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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ROBERTO DO VALLE MOSSA
A BICICLETA NAS PRÁTICAS CORPORAIS E SEU USO COMO MEIO DE
TRANSPORTE POR ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA DE CURITIBA
CURITIBA
2018
ii
ROBERTO DO VALLE MOSSA
A BICICLETA NAS PRÁTICAS CORPORAIS E SEU USO COMO MEIO DE
TRANSPORTE POR ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA DE CURITIBA
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Licenciatura em Educação Física, do Departamento de Educação Física, Setor de Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Paraná.
ORIENTADOR: IVERSON LADEWIG, PhD
2018
iii
Dedico não somente esse trabalho, mas toda minha jornada
acadêmica, ainda em construção, aos meus pais, José Carlos Mossa e
Lindamar do Valle Mossa, por todo o estímulo, incentivo, apoio e
compreensão que me vem fornecendo ao longo dos anos.
iv
AGRADECIMENTOS
E passaram-se 4 anos! Parece que foi ontem que tinha começado a maratona de
vestibulares pra em seguida a alegria da aprovação! Encarei a mudança, com apoio dos
amigos e principalmente da família, e fiz meu máximo. Em primeiro lugar, agradeço a todas
as forças da natureza pela proteção que me ofereceram dia após dia, sem nunca me
abandonar ou me deixar só! E a meus pais, Linda e José, sem os quais, nada teria sido
possível. Aliás, obrigado a quem inventou a chamada de vídeo via internet! Oportunizou eu
me sentir mais próximo da família todos os dias! Aos amigos, em especial Cauê Santos e
Carol Vendramini, ambos que, desde o dia da aprovação, além dos incentivos, ajudaram até
na busca por um lugar pra eu morar! Também parece que foi ontem! Obrigado de <3!
Agradecimento especial à Professora Vera Luiza Moro, por todas oportunidades, apoio,
conversas, e principalmente por ter oportunizado minha experiência de mais de 2 anos no
PIBID, sem a qual minha trajetória não teria sido a mesma. O carinho de todos alunos reflete
sua pessoa! E obrigado por ter aceitado compor a banca avaliadora desse trabalho!
À Professora Simone Rechia, por toda confiança, consideração e contribuição que tem na
minha carreira, além de todo apoio inclusive no momento de difícil escolha. Uma referência
na área e inspiração aos alunos! Palavras não são suficientes pra demonstrar a gratidão!
Professor Iverson Ladewig, pela humildade e transparência. Muito orgulho em ter um
professor e amigo que é um mito do Ciclismo no mundo! Muito obrigado pelas importantes
contribuições nesse trabalho e por ter aceitado prontamente me orientar! Além de me
oportunizar uma super experiência na arbitragem de uma prova nacional de Ciclismo!
À Professora Maria Gisele, pela humanidade e sinceridade! Por ser a pessoa tão boa e
humilde que é, principalmente em sua proteção que tanto prezo aos animais! Muito grato por
ter aceitado compor minha banca avaliadora e também pela oportunidade de realização da
palestra sobre atividade física e veganismo (A lasanha vegana estava sensacional!).
Professor Sergio dos Santos, pela amizade e pronta confiança e apoio depositados. Não me
esquecerei. E também pelas oportunidades acadêmicas e ótimas várias referências que fez
de minha pessoa. Grato por ter tido um professor referência nas Artes Marciais no mundo!
À Déborah Helenise Lemes de Paula, de minha professora supervisora no PIBID às diversas
parcerias nos trabalhos e congressos por aí! E que venham outros! Muito obrigado!!!
À todos professores e professoras da UFPR que contribuíram na minha formação, correndo
o risco de não ter mencionado todos individualmente, porém o meu sincero muito obrigado!
Espero poder retribuir sendo um professor dedicado e honesto no que faz!
Sem poder ser diferente, obrigado especial a todos funcionários dos R.U. pelo trabalho tão
importante e de qualidade, que tanto ajuda e contribui na vida dos estudantes!
À todos amigos que fiz! À histórica Turma X 2015! Ao Marcelo Alberto por todas sugestões
de cursos e eventos! Ao grupo de zapzap “Fundão & Pitbull ! 👊🏼 💥”, pelos muitos momentos
de ‘gostosas risadas, demasiadas descontrações e envolventes piadas’ que me ajudaram a
vencer até os mais difíceis dias! Ao “À Procura da Serotonina”, pela parceria nos trabalhos e
na Prática de Ensino! Ao Ovelhas Negras A. D.! Orgulho de ter sido o goleiro artilheiro com a
melhor média de gols e cartões vermelho por jogo e menos vazado da história da Copa DEF!
Que venham as próximas lutas e muitas pedaladas!!!
vi
RESUMO
A partir do Código Nacional de Trânsito, promulgado em 1997, a bicicleta no Brasil deixa de ser encarada como um brinquedo ou instrumento destinado ao lazer, sendo então identificada oficialmente como um meio de transporte, sujeita a direitos e deveres em sua condução, assim como aos demais veículos terrestres. O presente estudo teve como objetivo geral verificar o uso da bicicleta por estudantes da Rede Pública de Curitiba. Como objetivos específicos, investigar o surgimento e desenvolvimento da bicicleta a partir de variadas referências, com ênfase às oriundas dos países de origem desse veículo, sob a ótica de seus respectivos autores; Levantar dados sobre o uso da bicicleta em Curitiba e sobre as políticas públicas correlatas; Identificar a bicicleta nas Unidades Temáticas que compõem a Cultura Corporal de Movimento, conforme a Base Nacional Comum Curricular (2018), bem assim como em outras Diretrizes de Educação, e, por fim, realizar um estudo de caso entre dois grandes colégios estaduais de Curitiba, localizados na área central e periférica da cidade. O estudo identificou que a maioria dos familiares dos estudantes participantes reconhece os benefícios do uso da bicicleta, porém, em diferentes aspectos, não consideram as ruas seguras para que seus filhos utilizem esse modal, bem assim como os estudantes corroboram com as opiniões dos pais. Além, foi constatado que os estudantes nunca receberam nenhuma aula ou orientação na escola sobre as funções, características ou condução segura da bicicleta. Palavras-chave: Bicicleta; Educação Física Escolar; Estudantes; Atividade física; Transporte ativo.
ABSTRACT
From the National Transit Code, promulgated in 1997, the bicycle in Brazil is no longer considered a toy or instrument intended for leisure, and is then officially identified as a kind of transportation, subject to the same rules as all the other land vehicles. The general objective of this study was to verify the use of bicycles by Public Education students from Curitiba. The specific objectives were to investigate the emergence and development of the bicycle based on different studies regarding the topic. Yet, this study emphasized bicycles originated from countries where the first bicycles were created, according to the perspective of their respective authors; Collect data on the use of the bicycle in Curitiba and related public policies; Identify the bicycle in the Thematic Units by Movement Body Culture, according to the National Curricular Common Base (2018), as well as in other Education Guidelines, and finally, to carry out a case study between two important public schools of Curitiba, located in the central and peripheral area of the city. The results have shown that most of the family members of the participating students, recognized the benefits of using a bicycle, however do not consider the streets safe in different aspects, such as for their children to use this modal. The student’s answers corroborate with the opinions of the parents. Finally, it was found that students never received any classes or orientation at the school about the functions of the bicycles, as well as the characteristics or safe riding their bicycles. Keywords: Bicycle; Physical Education; Students; Physical activity; Active transport.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – CELERÍFEROS ...................................................................................... 20
FIGURA 2 – FREIOS EM CORDA DE PIERRE MICHEUX........................................ 24
FIGURA 3 – PIERRE LALLEMENT EXIBINDO OS PEDAIS ..................................... 24
FIGURA 4 – VARIAÇÃO AMERICANA DO VELOCÍPEDE ........................................ 27
FIGURA 5 – GRUPO DE PASSEIO CICLÍSTICO EM 1883 ....................................... 29
FIGURA 6 – PENNY-FARTHING E BICLETA DE SEGURANÇA .............................. 30
FIGURA 7 – TRÁFEGO DE BICICLETAS SOCIÁVEIS E CHARRETES ................... 31
FIGURA 8 – BICICLETA SOCIÁVEL COM RODAS DE APOIO ................................ 31
FIGURA 9 – CAPA DO JORNAL FRANCÊS LE PETIT JOURNAL ........................... 37
GRÁFICO 1 – ESTUDANTES QUE POSSUEM E NÃO POSSUEM BICICLETA ...... 66
GRÁFICO 2 – OS QUE UTILIZAM BICICLETA PARA IR À ESCOLA ....................... 66
GRÁFICO 3 – VONTADE DE UTILIZAR A BICICLETA ............................................. 67
GRÁFICO 4 – POSSIBILIDADE DE USO FUTURO DA BICICLETA ......................... 67
GRÁFICO 5 – RENDA MÉDIA MENSAL ................................................................... 67
GRÁFICO 6 – ESCOLARIDADE ................................................................................ 68
GRÁFICO 7 – POSSE DE AUTOMÓVEL E/OU MOTOCICLETA EM CASA ............. 69
GRÁFICO 8 – MEIO DE TRANSPORTE UTILIZADO PARA IR À ESCOLA .............. 69
GRÁFICO 9 – PERMISSÃO AOS FILHOS IREM À ESCOLA DE BICICLETA .......... 70
GRÁFICO 10 – OPINIÃO SOBRE SE MELHORA O RENDIMENTO ESCOLAR ...... 70
GRÁFICO 11 – ESTUDANTES QUE POSSUEM E NÃO POSSUEM BICICLETA .... 70
GRÁFICO 12 – VONTADE DE UTILIZAR A BICICLETA ........................................... 70
GRÁFICO 13 – RENDA MÉDIA MENSAL.................................................................. 71
GRÁFICO 14 – ESCOLARIDADE .............................................................................. 72
GRÁFICO 15 – POSSE DE AUTOMÓVEL E/OU MOTOCICLETA EM CASA ........... 72
GRÁFICO 16 – MEIO DE TRANSPORTE UTILIZADO PARA IR À ESCOLA ............ 72
GRÁFICO 17 – PERMISSÃO AOS FILHOS IREM À ESCOLA DE BICICLETA ........ 73
GRÁFICO 18 – OPINIÃO SOBRE SE MELHORA O RENDIMENTO ESCOLAR ..... 73
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 11
1.2 OBJETIVOS ........................................................................................................ 13
2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 14
2.1 A LOCOMOÇÃO HUMANA E O SURGIMENTO DA BICICLETA: DOS
PRIMÓRDIOS À CONTEMPORANEIDADE .............................................................. 14
2.1.1 A infância da bicicleta ....................................................................................... 18
2.1.2 A adolescência da bicicleta .............................................................................. 25
2.1.3 O início da fase adulta da bicicleta ................................................................... 33
2.1.4 A chegada da bicicleta ao Brasil ...................................................................... 38
2.1.5 A maturidade da bicicleta ................................................................................. 39
2.2 O DESLOCAMENTO CASA-ESCOLA ENTRE ESTUDANTES ........................... 40
2.3 A BICICLETA NA CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO E SUA
PRESENÇA COMO CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR .................... 45
2.4 O USO DA BICICLETA ASSOCIADO À SAÚDE FÍSICA E INTELECTUAL ....... 51
2.5 O TRANSPORTE PÚBLICO EM CURITIBA ....................................................... 54
2.6 O USO DA BICICLETA EM CURITIBA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ................ 55
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 59
3.1 SUJEITOS ........................................................................................................... 59
3.2 INSTRUMENTOS ................................................................................................ 61
3.3 PROCEDIMENTOS ............................................................................................. 62
3.4 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 63
4 RESULTADOS ....................................................................................................... 65
4.1 COLÉGIO ESTADUAL SANTA CÂNDIDA .......................................................... 65
4.2 COLÉGIO ESTADUAL TIRADENTES ................................................................ 70
5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 74
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 76
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 80
ANEXOS .................................................................................................................... 86
10
1 INTRODUÇÃO
Dentro da Cultura Corporal de Movimento proposta pela Base Nacional
Comum Curricular (2018), podemos afirmar que a bicicleta se enquadra em
diferentes unidades temáticas previstas pelo documento, como por exemplo nas
Práticas Corporais de Aventura, considerando as práticas de trilhas, ou em suas
formas esportivizadas, como Mountain Bike e o Ciclocross; nos Jogos e
Brincadeiras, considerando as brincadeiras livres envolvendo o andar de bicicleta, ou
também o jogo de Ciclobol; e na unidade Esportes, contemplando diversas
modalidades competitivas que o Ciclismo abrange: Estrada, Pista, Trial, Downhill,
Wheeling, o Paraciclismo, dentre outras.
Concomitantemente, os autores dos primeiros esboços da bicicleta, ainda
rudimentares, surgidos primeiramente sobre o intuito de ser um brinquedo, passando
de forma gradativa para a locomoção, lazer de adultos, até as primeiras
competições, certamente não imaginavam que o que viria futuramente a se
concretizar como um veículo poderia contribuir para amenizar, ou até mesmo
resolver, o caos na mobilidade urbana instalado nos grandes polos urbanos.
Diferentemente da Europa, continente onde a bicicleta nasceu e se
popularizou, o Brasil, apesar de consideráveis recentes esforços e avanços
provenientes do terceiro setor e de poucos políticos, ainda parece engatinhar, ou até
retroceder, no que se refere aos incentivos ao uso desse veículo.
Apesar dos avanços com a Política Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU,
importante plano de ação que, conforme os termos da Lei nº 12.587/12, busca
melhorar a mobilidade e fomentar o transporte ativo nas cidades com mais de
20.000 habitantes, diversas condições adversas sustentam um enfrentamento ao
transporte ativo, como, por exemplo, a falta de estímulo de políticas viárias que
favoreçam a bicicleta, a baixa oferta de instrução aos condutores de todos modais, a
falta de empatia para/com os ciclistas advinda de pessoas que dirigem veículos
automotores, isso tudo além dos altos custos das bicicletas e equipamentos, setor
atingido pelas altas cargas tributárias no país, e problemáticas em relação a própria
segurança pública.
Em relação aos deslocamentos diários entre casa e escola pelos milhares de
estudantes no Brasil, devido a esse trajeto, geralmente, ser de curtas e médias
11
distâncias, a bicicleta convém como um veículo apropriado, tanto por diminuir o
tráfego de veículos automotores nas cidades nos horários de entrada e saída das
escolas, assim também contribuindo com o meio-ambiente, quanto por proporcionar
uma atividade física benéfica aos jovens. Entretanto, devido a diferentes condições
adversas, para esses deslocamentos a bicicleta ainda é muito pouco utilizada, o que
pode também gerar uma maior dependência dos jovens às famílias em relação aos
deslocamentos diários, consequentemente contribuindo a um maior sedentarismo,
em preocupante crescente no Brasil (IBGE, 2017).
Além dos benefícios ao meio urbano, pesquisas indicam que a prática de
atividade física imediatamente antes das aulas pode contribuir para o
aproveitamento escolar, em termos de concentração e disposição (GOODYEAR,
2013; VINTHER, 2012). Corroborando com Matos et al. (2018), utilizar a bicicleta
para os deslocamentos diários à escola, além de poder integrar amigos, proporciona
autonomia, contribui para a coordenação motora e equilíbrio, e estimula a atenção, a
disciplina e a concentração.
A partir dessas reflexões, o presente trabalho buscou, inicialmente através de
fontes históricas, investigar o surgimento da bicicleta e reconhece-la como integrante
da Cultura Corporal de Movimento (BRASIL, 2018), e averiguar possíveis benefícios
de seu uso por sujeitos em fase escolar. Por fim, objetivou-se pesquisar os meios de
deslocamento de estudantes de dois colégios da Rede Pública de Curitiba,
estrategicamente selecionados, e analisar suas opiniões e a de seus respectivos
familiares acerca do uso da bicicleta como meio de transporte à escola.
1.1 JUSTIFICATIVA
Tendo nascido e crescido em uma das maiores cidades do planeta, tanto em
relação a área total quanto a população, e vivendo há quatro anos na oitava maior
do país em termos de concentração populacional, respectivamente tive em São
Paulo e Curitiba as experiências de vida que me despertaram, e continuam
despertando a cada dia, interesse, dedicação e inquietudes acerca de duas
temáticas determinantes para a população: mobilidade urbana e atividade física.
12
Presente desde cedo em minha vida, a bicicleta assumiu diferentes
representações no decorrer dos anos: do brinquedo, passando pelo lazer – tanto me
viabilizando explorar e descobrir espaços e ruas muito a mim já conhecidas através
das janelas dos ônibus e automóveis, porém invisíveis aos meus olhos e sensações,
tanto por me levar, em cicloviagens, a cidades distantes a mais de 100 km – ao
transporte urbano, me permitindo consideráveis economias financeiras ao poder me
deslocar sem a necessidade de custear tarifas ou gastos com o veículo familiar.
Hoje, prestes a oficialmente me tornar Professor de Educação Física, somado
a minha prévia experiência sociocorporal de vida com a bicicleta, frente a uma crise
na prática de atividade física pelo brasileiro – 62,1% dos brasileiros com 15 anos ou
mais não praticaram qualquer esporte ou atividade física em 2015 (IBGE, 2017) – e
deparado a uma crise da mobilidade urbana instalada nos grandes centros urbanos,
me sensibilizo e encaro como compromisso e responsabilidade apresentar e
produzir conhecimentos que possam encorajar e aumentar o uso da bicicleta como
meio de transporte, em curtas e médias distâncias.
Dessa forma, busco fomentá-la como um conteúdo escolar e também
favorecer uma melhor qualidade de vida, em variados aspectos, não apenas de
quem a utiliza, como também a usuários de todos modais de transporte,
considerando as possibilidades de redução do tráfego automotor nas vias e
diminuição da lotação no transporte público, isso além da necessidade eminente de
fomentar novos modais de transporte não poluentes no meio urbano.
Considerando esses intuitos, o presente estudo abrangeu estudantes a partir
do Ensino Fundamental II como público-alvo, visto que estes realizam trajetos à
escola e representam uma parcela de milhões de indivíduos em locomoção
diariamente. Atualmente há 48,6 milhões matrículas nas 184,1 mil escolas de
Educação Básica no Brasil (BRASIL, 2018b), considerando as redes municipal,
estadual, federal e particular, o que representa um gigantesco número de
deslocamentos diários entre casa e escola. Logo, a bicicleta, constatada a crise da
mobilidade nos grandes centros urbanos, pode significar uma alternativa aos
escolares, consequentemente contribuindo à uma redução no tráfego de veículos
motorizados, além de proporcionar o transporte ativo, que pode resultar em
benefícios à saúde desses sujeitos que se encontram em fase de desenvolvimento
intelectual.
13
1.2 OBJETIVOS
A partir do problema sobre como os assuntos relacionados à bicicleta vem
sendo tratados na escola pelos componentes curriculares, em especial a Educação
Física, o objetivo geral do presente trabalho foi verificar o uso da bicicleta por
estudantes da Rede Pública de Curitiba. Como objetivos específicos: Investigar o
surgimento e desenvolvimento da bicicleta a partir de variadas referências, com
ênfase às oriundas dos países de origem desse veículo, sob a ótica de seus
respectivos autores; Levantar o uso da bicicleta em Curitiba e as políticas públicas
correlatas; Identificar a bicicleta nas Unidades Temáticas que compõem a Cultura
Corporal de Movimento, conforme a Base Nacional Comum Curricular (2018), bem
assim como em outras Diretrizes de Educação, e, por fim, realizar um estudo de
caso entre dois grandes colégios estaduais de Curitiba, localizados na área central e
periférica da cidade.
14
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A LOCOMOÇÃO HUMANA E O SURGIMENTO DA BICICLETA: DOS
PRIMÓRDIOS À CONTEMPORANEIDADE
Desde os primórdios, o ser humano defronta-se com situações de locomoção,
sob seus mais variados intuitos, como os mais básicos no dia a dia, há milhões de
anos, possibilitando, por exemplo, a busca por alimentos, até a migração para novos
ambientes a procura de melhores condições ambientais e climáticas, ou seja, manter
sua sobrevivência. Conforme menciona Medina (1983), o movimento é inerente ao
ser humano, logo, qualquer um, em qualquer lugar do planeta, em qualquer era, sob
irrestritas condições anatômicas e fisiológicas, movimenta-se. A partir dessa
reflexão, entendemos as habilidades locomotoras básicas, como o caminhar e
correr, inerentes à rotina da humanidade, desde as eras antigas, a fim de atender à
necessidade e inevitabilidade da locomoção.
Passados milênios, a população mundial iniciou processo de crescimento,
tomando imensas proporções principalmente entre os séculos XVII e XVIII,
considerando a elevação da expectativa de vida no mundo, pelo que pode ser
apontado devido fatores como o avanço da medicina, as melhores condições e
informações sobre saneamento ambiental, preocupações com a saúde, dentre
outros. Considera-se ainda o aumento das concentrações populacionais nas
grandes metrópoles, devido variados fatores sociais e econômicos. Para Brito e
Souza (2005), a partir da década de 1970, os dados censitários revelaram uma
população urbana superior à rural, com massas buscando principalmente Rio de
Janeiro e São Paulo, estados onde a economia mais expandia, visando
oportunidades para a melhora de vida. Conforme o autor, até 1980 já havia 43
milhões de pessoas provenientes do campo, contando com os filhos nascidos na
cidade, concentradas nessas citadas regiões urbanas.
Cada vez mais populosa, em 1950, conforme dados da Organização das
Nações Unidas (ONU, 2018a), estimava-se que a Terra era habitada por cerca de
2,6 bilhões de pessoas, chegando a 5 bilhões em 1987, com uma taxa de
crescimento de cerca de 2% ao ano. Conforme dado atuais da ONU, a população
15
mundial atualmente é de aproximadamente 7,6 bilhões de habitantes, estimando-se
que chegará a 8,6 milhões no ano de 2030, 9,8 milhões em 2050 e 11,2 bilhões em
2100 (ONU, 2018b).
A necessidade de se locomover continua essencial e cada vez mais
fundamental. Os meios de locomoção evoluem junto ao ser humano, e suas
necessidades, cada vez maiores, vem se transformando. O homem primitivo
utilizava o próprio corpo para realizar a locomoção, sob a ação do andar, nadar ou
correr, posteriormente, acompanhado de uma evolução intelectual no decorrer da
história, surgem os registros, na forma de representações gráficas e inscrições em
pedras, do uso de utensílios que foram sendo construídos manualmente para
auxiliar no dia a dia da vida primitiva. Surgem similares de canoas e outros flutuantes
para atravessar rios e outros meios líquidos. Animais para tração começam a ser
explorados pelo humano à sua locomoção e também para carregamento de cargas,
principalmente a partir dos primeiros indicativos históricos que detectam o uso da
roda em 3.500 a.C. (SANTIAGO, 2018), apesar de indícios por parte de
pesquisadores sobre sua invenção em tempos ainda mais remotos.
Séculos mais tarde, o transporte marítimo foi responsável pelo início das
transações internacionais, através das embarcações à vela, e em meados do século
XIX as ferrovias assumem importante função, principalmente a partir das vantagens
da propulsão à vapor. A partir da segunda metade do século XVIII e do
aperfeiçoamento do vapor, os primeiros protótipos de automóveis começam a ser
testados, e em XIX surge o ônibus à carvão em Paris, apesar de ineficientes e
poluentes (GODINHO, 2018). No mesmo período, na Alemanha, são iniciados
testes de combustão à gasolina, o que viria a dar origem ao automóvel como hoje é
conhecido.
Na primeira década do século XX, Henry Ford, nos EUA, passa a produzir
automóveis em série, aumentando o acesso aos veículos e revolucionando a
locomoção humana. No Brasil, considerando o número da frota de automóveis – 1
carro para cada 4,4 habitantes, conforme dados de 2017 do Departamento Nacional
de Trânsito – considera-se o automóvel como o principal meio de transporte. No
contexto nacional, a indústria se instalou e se desenvolveu a partir da década de 50,
aumentando o acesso do automóvel à população. Rapidamente houve e criação e
16
expansão de ruas e avenidas pensadas exclusivamente a esse meio, até então
utilizadas por meios de transporte mais lentos e de tração animal.
Após o momento em que predominaram as primeiras montadoras e os
primeiros automóveis, consideramos o período da Revolução Industrial somado aos
avanços científicos como os responsáveis pela criação de meios de transporte mais
eficientes, rápidos, maiores e de massas, os quais começaram a conquistar os
espaços. Destacou-se principalmente as modernizações nas vias férreas, que foram
capazes de iniciar a interligação entre países europeus, além do transporte aéreo
comercial e civil.
Consequentemente a essa revolução dos meios de transporte, problemas
ambientais causados pela poluição da emissão de gases, após décadas, tornaram-
se enfoques de fóruns e debates mundiais. Veículos automotores, como
motocicletas e automóveis, de importantes invenções, aliados dos humanos a todos
seus fins de interesses e desenvolvimento, passam a ser acusados como vilões.
Conforme Pena (2018, s/p), “As principais causas do Aquecimento Global estão
relacionadas, para a maioria dos cientistas, com as práticas humanas realizadas de
maneira não sustentável, ou seja, sem garantir a existência dos recursos”. Ainda
para o autor, dados levantados por cientistas vinculados ao Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, afirmam que o século XX,
em razão dos desdobramentos ambientais das Revoluções Industriais, foi o período
mais quente da história desde o término da última glaciação.
Assim, os veículos automotores integram-se às principais causas da emissão
de gases que contribuem à destruição da camada de ozônio e ao aquecimento
global, causando prejuízos imensuráveis ao planeta. Soma-se a isso o próprio
acúmulo de veículos nas ruas, gerando engarrafamentos colossais e, em
consequência, possíveis problemas de saúde, sendo além das doenças
respiratórias, outras graves, advindas da poluição ambiental e também sonora.
Por mais, há a possibilidade de danos psicológicos, em decorrência de um
alto estresse causado diariamente pelo trânsito urbano. Dados da empresa de
mapeamentos Tomtom (2018) indicam que o brasileiro gasta em média três dias por
ano parado em engarrafamentos. Considera-se também que pessoas que se
mantém por muitas horas paradas na mesma posição, seja, por exemplo, sentado
no automóvel ou em pé nos ônibus do transporte público, podem obter más
17
consequências à saúde, como problemas circulatórios nas pernas, ocasionando
diversas doenças, como a trombose, além de varizes, fadiga muscular e desgastes
nas articulações, gerando dores nas costas, ombros e joelhos. Além, pode também
levar a problemas cardiovasculares, diabetes e cânceres (SANTOS, 2018).
Deste modo, considerando a evolução histórica da necessidade de
locomoção do ser humano, a fim de acompanhar seu desenvolvimento e
necessidades, o surgimento dos meios de transporte, apesar de pensados a facilitar
a vida das populações, passaram a gerar crises ambientais e sociais que afetam
diretamente a vida cotidiana. Pensando em reduzir e aliviar tais problemáticas,
melhorando a qualidade de vida física e psicológica dos indivíduos, bem assim como
as condições do próprio planeta, essencial para a vida do ser humano, vem à tona
estudos, discussões e propostas quanto ao uso de modais de transporte que
contribuam a, simultaneamente, amenizar as crises expostas e melhorar a vida dos
cidadãos em diferentes âmbitos: do melhor aproveitamento de tempo, à melhora da
saúde física e psicológica, contribuindo a uma maior expectativa de vida.
Atualmente, segundo o relatório Perspectivas da População Mundial: Revisão
de 2017 (ONU, 2017), a população mundial passou da marca de 7,6 bilhões de
habitantes, aumentando 83 milhões por ano. No Brasil, conforme dados atuais do
IBGE (2018), até o presente momento de construção deste trabalho monográfico, a
população aproxima-se da marca de 210 milhões de habitantes, havendo, em
média, um nascimento a cada 21 segundos. Considerando tais dados, os meios de
transporte em massa, principalmente nos grandes centros urbanos do país, passam
a sofrer consequências advindas de superlotações e insuficiências de investimento
pelo poder público, além de se considerar o alto custo das tarifas, o que contribui na
configuração de uma crise da mobilidade urbana brasileira.
Nesse cenário, a bicicleta, cerca dois séculos após sua invenção e
popularidade em cenários urbanos de cidades europeias, como um revolucionário
meio de transporte, volta à tona como uma alternativa e uma possível heroína para
amenizar a crise da mobilidade urbana no Brasil. Isso além de oferecer,
naturalmente e consequente ao seu uso, benefícios à vida dos indivíduos,
especialmente àqueles que se encontram em fase de formação intelectual: os
estudantes. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas,
Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares – ABRACICLO, a indústria de
18
bicicletas iniciou o ano de 2018 no Brasil com aumento de 49,8% na produção,
havendo projeções de crescimento do setor no ano (ABRACICLO, 2018).
2.1.1 A Infância da bicicleta
Em se tratando de uma invenção geralmente atribuída ao início do século XIX
pelas fontes que tratam da bicicleta e dos meios de transporte, as informações sobre
seu surgimento e desenvolvimento podem, de forma esperada, conter ruídos e
serem cercadas de mistérios.
Para Hadland e Lessing (2018), muitos dos mitos em relação à invenção da
bicicleta surgiram a partir de nacionalismos instalados no final do século XIX, após a
Primeira Guerra, momento em que inventores de diferentes países buscaram
reivindicar a invenção da bicicleta a fim de conquistar o mérito a seu país, elevando-
o moralmente. No que tange essa questão, a obra Bicycle Design: An Illustrated
History, de 2000, apresenta o histórico e evolução da bicicleta a partir de 20
conferências internacionais sobre a história do Ciclismo, com o principal intuito dos
pesquisadores envolvidos de findar histórias imprecisas e erros passados, assim
evitando reproduzi-los de um livro para o outro (HADLAND, 2018).
Alcorta (2018) menciona que, conforme registros de documentos históricos,
veículos movidos a propulsão humana aparecem somente após a Renascença, ou
seja, a partir do século XIV, sendo a maioria pequenos e geralmente constituídos por
três ou quatro rodas. Veículos similares a carroças eram comumente utilizados por
escravos, que as empurravam para o transporte de materiais e produções pesadas.
Até 1800, várias outras referências de veículos de propulsão humana são
encontradas, todas construídas na forma de carruagem.
Em 1680 um construtor de relógios alemão, Stephan Farffler, que era paraplégico, construiu para si primeiro uma cadeira de rodas de três rodas e depois outra de quatro, ambas movidas por um sistema de propulsão por alavanca manual. (ALCORTA, 2018).
Além de atribuições que com o passar da história foram sendo constatadas
como farsas – descritas no presente estudo mais adiante – as mais fidedignas
atribuem a invenção da bicicleta, ainda em sua forma rudimentar comparada à hoje
19
conhecida, ao barão alemão Drais Von Sauerbronn (1785-1851), batizado Karl
Friedrich Christian Ludwig Drais, ou apenas Von Drais.
Considerando que os registros indicam a bicicleta como invenção originária
da Alemanha, torna-se conveniente buscar documentos provenientes deste país, o
qual possui alta diversidade de obras publicadas sobre a história deste veículo. A
versão alemã da loja online Amazon indica centenas de títulos quando é buscado o
termo Fahrrad, ou bicicleta traduzido ao alemão. As obras tratam desde a vida e
obra de Von Drais – sete obras especificamente contém seu nome e imagem
ilustrados na capa – passando por abordagens que exploram os aspectos filosóficos
ligados à bicicleta, como na obra Die Philosophie des Radfahrens, de 2017, até a
diários e guias de cicloviagens. Soma-se ao catálogo livros que tratam sobre a
mecânica do veículo. Quando a mesma busca é realizada na versão brasileira da
loja, além de títulos infantis e romances que inserem a bicicleta de forma abstrata,
não é localizada nenhuma obra de cunho histórico, além de poucas ofertas de
importações a elevados custos. Isso pode demonstrar a importância e valor que a
Alemanha dedica e direciona à bicicleta.
A obra Beschreibung der v. Drais’schen Fahr-Maschine und einiger daran
versuchten Verbesserungen (BAUER, 2016), datada de 1817, é tida como o primeiro
livro sobre a bicicleta da história. Nele, o mecânico Carl Johann Siegmund Bauer
(1780-1857) faz uma descrição detalhada da invenção e fornece instruções sobre
como usá-la, além de oferecer uma série de sugestões sobre como melhorar o
desempenho e condução em sua opinião. A obra foi republicada em 2016, no
mesmo idioma, editada pelo físico e pesquisador alemão Hans-Erhard Lessing,
acrescida de correspondências de Von Drais com agricultores sobre sua invenção e
outros documentos históricos do inventor.
Anos mais tarde, Lessing, na 8ª Conferência Internacional sobre História do
Ciclismo, realizada em agosto de 1997 na Escola de Arte de Glasgow, em um artigo
intitulado The Evidence against “Leonardo’s Bicycle” (LESSING, 1997), embasado
por evidências históricas que reuniu, desmascarou a chamada “bicicleta de Da
Vinci”, cuja qual consistia em um suposto esboço descoberto por um historiador no
ano de 1974 e fora atribuído a Leonardo Da Vinci, sendo esse até hoje ainda muito
difundido como o primeiro inventor da bicicleta.
20
Outro importante registro histórico, adotado como um dos referenciais
bibliográficos do presente trabalho monográfico, é a obra Histoire Générale de la
Vélocipédie, publicada na França em 1891 pelo jornalista Louis Baudry De Saunier
(1865-1938). Na rara obra, hoje disponibilizada na íntegra em versão digitalizada no
sistema online da Biblioteca Nacional da França, o autor, no capítulo intitulado Les
Premières Machines: Les Célérifères, insere outro inventor, anterior a Von Drais,
chamado Conde Mede de Sivrac, atribuindo-o à criação do que chamou de “primeira
máquina”:
De um esboço, nada menos que as sementes do velocípede jogadas ao chão. O celerífero é a semente de uma imensa colheita moderna. Ah! Era apenas uma semente pequena e nua a invenção do M. de Sivrac! E quanto suor, quantas lágrimas, quanto ouro, quantos anos foram necessários para produzir belas bicicletas a partir do grosseiro celerífero do século XVIII! O celerífero era composto de dois elementos: um pedaço forte de madeira, quase na forma quadrúpede, cavalo ou leão, cujas pernas endurecidas sustentavam duas rodas. O condutor segurava pela cabeça do animal e, alternadamente, batia com cada pé no chão, avançando com passos largos. (DE SAUNIER, 1891, p. 7, tradução nossa).
A diferença, segundo as descrições desse autor, seria de que o suposto
invento de Sivrac, nomeado “celerífero”, era um brinquedo, com o corpo de madeira
moldado no formato de um animal, que poderia ser um cavalo ou leão (Figura 1),
composto de uma barra transversal sólida, simulando a cabeça do animal, como
conhecemos hoje o guidão, sem possibilitar mudança de direção.
FIGURA 1 - CELERÍFEROS
FONTE: De Saunier (1891)
21
A polêmica se dá devido ao fato do francês De Saunier considerar o
brinquedo de montar, simulando um animal, similar ao veículo criado por Von Drais,
o que pode se levar a sugerir que possa ter havido uma tentativa de apropriação de
méritos do invento por parte de De Saunier a seu país. Após seu suposto registro da
invenção do celerífero, De Saunier faz relatos sobre a evolução da dirigibilidade das
carroças da época com o passar das décadas, além de exaltar a modificação de
Drais sobre o celerífero, o classificando como uma “genial invenção”, o qual
descreveu como uma “vitória sobre um cavalo, torando o homem mais rápido que
uma gazela”, nomeando-a como draisienne, em menção ao sobrenome de seu
inventor. Em português, foi traduzida como draisiana ou dresine.
Trinta anos foram necessários para que os carpinteiros que faziam esses instrumentos de madeira compreendessem que a articulação da roda dianteira daria uma direção livre para a máquina. Só em 1818, o barão Drais de Sauerbron, anunciou em Paris a sua descoberta, genial a seu ver, o cavalo conquistado, o homem mais rápido que a gazela, a draisiana! A draisiana não era outro velocifere articulado. Na parte de trás, o corpo da máquina carregava uma roda; na frente, uma segunda vara paralela, mais curta, carregando a outra roda, uniu-se a ele por um plug de madeira no qual um leme permitia girá-lo. (DE SAUNIER, 1891, p. 9, tradução nossa).
Mais além, De Saunier descreve observações de Von Drais que foram
publicadas em um jornal de Berlim. Nesta publicação, Drais, que também era
engenheiro agrônomo e florestal, relata que em seu projeto previu tudo o que
poderia em termos de durabilidade, leveza e elegância da draisiana, além de dispor
de variações de acordo com o desejo dos compradores, como uma versão mais
elaborada, que dispunha de ajuste da altura do assento através de uma espécie de
parafuso.
Tanto quanto eu poderia, diz uma nota encontrada nos trabalhos do inventor e publicada pela Radfahrer, de Berlim, eu previ tudo, assim como em relação à durabilidade quanto à leveza e elegância. Sobre o desejo dos clientes, tenho à disposição, além do velocífere simples: a mesma máquina com um sistema de entalhes para adaptar o assento ao tamanho das pessoas que o utilizam. (DE SAUNIER, 1891, p. 10, tradução nossa).
Quanto a ajustes e melhorias que Drais foi realizando no invento, o vídeo
alemão intitulado Karl Drais Erfinder des Laufrades - BR31, demonstra um sistema
1 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=W9euy5Rg2EU, acesso em 06 mai. 2018.
22
de frenagem através de um fio de barbante, que, ao ser puxado, travava a roda
traseira. O sistema era mais evoluído do que o original, que consistia em um cabo de
madeira, com extremidade pontiaguda, para raspar no solo quando se desejava
diminuir a velocidade. A draisiana também contava com um compartimento traseiro
para amarração de bagagem.
Através da análise das imagens do documentário, é possível notar que a
invenção contava com um quadro robusto de madeira, sendo o corpo do veículo,
com duas rodas anexas às extremidades, além de um banco, comprido, similar aos
das motocicletas contemporâneas, e uma alavanca que fazia a função de guidão
para a condução. Para mover-se, o condutor, sentado sobre o banco, com as pernas
pendentes uma para cada lado, necessitava tomar impulsos empurrando o solo para
trás, similar ao movimento necessário a um patinete.
O princípio para movimentá-la era bastante simples: sentado no selim da draisiana com os pés apoiados no chão bastava sair andando ou correndo até que se chegasse ao equilíbrio. A partir daí o condutor levantava os pés até que fosse necessário mais impulso para manter a velocidade e o equilíbrio. No plano, conforme a situação do piso, era possível ir mais rápido do que a pé. Nas descidas a velocidade era quase impensável para a época. (ALCORTA, 2018).
Conforme a obra 2 Räder - 200 Jahre: Freiherr von Drais und die Geschichte
des Fahrrades, de 2016, de autoria do Museu Alemão de Tecnologia – Technoseum
– a invenção é atribuída especificamente ao dia 12 de junho de 1817, há 201 anos,
data em que ocorreu a viagem inaugural de Drais entre as cidades de Mannheim e
Schwetzingen, em um trecho de 14 km, sendo esse considerado o primeiro passeio
de bicicleta da história. O referido passeio de Drais pode ser considerado como o
nascimento da mobilidade individual, no que até então poderia ser possível, porém
somente explorando a força de animais de montaria ou tração (TECHNOSEUM,
2016). Drais, na época com 32 anos, realizou uma invenção pioneira e
revolucionária, cuja popularidade e importância são ininterruptas até hoje.
Von Drais patenteou a draisiana em 12 de janeiro de 1818, na cidade de
Baden, na Alemanha, bem assim como em outras cidades europeias, incluindo a
própria Paris, onde mais de 70 anos depois, De Saunier alegou haver um inventor
anterior. Mesmo sendo uma invenção revolucionária, a máquina de Drais não
alcançou o público. Conforme o Technoseum (2016), o invento precursor da bicicleta
23
de hoje era muito caro para as pessoas do início do século XIX. Corroborando,
conforme ALCORTA (2018), a draisiana não obteve sucesso: Drais realizou viagens
pela Europa fazendo contatos para mostrar e vender seu produto, mas, sem possuir
qualidades como vendedor, não obteve êxito e sofreu com prejuízos.
Anos mais tarde, e mesmo sob a patente realizada por Von Drais, surgem
cópias da draisiana. Conforme Alcorta (2018), a invenção vai gradativamente
recebendo melhorias, como a introdução do ferro em sua construção, permitindo
melhorar o desempenho.
Em 1855, em Paris, conforme relata De Saunier (1891, p. 31), Pierre Michaux,
um serralheiro e mecânico de carruagens, o qual o autor descreve como detentor de
um espírito observador e engenhoso, recebeu para conserto uma rara draisiana e,
após pronta e considerá-la ineficiente, a examinou por longo tempo, e, em um estalo
criativo, decidiu testar uma espécie de manivela o qual instalou na roda dianteira, o
que se conhece hoje como o pedal, diretamente ligada ao cubo da roda. Após
diversos testes e trabalho, revolucionaria a invenção, dando origem ao que ficou
conhecido como vélocipédie, ou velocípede.
Experimentando com essa draisiana, (o pedal) ficava atrás dela, formando uma alavanca em que o cavaleiro manobrava com uma mão, enquanto na outra ele se movia. - Rapidamente apagado, esse desenho foi substituído por este: a barra de madeira, trocada de lugar, uniria por um cotovelo o eixo da roda da frente. Os solavancos da alavanca seriam mais macios, melhor aterrados pelo cavaleiro, já que se relacionariam com o próprio volante, menos discordantes com o equilíbrio. - Mas a dedução curiosa dessa proposta velocipédica era que nada se tornava mais inútil e mais embaraçoso ao velocipedista que suas pernas. Onde colocá-las? A ideia surgiu de imediato a esse metódico, que montou um a um aos passos da lógica, para mover pelo pé a peça dobrada que ele calculara, no primeiro instante, movida por uma barra. A manivela foi inventada. (DE SAUNIER, 1891, p. 31, tradução nossa)
Na mesma obra (p. 34), De Saunier relata sobre outro personagem histórico.
Pierre Lallement, também mecânico, fabricante de carrinhos de bebê, habitante da
comunidade de Pont-à-Mousson, sem ter conhecimento sobre Michaux, tampouco
sobre a invenção dos pedais, trabalhou, no mesmo período, na mesma ideia,
inventando um aparato similar. O autor relata que, em viagem a Paris, Lallement
apresentou seu invento e, ao notar que o trabalho de Michaux já era conhecido
pelos habitantes locais, foi ironizado. Desanimado, mudou-se para o estado de
24
Connecticut, nos Estados Unidos, onde também tentou estabelecer seu invento,
patenteando-o e obtendo um sócio, James Carrol, porém não obteve sucesso, se
mantendo sem verbas, deixando Carrol e retornando a Paris, onde Michaux
continuava com seu domínio e outras melhorias, sendo no contexto a mais recente
um sistema de freios por corda.
A Figura 2 mostra ilustração de Pierre Michaux e a bicicleta com sistema de
freios em corda. A Figura 3 mostra Pierre Lallement, em meados do séc. XIX,
exibindo sua bicicleta com pedais.
FIGURA 2 – FREIOS EM CORDA DE FIGURA 3 – PIERRE LALLEMENT PIERRE MICHEUX EXIBINDO OS PEDAIS
FONTE: Google (Domínio público). FONTE: Google (Domínio público).
Anos mais tarde a bicicleta, então chamada de velocípede, ainda era
realidade para poucos. Conforme Schetino (2008, p. 59), embasado pela obra
Passion Sport: Histoire d’une Culture, do historiador francês Georges Vigarello,
especialista em práticas corporais, devido a fabricação artesanal e alto custo, entre
os anos de 1861 a 1863 foram produzidos apenas 142 modelos do veículo em Paris.
25
2.1.2 A adolescência da bicicleta
O comércio e exportações dos velocípedes estavam em andamento e, em
1870, segundo De Saunier (1891), Michaux fundou uma fábrica, chegando a
empregar 500 funcionários em uma área de 10.000m². Já na América, Carrol, então
sócio de Lallement, insistiu nos negócios e comercializou os velocípedes em
diversas áreas. Mais adiante necessitou pagar indenização devido à patente que
Lallement havia registrado. (DE SAUNIER, 1891, p. 36). Conforme Schetino (2005,
p. 59), cada modelo custava cerca de 500 francos, o que equivalia, na época, três
meses de salário de um professor parisiense. “O alto preço das bicicletas e
consequentemente a proximidade da história desse artefato com as elites podem
indicar maiores possibilidades de reconhecimento das pessoas por trás desse
processo” (SCHETINO, 2005, p. 84).
Posteriormente, com o desenvolvimento de novos materiais, inclusive por
novas empresas que investiram na ideia, como a montadora francesa de veículos
Peugeot, houve um barateamento nos custos. Conforme relata Schetino (2005, p.
59), embasado por documentos históricos, nesse contexto, atraídos por benefícios
do novo modal de transporte, enxergado possivelmente como vantajoso frente aos
demais, começaram a surgir incentivos de gestores de fábricas francesas para que
seus operários adquirissem bicicletas para conduzi-los ao trabalho. Para isso,
ofereciam linhas de crédito que financiavam o novo veículo. O resultado foi uma
contribuição à popularização da “La Petit Reine” – ou “Pequena Rainha”, um dos
apelidos dado à bicicleta em Paris – que, em considerável curto espaço de tempo, já
começava a modificar a paisagem urbanística da capital francesa, posteriormente se
tornando um dos símbolos de identidade nacional daquele país e não mais se
mantendo como um aparato próximo somente às elites, voltando-se também aos
membros das camadas populares. (SCHETINO, 2005).
Após a popularidade do velocípede, De Saunier (p. 38) registra o que teria
sido a primeira cicloviagem da história: em uma coluna publicada em um periódico
de Portugal, há o relato sobre um cidadão português que teria percorrido uma
distância de mais de 100km, entre as cidades de Santarén e Lisboa, sendo, porém,
favorecido devido ao trajeto ser de descidas. Na mesma coluna, o cronista sugere e
questiona sobre a possibilidade de se substituir cavalos pelos velocípedes: "Não
26
poderíamos remover o horroroso estripar dos cavalos, substituindo os
desafortunados animais por velocípedes?” (p. 40, tradução nossa). A importância
que o novo veículo já atingia, em sua “adolescência”, era inegável. A comparação
com o cavalo, e uma possível substituição ao uso do animal pelo “cavalo de ferro”
pode-se embasar considerando, por exemplo, conforme Schetino (2005, p. 66), o
uso das pistas de turfe para as primeiras competições, tanto em Paris quanto no Rio
de Janeiro, ou seja, o mesmo espaço utilizado pelas competições que usam animais.
As competições eram organizadas em páreos, os ciclistas inicialmente vestiam-se como jóqueis, e, especificamente no caso do Rio de Janeiro, utilizavam como pseudônimos nomes de cavalos vencedores na época. (SCHETINO, 2005, p. 66)
O velocípede atingia, definitivamente, uma realidade possível. Em 1865,
principalmente a partir de exposições, o boato sobre o novo veículo se espalhou de
país para país: um esporte da juventude, que requereria habilidade e que estava na
moda, sendo um novo modo de transporte, recém chegado e já consagrado em
Paris, na vida alegre do Império (DE SAUNIER, 1891, p. 37). Logo, os velocípedes,
ou draisianas melhoradas, começam a ser enviados para todas as grandes cidades,
deixando de ser uma invenção peculiar e questionável, para se tornar um veículo
promissor.
De tão presente naquele cenário, o velocípede leva a um problema social
que, hoje, quase 150 anos depois, muitas vezes ainda parece frequente no Brasil: o
direito de ocupação das vias como qualquer veículo. De Saunier (1891, p. 45) relata
o caso de um cidadão francês que em 1869 levou ao tribunal do Estado de Provence
sua indignação quanto a presença das ainda rústicas bicicletas nas vias, as quais
considerava “excentricidades sem futuro”. Naquele contexto, havia lei que proibia a
realização de boliche e outras práticas de lazer nas vias e, considerando o
velocípede como uma nova prática, o governante do condado proibiu sua circulação
em todas as áreas, exceto quando empurrado. A situação piorou quando o mesmo
cidadão começou a desferir ofensas aos condutores dos velocípedes em textos a um
jornal local, os considerando “idiotas sobre rodas”, havendo um defensor que o
confrontou, alegando que o velocípede era o “camelo do ocidente”, em alusão à
exploração desse animal como um dos principais meios de transporte utilizados até
então no Oriente Médio. (DE SAUNIER, 1891, p. 46).
27
Conforme o mesmo autor, em agosto do mesmo ano, um membro do Corpo
Legislativo propôs impor imposto de 50 francos anuais a quem quisesse ser
condutor. A taxa não foi imposta, e mesmo assim o velocípede foi enfraquecido.
Posteriormente foram ocorrendo gradativas vitórias, primeiramente com a
autorização para haver organização de corridas, em seguida a liberação para o uso
após às 19h.
Em Paris, jovens estudantes pautam a questão do velocípede, cujo qual já
contava com “velo-clubes” e jornais dedicados, fazendo qualquer tentativa de
proibição fracassar. Conforme De Saunier (1891), em Nova York, no continente
americano, o veículo custava em média 30 mil dólares e podia ser adaptado de
acordo com o uso: trilhas, passeios etc. “L'Amérique enfin eut cette année 1869
véritablement la fièvre de vélocipédie” (DE SAUNIER, 1891, p. 50).
A Figura 4, abaixo, mostra uma variação americana do velocípede, datada de
1869, o qual, de forma complexa, favoreceria o baixo gasto energético e podia levar
duas pessoas.
FIGURA 4 – VARIAÇÃO AMERICANA DO VELOCÍPEDE
FONTE: De Saunier (1891)
Completando a adolescência da bicicleta, De Saunier (1891, p. 56) discorre
sobre o desempenho das rodas do veículo. O peso da madeira, matéria de
28
composição das rodas primitivas, era uma condição adversa à condução. Velocistas
experimentam rodas de fabricação americana com aço na composição, mais frágeis
e de difícil construção, porém menos pesadas que as de madeira.
Em agosto de 1869 a principal inovação traz avanços que até hoje perduram:
a borracha sólida nas rodas. A novidade trouxe tamanhos benefícios que
competidores que não as possuíam reivindicaram a desclassificação de quem
utilizava, por não ser “leal”. Não atendidos, foram orientados a também utilizar rodas
com borracha caso quisessem melhores resultados. O material enfrentou
problemáticas quanto a baixíssima durabilidade em temperaturas extremas, além do
alto valor, e posteriormente foi substituído por melhores composições.
No dia 7 de agosto de 1869, em Carpentras, e no dia 9 do mesmo mês, em Sorgues, um lyonense, M. Thevenon, ganhou todos os prêmios nas corridas locais! Nós examinamos sua montagem. Horror! As rodas de sua bicicleta são rodeadas de borracha! O que é isso? Aqui está uma irregularidade! Os competidores, insatisfeitos, imediatamente pedem que o vencedor seja desclassificado. "Porque ele não é leal ao usar uma roda de aro de borracha que molda-se nos obstáculos. Onde os outros cavaleiros perdem o impulso, pelo contrário, dá uma aceleração de velocidade". Mas as regras da regata não aceitam alegremente essa alegação retrógrada e imploram aos mal-humorados: se quiserem igualar suas chances, emborrachem suas rodas (DE SAUNIER, 1891, p. 56, tradução nossa).
Devido a composição das primeiras rodas, feitas de madeira, posteriormente
de ferro e então havendo o início dos testes com borracha sólidas e pneus
removíveis, as bicicletas eram instáveis e proporcionavam considerável incômodo
aos condutores. Essa característica fez surgir o apelido de boneshaker às bicicletas,
em tradução da língua inglesa, “chacoalhador de ossos”.
Nesse contexto, visando a melhoria do conforto e do desempenho, surge a
Penny-farthing, também conhecida como High Wheel ou Ordinary. Para Hadland
(2000), o mecânico francês Eugène Meyer, em 1868, foi o primeiro a registrar
patente do novo formato da bicicleta, o qual a projetou com a roda dianteira grande,
ainda com raios de madeira, justamente a minimizar os impactos do contato com o
solo. A partir de Meyer, outros inventores, como o inglês James Starley, projetaram
modelos com rodas ainda maiores, com cerca de 1,5m, o que favorecia a maior
velocidade e desempenho com menos pedaladas (HERLIHY, 2006), apesar de não
ser adequado a terrenos íngremes.
29
Mais além, por volta de 1875, o escocês Jules Truffault substitui os pesados
aros de madeira e outros componentes por peças de metal, e em 1881 os modelos
para corrida pesavam cerca de 10 kg, um grande avanço para a época (VENET,
2018). Conforme Herlihy (2006), esse modelo foi o primeiro a ser conhecido como
biclycle, ou “bicicleta”, como até hoje é conhecida. Ainda conforme o autor, a
popularidade da Penny-farthing coincidiu ao nascimento do Ciclismo como esporte,
além do modelo ter se tornado um símbolo da Era Vitoriana, compreendida pelo
reinado da Rainha Victoria no Reino Unido, entre os anos de 1837 e 1901.
Apesar das vantagens e do símbolo que se tornou, a Penny-farthing enfrentou
problemas de segurança devido à altura em que seu condutor se mantinha, podendo
ser fatal em casos de acidentes. Conforme Herlihy (2006), a partir da invenção da
tração por corrente, a Penny-farthing, posteriormente também conhecida como
Bicicleta ordinária, gradativamente foi deixando de ser produzida, sendo substituída
pela que ficou conhecida como “Bicicleta de Segurança”, composta por duas rodas
de tamanhos semelhantes e corrente interligando os pedais à roda traseira, o que
proporcionaria maior segurança, visto que os pés do ciclista poderiam tocar o solo
em caso de desequilíbrio. A Figura 5, mostra um grupo de passeio ciclístico datado
de 1883. Na imagem lê-se “Biclycle meet – Thanksgiving 1883”.
FIGURA 5 - GRUPO DE PASSEIO CICLÍSTICO EM 1883
FONTE: Domínio Público. Autor desconhecido.
30
A Figura 6 mostra ilustrações representando a Penny-farthing e, à direita, a Bicicleta de Segurança.
FIGURA 6 – PENNY-FARTHING E BICLETA DE SEGURANÇA
FONTE: Lexikon der gesamten Technik, de 1904, por Otto Lueger.
Ainda em relação à problemática de segurança, outra solução na época
apresentada foi a construção da bicicleta havendo três ou até quatro rodas, o que
dava origem ao triciclo e ao quadriciclo. Conforme Belotto (2016), esses veículos
eram inicialmente considerados como característicos dos nobres, já para De Saunier
(1891), muitos trabalhadores passaram a utilizar esses modelos, aproveitando
também outra novidade facilitadora: a instalação do bagageiro, sendo na época um
compartimento comumente utilizado para levar o almoço e ferramentas. Entretanto
esses modelos também enfrentavam problemas de condução referente a equilíbrio.
Para o autor (p. 84), “É mais difícil ser um bom triciclista do que um excelente
ciclista”.
O triciclo está fazendo um bom trabalho - de fato havia trabalhadores indo trabalhar em velocípedes altos com três rodas, a qual a de direção era enorme, e as duas posteriores muito pequenas, carregando seu almoço e ferramentas em uma cesta na parte traseira. (DE SAUNIER, 1891, p. 65, tradução nossa).
Os triciclos e quadriciclos proporcionaram o surgimento de uma nova
funcionalidade para esses veículos, os quais ficaram conhecidos como “bicicletas
sociáveis”, podendo ser utilizadas por mais de uma pessoa. De Saunier se refere a
31
esses veículos como “aquelas máquinas, onde estamos um atrás do outro, como
nos diz um catálogo da época, que assumem as estradas estreitas e elegantes”
(1891, p. 249). Nesse trecho, o autor registra a ocupação das estradas da época por
esses veículos.
Conforme Alcorta (2018), em poucos anos as bicicletas sociáveis se tornaram
viáveis para uma boa parcela da sociedade urbana, isso devido ao fato de que elas
eram mais baratas e ocupavam muito menos espaço do que qualquer outra opção
de transporte daquele contexto: charretes, carruagens e carroças. Considera-se
ainda que qualquer opção de transporte movida pela exploração do trabalho animal
demandava muito espaço e manutenção, enquanto as sociáveis eram um transporte
ativo, ou seja, movidas a propulsão humana, além de limpos e de exigir pouca
manutenção, podendo ser guardados até dentro das casas. Em contrapartida,
segundo Alcorta (2018), com a popularização das sociáveis, começaram a surgir
problemas, possivelmente os primeiros problemas de trânsito: acidentes, disputa de
espaço público, questões referentes a leis e tensões sociais referente a essa
novidade.
A condução destes veículos era total novidade e não havia referências sobre segurança no trânsito. Em algumas circunstâncias todas estas novas máquinas corriam mais que o conveniente, freavam menos que o necessário e não eram muito estáveis. Para a população que não usava estes veículos o que a princípio era visto como uma interessante curiosidade passou a ser motivo de desconforto e irritação (ALCORTA, 2018).
FIGURA 7 – TRÁFEGO DE BICICLETAS FIGURA 8 – BICICLETA SOCIÁVEL COM SOCIÁVEIS E CHARRETES RODAS DE APOIO
FONTE: Domínio público. FONTE: Domínio público.
32
Neste mesmo contexto, a bicicleta contribuiu para o acontecimento de um
marcante fato que levou a mudanças sociais revolucionárias. Uma importante
parcela da sociedade obviamente também demonstrou interesse pelo novo veículo:
as mulheres. Para Schetino (2008, p. 56), a participação feminina na utilização das
bicicletas foi tema de muita controvérsia, bem assim como seu acesso às diversas
práticas esportivas historicamente. Ainda atualmente, não incomum as modalidades
esportivas femininas são negligenciadas e diminuídas pela mídia, havendo em
muitos casos a sexualização da imagem das atletas sob intuito de audiência e
consumo, corroborando a uma característica machista da sociedade.
Conforme o mesmo autor, no início do século XX, além de propagarem
rumores sexistas e machistas sob argumentações clínicas e anatômicas incabíveis,
havia o desaconselhamento por parte de médicos ao uso pelas mulheres do então
chamado velocípede, prática que alegavam ser mal vista pela “boa sociedade”. Para
Schetino (p. 56), a razão científica foi responsável pela modernização da sociedade
e pela progressiva quebra desses estereótipos e preconceitos mencionados.
Além do conhecimento advindo da ciência, nesse contexto, em Paris, o direito
à utilização da bicicleta foi abraçado pelo movimento feminista, resultando inclusive,
segundo o autor, no que teria sido um primordial estímulo ao abandono do uso de
um incomodo item feminino: o espartilho, acessório utilizado para atingir
determinados padrões de beleza e que comprime as vias respiratórias, limita os
movimentos e dificulta seriamente, ou até impede, a ação então reivindicada pelas
mulheres: pedalar (SCHETINO, 2008). Dessa forma, através de lutas por direitos,
gradativamente quebrando estereótipos, as mulheres foram obtendo uma importante
e histórica conquista: o uso da bicicleta e o direito de pedalar livremente.
Em contrapartida, no mesmo contexto, De Saunier (1891, p. 223) relata sobre
dois importantes feitos conquistados por duas ciclistas na década de 1880: o
primeiro realizado pela ciclista estadounidense Elsa Von Blumen em setembro de
1881, a qual percorreu 1609 km em apenas seis dias, sendo classificada pela
imprensa da época como “poesia em movimento”, além de ter conquistado e atraído
muitas fãs mulheres que passaram a se atentar à bicicleta; O outro realizado pela
Madame Ch. Terront, a qual percorreu 108 km na estrada que liga a cidade de Saint-
Sever a Baiona, a uma média de 10 km/h, velocidade não alta, porém que chamou a
atenção também de médicos. Conforme De Saunier (1891, p. 225), o jornal inglês
33
L’Irishi Cyclist publicou a carta de um médico que, sob o título de Tricycle for Ladies,
recomendou calorosamente às mulheres a prática do Ciclismo, declarando ser "mais
higiênico do que a dança", e, além, curiosamente acrescenta que um banho quente
seguido imediatamente por um banho frio, após a corrida, garantiria a “impunidade”,
ou seja, a garantia de não se tornarem mal vistas higienicamente.
Para Schetino (2005), a bicicleta apenas veio a se tornar perceptível aos
olhos dos historiadores quando passou a ser utilizada no mundo do trabalho, como
no transporte dos operários para as fábricas, entregadores de alimentos, correios,
entre outros, isso mesmo já havendo competições esportivas pouco tempo depois
dos primeiros registros históricos de sua invenção.
Conforme o mesmo autor, em 1869 foram organizadas as primeiras
competições em Paris. Além de se popularizar nas ruas da cidade e do campo, os
franceses demonstraram grande interesse pelas provas de estrada, além das
realizadas nos velódromos que começavam a surgir. “Nessa época já se percebe a
utilização de termos como touring, entourage e cicloturisme, fazendo menção a
esses aventureiros que viajavam pela Europa de bicicleta” (SCHETINO, 2005, p. 84).
2.1.3 O início da fase adulta da bicicleta
No final de década de 1880, uma importante característica da bicicleta,
anteriormente já testada porém apresentando problemáticas, surge em definitivo: os
pneus removíveis junto às câmaras de ar. De acordo com Venet (2018), em 1891 o
ciclista Charles Terront venceu a primeira edição da tradicional prova Paris-Brest-
Paris utilizando uma bicicleta equipada com protótipos da empresa francesa
Manufacture Française des Pneumatiques Michelin, mais conhecida como Michelin,
uma das principais fabricantes de pneus do mundo e uma das pioneiras na
construção de pneus para bicicletas. Conforme a mesma fonte, três anos antes já
haviam sido testados os “tubos ocos de borracha”, hoje conhecidos como câmaras
de ar.
A invenção dos pneus é também atribuída ao veterinário e inventor escocês
John Boyd Dunlop, o qual nomeia a empresa de pneus hoje atuante. Segundo o
website da empresa, no ano de 1888, Dunlop, ao observar a dificuldade de seu filho
34
em andar em um triciclo com rodas de aros maciços, buscou, com sucesso,
alternativa com a câmara de borracha, posteriormente desenvolvendo para o uso em
bicicletas de corrida. (DUNLOP, 2018).
A invenção deu tão certo que Dunlop patenteou de imediato a sua ideia e começou a desenvolvê-la num empreendimento comercial, batizado como Dunlop Pneumatic Tire Co. Ltd. (a empresa de pneus mais antiga do mundo). Esse ato resultou na expansão de fábricas pelo mundo e originou uma das marcas mais famosas da história. (DUNLOP, 2018)
Outra característica definitiva se deu pela invenção da tração: cerca de 25
anos após a invenção dos pedais fixos as rodas dianteiras, por volta de 1880, o
inglês Lawson criou a tração dos pedais sobre um disco, conhecida como coroa,
que, através de uma corrente, repassava o esforço para a roda traseira (BRASÍLIA,
2007). Poucos anos depois diversos sistemas de câmbios para troca de marchas
começam a surgir. O intuito e empenho dos inventores visava proporcionar o
aumento da velocidade das bicicletas e também permitir a subida em terrenos
íngremes com menos esforço físico. Conforme registros, o alemão Johann Walch, na
década de 1880, foi o inventor de um dos primeiros sistemas de câmbio de marchas
(BRASÍLIA, 2007).
Conforme descrito por Heine (2009), uma importante contribuição ao sistema
de transmissão de marchas se deu a partir do invento de Paul De Vivier, dono de
uma loja de bicicletas na França e apaixonado por cicloviagens. “Paul de Vivie, mais
conhecido como Velócio, percorreu sem parar longos passeios, de 40 horas ou mais,
cobrindo vastas distâncias pelo prazer de pedalar e ver a paisagem rural” (HEINE,
2009, p. 10, tradução nossa).
Composta por colinas e montanhas por boa parte do território, o relevo da
França foi um estímulo para a invenção de De Vivier, insatisfeito com os sistemas de
trocas de marchas disponíveis até então, e através dos componentes de distintas
marcas que comercializava, criou o seu próprio, baseado em duas correntes
paralelas, proporcionando duas velocidades e mais duas extras aos ciclistas que
queriam apreciar as paisagens francesas. Conforme o autor, “Por enquanto, essa
era uma máquina incrivelmente versátil que permitia que os passageiros seguissem
seus sonhos até o fim da estrada” (HEINE, 2009, p. 10, tradução nossa).
35
O sistema de De Vivier foi um importante salto, dentre diversos mecanismos
ao longo dos anos, e um precursor entre mais de 100 anos de evoluções para se
chegar ao sistema hoje utilizado.
Mais além, destaca-se também quanto a mudança na construção do quadro
das bicicletas, alterada para o modelo trapezoidal, formato primeiramente registrado
na Inglaterra, no ano de 1891 (BRASÍLIA, 2007), o que veio a favorecer o
desempenho do veículo.
Também em relação as evoluções de mecânica e dos sistemas de marchas,
corroborando às fontes apresentadas, o website oficial dos Jogos Olímpicos
(OLYMPIC, 2018a), registra que em 1885 o Ciclismo deu um grande salto quando J.
K. Starley inventou o sistema de cadeia e engrenagem. Desde então, os
engenheiros adotaram a tecnologia moderna para construir bicicletas cada vez mais
rápidas, mais macias e mais leves.
Nesse contexto, as competições envolvendo a bicicleta já eram frequentes e
tradicionais. Como mencionado anteriormente, a Paris-Brest-Paris, uma das mais
tradicionais provas do Ciclismo da França, com nome que faz menção ao trajeto
entre as duas cidades, em cerca de 1200 km, teve sua primeira edição em 1891 e foi
encerrada em 1951. Outra competição tradicional e hoje a mais importante do
mundo na categoria de longas distâncias, é a Le Tour de France, realizada, de
acordo com o website oficial (LE TOUR DE FRANCE, 2018), desde 1903, havendo
na ocasião seis etapas somando ao todo 2428 km.
O Tour de France é realizada anualmente, com atletas de todo o mundo, e
somente não aconteceu entre os períodos das duas guerras mundiais. De acordo
com o Grupo de Estudos Olímpico da EEFEUSP (GEO, 2018), o melhor resultado
brasileiro na história se deu pela vitória do atleta Mauro Ribeiro, na 9ª etapa da
prova do ano de 1991. Pode-se mencionar também outras provas tradicionais que
contribuíram à popularidade da bicicleta e do Ciclismo de competição pelo mundo,
como a Liège-Bastogne-Liège, ocorrida na Bélgica desde 1892, a Paris-Roubaix,
ocorrida na França desde 1896, a Milan-San Remo, ocorrida na Itália desde 1907
até a atualidade, a Volta à Flandres, ocorrida na Bélgica desde 1913.
Além, hoje o Ciclismo está presente também em competições como os Jogos
Panamericanos e em quatro modalidades nos Jogos Olímpicos, sendo: Pista,
Estrada, Mountain Bike e BMX. De acordo com o website oficial dos Jogos
36
Olímpicos (OLYMPIC, 2018), o Ciclismo, um dos raros esportes que sempre
apareceram em todas edições do programa olímpico, é disputado desde 1896, na
primeira edição dos Jogos da era moderna, em Atenas. “O Ciclismo provou ser
incrivelmente popular desde que as bicicletas foram inventadas em meados do
século XVIII. Ele tem destaque em todos os jogos olímpicos” (OLYMPIC, 2018,
tradução nossa).
A modalidade Pista (Track) foi realizada em todas as edições dos Jogos
Olímpicos, à exceção de 1912, quando somente a modalidade Estrada (Road) foi
realizada (OLYMPIC, 2018b). A partir de 1912, na edição de Estocolmo, inserida à
modalidade Pista, foi incluída a competição de Contra-relógio em equipe,
permanecendo até 1992, quando foi substituída na edição seguinte, em Atlanta, pelo
Contra-relógio individual. (OLYMPIC, 2018). Referente a modalidade Mountain Bike,
foi inserida no programa olímpico na edição de 1996, em Atlanta, sendo masculino e
feminino (OLYMPIC, 2018c). Em 2008, na edição de Beijing, foi incluída a
modalidade BMX, masculino e feminino (OLYMPIC, 2018d).
Em relação a participação feminina nos programas olímpicos do Ciclismo, foi
incluída tardiamente: a modalidade Estrada, conforme Olympic (2018a), foi incluída
somente em 1984, na edição de Los Angeles; a modalidade Pista, em 1988 e
somente em 1996 incluída a competição individual feminina do Contra-relógio, essa
inserida na modalidade Pista. De acordo com a mesma fonte, os europeus sempre
obtiveram destaque nas competições do Ciclismo nos Jogos Olímpicos,
principalmente franceses e italianos, havendo também muitas medalhas
conquistadas pelos países do leste europeu.
O início das competições tornaram-se também viáveis a partir dos
treinamentos dos atletas em velódromos que, conforme anteriormente mencionado,
começavam a surgir: de acordo com Pascal (1989, p. 14) o industrial e ciclista
Théodore Vienne, junto a Maurice Perez, fundadores da Paris-Roubaix, são
considerados pioneiros por se envolverem na construção de um velódromo, para
prática, treinamento e competições na cidade francesa de Roubaix, inaugurado em 9
de Junho de 1895, até hoje existente, sendo conhecido como Velódromo André-
Pétrieux ou Velódromo de Roubaix.
A Figura 9 mostra Charles Terront, o primeiro vencedor da prova Paris-Brest-
Paris, na capa do jornal francês Le Petit Journal datada de 26 de setembro de 1891.
37
FIGURA 9 - CAPA DO JORNAL FRANCÊS LE PETIT JOURNAL
FONTE: Domínio Público.
Todas essas evoluções, ocorridas no decorrer de mais de um século e a partir
de incontáveis testes, protótipos e desejo pela evolução do veículo, resultaram em
características da identidade da bicicleta como hoje a conhecemos: variados tipos de
aros e pneus de borracha removíveis, avançados sistemas de marcha, construção
do quadro e componentes favorecendo a aerodinâmica etc, notadamente sempre
visando a melhor performance, economia do gasto energético e conforto do ciclista,
seja com intuitos de competição, lazer, meio de transporte ou outros diversos.
Com o passar dos anos, diversos outros sistemas e evoluções vem surgindo,
como por exemplo os diferentes tipos de freios, sistemas de suspensão inovadores e
câmbios eletrônicos acionados via bluetooth, sempre visando tanto o bem-estar e
segurança do ciclista, além de também a atender demandas mercadológicas,
buscando impulsionar as vendas dos fabricantes dessa importante invenção do
século XIX: a bicicleta.
38
2.1.4 A chegada da bicicleta ao Brasil
Considerando que no contexto do espaço de tempo anteriormente abordado a
capital brasileira era a cidade do Rio de Janeiro, assim sendo entre o ano de 1763
até 1960, a bicicleta também obteve destacada imagem em território nacional.
Conforme Schetino (2008, p. 19), no início do século XX, o prefeito do Rio de
Janeiro, o engenheiro Pereira Passos, inspirou-se, nas grandes obras parisienses
que na ocasião impulsionaram a capital francesa para a linha de frente da
modernidade, o qual facilitou o desenvolvimento econômico e afetou positivamente e
negativamente a massa de trabalhadores daquela cidade. Sob essas inspirações,
Passos realizou intervenções no espaço físico na cidade do Rio de Janeiro.
“Com esse intercâmbio em diversos níveis – do econômico às práticas culturais – os
costumes europeus, principalmente franceses, chegavam ao Rio de Janeiro através
de suas elites, contribuindo para a formação de seus modos de vida” (SCHETINO,
2008, p. 19).
Dessa forma, incluem-se nesse repertório de inspirações e influências
também as práticas esportivas, e dentre essas o Ciclismo. Para Melo (2005), os
jornais brasileiros, com sede no Rio de Janeiro, começaram a publicar no final da
década de 1860 anúncios de vendas de velocípedes importados, entretanto,
conforme o autor, somente a partir do ano de 1890 Paris começou a importar
bicicletas em escalas comerciais. Para Schetino (2008), a influência do estilo de vida
europeu no processo de modernização do Brasil pode ser percebida a partir da
chegada da bicicleta ao país, sendo o Rio de Janeiro a primeira cidade a receber a
bicicleta.
Assim, não apenas o veículo bicicleta chega ao país, como também, junto, o
Ciclismo enquanto prática corporal: desde os simples passeios até as competições
esportivas que começam a ser realizadas. Conforme Melo (2005, p. 29), “No Rio de
Janeiro, as provas eram disputadas no Velódromo Nacional (situado na Rua do
Lavradio), sob responsabilidade do Velo Club, criado em 1896”, o que leva a inferir
que a estrutura física da cidade também começa a receber modificações a fim de
receber e atender a novidade europeia. Conforme Schetino (2008, p. 21), “O Rio de
Janeiro vai, então, construindo a sua história com a bicicleta e com o Ciclismo”.
39
2.1.5 A maturidade da bicicleta
A bicicleta se consolida uma revolucionária invenção, em essência, de
tecnologia simples, barata e acessível que vem sendo capaz de movimentar o
mercado internacional e nacional de forma crescente e animadora. Conforme Soares
et al. (2015), o cenário mercadológico que se vê hoje em relação a bicicleta se
mostra positivo e propício para mudanças e desenvolvimento do setor, existindo
ainda espaço para muitas melhorias e crescimentos. “O setor é diverso em vários
aspectos, bastando observar o número de empresas e a distribuição geográfica das
mesmas. Existem desde lojas e oficinas de bairro, até empresas de grande porte”
(SOARES et al, 2015, p. 21). Ainda segundo o autor, há estimativas de que o setor
da bicicleta no Brasil seja composto por mais de 18.500 empresas que geraram
cerca de 117.500 empregos diretos (no contexto da publicação, em 2015). Os
serviços são diversos, passando do processo de fabricação em série, até o
artesanal, além de vestuários específicos, acessórios e oferta de serviços ao ciclista,
como seguros, lojas de Park & Shower, agências especializadas em cicloturismo etc.
Presentes cada vez mais nas ruas das cidades, a sociedade passa a
enxergar a bicicleta com olhares entusiastas e com fins variados, tanto pela
locomoção, como ao lazer e esporte. Conforme dados da ABRACICLO (2018b), no
ano de 2017 foram produzidas no Brasil 667.363 bicicletas, sendo que em julho de
2018 foram 67.068 bicicletas, havendo um aumento de 3,2% em relação a julho de
2017, o qual teve produção de 64.966. A projeção para o ano de 2018 é de 765.000
bicicletas fabricadas, estimando-se um aumento de 15% em relação ao ano anterior,
o que demonstra o otimismo da indústria em relação a presença da bicicleta na
sociedade brasileira.
Além, as bicicletas continuam recebendo inovações, como a presença da
tecnologia em modelos avançados, seja na troca eletrônica de marchas, via
bluetooth, às bicicletas elétricas, que se mostram a cada ano mais populares.
Conforme a resolução 465 de 2013 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN,
as bicicletas elétricas são equiparadas às de propulsão humana, desde que
possuam potência máxima até 350 Watts, velocidade máxima de até 25km/h e não
contenham dispositivo de acelerador. Conforme Maciel (2018) as bicicletas elétricas
são um fenômeno recente na história da mobilidade urbana e ainda não há dados
40
sólidos sobre o uso, produção e comercialização desses modelos, entretanto estima-
se que, hoje, 15% das lojas de bicicletas no Brasil ofereçam esse segmento.
Bicicletas elétricas são inclusivas, pois permitem que pessoas com alguma mobilidade reduzida, especialmente pessoas idosas, possam ter acesso à mobilidade ativa, locomover-se com autonomia e, ainda, receber todos os benefícios desta atividade, especialmente para a saúde. (MACIEL, 2018, p. 19)
Após breve revisão sobre a história da bicicleta nos países em que foi
concebida e no Brasil, considerando o tema do trabalho, apresentamos a seguir
referenciais sobre o uso da bicicleta como meio de transporte por estudantes.
2.2 O DESLOCAMENTO CASA-ESCOLA DE ESTUDANTES
O estudo intitulado “O trajeto casa-escola – Estudo com crianças dos 10 aos
16 anos” (MATOS et al., 2018), integrado ao macroprojeto “Rotinas de vida de
crianças e o transporte ativo. Qual o contributo do trajeto casa-escola”, contou com a
participação de 555 crianças com média de idade de 11,8 anos, matriculadas em
três escolas públicas da cidade de Braga, Portugal, e partiu do pressuposto de que
atualmente a rotina de vida das crianças é marcada pela falta de autonomia e
dependência das famílias para a realização dos deslocamentos entre casa e escola,
estando essas crianças cada vez mais sedentárias devido à dependência do
automóvel.
Os autores, corroborando com outros estudos os quais mencionam,
consideram que o planejamento urbano tem um importante papel à saúde, sendo
que ambientes ricos em espaços que proporcionam a atividade física, tais como
parques públicos, calçadas bem planejadas para os pedestres e programas
estruturados para a prática física, facilitam a escolha individual que pode levar a um
comportamento ativo. Além, em relação ao contexto da cidade de Braga, o estudo
aponta que o modo pedonal (a pé) é o mais eficiente para deslocamentos de até 1
km, enquanto a bicicleta é a opção mais competitiva nos trajetos de até 5 km, sendo
mais rápida que o transporte individual motorizado, considerando o tempo de acesso
até o veículo e o tempo de espera por local para estacionar.
41
Através de um questionário com questões abertas e fechadas, realizado em
sala de aula, evidenciou-se que 31,5% dos estudantes residem a menos de 1km da
escola e deslocam-se em maioria a pé, enquanto 37,3% residem entre 1 km e 5 km,
deslocando-se em maioria de automóvel. O estudo apontou que deslocamentos de
bicicleta são inexistentes, apesar de a maioria dos participantes ter declarado que
possuem bicicleta e gostam de andar, somando-se ao fato de a região contar com
condições climáticas favoráveis. Deste modo, o estudo constatou que a maioria dos
estudantes residem próximos à escola, verificado a distância e tempo de trajeto, e
tem como principal meio de transporte o automóvel, seguido do deslocamento a pé e
por conseguinte o ônibus. A faixa etária que é mais dependente dos familiares para
o deslocamento são os mais jovens, entre 10 e 11 anos, além das meninas em
geral. Os autores constataram que a falta de ciclovias, a falta de locais apropriados
para estacionar a bicicleta dentro da escola, a falta de sinalização nas ruas, a
insegurança do trânsito e o desrespeito às faixas de pedestres e ciclovias por parte
de motoristas são barreiras que dificultam o transporte ativo pelos estudantes.
Seguindo a linha de pesquisa, os mesmos autores participam de estudos
similares realizados em outras cidades de Portugal, destacando-se as publicações
“Modos de deslocamento na rotina das crianças. Contributo para um comportamento
ativo no trajeto casa escola” (COSTA et al., 2015) e “Deslocamento ativo para a
escola. Percepções positivas e negativas de crianças de uma escola urbana de Vila
Nova de Famalicão - Portugal” (SOUZA et al., 2015).
Trocado (2012), junto à Universidade do Porto, Portugal, apresenta uma
reflexão baseada em literatura internacional sobre a mobilidade das crianças e dos
jovens, com destaque para os deslocamentos entre casa e escola. A pesquisa “As
deslocações casa-escola e a mobilidade das crianças e dos jovens: uma breve
reflexão” parte do pressuposto de que o transporte escolar ativo e a mobilidade
independente nas crianças e nos jovens tem diminuído nas duas últimas décadas,
sendo que os pais detêm a decisão sobre o modal de transporte utilizado para esses
deslocamentos. Para a autora, muitos dos comportamentos são transmitidos dos
pais para os filhos, inclusive a preferência pelo meio de transporte, tornando-os cada
vez mais dependentes do automóvel, e as consequências dessas escolhas, se não
são incontornáveis, são de muito difícil transformação no futuro da mobilidade
sustentável das cidades. No estudo, a autora busca identificar e analisar os fatores
42
que influenciaram as alterações de comportamento na escolha dos meios de
transportes.
A autora conclui sua reflexão considerando que as investigações voltadas
para a mobilidade das crianças e dos jovens, focando na esfera das deslocamentos
casa-escola, também por ser uma forma de promover a mobilidade sustentável no
contexto urbano, vem ganhando notoriedade no quadro nacional de Portugal e
também no internacional. Afirma que as atitudes dos pais influenciam as opções
modais nos deslocamentos à escola e também nas atividades de lazer das crianças
e dos jovens, não apenas no presente, como também comprometem as escolhas no
futuro como possíveis condutores. Entretanto, as justificativas dos pais pelo uso
dependente do automóvel se dão pelos perigos dos deslocamentos a pé, pela falta
de infraestrutura viária que proteja os modais mais frágeis (pedestres e ciclistas),
pela a condução perigosa dos motoristas e pela distância a percorrer. Ao fim,
considera que a escola desempenha um papel importante no desenvolvimento da
consciência das crianças e dos jovens para uma mobilidade mais sustentável,
entretanto reconhece que, no contexto de Portugal, é necessário criar condições que
permitam convencer os familiares de que é seguro e benéfico se locomover à escola
utilizando o transporte ativo.
A partir dos anos 90, alguns países, como a Nova Zelândia, Áustria, Estados
Unidos, Reino Unido, e mais tarde, em outros da Europa, têm desenvolvido ações de
sensibilização junto das crianças, dos jovens e dos pais, na escolha do modo
transporte mais seguro e benéfico para o ambiente e para as próprias crianças e
jovens, traçando planos de viagem personalizados ou através da promoção de
transportes ativos escolar (“Safe Routes to School”, “Walking Bus”). Contudo, em
Portugal, para além de campanhas de sensibilização pontuais ou projetos de curta-
duração, ainda se estão a dar os primeiros passos, carecendo de reconhecimento
político e social neste domínio. (TROCADO, 2012, p. 134)
No Brasil, o estudo “Atividade física no deslocamento à escola e no tempo
livre em crianças e adolescentes da cidade de João Pessoa, PB, Brasil” (SILVA;
LOPES; SILVA, 2007) objetivou descrever e associar a forma de deslocamento até a
escola e a atividade mais praticada no tempo livre pelos estudantes, contando com a
participação de 1570 escolares de 7 a 12 anos de idade da cidade de João Pessoa,
Paraíba. Foi revelado que 70% dos participantes utilizavam-se do deslocamento
43
ativo (a pé e bicicleta) à escola, e a chance do uso do transporte passivo foi 60%
maior nos que moravam a mais de 20 minutos da escola quando comparados aos
que residiam a menos de 10 minutos. Em relação aos estudantes participantes
matriculados em escolas particulares, a chance de utilizarem transporte motorizado
foi constatada em 11 vezes maior em relação aos de escolas públicas.
Dos estudantes que se deslocavam ativamente, 91% estudavam em escolas
públicas, o que pode estar associado à condição econômica dos pais ou ainda por
estudarem, na maioria das vezes, em escolas localizadas no bairro em que residem.
Resultados similares foram encontrados em escolares australianos de 5-12 anos.
Outros estudos observaram associação entre o deslocamento ativo com baixa renda
familiar ou menor quantidade de carros em casa.
A pesquisa de Silva, Lopes e Silva (2007) partiu do princípio de que há uma
crescente no número de pessoas que se deslocam de forma passiva, sendo que
entre os anos de 1995 a 2004 houve um aumento substancial de 76,3% na
quantidade de veículos no estado da Paraíba. Os autores realizaram um paralelo
com o contexto dos Estados Unidos da América, observando que entre os anos de
1969 a 1995, o crescimento dos veículos particulares foi seis vezes maior do que o
da própria população do país e, entre as metas traçadas pelo Department of Health
and Human Services, no relatório para Health People 2010, destacou-se o aumento
de 31% para 50% no uso do deslocamento ativo pelos estudantes que moravam a
menos de uma milha da escola.
Em relação ao contexto estadounidense, o artigo “Urban Form and a Child’s
Trip to School: The Current Literature and a Framework for Future Research”
(MCMILLAN, 2005), aponta que políticas e programas que vem sendo criados pelo
poder público visam a forma urbana como um fator primordial para mudanças que
envolvem os deslocamentos das crianças para a escola. O autor declara que ainda
existem poucas pesquisas que suportem relação direta entre a forma urbana e a
viagem de uma criança para a escola.
Conforme o McMillan (2005), como os adultos, as crianças precisam de
transporte para atividades como as idas à escola, eventos sociais e cuidados de
saúde, no entanto, ao contrário da maioria dos adultos, elas são em grande parte
dependentes quanto ao transporte, visto que, conforme o autor, as crianças dos
Estados Unidos são uma parcela da sociedade mal servida pelo sistema de
44
transporte na maioria dos locais daquele país. Dentre outras pesquisas citadas pelo
autor, a Pesquisa Nacional de Transporte Pessoal de 1995 demonstrou que 69%
dos deslocamentos realizados por crianças de 5 a 15 anos foram através de veículos
motorizados. Naquele contexto, 26% dos deslocamentos realizados por crianças
entre 5 a 9 anos são à escola, sendo uma ótima oportunidade para ser realizado de
forma ativa visto a proximidade com o local de residência da maioria, entretanto
apenas 10,5% vai caminhando à escola, enquanto 52,8% utilizam automóvel 30,2%
em ônibus escolar e 6,5% por outros modos.
Nas pesquisas citadas pelo autor, os familiares mencionam longas distâncias
e perigo de tráfego como as principais barreiras para que seus filhos vão à escola
caminhando ou de bicicleta. Além, os pais também sugerem que as ruas mais
próximas das escolas são algumas das mais perigosas para as crianças que se
locomovem de forma ativa, isso devido ao elevado volume de tráfego motorizado e
comportamento irregular e imprevisível dos pais motoristas que levam e buscam os
filhos. Por fim, o autor corrobora com os estudos realizados em Portugal,
anteriormente mencionados, ao afirmar que hábitos criados desde cedo são muito
difíceis de se transformar, ao exemplo dos hábitos de deslocamentos mesmo que
em curtas distâncias. Considera que a crescente expansão das áreas residenciais e
o consequente aumento da distância entre o local de residência, o local de trabalho
e as escolas, ou ainda a pressão social, a complexidade dos horários e ritmos
familiares, ilustram outros fatores que justificam a preferência pela utilização do
automóvel.
Buscando amenizar a situação e fomentar o transporte ativo, o autor afirma
que políticas públicas e programas vem sendo criados nos Estados Unidos em
âmbito local, estadual e nacional para dar uma resposta à ligação entre a realidade
urbana e a viagem das crianças à escola:
Na Califórnia, o programa de construção Rotas Seguras para a Escola oferece mais de US$ 20 milhões por ano para modificar a forma urbana em torno das escolas, visando aumentar a segurança e a atividade de pedestres e ciclistas (MCMILLAN, 2005, p. 440, tradução nossa).
Novamente em se tratando do Brasil, especificamente do contexto de
Curitiba, tratando de estudantes do Ensino Superior, a dissertação “Incentivos e
45
empecilhos para a inclusão da bicicleta entre universitários” (FRANCO, 2011),
realizada através do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Paraná, teve como objetivo investigar a atitude de estudantes
universitários em relação ao uso da bicicleta nos trajetos até as universidades.
A pesquisa contou com 412 estudantes matriculados em instituições públicas
e privadas de Curitiba. De acordo com os resultados apresentados, 86,3%
declararam nunca ter tido algum tipo de instrução ou treinamento para se locomover
de bicicleta, sendo que apenas 0,2% recebeu alguma orientação a respeito durante
o Ensino Médio. O estudo revelou também que nos trajetos à universidade, a maioria
dos participantes utiliza ônibus do transporte público, seguido de automóvel, sendo
que somente 2% utiliza bicicleta. Além, as mulheres participantes apresentaram
atitude mais positiva em relação aos homens sobre a ideia de utilizar bicicleta nos
trajetos até a universidade. O trânsito violento e o medo de atropelamentos foram as
principais barreiras mencionadas para justificar o baixo uso da bicicleta entre o
público investigado pelo estudo.
2.3 A BICICLETA NA CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO E SUA PRESENÇA
COMO CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Buscando localizar e situar a bicicleta na Cultura Corporal de Movimento,
foram analisados no presente estudo quatro documentos oficiais, os quais
conduzem o ensino dos componentes curriculares na Educação Básica, sendo eles:
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997b); Base Nacional Comum
Curricular – BNCC (BRASIL, 2018); Diretrizes Curriculares da Educação Básica do
Estado do Paraná (2008); Caderno de Expectativas de Aprendizagem do PR (2012);
Plano Curricular de Curitiba (2016). Desta forma, no que tange a área da Educação
Física Escolar, diretamente e indiretamente os documentos trazem considerações
sobre possíveis usos da bicicleta enquanto instrumento para práticas corporais.
Iniciando a análise pelos PCN, documento este que se encontra em fase de
substituição pela BNCC, adiante comentada, a bicicleta é inicialmente mencionada
metaforicamente com uma interessante comparação entre o ato do andar de
bicicleta e a execução de movimentos, o que pode demonstrar a importância,
46
relevância e presença deste veículo na vida cotidiana e cultural dos cidadãos. Ao
dissertar sobre automatismo e atenção em relação a execução de movimentos pelo
ser humano, o documento traz:
A interação e a complementaridade permanente entre a atenção e o automatismo no controle da execução de movimentos poderiam ser ilustradas pela imagem de uma pessoa andando de bicicleta. Na roda de trás e nos pedais flui uma dinâmica repetitiva, de caráter automático e constante, responsável pela manutenção do movimento e da impulsão. No guidão e na roda da frente predomina um estado de atenção, um alerta consciente que opta, decide, direciona, estabelece desafios e metas, resolve problemas de trajetória, enfim, que dá sentido à força pulsional e constante que o pedalar representa. (BRASIL, 1997b, p. 29)
Mais além, tratando sobre os conhecimentos sobre o corpo, o documento
afirma que as habilidades motoras devem ser aprendidas durante toda a
escolaridade dos cidadãos, ou seja, devem estar presentes em todos os anos letivos
no ponto de vista prático dentro das aulas de Educação Física, além de também
deverem ser contextualizadas, não havendo uma irrefletida prática pela prática. O
documento classifica as práticas corporais dentro de quatro eixos, sendo: Esportes,
Jogos, Lutas e Ginásticas. Ao conceituar as práticas corporais inseridas no campo
dos Esportes, indiretamente menciona o Ciclismo, ao afirmar que:
Consideram-se esporte as práticas em que são adotadas regras de caráter oficial e competitivo, organizadas em federações regionais, nacionais e internacionais que regulamentam a atuação amadora e a profissional. Envolvem condições espaciais e de equipamentos sofisticados como campos, piscinas, bicicletas, pistas, ringues, ginásios, etc. (BRASIL, 1997, p. 37).
Apesar de considerar a bicicleta um “equipamento sofisticado” e ligado ao
âmbito esportivo, mais adiante o documento menciona que as práticas corporais
podem atrelar-se à competição, entretanto também podem fazer-se presentes sob
intuitos recreativos e também em formatos de jogos. Adiante, o documento
apresenta subclassificações do Esporte, o qual traz “esportes sobre rodas”, citando
diretamente o Ciclismo como um exemplo.
Em relação a BNCC (BRASIL, 2018), na versão dedicada ao Ensino
Fundamental, construída sob o intuito de, conforme a apresentação do documento,
iniciar uma nova era na educação brasileira, se alinhando aos mais qualificados
sistemas educacionais do mundo, levando em consideração uma “Educação integral
47
voltada ao acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno de todos os
estudantes, com respeito às diferenças e enfrentamento à discriminação e ao
preconceito” (p. 5), além de vir a substituir os PCN, também há considerações
específicas sobre as práticas corporais na Educação Física, essa inserida dentro da
área de Linguagens.
Diferentemente dos PCN, a BNCC traz reflexão e maior detalhamento em
relação as práticas corporais, classificando-as em seis unidades temáticas, sendo:
Brincadeiras e Jogos; Esportes; Ginásticas; Danças; Lutas; Práticas Corporais de
Aventura. Entretanto, da mesma forma como o documento de 1997, a BNCC associa
a bicicleta à unidade temática Esportes, a qual é dividida em sete categorias, sendo
que dentre essas, há menção direta ao Ciclismo na categoria Marca, definida como
“Conjunto de modalidades que se caracterizam por comparar os resultados
registrados em segundos, metros ou quilos” (BRASIL, 2018, p. 214).
De forma inovadora e oportuna, a BNCC traz como uma das seis unidades
temáticas2 as Práticas Corporais de Aventura, a qual conceitua como:
Expressões e formas de experimentação corporal centradas nas perícias e proezas provocadas pelas situações de imprevisibilidade que se apresentam quando o praticante interage com um ambiente desafiador (BRASIL, 2018, p. 216).
Bem assim como na unidade Esportes, as Práticas Corporais de Aventura
também recebem classificações, sendo essas de acordo com o ambiente de que
necessitam para serem realizadas: as realizadas na natureza e as de contexto
urbano. Apesar de não detalhar especificamente as práticas a que se refere, o
documento realiza menções diretas em relação ao uso da bicicleta em ambas as
classificações, como a realização do Mountain Bike no contexto da natureza, o qual
há diferentes tipos de provas existentes. O mesmo ocorre para as práticas
mencionadas ao contexto urbano, citadas superficialmente como “bike”, sem
especificar a quais práticas se refere.
2 A BNCC, ao abordar as práticas corporais como fenômeno cultural dinâmico, diversificado, pluridimensal, singular e contraditório, busca assegurar aos estudantes a reconstrução de um conjunto de conhecimentos com fins de “Desenvolver a autonomia para a apropriação e utilização da cultura corporal de movimento em diversas finalidades humanas, favorecendo a participação de forma confiante e autoral na sociedade” (BRASIL, 2018, p. 211).
48
As práticas de aventura na natureza se caracterizam por explorar as incertezas que o ambiente físico cria para o praticante na geração da vertigem e do risco controlado, como em corrida orientada, corrida de aventura, corridas de mountain bike, rapel, tirolesa, arborismo etc. Já as práticas de aventura urbanas exploram a “paisagem de cimento” para produzir essas condições (vertigem e risco controlado) durante a prática de parkour, skate, patins, bike etc. (BRASIL, 2018, p. 217)
Por fim, o documento apresenta a consideração de que as práticas
exemplificadas não possuem como intuito serem reproduzidas dentro das escolas, o
qual não seria possível visto a particularidade de cada e necessidade de
equipamentos e materiais específicos, no presente caso, diferentes modelos de
bicicletas específicas a cada prática. Entretanto é frisado de que existe a
possibilidade de reconstrução e transformação das práticas de acordo com cada
realidade e contexto de cada escola.
Ressalta-se que as práticas corporais na escola devem ser reconstruídas com base em sua função social e suas possibilidades materiais. Isso significa dizer que as mesmas podem ser transformadas no interior da escola. Por exemplo, as práticas corporais de aventura devem ser adaptadas às condições da escola, ocorrendo de maneira simulada, tomando-se como referência o cenário de cada contexto escolar (BRASIL, 2018, p. 217).
Como complemento à BNCC, o Ministério da Educação disponibiliza no
website dedicado ao documento um conjunto de competências e habilidades que os
estudantes devem desenvolver em todas as áreas do conhecimento. A bicicleta é
mencionada como conteúdo destinado ao Ciclo II, especificamente aos 6º e 7º anos,
dentro da anteriormente comentada unidade temática das Práticas Corporais de
Aventura, sendo as de contexto urbano. Como habilidades, o documento menciona
que um dos intuitos de um trabalho dentro desta unidade, em relação a bicicleta, é
de o professor buscar elaborar meios de ensino que proporcione aos estudantes a
identificação e compreensão sobre como surgiu a invenção e quais os seus
desdobramentos até passar a ser uma modalidade esportiva, assim a reconhecendo.
Identificar a origem das práticas corporais de aventura significa compreender que essas manifestações surgiram da vontade de superar obstáculos impostos pela natureza, resultando em modalidades de práticas não convencionais. Recriar é um processo que demanda uma série de outras aprendizagens e que, nesta habilidade, pressupõe que os alunos reconheçam suas características, como: a) Instrumentos: materiais utilizados para as práticas, como bicicleta, skate, cordas, pranchas de surfe; b) Equipamentos de segurança: capacete, luvas, colete salva-vidas,
49
joelheiras, entre outros; c) Indumentária: vestimentas apropriadas para as práticas, como bermudas largas para a prática do skate ou calçados reforçados para o montanhismo; d) Organização: refere-se a possíveis classificações das práticas, como, por exemplo, o ambiente físico no qual são realizadas (água, ar, terra). Na elaboração do currículo, é interessante que se proponham aprendizagens sobre as práticas corporais de aventura urbana que incluam: 1) A sua origem, quais as pessoas que as praticavam, a sua evolução ao longo do tempo e quais as pessoas que as praticam atualmente; 2) Quais os princípios das práticas, como a ausência de regras e a superação de limites; 3) Quais as habilidades motoras requeridas para a sua prática e como podemos aprendê-las e aprimorá-las; 4) Quais as capacidades físicas solicitadas durante a sua prática, como o equilíbrio, a agilidade, o tempo de reação e a flexibilidade [...] 5) Qual o ambiente físico no qual são praticadas, como rua, parque, local com obstáculos, espaços abertos ou fechados; 7) Quais as vestimentas dos praticantes, como luvas, capacetes, óculos, joelheiras, e a sua utilidade durante a prática; [...] Uma possibilidade de organização da habilidade por anos pode propor inicialmente aprendizagens sobre as práticas que podem adaptar na escola para práticas que utilizem os espaços disponíveis no entorno da escola, partindo para a solicitação de que alunos observem e compartilhem outros locais que frequentam e que têm potencial para as práticas, discutindo sobre como realizá-las nesses ambientes. (BRASIL, 2018c, s/p).
Em relação as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do
Paraná (2008), no caderno que diz respeito à Educação Física, não há menção
direta à bicicleta ou Ciclismo. O documento disserta em relação aos conteúdos
estruturantes da Educação Física para a Educação Básica, bem assim como aos
elementos articuladores desses conteúdos (corpo, ludicidade, saúde, mundo do
trabalho, desportivização, técnica e tática, lazer, diversidade e mídia). De forma
implícita, todos esses elementos podem ser direcionados pelo professor ao tratar da
bicicleta ou Ciclismo quando trabalhado o conteúdo Esportes. Em relação a esse
conteúdo, o documento afirma que, além de garantir o direito de acesso e de
reflexão sobre as práticas esportivas, “A prática pedagógica de Educação Física não
deve limitar-se ao fazer corporal, isto é, ao aprendizado única e exclusivamente das
habilidades físicas, destrezas motoras, táticas de jogo e regras” (PARANÁ, 2008b, p.
63). Dessa forma, associado aos elementos articuladores, abre-se margem para o
trabalho refletido em relação à bicicleta, seu surgimento e seus distintos usos nos
variados contextos.
Conforme o Caderno de Expectativas de Aprendizagem (PARANÁ, 2012), os
esportes radicais são previstos a partir do 8º ano do Ensino Fundamental. Conforme
o documento, em relação ao conteúdo Esportes, uma das expectativas dessa série
escolar é de que o estudante “Conheça a história e as características dos esportes
50
radicais e sua relação com o ambiente” (PARANÁ, 2012, p. 28). A expectativa
repete-se para o 9º ano, acrescido de “Conheça e vivencie os fundamentos
(movimentos + regras) dos esportes coletivos e radicais escolhidos como conteúdo
específico” (PARANÁ, 2012, p. 28).
Em relação ao Ensino Médio, sem definir diferenças por ano, uma das
expectativas propostas pelo documento é de que o estudante “Perceba as
diferenças entre o esporte dentro e fora da escola, assim como a relação entre
esporte e lazer” (PARANÁ, 2012, p. 29). Dessa forma, é prevista a reflexão a ser
realizada entre professor e estudante, a qual os conteúdos trabalhados durante as
intervenções dentro da escola são propostas e práticas de cunho reflexivo, de
enriquecimento à Cultura Corporal de Movimento (BRASIL, 2018) e sem objetivos
que visem rendimento ou fiel à seus formatos esportivizados. Assim, um dos
objetivos das intervenções é de que tais conteúdos possam a vir ser explorados de
forma instruída e mais consciente no decorrer da vida desses indivíduos, como por
exemplo em relação ao uso da bicicleta, independentemente de seu fim, seja como
meio de transporte nas vias públicas, como lazer ou até competitivo.
Em relação aos demais cadernos que compõem as Diretrizes Curriculares da
Educação Básica, em especial aos que tangem as humanidades, não há menções
ou considerações específicas acerca dos meios de transporte das populações e
suas características e importâncias, exceto o registro acerca do direito ao transporte
como uma dimensão política do meio urbano (PARANÁ, 2008c).
Quanto ao Plano Curricular de Curitiba (2016), é dividido em quatro ciclos,
sendo os dois primeiros conferindo do 1º ao 5º ano e os dois últimos do 6º ao 9º ano.
Os ciclos I e II atribuem-se, em geral, a “Conhecer, explorar e ampliar as diversas
possibilidades de expressar-se corporalmente, por meio dos elementos da cultura
corporal (ginástica, dança, lutas, jogos e brincadeiras)” (CURITIBA, 2016, p. 3), e os
ciclos III e IV, em suma, a “Conhecer, explorar, analisar e transformar as diversas
práticas corporais, por meio dos conteúdos de ginástica, dança, lutas, esportes,
jogos e brincadeiras” (CURITIBA, 2016b, p. 3), sendo adicionado o conteúdo
Esportes a partir do 6º ano. A partir dessa série de ensino, o plano curricular prevê a
educação olímpica, sendo um dos objetivos propostos “Explorar modalidades dos
Jogos Olímpicos e Paralímpicos, por meio de práticas corporais e utilização de
51
recursos multimídia” (CURITIBA, 2016b, p. 5). Dessa forma abre-se margem para o
trabalho em relação ao Ciclismo e suas características em sua forma esportivizada.
Ao propor a exploração das modalidades olímpicas por meio também de
recursos multimídias além das práticas corporais em si, o documento considera os
esportes que necessitam de equipamentos específicos, os quais, no contexto
brasileiro, as escolas enfrentam dificuldades em disponibilizar, como as bicicletas.
2.4 O USO DA BICICLETA ASSOCIADO À SAÚDE FÍSICA E INTELECTUAL
Quanto as associações da bicicleta com a melhora da saúde, desde sua
popularização na França, no fim do século XIX, manuais médicos advindos de
profundos estudos da época sobre este novo veículo, havendo relação com o
higienismo, já mencionavam possíveis benefícios para a saúde. Para Schetino
(2008, p. 55), “Os passeios eram a receita dos médicos franceses para combater o
alcoolismo, mal que assolava a capital francesa no fim do século XIX”.
Popularizando-se no Rio de Janeiro, a bicicleta começou a chamar atenção da
imprensa, Schetino (2008) menciona a publicação pelo Jornal do Brasil, na edição
de 23 de dezembro de 1892, de um minucioso estudo realizado na França pelo
médico Philipe Tissié, o qual tratou dos benefícios da bicicleta, até então conhecida
como velocípede, bem como a maneira cujo qual considerava correta de utilizá-la:
O Dr. Tissié, recentemente, fez um sério estudo, sobre a acção que o velocípede produz nas funções vitaes, e d’este estudo se conclue que o velocípede é um exercício útil á respiração, desde que seja moderado. A velocidade não deve ser superior a 20 kilometros por hora para os homens robustos, devendo variar entre 12 e 15 para os de constituição menos vigorosa. Os meninos devem abster-se d’esse exercício antes dos 13 annos. Durante o exercício torna-se conveniente respirar pelo nariz, não obstante ser inevitável a respiração pela boca quando há muita velocidade, podendo sobrevir logo o cansaço. Acredita o dr. Tissié que com o velocípede se activa a hematose augmenando-se a capacidade vital, não se devendo permitir aos cardíacos que tenham passado o período de compensação. Antes d’esse período podem exercitar a velocipedia com a condição de não sentir sufocação. O exercício moderado do velocípede é um excelente calmante para o systema nervoso, principalmente nas pessoas que dedicam-se a trabalhos intellectuaes exagerados. Aos atacados de hemiplegia deve-se empregar o velocípede de três rodas. (JORNAL DO BRASIL, 1892, apud SCHETINO, 2008, p. 55).
52
Atualmente, muitos estudos científicos surgem apresentando resultados que
indicam a importância da atividade física para prevenir problemas de saúde, como
doenças cardíacas e diabetes. O uso da bicicleta, então, devido sua característica
de propulsão humana, pode ser associado a uma excelente opção de benefício à
saúde. Conforme a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2018), a inatividade física
é identificada como o quarto principal fator de risco para a mortalidade global, sendo
recomendado a crianças e jovens entre 5 a 17 anos um acumulo diário de pelo
menos 60 minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa.
Um estudo realizado em conjunto por pesquisadores da Universidade de
Copenhague e da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, abrangendo uma
amostragem de 19.527 estudantes entre 5 e 19 anos, revelou que andar de bicicleta
ou caminhar antes de entrar na escola favorece a capacidade de concentração do
aluno em sala de aula. Intitulado Mass Experiment 2012 e publicado em novembro
de 2012, o estudo indicou que as crianças que andam ou vão de bicicleta para a
escola, em vez de serem conduzidas por seus pais, tem poder maior de
concentração, e o efeito desse “exercício” dura a manhã toda (VINTHER, 2012).
Além, foi demonstrado que crianças e jovens que vão à escola de carro ou ônibus
têm resultados piores em testes de concentração em comparação com os que foram
de bicicleta ou caminhando. Ainda conforme a pesquisa, “Os resultados mostraram
que tomar café da manhã e almoço tem um impacto, mas não muito em comparação
com o exercício” (GOODYEAR, 2013).
Através dessas constatações, os resultados podem ser surpreendentes, visto
que comumente as influências da alimentação, especialmente do desjejum,
aparecem como principal fator de preocupação em relação a aprendizagem e
adequado rendimento escolar. Por outro lado, sabe-se que para a realização de
atividade física pela manhã, como o uso da bicicleta como meio de transporte à
escola, especialmente para indivíduos em fase de desenvolvimento físico e
cognitivo, é necessária uma boa alimentação, evitando-se o jejum após as horas de
sono. Conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014), o
café da manhã é uma das três principais refeições, junto do jantar e almoço, sendo
que crianças e adolescentes, por se encontrarem em fase de crescimento, precisam
fazer uma ou mais pequenas refeições intercaladas às principais.
53
Conforme o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2017),
as atividades físicas e esportivas fazem importante papel na construção de escolas
ativas. O documento compreende o termo Escolas Ativas como uma escola
comprometida em garantir a prática de atividades físicas e esportivas no cotidiano
escolar, tendo dois argumentos principais: como meio de combate ao sedentarismo
e como meio de aprimorar o desempenho acadêmico. Em relação ao segundo
argumento, corrobora com os resultados de Goodyear (2013), vez que entende que
a realização de atividade física pode beneficiar os escolares: “A atividade física se
constituiria num meio (estímulo) para aprendizagem de outras dimensões
comportamentais: cognitiva, afetiva e social” (PNUD, 2018, p. 219).
Mais recentemente, esse eixo ganhou alento a partir de estudos de psicologia experimental e de neurociências que mostraram de forma mais convincente que a prática de atividade física aeróbia de baixa para média intensidade (como uma caminhada a passo rápido) facilita operações de atenção, memória e tomada de decisão, também conhecidas como funções executivas. Tais funções incidiriam diretamente no desempenho acadêmico como também na disposição e atitude dos alunos perante as responsabilidades sociais no convívio escolar (por exemplo, capacidade de se controlar, de inibir emoções e agressividade). (PNUD, 2018, p. 219).
Além, e de forma determinante, o Relatório expõe esforços para que a
atividade física e o conceito de Escola Ativa não sejam considerados, ou
confundidos, de forma reducionista, somente a um viés instrumental, ou como
acessório às disciplinas tradicionais em que prevalecem o intelectual, o qual pode
gerar um dualismo entre corpo e mente, prevalecendo a mente em detrimento ao
corpo: “Busca-se aqui ampliar o conceito de Escola Ativa para além da visão do
aumento de gasto energético diário e da atividade física sendo subsidiária de
funções executivas e, por conseguinte do desempenho acadêmico” (PNUD, 2018, p.
220).
54
2.5 O TRANSPORTE PÚBLICO EM CURITIBA
Conforme Gnoato (2006), o plano preliminar de urbanismo em Curitiba
nasceu por meio de um concurso no ano de 1964, o qual propôs a melhoria da
qualidade da vida urbana na cidade através de um modelo linear de expansão. O
modelo foi discutido com a população em uma série de debates públicos, evento que
foi denominado “Curitiba de Amanhã” e que deu origem ao Plano Preliminar de
Urbanismo. Conforme o autor, após a constituição do referido plano, o sistema de
transporte coletivo na cidade começou a ser implantado no início da década de
1970, com o arquiteto e, na época, prefeito da cidade, Jaime Lerner.
Foram criados os eixos Norte e Sul, ligados ao Centro da Cidade. Entraram em operação as linhas expressas e os alimentadores. A integração acontecia em terminais e o transporte era feito em ônibus especialmente projetados para 100 passageiros, com comunicação visual especial e cores diferenciadas para as linhas expressas e alimentadoras. Este sistema transportava 54 mil passageiros/dia, cerca de 8% da demanda total (GNOATO, 2006, s/p).
Atualmente, segundo a URBS, empresa que controla o sistema de transporte
público de Curitiba, a tarifa comum atual para os ônibus urbanos, com início vigente
em fevereiro de 2017, é de R$ 4,25, e para os ônibus circulares que atendem a área
central, R$ 3,00, havendo na cidade somente o modal ônibus. O valor dá direito a
uma viagem, e somente há possibilidade de integração quando acontece o
desembarque dentro de terminais ou no interior dos pontos de embarque conhecidos
como “tubos”, com o passageiro restringindo-se às linhas que atendem a cada um
desses locais.
Em recente notícia3 divulgada pela URBS, em Curitiba são transportados em
média 660.000 pagantes por dia, somado mais 100.000 isentos da tarifa. A notícia
exalta o crescimento de 0,27% do número de pagantes em março de 2018 em
relação ao mesmo período do ano anterior, sendo o primeiro crescimento em 6 anos,
após seguidos anos de quedas, atribuindo, possivelmente, à melhora da economia,
congelamento da tarifa – uma das mais caras do país (FREY, 2018) – e a renovação
da frota. Entretanto, o tímido aumento de pagantes pode se justificar pelo
3 Disponível em http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/noticia/depois-de-6-anos-urbs-registra-aumento-no-numero-
de-passageiros-pagantes. Acesso em 01 set. 2018.
55
crescimento do número de habitantes no intervalo mencionado de 6 anos: segundo
dados divulgados pelo IBGE (2018b) – em agosto de 2017 Curitiba atingiu o número
de 1.908.359 habitantes, frente a 1.751.907 contabilizadas na mesma pesquisa do
instituto em 2010.
No diário uso do transporte público, em variadas linhas, é possível notar
condições adversas que se mostram presentes no dia a dia dos passageiros, como a
insuficiente manutenção no interior dos veículos, as superlotações, e as
problemáticas que envolvem a segurança pública. Em 2016, a pesquisa de
satisfação Qualiônibus (WRI BRASIL, 2016) entrevistou 2.012 usuários frequentes
do transporte público, constatando que 69% considerou o serviço, dividido em 16
critérios, como “nem satisfeito e nem insatisfeito” e “insatisfeito”, sendo,
respectivamente, 44% e 25%. Curiosamente, a pesquisa, apoiada pela própria
empresa que rege o transporte público na cidade, não deixou explicito nos gráficos
do relatório final a quantidade de indivíduos que responderam com “insatisfeito” os
16 critérios impostos, indicando somente a partir das marcações em “nem satisfeito
e nem insatisfeito”.
Tais condições adversas enfrentadas diariamente podem abrir portas para a
migração a outros modais, como a bicicleta.
2.6 O USO DA BICICLETA EM CURITIBA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Conforme o estudo “Perfil do Ciclista 2018”, realizado pela Associação
Transporte Ativo, em parceria com o Laboratório de Mobilidade Sustentável da UFRJ
– Labmob, e aplicado em Curitiba pela Associação dos Ciclistas do Alto Iguaçu
(Cicloiguaçu), o uso da bicicleta em substituição a meios de locomoção como o carro
e o transporte coletivo vem crescendo.
Segundo Kowalski (2018), em relação ao estudo do Labmob, a bicicleta, para
parte da população de Curitiba, mais do que uma opção de lazer e esporte, vem se
consolidando como um importante meio de transporte: atualmente, 78,6% dos
ciclistas curitibanos utilizam o modal para irem ao local de trabalho e 38,8% para
irem a escola ou a faculdade. Além, 51,3% utiliza a bicicleta para ir às compras e
73,8% para o lazer. Do total dos entrevistados na capital, 80,8% revelaram que
56
utilizam a bicicleta pelo menos cinco vezes por semana e 33,2% utilizam todos os
dias da semana. Em 60,1% dos casos, o trajeto principal feito pelos usuários dura de
10 a 30 minutos, e em 27,8% dura de 30 minutos a 1 hora. Em relação aos que
levam até 10 minutos de trajeto somam 8,2% e 3,9% aos que pedalaram por mais de
1 hora no trajeto.
Outro dado importante revelado pelo mesmo estudo aponta que Curitiba tem
mais novos usuários do que a média brasileira, sendo que 11,6% dos ciclistas
começaram a utilizar a bicicleta há menos de seis meses, enquanto 40,7% utiliza há
mais de cinco anos. Conforme a análise do jornalista, o percentual de novos
usuários é um dos maiores do país e pode refletir na idade dos ciclistas curitibanos,
vez que a população mais jovem, com idade de até 34 anos, corresponde a 64,6%
dos adeptos da bicicleta na cidade, e a faixa etária mais significativa é a de pessoas
com idade de 15 a 25 anos, sendo 30,9%, seguida pela faixa entre 25 a 34 anos,
29,7%, e de até 14 anos, 4%.
Por mais, o estudo do Labmob indicou que, dentre os entrevistados, as
principais motivações para começar a utilizar e também para se continuar utilizando
a bicicleta como meio de transporte são, em ordem: a rapidez e praticidade,
seguidos de benefícios à saúde. A motivação do baixo custo no uso da bicicleta
aparece somente como a terceira principal razão, atrás da consciência ecológica.
Dessa forma, o estereótipo de que a bicicleta é utilizada somente por pessoas de
baixa renda pode ser quebrado, sendo um veículo importante independente da
classe social.
Como um fator que pode desmotivar ou inibir o uso da bicicleta como meio de
transporte, as condições climáticas da capital paranaense podem se apresentar
como uma condição adversa. Popularmente conhecida como a capital mais fria do
país, está localizada em um planalto, a 934 metros do nível do mar. Conforme a
Secretaria do Esporte e do Turismo do Paraná (PARANÁ, 2018), o terreno plano
com áreas inundadas contribui para o inverno ameno e úmido, com temperatura
média de 13°C no mês mais frio, caindo por vezes abaixo de 2°C em dias mais frios,
o que pode prejudicar o trajeto de bicicleta e exigir vestuário e proteção especial. Em
relação a chuvas, outra condição adversa ao uso da bicicleta, conforme a mesma
fonte, frentes frias vindas da Antártida e da Argentina durante todo o ano trazem
57
tempestades tropicais no verão, havendo grandes índices de precipitações entre
dezembro e fevereiro.
Para Soares et al. (2015), Curitiba deu início ao planejamento da
ciclomobilidade nos anos 1970, surgindo as ciclovias como um laboratório de
inovação urbana. Conforme a Agência de Notícias da Prefeitura de Curitiba
(CURITIBA, 2018), a cidade foi uma das cidades pioneiras na criação de ciclovias no
Brasil, e em 2008 houve a vigência do Plano Setorial de Mobilidade, dando início às
políticas públicas em relação aos incentivos ao uso da bicicleta na cidade.
Posteriormente foi criado o Plano Cicloviário de Curitiba, implantado entre os anos
de 2013 e 2016 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
(IPPUC). Para Soares et al. (2015, p. 51), “Um plano, “genérico”, construído sem
participação, foi apresentado e menos de um milhão de reais foi aplicado. Não são
apresentadas as fontes dos investimentos anunciados, o que coloca em chegue o
compromisso político e técnico”.
Conforme a Prefeitura de Curitiba (CURITIBA, 2018), atualmente a cidade
conta com 207,2 km de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. Entretanto, segundo
Soares et al. (2015), 80% da malha cicloviária até o ano de 2015 correspondia a
calçadas compartilhadas com pedestres, além da quilometragem total ser
contabilizada pelos dois sentidos da via, dobrando o número final.
A prefeitura anunciou em 2014 a inauguração de mais de 70 km de “ciclovias”, quando, na realidade, são vias sobre calçadas, vias não segregadas e com diversos erros técnicos, além da curiosa métrica de medir os dois sentidos da via para dobrar os resultados. São intervenções que aconteceram em vias onde houve intervenção para o automóvel, denotando a falta de agenda própria para a promoção da bicicleta em Curitiba. (SOARES et al., 2015, p. 51).
Segundo o Perfil do Ciclista 2018, apenas 13% dos usuários de bicicleta de
Curitiba declararam utilizar a bicicleta em combinação com outro meio de transporte.
Buscando elevar o número, atualmente o IPPUC está revisando e ampliando o
Plano Cicloviário: “O trabalho visa integrar este importante componente do
transporte multimodal da capital, conectando-o com a rede de ônibus, de forma a
melhorar a efetividade do modal” (CURITIBA, 2018). As medidas incluem também a
criação de vagas de bicicletário em três terminais de ônibus da cidade, a instalação
de vestiários, sanitários, guarda-volumes e serviços de reparos.
58
Para Soares et al. (2015, p. 55), “As ações do poder público de Curitiba
voltadas à bicicleta nos últimos 40 anos demonstram que os esforços pioneiros não
resultaram em níveis de uso diferentes de qualquer outra cidade brasileira”.
Conforme o autor, há reflexos da falta de recursos federais, esses que priorizam os
investimentos em automóveis, refletindo na dificuldade de desenvolvimento do
modal bicicleta no município. Atualmente, em Curitiba, há somente um vereador que
trata sobre questões de mobilidade urbana e transporte ativo. Conforme o Jornal
Goura4, em 2017 o mandato do vereador Goura, recém eleito nas Eleições 2018
para o cargo de Deputado Estadual, apresentou um total de 16 projetos de leis
municipais, sendo três relacionados a incentivos à bicicleta, os quais dois se
encontram em tramitação e um foi aprovado. Além, foram realizados eventos
ciclísticos sob fins pedagógicos, fiscalizações, reuniões, ações ambientais e
cobranças pela criação de um Plano Diretor Cicloviário na cidade e por melhorias e
ampliação da estrutura cicloviária existente, a qual, conforme a publicação, não
recebeu nenhum aumento no ano de 2017.
Em âmbito federal, o projeto de lei que cria o Programa Bicicleta Brasil – PBB
(PLC 83/2017), cujo qual trata do incentivo ao uso da bicicleta na melhoria da
mobilidade urbana, foi aprovado no mês de agosto de 2018 pela Comissão de
Serviços de Infraestrutura do Senado e transformada em Lei (nº 13.724/18) no mês
de outubro deste mesmo ano.
Conforme a ementa, o PBB busca incentivar o uso da bicicleta como meio de
transporte a ser implementado em todas as cidades com mais de 20.000 habitantes,
visando a melhoria das condições de mobilidade urbana, financiado, dentre outros,
por parcela da arrecadação de multas de trânsito. Além, o PBB integrará a Política
Nacional da Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12), e será financiado por 15% do
total arrecadado com multas de trânsito, sendo coordenado pelo Ministério das
Cidades. Conforme nota da Agência Senado (BRASIL, 2018d), o relator do projeto,
senador Eduardo Braga, afirmou em seu parecer: “A arrecadação com multas de
trânsito é da ordem de R$ 9 bilhões anuais, o que significaria que, aprovada fração
de 15% para a infraestrutura cicloviária, investiríamos nesse segmento da
mobilidade urbana mais de R$ 1 bilhão anuais”.
4 Disponível em http://issuu.com/gouranataraj/docs/jornal_mandatogoura2017. Acesso em 02 out. 2018.
59
3 METODOLOGIA
Através de uma pesquisa descritiva, buscou-se estudar a atual rotina de
mobilidade entre estudantes de dois grandes colégios estaduais de Curitiba e as
opiniões de seus respectivos pais ou responsáveis. Conforme Thomas, Nelson &
Silverman (2012, p. 39), “A pesquisa descritiva preocupa-se com o status. A técnica
mais prevalente nesse tipo de pesquisa é a obtenção de declarações, sobretudo por
questionário”.
3.1 SUJEITOS
Para avaliar a atitude dos pesquisados em relação ao uso da bicicleta e a
realidade imersa, bem assim como identificar suas experiências e percepções,
optou-se por limitar um público-alvo a dois grupos de sujeitos, sendo: Grupo 1:
estudantes da rede pública de Curitiba; Grupo 2: pais ou responsáveis dos
respectivos estudantes.
Quanto aos estudantes, foi selecionada a faixa-etária a partir dos 13 anos de
idade, idade a qual, de acordo com seu desenvolvimento motor, esses sujeitos se
encontram com as habilidades dos movimentos fundamentais bem definidas,
seguido ao período de desenvolvimento das habilidades do movimento
especializado. Conforme Gallahue (2013, p. 71): “As habilidades do movimento
fundamental têm utilidade durante toda a vida e são componentes importantes da
vida diária de adultos e também de crianças”. Conforme o mesmo autor, tais
habilidades básicas são importantes ao longo da vida. Referente às habilidades do
movimento especializado, o autor menciona:
As habilidades do movimento especializado são um produto da fase do movimento fundamental. Durante a fase especializada, o movimento torna-se uma ferramenta aplicada a uma série de atividades de movimento complexas para a vida diária, recreação e resultados esportivos. [...] as habilidades de estabilidade, locomoção e manipulação são progressivamente refinadas, combinadas e reelaboradas para uso em situações de crescente demanda (GALLAHUE, 2013, p 73).
Pressupõe-se também que, em relação aos sujeitos considerados, não haja
desvios de padrão, sendo, por exemplo: as condições físicas adequadas, estando
60
aptos ao ato de pedalar e se equilibrar na utilização da bicicleta; as condições de
discernimento e cognitivas dentro da curva normal, assim possibilitando o
atendimento à necessidade de atentar-se às condições variadas do ambiente, ao
exemplo do trânsito de veículos, cujo qual exige tomadas de decisão, havendo o
cumprimento das regras de trânsito e da segurança própria. Assim, a faixa-etária
torna-se conveniente ao estudo de caso, visto que os sujeitos são capazes de lidar
com variados fatores condicionantes correlacionados ao ato de se locomover
pedalando.
O surgimento e a extensão do desenvolvimento das habilidades na fase do
movimento especializado dependem de uma série de fatores da tarefa, do indivíduo
e do ambiente. O tempo de reação e a velocidade do movimento, a coordenação, o
tipo de corpo, a altura e o peso, os costumes, a cultura, a pressão dos pares, a
constituição emocional são apenas alguns desses fatores condicionantes.
(GALLAHUE, 2013, p 73).
Também foi importante critério de escolha desta faixa-etária a consideração
de que estudantes com menos de 13 anos, geralmente, tem a modalidade de
transporte utilizada no trajeto casa-escola delimitada pelos pais/responsáveis, de
forma restritiva, independentemente da escolha própria.
A constituição do questionário seguiu os princípios do Código Internacional de
Conduta da ICC/Esomar (2008), documento que orienta a prática de pesquisa,
aceito em âmbito internacional. Considerando que a pesquisa incluiu a participação
de adolescentes, menores de idade, para a realização do questionário,
estrategicamente também foi solicitado o preenchimento de um questionário
específico aos pais dos adolescentes, impresso no verso da folha, de forma a haver,
além da importante participação desse público, o consentimento e autorização por
parte dos responsáveis pela resposta dos menores de idade, conforme o artigo 8 do
mencionado Código.
Artigo 8 – Crianças e jovens/menores de idade: Pesquisadores deverão tomar cuidados especiais ao entrevistar crianças e jovens/menores de idade. O consentimento dos pais ou adulto responsável deve ser obtido antes de se entrevistar crianças (ICC/Esomar, 2008, p. 6).
61
Para a escolha dos colégios, optou-se pelo critério de realizar um estudo
comparativo entre dois estabelecimentos, sendo um central e outro periférico,
buscando identificar semelhanças e distinções entre ambas regiões da cidade.
Em relação ao estabelecimento localizado na região central, houve a escolha
pelo Colégio Estadual Tiradentes, situado na Rua Presidente Faria, nº 625. As
motivações por essa escolha se deram pela posição estratégica no centro da cidade,
além da tradição do colégio, um dos mais antigos da cidade, fundado em 1892.
Atualmente o colégio possui, conforme dados da Secretaria de Educação (PARANÁ,
2018b), 304 matrículas distribuídas em 17 turmas.
Quanto ao colégio localizado na periferia, para a escolha, foram realizadas
análises prévias de índices demográficos de cada Regional de Ensino da cidade,
optando-se pela mais populosa: Regional Boa Vista, a maior de Curitiba em número
de habitantes, cerca de 270.000, se localizando ao norte da cidade. A área da
regional representa 14,38% do território de Curitiba (IPPUC, 2017).
A partir do levantamento dos mencionados dados, houve busca, através do
website da Secretaria de Educação do Paraná, sobre informações do número de
turmas e de matrículas existentes entre todas as 20 escolas que compõem a
Regional, sendo identificado e selecionado o Colégio Santa Cândida, situado à Rua
Theodoro Makiolka, nº 155, bairro Santa Cândida, detentor do maior número de
matrículas: 2290 distribuídas em 68 turmas (PARANÁ, 2018b).
3.2 INSTRUMENTOS
Para viabilizar a coleta de dados e buscar autorização, inicialmente, foi
construída uma carta de apresentação direcionada ao setor de pedagogia de ambos
colégios (Anexo 1), apresentando os intuitos e procedimentos do estudo.
Como técnica de interrogação aos sujeitos investigados, foi utilizado o
questionário, sendo dois específicos: um aos estudantes e outro aos pais ou
responsáveis pelos respectivos. Conforme Thomas, Nelson & Silverman (2002, p.
39), o questionário é a tentativa de conseguir informações sobre práticas e
condições atuais e dados demográficos. Utiliza-se essa técnica para pedir opiniões
62
ou expressão de conhecimentos. Segundo SELLTIZ (1967, p. 273, apud GIL, 2010,
p. 103), essa técnica mostra-se bastante útil para a obtenção de informações acerca
do que a pessoa “sabe, crê ou espera, sente ou deseja, pretende fazer, faz ou fez,
bem como a respeito de suas explicações ou razões para quaisquer das coisas
precedentes”.
Como estratégia à construção do questionário, foram definidas algumas
regras práticas (GIL, 2010), sendo: questões preferencialmente fechadas com
alternativas suficientes para abrigar ampla gama de respostas; Perguntas claras,
concretas e precisas, relacionadas apenas ao problema proposto, sem adentrar na
intimidade dos pesquisados; Consideração acerca do nível de informação/instrução
dos pesquisados; Perguntas limitadas, possibilitando uma única interpretação, sem
sugerir respostas; Questionário iniciado com as perguntas mais simples, finalizado
pelas mais complexas.
Por fim, foi valorizado o cuidado quanto a apresentação gráfica, afim de
facilitar o entendimento, contendo instruções breves quanto ao correto
preenchimento e havendo destaque a não necessidade de identificação,
preservando a identidade dos participantes. Contou também com breve introdução
informando a origem da pesquisa, as razões e importância da realização.
Os questionários abrangeram questões pertinentes para a análise dos
pensamentos e opiniões dos indivíduos quanto à possibilidade do uso da bicicleta
como modal de transporte, bem assim como investigações quanto a região de
moradia (distância aproximada da residência ao estabelecimento de ensino), classe
social (renda familiar), grau de instrução e outras pertinentes à investigação.
3.3 PROCEDIMENTOS
Anteriormente a aplicação dos questionários, primeiramente, sob intuito de
teste, foi realizada uma validação a fim de avaliar a viabilidade e clareza do
conteúdo, Os dois questionários elaborados foram testado por duas professoras do
curso de Licenciatura em Educação Física da UFPR, e por uma acadêmica do último
63
semestre do curso, além de seus respectivos filhos(as), totalizando seis
participantes.
Após a coleta de validação e pontuais feedbacks, foram realizados ajustes de
digitação, redação e diagramação, sem modificar o teor das questões.
Posteriormente, através de contato com pedagogas dos dois
estabelecimentos, mediante abertura de protocolo com a carta de intenções redigia
pelo orientador deste estudo, houve a análise do requerimento e do teor das
questões dos questionários (Anexo 2 e 3), havendo o aceite. Dessa forma, foram
entregues 160 cópias definitivas, impressas, à responsável pedagógica de cada
colégio, sendo 80 destinados aos estudantes e 80 aos respectivos familiares.
Visando o correto preenchimento dos questionários, o presente acadêmico
apresentou aos estudantes, de sala em sala, o objetivo da pesquisa e os modos de
respostas, solicitando a participação de forma espontânea e garantindo o anonimato,
informando que não seria necessário assinar ou escrever qualquer identificação.
Foram informados que os dados seriam utilizados apenas para fins estatísticos e
possíveis futuras melhorias nos planos cicloviários da cidade.
Em relação ao preenchimento por um respectivo familiar, os estudantes foram
instruídos a levar a folha do questionário para casa e solicitar ao responsável que,
também de forma espontânea e anônima, respondesse as questões. Quanto a
devolução dos questionários, os estudantes foram instruídos a entrega-los à
pedagoga do colégio, ambas que se disponibilizaram a reunir e entregar ao
pesquisador posteriormente.
Todas informações passadas verbalmente estavam descritas de forma clara
ao início do questionário, o qual também contava com o endereço da biblioteca do
setor de Ciências Biológicas da UFPR, local de depósito de cópia do estudo
completo a partir do ano de 2019.
3.4 ANÁLISE DOS DADOS
As informações coletadas foram analisadas a partir de percentuais, com os
dados inseridos e tabulados no software de planilha eletrônica Excel 2010, o qual
também foi utilizado para a construção dos gráficos representativos.
64
No Colégio Tiradentes a apresentação e entrega dos questionários aos
estudantes se deu no dia 16 de agosto de 2018 e foram recolhidos no dia 05 de
setembro de 2018. Dos 160 questionários entregues, sendo 80 para os estudantes e
80 para os respectivos responsáveis, foram devolvidos de forma adequada apenas
12, ou seja, seis respondidos pelos estudantes e seis respondidos pelos familiares,
representando 7,5% de aproveitamento.
Em relação ao Colégio Santa Cândida, a apresentação e distribuição dos
questionários se deu no dia 06 de agosto de 2018 e foram recolhidos no dia 05 de
setembro de 2018. Dos 160 questionários entregues, foram devolvidos de forma
adequada 38, sendo 19 de estudantes e 19 de seus respectivos familiares,
representando 23,75% de aproveitamento.
65
4 RESULTADOS
Ao todo, em ambos colégios, foram entrevistadas 50 pessoas, dentre
estudantes e familiares.
4.1 COLÉGIO ESTADUAL SANTA CÂNDIDA
Conforme o Gráfico 1, a maioria dos estudantes participantes, sendo 58%,
declarou possuir bicicleta, vez que 42% declarou não possuir. Dos que possuem
bicicleta, conforme o Gráfico 2, apenas 1 estudante a utiliza para ir ao colégio
frequentemente, sem saber responder há quanto tempo o faz. Em relação à
motivação ao uso desse modal, o estudante, em suas próprias palavras, declarou:
“Uso a bicicleta pois meus irmãos estudam à tarde e minha mãe não pode me levar
de manhã e os meus irmãos à tarde”. Outro estudante declarou utilizar a bicicleta
para ir ao colégio somente às vezes.
Quando questionados se sentem vontade de ir ao colégio utilizando o modal
bicicleta, conforme mostra o Gráfico 3, 7 estudantes declararam que sim, sendo que,
destes, 4 possuem bicicleta e 3 não possuem. Questionados sobre o que o faz sentir
vontade, declararam: “Eu gosto de andar de bicicleta, para mim é uma diversão”;
“Porque é saudável, barato e rápido”; “Gosto de andar de bicicleta, mas não tenho
uma”. Os demais 11 estudantes declararam que não tem vontade de ir ao colégio de
bicicleta, sendo que, destes, 6 possuem bicicleta, porém declararam: “Muito longe”;
“Porque o caminho da minha casa até aqui é muito difícil de percorrer com bicicleta”;
“Muita subida”; “As ciclovias são mal feitas além do perigo de assalto”; “Porque moro
perto e posso ir a pé”; “Porque acho que ainda falta segurança no trânsito até chegar
na escola”. Os demais estudantes que não possuem bicicleta e que não ter vontade,
declararam: “Não tenho vontade porque não quero cansar, a van escolar é mais
confortável”; “Por medo”.
66
GRÁFICO 1 – ESTUDANTES QUE POSSUEM GRÁFICO 2 – OS QUE UTILIZAM BICICLETA E NÃO POSSUEM BICICLETA PARA IR À ESCOLA
Em relação à totalidade dos estudantes que não utilizam a bicicleta para ir ao
colégio, representando 90% da totalidade, estes declararam que os principais
fatores que precisam ser melhorados na cidade, nas palavras dos próprios, são:
“Ciclovias”; “Acho que deveriam ser feitas mais ciclovias para facilitar para os
ciclistas”; “As ciclovias e a segurança”; “Sinalização e instrução de motoristas”. “As
ciclovias em alguns lugares e o trânsito”; “Mais segurança no trânsito e ciclovia para
bicicleta”; “O asfalto”. O estudante que utiliza frequentemente declarou que o
principal fator a ser melhorado na cidade é “Mais ciclovias públicas”. Já o estudante
que declarou utilizar às vezes declarou que, em sua opinião, não é necessário
melhorar nada.
Quanto a um local exclusivo para estacionar a bicicleta dentro do colégio, 17
estudantes declararam que o estabelecimento possui um local próprio. Outros 2
estudantes declararam que não possui.
Quando questionados se acham que a prefeitura protege e incentiva o uso da
bicicleta como meio de transporte, 2 estudantes declararam que sim, 4 declararam
que não e 13 acham que mais ou menos.
Conforme o Gráfico 4, quando questionados se no futuro podem usar a
bicicleta como meio de transporte, mesmo que obtenham licença para dirigir carro
e/ou moto, 10 estudantes declararam que sim, 8 que não e 1 declarou não saber.
67
GRÁFICO 3 – VONTADE DE UTILIZAR GRÁFICO 4 – POSSIBILIDADE DE USO A BICICLETA FUTURO DA BICICLETA
Ao final, todos os estudantes participantes do Colégio Santa Cândida
declararam que assuntos sobre bicicleta (segurança, modos corretos de pedalar e
etc) nunca foram tratados em aulas ou eventos que participaram na unidade.
Em relação aos familiares destes estudantes, 2 optaram por não responder ao
questionário. Aos demais, conforme o Gráfico 5, sobre a classe social pertencentes,
considerando 1 salário mínimo, vigente no ano de 2018, a R$ 954,00, 8 declararam
ter renda média mensal entre 1 e 2 salários, 2 possuem renda entre 3 e 4 salários; 2
ganham entre 4 e 5 salários e 4 ganham entre 5 e 6 salários mínimos.
Conforme o Gráfico 6 em relação a escolaridade, 6 possuem Ensino Superior
completo; 2 possuem Ensino Superior incompleto; 6 possuem Segundo Grau
completo; 1 possui Primeiro Grau completo; 2 possui Primeiro Grau incompleto.
GRÁFICO 5 – RENDA MÉDIA MENSAL
68
GRÁFICO 6 – ESCOLARIDADE
Questionados se possuem automóvel e/ou motocicleta em casa, conforme
mostra o Gráfico 7, 14 declararam possuir e 5 declararam não possuir. Em relação à
distância, aproximadamente, em quilômetros, entre o local de residência e o colégio
de seus filhos/tutelados, 9 familiares declararam morar em um raio de até 5 km; 3
moram entre 5 km e 10 km; 2 moram entre 10 km e 15 km; 1 declarou morar a 100
km e 1 declarou morar a 150 km de distância do colégio onde estuda o filho(a). Por
fim, 1 optou por não responder à questão.
Quanto ao meio de transporte que os filhos ou tutelados utilizam para ir ao
colégio, conforme mostra o Gráfico 8, 5 responderam “van escolar”; 5 “ônibus do
transporte público”; 3 “a pé”; 6 “carro” e 1 “bicicleta”. Questionados sobre se
permitem que os filhos utilizem bicicleta para se locomover ao colégio, caso optem,
conforme mostra o Gráfico 9, 14 afirmaram que não e 3 afirmaram que sim. Dentre
os que não permitiriam, nas palavras dos próprios, alegaram as seguintes razões:
“Não domina”; “Porque é perigoso no trânsito”; “Falta de segurança sob todos
aspectos”; “Porque tem que passar pela rodovia, onde tem grande movimento de
carros”; “Assalto, trânsito”; “Segurança”; “Perigo constante”; “Segurança”; “Perigoso”;
“Falta de segurança nas ruas”; “Região sem ciclovias e muito íngreme”; “Ele mesmo
não gosta”; “Acho perigoso”; “Perigo de assalto”.
69
GRÁFICO 7 – POSSE DE AUTOMÓVEL GRÁFICO 8 – TRANSPORTE UTILIZADO E/OU MOTOCICLETA EM CASA PARA IR À ESCOLA
Questionados sobre os principais impedimentos ao uso da bicicleta como
meio de transporte pelos filhos/tutelados, os familiares alegaram: “Perigo de ser
assaltado, violentado, entre outros”; “Medo de roubarem”; “Ciclovias mal feitas”; “Não
acho seguro andar de bicicleta pois não tem vias destinadas”; “Os carros particulares
não respeitam bicicleta”; “O que impede é a falta de ciclovia”; “Assalto, falta de
respeito e ciclovias”; “O grande número de roubos e assaltos”; “O perigo e a falta de
ciclovias”; “O grande número de roubos e assaltos”; “Falta de ciclovias”; “Poucas
ciclovias”; “Falta de ciclovias e segurança policial no bairro”; “Acidentes”; “Residência
longe do trabalho”.
Por fim, ao serem questionados se acham que o rendimento escolar do
filho/tutelado pode melhorar caso ele vá ao colégio utilizando a bicicleta como seu
principal meio de transporte, conforme mostra o Gráfico 10, 7 familiares
responderam que não, 5 responderam que talvez possa melhorar, 4 responderam
que pode melhorar e 1 não soube dizer. Um dos familiares que respondeu
positivamente argumentou, nas palavras do próprio: “Sim. Ele estuda de manhã,
chega com mais energia na aula e no retorno a casa também está mais animado”.
70
GRÁFICO 9 – PERMISSÃO AOS FILHOS GRÁFICO 10 – OPINIÃO SOBRE MELHORA IREM À ESCOLA DE NO RENDIMENTO ESCOLAR BICICLETA SE USAR A BICICLETA
4.2 COLÉGIO ESTADUAL TIRADENTES
Conforme o Gráfico 11, a maioria dos estudantes participantes do Colégio
Tiradentes, sendo 67%, declarou não possuir bicicleta, vez que 33% declarou
possuir. Dos que possuem, nenhum utiliza para ir ao colégio. Questionados se
sentem vontade de se locomover ao colégio usando bicicleta, como mostra o Gráfico
12, a maioria afirmou que não, havendo as seguintes falas: “Às vezes acontecem
muitos acidentes”; “Pela distância da minha casa”; “Muito perigoso”; “A distância da
minha casa até o colégio é super longe”. Apenas um único estudante respondeu
sentir vontade, porém disse que acha que não aguentaria chegar devido à distância.
Questionados se acham que devem haver melhorias e quais, foram registradas as
seguintes falas: “Os ciclistas terem uma calçada só para eles”; “Sim, muito”.
GRÁFICO 11 – ESTUDANTES QUE POSSUEM GRÁFICO 12 – VONTADE DE UTILIZAR E NÃO POSSUEM BICICLETA A BICICLETA
71
Quando perguntados se no colégio existe um local específico para estacionar
bicicletas durante o período de aulas, 3 estudantes afirmaram que sim, 2 afirmaram
que não e 1 não soube responder. Questionados sobre se acham que a prefeitura
de Curitiba protege e incentiva o uso da bicicleta como meio de transporte, 1
estudante afirmou que não e 5 estudantes afirmaram que mais ou menos.
Quando questionados se no futuro podem usar a bicicleta como meio de
transporte, mesmo que obtenham o documento para dirigir carro e/ou moto, todos os
6 estudantes participantes declararam que sim, sendo que 1 afirmou que.
“Economiza dinheiro e melhora o trânsito”.
Ao final, todos os estudantes participantes declararam que assuntos sobre
bicicleta (segurança, modos corretos de pedalar e etc) nunca foram tratados em
nenhuma aula ou evento que participaram na unidade de ensino.
Em relação aos familiares destes estudantes, sobre a classe social a que
pertencem, como indica o Gráfico 13, 2 ganham entre 1 e 2 salários mínimos e 4
ganham entre 5 e 6 salários mínimos. 1 dos familiares participantes possui Ensino
Superior completo, 4 possuem o segundo grau completo e 1 segundo grau
incompleto, como mostra o Gráfico 14.
GRÁFICO 13 – RENDA MÉDIA MENSAL
72
GRÁFICO 14 – ESCOLARIDADE
Questionados se possuem automóvel e/ou motocicleta em casa (Gráfico 15),
5 afirmaram possuir e 1 não possui. Em relação à distância, aproximadamente, em
quilômetros, entre o local de residência e o colégio de seus filhos/tutelados, 2
famílias moram entre 5km e 10km do colégio onde o filho estuda, 1 mora entre 10km
e 15km, 1 mora a aproximadamente 45km e 2 não souberam precisar.
Quanto ao meio de transporte que os filhos ou tutelados utilizam para ir ao
colégio (Gráfico 16), 5 responderam que utilizam ônibus do transporte público, 1 vai
a pé e 1 utiliza veículo próprio.
GRÁFICO 15 - POSSE DE AUTOMÓVEL GRÁFICO 16 - MEIO DE TRANSPORTE E/OU MOTOCICLETA EM CASA UTILIZADO PARA IR À ESCOLA
73
Questionados sobre se permitem que os filhos utilizem bicicleta para se
locomover ao colégio (Gráfico 17), caso optem, 3 afirmaram permitir e 3 afirmaram
não permitir, nas palavras dos próprios: “Pelo risco do trânsito” e “Pela distância”.
Sobre os principais impedimentos ao uso da bicicleta como meio de
transporte pelos filhos/tutelados, os familiares participantes alegaram: “Trânsito”; “Os
acidentes em abundância complica a situação pois por causa de muitos carros que
ocupam as vias”. Em relação aos benefícios, na opinião dos participantes: “Saúde e
colaboração com o meio ambiente”; “Saúde”; “Ia diminuir a poluição ajudando o meio
ambiente”.
Por fim, ao serem questionados se acham que o rendimento escolar do
filho/tutelado pode melhorar caso utilizem a bicicleta como seu principal meio de
transporte, conforme mostra o Gráfico 18, 4 familiares responderam que talvez
possa melhorar, 1 respondeu que considera haver melhora e 1 respondeu que não
pode melhorar, esse alegando que o filho “Ia cansar e dormir na aula”.
GRÁFICO 17 – PERMISSÃO AOS FILHOS GRÁFICO 18 – OPINIÃO SOBRE SE MELHORA IREM À ESCOLA DE BICICLETA O RENDIMENTO ESCOLAR
74
5 DISCUSSÃO
Os resultados do estudo demonstraram que o deslocamento entre casa e
escola é majoritariamente realizado através de veículos motorizados, com destaque
ao ônibus do transporte público. A bicicleta, apesar de ser estar presente em cerca
de metade dos lares dos estudantes participantes, ainda é muito pouco utilizada.
Frisa-se que a Prefeitura de Curitiba, conforme o site da URBS5, somente concede
direito a pagamento de meia tarifa, equivalente a cerca de R$ 2,15, a estudantes
pertencentes a famílias que possuem renda total no máximo de até três salários
mínimos para um dependente, quatro salários mínimos para dois dependentes e
assim sucessivamente. Além, o benefício é mediante a uma enorme e burocrática
análise socioeconômica, realizada através da exigência de documentos
comprobatórios de renda dos familiares responsáveis e questionamentos pessoais,
muitas vezes constrangedores, presencialmente nos postos de atendimento.
Em uma perspectiva geral, considerando que no país há mais bicicletas do
que automóveis (IPEA, 2017), além dos crescentes números na produção e venda
de bicicletas no Brasil, não é possível precisar quantas são regularmente utilizadas e
quantas são mantidas paradas nas garagens ou guardadas em outros espaços. De
acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2017), em torno de
7% do total de viagens é feita por bicicletas, havendo, conforme o Instituto, potencial
de se atingir 40%. Entretanto, os motivos para o baixo uso da bicicleta, apesar da
crescente de seu uso conforme demonstrou o Labmob-UFRJ, e também de serem
número superior a automóveis, são diversos. A partir da fala dos estudantes e
familiares participantes do estudo, os referidos motivos podem ser sistematizados
entre: violência no trânsito, violência no espaço público (roubos) e a elevada
distância entre a escola e residência de muitos dos estudantes.
Apesar do pioneirismo e tradição cicloviária que Curitiba indica ter, a maioria
dos familiares participantes do estudo afirmaram não permitir que os filhos ou
tutelados se locomovam à escola utilizando a bicicleta como meio de transporte. Em
relação aos jovens participantes, a maior parte afirmou não possuir vontade de
utilizar a bicicleta, sendo alegadas as problemáticas anteriormente mencionadas.
5 Disponível em <https://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/utilidades/passe-escolar>. Acesso em 06 nov. 2018.
75
Além, contribuindo para afirmar o constatado, conforme McMillan (2005), a crescente
expansão das áreas residenciais e o consequente aumento da distância entre o local
de residência, o local de trabalho, as escolas, além da pressão social e da
complexidade dos horários, ilustram os fatores que justificam a preferência pela
utilização do transporte passivo.
A partir do estudo foi também constatado que, apesar da bicicleta ser
mencionada nas diretrizes municipais, estaduais e nacionais, nenhum participante
jamais teve nenhuma aula em sua trajetória escolar sobre assuntos relacionados a
esse importante e histórico veículo. Considerando as possibilidades educacionais
que podem ser tratadas, está desde o papel da bicicleta nas cidades e na vida dos
que a utilizam, em termos de mobilidade urbana, meio-ambiente, bem-estar e saúde
(assuntos que fazem parte de temas transversais à educação, previstos desde os
Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997), até suas representações esportivas,
isso além das técnicas e meios adequados para a condução, funcionamento, e
também noções básicas de mecânica/manutenção, as quais são importantes para o
contínuo e melhor uso desse veículo.
A constatação leva a identificar uma lacuna entre uma pertinente e
contemporânea temática que se faz presente na vida dos habitantes de uma grande
capital brasileira, e entre os conteúdos trabalhados pelos componentes curriculares
nos estabelecimentos de ensino, não apenas da Educação Física, mas também das
demais disciplinas através de temáticas transversais presentes na Educação
(DARIDO, 2012), como o meio ambiente, saúde, deslocamentos, trânsito etc.
Dessa forma, se afirma a importância do trabalho escolar no que tange
assuntos relacionados à bicicleta, entendendo que quanto mais cedo os jovens são
familiarizados e ambientados com determinadas temáticas, como os deslocamentos
ativos, maiores as chances de as utilizarem durante a vida adulta, como no caso da
bicicleta, que comumente para as crianças é apresentada e representa-se apenas
como um brinquedo, em funções lúdicas.
76
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Plano Curricular de Curitiba (2016b) ao propor a exploração de
modalidades olímpicas através de recursos multimídias, além da possibilidade de
vivências práticas em si, oportuniza toda e qualquer modalidade no ambiente da
Educação Física Escolar, essa que não se deve resumir apenas a práticas
cotidianas e tradicionais da disciplina, envolvendo geralmente modalidades que
utilizam bolas, ou os popularmente conhecidos como “quatro bols” (Futebol, Voleibol,
Handebol e Basquetebol).
Partindo do princípio de que o maior conhecimento possível acerca das
práticas corporais, de forma refletida e estruturada, é um direito dos estudantes, a
estratégia de se utilizar meios visuais somados a considerações verbais do professor
de Educação Física, se torna ferramenta adequada e frutuosa, podendo ser desde
ilustrações impressas, disponibilizadas em websites de buscas de imagem, ou
desenhadas a mão livre, até a possibilidade do uso de equipamentos mais
modernos, como retroprojetores, caso haja disponível tal recurso no contexto da
realidade escolar.
Destaca-se que a estratégia do uso de ilustrações para o aprendizado foi
prevista já na era clássica por Jan Amos Comenius (1592-1670), registrado no livro
Didática Magna (1631). Um dos intuitos de Comenius na obra – um manual ilustrado
– foi o de oportunizar a experiência dos órgãos dos sentidos, buscando assim o
ensino de forma mais rápida e segura, visando despertar as sensibilidades dos
aprendizes. Assim, mesmo que a realidade escolar não disponha de bicicletas,
trabalhos pedagógicos envolvendo o Ciclismo, em sua perspectiva histórica, papel
nas cidades e meio esportivizado, além de importantes e oportunos, tornam-se
possíveis, considerando a crescente popularidade das bicicletas no país, tanto como
nos diversos tipos de modalidades esportivas que a envolvem, quanto como um
meio de transporte reconhecido e afirmado pelo Código de Trânsito Brasileiro.
Os resultados do presente estudo parecem divergir em partes com as
bibliografias revisadas, possivelmente devido aos distintos contextos e realidades da
realização das pesquisas, indicando que os estudantes dos referidos países residem
mais próximo às escolas e, a partir da constatação da existência de mais amplas
políticas públicas, programas de incentivo ao transporte ativo e infraestrutura viária
77
planejada, possuem maior motivação para usar a bicicleta. Entretanto, as barreiras
que desestimulam o uso da bicicleta citadas pelos familiares dos estudantes
participantes dos estudos em contexto internacional, corroboram com as
problemáticas mencionadas em relação ao Brasil, como por exemplo o medo do
trânsito violento e a falta de garantias que convençam os pais de que os filhos
realizarão um trajeto seguro e agradável.
Além, foi demonstrado que os estudantes participantes jamais tiveram em sua
vida escolar oferta de conteúdos relacionados à bicicleta, mesmo essa sendo um
veículo ativo tão popular, cada vez mais presente e em pauta no Brasil e no mundo.
Dessa forma, afirmo e destaco a importância do trabalho do professor de Educação
Física Escolar envolvendo os usos e papel da bicicleta nas cidades, sob diferentes e
possíveis estratégias metodológicas e didáticas. O trabalho planejado e refletido por
parte dos professores é de extrema importância e responsabilidade, visto que a
bicicleta é um veículo de fácil acesso, em crescente presença no cenário urbano e
capaz de melhorar a mobilidade das cidades, consequentemente podendo contribuir
à vida de todos: do convívio com menos trânsito de veículos a combustão, aos
benefícios à saúde.
Por ser um veículo, para seu uso como meio de transporte, a bicicleta
também demanda noções de condução e segurança, além do conhecimento das leis
de trânsito correlacionadas e da prática das habilidades motoras básicas, como o
equilíbrio, a base para outras habilidades locomotoras. Todos esses conhecimentos
podem ser trabalhados de forma planejada, de acordo com a faixa etária e levando-
se em consideração os saberes de desenvolvimento motor, havendo possibilidades,
por exemplo, de serem providenciados pela escola o empréstimos de bicicletas para
serem compartilhadas com uma turma durante uma sequência de aulas específicas.
Como exemplo de boas práticas, destaca-se a Escola Municipal Rolândia,
localizada no bairro do Boqueirão, em Curitiba, que, a partir do trabalho do professor
de Educação Física, conta com planejamentos de Jogos de Aventura para as aulas,
os quais contemplam e oportunizam as bicicletas às crianças, visando, dentre outras
temáticas transversais, seu papel na cidade, além de problematizações em relação
ao trânsito e a outros tipos de modais, como os patins, patinetes, skates e outros, a
partir dos empréstimos e doações à escola por parte da comunidade e famílias.
78
Frisa-se assim os variados Temas Transversais à Educação (BRASIL, 1997),
e também os Conteúdos Estruturantes, descritos nas Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008), que podem ter relação
com a bicicleta, destacando-se principalmente a violência no trânsito, e devem ser
trabalhados na escola não somente pela disciplina de Educação Física, como
também pelas demais, buscando, além de saberes sobre esse importante e histórico
veículo, um olhar crítico para/com sua presença e transformações na vida dos
sujeitos desde sua invenção.
A partir dessas considerações, sugiro maiores pesquisas que contemplem a
temática, tanto na cidade de Curitiba quanto nos demais municípios brasileiros,
preferivelmente em âmbito nacional e, principalmente, através do apoio das
Secretarias de Educação, de modo a possibilitar a amplitude de participação do
maior número possível de estudantes de todas os estabelecimentos de ensino da
Rede Pública. Desse modo, será possível melhor conhecer os hábitos, opiniões
acerca desse importante assunto e alcançar políticas públicas semelhantes às dos
países mencionados no item 2.2 deste trabalho.
No Brasil, as cidades com mais de 20.000 habitantes, a partir da vigência da
Lei nº 12.587 de 2012, geram expectativas quanto a transformações para se
adequarem à Política Nacional de Mobilidade Urbana, a qual reconhece e prioriza os
meios de transporte não motorizados e os serviços de transporte público coletivo.
Dessa forma, espera-se que, voltadas ao futuro, as cidades encarem a bicicleta
como um eixo norteador para a construção e reelaboração dos sistemas viários,
contribuindo para a diminuição da dependência dos automóveis, principalmente em
relação aos jovens.
Como exemplo da importância de uma gradativa transformação dos espaços
públicos, Florindo et al. (2018) demostra que o fato de haver uma ciclovia instalada
até 500 metros de distância de casa, proporciona a chance aumentada de usar a
bicicleta como meio de transporte em 154%, o que indica que a garantia desse
espaço é de grande importância para o estímulo a seu uso, considerando que o
interesse e entusiasmo das pessoas pelo transporte ativo poderão ser estimulados a
partir da conquista da infraestrutura.
Por mais, enfatizo que os trabalhos com questões relacionadas à bicicleta são
de eminente importância no interior da escola, sendo um direito dos estudantes em
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receber tais conhecimentos e dever do professor em oferecer, buscando romper com
os paradigmas contemporâneos que tangem as formas de deslocamento ativo dos
estudantes à escola. Além, os trabalhos iniciados desde o ambiente escolar podem
contribuir a uma sinergia de ações entre os diferentes atores da sociedade, dos
cidadãos ao poder público, sendo a escola uma abertura de caminhos para se
pensar e também construir propostas de políticas públicas, sob o intuito de fomentar
e garantir o direito à cidade e a uma melhor qualidade de vida a todas as pessoas.
Dessa forma, a escola, um importante pilar de sustentação da sociedade,
junto a seus diversos atores, deve estar comprometida com o que tange a temática
e, principalmente, com a transformação da realidade, buscando, sempre, o melhor
para as pessoas, para as gerações do futuro e para o planeta de amanhã.
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