vin te

,cem v eze s , até que dº

tap e te sacudido n 㺠caia um atºmº de pº. Então j un tam - se as duasmãºs . Um ! doi s ! t r es ! E e s tá dºbrado o tap e t e dªesta .

P as sa—se ao tap ete da ºutraq uan to e s sa ºp eração dura, quem pas sa na rua desvia- se ºu

pára e e spera . Diz - se em P ortugal que a rua é do Rei, o que me pa

race bas tan te hypothet ico . Na Hºl landa se poder ia d ize r cºm mai s exac t id㺠que a rua e' das criadas .

As 6 horas pri nc ipiam a rºdar as carre tas de mão dos fornecedºres : a carre ta « da turba

,a carr eta da fruta, a carreta das fiore s , a car

re ta do pão , a carre ta dº pe ix e , a carreta dº l e i te , etc .

Tudo i st o se n egoc ia no me iº da rua,s em ceremon ia ,

ã b oa paz ,

cºmo nºuma r eun ião famil iar e camp es tre ,

P rimeiros Asp ectos 4 7

A s criadas aprox imam - se em grup o , cºm º c e s tº nº braco , 0 prat ona mãº, º porte

-monnaie na al gibe i ra dº avental . Este s s enhºre s cal

cam a carre ta, expõem a mercadºria e fazem ºs s eus cumprimento sJufvrowMie tje ! Jufvrºxv Sus e f—madem oi s el l e e s ta ! mademo is e l l e

aquellal—Barretada dªaqui. Mesura d

ºacºlá .

Não ha pregão p rºpriamen t e d i t º , n㺠ha p el º m enºs o pregãºcanoro

, º pregão mus ical , t 㺠carac ter í s t i c o das c i dades d o me i o dia.

O vende dor faz an tes uma breve allºcucão em vºz bas tant e al ta para

que º oi ça todo o quar te ir㺠da rua, de uma e squina à outra . Não en

t endo,natu ralm ent e , o que el l e diz , mas rep re sen tam - se - me vºze s de

imp ul sº e de animaç 㺠ás c riadas ; n㺠de modº al gum— Quem com

p ra a mão de nabos l—mas ant e s al guma c ºi sa nº gen erº dº que diziao ac tor P ola, não me l embro já em que nºtave l drama : Vamos ! vãmos , minhas senhoras ! vamos a

' conquista do Santo Sepulchro !E procura- s e

,oficrece—s e , ajusta- s e

,marralha—s e .

El l e,de bonne t á banda, grºs sº c haru to nºs b e i ços , a mão ab er ta,

e s tend ida,cºm a palma para c ima

,nªum largº ge s tº caval heire s c o , á

Franz Hal s,como quem d is s era :—Comp enet re- se -me d'esse repolho ,

madama !

E el la,de dent rº dºs fo lhºs da touca, en ten dida, exp eri en t e , tendo

v i s to s e s s en ta nov idade s d e repolhos em sua vi da,ti um ge s tº de inex

c ed íve l de sdém,c errando ºs o lhºs

,de sc endº até deba i x o dos bracos

os cantos da bocca s em dent es , exp rim e z—lgnomin ia de couve !P or fim con temporisa

—se . El la abre um ol hº,fechando pºrém com

muito mai s fºrça o ou tro , t i ra a bºl sa da al gib e i ra, e, j á com o re

polho debai xº do b raço , ad ian ta nºs de dºs um sol dº cºmº quem of

ferece uma esmºla mal merec i da a um bre j e i ro . Mas o hºrtaliceirº dápara t raz um sal to e s trondo so nos s eus vº lumosºs tamanco s ca iados debranco . Seus ºlhºs n㺠pºdem supportar a v is ta de uma t 㺠p equenasomma offerecida pºr uma t 㺠b e l la cºuve . El l e é fºrçado p e las circumstancias a s er descºrtez , e vºl ta cºs tas , de braco s c ruzadºs , carrancudo

, c ºm a v i se i ra do bonne t p uxada até ao nar iz . E a sc ena ter

mina, emfim , por mai s um sº l dº que apparece , entran do o rep o lho j o

48 A Hollanda

vialmente em casa, debai xo do b raco da ve l ha dama serv en te, e a ve

lha dama s erven te debai x o dº braco dº r egat ão galante , que lhe fazdiplºmaticamen te as hºn ras da rua

,recon duzi ndo - a com mimº até á

por ta dº pré dio.

O p e i xe vem em agua d ent rº de uma p i s cina na carreta e com

pra- se vivº

,depºi s dº que, é ali mesmº amanhado cºm perícia, rapi

damente , p e l o vendedor .

O pão vem em caixas fechadas en vernisadas de ve rde , de ama

re l l o ºu de cas tanhº ; os harenques de salmºeira em celhas ; 0 camarao em gigas ; as flºre s em pequenºs vasos de barrº ; o l e i te em grandes pote s de almude de c ºbre p ºl i dº e re luzent e ; a fructa ord inariaem ces tºs de scob e rtºs ; a fructa es colh i da, as uvas despegadas dº ca

cho cºmo as c e re jas,e os pecegºs b em sasºnadºs—em cab az inhºs fe

chados comº os que se exp edem de N ice para ºs P ºt el ºu para os

Cheve t em P ar i s ; as c ºuv es e ºs l e gume s em cucu l o arredondado ,cºmo grandes bouquets de mºsa i c o , em que se combinas s em art i s t i cament e

,para o mai s a l tº effeito decorat i vo

,º rôxº i n t ens o e v inoso dºs

repolhos ve rme lhos,º brancº c reme da couve -Hºr, o verd e t enro das

alfaces , º carm im e o branco vi vº dºs mºlhºs dºs rabane tes e o ama

re l l o p oderosº e r i cº dºs feixe s p orten tosos das c enouras da'

Hol landa.

A l ém do l eite v end i dº em carretas pe las grande s c ompanh ias haº l e i t e vend ido em cangal has p e l os p equenºs mercadores , e leiteirinhasamsterdamenses de 1 4 a 1 6 annºs, passam ,

de aven tal b rancº , chap eode senhºra atado por uma fi ta de s eda por bai x º da barba, a cangas inha de carval hº p ºl i dº nos homb ros

,ºs dº i s pºtes de l e i t e em equ i

lib rio , su spen sºs de uma corda p e la asa e p endent es a cada ladº dacanga.

O s pred iºs t e em t ºdºs um es tre i t º pas s e io em frent e , esp ec ie dep equenº t erraçº q ue l hes p e rt en c e e que ºs p ropr i e tar i º s fe cham ,

comuma grade de ferrº

,ás veze s com uma c orren t e

,outras v ezes cºm um

var㺠chumbado a dºi s p iõ e s de p edra, e fun didº em tr es gumes cºmoºs fiºret es de es grima . Este asp ec t º hos t i l é refºrçado ain da cºm uma

sal iencia de puas guarnecendo º gume superiºr da barra de ferro .

P rimeiros Asp ectos 49

No terraço ha fre c uentemen t e , em quasi t odºs os canaes, uma

e s cada ex t e ri or de c in c o ou s e i s degrau s da largura dº pas s e iº , e

em dºi s lanços cºnve g e nt e s , cºm c orr im㺠de ferrº . 0 patamar commum a duas hab i tações dá en trada para duas p equenas p ortas cont iguas e é s eparado aº me iº p or uma barra que prºlonga o c orrimão .

O s que vao para º num erº 5 7 , tomam a es cada da e s querda,03

que se d ir igem ao numerº 59 , s ºb em pe la e s cada da d ire i ta.

Muitas vezes º quadrado do terraç o n o fundº da p equena es cadafaz patamar a ºut ro lançº , que desc e dº n ive l da rua para o sub so l o .

E por e s s e buraco v ê—se em bai xo a fron taria de um ºutro andar s ubt erran eo , no fºss o , cºm a sua p ºrt inha envernisada, as suas duas jane l las s emp re de cort i na ab er ta em A

, s empre com vaso s de fiores nºp e i tor i l .

A copa do arvoredo, c on trapºs tº aº s ol nas cent e defrºn te de cadap red iº

,c ºbre de s ºmbra a t i j o lar ia da fachada

,sal p i cada de p equenºs

p on tºs d e luz em que s e refiecte late jan te º b olir das folhas . E as pa

red e s negras t e em ass im uma e s tranha al e gria V iva e can tante de c larºescurº

,com o ºs e adejassem s ob re e l las , mºldadas pe la luz atrav ez dºs

rasgões da fºlhagem , miríades de grandes borb ºl e tas lumin osas e pal

pitan tes .

Nas prox imidade s do Am s t e l , al gumas jane l las aber tas ao rez darua . O quebra- l uz de hna red e de arame côr de fumo p os to aº c en t rodo p e i t ori l

,de i xa—me vêr em angu l o pe la fre s ta re cantºs de i n t er ior .

A cada uma das duas janel las um grande fauteuil ; d efrºn te do

fauteuil uma pequena banca . Sentada na pol trºna da jan el la de cá umas enhºra b ºrda, t e ndo sºbre a mesa a t e sºura e uma jarra com ummº l ho de re s edas . Na pºl trºna da ºu t ra jane l la o homem

,em man

gas de camisa, ai nda sem gravata, barb eado de fr e s co , fuma len tamen te

,refrigerando - se do cal º r da Vé sp era em frent e de uma chav ena

de café . Aº me iº dº cort inado de l ã b ºrdadº de v e rd e , nºum a gaiºlada China, can ta um canar i º .

Um dos carr i lhõ es que na vespera tantº me estrugiram a cab ecae tan tº me i rr i taram os nerv os ouço - 0 ºutra v ez . Til i n ta ao l on ge um

4

50 A Hollanda

cºmpass o de v e lha gavºta, nªuma grande pureza metal l i ca,

'

doce e

al e gre,c ºmº um improv isº fe st i va l ded i lhado em qual qu er parte, nº

ar,sobre um piano de prata .

E es ta mane ira de marcar º tempo p or me io de uma esp ec i e des orri s o m e l od ico

,en treab er to na fre s cura mat i nal do e spaçº, di lu ído fu

git ivamen te no azu l dº ceo , parec e -m e agora a mai s p ropr ia para con

tar as hºras de vi da da l oura, da s erena, da amigave l raca dº p ovº

que me c e rca . Adºravel gen te pac ifi ca, ant iquada, exo t i ca, mºdesta,ratôna, humºr í st ica, t razendo -me à lemb ran ç a a cand ida e stampagemd iffusa de uma ve lha ch i ta desbºtada '

e al egre,uma infant i l aquarella

em t on s evaporados de Kate Greenaway,ou a abe rtura r i dent e de um

capitu l º gal hofe i ro de Dicken s app et it o sament e perfumadº de aromasde fe sta, rep i cado das pachorren tas j ovial i dades germanicas de uma

bºa merenda na r el va !Nas mai s ant igas ruas de Amste rdam

,nos bai rrº s p rimit ivo s dº

secul º x 1v , nas r e dondezas do Dam,en tre o N ieuwe Dyk e o N ieuwe

Z yde , º p it tore s co do esp ec tacul o tºma a i n ten s i dade da cºllecc㺠ar

t istica, e prºduz a impre ss ão de tºdº um museu cu j as te las restituídasá natureza houves s em cre sc i do até ás p rºpºrções d o v ivº e começassem de rep ent e a resp i rar e a b olir.

Cop io de uma e s quina o nºme de uma d e ssas ruas—Sai n t - N icolasstraat . Tres metros de largura. P red ios de t res e de quatrº andares, em t i j º l º p re to

,de um preto côr de gsºmb ra, ou vermelhº tos

tado . Dºe st e b e l l o fundo de atelier numerºsas saliencias se proj ec tam e

r iem para o me io da rua. A s pranchas do s vasº s d e geran iuns , de fuchsias, de c edro s e de pequenas ros e iras . A s varas p i ntadas de verdedºs enxugadºurrºs, de que p endem aqui e acºl á al egres r iscados brancos, az ues e v ermelhºs . Cent enare s de tabºletas sob resaindº pºr c imadas portas

,comº bandeiras suspensas d e b raco s de ferrº

,al guns dºes

tes pr imorosamente trabal hadºs a mar te l l o e prºceden tes das famosass e rral har ias fiamengas dº s ecul º xv1 . A tab ºleta branca do p equenº armaz em de víveres

,fazendº angul º com º vert ic e para a fren te e t endo

em c ima, em re l evº de madei ra, um grande gallº branco de c ris ta en

P rimeiros Asp ectos 5 1

carnada. A s bac ias d e barba e a grande navalha dºs barb ei ros . O pao

de as sucar , da t enda. A enorme chave , de broca para o ar, dº s erra

lheirº. O s t re s que i j º s s ob rep os tºs , um brancº, um douradº , e umpre tº . Mui tºs ºut rºs symb olºs mºnumentaes de mercador ias em fa

b ricaç 㺠ou á venda : uma lante rna, um barr i l , um tamancº , um mºi

nho de vent o . Finalm en te , a quas i t odas as jan el las,º e sp e lho emo l

durado nªum cai x i lh o de fe rrº quadradº , o famºso e sp e l hº esp ião de st inado a mostrar a quem ol ha de dentrº de casa a gen t e que pas sana rua .

Nº chãº, s ob re ºs t i j º l o s varri dºs , ao l ongº de toda a rua, uma

mul t id 㺠de c ºi sas e s t ão arrumadas ã parede , como nºum fundo reco

lhidº de ab egoar ia ou a um canto de pat e o em an t igas es talag en s demuda de calecas ou de e s tação de d i l ig enc ias : a gran de vas sºura ; acarre ta de mãº; os bal d e s ; os gigºs ; as ce lhas ; o p ince l das lavagen s ,encab adº na l ºnga vara ; ºs tamanco s d e andar na rua

,que o mora

dor de ix ou á pºrta, comº faria com os tamancos de andar n º qu in tal ;uma roda desemb uchada dº e i xº ; uma lanca de carrº ; uma gai º la defrangos ºu de c ºe lhº s ; e uma cas ota, poucº ma iºr que a de um c ãºde quinta, den trº da ]qual um sapat e i rº ve lhº , armadº de uns grandes oculos, t rabal ha aninhado sob re a tripeç a, com º tec to em c imadº seu bonnet de l ºn tra.

A meia d i stanc ia en t re as duas embocaduras , e s tas ruas tran sversae s fazem cotove l l o . Na curva ºs pignon s dºs p red i º s d e um ladºconfundi r - se—h iam enlaçados cºm os do ladº oppos to , se os n 㺠s eparas s e , n º mºmen to em q ue ºlhº para e l l e s , uma b e l la faxa de l uz dºírada e azul

,pol v i l hada de sºl.

Em mui tºs l ogare s,e s t e s p i gnon s

,c omº º r e s tº da fachada

,c ºmo

todº º pre d io , s㺠ai nda ºs mesmºs de ha t r ezen tºs ou de ha duzentos annos .

Nº cel eb re quadro de V an der Helst rep re s en tando o banquet edºs arcabuze i ros cºmmandadºs p el º cap i t㺠Cºrne l iu s W'

it sen, por

ºccasi㺠da paz de Munst er , em 1 648 , veem—s e ao fun dº,pºr uma ja

n e l la ab erta da sala do banque t e , na ant i ga casa da camara d e Ams

4 a

52 A Hollanda

t erdam , tre s predi os . Esses pre di º s e x i s t em ho j e c ºmo no t empo deV ander Helst . Ap enas dºi s carn e ir os brancº s que os enc imavam no s ecu l o xvu, tal ve z c omo tab oleta de um açougue

, desappareceram ; e n in

guem differença das demai s e ssas t re s casas .Nas ve l has ruas a que me e s tou refer indº , o cotove l l o de que fal l o

faz fundº e r ep oussoir ao quadrº vi vº . Não ha a l u z d iffusa dº plen ocampo e das ruas largas e de prediºs bai x ºs , banhandº por t odos ºsladºs ºs object os . Aqui a l uz , de uma t ransparencia incºmparavel, vemun icament e de um lado e ç ae de c ima, cºmo nºs ateliers disp ºstºs paradar às hguras max ima ni t i de z de l inhas e o max imo effeíto de c larºe scuro . E dºahi, a e xt ranha impre s saº v1V 1ss1ma que prºduzem aqui asfºrmas e xal tadas de re levº p el ºs efieitºs de l uz , c ºmo nas vistas aº s t ereºscºpº.

O i t o hºras . Mercado, no N i euwe Markt,pert o de um curiºsº edi

ficiº, e specie de cast e l l o com cinco t orres “ redondas , dº s eculº xv, em

que e s teve em t emp º o P esº da cidade cºm º nºme in tere s san t e deP e so de San tº Anton i o .

Chusma de criadas á cºmpra de pe i x e .

D ec id idamen te as criadas de Amsterdam t eem um pap e l dºs mai simportant es no asp ec tº geral da populaç㺠. Ha tamb em ºs ºrphãos da

c idade , vest i dºs de casaquinhas de bº tõe s de cºb re p ºl i dº , b ipart i dasv ert icalmente, cºmº os bonnets , metade em pre t º e metade em e scarlate . Ha as orphas , v e s t idas egualmente de v erm elhº e p re t º, com tou

cas brancas encan tadºras , um pouco d e monjas , um pºucº de castellãsfeudaes, sempre de l uvas até ºs cºtºvellos e fi chu de cas sa brancº encruzado n º se iº , á Mar ia An to i ne t te . Ha ainda

'

o s bomb e iros , de ca

pacet e , cal ção largº e bºta aº j ºe l ho . Ha os agen t es de polícia de uni

formes eguaes aºs dºs p olicemen de Londres . E ha os empregados dep ompas funeb res, de casaca de côrt e , t r i corn e Bºnapart e , e grandefaxa

'

de cr epe p endente do chapeu e enrº lada nº braço . São outrastan tas e sp e c ialidad e s da p ºpu laç㺠.

Mas a cr iada dom ina tudº , re i na por tºda a parte, p uxa pel os º lhºs ,at trahe toda a prime i ra att enc㺠de quem chega. Tem uma e sp ec i e de

54 A Hollanda

p intada de ve rd e , de dºi s bat en t e s guarn ec i dºs de um v idro . Em uma

das barcas ch e ia de fiô res,de begon ias

,de r e s edas , de dah l ias , de t o

s e i t as,de fuchs ias , ºs doi s v id rºs da porta entreab erta t eem uma cor

t inasinha de cassa branca . Vejo den t ro,nº exígu o b e liche , uma cama

branca, das d imensºe s de um b e rcº . Ao p é da cama, um e spe l ho deum palmº e uma t ouca p enden te . Fºra da porta, nº e spaço d e menosde me iº m etro

,ent re 0 bel ic h e e º cºstadº da r é , um t ição de turba

arde na marmi ta hºllande z a de tre s p é s , e aº fogº ch ia uma chal eirade c ºbre pol idº , com a pega de p orc e l lana. Aº lado , um sobre o ou

tro,para aprºv e i tar º e spaço

,rep ºu sam dºis sabots de rapari ga, p i n

tados de b ranc º . É a casa, a cozinha, o armazem e o escriptorio da

fiori s ta .

V ºu a c orre r,buscar a minha mala á e s tacao dº Rheno , e vºl tº

ao Dam ao me io dia.

Entrº n º P alac io Real e vi s i to—0 rap idament e .Es te ed ifi c i º , cºn s truí do p e l º engenh e iro Jacobs on van Campen ,

no se cul o xvn , para se rv i r de palac i o do ' cºn selhº mun ic ipal , as s en tan o s ol º sºb re estacas . In sp i rado no s tyl o magn ific en t e da Italia

,c orrigi do p e l o e sp í ri t o regular dº hollandez

,é uma grande e impo

n en te massa de 80 met rºs de fachada, ºrnada de um fron t ão e de umz imb oriº. P e sado

,monotono

,carrancudo cºmº a A j uda em Li sboa.

O i n t er ior , mºbi ladº p el º re i franc e z Lu iz Napºl e 㺠, cºn se rvaai nda tºdºs ºs movei s e t ºda a decoraç㺠pre tenc io sa e dura dº tempºda cas erna tr iumphal do prime i ro im perio . São as mesmas cade iras ágrega

,ºs mesmos l e i tºs

, as mesmas cºmmodas, ºs mesmºs armar i ose os mesmos t remºs , ornados em brºnze cºm lyras

,esphínges, py

ras arden t e s,capac e t e s e e standar t e s d e guerra . Apenas º s tape t e s de

Gobe l in s fºram sub s t i tu ídos por mºdernos tape te s hollandez es , ma

gnificºs , t㺠b e l l o s comº os de Smyrna ou da P e rs ia.

Um trocº de v iajante s,cºm os chapé us na cabeça e º gu ia Baede

ker de capa en carnada debai xº do braçº , p ercºrrem a pass º dobradoos ap os entos , cºnduzidºs p e lº cicerºne l ocal

, º qual , n ªum esp ir i tuºs oimprºvis o , t 㺠anti go c om o º prºp ri o mºnumento

,nºs exp l i ca as ra

P rimeiros Asp ectos 5 5

zoe s psycºlºgicas pºrque t㺠p ertº da e s tatua de Venus se acha a es

tat ua de Marte . «Uns dizem : p ºrque as V i c tº rias da guerra l e vam ás

c onqu is tas dº amor ; d izem ºutrº s : porque as illusões dº amor l e vamaos de senganos da guerra. »

P ara dizer cºm o gene rº architectonico dº edihcio, º d i scurs o éai nda, c omº a casa, um mau trocadi lhº ital iano saboreado pºr uma

bºa i ngenui dade amsterdamense .

Tres co isas m e ficaram de memoria depoi s dºesta v e lºz corrida,

cºm cºrda de rhetorica para me ia hºra,at rav ez dos reaes paços da ci

dade de Amst erdam .

Em primei ro l ogar,as grisailles de DeWV hit t , que de coram afres c o

ºs muros de al gumas salas e pr incipalm en t e as sºb repºrtas da casa dejan tar . N㺠se pode l evar mai s l ºn ge º effeitº dº clarº—escurº. A par

de um bai x o - re l evo em marmºre,vigºrºsamente illuminadº p e la obl i

quidade dº dia, a g risaille de De NV hit t , rep re s en tandº out ra esculptura

s eme lhan te,sºmente se dis t ingue um quas i nada da esculptura v erda

deira p ela circumstancia de pare c er mai s marmore do que a prop riapedra.

Em segundº l ogar, me l emb ra º ter vi s to al gun s marmores cºb er

t os e deshonrados por uma esp es sa camada de t i nta de ol eº . Uma das

vereaç o es, que habi tavam o palac io quando e l l e era casa da camara

,

fecit.Terce i ra e u l t ima cº i sa de que me re cordo : Entr e as bande iras

que fazem trºphéu na enºrme sala de bai l e , ha uma bande ira portugueza tomada a um dºs nossos regimentºs na guerra dº Brazi l cºm a

Hol landa . I s tº un i camente m e te riade c e rto e sque ci do , se n㺠se des s ea mai s q ue e ssa band eira é ºrnada, cºmº emb l ema de guerra—não

imaginam com que?—com um San to Antºn iº ! N㺠o commento . D igo

ap enas uma coi sa : El l e es t á aqu imu i tº socegadº cºm ºs de Hol landa,t endº ai nda um res to de men ino aº c º l l o , cºmplac en t e e fe i tº com el

les, a v ê r dar a p erna o rei i n im igº em noi t e s d e bai le na cap i tal hollandez a. A gen te

,lá em Li sb oa, cºnt inua a arru inar - se em cºn tas de

fogue teiro e em carregamentº s de fun chº e ou t rº s v erde s , de c incº

56 A Hollanda

léguas em redºndº,para fe s te jar nº seu santo e milagrºso dia e st e res

peitav el su j e i tº . Ah ! bºm pô ç o l que é onde na minha t erra o ens inavam

,susp endendo- º n

ºum barbante p e l º p escºçº

,a fugir ass im á de

vºç 㺠dos fie i s e a ir fazer os milagre s aº in imigo ! . Mas n 㺠commentarei, rep i t o—0.

Aº sai r dº P alac io Real fui á Bolsa, que hca aº p é na mesmapraça, e rep res enta por fºra uma e sp ec i e de t emplo gregº

,no gºst º

d i v ert i dº das nºi te s de t ro voe s e da egre ja da Madal ena em P ari z .

Um avisº á p orta faz -me sab er que se paga 2 5 c en té s imºs de fiºrim para en trar e que se não fuma . D ei to fºra º meu charutº e o meu

t os tao,e p ene tro nº santuar i o .

Vasto casarao,che i o de gen te e cheiº de bu lha.

Em torno de m im , dezenas de fi guras vagament e cºnhec i das, suj e i t o s que eu de veria ter vis t o nº P ºrtº em

' p equeno,ha tr in ta annos .

Eram com effeito apprºximadamen te as s im,na minha meninic e ,

os bºn s burguez es pºrtuen ses . O s u l t imºs que re s tavam dªesse feit i oacabaram . Un s mºrreram

,ºutros ap el in traram - se na pºl i t i ca c on s er

vadºra, pac ifi ca, i n trigante e chil ra dºestes ul t imos v in t e annºs . Nãº

a p ºlit i ca revºlucionaria que fazia 0 P assos J os é , cºn sp i randº na sua

casa de V i e l la da Ne ta, ou agi tandº as massas nº largo dos Loyos , degrande s obrecasaca desabotoada, a abanar , 0 chapeu al t o de i tadº parat raz na cab eça

,as calç as curtas de al çap 㺠na bocca dº es tomago , b a

t en do nº hombro aºs lºgistas e chamandº p atriota eximio a t odo o

mundº . N ão es sa p ol í t i ca de jacob in i smo burguez , um tant º fanfarrºna, mas b oa crer tura nº fundº

,t endo que perder , e n aº fazendo

senaº i ss o— p erd er—para t er º gºs to d e pôr o capach o da escada ájane l la quando pas sava 0 Costa Cab ral

,o favorito da corôa, c omº fi

ze ram na rua das Flºres de uma v e z que e l l e l á foi cºmo pre si dent edo c on se lho de min i s t ro s

, em estadão . Cas cavam - lh es para bai xº nas

decimas , e apanhavam tambem a sua cac e tada,por es sas e por ou

t ras que taes . Mas e l l e s v in gavam - se de quando em quando , pºndº pºrseu t urn o em estillas ou de ixando arrasado para tºda a v i da um ca

ceteirº.

P rimeiros Asp ectos 5 7

Quando l iam á nºi t e nº P eriodico dos P obres ºu no Braz Tisanaas ladrºeiras dº gov ernº em Li sboa, gri tavam «Mºrra !» em famil ia;e , t e r riv e is , c oziam ás facadas a p escada c os i da com batatas do Dourºe com c ebolas de Campanhã que t i nham para a ce ia.

Aº fundº t é t r ic o das suas l o jas, por t raz dº bal c ão , defron t e da

cart e i ra de pau dººleº com o t i n te i ro de lat ã o amarello comprado na

Banharia, tr e s p ennas de pat o n os b urac ºs , ao ch ei rº ac idº dos b aetões nºvos , de chap eu al tº na cab eça

,capote b andado d e v el udº aos

hombros , p és nºuns s ºcos , nunca el l e s de ixaram de ranger os den t e sao passar na rua al gum dos quatrº ºu c in c º un i cºs fidal go s que en t ãohav ia na c i dade : 0 da Torre da Marca

,0 de Santo O vid i º , o da Ban

deirinha,o da Fabri ca ou o dº P ºço das P atas .

Agºra s㺠fidal gºs tºdos,e al gum que o não s e ja ainda

,vae sel- º

b reve , para as p roximas el e i çõe s,ºu para a prox ima v i s i ta de sua real

magestade á c i dade da Virgem .

E fi dal go º ant i gº J ºsé dos que ijºs , é fidal go 0 Anton iº dos pannos c rus , é fidal gº o Manue l das drogas

'

P ºrta de Carrº s ! Se ja pelas c in c o chagas de Chri s tº .

E teem c lub s pºliticos—nos l im i t e s da carta e den tro da ºrdem ,

j á se vê—onde v㺠à s no i te s—p or que horas !—di s cursar , d ec i dindo

por suas cab e ças se o gov ern º da naç㺠se acha nos casos ._P orque,

nao s e achandº nos casºs , lá e s t ão e l l e s , e bºtam - o a t e rra. P ara i s sos e carteiam com um Luc iano de Cas t rº

,cºm um Thºmaz R i b e i ro , e

al gun s até—aflirmam - o e l l e s p e l º men os—com o prºpr i o sr . Font e s !

A u lt ima vez que lá es t iv e ia todº o p es sºal dªessa b urguez ia decamb ulhada para o P aço . (A s s im chamam—por t roça, cu ido—a

'

an

t i ga Casa dos Carrancas). Rec ebia el—rei ºs de sua côrt e nºesse dia, e

n inguem v ia s enão casacas p e lºs Cl erigos ac ima,e gent e d e l ingua d e

fºra a mºlhar os dedos para enfiar as l uvas b rancas p e la Cordoar iaadeant e

,sem contar ºs que iam puxadºs a muare s , nº Ameri cano , pºr

me io tost 㺠.

Tinham - me acabado cºm t oda a raça dos ant i gºs , as sim como met i nham acabadº com as « t ºrtas » da rua de San tº Anton iº, com a rua

58 A Hollanda

das Cºngºstas , c ºm a t㺠pi t t ore sca P ºrta Nºbre,com a ve lha e b em

qui sta Banhar ia, com a hºn rada rua dos Mercadºres , com a fiamengarua da Rebol e i ra, c ºm as merendas a Queb ran tões , c om os jantares« p el º rio ac ima » , com tudo emfi m quantº fazia a t radi ção

,a glºria

e º en canto h i st ºr icº e art í s t i c o do meu burgo natal .P ºi s fo i n a Bºl sa de Amste rdam que , b em i nesp eradament e

,tºr

nei a v er os typos m eus conhec idºs da i nfan cia.

São as mesmas caras s em b igode,de bºccas descºber tas , v igo ro

samen te con t ornadas , fechando cºm a firmeza carac t er í s ti ca dos homens fort es e t enaze s . S㺠as mesmas - sobrecasacas ab ertas ; os mes

mos grande s chap eos ; ºs mesmºs col l e te s de tr e spas se ; as mesmasgravatas al tas d e set im pre t º ; as mesmas cal ças curtas e e s tre i tas ; asme smas b otas de cano , i n t e i ras , de duas 'so las

,es c rupulosamente en

graxadas .

R e sp iram tºdos saude , e camp eiam amp lamente e s º l idamente noch㺠como a gen te b em equi l ib rada na vida. Teem º arredºndado mas

siç o e p esado do bºm m i l hão e do bºm pensº .

'

Sen te - s e—l hes no bºl sºda sobrecasaca a car te i ra bem recheiada, e sob o co l l e t e o estomagob em mant ido esmºendº um almºço carº .

Encon trº um hºllandez de Har l em,meu conhec i dº da sala de jan

tar do hºte l , o qual me aponta al gun s ri caço s . S㺠em geral phy siºnomias expres s ivas , mas duras

,p ersp i caz e s e asp eras , de gent e capaz de

pen sar cºi sas prºfundas ou c ºi sas b ru taes,reb elde porém abanal i dad e,

inc ºmpat í v e l com a t ol e ima.

A e ssa cat egoria p ertenc em al gun s j udeus de ori gem allemã e

russa.

O s j udeus pºrtuguez es e híspanhoes s ão m enºs poderºs os , e faz em part e , quas i t ºdºs , da geraç㺠dº b igºde . Di s t i n guem—s e b em pelabarba castanha e fi na

,pel º cab el l º ann elado

,pe la sal i en c ia dos bei ços ,

pe l o p erfi l acarn eirado,p e l o ol hº de o ve lha.

Muitos hºmen s á mºda,al gun s novos

,de vin te a t ri n ta anuos

ves ti dos á inglez a, gravatas claras , jaquetes abotoados , chap eos bai x os .Aº sahi r da Bºl sa, ás tre s horas , ºu n

ºum i n t e rval l o de negºci ºs

P rimeiros Asp ectos 59

t ºdº º n egoc iant e d e Amste rdam pas sa pºr casa de Fo ç king, e t ºma

um cal ix de curac㺠e um bis cº i to .

A v enda de Foc lt íng fica p ertº dº Dam ao fundº da pas sagemDamstraat , n

'uma v e lha rua e s tre i ta e escu ra .

P or c ima da pºr ta,nºuma p equena tab oleta d e s t ingida, quasi apa

gada,o famºsº homem selvag em ,

t imbre do e s tab el e c imentº . A l º jacon s e rva re l i gi ºsamen te a mesma guarn ição que t inha aº fundar- s e , haduzen tºs anuos . A s parede s s㺠reve s t idas de prateleiras _

de p inho,

ºccupadas por garrafões barr igudos ºu garrafas dºalto gargal º

,de v i

drº preto . A esque rda da pequena pºrta de en trada fica um recantoen vi draçado onde se re c ºlh em as duas mulh ere s q ue vendem ,

de av ental e tºu ca. Nº

este gab in e t e a mºb il ia cºn s ta de uma es t re i ta cart e i ra,dºi s mochos de pau santo cºb ertº s de v el ud o pre to de Utrech t , umesp e lho da mesma made i ra, no stylo j esu í t ic o dºs chamados esp e lho sde sac ri s t ia

,e a lata verd e dos b isc oi to s . As quat rº horas da tarde , em

s e t embrº , a e s cur i d 㺠dº l ocal ºbriga a accen der l uz : dºi s cand i e i rosde aze i te em p lacas de lata penduradºs nº muro , e uma ve la “ de cebonªum ant igº castical de cºbre ao lado da espevitade ira re sp e c t i va. Sº

b re º bal c 㺠de p inhº , de sgas tadº p ela es cºva, meia duzia de cop inhos d e p é , emborcados , e uma c e lha de made i ra, em que cºrr e sem

pre agua fres ca de uma b i ca e ºnde s e lavam os c opºs a m edida ques e r vem . Dº lad º oppost o á c e lha

,nº ºutrº can tº dº bal c ão

,um ta

chinhº de barrº v i dradº verd e e amarello,c om a brasa de turba para

acc ender ºs cach imbºs —e—de tal h e ain da mai s t ºcan te e mai s caract eu

ristiç º, uma p equen ina cu ia'

de pau com uma colherada de gommafre s ca, renº vada t odas as manh ãs á hºra da Bºl sa, e d es t inada a fe

char as cartas na fal ta de ob reia nº t empo em que se n ao usavamai nda os enveloppes p remun ido s de cola .

Em casa de Lucas Bol s , º ºu trº díst illadºr egualm ente c e l eb re , at rad i ç㺠re sp ei ta- se com e gual i nten s i dade de cu l to , mas sºb outrasfºrmas liturgiç as .

Na v enda de Bºls,em Kal v ers t raat

, a l º ja repre s en ta uma salahºllandez a dº s ecul o x v1 . A mºbi l ia é an t iga, mas a installaç㺠rec en te .

60 A Hollanda

Cade i ras de carval ho cºb ertas de v e l udº v erde p regadº com pregosd e cºbre p º l i dº

,larga cham in é ornada com uma guarn i ç㺠de prato s

e p otes d e an t igo D elft , par ed e s fºrradas de cºurº , tap ete v ermelhº ,l us tre s uspensº , p lacas applicadas á pared e , em cobre , nº styl o daRenas cen ça, e ampla illuminaç㺠a ve las de c era.

O s fras c ºs do an i z e dº curaçáo v erme lhº s㺠de faian ça azul ebranca de Delft , marcados com a data da fundaç㺠da casa, 1 575 .

Quiz ter meia duzia dªestes fras cos che i ºs de curaç Ạbrancº e

verd e . Imposs iv e l sat i sfazer, por qual quer p recº que foss e , es ta encommenda. Nos fras cos de faian ça não é costume engarrafar s enaº curação ve rme lho . O curaçáo verd e e º brancº v endem - se em garrafasde v idro p re tº ou em bot i jas de barro . Nem por tºdº º o irº d es t emun dº , quan tº menºs pe l o meu

,se t ransgredir ia º costume, lei i nv io

lavel na Hº l landa .

A noi t e,por cºn s el hº de um hollande z com qu em me t i nha en con

trado p e la manhã aº almoç o á mesma mesa nº Café da Bolsa, vºu jantar ao re staurant e Karseboom em Kal vers traat .

Karseboom, cu j º título s i gn ifica Cerejeiro, tem mai s de c em an

nos de ex is tenc ia, e é um dºs mai s an t i gos r es tauran tes de Amste rdam .

O s eu asp e ctº é modest º,recolh i do , pacat º . Duas janel las veladas por

um store d e aram e azu l sºb re a rua, um pequenº l e tre i ro p or c ima daporta, a e n trada p e l o cºrredor , aº fundo , á e squerda . E p rinc ipalmen t efrequen tado pe la clas s e c ommerc ial

,p e l os guarda- l ivros e p el os caí

xeirºs celib atarios . A l guns ri cos n egoc ian te s, que nº v er㺠res id em n o

cam pº ou nas p raias , o prºpri º s r . burgomestr e , quand o a fami l ia des . ex. se acha a banhºs em

““

Schewen ingue, vão j antar ao Karseboom,

sempre que n egoc ios os ºbri gam a fi car á nº i t e em Amsterdam .

Nº P anºpticum ºu no Bígnºn º jantar de café tomaria para e st espersºnagen s um ar incºrrec t º

,quas i patuscº. O Karseboom é uma

l

es

p ec ie de succursal das casas de jantar de famí l ia .

—É nºeste r estaurant e—t i nha—me di tº omeu amavel cicerone—que

v. encon trará ai nda, em t oda a sua ingenu i dad e e em tºda a sua pu

reza c lass ica, a v e lha cºzinha nac iºnal da Hºl landa : a c erve ja do paiz,

62 A Hollanda

las c riadas deí

Amsterdarn no s er v ico da casa . A minha cºllecção , al iási ncºmp l e ta, c ons ta de t r in ta e s e is pe ças d iffe re n te s

, e con s t i tu e o mai scuriosº documento e thnologico .

Ha e spanadore s de t ºdas as fºrmas imaginaveis, para os t ec tºs ,para as pared e s

,para ºs cantºs da casa, para os cort inados de l ã

,para

ºs c ort inados de ve ludo , para os co rt inados de ch i ta. Escºvas e p i nc c i s para as mºb í l ias

,para os move i s pºl idos , para os mºve i s de ta

lha,para os mºve i s e s tºfadºs

,para os mºve i s capitonados . Teem as

d imensões e as fºrmas mai s variadas,mais d iversas

,mai s perfe i ta

men te adequadas ao fim a q ue se des t inam . Umas s㺠redondas ºu ar

redºndadas, com uma az a para segurar a m㺠; ºut ras quadradas ºu

quadrilºngas, ºutras tr iangulare s , com cabo ; out ras c il í n dricas , t e rm inando em b ic o

,para as concavidad es dos embastamen tºs nºs mºv e i s

acol choados ; out ras e sguias , em gume , para as p regas dos es tºfos : out ras curvas

,em meia lua, para as prat e l e i ras dos armari ºs . Ha- as de

e sparto,de j un cº

,de cab e l l o

,de c ºrda, de p iassaba , de l ã ; umas em

p regam—se para lavar a faiança,ºutras para esfregar as caçarolas, ou

t ras para e ngraxar o s fºgõe s de cºzinha, outras para pol i r ºs ob jectºsde brºn ze

,de aç o , de cºbre ou de e s tanhº , ºut ras para en saboar a

rºupa. A s de l ã applicam- se n a lavagem e n a l impeza das banhei ras ,

dos bal d e s,dos Cºnduct ºre s de lavator io

,e de ºut rºs ob j e ctº s de zi nc º

p in tado . As e scovas de s t inadas aos parquet s e aºs soal hos t em variadascºnhguraç ões, s egundo se empregam nas p ranchas l i sas , nas fr inchas ,nºs angu lºs dos muros

, pºr t raz ºu por bai xº dºs mºve i s . Ent re os

pin ce is ha uns de junc,

º,em lascas

,para humedec er a roupa de gomma

b orrifando—a comagua, out rºs de pel l o l ongº , para encab ar, mai s asp ero s ou mai s mac ios

,para lavar º s t i j º lºs da frºn taria das casas

e para lavar as v idraças . Nas rod il has , t ºda uma cat egºr ia p erfei tamente d efi n ida

,de sde a rodi lha

'

mai s hna, de camurça, para l impar ºcr i s tal e º vidrº

,ate

'

a rodi lha mai s gro s sa, de es topa, para lavar ºmarmore . Uma engenhosa pega

,t enaz quadrada, de zincº ou dec ºbre ,

art iculada em t ºdas as di recçõ es , fi xada pºr parafusºs , t em pºr fim

pro lºngar o cºmprimen tº dº b raco a todas as al turas da casa, fazendº

P rimeiros Asp ectos 63

chegar a qual quer s it i o um pann o de l impar, t ão d es t rament e empunhado n

ºesse i n st rumen to cºmº na propria mão . A cre s c en t em ain da

anc inhos , pás, chibatas , l i xas , esfregõe s , e spon jas , rapadores , e scara

funchadores , e mil ingred ien t es , como soda, potas sa, b enzina, sapona

ria,ammon iaco , branco de Hispanha para ºs v idro s , e smeri l para º

ferro , p º de carv ão para o cºbre , e tc .

,e tc .

Conc lu í dº o arduo e me ticulºsissimº t rabal ho da toilette dº ménage , a criada de Amste rdam prºcede nºs sabb adºs, ao fim da tardeé sua propria toilette . Vest e - se t oda de fre scº , ves t i dº ás l i s tas az uesc laras ou cô r de rosa, aven tal b ranco , cab e l l º n it idament e anediado e

enroladº sºbre a nuca na pequena tºuca de cambraia engºmmada.

Concedem—s e - lhe em segu ida t re s ºu quat ro horas de l ib erdade , e as

c riadas de Amsterdam vão pas s ear .O s tripolan tes de todos os nav ios surtos nºY v e em á c idade a e s sa

hora . As lap i darias fe cham ao sab b adº, c omº tºdºs ºs estab elec imen

tos 1 sraelitas . O s ºfficiaes de offic i º d esp egam mai s c edº. Uma mult id㺠enorm e , que parec e sai r de bai xo da te rra, pul lula e fe rv i l hanas ruas e s tr e i tas e t ortuosas dos an t igos bai rros cen traes, aº ac

c e nder dº gaz . As carruagen s não pºdem c ircu lar s en ão a pas sº e

nºuma sº d ire c ç㺠das ruas mai s concºrri das . O s cafés en ormes , ch e iº sde fumº e d e vapºre s de c erveja

,t ransbºrdam de gent e sobre ºs pas

s e ios . Uma mult i d 㺠mai s den sa que a da City em Lºndres as duashoras da tard e , pe rpas sa, c errada hombro com hombro , desp e jando - se

ás go lfadas , das ruas confluent es , no Dam,em Sºphiaplein , em So

phiapark , em Heerengracht . Fal lam - se t odas as línguas : º hollandez ,º flamengo , o suecº , º ru s so , º i n gl e z, º ch im ; e , por en tre ºs son s asp i rados e guturaes dos id iºmas do nor t e , can ta de e spaçº a espacºnºar 0 t imbre atenoradº da l in gua france z a e da língua i tal iana .

Esta mult id㺠tem um caract er sui generis , sem anal ºgia al gumacom a do Bºul e vard

,t㺠e sp ec ialmen t e art í s t i ca, nem cºm a de R é

gent - S tre e t ºu de P al l Mal l,t㺠parti cularment e correc ta. Em Lºndres

e em P ariz , as s im comº em Bruxellas,em Madri d e em Li sb oa, a po

pulac㺠de cada bai rrº apre senta uma physionºmia part i cu lar , raramente

64 A Hollanda

se m i s tura, nunca se confunde cºm a pºpu laç㺠de ºutrº bai rrº . A

gen te da Aven ida da O pe ra e a gen t e dº Faubourg Saint—An to in e,b em

comº a gen te do Chiado e a gente de A l can tara,sao gen te s d i v ersas ,

saº quas i povo s dist in ctos . Em Amste rdam desconhecem—se i n t e i ramente e s tas nuances . Aqui o povo e um un i cº , cºmpactº , inte irº , indiv i s í vel. Dº

elle se p ºderia dizer com Rab elais ; «Qual quer que s e ja a

d ivers idade de hervas que se j unt em ,o t odo e salada. »

Comº es t á l ºnge , i s to , dºesse pub l i cº e s cº lh ido que até agora eu

t inha v i st º nos cen t ro s das grande s c idade s : pub l icº engravatado,pu

b licº burguez , in carecteristicº e banal , cºmpos tº de funccionarios e decap i tal i s tas , de janotas , de ac tore s e de pedicuros, de s enhoras e decocottes ; publ ico de maºs su jas ou de mãos lavadas

,mas s empre de

mãºs brancas ; pub l ic o de chapéus al tºs e de cu ias,arras tandº lamen

tavelment e a mºda dos u l timos quat rº ou c in cº annos,n'uma média

de figuri no , requ intadº ou e smorec ido de ind i v íduº para i ndivi duo,

desd e o que a toilette tem de mai s pºmpºsº até º que e l la tem de mai sp obre !

Nas d emai s c i dades a populaç ão acha—se div id i da pºr cat egor ias ,cºmº nºs theatros , segundº º precº dos logare s ; ha entradas e saídasespeciaes para ºs da gal e r ia, para º s da platea, para ºs camarote s ,para a s uperi ºr ; e º esp ec tador de um lºgar de l ib ra naº se encºn tranunca com o de um logar de to s t ão . Ams terdam é cºmo a sala geral ,com um p recº un i co para t ºda a gen t e . P e l o asp ec tº v ivº da c i dadeá noite

,dir—se - hia que a populaç㺠in te i ra fºimettida den t rº de um saco ,

cºmo as bºlas de um lºto , sacud ida, mis turada e desp e jada de rep enteà rua.

Na grande ºn da que pas sa vem engl obado tudo . Em qual que r pedaçº d

ºesta mul t i d㺠, tal hado aº acas o , nas duas embocaduras de uma

rua, ºu sob re uma pon te , se encºnt rar ia rep re s entado º pai z int e i ro : ºb urguez r i c º, º lºj i s ta de Amste rdam , o commerc iante da Ind ia, 0 emp regado pub lico, º prºp rie tar iº rural , º patr í c i º , º mag ist rado , º ºperario , º marinhe iro , o vaque iro , º art i s ta.

Acotove lando—se cºm os burguez es e com o s viajant e s no apertão

P rimeiros Asp ectos 65

de Kal ve rs traat e dº Nes s , pas sam os sºl dadº s , l º i ros , imberbe s—porque o serv i cº m i l i tar c ºmeca na Hol landa aos dez esete ammos—ten

ras figuras de adºle sc en tes v est id º s de azu l e s cu rº , cºm um ar sym

pathico de calºirinhºs , che i rand o mui tº mai s a fen o e a sºl dº que ap ol vo ra e a quarte l ; ºs padre s cathol i co s , de s obrecasaca c omprida,cal ç㺠e meia preta, chapeu de cas tºr sem l us tro e charuto nºs b e iç ºs ; os mar í t imºs

,de jaque tão curtº de panno p i lo to , camisa de fia

ne l la c inzen ta, barb icha ru i va em tufº nº que i xº, e bri ncº de oiro em

argºla na ºre lha ; o s ºperariºs dos e s tal e iros , das -dis tilarias e das do

cas , de camisºla de l ã e bonnet ; os hom ens do campº e ºs Operar iosda província, v in dºs em tu rmas das suas t erras para v i s i tar a exposi

ç ão,v e s tidºs de pannº pre to , chapeu al tº ou bonnet de v is eira, l ençº

de s eda preta en rºladº em duas vol tas ao pe scoçº,sem cºllarinho

,la

ço de fita de cô res na casa para n㺠se pe rderem uns dos outros,

quatro a quat rº ºu se i s a se i s de braco dadº , cantandº em côrº a t ºdºº vo lume da vo z uma ar ia nac i onal ºu uma canç㺠dº Tyrol .

E cada um d es t e s homens , quas i t odºs fºrte s , espadaúdos , b emman t idos , de cab eca al ta

,de ºlhar sºbranc e i ro

,t em º aprumo de quem

passe ia sem ce remon ia n 'uma casa de que é donº .

O s typ os physiºnomicos accusam b em as t res principaes raç as quecon st i t uem a p opulaç 㺠hºllandez a; a raca franca, a raça saxon ia e a

raca frisôa.

Un s s ec cos , n er vosºs , de p erfil aqui l in o e agudº,cºmº o dº sar

gento de chapeu de pennacho e frai s e encanudada que e s tá de alabardaaº hombro a di re i ta dº tambºr , na Ronda de Rembrandt .

O utrº s , gordºs , e spe ssºs , Heugmaticos, l ouros , comº ºs b eb errõesnas bºas m erendas e nas fartas c e ias d e S te en ºu de V an O stade.

A raca frísôa, s egundº as l e ndas dª

essa poet ica prov inc ia, é ºri undada I ndia

,ve i u das margen s do Gange s

,de uma ant i ga regi ão sagrada,

gºvernada, s ecul ºs an te s de J e sus , pºr A de l , de sc enden te de Sem ,fi

l ho de Noé . O asp ec t º d ”est e nºbre pºvº parec e a c ºnfirmaç㺠da poet ica l e nda que en vol ve a h i s toria da sua geneal ºgia . O s homen s sãº

rºbu stºs , b em fe i tos,e t e em na expre s s 㺠de l i cada da physiºnºmia,

66 A Hollanda

nº fund o do olhar azul , n㺠sei que de mysteriºsamen te e n e rgi c o e

firme , um re lampe jar de i n t ima al t i ve z,a v ibraç㺠de um nat i vº o rgu

lhº de cas ta immacu lada, o que que r que s e ja que exprime , a quem ºs

olha de frent e e de pe rto , que n enhum d i e l l e s p ºderá ser jamai s umadulador ºu um in trigan te , um cortez 㺠ºu um servo .

As mulhere s da Fri sa s 㺠de um encanto e st ranho . Muitº al tas ,di re i tas , serias , c aminham todas —as mai s hum i l de s

, as mai s ob scuras— com uma magestade s impl e s , de prince z as, e t e em nas manei rasuma graca al t iva, cas ta, ondulante e fria, que l emb ra a ºri gem aquat i ca

que se l h e s at tr ibue como fi l has de an tigas s ere ias do Mar do Nºrte .

O s p és e st re i tºs , as mãºs l ºngas e afiladas , o p esc ºço al tº , º bu stº vi

goroso,o v e s t i dº p re tº que tºdas usam ,

l i s o,c ingido aº cºrp o

, com

prido , de mangas j us tas e curtas , cºmpl etam a expre s s ão eminent emen teari s toc rat i ca dºestas hguras sacerdo taes, de uma bel l eza quas i sagrada,c ºmº a dºs marmºres c las s i cos da esculptura ant iga. O t oucado frísão ,de uma re trosp ect iv i dade bysan tína, envolvendo—lh e s a cab eca em r endae em placas de oi ro p ºl idº , imprime - l h e s uma fe ição c ul t ual

,uma vaga

analogia de sacrar io e de al tar . O t radi c iºnal capacet e , casc º de oi rºem duas p eças , s emelhant e s na fºrma a uma dupla cob ertura des tinadaaos dºi s hemispheriºs dº c erebrº , cobre—l h es in t e i ramente º craneo ,

escondendo º cab e l lº com uma au ster idad e guerre ira,de ixandº ap enas

de sve s t ido o e spaçº da fron t e e o al to da cab eca e n vol tº em rendabranca .

A lgumas dºestas physiºnºmias de dºn z ella s 㺠i n te i ramen te i n s exuaes, de grande s o lhos suave s , º ro s tº do mai s cºrrec tº oval , º nar i zl on go e finº , a bocca c ortada n

ºum t raçº re c to

,in nºcen te e calmº , sem

v es tí giº al gum do mºvimentº de qual quer muscu lo em que v ibrass e amalícia, º appet i t e ºu º desdém ,

b el lezas de uma s e ren idade gothica,não c ºntaminada pe la n e vrose dºs s e cu l ºs d e analy s e

,erran te s n ªuma

e sp ec i e d e sºmnamb ulismº nostal g ic o e anachrºn ico en tre as pai xõ e smodernas , tae s como ºs pºetas contemporaneºs poderiam ap enas ima

ginal—as , brancas e frias , c oroadas de bon inas, cºm um lírio n a mãº

,

e sculp i das em alabas tro e de i tadas sobre um tumulº feudal,ºu de es

P rimeiros Asp ectos 67

capulariº de mon ja, com a cabeca aureolada por um di s cº de l uz , nºuma

vidraçaria de cath edral en t re as c ompanhei ras de Santa Ursu la.

A s da Hol landa meri dional o rnam as fon te s cºm j º ias de º irº salien tes em e sp i ral , da fºrma das mºlas d e açº nºs move is es tºfados .

A s da Nort e -Hol landa, com a fron te c ingida de um diadema deºi rº , muitas ve ze s c rave jadº de pedras p rec i º sas , e abrin do em duaslaminas quadradas nas fon te s , t e em al guma c oi sa das cab eç as de es

phinge , com cu ja expre s s ão myst eriºsa se cºaduna b em a fºrma e sp eç íal dos s eus ol hos

,prºfundos , côr de mar, l evement e ob l íquºs , com

º ve rt i c e dº angulo ex ter i ºr um pºucº mai s al to que o out rº .

O aspec t o da mulhe r da i lha de Marken con tras ta s ingularmen tecºm a e l eganc ia da frisô a e da nor te—ho llandez a . A de Marken é defºrmas espe s sas , pe sadas , de uma musculatura de acrºbata, mai s bai xa

q ue al ta,de largas ancas

,s e iº s gros sos

,art e l ho s pachidermicos, pe

'

s

e nºrmes . Mulher de carga ou de t i ro , sol ida cºmo uma egua p ercheronne ou comº um boi barro s ão . Usam ai n da, quando ve em a Ams

terdam,c ºmo na pequena i lha do Z uyderz e

'

e, º t raj e da sua tr ibu no

s e cul o x 1v . Uma saia grºs sa de duas côres,

part e s uper ior cin

zen ta ou azu l á s r i scas p re tas , a part e infe ri ºr côr de p inh ão , e umcºrpo de mangas curtas , i n t ei ro e l i s o c ºmº couraça, de panno es carlat e re camado dºs mai s t rabal hosos b ordadºs a l ã e a s eda ; toucab ranca d e l inh o engºmmado

,al ta cºmº uma mi tra, atada p ºr baixº

da barba, dei xandº p ender de cada ladº sob re º se i o dºi s rº l ºs dºcab el l º em sanefa sob re os olhos e c obri n dº a t e s ta cºm uma grºs savis e i ra de refiexos arruivado s , d ura e asp era cºmº espart o curadº e

brun ido aº sºl ; meias de l ã e sapatº s de cºurº grºssº de duas sºlas,

quas i re dºn dºs , ap ertadºs em laç o comº ºs das mulhe re s gal l egas .

O s hºmen s de Marken ve s tem um cal çã o larguí s s imo de pann ogros sº franzido e afive lado por bai x o dº j ºe l hº ; me ias de l ã p ondº emevidenc ia ºs muscu l º s da barr iga da perna ; so l ido s sapato s de caçac ingidos ao tºrnºz ellº p ºr atacadore s de courº ; jaque ta c inzenta, j u s ta,l i sa

,entran dº nº cal ç 㺠, pre sa aº cºz p or gro ss os b otõe s de p rata em

tºrnº da c i ntura, e abotoada nº p e i tº pºr duas ºrden s de moedas ºu5 x

68 A Hollanda

de medalhas de o i ro de p rata ºu de c ºbre . Gravata de la e go rrº depe l l e s . Be l l i s s imo cos tume , aº mesmº t empº e l e gan te e aus terº , mar

c ial e c ommodo, º mai s prºprio para a caça e para a guerra, para a

marcha, para a l u ta,para o trabal hº .

O s da Z e land ia usam tambem ai nda o cal ção largo,o cºlle te ver

melhº c ingido por um cin tur㺠de cºu ro, jaleca curta, chap eu desabadode fe l tro alvadio .

O chapeu da z elandez a é de palha tubu lar,comº na Flandres b el

ga ; um ci l ind rº seme lhant e aº canº de uma b ota de mon tar en trandona cabe ça pel o lado da cava .

A t trahida p ela expos i ç 㺠, t ºda a gent e dº campº vem nºeste mo

men to a Amsterdam , e os typos das d iffe re ntes p rºv ín c ias n eerlandez as desfi lam as s im em rev i s ta

,t odas as noi tes

,diant e dºs v iajantes

commºdamente s entados á pºrta dos cafés .

Nºs sab b ados,p orém

,uma pºn ta de feb re

,um ameaço de del i

riº parec e sub i r á cabeca dºesta mul t i dão t㺠e sp es sa,tão p i t tore sca

mente mat i zada, tão s ince rament e fe l i z por se achar à s ºl ta, c om tri ntae s e is horas de de scan sº d iant e de si para se espºjar na l ib e rdade

,

grand io sament e .

Tºda a gen t e fal la uma c om a ºu tra sem formal i dades,cºmo s e

t odºs se c onh ec es s em . Não ha noç㺠al guma dªaquillº a q ue se chamao resp ei tº n ºs paiz es em que cada um se j u l ga um pºuco mai s ºu umpoucº menºs do que o i nd iví duº q ue lhe fi ca aí d ire i ta ou que lhe fi ca21 es que rda na fi la.

Em todas as c i dades da Eurºpa ex i s t e uma média de cu l tu ra quedá à s c las s e s mai s e ducadas uma norma cºmmum de ex i s tenc ia

,hã

bi tos,mane iras e u sos analogos. P ºnhº fºra da minha analys e

,cºm

re laç㺠a Amst erdam , e sta pºrç ao de i ndi v í duº s que são em t ºda a

part e os depos i tar ios do cosmºpol i t i smo que as cºmmunicacões de civilisacão impoem em d im inu i ção do carac t e r nac iona l a tºdas as sºc iedades modernas . É do p ovo propriamen te que e s tºu fal lando e é ºpovo que p redºmina n o asp ect o geral da p opulaç㺠am sterdamen se,

imprimindo—lhe uma physionºmia e sp ec ial , un i ca nº mundº,sºb re a

70 A Hollanda

cab e l l º l oi ro s eparado aº l ongº da nuca pºr uma r i s ca n ítida e rºsada,t i nha a magestade enorme de um í dol o mongol i co e uma s ol i dez d

ºes

paduas p rºp r ia para s egu rar o p esº de um mundº . P ort en toso !Queirºz, s entadº defront e d e m im ,

monocºlisava dºesguelha a as

sistenc ia e desves t i do dº seu pardessus , em casaca j u s ta, e l l e , tãogrande s empre aos meus º l hºs cºmo amigº e c ºmº camarada, e stavame fazendº comº vertebrado º efieitº medíºc re d e uma s imp l e s eugu ia p re ta , de p ei to brancº , com um vidro nªum ºlhº . Eu prºpr iº me

sen t ia reduzi do ás propºrç oes d e uma p ºbre mosca desfal l e c ida em c imado guardanapo que t i nha nos j oe l hos .

—Não s ºmos nada ! d i s s e -me Que irºz advinhandº º meu pen samento . São es te s sujeítinhos os que nºs l evaram Tanger e Bºmbaime nºs deram º tratadº de W e stm in s te r e º de Methuen . Que d emoni o ha de faze r a n os sa pobre raca enfesada em cºn cºrren c ia com

e s ta ! O n de es t 㺠em Li sb ºa t re s homen s que e s te s t re s bru to s nãoenrolassem e não me ttessem debai xº dº bracº c omo met tem aqui ºs

guardanapos , desde que para e s se fim se l embrass em de ir lá ce l eb rarc ºm el l e s mai s um tratado ?.

Eu e s tava ºpprimidº e v exado repre sen tando -me em espírito a

pas sagem triumphan te p e lº Chiadº dºesses t re s sub ditºs bri tan icºsmonumen tºsºs, cathedralescos, gaz ºmetraes

,apanhan do ºs n ºs sºs ja

nºtas pe l º s pass e io s,ás p i tadas , e m et tendo - os para dentrº dos cha

p eu s cºmº gri l l os .

D e repen te p ºrém acud i ram -me á l embrança ºs nºmes , que principiei a c i tar , de var iºs tºure i rºs cur iºsº s meu s ant igºs am igos que eu

vi ra pºr muitas veze s nº campº de San tºAnna, em Vil la Franca de Xit a,

em Sal vat e rra de Magºs,bat erem int rep idamen te as palmas e ati

rarem - se á cabeca de bºis b ravos,nao maiºres dº que os t r es lºndri

nºs que t i nhamos pre sent es, mas de carrapitos tal v e z mai s du ros aºcanto dº ºlho , e , sob re tudº , de mui to menºs domes t i c idade em v ir deore lha bai xa faríscar á m㺠o che i ro da gºrgeta.

Conc lu ímos emfim que P ortugal , s em gºvernos para organisar a

mºderna educac㺠physica do povo,sem º s j ºgº s athletícºs da In

P rimeiros Asp ectos 7 1

glaterra, sem º cricket, o Zanni—tenn is ou ofoot - ball, sem as regatastradicionaes de Cambridge e de O xfºrd , s em as grande s esc ºlas gymnasticas da Hºl landa, da A llemanha e da Suec ia

,sem as as s oc iaçõe s

para as c ºrridas de p ati nagem da Fri sa e da Z eland ia , pos sue ain daassim , herdada dos an t epas sados , uma bel la e profi qua e scºla nacion al dº d enodo e da força

,—a tºurada . E

,re confortados no pundono r

pat r io t i co , saudamos recºnhec i dºs ºs manes do marque z de Mar ial vae ç ahimos in trepidos e j ub i l os o s sºbre º rabº de b ºi que t inhamºs nºspratos , na fº rma de sºpa, b em en tend i dº !

Quando em paiz es e s trange irº s m e perguntam quae s são ºs exerciciºs physicºs na eduç ucão

' por tugueza,eu re spondo des c rev endº uma

pega do s touros . N㺠sei ºnde é que en t㺠s e me t t e º e sp ir i t º da ci

vilisacão,n ão sei para onde se enc ºlhe º hºrrºr da gent e civilisada aos

e sp ec tacu lºs b rutaes . O que sei,e di ss º d ºu t e st emunhº sol emn e

, é

que nunca em pai z"cul tº d o mundo

,n ão sºmente n a Hºl landa, mas em

França, na Inglat e rra, n a Allemanha, eu t iv e ºccasi㺠de cºn tar o queé em Li sb ºa

,nºuma tourada defdalgos, uma pega de tºu ros , s em que

t ºda a gen t e exclamasse z—Magn ifi cº ! magn ific º !Contrabalan ço º val o r dºesta obs ervaçãº, desc re vendº em s egu ida

as magn ifi cencías espirituaes dº Gremiº , do botequ im do Mart inhº,da

casa Havane z a,dºs c í rcu lº s p ºl í t i cos em cu jas sede s tão dissertamen te

se discreteia sºbre ºs de stinºs do e s tadº e p esa- me esfºlhar gratas illusões

,reve lando - o !—no to que º en thusíasmº do e s trange i rº e

'

cºn si

deravelm en te menºs fogoso p erant e es s e s b ri lhan tes t e s t emunhºs danos sa mentali dade c i v i l d o que p erante º m erº e reprehensivel denodocom que p egamºs um boi á unha .

Eu bem lhe s p regº,em defe sa da sab ia d i re c ç㺠dada p el o s pº

dere s publ icºs á educacão da moc idade n o meu paiz , que t emºs é s

pinhelas—cabidas d e p rime ira força, ve rdadei ramen te damnadºs comº

p iad is tas na cavaquei ra d e l uva branca !Mas que que rem ? es t e s infe l ize s pov ºs septen triºnaes, te em a e s se

respe i tº ve lhas i deas arrai gadas e n ão t e st emunham sen㺠despresº pél o s mari cas .

A Hollanda

P ara resp e i tarem um povo querem - o,prime i ro que tudo , fe i tº de

hºmen s, e prefe rem ,

como cidadãos d e um e s tadº l i v re,os sel vagens

q ue dão facadas , aos philosophºs e aos l e t rados que lambem os tab efes que l h e s applicam .

q uanto á kermess e , o meu grande , o m eu at e'

agºra un ico d e sgos to de art i s ta na Hºl landa, é o de não me ser dadº ass i s t i r a es s etão grand e e t 㺠carac t er i s t i c º e sp ec tacul º .

Era a gros s er ia mai s i ndecorosa, mai s ind ecen t e,mai s repul

s i va l—dizem - me t odas as p e ssºas do meu conhec imentº .

Imagin em um enorm e en trudº de º i tº d ias , sem caraç as. Cob ri rcara e pôr um rabº de macaco , ºu v es t ir uma p el l e de urso , para fa

z er l ou curas e para di zer t ol i c e s á redea s o l ta, e ain da um re s to de pudºr, é um disfarce , é um hngimen tº, é uma hypºcrisia.

Abai x o a mas cara ! Aqu i e stá º u rsº ! O macac º sºu EAppe tece

-m e ser bes ta uma ve z por anno : qu e t e em ºs se

nhores cºm i s sº?. N㺠o são ºs s enhores m esmºs,t ºdos

,uma v ez

pºr dia, uma vez pºr semana, uma vez pºr mez , duran te uma hºra,ou duran te vi nte m inu tº s , de nºi t e , e s cºndi dos , à s e s curas ? Vamosa vê r agºra o que i s sº e ás e scancaras

,nº m e iº da rua

,aº olho dº

sol .

—Kerm : sse l Kerme s se !A es te grit º de l ib erdade abs ºlu ta, O povo t ºdº desencab restava,

arrombava º touri l de uma marrada e sah ia a praça,v i c t ori oso c b ra

vo, b e l l o e sºberbo c omº um bºi fugido aº j u gº e s ol tº nº campo .

O que é que quer o nºb re an imal ?

O que e l le quer , uma vez des en curralado,uma vez desatrelladº

dº trambºlhº que se pºde chamar a charrua, que se pºd e chamar adi sc ipl i na, que se pºde chamar o trabal hº , é , em p rim eirº l ogar, desentorp ecer ºs membros sacriâcadºs á canga, sacudi r ºs n ervos , d is t ender os muscu l ºs

,di latar º pu lmão , desengºrgitar o baco , e scancarar a

b occa ao grande ar l i v re,can tar, rºn car, b errar , urrar, bramir , dan

çar, cambal ho tar na are ia mol l e,rebolar na herva mac ia.

Depºi s , que ha de e l le querer ai nda?.

P rimeiros Asp ectos 73

Quer cºmer , é c larº , quer beb er, quer amar, quer dºrmi r, paratornar a cºm er, para to rnar a amar , para to rnar a b eb er .

A lt ermesse era º e spaço l i vre , º t emp o l i vre , e na re l va fºfa,a

me sa pos ta,a p ipa ab erta, a cama prompta .

Theatrºs de fe i ra,t í te res , acrºbatas , funamb ulos , arl equi n s , c ãe s

sab ios, mulhe re s gordas , b ezerrºs al e i j ados , carrosseis, orche s tras , b ailes campest re s

,const ituíam a parte art í s t i ca da fe s ta.

Tudº mai s era carne,carn e famin ta, carn e s equi o sa, carn e l ubri ca,

carn e sat i sfe i ta, impud icamente accumulada, cºmo nºuma apotheºse

enºrme da s en sual idade,conceb i da n ªum pesadel º v erme lho de Ru

b en s ou de Jordaen s .

Essa formidav el cºi sa é s imple smen te a l ib erdade nº seu es tadºnºrmal

,nº es tado physiolºgico .

Diz—se que ha tamb ém uma l ib e rdad e nºs nºssºs paiz es , nºs nossºs theat ros , nas nºssas fes tas naciºnaes, nºs nºs sºs e spec tacul os pub licºs . Hav erá , mas é uma l i b erdad e desfºrmada pºr e spar t i l hos ºr

thopedicºs , enfraquec ida p ºr aperfe i ç oamentºs de sangrias e purgas ,em t ratamento debi l i tan te

,cºm d i e ta, desvi rginada, an em ica, pathºlo

gi ca emfim .

Lib erdade d e pen samentº,l ib e rdade de palavra, l i b erdade de ac

cão—dizem . Sºmente e s tão ali t r es su j e i tº s rep res en tando a ordem ,

rep res en tandº a ºpin iãº,rep re s entandº a pºl ic ia. Ess e s t res ol he i rº s

v i giam - nºs e não d㺠l ic enca que p en semos s en㺠exac tamen t e aqu illo

que e l l e s tambem p ensam . O que e l l e s cogi tam es tá e sc rip t o n ªum l i v rºchamadº cºd igo , de que s 㺠e l l e s prºpr iºs ºs 'depos i tar ios e os guardas . Essa escriptura cºn st itue a lei. Quem a t ransgri de vae p re sº .

Metade das palavras do vºcabular iº da l í n gua, p rec i sament e ris

mai s e xpre s s ivas e as ma i s energicas, s㺠proh ib idas , pºrque umas sãoi rrev eren te s

,ºu t ras s㺠in j u r iosas , ºu tras s 㺠anarchicas

,ou tras sãº

heret icas , out ras são ºbsc enas .

O s ac tos , desde que ce s sem de se r puramente autºmaticos desde

que s e enºb recam tºmando carac t er an imal , d esd e que exp r imam a sa

tisfaç 㺠de uma n ece s s idad e organ ica, de um app e t i t e , de um de se j º ,

74 A Hollanda

são defesos, t odos , ou em nome da pol ic ia,ou em nome da opin ião .

Comer em public o e' i ndec ent e . Bebe r é i ndec en t e . É indec en t e n ão t i

rar o chap eu , e mai s i n dec en t e a i nda do que não t i rar o chapeu é t i raras botas . É indecen te apal par, é i n dec e n te che i rar , e

' i nd ecen t e gostar .

Já agora,digamos t udo de uma vez : é i nd ec en te viv e r ! Esta é

que é asquerosa v erdade .

Lib e rdade incon testavel, l ib erdade segurament e e so l i dament e garan tida ao povo nos cod igos po lic iaes, não ha s enão uma,—a l ib erdadede e star calado e de e s tar qui e to . Examinem

,l e iam o codigo , e desen

ganar- se - hão de que n ão ha mai s n enhuma .

P ara mim é p ouco .

P or i ss o amo e vene ro a ke rme ss e, que é a l ib erdade i n t egral , com

pl e ta,ab solu ta. E não me c on solare i jamai s de n ão pod e r , uma vez p el o

menos em minha v ida,dar- me o praze r de Vêr em fes ta um povo in

teiro,não c omo a p ol i c ia o ob riga

'

a ser a forca nos ac tos pub l ico s,

mas tal c omo e l l e realmen t e e ent ranhadament e é , na max ima purezada sua ori gem ,

sob as ex c l u s i vas influen cias naturaes do cl ima e daraca, pel o tempe ramento , pel o sangue .

Nas noi te s dos sab b ados em Amsterdam , em Kal vers t raat , no

Nes s , em N ieuwe—Markt p ri nc i palmen t e,a ke rmes s e , se n ão s e v ê , adi

vinha—se t odavia .

A forca nat i va da raca, o s eu t emperamento , a sua e ducacão,es sa

e sp e cie de helio tropia physiologica que at rave'

z de todos os obs tacul o sobr iga n ec e s sariament e e s te povo a brac e jar para a l i b e rdade em virtude da m esma l e i que fó rca as p lan tas a c re s cerem para o lado dal uz , man ife s ta- s e a t odo o momen to ; e e s ta gente , tão mansa quandoent regue a si mesma

,escabuja form idave lmen te sob a coercão pol i c ial

c omo um le ão nas malhas de uma red e .

Cara a cara com o mai s grave , o mai s r ic o , o mai s magestat ico

b urguez o i n timo op e rari o arre gala os olhos , e scancara a bocca c omoa de uma peç a de art ilheria, e d e p e rnas ab ertas

,barriga empinada

,

bonn et at rave ssado na cab eca, en tôa nºum vozei rão anarch ico e t e rr i

vel uma cancao de oHicina. A griz ette que e l l e l eva pel o b raco o lha

P r z'

meíros Asp ectos 7 3

rec to c omo de potenc ia a poten c ia para as s enhoras patri c ias com quemse aco tovclla .

O meu desgraçado aspecto h ispanhol part icu larmen t e an tipathicoá Hol landa, as s im como a barba n egra e a t e z b ronzeada de um ru

mano de Bucare s t meu bom companh e i ro,parec e darem na v i s ta ás

rapari gas, que nos mo teiam apontando -nos ao dedo s em o min imo re

buco,Etando - nos com a mai s en can tadora impe r ti n enc ia, s imulando no

ge s to de quem torc e um gan cho fó rma que ter iam no seu b eico os

n ossos bi gode s .

Um su j e i t o car i tat ivo, que v inha pas sando , j ul ga Opportuno d i ri

gir—me a palavra para me d i ze r explicativamen te em franc ez :Meu caro s enhor , es ta canalha de Amste rdam e a mai s atr e

v i da e i n s o l ent e d e t od o o mundo .

E e u pen so com satisfacão na grand e dilªferenca que d en t ro damesma raç a ge rman ica d is t in gue o c idadão hollande z do c idadão prussian o . Nas c idades allemãs v i por varias veze s es te e sp ec tacu l o de submi ss ão e d e al t i ve z hierarch ica

,uni c o tal v e z na Europa : doi s i nd iv i

duos da mesma edade , com apparenc1a de uma educacão iden t ica,fallarem na rua c on se rvando um d

ºelles o charuto nos b e icos e o cha

p eu na cab eca, resp ondendo o out ro immovel, perhlado , de chap eo na

mão e charuto e scond ido atraz das c os tas .

A i rreverenc ia e gual i tar ia da canal/za de Ams terdam refri ge ra-me

suavemente dos frenesis que me deu em Cobl en tz e em Francfort a

gravidad e arregimen tada dos indivíduos de quem d izia o seu compat rio ta Henr iqu e He in e : que a di sc ip l i na da re c ruta fazia engul i r a cadaum a b engala que o d esancara.

Em N iewe Markt,d e cos tas para mim ,

um Operar i o moco , v in t eannos

,grande , athl e t i co , dando o braco uma espe c i e de baccante,

comeca a pular com el la, gri tando como na ke rme sse :—Hossen !Hos

sen ! De rep en te surge ao meu lad o uma v e lha al ta, de t ou ca z elandez a,

um p equeno chal e d e mal ha de l ã p re ta em tre s pontas cruzado no

p e ito e p re so no aven tal , l ongos b raco s nus,muscu l o sos

,os sudos , a

qual chama o rapaz sacud indo - o por um hombro . El l e vo l ta- se , e a

76 A Hollanda

mulher a quem me refiro sua mãe e v id en t emen te , e spalma - lhe em pl enacara uma bofe tada e s trondosa. P al l i do , os b eicos tremu lo s, dando umpasso para t raz, at ordoado , enfiando as mãos nos bol sos das cal cas , opobre moco procura em vão art i cu lar uma palavra : e spi rram- lhe as

lagrimas dos ol hos ; e a mãe , agarrando - o por um pul so , l e va- o comsig'

o

subm is so e docil c omo um borrego .

Nºesta b rev e sc ena parec eu - me en treve r de r ep en t e o fundo de

toda a s oc i edade hollande z a. O povo é como es se h omem , para o quale s sa mulhe r e a pat ria .

78 A Hollanda

p e l o arripio ras t ei ro de uma l evada de fai sõe s,ou pe l o vô o al to e par

dacen to de al gumas c egonhas retardatarias que emigram nºum e sfumado

traco , l ento e saudoso,fugid io no e s paço .

O grande p in tor modern o I srae l soub e,como n enhum outro de

po i s de Ruysdae l , fixar a e xp re s são moral d es ta natureza, de um en

can to tão simp l e s,tão vago , tão i nd efin íve l , .e ao mesmo tempo tão

penet rante .

Em um quadro exposto no sal ão d 'arte do s r . Franc esco Buffa,

em Kal ve rs traat,n o prime i ro plano de um d

ºestes l ongos prados sem

l im i te s,em que o verd e da vegetacão s e di lue no hori s on t e até s e fun

dir no azul , doi s adol es c en tes pas sam pe la b orda da agua á b e ira deum canal : um rapaz e uma rapar iga do campo , entre os quat orze e os

de z eseis annos , caminhan do vagarosamen te , calados , ao lado um do

out ro .

Nºessas duas un i cas figuras , des tacadas da vas ta s ol i dão , l oi ras ,

scismadoras, t enras e grave s , s ent e - se pal p i tar harmon icament e com a

paiz agem,como commentari o do mysterio da alma ao mysterio da na

turez a, a psychos e da pub erdade al vor e cendo para a paix ão na i nnocenc ia de um sorr i s o cas to , a vaga t ri s teza nos tal g ica q ue pronunc ia oamor , e a fe l ic i dade suprema de ir i ndo ass im tri s te , para todo sem

pre,p or um caminho fó ra .

De espaç o a espaç o , ao l onge , uma ponta e sguia de campanari osob resae de uma e sp e ssura de choupos e d e amieiros e annuncia a al

dela, a vi l la ou a c i dade mais prox ima, encob e rta, umas veze s p e la ant iga duna cu j o mar desappareceu e que a v ege tação cobr iu

,outras v e

z e s p e lo re l e vo dos d ique s, que formam na planura geral uma tumidez

como a das v e ias na p e l l e , e por c ima das quae s c orre a v e l ha estradarodada p el o s v eh í cu lo s campes inos , p e l o s breaks de tol do , p elas carrocas de pinho esculpi do , doi rado , envernisado d e v e rmelho e de azul ,atre ladas a um caval l o da Fri sa, e p elas p equenas carretas fl amengas ,das l e i t e i ras , das p e ixe iras e das horteloas , puxadas por uma ou duas

pare l has de c ãe s tro tadore s .

A vaporacão do sol o p ingue enovela- se in termit ten temen te e as

Camp os e Aldeias 79

c ende em fl oco s nevoentos , que umas v eze s a brisa di s so l v e n'um véu

de humidade , em que os l on gínquos con tornos das coi sas esmaecem

como nºum banho e parec e d i l uí rem - se n o eth er esbat ido s na polv i

lhacão aquosa ; que outras veze s se conden sam e recaem nl

essas fa

chas transversaes de chuva com que os paiz agistas hollandez es t ão fre

quen temen te r iscam os l onge s das suas telas .

Tal e o campo hollandez , no coracão do paiz , d e A lltmaar a Ro

terdam,ent re Har l em e Am st e rdam

,en tre a Hava e Ut rech t .

A facha de t e rra que l i ga a Haya a Amste rdam chama- se o W es

t land , e e t odo um jardim ce l ebre , j ard im e scola de t odas as n acões

da Europa,onde a fl ori c u l tura e a hort i cu l tura tem realisado as mai s

d ecantadas maravi lhas . Da l inha ferrea esâa na direccão das dunas umramal pro vi s ori o em que se v eem rodar aswagonetas carre gadas det e rra arenosa . É o propr ie tar io de uma duna plantada de mato , ond es e sac iou de cacar o coe l ho

, que rebai xa de do i s ou tre s m et ros asua fazenda procurand o t e rra para s em ear tu l ipas e v e nd en do o so l oarenoso a outro que p rec i sa d

ºelle para temperar o lodo n a sua r egião

e transformar o paul em t e rra de s emear . Esta ºp eração , apparen temen te tão arro jada e tão d i spend iosa

,faz—se , gracas ap lanura do sol o

e a c on tiguidade das numerosas v ias fe rreas,com uma s impl ic i dade

pasmosa . Um pequeno part ido de ope rari os avanca para a duna da estacão mai s prox ima, com uma p equena l oc omot iva e uma re cova decarretas l e vando os rai l s , e al inhava rap ida e succ intamen te o no de es

trada por onde t em de i r , como as aranhas . Na duna o comp rador ab reo chape u de sol e acc ende um charuto

,em quanto a empre i tada, a al

v ião e a pa, abat e a col l ina para dentro dos carros . Term inada a ta

refa o propri etar i o com a sua gen t e vo l ta para a estacão,redob ando

para den tro do com b oyo o caminho qu e desdob ou no s ol o ; e , engatando o se u carregamen to ao comb oyo da grande v ia, r es t i tue a es

t rada que al ugou , e l eva para casa a quin ta que adquir iu .

P ara o sul , na prov íncia da Z e land ia, que t em por armas um l e ãonado e por di v i sa L z zctor efemergo , as aguas do mar

,do Escal da, do

Mosa, pene tram mai s n o solo , e a plan ície desaggrega- se e fracc i ona- se

80 A Hollanda

nºum arch ip e lago de p equenas i l has , a Noord—Beveland, a Z i n d—Beve

lan d , a i l ha de Schouwen , a i l ha de Tol en , de W al ch eren, de Mid

delb ourg, de Sai n t - P hi l ipsland , dºO verlakkee—fert i l í s s imos t erren o s dealluvião , encobrindo uns dos ou tros p e l o b iombo—dos d ique s as vas tascearas do li nho famoso da Ho l landa

,os densos trigaes, os tal hõ e s da

garan ça, da ru iva e da co lza .

Na Gueldra, a l e s t e , as plan tacões de tabaco , parec i das d e l ongecom o m i l ho

,dão apaiz agem um c erto ar de val l e m inhoto . Nas pe

quenas al de ias dos suburb ios de Ti e l e s ta semelhan ca acc en tua- se pe l oasp ec t o das casas c ob e rtas de t e l ha encarnada ; pela fó rma das medas ,pe l os renques de fe i j ão em es taca enquadrando as hortas p lantadasd e repolho ao lado do p omar ; p e las p i lhas de e s trume fermentandonos qu in t e i ro s

,on de os gal lo s b ran cos cacar e jam espanejando - se ao

sol.

Mai s para l es te ai nda, de A rnhem para l á , o solo arqueia- se levem en te como um dorso d e serp en te que caminha, comecan do a annun

c iar de l onge o sys tema das c o l l inas d e W estphlia .

Na elevacão i n t i tu lada a _Mesa de P edra, n a mata de A rnhem ,

que l embra uma quin ta das mai s p lanas em C in tra,ha ja o que cha

mamos uma vista .

A di rei ta descubro as b e l las v ivendas de Arnh em ,c e rcadas de

jardin s e de parque s de l u xo . Mai s para l á,N imegue

,a das set e col l i

nas, na margem do WV aal

,c om as ruinas feudaes do ve lho cas t e l l o

d e V alkenhofoutrºora hab i tado por Carl o s Magno e rodeadas agorade um jard im i n gl ez . A esquerda, var io s agrupamen to s d e pequenasal d e ias ate' as c o l linas de Cleve s . Em fren t e

,ao l onge

,as mon tanhas

da P rus s ia c om as lin has de con torno e sbat idas na t ransparen cia doceu . Em bai x o

,al gun s tufos de fl ores ta em rasgões na plan ície , al gun s

con es de e s trume emp i l hado nos campos sachados de fresco ,uma co

lheita de batatas em torn o de carroças que esp eram ; e , ao c en tro , s er

perteando docemente nºuma l in ha fl e xuosa, desapparecendo aqui e alem

para tornar a re lu'

zir ao so l mai s l onge,a fl ta do Rheno , al ongando - se

,

diprim indo- se

,esfiando - se ainda

,até se perde r no horisonte.

Camp os e Aldeias 8 1

P ara o nort e de A rnhem , no O ver—Ys s e l , na Fri sa e na Gronin

ga, modifíca- se a physionomia do sol o p e la in t erven ção dos lagos pisco so s e das turb eiras , que cobrem uma grande part e da regi ão

,dei

xando o re s t o ao s vas to s past ios , onde c re s c em em manadas o s cor

pulen tos cavallos frisões e os rebanhos de gado man s o , que abas t ec emde man t e i ga e de quei j o s o mundo , s ob revoadas e norme s de t ordos ,d e gral has , de pavoncinhos e de c egonhas que em cada p r imave rave em pôr os n in hos au sp i c io sos no al t o dos t e lhados , em c ima das cha

m in e' s , no v erti c e dos feno s enfeixados em grande s m edas .No O ver-Ys s e l , fó ra da estacão das pastagen s em que os gados

engordam nos p ingue s hervedos das i lhas fluctuante s como em currae sundivagos, c res cem nos l odo s as plan tas paludosas c onv ert idas mai stard e em adubos da t e rra

,e ondulam sib i lando ao v ento do i n vern o

o s pennachos dos canav iaes e os b i cos dos j uncos .

No pai z v erde da Fri sa a fe rt i l idade dos p rados des envolve—sep e la expl oração rural dos trep en , montíc ul os de c in co ou s e i s me tros deal t ura composto s de arg il la e es trume e dessiminados a e spaço s deseguaes p ela b ei ra-mar

,onde o homem prehistorico os c on s tru iu como

refug io para os rebanhos na o ccasião das al tas maré s .

Na Gron inga predomina c omo na Z e land ia cul tu ra cerealifera,

e e' e s ta a regi ão p r i v i l e giada do becklem—r eg t , fôrma de ar rendamento

e sp ec ial da Hol lan da e usado desde a I dade Média . O becklem—r egtgarant e o d i re i t o de occupar indefln idamen te uma prop ri edade ruralmed iante a renda annual uma vez e s tab el ec ida e n ão mai s susc ep t í v e lde s e al t erar . É uma e sp ec i e de foro hered i tar i o e i nd i v i s í vel . Estaforma da det enção da t e rra p ecul iar á Gron in ga como a marka s axo

nia é p ecul iar á Dren the,c omo a parc eria é p ec ul iar aZ e land ia e ao

Limburgo,tem dado ao occupador fore iro uma pro sp e ridade incom u

parav e l . Ao l ongo das e s tradas al inham - s e i nin terrup tament e as gran

jas magnincas e quas i un iforme s . A frent e o jard im sump tuos o re c ortado de m acissos de p lantas exo t icas . D epo i s o vasto c ot tage do rend e iro mos t rando p e las jane l las abertas e '

engrinaldadas de fl ore s o interior dos apos en tos nobres , a l i v rar ia adornada d e quadros , de es

O

82 A Hollanda

cu lpturas e de l oucas art í s t i cas, e a sala de mus ica com 0 seu grand e

p iano de conc erto . Ao lado,O j ard im pomare iro . Ao fun do

, por t razdas casas d e habi tação

, o s estab ulos , as cavallaricas e os celleiros em

dimensõe s monumen taes,armazenando a c evada, a ave ia e a fava da

u l t ima col he i ta, ab ri gan do as r eze s dºengorda, os rebanhos de carn e iros

,c in c oenta vaccas l e i t e i ras e vin t e p os san te s cavallos de t i ro ou de

s e l la .

Na prov in c ia de Dren the , enc ravada para 0 lado do Hanove r entre a Gron inga e 0 O v er -Ys s el , ve rdura hollandez a emurchece , a

populaç ão rare ia . A exp loracão das turb eiras , 0 asp ec to bravio das landes, os l on gos pousios de vin t e e c inc o anuos em que e uso re temp

rar a produc tividade da t e rra, e as grandes que imadas c om que s e procura refazer no s ol o a crus ta aravel dão apaiz agem e ao ceu um tompardac en to e uma vaga exp re s são luc tuosa e d e so lada. P er to de Assen encon tram - s e var ios dolmens a que chamam os « tumulos dos gi

gante s » . A corp oraç ão dos lavradore s,os boers de Drenth e reunem - se

d eba ix o das carval h e i ras s eculare s para re so l v erem em que época se

d ev e lavrar,s emear e c e ifar . D epoi s da col he i ta as t e rras p e rten cem

ao domini o pub l i co e abrem—se á pas tagem commum como n a G ermanía Barbara en tre os frisios de Taci t o . A pequena d is tanc ia de St eenwijk acham - s e e s tab e l e c i das as c e l eb re s c o lon ias de de s val i dos deV an den Bos ch e nos suburb i os de A ss en e de Mepp e l , as co l on ias d ec o rre c ção e de refugio dos m endi go s e dos orphãos . O nde a fe rt ili dadeda t e rra dim inue a p i edade soc ial augmenta como nºum p ropos it o compensado r . No me io da t ri s teza das lande s , as cabanas dos pobres . os

pequenos jardi ns arrot eados p or 2000 de sval idos a cada um dos quae suma sociedade de b enefic encia deu alem de casa

,uma vac ca

,um porco

,

al gun s carn e iros e doi s a t re s hec tare s de t e rra, s ão como a doce fl ordo p ensament o humano en treabri ndo um sorr i so compadec ido na host ilidade da natureza .

A lem dºisso as e spaçadas al d e ias do D renth e , afas tadas da l i nha

fe rrea e que um pobre v iaj ant e como eu s ó pode v i s i tar at rav e s sandoa pé a Charn eca, de sapato s ferrados , bordão e moch i la à s cos tas , são

Campos e Aldeias 83

ve rdade iro s oas i s d e pi t to res c o, com as suas cabanas de en orm es te

c tos d e colmo arras tand o n o chão , a sombra dos v e l hos carval hos . Duasou tre s ruas tortuosas ; uma pon ta de campanar io de l ou sa s urgindo daverdura do c em i te ri o no al t o da c ol l i na ; a cn crusílhada fai s can te de s ol ;O chão d eb icado p or gallinhas a sol ta, uma dob adoura que gi ra a uma

porta dºalpendre ; 0 porco russo e spai rec endo em passe i o ; um in t er io renfumacado d e l o ja de fe rrei ro com a forj a ao fundo ; um enorme ca

val l o a argo la,a pata alç ada no j o e lho d e um ferrador de cal ção curt o

e aven tal de couro ; e , no ar l um inoso e t ep id o,0 rep ique vibran te de

uma fe rradura capri chosamente bat ida n o banco d e p inchar . Quandoum post igo de cabana se abre p or bai x o do angul o do grand e b e i raldo t e l hado sal i e nt e e d enegrido

,e uma i n genua cab ec inha de p re s epi o ,

l oura e d e touca b ranca, sorri para a rua,olha .a gen t e para t raz ad

mi rando - se de não v er al gu res , acabando de ch egar, desanvelando a

moch i la ou plantando 0 cavallete a uma b oa s ombra,o p in tor Hob

b ema,W ouwerman s, 0 scísmador Ru i sdae'l ou 0 desenfadado P i e t e r

Laer , por al cunha 0 Bambocha .

Em todo 0 campo da Hol landa a ant iga,a h on rada

,a larga barca

nac ional,p erpas sa ao p é ou ao l onge , impellida pe la v ela ou t i rada á

s i rga, l en ta, s i l en ciosa e calma,c omo 0 phantasma b en i gno da pat ria

,

a aquat ica alma errant e do pai z , modesta e l ivre , ob scu ra e sat i sfe i ta,

sem v erti gem,sem allucinaç ão

,s em impetuo s idade

,s em and a

,—fe l iz

em ir boiando s emp re,t erra a t er ra, onda a onda

,ao che iro sal i n o da

vaga que escachôa a p roa no al to mar,ao p e rfume t ep ido dos junqui

l hos na agua doce dos canaes p el o inter i or das t e rras .

Vi sta as s im,de momen to a momen to , por en tre 0 lameiro ve rd e

j ante , a vela palp i tando con tra 0 mas t ro pare c e 0 ac eno de uma ve l hamão amiga abençoando as c earas ; e 0 amplo bo j o al cat roado , rompendovagarosament e avan te como um vent re ch e i o , da uma s en sação pantagruelíca de fartura, papo abarro tado de arenque ao chegar

,papo

abarro tado de que i j o ao part i r .

R i em dº

ella os t o l os—diz 0 e l oquent e Mich e l e t— e que admira,se

tão pouca gen t e ent ende no mundo 0 que e a fe l ic i dade ! Nem por is so6 %

84 A Hollanda

e l la dei xa de ir comp l eta, a gros sa barca—0 marido, a mu lher , as crean

ç as, 0 cão,O gato

,os passaros . V ae l e n ta e vae pac ifica por sob re as

aguas mai s p er igosas , pequeno mundo harmon ico,tão c ompl e to em si

mesmo, que pouco s e lhe dá de chegar !

O trekschuít e a barca t rad ic ional d e passage i ros,c omo a an t i ga

fal ua da carre i ra de Santarem ou da Al handra, com a differen ç a de

que,em l ogar de nav egar um rio

,0 treksclnu

'

t p ercorre p e l os canaes 0pai z i n te i ro .

Eu t ive s emp re uma sympathia saudosa e t erna por e ss es ve l hostransp ort e s fluviaes da minha t e rra, no Tej o e no D ouro , ent re 0 P or toe a Regoa, en tre Li sb oa e 0 Carre gado .

Nada mai s p i t t ore s co , nada ma i s vernaculo,nada mai s genu ina

mente e mai s encan tadoramente portuguez do que e ssas s imp l es e modes tas nav egacões d

ºagua doce !

Embarcava a gen te ahora das marés , umas veze s d e madrugada,out ras veze s ainda com a noi te . Vinha- se de gabão de bri che para todo0 t empo , e trazia- se 0 farn e l para O caminho , n ªum ces to m erende i rouma duzia de ov os c os i dos, um sal p i c ão , a borracha c om v inho

,um

grande pão coberto de farinha, um a naval ha e uma mancheia de noze s .

A bordo accommodava—s e cada um 0 melhor que podia por en tre acarga, no meio de doi s saccos de tr igo , ou de doi s jigos de uvas , n

ºum

fe ix e de c en te io , barriga para 0 c eu,os doi s b raco s por bai x o da ca

b eça, as p ernas em c ruz,0 cachimbo nos den te s .

O arraes risava a ve la,prendia a e sco ta c om 0 p é n ! , a canna do

l eme debai x o do braco , anin hado a rei, e voga para avan te,de prôa ou

a bol i na c on soante O ven t o !Então v inham á colleccão na corversa commum as b el las hi s torias

piccarescas, salgadas , de um p icante gosto a bravi o , che i rando amare s ia ou aCharn eca, narradas nºuma l í ngua un ica , que desappareceu da

circulacão com os arraes,com os arrieiros e c om os almocreves . Não

re l e s,a safada l i ngua cul ta

,en t ísicada por n ó s nas s ensual idades so

litarias da rhetorica,nos trato s vergonhosos da escripta con t ra a na

turez a,mas a r i ja, a pleb leia, a forte e expres s iva l í ngua do povo , s o

86 A Hollanda

l on gas e ossudas,agaz alhadas em l u vas pre tas de me io de do e apoia

das uma sob re a out ra no castão de uma b engala em mul eta .

A l ém des ta s enhora o un ico pas sage iro sou eu .

O at raes , s entado ao l eme,mas ca

,immovel

,com o olhar apath lco

de um b oi que rumina .

Dec id i dament e a fal ua é mai s al egre .

Sómen te , a u l t ima v ez que navegue i em fal ua desc endo 0 R ibat e j osob re as aguas da i nun dação , de den tro da alegria pen in s ular do nos sobarco ave la de t odo 0 s eu panno lat i no

,iamos

.

olhando as p ontas dasol iv e iras e as chaminés dos casae s que surgiam ,

di sp e rsas como cab eç asd e naufragos ac ima da e spuma amare l la da agua r evol ta e barren ta, carreando na t orren te os des troços lamen taveis do de sas t re rural

,made i

ramen tos de parreiraes, e s tacas de quin t e i ros , a pal ha desenfeixada das

paveias, 0 gigo vi ndimo , o pob re cadav er en touricado do cão de quinta.

Ao l ongo do canal hollandez , nºuma e na outra margem, de Delft

á Haya, succedem—se as quin tas de rec re io . As fachadas l uxuosas dascasas de campo ent revêem - s e a espaços por en tre os macissos verdejant e s dos parque s , ao fundo dos al egret e s flori dos

, nºuma doce mo

noton ia d e conforto sab i o , de abundanc ia re col h ida, de luxo di scr e to ,de paz

imperturb avel .

E todavia aqui, em t oda a Ho l lan da, os r i os t rasb ordam tambemnão de l onge a l on ge como o Tej o , mas todos os annos

,regularmente

,

por occasião das t empes tades periodicas do noroe s t e .

P ara 0 6m de det erminar a pos i ção do so l o com relacão ao n ível

das aguas , ha uma l i nha imagi nar ia chamada O n ível de Amslerdam,a

qual rep res en ta na es cala hydraulica 0 p onto de part ida que o ze ro exp rime na e s cala thermometrica . Segundo os cal cu lo s fe i to s sobre es tabase , a maré s ob e p erto d e .Katoyk a Mosa

,j un to de Rot ter

dam,e l e va- se a e 0 Leeck, prox imo de Vianen , a ac ima

do n i ve l d e Amsterdam .

Como se vê dºeste s imp l e s enunc iado do prob l ema fl uvial da Hollanda, O per i go é em t odo o pa i z m i l vezes mai s t emeroso do que noscampos marginaes de Te j o .

Campos e Aldeias 87

O hollandez con vert e e s s e phenomeno calami to s o nºum agen t e b eneâco de fert il i dade , no aux il iar mai s poderoso da cul tura. P ara 0 con

s egui r d iv i d iu todo 0 campo em tab oleiros de colmatagem,ab ri u valas

de e sgo to e de i rr igação , l e vantou d i qu e s , con s tru íu c omportas , es tab eleceu bombas e pô z a t rabal har ao ven to mi l hare s de moinhos encarregados de man te r na c i rculação da agua um regim en s emelhantea'

quelle a que pre s i de o coracão na ci rc ulação do sangue .

A passage ira dorm i tava s empre . O patrã o do lreksclzn z't mascava '

de quando em quando com a mesma regulari dad e com que me t teria

carvão n 'uma fornalha de machina de vapor,t irava da al gib e i ra uma

caixa de lata,fazia nos dedos uma nova almondega de tabac o em fio

i n troduzia—a na bocca e recomecava remoer .

Ab ri um pos t igo e puz -me a ol har para fora .

Vinha ca i nd o a tard e nºum ce

'

u chu voso,n evoen to

,de uma t in ta

un iforme e bassa, cô r de e stanho su j o . Não c orria a mai s l e ve brisa n oar hum ido .

P e las clare i ras das quin tas arb orisadas d e scob ria- se ao l on ge a

e t erna campina ve rd e , orval hada p el o aguac e i ro,de uma t onal idade

av e ludada e mol e,de forma s em i - c i rcu lar

,l embrando O fun do de um

vas to croquis para panno de l eque , e sboçado a pas te l , fe i to de ch ic porum collorista amav el d o secul o xvnr, e de s t inado a re c eb er a fachadaarcadica de um templo de Flo ra, um reb anhinho d e cord e i ro s brancc sfr i sado s a papellotes , e pas t ore s az ues e cô r de rosa aj oe lhados no ar aos

pés de pastorinhas egualm en te aereas,empoadas e de saia em b am

bol in s, á P ompadour . Uma doçu ra i d eal , vaga, art ifi c ial , i nv e rosim i l iE es t e Em de dia n eu tro

,sem chu va e s em sol , sem n uven s e sem

vent o,sem pó e s em lama

,só o posso comparar , na minha imagina

ç ão , ao tre spas s e d e uma dºessas ve lhas v irgens , exoticas flore s de con

ven to,desenvol v idas den tro de um paren th e s i s myst ico en tre o nas c i

m ento e a morte , as quae s , ao cab o de noven ta annos de pureza c laust ral

,re ndem a Deus s em um murmurío a sua alma em folha, como

um l i vro b ranco ond e n ão cai u nunca nem uma lagrima, nem um b orrão

,nem uma i d e'a !

88 A Hollanda

Tri st e,sal te i para t e rra no prime iro l ogar em que parou o trelrs

chuz'

t , p referi ndo con t i nuar a pe'

.

Tínhamos gas tado um quarto de hora em percorrer me io quartode l egua .

Z aandam é a metropole dos moinhos . Hã—os por toda a Hol landa,mas em n enhuma outra par te reun i do s em tão enorme quan tidadecomo aqui.

Abrangem - s e cerca de mil n ºuma só v i s ta de olho s do golfo do Y

ou . do al to do cl i qu e a que s e abriga a povoação .

Não t e em como os moinhos portuguez e s, quas i todos abandonados eem ruínas, o asp ec to archeol ogi c o de ant i gos ves tígios da v ida pastoral .

Cons tru idos d e made i ra e rep i ntados em cada anno,pare c em to

dos novos .Vis tos de l onge , prendendo ao so lo sómen te pe la bas e c ent ral ,

para o fim de pôr o p rimei ro pav imen to,mai s largo que a bas e

,ac ima

das inundacoes, apres en tam 0 asp ec t o de e x t ravagante s nav ios em seccoe specados nos prados . São em ge ral p in tados d e p re to até o e ixo dav e la, a cupu la v erde avwada de bran co

,ou b ranca avi vada de v e rd e ,

e 0 umbigo do e i xo e s carlat e , azu l ou do irado .

A s s im reun idos e b racejan t es a toda a ex ten s ão da campina queaviven tam de uma an imação phan tast ica, parec e que cada um d

ºelles

v iv e de uma palp i tação e spec ial , de uma v ida propria . Un s movem - se

l e ntamen t e como quem se espregu ica nªum b occejo . O u tros g iram com

mai s rap id ez , c erto s , b em c ompas sados,c omo trabalhadore s dil i gen te s

e me thodicos . Ha—os que pare c e es t remece rem de quando em quandon'um t ic n ervoso

,ou suspen derem—se em spasmo s s o lu çante s . A lgun s

redemoinham v erti gin oso s,frenet icos , em fur ia, como doi dos , e sup

ponho que não devem t er grande coisa d ent ro es tes,manobrando no

vacuo ou remoendo - se a si mesmos e esfarinhando o s eu res to de m i ol oc omo os rhetoricos ou os me taphy sicos . O utros jazem lugubrementeimmoveis como d efuntos amortalhados no ve

'

o transparen te da nebl i na,

com os doi s b rac os branc os em c ruz sobre o bure l n egro .

90 A Hollanda

quando a agua ainda s obe ja,quando dec id i damen te n inguem mai s a

qu er, nem para lhe t raze r o lreksclzu z'

t a porta,nem para lhe dar de

b eb e r ás vaccas ou às tu l i pas,n em para lhe regar o alfob re

,n em para

lhe fazer nadar o s pato s , n em para can tar em. l evada no pomar , nempara marulhar em fio doc e as tarde s calmosas na cascata do jardim detomar chá ; quan do pos i t i vament e n iguem mai s quer. agua na Hol landapara coi sa n enhuma—nec es s idade , praze r ou capri ch o— e que O u l t imocanal , 0 canal c ol l e c tor , e s tá ch eio, O ul t imo dos moinhos da fi la em

s e rv ico abre a comporta que lhe e stá en tregue e desp e j a a in undaç ãono oceano—com a mesma s imp l ic idade com q ue á be ira da fon te de i tafora a agua d e um copo quem não t em mai s s e de .

Z aandam da bem 0 typo e sp ec ial da povoacão hollandez a .

A agua dos canaes e do rio surprehende a cada pass o o viajan tee embarga- lhe O caminho

,c omo nªum labyri nth o aquat i c o , ao desem

bocar d e quas i t odas as ruas cal cadas de t i j o lo,l i sas

,lavadas como o

pav imen to interi or da mai s asseiada casa de campo .

P equenos bot e s e nvern izados de ve rd e , pre sos a uma e s taca en

verniz ada d e ve rde e branco , e stac i onam quasi a cada porta, em cadamargem do canal ou do rio

,para dar pas sagem para a margem op

posta .

Jun to do bo te,ac ima da agua, duas forque tas , em que gi ra um

trave s são de pau movi do por m e io de uma cruze ta . É o apparelho ru

dimen tar de st inado a faze r sub i r e desc e r,como o bal d e n os p oços ,

uma cai xa de made i ra gradeada, em que o hab i tant e guarda vivo Ope ix e da sua prov isao . É o que pode riamos chamar a cap oeira do s lin

guados . A hora de comer dei- se quat ro v ol tas a cruze ta,ica- se a pis

c ina, ti ra- Se a ração dºesse dia, e t orna - s e a arriar para d ent ro dºaguao vive i ro , em que os pe ix e s , por um momento surprehendidos ao sol

,

pullulam convuls amente,bat en do de chapa uns nos outros .

Ao adiantar o p é para embarcar nºum d

ºestes botes , s en te - se a

impre ssão d e que o s impl es p e so do nos so corpo vae faze r transbordar o canal , a tal pon to é v i s í ve l a elevacão d

ºelle sobre O nível do sol o

,

a tal pont o en che i n te i ramen t e as riban ce i ras a agua lum inosa,rut i lan te

Campos e Aldeias gt

de sol, apparen temen te immovel, arripiada apenas d e e spaco a e spaco

pe lo v e le jar dos patos !Casas na max ima part e d e mad e i ra, em pranchas sobrep ostas , p in

tadas d e verd e ou de amarello claro , nºum só andar, c ober tas d e t e lhae smal tada, c om os b eiraes rend ilhados , r i sonhas , festivaes , piqueninas ,—p igneninas c om i depoi s p , como Garret t qu eria que s e orthogra

phasse para as c o isas que s ão d iminutas com mimo fem ini l , com gracai n genua, com ex igui dad e men ineira. São de coradas d e fl ores

, po r den

t ro e p or fora, e d e cort inas b rancas em b amb inellas por t raz dos v idros sc in ti l lante s c omo c rystae s de s obreme sa .

Entre os sal gu ei ros e os chorões , fron te iros aos p equenos p red ios ,cobri ndo de l uz verde as fachadas , r efl ect indo—se em mai s ve rd e na

agua do canal , no esp e l ho da v idraçaria e no dos esp iões , correm pe

q uenos jard ins comed idos em largura pela fron taria das casas,e t endo

no cen tro uma ou tra casa reduzida,al gumas veze s tambem en v idra

cada, e s e rv indo da gallinheiro . São parquesinhos m icroscopíç os ,

'

de

bon ecas,em que s e c ondensam por abrev iatura todas as phan tasias

dos jard i ne iros paiz agistas : o o iteirinho on de campe ia s obre 0 tal udev e rde um moinhosinho de doi s palmos de al t ura ; o caramachão , paraden t ro do qual s ó se pode rá en trar de gatas , com a sua comp e ten t ecupula em fl echa

,t e rm inando por um pequeno globo de e sp e l ho :, 0

mas tro embandei rado do tamanho d e uma b engala ; a flexuosa av en idaens ombrada por doi s renq ues de repol ho s , e na qual os p é s d o cas te llão só cabem um ad ian te do outro ; o al e c r im talhado em ob el i sco , cobri n do protec toramen te a p lataforma c entral c omo o v elho cedro gi

gan t esco do s i t i o ; o lago onde ás vezes vogam duas embarcações delata ou de cort iça, mas onde os parrecos só en tram revezadamente

,

por não cab erem dºoutro modo , um a um ; e , finalmen te , 0 pagode ln

d iano ou o ki os co ch in ez , das dimen sõe s d e uma gai o la de canario,em

cubos decr esc en te s de bai xo para c ima, de sd e O tamanho da rasa at é

o tamanho do me io salamim ,com os angulo s recurvos e um chocal ho

p enden te de cada angulo .

Ao fundo dos jard i n s pas sa, em l inha re c ta, como s empre , a

92 A Hollanda

fi ta do canal . Depoi s a outra fil e ira de jardins e os pred ios da out rabanda .

Nos canaes mai s e stre i t os , onde ser ia impos s í v e l faze r manob raruma b ateira, 0 hab i tan te s e rve - s e , para at rave ssar a rua por c ima deagua, de uma tab oa que faz pon te , e q ue e l le re j e i ta para a margemde que sai u , depoi s de t e r pas sado para a margem opposta.

De t re ze a quat orze mil hab i tan te s q ue tem Z aandam , al guns saor iqu í s s imos

,fizeram for tu nas consideraveis ou navegando ou con

struíndo navios , e t e em s e i s ou oi t o moinhos ao ven to,a moer para

e l l e s e a p ingar - l he s i n c e s san tement e dinh e i ro nas areas . E não ha umun ico pob re— part ic ularidade caract er í s t i ca de todas as al d e ias h ol lande z as . Não ha um só pob re , e s e nin guem v ê um palaci o em pompa,n in guem tambem vê uma cabana em ruínas.

Todo o homem , do pr ime i ro ao ul timo,tem o jaquetão b em for

rado , a camiso la s em uma mal ha caida,as meias d e l ã confortaveis

os

.

tamancos al tos , por de sgas tar , a camisa l impa, a barba fe ita. E comi st o

,um lar quen t e , uma Choupana al egre , um jardim fe s t ivo .

Tre s egrejas l e van tam ap enas os cume s do s s eu s campanari os cinz en tos ac ima do n ível ge ral da modesta casar ia de t e lhados vermelhos

,

agudos e re l uzen t e s . Duas dºessas egrejas s ão prot es tant e s e uma ca

tholica ; as almas,porém

, que as frequentam,vi vem em t ão b oa paz

ent re si, como os pombos , que , s em dist inccão de s e i ta,arrulham ao

s ol imparcialment e e com egual dos e de amor uns p e lo s outros,sob re

0 corucheu de Luth e ro ou sobre 0 de Santo I gnac i o .

O un i co documento da rap ida pas sagem de uma sombra de su

perioridade jerarch ica nºeste doce val l e de confratern isaç ão egual i taria

é a famosa cabana d e P edro , imp erador da Rus sia, mau Op erar io,de

sertor de carp in t e i ro , conhec i do na hi storia sob 0 cognome desagradaV el de Grande .

Ha um compendi o d e h i s toria,em qu e eu li uma vez estas p ala

vras memoraveis : Não e' bem ce r to que Clodic'

ío o cabell z zdo, houvesse

ja'

mais existido ; como quer que seja, seu Meroz reu . Egualm en tese pode poi s d izer, e s tabe l e c ido 0 preceden t e a que me rep orto e

94 A Hollanda

s ide rando em t ão augus to l ogar , que foi aquelle mesmo homem , alemdebuxado em pain e l

,0 mesmo que n enhuma d e s sas coi sas s e acha de

m on s trado que fi ze s s e ! P orque a verdade h i s tori ca e q ue os tal e n to smechan icos de P edro 0 Grande só garan t i dament e se acham comprovados p e la prenda de mãos com que carp i n te i rou o s eu p rop ri o p ovo ,e s cavacando com a p erí c ia da e sp ec ial i dade as cab eç as dos Stre l i t z quecon sp i raram contra a s eu governo .

Sob O re t rat o do monarcha, offerecido pel o príncipe Demidoff,l e em - se n

ºuma in scripcão as d iversas profi s sões que accumulou n a t erra

0 re tratado : Academico , liero'

e,mar itimo e caip in teiro .

Coisa s ingular : dºestes di ve rs os t í tu l o s , 0 que mai s capt i va a ima

ginaç ão dos príncipes que t e em vindo e sc re ve r nºest as paredes e

'

0 t it ul o de carp int ei ro ! Nº

este phen omeno se pat ente ia b em '

a nob ilitacão

que s i nge la prat i ca do t rabal ho mai s ob scuro impr ime nos carac t eresainda os mai s an t ipathicos .

Um rei afortunado,de qual i dade s pessoaes pouco at trahen tes, con

s e gue fazer acreditar que por al gum tempo se emp regou como offic ialde oflicio nas obras de um e s tal e i ro

,e i s to bas ta para que a sympa

th ia humana rode i e a sua memoria. O ve s t igio,p ost o que apocrypho ,

do s eu e stab el ec im en to no grem io de uma c orp oração Operaria, t orna—seo ob j ec to d e uma romagem e de um cul to ; a casa on de se

'

diz que el l ev i v eu adqui re na Hol landa uma c e l eb ri dade que nunca t eve n em a ta

b ern inha de Steen e de van Goyen,nem 0 moinho em que nasc eu

Rembrand t . Finalm ent e,a geographia, sciencia de ordinario i s en ta de

pai xõe s cortez ãs,e na apparencia in c ompat í v e l com as l i sonjas , que

tantas veze s d es l u st ram a imparc ial idade da hi s toria,— a mesma geo

graphia faz para e st e cas o uma ex cep ção aos seus hab i to s e corrompea denom inação de Z aandam em Sardam (Crara

'am)assoc iando ass im ,

pe lo mai s e s t ranho dos barba'r i smos, a fama do homem ao nome do

logar .

O s habi tan tes indígenas cont inuam ,p orem

, a p ronunc iar e a e screve r Z aandam

,o que não ob sta a que t i rem afl avelmen te 0 chapéu

e di gam bon s d ias aos viajan te s , e uns aos ou tros , que r se conheçam ,

Camp os e Aldeias 95

quer não,com tanta amab i l i dade e tão profunda vene raç ão , como se

p rin c ipes,heroe s

,marí t imos , academ ic o s e foraste i ros fossemos todos

carp int e i ros .

Monn i ckendam,outra al d e ia c e l eb re pe lo seu commerc i o de enxo

vas p escadas n o Z uiderz ee, e p e l o tumul o do pas to r Nieuwen huiz enfundador da famosa s o ciedade d e uti l idade publ i ca (Tot uul uan

'

t al

gemeen), cu j o fim é augmen tar a inst ruccão do povo pub l i cando l ivro su te i s

,mobi lando esco las , fundando b ib l i o th ecas , e s tab el ec endo curso s

publ icos , soc i edades de l e i tu ra, caixas de soccoros, etc .

Ao lado de cada casa,O pequeno qu in tal d iv id ido em pomar

j ard im . P or cima

'

da s eb e v iva veem - se p rime i ro as p ere iras e as ma«

cieiras carre gadas de fruct o . Ao fundo, nº

uma s eparação fe i ta por umagrad e d e made i ra pin tada de verd e

,os geraniums , as fuch s ias e as

dahl ias em fl ô r, em al egre te s c ing idos de um bordo fe i t o de turba. O

p equeno poço quadrado com a tampa p in tada de verde . E , j un t o ao

muro de t i j ol o quadrilhado de branco e ornado de uma t repadei ra,fi la dos sachos

,dos tamancos e do s bal de s de zin co en vernisado de

ve rd e e de encarnado , ao p é da porta env id raçada, debai x o da jan ell inha l uzi d ia

,de c ort inas ab ertas e parap e i to tl orido .

Na padie ira de um antigo pred io,datado em grandes al gari smos ,

de 1 6 1 0,depara- se - me um bai x o re l evo repre sen tan do uma carave l la,

e por bai x o e st e l e t re i ro : In de Lisbons uarder (No barc o que vae

para Li sboa).De Monnílt endam j á s e

'

não embarca para Li sboa, mas embarca—se para as i l has de Marken e dºUrk, cu jas manc has na agua do golfol embram dois v ive i ros de cas tore s

,ou duas c idades lacus t re s .

Marken e'

uma e st re i ta facha de t e rra, que no s e cu l o xm se des

p regou do cont in en t e e fi cou sob renadando em p leno mar,como uma

jangada que b otas s e raí ze s e se immob i l i sas s e nas on das .

Urk é e gualmen te um desmembrament o da i l ha de Scho lrland, e,tão pequena que as phocas

,j u lgando - a tal vez d e shabi tada c omo Sch0«

96 A Hollanda

kland, e sc olheram - a para t rav ess e i ro , e ve em todas as n oi te s resonar

na e s tre i ta praia que a c ircunda,á b ab ugem da maré

,com o focinho

na are ia fofa.

N ada mai s r i sonho , todavia, nºum dia de s ol , do que e ss e torrãos in ho , t ão lavado de ar e de luz , o qual a gent e p ercorre t odo no b rev

'ee spaço de t empo de di ge ri r d oi s arenques e de fumar um cach imbo .

Na en seadasinha do p orto baloi ça—se ancorada a e squadri l ha dospequenos bot e s de p esca . O molhe

,em trav e s de p inhe i ro

,ad ianta- se

p it tore s camente no maru lho da agua .

Ao fundo , o brev e caes , em verde,t ape tado de re l va, e a col l ina

suave da p ovoação , engraçado grupo de t e lhados v e rme lho s , afofadosna ramaría de al gumas arvore s , m et t idos em val or de t in ta al e gre p ela

pincellada branca, vert i cal, da t orre ai rosa do farol , rompendo acimadas casas e b anhandos e '

no azul .

Marken,mai or do que Urk, não ass enta, como es ta, n

ºuma só col

l ina,mas n 'uma ser i e de ou te i ros .

Em set e dºestes ç olles artificiaes e s t ão construídas em made ira as

casas dos hab i tan te s . No oi tavo acha- s e 0 c em it er i o .

Durant e o i n verno , a agua enche os e spaços que c e rcam Os ou

teiros, como os fossos d e uma for tal eza .

É embarcado que então se trans i ta de bai rro para bai rro .

As v ezes,de um dos bai r ro s v ivos di rige - s e para O bai rro dos

mortos uma embarcação mai s t r i s t e que as ou tras . AO me io da b ate i ra vae collocado o fere t ro cob ert o p e l o panno funebre . Dois pe scadore s amigos do mor to

,s i l enc i os os e graves

,empunham os remos , ao

l em e s en ta- se uma mulher abat ida que enxuga as lagrimas para descort inar O horizon t e atrave z da dup la nevoa do seu coracão e do mar

,

gov ernando o bo te que pe la derrade ira vez c onduz aq uelle que foi seumarido , seu fi l ho ou seu pae , despenado emfim da lucta de cada dia,com as mãos asp eras arrefec idas , immoveis para semp re , cruzadas nopei t o .

Toda a p opu lação da i l ha e da re l i gi ão reformada . Não ha ti l es

98 A Hollanda

at raves sarem a al d e ia an imaes incont in en te s ou verminados que a con s

purq uem ou sevandigem . O s gaiat os re tribu i dos para soprarem O pódas fendas das cal çadas , para apanharem do c hão e lançarem ao canala uma por uma as folhas seccas que se desp eguem das arvore s . O es

tab elecimen to em t o das as aven idas de raspadore s para as s olas dasbotas e de capach os acompanhados da recommendacão aos transeun

t es de l imparem os p é s ant es de en t rarem na povoação . O s tron cosdas arvore s p in tados de b ranco . A s casas az ues

,cô r de açafrão

,côr

de l i laz e côr de rosa . A s ruas em mosai c os polychromos .

-O s arbu st osdesformados a t e soura e repre sen tando bon ecos

,pat os

,nav i os , moi

hhos,cabanas e pavões . O «hab i to d e andar em m e ias p elas casas

,para

não r i s car nem polluir os soal hos . A prax e d e l e var em bracos os est rangeiros de sapat o s su j os . O caso de Napoleão Bonapart e

, que de

sejando vi s i tar uma herdade de B roek teve que de scal çar as e sporase de ve s t i r umas piugas de

'

lã por c ima das s uas b otas gl or iosas deMarengo e d

ºAusterlit z , para que 0 dono da casa em que e l l e e s te v e

lhe permitt isse a honra de lh e p ôr os p és da porta para dent ro . O

ac ont e c ido tambem ao b om imp erador J o se' t i, o qual , sem uma car ta

de apre sentação que 0 recommendasse, pre tendia que para en trar emqual quer casa da al d e ia bas tava apenas que sua mãe l he não houv essep roh ib ido v i s i tar a gente de Brock

,como lhe prohib ira vi s i tar Vol tai re ;

mas a cada porta a que o s eu oflícial à s orden s bat ia para que abrissem ao monarcha, o morador , v endo d e dent ro um chap eo de b ic osago iren tos no espe l ho do e sp i ão, v inha a jan e l la e respond ia que sóre c eb ia v i s itas da sua amisade ou do seu c onhec imen to .

— «Mas notae ,

ó ru s t ico , que é sua imp erial magestade , o mai s p oderoso monarcha

da Allemanha, que al ém esp era !ii—«Que fosse 0 propri o S r . burgomestre de Amsterdam que e sperass e , era para mim a mesma coi sa ;se mui to o governam govern em ahi na rua

,em minha casa gov ern o

eu . » Finalm en te , a h i s t oria de uma re vo l ta con tra doi s forast e iros queuma v ez i nfamaram a al d eia depos i tando— ev iden temen te como provocação aos hab i tan te s—um caro ço d e cere ja s obr e a via pub li caMas tudo que se tem refe ri do e tudo que se tem i n ventado ácerca

Cawp os e Aldeias 99

do ac c i o da r ua,não pode senão dar uma i de'a do que realment e e

'

em

Brock o acc i o da casa .

Com exc epç ão de um pequeno numero d e n egocian te s e de mar it imos enr iquec i do s , que c omem oc iosamente do ganhado n

ºeste re t i ro

bucol i c o,os 1 500 hab i tante s da al d e ia emp regam - se t odos na i n dustr ia

l ocal—a fabr icação dos famosos que i j os de Edam .

A ss im , para cada hab i taç ão um curral e uma quei j e i ra.

A s casas são de ordinario nªum so andar, de t i j o lo , com um re

ves t imen to e x t er io r de made i ra envern isada,que as pre se rva i n te i ra

mente da humi dad e atmospherica. A por ta pol ida,e guarn ec ida de fer

ragen s de cobre s c i n t i l lan te . Um corredor cob e rto por um tape te deol eado de des enhos p re to s em fundo cô r de p erola atrave ssa a casaem que eu pene t ro . A s paredes são pin tadas a ol eo em c inzento c laro .

A esquerda, o sal ão , com o c las s i c o tap et e de t odas as casas mo

de s tas da Hol landa em l i s tas ou quadrados de en carnado e verd e . Sto

res bran cos c orr idos a todas as janel las . Um armar i o,um sofá

, al gun sfauteui l s . Um baromet ro

,um thermometro e um lactomet ro , penden .

t es da parede . Faianças de Delft sob re o armar i o . Um re logi o c'

uco ,da Fríz a

, a um can to . Uma mesa r edonda ao meio da casa c om al gun sb ibe lo ts e uma taca c on tendo b i lh et e s de v i s i ta, em que l e i o os nome sde al guns viajan te s ameri cano s e ingle z es , d e Georg e R enaud , d i re ctorda Revue Ge'ograp lz ique In ternaz ionale ; de Gabri e l Chal i gny, ingenieurdes arts et n zauufactures ; de Henry Mosl er, p in tor , ru e de N avari n ,P ar i s ; do c onde dªAvricourt ; de Trouilleb ert , pi n tor ; de George s Duval

,do Eve'nemen t ; do marquez B ianch i , e de var io s out ros estrangei

ros , s uec os , dinamarquez es, rus sos . Nenhum portuguez .

A dire i ta, o s quart os de dorm i r .

Ao fundo do corre dor,a vaccaria e a que i j e i ra. 0 tap e t e p ro l on

ga—se no curral até á porta qu e sae para o jardim . Na mesma casa,

vas ta, al e gre , risonhamen te illuminada, para a d ire i ta os apartamen tosde scob ertos das vaccas

,para a e squerda os uten s í l io s e os produc t os

da que ijaria.

De um lado ord enha—se,do outro lado quei ja- se .

1 00 A Hollanda

.E toda a fabr i ca tem um ar fresc o de n ova,re luzen t e

, immacu

lada,i n tac ta

,em grande apparat o de c e remon ia inaugural , c omo se

t i ve s s em acabado de a inst i t u ir e me houve s s em chamado , como em

P ortugal se chama o b i spo,para a b enze r .

No compart imento de cada vacca o e st rado , em p lano l evementein c l i nado

, e'

de pinho branco , enxadrez ado a formão e tapetado por

uma camada de are ia ou de s erradura de made ira fresca e aromat i caem arabe scos semelhantes na côr e na forma aos que se imprimem na

mante i ga em fôrmas .

'

Ao l ongo do muro al inham—se as mangedouras de pinho l ixado , deuma n i t idez de arm inho . A c ima de cada mangedoura uma janellinha

e n v idraçada, ornada de uma c ort ina de cas sa branca s usp en sa a cadalado por um top e de s eda azul

, permit te as vaccas rumi nar al egremente olhando a paiz agem . Aos pés dos an imaes corre um escoadourope rennem ente c larificado . Cordas p enden t e s do t ecto t e em por fim susp ender as caudas para que as vaccas se n ão enrab eirem de e st rume .

Abundam as e sp on j as , e são - me forn eci dos e sclare c im entos comprovat ivos de que não ha habi to de toilette que s e ja mysterio para o gado vaccum nos currae s de Broek .

ambien te da vac car ia e t ão puro , tão del icado e tão fino comoo de um sal ão de mulher , l e vemente p e rfumado a feno

,no bou le vard

Mal e sh erbe s ou no parque Monceau .

A

A e squerda acham- se as prat e l e i ras forradas de l i nho al ve jant e,

sobre as quae s se os tentam os que i j o s ai nda fr esc o s,ret i rados das for

mas,coroados de sal e s eme lhant e s a grand es balas de nata acabadas

de fund i r n ªum ars enal de man te i ga.

P or baix o das prat e l e i ras de depos i to , os i n s trumen to s e os utensílios de fab ricacão : as grande s b i lbas de almude em cobre resplandecente como patenas de oiro saidas n l

uma pega de camurça da mão dob runidor, as vas i l has da nata e as do reque i j ão ; as bat ede i ras ; as cirandas ; os pilões ; as pás ; as pren sas ; os trinchos de e st ende r a mas sa;os c inchos de espreme r 0 s oro e de enformar o coal ho .

E tudo quanto não parece oiro refulgen te , e' j unco l uzid io ou ma

1 02 A Hollanda

pol idas,envern isadas de v ermelho ou de amarello com des enhos em

p re to .

Adornam ai nda a pared e ou t ros ut ens í l i o s do ménage : 0 grandee s quen tador de c obre lavrado , com cab o de pau santo ; o fol l e de b i code bronze ; o e spanador ; a an t iga b acia de barba, de Delft ou do Ja

'

pão ; a cande ia ; a lanterna de cobre ; o p equeno re l ogio de p e sos .Mui tas veze s a mobi l ia e a alfaia são ant igas , de carac t e r art i s t i c o ,

no mai s puro s ty l o do s e cu l o xv i e do s ecu l o xv“ ; e frequent emen tese admi ra, pe la e l eganc ia da forma e p ela del i cadeza do lav ô r, 0 e scab e l l o

,o bufe te

,o armario

,a arca

,a pren sa da roupa e a do quei j o , a

e s tant e das co l h e re s , o b e rco , a dob adoira, a roda de nar, a ferragemdo lar, 0 bronze Aos c ãe s da chaminé , o c ob re do e squen tador , o grezdo p ich e l

,o estanho do pote de tabac o .

Doi s ou tr es armar i os en cravados no muro servem de l e i to e de

al cova.

Áªjanella, en tre 0 cortinado b ran co , can ta um canar io nºuma gai o la

de j unc o japonez a, e por c ima das flô res que adornam o parape i to v ê s epara fora em moldura s orri den te

, at ravez do tom doirado e t ep i do doc onforto in ter i or

,0 quadrado verd e do longo p rado

,uma al de ia en tre

arvore s ao fundo , uma re voada de gran des gai v o tas sob re um espe lhamento dºagua, e, sob resaindo da re l va n

ºum r i s c o p e rpendicu lar a lve

jante ao s o l,o osso de bal e ia c ravado em p os te no ch ão para s e rv i r de

cocadoíro ás vaccas .

Toda a casa ru st ica ob edec e,mai s ou menos fi e lmen te , ao p lan o

dºaqu ella que acabo de de sc rev e r . D e Amsterdam ao He l de r o typo é

o mesmo . Nos casae s mai s p ob re s a t e l ha e smal tada é sub stituída pel o s j unco s da i l ha de Marken . Nas mai s r i cas ha, al ém da sala de re

c eb er, uma e sp eci e d e sala de hon ra onde se guardam as preciosida

des da famí l ia,as j o ias

,as l embrancas dos an tepas sados , o enxoval

d e s t inado ao fi l ho que hou ve r de nasc e r . É nºesta sala que se v e s te a

no i va no dia de nupc ias, que se expõe o e s quife com 0 defunto no dia

da morte , e que ai nda hoje ex is t e a p orta doirada, que dá para-

0 ca

Canzpos e Aldeias 1 03

minho e se n ão abre s enao para as grandes sol emn idades da famí l ia0 casamento

,o b ap tísado ou o mortori o .

Nas casas abastadas ha egualment e duas cosinhas, uma para a es

tacão calmosa ou tra para o t empo da n eve : a de verão,a sombra das

arvo re s, fre sca, b em are jada ; a d e i n ve rn o , abri gada do v en to , rec olhída c omo um bras e i ro no i n ter i or da hab i taç ão .

A s proprietarias opul en tas t e em ain da uma casa de lavor, b emquen t e

, b em fl ori da, onde pas sam os dias s eden tar io s do l ongo i nvern ohollandez , t rabal hando rodeadas das s uas fi l has e das suas c r iadas .

Na Fri sa, na abençoada Frisa, como na Hol landa se di z, é man

teiga e n ão quei j o que se fab ri ca nas herdades . O asp ec to do curral éporém semelhante ao da Norte Hol landa . Um caval l o move a bat ed e ira. As b ilhas do l e i t e são de cob re l uzi d i o . A s vaccas n o red i l t e emas caudas p re sas ao t ec to , e nas janel las do curral ha tambem cortinasd e renda, como nas vac car ias e nos moinhos de Broek.

Não obs tante o gost o do frísão pelos p razere s ao ar l ivre : no verão p elas pequenas v iagen s por mar

,pelas kerme ss es , p e las corridas ,

p el os pas s e i os em carruagem des cobe rta ao mai s accelerado t ro te quepodem at t ingír os muscul os e os pulmões d e um caval l o ; de in ve rnope la pat i nagem nos canaes e nos lagos

,a p é ou em trenó s , 0 amor do

conforto é o m esmo nas al d e ias frisôas q ue na outra margem do golfo .

Mui tos casaes .

são p equenos mus eus pe las suas colleccões ce ramicas, pe l o s move i s da Renascença, em talha de carvalho e ebano ou em

made i ra p intada de cô res, sob resaindo o v erm elho,0 doirado e o azul

,

em de senhos capri choso s e compl i cados,c omo os da flora decorat i va

dos chal e s e do s tap e t e s p ersas .

Em mui tos l ogare s a casa é e dificada s ob re um quadrado de te rrac ingi do por todos os lados de um fosso che io de agua . É e s s e o i d ealhollande z : a b oa casa não somen te fechada, mas in su lada, defendida,fort ificada c on t ra a curi o s i dade

,contra a impert i nenc ia ou con tra a ga

lhofa dos e s tranhos : verdade i ro bal uart e da fami l ia e da amisade , quen t ee e scon di do como um n inho

,inexpugnavel c omo uma cidadella.

P ara l á do fos so que embarga O pass o aos v iajante s,por c ima da

1 04 A Hollanda

canc el la , o nome ingenuo da vi venda em fort e cont ras te com a diffi

culdade host i l do ac c esso : Amisade e sociedade, '

Alegria e p ag, Meu

p razer e minha vida

Nunca l á den tro houve uma rec ep ção de apparat o,uma soirée, um

bai l e , ou qual qu er ou tra dºe ssas fes tas q ue n

ªoutras paragen s os perio

dicos regi s tram e de que os numeros os convidados se re tiram'

penho

rado s pe las ob sequi osas mane iras com que os don os da casa al imen taram oi ten ta p ersonagen s de um e de ou tro s exo , s erv i ndo—lh e s v i n t ech í caras de agua morna

,t re s arrateis d e b ol os s o rt i dos

,uma ar ia

,doi s

almudes de l imonada, ô lho de namoro de quatro men inas de cu ia e de

espinhela cai da, t res con tradan cas de lance iros e uma poe s ia rec i tadaao p iano por um famel i co .

O amphyt rião hollandez sómente re ceb e um amigo—o s eu . ; lan

ç a- lhe a pon t e por c ima do fosso , re c ol he—o em casa, fecha as janel las ,

t ranca as portas . Espera- os a fogue ira acc e sa, a mesa posta,a pol trona

ao p é do lar, o cach imbo che i o , a garrafa ab erta .

A mulher e a fi lha s erv em patriarchalmen te a c e ia ou o jantar aohosp ede . Sobe a c erve ja fre sca

,t rasb ordando em espuma côr d e topa

zi o das grandes can ecas de e s tanho . Fumega na t rav e s sa 0 lzuispot

rescendendo ao ch e i ro pi cant e dos l egumes,as c enouras , aos nabos ,

ás cebolas amassadas em batata,em fei j ão e mante iga polvi lhada de

p imen ta . Loure ja no mô lho a larga fatia de v i te l la as sada, e impa dechorume um paio nac i onal acamado em v erdura . Ha uma t or ta denata para a sob remesa ; e , emquan to se des encerram do armar io mo

numen tal os frascos v eneraveis das compotas e dos l i cores que hão decoroar 0 repas to , mao exp er i en t e tempe ra d e aze i t e e vinagre e salp i cade p imen ta de Caena a sab ia salada t radic ional de arenques

,d e engu ias

da Fri sa ou de salm ão de fume i ro , en tre rode las d e ovo s cos i dos , deb et e rrabas e de p ep inos d e conserva

,subt i lmen te esfíados á plaina ,

Quando , j á enxuto da n eve 0 casacão e 0 gorro de p e l l e s su sp en sodo cab ide , desabotoados os c ol l e t e s para ri r á larga

,e sc ovada a toa

lha para se lhe porem em c ima os cotovellos e os cop inhos doi radosda Bohemia des t inados ao trago final da famosa genebrade Schie dam ,

1 06 A Hollanda

Quat ro d ias depoi s d e t e r e s tado em Broek fui ao He l de r, subiao al t o do grand e cl i qu e e olh e i para o mar.

D es encadeava—se n o e spaço a p rime i ra t emp estade da s eri e periodica do outono : Sop rava ri jamen te 0 noro es te . No céo

'

cô r de lousa,atormen tado e r e vo l to , r i scado de trav e z pel o s aguac e i ro s , corriam em

turb i l hão as nuven s sob repos tas,e sp e ssas e pe sadas c omo enorme s

avalanchas de c ebo enegrec ido , amal gamadas , d i sgre gadas , enovella

das, e sfarrapadas no ar. O i n c l em en te , o t e rr í ve l , o t en ebroso , o tra

gico mar do Norte , encapellado em ondas al t e rosas como montanhas ,esbarrava na es tre i ta pon ta s ep t entri onal da Ho l landa a sua furia récrudescente de sde 0 polo , a qual 0 t emerar io cl i que do He ld e r con t ra

põe impav ido o prime iro ob stacu l o do camin ho .

Um rombo n a mural ha, que o mar embrave c ido de sfaz e que a

Hol landa t enaz e pac i ent e refaz m inu to a minu to,e—comprehende

- se

b em e nun ca mai s 0 e squec e quem uma ve z as s i s t iu a e ssa l uta t remenda ent re o di qu e e 0 mar—o paiz inte i ro

,concavo como uma b a

cia, se r ía varr i do de um cabo ao outro nºuma l ugubre b aldeacão ani

quiladora.

Então perdi a von tade de s orri r do que t inha vi s to em BroekUm povo

,que

,para man ter a occupaç ão do sol o em que vi ve ,

su sten ta em cada dia e s s e combat e e t ern o e fo rmidav el com o oc eano ,t em sobre a t e rra dire i tos discricionarios e p od e tratal—a como mui t ob em quizer a seu unic o sabor e capri cho . A pueri l i dade dos seu s gosto s capt iva o meu re sp e i to e nt ern ec i do . Todo O grande val or p ortent oso e descommunal é ass im

,por natureza i ngenuo e s imp l e sment e in

fan t il. O s oc iosos , e ne rvados no l ux o apath ico das civilisacões t ranqu i llas

,d i v e rt em—se cacar 0 javal i e o t igre . O mar inh e iro des t emi do

, que

regressa das p escas da bal e ia ou das exp edi ções do pol o , en tre tém - s eb ordando ao bast i dor ou fazendo me ia e ncruzado no chão , sob re 0 con

vez da embarcação v i c toriosa, s uavement e bal o i çada em azul n o port omanso e solheiro .

A l ém di s so , ha no asp ec to architecton ico das al d e ias e na decoraç ão da paiz agem na Hol lan da a expre s s ão de uma fe l i c idade tão ca

Can zpos e Aldeias 1 07

s e i ra, uma i n t imidade tão mei ga, um tal ar de candura, tan ta bondadechãmen te d is tribuida, tan ta famil iaridade communicada s em restriccão

e sem re s erva, que chega a gen t e a exp er imentar uma s en sação mai sdoce que a s impl e s curio s i dade : un s l onge s i n e spe rados de t e rnura ; Oreconhec imento da hospi tal idade das co i sas

, a qual , ainda n o me io darua, parec e guardar 0 quer que s e ja do cal o r do lar ; uma e sp ec i e deamisade a boa tia v e lha, que nos mos tra a sua al c o va an ti ga e virgi

nal; fi nalmen t e um l eve humede cimento de vaga saudade , saudad e deremotos dias cas tos

,i nn ocen t e s

,al egre s

, esvah ídos na penumbra cô rde rosa das confusas rec ordaçõe s da i nfanc ia.

A pueri l i dade no exc e s s o do as s e io é,s egundo todos os v iajant e s

que me prec e deram , o grande rid icu l o nac i onal da Hol lan da . Eu as s imo confirmo , dec larando porém ,

para descargo da minha consci enc ia,

que a mai s ve rde creancice d e l impe sa me repugna menos do que umarobus ta homb riedade de porcar ia . Horro r por horro r , prefiro uma ar

vo re p in tada a um p ent e su j o,e ante s que ro que nos meus pesadellos

me appareca uma vacca em c ima de um tapet e , do que uma e sc ova dedent es cab ida n o l ixo at raz d e uma commoda .

A impres são geral que dei xou no meu e spí ri to a paiz agem hol landeza assemelha—se, em resumo

, a rec ordação de um d e s s es viv ido s epin tal gados albuns japone z es , em que as t re s m il i lhas do imperio doNascer do Sol , banhadas na humida vaporisacão côr da aurora

,se nos

de i xam v êr ou advinhar de um re lance , riden tes , fagueíras, en vo l tas nosmeandros az ues da agua, che ias de e s t ranhos espe l hamento s d e so l , een c e rrando uma v ida exot ica

,calma de t odas as re v ol tas dos nervo s

e de todos os es to s do sangue , docemente penetrada até à s o ri gen sp e la mans idão con templat iva, scismadora, magne tica dos b rancos luares profundos e dos vas t os lagos crystalinos e immov eis . Fecho os

olhos e reve j o angul o s lumin oso s d e um arch ipe lago v erd e jan t e : minusculas il has da v ariegada cô r mimosa e t en ra das flô res dos jacinthos

,um encruz ilhamento confu so de pon te s rusticas , de uma das quae s

at rave s sada em arco en tre chorões , se ri para mim com a sua enorm ebocca sem dent e s uma v e l ha phan tastica, en can tadora e al egre coma

1 08 A Hollanda

dre,de t ouca bran ca e monumen tal c omo um obe l i s co , tamancos im

men sos e recurvos, maos nas i l hargas , pernas ab ertas , b i cos dos p ésmet tidos para d ent ro ; uma Era de canal em que voga l en tamente aosol p os to uma barca, puxada acírga por uma rapariguinha de doze aiinos e l evando den t ro

,s entado á pôpa, um velho adormec ido ; uma es

t rada p lana, recta, cal cada de t i j o l o , ao l ongo da qual t ro ta um ca

val l o pre to da Friz a ou da Z elan dia,de l on gas c linas ao v en to , sacu

di ndo um argen ti no carri lh ão e l e vando á lt ermesse , na carre ta rural en

grinaldada de rosas , uma famíl ia em fe sta, que me parec e e s tar v endo

ai nda,vol tando - se para t raz, famil iarm ente , num ge s to amigo, para

me d ize r adeu s !

1 1 0 A Hollanda

concen tricas aos bai r ros vel hos,sem que jámaís a popu lação se d is t raia

do seu foco , d i spersando - se fugidiamen te em bai rros e xcéntricos,pu

xando n'uma só d i re c ção,c omo succed e em out ras c i dade s

,com de

t rimen to do conjunc to regular e harmonico . Cada n ova zona de construccão põ e no del i n eamen to do todo o vest ígio de uma n ova camadade hab i tan te s t razendo comsigo o gosto archit ecton ico de cada s e cul o .

Nas ve lhas ruas as reedificacoes c on stroem - se no ant igo estylo da 10

calidade, s e gundo os mode lo s que ficaram do secu l o xvi , do s ecul o xvue do s ecul o x

_

v1 11 . Nas ruas n ovas a moderna arch it ectura hollande z acampe ia em p l ena l iberdade de innovacão . Esta part i cu laridade bastapara dar uma i dea da gran de var i e dade e do grande int e re s se p i t toresco das casas de Amsterdam .

J unto ao mais profundo re sp e i t o da t radi ção nos costumes e nos

ediâcios,admira- se o movim en to mai s fort e de r enovação e de pro

gres so .

q uanto por um lado as casas q ue cahem no bai rro c en tral doDam e n o bai r ro dos j udeu s se re ed ifi cam absolutament e s egundo as

p lantas primitivas,nos bai rro s novos l evantam—se ed ificaçõe s l uxuosas

de primei ra ordem,como o P alacio de Cry stal , o Novo Museu, as ga

lerias , grande ediâcio monumen tal no gene ro do P alais Royal em P a

r i s , o Hotel Americano , e 0 Amstel—hotel , exc e l l en t e mode l o do gen ero ,c omparave l aos melhore s de Londre s , de P ari s , de Vienna, de Genovaou de N ic e , comprehendendo c ento e v in t e quart os , grande v es tíbul o ,lzalls , s e rvi co de bagagen s e de criados in te i ramen te s eparado do ser

viç o d os hospedes , sala de mesa r edonda, sala de j an tare s e de almoç os , re s tauran t e , sal ão de l e i tura, sal ão de conversação , sal õ e s part iculares, banhos e canalisacão para cada quarto , de agua, de gaz e de

ar, 0 qual ao sah i r do res ervat ori o atrav e s sa uma pulverisacão de va

p or, permit tindo dar

- lhe por me io do mov imen to de uma t orn e ira 0

grau de hygrome tria que se dese ja.

q uanto as v endas de l i c ore s de Lucas Bol s e de Focking conservam a mesma installacão , tão pi t t or es ca, que t i nham no seculo xvi

no s ecul o xvn, cafés i n te i rament e modernos ofl'

erecem ao hab i tante

As Cidades 1 1 1

de Amste rdam o max imo conforto que e s tabe l ec im entos d e s sa ordemproporc i onam às mai s r icas cap itae s da Europa .

O café Krasnapolslg'

, por exempl o , tem vint e b i lhares , um jard imde verão , um jard im d

'in verno

,l ogares para duas m il p es soas , illumi

nação a l uz e l ec tr ica e gran de orchestra à s horas do jantar, das s e i s eà s o i to da no i t e . O ut ro tan to no café do P anop ticum,

ond e , al ém dosjardi ns , da orches tra, da grande sala, da l uz e l e ct r ica, ha ainda 0 at

tract ivo supplemen tar de um sal ão de jantar,mobi lado art i s t i camen te

no esty lo hollandez do se culo xvu e reve st i do de grandes faianças deD elft .

Entre quarenta ou tros café s e r e s taurante s de di v ersas cat egor iasc ump re ain da e sp ec ifi car c i nco cafés—conc e rto s , o Café Riclze, que éuma succursal do Bignon , 0 grande Cafe

' Suis so , o CaféFrancez , e osfamosos Salões d'ostras em Kal vers traat e em Reguliersb reêstraat , ondecom tanta arte se p reparam os c las s ic o s almoço s de mar i sco : as os

t ras s erv idas nos grandes p ratos de made ira com assumptos de pescapintados a ol eo , as mon tanhas de camarõe s , as saladas de arenque comb e terrabas , cebolas e p ep ino s de c on s e rva, e as sandwiclzs de p ão torrado com engu ia e salmão de fume iro .

O s jardin s amsterdamenses rivalisam c om os melhores do mundo .

A l ém dos jardi n s pub licó s , esp ec ialmen t e consagrados á rec reação dascrean ç as, e do grande parque Vonde l , para r ender- nous de carruagens ,oc cupando uma sup erfi c ie de 2300 h ectares , com um café , uma vac

caria e uma e s tatua ao grande poeta hollandez Just us van den Vondelha O Horto Botanico , com as suas magnifi cas es tufas

, as s uas palm e iras do Cabo da Boa- Esp e rança, a sua famosa Victoria Regia, o s euagigantado cypreste das margens do Mississipe , que se di z ter s idop lantado pel o p roprio Lin n en ; ha os Viveiros de Groenewegen , cu jase s tufas occupam um c ircui t o de c e rca de me ia l egua

,bas tando para

dar uma i dea do sup remo grau de perfe iç ão a que ch egou a horticul

tura na Hol landa ; ha ainda O Horto de Linnen , magnifi ca e scola pub lica de b otanica, e ha, finalmen t e , o Jardim Z oologico .

Este e s tab el ec imen to e' c las s ificado en tre os prime i ros da Europa

1 1 2 A Hollanda

e immed iatame n t e dep oi s dos jard in s z oologicos deLondre s e de Fran cfor t . A l ém da sua vast íssima colleccão d

ºanimaes

,dos seus aviarios

magnific os, das

'

suas gal e rias de carn í voros e de pachidermes, da sua

gai o la de macaco s , das suas p i s c inas de palm ipede s ,'

de phocas,de

l ont ras , de cas tore s , de ti gre s mar i nhos , do seu enorme aquari um ,dos

s eus amplos parque s de v eados,de zeb ras

,d e hippopo tamos, de b u

fal os , de an tílopes, de girafas , de gamos , de dromedar io s , dºan tas

,de

animaes corn ígeros, etc .

, o jard im zoo logico dºAmsterdam tem , comoc omp lemen to de sua colleccão viva

,um mus eu compl e to dªesqueletos

e de animaes empal hados,uma b ib l io theca

,uma expos i ç ão de p i sc i

cul tura e de chocagem art ifi c ial , um importan te vive iro de flô res e de

plantas exot icas, um j ard im dºinverno , um museu ethnographico abundan da princi palmen t e em armas

,art efact o s e mode los de editi cacões

das .In dias O rien taes e O cciden taes, uma colleccão d e craneos , uma

colleccão de conchas , uma colleccão de cornos , uma colleccão de in

sectos,um vas t i s s imo restauran te finalmen t e , é um pavi l hão de mu

s ica.

Est e impor tant í s s imo in s t i t uto , fundado , ha quaren ta e c in c o an

nos, por uma so c i edade part ic ular , é ai nda ho j e di rig i do pel o seu pri

mitivo dire c tor,o s r . W e s te rman . Sob re o port i co da en trada l ê - se a

div i sa da soc i edade , dennindo da mane i ra ma i s p e cul iar aHol lan da oprinc ipal t i tul o da obra da natureza ao amor

,ao re sp e i to e ao e s tudo

do homem : Natura artis magistra. A t e rra de Rembrandt,de V an

d er !Vel d e e de Kare l du Jard in não pode ria com d iv i sa mai s tocan t eexprim i r pe la creacão de um j ard im monumental a comprehensão da

gloria que l h e cab e como berço da pin t ura moderna .

P ara que se não diga que os hab i to s re colh i dos e case iros do h ãb itan te s ão an tes uma nece ss idad e do que uma v i rt ude , Amste rdamtem n

ºest e momen to abertas ao publ i co quinze casas de e sp ec tacu lo s

ou de conce rtos musicaes . Entre e l las d ev e - se especialisar o Theatro doP arque , con s truido , ha apenas do is annos , pela somma de con to sde ré i s . E um vas to ed ifi c i o decorado luxuosamen te em estylo i ndiano ,e semelhan te ao Eden l êatre, da rua Auber, em P ar i s . Como 0 Eden

1 1 4 A Hollanda

es tabe l ec im entos . Na installacão mat er ial de quas i todas as e s colas éc ommovente a decoração , i n t el l igen temente c onc eb ida no intui to de e xc i tar no s al umnos p e las suggestões da art e os s en t imento s de abue

gação e de glor ia, O respe i t o da trad ição , o esp i ri t o de c las s e e o amorda pat ria.

Na e s cola de mari nha, por ex empl o , fundada em 1 785 pe las sobras de uma sub scripç ão patriotica de s t i nada a soccorrer os mar inhe iros mut ilados

,as s im como as v iuvas e os orphãos dos marinheiro s

mortos na batal ha de Doggersb ank em 5 de agos to de 1 78 1 , ha todoum gab in e te de recordaçõe s historicas : en tre outras , magn ífi c os re t ratos dos alm i rant e s de Ruyte r, P i e t He in , Tromp pae e Tromp fi l ho ,He emskerk

,Ever ts en e Z outman ; o re trato de João d e W i t t e , 0 glo

rioso martyr da opposicão repub l i cana a casa de O range ; a medal hade oi ro cunhada em memoria de Kinsb ergen d epoi s da batal ha navalde Doggersb ank ; a e spada de honra de Z ou tman ; as insígnias da or

dem de S . Migue l c om que 0 propri o Luiz x 1v condecorou de Ruy ter , Ot e rror dos mares , immensi tremor oceani, como diz o seu epitaphio da

N ieuwe Kerk, a medal ha d e honra que lhe votaram os Es tados Gerae s , o cop o de champagn e p el o qual e l l e b eb eu O v inho da ul t imasaude a gloria da sua patr ia

,e,fi nalmen t e , a mesma bala que 0 ma

tou,ferin do—0 como a A chi l l e s n

ºum p é

,por occasião do seu de rra

de i ro recon t ro com Duquesne na campanha da Sicília, no golfo deCatania, em 1 676 .

Mas a grande, a v erdade i ramen te i nd i s cu t i v e l , a sup rema gloriada cidad e e s tá nas suas fundaçõ es de b enihcencia e nas suas colleccões d

ªarte .

Não pude examinar bas tant e at t entamen te todos os e s tab e l e c imen tos p i os

,e ci t o apenas os nome s de al gun s

,c o l hi dos de pas sagem

e ao acaso . O asylo dos nec e s s i tados , o hosp í c i o dos v e l hos lutheranos

,0 asy lo dos ve lhos, O hospi tal dos doent es e dos al i enados isrea

l i ta's,o asylo dos cegos , as ofiícinas dos c egos n ec ess i tados , 0 orphe

linato dos rapaze s e das rapari gas da re l ig i ão reformada, a casa dosmar inhe iros , o hosp íc i o dos ve lhos da congregação neerlandez a, 0 hos

As Cidades 1 1 5

picio catholico das ve lhas e das re l ig i osas , 0 hosp í c i o reformado dosve lho s

,o orphelinato communal , 0 orphelinato catholico , o orphelinato

lutherano , etc .

A l gun s d e s t e s in s t i tu tos occupam casas sump tuosas , v erdade i rospalac i os de l uxo .

O s orphaos asylados p e la ci dad e e pe las congregacoes t e em a

carne al egre da saude e da abundanc ia. Não saem nunca em fi la s e rvil, t r i s t ement e arrebanhados como pobr e s an imaes captivos . Andamá so l ta nas ruas como c idadãos l i vres , passeiando do is a do i s ou inteiramen te desgregados un s dos out ros , um por um . D is t ingue—os o

un iforme, que dá na vi sta, o s assignala e os força a as sumi r em toda

parte a resp on sab i l idade que l he s cab e como membros da corporaçãoa qu e pert en cem . As orphãs te em uma e l eganc ia grav e

,um pouco

scismadora, fazendo p ensar na l enda de Margari da e na pa1xao do

Faus to . A fres cura e a c orre cç ão das suas toilettes é i nex ced í v el . Ac idade j ul gar—se—ia macu lada de uma v ergonha pub l ica

,se alguma das

suas orphãs foss e v i s ta com um sapat o desformado, com uma t ouca

da vespera, com uma nodoa no ve s ti do , com um surro nas l u vas .

Em Ams terdam , as s im c omo em Ro tt e rdam ,as s im como na Haya

e nos out ro s grande s c en tros da p opulação hollande7 a, os orphãos dosc idadãos são os ve rdadei ro s fi lho s da c i dade , e os cu idados de car inhosa prot e cção que os rode iam te em mai s o c unho de um tern o d esvanecimen to mat e rnal que 0 de um secco deve r d e b en ificencia.

O asy lo dos cegos de Amst erdam , fundado em 1 823, é um ins t ituto mode l o para todos os dºesse g enero . O c urso d e en s i no para os

asylados é de doze anuos . A l ém das l in guas france z a e allema,en si

nadas p rat i camen te , al ém da l e i tura e da escripta em re l e vo de pauta,s emelhan te ao do apparelho telegraphico de Morse s egundo o c onhec ido methodo de Brai l l e , os c egos do i n s t i tuto amsterdamense , i n s truidos nos proc e ss os france z es e dinamarquez es, de Foucaud e de Gul db erg

,e scre v em com p enna e papel agilissímamen te

,em l e tra c orri da,

perfe i tamente in telligivel para t odos os que t e em v i s ta . Juntament ecom a geographia, com a h is toria

,com a mus i ca vocal e i n s t rumental ,8 =x=

1 1 6 A Hollanda

os cegos , de cu j o o gremi o saem os organi s tas para muitas egrejas daHol landa

,e xerc i tam—s e em um grande numero de

'

t rabalhos m ecani

cos , em que adqu irem uma des treza prod igio sa . Enas tram c es tos , chapeus

,as sen tos de cadei ras e var ias ou tras obras de pal ha

,de vime e

de j un co ; t ec em admiraveis red es de pesca e d e caça,e são inexcedi

v e i s em certas obras d e mal ha e de m issanga,fabricando as b ol sas d e

retro z em p equ eno alforge para o dinhe iro,geralm ent e usadas em toda

a Hol landa .

A l ém do grande asylo a que me refiro,e que se ac ha s i tuado no

Heerengracht , ha mai s em Amsterdam tres hosp i ci o s para as p es soaspri vadas da v i sta .

O in st i tu to d enominado Casa dos ,Mar inheiros (Z eemansluus)merec e egualmen te m en ção . Si tuada quas i em fren te da e scola de Mar inha

,es ta casa, fundada em 1 856, t em por fim t e s t emunhar a sympa

th ia esp ec ial de Amste rdam p ela c las s e dos navegadore s que fize ram a

gl oria commerc ial e a r iqueza da c i dade , facul tando aos homens domar de semb arcados n

ºeste porto a mai s fac i l e a mai s commoda vida

durante a sua re s idenc ia em t erra . Não e' um hosp i tal , nem um asylo ,

n em um alb ergue , na accepç ão e s tre i ta que tem es ta palavra,na rela

cão de b emfeitor para des val i do . É s impl e sm en t e uma hosp edaria m on

tada com perda do hosp ede iro, no i n t uit o do max imo b em—es tar d o

hosp e de . Es te grande hote l é p os t o p e la c idad e a d ispo s i ção de todo0 marinh e iro , mediant e os s egu in tes p re cos : 500 ré i s p or dia,

paraal ojament o e al imen tação de tod o o p i l oto ou facu l tat ivo naval ; 400ré i s p or al o j amen to e hab i tação de todo con trames t re

,carp in teiro . ma

ruj o ou" grumete . P or t ão mod ica s omma a Casa dos n

-

z ar inheiros p ro

porciona aos s eus hosp ede s b oa cama e exce l l en te mesa, vas tos sal õ esde conversação e de rec re io , casa de banhos , gabine t e d e l e i t ura, salade b ilhar, uma b ib l io th eca e sp ecial e uma grande var i edade de j ogosde salão e de jard im .

P ara as honras da hosp i tal-i dad e aos commandante s de nav i o eoutros marinh e i ros de graduacao sup eri or tem ai nda a c idade o c l ubde l ux o in t i tulado Esp erança do marinheiro (Z eemanslioop) s i tuado no

1 1 8 A Hollanda

O museu V an der Hoop conta 222 te las , das quae s 1 5 7 de ant i

gos mestres hollandez es .

No mus eu Fodor ha 1 2 1 quadro s a ol e o,hollandez es ou flamen

gos, 4 1 france z es e allemães, 900 desenhos e 300 gravu ras .

A colleccão da Casa da Camara,mal installada em c on sequenc ia

da estreitesa do ed ifi c i o,con sta

,s egundo s e d i z

,de mai s de 300 qua

dros, dos quae s sóment e se acham expostos o s mai s notav eis , grandes t e las de Franz Hal s

,de V an der Helst

,de Fl inck e de Ke is e r

,

documento s int eressan t iss imos da p in tura c ívica da Hol landa, a me

nos conh ec i da n o es trange iro , repre sen tada nas colleccões nacionaes

p e lo s b e l l os r e tratos das c orp oraçõe s b urguez as dos s ecu los xvr e xvu,reun iõ e s dºarcabuz eiros, de syndico s, de regent e s , de ch efe s de doelen ede gildes . A l ém da sua colleccão de quadro s

,0 palac io da mun ic ipal i

dade possu e um gab in ete in t ere s sant iss imo de mode l os de diques , dep onte s

,de construccões hydraulicas ; uma sala d

ºarmas ; um museu de

curio si dade s, c on tando grande numero de val i o s os documento s ar t i st i cos da h i s tor ia da c idade

,obras p rimas de ou ri v esar ia e de s erral ha

ria dos s ecu lo s xv 1 e xvn , in s í gn ias de b edeis e de chefe s de c orporaçõ e s

,tacas h istoricas

,medal has

,faianças e b ron ze s .

A soc i edade Ar ti el amil itiae p ossue , installada em dois magn ificos sal õe s uma galeria h i s torica c on tendo mai s de 200 quadro s relat ivos ao passado da Hol landa. P ara se aj u i zar da importanc ia dºestacolleccão basta referi r o s assumptos d

ºalgumas d

ºessas repr es en tações .

Um p anneau c on t ém 0 Estado p rehistor ico da N eerlandia . O utroscomprehendem succe ss ivament e : Mon tícul o s e cabanas germanicas

Tumili; A l tare s de sacri fi c i os german icos ; Vi s i ta'

de Car lo s Magno a

e s cola de S . Mart inho de Utrecht em 709 ; P alac io e cas te l l o d e V alkenhoff, em N imegue , no t emp o de Car l os Magno ; a fe i ra de Utrech t,em 1 1 20 ; Bib l io the ca da abbadia de Egmon t em 1 200; 0 conde Guilherme 1 1 funda um palac i o - cas te l l o na Haya em 1 249 ; O c onde Guilherme 11 mat ri culando - se no regi s tro dos c idadãos de Utrech t em

1 249 ; o cond e Fl orenc i o 1 1 manda c on s tru ir di ques e canaes em 1 240;

O c onde J oão 1 1 outorga o pr imei ro p ri v i l e gio á c idade de Ams terdam

As Cidades 1 1 9

em 1 300 ; Exploracao das turb eíras pel os monge s de Giethoorn , em1 334 ; Construccão dos p rime i ro s pharoes n as dunas da Z e landia em1 35 1 ; O s primei ros mo inhos hydrau licos na Nort e Hol landa em 1 400 ;

Thomaz de Aqu ino e scre v endo a Imi tação d e Chri s to em 1 460 ; Inven ção da imp ren sa por Lou renco Kos te r , de Har l em ; A casa da

camara de Amsterdam em 1 650 ; Erasmo l endo a Thomaz Morus eaos s eus amigos o Elogio da loucura em 1 509 ; Lucas de Leyde t erm inand o uma gravura n o seu l e i t o de moribundo em 1 533; Carl os v vi

s i tando 0 t umul o de Gui lh e rme Beuclt elsen , em Bi e rvl i e t, no anno de

1 5 50; O c erco de A lkemar em 1 5 73 ; A Un ião de Utrech t, em 1 579 ;

Heemslterke p roj e ctando com Barent s uma s egunda v iagem ao Mar

Glac ial em 1 596 ; A embai xada commerc ial do Czar a Mauric io de Nassau, em 1 6 14 : A fundaç ão da Batav ia em 1 689 ; O gremi o lit terariode Muiden em 1 642 ; Mart inh o Tromp na v é spe ra da batal ha navaldas Dunas

,cont ra os híspanhoes , em 1 630 ; O poe ta J u stu s van den

Vonde l em 1 643 ; P i e t He in conduzi ndo a armada de prata, em 1 6 1 7 ;

Aud ien c ia dos b urgomestres de Amsterdam em 1 653; A paz de W e s tphal ia em 1 648 ; A batal ha naval dos tre s dias dada aos ingle z es pe loalmirant e Ruyte r em 1 66 5 ; A vi s i ta do bai l io aos arch e i ros de Am s

terdam em 1 650 ; Rembrandt med i tan do a lição de anatomia em 1 632 :

J oão de W i t t em 1 660; O med ico Boerhave , natural de Leyde , o fundador do en s ino c l ín i co , 0 mesmo a quem no s ecul o xvn 1 e s c re v iamda China a car ta, q ue l h e ch egou à s mãos , as s im sob rescriptada : Ao

doutor Boer/rave na Europa ; J o ão van der Heyden , o in ven to r dasman gue iras applicadas ás bombas de i nc end i o ; Grot ius ; Jus tu s van

Ell en ; O poeta Corn el i o P oot ; todas as grande s gl orias da Hol landa,emfi m ,

na guerra, na polít ica, na sciencia, na lit teratura, na ar te .

Esta gal e r ia, fundada pe la i n i c iat iva de algun s b urguez es de Amsterdam ,

é de p er s i s ó um pan theon nac i onal , e pode s erv i r de mo

de lo ao p lano da deco ração art i s t ica dos palac io s municipaes em qualque r c idade do mundo .

A soc i edade A r ti et amititiae p romove frequen t e s exp05 1c0es de

pin tura moderna, e fo i n'uma das s uas salas , admi rav elment e allumia

1 20 A Hollanda

da , q ue eu v i agora, expos to com um resp e i to ve rdade iramen te cul

tual , 0 grand e quadro de Munckaz i—Cliristo na p resença de P ilatos .

Na A cademia Nac ional das A rt es P las t i cas ex i s te uma s eri e degravuras , var ias reproduccões em ges s o d e marmores clas s i cos

,e a

c el ebre colleccão de quadros p ert encen t e s a c orporação dos cirur

giões de Amsterdam,da qual fazia par te a L ição de anatomia, de

Rembran dt , pre s en temen te n o mus eu da Haya. O mesmo'

assumpto

dºessa compos i ção foi t ratado mais v eze s para a corp oraç ão dos cirur

giões pel o p rop rio Rembrandt e por outros p in tore s do s ecu l o xvn .

A so ci edade Felix mer itis pos su e,al ém de uma co lleccão dc ge s

sos,var i os quadros de val or, um gabi n et e d e phys i ca

,um ob servato

rio , uma b ib l io th eca e uma sala de c once rtos .

A Sociedade d are/teolog ia t em uma ex c el l ent e colleccão de ant i

guidades , move is , V i d ros , l oi ças , ve s t im entas , j o ias e al guns quadro s .

Est e mu se u d ivid e—s e em nove secç o es,c on s t i tu idas da man ei ra se

guin t e : r i tual e ornamen tos ecclesiastiç os ; 2 . ex t e ri o r d e casas ,ruas e jard ins ; 3.

ª i n t erio res domes t ic os ; 4 ªa arte ; v id raria e cc

ramica; armas,caça e navegaç ão ; 7 .

ª corporações de oflicios ; 8 .

ª

en s ino ; 9 . r ecordaçõe s de p e ssoas e l o cal idades . Fundada em

a s oc iedad e d ª

archeologia t em por fim augmen tar os c onhec imen to sh i s to ri co s

,formar e educar O gos to dos ar t i s tas e d o pub l ico .

O palac io da In dustria, const ru ído d e crvs tal e ferro no s tyl o b ysant in o

,al ém de uma sala de con ce rto s e de bai lados

,com uma es

t en sa galeria de stinada a expos i çõ e s t emporarias ou perman en t e s d ebel las—ar te s , de art e s industriaes e de ar te s decorat ivas

,de mat e rias

primas da i ndu str ia indígena, e de mach inas e i n st rumen to s d e fabricação .

BroelterHuis (a casa de Broek)é um grac ioso pav i lhão rust ic o ,no estylo do s e cul o xv 1 , r ec en temente c onstruido j un to de um jard ins inh o em labyri n tho im i tado de Hampton Court , e d e um pequenoparque “ a s emelhança dos de Lenô tre , de st inado a re co l her do modomai s p i t tore sco e mai s art i st i c o a an ti ga colleccão de Brock, conheci dade t odos os touristes e prop ri edade da v e l ha e ce l ebre Ml l e Frege

1 22 A Hollanda

soc iedad es modernas no d esen vol vimen to do saber ; que as grandestransacçõe s do n egoc io proced em presen t emen te e por t oda .a partedos grand es p rogres sos das i ndust r ias c readoras ; e que a s or te das industrias em t oda a Europa dep ende ho j e d i re ctamen t e do grau de de senvol v imento art i s t i co d e cada p ovo , do n i ve l da sua instruccão , do

b em e s tar das class e s trabalhadoras , da sua e l evação i nte l l e c tual , doprogre sso da crít ica, do aperfe i çoamen to gera l do gost o pub l ic o .

Dºahi vem que o grande commerc i o de Amsterdam

,em vez de se

d esgas tar un icament e a si mesmo pe l o p roces s o autopophagíco das re

gulamen taç ões aduaneiras e das accumulacões d e apparelhos bancar ios

,pensa em augmen tar a sua prosperi dad e , e j ul ga sab iamente s er

v i r 0 seu futuro,creando e s colas

,fomen tando expos i ções art í s t icas ,

fundando gal erias de arte , enri quecendo e mu l t ip licando os museu s , sem eando o s grande s jard in s de recre io

,p lan tando os grande s parque s

de luxo ,—p erfe itamen te c onvi c to s de s ta grande ve rdad e economica e

soc ial :—que para o en riqu ec iment o dos povos no regimen do trabalh omoderno a noç ão do bello é de todas a mai s util e a mai s n ecessar ia .

ROTTERDAM

E a c i dade mar i tima por excellencia; é um Amst erdan sal gado , eche i ra a al gas e a mar i s co , ass im como Amsterdam che i ra a fundo depoço

, ao b om l odo fe rt i l i san te , a herva e a turb eira .

No s canaes rot tcrdame z es—on de corre o Mosa, q ue t em aqu iuma grande profund idade— não p enet ram sóment e as barcas de fundochato da navegação int eri or da Hol landa ; e n tram egualm en t e os na

v ios de al to bordo , e nada ma i s phan tastiç o do que encon t rar a cadacanto de rua os canos das mach inas de vapor e a mastreacão dos steamers tran satlan t icos que p ercorrem a c idade por en tre o s pred ios , evão d escarregar famil iarmen te , como s imp l e s carre tas de mão , ap ortados c ons ignatar ios .

As Cidades 1 23

De n oi t e,as l uze s do s pharoes de b ordo , en tremeiadas com as

dos candee i ros das ruas , p roduzem uma confus ão phan tast ica, umainext ricavel pol v i l haç ão l uminosa nas t re vas humidas , l embrando umenorme enxame de grande s pyrilampo s t rep idan tes n a profund idadee scura do céu .

De dia, nada mai s al egre,nada mai s rutilantemen te fe st ival do

q ue 0 asp ec to do porto,com me ia l e gua de largura, at rave s sado por

uma p on te de caminho de fe rro,ladeado , nas duas margen s , de cae s

arb orísados, entresachados de depos i to s de fardos e de jard ins de re

c re io,de armazen s de negoc i o e de palac io s de l u xo , cursados por uma

pi t tores ca mul ti dão d e carregadores e commercian tes, de es trange i rose de ind ígenas , de carro ças , de carruagen s , de embarcaçõe s .

As l oc omot i vas s i l vam a cada pas so desenfrechadas p e la p ont e,

r i scando imp etuosamente atrav ez do rio e at ravez da c i dade a baforada arquejan te das cal de i ras , cuspinhando o azu l do céu de succe s s ivos borrõ e s de fumo rolando fugid ios por c ima dos campanar ios dast orre s . dos t e l hados vermelhos da casaria e das azas gigan t escas e ruiv as dos moinhos moinhando ao so l .

Em torno de toda a vas ta bacia do porto,a armação dos gran

des nav i os , anc orados ren t e do s cae s , faz uma e sp ec ie de arvoredosem fol has

,fl orido j un t o do top e dos mast ros de band eiras , de galhar

detes e de flamulas, que cantam ,

vib rant e s na t ransparenc ia atmos

pherica, toda a symphonia polychroma de uma en orme palleta ae ria .

Chegue i a Rot terdam nºum domingo

,e n ão cre io que jámais es

que ç a impre s são que me fi c ou dºessa p rimei ra noi te pas sada na ci

dade gl ori osa dªErasmo e de Corne l i o Tromp . O hote l onde m e ap eeiachava- se em preparat i vos de fes ta part icu lar, p rivat iva da famí lia p ro

prietaria do estabel ec imen to . A casa de jantar, ao fundo do corredorde ent rada, fôra d efesa aos hospede s . Um criado de casaca e gravatabranca, nªum vestiaire imp rov i sado

,rec eb ia os agasal hos das s enhoras

e os pardessus dos conv idados .

De den t ro vinham clarõe s de l us t re s accesos, e s talos de Champa

gne desrolhado , ruídos de vozes e de tal h ere s em mov imen to , compas

1 24 A Hollanda

sos de val sa evolado s de um piano onde mãos dithvramb icas ded ilhavam com ar dor os _Mosqueteiros da rainha .

As 7 horas jante i na sala dos almoços e do s e rv ico a l i sta, fren t ea fren te com um hollandez al t o , gordo , d e uma robu st e z caract erist i

camen te flamenga, in genua e in con sc i en t e , dando - lhe o asp ec to de umeno rme men in o pos t o a mesa v e s tido de homem e adornado de umassuissas . Um c riado un ic o s e rv ia- nos á pre ssa

,e v i dentement e n o i ntui to

ze l o so d e ir ai nda dª

ali ajudar ao fe s t im dos seu s amos,cujo ecc o n o

m e io da t r i s teza do nosso s i l en c ioso repas to nos ch egava exal tado dec on t ras te , n

º

uma s onori dade de saturnal .Na sala prox ima c omeçara- s e a entoar uma canção bac ch ica quan

do 0 meu companhe i ro , especto rando um susp i ro fundo, e depoi s d e

m e hav er pe rgun tado se eu era franc ez,de scarregou sub i tamen te no

meu p ei to e sta confi d enc ia inesperada z— Dº

ali a t re s d ias c e ssariam lnteiramen te para e l l e as al egrias e o s prazeres mundanaes .

' Este dom i n go se ria O ul t imo em qu e e l l e part ic iparia dos p rofanos regosijosdo s ecul o . Na t erca- fe ira s eguin te e s tar ia para t od o sempre v incu

lado a e gre j a . E, ao diz el- o , tr emia—lhe a vo z n

ªuma commocão que

e l l e procurava'

de bal d e rep rim i r ; e os s e us grandes olho s az ues,fi to s

nos meus , arraz avam - s e—l h e d e lagrimas crystalinas e l uminosas .

P or que não se fez ant es padre catholico em P ortugal ou em

Hispanha?

O h ! oh ! exc lamou e l l e com horror .

E que en tre n ó s o s v ín cul os do sac e rdoc io n ão ex c lu em 0 ecc l esiast iç o de n enhuma das con viven cias temporaes. Nªum domingo

,co

mo ho j e , por e xempl o— expl ique i e u— um cl e r igo em Li sboa,depois

de d ita a sua missa mat inal , tem cump ri do o prec e i t o,e acabaram

para el l e at é a m i ssa do ou tro dia t odos o s c ompromi s sos canon iç os .

Nºum bai lari co de família

,como e st e aqui do lado

,est e ja c e rto q ue

em Li sb oa e n t re v in te convi vas haveria p e l o menos um padre galh ofe iro e adamado , q ue e n tre t e ria d i sc re tamente as s enhoras dizendo b ob i c e s ao jan tar , que é o que lá chamam o lzonesto conmi'io , ou tangendo - l h e s ao p iano uns lanceiros

,em s tyl o repi cado de mo teto, para as

1 26 A Hollanda

e c ompat íve l não só com todas as al egr ias mas com todas as fra

quez as do mundo , a mis são de um c l ero n os paiz es cathol i c os mer idionaes .

El l e parec ia e s cutar -me c om in te re s se,o c otove l l o na t oal ha, 0

quei xo nos n ós dos dedos , e , c omo commen tar i o as minhas palavras ,ex clamava ap enas rep e t idamen te , c om um sorri so me io i ron i co meios i n cero , como um eco mach ina l e vago do seu p ensamen to

O h ! 0 hispanhol l'

o hispanhol

E dizia - o ás veze s com uma e sp ec i e de r e sp e i to curi oso p e la racade San ta Thereza e de San to Ignac i o, dos quae s e l l e t inha o ar de me

cons id e rar como um primo co - i rm ão , um s ob r inh o carnal , um dºestes

paren te s p rox imos , est ro inas , que ai nda n os de sgostos que dão afami l ia se parec em com e l la.

E,t odav ia, lisongeio -me p ensan do que, se con v ive s s e in t imament e

durant e um anno com este h ere j e , eu o arrancar ia tal vez p ela persuacão as garras da hypocrisia lutherana, não digo para o en tregar comoneophito ao papado , p orque para ahi n ão cre i o que e l l e se re sol v e s s enunca a i r p e l o se u p é , mas para 0 res t i tu i r c omo arrep end ido mam ifero á sab ia natureza !

Desp ed imo -nos um do out ro a porta da rua. El l e ç ollo cou a mão

no meu hombro com um ges t o de pat ernal vio l enc ia, c omo querendoind i car q ue o meu caminho era oppos to ao seu

,e di s s e - me

A deus ! Vá—se dive rt i r . Boa viagem !Ache i -me só na rua pri nc ipal da c i dad e , a Hoog

'straat , con st ruí dasobre o ex ten so dique que atraves sa a povoação , defendendo a c idadev e lha das ch e ias do Mosa.

Eram oi to horas da noi te . Cahia uma chuva ou tonal , miuda e con stan te . Uma e spessa mul t id ão de gen t e , s eme lhante ade Kalvers

'

traat

em Amste rdam ,palm i l hava O s o lo lamacen to á l uz dos candi e i ros e a

l uz dos b ot equ in s aberto s,cu j o s c larõ e s a t oda a e x t e ns ão da l onga

rua l i s tavam de fachas lumin osas vas ta supe rfi c i e ondulan te dosº uardachuvas ab ertos e got tejan tes .

D

Recolho -me em uma das novas passagen s amoda na Hol landa,

As Cidades 1 27

construídas no estylo das gal e rias Sai n t -Hub ert em Bruxellas, s erv in doesta para l i gar a Hoogst raat com o cae s . N

ºeste rec i nto o mo v imen to

de gen te e enorme,e o esp ec tac ul o que s e me offerece in te i ramen te

ex t raord inar i o .

AO c larão do gaz , cahíndo de grandes globos fosco s do al to dagal e ria, ladeada dc v i t rinas de armazens

,de tabacar ias e de cafés

egualmente s cin ti l lan te s de l uz , a popu lação rot terdamense en t rega- s e ,abri gada da chuva

,aos s eu s folgu edos habituaes da rua nas no i te s do

dom ingo .

Grupos de rapari gas,en tre os quin ze c os v int e e c inco annos,

criadas de s erv i r, c os ture iras , caixeíras de l o ja, pas s eando de bracodado , nari z no ar, olhar al e gre e at re v ido , fal lando e r i ndo e scancaradamen te , provocam os homens a uma fo l ia de carnaval , de i tando—l he sa l ingua de fora, fazendo - l h e s p é s de nar i z

,puxando - l he s as abas do

casaco ou as guias do b igode , acochichando—l hes os chap eus , dandolh es p iparo tes , fugindo - lhe s com as b engalas

, at irando - lh e s a cara com

bolas d e pape l amarrotado .

O s homen s de t odas as gerarchias e d e t odas as e dades—porqueestas p etulante s rapar igas não e scol hem nem exc l u em n in guem dos

s eus de safios— re spondem—l he s e desp i cam - se agarrando- as á b ru ta pelas c i ntu ras , rebu scando - as e e squadrinhando - as em corre rias de sel

vagem , com detal he s inexprimiveis em l i nguagem impre s sa, até o ex

tremo inac red i tave l de l he s faze r cah i r as l igas ou de l h es quebrar osatacadore s dos e spar t i lhos .

Nunca em minha v ida vi um desp e j o e gual,e es ta l i c en c ios idade

pub l ica parec ia—me o u lt rage provocador d e um povo toda à minhadel i cadeza de v iajant e lat ino . Achava-me i nsul tado .

No mei o dªesta v erdade ira orgia de alarves , des taca- se de répen t e aos meus olho s i ndi gnados um rapaz , de c erca de dez eseis an

nos de edade, grav em en te v e st ido de co l l eg ial , com o seu gran de co l

lar inho redon do , de men ino b em educado,vol tado por c ima da go la

de uma jaque ta de pano fino , tendo abraçada uma fort e e l oura rapariga

, que lhe enche de murro s o nar i z emquan to e l l e lhe c i rcunda o

1 28 A Hollanda

pe scoço de uma enfiada de be i j o s . O guarda da pas sagem,ve s t i do

nºum apparatoso uniforme agaloado de porte i ro d e casa nobre , agarraes te adol es cen te p elas ore l has, l eva - 0 su sp en so do chão até o port icoda galeria, e lan ça—o , por me io de um p on tap é applicado um poucoabai x o dos quartos traz eiros da jaqueta, es tat e lado de bruços sobre alama de Hoogs traat .

E eu gost e i !Confe s so—o aqui para meu cas t igo ; c onfes s o - 0 humi lhado e corri do

de mim mesmo p erant e es s e p rime i ro impul so instinct ivo da m in ha desastrada educac ão dºhomem admin i s t rado , dªhomem pol i c iado

,djhomem

s erv i l . P ob re de mim ! q ue sei eu do que é a l i b erdade ?! Ju lgo -me umindep end en t e , um rac ional i s ta, um emanc ipado de t o do s os preconc eit ostradicionaes da tyrann ia ; de rep en te , um b rutamonte s puxa arb i trariamen te as ore lhas a um pob re rapaz que da b e i j o s n

ºuma rapariga, e

eu regosijo- mc por i s so , e stup idamente , como um s impl es padre -m es

tre de casos , c omo um mísero sargen to i n s truc tor de rec rutas ! P resenceio pe la prime ira ve z na l iv re Hol landa um act o de de spot i smoauctoritario , e o meu coraç ão e xul ta r i d i cu lamen te , como o de um chi

n ez nostal g i c o '

ao tornar a ver, en tre as rar idades de um museu e strangeiro , o mode l o da canga appe tecida em que o en talavam os man

darin s na pat r ia longínqua !Aqu i es tá um pudico horrorísado pela moral em p erigo , porque

um b om rapaz sem l ic enca dºelle d eu quatro b e ij os n ºuma l inda rapar i ga ! Eu quero saber se não é mui to mai s n obr e

,mui to mai s cas to e

mu ito mai s dec en t e e s te e sp ec tacu lo, que o de q uat ro e s tudan te s do

lyccu de Li sboa e sp re itando feb r is p or um stereoscopo da rua do O uroa sem i - nudez obscena da photograph ia de uma cocotte ; e s e n ão é mui tomai s d i gno da honrada natureza do homem o in ic iar—se n o amor dandobe i j os em publ ic o n

ªuma cara de mulhe r , do que l endo um mau ro

mance do sr . Be lo t,às e s condi das

,na carte ira da aula, ou no wat e r

c lo s e t da família !

E ja agora que me de scarre go dªest e peccado , c onfes sare i tudo ,desdizendo - me egualmente da pueri l s us c ep t ib i l idade com que

-

ao pri

1 30 A Hollanda

lheres a dar-me o gene ra l c ommandan te da guarda mun i ci pal cut i ladasem mim .

P ara esgotar até ás feze s a taca dos p raze re s b ab ilon icos de Ro tterdam— que o meu c ompanh e i ro d e table dª/zô te tão saudosamen t e

me re l egara— depoi s de v êr a rua, nada mai s m e re s tava . s enão ir aos

an tro s t en ebroso s dos p equenos cafés can tant es , chamados lll -íusicospor um dos muitos hispanho lismos deixados no vocabular io nac ionalpela conv i venc ia das t ropas de Fil ipp e 1 1 . Em tão es trei to s l im i te s se

restri nge a orb i ta p eccaminosa das mundan eidades com que e s ta c idadecontribue na obra ge ral do s ecul o para a perdi ção das almas p e la incont in en c ia do goso !

Fui aos Musicos .

Uma l onga sala de t ec to bai x o, illum inada a gaz . Ar cspessissimo

de fumo,de vapore s alcoolicos , de gazes exhalado s das

'

epidermes em

t ransp i ração,das beb i das fermentadas

,da lama en xuta no cal o r con

finado . Uma cort ina corri da j un to da porta e sconde as vi s tas d e quempas sa na rua os myst erios do t emp l o con sagrado ao cul t o musi cal ecoregraphico da Venus a hora . Ao fundo , um p equeno pal c o para as

cançõe s ; em bai x o , um p iano asthmat ico e duas rab ecas grunhideiras .

A o l ongo dos muros lateraes,filas d e m esas rodeadas d e cadeirasxAo

cen tro,um e spaço l ivre para o bai l e .

O e sp ec tacu lo humano é t ão origi nal com o o da pas sagem Hoogs t raat , mas de carac t er in te i ramente d iverso . Na rua folga- se , e , não

ob s tante a animal i dade b ru tal d o proce s so,ha na b rin cade ira um não

sei que de ingénuo e cas to,como se em t oda aquel la mol e d e sangue

em ebu l i ç ão,de al egria pl eb e ia, não houv ess e pas sado jamai s o cal o r fe

br i l d e um de se j o , a i n s ti gação de uma cur ios i dade sen sual !Aqui , p e lo contrario , ama - s e . D e c erca de c em homens de que

consta o p ub l ico ,—maru j os da Z e landia e da Friz a— todo 0 que não

esta gravemente b ebado , e s tá namorado .

A s mulhere s s e rvidas p e la empreza do bai l e,ab so lutament e como

a c e rv e ja ou o scln'

edam , são repul s ivamen te hed i on das , de uma fealdade nunca v i s ta

,anormal e monstruosa

,evidenc iada em todos os pro

As Cidades 1 3 1

menore s por um t rag e de bai larina feiren se : mail/ot v erme l ho,saia curta

de gaze , c orp e t e s em mangas decotado até o es tomago,e bot i nas de

set im c laro com taç ões Luiz x v . Do al to dºesta armação las t imosa e

c on t r i s tadora de mulh ere s a venda, regurgi ta por c ompres são uma

gros sa papa de carn e hydropica, com poros idad es de pe rú depennado ,manchada como um mappamundi. de aguadas az ues , esverdinhadas e

ve rme lhas . N ”es tas mas sas toscamente enformadas,mol l e s

,saponaç eas ,

des tacam - s e appendic e s verticaes t e rm inando em mãos,boc cas avi va

das a ve rmel hão , s eme lhando chagas en treabertas , de fundo lob rego , egrande s olhos sub l inhados a t raços p reto s , na fôrma de pargos , anal o

gos aos olho s des enhado s á ch ineza na prôa dos nos sos botes de Cacilhas .

Não cre io que homem algum ,dos que mai s c e l ebre s fi caram nas

l egendas romant icas da pai x ão , houve s s e jamai s dado á sua dama, ásua castellã

,asua rain ha, asua musa, uma i n ten sidade , uma pl en i tude

d e adoração egual aque l la de que s ão ob j e cto, durant e quin ze ou vin teminuto s por dia, e s tas e s tranhas e v en enosas fl ore s do mont uro d eRot te rdam . A i de mim ! tal c omo o desc re v o , e s t e b ot equ im fumaren toe i nfe ct o é

,na dura real idade posit i va das c o i sas , a t ão p oe ti ca fi c ç ão

da Ilha dos Amores , idealisada pe l o al t o lvrismo de Camões como recompensa dos deuses aos gran de s fe i tos dos he roe s .

P ara e st e s homens que de s embarcaram hon tem es tas mulh ere srep re sen tam

,nªum paren th e s i s de t res d ias em mezes , em anuos tal

ve z de navegação ao l ongo curso , tudo o que a t e rra produz de mai sinefia

'

vel— a fe l ic i dade sup rema de amar e ser amado .

Como a fermentação das podridões locacs se não p re s ta pela sua

produc tividade a que a empreza dos forn eça um par a cadaemb arcadico , e l l e s amam e bai lam por turmas , aos quatro ou c in c o emtorno de cada nympha como em torno de cada gamel la no rancho debordo .

Em um d e ss e s grupos ve j o a sab ina fumando um cigarro d e pa

pel, sen tada no joe lho de um e l e i to , que a con t empla em extasi,s egu

rando - a de l i cadamente p e la cin tura, s orrindo até as ore lhas com un s

1 32 A Hollanda

dente s em s erra, u l um en l evo mudo de jacaré fasc i nado . A dire i ta,um

de barret e de l on t ra,com um bri nc o em argola na orel ha, afaga c om

rev erenc ia re l i gi osa de um se l vagem dean t e de um fe t i che o braconú que p ende para o seu lado . A esquerda

,um outro

,de l ongo b ei ço

de fauno lad ino,os cula em chuchurrub io os dedos q ue s eguram 0 ci

garro da su l tana, emquan to aos p é s d'e l la, ac oc orado no ch ão , uma es

pec i e de rabbino,em jaque tão fe l pudo e chapeu de funi l no cocurut o

da cabe ça, de l on go nariz adun co pellado p elas geadas , barb icha rui va,de chibo

,med ita c on cen trado , turn ent e de genebra, sobre o setim da

bota que com o respec t ivo p é e l l e acal enta nos b raço s .No cen tro da sala, al guns pare s sapat e iam estrep i tosamente uma

polka . Um mal i gno conduz o seu par c ingin do - o ao p e i to,en laçado com

os doi s braços p e la c inta, e , c omo se e s te e s t re i to con tac t o não bastassepara abafar a sua chamma, e l l e puchou ainda v is e i ra do bonnet parac ima de uma orelha

,e danca infrene , escoicinhan te e rab ido

,l e vando

cons tan tement e o olho d ire i t o col lado pela orb ita a t e s ta da dama . Se

guem- 0 tumul tuoso s , u l um redomoinho de cachacões fe rv idamente e

rec ip rocamente d is t ribu ido s , s e i s ou oi t o polkist as desparceirados, es

perando que o da vi s e i ra a banda desmorda do olho para lhe empolgarem a pre sa .

S impl e s c omo puros b i chos , e st e s homen s , sub l imes de t e rnura ate

0 r id i cul o , deram embarcados vo l ta ao mundo ;“

foram ao equador eao po l o ; cursaram os mar e s de ge l o e os mares de sargaço ; encon traram dc p erto a bal e ia e o tubarão , o urso b ranco e O l eão marin ho ;foram ao Japão e a Ch ina, a Cuba e ao P e ru ; v iram a caca ao ele

phan te em Sumat ra, e a caca mai s t e rr í v e l aos n inhos de andorinhanas rochas de Java; v i ram as mulheres da Nova Granada dancandoao luar toucadas de pyrilampos ; viram as larange i ras do Equador cantando ao sol enxameadas de co l ib ri s ; viram pas sar os dromedariost ri s te s na areia arden t e do Egypto e de A rge l ; ouviram 0 guin cho daaraponga nos c éus esb raz eados do Brazi l , ouv iram O can to dos rouxi

no es n os golfos—az ues do Medite rraneo , ouvi ram o gemer dos cas toresno Canadá e na Siber ia ; reque imou—os O sol morden t e dos tropicos, e

1 34 A Hollanda

hosp i tal,asylo , refugio , banco , cai xa e conomica e monte -

pio dos navegante s . N

ºesta casa os mar í t imos ri cos ho sp edam—se ; os doen te s t ra

tam - s e ; os abandonados re col hem - se ; os in validos e s tab e l ec em - se .

A c idad e de Rot te rdam cul t i va para com a de Amsterdam uma

r ival i dade s emelhan te a que p rofe ssa em P ortugal a c idade do P ortop e la c i dade de Li sb oa . Tudo quanto s e faz d e novo em Amsterdam ,

c on trafaz - s e, prefaz

- se , refaz - s e ou de sfaz—se por emulação , por con trad ic ção ou por im i tação , em Rott erdam .

A s curi os idades monumen taes da c idade,al ém do grande orgão e

do s tumulos de almirante s c e l eb re s na egrej a - de S . Lou ren ço,das es

tatuas do es tadi sta V an Kogendorp e do poeta Tol l en s,são a casa ond e

nas c eu Erasmo—Her c est part ia domus magnus qua natus Erasmuse o monumento l e vantado em honra dºelle .

A e statua do philosopho , co llocada s ob re um p equeno e pobre pedestal, ao c en t ro da larga pont e em que s e acha estab e l ecido o mercado , t em o ar bucol i co e ri sonho de pas s ear

,medi tan do sobre um li

Vro ab erto e envo l to na t oga de l e t rado , por c ima das enorm es e garr i das corbeilles dos l egumes , das hortal i ças e das fructas , honra e b rasão da incomparavel horti cul tura hollandez a . O e sp ir i tuoso l i t te ratos eren o e re col hido , que em vida preferi u a c ompanh ia modes ta do seu

amigo o impre s sor Froben ao bul í c i o gl ori os o das côr tes de S igi smundoda P ol on ia, de Car l os dºAustria mai s tarde Carlos v ,

de Henriqu e v 1 1 1d e Inglat e rra, e d e Franc i sc o 1 , não deve achar—se des locado em efligie

en tre os pr egõe s al egres dos hortaliceiros,sob a r evoada fami liar dos

pardae s que se espan ejam s em ceremon ia no seu barret e de j uri s ta .

A l ém de q ue , os erud i tos modernos não conhecem ,muito mai s in

t imamen te do que os s impl e s vend i lhõe s,a obra do grande encyclope

dis ta da R enasc ença. Quem é que lê ho j e os Adagios O tr os Colloquios,os t ratados morae s ou os t ratados po l i t i co s? Fo lhe ia- s e quan do mu i to0 Elog io da loucura, de prefe ren cia n a edi ção illustrada

,e ainda as s im

menos para l êr o t e x to do que para v êr os d e senhos de Holb ein .

Meu Deus ! como enve l he c e d epr essa a sabedoria ! A sciencia quese ac cumula e se transmit te de geraçao para geração é um patr imon i o

As Cidades 1 35

geral da human idade int e i ra, no qual s e funde , s e congl oba e se esvae

a c on tr ibui ção modesta de cada indivíduo . Só é pessoal,es tav e l

,infun

d i ve l e e t erna a obra da arte . O s g randes nomes pomposos d e Erasmo,

de Scal igero,de J us tus Lipsius , de Grot ius , d e Boerhave , pertencem

a pal eon tol ogia hi s torica, fossilisaram - se na memoria humana .

O s nomes dos mes tre s da p in tura hollandez a con servam no eu

tan to t oda a s onori dade v ibran t e das orchestraç õ es mai s v i vas e mai sp rox imas d e n ó s . Quem é que pas sou na Hol landa e não est remeceuuma v ez n ”um calafrio sob renatu ral , em pre sen ca da Lição de anatomia ou da Ronda de Amsterdam ,

c u idando ir vêr em p é, na sala do

museu, ao s e u lado , 0 propri o Rembrandt , de pal h e ta e p inc e i s em pu

n ho,os ann eis do cab el l o em tran sp i ração na te s ta sob o gorro cucar

nado, o olhar c errado a meia l uz em frent e da te la

,o b e i ço pal p i tant e ,

o pul so em febre ?!Erasmo

,p el o con trar i o

,n inguem já o imagina s enão em bronze .

O do monumen to d e Rot te rdam foi,como o cobre dos in s t rumen tos

das bandas regimentaes da Hol landa, o ob j ec to de uma lei caracteris

t i ca— P roh i bía - se'

que e s te s metaes foss em l impos . Sem e s ta sab ia dispos ição

, a mania nac ional da l imp eza de s enfreada faria c om que o s instrumen tos musicaes da t ropa não duras sem mai s de s e i s meze s e com

que as e s tatuas do s he roe s desapparecessem t odas em pouco t empo,

desgas tadas e desfe i tas p e lo e sm e ri l da pl eb e .

Noto,con temp lando a s oc i edade b urguez a de Rot terdam ,

que hauma rad i cal differenca de pon to de v is ta n o ex erc í c i o da profi s são

_c om

mercial ent re os c os tumes da Hol landa e os cos tumes portuguez es .

Em Li s boa e no P ort o o l ogi sta moderno é,em ge ral

,um cand i

dat o a qual quer out ra c o i sa : a ve reador , a deputado , a j ornal i s ta, a

v i s conde . A l o ja não repres en ta uma t radi ção amada,de família ou de

c lass e , mas sim o casul o acc iden tal e t ran si torio em que o l ogista,co

mo a lagarta, s e prepara o mai s a p res sa que pode , para a tran sfigu

ração em borbol eta . P e l o annun ci o e p ela reclame el l e funda uma cc

leb ridade provi soria,de tab o leta ou de numero d e porta, suflicien t e

para chamariz . A ab onaç ão das v e l has firmas veneraveis, in illudiv el

1 36 A Hollanda

p enhor ant igo da prob idade e da honradez das t ransacções , de ixou det er cotação no t rafic o geral . Ja n inguem põ e preco a um nome

,por

qu e o nom e n ão val e nada . A t ransm is são do c red ito realisa—se p e los impl e s t raspasse da chave da porta. A primei ra co isa q ue faz aquelle

que se e s tab e l e ce é des infe c tar e c lar ifi car o ant ro dos ves t í gios dºaq ue lleque l iqui da . Todo o l og i s ta comeca por s e mob ilar de n ovo , em mo

gno po l i do ou em p e re i ra de infusão im i tando ebano,com v id ro s tre s

v eze s mai ore s , c om tre s veze s mais e sp e l hos, e com t re s v eze s mai s

annuncios que o ç aturra seu pred ec e ssor . A o cab o de dez annos, de

vint e anuos para os de mai s l ongo fol ego , a casa en ve lhec e , 0 e s tabelecimen to acaba

,a chave da l o ja traspassa

- s e pelo decup l o do p re ço

por que se t omou ; o an t igo inqu i l in o bat eu a az a : foi para a pol i t i ca,foc o ordinari o de todas as ambições b urgue z as, foi para um banco , foipara uma empre sa financ ial

,de prete x to agrícola ou de pre t ex to me

tallurgico , foi para um syndicato, foi para uma c ompanh ia, fo i para a

batota, ou foi s imp l e smen te para o tribunal do c ommerc io , ou para a

cade ia .

Em Amsterdam e em Rot terdam annunciam - s e productos n ovos

que ch egam ,p roduc tos que a industria l ocal m od ifi ca ou renova ; mas

não se annunciam casas de c ommerc io . A fama dos es tabel ec im entosm ercan ti s faz—se no pub l i co pe la forca da t radição . A chav e da porta énada, o n ome do mercador é tud o .

Nºeste reg im en

,t odo o m ethodo é de con t inuidade e não de t rans

formação . Dªahi o re sp ei t o quas i sup ers t i c ioso do n egociant e hollandez

por tudo quanto re l embre 0 s eu mai s l ongo passado . Ha mui tas l o j asem Amsterdam e em Rotte rdam que t e em cem ,

duzent os e t rezen tosanno s de e x i s t enc ia . N

ºestas casas vene randas tudo é t radi cional e an

t i go,como nos solar e s da al ta n obreza . P or mais humi l de que s e ja O

ramo de commerc io,o bal c ão as sume a impor tancia hi s tori ca de um

b raz ão desd e q ue por t raz dºelle passaram tres ou quatro ge raçõ es de

homens honrados . Não é só a armação da l oja, 0 mostrador e os armar ios qu e con servam o typ o cou sa-grado e immutavel da fundaçãoprim it iva, e o in ter ior e o re ch e io de t oda a casa

,é a cart e i ra dene

1 38 A Hollanda

b om t empo o permit te : o s doi s e sposos de b raco dado , os p equen o sna fren t e p e la mão .

Como as hab itacões da c idade não t e em jard im ,e ordinar iamente

no campo adjacen te que o mercador de Amsterdam es tabe l ec e , en t reflô res e rel va, o seu lar querido . Logo que as suas econom ias lhºo perm it tem ,

vae res i d ir de ve z no pequeno mus eu de que fez a sua viv endade re cre io e de descanco (ngi

' last en leoen) as s oc iando ao n egoc io , aqu e de i xa de p re s id i r, o s eu fil ho , a sua fi lha

,o seu gen ro , ou o s eu

cai x e i ro .

O s mai s r i cos , os que realisam co llossaes fortunas nas col on ias ,ou no al t o c ommerc io das p raças de Rot te rdam ou de Ams terdam ,

e stab elecem o s eu p é de cas t e l l o nas c idade s de lux o

, na Haya ou emA rnhem .

A HAYA

E a mai s e uropea,e,não obs tant e

,uma das mai s originaes e das

mai s i n te re ssan te s c idade s da Hol landa— de tal modo o gos to nac ional soub e harmon isar o que e l la t em de h istori co c om o que tem de

juvenH.

O e l egant e cosmopol it i smo , que faz dºeste p equeno quadrado det e rra hollande z a um dos mai s doce s refugios que pod e appetecer n omundo o e sp i ri to de um ar t i s ta

,re ve la- se hospita leiramen te ao s via

jan te s , apenas e l l e s p ene tram na c idad e .

c oche i ro que m e c on duz da gare ao hote l,n ªum [al/dean de

praça, fal la- me corren temen te franc ez e s e rve - me de cicerone .

Nas ruas que p erco rro , o p ígnon architecton ico p ecul iar das Flandres c edeu na fachada dos p red io s o s e u logar a c imalha dorica e aos

mot ivos d ecora t i v o s da renascen ç a fran cez a ou rhenana .

Quas i todas as casas_

são rod eadas de jardin s ; mui tas dªellas or

nadas d e log ettes , de v e s t íbul os env idracados , de e s tufas ex te r i ore s recheadas de folhagens tropicaes e de fl ore s p rec i osas .

As Cidades 1 30

O palac io do príncipe Gui l herme , encommendado por el l e em 1 840

a um archit ecto i ng l ez, e' de stvlo go th ico ; o palac i o hab i tado pe la fa

m i l ia real e'

de s tvlo grego , c omo estacão do caminho de fe rro em

que des embarque i ; e nada arch itectonicamen te mai s com ico d o que oin e sp e rado encon tro na me sma p raca e fren te a frent e

,dºeste fal s o

grego e dª

este fal so go thico .

Succedem - se a di re i ta e a e squerda, sob re as fron tarias en vidra

cadas das l o jas mai s e l egant e s , as tab oletas france z as dos glaciers, doscaiyfseurs , dos cab elleireiros, dos luveiros , das l o jas d e quadros , decur i os i dade s e de modas , dos luxuosos forn e cedore s do rei e da rai

nha, e a cada e squina,em pit torescos k i osque s envernisados , uma v en

da, ao c opo , de l e i t e fre s co e ge lado de verão , de l e i t e quent e e perfu

mado no tempo fr io .

P ara qual que r lado que se pen e tre um pouco mai s,para a d i re i ta

ou para a e sque rda, para d iante ou para t raz— e eu aprovei to a de l ic i o sa fre s c ura da mai s b el la manhã de e s t i o para me faze r carruajarem todas as d irec çõe s dos quat ro ven tos— des emboca - s e rap idament eem vas tas p lanuras desaífron tadas, ex tensos parque s umbrosos e tran

quillos, coutadas v e rde jante s cob e rtas , como as t e rras da ari s toc rac iaingle z a, de gado s de l uxo , d e lanzudos carn e i ros d e grande raça, dee sbe l to s cabri tos e de manadas de corcas ab eb erando - s e immov eis

,em

con tornos pardac en tos t ing idos de re li exos dºoiro pel o sol nasc ent e , á

be i ra dos grandes lagos e sp e lhados e dormen te s .

Fundada por um capr icho pri nc ip esco no s ecul o XV I para rende;I'ol l s de caca dos c on de s da Hol landa, dªonde o seu nome ho llandez

Haag, parque dos condes— a Hava, mai s tard e re s id enc iados c hefe s do es tado e sede dos podere s pub l icos , gosou durante duz en tos annos do pr iv i l eg io de aldeia ,

des guarn ec i da de muros,de p or

tas e de trinche i ras . A e ssa cond i ção exc ep ci onal e part icularissimadeve e l la sua pre sen t e forma compos i ta e en can tadora, d e bou levardpub l ic o e de jard im part i cu lar , d e c idade e de parque , de cap i tal e dee s tação de recreio .

O s ant igo s canaes te em desapparecido a pouco e pouco do in t e «

1 40 A Hollanda

r ior da c idad e e e spraiam—s e nos arrabal d es ; um re st o apenas de lagôano P rinsegrach t , e no Vijver , t e ndo ao c en tro uma ilhasinha toucada deverdu ra e circumdada d e cvsnes .

Nas z l illas de l ic i o sas que rode iam o V ijver ou correm ao l ongo deP arkstraat , os palac ios des tacam as suas fachadas polidas dºen tre osmacicos do arvo red o , parec en do s egurar regacadas d e fl ore s nos e i rados e nas varandas , de que p en dem em fe stõe s as rosas ab ertas e as

finas folhas tenras , diaphanas e v erme lhas da v inha s el vagem .

No me io dªesta p erfumada e e l egant e fre scura de lawz z—temz is ou

de steep le clmse, de turfou de gran ja d e luxo,t omam o asp ect o de re

creat ivas curios idad es diplomat icas e de corat i vas os palac io s dos m imi s t e r io s , dos archivos , dos tribunaes , das l e gaçõe s e do parlamen to ,abrindo os s eu s p ort icos sobre ruas de um ass e i o de boua'oir, cal cadasde tij o l o côr de ro sa.

A cada pas so , como no sal ão de um erud i t o mundan o , se nos vão

deparando ao l on go das pracas e das ruas, pittorescos documen t os de

hi st oria e d e art e .

Esta pedra al ve jan te na mesma praça em que se armavam ou

t rºora o s pat íbul os

,in d ica o l ogar em que no dia 1 2 de setembro de

1 39 1 foi as sas s inada pe l o p ovo a b e l la e d esd itosa Adelai d e d e P loelge s t

, aman te do conde A l b e rto . A lb er to,prime i ro dos c ondes da Ho l

landa que usou o t i tu l o d e staa'lzoua'er , depoi s de haver de s' t e r rado o

con de de O s t revan t, s eu fil ho , como cumplice no assass inato de Adelai de , morreu end iv idado em 1 404 . Segundo a ve l ha lei hollande z a,nos casos de i n so l v enc ia do morto

,a condes sa viuva t eve que pôr um

ve st id o de emp re st imo para ac ompanhar a s epul tura o cadaver do seu

e sp oso,lançando lhe em pub l i c o á b e i ra da cova, uma palha sobre o

e squ ife,em s i gnal d e que de s i s t ia da successão .

A grande egre j a (GrooZe Ke rk)monumen to go thico do s ecu lo x1vi n c endiada em 1 539 , rec on struida em 1 547 p el o duque de BorgonhaFil ipp e o Bom , con serva no cô ro o s e s cudos dºarmas dos cavalleiros

que ahi t omaram as s en to em cap i tu l o da ordem do Tosão de oi ro .

A egre ja do Clau s tro (Kloster Kerk)e o re st o de um most e i ro do

1 42 A Hollanda

mai s tarde os in t e ressan te s l i v ros s toria Naturalis Bragil z'

ae e Histor ia Braz iliae . P art i ram egualmen te o e rudi t o Franc i sco P lan te , o pintor Franz P os t e o architec to seu i rmão P i e t e r P ost .

Chegado a P e rnambuco , o prínc ipe inaugurou o seu governo decretando a l ib erdade de re l i gi ão e a l ib erdade de commerc io

,montando

um ob servatorio ast ronom ico , cons tru indo uma pont e,plan tando um

jard im,creando uma e sco la, fundando uma c i dade .

Todo o b em que se fe z duran te o seu governo , fez - se a de sp ei t oda companh ia ; todo o mal foi fe i to p ela c ompanhia, a pe z ar d

ªe lle .

A v ergonha last imavel da pol i t i ca h ollandez a na gove rnação doBrazi l e que , no confl ic t o l evantado en tre as i d eias do gove rnador e osin te re ss e s da companh ia

, o venc ido fo i o governador.De sde e s se momen to o imperi o hollande z na America achava- se

condemnado,e a espada hero ica d e J oão Fe rnand es Vi ei ra, ao des

embainhar—s e em P ernambuco,não fez mai s do que lav rar a sen tenç a

pas sada em j ulgado p erant e a j oven civilisacão b raz i l e i ra .

A rehab ilitacão da Hol landa p e l o s e rros da sua pol i t ica no Brazi le s tá no fac to de que foi e l la mod ernamen te a prime i ra a reconhecel—ose a confessal- os . Em 1 853 um escriptor da Haya dizia no prologo deum l i vro con sagrado a hi s to ria dos suc cessos do Brazi l n o s e cul o xvn«Nenhum povo p os su e na sua h i s to ria ma i s d e um nome ou dois com

paraveis ao d e João Fernandes Vi ei ra . O e l ogi o dºelle , gl oria da sua

pat ria e de cada um dos s eus des c en den t es,s er ia descab ido na bocca

de um e st rangei ro . Vie i ra l ib ert ou o seu pai z de um domin io p e sadoa população e an t ipathico ás suas op i n iões re l i g iosas . O s b raz ileiros deen t ão , n ão podendo ai nda formar uma nação indep endent e , tornarama ser portuguez es e catho l ico s . Cerca de duzen tos ann os mai s tardeem 1 822 , sacud iram um outro dom in io que c es sara egualment e de corre sponder às suas n ec e s s i dades políticas : 0 Brazi l sen t iu - se fort e ,

l

de

clarou - s e i ndep enden te ; e e ss e pai z , outrºora des l e i xada co l on ia, e ho j eum dos mai s ri c os imper ios

, ao qual o futuro re s erva um dos p rime i roslogares en tre as potenc ias do mundo » .

Q meu jfacrc p ros egue , e a hi s toria da Haya e da Hol landa

As Cidades 1 43

c on t inua a desdobrar - s e aos meus olho s em monumento s testemu

nhaes .

Esta l in da porta og ival , chamada P orta dos p risioneiros , da en

trada ao carc ere em q ue fo i applicada a tortura a Corn e l io de W i t t .O palac i o muni c ipal , ed ific i o do s ecul o xw, emphaticamente de

turpado po r superfetacões do s ecul o pas sado , osten ta ainda a sua c lass ica torre dºa talaia e o ant igo degrau de pedra a que s ub ia para fallar as turbas 0 tribuno popular . P or c ima da porta dºeste curi oso edihcio , o b raz ão da Hava : a c egonha branca de pé s ve rme lho s atacandouma s e rpent e sobre e scudo de ouro , com e sta d ivi sa : Vigilate Deo con

jidentes, e mai s estºoutra : Felix quemfaciunt aliena per icula can tam.

Na fachada l ê - se e s ta inscripcão : Ne Jup il er quidem omnibus , phraseel l i p t i ca

,que quer dize r : Se nem os prop r ios deuses podem contentar

toda a gente , muito menos nós os magistrados o p oderemos faz er .

Var ias e s tatuas .No P lein

,a de Gui lh e rme o tac i turn o

,tendo um dedo na bocca

em s ignal d e s i l enc io ,com esta div i sa : Saevis tranquillas in undis , e

e s ta s impl e s d ed icatoria,em língua hollande z a : A Guilherme p r in

eilp e d'

Orange, pae da p atr ia, o seu povo reconhecido .

Em fren te do palac i o real , outra es tatua eque s t re de Gui lh erme 1 .No Buitenlzof, a do rei Gu il he rme 1 1 .

No Lange J/Voorlzout, o monumen to do duque Bernardo de SaxeW'e imar .

No P anelioensg racht, fi nalment e , o monumen to de Sp inosa .

Desapos sando—s e dºcste c idadão , fi l ho de j ud eus expu l so s por D .

Manue l,P ortugal an te cipou o pagamen to de uma b oa indemnisacão á

Hol landa pela p e rda do Brazil .Como a dis tanc ia de tresen tos annos mod ifi ca na p e rs p ect i va da

h i sto ria a proporção das c o i sas ! Quem nos d iss e ss e no s ecu l o xwqueo ob scuro e d esp rezí ve l j udeu pae de Sp inosa, ao emigrar de L i sb oanos arrebatava uma r iqueza comparave l a dos immensos t e rritóri os d opai z b raz ileiro , t er ia o ar de um utop i s ta em de l i r i o . E t odav ia o queho je vemos , e que o imperi o do Brazi l

,depoi s de tan to sangue d erra

1 44 A Hollanda

mado e de tanto oiro de sp end ido para o mant e r por al gum t empo soba dom inação honoraria da nossa bande i ra, desappareceu para n ó s

, sem

out ro vest ígio mais que ocansaço , a c orrup ção e a t r i s teza que imprimeno enfraquec imen to das geraçõe s e na decadenc ia das raç as a memoria das suas glorias extinc tas e das s uas r iquezas d e sbaratadas . Ao

pas so que Spinosa, t ornado hollandez pe la in tolerancia do nos so de s

potismo catholico , funda no pai z a que o regeitámos as bas e s de umnovo cri t e r io que põe a Hol landa afre nt e de t odo o gran de mov imento

philosophico do mundo moderno . Ent re os grande s p en sadore s queno s ecu l o xvu de i taram a bai x o t oda a ve lha c on st ruc ç ão da psycholo

gia, abrindo caminho novo ao reg imen experimen taLda nos sa era,foi

e s t e p ortugue z de Amste rdam , magro,sobri o , moreno , nervoso , t e r

no, namorado—l egit imo port uguez por todos os carac tere s physiologicos—quem mais p oderosament e mane j ou ideas , re novou e for tal e c euin telligencias, e l e van do proporc ionalment e no seu meio soc ial o n ive lda dign idade humana, e c rean do em t oda a parte , p ela pen etracao e

p e la in d ependenc ia do seu gen io,novas e fe cun dí ss imas c orren t es de

in vest igação e de proc e s so , na ph il osophia, na moral , na pol i t i ca, naarte , attrahindo magnet icamen te e ar rastando n a sua orb i ta luminosatoda uma con s tellacão de esp ír i tos , en t re os quae s vemos succe ss i vamente i rradiar

,Le ibn it z

,Mal ebranche , Vol tai re , Le s s ing , Goethe , By

ron,Noval i s

,Hege l , Schºpenhauer, Hartmann , BUCli lC, Draper , Que

t elet , Spence r, tod os aquelles emfim , que uma ve z perguntaram a smesmos

, nºum i n tu i to moral

,nªum in tui to pol i t i c o , n ªum intu i to peda

gogico ou nºum i n tu i t o esthe tico , se as ac çõe s humanas são livres ou

s ão necessarias , e aos quae s Sp inosa re spond eu : Qui ig itur credunt

se ex libero nzentis decreto loqui, vel lacere , vel quidguam ag ere, oculisapertis somniant .

ex emp l o de ixado pe l o c i dadão foi na v ida de Sp in osa tão graude e tão fe cundo

,como o impu l s o dado pe lo sab io ás i d e'as do seu

t empo .

De um sto ic i smo verdade i ramente heroi co , de um des in t e res sec ompl e to

, de uma i ndependenc ia abso l u ta, t en do aprend ido um offi c io

1 46 A Hollanda

que os Es tados Gerae s das P rovi nc ias Un idas aqu i re s i dem e c e l ebramsuas as s embl eias ; o que egualm en t e faz o príncipe Mauri c i o quando nãoest á em campanha . Em razão do que ha quo t i d ianamen te na Hayagrande mul t i dão de requeren t e s d e q ue os b urgue z es e os es talajadeí

ros ti ram não p equenos luc ro s . »

O Binnenhof, h o j e sede dos Es tados G erae s e de varias repart içõe s pub l i cas , foi duran t e a republ i ca theatro de al gun s fac tos culm inantes da hi s toria polít ica e da h i s toria re l igiosa da Hol landa .

Foi nªeste pat eo sombri o e tri s te

,de uma t ris te za prosaica, quas i

l ugubre , que por occasião de um gol pe d'

estado do s tadhouder Mau

rício de O range , foram preso s na mesma manhã , ao en trarem para a

as semb lea dos Es tados,o p rofe s sor G rot ius

,o seu amigo Hogerb ee ts ,

e o advogado da Hollanda J oão van O l den—Barn eve l d t .É o de sfecho de uma das grande s l u tas en tre o prin c ip i o da un i

dade do p oder, rep re sen tad o por Maurício , e o espi ri to das lib erdadesmunicipaes, encarnado em Barn eveld t .

A causa occas ional da expl o são foi a c e l ebre c ont rove rs ia theo lo

gica en tre os armin iistas e os gomaristas , acer ca da graca e do l i v rearb í t ri o .

O s doi s profe ssore s da univ ers i dad e de Leyde A rm in ius e G0

mar hav iam l evantado a que s tão nos s eus curs os : A rm in ius n o sen

t i d o de uma ampla l i b e rdade de con s c i enc ia ; Gomar d entro de uma

i n terp re tação es tre i ta e in tol e rante das dou trinas absolutas e dogmat icas de Cal v in o . Do rec i nto da e s cola e da s e l e c ção e rud i ta do debat eem l in gua lat i na o th ema en t rou no domin i o publ i c o pe la l in gua vu l

gar, e apai xonou rapidament e todos os espí r i to s , di sc ut i do por toda a

parte , nas egrejas, nas praças pub l i cas , nas as s emb l eias mun icipaes,

nas confrarias p opulares,nos ateliers , nas tavernas , no lar das famil ias .

E cada um se d ec id ia e Op inava por uma ou por ou tra dºessas duas

mane i ras de i n terp retar o esp i ri t o e vange l ic o .

Era o s chi sma dec larado n o grem io da egre ja nac i onal , s obre aqual se baseára a c on st i tu i ção poli t i ca e a i n dependencia do Estado .

P arec ia s er a oscillaç ão nos fundamentos d e t oda a nac ional i dade .

As Cidades 1 47

Gomar, pre vendo que a pe rturbação na un idade do dogma l evantaria ve l ozmente altar con lra altar , p rovincia con tra provincia, cidadecontra cidade, cidadão contra cidadão, proc lamou a nec e ss idade de umsynodo nac ional , e spec i e de concílio de Trento cal vin i sta, cm que se

d efiniss e '

e sal vaguardass e de todo o perigo de h ere s ias futuras a dout rina da fé ve rdade i ra, ind i scut i ve l e un ica .

Ent rava a Reforma nºe ssa phas e t err íve l e fatal de despot i smo

,

i nherente as re l igiõe s que t riumpham . q uanto p ers egui das , t odas ass e itas servem pode rosamente a l i b e rdade , i n vocando—a em nome deDeus como unic o asylo da c on s c i enc ia do homem . Triumphant es, todasel las enunc iam o d ire i to da tyrann ia como uni co me io de s erv i r a d ivindade , man tendo i l l e sa a ve rdade ab sol uta .

« Então— diz Dani e l S t ern—se fez s en t i r a nec e s s i dade dos formularíos e das confissões de fé . A infin i ta var i edade das op in iõe s , nasc i da da i n te rpre tação i nd iv idual dos l iv ro s sagrados , p arec eu noc i va.

P rin cip iou - s e a conc ebe r uma c e rta desconfian ça da l i b erdade de exa

me , que fô ra m iste r invocar cont ra Roma, mas que não era c ompat ive l com a noção de ve rdade ab so luta, sem a qual não ha rel i gi ão . O s

ca l v i n is tas,desd e que s e s ent iram forte s , quíz eram ser ex clus ivos . De

pois da pr ime ira confi ss ão de fé,redigida em 1 56 1 p el o pastor Gu ido

de Bres , as egrejas pro tes tant es dos P aiz es - Bai x os , t omando , a s emelhan ç a da de Geneb ra, 0 nome de Egre ja Reformada, s epararam—seda egre ja Lu therana, que con s ervava o nome de E vange l ica

,e entra

ram sem tal vez t e rem compl e ta con sci encia di s so , na orthodoxia de

Cal v ino . Desde e ss e momento , os m in i s t ros do cu l to reformado v i saram a t omar no Estado republ i cano o l ogar ou tr

ªora occupado p el o

c l e ro catholico no Estado monarchi co . O exemplo de Genebra, ondeCal vino

,dando a sua egre ja uma organisaç ão democ rat ica, c reara um

consi s tori o omn ipoten te,offerecias e natu ralmen te aos t heol ogos das

P rov íncias Unidas . Ap enas r econhecid os e salariados pel o Es tado , osm in is tro s proc lamaram o direito de s e reun irem sem a auctorisacão

dos magi s trados e s em admit tir a p re s enca dªelles nos con s is torios ounos synodo s repellindo como at ten tatoria da d ign idad e da egre ja toda

t o a:

1 48 A Hollanda

a i nte rven ção do poder c ivi l na nomeação dos fun ccionarios ec c l e s iast i c os . »

A as semb l eia dos Es tados Gerae s votou com effeito p ela reun i ãodo synodo .

O s Es tados P rovinciaes da Hol landa oppo z eram- se porem are

solução dos Estados Gerae s , fundando—se em q ue , p e l o art i go 1 3.

º da

União de Utrech t , as prov ín cias da Hol landa e da Z e landia e ram l ivres de proc eder em mat e r ia de re l i gi ão como muito bem llies approu

resse, na i nd ep endenc ia ab so luta da auctorídade c e n t ral .Barn eve l d t

,advogado da nação , d i sp ondo de uma auc torídade

egual s en ão sup erior ado s tadhouder , i nc l i nava - se como philosopho adoutrina de Arm inius , e p e rfil hara c omo es tad i sta e como c idadão o prote s to l e van tado p e la ind ep end en c ia provinc ial c on t ra a i n t erven ção dospoderes do Estado no regimen das consc iencias . Grot iu s e Hogerb eets

haviam tomado egualmen te o part i do dos arminiis tas ou dos admoes

tantes, como se lh es c hamou quando a sua th eoria se c onvert eu deop in i ão e sp ecu lat iva de e sco la em p rincip io de s e i ta mil i tante .

«

O povo , s emp re con se rvador nas questões de fé , era natu ralmen t e

gomarista .

A b urguez ia illustrada s egu ia Barn e ve l d t .Mauri c io era i nd ifferen t e , e p retendia proce de r na re so lução da

cri s e mantendo s imp l e smen te a ordem e pun in do o abuso do poderdos mai s for tes sobre os mai s fraco s . q uanto ao ob j e c to da di s s idencia dos esp í r i tos e l l e era effec tivamen te n eu tral . Não sou um papa ;

sou um soldado unicamente —diz ia . E i rri tava- o c on trov ersia t enaz ecres cen t e sob re um assumpto em que e l l e nem queria te r voto

,n em

verdade i ramente ti nha op ini ão . P rohibira exp re s samen t e que em qualqu e r part e se i n vocas s e a auctorídade do seu n ome em debat e s th eologicos

—D eixem- me em pa; . O prob l ema dos des t inos e terno s não encont rava faci l acc e sso na sua for te e sadia natureza de batal hador mun

dano . O amor das mulhe re s era para o seu t emperamen to s ensual i s tauma rec omp en sa das amarguras da v ida suffic i en te para lhe faze r pôrfó ra das suas asp iraçõe s a hypothe s e de mai s p remios na b emaven tu

1 50 A Hollanda

mari s tas apparece , ameaçan do de novo a al l ianca das províncias , soldada a p res sa p el o pac t o d e U trech t ,

'

em que a noção do Estado mal

s e equ i l ib ra ap enas sob re um con ven i o quas i improvi sado por um con

j un to d e p equenas s ob e ran ias prov inciaes e municipaes, formando tantas repub l i cas quan tas c idad e s

,t odas e gualmen t e c i osas dos seu s an t i"

gos p rivi l egi o s , mai s ou menos in t rans i gent e s e in compat í ve i s com o

r igor de uma cod ificaç ão un i tar ia .

No mez de fe ve re i ro de 1 6 1 6 , as egrejas da Haya achavam - se todas occupadas pe la part e do c l e ro ,

s e ctario das theorias dªArmin iusP ara ouv i r as prat i cas do gomarista Henrique Rosaen s o povo

reune - s e numerosamente na al d e ia de Ryswick , até que um dia, con

trariado pe lo s ri gore s do i n verno , se amot ina re clamando em tumul t o

que se lhe abra uma das egrejas da c i dade , para ouvi r a verdadeira p alavra de Deus .

P erant e a revol ta popu lar , os Es tados Geraes ex imem - se a dec idir a con t enda, e ganham t em—po nomeando uma commissão de inquer i t o . O c ons e lho dirige ' se en tão ao s tadhoude r e requer a in tervençãoda forca pub l i ca.

Mauri c io en tra na sala do con s el ho da Haya e , em pl ena s es sao ,p ede o l i v ro dos regi st ro s e l ê em vo z al ta a formula do juramen tope l o qual

,ao ser inves tido no cargo de s tadhouder

,el l e se obrigara a

defender ate a u l t ima got ta de sangue a re l ig ião reformada . Terminadaa l e i t u ra, accrescen ta : « E em vi rtude dºesta j ura sagrada que eu de termi n o mandar ab ri r no dom ingo p rox imo as egrejas da Haya aos mi

mi s t ro s orthodoxos . »

Era a formal e t e rm i nan te declaraç ão de gue rra entre o poder m ilitar e o poder c iv i l .

No dom ingo i nd icado, e emquan to a pr in c eza dºO range, o p ri ncip e Frede ri co Henrique e os principaes m embros da ari s tocrac ia daHaya as s i s tem aos ofiicios dos admoestan tes n

ºout ra egre ja

,Mauric i o

,

em toda a pompa de ch efe do Es tado e n o me io de uma enorme ovacao popular, vae ouvir a pred i ca de Henri que Rosaen s a egre ja doClaust ro , mandada abrir por e l l e aos fi e i s da relig ião do Estado .

As Cidades 1 5 1

Em segu ida,com a rap idez de movimentos que o tornara ce l eb re

nas campanhas de Z urphen ,de Deven te r

,de Hul s t e de N imegue

,sem

ven ia do Cons e lho n em dos Estados, ,o pr ín c ipe de Nas sau par te da

Haya d e noi t e l e vando comsigo o príncipe seu i rmão Fred eri c o Hen

r i que , que os armin iistas suppunham ter do seu lado , e acompanhadode doi s regimen to s p erc orre as províncias, pene tra nas nove c idade scu j os conse l hos hav iam sub scripto a reso l ução de Barn eve l d t para se

oppo rem a c e l ebração do synodo nac ional , di ssolve e re con s t i tue, ou

d ecompõe e re compõe os conse lho s mun icipaes, e no grande impul s oda v i ctoria em t oda a l in ha sobre a surpr e sa dos mun ic íp i os assombrados

,se gura as re s i s ten c ias pe la forca das armas , ab re p or toda a

parte as cathedraes á pred i ca dos gomaristas triumphan t es, e conc l u ídae s ta rapi da campanha, regre s sa aHaya n o momento em que, depoi sda prorogaç ão que c on di s s era com es t es successos, os Estados Gerae sse

'

reunem de novo para os j ul gar em supprema in s tanc ia .

O s Es tados fe l i c i tam o príncipe e c ongratulam—se com e l le pe lav i ct oria dec i s i va do poder c en t ral s obre o ant igo di re i t o das provinc ias e s obre as l ib e rdades mun ic ipaes.

P ara o equi l í b ri o pol í t i co do pai z,para a sua força e para a sua

re si s t enc ia aos i n imi go s es trange i ros,era preci so uma un idade de po

der e para e s s e Em uma von tad e un i ca, uma só po l i t i ca, uma s ó re l i

gião , um só ex e rci to . Essa n ec e s s idade sat i sfez - s e p e l o go lp e d e Estado de Maurí c i o

, e o s enado j ub i la porque Cesar triumphou .

Barneve l d t comprehendeu en tão que es tava t erminada a sua missão na h is toria da sua pat ria .

No dia 29 de agos to de 1 6 1 8 o m in i s tro Uytenbogaert, en trandode manh ã c edo no gabin e t e do advogado , para lhe mostrar uma represen taç ão c on t ra o synodo nac i onal , a qual n

ºesse dia dever ia s e r pre

s ent e a ass emb l e ia dos Es tados , e ncon t ra o v el ho e s tad i sta, c ont ra t odos os s eus hab i tos , i n e rte , immovel

,a cab eca p enden te sob re os pu

hhos ce rrados , abat i do , fulminado p el o revex. P e ran te a magestade

muda dºesta dôr,sobre a qual pare ce já ade jar uma commocão de tra

ged ia, Uytenb ogaert procura nobremen te e e l oquen t ement e reanimar o

1 52 A Hollanda

seu desfal l e c i do amigo , e sem alladi r aos successos que en teneb recem

o ar em torno dºessa cab eca en canecida,fal la- l he da suprema e in íllu

.

di v e l j u sti ça que no t ribunal da h i s tor ia l e van ta e impõe a et e rna grat idão da human idad e a memoria dºaquelles «

que sab em bai xar gl ori osamen te á s epul tura amortal hados na c onvi c ção d e toda uma v ida heroica. Barn ev e l d t e s tende - l he a mão p al l i da e fria em s ignal de re conhec imen to . Uy tenb ogaert , ap ertando es sa mão tão fort e na honra, t ãoârme no d ever

,tão immacu lada na vi rtud e

,s en t e que um soluç o atrai

coará o s e gre do da sua commocão , s e e l l e ten tar proferi r uma palav raa mai s , e os dois amigos separam - se n ªum sil enc i o »funebre , de catast rophe já con summada

,como s e um p re s en tim en to de superst i c io sa af

fe i ç ão annuncias s e a um e ou tro que era e s sa, como effec tivamen te foi,a derradeira ve z que se encon travam na vida.

P ouc o dep o i s,às nov e horas da manhã

,na occasião em que a

carruagem de Barneveldt '

penetra no Binnenhofpara se di r igi r aportad e entrada dos Es tados G erae s , um criado par ti cu lar de Mauric i o vemannunciar ao advogado qu e o s tadhoude r lhe de s eja fal lar . Barneve ldtapeia- s e ;

'

a carruagem espera ; e l l e s ob e ao palaci o do stadhouderato ,

e n o momen to de en t rar nos aposen tos do príncipe o cap i t ão dasguardas dei—lhe a vo z de p reso em nome dos Estados Ge rae s , e sem

mai s exp l i caçõe s con dul - o a uma sala em que o dei xa guardado á v i s ta

por um piquet e .de alab ardeiros .

Quas i ao me smo tempo e pel o m esmo modo e ram egualment ep re so s e p os tos em cus todia nos apartamentos in t e riores do palacioos doi s amigos de Barn eve ldt

,o sab io Hugo Grot i us e o i l lu s t re Hoo

gerb eets , que a regencia de Leyde acabava d e de s ignar em recompensados seus l ongos se rvi ços para o cargo de p en s i onar io .

A not ic ia dºeste succ e s s o d ivul ga- se rapi dament e na c i dade e nasala dos Es tados . Uma on da de curi osos rode ia a carruagem de Bar

neveldt e i n t erroga o c oche i ro , quan do um cr iado da casa de Nas sauv em communicar ao c riado de Barneve ld t que a carruagem se p odere ti rar .

Ao mesmo tempo ap or ta da sala das del ib eraçõe s dos Estados e

1 54 A Hollanda

ze s de pri s ão . A allegaç ão em que e l l e sus tenta o p rinc ip io da sob eran ia provinc ial , da t o l eranc ia re l i g i osa e da l ib erdad e de con sc i en c ia

,

como bas e da Uni ão de Ut rech t , refutan do a um por um t odos os fac to s de uma i nven ção pueri l , em que se bas e ia o c rime de l e sa- mage stade que s e lhe impu ta, pas sa ent re o s j u ri sc ons u l tos por uma das

mai s e l oquen te s e das mai s b e l las paginas do di re i to .

No dia 1 2 de mai o de 1 6 1 9—o i to mezes e meio depoi s da pri s ão

no Bi nn enhof, t re s dias d ep oi s da c eremon ia s ol emne que encerrava a

cel eb ração do synodo nac ional de Dordre cht— é proferida a sen tenç a

que condemna a mort e Barn eve l d t e que os doi s proc uradore s fi scaesSyl la e Leuwen são encarregados de i r annunciar- lhe a p ris ão .

—Á morte ?! ex c lama s imp l e smen te o condemnado . Cu ide i quec on sen t ir iam em ouv i r -me ai nda uma ve z

,ante s d e me s en ten c iarem

sem eu me smo sab er p orquê .

Em s eguida,c omo expres são da sua derrade i ra von tade , p ediu

I

ap enas para e sc re ve r a sua mulher a carta memorav el que lhe deixou .

Como o p rocurador Leuwen sai s se a buscar as c o i sas prec i saspara e sc rev e r , a só s com Syl la, que el l e conhecera c rianca e t i v era nos

j o e l hos ao lar da fam il ia :P obre Syl la l— accrescen tou com p rofunda las t ima— que di ria

t eu pae , se do out ro mun do te podesse vêr, aqui , nºeste momen to , de

front e de mim , d e sempenhan do a mis s ão que t e in cumb i ram ?!

E Syl la, re cuando um passo e bai xando os o lhos , hcou mudo .

Barn ev e ld t e sc reveu as suas u l t imas d i spos i ç õe s , o adeu s supremoaos s eu s doi s fi lho s , mai s tarde condemnados egualmen te c omo re'usde uma c on sp i ração de vin gan ça con tra a vida d e Mauri c io de Nassau ,e á sua mulhe r , a mesma que pe ran te o pat í bu l o de Renato de Barn eve l dt d i s s e ao p rinc ip e de O ran ge : «Não vos ped i perdão para o meu

homem , porqu e e l l e era i nn ocen t e ; peco - o para meu fi lho,porque el l e

é culpado . »

Quando ve i u o sacerdot e en carregado de o as si s t i r na v igi l ia preceden t e a manhã do supp l i c i o

,Barn eve l d t re spondeu - lhe :

As Cidades 1 5 5

Tenho s e ten ta e tre s anuos de edade e sou um homem . 5 0

brou - me capaci dad e e t empo para ap ren de r a ass i s t i r -me por mim me smo na vi da e na mort e .

Chegada a hora de part i r,fe z—se v es t i r p e lo s eu e scude i ro , recom

mendando - lhe a precaução de cortar o collarinho da camisa ; tomou umpequen o copo de v inho com al gumas go t tas de um ton i co de que hab itualmen te fazia uso

,e de cabeca d esc ob erta, apoiado a uma bengala,

envol to em umat oga de damas c o côr de folha secca,

'

desceu a escadae di ri g iu - se a p é

, com pass os l en tos mas Firme s , para o tribunal ondelhe foi l ida a s en t en ça

,e d o tri bunal para o pat í bul o .

De p é , no e s t rado armado defron t e das jane l las do palac i o doss tadhouders , dªonde s e diz que Mauri c io presenceara a ex ecução , dire i t o

, ,erec to j unt o do c ep o , ao lado do carrasco, con templa por ummomento o povo

,mostrando - lhe pe la de rrade ira vez es sa nobre figura

de homem,immortalisada por Mirevelt em uma das mai s b el las t e las

do muse u de Amsterdam .

A al t i va cabeca,marc ial e m ed i tat i va, de caval l e i ro e de l e trado ,

que a larga e spada do al goz,brand ida as mãos ambas , vae lancar de

cepada aos p é s dos so ldados de um regimen to i ngl ez e da guarda dostadhoude r

,merece b em a at tencão de al gun s m i nu tos .

J oão V an O l den—Barneve ld t , s enhor de Berclt el e de Rodenrvs,cursara os al t o s es tudos das uni v ers i dades d e Lou vai n , de Bruges ede He ide lbe rg . Advogado da Haya em 1 5 70, p ens ionari o d e Rot te rdam em 1 5 76 , advogado e chanceller da Hol landa em 1 586 , emb aixa

dor por muitas v ezes j un to da rainha I zab e l , de Henrique W ,de Jac

ques i, a sua e loquencía e á sua e nerg ia s e dev e ra o ardor com que

depo i s da morte do Tac i turn o nação con t inuara h ero icamen te a

guerra, bat en do - s e p e la l i b erdade e pela independen c ia. Fô ra e l l e que ,para abat e r as arrogan te s pre tencões da sob eran ia inglez a rep re s en tadape l o c onde de Le i ces ter

,dec idira os Estados Ge rae s a darem ao p rin

c ip e Mauri c i o a auc torídade de stadhouder, de cap i tão e de almi ran teda Hol landa . Fô ra e l l e um dos que votara, i n sp irara, e red igira tal ve z,a memoravel re spos ta dos Es tados as prop o s tas de paz fe i tas em no

1 56 A Hollanda

me de Fi l ipp e 1 1 p el o archiduque Ern es to em 1 594 : «O s Estados Geraes con s ideram con trari o a sua hon ra o n egoc iar c om um príncipe em

c u ja re ligião é uma virtude at raiç oar e m ent ir aos here j es , e dec laram

que conâam un icamen te de Deus a sal vação da Repub l i ca, recusandoa al l ianca de uma nação que p ela carn ifi c ina, p el o inc e nd i o , p ela ex

torsão , p ela rap ina, se tornou para s empre od iosa a t oda a chri s tandade » . Fôra e l l e emfim que n egoc iara a t re gua dos doze annos , -a qualdeu aHol landa a época da sua mai or p rosperidade

,dasua mai o r r i

queza. Era na h is toria da sua pat r ia o c on t inuador da grande obra deMarnix de Sai n te—Al d egond e , o qual , diminuido pela morte de Gu ilherme d

ºO range , caíra n

ºuma p rost ração esteríl para os p r ogre ssos da

patr ia e assignara em agosto d e 1 585 a t ri s te capi tu lação da praca deAnvers confiada á sua honra. Barn eve l dt era finalm en t e o depos i tario e o orgão do e spi ri t o in ic ial da revolução . Era

,c om Gu i lhe rme o

Tac itu rn o e com Marn ix,um dos tres fundadores cap i taes da Repu

b lica .

A s suas d errade i ras palavras,di ri gi ndo—s e ao p ovo accumulado

por traz das fi las da forca armada,foram es tas

Meus am igos , n ão ac redi te i s que eu houve ss e jamai s t raido a

minha pat ria.

P roc ed í com l eal dade em t oda a m i nha v ida, e morroc idadão honrado .

Em s egu ida, cobrindo a cabe ça e puxand o para os olhos o b arre t e de v e lud o que re c eb eu do seu es cude i ro

, a joe l hou , l evantou as

mãos j un tas para o c éu,e ex clamou

P ae ce l e st ial , rec eb e i a m inha alma !Re lampej ou no ar a p e sada espada d o verdugo

,e a cab eca deBar

neveldt caiu .

Foi ouvida por Deus a supp l i ca do condemnado ; i s to e: a naçãohollande z a re ceb eu em si o e sp i r i to de Barn ev e ld t .

Ao t erminar a ex ecução,uma onda de povo i nvade o cadafal s o

para se apoderar de uma re l íqu ia do morto, que cada um quer l evar

com sigo c omo amul e t o con tra o de spot i smo . Mauri c i o ouve d ”ent re apl eb e uma vo z que diz ao carrasc o

1 58 A Hollanda

s enca do povo para e xemp lo de reb e ldes . Soterrada até o p es coco , sóc om a cabeca de scober ta ac ima do tumul o pavoroso , offer

'

ecem—lhe o

p erdão com a cond i ção de que abj ure . E essa cab eça phan tast ica, de

que j á se não vê o corpo e que emerge do sol o como un ica exp re s s ãopen sante de uma con sc i en cia v iva, acena qu e n ão ; e e s sa bocca, p elaqual a t e rra v ae ser c omida ant e s d e a c om er a ella, responde convie ta e t enazmente por uma phras e da Bib l ia : Os que procuram sal

var a vida n'este mundo perdel ' a- lzdo no outro !A t e rra que t inha de preench er a c ova c omecou ent ão a cah ir ,

len tamen te, marcando c omo n i uma ampulheta a agonia da reproba .

Che io o tumul o , o covei ro cal c ou - o aospés e as j u s t i ças ec c les iast icas pas saram—l he por c ima.

Mas a consc i enc ia soc ial e st remec e ra ao espec tacul o de um tãogrande heroísmo c on trap os to a uma t ão grande fe roc idade .

A s impl e s forca da p iedade humana triumphara nºe sse moment o

da v iol enc ia da lei div i na. P e ran te a d errade i ra palavra sub l ime da pob re Ann ett e , a Inqui s i ção , até ahi implacavel, recua d e rep en t e e o sc i l la no vacuo , c omo um as t ro d e sorb i tado da trajec toría pel o empeç o

de um grão de are ia . O con tagi o de mi seri cordia que en tão come çavaa in vad i r o mundo

,di s sol vendo a egre ja feroz pela poes ia compadecida

e magnanima, fulm inara a i n clemencia do proprio San to Offic ioCom a mort e de Annet t e t e rm i naram para t odo s e mpre na Flan

dres os auto s de fé da soc iedade catho lica em pres en ça da s oc i edadehumana .

Seria um efieito anal ogo o que produziu a mort e d e Barn eve l d t noe spí rito de Maur ic i o de N as sau ?.

E permit tido adm itt il- o s em macu lar a hon ra do tumu lo gl or iosoem que rep ousa o fi lho de Guil he rme o Tac i turno .

Da un ifi cação admi n is trat i va, da un ifi cação e ccl e s ias ti ca e da uni

ficacão m i l i tar a un ifi cação monarch i ca não vae mai s que um pass o deimpu l so adquir ido . Entre a cen tralisacão do poder n

'um homem e

cesar i smo inst ituído em reg imen mede ia um tão d iminuto espaço que ,seMauri c i o o não transpo z immediatamente dep oi s da morte de Barf

As Cidades 1 59

neveldt, e' p orque n ão qu iz . Não con tri bu ir ia a côr do sangue para lhe

tornar od iosa a da purpu ra ?

Morto Barneve l dt , a Hol landa pare c eu por um momento d ecap itada . Mas a grande impuls ão de progres s o es tava dada . A banda past oral e agri cola ve iu bre ve ao d e C ima da banda gu erre i ra ; o burgovenceu a t rib u ; o esp i ri t o mun ic ipal , mai s fortal ec i do na l uta , ma i sl e gi t imado p e la sanccão do sacrifíc io , apoiado

,h is toricamente e geo

graphicamen te , na t radiccão nac i onal e na c on st i tu i ç ão do so l o re talhado em pequenas i lhas c omo em out ro s tan tos bal uart e s das autonomias locaes , reagi u por fim dehn itivamen te e para s empre , sob re osys t ema un i tar i o .

Fata viam inven ient— t in ham dito os fundadore s da Hol landa na

medal ha cunhada em honra da União e na qual a Repub l ica era repres en tada p ela imagem de um nav io sem v e las , s em mas t ros , s em l eme ,l e vado pel o v en to a merc ê das vagas , com e ssa l egenda prophe tica.

es ta c omo em t odas as c ri s es da h is toria hollandez a, os de s t ino s federalistas da nação rompe ram com efl

'

eito o seu caminho atrav ez detodos o s obs tacu lo s artificiaes, por c ima de tod os o s empeç os fortu ito sque lh e s oppoz eram . O s con se l hos municipaes , recons t i tu idos vi o l entamen te por Mauric io para a su j e i ç ão e para a ob ed i enc ia ao poderc en tral

,t ornaram - se , l ogo depoi s de re compost os , tão l i vr e s e t ão au

tOflO lTI JS como e ram dºantes ; e p ela s imp l e s força das coi sas , o que

val e o me smo que dize r p e l o p rogres so das i deas na to l e ranc ia e no

dire i t o,um j ust o equi l ib ri o se fez , p e la preponderanc ia dos i n te re ss e s

do povo , en t re o stadhouderato de ten denc ias m i l itare s e dynasticaspropen so ás formu las monarchicas , e o patríciado b urguez , foc o r epub licano de uma olygarchia dinheirosa e s oberba, p rofundamente ant i

pathica á i ndol e democrat i ca da nação .

Se os burguez es ri c os eram bas tant e for te s para bat er com trium

pho as pretencoes dos príncipes a uma ab sorpcão compl e ta do poder,o povo era p e la sua part e bas tant e d emocrata para apoiar qual que rd ic tadura con tra a in vas ão da p lut ocrac ia nas funccões pub l icas e n osdi re i tos civ i s .

1 60 A Hollanda

O s symb olos da mendic idad e volun taria, adop tados p e l o s chefe sfundadore s da republ i ca ao t omarem como distinct ivo de cas ta o gi

b ão c i nzen to, a saco la e a cab aç a dos mend igos fiamengos, t in ham ti

cado na tradi ção e nos co stum e s como um ete rno prot e s to de i ndep endenc ia con tra a arrogancia das c las s es en ri qu ec idas , e o p ovo não

e squeceu nunca q ue era o herde i ro e o c on t inuador dos he roes que haviam levantado o gri to da emancipação hollandez a

,b ebendo p ela ti j e la

de pau dos pobre s de p edi r a liga dos maltrapillzos.

A l ongue i—me na '

exposicão dºeste epi s od io , porque me pare ce que

el le e de uma importanc ia cap i tal para t odos os que quizerem t er uma

i deia do movimen to p ol í t i co e da con st i tui ção do gov erno na Ho l landa.

Mauric io de N as sau e O ld en - Barn eve l d t repres en tam os doi s polos s obre que versa toda a pol i ti ca in teri or n eerlande z a. A oscillaç ão

constante do pode r en t re o patríciado e o stadhouderato e a c ond i çãoregu ladora de t odo ess e machinismo

, como o p endulo nºum relogio . O

apparelho , que perpetua o movimento e a forca que torna isochronasas oscillaço es, e o povo .

P ovo s in gular,un ic o no mundo !

Não 0 ha mai s aguerrido nem mai s b el l i coso . Não 0 ha tamb emmenos m il i tar . E um povo de guerra

,que não pode rá ser jamai s um

povo de parada.

P elas c ond i çõ e s do so l o que occupa e q ue e l l e d i sputa ao mar

n ªum combat e p ermanente,p ela sua e ducacão de l u ta p e rant e o pe

r igo de cada i ns tan te , el l e e por natureza en e rgic o , des t emi do e val oro so . A pequena choupana pobre

,mas i s o lada

,fort ifi cada por um fos

so,c i ngida dºagua c omo uma cidadella

,e b em ass im a barca em que

de um momen to ao outro e l l e d esatraca d e t e rra e s e faz ao largo comtodo o s eu mundo ambulante e c omp l e to

, a mulh er , os fi l h o s , os an i

mae s domes t i cos,dão—lhe como a n enhum outro povo a noção mai s per

fe ita da l ib e rdad e,o s ent imen to mais profundo da sua forca, con s

c i enc ia mai s n ítida do seu dire i t o ind iv i dual .As arri s cadas av enturas da guerra, attrahem a sua indole d eno

dada como as exp ed i ções ao polo,como as p escas da bal e ia ; e el l e

A Hollanda

si mesmos a t oss e in t emp es t iva por m e io de um punha l c ravado no

pe s coço até ao cabo,de um so golp e .

Homens dºest es bat em - se, mas não se l hes bat e . P ode - s e—l he sd ize r afioitam en te «Avan çar » mas não se lh e s diz Ordinar io marClle l»

Tae s so ldados se rvem com hero ica in t egr idade a sua pat ria ; nãopodem servi r egualmen t e os s eus maj ore s . O seu

' genero de bravu rae i n te i ramen te incompat í ve l com a mut i laç ão tarimb eíra da ob edien

cia se rv i l . O sargen to i ns truc tor q ue se l embras s e de l evantar paraqual que r d'e l l e s o j un c o regulamentar d ei xaria na hi s toria da recru taum ex emp l o tragi co para e tern o e scarmento de sargent os d e junco .

E,depoi s de t erem aprendi do a morrer p e la honra no campo , n in

guem cons egui r ia en s inal—os a v i ver na bai x eza do quart e l,engraxando

submi sso s as botas do cap i t ão , ou l us trando ze los os as esporas do t en ent e .

Vejam - se as grand es t e las m i l i tare s dos museus da Haya,dºAms e

terdam e de Harl em,e comparem - s e com as te las congeneres do Lou

vre, d e Versai l l e s , do museu d e Berl im ,do museu de Fran cfort .

Em Franca e na P rus s ia o ap parat o s c en ico e o me smo . No prime iro p lano , Bonaparte ou Frederico , Lui z N apol eão ou o imperadorGui lherme

,o sr . d e Macmahon ou o sr . de Moltk

,a caval lo , em grande

un iforme , acompanhados do seu estado imaíor ; aos pés do guerre iroum soldado morto

,uma espada part ida, uma lan ça quebrada, um ca

pace te ou um kep i pe rdido , uma band e ira rota ; ao l onge os e squadrõe sgal opando en tre o fumo da batal ha

,ou os reg im entos pe rfi lados

, que

saudam o heroe,apres en tando - lhe as armas .

Na Hol landa os be l l o s quadro s m il i tares de Remb randt , de V ander He i s t , de Franz Hal s , mos tram—nos os homens de guerra frate rn isando na gloria sem dis tincção alguma de graduação , de pos to ou deun iforme . O todo é um conjun cto des l umbrante de setim e ve l udo ,botas de bufal o enrugadas , l uvas de an ta em p regas , p lumas pal p i tantes, copos de espadas crave jados de p edrar ias ou rendi lhados de lavores ; a bandeira nac ional j un to da mesa pos ta para o banquete , ou no

As Cidades 1 63

me io da companh ia em marcha t riumphal ; talabart es d e five las d e aco ,bandas fran jadas d e oi ro , feixarias de arcabuze s , coronhas d e pi s tolas ,cabos de punhaes , taças d e crys tal em que espuma o v inho da honra ;e,quas i no mesmo plano , t odas em evidencia, dez , v int e , t ri nta cab e

cas de homem ,c on s iderave lmen te e xpres s ivas e energicas, cabe l l os c or

tados a e sc ovinha, b i gode s recurvos,barbas rut i lan te s

,quad radas

,em

b ic o ou a Lu iz x1 1 i,des tacando - s e sobre largo s co llarinhos encanuda

dos ou chatos, de hugueno te ou de pur i tano .

Quem são os sup e riore s ? quem são os subal te rnos ? Ser ia impossivcl diz el- o , e é p reci so con su l tar a re laç ão dos personagen s que or

dinariamente faz parte do quadro , para conhece r o co ron e l , o alfere s,

os sargentos,o porta- bandei ra, os so l dados , o tambor .

A h i s to ria mil i tar da Hol landa most ra- nos que não ha em pe de

gue rra ex erc i to mai s b ravo que o ex erc i to ho llandez . Em pe' d e paz

nunca em outro al gum pai z da Europa vi regim entos d e asp ec to mai sb urguez , mai s fami l iar

,mai s cas e iro—menos mil i tar emfim— que na

Hava . E essa é grande e invejavel carac ter i s t i ca dº

esta pequena e l i v ren ação . Na Hol lan da, como na Sui ssa, todo o homem do p ovo rec ebe ,imposta pe las fatal i dades do sol o , uma educacão de soldado ,— sol dadod e mon tanha

,atirador , na Sui ssa, s ol dado de abordagem ,

corsari o, na

Hol landa . Mas nem nºum nem n

ºou tro d e s t e s do i s paiz es o s ol dado

,

l i vre por natureza , p ode s e r galucho por ob edi enc ia e por d i sc ip l i na arb it rariamen te incut ida

,como em part e da I tal ia

,da Hispanha e da

França, como na Belgi ca como na Russ ia,c omo na In glat erra e como

na Allemanha .

Entre ho llandez es o in st rumen to d e p ol i t i ca cen tralisadora e un í

tar ia chamado um fort e e xe rc i to p e rman en te e' impos s iv e l d e fabri car .

Dºesta s impl es circumstancia s e deduz toda a l ivre expan s ão do pro

gre sso,todo o equi l ib ri o da

'

ordem no regimen d e s ta soci edade . Qualqu er que se ja o nome do sys tema, a Hol landa é hoj e uma republ i cacomo n o secul o xv 1 1 . A sua monarch ia hered i tar ia e, como o seu an

t i go stadhouderato , uma garantia da l ib erdade democrat ica . Com umcommerc io r i qu í ss imo

, com uma b urgu ez ia p l e to rica de d inhe iro , a Hol

I l ª)?

1 64 A Hollanda

landa,sem os seus prin cipes , v er- se - hia de vorada pelos s eus parvenus .

Na sua política i nt er ior a monarch ia l ib eral e a l e s ão funccional compen sadora do defe ito o rgan ico da b urgue z ia

ol igarch i ca .

Quando os banque i ros exorbi tam dos p ri v i l eg ios munic ipaes porin teres se p rop ri o , o povo encos ta- se aauctorídade do príncipe e depõeos banque iros . Immediatamente d epois do que , o prínc ipe não t em mai sforca em torno de si para poder por seu turno e xorb i tar e l le mesmo ,porque o exerc i to hollande z , refrac tari o pc r in do l e naci onal ao ve lhoofiicio de guarda do corpo , adstric to á p erman enc ia da força publ icasob o commando arbi t rari o de um soberano

, apen as rec olh e a quart e i sde sarma a bayon eta e ret oma o s impl es chapéu de chuva pacato dec i dadão indep en den te e commodista . As s im , a monarch ia, me ro inst rumen to compen sador en tre o poder m ercant i l e o poder m i l i tar, e aquiuma forca e s s enc ialm en te re lat i va : e, com o s e diz—cu ido eu—das

fun ccões mathematicas ,'

uma quant idade cuj o val or depende do val ordado a out ra . Essa ou tra quant idade que na po l i t i ca hollandez a dete rmina a var iave l importan c ia dynamica da real eza e a munic ipal idade .

Nodia em que chegue i aHava, c orri da de cavallos—p rimei ra dooutomno .

P lanície enorme coberta de re l va.

Ao c en tro da grande tri buna embande i rada, doi s fauteuils doi rados cob e rt o s de s e l im ve rmelho e sp eram suas magestades .

Em frent e , ao longo da pi s ta, t re s a quatro ex t en sas fi las parall e las de carruagen s .

Aos p és dos c oche i ros , os grandes c es tos de c omest í ve i s , de quesob resaem os gargal o s doi rados das garrafas de Champagne , de Chat eau Iquem,

de Rot t enberg e de J ohannisb erg .

Nos landeaus aber tos , uma i nfinidade de j oven s s enhoras , loi ras ,t rajadas ao gos to ingl ez

,em duas cô res con trapos tas ; grande numero

d e v e s tidos de fustão branco ; justilhos de ve l ludo p re to , ci ngido s aobusto

,l i so s

,em c ouraça, plumas b rancas nos chapeus Carlo s ix, e ln

vas brancas p e spontadas a pre to a t oda a medida do b raco . Muitõs

1 66 A Hollanda

Dei xo em me io a corrida para me embrenhar outra ve z no bos

que , no decantado bosque da Haya, que at rav es s e i ap enas de passa

gem indo para o hippodromo .

Dize r que e s ta mat ta e'

a primei ra da Europa, que o Bois de Bon

logue e Hy de- P ark s ão doi s mesquinhos quin taes , comparados ama

gn ificencia dºesta floresta, e tudo quan to o viajan te po de con tar d e ste

sítio . E todav ia,c omo i s to se acha l on ge de exprimir a impre s são que

e s t e parque p rodu z em quem o v ê !

' Bas t o c omo um cannav ial,o a rvoredo da Haya e l eva—s e a vinte

met ros ac ima do n i ve l do sol o e cobre—o i n t e i ramen te c omo a abobodade um enorme t emplo , em al tas arcadas ogivaes, de uma profund idades ol emn e

,em que parec e palp i tar

,indec ifráve l

,um mysterio d ivino .

A cada passo , ao l ongo das grande s naves flexuosas, surprehendem - no s ret i ro s humb rosos, formidaveís gru tas de um recolhimento sa

grado,ou amplo s lagos dormente s

,s i l enc ios o s

,como inundaçõe s de la

grimas l ongament e de rramadas no val l e da poe z ia pe la romagem do

amor .

Tem - se a commocão d e en trar nºuma ac ropol e . vege tal

,sob rev i

v en t e ao pres t íg io de grandes deus e s morto s ou de an tigos he roe s es

quecidos, t empl o d e serto da re l ig i ão d os druidas , ou cap i tol i o solitari oda po es ia dos bardo s . Em nenhuma out ra part e s e ria mai s doce quenºu-m a

ºest-es refugios o r ec ol himento mys ti c o dos ve l hos sace rdot es

con templat i vo s e extaticos . Em nenhuma outra part e fi caria melhor ,do que su sp ensa n ªum d

ºestes o lme i ro s

,a espada do bom rei Fingal ou

a harpa de O ss ian , que a doce Mal v ina conduzi ss e p e la mão ao l ongodºestas alamedas .

A s mai s al tas e frondosas fa ias que em m in ha v ida t enho vi s tomergu lham na agua as pontas da ramaria

,umas v e rme lhas como got

tejando sangue , outras alvacen tas,descoradas , de refiexos de e s tanho

pol i do,como se l h e s c i rcu las s e na frial dade das folhas uma s e i va de

l uar .A s t i l ias , os carval hos e os amieiros agigan tados s ão de um verde

carregado , in tens i ss imo , que se refrange e di lue no ar,esverdeando

As Cidades 1 67

t udo,n 'um tom aquat i c o , phan tast iç o , de palaci o maravi lhoso, con

struído sob o crys tal dos lagos p elas nymphas do Elba e do Gaal , pelas s ere ias hellen ícas ou pelas ond inas scandinavas .

Esta l u z t ão es tranha e tão doce,e ste so l o avelludado pel os mus

gos que tape tam inn umeras camadas sob repostas d e folhas caídas , e s tas ol id ão , e s t e sol emne s i l enc i o , apenas en trecortado de l onge a l ongepe l o arripio dos fe tos atrave s sados por um coelho , por um fremito deazas por c ima da nossa cabeca ou por um soluço de calhandra ao l onge ,apazi gua os sen t idos como um banho calman te , e produz na imaginacão um efieito suave de n ebul ose men tal , confusa percep ção de uma

vaga poe s ia remota e esparsa, l embrando os cycl o s n evo en tos dos Nib elumgen , dos cantos slavos, das baladas da Escossia, dos poemas dorei Arthur .

N ão se recorda a gen t e de t e r v i s t o decoração s emelhante a es tafora das paginas de Shake sp eare , de Ar i os to ou do Dan te , e repre senta- s e ao nos s o espírito c omo sacri l ega p rofanação a i dea de amar eser amado , com um pobre amor burguez e vul gar, n

ªeste scenari o de s

t inado pe la magestade de seu aspecto un i cament e às grande s pai xõe sh e roi cas , aos profundos amores tragicos ou elegíacos c omo os de R0

lando e W ildegundes, de P aol o e de Franc e sca de Rimin i , de Car losMagno e de l l degarda, de Falken s te in e de Gis e l la .

Diz—se que emmui tas d es tas arvore s s e acham en tal hados nomesde re i s , de imp eradore s , de e l e i tores da Allemanha, e foi debai x o dªellas que o poeta João Segundo e screveu em lat im o poema dos Beijose que o philosopho Descart es j ul gou ouv ir d o céu , chamando - o a refor

mar a phil osoph ia, a mesma voz prophe t ica que l evou Colombo a desc obri r a Ameri ca.

P or tudo i s so o bosque da Haya t omou no dom ínio das imaginaçõ es e n o cul to do povo o carac t e r pri vi l e giado de bosque sagrado ,c omo em Roma o da nimpha Ege ria na v ia App ia, ou como o da deusaVesta no monte P alat in o.

O s i n vasore s híspanhoes , ob edecendo , inst inc tivamen te, ao pre s t i

gio que envol ve e sta fl ore s ta, prohib iram aos sol dados o t ocar- lhe , e

1 68 A Hollanda

t odas as v eze s que o governo da Haya, por compromi ssos de honra e

em sat i sfação de cred i to , tem ,em momen tos de cri s e

,enunc iado o pro

jecto fi nance iro de vende r al gumas das made i ras do b osque,os hab i

tan tes,por sub scripç ão espontan ea, pagaram a dív ida pub l ica, sal vando

p el os sac rific ios de um imposto volun tar io a immunidade das suas arvores quer idas .

É por uma del ic iosa e st rada,sobre a orla da mat ta

, que se vae em

t ramway Sche veningue , o arrabal d e mar it imo da Haya,a sua praia

de pe sca e de banhos .

Duas povoacoe s un idas mas compl e tamen te d ive rsas : a dos pe scadores e a dos banhi s tas .

'

Scheven ingue e'

uma das principaes e s taçõe s da p e sca r iquí ss imado harenque . Mas em Scheveningue, e nas demai s al d eias mar í t imasna Hollanda, as s im c omo na P o voa e na co s ta da Capar i ca em P or

tugal , são os propr i e tar ios dos barc os e das redes que empolgam o me

lh or dos l ucros , e o p e scador p ropriamen te d ito e v i lmente expl o radop e l o empre i t e i ro .

O bai rro dos indígenas e' quas i tão pobre

,em Scheven ingue , a duas

m i lhas da Haya,como na Trafar ia em fre n tede Lisboa . A população

t em porem aqu i um carac te r mai s grave,uma apparencia mai s auste ra, '

porque os homen s são ve rdade i ramen te navegadores e não catraeiros

c omo na bac ia do Te j o .

Quando ch ega a es tação da p esca, no princípio de j unho , os deScheveningue partem para o largo , até os mares da Escossia, n

ªuma fio

t i lha de sol idas embarcaçõe s . cobertas , largas , de um“ só mas t ro , comuma vela quadrada

,proteg idas p or uma cor ve ta de guerra

, que as

ac ompanha,repre s en tando o governo neerlandez na polícia do mar .

O s harenques p escados v e em em cada dia para Scheveningue,com o demai s p e ix e da c os ta v end ido na praia em l e i l ão

,mas a gran de

companha de p escadores do al t o não regre ssa senão quando a fainat erm ina aos vendavaes do outomno .

Ess e s homen s tão val o ro sos , tão s imp l e s , tão despremiados , tão

1 70 A Hollanda

t i n s sob re os canaes gelados , com uma vel oc i dade v ert i ginosa,de qua

tro l eg'uas por hora.

A p0pulacão dos ban hi stas hab ita quas i t oda sobr e as dunas , áb e ira d'agua

,no Hotel Bellevue , no Hotel Garm

'

, n o Hotel des Baz'

ns,

ou em t pequenas villas pit torescamen te . dispersas pela cordi lh e ira em

min iatu ra,formada pe las successivas s e rras de are ia adhe-r'i da p ela ve

getacão e plan tada de urze s e de gie s tas sal p i cadas pe las es cabiosass el vagens , conhec i das em P ortugal p el o nome de saudades do camp o .

Nada mai s ri sonho nos dias de verão , sob a l u z dourada do sol

de scoberto e do céu azul, do que o asp ect o mat i nal , a hora do banho ,

dºesta immensa praia de are ia fin íssima, sem p edras , sem conchas

,, se

melhan te a da c os ta p ortugueza no e spaço que mede ia ent re o Cab ode Esp iche l e a Torre do Bugio .

O rec in to.

dos banhos é d i v id i do em duas gran des zonas incommun icaveis—o ban/io das senhoras e o ban/zo dos homens . A afii uen c ia

de banhi s tas france z es det erm inou nos ul timos annos o es tab e l ec im en tode uma t erc e i ra zona—o ban/zo commzmz , hoj e o mai s frequentado pelos

'

estrangeiros .

Longas fi las d e carruagen s - barracas,caso tas de rodas , obl ongas ,

puxadas por um caval l o,ás quae s

se en tra por uma p orta '

com'

t re sdegraus de mad ei ra no tampo do fundo

,rec ebem os banhi s tas e t ran s

portam - os quatro ou c inco met ro s na agua ; dão ahi me ia vol ta v irando 0 caval l o para t e rra, e o banh i s ta, desc endo a escada, mergulhano mar.

Todas as senhoras nadam , e os s eus reduzidos traj e s de banho ,de ixando p l enamen te l ivre s todo s os movimentos da natacão , de scob rem

,aos olhos d e sl umbrados dos viajant e s meridionaes ,

— extaticos

na praia c omo satyros magn et isados chupando a di s tanc ia [que os se

para da onda p el os tubos pre ssurosos e av idos do s s e us b inocu los de'

tour iste , —carnacões de lampe j os fasc i nante s , de uma b rancura nuncav i sta, de um m imo ep id e rmico de hyperbol e paradisíaca . Enforca - te

,

enforca - t e, ó t enro , ó requebrado , ó delamb idissimo Cab anel l Enfor

ca- te,ou vae t ratar d e ou tro ollicio , porque nunca a tua assucarada

As Cidades 7

palh e ta,nun ca os t eus p inc e i s embebidos no succo mysterioso e c lan

d es tino dos lírios e das anemonas d e teu h erbari o de re trat i s ta, nun cae ss e m imoso azu l afamado sub trahido por t i dos céus de Bo issier e deoutro s i l lust res fab ricant e s de reb ucados, nunca o t eu proce sso d e p intar carn e s t ão docem en te e sc orri das na t ela como escorre na pon ta dal in gua pe las parede s do paladar o creme ab aunilhado d e um bonbon

[ona/ant, darão na cô r requintada em transparen cia e em mimo daspari s ien ses idealisadas nos t eus quadros uma i d eia longínqua da ver

dadeira p el l e dºestas naiades de sangue ge rmanic o,de sangue scand i

navo ou de sangu e s lavo , nascidas á b e ira dos lagos gelados do Nort ec omo flores da n eve !

P os so apenas depô r como tes t emunha ocu lar a respe i to da cô r ;nada me e poss i v el informar de msn quanto às formas dºestas b anhistas

,porque e u tinha apenas acabado de adap tar o meu ocul o ao exame

dºellas , quando um guarda da p raia, t i rando o seu bonnet d e un iforme

,

me informou em france z de que , pe l o regulamento l ocal , o pub licoera resp eitosamente convidado a não b z

'

nocnlísar as senhoras no acto detomarem ban/io .

Além das barracas em carre ta a que me refi ro,ha barracas de

l ona,âxas e di spos tas em acampamen to .

Centenare s de cadei ras de vime,cob ertas em arco

,á semelhanca

de pequenas guari tas , s ão d e st inadas aos frequen tadores da p raia a

quem se al ugam,e n as quae s cada um se i n s tal la commodamen te , ao

abri go do sol e do ven to , vol tado para o pon to que mai s lhe apraz .

Todas as creancas,d e pés e pernas nuas

,pat i nham con s tan te

ment e na agua, fre scamente vest idas , de b ib es brancos e chapéus de

pal ha desabados , sob a vigi lan cia das mamãs .

A s pe ssoas adul tas , r ecolh idas nos s eus respect ivos abrigos , l ê em ,

de senham ou bordam,t ranquil las , i so ladas umas das ou tras , emquan to

uma i nfi n i dade de pequenas v endedeiras ambulant es offerecem d e cade i ra em cadeira os jornaes e as rev is tas do dia, hollandez as , in gl ez as, allemãs e francez as, fructas e sc o l hi das , uvas , p eras e pecegos, rãmos de ro sas e de re s edas e c opos de magn ifico l e i t e fre sco

,cnvasi

1 72 A Hollanda

lhado em grande s barr i s envern isados s obre e l egante s carre tas de carvalho do nort e .

P or - t raz dºeste vas to arraial al ongado na l inha da maré , al te iamse os terracos dos cafés, al v e jam as t oalhas de mesa, t ilitam o s tal heres

'

dos p equenos almocos ao ar l i vre,e p erpassam apre s sados o

_s c ria=

dos, de jaqueta e .av en tal

,s e rvindo as cos telletas de vi te l la ou o lin

guado fr i to , s ob enormes cob ert uras de folha pol ida, e os b raz eiros delatão com fogo de turba, em que ch ia para confeccão do chá pre tode cada um a c las s ica e famil iar chal e i ra de cobre b run ido Com pegasde porce lana branca.

Nas hab itacões edihcadas s ob re a duna, vol tadas ao mar, as ia

n e l las dos quartos do rez do chão, rasgadas do t ec to ao so l o , c on se rvam duran t e a manhã as suas p ers ianas verde s abe rtas sob re o pavimen to cô r de ro sa da cal cada .

É um banho de fresc ura e de graç a para a vi sta o pas se i o dasonze horas da manhã ao l ongo dºestes p equenos pred ios int e iramen teabertos á bri sa sal gada do mar .

Succcdem - se urn as ás'

ou tras, na mai s p it tore sca e na mai s ri sonha re vi s ta de most ra, as salas de jan tar , os pequenos sal õe s de co n

versacão e de t rabal ho , os gab ine t e s de es tudo , os prop rios quartos d edormir .

O s tape t e s rigorosamen t e es t i cados e e s covados a mic rosc opi o,

n ivelam—se aos n í t ido s t i j ol o s da rua, em que não ha um at omo depoei ra.

Ingenuas ch i tas de um tom ant igo,de fundos cô r -de cafe salp i ca

dos de pequenas rosas , caem em pregas ou en t reabrem se em bambolim guarn e c ido de um estre i to fol ho encanudado nas al c o vas

,onde sob

o cort inado p enden te se en tre vêem os pés de um es t re i to l e i to de pinho verme lho da Dinamarca. O pequeno espelho quadrilongo , t endono al to s eparado do vidro por um t rave s são e emmo ldurado no mesmocaix i lho um desenho a pas tel

,refl ec t e na parede do fundo um quadrado

luminoso de mar e smal tado pel o sol. P or bai x o do e spe l ho , na fre scura t enra e ]actea da porc'e l lana, re luz o s erv ico do lavato ri o . Uma

1 74 A Hollanda

des de ferro atravez das quae s se en trevêem ve s t íbul os env idraçados '

de pequenos palac i os,es p e s suras de parque s

,recantos flor idos de jar

dim ,marquises rend i lhadas , aven i das curvas para fazer rodar car

ruagen s, b rancuras de cy snes vogando na s ombra verd e - e scura doschorões de sgrenhados sobre a agua ; e ao lado de cada grade

,nº

uma

p rancha de made ira envern isada,nºuma lamina de ferro forj ado ou

de c obre p ol i do, a de s ignação da prop ri e dade : n ão j á c omo na ve lha

Hol landa,uma brev e s ent en ça da ph i losoph ia do habi tan te,mas um

simp l es nome querido e modesto : Villa Luiza, Villa .Maria, Villa

Joanna.

No bai rro do c ommerc io quas i to das as l o jas , de porta fechada,reco lhi das como casas nobr e s , de famil ia . N ão se ouve o e s trep i to pesado das carroças n o lagedo das ruas

,n em a voze ria dos pregõe s am

b ulan tes,nem o jogar arquejan te das machi nas de vapor nas fabri cas

industriaes . É uma c idade de resp i ração purament e bucol i ca,t oda fei ta

da exhalacão bal samica da se iva dos parques , do ch il r ear dos pas saros

,dos murmurios da agua nos tanques e nas fon te s dos jard in s .

Como n a ma ior par te das c idade s hollandez as an t i gamen te acastelladas

,como na Belgi ca e na Allemanha Rhenana, as ant igas forta

le z as de Arnhem foram transformadas em jard ins que rodeiam a ci

dade,c ingin do—a como Francfort de um col lar de fl ore s .

O s pass ei os publ ico s,os boul e vards , o s arrabal d e s incomparaveis,

as del ic io sas al d e ias suburbanas , as c ol l inas de Velp , a prox im idade doRheno

,as v istas de Eltever- Berg

,de Cleve s , d e N imegu e , fazem de

Arnhem a prefe rida estacão campes t re de re c re io e de repous o , a grandeCin tra da Hol landa. Como em C in t ra

,t odas as grande s quintas são

aqui pat en t e s ao pub l i co , e o mai s ob s curo Viajan te pas s e ia c omo em

t e rras suas,durant e dois ou t re s dias , em propri edades de um encanto

incomparav el, en tresachadas de bosque s e de lagos , de parque s d e v eado s

,e de picadei ros , de gru tas e de cascatas , de pon te s su sp en sas e de

t orre s de atalaia, de av iarios, de pi s cinas e de vaccar ias mod el os , c omono cast e l l o de Sonsb eck

,nas quintas de Roozendaal , de K larenb eek,

de Rhedcroord, de Biljo en , e nªuma i nfin idade de outras . N

º

esta regi ão

As Cidades 1 75

s e al ongam as campinas cobertas de tul ipas na primavera, cobertas nove rão de v erdadeiras s earas d e rosas , expl o radas pe la perfumaria.

No percurso dªestas romagen s, as horas de sol , vê em—se pas sarl entamen te , ao pas so dos cavallo s, as equipagens desc obertas d os rico s hab i tan te s dºA rnhem : os largo s pane i ros de vime , puxados porponey s e che ios d e creancas , os landeanx coroados de guarda- soes abertos

,e conduzindo em pas s e io hygienico pallidas b el l e zas frisôas , bran

cas como jaspe s i tal ianos de imagens de madonas c om cabel lo s de o i ro ,de olhos doce s e melancolicos , de conval e sc en tes , e e legan te s i nd ianas ,creoulas de Sumat ra

,d e sc enden te s de princ ipe s indígenas , paren tas d e

regen tes da Java, desposadas por opu len tos m ercadores ou r i co s na

vegantes da Hol landa apos en tados agora nos,s e us b en s .

O s c l ub s d”A rnhem são como os da Haya, do mai s pe rfe i to con

fo rto , e c ons t i tuem com o p razer do pas s eio as duas un i cas d ive rsõe sd o habi tan te .

A l gun s dºestes c lub s , como um em que fui convidado'

a jan tar naHaya , t e em as suas cosinhas di rigidas por ch efe s pari s iens e s de prime ira forca. A s garrafe iras contem o q ue ha

' de mai s e sco l h ido nas

adegas eurOpeas , de sd e as melhore s nov idades do Rheno , da Franca,da I tal ia e da Hispanha, até o P orto , ge ralmen t e conhec ido nas l i s tasdo s v i nhos dos res taurant e s hollande z as pe lo n ome recommendavel deLondon , London vel/io , London particular, London escolhido . P orquea tal ponto o s n egoc iante s portuguez es teem de i xado cai r em mãos estrangeiras o commerc i o nac i onal , que não só a gl or iosa bande i ra azu le b ranca desappareceu las t imosament e de t odo s os por to s marí t imos ,mas a te os p roduc tos da n ossa i ndust ria vão p erden do o nome nosmercados a que c e s samos de os l evar ! O s fi l hos engeitado s tomamnaturalment e o appellido d

ª

aquelles que os adºptam e não dos quel hes deram o ser .

A s colleccões de jornaes e de re v is tas em todos e ste s c en tro s s ãoas mai s r i cas do mundo . Ha enormes b ib l iot hecas de pub licacões periodicas de todos os generos

,em t odas as e spec ial i dades e em t odas

as l inguas : de litteratura, de hi s tor ia, de viagen s , de archeol og ia, dc

1 76 A Hollanda

l in gui s t i ca, de medic i na, de hor t ic u l tura, de p i sc icul t ura, de caca, detrabalh os de agulha, de c on trovers ia p ol i t i ca e theologica, de combat e ,de re l i g ião

,de ph i l o soph ia, de re c re io . Só nunca

'

v i, em club algum daHol landa

,um jornal de modas . E tud o i s so se manuse ia, se c on sul ta

e se l ê . Em nenhuma ou tra parte,n em mesmo em Inglat e rra, se ab

sorve uma tão p rod igi osa mas sa de le i t ura.

Em Bron b eek, um dos l indos suburb i os de Arnhem , acha- Se es tab elecido um asy lo de Soldados .

Nenhum caract er mil i tar no asp ec to ex t er ior dºeste c urioso edifi

cio . Nem o mai s l eve symp toma guerre i ro ! Nem o menor dos mot ivosdeco rat i vos que de ord inar i o s erv em de at trib utos a instituicões d

ªesta

natureza ! Nem os doi s obu v es d e b occa ab erta a p orta, nem a c lass ica pon te l evad i ça

,nem os mon t ícu l o s de balas , nem a prev is ta es

p lanada com as s uas indispensaveis ame ias e as suas ve lhas p ecas deart ilheria theatral

,montadas em reparos tão t r0pegos, t ão trambulhu

dos e t ão de pau c omo os membros do guerre i ro in val i do encarregadode l he s serv i r de eornaca !

asy lo de Bronb eek tem ,por fora, o s impl e s aspec to ru st ic o

,

abso lutament e i noffens ivo,e l oquen temente pacato , de uma be l la gran ja.

Como out ros tantos Cincinatos, t odos e s t e s v e lhos batal hadoresse occupam car inho samente em agricu l tar a t erra, e e com o sorri soda ma i s te rna sympathia que o v i s i tan te , perc orrendo as vas tas dep endencias d 'e s t e alb ergu e m il i tar

,vae encon tran do a pouco e pouco , dis

persos pel o campo e sse s ant igos soldados pagando no u l t imo q uarteirão da v ida ao sol o da pat r ia o t ri buto dos de sv el os que o se rv ico dasarmas o s impe d iu de pres tar n os annos da mocidade , arran cada p el ore cru tamen to ao s erv i co da charrua .

Uns sacham o c ebo lal , outro s mondam a horta.

Um grupo , na l e ira gradada, ao bom che iro ac re da te rra re vo lv i da de fre sc o , em mangas de camisa

,as cab ecas brancas ao sol , _

apanha e ensacca batata nova .

Sen t in e l la p erd ida,emboscado no fe i j oal

,aqui es tá um que arma

1 78 A Hollanda

scripç ão em c obre,com o nome do so l dado qu em a i n s ign ia p ert en

ceu , e com a data dos successos em que e l l e se di s tinguiu . Quando o

c orp o do condecorado desc e a cova, um camarada aj oe lha e toma

lhe do pe i t o a c ondecoração q ue o e s tado recol he , entendendo q uees sa dist inccão de m eri t o dev e s obrev iver ao i nd ivi duo , c omo sobrev i v eo nom e

,regi s t rando—s e d e vidamente c omo uma parte da hi s toria da

sua pat ria, da honra do seu regimento, da gloria dos seus companhei

ros dºarmas .

Não obstan te o asp ec to j uv en i l que lhe vem da e te rna fre scurados seus jardin s e da e l e gancia moderna dos s eus novos bai rro s , Arnhem

,a Arenacnm do s romanos

,e' c omo a sua v isinha N imegue

,uma

das mai s v e lhas c idades da Hol landa.

A ant iga pro vinc ia da Gueldra, de que A rnhem e a cap i tal,fez

parte na edade média da monarch ia dos fi l ho s de Clov i s . Foi e ri gidaem condado p el o imp e rador Hen rique IV em 1 079 . Foi e l evada a ducado por Lu iz IV em 1 339 . Foi vendida a Carl os o Temerar io , duque

'de Borgonha em 1 4 1 7 . Fo i t omada por Carl os v em 1 543.

A l gun s.

monumentos de A rnhem ,a sua casa da camara chamada

a casa dos diabos,habi tada no s ec ul o xv pe l o ce l ebre bandido Maar

ten v an Rossum , e a sua be l la cath ed ral gothicacon sagrada a SantoEus eb io

,at testam ai n da a an ti gu i dade das suas ori gen s .

No cô ro da e gre ja de Santo Eus e b i o vê - s e o t umulo monumentalde um

'

dos c ondes dºEgmond, Car l os , príncipe de Gav re , duque deGueldra, que os v e l hos chron istas d ºe s ta provinc ia erud i tamente com

pararam a An ibal e a Mith ri dat e s .

A geneal ogia dos Egmond engarfa na genea l ogia dos Nassaus , ep erde - se com el la nas t re vas da hi storia ante rior ao s e cul o xr. O maisi l l ust re membro dºesta famil ia l eg endaria foi Lamorol d

ªEgmon d,princ ip e d e Gavre , barão de Fiennes , ex e cutado com o conde de Hornem Bruxellas em 5 d e j unho de 1 568 , por sen tenca de Fil i pp e 1 1 .

Em N imegue ha um prec ioso museu de anti guidades romanas ,at te stando pel os mai s curi oso s documentos—moedas , medalhas , lap i

As Cidades 1 79

des, taboas , joias , armas e l oi cas—a occupaç ão d

ºestes l ogare s p e las

regiões conqui stadoras de Cesar , fort iâcadas por muito t empo na ci

dadel la de Nimegue , a que Taci to chama bataziormn Opp idznn .

É ai nda em Tac i to,nos l i v ros tv e v das Historias , que os pri

meiros esforcos da Ho l landa para as conqu i s tas da sua indep endenc ia,

no tempo d e Nero e de Galba,de Vespas iano e de V itellio

,nos appa

rec em rep re sen tados nas repe t idas l u tas con tra as cohort e s romanaspe l o Viriato hollandez , Claud io C i v i l i s , cego de um ô lho como Ann ib al e como Sertorio , o qual , depoi s de have r inut i lmen te inundado a

Batavia, rompendo o d ique con st ruido por Drusu s, as s i s t e em N ime

gue á queda das suas e sp e ranças heroi cas , vendo ao l ongo de todo o

Rheno o s gau lez es e os ge rmanos submet t idos aos consquistadores la

t i nos .

Duran te a edade méd ia a h i s toria de N imegue não e' menos i l l u s

tre que na época romana . No magn ifi co palac io c on stru ido aqui p orCarl os Magno , e cuj as ruinas admirav eis se conse rvam p i e do sament eengrinaldadas de fl ore s no l i ndo jard im pub l i co d e Nimegue , habi toupor al gum t empo o gl ori os o íilho d e P ep ino o Brev e . N

ºeste mages

t oso re c in to se c e l eb raram tal vez cô rtes de lit teratura e de amor,pre

sididas por al guma das c i nc o legítimas esposas do impe rador, ou poral guma das quatro concub inas suas aman te s , que o s eguiam na guer ra

,

caval gando al egremen te com as s uas t ropas,de campanha em cam

panha ; e aqui e s tá ai nda o me smo bap t is t erio em que e l l e dava em

pompa o sac ramen to christão aos captivos saxonios das l e g iõe s venc idas .

Nimegue s e rvi u tambem de re s idenc ia a Carl o s o Cal vo,a O thon 1

,

a Santo Henrique , a Con rado III,ao imperador Segi smundo , ao impe

rador A lb erto , a Henriqu e v i , a R enal do 1 11,a Carl os v

,a Fi l ipp e 1 1 ,

a Max imil iano dºAustria, a Car l os o Temerar io , a Car los dºEgmond ea Gui l herm e o Tac iturno .

Em todo s os var iados ep i sod io s da hi st or ia de Nimegue, as s im

como da hi s toria d e A rnhem , de sde a derrota de Civi l i s ate o ce l e brec ongres so que t rouxe com sigo os t ratados de paz de 1 678 e 1 679 en

I'

Z át=

1 80 A Hollanda

tre as P rovin c ias Un idas , a França, a Hispanha, a Suec ia e as po

tencias suas alliadas— p erpassa constant emente como que um fol egoe terno de i ndep endenc ia e de b ravura .

Um proloquio pop ular carac terisa a i n dole dos hab i tante s daGueldra n

ºestas palavras , que poderiam ser a sua d ivisa : Alta ein

valor, p equena em bens, uma esp ada em punho, eis o braz ão da Gueldra .

Nimegue t em no e scudo das suas armas es ta l egen da magn iã-

c'

a

.Melius est belli'cosa libertas quam seruitns paczjica .

Nas co lleccões numismaticas do pai z se encon tram ai nda ex empiare s das famosas medal has patrioticas que deram origem a

' guerrac ome çada em 1 672 , e con cl uida p el os tratados a que ac ima

'

alludi.

N 'uma dºessas medalhas , cunhadas na Haya por ordem dos es tadosge raes , vê—se a figura da rep ub l i ca hollande z a calç ando aos pés a dis

co rd ia v i sive lmen t e rep re s en tada na efhgie de Lu iz x1v . No rev erso ol e ão neerlandez s egura nas garras um canhão com es ta l egenda : Sic

jines nostros lulan zus e! undas . Em outra medalha apparece van Ben

n igen , o embai xador da Hol lan da j un to da côrt e de Franca, representado na figura de Josué de tendo o ast ro d o dia, figurado p el o rei- solcom es ta in scripç ão : Stel it itaque sol .

Quando reben tou a guerra, o impul so do rancor popu lar con tra a

dominação fran cez a produziu uma e xp l os ão de od io sangu i nar io e t err ivel .

«Havia cincoenta annos,diz Miche l e t

, que a Hol landa não v ia

guerras . Era um grande jardim , um thesouro de r iqueza e de arte ; erao asy lo un iv e rsal dos esp ir i t os pacíficos, que nada p ediam Sen ãopos se t ranqu i l la de uma l i vre con sc i en c ia. A appariç ão sub ita d

'e s s emonstro da guerra, de um ex erc i to de c en t o e v int e mil homens en

golindo o pai z inte i ro , foi um terror immen so , e como o u l t imo dia domundo . O exemp lo da re s i s tencia foi dado pela gran de Amsterdam .

Abriu as comportas de agua doce,romp eu os cl i que s

,entregou ao

oceano toda a admiravel camp ina circumjacen te . Enorme sac rifi c io .

Não eram j á, como outr º-ora, os campos que se submergiam . Eram as

1 82 A Hollanda

W i t t,que morava a poucos pas so s de d i stanc ia, acud indo ' á jane l la ao

e s trep i to dos t i ros,v ê cai r s eu pae varado p e las balas .

Na embriaguez do crime , no furor ímplacavel do od io ao es trange iro

,hab i lm ente encaminhado pel o s orangistas c on tra os doi s sab ios

e i l l u s t re s magi s trados da Republ ica, o pov o arrasta nus p ela praça os

do i s cadaveres, muti la- os imp udicament e,e põe em l e i l ão o s m embros

esquarte jados dos martyr e s , l e vantados no ar e mos trados aos licitantes nas pontas dos chucos .

Depoi s dºeste c rim e tr emendo p erp e trado pel o povo c e s sa na Hollanda de ex i st i r a Repub l ica ; o stadhouderato encab ecado na dynastia de Nas sau torna - se h ered itari o : não é mai s que uma monarch iad i sfarçada, que a occupacão francez a t ran sforma mai s tard e n

ºum-a mo

narchia dehn ida.

CIDADES lnnusrR iAI—z s

Ha na Hol landa a ind ustria agricola e a in dus tria manufactu

O s principaes c en t ro s de manufac tura são : Amsterdam , Harl emRot t e rdam

,Deven t e r

,Dord rech t , Schi edam ,

Ti l bu rg,Mae s tri ch t e

Amersford .

O que e qu e a Hol landa fabrica?A exposmao int ernac i onal deAmst e rdam responde circumstan ciadamen te a e s ta p ergunta, a qual amui tos e strange iros que n ão v i si taram essa exp os i ção poderaparece rin di scre ta para o amor prop rio hollandez .

Ape z ar da sua pob reza geo l ogi ca,s em minas e s em flores tas

,s em

carvão , sem ferro e s em made iras ; apez ar da p equenez do s eu terri tori o e da sua populaçao ; apez ar da c on t igui dade de paiz es Horescen t iss imos de producç ão , como a A llemanha

,a Belg ica e a Franca; apez ar

ainda da fac i l i dade de importacão dos productos e strangei ros , importacão cons i de rave lmen te favorec ida p ela p rox im idade dos mercados ,p ela rap id ez dos t ransport e s e p ela b en i gn idade das pautas aduaneiras,Ho l landa fabri ca t udo . Fe rramen tas de t rabalh o ,, i n s t rumentos de

As Cidades 1 83

ex t rac cao e de tran sport e ; p e ças e ornatos de construccão de casas ,de navios

,de fabri cas , de oflicinas , de manufac t uras , de gran jas , de es

tabu l os e de jard i ns ; apparelhos de esgoto e de rega, bombas , noras , tu rb inas

, pulsome tros , et c . : move is de todos os gene ros,e n tal hados

,to rn ea

dos, marchetados, para al c ova, para sal ão , para escriptorio , para e scola ;

tapet e s e tap eçar ias de to dos os generos ; pape i s de forrar casas , ol eados , cort icinas , e tc . ; b i l hare s , e sp e l hos , molduras , chamin és

'

de sal ão,l us

t re s,candie i ros , cande labros ; s e rralharia e ouri v e saria, ob j ec tos dºarte

em ferro forjado e fund ido , em aco , em bronze , em cob re , em e s tanho ,em al um in i um , em n icke l , em galvanoplas t ia ; re log ios e p endulas ; b arometros

,thermome tros e out ro s con tadore s ; faian ças , p orc e l lanas , vi

dros, c rys taes , t i j o lo s , azul e j o s e terras - cotas ; obras de couro , de car

n e ira e de m arroquim ; j o gos e bri nquedos de crean cas e art igos de fantasia ; e s covas de todos o s gen eros ; artigos d e impren sa e de escripto

rio, encadernacões , cartonagens, mat e rial de escripta e de d e senho ;i n s trumen tos de mu s ica

,p ianos

,orgão s , i ns trumen to s de corda, etc . ;

apparelhos de physi ca e d e ch im ica, de c i rurgia, dºarte dentar ia, de

gymnasuca, d”

orthOpedia, de té l égraph ia, de telephon ia, de'

heliogra

phia,de natação , de sal va- vidas ; in s trumentos de preci s ão , de agrimen

sura, de n ive lamento , d e nav egação, de caca, de t oda a e sp ec i e dep esca, marítima e flu vial , da bal eia, do coral , das e sp on jas ; cordas et ec i dos de l i nho

,de al god ão , de s eda e de l ã ; chal e s , re ndas , p lumas

e fl ore s art ifi ciaes ; qu inqui l har ia ; perfumaria ; l eque s , j o ias , l uvas ,. sa

b ões ; armas p ortat e i s e armas de guerra ; ocu los de al canc e e b inoculos ; art igos de v iagem , malas , es to j o s , sacc os , barracas , b engalas echapé us de chuva ; hypsome tros , clinometros, te lémet ros e podome

t ros ; con servas al imen tare s , farin has , fec ulas e mas sas“

; charut o s e c i

garros ; toda a esp ec i e de beb idas alcoolicas ; t i n tas , o l eos , gommas evern ize s ; p roduc to s de s t eari na e de parafina ; e , hnalmen te , quei j o e

man te i ga,—man te i ga para cobri r todo o pão com que almoça a Eu

ropa, que i jo para dar s obreme sa a t od o o mundo .

Ti lburg, pequena c idade de 1 8 000 hab i tant e s , con ta mai s de c emfab ricas , produzi ndo annualment e ce rca de peças de panno .

1 84 A Hollanda

Roermond fab ríca egualmen t e pann os ..

Deven ter,al ém das suas fundicões de fe rro , t em fabricas d e l oi ca

é al ém dos s eus afamados bol o s— os bol o s d e D even t er , q ue exportapara toda a part e— produz e xc el l en tes tape t e s , ass im como Rhen en eAmersford .

Gouda é c el eb re pel o s s eus t ijolo s e pel os cach imbos de barro , de

que i nunda as tabacarias de t odo o mundo .

Ap eldoorn e Mae s tri ch t fazem pape l ex c e l l en t e .

A prov inc ia da Friz a abast e ce de c ordas , j us tamente afamadas ,muito s m ercados .

Saugstraat , districto do Nort e Braban te , c onfecc iona ar t igos deto i l e t t e

,mov e i s

,malas e c ouro s

, que const i tuem um dos principaes ra

mos do commerc io nac ional .Schi edam é a séde princ ipal das c el ebres dis tilarias hollandez as , e

com os resíduos da fabricação da geneb ra al imenta annualment e 3o zoooporcos .

Har l em é mai s part icu larmente refinadora de as sucar,extrahido

das b et errabas .

São de c on s ide rave l importancia varias fabri cas d is s eminadas pord i ve rso s districtos, c omo a real fabrica dºarmas de Mae s tri ch t

, a rea lfabrica de xarões art ís t i c os de Amsterdam , a grande fab ri ca de aduboschimicos de Rot terdam ,

e ou t ras .

A indus tria das bon ecas , assim como em part e a das fl ores,t or

nou - se monopo l io de al gumas as s o c iações de b eneâcen cia,con st ituídas

por s enhoras . Uma dºestas soci edades tem por fim obt e r t rabal ho para

as mulhere s p obres des empregadas . As l i n d í ss imas bon ecas que se v en

diam á entrada da exposicão de Amste rdam , primorosamente fe i tas det rapo , é rep re s en tado com a mai s r igorosa fide l i dade t odos os costumes populare s da Hol landa, eram propri edade da s oci edade a que me

refiro , e haviam sido fabr i cadas p e las rapari gas p obre s , a quem estass enhoras proporc i onaram os me io s de empregar - se n

ªesta pequena i n

dustria, não só de grand es luc ros— porque t ransforma um simples farrapo u l um int e re ssan te documen to ethno logico do val or de 20 ou de 30

1 86 A Hollanda

exac t o da bas e e do vert ic e da p edra,o s quae s c on stitu em os doi s po

los do e ixo em t o rn o do qual se di st ribu em as fac etas .

A s egunda op eração é a lapidagem propr iamen te d i ta, e con s is t eem i ndi car as fac e tas e dar a pedra a sua fó rma geral . N 'es t e e s tadoo d iaman te tem ai nda a apparencia amarellada e baca de um pequenocrystal de gomma arab i ca.

A t erc e ira op eração é o pol imento,que se r éal i sa empunhando o

d iaman te nºuma pega solidíssima

,não d e ixando sob resair s en ão a fa

ce ta que tem de ser pol ida, e aproximando - a em segu ida de um p équeno d isco de ferro , embeb ido em pó de diamante e aze i te

,pos to em

moviment o gi rat orio horison tal por uma machina de vapor,e dando

vo l tas p or m inuto a ban ca de cada pol idor .

O asp ec to dºestas oflicinas tem o que que r que se ja mysterioso ,cabal i s t i c o , que infunde em quem as vi s i ta a s ensação de en t rar n'ummundo int eiramen te a parte dºaquelle em que v ivemos , hab i tado poruma raca de h omens ori entada mu i d i ve rsamen te da nos sa

,não s ó

men t e com outra língua e c om out ra re l ig ião pri vativa dºelles,mas

ainda com carac te res anatomicos,c om carac te res physiologicos , com

t emp eramentos , com atavi smos absolutamente diverso s dºaquelles queconcorrem na nossa idiosyncrasia . E a v i da olhada at rav ez de um vi

dro e scuro e d e augmen to,c om uma in ten s idade que e l la s ó at t inge

nas conden saçõe s da art e , e q ue l embra o mundo formidav el de Shakespeare , o de Bal zac ou o de Carl o s D ickens .

P ara o fim d e t e rem a max ima quant i dade de l uz para um t rabalho de m inuden cia microscopi ca, os ateliers dos lapidarios acham—se todos enhleirados em e s tre i tos corredore s allum iado s por largas j an el lasrasgadas d e sde o t ec to até a al tura das bancas que lh e s ficam fronteiras .

Essas gros sas bancas de carval h o.

,o s so l ido s moch os al tos

,apara

fusados ao pavimen to para o fi m de permit tirem 0 max imo des envolv im en to de forca muscular empregada sobre a ferramen ta, os u t ensíl io s de trabal ho , as fort e s p in ças . as torque z es, as l uvas chapeadas deferro , as lamparinas , as cai xas de madei ra em que cae o pó tenuissimo

As Cidades 1 87

dos diamante s c ortados , as bigornas de aço , as mós de fe rro da pol icão , as c o rre ias t ran smis soras em g iro por c ima de cada banca, asco rt inas b rancas ca í das ao l ongo das vidraças , as mãos , as camisas

,

as caras,os cab el l o s dos op e rario s em t ranspi ração , t udo ne s tas ex

t en sas gal e rias s e acha un iformemen te su j o , gorduroso , '

enodoado de

ol eo pre to .

O diamante bruto é tomado com uma pequena t enaz da cai xa dedepos i to em que s e acha c om muito s ou tros

,e s eguro pe l o artihce

n'uma bol inha de mas sa duct il c omo c era,a q ual em s egu ida e ndurec e

c omo ferro ou se abranda no grau que se dese j e ao fogo de um mas

sarico, e s e rve de engas te p rov isorio apedra . P resa e s ta bo l inha nºumatorquez mecan i ca, ap ertada a chave , com garras solidissimas , o lapi dar io toma, fortemen te empunhada nºoutra torquez egualmen te sol ida, uma

lasca de diaman te cor tada em forma de cinze l , e , apoiando - s e ab igornac ravada ao meio da mesa

,por me io de um supremo esforco muscu lar

que o faz v i brar dos p é s a cabeca no s eu a l t o banc o esp ecado ao so

brado , c omeça a morder p edra c om pedra, game c om gume , diamante

j o ia com d iamante escopro .

Imagin em doi s formõe s agud í s s imos , do mai s duro aco , raspandocort e c om corte até que aforca de fri cção se en tal h e o fio de um nofio do outro : c omo o d iamante e ai nda mais agudo e mai s duro q ueo mai s fort e aço ,

e s te s imi l e dá apenas uma i dea remota da imp re s sãoun i ca que nos encrispa todos os nervo s e nos arripia t odos os p oros dapel l e ao sen t ir

,en tre as curvas e ganchosas mãos de aco de um d

ºes

tes cvç lopes microscopistas , o d ilace ran te att ri to d o diamant e lanhad ope l o d iamante para o t rabal ho de cada face ta.

Ao cabo d e al gun s m inuto s a las ca ci nze l e st á embotada e é prec iso sub s tituil—a por ou t ra na torquez que l h e s erve de

i

cab o . Depoi s do

que recomeça a op eração do có rte com um novo gume . E ass im successivamen te até s e comp le tar a tarefa enorme , i n ve ro s ím i l , de dar á pequena p edra do tamanho da cabeca de um alfi net e as se s sen ta e quat rofac e tas

, al ém dos dois có rtes supe ri ore s e infer iore s d o v ert ic e e da cu lat ra, indispensaveis para commun icar a p edra bruta a l uz fai s cante da j o ia.

1 88 A Hollanda

O pol idor conc l u e o seu trabalho aperfe i çoando na mó fac e ta p orfac e ta, e dando ao bri l han te a forma e a n i t id ez d efi n i t i vas .

Todo o brilhante tem a configuração de duas pyramide s truncadase reun idas uma á outra .

P ara qu e um bri lhan te s e cons i d ere lap idado em regra é pre c iso

que , co llocado sob re qual quer dos seus doi s ve rt ic es , e l l e s e equ i l ib reno prop ri o p eso , s em de sca i r para nenhum dos lados . P ara es t e fimé indispensavel que cada uma das facetas tenha uma dimensão e xac ta,p erfe i tamen te geometri ca . O ra o lapidar io

,ao passar a pedra no pol i

dor c orros i v o , não vê senão uma face ta de cada v ez,e é a olho que

e l l e d e t ermina exac tamente , sem dí'

screpancia al guma,a forma e a di

mensão j u s t í s s ima de cada uma das s e s s en ta e se i s sup e rfic i e s,math e

mat icament e regu lares en tre si, que tem de apre sen tar a figura que e l l e

é encarre gado de de l inear .

P ara que o diaman te lap idado tome na j oal haria o nome de brilhante é mi s ter, como ja ind iqu e i , que e l l e apre s en te s e s s en ta e s e i s fac e tas . A l ém do br ilhante

,t emos porém na mesma p edra o chamado

diamante ro'sa , o qual não é mai s que um br i lhan te achatado , t endov in te e quatro fac etas em ve z de s e s sen ta e se i s .

Ha diamant e s de tão ex iguas d imen sões que s ão p re ci sos m il paraat tingir o peso de um qui late . São os infi n itamente pequenos da joalharia e s emelham uma pol v i l hação aquatica

,um pol l en lumin oso sob re

as fl ore s de o iro que orval ham,ou em torno das p erolas n egras

,ou

dos rubis e s tre'l lados que circumdam como aureola nos anneis ou n osbotõe s d e camisa . P ois b em : cada uma d

ºessas p equen í s s imas p edras

,

quas i microscopicas, pass ou nas o tlicinas de Amste rdam pelas t res Operaçõe s a que al l ud i

,e cada uma d

º

ellas tem as v in te e quat ro fac e tasaffec tando a fôrma de ros eta, de que l h e s v em o nome !

A palavra diamante, s egundo a rai z grega, quer dizer dominante,e es ta pedra quas i s ob renatural

,h eroi ca

,indestruct ivel, immaculada

como as coi sas d iv inas , corre sp onde b em ao nome que lhe deram e al enda de que a re ve st i ram os poetas

,os b ruxos e os alchiin ístas .

P ara a ant igu idade hellen ica o diamante era o metal i n ven c ív e l

1 90 A Hollanda

allucinacões e quantas lagrimas em to rno de cada uma dºestas pequenas p edras no seu t raj e c to de ann el em anne l

,de brac e l e t e em b rac e

l e te , de sceptro em sceptro ! P or quan tos“

b erç os, . por quantos l e i tos ,por quan to s e squ ife s não te rão e l las de pas sar, fulgurando su cce ss i vamen te ao c larão da lua

,ao c larão dos l u st re s

,ao clarão dos c iri o s ou

ao c larão dos archot es , em noi t e s de amor , de gl or ia ou de agon ia, emno i te s de gala regia, ou de reivind icação popular !

E são oi to ou dez mi l Op erar ios judeu s,de Ams terdam

,sem pa

t ria, sem prin ci p e s , sem reis , des ti tu í dos de s en t imen tal i dad e poet i cae de illusões idyllicas , insen sib ilisados no desprezo , matarialisados notrabalho , áv ido s de l ucro , os que em cada anno espargem no mundomyriade s dºessas p edras

,como a vasta s emen te da vingan ça in s id iosa

de uma raça proscripta sobre as raç as triumphadoras .

Depoi s de fac e tado,com as suas s es s enta e s e i s s up erfic i e s

,nas

oHicinas de Amste rdam,o e s tér i l carb on e fi ca s endo j oia rut i lante ,

mãe fecunda e s ervidora fiel do s corros i vos peccados do t emp e ramentoe da phantas ia .

Ide, magn é t i cas es tre l las ! Ide pol v i l har de l uz , em doudejantes refle xos rosados

,v erd e s e az ues, o ârn iam en to da e l eganc ia ! Ide res

plandecer nos re l i car i os sagrados , nos tab ern aculos d i v inos , nas t iarasdos pont ifi c es

,nos diademas das rain has , nos scept ros dos rei s e nas

ch in e las das cortez ãs ! Se re i s succ es si vamente adoradas , appe tec idas ,profanadas ; e o que uma vez j u l gar po ssui r—vos , s era e ternamen te o

vosso e scravo, acorren tado para t odo semp re a um ve lho al tar

,a um

carcom ido throno , a um desgastado b raz ão ou a um in vet e rado vi c io .

Aq uelles q ue vos fabri cam ,âcam na sua j udiaria de Amsterdam

na rua das P ulgas , ou na rua dos Machos .

É um bai rro e s tre i t o,t ortuoso e infecto , ai nda hoj e povoado das

figuras esqualidas, andraj osas , i n ton sas , de olhar ob líquo e ardent e , dosj udeus e dos mendigos de Rembrandt .

Mulh-e re s immundas, creanç as piolhosas , c ãe s famin tos , gato s tinhoso s , fervi lham desde p ela manhã at é a no it e , ao sol e á chuva, na

rua alast rada, c omo uma fe i ra de ferro s ve lho s . Das janel las d e sean

As Cidades 1 9 1

celladas pendem a enxugar c ol c hõe s de be rço s apodrec ido s e t rapos lastimaveis . Velhos j udeus orthodoxos , ch e i rando çaracteríst icamen te a

cortume e a'

alho ,com barb ic has d e bod e , gri sal has , palm il ham com as

suas largas chi n e las en lameadas o l i x o fe rm en tado da cal cada, vendendo fressura . Ao fundo arredon da - se a vas ta Sinagoga, em c u j o tabernaculo , fe it o de madei ras do Brazi l, al gun s rabinos portugue z es aferv

ro lham os l i vros da lei,encarre gados de guardar e de e xp l i car atribu .

Compe te em importanc ia com a i nd ustria dos d iamante s a i ndustr ia das con struccões navaes, exe rc i da em não menos de 700 estal e iros

,e a i ndu st ria da p es ca do arenque , cu ja importanc ia annual e' cal

culada em 400 con t os de ré i s .

A i ndus tria agr i co la e', porém , mai s con s id e rav e l que qual que rout ra.

P ara dar uma i dea do seu val o r basta consi d erar os gados e comparar o numero de cabecas ex i s t ent e s na Hol landa com as que exis

t em em P ortugal . Do quadro oflicial da e s tat í s t i ca c omparada dos doi s

paiz es, re sul ta q ue , emquanto P ortugal tem n a raca cavallar por

kil omet ro quadrado , a Hol landa tem E na raca bovina, de queP ortugal c on ta por ki l ome t ro cab ecas

,con ta a Hol landa

A e x i s tenc ia no s p rados hollande z es de vaccas,cada

uma das q uae s pode produzi r 30 l i tro s de l e i t e por dia, exp l i ca enorme quant idade de lac t i c ín i os que o pai z fabr i ca.

A produccão dos que ijos e s tá o rçada em 2 5 a 26 milhões d e kil o s por anno . A produccão de mante iga at t inge um valo r equival en teao dos que i j os .

A exportação total p ortugueza no anno de 1 88 1 fo i de 20 m il con

to s . A exportaç ão hollandez a no me smo anno fo i de 52 50 mil .As c i dades manufactureíras não t eem aqui physionomia e spe cial

como nos grandes c en tros op erar ios da In glat erra, da Belg ica e da

Franca . A s 800 fabri cas a vapor da Hol landa aflirmam - se apenas noaspec to das populaçõe s p e l os r i sc o s ve rme lhos das chaminé s sob re averdura dos prados .

1 92 A Hollanda

ALKMAAR

P ara o Em de ver um mercado agr i co la, vim por t re s d ias a Alkmaar onde pas s e i a s exta- fe i ra

,con sagrada to das as s emanas á venda

dos que i j os .

A palav ra hollandez a Allrmaar s i gn ifi ca Tudo -mar, e vem es te ç a

rac teristico nome a c i dade do grande numero de pan tanos,ho j e

,sec

cos, q ue n

ºoutro t empo a rodeavam . Apez ar da sua p equenez

hab i tan te s)Alkin aar, c omo todas as c idade s hollandez as , tem um museu , tem uma l in da cath edral de s tylo go thico , um pomposo hosp icio de ve l hos

,um curios o palac io mun ic ipal construído no c omeco do

s ecul o M i, e um bosque,s e rvindo de pass e i o pub l i co .

No museu,var ias te las in t e re s sante s pr inc ipalmen te re trato s de

regen te s e de b urgomestres, do s ecul o xv 1 e do s eculo xvu , uma pe

quena bib l i othe ca,uma colleccão de medalhas

,de s e l l o s e de autogra

phos , uma co lleccão de bande iras com d ivi sas de guerra c on tra os hi s

panhoes , e uma colleccão de in s t rumen tos de t o rtura, empregados pelaI nqui s i ção nos Raí ze s - Bai xos

,e con st i tu indo uma esp eci e de curso de

rancor naci onal ao fanat i smo e á tyrannia catholica .

O bosque,b em l onge da magn it ude das bel las mat tas de Arnhem

e da Haya,é adorave l de b onhomia provinc iana, de fre s cura de al

deia, de r i sonha semceremonia. Do lado da p ovoação , a orla do parque tem um longo deb rum de p equenas casas campestr e s , de t on sc laro s b em lavados de l uz

,quas i todas de rez —do—ch ão , com um post i

guinho en vidraçado no c orp o superior da fachada, s ob o v ert ic e do telhado . P ela fron taria dºestas casas p en et ra na gravidade oflic ial da floresta publ ica a fami l iaridade dos quin talinhos part icu lares , das hortase dos p omare s

,en cai x i l hados em muros bai x os , dei xando a d es cobe rto

O panorama, e cons tru idos de t i j ol o . Nl

esta s eri e de c ercados , q ue parec em cozidos un s aos ou t ros n luma facha de remen dos vegetaes, v i

cejam,em torno dos pequenos p oço s . quadrados , os tal hõe s de

'

horta

1 94 A'

Hollanda

b eca con t ra a vidraça puz -me a v er morre r o dia sobre a praça fronte ira .

Todas as l o jas em t orno do largo t in ham fe chadas as por tas e asj an e l las . Todos o s pred io s , de c ima a bai xo

,mudos 'e dese r tos como a

rua. Apenas , a um angu lo do pas s e i o oppos to á minha jan el la,doi s

rapaz itos bri ncavam não sei em que j ogo,s obre a chuva i n s i s ten te

, esfu

mados na n ebl ina como do i s p equenos e sp ec tros grot e scos e l ugubres .

A l ém do esparralhar c ompassad'o '

das p in gas das go te i ras no t i j o l oda cal cada, nenhum out ro rumor

,nem O mín imo susurro vi ndo da ci

dade , n e voenta, afogada no cai r da tard e,c omo o s c onv ivas s ob a

chuva s il en ciosa das fl ore s de sfolhadas nas c e ias de Nero .

Um homem vei o acce nder os cand i e i ros da rua ; pouco depois , umoutro atrave ssou o pass e i o , e sp e l hando na agua do chão o d i sco do seuchapeu de chuva; e os do is p equenos desappareceram .

A l gumas ou t ras l uze s,mai s baças , c omeçaram a t rep idar vaga

men te atrav ez dos vidros na profun d idade das l o jas ; e es ta enormetri s t e za de provínc ia t rouxe—me á lembran ç a uma t e rca -fe i ra d e en trud-

o

que pas s e i em Cin tra, vendo anoi t ec er na p raça d es e rta,defront e da

cadeia, onde um homem mascarado de b oi se d i v ert ia sos inho,mu

gindo comsigo mesmo na . lama, a luz mortica dos cand i e i ros de pet roleo .

Dois indivíduos de A lkmaar , moços , b em parec id os , v e s t idos comuma ce rta i n t e nção de el eganc ia l ocal

,vie ram sen tar- s e a' jane l la, ao

lado da minha e p ed i ram cerve ja . O moç o da hosp edaria t irou da al

gib eira uma cai xa de phosphoros e accendeu um do s b icos do can

dieiro de do is braços , que ficava por c ima da mesa do jan tar .Um dos ad vent ic ios fal l ou -me francez z—Bien manuais temp s ,Mon

sieur '

E em s e gu ida, como evi den t emen te l he s agradas s e d es enferrujara l ingua, que ixaram - se de que não houvess e um theatro , nem um cafécantan te

,n'uma cidade dºeslas !

Efiectivamen te , era p ena que“

rapaz es/

de vinte annos não t ive ss emmai s nada que fazer do que v ir vêr commigo cai r a chuva a es ta hora .

As Cidades 1 9 5

—A população— obs erv ei - l h e s— de v e - se ab orre c e r um pouco ás no i t e sem Alkmaar .

Mas u zn dºelles p rot es tou logo convictamen te

O h ! aborre ce r - se , não ! Temos a vida de famil ia.

Bem ; mas o q ue faz a família para não aborre ce r a v ida, quand oa noi te v em ?

J ogamos os dom inós e j ogamos as cartas . É ass im em t oda a

ve lha Hol lan da . Só em Amste rdam é que as famílias e s t ão toda a no i tena rua . É inde cen t e .

E , como 0 l ume do charuto q ue t i nha nos b e i ço s , os olho s domancebo l uziam de um rancor orthodoxo , de um ranc or cal v in i s ta, accesso s no ze lo que lhe i n sp irava a d efeza da famil ia provinc ial .

O outro,mai s t ol e ran te

,att enuava

Em Amsterdam mesmo ha mui ta gen te que passa as noi tes emcasa

Con j ec turo que e s t e rapaz fos se um l i v re p en sador . Ao lado doard en t e rigor do outro , a longanimidade d este para com o peccado

amsterdamense parec eu - me de ímpio .

Beb ido o ul t imo gol o d e cerve ja, os doi s parti ram ,e a sala recai u

nªum s i l enc io té tri co,de noi t e morta.

Eram apenas 8 horas . Ent re luziam ainda al gun s cand ie iro s de ihteríor d ent ro das p oucas lo j as acordadas ; e t odavia, se n ão fos s e 0

chapinhar da chuva,c re io que ouv iria as vaccas mas t i garem na pas ta

gem dos polders , nªuma redondeza de t re s léguas .

Meia hora d epoi s , emquan to nªum canto do canap é eu apontavaes tas n o tas no meu cad erno

,um hospede de barbas grande s e ocul o s

,

chapeu al t o ewaterp roof, ch ega e sco rrendo agua da pon te i ra do chap éude chuva, rec eb e uma carta que o e sp e rava ao lado de um ve lho t e l egramma no quad ro envidraçado da casa de jantar , pe de o castical e

sobe l entamente ao seu quarto,d epoi s de nos haver saudado p or m e io

d e um cumprimen to gi rat o ri o,a mim e

'

á mobi l ia circumjaceii te .

O impio d e ha pouco vol tou só e tomou as s en t o a uma p equename sa, sobre a qual collocou varios pape i s que trazia na al g i be i ra e que

Is a=

1 96 A Hollanda

p ri n c ip iou a escripturar n ªum l i v ro de l embrancas . Um ve lho, de b ar

re t e de s eda, cab el l o b ranco , cara rapada, fumando um cachimb o dege ss o de Gouda, de sc eu tambem a sala e s en tou - se a ler um j ornal emfren t e do rapaz que e screvia . D

ºahi a pouco o manceb o dava tão conv 1

c tas e t ão leaes gargal hadas , o ve l ho , con tando—lhe n ão s e i o quê , tinhaum tão in t imo e t ão amigav e l sorri so n o ô lho e sp e rto

,na grande b oc ca

de sd entada,n as rugas e sp i ri t uo sas da sua v e lha carn e al e gre e i ron i ca,

que eu comprehendi en tão , de rep en t e , tudo o que quiz era d ize r - me od efen so r dos prazere s dome st i c os da família na Hol landa

,i s t o é : a apt i

dão pecu l iar do hab i tante para se al egrar com pouco , p os suíndo , comoum doc e pr ivil e gi o d e raça, o amor rac i oc inado

, o amor int e l l igen tedas coi sas modes tas , s impl e s e mansas . E n

ºesta s inge la sc ena de es

talagem ,en tr e doi s v iaj ant es de acaso , sob a l u z de um b ico de gaz ,

em fr ente d e um j ornal m ode rno , eu j u l gue i v er ainda re trospec t i vament e um recolh i do canto de i n terior hollande z do s ecul o xvn

,a inspi

ração v i va de um d ess e s pequenos quadros d e gene ro,tã o aconche

gados , t ão t ép id o s , tão vibran te s , tão j ovialmen te s en t ido s da obra immortal dos Met su , dos Jan S teen , dos Gerard Dov , dos P it e r de

Hoocli ou dos V an O stade .

No dia seguin te , a fe i ra .

O t empo c lareou . Grande s ab ertas de céu azu l,en t re c ortadas ape

nas de l onge a l on ge por bre ve s e l i ge i ros c huvi sco s, poem em toda ani t i de z de l i nhas e de côr os agudos pignons da miuda casaria, os te

lhados envern isado s e ponteagudos , o e sgui o perfi l das t orre s e a ra

maría v erd e das g randes fa ias s ecular e s que ornam o canal , dan do ap equena e grac i osa c idade a l imp idez t ão j u sta das fre scas pai sagen s de

Ruysdae l e de Metsu .

Toda a população sai u para a rua.

Nas vid raças das l o jas r e l uzem fes t ivament e as exposi çõe s das

b aixellas de c obre pol ido , as fi l i granas da orivesaria nor te - ho llandez a,

os capace t e s de oiro , os bri nc os e os b roche s de t oucar recamados debri lhantes , ass im como as ten taco es cu l inar ias das pastellarias e dos

salchicheiros .

1 98 A Hollanda

Um andalu z offerecendo uma laran ja de Sev il ha a um frísão seuami go , dizia- lh e z—Eu sou do pai z abençoado que produz d

ºisto duas

veze s por ann o ! Ao que o da Frisa, _

dand0 um que i j o'

em t roca dalaran ja

,respon deu :— Eu sou da t e rra malfadada em que i s to se pro

duz tambem duas v eze s—por dia .

Na fei ra de A lkmaar , c omo o s egredo é a alma do n egocio, o

preco da mercadoria não se dec lara em al ta vo z s enao e in numerosredon dos ; os mín imos são i ndi cados por ges to s en tr e o comprado r eo vendedor , e a t ran sac ção fecha- se por uma palavra ao ouv ido e porum apert o de mão , qu e poe no con trato 0 s e l l o da h on ra. Sei s palavras, t res ou quat ro monosylabos , do is ge s tos , e e s tá o n egoc i o fe i t o .

P ara n ós outro s p eni n su lare s é tri s te ; produz a impre s são de que nomeio dºaquelles homens s eri o s , s i l enc i os o s , v e s t i dos de pre to , os que ij o s e st ão ali para en terrar e não para vende r . Não é um mercado

um De—p rofundis . O s carrejões da companhia b raç al do P e so , v e s t idos de gros so l inho branco e ind i can do na côr da gravata a balanca a

qu e pert en c em , t omam em carre tas d e mão os quei j os v en didos,en

t ram com e l l e s p or uma por ta do pa lac io e saem pouco d epoi s por outra, t razendo - os ofl icialmente afferidos no p es o e c ompetentement e carimb ados,

Segue—se o embarque, que se opera com uma pre s teza e com uma

agilidad e p rod igiosa, s endo os que i j os lançados pelo ar,como uma sa

rai vada mons truosa, como um bombard eamen to t err í v e l de metralhadoras

,com balas de man te i ga, do caes para o in ter i or das embarca

cões .

As barcas ch e ias i çam a larga ve la quad rada ao top e do seu un ic omas tro e partem l en tas

,pesadas

,calando na agua até á b orda . As

barcas vasias tomam o l ogar devolut o p e las barcas che ias .

As 6 horas da tard e e s tá acabada a fe i ra . A u l t ima barca l e vantou ferro

,e nas pas tagens á beira dos caminhos , as vaccas erguem

cab eca e olham immov eis para as carruagens que pas sam a rap idotro te no al e gre t i l in tar dos gu i s os

,para desapparecerem pouco depoi s

em p equenos p on tos n egro s d i spe rs os no hori son t e doirado pe l o 501

As Cidades 1 99Ip oen t e . O s moç os do P e so lavam a grandes bal d e s dªagua e a e scova

o campo vasio da fe i ra. A populaç ão recol he - se . As casas fecham - se .

Um momento depoi s a noi te vem,e a cidade re cae n ªum si l en c i o an

t i go,nªum s i l enc i o mort o de fortal eza feudal , depoi s de l evantada a

ponte,corri do o gi ro da ronda na praça, e tangido na torre da atalaia

o toque de re c ol he r e de tapar o l ume .

A s fei ras de cereaes e de gados fazem - s e p rin c ipalm en t e na Fri saem Gron inga, c idade c e l eb re pe la sua un ive rs i dade e pel o s eu grandein st i t u to de surdos - mudos

,e em Leexvxvarden capital da prov íncia.

Em uma só dªestas fe iras , a u l t ima de que t enho a e stat í s ti ca, con

correram 1 4 339 vaccas e boi s , v itellas,

cavallos,

l e i t õe s,

p orcos,

carne i ros , 249 cabr i tos e 1 4 burro s .

HAARLEM

O commerc i o das fl ore s e uma das e spec ial i dades de Haarl em,

cu j o s hab i tant es re i v indi cam em favor do seu compat rio ta Coste rhonra de haver de s c ob erto a gravura e a impre ss ão dos caracteres typographicos . Na grand e p raca da c idade e l e va- s e e s tatua de Cos t ercom e s ta inscripcão : Laur en tius Joann is Ji lius Costerus , tj '

p ographitv

litter is mobilibus e meta/lofusis inven tor .

No mu seu da c i dade con se rva—se o e s tandart e d e guerra da heroma haarlemense Kanau Hasselaer

,a pade i ra dºAljub arro ta da Hol

landa, a qual á fren t e de um esquadrão de 300 amazonas se bat eucont ra os h íspanhoes no te rrive l as sed io da c i dade em 1 5 72 , quando ,t en do as t ropas h ispanli olas cortado a cab eca a um oflic íal pri s i on e iro

,

os de Haarlem enviaram ao acampamen to in imigo uma barr ica l evand oden t ro onze cabecas d e h íspanhoes c om a s egu in t e mensagem nªum letreiro : Enuian z - se ao duque d

,

Alba de; cabeças em p agamen to do seu

imposto de digima, mais uma cabeç a de juro .

Es te c erco foi ainda mai s t ragi c o do que O ce rc o de Leyde, por

200 A Hollanda

que quando a ci dade e sp erava o s occ orro q ue lhe s e ria l evado por Guilherme o Tac it u rn o , ella . receb eu j á nas agonias da fome , por via deum pri s ion e i ro a qu em os híspanhoes haviam cortado as ore lhas e o

nari z,a not i c ia de que a e squadri l ha dªO range fôra derro tada no mar

de Haar lem .

Nºeste trans e

,irremissivelmen te p e rdi da t oda a esp erança de sal

vação,os s i t iados de l ib e raram rompe r o s i tio , abandonar a c i dade , ar

rojar- se em massa at ravez do ex erci t o in im igo , l evando comsigo den

t ro das columnas c erradas , o s ve l hos , as mu lhere s e as creancas . D .

Fradiqu e t endo conhec imen to dºesta re so lução h ero i ca, finge - se cornpadec ido e p ropõe a capitu lação sob promessa deamnyst ia. A c idade

,

confiada, rende - se ; os h íspanhoes p en etram nas l i nhas abertas e em

ac to con t inuo , por uma das mai s i nfam e s t rai çõ es de que resa a his

t or ia, pas sam a fio d e espada t oda a guarn iç ão,decap i tam na praça

pub l ica c erca de m i l c idadãos e afogam duzent os , amarrando - os comcordas doi s a dois , e p rec ip i tan do - os vi vos ao mar.

Em Haarl em habitaram por mui to t empo os an t igos condes daHol landa. Em Haar l em re s idiu Ruysdae l , o príncipe dos paisagis tas ,e egualmen te v iveu e p int ou até

' depoi s dos o i t en ta anuos de edade o

incomparavel p int or Fran z Hal s , cu ja obra monumental é a flôr do mu

seu da mun ic ipal i dade .

Afamada p elas s uas ant igas lavander ias , onde os l inhos da Silé siae da Fri sa vinham tomar o n ome de panos da Hollanda, Haarl em temum bosque magn ifi co povoado de grande quant i dade de gan sos ; temum orgão cel e bre com c inc o mil canudos ; tem um int e res sante museu ,o museu Tey ler, doado á c idade pe l o n egoc ian te P edro Teyl er van derHul s t , que morreu em Haarl em no fim do secul o pas sado , de ixandome tad e da sua e norme fortuna para soccorro dos pobre s e a out ra metade para o progre s s o das sc iencias ; e tem finalmen te n ªum dos s eu smai s pit torescos arrabal d e s as in te re ssan tes ruínas do Cas t e l l o d e Brederode, o mai s c omp l e to de t odos os documentos architec ton icos que

t enho vis to para a h is toria da hab i tação e da vida feudal en tre o s ecul o xui e o s ecul o x v .

202 A Hollanda

v e rdade iros mu seus de t oda a e spec i e d e prec io s idades art í s t i cas , segu iu - se o lux o dos jard ins , n o portão de um dos quae s um judeu portugue z , hab i tante da Haya, mandou pôr uma grade de p rata mac i ça .

Como a po líc ia não permit tia e s te emp rego dos m e taes pre c ioso s ems imp l es cancellas na v ia pub l i ca

,i n v en taram—se fl ores de ar l i vre mai s

caras do qu e o o i ro .

A t ul ipa achava- se i n troduzida . na Ho l landa desde o s ecul o xwp el o sab i o bo tan ic o Lécluse , mai s c e l eb re s ob o nom e alat inado deClusius , o mesmo que t o rnou conhe cida da Europa, por uma c oudensacão em l í ngua lat ina, a obra do grande natural i sta p ortuguez Garc iada O rta, o prime i ro dos sab i os eu rop eus que re v e l ou scien t ihcamente

ao mund o a natureza da Ind ia,fazendo por e ssa occasião egualm ente

c onhecidos os prim e i ro s v ersos de Camões, por e l l e publ icados á fren te

do seu l iv ro impre s s o em C ôa ante s do apparecimen to dos Lus íadas .

A fl ôr de Clusius at tingiu en t ão p e l o s artifícios da cu l tura uma

vari edad e infini ta de formas e de côres,e cada nova mod ifi cação s e

pagava por preços fabul o sos .

Um cen t o de semen te s,n ão as c ebolas mas os simpl e s grãos de

tul ipas no taveis, como o Almirante Enlfuj'sen e o Almirante Lieflcenshoek, val ia de um con to e tresen tos a um con to e se i sc en tos m il réis .

Nos arch i vos mun icipaes de'

Alltmaar acha- se re gi st rada a not ic ia davenda em has ta publ ica de 1 20 tul i pas que produziram em b enehcio

dos orphãos da c i dade a quant ia de Uma un i cac eb ola daSemp er Augustus fo i v en dida por 5 12005000.

P or out ra c ebola dºesta mesma tu l ipa raríssima houve quem ofl e

rec e s s e al ém de em d inhe iro, uma pare lha de cavallos ma

gnífi cos e uma sumptuosa carruagem de gala acompanhada dos respect ivos arre i os . Houve ou tra o ll er ia de doze geiras de t er ra. E o possuídor da c ebola do un ico Semp er Augustus , que a e s s e t empo ex i s t iaem Amst e rdam ,

re cu sou v endel - a .

Ha uma tul ipa chamada cervejaria, cu j o nome lhe v e iu de hav ers ido adqui rida por um amador

,em troca de uma c e rv e jaria montada

com todos os s eus p er ten ces, e aval iada em

As Cidades 203

Uma tul i pa montava a tan to como um pred io , e con st ituía de persi só o dºte de uma rapariga . Fizeram - se desfi ze ram—s e fortunas c onsiderav eis n

ºeste c ommerc io . Conta- se que uma unica c idade vendera

40 mi l con t os de c ebolas d e tu l ipas , e que um só negocian le de Ams

terdam ganhara nºest e c ommerc i o p e rto de 30 con t o s em quat ro me

As anedoc tas s ob re e st e assumpto sao innumeraveis. Um cul t ivador de ixou um dia aberto por esquec imen to o sancta sanctorum em

que s e achavam oi to c ebolas das mai s raras vari edade s . Uma c riada,t omando es sas c ebolas p or simpl e s c ebolas d e cosinha

,descascou - as

,

deitou - as no hutspot, e gas tou as s im c in co ou s e i s con tos de ré i s nªumsó prato d e jantar que n inguem pôde com er .

A s tu l ipas v i eram a ser cotadas c omo os fundos publ i cos e as acçõe s das c ompanh ias nos mercados hollandez as, e de ram origem a umj ogo des enfreado .

Faziam—se t ransacco es a praso . Tí tul os de ven da de tul ipas in teiramente imaginarias

,c omp radas por sommas t ão imaginarias como as

tu l ipas , negoc iavam - se como l e tras de cambio , a cu j o vencimen to desappareciam conjunctamen te o saccador e o acceit

'

an te .

No anno de 1 636 a 1 637 houve um lrrach de jard im . O s e s tadosi nt e rv ie ram declarando que a tul ipa s e não podia con s ide rar como umproduc to de exc ep ção para os efieitos da p rob idade , e que toda a

fraude na en t re ga ou no pagamen t o de c ebolas s eria pun ive l como o

crime ord inari o . Foi uma d errocada geral na i ndu stria da tu l ipa e node l i rio corre lat i v o . A o mai s v ivo dos en thusíasmos succedeu—s e de umdia para o ou tro a desillusão mais c rue l ; os monopo l i s tas dos mai s raros e p rec io sos bulbos , s en t indo a t e rra fugir - l h es d ebaix o dos p é s

,

andar as tu l ipas a roda e trepar - l he s p e la e sp inha um suo r frio,exp e

rimen taram a nec e ss i dade de re spi rar saes para não caí rem desmaiados sobre as resp ec t i vas s emen te iras

,porque a mesma Semp er Au

gustus que na vespera val e ra s e i s c on to s de ré i s , p assara a val e r unicamen t e vint e e s e i s t ostões .

I s to porém não ob s ta a que ai nda ho j e ao romp er da primavera,

204 A Hollanda

en tre abri l e mai o , as campinas dos suburb i os d e Haarl em se cubramde milhare s de vari edades de t ul ipas

,s inge las

,dob radas

,serodias e

t emporã s , com che i ro e sem ch e i ro,de innumerav eís espe c i e s

,—a du

que de That, a olho do sol , a dragôa, turca,a chammejante. a cor

nuda,a de Cels , a rosa da P rovença, a da P ersia, a de Lechase, e tc .

,

cu j o commerc io re duzido as pr0porç oes normaes c onst i tue ainda uma

das grandes rec e i tas da fl or i cu l tura hollandez a .

E p rec i so t e r pe rc orri do os grande s es tab el ec im en tos hor t í colasda Hol landa, da Be lgi ca, da

'

A lllemanha, para s e te r uma i dea da im

portan cia que a i n dustr ia das fl ores , tão 'descurada em P ortugal,pôde

repre s en tar na rique za de uma nação . E,t odavia

,P ortugal s eria p ela

natu reza da sua fl ora, p e las condicõcs do s eu so l o e pe la sua s i tuação

geograph ica, um dos paiz es mai s propri os para a exp l oração dºesta iiidustria.

Na Ho l landa, 0 sub so l o das dunas é o t e rreno mai s b en efi c o áfl ori cu l tura, e é fre quen t e ver p ropri e tar ios de con sideraveis ex t en sõe sd e ant igas dunas , ho j e cobertas de v ege tação brava e po voadas d e caca,rebai xarem d e d oi s e t res m etros a sua propri edade por me io de desat er ros dispendio sissimos

,em l i nh as fé rreas c on st ruidas provi s o ria

men t e c om ess e in tu ito,para o fim de conv ert e rem os s eus t erren os

de mat ta em t e rreno d e flô res .

O s jard in s das grandes c ompanhias h ort í colas s ão , al ém de vi ve i .

ros, pas se i os pub l ic o s , b em mai s i n te re s san te s que o s puro s jardin s del uxomun ic ipal , e a p erc en tagem das en tradas cons t i tue só de per s iuma avul tada re c e i ta , indep enden t e da venda d e fl ores e da exportaç ão de p lantas para todo o mundo e mai s part i cu larmen t e

,no que diz

respe i t o aHol landa, para a Ameri ca do Nort e .

Um simp l es d e tal h e bas ta para dar noção da prosp e ri dade dºestese stabel ec imento s

A Companh ia Con t in e n tal de Hor t icu l tura, fundadamodernamenteem Gand , em it tiu acçõ e s de 1 00 franco s cada uma ; e stas acçõe s val iam cinco anno s depoi s 500 francos , e os d iv i d endos da soc i edad ee ram de 40

206 A Hollanda

c i t o e da armada,uma esco la de v et erinaria, um ob ser vat ori o astrono

mi co , uma academ ia de sciencias , um in s ti tu to real de meteorol ogia,varias b ib l i o th ecas , um museu d e p intura, um museu de anat om ia, umgab in et e de ag ri cul t ura, um j ard im b otan ico e um j ard im zoologi co

,

al ém do jard im publ ic o da c i dade , cu ja l onga av en ida de t i l ias s eculare s t em doi s ki l ometro s de e x ten s ão .

A c i dade , de um ass e io me tic ul oso,de ruas d i reitas e largas , en

trecortada dºagua, e nsombrada pe la ramaria de v e l has arvore s

,pare

ceu - me mai s r e co l h ida, ma i s s i l en c iosa, mai s con c ent rada, mai s t ri steque t odas as demai s c idad es hollandez as . Não vi uma só carruagem ,

nem uma carre ta, nem um caval l o,nas ruas sol i tar ias , de uma conca

v idade melan co l i ca,ab oloreç ida, de ve l ho c laustro .

Dir—s e - hia'

um most e i ro enorme,uma ci dade de mon j e s e monjas .

A l gumas j ov ens pur i tanas que pas sam por m im ,i ndo á pred i ca ou

vol tando de lá, com os olhos bai x os,o pas so l en to , os braco s c ingido s

ao bus to, as mãos c ruzadas na c inta, l o i ras , pallidas, um pouco vibran

tes da commocao myst ica da Margar ida da l enda german i ca, l embramme, vi rada do lado catholico para o lado cal vin i s ta, dev oção andalu z aa hora a que as s evi lhanas

,ao toque de vesperas , saem para a egre ja,

0 rosar io no pul s o,0 b anquinho bordado no b raco , a man t ilha traçada,

as me ias abertas nos sapat i nhos de e ntrada abaixo e doi s cravos na

t ranca, para se i rem rojar em susp i ros p e rant e o re tab ulo da Vi rgemdo P i lar .

N um dos jard in s publ i c o s encon tro -me com um homem que p e la

expres são com que me olha pare c e tomar - me por al guem que c onh ec ee que ode ia . E um ve l ho magro , to do ve s t ido de p re to , com uma barbagrisal ha em vo l ta da cara franzida de desp e i to,olho pequeno e azul ,b e ico fi no , rapado , de sdenhoso . Fui para el l e , e no tom mai s affavelped i - lhe resp e i to samen te uma i n dicaç ão de que não p rec i sava.

Virou - me a cara com uma vísagem te rri v e l , cusp iu para a bandae mét teu - se po r out ro caminho . O b om homem tomara -me por um ç a

tholico h ispanhol e não pudera repr im ir a exp lo s ão do seu rancor d e

seita ao meu asp ec to .

As Cidades 207

Eu sou ef'

l'

ectivamen te de uma raca e de uma re l i gi ão odi osa paraum reformado dos P aiz es Bai x os . Como

,porém , t re s s eculo s de c or

rupç ão philo sophica t ran sformaram a re l ig i ão a que e st e indivíduo pert en c e e aquel la de que e l l e me j u l ga repre s en tan te '

O ç atholicismo , t ão v igorosamen t e d i scu t ido e c ri t i cado pe la se i encia, re laxou - se e caiu ho j e nºuma esp ec ie de man so rac ional i smo chri st ão largamen t e modificado de i n d i v iduo para i ndi v i duo , se gundo o tem

peramen to e s egundo as con v 1 ccoes individuaesde cada um . O prote stan t ismo v ict or ioso t ornou - se tanto mais es t re i to quan t o mai s vul gar isado , e desd e que c es sou de ser um esforco de exame na i nve s ti gaçãoda verdade para ser uma dout rina defi n i t i va e immu tavel

,c onve rteu—se

nºum t rambol ho tão pe sado ao progre s so como o p r imit i v o fanat i smo

qu e a nova re l igi ão s e j u lgava dest i nada a c ombat e r e a des tru ir' emnome da i nd ep enden cia da razão humana .

De modo que , se a triumphante se l e uc ia podes se ai nda nºeste se

cu l o permitt ir en tre m im ,de sc enden t e de Torquemada, e e s t e b urgue z

de Utrech t d esc enden t e de J oão Hus s , a renovaç ão da v e l ha fogue i raexpurgatoria, o que imado agora s er ia eu !

Não ob stan te a fo rca de con vi c çõ es c uja med ida me foi dada pe lari sp i dez dºesse cav alh ei ro , o e sp i ri to de t o l e rancia man tem em Utrech tas s e i tas mai s d i s co rdant es e faz dºesta c i dade o mai s i n teres sant e mu

seu de curi os idades dogmat icas . Nºella concorrem e cohab itam em exem

plar harmon ia cathol ic os , pro tes tantes , jan sen i stas e moravos .

O s i rmãos moravos habi tam na p equena e grac iosa al d e ia de Z e is t ,nos s ubu rbi os de Utrecht , um edifício enorme sem val or arch itecton ico ,incarac terist ico e chato . Es ta const ruccão t em por c entro um vas to pateo e d ivid e—se em t re s hab itacões : a dos casados , a dos s o l t e i ro s ,dos v iuvos . Nas duas ul t imas as p essoas de um e de outro sexo t eemc ompart imentos separados . O s homens empregam - se em uma grandevari edade de ofiicios mechanicos , que a mai or part e dªelles ex e rc emnos quart os que hab i tam no ed ifi ci o . As mulhe re s occupam - se exclusi

vamen te d e t rabalhos de agulha,ou s ão mes tras .

Duas ou t res veze s por dia um sino toca,i rm ãos e irmãs des

208 A Hollanda

cem do s s eus ap osen tos , at rav es sam o pat eo e reunem - s e a orar naeg re ja.

A grande as soc iação dos moravos, fundada no s ecul o xv pe l o s s ectarios persegu ido s e d i sp ersos de J oão Huss , c ompunha—s e , como e

'

sabido, dos des c endent e s dos an t igos irm ãos da Bohemia e da Mot a

via e de todos os prot e s tantes dessiden tes das op in iõe s de Luthero e

de Cal v i no . P re s ent ement e assoc iação r ec eb e tambem no s eu grem iolutheranos e cal vi n is tas . Um corp o d e decanos nomeados p e l o s gruposde cada communhão pres i d e ao s exerc i c io s do cu l to . Um corpo de su

perintenden tes occupa - se do cus te i o da casa, da pol ic ia, da admin is

tração . Este s do i s corpos reun idos d eci dem as questõe s geraes de cadacongregação . O s n egoc i os re lat ivos ao con jun t o da as soc iação

,que tem

outros collegios , alem do de Z eyst , na Allemanha, na Inglat e rra e na

Russ ia, dis cut em - s e na gran de conferenc ia dos decanos , re un ida em Bertholsdorf. O c o rp o ecc l e sias t ico c ompõe - s e de bisp os , de padres ou p ré

gadores, empregados nas commun idades ou nas m issõ es , e de diá conos,i ncumb i do s de aux i l iar os p adres .

Corn al gun s rendimentos p roveni en te s da accumulacão de mode stas e c onom ias , e c om o fr ucto de um trabal h o ass i duo , a c onfrar ia dosmoravos consegue vi ve r reco lh i da e em paz n

º

este mysterioso cant o domundo

,s em superfl uidades e sem pr i vaçõe s

,s em curios idade s e sem

de se j os , na calmar ia ab sol u ta e medonha da graca .

Con ta—s e que o grande J oão Huss , sorr i nd o na fogu e ira em quefo i queimado por here tico ao at ten tar n

ºuma mulhe r qu e cuidava faze r

uma c o isa meri t oria at i çando o fogo que o mordia,morre ra exc laman

do : ! sancta símplícílas ! O s moravos pare ce have rem tomado a s er iopara regra da v ida a palavra i ron ica do martyr .

Sagrada inanidade ; Scr/zeta símp l z'

cz'

tas !

As grand es i deas em evo lução são c omo as e scovas em ex e rc i c i ono pri nc ip io l impam

,depoi s emporcal ham - s e a si mesmas

, por fim s u

jam as coi sas em que t ocam .

A communidade dos moravos como ul t ima expres são da here s iahero ica de J oão Hu s s e' a mai s conv incent e e a mai s t r i s t e p rova 'd

ª

essa

2 [O A Hollanda

dre s, e s ão ab solutament e ind ifferen t e s á es c o l ha da mat e ria prima c om

que hajam de fabri car—se depoi s da morte dºelles as cai xas de rufo . Em

quan to vivos t rabal ham e re zam . Mortos,canta - s e - l he s em cõro uma

melod ia, que na communhão morava subst i tue agradave lmen te o do

brar dos s inos a finados . Ha a melod ia das creancas e a melodia dosve lhos

,a melod ia dos s ol te i ro s

,a dos casados e a dos v iuvos . Depoi s

do que , en c erram o corpo nªum esquife b ran co,envol vem—o em flores

e e nt erram - o sob as ve l has arvore s amigas no jardim da c ommun idad e .

Nºoutro bai rro de Utrech t re s idem ,

um pouco apart e do re s to dapopu lação , os ul t imos dos jan sen i s tas .

O heresiarcha Jan senius, b isp o de Ypres , hollande z de nas c imento ,foi educado em um col l egi o de jesuítas em Utrecht

,e haveria na sua

doutrina uma sympath i ca at traccão de fide l i dade em vir ex t ingui r - se

no s mesmos l ogare s que lhe s erv i ram de b erco . Mas os schismat icos

de Utrecht repellem a an tiga denom inação de jansen i s tas e chamam—sea si mesmos ve l hos catho l i cos

,como o padre Jac intho .

Em 1 72 5 , quando o b i sp o de Utrech t prot estou c on t ra a bul laUn z

'

gmz ítus, o papa excommungou e depo z o p re lado rebe ld e , e nomeououtro . O b i spo excommungado , Hel ao pri nci p io jan sen ista de q ue a

egre ja s ó é infallivel para fixar os dogmas e não para julgar os fac tos ,poz de part e a demisssão pon tiâc ia e cont inuou como até ahi a d iri gi ra sua dioc e s e e a ex e rc er todos os misteres episcopaes . Desde e ss e diaha na c i dade doi s b i sp os

,o nomeado p ela curia e o e l e i to pe l o c l e ro

d i s s i dent e da reso l ução papal d e 1 72 5 . E e st e s doi s c l e ros da mesmaegre ja V i v em ha ma is de s eculo e me io ao lado um do out ro

,n 'uma

pequena c idade , sem desordem,sem conflic tos ! De cada v ez q ue se

acha vaga por morte do prelado a d ioc e se jansen ista, os velhos cal/zol z

'

cos nomeiam por e l e i ção o bi spo que t em de succeder ao sac erdotefal l e c ido e commun icam para Roma nos t ermos mai s re sp ei tosos o no

me do novo t i tu lar . O pont ífice responde a es ta commun icaç ão comuma bul la em que excommunga de novo o cl ero re cal c it rant e e o pre

lado el e i to . O s ve lhos cathol i c os,reun idos em capi tul o

,l e em com vc

As Cidades 2 I

neraç ão es ta bul la e passam tranqui l l o s aord em do dia. Tal e, ha c en t oe c incoenta e n ove anuos , a invariavel praxe .

P ared e s m e ias com a cath edral , s e'de magníhca do an tigo catho

licismo feudal , e s tá a un ive rs i dade cal v in i s ta .

Jun tamen te com o mus eu mun ic ipal acha- se pat ent e ao publ ico o

in te re s san t i s s imo museu do arc ebispado .

P art icu laridad e curiosa : é ao c l e ro catholico , e' princ ipalmen t e a

'

es clarec ida i n i c iat i va de um arc eb i spo de Utrech t , G . VV . van Heu

kelum , que se de ve na Hol landa o singular movimento dos ul t imos annos na re novação do ensi no prat ico das b e l las - arte s e no desenvol vim en to do gosto pub l ico !

O c l e ro catholico , que nos paiz es catho l ic o s t ão indífl'

eren te s e mostra quando se n ão most ra adverso a res ol ução d e todos os probl emasesthet icos , e

'

na Hol landa a c lass e mai s sol ic i ta na conservação ou na

re s tauração dos ant igos monumentos , das v e lhas cathedraes do secu l oxi ao s ecu lo xv i , e no colleccionamen to e classihcaç ão t e chn i ca de t odas as prec i os idades art í s t i cas e princ ipalmente das que s e rvem de do .

cumen tos a his toria da art e chris tã. P ara e s t e li m ex i s te uma rigo ro sal egis lação d ioc e sana re gulando os m inuden tes c uidados empregados pelos b i spos , p e l os parochos e p el o s fie is no in tu i to de dar a egre ja ç a

tho lica a gl oria de demon st rar p e la sua ac ção nos progre sso s artis t ic osa força e a e thcacia da sua poderosa organ isaç ão h ierarchica .

Todas as res tauraçõe s arch i t ec ton icas fe i tas nas nave s,no coro

,

nas fachadas das egrejas , nos port ic o s , nas t orre s,nos campanari o s

,

nos lan tern in s dos edifi cios catho l i c os d e Utrecht s ão p erfe i tas de artee d e sciencia archeol ogi ca .

As ant iguidades colligidas no mus eu arch iep i sc opal , alfaias d e egre jae d e sac ri s tia, martin s , crystae s , e smal te s , manuscriptos , illuminuras,

ferragen s , encadernações , fi l i granas , ve st imentas , e s tofos , bordados , milob j e ctos tão di l igen t ement e procurados em todas as egrejas e em todas as sac ri s t ias da ant i qu í ss ima d ioce s e e tão sab iamen te c las s ifi cados n ª e s te arch ivo de carac t er art í s t ic o , con s tituem um d os mais p rec io sos monumentos que t enho v i sto para a h i sto ria da egre ja

,para a

A Hollanda

hi s toria da v ida monas t i ca e para a hi storia da art e christã na Edade

Média .

Não são porem este s os un icos v e s tigi os da in ten sa v ida in tellec tual que faz da an tiga c idade de Utrecht um dos fo cos principaes dop en samen to europ eu .

Duran te a Edade Media vario s imperadore s a hab i taram,e Carl os

v edificou aqui um do s seus grande s palac ios , o Vredenburg (castelloda que os c i dadãos demol i ram por occasião da guerra c om os h is

panhoes, em 1 5 77 .

Foi Dagob erto 1 quem const rui u a p rime i ra egre ja do b i spado no

t empo de S . W i l l eb rord , e nªessa egre ja pregou S . Bon ifac io no se

cu l o vm,duran te o re inado na Fri sa de Carl os Mart e l .

Exis t e ai nda e most ra—se aos viaj an tes a casa do p ri n-cípio do secul o xv1 em que nasc eu de uma famil ia de t ec e l õe s Adriano Floris z oonBoyen s dªEdel, mai s tarde pe rc eptor de Carl o s v , e p or fim papa sobo nome de Adriano v r, aquelle que c reou o aphory smo adm in i st rat i voDevem—se fager homens para os benefcíos e não bene/feios para os ho

mens .

Aqui habi taram tambem pe lo bre ve t empo d e conqu is tas mal ogradas o duque dºAlb a, Luiz x1v e Napo l e ão Bonapart e .

Utrecht foi ainda s ede de vari os con cílios,o pr im e i ro dos quaes

data, cre io eu,do anno 7 1 9 , e um dos mai s c e l ebre s foi o de 1 080

,em

que o imperador Henrique 1v t e r ia excommungado o papa, se na ves

pera do dia em que devia ser . proclamada s ent enca os b ispos nãot i ves sem fugido

,at e rrados .

Em Utrech t se reun i ram os Estados Gerae s até o anno de 1 593,

em que foram tras ladados para Haya .

Em Utrech t finalmen te , fo i assignado o pac to fundamen tal da federaç ão das Set e P rov i nc ias , em 1 5 79 , e o t ratado de paz com que

nndou a guerra de successão em 1 7 1 3.

2 1 4 A Hollanda

cratíco da e scola hollande z a, nem no aspec t o ao mesmo tempo gravee car inhoso da aus te ra e e s tud iosa c idade . O doce reco l himen to s i l enc i oso dºestes l o gares pare c e todo av e l udado nos musgos que esverdi

nham os cae s , as ruas e as praças , como c laustros humídos d e um v e

l h o most eiro em t orn o de um pat e o aj ard inado , humido de seivas .

P ara quem vem de Utrech t , Leyde parec e uma c idad e graciosa,quas i ri sonha

,e não s e appeteç e l ogar mai s b en efi co para a med itação

e para o es tudo .

O s dois ed ifi c i o s princ ipaes da c idade são a un i v ers idade e o c l ubdos es t udante s

,palaci o sump tuoso em que os a lumnos de Leyde , fi e i s

ao gos to de seus pae s , s e reunem como bon s e pacatos burgue z es daHaya ou de Amste rdam para ler as rev i s tas , fumar

,bebe r c e rv e ja e

j ogar o xadre z em comp anhia dos seu s profe ssores .

Graças a quas i comp le ta ausenc ia do movimen to i ndu s trial e domov imen to m ercant i l , as recordacões famosas da his toria de Leydepare c em aqui mai s prox imas do nos so t empo e como que envol vem a

cidad e nªuma atmosphera de re sp ei to , n

º

um magne ti smo de retrospe

ct ividade melancoli ca e n ostal gi ca .

Nenhuma out ra c idade do mundo podera'

com j u s tiça gl or iar- sed e t er exerc ido na e volução das i deas e do gosto durant e do i s s ecul os uma i nfluenc ia e gual a que t eve Leyde n os secul os x v 1 e xvn ; e

bas ta ao v iajan t e que chega consu l tar uma carta topographica e perc orre r a c idade , como eu fiz , n

"

um breve pass e io de algumas horas para as s i st i r a reapparicão integra l dos fac tos

,red i v i vos sob re as

pegadas g lor io sas que de ixou o pas sado nªesse l i v re s o l o sag rado

,b erço

da sc ien cia moderna e da art e con t emp oran ea .

P or c ima da porta da casa da camara, na Breedestraat (rua larga)que co rta t oda a c idad e de screvendo um grande S

,l ê—s e n ªum ch rono

gramma composto de 1 3 1 l e tras , corre sp ondent e s ao numero dos diasque durou o famoso e he ro ic o c erco d e 1 5 74 , a insc ripcão seguin te :Dep ois de uma neg rafome de que r esultou a morte a cerca de seis mil

p essoas , Deus , cançana'o, nos to rnou a dar tan to pão quanto o que po

dessemos tytipeleeer .

Í1S (4311 4 1 5103.

Do al t o da t orre do ant igo cas te l l o , onde tantas veze s subi riam os

s i t iados procurando desc ortinar na longínqua nebl ina as ve las da fio t ilha q ue de v ia soccorrel- os , descob re - s e 'toda a c idade e uma part e dacampina i nundada p e l o alm iran te Boisot , n ªuma ex ten s ão de v in t e leguas

,ent re Delft

,Gouda, Rot terdam e Leyde . Fo i tal v e z de al gum

d e st es eirados que o commandant e da guarda burguez a V an der Doe sre spondeu ã propos ta dos h íspanhoes para a ent rega da p raça : « que os

bl oqueados comer iam o braco esquerdo quando os v i v e re s de tod olhe s fal tass em ,

mas que a inda depoi s dºisso l he s âcaría a mão di re i tapara empunhar uma e spada e defender até á ul t ima a cidadella,» e que

o burgomes tre V an der YV erfoffereceu ao p ovo faminto a carne do seuproprio c orp o para que se al imen tas s e com e l la an te s de abri r a c idadeao i n imigo . Foi p el os mesmos canaes que ain da a c ingem e cu ja aguadormente parec e à l uz do so l o l on go deb rum de uma fita de aç o , quefi nalmen te ch egou , trazida na borrasca

,a e squadri lha da Z e landia

,car

regada de vív ere s .

São e s te s os mesmos cae s em que tanta gen te morreu suffocada

ao morder o p rime i ro pão que se lhe lançou para te rra da amuradados navios , emquanto os lit teratos , an tepondo a grammat ica apropr iafome

,r iam dos solecismos comme t tidos p el o genera l Val dez na redac

cão do b i lhe t e que de ixara esc rip to sobre a sua banca no acampamentoabandonado : Vale cív z

'

las, ualele castellz'

parm'

, gui rel z'

cl z'

est z'

s p rop teragitam et non p er zn

'

nz z'

n z nucorum . E e s sa a mesma egre ja de S . P e

dro em que um immenso soluç o e uma t orrent e d e lagrimas , de rrama'

da p e l o povo reun ido no t emp lo immed iatamen te dep o is do l evan tam ent o do s i t io , respondeu aos prime iros acco rdes do orgão em ac ç ãode graças por me io do cant ico de Lu th e ro .

Na casa da munic ipal i dad e con s ervam - se empal hados os mesmospombos - corre ios que durant e o c erc o foram por c ima das aguas dain undação os portadore s da correspondenc ia t rocada en tre Gu il he rmede O range e o governador de Leyde . Apos entados n ªum pombal dehonra, e s t e s pombos foram sus ten tados a t e' o seu ul t imo dia a expen

sas da cidade reconhec ida,como as c egonhas d e Delft .

A Hollanda

Entre as curio s i dades reun idas no novo museu vê se a banca dealfa iate que t rabal hou como ofiicial de offic i o João Bocltolt

,O c hefe

dos anab apt ístas, conhec i do na h istor ia p e l o nome de João de Leyde,0 P rop/zeta .

N essa mesma colleccão se encont ra um quadro p rec io so,O Juízo

Final, de Lucas de Leyde , 0 gravador ins i gne , r i val d e A l berto Durer . Nas c i do em Leyde em 1 494 , con temporan eo de Raphae l , de An

dre del Sarto , do Corregio , do Ticiano , de A lb erto Durer , de Holb e in ,dos p rime iros me stre s da Renas cen ça, qu e quas i s imul taneamente in iciavam a p in tura moderna em Ferusa, em Fl oren ça

,em Modena, em

Veneza,no Nurembe rg , em Augsbu rgo , j untamente c om os precurso

res de Ruben s em Bruges e Anvers,Lucas de Leyde fo i 0 patriarcha

da pin tura hollandez a, que e l l e dotou com o c onhecimento do c laroe scuro e com o da pe rsp ec t i va ae ria

,ab ri ndo na chronologia artíst ica

de Leyde a se r i e dos grandes p in tores aqu1 nasc 1dos : Jan van Goyen ,t ron co de t oda uma dynasria de paiz agistas , mes tre de Sal omão Ruysdae l

,mest re por seu turno do grand e Jacob Ruysdae l ; Gerardo Dov ,

auctor da ce l ebre Escola nocturna do mus eu de Amsterdam ; Jan Steen ,0 J ordaens da escola ho llandez a, um Tic iano em ed i ção d iamant e ; eMetsu

,um dos mai o re s p i n tores de p equenos quadros

,Velasquez de

al g ib e i ra .

Nas ceram ai n da em Leyde os do i s Mieris, pae e fi lh o , Sl ingland

e vario s ou tros menos no taveis.

Mostra - se aos v ia jan te s um logar sagrado . Á b ei ra do Rheno,ao

p é da P orta Branca (W it t epoort), ha no jardim ,en costado

.

ao muro defort ificação , o al i ce rce de um ant igo moinho . Foi nºesse moinho quenas ceu no dia 1 5 de j unho de 1 606

,de Corne l ia von Z uitb roeclt e de

seu marido He rman , de profiss ão mol e i ro , O p in tor Rembrandt Harmensz van Ryn (Rembrandl jíllzo de Herman

,do Rheno .)

No l o gar d enominado a Ruína, em vi r tud e da t err íve l exp lo s ão deum navi o carregado de pe lvora, que em 1 807 arrasou aqui oi tocen tascasas , achavam—se an tes do desas t re as oflicinas dos in si gn e s imp re ss ore s Elz evieres, eno rme dynastia de typographos, rivaes dos Aldes ,

2 1 8 z l Hollanda

vi rtude do j u ízo d os sab ios . Surprehende—nos que se prohib am os li

v ros do s here ticos e se pre t enda re s tab e lec e r 0 p r iv i l egio para a pub licaç ão de ob ras , a seme lhan ça do que se p rat i cava no t empo dos in

quisidores . A l ib erdade cons i s t iu s emp re em fal lar l i v rement e,e toda

a prat i ca em con trario e um indício de tyrann ia. A razão , que é a in i

m iga dos tvrannos, pre screve - nos que e t ão imposs iv el supprimir a

verdade como supprimir a l u z . »

Quatro annos an te s , em 1 5 78, os Estado s da Hol landa e da Z eland ia hav iam d ito n ªum man ife s to

«Tal e'

a natureza do noss o gov e rn o que os mesmos papi stas ,que abraçaram O nos so part i do por amor a causa commum

,n os s ão

fi e i s p e las mai s so l emnes p romes sas . P or i s s o l he s c onc edemos o l i vreex e rc í c i o do seu cul to . Tol e ramos os prop rio s anabapt ís tas porque n osachamos convenc idos de que a orthodoxia e um dom de Deus qu e nenhum h omem de ve s e r compellído a acceítar p elo temor do ex i l i o oude qual que r out ra p ena, mas sim e unicamen te pe las exho rtacões da

car idad e . »

No me io dºessa sanguinol enta gue rra de ext e rmín i o con tra 0 papa,c ont ra F il ippe 1 1

,con t ra O duque de A l ba, con tra a Inqui s i ção , cont ra

0 San to O ffic io , con tra a dom inação h ispanhola, era tão al t o o e sp i r i tode to l erancia que papi s tas e pro tes tan te s e ram defend ido s conjunctameu çe s ob a mesma i ron ia n

ºuma medal ha cunhada p ela Repub l ica e

n a qual se rep re sen tavam os in s trumen tos d e supp l ic io da I nqui s içãocom e sta l e genda : Haºret z

'

c z

'

j i'

axernnt templa, cal/rollerul'

lu'

l fecerun !

con tra, ergo omnes pat z'

bular í. O s catho li c o s , reconhe cendo e s ta l ong ,n imidade admiravel, haviam adop tado a segu int e d iv i sa : O meu coraç ão a Roma , o meu braço ci lib e r dade .

E ne s t e sub i to c larão de l ib e rdade men tal , clarão v e rme l ho defogo e de sangue,pon do no fundo tenebroso do fanat i smo e da s erv id ão feudal um des l umbramento de au rora boreal , que a fundação daun i v e rs idade de Leyde , a A th enas da Hol landa, A thena Bafana , co

mo lhe chamava Meursius , nos apparece exprimindo a mai s b el la apo

theose do e sp irit o l i vre e da con s ci enc ia eman c ipada .

AS CIL'ÍJJ'

L'S 2 l 1

_

A fe sta da aber tura da un i ve rs idad e,A cademia Lug

º

duna Baiana,

n o dia 8 d e feve re i ro de 1 57 5 , pouco mais de t re s m eze s d epoi s dol e vantamento do ce rco , quando Leyde gemia ai nda sob a devas taç ãoda p es t e , da fome e da gue rra, fo i uma das mai s carac te ri s ti cas dºessas pompas da Renas c ença, organ isadas e d irig idas para ce l eb rar o sgrand es fac t o s nacionaes p e l os p rodi gio sos arti s tas dos Bai ze s Bai x os ,pompas d e que Rub en s no s deu 0 typ o as somb roso nos e sboço s queex i stem ai nda no museu de An ve rs e que s e rvi ram de model o adecoração da en t rada tri umphal de Fernando da Au stria n

'

aquella c i dadeem 1 635 .

Meursis desc re v e d e t idamen t e 0 cort e j o tri umphal de Leyde , ascaval gadas , os carros de t riumpho , o s grupos allegoricos da grand efe s ta inaugu ral .

Ao pas sar 0 p re s t it o em fren t e do ed ific i o da un iv ersidade Dre

sen ç iou - se uma d e ssas c eremon ias extraordinarías, q ue s ão a re ve la

cão de to do o espir i to rel i g io so da R enasc enca, esp í ri to d e p iedadechristã e de cul to pagão , d e que Luiz de Camõe s nos de i xou a e xpre s s ão mais fi e l na epop e ia dos Lusíadas .

V iu - s e uma barca sump tuosament e empav ez ada des cer o Rhenoe v ir l e n tamen te ab icar ao cae s em que s e acha-va em parada 0 cor

t e j o , á porta da Academia . Na t ol da da barca engrinaldada de ramosde l ouro e de laran je i ra

,cob erta de tapecerias pe rsas e flamengas , sob

um docel de brocado,vinha Appol o e as nove musas , e l las can tando

em cô ro . e l l e tocando a lyra . A rgonau tas aos remo s , ao l em e Neptu

no de barbas fluv iaes , empunhando 0 trid en t e c las s i co .

Esta al l egorica embai xada do P arnaso de sembarcou em grandeapparato , os profe s so res adian taram - s e para a acç olher e as nove musas, abraçando todas e l las succ e s sivamen te a cada um , ungiram—os paraa re l ig i ão da poe s ia e das l e tras

,depondo - l h e s na bocca e nas fac e s os

bei j o s sagrados de Theocrito e de Lucrec i o .

Com a i nauguraç ão da un i ve rs idade coinc ide a da in st itu i ção tão

l i be ral e tão democ rat ica dos cura/orcs .

O c ol l egi o un ive rsi tar io do s curadores em Levde , e um c orpo de

220 A Hollanda

c i dadãos alliado ao c orp o doc en t e e i n c umb ido de ve lar p e los int ere sses economicos da Academia, de a r epre sen tar e "defender pe rant e ospodere s pub l ic os

,de a soccorrer e su st en tar á sua cu s ta quando pre:

c i so se ja,i n vocando o auxí l i o e chamando a at t encão da nação i n te i ra

para que jámais pere ca ou se cb rrompa pe la indifªferenca ou pela ani

mosidade do Estado um in st itut o que sóm ente p erten c e ao paiz , e quese deve achar s empre ac ima de t odo 0 confiic to do governo e de t odo0 arbí trio pol i ti co , porque d

'e l l e dep endem phenomenos irreductiveis

a acção ofii cial : a so rt e dos e sp iri to s , o futuro das geraçõe s , a almada patria.

P e la al ta miss ão qu e lhe e' confi ada e p e la respon sab i l i dade quelhe inc umb e , a cu radoria d e Levde torn ou se para os c idadãos e l e itospara a c on s t i tu i r um t í tul o d e dist inccão honor ifica . O col l eg io doscuratores t omou as s im 0 carac ter de uma

.

ord em nob re,uma e spe c i e

de l e giã o de honra i n dep enden t e do Es tado , e em que a merc ê con

sist e para 0 agrac iado n o pri v i l egi o d e pre s tar aos s eu s conc i dadãoso s s e rv i co s mai s difficeís e por i s so os ma i s ex cepci onalmen t e recomp en sados no r econhec imen to pub l i co e na grat i dão nac ional .

O l ogar de pre sident e na e l e i ç ão do p rime i ro c on s e lho de curadore s que teve a un ive rs idade , fv l por e s sas razõe s c onferido ao grand eV an de r D c es , 0 hero ico commandante da guarda c i vi l e defensor dac i dade durante o c erco .

Grande e rud i to e i n s i gn e poe ta, c el ebre na litteratura lat i na daRenascen ca sob 0 nome latin isado de Janus Dousa, V an der Doesc on sagrou toda a sua en e rg ia e todo o seu ze l o a p ro sp e ridade daesco la de Leyde , e n o dia em que , pe las influenc ias de que dispunha em todo o mundo sab io

,e l l e c on seguiu re sol ver Justus '

Lipsius a

de i xar a Bel gica para vir oc cupar uma cadei ra de profes s or na'

un iver

s idade hollande z a, V an de r Does en tendeu t er p res tado um maio r serv i co á sua patria, dando - lhe as liçõe s do i l l ustre commen tador do tex tode Tac it o

,d o que t endo - a l i b e rtado do jugo hispanhol pe l o seu he

roísmo s ob rehumano na defe sa da cidadella .d e Leyde ,e e l l e m esmo 0

deix ou e sc rip to em doi s primorosos ve rso s .

A Hollanda

Dan ie l Heinsius , o philologo , s e c re tario do synodo de Dord rech t ,historiographo de Gus tavo A dolpho da Suec ia, profe s so r d e h i s toria e

de di re i t o p ub l i co , s ec re tari o da un i ve rs idade ;Boerhave o famoso encyclopedista, l i t t e rat o , ch imico , natural i s ta

e m ed ico ;Vos sius , e rud i to e philo logo , auc tor d e s e i s gros sos v ol umes in

fol i o , publ i cado s em Amste rdam no s e cu l o XVI I,e de dez fil ho s de tal

qual idade que l e varam G rot ius a e s creve r do pae que e l l e tão p rec iosamen te dotara 0 s ecu l o p e la raca como p elo s l i v ro s ;

P au lo Merula,chron ista dos Estados G erae s

,su cc e ss o r de J ustus

Lipsius, auc tor da Hi s t oria do es tado das re l i giõe s e dos govern os desde J esu s Chri s t o

,e b ib lio thecario da un i v e rs i dade ,

Gronov ius,arch eol ogo e anotado r de Taci t o

,de Seneca, de Ti to

Li v i o , de Stacio , d e P laut o , de Quint i l iano , de Sal l us tio , de P l ín i o e

de Terenc i o ;Spanhe im , profes s or de h is toria sagrada, auc tor d o l ivro De papa

faenu'

na inter Leonem iv et Benedz'

clum 1 1 1 ;

Saumaise , o il l us tre sabio franc ez , qu e ás vivas in s tan c ias de Ma

zari n e de Ri c he l i eu para regre s sar a Franca r espondeu que era de

e sp i ri to d emas iadamente l i vre para lhe s e r po s sí v e l vive r na sua pat ria ;Arm in i us e Gomar , os dois c hefe s d os adirzoeslai l les e dos con lra

admoestan tes ;

E outros,cu ja enumeração s er ia ex tremament e l on ga e a cada um

dos quae s c orre sp onde todav ia um nome i l l us t re na h i s toria da ph i l osoph ia ou na h i s to riadas l e tras .

Entre os e s tudantes,nenhuma dist inccão de casta nem de s e ita ;

n enhum j uramento re l i gioso ou pol i t ic o no se i o da grande e sc olaalma mate-r .

Saumaise t inha razão : o s e sp i ri tos l i vre s que por al gum tempo v i

viam nºessa atmosphera de i ndep endenc ia sc ien t ifica não supportavam

sem - definhar a de qual qu er outro paiz . Foi em vi r tude de uma lei

un iv ersal que l e va as in t elligen cias para a l i b e rdade as s im como a

plan ta para a l uz, q ue durante dois s ecu l os Leyde at traíu a si os sa

As Cidades

b i os e os poetas p e rs eguido s de t oda a parte : Descarte s , Bayle , V oltai re , Mirab eau , Fran ci sc o Manue l do Nas c imen to .

Durante os secul os xv 1 e xvn os al t os e s tudos , pri nc ipalmen t e de

philologia e de cri t i ca h i s tori ca, lit teraria e re l igiosa, t i v eram aqu i ainda mai or importanc ia que em Geneb ra e em He idelbe rg . Da I tal ia, daHungria, da Suec ia, da P olon ia v inham o s alumnos , e de 32 32 es

tudan tes matri cu lados de 1 503 até 1 609 , duran te a as s i s ten c ia de Scal i ge ro em Leyde , e s tudan te s e ram est range i ro s .

A un ivers idade n ão exe rc e h o j e o mesmo pode r de at traccão . O

numero dos al umnos e em media de 600, en tre os quae s s ã o t aro s ose s trange i ro s .

E,não ob stante , o e sp i ri t o da Academ ia e' c on solador d i zol—o

e ai nda tão l i b eral c omo no s ecul o xv 1 1 . Um só fac to basta para o e x

primir. Em 1 875 Leyde c el eb rou com grand e pompa o t erc eiro j ub i l e uda sua un ivers idade . P rofes s ore s de quas i t odas as e scolas do mundoacudi ram ao c onv ite d e Levde para a

'

festa un iv ers i taria . P or occasião

da c eremonia re l i gi osa na anti ga egre ja de S . P ed ro,em pre sen ça dos

profe ssore s e s trange iro s com os un iforme s cathedratico s—os hungaros com o barr et e de ve l ludo com uma p enna s egura por um brochede d iaman te s , os de Bonn e de Yena com o s s eus col lare s de oiro , osd e Coimbra de cape l l o e borla— em p res enca da famil ia real

, da curte

e de um numeroso pub l ico,o re i tor Heyn sius, i l l u st re phys io logis ta,

sub iu ao pulp it o e com a mai s arro jada franqueza e a s ince ridad e mai scompleta s us ten tou os p ri nc ip io s da l i b e rdad e sc i en t ifica

,referi ndo - se

aos pontos mai s d e l icados e mel indrosos das re lações da crítica expe

rimen tal com os dogmas theologicos . O corpo docen te de Levde havia por e s sa occasião confe rido o t i tu l o de p rofe s sores honorar io s avario s sab io s e s trangei ros . O s nome s dos agrac iados com es ta sub idadist inccão lit teraria foram p roc lamados pe l o orador do al to do

i

pulpito .

Ao s erem proferi do s dois n omes es senc ialm en t e caracte rí st i c os,o no

me de Darwin e o nome d e Li t t re, uma l onga sal va de palmas e umaovaç ão enorm e de toda a un ive rs idade , d e todos os fi e i s , do publ i coi n te i ro , c obriu as palavras do orador , acc lamando o d i rei to do l ivre

224 A Hollanda

exame na i n v e s t i gação da verdade , repres en tado pe los do i s sab io s eminen tes que no pre s en t e s ecu lo mais amplamen te usaram dºesse dire i toem s e rvi co da sciencia, da ph i lo soph ia, do progre sso humano .

P ara tomar conh ec imento da ex ege se s ci en t ifi ca do nos so tempo,

pode - se ir p re sen t ement e a Berl in,a Londres ou a P ar i s

, em vez de

vir a Leyde, com quanto se jam aqui exce l l en tes os in s trumen tos d e estud o e mui to p erfe ita a organisacão das facul dades .

O museu de ant igu i dades occupando onze salas e c on tendo prec iosos documentos da civilisacão da In d ia

,do Egyp to e de Car thago

,

o museu de numi smat i ca ence rrando medal has e

'

moedas da

P e rs ia, da Grec ia, de Roma, da edade méd ia, e o museu de agricul

tura com a sua i n te re s san te co lleccão de 600 arados,s ão es tabel ec i

m entos de al ta cathegoria . O museu d e h i s t or ia natural e o j ard im botaniç o s ão magn iti cos . O gab in e t e de anatomia c omparada pas sa porum dos p rime i ros da Europa .

Estas c ond ições são todavia insuflicien tes para con s t i tu i r uma verdadeira supremac ia i n t e l l e ctual . As forcas men taes da Hol landa

,di s

persando- se por demas iado numero de un i v ers idades , pre jud icam o va

lor compac to d e um só nucl e o , e a s impl es bolel/za de Ley de um pouc oen ve lhec i da

,não bas ta para at trair s ob re a e scola hollandez a as at ten

coe s e as c urio s idade s do pub lico'

europeu , des locadas para ou t ros cent ros de e studo e d e ac ção no ren ovamento sc i en t ifico dºeste s ecu lo .

P ara vêr p orém applaud i r nºuma egre ja, s em d i sc repanc ia al guma

de s e i ta, de par t ido ou de e scola,os nomes d e Darwin e de Lit tré

,e'

indispen savel v ir ainda agora a Leyde como no tempo de Scal ige ro ,n o tempo de Saumaise , no t empo de Boerhave e de A l b in us . P orquee s te phenomeno não s e obse rvou ai nda nem provave lmen t e se ob ser

var ia tão ce do em nenhuma outra part e . E a razão é que nas demai snações sab ias da Europa a l ib erdade e ainda um princ íp i o de di s cuss ão

,um obj ec to de c on trov ers ia no confli c to das i deias e das asp iraçõe s .

Na Hol landa a l ib erdade e um facto consummado, um fac to p u

b lico,uma funccão do organ i smo soc ial , uma prop ri edad e inherent e á

vida da nacional i dade e nºella i n c lusa como a alma no corpo .

26 A Hollanda

tos,onde os e s t udante s rec eb em uma ou duas veze s por anno todas as

senhoras da soci edade de Leyde , uma sala de banquet e s a que muitasv ezes são convidados os l en t e s

,salas d e conversação

,et c . São grande s

val s i s tas , dist inc tos musi c os , muitos dºelles , e con versam tão fac i lmen t eem france z com as s enhoras e com os tou ristes como con versam em'

lat im com os sab ios . Curioso con tras t e : emquan to a raca lat ina p e rd ede dia para dia , as sus tadoramente , o c onhec im ento da l ín gua que foiuma das grande s glorias da sua h is toria ; emquan to em P ortugal , porexemp lo

,depoi s de fal l e c i do s t re s o u quat ro p rofe s sor e s caturras que

ai nda ex i s t em como curi os i dades paleon tologicas , s e corre o p eri go den ão haver mai s n in guem que saiba medi r um verso de Horac io ou

'

que

saiba analysar uma oração de Cícero , as raças germ an icas cul t i vam o

lat im,e s c re vendo - o e fal lando—o como língua un iversal e nt re lit teratos,

c omo p renda es s enc ial e caracter í s t ica de todos o s homen s cu l tos , e ,fal lada por es te s homen s l ouro s e imberb e s , accen tuada pe l os son s gutturaes ga

'

rgarejado s de rr hollandez es, a l i n gua de Tac i to e de V irgílio

ganha uma v ibraç ão nova,imprev i s ta, a en ergia morden t e e aspera do

mai s b e l l o d ial e ct o v i vo .

Marm ier con ta que vira na un ivers i dade de Leyde um l i c en c iadoem l e t ras que

,havendo e scrip to em lat im uma l onga th e s e tendo

por ob j e ct o a analvse de um antigo poem a hollandez , defendeu e s sathes e em l í n gua lat ina p eran te o j u ry academico , v encendo enormesdilh culdades de s tyl o , de construccão e de syntaxe para dar em lon

gas paraphras e s o s en t ido p erfei t o das l ocuções neerlandez as do poeta

que se i n c umb ira de analysar . D izem - me que ai nda hoj e ex i s te na

un ive rs idade um p rofessor que faz t odo o seu curso em lat im ,não

profer indo do al t o da cadei ra uma s ó palavra em out ra l í ngua. A p rax ec las s i ca ch egou me smo a p enetrar das re laçõe s da e scola nos uso s vulgare s

,e eu mesmo vi

,tanto em Leyde c omo em Utrec h t

,á janel la de

quartos para al ugar,e s t e l e tre i ro : Cubieulun z locandum , e a porta de

al gumas casas de pas to : P ax iníran l ibus.

As Cidades 22 7

DELFT

P e l o carac te r que lhe dá a sua e scola poly technica Delft asseme

lha- s e a Leyde e a Utrech t .P e la decadenc ia da sua ant iga importanc ia art í s t i ca

,i ndustrial e

pol í t ica,e l la es tab el e ce a trans i ção das c idades v i vas da Nort e Hol

landa e da Fri sa para as c idades mortas do Z uiderz ee : como Enkuiz en ,q ue no s ecu l o xv i armava

'

4oo embarcações para a p e sca d o arenquee t inha uma populaç ão de habi tant e s , ao pas s o que ho j e con taap enas almas e 6 navios ; como Stavoren , an tiga re s idenc ia dosre i s frisões, pre s ent emen te pob rissíma

,e tão rica ou trºora que se conta

dos an tigos hab i tan te s que mandavam fabri car em o i ro e em p ratamuito s dos ob j ect os q ue usualmen te s e fazem de fe rro

,os fe rrol ho s

das portas , as cruze s dos campanari os , as guarn i çõe s dos yach ts ; c omoHindekoopen , que t eve n

ª

ou tro t empo uma art e e uma língua au tocli

thona, t oda uma e squadra q ue l e vou até a Ind ia o pavi lhão da c idade ,e que n ão pas sa agora de uma p equena al d eia ; como tantas o ut rasemfim

,que o erud it o viajan te Henry Havard de scre veu no s eu in

teressan te l i v ro c on sagrado á re laç ão da e xcursão que empreli endeu

com o p into r V an Heemskerch ao l ongo das margen s do golfo hollande z .

A formaç ão do Z uíderz ee , operada no s ecul o xi l1 pe la t e rrive l i nundação q ue, submergindo 7 2 c idade s e a l d e ias e afogando 1 00:ooo p ess oas , reun iu ao mar do Nort e o an t igo lago Flero , produziu p e la c reacão de novos p ortos e de novos cen tros de commerc io a ruína ou o

desapparecimen to de an tigas povoaçõe s .

O l e i t o do Z uiderz ée passará em poucos annos por uma transformação t ão rad ical c omo que aque l la a q ue deu or igem a catas trophede 1 282 .

O golfo in t ei ro se ra e sgo tado e convert ido em terras de s emca1 5 31:

22 8 A Hollanda

dura,em vas tos p olders , c omo se fe z com o mar de Harl em em

1

O mar de Harlem t in ha 1 1 l eguas d e circumferencía e a sua pro

fundidade média era de 4 metros . A quant idade total de agua foi ç a-l

culada em 724 mi lhõe s de me tros cub icos, al ém do accresc ímo proven ien te das c huvas e das i nfi l t raçõ es sub terraneas

,aval iado em 36 mi

lhões de metros cub ícos por anno . Con s trui u - s e p or me io d e doi s enormes diques parallelos um al to c anal de e scoadouro no mar ; t re s bomb as a vapor , s ugan do em cada golo o enorm e p eso de k i l ogrammas de agua

,foram postas em movimen to con t i nuo

,vasando no ca

nal as aguas do lago , até que, ao cabo de t res annos e t re s mezes,o

mar de Harl em estava en xu to e defend ido, por um dique , de no vas in

vasões do oc eano .

Dezoi to mil hec tares de t e rra fertilissíma foram por m e io dªestaOp eração conferidos a agri cul tu ra hollandez a .

Chama- se p older o t e rreno proven i en te do esgotamento de ummar in t erior , de uma lagoa ou de um pan tano . P ara o fim de an imara acqu1s1cao e a c ul tura das novas t erras , o polder e por via de regrai s ent o de impos tos por e spaco de vin te annos. A empreza dos t rab—alho s de e sgoto , o e s tado ou uma companh ia part i cu lar

,re embol sa- s e

da deSpez a fe i ta e dos j u ro s do cap i tal empregado p e la renda das t e rras . O s p rop ri e tari os do novo sol o e l egem em segu ida de en tre si uma

commissão i n cumb i da de manter , di r igir e vig iar o s erv i co d os d iques ,dos canaes, das comportas , dos moinhos , e 0 polder ent ra em explo

ração .

Na regi ão dªonde, ha quaren ta anuos apenas, desappareceu o tem

pestuoso e p erigo s í s s imo mar de Harl em vi c e ja hoj e uma l on ga cam

p ina ve rde e ub errima, coal hada de rebanhos , e n trec ortada de casaesde quin tas , de al de ias , s erp en t eada de e stradas de ferro e de t i j o l o ,ac ima das quae s re luzem ao sol

, en tre massicos de arvores,as Hechas

dos campanarios .

É uma obra s eme lhante—pos to que de muit o maio r t omo e d e talimpor tanc ia que a fará entrar na cat egoria de um dos mai o re s traba

230 A Hollandaadjac en t e , e torn arão o nome de « c i dades resuscitadas » em sub s t i tuicão ao de « ci-dades mortas . »

A c e l ebr idade h i stori ca de De lft proced e p r in cipalmen t e das suasfaian ças , famosas em todo o mundo .

Foram portugue z es os p rime i ro s europ eus qu e t rouxe ram da Chinaa prime i ra l ouca

,a que e l l e s deram o nome de p orcellana, e cu j o fã

b rico foi p ela prime i ra ve z expl i cado por Fernão Mende s P i n t o e porFre i Gaspar da Cruz em 1 566 .

Foram porem hollande z es os prime iro s que fabr icaram na Europa

,no comeco do secul o xvn , a louca defaiança, imi tando a China

e o Japão , e denominada p orcellana nos prime iros t empos do seu apparecimen to . A p r ime i ra au ctorísaç ão que se en con t ra n os regi st ros hollande z es é confer ida em 4 de abr i l de 1 6 1 4 a C lae s Jans en W y tmans

para fabri car toda a esp ecie de p orcellanas com ornatos ou sem elles , a'

imitação das p orcellanas vindas de remotos p aiges .

Quando a tradi ção arabe na c e ramica da pen ín sula i b e r i ca se achoucortada por uma lei de Fi l ipp e 1 1

, que por escrupu los re l igioso s p roh lb iu que s e â z essem l o i ças de s ty lo heret ico

,os híspanhoes começa

ram a im i tar o t ij o l o e smal tado dos i tal ianos e n ó s o tij o l o azu l e brancoda Hol landa . q uanto ás l i çõ e s que para o exercic io dºesta i ndus triarec ebemos em prime i ra mão do ex tremo O r i en t e não pen sámos nun caem as utilisar p el o trabal h o .

Dep oi s dos nossos desc obr imen tos,e depoi s das prime iras not i

c ias t razidas da China pel o padre Gaspar e por Fern ão Mendes , aquell e s qu e n ão t inham dinhe i ro para c omprar o s l uxuoso s servico s demesa que vi nham da Ind ia na v o l ta de cada gal e ão

,con t inuaram a c o

mer n a l o i ça gros sa fabricada no pai z segundo a tradi ção arab e e a

t radi ção romana, de que ainda e x i s t em marav ilhosos v es t igio s na formadas b ilhas

, dos pucaros, dos gomi s e dos pi c he i s da nossa t ão in t ere ssan te e tão t enaz o laria popu lar .

Em 1 793 diz ia J oão Man so P e re ira em uma memoria sobre a

P orcellana do Bragi] : «Não ha quem não fal l e em porce l lana ; e com

As Cidades 23 1

t udo são bem poucos o s que a conhec em ; e não sei po rque fatal i dad es endo os portuguez es do s europ eu s o s p rime i ros que pen etraram noimperi o da China, e dºahi t ransportaram para a Europa e s ta precio saloiç a, s ão quasi os un icos 'que dºesia n enhum conh ec imen to t eem . P or

qu e a e xc epçã o de um ou out ro qu e em part i cu lar a tem fe i to,v i ve o

re s tante da naç ão em uma v e rgon hosa índolenc ía a e st e re sp e i t o, con

t en tando—se tal vez , e repu tando por mai s fac i l , em mandar nas suasconquis tas arrancar n o c en tro da t e rra, a rigor de um trabal h o i n sano ,o metal amarello q ue annualmen te vão l e var aos ch in s a t roco de barrobranco , que com tan ta frequenc ia encon tram na superfic i e dºessa mes

ma te rra de scarnada. »

Foi apenas no fim do s ecul o passado , quando o b enem eri to Man s oP e re i ra, profes sor reg io , descobri u no Brazi l que o barro ahi chamadotabating

'

a era o lfaol in da Ch ina, fabri cando com el l e n o Rio de Jan e i ro p or c e l lanas semelhan tes as de Saxe e de Sevres e camapheus embis cuit semelhantes aos de IVedgewood ; foi depoi s de fun dada p el o e stado em 1 767 a c e l ebre fabri ca do Rato

,di rigida pe l o mes tre i tal iano

Thomaz Brunet to , que a i ndus tria da l o i ca tina foi emfim i nic iada emP ortugal“ sob os mai s bril hante s ausp í c io s e segundo model os não s óda I talia, mas de Ruão , de Nevers e da prop ria Hol landa. P orqu e

,

comquan to os p r ime i ro s mestre s da real fabri ca de l o i ça, ann exa á fabri ca das s edas ao Rato , fossem todo s i tal ianos , e s ta nas cent e in dust ria rapidament e de sen vol v ida em Lisboa, em Coimbra e no P or to

,

re cebeu influen c ias e s t ranhas à s dos mes tre s do Rato : tradi ção de P al i s sy nas Cal das , trad ição de Delft em Li sboa e no P orto . Em todasas egrejas da p rov ínc ia s e u sam ainda para fiorir o throno do

l

lausp e

renne em d ias de fe sta sol emn e , jarras de loiç a azu l e branca em fó r

ma de l equ e , abrindo em pequenos tubos que l h e s d ão o asp e c t o deg ran de s luvas d e me io d edo ; es tas j arras s ão o lulipeiro hollande z , o

vas o e sp ec ial em que o amador de t ul ipas conse rvava em agua as suaspre c iosas Hores , ev itando p ela separação dos orifíc ios que e l las s e confundi s s em ou s e macerassem reun idas n ºum s ó mol h o .

O s hollande z es por sua part e n unca navegaram,nem de sc ob ri

232 A Hollanda

ram ,n em c onqui s taram te rras , como n ó s com o sen t i do e sp ec ialmente

pen i nsu lar de p ropagar a fé“

para ma i or hon ra e gloria - dos s eus re i s edos seus sac erdot es

,mas s im para seu dire c to p rove it o dªelles nav egan

t e s e de s cobridore s : para o fi m de ed ifi carem a casa na vol ta da Ind ia,em vez de a v enderem para v ir para a côrt e , c omo os noss os cap i t ãese gov ernadore s

,arras tar a e spada ennob recida e oc i o sa nos sarau s e

nas novenas do paço ; para o fim de p lantarem as be l las e incomparave i s hortas de A rnhem ,

de Utrech t e de Amste rdam,em v ez de ar

ran çarem as c ouv e s e as arvore s de fructo , c omo fez D . J oão de Cas o

tro na sua qu in ta da P enha Verde para ex emp lo de fidal gos e l i ç ãoda moc idade portugueza, a qual p or muitos annos o l ivro absurd o deJac in t o Fre ire de Andrade , em que e sta proeza s e gl orifica, s er v iu det e xt o de l e i t ura offic ial nas esco las regías de inst ruccão primaria .

Ao vol tarem p o i s do J apão , em vez de darem,c omo nó s out ros

,

o metal amarello p el o barno b ranco , e l l e s , que não t inham o barro bra-

neo

á superhcíe da t e rra, que não tinham a argil la n em o es tanho de es

maltar, foram buscar o e stanho a I ng lat erra, foram buscar a argi l la a

Bruyel l e ; depoi s do que amas saram tranqu il la e r i dent em ente o barro,

moldaram - o , de senharam - o, e smal taram - o e deram—0 ao mundo

,tran s

formado nas mai s b e l las obras de art e , a troc o de todo o metal ama

rello que hav ia em giro no mundo .

P e lo t rabal ho t ão fino , tão de l i cado”

,tão at trahen te das suas obras

art í s t i cas , Delft tornou - s e no s ecul o xvn um dos maiores c entros de

produccão indu strial' da Europa .

Dos regi st ros municipaes vê—se que D elft ch egou a reun ir trin tafabri cas com doi s fornos e com c e rca d e cem operari os cada uma.

Durante duzentos annos os product o s ceram icos das ofiicinas de

Delft não t ive ram compet i dore s . Essa faiança in egualavel, vend ida a

peso de oiro,foi .uma das grandes font e s da ri queza pub l i ca .

De q ue procedia a sup erioridad e dºestas obras sobre todas as

obras congeneres ?

Da qual i dad e do e smal t e—d i zem . Mas o e smal t e d e De lft p rocedia c omo j á vimos dos mesmos jazi gos de e s tanho e de argilla em que

234 A Hollanda

re s da Hol landa, en tre os quae s V an Miereveld, Jan Steen , Fran sMieriz

,Vande r Meer .

Dado o e 2 .

º dºestes fac tos

,i s t o e

'

, admit t indo- s e que a ar te

c eramica de Delft não t eve , c omo e'

: e vid ent e , ori gen s t radicionaes no

pai z,e que fez a sua e volu ção compl e ta nasc endo , desenvol vendo - se ,

decaind o e acaban do dent ro de um cer to numero de anuos , t emo s dec onc l uir que es ta i ndus t ria foi o re sul tado de circumstanc ias fortu i tasde tempo e de l ogar . Essas circumstancias det erminante s do appar ec im ento e do progres so da o laria d e De lft , s ão as do fac to num . 3 :

a infl uen cia .japon ez a, o cons e lho , a l i ç ão e a c rí t i ca dos grande s p intore s .

P ara c omprehender a i nfl u enc ia japone z a e'

: p rec i so d ist ingui r a

differenca en tre o cr i t er i o dºestes nave gadore s e o dos navegadore s

portuguez es .

Humi l d e sub dito de sua mages tade, so l dado submi s so do seu rei,

o marinhe i ro p ortuguez não l igava i n te re ss e p e s soal ao e s tudo das novas civilisacões que v i si tava . A s s imp l es narrat ivas dos naufragios dosnosso s gal e ões

,t ão marav i lho sament e fe i tas p e las te s temunhas p re s en

ciaes dºesses tragicos successos , b em c omo as s imp le s chronicas º

das

navegaçõe s e dos c ombat e s,t inham muit o mai s imperi o na imagina

cão aven turosa do pai z,do q ue os l ivros d e dou tr ina c omo o s de

Fernão Mendes e de Garc ia da O rta .

No hollandez a av en tura ofi'

erecia um in t ere s se mais subal t e rno ,i n sp irava um en thusíasmo mu i to m enos vib ran t e . A s s im a Hol landanão tem ep opea mar í t ima. O mari nh e i ro hollandaz n ão é scismador

nem poe ta. E um c idadão republ i cano ; e o membro d e uma democra

cia ; cab e - lhe re spon sab i l idad e de uma parc e l la de poder e de aucto

rídade . Logo que regre s se á pat ria, na vol ta das l ongas navegaçõe s ,terá mai s qu e faze r do que c on tar a lare ira as an edoc tas do conve z ,

os p erigos da viagem,as commocões dramaticas do imprev i st o , nas

t e rras l on gínquas e myst eriosas em que não des embarcou c omo nó s

para has tear o pavi l hão gl ori os o .das quinas , para edificar a egreja em

que se hav iam de baptísar os catechumeno s e para armar a forca em

As Cidades 2 35

que s e haviam de pendurar os here tícos . O ho llandez sab e que ao

ch egar terá de s er c hamado a d is cut i r e a' reso l ver os n egoc io s pub l i

cos nas assemb leas populares , nos con se l hos dos mun icíp i os e nos

e s tados prov in ciaes, e t e rá a l ém dªísso de t rabal har , porque on de n ão

ha ordens re l igi osas n em mil i tares,onde não ha frade s , onde não ha

gue rre i ro s apos entados , e onde n ão ha corte z ãos , o homem desoc

cupado p erd e todo d i re i t o a uma qual ificação honorifica,e e um cri

minoso.

Cons iderado nºeste ponto de vi s ta

,o Japão foi a mai s proti cua es

c ola da moderna civilisacão hollandez a.

Foi nºesse doc e pai z , nas ri sonhas campinas que circumdam a b a

hia de Yeddo,dominada pe l o cume s empre n e vado do Fousí—Yama,

foi ent re es sa raca de licada, em cu j o t emp eramen to tão v i vament e palp i ta o amor da natu reza e o sen t im en to do pi t tore sc o , que Os mar i t imos de Amsterdam e de Rot t erdam educaram o

'

s en gosto decorat i vodando aos aspectos das suas paiz agens , dos seus canaes , das suas pont e s

, dos seus j ard in s , dos s eus ki osque s , uma physionomia t ão e sp ec ial e n tre as demai s nações da Europa . Foi de c ert o na pre senca dari quí ss ima fl o ra japonez a, t ão habi lment e cul t i vada para a product ivi

dad e da te rra e para o praze r dos o lhos, que o p roprie tar i o hollande z

requ intou e acri s o l ou o s eu amor da jard inagem ,a sua predi l ec ção e a

sua perícia hor t ícola .

Na d i rec ção das i ndustrias a i nfl u en cia japonez a t inha de ser ai ndamai s d e cis i va do que nas formas da cu l tura . N e s t e pon to o Japão erano secul o xvn o pai z mai s ad ian tado do mundo . Ao pas so que a i ndaho j e v emos na Europa paiz e s em que não p en et rou por emquan to a

nece s s i dade de organ isar um min is t eri o da instruccão pub l ica, o Japão ,onde o en s ino de des enho e ha mu i to obri gat ori o nas e scolas d e

.

in

struccão primar ia, t em des de o s ecul o xvn uma fundação ofiicial, a que

mui p ropriamen t e poderiamos c hamar um ministerio das bellas artes .

A e s te s longos e sab io s de sv el os de educacão e l ementar art i s tica, man

t ida pe lo governo do Japão,se deve a excellenc ia sem r i val do opera

río japone z em t odos o s variados ramos da applicaç ão da art e indus

236 A Hollanda

t rial,— excellencia que a i gno ranc ia da hi storia da art e t em fe i to expli

car fal samen te aos paiz es apathicos por cau sas íncomprehen siveis e

sob renaturaes : dom divin o,prede s t inação de raca, in spi ração , habi l i

dade,tal e nto nat i vo

,ou por qual quer ou tro dos m il euphemismos com

q ue a rhetorica dos mandriões adoça o s en t id o reprehen siv o e hum ilhan te que t em para os i ndol en te s toda a afiirmacão superior do tra

bal h o dos outro s .

Foi nºessa e sc ola que os c e ram is tas d e Delft re c eberam os primeiro s rud im ento s da sua educacão profissionah foi no Japão q ue el l e sadqu i ri ram ha doi s secul os o conv encimen to dºeste prin c ip i o n ovo , oqual s ó nos meiados do s ecul o x 1x se de via con vert er em fundamentoprat i c o de reforma do trabal h o i ndust rial

,pela creacão do museu d e

Londre s e do museu Aus tríac o , i s t o e: que toda a creacão i ndus trialr e sulta de uma apt id ão art i s t ica .

O governo hollande z não i n t e rve in na formação dos operarios quecrearam a famosa loiç a de Delft ,mas a i n t ima convi venc ia dos p intores, que ou t inham em Delft os s eus ateliers ou ahi vinham a miudoarmar os cavallet es no campo circumjacent e , suppriu temporariament ea fal ta da e s co la oflicial

,creando um grande nume ro d e d i s c ipu l os ,

vulgarisando n o povo os conhec imen tos do de senh o e da p in tura .

Só a c e l eb re c erve jaria do p in tor Jan S teen val e ria para a e ducacão art i s t ica dos op erari os de D elft mai s do que uma academ ia. Steendepoi s do seu casamento com Margarida V an Goven , fil ha do p in torJan Van Goyen , . e s tab e l ec eu - se como cerv e j e i ro em Delft e falliu duasvezes . Quando por occasião de um proces so que lhe foi in s tauradopor ter subtraí do aos d ire i tos mun icipaes algun s produc to s empregados na fabri cação da ce rve ja lhe foram ped idos os l ivros de commercio , v iu—s e que t oda a escripturacão do es tabe l ec imen to s e achava fei taem uma l ou sa por Margar i da V an Goyen

,mas n em e l la n t m Ste en

sabiam ler o que e s tava es c rip t o nºessa l ou sa .

No meio dªesta de sordem finance i ra,Steen p in tava s empre

,e com

prehende- se o grande papel da sua ce rve jaria como c en tro dºart e . Ahi

s e reun ir iam todos os paiz agistas da Hava, de Amsterdam e de Ley

238 A Hollanda

nhavam á be ira dos mesmos canaes s i l enc i oso s e t ranqui l l os,em que se

reveem as copas das ve lhas arvores , e em fren t e dos quae s trabal haram á l uz, no vão das jan e l las

,os c e rami s tas das an t igas fab ricas , t o

das s i tuadas ao pé da agua nºeste bai rro ori en tal da c idade , en tre o

Z uíderstraat e o Noordsíngel . Irão pas sar tal ve z p e l o edific i o do corre io

,e s tabel ec ido na mesma casa em que hab i tou Mich ie l V an Miere

ve l d ; pela casa de V an der Meer, q ue tambem ex i st e ai nda e que e l leimmortalísou em um dos seus me lhore s quadro s ; p el o P r in s enhofondeGui l herme o Tac i turn o foi as sass inado na casa do convento de San taAgatha

,hoj e convert ido em quart e l

,e n o qual se c on s e rvam ain da os

v estígios que dei xaram no muro as balas da p i s tola que lhe di spararam ; pel o Boterb urg on de Leewenhoek descobr iu o micro scop i o ; ep e l o Korenmark t onde es t eve susp ensa a tab ole ta do cy sne , mai s tarde sub st i tui da por uma s imp l e s rolha e i nd i cando a al e gre c erv e jariade Jan Ste en . Mas não encon trarão na rua para as abraçar j o vialmen te

,para l h e s abri r as pas tas e para l h e s cri t i car os e s tudos

,nem

V an Mieris,o amigo in separavel de Ste en ; nem V an O stade ; nem

P i e te r de Hooch q ue tan to amou os in te riore s de casas dºestas s i l enc io

sas aven idas illuminadas pel os refl exos aquaticos dos canaes de se rt os ;nem o doc e e idyllico P aulo P o tte r , que deânhado pela tisíca que hãvia de consummil- o no ve rdor da moc idade

,vinhã ai nda pal l ido e me

ditatívo v êr pastar nos polders as g randes vaccas man sas,amoravel

symb olo da abundant e e pacífi ca vida rural da Hol landa, eternisadanas georgicas

'

dºesse incomparavel mes tre .

A recordação pal p i tan te de tan ta fama,de tanta gloria extincta,

envol ve Delft aos olhos do viajan te como nºum ve'

n mysterioso de saudado

Aqui , desped indo -me das c i dades hollande z as, t ive a s ensaçãome lancol i ca de me achar no c em iter io vene rando , modes to , carinhosamente fl orido , da arte morta, como se Delft foss e o tumulo da pint ura

, as s im como e o dos alm irant es P i e t Hein e Mart in Tromp , doj uri scon sul to Grot iu s

,do natural i s taLeewenhoelç , do poe ta Tol len s , e _

do grande Guilherme o Tac i turno,_pae da Hollanda, c uja es tatua dor

As Cidades 239

me de i tada sobre o s e u sarcophago de marmore n egro , t en do aos pé so cão fi e l qu e lhe sal vou a v ida no c e rc o de Mal in e s .

A egre ja de Santa Ursula,onde se acha em Delft o monumento

de Gui l he rme , e o W e s tm in s t er dos Nas saus , o jazigo da casa deO range , para o qual

,a hora em que e s cre vo es tas l inhas , e s t ão con

duz indo o cadaver do i nfe l i z princ ípe Gui lh e rme A l e xandre , u l t imo re

pres en tan te varão d'e ssa hero ica família, com a qual desapparecerátumbem da t e rra o nome de O range , i l l u s tre ha quat ro s e culo s .

242 A Hollanda

ç hadas e t e rminando em moi tão, c omo os mas tare'

us de gav ea,com a

c orda em al ça para i çar e arriar os move i s de cada andar ou para su

b ir as mun i çõ es ao sot ão ; a fachina regu lamentar da l impeza em diasp refixos todas as s emanas ; a bal d eação geral d o predi o , lavado e esfre gado por fora, d e c ima a baix o

,t odos o s sab b ados ; t ud o cont ri bue

aqui mais do q ue em qual quer outra part e para dar à casa a apparen

cia do navio .

O s pred i o s es t re i t os e al tos,hab itados por uma s ó fami l ia

,t e em

em geral a d i sp os iç ão das casas p ortuens e s , chamadas de alforg e : salapara dian te

,sala para t raz, do is ou quat ro quarto s in t e rmedios , e es

cada ao cen tro allumiada por uma c lara—boia .

Uma differenca porem “e s s enc ial e n tre a casa typo do P or to e a

casa typo da Hol landa . No P orto a sala de jan tar fi ca no u l timo ah

dar,em fren t e da c oz inha ; na Hol landa a casa de jantar fi ca ao rez

d o chão ab rindo para o jard im , e con tígua á sala de rec ebe r , ao ladodo cor redor de e n trada

, q ue faz ves tíbu lo fechado p e la porta da rua,

i n variave lmen te p in tada de v erde e di v i d ida horisontalmen te em doisc orpos

,dos quae s o infe r ior funcciona como me ia porta, un icamen te

u sada no P orto e aqui .A cozi nha

,o d epos i t o d e l enha e de turba e a adega c ons troem—se

no s ub so l o , al um iado e v ent i lado por doi s fossos , um do lado da rua,

outro do lado do quin tal .Entre O sal ão e a sala de jantar ha uma porta a t oda a largura

da casa, com doi s bat en t es co rredi ços , que permit tem e sc ond er a div i sãofazendo das duas salas uma s ó p eça .

Em t odas as casas em que en tre i os made iramen tos dºesta dívisoria haviam desapparecido i n t e irament e , e t oda a sup erfi c i e do re z d ochão

,da fre n te ao fundo , p aral l e lamen te ao c orredor d ”

en trada,for

mava um unico pav imen to ab erto , afofado em tape te s de styl o p ersae fazendo uma só casa des t inada dup lamente a recebe r o hosp e de em

vi s i ta ou amesa .

Nada mai s s impl e smen te r i sonho, de um confron to mai s i n t imo,

de um aconchego mais cordial do que o aspecto dºesta di sp os ição .

As Casas e os [ndinidnos 243

J unto das duas janel las para o lado da rua, grupa- se a mobí l ia dosal ão : os doi s d i vans e os fauteu i l s sobre carregados de almofadas , amesa red onda c ob erta de albuns , de jornaes e de re vi stas : um al t o es

pe lho por cima da chaminé ; o cabide de mogno pol i do , ao p é da porta ;as p in turas a o l e o , as aguarellas, os guachos , os carvões ou as aguasfort e s

,emoldurados e penden tes do muro ; a indispensavel etagere das

chinez erias e das japonez erias ; o p equeno biombo de se tim bordado,

com a sua grade de b ambus ; o p iano vert ical ou d e cauda,atrav e ssado

na l inha da an t iga divi s ão . E ao fundo,do lado oppos to

,nºuma doc e

l uz esve rdeada,de jard im ,

nºum ul t imo plano car inhosamen te bei jado

por um dia difi'

eren te , mai s te rno que o do prime iro p lano,como nas

duplas p ersp ec t i vas dos adoraveis in te r iore s de P i e t er Hooch, a cas ta

al egria fami l iar da mesa p osta ao pé da v idraça engrinaldada por uma

trepade i ra em flôr,com um deb rum de jacin thos desabrochados na li

nha do parap e i to ; a cade ira de al to espal dar almofadado do chefe defamília ; a t rad ic ional chal e i ra de c obre s obr e o aparador ; o armari oenvi draçado ; a prat e l e ira com a colleccão das canecas d e grez ou de

e s tanho,e , i l l uminando a parede como di scos ten ros d e luz

,avivados

a p in c e ladas de so l, o e smal t e in comparavel, em quen te s refl e xos deambar , dos v el ho s p ratos de Delft .

Na vi da domest i ca d es t es do i s povos , t ão seme lhan te s em outro spon tos d e v i s ta, a

' differenca na di sp os i ção da casa a que me refiroimpr ime carac ter e d is t ingue os co s tume s hospital e i ro s das duas famil ias . En tre o l ogar no canape

' e 0 l ogar á mesa,en tre a uisita e o ta

lher, a famil ia do P 0rt o me tte a di stancia respe i to sa d e quatro andare s ; a família daHol landa não i n terpõe diflªeren ç a al guma en tre e ssasduas man e iras de rec ebe r . A s .p e ssoas indifi

'

eren tes li cam inexoravel

mente na rua e toma- se - l h es o recado po r c ima da me ia por ta. Só oami go en tra das portas a dent ro , e de sde es s e i n s tant e e l l e e

' o hosp ed ena sagrada accepç ão ant iga de ssa palavra

,e não s e lhe offerece uma

cadeira ; ou não se lhe ollercce nada, ou se lhe da i n condi c ionalm entea sua part e ao lar, no corac ão da famil ia.

E arr i s cado generalísar, pre t endendo defin i r o carac t e r nac ional

244 A Hollanda

de um po vo p e l o carac t e r i nd i v i dual d e al gumas p e s s oas que um es

t rangeiro c onhec eu . Em v e z de e s tab el e cer sobre e st e pont o uma theoria abst rac ta, eu fare i por tanto um s impl es depoim en to .

D ent re as diffe ren te s casas que vi na Hol landa tomo tre s typos

principaes : uma casa de escriptor, uma casa de art i s ta, uma casa der i co n egoc ian t e .

E vou descrev e r e s sas t re s var i e dade s .

No parque da exp os i ção de Am s t e rdam hav ia um annexo in titulado O p avilhdo da imp rensa, dest inado p el o s j ornal i stas de Amst erdam, as soc iados para es s e fim sob a pre s idenc ia do sr . V an Duyl, re

dactor em ch efe do Algemeen Handelsblad , a rec eb er o s j ornal i s tasest range i ros . A curio s idade d e v e r o pavi l h ão , e l egan temente mob i ladop el o s p r ime iro s marc en ei ros e p e l os p r ime iros aderecis tas de Ams

terdam ,ch e io de fiô res, de faianças artí s t i cas e de quadro s dos p ri

meiros p in tores da moderna e sc ola ho llandez a, obrigou—me a revellar

ao porte i ro a minha qualidade de escriptor, sem o que me era defe saa en trada. Em uma das salas a que me i n troduz iram foi- me ap re s e ntado por dois ind ivi duos o re gis t ro dos v iajan tes , e eu t i ve de in serever - me e de apre sentar - me . Formal idade espinhosíssima, que, dada a

frequenc ia com que hoj e v iajam os escriptores e dado'

o acolh imentoe sp ec ial que se l h es faz em todos os paiz es do mundo, ex ige que a

A s sociação Lit teraría In ternac ional de P aris ou outra d o mesmo genero

,i n stitua quan to ante s um p assap or te litterar io , is to e

'

,um docu

men to authen tiç o e inilludível da i d ent i dade lit teraria de cada um . Slem '

es te pap el jnstiâcat ivo no bol so, a s i tuação dos escriptores que n ão

t eem um nome universal e sobremane i ra grot e sca em p re s en ca dosseus confrades n º

um pai z e s t range iro . Es te s s enhore s s ão em ge ral sufficien temen te amaveis e in trepidos para nos di r ig irem avi sta do nossopas saporte dip l omat ic o ou do nosso b i l he t e de v i si ta um c umprimento

que v ersa dºordinario sobre os seguin t es ou equ ival en tes termos

Oh ! conheco p erfe i tament e . a sua penna e das mai s i l l u s t resn o seu pai z

,e tc . .

E nºestes caso s a modest ia mai s rudimen tar obriga a pro tes tar

246 A Hollanda

Amste rdam ; t em vin te m il assignan tes e t ira doi s numeros por dia, onumero da manhã e o numero da tard e

,com duas ed i çõe s cada nu

mero ; um mov imento de pre l os quas i inin terrompido desde p ela ma

nhã ate'

a noi te, e dois quadro s comp l e to s d e redac ção e revi s ão , t rab alhando c onstan tement e um depo is do ou tro , n

ºuma s e r ie de gab in et es .

A hora mat inal a que chegue i, o redac tor em chefe t inha mandadopara a typograph ia o seu o riginal

,t inha c onferen ciado com os seus

collab oradores,t i nha examinado a corre spondenc ia e os manuscriptos

e c omeçava a recebe r v is i tas , conversando n'uma prod igiosa abundan

cia de palavras , a caval l o n'uma cadei ra

,com do i s su j e itos que me ha

viam preced ido . Sem desmorder do que e stava d izendo em ho llande z

ab riu a carta que l h e ap res en t e i,leu - a

,at irou - a ac ima da s e cre taria e

ofiereceu - me por mei o de um gesto um logar no sofá . Sente i—me,t i re i

da al gib e ira o meu l i v ro de notas , e puz -me a e screve r« Um gab in e t e de s obre l o ja ; %ec to baix o ; uma j ane l la : s ec re tar ia

monumental ; nem um só pap el n em um l ivro em c ima ; grande b ibl ioth e ca ; mobi l ia de marroqu im ; figura do j ornal i s ta i n te i ramen te semelhan te ai do rei portuguez D . Fernando

,modificada ap enas p e lo uso de

oculo s e pela s em - c eremonia artíst ica de uma quin zena de al paca e deum chap éu de pal ha de gran des abas

,em mão uso . Sobre o tap e te

,a

um canto , doze bot ijas (genebra ou curacao?)das quaes uma ai ndaarrolhada, as outras vazias . »

Um quarto d e hora dep o i s,desp ed idas as duas v i s i tas , 0 redac tor

p ri nc ipal d o Algemeen Handelsblad fo i para a bot i ja com ro lha e encheu do is grandes copos de que me ofi ereceu um , d izendo

—P rime iro que tudo trat emos dºisto !

Beb i o copo que'me tocava e esvasíeí—o . Era d

ºagua de Vichy .

Em segui da, ac c endend o um charuto e enfiando o braco p el o m eu,

accrescen tou

_ A gora vamo - n os embora !Fo i ass im que eu fi z conhec imen to com o s r . V an Duyl (pronun

c iar como em fran cez V andeuíl), o mai s conh ec i do , o mai s ce l ebre , omais p opular d e todos os j ornal i s tas dºAmsterdam .

As Casas e os lndividuos 247

Eram 0 horas e vin te mi nutos da manhã . Quando desenfi ãmos ob raco um do ou tro e me s epare i dºelle para me ir de i tar e ram 2 ho

ras e quaren ta e cinco minu tos da madrugada do dia s eguin te .

A fam il ia V an Duyl hab i ta durante o verão uma pequena casa decampo perto das dunas

,a c erca de uma hora de caminho de ferro de

Amste rdam . Foi ahi que eu e st ive com V an Duyl, n o mesmo dia em

que o vi pe la prime i ra v ez n o escriptorio do s eu j ornal .Na p equen i na gare da al d e ia

,t oda vi ren te de he ra agarrada aos

t ijolos da fachada, e in t e ri orment e guarn ec i da de move i s de s tyl o comoum gab in e te de art i s ta, encon trámo—nos c om os tre s fi l ho s do meu novoamigo , duas men inas de oi to a doze anuos e um rapaz de quat orze ouquinze ; e l las de aven tal de c ol l e gi o

,o chapéu de s ol de ch i ta d ebai x o

do b raco, o s l ivro s e a l ousa p enden te s de uma c orre ia ; e l l e de moch i la às cos tas ; todos l ouros , de grandes ol hos garç os , de uma inex

c e d íve l fre scu ra d e p el l e , e ao m e smo tempo d e um ingenuo ar an tigo,

de uma in nocenc ia de outro secu l o , l embran do—me os o riginaes d e amave is ret rato s que devem exi s t i r em al gum museu

,pin tados por Greuse ,

p or Latour ou por P rudhon . Chegavam da e sc o la em Amst e rdam ,e

por acas o tí nhamos vindo no mesmo trem ; mas , c omo el l e s , v iajandoas s im todos o s dias , t i nham bi l he t e s de t erc e ira c las s e e n ó s v ieramos

em primeira,só nos avi s támo s ao chegar . Fe itas as devi das apre sen

taç ões , do rapaz para mim ,de mim para as duas meni nas

,part imos

t odos jun tos, de mãos dadas , por en t re o fe no .

Era das quat ro as c inco da tarde—a hora em q ue o céu hol landez sorr i i n var iave lmen te , e em que o sol , ai n da no i nve rno

,apparece

de scoberto todos os dias,um momento p e l o menos .

Nada m ai s doc e , de um efiªeito mai s bal samic o na imaginação e

nos ne rvos, do que a s e re n idade incomparav el e a nit i de z as sombrosa

da verd e camp ina da Hol landa a tal h ora . E a real i dade v iva dandope lo s s eus c on tac tos a mesma commocão sal u tar e b en efi ca que os hab itan tes das

cidades,por mui to t empo encarc e rados em ruas ari das e

ruidosas , dolori dos d e t rabalh o , feb ri s d e pai x ão , avidos de s i l enc i o , d ec laridade , de s impl ic i dade e d e repouso , exp e rimentam ao con t emplar

24 8 A Hollanda

as pastoraes de V an de Vel de , 0 Mozart da p in tura, 0 paiz agista em

cu ja alma mai s in t en samen te vibrou o s ent im ento da natureza j uven i l,

i n genua,sorrid en t e

,inefi av el .

Na límpida t ransparen c ia do ar,so b a s e ren i dade ab soluta do c éu

,

as arvores , as s earas , a rel va dos prados , as aguas do canal,os mus

gos e os nenuphares pare cem rep ent inamente immob ilisados para nosouvi r

,para n os ve r passar ; e ao i n esp erado barulh o das nos sas ri sa

das l e van ta- se do ch ão uma re voada de tordos ou um casal de fai sõe s,

e al gun s coe l hos das dunas,as su s tados

,at rav e s sam por dian te d e nos

aos pul os .

O cottag e, de quat ro jan el las d e fachada e por ta ao c en tro,tem

na frent e um pequeno j ard im s eparado do caminho por um ripado pintado de verde com um me tro de al tura . A e squerda, con tra um pannode muro

,fazendo angul o rec to com a fachada do pequeno p redi o , um

alp endre d e abri go,ao fundo do qual

,nªum canape rus t ico , em frent e

de uma p equena mesa,com duas agu lhas de pão envol tas n

ºuma t i ra

de tape çar ia e collocadas ao lado de um cabaz de fl o re s,—M V an

Duyl, de t ouca de jard im e l uvas de me io dedo,as mãos c ruzadas n o

regaço,con t emp la a vas ta plan í c ie , in c on sc i en t emente p en e t rada dªesse

encan to magne t ic o da nat ureza, que faz ci rcular nas almas a mansid ãoe a bondade tão brandamen te como c i rcu la a s e i va nos alfô b res ahoradas regas .

' Em quanto eu pre s to á dona da casa a homenagem do meu re spe i to , o pequeno V an Duyl apparece com 0 seu grande caval l o , v el horo ss inant e bonachei rão , um pouco lanzudo

, que e l l e mesmo engata a

um break,cal çando as l uvas em s egu ida

,e l e vando - nos a t odos , sob o

p ret exto de faze r appe t i t e para j an tar , a um pass e io sous bois .

As se t e horas sen tavamo - nos a me sa na grande sala commum da

famil ia, simul tan eamente sal ão , casa d e jantar , gab in e t e de l e i tura e

sala de t rabal ho,com as jane l las abertas ao l ongo s i l en ci o dos cam

pos d e c u j o hori sont e vem rompen do a lua .

An tes do breve s i l enc i o puri tano do benedicite , Mme V an Duyl

t endo t irado da al gib eira o mol h o das chav e s poidas e reluzente s , ser

A Hollanda

Ha l i vre s p ensadore s na Hol lan da !

Ha mui to s ; mas'

não ha um só ind ifferen t e . P en sa- s e em rel i gi ãode t odos os modos ímaginaveis ; mas não ha n in guem que faca con

st ituir uma phi l osoph ia no sys t ema —aos n os so s ol hos compl e tamen te

phan tast iç o— de não pen sar co i sa al guma

,como succ ede , ao que pa

rec e,em var i os p ovos lat inos . O s li vres pen sadore s e os ath eus for

mam ent re nó s uma pura s e i ta t ão ri gorosamen te denn ida c omo qualqu e r outra se i ta re l igiosa. A s s im en t re as innumeras egrejas de Ams

terdam ha uma que se in t i t u la Un ido r eligiosa livre. E nºes ta egre ja

que se reunem todos o s dom ingos varios di s si d en te s de,todas as re l i

giões ex i s tent e s, repellindo in teiramente todos os dogmas,to das as re

v elaç ões sob renaturaes , t odos o s mi lagre s in cl u in do os da Bíb lia, e

pre sc ind in do de D eus , ain da que como hy p oth e s e . D en tre e s t e s ind ividuos ha porém um ,

e le i t o p e l os s eus con soc i os,o qual em cada do

m ingo s e encarrega d e sub ir ao pulp i to e d e preºar o de v er moral,a

lei da con sc i en cia, a no rma t rans cend en t e da v ida,a comprehensão

da v i r tud e , a j u s t iça supe ri or a t odo o i n t ere s se, a toda a pai x ão

,a

t oda a e sp ec i e d e app etit e . O s l ivre s p ensadore s e os atheus de Am

st erdam l evam a esta esp ec i e d e mi s sa as s uas mu lh e re s e o s s eus fil hos

,e todos sol idar ios peran te os mesmos p rinc íp i os

,todos un idos

e spir i t ualm ent e p e l o laco moral d e uma c on vic ção , e s cutam aquelle quea defin e com a mesma reveren c ia e com o mesmo re sp e i to com queos fie i s da egre ja ao lado e scutam a palavra dos pr0phetas , a dos evan

gelistas ou a dos apost o l os . E es ta é na vida domest i ca a grande basede s s e equilíb rio de ide

'

as fundamen taes,do qual V . ha pouco me fal

lava, como sen do n a Hol landa a fe ição proemin en te do carac te r n ac i onal .

Quantas c oisas p l enamen te e'l u c i dadas p e la s impl e s en unciaçãodºest e fac to . Expl icando succ in tamen te p or uma das suas gran de s b ases moraes a se riedade dos carac te re s n º

um pai z de origem pro te s tan te ,não expl i ca e l l e egualm en t e c om razão in versa a decad en c ia geral dospovo s cath ol i cos , men talment e paralysados por tan to s s eculo s na dissol ven te immob ilidade do Na Hol landa, a l iberdade d e

As Casas e os Indivíduos

con sc i enc ia e o e sp í ri to de exame que dºella re sul ta subd ivid i ram a religião do pai z em cen tenare s de s e i tas c on tradi ct orias , que muit os s up

puz e ram nefastas a cohesão nac i onal e apparen t emen te d e st inadas a

d estrui r e a quebrar o v ínculo pat rio t ic o .

Absolutamen te i nc ond i ci onal e illimitado o d i re i to de here s ia, aaccumulacão dos sch i smas at tingiu as proporçõe s mai s phan tasticass ómen te d en tre as se i tas d evotas a que deu origem um dos vari os ramos em que se repart iu o anab apt ísmo , c i tare i para e xemp l o : os ada

milas , os apostolicos , os taciturnos , o s p erfeitos , os impeccaveis , os irmãos libe r tinos

,os sabbatar ios , os mamfestar ios , os lacrimosos , os re

jubilados, os anti-marianos , o s indiferentes , os sangumarios , etc . Dºesse

tremendo e as sus tador de smemb ramen to e d e sdobramen to de c ren ças ,uma co i sa collect iva porém se formou , um novo nucl eo de sol idar i edade e d e confrat ern isacã-

o z— o p rofundo amor de todos á t e rra priv ilegiada

,mãe da l ib erdade ge ral

, indispensav e l ao abri go e á i n v i o lab i l idad e da op inião p essoal de cada um . P orque

,em resu l tado fi nal , o

grande fac to culminan t e é e s t e : que a forca de exame , de disc us são ,de con troversia e l i vre e sco l ha

,a re l i g i ão convert eu—se aqui em op inião

p essoal , c ompeten tement e d e l imi tada, as s en t e e defi nida na razão decada in divíduo .

Ha na Hol landa tresen tas re l i g iõe s d iffe ren te s,e em todas e l las

se crê , como nos t re s mil deus e s da Roma an ti ga . Em P ortugal hauma rel ig i ão só

,a un ica, a v e rdade ira ; aquel la que o e s tado estipendía

e com que n egoce ia ; aquel la em cu j o nome queimou , atanaz ou , martv

risou ,d e s t ru iu e , sob re tudo , roubou os here ticos ; aquel la que e l l e ap er

fe iç oou ,catou , l impou , purifi cou , expu l sando succ e s s i vamen te o s j udeus ,

os christãos novos,os j e suí tas e o s frade s

,des t i tu indo - os e desapos

sando—os compe tent emen te de t odos os re sp ec t ivo s ben s , em prove i t os eu

,d'e l l e ; aquel la, finalmen te , que vem na carta, no art igo 6 .

º

, e que

e' a lei fundamental do estado l

P oi s b em ; es ta re l igião un ica, oflicial, authen t ica, i n d iscut i ve l , immodícavel

,que e de todos os c i dadãos sem excepção al guma, acabou

por n ão ser propriamente de n ingu em ,porque

, aforca de s er deãn ida

2 52 A Hollanda

pel os podere s publ i c os,c e s sou compl e tamen te de s e r e s tudada pel o s

part iculare s ; e os p ropri o s sac e rdote s , funccionarios publ icos nomeados para a egre ja como outro s são nomeados para a alfand ega, chegaram na sua grande mai or ia a nem s equer ent enderem a l í ngua em

que se acham escriptos os canon es,que e l l e s tem por modo de vida

s erv i r e defender .

Qual é na con s ti tu i ção “

da fam ília o re su l tado dºes te e s tado dasc oi sas espirituaes nos povos cathol i c o s?

O re su l tado e e s teA mulhe r , por uma doc e n ec e ss i dad e instinctiva de pro t ec ção

amoravel, de amparo car inhoso,por um tep i do s en t imento de fi d eli

dad e s e den taria as t rad içõe s do b erco e do lar, por sup ers t i çõe s det emperamento

, por uma vaga at t raccão n evral g ica para 0 in defin ido ,para o poe ti co i deal ch ristão , con t i nua um '

pouco machinalmen te a

p raticar , a de sobrigar—s e , a ir amis sa, a rep e ti r a c onfi s são , o c redo ,os mandamen tos da egre ja, o ac to de con t ricção

,os peccados mortaes,

os peccados con tra a nat ureza e os peccados que b radam ao céu

amal gama c onfuso e e s ton teador de hvpotheses t en ebrosamen te c rim iuo sas e horrendas , de fac e i s esconjuro s de al gib ei ra, de comb inaçõ e se reac ções chim icas de peccados e de p en i t enc ias compensadoras , decul pas e de perdões c orre lat i vos , te rm inando tudo ao conhssionarío

por lavagen s c omp l etas e g e rae s da alma, uma ve z por anno , como aslavagen s dos predio s hollandez es uma ve z por s emana.

O homem,por s eu lado , é fundamentalm en te índifi eren t e . P ara

se fixar n ªuma op in i ão sob re es t e assumpto , prec i sar ia de o c onh ece r ;e e s tudar e s t e gene ro d e que s tões

,—al ém de não es tar nos s eus hab i tos

in tellec tuae s, s e r ia j á um indí c i o man ife st o de duvida, um comeco dereb e ld ia

,um peccado , emfim ,

de que o mai s sen sato e'

ab st ermo nos .

O s menos ímpios en tr inche i ram - s e nªes ta formula : «São co i sas supe

riore s á nossa comprehensão , h i s t orias da carocha tal v ez , s e as sim o

q uiz erem ; . indispen sav eís t odavía para a educacão da mulher fragile para a moral i dad e das c las s e s bai xas . »

A re l i gi ão con t inua, porem , a s e r em todas as famílias catho licas

254. A Hollanda

c tando no e scuro da no i te , p ela jane l la ainda aberta,a l uz do cand ie i ro

susp en so na casa de jan tar .

Na seccão hollande z a das b e l las art e s da exposicão i n t ernac i onald e Amsterdam ,

hguravam v in te e s e te s enhoras : uma esculptora, tr e saquarel i s tas e v in t e e tr es p i n toras a ol e o .

Entre as obras exh ibi das nºeste sal ão p e las s enhoras hollandez as—cu ja s ingular apt id ão arti s t i ca e s tá afii rmada na Europa por nomescel eb re s como o de Henri e t te Ronner, de Sarah Bernhardt , de V anZ an dt, de F ide s D evries , e p e l o das romanc i s tas i l l us tres con temporan eas, c omo Lu i za Stratenus, Melat i van Java, Corne l ia Huygen s e

Mll e Opz oomer,—t ocaram part i cularmente a m inha at tencão os q ua

dros de Ml l e Ther eza Schwartze .

P ed i com i n tere ss e al gumas informacõ e s a resp e i to dºesta no tav e lart i s ta

, e t i v e a honra de ob t er uma ap re s en tação para v i s i tar o seu

atelier .

Mui to moça ai nda, Mll e Schwartze e'

fi l ha de um profes sor de pintura da academ ia de Amsterdam , fal l e c i do ha poucos anuos em pl enaforca de trabal ho , t en do acabado ap enas de e s tabel ece r em bas e s tranqu i l las a sua e x ist enc ia, no momen to de c omecar a occupar

—s e do futuro da famil ia, a qual , surprehendido p ela morte a me io de st in o

, le

gou apenas os prime iro s cen to s de Hofi us economisados ao fun do dagave ta

, al gun s move i s art í s t i cos e bibelots Uma v i uva,duas

fi l has , um rapaz inhab il p or doen ça para t rabal har , pos tos rep ent inament e a b e i ra da mis er ia.

Mll e Schwar tze, a pes soa mai s nova da casa, na edade d e v int eanuos , com a educacão u sual de t oda a men ina b em creada na Hol

landa, fal lando quat ro l inguas , tocando um pouco p iano e t en do dodesenho as l uze s e l emen tares essen ciaes a uma mulher da soc i e dadepara não d ize r parvoíces nos museu s e para esb ocar em cas o de ne

c e s sidade um croquis p it tore sco n o al bum de uma amiga i nt ima,t o

mou c oraj o samente o en cargo de amparar p e l o trabal ho a casa orphã,c en cer ran do se no at e lier abandonado , en tre os p inceis ainda embe

As Casas e os Indivíduos 2 55

b idos em tin ta,no me io dos carvõe s d i sp ers os e quebrados na mão

d e seu pac , c omecou afincadameute a desenhar de sde p e la manhã até

a no i t e .

A primei ra das s uas ob ras fo i— cu ido eu—um re trat o fe i to d ereco rdacão . Techn icamen te fal lando , era c omecar mal o começar poruma obra a que fal tava a pri ncipal c ondi ção de um trabal ho dl arte, ainves t igaç ão da nat ureza, a âde lidade ao model o vi vo . Mas e s s e re

t rato era o do pae da auc tora, e nºesta obra de p iedosa e vocacão â

l ial , que uma rev i s ta do tempo reproduziu, que eu mesmo examin ei ,

havia um tão in t imo e p rofundo s en t imen to de resp e it o , uma tão in

t ensa palpitacão d e v ida i n qui rida, uma tão doce expre s são d e me lancol ica saudade , que só de pe r si e s s e des enho bas taria para re ve lar emquem o conc eb eu e executou , a pri vi l egiada org an isacão psycho logica

de um grande art i s ta, o rebat e dªessa mysteriosa forca a que al gun schamam ai nda a i n sp i ração , e que não e

' mai s do que a s en si b il idadeexc epci onal commun icada ás fôrmas ex t eri o re s do pensamento , e pondona obra e xecutada o d i v ino raio l umin oso ,

refl ex o inc on sc i en te do es

pelho de lagrimas que tem no fundo do seu ser todo o verdade i ro dominador das l inhas , das cô t e s , dos son s ou das palavras , po r me io dasquae s s e rep re s en ta na art e commocão humana.

Det ermi nada na fixacão da sua carre i ra p e l os re sultados dºesteprime i ro trabal ho , reun i u o re s t o dos s eu s havere s e foi e s t udar durante um anno na acad emia das b e l las art e s de Munic h .

Ao cabo des s e t emp o comecou a expôr e a vender o s quadro s ;fez successivas v iagens de e s tudo a Franca e á Bel gica ; foi prem iadano ul t imo salon em P ar i s ; foi el e i ta, com Bonnat , vogal d o j ury da e x

posicão i nte rnac ional de p intura em Amste rdam ; e presen temen tecon s ide rada—c re i o que sem prot e s to de ninguem

—o prime i ro p in to rde re tratos na Hol landa.

A rain ha Emma e sco l heu - a para faze r o seu grande re t rat o em

corpo in te i ro , que e s ta no palac i o da Hava ; foi e l la ai nda quem ret rat ou a fami l ia do burgome s tre de Ams te rdam

,quadro e xpos to em Fã

ris ha doi s annos ; e são do seu p in ce l muit os re t ratos de senhoras e

2 56 A Hollanda

profes sores i l l us tre s das un i versidad es da Ho l landa, s endo cotadas em100 l ib ras e st er l i nas cada uma

,as suas t e las mai s p equenas

,de re

t rato em busto .

A casa de Mile Schwartze , no P rinsengrach t (canal dos P ríncipes),em Amste rdam

,e' o mai s genuíno ex emp lar do pred io typ o hollandez .

Est re i t o e al to , duas jan e l las de fachada, t re s andares , escada e xt e ri ord e se i s degrau s a en trada, a ' trav e da roldana n o al to do p z

'

g rzon .

Trepe i p e la es cada e s t re i ta e í ngreme,c oberta p el o irreprehen si

vel tap ete em l i s tas , s eguro aos degraus em vare tas d e cob re re luzent eate

'

o at e l i e r,no u l t imo andar .

P equ eno quart o al eg rado p ela lu z do ' t ec to e por uma larga jan e l la ab erta ao nort e

,adornada com uma gai ola onde canta um ea

nari o . Var ios tap et es orien taes no chão , o es trado do model o , o grandee spe lho

, o b iombo , alguns move is art ist icos ,fauleu z'

ls de varias formas ,faianças

,c e rca de uma duzia de quadros apo iados aos cavalletes , e t oda

uma ex i s t en c ia d e art i s ta e de mulh e r, re ve lada nºuma eno rme acc u

mulacão de documentos : al bun s , pas tas, l i vros , brochu ras , rev istas ,l embrancas de v iagem

,photographias , l e que s , l uvas , flô res seccas

,sa

c os de pas t i l has,b i lh et e i ras , saclzets , moldagens em ge s s o , bíbclols , ga

ve tinhas de contador ent reabertas , de ixando t ransbordar as cartas , oscrmclo

lzy

ves,as variadas folhas de papel marcado com d ivi sas e com mo

nogrammas .

P ouco dep o i s da m inha ap re sen taç ão , Mll e Shwart z e , que t rabalhava n o re t rat o de uma men ina, d esc ia com o seu model o a casa dejantar , j un to ao sal ão no pav im ento do re z do chão , e ob ri gava—me , do

modo mai s grac i oso e mai s simpl e s , a part ic ipar do seu almoco , afre sc ura do jardim

,j un to da jan el la ab erta enquadrada de arbus tos , ser

v in do - me uma taca de cal do,um copo d e v i nho b ranco do Rheno e

uma s eri e dºessas phan tasticas rode l las d e salm ão fumado , fi nas c omohos tias côr de ro sa

,que só as me

'

nagéres hollandez as t e em a arte det r inchar em regra

,para que e s s e p e ix e con st i tua, entre fat ias d e pão

t orrado c om mant e iga e mos tarda, .

um dos sab i o s acep ip e s que mai s

honram a gas t ronomia da Hollanda.

2 58 A Hollanda

deb rucado nas costas de uma cade i ra em q ue se apoiavam uma sob rea out ra as duas mãos ; e e s sa figura palp itant e , v indo para m im , fi

xando -me nos ol hos,rep e t ia -me t oda a h i s tor ia da minha v ida

, que eu

acabara de con tar .

Como t i ve ss e d e ir faze r toilette para rec eb er a almocar uma fa

mil ia inglez a que de v ia ch egar ao meio dia, sem t emp o para recebe ros meu s c omp rimentos , Mlle Schwartze d e ixou - me n a sua Offici na, desp ed in do - se de mim com es ta phrase

, q ue caracterisa n ”um só t raco a

b onhomia dos cost umes hollandez es mai s e xp re s s i vament e do que todoum cap i tu l o consagrado a descrevel- os :

Agora, se quer ser amavel c omigo,peco - lhe que me dê uma

arranjadella ao at e l i e r !A p equena barraca do bazar em b enefi c i o dos pob re s de Kraka

toa,onde Ml l e s Schwart ze e W al ly Moess vendiam l iv ro s illustrados

para creancas, u tensílios de escriptorio e al guns i n s ignificante s bibelots ,rendeu nªum dia mai s de um conto de rei s . A noi te , a venda de cham

pagne ge lado , a fiorimcada taca, cre io que dob rou es sa quant ia .

Em fre nte da barraca dºestas s enhoras p erpassaram,c omo nºuma

sala de re cep ção,duran te doze horas , todas as physionom ias da Hol

landa : op erari o s , b urguez es, art i s tas , logistas escriptores , profe s sore s ,e studan te s e var iados typos de emp regados publ icos , desde os ama

nuen ses até O rei.

Todas as pe ss oas sorriam , conversavam b enevolamen te, compravam al guma co i sa, sem enfatuacao , sem p ose . P ergun tavam previamente o pre co das c o i sas , ainda as mai s modes tas : um pac ote de pap e l de car tas , uma canneta, um lap is . Mari do e mu lh er

,pel o b raço um

do ou tro , di s cut iam ás v eze s o preco en tre s i . Afinal fei ravam ,puxando

a l onga bol sa de mal ha de retroz do fundo do b ol s o , c orrendo—lhe lentamen te os passadore s , con tan do o dinhe i ro

,p ondo um sol do a mai s

para os pob re s .

Um judeu,op erar io de lap idar ia

,abo toado n

ª

uma quinzena depanno verde amarellecido pe las so lheiras de se i s v erõe s , dese j ou ter

uma rosa do cabaz que adornava o bal c ão da barraca, e , como dei

As Casas e os Indivíduos 2 59

xassem o preco ao seu arbí t r io , pagou uma rosa por um florim ,deu

mai s um florim p or um alfinet e para s egurar a rosa a casa da quinzena

,e , t en do offerec ído ain da um fl orim para dar um be i j o na flô r ,

deu- lhe doi s be i j o s,pagou mai s do i s fl orin s , e ret irou - s e .

Um ve lh o magro , p equen ino , ve s t indo uma sobrecasaca côr de pinhão

,amoda d e 1 830

,e uma al ta gravata de espart i l ho

,presa at raz

por uma five la, apoiado a uma b engala e ao braco de uma men ina sua

fi lha ou sua ne ta,depoi s de hav er comprado doi s abe c edarios i l l us t ra

dos e um l ivro de e s tampas , vo l tou mai s tard e para re ceb e r es sas compras que de i xara em depos i t o , e deu s ei s luiz es p e l o t rabal ho de lhet e rem guardado por uma hora as suas compras .

O s des enhos offerecídos p e lo s art i s tas hollandez es, ass im comoas pho tographias de al gun s dos seus quadro s , assignadas por e l l e s ,v enderam—se em l e i l ão . No fim d

º

esta venda,fe i ta ofiicíosamen te p el o s

j ornal i s tas no pav i lh ão da imp ren sa, o pub l i co p ed iu que Ml l e Schwartzeem b enefi c i o d os p obres de Krakat oa

,c on sen t is s e em pôr em praç a

as suas l uvas ; propoz eram d epoi s que cada uma das l u vas foss e arrematada s eparadament e

.,e c ompraram - as , uma depoi s da outra, por

s e i s ou o it o veze s o seu p eso em oi ro .

V i s i ta a villa do sr . V V. em A rnhem .

O s r . W .

,cu j o nom e indi co ap enas p e la sua i n i c ial porque e l l e não

p ert ence,como o dos escriptores e c omo o dos art i s tas , ao dom ínio da

publ ic idade , é um rico negoc iante do patríciado b urgue z de Amste rdam ,

onde ha dois anuos occupava o cargo e l e c t i vo de con selh e i ro da municipalidade .

Comparaç ão fe i ta c om os i nd i v í duos congeneres, j u l go pode r c ital- o sem grande temeridade de generalisacão c omo typ o de norma.

Na occasião cm que o v i s i t e i,o s r . W . t i nha de ixado havia ap enas

um me z o s eu domic i l io de Amsterdam ,acabava de hxar- s e em Arnh em

como commerc ian te aposen tado , aos quaren ta ammos d e edade , e t e ve abondade de most rar - me a sua nova hab itacão , entre ve l has arvores , nomei o de um jard im separado da rua por uma grade de fe rro .

260 A Hollanda

Construccão s emi - urbana, s em i - rus t ica, no moderno styl o ingl ez .,

AO re z do chão O vest íbulo ; o escriptorio e b ib l i o the ca um lado º

o sal ão de mus i ca do lado opposto , commun icando com uma es tufa '

a casa de j antar, a casa do b i l har , a sala de t rabal h o da sua mulher,a sala de e s tudo das suas nlhas, t endo cada um d

ºestes doi s aposen

t os o appenso de um p equeno jard im de in vernp. No andar corr ido sob re o pav imen to do rez d o chão os quart os de dormi r . Magn íhcos ta

p etes ao l ongo de todas as casas , grandes janel las mett endo luz e Hô

re s de t odos os lados . Cosinha no sub - so l o,e c oche iras ao fundo do

jard im .

Como v ê—di z ia-me o sr.W .—é uma disposicão bas tan te accom

modada a vi da faci l e dai- lhe o mode lo de todas as novas edifi cacõesde Arnh em

,hab itadas em sua grande maioria por commercian tes qu e

descan cam ,como me succ ed e a mim . A de sordem d

ºesta mudanca e o

t rabal ho da minha installacão aqui t eem—me i nqu ietado mu i t o . A minhamulhe r

,hab ituada des de a i nfancia a v iver s empre na mesma casa, ar

ranjada e qui e ta, adoeceu de olhar para os s eus imove i s em confus ão .

Teve de vi r o med ico , que a anda t ratando da mudança de casa, c omode uma v erdadei ra mol es t ia n ervosa

,por me io do e ther e do b romu

reto de potas s i o .

—E não rec e ia agora enfas t iar - se um pouco com o exces s i vo so

c ego que o e sp e ra na monoton ia de mezes , de anuos successivos, s emoccupaç ao, sem trabal ho ?

Oh ! não . Em prime iro logar t enho de ir uma vez por s emanaao meu escriptorio de Amste rdam ,

d i ri gido agora p e lo meu soc io . De

p oi s te nho toda a minha educac ão de espírito para re começar ; t enhov in t e anuos de cur io s idades in tellectuaes que sat i sfaze r . Imagin e queha mai s de quinze anuos que eu não punha as mãos nªum p iano !Beethoven i nt e iro e todo Mozart para rep e t i r do meu vagar

,saboreando ,

e t odo ess e mont ão de musica moderna que ahi e stá para d ecifrar !Tenho que re l er t odos os meus c las s i c os , que não torn e i a abri r depo i s

que sah i do col l egi o , e e s tou no mai s v ergonhoso at raso com relacão

a t oda a lit teratura moderna. Calcul e que desde as Conlemplagões de

262 A Hollanda

cucão,a queda para o des envolvimen to da idea pe la imagem

,para a

gest icu lacão da palavra . A s s im ,ao v irmos da gare , como o seu eo

ch e i ro sofreava o caval l o com sacões ex ce s s iv os , e l l e , depoi s de lhªohav e r obs ervado , di ss e—me

Es te rapaz tem o mau co s tum e frísão de puxar as gu ias do meucaval l o como quem puxa a campainha n

'

znna casa sem g ente .

E com um . sorr i so ben evol o , pousando - me no j o e l ho a palma damão

,pare c ia s i gn ifi car -me qu e era tão capaz como qual qu er outro de

en t ender os meus hispanho lismos,ao c on t rar io do seu patrício Scal i

ge ro, que d izia dos bi scai nhos : Consta que el l e s en tendem o que d i

z em uns aos outros,mas eu não o c re io . »

Ao almoco em famil ia doi s un i co s prato s abundante s , saudav e i s ,de l icados : um gran de salm ão fre sc o , fr io , c om mô lho de r emoulade,um grande pas te l de tordos e uma en orm e taca de crystal acuculadade fructa magn ifi ca, pecegos , peras e uvas , e vinho de Johann i sbergem an tigo s copos p rec iosos da Bohemia, de pé s rendi lhados , al to s , linos e l e v e s como azas de abe lhas .

A mesa, nao ja s erv ida por uma risonha flamenga de touca de

av en tal b ranco , c omo nos p equenos menages d e Amst erdam , mas por

um c riado em toilette, Madame W . , v e st ida de ch ita, sem uma un icaj oia, e as suas tres fi lhas

,a mai s ve lha de de z eseis annos

,as duas mai s

n ovas de s e i s a oi to,s en tadas de cada lado da sua mestra allemã,— to

das t re s , i n c luindo a mai s v e lha, de ve st i do cur to e avental de jard im ,

0 cab el l o l o i ro em duas grande s trancas p enden te s , pre sas p or um lacode fi ta cô r de rosa . 0 h lho

,de quatorze annos

,achava - se aus ent e em

um col l egi o de Berl i n .

Fal l ou - se de al gun s am igos communs de Amste rdam,ac e rca dos

quae s eu p ed i a opin ião do sr . WV . para o fim de re ct ifi car as m inhasimpresso es por me io da crítica hollandez a s obr e a soc i edade hollande z a.

A re sp e i t o de um dos nos sos conhec i dos di s se -me e l l e :—C0me dep res sa de mai s á mesa

,anda esb andalhado , gest icu la

mui to e não sabe e s tar qui e to,di re i t o e calado s em es tar con s t rangido ;

emãm não e' um g entleman .

As Casas . e os Individuos 263

A s t re s m en inas , grave s , s i l enc iosas , com os ol hos no prat o , pare c ia não e scutarem o que s e d izia

,e j ul gue i que não en t ende s s em o

francez,quando o pae, prec i sando do si gn ifi cado de uma palavra ho l

landez a, o p ergun tou amai s n ova . El la re spondeu , corando muit o , quenão sabia.

—Adm iro , di s s e o s r . WC, a men ina ai nda não fe z set e anuo s ;j ul gue i que não t eria t i do tempo de se e squece r como eu .

Mas , depoi s do almoco,mai s familiarisados, conv ersan do todos

jun tos, a menina i nqu i ri da amesa dis s e '

—A palavra que me p ed i s t e ha pouco n ão é insecte, c omo dizias ,é hanneton .

A s impl ic idade , a mode s tia, a al ta dist inccão dºestas men inas lev ou—me a i n t errogar seu pae acerca de al gumas circumstancias que me

haviam impre s s ionado na educacão hollandez a .

Notára, por e xemp l o , que t odos os meninos d es de os dez annos

fumam na rua como os homen s . Notara tambem que todas as me

n inas de Amsterdam—todas s em excepcão—andavam sós ao ir e ao

vir da e scola ; e t i v e occasião de ob s e rvar al guns dos i n conven i en t e sadstrictos a e st e cos tume . O gaiat o d e Amst erdam ,

p el o qual ha nos

hab i to s e na tradícão uma complac en c ia que os ho llandez es folgam dec i tar como um dos t e s temunhos do s eu re sp e i to p ela egualdade das

condicões e p elas regal ias do p ovo , e o mai s t e rrí ve l gaiat o de todo omundo . O peior gravoclze de P aris é um cherubim de proc i s s ão de aldeia, c omparado com qual quer dªestes j o ven s p l ebeus do Dam, on deas portas do palac i o real l hes es t ão constant emen te abertas e em cuj o

peristyllo j ogam as bolas e o ei x o com a mesma famil iari dade com

que o far iam nas suas casas . Ha festas publ i cas em que e l l e s t eem umlogar de honra como expre s s ão symb olíca da i nd ep endenc ia popular .Se o mordomo—mor da casa real se l emb ras s e um dia de l h e s p roh ib i ro u sufrut o do vest íbulo e das an te - camaras do palac io do Dam, haveria uma revolucão n a c i dade . Eu mesmo segui um dia em Kalvers

traat, desd e o pr inc ip io até o fim da rua

,um rapaz que succ ess iva

men te fo i pondo a mão na cara d e t odas as s e nhoras por quem passou.

264 A Hollanda

P e rgunte i,p oi s

,ao s r . W . se as suas fi lhas iam tambem só s para

a e s co la em Amsterdam e se o seu fi l ho fumava .

Ao pr imei ro dºestes ques it os e l l e respondeu :— P erfe i tamente . A s m inhas fil has não con s t i tu em singular idade

em c oi sa al g uma, e andam sós c omo todas as ou t ras . É um vel ho usotradic i onal , fó ra de di s cu ssão , é uma c onqu ista de egualdade fe i ta pe l op ov o sob re as d emai s c las—s e s sociaes. Todo o hab i tante d e Amsterdamse j u lga obri gado a dar aos seu s conc idadãos e s sa prova de confi ancana prob idad e nac ional, no re sp e i to de todos p e la i nv iolab il idade pe ss oal d e cada um . Se al gum pae, por t emo r do que podes s e succeder

na rua á sua fi lha, procurass e sal vaguardai - a de uma offen sa do publ i co

por meio da c ompanhia de um c riado,a c idade in t ei ra se j u l gar ia ul

trajada, e o indivíduo que tal fi zes s e se ria unan imemente con s i deradoréu de um at ten tado imperdoav el, de desconfianca i nfamante , c on trao pundono r nac ional , c ont ra a dign idade pub l ica .

Mui to b em— rep li qu e i eu—somen te , c omo os gaiat os dºAms

terdam abusam dºessa confian ca deposi tada no pub l i co , cre io que á au

ctorídade cumpri ria ve lar p e la in t egri dade dºesse d epos i to sagrado , convin do tal ve z e s tab e l ec e r uma po lícia de p rotecção ds creanças , as s imc omo ha em New-York uma po lícia de p rotecção a

'

s senhoras , punindoos qu e l he s fal tam ao re spe i t o como se punem os

'

que degradam osmonumentos p_

ub licos .

Notou en t ão que e l l e s n os fal t em ao resp e i t o? P ergun tou—me o

s r . W . com os o lhos arregalados de surprez a .

E , c omo eu con tas s e o caso ab servado po r mim em Kal v e rstraat ,e l l e , re s tabe l ec ido do seu e span to :

—Ah l sim . Nó s ou tros a i s so não chamamosfalta de respeilo,

chamamos ma' creacão . O ra comprehende quanto se ria tumul tuariosubme tter ás at tribuicões da políc ia os fac to s da educacão ! De re st o—como te rá t ido occasião de vêr—o publ ico pol i cia- se geralment e a

si mesmo em toda a Hol landa e todas as nos sas tendenc ias com re lacão aos pod ere s policiaes são para os reduzir , de modo al gum para osampl iar .

266 A Hollanda

forma um ob sequ io,notou um cr í t ic o , pe s s im i sta mas sagaz , que a

maio r part e dos indivíduos q ue gas tam uma l i b ra para nos dar um jantar não di sp enderiam um vin t em , l ogo que l h e s saimos da porta parafôra, para que e ss e jan tar não nos produza uma i nd iges tão . A famil iaW . collocou - s e para mim ao abri go de tal hypoth e se . Na occasião

em que me de sp ed iam , no al t o da es cada por que se desc e ao jard im ,

Mme . W . notou que eu e s tava pouco agasalhado para v iajar d e no it e ,e uma das suas fi l has , i n do a corre r bus car um p laid, v e iu traze l - o ácarroagem em que o seu hosp ede de al gumas horas

,e vindo de tão

l onge,part ia para não vol tar .

Era ao cai r da tard e , em fin s de s e tembro , quando o tão brev ee st io dos c l imas do nort e princ ip ia a empallidecer na melancolia ou to

nal . P or e n tre os esp es so s arvored os ch i l reados de passaro s o meu

t rem roda surdamen te e suavemen te , como nas ruas areadas d e umjard im . Ao l ongo das umbrosas aven idas de Arnhem ,

c lareando de es

paco a e spaco em riden tes en tradas de casas d e campo afofadas emfiore s como aquel la que eu dei x ei

,apenas de quando em quando me

encon tro com um largo landau pass ean do l en tament e uma famil ia,grupos de creancas b em ves ti das acompanhadas da sua al ta gov ernantede chapéu de pal ha e v e

'

u verde,e algumas m eninas que vol tam da

mat ta com os seu s c es t o s de t rabal h o che ios de fe tos e de flore s docampo az ues e amarellas .

Nem o mai s l e v e ind íc io da pompa espec taculosa e do lu xo rui

doso q ue de ord inar io denuncia os l ogare s hab i tados pe l o s enriquec idos de fres co .

Nenhum tambem dº

esses carac te rí s ti c os e con tristan tes mago tes

de negoc ian te s apos entados e n ostalgicos que , p or não t e rem mai s quefaze r depoi s de t er em fe i to e consol i dado as suas fortunas

,prec i sam

ain da d e se reuni r, como na bol sa, para c on t inuar a fal lar dos p recoscorrent e s , das co tacões dos fundos e das fortunas dos out ros .

P e los asp ec to s e x terior es da e x i s t e ncia dos seus hab itante s,em

grande par te nababos r iqu ís s imos , prov en i en tes dos bal cõ es de Rotte rdam

,dºAmsterdam

,da Java, de Sumat ra ou de Borneo

, Arnhem pa

As Casas e os Indivíduos 26 7

rece ante s um recolhimento ari s toc rat ic o de homens de côrte ou de homens de se l euc ia, como se en con tram em J e rusal em ,

no Mon te Cass ino

,ou duran te o i n v e rno , l on ge do bul íc i o das gran de s c i dade s e da

in triga das ci dade s pequenas , c omo hospede s , desc onhec i dos , indífferen te s un s aos outros , re temperando - se , descancando ou conval e sc endo ,nas tranqui l las estacões de e s trange i ros , nos t epidos jard in s solheirosdo l i t toral m ed i t e rran eo ,—em Canne s

,em Nice , em Monac o ou em

Sanremo .

Sou obrigado a c i tar fac tos . N ão me j ul go compet ent e para emi tt ir op in i õe s

,tanto mai s quanto os fac tos ob se rvados po r mim es tão

em contradícão com a mai o ria dos j u í zos fe i tos .

Diz—s e ge ralment e que o hollandez é egoísta, de sconfi ado , incommunicavel, emparedado na sua casa e no seu in t ere ss e

,rot ine i ro

,in

s ol ent e e avaro . O v iajan te ingl ez W i l l iam Templ e procurou re sumi ra impres s ão geral da Hol landa sobre o e sp i ri to dos

'

estrangeiros, na

s e gu in te phras e«A Hol landa é um pai z em que o carac t e r nac ional i n sp i ra mai s

r e sp e i t o do que affeicão . »

Eu , doi s dias depoi s de ter chegado a Hol landa, p e rd i—me nas

ruas de Amsterdam . Não tendo com igo uma carta topographica, e

não desc obrindo nenhum dos pon to s d e relacão que conhec ia para me

orien tar, e screv i a lap i s na minha cart e i ra 0 nome da rua a qu e medir igia e i n te rrogue i

,most rando es s e n ome

, a prime i ra pe ssoa que en

con trei. Era uma ve l ha mulher do p ovo, de s e ss en ta a s e ten ta anuos ,al ta, s ecca, de enorme s tamanco s , grand e t ouca branca e aven tal , umchalinho de tre s p on tas

,de mal ha de l ã côr de p inhão , e nc ruzado no

pe i to , l ongos bracos magros e nu s , l evando uma creanca p ela mão . A

minha pergunta a sua physionomia enrugada, aus te ra, carrancuda, illuminou - s e repen tinament e de bon dade ; a sua grand e bocca desdentada espiritualisou

- s e nªum sorri so ; e os s eu s o lho s az ues, fi tando -me,

e ram de uma transparencia profunda até á alma . Fez—me um di scurso ,de que natu ralm ent e não en tend i nada, mas deduzi dos seu s ge s to s

que era para a di re i ta e n ão para a e sque rda que devia tomar, e i s s o

268 A Hollanda

me bas tava . El la en trou u l uma pon te ; eu tome i a di re ccao oppos ta e

p en e tre i na prim e i ra rua a e squerda ; mas a t rin ta ou quaren ta passos ,um ruído de taman cos at raz de mim , e uma mão que me sugura pel ohombro . É a grande ve l ha magra

, que t endo—me vi st o entrar na p rim ei ra rua em vez de ent rar na segunda, p egou no seu pequeno ao

c o l l o para p od er c orre r mai s d epre s sa at raz de mim,e vem dar-me

n ovas exp l i caçõ es . Temendo porém q ue eu a não en tenda melhor agora que da primei ra vez , pega- me p or uma mão , dá a ou t ra mão ao

p equeno , e caminhando as s im todos tre s,l e va—me triumphan te até a

emb occadura da rua que eu deveria s egu i r . Abri a minha bol sa e of

fereci- lhe d inh e iro . Não qui z . Esp ere i en tão a es qu ina da rua que e l lase fos se emb ora. V i—a s eguir o canal

,at rave ssar a ponte em que ia

en trar quando eu a int errogue i,e da outra banda

,vol tando - se para

t raz,ol har para mim e d ize r- me adeus com a mão .

A figura dºesta mulher ficou—m e de memoria. Em quan to a não

e squec e r eu b lasphemaria se conco rdass e com W i l l iam Templ e em

que o caract er do povo a que e s ta mulhe r p e rt en ce se nos nao impo e ,

prime i ro que tudo , p e la sympathia .

Durante o mez d e se t embro habi te i, al ugado n

ªuma casa particu

lar, um quar to devo luto por um estudan te em ferias . Na agenc ia em

que trat e i e s t e n egoc i o,di s s e ram -me que não hav ia creancas no pred io .

Ao s egundo dia eu hav ia porém descobe rto que os donos da casat i n ham tre s fi lhas , de tre s a s e i s anuos de edade , e que d e manhã cedohavia t odo um drama dome s t ico para as mandar para o Jardim de in

fancia , s em que e l las me acordass em com a sua bu lha . Nem o maridon em a mulher comprehendiam as líng uas que eu conh eco . De que

modo faze r - l h es c on s tar que gosto de creancas,e que as suas r i sadas

mat inaes me fazem ac ordar de b om humor e l e vantar - me

Tome i o s egu in t e exp ed i en t e : c omp re i tres bonecas graduadas em ta

manho p elas edade s da t re s men inas,e ao reco lh er - me á no i t e , com

uma chave da porta que me t inham dado,estando toda a família a

dormi r, fui em bi cos de pés pôr no corredor,a porta do quarto que

suppuz ser o das crean ç as, as t re s bonecas , acompanhadas do meu

270 A Hollanda

as mesmas t res pedras me parec iam já uma ruína para os meus hos

pedeiros, compre i eu mesmo nºuma mercearia um k i l o de p edras de

as sucar n ªum sacco de pap e l,e e sc ond i es te corpo de de l i c to da minha

gul od ic e n ºuma p rate l e i ra do armar i o , no me io das minhas camisas . Ahora do almoco , depoi s d e me porem a bande j a na mesa redonda - n ovão de uma das j ane l las

,fe chava—me por den tro , ia as camisas e tem

p erava-me de as sucar á red ea so l ta, u l uma verdadei ra bacchanal entre m im e chal e i ra.

Uma noi t e,ao r e col her -me, acc endendo com um phosphoro um

dos can delab ros da chaminé , que hei de eu O sac co do as s ucar ! o sacc o do as sucar j á em menos de meio , e que eu me e squec e rade e s con de r, como de cos tume , nºessa manhã !

No dia s egui n t e ao l e vantar o guardanapo que c ob ria o tabol e i rodo almoco

,t i ve o present imen to de que ia v êr al guma co isa t e rr i v e l .

Effectivamen te ! a pequena bande ja de prata do c os tume hav ia. s idosub stituída por uma bande ja mai or

,do tamanho de um prato , e den «

tro dª

ella, em vez de tre s p ed ras de as s ucar , c i nco !Imagin e - se que emb acadella para mim !Econom ico

,o hollandez e

'

- o com effeito . É - o como n enhum outropo vo , po rque em nenhuma outra part e o caract e r do habi tant e adheret ão e s tre i tament e como aqui a nat ureza do sol o , e em nenhuma outrapart e a s imp l e s manu tencão da t e rra occupada cus ta mi lh õe s por annocomo n

ºeste pai z alagadíco , c ob erto das mai s d isp end iosas obras de

engenhar ia.

A casa é excepc ionalm ente cara c omo a te rra. Em Amste rdam ,

por exemp lo,o trabal ho das e s tacas que s erv em de al i c e rc es , faz com

que cada pred i o cus t e tão caro da s o l e i ra da porta para bai x o , comoda pon ta do t e lhado ate

'

a so l e i ra da por ta.

Tudo i sto obriga part ic ularmen te e irrem issivelmen te a ser pre

v ident e e a s e r poupado,fazendo da econ omia não s ó uma vi r tude

domest i ca mas uma n ece s s idade nac i onal .Ninguem de sp ende um sol do mal gas to . Ninguem di s s ipa .

A ordem econom i ca do menag e ede um rigor inexcedível. A dona,

As Casas e os Individuos 27 1

da casa n ão abandona um momento o mol h o das suas chave s . El lamesma, na presen ca das suas v i s i tas, ab re o armari o do aparador nasala de jan tar, ti ra o chá para o bul e , o as s ucar e a cai xa dos b isco ide Deven te r, e depoi s da sob reme sa t orna a fechar a compota, o v inho q ue sobrou , e e l la prop ria lava a sua porc e l lana an ti ga do Japãoe os s eu s crystaes da Bohemia .

O s cr iados n ão t e em nunca acc es so na desp en sa ou na adega, etud o se l h e s fornec e por con ta, as p rop rias batatas , o pão de cada dia,q ue rec ebem em ração , nºum mont e de fat ias ent remeadas de que i j o ,de pão n egro e de pão b ranco .

Em nenhuma out ra part e tem s i do e s tudada c omo aqui a que st ãodas pequenas p e rdas accumuladas por ínin telligencia ou por d e s le i xonas grand es in dus trias , dando em r e su l tado e l e var o pre ço do producto , pre j udi can do

'

as emprez as e o publ ico,sem dar prov ei t o algum aos

op erar io s . Foi aqui que o porteiro de uma ourive sar ia,—notando que

t odas as p recauçõe s tomadas na Offic ina não poderiam tal v ez obs tara que uma porção de l imal ha

,trazida n o v e s t ido ou no cal cado dos

ope rarios , não v i es s e cahir na e scada, —c omeçou a que imar systematicamen te as varreduras de cada dia

,j un tando por tal syst ema uma

bel la barra de prata e uma barra de oi ro .

O est ud o de st e grave assumpto , do qual frequen t emen te depende

que na p rat i ca da mesma i ndus t ria un s prosp e ram e out ros se arrn inam

,deu assumpto a um in t ere s san t e l ivro e sc rip to p e l o s r . V an Mar

ken,di re ctor de uma distillaria hollande z a.

Notando infiuencía do fac tor - t rabal ho sob re a quan t idade e a

qual i dade dos p roducto s ob t idos p e la un idade de p e so das mat e r iasprimas , o s r . V an Marken re sol ve o prob l ema otl

'

erecendo aos s eu sope rarios uma pe rcen tagem , d i s t ribui da s emanalmen te a cada um ,

p el orend imen to em l e vadura e em alc oo l superi o r aproduccão med ia an

teriormen te ob ti da s obre egual quant i dade de mat e rias pr imas .

O re sul tado dºesta proposta, sob re os cui dados empregados naeconomia da fabri ca pe l o s ope rarios

, até ahi i nd iffe ren t e s ao l uc ro dopat rão , foi que, quatro anit os dep o i s , a percen tagem alludida dava aos

2 72 A Hollanda

ope rar ios um lucro de não menos de 30 por 1 00 sob re o salari o decada um , e c orresp ondia a um luc ro anal ogo para o capi tal empregadono fabri c o .

N e st e m esmo l iv ro o sr . V an Marken expõe as razões q ue o levaram a es tabe l ec e r a cai xa de soccorros e o montep i o dos s eus cmp regados

,não s ob re uma deduccão fe ita nos salar io s mas sob re uma

perc en tagem imposta aos j uro s do capi tal empregado . «Aquelle que de

s e ja pe rmane cer ao meu s e rvi co , nao dev e ser para i s s o infiuido pe lacon s i deração de que a sua par t ida lhe faria perder o fructo do t empocon sumido na minha casa. P ela minha part e não quero tão pouco ser

coarc tado na l ib erdade quei

me as s i s t e de de sp ed ir quem quer que se j ap e la cons ide ração de que devo ap ie dar—m e de um trabal hador que pore s se modo se veria pri vado da s egurança do futuro q ue se lhe achavagarant i do p e l os anuos de se rvi co até e ss e momen to decorrid o s . Nomeu proiecto de regulamen to a indep enden c ia é compl e ta

,j á para o

Operar io,j á para o patrão . »

O caso do s r . V an Marlten daa medida p erfei ta do e sp í ri t o eco

horn i c o da Hol landa applicado a in dus tr ia .

Extremamente p ersp i caz,refiectido

,pers everan te no e s tudo e na

reso lução de tod os os prob l emas de e conomia dome s tica e de e conomiapub l i ca

,o hollandez e da mai s s ingular indifferen ç a para com as for

mas pol í ti cas .

Tendo so l i damen te implantadas e indestructivelmen te defend idas as suas au tonomias e as suas l ib erdades municipaes, não p re s tamai s que uma l eve att encao supe rfi c ial , de quarta ordem ,

a en t ida

de chamada governo . P e lo fac to de não lhe ped ir sen ão mui t o pouca co i sa

,e l l e confere ao Estado o dire i to pl en o de não lh e dar quas i

nada.

A política i n t e ri or, cuj o in tere s s e e cu ja funcção predominant e é0 regimen das aguas , e s tá , por e ss e m esmo fac to , nas mãos de prohssionaes e , c onst i tue , para ass im dize r

, uma corporação t echn i ca presidindo em nome da nação aos i nt ere s s es collec t ívos do povo .

O poder do governo , p erfe i tam en te delimi tado nas suas devidas

274 A Hollanda

terior s en ão uma v erdade i ra republ ica, e t odo o hollandez é harmon icamen te o que é Hol landa .

Entre as proprias c las s e s op e rarías o moderno mov im en to soc ial i s ta

,ç ommunícado da França ou da Allemanha e habi lm ente d irigi do

na Hol lan da ,s egundo me dizem

,p el o sr . Domela N'

íeuwenhius, naocon segue excitar pai xõe s de carac ter p o l í t i co . A sra. Lui za Miche l“ pass ou en tr e a mai s compl e ta indifªferen ç a pub l ica na sua r e cen te viagemrevol uc i ona' r ía, d e meeting em meeting , atrave z da Neerlandia . Comosys tema d e ec onomia pub l i ca cre io que em nenhuma ou tra part e o

soc ial i smo en trará tão depres sa como aqui na comprehensão geral . Ore gimen das aguas e' o phenomeno mai s propr io para e xemp l ificar e s sesys t ema .

Em nenhum outro pai z e s tá mai s diffundído o sys t ema de as

sociaç ão . Todos os t rabalhadore s hollandez es se acham assoc iados ;mas es tas corporaçõe s op erar ias t e em fi ns t echn icos ou fin s d e ass i st encia mutua, e n ão fins pol í ti cos . Todas as greves fe i tas até ho je s ete em r esolv ido rap idamen t e e pac ifi camen te .

A ar i s t oc rac ia de sangue , a an tiga nobre za de e spada, não tem

preponderanc ia nem e x erce infiuen ç ia al guma na op ini ao ou no e sp ir i t o do pai z . Con sta de um pequeno numero de famílias grupadas em

t orn o do t rad ic ional p re s t i gi o dos Nas saus , e c on ten ta—se em não t e rfe it o fal lar de si de sd e que morreu no seu quarto de rapaz na rua Au

b er em P aris 0 mallogrado prí nc ip e he rde iro , o sympathico Citron ,que p refe riu o boulevard de que morreu ao throno dos seus an tepassados .

Em vida do prínc ip e primogen i to al guns j ov en s fi dal go s seus ç om

panheiros eram v i st os al gumas v eze s fora dªhoras nas ruas da Haya,que não raramen te amot inavam com patu s cadas noc turnas .

O he rd e i ro sobrev ivent e,o príncipe A l exandre , uma e sp ec i e de

Haml et , scismador, doen t e , odiava as mulhere s,os p raze re s “ru ido

sos,as convivencias mundanas ; vi v ia s ó , sob re os s eus livros e as

s uas rev is tas,e s t i rado nªum fauteuil, as pe rnas envol tas nªum p laid,

fechado n ªum quar to , rodeado de papagai os e de .catatuas

As Casas e os Individuos 27 5

Desgregados uns dos outros p or fal ta de um cen tro de ç onnexãoheraldíca, depoi s da morte do príncip e p rimogen i to e do re col h iment odeânitivo do rei na i n t im idade con j ugal em s egui da ás suas s egundasnupcias com a rai nha Emma, os j oven s fidalgos desappareceram quas iint e i ramente da convi ven c ia e das v i s tas do pub l i co .

Um symptoma carac t erí s t i co do s en timen to de egualdade soc ial e'

0 asp ec to ge ral do povo nas gran des reun iõ e s em q ue e l l e c oncorrecom as demai s c lass e s vulgarmente chamadas superi ore s .

Est ive um dia no palac i o da expos iç ão em Amsterdam emquan to

o rei, a rainha e al gumas p e ssoas da côrte , em c ompanh ia do bur

gomestre da c i dade , do commi s sari o da expos i ç ão hollandez a e de al

guns commissaríos e s t range i ros , v i s i tavam as galerias. Ao l ongo detoda a grande nave c en tral , nos sofas c ircu lare s de flacidas molas ,cober tos de magnifi co ve l l udo de Utre cht e abri gados como d ebai x ode um guarda—sol p e la ramagem de sobe rbas p lantas tropicaes p lantadas em grandes vasos d e ve l ho bronze japon ez , trabal hadores doscampos ç ircumvisinhos, op e rario s das fab ri cas amsterdamenses

,ma

rinheiros em folga—to dos em toilette de gala,casaco pre to , l en ço de

s eda preta ao'

pescoç o , c hapeu al to , argola de oi ro na ore lha—rep ousavam lunchando desceremOniosain en te em fami l ia com as suas mulh eres . Ci rcu lavam entre os mai s abastados as sandwi ch s e as garrafasde c erve ja, ent re os mai s p obre s , o pao s impl es e uma garrafa d ºaguat razida de casa na al gi be ira ou n

ºum sacco . Toda e sta gent e

,apode

rada dos melhore s l ogares , era compl e ta e ab solu tamen te indifi'

eren te

ao aspec to hierarç híco das pes soas q ue t ran s i tavam em t orno . Nem

os e sbe lt os ofiiç iaes be lgas e allemães,em grande un iforme de pa

rada,fazen do t i l i n tar marcialmen te os sabres p or c ima do s tap e te s ;

nem as l indas touristes da Inglate rra e dos Estados - Un id os, nas de

liciosas toilettes com que vinham de desce r 0 Rhen o em viagem de

prazer ; nem os veneraveis rep res e ntan te s da German ia douta, de ocul os de o iro , nar ize s abatatados e verm el hos

,cab el lo s até os hom

bros e collarinhos suados de verde ; nem os grandes da côrt e , nema rainha, de ves t i do branco , um pouco boulotte , r isonha, affavel; n em

l 8 àt=

276 A Hollanda

o soberan o , al to , robusto , marc ial , t razendo desempenadamen te o

p eso dos s eus s e ten ta anuos de edade,desb arretando - se automati

camen te para a dire i ta e para a e s querda, con seguiam demove r doseu invejavel s oc ego a gen te fe l i z que desfruc tava n os di vans da hos

pitalidade i n t ernac i onal o seu dia de r epouso e 0 seu me i o fiorim d een trada !

O s bon s homens , sad io s , gordos , b em s entados em cheio, de cab eça al ta, as p ernas abertas , o lhavam consoladamen te, de boccas che ias ,mas cando . Doi s j ovens frisões , um rapaz e uma rapar iga, vin t e

'

an

nos cada um,noivavam ali mesmo

,comp l e tamen t e abst raí dos de tudo

0 mai s , os d edos en t re laçados , os olho s fitos de'

um no out ro, immo

v e i s , commov idos, magne tisados de te rnura . Gordas mães de famí l ia

mansas e se renas, com as mãos cr uzadas s obre os estomago'

s, degeriam com beati tud e . Velhas avós acar inhavam o s e u p equeno n eto

,

faziam - lhe as

'

honras da festa, des cal çando - lhe as botas,e st i cando - lhe

as meias , t ornan do a

i

atacar—lhe as botas,dan do—lhe de um embrulho

fat ias d e pão com man te iga .

E tudo i s to se fazia sem o minimo in tui t o de fal tar ao re sp e i to oua cons id e ração que os outros m erec em

,mas por mera con v 1 ç ç a0 1nge

nua, amavel mesm o , d e que o meio fiorim dlelles e

' garan ti dament etão b om como o de qual quer ou tro

, e que até sua magestade el- reí t o

maria por d esfe i ta que , s ó por o v e rem ,e l l e s d e i tas s em a fugi r de um

bom sofa que ali poz eram para e l l e s s e s en tarem, e em q ue e l l e s s e

acham bem .

A noi te t om e i a v êr e s te s mesmos su j e i to s ou outro s eguaes, nos

p romenoirs do Eden - Theatr e,nos cafés - conce rtos

,ou a c ear n o jard im

de Kranapolsky ; e em t odos es te s s i t i o s,t ão in different e s aoutra gen t e

e tão con t en t e s em si mesmos como se se achas s em nas suas propriascasas, c omo entre nós se diz ; porque para nós , os ri cos theatros e os

cafés de lux o são uni cament e as casas dos outros .

Met tam o dinhe i ro que quize rem na al gib e i ra de um lavrador minhoto, e p onham—o em Li sboa com obrigação de 0 gas tar

, a ver se

mesmo as s im elle'

se atr eve a t omar uma cadei ra em'

S. Carlos para

278 A Hollanda

horas da n oi te o c oche iro des engatou os cavallose foi com e l l e s paracasa . Ás dez e me ia 0 publ i co ap eou e foi- se de i tar .

Ninguem t inha ido ao theat ro , mas tambem ninguem s e t inha deixado torce r . O s passage i ro s p e rd iam uma noi te de esp ec tacu l o , mas a

empreza dos omn ibus,pe rdendo egualmen t e uma n o it e d e l ucros

,apren

dia á"

sua cus ta a ser co rrecta nas suas relaçõ e s com os habi tan tes deAmsterdam .

Nas grandes occasiões o hollandez p erd e a v ida com a mesmafi rmeza e com a mesma s imp l ic i dade com qu e perd eu o e sp e ctacul od e s sa no i t e . N e ss e s cas o s a t e ima t oma o carac ter de hero í smo , e parat e r ex empl os dºessa fria coragem e

' e s cu sado recuar at é ás gue rras me

moraveis do s ecul o xv i e do s ecul o xv 1 1 . A pureza da raç a e aindahoj e á mesma

,porqu e a bravura hollandez a ex erc e - se em cada d ia na

e sco la permanen t e da l u ta com o mar. A inda em 1 835 nªum recon trocom a; e squadra b e lga, o j o v en ofiicial V an Speilt , commandante deum p equeno navi o , in t imado a render—se

,respondeu não; e para man

ter i l l e sa a sua palavra'

e impolluto 0 seu pavi l h ão, de i t ou fogo ao

pai o l e foi com a embarcação pe l os are s .

Rot in e i ro e' tambem o hollandez ,4 ro tineiro das suas tradiçõe s ,

dos s eus c os tumes,dos seu s princípios ; e é e s sa a grand e bas e da sua

forca cohesiva c omo nação , e da sua ori ginal i dade como p ovo .

Aos domingos de tard e em Amst e rdam e em Rot t e rdam encont ram - se a pas s ear em V ondelspark ou em D ie rgaarde ve lhos burguez es que u sam ai nda ho j e as suas gravatas

, os s eu s c ol l e te s e as suass obr ecasacas de 1 830 ou de 1 840, de panno côr de p inhão , s emelhan teao nos so an ti go pa '

z no de varas , com al tas gol las de v e l l udo até anuca .

Grande numero de ri c os banqu e iros ve s tem - se i nvar iave lmen te depre to

,u sam suissas em forma de costelletas

,sem b igode

,e quando vão

com as s uas famí l ias ao campo,mandam um cai x e i ro esperal

- os com

um chapéu de pal ha fora da c i dade,a Em

'

de não s erem v i s tos s em cha

peu al to den tro d e um certo rai o do c en tro do commerc io , na zona daBol sa.

O utros porem , em iden t icas condi çõ es de r i qu eza e d e re spe i ta

As Casas e os Indivíduos 2 79

b i l i dade,ve s tem - s e l i ge i ramen te e á moda

,t razem b igode , usam fato s

c omp l e tos de quadrados escoç ez es,ou cô r de mostarda

,e vão á Bol sa

de chapéu c ôco e gravata encarnada .

P or c oi sa n enhuma do mundo o bo rguez de bigod e se ve s t i ria dep re to e poria o chapéu tubo do burguez de suissas ; por co isa n enhumao b urguez de suissas c on s en ti ria em põr ao pesc oco uma gravata s emelhan te a do b urgue z de b igode .

O uvi a al gun s dºelles a expl i caç ão dºisto . E que a man e ira de v e st i r

,d e usar a barba

,de pent ear o cabe l l o ,

-

de empunhar a bengala, oude sob raçar o chapéu de chuva con st i tue para cada indivíduo uma par t ei n tegrante da sua pe rsonal i dade , um c ompl emen to da sua expr es s ão decarac t er

,e en tre hollandez es at tenuar a i n div i dual i dad e por fraqueza

p eran te a corren t e da opini ão dos out ros , c ed er um ap ic e da i nt eg ridad e das id eias

,das c onv i c çõe s , dos p r inc i p i o s—ainda quando i s t o s e

n ão man ifes te s enão d o modo mai s t enue , na apparencia mai s superfic ial , pe l o nó da gravata ou pela c ôr das l uvas

,— e s sa oscillaç ão de in

t eirez a, e s s e vago in díc i o de pusillanimídade con s i dera- s e um descre

d ito e uma deshon ra.

P or tal moti vo,na Hol landa

, uma quan t i dade de «caturras » comose não encon tra em n enhuma out ra parte . O ra o caturra é no organ ismo soc ial o muscu l o de mai s en ergia e demai s r e si s tenc ia. O q ue

nó s chamamos um « caturra » e'

0 homem que tem uma conv i cção firmee inab alavel, olhado at rav ez do cri t er io dºaquelles que não te em conv icç ão nenhuma .

Nos costume s , os mesmos asp ec to s de pers i st enc ia qu e s e n otamnos ve s tuar ios .

Em Nimegue o s in o grande da t orre d e v i gia tange ainda t odas asno ite s c omo no s ecul o ix a ho ra de tapar o lume . A es s e dobre compas sado e l en to chamam os hab i tante s a oração de Carlos .Magno . Ha

poucos annos um novo burgomes tre d e esp iri t o reformador mandou porsua c onta supprimir e s sa ve l haria . A hora do cos tume o s de Nimeguenão ouv i n do o t oque do s ino ”

al voroçaram - s e : abriram - se as janel las ,abri ram - se as portas , os moradore s sahiram sobre sal tados arua, o bur

280 A Hollanda

gomest re foi con st rangido a ret i rar a ord em que dera; e o s in o da t orreda c i dade con t i nua c omo ha p ert o de mi l annos a bater no s i l enc i o dan oi t e a hora da resa de Carlos Magno .

No dia 30 de outub ro , ann ive rsar io da v i c t oria de Leyde , em quas it odas as c i dade s hollande z as os

,hab itan te s d i s t ribuem a quem a quer

acceítar uma s opa de l egume s , 0 hutspot , egual á con t ida na marm itaque um rapazinho de Leyde t roux e do acampamen to hispanhol em

que pen etrara, como p ro va de e star abandonado o as se dio .

Em Harl em,quando

'

uma habi tant e dá a l uz uma creanç a, ex i s t eai nda em al gumas casas o c os tume de lhe p endurar á porta uma ro

s e ta de rendas,cô r de rosa se 0 recemnasç ido é um rapaz

,côr de ro sa

e b ranca se e'

uma rapariga . E não ha muit o s ammos ainda que es t egrac i os o symb olo t ornava o pred io inte i rament e inviolavel, mesmo aac ção da j u s t ica e da lei. Nem o burgom estr e nem o j u i z t inham 0 di

re i to de bat e r sob qual qu er pre t ex to q ue fos se a e ssa por ta sagrada .

Nem a l e t ra venc ida, nem a c on ta para pagar, nem espec i e alguma ded ivida auctorísavam o c redor a pert urbar durante o espac o .de oi to d iaso asy lo d

ªaquella que dera aHol landa mai s um cidadão . Es te s pri v i

legíos desapparecerarri da lei, mas man teem - s e ai nda prat icamen te nosusos gerae s .

No tempo em que'

fiorescia em Leyde com o seu mai or e sp l endora r ica i ndus tr ia dos couro s , ho j e d es l ocada p ela fab ricação inglez a,um rep iqu e do s in o da e gre ja chamava os moradores á fe i ra dos cou

ro s em cada dia. P res en temen te o mercado acabou,mas o ant igo t e

p iqu e con t inua a acordar al egrement e a c i dade à s quat ro horas damanhã .

Sob 0 govern o feudal dos c on des da Hol lan da, havia um dia do

anno em que o povo de Harl em tinha o d i rei t o de cacar l i vremen tenas coutadas dos s enhore s . Ess e ann ive rsari o con t inua a ser ce l ebradona c idad e , cu j o s hab i tan te s , em commemoraç ão de tal fac to , se b an

que teíam largament e,em ce rto dia

,com um gu i sado de coel ho e he r

vilhas .

A sob erba e a arrogan cia das c lass es enrequicidas“

nas c i dades

282 A Hollanda

me bat e s s em . Melao p or m e lão,l evo—o eu ; mas bordoada por b or

doada, prehro dar um pataco a quem t enha por offic i o l eval—a po rm im .

A au sen c ia compl e ta de apparato e de pompa ex t er i or e s tá nasraí ze s me smas da soc i edad e hollandez a.

Em 1 608 , quan do os embai xadore s híspanhoes v i eram a um dadop on to dos suburb i os da Haya para assignarem 0 c el ebr e t ratado detregoas , v i ram desembarcar do canal al guns homens p obremen te v est i dos

,que se s en taram em ci rcu l o na re l va e almoçaram no chão , pão ,

presunto,que i j o e c e rv e ja, que t raziam n

ºum alforge . Ess e s homens

e ram os depu tados dos e s tado s hollande z es, que vinham negoc iarcom os embai xadore s cas te lhanos a paz sob e rba que t i nha de ser parat oda a Hispanha a c ert id ão dºessa queda profunda,

'da qual , ao cabode per to de t rezen tos anuos

, a P enínsula Iberi ca não con seguiu aindal e vantar - se .

No museu da Haya cons erva- s e o humild e ve s tuar io que usava nocumulo da grandeza e da gl or ia e q ue t inha em si na '

cccasião em que

o as sas s inaram Gui lhe rme o Tac i turno : uma camisa d e forte linho ca

s e i ro da Hol landa, furada por duas balas , um cal ção de panno grosso ,um just ilho de p e l le de

'

b ufalo e um chapéu fe l t ro de grande s abas .

A s casas do alm irant e Ruyte r e do p ens ionar i o João de W i t t ex i stem ainda e s ão da mai s expre s si va modest ia .

Ruyte r varria e l l e me smo o quarto que hab i tava em Amste rdame J oão d e W i t t não t inha s en ão um un ico criado .

A mulhe r de Rembrandt , a - be l la Sask ia van Uylenb ourg, ent endendo - se que u sava j o ias em demas ia, fo i advert ida p elas auctorídadesc omp e ten tes para que c es sas se de escandalisar pel o seu l ux o a gen t eh onrada de Amsterdam .

Rembrand t,no t empo da sua mai o r p ro sp eridade

,quando hab i

tava a casa que ho j e tem os numeros 2 e 3 em Joden Bre es t raat,pre d io

que comprára e em que reun i ra a p eso de oiro uma das mai s b el lascolleccões de art e que ai nda ex i s t i ram em poder de um par t icu lar , viviae l l e propri o t ão sob riamente como se nun ca houves s e saí do d o moinho

As Casas e os Indivíduos 83

pat erno,e e l l e mesmo conta que nunca almoçou mai s q ue um arenque

sal gado , um pouco de que i j o e um pedaco d e pão .

Es ta s inge l eza de habi t os , con t inuada na t rad i ção , p ers i ste ainda,c omo di ss e .

Na côrt e me smo e' desconhec ido ofausto que em ou tros paiz es s etem por indispen savel ao prestígio da real eza.

O s do is p ri nc ip es nlhos do ac tual sob erano formaram—se ambosna un ive rs i dade de Leyde, ond e seguiram os cursos e fize ram os s eu se xames como ou tros quaesquer al umnos . O príncipe A l exandre , rec enteme n te fal l e c ido

,era membro do cl ub dos e s tudant e s

,para onde ia

fumar e beber c erve ja todas as noi t e s,e dava e acceítava jan tare s entre

condi sc ípu los , como o melhor camarada.

A rainha pass e ia a p é nas alamedas publ i cas da Haya,e,quando

es tá cancada, s en ta—se no pr im e i ro banco qu e encon tra, ao lado dequal qu e r outra mulhe r e con v e rsa com e lla como de egual para egual .

Esta lhanez a,geral commun ica - se aos prºprios v iajante s , pega- se

aos e s trangeiros .

Um rico clubman,d e Londres ou de P ari z , que l e vass e na Haya

a mesma v ida que passa no Boul e vard ou em P al l Mal l , produzi r iaai nda hoj e o

'

mesmo e scandal o e o mesmo de sprezo com que outrº

ora

foi rec ebido 0 p rec ioso e adamado conde de Leyc est er, enviado da rai

nha Eli sab eth .

A imp erat ri z d'

Austria, cuja e l eganc ia assombra P ari z,vi v e em

Amste rdam ,no t empo que pas sa aqui todos os anuos

,como a mai s

ob scura"

b urgue z a.

A rainha da Suec ia, duran te os mezes que em doi s anuos succ e ssivos re s id iu em Amst erdam

,tratando—s e c om 0 c e l eb re dr . Mez ger,

nem carruagem t inha, e tomava o t ramway todas as manhãs para fazer as suas compras ou as suas v i si tas .

Exis t e—é c e rto—uma esp ec i e de pragmati ca, uma e t ique ta burgueza. A ss im

, por ex empl o , um grande negoc ian te de Ams terdam n ãose res i gnaria faci lment e a habi tar outro sí t i o que não s e ja o He erenGracht (canal dos senhores). Est e canal é o faubourg Saint Germain

284 A Hollanda

do patríciado commerc ial , e os s eu s hab i tant es p referi rão i r para umhot e l a t er casa n

ºou tro s i t i o . As s enhoras d e s t e bai rro j u l gar - se - hiam

decahídas da con sideraç ao que devem a s i m esmas se saí s s em d e casaan te s das duas h oras da tarde , s e fossem pe ssoalmen t e faze r comprasou ai nda s e as de ixas s em faze r pe las suas c riadas . Ha t od o um exer

c i t o de in t ermed iari os i ncumb i dos de l e var regularment e todos os fornecimen tos de copa, de cosinha

,de guarda—roupa e de mobí l ia ao do

micílio dºestas damas .

Mas e s t es fac to s são mai s um re su l tado da rot ina do que uma ostentação do orgulho . É a tyrannia do hab i to , bas e de toda a v ida hollandez a, e graças á qual cada família é um bal uarte em que t o das ast rad içõ es se guardam e s e defendem

,em que as novas conqui s tas p e

n e t ram difiiç ilmen te na prat i ca, mas nunca mai s s e p erdem .

É frequen te nos bai rro s novos de Amste rdam o espec tacul o dapreparação das e s tacas sobre que ass en tam todas as ed ificaçõe s da ci

dade . Um operari o monta como se e s t i v ess e a caval l o na extremi

dade de um dos l ongo s mas t ros que te em de s erv i r de supporte aoal ic e rce , e c rava no pau, ás martelladas

,um prego de grande cabeça

chata ; j un to dºesse p rego mart e l la outro,o em s egui da outro—t odos

j u n tos,c errados , sob repostos cab eca com cab eça—e ass im su cce ss iva

men te,ate

' que toda a sup e rfi c i e da t rave se ache por e s s e modo rev es t ida por uma c ouraça de ferro in t e i r i ça

,c ompac ta

,s em uma só fa

lha . A t rav e as sim b l indada é a e s taca . As innovacões e as reformassó adherem n a Hol landa p e l o modo c omo adhere a e s cama de ferro áes tacar ia : l en tamen te , pac ien temen te , systematiç ament e , por con tigu 1dade

, por juxtaposiç ão— e ás martelladas .

P ara aj u izar do carac te r de um povo e' uti l

,e' quas i indispen savel

para um es t range i ro c on sul tar a sua lit teratura satyriç a . A crítica na

c ional de uma soc iedad e é de ord inari o o seu re t rato mai s parec id o ,fe i t o por el la m e sma em car i cat u ra, ao e sp e lho . O grande humoris tahollandez chama- s e Dowe s Dekke r

,mai s c onhec id o p e l o seu caracterís

t ico nome litterario de Multatuli, e é um dos escriptores mai s impre

286 A Hollanda

É uma das fi lhas de Las t Companhia, commissaríos em cafés. Nuncah ouve que d ize r a nos sa un i ão . Sou membro subscri p tor do jard imNatura artis magistra (a nat ureza emestra da art e)minha mulhe r t emum chal e de c em fl orin s

,e nun ca s e p en sou em minha casa em ir v i

ver para o fi m do mundo ! Consumado o n osso consorc io , fi zemos umapequena excurs ão aHaya . Ahi compramos Hanella, de que minha mu

lb e r confec ci onou camisolas, que ai nda hoj e u so . O amor jamais no s

l e vou para alem da Haya . Sou p or accaso meno s fe l i z que os i n se—nsat os que en tisicam ou cal vam por amor ! ?

Faze r ve rsos e um offic i o como qual quer out ro , menos difiícil todavia qu e o de t orn ear marfim

,e a p rova e que os reb uçados com ver

sos sao mu 1 to mai s barat o s do que as b olas de bi lhar .«A p oe s ia, por causa das r imas , impelle moci dade á ment i ra.

«Ad-mi tto que versejem,se gostam

,mas q ue não mintam .

Ella morria

Era meio dia

« P ara el l e s e s tá muito b em,porque r ima . P ara mim e' prec i so q ue

effectivamen'

te e l la morre s s e e que fos se em ve rdade me io dia. No casoc on trari o ex i j o que se diga

El la gosava perfeita saude

Era meio dia

ou ai n da

El la mo rriaEram o n z e ho ras e q uarenta e c inco min utos da manhã.

«O s romanc e s n ão são mai s do que apon toados de fa l sas d ec iarações . Se , no meu ramo de come rc i o—sou comm is sari o em café s emoro no canal do s Loure iros n i

º 37 eu fizes s e a um commit en t e uma

declaraç ão com a millesíma par te das p etas que v eem em qual que r romanc e , o commiten te s u spendería l ogo as suas re laçõe s comnosco e di

t igi r—.se - hia a B usselínck W aterman . Busselinck W aterman são

As Casas e os Indivíduos 287

e gualm en t e commissaríos de café , mas e' in ut i l sabe r- s e onde e l l e s mo

ram . «O theat ro e out ro foco de c o rrupção e de fal s i dad es . O he roe dap eça cae ao mar

,um homem que ia fal l i r d

ºahi a doi s d ias sal va- o das

ondas .

«O afogado dametade da sua fortuna ao s eu sal vador . O publ ic oapp laude . É e s tup i do !

«A in da o ou tro dia me cai u a mim o chap eu ao Canal dos P rinc ipe s , de i quatro soldo s a um gaiat o que mªo foi buscar , .e e ll e de sfez—s eem agradec imentos . Se me t i ve s s e i do buscar a mim mesmo dar- lhe

hia mai s al guma c o i sa do q ue por m e ter id o bus car o chapeu , mas

nunca me tade da m inha fo rtuna . De ssa man ei ra bas tar - me - hia cai rã agoa duas v ezes para ficar comp l etament e arru i nado . Todo aquelle

a q uem não c on vi e r sal var me mai s barat o do que por me tade do queeu tenho , que me de i x e em paz e que me não sal ve ! Adv i rto que s eme afogar ao dom ingo dare i mai s al guma co i sa a quem me t i rar parafora

,,porque aos dom ingos p onho 0 g rilh ão no re l ogi o e ando com o

casaco novo .

«O trabalho de q ue se vae buscar e xemp lo as peças de theatro e'

cu rios o !«Uma donze l la cu jo pae s e arrui nou com asn e iras , pas sa a v ida a

t rabal har nºuma mansarda . Con tem os ponto s que e l la da durant e umac to in t e i ro ! Susp i ra

,vae á janel la, pas sa a mão pela fron t e , at i rou

c om doi s s educt ore s p e las e s cadas a baixo , e exc lama a todo o mo

m ento : «Mãe !m i n ha pobre mãe !» E a heroí na da peça e rep res e n taa virtude . Mas p rec i sa de um anno para fazer um par de meias !

«A men ti ra fe rv i lha em cada s c ena. Quando o heroe s e re sol v e air sal var a pat ria e sae magestatico pe l o fundo , hão de notar que has empre ao fundo uma por ta que se ab re sem n inguem lhe b olir.

« Depoi s , c omo e que uma p es soa que fal la em verso , sab e o que

a ou tra l h e vae re sponder para lhe preparar uma ?—Senhora,as

p ortas fechadas . Desembainhem as espadas P e rd ão ! se a princ eza ao sab e r que s e fecharam as portas re so l v es s e v ol tar n 'outra oc

casião , ficava e s trop iada a r ima . Não e então uma b ri ncade i ra de pes

288 A Hollanda

simo gosto pôr 0 gen e ral dºolhos e sbugal hados para a princ eza a v er

o que el la d e l ibera depoi s de fe chadas as portas,como se o gene ral

n ão soub es se perfe i tamen te , pe l o s en sai o s , que e l la n ão pode re so lve rout ra c oi sa s en ão que se desembainhem as espadas

«Te imam tambem os auctore s em recompen sar a vi r tude . Mas se

a v i r tud e foss e s empre re compensada, não hav ia mel hor modo de vidanºeste mundo ! Re compensar os v i r tuosos e' afii igíl- os porque e

' t i rar - lh e so merecimento . Lucas, que foi nos so ca i x e i ro , p ort ou—se s empre comhonra -

e com ze l o . Um dia demos - lhe'

300 fl o ri n s a ma i s para um pa

gamen to e e l l e rest 1tu1u—os . P re s en t em en te deu - lhe a velh i c e e o rheumatismo ,

'

nã0 pode trabalhar , e es tá na mise r ia. É um v irtuos o . Res

p ei to—o . Mas não o recompen so . Se o rec ompensas s e t i rava- lhe a gl oriade t e r v irtud e . Eu es tou b em de meios , porque t rabal h e i para i s so .

O s meus lucro s veem—me do comerc io . Sou t ambem v írtuoso , _

tan to

c omo o Lucas , mas sou - o de graça . Não l e vo nada a n inguem por

i s so .

«De uma vez,em rapaz, andando no Ly ç eu, fui com os compa

nheiros da aula de grego aKe rmess e de Amste rdam , e'

parámos em

frente da barraca de uma l i nda grega que v endia pe rfumes .

Re so l vemos tirar a sort e sobre qual de n ó s havia de en trar na barraca e dirigir

- lhe em cumprimen to os prime iros v ersos da Illiada : «Canta, ódeusa, co l e t a, t erm inando por lhe dec larar, s emp re em grego

,

que o Egypto é um dom do Nilo . He s i t e i, por que ao lado da grega

se achava um grego exc e s s i vament e barbado , e eu n ão gosto de cor

rer nem de arros tar com p eri gos inu t e i s . Sou pae d e famil ia, e t enho

por doi do todo aquelle que v olun tariamen te se met t e em trabal hos .Regosijo—me, poi s que as minhas ideas ácerca do peri go são ainda ho jep rec i samente as que t inha na i nfancia ! Mas um dos meus companheiros empurra—me. Caio em cima da grega. O desceden te de Leon idasagarra- me p elas ore lhas e ai nda me estaria a desancar , se um dos meuscompanhei ros , tendo en trado pe l o fundo da barraca, n ão t ives se es

t en dido no chão com um murro o feroz p e rfumi s ta dos Dardanellos,

290 A Hollanda

romanc e , da lit teratura dramatica, do des in te res s e , do trabal ho, da ri

queza, da mis e ria, e a au s enc ia compl e ta de “se n t imen tali smo e de litt eratísmo ; e 0 odi o rancoroso a todos os art ific i os da phan tas ia e da

rhetorica ; e o c ul t o fanat i c o da s imp l e s v e rdade p rat i ca,e s tre i ta, mo

notona,t erra a t e rra, defi n i t i va ; e a l og i ca c errada da profis s ão, a

equação da comp ra, da v enda e do l uc ro , r igoro sament e applicada a

t odos os phenomenos do un ive rs o ; e a c on s ci enc ia,o conten tamento

e 0 orgulho de c lasse afiirmando - se com a forca de um bal uart e inex

pugnavel

P eguem no typo mai s id ealmen t e p erfe i t o do mercador ex emp larcom to das as suas virtud e s profissionaes e domest i cas

,v e jam - o at ra

vez do t emp eramento sens í ve l , del i cado e n ervoso de um tão fino ar

t i s ta como Dovvs Dekke r, e te rão Las t Companh ia .

Quem não conhece agora a differenca en tre as duas burguez iasde P ortugal e da Hol landa ?

Tomem o nos so me rcado r nac i onal, supponham- o submet tido a

ac ção dos me smos reagent es por que pass ou o typo do mercador hollandez no l i vro d e Multatuli, e examinem - o precip i tado .

O « sn ob » l og i s ta do Chiado ou da rua do G i ro , banque i ro da ruados Capellístas , n egoc iant e da rua das Flore s o u da rua dos Inglez es

n o P orto,desd e qu e se i n cumbiss e de edi tar e de anotar um romance

,

começar ia por s e apres en tar c omo romanc i s ta a s í p rop r io . O u não fal

lar ia das s uas viagen s ou fal laría dºellas para ci tar 0 Boul evard , HydP ark e as côrt es e s trange i ras . Consideraria um desdoíro de i xar pre sent ir que usass e cami so las de fianella fe i tas por sua mulher . P e l o que resp eita às art es , ás sciencia, a po es ia, ao amor , abundaría nas i d eias domini s t ro da mar inha e da lit teratura do s eu part ido , e reforçar—se - hia

com ci tações de escriptores b emq uistos . Finalmen te no tocan te apobreza s eria pe la car i dade , c i taria 0 augus to nome de sua magestade a

rainha, b em como o de Victor Hugo , e recommendar- se - h ia d iscre tamen te a muníficen cia regia por meio de uma allusão del icada aos ac tosda sua propria philan tropía .

Nem t odo o homem de c ommerc i o p ortuguez pro ceder ia as s im ,

As Casas e os Indivíduos 29 1

e' claro ; mas seria e ss e o typo generi co das opin iõe s do snob nac i onal, e e o snob hollandez que s e rv i u de model o ao p ersonagem retratado por Multatuli em IVl ax Havelaar .

Chamo - lhe « snob » porque não conheço sen ão a palavra inglez a, cnão posso in ven tar outra

,para des ignar e ssa cat egoria de i nd iví duos ,

e s s enc ialmen t e c on s e rvadore s e ord e i ro s , que em cada civilisacão con

stituida e t radic ional repre sen tam o poder de re s i s tenc ia i n ert e quetem n as sociedade s a grande mas sa da banal idade sat i sfei ta e g lor io sa .

No Livro dos Snobs o grande Thacke ray diz : «Todo agnelle que ad

mira mesquinhamente as coisas mesguin lzas não e' mais que um snob .

É essa talve; a exacta sig'

nícaçdo dessa palavra e do ty p o que ella re

p resenta . »

Um ul t imo traçoVol tai re , que e sc reveu o ce l eb re v e rso

Hollande canaux,canards, cana illes,

dizia to davia de Amsterdam : En tr e quinhentos mil homens que a habi

tam não ha umocioso, nem um p ob r e, nem um p eralvilho , nem um zn

solente .

E Fi l in to Elyseo, t endo fe i to em Leyde a ode que pri nc ip ia

E hei de eu ainda aturar, um me,

prolixo .

A vista casmurra l d'

esles P ingas,

accrescenta nªuma .nota : P er doem—me os bons hollandez es este clzorrilho

de destemp eros : que estava eu , quando tal ji r tdo ag'

astado comig o deme ver so', e de não saberfallar holland q , que destemp erei n

'esse desa/ogo, dando no papel pancada de cego .

E fac i l accusar os hollandez es de mil defe i tos e de mi l ri d i cul os .

É difiicil,t endo v iv i do com e l l es por al gum tempo , não s en t i r a doc e

n ecess idade d e l he s faze r jus t ica e de l he s p ed ir p e rdão .

204 A Hollanda

embal samados ou c on se rvados de qual quer out ro modo . Reproduc

çõe s,des enhos e descr1pç 0es do rein o an imal .Anthropologia . Reproduccões , descripç oes e des enhos, cra

n eo s , modelagen s , cab eç as,'

outras peças p reparadas , etc .

Segundo grupo .

— P opuláção indig ena :Estatística da p opulação em quadros e represen tacoes gra

phicas .

9 .

ª Vida domestica eº

sô'

ç ial .

a)Desenhos '

e model os de c i dade s e de al deias , de hab i taçoes ,de l o jas , de oflicinas, etc .

b)

c tas e ornatos . O b j ec tos de toilette, desenhos e i n s t rumentos de tatouage, c on s ervação .

a'

)A l im entação .

e) In s trumento s e ut en sí l i os para a preparação , con servação e consummo .

f)Exc itant e s . I ns t rumento s e u ten sí l i o s para a p reparaçao,con

servacão e con summo do tabaco , do bet el , do op io , das bebidas alcoo licas, etc .

g) Uso s e co s tume s . Desenhos , quadros , e sboços , ve s tuar io s , armas e outro s ob j e c tos dando uma i d eia geral d o carac t e r e do fim dasc e remon ias e das p rax e s e stab el e c i das por occasião dos no ivados

,dos

casamento s , da grav idez, dos ob itos,dos en terros

,dos nasc imentos ,

da con clusao dos t ratados , dos j uramentos , etc . J ogos e di vert im entospopulares

,ob j ec to s que n

ºelles se empregam .

h)P aup eri smo . Commun icacões fe i tas sob re os me ios d e 0 com

bate r,e as s i s t en c ia pub l i ca.

Meios de subsístencia

a)Caça e p e sca . Toda a e sp ec i e de armas e de apparelhos, de

embarcaco es e seus accessorios . D esenhos,model o s . P roduc tos de

caça e de p e sca : pel le s e couros,almiscar

,marfim

,pe rolas

,tartaru

ga, madreperola, etc .

b)Creacão de gados . Estat í s t i ca em mappa e rep res en taçõe s gra«

As Colonia,? 295

phicas . Typos d e animaes domest i cos : boi s , bufalos, cavallos, carne iros . Lãs e lactic ineos, e tc . Apparelhos e utensílios de creaç ão , para apreparação dos quei j o s e da man te i ga, para a t osqu ia, preparação daspe ll e s

,d os co rnos , e tc . Marcas de c ommerc io e de p roc e denc ia dos

p roduct os . Marcas do s animaes . Figuras e de senhos . Chocal hos e gu isos dos rebanhos

,uten s í l io s de pas tore s

,estabulos .

c)Creacão de ins ec t os ut e i s , b ichos da s eda, abelhas , cochoni

l has,e tc . Utens í l i o s e amostras .

d)A gricu l tura e hort i cu l tura. P roducto s cul ti vados p el o s indig enas, as sucar, tabaco , p imenta, be t e l , gambir , arroz

,milho e ou tras

gramín eas , araruta, s'

agu,kapok

,al godão , cacau , e tc . Model os e pla

nos de mach i nas de i rri gação . In strumen tos d e lavoura e de j ardina

gem . Construccões rusticas, c e le i ros , depos it o s, etc .

0)P roduc tos de s i l vicu l tura. Made iras de const ruccão para casas,

para nav i os , para re ve s t imentos , para e s tacas , para ponte s , para mov e i s

,para carruagens , para arados , para converter em carvão

, etc .

f) Indust r ia mine i ra . Installacão e expl oração das minas . Lava

gem do o iro e dos d iamante s , etc . In s trumentos , utensílios, amostras .

Terra come st ív el .

g)Industria em geral . Modos de fiar , de t ece r, de cardar , de moerde t ingi r, de desenhar o s e s tofos . Machinas , uten s í l io s , model o s , amost ras . Mat e r ias p rimas e artigos confec c i onados : c ordas

,es t e i ras

, pa

p el,obras en trançadas , obras de oi ro , de prata, de fe rro , de p edra,

de argi la, de made ira,de c ouro , de p edras p re c iosas . Res inas , gom

mas, rot in s , bambus , ol eos , mat e rias gordas , e tc . Fab ricacão dos p roduct o s an imaes, ta1 es como : o ambar

,o mel, c e ra, o marfim

, co n

chas , osso s , cornos , den tes , pennas , etc .

li)Commerc i o e navegação. Re sumo do commerc i o indí gena emmappas e represen tacoes graphicas . Commerc io mar í t imo e d e cabotagem . Model os de meios de transp ort e por t e rra e p or agua . Cartase in s trumentos . P rovi sõe s e mat erial . Muniçõe s navaes . Fe iras

,mer

cados . Moedas,pe sos e med idas

,amostras de emb allagem i nd igena.

Estampilhas e marcas d e commerc i o .

A Hollanda

1 1 .

ª Bellas Artes .

a)Desenho , p in tura, gravura, esculptura, acharoamen tos .

17)Mus ica e in s trumen to s de musi ca.

c)Apparelhos de theatro e repre sen taç õe s scenicas .

a'

)Escripta e impren sa .

e)Desenvol v imento sc i en t ific o . Manuscriptos, l i v ros , jornaes , pub licaç ões periodicas .

f)Ens ino . Re lat orios sob re a organ isaç ao e o movimen to do en

s in o i ndigena,Model os e p lan tas dos ediâcios e sco lare s . . Movei s,l ivros

e out ros ob j ec tos emp r egados no e n s ino . Tar ifas e s colares e p rogrammas .

Religiões e ritos . Descripç ões , mode l os ou desenh os de t empl os

,mesqu i tas , i dol os , etc . Typos de sac e rdot e s

, de sacerdo tiz as , de

fe i t i ce i ro s e de arusp i c e s ; de senho s ou reproduccões do s ob j e ctos empregados no e xe rc í c io das funccoes re l i g iosas .

Forma de governo e de admin stração .

a)Governo actual e ant er i or . P ub l icações,m emorias , l i v ros . Ty

pos de p rínc ip e s e de ch efe s . In sí gn ias das diversas di gn idade s . Bandeiras e e s tan darte s .

b)N egoc i os m i l i tare s . Exe rc i to,marinha. Informações ácíerca dos

methodos e dos u sos de guerra . Fort iâcacões . Meios de ataque e ded efeza; A rmas

,un iformes

,musicas de guerra . Typos de arautos e de

campeõe s . Seus attrib utos . Symb olos de provocacão e de paz .

c)Me ios empregados na manutenç ão da s egurança e da t ranqui llidade publ i ca. O rganisacão e funcç ão da po licia . Laços para apanharos malfe i tore s

,pri sõe s

, ferro s e outros m e ios de coe rção .

a'

) Usos e co s tumes . O rdenacão . I nformaçõe s d i versas sobr e a

j u st i ca i n d í ge na. J u í zos de Deus . In strumen tos de puni ção e de tor

t ura.

e)Edific io s pub l ico s . Casas communaes , hosp edar ias , hosp i cios eou tro s al b ergue s para os viajante s . Cas ernas e cade ias .

q uant o ao t e rc e i ro grupo, Relaç ões dos europ eus com _os ind—í

genas :

298 A Hollanda

dos eu ropeus nas t e rras que e l l e s p o s su em em prop ri edade,de renda,

ou por emphy teuse .

b) I ns t rumentos de lavoura .

c)Estab e l e c imentos agri colas .

d)Me-thodos de agricu l tura .

e) Estat í s t i ca agrícola em quadros graphicos ind icando a variacao

da producç ão , a al ta e a bai xa dos pre ço s,o augmen to e a d iminu i

cão das despez as de cu l tu ra. Estat í s t i ca c omparada das cul tu ras governamen taes e das cul tu ras part i cu lare s .

f) P roducto s agri c olas . Amost ras .

g)Si l vi cul tu ra; Descripcão da s i l v ic ul tu ra c omo os europeu sp rat i cam . In st rumentos , cartas , desenhos , ph otographias , p roduc tosetc .

11)Minas , metal u rgia, poço s art e s ianos . Le i s e re gulamen tos . D es

cripç ão , e xpl oração , product os , mappas, r e latorios , de s enhos , e tc.

í) Indust r ia . Fabricas e ofhcinas . Cartas,plan tas , de s enhos , pho

tographias , produc tos .

2 1 .

ª Vida domestica e social dos europ eus .a)Equipamen to . O b j ec tos n ec es sari os ao v iajan te nas col on ias ,

ao pas sage i ro,ao co l on o , ao exp l orador sc i en t ifi c o .

b)A v ida nas c ol on ias . As casas,os movei s e o ve stuari o . A

alimentação . D iv e rt imen tos dilªferen tes dos que s e encon tram na Europa. Des enhos , model os .

e) P auperi smo . A ss i st enc ia e socc orro aos i n di gen t e s .

Educação e ensino .

a)In struccão p reparatoria p recedendo a instrucção primaria . In

struccão primar ia,s ecundaria e superi or . P rogrammas de es tudos ta

r ifas e retribuicões e s colare s . Apparelhos e s co lare s e accessorios . De

senhos e model o s de e dífícios e es tab el ec im en to s e s colare s . Estat í s t i cado en s in o , memorias , re lator ios e ou tras pub l i caçõe s .

b)Missõe s . Informacões dos trabalho s dos missionarios e dos re

sultados obt idos .

Trabalhos

As Colom'

as 299

a)Mat e rias e uten sí l i o s n ec e ssar ios para as colleccões scien t ificas

de animaes,de plan tas , de mineraes, de espeç im en s de geol ogia, de

documento s ethnologicos , e tc . Meios de con se r var os obj ect os , cai xas ,armar io s

,e ti que tas

,e tc .

b) In st rumen tos de ob e r vações scien t iâcas para a de terminaçãoast ronom ica da l on gi tude e lat i tud e , para as determinaç oes geodesi

cas, hypsometrícas

, hydrographicas, para as obs ervaçõe s m eteorologicas e magne tiç as, e tc .

e)Imprensa .

'

Livros, publ icações períodícas, jornaes, gravuras , cliches , mat ri ze s . En cadernaçõe s .

O s systemas de clas s ificação para es te s t re s principaes grupos daexp osi ç ão col on ial neerlandez a s ão da mais in st ruc t iva dout ri na.

Fal ta -me e spaço para d esenvol ve r e s te assumpto , que ped ir ia, c omoout ro s de que me t enho occupado n

ºeste l ivro

,uma obra e sp ec ial . In .

fe l izmente o govern o portuguez n ão só não concorreu com produc t os das nossas c o l on ias a exposi ção de Amst erdam ,

mas—o que e

mai s g rav e— não mandou lá n inguem aprender aquillo que pe la sua

ab stenção mos trou i gnorar .

Não cab e na minha bagagem de s imp l e s touri s t e um re lat ori os ob readministracão co l on ial . Como portuguez e c omo crí t ic o só m ecomp et e lamentar que n inguem se houve ss e en carregado do e s tudodesenvol v i do dºesta mat e ria do in t e re ss e mai s v i tal para a nação portuguez a.

P rocurando d ar uma superâcial i d eia da s ec ção das c o l on ias n e erlande z as na e xp os i ç ão universal d e Amsterdam ,

o meu fim é apenaspô r em l u z , j untamente com al guns asp ec tos da Ind ia hollandez a, umadas fe içõe s mai s carac t erí s t i cas dºeste povo

,o seu l uc ido e sp i r i t o praª

t ic o e o s eu e xcepc i onal p oder d e methodo e de syst ematisaç ão .

Todas as v int e e tre s c las s e s , a que me refe ri,e em que os d es «

en vol v imen tos da sub classiti cacão abrangem tudo quan to a curi os idadescien tiâca possa concebe r , s e achavam preenchi das .

Eis ahi c ompl etamen te defi nida a natu reza do sol o por t oda a es

300 A Hollanda

pecíe de documen tos e de p roduc tos geologícos'

,mineralogicos e b iolo

gicos comprehendendo as p lan tas , os an imaes , e o homem .

A colleccão an thropologica con s ta de duzen tos craneos e de va

r ios e sque l e tos,t odos cu idadosamente e t i que tados , e c ompl e ta uma

colleccão v i va de t r in ta e o i to indígenas das In d ias neerlandez as, bayaderas , tecedeíras , t o cadores de gamelan , pescadores , agri cul tore s , palafreneiros e ofliciaes de var ios ofIícios .

A c las s e de min eral og ia e geologia con sta de varias colleccões,

uma un ica das quae s con tém não menos de 337 amostras .

A part e geographica propriamen t e d ita, as s im como a que se refe re ameteorol og ia, ao magne ti smo t e rre s tre e á confi gu ração do sol oacha- se rep re s en tada por uma grande quant idade de l i vro s , p intu ras ,gravuras

,l ithograph ias , photographias , cartas e mappas em re l evo , dia

grammas , revi s tas , re lat ori o s ofhciaes , memorias de acad em ias , etc .

P ara o e s tud o da fauna ha emAmste rdam a mai s b el la das ex

posi çõ e s p e rmanen t e s,p o i s que o j ardim zool ogi co da cidade en tra com

o de Anvers , com o de Francfort e com o de Londres na cate gor iados pr imeiros do mundo .

Na Hora a expos i ção collec t iva de var ios e s tabel e cimen tos publ icos e part i cu lare s apre s enta

,al ém das h e rvas e das p lantas seccas,

uma grande estufa com os mais b e l l os v egetaes dos tropícos .

No grup o re lat ivo a vida domest ica e soc ial,i ndus trias indígenas ,

rel ig iões,r i t os

,e tc .

,e no grupo das relaçõe s da Hol lan da com as suas

pos se s sões ex t eri ore s , encon tram - se numerosos model os de al d e ias com

ple tas , de es colas , de cul turas , de obras de engen haria, de minas , deponte s e cal cadas , t emp los , v iaduc tos , e s taçõe s de caminhos de ferro

,embarcaçõ e s

,l oc omoti vas

,wagons , carruagens , carretas , s eque i

r os de tabaco,plano s de lavoura

,e uma quan t idade enorme de ma

ch inas , de utensílios de t rabal ho e de p roduct o s industriaes, e s tofos ,j o ias

,armas

,e tc .

Na c lass e 20,agricultura e industrias estabelecidas p or europ eus ,

expõem - s e l ongamente os r esu l tados dos e sforços empregados pe l o gove rn o e p el os c ol onos hollandez es no de sen vol vimento da r i qu eza co

302 A Hollanda

nías . Quesítos : i .

º

Quaes os p rinc ip ios p e los quaes a metropol e d evetomar parte na l egi slação e n o gove rn o das colon ias ? 2 .

º P ode - s e conc ede r a al gumas das c olon ias uma part e . na repres entação ge ral dopai z ?

Quarta questão . D i verso s modos de obte r nas c o l on ias forças operarias para a expl oração do sol o . Quesítos : Quaes são os d ifferentes systemas que se tem segu ido n

ºesta mat e ria? 2 .

º

Quaes são re lat ivamente á productividade do trabal ho as vantagen s e os incon ven ien

tes dºesses syst emas ? 3.

º Qual tem si do a sua i nfl uenc ia sob re a população ?

Quz'

nta questão . P ropri e dade t e rri t orial nas col on ias . Quesítos :º

Quaes são os systemas de propr i edade t e rritorial nas dítl'

eren tes c ol on ias ? 2 .

º Qual e' a sua i nfl uenc ia in evitavel s obre as cond içõ e s econo

micas da população ?

Sexta questão . Impos tos nas c ol on ias t rºpicaes . Quesítos : De quemodo podem ser submett idos ao imposto os indígenas das c ol on iastrºpicaes

? Qual a i nfluenc ia dos differente s systemas de impostoate hoje applicados sobre o es tado moral e e con omi co da população?

No seu t odo e s ta exp os iç ão repre s en ta uma grande e l um in osa jan e l la ab er ta sobre Ind ia hollandez a , sob re a Java prod igi osa, sob reessa i nve rosími l Batav ia, que e

'

a Babylon ia dos t ropicos .

A c i dade da Batavia, divi d ida em doi s grandes bai rro s , em umdos quaes medram os nababos no luxo ori en tal , emquan to no outrode ti nham os cool ie s n a entoxicaç ão pal udosa, parec e não t er o que naEuropa chamamos ruas .

É simp l e smen te um vas to parque em que o s palacios , de pavilhões de marmore b ranco reun idos por gal e r ias rend i l hadas e circun

dados de varandas de pau de teka engrinaldadas de orchideas, se re

Hectem nos lagos adjacen tes ou nas amplas vias aquaticas a q ue la'

chamam ar roy os , p orque o dial ec to bai xo -malai o e'

uma c ombinaçãode javanez , de hollandez , de in gl ez e de portuguez .

Um sol arden te , implacavel, de que re sulta uma temperatura de

As Colon z'

as 303

45 graus a sombra, darde ja fogo p elo s rasgõe s da folhagem sobre a

agua dorment e .

P angaios p i l otados por í nd io s cô r de chocolat e , de troncos n ú s ,fl ex í veis e re luzent e s , deslisam por en tre as moi tas do s nenuphares flori dos na agua e sp e lhada e t e p i da, de que emergem a e spaços , c omofugazes flore s d e veneno

,as cabec inhas chatas e os c orp os colleando

em S das s e rpent e s aquaticas, sc in t i l lante s de azu l e v erd e .

P e las al eas flexuosas do enorme jard im perpas sa o p equeno t il

bury l evado a gal op e p e las t res ou quat ro pare lhas de poneys da i lhade Timor

, estugados a ch icot e e a gri tos de catatua por um malai o nú ,c om o seu largo chapéu em tortulho as l i s tas de es car lata e o iro .

Doi s coolies a marche - marc he, um adian te do ou t ro,l evam um

fardo susp en so do l ongo bambu , pou sado no hombro .

Ao fundo das varandas ou d os eirados t ol dados , en tufados em

verdura, uma hollandez a pal l i da, an em i ca, de vas tada pel o c l ima t rop ical, ve s t ida de uma tun ica branca t ransparent e s obre a camisa

, os pes

n ! s em chine llas de sul tana, bal ouçada nºuma rede de p ennas ou dei

tada n”um l e i t o de es t e iras e de bambus , olha inditªt

'

eren te e n ostal g i capara a agua do canal , em que um d il igen t e l e trado ch in ez

,de cabaia

c ocul os , nav ega em p i roga, abanando - se a um l eque d e P ekin e dei

xando vogar na agua,como a Hamula de uma guiga s em vento

, a l ongat ranca do rab icho .

Na galeria do seu pavi l hão do banho um fi l h o de Rot te rdam ves

t ido de flane l la branca, es t end ido em X na vas ta p ol t rona de ro t im ,

ab re o c orre i o da metrop ol e emquanto um ser vo ind igena, pros t radono chão

, lhe s erve um charu to juntament e c om a brasa fumegan t e dcsandal o , dev ida pela pragmat i ca ind iana ã jerarchia dos rajahs .

E por toda a parte uma v ege tação de apoth eos e parad i síaca re

benta como n ªum scenar i o de op era.

Á b e ira da agua, onde borbol e tas rut i lan tes , do tamanho de umpalmo , adejam sobre os ramal he tes mul t icore s dos n enuphares e sobreas folhas gigante scas das vi ct orias - reg ias

,enfloram—se em amphy thca

tro verde jante os rhododendros, as hortelãs vermelhas e cô r de laran ja,

304 A Hollanda

os immensos feç tos arbores c en te s de c i nc o met ros de altura, as banan e iras de folhas quebradas ao seu prºprio peso e vas tas comolençoes,os c oque iros coroados de penachos , as « palm e i ras do V iajante » abrindoem l equ e phan tastiç o como caudas de colossaes pavoes

,os algodoei

ros cobertos de fl ocos b ran co s como espumas de l e i t e,e os c ip ós de

mi lhõe s d e finas has t e s nodosas,esfiadas

,ent rete c idas

,emar

'

anhadas ,rectas e curv i l í neas , p erp end i culares e afestoadas

,por en t re as quae s

os macacos espre i tam acoc orados a sombra, ou s e b aloucam mol lemen te no ar, susp en so s p e la cauda.

O sol vem s ub indo no céu esb raseado , e i n ve rsament e vae sos

s ob rando a pouco e pouco na t erra a v ida an imal . Ao me io - dia umlargo s i l enc i o

,de noi t e morta

,cobre a natu reza. As ave s emudecem ,

os homens immob ilisam—se , os corcodilos dormem alas t rados no l e i todos r ico s

, e a t e r ra i n t e i ra parec e extatica de as s ombro ao s en t i r ems i m e sma s ub irem as seivas e c res c e rem os palmare s .

N ít i das photograph ias , e s crup ul osamen te c o l or idas do natural , mos

tram—nos os di v ers os typ os das cas tas e das raças hab i tante s dºestareg i ão .

Uma m est iç a de Born e'o,de uma languida magestade de Odal i s ca,

sen sual idade em v ico ard en t e como a flô r de um cac to , grande s o lhosn egros como um fundo dªaz eviche at ravez de uma tran sparenc ia dºagua,enroupa- se á grega nªum es tofo d e cach emira côr de morango e smagado

,s obr e a qual cae em ondas dºebano um longo e esp e s s o cabel l o

,

em que Se s en t e a frescura da pi sc ina e o es tont eant e perfume alm i scarado das es s en c ias do Equador .

Uma prin ce sa javanez a,de t un i ca de setim e smeral da, com um largoc in to recamado de l e n t e j oulas d e o i ro , as mãos e sgu ias c he ias de an

ne is prec iosos,pas se ia, s egu i da de um pagem indio , s emi - nu, q ue a

abri ga com uma e norme umbe l la côr dºanil.Uma mulhe r de cas ta i nferi or , v est indo un icament e uma larga fa

cha de ch i ta en rolada na c intura, traz comsigo um fi l ho p equeno escanchado no quadri l .

Entre gro s sas lapide s de marm ore , c obertas de mysteriosas i n

06 A Hollanda

P or en tre uma vari edad e e uma profusão enorme de t odos os produc to s colon iaes, de fe rramentas , de i n s t rumentos agríco las, de embarcaçõe s e de pet rechos de caca e de p e sca, v emos aqui as p rop rias ç asas dos cul t i vadore s , construídas de canas , os s eque i ro s do chá

,os es

tendaes do tabac o , as urnas de ani l e os od res che i os de ol e o de côco .

O s music os de um gammelang'

,encruz ados no ch ão n '

um pequen opavi lhão , ex ecu tam uma symphon ia i ndiana, av i

'

ven tando singularmen tep ela art e l ocal e s te vas to quadro dos cos tum es javanez es . O gammelang compõe - se de uns t imbal es de couro , de uma mar imba de pau ,

de rebecas de uma s ó c orda, de flautas de um só burac o e de um tam

tam de bronze . A melod ia e as sas rudimentar,e a orches tracão não

se recommenda por in e sp e rados effeítos harmonicos . O que tocame' uma e sp ec i e de e st ri bi l ho p ers i s tent e , mono tono , primi t ivo , e , nãoobstan te , impregnado de n ão sei que vaga melancol ia d e raça, dolentee embaladora. Ao princ ip i o appetece fugir . Dep oi s , a pouco e pouco ,vae—se d is c ern i ndo o s ent ido m e lodico do batuque

,c o ouvido segue

sem desgost o,quas i com i nt eres se

,a plangen te re sonanc ia d

ºcssa es

tranha mel opea.

Em t orno de m im muitos ho llandez es de asp ec t o mar i t imo , l o i ros ,al e ntados , t ostados pel o sol . de quinze na de fla-nel la azul e charut o nosbe i ços

,pe rc orrem com i n t ere ss e es ta admiravel colleccão , examinam

as photograph ias , pal pam o s produc tos , fol he iam os l ivros , repart emexp l i cações . São an t igos nababos de Sumat ra ou de Borneo . Ha

b itavam la palac i os marav il hos os , de s tyl o grego ou d e s tyl o ital iano , construídos p el os mai s hab eis architectos chíne z es ; t inham jard in s encantados , verdade iro s j ard ins de fadas , em que a fl ora trop icalse osten tava em catadupas de fl ore s e de fruc to s , e onde as pan theras

negras e o s t igres reaes, rec en temen te s eparados da v ida l i vre , col hidos em prime i ra mão nos juncaes, l ouco s de rancor, em parox i smosde furia ao mai s t enue cheiro de carn e v i va

,dão nas jaulas dºessas

priveligiadas colleccões z oologicas o mai s form idavel e o m ai s e spantoso espectacu l o que pode offerecer a força da fe roc idade v enc ida.

Qual quer dºestes s imple s burguez es t i nha na Ind ia dez cavallos e

As Colom'

as 307

v in te criados ao s eu se rv ico part i c ular . Funccionarios d o governo hollandez possu iam em toda a Java uma qui n ta de l ucro e de recre io .

Caçavam o rhinoceron te e o crocodillo . Viajavam como c onqu i stadore sv ic t orios os , c omo t riumphadores feudaes, fazendo atrellar as s uas carruagens os b ufalos e os homens ind ígenas , v endo por toda a parteacocorarem—se de resp e it o , s en tando—s e nos cal canhares , ou pro st rarrem - se de ro j o no chã o não s ó os p leb eus malai o s e os col ono s chi n ezes , mas os proprios sace rdo te s

,os príncipes , os raj ahs , os v i s i re s e

os s ul tõe s , que saem dos palac i os para os re c ebe r em t ransi to , entreas arvores sagradas , em todo o pomposo lux o de pachas , com t odauma côrte d e senhore s

,de ofh ciaes, de bobos , d e anões , de bayade

ras, de p orta- estandart e s te ndo bordados pas saros e dragões heraldi

cos, de guardas d e turbante ent ret ec i do de o i ro e lanca no braço , de

mandari n s re sp lande cent es como porc e lanas do mai s fino e smal t e .

Relampe jam m i ríades de bri lhan te s , de rub i s e d e e smeral das sob rea s eda amarel la das t un icas , nos b rac e l e te s e nos col lar es

,nos an

n e i s , nos tur bantes , nos capace t e s e nas empunhaduras das e spadas ,es tend em—s e e s tofos prec i oso s nas e scadas do p ena

'op o de columnas d e

marmore e t ec to s de sandal o rend i lhado , queimam - se as mai s prec i osas e s s enc ias

, abrem - se as por tas do harem a que assomam cent enare s de mulheres

,os guarda—so es imperiaes , symb olos do

'

mando e dopoder sob erano , de sabrocham rep en t inament e en tre as vege taçõe s dae sp lanada c omo enorm e s flore s d e brocado , e o grão - mogo l bai xa dos eu throno para sai r ao encon tro dºesse homem de pel l e branca e d esuissas l o i ras

, com um collarinho al to e uma dragona no homb ro , quel he faz a honra de o v is i tar , e que repres en ta para e l l e a omnipoten

cia de sua mui al ta magestade o rei da Ho l landa.

E,todav ia, os funccionarios, os m i l i tare s , os mar inh e iro s , os me r

cadores, os negoc iant es , regre ssam da I nd ia 0 m ai s rap idamente quepodem ao seio da mãe—pat ria, p referin do aos mai s p ort en toso s fulgore s da natureza e do l uxo ori en tal a fria neb l ina do mar do Norte , av e lha c idade nat al c ons t ru ída em es tacas sobr e um so lo de lama ao

abrigo do d ique , uma rua e stre i ta e s ombria, uma p equena casa c s

308 4 Holland.:

gu ia, forrada de t i jol o pret o . em Hoog—Straat ou no cana l do Rok in ,calafetada p or todos os lados cont ra os rheumat ísmos e c on tra os im

portunos . com um a b rasa de tubara na c in za do lar. e um v as o comuma c ebola de tuhpa no par

ap e i to da jan e l la .

E mui tos de s s es . quan do se lh e s fal la na prodigiosa riqueza dascol onias . abanam desdenhosam en t e a cab eca e votam de preferen cia pelos que ij o s da sua lavoura e p e l os arenques da sua p e s car ia nos mare ssepten trionaes da Eu ropa .

Segu indo D owe s D ekker, que . com o j á d i s s e . foi s ub - p refe i t o na

Java. e e scr e v eu con tra o r egimen col onial vigen te 0 mai s importantelivro , creio p ode r resum

'

n' com fi del i dade . na brev e expos i ção que vou

faz er. a s it uacao economica e política da In dia Hollan dez a .

A p op ulacao divi de—se em duas parte s distin ctas .

A prim eira compõ e—se das t ribus cu j os grande s e p e quenos s ob eranos ind í genas r econheceram a sob erania hollandez a . con tin uando a

govern ar,mais ou m enos directament e . os s eu s sub ditos .

A s e gun da part e, da qua l se compõe quas i t oda a Java, dep endeimmediatamen t e da Holl an da .

O javanez e'

um sub dito hollandez . O seu rei é o rei da Hollanda. O s descendent e s dos s eus an tigos sob eranos e senhores s ão funccionario s hollandez es. nomeados . t ransfer i dos . graduados demitt idos

p elo governador geral, que reina em nome do re i .O gov ernador geral é as s i s t i do de um cons elho s em influenc ia de

cisiva s ob re as suas resoluco es .

O s diferent e s ramos da admin i stração são divididos em departamen tos

,á frent e dos quaes s e acham collocados director es que ser.

v em de in t erm ediarios en tre o gov ernador geral e os r esidentes p ravir:ciaes ou p refeitos .

A denominação de r esid en te data do t empo em que a Hol landanao era senh ora do paiz s en ão ind ire ctamente , fazen do - s e repr es entarc omo suz erana feudal p or m eio dos residentes na côrt e dos prín cipesin dígenas ainda reinan t e s . D esde que os p rin c ip e s indígenas desappareceram . os r esidentes tornaram - se adm in istradore s

,governadore s p ro

308 A Hollanda

gu ia,forrada de t i j o lo pret o, em Hoog - Straat ou no canal do Rokin ,

calafe tada por t odos o s lados cont ra os rheumatismos e c on tra os im

portunos,'com

'

uma b rasa de tubara na c i n za do lar,e um v as o com

uma c ebola de tul ipa no parape i to da jane l la .

E mui tos dºesses,quando se l he s fal la na prodigio sa r i queza das

co lon ias , abanam desdenhosamen te a cab eca e votam de prefe ren c ia p el os que i j os da sua lavoura e p e l os arenques da sua pes car ia nos mare ssepten trionaes da Europa .

Segu indo Dowes D ekker, q ue , como j á d i ss e , foi s ub - p refe ito na

Java, e e s cre veu contra o regimen col on ial v igen te 0 mai s importan tel i vro

,c re io pod er r esumi r com fi de l i dade

,n a bre v e exposi ç ão que vou

faze r,a s i tuação economi ca e política da Ind ia Hollandez a .

A populacao d iv i de - se em duas partes distin ctas .

A prime i ra compõe - se das t r ibus cuj os grandes e p equenos s ob eranos indígenas re conhece ram a soberania hollande z a, con tinuando a

governar , mai s ou menos directamen te , os s eu s subditos .

A s egunda part e,da qual se compõe quas i t oda a Java, dep ende

immed iatament e da Hol landa .

O javanez e um subdito hollandez . O seu rei e O rei da Hol landa. O s descendent e s dos seus an ti go s sob eranos e s enhore s s ão funccionarios hollandez es, nomeados , t ransfer idos , graduados , demit tidosp elo governador geral , que re ina em nome do rei.

O go vernador geral e' as s i s t i do de um conse lho sem i nfluenc ia decisiva sob re as suas re sol uçõ e s .

O s different e s ramos da admin i s tração são di vi di dos em departamen tos

,á fren t e dos quae s se acham collocados dir ectores q ue ser

vem de i nt ermed iar ios en tre O gov ernador geral e os r esidentes p rovinciaes ou p refeitos .

A denominação de residente data do t emp o em que a Hol landanão era senhora do pai z s en ão ind ire ctamente , fazendo - se repres en tarc omo suz erana feudal por meio dosresidentes na côrt e dos p rínc i p e sindígenas ainda re inant e s . Desde que os príncipes indígenas desappa

t eceram ,os residentes tornaram - se adm in i stradore s

,governadores p ro

As Colonias 309

v inciaes ou p refeitos . Mudou a esphera da sua ac t iv idade , sem que

todavia e l l e s mudas s em de t i tul o . São est e s residen tes que representam realmen te o gov e rn o hollande z pe ran te a populaç ão javane z a.

Na Batav ia o po vo n ão conhe ce n em o governador ge ral , nem o s

conselheiros das Índias , nem os directores . Conhece 0 res idente e os

empregados que adm in ist ram em nome dºelle .

Uma r esidencia ou p refeitura divi de - se em tre s , quat ro ou c i ncosub - residencias ou sub -

p re bituras , ou regº

encias,a'

frente das quae s sãocollocados sub -

p refeitos . Sob a d irec ção dªestes funccionam veryfcado

res,

'

in sp ec tores e agen te s empregados na cob ranca dos impostos,na

vigi lanc ia da agricul tura,na construccão dos ed ifíc ios

,nos trabal h o s

hydraulicos e na admin i s tração da j u st i ça.

Em cada sub -

p rejeitura ou regencia o sub—p rej êito tem por ad

j un to um chefe ind i gena com O t i tu l o de regen/e. Este regen te e s emp re da prime i ra nobre za do pai z e mui tas v eze s da família dos pri ncipes outr

ºora re inante s . A s funccoes do regent e são hoj e meramen t e

as de um empregad o salariado c omo qual qu e r ou tro .

Nomeando fun ccionarios es s e s ant igos chefes,creon - se uma esp e

cie de jerarchia, no ap ic e da qual se acha 0 governo hollande z repres en tado p el o gove rnador ge ral .

A he red i tari edade na regenc ia, sem s er es tabel e c i da por l e i , tornou - se um costume . O mais das veze s trata - Se 0 negoc io em v i da dopropr i o regen te . O zel o e a fide l i dade dºesse funccionario

, que j un taa infl uenc ia aborígen e a categoria oflicial

,são qual i dades que 0 govern o

recompensa promet tendo - l he para 0 fi l ho a successao no cargo . E prec i so que poderosissimas razões se d eem para que se não s i ga es ta re

gra, e ainda nºesse cas o e 0 succe s s or escol h ido ent re o s membros da

famí l ia s enhorial .São e xtremamen te de l i cadas as relaçõe s dos funccionarios euro

peus com os grande s da Java .

sub -

p refeito e a pessoa re sp on sav e l . Rec eb e do govern o as suasinstruccões e e cons id erado chefe p ol í t i co da prefe i tu ra . Is to p orémnão obsta a que 0 regente, pel os seu s conhecimento s locaes, pel o seu

3 10 A Hollanda

nasc imento,p ela sua infl uenc ia na p opulação , pel o s eu l uxo , repre

sen t e um pape l mui to mai s importante que 0 do sub -

p refeito .

Como rep re sen tan t e do e l emento javanez , 0 r eg ente fal la ou sup

põe- se que fal la em nome dos cem ou duzen tos mil habi tan tes da re

gencia . Ninguem na me t ropol e se inqu i e ta com o d escon t entamen tode um sub -

p refeito , cu ja subs t i tu i ç ão , dado 0 hab i l corpo de empregados de que d ispõe 0 gov erno , e

'

a mai s faci l. das c o i sas,ao pas so que

a d ispos ição mais ou menos host i l do regente'

pode produzir a i u sufreicao e occasionar perturbações grav e s .

D ºe st e conjuncto de circumstan cias re sul ta uma srtuacao Singu lar,

em virtude da qual e' 0 i nfe r ior que man da 0 sup eri or . O sub—p refeitoordena ao regente que lhe di ri ja os s eus re l at o rios , que lhe mande

gen te para trabalhar nas obras publ i cas , que cobre as cont ribuicões º

c onv oca- 0 ao con se lho q ue ell e , sub -

p refeito , p res i de , e l ouva- 0 ou re

prehende- o .

Estas re laçõ e s de uma e sp ec i e tão part i cular e x i gem,para se tor

narem acceítaveis, um tac to fin í ss imo e uma de li cadeza e xt raord inaria.

A pol ide z e in nata nas p essoas nobre s da Java . Se 0 europeu éb em educado e d is cre to

,se sab e procede r com d i gn idade correcta e

afiavel, t em a c erte za de que o reg ente p e la sua part e lhe tornará aadmin i stração faci l . A ord em mai s dura do sub -

p refeito, desde q ues e ja expre s sa pela forma del i cada de ped ido , e pon tual men t e execu

tada p el o regente .

O sub—p refeito é um b urgue z , b urguez men te re tribu ido segundo ot rabal ho do s eu cargo

,e v ivendo b urgue z men te . O r eg ente e um ari s

tocrata, um príncipe d e san gue , d ispondo de um rendimento annualde 1 00 a 200 con to s d e rei s , vivendo em s umptuosos palac ios com

prehendendo mui tas casas e ch egando a ter por dependenc ias al d e iasi n t e i ras . Estas diflerencas de jerarchia, de nas c im ento e de r i quezaat t enua—as o p rop ri o r egente, at traíndo grac i o samen t e á sua i n t im idade o sub -

p refeito e con s id e ran do a sua qual i dade de rep re s en tant edo rei da Hol landa como a dist inccão suprema con trab alancando to

das as out ras . Dºaqui uma grand e fac i l i dade de trat o e uma c ord ial i

31 2 'AHollanda

di to pos su e as s im como 0 proprio sub dito perten cem ao sob erano .

Que O regente favoreça com um s impl e s o l har de d es e j o 0 caval l o , ob oi, 0 bufal o , a mulh e r ou a fi l ha do homem do povo na Java

,e im

mediatamen te est e se desap ossará , em favor do príncipe, do ob j ec to

que e l l e lh e fez a hon ra de appetecer. Desd e que a regenc ia prec i sade bracos para qual que r s er v i co que se ja, a população dã- lh

ºos incon

dicionalmen te sem re tri bui ção al guma,pondo todo 0 s e u escrupulo ab

solutamen te de s in te re s sado em cul t i var a t e rra,em l impar O jard im ,

em abr ir o canal na propri edade do regen te . Impos s i v e l conv ence r oindígena de que o prí nci p e não e ho j e mai s que um funccionario salariado pel o gov erno hollande z , ao qual o ex- s obe rano vendeu por umrendimen to fixo todos os s eus di r e i tos dºelle e os dos s eus subditos '

Mui to s dos r egentes , t endo po r cumpliç e a admin i s tração hol landeza

,abusam d

ºesta i gnoranc ia geral e expl oram - a da mane i ra mai s

i n iqua,mai s d eshon rosa, mai s aviltan te para a civilisacão d

ºeste s eculo

dando em resul tado final O fac to mon struoso de en r iquec e r m ei o mun

do com o t rabal h o da Java e de morre r de mis eria e de fome 0 tra

b alhador javanez !

Em honra da Hol lan da cumpre con s ignar uma c ircum stancia at

t enuan te da i n i quidad e dos me ios empregados para dar ao mundo o

esp ectacul o as sombroso dºesse pequeno povo, que , t endo apenas na

Europa quat ro mi lhõ es de homens nºum t e rr i torio de s e i s cen tas e quaren ta mi lhas , consegu iu conqu is tar, arrancar a es tagnação e arrancará anarc hia, man tendo - o na su j e i ç ão mai s compl eta e mai s absoluta ena product ividade mais ex t raord inaria, um imper io as iat i c o de quat rom i lhõ e s de homens e de uma ex t en s ão de vi n te o it o mil novecen tas e

v in te e tre s mi lhas quadradas .

Essa circumstancia e'

que , t endo - s e tornado o systema col on ialhollande z um dos mai s d ebat i dos pon to s de c on trovers ia en tre os parti dos c onservadore s e os part i dos lib eraes

,t en do s ido a s i tuação pol i

t i ca e ec onomica de Java ob j ect o dos mai s numeroso s est udos fe i to s

por escriptores , philosophos , economistas e viaj an tes de t odas o s paiz es , n enhum gri to em favor da j u s t i ça ul trajada, da Ind ia opprimida,

As Colon ias 3 1 3

fo i tão v ibran te tão energi camente formulado , t ão p rofundamen te sent ido , como 0 que na propria Hol landa l e van tou 0 el oquen t e escriptornac ional o s r . Dowe s D ekke r .

P or mai s que o s v íc ios d e uma soc i edade pare çam constitucionaes

c incuraveis,por mai s que s e jam flagrante s os s eus de svar ios

,por

mai s morb ido que s e ja 0 carac te r d os s eu s e rros , desde que e l la possue a suflícien te p orção de s e iva regeneradora, de exhub erancia de

vida p ropria para produzir em si mesma um grande escriptor di s s iden te d o seu meio , que i ndep endent emen te 0 analysa e refuta, e s sasoc i e dade p rogri de . Só morrem pela e stagnação do p ensamen to os paize s em que não ha s ob os de l in eamentos ge raes dos systemas c on st ituidos, mai s ou m enos occu l ta pela apparencia das formas ex te riore suma c orren t e con traria de ideas qu e l en tamen te morda a rai z do ex i ste n t e

,impellíndo a evolução creat i va do futuro . Civilisacões condem

nadas a diminui r ou a desapparecer são un icament e aquel las em que

a c i rcu lação do p en samen to , c ond i ção v i tal da soc i edade , se immob il isa no op timi smo oflicial das lit teraturas subm is sas e cont ent es .

3 1 6 A Hollanda

dias quando a influencia das p rimei ras republ icas indep enden te s e democrat icas da an t i guidade ab range o mundo int e i ro depoi s da derrotada P ers ia . É o que su cc ede na I tal ia do t empo de Fra Angelico , ,

de

Leonardo de Vinc i , de Migu e l Ange l o , de Raphae l , do Tic iano , deP aul o V eron ez

,quando as repub l icas de Florenca e de Veneza eram

os novos e unic os centro s da in dustria e do c ommerc i o mar i t imo daEuropa . É o qu e succ ed e em Hispanha no t empo de Velasquez , deMuri l l o

, de Z urbaran e de He rrera, quando o desp oti smo catholico

monarch i co de sp ed ia o s eu v ict or i os o c larão suprem-

o v encendo os turc os em Lepan to e di sp ersando todo o ouro trazido da Ameri ca pe l osc ompanh e i ros de Col ombo em armadas

,em exercitos e em autos de

fé,expul sando do so l o nac i onal os j ud eus e os mouros e bat en do os

p rot e s tan te s na Flandre s , na Fran ca e na Inglate r ra. E o que succe deem P or tugal quando depoi s . que os n avegadores portuguez es dobraram pe la prime ira vez o cabo tormen torio pen e trando no '

desconhecido

mar t en ebro so , Camões , deu a art e a grande e immortal epope ia ma

rit ima que é ao mesmo t empo o Novo Testamento,a Ilíada, a Eneida

e a Divina Comedia da civilisacão da Renasc en ca . Efi nal m ent e o quesu cc ede na Hol landa quando e st e p equ eno pai z , p recedendo doi s s eculos o resto do mundo na c ons t i tuição das grandes bas es da civil i sacão comtemporanea, c o rôa a sua revo lução heroi ca com o e s tabe l ec imen to svstematisado de todas as l i b e rdade s— a l i b e rdade de con scie ncia, a l iberdade de pen samen to , a l iberdade de commerc i o , a l ib e rdadede i ndus tr ia,—ao mesmo tempo q ue todo um mundo moral baqueem torno d es sa nas c ente s oc i edade ; quando em Franca se ia preparando j á a revocacão do ed i to de N an te s ; quando a In glat e rra decapi tava Thomaz Morus , succ edendo—se o desp ot i smo sangu inari o deCromwe l l ao despot i smo apodre ci do de Carl os t ; quando a I tal ia en

carce rava Gal i l eu e qu e imava Van in i ; quando em P ortugal e em His

panha os Filippes e os frades c onvert iam em in s ti tu içõ es publ i cas aexpo liacão dos h e re j e s , a p i l hagem e 0 queimadeiro .

Raynal põe na bocca de um hollandez do s ecul o xy n a s eguintedefi n i ção da sua pat r ia :

Á t 'l t' 3

«A t e rra que eu hab i to fui eu que a t orn e i fecunda, fui eu que ato rn e i b e l la

,fui eu que a torne i t e r ra. O mar ameaçador que cobria

os nos so s campos quebra- s e agora c ontra d iques p ode ros os que eulhe oppuz . P urifique i o ar que as aguas e stagnadas enc hiam de vapo

res mortaes . Fui eu que l e vante i as c i dades sobe rbas s obre os l odosonde fluctuava o oc eano . O s portos que c ons tru í e os canaes que ras

gueí rec eb em todas as produccões do un i verso d e que eu di sponhocomo quero . As heranças dos d emai s povos s ão posse ssõ e s d isputadas ao homem p el o homem : a que eu l egar aos meus fi l hos arranque i—aeu propr io aos e l emen tos consp irados cont ra mim e que eu dom ine i .A qui estabel ec i uma nova ordem phys ica e uma nova ordem moral .Fiz tudo onde não hav ia nada. O ar, a t e rra , o gov ern o , a l i b e rdade ,t udo é obra minha . Tenho a gl or ia do meu pas sado e quando ol hopara 0 futu ro v e j o com sat i sfação que as nossas c i n zas repou sarão emterra tranqu il la nos mesmos l ogares em que nossos pae s v iam formar—seas t empestades do mar . »

Na pos se pl ena do seu des tino toda a Hol landa pacíficada resp i ralargamen te a gl or ia, a fe l i c i dade , a al eg ria . Esse p equeno e humi ldepovo fleugmat ico

,t rabal hador

,econom ico

,i n v en t i vo , mode sto , p rovo

cado pelas mais arrogan te s e pode rosas naçõe s do mundo , bat era e

d errotara a

'

Híspanha, a Ing lat e rra e a Fran ça . A guerra, que arrn inara os in imigos enriquec e ra a Ho l landa p e l o commerc io do mundo .

q uan to combat ia no mar edifi cava em t erra . Levantara diques,ab rira

canaes , d is se cara pan tanos , saneara c idades , c on st ru í ra pontes , armarae stal e i ros

,fundara' e s colas

,egrejas, palac ios municipaes, recolhimen

tos d e vel hos e de in validos , hosp i c i o s dºorphãos , sede s de assemb le'

as

commerciaes, de soc i edades lit terarias e scien tifi cas,de as soc iaçõe s de

operar ios , de i rmandade s d e art is tas , de companh ias d e arcabuze i ro s .

Tinham - s e reac en di do os seus lare s , agora mai s re colhi dos e mai s me igos ; t inham - s e enchido de flore s os s eus jard in s , t i nham - se c oberto d evacas e d ª

ovelhas os s eus p rados . Todas as hos t i l idade s com que anatureza 0pprím ia o habi tant e c onve rt e ra—as e l l e em outros tantos auxiliares da civilisacão

,da r i queza

,do b em estar . Do pantano hz era as

3 1 3 A Hollanda

mai s commodas v ias de transport e enxadresadas sob re o pai z in te iro .

Das podridões paludosas e das lamas i nfec tas fi zera o adubo da cam

p ina ve rde jante , bas e da mais s impl e s , da m ai s fac il , da mais p roductiva e conomia ru ral , em que o prado engorda o rebanho

, que por seu

tu rno engorda 0 prado , resu l tando dªesta evolução de se rv iços o que i j oque produz 0 mi lh ão . Dos ven tos da reg i ão desarborisada e chata feze s s e apparelho unic o no mundo chamado o moinho ho llande z , t rabalhador subm is so

,di scre t o

,ze l os o

, que posto ao s ervi ço de cada casafaz tudo quanto se lhe manda

,rega e enxuga, e distíllador e mol e i ro ,

pi za, p ene ira, espreme , imprime , serra as taboas,racha a l e nha, da a

bomba, faz andar o repuxo e t rabalhar a cas cata, amas sa o p ão , l e vaa agua aos quartos , canta s empre , não re sponde nunca, e sust enta- se

de ar. Do mar te rr i v e l fez O an imal domes t i cado e docil, 0 s er v o nel, ab e s ta de carga do grande commerc i o , a immen sa vac ca l e i t e ira de quese muge 0 harenque , e 0 rec ove i ro das Ind ias , que em cada s emanadesp e j a nos balc õe s de Amsterdam e de Rotte rdam os milhões exp lo rados pe l o negoc i o nas fe i torias e nas p os se ssõe s da Ameri ca e da Asia .

Este p ovo tão rep entinamente en riquec ido é ao mesmo t empo umpovo illustrado. No fim do s e cul o xv i e screvia 0 viaj ant e Guícciardini

que quasi t oda a gent e , até nas al d e ias , sab ia l e r e e screver e t i nhaem ge ral p r inc íp io s de grammat i ca .

"

Eram frequent e s as soc iedade s deeloquencia e de r epresentaçõ es theatrae s . A art e d e imprimi r era act ivamen t e ex e rc i da nos P aiz es - Bai xos desd e a s egunda metade do s ecu lox v pe los typographos flamengos refugiados em Leyde , mas no comecodo s ecul o xvn o prime iro dos Elz evieres e s tabe l ec i d o em Amst e rdamda um impul so enorme a vulgarisacão da lit teratura pub l icando pe laprime ira ve z em ed içõ e s p opulare s os grandes auc tore s lat inos . Finalment e na Hol landa an tes do que em qual que r out ro pai z da Europaapparecem as pr ime i ras gaze tas com o al vorec er do s ecu lo xvn . Ne

nhum pai z constroe tantos navios e publ ica tantas ob ras . A l i v re Hol

landa e en tão na Europa o grande empori o do commerc i o das mercadorias e das i deas . Amst erdam , que no p r incípi o da guerra da in dep endenc ia t in ha apenas habi tantes , t em em 1 6 1 8 .

320 A Hollanda

t e ria d e cosinha . S ão ex tremamen te aceiados na casa e n o t raj e e

t eem grande quant idade de move i s , uten s í l i o s e ob j e c tos domes ti cos,

com uma ord em e um bri l ho admiraveis, como em nenhum out ropai z . »

Descarte s, que em 1 6 1 7 v ie ra al i s tar - se como voluntar io nas t ro

pas de Mauri c io de Nas sau , t endo com o tan tos ou tro s sab io s d essetempo adoptado a Hol landa como s egunda pat ria, e sc reve de Amst erdam ao seu amigo Bal zac : «N ª

esta grande c i dade em que me acho nãoha n inguem

,c om excep ção de mim mesmo

,que se não occup e do tra

balho mercant i l , e todos v ivem de tal modo absorv idos p e l o s s eus pro

prios n egoc ios que eu poderia aq ui ficar t oda a m i nha v i da sem que

n inguem des s e por mim . P as s e i o todos os d ias no me io da c onfusãodºeste grande povo com tanta l ib erdade e com tanto s oc ego como no

mai s sol i tar i o jard im , n em est e ruído de gen te i n terromp e .mai s as

i deias do que o murmurío de um regat o . »

O s embai xadore s venez ianos not ic iavam : «Estes povos são t ãoin cl inados a i n dus tria e ao t rabal ho que n ão ha co i sa difll cil que e l l e snão con s igam faze r . Nas ceram para trabal har e para economisar, e

não ha quem n ão t rabal h e . »

P erival accrescen ta : «São tão i n im igos do mau go vern o e da oc i os idade que ha l ogare s ond e os magis t rados met tem na cade ia os oc i oso s e os vagabundos , obr igan do - os a trabalhar e a ganhar a v i da

,quer

que iram,quer n ão . »

Tal é o momento h i s tori co em que a p in tura hollandez a, des l i gando - se i n te i ramen te da tradi ção floren t ína e veneziana e da t rad ição flamenga, en t ra no cyc l o dºoiro da sua carac te rí s t i ca e poderosa originahdade .

A con s t i tuição phys ica do s ol o e o reg imen corre lat i v o da s oc i edade dão á art e na Hol landa uma nova phi l o soph ia, uma nova poet ica, um novo styl o

,uma nova t echn ica. Em Florença, em Ven eza,

em_

R0ma, em Madri d

,em Sevi l ha, em Bruges , em Gand

,em An

ver s,a art e con t inuara a ser svmb olica como na ant i gu idade grega

,

bysan tina e romana. A re vo l ução christã não fize ra mai s do que des

A Arte 32 1

l ocar no e sp í r i to e na obra dos art is tas O e ixo da my thologia. Em

v ez de deus es e d eusas que rep re s en tavam ideas com eçaram—s e a fc

ze r santos e santas , heroes e heroínas symb olisando vi rtud e s e facto sh i s toricos .

No mundo hellenico o un iverso é Z eus , i nd iv í duo d e barba l onga,cabe l l o anediado , c orôa de ol i ve ira ou de kotinos

,tun ica fluctuante

t endo em uma das mãos o rai o e na outra um sceptro enc imado poruma agu ia. No mundo christão O un ive rso e o P adre Etern o , de barbab ranca e cabel l o s branco s , um espl endor em d isco em t orno da fron t e

,

uma tun i ca azul im i tando a himation grega, o rai o s ob re uma nuvemaos pés, e uma pomba branca adejan te por c ima da cab eca.

Hera,A th ena

,Artem is

,Appol o

,He rme s , Eros , Ves ta t e em ima

gen s equ i val en te s nas v i rgen s de diversas in vocaçõe s,n os pr0phetas,

nos apostol os,nos santo s ; e ha l e giões de an j os , de archanjos, de che

rub in s, de s erafi ns , de demon ios , que s ub st i tuem as musas

, as nvm

pbas , as harp ias e as parcas . J unt em al gumas fi guras de prín c ipe s,de

rei s e de papas e al gun s moti vos de arch i t ec tura dori ca ou corin th ia,e eis ahi o arsenal da p in tura c las s i ca da i dade—med ia e da renas c euç a . Um canto de azul

,um recor te de montanha e uma ou duas arvo

res c on st ituem a pai sagem que as veze s apparece , por uma aberturade col umnata, ao l onge .

Toda a p in tura ou era ec cl e s ias t i ca, ou era mvthologica, ou era

cortez ã. Ve jam - s e os grandes quadro s dos s ecul os xv e xv i na I tal ia,

na Hispanha e na Flandre s .

Fra Ange l ico faz o grande re tab ulo da Coroação da Virg em, do

qual Migue l Ange l o e x c lama : « E pre ci so que e st e padre t i ve ss e i do aoparai zo . »

Masac c io faz a Vocação ao apostolado de S . P edro e de San toAndre

, Adão e Eva expulsos do paraizo , O nzartrrio de S . P edro .

O P erugino comeca a decorar a cap el la xist ína com 0 fres co d eS . P edro r ec ebendo as chav e s de J esus , e enche as suas te las d e assumptos do Nov o Testamen to .

Leonardo de Vinc i,alem dos do i s r e tratos famosos

,o de .

, l l onna

2 1

322 A Hollanda

Lisa e o chamado da Belle Ferronier e , não trata sen ão sc enas re l igi osas,— a Virgem dos rochedos

,a Santafamilia, a Ceia, Jesus e os dou

tores,etc .

Andrea del Sarto occupa- se de assump ções, de annunciações, ded isputas ácerca da Trindade , da Eu charistia, e de cas os b ib l i c os comoa Visao de Ezequi e l '

e 0 sacr ifi c io de Ab rahão .

Raphae l e Miguel Ange l o t e em a sua gloria art i s t i ca vinculada ad e coracao eccl e s iast ica do Vat i can o e da cap e l la xis tina , A Transfguração, o Jz z iz oj nal, a Creação do mundo , a Creação d

i

Ez/a, o P ec

cado de Adão , as madonas de todos os at trib utos,a da cadeira

,a da

rosa, a do menino, a do passaro , a do p eixe, bas tam para carac terisar

preoccupaç ão re l i gio sa dos dois grandes mest re s , Além dos assump tos sagrados t udo mai s

,com e x cep ção dos re trat os

,na ob ra de Rã

phael e de Miguel An ge lo são grandes symb olos h is tori co s da indep endencia da I tal ia, prodigiosas allegorias das conqui s tas da Renascen ç a

,sub l imes ab stracço es mystiç as , ph ilosophicas ou poeticas.

Com P au lo V eronez,com 0 Tin toreto , com Ticiano vemos appa

recer as apotheos e s dymnasticas, as allegorias palac ianas , os re tratosde re i s e de pr in c ip es

,dos seus bobos

,dos s eus caes favori to s

, das

suas amant e s,dos s eus cavallos de guerra ou de parada

,não c es sando

todavia de desfilar s emp re a eterna proc is s ão dos patriarchas e do sdou tores da Egre ja, das v irgens , dos mar tyres

,dos san to s e das san tas .

Na Flandre s p egam ao andor catholico V an Eyck,V an derW ey

den , V an der Goes , Bar ts , Meml ing , Bos ch .

Em Hispanha, j á em pl en o s e culo xvn , Muri l lo , R i b era, Z urbaran con t inuam ainda a agrupar em e xtas e v i rgen s

,S . J os e's

,S . Jooes

e Meni n os J esu s , a t ratar l ep roso s p elo uso e x terno de mãos de princ ezas , a bafe jar presepios, a pô r em debandada paral í t i cos

, ent isi

car fre i ras , a hypnot isar monge s e a n esfolar martyre s .

Em França p el o m esmo t empoO p in tor nac ional P ous s i n, um

tanto enfas t iado— o que se comprehende b em !—de faz er mais uma

Ceia, mai s um S . Francisco, mai s um Adão e Eva no p araigo, m ai sum S. P aulo, mai s uns p oucos de

'

martyrios , mai s um Diluuio Uni

324 A Hollanda

c oncebeu o fi l ho sem conhece r 0 e sposo , toda e l la amor e toda ella so

ledade, parenth ese un ico na s emp it erna e volu ção dos seres . N ão e j á

a morena fi l ha de Jerusal em , do grande epithalamío da natureza cha

mado o Can tico dos can ticos , a qual era como as ten das de Kedar ecomo as c ort inas nupciaes de Sal omão . J á não e

' rosa de Saron,nem

o l í r i o dos val l e s ; j á não e' a que as c on cub inas v iam com i nve ja,b el la

como Tirtsa, t erri v e l como os exercitos que avan çam de bandei ras aoven to

,e sp e rando o amado ao cal or do sol

,en tre as vi nhas e as ma

dragoras do Líbano , para lhe dar a resp i rar o aroma de myrrha quet em no su l co do s e io , e a b eb er o mosto de romãs p i sadas entre as pero las “

da sua bocca . A Egre ja deshuman isou - a i n te i rament e,l evant ou—a

da t e rra e pol- a n o e spaco fr io e t ransl uc i do sob re um cres c ent e 'de lua

en t re uma chorêa d'

anjos , com o ardent e e fe cundo be i j o humano,sym

b olisado na se rp en t e , e smagado aos s eus pés . E a rosa mystica, at orre davidi ca

,a casa aurea

,es trel la matut i na; e

'

a regina'

angelo

rum, a r egina p atriarcharum,a r eg ina prophetarum,

a r eg ina ap ostolorum,

a reg ina mary/rum , e'

a mãe da div i na graça,é a mae do

Creador . Mas j á não e a mãe do homem ,nem a mulher do homem

nem a fi l ha do homem . Nem nos pode amar,n em nos p od e en t ender

,

nem nos pode p erdoar ; pode ap enas p edir por nós , e é e s s e o seu des

t ino : Ora p ro nobis sancta D ei genitr ixNo s tyl o dºestas c ompos i ções s en te - s e o fi m de pros e l i t i smo e de

apparat o com que eram fe i tas . D es tinadas á sala dºhonra dos palacios, ás egrejas e ao s conv en to s , e s sas telas t inham de fal lar a uma

mul t idão fl uc tuant e,t inham de a de te r n a pas sagem

,de a penet rar t e

pen t inamen te,reduzi ndo - a, sub j ugando - a, e

,s endo pos s íve l

, conven

c endo - a . Dªahi a i nve st igação de mil effeitos p uramente theat raes, uma

conven ção sc en i ca : a dramatisacão do'

assumpto , a brac e jada rhetorica

da palleta, a emphas e da côr, a sonori dade campanuda da l uz , a gest iculacão do desenho

,o gr i to agudo do movimento .

O ra, de nada di st o s e trata hoj e na arte , cu j o ob j ec to nã o e'

dis

cu rsar, nem catechisar,

'

nem i n t imidar, nem in terpre tar hypothes e snem concretisar ab stracç o es

,n em en obrec er

,nem subl imar

,nem sub

A Arte 32 5

tilisar c oi sa al guma . O que t odos n ó s procuramos ho j e na arte e'

uma

real i dade indi scuti v e l , por mai s humi lde , por mai s ob scura que e l las e ja

,l ealmen te , honradamen te , re l i gi osamen te s en ti da por uma grande

alma. O que nó s queremos ver na obra art í s t i ca é a mais c lara e a

mai s b rutal e v id enc ia p eran te a mai s p rofunda,a mai s âna e a mai s

del i cada s ens ib i l i dade .

Vamos vêr c omo a p in tura hollandez a re sponde a e sta aspi ração do e spí r i to moderno .

Todo o symb olismo acabou,acabaram todas as apotheo se s e to

das as allegorias , acabaram os assumptos re l ig ios os e os assumptos

palac ianos .

Na Hol landa do s e cu l o xv i], prote s tante e republ i cana, não ha ocul to das imagens , não ha pai n e i s nem retab ulos nas egrejas, não ha

c onvento s,não ha pre lados e não ha pr inc ipe s . O s art is tas , qu e no

re sto da Europa s ó t rabal havam por encommenda dos papas,dos re i s

,

dos archiduques , en cont ram - se na Hol landa p ela prim e i ra vez , fren tea frente e a só s com o povo .

O povo que as s im vae impor a arte o seu gosto e,como j á v imos

,

o mai s gl ori oso , 0 mai s illustrado e o mai s r i c o do mundo . A fal ta demontanhas e a fal ta de p edra d esv iavam - o da t end enc ia para a arc hi t ecrura e para a esculptura . As circumstancias geologicas em que se

formou o carac t e r nac ional at rophiaram nºelle a flô r de en thusíasmo

de que re sul ta a poesia hero ica e o s poemas ép i c os . Na l uta com a na

ture z a o enthusíasmo i nu ti l e é pre j udi c ial ,bas ta a re s ol ução . O en

thusiasmo di s t rae da preseveranca e compromet t e a con tinu idade daapplicacão rac ioc inada e cons tan te . A monoton ia dos horison tes fechados p elas dunas e p e los d ique s, a humidade do cl ima, o l ongo i nv ernobrumoso

,cortado de aguac e i ros , a vida mar i t ima, as l ongas v iagens ,

deram—lhe o amor do recol him ento domes ti co , da fami lia aconchegadae pacífica, do lar confortave l e al egre . Como não ha a v ida de côr te

,

n em a v ida nob re , n em a v ida m i litar,nem a vi da ec cl e s ias t ica em que

o dinhe iro se c oncent re para se disp ersar no jogo , nos sarau s , nos b anquere s

,nas embaixadas , nas paradas , nas caçadas , nas novenas , nos

326 A Hollanda

t e - deums,nas romagens , nas v igilías dos santo s p opulare s , no luxo

dos moste i ro s,das collegiadas, dos cab idos , dos patriarchados , a ri

queza adquirida en tra i n tegralmen t e na famil ia e na casa. Cada i n teriordome st i co se c onvert e n ªum pequeno muse u em que a art e enobrece ,quas i que sant ifi ca cada move l, cada utensílio do ménage, ain da o mai sob scu ro e o mai s h um il d e .

As formas mai s bellas e as dec oraçõe s mai s e l egante s da art earch i te c tural , col umnas, pi last ras , arcadas , cariat i d e s , medal hões , b aixos re l ev os , applicam—se ao s b el lo s e monumentaes armari os , aos leitos de carval ho encrustados d

ºeb ano, as arcas de roupa branca

,ás

mesas de s tyl o flamengo , ás chaminé s , ás es tante s , aos c ontadore se ás molduras do s e spelhos . Mu i t os d es t e s move i s s ão de uma e l e

gancia de formas , de uma pure za de styl o , d e uma finu ra de acabamen t o , que s e não e xc ed e . A lguns são i n crustados de fl ores polychromas . N ªum pequen o armar i o do p ri nc i p i o do secul o xvu que v i emAmsterdam ,

as alm ofadas das quat ro pontas são ornadas de bai xo srel e vos em car val ho e da d imen são de um palmo rep res entando innumeras figurin has com vastos fundos d e arch i t ec tura e de pai sagemé a mai s d el i cada ouri v e sar ia gen ove sa ou floren tina applicada ao la

vor da madei ra .

O s cofre s de j o ias , de ferro forj ado , ou de made ira encrustada

de madreperola ou de cobre , al gun s ornados de esmalt e s,de pinturas

a ol eo ou de p lacas de p rata bat ida a mart e l l o e repres en tan do gruposde fl ores ou de m en in o s

,e s cudos de famí l ia ou animaes heraldícos

,

leõe s ou c egonhas , c ompetem com as mai s b e l las obras do m esmo gen ero quer flamengas , quer allemãs . As cade i ras que não

,s ão cob er

tas de tap eçar ia ou de b el lo s v e l ludo s de Utrech t em ton s ve rd e s ouamelados , são d e co i ro de Cordova lavrado , sem cô t e s no princ í p iodo s ecul o xv u, doi rado do m e io do s ecul o por dian te .

A s erral her ia e a latoar ia art i s t ica, ori unda de Gand , de Bruges ,e d

ºAnvers, t oca o s eu max imo e spl endor n o c omeço do grand e s ecul o

e enche as casas hollande z as das ma is b e l las ob ras : chave s,fechaduras, guarn i ções de p ortas; e squentadores , brase i ro s , fe rros de engom

328 A Hollanda

A aprendísagem do oflicio e stá fe i ta . A té 0 fim do se cul o XV I a pintu ra hollandez a confunde - se com a pi n tura flamenga e com a p in turai tal iana e sem adquiri r caract er l ocal nem distinccão de concorre nc ia

,

fixa pe la gravura a prec i s ão do desenho , apura e depura o conhec imen todo c laro e s curo , c ompl e ta a e s cala dos tons na c lave e scu ra e na clavec lara“

,e stabel ec e um regi s to d e côr , funda uma th eor ia li n ear, prepara

emhm uma palleta em que t odos os principaes el em ento s da t echn i ca se

acham reun ido s .

O art i s ta propr iamente hollande z , o fil ho da Neerlandia l ib ertae au'tonoma pe la c onfederação das P roví nc ias Un i das sob o stathou

derato de Guilh erm e de O range em 1 5 79 , t oma os p inc e i s por occas i ão da paz e da i ndep endenc ia re conhec ida em 1 609 , e co l l oca - se ao

cavallete , concent rado , commo vido , con sc i en te da al ta importanc ia datarefa que vae emprehender Exando na te la e perp e tuando para a posteridade a physionomia sobre t odas veneravel dos seus h e ro i cos conc idadãos .

O mais art i s ta e portan to o mai s e loquen t e e o ma i s persp i caz d etodos “

os cr í t i c os dºarte , o p in tor Fromen t in , dei xou- nos em uma das

Suas pag inas in comparaveís—mui to mai s l um inosas e mui to mai s concluden tes d o que as suas te las— e s ta formula fundamental : «O e st udop erfe it o do ros to humano ex ige do pin tor uma i ngenu idade at t en ta, subm is sa e poderosa . » E em seguida examinando os retrat os de Rub ens ,pergun ta qual é aquelle que nos sat i sfaça c omo ob servação fie l e pro «

funda, que nos i n s t rua compl e tamente ãcerca da p ersonal i dade do mo

de l o . De t odo s os homen s , cu ja imagem el l e nos de ixou, tão d iv ers os

de i dade, d e cond ição soc ial , de carac ter e d e temperament o , nao haum só que s e imponha ao nos so eSpirito como um individ uo s ingularb em dist incto , de que a gen te s e recorde como de uma d

ºessas caras

que ficam . A di s tan cia e squecem ; vis tos c on jun tamen te quasi que s econfundem .

«As part icu lar idades da sua ex i s tencia— diz 0 crí ti c o—nao os s epararam nit i damen te no e sp í ri to d o pin tor e s eparam - os ainda menosna memoria dos que só p e l o re trato os conhec em . Não d igo qu e o

A A r te 320

pin tor os vi s s e mal ; mas cre i o que os v iu superâcialmen te,pela epi

derme . Teem o mesmo sangue,t e em sobretudo o mesmo carac te r

moral , e t odas as fe i çõe s ex te riore s moldadas sobre um typo un iform e .

São s empre os mesmos olhos c laros,b em ab e rt os , olhando rec to , a

mesma côr de p el l e , o mesmo b igode finamen te torc i do l evantando emdoi s ganchos n egros ou l o i ros um can to de bocca s empre viri l

,i s to é

,

um tan to convenc ional . Bastan te ve rmelh o nos lab ios,bastante encar

nado nas face s,bastant e ro tundídade no oval para d enunc iar na fal ta

d e moc idade um hom em em bas e s normaes,robu st o de con s t i tu i ç ão

,

de corpo s ão,de alma s e rena . O mesmo nas mulher e s : l inda côr

,t e s ta

arqueada,largas font e s , o lho s aflôr do ros to , de côr s eme lhan te , de

exp res são quas i i den t ica,uma bel l eza propria d e ss e t emp o , uma am

plidão prop ria das raç as do Nort e,com uma e spec i e de graça propria

de Rubens , na qual se s en t e uma l iga d e vari os typos : Maria d e Me

dicis,a infanta I sabel , I sabe l B rand t e Hellena Fourment . Todas as

mulhere s que el l e p in tou parec e terem con t rahido , anez ar dºellas e ape

z ar d 'e l l e , no contac to de recordaçõe s p e rs i s t en te s um typo commum

de famíl ia . »

Froment in appl ica o mesmo reparo aos re t rato s de todas as mu

lheres do t empo de Lu iz xm ,de Lui z xiv , d e Lu iz xv . Todos os ré

t ratos de uma dada época t e em em geral um typo commum ao agru

pamento de que fazem parte,o mesmo sen tim ento

,a mesma exp re s

são,a mesma solemn ídade , o m e smo ar de famíl ia. Este phenomeno

p roc ede, de duas cau sas dist inc tas . A prime ira é

,como nos re tratos

de Ruben s,a in te rven ção an tec ipada d e um typo p reex i sten te n o s en

t imen to e no gos to do art i s ta e ao qual e l l e subord ina c on sc i en t e ouin cons c ien tement e a expres s ão do ret ratado , i l luminando - a e e sp ir i «

tualisando a al ém da natureza no sen t i do t ransc enden te da sua es the «

t i ca. N e s te cas o o re tratis ta proc ede com o re tratado como o ensaiador dramat íco impondo a um comparsa pel o movimento de um certoge s to a exp re s são ob j e c tiva da i d e'a que l he quer faze r sign ifi car . A

s egunda causa es tá na s e c re ta e p rofunda i nfluenc ia que os sen t imen

os,as i d e'as e as asp i raçõe s em voga n

ºuma c erta época e xercem

330 'A Hollanda

sob re a expre s são physionom ica da grande maio ria dos i n d i v í duos nassoc iedade s em que um dogmatismo auctoritario e t riumphant e torn at udo oflicial : a ph i l osophia, a art e

,a lit teratura, a moda, a conversacao ,

0 por t e , as man e i ras,o s orr i s o .

Na Hol landa n enhuma dªessas causas in tervem . Não ha na soc iedade typos predominan te s e ofll ciaes que imponham e d i ri jam a moda,e não ha no e sp í ri t o dos art i s tas estampilha p reconceb i da para a exp res são physionomica da be l l e za .

Cada um dos h eroe s da i ndep endenc ia ho llandez a t em o seu fei

tio part i cu lar e distincto,e para rep re s en tar o h eroísmo basta s impl e s

men te que um pin to r faca pousar em frente d o seu cavallete um let

t rado de Leyde , um burgomes tre de qual quer c idade , um capi t ão dequal quer navio da armada

,um soldado qual que r da guarda c ív ica

,.do

t iro de S . J orge ou d o t iro de San tºAnna . Todos e sse s h omens t inhamsupportado val orosament e na d efe sa sag rada dos seu s lare s a guerra,a fome e a p es t e . Todos e l l e s t inham batal h ado n os c ercos ao ladodas suas mul here s e dos seus fil hos . Eram os velhos companh ei ros d eGuil herm e e de Tromp . Haviam derro tado os híspanhoes nas Dunase os inglez es em Dunke rque . P ara defenderem a Hol landa da i nvas ãofrancez a t inham ab erto os d ique s ao oceano

,nos t rance s mai s du

v idoso s de uma gu erra con tinua e dese sp erada,e ram e ss e s homens os

que s e achavam re sol v i dos , p eran te a p e rda da l iberdade , a'

embarcarem mas sa com as suas famílias e a t ran sportar a patria para a Java .

Dºahí o re sp e i t o profundo

, a reconhec ida sympathia, a escrupu

l o sa exac t i dão , a t erna hum i ldade com que desd e o pr in c ipi o d o s ecul o xv n Mireveldt

,van Rav e st e in , van der Venne , Houthorst

,Frans

Hals,Rembrand t e v an der Helst re t rataram os seus compat r io tas ,

lançando por e s s e modo as bas es de esthe t ica, d e styl o e de t echn icaa t oda a pin tura ho llandez a .

A un i ca regra era aprov e i tar todos os recu rsos do oflicio e do tal ento, 0 d es enho , a modelação , o c laro—e s curo , a c ô r , a e sco lha da ex

pre s s ão,do mov imen to

,da physionomia e dos ge s to s para o uni c o fim

exc lusi vo de faze r j us to,de faze r c e r to

,de fazer parecido .

332 A Hollanda

e scuro dos personagens de Mol iere , o bigode e a mosca reduzem - se áexpres são mai s suc c i nta

,e apparecem as grandes cab elleiras de cachos

á Lui z x 1v .

Dºesses tre s quadro s 0 que menos p rofundamen te commove e a

Ronda da noite,precisamen t e o mai s theatral , 0 de mais e sforco in

ven t ivo , o de m ai s in te n ção de eloquencía, o menos simp lesment e ret rato d e todos os tre s . A Ronda rep re sen ta a companhia dos arcab u

z eiros do capi tão Kok no momento de sai r da doele para um pas se i om il i tar , tal ve z para um ex erc í c i o de ti ro no campo . Est e s imp l es facto é p orém revest ido de part i cu lari dades que o tornam obscuro , myst erioso , quas i incomprehensivel.

A l uz cai ndo n ão se sab e por onde , do al to e da e squerda paraa d ire i ta, bat e em che i o n

ºuma fi gura ex tranha de rapari ga loura c om

um gal l o á c in ta, envolvendo - a c omo n ºum e sp l endor sobrenatural . Ha

uma col umna m onumen tal m e ia esvahida na e scurid ão do fundo,uma

arcada, um prin c íp io de e scadaria. q uanto no primei ro p lano , aoc en t ro da te l a

,o cap i t ão Kok, ve s t id o de pre to com facha es carlate

,

caminha apo iado a uma al ta b engala e conversa fami l iarm ente com o

t enent e W i ll em van Ruijt enb erg ves t id o de gibão de seda c lara bordado de ouro , l uvas amarellas , chap eu alvadio com l ongas p l umas brancas, top e s de fi ta nos cal çõ e s , bo tas de bufal o e e sp oras d

º

o iro,o porta

e s tandarte,no te rc e i ro degrau da e s cada

,campe ia v ictori osamen te

,de

cabeca al ta c ob erta por um sombre iro de plumas c in zentas e brancas ,empunhando a grande b ande i ra desfral dada

,ao lado de algun s homens

de ca ,)acete , um dos quae s t em uma lanca em ri st e . P or t raz do ca

p i t ão um soldado d ispara um t iro,out ro e scorva um arcabuz

,um ter

ceiro carrega a sua arma. Um sargen t o sen ta- se,encos tado á alabarda

no parap ei to de uma gal e ria i n v i s í v e l . Um cão ladra . Rufa um tam

b or . Tudo is to é l umino so , mas não é luc ido .

Quem não t iver s ido p reviament e i nformado não en t ende co isaal guma do que t oda e s sa gen te vem faze r . É uma illustracão de um

cap i tu l o cu j o t ex to é in dispensavel l e r . Como quadro p ropriament ed i to é enygmatico , e apez ar da v ital i dad e sobe rba suas figuras e de

A Arte 333

todo o seu grande c larão de topaz io,de l uar e d

º

amb ar,fica uma

co i sa obscura, osc il lan te e c onfusa .

A Lição de anatomia e o re t rato em grupo do doutor Tulp e des et e medicos da g il de dos c i rurg iõe s de Amste rdam . Tulp , de c hap éuna cabeca, barba q uadrada, punh os branc os vol tados sobre as mangasdo gibão

,j un to de um cadaver mas cul ino em escorco ob líquo ao c en

tro do quadro,s egura na pon ta de uma t e soura de c irurgi ão os mus

c o l os do braco de s s e cado do cadaver, e expl ica a anat omia dªelles . As

demai s âguras t e em as cabe cas d escobertas,o s cab el l o s c urtos , a barba

i n te i ra . São em tamanho natural e m ei o c orpo,todos vest idos de p reto

com golas brancas . A sc ena pas sa se n ªum amphítheatro , e v id en temente em fac e do publ i co

,a quem Tulp s e d i r ige . Tres dos med icos

ol ham egualmen te d ”al t o para a assemb léa que deveria achar - se em

frent e do s p rofe ssore s reun ido s a vol ta da mesa de anat omia.

São ex t remament e intere s sante s al gumas op in iões de c rí t i co s e d ep int ore s a re sp e i to d e s te quadro .

Si r J ohnn R eynolds d iz a propos i t o da Lição de anatomia q ue osp intores da Europa podem ir todos aHol landa aprend er a p intar . O

s r . V iardot, que desc re veu e analysou os quadro s do museu da Hava

sem os ter vi s to , diz que a Lição de anatomia,s endo um assumpto

que não p ede n em in venção '

n em i deal con v inha perfe i tamente ao ge u

n io real i s ta do p in tor dos Gueux . Gustav e P lanche, que e gualment e

não viu o quadro e suppõe que os mes tre s da gi l de dos c i rurgiões deAmste rdam que as s i s tem o profe s sor Tulp são e s tudan te s

,dos quaes

um se esforça em não por comp rehender a exp osição do lente , acre s .

c enta que semelhan te tela só p oderia ser concebida por um esp ir itodesde longo temp o habituado a

'

meditaç ão O sr . Henr i Havard es

c reve : «O cadaver é o fac to p rinc ipal É poi s sob re o cadave r quecae a l uz . V eem depoi s os re t ratos . »

Froment in exp rime - se nos t e rmos s eguint es : «O cadaver tem fal tade es tudo . Não é um morto ; não t em como morto n em a b e l l ezanem a feíaldade nem a accen t uacão t e rri ve l ; foi v i s to p or o lhos indifferen tes , con si de rado por uma alma dist rahida . Não é mai s que

334 A Hollanda

um effeito de l uz bassa sobr e um quadro negro . Se o formato d 'e s sat e la lhe dá um c e rto val or , não bas ta porém para fazer dªella uma

ob ra p rima como tantas ve ze s s e t em rep e t i do . » Charl e s B lanc, com

os o lhos ainda ch e ios do des l umb ramento que lhe produziu em Am v

sterdam a Ronda da noite, s en t e - se fri o d ean t e da Liç ão de anatomia.

Theophi l e Gan t i e r acha tambem es te quadro mui to inferior á Ronda danoite . O Rembrandt da Hey

/a— diz e l l e— e' o Remb randt realista ao

qual eu p rcjiro muito o Rembran t visionar io de Amsterdam. EdmondThore, o mai s philosophico dos cr í t i c o s que e s tudaram a p intura hollandez a, i ncl i na- s e ao parece r de Gaut i e r e de Charl e s B lanc .

Es te s d iv e rs os j u ízos pat en te iam bem quanto se acha ai nda l ongeda sua const i tu i ção defi n i t i va a esthe tíca do nosso t empo . De todose s s es pare c eres , desd e o d e Reynold s , que é o rep res entant e do an t igodi l e t tan t i smo hollande z , en thusíasta do acabament o mai s e sc rupulosode cada detal he

, até o de Fromen t in , para quem e s sa preoccupaç ão éum erro noc ivo á i n ten s i dade da exp res s ão do conjunc to , c re io q ueRembrandt não acceítaria i n te i rament e n enhum d

ºesses decre tos da

c ri t ica . O ra é un icament e e directameu te Rembrand t que eu des e j oin terrogar .

El l e não acceítaria as obs ervaçõe s de Froment in e de Havard a

re spe i t o do modo como e stá pousado e c omo es tá p intado o cadave r,

p orque e l l e n ão fez do cadav er o ponto culm inante mas sim o acc e ssor i o in te i ramen te subal t e rno da sua c ompos i ção . O re trat is ta de Tulpe dos s eus confrade s da gil d e a que se des ti nava o quadro nunca pret endeu faze r uma lição de anatomia como mai s tarde chamaram ao

s eu quadro,mas um simpl e s re t rat o d'homens v i vos

,repre sen tados

nºum ac to hab i tual da sua profis são , onde a morte dev ia quanto foss ep os s i ve l perder a phy sionomia cadav eri ca e a expr ess ão t ragica, nãoapparecendo com mai s inte ress e dramatico aos ol hos do publ i c o do

que aos olho s do proprio anatomi s ta . O morto n ão é nºest e quadro

sen ão p rec i samen te o que e l l e é no ac to que o quadro exp r ime , —umbas so clarão ind iffe rent e de que sae na ponta d e uma t enaz e s ta ev i

dene ia sc i en tifi ca : a theoria de um musculo .

'

O asp e cto de um cada

"

36 A Hollanda

Nos Srndicos aaccao dos p ers onagen s e tão s imple s tão restricta,

t ão part i c u larm en te dºelles , que não foi poss í v e l dar a e s te quadro umt i tu l o de gal e r ia, como se fe z c om os ou tros doi s cu j o nome prim i t i voseria Os cirurg iões e Os arcabngeiros . O s svndicos em tamanho natural ,vi stos at é aos j o e l hos , n as proporcões de quadro a q ue os hollandez eschamam l.:nieslulr e os ingle z es Á

'

neep iece, acham—se grupados em numero de quat ro a uma mesa com os l ivro s de reg i s tro da corporacão ,

as sim como os collegas do dr . Tulp em torno da mesa do theat ro ana

tomico . Como na Lição de anatomia a ac cao dos p e rsonagen s v ib ranºum grande e spaco ambien te fora do rec in to enquadrado n a moldura.

O s syndicos acham - se em fre nt e da as s emb lea dos mercadores d e pannos como os mes t re s da gi ld e do s c irurg iões em fren te de um curso deamphítheatro . Hou ve uma reclamacão da part e dªalgnns dos membrosda g il de . O s syndicos sen tado s , com os chapéus na cab eca, t endo portraz dºelles um criado de scob erto

,olham para o ponto onde se l e van

t ou o i n c i den t e . Um dºelles , a fi gura c en tral do quadro , bat e com as

c o s tas da mão aberta sob re a pas sagem do regis t ro que um do s coll egas aj udou a procurar

,s egurando ainda nos dedos a ul t ima pagina

do grande l ivro folheado . Á e squerda es tá um em p é,t en do acabado

de erguer - se para olhar para o fundo da sala emquan to , ao seu lado,

o mai s v e l ho dos quatro as s i s t e ao debate com uma placi dez indifl'

e

ren te caracte r í s t i ca do seu temp erament o e da sua edade . Á d ire i ta omai s n ovo , que tem na mão tina ornada d e um ann e l o sacc o en cer

rando tal vez as estampilhas de chumbo des t inadas a marcar as fazehdas arroladas , parec e enfadado com a ques t ão susc i tada e d i spos to a

levan tar - s e da mesa, para o que faz um—ge s t o che io de movimen to e

de e xp re s são .

Tal e'

a obra perfe i ta, a obra c on sumada, a obra cap i tal de Rembrandt

,fe i ta poucos annos an te s da sua morte e re sumindo as aq uisi

cões de toda a sua _ v ida. A manei ra de mode lar e de p in tar e nos SVHdicos ext remament e mai s p erfe ita

,mai s dec i s i va e mai s magi st ral que

na Lição de anatomia . A l guns do s confrade s d o dr . Tulp l emb ram re

t rat os de out ros mes tre s ja'

ent revi st os em alguma par te . O m esmo

A A rte 337

acabamen to met i cul os o banal i sa a expre s s ão das figuras , e sbat e sob a

tepida fluen c ia do p inc e l a p ersonal i dade do mode l o e a do art i s ta .

Nos Srndicos j á se não procede p e l o exac to c umprimento dos preceito s mas por sub itos e arro j ados impulso s que c on s t i tuem l e i s . Na sua

e s s enc ia p oet i ca es s e s do i s quad ros são porem a mesma co i sa : al gunsb urguez es de d ete rm inada p rofi s s ão no ex erc ic io da sua occupacão ha

b itual,pe rfe itamente en t regues aquillo que e s t ão fazendo ; meia duzia

de fi guras v e s t idas de pre t o sob re um fundo neut ro , envol tas n ªuma at

mosphera l uminosa e quen te , t en do por pont o cen tral um tom l iv i dode carne morta ou o tom rubro e bas so de um tapet e p ersa . Não é

uma symphon ia c omo a Ronda da noite, e um simp l e s acc orde de quat ro un i cos t on s . Somente na te la dos Sif'ndicos e s t e s i nge l o c on jun t op roduz um «

grito e uma Chamma . Ess e s quatro bon s mercadore s nãov ivem unicamente da sua v ida propria

,trasb ordam de si mesmos por

uma i n tens idade mysteriosamente commun icada de saude , de força, deact iv idade , de p l en i tud e .

Rembrandt era uma s ingular natu reza con tradic toria,e ai nda ho j e

mal defi nida pe l os s eus b iographos : era ao mesmo tempo um sen suale um id eal i s ta

,um e spectacu lo so e um s imp l es , um egoísta e um apai

xonado , um expansi vo e um conc entrado , a mai s e s t ranha comb inacão

de um carac t e r sal i en te,de t eno r

,e de um inst incto res ervado de ou

ric o cach e i ro .

A s suas con v 1ccoes de art i s ta fi guram - se—me porem p erfe i tament ec laras e l ogi cam en te deduzidas umas das ou tras at ravez de t oda a sua

obra. Nos seus quadros b ib l ic os,nas suas paiz agen s, nas suas gravuras

e na vas ta gal e ria dos r e tratos que fez dos out ros e de si mesmo ao

e sp e lho,desde os menos importan te s até e s ta marav i l ha un ica

,o mai s

e xtraord inario quad ro que eu t enho v i sto ,— o retrato improvi sado doseu amigo o burgomest re Si x

,em tamanho natural , fe l tro alvadio or

nado de uma pluma azul na cabeca,gib ão c inzen to

, co llarinho chat o ,t endo aos hombros uma capa de panno en carnado agaloada a o i ro

, c

repre sen tado no ac to de sai r de casa abotoando no punho uma l u vade castôr,

—o p rob l ema que e l l e con stantemente s e propoz em tudo

338 A Hollanda

quanto fez , nos se us burguez es , nos s eus magi st rados , nos s eus arcab uz eiros

,nos s eus patriarchas , no s s e us mal t rap il hos , p or me io de pro

cessos p rogres s i vos , asc endendo do mai s comp l i cado para o mai s singe l o, foi e xprimi r a mai s p rofunda e a mai s i n tensa real i dade do homem e da nat ureza, e xal tando por ten tosamen te a imagem di re cta dov i vo un icamen te p e l o s contac tos reHexos que essa imagem tinha deat ravessar n o s eu apparelho s en sor i o ao pas sar da verdade do mundopara a v erdad e da ar te .

Frans Hal s,cuj os quadros mai s importan t e s se encon t ram no mu

seu da municipalidade'de Harleem , e egualm ent e um ret r

'

at i s ta. N ãoconheco n enhum p int or c on temporaneo a quem o compare porqu e e l l eé mai s moderno q ue t odos os novos . O s o i to quadro s de Harleem , re

pre sen tan do em figuras de c orpo in te iro banque tes dos arcabuze irosde S . J orge e de Santo André e Regen t e s do hosp i tal de San ta I sab ele dos hosp i cio s de ve lho s e de ve lhas de Harleem

,são para quem os

vê p e la pr ime i ra ve z a mai or surprez a que se pode ter em pintura.

Nada mai s i n esp erado , nada mai s imp revi s t o ! Nunca de dent ro doquadrado de uma moldura me appareceu uma t ão podero sa i n t en sidade de vi da, uma t ão profunda accen tuacão de personal i dade.

,de tem

peramen to , de carac te r, de convenc imen to . Não cre io que p in t or al

gum houves se jamai s t ido a v is ta t ão lavada e tão l uc i da,a mão t ão

l ev e,t ão docil

,e palleta mai s che ia, mai s l um inosament e e mai s varia

damente composta.

P e la prec i s ão de sc ri p t iva de cada coi sa, p e l o c larão esp e c ia l decada physionomia, e p ela vib ran te harmon ia orche s t ral do c on j unto ,di r- se - ia

,para o exp r imir nºuma so phras e

,que o p in ce l de Hal s e s

cre ve e canta ao mesmo tempo que p in ta. A moderna eloquencia d o

pequeno de tal h e caract er i s t i c o e por e l l e en t end ida do modo mai s subt i l e ao mesmo tempo mai s magi st ral . Na sua manei ra de ser minudent e não ha um só traco mesqu inho

,in s i gn ifi cante ou inut i l . No seu

s tyl o de grande rasgo,á Rub en s ou a Jordaen s

,ha ao mesmo t empo

,

um escrupulo de promenore s , uma tal e scol ha e p rec i s ão de t e rmos,

uma t ão rigorosa adjec tivacão de l in has na exp res são de cada at tri

340 A Hollanda

um novo cri t e r io ar t is t ico : a preoccupaç ão dominan te da sem elhanca,

o e s tudo dire cto,di l i gen te e cons tan te do vivo ; a sub ordinacão dasfa

culdades inv en t ivas“

as facu ldades de exp re ss ão ; e o sacrifi c i o de todoo convenc ional i smo ao p ropos it o de ser e xac t o .

Todos os p intor es de g enero e d e paiz agem da immor tal l e gi ãodos p etits - maitres da Hol landa n ão são em u l t ima analys e s enão uma

c er ta e spec i e de r e t rat i s tas , as s im como os romanc i stas con temporaneos não s ão no fundo s en ão uma ce rta e sp eci e de his toriadore s .

Nºessa mul t i d ão d e art is tas que durante o s ecu l o xvn cons t ituem

a escola da pintura hollande z a,em Harlem

, . em Leyde , em Amste rdam

,na Haya

,em Delft

,não ha mei o de det ermi nar cat egorias . É in

t e i ramente impos s í v e l“peran te as suas obras d ize r quem são os mes

t re s e quem s ão os d is c ípul o s . Ha innumeros subi

-Raphaeis, sub -Ticia

nos e s ub - Muri l l os ; não ha n enhum sub - Ostade, nem sub - Ruijsdael,n em sub—Steen . Todos e l l e s s ão pore'm tão s i nc eros

,tão originaes, tao

expres s ivos , que na Hol landa,muito mai s fac i lmen t e do que emoutra

qual que r parte , os p i ntore s se poderiam classihcar pe l os s eus respect ivos t emperamen tos : os alegres , como Jan Ste en , V an O stade

,Adr ia

no Brauwer, Frans Hal s e Van Laer ; os scismadores, c omo Rembrandte Gerardo Dov ; os melancolicos, como Ruysdael, V an de Velde e P aul oP otte r ; os delicados, como Me t z u, Terburg e Frans van Mieris ; etc .

A quem tem a v i s ão adap tada às grande s t elas os ten to sas e theatraesda p i n t ura hispanhola, i tal iana

e Hamenga os dim inutos quadrosinhosho llandez es medi dos ao cen timeiro pas sam em geral d esp e rc eb idos nosgrandes mus eus de Florenca e de D

're sde,de Madri d

,de Berl i n , de

Londre s ou d e P ari s .

A l ém dºisso ha na p int ura hollandez a part icularismos especiaes

q ue se não comprehendem bem não c onhecendo a Hol landa. O s ju

deus e os mal t rap il ho s de Rembrandt são quas i íncomprehensiveis paraquem não v iu a j ud iar ia de Amsterdam . A s creancas de V an O s tade,

em"que e l l e re t rata de ordi nari o os s eus prop rios fi l hos de uma feal

dade tão carac teri s t i ca, são quas i phan tas ticas para quem não viu as

creancas do povo nas al de ias e n os bai rro s pobres das c i dades hol lan

A A rte 34 1

dez as . Quem não o lhou para o campo da Norte Hol landa passeiandoá tarde sobre as dunas á b e ira mar “ tambem nao comprehende s en ãouma pequena part e da magoa de Ruysdae l .

P ara en tende r tudo quan to os quadros hollandez es t e em que dizernos é na Hol landa, é nas gal e rias de Amsterdam e da Haya

, que p rec is o vel-os

,olhando - os c omo e l l e s querem ser olhados

,s erenamen te

, pa

cho rren tamen te,b em em luz, no vão de uma janel la. Então

,de rep en te

,

um pequeno ac ces sor io da composicão , a fran ja de um tape te , um l encocai d o nºuma cade i ra, uma c enoura no chão , um p ich e l de e stanho na prat e l e i ra, um copo tocado de l uz, um tacho de cobre r e luzind o p enden t e d eum prego , uma restea de sol passando pe la abertura de uma cortina

,apo

dera - se da nossa at tencão . Essa obs cura marav ilhasinha, que cada um

j ulga ter s ido o pr ime iro a escavar e a de scobri r , vae - nos depoi s gu iandol entamen te e c onduzindo pas s o a pas so para den tro da t e la . P oucosminutos depoi s

,caminhando de surprez a em surprez a, de s cobrimos

com pasmo q ue tudo no quadro é t ão p erfe i to como o prime iro ac c id ent e que nos tocou , e o ul timo praze r do nos so espírito e o de sen

t ir v iv e r por al gum t emp o a n ossa propria alma den tro da c on cavidad etep ida e l oi ra dºesse p equeno mundo , tão doce , tão hospi tal e i ro , tão in

genuamen te t e rno , tão fami l iarmen te aconchegado , que um simpl es pincel apai x onado de verdade aprofundou n o espaç o de algumas pollegadas sob re a sup e rfic i e de uma tabo inha .

Toda a pat ria ho llande z a se acha p l enament e e fie lm ent e refiectida

na obra t ão compl e ta e t ão vasta dos s eu s pi n t ore s do s e cu l o xvn . Sãot odas as physionomias dos s eu s grande s homen s , das suas mulh e re s ,dos seus art i s tas,dos s eus b urgue z es , dos seu s op erar i os e do s s eu smend igo s ; são todos os var iad os asp ec tos do c éu , do mar, da pai za

gem ; as c idade s com os s eu s porto s e os seus monumento s ; as a l d e iascom as suas pas tagen s , os seu s canaes , as suas vaccas, os s eu s moinho s de ven to ; todas as suas emb arcacões de gu erra, de comme rc i o ede pe sca ; t odos os s eus cos tume s p opular es e domes ti co s , as reun iõe s

de art i s tas,de sab io s , de magis t rados e de guerre i ros , as caval gadas ,

as lt ermesses, osi n t e r iore s e l egan te s e os in t er iore s p l eb eus , as s c enas

342 A Hollanda

de famil ia e as sc e nas de es talagem ,as conversacões de sal ão e as fo

l ias de tav e rna, a nobre sumptuos idad e dos castellos e a. al e gre pobrezadas cabanas .

D epo i s do e xame de cada um dºestes quadro s en cantadore s , para

d en tro dos quae s se en tra para conv ersar com Me tsu ou com Terburg ,para corre r os p rados com Ruysdae l

,c om Be rgh em ou com P au lo

P ott e r , para b eb e r com S teen, com Brauwer e com V an O stade , para

cacar com W ouwerman,para embarcar com V an de Vel de

,ou para

vi s i tar tod o o i n t er ior de uma casa c om P i e t er de Hooch,vem a sym

pathia mai s cordeal, o i n te re s s e mai s ín timo pel o art i s ta,tão perfe i ta

men te educado, que c on seguiu commov er- nos por m e ios tão s impl es e

tão famil iares , s em a menor e spec i e de enfatuacão ou de pedanti smo .

Não ha mai s que um methodo e que um styl o em to dos o s atelier s da Ho l landa—di z Fromen ti n . O fim e

' im i tar o q ue e'

,fazer amar

o que se im i ta, exp rim i r c laramen t e sensacões s impl e s , v ivas e j u s tas .

O s tyl o tem poi s a simp li c i dad e e a c lare za do pri n c ip io . Tem por lei

ser s in cero e por ob ri gação ser verídico . A sua princ ipal condicãoser famil iar , natural e physionomico ; resu l ta de um con jun to de qual idades moraes : a i n genui dade

, a von tade pac i en t e , a re c t i d ão . Di ríamosv i rtude s domest i cas tran sportadas da vida part icu lar avida prat i ca daarte e s e rv indo egualmen t e para b em p roc ede r e para b em pin tar .

E Froment in accrescen ta : Sent e - se nºestes art is tas

,em grande

parte con s id e rados como e st re i to s e mesquinhos cop i s tas, uma grand eza e uma bondade dºalma

,uma t e rnura pela v e rdade , uma cordea

l idade pe lo real, que d ão as suas ob ras um val o r que as co i sas parec e

não pode rem nunca at tingir .

Resumire i agora as minhas con clusõe s .

A formula natu ral i s ta da arte moderna acha—s e i n te i ramente enunciada d epoi s de duzento s an uos n a - ob ra dos p in tore s hollandez es .

Essa formula, t ão discut ida e tão con t es tada pel os. escriptores con

temporaneos, é a b oa,é a v erdade i ra . 0 pai z que prime iro at tingiu a

comprehensão mai s compl e ta da l i b e rdad e era l ogi camen te , a ser a art e

344 A Hollanda

mente um peri odo de perturb acao no gos to pub l ico e de con testacão

rancorosa na crítica . Quantos desdens p ela nas c en t e p int ura democra

t i ca da Hol landa nas soc i edades cu l tas de Franca e da I tal ia duran teo s ecul o xvn e o s ecu l o xvni Que horro r nos mestre s que só pin tavamden sas e nymphas , paraiz os e apoth eo s e s , princ ip e s e prince z as, pe

ran t e as cozin has de Kalf, em que a n ra principal é uma escuma

dei ra ou um tacho,uma ve lha barrica, uma vas soura, um molh o de

aspargos ou de cebolas ! As bamboclzatas no genero de P i e t e r de Lae rfi zeram um verdad e i ro e scandal o na I tal ia . O his toriador P as ser i chamava- l h e s pittm '

e laide,m

'

li c incozwen ienti al bel decoro dellap ittm'

a.

Andrea Sac ch i expul sava do seu atelier em Floren ça o j oven Jan Mie lqu e ousara applicar

—se ao e s tudo de sc enas popu lares , di zendo - l h e quese ne andasse a diping

'ere le sue bambocciate. Lui z l c reon a des ignacao gen eri ca de manos para t odas as figu rinhas t ão nuas , t

'

ão del icadase '

tão e sp i ri t uosas de V an O stade . P ouss in j u lgava a pin tura para sem

pre deshon rada p ela in t ervencão dos mode l os p l e b eu s .

Nada s e r ia mai s in st ru c t i v o do q ue s egu 1 r passo a passo todatrajectoria da c ri ti ca c om relacãoá p in tura da Hol landa

,desde Bal d i

nucc i , por exempl o , cri t i c o fioren t i no do s ecul o pas sado , até Burger eCharl e s Blan c na s egunda metade do nos s o s ecul o . N

ºessa his tor ia das

ideas esthe ticas apren deríamos que nada ha mai s con t in gen te e mai sr elat i vo do que o e tern o e absoluto id eal da belleza que ai nda hoj e tãofrequent emen te preverte a nocao da art e . A chamada belleza na art enão é mai s que uma derrade i ra en t idade metaphysica, s ob revi ven t e natechno logia a um regimen men tal i n te irament e extinc to para a direc

cão do esp i rito moderno .

O mai s po si t i v i s ta dos cri t ic os con temporaneos , Edmon d Thore, _

foi quem mai s profundamen te e s tudou os mus eu s da Hol landa e quemcom mai s l uc id ez expo z a natureza e o des t ino da arte hollandez a . Ape

z ar de ter fi ndado com o secul o xvn a p in tura hollandez a— diz e l l erep res enta mais um comeco do que um fi m . «Appproximamo - nos tal

ve z de um tempo em que,como outrºora d epoi s da grande art e da an

t iguidade , t e remos que corre r um traco em s egu ida aRenas c enca ita

A Arte 345

l iana, que e s tá c ompl e ta e por c ons egu in t e morta . A art e hollandez aa unica na Europa que s e i n spi ra de um modo di vers o da art e mys

t ica da Edade -Me'dia e da.

art e al l egori ca e ar i s to c rat ica da Re nasc enca,con t inuada ai nda pe la art e con t emporan ea . A arte de Rembrandt e doshollandez es é un ica e s impl e smen te l'art pour l

'

lzomme. »

.Refer in do—s e á infiuencia da Hol landa na pin tura francez a e al l ud indo a uma exposicão de P ar i s em 1 866, Thore dizia : «O s pint ore snatural i s tas são por emquan to imp otent e s e al gumas veze s rid icu losp orque n ão t e em ainda o instincto da e sc ol ha

,da distinccao nas qual i

dades e nas formas que a natureza i nd efin idamen te offerece . No dia

em que al gum real i s ta, in spi rando - se da vida p res en t e,j un tar a i ss o o

fanat i smo da belleza, a revolução e s tará fe i ta em pintura . »

A minha obscura e humi ld e op in i ão é q ue na art e hollande z a não

houve jamai s n em o instincto'

da escolha,n em a distincção hierarchica

nas formas apre s en tadas p e la natureza, n em finalm ent e ofanatismo dabelleza, no qual t odos e ss e s r equ i s i t os pare c e conden sarem - se e resum irem - se . Que in st incto d e e scol ha se pode admitt ir em representacões

in tegraes da soc i edade , c omo as fize ram os hollande z es e nas quae sdep oi s d e t ermos v i s to as s enhoras pat ri c ias , os grave s magi s trados ,os e l egante s officiaes, vemos na mesma l inha d e importanc ia, e c on st ituindo ob ras p r imas de egual preço, os mal t rapil hos , os b eb errões, osl ib e rt i no s

,os gatunos , os charlatãe s , as mulhe re s de mau s n egocios e

as mulhe re s de má vida ! Que distinccão nas formas da natureza em

quadros em que homen s v omi tam ,em que men i no s su jam ,

em que vac

cas vertem agiias O nde e stá o fanatismo do bello que s e pos sa conc il iar com a e x i s ten c ia d e t odos es s e s assumptos da mai s pl eb e ia, damai s bai xa t ri vial i dade ?! O s natural i s tas modernos , ao s quaes Thore

'

quer dar por exempl o os p in tore s da Hol landa, nunca de sc eram a

eguaes profund idades na inv est igacão da crue l r eal idade da natureza eda v ida. O s art i s tas france z es que o in si gn e c ri t ic o acha impotentes ,r idiculos, des t i tu ídos de gosto e de comprehensão da bel l eza são osnatural i stas de ha v i nt e ou t rin ta annos, s ão Delacro ix , Coro t e Cou rb et , cu j os p rin cip io s estheticos j á n i nguem ho j e se l embra de discu

346 A Hollanda

t ir. O que parec ia r id i cu l o em 1 860 é j á deân it ivamen te be l l o em

Não . A A rt e n ão pode t omar p or base do seu des tino uma ab s

traccão tão vaga, tão obs cu ra, tão i n con sis t en te e tão var iav e l de racapara raça, de indivíduo para i nd i v id uo , de t emp eramen to para t emperamen to e de anno para ann o c omo aquel la a que s e convenc ionouchamar a belleza .

Tourguenef, em uma das suas cartas , cu ja colleccão e s ta sendonªeste momen to pub l icada em S . P e t e rsburgo

,di rige a um j oven art i s ta

as s eguint e s palavras« Se o e studo da physionomia humana e da vida de out rem vos in

t e re ssa mai s que a expos i ção dos vos sos proprios s en t imentos e dasvos sas proprias i deas , se , por e xempl o , v os em ai s agradave l reproduz ir exac tamen te o asp ec t o ext e r ior n ão sómen te de um homem mas de

um simp l e s ob j ecto,do que e xprim i r c om e l eganc ia e ard or o q ue sen

tis v endo es s e ob j e c to ou e ss e h omem,en tão so i s um escriptor ob je

ct ivo , e pod e is c omecar a e s creve r um romanc e . »

Essa di spos i ção do e spi ri to para a ob j ec t ivi dade na t ransm i s s ãodas i d e'as e dos s en timentos

,que Tourguenefsub st i tue ao fanatismo

da bellez a como condi ç ão e s s en c ial d o romanc i s ta,é pre c isament e a

carac teríst i ca fundamental dos p in tore s da Hol landa n o s ecul o xvu .

Rep roduzir exactamen te sem o m in imo commen tar io , s em a mi

n ima at ten uacão, os asp ec tos ex ter iore s das c oi sas foi o que el l e s ihvariave lmen te procuraram faze r em todos os s eu s quadros da grandeépoca, desde o ret rato mai s c ompl ex o ate

'

a mai s s impl es naturezamorta .

Fi zeram - o d e uma man e i ra nova com relacão as e scolas p re cedentes . D

ºahi a phas e ascen s ional que a sua ob ra repres en ta n o progres s o

da art e .

F ize ram - o al e'm d º i s s o com a max ima curio s i dade , com a max imadi l igenc ia, com a mai s c ompl e ta b oa fé e com o mai s profundo , o maisde sve lado , o mai s carinh oso amor que o hom em pod e c on sagrar aoob j ec to de um cons tante trabal ho . D

ºahi o seu incomparavel en can to .

V III

A CULTURA I NTELLECTUAL

S fac t os cap i tae s que d i s t inguem da organisaç ão portuguezaa organ isacão da instrucç ão pub l i ca na Hol lan da são os se

gu in te s1 .

º A e s tre i ta relacão en tre o ensino sup erior e o en s i no se cundario

,fazendo da Un ivers idade a prol ongação do Lyceu, e dando por fim

aos doi s e s tab e l ec im en to s m in i s t rar o grau e l ementar e o grau compl et odo mesmo en s ino .

2 .

º A pl ena e abso luta l ib e rdade de op in ião as s egurada p e las lei sao profe s sor desde que a constituicão de 1 848 e s tab e l ec eu a s eparaçãoda Egre ja e do Es tado .

3.

º A e last i c idade dada aos e s tudos p e la remodelacão s ucc e ssivado p rogramma das mat e rias de cada curso , pela adopcão nas universidades de p rofe ssore s e x traord inar ios para cada n ovo ramo de en s i noe p e la admi ss ão dos p rivat—docenten , s e gundo o uso allemao .

4 .

º P e la an t i ga i n s t i tu iç ão do col l e gio dos curatores aggregados a

cada uni v ers idade .

Exam i n emos rap idamen te o al canc e p edagogic o dªesse'

s quat ro fac tos em que p rocure i r e sumir o carac t er e spec ial da in struccão na Hol

lan da.

Do pr ime i ro re sul ta que os p rogram as do en s ino s e cun dar i o , tãoconfusamen te organ isados pela administracão portugueza, se deduzemnaturalmen t e na Ho l landa da organ isaç ão c ulm inan te do e ns ino sup er ior . A un iv e rs idade d e sd obra do seu programma part e el emen tar decada um dos ramos dos conhec imen to s humanos q ue tem por fim m i

nistrar ao paiz, e e

' e ssa parte in i c ial do en s ino un ive rs i tar i o que o ly

A Hol!anda

ceu di s t ribue . A lei de 1876 expr ime - se nos s egui nt e s -t ermos : «A ihstruccão sup e rior abrange o e s tudo das scien cias t anto para a cul turai n te l l e c tual geralm en t e fal lando como para a preparação esp ec ial parao ex erc ic i o das funccões e das p rofi s sõe s que ex igem uma educaç ãosc i en t ifi ca .

P ara b em se c omprehender o l og ic o e p e rfe i to e sp i ri to de sys temaque p rende os conhec ime n t os adqui ridos no lyceu aos que a un ive rsidade desenvol ve e c omp l e ta basta lancar os o lho s ao atrOphiamen to

em que a sahida do lyceu de i xamos em P or tugal o conhec imen to dahi storia un i ve rsal , o da geographia, o da l ingua e da litteratura pat riae o das línguas e das lit teraturas c lassicas, comparando e s s e e s tadocom o p rogramma da faculdade de l etras nas un ivers idades da Hollanda

'ªº. Ei s o p rogramma hollandez da faculdade de l e t ras e de ph i l o

soph ia : Li ngua e lit teratura grega ; mº Língua e litteratura la tina º

3.

º Língua e lit teratura hebrai ca ; 4 .

º Língua e lit teratura ho llandez a :

5 .

ºAn tigu idade s i s rae l i tas , gregas e romanas; 6 .

º Hi s t oria uni versal :

7 .

º Hi s to ria nac ional ho llandez a ; 8 .

º A geographia p oli ti ca ; A. his

t oria da phi l o soph ia ; Io .

o A l og ica, a me taphysica e a psycho logia'

;

1 1 .

º A arc heo log ia ; 1 2 .

º A s l inguas do s povos sem itas e sua l i t t e ratura; 1 3.

º A s l i n guas,a lit teratura, a geographia e a e thn o logia do ar

chipelago i ndiano ; A s línguas francez a, allemã e inglez a e suas litteraturas ; 1 5 .

º A esthe tica e a his tor ia da arte ; 1 6 .

º O san skrito e a

sua lit teratura ; As l inguas an tigas dos povos germa-n ico s e a sua“

lit teratura . A lem dºestas d i sc ipl inas a un iversidade d e Leyde ens i na a

l ingua ch ineza,e o governo está de ant emão auctoris

i

ado a proce derimmediataman te á creacão de novas cade i ras cu ja ut i l i dade s e ja aflir

mada p el o corpo docen te de cada esco la .

O s exames de doutoratos na faculdade d e le tras comprehendem

as s egu in te s mat e r ias :

* O illustre professor Javme Mon iz acab a de faz er- me co nhece r um projec to dereforma do Curso Superior de Letras, a q ual, to rn ando—se e fl

'

e c tiva,institu irá em

P ortugal a faculdade de letras, preenchendo a lastimave l lacuna a q ue m e refiro .

352 A Hollanda

com o dipl oma do doutorato os candidato s idoneos ao profes soradodas e s colas s e cundarias !

Um dos fin s da in struccão superi o r hollandez a e' como v imos

,

« preparar esp ecialmen te para o exe rc í c i o das funccões e das profi s sõe sque ex i gem uma educação s c i en t ifi ca. » Estas palavras não con s t i tuemuma s imp l e s phras e de s en t id o hypothe t i co como tantas de que e st áche ia a legislacão portugueza . Estas palavras sao a exp re s são mai s posmva de um facto . P ara o fim prat ic o de subdi v id i r. quanto poss iv e las ap t idõe s e de preparar o max imo numero de especialistas,

as qua

tro un ivers i dades hollandez as , de Leyde , de Utrech t , da Gron inga e

de Amst erdam , confe rem não menos de dez esete doutoratos de natureza distinc ta. Na facul dade de d i re i to

,doi s : um em d irei to p ropria

mente di to , ou tro em scienc ias políticas ; na faculdade de medecina,

t re s : em med ic ina,em c i rurgia e em ob stetrica, na fac u l dade de scien

cias , se i s : em sciencias mathematicas e astronomicas,em sciencias ma

thematicas e physicas, em ch im i ca, em geol ogia e mine ral ogia, em b o

tani ca e zool ogia,e em pharmacia ; na facul dade de letras e philoso

phia, c inc o : em lit teratura c las s i ca,em littetatura semítica, em l i t te ra

t ura hollandez a, em língua e lit teratura do archip e lago in diano , e em

phi lo soph ia. É um c omp l e to v i vei ro de p rofe sso res para os lyceus e

para o ens i no par t icu lar e de funccionarios especiaes para a metropol ee para a Java . A s Ind ias orien taes s ão a in da obj ec to d e e s tudos superiores especiaes no In s t i tu to Commerc ial de Delft .

Do segundo fac to—a indep endencia de op inião baseada na s epara

ção da Egreja e do Estado— re sul ta o ap rov e i tamento para o en s inod e todas as capac idades comprovadas , no i n t ere s s e abso luto da scien

cia. A van tagem dªesta disposicão fundamental t ran spare ce deslum

bran temen te da organisacão hollandez a da faculdade de theologia, monumento un ic o na Europa. Ei s o p rogramma das resp ec ti vas disciplinas f 1 .

O Encvclopedia da theologia , Hi s t oria das doutrinas concernen tes ã di v indad e ; 3.

º Hi s t or iadas re l i g iõ e s em g eral ; 4 .

º Hi s toria darel igi ão i s rae l i ta ; Hi s toria do christianismo , 6 .

º Lit teratura'

dos is

A Cultura Intellectual 353

raelitas e litt eratura christã an tiga ; Exeges e do Ant igo e do NovoTes tamen to : 8 .

º Hi s t oria dos dogmas da re l i gi ão chris tã; 9 .

º P hiloso

phia da re l i g i ão ; 1 o .

º Moral ; 1 1 .

º Arc heo l ogia christã.

A in st ituicão dos P r ivat - docenten,de q ue t ão fecundo s re sul tado s

tem t i rado o progres so do ens ino sc ien t ifi c o nas un i ve rs idade s allemãsex is te na Hol landa desd e 1 876 .

O c ol l egio dos curatores e' uma esp ec ial i dade puramente e exclusivament e hollande z a . Cada un ive rs i dade t em a sua curadoria c ompos tade c inco t i tu lare s , que superin tendem na adm in is t ração

,nas re lacoe s

ex terio re s, na ord em int e rna do e s tab el ec imento , no cumprimento exa

cto e ri goro so das l e i s e scolare s . Elaboram os orcamen tos , apre sen tamao min is tro um desenvo l vi do re lator io annual da gerenc ia, da estat is

t i ca e da hi s tor ia do e s tab el ec im ento . P odem su sp ender até o tempode se i s s emanas o e x ercíc i o de qual que r profes s or ou prop or ao governo a dem is s ão dºelle , se as s im lhes parec e r ut i l , depoi s de o ter ouvido e j ul gado so l emnemen te em con s e lho . Teem finalmen te por funccão culminant e velar as s idua, e s crupul osa e inqueb ran tavelmen t e por

quanto pos sa i n t eres sar a gl oria das l e t ras , o p rogres s o da sciencia e

a al ta dign idade immaculada da e s cola nac ional . O s cura tores nao ven

cem grat ihcaç ão al guma . Servem por e spaço de c in co anuo s . São nomeados p e l o sob erano e escolh idos fora do corp o docen t e , c omo paraa mai s al ta honra que o e stado pode conferi r , en tre as pe s soas ma i sab alisadas pe l o talent o e pela capac idade moral .

Em nenhum out ro pai z da Europa se dá , em nenhum outro sepoderia dar, e s te phenomeno : c in co i ndi v i duos in te iramen te al h e i os asprat i cas do ens i no , nomeados em nome do saber , em nome da honrae do pat ri ot i smo , para d i rigi r os mai s al t o s in t e re ss e s de uma un ive rs i dade , e d i r igindo - os effectivamen te de accordo com o profes so radosem confi icto de compe ten c ias technicas , no mai s al to e sp i ri to de lib erdadc e de p rogres so . E prec i so para que e ste fac to se de que o res

we i t o das i d e'as este'

a c omo entre os ho llandez es vro l'

undamen t e rad i1 a a

354 A Hollanda

cado na t radicão,na h ist or ia, nos co s tum e s

,no conv enc imento

, na

alma nac ional ; e e' prec i so , al ém dºisso q ue a educac ão lit teraria e

s c i en tifica das classes p rep onderan te s t enha at tingido es s e al t o graude des env ol v imento e de p erfe i cão que e

'

nºeste s ecul o a mai s b e l la

,

mai s pacificadora, a mai s fe cunda e a mai s ind i scut i ve l gl oria da 30

ciedade hollande z a .

As ques tõe s r e lat i vas á in struccão são as que mai s prendem na

Hol landa a at tencão do pub l i co . O governo é ob rigado a apre s en taraos Estados Gerae s , um re latorio da hi s tor ia crit ica e analy tica do mo

vimento das un iv ers i dade s no fim de cada anno esco lar , e não ha ci

dadão que não procure inte i rar - se da mat e ria dºesse documento . As

avul tadas de sp e sas a que mon ta'

a p erfe i ta in stalacão das e sco las— os

laborator ios , as l iv rar ias , os mus eus , as colleccões diversas— são fre

quen temen t e c ob ertas pe la muníficencia dos municípios e dos c i dadãos . Vimos ao percorrer d i ve rsas c idade s hollandez as o empenho geral em sat i sfaze r es tas n ec es s idade s do e s tudo .

Toda a un iv ers i dade pos sue uma cons i derav e l bibl i oth eca, laboratorios de phys i ca

,de chimi ca e 'de physiologia, e s tab e l e c imen to s

mai s ou menos des en volvi dos para o en s i no prat ic o das sciencias me

di cas,um museu d e anat omia

,um museu de h i s tor ia natural e um

j ard im botan ic o . Leyde tem ,alem d

ºisso

,uma collecç ao ri quí s s ima d e

manuscriptos orien taes, um importan te mus eu archeol og ico , museusdeethnographia e de num ismati ca

,um obse rvatorio as t ronom ic o

,um la

b oratorio z ootomico , um herbari o ri qu í s s imo . É ce l ebre a in s talacão

do s apparelhos meteorologicos de Utrech t as s im como o seu i n s t i tuto

physiologico , prime iro dos es tab e l ec imen tos dºesta e sp ec i e na Europa.

O hosp i tal oph thalmologico dep endent e da mesma un i ve rs i dade foimon tado por me io de uma sub scripç ão pub li ca vol un tar ia.

A l ém das admiraveis e em mui tos p ontos in exc ed ív ei s ins tituicõesde ensino , nota—se ai n da na Hol landa um outro phenomeno quas i desc onhec i do em P ortugal . É o estudo instituido. Nas c idade s doutas daHol landa, ass im como da Allemanha

,o es tudante c on s t i tue uma c las s e

A Ho llanda

O dest i no da nacão hollandez a e n ”e st e momento uma co i sa b emc ont ingente, b em inc e rta !

O rei Gu i lhe rme 1 1 1 e' quas i septagenario . A pri nceza real,un ica

h erd e ira do throno , tem de edade c inco annos in compl e tos . A con t in uidade dymnast ica da heroi ca fami lia dos O ranges ap enas se prendeá t erra pe la t enra e deb i l e x i s t en c ia dºesta creanca.

P or outro lado n inguem ign ora o p erigo que rep res en ta para a

i nd ep enden c ia hollandez a a the oria annexion ista da Allemanha,prin

c ipalmen te dep oi s da encorporacão da A l sac ia e da Lorena no vas toimp er io const ituído pel o s r . de B ismarck . Todos os argument os quese podem t irar da conv en i enc ia pol it ica e economica

, d a orographia,

da ethnologia, da h i s toria , reforcam a i deia allemã da annexacão con

cern en t e ao p equ eno t errit orio comprehendido en t re a fron te i ra ind efen sa do Hanover e as dunas do Mar do Norte .

Que razõe s ponderaveis se hão de i n vocar para exc ep tuar a au

tonomia ho llandez a do princip io philosophico da grande un i dade germani ca?Ho llandez es e allemães s ão irmãos , ou p el o menos primos - co

i rmãos,pel o sangue

,p ela língua, e n a maxima part e p e la rel i gião . A

Hol landa fazia o utrºora parte d o gran de imperi o da Allemanha. O rei.

da Hol landa era ai nda ha p ouco membro votan te na die ta germanicana sua qual i dade de duque do Limb urgo e de grão - duque do Luxemburgo . O prop rio nome de Ho l landa

, que n a phi los oph ia p olit i caallemã exp rime um anormal phenomeno de p articular ismo, é poucou sado na A llemanha ; prefe re - se dar aos ho llandez es a des ignação de« baixos—allemães » n iederdeutsclzen . Evid e n temen te a j oven prince z inhaGui l h ermina não t e ria s enão que i nc l inar - se na mai s ari s toc rat i ca mesura da sua nobre e e l egan te l i nhagem ,

se o m ui al to imperador quiz e sse conferi r - lhe a hon ra de a faze r tomar as s en to , j un to do throno de

Berl in,ao lado do s vas sal o s da Saxon ia, do W urt emb erg e da Bav i e ra .

E,além de tudo i s s o

,o imp erio allemão precisa de arredondar a sua

importanc ia pol i t i ca p or me io da encorporaç ão da Hol landa nos s eu sdomin i os europ eus . Não e ho j e a Allemanha, na op in i ão dos allemaes

pel o menos, a prime i ra potenc ia mil i tar da EurOpa? Não é portan to

A Cultura In tellectual 35 7

justissimo que e s sa po ten c ia t enha uma g rande armada ass im comotem um grand e e xerc i to ? O ra para que a Allemanha t enha uma es

quadra é indispensavel que e l la t enha porto s d e guerra e de commercio e grandes pescarias em que se eduquem e form em os s eus homen sde mar

,s em fal lar n o absurd o s trat e gic o de con t in uar a p ert en ce r a

uma p otenc ia e st ranha a emb occadura d o grande e gl orios o rio al l emão

,o Vate r Rhein, que a Su i ssa forn e ce mas que a P russia se dá

in variave lmen te o ar de p roduzi r chamando—l h e o seu Rheno !A t odos e s s e s argumentos que a Allemanha tem por indiscu tiveis

e incon trastaveis a opi n ião publ i ca hollandez a não re sponde s en ão poruma un i ca e s impl e s proposicão , apparen temen te b em vaga e b em te

nue : A Hollanda não deseja ser annexada .

P ara que es sa con t rar i edade se nao real i s e a Hollan da con ta c omas s uas i nexc ed í ve i s obras de defe sa nas quaes di spend eu nos ul t imos1 0 anuos 1 2 mil c on to s ; con ta com a forca das suas pracas marí t imase com a mobilisação das suas l inhas d

ºagua ; con ta com a sua e squadra

de 1 02 navios e 2 1 couraçado s ; con ta s obre tudo c om a sua auctorídade

moral . A nação que preced eu gl oriosamen te todos os paiz es do mundona prat i ca da l i berdade tal como e l la só p ri nc ip iou a en t ende r- s e n ºest eseculo ; a nacão em que o part i do mai s ferrenhamen te con s ervador se r iaai nda o mai s l ib eral de todos em qual quer outra parte ; a nacão que porduas vezes sal vou a l ib erdad e eu rope ia p ela gue rra de Gui lh e rm e oTac i turno con tra Fi l ipp e 1 1 e p ela de Gui lherme 1 1 1 con t ra Lu iz xna naçao que d esde 1 806 i n s t itui u p e la creacão da e sc ola l e iga a bas ep edagogi ca de t odo o progres so na in telligen cia moderna ; e s sa nacão ,

que é a Hol lan da,t endo ens inado a governar o mundo , t em tal vez o

d ire i t o supremo de s e gov ernar a si mesma se gundo o seu un i co e

exc l us i vo de se j o .

Como quer que s e ja,a verdade é que , tanto para a Hol landa como

para t odas as nacões do globo , o fact o pol i t i c o não é nºeste momento

sen ão um fac t o provi s or i o,uma i n t er in idade , uma t rans i ção .

P oder v erdade iro o un ico que ai nda houve no mundo foi o daEgre ja . O s governos que se succederam ao do regimen theologico só

358 A Hollanda

mente se acharao constituídos de um modo defin i t i v o e perdurav el'

quan do em vez de cartas con stitucionaes de monarchias ou de pac to sdemocrat icos e l l e s t i v erem ou to rgado aos povos o cathecismo scien

t ifi co , sub st i tuin do a cart i l ha do P adre Mes tre Ignac i o , e d efin indop eremp tor iament e e in d i s cut i v e lm ent e o s de stinos do un iverso e o scorre lat i vos d ire i tos e deve re s do hom em para com o s eu s emelhan tee para com a sua e sp ec i e . Não é p el os ac c i den t e s da política mas p el os p rogre ss os da civ ilisaç ão e p e las conqu istas da sciencia que se po

dera ch egar a e s s e re sul tado .

P or emquan to os paiz es qu e perant e'

a human idade d i spoem de

uma maior porcão de verdad e i ro pode r são os mai s instruídos .

P or toda a par te ond e tem s i do exp erim entado,na Hispanha, na

I talia,na Grec ia

,em Fran ça

,na prop ria In glate rra

,na mesma Ho l

landa, o sys t ema parlamentar faltou ao qu e parec ia promet t e r . A ir»

resistivel forca que impelle para as institu icões democrat icas a soc i edad e moderna fel—a trop eçar n o barran co e l e c t i vo fatal á suprema

-

cia

das c ompet en c ias . Da eleicão popular não sae nunca para o gov ernoaquelle que ma i s sab e mas s im o que melhor i nt ri ga, e n o s parlamentos a parce l la de capac i dade com qu e cada um con t ri bu e não se en

corpora nunca na capac idad e geral do todo de l ib erat i vo . A fraquezadas ass emb l e ias parlamen tar es re su l ta da differen ç a que ha en tre a na

ture z a integravel das forcas physicas e das forcas in tellec tuaes . A forcade 1 caval lo de vap or mai s a de 1 caval l o de vapor dá 2 de forca me

chanica. Mas a capac i dad e d e um homem de c e rta in telligencia, reun ida á de out ro homem de in t elligencia egual , da 1 mai s 1 de in t elli

gen cia ; n ão dá in telligencia egual a 2 .

Na difficu ldade de re s olv e r p e la forca das i deias os governos re

presen tativos de l ib e ram por acc ordo com a op in i ão pub l ica ou por sugge s tão de um segundo poder parasitario , symptomatico e caracterí s tic oda enfe rm idade do syst ema, e cham ado o p oder occulta . Quando a

grand e massa que repre s en ta a opin i ão e que dec id e da popular idadenão é al tamente es c lare c i da, ou quando o poder oc cul t o , que p ode s e rum fac tor s ci en t ifico , não e

' s en ão um agen t e de corrupç ao, a int elli

360 A Hollanda

ge l os desgregados da serra circumjacen te , que se desmo t'onava sob osp és dos expedicionarios com um es trondo s eme lhan te ao de successivas

exp l osõe s . A v in te e c inco de jane iro,t endo o thermometro desc ido

85º Fahrenheit , pôde a exp e d ição al cançar o navi o sueco . A 24 de ju

l ho de 1 883 as n ev e s comecavam a derre t e r e o que re s tava do V arnasubmergia—se na agua . O nav i o da Suec ia pôde en tão alcan '

car a t e rra,

e a exp edi ção desembarcando proseguiu em t raineaux. Ao cabo det re s s emanas a caravana chegava a il ha de W aigat z , ond e t res na

vios saídos da Hol landa em procu ra do Varna receb eram a seu bordoos heroi co s e xp l orad ore s .

Que da hib ernacão por que a inda t en ha de pas sarna his toria a

sua i nd ependenc ia,possa a Hol landa regre ssar à l ib erdade , como do

inv erno do polo regre s saram á pat ria nºesse dia os expedi c iona'r io-s

do Varna —sem terem p er dido nem um só homem,n em um so' instru

mento do seu material scien tijico, nem um so' pap el da sua collecção

de notas ! Taes s ão os meus vo to s como v iajant e,c omo art i s ta

,e c omo

cidadão de um pai z so l idar i o no des tino das p equenas naci onal i dades ,ao qual do fundo do meu c oracão eu digo ao t erminar o que , depoi sde uma e l oquen te p in tura da vida hollandez a, Miche l e t d izia á Franca«Quanto eu q uiz era que houve ss e s t ido o t epi do resp iro d

º

es tes doc eslare s

,as duas fe lic i dade s da Hol landa : a família, a l ib erdade do pen

samen to