Francisco Valle, um precursor do nacionalismo musical brasileiro?
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Title Francisco Valle, um precursor do nacionalismo musicalBrasileiro?
Author(s) Mariano de Carvalho, Vinicius
Journal Encontros lusófonos, (15)
Issue Date 2013-10-31
Type 紀要/Departmental Bulletin Paper
Text Version 出版者/publisher
URL http://repository.cc.sophia.ac.jp/dspace/handle/123456789/35645
Rights
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【論 文】
Francisco Valle, um Precursor do Nacionalismo Musical Brasileiro?
Vinicius Mariano de Carvalho
1. Introdução
Costuma-se chamar de Nacionalismo Musical ao movimento surgido na música brasileira
após o movimento modernista de 1922, que atingiu todas as artes no Brasil. Neste movimento, artistas,
pesquisadores, compositores, escritores, empenharam-se em encontrar uma arte genuinamente brasileira,
uma música que representasse a “alma brasileira” e seus caracteres mais notáveis.
No entanto, antes mesmo deste movimento de 22, muitos outros artistas já haviam iniciado uma
pesquisa pela brasilidade em suas artes. Na música isso foi bastante notável, ainda no século XIX, com
compositores ainda herdeiros de um romantismo musical universalista no qual o nacional devia ser diluído
em uma constelação mais ampla de valores. Ainda que imbuídos de uma formação totalmente europeia,
estes compositores iniciaram a busca de elementos que fizessem de suas obras reconhecíveis no Brasil como
brasileiras.
Ainda que tenha sido Villa-Lobos o nome que está diretamente associado ao surgimento do
nacionalismo na música brasileira, nos últimos anos do século XIX compositores que estavam na Europa
escreveram músicas com o que poderíamos chamar de elementos de brasilidade. Ainda não se tratava de algo
como um movimento, mas uma cópia de uma diretiva europeia, que neste período começa a valorizar e a
formular um certo nacionalismo na produção musical. Renato Almeida afirma que “(...) desde Carlos Gomes,
e mais precisamente depois de Alexandre Levy e de Nepomuceno, a preocupação por uma música brasileira
começou a manifestar-se.” (Almeida, 1942:394)
Entre estes se situa Francisco Valle, de quem trataremos na segunda parte deste ensaio. Ainda
totalmente europeizado, Valle, em suas últimas obras já destila muitos aspectos do elemento cultural brasileiro.
Em uma de suas obras de maior envergadura e uma das últimas, o Bailado na Roça, apontaremos estes detalhes.
Na primeira parte deste texto procuraremos dar uma contextualização do Nacionalismo Musical
do Século XX, evidenciando suas características principais. Em seguida faremos uma leitura do Bailado na
Roça de Francisco Valle tendo como chave os conceitos que, segundo Mário de Andrade, definiriam uma
música genuinamente brasileira, buscando perceber se já se pode notar algo deste nacionalismo nas obras
deste compositor.
2. Brasilidade e Modernismo
Nas décadas de 1920 e 1930, os modernistas brasileiros, preocupados com o ideal de atualização
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técnica e estética no campo musical brasileiro em face dos modernismos europeus, passaram a defender a
construção de um projeto com vistas a criar uma teia de significantes representativos da música brasileira
nacionalista, com especificidades rítmicas, melódicas e tímbricas. Iniciava-se assim o que veio a ser
conhecido como o Nacionalismo Musical. Gerard Béhague comenta:
�In�the�first�half�of�the�twentieth�century,�the�most�significant�single�phenomenon�in�Latin�America�
was� the�rapid�growth�of�nationalism�in� the�social�and�political�development�of� the�continent.�
Music,�as�one�aspect�of�culture,�did�not�escape� this�salient� feature�of�contemporary� life.� (…)�
However,�Latin�American�musical�nationalism�has�never�been�defined�to�the�satisfaction�of�all (…).
(Béhague,1979: 124)
O surgimento deste movimento estético, conforme aponta Béhague, ocorre de forma muito
irregular nos países da América Latina, tendo em comum o fato de estarem profundamente associados à
chegada do modernismo artístico e, por que não falar assim também, à ascensão destes países à modernidade,
refletida em mudanças sociais fortes. Assim, por exemplo, o México conhece o início de seu nacionalismo
musical após a Revolução Mexicana, que começa em 1910, e tem como nome mais significativo deste
período Manuel Ponce, precursor de elementos nacionais na música mexicana, seguido por Carlos Chávez,
no período pós-revolucionário.
Já no Brasil, costuma-se chamar de Nacionalismo Musical ao movimento surgido após a Semana
de Arte Moderna de 1922, evento este que atingiu todas as artes no Brasil. Neste movimento, artistas,
pesquisadores, compositores, escritores, empenharam-se em encontrar uma arte genuinamente brasileira,
uma música que representasse a “alma brasileira” e seus caracteres mais notáveis.
Ainda que tenha sido Villa-Lobos (1887-1959) o nome que está diretamente associado ao
surgimento do nacionalismo na música brasileira, nos últimos anos do século XIX compositores que estavam
na Europa escreveram músicas com o que poderíamos chamar de elementos de brasilidade. Ainda não se
tratava de algo como um movimento, mas era mesmo ainda uma cópia de uma diretiva europeia, que neste
período começa a valorizar e a formular um certo nacionalismo na produção musical. Almeida afirma que “(...)
desde Carlos Gomes, e mais precisamente depois de Alexandre Levy e de Nepomuceno, a preocupação por
uma música brasileira começou a manifestar-se.”(Almeida, 1942:394)
As transformações históricas da sociedade brasileira aliada à multiplicidade estilística e de
recursos técnicos da linguagem musical provocaram o surgimento de uma série de escritos, ensaios, críticas
jornalísticas e histórias da música, por vários autores (Renato Almeida, Oswald de Andrade, Graça Aranha,
Mário de Andrade, Villa-Lobos, Luciano Gallet, Lorenzo Fernandez) proclamando a autonomia da obra
musical brasileira. Estes textos funcionaram como um programa modernista de construção de uma música
brasileira moderna, como um projeto com vistas a criar uma teia de significantes representativos da música
brasileira nacionalista, com as especificidades rítmicas, melódicas e tímbricas. Essa discussão conduziu a
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fortes debates sobre o conceito de identidade nacional; sobre o papel do folclore como símbolo da fala do
povo, e que portanto deveria ser investigado e pesquisado com rigor, para ser posteriormente aproveitado
temática e tecnicamente pelo artista erudito; e sobre o critério metodológico do nacionalismo brasileiro
frente às modernidades europeias.
Assim, de um lado as pesquisas do folclore (danças brasileiras, festas populares, cantos étnicos)
e a sua assimilação, consciente ou não, pelos nacionalistas, e de outro, os contatos de Villa-Lobos, por
exemplo, com a mentalidade das camadas sociais suburbanas, na década de 1910, participando vivamente
das serenatas, roda de choro e danças populares, e ainda de um terceiro lado, a convivência cada vez maior
com estruturas polifônicas e polirrítmicas e o emprego de novas combinações sonoras (uso do reco-reco, do
tamborim, do violinofone no Uirapuru); conduziram à definição de traços do mosaico delineador do rosto
musical brasileiro.
No Brasil, a opção pelo folclore determinou toda uma revisão do conceito de modernidade e
promoveu uma releitura do que é erudito na música. Uma série de trabalhos de coleta de material folclórico
(Luciano Gallet, Roquete Pinto e especialmente Mário de Andrade1) e ensaios de análise deste material
serviram de base para compositores que introduziram este aspecto em suas composições.
A este movimento, paralelo ao Movimento Modernista, dá-se o nome de Fase Nacionalista da
música brasileira. Renato Almeida em seu manifesto História�da�Música�Brasileira de 1926, considerou
Villa-Lobos o precursor deste movimento, principalmente pela composição dos Choros.
Mário de Andrade, em vários de seus textos, apontava, ainda que implicitamente, para o surgimento
de um “messias da música” brasileira, como uma metáfora do autor que fundamentar-se-ia completamente
no som brasileiro. Na realidade, Mário de Andrade, Renato Almeida e o próprio Villa-Lobos se autodefiniram
como profetas da missão de valorizar a cultura popular e resgatar as tradições para fazer com elas a
modernidade brasileira.
Esses intelectuais acreditavam na existência de uma realidade histórica e cultural ideal durante as
décadas de 1920 e 30, capazes de impulsionar uma verdadeira cruzada para um “segundo descobrimento do
Brasil”, pela qual o artista, inspirado na cultura popular, poderia escrever uma obra genuinamente brasileira,
que seria uma metáfora da nação e do povo do Brasil.
(...) impulsionados por um espírito salvacionista, passaram por cima de divergências secundárias,
empenhados no resgate das tradições populares, que a seus olhos corriam o risco iminente de
desaparecimento, frente à crescente modernização da sociedade, ao êxodo rural, ao avanço da
1 Na década de 1920 Mário de Andrade empreendeu sua “missão de pesquisas folclóricas” viajando por diversos estados do Norte e Nor-deste do Brasil gravando e registrando a pluralidade de expressões musicais nascidas entre o povo destas regiões. Todo este material foi recentemente remasterizado pelo SESC São Paulo e além de reproduzido em CD, também foi disponibilizado gratuitamente e de manei-ra completa no site http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/missao/index.html. Mário de Andrade relata suas viagens deste período em sua obra O�Turista�Aprendiz. Estas pesquisas também servem de base para os livros Música�de�Feitiçaria�no�Brasil e Danças�Dramáticas�Brasileiras. Muito deste registro folclórico é aproveitado posteriormente em sua obra prima, Macunaíma.
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industrialização, às rápidas mudanças nas relações sociais e nos modos de vida.(Souza, 1991:3)
No entanto, é necessário notar que nacionalismo e internacionalização passaram a ser duas faces de
uma mesma moeda. Ao mesmo tempo que era necessário ao compositor brasileiro imitar o modelo ocidental
de música para que sua música fosse aceita, também era premente se conservar um certo colorido local,
exótico, que despertasse um interesse por esta música. Foi um pouco essa lógica do projeto modernista que
muitos artistas brasileiros empreenderam no século XX. Criou-se um mito de um “espírito nacional” e de
uma população irmanada por um mesmo sentimento e uma mesma expressão musical, em outras palavras,
criou-se uma imagem de cultura brasileira em geral, e particularmente de música brasileira. O movimento
Nacionalista na música construiu uma imagem de nação e fez com que os próprios brasileiros a assimilassem
e admitissem como autêntica e aos estrangeiros que a apreciassem como exótica.
Neste contexto, Villa-Lobos é o caso mais notável desta conjugação de fatores. Nos anos de
1920 ele descobre, em Paris, que certas expressões sonoras eram ouvidas e aceitas como tropicais, ou seja,
exóticas, o que lhe favoreceu um lugar de destaque no universo musical internacional de então como um
representante do mundo por se descobrir, do universo natural e quase mágico situado abaixo do Equador.
Por outro lado, no Brasil, ele ajuda a incorporar a ficção da “alma brasileira”, do espírito nacional, muito
a propósito durante a ditadura estadonovista de Vargas, preocupada em fundar uma ideia de Brasil e de
nacionalidade. Pela conjugação destes fatores o compositor encontra então um espaço aberto para sua
produção fora e dentro do Brasil. Fora, por um mundo sedento por algo novo e exótico2 e dentro, por um país
em busca de identidade e afirmação.
Assim, no movimento Nacionalista, a música deveria refletir temática e tecnicamente as mais
diversas falas populares para que se encontrasse o verdadeiro som brasileiro, conservando contudo uma
universalidade e ocidentalidade. Cabe lembrar que os anos 1920-30, são apenas a culminação de um processo
que já havia se iniciado no Brasil ainda em fins do século XIX, na procura deste som, desta “alma brasileira”,
com compositores como Brasílio Itiberê da Cunha, Alexandre Levy, Alberto Nepomuceno e Francisco Braga.
Para Mário de Andrade, Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno são “as primeiras conformações
eruditas do novo estado-de-consciência coletivo que se formava na evolução social da nossa música”
(Andrade, 1991:23), estado de consciência este a que o autor de Macunaíma dá o nome de “nacionalista”.
Mário de Andrade via nestes dois uma opção consciente por nacionalizar a música brasileira, principalmente
recorrendo a elementos da música popular. Carlos Gomes estaria de fora deste processo, pois, ainda para
Andrade, seu frágil nacionalismo era “meramente titular e textual” em suas duas óperas indianistas” (Id.
Ibid).
Fica evidente portanto que o critério nacionalista da música brasileira estava portanto em sua
2 Podemos imaginar o que era este novo e exótico imaginado pelo mundo de então através da obra de Stefan Zweig, Brasil�país�do�Futuro,�publicado em 1941, que constitui um bom olhar do estrangeiro sobre o país na primeira metade do século XX.
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filiação ao folclore, ao popular. Citando Mário de Andrade outra vez, agora em seu Ensaio�sobre�a�Música�
Brasileira, podemos compreender o que a geração de 22 definiu como nacional:
O critério de música brasileria prá atualidade deve de existir em relação á atualidade. A atualidade
brasileira se aplica aferradamente a nacionalisar a nossa manifestação (...) O critério histórico
atual da Música Brasileira é o da manifestação musical que sendo feita por brasileiro ou individuo
nacionalisado, reflete as caracteristicas musicais da raça.
Onde que estas estão? Na música popular.(Andrade, 1972:20)3
Para Mário de Andrade este caráter nacional da música brasileira não deveria ser confundido
apenas com o exótico, mas deveria ser encontrado profundamente nas raízes sociais da música brasileira.
Ainda que incentivando a ida a estas raízes, não deixa de advertir sobre o equívoco que essa vinculação
ao nacional poderia causar, especialmente se não fosse calcada sobre rigorosa pesquisa étnica. No mesmo
Ensaio�sobre�a�Música�Brasileira diz:
É que os modernos, ciosos da curiosidade exterior de muitos documentos populares nossos,
confundiram o destino dessa coisa séria que é a Música Brasileira com o prazer deles, coisa
diletante, individualista e sem importância nacional nenhuma. O que deveras êles gostam no
brasileirismo que exigem a golpes duma crítica aparentemente defensora do patriotismo nacional,
não é a expressão natural e necessária duma nacionalidade não, em vez é o exotismo, o jamais
executado em música artística, sensações fortes, vatapá, acarajé, jacaré, vitória-regia. (Andrade,
1972:13-14)
Com o objetivo de deixar claro o que é a verdadeira música popular, Mário de Andrade empreende
então uma verdadeira pesquisa etnomusicológica, apontando quais são estas características da música popular
que devem nortear o compositor da construção desta Música Brasileira, com maiúsculas. Diz taxativamente
o pesquisador: “O compositor brasileiro tem de se basear quer como documentação quer como inspiração
no folclore.” (Andrade, 1972:29) Para que se soubesse o que é este folclore, Mário de Andrade baseia-se no
material registrado durante suas viagens de pesquisas folclóricas, analisando o material colhido e observando
quais as constâncias rítmicas, melódicas, polifônicas e instrumentais típicas desta música, definindo-
as como parâmetros para uma verdadeira música brasileira. Curiosamente conclui Mário de Andrade: “o
critério atual da Música Brasileira deve ser não filosófico, mas social”, diz isso porque compreende que estas
características que depreende estão profundamente relacionadas a um primitivismo, que a seu ver não é de
caráter estético, porém social.
3 Na citação, mantemos a grafia original.
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3. O formato do nacional
Mário de Andrade, ainda no Ensaio�sobre�a�Música�Brasileira, ao lado de todas as considerações
de caráter filosófico e estético, faz então uma verdadeira teoria de como seria o formato da música nacional,
delimitando com isso uma moldura que, por muitos anos, funcionaria como parâmetro para a definição de
música nacionalista no Brasil.
Meticulosamente Mário de Andrade vai descrevendo os elementos musicais e começa pelo
ritmo: “Um dos pontos que provam a riqueza do nosso populário ser maior que a gente imagina”
(Andrade, 1972:21). Informa ainda que neste aspecto “o compositor brasileiro tem de se basear quer como
documentação quer como inspiração no folclore.” (Id.:29) E estabelece aquilo que será o lugar comum no
que se trata da questão rítmica da música brasileira, o conceito de que o ritmo brasileiro, já conhecido por
suas síncopes, é aquele com um sincopado livre mais que uma síncope formal.
Ao observar a riqueza de danças do folclore brasileiro, Mário de Andrade argumenta que aí reside
a fonte para as formas da música nacional, não sendo necessário que os compositores brasileiros repetissem
formas tradicionais e europeias da música. Assim, Andrade sugere que o termo suíte deveria ser substituído
por seu sinônimo natural no folclore brasileiro, o fandango, o maracatu e o congado, e que seus movimentos
fossem, o ponteio, o cateretê, o coco, a moda ou modinha, o cururu e o dobrado, nesta ordem exatamente.
Sobre a melodia, diz Mário de Andrade , esta deve ter “caráter fogueto, serelepe que não tem
parada. As frase corrupiam, no geral em progressões com uma esperteza adorável.” (Id.:46) Andrade
ressalta ainda que na música folclórica brasileira as melodias são feitas com gradação descendente com sons
rebatidos e que afeiçoa as frases descendentes com queda para a mediante, organizando-se mormente em
terças.
Com relação à harmonia, Andrade não vê nada que caracterize particularmente a música nacional
e peremptoriamente declara que “o problema da Harmonia não existe propriamente na música ocidental.
Simplesmente porquê os processos de harmonização sempre ultrapassam as nacionalidades.” (Id.:49) É
curioso observar esta afirmativa de Andrade cuidadosamente. O que o autor esta dizendo é que não se pode
submeter os processos de harmonização à nacionalização, ou mesmo que o que se conhece como harmonia
não é fruto de uma cultura específica, mas é algo universal. Esta é uma consideração bastante herdeira do
universalismo romântico.
Finalmente quando trata da instrumentação, Andrade anota que o elemento nacional não será visto
no uso de um ou outro instrumento especificamente, “Porquê é justamente a maneira de tratar o instrumento
quer solista quer concertante que nacionalisará a manifestação instrumental”. (Andrade, 1972:58)
Com este verdadeiro manual do que seria a música nacional brasileira podemos aproximarmo-nos
da obra de compositores anteriores ao movimento nacionalista do modernismo e observar se este tratamento
é também utilizado por estes em suas obras.
Ainda que não citado por Mário de Andrade como um dos precursores deste estado de consciência
nacional na música, pode-se notar na produção musical de Francisco Valle elementos suficientes para colocá-
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lo entre estes nacionalizadores. Valle guarda em comum com Levy e Nepomuceno o fato de também ter
estudado na Europa, mas conservar os olhos voltados para o Brasil e já apresentar em sua obra elementos de
brasilidade.
4. Francisco Valle, um quase nacionalista, ou nacionalista precursor
Nascido em Porto das Flores, distrito de Juiz de Fora , MG, a 20 de março de 1869, filho do
flautista Manoel Marcelino do Valle (este havia sido aluno de Reichert), recebeu do mesmo suas primeiras
instruções musicais. Posteriormente estudou no Rio de Janeiro com Alberto Nepomuceno e graças a seu
talento admirável é enviado para a Europa para estudar no ano de 1887. Matriculou-se no Conservatório de
Paris nas classes de César Franck, de quem foi aluno até a morte do mestre. Continuou em Paris por mais
alguns anos, mas a morte do avô que lhe concedia uma mesada para viver na capital francesa, precipitou sua
volta ao Brasil em 1891. Vive em Juiz de Fora por alguns anos, e atacado por uma neurastenia, suicida-se
pulando no Rio Paraibuna em 10 de outubro de 1906.
Lamentavelmente sua obra é muito pouco conhecida. Esta revela sempre muito apuro técnico e
facilidade de expressão, embora seja notável que o compositor ainda não havia encontrado sua verdadeira
personalidade musical, talvez sinalizada em suas últimas obras.4
Sua obra de maior envergadura é o poema sinfônico Telêmaco, regida por Alberto Nepomuceno
em 1897. Nesta obra o compositor revela uma perícia incomum para solucionar problemas de contraponto
com frases melódicas claras em tecidos harmônicos complexos. Além deste poema sinfônico, são obras
conhecidas de Francisco Valle: Depois�da�Guerra, poema sinfônico para orquestra; Pastoral, para orquestra;
Prelúdio,�Fuga�e�Final, para sexteto de cordas; Minueto�Capricho, para dois violinos, viola, flauta, clarinete,
fagote, celo e contrabaixo; Domine,�Gloria�Patri�e�Veni, para coro a três vozes e harmônio; Valsa�Scherzo
para orquestra; Batel�da�Dor, para piano; Sonata�em�dó�menor para piano; 2º�prelúdio para piano; Mazurca�
sentimental, para piano; Visão, para piano; e Bailado da Roça, para orquestra. Suas obras não ganharam
publicação até hoje, afora a mazurca para piano.
A peça que em mais se destaca um caráter nacionalista é o Bailado da Roça, dividida em quatro
partes - os�pequenos�fardados,�os�camponeses,�os�caipiras (ou os�violeiros) e�Samba. Sua primeira audição
se deu em versão para dois pianos, no Teatro Novelli, em Juiz de Fora, tendo o próprio compositor como um
dos pianistas (Cf. Castagna, s\d: 41). Sua versão orquestral foi ouvida sob a regência de Francisco Braga, na
presença do Presidente Wenceslau Braz, em 1914, no Rio de Janeiro, no teatro Municipal do Rio de Janeiro.5
4 Um catálogo de toda a produção de Francisco Valle se encontra em elaboração, graças ao projeto Patrimônio Arquivístico Musical Mineiro. Este projeto procura não apenas catalogar suas obras, mas também fornecer edições e análises de sua produção, bem como de outros compositores de Minas Gerais. Este catálogo parcial pode ser encontrado em www.cultura.mg.gov.br/pamm.
5 O Bailado na Roça recebeu publicação em edição moderna no já supracitado projeto Patrimônio Arquivístico-Musical Mineiro, em trabalho feito pelos musicólogos Paulo Castagna, Lúcius Motta e Cyro Eyer do Valle. Esta edição, seguida de aparato crítico é posterior ao meu próprio trabalho de edição da peça, não publicado, porém utilizado em concerto comemorativo ao centenário do compositor a 28 de julho de 2007, no encerramento do XVIII Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga do Centro Cultural Pró-Música em Juiz de Fora. Nesta ocasião, dirigi a orquestra do Festival no Cine-Teatro Central na que parece ter sido a primeira execução desta obra deste sua estréia em 1914. No ano de 2009 dirigi novamente esta obra, utilizando minha própria edição moderna, no Concerto de Encerramento do Festival Eurochestries – Charente Maritime, em Pons e Jonzac, na França, nos dias 12 e 13 de agosto.
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Aproveitando não só temas populares, como também efeitos imitando a maneira de se tocar a viola
e de cantar dos sertanejos, essa peça constitui uma verdadeira rapsódia brasileira. É extremamente bem
acabada do ponto de vista formal, como a maioria das peças de Francisco Valle. Há um tema circulante que
confere unidade aos episódios da peça.
Os temas não têm qualquer rebuscamento e a presença do folclore é evidente, como neste trecho que
inicia a peça Os�caipiras, tema de expressiva simplicidade e colorido que, sob um tecido rítmico divertido nas
cordas (fig. 1), reforçado pelo uso do pandeiro como percussão, em célula rítmica tipica da música popular
brasileira (fig. 2), traduz nos sopros a melopéia da música do sertanejo, quase improvisativo (fig. 3):
Fig. 1
Fig. 2
Fig. 3
Este tecido melódico é quase didático quando retomamos a descrição das melodias folclóricas
brasileiras, segundo Mário de Andrade: movimentos melódicos descententes com sons rebatidos, organizados
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mormente em terças.
Na peça há ainda o uso de temas do folclore brasileiro, como no segundo movimento Os�
camponeses (fig 4). Este mesmo tema melódico foi utilizado por Francisco Alves, em 1952 em uma de suas
últimas composições, Canção�da�Criança, com letra de Rene Bittencourt.
Fig. 4
No último movimento vemos mais obviamente referências do que posteriormente virá a ser
chamado de nacionalismo na música. O título de Samba, dado a este quarto movimento, ressalta um caráter
polirrítmico, extremamente bem considerado pela geração de 1920. Este uso rítmico é de absoluta precisão e
recria com veemência o êxtase das danças populares do Brasil. Nota-se ainda neste movimento o tratamento
rítmico repleto de síncopes, características do samba. (fig 5) Mesmo recusando atribuir a esta obra o adjetivo
de nacionalista, no que diz respeito à sua estética, os editores modernos do Bailado na Roça admitem que:
O “Samba” é a seção mais extensa e, certamente, a mais desenvolvida de toda a composição. Uma
melodia executada nas madeiras e acompanhada por uma interessante polirritmia e em alguns
lugares pela alternância de acordes de dominante e tônica, provavelmente inspirados no mesmo
tipo de música popular usado por Nepomuceno em seu Batuque. Talvez o lundu ou o fandango,
nos quais é comum a alternância de acordes de dominante e tônica, tenham sido estilizados por
Valle nesta peça, que exibe em alguns trechos o arpejo característico das violas, (...). Em alguns
momentos (...) o “Samba” antecipa a sonoridade das composições nacionalistas brasileiras das
décadas de 1920 e 1930. (Mota, Castagna e Valle, s/d: 41)
Ainda chama a atenção a instrumentação de toda a peça, com um lugar especial dado aos
sopros. No primeiro movimento da peça estes ocupam um lugar privilegiado. Ainda que se apele para
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condicionalismos de época, necessário se ressaltar também a forte tradição de sopros no universo musical
brasileiro.
Enfim, esta suíte é repleta do que os modernistas (especialmente Mário de Andrade) posteriormente
chamarão de som brasileiro, reflexo do interesse cada vez maior no folclore, como elemento de expressão do
nacionalismo brasileiro. Este bailado apresenta-se como um precursor do uso do folclore em peças eruditas,
não apenas como um recurso curioso de composição, mas como fundamentador de todo o discurso da peça.
Francisco Valle descobre nestes elementos populares o que pode garantir alguma originalidade à música
brasileira. Não é à toa que esta é uma de suas peças de maior envergadura e que apresenta algo de mais
pessoal, e não apenas variação sobre o que era feito na Europa.
Fig. 5
Ao que parece os interesses de Francisco Valle não se limitavam apenas ao uso de alguns elementos
em uma composição, mas há indicios de que o interesse pelo folclore e pelo nacional. Em seu poema
sinfônico Depois�da�Guerra, de 1897 (possivelmente referência à Revolta da Armada, 1893-1894) nota-
se alguns elementos de melodias populares. Ainda comentando seu interesse pelo uso do folcore na música
erudita brasileira, Mota, Castagna e Valle, reportam que :
Nesse mesmo ano (1900) apresentou, no Teatro Novelli de Juiz de Fora, várias de suas novas
composições, entre elas a versão para dois pianos do Bailado na Roça (C-FV 02a), inspirado em
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motivos populares brasileiros, incluindo, ao final, um “Samba”. Embora a peça reflita uma visão
absolutamente européia e idealizada do folclore brasileiro, Valle realizou outras experiências nesse
campo, sendo chamado, como era costume na época, de “folclorista”. Em 1905 apresentou em Juiz
de Fora uma palestra usando como exemplo uma série de variações ao piano sobre o já conhecido
tema Vem�cá�Bitu�(C-FV 26), que ao longo do século XX passou a ser cantado com a poesia Cai,�
cai�balão. (Mota; Castagna e Valle, s/d: 29)
Parece-me questionável a afirmação de que “a peça reflita uma visão absolutamente europeia e
idealizada do folclore brasileiro”. Possivelmente a percepção do que era o folclore brasileiro e mesmo o
conceito de identidade nacional do momento em que a peça é composta difere significativamente daquela
posterior à Semana de 1922 e das reflexões nascidas a partir do movimento modernista no Brasil. Não se
pode negar que a própria construção do ideário nacionalista da música brasileira a partir dos anos de 1920
se deu em consonância com um “desejo” europeu por um exótico e colorido tropical. Darius Milhaud,
escrevendo sob sua experiência de quase dois anos no Brasil ressalta em sua autobiografia o quanto os
compositores brasileiros tinham os olhos voltados para a Europa, inclusive Villa-Lobos:
É lamentável que as obras dos compositores brasileiros, das obras sinfônicas ou de câmara de
Nepomuceno e Oswald até as sonatas impressionistas de Oswaldo Guerra ou as obras orquestrais
de Villa-Lobos sejam um reflexo das diversas fases que se sucederam na Europa de Brahms
a Debussy, e que o elemento nacional não se exprima de uma maneira mais viva e original. A
influencia do folclore brasileiro, tão rico de ritmos e possuidor de uma linha melódica tão própria,
faz-se raramente sentir nas obras dos compositores cariocas. (Milhaud, 1920: 61).
E complementa o compositor francês sobre a necessidade de os compositores estarem mais atentos
ao que é produzido na música popular:
Seria desejável que os músicos brasileiros compreendessem a importância dos compositores de
tangos, maxixes, sambas e cateretês como Tupynambá ou o genial Nazareth. A riqueza rítmica, a
fantasia indefinidamente renovada, a verve, a vivacidade, a invenção melódica de uma imaginação
prodigiosa, que se encontram em cada obra destes dois mestres, fazem deles a glória e a jóia da arte
brasileira. Nazareth e Tupinambá precedem a música de seu país como as duas grandes estrelas do
céu austral (Centauro e Alfa Centauro) precedem os cinco diamantes do Cruzeiro do Sul (Milhaud,
1920: 61).
E não é apenas Milhaud quem ressalta isso, mas o próprio Villa-Lobos, após sua primeira viagem
para Paris, descobre que o exótico e o primitivo do folclórico é apreciado pelo público europeu. Portanto
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parece-me mais adequado enquadrar tanto o Bailado na Roça quanto as citadas variações para piano sob
o tema do Vem�cá�Bitu, de Franciso Valle em um processo de descoberta e delineamento do que virá a ser
conhecido como música nacional brasileira.
5. Conclusão
Ainda que o nacionalismo musical seja um movimento do século XX, nascido após as vanguardas
da Semana de Arte Moderna de 1922, podemos notar fortes elementos que vão fundamentar este movimento
ainda no século XIX, em compositores que se formaram na Europa, mas que buscavam por um traço de
brasilidade em suas obras.
Entre esses compositores citamos Francisco Valle, que poderíamos considerar um precursor de
elementos deste nacionalismo musical, pois, ainda que incipientemente, introduziu aspectos próprios da
tradição cultural brasileira em algumas de suas composições.
Lamentavelmente, como acontece com dezenas de compositores brasileiros, as obras de Francisco
Valle praticamente caíram no esquecimento, e ainda que não tenha a posição e importância de um Villa-
Lobos, representa uma página importantíssima da história da Música Brasileira, pois é o marco da virada
modernista. Um compositor que bebe nas fontes europeias, como a maioria dos vanguardistas do movimento
modernista brasileiro, e descobre, no que é do povo, no folclore, a riqueza da produção musical. Como
dissemos acima, sua morte prematura impediu que se pudesse perceber se realmente haveria uma definição
de identidade composicional de Francisco Valle voltada para um nacionalismo musical. Contudo, este
exemplo do Bailado da Roça é sem dúvida paradigmático para a música brasileira, pois nos oferece um
excelente exemplo de como se construiu o que veio a ser conhecido como caráter musical brasileiro.
Mais que definições fechadas se sua obra é uma visão europeizada do folclore brasileiro,
procuramos com este ensaio apresentar uma das obras de Francisco Valle na qual é notável a busca por uma
expressão nacional em um país que também buscava por sua própria identidade.
Bibilografia
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Janeiro.
ブラジル音楽ナショナリズム先駆者の一人:フランシスコ・ヴァーリ
ブラジル現代美術の全てに影響を与えた 1922年からの現代主義以降、ブラジル音楽に誕生した
運動は、「音楽ナショナリズム」と称される。現代主義と同様この運動に参加した芸術家や研究者、
作曲家や作家などは、「ブラジルの魂」とその特徴を最も的確に表現する音楽ジャンルを見出すこ
とに全力を尽くした。
しかし 1922年にその運動が誕生する以前から、一部の芸術家は既に自らの芸術において「ブラ
ジルらしさ」を模索し始めていた。音楽の分野におけるこの探究については、19世紀に普遍的傾
向やロマン主義の影響を受けつつも、できるだけナショナルな感覚を加えなければならないと考
えていた作曲家によるものである。ヨーロッパ的な教育を受けたにもかかわらず、それらの作曲
家は、自分たちの作品がブラジル的であることをブラジル国内で認識してもらえるだけの特徴を
探究し始めた。
本論では、こうした作曲家の一人であったフランシスコ・ヴァーリについて分析する。時代背
景もあり若い頃は完全にヨーロッパ的な考えによって作曲をしたヴァーリであるが、キャリア晩
年に作曲した曲にはブラジル的な特徴を見ることができる。ここでは、彼の代表作である“Bailado
na Roça”を中心にその特徴を明らかにしたい。
分析にあたり、まずは 20世紀の音楽ナショナリズムを概観する。次に真正なブラジル音楽を定
義づけるマリオ・デ・アンドラーデによる思考を参照しつつ、“Bailado na Roça”の分析を行い、
この作曲家及び作品に見て取れるナショナリズムの特徴について論じることとする。
(Professor Associado de Estudos Brasileiros na Universidade de Aarhus, Dinamarca)