A complexidade estrutural do nacionalismo timorense

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Transcript of A complexidade estrutural do nacionalismo timorense

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Armando Marques Guedes é o

Presidente do Instituto Diplomático.

É também Professor Associado com

Agregação da Faculdade de Direito

da Universidade Nova de Lisboa,

onde tem as regências de Relações

Internacionais, Ciência Política,

Direitos Africanos, e Antropologia

Jurídica.

Nuno Canas Mendes é membro do

Conselho Superior do Instituto

Diplomático. É também Professor

Auxiliar do Instituto Superior de

Ciências Sociais e Políticas da

Universidade Técnica de Lisboa. Tem

aí a regência da cadeira Mudança

Social e Economia na Região Ásia-

-Pacífico e lecciona a cadeira de

História da Colonização Moderna e da

Descolonização.

Neste volume são coligidos nove

artigos sobre vários aspectos dos

diversos tipos de nacionalismo que

se têm feito sentir em Timor-Leste.

A finalidade é a de ensaiar um pri-

meiro balanço da importância assu-

mida pelos sentimentos nacionais

em gestação, muitas vezes tão con-

testados, para a construção tanto de

uma comunidade política quanto de

um Estado em Timor.

1colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

2 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

3colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Armando Marques Guedes e Nuno Canas Mendes, eds.

Ensaios sobre nacionalismosem Timor-Leste

4 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Ficha técnica

Título

Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste

Coordenação Editorial

IDI - MNE

Edição

Colecção Biblioteca Diplomática do MNE – Série A

Ministério dos Negócios Estrangeiros, Portugal

Design Gráfico

Risco, S.A.

Paginação, Impressão e Acabamento

Europress, Lda.

Tiragem

1000 exemplares

Data

Dezembro de 2005

Depósito Legal

236657/05

ISBN

972-9245-45-2

5colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Índice

Prefácio 7

Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia

Armando Marques Guedes 11

The Portuguese Colonization and the Problem of East Timorese

Nationalism

Ivo Carneiro de Sousa 27

Timor dos Malai Sira?

Ivo Carneiro de Sousa 43

Wanders and Wonders: Musing over Nationalism and Identity in the

State of East Timor

Armando Marques Guedes 51

A complexidade estrutural do nacionalismo timorense

Armando Marques Guedes 79

A construção do nacionalismo timorense

Nuno Canas Mendes 105

Between tradition and modernity. East Timor’s rocky road towards

nationhood and democracy

Gudmund Jannisa 241

O papel das Nações Unidas na Construção de Estados – o caso

de Timor-Leste

Mónica Ferro 291

6 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

A União da República de Timor: o atrófico movimento nacionalista

islâmico-malaio timorense, 1960-1975

Moisés Silva Fernandes 355

7colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Prefácio

É com o maior interesse que o Instituto Diplomático alberga nas suas

colecções um conjunto de estudos interligados relativos a um tema que nos

interessa a todos. Trabalhos esses que, assim o esperamos, irão fazer germinar

outros e lograrão fazer medrar de maneira crítica e construtiva um assunto que

nos parece central tanto para o futuro do jovem Estado timorense como para a

nossa compreensão das muitas dimensões dos tão complexos processos nisso

envolvidos. Temos a firme convicção de que nem a investigação sobre questões

timorenses, nem a edificação de Timor-Leste, podem prescindir de enquadra-

mentos amplos como aqueles que aqui se vêem gizados pelos autores dos textos

apresentados. Com esta publicação, tenta, assim, o Instituto Diplomático intervir

em duas frentes: na científica e na pragmática, tentando contribuir com achegas

que possam vir a ser úteis para um devir melhor nos dois planos.

A colectânea Ensaios sobre Nacionalismos em Timor-Leste, nasceu da neces-

sidade que sentimos de agregar num mesmo volume as poucas reflexões

externas que têm vindo a ser sistematizadas quanto à emergência e desenvolvi-

mento do fenómeno nacionalista em Timor-Leste. Longe de redundar num

mero gesto de coleccionista, trata-se de uma recolha pró-activa, por assim

dizer. Explica-a a utilidade, sempre óbvia, de tentativas de levar a cabo um

rastreio dos caminhos diversos e identificáveis que conduziram à formação de

um Estado. Justifica-o a complexidade e a relativa atipicidade do exemplo

timorense.

Ao erigir como ponto focal a sedimentação de sentimentos nacionalistas, a

iniciativa de avançar com a publicação deste livro procura assim, no fundo,

colmatar uma lacuna. A escassez de títulos dedicados a esta matéria é, com

efeito, confrangedora. Poucos são os trabalhos sobre o tema que podem verda-

deiramente aspirar a um estatuto de objectividade e isenção. Nesse sentido, a

colectânea agora apresentada poderá constituir – assim o esperamos – um

primeiro passo para tornear as insuficiências por tal geradas.

8 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

A esperança é a de que, ao colocar lado a lado perspectivas muitas vezes

bastante diferentes umas das outras, elas possam vir a ser vistas como comple-

mentares; e que, em consequência, um novo patamar de inteligibilidade venha

a ser vislumbrado, com benefícios para todos. Com as suas fragilidades intrínse-

cas, perante uma enorme dependência estrutural face a uma vizinhança regional

nem sempre amistosa, com uma economia fraca e alguma indeterminação

material no que toca ao destino que vai ser dado aos proventos do petróleo, o

novo e exíguo país incorre no risco de entrar na lista dos failed states deste tão

turbulento início de século. Para as elites timorenses, nada disto é novidade.

Quaisquer que tenham sido as motivações para os sentimentos nacionais que

historicamente foram emergindo no território e fora dele, há hoje uma maior que

se lhes vem acrescentar: a importância de, em simultâneo, delinear uma linha de

horizonte e disponibilizar um cimento que, em conjunto, militem na direcção da

construção de uma entidade político-nacional minimamente coesa.

No seguimento tanto da justificação como da explicação que antes enunciá-

mos, o que principalmente nos moveu foi a urgência em delinear quadros de

análise que permitam melhor pensar os processos da gestação de Timor enquan-

to entidade. Considerar as questões a tanto associadas numa óptica meramente

política, ou económica, empobrece o debate: importa, em paralelo, sobretudo

em casos como o timorense, saber equacionar os vários movimentos sociais

emergentes ora como elementos de aglutinação, ora como reflexos de dissen-

sões, mas sempre enquanto ingredientes fundamentais num processo laborioso

de circunscrição de uma identidade (no quadro dos assaz sui generis processos

de gestação e sedimentação de formas de integração em Timor-Leste) face a um

Mundo em mudança. Com efeito, em casos como o timorense, a “questão nacio-

nal”, como a equação teria decerto sido apelidada há um século na Europa,

parece-nos essencial. E é só no quadro compósito destes múltiplos factores que,

do nosso ponto de vista, se pode perspectivar o desenrolo do futuro.

Os nove textos que reunimos têm locais de origem diversos. Cinco dos

artigos são novos, e três, o de Moisés Silva Fernandes, o de Gudmund Jannisa, e

o último dos de Armando Marques Guedes, absolutamente inéditos. Quatro

deles foram publicados em revistas estrangeiras, como os dois de Ivo Carneiro de

9colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Sousa e os primeiros dois de Armando Marques Guedes, designadamente um do

segundo destes investigadores numa publicação canadiana, e os três restantes

em Paris, na revista Lusotopie, num número especial de 2001 dedicado a Timor.

Outros dois ainda, embora reformulados e adaptados, decantam linhas de força

de partes de dissertações académicas em Relações Internacionais, respectiva-

mente os de Nuno Canas Mendes e Mónica Ferro, este último também inédito. A

ordem de apresentação dos textos é a de publicação e, quando este critério se

não pode aplicar, a data de redacção dos mesmos. A primeira nota de rodapé de

cada um dos artigos que associamos pormenoriza o seu contexto inicial de

publicação ou produção.

A publicação desta colectânea de textos surge como iniciativa inserida no

âmbito do projecto de investigação “Public and Private Portuguese Involvement

and Interests in Post-Colonial Southeast Asia” (POCTI/CPO/40089/2001), coordena-

do por Armando Marques Guedes, desenvolvido no quadro institucional do

Centro Português de Estudos do Sudeste Asiático, e financiado pela Fundação

para a Ciência e Tecnologia, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino

Superior, cujo apoio o primeiro dos organizadores deste livro agradece.

Professor Doutor Armando Marques Guedes

Presidente do Instituto Diplomático

Professor Doutor Nuno Canas Mendes

Membro do Conselho Superior do Instituto Diplomático

10 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

11colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Thinking East Timor, Indonesia and Southeast AsiaArmando Marques Guedes*

1.

Timor is an ethnolinguistic cauldron but unfortunately it is not a melting pot.

Its population includes successive overlays of immigrants, the great majority of

whom are speakers of Malayo-Polynesian languages added onto pre-established

groupings of Melanesians who assimilated into them. In this, East Timor resembles

Indonesian West Timor. But also added to this mix are many Chinese, a few Arabic,

some Indian and some African traits as well as a few more Western ones mainly

among elites of an often mixed European (mainly Portuguese) ascendancy. In this

the population is distinguishable from their neighbours in Nusa Tenggara Timur.

Such a cauldron, naturally, is the result of a turbulent history. Many of the Indian

traits grew out of the ancient commercial emporia (the mysterious empires of

Srivijaya and Madjapahit) which, from the VIIth and XIIIth centuries onwards,

placed Timor and the rest of the archipelago within their sphere of action, albeit

marginally (particularly the later empire). From the XIIth century onwards, Arabic

merchants replaced them and thrust into insular Southeast Asia, moving west up

to and including what we now call Malaysia and east and north as far as Manila,

in what is nowadays the Philippines. The Africans mostly arrived as slaves or

conscript soldiers, with both groups brought into the territory by the Portuguese

colonisation (beginning at an unknown date somewhere between 1512 and 1520

when a small flotilla led by Fernando Serrão anchored off the island on a trip from

Malacca to the Mollucas). The Chinese component is more recent: it involves an

influx of people, today numbering many thousands, which established itself in

small surges. In this, Timor resembles by and large what we today identify as

Southeast Asia. A complex panorama.

* Faculty of Law, Universidade Nova de Lisboa. O artigo foi inicialmente publicado, em Paris, na

Lusotopie 2001: 315-327.

12 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

One fact may serve us as an opening: Timor Loro Sae is to be independent.

This may appear to be nothing but a simple, linear and rather non-problematic

assertion in all but the concrete materialisation of this independence to come.

The change in status of East Timor is a political and a historical event; something

we can (and indeed should) celebrate, a victory for Portuguese diplomacy (which

needs one badly), a step towards an international system more concerned with

people, justice and human rights and less tied to cold correlations of strength

between States tout court. And after so many years, so much suffering and so

many grievances, the independence of Timor will come, perhaps above all, as an

enormous source of relief1 to the East Timorese peoples themselves.

The material difficulties to be faced to achieve such a change in status

seamlessly are legion, and there is really no point in burdening the reader with

their enumeration. But hidden behind the more obvious concrete hardships lies

another stumbling block, and one with a perhaps even wider reach and a greater

number of implications. An abstract leg of the journey. A notional barrier. For

Timor to exist, we must first be able to imagine it2. And there are various

unavoidable prior conditions for East Timor to be thinkable of as a country, a unit,

or at least as a discrete entity. As we shall see, and whatever the good intentions

we might profess may be, this is not a self-evident achievement. It is more than

that. The problems raised at this level somehow repeat themselves when we

1 Although, as Lurdes Carneiro de Sousa very perceptively made me notice, that relief will very

probably be rather short-lived. The leaders who were abroad and for so many years shone in

international political fora will lose much of the protagonism they had; students with scholarships

in Indonesia or Portugal will see their situation worsen; the militias will return home only to find

themselves with a non too enviable status; and once the contingents of international workers of all

types who have been one of the principal sources of income for the local economy depart, the

population at large will have to face up to a crisis of potentially dramatic proportions for which it

most probably can not count on any Indonesian support.2 On the role of “imagining a community” in the historical progression of processes of national

construction, it is essential to read Benedict Anderson’s (1991) Imagined Communities. Reflections on

the origin and spread of nationalism, Verso, London. For more detail, it is useful to read Benedict

Anderson (1998), “Nationalism, identity and the logic of seriality”, in The Spectre of Comparisons.

Nationalism, Southeast Asia and the world.: 29-46, Verso, London, New York.

13colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

attempt the converse operation – that of casting East Timor as part and parcel of

the regional context into which it is inserted. And that, in turn, is intrinsically

interesting.

In order for us to postulate that Timor, the islands included with it, Ataúro,

of ethnographic fame and military infamy, for example, and the Oé Cussi enclave

(in other words, the elements which make up its territory) be included within the

“Indonesian region” or into a wider Southeast Asia, some prerequisites must be

fulfilled from the very outset. First of all, one has to be capable of establishing

what K. N. Chaudhuri3 (1990: 28), the famed British historian of the “Indic”, called

“a train of thought”. This is based on an identification-acknowledgement of both

similarities and differences between that which we conventionally call “Timor”

and that which, consequently, we take to be “the rest”. One has to intellectually

implement a model which somehow gives substance to the conviction we share

(and that therefore justifies it) that all such categories are, somehow, linked to

one another as members of the same set. In other words, there is a mental

operation which is previous to any identification we actually carry out.

In this short paper, it is not my intention to dwell on the genesis, the deep

causes or the mechanics of the layout and functioning of these necessary initial

conditions other than by the casual allusions I shall make so as to render my line

of argument more intelligible. My objective is limited to underlining the fact that

previous operations4 such as these surreptitiously introduce in-depth

indeterminations into what we circumscribe; and, therefore, into any comparisons

we may wish to make. Thus is the path opened for representations (no matter

3 K. N. Chaudhuri (1990), Asia before Europe. Economy and Civilisation of the Indian Ocean from

the rise of Islam to 1750, Cambridge University Press.4 Historical and sociological objects, in other words, are constituted according to given

perspectives, and these depend on categorial impensés over which we mount, or patch, the

conceptual constructions we elaborate. The entity “Southeast Asia” is no exception. I repeat that I

shall not go into further details here, at least in relation to this. I shall, however, try to develop an in-

-depth topic which I believe in one way or another subtends many of the issues treated in a large

number of the studies carried out on the matter: the circumscription of East Timor, its thinkability as

a discrete historical, cultural and political entity.

14 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

how diverse they may be among themselves) of those categories and relations

which lead us to radical redefinitions of those units we initially took to be

essential, once they are ranged, or integrated, into different systems of discourse

– and so, in such a manner, do they inexorably drive us to new circumscriptions

of their identification-distinction, which can be resolved into sometimes enormous

disparities between the sets we recognise.

Let us start by remarking that this general question is very à la page. As I

shall endeavour to argue in what follows, conceptualisations of Timor Loro Sae as

a “regional anomaly”, as an entity with distinctive peculiarities so marked that its

pure and simple integration into the region is not very convincing, already

underlie the representations of it construed by the large majority of Timorese

(the popular consultation carried out under the aegis of the United Nations can

profitably be regarded as a statistical-sociological gathering of data as to this

question), the Indonesians and even the international community itself (perhaps in

this last case for mere pragmatic reasons, for coldly calculated motives). But the

fact remains that, whether we like it or not, the circumscription of East Timor as

a discrete entity is an unavoidable political fact.

Far from solving anything, this creates a responsibility: that of understanding

how this was notionally carried out. It depends on us to try to achieve its rational

reconstruction. One of the purposes of this present brief introduction is precisely

that of giving substance, in politico-cultural terms and against the background of

the short draft I shall attempt to sketch of its historical progression, to the

position of comparative anomaly Timor assumes in the general regional context

in which it is placed, happily or unhappily, perhaps both happily and unhappily,

and whether we like or dislike it. And furthermore I shall try to suggest some of

the implications of this rather complex state of affairs.

2.

In generic terms, the problems I here raise are not of course new. On the

contrary, in one or another form they build on matters which have preoccupied

15colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

all those who endeavoured to carry out research on the region. Thus, for instance,

a question which has insistently been faced concerns what has been called “the

autonomy of Southeast Asian history5”, “the structure of Southeast Asian history6”,

“the integrity of Southeast Asian history7”, or “the structural identities of Southeast

Asian civilisations8”. The quandary which has been approached in one way or

another in all these studies has been that of determining how justified, or even

feasible, it is to treat Southeast Asia, from a comparative point of view, on a par

with China, India, or, more arguably, Islam. Ultimately, the plight is created by the

hypothesis that there is at some level a unity and a cohesion within it which

renders it possible for us to envisage it as a whole.

If confronted inside out, so to speak, the question is not so easily raised since

the ecological diversity of Southeast Asia (peninsulas, islands, seas, rivers,

mountains, the contrasts between coast and inland, highlands and lowlands),

the multiplicity of peoples and cultures, the variety of religions, the profusion of

languages and linguistic families, of economies and of political forms are all

factors which clearly distinguish the region from the adjacent ones (China and

India) that delimit it. But if looked at inwards from the outside, to retain the

metaphor I proposed, the distinctions are not that clear. And this is true from

many points of view.

No fixation of internal or external limits to the impressionistic image of

Southeast Asia which we may spontaneously come up with is by any means

obvious – as opposed to India and China, which are both entities which apparently

circumscribe regularities that are very marked at the deepest levels of social

structures, of shared worldviews, of the cosmologies and eschatologies with

which they orchestrate themselves and even in relation to dress, adornments

5 J. R. W. Smail (1961), “On the possibility of an autonomous history of modern Southeast Asia”,

Journal of Southeast Asian History 2 (2): 72-102.6 Harry Benda (1962), in a brilliant article entitled “The structure of South East Asian history”,

Journal of Southeast Asian History 4 (2): 159-168.7 D. G. E. Hall (1973), “The integrity of Southeast Asian history”, Journal of Southeast Asian

Studies 4 (2): 159-168.8 K. N. Chaudhuri (1990), op. cit..

16 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

and modes of subsistence. In the territory which separates them (and that we call

“Southeast Asia”), it is not so. Here there is not one “social space”; there are many

such. And when we try to identify the territory, when we attempt to circumscribe

it, we find that what we have actually isolated is in effect a multidimensional

variety of units and objects, expressed on a host of different simultaneous

planes.

Augmenting the resolution of our ethnographic images, it is perhaps worth

listing a few of the reasons for separation to emerge from that very complexity.

To highlight differences, I shall do no more than enumerate some of the more

obvious ones. A single political form does not pervade the region; many do. The

entire spectrum, or so it seems, is charted out: there are divine monarchies (from

Thailand to Bali to Cambodia) shoulder to shoulder with tribal, clan- and lineage-

-based organisations (mostly in the highlands of the region and a bit everywhere

in the south from Malaysia to the Philippines and on to Borneo, passing by

Eastern Indonesia), commercial coastal kingdoms and sultanates (around the

Straits of Malacca, but also all along the Indonesian insular arc), nomadic bands

of hunter-gatherers (everywhere but essentially in the most mountainous inte-

rior regions); there are semi-sedentary slash and burn agriculturalists (in the

highlands) side by side with farmers tilling enormous irrigation rice plains,

fishermen and pirates (in the famous Sulu Seas and beyond). And at yet another

level, we encounter Peoples’ Democracies (from Vietnam to Laos and Cambodia

in parallel with Burmese “Asian socialism”) on a par with the “tigers” of financial

capitalism (Malaysia and Singapore, yesterday Indonesia, tomorrow maybe

Vietnam).

Some of the existing States, today, in some cases, reduced to mere regions,

came out of British colonisation (Burma and Malaysia), others from French

tutelage (Vietnam, Laos and Cambodia), others still from Dutch (Indonesia),

Spanish (the Philippines), Portuguese (Malacca, Ternate, Tidore and Flores, among

others), Japanese (essentially, and in the context of the notorious Greater Asian

Co-Prosperity Sphere, the entire region), North American (the Philippines, the

sole formal colony in the history of the United States) and even, somehow,

Chinese or Soviet (the whole of the old French Indochina in the northeast) direct

17colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

or indirect control: a real microcosmos of the history of colonisation. One of the

local States, Thailand, is one of the very few states in the world which has never

actually been anybody’s colony. This was no doubt because of its geographical

position as a buffer zone between the French area of influence to the east and

the British one to the west.

Some of the groups hold Buddhist convictions (from Burma to Thailand to

Laos and Cambodia, Java and Bali); others are Muslim (Malaysia and, above all,

Indonesia, the most populous Islamic country in the world); there are those

belonging to Christian confessions (some, like the Philippines, are mainly Catholic

while others like Vietnam, Malaysia or Indonesia mix this with substantial numbers

of affiliates of various Protestant denominations) whilst many others are “animists”

(again, these are found everywhere but mostly inland, namely in Malaysia, the

Philippines and Borneo). In the large majority of cases, what we do actually

encounter are ecumenical mixtures of two or more of these religious affiliations,

with Burma, Laos, Cambodia, Bali and Java being of course paradigmatic examples

of precisely this.

It is certainly not worth my while to further insist that at various different

levels and on a diversity of planes the multidimensionality I alluded to earlier is

indeed omnipresent. Southeast Asia is like a mosaic. Rather than the comparatively

monotonous regularity patent in its great neighbouring blocs, diversity seems to

be, under various names, the general rule in this territory-enclave. But this is not,

however, an amorphous plurality: it is a diversity which, on the contrary, displays

some hints of a structural bipolarity.

In order to glimpse this, it is enough to look attentively at the region, but

from a distance, so to speak. Differences are above all detectable at a sociocultural

level. Some of the groups, such as the Malays, the Javanese, the Filipinos, the

Borneans or the Sumatrans, to name but a few, are distributed as though in a

sprinkled pattern in arcs along the southern continental region which is

immediately adjacent to its insular portion. They tend to crystallise the identity

they display in their cultural representations as a function of their places of

settlement and of their locales of origin, and they fervently claim to follow their

order of arrival at the place where they live in the tenuous social hierarchies they

18 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

establish among themselves. As if engaged in “sociological variations on a

theme”, these speakers of Malayo-Polynesian languages form groupings which

exhibit other distinctive traits: they include lunar as well as solar rhythms in the

conceptualisations they engender about space and they articulate relatively

undifferentiated social structures and kinship groupings with intense but rather

diffuse ritual practices.

Other somewhat more formalised groupings, however, such as the Thai, the

Khmer, or the Mon, who are speakers of North-Austronesian languages, are

nowadays distributed along a wide continental belt which cuts across the north

of the region from Burma to Vietnam, passing through Thailand, Laos and

Cambodia. Their members often prefer to construct their identities, in terms

somewhat akin to those of their Chinese and Indian neighbours, in less egalitarian

fashions around dead ancestors, in relation to whom they place and organise

themselves as descendants usually according to more linear kinship systems.

They live in territories which are quite separate from one another, and they tend

to order their life rhythms according to solar calendars, punctuated by moments

which tend to incorporate a ranking of sacred events around comparatively

formalised public rites.

This division into two great sociocultural families is indeed quite

unmistakable. This has led many scholars in the direction of models which

underline penetration influxes into the Southeast Asian enclave (let us call it

that) of, on the one hand, Sinic populations who, it is claimed, would have

progressed southwards over the mountain chains that reticulate its northern

frontiers; and, on the other hand, Malayo-Polynesian peoples whose entry

would have taken place along the many valleys and hydrographic basins of the

region. To these influxes one must add the establishment of groups of Indic

origins, coming in from both land and sea, and flows such as the Muslim,

European, North-American and Japanese, all of which along maritime routes.

All of this notwithstanding, these are not entirely unmixable ethnolinguistic

families since culturally there are strong mutual superimpositions which render

any attempts to trace clear or stable lines of demarcation among them

complicated.

19colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

From one point of view, it would definitely not be too abusive to characterise

the progressive intellectual build-up of the conceptual object Southeast Asia as

a succession of responses to the kind of questions this tremendous complexity

poses. Obviously, none of this remained unnoticed by the researchers, in the

large majority Dutch, French, British and American, who took an interest in this

enormous territory lying between China and India. And as could be expected,

alternative types of explanations have been put forward both in terms of the

patent comparative diversity and in relation to the bipolarity which is so visibly

and evidently impressed upon it.

Some of the specialists, namely G. Coedés9 from the École Française de

l’Extrême Orient, an expert on Indochina, saw this as the result of differentiated

processes and ones with variable efficacy in what was called the “Hindouisation”

of little known autochthonous populations. For others, in particular H. Otley

Beyer10, an American archaeologist specialising in the Philippines, the rationale

was to be found in an earlier chronological period and in a somewhat more

hybrid fashion. It would all be better thought of as a reflex of successive “waves”

of migrations which, in the long period following the last glacial period (the

Würm glaciation which ended some twenty thousand years ago), overlay the first

mobile settlements of Negrito pygmies (and, in the southeast, less itinerant

Melanesians) with sociocultural layers of, first, “Malay peoples” and then “more

advanced Indonesians” coming in from the north. Still others, following the trail

blazed by the great British regional historian, D. G. E. Hall11, preferred to substitute

those historicist vantage points, which were largely speculative anyway, with

more solid historical and sociological ones; they did this by simply setting forth

9 His main monograph, dated 1948 (although there is a reviewed 2nd edition dated 1968), was

entitled Les États Hindouisés d’Indochine et d’Indonésie (de Boccard, Paris).10 H. Otley Beyer (1979, original 1921), “The Philippines before Magellan”, in (ed.) M. Garcia,

Readings in Philippine prehistory: 8-35, Filipiniana Book Guild, Manila. See also his more monographic

article entitled “History of racial movements in the Pacific”, published in 1925 as Proceedings of the

Institute of Pacific Relations, from Honolulu.11 Author of the monumental A Short History of South East Asia, first published in 1955, and then

successively reviewed and enlarged in 1962 and 1968 (MacMillan, London).

20 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

the regularities which can be effectively perceived in a series of areas adjacent to

one another, thus delimiting what we take as being Southeast Asia. It was,

however, maybe as a side-effect of the Second World War, and in particular of the

political-military delimiting of combat zones between the Allies (mostly North-

-Americans in coalition with British and Australian troops, together with scores of

local “native troops”) and the Japanese invaders, that the war scenario Southeast

Asia, an entity with an essentially geographic design, crystallised in a consensual

manner; and it was then that this entity became common currency (at least from

the point of view of analysts) as a conceptual object deemed to have its own

structure and integrity.

Whatever our preferences might be as to the best way of fitting into one

another and “ranging” the many external dynamic elements which gave rise to

the pluralism which characterises the region we now call Southeast Asia, it would

nevertheless be a gross mistake to presume that those processes could wholly

take into account the realities in the terrain. And this for a simple reason: the

reception of these various layers was far from passive. Probative instances of this

abound and are easy to adduce. Notwithstanding the clearly “Sanscritic” style

and colouration which throughout the region display notions such as those of

soul, birth, reincarnation or even ideas of number or agriculture, it remains that

the way in which they are used in Southeast Asia is by no means reducible to the

original models. The Sinic layer too was deeply modulated: the Buddhism practised

in the region, for example, is easily distinguishable, if only given its sui generis

syncretic ecumenism, as much from its base matrix in South Asia as from the

versions implanted in China or Japan. And neither is Islam in Southeast Asia a

simple variant of any of the Middle Eastern or Central Asian orthodoxies, nor is

Westernisation, in its various European or North-American variants, readily

understandable as straightforward transpositions of any prototypical recipes. In

all these cases there is, as if underneath or behind those layers, a very discernible

southeastasianness (in a tide of concept creation) which it is difficult not to

recognise even on the most superficial of contacts.

21colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

3.

To reiterate: it is in this enormous region, so diverse and multidimensional

but at the same time (and paradoxically) so unitary, that Timor can be found. A

part of a larger island, East Timor lies right at the extremity of the long Indonesian

volcanic arc, on the edge of its southernmost and easternmost corner where

Southeast Asia is confined by the great islands of New Guinea and Australia.

Timor Loro Sae, as a large number of its inhabitants nowadays seem to prefer to

call it, is at one and the same time an integral part of Southeast Asia yet

distinguishable from it. Paradoxically, it is simultaneously a zone with obvious

affinities (ethnolinguistic, sociocultural, historic, geographical-ecological) with

the wider and partially adjacent region made up by the east of the archipelago

we conventionally call indonesian, and an entity clearly distinct from its

neighbours. From many points of view, East Timor is portrayable as a piece of a

wider puzzle. But nothing hinders our picturing it as an entity, the specifics of

which could make it preferable, and even easier, to allow for its association with

other eventual sets.

As we have had the opportunity of verifying, none of this is particularly

surprising, exceptional or even difficult to understand. In a region which exhibits

the complexity of Southeast Asia (a complexity, as I underlined, induced as much

by external pressures as by internal forces), this type of distinction, or anomaly,

as I called it, is far from uncommon. Quite the opposite. There are other cases (the

Philippines, Vietnam or Burma, for example) which, for one reason or another, or

by virtue of a combination of them, are in structurally equivalent situations of

relative eccentricity as pertains to the regional entities we may want to constitute.

Timor is by no means, at that level, anything but one of various examples in a set

which is somewhat diffuse as a result of its relative lack of a linear notional

cohesion.

I cannot but ascertain with vehemence that to put forward those ambivalent

characteristics of the nature itself of the entity we call Timor is much more than

expressing an abstract scientific curiosity or than enunciating assertions with

only a methodological reach. It is, so to speak, a practical question of handling.

22 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

It is not my intention when raising here in-depth issues of this kind to formulate

any obscure theoretical problems for the very simple reason that these questions,

to my mind, are in no way reducible to abstractions nor inconsequent in very

practical and concrete terms. The point is to underline that, as far as Timor is

concerned, there are structural characteristics I deem to be crucial for us to

equate if we really want to understand much of what has happened, much that

will certainly still happen and surely a great deal of what the future has in store

for us, and, above all, if we intend to act wisely upon its destinies.

Let us note, at any rate, that it has been precisely on the basis laid within the

framework of such an ambivalence that the regional and political indissociability

of East Timor has come to be advocated: it was (and unfortunately still is)

precisely that complexity which subtends the model and frame of the coordinates

upon which the assimilationist “anticolonial” Indonesian theses have been built

and elaborated. It was on that very “board” (and the rules of the game which it

defines, or at least circumscribes) that the notorious “integrationist” pretexts of

the militias were fabricated and that many drier academic discourses have been

construed12. The material effectiveness of these possible theses, their political

reach, for instance, needs no comments.

Happily, and like all ambivalences, this one too has two sides, two faces. By

virtue of the extant patent anomalies, it has also always been possible to argue,

with a great deal of elegance and all too often against the current13, that it is only

12 For instance, the very interesting article by Arend de Roever (1998), “The partition of Timor:

an historical background”, in (org.) Maria Johanna Schouten, A Ásia do Sudeste. História, cultura e

desenvolvimento: 45-56, Vega. Against a background of an assumed full sociocultural continuity

between East Timor and West Timor, de Roever deconstructs the (temporary) partition of Timor as

a conjunctural strategy of the Portuguese and the Dutch in the mid-XIXth century. Both powers were

then betting on the very profitable control of the sandalwood commerce and on simultaneously

maintaining a level of peaceful coexistence between themselves. For an excellent historical (but also

political) introduction, see Luís Filipe Thomaz (1975), O problema político de Timor, Pax, Braga.13 Benedict Anderson (2000), “Imagining East Timor”, Cepesa Working Papers 2: 1-9. A short and

brilliant article in which Anderson fishes out from various speeches and declarations of Indonesian

authorities and media what he sees as a radical incapacity of the Indonesians themselves to conceive

of “East Timor” and “Indonesia” within a unified conceptual framework which could thereby anchor

23colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

with a lot of taxonomic juggling that Timor could be conceived as party to an

Indonesian set, and that this was exactly the barrier which effectively rendered

its permanent annexation unimaginable to the Indonesians themselves. It is easy

to verify the extent to which this conceptualisation, complementary as it is in

relation to the earlier one, has also produced non-trivial political (and other)

outcomes: as quickly as they emerged, any images of loss, or “amputation”,

resulting from the autonomy of East Timor submerged, or so it seems, in

Indonesian public opinion. I do not think the material inefficacy of ideas which

are not watertight requires great efforts at demonstration.

To recap, without repeating myself, I would like to say that, as is the case in

relation to that wider set today conventionally called Southeast Asia, the identity

of East Timor can be generated14 by means of two different types of conceptual

operation. In a descending order, we can try to “discover” East Timor within the

larger whole made up by Southeast Asia, somehow finding it, in those terms in

which it is identifiable, as one of its natural units. Or instead we can, in an

ascending order, “invent” East Timor by adding elements initially different from

one another and then integrating them into a unified structure on whatever

terms we may endeavour to achieve this in a more stable, and therefore more

convincing, manner. These twin processes are, ultimately, complementary. They

are indissociably paired up and, in all probability, that is how they will stay for a

very long time.

The first process (the descendent one, the one working inwards) was that

which, rightly or wrongly, I tried to carry out here. As to the second process, it

should be noticed that it is an ongoing construction effort, moving outwards,

nationalist representations which would be, from my point of view, in a stable equilibrium. I would

like to stress that to enounce conditions of thinkability (as I here attempt to do and as I believe B.

Anderson and K. N. Chaudhuri, from other perspectives, also did) does by no means spell a form of

idealism. On the contrary, and since all human actions can be characterised as accompanied and

enformed by conceptual representations which are precisely what gives them meaning, I think we

are following a more realistic and effective strategy than if we ignored this dimension.14 See K. N. Chaudhuri, op. cit.: 68, for a discussion of these two alternative modes of construction

of historical objects.

24 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

and one that has been attempted as a political project by many “Timorese” since

long before the referendum: a project which amounts to the sedimentation of a

people (the so-called “Maubere people”15) from a background of many dispersed,

and often antagonistic, identities. And it is a process that also involves the

naturalisation of this “people”16 as the population of a territory, itself in the throes

of a process of reification as a sovereign State: “Timor Loro Sae”. In other words,

a mechanism in which we try to achieve, in peace and in the internal descending

order what the Indonesians did not manage to do through violence, in the

external ascending order17.

The stubborn and courageous resistance of the Timorese populations lined

up the questions, bestowing on them a definite direction. Portuguese support,

after a long interval of vacillation and much toing and froing18, put them on the

15 For the evolution of this vocable and of its semantic field, see Fernando Sylvan (1995),

“Presente e futuro da palavra Maubere”, in (org.) Artur Marcos, Timor Timorense: 181-187, Colibri.16 For a detailed ethnographic and linguistic approach to this question, see Maria Olímpia

Lameiras-Campagnolo and Henri Campagnolo (1992), “Povos de Timor, povo de Timor: diversidade,

convergências”, Estudos Orientais 3: 259-266, Universidade Nova de Lisboa.17 An imminently political question. Benedict Anderson (2000), in a notable article on the

Timorese question in which he applied the theses earlier developed in his Imagined Communities,

faces up to precisely this point. According to Anderson, the main reason for the demise of the

Indonesian military project of annexation and integration of East Timor would be the outcome of the

Indonesian lack of capacity to conceive of Timor as an effective integral part of their country as they

imagine it. What I raise here bears obvious affinities to that. What I think is now essentially at stake

is to ascertain if the Timorese themselves will be capable of imagining an effective and viable

national identity. The drama is that the Timor so far imagined seems largely to have been imagined

by the Portuguese and by the Catholic Church, and then “transferred” to the Timorese, or at least to

some of the members of some of the Timorese elites. The “autochthonous imagination” seems to me

to spend itself largely in a mere esprit de corps produced lock, stock and barrel as an understandable

(and hopefully not too temporary) reaction to the unspeakable brutalities perpetrated during the

Indonesian invasion and occupation.18 For a critical approach to the successive phases in the activities of Portuguese diplomats in

relation to the occupation of Timor, see Ana Gomes (1995), “Timor-Leste e o imperativo de uma

política de direitos humanos”, Política Internacional 1 (10): 111-121. José Manuel Pureza, Álvaro

Vasconcelos and Carlos Gaspar have all published some brief notes on the recent evolution of this

diplomacy. The jusinternationalist background of many of the issues raised has been looked into in

a very detailed manner in a doctoral dissertation defended at the Harvard Law School by Paula

25colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

table. The international community, once the essential regional (the assent of

Australia) and global (the consent of the United States of America) backings were

finally assured, forced a solution.

What now aligns itself on the horizon is much more down to earth. Are the

internal tensions and cleavages which exist in Timor reconcilable? Will it be

possible to transform the cauldron into a real melting pot? Is the existing

endogenous diversity amenable to reduction? The lines of fracture visible between

networks of multiple clientelisms which are difficult to render compatible, among

diverse ethnolinguistic identities whose communication is not easy, between

enemy and long resentful political-ideological groupings, between ex-militias

and the rest of the population, between “active resistance fighters” and “passive

civilians”, between those who stayed and those who left, among generations,

between a State and a Church with competing hegemonic propensities – can

they be repaired? Can all these potential antagonisms actually be corrected?

And, if so, at what price?

The structural problem is not new, nor is it particularly Timorese or Southeast

Asian. At any rate, it is not easy to make any predictions as to future developments.

Up against a series of worrying recent happenings, some disquiet is surely justifiable.

Eric Hobsbawm reproduced, back in 199219, an extraordinary quip of Massimo

d’Azeglio, voiced right after the successful XIXth century Garibaldi-led unification of

what is today Italy: “We have made Italy. We must now make Italians.”

It worked, even if only after some serious accidents along a turbulent road.

Let us hope that in this case it will too.

Escarameia (1993), Formation of concepts in International Law. Subsumption under self-determination

in the case of East Timor, published by the Fundação Oriente. See also, Paula Escarameia (2001),

Reflexões sobre Temas de Direito Internacional. Timor, a ONU e o Tribunal Penal Internacional, ISCSP, for

a collection of vivid discussions on related themes.19 This justly famous quotation, unearthed by Eric Hobsbawm, and which has made its way into

the context of contemporary studies on nationalism, was repeated by John Comaroff (1996: 176) in

a famous article on ethnicity and nationalist constructions with the title “Ethnicity, nationalism, and

the politics of difference in an Age of Revolution”, published in (eds.) E. Wilmsen and P. McAllister, The

Politics of Difference, The University of Chicago Press.

26 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

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spread of nationalism, Verso, London.

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Timor, povo de Timor: diversidade, convergências”, Estudos Orientais 3: 259-266, Universi-

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Kirti N. Chaudhuri (1990), Asia before Europe. Economy and Civilisation of the Indian

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Georges Coédes (1948, reviewed 2nd edition, 1968) was entitled Les États Hindouisés

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John Comaroff (1996),“Ethnicity, nationalism, and the politics of difference in an

Age of Revolution”, in (eds.) E. Wilmsen and P. McAllister, The Politics of Difference, The

University of Chicago Press.

Paula Escarameia (1993), Formation of concepts in International Law. Subsumption

under self-determination in the case of East Timor, published by the Fundação Oriente.

_________(2001), Reflexões sobre Temas de Direito Internacional. Timor, a ONU e o

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Marcos, Timor Timorense: 181-187, Colibri.

Luís Filipe Thomaz (1975), O problema político de Timor, Pax, Braga.

27colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

When we speak about East Timor, what precisely are we talking about? Half an

island located on the easternmost tip of the Archipelago of the Lesser Sunda

Islands, near Australia and New Guinea, 19 000 km2 in area, a fifth of the size of

Portugal, with approximately 800,000 inhabitants. The territory’s process of

decolonisation was brutally interrupted in 1975 by a prolonged and violent colo-

nial occupation by Indonesia, which was definitively rejected and dissolved by the

referendum of August 1999. It was then followed by brutal violence, terminating

with the intervention of the United Nations, which came to administer the transition

process to independence, still undeclared but increasingly a reality with the recent

elections for the Constituent Assembly, clearly won by Fretilin. Unquestionably,

East Timor has became an important issue in political discourse, particularly in

Portugal. All expressions of solidarity, with their groups and influences, each with

their own motivations and causes, have revealed a growing interest in the East

Timorese problem. Consequently, the territory became the object of concern for

international politics and solidarities. However, research in social sciences has been

lacking. Scientific studies in the fields of history, sociology, anthropology or

economics are extremely rare, something which can be largely explained by the

difficulty in obtaining free access to the territory of East Timor during the period of

the Indonesian occupation, a situation which has yet to be overcome because of

the enormous difficulties in organising the reconstruction of a devastated and

disorganised territory, confronted with international aid which transports

economies, inflation and even social behaviours practically unknown to the local

populations. In many cases, the immediateness of political discourse or the rhetoric

The Portuguese Colonization and the Problem of EastTimorese NationalismIvo Carneiro de Sousa*

* University of Porto and Portuguese Center for the Study of Southeast Asia/Cepesa, Lisbon. O

artigo foi inicialmente publicado em Paris, na revista Lusotopie 2001: 83-194.

28 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

of solidarity has filled in for what has not been studied, and interpreted what is not

even known. From History to Economics, via the issues of development or nationa-

lism, causalities were put forward that insisted on the diversity of the Timorese,

their specific culture and history. Documents, sources, field work and research

work were not included in these discourses; but they founded, and sometimes

justified and manipulated, some of the memories which presently characterise

knowledge on East Timor. To start with, the issues of colonization and nationalism.

The territory was first identified by the Portuguese in 1512-13, but effective

European occupation of a small part of the territory only began after 1769, when

the «city of Dili», the capital of so-called «Portuguese Timor», was founded1. Until

then, the Timorese territory was visited mainly by Portuguese traders and

missionaries. The former sought the lucrative trade of sandalwood, while the

missionaries, predominantly Dominicans, were engaged in the mission of

evangelisation. Catholic preaching played an extremely active role during the 18th

Century, when many missionaries considered undesirable in Goa were received in

Timor. Evangelisation soon reached the Flores, Solor, Wetar and many of the other

small adjacent islands, where churches were built and parishes were established2.

Until the beginning of the 20th century, in spite of the coffee campaigns, almost

always carried out by small local proprietors, Timor was governed not only with

«African» ideas, but also with many Indian and Mozambican elements, the latter

constituting a significant quota of the colonial army3.

1 See, in this issue of Lusotopie, R.R. LOUREIRO, «Discutindo a formação da presença colonial

portuguesa em Timor» and A. de CASTRO, As Possessões portuguesas na Oceania, Lisbon, Imprensa

nacional, 1867; L. de OLIVEIRA, Timor na História de Portugal, 3 vols, Lisbon, Agência Geral do

Ultramar, 1953; R. M. LOUREIRO, (ed.), Onde Nasce o Sândalo. Os Portugueses em Timor nos séculos XVI

e XVII, Lisbon, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobri-

mentos Portugueses, 1995; I. Carneiro de SOUSA, Timor Leste desde muito antes dos Portugueses até

1769, Encontros de divulgação e debate em estudos sociais, 3, 1998 : 5-23.2 A. Pinto da FRANÇA, Portuguese Influence in Indonesia, Lisbon, Fundação Calouste Gulbenkian,

1975.3 W.G. CLARENCE-SMITH, «Fazendeiros e pequenos proprietários no território português de

Timor no século XIX e XX», Encontros de divulgação e debate em estudos sociais , 3, 1998 : 41-50; I.

Carneiro de SOUSA, Timor Leste … : 19-21.

29colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

The territory slowly became colonized from the 1860’s onwards but was

confronted with frequent resistance and local revolts. It was only around 1913-

-1914, during the Manufhai wars when the colonial power managed to mobilise

several allied Timorese kingdoms against the local resistance movements, that

colonial domination definitively spread throughout Eastern Timor4. However, the

colony was far away, serving rather to exile political opponents and rebels from

the Portuguese African colonies than as a territory of economic colonization.

Strangely, it was in fact during the brutal Japanese occupation that the invaders

edified roads and airports that today still structure a significant part of the

communications network. Only during the late 1950’s was it possible to identify

«serious» economic, administrative, social and cultural investments and, in the

twenty years following the liberation of Goa in 1961, these widened to include

investments in education and the first attempts at «industrialisation», parallel to

administrative reinforcement and the continuous influx of populations to the

urban centres.

A History Yet to Be Written

The history of East Timor is yet to be written. During the colonial period,

some general historiographic studies were edited, and the fourteen Portuguese

titles available were mainly produced by military and administrative officials,

while the pre-colonial history of the territory was never the object of any

scientific contribution. Such was the case that much of the current anthropological

and historical knowledge on East Timor was in fact only gathered between 1953

and 1975. António de Almeida was official responsible for this work. Born in

1900, a graduate of Medicine and post-graduate of the Escola de Medicina

Tropical (School of Tropical Medicine) and of the Instituto de Investigação Cien-

tífica Tropical (Institute of Tropical Scientific Research), António de Almeida

4 R. PÉLISSIER, Timor en guerre : le crocodile et les Portugais (1847-1913), Orgeval, Ed. Pélissier,

1996.

30 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

became one of the most powerful figures in Portuguese colonial research5. A

man of the Regime. During the 30’s and 40’s, he worked in Angola, and started

what he would come to designate Anthropo-biology, in a renowned research

work (although in many cases polemic) on the Bushmen. In 1953, he started his

studies on Timor, visiting and staying in Timor on several occasions. He discovered

prehistoric archaeological layers and developed the analysis of ethno-linguistic

divisions; he was involved in the production of films; he published dozens of

articles and even became a member of the National Assembly representing

Timor for two terms of office. In spite of his prolific work and knowledge of the

territory, the ideas with which he interpreted Timorese history and culture were

neither his own nor were they original. They were based on the work of a

renowned Brazilian author, Gilberto Freyre, especially on one of his best-known

books in Portugal O mundo que o português criou (“The world the Portuguese

created”), a best-seller during the 40’s and 50’s6. The book was ready to be

published in 1937, but was successively delayed. The book came to include a

preface dated 31st January 1940, by António Sérgio, a prominent figure of the

democratic opposition and eminent essayist and historiographer. His preface

gave a consensual dimension to Freyre’s book and contributed to its success,

precisely in the year when the «Grande Exposição do Mundo Português» («Great

Exhibition of the Portuguese World») was opened. However, the book’s great

attraction for its readers was its first paragraph: «Aspectos da influência da

mestiçagem sobre as relações sociais e de cultura entre portugueses e luso-descen-

dentes» («Aspects of the influence of race-mixing on the social and cultural

relationships between the Portuguese and Portuguese descendants»). In this

paragraph, the author defends the idea that Portugal, Brazil and the Portuguese

colonies constituted a unity of sentiment and culture, because Portuguese

colonization was special and different from any other: the Portuguese, explained

Freyre, «dominated the native populations, mixing with them and dearly loved

the coloured women » (p. 40). He further added, «in all places where this manner

of colonization dominated, the prejudice of race is practically insignificant and

5 A. ALMEIDA, O Oriente de expressão portuguesa, Lisbon, Fundação Oriente, 1994.

31colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

the mixing of races, a psychological, social and, one can even say, an active and

creative ethnic force…» (p. 43). The Brazilian sociologist concludes by stating

that the specificity of the Portuguese colonization promoted «the democratisation

of human societies through the mixing of races, interbreeding and miscegenation»

(p. 46). Gilberto Freyre designated these ideas by the term «Luso-tropicalismo»

(Luso = of Portuguese origin: Portuguese tropicality)7. In spite of the fact that

these ideas were used as ideological and political banners by the colonial

propaganda of the «Estado Novo» (the Portuguese dictatorship from 1932-1974),

this concept of «Lusotropicalismo» is today still one of the few interpretative

theories of Portuguese colonization and of the Portuguese-speaking spaces

throughout the world8.

However, the «Luso-tropicalismo» theory did not cause widespread

enthusiasm in academic and scientific circles9. Historians simply ignored it. The

importance of the works of Charles Boxer, Jaime Cortesão and those published

by Vitorino Magalhães Godinho from the early 1950’s onwards, developed the

interpretation of Portuguese expansion and colonization in their economic and

social dimensions, defining spaces, geographies and cultures. At the end of the

1940’s, Portuguese anthropology and sociology were still incipient domains, and

they were pursued in order to prompt the appearance of relevant scientific

works. It was for this reason that researchers from other scientific fields became

interested in that of «Lusotropicalismo» theory. Almerindo Lessa, for example,

6 G. FREYRE, O mundo que o português criou, Lisbon, Livros do Brasil, 1940.7 G. FREYRE: Aventura e Rotina, Lisbon, Livros do Brasil, 1953; Um brasileiro em Terras Portugue-

sas. Introdução a uma possível luso-tropicologia, Lisbon, Livros do Brasil, 1953; O Luso e o Trópico,

Lisbon, Comissão Executiva das Comemorações do Quinto Centenário da Mortedo Infante D.

Henrique, 1961.8 C. CASTELO, «O Modo português de estar no Mundo». O luso-tropicalismo e a ideologia colonial

portuguesa (1933-1961), Porto, Afrontamento, 1998; Y. LÉONARD, «Salazarisme et lusotropicalisme,

histoire d’une appropriation», in Lusotopie. Enjeux contemporains dans les espacs lusophones, 1997:211-

-226; A. MOREIRA & J.C. VENÂNCIO (eds), Luso-Tropicalismo. Uma Teoria Social em questão, Lisbon,

Vega, 2000.9 I. Carneiro de SOUSA, «O luso-tropicalismo e a historiografia Portuguesa: itinerários críticos

e temas de debate», in A. MOREIRA, & J.C. VENÂNCIO (eds), op. cit., Lisbon, Vega, 2000: 6681.

32 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

applied it to the Portuguese colonial presence in India, but it was the leader-

-geographer Orlando Ribeiro who, in his most important work, Originalidade da

Expansão Portuguesa («Originality of the Portuguese Expansion») most used and

dignified the theory of «Luso-tropicalismo»10. Nevertheless, the application of this

theory was rare, with the exception, naturally, of Brazil. In Angola, Mozambique,

Guinea and in the Atlantic islands colonized by the Portuguese, there are virtually

no social science studies based on the «Lusotropicalismo» theory. Curiously, one

exception is precisely Timor.

The idea of a benign, benevolent colonization, grounded on an almost

egalitarian and sentimental relationship with the local populations became

the official thesis of the Portuguese colonization of Timor. The attraction of

a Portuguese tropicalist theory of colonization of Timor became permanent in

the works of António de Almeida who, based on an assumed position of

ethnocentrism, understood the Portuguese presence in Timor as an enraptured

act of civilisation. To prove his ideas, he referred to the importance of the

mixing of races and, from the 1960’s, the access of the Timorese to secondary

school education and to administrative posts, as well as the opening of

opportunities for the Timorese to study in Portuguese universities. Although

Almeida’s research was responsible for the exaggerated identification of 31

ethno-linguistic groups in East Timor, his interpretations did not contemplate

cultural diversity and got lost inexalting «Luso-tropicalismo» and «Portuguese

civilisation»11.

10 O. da Cunha RIBEIRO, Originalidade da expansão portuguesa, Lisbon, Sociedade de geografia,

1956. [republished Lisbon, Edições João Sá da Costa, 1994].11 A. ALMEIDA, O Oriente de expressão portuguesa, Lisbon, Fundação Oriente, 1994; cf. M.E. de

Castro e ALMAEIDA, Estudo serológico dos grupos etnolinguísticos de Timor-Díli, Lisbon, Instituto de

investigação científica tropical, 1982.

33colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Lineage and Space, Kinship and Territoriality

History has not in any way focused on the singularity of East Timor12. The

singularity of the social, cultural, anthropological and symbolic aspects were not

contemplated in an understanding of Timorese reality. It is necessary to speak of

the cultures, societies and even the peoples of Timor. Between the 9th and the

13th centuries, these peoples established a «stable» model of society based on

lineage13. According to unilineal rules, parental organisation was strongly

patrilineal, represented by exogamous marriage, in general forbidding marriage

between direct relatives with consanguinity and between brothers and uncles

and nephews. The brides were chosen outside the suco (a group of villages), thus

creating relationships between two villages, the husband’s (Fetosá) village and

the wife’s (Umane). The men of the fetosá village could continue to marry women

from the umane village, but the opposite was forbidden. At the same time, norms

of social and familial circulation were established: the son of a liurai (a local king)

could only marry the daughter of another liurai or of a dato (local nobility).

Polygamy was common among these elitist sectors and was even encouraged by

the first wife who became the prime female figure within the domestic unit.

The system of inheritance was marked by the existence of corporate

descendants, exaggerating the stability of land use and property associated with

the relatively high population densities. It was a model of undivided inheritance,

in which the possessions were inherited by the next generation, to be

administered by the eldest man of the family, who was often an uncle brother of

the father and supported the whole family. When there was apartitioning of

inheritance, only the men of the family had rights, according to claims of

birthright and age. However, position status could only be inherited by men of

the noble lineages. This specialisation in terms of social stratification may explain

12 I. Carneiro de SOUSA, «Mercantilismo, Reformas e Sociedade em Timor no Século XVIII»,

Revista da Faculdade de Letras – série História (Porto), 1997.13 I. Carneiro de SOUSA, Timor Leste… op. cit. : 11-15.

34 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

the establishment of the social, cultural and symbolical predominance of a

parenthood system based on patrilineal lineage. Therefore, in Timorese society,

this rigid social stratification forced the groom’s family to pay a dowry to the

bride’s family in order to «release» her to live in a virilocal model. Husbands from

poor families who could not afford to pay the dowry would live in an uxorilocal

model, often in a position of social inferiority and marginal social status, thus

specialising the social distinction between «noblemen» and «nonnoblemen».

This social and symbolical transaction was usually designated in Tetum as barlaki

and constitutes an important example of Mauss’ idea of don or «gift», i.e., an idea

of social communication, alliance and domination through marriage and dowry,

as well as establishing forms of social contribution.

In any case, the normative ideal of virilocal residence was not always

accomplished, either because the dowry agreed upon during barlaki negotiation,

was not paid, or because the woman and her lineage possessed significant

property, which they wished to preserve within the same lineage. Consequently,

in the decisions made about post-matrimonial residence and the children’s

filiation to one or the other kinsmen, a strong tendency to ambivalence resulted

in relation to common social practices, leading to situations in which the same,

related ethnic groups could present both patrilineal and matrilineal tendencies

whenever the demographic pressure rose. There were, certainly, some important

social models, but their transgression was possible and tended to deepen social

mobility. Portuguese colonization naturally accelerated these processes of

mobility, through the introduction of new social groups, such as the topázios (or

«black Portuguese»), and also a diversity of social, cultural, religious and other

values. In any case, the institution of barlaki, with its imposition of social alliances

and negotiation, was clearly fundamental in the structuring of lineages and

territories. The barlaki was, in many cases, drawn-out, specialised and symbolically

complex. The dowry negotiations not only covered lands and animals, specially

buffalo, but also led to the display of pieces and instruments of prestige, from

traditional clothes (tais) to swords (surik) of great quality and refined workmanship.

Feasts and private reunions, accompanied by specific cultural practices, from

communal songs to feasting, marked the meetings between the members of the

35colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

same lineage and, afterwards, the other meeting-negotiation with the other

lineage. In many cases, the lineages of Timor individualised patrimonial domina-

tion, presenting alliances between territorial communities and independent

villages, or lineage alliances based on significant territorial units, water courses,

mountains, coastal areas, lands with an abundance of agricultural resources, or

communication axes. Lineage and appropriation of space, or in other words,

kinship and territoriality are fundamental factors in the traditional social

organisation of the peoples of Timor.

Colonial Recognition of Traditional Powers

Among the various principles of social organisation that the traditional

Timorese societies came to specialise, the main one is based on the primacy of

the descendants of the group which founded an agrarian establishment and first

occupied, cleared and worked the land, thus preserving an elevated status. The

chiefs are frequently those who can clearly trace the descendants of an ancestor

of a lineage or tribe, although the social hierarchy is, in some cases, open to

individual skill and manipulation through opulence, as is shown by the close

relationship between feasts and power. The social hierarchy may, of course, be

inherited or acquired. The dominant, founding lineages appropriate the secular

and religious positions; they have a word in community affairs, detain the right

to present food, intervene in the distribution of work and control the decisions

relative to land use in the territorial group. Their social power is expressed

through objects of prestige: ceramics, antique necklaces, megalithic monuments,

fine arms, and drums. Their prestige is also expressed through success in

agriculture and particularly through the accumulation of livestock, chiefly pigs,

and products that can be used in the common feasts. Powerful lineages tend to

reinforce their position through marriage with other neighbouring lineages,

which generally allows the «nobles» to be distinguished from other social groups

and to expand alliances of dominion. In this field, it is once again the dowry

which functions within the social organisation as a factor of social hierarchisation

and distinction, reinforcing the tendency to elitist endogamy and preventing

36 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

powerful lineages from increasing their power, whenever it obliges men incapable

of proceeding with its payment to reside uxorilocally.

One could think that in this manner a lineage would be able to reinforce and

structure its power indefinitely. Genealogical filiations are complex, subject to the

manipulation of oral genealogies, dependent on opulence and prestige, and

whenever a lineage chief shows a tendency to increase power in an «unpopular»

manner, revolts and conflicts break out with great frequency. A State could not

develop based on a traditional micro-scale, unless the emergent leaders came to

monopolise power and converted the network of economic, social and military

alliances into a centripetal structure around a charismatic power. This did not

happen in the Austronesian world before the period of Indianisation between the

5th-10th centuries and, in the case of Timor, we rarely find permanent indications

of territorial, supra-local states before the 18th-19th centuries, when the

construction of the State starts to constitute an investment continuously dominated

by Portuguese colonization, both through its captaincies, race-mixing or missionary

work, and also with alliances and vassalage of the traditional territorial powers14.

It is preferable, therefore, to emphasise, in the pre-colonial and traditional

history of Timor, the importance of patrimonial domination. The social groups

depend upon the permanent proprietors and the more general social separation

between nobles and commoners becomes more evident and is resumed in the

distinction of lineage. In this way, the liurai – ruler or territorial chief – represents the

reigning lineage, but also tends to appropriate important patrimonial domains. A

significant part of the agrarian patrimony also resides in the dato, the nobility that

ranks above the atan, constituted by workers and servants… The structuring of

political power is thus dispersed among the territorial chiefs (lurahan) and village

chiefs (leo) who are recruited in the superior lineages, frequently descendants of the

founders, and who supervise work and festivals. This power is further reinforced and

maintained thanks to the endogamy of the higher lineage, which tends to specialise

societies of «noblemen», workers and slaves, either captive or in debt. It is possible

that this hierarchisation and its tributary, almost feudal, support, was intensified by

14 A. de CASTRO, As possessões portuguezas na Oceania, Lisbon, Imprensa Nacional, 1987.

37colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Portuguese colonization, which sought to systematically convert the noble groups

and, in this way, guarantee colonial domination.

The traditional social world has been poorly studied. With one exception: a

Portuguese forestry engineer, poet and design teacher, enraptured with Timor

and its peoples, sought to understand the traditional Timorese societies. In two

fundamental works, Motivos Artísticos Timorenses e a sua integração15 («Timorese

Artistic Motifs and their Integration») and, especially, in Arquitectura Timorense16

(“TimoreseArchitecture”), Ruy Cinatti identified the diversity and complexity of

Timorese culture, investing it with proper dignity. Although not a professional

anthropologist, Cinatti greatly contributed towards the development of cultural

studies on Timor and introduced important indicators for future studies, which

were not, unfortunately, pursued owing to the political situation of the last two

decades. Significantly, despite working in Timor in the same periods, António de

Almeida and Ruy Cinatti did not cross paths. They were often polemical, though.

Almeida developed an anthropology which had the interests of colonization in

mind, while Cinatti focused on a cultural diversity which had not been configured

by any notions of Portuguese tropicality17.

The long history of Portuguese colonialism in Timor is based on the recognition

of traditional powers and on seeking unification, through cross and sword, of the

territory’s social culture of elitism. The Portuguese (indirectly) «ruled» with the

support and the configuration of traditional lineage powers within the societies

of Timor’s peoples. To govern Timor in the name of the Portuguese crown,

through the «governance» of the traditional Timorese powers themselves, thus

admitting the coexistence of a social, religious and juridical Portuguese system

with a consuetudinary culture of the traditional Timorese social world. However,

those who converted to Catholicism were forced to accept another juridical

system. In 1769, when the colonial administration was established in Dili, this

15 R. CINATTI, Motivos artísticos timorenses e a sua integração, Lisbon, Instituto de investigação

científica tropical, 1987.16 R. CINATTI, Arquitectura timorense, Lisbon, Instituto de investigação científica tropical, 1987.17 P. STILWELL, A Condição Humana em Ruy Cinatti, Lisbon, Presença, 1995.

38 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

system worked. It would work for a very long time. At the same time, almost

paradoxically, it would consolidate colonization and preserve a certain memory

and reality of the traditional world of the peoples of Timor. Because of this, at the

beginning of the 20th century, through the Decree of 17th July 1909, the Portuguese

central government continued to recognise, as it had almost always done since

the 1500’s, the juridical system of local kingdoms, in this case seventy-seven,

distributed throughout eleven boroughs. Even the designation of Lurahan

(kingdom) was accepted as corresponding to a borough district, governed by a

liurai with the patent of colonel; it was established that a suku («suco») was formed

by a group of villages (lissa), governed by a dato with the patent of major; and

finally, a leo was defined as a village that could be equivalent to a parish, governed

by a dato, with the rank of captain. The intention of these official regimental

efforts was to take advantage and configure traditional Timorese society, something

which was further achieved with the development of a group of mestizos with

increasing social and cultural weight. In all rigour, it was not a process of

miscegenation. It is well-known that the production of a Euro-Asiatic social group

was officially encouraged from the beginning of the 16th century and, despite

criticism from the Church, invaded both the so called State of India, and also that

shadow-empire that merchants, adventurers and soldiers developed far from the

official control of the Portuguese. It also became a power strategy for the local

oligarchies and patriciates who found force in mixing support and discrimination

in relation to the subaltern social groups. So it was in Timor.

Odd Colonial Army, Odd Catholic Church

The scientific literature available on the different European colonialisms

(predominantly dealing with African themes…) usually identify the European

armies and Churches as exclusive factors of colonization and colonial oppression.

This is not the case in Timor. «Paradoxically», the «Portuguese» army and the

Catholic Church also became factors of both local cultural identity and the

development of «national» claims. This situation has been well-documented since

39colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

the beginning of the 1960’s. Doing military service in Timor meant getting away

from the colonial war in Africa. However, military service implied two years, too

long for the sons of peasants from the rural villages or for the sons of the city

workers. Family-sons from the middle and upper-middle bourgeoisie of the urban

centres, frequently from powerful families, some opposing the regime and on the

verge of possible desertion, came to «Portuguese Timor» to do their military

service and enjoy the delights of a calm, peaceful tropical paradise, apparently

given up to the paternal Portuguese presence. Many brought their wives and,

sometimes, the whole family nucleus. They mobilised an important labour market,

mainly domestic, which socially animated the urban centres, especially Dili. The

armed forces bulletin, Revista do Comando Autonómo Provincial actually became

one of the first spaces to embrace pre-nationalist ideas. Some of its issues gave

voice to the Timorese who, based on ethnography or on curiosities, on localism or

on criticism, started to write the first texts with nationalist sentiment. Benefiting

from equipment, structures and resources, and often promoting the Timorese’

first employment, the army mobilised the territory both socially and culturally.

Even artistic caravans were created, animating many settlements and communities

throughout Timor, mainly with musical shows. Thus, the army contributed to the

development of sociability between groups and territories, from the recreational

to the political, as well as encouraging sports activities. Many «mestizos» enlisted

and served in the Portuguese army, before founding the national and

independentist parties in 1974-1975 founded and some of them are still the main

leaders of the Timorese political parties, from Fretilin to ASDT.

Apart from the army, there is also the Catholic Church18. At the end of the

Portuguese colonial period, Catholics represented less than a third of the population,

but today, a large majority (90 %) of Timorese are Catholic. The Church represented,

together with the armed resistance, the main institution of political and social

resistance and was a counterpoint to the attempts at cultural assimilation by

Indonesia. It is often forgotten that when Indonesia invaded the territory of

18 J.F. BOAVIDA, The fusion of Religion and Nationalism in East Timor: a Culture in the Making,

Oxford, J.F.B., 1993 (M. Phil. Thesis presented to the University of Oxford).

40 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Portuguese Timor in December 1975, the Church was practically the only organised

institution. The colonial administration, army and government had all but

disappeared, while the Church was maintained with its equipment, personnel, areas

and buildings, saints and cults… It had cultivated continued relations with Portugal

and Macao, relations which persisted after the invasion. It also had a proper

discourse and language, marked by a sense of mission and pastoralism, which set

it apart from the Indonesian colonizing projects. A language that, apart from

Portuguese, continuously promoted Tetum as lingua franca and liturgical instrument.

From Nationalism to Nation?

Timorese nationalism is a process. It combines different contributions, from

the parties to the freedom fighters, from the Church to the local communities,

from the Diaspora to the discourses of the different solidarities, which many

times came to configure pluralist history and culture into simple identifying

ideas such as these reductive oppositions between Timorese Catholicism and

Indonesian «Islam» or the radical cultural identity of East-Timor confronted with

the cultures and populations of Eastern Indonesia marked by the same

anthropological structures and cultural productions. In these considerations, the

idea of nationalism prevails as an essence and not a process. What happens in

East-Timor is a long process of production of identifying structures. A process

that also includes the contribution of Portuguese colonization, which introduced

the currency or the fortress, the language and new religions that aided the

configuration of the local elite and thought. It is also a contribution of the things

which Portuguese colonization persecuted and repressed: political and partisan

parties, movements and organisations. The production of national identifying

structures also involves the resistance, the Diaspora, the regional and international

insertion of East-Timor, and is at the same time a political, social, cultural and

symbolic process. Symbols like the term East-Timor or, for example, the

personification of the political situation in the figure of Xanana Gusmão, concur

to create important, general, identifying ideals. At the same time, the recent

41colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

elections for the Constituent Assembly help us to understand the time and mode

in which long-term anthropological and sociological structures are associated

with the more «recent» nationalist resistance: more than programmes, progressive

economic or social ideas, it was the memory of the resistance and its figures and

combatants which guaranteed the expressive majority of votes obtained by the

Fretilin and the other two parties linked with the resistance, the ASDT (Associação

Social Democrata de Timor) and PD (Partido Democrático).

Relating again the present with the independentist movement of 1975,

poorly studied and less well understood19, we discover general and diffuse

nationalism, popular in nature and which mobilises the poor in the fields and the

cities, assuming an almost sacred dimension of liberation. Perhaps, for this

reason, even the leaders of the left-wing independentist parties continue to

assiduously attend local churches and their associations and confraternities, in

the same way as many, even those recently returned from long exile, are in many

cases obliged to marry again, complying with the barlakis and alliances that the

local communities and traditional families, normally extensive and communitarian,

demand be celebrated. Dysfunctions between modernity and tradition, field and

city or between a dominant rural economy and the invasion of a strange

«globalisation» brought by the thousands of United Nations and NGO officials,

are already contradictory social and cultural phenomena absolutely present in

Timorese society. For now, an idea of liberation, independence and national

construction attracts immense expectations and unites almost all political parties,

religious and civilian institutions. This unity is not, however, eternal and will be

fragmented when confronted with the enormous challenges of the reconstruction

of a devastated, extremely poor country, in which the abundance of resources,

from the oil of the Timor Sea to the agricultural generosity of the soils, do not

conveniently feed the populations, eradicate disease and organise a society.

Sanctified, almost blessed, Timorese society is increasingly more plural, in all

senses, from the sociological to the political, in spite of this temporary unity

dictated by a common resistance and a dominant desire for independence.

19 L. F. Ferreira TOMAS, O problema político de Timor, Braga, Editora Pax, 1975.

42 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

It is more difficult to discuss the problem of Timorese nationalism without

considering this process of resistance20, in which different factors intersect,

stretching from the representation of Portuguese colonialism to the armed

resistance, the incorporation of new political ideas and the generalised attachment

felt by rural populations in relation to the old forms of social ancestral structures

and of patriarchal power. In the strictest sense, it should be noted that the

difficulty is fundamentally ours, used as we are to associating the idea of

nationalism to a very European construction of nation-states, a consequence of

evident national ideals. This is not the moment to discuss the fragmentation of

these linear ideas in the very heart of Europe, but it is worth noting and

accepting that national constructions are essentially processes which mobilise

the most diverse weapons available, from the symbolic to the political, including

processes of resistance. The latter’s prolonged reproduction generates modalities

of active and aggregative nationalisms around crucial elements for the

construction of a nation: proper cultural identity (religious, traditional,

communitarian…) and national political mobilisation around a representation of

the idea of an Independent State, like the churches or guerrilla movements, the

highly disseminated confraternities of the «Sacred Family» or the generalised

belief in the charismatic paternal power of the great figures of the resistance,

alive or dead, which can liberate, shelter and feed a population seeking to edify

an independent national political community. It was precisely because of this

that Indonesian political dominion, quite apart from its illegal character invoked

in the international forums, was not able to integrate this community into

another complex national space, with different symbolic and political values.

It was also not able to multiply the security, shelter and economic satisfaction

with which the representation of a nation is transformed into a national State.

But a fundamental challenge persists: to know how to elevate a national identity

that preserves and promotes cultural diversity, assuming clearly that diversity, is

a factor of identity and national dignity.

20 P. CAREY & G. CARTER-BENTLEY, East Timor and the Crossroads: the Forging of a Nation,

London, Cassel, 1995.

43colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

«O homem sonha e a obra nasce». Parece agora incontornável reconhecer que

estes versos de Fernando Pessoa, recorrentemente convocados para celebrar

esse mítico «período de ouro» da história de Portugal que se continua a titular

«descobrimentos e expansão portuguesa», não se aplicam em definitivo ao

trabalho complicado da investigação das ciências sociais que incluem Timor-

-Leste nos seus horizontes de estudo. Talvez os versos possam funcionar ad

contrario, destacando uma obra que nasce e se concretiza muito longe do que se

projectara, entre generosidade científica e ingenuidade política. Quando pensa-

mos este dossier dedicado a Timor-Leste, sonhou-se excessivamente em criar

obra nova, concorrendo para debuxar uma nova maneira de mobilizar a investi-

gação em ciências sociais acerca do Timor oriental: associando estreitamente

investigações de vários cientistas europeus – portugueses, franceses, britânicos...

– às ainda mais novas investigações da muito jovem actividade científica desses

colegas timorenses que procuram, entre escolhos mil e incompreensões muitas,

erguer Universidades e instituições de investigação científica. Não foi o que se

deu. Muitos pedidos foram feitos. Promessas oferecidas. Prazos sucessivamente

incumpridos. Os títulos eram mais do que prometedores, os temas excitantes e

as problemáticas ofereciam-se com a renovada frescura desse anin hirin que

quase nos salva dos calores abrasadores das terras baixas de Timor. Este vento

refrescante misturado com uma suavíssima neblina não se verteu ainda em

páginas de investigação escritas e publicadas pelos jovens investigadores

timorenses, mas preferiu rumar – e bem –, misturada e intensamente, em direc-

ção ao processo de transição política, invadindo comícios, sessões de esclareci-

mento, discussões, votações. Alguns dos timorenses prometidamente convida-

dos a escrever para este «dossier» são agora deputados, um ou outro é mesmo

Timor dos Malai Sira?Ivo Carneiro de Sousa*

* Centro português de Estudos do Sudeste Asiático (Cepesa, Lisboa). O artigo foi publicado na

Lusotopie 2001: 135-140.

44 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

ministro. Fizeram mais do que bem... Ganharam em participação cívica, empe-

nho político e participação democrática. Ganharam o direito a escolher e a

polemizar. Talvez este dossier sonhado entre amizades e exaltações perseguindo

a formidável voragem da transição política timorense tenha ficado menos rico,

mas não paradoxalmente mais pobre atendendo não apenas ao interesse dos

estudos e problemas publicados, como também às muitas discussões propostas.

Certamente, estes problemas e discussões publicados permitirão avisar precisa-

mente a crítica dessa jovem investigação científica timorense que, redescobrindo

o gosto inebriante de uma política «nova», procura também renovar as ciências

sociais que estudam essa metade de uma ilha que decidiu tornar-se definitiva-

mente independente...

«Estrangeiros eles»?

Malai sira – «estrangeiros eles» (literalmente), dirão provavelmente alguns

desses investigadores timorenses quando lerem estes artigos com essa descon-

fiada sabedoria de quem ouviu muitas promessas, participou em centenas de

«anteprojectos» disto e daquilo, acolhendo nestes últimos dois anos tantos

milhares de forasteiros balançando entre uma quase ingénua solidariedade

fraterna e o sentido de oportunidade em concretizar um negócio tão rápido

como lucrativo, dos cafés só frequentados por estrangeiros aos sacos de cimento

que custam duas e três vezes o seu preço em qualquer hipermercado de França.

De facto, para quem visita Timor-Leste agora as perplexidades são imensas e os

sonhos mil. As obras escassas. Um país de indiscutível rara beleza, misturando

das mais belas praias do mundo com verdadeiras estâncias de altitude desafian-

do os trechos mais espectaculares dos postais e calendários alpinos, cruza-se

com um mundo em que se escasseiam as oportunidades, os empregos, sobrando

a miséria. A desorganização administrativa é enorme, a confusão social intensa.

E, no entanto, os timorenses sabem maioritariamente ao que vão: votaram

esmagadoramente pela independência contra essa especial integração ofereci-

da pelo ex-Presidente Habibe da Indonésia em Agosto de 1999 e, apesar da

45colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

destruição inimaginável que queimou milhares de casas e ceifou muitas vidas,

votaram hoje de forma inequívoca pelo partido que representa a libertação e a

independência, a Fretilin, distribuindo ainda os votos restantes por outros pe-

quenos partidos em que se descobria a resistência estudantil da última década

ou mesmo vetustas figuras ligadas a essa independência gritada em 28 de

Novembro de 1975, na altura pouco reconhecida, mas agora definitivamente

retomada. Espanta, de forma quase incompreensível aos nossos olhos de obser-

vadores e investigadores quase sempre distantes, a força enormíssima dos luga-

res de memória de 1975. Não se repetiu qualquer tipo de guerra civil ou de

afrontamentos violentos intrapartidários, pelo contrário, as eleições para a

Assembleia Constituinte foram exemplares em participação, transparência e

tranquilidade. Mas espanta, de facto, muito mais o apego genuinamente popular

que se cultiva em direcção aos grandes heróis da resistência timorense: Nicolau

Lobato, Alex, Konis Santana... São lugares da memória tão importantes e venera-

dos nos pequenos e grandes espaços sociais de Timor como essas irritantes

estátuas portuguesas «d’aquém e d’além mar», celebrando sempre os mesmos

navegadores e descobridores que chegaram mais rápido do que outros euro-

peus a culturas e sociedades de milenares civilizações. Estas figuras transmutaram-

-se em estátuas verdadeiramente vivas e encheram comícios, sendo quase obri-

gatório em muitas aldeias e cidades receber festivamente alguns dos familiares

militantes destes resistentes caídos entre 1978 e 1998. E uma veneração cerzida

certamente por motivos políticos e nacionais, mas quase nos interrogamos se ela

não conseguiu de forma extraordinária transferir os velhos rituais sociais cele-

brando os poderes carismáticos desses antepassados fundadores das grandes

linhagens dos territórios sociais de Timor oriental, consagrados nesses ai tos em

pedra e madeira de pau ferro que marcavam montes e florestas, sacralizando

territórios e especializando tabus de demorada importância na hierarquização

social tradicional. Chega-nos à memória o peso enormíssimo da ancestralidade

e do patriarcalismo, quase apetecendo partir à descoberta da oposição a estas

simbolizações distintivas no processo de aparecimento de alguns partidos jo-

vens, como, por exemplo, esse interessante Partido Democrático que, reunindo

parte da antiga resistência estudantil agora vazada em boa parte dos professores

46 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

e da intelligentsia de Díli, conseguiu fundar-se nos finais de Junho para chegar

em Agosto ao segundo lugar das eleições, garantindo a eleição de sete deputa-

dos. Muito longe, porém, dos 57% da Fretilin valendo 55 deputados, todas as

vitórias distritais e algumas mais do que expressivas votações acima dos 80%,

como ocorreu no populoso distrito de Baucau, de onde agora saem camionetas

carregadas de arroz que já não se consegue vender aos restaurantes e

armazenistas de Díli, definitivamente integrados e obrigados às redes do comér-

cio internacional.

Bahasa e koronsongs

Se, no demorado e angustiante processo de compilar este dossier, resta

apenas um artigo de uma timorense, lido e discutido num seminário sobre

«Nation-building in East Timor», organizado em Junho, em Lisboa, pelo Centro

Português de Estudos do Sudeste Asiático e pela School of Oriental and African

Studies, não se adjectivem os trabalhos restantes apenas com esse desconfiado

malai sira. Quase todos os investigadores que assinam estes artigos reúnem uma

demorada e, tantas vezes, incompreendida experiência para pensar de forma

científica e independente o processo timorense, sendo também vários os que

mantém investigação no território, mais intermitente do que continuada, haja

em vista as dificuldades em convocar apoios e financiamentos que parece terem-

-se esgotado em ajudas de emergência indiscutivelmente importantes, mas

percebendo muito mal a urgente necessidade de se estudar rigorosamente um

território quase completamente desprovido dos indicadores sociais mínimos.

Que são, quando existem, dramáticos. Nas estruturas da mortalidade, elevadíssima

na sua componente neonatal e infantil, nas estatísticas das doenças e

morbilidades, nos parcos indicadores económicos ou na mancha numérica da

pobreza que abrange a esmagadora maioria da população. Contudo, apesar

desta pobreza que se apercebe em todo o lado, somos constantemente desa-

fiados a encontrar pedaços do Timor oriental que funcionam bem, como nesses

espaços em que a economia rural continua a produzir arroz com abundância,

47colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

recupera a produção do café e alimenta muitos bazares, como esse enorme

mercado de Díli onde é possível encontrar tudo, desde as hortaliças mais viçosas

aos «estimulantes» à base de noz de areca, passando pelo último grito em

matéria de altíssima fidelidade ou o último êxito dos grandes cantores populares

indonésios. Espanta esta economia local que continua a alimentar-se esmagado-

ramente de produtos manufacturados indonésios, funciona em rupias e, muitas

vezes, se fala no bahasa do país vizinho. Antigo ocupante? Odiado? O elemento

económico, social e cultural indonésio está presente por todo o lado. O indonésio

é falado por uma imensa maioria, como o tetum, aliás, alimentando as canções e

enchendo as cassetes e «compactos» dos novos rocks e koronsongs que se ouvem

nas muitas centenas de «táxis» e camionetas que asseguram com enorme rapi-

dez e eficiência um transporte público que se paga quase sempre com uma nota

de mil rupias. Este panorama social, económico e cultural talvez ajude a perceber

a necessidade de contrabalançar esta «dominação» através da agitação de sím-

bolos e lugares da memória claros, radicais na sua resistência e intransigentes

nos seus princípios de independência, agora, finalmente, já!

Frágil Portugal

Em contraste, admira a frágil presença de influências culturais portuguesas

duradouras. É verdade que a «verdadeira» colonização do Timor oriental é tardia,

posterior apenas às guerras de pacificação de Manufhai, em 1913-14. A colónia

era mais para exilar excitados e revoltosos, metropolitanos e africanos, do que

para desenvolver, pese embora alguns tímidos esforços a partir da década de

1960. É verdade que nos «novos» mapas australianos de Díli, raros e caros,

continua a surgir uma generosa toponímia portuguesa, incluindo essa Avenida

Salazar, marginal como convém, mal iluminada também, mas espaço de passeio

para muitos pares de namorados, sobretudo internacionais, com pouco tempo

para observar tão perto e tão longe a ilha de Ataúro, parte pequena do Timor

oriental que Pulo Cambing (ilha das cabras) se chama, ali mesmo em frente a baía

de Díli. Os resquícios de um passado nem especialmente interessante nem muito

48 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

menos «glorioso», aquilo que se designa (mal) por presença portuguesa é tão

residual como os cerca de 5% de timorenses que declararam «falar português»,

pessoas geralmente idosas, ex-funcionários coloniais e alguns (poucos) regressa-

dos da pequena «diáspora» portuguesa. Mais irritantemente ainda, existe uma

certa forma de pensar a cooperação portuguesa que domina alguns sectores dos

decisores políticos e académicos que navega águas tão estranhas como difíceis

de renovar. De facto, a partir da historiografia portuguesa dominante foi-se

erguendo a ideia de uma idade de ouro da História de Portugal que, apertada

entre o infante Navegador e as primeiras décadas do reinado de D. João III, teria

concretizado a especialização do «Ser» ou da «Alma» Portuguesa. Amarrada a

estes essencialismos, edificou-se a tópica de uma gesta premonitória que teria

dado «novo mundo ao mundo», avisando não apenas os caminhos da identidade

nacional portuguesa, mas também formas singulares de construir um império

que se pensava eternamente civilizador e mesmo redentor da ocidentalidade

católica. Estas ideias não abandonaram ainda hoje o fazer história da colonização

e do colonialismo (uma noção quase «maldita»...) portugueses, tanto em termos

gerais, como na sua expressão timorense. Os poucos títulos actualmente dispo-

níveis para esta parte oriental do mundo perseguem através da parcialidade das

fontes oficiais portuguesas as evidências ou «provas» daqueles essencialismos

indiscutidos, ignorando outras sociedades, outras culturas e a dimensão rigorosa

da expressão social e cultural da presença colonial portuguesa. No domínio do

Sudeste Asiático, a situação é ainda mais limitada, já que o peso das construções

ideológicas mescla-se com uma ignorância dos tempos e espaços das culturas

que organizaram longamente as sociedades locais, resistindo até aos inícios do

século XX às violentas ofensivas do colonialismo europeu, holandês pela Indonésia

e português na pequena parte leste de Timor. As limitações adensaram-se ainda

com a forma como a questão política timorense foi sendo representada em

Portugal nos últimos anos, especialmente entre 1996 e 1999.

Discurso político e informação mediática ergueram uma atraente dicotomia

em que a uma espécie de santificação dos timorenses se contrapunha uma

demonização de uma Indonésia largamente ignorada pela investigação científi-

ca portuguesa, dialéctica que ressuscitou em certos sectores políticos e intelec-

49colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

tuais, entre a catarse do colonialismo português e uma sincera solidariedade

para com o sofrimento do povo timorense, antigas ideias orbitando em torno da

especificidade da expansão colonial portuguesa, quase inacessível a uma inves-

tigação afastada dessas raízes singulares da identidade nacional forjada precisa-

mente nessa época de ouro dos «descobrimentos» e «expansão» portugueses...

A partir daqui, para alguns destes sectores que continuam a influenciar parte das

ciências sociais portuguesas, as nossas relações actuais com o mundo não-

-europeu teriam de obrigatoriamente convocar essa antiga pauta de leitura

generosamente criada por essa peculiar forma portuguesa de estar no mundo

que, mesmo depois dos processos de independência e edificação nacional,

continuaria a ser desejada no «íntimo» pelas populações e territórios colonizados

por Portugal que, da África a Timor, estariam irremediavelmente dominados pela

crise, pela fome e pela doença, o que não teria certamente acontecido se, dizem,

a descolonização tivesse sido diferente. Mas como?

Existe, pelo contrário, em muitos sectores da vida política e social de Timor-

-Leste uma evidente mitificação de Portugal, paralela, significativamente, à

mitificação que se foi destacando para ficar na sociedade portuguesa de hoje

acerca de Timor e da sua gente. Para muitos timorenses, Portugal é uma espécie

de longínquo salvador que irá sempre ajudar e proteger o velho crocodilo agora

independente, mas sempre pobre. Curiosamente, em vários meios populares e

em aldeias rurais esta ideia reproduz-se, mas muitas destas pessoas não sabem

sequer onde fica Portugal. Alguns, mais velhos, recordando talvez alguma lon-

gínqua aula de mestre-escola da «primária», ainda arriscam dizer que Portugal

parece que fica na África, à beira de Angola e Moçambique, havendo também

outros que asseguram estar Portugal firmemente integrado na Ásia. Finalmente,

alguém nos esclareceu definitivamente: Portugal fica no céu! Será isto um mito

ou uma «sina»?

50 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

51colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

1.

I want to begin with some rather trivial, and a few fairly general, remarks.

East Timor is a region which is geographically not too difficult to delimit.

Nevertheless it includes as an integral part of its territory a problematic (because

not immediately adjacent) piece of territory, an enclave, and a few islands, one of

them substantial in size. It is also a sort of ethnolinguistic cauldron, made up of

many different groups in various overlays. But it is unfortunately not quite a

melting pot. Moreover, East Timorese coastal and inland areas differ greatly one

from the other, both ecologically and sociologically, as do its urban centres and

rural regions. Politically and economically, the country is also far from

homogeneous. And this is not simply reducible to a slight regional matter of

differential development. The gap separating the elites and the general

population, in either political, economic, educational or in generic terms of

cultural orientation, is abyssal. Socially, all sorts of criss-crossing divisions and

loyalties, internal and external, cut right across any purported unity we may try

to portray as encompassing the whole.

A complex panorama, indeed. And one which, as a framework, is not really

conducive to obvious solutions, and most certainly not for the easy buildup of

clear-cut feelings of nationalism or national identity, which are the stated and

understandable desires of East Timorese political leaders. This should make us

pause, make us carefully ponder. Facile assumptions entail heavy risks in such

multilevel and multicentered situations.

Wanders and Wonders: Musing over Nationalism andIdentity in the State of East TimorArmando Marques Guedes*

* Faculty of Law, Universidade Nova de Lisboa. O artigo foi primeiro publicado no livro

Nationbuilding in East Timor: 1-20, Pearson Peacekeeping Center, Canadian Peackeeping.

52 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

A plain fact may serve as an opening – the certitude that Timor Loro Sa’e is

soon to be independent. This may appear to be nothing but a simple, linear and

rather non-problematic assertion, in all but the concrete materialisation of this

independence to come. The change in the status of East Timor is a political and

a historical event. It is most definitely something we can (and indeed we should)

celebrate. It can be cast as a victory for Portuguese diplomacy (which needs one

badly), or even perhaps as a step towards an international system more concerned

with people, justice and human rights, and less tied to cold correlations of

strength between States tout court. After such a long time, so much suffering and

so many grievances, the independence of Timor will come, perhaps above all, as

an enormous source of relief to the East Timorese peoples themselves.

But will it really? Or rather, is that great relief going to last for very long? Will

it survive anxiety, to keep up the psychological imagery? This is unfortunately

where one of the very fundamental problems which forms the core of our

concern in this Conference panel actually starts. Allow me to be very blunt, as I

believe wishy-washiness would be silly and wishful thinking grossly irresponsible

at this stage in the formation of a new nation-State. By no means do I want to be

too pessimistic but the all too understandable relief many East Timorese felt last

year will very possibly1 be rather short-lived.

The reasons for my hesitation are numerous and quite straightforward, so I

will just go through some of them. The leaders who were abroad and for so many

years shone so brightly in international political fora, those very spokesmen who

were for the last couple of years at least so promptly received by world government

leaders, and whose words carried such weight and had such impact with much

of the international media, will as surely as rapidly lose much of the protagonism

they had. They will fade into oblivion, or so they shall feel. The unease will spread

across generations. Many of the children of the various Timorese elites, students

with scholarships in Indonesia or Portugal, will see their situation worsen. Others,

without such family connections but who stayed behind and suffered the brunt

of the occupation, will have their highly raised expectations severely frustrated,

1 As very perceptively Lurdes Carneiro de Sousa made me notice.

53colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

and will likely try to vent their understandable grievances right, left and centre.

Some (perhaps many) of the rank and file members of the militias, although very

probably not their thuggish leaders, will return home only to find themselves

with a non too enviable status. Church workers and guerrilla fighters are

predictably preparing to step forward and claim what they think is their due, and

there is not going to be much that can, or may, be shared around. And it is not

too difficult to foresee that increasingly hard times lie ahead in the next few

years. Once the contingents of international workers of all types (doctors and

nurses, engineers, technicians, geologists, architects, accountants, economists,

agronomists, and what have you), who have been one of the principal (albeit

separate and artificial) sources of income to the local economy depart, the

population at large will have to face up to a crisis of potentially dramatic

proportions. A crisis against which it most probably can not count on any

Indonesian support. Hardships lining up on the horizon are not merely economic

and political. It is unity itself which will be at risk. I shall come back to these

essential points later.

The material difficulties (by this I mean the political, economic and military

ones) to be faced to achieve such a change in status seamlessly will certainly be

numerous and there is really no point in burdening the reader any further with

their tedious enumeration. Let us be content with remarking that the general

questions such material constraints raise are very á la page in media and in

international circles. But they largely exceed the strictly ethnolinguistic and

political-military sovereignty terms into which they have tended to be cast2.

2 The first type have formed the hard core of political disputes with Indonesians.

Conceptualisations of Timor Loro Sa’e as a kind of “regional anomaly”, as an entity with distinctive

peculiarities so visibly marked that its pure and simple integration into the region is not very

convincing, are ones which already underlie the representations of it construed by the large majority

of the Timorese (the popular consultation carried out under the aegis of the United Nations can

profitably be regarded as a statistical-sociological gathering of data as to that question) as they do

those of the Indonesians, and even the international community itself (perhaps in this last case for

mere pragmatic reasons, for coldly calculated motives). The second type, the political-military and

economic difficulties, have received a great deal of academic as well as political attention.

54 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Elsewhere3, I have attempted to face some of the notional issues this entails

and their implications. In the present communication, my hope is to go a little

further. I would like to equate matters concerning some of the foreseeable

difficulties which, to my mind, are inextricably involved in thinking about the

construction of a stable, well founded, and productive “national identity” for the

coming State of Timor Loro Sa’e. The concern here will be with the identification

of some of the predictable obstacles which will be faced by efforts to achieve the

desirable construction of a national unity and identity in the coming country. More

modestly, I shall attempt to begin to home in on some of them.

One of my ex-students produced a fascinating study in 1996 on the image

of an independent Timor (then a distant utopian dream) entertained by newly

arrived Timorese refugees temporarily settled on the outskirts of Lisbon. He

found out that for many of them, mostly influential older adults, the “imagined

Timorese community” was closely patterned on Catholic Salesian notions of ideal

Christian communities; which is not really very surprising if we consider the

educational background of these people. I also talked to many Timorese “angry

young intellectuals”, many of them old personal friends, for whom the imagined

Timor resembled rather idealised early Soviet revolutionary communes, or perhaps

Cuban local neighbourhood networks. For many others, the dream is of a return

to a mythical past, a kind of Messianic hope or, as Michael Ignatieff would

probably call it, a curious “nationalist cargo cult”. Not a few profess a belief in the

rapid installation in Timor Loro Sa’e of a fully sovereign Western-style parliamentary

democracy, complete with checks and balances and a strict division of powers,

of course; a written constitution is actually being produced in Lisbon for that

purpose. And we can only surmise what the nationalist expectations are of an

upland Mambai who claims Ki Sa as his founding ancestor and who maintains a

deep devotion to a revered and very sacred ancient Portuguese flag4, lovingly

kept as part of his inherited ritual paraphernalia.

3 Armando Marques Guedes (2001), “Thinking East Timor, Indonesia, and Southeast Asia”, neste

mesmo volume.4 See Elizabeth Traube (1986): 51-66. Mostly.

55colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

I could go on endlessly. The point is that we would be hard put to find any

substantive agreement on what is a crucial matter as far as nation-building is

concerned. To my mind, those who think this irrelevant should think again. It is

difficult to over-stress the centrality of such disparate views of an imagined

national East Timorese identity. The task ahead for the new East Timor State is

cyclopic.

The papers that follow in this panel touch upon important subsets (or so I

envisage them) of this wider and more inclusive topic. I hope what is aired here

will serve as an introduction to the various themes we shall look into. In what I

will say, however, I am not going to be very ambitious. The purpose is strictly

academic. My intent is to be more indicative than anything else as to what I deem

to be the most important areas for scientific analyses of nationalism and identity

in the contemporary situation in which East Timor finds itself. The main focus

shall rest on mapping some of the difficulties I predict might be faced by the

upcoming East Timorese State in terms of identity, nationalism and their “liquid

joint product”, national identity. At the very least, I would like to sound an alert

against facile answers and dismissals.

Very briefly, I shall try to do this in three short successive steps. First, an

attempt is carried out to establish an operational delimitation of the subject of

Timorese identity. I shall then, as a second step, look briefly into the role of the

State in the construction and stabilisation of identities. Thirdly, I will touch upon

the links between war, violence, identities and the State, again in general and

merely indicative terms. These three steps, or so I trust, will allow me to draw a

useful roadmap for what I believe would be a handful of eventually interesting

case studies. I will therefore conclude with a list of the few modest suggestions

for future research that I shall be presenting as we go along.

2.

“Identity” is by no means a new concept. But in order to try to understand

either the plight of East Timor, or that of similar cases, notions like those of

56 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

“ethnicity” or “nationalism” have tended to be preferred time and again.

Indonesians, “integrationists”, “national” political leaders, and even the Portuguese,

have latched on to these terms. I do not want, by any means, to devalue them,

or their analytical usefulness. I am nevertheless of the opinion that the bewildering

variety of data, with regard to unity and diversity, the complex relations between

change and continuity, and the need to incorporate into our analyses such

stridently obvious empirical facts as local ambiguities, ambivalences and

contestations of sociopolitical meanings, makes it useful to use a somewhat

more inclusive concept such as that of identity (and its Statist version, national

identity) in our understanding of the East Timorese case. So I shall begin with a

few comments about these notions, and about the type of use to which I think

they can be put.

For what it is worth, I will follow Richard Jenkins5 fairly closely in his sociological

pinpointing of identity as a set of “relatively fixed and stable”, and therefore

“primary”, links between an individual and a particular category, or grouping, of

people. Jenkins lists among such links, which constitute what he called “primary

identities”, ties like those of gender, kinship and ethnic affiliation, My use of such

items of his model stems purely out of descriptive convenience. I nevertheless

want to stress at the very outset that I staunchly defend what students of ethnicity

and nationalism have called a “constructivist” position. I do not believe we should

look at those links as “natural”: they are sociocultural constructions.

In my opinion, identity always implies a perceived similarity, or level of

sameness, not a natural, or real, one (whatever that might mean). Identities are

always construed, fabricated. They are artefacts. And precisely because it is

socially and culturally construed, an identity may (and often does) vary greatly

over time, rather than being in any way fixed or immutable, as “primordialists”

would have it. Also, with most constructivists, I partake of an instrumentalist

streak. And so I believe there is always a pragmatic layer of motives for the

sociocultural identity constructions people carry out. It is easy to acknowledge

that the East Timorese situation anyway makes one lean strongly into that kind

5 Richard Jenkins (1996).

57colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

of general theoretical direction. As the Indonesians quickly found out,

primordialists have had (and still have) a hard time in East Timor.

Moreover, like many anthropologists, I share the mid-seventies Claude Lévi-

-Strauss’ conviction that it is preferable to deal with political-ethnical identifications

and “ethnic identity” as subsets6 of the more general study of politics and

ideology. So I always prefer to do that, rather than treat ethnicity (as in the

common Anglo-Saxon tradition) as a separate field of study. My reason for this is

simple: as has sometimes been stressed, the focus on ethnicity tends to hide

from view other important mechanisms for social affiliation and cultural

identification. This is so, quite obviously, in East Timor, notwithstanding traditional

colonial practice that tended to see the territory as a patchwork of discrete

ethnolinguistic groups with clearly distinct boundaries In this, Portuguese

colonialism, as indeed all other subsequent colonial administrations, often tended

to reproduce (and, as we shall see, help create) local reified representations

which gave almost exclusive attention to a mythical “primordial ethnic belonging”

that so many nationalist discourses have since then made their own. This has

certainly been a convenient “logistical” naturalisation; one that it was often

politically expedient to hold onto, irrespective of its lack of fit with empirical

sociological reality. But no more than that

Conversely, a focus on a more inclusive notion, like that of identity, allows us

to carry out a much more realistic assessment of both the chosen “ties that bind”

and the “us-them” distinctions actually used by people on the ground. At the

level of group identity, it appears useful to view ethnicity as merely one of the

various variable, changing, contestable and contested, principles of group

formation in operation, as is often the case in East Timor. This has obvious

6 Renato Rosaldo (1975) offered us an extraordinary analysis of the political and ideological

complexities of identity construction in a fairly typical (from that point of view, at least) Southeast

Asian group. When writing about the coordinates for a definition of “social identities” among Ilongot

headhunters in the Philippines, showing their “tactical” shifts in local and regional bertan affiliation

claims during dangerous encounters, Rosaldo also gave us an early ethnographic set of examples of

the pragmatic uses of such a political and ideological embeddedness of identity representation

systems.

58 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

implications as to the unity we then presume to exist in processes of identification.

For, of course, at the level of individuals too, identity is also clearly only conceivable

as a multilayered construction, and a “negotiated” affair at that. In reality, every

person holds a variety of ties (gender, kin, religious, political, ethnic, etc.) at any

time, some local some less so7, and their nature and mix change over time (and

space) according to conjunctural factors of all sorts. In much the same way, every

grouping maintains multi-tiered connections of parallel kinds with other

groupings doing much the same. A moving multidimensional puzzle, surely

much to primordialists chagrin.

If, as we shall see, this is true the world over, it is particularly so in Southeast

Asia, as many ethnographic studies have shown in the last few years, and most

prominently in places, like East Timor, which are in the throes of subjection to

relational stresses and tensions. A wider analytical scope seems, therefore, clearly

preferable in such cases. It sticks closer to the facts. It unveils otherwise hidden

overlaps and incongruencies. It allows us to discern its ever-changing nature.

To repeat in other words what was said earlier: too close a focus on ethnicity

as a criterion hides from view many of the political minutiae, as well as many of

the complexities of intra-group and of inter-group relations. In order to be able

to fully bring out these essential dimensions of (for instance) group conflict, it is

crucial that we take into account, in any group and at any one moment in time,

other existing bonds of loyalty and other principles of assignment of social roles.

In a nutshell, the uncritical use of the typically colonial and nationalist rhetorical

concept of ethnicity makes us run the risk of selectively simplifying social

processes and of overly generalising things in particular loaded directions.

7 For an exquisitely detailed series of analyses of the interplay of such local and non-local

dimensions of affiliations and loyalties with a bearing on the definitions of identity in stressful

contemporary local attrition war situations, see Max Bart (2000) on rural Bosnia-Herzegovina. For an

intense depiction of local suffering in situations somewhat similar to those in East Timor, see Carolyn

Nordstrom (1995) on local violence carried out by both Government soldiers and guerrilla fighters

in rural Mozambique. These two studies (and many others by these two authors) are excellent case-

-studies which, mutatis mutandis, could serve as good guides for research on East Timor. For a more

dispersed first approach to such issues in East Timor, see George J. Aditjondro (2000).

59colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

To my mind, it is in such a wide political and ideological context that

nationalism and national identity must too be understood. Ethnicity is but one of

their constitutive axes. If looked at from that manifold perspective, interesting

symbolic connections come to the fore. Here is one: although it is largely a

modern phenomenon, tightly connected to the modern State, nationalist discourse

habitually draws on local and traditional images, values and pre-existent symbolic

constructions to induce feelings of belonging by a patent recourse to locally

recognised binding “natural” ties. In Southeast Asia, these tend to be linked to

family, kinship, houses, places of origin, or religion, to name just a few. The strong

emotions normally associated with nationalism are characteristically instilled by

means of widely shared abstract collective representations. Representations which

put their tonic on metaphorical “blood relationships”, “siblingship”, “a common

ancestry”, or similar religious ties and affiliations.

Not surprisingly, in East Timor the nation often seems to be conceived as a

“participation in a common house”8, in which “brothers” (or “siblings”, or people

linked by more diffuse ties of “companionship”, in a common Southeast Asia pattern

for the recognition of interpersonal relationships) dwell, and that in turn circumscribes

a “sacred unit” in terms of which nationalist identification processes9 are cast. This

8 I wouldn’t want to pass up the opportunity to recommend, in relation to this topic, José

Manuel Sobral’s very interesting 1999 paper, although it does not focus on Timor. Basic bibliographic

references for the widespread metaphorical use of an enlarged concept of house in Southeast Asia

include the collection of essays in (ed.) C. McDonald (1987), and that in (eds.) J. Carsten and S. Hugh-

-Jones (1995); both follow up on an original insight of C. Lévi-Strauss. E. Traube (1986), in her

monograph on the East Timorese Mambai, shows the applicability of such models for at least a few

of the Timorese groups. My impression that this might be of use in understanding nationalist

constructions is thus not wholly unfounded guesswork; without necessarily disagreeing with it, I

would nevertheless stand clear of hypotheses such as T. Gibson’s (1995) evolutionary speculations

on the progression of “house societies” into other “pre-capitalist” forms, as I think they could be

misleading (useful as they may be, methodologically) while actually adding little to our understanding

of the sociological processes under study.9 Maurice Bloch (1981), in his analyses of the complexities of the kinship system of the Merina

of Madagascar, was one of the first to bring out the centrality of the use of local concepts such as

that of havana (“consubstantial companion” is the gloss Bloch suggests for this Merina term) in State

nationalist rhetoric.

60 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

appears to be rooted in many local traditions, which focus on precisely that type of

metaphorical link. The potential of appropriations of such symbolic connections by

State nationalist rhetoric (and by political parties) in East Timor would be an

interesting field of study. Here is a suggestion for an area of future in-depth research

themes.

3.

We may now turn to what is perhaps a less obvious linkage, that between

identity and the State. The point is simple: my basic aim is to stress the decisive

role played by the State in the formation, the stability, and the transformations

of political and other identities. Again, of course, keeping Timor in mind

throughout the exercise.

To begin with a few markers. Ernest Gellner10, in his classical study of

nationalism, has detailed some of the most important macro-mechanisms modern

States put to work so as to “homogenise” what were often initially very disparate

groupings of people: mechanisms such as the standardisation of a language, the

spread of an education system, the creation of a self-contained economic space,

etc. In a bolder and much more conceptualist leap (and with a specific focus on

Southeast Asia, and there on Indonesian materials) Benedict Anderson11

underlined the role played by “maps, censuses, and museums” as particularly

powerful mechanisms constitutive of national identities, by respectively

circumscribing territories and populations, and by giving them a historical depth.

They were colonial administrative devices that eventually turned against

colonialism. They did so, ultimately, by making “the nation” thinkable to the

subject peoples.

But as Anderson also showed, States do far more than that. He gave us

profuse and minute details of how Southeast Asian colonial States, by means of

10 Ernest Gellner (1983).11 Benedict Anderson (1991)., in his superb Imagined Communities.

61colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

their administrative technologies (to indulge in a Foucaultian concept), invent

new categories of people, create new identities, and then make them stick

and appear as natural and timeless ones. And States certainly have the means

to get their messages across to people. By leading us to invest our concep-

tualisations and our interests into those ready-made, basic categories, States

effectively reify them, making them as if part of reality. They lead their social

construction.

An apt summary of Anderson’s well know discussion of such creative State

power is perhaps this: so as to control physical space and populations, the

rationality embedded in modern bureaucratic States inevitably leads them to

useful simplifications. And they must do so because, against the background of

social identities which, as we saw, are by their very nature multilayered and

multiplex, the bureaucratic rationality of modern States’ mechanisms of control

abhors ambiguities. And therefore it inexorably leads to simplifying reductions:

it is what Ben Anderson called the endemic propensity for strategies of

“bureaucratic trompe l’oeil”. This is a heavy burden which will lie on the

metaphorical shoulders of the future State of Timor Loro Sa’e, or of the elites

which will come to control its operation; for this is a power they will have at hand,

as it were.

The connection of this creative State capacity with identity construction is

particularly instructive for an interesting corollary follows from this model of the

decisive power of States over identities. This is that the greater and more

pervasive the State power and the reach of its administrative tentacles, the more

fixed the created identities tolerated in it normally appear to tend to be. History,

past and contemporary, illustrates that very profusely. Katherine Verdery12, in her

wonderful short study of State formation, spelled out such a causal linkage

between States and identities most clearly when she wrote, with European States

in mind, that “the kind of self-consistent person who “has” an “identity” is a

product of a specific historical process: the process of modern nation-state

formation” (op. cit.: 37).

12 Katherine Verdery (1994). One of various excellent works.

62 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

So, let us look again at the East Timorese case. In East Timor, such processes

of reduction13, were started with the Portuguese colonial presence and the

Portuguese colonial State administration (in practice rather incipient, although

carefully designed). They became far more intense in the much shorter (but far

“thicker”) period of Indonesian occupation, and they were extended during

the ongoing “Protectorate” interlude under the aegis of the United Nations’

administration. And they will likely continue, over the remains of the colonial

States that preceded it, right through independence.

My prediction is that the “bureaucratic reduction” will tend to increase. This,

of course, will have internal effects. And also external ones: for it could put East

Timor on a “collision course” with world forces of all kinds, as this type of

reduction is severely challenged by the winds of a globalisation at the very heart

of which the Timorese, wittingly or unwittingly, find themselves as they finally

and earnestly begin their own building of their own State. Cosmopolitanism

mixes uneasily with such reductionist national identities, as post-colonial situations

a bit everywhere have abundantly shown us in the last few years. The new East

Timor State will most likely be caught between a pressure for reduction and

another for contraction. And as we know in the European Union, “neo-medievalist”

(as Hedley Bull14 called the conundrum) balancing acts of “multilayered

citizenships” are something modern State rationalities find organisationally and

ideologically rather difficult to process.

4.

Another set of points which I think are worth stressing has to do with the

manifold complex links between violence (war-linked or otherwise) on the one

13 Apparently, although not much is known about that, not only “modern” States achieved that

sort of identity “crystallisation”. For an interesting set of hypotheses on the role of incipient local

State formation processes in stabilising and reducing social identities through their monopoly of

traditional headhunting rites in the Kapang area of Southwest Timor (in West, not East, Timor), see

Andrew McWilliam (1996).14 Hedley Bull (1977): 254-255.

63colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

hand, and nationalism, identity and the formation of a State on the other. This is

a focus I am pleased to underline only to the extent that it corresponds to the

expressed content of one of the panels in this Conference.

It is not a novelty to affirm that war has often been the motor behind nation-

-building. In fact, this is actually a statement which borders on triviality.

Unfortunately, East Timor is not alone here. Just think of other Portuguese

ex-colonies, like Angola, Mozambique, or Guiné-Bissau. Even for those with a

short memory, or suffering from a severe ignorance of historical facts, cases like

those of the three Baltic republics, or of Croatia, Bosnia-Herzegovina or,

notwithstanding cautious international comments to the contrary, possibly soon

Kosovo, are very recent reminders of what has been a pattern for a very long

time. Many “nation-States” were fashioned, lock, stock and barrel, quite literally,

by violence.

That is, of course, not very surprising. It is also certainly no novelty to notice

that in many contemporary cases this has been rendered all but inevitable by the

staunch opposition faced by peoples betting on “self-determination”, a resistance

usually of course led by the sovereign interests of some of the other existing

States, as well as by anxiety for stability of an international system which,

understandably, often feels threatened by anything that “rocks a boat” which is

not too stable to start with. Now, success is by no means guaranteed by such a

linkage, as is evidenced by the observation that this has even been so in the case

of many failed States which came out of the colonial period, as well as by the

many examples of peoples who never actually succeeded in achieving even a

temporary “quasi-sovereignty”. But History insistently shows us that violence is

often the chosen means for irredentism of all sorts. What is perhaps not too

evident are the mechanisms in terms of which this engine of violence produces its

effects.

The crux of the matter is that war and violence manifestly seem to do

far more than render new political realities on the ground viable against external

opposition. They are operational at much more than the empirical, factual,

internal level of acquiring and maintaining control over a stretch of territory,

expelling dominant bureaucratic “alien” elites, or even doing away with entire

64 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

unwanted populations. They also act locally. As Ger Duijzings (2000: 33)15 wrote

in reference to “the politics of identity” in contemporary Kosovo, violence “also

helps to deconstruct and disentangle the legacies of shared life and common

existence in the minds of victims and perpetrators alike”, which so often morally

taint “dissent” as something akin to disloyalty or betrayal. Mutual violence

allows people to reshape all that into morally more palatable reactions of mutual

rejection and destruction. It (paradoxically) functions as an “ethical operator” of

sorts.

That is something which, I believe, could usefully be applied too in the case

of East Timor. In this terrible way, by means of often horrendous atrocities,

systematic violent acts allow people to “establish unambiguous identities and

[new] undivided loyalties”. The mechanism can be seen as a structural one, at

least as far as its consequences go. It builds walls. It turns tables. It makes the

unthinkable, more than thinkable, a matter of obligatory moral redress, which in

turn plays on the typical nationalist rhetoric. In East Timor, as in Kosovo, “by

constructing solid and impenetrable boundaries, violence creates purity out of

impurity” (ibid.).

Again, nothing of what is being said is new. Frederik Barth’s justly celebrated

theses16 about “ethnicity” and “boundary maintenance” in New Guinean and

Norwegian ethnography are unavoidably what come to mind, as do surely

Stanley Tambiah´s examples in his vivid depictions17 of brutal acts in secessionist

movements in Sri Lanka and as does Mary Douglas’ model, in Purity and Danger,

of the “anomalous” status of “matter out of place”. But perhaps more interestingly,

15 In the fascinating recent Ger Duijzings (2000), Religion and the Politics of Identity in Kosovo.16 A sufficient introduction to this well-known theoretical framework of the Norwegian

anthropologist is summarized in Frederik Barth (1996, original 1969), “Ethnic groups and boundaries”,

published in (ed.) J. Hutchinson & A. Smith, Ethnicity: 69-74, Oxford University Press.17 Brilliantly expounded in two successive analytical (and also very richly descriptive)

monographs, S. J. Tambiah (1986), Sri Lanka: ethnic fratricide and the dismantling of democracy, and S.

J. Tambiah (1996), Leveling Crowds: ethnonationalist conflicts and collective violence in south Asia.

While the first of these is a sort of longish “policy paper”, the second is a much heavier theoretical

work on crowd violence.

65colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

this pervasiveness of political violence suggests that it functions as a sort of van

Gennepian rite de passage, a ritualised18, tripartite and phased transition. War and

violence effectively operate by dissolving (shatter might be a better word for it)

old group relations and extant boundaries, while simultaneously helping to

create new ones. They alter many of the social and cultural statuses people held.

And they do so by reducing the complexity and multidimensionality of previous

identities to just one, for example the sought after “national identity”.

Moreover, they lay the groundwork for new solidarities and innovative

ideological constructions, as much as for new deep-seated hatreds and all too

often irreversible personal and ideological reshufflings. They shatter a world but

build another. Characteristically, this jump from a “preliminary phase” into a

“postliminary” one, from one societas to another, is achieved by means of a

communitas, a sort of conceptual no-man’s land in which symbolic inversions of

all kinds prevail. Quite often this assumes the shape of a violent interim (let me

call it that), which, as in many liminal phases of initiation rites the world over, is

permeated by blood, pain, chaos and destruction, general suffering, sacrificial

acts of often nameless brutality and gore, even personal martyrdom.

The performative efficacy of these processes, their illocutionary force, if you

will, is often consciously recognised and ideologically processed, as it were, by

the social actors involved themselves. In nationalist discourse, for example (and

Clifford Geertz’s classic study19 on the 19th century Balinese Negara, in what is

now Indonesia, clearly brought that out), war, violence and brutality are quite

often especially prized as strongly positive forces. They are construed by the

social actors themselves as privileged means pragmatically and programmatically

used in order to regenerate and “purify”, or “clean”, the thereby created “nation”,

as Nazi images of “social hygiene” and Serbian or Croatian ones of “ethnic

cleansing” so graphically display as portraits of horror.

18 For a wonderful, if rather surrealistic, interpretation of the global spread of such a transitional

role for ritualised public violence involving profuse blood and gore in the globalising world of today,

see Arjun Appadurai (1996: 139-157), in a chapter suggestively entitled “Life after primordialism”.19 Clifford Geertz (1980), Negara: the theatre State in nineteenth-century Bali.

66 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

To return to our starting point of identity politics, it seems clear that such

processes of violence are also forces which act decisively on both individual and

group notions of identity. And at these two levels too, the study of detailed East

Timorese cases would surely be instructive. Instructive, moreover, both in relation

to the links between violence and identity reconstruction among victims, and in

terms of this same connection for perpetrators. As has often been noted, war and

violence not rarely lead vulnerable individuals and weak and insecure minority

groups to dissimulation and identity transformations and even more creative20

identity inventions.

This should come as no surprise, particularly in cases in which identity

categories are less “fixed” and were less subjected to administrative “simpli-

fications”, since these are obviously cases in which identities tend to be most

flexible. In other words, and rather bluntly: in situations of extreme insecurity

(when, say, people want to avoid being hurt, killed or deported) those who are,

or feel themselves to be, in more marginal, peripheral positions in relation to

dominant powers, tend to make their identities fluid and readily changeable. In

some cases, this entails more or less complex strategies of dissimulation, deceit

and plain lying. In most cases, simple mimicry, political, religious or ethnic, does

the trick. They keep dependent, non-dominant, people alive. The pertinence of

this type of analytical framework to unveil and comprehend many of the events

in East Timor is surely obvious.

In order to go a bit further into this topic, allow me to zoom in on a

somewhat greater detail, using a greater ethnographic resolution as it were. As

could be expected, more often than not it is those with the more flexible

identities, those who display a less unitary and more ambiguous identity, who

are most likely to go for such radical solutions. For example, groups which are

politically or numerically marginal in relation to dominant power structures, such

20 An exemplary case of this is that detailed by G. Duijzings (op. cit.: 132-157) in a chapter

entitled “The making of Egyptians in Kosovo”. The tale refers to the sudden claims of a (Muslim)

historical identity by some Gypsy groups under threatening pressures in Kosovo; such a rapid

identity construction was complete with collections of traditional songs, dances, a crypto-history,

etc. Through the local media, a new “ethnic group” was thus born.

67colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

as remote rural minorities, frontier ones, and poor or disempowered people.

Religious conversions, ethnic realignments, assimilation and integration, political-

-ideological alliance shifts, or simply lying low and voicing loyalty to dominant

groups, are common survival moves. East Timor, unfortunately, should provide a

good test ground for these general considerations. “Nominal alignment with

those in power”, as an already cited Dutchman, Ger Duijzings (op. cit.: 36) nicely

called it, is widespread, and rapid changes in political allegiances (at least

outward ones) are only to be expected in such situations of gross21 power

inequalities.

A few general comments follow in an attempt to weave together a few of

the strands I have tried to delineate. In East Timor, as elsewhere, the type of

chronic fluidity and identity “indetermination” I have repeatedly alluded to, will

most likely remain until political, military, economic and legal conditions of

security and stability are established. Then, and only then, can a “nationalist

reduction” (if that is what is desired) be realised, or at least started. And then it

will have to counter centrifugal “multilayered citizenship” forces induced by

cosmopolitanism associated with globalisation; always risking, of course, thereby

dialectically giving rise a sort of “cultural fundamentalist” backlash.

To look into such slow processes of reduction and “crystallisation”, to ascertain

causal mechanisms for both the extant flexibility and for its progressive erasure

(if that is indeed what will happen), are surely fascinating themes, urgently to be

looked into during the next few years. More than about just the East Timor case,

these could be revealing studies as to the geographically much ampler ongoing

political processes which self-determination and globalisation are increasingly

laying on our table.

21 In a wonderful study of a village in contemporary Malaysia, James C. Scott wrote an entire

monograph about local strategies of resistance and the attendant reformulations of identities in

precisely this type of situation.

68 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

5.

Retaking in a wider context what I initially underlined: it is in the enormous

Southeast Asian region, so diverse and multidimensional but at the same time so

unitary, that Timor can be found, itself not too cohesive an entity. A part of a

larger island, East Timor lies right at the extremity of the long Indonesian volcanic

arc, at the edge of its southernmost and easternmost corner where Southeast

Asia is confined by the great islands of New Guinea and Australia. Timor Loro Sa’e,

as a large section of its inhabitants nowadays seem to prefer to call it, is at one

and the same time an integral part of Southeast Asia yet distinguishable from it.

Paradoxically, it is, simultaneously, a zone with obvious affinities with the wider

and partially adjacent region made up by the east of the archipelago we

conventionally call Indonesian, and an entity clearly distinct from its neighbours.

The extant affinities are ethnolinguistic, sociocultural, historic, geographical-

-ecological. From many points of view, East Timor is portrayable as a piece of a

wider puzzle, say, an Indonesian one. But nothing hinders our picturing it as an

entity, the specifics of which could make it preferable, and even easier, to allow

for its association with other eventual sets. Its internal diversity compounds the

matter, which means that, ultimately, there are in effect many a priori ways of

creating a viable type of “national identity” for East Timor, as recent History has

painfully shown us22.

This should make my next point clear. After what was indicated in relation to

the ongoing processes of identity and nationalism formation in East Timor, I

22 As I had the opportunity of stating in detail elsewhere (Armando Marques Guedes , 2001, op.

cit.) none of this is particularly surprising, exceptional, or even difficult to understand. In a region

which exhibits the complexity of Southeast Asia (a complexity, as I underlined, induced as much by

external pressures as by internal forces), this type of distinction (or anomaly, as I named it) is far from

uncommon. Quite the opposite. There are other cases (the Philippines, Vietnam, or Burma, for

example), which for one reason or another, or by virtue of a combination of them, are in structurally

equivalent situations of relative eccentricity as pertains to the regional entities we may want to

constitute. Cases in which, therefore, other types of national identity could be invented. Timor is by

no means, at that level, anything but one of various examples in a set (Southeast Asia) which is rather

diffuse as a result of its relative lack of a linear notional cohesion.

69colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

cannot but ascertain with vehemence that to put forward those ambivalent

characteristics of the nature itself of the entity we call Timor Loro Sa’e is much more

than expressing an abstract scientific curiosity. And certainly more than enouncing

assertions with only a methodological reach. It is, so to speak, a practical question

of handling. In any case, it is definitely not my intention here to formulate any

obscure theoretical problems. But only to try to understand and to learn. My point

is simply to underline that, as far as Timor is concerned, there are structural

dimensions and characteristics of it as an entity which I deem to be crucial for us

to equate if we really want to understand much that has happened, much that will

certainly still happen, and surely a great deal of what the future has in store for us.

And, above all, if we intend to act wisely upon its destinies, this is where the

learning comes in. We should note, at any rate, that it has been precisely on the

basis laid within the framework of such an ambivalence that the regional and

political indissociability of East Timor has come to be advocated. It was precisely

that complexity which subtends the model and frame of the coordinates upon

which the assimilationist, putatively “anticolonial”, Indonesian theses have built

and elaborated. And it unfortunately still is. It was on that very “board” (and the

rules of the game which it defines, or at least circumscribes), that the notorious

“integrationist” pretexts of the militias were fabricated and that many drier

academic discourses have been construed23. The material effectiveness of those

other possible theses (their political reach, for instance) dispenses with any

comments.

Happily, and like all ambivalences, this one too has two sides, two faces. So,

for example, by virtue of the extant patent anomalies it exhibits, it has also always

23 For instance, the very interesting article by Arend de Roever (1998), “The partition of Timor:

an historical background”, in (ed.) Maria Johanna Schouten, A Ásia do Sudeste. História, cultura e

desenvolvimento: 45-56, Vega. Against a background of an assumed full sociocultural continuity

between East Timor and West Timor, de Roever deconstructs the (temporary) partition of Timor as

a conjunctural strategy of the Portuguese and the Dutch in the mid-19th century; both powers were

then betting on the very profitable control of the sandalwood commerce and on simultaneously

maintaining a level of peaceful coexistence between themselves. For an excellent historical (but also

political) introduction see Luís F. Thomaz (1975), O problema político de Timor, Pax, Braga.

70 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

been possible to argue with a great deal of elegance and all too often against the

current24, that it is only with a lot of taxonomic juggling that Timor could be

conceived as party to Indonesia. And that this was exactly the barrier which

effectively rendered its permanent annexation unimaginable to the Indonesians

themselves. It is easy to verify the extent to which this conceptualisation,

complementary as it is in relation to the earlier one, has also produced non-trivial

political (and other) outcomes. As quickly as they had emerged, any images of

loss, or “amputation”, resulting from the autonomy of East Timor submerged (or so

it seems) in Indonesian public opinion. I do not think the material inefficacy of

ideas which are not watertight requires great efforts at demonstration.

To come back to the issue of East Timor’s growing sense of national identity.

Much as is the case everywhere in relation to that wider set today conventionally

called Southeast Asia, the identity of East Timor can be generated25 by means of

two different types of a conceptual operation. In a descending order, we can try

to “discover” East Timor within the larger whole made up by Southeast Asia,

somehow finding it as one of its natural units. Or instead we can, in an ascending

order, “invent” East Timor by adding elements initially different from one another,

and then integrating them into a unified structure. These twin processes are,

ultimately, complementary. They are indissociably paired up; and, in all probability,

that is how they will stay for a very long time.

24 Benedict Anderson (2000), “Imagining East Timor”, Cepesa Working Papers 2: 1-9. A short and

brilliant article, in which Anderson fishes out, from various speeches and declarations of Indonesian

authorities and media, what he sees as a radical incapacity of the Indonesians themselves to

conceive of “East Timor” and “Indonesia” within a unified conceptual framework which could thereby

anchor nationalist representations which would be, from my point of view, in a stable equilibrium.

I would like to stress that to enounce conditions of thinkability (as I here attempt to do and as I

believe B. Anderson and K. N. Chaudhuri, from other perspectives, also did) by no means spells a

form of idealism. On the contrary, and since all human actions can be characterised as accompanied

and enformed by conceptual representations which are precisely what gives them meaning, I think

we are following a more realistic and efficacious strategy than if we ignored this dimension.25 See K. N. Chaudhuri, (1990), Asia before Europe. Economy and Civilisation of the Indian Ocean

from the rise of Islam to 1750, Cambridge University Press: 68, for a discussion of these two alternative

modes of construction of historical objects.

71colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

The first process (the descendent one, the one working inwards) need not

concern us here. As to the second process, it should be noticed that it is an

ongoing construction effort, moving outwards, and one that has been attempted

as a political project by many of the “Timorese” since long before the referendum.

It is a project which amounts to the sedimentation of a people (perhaps the so-

-called “Maubere people”26) from a background of many dispersed, and often

antagonistic, identities. And it is a process which also involves the naturalisation

of this “people”27 as the population of a territory, itself in the throes of a process

of reification as a sovereign State: “Timor Loro Sa’e”. In other words, as a process

it embodies a mechanism in which we try to achieve, in peace and in the internal

descending order, that which the Indonesians did not manage to do through

violence in the external ascending order28. I earlier tried to adduce some of the

conditions under which this second process, the “ascending” one, could be

usefully equated. Will the twin processes prove to be compatible with each

other? Or will they be at odds?

Again, these are political and ideological questions and issues. So I now

want to try to formulate some overall considerations, at once more inclusive and

more speculative. Anderson taught us that, in order to exist, a national community

must first be imagined. What I raised earlier bears obvious affinities to that. What

I think is now essentially at stake is to ascertain if, and how, the Timorese

themselves will be capable of imagining an effective and viable national identity

for that emergent community. Or if, on the contrary, and as has happened before,

26 For the evolution of this vocable and of its semantic field, see Fernando Sylvan (1995),

“Presente e futuro da palavra Maubere”, in (org.) Artur Marcos, Timor Timorense: 181-187, Colibri.27 For a detailed ethnographic and linguistic approach to this question, see Maria Olímpia

Lameiras-Campagnolo and Henri Campagnolo (1992), “Povos de Timor, povo de Timor: diversidade,

convergências”, Estudos Orientais 3: 259-266, Universidade Nova de Lisboa.28 An imminently political question. Benedict Anderson (2000), in a notable article on the

Timorese question in which he applied the theses earlier developed in his Imagined Communities,

faces up to precisely this point. According to Anderson, the main reason for the demise of the

Indonesian military project of annexation and integration of East Timor would be the outcome of the

Indonesian lack of capacity to conceive of Timor as an effective integral part of their country as they

imagine it.

72 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

many alternative ones will be invented and will carry people down the slippery

slope of having to fight for the realisation of their alternative dreams.

The stakes are higher than ever, and tempers are now once again agitated

by the ever so dangerous and self-righteous “sacred mission” ethics of nationalist

imaginings, which carry inside them all the forces of “blood and belonging”. Part

of the drama is that the Timor so far best imagined seems largely to have been

invented (surely in the best of faith) by the Portuguese and by the Catholic Church;

and only then “transferred” to the Timorese, or at least to some of the members

of most of the Timorese elites. The “autochthonous imagination” seems to me to

spend itself largely in a mere esprit de corps produced from head to toe as an

understandable (and hopefully not too temporary) reaction to the unspeakable

brutalities perpetrated during the Indonesian invasion and occupation. But

these local imaginings will sooner or later start asserting themselves, with or

without the consent of the dominant elites. And most probably, if again we allow

History to guide us, they will do so quite quickly and effectively as elites try to

instrumentalise such longings to their own advantage.

Allow me to start by reframing what I have claimed so far in its widest socio-

-political global context. The stubborn and courageous resistance of the Timorese

populations lined up various questions, bestowing on the situation a definite

direction. Portuguese support, after a long interval of vacillation and much toing

and froing29, put them (as well as others of our own making) on the table. The

position of the Catholic Church, although with timings often out of phase with

those of everyone else and by means of distinct types of involvement, oscillated

29 For a critical approach to the successive phases in the activities of Portuguese diplomats in

relation to the occupation of Timor, see Ana Gomes (1995), “Timor-Leste e o imperativo de uma

política de direitos humanos”, Política Internacional 1 (10): 111-121. José Manuel Pureza, Álvaro

Vasconcelos and Carlos Gaspar, have all published some brief notes on the recent evolution of this

diplomacy. The jusinternationalist background of many of the issues raised has been looked into in

a very detailed manner in a doctoral dissertation defended at the Harvard Law School by Paula

Escarameia (1993), Formation of concepts in International Law. Subsumption under self-determination

in the case of East Timor, published by the Fundação Oriente; see also, Paula Escarameia (2001),

Reflexões sobre Temas de Direito Internacional. Timor, a ONU e o Tribunal Penal Internacional, ISCSP, for

a collection of vivid discussions on connected themes.

73colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

in what I think was not a qualitatively much different way. The international

community, once the essential regional backing (the assent of Australia) and

global blessing (the consent of the United States of America) and backing were

finally assured, forced a solution. So we arrived at where we are now.

What now aligns itself on the horizon is much more local and far more down

to earth. And it can most easily be formulated as a series of questions. Questions

that all, somehow, directly or indirectly, involve questions pertaining to the

construction a Timorese national identity. Allow me to list but a few. Are the

internal tensions and cleavages which exist in Timor reconcilable? Will it be

possible to transform the cauldron into a real melting pot? Is the existing

endogenous diversity amenable to reduction? The lines of fracture visible between

networks of multiple clientelisms (economic, political, local) which are difficult to

render compatible, among diverse ethnolinguistic units (no matter how diffuse

these may nowadays be) whose intercommunication is anyway not easy, among

enemy and long resentful political-ideological groupings (some of them old, but

many new), between ex-militiamen and the rest of the population, between

“active resistance fighters” and “passive civilians”, between those who stayed and

those who left, among generations, between a State and a Church with competing,

albeit understandable, hegemonic propensities – can all these potential

antagonisms actually be repaired, or at least somehow corrected or tamed? Will

an East Timorese national identity emerge out of all this? Is it “the Maubere

people”, or will the name be kept for a wholly new reality? And, if so, at what

price? And by what means?

Questions, preoccupations or problems such as these are not new, nor are

they specifically East Timorese or Southeast Asian. In many ways, I repeat, they

curiously resemble conjunctures present in the Balkans, namely in ex-Yugoslavia,

or in ex-Portuguese Africa; and, more precisely perhaps, I insist, in Kosovo where

(without wanting to put any emphasis on too close a match, which is obviously

not there) such apparent irreducibilities also make themselves felt. Although the

East Timorese issues clearly have some typical Southeast Asian specifics which

should clearly not be overlooked, all things considered, national identity-

-construction in East Timor is, hopefully, perhaps still a more malleable endeavour.

74 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

At any rate it is not easy to make any predictions as to future developments.

Not only because the situation is a fast-changing one, a moving target of sorts,

but also because it is up against a series of worrying recent happenings, some

disquiet is surely justifiable. Eric Hobsbawm reproduced, back in 199230, an

extraordinary quip of Massimo d’Azeglio, voiced right after the successful 19th

century Garibaldi-led unification of what is today Italy: “We have made Italy. We

must now make Italians”.

It eventually worked, even if only after some serious accidents along a

turbulent road. We can only hope that in this case it will too, and better.

30 This justly famous quotation, unearthed by Eric Hobsbawm, and which has made its way into

the context of contemporary studies on nationalism, was repeated by John Comaroff (1996: 176) in

a famous article on ethnicity and nationalist constructions with the title “Ethnicity, nationalism, and

the politics of difference in an Age of Revolution”, published in (eds.) E. Wilmsen and P. McAllister, The

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78 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

79colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

1.

Embora seja minha intenção que as coisas que aqui digo1 valham por si só,

a presente comunicação integra-se numa série. Uma sequência de considerações

ainda em construção, por assim dizer. Um conjunto encadeado de esforços para

lograr compreender algumas das dimensões conceptuais de um dos sistemas de

representações colectivas (aquelas que de maneira genérica nos habituámos a

apelidar de “nacionalistas”) que subjazem a emergência de um Estado timorense

que possa vir a revelar-se como sendo uma entidade politicamente2 viável.

Em Fevereiro de 2002 publiquei na Lusotopie, em Paris, um curto artigo em

que tentei equacionar as condições formais para a “pensabilidade” (como então

lhe chamei) de Timor-Leste enquanto entidade dotada de uma relativa autono-

mia. Comecei por aí pôr em evidência e escrutinar a circunstância, curiosa para

dizer o mínimo, de que tanto as alegações “integracionistas” pró-indonésias (as de

timorenses e as de indonésios) como as invocações “independentistas” clamadas

na ex-colónia portuguesa, tenham ido buscar (e tenham conseguido encontrar)

uma forte dose de fundamentação a nível das especificidades socioculturais leste-

A complexidade estrutural do nacionalismo timorenseArmando Marques Guedes*

* Faculdade de Direito, Universidade Nova de Lisboa. Uma comunicação apresentada no ISCSP,

na 1.ª Conferência Internacional sobre a Ásia do Sudeste, em Outubro de 2003.1 Agradeço a Nuno Canas Mendes pela leitura cuidada e pelas achegas pormenorizadas que

me deu no que toca à elaboração deste artigo.2 E apenas a esse nível político e, nele, tão-só enquanto condição interna de possibilidade; ou

seja, em termos da sua coerência enquanto ideia e da sua compatibilidade com outros sistemas de

ideias em cujo contexto é formulada. A exequibilidade política externa de Timor Leste é uma

questão largamente separada. Tal como o é, também, a capacidade económica de sobrevivência do

Estado e do projecto timorense. Como é óbvio, outras condições internas haverá, para além desta:

político-ideológicas, religiosas, administrativo-racionais, etc., que se conjugam enquanto outras

tantas condições de possibilidade de um state-building eficaz.

80 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

-timorenses. Atribuí então essa aparente incongruência à natureza fluida da

delimitação nocional externa de entidades tão vagas e difusas como a chamada

“Ásia do sudeste” ou a intitulada “Indonésia”, que ora permitem pensar Timor com

uma parte integrante desta última, ora nos deixam, com igual fundamento,

imaginá-lo como dela dissociado. Em Setembro de 2003 saiu, numa publicação do

Pearson Peacekeeping Center, no Canadá, um outro trabalho, no qual propus um

curto rasteio de alguns dos constrangimentos externos e internos que formatariam

as construções ideológicas nacionalistas no novo país; construções essas, defendi

então, que, a traço grosso, dão corpo e delimitam substâncias a essa autonomia

formal e virtual3. Sublinhei, nesse segundo passo, o papel que algumas noções

culturais enraizadas, a violência, e a cristalização pelo Estado de uma identidade

fixa, têm tido, sobretudo nos anos logo antes da independência, na configuração

das construções nacionalistas que têm aflorado entre os timorenses.

É um dos objectivos da presente comunicação dar uma achega suplementar

nesta mesma direcção. No intuito de tornar claro o meu objectivo no que se

segue, talvez convenha, porém, reformular por outras palavras o que acabei de

circunscrever. O que aqui irei tentar fazer é pouco mais do que um aprofun-

damento daquilo que tentei no último dos dois artigos que sobre o tema escrevi.

Enumerados os constrangimentos formais internos e externos que dariam corpo

a uma qualquer sua substância, urge agora continuar a configurá-la internamen-

3 Por forma a melhor contextualizar o que aqui me proponho dizer, vale a pena começar por

reiterar de maneira mais precisa aquilo que então escrevi. No meu primeiro artigo sobre o tema,

delineei um quadro ideacional em que uma noção como a de “Timor Leste” é construível. A linha de

raciocínio que segui partiu do geral para o particular. A pensabilidade formal de Timor enquanto

entidade nacional (e nocional), argumentei então, reduz-se a apenas uma mera virtualidade, uma

forma vazia, até que um conteúdo substantivo a torne actual. E os conteúdos que dão actualidade às

formas potenciais do nacionalismo em Timor, insisti no segundo artigo que depois redigi, são aqueles

que por um lado a “cultura” sudeste asiática dos timorenses “põe na mesa”, por assim dizer; por outro

lado, juntam-se-lhes aqueles outros que a progressão histórica particular da luta político-militar, a

violência e as exigências do Estado (sobretudo nos últimos anos) em que eles se viram envolvidos foi

alicerçando e foi, tijolo a tijolo, construindo. Nada de muito ousado, como se pode verificar. Antes um

esforço sustentado de ir dando substância e corpo a uma série de considerações relativas ao processo

empírico de construção local de uma imagem sociopoliticamente procedente de Timor.

81colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

te; ou seja, há que tentar pôr em evidência as diversas linhas de força tanto

formais como substanciais internas; linhas de força, estas, que impõem uma

composição e uma estruturação próprias a quaisquer substâncias de um minima-

mente convincente (no duplo sentido de intelectualmente coerente e de politica-

mente defensável) discurso nacionalista timorense.

A minha estratégia é simples: inclui dois salvos e alguma coloração dos

panos de fundo. Irei começar por uma delineação da genealogia de alguns dos

elementos constitutivos e dos enunciados de base, do nacionalismo timorense.

Por genealogia entendo aqui apenas uma seriação temporal de ideias e de

alinhamentos ideacionais nodais, importantes na progressão sequencial da mon-

tagem-gestação do nacionalismo. Passarei depois à sua arquitectura. Por isso

quero fazer alusão à textura dessas ideias e figuras e ao arranjo-edificação desses

nós que as entreligam4. Concluo com uma série de sugestões quanto ao

faseamento dos seus regimes de funcionamento, que vejo como estando parcial-

mente encadeados mas em parte sobrepostos uns nos outros.

4 Genealogia e arquitectura são, evidentemente, termos utilizados por Michel Foucault. Uso-os

porém aqui num sentido mais próximo do de Paul W. Kahn (1999: 91ss). Mas faço-o com algumas

diferenças. Segundo Kahn (ibid.), genealogy traces the history of the central concepts of [an] order;

enquanto, pelo seu lado, architecture looks at the structure of those concepts and their relationships to

each other. Concluiu o A. que together they take up the problem of the “historical a priori”, in its double

aspect of contingency and necessity – the historically contingent, conceptual conditions of our experience.

Conquanto concorde com esta conclusão, parecem-me excessivamente formalizadas as definições

que Kahn propõe para os conceitos operacionais de arquitectura e genealogia. Equacioná-los com

“história” e “estrutura”, como Kahn acaba por fazer, redunda numa substituição puramente

terminológica e gratuita, que acaba por enfermar de petições de princípio como, por exemplo,

insistir que o estudo da “história” levada a cabo pelo genealogista permite iluminar a história; e

salda-se por um retorno a uma forma de estruturalismo que supõe-advoga uma produção em última

instância bastante “mecânica” dos significados (meaning, na linguagem fenomenológica geertziana

de P. Kahn). Prefiro aqui uma abordagem menos formal e que abra caminho a uma pragmática.

82 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

2.

Muito indicativamente, tentarei traçar algumas das linhas de força dos

processos de sedimentação de ideias e ideais nacionalistas em Timor-Leste.

Começo pela genealogia. Farei apenas alusão a três séries de “formatações”: uma,

sociocultural, outra político-militar-administrativa, e uma última religiosa. Como é

óbvio, tais conformações só analiticamente são separáveis. Em boa verdade

interpenetram-se. Para além disso, o facto de irmos no que se segue tratar de

uma mera genealogia não é inconsequente; não está aqui em causa propor uma

qualquer história: a finalidade é antes a de sugerir agrupamentos, muitas vezes

bastante avulsos, de constrangimentos, que emergem em séries mais ou menos

ordenadas.

Primeiro, então, a série sociocultural. Muito sucintamente, quereria limitar-

-me a pôr em evidência alguns nexos de representações e de formas organizacionais.

Começando por um conjunto de asserções: os discursos nacionalistas ancoram

em Timor, por via de regra, em imagens locais e tradicionais, em valores e constru-

ções simbólicas pré-existentes, apesar de o formato em que se cristalizam ser o de

um fenómeno moderno, estreitamente ligado ao Estado: de outra maneira dificil-

mente seriam entendidos pelos actores sociais5. As formulações tendem a induzir

sentimentos de pertença através de recurso a laços locais fortemente

“naturalizados”: na Ásia do Sudeste tais laços estão por norma relacionados com

família, parentesco, co-residência, casas, localidade, local de origem6, ou identida-

de religiosa, para apenas nomear algumas das coordenadas habituais. As fortíssimas

5 Uma evidência abundantemente enunciada. Vale no entanto a pena a leitura, quanto a este

ponto, do artigo de José Manuel Sobral (1999) sobre a adequação e o “afeiçoamento” (o termo é

meu) socioculturais exigidos pelas formulações nacionalistas. Importa sublinhar que o objecto do

estudo de J. M. Sobral é a retórica do nacionalismo português e não a do timorense.6 Algumas das referências bibliográficas mais básicas quanto ao uso metafórico de um concei-

to alargado de “casa” e “espaço” (ou “território”) no sudeste asiático incluem inevitavelmente a

colecção de ensaios em (ed. C. MacDonald (1987) e aquela outra em J. Carsten e S. Hugh-Jones

(1995), ambas no seguimento de um insight de C. Lévi-Strauss. E. Traube (1986), na sua monografia

sobre os Mambai, para nos atermos a um exemplo apenas, demonstrou a aplicabilidade de modelos

destes para o caso de Timor Leste.

83colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

emoções induzidas pela oratória do nacionalismo são, entre os timorenses, carac-

teristicamente instigadas por alusão retórica a estas ligações interpessoais e

imagens colectivas partilhadas. Trata-se de representações cujo tónica está colo-

cada em ideias de uma “consanguinidade”, ou de uma “consubstância”, metafóri-

cas, em imagens de “fraternidade” ou de “companheirismo”, em invocações de

uma ascendência e de uma origem ou localização espacial comuns.

No extremo oriental do arco insular indonésio, associam-se muitas vezes a

estas imagens, esquemas conceptuais e enunciados retóricos que subtendem

formas políticas assaz sui generis. Vale a pena salientar algumas delas. De um

ponto de vista organizacional, grupos e territórios estão inextricavelmente liga-

dos7. As formas de aliança matrimonial preferenciais são muitas vezes variações

sobre o tema do chamado “casamento de primos cruzados matrilaterais”, um

estrutura assimétrica de trocas que ordena hierarquicamente os grupos sociais

que por essa via e desse modo se interrelacionam entre si8. O patrilinearismo (aos

níveis dos traçados de linhas de descendência, de herança, e de sucessão no

provimento de “postos”) tende as ser marcado. As relações inter-grupais são

muitas vezes tensas e vêem-se não raramente pautadas por períodos de caça

recíproca às cabeças, uma actividade ritualizada e pontuada por pactos de paz

que reorganizam o espaço sociopolítico supragrupal9.

Não será assim surpresa verificar que, em Timor Leste, a “nação” parece ser

concebida como uma espécie de “participação numa casa”, na qual “irmãos mais

7 Quanto a aspectos do entrosamento entre linhagens e espaço e, em termos mais genéricos,

entre parentesco e territórios, ver I. C. de Sousa, 2001: 187-188. Também nisso, o caso timorense

reflecte ressonâncias bem mais gerais na Ásia do Sudeste.8 Um tipo de alianças matrimoniais primeiro estudado por C. Lévi-Strauss e depois por E. Leach

e R. Needham. Porventura o diacrítico nesta assimetria é o facto de que um agrupamento nunca

compensa, em termos de reciprocidade, aquele outro agrupamento que lhe dá qualquer coisa:

envolve antes pelo menos um terceiro grupo, criando assim uma comunidade de troca mais

alargada. S. Forman, no seu estudo sobre os Makasae (1980), mostrou a aplicabilidade de modelizações

deste tipo para Timor Leste; como, aliás, também o fez J. Guterres (2001). Ambos focaram a

“ideologia de troca” que estes arranjos matrimoniais produzem.9 Cf. J. Hoskins (1996), designadamente o artigo de A. McWilliam (op. cit.: 127-167) sobre a caça

às cabeças no sudoeste da ilha de Timor.

84 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

velhos e mais novos”, ou “companheiros” (de acordo com uma maneira difusa e

sui generis de conceber relações inter-pessoais que é comum no sudeste asiático,

que envolve ideias subjacentes de alguma reduplicação simbólica), “vivem jun-

tos”. Esta unidade, por sua vez circunscreve uma entidade sacralizada, em torno

da qual, em actos e processos rituais, se posicionam e articulam processos

intersubjectivos (mas cujo reconhecimento tende a ser muitíssimo consensual)

de identificação e pertença. Em muitas das várias tradições locais leste-timorenses,

a construção de laços sociais está centrada precisamente em conexões metafó-

ricas deste género.

Deixo para mais tarde ilações quanto aos modos em que estes traços

característicos se conjugam. No entanto, as implicações genéricas de tudo

isto são, creio, óbvias. O potencial de apropriação, pela retórica político-naciona-

lista dos movimentos, dos partidos e do Estado, destas ligações e destes

dispositivos, socioculturalmente tão bem implantados, não carece de demons-

tração.

Passemos agora à série político-militar-administrativa. Mais uma vez, aten-

do-nos tão-só a nexos e imagens. Começo pela administração local. As “auto-

ridades tradicionais” timorenses estão por via de regra organizadas segundo

hierarquias estreitas daquilo a que Ivo Carneiro de Sousa chamou uma patrimo-

nial domination, um arranjo que equaciona grupos com territórios. No topo

da pirâmide estão os liurai, chefes territoriais, em seguida os leo, os chefes

das “aldeias”; todos são dato (“chefes”). Este système à emboîtement hierár-

quico foi instrumentalizado pelos poderes coloniais. Com pouca mão-de-obra

para o exercício do poder colonial, de acordo com Carneiro de Sousa, the

Portuguese (indirectly) “ruled” with the configuration of traditional lineage

powers within the societies of Timor’s peoples10. E fizeram-no através de militares.

Tratou-se de uma tutela indirecta que não deixou de ter consequências. Por

um lado, articulou as chefaturas locais com uma estrutura bem mais ampla. E fê-

-lo de uma maneira que não podia deixar de alargar horizontes. Num famoso

Decreto, datado de 17 de Junho de 1909, a Coroa portuguesa decidiu sedimentar

10 I. Carneiro de Sousa, 2001: 190.

85colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

o seu controlo indirecto estabelecendo uma série de correspondências formais:

o Decreto traduziu lurahan como “reinos”, pô-los a par de “concelhos” e equiparou

os liurai como “coronéis”. Traduziu suku como “grupos de aldeias”, os sucos, e de

acordo com a tradição administrativa portuguesa entreviu-os como “distritos”,

equiparando os dato locais respectivos como “majores”. A um nível mais baixo,

enfim, chamou “aldeias” aos leo, viu-os enquanto “paróquias”, e atribuiu aos dato

menores que as chefiavam a patente honorífica de “capitães”. uma co-optação

bastante completa, para dizer um mínimo; e uma espécie de “anexação nocional”

que não podia senão desembocar na transmissão de ideias que subtendiam uma

integração política supralocal11. Porventura em ligação com o suplemento de

poder e legitimidade logrados por articulações deste tipo, muitos foram os

membros das elites tradicionais timorenses que ingressaram nas Forças Armadas

portuguesas.

Durante muitos anos, a administração militar colonial timorense esteve nas

mãos de oficiais provindos das colónias portuguesas de África, nomeadamente

de Moçambique; muitos dos soldados eram de origem africana. Os anos 60 do

século XX viram chegar a Timor uma nova leva: oficiais muitas vezes conotados

com a oposição (“gente do reviralho”, como então se dizia) foram colocados em

Timor, quantas vezes com as respectivas famílias; uma espécie de exílio soft. Foi

numa publicação militar portuguesa, a Revista do Comando Autónomo Provincial,

que os primeiros textos “proto-nacionalistas”, muitas vezes escritos por membros

das elites timorenses, começaram a aparecer. E não foi tudo. Numa versão avant

la lettre da “dinamização cultural” que no decénio seguinte (os anos 70, que tão

complicados se viriam a revelar) iria tornar-se em veículo de eleição, os militares

portugueses colocados em Timor empenharam-se em organizar e realizar por

11 Ou seja, uma integração política a um nível de inclusividade e com uma abragência até aí

inexistentes na ilha. Como escreveu I. C. de Sousa (2001, op. cit.: 189), in the case of East Timor, we

rarely find permanent indications of territorial, supra-local states before the 18th-19th centuries, when

the construction of the State starts to constitute an invex stment continuously dominated by portuguese

colonization, both through its capitaincies, race mixing or missionary work, and also with alliances and

vassalage of the traditional territorial powers.

86 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

toda a ilha “caravanas artísticas”, portadoras de “espectáculos musicais” itinerantes

e de profusos eventos desportivos12.

Ao mesmo tempo, a abertura de algumas vias de comunicação (as primeiras,

ainda que poucas, verdadeiras estradas só apareceram na ilha com a ocupação

japonesa, encetada em 1942) ia fazendo das várias regiões de Timor entidades

cada vez mais experienciadas como partes de um todo. Um novo idioma, o

português, tornou-se numa nova lingua franca para as elites. A escolaridade,

ainda que restrita a só alguns, redundou em novas perspectivas, muito mais

inclusivas. Os estudos antropológicos levados a cabo por António de Almeida, A.

A. Mendes Corrêa e Ruy Cinatti, ofereceram aos mais instruídos não só imagens

de fortes denominadores comuns entre os locais, mas até um vocabulário para os

articular e reificar13.

Com a ocupação japonesa, com o acordar da administração portuguesa

com as lutas anti-coloniais que, a partir dos anos 6014, abanaram os alicerces

do Império, mais tarde com a ocupação indonésia, as suas estradas e as suas

escolas, o processo de auto-identificação foi-se tornando mais profundo e

muitíssimo mais abrangente. O resultado não será surpreendente. Como nou-

tro contexto escreveu Benedict Anderson, com tudo isto aconteceu o inevi-

tável: “a profound sense of commonality emerged from the gaze of the colonial

12 Para estes processo ver, por todos, I. Carneiro de Sousa, 2001, op. cit.: 190ss. O A. insiste,

muito bem a meu ver, no papel das Forças Armadas portuguesas que, deste modo, created sociability

entre territórios e populações até então isolados uns dos outros, e muitas vezes inimigos cujos

relacionamentos eram por norma truculentos ou cautelosos.13 É de sublinhar que estes estudos e, num sentido forte, estes denominadores comuns e estas

imagens, começaram a sua cristalização em finais do século XIX e inícios do XX, e explodiram na

“cena pública” nos anos 30, no contexto da polémica físico-antropológica relativa à composição

étnica de Timor (ao redor da identificação-validação de crânios de timorenses depositados no

Museu da Universidade de Coimbra) em que contracenaram um académico, João G. Barros e Cunha,

e dois militares, os oficiais milicianos Pinto Correia e Leite de Magalhães.14 Com algum humor, I. C. de Sousa, 2001, ibid.: 184) referiu o facto de que only during the

late 1950’s was it possible to identify “serious” economic, administrative, social and cultural invest-

ments. Continuou este A., aludindo à circunstância de que só com a invasão de Goa, em1961, a

intervenção portuguesa em terras de Timor ter incluído a educação e aquilo a que chamou “indus-

trialization”.

87colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

state”15. No caso de Timor, melhor será dizer que emergiu do olhar e da acção-

-actuação dos sucessivos Estados coloniais. Um facto que a vitimização

indiscriminada às mãos de tropas de ocupação indonésias que insistiam em ver

os timorenses como “leste timorenses” apenas veio confirmar com selo de ouro,

por assim dizer.

Finalmente, viro-me para a série religiosa. Mais uma vez de maneira sucinta

e tão-somente indicativa. O papel da religião na progressiva cristalização daquilo

que viria a tornar-se numa “unidade nacional” em Timor não é surpresa para

ninguém. A Cristianização, efectivamente começada pelos Dominicanos a partir

do século XVIII, foi decerto crucial tanto para a criação de imagens de fraternidade

e de comunalidade, quanto para a “coagulação” concreta de uma cada vez mais

coesa comunidade supralocal.

Não cabe na economia deste artigo muito pormenor, mas os números falam

por si. Em 1975, eram estimados em 30% os Católicos timorenses. Em 2001, na

altura do Referendo, a percentagem tinha aumentado para 90%: uma óbvia

reacção identitária face a um poder indonésio, visto como de base islâmica, que

desde cedo assumiu uma postura ambígua em relação à religiosidade dos

timorenses. O Vaticano soube ser exímio no manuseamento da conjuntura: a

Igreja Católica insistiu, por um lado, no estabelecimento de uma tutela directa

sobre o Bispado (de início era apenas um) de Timor, torneando assim uma Igreja

indonésia enfeudada ao regime de Jacarta. Por outro lado, a eficácia da decisão

eclesiástica da instauração do tetum como língua litúrgica em todo o território (e

não do bahasa nem das muitíssimas línguas locais) dispensa comentários; para

além de, por fim, ser imprescindível referir a notável e corajosa postura agregadora

sempre assumida por D. Ximenes Belo e pelo grosso da hierarquia católica dentro

e fora de Timor. A famosa visita papal de João Paulo II à ilha, com todo o cuidado

que expressou em termos de comissões e omissões, simbólicas mas transparen-

tes, sublinhou o já óbvio.

15 Benedict Anderson, 2001, op. cit.: 238. De algum modo, neste frase está encapsulada a leitura

fascinante que Anderson levou a cabo, sobre a construção semiológica dos nacionalismos pelos

poderes coloniais.

88 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Para além desse impacto directo, a religião preencheu também indirecta-

mente funções a um nível bastante mais abstracto e nocional através, por

exemplo, de ligações e ressonâncias “cosmológicas”, chame-se-lhes isso. E,

ainda, a nível institucional mais avulso. Nestas conexões são de particular impor-

tância as imagens de sofrimento, de transição e de regeneração16 a que fiz já

referência. No plano institucional, há que dar o lugar e o papel devidos a

entidades como as Confradias da Sagrada Família, e à Ordem Salesiana, na

formatação de uma consciência nacional em Timor. Tal como, aliás, há que

reconhecer uma importante função integradora preenchida por comunidades

timorenses na Diáspora, nomeadamente as implantadas em Portugal e na Aus-

trália. Num trabalho escrito em meados dos anos 90, sob minha orientação

científica, um investigador chegou à conclusão, tão bem fundamentada como

notável, de que a imagem de um Timor independente acarinhada pelos jovens

timorenses instalados no Vale do Jamor e na “outra banda” (uma imagem então

meramente especulativa) se aproximava bastante dos ideais nutridos pelas for-

mulações “teológicas” dos Salesianos quanto às “comunidades cristãs primiti-

vas”17.

3.

Deixem-me largar agora a genealogia e passar à arquitectura. Começo por

embrenhar-me na textura (talvez melhor na arrumação interior) deste naciona-

16 No que diz respeito a transições, é útil a leitura de R. Ileto (1979), sobre a religiosidade

popular e os movimentos políticos nas Filipinas, e nomeadamente o papel aí preenchido pela

encenação pública de “dramas litúrgicos” pascais que davam “realidade” ao texto tagalog da Pasyon

Pilapil, disponibilizando, aos assistentes e leitores, imagens de destruição, transição e regeneração

por recurso à vida e morte de Jesus Cristo. Tornando assim pensável a mudança estrutural, o que

depressa foi utilizado por movimentos independentistas como o Katipunan. Para além deste, ver

ainda o notável estudo de C. Geertz (1980) sobre o reino oitocentista em Bali. Nos dois casos,

transições sudeste asiáticas e o papel metafórico preenchido pela maneira como são representadas

são peças centrais da análise.17 A. Marques Guedes, 2002: 3.

89colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

lismo em gestação. Insisti na introdução que, naquilo que diz respeito à delineação

e ao estudo do nacionalismo timorense contemporâneo (e no seguimento do

estabelecimento das suas condições histórico-geográfico-culturais de emergên-

cia), haveria que tentar pôr em evidência as diversas linhas de força, tanto as

formais como as substanciais, internas e externas que impõem à substância dele

uma composição e uma estruturação próprias. O que tentei começar a esquissar,

ou melhor, esboçar, no que até aqui disse quanto à seriação dos constrangimen-

tos que pus em evidência. Quereria agora rapidamente alinhavar tudo isso à

conjuntura académica dos estudos levados a cabo sobre temas afins. Posicioná-

-lo enquanto figura contra fundo de algum modo. É este o contexto, o “meio

ambiente”, em que me parece didacticamente preferível pôr o acento tónico no

que diz respeito ao que chamei a arquitectura das construções nacionalistas em

Timor. Uma vez isso feito, estaremos então preparados para melhor tentar entre-

ver e compreender as condições conceptuais que subtendem a experiência

nacionalista dos timorenses.

Como é que tem sido abordada a questão do nacionalismo timorense? Das

mais diversas maneiras. A delineação analítica desse objecto que é o nacionalis-

mo em Timor tem sido tentada de acordo com vários ângulos de entrada, por

assim dizer; ângulos esses, importa sublinhar, que não são de forma nenhuma

mutuamente exclusivos.

Um bom lugar para começar a fazê-lo é decerto a matriz sociocultural que,

sem embargo das variações locais, os timorenses partilham; não é por isso

surpreendente que muitos tenham sido os analistas que têm vindo a preferir tal

perspectivação. Fizeram-no Elizabeth Traube18, como aliás também Henri e Maria

Olímpia Lameiras Campagnolo19. Outro será sem dúvida a natureza histórica

concreta do processo de produção das formulações nacionalistas em Timor. Peter

Carey, em Oxford, Benedict Anderson, na Universidade de Cornell, John G. Taylor,

18 E. Traube (1986). A monografia de Traube debruça-se sobre a articulação entre as represen-

tações cosmológicas dos Mambai e as práticas rituais com elas ligadas e a sua vida social e política.19 H. e M. O. Lameiras Campagnolo (1992). Muitos outros têm sido os trabalhos publicados por

este casal relativamente a Timor.

90 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Helen Hill e Teresa Ferreras Morlanes, o sueco Gudmund Jannissa, e Ivo Carneiro

de Sousa, são disso exemplos notáveis20.

Como será evidente, pontos de partida diferentes redundam em diferentes

pontos de aplicação para quaisquer análises consistentes. No primeiro caso, o de

uma preferência por desvendar uma fundamentação sociocultural para as ex-

pressões nacionalistas em Timor, cumpre ao estudioso recolher indícios e traves-

-mestras no estudo comparativo sudeste asiático, extrapolando a partir daí. No

segundo, o de uma perspectivação histórico-política quanto aos processos de

construção do nacionalismo, pelo contrário, a busca dever-se-á centrar nas linhas

de força da progressão de um esprit de corps partilhado, porventura primeiro a

nível das elites de Timor, depois ao das populações em geral (a começar pelas

urbanas). No primeiro caso, o sociocultural, convém-nos focar a nossa atenção

num tema e nas suas variações regionais; e, a partir dessas, nas ainda mais

localizadas. Enquanto que no segundo caso, o histórico-político, o que está em

causa é antes o esmiuçar de linhas alternativas de progressão do corpus naciona-

lista e dos eventuais nexos causais e ressonâncias que nelas possamos detectar.

Preferir uma estratégia de descoberta à outra não é uma decisão fácil. Mas

trata-se de uma tarefa a que a maioria dos esforços dos analistas do fenómeno do

nacionalismo em Timor Leste se tem vindo a dedicar. Mantendo em mente as

dificuldades e ambiguidades nocionais envolvidas na distinção entre Timor e o

resto da “área cultural” em que Timor está localizado, é com efeito curiosa (e

compreensível) a constatação de que parecem ser essas as duas perspectivas

privilegiadas: a daqueles que consideram como adquirido que existe efectiva-

mente uma base sociocultural primordial de sustentação do nacionalismo

20 Alguns deles, como iremos verificar, designadamente B. Anderson e Ivo Carneiro de Sousa,

sem embargo de ambos reterem como quadro também a matriz sociocultural local. O trabalhos

destes autores são numerosos e suficientemente conhecidos para me ser escusado aqui citá-los um

a um. Não posso, no entanto deixar de fazer uma alusão especial aos dois estudos de B. Anderson

(1991, 2001), e ao de Ivo Carneiro de Sousa (2001), que referencio em pormenor na bibliografia final,

dada a sua qualidade e importância para o que aqui escrevi. Agradeço também novamente a Nuno

Canas Mendes, pelo acesso que me concedeu ao trabalho de doutoramento que tem em curso

quanto a um tema com algumas afinidades com este.

91colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

timorense; e a daqueles outros que o entrevêem, de maneira mais dinâmica, mas

também de forma linear, como um mero subproduto da progressão histórica

diferenciada e sui generis da vivência dos habitantes do antigo Timor português.

Não deixar espaço para a construção de fundações que permitam uma boa

implantação do edifício teórico dos oponentes é uma velha estratégia retórica.

Convirá decerto detalhar isto que acabei de notar. As inclinações dos estu-

diosos que, no que toca a Timor, sobre estas questões se têm vindo a debruçar

não são, com efeito e como indiquei, de maneira nenhuma unânimes. O ponto

que quero realçar é o de que as distinções, se por um lado resultam de diferenças

nas respectivas opções teóricas dos analistas, por outro lado reflectem predilec-

ções e finalidades alternativas. Cartografar em maior pormenor, com uma maior

resolução de imagens, por assim dizer, a distribuição das preferências exibidas é

instrutivo.

A “força motriz” das construções nacionalistas dos timorenses para alguns

terá raízes no essencial externas, para outros tê-las-á sobretudo internas. Em

termos cronológicos, para uns teria “origens” históricas profundas, segundo

outros tantos seria um produto recente. Há os que vêem na retórica nacional

articulada em Timor Leste pouco mais do que expressão instrumental de agen-

das político-ideológicas (esta é, decerto, a opinião de Henry Kissinger e, mais

perto no tempo, de Howard Wiarda21). Outros há que, em contraste acentuam,

como o fizeram José Mattoso22, Maria José Albarran de Carvalho23 ou Luís Filipe

Thomaz24, as dimensões muitíssimo mais “primordiais” e atemporais que isso,

21 Um professor norte-americano de Ciência Política e político republicano (H. Wiarda foi

Assessor de George Bush em finais dos anos 80 e inícios dos 90), autor de um magnífico Relatório

sobre Timor Leste, preparado em 2002, e resultado de uma curta estada em Timor em meados-finais

de 2001.22 Hoje residente em Timor, numa casa de retiro para religiosos. O artigo a que me refiro, J.

Mattoso (2001), sobre a identidade timorense, está referenciado na bibliografia.23 Idem, M. J. Albarran de Carvalho (2001), num curto e muitíssimo interessante estudo

essencialmente linguístico-semântico.24 L. F. Thomaz (1975). Este estudo fundador de Luís Filipe Thomaz merece leituras muito mais

atentas que aquelas que lhe têm sido dedicadas.

92 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

consubstanciadas em sentimentos de pertença ligados, nomeadamente, a uma

vivência histórica comum, e a memórias e esquecimentos partilhados.

No que toca à sua forma estrutural, chamemos-lhe assim, também parecem

variar as opiniões formuladas, parte dos autores considerando-a como sendo no

essencial político-ideológica, (resultando, por exemplo, da luta anti-colonial),

uma produção saída das lutas resistência (neste sentido apontam, por exemplo,

os já referidos Helen Hill25, Teresa Ferreras Morlanes26 e Gudmund Jannisa27);

enquanto outra parte parece entrever antes o nacionalismo em Timor como

político-religioso (sendo então habitual, como o fazem, ainda que de maneiras

diferentes, Apolinário Guterres28, João Frederico Boavida29 ou Luís Filipe Thomaz,

aludir ao papel da Igreja Católica, ou ao dos símbolos portugueses, como nas

alusões interessantíssimas de Ivo Carneiro de Sousa e de Elizabeth Traube), e

outra ainda político-militar (mais uma vez a resistência, mas desta feita com a

tónica posta na violência e no papel construtivista por ela preenchido – dos

massacres perpetrados pelos portugueses de 1955 à violência permanente que

caracterizou a ocupação indonésia desde 1975, à chacina Sta. Cruz em 1991, e às

indizíveis brutalidades cometidas no período pós-Referendo de 1999: casos dos

estudos de Peter Carey30, John G. Taylor31 e Arnold Kohen32).

Num sentido mais prospectivo, também as opiniões variam. Uns sustentam

que o nacionalismo timorense tem, pelo menos no essencial, bons pés para

25 H. M. Hill (1978). Uma tese politicamente engagée, com mais preocupações utópicas do que

empíricas. Em qualquer caso, um esforço notável.26 T. F. Morlanes (1992).27 G. Jannisa (1997).28 A. Guterres (1994). Um de vários trabalhos de um antropólogo timorense e ilustre membro

do clero daquele país.29 J. F. Boavida (1993), numa tese de MPhil, apresentada à Universidade de Oxford, sobre a

interpenetração (que o A. intitula “fusão”) entre religião e nacionalismo em Timor.30 Dos numerosos trabalhos de P. Carey, destaco sobretudo (eds.) P. Carey e G. Carter-Bentley

(1995).31 J. G. Taylor (1995).32 Ver, deste último, o artigo A: Kohen (2002) sobre o papel da violência anti-independentista

das milícias. É também útil a leitura de G. Aditjondro (2001) sobre os ninjas indonésios durante os

últimos anos da ocupação de Timor.

93colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

andar. Outros, previnem, pelo contrário, que esse “nacionalismo” tem pés de

barro e se irá esgotar em breve, uma vez que a independência e a construção do

Estado “batam no fundo”. Porventura o mais audível proponente da segunda

destas hipóteses, a “catastrofista”, será o norte-americano Howard Wiarda, para

quem o Estado timorense é excelente candidato para uma lista, que antevê seja

longa, de failed states que, teme, irão pejar o século XXI. A primeira, mais

optimista (alguns dirão mais romântica, ou lírica), tem defensores como Ivo

Carneiro de Sousa, António Barbedo de Magalhães e eu próprio; para além, é

claro, do apoio da larga maioria dos leste-timorenses. Infelizmente, só Osama Bin

Laden sabe adivinhar o futuro33.

Muitos ângulos de entrada como se vê, e muitas preferências. Poucas, muito

poucas, infelizmente, são porém aquelas que tentam uma maior inclusividade,

propondo uma modelização menos redutora. Raramente se ensaia, por outras

palavras, com base numa mais abrangente genealogia, desenhar a arquitectura

elaborada do sistema das construções nacionalistas dos timorenses. Vendo,

como tentei aqui e em esforços anteriores (e como penso que Ivo Carneiro de

Sousa o fez também), o nacionalismo em Timor como um objecto

multidimensionado e dotado de uma estrutura tão complexa como sui generis.

Um objecto dotado de volume e por isso não inscrito apenas num plano.

Com uma camada histórica “primordial”, sem sombra de dúvida, uma fundamen-

tação etnolinguística, e ainda com demãos religiosas não desprezáveis. Uma

camada essa em que se misturam (mas sem nela se confundir) ideologias

33 Excluo deste conjunto de matrizes etiológicas as muitas declarações políticas programáticas

puras e duras (tanto as de âmbito local como aquelas cuja base de sustentação é mais regional, ou

ainda aquelas outras de intencionalidade mais internacional e cosmopolita); como, aliás, excluo

aquelas outras, por mais soft que possam parecer, por via de regra veiculadas por Estados ou por

representantes de partidos políticos, por me parecer que essas não pretendem verdadeiramente

oferecer modelos com quaisquer reais pretensões analíticas, resumindo-se a óbvias instrumen-

talizações conjunturais, de resto por norma bastante lineares. Trata-se normalmente, a meu ver, de

meros enunciados tácticos: são declarações pragmáticas e/ou programáticas, que, ao privilegiar

alguns dos motivos que invocam e arrolam, e ao descurar outros, intentam pouco mais que

mobilizar vontades de audiências ou pouco esclarecidas ou, bem pelo contrário, empenhadas em

agendas muito claras.

94 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

linhagísticas, sucos e liurais, a instrumentalização da patrilineariedade tradicional

e da hierarquização política típica de regimes matrimoniais como o de casamen-

tos prescritivos de primos cruzados matrilaterais, por um lado; e, por outro, a

utilização de modelizações e esquemas conceptuais culturais profundos como as

ideias de “casa”, de “companheirismo”, ou as de transições sacrificiais a que aludi.

Mas mais: há que lograr elaborar um modelo analítico que, numa como

noutra destas dimensões que entre si se entrosam, inclua os ingredientes e o

fermento local produzido pela resistência anti-colonial, temperado pela ocupa-

ção japonesa, tonificado ad nauseum pela resistência à invasão-ocupação

indonésia. Mas há que fazê-lo, ademais, tomando também em boa linha de conta

o papel preenchido, nessas intrincadas construções nacionalistas, pela acção

catalizadora dos militares portugueses, pelo cimento directa e indirectamente

disponibilizado pela Igreja Católica, e pelas ideologias políticas, tanto as dos

ismos como as irredentistas.

E não só. Há que saber encarar tudo isto nos termos dinâmicos de um

processo, ainda em curso, de uma construção nacional em que todos nós pode-

mos sentir orgulho. Um processo em que agora temos um novo aliado, doravante

seguramente o maestro construtivista mais eficaz: o novo Estado timorense. Nós,

timorenses, nós portugueses, nós todos aqueles que achamos que só em liber-

dade vale a pena viver. Tendo porém sempre em mente que se trata de um

processo inacabado, um fluir de coisas cuja direcção de evolução (por muito que

o não queiramos) não é ainda nítida. Termino esta secção, como sempre o faço

quando aludo à construção nacional em Timor, com uma citação cautelosa de

Massimo d’Azeglio, endereçada no já longínquo século XIX a Garibaldi: “fizemos

a Itália. Temos agora que fazer italianos”34.

Para concluir, no que se segue irei virar-me para essa dimensão processual

todavia não acabada.

34 Esta estupenda citação, trazida à luz por Eric Hobsbawm, foi repetida no contexto de estudos

sobre nacionalismo por diversos autores.

95colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

4.

Num quarto e último ponto, muito telegraficamente, quereria arrumar, de

uma maneira agora mais encadeada e diacrónica, esse entrosamento complexo

de planos multidimensionais a que fiz alusão, e que apelidei, foucaultianamente,

de genealogia e de arquitectura. Propor uma periodização é a minha finalidade

no que se segue.

Não será decerto abusivo ordenar as construções nacionalistas timorenses

em termos do encadeamento de três fases35. Prefiro não as ver como períodos,

visto me parecer (se bem que haja que apurá-lo com maior precisão que aquela

que aqui me é possível) que se trata, não de blocos sucessivos, mas antes de

regimes de funcionamento parcialmente sobrepostos:

(i) uma primeira fase, de génese, por assim dizer, de um imaginário político

supralocal, supra“tribal”. Esta fase coincidiu com o período final (a última

cinquentena de anos) da colonização portuguesa e consistiu, ou redundou, na

constituição cartográfica, chame-se-lhe isso, de novos “domínios de soberania”.

Saldou-se na criação progressiva de um “espaço de pensabilidade” de uma

entidade socio-política chamada “Timor”. Essa entidade política foi sendo

“mobilada”: novas ideias e imagens se foram agregando num imaginário

político comum. Nesta fase inicial foram instrumentais a administração regio-

nal e as Forças Armadas portuguesas, como o foi a cristianização, lato sensu, ao

disponibilizar um forte denominador comum e uma visão universalizante e

agregadora. Foram dela “beneficiários” (ou “recipientes líquidos”, se se preferir)

as elites: mestiços, liurais, “assimilados” e grupos urbanos36.

35 Para uma comparação-contraposição com o faseamento proposto, também ele segundo um

formato tripartido, para a progressão do nacionalismo indonésio, é essencial a leitura do excelente

artigo de Romain Bertrand, 2001. Não será decerto difícil compatibilizar esta sucessão que aqui

sugiro com o a modelização de Benedict Anderson, 1991.36 Estes pontos podem e devem ser expandidos. No que diz respeito a esta primeira fase, seria

por exemplo de pôr em relevo a importância indirectamente assumida nestes processos pela

mobilização de timorenses para a produção do café (o famoso “café de Timor”, produzido pela SAPT,

que incluía nos seus circuitos pequenos produtores locais), em termos da (embora ténue) ligação ao

96 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

(ii) numa segunda fase, de fruição, que terá sido encetada formalmente com a

invasão de Goa em 1961, “posta a rolar” com o início da luta armada nas ex-

-colónias portuguesas de África logo a seguir, e que terá materialmente

entrado em “velocidade de cruzeiro” em resposta ao 25 de Abril de 1974,

verificou-se um salto rapidíssimo. Das elites para as populações urbanas e,

em raros casos, para agrupamentos ligados a territórios sob a égide de

“chefes tradicionais” “iniciados” na nova “cartografia política” e no viveiro de

imagens e ideias provindas da fase anterior, passou-se a um regime mais

“populista”. Os novos élans foram gizados por um Espírito do Tempo em que

tudo parecia possível. E parecia-o tanto num espaço político sudeste asiáti-

co em queda acelerada de dominós, como num espaço colonial português

em que brilhavam com uma luminescência sedutora percursos populistas,

na via de uma autodeterminação política que favorecia esse tipo de prolife-

rações de laços transversais de solidariedade e imagens de transição

miraculosas. Às elites e aos militares vieram primeiro adicionar-se, nesta

segunda fase, segmentos de população bastante mais amplos37. Em resulta-

do, emergiram noções totalizantes como a de “o povo Maubere”38. O fer-

mundo exterior que isso implicou através das teias do comércio internacional que se foram constru-

indo. Por outro lado, a definição das fronteiras com a Holanda só foi concluída no século XX (em

1916, cf. A. de Roever, 1998), já depois da revolta de Manufahi e das campanhas de “pacificação” de

Celestino da Silva e de Filomeno da Câmara (e da consequente divisão kaladis-firacos); foi na

sequência da governação de Celestino da Silva que, em 1896, a separação administrativa de Macau

foi finalmente consumada com o reconhecimento de um estatuto de Distrito Autónomo a Timor.

Estes e outros factos parecem ser elementos que conviria estudar e que contribuíram de maneira

porventura decisiva para aquilo a que chamei a constituição “cartográfica” de um “proto-nacionalis-

mo” em Timor, através da génese e progressiva sedimentação de um imaginário político supra-local.37 Quanto a esta segunda fase, há evidentemente que saber dar o devido relevo à organização

da resistência e à tomada de consciência, pelas elites, da necessidade de formar com rapidez

movimentos de “unidade nacional” (tais como a Convergência Timorense, o CNRM, ou o CNRT) que

seguramente podem ser tidos como óbvios sinais de uma maturação do nacionalismo que não

podem deixar de ser mencionados, até pelos meios de acção utilizados e objectivos programáticos

prosseguidos, ambos ingredientes que se vieram a revelar como marcadamente profícuos.38 Como se pode verificar, não assumo aqui qualquer posição relativamente à eventual

procedência política deste conceito, limitando-me a indicar quais considero serem as suas condições

97colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

mento nacionalista começou a enraizar medrar, para usar uma metáfora

mista39.

(iii) aumentando a complexidade arquitectónica, por assim dizer, uma terceira

fase veio largamente sobrepor-se a estas duas primeiras, sobretudo à última.

Tratou-se (e trata-se, pois julgo que esta fase está ainda em curso) de uma

fase de apropriação pelo Estado do processo de criação de “nação”. Ou, talvez

melhor, de apropriação pelos Estados, já que foram vários. Começou com a

administração e depois a escolarização portuguesa, foi delimitada (de ma-

neira ambígua, aliás, já que a as autoridades japonesas não distinguiam

inteiramente Timor-Leste do Timor Ocidental então holandês) pela Grande

Esfera de Co-Prosperidade Asiática, sob tutela imperial, durante o curto mas

doloroso período de ocupação pelo Japão; atingiu um limite no paroxismo

da ocupação indonésia, que em paralelo recusava distinções e invariavel-

mente identificava os timorenses como “timorenses”40; “naturalizou-se”, por

assim dizer, com a independência e a criação do novo Estado timorense, que

certamente irá embutir imagens identitárias fortes no seu sistema de ensino

e educação41. Mas fora-se cristalizando há muito com a “Campanha do Café”

de emergência. Para um rasteio interessante da sua criação e evolução etimológica, convém ler

Fernando Sylvan (1995). Nenhum estudo aturado da sua utilização política infelizmente existe.39 Para citar Benedict Anderson (2001:237), “a minha impressão é a de que em 1974-1975 um

verdadeiro nacionalismo leste-timorense era ralo [quite thin on the ground]: Talvez só uma pequena

percentagem da população conseguisse então imaginar ao futuro Estado-nação de Timor-Leste”

[tradução minha]. A invasão e a ocupação indonésias, segundo ele, vieram mudar tudo isso. Eu

acrescentaria que a Diáspora, a acção da Igreja e as representações que se tornaram correntes na

comunidade internacional (e que ecoaram alto e bom som em Timor) ajudaram a essa nova

circunscrição semiológica totalizante.40 Como escreveu com argúcia Benedict Anderson (2001: 238) nunca “Suharto e os seus

generais falaram na população [da ex-colónia portuguesa] como outra coisa senão “Leste Timorenses”,

apesar de haver pelo menos trinta grupos étnicos ou tribais na região”. O que redundou em mais do

que apenas criar uma imagem de identidade. Exprimiu-a. Como também notou B. Anderson (ibid..

234), “claramente, a grande dificuldade [dos indonésios] tem sido a de se convencerem a si próprios

de que os “Leste Timorenses” são “realmente” indonésios” [traduções minhas].41 Para a importância dos sistema estaduais de educação na formação e cristalização de ideais

nacionalistas ver, por todos, Ernest Gellner (1983). Gellner, aliás, lista como importantes nos proces-

98 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

e o já referido Decreto sobre a administração local indirecta de 17 de Junho

de 1909, com a Revista do Comando Autónomo Provincial, com as “caravanas

artísticas” e os espectáculos musicais fomentados pelos militares portugue-

ses e, de maneira não deprezável, por obras científicas de que nos fala, entre

outros, Johanna Schouten, que circunscreveram e sedimentaram “os

Timorenses” como uma entidade sociocultural relativamente discreta: por

exemplo, os trabalhos de António de Almeida, de António Augusto Mendes

Corrêa e de Ruy Cinatti, de algum modo à contre sens, note-se42.

Tudo isto foi matéria-prima conceptual, por assim dizer, para os timorenses.

Foi-o, porém, de maneira ambivalente: para uns, essa circunscrição-identificação

indicava uma direcção pelo menos potencialmente integracionista, que lhes

permitia retratar-se segundo modelos conceptuais de indigenização regional

algo nativista. Para outros, muito pelo contrário, as novas circunscrições-identi-

ficações emergentes realçavam sobretudo especificidades histórico-culturais

irredutíveis; e por isso apontavam antes para uma eventual autonomização

regional virada, mal as oportunidades disponibilizadas pelo 25 de Abril de 1974

o tornaram exequível, para um projecto de um futuro comum e distinto do dos

vizinhos.

Escolher foi certamente fácil43. A ocupação pelo Estado indonésio, numa

conjuntura como esta, e dada a natureza violenta e discriminatória que assumiu,

veio, paradoxalmente, acentuar as reacções anti-indigenização daqueles

timorenses que preferiam antes um projecto virado para o futuro e baseado nas

imagens e ideias acumuladas nas fases anteriores. E, num presente como aquele,

sos de “homogeneização” de agrupamentos muitas vezes inicialmente bastante diferentes uns dos

outros a estandartização linguística, a criação de um espaço económico self-contained, a montagem

de um sistema educacional, etc.; todos factores pertinentes (uns mais realizados, outros menos) no

caso de Timor Leste.42 Pelo menos, seguramente, no caso de António de Almeida, que I. C. de Sousa (2001: 185)

sucinta e precisamente definiu como a man of the Regime. Para uma visão de conjunto, ainda que

num trabalho redigido de outra perspectiva, ver J. Schouten (2001).43 Como o atestaram os extraordinários resultados do histórico referendo empreendido, sob a

égide das Nações Unidas, em condições absurdamente difíceis para os independentistas.

99colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

terrível, que a Indonésia lhes oferecia, tornou-se decerto cada dia mais difícil

tanto querer “nativizar” na direcção assimiladora imposta, como se tornou tam-

bém quase impensável não preferir uma alternativa de futuro, quanto mais não

fosse enquanto de algum modo (ainda que tão-só simbólico) uma espécie

performativa de fuga para a frente.

Mais ironicamente, os projectos de desenvolvimento e escolarização impos-

tos pelos novos senhores indonésios, vieram dar corpo e substância a esses

sentimentos e a essas noções profundas de “semelhanças-entre-nós” e de “dife-

renças-em-relação-a-eles”. Um contraste nocional a que a violência e a religião,

com a força notável que ambas têm como dispositivos de construção identitária,

ao lhe dar realce, visibilidade e coerência, depressa transmutaram numa

contraposição nacional que foi germinando. E um contraste que com o Referen-

do de 30 de Agosto de 1999 assentou arraiais.

Nos próximos anos, agora com um novo Estado, o Estado timorense, a

configuração interna dessa contraposição “nacionalista” irá seguramente consis-

tir em versões, decerto a par e passo contestadas44, de narrativas elaboradas em

redor de imagens centrais, hoje ainda “na linha de montagem”, por assim dizer;

ou, talvez melhor, “em formatação”. Dificilmente, aliás, poderia ser de outro

modo. Como escreveu Romain Bertrand45 há pouco tempo, em 2002, num estudo

notável sobre o nacionalismo indonésio, “o imaginário nacionalista [...] não se

reduz a um discurso parado. É, pelo contrário, um construto evolutivo, fruto da

amálgama instável de repertórios distintos de noções e de representações her-

dadas de “momentos-chave” da [sua] história política”.

Em Timor o processo está em curso, e encontra-se agora em velocidade de

cruzeiro. À volta dessas versões alternativas ir-se-ão decerto coagular agrupa-

mentos de timorenses, de acordo com agendas político-nacionais em competi-

ção. O futuro dirá quais. E será ao redor dessas narrativas, e das formas de fusão

44 Para uma listagem de algumas das linhas de clivagem sociopolítica potencial que poderão

subtender essa contestação e organizar essas versões de um nacionalismo timorense pós-indepen-

dência, ver A. Marques Guedes, 2002: 8-9 e 16-17.45 Romain Bertrand, 2002: 198 [tradução minha].

100 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

que elas consigam ir cristalizando (quando estas não se revelarem incompatíveis

entre si), que um programa nacionalista sincrético segregará seguramente o

formato material do novo Estado, que irá decerto exercer pressões fortes sobre

as características formais que a Constituição de 2002 lhe deu. Em artigos ante-

riores listei algumas das principais linhas de clivagem existentes no seio da

população do novo Estado: a sua interacção, pacífica ou truculenta, irá, nos

tempos que se avizinham, redefinir a composição dessa amálgama instável de

repertórios distintos uns dos outros.

É esta a herança do processo de construção nacionalista que o Estado

independente de Timor recebeu em legado. É esta a sua genealogia e é esta a sua

arquitectura. Julgo ser esta a sua linha instável de horizonte. Trata-se de mais de

que uma herança: trata-se da acumulação de um verdadeiro património,

amealhado num equilíbrio difícil. Oxalá que com ele se consiga “fabricar

timorenses”.

101colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

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104 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

105colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Este artigo nasce de uma curiosidade muito simples: como nasceu Timor Leste?

Se a pergunta é simples, é-o apenas na sua formulação. Procurar responder-lhe

com honestidade científica não deixa grandes margens: traçar a genealogia de

Timor-Leste, do nacionalismo que sustentou um projecto de Estado e de identi-

dade nacional é tarefa de grande complexidade, em que se verifica a sua

natureza processual, dinâmica, inacabada e multidimensional, ao mesmo tempo

que se observa que explicações monistas ou propensões hegemónicas de causa-

lidade tendem a ser insatisfatórias e parciais.

O texto que agora se dá à estampa corresponde a um interesse antigo que

agora se consubstancia numa tentativa de procurar descortinar a génese e

construção do nacionalismo timorense. Não sendo exequível encontrar uma

chave fixa que permita avaliar desta emergência que é um processo de sedimen-

tação histórica, de longa duração, poderá ser, no entanto, útil individualizar um

conjunto de dados em que ela se pode basear, o que se fará com base num

exercício, em torno dos eixos que a seguir se enumeram1:

a) factores e formas de mobilização colectiva: a elaboração de mitos e narra-

tivas políticas sobre Timor-Leste e a construção do discurso nacionalista; a

“casa sagrada” como matriz sacro-política originária, os antecedentes históri-

cos do nacionalismo formulado pelas elites, e a evolução do mesmo através

da verificação de formas de experiência de uma identidade colectiva entre os

“populares”, como a adesão à resistência e à guerrilha, os partidos políticos, a

Igreja Católica, a língua Tétum, a organização da juventude urbana, a diáspora,

a identificação com personagens individuais e a formação de estereótipos: a

oposição “kaladi/firakus”, o “povo maubere”;

A construção do nacionalismo timorenseNuno Canas Mendes*

* Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.1 Cf. O modelo proposto em SOBRAL, José Manuel – A formação das nações e o nacionalismo,

in Análise Social , vol. XXXVII, n.º 165, Inverno de 2003 (1093-1126).

106 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

b) difusão e inculcação de representações de um projecto nacional: o papel

da Resistência, sua evolução, o CNRM e o CNRT, a aproximação ao conceito de

sociedade civil e a actuação das ONG, a crucial herança formativa da adminis-

tração das Nações Unidas, os actos eleitorais – o referendo de autodetermina-

ção em 1999 e eleições para a Assembleia Constituinte e para a Presidência da

República, em 2001 e 2002, respectivamente). Trata-se de um processo em

curso, e de evolução incerta de fortalecimento do aparelho do Estado (pós-

-colonial) com uma ligação que se pretende cada vez mais directa com os

modos de vida e hábitos da população, do sistema educativo, dos meios de

comunicação, do desenvolvimento de uma política externa que garanta a

integração nos grandes espaços regionais, internacionais e transnacionais;

c) a pertença regional de Timor-Leste: análise da inserção regional de Timor-

-Leste, similitudes e particularidades, com incidência na integração regional

no espaço geopolítico da ASEAN e nas relações de vizinhança com a Indonésia

e a Austrália

Claro está que o tempo não permite tirar ilacções sobre a existência de uma

identidade nacional timorense estável ou real – no sentido em que possa ser

sentida como menos discursiva e como objectivo nacionalista – em Timor-Leste.

Tal dependerá em larga medida, de uma participação consciente dos timorenses

(a sociedade civil) na empresa que é um novo país e de uma construção equilibra-

da e funcional do Estado, com uma liderança eficaz, como expressão de um

processo de identificação supra-local ou supra-étnico capaz de gerar e mobilizar

um destino comum (que mais do que uma “comunidade imaginada”, seja

vivenciada), por forma a que o projecto, nacional e nacionalista, não possa ser

considerado como espúrio e que se não vislumbre mais um caso de independên-

cia mal sucedida (o fantasma do failed state), ou cenários mais catastrofistas das

antigas guerras de suco (mesmo que revestidas de uma aparência moderna, inter-

partidária ou outra). Com efeito, se o desafio da independência uniu, não se pode

deixar de assinalar que esta união pode desvanecer-se quando confrontada com

a numerosa lista de problemas que o país enfrenta, lançando dúvidas sobre a

coesão (ou melhor, sobre a falta dela) necessária para fortalecer a individualidade

que durante o período colonial se foi tão dolorosamente afirmando.

107colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

A intenção deste texto é pois procurar os nexos genealógicos, que sincretica

e ecunemicamente, formam não uma amálgama mas uma estrutura interna da

construção identitária, que tem que ver com uma selecção de imagens-guia, de

repescagem de momentos fortes da história política e de formas intencionais de

mobilização de um colectivo que se desenrolam num processo faseado de

difusão e inculcação de um projecto nacional, como constituição cumulativa de

uma identidade nacional. Donde resulta que tal se entende como uma constru-

ção dinâmica, instrumental, com natureza processual, recorrendo a traços pri-

mordiais e a imagens com base nas quais desenvolve uma interlocução das

citadas linhas genealógicas.

1. O Estado da Questão

A um acréscimo muito significativo da atenção dada pelas Ciências Sociais

e pela Teoria das Relações Internacionais ao tema da identidade, e particular-

mente das identidades étnica, nacional ou estadual, registado a partir do início

da década de 90 do século passado, veio corresponder um interesse político e

académico de aplicação do tema ao caso de Timor-Leste, que gerou um conjunto

de reflexões sobre o mesmo e sobretudo veio dar origem a um registo discursivo

por parte dos actores mais directamente envolvidos no processo que fundamen-

tou toda uma praxis nacionalista e reforçou o argumento jurídico da autodeter-

minação. A uma vasta produção científica sobre o problema do nacionalismo das

últimas três décadas do século XX, sucedeu uma focagem (e um modismo) no

estudo da questão genérica da identidade e dos seus atributos, sendo, no entan-

to, de referir que entre os cultores das Ciências Sociais em Portugal, dos politólogos

aos antropólogos, não se verificou atracção significativa pelo tema.

No que diz respeito ao estudo da questão da natureza, evocação e discurso

da identidade timorense, o mínimo que se pode dizer é que se encontra ainda

em estado embrionário. Como escreveu José Mattoso, “até este momento, não

existem estudos suficientemente sólidos para poder definir os caracteres da identida-

de nacional de Timor-Leste. Podem-se, quando muito, mencionar umas tantas pistas

108 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

de investigação”2. Não se pode estar mais de acordo com esta afirmação, embora

seja de assinalar os contributos académicos que tentaram descortinar tais carac-

teres. É o que se faz de seguida.

Os primeiros textos que analisam a questão nesta óptica são de Benedict

Anderson, em dois artigos tão sintéticos quanto basilares: o primeiro intitulado

Imagining East Timor, de 1992, e o segundo Gravel in Jakarta’s Shoes, de 1995; em

ambos tentou explicar por que razão vinte anos passados sobre a ocupação do

território o regime de Suharto falhou a sua tentativa de integração e ajudou os

Timorenses a imaginarem-se a si próprios nessa qualidade. De referir igualmente

o parcial mas pioneiro estudo de Helen Mary Hill, intitulado Fretilin: the Origins,

Ideologies and Strategies of a National Movement in East Timor, 1978 (M.A.Thesis,

Monash University)3 e a tese de Teresa Farreras Morlanes, East Timorese Ethno-

-Nationalism, a Search for an Identity: Cultural and Political Self-Determination

(Ph.D. Thesis, Queensland University, 1991), ambas defendidas em universidades

australianas, e ainda o sugestivo The Crocodile’s Tears: East Timor in the Making,

1997, do sueco Gudmund Jannisa (Ph.D.Dissertation, Lund University), com

incursões nas teorias do nacionalismo propostas por Anderson e Anthony

D. Smith. Deste mesmo autor existe um interessante texto de 2002 intitulado

Towards a Civil Society: The long and ardous struggle of East Timor, onde se pers-

pectiva a evolução do nacionalismo timorense sob a óptica da formação de uma

sociedade civil.

Os trabalhos de Peter Carey são incontornáveis para a compreensão do

tema, destacando-se o volume por ele coordenado East Timor at the Crossroads:

the Forging of a Nation (Londres, 1995), que reúne um conjunto de artigos de

reputados especialistas sobre o nacionalismo timorense sob diferentes perspec-

tivas (entre os quais um de John G. Taylor sobre “The Emergence of a Nationalist

Movement in East Timor”), e o artigo East Timor: Third World Colonialism and the

2 MATTOSO, José – Sobre a identidade de Timor Loro Sae, in Camões, 14, Jul-Out. 2001 (6-13),

p. 6.3 Esta obra foi reeditada e reformulada pela autora, que lhe deu o título Stirrings of nationalism

in East Timor: Fretilin 1974-1978: the origins, ideologies and strategies of a nationalist movement,

Ortford, N.S.W.: Ortford Press, 2002.

109colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Struggle for National Identity, inserido na série Conflict Studies 293/294, do

Research Institute for the Study of Conflict and Terrorism (Outubro-Novembro

1996). Entre os académicos timorenses, assinale-se o trabalho de João Frederico

Boavida, com a tese sobre The fusion of Religion and Nationalism in East Timor: A

Culture in the Making apresentada ao Linacre College (Universidade de Oxford),

em 1993.

A comunidade académica portuguesa começa a dar alguma atenção ao

tema. Historicamente, não se pode deixar de mencionar o incansável empenho

do Prof. Barbedo de Magalhães e o importantíssimo papel que teve pela criação

de um fórum privilegiado de discussão do universo de problemas da vasta

“questão de Timor”, nas célebres jornadas da Universidade do Porto. Porém, no

que diz respeito à problemática do nacionalismo e da identidade timorenses que

se pretende tratar, destaca-se Ivo Carneiro de Sousa, que expôs as suas reflexões

no notável artigo publicado na Lusotopie de 2001, intitulado “The Portuguese

Colonization and the Problem of East Timorese Nationalism” (publicado neste

volume), onde caracteriza o que sucede em Timor como um longo processo

cumulativo de produção de estruturas de identificação, com um contributo da

colonização portuguesa, da resistência, da diáspora e da inserção regional e

internacional de Timor-Leste.

Armando Marques Guedes tem igualmente investigado a questão do nacio-

nalismo timorense e da identidade na formação do Estado, em Wanders and

wonders: Musing over nationalism and identity in the State of East Timor (2001,

publicado neste volume), onde, recorrendo à ideia inspiradora de Benedict

Anderson sobre comunidades imaginadas, disserta sobre a amplitude e desafios

que a “imaginação autóctone” terá de enfrentar. Noutro artigo, publicado na

Lusotopie 2001, “Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia”, já havia

abordado o tema, e finalmente, em “A complexidade estrutural do Nacionalismo

Timorense” (2002) propõe-se traçar uma genealogia e uma arquitectura do mes-

mo. De referir ainda o artigo de Lurdes Silva-Carneiro de Sousa, “Descolonização,

separatismo e nacionalismo no Sudeste Asiático: os casos da Indonésia e de

Timor-Leste”, publicado em 2000, na mesma Lusotopie.

José Mattoso, autor de incontornáveis estudos sobre a identidade nacional

110 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

portuguesa, manifestou publicamente, em entrevistas e na organização de coló-

quios, as suas preocupações com a questão da identidade timorense, incitando

a que se faça mais investigação sobre os fundamentos da consciência colectiva

dos timorenses, tendo apresentado uma síntese do seu pensamento, que deno-

minou “Sobre a Identidade de Timor Loro Sa’e”, incluído no número supracitado

da revista Camões (2002).

2. Factores e formas de identidade e mobilização colectivas

Neste ponto serão identificadas e articuladas as manifestações – factores e

formas – de mobilização colectiva, como elementos pré-formativos de uma

identidade colectiva, os quais, pela sua natureza sócio-político, podem ser con-

siderados como fundamentos potencialmente originários da emergência de

uma identidade nacional. Assim, começar-se-á por focar a influência que a

existência de mitos comuns sobre origens e ascendências comuns, passando

depois para a fixação de outro tipo de narrativa, integrada num programa

nacionalista, que é o do discurso produzido por dois dos protagonistas políticos

deste processo sobre a problemática da identidade como fundamento da inde-

pendência de Timor-Leste. Posteriormente, é analisado o percurso histórico do

movimento nacionalista, enquanto veículo fundamental do projecto, analisando

os seus antecedentes e evolução com vista a avaliar os seus efeitos mobilizadores

sobre o colectivo timorense. Assim, a sequência dos assuntos tratados é, no que

toca aos antecedentes: as origens históricas do nacionalismo timorense; as

perturbações históricas (a guerra do Manufahi, a 2.ª Guerra Mundial, a subleva-

ção de Viqueque); a educação da elite; o contacto com os nacionalismos africa-

nos; a difusão dos meios de comunicação; a influência dos deportados; a influên-

cia dos militares; a formação dos partidos: origens, influências e perspectivas

sobre o nacionalismo e finalmente a receptividade local aos partidos: No que

concerne à evolução serão abordados a formação do movimento da Resistência

e a necessidade de criar uma “identidade positiva”; o papel da Igreja Católica; a

importância de uma língua nacional e os desafios da adopção da língua portu-

111colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

guesa; os movimentos de jovens: a 2.ª geração nacionalista; a frente externa da

Resistência: a diáspora timorense; a identificação com personagens individuais e

por último a formação de estereótipos: Kaladis/Firakus e “Povo Maubere”.

2.1. Os mitos fundadores

Neste ponto procurar-se-á chamar a atenção para a importância dos mitos

e dos símbolos veiculados pela tradição oral na génese de um imaginário colec-

tivo, designadamente no que às origens diz respeito, bem como na formulação

de um destino histórico. O fundo mítico timorense – kanoik, a palavra em Tétum

para lenda, mito, fábula4 – é extraordinariamente rico e indicia uma consciên-

cia de comunidade antiga. Está bastante vulgarizado o mito Tétum de origem

e ascendência comum encontrado na ilha: Timor deriva de um crocodilo

que trouxe no seu dorso o primeiro habitante antepassado de todos os timo-

renses.

Num sentido poético, o P.e Barros Duarte referia-se a uma alma timorense, no

jornal Seara, quinzenário da diocese de Dili, de 2 de Abril de 1958, evidenciando

que as características dos povos de Timor não tinham ainda “sido absorvidas por

uma evolução que se vem processando desde há quatro séculos em contacto

com o povo civilizador”5, conservando as suas línguas, os seus costumes e a sua

mitologia. Esta observação é clara quanto à ideia de uma identidade e de uma

tradição próprias aos vários povos de Timor, onde o P.e Duarte encontra uma

certa ideia de vivência colectiva, a formarem a referida alma timorense, com o

contacto com o povo civilizador como mínimo denominador comum. Acresce que

a expressão denuncia a consciência de um fundo mítico congregador de uma

existência histórica.

4 SANTOS, Eduardo dos – Kanoik: Mitos e Lendas de Timor. Lisboa: Serviços de Publicações da

Mocidade Portuguesa, 1967. Sobre o tema ver também CAMPOS, Correia de – Mitos e Contos do

Timor Português, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1967.5 Apud PEREIRA, Helena Ventura – Timorenses num Portugal em Mudança – Análise sociocultural

de um processo de exclusão social, Estudos Políticos e Sociais, Lisboa: ISCSP, 1994/95/96 (293-439), p. 326.

112 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Em sentido idêntico, Ezequiel Enes Pascoal, um missionário que desembar-

cou em Timor em 1932, assinala a existência daquilo a que chama uma cosmogonia

sui generis que configurava uma mitologia fundadora comum6. Note-se que

Ezequiel Pascoal chama a atenção para a existência de lendas sobre os fundadores

das dinastias autóctones, evidenciando que a mitologia documenta não só as

origens da terra mas também já as suas divisões políticas. A ficção timorense,

fixada nas narrativas e lendas de transmissão oral, constitui um elemento essen-

cial para o estudo das raízes do nacionalismo, sendo de sublinhar que os cinco

séculos de colonização originaram o que Pascoal chama de contos mestiços, por

conterem referências a elementos da cultura portuguesa. Este contacto permitiu

a formação de um tipo de identidade, por contraste com o estrangeiro – a

existência de malae é um reconhecimento do outro, tendo originado uma curiosa

associação do mito das origens referido com um mito de ligação entre timorenses

e portugueses, como explica António de Almeida: “(...) a ilha outra coisa não é do

que um gigantesco crocodilo7, emergido do oceano, no sentido leste-oeste. O jacaré é

um animal reverenciado por muitos Timorenses; chamam-lhe avô, manifestando a

sua veneração por meio de estilos ou práticas mágico-religiosas, que consistem em

sacrifícios de porcos e de outros animais domésticos, abstendo-se de molestá-lo,

mesmo quando ele consiga matar e deglutir algum patrício. Neste caso particular, o

repelente sáurio incarna o espírito de Deus justiceiro, sendo, por isso, a sentença aceite

resignada e respeitosamente. O réptil aparece frequentemente no folclore local””8.

É neste contacto cultural e nas adaptações que as culturas dos vários grupos

étnicos fazem da cultura portuguesa que Jannisa vê a formação de uma memória

partilhada (elemento central do conceito de etnia, conforme Anthony D. Smith),

no sentido em que é mais ou menos comum a todos os grupos e já não específico

da cultura oral de cada um dos grupos.

6 PASCOAL, Ezequiel Enes – A alma de Timor vista na sua fantasia. Braga: Barbosa & Xavier, 1967,

p. 23.7 Existem diversas versões da história da fundação de Timor e da sua relação com o crocodilo,

que não são aqui enunciadas.8 ALMEIDA, António de – Timor e alguns confrontos etnográficos. Separata do Boletim do

Instituto Vasco da Gama, n.º 80, Bastorá-Goa: 1961, p. 2.

113colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Mas para além da mestiçagem cultural, é muito importante sublinhar aqui a

existência de uma mitogénese dinâmica que denuncia as divisões políticas

desde remotas eras, facto que percorre toda a história da ilha. Patricia Thatcher

documenta a antiguidade dos mitos estabelecendo tais divisões, que ela encon-

trou em cinco grupos etno-linguísticos na parte ocidental e central de Timor-

-Leste (designadamente nos Kemak, Bunak, Tétum, Mambai e Tokodede). Embora

variem nos pormenores, o conteúdo dos mitos é sempre o mesmo: em tempos

remotos, um rei governava toda a ilha. O rei teve um filho e uma filha. A parte

oriental da ilha, mais fértil, deu-a à filha, a ocidental, mais extensa, deu-a ao filho.

Então ficou estabelecido que a condição para receberem e governarem as

respectivas partes seria que nunca interagissem9.

Esta similitude configura o tantas vezes evocado o dualismo social e histó-

rico que distinguia o elemento “original, autóctone” dos “invasores ancestrais” ou

o “povo da montanha” do “povo do mar” (da costa)10. Parece haver em todos os

grupos etno-linguísticos uma filosofia de vida em torno de “oposições comple-

mentares” em pares ordenados, em que a cosmologia e a tradição funcionavam

para conservar o equilíbrio sempre que ocorressem anomalias no interior ou de

fora para dentro do sistema11.

Tal diferença entre o intrínseco e o extrínseco e os contactos inter-étnicos

daí decorrentes, que por vezes originaram a celebração de complexas alianças

contra a unidade criada pelo colonizador mas também com ele, são indícios de

uma tessitura política, religiosa, social e cosmogónica variada e configurando

identidades diversas.

Quanto à influência do malae e da sua incorporação na tradição oral e na

cosmogonia timorense, os estudos até agora elaborados trazem esclarecimentos

9 Entrevista a Patricia Thatcher de JANNISA, Gudmund – The Crocodile’s Tears: East Timor in the

making, Lund: Lund University: Department of Sociology, 1997, p. 273.10 Na mesma linha GUNN, Geoffrey C. – Timor Loro Sae, 500 anos, Tradução de João Aguiar,

Macau: Livros do Oriente, 1999, p. 41, refere as conclusões de Lazarowitz sobre os Makassai (tese de

doutoramento de 1980), as quais apontavam para um equilíbrio sócio-político resultante de “oposi-

ções dualistas complementares e associações analógicas”.11 JANNISA, Gudmund – Towards a Civil Society: The long and ardous struggle of East Timor.

www.orient4orient.su.se/EastTimor/TowardsaCivilSociety.pdf. Consultado em 20.11.2002.

114 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

sobre alguns grupos e contribuem para provar a ideia de que o confronto com

o exterior terá reforçado o sentido da identidade e criado curiosas adaptações

fusões culturais, como no caso dos Mambai investigados por Elizabeth Traube,

que consideravam os portugueses seus irmãos mais novos.

Parece ser, portanto, da maior importância a incorporação das lendas e dos

mitos timorenses no corpo do projecto nacional, ainda que sejam, algumas delas,

historicamente mais representativas de determinados grupos etno-linguísticos12.

2.2. A noção de Casa e a assimilação à nação

Não é necessário demonstrar quão importante podem ser as pistas de

leitura da Antropologia Política e Social (em natural associação com a História),

para percorrer a diversidade e a complexidade do mundo timorense, no estudo

da génese de toda a questão. Com efeito, a organização social e simbólica

tradicional dos timorenses é uma das chaves para perceber Timor. A apreensão

da tessitura sócio-política é essencial para compreender o quadro em que se

inscrevem as estruturas identitárias que ela descreve e bem assim os fundamen-

tos etno-simbólicos e o desenvolvimento do nacionalismo.

Inspirador desta linha de pensamento que sublinha a importância de uma

matriz sacro-política originária foi o artigo de Shepard Forman intitulado “Descent,

alliance and exchange ideology among the Makasae of East Timor”, incluído na

antologia de James Fox, intitulada The Flow of Life: Essays on Eastern Indonesia

(1980), obra da maior importância porquanto identifica um conjunto de catego-

rias sociais dos vários povos da Indonésia oriental, tais como o significado

cosmológico de casa ou as particularidades e significado do fluxo (“the flow”) de

mulheres como elemento constitutivo do “fluxo da vida”13. Registe-se que em

Portugal a importância da questão já havia sido notada por Ruy Cinatti nos

12 SMITH, Anthony D. – A Identidade Nacional, Lisboa: Gradiva, 1997, p 61.13 FOX, James J., ed. – The Flow of Life: Essays on Eastern Indonesia. Cambridge, Massachussets:

Harvard University Press, 1980.

115colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

exaustivos levantamentos etnológicos por ele levados a cabo durante anos em

Timor. Também ele sublinha o “simbolismo cósmico do mundo expresso na aldeia

e na casa de habitação”14 que ele vê retomado na casa sagrada (uma lulik)15.

Há, no entanto, que realçar aqui a relação que se pode estabelecer entre os

estudos antropológicos e os estudos políticos, e tirar o devido proveito dos

pontos de intersecção entre uns e outros. É pois nesta postura, que se retomam

os já citados estudos de Cinatti, Forman, Traube na perspectiva do respectivo

contributo para o debate sobre o nacionalismo timorense não só pelo trabalho

de conceptualização em torno de unidades socio-político-culturais da maior

relevância como pela chamada de atenção para as múltiplas afinidades entre os

povos de Timor Leste e Timor Ocidental, e até com os povos do arquipélago de

Sunda (ou Indonésia Oriental). Deles sobressai o já citado conceito de casa,

núcleo da família-linhagem e dos seus elos de solidariedade, matriz identitária

essencial para os povos do sudeste asiático e, ao mesmo tempo, metáfora da

moderna nação (por assimilação com um modelo externo de organização social

e política que é necessário tornar inteligível a um maior número possível de

indivíduos). A pertinência do conceito é tanto maior quanto o facto de, com

frequência, se ter verificado que os discursos nacionalistas deitam mão à utiliza-

ção de estruturas, valores e ideias tradicionais como forma de “ilustrar” a doutrina

e os fins que sustenta, numa táctica de simplificação que a torne acessível à

grande maioria dos actores sociais16. Como refere Armando Marques Guedes, no

Sudeste Asiático, a construção deste nexo faz-se através de entidades como a

família, o parentesco, a co-residência, a casa, a localidade, o local de origem, as

precedências ou a identidade religiosa: “Trata-se de representações cuja tónica

está colocada em ideias de uma ‘consanguinidade’, ou de uma ‘consubstância’, me-

14 CINATTI, Ruy; ALMEIDA, Leopoldo de; MENDES, Sousa – Arquitectura Timorense. Lisboa:

Instituto de Investigação Científica Tropical, 1987, p. 38.15 Existem expressões equivalentes nas outras línguas. Assim, por exemplo, em Makassai, a

casa sagrada é a omafalu; em Bunak é deu phó.16 A este propósito, leia-se a sugestiva hipótese de SOBRAL, José Manuel – Da Casa à Nação:

Passado, Memória, Identidade, in Etnográfica, Revista do Centro de Estudos de Antropologia Social,vol.

III, n.º 1, 1999.

116 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

tafóricas, em imagens de ‘fraternidade’ ou de ‘companheirismo’, em invocações de

uma ascendência e de uma origem ou localização espacial comuns”17. A nação vista

como casa é uma unidade vivencial que “circunscreve uma unidade sacralizada,

em torno da qual, em actos e processos rituais, se posicionam e articulam processos

de identificação e pertença”18.

Ora a casa – a casa sagrada, como é designada em Timor – é um conceito

que, mais do que mera unidade familiar, simbólica e patrimonial, encerra uma

cosmovisão dúplice, que confere ao poder duas componentes que conformam o

que se pode designar de oposição complementar dualista: uma sagrada/ritual e a

outra secular/política, as quais se inserem numa lógica de pares ordenados.

Como explica Elizabeth Traube, está em causa um sistema social fundador que se

estruturou numa ideologia política diárquica ou dualista, em que os poderes se

complementam (entre a autoridade política, activa, e a autoridade ritual, passiva,

esta última legitimadora da primeira)19. As relações sociais, políticas e económi-

cas são articuladas por uma categorização binária absolutamente central para

uma compreensão de estatutos e de hierarquias.

O mundo, que a casa sagrada representa como unidade-base, é formado por

várias casas organizadas hierarquicamente, em torno de uma ideologia de trocas

assimétricas de indivíduos e de bens (casamentos/alianças), geradoras de rela-

ções tensas e de equilíbrios instáveis. A casa sagrada faz a ligação com os

antepassados, com o mundo dos espíritos invisíveis e tem um significado muito

importante como símbolo da continuidade das gerações e da fertilidade. A

entrada de Portugal no sistema faz-se também por via da aliança, originando

curiosos fenómenos de integração – como a que ocorreu entre os Mambai, que

17 GUEDES, Armando Marques – A complexidade estrutural do nacionalismo timorense (publica-

do neste volume). O conceito é comum a todo o território, bem como ao Sudeste Asiático em geral,

como demonstra Charles MacDonald, ed. – De la hutte au palais. Sociétés à “maison” en Asie du Sud-

-Est insulaire. Paris: Éditions du CNRS, 1987.18 GUEDES, A.M. – ibid.19 TRAUBE, Elizabeth – Mambai Perspectives on Colonialism and Decolonization, in CAREY,

Peter; CARTER BENTLEY, George – East Timor at the Crossroads: The Forging of a Nation, London:

Cassell, 1995 (42-55), p. 44.

117colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

designaram os portugueses de irmãos mais novos – na organização social e

política dos vários reinos.

A casa sagrada é pois uma síntese simbólica do cosmos, e em termos físicos

a sua arquitectura reflete-o. A sociedade organizada em linhagens, de organiza-

ção patrilinear, pratica o casamento exogâmico20, fora do universo do suco21,

estabelecendo através dele e do barlaque uma comunicação, a referida aliança –

espécie de pacto social e político – e eventualmente uma dominação sobre outro

grupo, com uma forte componente territorial (e, neste sentido, como escreve

Justino Guterres, as alianças “servem não só para estabelecer e fortalecer os laços de

família, mas também para cimentar as relações políticas e económicas”)22.

A chegada dos portugueses e, muito especialmente, dos missionários veio

sobrepor à complexa lógica de organização social vigente, uma estruturação de

tipo feudal, classificando como reis os chefes nativos e reconhecendo,

inclusivamente, um imperador; ao mesmo tempo, o sistema de alianças prevale-

cente ampliou-se, incluindo o elemento português, de que constitui exemplo o

sistema mambai que o classificou de irmão mais novo, como demonstra Elizabeth

Traube. A formação do grupo mestiço dos poderosos Topasses não deixou de

incorporar a estrutura social e de parentesco vigente, formando novas casas que

se inseriram no circuito de trocas existente. O fenómeno, tendo chegado até aos

dias de hoje, dá à “identidade nacional” uma “tendência crioulizante”, com reflexos

obviamente linguísticos, mas religiosos, culturais, onomásticos, etc, que sugere a

comparação dos Topasses com os timorenses de hoje no multilinguismo: uns e

20 Cf. GUTERRES, Justino – Para uma antropologia do sistema de alianças em Timor: o caso dos

Makasae, in Lusotopie 2001 (173-181), p. 180.21 SOUSA, Ivo Carneiro de – “The Portugueze Colonization and the Problem of East Timorese

Nationalism”, in Lusotopie 2001, Paris: Karthala, 2001 (183-194), p. 187, explica o sistema: “As noivas

eram escolhidas fora do suco (grupo de aldeias), criando então relações entre duas aldeias, a do marido

(Fetosá) e a da mulher (Umane). O homem da aldeia fetosá podia continuar a casar com mulheres da

aldeia umane , mas o contrário era proíbido. Ao mesmo tempo, as normas da circulação social e familiar

estavam estabelecidas: o filho do liurai (o rei local) só podia casar com a filha de outro liurai ou de um

dato (da nobreza local). A poligamia era comum entre estes sectores da elite...” (tradução do autor).22 IDEM, ibid., p. 173.

118 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

outros falantes de uma língua local timorense (preferencialmente Tétum), bem

como de Português e Malaio (Bahasa indonésio)23.

Esta nova realidade, configurada por elementos externos, veio justapor-se à

noção de classe existente, que, como o considerou Ruy Cinatti, era um “sistema

mais íntimo e rígido que é índice iniludível das relações culturais mantidas com o

sudeste asiático”24.

De referir ainda que, em estreita associação com a noção de casa, as relações

de parentesco genealógico da aristocracia territorial tradicional (dos liurais e

respectivas dinastias) constituem um instrumento fundamental do estudo da

história de Timor que aponta para um sistema político e social de raízes profun-

das, com especial interesse no que toca às formulações do poder inter-étnico e

à aproximação luso-timorense. Anthony Smith também evoca este aspecto,

quando refere a nação vista como uma “superfamília” imaginária25. A estrutura do

parentesco está fortemente arreigada na sociedade timorense, o que se manifes-

ta nas mais variadas áreas, de que se citam, como exemplos, a que tem que ver

com a escolha do cônjuge ou com o culto dos mortos. Os lia’nin, contadores das

histórias tradicionais, desfiam as genealogias das linhagens, e a nobreza tradicio-

nal foi historicamente preservada, com os seus privilégios e prerrogativas (com

o apoio português). Dando continuidade a esta realidade, o partido Kota (Klibur

Oan Timor Asuwain, ou seja “filhos dos guerreiros das montanhas”), formado em

1974, e reformulado em 2000, vem reivindicar a defesa da tradição e da cultura

timorenses, pretendendo constituir uma associação de famílias de liurais.

A realidade estruturante aqui descrita foi sendo desgastada por décadas de

um afluxo crescente da população a Díli, com o consequente abandono das

aldeias natais, mas a maior devastação foi levada a efeito quer pela deslocalização

das populações durante a ocupação indonésia quer pelas milícias pró-

-integracionistas após o referendo de 30 de Agosto. Já no tempo da administra-

23 FOX, James J. – “Tracing the Path, Recounting the Past”, in FOX, James J.; SOARES, Dionísio

Babo – Out of Ashes: Destruction and Reconstruction, Adelaide: Crawford House, 2001, p. 26.24 CINATTI, Ruy; ALMEIDA, Leopoldo de; MENDES, Sousa – Ob.cit., p. 30.25 SMITH, Anthony D. – A identidade nacional, p. 25.

119colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

ção colonial portuguesa se haviam tomado medidas que contrariavam o hábito

dos Timorenses de construirem as suas habitações em locais mais ou menos

isolados, o que faziam para se defender do inimigo, fosse ele um incêndio, uma

epidemia ou uma autoridade. Com esta atitude, demonstravam o seu desrespei-

to pelas laços genealógicos que mantinham com os locais que escolhiam para

viver, e deste modo foram criadas comunidades aldeãs já sem a mesma lógica de

unidade genealógica preexistente.

O desrespeito hodierno pela casa sagrada esquece o seu simbolismo cultual

e político e a memória dos mortos, quebrando importantíssimos elos linhagísticos

e genealógicos e interrompendo de forma abrupta a linha da continuidade

histórica, com benefícios duvidosos até mesmo na perturbante lógica do pro-

gresso, criando descontinuidades que são acidentes irreparáveis. A aculturação

colonial e internacional gerou dinâmicas inevitáveis e irreversíveis26. É, em todo

o caso e apesar da erosão que sofreu, ainda inegável o valor simbólico da casa

enquanto matriz e a sua assimilação à nação, como casa comum de todos os

timorenses.

2.3. A natureza multidimensional do nacionalismo timorense

As origens, evolução e manifestações do nacionalismo podem ser vistos

através de vários ângulos de entrada, não apenas como construção histórica da

cultura mas também como determinante da história. É pois neste sentido dinâ-

mico, multifacetado e interdependente que se deve tentar compreender a sua

génese, tanto no que se refere à formulação como à aplicação. A história fornece

um fio condutor, evolutivo, que decorre de uma observação empírica dos factos,

26 Cf. CENTENO, Rui M.S.; SOUSA, Ivo Carneiro de – Uma Lulik Timur, Casa Sagrada do Oriente,

Catálogo da Exposição no Edifício da Alfândega do Porto (15 de Dezembro de 2001-27 de Janeiro de

2002), Porto: Reitoria da Universidade do Porto – Faculdade de Letras da Universidade do Porto,

CEPESA, 2001., pp. 13-18. Sobre o assunto ver o texto fundamental de HOHE, Tanja – “The Clash of

Paradigms: International Administration and Local Political Legitimacy in East Timor”, in Contemporary

Southeast Asia, vol. 24, n.º 3, December 2002 (569-589).

120 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

permitindo inferir das constantes e linhas de força, recorrendo à expressão de

Borges de Macedo noutro contexto aplicada. Mas a utilidade deste exercício

ficaria comprometida se limitada a esta pauta histórica, sendo possível e desejá-

vel entrever o nacionalismo por uma via mais essencialista, cultural, mas também

por outras de importância crucial como a político-administrativa e religiosa,

identificando ainda as condicionantes externas do mesmo. Parece ser este o

posicionamento mais cordato e que, de algum modo, não tem sido a opção

prevalecente, porque a literatura existente acusa preferências e tónicas, optando

por preterir um ponto de vista ecunémico e globalizante sem o qual a

multidimensionalidade do nacionalismo se perde. Na realidade, o que parece ter

despertado os estudiosos da questão de Timor-Leste e em particular o seu

movimento nacionalista foi a surpresa de verificarem uma improvável resistência

ao aparentemente inabalável ocupante. Não sendo caso único, que resultava

daquilo a que se convencionou chamar de direito à autodeterminação, parecia

extraordinária a obstinação com que se opunham à integração e o modo como

o faziam, que impediam o exército indonésio de ter um controlo total da situa-

ção. Avançaram-se hipóteses várias, desde as que sustentavam as especiais

aptidões do território para a guerrilha, à reacção ao tratamento brutal que era

infligido pelos militares ou ainda o desejo destes ali manterem uma espécie de

campo de treino contra inssurreições, conservando aquele que já constituía uma

espécie de feudo institucional27. Todas elas de pendor imediatista, tendiam a

esquecer a importância da organização social, da história ou das características

do movimento nacionalista, em cuja análise John Taylor encontra a resposta.

Também esta postura parece redutora por sobrevalorizar a resistência como

corolário do nacionalismo.O próximo passo será pois considerar retrospectiva-

mente a evolução do nacionalismo timorense.

27 TAYLOR, John G. – The Emergence of a Nationalist Movement in East Timor, in CAREY; CARTER

BENTLEY – East Timor at the Crossroads: The Forging of a Nation, London: Cassell, 1995, p. 21.

121colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

2.3.1. Antecedentes: origens históricas do nacionalismo timorense

O projecto nacionalista de Timor tem sido apresentado como tardio e

tímido, com origem na pequena elite urbana de Díli, como o denotam as

principais formações partidárias timorenses e respectivos programas, nascidos

depois do 25 de Abril de 1974. Há, no entanto, que referir que a investigação de

Moisés Silva Fernandes veio trazer nova luz ao assunto, na medida em que

revelou a formação de dois movimentos de inspiração islâmica criados na década

de 60, que embora tenham falhado nos seus objectivos e eclipsados da história,

foram pioneiros28. A sobressaliência dos citados partidos – sobretudo da ASDT/

FRETILIN, UDT e APODETI – e de alguns dos seus líderes tendeu a apagar do

passado estes acontecimentos e portanto os “founding fathers” de Timor tende-

ram a valorizar o momento político da mudança de regime em Portugal em que

os seus projectos se definiram, independentemente de preconizarem opções

diversas, quer pelo futuro com ligação a Portugal, quer pela independência total,

quer ainda pela defesa da ideia da inviabilidade de Timor obviada pela integração

na Indonésia (e respectiva incorporação na própria doutrina nacionalista

indonésia).

Ao contrário do que sucedeu noutros territórios do império colonial portu-

guês onde existiam eficazes movimentos nacionalistas, o nacionalismo timorense

a sustentar a autodeterminação manifesta-se sobretudo em simultaneidade com

o propósito português de descolonizar Timor-Leste e desenvolve-se sobretudo

durante a resistência à Indonésia, uma antiga colónia e fundadora do Movimento

dos Não Alinhados, o que torna o caso timorense invulgar (como objecto de um

28 Não se pode deixar de mencionar factos que são manifestações nacionalistas. Com efeito,

logo após o incidente de Viqueque em 1959, formaram-se dois movimentos de inspiração islâmica

que pretendiam pôr termo ao statu quo colonial, designadamente a “República de Timor-Dili” e o

“Bureau de Libertação da Uni Republic Timor”, sendo que este último chegou a proclamar a União

da República de Timor, em 1961, sendo mais tarde integrado na APODETI. Sobre o assunto, ver o

artigo de Moisés Silva Fernandes publicado neste volume e ainda, do mesmo autor, “A Política da

Indonésia em relação ao Timor Português, 1960-1963: Um caso de irredentismo contido?”, in

Daxiyangguo, n.º 7, 1.º semestre 2005 (109-149).

122 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

colonialismo de um país que também ele havia sido colonizado). Como notou

Benedict Anderson, verificando que no processo as elites (com um elemento

mestiço importante) demonstraram dúvidas identitárias e pertenças divididas,

no período de 1974-75 o nacionalismo era tíbio pois só uma pequena percenta-

gem da população poderia verdadeiramente imaginar Timor-Leste como um

futuro Estado-nação29. Faltava, antes daquelas datas, um sentido de identidade

colectiva e nem sequer fermentara um nacionalismo entre as elites locais.

À parte o episódio sangrento da guerrilha de D. Boaventura no princípio do

século XX, fundador da dicotomia Kaladis/Firakus e de uma administração colo-

nial mais directa, bem como o levantamento de Viqueque (em que se revelaram

os adeptos da integração na Indonésia, mais tarde reunidos na APODETI), segui-

do das perturbações dos movimentos islâmico-malaios da década de 60, que

afectaram só muito ligeiramente a ordem, não se conhecem outras manifesta-

ções relevantes de contestação política à ordem colonial. Com efeito, não pare-

ciam estar reunidas as condições para que tal sucedesse de outra forma. Se por

um lado a integração ou formação da elite (mestiça em grande parte dos casos)

no funcionalismo público parece ter atenuado pulsões e influências

descolonizadoras, por outro lado, a situação periférica da ilha, a fraca difusão da

imprensa e de outros meios de comunicação, a reduzida escolarização, a manu-

tenção de boas relações diplomáticas com a Indonésia e o desinteresse estraté-

gico internacional durante a Guerra Fria pela ilha contribuíam igualmente para

este estado de coisas.

Não há dúvida de que o exercício de compreensão de uma “resistência

primária”, que precederam a génese do nacionalismo, pode ser de grande utili-

dade, desde que não sejam confundidos fenómenos de natureza diversa (revol-

tas contra liurais mais despóticos, questões tributárias, ou conflitos entre reinos,

por exemplo) e que não se forcem nexos de causalidade ou genealogias que não

existem. A menos que esteja em causa uma fundamentação do presente num

passado ficcionado. O que obviamente não retira o interesse a uma análise

aprofundada do impacto, amplitude, motivações e actores desses episódios de

29 ANDERSON, Benedict – “Imagining East Timor”, in Arena, 1992, p. 3.

123colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

contestação da presença colonial e dos traços que deixaram na memória histó-

rica oral dos povos de Timor.

Refira-se que, com excepção do ensaio de doutrina, de pendor historicista e

marxizante, de Abílio de Araújo30, como tentativa de detectar sinais de um proto-

nacionalismo, são esparsas as referências de outros nacionalistas, como Xanana

Gusmão ou Ramos-Horta, a movimentos organizados que pretendessem uma

alteração do statu quo. Não se desenvolveu de forma assinalável uma historiografia

que se poderia qualificar como nacionalista, nem sequer uma invenção da tradi-

ção que pudesse interpretar determinados factos históricos como inabaláveis

indícios de nacionalismo. Geoffrey Gunn chama a atenção para este facto na sua

obra de síntese Timor Lorosae: quinhentos anos.

Valerá a pena reter a tentativa de apropriação da sublevação de D. Boaventura

como sinal de proto-nacionalismo, sugerindo a incitação ou participação de

timorenses assimilados e urbanos (membros, alguns deles, ao que parece, da loja

maçónica Oceania em Díli, fundada pelo juiz-poeta Alberto Osório de Castro),

aparentados e em comunicação com os liurais, induzidos por europeus inimigos

do governador, na formação de um anticolonialismo a que o movimento viria dar

espaço de manifestação (e sintetizando tendências contrastantes, entre o regres-

so à tradição pré-colonial e o progressismo republicano)31. A instrumentalização

do acontecimento, como um ensaio, em larga escala, de luta de resistência,

obscurece naturalmente outras explicações históricas plausíveis (como a que faz

de D. Boaventura um agente do colonialismo holandês), mas traz uma sustenta-

ção adicional, rebuscada no passado, para a autodeterminação. Assim o enten-

deram homens como Araújo ou o próprio Ramos Horta. Para além do mais, a já

30 Para Abílio de Araújo, no opúsculo Timor-Leste: os loricos voltaram a cantara história timorense

dividia-se em duas grandes fases, a primeira, de 1642 a 1912 das guerras independentistas; a segunda,

de resistência passiva, marcada pelo aparecimento das colunas negras anti-portuguesas e pela

revolta de Viqueque, donde saíu o movimento de libertação nacional. Araújo vê a criação de grupos

de elite como um elemento essencial da ocupação portuguesa, através da corrupção das elites

tradicionais pela doação de privilégios às chefias e pela promoção de rivalidades entre timorenses.31 PÉLISSIER, René – Timor en guerre: le crocodile et les portugais (1847-1913), Orgeval: R. Pélissier,

1996., p. 254.

124 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

mencionada divisão kaladis/firakus, implantada nesta fase, para distinguir os

habitantes da parte ocidental dos da parte oriental de Timor-Leste, trouxe uma

consciência colectiva supra-local (ou uma comunidade imaginada) e a formação

de estereótipos associados, o que sem dúvida constituiu um passo para, pela

reunião das duas partes, nascer o conceito de “timorense”. Esta dimensão imagi-

nária supra-local, que a divisão induz ao estereotipar dois grupos de pertenças,

acrescenta à dimensão política outros aspectos a meu ver da maior importância

na constituição cartográfica de Timor-Leste:

1) a definição do território, ou seja, das fronteiras com o Timor holandês só é

concluída com a ratificação do tratado em 1916, depois da revolta de Manufahi

(e da divisão dela resultante supracitada). Um e outro aspecto dão solidez,

ainda que muito circunscrita, à noção de que existia um reconhecimento

externo de uma entidade designada como Timor português inscrita num

mundo exterior32. Ao mesmo tempo, é curioso que só depois das revoltas e da

consequente pacificação, se tenha definido este mesmo território, com um

traçado de fronteiras que, grosso modo, corresponde ao seu aspecto actual.

Independentemente dos trâmites seguidos no processo de negociação entre

os dois países, a definição das soberanias surge como um acto fundador da

maior relevância da entidade que viria a ser Timor-Leste.

2) a identificação do território do Timor português passa a ser, a partir de 1974

e da formação dos partidos e respectivos programas políticos e nacionalistas,

mas sobretudo com a afirmação da FRETILIN, Timor-Leste, um projecto de

Estado que, não tendo vingado, ficou conhecido por essa denominação

geográfica.

Parece, no entanto, artificial falar de uma consciência colectiva antes de

1974 – sendo seguro que com maior definição ela se vai manifestando durante

a colonização indonésia nas formas de reacção-resposta dos timorenses –, ainda

que a invasão nipónica tenha posto em evidência a coexistência de elementos

32 JANNISA – Towards a Civil Society..., p. 26, refere-se a esta percepção, que ele interpreta como

uma primeira e pouco partilhada “comunidade imaginada”, da elite local formada nas escolas

portuguesas.

125colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

contraditórios, coexistindo um esprit de corps de resistência ao invasor (em

colaboração com os portugueses ou os australianos) com o colaboracionismo

terrorista das “colunas negras”; quando muito, parte da elite teria essa consciên-

cia, até porque sabiam que, de fora, assim eram reconhecidos e denominados.

Em todo o caso, delineia-se neste momento com maior clareza uma relação nós-

-outros, fundamental para a identificação do que é próprio e do que é diferente,

inclusivamente nas atitudes xenófobas relativamente ao malai (estrangeiro).

Seguidamente, enumeram-se alguns dos prolegómenos ao nacionalismo

timorense: perturbações históricas; a educação da elite; contacto com os nacio-

nalismos africanos; difusão dos meios de comunicação; a influência dos deporta-

dos; a influência dos militares:

Perturbações históricas: De 1912 em diante, as perturbações de Viqueque

de 1959 e outras, como os pouco conhecidos grupos Amigos de Timor-Dili e

União da República de Timor, estudados por Moisés Fernandes, fundados no

princípio da década de 60 e de inspiração islâmico-malaia, compostos por

indivíduos não-nativos de Timor-Leste, são circunscritas geograficamente e so-

bretudo vistas como resultantes de influências externas. Põem em relevo as

clivagens naturalmente lesivas para a emergência de um nacionalismo capaz de

vingar e por este motivo são pouco referidas no registo discursivo. Com efeito, a

referência local tendia a prevalecer e apesar das tentativas de se lançar um

movimento de massas que captasse os camponeses, em 1975, não era seguro

que o ser timorense tivesse um significado real e que fosse mais importante do

que pertencer ao grupo makassai ou ser nativo de Bobonaro. A memória de

D. Boaventura ou da invasão nipónica eram referências úteis (sobretudo esta

última, pela criação de um inimigo comum), embora a avaliação do seu contributo

levantasse algumas dúvidas. Estava em causa conhecer os agentes hodiernos da

transformação e compreender as motivações dos protagonistas dos aconteci-

mentos posteriores a 25 de Abril de 1974, o que remetia para a questão das elites

(e das respectivas origens, influência, colaboracionismo, etc.).

Neste sentido, é importante ter em conta que a colonização portuguesa

teve um forte apoio das elites tradicionais, quer pela conversão quer por uma

126 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

cooptação de feição militar, não alterando as estruturas de poder existentes mas

integrando-se nelas; esta atitude sofreu uma alteração depois das “campanhas

de pacificação” e por isto a guerra do Manufahi é um marco histórico fundamen-

tal: definem-se fronteiras e reforça-se a dominação colonial, a partir de então

muito mais directa e envolvendo, por vezes, “arranjos” na elite local no caso de a

sua “fidelidade” não estar garantida, objectivo a que não era alheio o acesso ao

ensino dos filhos dos liurais com vista a uma integração na máquina burocrática

do Estado, de que eles eram uma corrente transmissora. Para além do mais, o

contributo de uma elite mestiça, formada por comerciantes, plantadores, fun-

cionários e descendentes de degredados e deportados políticos tinha uma

função crucial como agente de mudança (como outrora os Topasses), tendo

maior contacto com o mundo extra-timorense, e assumindo grande protagonismo

em todo o processo. Nesta perspectiva, as alterações à natureza das relações de

poder não podem ser desligadas desta compreensão do papel e evolução da

elite, sobretudo no período imediatamente anterior ao início do movimento da

descolonização orquestrado a partir de Lisboa.

A educação da elite: As reduzidas elites, nativas ou mestiças, em grande

parte educadas no Seminário jesuíta de Dare e depois estabelecidas em Díli, têm

um papel crucial no lançamento das bases programáticas de um nacionalismo

timorense, na posterior acção político-partidária e na resistência33. Embora os

padres da Companhia de Jesus não fossem revolucionários, afastavam-se do

padrão do sistema educativo colonial, pois os professores com alguma frequên-

cia tratavam de temas como a evolução política asiática, o desenvolvimento

económico, a identidade timorense. Deste modo, forneciam aos alunos quadros

de referência alargados, que lhes permitiram pensar o futuro de Timor fora da

lógica estritamente colonial. Muitos destes estudantes, que também frequenta-

33 HILL, Helen Mary – Fretilin: the origins, ideologies and strategies of a nationalist movement in

East Timor, MA Thesis (umpublished): Monash University, 1978, p. 69 – “Não havia nenhum movimento

em Timor-Leste antes de 1974 que pudesse ser chamado de nacionalista a não ser o reduzido grupo que

se reunia em Díli”.

127colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

ram o ensino laico liceal em Díli e que foram bolseiros em universidades portu-

guesas (39 em 1974, segundo Hill)34, certamente destinados a engrossar as

fileiras do funcionalismo público recrutado localmente, perceberem que o mun-

do exterior os classificava como timorenses, não como Makassai, Mambai ou

Galoli, nem sequer como kaladis ou firakus e transpuseram este reconhecimento

externo, de origem geográfica, para definirem e designarem a sua própria iden-

tidade. O afastamento da sua cultura de origem deu-lhes maior apetência pela

averiguação das origens e por uma reinvenção da identidade. Alguns destes

estudantes encontravam-se em Lisboa, na Casa de Timor, e mesmo em Díli, no

jardim em frente ao Palácio do Governador, reunia, informalmente, um grupo de

onde sairiam importantes líderes nacionalistas como Alkatiri ou Ramos Horta35.

Contacto com os nacionalismos africanos: Como contributo de inspira-

ção, destaquem-se os contactos estabelecidos com os movimentos nacionalistas

das províncias ultramarinas africanas (com quem contactaram alguns exilados

timorenses naquele continente, designadamente em Moçambique e na Guiné-

-Bissau, e também os estudantes em Lisboa), que trouxeram a noção de integração

no movimento anticolonial, bem como a formação ideológica. Neste plano, os

livros de Amílcar Cabral e de Eduardo Mondlane inspiraram o pensamento de

alguns dos líderes da FRETILIN, como José Ramos-Horta36. Alguns soldados

timorenses combateram em África e aí tomaram contacto com os movimentos

nacionalistas locais; este conhecimento haveria de dar frutos depois do 25 de

Abril de 1974, data a partir da qual os membros da elite que tinham ligações a

África estreitaram as relações com os países africanos de língua portuguesa,

sobretudo com Moçambique.

A difusão dos meios de comunicação: num breve apontamento histórico,

registe-se que a tipografia só terá chegado por volta de 1877, quando em Timor

34 HILL – Ob.cit., p. 8.35 IDEM, ibid., p. 64.36RAMOS-HORTA, José – Timor-Leste, Amanhã em Dili, prefácio de Noam Chomsky, 2.ª edição,

Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998, p. 92.

128 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

se estabeleceu o vigário-geral P.e António Joaquim de Medeiros (mais tarde

bispo de Macau), que levou consigo ou encomendou uma pequena impres-

sora, donde saíu o opúsculo de Raphael das Dores, Como se adquire a fama ou a

história de um caluniado. Não há notícia de até 1900 terem sido impressos outros

folhetos ou livros, embora em 1899 tenha sido criada em Díli a Imprensa Nacio-

nal, que a partir de Janeiro do ano seguinte, como se viu, começou a produzir

o Boletim Oficial e os impressos necessários aos serviços administrativos do

território. No que à imprensa periódica diz respeito, o primeiro jornal publi-

cado em Timor só apareceu muito tardiamente, em 1938. Todo este défice de

imprensa foi, de alguma forma, suprido pelo recurso às oficinas gráficas de

Batávia. A simples ideia de print capitalism, avançada pela teoria de Benedict

Anderson, aparece assim como uma realidade no mínimo exótica pois: “(…),

nenhum livro ou folheto sobre esta terra de além-mar foi publicado antes de 1860

e desde então até ao fim do século menos de uma dezena (...). E até cerca de

1930, quando os estudos sobre Timor ganham maior alento, o panorama

não melhorou consideravelmente. Só melhoraria na sequência da ocupação japo-

nesa, tão trágica, mas que fez com que Timor finalmente deixasse de ser no

ultramar português a parcela eternamente esquecida: as monografias históricas e

científicas multiplicaram-se, a sua qualidade subiu ao mesmo ritmo (…)”37.

É pois nesta conjuntura de pós-guerra que a difusão dos meios de comu-

nicação ganha relevo, designadamente a rádio (em 1950, arrancaram as emis-

sões radiofónicas em Português, Tétum e Chinês, e em 1964 registou-se a exis-

tência de 1229 radio-receptores legalizados)38 e a publicação do jornal A Voz

de Timor, desde 1960, publicado sob os auspícios do governo da província,

seguido de A Província de Timor (publicado a partir de 1964 e destinado aos

elementos militares)39, não obstante serem visados pela Comissão de Censura.

As suas tiragens eram diminutas, não ultrapassando os 500 exemplares em

37 Cf. Timor do século XVI ao século XX, Biblioteca Nacional de Lisboa, Maio de 1980, p. 5.38 GONÇALVES, José Júlio – “A informação nas províncias do Oriente (Elementos para o seu

estudo)”, in AAVV – As Províncias do Oriente, vol. 2, Lisboa: ISCSPU, 1968 (227-363), p. 357.39IDEM, ibid., p. 351.

129colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

1960, razão por que Benedict Anderson se lhe refere como uma sombra de

imprensa40.

O jornal católico Seara, que escapava aos mecanismos censórios, viu a luz do

dia em 1948 e foi interrompido em 1973, tornando-se conhecido pela promoção

de debates sobre assuntos da realidade sócio-económica da época e dispunha

da colaboração de alguns timorenses que, em privado, começaram a pensar na

ideia de independência41. O periódico continha textos que eram não só o resul-

tado do testemunho pastoral dos missionários, como também uma valioso

repositório de informação antropológica (tratando temas como o casamento

tradicional, os problemas da habitação, a moralidade da violência ou os princí-

pios da educação, para citar alguns exemplos). Mas se este aspecto reforça a

importância histórica da Igreja, cujos fiéis eram também, naquela época, uma

minoria (cerca de 1/3 da população), o que ressalta é que não existia contestação

à ordem vigente digna de nota, nem nenhuma organização solidamente implan-

tada de pendor nacionalista (exceptuando alguns elementos com ligações à

Indonésia). A timidez da comunicação escrita e da radiodifusão, que continuou

durante a ocupação indonésia, foi, portanto, um factor limitativo de uma acção

mais eficaz.

A influência dos deportados: Registe-se que a presença de deportados

portugueses, exilados por divergências com o Estado Novo (quer na metrópole

quer nas outras colónias), desde os anos 30, terá trazido uma nota dissonante à

ordem vigente. Fernando Figueiredo precisa o ano de 1931 como o do início da

chegada dos primeiros, que haviam atentado contra o regime no fim da década

40 ANDERSON, Benedict – “Gravel in Jakarta’s Shoes”, in The Spectre of Comparisons, p. 132. Este

número é o que José Júlio Gonçalves apresenta para o ano de 1960, sendo de admitir que

posteriormente tenha vindo a aumentar. DUNN – Timor: a People Betrayed, Queensland: Jacaranda

Press, 1983, p. 39, avança, sem citar fontes, com tiragens que variavam entre os 4000 e os 7000

exemplares do jornal A Voz de Timor.41 IDEM, ibid. Como se sabe, alguns dos seus colaboradores tornar-se-iam célebres depois de

1974: Nicolau Lobato, Ramos-Horta, Xavier do Amaral, Manuel Carrascalão, Domingos de Oliveira,

Francisco Borja da Costa e Mari Alkatiri.

130 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

de 2042. Gunn, evocando vagamente uma fonte britânica não denominada,

refere-se à constituição do grupo, de cerca de uma centena de pessoas, em que

60% eram “democratas”, 30% comunistas e 10% criminosos de delito comum43. Se

a distância da metrópole não permitia a estes exilados exercerem uma actividade

subversiva tida como perigosa para a segurança do regime, as suas ideias

políticas foram tendo moderada divulgação entre os meios cultos, apesar de

terem sido criteriosamente distribuídos por várias partes da ilha. Durante a

ocupação japonesa, participarão na defesa de Timor num espírito de combate às

ideologias totalitárias do Eixo, que entendiam próximas do Salazarismo (caso de

Carlos Cal Brandão e do seu impressionante testemunho sobre o período), e de

colaboração com os australianos. Muitos casaram com mulheres timorenses e

constituíram família, acabando por exercer alguma influência local, como Ma-

nuel Carrascalão, futuro presidente da Câmara de Díli, ou do anarquista pai de

Ramos-Horta, João Horta, que desempenhou as funções de chefe-de-posto,

formando um grupo mestiço cooptado politicamente, que assumiria grande

importância no desenvolvimento do nacionalismo.

A influência dos militares: Outro importante foco do despertar do nacio-

nalismo foi, paradoxalmente, como notou Ivo Carneiro de Sousa, a presença dos

militares portugueses nas décadas de 60 e 70. Historicamente é de grande

significado e aplicada desde o tempo de Coelho Guerreiro, a já referida equipa-

ração dos graus da hierarquia militar portuguesa à organização de comando

local, promovendo a integração das chefias locais no exército português, uma

forma de cooptação habilmente conduzida. Mas o que terá tido maior importân-

cia numa génese nacionalista terá sido o papel que os militares desempenharam

em Timor durante o Estado Novo, particularmente nas duas últimas décadas da

sua vigência. Com efeito, cumprir o serviço militar em Timor por um período de

dois anos era a alternativa a combater em África, tendo-se verificado a afluência

42 FIGUEIREDO, Fernando – “Timor (1910-1955)”, in MARQUES, A.H. de Oliveira – História dos

Portugueses no Extremo Oriente, vol. 4., p. 556.43 GUNN – Timor Loro Sae, 500 anos, p. 233.

131colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

de muitos soldados portugueses. A sua vinda estimulou o mercado de trabalho,

sobretudo o doméstico, especialmente em Díli, mas mais importante do que isto

foi a publicação da Revista do Comando Autónomo Provincial. Este periódico

acolheu artigos de timorenses onde, a propósito de aspectos etnográficos e

culturais, de simples curiosidades sobre questões locais, produziram os primeiros

textos de pendor nacionalista. Os militares tinham os recursos para poderem

mobilizar cultural e socialmente os timorenses, tanto mais que lhes davam

emprego44.

Em trecho esclarecedor, Luís Cardoso assinala-o claramente: “E foi nessa

altura que chegaram da metrópole alguns jovens oficiais milicianos (...) A tropa

continuava a sua campanha de moralização das hostes sem guerra, acantonadas

em todas as partes do território e levando por diante tarefas relevantes na constru-

ção das escolas para jovens timorenses sem meios de estudar. Recrutavam então

valores dispersos pelos aquartelamentos, metropolitanos e nativos, cantadores ro-

mânticos e imitadores de bandidos, que abandonadas as espingardas, armados

de viola e microfone partiam numa caravana, denominada artística, parecida

com aquelas do farwest representadas nos livros de sete balas. Era certamente o

único momento em que se podiam ouvir canções de um tal Zeca Afonso – Grândola,

vila morena – cantadas por oficiais estudantes. De ousadia em ousadia, passaram

também a exibir filmes nos quartéis, para maiores de muitos anos, e que não

eram acessíveis através da sala de cinema do Sporting”45. Este extracto é elucidativo

da relevância da acção educativa e subversiva dos oficiais, fornecendo livros

proibidos, música de intervenção e cinema à reduzida elite escolarizada. E

esta acção seria muito mais intensa depois do 25 de Abril de 1974 e de procla-

mada a intenção genérica de descolonizar, tomando a forma, em 15 de Maio do

mesmo ano, de Comissão para a Autodeterminação de Timor, cuja função prin-

cipal era a “consciencialização dos portugueses de Timor” através do apoio às

associações cívicas e políticas num trabalho que era classificado de “pedagogia

44 SOUSA, I.C. de – Portuguese Colonization..., pp. 191-192.45 CARDOSO, Luís, – Crónica de uma travessia, a época de Ai-Dik-Funam, Lisboa: Publicações

D. Quixote, 1997, p. 88.

132 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

política”46. Verificou-se, assim, uma natural escalada na promoção, pelos militares

portugueses e agentes do MFA, dos métodos e discurso nacionalistas, importan-

do-os não só para a própria instituição militar (maioritariamente formada por

praças timorenses cujo recrutamento aumentara desde o início da década de 60,

ficando assim expostos às influências ideológicas transmitidas pelos militares

metropolitanos críticos do regime)47 como para os emergentes partidos políti-

cos, em especial para a FRETILIN. A conjuntura política na metrópole, associada

à retirada das tropas metropolitanas e ao ambiente de desrespeito pela autorida-

de viriam, no entanto, a ter resultados bastante perniciosos com alterações

profundas na ordem e na difusão de um sentimento de abandono num clima de

desinformação. De referir que uma parte da elite que haveria de fundar os

partidos políticos também integrou as forças armadas portuguesas delas rece-

bendo endoutrinação.

Uma outra área em que os militares desempenharam funções foi o ensino;

dada a escassez de professores, verificou-se, com alguma frequência, que oficiais

milicianos ou de carreira desempenhavam funções docentes no Liceu Dr. Francis-

co Machado, em Díli (o único do território) ou em zonas mais recônditas48;

sublinhe-se, porém, que está em causa sempre um número diminuto (15, no ano

lectivo de 1960-61, 36 em 1966-67, para um número de estudantes a rondar as

três-quatro centenas)49.

46 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS – Relatório da Comissão de Análise e Esclareci-

mento do Processo de Descolonização de Timor, Lisboa, 1981, pp. 29-30, apud LIMA, Fernando – Timor,

da Guerra do Pacífico à Desanexação, Macau: Instituto Internacional de Macau, 2002, p. 183.47 DUNN, James – Timor: A People Betrayed..., p. 8. O exército “indígena” seria, segundo Dunn,

formado por 3000 efectivos nas forças regulares e por 7000, com menor preparação, de 2.ª linha.48 THOMAZ, Luís Filipe – A língua portuguesa em Timor, in De Ceuta a Timor, Lisboa: Difel, 1994,

p. 646. Thomaz informa que, na década de 60, estas escolas militares chegaram a rondar as cem.49 PIRES, Paulo – A Imprensa em Timor antes do 25 de Abril, in Camões n.º 14 (135-145), p.139.

133colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

2.3.1.1. A formação dos partidos: origens, influências e perspectivassobre o nacionalismo

A mudança de regime em Lisboa, em 1974, veio rapidamente a alterar o

estado de coisas em Timor. O Programa do MFA anunciava a descolonização.

Começam a chegar da metrópole estudantes timorenses influenciados pela

propaganda da extrema esquerda, que contribuem para modificar o

conservadorismo dos funcionários, a quem o statu quo não desagradava, e

introduzem uma dinâmica revolucionária que a ala extremista dos militares do

MFA alimentará. A posterior formação dos partidos vem revelar três orientações

diversas quanto ao futuro. Como expressivamente escreveu Luís Cardoso, “o

tempo corria veloz de mais e a corrente secular soltou o nódulo e escorregou por uma

longa ribanceira. Todos queriam correr o mais depressa possível, mais do que o

tempo providenciava, para agarrar a época certa. De grupos diversos e adversos,

passaram a organizações contendoras. Como foi possível a árvore de Samoro ter

produzido três ramos tão antagónicos?”50.

O futuro de Timor é assim perspectivado em três vertentes essenciais: uma

integracionista, assumida, pela APODETI; outra conservadora, advogando a liga-

ção, ainda que temporária, a Portugal, e outra independentista, terceiro-mundista,

representada pela heterogénea FRETILIN.

Se a UDT afirmou o seu propósito de uma continuidade das relações com

Portugal na fórmula de uma autonomia progressiva (oscilando mais tarde entre a

via da independência51 ou da integração na Indonésia) e a APODETI via o futuro

de Timor no seio do grande império indonésio, a FRETILIN, que estabeleceu

ligações com os movimentos congéneres das ainda colónias portuguesas em

África (especialmente com a FRELIMO, em cujo modelo parece ter-se inspirado,

mas também com o MPLA e o PAIGC), opta pela independência imediata, con-

50 CARDOSO, Luís – Ob.cit., p. 88.51 Depois da resignação de Spínola, em Setembro de 1974, a UDT começa a conceber a

independência com um calendário que oscilou entre o longo e o curto-médio prazos. MOREIRA,

Adriano – O Drama de Timor, Relatório da O.N.U. sobre a Descolonização, Lisboa: Intervenção, 1977, p. 23.

134 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

siderando que o colonialismo português (e seus malefícios) foi o fermento

essencial da ideia de independência total. Neste aspecto do anticolonialismo

como fundamento da desejada independência é o programa do partido, publi-

cado em Dezembro de 1974, claríssimo: “os vários levantamentos e sublevações

registadas ao longo de cinco séculos de dominação colonial são provas irrefutáveis

de como o desejo de independência estava sempre ligado e bem patente no espírito

dos nossos antepassados”, embora se reconheça que “o sentido de independência

dos nossos antepassados era restrito aos seus reinos e às suas terras”52.

Com efeito, o anticolonialismo do discurso remete para outro assunto da

maior relevância: a análise do modelo ideológico “nacional” adoptado pelas

formações partidárias.

A FRETILIN em particular, mobilizou símbolos que importou da estratégia

maoista de libertação nacional e incorporou, como se mencionou, os

ensinamentos da praxis dos movimentos da África portuguesa (sobretudo da

FRELIMO). Esta incorporação das ideias do nacionalismo africano e dos respecti-

vos líderes (Mondlane, Neto e Cabral) constituía talvez uma das suas referências

mais sólidas (o que, como notou Jill Jolliffe a faz apropriar-se do slogan usado na

Guiné-Bissau, de que eram “os únicos representantes legítimos”). A assunção desta

via terceiro-mundista reflectia um não-alinhamento conseguido efectivamente

pela ausência conhecida de apoios à independência, à excepção da solidarieda-

de das antigas colónias portuguesas em África.

Enquanto frente, a sua indefinição ideológica, oscilando entre uma imprecisa

social-democracia (que a ASDT pretensamente preconizaria)53 e o extremismo

maoista dos estudantes timorenses recém-regressados de Lisboa54, só ficou

52 Timor-Leste: uma luta heróica. Documentos da FRETILIN e do governo da República Democrá-

tica de Timor-Leste. [s.l.], [s.n.], 1976.53 A evolução dos acontecimentos políticos (a atmosfera em Lisboa e as negociações para a

independência de Angola e de Moçambique) alterou o período de transição inicialmente proposto

pela ASDT (de três a oito anos), que foi reclamando maior celeridade na concessão da independência

e decidiu modificar a sua estrutura organizativa em 12.9.1974 formando a FRETILIN, com influência

do MFA local.54 WEATHERBEE, Donald E. – “The Indonesianization of East Timor”, in Contemporary Southeast

Asia, vol. 3, n.º 1 (June 1981), p. 18 .

135colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

assumidamente resolvida com a intervenção de Abílio Araújo e na assunção oficial

do marxismo-leninismo (1983-87)55, ocorrida depois da neutralização imposta

pelas forças armadas indonésias. Tal indefinição era resolvida pela adopção de um

certo estilo populista de actuação em que os apoiantes da FRETILIN se auto-

-classificavam como nacionalistas, designação suficientemente genérica e ambí-

gua, a coberto da qual se poderiam reunir várias tendências. Com efeito, sempre

houve segmentos marcados de heterogeneidade ideológica entre os seus apoiantes,

bem como variações de predomínio de facções, a que não será alheia uma vontade

a posteriori de atenuar o extremismo de uma delas, não obstante alguns dos

testemunhos da época (e mesmo os mais recentes) insistirem em que “perigo

comunista” era essencialmente resultado da manipulação indonésia56.

Apesar das referências ideológicas sincréticas contendo, repita-se, elementos

maoistas e marxistas, o argumento de extremismo, empolado mas não fantasiado

55 MAGALHÃES, A. Barbedo de – “Timor-Leste: tenacidade, abnegação e inteligência política”,

in Camões, 14, p. 36.56 Dionísio Babo SOARES argumenta que o partido tinha uma base proletária (a que o termo

Maubere dava expressão), o que, em sua opinião, não fazia dele um partido de ideologia marxista.

Reconhece, embora, que subsiste uma pergunta sobre a natureza do “comunismo” e da identificação

da FRETILIN com o Marxismo na década de 70, embora saliente os propósitos propagandísticos da

Indonésia em acentuar, num clima de Guerra Fria, o comunismo da FRETILIN para a desacreditar. Cf.

SOARES, Dionísio Babo – Political Developments Leading to the Referendum, in FOX, James J.;

SOARES, Dionísio Babo, eds. – Out of the Ashes..., (57-78), p. 60. James DUNN, o antigo cônsul

australiano em Díli (1962-1971) e tido como “esquerdista”, refere que a estrutura do partido tende a

dar a impressão de que é marxista, mas na realidade a organização reflecte a inspiração da FRELIMO

ou do PAIGC, mais do que motivos ideológicos, Cf. Timor, a People Betrayed, p. X, e mais à frente

rejeita que fosse radical ou doutrinária, concluindo que tinha uma base católica, socialista, da via

terceiro-mundista. Noutro quadrante político, Luís Filipe THOMAZ também salienta a ambiguidade

ideológica do partido (na influência da FRELIMO e do MPLA, nas tendências maoista e marxista-

leninista), concluindo que “oficialmente (...) sempre se afirmou como meramente nacionalista”,

sustentando um anti-colonialismo abstracto. Cf. THOMAZ, Luís Filipe Ferreira Reis – Timor: Autópsia

de uma Tragédia, pp. 38-40. Fernando LIMA salienta que as cúpulas do partido eram formadas por

“estudantes timorenses provenientes dos ambientes revolucionários de Lisboa” e que as suas “formas de

intervir, caracterizadas por enorme radicalismo de ideias e agressividade de comportamentos, transfor-

mou por completo as regras da luta política”, considerando que seguiriam a “via revolucionária para

alcançar a independência”. LIMA, Fernando – Ob.cit., pp. 206-207.

136 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

– a que se juntava a viragem à esquerda em Lisboa – foi previsivelmente aprovei-

tado pela propaganda indonésia para justificar a intervenção que consideravam

inevitável – lembre-se que naquele ano Saigão caira sob dominação do Vietname

comunista –, a qual vinha sendo meticulosamente preparada desde Outubro de

1974 pelo General Ali Murtopo (com auxílio de Murdani), a célebre Operação

Komodo. Esta campanha de desestabilização contribuiu, de resto largamente, para

o acicatar das querelas inter-partidárias e provavelmente sem ela não se teria

chegado ao ponto de eclosão de um conflito entre a UDT e a FRETILIN.

Com efeito, não foi difícil ao regime indonésio encontrar o pretexto para o que

consideravam ser um projecto que anteviam nado-morto e susceptível de atrair

ajudas indesejáveis. Nestas circunstâncias, que não poderiam deixar de convencer

o Ocidente, atacava-se o que poderia ser um incidente de imprevisíveis mas certa-

mente perigosas consequências no frágil princípio da unidade nacional do maior

Estado arquipelágico do mundo57. E a percepção da inviabilidade da independência

imediata era partilhada por alguns sectores da sociedade timorense, bem como

pelo próprio governo português (caso do Ministro da Coordenação Interterritorial,

Almeida Santos, ou mesmo do Presidente da República, Costa Gomes), o que se

adequava claramente aos pontos de vista indonésio e australiano.

A acção foi conduzida através de uma campanha de subversão e infiltração

política por diversos meios, entre os quais se contavam a espionagem, as emis-

sões de rádio (a partir de Kupang), a contra-informação...incluindo, como já foi

referido, o exacerbamento e a manipulação das rivalidades inter-partidárias que

conduziram ao golpe da UDT e consequentemente à guerra civil. Era necessário

criar uma motivação para intervir militarmente, o que começou a acontecer

desde meados de Setembro pela fronteira ocidental e teve o primeiro sinal

importante com o ataque a Balibó em Outubro, em que pereceram cinco jorna-

listas australianos. A retirada das autoridades portuguesas e a proclamação da

independência a 28 de Novembro deram o mote para a invasão58.

57 LIMA, Fernando – Ob.cit., p. 2158 Não é demais lembrar, neste quadro, o apoio dos EUA (incluindo armamento e o acesso dos

submarinos nucleares às aguas indonésias, com o atravessamento dos estreitos entre o Índico e o

137colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Refira-se que o já citado pendor extremista da FRETILIN já se vinha afirman-

do nos trabalhos de alfabetização e nas suas campanhas desenvolvimentistas,

bem como na sua recusa em participar no Encontro de Macau, em Junho de

1975, em que alegando não aceitarem negociar com a APODETI, se assumem

como os “únicos representantes” do povo, dispensando a consulta para definir o

estatuto político do território e afirmando o seu alinhamento com os movimen-

tos africanos; para além do mais, torna-se notório que encaravam o interlocutor

português com desconfiança e consideram urgentes as campanhas de

mentalização nas zonas rurais pelas brigadas revolucionárias (adiante evocadas

com mais pormenor). Esta posição viria, como se referiu, a dar força ao argumen-

to indonésio, brandido com uma intensidade cada vez maior à medida que os

acontecimentos se sucederam, até à criação de um Movimento Anti-Comunista,

formado pelas forças derrotadas na guerra civil pela FRETILIN – a UDT, a APODETI,

o KOTA e o PT –, que solicitam a intervenção indonésia através de uma declara-

ção, dita de Balibó, orquestrada pelos serviços secretos, com data de 30 de

Novembro de 197559.

Pacífico), o interesse pela exploração do petróleo (numa conjuntura de choque e na sequência da

dissolução da PERTAMINA, companhia estatal indonésia de produção e exportação daquela energia

fóssil), e a influência dos militares que nos não longínquos anos de 1965-66 tinham esmagado os

comunistas.59 Trata-se da Proclamação Conjunta da APODETI, UDT, KOTA e Partido Trabalhista, Balibó, 30 de

Novembro de 1975. De inspiração indonésia,o documento refere no ponto que “depois de terem

sido obrigados a separar-se do povo da Indonésia e dos fortes laços de sangue, identidade, cultura

étnica e moral que a ele os une pelo poder colonial português por mais de 400 anos, consideramos

que é chegado o momento do povo de Timor-Leste de estabelecer formalmente estes fortes laços

com a nação indonésia”. Com base nesta declaração, a Indonésia sustentou que a maioria desejava

a integração, tendo posteriormente reforçado a sua posição com uma Declaração da Assembleia

Regional Popular, Díli, 31 de Maio de 1976. De acordo com o governo indonésio, esta declaração teria

validado a anexação do território e cujos membros haviam sido seleccionados com base no princípio

um homem, um voto e empossados “em conformidade com a tradição e identidade do povo de

Timor-Leste”. A partir deste momento a posição indonésia relativamente a Timor assumiu três

princípios não negociáveis até 1998-99: em primeiro lugar, a maioria dos timorenses desejavam ser

reconhecidos como leais cidadãos indonésios; em segundo lugar, a integração da província tinha

sido validada por um acto legítimo de autodeterminação (o supracitado); em terceiro lugar, o

assunto estava encerrado e não tinha que ser reconsiderado.

138 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

A partir deste momento, o discurso da libertação nacional constrói-se e

aprofunda-se sobretudo em relação à Indonésia, gorada que foi a tentativa de

internacionalizar o problema e de o levar às Nações Unidas com a proclamação

da República Democrática de Timor-Leste, instaurada perante a invasão iminen-

te. Mas durante o interlúdio de curtos meses, fora tentada a mobilização das

“massas”, através de sub-comités regionais que terão granjeado à FRETILIN uma

popularidade crescente (incluindo propostas reformistas nas áreas da agricultura

e na educação). Um dos aspectos mais curiosos desta sua acção em prol do

nacionalismo foi o lançamento da mencionada campanha de “alfabetização”, de

acordo com o método de Paulo Freire, em que se ensinou o Tétum com base na

ideia de que os estudantes estão melhor preparados para aprender outras

línguas se primeiro aprenderem a ler e a escrever na sua língua materna (embora

certos sectores vissem o Tétum como uma língua limitativa). Para tal lançou-se

um livro de leitura, Rai Timur Rai Ita Niang (cuja tradução é “Timor é o nosso país”),

que era ao mesmo tempo uma cartilha do ideário nacionalista60. A “timorização”

educativa promovia uma melhor compreensão da cultura como um dos funda-

mentos do nacionalismo. Noutro registo, o da política económica, sublinhe-se

ainda que o Comité Central do partido havia definido, em Setembro, o esboço de

uma política externa que definia como prioridades a integração na ASEAN, a

cooperação com o Pacífico-Sul, incluindo a Austrália, e o não-alinhamento.

Internamente, para além do lançamento de uma reforma agrária, advogava-se a

formação de uma rede de cooperativas que garantisse produtos básicos a preços

baixos e ofereciam-se garantias às empresas da comunidade chinesa.

Os fundadores da FRETILIN, originariamente oriundos do pequeno funcio-

nalismo e do grupo de estudantes do seminário de Dare, receberam mais tarde

outras “influências externas”, sobretudo da mencionada ala de estudantes uni-

versitários regressados da metrópole (com ligações conhecidas, alguns deles, ao

60 Segundo HILL, Helen Mary – Ob.cit., p. 134, as primeiras páginas do livro ensinavam que

“Timor é a nossa terra. Há muito tempo o colonialismo instalou-se na nossa terra porque os nossos

antepassados lutavam uns contra os outros. Todos os timorenses se vão unir para governar a sua terra”

(tradução do autor).

139colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Movimento Revolucionário Popular Português – MRPP) e dos movimentos africa-

nos (não evocando aqui outras ligações internacionais menos esclarecidas), que

assumiram então grande protagonismo.

Quanto à UDT, na sua moderação conservadora, o modelo nacional adopta-

do apresenta também algumas oscilações: da “autonomia progressiva” perfilhado

num universo lusotropicalista, com continuidade da ligação a Portugal passou a

advogar a autodeterminação incluindo a independência adquirida após a cons-

tituição de uma federação transitória; de uma solução de consenso pela aliança

com a FRETILIN passou, por receio do extremismo do parceiro de coligação e de

desconfiança dos oficiais do MFA, a ceder à hábil persuasão indonésia. Estas

modulações, assim como todos os acontecimentos posteriores à guerra civil,

fazem-na perder o protagonismo durante o período de formação da resistência,

acabando por fornecer um número significativo dos seus quadros à administra-

ção indonésia. O seu programa político reclamava princípios gerais de democra-

tização, redistribuição do rendimento, direitos humanos e ambicionava a

auto-determinação para o povo timorense orientada no sentido de uma federa-

ção com Portugal. A sua base de apoio – a elite administrativa, proprietários de

plantações, alguns liurais da zona de Ermera, Maubisse e Maubara – , apelava a

valores lulik, invocando a veneração pela bandeira, o que implicava os laços com

Portugal (admitindo uma independência a prazo, durante o qual estabeleceriam

uma espécie de federação transitória), e tentava atenuar o fosso entre as áreas

urbanas e rurais61.

Note-se, no entanto, que o perfil dos fundadores da UDT tem grandes

similitudes com o perfil de muitos dos homens da ASDT e da FRETILIN, excepto

talvez na composição etária (como observou James Dunn, o partido apesar da

sua base conservadora reunia um conjunto de “idealistas” cujas diferenças rela-

tivamente à FRETILIN eram mais de ênfase do que de substância)62. Com efeito,

à parte a diferença geracional, é na burguesia de escribas de que fala Luís Filipe

Thomaz, ou seja entre o funcionalismo, que se assiste ao fenómeno da formação

61 TAYLOR, John G. – Decolonization, Independence and Invasion, in AAVV – International Law

and the Question of East Timor, London: CIIR/IPJET, 1995 (21-49), p. 23.

140 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

dos partidos, uns e outros com percursos de vida muito idênticos: quase todos

de famílias de liurais, com estudos de formação jesuita na Soibada e no seminário

de Dare, fornecendo a massa de 81% de funcionários timorenses; alguns, for-

mando uma segunda fonte de liderança, filhos de deportados como os

Carrascalões. Ambos tinham apoio no poder tradicional pela fidelidade de al-

guns liurais.

A APODETI, pretextando o factor geopolítico, a imaturidade dos líderes e a

debilidade da estrutura económica, perfilha o nacionalismo indonésio ao enca-

rar a separação de Timor como um acidente histórico que era necessário corrigir:

defendiam a inviabilidade económica e política de um Timor português indepen-

dente; sustentavam o parentesco étnico e cultural dos povos de toda a ilha e

concluíam por uma “integração autónoma na República da Indonésia”63. Parado-

xalmente, o seu manifesto incluía um conjunto de direitos que se propunham

promover, incluindo os direitos humanos e a liberdade de expressão, e sublinha-

va a importância da Igreja Católica cuja doutrina havia consolidado as suas

“actividades sócio-políticas”64. Os seus fundadores tinham origens sociais e per-

cursos biográficos diversos, tendo em comum a sua colaboração com o serviço

de espionagem indonésio BAKIN, a quem forneciam informações; alguns tinham

uma reputação antiga de colaboracionistas, do tempo da invasão japonesa,

como Arnaldo dos Reis Araújo, destacado dirigente do partido e futuro governa-

dor de Timor-Leste. Gozando do apoio da comunidade muçulmana de Díli e da

população do reino de Guilherme Gonçalves, a APODETI recebeu financiamentos

indonésios logo após a sua formação e montou um sistema de emissão de rádio.

Um dos estrategos do partido, José Osório Soares, haveria de testemunhar a Bill

Nicol os fundamentos da posição do seu partido: “Somos pobres. Acabaríamos por

lutar uns contra os outros. Não precisamos de neocolonialismo, mas apenas de um

controlo por parte da Indonésia (...) Temos os mesmos costumes; só os nossos

62 DUNN, James – Ob.cit., pp. 60-61.63 HOADLEY, Stephan J.– The Future of Portuguese Timor: Dillemas and Opportunities, Singapore:

ISEAS, 1975, p. 8. DUNN, James – Ob.cit., p. 71.64 DUNN, James – Ob.cit., p. 71.

141colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

colonialismos foram diferentes. Somos um único país”65. Nesta perspectiva, é fácil

de compreender que a APODETI tenha sido um veículo da propaganda e das

acções subversivas da Indonésia.

Em suma, é de reconhecer que a plataforma comum nos programas dos

partidos não era muito alargada: a protecção dos direitos humanos e liberdades

básicas; a manutenção de um sistema económico baseado na livre iniciativa com

salvaguarda da justiça económica e social; evitar a discriminação contra a comu-

nidade chinesa e encorajar a participação dos timorenses no mundo dos negó-

cios; implantar um comércio externo, ajuda e investimento equilibrados; e com-

bater todas as formas de imperialismo e neocolonialismo. A coligação UDT-

-FRETILIN foi justamente o exemplo de que a lógica matemática do mínimo

denominador comum não colheu naquele período.

2.3.1.2. A receptividade local aos partidos

Não era, naquele contexto, fácil fazer uma estimativa do grau de apoio

popular aos cinco partidos então constituídos (número que inclui os acima

referidos, bem como o Kota e o Trabalhista). Perante a insuficiência de dados, era

mais fácil promover manipulações políticas, forjando apoios inexistentes e crian-

do equívocos geradores de instabilidade. Só a realização de eleições para os

conselhos locais, em 29 de Julho de 1975, numa fase já de claro afrontamento

entre a UDT e a FRETILIN, poderia ter permitido inferir quantitativamente quem

recolhia as preferências, não fosse ter ocorrido apenas no concelho de Lauten

com a vitória da FRETILIN, e ter tido a ajuda de “brigadas revolucionárias” para

esclarecer a população quanto às opções políticas a tomar.

É pois de grande importância esta questão da receptividade do povo de

Timor às propostas dos partidos políticos, nas suas diferentes formas. Com efeito,

é surpreendente que num ano e meio (entre Abril de 1974 e Dezembro de 1975)

uma população não politizada se tenha embrenhado em querelas partidárias e

65 NICOL, Bill – The Stillborn Nation. Melbourne: Visa, 1978, p. 58, apud DUNN – Ob.cit., p. 72.

142 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

envolvido numa guerra civil tão nefasta, o que em todo o caso pode ser enten-

dido à luz de uma relação ainda não muito estudada mas real entre as adesões

aos projectos políticos de concepção ocidental e as lealdades tradicionais (asso-

ciando velhas alianças de linhagens familiares e linhagens políticas). A título de

exemplo, registe-se que o Australian Council for Overseas Aid (ACFOA), na via-

gem que fez ao território em Outubro de 1975, depois da guerra civil, concluiu

que a situação era pacífica com excepções, que reputavam de localizadas

(Maubisse, Liquiçá, Ermera), em que curiosamente o grupo identificava a existên-

cia de lutas pré-modernas de ajustes de conta inter-étnicos ou inter-familiares66. É

justamente a transposição deste pré-modernismo para a luta nacionalista e a

continuidade das alianças e das divisões que interessaria averiguar para esclare-

cimento de um dos períodos mais importantes da história de Timor-Leste.

Em 10 de Junho de 1975, após o rompimento da coligação UDT-FRETILIN,

haviam-se formado as já referidas “brigadas revolucionárias”, constituídas por 10

a 60 pessoas (em grande parte estudantes do secundário, professores e enfer-

meiras, para além dos membros do Comité Central da FRETILIN) que se espalha-

ram pelas pequenas aldeias do interior para pôr em prática um programa de

alfabetização, de higiene alimentar, de diversificação da produção e de lança-

mento de cooperativas agrícolas67, mas também para formar milícias e conduzir

uma educação política que assegurasse a vitória da FRETILIN nas eleições para a

Assembleia Constituinte, previstas para Outubro de 197668. E parece terem sido

bem sucedidos na metodologia que lhes granjeou o apoio popular e a autorida-

de efectiva nos últimos três meses que antecederam a invasão indonésia. Os

militares portugueses participaram activamente nestas campanhas, como infor-

mava o Diário de Notícias, de 21 de Abril desse ano: “Iniciaram no interior de Timor

as brigadas de esclarecimento, constituídas por militares que no interior do território

promoveram sessões onde de forma partidária, são analisados os programas dos

66 Apud JANNISA – Towards a Civil Society...,p. 11.67 HILL, Helen Mary – Ob.cit., p. 159.68 ESCARAMEIA, Paula – Formation of Concepts in International Law: Subsumption under Self-

-Determination in the Case of East Timor, Lisboa: Fundação Oriente/Centro de Estudos Orientais, 1993,

p. 39.

143colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

partidos políticos locais”. Ramos-Horta também menciona esta iniciativa de refor-

ma dos serviços públicos e do ensino, assinalando que “a FRETILIN contribuiu mais

activamente no processo da reforma do ensino, tendo lançado a sua própria campa-

nha de alfabetização que não era senão parte inseparável da nossa estratégia de

mobilização política”69. O Prémio Nobel da Paz faz igualmente referência a um

programa de consciencialização política, através do qual, paralelamente, o MFA

difundiu o seu programa e a sua ideologia70.

A compreensão deste período-chave e desta campanha, na qual a UDT

praticamente não participa (bem como a APODETI, por razões óbvias), é funda-

mental para apreender a formação do sentimento anti-indonésio e do germen

do movimento da resistência, num cenário de propaganda ideológica que se

pretendeu inculcar numa população efectivamente pouco politizada mas her-

deira da tradição funu. E, naturalmente, apesar da eficácia maior ou menor da

campanha, não deixou de se verificar um choque entre o modelo ocidental dos

partidos e a vivência das populações, como mostrou Elizabeth Traube no seu

estudo sobre o povo Mambai que, embora se considerasse moralmente superior

ao colonizador, via com muita apreensão a “desconsideração” do modelo da

FRETILIN para com as autoridades tradicionais71.

2.3.2. Evolução: a formação do movimento de resistência e anecessidade de criar uma “identidade positiva”

Ao considerar a situação na actualidade, a evidência de que o contributo do

movimento da Resistência, interna e externa, é um factor estruturante do nacio-

nalismo timorense não nos impede igualmente de mencionar que o projecto

nacional foi impulsionado por uma elite que comandou eficazmente as compo-

nentes militar e civil desta mesma Resistência em parceria com a Igreja Católica.

69 RAMOS-HORTA – Ob.cit., p. 122.70 IDEM, ibid..71 CAREY, Peter,ed. – East Timor at the Crossroads, p. 5.

144 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Mas, de um ponto de vista menos restritivo, a elite conseguiu mobilizar um

conjunto de homens que integraram as Forças Armadas de Libertação de Timor-

-Leste (FALINTIL)72 e se dispuseram, a partir das montanhas, à subversão guerri-

lheira durante anos, e a elite conseguiu igualmente obter um consentimento da

população para prosseguir o seu objectivo, à custa de uma colaboração feita de

inúmeros sacrifícios e dissimulações. Neste sentido, a condução do processo – de

resto ainda mal conhecida – dispôs do apoio de um colectivo que se foi alargan-

do, contando, paralelamente, como se notou, com a acção da Igreja. Note-se que

pretendendo ser o braço armado do nacionalismo, a despartidarização das

FALINTIL teve a maior importância na criação de um espírito de convergência

que a partir da década de 80 se quis imprimir ao movimento.

No plano das relações internacionais, foi construída uma rede de interven-

ção, que actuou em várias frentes. Ao nível das organizações internacionais – da

ONU concretamente – a par da contenda protagonizada pela potência

administrante (com intensidade crescente), a frente externa da Resistência optou

por uma assinalável acção de lobbying a que a disponibilidade de certos sectores

da sociedade imprimiram um certo dinamismo; mas foram sobretudo o fim da

Guerra Fria, a divulgação das imagens de Sta. Cruz, a atribuição do Nobel da Paz

a Belo e Horta e finalmente a crise económica e de regime na Indonésia que

contribuiram para o desgaste e a ruptura do status quo, quer local quer global-

mente.

A personalização do processo na figura de Xanana, e o seu engrandecimen-

to como prisioneiro, deram uma ajuda à estratégia da Resistência, bem como o

alargamento da base de apoio pela participação da camada escolarizada e

receptiva a um nacionalismo expresso em formas de guerrilha urbana. A Resis-

72 As FALINTIL instituiram um sistema de funcionamento de trabalho em rede, formado pelos

“nureps” – núcleos de representantes – e as “celcom” – células de comunicação, que organizavam a

população para ajudar os guerrilheiros e para estabelecer um sistema de informação. Existiam ainda

três grupos dentro das FALINTIL: os que aderiram à guerrilha em 1975, os que se juntaram em 1983

depois do massacre de Kraras e os que entraram já na década de 90, com uma forte componente de

estudantes activistas. Agradeço a Aquilino Fraga Guterres, antigo guerrilheiro e actualmente depu-

tado pelo PD no parlamento timorense, os esclarecimentos relativos à orgânica das FALINTIL.

145colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

tência aumentou a sua margem de manobra, tanto no plano interno como no

externo, alcançando tal projecção que, à semelhança de outros movimentos

congéneres, se constituiu em actor não-estadual das relações internacionais, não

só pelo contributo que deu à negociação dos acordos de 5 de Maio como pela

sua participação na administração das Nações Unidas, quer no Conselho Consul-

tivo quer no primeiro executivo da UNTAET.

Naturalmente, a evolução foi feita de períodos de desânimo, de descrença,

de planos gorados, e de circunstâncias adversas, o que não impede de se

considerar a Resistência como um dos factores mais vivos de nutrição das

estruturas identitárias timorenses: através dela se consolidou a ideia de que era

possível uma consciência comum de adesão a um projecto nacional unificador

das diferenças. As dificuldades para imaginar uma comunidade (más estradas,

comunicações difíceis, ensino colonial, línguas diversas) foram em grande medi-

da ultrapassadas por um sentido de identidade que a Resistência imprimiu ao

combate contra um inimigo comum, tonificando um esprit de corps inexistente e

criando as bases para objectivos mais amplos.

A este propósito, não se pode deixar de considerar que a componente de

violência produz frequentemente mais e maiores efeitos, por reforçar a distinção

do outro (o inimigo), ultrapassando assim ambiguidades identitárias, criando

novas lealdades e funcionando como transição construtiva de novos grupos e de

novas fronteiras. A distinção entre o “nós” e os “outros” é acentuada durante o

conflito, sendo as guerras potenciais criadoras de coesão e de consenso para

uma identidade comum. Por esta razão, a multidimensionalidade das identida-

des pode ser reduzida, substituindo uma realidade por uma outra, transforman-

do as percepções do individual e do colectivo. Trata-se pois de um processo que

produz o que poderíamos designar de redução identitária na medida em que

contribui para uma maior consciência de um colectivo de objectivos concerta-

dos.

Em Timor-Leste, a Resistência evoluiu de uma fragmentação identitária para

a percepção da necessidade de promover o antagonismo mobilizador, após o

que concluiu pela insuficiência de tal sentimento, optando pela construção de

uma identidade positiva, de uma identidade real e não mero produto da reacção

146 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

à violência, que sustentasse a autodeterminação. Esta viragem teve uma

materialização institucional, com a ideia da formação de um movimento único,

supra-partidário, congregador das dissensões, orientação que naturalmente não

esteve isenta de contestação nem da formação contraproducente de facções,

geradoras de tensões. É neste âmbito que se entende a Convergência Naciona-

lista, o CNRM e o CNRT e bem assim, já depois do referendo de autodetermina-

ção, o Pacto de Unidade Nacional (Cf. infra).

Esta noção de empresa comum – se acaso suscita algumas dúvidas sobre a

capacidade do Estado enquanto sucedâneo da Resistência como entidade pro-

motora e dinamizadora de uma identidade nacional – enfrenta agora novos

desafios cuja resolução é de complexa hierarquização e resposta. Nesta redefinição

de rumo – de todos quantos participaram na Resistência e que se vêem obriga-

dos a reorientar o seu percurso de vida –, há um património acumulado que tem

incidências no presente e por este motivo a Constituição procurou reconhecer

este contributo no seu art.º 11, intitulado Valorização da Resistência: “1. A Repúbli-

ca Democrática de Timor-Leste reconhece e valoriza a resistência secular do povo

Maubere contra a dominação estrangeira e o contributo de todos os que lutaram

pela independência nacional; 2. O Estado reconhece e valoriza a participação da

Igreja no processo da libertação nacional de Timor-Leste; 3. O Estado assegura

protecção especial aos mutilados de guerra, órfãos e outros dependentes daqueles

que dedicaram as suas vidas à luta pela independência e soberania nacional e

protege todos os que participaram na resistência contra a ocupação estrangeira, nos

termos da lei; 4. A lei define os mecanismos para homenagear os heróis nacionais”.

A remissão para a lei, que permitirá definir quem são os heróis nacionais e

como serão protegidos todos aqueles que, de uma forma ou de outra, participa-

ram mais activamente na Resistência, se bem que deixe com contornos pouco

claros como será feita a tão recorrentemente citada valorização, indicia uma

preocupação na sociedade timorense não só sobre o papel que a resistência

desempenhou como – uma vez esgotado o seu objectivo principal se esgotou –

na utilização dos seus recursos, da sua força organizativa e da sua capacidade de

intervenção num trabalho de colaboração e integração no Estado (o que tam-

bém ficou consignado no n.º 8 do Pacto de Unidade Nacional).

147colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

2.3.2.1. O papel da Igreja Católica timorense

Não consitui nenhuma novidade que a religião católica foi um importantís-

simo pilar na resistência, impedindo a assimilação cultural pretendida pela

Indonésia. Está aqui em causa uma especificidade diferenciadora a que era

necessário deitar mão, fazendo contrastar o Catolicismo com uma região

maioritariamente islâmica como é o Sudeste Asiático e, simultaneamente, apro-

priar a língua e cultura do colonizador para a reforçar. Mas, para além da

importância simbólica e política deste contributo, é necessário sublinhar, igual-

mente, que no plano institucional e diplomático a Igreja Católica timorense

desempenhou, com mestria, o seu papel.

Só devido a uma acção tutelar foi possível aumentar tão extraordinariamen-

te o número de fiéis, que antes de 1974 eram cerca de 30% da população e agora

rondam os 90%73. Neste sentido é também de vincar a extrema importância da

estratégia de introdução do Tétum (que a FRETILIN adoptara como pretendida

língua nacional) como a língua da liturgia da Igreja Católica desde 1981, fazendo

uso da língua como instrumento de resistência civil, por afirmação de uma

desejada especificidade cultural e identitária, em paralelo com a referência

histórica do contacto e influência da cultura e língua portuguesas74. Pode dizer-

-se que foi a Igreja Católica, quer pelo papel na educação quer pela colaboração

e apoio ao movimento da Resistência, que também comunicava em língua

portuguesa, os responsáveis pela continuidade da influência da cultura portu-

guesa.

Noutro plano, a destruição empreendida eficazmente pela Indonésia deu

novo vigor à unidade moral do Catolicismo, uma vez que a Igreja foi a única

estrutura que restou quando governo e forças armadas coloniais retiraram em

1975, para além de que tornou o Tétum em língua de unidade, não afastando o

73 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement in East

Timor, 1975-97”, in LEITE, Pedro Pinto – The East Timor Problem..., p. 277.74 ESPERANÇA, J.P. – Política linguística em Timor-Leste. Alfabetos e tentativas de normalização

ortográfica do tétum. Lisboa: Associação Luso-Timorense de Informação e Cultura, 1997, p. 1.

148 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Português75. Mas não era só o apego à lusofonia, era também o respeito pelas

tradições animistas em torno do lulik. Como expressivamente escreve Peter

Carey, “a iconografia da Igreja católica, com os seus crucifixos, as suas virgens santas,

os seus nichos e estruturas de via dolorosa, servia de certa maneira como um

substituto para as variadas formas de veneração dos antepassados e do lulik, cada

vez mais difíceis de manter em Timor devido à sua potencial associação (aos olhos

dos indonésios) às reuniões da FRETILIN”76. Não era sentida nenhuma contradição

entre a acção da Igreja, o sistema de crenças local e o poder das autoridades

rituais. Houve como que uma apropriação bem sucedida do poder espiritual-

ritual tradicional, muito fragilizado pela destruição promovida pelo invasor,

numa lógica de substituição simbólica muito eficaz que acabou por ser adoptada

pelo nacionalismo.

A continuidade da instituição e da sua missão pastoral, apesar das perturba-

ções profundas da ordem, é um elemento de extrema importância; trata-se de

um ponto de referência essencial no apoio à população, pois não só dispõe de

uma organização que cobre todo o território como manteve um contacto contí-

nuo com Macau, Portugal e com organizações e movimentos católicos internacio-

nais e sobretudo com a Santa Sé. Como referiu expressamente o bispo D. Carlos

Ximenes Belo, a fé católica é como um símbolo de unidade que expressa o facto

de serem timorenses77.

Para além de ter sido o traço mais permanente da presença portuguesa em

Timor, a Igreja Católica assegurou a ligação do território e da sua população à

cultura letrada, uma vez que dominou largamente o sector da educação – o

ensino público é tardio, apesar da importância do liceu de Díli nos anos 60 e 70

do século XX. Mas a sua autonomia após a invasão indonésia permitiu a criação

de uma igreja nacional que se constituiu num dos protagonistas da Resistência.

A sua ligação com o exterior, designadamente com o Vaticano, dado não depen-

75 BOAVIDA, João Frederico – The fusion of Religion and Nationalism in East Timor: A Culture in the

Making. Oxford: Unpublished M.A. thesis, University of Oxford, Linacre College, 1993.76 CAREY, Peter – “Indonésia e Timor...”, p. 1072.77 Apud ARCHER, Robert – “Catholic Church in East Timor”, in CAREY, Peter; CARTER-BENTLEY,

George – Ob.cit., p. 127.

149colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

der das conferências episcopais nem indonésia nem portuguesa, teve também

um assinalável lugar na denúncia do problema interno. Refira-se que a Santa Sé,

dada a natureza delicada das suas relações com o maior país muçulmano do

mundo, com uma minoria católica importante, assumira oficialmente que não

reconhecia a anexação, considerando que o território se libertara de Portugal

mas ainda não se unira à Indonésia. Acresce que, sempre que apresentavam

credenciais ao Papa, os embaixadores indonésios recebiam uma mensagem que

chamava a atenção para a necessidade de ter em conta, em todas as circunstân-

cias, a identidade étnica, política e cultural do povo (1984), ou a identidade étnica,

religiosa e cultural do povo (1987)78.

As tomadas de posição públicas da igreja timorense, não obstante a espera-

da hostilidade indonésia e a necessidade de a gerir por forma a impedir maior

sofrimento humano (gerando por vezes críticas ferozes, com acusões de

colaboracionismo), têm assim um lugar especial em todo o processo histórico

desde 1975. O primeiro documento público onde manifesta a sua posição é a

Reflexão apresentada por ocasião da festa de Nossa Senhora, em Julho de 1981,

cuja elaboração se deve ao clero timorense, com a aprovação do Administrador

Apostólico, D. Martinho da Costa Lopes, que foi o primeiro timorense a ocupar tal

cargo após a resignação, em 1977, do Bispo de Díli, o português D. José Joaquim

Ribeiro. O documento é muito expressivo do sentimento de abandono e da

solidariedade devida ao povo. Depois da invasão, também os padres e as freiras

se haviam refugiado nas montanhas, partilhando a dureza da resistência, parti-

cipando de modo activo no nascente nacionalismo e percebendo a necessidade

de adaptação da Igreja aos anseios da população. É desse mesmo ano de 1981,

do mês de Outubro, a adopção do Tétum como língua da liturgia. Como sublinha

Peter Carey, a nova Igreja timorense começou por enfatizar a especificidade

cultural – sobretudo através da defesa da língua e da identidade do povo

78 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement”, p. 272

e TAYLOR, John G. – Indonesia’s Forgotten War: The Hidden History of East Timor. London: Zed Books,

1991, p. 154. Esta modificação – omitindo a identidade política – reflecte a transformação ocorrida

na hierarquia católica da Indonésia num sentido menos colaborante.

150 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

timorense –, mais tarde os direitos humanos e a justiça, e fê-lo reiteradamente

desde o início da década de 80 numa fusão, como lhe chama Boavida, da religião

(em coincidência com a etimologia da palavra) e do nacionalismo, dando ao

sofrimento envolvido um cunho redentor e ao transcendente um carácter pes-

soal mas também nacional.

Em Janeiro de 1985, uma nova Reflexão do recém nomeado administrador

apostólico, o salesiano D. Carlos Ximenes Belo, enuncia claramente o direito do

povo à autodeterminação e alerta as autoridades para o perigo de etnocídio, não

obstante ter sido forçado a repudiar a sua assinatura: “a tentativa de “indonesiar”

o povo timorense através de campanhas vigorosas de promoção Panca Sila, através

das escolas ou dos média, alienando o povo da sua mundividência, significa a morte

gradual da cultura timorense. E matar a cultura é matar o povo”79. Note-se que há

aqui uma sustentação evidente do argumento da especialidade da cultura

timorense e da denúncia da necessidade de combater os meios pelos quais a

administração da potência invasora pretendia erradicar essa mesma especialida-

de, até pelo contraste com o Islamismo dominante da força invasora e dos

transmigrantes. No ano anterior, Belo admitira, numa carta, que só poderia haver

uma solução política e diplomática, incluindo o respeito pelo direito à autodeter-

minação. Na carta pastoral de 1987, referiu-se às práticas continuadas de tortura

pelos militares indonésios.

Esta posição será reforçarado numa carta datada de 6 de Fevereiro de 1989,

dirigida ao secretário-geral da ONU, Pérez de Cuellar, apelando aos bons ofí-

cios da organização para a realização de um referendo e manifestando a sua

perturbação com a acção de destruição da cultura local (e consequente

javanização): “Como responsável pela Igreja Católica de Timor e como cidadão

timorense, venho por este meio pedir a Vossa Excelência que inicie um processo

genuíno e democrático de descolonização de Timor-Leste (...). O povo de Timor deve

ser ouvido sobre o seu futuro por meio de um plebiscito. Até ao momento ainda não

foi consultado. (...) É a Indonésia que diz que o povo de Timor-Leste escolheu a

79 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement”,

p. 272.

151colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

integração, mas o povo em si nunca o afirmou. Estamos a morrer como povo e

como nação”80.

A visita de João Paulo II, em 12 de Outubro de 1989, veio trazer uma nova

esperança. A construção de uma capela em Tacitolo, um campo nos arredores de

Díli onde haviam sido mortos centenas de timorenses, teve grande significado

simbólico (que igualmente se manifestou aquando da independência, por lá

terem decorrido as cerimónias públicas de proclamação da mesma). Mas os

problemas dentro da Igreja eram uma realidade incontornável, sobretudo pelas

divisões que se faziam sentir devido à existência de sacerdotes indonésios em

número crescente, que recusavam a autodeterminação, mas também pelo receio

de que Timor fosse incorporado na conferência episcopal do país invasor. A

proposta da partição da diocese de Díli, embora originária de Jacarta – com o

intuito de diminuir a influência do bispo Belo – acabou por resultar na decisão

positiva de nomear um timorense, D. Basílio do Nascimento, para a nova diocese

de Baucau, em 1995. Outro sinal positivo foi a visita do presidente do Conselho

Pontifício de Justiça e Paz, o Cardeal Etchegaray, ao território no ano seguinte,

que reiterou a urgência da resolução do problema por forma a satisfazer as

aspirações legítimas do povo timorense pelo reconhecimento da sua identidade

cultural e religiosa, tendo depois chefiado uma delegação que se deslocou a Oslo

para celebrar a atribuição do Prémio Nobel ao prelado e a Ramos-Horta81.

É pois crucial entender a capacidade institucional de mobilização, de orga-

nização e eficiência e de grande proximidade dos fiéis (incluindo a assistência às

mulheres e filhos, viúvas e orfãos dos guerrilheiros), manifestadas ao longo de

um quarto século, o que permitiu à Igreja timorense alcançar uma posição de

referência fundamental, a par com as instâncias políticas formadas (Resistência

militar e civil, CNRM, CNRT) e agora com o Estado, a ponto de se ter gerado um

cenário em que um e outro podem enveredar por uma lógica conflituante, quase

80 KOHEN, Arnold S. – Por Timor, biografia de D. Ximenes Belo, Lisboa: Editorial Notícias, 1999,

p. 158. Sublinhado meu.81 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement...”,

p. 283.

152 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

alternativa, para não dizer concorrencial. O princípio da separação entre a Igreja

e o Estado, consagrado constitucionalmente, foi objecto de polémica e a Igreja

manifestou as suas reservas relativamente à sua adopção por não preservar a sua

posição privilegiada no seio da sociedade timorense. É, no entanto, prematuro

retirar ilacções do convívio entre Igreja e Estado; a seu tempo, se verá como serão

geridos os papéis de uma e de outro. Em todo o caso esta duplicidade sugere

uma transposição para a actualidade da velha divisão tradicional da sociedade

timorense, entre autoridade espiritual e poder político82. De referir ainda que a

adesão da maioria da população ao Catolicismo não exclui a existência de

movimentos indiciadores de um sincretismo religioso. É o caso do Movimento da

Sagrada Família, que tem foros de sociedade secreta, misturando uma profunda

devoção a Nossa Senhora com o animismo local e o messianismo.

A realização do referendo e das eleições e a própria independência introdu-

ziram uma necessidade de reflexão sobre o papel da Igreja num contexto político

novo. As fragilidades do Estado serão, de algum modo, compensadas pela inter-

venção estruturada de uma instituição há muito organizada. A Assembleia

Diocesana de Díli definiu um plano estratégico para um período dilatado, com

objectivos bastante amplos que, para além da acção social, educacional, sanitária

e espiritual que naturalmente pressupõe, evidencia algum receio de que os

novos tempos possam vir a diminuir a religiosidade dos timorenses, afastado o

factor resistência. Ximenes Belo manifestou por diversas vezes essa preocupa-

ção, embora o grande número de dificuldades que Timor enfrenta deixará à

Igreja uma missão suficientemente importante e aos timorenses a continuidade

da sua fé. A sua capacidade de organização, o seu trabalho em rede, as suas

escolas e hospitais, a sua estação de rádio (Kmanek) e jornal (Seara), são um

importante capital que a tornam numa instituição talvez já não dominante mas

crucial no seio de uma sociedade tão fragilizada e necessitada de apoio, tanto

mais que as suas posições críticas tornam-na, ainda que indirectamente, em

órgão de controlo do poder político.

82 FOX, James J. – “Tracing the Path, Recounting the Past”, in FOX, James J.; SOARES, Dionísio

Babo – Out of the Ashes: Destruction and Reconstruction, Adelaide: Crawford House, 2000 (1-29), p. 26.

153colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

2.3.2.2. A importância de uma língua nacional

A língua é um dos aspectos mais insistentemente focados na definição de

uma identidade nacional, designadamente na análise do respectivo contributo

(assim como da escrita) para a formação de ligações étnicas e de sentimentos

nacionais e muito particularmente na dinamização das línguas vernáculas ou até

dos revivalismos linguísticos e da formação de literaturas. Esta asserção, com

premissas válidas, distancia-se por vezes da realidade e por vezes reforça até a

fragilidade das dinâmicas identitárias83. A sua falibilidade como um dos susten-

táculos da nação, num mundo pleno de Estados pluri-linguísticos, é sobejamente

conhecida. E a dúvida tem uma oportunidade óbvia no caso de Timor, eviden-

ciando as dificuldades da estratégia da escolha política de uma língua nacional

e de uma língua oficial, como adiante haverá oportunidade de demonstrar. A

língua tem de ser compreendida e usada por todos os cidadãos de um Estado e

permitir a expressão de qualquer ideia e abstracção.

É assinalável a dificuldade de construir uma língua nacional, mesmo que o

cosmopolitismo intelectual dê apoio às nações emergentes, desprovidas de

meios intelectuais e materiais capazes de, sem ajuda, o fazer. Produzem-se, deste

modo, iniciativas de “assistência identitária”, que frequentemente a este nobre

propósito associam interesses geopolíticos e económicos. Também em Timor-

-Leste a língua foi entendida como crucial para o novo Estado, conformando,

assim, uma identificação através de um código entendível por todos. Com

efeito, a variedade linguística e dialectal – Babel Lorosae, assim lhe chamou Luís

Filipe Thomaz – é um dos aspectos mais visíveis da diversidade de Timor e dos

mais importantes a considerar como substrato histórico de um país que até aqui

viveu esta realidade plural, feita de uma tradição oral de contos e lendas. A

escrita, e com ela a fixação da norma, permaneceram realidades estranhas

aos timorenses, apesar das meritórias gramáticas e dicionários dos missionários,

cuja elaboração era indispensável para a prossecução do seu trabalho de

83 Cf. SILVA, Gregório Ferreira da – Language, an Index of National Identity, in Studies in

Languages and Cultures of East Timor, 1999, vol.2.

154 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

evangelização84. A maior parte da população não sabia falar e muito menos

escrever Português, o que só era acessível às reduzidas elites letradas. Luís Filipe

Thomaz comparou o uso da língua portuguesa em Timor com o uso do Latim na

Idade Média europeia: “língua clerical, administrativa e de cultura”85 que nunca

substituiu o Tétum (praça, híbrido de Português) como língua veicular

hegemónica, criadora de um espaço social mais vasto e de uma comunicação

inter-étnica86. Os estudos linguísticos, feitos por especialistas (não esquecendo

os estudos dos missionários), só tardiamente se realizaram (os primeiros nos

anos 40 do século XX), pelas equipas dos professores Mendes Corrêa e António

de Almeida. Este panorama ganhou naturalmente maior acuidade com o lança-

mento do nacionalismo e agora com a formação do Estado.

A questão linguística teve uma enorme influência das posições assumidas

pela Igreja Católica e pelo CNRT, não só pelo uso do Tétum como língua da

liturgia durante o período da resistência (língua do culto e língua de identidade),

como pela noção de que a individualidade timorense, no seu contexto geopolítico,

passava pelo recurso quer a uma língua nacional quer à língua do antigo coloni-

zador como factor de diferenciação e até de afirmação nas relações internacio-

nais, integrando a CPLP (argumento do CNRT). A decisão política foi da adopção

constitucional do Português e do Tétum como línguas oficiais (tendo o Tétum e

as outras línguas de Timor-Leste a classificação de línguas nacionais)87. Tal deci-

são suscita, porém, alguns problemas. Com efeito, o Tétum não está normalizado

e não é a primeira língua para muitos timorenses (que persistem no uso das

línguas das suas regiões de origem); o Português é uma língua pouco falada e o

seu ensino difícil. Em contrapartida, o Bahasa Indonésio é uma língua falada por

significativa percentagem de timorenses88 e utilizada durante anos no ensino,

84 THOMAZ, Luís Filipe – De Ceuta a Timor, p. 651.85 IDEM, ibid., p. 648.86 IDEM, ibid., p. 651.87 Constituição da República Democrática de Timor-Leste, art.º 13, n.º 2: “O tétum e o português

são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste”.88 As estatísticas indonésias indicam que o número de falantes do idioma aumentou de quase

ninguém em 1976 para 30% em 1980, perto de 50% em 1990 e 56% em 1998. PEDERSEN, Jon;

155colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

tendo formado as gerações mais novas e demograficamente com maior peso; as

relações de vizinhança com a Indonésia têm um peso acrescido na continuidade

do uso do Bahasa. Pela mesma razão, a proximidade da Austrália e o uso

generalizado do Inglês são realidades incontornáveis. Por tal motivo, a Constitui-

ção consagrou o Bahasa e o Inglês como línguas de trabalho.

Neste cenário, o factor língua reveste-se pois de uma complexidade acres-

cida, como comprovam os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano do

PNUD de 2002: 82% da população fala Tétum, 42% sabe falar Bahasa Indonésia

e só 5% consegue comunicar em Português e 2% em Inglês. De um ponto de

vista estritamente pragmático, verifica-se que o uso das quatro línguas envolve

custos elevados (incluindo os da tradução dos documentos) e que se estima que

cerca de 2000 funcionários superiores da administração pública terão de receber

formação em Português, 400 em Tétum e 150 em Bahasa Indonésia. O treino do

Inglês é igualmente aconselhável, tanto mais que será o meio preferencial na

indústria internacional do petróleo. De entre os funcionários, destacam-se os

professores, trabalhadores da saúde e pessoal do sistema judiciário com eviden-

te necessidade de formação em línguas89.

Esta é assim uma questão de suma importância, que tem dividido as águas

políticas timorenses e que merece uma ponderação exigente. Por um lado, a

língua é “um lugar de memória, de resistência e de afirmação cultural”, e, para além

do mais, consolida as “raízes simbólicas da identidade nacional”, em que a relação

histórica com Portugal e com a sua língua tem grande relevo90. Acresce que o

Português tornou-se também língua de resistência, o veículo da comunicação

clandestina, sobretudo a partir do momento em que foi abolido nas escolas

públicas e privadas e proíbida a sua utilização na liturgia91. Por outro lado, o

ARNEBERG, Marie, eds. – Social and Economic Conditions in East Timor, International Conflict Resolution

Program School of International and Public Affairs: Columbia University/Fafo Institute of Aplied

Social Science, 1999, p. 92.89 PNUD – East Timor Human Development Report 2002, p. 3.90 STILWELL, Peter – Timor: Pensar a questão da língua, in AAVV – Timor: Um país para o século

XXI, p. 185.91 CAREY, Peter – “Indonésia e Timor: dois caminhos para a independência”, in Análise Social,

vol. XXXVI, n.º 161, 2002 (1061-1077), p. 1072.

156 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Tétum, como língua nacional, não deve ser minimizado, por ser, apesar de tudo,

elevada a percentagem de indivíduos que a falam, mesmo que como segunda

língua92. O próprio Xanana Gusmão, que escreve poesia em Português, reconhe-

ceu nem sempre ter dominado o Tétum e que os militantes da FRETILIN que em

1974-75 fizeram uma campanha de aprendizagem do Tétum pelo método de

Paulo Freire eram, maioritariamente, falantes de Português.

2.3.2.2.1. Um “conflito de gerações” na opção da língua

Optar pelo Português, longe de ser consensual, foi alvo de muitas críticas e

parece ser fracturante, sobretudo de um ponto de vista geracional. Com efeito,

as camadas etárias mais jovens, educadas em Bahasa, têm um fraco ou nulo

conhecimento do Português, ensinado às gerações anteriores. Os mais velhos

viveram sob duas colonizações que comparam e alguns reconhecem a identida-

de timorense como o resultado de um processo de incorporações várias, en-

quanto os mais novos – que permaneceram em Timor – só conheceram a

administração, a língua e o terror indonésios, não tendo, por esta razão, referên-

cias portuguesas assinaláveis (a não ser uma vaga memória que lhes foi transmi-

tida pelos pais). Os jovens da diáspora, por seu turno, maioritariamente instala-

dos na Austrália, sofreram a influência anglo-saxónica, não parecendo vislumbrar

vantagens no uso do Português. O mesmo sucede com aqueles que foram

educados em Bahasa Indonésia, quer em Timor quer na própria Indonésia.

Trata-se, portanto, de uma questão que descreve uma cisão geracional e

propensões diversas da elite (de formação portuguesa, do seminário e a de

formação indonésia ou australiana) saldada numa divergência de pontos de vista

sobre a política de língua, em que prevaleceu a escolha histórica e cultural.

92 António de Almeida, que conduziu a Missão Antropológica de Timor, tendo identificado um

total de 31 línguas, dialectos e subdialectos, considerou a existência de sete línguas – Baiqueno,

Bunaque, Fata Luco, Macoué, Mambai, Macassai e Tétum. Geoffrey Hull considera a existência de

dezasseis línguas. Luís Costa refere quinze.

157colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Ramos-Horta explica-o de forma bastante expressiva num plano de paz que

elaborou em 1992: “(…)Vejamos as razões por que advogo a utilização do portu-

guês. (…) A colonização portuguesa de cinco séculos, a religião católica e a língua

portuguesa garantem a Timor-Leste a sua especificidade – e o seu lugar privile-

giado na região. Sem o português e uma forte ligação com Portugal e outros países

lusófonos, Timor-Leste seria «invadido» pela «cultura» anglófona e seria relegado

para o lugar não muito honroso de um pequeno jardim australiano ou manter-se-ia

a predominância da língua indonésia e seria eternamente uma colónia cultural

javanesa. Perdendo os laços culturais com Portugal, Timor-Leste perderia não só

uma herança secular que o torna único na região, mas perderia igualmente uma

importante arma que o tornaria parceiro indispensável e ponte de ligação na região

e entre a região e outros continentes”93.

A decisão tomada implicará um enorme investimento na estrutura educativa

e a generalização do ensino do Português reveste-se de várias dificuldades,

como facilmente se observa. Não é fácil fazer prognósticos quanto ao êxito da

tarefa, sobretudo pelo confronto com as tendências hegemónicas da língua

inglesa. Em todo caso, é evidente que à questão geracional sobrepõe-se a

utilização da língua como arma na luta nacionalista, na linha do que escreveu Ian

Buruma no The Guardian, de 26 de Maio de 2001: “a língua de um velho império

pode ser útil para deter os avanços de outro”94.

2.3.2.3. Movimentos de jovens: a 2.ª geração nacionalista

Já se evocou a importância que a primeira geração nacionalista, oriunda da

elite local ou mestiça formada na Soibada ou em Dare ou ainda no liceu (bem

como, em muito reduzido número, na Universidade, na metrópole), deu um

contributo maior para a ultrapassagem na identidade etno-linguística pois pôde

93 IDEM, ibid. Sublinhados meus.94 BURUMA, Ian, http://globalarch…/articles.html?print=true&id=01052600153 (tradução do

autor).

158 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

ter a noção de que o mundo exterior a via como timorenses e que o discurso

nacionalista poderia construir essa entidade abstracta, colectiva, que permitiria

o enunciado de “nós, os timorenses” configurando uma comunidade imaginada.

Mas esta era uma consciência confinada a uma minoria (muito reduzida face a

uma percentagem esmagadora de analfabetos), que quis introduzir uma ideia de

modernidade rompendo com os laços tradicionais da sociedade, trazendo para

a discussão política os valores do individualismo (e dos direitos humanos), do

racionalismo, da crença no progresso, que o nacionalismo corporizava. Tratou-se,

portanto, de uma dupla ruptura, que se pretendeu imprimir, não só com o

colonialismo como também com a gemeinschaft de Tönnies. A mobilização do

chamado povo maubere, apesar de iniciativas circunscritas no tempo e no espa-

ço, não atingiu os níveis sonhados por esta elite.

Só no início da década de 80, quando Xanana e as FALINTIL iniciaram uma

consulta à população (incluindo os velhos – katuas) sobre se deveriam continuar

a combater (tanto no plano político como no espiritual), se alarga a base da

participação e se altera o rumo da resistência. Era o início de uma reformulação

do discurso nacionalista, supra-partidário, tentando apagar querelas e antigas

guerras entre reinos, buscando legitimidade num plano mais alargado. Já não

estava somente em causa um determinado projecto político, mas as alterações

introduzidas nos equilíbrios sociais tradicionais que animaram a afirmação

identitária. É neste contexto, sobretudo a partir do cessar-fogo de 1983, que se

alarga uma cooperação mais alargada a várias áreas geográficas e com diferentes

níveis de resistência, justapondo a guerrilha nacionalista às filiações etno-lin-

guísticas ou às alianças familiares.

Não obstante estar em formação o embrião do que se pretende seja uma

sociedade civil interventiva e consciente do seu papel, continua a ser de subli-

nhar que, neste quarto de século, as gerações mais jovens (muitas vezes

agremiadas nas chamadas ONG, que timidamente deram os seus primeiros

passos) introduziram os elementos de mudança e foram seduzidas pela ideologia

da modernidade – o que não é de estranhar num território de pirâmide etária

larga na base e com uma esperança de vida média a atingir apenas a cinquentena.

Assim, o peso demográfico desta camada alargada da população sugere a

159colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

premência do equacionar de questões como a do papel que desempenharam na

construção, evolução e fases do nacionalismo timorense, bem como a da sua

participação política e da sua identificação com a liderança.

Com efeito, há uma nova geração que passou a contestar a ordem a partir

de meados da década de 80, uns por razões que não são necessariamente

ideológicas e outros que agiram com propósitos nacionalistas, o que natural-

mente resulta dos efeitos do colonialismo indonésio, designadamente da sua

formação escolar fornecida e dos aparentemente paradoxais efeitos da

endoutrinação nos princípios do Panca Sila. Este facto contribuiu, consequente-

mente, para o alargamento da base nacionalista, que se viu reforçada pelo apoio

de dinâmicos agentes que adoptaram novos e eficazes métodos para atingirem

o fim em mente. Era já um facto histórico o papel vital que os jovens haviam

desempenhado nos nacionalismos asiáticos e africanos, não constituindo Timor

relativamente a este aspecto uma excepção. A questão geracional já tivera

alguma visibilidade quando comparada a idade dos apoiantes da UDT e da

FRETILIN. Tal como aqueles, estes têm também uma actuação essencialmente

urbana, mas a partir de então complementando os braços da Resistência95. A sua

capacidade de organização, interna e externa (também através da diáspora), a

sua visibilidade, potencializada pela dimensão tecnológica do trabalho em rede,

tornaram-na uma das faces mais visíveis do problema de Timor-Leste, o que a

mediatização da era pós-massacre de Santa Cruz potenciou.

Note-se, no entanto, que este alargamento da base nacionalista pelo apoio

da juventude é, em larga medida, resultante da acção do Estado indonésio, na

sua política desenvolvimentista, educativa e repressiva, como notou Benedict

Anderson; e vincadamente urbana, num território onde há décadas o êxodo rural

está documentado e a macrocefalia da capital é, naturalmente à escala local,

muito notória. Tal como é tributário da Igreja Católica, pelo seu poder mobilizador,

95 O conflito de gerações é, como se viu, um aspecto de grande relevância no panorama político

timorense. A este propósito, ver ADITJONDRO, George J. – Self-Determination Under Globalisation:

Timor Loro Sa’e’s transformation from Jakarta’s colony to a global capitalist outpost, p. 12,

www.uset.org.au/resources/tl_pol-ec_transformations.html, consultado em 10.8.2000.

160 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

espiritual e também educativo. O que não impediu que algumas franjas da

sociedade não se revissem na eclosão deste fenómeno de contestação tendo

chegado, inclusivamente, a combatê-lo. É por isto que se deve lembrar que

também os jovens organizados em gangs designados de Ninjas, praticantes de

artes-marciais, espalhavam o terror e a destruição, formando camadas de exclu-

são socio-identitária potencialmente perigosas, que haveriam de fornecer mui-

tos efectivos às milícias pró-integracionistas, protagonistas dos trágicos aconte-

cimentos de 1999.

Retomando o problema da escolarização, sublinhe-se que, não obstante, a

Indonésia ter alargado a rede de escolas primárias a todo o país, só uma pequena

minoria atingia os níveis secundário e superior do ensino, facto que realça o

pendor elitista deste apoio, prenunciando, inclusivamente, o que Pareto viu

como a alternância e substituição das elites; esta que aqui se trata afastada da

matriz portuguesa, do seminário e do funcionalismo público, falante de Bahasa

ou Inglês. Apesar de, como se referiu, o número de escolas ter aumentado96 –

tendo como principais objectivos, insiste-se, o ensino na língua indonésia (que

demorou alguns anos a obter bons resultados) e a endoutrinação do Panca

Sila97 –, a qualidade do ensino era baixa; muitos pais, que não dispensavam os

filhos como força de trabalho, não os mandavam à escola invocando esta e outras

razões, como a distância, os custos elevados do material escolar, os conteúdos

curriculares “estrangeiros” ou tão somente não reconhecerem o valor da educa-

ção escolar para as raparigas. Cerca de 30% das crianças não eram sequer

96 Para se ter uma noção do aumento, registe-se que em 1978 existiam 47 escolas primárias

(com 10500 alunos) e 2 escolas secundárias (com 315 alunos); em 1999 o número de escolas

primárias cifrava-se em 788 escolas (com 167181 alunos) e 168 escolas secundárias (com 51160

alunos). Em 1985, quase todas as aldeias dispunham de uma escola primária. UNDP- East Timor

Human Development Report (2002), p. 48.97 ARENAS, Alberto – “Education and Nationalism in East Timor”, in Social Justice, vol. 25, n.º 2,

1998 (131-148), p. 140, transcreve o relato de um refugiado timorense onde se descreve o processo

de endoutrinação do Panca Sila enquanto ideologia do Estado: “Todas as segundas-feiras de manhã,

tínhamos de cantar “Minha pátria Indonésia” (...). Todos os dias cantávamos canções indonésias e

passávamos uma hora a aprender “Lições de Moral Panca Sila” [PMP – Pendidikan Moral Pancasila]. (...)

Era obrigatório aderir ao Pramuka [espécie de escuteiros indonésios]” (tradução do autor).

161colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

inscritas98. E à medida que se avançava no grau de ensino verificava-se um

afunilamento, especialmente notório na Universidade (fundada em 1986) com

um ratio de inscrições de 3,8% em 1999, que decresceu para 2,8% em 2001.

Durante o Setembro negro uma parte importante das infraestruturas do sector foi

destruída, o que aliado à necessidade de melhorar os padrões de qualidade,

tornaram muito complexa a tarefa de reerguer o sistema educativo.

Parece, no entanto, indiscutível o poder de mobilização e de projecção dos

jovens, que contou igualmente com a colaboração daqueles que se encontravam

na diáspora, como já foi referido. Formou-se o que se designou de intifada

timorense organizada em movimentos99, com origens diversas, em que alguns

jovens eram filiados na FRETILIN100 ou vinham do Externato de São José, a última

das escolas onde se falava Português, ou ainda dos seminários católicos ( e das

paróquias e escolas, sobretudo em Díli). Esta associação com a Igreja Católica foi

muito profícua no acentuar das percepções das diferenças sociais e culturais

entre ocupantes e ocupados (note-se que vêm, de algum modo, preencher o

vazio resultante da desarticulação entre a primeira geração nacionalista, em fase

da redefinição que haveria de conduzir à formação do CNRM, em 1987). Em 1989,

a curta visita do Papa trouxe a oportunidade de divulgar a “questão de Timor” nos

media internacionais. O desanuviamento da “abertura” traria uma nota de espe-

rança mas, ao mesmo tempo, novos problemas. Se por um lado a sensação

de total isolamento se atenuou, por outro lado, acentuou-se a repressão que

culminou no massacre de 12 de Novembro de 1991 e na prisão de Xanana,

seguida da formulação de um plano de limpeza étnica (Operasi Tuntas, i.e.,

“Acabem com eles”) e do aparecimento dos mortíferos gangs de Ninjas para o pôr

em prática.

98 UNDP- East Timor Human Development Report, p. 48.99 De que constituem exemplos a OJT – Organização da Juventude Timorense – surgida no seio

do movimento clandestino, em 1983, ou a RENETIL, adiante mencionada, responsável pela iniciativa

de várias manifestações100 Refira-se que no âmbito da FRETILIN se formaram, logo em 1975, duas organizações de

juventude: a União Nacional dos Estudantes Timorenses (UNETIM) e a Organização Popular da

Juventude Timorense (OPJT), esta última pretendendo abranger franjas mais alargadas.

162 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Em todo o caso, gerou-se um ambiente de maior unidade (que a transmissão

de imagens facilitou, inclusivamente entre as comunidades da diáspora) e os

mais novos não desarmaram. A atitude de desafio às autoridades militares, as

manifestações que promoviam (uma delas na origem de Sta. Cruz) tiveram um

preço elevado, mas nem por isso abalaram uma inquebrantável vontade de

resistir. Aqueles que estudavam na Indonésia101 tiveram um papel impulsionador

neste processo de dinamização de uma sociedade civil, como se verificou pela

criação de várias ONG na Indonésia com ligações aos sectores de oposição ao

regime: a RENETIL (Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste, fundada

em Bali, em 1988, por Fernando de Araújo, que viria a ser preso em 1991), talvez

a maior organização clandestina de estudantes; a FECLETIL (Frente Clandestina

Estudantil de Timor-Leste, mais tarde transformado em PST, Partido Socialista de

Timor) e a LEP (Liga dos Estudantes Patriotas). De destacar ainda a criação da

IMPETTU (“Ikatan Mahasiswa dan Pelajar Timor-Timur”, ou seja, Liga de Estudan-

tes Timorenses, que englobava o ensino superior e secundário), fundada, em

Jacarta, em 1984, assumindo o seu nacionalismo, que veio a ramificar as suas

actividades noutras cidades de Java, dedicando grande atenção à denúncia das

violações aos direitos humanos. João Câmara descreve pormenorizadamente a

actividade da Liga, destacando o seu papel na canalização de correspondência

para o exterior, recorrendo a pessoas que frequentemente estavam integradas

na administração pública, e no contacto com as ONG, sobretudo com o ACFOA102.

Muitos destes estudantes foram presos e alguns chegaram a pedir asilo político

à Holanda; tal não impediu, no entanto, que fossem desenvolvendo os seus

contactos com os media e com mais ONG. Em 1988, Xanana apelou à reorgani-

zação da Frente Clandestina na Indonésia, reunindo as várias organizações

estudantis que tentaram concatenar a sua colaboração na causa nacionalista,

101 A título ilustrativo, mencione-se que dados oficiais do governo indonésio indicavam que,

em 1989, 1500 timorenses receberam bolsas de estudo para estudarem em universidades na

Indonésia, ARENAS, Alberto – “Education and Nationalism in East Timor”, p. 139.102 CÂMARA, João Freitas da – IMPETU e o seu movimento de libertação na Indonésia (1982-

-1999), in Camões 14 (50-58). Ver também ADITJONDRO – Self-Determination under Globalisation,

pp. 13-15.

163colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

mas foi depois de Sta. Cruz que alcançaram maior notoriedade, sobretudo depois

da manifestação que promoveram junto do edifício da representação diplomáti-

ca da ONU, reunindo mais de uma centena de manifestantes que apresentaram

uma nota de protesto apelando à intervenção do Secretário-Geral para pôr

termo aos sistemáticos atropelos aos Direitos Humanos. Uma parte destes estu-

dantes (João Câmara, Fernando de Araújo, Virgílio Guterres e Agapito Cardoso)

foram presos, julgados e condenados, acusados de subversão e encerrados em

Cipinang (1992). Entretanto cresciam os pedidos de asilo político nas várias

embaixadas europeias e americana (com relevo para o episódio do aproveita-

mento da presença de Clinton na cimeira da APEC, em Bogor, 1994), facto que

contribuiu para uma maior divulgação, via informática, do problema timorense.

Em Timor, a actividade associativa não cessou, tendo surgido a OJECTIL

(Organização de Jovens e Estudantes Católicos de Timor-Leste, 1989), a OPJLATIL

(Organização Popular da Juventude Lorico Ass’wain Timor-Leste) e a HAK

Foundation (1997), organização secular de salvaguarda dos direitos humanos.

Em 1998, foi fundado o East Timor Student Solidarity Council (ou DSMPPTT, Dewan

Solidaritas Mahasiswa, Pelajar dan Pemuda Timor Timur), associado à Universida-

de de Timor-Leste, sob a liderança de Antero Benedito da Silva. É pois assinalável

este associativismo protagonizado pelas gerações mais novas e politizadas, que,

ademais, em 1999, participaram de forma notável na campanha do referendo,

percorrendo o território de lés-a-lés em campanha pela independência.

Foi Benedict Anderson quem primeiramente chamou a atenção para o

impacte modernizador da expansão do Estado indonésio, com os seus projectos

de desenvolvimento económico, e muito particularmente do reforço do sistema

de ensino, ou da construção de novas vias de comunicação, com fins militares, e

de como estas iniciativas permitiram o movimento rápido dos jovens e esbateram

as divisões tradicionais de tribos e de culturas (tal como acontecera nos anos 20

nas Índias Neerlandesas, com a expansão do holandês que permitiu ultrapassar

os limites de comunicação das múltiplas línguas locais). Anderson considera que

os guerrilheiros se aperceberam da importância que os jovens teriam na luta pela

independência e no seu contributo para o nacionalismo timorense, ao contrário

dos militares indonésios que não tiveram tal percepção ou, pelo menos, a

164 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

subvalorizaram. Isto apesar do fenómeno ser muito visível, pois já em 1991, o

Rev.do Paul Moore, bispo de Nova Iorque, temera uma versão à escala timorense

de Tiananmen103. Os receios do prelado, salvaguardadas as devidas proporções,

tinham todo o fundamento, como haveria de se tornar evidente em Sta. Cruz.

Veja-se ainda o impacte que a ocupação de parte da embaixada dos Estados

Unidos aquando de uma cimeira da APEC em Bogor (1994), aproveitando a

presença de Clinton para mostrar o dinamismo e a persistência do movimento de

resistência.

Involuntariamente, cometendo o mesmo erro dos colonizadores europeus,

a Indonésia acreditou na possibilidade de uma assimilação que os ingratos

timorenses não aceitaram.

2.3.2.4. A frente externa da resistência: a diáspora timorense

Forçados a sair da sua terra pela hostilidade do invasor, os Timorenses

tiveram de se refugiar em Portugal (incluindo Macau) e na Austrália, onde se

organizaram em comunidades que pugnaram pela defesa de valores de coesão

– a identidade do povo e a autodeterminação –, constituindo por assim dizer

uma frente externa do movimento de resistência. Até 1975, poucos eram os

timorenses que haviam saído da sua terra: só os estudantes em Lisboa e em

Macau e um pequeno conjunto de indivíduos que haviam emigrado para a

Austrália. Antes da invasão em Dezembro, vários membros da FRETILIN

foram enviados para o estrangeiro; entre Agosto e o fim de Setembro de 1975,

1647 timorenses partiram para Darwin, 672 dos quais eram de etnia chinesa.

Em 1976, 929 refugiados da UDT foram repatriados para Portugal e em 1978,

através do Special Humanitarian Programme do governo australiano que patro-

cinava a reunião de parentes no estrangeiro com os timorenses que residiam na

Austrália, foram acolhidos 1404 timorenses provenientes de Portugal e 3186

chineses saídos de Timor, entre 1981 e 1986. A este programa seguiu-se o Special

103 CAREY, Peter – East Timor at the Crossroads, p. 167.

165colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Assistance Plan, do início da década de 90, de auxílio ao repatriamento de

timorenses para a Austrália, sob os auspícios do qual, entre 1992 e 1993, 1400

indivíduos emigraram de Portugal para a Austrália, reunindo-se com as respec-

tivas famílias.

Alguns fizeram fugas mais arriscadas, de ilha em ilha do arquipélago

indonésio até conseguirem entrar clandestinamente num país vizinho, onde

procuravam obter documentação portuguesa ou de Taiwan (no caso de serem de

etnia chinesa), rumando depois para Portugal (de onde era mais fácil consegui-

rem entrada na Austrália). Em 1997, estimavam-se em cerca de 20000 o número

de timorenses da diáspora, 15000 na Austrália e os restantes em Portugal e em

Macau104. Jannisa observa que, não obstante o empenhamento político-diplo-

mático de Portugal, foram os exilados na Austrália (que reconhecera formalmen-

te a anexação) que alcançaram maior protagonismo na resistência, ao ponto de

aí se ter sediado o CNRM105. Terá sido também neste continente-ilha que se

formaram maior número de associações e de clubes recreativos e desportivos,

como forma de sobrevivência cultural. O desenraizamento face às sociedades de

acolhimento foi a razão por que sentiram necessidade de reforçar a coesão da

comunidade, quer através do culto católico (que não se diluiu, e continuou a

conviver com o animismo), quer da criação de associações culturais e de apoio

social, quer ainda dos rituais de festa, os coros, as danças, etc106.

Para além de Portugal e da Austrália há que registar Macau, local de passa-

gem de muitos jovens timorenses que ali frequentavam o seminário, antes de

1975, tornou-se quer um ponto de passagem quer de instalação de muitos

refugiados. As ex-colónias africanas de Portugal, entretanto, reunidas sob o

acrónimo de PALOP, sobretudo Moçambique mas também Angola, acolheram

igualmente timorenses, sobretudo da elite política, que, numa primeira fase ali

aprenderam as tácticas da guerrilhas e as vulgatas ideológicas terceiro-mundistas

104 JANNISA, Gudmund – The Crocodile’s Tears, p. 301.105 IDEM, ibid., p. 303106 Cf. TAVARES, Manuel Viegas – Bua Sei Saren Malus Dikin Loron Ida: A integração dos timorenses

na sociedade portuguesa. Lisboa: Instituto Piaget, s.d., e PEREIRA, Helena Ventura – Ob.cit..

166 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

e depois se estabeleceram profissionalmente. Por último, refira-se o grupo dos

timorenses instalados na Indonésia, sobretudo em Java, com particular relevo

para os estudantes universitários.

O papel destas comunidades na divulgação da situação política e humani-

tária de Timor deu, naturalmente, maior visibilidade à causa, mas, ao longo do

tempo, o envolvimento político-partidário foi decrescendo; estavam muito vivas

as memórias da guerra civil e postos em causa os benefícios reais de um tal

envolvimento, o que afectou a eficiência da Convergência Nacional criada em

1986. As dissidências e os pequenos grupos dentro dos partidos tinham também

a sua quota-parte de responsabilidade neste desinteresse. É neste contexto que

se insere a criação do CNRM em 1988 (e a neutralidade partidária que assumiriam

Xanana e depois Ramos Horta) e do aparecimento daquilo a que Justino Guterres

chamou “freelance fighters”107, i.e., indivíduos que perseguiam o objectivo da

independência de Timor mas se punham fora das quesílias partidárias, caracte-

rizados por serem geralmente jovens educados, politicamente activos e críticos

da acção dos mais velhos, a quem atribuiram a responsabilidade de terem

deixado o país envolver-se na guerra civil que deu o pretexto à invasão

indonésia108. Sentia-se uma necessidade de criar um corte com os erros do

passado, e de revitalizar o movimento com novas ideias e novas pessoas. For-

mando uma parte importante da frente externa da resistência, a sua integração

política no novo Estado é um dado incontornável, como demonstra a criação do

Partido Democrático (PD), cujos resultados eleitorais foram não só expressivos de

uma realidade demográfica incontornável que é a juventude da população

como, por outro lado, do que poderá ser o início de um fenómeno de substitui-

ção das elites (acentuando as influências indonésias e australianas).

Há pouco referiu-se que a diáspora timorense contribuiu para dar maior

visibilidade internacional ao problema de Timor: fê-lo tirando o devido partido

das potencialidades das comunicações, através das quais concertaram a uma

107 GUTERRES, Justino – Refugee Politics: Timorese in Exile, BA Thesis, 1992, apud JANNISA –

Ob.cit., p. 301.108 IDEM, ibid., pp. 68-72.

167colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

escala global todo um conjunto de acções que favoreceu o processo que condu-

ziu à consulta popular de 1999. Com efeito, a resistência teve na diáspora, e

muito concretamente nas respectivas elites, um importante braço que conse-

guiu, eficazmente, articular ONG, media, opinião pública e lobbies políticos e

diplomáticos. A “abertura” de Timor, a partir de 1989, permitiu igualmente o

aumento do contacto entre os que haviam permanecido e os exilados, através do

telefone ou mesmo de visitas. A reacção local foi em crescendo até ao massacre

de Sta. Cruz, cujas imagens tiveram entre os elementos da diáspora um profundo

impacto, promovendo neles um sentimento de unidade e de solidariedade

imediatos.

Ultrapassada a fase de luta, e concretizado o objectivo de formar o Estado,

surge a necessidade de criar uma continuidade em comunhão de destino e de

identidade que dará vida à nação. Aqui reside justamente um dos problemas

importantes de Timor: a dificuldade em atrair as elites da diáspora para Timor e

em integrar as que regressaram e sentem a oposição dos timorenses que ficaram

e resistiram intra-muros, perturbando a necessária comunhão de que fala Smith.

O momento de transição e a necessidade de compatibilizar os desafios da

modernidade com as práticas reiteradas da sociedade, vencendo o atavismo e

construindo objectivos integrados e duradouros, exigem grande serenidade e

inteligência. Com a evidente consciência de que sem elites devidamente quali-

ficadas – quadros técnicos e científicos – o êxito das metas definidas para a

funcionalidade do Estado ficará comprometido.

2.3.2.5. A identificação com personagens individuais

É um processo notório em Timor-Leste o da identificação colectiva com

personagens individuais, figuras da resistência, vivas ou mortas, dotadas de um

poder dilatado e simbólico, por vezes com feição paternal ou fraternal109, de

libertação e protecção. Os líderes nacionalistas alicerçam a sua legitimidade por

109 A figura de Xanana é vista, por vezes, como a do maun boot (“irmão mais velho”).

168 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

uma combinação de características comuns com características excepcionais,

induzindo e cultivando a identificação que fazem deles a síntese de um seme-

lhante e herói, símbolo de virtudes. São inúmeros os sinais deste reconhecimen-

to, em hábitos correntes ou em actos políticos, como patenteia a utilização de

fotografias do líder Xanana Gusmão estampadas nas camisolas dos mais jovens

(associando imagem, moda e vestuário), verdadeiro ícone da libertação à ima-

gem de um Che Guevara ou o culto a figuras da resistência, como Nicolau Lobato

ou Konis Santana. Ivo Carneiro de Sousa sugere que esta veneração possa ser

uma espécie de transferência dos “velhos rituais sociais celebrando os poderes

carismáticos desses antepassados fundadores das grandes linhagens dos territórios

sociais de Timor oriental” 110.

Nestas manifestações, a lógica linhagística e a concepção tradicional do

poder estão ainda muito enraízadas, acabando por ser apropriadas pela própria

linguagem do nacionalismo. A este propósito, veja-se o comentário muito curio-

so de D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, sobre as responsabilidades do

presidente Xanana Gusmão: “As pessoas estão habituadas a que o liurai (...)

resolva os problemas. O presidente da República é um liurai máximo. Será junto

dele que as pessoas vão cobrar, desconhecendo que ele não tem funções

executivas”111. No mesmo sentido, Manuel Tilman produz a identificação de

Xanana como um liurai: “Ele tem em si todas as características de um rei timorense

(...). O povo vê nele a estabilidade, a autoridade, um pai, um conselheiro, médico,

juiz”112. Consciente da simbologia, Xanana compareceu ao comício de encerra-

mento da campanha para a presidência da República, com as vestes tradicionais

de liurai. Nesta mesma linha de raciocínio, como salienta Jannisa, a duplicidade

tradicional da liderança timorense vinha de novo à superfície, sugerida na

imagem de um Gusmão no papel de chefe ritual, interno, e Ramos Horta no de

chefe político, externo113. Na mesma linha de raciocínio, as figuras de D. Carlos

110 SOUSA, Ivo Carneiro de – Timor dos Malai Sira?, Lusotopie 2001 (135-140), p. 136.111 Visão n.º 479, 9-15 Maio 2002. Sublinhado meu.112 www.terra.com.br/istoe/1704/internaci.../1704_nascimento_de_uma_nacao_02.ht, consul-

tado em 23.09.2002.113 JANNISA – The Crocodile’s Tears, p. 303.

169colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Ximenes Belo e D. Basílio do Nascimento gozam da autoridade espiritual-ritual

que a mesma transposição do mundo tradicional para o mundo moderno suge-

re, não esquecendo, naturalmente, do magistério de influência que a sua obra

conseguiu alcançar junto da cada vez mais alargada comunidade católica

timorense.

O percurso biográfico das personagens remete, para além do mais, para um

engrandecimento resultante de sentimentos como a abnegação, a tenacidade, o

espírito de sacrifício, o sofrimento. Assim se compreende que a prisão de Xanana

só tenha contribuído para consolidar a sua aura de herói ou que a destruição da

casa do bispo Belo no Setembro negro, e o perigo de vida que correu, tivessem

alcançado dimensão de transição regeneradora, que ademais gera a formação

de processos de identificação pessoal e simbólica cruciais para a formação e

consolidação nacionais.

2.3.2.6. A formação de estereótipos (Kaladis/Firakus e “Povo Maubere”)

A importância da formação de estereótipos nos processos de formação

nacional é assunto que, no caso de Timor-Leste, remete para duas formas de

identificação colectiva, supra-local e totalizante. Assim, um exemplo significativo

deste tipo de fenómeno foi a duplicidade criada entre Kaladis e Firakus, a qual

estabeleceria dois agrupamentos maiores das divisões etno-linguísticas existen-

tes: o distrito de Manatuto seria a linha de divisão entre uns e outros, os primeiros

ocupando o lado ocidental, os segundos do lado oriental. J.M. Saldanha e

Francisco Guterres classificam os Kaladis (representando quase o dobro da popu-

lação classificada como Firakus)114 como mais acomodados e menos determina-

dos e os Firakus como voluntariosos, menos tolerantes e gostando de correr

114 SALDANHA, João Mariano; GUTERRES, Francisco da Costa – Toward a Democratic East Timor:

Institutions and Institutional Building, East Timor Study Group, Working Paper: 02, p. 6. Em 1996, de

um total de população de 801.271 habitantes, os Kaladis estimavam-se em 400.445 e os Firakus

239.003 (representando o resto da população os 161.831 habitantes de Díli).

170 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

riscos, portanto, mais aguerridos na contestação ao domínio indonésio. As lín-

guas faladas por uns e por outros são diferentes, excepto em Viqueque (Firaco)

e Suai (Caladi), que partilham o Tétum Terik. As línguas mais importantes dos

Kaladis são o Mambai (maioritária), o Tokodede e o Baiqueno e as dos Firakus são

o Macassai, o Fataluco (maioritária) e o Naueti115. Baucau, a segunda cidade do

país e a mais importante para os Firakus, tem uma reputação conhecida de

combatividade e contestação. A agressividade guerreira, decorrente do valor

atribuído ao respeito, à amizade e à honra, que resultaria no funu (com feição

ritual), consabidamente aproveitado pelos estrangeiros (portugueses, japoneses

e indonésios), seria ainda hoje visível na oposição, por vezes violenta e sanguiná-

ria, entre os distritos de Loro mano (ocidentais) e de Lorosa’e (orientais). Os líderes

políticos também poderiam ser – perigosamente, sublinhe-se – catalogados por

origem, no sentido de vislumbrar, no maior dos determinismos, nos seus com-

portamentos as características estereotipadas de um e de outro grupo, de uma

e de outra área, e as oscilações entre a combatividade e a aceitação da ordem116.

É, no entanto, de acautelar ou mesmo de evitar explicações de pendor

primordialista para a violência étnica, que tendem a considerá-la como endémica,

inexorável, constantemente re-disperta, embora a existência da dicotomia tenha

desenvolvido, do ponto de vista discursivo, um sentimento de grupo, de perten-

ça regional, consequentemente supra-local, a qual constitui historicamente um

passo na construção identitária timorense.

115 SALDANHA; GUTERRES – art.cit., p. 7.116 Assim, por exemplo, entre os firakus, poder-se-ia apontar as combativas figuras de Xanana,

de Ximenes Belo, Taur Matan Ruak ou mesmo de Abílio Osório Soares (que sugeriu a autonomia e

sustentou que todos os chefes de distrito, bupati, fossem nativos e civis), e entre os kaladis, o

moderado Xavier do Amaral. Nesta mesma linha de raciocínio, a maioria dos membros das FALINTIL

seriam firakus e os membros das milícias, oriundos das zonas fronteiriças a ocidente, particularmen-

te de Bobonaro, seriam kaladis. OENARTO, Joseph – Can East Timor Survive Independence?, Discussion

Paper n.º 17/2000, North Australia Research Unit, Research School of Pacific and Asian Studies, The

Australian National University, 2000, www.anu.edu.au/naru/dp17.htm, consultado em 10.08.2000.

Sobre o assunto ver o escalarecedor artigo de SEIXAS, Paulo Castro – “Firaku e Kaladi: Etnicidades

prevalecentes nas imaginações unitárias em Timor-Leste”, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia,

vol. 45 (1-2), Porto: Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 2005 (149-188).

171colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Os estudiosos portugueses, bastante depois dos acontecimentos que se

julga estarem na origem desta classificação identitária (as guerras do Manufahi),

parecem não ter feito grande caso dela, o que poderá ser interpretado como

sinal da utilização nacionalista que dela se faz, numa recriação de uma realidade

histórica que até mesmo de um ponto de vista social pode ter ficado diluída ou

pelo menos imperceptível aos olhos atentos de um Artur Basílio de Sá e de um

Ruy Cinatti, o que não significa que tenha sido inventada (Alberto Osório de

Castro na Ilha Verde e Vermelha de Timor, teria já assinalado a necessidade de fixar

uma divisão mais primitiva dos timorenses) e que não estivesse presente na

vivência e inter-relações dos timorenses. Sá apresenta uma versão diferente da

dicotomia. Para este sacerdote, firaco é palavra derivada do Makassai para desig-

nar “certa população dispersa pelo interior, bravia e fugidia”, tendo no Mambai a

palavra keladi o mesmo significado pejorativo. Portanto, Sá não distingue no

sentido as duas palavras, o que poderá indiciar ter havido uma evolução semân-

tica das mesmas, construída historicamente em torno de dois estereótipos ou

imagens diferenciadas de uma mesma realidade, que não encontrou no Tétum.

Deste modo, não estaria em causa uma divisão da ilha entre oriente e ocidente,

mas a clivagem entre o interior quase inacessível e os centros urbanos, sobretu-

do no litoral, onde se teriam usado estas marcas identificadoras; no Tétum as

pessoas eram identificadas por proveniência geográfica117. Cinatti, também em

dissonância com a versão hoje apresentada, refere que os montanheses de

Maubisse se definiam como kaladis, e se caracterizavam por um “carácter inde-

pendente e belicoso”118.

Hodiernamente, a dicotomia aparece estampada em diversas obras e auto-

res (Jannisa, Gunn, Fox). Do ponto de vista histórico, é de registar um curioso

testemunho de um velho da zona de Aileu, entrevistado por Ospina e Hohe, que

assinala esta separação entre a parte oriental e a parte ocidental do então Timor

português e da união de forças aquando da guerra do Manufahi em 1911: “Esta

117 SÁ, Artur Basílio de – Textos em Teto da Literatura Oral Timorense, vol. I, Estudos de Ciências

Políticas e Sociais, n. º 45, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1961, p. XXVI.118 CINATTI – Arquitectura Timorense, p. 79.

172 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

guerra não ocorreu só em Manufahi mas em todo o Timor. Os portugueses enviaram

homens por barco para falar a todos os liurais119. Nessa altura os liurais do ocidente

e do oriente estavam unidos”120.

A rebelião de D. Boaventura teria estado na base deste rudimentar esboço

identitário, que, como sugere Gudmund Jannisa, propõe a noção de dois grupos

organizados numa lógica que não só supera as divisões etno-linguísticas existentes

como indica uma expansão identitária em torno de duas referências supra-locais.

A recorrência desta imagética, fez-se sentir não só durante a 2.ª Guerra

Mundial, como já mais recentemente, em 1975, António Carvarino (um dos

estudantes reputados como radicais), a recusava por a ver como uma atitude de

carácter tribalista, que ademais espelharia a crença de que alguns grupos eram

superiores a outros121. Jannisa informa ainda que Patricia Thatcher, uma investi-

gadora australiana, lhe asseverou que, durante o período da invasão indonésia,

a divisão era sentida pelos timorenses, mesmo os do exílio122. James Fox também

o refere como uma realidade com importância cultural, considerando-a como

uma linha diferenciadora do potencial de desenvolvimento, embora reconhe-

cendo que a dicotomia pode gerar equívocos123.

Um segundo esteréotipo fundador – de mobilização nacionalista – foi o

recurso discursivo ao designado Povo Maubere, criando um sentimento de iden-

tificação e mobilização em torno de um percurso de sofrimento e violência.

Maubere foi assim um conceito instrumental do nacionalismo, mas começou por

ser utilizado pela FRETILIN, facto que, associado à conotação pejorativa originária,

o tornava menos congregador do que era desejável. Maubere é palavra de origem

119 Refere-se à ajuda das tropas enviadas de Moçambique para acorrer às forças em Timor,

insuficientes para fazer frente à revolta.120 OSPINA, Sofi; HOHE, Tanja – Traditional Power Structures and the Community Empowerment

and Local Governance Project, Final Report, presented to CEP/PMU, ETTA/UNTAET and the World Bank,

Díli, 9/06/2001, p. 39. Sublinhado meu.121 HILL, Helen Mary – The FRETILIN..., cit., p. 91.122 JANNISA – The Crocodile’s Tears., p. 287.123 FOX, James J. – Diversity and Differential Development in East Timor, in HILL, Hal; SALDANHA,

João M., ed. – East Timor: Development Challenges for the World’s Newest Nation, Singapore: ISEAS,

2001 (155-173), p. 158-159.

173colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Mambai, sujeita a interpretações várias e polémica entre os timorenses. Para

alguns foi vista como insulto pois embora seja um mero antropónimo masculino

da zona dos Kaladis, terra rica de café, parece ter sofrido uma evolução semântica

e passado a ter o significado de preguiçoso e indolente. Foi a FRETILIN quem a

adoptou, elegendo-a para caraterizar o povo timorense, no sentido de proletaria-

do e também de pobre e miserável, espécie de lumpen proletariat do mundo sub-

-desenvolvido, que acabou por ser estendida, como instrumento de mobilização

e símbolo nacionalista, a todo o povo como elemento de identificação, num

processo de síntese de identidades várias, dispersas e por vezes antagónicas.

Artur Basílio de Sá divulgou uma lenda sobre um lagarto chamado Mau-

-Berek, humilde ou insignificante por contraposição com o Lafaek, crocodilo

nobre e majestoso, antepassado mítico dos timorenses124. Segundo Esperança,

ao recorrer ao termo maubere como símbolo, a FRETILIN imitava o que fizera

Sukarno no PKI, adoptando o antropónimo marhaen, comum numa zona da ilha

de Java, para o desenvolvimento do marhainismo, ou seja, o comunismo do

pequeno proprietário. Ramos Horta teria reclamado para si a ideia de usar

maubere para atrair as gentes do interior para o seu partido: “A verdade é que a

FRETILIN conseguiu transformar a palavra maubere num poderoso símbolo de

identidade nacional, aceite por todo o povo de Timor-Leste, transbordando para

além das fronteiras de mambai (…). O nome está consagrado nacional e interna-

cionalmente”125. Esperança refere ainda que por a FRETILIN ser a única força com

alguma estrutura organizada no terreno aquando da invasão indonésia, aumen-

tou o uso do termo, embora tal não tenha sido pacífico. A UDT nunca o aceitou,

tal como os timorenses de outras zonas que o viam muito circunscrito à região

centro-oeste. Artur Marcos defende o uso da palavra, considerando que as

acepções pejorativas podem assumir significados diferentes, evoluindo semanti-

camente; tal seria o caso de “chicanos” ou de “poder negro”126.

124 SÁ, A. Basílio de – Textos em Teto…, pp. 34-41.125 RAMOS-HORTA, José – Timor-Leste: Amanhã em Dili, p. 98 (sublinhado meu).126 MARCOS, Artur – Timor Timorense. Com suas línguas, literaturas, lusofonia, Lisboa: Edições

Colibri, 1995, pp. 120-122.

174 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

É pois notório que a palavra que originou o conceito tem sido objecto de

estudo de um ponto de vista etimológico, mas que a sua utilização política foi

clara, quer nos efeitos de mobilização quer nos de clivagem. Há, em todo o caso,

um enriquecimento semântico observável em processos de qualificação de

objectivos nacionalistas que carece de uma análise atenta.

3. A difusão e inculcação de representações de um projecto de nação

De seguida serão analisados alguns dos elementos com base nos quais se

poderão perscrutar os meios de difusão e inculcação do projecto nacional

através da organização de um movimento de unidade nacional que procurou

sintetizar as dissensões e as clivagens que originaram a eclosão da guerra civil de

1975 e a frustração do primeiro impulso nacionalista. O percurso que a ele

conduziu e o formato que assumiu serão aqui caracterizados, dando especial

destaque à evolução estratégica do movimento nacionalista desde a organiza-

ção da Resistência até à formação do Conselho Nacional de Resistência Timorense,

com referência aos passos intermédios, aos avanços e retrocessos e muito espe-

cialmente a dois documentos fundadores da maior relevância quanto ao conteú-

do substantivo do projecto nacional definido: a Carta Magna das Liberdades,

Direitos, Deveres e Garantias do Povo de Timor-Leste e o Pacto de Unidade Nacional.

Depois será focada a administração das Nações Unidas e a sua missão de nation-

-building, procedendo a um balanço do seu impacto formativo no projecto de

Estado e do seu contributo para a construção de uma identidade nacional.

Finalmente, são analisados alguns dos elementos que mais recentemente permi-

tem vislumbrar a criação de uma cultura colectiva pública, focalizada na impor-

tância de algumas das formas e instrumentos através dos quais se pode atingir

a difusão e a inculcação do mencionado projecto:

– em primeiro lugar, a fundação de um sistema educativo (descolonizado e

atento à prioridade de facer face ao analfabetismo maioritário);

– em segundo lugar, a formação de uma administração pública funcional e de

umas forças armadas e policiais capazes de garantir a segurança e a ordem;

175colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

– em terceiro lugar, a organização e participação cívica da chamada sociedade

civil, o que em Timor se manifesta, entre outras formas, através da entusiástica

adesão aos actos eleitorais empreendidos desde 1999 (incluindo uma chama-

da de atenção para as sondagens e relatórios entretanto realizados que

permitem aferir das expectativas quanto ao futuro do projecto de Estado-

-nação timorense);

– em quarto lugar, pela aposta na política externa como reforço dos constran-

gimentos do Estado numa lógica de compensação dos desequilíbrios domés-

ticos;

– em quinto lugar, pela necessidade de gerir habilmente os parcos recursos

económicos do território, com especial atenção para a controversa exploração

do petróleo – o eterno filão de esperança da viabilidade económica de Timor-

-Leste. De igual modo, e em estreita ligação com o ponto anterior, a coopera-

ção e a ajuda internacionais serão vectores essenciais do desenvolvimento,

sendo portanto da maior importância a sua captação e boa aplicação.

3.1. A frente nacionalista comum

Se o período de 1974-75 foi marcado pela agitação da formação dos novos

partidos e respectivos programas, pela definição de estratégias e pelos encon-

tros e reuniões que permitiram fazer germinar na população a ideia da fundação

de um Timor-Leste independente, foi a resistência organizada quem permitiu

consolidar um objectivo que se foi progressivamente adaptando às novas cir-

cunstâncias da conjuntura e aperfeiçoando o discurso nacionalista, por forma a

sustentar políticamente o projecto de Estado. Apostando na criação de símbolos

nacionais, no plano político (promovendo o papel da Resistência e dos seus

actores), cultural, linguístico, religioso, geográfico (pela identificação do territó-

rio designado de Timor-Leste ou Timor Lorosa’e com a pretendida nação

timorense), apostou-se numa diversificação das bases e do teatro das operações,

como explica Xanana Gusmão: “A resistência do nosso povo teve imensas facetas:

resistimos nas montanhas, nas cadeias, na clandestinidade, nas igrejas, nas escolas,

176 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

nos assaltos a missões diplomáticas. O povo quando dançava e cantava, reforçava as

tradições culturais, fortalecia a identidade nacional. A resistência fez sentir a sua

acção constante em todas as aldeias e cidades de Timor-Leste, e em inúmeras

cidades indonésias, com frequência operando no estômago do inimigo”127. Em suma,

“a luta do nosso povo envolveu assim a resistência armada, a luta clandestina, a luta

diplomática e a resistência individual de milhares e milhares de cidadãos anóni-

mos”128.

É, no entanto, de notar que o unanimismo que se criou em torno de uma

causa nacionalista, escamoteia as múltiplas divergências que a história foi impri-

mindo ao referido projecto. Quer os acontecimentos dramáticos de 74-75, quer

depois o período da invasão, não impediram que alguns encarassem o futuro de

Timor-Leste integrado na Indonésia, de uma forma politicamente consciente,

optando, inclusivamente, por integrar as estruturas políticas do invasor: as elites,

bem-entendido, ainda que uma parte colaborasse por razões de natureza táctica,

para conhecer o inimigo por dentro; quanto às hordas de funcionários públicos

convertidos ao Panca Sila defendiam a sua sobrevivência física, o que não

implicava necessariamente que deixassem de assistir a guerrilha.

Em todo o caso, e feita a ressalva, parece ser pacífico que a intrusão indonésia,

e antes disso o desfecho da guerra civil, abriram caminho para uma afirmação da

FRETILIN, que assumiria o protagonismo da luta de resistência que se desenvol-

veu, com períodos de maior ou menor intensidade, desde 1975, que de algum

modo lhe garantiu os resultados expressivos das primeiras eleições legislativas

de 30 de Agosto de 2001. Nos finais dos anos 70, a resistência parecia ter sido

aniquilada militarmente, mas logo em 1981 teve lugar uma reunião que criou o

Conselho Nacional de Resistência Revolucionária, que consagra a dominação de

uma FRETILIN marxista-leninista e a liderança de Xanana129. A título de exemplo,

127 GUSMÃO, Xanana – Intervenção de Xanana Gusmão, in CNRT – Resultados do I Congresso

Nacional, Díli 21-30 de Agosto de 2000, p. 58.128 IDEM, ibid., p. 59.129 CARRASCALÃO, Maria Ângela – Timor:os Anos da Resistência, prefácio de Adelino Gomes,

Lisboa: Mensagem, 2002, p. 121.

177colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Maria Ângela Carrascalão refere a formação marxista-leninista que, a partir de

1981, terá sido dada aos guerrilheiros das FALINTIL num Centro de Formação

Política, onde lhes eram ministradas aulas de História da Humanidade, Materia-

lismo Dialéctico, Materialismo Histórico, Materialismo Filosófico, Citações de

Mao, entre outras.

Em 1983, o guerrilheiro negoceia um cessar-fogo de seis meses com a

Indonésia e usa este tempo para viajar pelo território e auscultar a população,

tendo obtido o apoio dos katuas, bem como de uma grande maioria da popula-

ção. Daqui terá resultarado o embrião de uma desejada política de unidade

nacional, em que se reconhece o papel de todos os nacionalistas (incluindo o

emergente movimento de estudantes), e a ruptura, no ano seguinte, da linha

marxista-leninista da FRETILIN130. É portanto este o momento de consideração do

pluralismo político, do multipartidarismo e da superação ideológica, que tem

expressão na mensagem de 1984 sobre o sentido da unidade nacional. O texto

punha em confronto duas opções face ao futuro: a adesão à FRETILIN, um

movimento de libertação que congregaria “todos os nacionalistas sem discrimi-

nação com base na cor, sexo, idade, opção política, credo religioso ou condição

social” ou estabelecer uma “plataforma comum com outros movimentos nacio-

nalistas para a independência nacional”131. A viragem estratégica deu-se quando

se considerou que mais importante do que pertencer a um movimento ou a um

partido era a mobilização de todos os timorenses por um sentimento de identi-

dade nacional. O sectarismo e as consequentes atrocidades, sobretudo as que

haviam sido praticadas durante o período da guerra civil e no início da resistên-

cia, passaram a ser vistas como contraproducentes.

130 WALSH, Pat – From Opposition to Proposition: The National Council of Timorese Resistance

(CNRT) in Transition, 8 de Novembro de 1999, p. 2.131 NINER, Sarah – A Long Journey of Resistance: The Origins and Struggle of CNRT, in TANTER,

Richard et al., eds. – Bitter Flowers, Sweet Flowers: East Timor, Indonesia and World Community, Lanham:

Rowman & Littlefield Publishers, Inc., s.d. (15-29), p. 20

178 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

3.2. A “unidade nacional”, do CNRM ao CNRT

A década de 80, com a introdução da ideia de desenvolvimento

(pembangunan), e o governo de Mário Carrascalão trouxeram algum conforto

material e um ambiente de acalmia, que coexistia com o irredentismo guerrilhei-

ro. Depressa a ideia de desenvolvimento se revelou uma falácia, associada ao

esquema generalizado de corrupção dos militares, o que em conjugação com a

transmigrasi acentuou o descontentamento. A escolarização atingiu um número

crescente de crianças e jovens endoutrinados nos princípios do Panca Sila e

falantes de Bahasa, os quais, no entanto, não tardarão em criar e aderir a

associações com fins humanitários e nacionalistas. Foram criadas as condições

para que a base do nacionalismo timorense, alimentado pela Resistência e pela

Igreja Católica, se alargasse e se urbanizasse. A organização do nacionalismo foi

pois condicionada pela nova conjuntura local e também pela internacional já nos

finais dos anos 80 (fim do bipolarismo, invasão do Koweit), e a FRETILIN ela

própria procurou novo rumo político (com a natural evolução de referências

ideológicas dos seus líderes e com o término da assunção da exclusividade da

representação legítima do povo de Timor-Leste), de que derivaria a

institucionalização do movimento de unidade nacional, apartidário, formado em

1987 – Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM)132, substituindo a ideia

de simples frente revolucionária pelo termo nacionalista “maubere”. Pouco antes

da criação deste organismo, em 1986, tinha sido criada uma Convergência

Nacionalista, por João Carrascalão e José Ramos-Horta, que parece não ter tido

grande aceitação. O propósito dos fundadores era a formação daquilo a que os

anglo-saxónicos chamam de “umbrella organisation”, que suplantasse as facções

e desse voz à resistência no exterior. Ao mesmo tempo, pretendiam adoptar uma

estratégia de reunião que abrangeria até os pró-integracionistas que entretanto

haviam aderido à Resistência, cuja estrutura tripartida (frente diplomática, movi-

132 A criação do CNRM partiu dos pressupostos de que a ocupação militar de Timor-Leste era

um problema supra-partidário, verdadeiramente nacional, e que a solução para o mesmo tinha de

ser encontrada na cena internacional, no plano diplomático, ao mesmo tempo que a frente armada

mobilizava o povo para continuar a resistir.

179colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

mento clandestino e braço militar) deveria ser aperfeiçoada133. Numa mesma

orientação congregadora, as FALINTIL deixaram de ser o braço armado da FRETILIN

em 1987 e, a pouco e pouco, reconheceu-se que só a adopção de uma atitude

acima das quesílias partidárias e que promovesse a participação alargada de

todos os nacionalistas (como os estudantes ou a UDT) poderiam dar esperança

à obtenção do objectivo da autodeterminação.

Numa reunião em Londres, nos finais de 1993, promovida por Francisco

Lopes da Cruz e Abílio de Araújo (assediado pela filha mais velha de Suharto,

Tutut, fundadora da associação de amizade Portugal-Indonésia) e com 18 parti-

cipantes favoráveis uns à independência, outros à integração, fôra lançada a ideia

de reconciliação. Dela se concluiu que Lopes da Cruz, o embaixador itinerante ao

serviço da Indonésia, iria interceder junto de Suharto para obter o regresso dos

exilados presentes, e Araújo solicitou ao ministro dos negócios estrangeiros de

Portugal uma peregrinação a Fátima dos timorenses pró-indonésios. A reunião

foi reprovada pela Comissão Coordenadora da Frente Diplomática, organismo da

Resistência, estando em causa uma tentativa de destruição da rede externa do

CNRM e Araújo foi expulso da FRETILIN134.

A aproximação pretendida entre os timorenses (o “diálogo intratimorense”)

caminhou no sentido da autodeterminação. Assim, o 1.º Encontro Intratimorense,

na Áustria, sob os auspícios da ONU, em 1995, foi pautado pela moderação de

objectivos: a defesa dos direitos humanos, a preservação da identidade cultural,

a participação de todos os timorenses no desenvolvimento do território, as

facilidades na circulação, a importância das negociações. A nota dominante foi a

133 SOARES, Dionísio Babo – Political Developments Leading to the Referendum, in FOX, James

J.; SOARES, D.Babo – Out of the Ashes..., (57-78), p. 61. Entre as realizações do CNRM, registe-se o

plano de paz de 1992, da autoria de Ramos-Horta, que incluía uma fase de dois anos de conversa-

ções, seguida de um período de cinco a dez anos de autonomia sob a supervisão das Nações Unidas,

que terminaria com a realização de um referendo em que a independência era uma das opções.134 Ver O Encontro de Londres entre os líderes timorenses, 14-16 Dezembro 1993, The London

Meeting between Timorese Leaders. Prefácio de Abílio de Araújo, [s.l.], [s.n], 1994 e CARRASCALÃO,

Maria Ângela – Ob.cit., p. 243. Naturalmente, os termos em que decorreram as conversações não

podiam agradar a muitos: discutia-se o futuro de Timor-Leste sem se debater a questão da realização

de um referendo ou sequer do estatuto futuro do território.

180 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

apresentação de declarações consensuais e sobretudo o apoio à resolução 37/30

(AG) de 23 de Novembro de 1982, que investia o secretário-geral da ONU na

missão de iniciar um processo de consultas a todas as partes interessadas e o

pedido ao Comité da Descolonização para continuar a acompanhar a situação de

Timor-Leste, reconhecendo Portugal como potência administrante (facto que

causou o desagrado da representação indonésia, formada por delegados

timorenses, tornando o 2.º Encontro, em Março de 1996, muito menos conclusi-

vo)135. O 3.º Encontro Intratimorense, também realizado na Áustria, em Outubro

de 1997, procurou-se concertar posições e obviar as divisões. Konis Santana, o

líder da guerrilha, deixou uma mensagem clara aos participantes do encontro:

que rejeitava o estatuto de autonomia, reafirmando o direito à autodetermina-

ção. Abandonava assim a tese que havia sugerido em carta ao governo portu-

guês, segundo a qual se poderia aplicar a Timor-Leste uma autonomia semelhan-

te àquela de que gozava Porto Rico enquanto Estado associado dos EUA. Delibe-

rou-se, por consenso, que se daria novo nome ao país – Timor Lorosae – e os

participantes manifestaram a sua preocupação com a escalada de violência que

se verificava, assentando na necessidade de “obtenção da paz definitiva”136. Apro-

varam ainda a criação de um Centro Cultural em Díli e defenderam a circula-

ção, em visita, dos timorenses do território e da diáspora. No ano seguinte,

novamente na Áustria, teve lugar o 4.º Encontro Intratimorense, reunindo parti-

cipantes independentistas e integracionistas. Nele foi discutido, sem se chegar a

consenso, um documento do CNRT que, persistindo na defesa da autodetermi-

nação, exige a libertação de Xanana Gusmão e propõe o envio para o território

de uma força internacional de manutenção de paz. Isto foi, obviamente, mal

recebido pelos integracionistas que invocaram o facto de a Indonésia só ter

autorizado a realização daqueles encontros, em 1994137, na condição de não ser

135 CAREY, Peter – East Timor: Third World Colonialism and the Struggle for National Identity, Conflict

Studies 293/294, Research Institut for the Study of Conflict and Terrorism, Oct-Nov. 1996, p. 22.136 CARRASCALÃO, M.A. – Ob.cit., p. 73.137 IDEM, ibid., p. 249. O primeiro Encontro teve lugar no País de Gales, em 1994, por iniciativa

de Abílio de Araújo, dele resultando um pedido para a libertação dos presos, a redução gradual dos

efectivos militares e a salvaguarda da herança cultural timorense.

181colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

discutido o estatuto do território. A discussão do documento revelou-se

inconclusiva138.

A visibilidade da Resistência era cada vez maior, sobretudo desde que Horta

e Belo receberam o Nobel, e a questão ia ganhando apoios, quer no seio das

Nações Unidas, onde a mudança do secretário-geral e o particular empenho de

Kofi Annan foram determinantes, bem como o caso Timor Gap no Tribunal

Internacional de Justiça. A capacidade de aceder noutros cenários importantes,

como a União Europeia, vinha sendo potenciada por Portugal desde que a ela

aderira; os lobbies norte-americanos estavam mais activos; o Japão mostrava-se

cada vez mais atento e as ONG cada vez mais militantes. E a crise económica e

financeira abanou fortemente os alicerces do regime de Suharto. Estavam a ser

criadas as condições para definir uma nova estratégia e foi o que sucedeu pouco

depois, quando em Abril de 1998, na 1.ª Convenção Nacional dos Timorenses na

Diáspora, o CNRM vem a ser designado de Conselho Nacional de Resistência

Timorense (CNRT) e define um conjunto de posições relativas aos direitos huma-

nos, aos costumes, à designada sociedade civil, à reconciliação, às relações

internacionais, à língua, à economia, à moeda, ao ambiente, ao Timor Gap, às

políticas de desenvolvimento, etc, algumas delas consignadas na Carta Magna

das Liberdades, Direitos, Deveres e Garantias do Povo de Timor-Leste (aprovada no

congresso de 1998). A comissão política do novel CNRT foi ainda incumbida de

elaborar um plano estratégico de desenvolvimento (reunião do Algarve, Outu-

bro 1998), cujos primeiros resultados viriam a ser apresentados no ano seguinte,

em Melbourne (Abril de 1999), reunindo os contributos de vários especialistas e

académicos timorenses nas áreas da agricultura, economia, educação, ambiente,

administação pública e sistema político, saúde, infraestruturas, sistema judicial e

comunicação de massas139. Posteriormente, durante a organização do referendo

pela UNAMET e após o estabelecimento da UNTAET, o CNRT foi considerado o

parceiro natural destas duas missões conduzidas pelas Nações Unidas.

138 IDEM, ibid., p. 79.139 CNRT – National Council of Timorese Resistance, p. 3, www.labyrinth.net.au/~ftimor/cnrt.html,

consultado em 23.9.2002.

182 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

A acção nacionalista evoluirá, num cenário em que a independência está

assegurada, para a elaboração de um Pacto de Unidade Nacional, no congresso de

Agosto de 2000, o qual se pautou igualmente pela emergência de um conflito

interno entre a liderança e os partidos políticos, com a FRETILIN e a UDT a

recusarem participar no Conselho Permanente do CNRT, tornando-o assim num

forum de pequenos partidos, enfraquecendo o seu papel aglutinador e minando

a sua continuidade. O Pacto é um documento essencial, de apelo ao empenhamento

dos partidos na manutenção e respeito da unidade nacional, à independência de

Timor-Leste, à integridade territorial, à adopção da supracitada Carta Magna, à

realização de eleições livres e justas140 (infra). No anúncio da realização deste

mesmo congresso, datado de 15 de Janeiro de 2000, a eloquência das palavras do

presidente do CNRT, Xanana Gusmão, realçam a importância do nacionalismo para

uma união do povo e da necessidade de materializar esta união política e simbo-

licamente: “É fundamental continuar a unir o Povo no mesmo espírito nacionalista,

para uma participação mais activa na construção da nova Nação, através da Consti-

tuição e dos Símbolos Nacionais, como a Bandeira Nacional, o Hino Nacional, Heróis e

Dias Nacionais”141. Já durante os trabalhos, o “desenvolvimento sociocultural” foi

um dos temas debatidos (pela Comissão III), considerando nos seus resultados que

a colonização portuguesa e a ocupação militar indonésia haviam tido “impactos

sociais” de que derivaram a “quase descaracterização e a fragilidade da sua identida-

de cultural”, afirmando por este motivo a necessidade de “formar uma sociedade

timorense com identidade cultural própria, baseada nos seus valores sociais e culturais

e ao mesmo tempo aberta aos valores duma sociedade moderna”. A esta preocupação

associam a necessidade de promover a educação e o ensino do Tétum, do Portu-

guês e de outras línguas de Timor142. Ao mesmo tempo, a ideia de reconciliação

140 WALSH, Pat – East Timor’s Political Parties and Groupings, Briefing Notes, Australian Council for

Overseas Aid, April 2001, p. 8.141 CNRT – Resultados do Congresso Nacional do CNRT de 21 a 30 de Agosto de 2000, pp. 4.142 IDEM, pp. 22-23. Em torno da construção nacional, tiveram igualmente relevo os temas da

reconciliação, do desenvolvimento económico, do investimento, do meio ambiente e recursos

naturais, da segurança e defesa nacionais e das relações internacionais e cooperação (Comissão III

e IV), bem como disposições sobre a democracia, o sistema de governo, a “sustentabilidade e

credibilidade”. Foram ainda incluídas duas resoluções sobre direitos humanos e direitos da mulher.

183colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

nacional surge como um dos aspectos cruciais igualmente definidos como objec-

tivo a alcançar por forma a atenuar as fracturas sociais existentes e a mitigar os

efeitos do drama humanitário que se gerou em 1999, designadamente do retorno

dos refugiados em Timor Ocidental. Refira-se ainda que as restantes comissões

tiveram a seu cargo uma definição ampla do modelo político, económico e

social a vigorar num Timor independente quer pela formulação do Pacto quer

ainda por medidas mais específicas relacionadas com a participação na UNTAET

e a timorização, a adopção de uma economia de mercado, a realização de elei-

ções livres, a escolha do sistema presidencial, a defesa do multipartidarismo

e da participação da sociedade civil, a consideração da premência das questões

de segurança e das relações internacionais, só para citar os temas essenciais

focados.

Um longo percurso teve, em suma, de ser percorrido para esta reformulação

no sentido da almejada unidade nacional, o que necessariamente implicou revi-

sões de estratégias e evolução do pensamento político e ideológico143.

143 GUSMÃO, Xanana – Xanana Gusmão, Lisboa: Edições Colibri, 1994, in www.geocities.com/

joseramelau/diasporatimorense/xananagusmao.htm, consultado em 02-08-02. A título de exemplo,

para ilustrar esta natural evolução, registe-se que Xanana Gusmão, num discurso datado de 7 de

Dezembro de 1987, lamentava o extremismo da FRETILIN e da sentença por ele ditada: “Estávamos,

na verdade, embalados com um fantasioso processo revolucionário já apelidado de «mauberismo». Esse

infantilismo político e impensado aventureirismo, que guiaram o Movimento desde 1974, não permitiram

margem alguma para desprezarmos, já na altura, todo o extremismo político que seria, dali em diante,

a nossa própria sentença”. Em sua opinião, os erros cometidos, em boa parte atribuídos à importação

dos modelos marxista e maoista, apanhara desprevenido um povo “incrivelmente subdesenvolvido”,

que à mercê de leituras enviesadas da realidade, fora lançado no abismo. A ideia de tornar a FRETILIN

num partido marxista-leninista só viria a ser abandonada em 1984, “cedendo de novo a capacidade de

conduzir o processo de libertação da Pátria à FRETILIN, como movimento nacionalista não necessaria-

mente comunista!”. É neste contexto que se situa o propósito de afastar as “gloriosíssimas FALINTIL”

para “fora do jogo político-partidário”, para assumirem uma neutralidade que não permitiria que fosse

instaurado um “regime de esquerda”.

184 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

3.3. A Carta Magna e o Pacto de Unidade Nacional

Os dois documentos em epígrafe assumem uma particular relevância na

formulação de um discurso de definição da identidade timorense, e de um

programa de acção política dela decorrente. A Carta Magna supracitada

consubstancia as decisões saídas da Convenção Nacional Timorense na Diáspora,

onde se reformulou o CNRM, designação tida ainda como parcial, e se criou o

CNRT. Definindo os princípios relativos às liberdades, direitos, deveres e garan-

tias do povo de Timor-Leste, o documento inclui um preâmbulo que, depois de

sustentar o direito à autodeterminação e ao fim da tragédia que constituíu a

invasão indonésia, avança com a afirmação da consciência da “herança histórica,

cultural, espiritual, religiosa e pela identidade cultural de cariz maioritariamente

judaico-cristão”. Este é um aspecto que merece alguma atenção: por um lado,

surge individualizada pela preposição e a identidade cultural de cariz maiorita-

riamente judaico-cristão, distinguindo-a assim das heranças múltiplas enuncia-

das e dando primado ao legado religioso e moral da Igreja Católica, como que a

reconhecer o papel fundamental que desempenhou na Resistência e não tanto

pela importância tradicional que detinha.

O Pacto de Unidade Nacional, por seu turno, aprovado que foi, como se

referiu, no 2.º Congresso do CNRT, realizado em Díli entre 21 e 30 de Agosto de

2000, é um compromisso assumido pelos delegados de “penhorados perante o

Povo de Timor-Leste que consentiu elevados sacrifícios para conquistar a Liberdade

e a Independência Nacional”, respeitarem os seguintes princípios:

“1. Obedecer aos princípios consagrados na Carta Magna aprovada na Convenção

Nacional Timorense realizada em 1998;

2. Respeitar os resultados da Consulta Popular de 30 de Agosto de 1999;

3. Obedecer à Constituição que democraticamente vier a ser aprovada pela

Assembleia Constituinte;

4. Empenhar-se, intransigentemente, na defesa da integridade territorial, no reforço

constante da Unidade Nacional e na permanente busca de soluções concretas

para a satisfação das crescentes necessidades materiais e espirituais do nosso

Povo;

185colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

5. Comprometer-se a praticar a democracia nos órgãos e estruturas partidárias aos

diversos níveis, submetendo-se, periodicamente, à vontade da maioria do Povo

expressa em eleições democráticas, livres e transparentes, sob a supervisão de

entidades independentes e credíveis;

6. Comprometer-se a agir no sentido de garantir a estabilidade do país, promover a

Unidade Nacional e praticar a política de tolerância e inclusão dos diversos

segmentos da sociedade, buscando sistematicamente amplos consensos e Plata-

formas de Unidade que incorporem os interesses da maioria, sem esquecer os

grupos minoritários da sociedade;

7. Comprometer-se a observar, no exercício dos direitos democráticos, um Código de

Conduta que incorpore regras de civismo e de convivência social que fortaleça a

dignidade nacional, no respeito pela diferença de opiniões e pelos adversários

políticos;

8. Comprometer-se a estabelecer as linhas gerais de um plano estratégico de desen-

volvimento económico e social, com ênfase nas acções de Reconstrução Nacional

e, em particular, o apoio solidário aos antigos combatentes e suas famílias, às

populações vulneráveis como as viúvas, os órfãos, os mutilados de guerra e os

quadros da Resistência”.

Trata-se de uma assunção de princípios que ocorre num momento histórico

ímpar – a garantia de que a independência é uma meta realizável – tornando-se

necessário, numa sociedade muito fracturada, pôr de parte quesílias partidárias,

divergências de interesses, para assentar numa plataforma comum que permi-

tisse a criação da necessária estabilidade para a emergência do país. Daí o

recurso, numa pretendida moldura democrática, a palavras como tolerância,

inclusão, consensos, civismo e convivência social, dignidade nacional a darem o

mote para o trabalho de reconstrução.

186 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

3.4. A administração das nações unidas

3.4.1. Antecedentes imediatos

A frágil situação económica, financeira e política da Indonésia em 1998, que

culminou na queda de Suharto, criou as condições para o lançamento do golpe

final que permitiria o exercício da autodeterminação conduzida pelas Nações

Unidas. Em Janeiro do ano seguinte, Habibie anunciou que, acaso Timor decidis-

se, em referendo, por uma separação a Indonésia aceitá-lo-ia. A Resistência, a

diplomacia portuguesa e o numeroso grupo de ONG envolvidas na questão

compreenderam a oportunidade do momento para pressionarem a Indonésia,

criando as condições para a assinatura, entre aquele país e Portugal, dos Acordos

de Nova Iorque de 5 de Maio de 1999, que permitiriam a escolha entre a

autonomia ou, recusando-a, a independência144. A ONU assumiria o importante

papel, político e administrativo, de preparar Timor-Leste para ser um Estado,

tarefa que se revelou da maior acuidade sobretudo depois da destruição em

massa levada a cabo pelas milícias pró-integracionistas antes, durante e depois

da divulgação dos resultados da chamada consulta popular, a qual suscitou, em

virtude do intervencionismo humanitário, uma operação de manutenção da paz

com carácter multinacional (com o consentimento da Indonésia)145. O faseamento

da intervenção é claro, pois determinou a formação de três missões com fins

diversos mas que, em todo o caso, tinham como fito o conceito de state-building

(incluindo o de nation-building, no pressuposto que deve servir de suporte à

formação do Estado)146.

144 Sobre os acordos de Maio, TELES, Patrícia Galvão – Autodeterminação em Timor-Leste: dos

Acordos de Nova Iorque à consulta popular de 30 de Agosto de 1999, in Documentação e Direito

Comparado, n.os 79-80, 1999 (379-454).145 Sobre a questão da intervenção humanitária ver BRITO, Nuno Filipe – Lidando seriamente

com as Nações Unidas. Kofi Annan e a intervenção humanitária, in Política Internacional, vol. 3, n.º 21,

Primavera-Verão 2000 (69-82).146 FERRO, Mónica – As Administrações Transitórias das Nações Unidas e a Construção do

Estado de Timor-Leste, in Revista Portuguesa de Instituições Internacionais e Comunitárias, n.º 4, 1.º

semestre, 2002 (197-232). Ver também da mesma autora o artigo publicado neste volume.

187colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

3.4.2. A actuação da UNAMET

A celebração dos acordos de 5 de Maio de 1999 permitiu a realização de

uma consulta popular aos timorenses para que estes expressassem a sua vonta-

de: ou se mantinham ligados à Indonésia com um estatuto de autonomia regio-

nal ou não, o que – como fora garantido por Habibie em Janeiro – significava

independência. Com base neste acordo foi constituída a United Nations Assistance

Mission to East Timor (UNAMET), cujo objectivo essencial era explicar aos

timorenses a natureza da sua escolha, bem como proceder ao recenseamento

para poder realizar o referendo. Foram criados duzentos centros de recensea-

mento e de voto e iniciou-se uma campanha de informação pública e política.

A UNAMET tinha à partida a sua actividade condicionado pelo facto de as

autoridades indonésias permanecerem in situ e pela degradação do ambiente de

segurança (caracterizado pela intimidação promovida pelas milícias junto da

população, com o assentimento dos militares, forças especiais da KOPASSUS e

polícias indonésios, e pela destabilização dos apoiantes da independência). Não

só este clima perturbou o trabalho da UNAMET como também a própria campa-

nha do CNRT ficou muito limitada, tendo provocado o adiamento por duas vezes

da data de realização da consulta. É, no entanto, de referir que se procurou o

caminho da reconciliação entre independentistas e integracionistas, com

intermediação dos bispos de Díli e Baucau, no final de Junho, no sentido de que

ambas as partes se declarassem vinculadas pelos resultados da votação147. No

seguimento desta tentativa, a UNAMET pretendeu obter acordo para a formação

147 MARTIN, Ian – A consulta popular e a Missão das Nações Unidas em Timor-Leste. Primeiras

reflexões, in Política Internacional, vol. 3, n.º 21, Primavera-Verão 2000 (17-28). Ver também, do

mesmo autor – Autodeterminação em Timor-Leste, as Nações Unidas, o Voto e a Intervenção Interna-

cional. Lisboa: Quetzal Editores, 2001. Ver também, para uma perspectiva portuguesa, a obra do

chefe da Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta em Timor-Leste, José Júlio

Pereira GOMES, intitulada O Referendo de 30 de Agosto de 1999 em Timor-Leste, O Preço da Liberdade,

prefácio de HORTA, José Ramos, Lisboa: Gradiva, 2001. A literatuta australiana dedicada ao assunto

é também vasta, destacando-se KINGSBURY, Damien – Guns and Ballot Boxes. East Timor’s Vote for

Independence, Clayton: Monash Asia Institute – Monash University, 2000.

188 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

de uma Comissão Consultiva Timorense, com representantes de ambas as fac-

ções e elementos independentes, seleccionados pelas Nações Unidas, não ten-

do, porém, conseguido alcançar um fim fundamental: o desarmamento. A

UNAMET desempenhou, de resto, funções de mediadora entre as Forças Arma-

das Indonésias (TNI) e as FALINTIL, bem como entre as FALINTIL e as milícias.

Apesar da campanha e da violência, da mobilização de milhares de milicianos,

atingindo alvos essencialmente civis, o trabalho da UNAMET – de explicação

sobre o conteúdo da proposta de autonomia e dos processos relativos ao

recenseamento e ao referendo – prosseguiu, facto para o qual terá contribuído

a internacionalização do assunto (o mundo e os media estavam muito atentos...),

bem como a atitude neutra das FALINTIL (que permanceram nos seus

acantonamentos, abstendo-se de intervir na convicção de que tal evitaria uma

escalada de violência e o pretexto para o ataque do inimigo ou mesmo o

bloqueio do processo). A adesão às urnas foi notável, tendo participado 98.6 dos

recenseados (de um total de 452.000 recenseados em que 438.000 se encontra-

vam em Timor)148. O resultado anunciado a 3 de Setembro, de que 78.5% dos

votantes preferia não continuar na Indonésia149, ocorreu já numa escalada de

violência de que resultou a morte de funcionários da missão, tornando-se claro

que a Indonésia não se mostrava capaz de cumprir os compromissos assumidos

a 5 de Maio. A aniquilação humana e material atingiu proporções inimagináveis

e no entanto, como observou Ian Martin, o chefe da missão, “o povo de Timor-

-Leste demonstrara no recenseamento a sua determinação de resistir à intimida-

ção”150. A verdade é que a intimidação, apesar da brutalidade, não parece ter

conseguido vergar uma vontade inquebrantável.

A acção destrutiva, conhecida por Operasi Sapu Jagaad (a lembrar a Komodo,

de 1975, deixando de ser um combate entre a UDT e a FRETILIN para ser uma luta

entre milícias e independentistas), para além de ter sido uma manifestação de

148 WIMHURST, David – A UNAMET, in AAVV – Timor, um país para o século XXI... (69-75), p. 73.149 Os resultados foram os seguintes: 344.880 rejeitaram a proposta da autonomia alargada e

94.388 (21,5%) aceitavam uma região administrativa especial de Timor-Leste.150 COTTON, James – “The Emergence of an Independent East Timor: National and Regional

Challenges”, in Contemporary Southeast Asia, vol. 22, n.º 1, Abril 2000 (1-22).

189colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

vingança, foi utilizada também como forma de demonstrar que as forças arma-

das detinham grande poder e para dissuadir eventuais avanços de outros

secessionismos no arquipélago indonésio. Estes eram aspectos ainda mais im-

portantes do que a própria independência de Timor-Leste: a campanha tinha

portanto este carácter de aviso, de alerta a outros movimentos que poderiam

esperar o mesmo ou pior acaso tentassem a desintegração da unidade indonésia,

e ao mesmo tempo mostrar a Habibie que, não obstante as medidas reformistas

em curso, não devia subestimar a importância dos militares. Tal significava que

Timor era apenas um dos aspectos do processo complexo e multidimensional da

transição indonésia, que ademais, se viu confrontada com crescentes pressões

internacionais que a criticavam pela incapacidade de fazer frente à onda de

violência verificada.

A subsequente intervenção da força de interposição multinacional designa-

da de INTERFET, cuja liderança foi assumida pela Austrália, pôs em causa o

equilíbrio regional e os métodos de funcionamento e regras da ASEAN. Como foi

referido, o contexto humanitário em que ocorreu trouxe-lhe um fundamento

acrescido, integrando o caso na linha interventiva que tem sido seguida a partir

do fim da Guerra Fria. A “operação estabilidade” daquela força militar garantiu a

retirada das tropas indonésias, após o que (em Outubro) as Nações Unidas foram

chamadas a exercer a administração civil do território e a Indonésia anulou o

decreto de anexação de Timor. Foi neste contexto que se constituiu a UNTAET,

cuja importância na edificação do Estado merece tratamento desenvolvido no

ponto seguinte.

3.4.3. As inovações do mandato da UNTAET

Pela Resolução 1272 (1999), de 25 de Outubro, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas criou a Administração Transitória das Nações Unidas para Timor-

-Leste (United Nations Transitional Administration in East Timor, comummente

designada pela sigla UNTAET). Tal resolução aprovada pelo Conselho de Segu-

rança evidencia um novo estilo de actuação daquela tão criticada organização

190 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

internacional. Com efeito, como observa Paula Escarameia, “as numerosas resolu-

ções sobre Timor durante o ano de 1999 revelam, não só uma capacidade de inter-

venção anteriormente inexistente, mas também um alargamento por áreas não

confinadas estritamente à segurança mundial, como sejam os campos sócio-

-económicos e jurídicos”151. O mandato em que foi instituída a UNTAET é, de facto,

de uma amplitude inédita (talvez só equiparada à do Kosovo), como se vê no

n.º 1 da referida Resolução, que especifica a responsabilidade geral pela adminis-

tração de Timor-Leste e terá poderes para exercer todas as funções legislativas e

executivas, incluindo a administração da justiça152.

Em tudo as suas atribuições se assemelham às de um governo no normal

exercício das suas funções:

a) garantir a segurança e manutenção da ordem em Timor-Leste;

b) instalar uma administração eficaz;

c) ajudar na criação de serviços civis e sociais;

d) coordenação e orientação do auxílio humanitário, bem como auxílio à recons-

trução e ao desenvolvimento;

e) apoiar a “construção de capacidades” para um governo próprio;

f ) contribuir para a criação das condições de um desenvolvimento sustentável.

De referir que o regulamento n.º 1999/1, sobre a autoridade da administra-

ção transitória em Timor-Leste especifica as atribuições do mandato definido

pela resolução: a UNTAET foi investida de toda a autoridade legislativa e execu-

tiva, bem como da administração da justiça, sendo exercida pelo administrador

transitório. O mesmo regulamento estabelece que o administrador transitório

deverá consultar os representantes do povo de Timor-Leste no processo de

tomada de decisão, o que só reforçava a noção do poder quase absoluto que lhe

estava confiado.

Para o cumprimento da sua missão a UNTAET foi estruturada em três pilares:

o governo e a administração pública; o auxílio humanitário; a reconstrução de

151 ESCARAMEIA, Paula – “Um mundo em mudança: Timor, a ONU e o Direito Internacional”, in

Reflexões sobre Temas de Direito Internacional, Lisboa: ISCSP, 2001 (67-85), p. 75.152 IDEM, ibid.

191colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

urgência153 e militar. Esta tarefa dá uma continuidade de âmbito muito mais

dilatado a operações que as Nações Unidas conduziram em países como

Moçambique, Namíbia e Cambodja, no caso vertente partindo de uma situação

em que não existiam instituições.

Também de sublinhar a importância que os actores não estaduais das

Relações Internacionais tiveram no processo: o movimento de libertação pro-

priamente dito, as organizações políticas, as organizações não-governamentais

e os indivíduos foram chamados a participar na nova administração, através

da formação do Conselho Consultivo Nacional (Regulamento n.º 2, de 2 de

Dezembro de 1999) para auxiliar a UNTAET no seu desempenho. Formado pelo

Administrador Transitório, três outros membros da UNTAET, e onze Timoren-

ses (sete dos quais do CNRT, três provenientes de outros grupos políticos existen-

tes aquando da realização da consulta popular e um da Igreja Católica)154, o

Conselho criou dois comités sectoriais para os assuntos económicos e para

a administração pública. Note-se, no entanto, que não tinha poder decisó-

rio, apenas fazia recomendações políticas, cabendo ao administrador, repre-

sentante do secretário-geral da ONU, Sérgio Vieira de Mello tomar as deci-

sões. Portanto, a sua intervenção era, basicamente, de assessoria a Vieira de

Mello155.

153 Uma missão conjunta de avaliação num relatório apresentado ao Banco Mundial em 1999,

assinalava que “Timor-Leste é diferente de outras situações pós-conflito num aspecto muito impor-

tante. Não existe uma necessidade aparente de pacificação entre segmentos da população com

diferenças étnicas, culturais ou religiosas. A necessidade – e esta é enorme devido à destruição

premeditada, meticulosa e massiva – é de reconstrução”, cf. THE WORLD BANK – Timor-Leste, Desafios

para uma Nação Nova, Maio de 2002, p. 5.154 Como assinala ESCARAMEIA, Paula – “Um mundo em mudança...”, p. 77, “foi notória a

importância que estes movimentos e organizações tiveram na conclusão dos Acordos de 5 de Maio e é,

assim, visível a importância jurídico-internacional que a sua acção tem na definição do estatuto interna-

cional de Timor e na sua efectiva concretização”.155 Reg. 1999/1, de 27 de Setembro: “toda a autoridade legislativa e executiva relativamente a

Timor-Leste, incluindo a administração do poder judicial, é cometida à UNTAET e exercida pelo Adminis-

trador Transitório”. Ver também Reg. 1999/2, de 27 de Setembro: art.º 1, 1.1. “É por este meio criado um

Conselho Consultivo Nacional (…) com o objectivo de assessorar o Administrador Transitório (…)”

(sublinhado meu).

192 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Em Abril de 2000, como haveria de comentar Vieira de Mello no congresso

do Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT), de Agosto desse ano,

chegou-se à conclusão de que o Conselho Consultivo Nacional era notoriamente

insuficiente como mecanismo de participação, por ser pouco representativo da

sociedade timorense. Iniciar-se-ia assim o caminho do que foi denominado

“timorização”, que se materializaria com a adopção do regulamento n.º 2000/24,

de 14 de Julho, o qual criou um Conselho Nacional em substituição do anterior

Conselho Consultivo Nacional, “composto por representantes das organizações

relevantes da sociedade civil timorense para actuar como um foro para todas as

matérias legislativas (…)”. Por este diploma foram ampliadas as capacidades de

participação no processo político, designadamente de iniciativa e emenda de

projectos de regulamentos, continuando a caber, no entanto, ao administrador

transitório, a aprovação dos mesmos. A composição do Conselho Nacional foi

alargada, passando a ter 33 (depois 36) membros todos eles timorenses156.

Embora não tivesse sido eleito, era considerado mais representativo e facilitador

da participação política.

Mas houve uma segunda decisão de maior impacte que correspondeu a

uma reformulação do modelo da UNTAET, com a criação da ETTA – East Timor

Transitory Administration (em 7.8.2000), formada por membros de um novo

governo de transição, que formou o primeiro executivo formado por quatro

timorenses do CNRT e quatro representantes da UNTAET. Enquanto ministros,

eram responsáveis pela formulação de políticas e pela recomendação de regula-

156 Reg. 2000/24, de 14 de Julho, art.º 3.º, 3.2. “Os trinta e três membros incluirão: sete (7)

representantes do Conselho Nacional de Resistência Timorense (doravante o CNRT); três (3) representan-

tes de grupos políticos independentes do CNRT; um (1) representante da Igreja Católica Romana em

Timor-Leste; um (1) representante das igrejas protestantes em Timor-Leste; um (1) representante da

comunidade muçulmana em Timor-Leste; um (1) representante das organizações de mulheres em Timor-

-Leste; um (1) representante das organizações estudantis e de jovens em Timor-Leste; um (1) representan-

te do Foro de Organizações Não-Governamentais Timorenses; um (1) representante das Associações

Profissionais; um (1) representante dos Agricultores; um (1) representante da comunidade empresarial;

um (1) representante das organizações de trabalhadores; um (1) representante de cada um dos 13

distritos de Timor-Leste”. Com esta iniciativa pretendeu-se alargar a participação do povo timorense

no processo de tomada de decisões.

193colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

mentos e directivas para consideração do Conselho Nacional (detendo Vieira de

Mello, como chefe do governo, toda a responsabilidade, de acordo com a

resolução 1272 do Conselho de Segurança). Em 21 de Fevereiro de 2001, o

Conselho recomendou a realização de eleições para uma Assembleia Constituin-

te de 88 membros em 30 de Agosto desse ano. Na sequência das eleições,

realizadas na data prevista, foi formado o segundo governo de transição, de

maioria FRETILIN, nomeado a 20 de Setembro. O novo gabinete, responsável pela

East Timor Public Administration (ETPA), era formado por 10 timorenses, em que

seis pertenciam à FRETILIN e os restantes eram independentes. As eleições

presidenciais, realizadas depois da conclusão da Constituição em Março de 2002,

deram a 14 de Abril de 2002 a vitória esperada a Xanana Gusmão e em 20 de

Maio nasceria o Estado.

3.4.4. O desempenho da UNTAET: resultados e críticas

As Nações Unidas estimaram que seriam necessários três anos para criar as

infraestruturas que tornariam Timor-Leste um Estado viável. Cumpriram o perío-

do transitório previsto, sendo embora discutíveis os termos a partir dos quais se

pode dizer se um Estado é viável ou não. O seu desempenho foi marcado por um

período inicial conturbado pela necessidade de fazer face à acção destrutiva das

milícias pró-indonésias, após o que foi criada a ETTA, como se viu, tendo em vista

a erecção de uma estrutura com carácter mais permanente e a garantia de

continuidade da actividade governativa após o termo do mandato da ONU no

território. Concluiu-se que a capacidade de adaptação era um elemento essen-

cial das administrações internacionais, frequentemente acusadas de inflexibili-

dade perante um receituário pré-estabelecido e práticas reiteradas.

Foi um tempo marcado por acesas polémicas, em que sobressaiu o pendor

demasiado internacionalista da equipa (muitos provenientes da UNMIK, o que

levou as vozes críticas a afirmar que Kosovo havia sido transposto para Timor-

-Leste) pouco conhecedora das especificidades timorenses, o que mais tarde

viria a ser corrigido com o recrutamento de pessoal local, o que não conseguiu

194 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

evitar a noção de que estava a ser criada uma duplicidade para alguns com

ressaibos discriminatórios157. As queixas de subalternização do CNRT – e a ineren-

te necessidade de promover um amplo e profundo processo de timorização –

suscitou equívocos e terá gerado desperdícios de energia. A legitimidade política

da UNTAET foi questionada pela população e o próprio CNRT, uma vez cumprido

o objectivo da libertação, caminhou até os seus dirigentes considerarem que,

tendo cumprido a sua missão de colaborar com a ETTA na transição, deveria

extinguir-se (Junho de 2001).

A actuação da UNTAET foi, com efeito, alvo de várias críticas, designadamente

de excesso de burocracia e lentidão, de ter construído uma administração

pouco eficiente e de ter integrado um número reduzido de timorenses. Ultrapas-

sado o difícil transe de 1999 e testada a operação de manutenção de paz,

desenhava-se o enigmático processo de experimentação de um ambicioso pro-

cesso de nation-building, aquilo a que James Traub, num artigo para a Foreign

Affairs de Julho-Agosto de 2000, chamava “inventar” Timor-Leste, perguntando:

“Será que nos locais onde a paz ou pelo menos a calma relativa tenham sido

conseguidas, poderão as Nações Unidas incentivar a estabilidade política, o desen-

volvimento económico e instituições democráticas fiáveis e responsáveis?”158 O ve-

lho dilema dos cépticos, em que se inscreviam questões como o défice de

conhecimento do terreno dos funcionários multinacionais e a inadequação de

certas medidas à realidade local suscitaram alguma crispação entre a população

timorense, a ponto de considerarem que se configurava um novo tipo de

colonialismo, ainda que benigno159.

157 SMITH, Anthony – East Timor: A nation reborn, http://www.inquirer.net/issues/sep2000/

sep03/features/fea_main.htm. Para uma visão crítica da actuação da UNTAET, CHOPRA, Jarat –The

UN’s Kingdom of East Timor, in Survival 42, London, Autumn 2000 (27-39) e GORJÃO, Paulo – The

Legacy and Lessons of the United States Transitional Administration in East Timor, in Contemporary

Southeast Asia, vol. 24, n.º 2, August 2002 (313-336). A versão portuguesa deste artigo, revista e

aprofundada, foi publicada com o título “O legado e as lições da Administração Transitória das

Nações Unidas em Timor Leste”, separata de Análise Social, vol. XXXVIII, n.º 169, Inverno de 2004.158 TRAUB, James – Inventing East Timor, in Foreign Affairs, vol. 79, n.º 4, July-August 2000 (74-

-89), p. 88 (tradução do autor).159 IDEM, ibid., p. 84.

195colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

À parte os excessos dos avaliadores compulsivos e a natural ansiedade da

população, é preciso ter em conta o quadro evolutivo da actuação da UNTAET para

traçar uma visão de conjunto mais satisfatória que permita com razoabilidade

concluir que teve, como quase tudo, aspectos positivos e negativos160. Mais do que

uma conclusão de senso comum é preciso definir critérios ou categorias de

avaliação, como as que propõe Paulo Gorjão: eficiência, transparência e legitimida-

de; ou considerar o modelo aplicado e proceder a um exercício comparativo com

o de outras iniciativas de nation-building empreendidas pelas Nações Unidas.

Os olhos estavam postos no desempenho. É evidente que havia um conjun-

to de questões de muito difícil resolução, onde o desempenho da UNTAET foi

muito delicado: a integração dos colaboracionistas, no espírito de reconciliação

nacional, e a repressão das milícias pró-indonésias eram (e continuam a ser)

assuntos muito prementes, sobretudo pelos contornos persistentes de ameaça à

segurança. O problema dos refugiados e todo o trabalho de assistência humani-

tária fez sobressair a inconveniência de a fronteira estar sob tensão, não devendo

ela constituir um muro a separar as duas metades da ilha. Em todo o caso e

apesar da incompletude da transferência das populações, a intervenção das

Nações Unidas numa e noutra área, aliás em estreita conexão, foi crucial e

indispensável. Refira-se que entre Outubro de 1999 e Outubro de 2001, regres-

saram aproximadamente mais de 190.000 timorenses161.

Mas outras questões foram sujeitas a apreciações menos positivas, como as

relacionadas com o regime da propriedade (e respectivas implicações, nomeada-

mente a dificuldade na atracção de investimento, inibindo a retoma económica)

e a administração da justiça (designadamente da carência de juizes, do julga-

mento dos crimes graves162 ou da aplicação da ideia conexa de reconciliação),

160 GORJÃO – art.cit., p. 313, em igual sentido escreve “a UNTAET não foi nem um surpreendente

sucesso nem um completo falhanço” (tradução do autor).161 UNTAET Press Office – Fact Sheet 10, Dezembro 2001.162 A própria UNTAET assumiu publicamente os resultados pouco satisfatórios no domínio da

justiça, designadamente na questão do julgamento dos crimes graves. Cf. UNTAET Press Office – Fact

Sheet 9, Justice and Serious Crimes, Fevereiro de 2002. Os julgamentos só tiveram início após a

independência.

196 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

potenciadoras de instabilidade social e política. O treino das forças militares e a

formação das Forças de Defesa de Timor-Leste ficou, em larga medida, depen-

dente da cooperação bilateral de Portugal e da Austrália. De referir igualmente,

que a criação de um corpo de polícia ficou afectada por uma capacidade de

intervenção e recursos limitados.

Com efeito, as inovações introduzidas pela gestão da UNTAET, se por um

lado reflectem os problemas funcionais das Nações Unidas, amplamente discu-

tidos, com a consequente insatisfação ou incompreensão de certos procedimen-

tos, por outro lado, tiveram uma amplitude administrativa inédita e deixavam

entrever, apesar de tudo, a flexibilidade necessária a uma transferência de pode-

res que se afigurava complexa. A resolução 1272 do Conselho de Segurança

investiu a UNTAET de todos os poderes num cenário de destruição e ademais

estava definido um fim último, o da independência, sem que no entanto se

tivesse traçado um caminho único para atingir este mesmo fim, assumindo um

idealismo indispensável num período em que tudo estava por fazer. José Manuel

Pureza também o reconhece quando afirma: “Timor pode ser assim perspectivado

como um ensaio, em pequena escala, do exercício destas novas funções da ONU que

combinam singularmente motivações pós-vestefalianas (a defesa universal dos di-

reitos humanos) com horizontes tipicamente vestefalianos (a construção de Estados-

-nação a partir de situações de caos administrativo e civil)”163. A formação do Estado

debate-se com a eterna questão do modelo de sistema político a adoptar e da

opção pela democracia como a base do funcionamento das instituições do

poder político central e local. A necessidade de articular o poder tradicional com

uma nova forma de poder, alheia aos seus costumes, veio recorrentemente à

colação no debate político e foi voz corrente apontar-se o presidencialismo

como o meio mais eficaz para fortalecer a unidade nacional164.

163 PUREZA, José Manuel – “Quem salvou Timor-Leste? Novas referências para o internacionalismo

solidário (2001?), www.ces.fe.uc.pt/publicacoes/oficina/164/164.pdf, consultado em 26.05.2003, p. 28.164 Mas não foi esta a solução adoptada, o que reflecte os resultados eleitorais de 31 de Agosto

de 2001, com a esmagadora vitória da FRETILIN. Com efeito, a Assembleia Constituinte elaborou um

texto constitucional de pendor semi-presidencialista, dotado de alguns mecanismos que degradam

a característica de garantia de que se deve revestir (caso do art.º 83, que admite a hipótese de, por

dificuldades de ordem técnica ou material, o parlamento nomear o chefe de Estado).

197colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Em todo o caso, pode aduzir-se que o esforço empreendido resultou numa

melhoria da segurança, na manutenção da ordem e do direito e no estabeleci-

mento de uma administração que suavizaram os efeitos da transição e que

permitiram a formação de uma assembleia constituinte, a elaboração de uma

Constituição e a eleição do presidente da República, o que obviamente não

exclui notas menos positivas. Também é de sublinhar a capacidade de adaptação

revelada e a correcção das lacunas; assim, a uma administração inteiramente

internacional na composição sucedeu outra, que acabou por acolher a participa-

ção dos timorenses.

No que toca ao contributo da UNTAET para a difusão de uma consciência

cívica potenciadora de um sentido de colectivo – e de um perfil para a constru-

ção de uma identidade nacional – é de ressaltar os seguintes aspectos165:

– a criação de um embrião da administração pública do Estado, com a adopção

do conceito de timorização da mesma, ou seja do recrutamento, selecção e

colocação de timorenses como funcionários públicos, e bem assim de os

preparar para assegurarem o funcionamento do serviço público, através do

reforço institucional e da formação (tendo para o efeito, sido criada, a Civil

Service Academy, cobrindo as áreas de governance, diplomacia, gestão, admi-

nistração local, recursos humanos, informática e línguas)166. A necessidade de

redimensionar o sector e de o tornar mais racional e transparente (libertando-

-o da herança do KKN) tornou-se num dos objectivos centrais;

– o estabelecimento de uma moldura de segurança interna e externa do terri-

tório através da presença das forças de manutenção da paz e da Civpol. Trata-

-se de uma das áreas mais sensíveis para a fundação da estabilidade política e

social, tendo-se verificado que apesar do auxílio na formação das forças

armadas e policiais do futuro Estado, estas não eram ainda autosuficientes,

razão por que se concluiu pela continuidade de uma missão das Nações

Unidas (a UNMISET) para garantir a paz e a ordem167;

165 UNTAET Press Office – Fact Sheet 1, Twenty Major Achievements, February 2002.166 UNTAET Press Office – Fact Sheet 13, Public Administration, February 2002.167 NEVES, Miguel Santos – The Security of East Timor in the Regional Context, Report. Lisboa:

Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, 2002, Cf. UNTAET Press Office – Fact Sheet 8, Law

198 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

– a realização de eleições livres, em ambiente pacífico, para a assembleia

constituinte (precedidas do recenseamento eleitoral de 737.811 pessoas e

das consultas constitucionais), de que resultou a formação de uma assem-

bleia constituinte e a nomeação de um segundo governo transitório (intei-

ramente formado por timorenses) e a eleição para a chefia de Estado. A

participação popular foi notável, da campanha até à votação, sendo de desta-

car a interessante iniciativa de proceder às referidas consultas constitucionais

(cujo processo e impacto será adiante abordado) no sentido de auscultar as

aspirações políticas e a comunidade de projecto dos 38.000 timorenses envol-

vidos;

– o estabelecimento de um programa nacional de educação cívica, que envol-

veu cerca de 100.000 timorenses e a formação de 5.500 líderes comunitários

(através do projecto CEP – Community Empowerment Project, promovido

pela UNTAET e pelo Banco Mundial). Refira-se que para alcançar este objectivo

a UNTAET recebeu a colaboração das ONG;

– a reabilitação básica das escolas (funcionando, de acordo com dados de

Fevereiro de 2002, 700 escolas primárias, 100 escolas de ensino secundário de

1.º grau, 40 escolas pré-primárias e 10 escolas técnicas) para um universo de

240.000 estudantes. Trata-se de uma área crucial num processo constitutivo

de um Estado e de uma identidade nacional e de um desafio extraordinário

porque começado praticamente a partir do zero: a destruição física das esco-

las e a falta de professores é um dos constrangimentos maiores, assim como,

na urgente necessidade de combater o analfabetismo e de prover a sociedade

timorense de técnicos e de quadros, aumentar a taxa de escolaridade e

melhorar a qualidade do ensino;

– a fundação de meios de comunicação de massas: a Rádio UNTAET (com

cobertura de todo o território, incluindo os campos de refugiados em Timor

Ocidental), a TVTL (com emissões muito limitadas, vistas apenas em Díli e em

Baucau, e segmentos de emissão de outras estações televisivas) e o boletim de

and Order, February 2002; Fact Sheet 17, East Timor Defence Force, February 2002 e Fact Sheet 18 –

Peacekeeping Force, February 2002.

199colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

informação mensal Tais Timor168, com uma circulação mensal de 50.000 exem-

plares, publicado em quatro línguas. Sublinhe-se que a comunicação foi uma

área sensível a que a UNTAET só deu maior atenção quando teve a percepção

de que os timorenses estavam pouco informados sobre a sua acção (e fre-

quentemente insatisfeitos e frustrados), tendo para o efeito criado um gabine-

te de imprensa que complementava o Gabinete de Comunicação e Informa-

ção Pública;

– a promoção de um maior envolvimento da sociedade na coisa pública, pela

generalização de expectativas elevadas e da crença na capacidade de existir

uma entidade supra-local, central – primeiro a UNTAET e depois o Estado

timorense –, com responsabilidade na condução dos problemas correntes.

Neste sentido é de destacar a criação de uma nova administração pública –

tendo a timorização por palavra de ordem –, e de serviços públicos básicos

(designadamente infraestruturas, saúde, educação e energia);

De referir ainda como nota positiva o trabalho desempenhado pelas institui-

ções especializadas das Nações Unidas e outros órgãos e programas internacio-

nais que, no terreno, prestaram um auxílio de monta, no sentido de promover o

desenvolvimento – casos do Banco Mundial ou do PNUD – ou ainda o auxílio

para a retorno dos refugiados pelo Alto Comissariado para os Refugiados ou da

Organização Internacional das Migrações.

Foi uma oportunidade até então nunca experimentada e irrepetível de

reunião de uma massa crítica e, se se considerar o âmbito alargado do mandato

e o tempo disponível os resultados foram bastante satisfatórios, com uma re-

construção de infraestruturas assinalável, o restabelecimento da ordem, a segu-

rança das fronteiras, e a criação de uma Constituição e de um governo. O

que naturalmente não impediu que se notasse que o seu termo viesse a denun-

ciar a incompletude da missão e a dos fins que tradicionalmente o Estado

persegue – segurança, justiça e bem-estar económico e social –, tornando

evidente a dependência relativamente ao exterior para garantir um nível mínimo

168 Para além deste periódico, os jornais de maior circulação eram o Suara Timor Lorosa’e e o

Timor Post.

200 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

do cumprimento de tais fins. É pois de reconhecer que não se está perante um

processo finito.

3.5. O nascimento do estado e da administração pública

Um novo Estado, fundado na sequência de um longo processo de resistên-

cia que alimentou um projecto nacional defendendo o direito à autodetermina-

ção e ainda de um período transitório dito de nation-building, conduzido pelas

Nações Unidas, com o contributo inestimável da comunidade internacional, feito

de esforços colectivos mas também individuais dos múltiplos actores das rela-

ções internacionais, começou a ser posto à prova a partir do dia da independên-

cia, 20 de Maio de 2002. Mas a importância do Estado não pode escamotear um

facto iniludível: a sua fundação recente não permite ainda retirar ilacções sobe-

jamente sólidas, com a sua actuação sujeita a avaliações que oscilam entre o

registo mais pessimista e uma atitude esperançosa.

Esta nova etapa representou o culminar de um conjunto de sonhos e

sentimentos contraditórios, em que, na sua fase final, depois da consulta popular

favorável à independência, uma administração internacional transitória dotada

de amplos poderes foi submetida a severas avaliações críticas, quer da parte dos

timorenses, quer de uma infinidade de outras vozes, dos mais variados quadrantes

e influências. Com efeito, o horizonte da independência gerou altas expectativas

quanto ao desempenho das Nações Unidas na perspectiva de que era necessário

conseguir alcançar o maior número de resultados. Mas havia chegado o tempo

para Timor-Leste trilhar um novo caminho, desta vez não com um poder tutelar

identificado, que se impunha de fora para dentro, sob a forma de uma domina-

ção político-militar, mas com um poder originado numa vontade de ter uma

existência própria e separada, idealizada e agora materializada na formação

de um Estado. E foi justamente o período de administração internacional – e

sobretudo as eleições para a assembleia constituinte – que terá permitido criar

junto da população uma maior percepção do significado da independência

política.

201colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Durante a transição, estavam, no fundo, a ser reunidas as condições para

uma reflexão sobre as expectativas quanto ao papel que o Estado deveria

desempenhar, à qual acrescia a averiguação sobre o modo como os timorenses

se comportariam face às exigências da construção de um novo país e aos

desafios da sua inserção no mundo da globalização. E agora estão a ser postas a

nu as dificuldades de um projecto em curso, sujeito às volatilidades conjunturais

mas também às forças profundas, tomando de empréstimo a expressão de Pierre

Renouvin, que fazem sobressair o carácter de processo, mutante e contingente,

mas ao mesmo tempo fundamental, para lançar as bases de um país que

enfrenta os maiores desafios, os quais lançam o debate sobre o sentido desse

Estado e das instituições, do sistema democrático, da reacção das elites à inde-

pendência, dos efeitos sociais da violência ou do fantasma das lutas fratricidas,

para citar apenas alguns exemplos. Depois de um percurso com um inimigo

externo localizado, que obviou – e ao mesmo tempo potenciou – divergências

de interesses existentes entre as elites, o nacionalismo criou uma unidade que

acabou por transferir a conflitualidade para o plano internacional.

Era, de resto, um dado incontornável entrar em linha de conta com os

constrangimentos a que, por comodidade se poderiam chamar de materiais, de

índole diversa (política, económica e de segurança), e neste sentido o Timor-

-Leste independente imaginado pelos timorenses pode vir a distanciar-se da

realidade, a ponto de poderem surgir tensões e crises. É por isto que é preciso

avaliar o papel do Estado na estabilização das identidades e dar-lhes uma

expressão nacional, no sentido em que seja possível encontrar uma adesão do

povo – e com ela uma cidadania – ao projecto de país que os seus representantes

e as instituições devem pôr em marcha, projecto este traduzível nas mais diver-

sas áreas (administração, educação, saúde, segurança e emprego, etc.). Mas

considerar apenas o aspecto material da questão é redutor, tanto mais que estão

em causa relações de causa-efeito que se jogam no plano político.

O Estado tem, pois, um papel sumamente importante na consolidação de

uma identidade nacional que legitime a continuidade da sua existência e acção,

que crie nexos por forma a aumentar a vontade de um destino comum. Por isto,

haverá que verificar se o Estado será efectivamente capaz de produzir e conduzir

202 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

uma identificação nacional acima de lealdades particulares e de uma multipli-

cidade de pertenças, disponibilizando recursos políticos e ideológicos para o

fazer. Será prudente equacionar a participação dos outros actores, por forma a

promover uma visão mais integrada sobre os mecanismos de formação identitária.

E ao mesmo tempo reconhecer que nada disto se faz em pouco tempo.

A fragilidade das instituições, aliada a um passado de violência, a cisões

sociais, geracionais e políticas – pela diversidade das influências na formação das

elites (portuguesa, colonial e pós-colonial, moçambicana, indonésia e australia-

na) – , à debilidade da economia, cobrem a empresa de uma onda de pessimismo

e da certeza de grande instabilidade política que pode pôr em causa os funda-

mentos do sistema político adoptado.

Durante o período do mandato internacional, durante o qual decorreram

dois actos eleitorais de que resultaram os órgãos de soberania e a Constituição

foram largamente debatidas as questões da educação (particularmente também

da cívica) e da informação como elementos da maior importância num maior

empenho do povo em construir um país: a nação tem de ser ensinada. Isto é

tanto mais verdade quanto se trata de um conceito, de uma abstracção que é

sentimento e consciência. Com frequência o sentido fixado é o da elite. Acresce

que, como sublinha Walker Connor, a formação de uma nação é, como se tem

insistido, um processo e não uma ocorrência, sendo complexo determinar a

partir de quando existe a nação. Não é demais notar que a sociedade timorense,

marcada pela pobreza de uma ruralidade dominante, por uma macrocefalia à

escala na cidade de Díli e pelo analfabetismo, só para citar alguns constrangi-

mentos, não dispõe de uma sociedade civil largamente mobilizada ou sequer de

uma classe média digna de tal designação, o que tansforma a tarefa da criação de

uma cultura colectiva pública num objectivo da maior importância. Acresce que

o Estado tem genericamente uma trindade de fins – segurança, justiça e bem-

-estar económico e social – que tem de procurar pôr em prática.

Depois do indispensável resultado da consulta popular em Agosto de 1999,

as eleições para a Assembleia Constituinte, em Agosto de 2001, e as eleições

presidenciais em Março de 2002, são sinais de vitalidade que permitem interpre-

tar os índices da participação política como uma vontade de construir um futuro

203colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

em comum. Outros estudos, resultantes de inquéritos e de sondagens, bem

como o primeiro relatório de desenvolvimento humano, realizado sob os auspícios

do PNUD, publicado em Abril de 2002, deixam alguns indícios mais preocupantes

quanto a esta consciência de prosseguir uma meta comum e de responder

cabalmente aos desafios que o plebiscito de todos os dias apresenta. A consciên-

cia dos problemas é, obviamente, generalizada e remete para a continuidade do

empenho internacional, como notou Kofi Annan no último relatório (de 23 de

Abril) que enviou ao Conselho de Segurança antes da independência. A

inexistência de uma administração pública a funcionar eficazmente, o desempre-

go, a carência de quadros, a saúde muito precária, a educação periclitante, a

frágil rede de comunicações, a insuficiência das infraestruturas, entre muitos

outros problemas, dificultam, e de algum modo comprometem, esta comunida-

de de destino. É uma evidência. O elemento volitivo talvez seja o mais valioso de

todo o processo, independentemente das maquinações nacionalistas ou da

tradição histórica, e que projecta o colectivo num presente-futuro não do que é

mas do que quer ser.

3.5.1. A criação de uma cultura colectiva pública: símbolos e sinais

Há pouco mencionámos a formação de estereótipos como um dos passos

importantes do processo, para, por fim, chegar à seguinte pergunta: o que é ser

timorense? Que qualidades e características têm de estar reunidas para se gerar

a identificação; como se identifica um timorense a si próprio: como mambai ou

makassai, como católico ou islâmico, ou ainda, numa lógica de definição por

contraste, como não indonésio ou como não português, ou tão-só como

timorense?169 E neste encadeamento, a designação malae (estrangeiro) definirá,

169 Cf. THATCHER, Patricia L. – The Timor-Born in Exile in Australia. Melbourne: M.A. Thesis,

Department of Anthropology and Sociology, 1992, pp. 208-209, apud JANNISA, G. – The Crocodile’s

Tears..., p. 294 e APPADURAI, Arjun – “The grounds of the nation-state”, in GOLDMANN, Kjell et al. –

Nationalism and Internationalism in the Post-Cold War Era, Londres: Routledge, 2000 (129-142), p. 131.

204 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

em si mesma, uma identidade comum por reacção à diferença ou por uma

consciência de comunhão, ou por ambas as razões? A título ilustrativo refira-se o

estudo que Patricia Thatcher conduziu entre a comunidade timorense na Austrá-

lia, em 1990-91, que lhe permitiu concluir que antes de 1974 a maior parte dos

timorenses viam-se como portugueses (caso dos mestiços), como chineses ou

como membros de um dos vários grupos etno-linguísticos (e aqui primeiramente

como membros da família e do clã). Todos conheciam a divisão entre Kaladis e

Firakus evocada anteriormente. A invasão indonésia e a consequente fuga para

Portugal ou para a Austrália produziu um sentimento de união e de solidariedade

que terá permitido a formação de uma “comunidade imaginada”. O que liga os

indivíduos ao grupo ou ao Estado, ao ponto de aceitar morrer por ele, é uma

realidade a que se sobrepõe a pertença local. Tem cabido, assim, ao Estado

fomentar um trabalho de propaganda nacionalista, fundamental para arreigar

uma escala hierárquica de pertenças: não apaga a regional, mas pode inculcar,

num plano superior, a nacional.

Em Timor, o Estado e as elites têm, portanto, a seu cargo a dificílima tarefa

de fundar uma identificação política numa sociedade com cisões acentuadas,

que poderá derivar da ideia de um passado histórico (com intensidades diversas

de comunhão de objectivos), que se depara com a inexistência de uma cultura

escrita desenvolvida e deriva da memória colectiva particular, que só muito

lentamente poderá ser modelada por forma a criar um sentimento de pertença

nacional. Esta tarefa de identificação faz-se por meio de rituais – próprios de um

Estado-teatro (Geertz) – que visam reforçar os laços de solidariedade, com vista

à construção de uma cultura colectiva pública170, que imprima dinamismo à

sociedade civil171, construa a cidadania, reforce o patriotismo e ultrapasse – não

170 SMITH, A.D. – A Identidade Nacional, p. 24.171 A este propósito atente-se em SALDANHA, João M.; SALLA, Michael M., eds. – East Timor

Facing the Future: Reconciliation, Institution Building, and Economic Reconstruction. Final Report

(Washington D.C. Worshop, organizado pelo East Timor Studies Group, American University, e

Uppsala University), 3-6 Agosto 2000. Os organizadores concluem que “o futuro da democracia em

Timor-Leste está sujeito à existência de uma sociedade civil dinâmica, compreendendo ONG, a imprensa,

a juventude e outras instituições relevantes. Actualmente, a sociedade civil em Timor-Leste está ainda

numa posição muito fraca e vulnerável” [sublinhado e tradução meus].

205colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

as suprimindo, pela sua real importância – as lógicas familiares, comunitárias

para instituir um sentimento de responsabilidade colectiva. Tal tarefa é ciclópica,

pode demorar décadas ou até séculos e tem de lidar com as pressões cosmopo-

litas do mundo globalizado, o que pode tornar a sua realização um exercício de

perícia política de contornos algo incertos e imprevistos. Não é, no entanto,

garantido que estes exercícios de ‘rituais’ premeditados produzam mecanica-

mente os efeitos esperados.

Torna-se, assim, necessário produzir um conjunto de sinais que provem a

existência recorrendo a uma lista de recursos experimentados e facilmente

assimilados, que a Europa transplantou para as suas colónias, quando lhes impôs

o seu modelo de organização política. Neste sentido, é de esperar que venha a

ser incrementada uma campanha de criação, recuperação e valorização de

símbolos de identificação nacional, através, por exemplo, da celebração de

feriados nacionais172, da evocação dos soldados e heróis da resistência mortos

em combate e das vítimas da invasão indonésia (numa lógica de martirização dos

fundadores da nação), da definição de conteúdos dos currículos escolares (e

designadamente da História) ou da formação dada no serviço militar, contri-

buindo para um reforço da cidadania.

Fundamental será a tarefa dos órgãos de socialização popular (e.g. sistema

público de educação e meios de comunicação), como lhes chama Anthony D.

Smith, para assegurar a referida cultura colectiva pública, o que, atendendo aos

conhecidos problemas do sector, demorará a implantar-se. Como corolário deste

processo, é habitual a preocupação com a noção de cidadania, o que é geralmen-

te feito pela criação do sistema educativo de massas, compulsivo, que padronize

e tente criar um sentimento de homogeneidade cultural, supra-étnico. Não

menos importante, embora ainda em estado que não se poderia actualmente

qualificar como menos do que embrionário, os media vão avançando timida-

172 Registe-se que em Timor-Leste foi adoptada a data de 28 de Novembro –evocativa da

independência da FRETILIN em 1975 – como dia nacional e não o dia 20 de Maio, data da

transferência de poderes da UNTAET para os órgãos de soberania timorenses eleitos democratica-

mente.

206 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

mente173, com destaque para a rádio que alcança já praticamente todo o país e

tem um número de ouvintes significativo.

Até agora, os sinais da existência de uma cultura colectiva pública são

previsivelmente fracos: a educação continua tributária do sistema indonésio

(sendo necessário “descolonizá-la”), a formação militar depende do exterior, os

media, como se viu, têm uma implantação modesta e os mártires da pátria, os

caídos e os de pé, têm apenas um monumento erguido na memória viva e

infelizmente recente da população. Assim, a preocupação com este problema

suscitou a reutilização de um neologismo muito curioso criado pelos nacionalis-

tas de 1975: a timorização, ou seja, um processo de reforço identitário, de defesa

e recuperação das especificidades, através do qual o Estado e a sociedade

timorense poderiam edificar as instituições, libertando-as de constrangimentos

impostos do exterior que tolheram a afirmação da especificidade timorense. Mas

este esforço veio de cima, e teve de lidar primeiro com a expulsão da autoridade

indonésia e depois com uma gradual participação no poder por transferência de

competências da administração transitória das Nações Unidas, processo que não

foi destituído de alguma polémica. A timorização terá consistido mais numa

entrega do poder aos timorenses (e à sua integração nas frustes estruturas da

administração pública) do que numa doutrina identitária coerente, mobilizadora

e criativa, de repto à construção nacional, tornando-se num bordão esvaziado de

conteúdo operacional.

É também no plano do simbólico que se alicerça a identidade. O que pode

remeter para a História, mas não forçosamente. Os símbolos são marcas vivas de

uma dada cultura, ainda que sejam herdados do passado, de um passado vivo.

Como escreveu, a este propósito, Anthony D. Smith, “através da utilização dos

símbolos – bandeiras, moeda, hinos, uniformes, monumentos e cerimónias – os

membros recordam a sua herança comum e as suas características culturais,

sentindo-se fortalecidos e exaltados pela sensação de identidade e pertença

comuns”174. A escolha de tais símbolos – tão integradores quanto possível –

173 SALDANHA; SALLA – Art.cit., p. 12.174 IDEM, ibid., p. 31.

207colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

foram sujeitos a uma avaliação por parte da população no período imediatamen-

te anterior à realização das eleições para a Assembleia Constituinte que ocorre-

ram nos finais de Agosto de 2001. A opção tomada quanto à bandeira e ao hino

recupera as escolhas da FRETILIN, numa lógica restauracionista e partidária175.

Quanto à moeda – outro dos símbolos da soberania – optou-se por uma solução

utilitária, mantendo o dólar americano.

No que diz respeito aos monumentos, está prevista a inauguração de um

monumento às vítimas do movimento de libertação, de projecto esquálido e

feitura australiana. Esta foi uma área em que os Indonésios investiram sem êxito:

veja-se o caso do Cristo-Rei de feições asiáticas, que nunca mobilizou peregrina-

ções em massa, ou do guerreiro timorense de uma praça em Díli, com uma

postura mais espasmódica do que heróica, ou ainda a versão em betão armada

da casa de Los Palos como modelo da arquitectura timorense. Quanto à repre-

sentação pictórica da pretendida nação timorense, de registar as pinturas murais

do estádio de Díli, que dão alguma cor à mensagem nacionalista; as divulgadas

telas de Xanana, pintadas na clausura de Cipinang, fixando uma paisagem

timorense (paisagem natural e humana que também quer registar em fotografia),

ou os tais (representando os treze distritos) que adornam a sala de sessões do

Parlamento.

De fixar ainda, seguindo uma tendência adoptada em numerosos países, a

escolha de um animal para representar a nação: o crocodilo, avô de Timor

segundo a tradição mitológica (fazendo lembrar o próprio recorte da ilha a

cabeça de um sáureo).

Há alguns sinais relativamente recentes – em festividades e cerimónias

públicas – de criação de símbolos e valores partilhados e nacionais, que têm um

significado variável e um efeito difuso, de que se apresentam vários exemplos: o

apodo loro-sae a caracterizar Timor como país do sol nascente remete para a

tradição mitológica e é claramente um factor de distinção pela atribuição de um

novo nome ao território, notoriamente uma tentativa de abandonar a designa-

175 Ver art.os 14 e 15 da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, sobre símbolos

nacionais e bandeira nacional.

208 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

ção geográfica de leste176; as danças guerreiras loro-sae e os cantares foram

objecto de divulgação externa e usadas não só como manifestação artística mas

também como modo de expressão de um sentimento timorense; a participação

de atletas nas Olímpiadas de Sydney, no ano 2000 (o desporto é, nos nossos dias,

um dos elementos mais dinâmicos da identidade nacional); as cerimónias da

independência, que uniram mitologia, folclore (danças, cantares e trajes tradi-

cionais), bandeiras e hinos à proclamação oficial da independência, à qual

acorreram igualmente, como convidados, os representantes dos vários actores

das relações internacionais envolvidos no processo.

Estas são manifestações que parecem denotar a consciência de uma expe-

riência partilhada e de uma solidariedade mais ampla que as tradicionais (a

família, a aldeia, o suco), que introduzem mecanismos de identificação colectiva

de amplitude ainda precisa. A este propósito, é de evocar a proposta de Francisco

Bethencourt sobre o que chama estados de comunhão, onde destaca dois pólos

de efeverscência colectiva que assumem, do meu ponto de vista, grande relevo

no caso de Timor: o medo e a festa177. A insegurança e a instabilidade ali vividas

propiciaram a formação de um cimento aglutinador; do mesmo modo, as festas

rituais realizadas em todo o território e nas comunidades da diáspora parecem

exercer igualmente uma função de sedimentação da comunidade.

3.5.2. A criação de um sistema educativo

Ao longo deste trabalho já foi evocado o papel que o ensino teve na

formação das elites e no alargamento das bases nacionalistas. Em momentos

diferentes e sobretudo com intensidades diversas, as colonizações portuguesa e

176 A opção do CNRT por Timor Lorosae para nome do país foi preterida pela recuperação da

versão de 1975 de República Democrática de Timor-Leste, enquanto no plano internacional se optou

pela designação de Timor-Leste (escolhida pela FRETILIN e consagrada pelo uso nos fora internacio-

nais desde 1974).177 BETHENCOURT, Francisco – La sociogénesis del sentimiento nacional, in Manuscrits, n.º 8,

Enero 1990, pp. 18-19.

209colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

indonésia contribuiram para a génese de um sentimento nacionalista em Timor-

-Leste. Como se viu, a escolarização que a colonização portuguesa proporcionou

deve muito à acção missionária (sobretudo aos seminários da Soibada e de

Same) e só tardiamente se foi implantando o ensino laico, alcançando camadas

diminutas da população (os filhos dos liurais, assimilados e mestiços). Por este

motivo, uma larga maioria da população era analfabeta. O ensino indonésio teve

uma implantação muito mais dilatada (até porque era obrigatório)178, tendo a

população escolar aumentado muito significativamente, bem como o número

de escolas e dos ciclos de estudos, tendo inclusivamente sido criada uma univer-

sidade. Entre 1976 e 1998, a taxa de matrículas nas escolas primárias aumentou

mais de 11 vezes, no ciclo preparatório mais de 100 vezes e no ensino secundário

cerca de 228 vezes. São números extraordinários, provavelmente inflacionados,

mas que partem de uma base muito baixa, sendo notória a diferença entre os

meios rurais e urbanos e baixas as taxas de conclusão dos estudos, sobretudo

para os mais pobres e para as raparigas179.

Um e outro sistemas educativos fizeram aprender as respectivas línguas e

culturas. Um e outro instilando ideologias de Estado. Uma e outra dando opor-

tunidade a que alguns estudantes recebessem bolsas para frequentarem univer-

sidades nas respectivas metrópoles, o que, em ambos os casos, e em proporções

diferentes, propiciou nos jovens a ideia de que a independência era um objectivo

incontornável. Desde 1975 que era, de resto, notória a preocupação com esta

área, tendo-se iniciado logo naquele ano campanhas de alfabetização (de ini-

ciativa da FRETILIN) seguindo o método de Paulo Freire e divulgando uma

cartilha em língua Tétum, logo a seguir interrompidas pela invasão. A lacuna foi,

desde então, suprida, do lado timorense, pela acção da Igreja Católica.

178 Em 1998, a taxa de inscrição no ensino primário era de 90,1%. WORLD BANK – East Timor –

TP – Fundamental School Quality Project. Project Information Documentation, Díli, 2001, p. 131. Os

graus de ensino estruturavam-se do seguinte modo: 2 anos de pré-primária, 6 anos de primária

(depois dos 7 anos), 3 anos de ciclo preparatório e 3 anos de educação secundária ou técnico-

-profissional, e finalmente 2 anos de educação politécnica ou 3-4 anos de educação universitária. Cf.

WORLD BANK – Timor-Leste: Desafios para uma Nação Nova, p. 61.179 WORLD BANK – Timor-Leste: Desafios para uma Nação Nova, p. 61.

210 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Mas o que verdadeiramente conta no momento de fundação do Estado é a

criação de um novo sistema educativo, pós-colonial, que para além de ter a

missão de preparar as novas gerações para a construção de um país com um

índice de desenvolvimento humano dos mais baixos do planeta, de maioria

analfabeta (57%, dados de 2002, com uma enorme assimetria entre as zonas

rurais e as urbanas, e entre homens e mulheres), desprovido de quadros e de

técnicos, tem também de fazer face a toda uma herança de destruição de

infraestruturas e de carências materiais e humanas muito constrangedoras. O

ciclo histórico iniciado após a consulta popular impôs a necessidade de

redimensionar, de suprir a falta e melhorar a qualidade dos professores, de

reconstruir as escolas e de reformular os currículos. É a este novo ciclo iniciado

em 1999, que importa dar atenção e que corresponde, grosso modo, aos trinta e

dois meses de mandato da UNTAET e ao período que decorre a partir da data da

independência, para tentar entrever não só o planeamento em curso, como as

formas através das quais se pretende passar uma ideia de “identidade nacional”.

Dados de 2001/2 indicam que 73% das crianças entre os 7 e os 12 anos

frequentavam o ensino primário; 25% dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos

frequentavam o primeiro ciclo do ensino secundário e 17% dos adolescentes

entre os 16 e os 18 anos frequentavam o segundo ciclo do ensino secundário.

Não se verificou grande desigualdade entre os sexos, mas entre os adultos com

mais de 30 anos, o número de mulheres analfabetas é superior no dobro ao de

homens180. O número de estudantes que frequentam o ensino superior é diminu-

to, com apenas 3,9% dos adultos. Este panorama é agravado pelo facto de uma

parte substancial dos edifícios das escolas ter sido destruído e de uma significa-

tiva parte dos professores (sobretudo do ensino secundário), de nacionalidade

indonésia, ter regressado ao seu país de origem.

Em termos educativos, durante a vigência da UNTAET foram alcançados

alguns resultados importantes: no final de Janeiro de 2000, apesar da destruição

das infraestuturas, 40000 crianças e 1000 professores já haviam regressado ao

180 MILLO, Yiftach; BARNETT, John – Educational Development in East Timor, p. 2. Dados retirados

do relatório do PNUD do desenvolvimento humano de 2002.

211colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

ensino primário. Foi justamente a necessidade de reconstruir as escolas que

orientou a preocupação central da administração transitória, em colaboração

com o Banco Mundial e com o CNRT. O CNRT havia desde 1999 formulado o seu

pensamento estratégico para o sector, considerando-o vital para a transforma-

ção da sociedade e da economia timorenses e como tal apelando a uma modi-

ficação dos métodos de ensino e uma modernização do currículo. Previsivelmen-

te, um dos pontos em foco era o desenvolvimento de uma identidade nacional

baseada nos valores culturais timorenses, mas também nos direitos humanos,

universais181. Mas a acção das milícias deixou pouca margem de manobra e a

emergência passou a ser a nota dominante, tendo depois a UNTAET (pela sua

Divisão de Educação), com a ajuda dos doadores, tomado conta do processo.

De salientar que a administração evitou a reforma de assuntos sensíveis, envol-

vendo os conceitos ou as ideias de identidade timorense, nação, valores culturais

ou moral religiosa182, e acabou mesmo por, de acordo com o CNRT, conservar o

currículo indonésio e o seu sistema educativo. As dificuldades de concerta-

ção que decorriam de entendimentos diferentes sobre a gestão do problema

resultaram numa excessiva centralização e num défice reformista. Aos problemas

do passado acrescentaram-se os desafios do presente: se por um lado, as práticas

de ensino herdadas do período indonésio, baseadas na repetição e na obediên-

cia, de conteúdos discutíveis e qualidade improvável, estavam ainda muito

arreigadas, por outro lado, questões como a reabilitação das escolas, o recruta-

mento dos professores ou a língua usada – sendo o Português pouco conhecido

e o Tétum um idioma prevalentemente oral, os recursos para normalizar a

respectiva utilização serão previsivelmente elevados – não têm resolução ime-

diata.

Em todo o caso, a UNTAET alcançou resultados numericamente importantes:

no início do ano lectivo, em Outubro de 2001, estavam inscritos 240.000 estudan-

tes no ensino primário e secundário, para 6000 professores, 700 escolas primá-

rias, 100 escolas do primeiro ciclo do ensino secundário, 10 escolas técnicas, 1

181 IDEM, ibid., p. 9.182 IDEM, ibid., p. 10.

212 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

milhão de manuais183. A Universidade Nacional de Timor-Leste (reaberta, em

condições de grande precaridade, em Novembro de 2000) contava, naquele

mesmo ano, 5000 alunos, tendo as suas licenciaturas um défice nas áreas das

engenharias, do direito ou da medicina – de que o país tanto carece – e os

professores um débil nível de qualificação. De referir ainda que se assistiu a uma

proliferação do ensino superior privado (de modelo indonésio), eventual factor

de potenciação da instabilidade social e do desemprego, sendo desejável, por-

tanto, que se dê primazia à universalização do ensino primário, à formação

profissional e de professores e se avance com cautela no secundário e superior184.

O ensino técnico constitui igualmente uma área de crucial importância dada a

escassez de know-how nesta área.

A dependência dos doadores e a percentagem do orçamento público que

lhe é dedicada são variáveis de reflexão importantes num sector seguramente

prioritário na consolidação identitária. E subsistem os problemas acima evocados

– infraestruturas, financiamento, pessoal, língua das aulas e dos manuais, conteú-

dos, igualdade de acesso ao sexo feminino –, constrangimentos materiais e

humanos não dispiciendos que exigem o maior cuidado. As opções a tomar têm

de ponderar o equilíbrio entre a necessidade de quadros e o desemprego.

3.5.3. A importância das forças de segurança

Numa sociedade marcada por décadas de violência reiterada e por uma

textura tradicional guerreira, alimentada pelo funu, e ainda para mais tendo nas

FALINTIL um dos pilares importantes do nacionalismo, é obvia a importância das

Forças Armadas, como garante da segurança e da defesa, e bem assim do

cumprimento da lei e do respeito pela autoridade legitimada por sufrágio. Trata-

-se, com efeito, de cumprir um dos fins primordiais do Estado fundado, a braços

183 UNTAET Press Office – Fact Sheet 15, Education, February 2002.184 Cf. JONES, Gavin W. – Education and Health, in HILL, Hal; SALDANHA, João M. – Ob.cit., (256-

-271), pp. 261-262.

213colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

com a forma de garantir tal fim, sem o qual não tem sentido qualquer plano

estratégico de desenvolvimento tendo como fito a justiça e o bem-estar econó-

mico e social. É de resto a preocupação fundamental dos timorenses, como

demonstram algumas sondagens e inquéritos realizados a propósito das suas

aspirações e projectos (cf. infra 3.6.).

A formação das Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL, aprovadas em 2000,

tendo como fulcro os ex-soldados das FALINTIL), com menos de 1000 homens, e

da Polícia, com pouco mais de 1300 efectivos, é insuficiente e como tal exigiu a

permanência do envolvimento das Nações Unidas e das forças de manutenção

da paz após a independência (quer na componente militar quer na componente

da polícia civil, designada de CivPol)185. O recrutamento e o treino destas forças,

tarefa em que Portugal e a Austrália tiveram um relevante papel, alcançou

resultados tímidos e não impediu alguns distúrbios relacionados com a acção

das milícias e como as alterações à ordem pública que se registaram em Díli no

final de 2002.

Não se pode, evidentemente, dissociar deste cenário a vulnerabilidade e a

dependência – da ajuda externa, da conjuntura internacional, das predisposi-

ções regionais, das relações de vizinhança, dos desempenhos económicos, da

estabilidade social, da integração de excluídos – incluindo ex-milícias –, do

emprego, da “good governance”, de uma actuação efectiva das FDTL, da

credibilidade da polícia civil, etc.. O papel das elites, e da sua convivência, na

condução do processo político será determinante, tanto no plano interno como

no externo, sendo de destacar, relativamente ao primeiro dos planos que as

práticas reiteradas de violência constituem um sinal preocupante de dependên-

cia do apoio da UNMISET186 – com um mandato limitado, mas uma crucial

185 UNTAET Press Office – Fact Sheet 8, Law and Order, Fevereiro de 2002 e Fact Sheet 17, East

Timor Defence Force, Fevereiro de 2002.186 UNMISET é a sigla para United Nations Mission of Support in East Timor, estabelecida por

resolução 1410 (2002), de 17 de Maio, do Conselho de Segurança, para um período inicial de 12

meses a começar em 20 de Maio de 2002 (prorrogado por mais três anos). O mandato que lhe foi

atribuído tinha o seguinte conteúdo: prestar assistência às estruturas administrativas fundamentais

para a viabilidade e estabilidade política de Timor-Leste; contribuir para um reforço do direito e da

214 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

importância, sobretudo do ponto de vista da segurança – e da impreparação das

forças timorenses em se bastarem a si próprias no cumprimento das suas funções

essenciais. A sua missão e formação – incluindo claramente a inculcação de um

modelo de cidadania – afiguram-se como um pilar da coesão do Estado e dos

mecanismos públicos e colectivos de identificação que permitirão conservar

uma vontade de prosseguir um destino comum. Os constrangimentos evocados

e a permanência do auxílio externo, tornam prematura e desaconselhável a

emissão de um juízo crítico sobre o futuro e os seus imponderáveis desígnios.

3.5.4. O sognificado do referendo de 1999 e das eleições para aassembleia constituinte (2001) e do presidente da república(2002)

A realização do referendo de 30 de Agosto de 1999 e das eleições para a

Assembleia Constituinte dois anos mais tarde, indiciaram um interesse evidente

dos timorenses na edificação de um Estado que consagrasse a sua vontade de se

libertarem da subjugação indonésia e de serem independentes. As percentagens

de participação numa e noutra votações foram sempre muito elevadas: na

primeira atingiu os 98.6% e na segunda os 91.3%187. Em 14 de Abril de 2002, nas

eleições para a presidência da República a participação atingiu os 86%. Estes

resultados, se por um lado atestam uma participação massiva com níveis

inigualáveis e constituem um pre-requisito formal da génese do Estado, por

outro lado não são suficientemente conclusivas quanto a um envolvimento

reiterado nessa mesma tarefa, de que o sufrágio constitui apenas um dos meios

segurança pública e auxiliar o desenvolvimento das forças policiais; contribuir para a manutenção da

segurança externa e interna em Timor-Leste. O Conselho de Segurança incumbiu igualmente a

UNMISET de efectivar os três programas do plano de implementação do mandato definido no

relatório do Secretário-Geral (S/2002/432), de 17 de Abril de 2002, a saber: estabilidade, democracia

e justiça; segurança pública e reforço da lei; segurança externa e controlo de fronteiras.187 SOUSA, Lurdes Silva-Carneiro de – Some Facts and Comments on East Timor 2001 Constituent

Assembly Election, Lisboa: CEPESA, 2001.

215colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

legitimador. A liberdade conquistada requer um processo de participação cons-

tante na vida pública, por forma a aferir da comunhão que é a identidade

nacional. O teste eleitoral não é nem suficiente nem único e há, naturalmente,

muitas liberdades para conquistar.

Em todo o caso, podem retirar-se algumas ilacções seguras dos actos eleito-

rais, particularmente, no que diz respeito ao referendo de 1999, a consciência de

uma individualidade histórica e cultural “e desejava, por isso, ter em suas próprias

mãos o seu destino”, conferindo a necessária legitimidade à autodeterminação

que confirmava uma vontade interior da população188. A leitura dos actos que

permitem aferir da identificação do povo com o conteúdo do conceito (e senti-

mento) de identidade nacional está, no momento da transição pós-referendo e

da proclamação da independência, naturalmente sujeita a algumas dúvidas. O

nível de exigência é agora outro e mais elevado: os objectivos nacionalistas têm

que dar lugar a objectivos nacionais e alcançá-lo é um processo longo, necessa-

riamente moroso e recheado de percalços.

Neste sentido, é de reforçar que a participação política de uma larga maioria

da população nos actos eleitorais não permite aferir da solidez da adesão

daquela ao projecto nacional, embora, obviamente, seja um marco muito positi-

vo neste sentido. A classe política tem dado sinais de falta de sentido de corpo e

as suas dissensões, com origens diversas, geram um défice de credibilidade, que

atinge a confiança nas instituições.

Analisando mais de perto as eleições para a Assembleia Constituinte, verifi-

ca-se que os resultados deram a esmagadora maioria à FRETILIN – com 57,37%

dos votos, de 208 531 timorenses e 55 lugares no parlamento –, partido que

proclamara a independência em 1975 e incarnara a luta nacionalista e a resistên-

cia, intimamente associado à figura de Xanana Gusmão (apesar de se ter assumi-

do apartidário), o grande líder popular a quem os eleitores aderiam entusiastica-

mente. Deste modo, o resultado verificado tem uma componente histórica e

pessoal evidente189, assumindo uma postura que remete para a proclamação

188 TOMÁS, Luís Filipe – “Timor Loro Sae: uma perspectiva histórica”, in AAVV – Ob.cit., p. 25.189 IDEM, ibid., p. 31.

216 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

unilateral da República Democrática de Timor-Leste em 1975, facto que, asso-

ciado a outros símbolos nacionais recuperados, foi consagrado constitucional-

mente (configurando uma restauração, confirmada na proclamação da indepen-

dência, a 20 de Maio de 2002), assim como a resistência elevada à condição de

mito fundador. A hegemonia parlamentar do partido vencedor, bem como a

recuperação de símbolos que alguns consideram fracturantes (e que a lógica de

inclusão não altera), têm deixado alguns sectores políticos apreensivos com o

bom funcionamento das instituições democráticas neste cenário de uma FRETILIN

dominante.

A estes factores, como refere Lurdes Carneiro de Sousa, junta-se a noção da

“família FRETILIN”, isto é, as formações partidárias que lhe estão ligadas quer

como origem quer como derivação: a ASDT e o PD. Considerar esta realidade

como uma única aproxima os resultados dos 75%, facto que ganha novo fôlego

visto que o PD – formado por jovens que entenderam a necessidade de renovar

a FRETILIN e criar um espaço político próprio – foi o segundo partido mais votado

(e a ASDT o quarto, com 7.8%). Neste sentido familiar, o multipartidarismo

timorense parece ser uma ficção, sobretudo se a mesma visão agrupar o terceiro

partido mais votado – o PSD – à histórica UDT, reunindo dois dos irmãos

Carrascalão, Mário e João, que recolheram apenas 10.5% das intenções de voto.

No entanto, esta visão “familiar” tende a esbater-se pelo facto do 2.º e do 3.º

partidos mais votados procurarem demarcar-se dos partidos tradicionais, FRETILIN

e UDT, não só pelo facto de serem “dissidências”, como pela prática parlamentar,

designadamente na votação da Constituição (como se verá adiante). Outro aspec-

to interessante a ter em conta é o esforço de aggiornamento dos partidos existen-

tes em 1975, que a par dos mais recentes, apresentam programas e ideologias

bastante próximos: o partido Kota, por exemplo, o sétimo mais votado (7735

votos, 2.13% do eleitorado, 2 deputados), apesar de continuar a sua linha de

defesa do poder dos liurais, afasta a proposta de implantar o regime monárquico,

sustenta o multipartidarismo, políticas económicas desenvolvimentistas para

erradicação da pobreza e o uso do Português, Bahasa Indonésia e Inglês nas

escolas. Já em 1975 o partido não gozava de implantação forte e o cenário parece

não se ter alterado significativamente, apesar das oscilações regionais.

217colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Já a variação regional do apoio à FRETILIN mostra que foi na parte leste que

obteve os melhores resultados (Baucau com 81,98%, Viqueque com 74,95% e

Lautem com 62.76% dos votos), o que reflectirá o facto de ter sido nesta zona, na

parte mais oriental de Timor-Leste, que a Resistência se manteve mais activa.

Parece haver pois uma consciência histórica, associada ao factor pessoal, a

influenciar os resultados da votação. Neste sentido, é inteiramente oportuno

assinalar que as estruturas antropológicas e sociológicas de longa duração se

inscrevem na resistência de feição “moderna”, fazendo sobressair a importância

da memória sobre programas ou retórica política – assim, a FRETILIN e os seus

homens surgiam como o rosto da resistência190.

Os resultados permitiram assim que o processo de elaboração da Constitui-

ção fosse dominado pela maioria hegemónica da FRETILIN, não ficando

constrangida a considerar os pontos de vista e opiniões dos outros partidos, com

prejuízo claro para o chamado “debate democrático”. Neste sentido foi a FRETILIN

quem configurou a distribuição dos poderes pelas instituições e determinou a

opção pelo sistema semi-presidencialista, em que o poder executivo está nas

mãos do chefe do governo e o presidente da República tem poderes limitados.

A 22 de Março de 2002 a proposta do texto constitucional foi aprovada por 72

dos 88 deputados (da FRETILIN, da ASDT, do KOTA, do PDC, da UDC, do PL; do

PNT, do PPT e do PST); 14, do PD, PSD e um da UDT votaram contra; João

Carrascalão absteve-se e Aliança Araújo, do PNT, esteve ausente191. Este resultado

tornou a retumbante vitória de Xanana nas eleições de 14 de Abril numa derrota

da preferência do chefe de Estado em formar um governo de unidade nacional

em que o poder fosse partilhado com os pequenos partidos num processo que

facilitasse a ideia de reconciliação192. Prevaleceu a tese da inclusão, defendida

pela FRETILIN.

Embora essencialmente simbólicas as atribuições do presidente, o art.º 86

da Constituição autoriza-o a dissolver o parlamento e o governo em caso de

190 SOUSA, Ivo Carneiro de – Portuguese Colonization..., cit., p. 193.191 UNTAET Daily Briefing, 22 March 2002.192 “Mr. Gusmão Next Fight”, in Japan Times, 23 April 2001, apud GORJÃO, Paulo – “The Legacy

and Lessons...”, p. 323.

218 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

estarem reunidas determinadas condições. Em todo o caso, o seu poder é

reduzido, investido a maior parte do poder executivo no primeiro-ministro, no

conselho de ministros e no parlamento, o que reflecte a vontade do partido

maioritário. A lei fundamental chega mesmo a consagrar, no art.º 83, o que se

pode considerar um sistema quase parlamentar ao admitir a possibilidade de o

parlamento eleger o Presidente da República, por “dificuldades de ordem técnica

ou material”. Deste modo, parece não ter sido aprovada uma constituição-garan-

tia e, não obstante algumas das inovações que introduz, denuncia circunstan-

cialismos dos quais o mais evidente e recorrentemente evocado é a sua proximi-

dade excessiva ao modelo constitucional português, criado para uma realidade

muito diversa.

A forma como o processo foi conduzido (associado a uma alegada divergên-

cia de opiniões entre Gusmão e Alkatiri), suscitou a crítica de que a UNTAET

deveria ter tido um papel mais interventivo nos trabalhos da Assembleia Cons-

tituinte, em que o predomínio do partido maioritário em coligação com a ASDT

permitiu que a Constituição pudesse ser aprovada sem a consideração dos

pontos de vista dos outros partidos e que o equilíbrio institucional lhe fosse

favorável. Daí a exclusão do sistema presidencialista e a opção por um semi-

-presidencialismo mitigado. Note-se que a Assembleia Constituinte se tornou em

parlamento nacional de forma automática, com a independência, sem que se

tivessem realizado eleições legislativas, facto que foi atribuído à falta de recursos

para o fazer193.

Os dois anos e meio da administração transitória das Nações Unidas e a

avaliação do cumprimento do mandato que lhe foi atribuído permitiram que a

população fizesse os seus juízos, tendo-se verificado que, apesar de denuncia-

rem um elevado grau de politização próprio de momentos de transição, os

193 O processo de elaboração da Constituição não foi naturalmente consensual: foi sugerido

que a lei fundamental deveria ter sido elaborada por uma comissão independente e depois

ratificada num referendo ou, caso não houvesse tempo até à independência, poderia ser adoptada

provisoriamente uma constituição interina. Deste modo, teria sido evitada a transformação da

assembleia constituinte em parlamento nacional sem a realização de eleições. GORJÃO – art.cit.,

p. 326.

219colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

timorenses começam a evidenciar, entre o elenco de prioridades que estabele-

cem para a sua vida, que a participação política constitui uma preocupação

apesar de tudo menor. Está agora verdadeiramente em causa o teste à “imagina-

ção” dos timorenses sobre si mesmos, procurando um rumo entre as suas matri-

zes originárias e as matrizes trazidas do exterior, algumas delas incorporadas. Os

anseios manifestados apontam para uma necessidade de orientação que o

poder, seja ele espiritual seja ele político, deve fornecer; as dúvidas maiores estão

exactamente no poder político, na sua configuração e nos seus efeitos, nas suas

dimensões interna e externa.

Está, portanto, a ser testada a capacidade de o colectivo dos timorenses

poder ter, pelo menos a percepção de que é possível identificarem-se com o

projecto de Estado-Nação em curso. Ou não. Tal implica não só uma regeneração

da sua identidade de confronto, reactiva e moldável, como a confiança nas

instituições e na tutela dos seus líderes, cujo desempenho será posto à prova

para cumprir os objectivos do Estado definidos no art.º 7 da Constituição194. Para

que tal suceda é preciso equacionar e tentar encontrar soluções ou, pelo menos,

paliativos para um sem número de problemas (clivagens políticas, geográficas,

geracionais; divisionismo etno-linguístico; “redução burocrática”, clientelismos

económicos e políticos, corrupção; integração dos guerrilheiros, das milícias, dos

refugiados e dos exilados, num espírito de “reconciliação”195; pobreza e desem-

194 Art.º 7.º: “O Estado tem como objectivos fundamentais: a) defender e garantir a soberania

do país; garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pelos

princípios do Estado de direito democrático; c) defender e garantir a democracia política e a

participação popular na resolução dos problemas nacionais; d) garantir o desenvolvimento da

economia, do progresso da ciência e da técnica; e) promover a edificação de uma sociedade de

justiça social, criando o bem estar material e espiritual dos cidadãos; f ) proteger o meio ambiente

e preservar os recursos naturais; g) afirmar e valorizar a personalidade e o património cultural do

povo timorense; h) promover o estabelecimento e o desenvolvimento de relações de amizade e

cooperação entre todos os povos e Estados; i) promover o desenvolvimento harmonioso e integrado

dos sectores e regiões e a justa repartição do produto nacional; j) promover a elevação do estatuto

da mulher na sociedade”.195 Para o efeito foi constituída, em Janeiro de 2002, a Comissão de Recepção, Verdade e

Reconciliação. Note-se que no âmbito da Comissão cabem todos os crimes e abusos cometidos

220 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

prego; infraestruturas; segurança externa e interna; dministração local, justiça e

saúde minimamente funcionais). Estes problemas são determinantes quando se

considera o problema do futuro do Estado, constituindo enormes desafios,

porquanto resultam em cisões mais ou menos profundas, para o processo de

construção e estabilização da identidade nacional. As notícias têm vindo a

provar, desde a data da independência, que os receios têm razão de ser e que é

necessária uma vigilância muito eficaz para prevenir a instabilidade.

3.5.5. As relações internacionais de Timor-Leste

A internacionalização da questão de Timor e a atenção de que tem sido

objecto no seio dos Estados, das organizações internacionais, das organizações

não governamentais ou da opinião pública internacional, merece uma cuidada

ponderação como componente fundamental no reforço do projecto timorense

e, consequentemente, da sua identidade. Eis um caso evidente de como a

política internacional, seguindo modulações geoestratégicas, pressão dos media

e de alguns lobbies ou avaliações tributárias da realpolitik contribuiram para que

o desenrolar dos acontecimentos desenbocasse na independência, sem que com

este juízo se esteja a esquecer todo o esforço do povo e todos os anos de

resistência.

Como se viu, Timor-Leste constitui um caso deveras estimulante para a

Teoria das Relações Internacionais, por ser um exemplo flagrante das oscilações

na cooperação entre os Estados, da maior ou menor eficiência das organizações

internacionais, da importância crescente das organizações não-governamentais

na sua lógica de colmatar as lacunas do sistema interestadual, do papel que o

indivíduo e a sociedade civil têm crescentemente assumido na promoção de

entre 1974 e 1999, incluindo os perpetrados durante a guerra civil. Tendo por modelo a África do Sul,

a Comissão começou o seu trabalho embora se receie que os seus propósitos não sejam efectiva-

mente atingidos. Sobre o assunto ver GORJÃO, Paulo – “The East Timorese Commission for Reception,

Truth and Reconciliation: Chronicle of a Foretold Failure?”, in Civil Wars, vol. 4, n.º 2, Summer 2001.

221colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

mudanças fundamentais. Houve já oportunidade de tratar alguns destes assun-

tos, para compreender os efeitos que tiveram na génese do nacionalismo

timorense e na definição dos projectos de nação e de Estado que ora se querem

erguer.

As debilidades políticas e económicas de Timor, a sua dependência do

exterior, sobretudo no que toca à ajuda dos doadores (cuja fadiga, naturalmente,

se teme, tanto mais que as outras crises entretanto surgidas suscitam um interes-

se acrescido, distraindo-os deste caso), bem como o seu posicionamento

geopolítico e geoestratégico, exigem uma definição muito cuidada da sua polí-

tica externa e o auxílio de uma diplomacia eficaz. A existência de Timor-Leste

depende, em larga medida, como já dependeu no tempo da Resistência (o

interlocutor pré-estadual), de uma actuação do Estado nas relações internacio-

nais que garanta a estabilidade e o bem-estar internos.

A consolidação de um Timor-Leste independente será, em larga medida, o

resultado de uma justa e equilibrada articulação entre uma administração efi-

ciente e uma gestão eficaz dos recursos económicos da ilha (cuja estratégia foi

definida no Plano de Desenvolvimento Nacional, de Maio de 2002), bem como de

uma manutenção durável da ajuda externa e uma estabilização das condições

políticas e sociais, o que a não suceder poderá comprometer irremediavelmente

o futuro. Não está naturalmente em causa apenas a vontade própria, mas esta é

um importantíssimo factor de ponderação num país muito dependente do

exterior. É por este conjunto de condições que a habilidade da actuação de

Timor-Leste nas relações internacionais – através de uma política externa realista

e atenta às prioridades – se afigura como um instrumento essencial para o êxito

do Estado e de uma interacção positiva com os actores das relações internacio-

nais196.

196 A consciência da importância deste factor parece estar estampada na redacção das conclu-

sões do I Congresso do CNRT, nos trabalhos da IV Comissão sobre relações internacionais, onde se

recomenda “desenvolver uma diplomacia dinâmica e profissional para assegurar o desenvolvimento

económico, a promoção da nossa identidade cultural, histórica, política e defender a segurança e o bem-

-estar do Povo e a defesa da soberania de Timor Lorosae e dos nossos interesses nacionais”, Cf. CNRT –

Resultados do I Congresso, 2000, p. 31.

222 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Neste sentido, a relação da identidade nacional com a política externa é

importante na medida em que o Estado pode manipular e ser manipulado pela

dinâmica da identidade nacional na elaboração da sua política externa. Que

significado tem dinâmica da identidade nacional? Para Bloom é o fenómeno que

resulta de uma identificação geral com a nação que gera uma tendência

comportamental entre os indivíduos que fazem esta identificação e que defen-

dem e sustentam uma identidade nacional partilhada. Teoricamente parece

simples, mas a observação de casos que o ilustrem não é linear e muito menos

o é em neófitos, em que a nação é um projecto e a política externa é antes de

mais um instrumento para a construção do Estado.

A integração em organizações regionais ou internacionais, de qualquer tipo,

pode encorajar os Estados e as sociedades a imaginarem-se como parte de uma

região ou mesmo de um todo mundial, sendo, neste sentido, lugares de forma-

ção identitária. A necessária estabilização da mesma dependerá de um aprovei-

tamento racional das oportunidades procuradas e postas à disposição (evitando,

preferencialmente, hipotecar totalmente o futuro à dependência da ajuda exter-

na, a qual é obviamente crucial neste momento de arranque e reconstrução). O

exercício que permite equacionar benefícios e custos e as decisões consentâneas

com as avaliações já são, em si mesmas, práticas muito positivas na consolidação

de objectivos e prioridades do Estado. Trata-se, assim, de tentar ver a política

externa como um factor de coesão, embora a relação entre uma coisa e outra não

seja muito linear, tais são as variáveis em jogo.

3.5.5.1. As linhas de força da política externa timorense

Os pilares estratégicos das relações externas de Timor serão, num plano

regional e bilateral, os países do bloco ASEAN, bem como a Austrália e a Nova

Zelândia, Portugal e os países de língua portuguesa (CPLP) e num plano mais

amplo, os EUA e a União Europeia. A Indonésia será obviamente um parceiro

preferencial, dentro do espírito de reconciliação no plano externo, afigurando-se

a normalização das relações como uma urgência. Timor não poderá ignorar os

223colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

dois maiores países do Extremo Oriente, a China e o Japão, ambos doadores e

este último a este respeito o mais importante em termos reais197.

Não menos importante será a abertura de missões diplomáticas em países-

-chave (Nova Iorque e Washington, Lisboa, Jacarta, Camberra, Kuala Lumpur,

Pequim, Tóquio, Bruxelas), bem como a integração do novo Estado nas organiza-

ções internacionais198. A necessidade estratégica de aproximação a vários tabu-

leiros políticos por forma a aumentar a sua margem de acção nas relações

internacionais, evitando concomitantemente tendências hegemónicas, e a per-

tença ao mundo dos países de língua portuguesa é um importante factor político

e diplomático que justificou a adesão à CPLP199.

197 O apoio do Japão a Timor insere-se na sua tendência para promover um maior envolvimento

político-diplomático na política internacional. Ver GORJÃO, Paulo – “O Japão e Timor Leste”, in Nação

e Defesa, n.º 103, Outono-Inverno de 2002 (157-180). O Japão, para além de ser o maior investidor

no Sudeste Asiático, é também o maior doador de Timor-Leste, tendo canalizado cerca de 230

milhões de dólares entre 1999 e 2002. Acresce que o Japão pode fornecer assistência técnica. A

República Popular da China, por seu turno, contribuiu com ajuda ao desenvolvimento no montante

de uma dezena de milhões de dólares, e em Julho de 2000 foi assinado um acordo de cooperação

económica e técnica entre os dois países fornecendo equipamento agrícola e de pescas.198 Timor-Leste aderiu à ONU, a 27.9.2002, e ao Movimento dos Não-Alinhados, a 24.2.2003,

bem como ao FMI, Banco Mundial e Banco Asiático de Desenvolvimento. Em 31 de Julho de 2002,

Timor tornou-se o mais recente dos membros da CPLP (por ocasião da IV Conferência de Chefes de

Estado e de Governo), na sequência do pedido de adesão a 22 de Maio do mesmo ano. Em 16 de

Maio de 2003 aderiu ao Acordo de Cotonou, integrando o grupo dos países ACP.199 Resultados do I Congresso Nacional – Anexo I, Documento do CNRT, Dili, 21-31 de Agosto

de 2000. É de recordar que a aproximação à CPLP era um propósito assumido pelo CNRT e que a

Carta Magna de Liberdades, Direitos, Deveres e Garantias do Povo de Timor-Leste, aprovada em Peniche,

em Abril de 1998, já havia trazido para discussão um projecto constitucional para Timor onde se

manifesta a intenção de estabelecer e aprofundar relações com os outros países de língua oficial

portuguesa, embora sem esquecer a sua pertença à região Ásia-Pacífico: “Como país de língua oficial

portuguesa, Timor-Leste privilegiará as relações com todos os países em África, América Latina e Europa

que partilham a mesma língua e contribuirá para o reforço da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa – CPLP – e para a construção do relacionamento desta Comunidade com as Comunidades

dos países da Ásia e do Pacífico”. Foi a opção que vingou e que, não obstante a polémica, foi

consagrada na Constituição e formalizada a adesão logo após a independência. Não obstante as

dissensões, a participação no espaço lusófono constitui uma plataforma de crucial importância.

224 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Em todo o caso, dadas as limitadas capacidades administrativas e financei-

ras, é natural que se proceda com alguma contenção e selectividade nas priori-

dades e nos tempos de adesão a organizações e a acordos internacionais. Quer

a negociação quer a participação nuns e noutros requer treino e especialização,

a formulação de estratégias, a experiência de reuniões e consultas, o investimen-

to de recursos em viagens, tempo, representação e administração.

4. A identidade regional de Timor-Leste

Como escreveu Marcel Merle, as relações servem como referência para a

identificação dos grupos nacionais. Às pertenças nacionais justapõem-se as

pertenças regionais e globais. Importa apurar como se contextualiza a identida-

de e o nacionalismo timorense no seu espaço geopolítico regional – o Sudeste

Asiático. Com efeito, esta pertença é um dado incontornável historicamente, a

que a colonização indonésia veio, paradoxalmente, dar novo vigor (sobretudo

através do sistema educativo e da difusão do bahasa indonésio) e que tem a

maior importância para a integração política e económica de Timor-Leste quer

no plano regional quer no plano internacional.

Neste ponto será descrito o quadro regional em que se inscreve Timor-Leste:

em primeiro lugar serão caracterizados os nacionalismos indonésio e filipino e

seguidamente comparados ao caso timorense; posteriormente analisar-se-á o

processo de integração regional definido pela ASEAN e a sua relevância para

Timor-Leste e finalmente serão tratadas as relações políticas e diplomáticas do

novo país com os seus vizinhos mais próximos e mais importantes: a Indonésia

e a Austrália.

Muito se tem discutido uma identidade asiática e uma sua expressão: o

asiatismo. Assunto polémico porquanto muitos a consideram inexistente e ape-

nas uma construção retórica a dar expressão à resistência ao inimigo: inicialmen-

te usado contra o colonizador europeu, o asiatismo sofreu uma alteração de

sentido, embora o seu fim instrumental se tenha mantido, agora na versão pós-

-Guerra Fria dos valores asiáticos: o crescimento económico assente num suposto

225colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

modelo original, de excepção, e cheio de potencial como forma de combater a

supremacia do mundo ocidental nas relações económicas internacionais200, mas

ao mesmo tempo um factor de estruturação das identidades nacionais, de

estratégia de frente-comum e de legitimação de regimes políticos –

maioritariamente autoritários –, enfim de uma identidade política regional mais

para consumo interno (sobrepesando os deveres e as obrigações para com o

colectivo, o Estado, a ordem ou a família, aos quais ficam subordinados os

direitos políticos). Justamente a necessidade de criar um esprit de corps no

Sudeste Asiático, simplisticamente designado de identidade asiática, mito relati-

vo de reacção mas também de gestação própria, indicia a necessidade de

recorrer a uma lógica de referência maior que unisse os fragmentos, as micro-

-identidades, as variações discursivas e interpretativas dos valores asiáticos.

Com a descolonização e a afirmação do não-alinhamento reclamou-se uma

actuação diferenciada nas relações internacionais, persistindo no entanto algu-

mas tensões entre Estados da região, de que a mais relevante terá sido a

Konfrontasi (1963-65) entre a Indonésia e a Malásia. Depois, a integração regional

foi uma das vias tenteadas, reforçando, paradoxalmente, a construção nacional e

correspondendo menos a uma resposta à globalização. É neste sentido, que a

formulação da política externa do futuro Estado de Timor passa pela integração

regional. O facto de, depois da independência, ter prevalecido a orientação que

visava a integração na ASEAN não significará, necessariamente uma deriva no

sentido do autoritarismo prevalecente no contexto regional (embora Timor-

-Leste não disponha de uma cultura democrática arreigada, o que não impede

que se admita um alinhamento nesse sentido).

200 MENDES, Nuno Canas – Desafios do mundo chinês, separata de Estudos sobre a China II,

Lisboa: ISCSP, 2000. Neste artigo, exponho sucintamente o que penso sobre o Asiatismo e os “valores

asiáticos”, como doutrina que fundamenta o triunfo asiático. Trata-se de um discurso identitário

elaborado para explicar o crescimento pelos valores tidos como específicos daquele continente,

como o trabalho árduo, a auto-disciplina, a poupança, o primado da família e da comunidade sobre

o indivíduo. Com origem nos líderes de Singapura e da Malásia, Lee e Mahatir respectivamente, a

questão tem suscitado ampla polémica e forçosa revisão pelos efeitos da crise económica e

financeira de 1997. Sobre o assunto existe ampla bibliografia.

226 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Quanto ao espaço dos valores asiáticos, que obviamente teria sido outro se

tivesse sido escolhida a opção da autonomia alargada, fica marcado pela ruptura

que o caso timorense introduziu na arquitectura regional, assente em frágeis

consensos que quiseram apoiar-se numa tessitura doutrinária fluida e moldável.

Com efeito, rompeu-se o equilíbrio instável a que os referidos valores conferiam

uma solidez aparente nos pressupostos essenciais da integridade territorial e da

não-ingerência assumidos pelos Estados da região. Mas não era só a coerência

institucional da região que estava em causa: também e sobretudo os fundamen-

tos nacionalistas da Indonésia, assentes na doutrina do Panca Sila, eram forte-

mente abalados, deixando para trás uma estratégia de integração que passou

por uma asianização de Timor – não só pela dominação política e militar, como

pela transmigração e o ensino – e um reconhecimento da situação pelos países

vizinhos, até – e sobretudo – da Austrália.

Acresce que o percurso de repressão, e da promoção da identidade política

em boa parte através do exterior, é dominado pelo discurso da autodetermina-

ção, num modelo que começa por ter mais afinidades com África (não esquecen-

do a influência que o movimento moçambicano de libertação exerceu em parte

dos líderes políticos da FRETILIN), e numa defesa de valores de matriz ocidental,

como o combate pelos direitos humanos. Tal era uma reacção esperada: por um

lado, a cultura do colonizador inculcada nas elites tinha origem na Europa, por

outro lado, não se esperavam apoios asiáticos e muito menos uma fundamenta-

ção doutrinária com base em valores ditos asiáticos. A este propósito Gunn

comenta: “é notável que a elite da Fretilin não se tenha sentido atraída pelos mode-

los asiáticos, apesar da propaganda indonésia relacionando a Fretilin com a Chi-

na”201. Na realidade, a via chinesa foi tentada, ainda que sem grande expressão,

o que conforta a ideia da fragilidade dos elos asiáticos de Timor-Leste. Não

significa isto, porém, que nalguns sectores da sociedade timorense não vingasse

a lógica da asianização, desde logo com a criação da APODETI, e mesmo na

FRETILIN com a opção pela via asiática de homens como Abílio Araújo, que se

ligaram aos integracionistas.

201 GUNN, Geoffrey – “Língua e Cultura...”, in Camões, 14, cit., p. 22.

227colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

A asianização foi contestada ao longo dos vinte e cinco anos de ocupação e

deixou um legado: o repúdio da imposição foi alimentado pela violência mas

também pela influência dos valores asiáticos, que a educação, o Bahasa Indonésio

e o Panca Sila foram criando nos timorenses, sobretudo nas novas gerações. Este

repúdio foi expresso na votação pela independência e, indirectamente, no man-

dato internacional que atribuiu uma chefia australiana à INTERFET, com prejuízo

claro para o prestígio da ASEAN e dos valores que defende. Do mesmo modo, na

lógica internacionalista do protectorado das Nações Unidas, não houve adesão

aos referidos valores, tal como se tendeu a pôr de parte o elemento tradicional,

visto como perturbador da construção do Estado. A existência independente de

Timor-Leste demonstrará se há ou não lugar para o legado legal, institucional e

educacional indonésio e se a asianização se imporá entre a complexa

multiplicidade das pertenças do país.

Em todo o caso, a formação de uma identidade regional afigura-se como

uma das vertentes importantes da existência de Timor-Leste, que, para actuar

com maior eficiência no mundo global, necessita criar (e redescobrir) pertenças

com a zona onde geografica e geopoliticamente se integra, e com a qual tem

afinidades étnicas, linguísticas e culturais, que a história atenuou ou afastou.

A região do Sudeste Asiático é marcada pela diversidade geográfica, huma-

na, civilizacional, política e de níveis de desenvolvimento o que dificulta enorme-

mente a definição de uma plataforma que permita, com razoabilidade, avançar

a ideia de identidade comum. O que anima esta representação é uma vontade

pragmática de construir tal identidade. É certo que é possível encontrar alguns

traços partilhados pela generalidade dos países daquela região, designadamente

a água-vector de comunicação, o arroz, a presença de comunidades da diáspora

chinesa e sobretudo a existência de um “antagonismo mobilizador” provocado

pela agressão externa e causador de atitudes de reacção e de resistência202.

Com efeito, a diversidade étnica e cultural e o risco de segurança daí

adveniente foram ultrapassados pela existência de comunidades imaginadas,

202 ROCHER, Sophie Boisseau du; BODIN, Véronique; DOUMENGE, Jean-Pierre, éds. – Regards sur

l’Asie orientale. Paris: Centre des Hautes Etudes sur l’Afrique et l’Asie Modernes, 1999, pp. 8-17.

228 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

propostas por Benedict Anderson na Indonésia mas existentes noutros Estados

do Sudeste Asiático do período pós-colonial. Não foi apenas a contestação à

ordem europeia que mobilizou os espíritos, mas a necessidade de encontrar um

equilíbrio regional que consolidasse as soberanias e adoptando uma abordagem

colectiva, conformista e paternalista da sociedade civil, que permitiu justificar a

luta contra a oposição política e manter a disciplina social203.

A presença colonial e militar dos europeus e dos americanos durante os

séculos XIX e XX suscitou a emergência de uma consciência política tributária do

comunismo e do nacionalismo, lançando o debate sobre a preservação da

tradição ou a ocidentalização, embora daqui não tenha resultado nenhum tipo

de organização colectiva. Foi, paradoxalmente, o Panasiatismo japonês, no seu

expansionismo anti-europeu que, durante a ocupação da Segunda Guerra Mun-

dial, deu força ao sentimento de orgulho ferido dos povos asiáticos e à convicção

de que poderiam libertar-se do jugo colonial, contribuindo, ao mesmo tempo, a

ocupação japonesa, cuja brutalidade atingiu níveis imagináveis, para acentuar tal

sentimento. O leit-motiv das independências será a aposta num projecto nacio-

nal em torno da organização e da técnica – onde a superioridade do colonizador

era incontestável – para o exercício de um poder político e económico autóno-

mos204. Nesta linha de raciocínio é de admitir que o nacionalismo no Sudeste

Asiático foi reactivo e criativo, construtivo e destrutivo, embora seja notório que

as ideologias oficiais adoptadas (panca sila indonésio, look East malaio, vulgata

confucionista em Singapura) funcionarão sem um capital de ideias políticas

próprias e originárias. A este propósito, François Godement comenta que a

herança das instituições coloniais, a justificação da segurança nacional, a econo-

mia do desenvolvimento promovida pelos mentores americanos e o culto da

harmonia, da cooperação e do consenso formarão a cultura política dos países

do Sudeste Asiático, apesar de serem transfusões, forçosamente estranhas à

203 GODEMENT, François – Dragon de feu, Dragon de papier: L’Asie a-t-elle un avenir? Paris:

Flammarion, 1998, p. 203.204 MENDES, Nuno Canas – Segurança e Desenvolvimento Económico na Região Ásia-Pacífico.

Lisboa: ISCSP, 1997, p. 65. O caso da Indonésia não difere grandemente desta matriz, sobretudo após

a instauração da Nova Ordem de Suharto.

229colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

respectiva cultura, derivando mais tarde na rotulagem conhecida por valores

asiáticos.

Mais tarde, a Conferência de Bandung e, já na década de 60, a constituição

da ASEAN virão a dar novo alento à construção de uma identidade asiática. Mas

será a afirmação económica dos países do Sudeste Asiático a trazer um discurso

artificial e aparentemente unificador em torno da especificidade de um modelo

de crescimento fundado no “Asean Way”, que encobria práticas de favoritismo,

nepotismo e corrupção pouco saudáveis.O nacionalismo asiático, embora com

raízes no século XIX, ganhou novo fôlego após a vaga de independências do pós-

-guerra, pela crença renovada numa nova esfera de co-prosperidade económica,

lançada antes da guerra pela propaganda nipónica205. Vale a pena lembrar aqui

o contributo analítico do antropólogo norte-americano Clifford Geertz sobre os

vários casos de formação de Estados asiáticos, e a fundamentação do nacionalis-

mo por eles evidenciado em duas razões principais: o desejo dos povos de serem

reconhecidos como actores responsáveis, dispondo de uma identidade, e a

preocupação de construir um Estado moderno dinâmico e apostado no progres-

so206. Encontra-se, portanto, uma duplicidade de objectivos: um que gera a busca

da identidade e o reconhecimento da mesma e outro com uma natureza eminen-

temente prática, de procura de um padrão de vida mais elevado, de uma ordem

política mais efectiva, de uma maior justiça social e de uma participação activa

na cena política mundial207.

Em todo o caso, Geertz acusa o seu pessimismo antropológico ao identificar

duas componentes complementares e concorrentes – uma étnica e outra cívica

– no nacionalismo dos Estados pós-coloniais. A dimensão étnica é considerada

como um compromisso às lealdades primordiais que dão aos indivíduos uma

205 ROCHER, Sophie Boisseau du, et al., eds. – Regards sur l’Asie orientale, p. 12.206 GEERTZ, Clifford – “The integrative revolution: primordial sentiments and civil politics in the

new states”, in GEERTZ, Clifford (ed.) – Old Societies and New States: The Quest for Modernity in Asia and

Africa. New York: Free Press, 1963, p. 108. Apud CAMROUX, David – Des nations imaginées à la région

rêvée, in CAMROUX, David; DOMENACH, Jean-Luc – L’Asie retrouvée. Paris: Éditions du Seuil, 1997, p. 59.207 Ver também GEERTZ – The Interpretation of Cultures, London: Fontana, 1973, apud SMITH,

Anthony – Nationalism and Modernism…, p. 151.

230 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

identidade distinta; em contrapartida, a cívica é vista como um desejo claro de

exercício da cidadania. E daqui podem resultar – e resultam, com muita frequên-

cia – dilemas que resultam do choque entre os limites étnicos e do Estado,

originando-se conflitos com carácter endémico. A ideia de Geertz sobre a res-

ponsabilidade e sobre a crença no progresso como objectivo nacional, embora

tipificada num modelo geral, parece adequar-se à realidade presente, não só

pelo contributo da administração internacional do território como pelas orienta-

ções que os líderes políticos timorenses parecem querer tomar num futuro pós-

-independência.

Embora o impacte das várias colonizações sobre as sociedades locais tenha

variado, a experiência comum de terem sido dominadas por poderes exteriores

e o contacto com instituições e ideias do Ocidente, sobretudo com a ideia de

capitalismo e de nacionalismo, haveria de criar uma vontade de progresso

tecnológico e o exercício da autodeterminação, fundada na contestação e numa

identidade definida politicamente, enformada pela resistência que plasmava a

unidade de um passado diferenciado e por vezes conflituoso208. No caso verten-

te, a ideia de progresso só indirectamente contribuiu parao fortalecer do nacio-

nalismo, na medida em que foi subscrito pela Indonésia (como só muito remota

e tardiamente o fora por Portugal), com uma sobreposição das dinâmicas globais

que também tiveram um papel crucial. Deste modo, o exercício da autodetermi-

nação parece ter nascido da exclusiva vontade política de um povo, manifestada

no referendo de 30 de Agosto de 1999. E, logicamente, também de uma conjun-

tura internacional favorável e de uma rede mais alargada de adjuvantes: a crise

política e económica na Indonésia, a resposta da ONU, as manifestações da

opinião pública internacional, o interesse norte-americano, etc.

208 SIMONE, Vera; FERARU, Anne Thompson – The Asian Pacific: Political and Economic Development

in a Global Context. New York: Longman, 1995, p. 3.

231colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Conclusões

A autodeterminação e a formação do Estado de Timor-Leste trouxeram para

discussão o problema mundial, de evidente actualidade, da identidade como

fundamento existencial da soberania e de um projecto de Estado-nação. Está

aqui em causa um processo volitivo de redução ou síntese de identidades étnicas

plurais a uma identidade una de um povo, de uma identidade de reacção a uma

identidade positiva, de identidades culturais a uma identidade nacional, que só

pode ser compreendido numa textura histórica e na multiplicidade de actores e

forças que nele participaram devidamente contextualizados num movimento

nacionalista.

Considerar a autodeterminação de Timor-Leste como um test-case das rela-

ções internacionais dá um contributo essencial para compreender a emergência

histórica do país, desde os primeiros e baldados intentos de independência de

1975, obra de uma primeira geração nacionalista, apressadamente fabricada na

eminência de um fim de império, como todo o período subsequente da domina-

ção indonésia, até à realização da consulta popular, em 1999, e à administração

das Nações Unidas. À genérica lógica da Guerra Fria e aos interesses regionais

específicos que impuseram a segunda experiência colonial, sucedeu, como mar-

co decisivo, o ocaso da Guerra Fria e perturbações regionais de efeitos globais (a

crise asiática e as perturbações na Indonésia) que permitiram cumprir a autode-

terminação que o Direito Internacional reconhecera ao povo de Timor-Leste. De

permeio, o denodo de uma Resistência organizada, a argumentação das organi-

zações internacionais e da ONU em particular, o empenho diplomático portu-

guês, uma rede activa de solidariedade. Mas foi também um test-case para os

actores das relações internacionais (Estados, organizações internacionais, orga-

nizações não-governamentais, opinião pública internacional, indivíduos, novas

formas de administração e de cooperação internacionais, efeitos da globalização,

trabalho em rede, etc.), para além de que evidencia uma convivência de

paradigmas da Teoria das Relações Internacionais, em que é possível observar a

convivência de matrizes interpretativas racionalistas (neorealistas, liberais,

globalistas) e refletivistas (construtivismo).

232 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Na genealogia de Timor-Leste, aqui esboçada, sobre raízes territoriais e

culturais, saliente-se que se constituiu a partir de um território remotamente

originado numa província dos Belos, na parte oriental da ilha, e bem assim de

referências culturais estruturantes, designadamente, de uma ideologia de alian-

ças assimétricas organizadas em torno dos princípios fundador da casa sagrada

e de uma lógica de alianças e oposições complementares dualistas (poder

espiritual/poder político, à cabeça), metaforicamente assimilados à nação, como

casa comum, integradora e bipolar, o que, conjuntamente, com a existência de

mitos fundadores põe a tónica na mobilização colectiva de que o movimento

nacionalista (nas suas raízes e manifestações) é um corolário, pelas dinâmicas de

adesão criadas e pela tentativa de reduzir a diversidade das identidades de

Timor-Leste a uma só, definida positivamente e não por contraste. Como corolários

são também a Igreja Católica, a única instituição permanente e congregadora, ou

a eleição da língua-franca – o Tétum – para língua nacional, a par com a decisão

de oficializar o Português como estratégia de diferenciação, ou a juventude

urbana, escolarizada no Panca Sila, organizada em associações cívicas de contes-

tação ao status quo, e ainda a diáspora, frente avançada na luta pela causa. Todo

este esforço foi criando, de forma concatenada, uma consciência colectiva que

aos poucos terá esbatido identificações primárias, de filiação etno-linguística, e

formado uma textura histórica que, auxiliada pela redução burocrática colonial,

permitiu que os povos de Timor se singularizassem. Figuras tutelares – desde logo

Xanana e o bispo Belo, e tantos outros – e estereótipos, como “povo maubere”,

contribuem iniludivelmente para uma comunhão progressiva que desagua na-

quilo a que chamei a difusão e inculcação das representações de um projecto de

nação.

É nesta linha, que se destacou a unificação da Resistência, cujos percurso é

percorrido desde a criação do CNRM até ao Pacto de Unidade Nacional; a adminis-

tração das Nações Unidas, a formação do Estado e o seu papel criativo e prospectivo

de uma cultura colectiva pública; o funcionamento de uma administração pública

e de forças armadas, a promoção de um sistema educativo; a aposta numa política

externa que assegure a sua integração mundial e a gestão dos recursos económicos

e da ajuda internacional.

233colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Por último, uma incursão pela identidade regional que Timor-Leste tem de

potencializar, olhando para os exemplos dos países do Sudeste Asiático e da

Oceania com quem tem ligações históricas e nacionalistas, a Indonésia e a

Austrália, e meditando seguidamente na lógica da participação em processos de

integração regional como meio de retirar benefícios da globalização, com refe-

rência particular à ASEAN.

Foi o aspecto construtivo, insisto, que se pretendeu demonstrar – e com ele

trazer nova luz ao estudo do tema –, concluindo que a identidade – e depois dela

o Estado, o nacionalismo e a identidade nacional – é um ponto de partida, uma

plataforma construída e reconstruída, a partir da qual o homem cria e recria os

seus sonhos. Daí que, neste esforço de inovar sobre a questão, se tenha tentado

avançar algumas pistas de investigação sobre os eixos para a edificação de uma

identidade nacional que justamente dê sentido à existência do novo Estado,

concluindo que, mais do que perguntar se existe ou foi inventada, ela é uma

realidade evolutiva e processual, que se desenvolve historicamente e da qual

existem factos e indicadores que permitem considerar estarem criadas condi-

ções para que ela se vá afirmando gradualmente, do mesmo modo que também

existem vários constrangimentos que fazem entrever dificuldades várias. O tem-

po dará as respostas e, obviamente, não há garantias de êxito. Como se tem

observado, o interesse dos Timorenses no destino do país não esconde a priori-

dade que dão ao básico: segurança, emprego e saúde, não sendo possível retirar

ilacções seguras sobre a sua identificação com o Estado.

Como em tantos outros casos o segredo estará na coabitação das pertenças

plurais. Não há alquimia que valha para encontrar a fórmula, mas tão-só a

vontade, interna e externa, de que a empresa e o sentimento se vão alimentando

e que se aposte numa formação cívica que potencie uma cidadania consciente.

E a circularidade, acima mencionada, impõe que se retome parte da formulação

da hipótese deste trabalho: tudo continuará a depender de uma multiplicidade

de actores, poderes e redes entrecruzados, internos e externos, que agem, constroem

e discursam sobre a identidade como princípio fundador de uma existência separa-

da, de um projecto de Estado-nação e de uma identidade nacional. Uma atribuição

de significado que resultou da acção e da interacção de um conjunto de dinâmi-

234 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

cas e de interesses e que se materializou num Estado, cuja legitimação política se

fundou e funda num processo de identificação, num reconhecimento de afinida-

des e de diferenças. Se não existisse esta identificação – e os governos de Timor-

-Leste têm de estar atentos a este facto, esforçando-se por manter condições

mínimas de segurança, justiça e bem-estar económico e social – o projecto ficaria

ferido de ilegitimidade e abortaria. Que tal não venha a suceder é o meu voto

mais forte.

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241colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Introduction

After being asked to write a paper about East Timorese nationalism, my

immediate reaction was to think that it is something that I have already done.

Twice. On second thought, I realised that doing so would provide me with an

opportunity to elaborate on the subject of democracy in relation to the question

of nation. In my opinion, a discussion about one of these issues would be –

particularly at this point in East Timor’s history – a somewhat shallow project

without a discussion of the other. Behind these two concepts (and intertwined

with them) lie the concepts of ‘autonomous individuals’ and ‘civil society’, both of

which, as we will see below, are foreign to the traditional world of pre-modern

East Timor. And with ‘autonomous individuals’ I refer herein to both men and

women.

Nationalism has two basic forms, one based on kinship and blood, the other

on the abstract concept of citizenship. Likewise, democracy – in the liberal sense

– builds on trust that extends to the more or less abstract areas beyond one’s

own immediate neighbourhood, primary group of family, close friends and other

“non-abstract” members of society. In both cases it boils down to trust between

autonomous individuals, and trust [is born] in civil society. This paper thus deals

with the interconnectedness of nationalism, democracy and civil society both on

a generalized, abstract, level and in the specific, concrete case of East Timor.

The paper will be structured along the following lines: I will first outline the

abovementioned theoretical concepts, adding for good measure a discussion

Between tradition and modernity.East Timor’s rocky road towards nationhood and democracyGudmund Jannisa*

* Universidade de Lund, Suécia.

242 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

about the tension between traditional and modern modes of society, or what

sociologists usually refer to as Gemeinschaft and Gesellschaft. This will be followed

by a decidedly selective historical exposé of East Timor from 1642 to recent

history. In the end I will try to tie loose ends together, as best I can. Keith Richards

of the Rolling Stones once said (re his own songwriting) that ‘amateurs borrow,

professionals steal’. If he is correct, this paper is indeed a professional piece of

work. Most of the content herein is blatantly stolen, reworked and rearranged,

from parts of my own The Crocodile’s Tears (1997) as well as from a shorter piece

I wrote on the occasion of East Timor’s independence on May 20, 2002 (Jannisa

2003). By combining these my aim is to overcome some of the shortcomings in

both, not least the shallowness alluded to above. A series of articles by Tanja

Hohé (2002) made me see more clearly the possibility for such a theft, and a

series of discussions with Patsy Thatcher eradicated the last vestiges of my moral

scruples for doing so.1 Any resulting flaws can only be blamed on myself.

Nationalism, civil society and democracy. Some brief outlines.

Only fifteen years ago, men knowing the Far East, still denied that the

Chinese qualified as a nation, they held them to be only a “race”.

Yet today... the same observers would judge differently’.2

Before 1974 people did not identify themselves as East Timorese. Rather,

people classified themselves according to their ethno-linguistic group;

for example, people tended to see themselves as Chinese, Portuguese,

Portuguese Timorese or by their ethno-linguistic group, i.e. Mambai,

Tetum, Makassae etc.3

1 And then, during the final stages of completing this, I read Hello Missus, by Lynne Minion

(published by HarperCollins, 2005). Ms Minion’s hilarious and moving (and surely provocative to

many), account of East Timor post-1999 made me wish I had never set out on this academic, and

decidedly less entertainning, endeavour, but it was too late then.2 H.H. Gerth and C. Wright Mills, C. (eds), From Max Weber: Essays in Sociology. London and

Boston: Routledge and Kegan Paul Ltd. 1974, p. 174.3 Patricia Thatcher, The Timor-Born in Exile in Australia. Melbourne: M.A. Thesis, Department of

Anthropology and Sociology, Monash University, 1992, p. 2.

243colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Writing in the second decade of the twentieth century, Max Weber took the

example of China to demonstrate that within a short span of time a people may

qualify to be a nation through specific actions, as an ‘attainment’4. I will try to

demonstrate below that this also applies very much so to East Timor.

My basic presuppositions are two. The first is that there exists in East

Timor a sense of an ‘imagined community’ in Benedict Anderson’s formula-

tion; the other is that nationalist sentiments are not given once and for all by

a higher deity. Nations do not have a destiny, received from above that sets

them apart from other nations; people create their own destinies by acting

together.

As stated above, one basically finds in the literature two main concepts of

nation, leading to two major formulations of nationalism, as well a number of

variations on these main themes. The two concepts are the revolutionary-

-democratic and the nationalist.5 The most important intellectual source for the

revolutionary-democratic concept are French Enlightenment thinkers such as

Rousseau and the examples of the American and the French Revolutions. The

basic source for the nationalist approach is Germany of the late eighteenth

to mid-nineteenth centuries, where Herder developed the theory of the folk-soul

or the folk-spirit Volksgeist. He was not partial to the Germans, though, as for

him each nationality was a manifestation of the divine.6 According to Herder,

language was the most natural basis of socio-political association, as it created

a Volk, a people. Johann Gottlieb Fichte expanded ominously on the concept

of Volk. During the last phase of the Napoleon Wars he wrote that the Germans

were an Urvolk, the Chosen People of Nature, who had an obligation to

teach other peoples their own natural civilisation. This justified any degree

of ruthlessness by the new, developing nation-state in its pursuit of self-

4 Gerth and C. Wright Mills, op. cit., p. 174.5 There are other words used for the same phenomena; Hans Kohn (1965) distinguishes

between ‘Western’ and ‘Eastern’ nationalisms, while Anthony Smith (1987) chooses to call them

‘territorial’ and ‘ethnic’.6 Hans Kohn, Nationalism. Its Meaning and History. New York: Van Nostrand Reinhold Company,

1965, p. 31.

244 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

-determination and self-preservation.7 Fichte was followed as professor of

Philosophy in Berlin by Friedrich Hegel, whose metaphysics revolved around

what he called the ‘world-spirit’, an irresistible dynamic force which embodied

the march of progress from lower to higher forms. Napoleon Bonaparte embodied

this world-spirit on behalf of France. When he fell, the spirit settled, according to

Hegel, in Germany.

Both of the above concepts are based on the equation state = nation =

people.8 The departure point is the word people. In the nationalist concept a pre-

-state community exists that is distinguishable from foreigners. In the

revolutionary-democratic concept the people of the nation are ‘the body of

citizens whose collective sovereignty constitute(s) them a state which (is) their

political expression’.9

Max Weber advanced the idea that some seemingly obvious ingredients in

the make-up of a nation were actually of secondary importance. (1) A common

language is not enough, as its linkage to nation is of varying intensity. (2)

Religious creed may be linked with national solidarity, but not necessarily.10 (3)

National affiliation need not be based upon common blood, for the sentiment of

ethnic solidarity does not by itself make a nation.11

7 Paul Johnson, The Birth of the Modern World Society 1815-1830. London: Phoenix, 1992,

p. 811.8 Eric Hobsbawm, Nations and Nationalism since 1789. Cambridge: Cambridge University Press,

1991, p. 22.9 Hobsbawm, op. cit., p. 19.10 That there is a basic affinity between national and religious imaginings can be sensed if one

goes back to Émile Durkheim’s The Elementary Forms of the Religious Life. If ‘religion’ in Durkheim’s

book is substituted with‘nationalism’, the work would be a complementary and valid contribution to

the contemporary discourse on nationalism. To Durkheim, religion is ‘something eminently social …

(its) representations are collectiv representations which express collective realities … The category

of time … is an abstract and impersonal frame which surrounds, not only our individual existence,

but that of all mankind. It is like an endless chart, where all duration is spread out before the mind,

and upon which all possible events can be located in relation to all fixed and determined guide lines.

It is not my time that is thus arranged, it is time in general, such as it is objectively thought of by

everybody in a single civilisation’. Emile Durkheim, The Elementary Forms of the Religious Life. London:

George Allen & Unwin. 1971, p. 10.

245colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

What then, according to Weber, forms a nation? It is the cultural elements

presented above, of which a common language is foremost, which together

represent the basis for the formation of national sentiment. More important still,

though, is a common political destiny (my italics).12

Ernest Renan wrote his famous study on nation, Qu’est-ce’qu úne Nation?

(What is a Nation?), in 1882 as a reaction to the German annexation of French

Alsace-Lorraine in 1871. The Germans based their claim on Alsace-Lorraine on

historical rights and ethnic solidarity.’These provinces are ours by the right of the

sword’, the German historian Treitschke wrote, ‘and we will rule them in virtue of

a higher right, in virtue of the right of the German nation to prevent the

permanent estrangement from the German Empire of her lost children. We

desire, even against their will, to restore them to themselves’.13 As a response to

this annexation Ernest Renan defined the liberal concept of nationality.

Renan warns his readers not to confuse race with nation, and not to ascribe

their sovereignty to ethnographic or linguistic groups. If the people wish to form

a nation, this communal will is stronger than ethnic or linguistic differences, as

the cases of Switzerland and the USA demonstrate. Common interests form a

strong unifying tie between people, but Renan doubts that a bond of common

interests is enough to form a nation – ‘a (customs union) is not a fatherland’.14

Geography, or “natural” borders, has played its part in the formation of nations,

but no more so than race does it constitute a foundation for a nation.

Renan’s view is that a nation is a living soul, a spiritual principle. It is based

on two circumstances, one with a foundation in the past, and one which is based

on an ever repeating now, the present. The former is the common vestige of a

rich heritage of memories, the latter the consent of the present population to live

together, to share the heritage of the past and carry it onwards. To have suffered,

11 Gerth and Wright Mills, op. cit., p. 173.12 Gerth and Wright Mills, op. cit., p. 176.13 Kohn, op. cit., p. 61.14 Ernest Renan, ‘What is a Nation?’. In The Poetry of the Celtic Races and Other Studies by Ernest

Renan. London: Walter Scott, 1886, p. 79. The French and Dutch overwhelming ‘No’ to a European

constitution recently shows that this quote from Renan is still highly relevant.

246 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

rejoiced (Renan sees suffering as a stronger bond than joy), and shared hopes

together is worth more than common custom zones, or boundaries based on

strategic considerations.15

A nation is then a great solidarity, constituted by the sentiment of the

sacrifices that its citizens have made, and of those that they feel prepared

to make once more.

It implies a past; but it is summed up in the present by a tangible fact

– consent, the clearly expressed desire to live a common life. A nation’s

existence is... a daily plebiscite, as the individual’s existence is a perpetual

affirmation of life.16

Benedict Anderson has defined the nation as ‘an imagined community’. The

nation is imagined because the members of even the smallest nation will never

know most of their fellow-members, meet them, or even hear of them, yet in the

minds of each lives the image of their communion. Anderson suggests that

nationalist imagining has a strong affinity with religious imaginings because of

its concern with death and immortality.

To Benedict Anderson, a precise analogue of a nation is ‘a sociological

organism moving calendrically through homogenous empty time’.17 This is clearly

similar to Durkheim’s words in note 2 above. Durkheim was addressing mankind’s

earliest efforts to arrange production/reproduction within a social framework,

and the creation of an all-encompassing cosmology that is born out of a social

experience. In doing so, he brought these basics from their smallest denominator,

the parent/offspring unit, into the level of larger social units, such as clans or

tribes. Beyond that, I argue, mankind must kiss good-bye to collective realities

which are ‘real’, as opposed to imagined. This is, as I see it, where Benedict

Anderson takes over from Durkheim, although I would argue that there is a

missing link between the two, something which will be soon considered.

15 Renan, op. cit., pp. 80-81.16 Renan, op. cit., p. 81.17 Benedict Anderson, Imagined Communities. London & New York: Verso, 1991, p. 26.

247colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

A common political destiny (for instance the colonial experience) imposed

upon the inhabitants of an administrative unit leads to the possibility of the

population conceiving of themselves as an imagined community. Anderson

refers to the anthropologist Victor Turner, who has written about journeys between

times, statuses, and places as meaning-creating experiences. Anderson argues

that to the ‘pilgrims’ of colonial areas, the young bilingual intelligentsia, the

journeys to the centre, in this case the centre of the administrative unit, resulted

in their conception of a national meaning to that same administrative

organisation.18 The imagined communities created in the minds of these young

people could then be passed on to the masses.

It seems to me that the concept of imagined community bridges the gap

between subjective and objective factors, between the cultural and the political/

economic determinants. In my view, however, this concept has a certain

shortcoming – I see it as ‘open-ended’, with one missing link to the past (alluded

to above) and one to the future. It does not take into account the pervasiveness

of ethnicity, and it does not account for the fact that some ‘imagined communities’

struggle for self-determination and independence while others do not.

Anthony Smith offers, in my view, a way out of this dilemma. He stresses the

importance of ethnic roots in the formation of nations, and emphasises the need

for an analysis that will bring out the differences and similarities between

modern national units and the collective cultural units and sentiments of previous

eras, those that he terms ethnies or ethnic communities.19

While the identifying mark of an ethnie is a collective name, Smith sees a

‘core’ of ethnicity in a ‘quartet of myths, memories, values and symbols’. In this

quartet a common myth of descent is the key element. Smith is not necessarily

talking about actual descent but of ‘a sense of imputed ancestry and origins’.20

This sense of common ancestry implies that a population belongs together and

shares the same feelings and tastes.

18 Anderson, op. cit., p. 114.19 Anthony Smith, The Ethnic Origins of Nations. Oxford & New York: Basil Blackwell, 1987, p. 13.20 Smith, op. cit., p. 24.

248 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

There is also a sense of solidarity imbued in the concept of ethnie. An ethnie

is not just a category of population with a common name, descent myths, history,

culture and territorial association. It is also a community with a definite sense of

identity and solidarity (Smith 1987:29). To qualify as an ethnic community or

ethnie there must emerge a strong sense of belonging and an active solidarity

which in times of stress and danger can override class and factional or regional

divisions within the community.21

The first three factors above – a common myth of descent, shared memories

and a shared culture – provide, in my view, a necessary background to Benedict

Anderson’s concept of ‘imagined communities’, while the fourth factor seems to

be the missing link between the ethnies of Anthony Smith or Durkheim’s

Elementary forms... and Benedict Anderson’s concept. Smith’s active solidarity,

which ‘in times of stress and danger’ takes precedence over other loyalties is, in

my view, the factor that, at one point in history, forces the coloniser to install the

administrative precautions which form the framework for the imagined

community to evolve. These, in turn, eventually lead this imagined community to

carry out a struggle for self-determination. At the first of these two points, we

find what Terence Ranger calls ‘primary resistance movements’, the pre-nationalist

movements of opposition to conditions in particular localities. These, as Helen

Hill points out, help to shape the environment in which later nationalist politics

develop.22 At the second of the two points, a modern nationalist movement that

has evolved inside the colonial borders aims to bring the imagined community

out of the visions of individuals and into the realm of world politics in order to

achieve self-determination.

So we have two different nationalisms. On deals mainly with kinship and

blood-relations, and the other mainly with visions that are based not on traditions

but created out of a common political destiny. It is my argument that both

nationalism of the liberal-democratic kind and liberal democracy itself stem from

21 Smith, op. cit., p. 30.22 Helen Hill, Hill, FRETILIN: The Origins, Ideologies, and Strategies of a Nationalist Movement

in East Timor. Melbourne: Unpublished M.A. Thesis, Politics Department, Monash University, 1978,

pp. 52-53.

249colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

these ‘visions of individuals’. But these visions don’t just pop up out of nowhere,

they are born out of an embryonic civil society.

What then is civil society? Definitions abound, but I choose the one used by

Arsenio Bano, Executive Director of the East Timor NGO Forum: “Civil society

organisations are organisations that are formed in society, separate from the

government and private sectors. They are involved with social issues that are the

concern of all members of the society. Civil society is composed of community

organisations that are distinct from the government apparatus”.23

Robert Putnam has studied how different regions of Italy, twenty years after

the establishment of regional government, adapted to the new situation. The

central question posed by Putnam was: What are the conditions for creating

strong, responsive, effective representative institutions?24 Putnam adds that “the

answers … are of importance well beyond the borders of Italy, as scholars and

policymakers and ordinary citizens in countries around the world – industrial,

post-industrial, and pre-industrial – seek to discover how representative

institutions can work effectively”.25 He summarizes his basic finding thus:

Social context and history profoundly condition the effectiveness of

institutions.

Where the regional soil is fertile, the regions draw sustenance from

regional traditions, but where the soil is poor, the new institutions are

stunted. Effective and responsive institutions depend, in the language

of civic humanism, on republican virtues and practices.

… Democratic government is strengthened, not weakened, when it

faces a vigorous civil society.26

23 Arsenio Bano, ´The Role of Civil Society Organisations in Sustainable Development In East

Timor.‘ In Russell Anderson and Carolyn Deutsch (eds) Sustainable Development and the Environment in

East Timor: Proceedings of the Conference on Sustainable Development in East Timor. Dili: 2001, p. 112.24 Robert Putnam, Making Democracy Work. Civic Traditions in Modern Italy. Princeton, New

Jersey: Princeton University Press, 1994, p. 6.25 Putnam, op. cit. pp. 6-7.26 Putnam, op. cit., p. 182.

250 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Putnam traces the differences in levels of success in the implementation of

regional democracy to processes that are least ten centuries old. In the northern

regions of Italy, Putnam describes how “horizontal civic bonds have undergirded

levels of economic and institutional performance generally much higher than in

the South, where social and political relations have been vertically structured.”27

The horizontal bonds of the North have manifested themselves in “tower societies,

guilds, mutual aid societies, cooperatives, unions, and even soccer clubs and

literary societies,” while in the South “... mutual distrust and defection, vertical

dependencies and exploitation, isolation and disorder, criminality and

backwardness have reinforced one another in… interminable vicious circles…”28

Most fundamental to the civic community is the social ability to collaborate

for shared interests. As Putnam shows, this collaboration goes back ten centuries

in certain areas in Italy; still it can be described as a break away from traditional

modes of solidarity in favour of a more modern form of trust. The notion of

different forms of trust in pre-modern and modern societies is discussed by

Anthony Giddens in his Consequences of Modernity (1992). What Giddens calls ´an

environment of trust‘ in pre-modern society builds upon, 1) kinship relations for

stabilizing social ties, 2) the local community, providing a familiar milieu, 3)

religious cosmologies, providing a providential interpretation of life and of nature,

and, 3) tradition as a means of connecting present and future.29 The influence of

tradition means that this society is past-oriented. In modern society Giddens sees

the environment of trust as based upon 1) personal relationships of friendship or

sexual intimacy as means of stabilizing social ties, 2) abstract systems as a means

of stabilising relations, and 3) future-oriented, counter-factual thought as a mode

of connecting past and present.

This division of pre-modern and modern societies is the sociological heritage

from the 19th century German sociologist Ferdinand Tonnies‘ categories of

Gemeinschaft and Gesllschaft (1887). Gemeinschaft is seen as a social organization

27 Putnam, op. cit., p. 181.28 Putnam, op. cit., p. 182.29 Anthony Giddens, The Consequences of Modernity. Padstow, Cornwall: T.J. Press, 1992, p. 150.

251colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

in which people are bound closely together by kinship and tradition, while

Gesellschaft is a type of social organization in which people have weak social ties

and considerable self-interest. In Gemeinschaft people are friendly towards their

friends (i.e. family, clan, village) and hostile against their enemies (more or less

everyone else), while in Gesellschaft man is an abstract entity and, as such, has

friends or enemies only in relation to the goals towards which he aspires.

However, this character of Gesellschaft society also makes it possible for the

individual to share abstract ideas and to create supra-clan solidarities with

individuals that he has never seen and will never meet personally. This impersonal

social organization will thus make it possible for any given individual to trust

other individuals, if he feels that they share the same abstract values to which he

adheres. In Gemeinschaft distrust is a matter of fact and even crucial to survival

outside one’s own village. This is what the Swedish Sociologist Johan Asplund

(1991) calls “the curse of Gemeinschaft”, the dichotomy of friendship among “us”

on the local level and hostility against others or “they”.

Democracy, “that conscious and collective human control under the law”, in

the words of Benjamin Barber,30 is the last theoretical building-block of this

paper. I turn to Anthony Gibson for a working definition of the term:

Democracy is a system involving effective competition between political

parties for positions of power. In a democracy, there are regular and fair

elections, in which all members of the population may take part. These

rights of democratic participation go along with civil liberties – freedom

of expression and discussion, together with the freedom to form and

join political groups or associations.31

Add to this Alexis de Tocqueville, who saw democracy not only as a political

system, but also, and more importantly, as social relations characterised by

30 Benjamin Barber, Jihad vs. McWorld. How Globalism and Tribalism are Re- Shaping the World.

New York: Ballantine Books, 1996, p. 5.31 Anthony Giddens, Runaway World. How Globalisation is Reshaping Our World. London: Profile

Books Ltd, 2002, pp. 68-69.

252 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

equality. He considered democracy as impossible to implement if the living

conditions of the people were not at least somewhat equal.

Traditional Timorese society

Before the arrival of the Portuguese, Timor was divided into a number of

kingdoms, rai. Each of these were made up of princedoms, sukus. The people

rarely lived in larger settlements than three to twelve houses, called knua (more

correctly translated into house-cluster than village). Each family (in the sense of

extended family) in the suco belonged to a sacred house, uma lulik,32 according

to their traditional status and background.33

The Timorese traditionally distinguish between spiritual authority and

political power. The liurais (kings, or chiefs) had an almost absolute power in

worldly matters, but their appointment depended on spiritual leaders. The basis

for an ancestral agreement on a leader is that he originates from a “royal” family

with political authority. A well-defined system of marriages connects uma luliks

with each other, providing each house with wife-giver houses and wife-taker

houses; what James Fox called “the flow of life”.34

32 Tanja Hohé, ‘The Clash of Paradigms: International Administration and Local Political

Legitimacy in East Timor´. In Contemporary Southeast Asia, Vol. 24, No. 3, Singapore: Institute of

Southeast Asian Studies, 2002, p. 571.33 As for a common myth of descent, Jules Verne wrote of the Timorese reverence for ancestral

crocodiles in his Twenty Thousand Leagues Under the Sea. More recently, Clifford Morris has recorded

a myth which tells of a child sav8ng the life of a crocodile, who subsequently carries the child on his

back to the middle of the sea. When the crocodile eventually feels that its days are numbered, it says

to the child “I will change into a land where you and your descendants will live off my fat, as payment

for your kindness to me”. ‘Because of this, the wise old men tell us that Timor, with the head in

Lautem and the tail in Kupang is as slender as a crocodile’s head and tail.’ Clifford Morris, Timor:

Legends and Poems from the Land of the Sleeping Crocodile. Victoria, Australia: H.C. Morris, 1984, pp.

91-95.34 James Fox (ed.), The Flow of Life. Essays on Eastern Indonesia. Cambridge, Massachusetts, and

London, England: Harvard University Press, 1980.

253colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

The various ethno-linguistic groups of Timor based their philosophies of life

around complementary oppositions, or binary pairs, to such a degree that

anthropologist Toby Fred Lazarowitz has written about ‘a pervasiveness of dyadic

structures in all areas of Timorese social life.’35 The most prominent contrasts were

between human beings and ancestral ghosts and between men and women36.

Each binary pair not only contrasted with its opposite, but complemented it as

well. Cosmology and tradition functioned to maintain equilibrium when anomalies

from within the system or from the outside, such as for instance death or war,

disrupted the balance between the binary pairs.37 According to Stephen Ranck,

traditional Timorese society revolved around two main activities, agriculture and

warfare, especially headhunting. The losing side in the war was forced into

ceremonial submission.38

The first foreign settlers on Timor

Beginning circa 1515 the Portuguese visited Timor in search of the islands’

valuable sandalwood, first from Macassar and later from nearby Flores, but they

didn’t initially establish any settlements, deterred by the inhabitants’ reputation

as fierce warriors and headhunters. In 1642, though, Captain-Major Francisco

Fernandes landed on Timor, with ninety musketeers and three Dominican priests.

They marched to Wehale, the site of the major local kingdom, which they burned.

35 Lazarowitz, Toby Fred Lazarowitz, The Makassai: Complementary Dualism in Timor. New York:

Unpublished PhD thesis, Department of Anthopology, State University of New York at Stony Brook,

1980.36 Traditional Timorese society was markedly hierarchical, and on every level of society, males

were superior to women. David Hicks, Eastern Timorese Society. Unpublished PhD thesis, University

of London, 1971, p. 99.37 David Hicks, Tetum Ghosts and Kin. Fieldwork in an Indonesian Community. Palo Alto California:

Mayfield Publishing, 1976, p. 19.38 Stephen Ranck, Recent Rural-Urban Migration to Dili, Portuguese Timor: A Focus on the Use of

Households, Kinship, and Social Networks by Timorese Migrants. Macquarie University, Australia:

Unpublished M.A. thesis, Department of Geography, School of Earth Sciences, 1977, p. 28.

254 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

James Fox considers this swift exploit to be “the single most decisive event in the

history of Timor.”39 The news of the destruction of Wehale spread quickly,

precipitating the ceremonial submission by kings of other realms. Fernandes

then established a foothold at Lifau, in what is now the enclave Oecusse, and

through power games and marital alliances established links between his men

and local liurais. These links allowed the intruders to exploit the sandalwood of

Timor and prevented the local people from rebelling against them.40

Nominally Fernandes and his men were Portuguese, but for all practical

reasons they were not. Locally they were called Topasses, or Larantuqueiros.

Largely sandalwood traders based in the settlement Larantuka on the island of

Flores, they were a mixed race population that stemmed from their long isolation

from Portugal (which was occupied by Spain between 1580 and 1640).

By taking over senior positions in the exchange system of tribute and

services between clans and villages, the Topasses reinforced the system of

kinship exchange for the purpose of their own political control. Rather than

leading to structural changes, foreign influence resulted in the maintenance of

basic aspects of Timorese society, as its indigenous economic, cultural, and social

systems were reproduced. Once established, the co-presence of external control

and indigenous structural reproduction continued throughout the following

centuries.41

Only in 1702 did the Portuguese send a Governor from Goa to rule the

motley crew of Topasses, and this initially did not even achieve limited success.42

The Portuguese took over the garrison in Lifau, but were almost incessantly

besieged by Topasses and Timorese. In 1769 the Governor decided to move the

39 James Fox, ´The Great Lord Rests at the Centre. The Paradox of Powerlessness in European-

Timorese Relations.‘ In Canberra Anthropology, Vol. 5, No. 2. Canberra: The Australian National

University, 1982, p. 22.40 Abilio Araújo, Timorese Elites. Canberra: Jill Jolliffe and Bob Reece, 1975, p. 2.41 John Taylor, ´The Emergence of a Nationalist Movement in East Timor‘. In Peter Carey &

Bentley Carter (eds) East Timor at the Crossroads. The Forging of A Nation. Honolulu: University of

Hawai’i Press, 1995, pp. 28-29.42 C. R. Boxer, The Topasses of Timor. Amsterdam: Mededeling No. LXXIII, Afdelning Volkenkunde

No. 24. Kononklijke Vereeniging Indisch Instituut, 1947, p. 9.

255colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

garrison to Dili, some 200 kilometres to the east. It is thus only from this date that

we can speak of a distinctly Portuguese colonialism in East Timor.

An administrative unity

In Oecusse both Topasses and Timorese resisted the Portuguese presence. In

Dili the Portuguese were not troubled by the Topasses, but their presence was at

times bitterly opposed by the Timorese, resulting in many rebellions.

During the second half of the 19th century Portugal tried to improve its

economy through more systematic exploitation of its colonies. For Timor this

resulted in an expansion of cultivation of goods, especially coffee, for export.

Forced labour was used to develop the infrastructure, cultivate crops, and extend

the trading system.

This required tighter political control than previously, but the attempt to

extend Portuguese authority encountered a barrier, thus described by the

Governor of Timor Affonso Castro in 1882:

Marital exchange is our government’s major enemy because it produces …

an infinity of kin relations which comprises leagues of reaction against the

orders of the governors and the dominion of our laws. There has not been

a single rebellion against the Portuguese flag which is not based in the

alliances which result from marital exchange.43

Marital exchange and the kinship system, which had been maintained

throughout the years more or less by the Topasses, were now seen as the most

important barriers to the extension of Portugal’s administrative framework.

Portuguese policies at the end of the 19th century thus had two objectives; to

undermine the indigenous kinship system, and to create a basis for the systematic

exploitation of its colony.44

43 Taylor, op. cit., p. 34.44 Taylor, op. cit., p. 30.

256 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

One way to do so was the imposition of an imposto de capitacão (head tax),

meaning that every Timorese male between the age of eighteen and sixty had to

produce agricultural products for the market or engage in wage labour.45 The

basic system was that local military commanders ordered chiefs to supply, on

payment, a given number of labourers to private employers. The system was

introduced slowly at first, but as time went by the normal period of labour was

increased while payment to the chiefs was drastically reduced.46 The result of this

change in policy was a major rebellion.

This rebellion, the biggest of all against Portuguese domination of East

Timor, was led by the liurai Dom Boaventura in 1911-12. It was only quelled after

reinforcements from Macau and Mozambique had been called in. It is thus only

from circa 1915 that the territory was considered pacified, with a Portuguese

administration also in the interior. This is also the period when, according to

Macassae (a Timorese ethno-linguistic group) oral tradition, the usage of the

terms Kaladi and Firaku first appeared. The Timorese forces under Dom Boaventura

had consisted of a coalition of several ethno-linguistic groups, all of whom were

later to be conjointly called Kaladi, while the opposing coalition were labelled

together as Firaku.47 There was a colonial-imposed logic behind this. The western

part of East Timor – areas close to Dili itself and Ermera, the region which

attracted the early coffee growers – were the first to be pacified by the colonial

troops. Farther to the east, Portuguese influence was far weaker. This led to a

situation where the people in the west of the territory were more hostile to the

European intruders than those living further east. The Portuguese were able to

exploit this situation as well as the age-old animosity between Timorese groups,

by rallying support of the ‘easterners’ to quench uprisings by the ‘westerners’.48

Among the Timorese evolved over time a stereotyped and popular distinction

between talkative easterners, Firaku, and more taciturn Westerners, Kaladi.

45 Hill, op. cit., p. 11.46 Gervase Clarence-Smith, ‘Planters and Smallholders in Portuguese Timor in the Nineteenth

and Twentieth Centuries.’ In Indonesia Circle, No. 57, pp.15-30. London, 1992, p. 24.47 Interview with Justino Guterres, Canberra 1995, in Jannisa 1997:286.48 Ranck, op. cit., p. 186.

257colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

After the quelling of the Boaventura uprising the Portuguese authorities’

initial tactic for controlling the Timorese people was to dismantle the powerful

kingdoms and divide them into sucos under the control of chefes de suco appointed

by the Portuguese.49 Portuguese Timor was then split into ten districts – later

thirteen – each ruled by a Portuguese administrator.

Every chefe de suco was responsible for supervising the villages within his

realm, the villages headed by Timorese chiefs. The chiefs were elected by villagers,

but their appointment had to be ratified by administration officials.50At the

summit of the administrative hierarchy was the Governor in Dili, who mediated

between Timor and the government in Lisbon (through Macau or Goa).

The kings who were released from their formal power and were not appointed

as sub-district chiefs became unofficial powers in their kingdoms. The official

power was handed over in an adequate way to the new village chiefs, but on the

informal level, the powers of the kings remained and the people still adhered to

them.51 Consequently, two political systems now existed. One was sanctioned

through coercion and the use of force, the other underpinned by a powerful set

of cultural traditions.52 Hence, the new administrative system was integrated into

the local system of representation. Under Portuguese rule, then, ritual life

remained strong, as it was perceived to be the “inside” of society and had nothing

to do with “outside” political issues.53

David Hicks has described how as late as the 1960s/early 1970s the indigenous

culture and the European culture only met at the level of suco. Above this level

the structure of districts and posts was too remote from anything touching the

daily lives of villagers, while below it, at the level of the village, traditional

principles fashioned the political organization.54

49 Hicks 1976, op. cit., p. 8.50 Hicks, op. cit., pp. 6-7.51 Hohé, op. cit., p. 574.52 Taylor, op. cit., p. 32.53 Hohé, op. cit., p. 575.54 David Hicks, Kinship and Religion in Eastern Indonesia. Gothenburg: Acta Universitatis. 1992,

p. 13.

258 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

I do not, however, want to give the impression that the Portuguese presence

was not felt at all below the administrative level. Alongside providing the upper

level of the administrative framework, the Portugest also left a cultural vestige

that consisted of vastly more than indigenous stereotypes (Kaladi/Firaku) within

that administrative unity. Elizabeth Traube, who conducted anthropological

research in East Timor from October 1972 through November 1974, sees East

Timorese cultures as being:

...in significant respects, the product of their historical interaction with

Portuguese colonial policies...

Over the past three centuries Portuguese administrative and economic

policies have interacted with and influenced the indigenous cultures of

East Timor, generating a distinctive situation which contrasts markedly

even with that on the western half of the island.55

Traube has described how Portuguese colonial rule has been the object of

mythological representations among the Mambai, the largest ethno-linguitic

group in East Timor. According to this myth, the Portuguese are the younger

brothers of the Timorese. They were born on Timor, but vanished, taking with

them the insignia of sovereignty, the flag. Their elder brothers remained in Timor

and performed their appointed ritual functions, but the jural order of society

foundered. Seeing this, the Timorese travelled across the sea to Portugal and

asked their younger brothers to bring back the flag to its homeland. When the

Portuguese agreed to do so, it inaugurated a new regime in which the Portuguese

took their place as the defenders of jural order while the Timorese retained their

ancient ritual function of maintaining cosmological balance.56

Likewise, Ranck (1977) points out that the fact that some of the ethno-

-linguistic groups incorporated the Portuguese flag as part of their lulik heritage

does not necessarily have a pro-Portuguese meaning, but it indicates that the

55 Traube, Elizabeth Traube (1979): ‘Statement Delivered to the Fourth Committee of the United

Nations General Assembly.’ In Cultural Survival Newsletter, Vol. 3. Cambridge, Mass., 1979, p. 9.56 Traube, op. cit., p. 8.

259colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

centuries-long Portuguese presence on Timor made itself felt on deeper levels

than those of the administration of the territory, the crushing of native rebellions,

or the imposition of forced labour.

Portuguese colonisation eventually resulted in the development of three

distinct ethnic societies apart from the ruling Portuguese – native Timorese

society, Mestizo and educated Timorese society, and a small Chinese society.

These societies had little effective social interaction between them.57 The Chinese

(the bulk of whom began to arrive during the 1920s) ran the small trading

stations throughout the island and dominated business ownership.58

A new era begins

From its humble beginnings – circa half a dozen buildings around a natural

harbour in the mid-19th century – Dili had grown to about 5,000 permanent

residents immediately prior to WWII. During the war the city was occupied by

the Japanese and subsequently levelled to the ground by allied bombs.59 Many

of the inhabitants returned to their home villages, but the reconstruction

after the war opened new opportunities in Dili. It was a slow process, but in the

mid-1960s a few kilometres of roads were paved, municipal buildings were

erected and port facilities were improved. Jobseekers migrated into Dili together

with an increasing number of students (Ranck 1977). A number of Timorese

(including most of the later-to-become-politicians) studied at the Jesuit-run

57 Thatcher, op. cit, p. 47.58 Women were at the bottom of all these societies. According to OMT (Organizacao de Mulher

Timor, the Organisation of Timorese Women) women’s lives were passive and submissive. There were

always socio economic and cultural norms which minimised their active participation in almost all

aspects of life (OMT 1998.)59 The Japanese occupation was very brutal, and the East Timorese supported a small number

of Australian commandos sent to Timor to tie down the Japanese in a guerrilla war. When the

Australians were forced to leave, the Japanese took out revenge on the Timorese. These events still

form the background for East Timorese/Australian relationships.

260 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

seminary at Dare outside Dili, and some Timorese even went to Portugal to study

at university level.

The migrants into Dili came from all regions of the territory, but residential

segregation on ethnic lines was not evident among the Timorese in Dili. Stephen

Ranck (1977) estimated that in the mid 1970s almost half of the married migrants

had spouses from different backgrounds than themselves.

But that was in Dili. After WWII, as well as before, the lives of the great

majority of the Timorese were led in virtual isolation from all other groups, partly

due to geographical and cultural factors within Timor, but also because it was the

policy of the Portuguese colonial administration to keep Timor free from outside

influences. In this regard the Portuguese were not altogether successful, as in

1959 the arrival of a handful of Indonesian refugees from the Permesta rebellion

in Sulawesi led to an uprising against the colonial power. The rebellion was

instigated by outsiders, but the underlying cause was the appalling conditions

faced by the corvée labour in this specific area. Some see the 1959 rebellion as

a watershed in East Timor´s history. It forced the Portuguese not only to introduce

the secret police, PIDE, but also to give more attention to the social and economic

conditions of the Timorese. It also laid the foundations for what was to become

APODETI (see below), as families involved in this rebellion were among those

which later supported the party that favoured integration with Indonesia.60

Another effect was that the very small number of scholarships to study in

Portugal increased, so that by 1974 there were thirty-nine students from Timor

studying at universities there.61 In Portugal they met students who were involved

in the anti-colonial struggle in Africa, and some began to see their own identities

and their own relations with the colonial power in a new light.

60 Justino Guterres, Refugee Politics: Timorese in Exile. Melbourne: unpublished BA thesis,

Victoria University of Technology, 1992, p. 7.61 Hill, op. Cit., p. 47-48.

261colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

The end of Portuguese colonialism

It is within the setting described above that the embryos of nationalism and

modern politics were born among immigrants in Dili from villages across Timor.

Many of the young men who formed the nucleus of what was to become political

parties were born in the late 1940´s and belonged to the Mestizo population.62

Some were Timorese, and most had passed through tertiary school at Soibada,

the first stop between the home villages and Dili. Most of them were first

generation immigrants to Dili, coming from a variety of regions and ethno-

-linguistic groups. The soil was ready, but the seeds came from Portugal.

As mentioned above, some of the students in Portugal had in the late 1960s

come in contact with African liberation movements. “From that moment on we

were no longer isolated. We could understand the just struggle of the peoples for

national independence, for we had assimilated the thinking of the great

revolutionary leaders,” said Leonel Sales de Andrade to Helen Hill in 1974.63 Many

of the Timorese students in Portugal met and conversed at the so called Casa de

Timorense in Lisbon. The ideas trickled back to Dili and eventually resulted in the

establishment of an informal group which met in the park outside the Governor´s

office in Dili, in full view of passers-by so as not to attract the suspicion of the

PIDE.

On April 25, 1974 the old regime in Lisbon was toppled in the so called

Carnation Revolution, and within a matter of weeks three political parties were

formed in Timor—the conservative UDT, the Social Democratic ASDT (which

changed its name the following September to FRETILIN), and APODETI, which

favoured integration with Indonesia.

The founders of ASDT/FRETILIN were very conscious of the need to counteract

the regional rivalries encouraged by the Portuguese policies of “divide and rule”

and perceived the diversity of languages spoken in East Timor as a major

62 Slowly there had developed a local Mestizo elite; by 1974 twelve of the thirteen District

administrators were Mestizo Timorese; only one was European. Thatcher op. cit., p. 50.63 Hill, op. cit., p. 64.

262 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

obstacle to be overcome.64They themselves came from linguistically diverse

areas and some of them could only communicate with each other in Portuguese.65

This led to considerable debate over the policy of a national language.

Considerations of national unity prevailed over those of promoting Timorese

culture and it was decided to adopt Portuguese as the national language.

FRETILIN and UDT agreed to join forces in a coalition in early 1975, largely as

a result of the aggressive Operasi Komodo, the Indonesian political/intelligence/

military campaign to turn Portuguese Timor into an Indonesian province. From

the date of this agreement, 21 January 1975, the territory was referred to as

Timor Leste in Portuguese, or Timor Lora Sae in Tetun. UDT had up until then used

the name Timor Dili.

Led to believe that Timor could only be spared an Indonesian invasion by

the crushing of FRETILIN, UDT unleashed a brief but brutal civil war on 19 August

1975. It lasted four weeks and ended with the total defeat of the UDT forces. By

mid-September most of the territory was under FRETILIN control. The Portuguese

administration withdrew to the small island of Ataúro during the fighting, and

FRETILIN was left alone to take care of the territory.

In the early months of 1975 FRETILIN launched an anti-illiteracy campaign in

several villages, inspired by the ideas of Brazilian educator Paulo Freire. They did

not use Portuguese in this campaign, but Tetun. This was based on the findings

of educational research that students are better prepared to learn other languages

if they have first learned to read and write in their mother tongue. The FRETILIN

reading book, Rai Timur Rai Ita Niang (Timor Is Our Country), also served as an

introduction to Timorese nationalist ideas. The first few pages inform the reader

64 There was, and still is, a great number of languages and dialects in east Timor, with relatively

few speakers of each. Some sources claim the active existence of about a dozen languages, others

mention up to thirty-one, drawing different lines between dialects and languages. The total area in

which each language or dialect is spoken is very restricted, with the exception of Tetun, of which

various forms are spoken throughout East Timor. Cliff Morris, A Traveller’s Dictionary in Tetun-English

and English-Tetun. From the Land of the Sleeping Crocodile. Frankston, Australia: Baba Dook Books,

1996, pp. 4-6.65 Hill, op. cit., p. 91.

263colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

that “Timor is our land. A long time ago Colonialism came to our land because our

ancestors were fighting each other. All Timorese will unite together to govern

their own land”.66 The problem they faced in the interior of the island was that the

people there did not think of themselves as Timorese, but rather as belonging to

a particular linguistic group, and treated people from other linguistic groups as

foreigners.67 In their political endeavours, FRETILIN (naturally enough) connected

to local traditions in deeper ways than both Topasses and Portuguese. As John

Taylor writes:

… FRETILIN moved increasingly into the regions. Building up regional

power by working with existing political alliances based on kinship, and

taking concepts and ideas prevalent in traditional society as the bases

for the development of its programmes, FRETILIN emerged as a natio-

nalist movement with extensive popular support and an effective

decentralized political structure.68

Facing an imminent Indonesian invasion, FRETILIN unilaterally proclaimed

the Republic of East Timor on November 28, 1975. Two days later this was

followed by the so called Balibò Declaration, in which UDT and other leaders

requested the integration of East Timor into Indonesia. Later, the signatories

would claim that they had signed under Indonesian duress. There was a futile

attempt by FRETILIN to internationalise the conflict. On 4 December, three

66 Hill, op. cit., p. 130-134.67 Another idea, hitherto foreign not only to traditional Timorese society, but to all levels and

all ethnicities in Timor, including the Portuguese elite, was to include women in political/social

activities. The traditional role of women was questioned by many, notably by Rosa Muki Bonaparte,

one of the returning students from Portugal. She was instrumental in the establishment of the

Organizacão Popular da Mulher Timor, OPMT (Popular Organisation of Timorese Women). OPMT set

up crèches to care for the children whose parents hadbeen killed during the civil war. OPMT also

organised “women clubs” for practical – weaving, sewing of clothes – as well as ideological reasons,

i.e. to “organize the more active and conscious women and to awaken those who are passive and

submissive under the exploitation under which they suffer.” Hill, op. cit., p. 192.68 Taylor, op. cit. p. 36.

264 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

ministers – Mari Alkatiri, José Ramos Horta, and Rógerio Lobato – were sent to

take the East Timor issue to the outside world, including various embassies in

Canberra and ultimately to the UN. At the same time both Australia and Portugal

– the only two countries, apart from

Indonesia, with any awareness at all of East Timor – suffered from political

turmoil. The British installed Governor-General had sacked Australian Prime

Minister Gough Whitlam, and Portugal was on the verge of a civil war. East

Timor’s fate was sealed when Suarto received the green light to intervene

militarily from U.S. President Gerald Ford and his Secretary of State, Henry

Kissinger in a meeting on Bali on December 5, 1975.

Resistance

At dawn on December 7, 1975, Indonesian armed forces launched a full-

-scale invasion of East Timor. In the streets of Dili people were indiscriminately

killed. The FRETILIN armed forces, FALINTIL, retreated into the mountains.

In May 1976 Indonesia formally annexed the territory by the means of a

rigged “referendum”. East Timor, as Timor Timur, thus became Indonesia´s unwilling

27th province. This integration of an occupied territory into Indonesia was never

accepted by the UN, as was the case with a similar procedure in West Papua in

1969.

So there was now a situation where FRETILIN had withdrawn into the

mountains, and brought with them a large part of the population.69 During late

1976/early 1977, the resistance movement’s national framework was weakened

as Indonesian forces took control of strategically located villages. Even so, FALINTIL

managed to maintain strong regional centres, based on pre-existing political

alliances, despite the weakening of links between them.70

69 The UDT supporters who had escaped to West Timor were by October repatriated to

Portugal, along with some Portuguese military personnel. This marked the end (more or less) of

Portugal´s – and UDT´s – involvement in the ‘East Timor question‘ for the next ten years.70 Taylor, op. cit., p. 37.

265colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

While FALINTIL´s resistance to the invasion was initially quite successful; it was

crushed during the period 1978-81,71 after the Indonesian side acquired military

aid, including aircraft, from the UK, USA and France. FRETILIN President Nicolau

Lobato was killed on December 31, 1978. By the end of the 1970s almost all

FRETILIN leaders were dead, most of the FALINTIL soldiers had been killed or had

given themselves up (often with the same result), almost all military equipment

was lost, and links between resistance groups as well as those with the outside

world were severed.72 Add to this suspicion and division between the few on the

outside, and it is easy to perceive that this was the low point in the history of East

Timor´s resistance. Only diplomatic intervention of FRETILIN´s African friends in the

former Portuguese colonies slowly made the leaders overcome their differences

and work out a new strategy to support those who had survived inside.73

Isolated groups of survivors somehow managed to get in touch with one

another; they gathered what was left of their forces and then consulted the

population about whether they should give up the struggle. Xanana Gusmão, the

leader of this group, has told of the welcome he received as he marched through

the countryside with fifty surviving soldiers. The old people embraced him, crying,

and said, “Son, continue the struggle, never surrender, you are our only hope”.74

71 During this first phase of the war, many women were victims of imprisonment, physical

torture and rape, often leading to unwanted pregnancies. Nocturnal intimidation, forced prostitution

and other forms of systematic violence took away women´s dignity. People who took refuge in the

mountains under the control of FRETILIN had a more stable situation. They were organised in the

bases de apoio (support bases) to raise political awareness and implement fundamental human

rights. Timorese women, through the Organizacao Popular de Mulher Timor (OPMT), managed to take

part efficiently in the struggle. A revolution was needed in order to transform the time-worn

structures inherited from the dying colonial system to lead the women in the struggle for their

emancipation. OMT (Organizacao de Mulher Timor), A Chronology of East Timorese Women’s Lives.

Sydney: FRETILIN External Affairs, 1998.72 Barbedo de Magalhães, The East Timor Issue and the Symposia of Oporto University. Oporto

University, 1995, p. 33.73 Denis Freney, A Map of Days. Life on the Left. Port Melbourne: William Heinemann, 1991,

p. 373.74 Sarah Niner (ed.), To Resist is to Win! The Autobiography of Xanana Gusmão. Richmond,

Victoria: Aurora Books, 2000, p. 65.

266 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

The remnants of the resistance regrouped at the eastern end of the island

and Xanana Gusmão now emerged as commander of FALINTIL. In March 1981

the First National Conference for the Reorganisation of the Country took place.

The conference resulted in a total overhaul of organisational and political

structures. FALINTIL units would now be mobile and the clandestine organisation

inside the strategic camps and in population centres supported the armed

resistance.75

At the top level, the resistance was now to be led by Concelho Revolucionaria

Resistance Nacional, the National Council of Revolutionary Resistance (CRRN),

and at the lowest level were the Nurep (Nucleos de Resistencia Popular, “nuclei of

popular resistance”), established to maintain links between the resistance

movement in the bush and the clandestine network. The organization of these

nurep groups often based on kinship ties.76

Against all odds, the resistance movement strengthened its position so

much that formal negotiations between FRETILIN and the Indonesian military

took place. On March 20, 1983 Xanana Gusmão and his Indonesian counterpart,

Colonel Purwanto, met for the first time. The talks eventually resulted in a

ceasefire which lasted for six months. This was a great chance for the Indonesian

side to put an end to the politically embarrassing and humanely tragic ´East

Timor question’. Instead, Purwanto was side-stepped by General Benny Murdani,

who on August 17, 1983 launched a violent military campaign against FALINTIL.

The population of the village of Kraras was massacred in September 1983,

marking one of the great tragedies in East Timor´s history.77

Still, the cease-fire made it possible for FALINTIL to establish closer links

between the different areas of Timor, as well as to build up a well-functioning

system of communication between villages, towns and the resistance in the

bush. This showed that the resistance had now to some extent through their

deeds overcome old traditional rivalries. In local perceptions the clandestine

75 Niner, op. cit., p. 68.76 Taylor, op. cit., p. 37.77 Magalhães, op. cit., pp. 34-35.

267colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

powers were not classified as traditional political authorities, but they were

trusted because of their character. As Tanja Hohé writes, “this trust (my italics) is

very different from the belief that a specific person has to hold the political chair

in order to avoid sanctions from the ancestors”.78

Administration during the Indonesian occupation

It was not only the resistance that was reorganised. With the Indonesian

occupation, the Portuguese administrative structure was adjusted somewhat to

the Indonesian system. The main difference was the introduction of elections for

the position of the village chief, i.e. an official abandonment of determining

positions by descent. Still, in many cases, a candidate from the “correct House”

was elected. Superficially the elections were democratic, but for all practical

reasons local structures prevailed according to tradition.79

Pembangunan

Had the Indonesian authorities accepted the peace-plan laid out by FALINTIL

in 1983 and concentrated their efforts on development (pembangunan in Bahasa)

events might have turned out differently. The Indonesian authorities often pointed

out that the territory showed more development under the few years of

Indonesian administration than during the whole period of colonialism. Large

sums of money poured into East Timor from Jakarta. Indonesian rule certainly

meant substantial improvements to East Timor´s infrastructure and educational

system, with numerous new schools, health centres and development projects.

However, most development money was spent on supporting administrative

infrastructure and in particular facilities that provided a service to the Indonesian

78 Hohé, op. cit., p. 588.79 Hohé, op. cit., p. 575-576.

268 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

armed forces. Commercial development was directed to monopolies and

businesses owned by key military and government individuals. Very little

development resources were allocated to the East Timorese, and then only to

senior East Timorese officials.80 A study undertaken in 1990 by a Gadjah Mada

University team found that

the sources of alienation in East Timor, which are currently fuelling both

the student-led resistance movement … and widespread popular

support for the remaining FRETILIN guerrillas, are traceable to two main

sources – military conflict and the exclusion of East Timorese from

meaningful political and economic participation in the development of

their territory.81

Thus, besides the military oppression, the Indonesian development policies

in East Timor failed to address the key concerns of the East Timorese themselves.

Those most deeply affected were the youth.82 Large numbers of educated East

Timorese job seekers were unable to be absorbed into a work force dominated

by migrants from Java and other Indonesian islands.

Resistance among the population

The appointment in early 1983 of Carlos Felipe Ximenes Belo as replacement

for the rather troublesome (for the Indonesian authorities) Martinho da Costa

Lopes as Apostolic Administrator was supposed to be (in the eyes of the same

80 Lansell Taudevin, East Timor. Too Little Too Late. Sydney: Duffy & Snellgrove, 1999, pp. 91-92.81 Peter Carey & Bentley Carter (eds), East Timor at the Crossroads. The Forging of A Nation.

Honolulu: University of Hawai’i Press, 1995, p. 12.82 And the women. Many Timorese women had taken active part in the resistance and had

become more aware and more emancipated during their years in the mountains. Many of those were

subseqently sent to prison; many were raped; some were kept in the military headquarters as “sex

suppliers” to the Indonesian forces, others were forced to become prostitutes because of their

desperate economic conditions as widows and or as orphans. OMT, op. cit.

269colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Indonesian authorities), a way to gain more control of the increasingly popular

Catholic Church. The massive conversion to Catholicism after 1975, from 27.8

percent of the population in 1973 to 81.4 percent in 1989,83 needs some

explanation, since the dominant religion of the invading forces is Islam. In the

climate of oppression, the Church, according to João Boavida, functioned as “the

last repository of Timorese identity.”84 According to Indonesian law, every citizen

has to adhere to one of the book-religions. In 1975 a majority of East Timorese

were still animists. Converting to Catholicism functioned as “a reinforcement of

the social and cultural difference between the occupier and the occupied.”85

Boavida notes that from 1986 onwards, the East Timorese were united in a

way that they had never hitherto been. A major reason behind this, besides all

the factors related above, was that Xanana had announced his resignation as a

member of the central committee of FRETILIN.86 The year 1986 also saw the so

called Convergence, in which representatives of UDT and FRETILIN in Lisbon

officially declared their future co-operation towards their common goal, self-

-determination for East Timor. In Timor itself, Xanana Gusmão in 1987 resigned

from FRETILIN and declared (together with the exiled José Ramos Horta) the

creation of CNRM (Conselho Nacional de Resistance Nacional, National Council of

Maubere Resistance)87 as a politically non-aligned umbrella organisation for the

liberation struggle. FALINTIL ceased to be FRETILIN´s armed wing and became

the Armed Forces of the CNRM.

Apparently the Oxford-based João Boavida saw more clearly what was

happening in East Timor than did the Indonesian authorities in Dili. On 1 January

83 George Aditjondro, East Timor. An Indonesian Intellectual Speaks Out. Melblurne: ACFOA,

Development Dossier No. 33, 1994, p. 35.84 João Boavida, The Christianisation of the Unholy East Timorese-Indonesian War. Unpublished

paper. Department of Anthropology, University of Oxford, 1992, p. 2.85 Boavida, op. Cit., p. 2.86 Boavida, op. cit., p. 3.87 CNRM in 1998 restyled itself as CNRT (Conselho Nacional da Resistencia Timorense, National

Council of Timorese Resistance). Mission accomplished, i. e. the liberation of East Timor, CNRT was

formally dissolved on June 9, 2001. http://geocities.com/etngoforum/nngo.xls

270 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

1989 the Indonesian government declared that East Timor, after having been

more or less sealed off from the outside world since 1975, was now an ´open‘

province, on a footing with other provinces.

In February 1989 Bishop Belo wrote a number of letters to foreign dignitaries,

including the Secretary-General of the United Nations and the Pope, denouncing

human rights abuses in East Timor and requesting a UN-supervised referendum.

Public demonstrations organized by RENETIL (Resistencia Nacional de Estudents

Timor-Leste, the National Resistance Organisation of East Timorese Students)

became common during 1989, often planned to coincide with the arrival of

foreign journalists. Apart from demonstrations, another way of showing their

dissatisfaction with the situation in East Timor was to seek asylum at various

embassies in Jakarta, leading to an endlessly embarrassing situation for the

Indonesian authorities, as well as growing attention in the world at large.

It all began when the Pope made a six-hour visit to East Timor in October

1989 and conducted an open air mass in Dili, where young demonstrators made

the ´East Timor question‘ visible to foreign media for the first time. That the

demonstrators were well organised and enjoyed massive support from the

population at large was made clear when Robert Domm, on behalf of the

Australian Broadcasting Corporation, interviewed the increasingly legendary

Xanana Gusmão in the bush in September 1990. Numerous people were involved

in the operation to smuggle Domm from Dili to Xanana´s camp. “There were

people everywhere, monitoring our movements at every stage, organising and

scouting ahead to ensure that we got to the army´s base camp and returned

safely,” Domm wrote.88 Domm´s successful meeting with Xanana clearly indicated

a sophisticated underground network supported by the vast majority of the

Timorese people. The activities of the resistance led not only to the attention of

the outside world, but also to heightened repression. It was the tense situation

created by this increased repression which formed the backdrop to the tragic

Santa Cruz massacre.

88 ACFOA, East Timor. Keeping the Flame of Freedom Alive. Canberra: ACFOA, Development

Dossier No. 29, 1991, p. 9.

271colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

On November 12, 1991 Indonesian troops opened fire and killed a great

number of civilians during a demonstration (actually a procession in honour of a

murdered young man) in Dili. The massacre was witnessed by a number of

foreigners, and filmed by British cameraman Max Stahl. The killings were shown

on television around the globe shortly thereafter to a shocked international

community. Media-wise this was certainly a turning point, from now on the East

Timor question was no longer an ´invisible‘ question. Condemning statements

were made by a number of foreign ministers of the European Union as well from

Japan and the USA. Jakarta acted promply to pre-empt some of the criticism; two

commanders were sacked and Suharto expressed condolences to the families of

those who were killed. Jakarta also appointed a new commander of the East

Timor military district. This move was not, however, designed to create a more

relaxed atmosphere in Dili; the new commander declared promptly that if

something similar to the November 12 event was to happen again, the number

of victims would be higher.89

On November 20, 1992 Xanana Gusmão was finally captured, tried in court

and sent to Cipinang jail in Jakarta, where he was sentenced to twenty years.

Jakarta got rid of a symbolic ‘Robin Hood’ figure, but at the same time gained a

symbolic ´Mandela.`

During the rest of the 1990s it became increasingly clear that East Timor was

indeed the ´pebble in the shoe‘ of Indonesian foreign policy of which the

Indonesian Foreign Minister Ali Alatas once spoke. It seemed, however, that as

long as the Suharto administration was in charge in Jakarta, the situation was a

deadlock. This deadlock came to an end after the devastating Asian economic

crisis in 1997, which led to cries for reformasi (reforms) all over Indonesia. Suharto

was forced to resign in disgrace on May 20, 1998. This opened the way for a more

flexible approach to the problem of East Timor. B.J. Habibie, Indonesia´s new

President, was to go down in history as the man who sat the wheels rolling

towards a political solution to the ´pebble in the shoe dilemma‘. In a tripartite

agreement between Indonesia, Portugal and the UN on May 5, 1999 it was

89 Jannisa, op. cit., p. 259.

272 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

formally agreed that a referendum to determine the future status of East Timor

would be run by the UN later in the year, and on June 11 the UN Security Council

formally established UNAMET to organize the referendum. On August 30, 1999

approximately 98% of all registered voters went to the polls. Of these 78.5%

voted for independence, prompting a rampage of killings by Indonesia-supported

militia groups. Killings, rape and arson erupted throughout East Timor, leading

not only to personal suffering and a great number of deaths, but also to the

destruction of almost all East Timorese infrastructure. At least 250,000 East

Timorese were also forced to flee across the border to West Timor.

The violence of the militias clearly showed the need for an international

force to restore order. Under pressure from APEC (Asia-Pacific Economic Co-

-operation, whose leaders were holding a summit in Auckland), Habibie agreed

to the deployment of a UN-sanctioned multinational force, INTERFET. In late

September 1999 the UN forces quickly chased the militias across the border to

West Timor, leaving behind them a territory laid to waste.

The administrative system had been utterly destroyed. To redress the

situation, the UN therefore mandated a transitional administration (UNTAET,

United Nations Transitional Administration in East Timor) to temporarily administer

territory.90

Transitional administration

The UNTAET administration, as the Portuguese and Indonesian administra-

tions before, was based on a central authority at the national level. A Transitional

Cabinet was created in July 2000, with four East Timorese members and four

UNTAET representatives. As before, there were also thirteen district administra-

tions. UNTAET added to this system international District Field Officers (DFO) as

coordinators with the sub-district level and with the village chiefs. At the same

time, a parallel structure was established by the CNRT, based on the existing

90 Hohé, op. cit., p. 579.

273colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

clandestine structure. Many of the sub-district chiefs or village chiefs of the

transitional period were thus not elected democratically but appointed by

FALINTIL, the CNRT, and village elders.91

The idea behind the DFO was that eventually a Timorese would take over

this position as the government representative of the sub-district. People were

encouraged to submit their curriculum vitae to the central Civil Service and

Public Employment Service (CISPE), where a combination of international staff

and Timorese would select the person with the best qualifications. The main

criteria were education and working experience. From an international

perspective, these qualities were seen as most appropriate for “administrative”

tasks, while in local perceptions this position had to be ritually legitimized.92

The official candidates were young, and not chosen with regard to their

origin. For the local population this was in contradiction with the paradigmatic

principles of seniority and leadership. A young person would only be acceptable

if he was the last available person from a specific family carrying “political power”.

Apart from this, in some places the new sub-district heads originated from other

sub-districts/districts. This was also difficult to accept; even more so if the person

was not of the “right” descent.93

In contrast to the employment of sub-district chiefs, the Transitional

Administration were not involved in the choice of village chiefs. During the

period of reconstruction they played a crucial role as the link between the

activities of the local population, the Transitional Administration and the non-

-governmental organizations (NGOs). They were continuously consulted by

international and national actors. In contrast to the newly elected sub-district co-

-ordinators, the local population never questioned their authority.94

In June 2001 the umbrella organisation CNRT dissolved itself in order to

create a political arena for the Constituent Assembly elections that were to be

91 Hohé, op. cit., p. 579-580.92 Hohé, op. cit., p. 581.93 Hohé, op. Cit., pp. 581-582.94 Hohé, op. cit., p. 582.

274 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

held less than three months later. This caused a lot of confusion, especially at the

village level, where the CNRT-appointed village chiefs lost their “legal” basis of

power. The CNRT dissolution, thus opened the door for the appearance of

traditional local factions, or factions that had emerged during the resistance

fights along traditional structural lines.95

Meanwhile in civil society…

While the UNTAET attempted to restore the territory, civil society

organizations played an active role in these efforts. Emerging from the resistance

and clandestine movement, the number of national NGOs skyrocketed. As of

September 2001, 197 were registered with the NGO Forum, a body acting as a

coordination instrument for both national and international NGOs.

A number of these NGOs were actively involved in the formation of the new,

emerging East Timorese society. They sat on the National Council, a consultative

body which preceded the Constituent Assembly (see below), they were involved

in the information campaign prior to the election of the Constituent Assembly,

and they were later members of the National Planning Commission, following

the Constituent Assembly elections.

NGOs also entered into partnerships with the transitional administration in

the execution of projects administered by the World Bank and other donors. They

manufactured, assembled and distributed school furniture and repaired water

systems. Community agreements were established with villagers and civil society

groups which gave them the means to become actors in the rehabilitation of

their schools, irrigation systems and roads.96

95 Hohé, op. cit., 583.96 Natacha Meden, ´From Resistance to Nation Building: The Changing Role of Civil Society in

East Timor‘. In Development Outreach, Winter 2002. World Bank Institute. http://www1.worldbank.org/

devoutreach/

275colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Election and independence

On August 30, 2001 East Timor held an election for a Constituent Assembly.

Sixteen political parties registered for the campaign. While five of these parties

were formed in 1974-75, the eleven others had for the most part become

established in 2000 or even 2001. In the end, FRETILIN won 55 of the 88 seats,

short of the two-thirds majority required to ratify the Constitution without the

support of other parties.

In January 2002 the Constituent Assembly produced a Draft Constitution,

consisting of 151 articles, of which 35,000 copies were distributed to various civil

groups for review. The Constitution was finally adopted, after a number of

amendments, in March 2002. The Constitution located executive power in the

Prime Minister and Cabinet, and not in the presidency, reflecting FRETILIN’s

calculation that Xanana Gusmão would win a presidential election.97 Portuguese

and Tetun were designated the two official languages, but the constitution also

recognises English and Bahasa Indonesia as “working languages”. Another

milestone in East Timor’s process towards independence was reached on April

14, 2002, when Xanana Gusmão was elected President for a five-year period,

winning 82.7% of the votes.

The Constituent Assembly transformed itself into a National Parliament on

May 20, 2002 and a new government was sworn in. East Timor was formally

declared an independent nation one day after, on May 21, 2002.

Tying things up

With that, let us go back and cast an analytical look at the last half millennium

of East Timor’s history. When Francisco Fernandes established the first permanent

foreign presence on Timor island, its native society could certainly be described

97 Dennis Shoesmith, ´Timor Leste. Divided. Leadership in a Semi-Presidential System‘. In Asian

Survey, 43:2, pp. 231-252. Berkeley: University of California Press, 2003, p. 244.

276 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

with the sociological term Gemeinschaft; i.e. it was a pre-modern society

characterised by warm, friendly social relations and a high level of co-operative

spirit within the group. As indicated earlier, this was also a society in which head-

-hunting was not considered bad manners. In Gemeinschaft you unquestionably

love and trust your family, your next door neighbours, your clan, but you distrust,

hate and/or fear others who occupy the ´foreign‘ realms beyond the limited

confines of your clan and your village.

Tradition and collectivity meant all; the questioning individual, i.e. the

archetypal, rational modern man, had no place here, indeed could not even have

existed here. Neither, consequently, could civil society as we know it, since this

presupposes, if Patrik Stålgren is right, autonomous individuals. The Timorese

were certainly not autonomous individuals when the foreign settlers arrived, but

this doesn´t mean that they lacked the ability to react collectively to changing

circumstances. Historian Terence Ranger has argued that, in relation to Africa, it

is difficult to understand the character of modern nationalist movements without

studying the ´primary resistance‘ movements which preceded them, that is to

say the pre-nationalist movements of opposition to conditions in particular

localities. The memories of suppression have a lasting impact in the areas in

which the primary resistance took place.98 In the case of East Timor, the rebellions

against the Portuguese presence were numerous, with the two most important,

in the sense of creating Ranger´s “memories of lasting impact,” the Dom

Boaventura-led rebellion in 1910-1912 and the 1959 uprising against the appalling

conditions under the local Portuguese administration.

The Boaventura war united for the first time a number of different ethno-

linguistic groups to act towards a common goal. It also united another group of

East Timorese peoples who were enrolled by the Portuguese to put down the

rebellion. The war had a twofold outcome; it made it possible for the Portuguese

to establish an administration all over the territory, and also led to the Timorese

distinction between the two categories of Kaladi and Firaku, westerners and

easterners, with certain stereotypes attached to them. The very moment in

98 Hill, op. cit., p. 52-53.

277colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

history that the population began to see themselves as either Kaladi or Firaku

was also the moment that they first had the possibility to see themselves as

Timorese,99 even though most did not as late as 1974/75 as I noted above. The

identification as either Kaladi or Firaku excluded Timorese peoples to the west of

the border with Dutch West Timor; this bipartite division is strictly an East

Timorese affair.

George Aditjondro has pointed out a misconception that often colours the

literature about East Timor. With authors who were sympathetic to the

independence struggle there has been a tendency to over-estimate the

uniqueness of the East Timorese cultures, which are claimed to be completely

different from Indonesian cultures, with Javanese culture often taken to be the

most representative.100 In the classic The Flow of Life, James Fox identifies of a

number of concepts employed by the various peoples of eastern Indonesia,

including the cosmological significance of the house and how the flow of

women is seen as constituting the flow of life. Indeed it is the ubiquity of this

concept throughout the area which provided the name for Fox’ book.101

Still, there is clearly also a collective ethnic element that is not dramatically

different from other areas in eastern Indonesia involved in the formation of East

Timorese nationalism. Portuguese colonialism – which influenced East Timorese

cultures to a certain extent, as described by Elizabeth Traube and Stephen Ranck

above – was initially geographically limited to the area under the sway of the

local kingdom Wehale, while today’s West Timor was dominated by the Atoni

kingdom.102 Observations of an ethnic heritage, however, only leads us a part of

99 Ronald Daus has described a situation where the population of the neighbouring island of

Flores, consisting of seven different ethno-linguistic groups, saw the territory as made up of a

number of isolated spots, while most of the languages were even lacking a word for the whole

island. Ronald Daus, (1989): Portuguese Eurasian Communities in Southeast Asia. Singapore: Local

History and Memoirs, No.7, Institute of Southeast Asian Studies, 1989, p. 47.100 George Aditjondro, East Timor. An Indonesian Intellectual Speaks Out. Melbourne: ACFOA,

Development Dossier No. 33, 1996, p. 25.101 James Fox (ed.), The Flow of Life. Essays on Eastern Indonesia. Cambridge, Massachusetts, and

London, England: Harvard University Press, 1980.102 Jannisa, op. cit., p. 50.

278 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

the way to understanding East Timor’s nationalism, and the same goes for the

widespread use of the two concepts Kaladi and Firaku.103

I argue that the Kaladi/Firaku division was a way of mentally arranging a

colonial/historical reality that fit in with ‘the pervasiveness of the dyadic structures

in all areas of Timorese social life.’ Even so, with the creation of Kaladi and Firaku

we still have not arrived at an ethnie in the sense which Anthony Smith employs

the word. One missing element is solidarity, which at this point exists within the

two groupings but not between them. It took another foreign intruder to create

the conditions that would eventually result in the end of hostile feelings between

the indigenous population in Portuguese Timor as symbolised by the terms

Kaladi and Firaku.

Through what Benedict Anderson calls journeys to the centre,104 a small

number of native elite and Mestizo youth made their ´pilgrimages‘ to centres of

learning in the administrative centres, such as the school at Soibada and the

Jesuit-run Seminary at Dare. From the mid-twentieth century a few even went to

Portugal to study at universities. At all these places they met their fellow ´bilingual

intellectuals,´ as Anderson calls these young men (almost invariably they were

men) who gathered from near and afar to learn to become good colonial citizens.

The irony was that at least some of them became citizens of quite a different

creed. They learned, for one thing, that the outside world saw them as ´East

Timorese‘, not as Macassai, not as Galoli, not as Mambai, and not even as Kaladi

or Firaku, and they learned to apply the same view towards themselves. The

difference, vis-à-vis the view of the colonial system, was that they were unhappy

about their position as second-class citizens within somebody else´s empire, and

that they decided to do something about it. An ´imagined community‘ was born;

the somewhat abstract concepts Kaladi and Firaku began to meld together as

two parts of one greater, and decidely abstract, entity ´we East Timorese.‘ The

103 According to Patsy Thatcher (personal communication in May 1995, and then again in May

2005!), East Timorese – even in exile – when they meet introduce themselves first with their surname,

secondly as Kaladi or Firaku, and thirdly through their Uma Lulik, the House alluded to in this text.104 Benedict Anderson, Imagined Communities. London, New York: Verso, 1991.

279colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

common effort in assisting the Australian soldiers in their guerrilla war against

the Japanese and the common suffering under the Japanese, an enemy which

was infinitely more oppressive than the Portuguese, further strengthened a

sense of unity and solidarity that reached over the boundaries of old stereotypes

and even older solidarities based on kinship and exchange.

The post-war period in East Timor saw the first inklings of an ‘imagined

community’ à la Benedict Anderson when (still unconfirmed) rumours of a

burgeoning independence movement first began to circulate in the early 1960s.

These followed an uprising in 1959 that forced the Portuguese to install in Timor

the PIDE, the hitherto absent secret police, as well to introduce schooling for

children other than those of local nobilities. The final years of Portuguese

domination in Timor is an almost too clear textbook case of Benedict Anderson’s

theories, in that we find here its main ingredients in neat order; the administrative

unit within which a sense of a common political destiny (independence following

the end of Portuguese colonialism) has evolved, and journeys to the centre (Dare,

Dili, Macau, Lisbon) which enhanced the awareness of the oppressiveness of the

system, often through contacts with other ‘bilingual intellectuals’ from Portugal’s

African colonies.

Thus, in 1974 there existed in Dili the embryo of ´modern man‘ and modern

East Timorese society, a break-away from the Gemeinschaft of traditional society

one might say. A small group of young people had entered into a new way of

thinking that was characterised by rationality and individualism, non-tradition-

alism and binds with other individuals that were different from the old particularistic

binds with ethno-linguistic groups or family alliances. As already mentioned, civil

society presupposes autonomous individuals, i.e. modern men (and women), so

once we have modern men in Dili can we also expect to find civil society? The

answer is yes, or at least the embryo of civil society; a number of the autonomous

individuals that Stålgren did not find in Lukume. However, I have also described

above how the FRETILIN cadres and the local populations acted a ‘clash of

paradigms’ (I borrow the term from Tanja Hohé, more of her usage of it below)

during the ‘conscientializing’ campaigns in 1974/75. It’s clear that the “East

Timorese people” simply did not see themselves as such, which the FRETILIN

280 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

activists certainly did. Beginning with the January 1975 coalition between UDT

and FRETILIN, however, there existed what Anthony Smith called the identifying

mark of an ethnie, i.e. a collective name. From then on the elite at least saw

themselves as belonging to East Timor, or Timor Leste, or Timor Loro Sae,

depending on the language in usage.

I will put forth the idea here that the ´modern‘ and ´traditional´ levels of East

Timorese society did not really conjoin in real terms until the early 1980s, when

the Xanana-led FALINTIL first asked the population whether they should conti-

nue fighting and then subsequently changed the direction of the resistance

struggle away from the level of military logic towards a struggle that actively

involved all strata of society. When the katuas, the elders, along with the great

majority of the population, decided in 1981 to support Xanana and FALINTIL,

they were simultaneously subscribing to the abstract idea of East Timor, an

imagined community in Benedict Anderson´s words. By then, traditional social

relations hade been disrupted by the war and the occupation, and local culture

was disintegrating.105 Fighting back was one way of reaffirming the East Timorese

identity against the invaders; joining the Catholic Church was another.

The (largely symbolic) military struggle and the wholly symbolic religious

struggle combined forces that drew upon clearly established cooperation between

all levels of East Timorese society.106 This cooperation was deepened and stabilized

during the cease-fire in 1983, which made it possible to connect various

geographic areas and different levels of the resistance with one another. This

period was, I argue, when East Timorese civil society developed beyond the

embryonic level!

By the second half of the 1980s the effects of the involvement of practically

the whole population in the struggle for self-determination and the dramatically

increased number of people who decided to join the Catholic Church were

clearly visible. As mentioned earlier, the Timorese distinguish between spiritual

105 Boavida, op. cit., p. 4.106 This combination also fitted in nicely with the traditional division between spiritual authority

and political power.

281colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

authority and political power. Political power was clearly in the hands of the

Indonesians, but spiritual authority was now equally clearly vested in the Catholic

Church. This authority now provided the basis for the development of a common

purpose and a cohesive civil society.107

A young generation of East Timorese Catholics became more and more

prominent in the struggle, as witnessed by the demonstrations during the

Pope´s visit to Dili in 1989 and, above all, particularly in the eyes of the outside

world, during the tragic event called The Santa Cruz massacre on November 12,

1991. This occurred in spite of the developments that the province Timor Timur

underwent during the Indonesian occupation. There is, however, an ironic logic

of colonialism. The means by which the oppressor tries to win ´the hearts and

minds‘ of the oppressed also make the oppressed aware of being a creature

essentially different from the oppressor. Paradoxically, consciousness of being

East Timorese spread rapidly after the early 1980s precisely because of the state´s

expansion through new schools and development projects.108 One consequence

of this expansion was that young Timorese gained access to yet another language,

Bahasa Indonesia, thereby increasing their abilities to communicate with other

Timorese as well the outside world. Benedict Anderson notes that for young

Indonesian intellectuals at the turn of the century, the Dutch language “performed

the absolutely essential function of getting natives out of the prison of local

ethnic languges.”109 In East Timor, Bahasa had a similar function. While Anderson

concedes that Indonesian is not the language of internal solidarity among the

East Timorese, he stresses that it is one of the important languages in providing

access to modern life.110

107 James J. Fox, ‘Tracing the Path, Recounting the Past: Historical Perspectives on Timor.´ In

James J. Fox & Dionisio Babo Soares (eds), Out of the Ashes. Destruction and Reconstruction of East

Timor. Adelaide: Crawford House Publishing, 2000, p. 26.108 Benedict Anderson, ´Imagining East Timor.‘ In Arena Magazine, No 17, January/February

1994. Fitsroy, Australia: Arena Printing and Publishing Pty Ltd., 1994, p. 35.109 Anderson, op. cit.110 Again the women – as under the Portuguese administration and in traditional society – were

mostly kept outside of whatever positive developments took place. Although women now to some

282 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

The resistance from the early 1980s onward was not (exclusively) based on

ethno-linguistic affiliations or family alliances, it had nothing to do with business,

and it was certainly not state-organized. With these negations I want to make

clear that by this point resistance was, as it had been during a large part of the

1980s, based on civil society. What Anthony Giddens calls “an environment of

trust”, with personal relations based not on common blood but on abstract ideas

about a common goal, was now clearly in evidence. Patsy Thatcher has described

the horrified reactions, both in Timor and in Australia, in the early 1990s when

the East Timorese realized that young Timorese (the Ninja gangs) were deliberately

seeking out and harming other Timorese. “If we can´t trust each other, who can

we trust” was a phrase she heard many times during this period.111 This reaction

to a breach of trust between East Timorese with various ethnic backgrounds

indicates how far the development towards modern, abstract Gesellschaft relations

between ´autonomous individuals` had reached by this point. It was now taken

for granted that, unlike in traditional society, total strangers from different areas

of East Timor should be able to work together for a common goal in total trust of

each other.112

In other words, Anthony Smith’s ‘active solidarity in times of stress and

danger’ had taken precedence over other loyalties. Active solidarity is in my

opinion the factor which, at one point in history, forces colonisers to install the

degree had access to education, their level of participations was considerably lower than that of

men, and also lower than women in other parts of Indonesia. Almost two-thirds of women of child-

-bearing age had no schooling in the last decade of Indonesian rule, compared to 39.6% in Irian Jaya

and 15.2% in Indonesia in general. For those East Timorese women who attended school, the

median duration of attendance was less than a year. Only 54.7% of the women of Timor Timur were

able to speak Bahasa Indonesia. Miranda Sissons, From One Day to Another: Violations of Women´s

Reproductive and Sexual Rights in East Timor. Fitzroy, Victoria: The East Timor Human Rights Centre

Incorporated, 1997, p. 8.111 Thatcher, op. cit., p. 211.112 If I have left the reader with an impression that I think that the East Timorese ought to give

up their old traditions, i.e. the old Gemeinschaft-based society for a new order based on rationality

and cold calculations – Gesellschaft – I must correct that impression. The trick is, of course, to avoid

the pitfalls of both traditional and modern society, while retaining or accepting the best from both.

I have NO suggestions as to how this should be implemented!

283colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

administrative precautions which form the framework in which imagined

communities might evolve. At a later stage this factor led the ‘imagined community

members’ to carry out a struggle for self-determination against foreign

domination. At the first of these two points we find ‘primary resistance movements’

(Dom Boaventura), and at the second we have a modern nationalist movement

(FRETILIN/CNRT) that has evolved inside the territorial borders and administrative

constraints imposed by colonialists and which aims to take the imagined

community from the visions of individuals into the realm of world politics in

order to achieve self-determination.

Some concluding remarks

And this they did! Some three years down the road from independence, East

Timor is a partial success story. It has a functioning democratic government, an

emerging set of laws and institutions,and the peace and stability that have made

these gains possible.

On the other hand, the country suffers from a shortage of educated and

qualified people and, as we have seen, the lack of a democratic tradition. The

fragility of its institutions and the potential for instability from across the border

in Indonesia obviously present great problems. The country’s judicial system is

seen as the United Nations’ major failure in their efforts to help establish

governmental institutions. The police force is another weak spot, criticized by

human rights groups for brutality, excessive use of force, and lack of discipline.

Nearly half of the population is unemployed and more than half is illiterate.

The infant mortality rate is one of the highest in the world, while its life expectancy

rate is one of the lowest. Many schoolhouses are in ruins, with too few teachers

and almost no books. The country is ravaged by diseases like malaria, tuberculosis

and dengue fever, and its health system is barely functioning.

Close to half the population lives on less than 55 cents a day, and there are

times when regions of the country have nothing to eat. The lack of a solid legal

foundation has slowed efforts to attract foreign investors, as have the high costs

284 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

associated with its poor infrastructure. In the wake of the destruction in 1999

there are widespread land disputes, as not only houses but also documents of

ownership were destroyed by fire.

In such a situation, there is a stark possibility of a corrosion of the “abstract”

trust that was built up under the many years of resistance towards Portuguese

colonialism and Indonesian occupation. The achievements made during the two

and a half years of UN administration and the subsequent rule by the East

Timorese themselves are confronted by factors including the lessening of outside

threats, a failed economy, and alternative political solutions, notably a return to

ethnic, traditional affiliations. In my view, this can only be dealt with by a state

which is truly democratic in its intents. This means that the elite which is now

running the country has to adhere to different principles than the previous elites;

greed, corruption and nepotism may easily corrode the trust that has been built

during the struggle for independence.

The central idea of the democratic state is that it functions as an entity in

which the population participates. As described herein, the local/traditional East

Timorese political system was based on quite contradictory principles, above all

ancestral legitimacy. “Inwards” ritual life was considered superior to “outwards”

political life. This leads us to what Tanja Hohe calls the clash of paradigms. The

traditional paradigms were questioned by the Portuguese-educated elite, people

in the diaspora, and those who had been educated under the Indonesian system,

and they are now running the country according to liberal principles of western

democracy (not that I believe that these principles are always lived up to in the

Western world. The East Timorese know this better than most!). In the rural areas,

where the majority of the population lived – and lives! – local systems are still

strong. Their hierarchical nature contradicts profoundly with the set-up of a

democratic state, which is based on the notion of equality.

As Tanja Hohé points out, local systems have proven their effectiveness over

time, providing a “people’s paradigm,” a way to order and categorize life. If the

population is to participate in the state (if East Timor is to have a democratic

future) social changes must occur, and the puzzle of how to overcome

paradigmatic differences in terms of local governance must be solved. To achieve

285colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

this, Hohé believes, as do I, it is important to let traditional society slowly

transform into a state system.113

So far, what I have written seems to indicate an easy solution to this

problem. Supporting civil society is the equivalent of using a magic wand to

pull a rabbit (i.e. democracy and development) out of a hat. Unfortunately, real

life is more complicated. The Swedish Political Scientist Patrik Stålgren, for one,

strikes a cautious note in his 1997 study of the west Kenyan village Lukume.

Stålgren´s research points out that in the case of Lukume, there was a marked

discrepancy between the theoretically-based expectations and the empirical

facts. His thesis shows that there is an incompatibility between the Western

notion of ‘civil society‘ and basic structures in a society such as Lukume. This, in

turn, points towards the risks in using the term civil society in the debate on

development theory, since it may lead to expectations of a development scenario

that is not based on existing social structures in what he terms a society bent on

collectivism.

Stålgren stresses that “civil society is formed by… a co-operation by autonom-

ous individuals: civil society pre-supposes autonomous individuals”114 (my

translation). In a society bent on collectivism, on the other hand, “the individual

has no autonomous existence, but is integrated into an ´ontological hierarchy`

which is his effective universe.”115 In this setting, a collectively oriented

organization will have as it first priority to support the interests of the local

group, interests that may have implications of a segregated society and opposition

to democracy.116 This also has implications for the state level, where representatives

from local, collectively directed societies form a state apparatus that is also

collectively directed, i.e. supportive of specific collectivity-based loyalties.

113 Hohé, op. cit., pp. 584-587.114 Patrik Stålgren (1997): Begreppet “civilt samhälle” i två olika samhällen – en analys av

möjligheterna till begreppsuniversalism (The Concept of ”Civil Society” – An Analysis of the Possibilities

for Universal Concepts.). Unpublished Master Thesis, Statsvetenskapliga Institutionen, Göteborgs

Universitet, 1997, p. 26.115 Kajsa Ekholm Friedman, quoted in Stålgren, op. cit., p. 38.116 Stålgren, op. cit., p. 66.

286 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Autonomous individuals, on the other hand, form a universalistic state, a

state that acts in accordance with formal rules, such as laws and administrative

regulations. I have argued that autonomous individuals, necessary for both

nationalism of the revolutionary/democratic kind and democracy, come out of a

vigorous civil society, and that civil society is only possible after a break with the

past, or at least after a break with some of the socially limiting traditions of

Gemeinschaft society. This clearly poses a dilemma of some magnitude, as this

very past has proved to be resilient against invaders and occupiers and made it

possible to have a free nation in the first place.

Swedish author Anders Ehnmark, in a study of Nicoló Machiavelli, writes that

“Machiavelli’s relevance today lies in that he … takes stock of two completely

different political undertakings, often mixed up … and always with a catastrophic

result; namely liberation and freedom.”117 According to Ehnmark, Machiavelli saw

politics as divided into two phases; first to gain power, and then to stay in power.

You cannot liberate yourself without gaining power; on the other hand you

cannot take power without becoming its prisoner.

The political undertaking of how to handle freedom is now the problem

which faces the powers of East Timor. One pitfall to avoid, if Ehnmark is right, is

to become prisoner to power; in this case the risk of creating a FRETILIN one-

-party state. This sort of thing has happened before elsewhere, so I do not rule it

out as a theoretical impossibility. Another risk is, of course, economic collapse

and epidemic unemployment in the modern sector of society, and the return,

where possible, to subsistence agriculture and (exclusively) clan-based politics.

This variety also has precedents.

Still, this whole article is really an argument against such glum perspectives.

East Timor has twice experienced occupiers leave the territory. There are positive

differences between now, though, and the occasion of the Portuguese withdrawal.

One of those, if I am right, is the existence of an East Timorese civil society. There

are many civil society organisations in East Timor today, mostly community-

117 Anders Ehnmark, Maktens Hemligheter (The Secrets of Power). Stockholm: Norstedts, 1986,

p. x (my translation, G.J.)

287colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

-based organisations that worked underground during the Indonesian occupation.

In 2000 an umbrella organisation for civil society organisations, the East Timor

NGO Forum, was formed, with a membership of 60 organisations. By mid-2001,

130 national and 73 international NGOs had registered at this Forum.118 One such

organization is La’o Hamutuk (The East Timor Institute for Reconstruction

Monitoring and Analysis), a non-partisan joint East Timorese-international

organization that seeks to monitor, analyze and to report on the physical and

social reconstruction of the country. Their specific aim is to “facilitate greater

levels of East Timorese participation in the reconstruction and development of

the country, improve communication between international institutions and

organizations and the various sectors of East Timorese society, and serve as a

resource center on development issues.” As described herein, the greater part of

the last century (and especially from the early 1980s onwards) witnessed the

development of ‘autonomous individuals’ in East Timor who were willing to

involve themselves for the good of interests broader, and certainly more abstract,

than those of their own extended family or ethno-linguistic group.

This involvement, perhaps more than the eventual flow of petro-dollars

from the former Timor Gap, may point towards hope for a bright future in East

Timor. Robert Putnam has shown that in Italy there is an obvious correlation

between the existence of a civil society and social and economic development.

And the opposite hold true! A lack of civil society leads to “… mutual distrust and

defection, vertical dependencies and exploitation, isolation and disorder,

criminality and backwardness … reinforcing one another in … interminable

vicious circles …”.119 As Putnam writes, “economics does not predict civics, but

civics does predict economics, better indeed than economics itself …. Civic

traditions have remarkable staying power … and may have powerful conse-

118 Bano, op. cit., p. 112. A list of East Timorese NGO´s can be found at http://www.geocities.com/

etngoforum/nngo.html.119 Putnam, op. cit., p. 182. This atmosphere of total mistrust outside the sphere of one’s family

alliances or local community, Swedish Sociologist Johan Asplund, op. cit, calls “the curse of

Gemeinschaft”.

288 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

quences for economic development and social welfare, as well as for institutional

performance.”120

There will be no quick fix, no easy way to solve the problems of East Timor,

be these problems economical or political. President Xanana Gusmão recently

made the following comments on the talks between East Timor and Australia to

finalize sea boundaries and a dispute about off-shore oil: “Why are we rushing?

Having billions of dollars to rest in the bank? We already have the institutions, but

we don’t yet have the people who can assure that we will stand on a culture of

transparency, a culture of effective handling of problems.”121 Likewise, Prime

Minister Mari Alkatiri expressed his opinion that if the pipeline for oil exploration

from the deep trench near East Timor does not come to Timor, but rather to

Darwin in Australia, there will be no exploration.122

These statements show an awareness that however tempting a quick

agreement that leads to an immediate inflow of money may be, this is no

substitute for a self-sufficient, self-sustaining economy.

Likewise, one can not expect fast progress towards liberal democracy and

the dismantling of hierarchical structures. As Robert Putnam found in Italy, “…

institutional history moves slowly (my italics). Where institution building (and not

mere constitution writing) is concerned, time is measured in decades.123 Or

maybe even centuries. Benjamin Barber writes that

120 Putnam, op. cit., p. 157.121 The NGO La’o Hamutuk, in co-operation with a number of other NGO’s, organized in January

2004 an exchange trip for delegates from East Timor and Nigeria to visit their respective countries

and learn from each other’s experiences. The Timorese delegates in Nigeria found that: “Firstly, for

the majority of the Nigerian people oil has become a source of curses and tragedies. The destruction

of the environment has resulted in worsening social conditions. To stem local unrest associated with

these worsening conditions the violence inflicted upon the local communities by the state apparatus

has become more brutal. Secondly,… the country has become even poorer than before … Thirdly,

the negative impact on the environment should be studied and avoided, so that farming and other

sources of livelihood remain possible. Fourthly, some of the oil and gas companies operating in

Nigeria are also operating in the Timor Sea. We can learn from the patterns of human rights

violations that were committed by them … and find a strategy to keep our rights.” The La’o Hamutuk

Bulletin Vol. 5, No. 3-4: October 2004 , Part 2 of 2.122 UNOTIL Daily Media Review Monday, 20 June 2005 www.timorseajustice.org123 Putnam, op. cit., p. 185.

289colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Democracies are built slowly, culture by culture, each with its own

strengths and needs, over centuries … Between Magna Carta´s first

assertion of rights by the English king´s vassals and the “Glorious

Revolution” of 1688 that ushered in the era of parliamentary supremacy,

stretched 450 long, war-filled years; and it would be 150 years more

before Parliament became even nominally “democratic.” Switzerlands

proto-democratic federal system took its first steps in 1291 but acquired

a fully democratic constitution … more than five hundred years later.

France initially experimented with aristocratic regional parliaments

hundreds of years before its revolution in 1789, and it required still

another century for something resembling a workable democratic

republic to come into being. In the 150 years between the foundings at

Jamestown and Plymouth Rock and the founding of the United States

of America in 1789, colonial Americans had a half dozen generations of

experience with royal charters, commonwealth government, town

meetings, and a frontier wilderness society that sharpened their sense

of autonomy and fashioned talents for selfgovernment that would we

indispensable to the working of the federal constitution. Moreover, it

took the young democratic republic another seventy-five years and a

bloody civil war to confront the issues of slavery and state sovereignty

left unresolved by the 1789 constitution.124

This may seem discouraging, but East Timor has started the journey towards

a democratic future.125 I have very little doubt that coming generations of East

Timorese will incorporate democratic institutions as part of their heritage, as

ancestrally legitimised one might say. The three ballots in East Timor under UN

supervision have so far showed a remarkable willingness of the population to

take an active and peaceful role in the shaping of their future. This massive

124 Barber, op. cit., pp. 278-279.125 The rest of the world can assist in this is not to by sending a bunch of sociologists – such

as Yours Truly – there to extol the virtues of civil society, but to apply political pressure on Australia

to agree to an equidistant line of demarcation between the two countries.

290 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

popular involvement simply did not exist before the Indonesian invasion.

Regarding the involvement during the struggle against foreign domination, I

refer back to Ernest Renan, and his vision of a nation as:

a great solidarity, constituted by the sentiment of the sacrifices that its

citizens have made, and of those that they feel prepared to make once

more… A nation’s existence is a daily plebiscite” (cf. p. 3 above).

The Timorese struggle against foreign domination was exactly that, a daily

plebiscite. As for an answer to Renan’s famous question, Qu’est-ce’qu úne Nation?,

I can find no better answer than, “Timor Leste,. Ceci est une nation!

291colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Timor-Leste é uma experiência única de construção de Estados e de nation-

-building. É a primeira vez que as Nações Unidas e a comunidade internacional

são chamadas a desempenhar um papel fundamental na fundação de um país1.

1. Introdução

O envolvimento da Organização das Nações Unidas na ‘Questão de Timor-

-Leste’ seguiu uma linha que passou pela autodeterminação/direitos humanos/

processo/afastamento no caso das Resoluções da ONU relativas a Timor-Leste2.

Parte da explicação para esta evolução encontra-se no facto de a “Indonésia ter

ao seu dispor um conjunto de conceitos jurídicos tão amplos que forneciam

justificações para as suas reivindicações em relação a Timor3.” No jogo de equilí-

brios e forças internacional, “o consenso gradual das potências em torno da

O papel das Nações Unidas na Construção de Estados –o caso de Timor-LesteMónica Ferro*

* Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.1 In www.un.org/Deps2 Num trabalho de referência sobre a autodeterminação, Paula Escarameia trata a evolução e

operacionalização do conceito, bem como dos vários problemas que a falta de uma definição

geralmente aceite do mesmo têm levantado em sede de descolonização e, actualmente, de garantia

dos direitos aos grupos nacionais privados do seu direito soberano de autodeterminação. A forma

como a autora enuncia as fases como as Nações Unidas trataram a “Questão de Timor-Leste” parece-

-nos capaz de abarcar todas essas limitações que a prática foi demonstrando. Cf. PAULA ESCARAMEIA,

“O que é a autodeterminação?”, Reflexões sobre Temas de Direito Internacional, Timor, a ONU e o

Tribunal Penal Internacional, Lisboa, ISCSP, 2001, p. 52.3 PAULA ESCARAMEIA, op. cit., p. 52

292 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

inacção [em relação à ‘questão de Timor-Leste’] derivou do interesse estratégico

de um país com a grandeza da Indonésia4.”

Mas Maio de 1999 foi o início do fim da indiferença e para os timorenses o

mês zero da construção do seu Estado independente. Os timorenses seriam,

finalmente, consultados sobre o seu destino e a comunidade internacional, via

Nações Unidas, não só fiscalizaria essa consulta como trataria da implementação

dos resultados da mesma5.

O resultado foi um clamor pela independência tão estrondoso que nem a

violência pós anúncio dos resultados conseguiu silenciar. O resultado foi, tam-

bém, uma operação de administração internacional (de governação directa) com

um grau de complexidade, de poder atribuído às Nações Unidas e de capacidade

de intervenção sem rivais, sem precedentes e sem manual de instruções. O

resultado foi a UNTAET – a Administração Transitória das Nações Unidas em

Timor-Leste – em que as Nações Unidas desempenharam um leque de compe-

tências cujo exercício, no sistema jurídico internacional contemporâneo, tinham

permanecido um exclusivo do Estado.

O recurso a estas operações foi aceite pelos Estados como um novíssimo

instrumento ao serviço da comunidade internacional, sobretudo para lidar

com reconstruções pós-conflito, reabilitação de Estados falhados e governação

de territórios disputados, mas que permanece por teorizar, por enquadrar

num quadro conceptual que permita uma resposta adequada da Organização

às potenciais solicitações para este tipo de envolvimento, uma adequação

das missões às tarefas essenciais para cada caso concreto, e, em última instância

uma avaliação de desempenhos e uma responsabilização dos agentes envol-

vidos.

4 ANTÓNIO MONTEIRO, “O Conselho de Segurança e a libertação de Timor-Leste,” in Negócios

Estrangeiros, Nº 1, Publicação semestral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Março 2001,

Lisboa, p. 7. (pp. 5-39). O ex-Embaixador de Portugal nas Nações Unidas caracteriza a situação de

Timor-Leste no contexto de um equilíbrio de blocos típico da guerra-fria. .

5 Ver, por exemplo, MÓNICA FERRO, As Administrações Transitórias Civis das Nações Unidas: a

construção de um Estado para Timor-Leste, dissertação de mestrado apresentada em 25 de Novem-

bro de 2004 no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.

293colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

A UNTAET é, de facto, o melhor caso de estudo de sempre e para estas

matérias. Nunca a ONU tinha exercido todos os poderes soberanos de um Estado

em construção e nunca um Administrador Transitório tinha estado investido de

tanta autoridade. Como alguns críticos caricaturaram a situação, a presença das

Nações Unidas em Timor-Leste em muito se assemelhava a um reinado6 e o

Representante Especial do Secretário-Geral e Administrador Transitório a um

monarca absolutista7.

2. Questão Prévia: O Enquadramento Normativo dasAdministrações Transitórias Civis

[No contexto actual,] o convencionado princípio da não intervenção nos

assuntos internos do estados, tem sido gradualmente mitigado pelo direito de

ingerência. O imperativo marcadamente humanitário que esteve na sua génese

e que actualmente o justifica, revela-se de consolidação e alargamento

tendenciais, transformando-se em dever tácito de intervenção, sempre que uma

coligação de grandes potências da comunidade internacional, encontre o con-

senso necessário sobre a inconveniência geoestratégica de um determinado

projecto político8.

O argumento humanitário foi, de facto, o usado para intervenções altamen-

te intrusivas, como as de Timor e do Kosovo, que definem o limite superior das

administrações internacionais de territórios.

Se é verdade que as intervenções no Kosovo e em Timor-Leste marcaram, e

marcam ainda, o debate, é verdade também que as operações em que a Organiza-

ção desempenhou competências estatais, substituindo-se ou emparelhando-se

6 Cf. JARAT CHOPRA, “The UN’s Kingdom of East Timor,” Survival, vol. 42, n.º 3, 2000, pp. 27-39.7 Cf. ASTRI SUHRKE, “Peace-keepers as Nation-builders: Dilemmas of the UN in East Timor,” In

International Peacekeeping, Vol. 8, n.º 4, 2002, (rascunho da autora, pp. 1-20).8 VICTOR MARQUES DOS SANTOS, Conhecimento e Mudança, Para uma Epistemologia da

Globalização, ISCSP, Lisboa, 2002, p. 74.

294 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

com o Estado na gestão quotidiana de um país, não são nem novas, nem totalmen-

te desprovidas de enquadramento normativo no seio das Nações Unidas.

O exercício das competências da Organização previstas nos regimes de

tutela e no aplicável aos territórios não-autónomos já implicavam o reconheci-

mento de um poder de administração internacional9 que era, no papel, menos

modesto do que o que foi na prática.

A visibilidade e o mediatismo que rodearam as operações no Kosovo e em

Timor-Leste, associadas às gravíssimas crises humanitárias vividas pelas popula-

ções locais, iludem o observador, levando-o a reduzir as operações de adminis-

tração internacionais a estas de governação directa que alguns classificam como

demasiado intrusivas para que possam ser aceites como norma, que alguns

classificam já como autocracias benevolentes10. Trata-se de uma manobra de

diversão que tem como objectivo final o impedir a consagração, a positivação

deste instrumento que poderá ser usado em graus de autoridade e de intromis-

são variáveis, e que a prática já demonstrou como essencial para lidar com os

Estados falhados, ou colapsados, ou mesmo para construir Estados.

2.1. Categorias de administração internacional

As administrações internacionais estendem-se por quatro grandes catego-

rias operacionais que vão desde a supervisão até à governação directa. Jarat

Chopra enuncia essas quatro categorias, a saber: assistência, parceria, controlo

9 Aqui convém referir o regime internacional de mandatos da Sociedade das Nações; a

Sociedade desempenhou outras competências de administração resultantes dos arranjos territoriais

europeus previstos no Tratado de Versalhes exercendo graus variáveis de supervisão sobre territó-

rios disputados: o Sarre, Danzing e a Alta Silésia; o primeiro disputado pela França e pela Alemanha

e os dois últimos entre a Alemanha e a Polónia.10 SIMON CHESTERMAN, Building Democracy through Benevolent Autocracy: Consultation and

Accountability in UN Transitional Administrations, comunicação apresentada ao “Civil Society

Partnerships for Democracy,” International Civil Society Forum 2003, Mongólia, 8-9 Setembro 2003,

rascunho do autor.

295colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

e governação. A autoridade exerce-se em grau crescente de autoridade e de

número de competências atribuídas à Organização/Organizações e vão desde a

assistência (a menos intrusiva) até à governação (que pode implicar a construção

de um novo Estado, como aconteceu em Timor-Leste).

A escalada do tipo de actividade incluía a assistência (assistance) a

autoridades locais fracas (como actualmente no Afeganistão), a parce-

ria (partnership) com um movimento de libertação nacional coerente

ou com a retirada de uma potência ocupante (como na Namíbia), e o

controlo (control) de facções divididas (como no Camboja). Uma cate-

goria final era a governação total (total governorship) mas temporária

de um território e da sua população. As ‘Administrações Transitórias’

aplicavam-se quando a estrutura política se desintegrara (em lugares

como a Somália), o soberano havia sido forçado a sair (como do Kosovo),

ou em que a potência ocupante transferira o território para outra

soberania (como aconteceu na Eslavónia Oriental ou no Corredor de

Brcko)11.

Se é o grau de autoridade de que cada operação está investida que nos

permite localizá-las neste eixo que vai desde a mera assistência/supervisão até à

governação directa, é com certeza o seu alcance em termos de acção/responsa-

bilidade que nos permite distinguir, pelo menos operacionalmente, estas opera-

ções das clássicas operações de manutenção da paz12.

11 JARAT CHOPRA, “Building State Failure in East Timor,” in Development and Change, Vol. 33, n.º

5, 2002, pp. 980-981. e IDEM, “Introducing Peace-Maintenance,” in JARAT CHOPRA (ed.), The Politics

of Peace-Maintenance, Lynne Rienner, Boulder, 1998.12 Apesar de termos optado por esta categorização, são possíveis outras como as de Michael

Doyle que considera haver quatro categorias do que ele chama ‘mecanismos ad hoc de semi-

-soberania’ (ad hoc semisovereign mechanisms) consoante o tipo de poder exercido: autoridade de

supervisão, autoridade executiva, autoridade administrativa e uma variada gama de operações de

monitorização. In MICHAEL W. DOYLE, “War-Making and Peace-Making: The United Nations’ Post-

-Cold War,” in CHESTER A. CROCKER, FEN OSLER HAMPSON e PAMELA AALL (eds.), Turbulent Peace: The

Challenges of Managing International Conflict, United States Institute of Peace Press, Washington,

296 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Trata-se, em síntese, de um mero quadro conceptual de referência que cria

uma tipologia, que traduz uma classificação das operações em função da auto-

ridade assumida pelas Nações Unidas no território. De facto, como já referimos

e como analisaremos adiante, em Timor e no Kosovo, as Nações Unidas assumi-

ram uma forma de administração de territórios que não conhecia precedentes;

porém, acordos semelhantes já haviam sido sugeridos para Estados falhados e

território disputados, tais como Jerusalém, Trieste, Cashemira, entre outros.

E, noutros casos, as Nações Unidas tinham já assumido competências sobe-

ranas; noutros, ainda, esse poder já havia sido exercido por Estados individual-

mente, como no caso da Alemanha e do Japão no pós II Guerra Mundial, pelos

Estados Unidos da América13.

2.2. A Administração Internacional de Territórios pelas Nações Uni-das – uma perspectiva de evolução

As Nações Unidas têm estado sempre envolvidas em administrações inter-

nacionais, pelas competências exercidas em sede de regime internacional de

2001, p. 529. É ainda de destacar a arrumação feita por Chesterman que analisa as operações de

administração em referência ao contexto político no qual terão que trabalhar. Assim, Chesterman

considera cinco categorias de cenários: (1) o acto final de descolonização que leva à independência;

(2) administração temporária do território enquanto se aguarda a transferência pacífica do controlo

para um governo existente; (3) administração temporária de um Estado enquanto se aguarda a

realização de eleições; (4) administração interina como parte de um processo de paz em curso sem

um estado final previsto; (5) administração de facto ou responsabilidade pela lei e ordem na ausência

de uma autoridade de governo. In SIMON CHESTERMAN, You, The People, The United Nations,

Transitional Administration, and State-Building, Oxford University Press, Oxford, 2004, p. 57.13 O envolvimento norte-americano no exercício de competências territoriais fora do seu

território nacional está detalhada e criticamente analisado em JAMES DOBBINS, [e tal.], America’s

Role in Nation-Building, From Germany to Iraq, RAND, Santa Mónica, 2003. Neste trabalho, Dobbins

define nation-building numa asserção distinta da que usamos; para ele nation-buiding é o uso da

força armada no pós-conflito para garantir a transição para a democracia. Dobbin acredita, também

que o nation-building é uma responsabilidade inescapável da única superpotência mundial, in

JAMES DOBBINS, “Nation-Building, The Inescapable Responsability of the World’s Only Superpower,”

In RAND Review, Verão 2003, p. 17-27, www.rand.org

297colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

tutela e pela monitorização/acompanhamento de processos de autodetermina-

ção, mas também através dos mandatos cada vez mais multidimensionais e

complexos das operações de paz e, ainda, pelo trabalho desenvolvido no campo

da assistência eleitoral.

Mas as administrações transitórias vão muito para além destas operações. E,

paradoxalmente, não há um enquadramento específico na Carta, não há uma

estrutura burocrática específica comparável ao Departamento de Assuntos Polí-

ticos (DAP) ou ao Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DOMP),

sendo que as administrações transitórias têm sido planeadas por um ou por

outro dos Departamentos ou, então, por um e depois pelo outro (como foi o caso

de Timor-Leste), sem que a comunicação inter-departamental esteja sequer

assegurada.

Apesar de não haver referências explícitas às administrações transitórias,

existem pistas para as mesmas na Carta e em textos sequentes. Assim, além das

raízes que as administrações transitórias mergulham no Regime Internacional de

Tutela, desde logo pela previsão de poder ser a Organização a autoridade

administrante14, existem várias manifestações de uma apetência para o exercício

dessas competências pela Organização das Nações Unidas.

Na Agenda para a Paz do ex-Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali há uma

clara referência a tarefas que se incluem no nosso conceito de administração

transitória, quando se lê que nas novas operações de consolidação da paz (peace-

-building) terá que ser incluída a reconstrução das instituições e das infra-estruturas

das nações destruídas15.

Ideia que é reiterada pelo ex-Secretário Geral num suplemento mais conser-

vador à sua optimista Agenda: o Suplemento à Agenda para a Paz. Neste, Boutros-

-Ghali alerta para um novo tipo de conflito, que não os clássicos conflitos

internacionais: os conflitos interestaduais, que com frequência implicam o colap-

so das instituições do Estado “especialmente da polícia e do judiciário.” Assim, as

14 Artigo 81 da Carta, onde se lê que a autoridade administrante poderá ser um ou mais Estados

ou a própria Organização.15 A/47/277 – S/24111, 17 de Junho de 1992, An Agenda for Peace, Preventive diplomacy,

peacemaking and peace-keeping, parágrafo 15.

298 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

novas operações de paz incluem, além das tarefas tradicionais, a promoção da

reconciliação nacional e o restabelecimento de um governo efectivo, bem como a

criação das estruturas para a institucionalização da paz16. Essas estruturas são as

instituições democráticas do Estado. Apesar do reconhecimento destas novas

necessidades prática, o ex-Secretário Geral deixa um aviso: [a]s Nações Unidas

resistem, por boas razões, em assumirem a responsabilidade pela manutenção da lei

e da ordem, nem podem impor uma nova estrutura política ou novas instituições

estatais17.

Em 2000 finalmente a questão é tratada de forma directa, e problematizada,

no Relatório do Painel de Peritos reunidos para analisar as operações de manuten-

ção de paz das Nações Unidas, o Relatório Brahimi18. Num Capítulo dedicado aos

desafios colocados à Organização pelas Operações de Administração Civil Transi-

tória, Brahimi, após destacar que as novas operações de administração transitória

civil enfrentam desafios e responsabilidades que são únicos entre as operações

de campo das Nações Unidas, caracteriza a enormidade dessas nova tarefas.

Nenhuma outra operação tem que criar e aplicar a lei, estabelecer serviços

e regulamentos alfandegários, determinar e recolher os impostos pessoais

e colectivos, atrair o investimento estrangeiro, adjudicar as disputas de

propriedade e as indemnizações pelos danos de guerra, reconstruir e fazer

funcionar todos os serviços públicos, criar um sistema bancário, adminis-

trar escolas e pagar aos professores e recolher o lixo – numa sociedade

destruída pela guerra, recorrendo a contribuições voluntárias, pois o orça-

mento atribuído à missão, mesmo nas ‘administrações transitórias’, não

16 A/50/60 – S/1995/1, 3 de Janeiro de 1995, Supplement to An Agenda for Peace: Position Paper

of the Secretary-General on the Occasion of the Fiftieth Anniversary of the United Nations, parágrafo 49.

Neste Suplemento, Boutros-Ghali abre um dos debates que mais tem marcado a actuação das

administrações transitórias: o problema do consentimento, do não tentar estabelecer instituições

estatais onde os combatentes não as queiram (parágrafos 13-14).17 Supplement to An Agenda for Peace…, op. cit., para. 14.18 A/55/305–S/2000/809, Comprehensive review of the whole question of peacekeeping operations

in all their aspects. Lakhdar Brahimi era o presidente do Painel; motivo pelo qual o relatório se

popularizou Relatório Brahimi.

299colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

financia a administração local. Além destas tarefas, estas missões têm,

também, que tentar reconstruir a sociedade civil e promover o respeito

pelos direitos humanos, em lugares onde o ódio é generalizado e os ranco-

res profundos19.

O ponto mais controverso é, desde logo, a questão da legitimidade que o

Relatório levanta ao perguntar se as Nações Unidas deveriam de todo desempe-

nhar estas tarefas, e se ao fazê-lo elas deveriam ser consideradas um elemento

das operações de paz ou deveriam ser geridas por qualquer outra estrutura20.

Embora apenas em 2000 um Relatório tenha vindo destacar os pontos em

aberto na questão do exercício destas competências, as Nações Unidas, como já

dissemos, têm, em outras ocasiões, desempenhado competências estatais, por

certo menos complexas e menos formidáveis que as do Kosovo ou de Timor-

-Leste, mas, contudo, assinaláveis. Desde 1962, desde a Autoridade Executiva

Temporária das Nações Unidas (UNTEA) na Nova Papua Ocidental (Irian Jaya), as

Nações Unidas têm desempenhado missões de administração internacional tran-

sitória embora sem que tenham sido conferidos ao Administrador Transitório

todos os poderes legislativos, executivos, e de aplicação da justiça, bem como

todos os outros poderes necessários à execução das suas tarefas, como o foram

no caso singular de Sérgio Vieira de Mello, o Administrador Transitório de Timor-

-Leste21. Assim, desde a década de 1960 que as Nações Unidas executam opera-

19 A/55/305 – S/2000/809, Relatório Brahimi, Capítulo H, parágrafos – 76-83, pp. 13-1420 Não deixa de ser curioso que, no Relatório de resposta do Secretário-Geral ao Relatório

Brahimi, esta questão não tenha sido alvo de qualquer recomendação, nem de ponderação, como

se a legitimidade destas novíssimas operações fosse inquestionável.21 Para trabalhos exploratórios sobre as Administrações Transitórias Civis das Nações Unidas

ver MANUEL DE ALMEIDA RIBEIRO, MÓNICA FERRO, A Organização das Nações Unidas, 2.ª ed.,

Coimbra, Almedina, 2004, pp. 185-202; MÓNICA FERRO, “A Administração internacional de territó-

rios,” in António Marques Bessa, Nuno Canas Mendes, Pedro Conceição Parreira e Mónica Ferro

(coords.), Timor-Leste em Transição: ensaios sobre administração pública e local, Fundação para a

Ciência e Tecnologia, Instituto do Oriente e ISCSP, Lisboa, 2004; MÓNICA FERRO, “As Administrações

Transitórias das Nações Unidas. O caso da construção do Estado de Timor Leste,” Revista de Institui-

ções Internacionais e Comunitárias, n.º 4, Lisboa e Coimbra, Centro de Instituições Internacionais do

ISCSP e Livraria Almedina, 2002.

300 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

ções de administração transitória civil sem que para tal exista um mandato

institucional claro e meios de intervenção adequados22.

Sem ignorar a falta de um enquadramento específico na Carta das Nações

Unidas – reiteramos que a expressão administração transitória nunca aparece

no texto fundador da ONU – a Organização desempenhou competências de

administração em matéria de tutela, como já referimos, e elaborou um direito

derivado que frequentemente acarreta uma dicotomia (senão mesmo contradi-

ção aberta) com os objectivos e reservas enunciados na Carta, mostrando que a

mudança na comunidade internacional se faz a um ritmo mais acelerado que a

da mudança institucional23.

E é na actuação das Nações Unidas, no seu direito derivado e na evolução

qualitativa registada nos mandatos atribuídos às operações que vamos encon-

trar vestígios de administração internacional, alguns com elementos já de admi-

nistração/governação directa.

Regressando à definição de administração transitória que adoptámos logo

no início, são já várias as operações em que as Nações Unidas desempenharam

esse tipo de competências; é inclusive curioso registar que a primeira operação

elencada tenha decorrido no território da Indonésia, tal como a mais completa

de todas: a UNTAET em Timor-Leste.

Não é possível estabelecer rigorosamente uma tabela tipificadora dos pode-

res de um Estado, até porque “no actual contexto internacional, a maioria dos

Estados não são Estados que atinjam os requisitos mínimos de qualquer teoria

do Estado24.” Contudo, são identificáveis, com base na prática dos Estados, um

conjunto de competências que, tradicionalmente, no sistema jurídico interna-

cional contemporâneo têm sido exclusivas do Estado: a responsabilidade primei-

22 O Relatório Brahimi também chama a atenção para esta inexistência e aponta-a como uma

falha.23 Paula Escarameia tem tratado este tema da mudança de paradigma na comunidade interna-

cional e dos seus reflexos na estrutura do direito internacional e no Sistema das Nações Unidas. Para

saber mais, ver, por exemplo, PAULA ESCARAMEIA, ‘Que Direito Internacional Público temos nos

nossos dias?’, in, O Direito Internacional Público nos Princípios do Século XXI, Almedina, Coimbra, 2003.24 JOSÉ ADELINO MALTEZ, Curso de Relações Internacionais, Principia, Lisboa, 2002, p. 242.

301colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

ra pelas tarefas de polícia, a responsabilidade primeira pela realização de referen-

dos/consultas populares, a responsabilidade primeira pela realização de eleições,

o exercício do poder legislativo, o exercício de poder executivo, do poder judicial

e, ainda, o poder de celebrar tratados.

O quadro seguinte pretende ilustrar quais os territórios, as missões das

Nações Unidas e que tipo de poderes soberanos foram exercidos em cada

caso. Se analisarmos atentamente e somarmos, por exemplo, as competências

exercidas em Timor-Leste pela UNAMET e pela UNTAET, veremos que todas as

tradicionais competências reservadas ao governo foram exercidas pelas Nações

Unidas.

Território Missão Data Responsab. Responsab. Responsab. Poder Poder Poder Celebrarprimeira p/ primeira p/ primeira p/ Executivo Legislativo Judicial Tratados

policiamento referendo Eleições

PapuaOcidental UNTEA 1962-1963 • Regionais • Limitado

Namíbia UNTAG 1989-90 •

SaaraOcidental MINURSO 1991-? •

Camboja UNTAC 1992-93 • Quandonecessário

Somália UNOSOM II 1993-95 Contestado

Croácia UNTAES 1996-98 •

Timor-Leste UNAMET 1999 •

Kosovo UNMIK 1999-? • • • •

Timor-Leste UNTAET 1999-2002 • • • • • •

Fonte: SIMON CHESTERMAN, East Timor in Transition: From Conflict Prevention to State-Building, Report to the

Program on Transitional Administrations of the International Peace Academy, in www.ipacedemy.org.

Por certo que cada operação executa apenas o seu mandato (o cumprimen-

to do mandato, que deverá ser claro e exequível, é a regra de ouro das operações

de paz) e ele será tão mais amplo, quanto mais perto da governação directa a

missão estiver. Assim, no limite (pois tomámos como referência a mais complexa

das operações de administração da ONU), as administrações transitórias têm um

leque de competências vasto que Brahimi enunciou ao descrever as administra-

ções transitórias civis das Nações Unidas e que coincide, grosso modo, com o

302 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

mandato da UNTAET25: a) Estabelecer e manter a lei e a segurança interna; b)

Estabelecer uma administração efectiva; c) Apoiar o desenvolvimento de uma

função pública e garantir os serviços públicos básicos; d) Prestar assistência

humanitária de emergência, garantir a sua coordenação; e) Apoiar a construção

de capacidades locais para governo próprio (onde estão incluídas a realização de

eleições livres e justas para essas capacidades e a construção de uma sociedade

civil forte); f ) Assistir ao estabelecimento das condições essenciais a um desen-

volvimento sustentável (que também passa pela reconstrução económica).

3. Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste –(UNTAET)

A Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste é considera-

da um excelente estudo de casos (senão o melhor) para as missões de adminis-

tração internacional (de governação directa) e mesmo para as de construção de

Estados. De facto, logo em Fevereiro de 2000 – dois meses apenas depois do

início da instalação da UNTAET – o embaixador britânico afirmava ao Conselho

de Segurança que a missão talvez pudesse ser um modelo para futuras missões

de construção de Estados (nationbuilding missions26) pelas Nações Unidas27.

25 S/RES/1272 (1999), 25 de Outubro de 1999 – Resolução do Conselho de Segurança que

estabelece a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste.

RICHARD CAPLAN identifica seis categorias principais de funções a serem desempenhadas pelas

administrações internacionais: i) Estabelecer e manter a ordem pública e a segurança interna, incluindo

a protecção dos direitos humanos; ii) Prestar assistência humanitária; iii) Reinstalar refugiados e

pessoas internamente deslocadas; iv) Desempenhar serviços administrativos civis essenciais; v) Desen-

volver instituições políticas locais, incluindo a realização de eleições para essas instituições, e construir

uma sociedade civil; vi) Reconstrução económica. In RICHARD CAPLAN, op. cit., p. 30. São, como

podemos verificar, em tudo equivalentes às competências definidas na Resolução 1272 (1999).26 Embora a expressão empregue em língua inglesa seja a de construção de nações, não

tratamos desse tema neste nosso trabalho. De facto, interessa-nos apenas o envolvimento das

organizações internacionais, maxime das Nações Unidas, na administração internacional de territó-

rios que, em alguns casos, chega à construção de Estados. Sobre a construção da nação timorense

303colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Pela sua Resolução 1272 (25 de Outubro de 1999), o Conselho de Segurança

fez história: criou a operação que iria reconstruir e preparar a independência do

Estado de Timor-Leste e estabeleceu uma operação sem par: a Administração

Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste.

A UNTAET de facto não conhece precedentes. Tal como nos diz Vieira de

Mello, pela resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, a UNTAET está investida

com todos os poderes em Timor-Leste28. E, acrescenta, que lamentavelmente não

vinha com um manual de instruções29. Assim, a UNTAET teve que cumprir todas as

tarefas que Brahimi destacou, mais as que foram sendo necessárias para pôr em

funcionamento um Estado que tinha sido, sistemática e eficientemente, destruído

após o anúncio, em Setembro de 1999, dos resultados da consulta popular

conduzida pela UNAMET em Timor-Leste; isto depois de anos de negligência.

3.1. Mandato e Componentes da UNTAET

O mandato desenhado pelo Conselho de Segurança é amplo: afirmando

que a manutenção da actual situação em Timor-Leste constitui uma ameaça à paz

e segurança, agindo de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas,

decide estabelecer, em conformidade com o relatório do Secretário-Geral, uma

Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET), que será

investida com a responsabilidade geral pela administração de Timor-Leste e terá

ver: ARMANDO MARQUES GUEDES, “Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia,” Lusotopie

2001, Karthala, Paris, 2001, pp. 315-327; e ARMANDO MARQUES GUEDES, “Wanders and Wonders.

Musing over nationalism and identity in the state of East Timor,” in GRAÇA ALMEIDA RODRIGUES e

HEATHER WHARTON, Nationbuilding in East Timor, Canadian Peacekeeping Press, 2002, pp. 1-20.27 UN doc. 5C/6799/3, Fevereiro de 2000.28 SERGIO VIEIRA DE MELLO, RESG, Presentation to the Oxford University European Affairs Society,

UNTAET: Lessons to learn for future United Nation peace operations, Oxford, 26 de Outubro de 2001.29 SERGIO VIEIRA DE MELLO, “Views from the Field – UN Missions Responses,” in UNITAR-IPS-JIIA

Conference on The Reform of United Nations Peace Operations: Debriefing and Lessons, Singapura, 2 de

Abril de 2001.

304 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

o poder de exercer total autoridade legislativa e executiva, incluindo a adminis-

tração da justiça. Trata-se de um passo em frente, de proporções milenares30.

O mandato da UNTAET, como já vimos, englobava tarefas que iam desde

assegurar a segurança e manter a lei e a ordem no território até o apoiar a

construção de capacidades para governo próprio, passando pelo estabelecimen-

to das condições para um desenvolvimento sustentável.

Esse mandato seria cumprido pela criação de uma estrutura com as seguin-

tes componentes principais: (a) Uma componente de governação e de adminis-

tração pública, incluindo um elemento de polícia internacional com uma força de

até 1.640 oficiais. A componente policial, CIVPOL, que usualmente é uma compo-

nente autónoma, encontrava-se englobada na componente de administração

pública. (b) Uma componente de assistência humanitária e reabilitação de emer-

gência. (c) Uma componente militar com uma força até ao máximo de 8.950

tropas e de 200 observadores militares.

Para além do previsto, a Resolução 1272 (1999) tinha uma ‘disposição resi-

dual’ em que autorizava a Missão a adoptar todas as medidas necessárias para

cumprir o seu mandato.

O Conselho acolheu, ainda, a intenção do Secretário-Geral em nomear um

seu Representante Especial que, enquanto Administrador Transitório, seria res-

ponsável por todos os aspectos do trabalho das Nações Unidas em Timor-Leste

e teria o poder para decretar novas leis e regulamentos e rever, suspender ou

extinguir as existentes31.

3.2. Autoridade da Administração Transitória

E, de acordo com o UNTAET/REG/1999/1, a UNTAET está investida de toda a

autoridade legislativa e executiva no que diz respeito a Timor-Leste, incluindo a

30 SANDERSON, John, “The Cambodian experience: A success story still?” in THAKUR, RAMESH,

e SCHNABEL, ALBRECHT (eds.), United Nations Peacekeeping Operations, Ad Hoc Missions, Permanent

Engagement, The United Nations University, Tóquio, 2001, p. 15931 S/RES/1272 (1999), 25 de Outubro de 1999.

305colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

administração da justiça, e essa autoridade é exercida pelo Administrador Tran-

sitório32. No exercício destas funções o Administrador Transitório deverá consul-

tar-se e cooperar de perto com os representantes do povo de Timor-Leste. O

Administrador poderá nomear qualquer pessoa para desempenhar funções na

administração civil de Timor-Leste, incluindo o judiciário, ou remover tal pessoa.

Tais funções deverão ser exercidas de acordo com as leis existentes, como

especificado no artigo 3.º do Regulamento, e em quaisquer regulamentos e

directivas emanadas pelo Administrador Transitório.

E o artigo 3.º diz que, enquanto não forem substituídas (por Regulamentos

da UNTAET ou posterior legislação de instituições timorenses democraticamente

criadas), as leis vigentes em Timor-Leste antes de 25 de Outubro de 1999 manter-

-se-ão válidas neste território, desde que não entrem em conflito com as normas

evocadas no artigo 2.º33, nem com o cumprimento do mandato conferido à

UNTAET à luz da Resolução 1272 (1999) ou com o presente e outros regulamen-

tos e directivas emitidas pelo Administrador Transitório.

32 Cf. UNTAET/REG/1999/1 – Sobre a Autoridade da Administração Transitória em Timor-Leste, esp.

Secção 1.33 O artigo 2.º – Observância de normas internacionalmente reconhecidas – diz-nos que [n]o

cumprimento dos seus deveres, todas as pessoas que exerçam funções públicas ou que sejam

titulares de cargos públicos em Timor-Leste deverão observar normas sobre direitos humanos

reconhecidos internacionalmente, tal como reflectidas particularmente nos seguintes documentos:

Declaração Universal sobre os Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948; Convenção Interna-

cional sobre Direitos Civis e Políticos de 16 de Dezembro de 1966 e seus Protocolos; Convenção

Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 16 de Dezembro de 1966; Convenção

sobre a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 21 de Dezembro de 1965;

Convenção sobre a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres de 17 de

Dezembro de 1979; Convenção contra Tortura e Outro Tratamento ou Castigo Cruel, Desumano e

Degradante de 17 de Dezembro de 1984; Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de

20 de Novembro de 1989. Além do respeito por estes documentos, essas pessoas “[n]ão descriminarão

ninguém por qualquer motivo tal como sexo, raça, cor, língua, religião, opinião política ou outra,

origem nacional, étnica ou social, associação com alguma comunidade nacional, património, natu-

ralidade e outras situações.” Perante este cenário, e em função dos textos que foram acolhidos como

instrumentos de direitos humanos fundadores para a construção do estado timorense, Timor-Leste

aparece na vanguarda da protecção dos direitos humanos e dos estados que acolhem estes

diplomas internacionais.

306 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

E o Administrador Transitório era Sérgio Vieira de Mello, que reconhece

que tinha todos os poderes existentes em Timor-Leste, tudo para fazer, poucos

meios, muitos críticos, e uma preocupação cimeira em timorizar a forma como a

operação de construção do Estado iria ser conduzida, o mesmo é dizer, deixando

que os timorenses participassem nas escolhas que iam sendo feitas. A última

palavra, contudo e de acordo com a Resolução 1272 (1999) e com o Regulamento

1999/1 da UNTAET, como vimos, seria a de Vieira de Mello.

O contexto em que a UNTAET teve que ser montada, além de complexo de

com um carácter de emergência humanitária, é altamente favorável à missão. A

operação era desejada pela maioria da população local, o seu interlocutor tinha

uma grande experiência de relacionamento com as Nações Unidas e com os seus

funcionários, e a INTERFET havia garantido um ambiente relativamente seguro.

3.3. A Implementação do Mandato

O mandato da UNTAET era de uma complexidade sem precedentes na

história das Nações Unidas. Mesmo no caso em que as Nações Unidas já haviam

assumido a responsabilidade directa pela administração de um território (como

com a UNTEA), ou em que a Organização havia preparado um país para a

independência (como com a UNTAG), nunca uma missão havia sido investida

com todos os poderes soberanos de um Estado, nem a destruição maciça e

generalizada do território a administrar havia elencado como prioritárias tantas

áreas a reconstruir e a implementar.

De forma a garantir uma administração efectiva para o território, a criação

de capacidades para um governo próprio, bem como a timorização dos proces-

sos encetados, a UNTAET criou organismos de participação e de diálogo perma-

nente com os timorenses de todas as sensibilidades políticas34.

34 Sobre a construção da identidade / nacionalidade timorense ver: GUEDES, Armando Mar-

ques, “Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia,” Lusotopie 2001, Karthala, Paris, 2001, pp.

315-327 e GUEDES, Armando Marques, “Wanders and Wonders. Musing over nationalism and

307colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Uma das primeiras preocupações de Vieira de Mello foi a timorização de

todo o processo e o estabelecimento de mecanismos de consulta com a popu-

lação local e com os seus líderes. Um dos meios que o RESG usou foi a criação de

um Conselho Consultivo Nacional (CCN), logo em Dezembro de 199935. O CCN

era o mecanismo principal através do qual os representantes do povo timorense

participarão activamente no processo de tomada de decisões durante o período da

Administração Transitória e através do qual eram apresentadas ao RESG as opini-

ões, preocupações, tradições e interesses do povo timorense36.

Uma das questões eventualmente polémicas que as administrações transi-

tórias têm levantado é da escolha do parceiro local. Em Timor-Leste, Vieira de

Mello não teve dúvidas sobre quem seria o seu interlocutor local privilegiado: o

CNRT (e o seu Presidente, Xanana Gusmão) a quem é atribuído o maior número

de lugares no CCN. Esta escolha, contudo, não prejudicou o processo de estabi-

lização e consolidação política em curso, uma vez que o CNRT era um grupo

politicamente organizado que sempre tinha liderado a Resistência timorense e

que gozava de um grande apoio pela população local e de grande aceitação

junto da comunidade internacional. De facto, a identificação da Resistência

timorense com o CNRT era tão patente que, aquando da consulta popular de

Agosto, o símbolo do CNRT tinha sido usado nos boletins de voto para identificar

o “Rejeito” à proposta de autonomia especial da Indonésia, a opção pela indepen-

dência.

Esta escolha do CNRT também facilitou o próprio processo de consulta. Este

é sempre mais complexo, e menos produtivo, quando no terreno estão presentes

várias facções políticas em competição pelo reconhecimento do seu carácter

representativo do povo do território/Estado e com agendas políticas distintas e

até conflituantes. A UNMIK, que Vieira de Mello tão bem conhecia, já havia

identity in the state of East Timor,” in RODRIGUES, Graça Almeida e WHARTON, Heather, Nationbuilding

in East Timor, Canadian Peacekeeping Press, 2002, pp. 1-2035 Em 12 de Julho de 1999, pouco antes da criação da UNTAET, a UNMIK havia praticado um

acto semelhante com a criação do Conselho Transitório para o Kosovo.36 UNTAET/REG/1999/2, de 2 de Dezembro de 1999, Sobre a Criação de um Conselho Consultivo

Nacional.

308 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

experimentado as dificuldades resultantes da presença no terreno de vários

grupos políticos reivindicando serem consultados e advogando destinos diver-

sos para o território.

4. Auto-Avaliação do Cumprimento do Mandato

A UNTAET desempenhou o mandato que lhe foi atribuído, com muitas

vicissitudes. Algumas foram o resultado directo e incontornável do enorme

mandato que lhe foi atribuído: reconstruir um país e construir um Estado; outras,

exógenas à missão, decorreram quer da lícita aspiração dos timorenses de serem

os senhores do seu destino, quer da falta de empenhamento continuado da

comunidade internacional, mormente dos doadores.

Além das apreciações que possamos fazer, a UNTAET fez uma auto-avaliação

sobre o seu desempenho e publicou uma folha de factos que, traduzindo a

percepção do seu próprio sucesso, se intitula: os 25 maiores sucessos da UNTAET37.

E são eles:

1. O estabelecimento da paz e segurança em Timor-Leste;

2. O preenchimento das urgências humanitárias pelo ACNUR, OIM, PAM e

UNICEF, que foram essenciais em parceria com a UNTAET, para se assegurar

que após a violência de 1999 as necessidades humanitárias eram respondi-

das rapidamente. Mais de 200.000 refugiados, um quarto da população,

regressou, desde então, a Timor-Leste.

3. A realização de eleições livres, justas e completamente pacíficas em 30 de

Agosto de 2001 e que resultaram numa Assembleia Constituinte de 88

membros que redigiu e aprovou a primeira constituição de Timor.

4. O estabelecimento do Segundo Governo Transitório e a nomeação de um

Conselho de Ministros totalmente timorense, que agora executa as activida-

des diárias do Governo. O Conselho, nomeado em 20 de Setembro de 2001,

37 Ver. FACT SHEET 1 – UNTAET’s Twenty five Major Achievements, Abril 2002, in www.un.org/

peace/etimor/Untaet.htm.

309colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

substituiu o Gabinete de Transição criado em Julho de 2000 – composto por

4 timorenses e 4 representantes da UNTAET.

5. A realização de eleições livres, justas e completamente pacíficas para o

Presidente da República em 14 de Abril de 2002, e que resultou na eleições

de Xanana Gusmão.

6. O estabelecimento de um programa nacional de educação cívica dirigido por

timorenses que treinou mais de 5.500 líderes comunitários e envolvendo

directamente mais de 100.000 timorenses.

7. A realização de 200 sessões de consultas constitucionais públicas em Junho

e Julho de 2001 em que compareceram 38.000 timorenses para exporem as

suas opiniões sobre o que deveria ser considerado pela Assembleia Consti-

tuinte quando redigisse a primeira constituição.

8. O recenseamento de 742.461 pessoas, virtualmente toda a população resi-

dente em Timor-Leste (excluindo os refugiados em Timor Ocidental) ao

longo de um período de 3 meses em 2001. Estes dados constituíram a base

para os cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia Constituinte e para

a eleição presidencial.

9. A normalização das relações com a Indonésia, com a realização de encontros

bilaterais ao mais alto nível e de conversações trilaterais envolvendo a

Austrália e a Indonésia em Fevereiro de 2002 e reuniões de trabalho com

oficiais indonésios sobre vários assuntos.

12 Países da UE estabeleceram missões de representação em Timor-Leste.

10. A criação de uma Força de Defesa de Timor-Leste, com 600 soldados recru-

tados a serem submetidos a uma formação de base para a criação do

primeiro batalhão da FDTL. A quando da saída da UNTAET de Timor, estava a

ser preparado o segundo batalhão.

Foi também estabelecida uma Força Policial de Timor-Leste com mais de

1.697 oficiais de polícia timorenses destacados para todos os 13 distritos.

11. O estabelecimento de uma Função Pública. Até à data foram requisitados

11.000 funcionários públicos timorenses.

12. O estabelecimento de um sistema jurídico e judicial operacional, incluindo

um Gabinete do Procurador-Geral timorense e um Serviço de Defesa; 3

310 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

tribunais distritais; um Tribunal de Recurso e prisões em Díli, Baucau e

Hermera.

13. A criação de uma Comissão de Recepção, Verdade e Reconciliação que irá

procurar a verdade por detrás das violações de direitos humanos em Timor-

-Leste dentro do contexto dos conflitos políticos entre 25 de Abril de 1974 e

25 de Outubro de 1999; facilitar a reconciliação comunitária, nomeadamente

ao tratar dos casos passados menos graves; e, em última instância, apresen-

tar as suas conclusões e fazer as recomendações ao Governo para que

possam ser tomadas medidas mais concretas para a reconciliação e promo-

ção dos direitos humanos.

14. A criação da primeira Unidade de Assuntos de Género de sempre a funcionar

numa missão de manutenção da paz e que centrou o seu trabalho no

aumento da consciência para a promoção da igualdade de género nas

políticas e legislação da Administração Transitória de Timor-Leste.

15. A reabilitação de escolas por todo o país. Mais de 700 escolas primárias, 100

escolas secundárias e 40 creches e 10 escolas técnicas estão agora a ensinar

aproximadamente 240.000 crianças e estudantes mais velhos.

16. A reconstrução de 32 grandes edifícios públicos pela ETTA – East Timorese

Transitional Administration – Administração Transitória de Timor-Leste. Sete

grandes edifícios estão actualmente a ser reconstruídos, dois na capital e

cinco nos distritos de Baucau, Hermera, Liquiça e Oecussi.

17. O lançamento de um acordo com a Austrália sobre as reservas de petróleo e

gás natural, o Acordo do Mar de Timor; tendo início em 2004, este Acordo

tem o potencial para proporcionar biliões de dólares de rendimento a Timor

ao longo dos próximos 20 anos.

18. A criação da Rádio UNTAET, cuja cobertura se estende a todo o Timor-Leste e

alguns campos de refugiados em Timor Ocidental; a criação da TVTL – Televi-

são de Timor-Leste – cujas emissões são vistas em Díli e Baucau com destaques

mostrados em reuniões públicas em outros distritos, e do jornal Tais Timor, o

único boletim noticioso nacional, com uma tiragem mensal de 50.000.

19. Foram montados serviços públicos básicos numa grande variedade de áreas

incluindo a saúde, a educação e infra-estruturas. A electricidade foi resta-

311colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

belecida e nas áreas urbanas o abastecimento de água potável está a ser

retomado após a destruição destas infra-estruturas em 1999.

20. O encetar de um grande programa de reabilitação de estradas, com ênfase

na reparação e manutenção de uma rede central de estradas de 1.000 Km

que estava negligenciada há mais de duas décadas. O Porto de Díli está a

funcionar. O Aeroporto Internacional de Díli foi reaberto aos voos comerciais

logo no início de 2000 e, agora sob administração civil, recebe voos interna-

cionais de 5 companhias aéreas.

21. A formação imediata de uma Autoridade Fiscal Central, a precursora do

actual Ministério das Finanças, para garantir que os limitados recursos de

Timor-Leste são usados eficientemente, e que o país tem um quadro fiscal

estável para uma economia sustentável.

22. O estabelecimento de uma Autoridade Bancária e de Pagamentos (o anterior

Gabinete Central de Pagamentos) que funciona como o proto-Banco Central.

Esta instituição tem desenvolvido e gerido as estruturas bancárias corres-

pondentes com os bancos comerciais centrais e estrangeiros e gere a lista de

pagamentos do Governo.

23. O estabelecimento de um Projecto de Pequenas Empresas para ajudar ao

relançar das actividades económicas viáveis no sector privado. Este Projecto

tem ajudado à criação de uma classe empresarial enquanto cria emprego nas

áreas urbanas.

24. A reabilitação de 2/3 da terra arável; a reposição da actividade de criação de

gado através da importação e vacinação do gado e do búfalo; o fornecimen-

to de redes e barcos a pequenas empresas piscícolas para aproveitar o rico

potencial das águas de Timor-Leste.

5. Algumas Considerações sobre a Missão

Para compreendermos as várias especificidades da UNTAET, a missão que

melhor traduziu a assunção pela Organização de todos os poderes soberanos

sobre um território dando origem às tais expressões como a soberania das Nações

312 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Unidas, o Estado das Nações Unidas de Timor-Leste, o Reino das Nações Unidas de

Timor-Leste, convém ter presente o quadro relacional entre a Organização e a

questão de Timor-Leste.

Um marco de viragem fundamental é o assinalado pelos Acordos de Maio de

1999. O Acordo principal, no seu artigo 6.º referia, explicitamente, que caso o

povo timorense rejeitasse a proposta indonésia, ocorreria “uma transferência

pacífica e ordeira da autoridade em Timor-Leste para as Nações Unidas.” A

linguagem é inequívoca: no período interino as Nações Unidas seriam a autoridade

soberana de Timor-Leste. Os timorenses concordavam, em princípio com esta

disposição, uma vez que o próprio líder do CNRT já se havia pronunciado

favoravelmente a uma transferência da independência faseada.

Porém, a violência generalizada não permitiu o desenrolar das fases previs-

tas para a UNAMET e enquanto a INTERFET repunha a ordem e a segurança, as

Nações Unidas começaram o planeamento para uma missão que fosse capaz –

que tivesse as competências necessárias – para re/construir o Estado de Timor-

-Leste. E fê-lo num ritmo assombroso; em situações ideais as Nações Unidas

necessitariam no mínimo de 6 meses para preparar uma missão tão complexa

como a UNTAET38, mas a UNTAET foi planeada em um mês.

5.1. O Planeamento da UNTAET

A UNTAET foi planeada pelo Departamento de Operações de Manutenção

da Paz (DOMP) do Secretariado das Nações Unidas.

Embora todo o anterior envolvimento das Nações Unidas na questão de

Timor-Leste tivesse passado pelo Departamento de Assuntos Políticos (DAP)

como, em Setembro de 1999 se vivia uma situação de crise humanitária com

violência acrescida, o tratamento da questão passou para o campo das opera-

ções de paz. O DAP era o guardião do conhecimento do Secretariado (e da

38 Funcionário superior do Departamento de Operações de Manutenção da Paz, citado por

ASTRI SUHRKE, “Peace-keepers as Nation-builders: Dilemmas of the UN in East Timor,” in International

Peacekeeping, vol. 8, n.º 4, 2001 (rascunho da autora, pp. 1-20), p. 11.

313colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Organização como um todo) sobre Timor-Leste; apesar do fracasso da estrutura

faseada da UNAMET, o Departamento queria trabalhar na Missão pós-consulta

eleitoral e começou mesmo a trabalhar nesse sentido logo em Setembro. Com a

entrada de forças internacionais em Timor, o DOMP reivindicou a passagem do

planeamento para a sua jurisdição departamental; uma reivindicação reforçada

pelos números da missão: 8.900 militares e cerca de 1.200 civis.

Esta transferência de tutela trouxe duas consequências indesejáveis: em

primeiro lugar o DOMP tinha pouca, senão mesmo nenhuma, experiência na

preparação e condução deste tipo de missões; e, em segundo lugar, desconhecia

a realidade timorense e era desconhecido dos timorenses. Para agravar esta

perda de informação, a cooperação inter-departamental não estava assegurada;

de facto, a preparação da UNTAET decorreu até num ambiente de feroz luta entre

as estruturas burocráticas. E o facto de a UNAMET ter acabado em fracasso serviu

para alimentar essas lutas, diminuindo o poder negocial do DAP.

O DAP propôs até ao DOMP que se procedesse a um planeamento conjunto

– um proposta que nunca recebeu resposta. Mas o clima de tensão era tão

grande que o Secretário-Geral das Nações Unidas decidiu intervir esclarecendo

que a equipa de planificação seria recrutada de ambos os Departamentos, mas

seria o DOMP o responsável39.

Em termos genéricos isso significou que toda a operação civil era

provida de pessoal e organizada e, em última instância respondia a, um

departamento que tinha pouca experiência em “missões de governação,”

não tinha conhecimento nacional de Timor-Leste e cujos procedimen-

tos operacionais eram concebidos para operações militares e de prefe-

rência de curta duração40.

Quando a construção de um Estado é uma tarefa para gerações.

Em termos práticos, no que se referiu às propostas em cima da mesa, o

esquema inicial previsto e que se baseava na criação de um Estado estruturado

39 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 740 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 8

314 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

dualmente, com a separação da autoridade jurídica (a ser exercida pelas Nações

Unidas) do poder político (a ser entregue aos timorenses) em que timorenses e

pessoal das Nações Unidas trabalhariam lado a lado, com um calendário eleitoral

que demonstrava a natureza transitória da Missão, foi abandonado.

Uma vez entregue ao DOMP o plano tinha que ser aceitável para o Conselho

de Segurança (ou seja, desencadear o consenso político necessário) e tinha que

ser implementado rapidamente (de acordo com os princípios operacionais das

missões de paz). Isto significou que se criou uma missão internacional, baseada

nas contribuições dos Estados membros e os lugares da UNTAET reservados aos

funcionários internacionais. No plano final, as referências a estas propostas dos

timorenses quase desapareceram.

E foram duas as principais premissas em cima das quais se fez o planeamento:

a de que não havia tempo e nem havia nada. Foi o que poderia chamar-se de um

planeamento de base zero: partia-se do princípio que Timor-Leste era uma terra

vazia, uma terra sem gente e sem recursos. E se é verdade que a violência de

Setembro provocou centenas de mortos, a deslocação de ¾ da população para o

vizinho Timor Ocidental e a destruição de cerca de 70% das infra-estruturas do

território41, os timorenses estavam em Timor-Leste à espera de serem envolvidos

na Missão que iria construir o seu primeiro Estado independente.

Como Vieira de Mello dizia: quando as Nações Unidas chegaram a Timor não

havia nada, tudo teve que ser trazido de fora e construído do zero.

Mas nem todas as entidades envolvidas no planeamento concordavam com

estas perspectivas tão pessimistas; o Relatório da Missão Conjunta de Avaliação

do Banco Mundial afirmava que cerca de ¼ dos funcionários públicos haviam

permanecido no território, sobretudo os de origem indonésia; reconhecia, po-

rém, que esses funcionários estariam concentrados nos escalões mais elevados e

em tarefas altamente especializadas, o que criava um deficit grave de especiali-

zação na função pública42.

41 JARAT CHOPRA, “UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 2742 WORLD BANK, Report of the Joint Assessment Mission to East Timor, Dezembro de 1999,

parágrafo 15

315colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Esta perspectiva da terra vazia, aliada ao desconhecimento de quem eram

os timorenses, afastou-os do planeamento e isso teve reflexos nos princípios

orientadores da missão e na tardia timorização da administração.

5.2. Mandato e Modelo da Missão

Pela Resolução 1272 (1999) o Conselho de Segurança deu à UNTAET um

mandato sem precedentes cuja autoridade fica bem patente nas palavras do

Secretário-Geral quando diz que a Missão deveria estabelecer a sua capacidade

administrativa por todos os sectores de governação e administração em todas as

áreas de Timor-Leste43.

Como nos diz Astri Suhkre, mais do que implicitamente, as Nações Unidas

foram dotadas de uma autoridade suprema do tipo que no sistema internacional

contemporâneo está apenas reservada aos estados soberanos44.

Quando o planeamento para a UNTAET teve início, foram considerados os

modelos possíveis para essa Missão. Timor-Leste era um território não-autónomo

e havia disposições na Carta das Nações Unidas que poderiam enquadrar juridi-

camente a presença da Organização no território; pensámos, nomeadamente,

nas disposições relativas ao regime internacional de tutela.

Portugal, potência administrante de jure de Timor poderia colocar volunta-

riamente o território sob tutela, em conformidade com a alínea c) do artigo 77 da

Carta. A ONU seria a autoridade administrante. E se, juridicamente a questão

ficasse resolvida, o problema colocar-se-ia mais a nível político, pois a tutela foi

sempre associada ao colonialismo45.

O DOMP optou, então, por um modelo institucionalmente mais familiar: o

modelo das operações de paz, nomeadamente o da operação de construção da

43 Question of East Timor, Progress report of the Secretary-General,” A/56/654, 13 de Dezembro

de 1999, para. 44.44 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 1645 JARAT CHOPRA, “The UN´s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 27.

316 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

paz montada apenas 3 meses antes para o Kosovo. Esta opção veio também dar

resposta à urgência que se sentia em face da gravíssima crise humanitária que se

vivia no território. Não havia tempo para planear, não havia pessoal para dedicar

a esse planeamento e como o Departamento tinha pouca ou nenhuma memória

institucional era preciso começar do zero.

Assim, recorreu-se a um modelo familiar e a pessoas que estavam familiariza-

das com o planeamento desse tipo de missões; em concreto, isso significava as que

haviam planeado a UNMIK. A UNMIK havia sido ela própria, e como já vimos, uma

evolução prática desde as primeiras tentativas de administração das Nações Uni-

das e não o que se poderia chamar de uma evolução doutrinal, pensada, ensaiada.

Mas a UNTAET não foi uma réplica da UNMIK; a UNTAET era mais ligeira,

menos complexa. Na opinião de alguns críticos “[a] estrutura relativamente mais

simplificada reflectia a menor importância de Timor-Leste para as grandes po-

tências quando comparado com o Kosovo. Pela mesma razão, a direcção dos

vários pilares não incluía representantes de outras organizações internacionais

(como no Kosovo), mas apenas diferentes regiões geográficas (em linha com a

prática das Nações Unidas).46”

Outra das consequências negativas do modelo escolhido sentiu-se na deter-

minação do Orçamento da Missão. O Conselho de Segurança tratou a compo-

nente de administração civil da UNTAET com uma importância relativamente

pequena; de facto, tradicionalmente esta fatia dos custos era pequena nos

orçamentos das operações de paz. No balanço final foi uma surpresa para o

Conselho que a componente civil tenha sido tão cara como a componente

militar. O que vem, mais uma vez, reforçar a novidade que são estas missões.

5.3. A Timorização

Uma das críticas mais recorrentes a Vieira de Mello, e à sua administração, foi

o lento processo de timorização. E, a despeito de algumas recomendações

46 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 8

317colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

efectuadas, a timorização, na redacção final do mandato, ficou reduzida a uma

única frase.

A timorização também tardou porque pretendeu-se evitar a politização da

administração. De facto, a mesma foi feita em resposta às pressões locais e dos

doadores. Uma pressão que surgiu mesmo no seio do Conselho de Segurança,

mas apenas quando pareceu que uma nova crise – que pudesse afectar o

equilíbrio regional de poderes – estava afastada.

Aí, então, começou a devolução do poder de administração aos administra-

dos – um processo que foi acelerado na segunda metade de 2000 – embora o

pessoal internacional continuasse a dominar a administração central e distrital.

É curioso que alguma da relutância da UNTAET em acolher o CNRT como

parceiro local privilegiado, temendo acusações de parcialidade, fez com

que quando o CNRT se desintegrou as Nações Unidas tenham constatado que

haviam perdido uma oportunidade de ouro.

Outra das características do planeamento feito, e que se reflectiu inevitavel-

mente na timorização da Missão, foi o facto de os timorenses terem ficado fora

das estruturas previstas para a UNTAET. Um exemplo caricato foi o facto de a

Unidade de Terra e Propriedade da UNTAET ter encontrado alguns juristas e

outros especialistas timorenses e só os ter podido usar como voluntários, pois os

regulamentos iniciais da UNTAET só permitiam essa relação. Além disto, graças

ao modelo de missão escolhido, o recrutamento local apenas podia fornecer

pessoal de apoio, não os altos quadros. Por certo que os timorenses se ressenti-

ram deste facto, e a pressão para uma efectiva timorização da administração do

território não se fez tardar.

Astri Suhrke considera que esta falta de timorenses no processo se ficou a

dever quer à ausência dos mesmos na fase de planeamento da Missão, quer a

uma mensagem implícita na Resolução que cria a UNTAET: “em consideração

para com as sensibilidades indonésias, o movimento de resistência timorense

deveria manter um low profile nas estruturas governativas do estado transitó-

rio47.”

47 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 6.

318 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

A ausência de timorenses na estrutura final da missão também foi resultante

da falta de um inventário aturado das capacidades dos mesmos. O tal planea-

mento de base zero.

E estas foram apenas algumas das condicionantes colocadas à Missão. A

forma como foi planeada, o modelo escolhido, o mandato e a forma como os

timorenses foram ou não envolvidos foi determinante para o sucesso da Missão.

Uma Missão que deixou em Timor-Leste um Estado soberano. Mas uma sobera-

nia política que ainda não é económica, ou não fosse Timor um dos países mais

pobres do mundo. Embora a sociedade timorense esteja relativamente pacifica-

da e seja consensual quanto ao facto de a intervenção das Nações Unidas ter sido

positiva, já no que diz respeito à duração desse envolvimento e à partilha de

competências durante o período de administração transitória as opiniões divi-

dem-se.

Mas como diz Chesterman, onde quer que as Nações Unidas sejam o

governo devem esperar alguma contestação. Acreditámos, contudo, que a não

se terem cometido os erros que acabamos de enunciar, a contestação teria sido

menor.

6. Missão das Nações Unidas de Assistência a Timor-Leste – UNMISET48

Como já tivemos oportunidade de referir e como a realidade se tem encar-

regado de confirmar, as operações de administração internacional de territórios

são tarefas para anos, senão para décadas como alguns autores têm referido. A

comunidade internacional, no geral, e a ONU, em particular, reconheceu-o e em

Timor-Leste a independência não significou o fim da presença internacional em

Timor-Leste. A Missão das Nações Unidas de Assistência a Timor-Leste (UNMISET)49

é a missão sucessora da UNTAET, estabelecida para assegurar uma presença

continuada das Nações Unidas em Timor após a retirada da Administração

48 United Nations Mission in Support of East Timor.49 Para detalhes sobre a UNMISET in www.unmiset.org/

319colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Transitória, na sequência da declaração formal de independência do novo Estado

e da transferência de todos os poderes da Administração Transitória para o povo

timorense.

Claro que, de uma forma ou de outra, todas as operações de paz chegam a

um fim. O fim da operação das Nações Unidas em Timor-Leste será determinado

quando e como o Conselho de Segurança o decidir.

Ainda há muito a fazer, mas no balanço que podemos efectuar agora Timor-

-Leste reflecte o caminho percorrido desde os milhares de mortos que ocorreram

logo aquando da invasão […] [até à actual independência e] reflecte a capacida-

de de um sistema internacional jurídico-institucional para dar resposta à vontade

de um povo que nunca se deixou calar50.

7. Reflexões finais

Uma análise casuística das operações de administração internacional, mor-

mente a da Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste, mos-

tra-nos uma prática que, não obstante a falta de um enquadramento concreto e

de uma estrutura burocrática directamente responsável, tem sido reconhecida

como o único instrumento ao serviço da comunidade internacional, quando os

Estados isoladamente ou regionalmente não conseguem garantir a recuperação

de um Estado falhado, ou que tenha colapsado, ou a construção de um Estado

em nome do princípio da autodeterminação.

Estendendo-se desde a pura assistência até à governação directa (em que as

Nações Unidas se afirmam não como um substituto ou uma transição para um

Estado, mas outrossim como o próprio Estado assumindo uma panóplia de

tarefas soberanas como o policiamento, o poder legislativo, o poder executivo, a

administração da justiça, a responsabilidade eleitoral e, ainda, embora mais

excepcionalmente a capacidade de celebrar tratados – como o caso da UNTAET)

50 PAULA ESCARAMEIA, “O Direito Internacional e o nascimento de um novo Estado,” in JANUS

2002, anuário de relações exteriores, Lisboa, Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p. 92.

320 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

as administrações transitórias têm suscitado um interesse cada vez maior quer

entre a comunidade académica quer entre a classe política. Hoje aparecem, a um

ritmo até há pouco insuspeito, obras académicas, reflexões conduzidas pela

própria Organização ou por políticos e personalidades que têm estado ligadas às

relações internacionais ou ao exercício da política externa e que tratam e

problematizam o quadro teórico-operativo, a legitimidade/legalidade e a avalia-

ção de resultados destas missões.

Curiosa também é a crescente afirmação de uma capacidade de construção

de democracias através de autocracias benevolentes51, de intervenções pró-

-democráticas52. Quer pela novidade, quer pelas implicações abertas, tais como:

como é que se ajuda a preparar a população para uma governação democrática

e para um estado de direito ao impor uma forma de autocracia benevolente?,

estas operações têm por resolver esse dilema político central que traz à colação

o da legitimidade, de que falaremos de seguida.

Todo este debate reflecte uma consciência acrescida para a relevância

destes instrumentos, bem como dos desafios, ao serviço da comunidade interna-

cional para fazer face aos desafios colocados à reconstrução e administração de

Estados falhados e de territórios disputados.

Resulta da tipologia que escolhemos que a UNTAET é uma administração

transitória de governação directa, pois como nos diz Jarat Chopra,

Em Timor-Leste a desintegração resultou da retirada radical de uma potên-

cia ocupante e da destruição sistemática de qualquer coisa sequer seme-

lhante a um aparelho de governação. Se a evolução doutrinal havia che-

gado a um clímax com a administração transitória e com a assunção

internacional de poderes executivos e legislativos, a governação global

atingiu um novo tipo de apoteose em Timor-Leste. Aqui não só seriam

51 Cf. SIMON CHESTERMAN, “Building Democracy through Benevolent Autocracy: Consultation

and Accountability in UN Transitional Administrations,” op. cit.52 Cf. SIMON CHETERMAN, Just War or Juts Peace? Humanitarian Intervention and International

Law, Oxford University Press, Oxford, 2001, esp. pp. 112-160

321colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

assumidas funções administrativas mais totalmente do que nunca, como o

organismo corporativo da intervenção herdaria o estatuto da soberania –

algo que não havia acontecido ao nível internacional desde o Santo Impé-

rio Romano e o Tratado de Vestefália de 1648.

Na prática, seria construção de estado através da soberania das

Nações Unidas53.

A UNTAET, por ter sido de todas as administrações internacionais de

governação directa a de que de mais autoridade foi investida e a que mais

poderes exerceu, incluindo o poder de celebrar tratados54, é aquela cuja análise

se revela mais rica.

7.1. Planeamento das missões

A análise de cada missão e a sua classificação resulta mais do que da prática,

do que da personalidade do Administrador Transitório55; resulta desde logo, do

seu mandato. Aí estão contidos a sua composição, quadro temporal e autoridade

investida em cada operação.

À falta de uma teoria geral sobre as Administrações Internacionais que

fornecesse as referências técnico-operativas aplicáveis a cada contingência con-

creta, à falta de uma estrutura burocrática dedicada ao planeamento de missões

tão complexas, a comunidade internacional responde com a sede da legitimida-

de da acção internacional e com os instrumentos que esta tem ao seu dispor. Ou

53 Cf. JARAT CHOPRA, “Building State Failure in East Timor,” op. cit., pg. 981.54 Cf. JARAT CHOPRA, “UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 30.55 Quando questionado sobre qual o peso da personalidade do Administrador Transitório na

implementação da UNTAET, Viera de Mello respondeu-nos que ele era um mero executor do mandato

da Resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, e que a sua personalidade apenas influenciava

a velocidade e a prioritização de determinadas acções. Porém, quando o mandato não é claro –

como o caso da UNMIK – a personalidade do Administrador Transitório ou RESG poderá ser

determinante para a aferição do conteúdo operacional da Missão.

322 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

seja, cada operação é planeada ad hoc pelo Secretariado (mormente pelo DOMP)

da ONU.

Cada operação é montada ad hoc e com urgência. Como não há planeamen-

to prévio, a maior parte das missões é planeada no auge de uma crise para ser

implementada o mais depressa possível. Uma excepção a esta regra foi o pla-

neamento da UNTAG que, em função da resistência da África do Sul em consentir

a entrada da Missão, deu à Organização cerca de 11 anos para planear e recrutar

com detalhe.

Para Timor-Leste estava prevista uma operação faseada: a UNAMET, que

continha um plano A e um plano B. O Plano B era o aplicável caso o povo de

Timor optasse por rejeitar a proposta da Indonésia e preferisse seguir a via da

independência. Era um plano que podemos classificar de, no mínimo, optimista,

senão ingénuo, mas de uma ingenuidade perigosa. A Indonésia retiraria pacífica

e ordeiramente de um território que havia ocupado e no qual as violações dos

direitos humanos dos timorense eram uma prática diária. Partia-se do princípio

que a obtenção da independência seria feita em colaboração com a Indonésia e

através das estruturas administrativas existentes.

Como já referimos a Missão que partiu para o terreno para realizar a consulta

popular aos timorenses foi planeada pelo DAP, que visitou o território, com quem

os timorenses estavam familiarizados. Com o anúncio dos resultados eleitorais e

com a violência que se seguiu (e que de uma maneira mais ou menos latente

tinha estado presente durante todo o período da Missão), o cenário muda

completamente. O plano pacífico e faseado tem que ser agora substituído por

um plano de emergência, com uma componente securitária maior do que a

alguma vez prevista.

A violência pós-eleitoral só surpreendeu os que ainda não tinham percebido

o desrespeito aberto e sistemático que os militares indonésios e as milícias pró-

-integração tinham para com as normas democráticas56. Mas qualquer tipo de

planeamento prévio colocava em questão a capacidade de a Indonésia garantir

56 Relatório do Secretário-Geral sobre a questão de Timor-Leste, S/1999/862, 9 de Agosto de

1999, para.9.

323colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

a segurança num território que considerava seu e poderia ter significado a

ruptura do processo de consulta popular. De facto, o grande entrave a qualquer

tipo de planeamento prévio dentro das Nações Unidas é a aparente suspeita que

recai sobre os Estados de que eles não são capazes de proteger as suas popula-

ções.

O planeamento da UNTAET foi, então, feito pelo DOMP; a passagem de uma

estrutura burocrática para outra sem que estivessem garantidas a cooperação

inter-departamental, a eliminação das rivalidades pessoais e de protagonismos

e, ainda, a criação de uma memória institucional para efeitos futuros, revelou-se

desastrosa. Os timorenses não estavam habituados a falar com os elementos do

DOMP, e os elementos do DOMP não conheciam, profunda e adequadamente, a

realidade da resistência e das aspirações do povo maubere. A acrescer a tudo isto

está a questão da sensibilidade aos problemas concretos que só se consegue

através de um contacto frequente e de um respeito mútuo construído. Em suma,

grande parte do trabalho do DAP perdeu-se ou foi rejeitado, como já vimos, pelo

DOMP.

Curiosamente, o próprio Administrador de Timor-Leste adverte que:

Uma das lições mais importantes que aprendemos foi que uma missão

de manutenção da paz ou de construção da paz standard das Nações

Unidas […] não é a estrutura ideal para assumir o papel vasto e

abrangente da governação de Timor-Leste. Existem vários problemas

intrínsecos a uma missão das Nações Unidas que funcione como uma

administração civil, tais como: o perfil do pessoal […] o nosso processo

de recrutamento e as regras e regulamentos das práticas das Nações

Unidas57.

Como também já referimos e agora destacamos, os timorenses pouco ou

nada contribuíram para a concepção da UNTAET. A liderança timorense, tal como

57 SÉRGIO VIEIRA DE MELLO, “Statement by the Special Representative of the Secretary-General

to the Lisbon Donor´s Meeting on East Timor,” Lisboa, 22-23 de Junho, p. 5

324 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

representada pelo CNRT, tinha estabelecido uma relação de trabalho com o DAP

e com a UNAMET, e achou difícil comunicar com interlocutores que não lhe eram

familiares58. Quando as Nações Unidas elaboraram o seu plano, pouco foi expli-

cado aos timorenses sobre a lógica, a racionalidade da missão59.

Mas os problemas de planeamento verificam-se quer a nível da sede, quer

no terreno. Para além da falta de comunicação inter-departamental, há uma

efectiva falta de pessoal no Secretariado e no DOMP, que coordena e serve de

ponto focal para as missões, o que torna o relacionamento da missão no terreno

com a sede problemático.

O Relatório Brahimi também se refere a estas contingências: na presença de

várias solicitações, todas elas urgentes, são inevitáveis as escolhas e, com fre-

quência, o apoio às missões no terreno é negligenciado.

A única saída credível para estes problemas seria ou a realização de um

planeamento prévio ou a criação de uma estrutura burocrática dedicada. Porém, os

Estados membros não encorajam qualquer uma delas. A última por questões

orçamentais: as Nações Unidas gerem uma crise financeira que clama por cortes

nas despesas e não pela criação de mais estruturas; a primeira por a considerarem

demasiado intrusiva: aceitar a concepção de planos de intervenção seria aceitar

que eles pudessem ser aplicados a qualquer Estado onde os problemas identifica-

dos nesse planeamento fossem detectados (e isso incluía os membros das Nações

Unidas). No caso concreto de Timor-Leste, um planeamento preparatório para uma

violência suspeitada por muitos analistas e timorenses, teria significado que não se

acreditava que a Indonésia fosse capaz de honrar os seus compromissos ao abrigo

dos Acordos de Maio, o que teria desde logo comprometido a própria consulta

58 EAST TIMOR STUDY, CONFLICT, SECURITY AND DEVELOPMENT GROUP, A Review of Peace

Operations: A Case for Change, King’s College, Londres, 10 de Março de 2003, para. 25. Antes da

aprovação da Resolução que cria a missão, o próprio Xanana Gusmão enviou, em 19 de Outubro de

1999, às Nações Unidas algumas propostas para um modelo administração transitória que não

foram acolhidas.59 JARAT CHOPRA, “The UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 32. E os timorenses não foram

a excepção; a maioria dos povos administrados apresenta uma crítica comum às administrações

internacionais: são missões estrangeiras e temporárias.

325colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

popular. Talvez, de facto, o melhor que se consiga seja algum tipo de enquadramento

para as questões resultantes dos Estados falhados.

7.2. Mandato das Administrações Internacionais

O mandato das administrações internacionais deve ser claro e flexível. Claro

para que os objectivos estejam perfeitamente identificáveis; fexível para que haja

uma distinção entre as várias competências a exercer, compreendendo que não

se tratam fases sequenciais, mas antes aspectos distintos de uma mesma função.

Em Timor-Leste os principais problemas, nestas matérias, resultaram do recurso

à experiência do Kosovo que levou a alguns atrasos que prejudicaram a

implementação do mandato, nomeadamente pela interpretação de que primei-

ro havia que tornar Timor um sítio seguro e só depois preparar o desenvolvimen-

to do mesmo. Ora se o Kosovo havia apresentado à Missão desafios de seguran-

ça, em Timor a situação era pacífica e não era necessária uma acção pacificadora

prévia, desde logo porque a INTERFET já o havia levado a cabo.

Mas também em Timor, a posição das grandes potências, os seus interesses

geopolíticos particulares e a sua preocupação com o equilíbrio regional e com a

questão da soberania condicionaram o mandato da UNTAET. A Indonésia tinha

fortes apoios nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança em particular;

assim o mandato não podia ferir as sensibilidades indonésias nem apresentar a

vitória do povo de Timor como uma derrota do regime. Os Estados Unidos

queriam manter as suas boas relações com a Indonésia, bem como o equilíbrio

e a ordem regional; portanto, também não estavam particularmente interessa-

dos em destabilizar quem tinha sido um aliado de tão longa data. A China e a

Rússia também estavam preocupadas com a ordem regional e, ainda mais, com

o lançarem um precedente para intervenções não convidadas. No final, os

princípios constitutivos do emergente Estado de Timor-Leste reflectiam a lógica

política do Conselho de Segurança, de cautela e consenso60.

60 Cf. ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 5.

326 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

7.2.1. Recrutamento e composição da missão

Embora nos contratos dos funcionários internacionais haja uma cláusula

geral que permite ao Secretário-Geral enviar pessoal para qualquer operação no

terreno, a prática tem sido a de que os altos quadros não são obrigados a

participarem nestas missões.

Em Timor isto significou que durante vários meses Vieira de Mello não tinha

funcionários suficientes para preencher todos os lugares da componente

Governação e Administração Pública. O entendimento que Timor era uma terra

vazia, de infra-estruturas e de pessoal qualificado, levou a que o RESG não tenha

recorrido a timorenses para ocupar esses lugares61, mas antes tenha ficado à

espera de altos quadros para essas posições – o que aumentou o descontenta-

mento dos locais, que, numa fase inicial, apenas podiam ser usados como

voluntários.

Porém, quando analisamos a posição do Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento (PNUD), por exemplo, podemos ver que o Programa rejeitava

o argumento de terra nullis, adoptando antes uma abordagem orientada para o

desenvolvimento. A recomendação do PNUD de que a UNTAET deveria desde o

início maximizar o uso dos recursos humanos timorenses, que estavam na

administração, na diáspora, nos estudantes fora do território e outros residentes

(mesmo os de origem indonésia)62, não foi acolhida.

Quando se fala de recrutamento fala-se de uma actividade que envolve

identificar, seleccionar e contratar milhares de pessoas, desde militares até civis

e funcionários de várias categorias.

Em função do modelo adoptado e da estrutura burocrática de planeamento

da missão, a UNTAET foi tratada como uma operação internacional baseada nas

contribuições dos Estados e com pessoal recrutado internacionalmente. A nível

local foram recrutados apenas funcionários para tarefas mais manuais como

61 Excepção para o Banco Mundial que, desde o início, deu formação a timorenses.62 PNUD, Conceptual Framework for reconstruction, recovery and development of East Timor,

draft, Nova Iorque, Setembro de 1995, p. 5.

327colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

condutores, seguranças, pessoal da manutenção. Ao nível do terreno, por certo

que este recrutamento amplia o trabalho disponível e, em consequência diminui

o desemprego local. Contudo, a frustração de ver um Estado ser construído sem

a participação dos administrados, bem como a disparidades dos salários auferidos

suscita frustração e contestação aberta entre os locais.

7.3. Autoridade da Administração Internacional

Quanta autoridade é a autoridade necessária e suficiente? Esta é uma das

perguntas que estas administrações transitórias têm levantado com mais fre-

quência.

Como pudemos observar, desde a assistência até à governação, são vários

os regimes de exercício de autoridade que se podem detectar nas distintas

missões e é exactamente o grau de autoridade de que estão investidas que nos

permite distinguir as várias categorias de administração. Mas existe um denomi-

nador comum: é sempre necessário um determinado grau de autoridade para

dar cumprimento ao mandato.

Isto significa que num primeiro momento para fazer face ao vazio adminis-

trativo deixado no terreno, à crise humanitária que tem acompanhado estas

missões e à necessidade de montar – por vezes do zero – um aparelho de

exercício de poder à administração internacional, deverá ser concedida uma

autoridade transitória a mais ampla possível, naquilo que alguns já chamam de

autocracia estrangeira benevolente sob os auspícios das Nações Unidas63.

E foi o grau de autoridade atribuído à UNTAET que fez com que os mais

críticos da missão não tenham hesitado em falar de autoritarismo. E, de facto, em

sede de exercício de autoridade, as Nações Unidas em Timor-Leste celebraram o

seu primeiro acto de soberania onusiana, com o Acordo de Empréstimo para o CEP

63 SIMON CHESTERMAN, You The People, The United Nations, Transitional Administration, and

State-Building, Final Report on the Project on Transitional Administrations, Nova Iorque, International

Peace Academy, Novembro 2003, disponível in www.ipacademy.org/Publications/Publications.htm.

328 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

(Community Empowerment and Local Governance Project), pelo qual o Banco

Mundial definia como “Recipiente” Timor-Leste e a UNTAET, e que foi assinado

pelo Administrador Transitório enquanto chefe de Estado e não apenas como

representante da ONU64. O que levou a revista Time a escrever:

[A]s Nações Unidas são legalmente os detentores da soberania de

Timor-leste: a primeira vez na sua história em que o organismo mundial

desempenhou tal papel65.

7.4. Construção de capacidades políticas locais

Esta construção ocorre quando não existem estruturas locais, ou então

quando as mesmas não são reconhecidas, pela administração internacional,

como democráticas ou representativas66. Devido ao carácter transitório, tempo-

rário destas missões que exercem a autoridade em nome do povo administrado,

é necessário criar estruturas, capacidades que permitam a devolução da autori-

dade ao povo. Uma devolução que não deverá ser feita automaticamente, nem

de acordo com uma qualquer meta definida extemporaneamente. É imperativo,

para cada missão, seja ela de supervisão da implementação de um acordo de paz,

a administração de um território disputado, o exercício interino da administração

64 JARAT CHOPRA, “The UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 30. A importância da referência

ao termo “Recipiente” reside no facto de os Recipientes dos empréstimos concedidos pelo Banco

Mundial serem os Estados.65 TERRY MCCARTHY, “Rising From the Ashes,” Time (edição internacional), 20 de Março de 2000,

p. 14.66 Como vimos em Timor-Leste havia esta dupla necessidade, por um lado o território estava

destruído, incluindo as estruturas governativas, que nunca tinham estado nas mãos dos timorenses,

pelo outro lado, determinadas leis em vigor no território constituíam impedimentos à instalação e

funcionamento de um Estado democrático. Leis essas que foram afastadas no primeiro regulamento

emitido pela UNTAET.

329colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

de um território ou a construção de um Estado, que se criem mecanismos através

dos quais a população local possa ser envolvida na sua própria administração e

pelos quais possa aprender as regras de funcionamento desses aparelhos

governativos e, mais tarde, exercer essa governação.

Está consagrado no mandato das administrações internacionais a participa-

ção da população local – feita em moldes que vão desde a consulta até à

participação nas estruturas criadas – em nome dos quais a operação é montada.

A construção de capacidades institucionais para essa participação é fulcral para

a viabilização da operação, bem como para o seu sucesso a longo prazo.

Em Timor-Leste a actuação do Administrador Transitório que mal chega-

do ao território tratou de encetar mecanismos de consulta com o líder do

CNRT – o parceiro local escolhido – levou a que os seus poderes indisputados e

sem precedentes, fossem exercidos de forma balanceada com uma participação

local.

Esta ligação da UNTAET com o movimento que havia liderado e personifica-

do a resistência do povo maubere suscita-nos outras reflexões conexas: (i) em

primeiro lugar a importância do envolvimento o mais cedo possível dos parcei-

ros locais, (ii) a escolha desses parceiros (que deverá ser cuidadosa e de forma a

abranger as várias sensibilidades) e (iii) a adequação da missão planeada à

situação concreta (o que pressupõe que o mandato seja visto como flexível e

adaptável).

O envolvimento dos parceiros locais é crucial para a execução do mandato

e para a própria legitimidade da missão. É em nome desses que a administração

é exercida e, por conseguinte, seria contraditório em essência não os incluir nas

próprias estruturas administrativas. São eles quem conhecem os costumes, tradi-

ções, cultura e projecto do povo em causa. Já a escolha do interlocutor poderá

ser problemática, em especial quando no terreno existem actores com agendas

políticas distintas e, por vezes, competidoras. Mas em Timor-Leste o contexto era

favorável à UNTAET. A missão era querida pela população, o CNRT era reconhe-

cido, com algumas poucas excepções, como o legítimo representante das aspira-

ções da população e, em consequência, a escolha de Vieira de Mello foi facilitada.

A criação de um Conselho Consultivo Nacional como um governo sombra da

330 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

UNTAET, a sua posterior substituição pelo Conselho Nacional e a instituição da

ETTA – da Administração Transitória Timorense – são sinais dessa timorização do

processo, que não ocorreu sem críticas.

Alguns críticos de Vieira de Mello não hesitaram em dizer que o RESG era

apenas reactivo, que a timorização se ia fazendo por vagas à medida que as

manifestações da população local junto do Palácio do Governador – a sede da

UNTAET – se iam tornando incontornáveis67.

A participação local permitiu, também, efectuar uma correcção in locco de

algumas lacunas do planeamento da missão.

7.5. A Reconstrução Económica, Actividades de ordem pública eassistência humanitária

Do mandato das administrações internacionais consta sempre o melhora-

mento da situação económica dos habitantes do território. Essa reconstrução

significa reabilitar as estruturas existentes e que possam ser reconvertidas, re-

construir o que ficou destruído (em Timor-Leste o grau de destruição pós-

-conflito era de mais de 50%), e delinear um plano de desenvolvimento humano

sustentável. Uma tarefa tão formidável quanto difícil.

A falta de altos quadros locais que pudessem assumir as principais respon-

sabilidades na administração pública bem como nos processos de reconstrução

e desenvolvimento encetados pela administração internacional, e que resulta-

ram de anos de negligência nos sistemas educativos quer de Timor-Leste, atrasa-

ram não só o processo de envolvimento da população local, como o próprio

processo de desenvolvimento. Tudo tinha que ser importado – até os quadros

técnicos.

A quando da concepção do mandato das operações tem que se ponderar se

irá reabilitar as infra-estruturas destruídas ou negligenciadas ou se irá provocar

67 Entrevistas da autora com timorenses e com ex-funcionários da UNTAET, em Díli e em

Darwin.

331colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

modificações no próprio tecido produtivo e na maneira do povo encarar a sua

economia68. Uma alternativa deste tipo gerará, inevitavelmente, acusações de

ingerência; a reabilitação do statu quo poderá, pelo outro lado, suscitar alguma

preocupação em torno do reacender do conflito.

Em Timor-Leste esta dicotomia pareceu-nos omnipresente. Mesmo os altos

funcionários do PNUD, com a sua abordagem humana e sustentável, admitiam

(em privado) que tinham dificuldades em explicar às populações porquê é que

elas tinham que alterar a forma como encaravam a sua subsistência e a economia

da nação. De facto, a implementação de um modelo de desenvolvimento susten-

tável passa, não rara vez, por uma pedagogia prévia de governantes e governa-

dos, assumindo, como assume o PNUD, que as pessoas têm que ser preparadas

para serem produtivas e para poderem participar do seu próprio processo de

desenvolvimento.

A reposição da lei e da ordem pública é uma actividade tradicional da recons-

trução pós-conflito clássica, bem como a reintegração de refugiados e pessoas

internamente deslocadas. O facto de todas as intervenções das Nações Unidas até

há pouco tempo terem um carácter mais reactivo do que preventivo, faz com que

a dimensão auxílio humanitário esteja presente em todo o espectro das opera-

ções levadas a cabo.

Em sede de reposição da lei e ordem pública, as missões actuais têm um

mandato claro que vai desde a supervisão até à formação de uma polícia local.

Casos há em que a administração internacional pode até desempenhar a respon-

sabilidade primeira pelo policiamento; aí, a CIVPOL (a Polícia Civil das Nações

68 KRISHNA KUMAR acredita que após conflitos violentos a sociedade deverá ser preparada

para avançar numa direcção totalmente diferente, num processo de reconstrução para décadas.

In KRISHNA KUMAR (org.), Rebuilding Societies after civil war. Critical roles for International Assistance,

Lynne Rienner Publishers, Boulder, 1997, p. 2. Mónica Rafael Simões partilha da mesma opinião

afirmando que a situação de reconstrução pós-conflito deveria ser encarada como uma oportunida-

de para empreender reformas políticas, sociais e económicas, ultrapassando tensões e

vulnerabilidades existentes previamente e facilitando o caminho para um desenvolvimento mais

sustentável. MÓNICA RAFAEL SIMÕES, A Agenda Perdida da Reconstrução Pós-Bélica: O caso de Timor-

-Leste, Quarteto, Coimbra, 2002, p. 25.

332 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Unidas) é a própria polícia69. Quando acontece ser a administração internacional

a autoridade executiva de policiamento, a CIVPOL é auxiliada pelos capacetes

azuis, juízes e procuradores internacionais especialistas em direitos humanos

destacados para o terreno.

A averiguação das alegadas violações de direitos humanos que sempre

acontecem em cenários de conflito, frequentemente cometidas pelas próprias

autoridades locais que estavam investidas com a responsabilidade pelo policia-

mento, é outra das áreas fundamentais do mandato destas operações, sobretudo

das mais complexas como a UNTAET.

Como nos diz Caplan, a eficácia desta componente está directamente ligada

a quatro factores: (i) o grau de prontidão; (ii) os recursos disponíveis; (iii) o mandato;

(iv) o grau de apoio das forças de segurança internacionais destacadas no terreno70.

A questão da prontidão é abordada por Brahimi no relatório sobre as

operações de paz a que nos temos referido. Reconhecendo que a falta de

prontidão dos Estados contribuidores com forças provoca o destacamento tardio

dos recursos necessários e que este gera dificuldades no pronto cumprimento

do mandato (as Nações Unidas demoram três vezes mais que o necessário a

montar uma operação), é recomendado que os acordos de prontidão (stand-by

arrengements)71 sejam concretizados e que se crie uma lista de cerca de 100

oficiais militares de serviço (on-call) disponíveis num prazo máximo de 7 dias.

Estes militares, treinados em como montar uma operação de paz, seriam cruciais

para o planeamento levado a cabo pelo DOMP72.

E se esta questão se tem posto ao nível da cedência de recursos militares –

que em muitos casos são profissionalizados e em número suficiente para que

possam ser destacados para uma missão internacional sem que daí resulte

69 A este propósito ver especialmente: NASSRINE AZIMI, (dir.) The Role and Functions of Civilian

Police in United Nations Peace-Keeping Operations: Debriefing and Lessons, Kluwer Law International,

Londres, 1996.70 RICHARD CAPLAN, op. cit., pp. 31-3671 Ver o Sistema de Acordos de Prontidão das Nações Unidas (United Nations Standby

Arrengements System (UNSAS) in www.un.org/Depts/dpko/milad/fgs2/unsas_files/sba.htm.72 A/55/502, para.93 e seguintes.

333colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

qualquer ruptura para os serviços nacionais – quando se trata de polícia o

problema da prontidão é ainda maior.

Os países que fornecem polícias para as missões internacionais não têm

uma capacidade policial de reserva que possam dispensar de imediato; a maior

parte destes homens estão envolvidos na comunidade e, logo, retirá-los signifi-

caria rupturas no próprio serviço de polícia nacional. É por esta razão que alguns

têm defendido que as Nações Unidas, ou a comunidade internacional, deveriam

ter uma força de polícia internacional com um elevado grau de prontidão, já que

é difícil esperar-se que os militares desempenhem o trabalho policial. Outro dos

problemas que acresce a este é o facto de o recrutamento de polícias só poder

começar depois de autorizada a missão73. Mais ainda, há que ponderar que

mesmo quando essa disponibilidade existe, os polícias poderão não ter as

qualificações necessárias. Uma das áreas em que se nota esta falta de qualifica-

ções é no domínio de línguas74. E foi o que aconteceu, por exemplo, com os

polícias portugueses que foram para Timor-Leste, pois muitos deles não falavam

inglês, nem nenhuma das línguas faladas localmente.

A falta de qualificações em áreas como as línguas, como os padrões de direitos

humanos internacionalmente reconhecidos (que enformam a missão), como a

estrutura das operações internacionais, agravam uma situação que no início de

qualquer missão é já de per si caótica pela falta crónica de pessoal e de recursos

logísticos. As qualificações exigidas nos processos de recrutamento regulares –

73 No Kosovo, por exemplo, só depois de ter sido decidido que seriam as Nações Unidas a

exercer a responsabilidade primeira pelo policiamento e não a OSCE, como foi discutido, se deu

início ao processo de recrutamento. Isto significou que 5 meses depois do destacamento da UNMIK,

a missão dependia em 3 das suas 5 regiões operacionais totalmente dos militares da KFOR para a

garantia da segurança pública. In ASSEMBLEIA da UEO, “International Policing in South Eastern

Europe,” Report of the Political Committee, C/1721, 15 de Novembro de 2000, para. 40.74 A falta de domínio de uma língua estrangeira significa, muitas vezes, que a cadeia de

informação é cortada ou pelo menos demasiadamente demorada. Um dos exemplos quase caricatos

que é usado para ilustrar esta necessidade de uma língua de trabalho comum é o de muitas vezes

os polícias receberem ordens escritas ou manuais sobre o manuseamento de armamento em língua

inglesa e não serem capazes de os compreender, tornando a acção impossível.

334 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

tiro, condução e domínio da língua inglesa – não são suficientes para lidar com

cenários de intervenção/administração tão complexos como o de Timor-Leste.75

A desmilitarização é outra das tarefas de manutenção da lei e da segurança

internas. Em Timor-Leste não havia propriamente um problema de desarmamen-

to da população civil, embora se tratasse de um povo que há mais de 25 anos

lutava contra a ocupação por uma potência estrangeira e em que a palavra de

ordem era resistência. O problema que persistia era as armas que estavam na

posse das milícias pró-indonésias, que depois da entrada da INTERFET actuavam

do lado ocidental da Ilha.

A reintegração dos ex-combatentes das FALINTIL, o braço armado do movimen-

to de resistência timorense, foi pensada como o ponto de partida para a criação

das forças armadas nacionais timorenses. Mais uma vez seguia-se o modelo usado

no Kosovo; porém, essa integração demorou cerca de um ano, o que suscitou um

enorme descontentamento e frustração entre a população em geral e entre os ex-

-guerrilheiros em particular. Parece-nos que, mais uma vez, foi o apego ao princípio

da neutralidade que impedia o reconhecimento claro do CNRT como o principal

interlocutor da Missão e o seu braço armado como os legítimos representantes do

povo timorense, que atrasou a criação da Força de Defesa de Timor-Leste, compos-

ta no essencial pelos ex-guerrilheiros das FALINTIL76.

75 Existem já algumas propostas sobre os elementos essenciais à formação de uma CIVPOL

eficiente. Entre elas encontrámos: Os países que fornecem elementos para a CIVPOL deverão estar

preparados para o trabalho a realizar; essa preparação inclui treino físico, domínio de línguas, um

mínimo de 5 anos de experiência profissional, mais de 25 anos de idade e um mínimo de treino

táctico; O treino prévio que deverá ser dado em cada país de origem poderia revestir o modelo de

um curso padronizado internacionalmente e com duração de duas semanas; A CIVPOL deverá estar

totalmente equipada; A CIVPOL deverá ser parte da missão, mas apenas uma das componentes.

Assim, não deverá ser incorporada na compp0onnete militar; O acompanhamento do desempenho

da missão e a realização de relatórios de avaliação dos elementos da CIVPOL deverá ser uma prática

generalizada. Cf. JURGEN REINMANN, op. cit., pp. 110-111.76 UNTAET/REG/2001/1, 31 de Janeiro de 2001. Os soldados das FALINTIL que ainda não se

tivessem juntado à FDTL seriam reintegrados pelo Banco Mundial e pela Organização Internacional

de Migrações, in IOM, East Timor – Reinsertion of Former Combatants, IOM Briefing Notes, 2 de

Fevereiro de 2001.

335colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

A reinstalação de refugiados e pessoas internamente deslocadas77 é outra face

da reconstrução pós-conflito. E em Timor-Leste o retorno dos refugiados foi um

dos problemas mais prementes graças quer à actividade de intimidação das

milícias pró-indonésias que actuavam em Timor Ocidental, graças às dificuldades

de reconciliação nacional em Timor-Leste. Uma destas dificuldades resultava da

solução das disputas relativas à posse da terra e da propriedade. Além dos

entraves ao investimento – como já referimos – o facto de a UNTAET ter decidido

que o direito de propriedade seria um assunto que os próprios timorenses,

depois da independência, deveriam tratar, atrasou o processo de reinstalação.

A criação da Comissão para o Acolhimento, Reconciliação e Verdade (CARV),

ao patrocinar a reconciliação e reconstrução comunitária, veio prestar um

contributo fundamental para a reintegração dos refugiados e pessoas interna-

mente deslocadas nas suas comunidades de origem.

7.6. Mecanismos de responsabilização

As administrações internacionais, tais como os mandatos e a tutela antes

deles, derivam a sua legitimidade em parte da noção de confiança78; uma confi-

ança fiscalizada pela SdN e pela ONU, no caso destes dois últimos. O problema

que se nos coloca agora é perante quem é responsável a administração directa

das Nações Unidas? Quando as Nações Unidas são o governo respondem peran-

te que autoridade?79 E no caso de Timor-Leste em que os poderes do RESG eram

de tal forma formidáveis que Vieira de Mello “era a lei.80”

77 Ver nosso, Reintegração de ex-combatentes, refugiados e pessoas internamente deslocadas,

para Portugal MUN 2003, Dezembro de 2003, disponível in http://portugalmun.iscsp.utl.pt78 DIETRICH RAUSCHNING, in BRUNO SIMMA (ed,), op. cit., pp. 933-4. Veja-se, por exemplo, que

tutela em inglês trusteeship deriva do radical trust – confiança.79 “As Nações Unidas como governo” tem sido uma ideia muito veiculada, sobretudo no

seguimento das operações no Kosovo e em Timor-Leste. Expressões como UN State ou UN statehood

ou, ainda, UN sovereignty entraram na literatura, em franco desenvolvimento, sobre a matéria.80 SIMON CHESTERMAN, The United Nations as Government: Accountability Mechanisms for

Territories under UN Administration, op. cit, rascunho do autor, p. 2; Ver, também, SIMON CHESTERMAN,

336 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Vieira de Mello era a lei mas era também responsável perante as Nações

Unidas, perante o SG e o CS, em última instância. Porém, a imagem de impuni-

dade sempre persistiu a despeito dos esforços de criação de mecanismos de

responsabilização. Em Timor-Leste foi nomeado um Provedor em Setembro de

2000 de forma a garantir um mínimo de transparência e responsabilização das

administrações exercidas81; havia ainda um segundo mecanismo de responsabili-

zação: o Inspector-Geral82. Esta figura resultou de uma exigência do CNRT de se

estabelecer um organismo timorense para verificar o uso de fundos do Trust Fund

para Timor-Leste administrado pelo Banco Mundial.

A responsabilização local da missão estava também prevista, embora de

forma limitada, através de um escrutínio local conforme os Regulamentos 2000/

23 e 2000/24, ambos de 14 de Julho.

O Gabinete podia chamar os responsáveis pela Administração Transitória de

Timor-Leste (ETTA), o governo nascente, para fornecerem qualquer “informação

necessária e pertinente”, e o Conselho Nacional poderia solicitar aos membros do

Gabinete que comparecessem perante si. Como a ETTA era uma instituição

distinta da UNTAET – embora tivessem competências sobrepostas e houvesse

uma partilha de pessoal durante o período de transição – a UNTAET não estava

sujeita a qualquer grau de escrutínio local institucionalizado (apenas à opinião

dos administrados). Assim o princípio da responsabilização aplicava-se à missão

apenas perante a ONU.

Ombreando com o princípio da responsabilização está o princípio da trans-

parência. Se as Nações Unidas eram o Governo, tinham que ser um governo

democrático como o que queriam preparar para os timorenses; logo, as suas

decisões e procedimentos, além de estarem sujeitos à lei, tinham que ser trans-

parentes. Apenas a transparência dos actos adoptados permitiria à população

You, The People, The United Nations, Transitional Administration, and State-Building, Oxford University

Press, Oxford, 2004, esp. ‘Consultation and Accountability: Building Democracy Through Benevolent

Autocracy,’ pp. 126-152.81 Os provedores podem ouvir as queixas contra todos os funcionários (internacionais e locais),

mas a sua jurisdição está limitada a abusos de autoridade em matérias de direitos humanos.82 UNTAET/REG/2000/34, 16 de Novembro.

337colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

local responsabilizar a missão. E aqui os problemas eram agravados pelo facto de

as estruturas interinas de governação montadas pelas administrações transitó-

rias serem muito complexas e muitas vezes as decisões adoptadas serem incom-

preensíveis para os locais. Assim, é crucial o estabelecimento de canais de

comunicação entre administradores e administrados; de facto, as operações de

paz, não obstante o seu tipo, levam sempre para o terreno departamentos de

comunicação e informação pública e várias outras formas de comunicar com a

população local com o fito de granjear o seu apoio e colaboração.

Vieira de Mello reconhecendo a importância desta comunicação, numa

primeira fase, preocupou-se com informar a população local sobre quem eram,

ao que vinham e como eles (os timorenses) poderiam participar no processo.

Porém, o estado das infra-estruturas de comunicação não lhe permitiu dar início

a esse contacto; assim, a reconstrução/reabilitação de emergência das antenas

retransmissoras foi definida como uma prioridade83.

7.7. A aplicação da Justiça

A garantia da ordem pública e da segurança interna, significam mais do que

ter forças policiais visíveis, apoiadas ou por forças de manutenção da paz; a

garantia dessa segurança passa por estabelecer o Estado de Direito, um sistema

judicial efectivo que seja capaz de realizar julgamentos justos e imparciais.

A nomeação de juízes internacionais que podem seleccionar os casos em

que se vão envolver – e serão sempre os casos mais graves – permite efectuar

algum controlo sobre os abusos de poder. E embora em algumas missões haja

resistência a essa nomeação84, os juízes internacionais acabam por ser garantes

de transparência e imparcialidade85.

83 Entrevista da autora a Sérgio Vieira de Mello em Díli.84 Como foi o caso da Missão Interina das Nações Unidas no Kosovo em que a nomeação de

juízes internacionais suscitou uma profunda contestação.85 Ver HANSJÖRG STROHMEYER, “Collapse and Reconstruction of a Judicial System: The United

Nations Mission in Kosovo and East Timor,” The American Journal of International Law, Vol. 95:46, 2001,

338 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Em Timor-Leste, o UNTAET/REG/2000/11, de 6 de Março de 2000, permite a

nomeação de juízes internacionais ao lado de juízes timorenses para ouvirem os

casos de crimes mais graves. E o UNTAET/REG/2000/15, de 6 de Junho de 2000

cria Câmaras com Jurisdição Exclusiva sobre Delitos Criminais Graves.

Porém, permanece uma questão prévia interessante: qual é a lei aplicável?

A falta de um código penal interino, por exemplo, que possa ser aplicado pelas

administrações transitórias é um dos desafios às mesmas, identificados no Rela-

tório Brahimi86. O problema da lei aplicável, como nos diz Brahimi, coloca-se,

sobretudo, quando a lei anteriormente em vigor no território é vista pela popu-

lação como inaceitável, ou quando a população local se sente vitimizada por essa

lei.

Uma outra questão curiosa é a seguinte: se a lei é tida como inaceitável, ou

na eventualidade de ser aceitável, se a mesma não está em conformidade com os

padrões de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, que lei deverá

ser aplicada? Ou mesmo na eventualidade de ambas as condições prévias se

reunirem: (a aceitabilidade da lei anterior e a sua consonância com as normas de

direitos humanos internacionalmente reconhecidas), o pessoal envolvido na

administração internacional (polícias, juízes, procuradores e advogados respon-

sáveis pela sua aplicação) poderá não estar familiarizado com a mesma.

O Relatório Brahimi enuncia esta como uma questão premente, dedicando-

-lhe uma recomendação especial.

pp. 46-63; e SIMON CHESTERMAN, Justice Under International Administration: Kosovo, East Timor and

Afghanistan, op. cit., p. 7. ver, também, SIMON CHESTERMAN, You, The People, The United Nations,

Transitional Administration, and State-Building, Oxford University Press, Oxford, 2004, esp. ‘Justice and

Reconciliation: The Rule of Law in Post-Conflict Territories’ pp. 154-183.86 Brahimi destaca o problema do Código Penal pois quando o Relatório em causa foi redigido

as missões mais mediáticas eram as do Kosovo e de Timor-Leste e que haviam motivado interven-

ções internacionais de uma magnitude assinalável pela urgência e dimensão das crises humanitá-

rias. Assim, face às mesmas, uma das prioridades era pacificar a região e começar a punir os

responsáveis pelas atrocidades registadas.

339colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Nos dois locais em que as Nações Unidas têm agora responsabilidade

pela aplicação da lei, a capacidade local judicial e jurídica era inexistente,

fora de prática ou sujeita a intimidação por elementos armados. Para

além disso, em ambos os locais, a lei e os sistemas jurídicos prevalecen-

tes antes do conflito eram questionados ou rejeitados pelos grupos

chave considerados vítimas desses conflitos87.

E o Relatório prossegue dizendo que, mesmo que a escolha por um código

local fosse clara (e aceitável), a equipa da missão responsável pela aplicação da

justiça teria que aprender esse código, e os seus procedimentos, suficientemente

bem para instruírem e julgarem os casos em tribunal. As diferenças linguísticas,

culturais, de costumes ou de experiência implicariam que essa aprendizagem

demorasse seis meses ou mais. Ora uma missão de administração internacional

não pode efectuar um interregno de seis meses, enquanto aprende a lei, na

administração da justiça. Sítios onde tenha havido graves conflitos – como o

Kosovo e Timor-Leste – necessitam de uma intervenção imediata. É preciso

começar desde o primeiro dia a repor a lei, a ordem; e isso só se faz com um

aparelho judicial pronto a funcionar. Caso contrário “[as] facções políticas locais

mais poderosas poderão aproveitar-se do período de aprendizagem para insta-

larem as suas próprias administrações paralelas, e os sindicatos do crime de boa

vontade explorarão quaisquer vazios legais ou de aplicação da justiça que

possam encontrar88.”

Em Timor-Leste o RESG, logo no seu primeiro Regulamento, identifica a lei

vigente em Timor-Leste: a lei indonésia. Foram apenas mantidas as leis que

não en-trem em conflito com as normas de direitos humanos internacionalmen-

te reconhecidas89, nem com o mandato da UNTAET, nem com o Regulamento

1999/1 e com outros regulamentos e directivas emitidas pelo Administrador

Transitório.

87 A/55/305, S/2000/809, para. 7988 A/55/305, S/2000/89, para. 80.89 Ver artigo 2, do UNTAET/REG/1991/1.

340 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Mas à semelhança do que havia acontecido no Kosovo, em Timor-Leste a

situação não estava terminada, como nos mostram os acontecimentos mais

recentes. Grande parte dos problemas suscitados, ficam a dever-se à lentidão

com que o sistema judicial foi posto em marcha e que, em última análise,

minaram a confiança do povo no Estado de Direito.90

Para facilitar a componente de aplicação da justiça e instituição de um

sistema judicial independente e imparcial, e criar confiança no Estado de Direito,

o Relatório Brahimi diz que, se existisse um pacote de justiça das Nações Unidas,

permitir-se-ia à missão aplicar um código jurídico interino para o qual o pessoal

da missão houvesse sido pré-treinado, enquanto a questão da “lei aplicável” era

decidida. E recomenda, para o efeito, que seja constituído um painel internacio-

nal que estude a viabilidade da elaboração de um código interino – um “código

modelo” – que sistematizasse os princípios, linhas de orientação, códigos e

procedimentos contidos nas várias dezenas de convenções e declarações inter-

nacionais relativas aos direitos humanos, ao direito internacional humanitário, e

aos princípios orientadores para os sistemas de polícia, de procuradoria e penal,

com as adequações regionais eventualmente necessárias. A conciliação da justi-

ça tradicional com os padrões internacionais é outros dos desafios que não

podem ser ignorados91.

Esse estudo deveria ter em vista a criação de um tal “código modelo” que

contivesse o essencial sobre a lei e procedimentos aplicáveis que permitissem a

uma operação aplicar o processo justo (due processs) recorrendo a juristas interna-

cionais e a normas internacionalmente reconhecidas para crimes graves tais

como homicídio, violação, fogo posto, rapto e assalto agravado. Tudo isto en-

quanto o restabelecimento da capacidade local fosse preparado.

90 SIMON CHESTERMAN, Justice Under International Administration: Kosovo, East Timor and

Afghanistan, op. cit, p. 9.91 William Kirk e Mark Plunkett identificam os ingredientes que os tais pacotes de justiça

deverão ter e que, na senda do Relatório Brahimi, vão desde um código penal e de processo penal

até às leis anti-corrupção. Cf. WILLIAM KIRK e MARK PLUNKETT, “Justice Package for Peace-Keepers,”

in NASSRINE AZIMI (dir.), The Role and Functions of Civilian Police…, op. cit., p. 203

341colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

O direito de propriedade, reconhece o Relatório92, provavelmente teria que

ficar de fora de tal “modelo” mas pelo menos a missão deveria poder julgar

eficazmente os que deitaram fogo às casas dos seus vizinhos, enquanto as

disputas sobre propriedade estivessem a ser tratadas93.

A reconstrução de infra-estruturas para o sistema judicial é outra das inúme-

ras tarefas com que as administrações internacionais têm que lidar. Em casos

como os do Kosovo e os de Timor “um dos passos cruciais para reconstruir os seus

sistemas judiciais era a reconstrução física das infra-estruturas judiciais, incluindo

os edifícios dos tribunais e os gabinetes94.” Em Timor-Leste “[u]ma prioridade

menos óbvia nos primeiros meses da operação era a construção de instalações

correccionais95.” Mas quando esta se tornou uma necessidade pois a falta de

espaço começava a pôr em causa a capacidade da Missão em deter os acusados

de crimes, um grande obstáculo foi a relutância dos doadores em financiarem a

construção de prisões.

7.8. A estratégia de saída

O envolvimento das Nações Unidas nestas administrações internacionais

deverá ser percebido sempre como um processo contínuo. E embora os manda-

tos das missões prevejam os seus quadros temporais estes são, com frequência,

demasiadamente apertados para serem sequer realistas. A renovação constante

dos mandatos é, pois, consequência desta incapacidade de prever pragmatica-

mente a duração do envolvimento da Organização nos territórios administrados.

Mas este pragmatismo tem que enfrentar o realismo dos interesses dos Estados

92 A/50/305, S/2000/809, para. 81.93 Sobre a Política de Terras, e propriedade, especialmente em Timor, ver DANIEL FITZPATRICK,

“Land Policy in Post-Conflict Circumstances: Some Lessons from East Timor,” in The Journal of

Humanitarian Assistance, 24 de Novembro 2001, in www.jha.ac/articles/2074.htm94 HANJÖRG STROHMEYER, op. cit., p. 57.95 SIMON CHESTERMAN, op. cit., p. 8.

342 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

que a Organização apenas veicula. De facto, os Estados são relutantes em

admitirem à partida envolvimentos longos, desde logo porque estas operações

são hiper dispendiosas. Em favor deste argumento vem o facto os Estados terem

entregue as operações de administração internacional e de eventual construção

de Estados à Organização das Nações Unidas quando no pós-II Guerra Mundial os

Estados Unidos, por exemplo, assumiram com grande voluntarismo tarefas co-

lossais nesse campo96.

Mas o mais importante aqui é discutir, não o tempo previsto, mas a percep-

ção de qual é o tempo de saída. As Nações Unidas têm usado a realização

de eleições como estratégia de saída; de facto, as eleições são vistas como o

ponto focal do envolvimento internacional.97 A realização de eleições não

significa a reconciliação nacional, mesmo quando decorrem de forma democrá-

tica; e não é raro o reacender dos conflitos após a realização de eleições,

sobretudo quando existem no terreno facções com agendas políticas muito

divergentes e quando as causas do conflito não foram devidamente trata-

das. Como as administrações internacionais têm tido um envolvimento significa-

tivo na realização de eleições – em alguns casos estabelecendo mesmo a lei

eleitoral – à partida poderá parecer que a garantia do estabelecimento de

mecanismos de participação política conduzirá à paz. A realidade tem desmen-

tido esta premissa.

Assim, as eleições não podem marcar a hora da saída; esta deverá ser

faseada, com uma transferência rápida mas responsável da autoridade para os

administrados. Não se trata de perpetuar as administrações internacionais com

o argumento de que o povo não está preparado para se governar – este foi o

argumento usado pelas potências colonialistas para manterem os seus Impérios

e as Nações Unidas não pretendem ser uma nova potência colonial.

96 Ver o envolvimento dos Estados Unidos da América no pós II Guerra Mundial na administra-

ção da Alemanha e do Japão, in JAMES DOBBINS, [e tal.], America’s Role in Nation-Building, From

Germany to Iraq, op. cit., pp. 3-53.97 JANET E. HEININGER, Peacekeeping in Transition: The United Nations in Cambodia, Twentieth

Century Fund Press, Nova Iorque, 1994, p. 38

343colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Além deste faseamento da saída é fundamental deixar no terreno mecanis-

mos de acompanhamento; é importante para a população local a mensagem de

que não vão ser abandonadas98, é importante para o sucesso da missão.

Se as Nações Unidas pretenderem voltar a executar missões do alcance das

que temos analisado é crucial que destaque para o terreno mecanismos de

acompanhamento que permitam a detecção dos erros bem como das

potencialidades. Este acompanhamento é feito por estruturas da ONU – missões

sucessórias com poderes mais reduzidos99, por exemplo – mas pode também ser

levado a cabo pelas Organizações Não-Governamentais – o mais frequente – e

poderá constituir um excelente campo de trabalho para as Organizações Regio-

nais.

Nesta linha surge a avaliação de resultados. A avaliação de resultados em

política externa é uma tarefa, por regra, inconclusiva. O cumprimento do mandato

não significa o cumprimento dos objectivos da missão; isto é, se uma missão tem

como objectivo construir um Estado, quando a independência desse Estado é

declarada poder-se-á considerar a missão bem sucedida? E se a missão tiver

apenas criado um Estado à beira do falhanço (approaching the brink of failure100)?

Na impossibilidade de fazermos futurologia, podemos contudo analisar o que a

prática dos territórios administrados nos tem mostrado. E podemos recomendar

que as Nações Unidas recorreram de forma sistematizada ao método lições apren-

didas, mas, doravante, prevendo implicações concretas na organização e gestão

das futuras operações. A constituição de uma memória institucional, feira depósito

de experiências, não só permitirá cortar etapas no planeamento – pois poder-se-

-á recorrer a fórmulas previamente validadas ou refutadas – como optimizar os

recursos – em termos de pessoal dedicado ao planeamento e pessoal enviado para

o terreno, bem como em termos de logística – e ainda conseguir níveis de

98 Recorde-se, a este respeito, que uma das mensagens fundamentais que a UNAMET tentou

veicular em Timor-Leste era a de que a Organização não abandonaria os timorenses depois da

realização da consulta popular.99 A UNMISET em Timor-Leste é um exemplo deste acompanhamento pela Organização.100 ROBERT I. ROTBERG, op. cit., p. 91.

344 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

eficiência mais aceitáveis – neste momento o binómio custos/resultados das

operações de paz das Nações Unidas é altamente desfavorável à acção.

É agora reconhecido pelos próprios altos quadros das Nações Unidas que a

falta de uma memória colectiva gerou situações como o facto de o Kosovo ter

recebido a operação que deveria ter sido planeada para a Bósnia, quatro anos

antes; Timor-Leste recebeu a que deveria ter sido enviada para o Kosovo e o

Afeganistão é hoje abordado com uma perspectiva completamente diferente de

light footprint que tem os contornos do que Brahimi considera terem sido os

adequados a Timor em 1999.

7.9. Resistências

A tese do acidente histórico que tem gravitado em torno das administra-

ções internacionais de governação directa resulta do reconhecimento do carác-

ter mais-que-excepcional das mesmas, mas também da própria resistência

de alguns agentes em se envolverem nestas missões muito complexas, muito

caras, muito demoradas e cujo apuramento de resultados revela sempre

falhas.

De facto, quando a tarefa é administrar um território exercendo um amplo

leque de competências, tendo que dar respostas a todas as necessidades de uma

população – quer necessidades de emergência, quer de desenvolvimento huma-

no a longo prazo – tendo que dosear de forma equilibrada e responsável a

transferência da autoridade para as capacidades políticas locais que tem que

construir, lidar com as contestações, com as limitações, com a falta crónica de

recursos, facilmente se compreende que determinados actores denunciem a sua

indisponibilidade para posteriores envolvimentos.

Os Estados Unidos da América – envolvidos em operações de administração

internacional e, dentro destas, em algumas de construção de Estados101 – reve-

101 Ver JAMES DOBBINS, [e tal.], America’s Role in Nation-Building…, op. cit. Dobbins faz uma

análise detalhada do envolvimento norte-americano unilateralmente ou em coligação numa varie

345colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

laram, nos últimos anos, uma relutância insuspeita em continuarem a envolver-

-se nas operações hiper-complexas que temos estado a descrever. As declara-

ções de Condoleeza Rice afirmando que os soldados norte-americanos, com uma

formação de milhares de dólares, presentes na Bósnia não estavam lá para

escoltar crianças para os infantários revelam a incapacidade em se envolverem a

longo prazo nas tarefas de uma administração transitória que incluem o policia-

mento, até de crianças a caminho da escola.

Mas a posição norte-americana não é única. Destacámos esta por ser um

Estado com uma relevância internacional evidente e também por terem estado

envolvido na génese de muitas operações de construção de Estados. O que está

aqui evidenciado é a inadequação dos Estados – isoladamente ou em coligações

– para as tarefas implicadas na administração transitória de territórios. Estas impli-

cam um envolvimento longo (demasiadamente longo para uma avaliação de

resultados que, na maioria dos Estados se faz periodicamente por alturas eleitorais)

o que é incompatível com a afirmação suprema do interesse nacional – avaliado a

curto prazo. A subjugação dos objectivos da política externa aos imperativos do

interesse nacional faz dos Estados maus construtores de Estados102.

A análise leva-nos a concluir que, a realizarem-se mais operações das do tipo

estudado, a responsabilidade terá que ser assumida por Organizações Interna-

cionais, mormente pelas Nações Unidas, embora as organizações regionais pre-

sentes no Kosovo tenham mostrado apetência, capacidade e empenho efectivo

no preenchimento dos Pilares que lhes foram atribuídos.

Porém, como já o referimos, esta posição está longe de ser consensual. Além

de declarações de altos funcionários que classificam estas operações como

acidentes históricos, de posições críticas que vêem estas operações como

intrusões neo-colonialistas, como inadequadas às realidades locais por terem

sido preparadas em Nova Iorque, o próprio Relatório Brahimi abre a discussão ao,

dade de operações de administração internacional, dando grande destaque às administrações pós-

-II Guerra Mundial.102 SIMON CHESTERMAN, “From Kabul to Baghdad: Unfinished Business,” In In The National

Interest, 30 de Outubro de 2002, disponível in www.inthenationalinterest.com

346 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

depois de descrever as enormíssimas tarefas das administrações transitórias

civis, perguntar se as Nações Unidas deveriam de todo desempenhar estas

tarefas? Se as Nações Unidas deveriam sequer assumir estas competências?

A não reflexão poderá levar a que cada futura operação seja mais um

plano de contingência preparado de raiz, o que demora demasiado tempo,

implica a afectação de mais recursos e diminui a eficiência e prontidão da

resposta.

8. Conclusão

[Na década de 1990] o mundo regressou à ONU para ali encontrar um

deserto de recursos, de logística, de experiência, mas em todo o caso para

encontrar um valor institucional que é o da legitimidade103.

Adriano Moreira

De facto, a década de 1990 significou o regresso da comunidade às Nações

Unidas em busca da legitimidade, cujo monopólio a Organização considera seu.

Um regresso que ficaria marcado pela reassunção, mas em moldes inesperados,

de poderes que a Organização havia, timidamente, ensaiado. Porém, nada fazia

prever que as Nações Unidas desempenhariam competências que até à altura

tinham permanecido, no sistema jurídico internacional contemporâneo, reserva-

das exclusivamente aos Estados soberanos. O resultado foi que em Timor, as

Nações Unidas exerceram um poder de agir, de administrar insuspeito: elas

foram no terreno, na prática quotidiana e para efeitos de representação interna-

cional dos territórios administrados, a entidade soberana.

Na retórica justificativa de tais operações, com a magnitude das administra-

ções internacionais transitórias civis das Nações Unidas, o argumento usado foi

o humanitário. Mais uma vez era o tempo das esperanças, pois a ser verdade este

103 ADRIANO MOREIRA, Prefácio a Estudos da Conjuntura Internacional, Lisboa, Publicações Dom

Quixote, 1999, p. 18.

347colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

argumento traduzia uma inflexão das preocupações de Estados e Comunidade

Internacional. Porém, parece-nos que, ombreando com o argumento humanitá-

rio como uma característica importante das relações internacionais, estava o

facto de os Estados individuais e a Comunidade Internacional reconhecerem a

sua incapacidade (e falta de vontade) em darem uma resposta adequada às

crises, conflitos e colapsos de Estados. Nesta linha foi sintomático que as opera-

ções mais complexas tenham sido estabelecidas em 1999, na sequência de

violência que deixou um vazio administrativo.

A questão amiúde levantada da legitimidade destas administrações transi-

tórias é respondida pelos próprios objectivos inscritos na Carta das Nações

Unidas. Senão vejamos o seguinte raciocínio: a Carta foi escrita em nome dos

‘Povos das Nações Unidas’; logo, sempre que a Organização actuar em nome

desses Povos, em nome da autodeterminação desses Povos, mesmo que o faça

recorrendo a mecanismos não explicitamente consagrados na Carta (como o são

as operações de paz) está legitimado o valor em nome do qual actuam. O recurso

ao regime internacional de tutela que, embora em desuso, faz ainda parte da

Carta, poderá ser a intersecção ideal entre a legitimidade (indisputada) e a

legalidade (necessária) das operações. De facto, os territórios podem ser volun-

tariamente colocados sob tutela: no caso de territórios disputados pelas partes

da contenda, no caso de Estados falhados pela própria entidade soberana, e na

eventualidade da ausência de Estado, pela comunidade internacional (estando

em aberto a determinação do quadro aplicável a estas circunstâncias). A rematar

as virtudes deste regime está o facto de a administração poder ser exercida pela

própria Organização.

As Administrações Internacionais como operações de construção da paz

A questão da clareza e flexibilidade do mandato é uma regra de ouro nas

operações de paz, e também o é nas administrações internacionais. O mandato

deverá definir claramente não apenas os objectivos operacionais, como também

os limites da extensão dos mesmos, sendo, contudo, flexível o suficiente para

permitir a adaptação da missão ao terreno e às variações. A ambiguidade não é

348 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

boa orientadora, nem quando é construtiva104, e não dever ser aceite nem como

compromisso sob pena de se estar a comprometer o futuro do povo.

A concepção da administração é directamente tributária da estrutura que

trata do planeamento da mesma. Assim, o planeamento deverá ser feito por um

departamento que conheça a realidade do terreno (daí a importância da consti-

tuição de listas de especialistas em áreas culturais, áreas geográficas e temáticas

que poderão ser chamados num curto espaço de tempo para auxiliarem à

concepção da intervenção a realizar). O caso de Timor-Leste mostrou-nos um

Secretariado em que a colaboração interdepartamental não só não estava asse-

gurada, como o que reinava era uma feroz competição entre o DAP e o DOMP

que em nada beneficiou a eficácia do planeamento e, mais grave, os interesses

do povo em nome do qual esse planeamento estava a ser feito. Como Brahimi

apontou, a melhoria da coordenação interdepartamental, a constituição de uma

memória colectiva comum, partilhada, bem como o recrutamento de especialis-

tas que possam fazer face à falta de pessoal crónica nestas áreas não são temas

a considerar, são reformas urgentes.

A disponibilização de recursos materiais e humanos de forma atempada e

suficiente é outra das prioridades que a comunidade tem que definir como para

cumprir. De que serve nomear as crises, classificá-las como emergências, enunciar

o bem-estar dos povos administrados como um valor em si mesmo, se não há a

disponibilização dos recursos humanos, logísticos e financeiros que dêem conteú-

do a essas intervenções? Os Acordos de Prontidão e o cumprimento das obriga-

ções financeiras dos Estados membros com a ONU poderiam obviar estas falhas.

Em matérias de recursos, e de recrutamento, embora o envolvimento inter-

nacional seja a pedra de toque, não podemos, não devemos de novo, esquecer

os valores locais. Não há terras vazias – Timor não o era por certo, embora tenha

sido tratado como tal. A população local tem o direito inalienável de participar

não só na decisão do seu futuro, como na construção do mesmo.

104 Recorde-se que o conceito de ambiguidade construtiva que tem servido para legitimar a

escolha do termo “autonomia substancial” como objectivo para a UNMIK tem causado mais danos do

que benefícios aos próprios kosovares.

349colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

O envolvimento da população local deverá, assim, ser uma preocupação

cimeira das administrações internacionais. Para tal, a missão tem que construir as

estruturas, as capacidades para que essa população possa participar. Aqui sur-

gem à colação duas questões fundamentais: quanta autoridade deverá ter a

administração internacional e como se escolhe o(s) parceiro(s) locais.

A autoridade da Administração Internacional e o envolvimento dos par-

ceiros locais

A questão da autoridade da administração internacional não reúne consen-

sos. Curioso foi que, em Timor, pudemos falar com políticos e funcionários

internacionais que advogavam um envolvimento internacional que ia desde a

supervisão de curto prazo até uma governação directa para décadas. Quem

implementa os mandatos por certo é favorável a uma administração com mais

autoridade e mais longa do que quem é administrado. Pelo outro lado, a resistên-

cia dos administrados será inversamente proporcional ao poder que a adminis-

tração lhes for devolvendo. E embora consideremos que a população deve ser

envolvida desde a hora zero, que devem ser criadas estruturas de participação

amplas e com poderes efectivos, e a autoridade devolvida ao povo de forma

faseada mais o mais rapidamente possível, considerámos também que, na dúvi-

da, é preferível que a administração internacional tenha mais que menos auto-

ridade. Não se trata de patrocinar a causa das autocracias estrangeiras benevo-

lentes; trata-se, outrossim, de reconhecer que a realização de determinadas

tarefas, como a garantia da segurança, a construção de instituições democráti-

cas, e a implementação de um efectivo Estado de direito e de um governo

legítimo, pressupõem uma intervenção de fora para dentro. Esta realidade tem

trazido para o debate a questão da alteração de regime em que as operações,

com frequência, optam por alterar as sociedades que administram ao mesmo

tempo que criam veículos para que as tradições, valores e costumes locais sejam

comunicados e incorporados na administração internacional.

A escolha do parceiro local, ao lado da necessária imparcialidade como regra

de ouro, em alguns casos é óbvia, como foi a escolha da UNTAET pelo CNRT;

350 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

noutros, porém, em presença de várias facções locais, por vezes com agendas

políticas competidoras, essa escolha terá que ser equilibrada, pois o consenti-

mento da população que é administrada deverá ser garantido.

E longe estão os dias em que se entregava a administração de um território

a um único Estado. A grande proliferação de actores no terreno fica-se a dever a

três grandes razões: ao facto de haver mais do que nunca organizações interna-

cionais e regionais com vontade e disponibilidade para actuar; ao facto de, não

rara vez, não existir no território outras estruturas administrativas que pudessem

executar as tarefas necessárias (Vieira de Mello destacava que em Timor havia

sido preciso importar tudo, até estruturas governativas); e pelas funções e tarefas

cada vez em maior número e mais complexas. A isto acrescentámos uma outra

razão: o custo de uma operação desta envergadura, que é demasiadamente cara

para ser assumido por um único actor.

Daqui resultam dois problemas: a coordenação das estruturas e a sua com-

plexidade, que com frequência se tornam difíceis de perceber para os locais.

Uma estrutura unificada (talvez sob a coordenação das Nações Unidas, como no

Kosovo) e a comunicação surgem, então, como peças fundamentais.

Da falta de comunicação resulta, também, a percepção das administrações

internacionais como estrangeiras, como um corpo estranho no território. A

própria estrutura arquitectónica da missão em Timor ajudava a essa percepção:

os contentores, os navios de instalação, fundavam na população o receio de que

as Nações Unidas, em qualquer momento, poderiam pura e simplesmente, partir!

Esta estranheza gera anticorpos entre os administrados e não favorece a constru-

ção de um Estado ou a recuperação de um Estado falhado.

O quadro temporal necessário à construção de Estados ou às administra-

ções transitórias também rejeita o modelo da operação de paz. O ritmo de uma

operação de paz é acelerado: entrar, pacificar e sair. As administrações transi-

tórias são empreendimentos que deveriam ser pensados para décadas, para

gerações. E a estrutura que se tem enviado para o terreno fica prisioneira entre

a sua natureza, de curto ou médio prazo, e os seus objectivos, de longuíssimo

prazo.

351colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Transparência, Responsabilização e Avaliação de Resultados

Os Estados não são bons construtores de Estados: os imperativos do interes-

se nacional, a subjugação da política externa à política interna e ao sufrágio

eleitoral periódico que obriga os Estados envolvidos em operações internacio-

nais a uma avaliação de resultados constante, fazem com que intervenções cujos

resultados/sucessos serão visíveis apenas uma geração depois não sejam interes-

santes nem sustentáveis do ponto de vista do exercício da política. Os Estados

Unidos, frequentemente usados como ilustrativos para esta afirmação, são ape-

nas um dos exemplos disponíveis. O seu recente envolvimento no Afeganistão e

no Iraque não foi motivado por considerações normativas; antes foi o argumento

doméstico da guerra ao terror que levou às intervenções encetadas, com uma

grande componente militar e securitária, em detrimento da componente de

administração civil cuja falta tem provocado alguma da instabilidade vivida no

território.

E se, na execução do regime de mandatos e no regime de tutela, a adminis-

tração de um território era entregue a um Estado, ou até a mais que um Estado,

como já o referimos; hoje é pouco provável que se pudesse entregar a adminis-

tração de um Estado falhado ou de um território disputado a um Estado quais-

quer que fossem as garantias que ele desse de boa governação, ou dos mecanis-

mos de transparência e responsabilização que se criassem. A agravar este cenário

está o facto de se tratar de uma empresa demasiadamente cara, muito longa, e

cuja legitimidade só é aferível mediante o envolvimento directo e presença

efectiva no terreno das Nações Unidas.

O problema da lei aplicável pelas administrações civis transitórias parece-

-nos, de todos, o mais complexo e o mais interessante do ponto de vista da

reflexão construtiva e prospectiva. Os apelos no sentido da criação de um pacote

legislativo modelo a ser aplicado pelas missões, no qual a CIVPOL, o pessoal das

Nações Unidas e de outras organizações internacionais responsáveis pela aplica-

ção da lei recebessem formação, por certo ajudaria a eliminar alguns dos atrasos

e das incoerências nesta matéria que têm persistido nas administrações transitó-

rias. Poderia ser composto por um conjunto de valores universalmente aceites,

352 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

adaptado regionalmente às sensibilidades particulares e culturais de cada terri-

tório, mas partilhando uma base comum: a do respeito pelo Estado de direito.

Claro é que, em alguns casos, a lei vigente no território antes da intervenção

não coloca quaisquer problemas; porém, outros há em que a população se sente

vítima dessa lei e em que a lei anterior viola os padrões internacionais de direitos

humanos. Nessas circunstâncias, é necessário revogar leis, emanar novas e criar

sistemas judiciais transparentes. As Nações Unidas têm um balanço misto destas

experiências. Se, por um lado, os Regulamentos emanados pelas administrações

transitórias tratam de implementar regimes judiciais democráticos, e um Estado

de direito; pelo outro, algumas opções tomadas têm sido inconsequentes e até

geradoras de instabilidade.

A subordinação da própria missão à lei é um tema que tem suscitado

polémica, sobretudo pela aparente impunidade do pessoal internacional e dos

próprios RESG. A criação de organismos de supervisão da acção no terreno da

operação permitirão que os Administradores deixem de ser vistos como os czares

das Nações Unidas, os monarcas absolutistas dos tempos modernos e, por certo,

contribuirá para a construção de um clima de confiança – o princípio ético

subjacente aos fideicomissos, à tutela.

Estes mecanismos de supervisão deverão ter poder para reportar à Organi-

zação e o afastamento dos prevaricadores deverá ser uma consequência eviden-

te. As acusações recorrentes de má conduta pelos funcionários da CIVPOL e dos

capacetes azuis, por exemplo, poderiam, desta forma, ter consequências práti-

cas, funcionando como desincentivos às práticas que dão origem às críticas.

Afinal se as Nações Unidas governam em nome dos povos, os povos governados

deverão ter, como na prática interna dos Estados democráticos, mecanismos de

queixa e de correcção das injustiças de que são alvo.

As ONGs servem muitas vezes a função de estabelecimento de um nível de

informação mais elevado para a população local. E, por serem altamente críticas

(realizando uma análise constante, trabalhando com a população, reunindo-se

em associações de ONGs), denunciam os casos em que as administrações inter-

nacionais, por não estarem sujeitas a escrutínios locais, por não aplicarem

criteriosamente o princípio da transparência e, sobretudo, ao não envolverem a

353colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

população local, parecerem estarem mais ao serviço das Nações Unidas e dos

seus Estados membros e não da população local; o que não é de estranhar pois

o único sítio da carta onde os povos são referidos é no Preâmbulo, para daí em

diante serem os Estados os interlocutores e os destinatários da acção da Organi-

zação Mundial.

A presença das ONGs no terreno traz, além do seu papel fundamental na

prestação de assistência humanitária e de reabilitação/reconstrução, a hipótese

de se abrirem caminhos para uma governação/administração internacional mais

transparente, democrática e responsável.

A avaliação de resultados é outra das áreas nas quais a Organização fica

aquém das expectativas da população e da comunidade internacional. E embora

não haja um factor único que determine, isoladamente, o sucesso ou fracasso de

uma missão, há uma avaliação que pode ser feita e que no caso de Timor-Leste

era a instituição (noutros casos terá sido a recuperação) de um governo legítimo.

A criação de condições para a existência e funcionamento de uma sociedade civil

forte é outro dos vários critérios que fomos referindo ao longo do nosso trabalho.

O futuro das Administrações Internacionais

Apesar de nos termos centrado na UNTAET, o tema das operações que

ficaram por realizar encheria vários volumes. Infelizmente, os candidatos não

faltam: desde territórios disputados a movimentos de libertação nacional, desde

Estados falhados a territórios não-autónomos, o mundo oferece-nos um campo

de actuação amplo e variado.

Contudo, a comunidade internacional, e alguns Estados que não hesitam

em actuar isoladamente, têm que fazer o esforço de tentar perceber que os

instrumentos a que se tem recorrido talvez não sejam os mais adequados.

Chesterman, a este propósito, refere que o presidente norte-americano, George

Bush, nas vésperas da intervenção no Iraque acreditava que os insucessos ante-

riores das Nações Unidas em tarefas de nation-building se ficaram a dever à

incompetência das Nações Unidas e não às contradições inerentes à construção

de uma democracia através de uma intervenção militar estrangeira. Assim, o

354 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

modelo das intervenções militares benevolentes talvez deva ser posto em causa.

E talvez Timor-Leste não seja, a despeito do veiculado muitos analistas

optimistas, um modelo para as operações de nation-building. Timor é tão único,

reuniu tantas características conjunturais e estruturais tão irrepetíveis, que não

pode, não deve servir de modelo. Servirá sim como campo de ensaio, da reflexão

que urge fazer.

Como temos dito, a legitimidade está nas Nações Unidas. Está numa Carta

envelhecida, quantas vezes alterada pela prática dos Estados membros e pelo

costume internacional, num eventual recurso aos Capítulos XII e XIII que não são

usados há uma década. Porém não há alteração que as prive da legitimidade105.

E é essa legitimidade que tem sido o valor em nome do qual as Nações Unidas

têm desempenhado as enormes missões de administração internacional, indo até

à construção de Estados e à assunção de uma efectiva soberania sobre alguns dos

territórios ocupados (mormente Timor-Leste). Porém, como diz Jarat Chopra, ape-

sar de as Nações Unidas e da sua capacidade para monopolizar a imagem de

legitimidade, é necessário reflectir sobre se as Nações Unidas não estarão mal

preparadas e mal adequadas para administrarem territórios em transição.

Perdida numa crise financeira que gere há décadas, a Organização provavel-

mente não terá capacidade orçamental para criar uma nova estrutura burocrática

dedicada às administrações transitórias. Ao argumento de que as operações já

realizadas, ou em curso, são acidentes históricos respondemos com o Afeganistão,

com o Iraque e com situações de emergência humanitária em que estejam em

causa movimentos de libertação nacional ou independentistas como a recente

crise humanitária no Darfur veio destacar, ou com a perene questão da Palestina.

Há sempre necessidade das Nações Unidas. De umas Nações Unidas fortes

com vontade e capacidade para intervir. À luz da tutela, preferíamos, das opera-

ções de paz, se não for evitável, ou de qualquer outro enquadramento, as lições

têm que ser aprendidas em nome dos povos das Nações Unidas.

105 Aqui, contudo, reconhecemos que os ataques ao pessoal e instalações da ONU como os per-

petrados no Iraque vêm, aparentemente, por em causa a legitimidade/credibilidade da Organização.

355colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Sob instigação de nacionalistas islâmicos da Indonésia, no início do decénio

de 1960 fundou-se URT. Apesar da sua retórica nacionalista não se conseguiu

firmar no terreno. Quais foram as razões subjacentes a esta incapacidade? Neste

trabalho avançamos com 8 factores cruciais que nos permitem compreender a

sua evolução e subsequente integração na Associação Popular Democrática de

Timor (APODETI), após o 25 de Abril de 1974.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer à Dr.ª Maria Isabel Fevereiro, directora do Arquivo

Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHDMNE); à

Dr.ª Maria de Lurdes Henriques, do Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do

Tombo (IAN/TT); à Prof.ª-Dr.ª Ana Canas, directora do Arquivo Histórico Ultra-

marino (AHU); à Dr.ª Isabel Beato, responsável técnica do Arquivo Histórico da

Biblioteca Central da Marinha; às Dras. Helena Grego e Cristina Matias, da

Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa; à Dr.ª Dinora Lampreia, da

divisão de informação e documentação do Centro Científico e Cultural de Macau

(CCCM); à Dr.ª Paula Costa, responsável pela Biblioteca do Instituto de Ciências

Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/UL); e, aos funcionários da Hemeroteca

Municipal de Lisboa (HML) e do Arquivo Nacional do Reino Unido (United Kingdom

National Archives – UKNA) pelo apoio e pela prontidão manifestada no aten-

A União da República de Timor: o atrófico movimentonacionalista islâmico-malaio timorense, 1960-1975Moisés Silva Fernandes*

* Intituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

356 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

dimento dos múltiplos pedidos solicitados durante a investigação para este

trabalho.

Intróito

O passado recente de Timor está repleto de mitos e de fenómenos super-

ficialmente analisados. Um destes é o que se refere aos movimentos naciona-

listas de emancipação desta antiga colónia portuguesa. A literatura sobre o

tema tende a concentrar-se sobre os partidos políticos contemporâneos que

dominam o sistema político timorense, desde o 25 de Abril de 1974 até ao

presente.

Dois exemplos, são suficientes para ilustrar esta situação. A australiana

Helen Hill defende que“the first nationalist organisation in East Timor” (p. 52)

surgiu em Janeiro de 1970 devido à influência dos contactos estabelecidos com

os movimentos de libertação da África lusófona. Esta incipiente organização

“was little more than an informal group” (Ibid.), constituída por José Ramos Horta

e Marí Alkatiri, entre outros, reunindo-se no parque em frente ao Palácio do

Governo com o escopo de evitar ser vigiada pela polícia política portuguesa, a

PIDE/DGS. Aparentemente, desconheciam por completo a existência da URT e a

informação que possuíam sobre a Indonésia e a conjuntura política regional era

tão incipiente que durante três anos solicitaram ao cônsul da Indonésia em Díli

a concessão de bolsas a timorenses e outros tipos de apoio material. Os sucessi-

vos representantes consulares da Indonésia não se mostraram, contudo, interes-

sados neste grupo. De acordo com Marí Alkatiri, “[i]t was a disappointment to the

young Timorese Nationalists to realize that they could not count on the support of

Indonesia” (Ibid., p. 53).

Apesar de Hill afirmar que o grupo foi fundado em 1970, José Ramos Horta

defendeu que “em 1973 já existia um núcleo de nacionalistas, cada vez mais

impacientes, revoltados e decididos a começar acções de protesto. De facto, o

ano 1973 foi assinalado por alguns conflitos entre jovens timorenses e elementos

do exército colonial” (Horta, 1998 [1994], p. 75).

357colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Por seu turno, Maria Ângela Carrascalão opina que o seu irmão, João,

fundou o Movimento Revolucionário de Libertação de Timor (MORELTI), em

1967, isto é, 3 anos antes do grupo informal que iria dar origem à ASDT/FRETILIN.

A mesma autora defende que este grupo contava com a militância de Xanana

Gusmão, José Ramos Horta, Armindo Pedruco e Natalino Leitão e era um “fórum

de eleição dos jovens timorenses desencantados com a condição” da colónia.

Para além da última base de apoio, contava ainda com a adesão de funcionários

da administração colonial de Timor e possuía uma liderança altamente

hierarquizada, que foi infiltrada pela polícia política o regime: a PIDE/DGS

(Carrascalão, 2002, pp. 127-128). Todavia, José Ramos Horta, asseverou que “um

dito ‘Movimento de Libertação de Timor’ pareceu ter existido na mente de um

grupo de timorenses, entre os quais o João Carrascalão. Mas se existia não se fez

sentir a sua existência em qualquer momento[, nomeadamente, em 1973], ao

contrário do nosso grupo que, embora não existente informalmente, não deixa-

va de se reunir frequentemente e estudar formas de actuação” (Horta, 1998

[1994], p. 75).

Embora os trabalhos de Hill, Carrascalão e Horta não façam qualquer alusão

à existência da URT ou a um movimento islâmico-malaio, outros autores referi-

ram-se de passagem à existência da última organização (Weatherbee, 1966, pp.

691-692; Taylor, 1993, p. 57; Gunn, 1999, p. 263; Pélissier, 1999, p. 562; Dunn,

2003, p. 27). Porém, não procederam a uma análise circunstanciada sobre as suas

origens, bases de apoio, ideário político e ligações e dependências em relação

aos países da região, assim como sobre a sua incapacidade de se afirmar no

terreno.

Na realidade, entre 1960 e 1975 existiu um “movimento de emancipação”

do Timor Português de raiz islâmico-malaia que se bateu pela independência

do território de Portugal e da Indonésia e que defendia ideais políticos que não

vingaram. Na sequência do 25 de Abril de 1974, as autoridades da Indonésia

optaram por integrar a URT numa organização mais ampla a APODETI.1 Porém, a

1 A Associação Popular Democrática de Timor (APODETI), conhecida originalmente por Asso-

ciação para a Integração de Timor-Díli na Indonésia (AITI), foi estabelecida em 27 de Maio de 1974,

358 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

primeira não pretendia de forma alguma a integração do Timor Português na

Indonésia. De acordo com o quotidiano Diário de Notícias, o “governo” da URT

enviou, no dia 7 de Junho de 1974, uma carta ao novo presidente da República,

general António de Spínola, através do cônsul de Portugal em Jacarta, Guilherme

de Sousa Girão, a “pedir ao Governo Português que coloque os eleitores perante

apenas duas opções: a independência ou a federação com Portugal, quando for

a altura do referendo que Lisboa deve organizar na ilha, em Março de 1975, para

determinar o estatuto do território português de Timor”.2 Para reforçar a orienta-

ção que preconizavam, o representante da URT em Jacarta, M. Bere Lau, declarou

no dia 11 de Junho de 1974, “qu’il existe à Timor très peu de personnes en faveur

d’un rattachement de l’ilê à l’Indonésie”.3 Acrescentou, por outro lado, que a opção

“by thirty to forty Timorese” (Gunn, 1999, p. 266), sob a liderança de Arnaldo dos Reis Araújo, um

velho timorense quer tinha estado detido pela autoridades portuguesas por colaboração com as

forças de ocupação nipónicas durante o período da II Guerra Mundial, e José Osório Soares. Defen-

dia a integração na Indonésia, com um estatuto de autonomia. A APODETI foi a sucessora da URT

“que procurou, após Abril de 1974, ressurgir, mas sem sucesso” (Riscado, 1981, p. 28) e reunia apoios

entre timorenses envolvidos “na Vicarda, a revolta pró-indonésia de 1950” (Oliveira, 1983, p. 175) e

“[o]s implicados no movimento de 1959” (Riscado, 1981, p. 33), assim como “from members of

the Arab community in Díli, who petitioned the Indonesian Consul for integration” (Gunn, 1999, p. 266)

e de certos liurais, nomeadamente de Atsabe, Guilherme Gonçalves. De acordo com o major

Arnão Metello, delegado do MFA, a fundação da APODETI deveu-se, a que no âmbito da formação

de associações políticas, conseguiu-se “retirar da clandestinidade [um] grupo de tendência violenta

que advoga [a] viabilidade [da] integração com autonomia… na Indonésia, em termos de direito

internacional” (Pires, 1981, p. 27). A resposta do director do gabinete dos Negócios Políticos do

ministério da Coordenação Interterritorial (ex-Ultramar), Ângelo dos Santos Ferreira, à interpe-

lação de Metello foi de que: “se o partido em questão pretender que a referida integração se faça

por processos violentos, é evidente que a sua legalidade não pode ser reconhecida. Mas se se

pretender atingir tal fim através do princípio da autodeterminação, isto é, propondo-se à população

através do processo da autodeterminação a integração na Indonésia, parece que nada há a objectar”

(Ibid.).2 “Um governo clandestino estabelecido em Timor põe o Governo Português perante duas

opções: a independência ou a federação”, Diário de Notícias [Lisboa], ano 110, n.º 38.883 (13 de Junho

de 1974), p. 10.3 “En mars 1975: référendum dans le territoire portugais de Timor en Asie”, Elima [Kinshasa], (14

de Junho de 1974), p. 1.

359colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

pela integração na Indonésia era somente apoiada por “quelques centaines

d’habitants d’origine árabe”.4

Com o desígnio de esbater a URT do ideário nacionalista timorense, José

Ramos Horta, secretário-geral da ASDT, defendeu, durante a sua visita a Jacarta,

que as três principais associações políticas de Timor, a sua, a UDT e a APODETI,

deveriam “encetar negociações no sentido do adiamento do referendo previsto

pelas autoridades portuguesas para Março de 1975”.5 Entretanto, estas deveriam

“formar desde já um governo provisório com individualidades naturais de Timor”

que asseguraria a administração do território, “adiando-se por quatro anos as

eleições gerais”, e propôs-lhes ainda “que o Governo da União da República de

Timor, movimento clandestino instalado em Jacarta, seja denunciado com um

grupo ‘adulterado de conspiradores indonésios’”.6

Consoante a Angkatan Bersenjata Republic Indonesia – ABRI (Forças Armadas

da República da Indonésia) e os serviços de informações foram avançando com

os seus planos de invasão e anexação de Timor, os elementos afectos à linha da

URT opuseram-se, o que contribuiu para que os seus principais dirigentes, como,

por exemplo, A. Mao Klao, fossem detidos pelo Komando Operasi Pemulihan

Keamanan dan Ketertiban – KOPKAMTIB (Comando de Operações para a Restau-

ração da Segurança e Ordem na Indonésia),7 a guarda pretoriana do general

Suharto, no segundo semestre de 1975 e só fossem libertados em Abril do ano

seguinte.8

Um estudo sobre a Uni Republic Timor – URT (União da República de Timor)

tornou-se premente atendendo ao facto que 5 das 6 associações políticas

4 Ibid.5 “Timor – pedido o adiamento do referendo”, Diário de Notícias [Lisboa], ano 110, n.º 38.889 (20

de Junho de 1974), p. 2.6 Ibid.7 Estes comandos dirigiram a chacina de mais de 1 milhão de indonésios após o contra golpe

de Estado de 1965.8 Informação gentilmente cedida pelo brigadeiro-general australiano Ernest Chamberlain,

assessor para os assuntos de política e planeamento estratégico do secretário de Estado da Defesa

de Timor, Roque Rodrigues, em 23 de Junho de 2005.

360 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

timorenses que surgiram após o 25 de Abril de 1974 (a UDT,9 a ASDT/FRETILIN,10

a APODETI, o KOTA,11 o Partido Trabalhista12 e a ADLITA13), com excepção da

última, continuam a ser as mais destacadas no sistema político local contempo-

râneo.14 Por outro lado, a influência político-simbólica da URT sobre o imaginário

timorense é bem forte se atendermos que as cores da bandeira desta organiza-

ção, amarelo, preto, branco e vermelho (http://www.fotw.us/flags/

tl}bllt.html#desc; consulta efectuada em 1 de Junho de 2005), são as mesmas das

bandeiras da FRETILIN (http://www.fotw.us/flags/tl}fret.html; consulta efectuada

em 1 de Junho de 2005) e da República Democrática de Timor-Leste, de acordo

com o artigo 15.º da constituição (http://www.jornal.gov-rdtl.org/uud02.htm;

consulta efectuada em 1 de Junho de 2005).

Numa tentativa para compreendermos as razões subjacentes ao fracasso da

URT este trabalho tem por objectivo analisar as condições que contribuíram para

9 A União Democrática Timorense (UDT), foi fundada em 11 de Maio de 1974. Começou por

pugnar uma ligação a Portugal, mas, posteriormente, defendeu a independência do território. Os

seus principais dirigentes foram Francisco Xavier Lopes da Cruz e Domingos Oliveira.10 A Associação Social-Democrata Timorense/Frente Revolucionária de Timor-Leste Indepen-

dente (ASDT/FRETILIN) foi, por sua vez, criada em 20 de Maio de 1974, sendo dirigida por Francisco

Xavier do Amaral, Nicolau dos Reis Lobato e José Ramos Horta. Em 11 de Setembro de 1974

transformou-se em FRETILIN. Esta associação sempre defendeu a independência do território.11 O Klibur Oan Timur Aswain (KOTA – Filhos dos Guerreiros da Montanha), originalmente conhe-

cida por Associação Popular Monárquica Timorense, surgiu em 31 de Outubro de 1974. Alegava que

as suas origens provinham dos topasses, grupo euro-asiático, e pugnava pela restauração dos

poderes dos liurais, ou seja, dos régulos, que pudessem traçar a sua ancestralidade até ao período

topasse. Fernando António Soares dos Santos, Gracindo do Carmo Guerreiro e Carlos dos Santos

foram os principais dirigentes desta organização.12 O Partido Trabalhista (PT), originalmente conhecido por Movimento Trabalhista Democrático

Timorense, foi criado em 5 de Setembro de 1974, sendo dirigido José Martins, Francisco António

Ximenez e Domingos da Conceição Pereira.13 A Associação Democrática para a Integração de Timor-Leste na Austrália (ADITLA) foi

fundada em 3 de Março de 1975. Soçobrou, contudo, quando o governo australiano rejeitou a ideia

de integração de Timor-Leste na Austrália.14 Convém recordar que 70,86% dos votos para a Assembleia Constituinte de Timor, que

tiveram lugar em 30 de Agosto de 2001, foram para os 5 partidos (FRETLIN/ASDT, UDT, KOTA,

APODETI e PTT) fundados após o 25 de Abril de 1974 (Silva-Carneiro de Sousa, 2001, p. 37).

361colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

seu aparecimento e as variáveis que concorreram para que não prevalecesse no

terreno.

Esboço da evolução política da URT

Os primórdios da URT remontam a um grupo auto-denominado “Os Amigos

de Timor-Díli” que surgiu nos finais do decénio de 1950, em Jacarta. Este grupo

contava, aparentemente, com “a simpatia de certas individualidades influentes

na vida política da Indonésia”. Os organizadores deste movimento eram jovens

muçulmanos radicais indonésios, naturais da ilha de Samatra, que sob a influên-

cia do terceiro cônsul da Indonésia em Díli, Nazwar Jacub Sutan Indra,15 e do

movimento pan-malaio,16 teriam optado por se organizar de forma a desencade-

arem uma campanha com o objectivo de fomentar a “libertação” de Timor-Leste.

Os planos deste grupo colidiram de imediato com a política oficial da

Indonésia em relação a Portugal e ao Timor Português. Com a visita oficial do

presidente Ahmed Sukarno a Lisboa, entre 5 e 8 de Maio de 1960, e a sua

declaração relativamente ao reconhecimento da legitimidade da soberania por-

tuguesa no Timor Português alteraram o relacionamento deste grupo com o

regime vigente em Jacarta.

No dia 4 de Julho de 1960, o grupo em apreço divulgou um extenso

comunicado a criticar a visita de Sukarno a Lisboa e recordava que “o Timor

Português não existe, mas, sim, Timor-Díli, pertencente ao povo de Timor-Díli,

15 Este diplomata exerceu o seu primeiro posto no exterior em Hong Kong, entre 12 de

Setembro de 1954 e 16 de Junho de 1956 (“Ofício n.º 1853/56, C/56, confidencial, do cônsul de

Portugal em Hong Kong, Guilherme Magarido Castilho, de 4 de Setembro de 1956, p. 1” in “Nomea-

ção do Sr. Nazwar Jacub Jutan Indra para o cargo de Cônsul da Indonésia em Díli”, RPA M. 793,

AHDMNE, Lisboa), tendo a seu cargo a “secção de informações” (Ibid., p. 2). Na opinião do vice-cônsul

de Portugal em Hong Kong, Fernando Alberto Meneses Ribeiro, o cônsul Indra era “uma pessoa

inteligente, desembarçada e com boa apresentação” (Ibid.).16 Este movimento era dirigido por Mulwan Shah, em Jacarta, e por Alamsah Hasibuan, um

samatrense (Informação gentilmente prestada pelo brigadeiro-general Ernest Chamberlain em 23

de Junho de 2005).

362 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

aos combatentes de Timor-Díli, aos amantes de Timor-Díli, aos defensores de

Timor-Díli, e não aos imperialistas portugueses, porque o mundo sabe bem que

Portugal é o imperialista que roubou a pátria de Timor-Díli, assim como os

holandeses roubaram o Irian Barat (Papua Nova Guiné Ocidental) e os portugue-

ses roubaram Macau, na China, e Goa, na Índia”.17

Este documento foi enviado à presidência da República da Indonésia, aos

mais proeminentes departamentos governamentais do regime de Sukarno, a

todos os representantes diplomáticos estrangeiros em Jacarta, partidos políticos,

escolas e intelectuais.18 A legação portuguesa em Jacarta conseguiu apurar que

a sede deste grupo radical da Samatra estava situado “no recanto sossegado

duma rua popular de Jacarta, próximo de duas casas de culto muçulmanas” e que

não era “materialmente coisa alguma”.19 A sua exiguidade não impediu, contudo,

que as críticas tecidas a Sukarno contribuissem para que este grupo tivesse que

abandonar a sua sede.20

A despeito deste desfecho, esta incipiente organização conseguiu divul-

gar mais duas declarações. Em 12 de Setembro de 1960, publicou um comunica-

do a apelar a Sukarno que apresentasse a questão de Timor-Díli na próxima

sessão plenária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O

objectivo a alcançar seria “de modo que a nossa querida terra natal possa

também fruir da liberdade como uma República, assim como foi já alcançada por

ele”.21 Neste âmbito mostraram-se esperançados que “todas as personalidades

17 “Tradução da legação de Portugal em Jacarta da ‘declaração dos Amigos de Timor-Díli’ de 12

de Junho de 1960, p. 2” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os

Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.18 Ibid., p. 3.19 “Ofício n.º 39, confidencial, do ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, para o

ministro dos Negócios Estrangeiros, Marcello Mathias, de 18 de Julho de 1960, p. 2” in “Reivindica-

ções da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M.

1162, AHDMNE, Lisboa.20 Ibid.21 “Tradução da legação de Portugal em Jacarta da ‘declaração n.º IV C dos Amigos de Timor-

-Díli’ de 12 de Setembro de 1960, p. 1” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da

associação ‘Os Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.

363colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

anti-imperialistas que comparecem à Assembleia Geral das Nações Unidas em

Nova Iorque patrocinem também o caso da República de Timor-Díli no foro

internacional, onde os imperialistas portugueses podem ser expulsos da nossa

amada pátria Timor-Díli, no extremo oriental de Nusatengara”.22 Este comuni-

cado foi enviado à presidência da Persatuan Seluruh Bangsa Melayu (União

Geral da Raça Malaia), em Jacarta, aos países e organismos internacionais consi-

derados importantes, ao secretário-geral e ao Conselho de Segurança da ONU e

à imprensa.23

Três semanas mais tarde voltou a divulgar um novo comunicado a questio-

nar o uso do termo Timor Portugis (Timor Português) por parte dos mais desta-

cados dirigentes da Indonésia. Embora desta vez manifestassem compreensão

pelo discurso proferido por Sukarno em Lisboa, considerava “errado que o

presidente usasse a expressão Timor Portugis (Timor Português) que se tornou

consagrada devido à persistência com que os imperialistas apoiam os seus pares,

na compressão da dignidade do povo de Timor-Díli”.24 Por outro lado, manifesta-

ram o seu regozijo pela declaração de Hurustiati Subandrio, 2.º vice-primeiro-

-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, que a Indonésia não tinha reivin-

dicações territoriais sobre Timor-Díli, “visto estimular a fé de cerca de 1 milhão de

habitantes da República de Timor-Díli para lutarem pela independência e auto-

determinação”.25 Todavia, criticaram-no por usar a expressão Timor Portugis. Por

esta razão, “esperamos inteiramente que a República da Indonésia corrija as suas

referências a Timor-Díli, não continuando repetidamente a mencionar Timor

Portugis (Timor Português) – o que ofende os combatentes de Timor-Díli, do

mesmo modo que ofenderia o povo e o Governo da República da Indonésia se

por erro intencional alguém dissesse Irian Barat (Papua Nova Guiné Ocidental)

22 Ibid., p. 2.23 Ibid.24 “Tradução da legação de Portugal em Jacarta da ‘declaração n.º V dos Amigos de Timor-Díli’

de 7 de Outubro de 1960, p. 1” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da

associação ‘Os Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.25 Ibid., p. 2.

364 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

em holandês”.26 Tal como os dois comunicados anteriores, este foi distribuído

pelos principais departamentos governamentais indonésios, a ONU, as missões

diplomáticas estrangeiras em Jacarta e os “combatentes” de Timor-Díli.27

As autoridades em Lisboa ficaram tão preocupadas com as actividades desta

agremiação, que o ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, se

apressou a fornecer uma série de informações sobre esta. Primeiro, os três

comunicados não tinham precipitado qualquer interesse na Indonésia. Segundo,

o seu teor revelava que as suas actividades eram “rudimentares”.28 Terceiro, que

esta era “sustentada por organizações de inspiração mais genérica, comunistas e

afro-asiáticas, que aqui pululam”.29 Quarto, o apoio para esta organização não

derivava “expressamente deste governo, mas sim, que esteja sendo animada e

protegida, um tanto na sombra, por personalidades políticas a ele ligadas, por

razões ideológicas, cumplicidades subversivas ou simples sentimentos

expansionistas”.30 Quinto, que fosse apoiado pelo cônsul indonésio em Díli.31

Embora a legação portuguesa pudesse solicitar formalmente às autoridades

indonésias o fim destas actividades, com receio que o pedido “redundasse em

publicidade contraproducente”, o ministro António Leite Cruz recomendou ao

Palácio das Necessidades que fossem feitas diligências junto do ministro indonésio

em Lisboa, sem, contudo, apresentar uma nota de protesto. Neste âmbito, no

decorrer duma conversa com o ministro Achmad Djumiril, em Dezembro de

1960, o ministério português dos Negócios Estrangeiros manifestou “estranhe-

za... pela publicação daqueles folhetos, cujo teor contrasta com as afirmações de

amizade que têm sido feitas pela mais alta personalidade do seu país”.32 Pouco

26 Ibid.27 Ibid.28 “Aerograma AC-74 recebido do ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, de 20 de

Outubro de 1960, p. 1” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os

Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.29 Ibid.30 Ibid., p. 2.31 Ibid.32 “Ofício UL 4551, confidencial, do adjunto do director-geral dos Negócios Políticos do

ministério dos Negócios Estrangeiros, Alfredo Lancastre da Veiga, para o director do gabinete de

365colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

tempo depois, as autoridades centrais indonésias decidiram dissolver o grupo

em consideração.33

Profundamente influenciados por uma conjuntura internacional altamente

favorável à descolonização e pelas convulsões políticas internas na Indonésia, foi

fundado, em Jacarta, o incipiente movimento embrionário de libertação de

raízes islâmico-malaias: o Komin Pambebesan Uni Republik Timor-Dilly [Comissão

de Libertação da União da República de Timor], em 2 de Novembro de 1960,34 na

mesma morada que o extinto grupo de “Amigos de Timor-Díli”.35 A sua

institucionalização não teve, porém, quaisquer repercussões políticas no terreno

– nomeadamente, junto dos órgãos de comunicação social, quer indonésios,

quer internacionais. Esta situação contribuiu para que se vissem coagidos a

divulgar um “segundo anúncio”, no dia 10 de Dezembro de 1960, assinado pelo

presidente, interino, do Komin, A. Mao Klao, um jovem de 22 anos de idade.

Apesar da inocuidade política do texto, transparecia, porém, as débeis bases

regionais e religiosas deste grupo. O documento limitou-se a exortar os timorenses

das regiões de expressão linguística Quêmaque [Kemak] e Macassai [Marae], do

enclave de Oecusse [Uikissi], da ilha de Ataúro [Kambling] e do ilhéu Jaco [Nusa

Besi] a revoltarem-se contra a administração portuguesa. Não mencionava, con-

tudo, outras regiões, que, certamente, seriam de grande interesse para levar

avante a causa da descolonização do território. Não se compreende, portanto, as

razões para esta omissão. Já em termos confessionais, o apelo era um pouco mais

Negócios Políticos do ministério do Ultramar, Carlos Manuel da Costa Freitas, de 19 de Dezembro de

1960” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os Amigos de Timor-

-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.33 “Apontamento n.º 677, secreto, sobre ‘[a] situação na província de Timor’, de autoria de

Leonel Banha da Silva, Beltrão Loureiro, José Catalão e Silva Pinto, [1967?], p. 6”, MU/GNP/SR:160/Cx.

9S, AHU, Lisboa.34 “Second Announcement [of the] Bureau of Liberation [of the] Union [of the] Republic of

Timor-Dilly, assinado pelo presidente, interino, A. Mao Klao, de 10 de Dezembro de 1960”, PIDE/DGS,

“Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.35 Telegrama n.º 17 da legação de Portugal em Jacarta, de 29 de Março de 1961” in “Agitação

nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.

521, AHDMNE, Lisboa.

366 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

amplo, pois exortava os muçulmanos e os cristãos do território a apoiar o Komin

de Libertação da URT a “deflagrar uma revolta em qualquer momento designado

no Fórum Internacional, a fim de expulsar os colonialistas portugueses ambicio-

sos e egoístas da nossa amada Ilha de Timor-Díli”.36 Mas mesmo nesta área,

registava-se um sério inconveniente. O apelo iniciava-se com a invocação reli-

giosa islamita Deng nama Allah… [“Em nome de Alá…”], para uma população, em

termos gerais, animista e tendencialmente católica, e onde a expressão islâmica

se restringia a um exíguo bairro, situado na várzea da cidade de Díli, constituído

por 110 pessoas em 1950 (Barata, 1998, p. 75), “cerca de 500” em 1960 (Chrystello,

1999, p. 21) e 910 no início da década de 1970 (Barata, 1998, p. 75). A última

comunidade confessional padecia ainda de um grande isolamento em relação às

restantes.37

Em segundo lugar, apelava à libertação dos timorenses do jugo e da opres-

são dos “surripiadores” portugueses e à libertação de todos os combatentes

presos. Terceiro, exortava em termos altamente nacionalistas à expulsão dos

“infiéis portugueses do nosso solo”.38 Quarto, reivindicava que Timor era para os

timorenses e “não para os ladrões portugueses”. Quinto, apelando à doutrina e

linguagem religiosa islâmica, afirmava que os que se batessem pela liberdade,

36 “Second Announcement [of the] Bureau of Liberation [of the] Union [of the] Republic of

Timor-Dilly, assinado pelo presidente, interino, A. Mao Klao, de 10 de Dezembro de 1960”, PIDE/DGS,

“Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.37 De acordo com o informe apresentado pelo inspector, interino, da subdelegação da PIDE em

Timor, Armando Rodrigues Rego, ao subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva

Cunha, aquando da visita do último à colónia, em Dezembro de 1964, “[a] comunidade árabe faz uma

vida própria e tem sido lançada ao ostracismo, mercê várias circunstâncias; fundamentada ou

infundamentadamente os árabes são tidos como suspeitos. É muito difícil saber-se integralmente o

que se passa no seu meio e isto deve-se ao modo como foram isolados das restantes comunidades.

Parece que eles próprios se sentem com um certo sentimento de culpa e se afastam, por isso, das

outras pessoas. Embora estejam em boas relações com o Cônsul da Indonésia, parece-me que este

facto se deve somente, como atrás digo, a uma certa identificação religiosa”. “Informação de 5 de

Dezembro de 1964”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 739, IAN/TT, Lisboa.38 “Second Announcement [of the] Bureau of Liberation [of the] Union [of the] Republic of

Timor-Dilly, assinado pelo presidente, interino, A. Mao Klao, de 10 de Dezembro de 1960”, PIDE/DGS,

“Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.

367colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Alá os recompensaria. Finalmente, exortava os soldados de Angola e Moçambique,

que integravam a guarnição militar portuguesa em Timor, “a combateram ao lado

do Movimento de Libertação, uma vez que a vossa pátria, o vosso próprio bem-

-amado povo de África está sendo também oprimido”. Acrescentando que estes

eram espezinhados pelos portugueses, que milhares de africanos tinham sido

chacinados e que Agostinho Neto se encontrava detido.39

Uma ínfima parte deste documento foi divulgado no diário Straits Times, de

Singapura, na sua edição de 7 de Março de 1961, a partir dum despacho

divulgado pelo correspondente da agência noticiosa Reuters em Jacarta.40 Aten-

tos a todas eventuais alterações na conjuntura política regional e receosos das

repercussões do surgimento de um novo “movimento de libertação” esta notícia

despertou o interesse do gabinete do Comissário Geral do Reino Unido para o

Sudeste Asiático, sediado em Singapura. No ofício remetido para a embaixada

britânica em Jacarta, que incluía um extracto da notícia publicada no Straits

Times, o gabinete de Lorde Selkirk mostrou-se particularmente interessado em

saber se a declaração da URT tinha sido “amplamente publicitada na Indonésia”,

se o regime de Jacarta tinha mudado a sua orientação política oficial em relação

a Timor e solicitava informações sobre os recursos financeiros e humanos e as

actividades deste movimento.41

O despacho da Reuters foi publicado, parcialmente, pela imprensa portu-

guesa da época, não obstante o apertado regime de censura governamental

sobre a comunicação social. O diário católico ultraconservador A Voz citou um

pequeno parágrafo do comunicado da URT no qual reivindicava a expulsão

violenta dos portugueses de Timor e acrescentou que este era assinado por A.

Mao Klao. Enquanto o título da notícia destacava que a URT não tinha “nenhum

39 Ibid.40 “‘Liberate Timor’ Move”, The Straits Times [Singapura], (7 de Março de 1961), p. 1.; “Extract from

the Straits Times of 7 March 1961”, FO 371/159809, UKNA, Londres.41 “Confidential Letter No. D1017/2/61 from the Office of the United Kingdom Commissioner

General for South East Asia, Lord Selkirk, for the Chancery of the British Embassy in Jakarta, 17 March

1961”, FO 371/159809, UKNA, Londres. Lord Selkirk, aliás, Sir George Nigel Douglas-Hamilton,

exerceu este cargo entre 1959 e 1963.

368 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

carácter oficial”, o último parágrafo recordava que “[o] Governo da Indonésia não

apresentou quaisquer reivindicações sobre o território português de Timor”.42

Com o intuito de atenuar a apreensão nos meios locais relativamente a este

comunicado, o governador Filipe Themudo Barata autorizou a publicação de um

contundente editorial no semanário oficioso A Voz de Timor,43 denominado “Igno-

rância e Demagogia”, a partir das “notícias escutadas pela rádio”.44 Este texto

realçou que o comunicado da URT era “comprometedora para a bem clara

política externa [da Indonésia …] que com Portugal tem mantido as melhores

relações de vizinhança, considerando-o muito acima e bem à parte do feito e dos

propósitos de meia dúzia de salafrários que em Jacarta, à falta de vontade de

trabalhar se vão entretendo a brincar aos ‘comités’ por incapacidade para ganhar

a vida por outra forma, ou – quem sabe? – porque o comunismo internacional já

conseguiu envenenar as suas almas ou, pelo menos, soube já comprar os seus

serviços”.45

Apesar da reacção da imprensa ultranacionalista portuguesa e das preo-

cupações expressas pelos responsáveis britânicos, o ministro Leite Cruz recor-

dou que a segunda divulgação do comunicado visava possivelmente “neutrali-

42 “Aparece agora em Jacarta sem nenhum carácter oficial um ‘Bureau de Libertação’

que pretende anexar o Timor português”, A Voz [Lisboa], ano 35, n.º 12.145 (7 de Março de 1961),

p. p. 1.43 “Ofício n.º 19, secreto, do governador para o ministro do Ultramar, contra-almirante Vasco

Lopes Alves, de 18 de Março de 1961” in “Geral”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-00, A. 15, G. 2, M. 87,

AHDMNE, Lisboa.44 Nomeadamente a Rádio Austrália, o serviço externo de radiodifusão da Australian Broadcasting

Corporation, em ondas curtas, que se sintonizava em excelentes condições na região. “Ofício n.º 860/

B/6/8, secreto e urgente, do chefe de gabinete do ministro do Ultramar, Ângelo dos Santos Ferreira,

para o chefe de gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, de 13 de Março de 1961” in

“Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-

-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.45 “Ignorância e Demagogia”, A Voz de Timor (12 de Março de 1961), p. 1; “Um movimento para

a ‘libertação’ de Timor está a ser organizado em Jacarta”, Diário de Notícias [Lisboa], ano 97,

n.º 34.150 (26 de Março de 1961), p. 6; e, “A Indonésia define a sua política em relação ao Timor

Português: um editorial de ‘A Voz de Timor’”, Notícias de Macau, ano 14, n.º 4.028 (30 de Março de

1961), pp. 1 e 6.

369colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

zar [o] noticiário cordial” acerca da visita da esquadrilha da Armada do ABRI a

Díli.46

Entretanto, em 9 de Abril de 1961, foi criada a Presidência Central da URT,

com sede em Díli, mas com o quartel-general transferido para Batugadé, povoa-

ção fronteiriça próxima da cidade indonésia de Atambua e a 14 Kms do posto de

Balibó. Este grupo era dirigido por um jovem timorense de 23 de anos de idade,

A. Mao Klao, que assumiu a presidência, interina, do movimento. No fundo este

novo órgão integrava essencialmente os mesmos membros da Comissão de

Libertação, de 2 de Novembro de 1960.

Os desígnios da URT foram revelados de forma genérica na Pernyataan

Kemerdekaan [“Declaração de Independência”] (anexo IV). O texto começava por

indicar que desde o fim de 1959 tinham sido envidados esforços no sentido de

ser fundado um movimento de libertação no território. Provavelmente, referia-se

ao grupo samatrense “Amigos de Timor-Díli”. Estranhamente, não mencionava,

todavia, os incidentes de Maio e Junho de 1959,47 que levaram à detenção e

deportação de 53 timorenses e de 4 militares indonésios para a colónia penal do

Bié, em Angola, e ao “desterro” de mais 10 timorenses para a ilha de Ataúro

(Barata, 1998, p. 73), os últimos por um período de 10 anos.

Em termos de posicionamento político enquadrava-se nas aspirações religio-

sas-nacionalistas do pan-malaismo e declarou-se partidário dum sistema socia-

lista baseado na antiga Confederasi Timor [Confederação de Timor]. Assim, advo-

gava o ressurgimento desta antiga estrutura política no âmbito dos princípios

orientadores do Deus [Marômak] Oan,48 da época de apogeu da Confederasi

Timor. A última organização tinha como base o grande potentado de Wehali,

46 “Telegrama n.º 17 do ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, de 29 de Março de

1961” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida

Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa. Entre os dias 27 e 29 de Março de 1961 uma esquadrilha

de 4 vasos de guerra da Amada das ABRI realizou uma visita oficial a Díli (Fernandes, 2005, p. 111).47 “Confidential Report on ‘Portuguese Timor: Security Precautions Against Subversion’ written

by the Australian Consul in Portuguese Timor, F.J.A. Whittaker, undated” and “Confidential Report on

‘Portuguese Timor – Political’ written by the Australian Consul in Portuguese Timor, F.J.A. Whittaker,

7 June 1959”, FO 371/143955, UKNA, Londres.48 Para uma análise da dimensão histórica e cultural do potentado Wehali [Behale] vide a tese

de doutoramento em antropologia de Therik, 1996.

370 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

conhecido pelos portugueses como a província dos Belos, que correspondia ao

Timor-Leste contemporâneo mais a região de Atambua, que tinha como rivais o

potentado do Servião, dirigido pelo chefe Senobai, e que correspondia em

termos geográficos a Nusa Tenggara Timur – NTT [Timor Ocidental], subtraindo,

naturalmente, a região de Atambua.

Prometia, ainda, que a expulsão dos opressores só poderia ser realizado

“pela força das armas” e reivindicava Timor “[c]omo uma nação malaia e um país

situado no grupo das ilhas malaio-milanésias, [e que] lutaremos por uma Confe-

deração Malaia Maior”.49 A Confederasi Timor integrar-se-ia numa estrutura polí-

tica mais ampla e abrangente: a mítica “Confederação Malaia Maior”, dirigida por

um único dirigente que a orientasse por princípios socialistas. A última centrava-

-se em 4 princípios fundamentais: nacionalismo malaio, anti-colonialismo, anti-

-capitalismo e socialismo islâmico. Apesar deste documento não ter passado de

um mero manifesto político-propagandístico e estar impregnado de grandes

ambiguidades, omissões e generalidades superficiais, condicionou profunda-

mente a capacidade de intervenção da URT e contribuiu, em última análise, para

a sua falência política.

O texto em apreço permite-nos, por outro lado, tentar avançar com uma

classificação do grupo. A URT integrava características tradicionais e etno-nacio-

nalistas, isto é, era constituída por elementos conservadores e tradicionais,

profundamente ligados ao imaginário de uma sociedade islâmico-malaia em

Timor. Em termos comparativos e temporais os movimentos de libertação das

antigas colónias portuguesas em África surgiram no início do decénio de 1960.

Todavia, entre eles existia uma diferença acentuada. No seu estudo comparativo

sobre os movimentos de libertação da África lusófona, Chabal estabeleceu uma

tipologia tripartida. Os primeiros, eram os “modernizadores”, ou seja, aqueles que

partilhavam duma visão política universalista; os segundos eram os “tradiciona-

49 A “Proclamação de Independência” da URT foi proferida pelo presidente, interino, da orga-

nização, A. Mao Klao, em 9 de Abril de 1961. “‘Declaration of Independence’ [of the] Central Presidium

[of the] Union Republic of Timor at Temporary Quarters, Batugadé[,] Timor-Dilly, de 9 de Abril de

1961”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fls. 29, 26, 21, 20,

18-19, IAN/TT, Lisboa.

371colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

listas”, que permaneciam presos a realidades político-sociais existentes ou imagi-

nadas; e, os terceiros eram os etno-nacionalistas, que não conseguiam transpor

a sua base tribal (1994, p. 238).

Apreensivo com o teor deste documento e a evolução da conjuntura regio-

nal, o governo australiano forneceu uma cópia à subdelegação de Timor da

PIDE50 e ao comando-chefe das forças armadas portuguesas em Timor, através do

consulado da Austrália, no dia 29 de Abril de 1961. Segundo o cônsul Francis

John Annesly Whittaker,51 a embaixada do seu país em Jacarta “procurou averi-

guar, onde ficava a casa, do referido movimento e, constatou, que no local

indicado, que é um ermo, apenas, existia uma casa, pequeníssima, facto que

levou a concluir à embaixada, que, os autores do manifesto, seriam em número

reduzido, dado a exiguidade das instalações”. Whittaker adiantou, ainda, que o

embaixador da Austrália em Jacarta, Laurence McIntyre, indagou junto do minis-

tério indonésio dos Negócios Estrangeiros [Departemen Luar Negeri] sobre o

assunto, mas foi informado que ao: “governo da Indonésia, era estranho tal

movimento, e, que o ignorava”.52 Para além das cópias fornecidas à PIDE e ao

50 A PIDE começou a actuar em Timor a partir de 2 de Março de 1961. Todavia, o seu inspector

Mário Ferreira da Costa visitou Timor em Agosto de 1959 para estudar a possibilidade de ser criada

uma subdelegação deste corpo policial no território, sob proposta de Filipe Themudo Barata,

governador da colónia entre 1959 e 1963 (Barata, 1998, p. 30).51 O representante consular australiano tinha uma longa experiência de Timor e da região por

duas razões fundamentais. Primeira, já exercia o cargo desde 31 de Agosto de 1955 (Portugal, 1961,

p. 377) e integrava a Reserva de Voluntários da Real Armada Australiana desde a II Guerra Mundial

(“Nota formal do alto comissário da Austrália em Londres, Thomas White, para o embaixador de

Portugal, Rui Enes Ulrich, de 2 de Julho de 1953” in “Nomeação do Sr. Francis John Annesly Whittaker

para o cargo de cônsul da Austrália em Díli”, RPA M. 790, AHDMNE, Lisboa). Durante a sua permanên-

cia, de quase 10 anos, à frente do consulado australiano em Díli, o seu governo instalou uma

delegação da Australian Secret and Intelligence Service (ASIS) na colónia portuguesa, o terceiro

escritório desta agência de informações do ministério australiano dos Negócios Estrangeiros num

país estrangeiro (Gunn, 1999, p. 261).52 “Ofício n.º 46/61-SR, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector

Manuel José da Cunha, para o director da PIDE, tenente-coronel Homero de Matos, de 29 de Abril

de 1961”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 12,

IAN/TT, Lisboa.

372 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

comando da guarnição militar, o consulado australiano proporcionou um exem-

plar da tradução inglesa do comunicado de 2 de Novembro de 1960 “a título

absolutamente reservado”53 ao governador Filipe Themudo Barata.

A “colaboração” australiana continuou a observar-se posteriomente. Três

meses mais tarde, o cônsul australiano voltou a informar o comandante-chefe

das Forças Armadas portuguesas em Timor, coronel Luís Mário do Nascimento,

que a URT estava “desenvolvendo grande actividade [no] Timor indonésio[, na]

região [de] Atambua. Parece [que] nesta fase procura angariar prosélitos [para]

actuação posterior [no] território português como agentes subversivos”.54

A informação prestada pelo cônsul australiano parecia verídica. A edição do

diário Hong Kong Tiger Standard, do dia 14 de Agosto, publicou um despacho do

correspondente da agência noticiosa Associated Press em Kupang no qual era

afirmado que existiam todos os “ingredientes” para a precipitação de uma crise

na ilha – crescente tensão na região fronteiriça dos dois territórios, um embrio-

nário “movimento de libertação” e um vizinho hostil às políticas coloniais. De

acordo com este despacho, as autoridades portuguesas tinham nas últimas

semanas quase encerrado a fronteira entre os dois territórios após as autoridades

da Indonésia terem criticado com grande veemência Portugal pela sua atitude

em Angola. Por outro lado, a ABRI estava a investigar a URT pela distribuição de

panfletos em NTT que exortavam à expulsão dos portugueses de Timor-Díli. A

preocupação dos militares indonésios era de que um envolvimento com a URT

enfraquecesse o caso da Indonésia contra os Países Baixos na questão da Papua

Nova Guiné Ocidental.55

53 “Ofício n.º 26, secreto, do governador de Timor para o ministro do Ultramar, Adriano Moreira,

de 6 de Maio de 1961” in “Geral”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-00, A. 15, G. 2, M. 87, AHDMNE, Lisboa.54 “Ofício n.º 1822/B da 2.ª repartição (informações militares), confidencial, do secretário-

-adjunto da Defesa Nacional para o director-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negó-

cios Estrangeiros e o chefe de gabinete do ministro do Ultramar, de 21 de Julho de 1961” in “Cônsul

da Austrália em Timor, 1961-1971”, Fundo MU/GM/GNP/E-07-15-01, A. 1, G. 3, M. 259, AHDMNE,

Lisboa.55 “‘Freedom Movement’ On Timor Threatening Portuguese Rule”, Hong Kong Tiger Standard (14

de Agosto de 1961), p. 1.

373colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Dois dias depois, a agência noticiosa Lusitânia divulgou um pequeno despa-

cho proveniente de Jacarta, que apontava para a natureza ambígua do movi-

mento. De acordo com a agência oficiosa do regime de Salazar, a URT era

“proeminente, mas não oficial”, que estava, contudo, a tentar “levantar o senti-

mento nacionalista naquela província portuguesa”.56

Factores subjacentes ao insucesso da URT

Várias razões concorreram para que a URT tivesse uma existência efémera e

sem grandes repercussões no terreno. Porém, por razões de espaço e brevidade,

neste trabalho vamos debruçarmo-nos sobre 8 das principais condições que

contribuíram decisivamente para o insucesso da URT. Aliás, estas variáveis con-

trastam com a actuação dos movimentos de emancipação em Angola,

Moçambique e Guiné-Bissau, assim como com o das pequenas colónias africanas

de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, que conseguiram afirmar-se perante as

autoridades políticas portuguesas após o 25 de Abril de 1974.

Primeiro, as actividades da URT circunscreveram-se ao foro estritamente

político-propagandístico, isto é, à divulgação de comunicados e de outra propa-

ganda avulsa. Mas mesmo a este nível, as suas actividades foram também

extremamente exíguas, pois todos os comunicados eram escritos em bahasa

indonésio, língua que não era fluentemente dominada por “nenhum timorense”.57

Por outro lado, este movimento debateu-se com consideráveis problemas de

divulgação da sua propaganda nos órgãos de informação da Indonésia e estran-

geiros. Finalmente, existia um fosso acentuado entre a data da aparente tomada

de decisões ou de reuniões e a sua divulgação. Assim, apesar de terem sido

56 “As pretensões da organização ‘Timor Livre’”, Notícias de Macau, ano 14, n.º 4.143 (17 de

Agosto de 1961), p. 6.57 “Relatório n.º 10/62-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector

Manuel José da Cunha, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 17 de Abril de 1962”,

PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 988, IAN/TT, Lisboa.

374 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

formados 8 “governos” entre 1963 e 1973, só se conhece a composição de 6

(anexo I). Desconhece-se por completo, a composição dos III e V “governos” que,

aparentemente, exerceram funções entre 1967 e 1969 e 1971 e 1973, respectiva-

mente.

Segundo, existia um intenso conflito os seus dirigentes. Conseguimos aferir

esta realidade pelo número de “remodelações” oficialmente divulgadas pelo

movimento. O I “governo”, previsto para durar dois anos, sofreu duas remodela-

ções. No dia 9 de Abril de 1963 foi constituído, em Batugadé, o primeiro “gover-

no” da URT. Este era composto por 12 ministros e vice-ministros, sendo três

mulheres (Ibid.), por nomeação do 1.º vice-presidente da URT, A. Mao Klao. A sua

actividade propagandística era, contudo, tão incipiente, que só conseguiram

divulgar o seu comunicado no dia 14 de Abril, isto é, 10 dias depois. Apesar da

sua distribuição junto das agências noticiosas indonésias e estrangeiras, só foi

divulgado pelo correspondente da Agence France-Presse (AFP) na capital javanesa

e pela revista Sovetskaya Rossia, de Moscovo. Os cinco parágrafos do despacho da

AFP davam a conhecer a divulgação do comunicado em Jacarta, os nomes dos

três principais dirigentes (chefe de Estado, chefe de governo e vice-chefe do

governo), solicitava o reconhecimento externo e recordava que Timor tinha uma

superfície de 15,007 Kms² e 500.000 habitantes.58 Como observou o encarregado

de negócios, interino, da legação de Portugal em Jacarta, Fernando Cardoso, o

despacho da AFP, “não teve a menor publicidade neste país nem foi incluída nos

noticiários da Agência Antara”.59

Por seu turno, o diário moscovita Sovetskaya Rossia publicou um artigo a

apoiar a URT, no dia 7 de Maio de 1963. De acordo com o seu repórter Marinov

a operação da Indonésia na Papua Nova Guiné Ocidental poderia ter repercus-

58 “United Republic Of Timor-Dilly”, South China Morning Post [Hong Kong], (15 de Abril de

1963), p. 1; “Freedom Fighters for Liberation”, The Voice of Ethiopia [Adis Abeba], (16 de Abril de 1963),

p 1; “Um Governo de Rebeldes”, Pravda [Moscovo], (16 de Abril de 1963), p. 6; “Eyes of Timor”, The

Baltimore Sun [Maryland], (2 de Maio de 1963), p. 4.59 “Ofício n.º 48, confidencial, de 18 de Abril de 1963, p. 2” in “Agitação nas províncias

ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE,

Lisboa.

375colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

sões em Timor, pois com a queda de Goa e após Jacarta ter satisfeito as suas

pretensões sobre a ex-colónia holandesa, o território sob administração portu-

guesa tinha-se transformado numa cruel prisão e num inferno para os timorenses.

A formação da URT, sob a liderança de A. Mao Klao, e o pedido do último junto

de vários países para reconhecerem o seu movimento constituia o caminho mais

adequado para levar avante a independência do território.60 Dois dias depois,

dois jornais da Indonésia, o “Merdeka (governamental) e o Bintang Timur (comu-

nista)”, referiram-se à formação do governo da URT a partir do despacho conjun-

to, das agências Antara e Tass, que resumia o artigo publicado no Sovetskaya

Rossia.61

As esperanças depositadas no I “governo” da URT esvaneceram-se rapida-

mente. Apesar de estar prevista a sua vigência durante um período de dois anos,

isto é, entre 9 de Abril de 1963 e 9 de Abril de 1965, este foi remodelado no dia

10 de Julho de 1963, isto é, teve uma existência de três meses. Muito provavel-

mente dissenções políticas internas ditaram o seu fim.

Na sequência da primeira remodelação, o primeiro “governo” remodelado

durou 13 meses, sendo constituído por 21 “ministros”. Quem perdeu com esta

remodelação foi o “primeiro-ministro” T.E. Maly Bere. Este foi substituído pelo

presidente da Presidência Central da URT, A. Mao Klao, que passou a acumular

estes dois importantes cargos. No comunicado de circunstância foi divulgado

que iriam ser enviados delegados à ONU, em Nova Iorque, e aos Estados inde-

pendentes africanos,62 para os elucidar sobre a situação em Timor e apelava aos

Estados malaios no sentido de apoiarem a URT e a cortarem relações diplomáti-

cas com Portugal.63

60 “Mao Klao Presiden REP. Persatuan Timor”, Merdeka [Jacarta], (9 de Maio de 1963), p. 1.61 “Ofício n.º 52, confidencial, de 11 de Maio de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas:

Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.62 Embora a decisão tivesse sido tomada em 3 de Abril de 1963, quatro meses mais tarde, a URT

ainda continuava a ponderar o eventual envio de representantes à ONU e a vários países africanos

(“Insurgents Going To U.N.”, Pretoria News [14 de Agosto de 1963], p. 8).63 O último pedido teria, certamente, como objectivo primordial impedir politicamente que os

novos Estados malaios estabelecessem relações diplomáticas formais com Portugal. “‘Announcement

376 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Os três principais dirigentes do primeiro “governo” remodelado da URT, A.

Mao Klao, presidente; T.E. Mali Bere, primeiro-ministro; e Immany, vice-primeira-

-ministra, eram naturais de Atsabe, Timor Português, segundo o inspector, inte-

rino, da subdelegação em Timor da PIDE, Armando Rodrigues Rego.64 Um relató-

rio posterior da PIDE identificava, contudo, A. Mao Klao,65 como sendo Gaspar

Kalau, descendente de pais portugueses oriundos de Suai. Este indivíduo era

professor de liceu em Toe, em NTT, e falava inglês, holandês e alemão. Aparente-

mente, era “muito evoluído” e visitava “os seus parentes em Suai”.66

Relativamente a T.E. Mali Bere, a PIDE identificou-o como sendo Tomás

Malibere, cunhado de Silvestre Martins Nai Buti Seço.67 O primeiro deveria ser

“descendente de timores portugueses, mas nascido em Atambua. Está ligado ao

antigo regulado de Lemeia, hoje subdividido em vários sucos, sob a gerência do

Posto de Hatolia, do concelho de Ermera. Um dos parentes desse Mali Bere, talvez

mesmo o pai, foi régulo de Lameia, mas em 1912, quando da luta travada entre

ele e a família do actual chefe de um dos sucos – Lemeia-Craic –, teve de fugir

para o Timor Indonésio, donde nunca mais voltou, ignorando-se se ainda é vivo.

No entanto, os seus parentes nunca perdem a ideia de voltar para o seu regula-

do”.68

Silvestre Martins Nai Buti Seço, por seu turno, era “filho do antigo liurai de

Hatolia, fugido para o território indonésio, por ‘traição à Bandeira’ quando da

[of the] Directorate General [of the] Central Presidium of the Union Republic of Timor-Dilly’, assinado

pelo director-geral Abdullah Kalao, de 20 de Julho de 1963”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-

-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fls. 105-106, IAN/TT, Lisboa.64 “Relatório n.º 11/63-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da

PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 4 de Junho de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.

8972, fl. 388, IAN/TT, Lisboa.65 Aliás, Mao Klao Muhammad Saleh Akbar Balikh.66 “Relatório apresentado pelo chefe da subdelegação da PIDE de Timor, inspector, interino,

Armando Rodrigues Rego, na Comissão de Coordenação de Defesa Timor, em 3 de Setembro de

1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 289, IAN/TT, Lisboa.67 Ibid.68 “Relatório n.º 9/63-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da

PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 7 de Maio de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.

8972, fl. 435, IAN/TT, Lisboa.

377colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

guerra de Manufai, em 1912, que, ambicionando voltar às terras dos seus ante-

passados, solicita o apoio de quem quer que seja, para atingir o fim em vista”.69

Aliás, o chefe da subdelegação da PIDE em Timor, inspector, Armando Rodrigues

Rego, informou o cônsul de Portugal em Jacarta, António Pinto da França,

aquando da sua visita a Timor, entre os dias 8 e 15 de Dezembro de 1965, “que

nenhum dos indivíduos, até agora referenciados, é português e que, nem mes-

mo, aqui alguma vez residiram; quando muito podem ser oriundos dos portu-

gueses fugidos para a Indonésia em 1912, quando da ‘Guerra de Manufai’, mas,

pode-se afirmar, nenhum é português”.70 Nai Buti era um elemento importante

porque mantinha uma rede informal de informadores nos bazares na zona de

fronteira do Timor Português.71

Com o desígnio de obter apoios externos a URT enviou comunicados

às missões diplomáticas estrangeiras acreditadas junto do governo de Jacarta.

O encarregado de negócios, interino, de Portugal em Jacarta, José Eduardo

de Melo Gouveia, informou Lisboa que o seu colega da embaixada da Turquia

lhe confidenciara que a delegação da URT tinha enviado um ofício circular

às missões diplomáticas dos países árabes do Médio Oriente a divulgar a rela-

ção dos membros do 2.º governo da URT.72 Numa grande falta de tacto polí-

tico, a URT declarava-se alinhada com os Estados Malaios, que na altura ascen-

diam a 250 milhões de pessoas, e apoiava abertamente a criação do Esta-

69 “Relatório n.º 7/65-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da

PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 12 de Outubro de 1965”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª,

N.T. 8973, fl. 313, IAN/TT, Lisboa.70 “Relatório n.º 12/65-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da

PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 21 de Dezembro de 1965”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-

-2.ª, N.T. 8973, fl. 112, IAN/TT, Lisboa.71 “Relatório n.º 12/64-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da

PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 11 de Agosto de 1964”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª,

N.T. 8973, fl. 915, IAN/TT, Lisboa.72 “Ofício UL 413, confidencial, do director-geral, interino, dos Negócios Políticos do ministério

dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais,

de 30 de Outubro de 1964”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T.

3292, fl. 107, IAN/TT, Lisboa.

378 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

do Malaio, o que criou, inevitavelmente, obstáculos nas relações com a Indo-

nésia.73

A imprensa indonésia e a agência noticiosa oficial Antara, com a excepção

da imprensa alinhada com o Partai Kommunis Indonesia – PKI (Partido Comunista

da Indonésia), não deu cobertura alguma à formação do II governo da URT.74

Porém, a delegação em Jacarta da Agence France-Presse divulgou um despacho

em que dava a conhecer os três principais dirigentes da URT. Este despacho foi

divulgado por vários órgãos da imprensa internacional.

O IV “governo” da URT era constituído por 27 membros e vigorou entre 9 de

Abril de 1969 e 9 de Abril de 1971.75 Enquanto o VI, cujo mandato decorreu entre

9 de Abril de 1973 e 9 de Abril de 1975, foi oficialmente divulgado no dia 28 de

Junho de 1973, alegadamente em Batugadé. Este governo era constituído por 19

ministros e 1 secretário de Estado (Anexo II). A delegação da URT em Jacarta

encarregou-se de divulgar o comunicado da relação dos membros do “Conselho

de Ministros” junto das embaixadas estrangeiras acreditadas junto do regime de

Mohammed Suharto. Porém, segundo o cônsul português, Manuel Lopes da

Costa, “a grande maioria das Missões acreditadas na capital da Indonésia não

dedicou ao assunto a menor atenção, por não atribuir aquele movimento qual-

quer representatividade”.76

Terceiro, a latente incapacidade de actuação da URT no terreno estava

relacionada com a sua base tribal e religiosa minoritárias. De acordo com a PIDE,

73 Ibid., fl .108.74 “Ofício n.º 4064/L-8-I, muito secreto, do director do gabinete dos Negócios Políticos do

ministério do Ultramar para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 28 de Junho de

1963”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fls. 118, IAN/TT,

Lisboa.75 “‘Cópia de tradução’ do comunicado do ‘Presidium Central da URT, assinado pelo presidente,

A. Mao Klao, de 9 de Abril de 1969”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR,

N.T. 3292, fls. 12-14, IAN/TT, Lisboa.76 “Ofício n.º 5955, PAA 948, do director-geral dos Negócios Politicos do ministério dos

Negócios Estrangeiros, Gonçalo Caldeira Coelho, para o director-geral de Segurança, major Fernando

da Silva Pais, de 9 de Agosto de 1973”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação Nacional do Timor

Português”, Proc. n.º 18891/CI(2), N.T. 7826, fl. 18, IAN/TT, Lisboa.

379colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

os principais dirigentes da URT eram naturais da região de expressão quêmaque.77

Esta área começava na “bacia da Lóis, prolongando-se desde o mar da costa

norte para o interior até Atsabe, Laimean e Marôbo” (Felgas, 1956, p. 175). As

origens deste grupo, no passado recente, remontavam às lutas pelos regulados

na zona fronteiriça entre Timor e Nusa Tenggara Timur (NTT), aquando da ocupa-

ção de Timor pelos japoneses. Aparentemente, os timorenses de expressão

quêmaque teriam apoiado os japoneses integrando as “colunas negras”.78 Após a

reocupação de Timor pela administração portuguesa, a maioria dos timorenses

de expressão quêmaque que colaboraram com os japoneses refugiaram-se na

Indonésia, passando muitos a integrar as forças armadas deste país. Esta versão

da polícia política do regime foi, porém, mitigada pelo representante português

em Jacarta. De acordo com António d’Oliveira Pinto da França,79 a URT “parece ser

constituída por um pequeno grupo, na maioria comerciantes de origem árabe,

instalado na zona da fronteira, do lado indonésio. Aparentemente os seus laços

com Timor português são remotos e as reivindicações a uma liderança de

nacionalismo timorense corresponderão sobretudo a oportunismo e a ambições

de promoção individual” (pp. 83-84).

Apesar desta base política em NTT, a URT nunca conseguiu exercer influên-

cia política significativa junto dos timorenses de expressão quêmaque residentes

em Timor-Leste, que ascendiam a 50.000 habitantes, em 1956 (Felgas, 1956,

p. 175). Esta atitude deveu-se, em parte, ao agravamento das profundas clivagens

inter-étnicas em NTT, em particular, e na Indonésia, em geral. Os timorenses

77 “Relatório 11/63-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector,

interino, Armando Rodrigues Rego, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 4 de

Junho de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fls. 387-388, IAN/TT, Lisboa.78 As “colunas negras” foram milícias timorenses organizadas, treinadas e orientadas pelas

forças de ocupação nipónicas em Timor, entre 1942 e 1945. Os principais objectivos destes corpos

foram criar sérios obstáculos às operações de guerrilha levadas a cabo pelas forças armadas da

Austrália em Timor e intimidar política e psicologicamente a débil administração portuguesa, os

residentes brancos e o escol timorense e as autoridades gentílicas tradicionais alinhadas Portugal e

actuar contra as “colunas brancas” afectas à administração colonial portuguesa.79 Cônsul de Portugal em Jacarta entre 22 de Janeiro de 1965 e 24 de Julho de 1970 (Portugal,

1971, p. 230).

380 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

que viviam junto à fronteira e que tinham familiares a viver em NTT estavam

cientes da profunda crise e das dificuldades políticas e inter-étnicas por que

passavam os timorenses que residiam no Timor Indonésio. O NTT era totalmente

dominado por militares javaneses e os naturais do território eram sistematica-

mente preteridos nos principais cargos da administração regional, assim como

em funções que eram por tradição atribuídas às autoridades gentílicas, como,

por exemplo, os postos de rajás e de liurais. Esta conjuntura contribuiu para que

grassasse um acentuado conflito político e inter-étnico entre os naturais da NTT

e os javaneses, sendo os últimos apelidados de “holandeses negros” pelos pri-

meiros.

Esta situação deteriorou-se com o acentuado agravamento da crise econó-

mica e social em NTT. A carência de comestíveis e vestuário, salários precários e

a carestia de vida80 contribuiu, por exemplo, para que os habitantes da região

fronteiriça da NTT se deslocassem com grande frequência aos bazares de Balibó

e de outras localidades do Timor Português para comprarem produtos que

escasseavam no Timor Indonésio. Estas interacções permitiram, certamente, aos

timorenses do Leste, especialmente aos que viviam na região fronteiriça, estarem

conscientes da situação que se vivia em NTT e facilitou o trabalho de recolha de

informações por parte da subdelegação da PIDE em Díli sobre a situação política,

económica e social no Timor Indonésio.

Por outro lado, a debilidade da URT foi reforçada pela sua forte matriz

confessional islâmico-malaia numa colónia na sua esmagadora maioria animista

e tendencialmente católica. Esta realidade comprometeu a implantação do mo-

vimento junto dos timorenses. Na opinião de Hélio Felgas, “nem o induísmo nem

o islamismo exerceram qualquer influência sobre o timorense” (p. 153). A esma-

gadora maioria era animista e só 60.000 timorenses, ou seja, 13,7% da população

era católica, em meados de 1950. Este número aumentou para 122.167, ou seja,

21,9%, em 1964 (Pedro, 1965, p. 685), 153.280, isto é, 25,1%, em 1970 (Barata,

80 “Relatório n.º 8/63-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector,

interino, Armando Rodrigues Rego, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 23 de

Abril de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fls. 457, IAN/TT, Lisboa.

381colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

1998, p. 75), e para “cerca de um terço da população timorense” em 1974

(Magalhães, 1999, p. 10; Almeida, 1994, p. 642).81

Mesmo que as actividades da URT conseguissem apelar à diminuta comuni-

dade “árabe” de Díli,82 esta foi infiltrada pela PIDE/DGS no sentido de a neutralizar

de eventuais efeitos de propaganda. A comunidade “árabe” vivia nas várzeas

próximo da cidade, mas nunca mostrou qualquer interesse pela URT, nem pelas

actividades do consulado da Indonésia. Segundo um relatório da PIDE, o cônsul

da Indonésia em Díli, Roeslan Soeroso:

“Procurou infiltrar-se na comunidade árabe, onde o terreno lhe é mais

fácil, dada a identificação religiosa, mas em virtude da nossa persistên-

cia em mostrarmos claramente que sabemos das suas intenções, desis-

tiu e, até, já, em conversas com amigos comuns, se queixou que ‘o

Senhor Inspector da PIDE é um bom companheiro e muito boa pessoa,

mas anda sempre a perseguir-me; julga que eu vou para o bairro árabe

com intuitos reservados… eu vou ali para comprar frangos e ovos’. Pois

sim; o Senhor Cônsul que vá comprando ‘os frangos e ovos’ que enten-

der, mas não tenha a veleidade de julgar que é capaz de organizar

‘qualquer coisa’ sem que seja por nós imediatamente assinalada e

desarticulada”.83

A recolha de informações pela subdelegação em Timor da PIDE permitiu

neutralizar todas as tentativas de infiltrações informais da Indonésia. Assim, a

PIDE criou um posto na circunscrição de Balibó, em Abril de 1963, com um

agente que falava bem o tétum, conhecia o meio e mantinha relações amistosas

com as autoridades gentílicas tradicionais, o que permitiu debelar todas as

81 Durand defende, todavia, que 28% da população de Timor-Leste era católica em 1973 (p. 69).82 De acordo com Geoffrey C. Gunn a diminuta comunidade islâmica de Díli “were speakers of

Malay and otherwise acculturated to Malay culture” (p. 243).83 “Relatório, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector, interino,

Armando Rodrigues Rego, para o subscretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva Cunha,

de 5 de Dezembro de 1964”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 739, IAN/TT, Lisboa.

382 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

iniciativas da Indonésia e da URT. Por outro lado, a PIDE neutralizou várias

tentativas de aliciamento dos timorenses de expressão quêmaque, assim como

se manteve bem informada sobre a conjuntura política, económica e social na

Indonésia através dos contactos privilegiados que manteve com timorenses

católicos da NTT.

A reanimação das tropas de 2.ª linha, constituídas essencialmente por

timorenses, no princípio do decénio de 1960, revelou-se, por outro lado, um

eficaz dispositivo de segurança para neutralizar os indonésios e a URT (Barata,

1998, pp. 136-141; Fernandes, 2005, p. 139).

Quarto, ao contrário do que sucedeu em Angola, Guiné e Moçambique,

onde surgiram movimentos de libertação que conseguiram desencadear activi-

dades de luta armada, a URT mostrou-se totalmente incapaz de se afirmar

politicamente por este meio. Embora a última institui-se um Conselho Militar

no dia 10 de Junho84 de 1963 com o objectivo de “coadjuvar a presidência central

da URT”, em nada contribuiu para a prossecução da luta armada contra a

administração colonial portuguesa. Apesar do Conselho Militar ser constituído

por 22 elementos e estes serem equiparados a “ministros” do “governo”, a

sua criação parece ter sido mais uma manobra por parte de A. Mao Klao para

reforçar o controlo da URT, pois passou a acumular a presidência, interina, da

URT, com a de presidente supremo do Conselho Militar. Esta atitude deveu-se

essencialmente ao facto que ele não integrava o I “governo” da URT, nomeado

em 9 de Abril de 1963 (anexo II). Todavia, um mês após ter sido nomeado

“presidente supremo” do Conselho Militar, o I “governo” foi remodelado, em 10

de Julho, passando ele a acumular os cargos de “primeiro-ministro” e de “mi-

nistro dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia” (Ibid.) Na realidade, o

Conselho Militar da URT nunca conseguiu desencadear qualquer operação

de luta armada em Timor. Segundo um relatório da subdelegação em Timor da

PIDE:

84 Esta data passou a ser designada “oficialmente” como o “Dia das Forças Armadas” da URT.

383colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

“Parece também que o grupo que constitui o chamado ‘Presidium da

União da República de Timor-Díli’ em nada afecta a nossa segurança, em

virtude de, nesta Província, não terem sequer conhecimento dele. Crê-se,

até que se trata de um grupo de indivíduos, residentes em Jacarta, com

responsabilidades ou não na governação da Indonésia, os quais, usando

pseudónimos, se intitulam paladinos de uma ‘Libertação’ com que os

timorenses nem sonham. Um facto é certo, até hoje ainda nada nem

ninguém concretamente indicou que quaisquer desses indivíduos seja

timorense, ou mesmo que exista com o seu verdadeiro nome”.85

Esta realidade, contribuiu para que anos mais tarde o ministro dos Negócios

Estrangeiros da Indonésia, Adam Malik, duvidasse publicamente da “genuidade”

da URT por não conseguir levar avante a luta armada. Na conferência de impren-

sa concedida no dia 1 de Agosto de 1973, o chefe da diplomacia da indonésia

declarou que embora sustentasse dúvidas sobre a autenticidade da URT, não a

proibia. Porém, acrescentou que: “se são, na realidade, combatentes da liberda-

de, devem ir para Timor e travar a sua luta no interior”.86 Caso não o fizessem não

passavam de uns “aventureiros”.87 Com o intuito de assegurar a máxima divulga-

ção desta posição oficial, a Radio Republik Indonesia difundiu o despacho da

Reuters.88

Quinto, o movimento manteve historicamente relações difíceis com o regi-

me de Jacarta, do qual dependia in extremis. Seis razões condicionavam o seu

85 “Informação n.º 394-SC/CI(2), confidencial, sobre a ‘situação en Província de Timor’ da

subdelegação da PIDE de Díli, de 14 de Abril de 1966”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”,

Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 44, IAN/TT, Lisboa.86 “Despacho n.º 56 da delegação em Jacarta da agência noticiosa Reuters, de 1 de Agosto de

1973” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa;

“Perintrep n.º 8/73, referente ao período de 1 a 30 de Agosto de 1973, do comando militar de Timor”,

PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8979, fl. 413, IAN/TT, Lisboa.87 Ibid.88 “Ofício n.º 59, secreto, do governador de Timor, coronel graduado Fernando Alves Aldeia,

para o ministro do Ultramar, Silva Cunha, de 7 de Agosto de 1973” in “União Repúb. Timor”, Fundo

MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa.

384 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

comportamento. Primeira, a URT surgiu inicialmente sob os auspícios do gover-

no provisório rebelde Pemerintah Revolusioner Republik Indonesia (PRRI),89 que

desafiou o regime de Sukarno.90 Este movimento ambicionava obter uma ampla

autonomia política, administrativa, financeira e cultural das várias ilhas e regiões

do imenso arquipélago em relação a Jacarta, fortemente orientado por javaneses,

89 “Relatório n.º 43/63-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector,

interino, Armando Rodrigues Rego, para o chefe de gabinete do governador de Timor, capitão João

de Beires Junqueira, de 16 de Abril de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 466,

IAN/TT, Lisboa. Esta informação foi confirmada pelo governo de Timor. De acordo com este, a URT

foi instituída pela Pemerintah Revolusioner Republik Indonesia [Governo Revolucionário da República

da Indonésia], um partido político que contava com “pouca aceitação” em Jacarta “e nenhuma no

Timor Indonésio” (“Ofício n.º 34, secreto, do encarregado do governo de Timor, brigadeiro Francisco

António Pires Barata, para o ministro do Ultramar, comandante António Augusto Peixoto Correia, de

19 de Abril de 1963, p. 4” in “Geral”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-00, A. 15, G. 2, M. 87, AHDMNE, Lisboa).90 Devido à grande instabilidade política que grassava na Indonésia, em parte motivado pelas

reivindicações para mais autonomia por parte de algumas províncias que se achavam preteridas

pelo governo central, surgiram duas rebeliões regionais, uma centrada na parte oriental do país e

outra na parte ocidental. Assim, em 2 de Março de 1957 o comandante da região militar oriental da

Indonésia, tenente-coronel Herman Nicolas “Ventje” Sumual, com o apoio de outros militares e

dirigentes políticos civis, adoptaram a Piagam Perjuangan Semesta Alam – Permesta (Carta da Luta

Universal) (Harvey, 2003 [1977], pp. 164-167). Este documento reivindicava a restauração na íntegra

dos direitos das regiões, autonomia financeira, aumento dos fundos de fomento, as indemnizações

do governo japonês e um certo controlo sobre a nomeação de funcionários governamentais. Este

grupo tinha como base regional de apoio a parte oriental da Indonésia, nomeadamente a região

norte da ilha Sulawesi [Celebes]. Uns meses mais tarde, com o apoio do segundo maior partido

islâmico da Indonésia Madjelis Sjuro Muslimin Indonesia – Masjumi (Conselho Consultivo dos Muçul-

manos Indonésios), alguns dirigentes do Partai Sosialis Indonésia – PSI (Partido Socialista da Indonésia),

oficiais generais e comandantes regionais das forças armadas da Indonésia e a complacência do ex-

vice-presidente do país, Mohammed Hatta, o governo provisório do PRRI surgiu na ilha de Sumatera

[Samatra], em 15 de Fevereiro de 1958. Este acto contribuiu para o fim da “democracia parlamentar”

na Indonésia. O governo dos EUA e os seus aliados do sudeste asiático – nomeadamente a Austrália

e o Reino Unido – ofereceram, secretamente, auxílio logístico ao PRRI. Em resposta a este desafio,

Sukarno desencadeou uma campanha de repressão maciça sobre estas duas províncias rebeldes.

Esta concluiu-se em 17 de Agosto de 1961, quando o “primeiro-ministro” rebelde, Sjafruiddin

Prawiranegra, e 34 outros destacados dirigentes do PRRI se renderam às forças leais ao chefe de

Estado (Cowan, 1963, pp. 246-247). Para uma análise circunstanciada do movimento regional PRRI/

Permesta vide o óptimo trabalho de Harvey, 2003 [1977].

385colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

e reduzir a influência do Partai Kommunis Indonesia – PKI (Partido Comunista da

Indonésia) no sistema político do país. Com a derrota do PRRI, a existência da URT

tornou-se extremamente débil e dependente da benevolência de Jacarta.

Segundo, o governo central da Indonésia receava que um eventual patro-

cínio público e directo da URT poderia ser usado por forças políticas internas

como pretexto para precipitar o ressurgimento de movimentos separatistas no

próprio país, apesar destes terem, em parte, sido fortemente reprimidos e perse-

guidos no início do decénio de 1960. Aliás, esta posição foi expressa pelo

diplomata José Eduardo de Melo Gouveia, antigo encarregado de negócios de

Portugal em Jacarta, num encontro que teve em Camberra com destacadas

individualidades políticas australianas. Na opinião deste diplomata: “o eventual

apoio da Indonésia ao movimento de independência de Timor, esclareci a título

pessoal, que difícilmente Sukarno viesse a tomar abertamente essa orientação

visto o perigo de criar uma precedência para movimentos de separação prevale-

centes e subsidiários à República da Indonésia, caso das Molucas e mesmo da

Samatra”.91

Terceiro, a conduta de grande ambiguidade de Jacarta em relação à URT

enquadrava-se na sua política de apoio aos movimentos rebeldes e aos “gover-

nos no exílio” – nomeadamente, do Bornéu do Norte e às suas tentativas sub-

-reptícias para incorporar a Papua Nova Guiné Ocidental na Indonésia (Saltford,

2003). Esta atitude suscitou uma grande desconfiança por parte dos dirigentes

da URT. O cisma foi tão profundo que a URT se deu ao trabalho de publicar e

divulgar a sua constituição, em 4 de Maio de 1965 (anexo V), na qual reiterava o

seu desígnio de obter a independência “absoluta” de Timor-Díli e manifestava

grande empenho no princípio que “she is never prone to be annexed by any

neighboring country” (Ibid.). Como asseverou com grande perspicácia o cônsul

António de Oliveira Pinto da França para o Palácio das Necessidades:

91 “Telegrama n.º 33 recebido do encarregado de negócios de Portugal em Camberra, José

Eduardo de Melo Gouveia, em 26 de Agosto de 1965” in “Relações políticas de Portugal com a

Austrália: geral, 1961-1966”, PAA M. 1176, AHDMNE, Lisboa.

386 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

“que no caso da Indonésia decidir desencadear uma ofensiva contra

Timor, ofensiva que na melhor das probabilidades tomará uma forma

indirecta de preferência a uma intervenção directa, o Governo Indonésio

não poderá servir-se deste movimento da ‘União da República de Timor’

sem que previamente tenha promovido nos seus exíguos quadros uma

reforma radical que assegure ‘obediência e docilidade’”.92

Na disputa entre Jacarta e Kuala Lumpur pela liderança do mundo malaio, a

URT nutria uma certa simpatia pelo regime de Tunku Abul Rahman, da Malásia.

Esta situação intensificava, obviamente, atitudes de distância por parte do regi-

me de Sukarno, que mantinha uma política de grande intransigência política em

relação a Kuala Lumpur, como se verificou durante a vigência da política de

confrontasi com a Malásia.

Aliás, sintomático da relação difícil entre Jacarta e a URT foi a informação

prestada pelo novo cônsul da Indonésia em Díli, Roeslan Soeroso, ao comandan-

te militar de Timor, tenente-coronel Manuel Amadeu Gomes Madail de Sousa

Teles. O primeiro informou o segundo, que A. Mao Klao, presidente, interino, da

URT, se encontrava detido em Jacarta “para evitar aborrecimentos aqui”.93 O

cônsul indonésio “teria confidenciado este facto para evidenciar a disposição das

autoridades do seu país em evitar incidentes com as nossas”.94 Interpelado pelo

ministério dos Negócios Estrangeiros sobre o assunto, o encarregado de negó-

cios de Portugal em Jacarta, José Eduardo de Melo Gouveia, informou o Palácio

das Necessidades que não existiam razões para recear uma atitude hostil por

parte de Jacarta, pois não desejava “agitar connosco ou contra nós problemas

92 “Ofício n.º 83 de 18 de Setembro de 1965” in “Relações políticas de Portugal com a Austrália:

geral, 1961-1966”, PAA M. 1176, AHDMNE, Lisboa.93 “Perintrep n.º 3/64, de 1 a 31 de Março de 1964” PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.

8973, fl. 1196, IAN/TT, Lisboa.94 “Ofício UL 549 enviado em nome do director-geral dos Negócios Políticos do Ministério dos

Negócios Estrangeiros, Soares de Oliveira, para o director do gabinete dos Negócios Políticos do

ministério do Ultramar, Ângelo dos Santos Ferreira, de 20 de Maio de 1964” in “Agitação nas

províncias ultramarinas: actividades de indivíduos relacionadas com os movimentos nacionalistas:

Timor – Mao Klao”, PAA M. 522, AHDMNE, Lisboa.

387colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

susceptíveis de controvérsia, julgue mais conveniente manter o status quo, coe-

xistindo, não provocando, nem permitindo que outros no interior da República

o façam”. Relativamente à URT, chamou à atenção que “no plano interno, o

problema poderá degenerar num perigoso precedente, abrindo caminho à de-

sintegração política das diferentes sócio-etnias, aglutinadas mais ou menos à

força e pela força, na República da Indonésia”.95

Quarto, a URT era um movimento islâmico num Estado laico, o que contri-

buiu para uma certa desconfiança dos dirigentes do movimento por parte de

Jacarta e nos permite, em parte, compreender a dificuldade com que actuava

junto de missões diplomáticas estrangeiras acreditadas junto do governo da

Indonésia. Em suma, “the host state may be theoretically enthusiastic toward the

movement but pragmatically reluctant to assume the cost of sponsorship” (Bell, 1981

[1970], p. 165).

Quinto, após a consolidação no poder do regime anticomunista de Suharto

e a restauração do status quo ante em relação ao Timor Português, a URT foi

afectada pela conjuntura de guerra fria ao ser acusada pela imprensa indonésia

de ser um instrumento do PKI e da União Soviética na região.

A primeira acusação partiu dos diários Merdeka e The Indonesian Observer,

nas suas edições do dia 29 de Setembro de 1969. De acordo com o primeiro

jornal, um relatório das autoridades da Indonésia davam conta que vários oficiais

das Forças Armadas Portuguesas tinham levado a acabo três tentativas infrutífe-

ras para reactivar a URT e proclamar a independência da “República de Timor”. A

quarta tentativa gorada tinha tido lugar após o golpe falhado do PKI de 30 de

Setembro de 1965. Este teria como objectivo acolher os dirigentes do PKI que

tinham conseguido escapar e que pretendiam usar Timor-Díli como uma base

para regressar à Indonésia. Embora o Merdeka não conseguisse confirmar esta

versão dos acontecimentos junto das autoridades da Indonésia, a fonte confir-

95 “Ofício, n.º 61, confidencial, do encarregado de negócios da legação de Portugal em Jacarta,

José Eduardo de Melo Gouveia, para o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, de 27

de Julho de 1964” in “Agitação nas províncias ultramarinas: actividades de indivíduos relacionadas

com os movimentos nacionalistas: Timor – Mao Klao”, PAA M. 522, AHDMNE, Lisboa.

388 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

mou que o governo de Suharto conhecia o relatório, mas que estava a conduzir

uma investigação acerca da possibilidade das autoridades portuguesas desco-

nhecerem o envolvimento dos seus oficiais.96 Uma notícia quase idêntica surgiu

no The Indonesian Observer 97 do mesmo dia, citando o Merdeka.

A notícia foi divulgada internacionalmente no dia seguinte. O Straits Times,98

de Singapura, e o Hong Kong Standard99 publicaram um despacho proveniente da

delegação da agência Reuters na capital javanesa no qual recordava que a

informação sensacionalista acerca da alegada atitude dos oficiais portugueses

fora publicada no diário Merdeka, propriedade de Burhanuddin Mohamad Diah,

ministro da Informação dos dois primeiros governos de Suharto, ou seja, entre 25

de Julho de 1966 e 6 de Junho de 1968.

A notícia foi desmentida por várias instituições. O consulado de Portugal em

Jacarta e o Departemen Luar Negeri negaram ter conhecimento da alegada

conspiração entre oficiais da guarnição militar portuguesa e a URT, no dia 29 de

Setembro.100 Quatro dias mais tarde, o presidente, interino, da assembleia geral

da Persatuan Seluruh Bangsa Melayu (União Geral da Raça Malaia) e da sua

delegação em Timor-Díli, desmentiu categoricamente a notícia, dos dois princi-

pais diários de Jacarta. De acordo com A.B. Lao, a URT tinha sido fundada em 9

de Abril de 1961 sob a liderança de A. Mao Klao. Refutou veementemente que a

URT integrasse membros das Forças Armadas Portuguesa, defendeu que conti-

nuava a sua luta contra a administração colonial portuguesa, que não se tinha

envolvido com o PKI na Indonésia ou oferecido Timor-Díli para uma base comu-

96 “Timor Portugis Basis Komunis? [“O Timor Português é uma base comunista?”], Merdeka

[Jacarta], (29 de Setembro de 1969), p. 1.97 “Portuguese Plot to Set Up Pro-Red Republic in Timor”, The Indonesian Observer [Jacarta], (29

de Setembro de 1969), p. 1.98 “Tentativa para estabelecer uma base vermelha no Timor Português”, The Straits Times (30 de

Setembro de 1969), p. 1; “Portuguese Plot: Red Base in Timor”, Hong Kong Standard (30 de Setembro

de 1969), p. 1.99 “Portuguese Plot: Red Base in Timor”, Hong Kong Standard (30 de Setembro de 1969), p. 1.100 “Pro-Red Plot in Portuguese Timor Denied”, The Indonesian Observer [Jacarta], (1 de Outubro

de 1969), p. 1.

389colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

nista. Aproveitou a oportunidade para reiterar a vontade da URT em fortalecer as

suas relações com os Estados irmãos da Indonésia, da Malásia e das Filipinas,

recordando, contudo, que esta predisposição tinha sido seriamente afectada

pelas insidiosas tentativas para associar a URT ao PKI.101

Não obstante o desmentido, o cônsul indonésio em Díli, solicitou uma

audiência ao governador para lhe dar conhecimento dela e interpelá-lo sobre

o seu teor. Durante a reunião, Agoes102 defendeu “que o Governo indonésio

sendo anticomunista não poderia aceitar uma situação como a que se prevê

no artigo”.103 O brigadeiro José Nogueira Valente Pires informou o cônsul “que

como ele sabia o Governo português também era anticomunista e portanto tal

situação nunca seria criada, além de que com a sua permanência nesta cidade

tinha conhecimento do que se passava e nunca tal tentativa existiu ou estaria

a ser engendrada”.104 Apesar de se ter manifestado contente com a declaração

do governador, “no final insistiu três vezes, se a informação dada era segura e

se poderia com confiança desmentir a notícia ao seu Governo em Jacarta. Foi-

-lhe afirmado que sim e que o melhor local para saber da intenção da mesma

seria em Jacarta onde teve origem, ou em Singapura onde foi publicado”.105 O

governador suspeitou, porém, que estas “notícias sejam postas a circular pelo

próprio Governo indonésio, com a intenção de arranjar uma justificação

para intervir no nosso território com base na suposta defesa dos seus interes-

ses”.106 Apesar da sua escassa plausibilidade, recomendou que “não pode

101 “‘Uni Rep. Timor’ Bukan Komunis” [“A ‘União da República de Timor’ não é comunista”],

Merdeka [Jacarta], (3 de Outubro de 1969), p. 1; “Timor Dilly Movement Not Pro-Red”, The Indonesian

Observer [Jacarta], (3 de Outubro de 1969), p. 1.102 Reconhecido provisoriamente como cônsul da Indonésia em Díli pelo ministério português

dos Negócios Estrangeiros, em 7 de Setembro de 1967 (“Aviso da repartição de gabinete”, Boletim

Oficial de Timor, n.º 43 (28 de Outubro de 1967), p. 717).103 “Ofício n.º 82, secreto, do governador José Nogueira Valente Pires para o ministro Silva

Cunha, de 15 de Outubro de 1969” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2,

M. 88, AHDMNE, Lisboa.104 Ibid.105 Ibid.106 Ibid.

390 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

deixar de ser estudada, a fim de nos precavermos contra todas as eventualida-

des”.107

Porém, as acusações não cessaram. Três anos mais tarde centraram-se sobre

uma alegada dependência pecuniária da União Soviética. O jornal Raya, de

Jacarta, denunciou, na sua edição do dia 3 de Abril de 1972, o alegado apoio

financeiro prestado pela embaixada soviética à URT.108 Na sequência desta notí-

cia, o semanário The Asian, de Hong Kong, publicou outra do mesmo teor. Esta

situação levou o regime de Suharto a ordenar a apreensão da edição em apreço

no dia 19 de Abril de 1972.109 A despeito da última decisão, os diários The Irish

Press, de Dublim, e o Il Fiorino, de Roma, publicaram, nos dias 8 e 14 de Novembro

de 1973, respectivamente, uma notícia idêntica a darem conta que a União

Soviética estava a promover uma série de projectos de fomento regional com o

intuito de facilitar um eventual apoio à URT.110 A situação tornou-se tão tensa,

que o chefe da delgação da PIDE/DGS em Timor, inspector João Lourenço,

informou o major Fernando da Silva Pais, em meados de Julho de 1971, que: “o

Governo de Jacarta teria mandado encerrar as portas” da URT, “fazendo uma

alocuação em que garantia a não intervenção do seu país na política dos países

vizinhos, com quem desejava manter as melhores relações”.111

Sexto, a Indonésia encontrava-se envolvida em vários conflitos regionais

considerados prioritários e que proporcionaram uma conjuntura político-diplo-

mática favorável à manutenção do status quo em Timor-Díli. As duas principais

prio-ridades da política externa do regime de Sukarno na primeira metade da

década de 1960 foram os processos de “integração” do Irião Ocidental ou Papua

107 Ibid.108 “Despacho da delegação em Jacarta da agência noticiosa Reuters, de 3 de Abril”, PIDE/DGS,

“Movimento de Libertação Nacional do Timor Português”, Proc. n.º 18891-CI(2), N.T. 7826, fl. 25, IAN/

/TT, Lisboa.109 “Na Indonésia: semanário apreendido por propalar boatos sobre o Timor Português”, Diário

de Notícias [Lisboa], ano 108, n.º 38.117 (20 de Abril de 1972), p. 13.110 “Timor, a little-knowm colony” The Irish Press [Dublim], (8 de Novembro de 1973), p. 7; “Timor,

la colonia portoghese di cui si parla poco”, Il Fiorino [Roma], (14 de Novembro de 1973), p. 4.111 “Relatório n.º 7/71-DU, confidencial, de 31 de Julho de 1971”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-

-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8978, fl. 654, IAN/TT, Lisboa.

391colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Nova Guiné Ocidental na Indonésia, com o beneplácito do Ocidente e da ONU

(Saltford, 2003), e a sua política de confrontação com a Malásia. Aliás, a última

atitude manteve-se em vigor até à queda de Suharto (Fernandes, 2005, pp. 131-

-136).

No caso da Papua Nova Guiné Ocidental, a postura da Indonésia baseava-se

na reclamação que este território era uma parte integrante das ex-Índias Neer-

landesas Orientais e, consequentemente, a continuidade sob o domínio dos

Países Baixos constituía, para todos os efeitos práticos, a negação dos direitos

territoriais da Indonésia. O Irião Ocidental era uma parte integrante do patrimó-

nio cultural da Indonésia. Jacarta empenhou-se profundamente durante a sua

campanha diplomática contra os holandeses para sublinhar a razão de ser das

suas ambições territoriais.

Este ambiente contribuiu para que o embaixador da Indonésia em Camberra,

brigadeiro-general Suadi Suromihardjo,112 afirmasse à imprensa de Darwin, pou-

co tempo depois da fundação da URT, que o movimento era constituído por

uns “aventureiros que criaram complicações semelhantes nas Celebes”. Na

opinião deste diplomata caso se registasse o perigo de complicações semelhan-

tes em Timor, elas seriam provavelmente precipitadas pelo mesmo tipo de

gente, que classificou como sendo “typical fortune hunters”. Relativamente às

emissões de radiodifusão com destino a Timor que instigavam à revolta dos

timorenses contra os portugueses, Suadi acrescentou: “[w]e have no claims on

Portuguese Timor and hope the friendly relations we have always had with Portugal

continue”.113

Por seu turno, o ministro indonésio da Segurança Nacional e chefe do

Estado-Maior do Exército da ABRI, general Abdul Haris Nasution, durante a sua

visita oficial à Austrália, declarou à Australian Broadcasting Corporation (ABC), no

dia 23 de Abril de 1961, que o seu país não tinha nenhumas reivindicações

territoriais em relação aos territórios da Nova Guiné Oriental, do Bornéu Britânico

112 Chefe de missão da Indonésia em Camberra entre 1961 e 1964 (http://www.kbri-

canberra.org.au/aboutemb/dbslist.htm; consulta efectuada em 1 de Junho de 2005).113 “Timor ‘Rising’”, The Northern Territory News [Darwin, Austrália], (8 de Abril de 1961), p. 1.

392 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

e do Timor Português.114 Nasution reiterou esta posição na conferência de im-

prensa do dia 26 de Abril, onde afirmou:

“A Indonésia não deseja integrar no seu território o Bornéu do Norte,

a parte oriental da ilha de Timor e a parte oriental da Nova Guiné

que nunca fizeram parte do território das Índias Orientais Neerlan-

desas”.115

Esta posição voltou a ser reiterada durante a sua visita oficial a Londres, em

8 de Julho de 1961.116 Interpelado pela imprensa internacional sobre as inten-

ções do governo da Indonésia em relação ao “Timor Português”, o general A.H.

Nasution afirmou: “[n]unca o reclamámos e durante a visita a Lisboa, feita há

cerca de dois anos, o meu Presidente declarou não ter nenhuma pretensão a este

território, visto termos proclamado a independência das antigas Índias Orientais

Holandesas que existiram durante 350 anos como uma unidade política”.117 O

comandante do Exército indonésio reconheceu, todavia, que antes da chegada

dos portugueses a Timor, no século XVI, o território pertencia à Indonésia, mas o

114 “Circular UL-1, Proc. n.º 960,46, da direcção-geral dos Negócios Políticos do ministério dos

Negócios Estrangeiros com um ‘apontamento’ sobre as ‘Declarações Indonésias em que explícita ou

implicitamente se reconhece a nossa soberania sobre o Timor Português’, de autoria de Afonso de

Castro Vasconcelos, da secção de Negócios Políticos Ultramarinos, de 4 de Janeiro de 1966”, PIDE/

DGS, “Serviços Indonésios”, Proc. n.º 236-SC/CI(2), N.T. 6982, fl. 518, IAN/TT, Lisboa.115 Ibid.116 O general A.H. Nasution efectuou uma visita oficial de 5 dias ao Reino Unido, entre os dias

3 e 8 de Agosto de 1961, a convite do governo britânico, na qualidade de ministro da Segurança

Nacional e de chefe de Estado-Maior do Exército Indonésio. O desígnio da visita era obter armamen-

to e equipamento de guerra britânico. Durante a sua estadia teve encontros com o primeiro-

-ministro, Harold Macmillan, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Lorde Home, e o ministro da

Defesa, Harold Watkinson, o Estado-Maior-General do Reino Unido e altos funcionários do Foreign

Office (“Gen. Nasution in London”, The Times [Londres], (5 de Julho de 1961), p. 16f ).117 “Excerto da conferência de imprensa dada pelo ministro da Segurança Nacional/chefe do

Estado-Maior do Exército, general A.H. Nasution, no dia 8 de Julho de 1961”, PIDE/DGS, “GU-Timor”,

SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8971, fl. 297, IAN/TT, Lisboa e “Minute by M.H.N. Geoghegan, Foreign Office, on

‘Extract of a Report on a News Conference Made by Mr. Earle of Reuters’, July 13, 1961”, FO 371/

159809, UKNA, Londres.

393colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

facto de não ter integrado as Índias Orientais Neerlandesas, concorreram para

que o seu governo não o reivindicasse.118

Por outro lado, o cônsul da Indonésia em Díli, Tengku Usman Hussin, “garantiu”,

em privado, ao chefe da subdelegação em Timor da PIDE, inspector Manuel José da

Cunha: “… que enquanto, o Presidente Sukarno, estivesse no poder não permitirá,

que qualquer indonésio, venha a perturbar a paz do Timor Português”.119 Esta

atitude também se observou publicamente. Após A Voz de Timor, órgão de propa-

ganda da administração colonial portuguesa, ter publicado um veemente editorial

a chamar atenção para uma eventual contradição da política externa da Indonésia

em relação a Timor, no dia 12 de Março de 1961, o mesmo representante consular

em Díli enviou uma carta a solicitar a sua publicação, no dia 16. Neste documento

reiterou as posições públicas de Sukarno e do ministro dos Negócios Estrangeiros

Subandrio sobre a questão do Timor Português e negou que o seu país estivesse

interessado em expandir-se para Timor ou para a colónia britânica do Noroeste do

Bornéu. Relativamente à URT reconheceu que:

“Existem, na verdade, certos elementos que se lançaram em actividade

destrutiva, para incitar a Indonésia a empenhar-se numa via de alarga-

mento territorial e de engrandecimento, rompendo e minando a ami-

zade que felizmente existe entre ambos os países e povos, e se em

Jacarta, actua um ‘Comité para a Libertação da República de Timor’, os

responsáveis e defensores do comité agem sob o seu próprio risco e

sob a sua inteira responsabilidade. O Governo e o povo indonésios

continuarão sempre a encorajar as mais estreitas relações com o Gover-

no e o povo de Timor Português vizinho, e, já anteriormente, em

diversas ocasiões, ambos os países e povos manifestaram, neste senti-

do, a sua boa vontade”.120

118 Ibid.119 “Relatório n.º 65/61, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector

Manuel José da Cunha, para o director da PIDE, tenente-coronel Homero de Oliveira Matos, de 20 de

Maio de 1961”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8971, fl. 801, IAN/TT, Lisboa.120 “A declaração do cônsul da Indonésia”, Notícias de Macau, ano 14, n.º 4.028 (30 de Março de

1961), p. 6.

394 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Para reforçar esta orientação, Hurustiati Subandrio declarou no discurso que

proferiu no dia 9 de Outubro de 1961, no decorrer da 16.ª sessão plenária da

Assembleia Geral da ONU, que a Indonésia não tinha quaisquer reivindicações

sobre o Timor Português, apesar de ter sugerido o uso de força pelo seu país para

resolver a questão da Papua Nova Guiné Ocidental.121

No confronto com a Malásia, o regime de Sukarno enfatizou que não tinha

desígnios territoriais irredentistas, apesar de oficialmente apoiar a luta de liber-

tação dos povos. O primeiro vice-primeiro-ministro e chefe de Estado-Maior-

-General das ABRI, Abdul Haris Nasution, argumentou que o seu país apoiaria

sempre as lutas populares de libertação contra a opressão. No discurso que

proferiu perante autoridades militares e civis em Purwokerto, Java Central, decla-

rou, em 21 de Janeiro de 1963:

“Around us, there are still oppressed peoples, even worse than oppressed

peoples: enslaved peoples; among them in Timor (Portugal) and Kalimantan

Utara (British Borneo territories), etc.. Every struggle of these oppressed

peoples to free themselves from oppression will always find our support.

[…]We support their struggles, but we do not claim their territories”.122

Com receio de pôr em causa as prioridades fundamentais da sua agenda de

política externa, o governo da Indonésia manteve uma atitude de grande

ambivalência em relação ao Timor Português. Esta realidade reflectiu-se a dois

níveis. Primeiro, quando a URT solicitou a intervenção armada do regime de Sukarno

no território, posição maximalista. Segundo, quando reivindicou a concessão de

apoios indonésios à sua causa comparáveis com os do Bornéu, atitude minimalista.

121 “Circular UL-1 da direcção-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios Estran-

geiros com um ‘apontamento’ sobre as ‘Declarações Indonésias em que explícita ou implicitamente

se reconhece a nossa soberania sobre o Timor Português’, de autoria de Afonso de Castro Vasconce-

los, da secção dos Negócios Políticos Ultramarinos, de 4 de Janeiro de 1966”, PIDE/DGS, “Serviços

Indonésios”, Proc. n.º 236-SC/CI(2), N.T. 6982, fl. 518, IAN/TT, Lisboa.122 “Nasution Speaks”, The Manila Times [Filipinas], (23 de Janeiro de 1963), p. 16-A, col. 1;

“Nasution on Oppression Around Indonesia”, Antara News Bulletin – Home News (22 de Janeiro de

1963), p. 5.

395colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

A primeira postura observou-se aquando da visita de Silvestre Martins Nai

Buti Seço e de uma comitiva da URT a Jacarta, em Junho de 1963, para exortar o

presidente Sukarno a tomar pela força o Timor Português. O último respondeu,

porém, negativamente ao pedido afirmando que esta matéria não constituía

uma prioridade para a política externa do seu regime. Surpreendidos com a

resposta, o governador das Sulawesi Selatan [Molucas do Sul], A.A. Rifai, que

acompanhava a delegação dos islamitas timorenses, defendeu que ele e Silvestre

Martins Nai Buti Seço aspiravam apoderar-se militarmente do Timor Português.

Só não tomavam unilateralmente a iniciativa por recearem a atitude da Austrá-

lia.123

O apoio prestado a URT era, aparentemente, muito incipiente. Esta situação

contribuiu para que o brigadeiro-general Mohammed Abbay Ridway Maly, “mi-

nistro-adjunto da Administração Interna e dos Assuntos dos Estados-Membros”

da URT, solicitasse o auxílio e o reconhecimento do governo da Indonésia do seu

movimento e afirmasse que o seu “governo” gostaria de receber o mesmo

apoio que a Indonésia facultava ao movimento rebelde da colónia britânica do

Noro-este do Bornéu,124 no dia 14 de Setembro de 1963, durante a visita a

Bandung.125 Para instigar o apoio incondicional da Indonésia, Maly declarou

que desde a queda de Goa as autoridades coloniais portuguesas tinham reforça-

do a sua posição militar em Timor, com mais um batalhão, e a sua política de

123 “Relatório da fronteira n.º 20/63, confidencial do posto administrativo de Balibó, de Mário de

Jesus Pires”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 248, IAN/TT, Lisboa.124 Para persuadir os círculos mais moderados do regime de Sukarno a concederem apoio à

URT, a agência noticiosa indonésia Antara divulgou um despacho, proveniente de Ambon, no dia 13

de Setembro de 1963, no qual denunciava o incremento da vigilância fronteiriça por parte das

autoridades portuguesas, as detenções arbitrárias e as “crueldades” portuguesas que teriam obriga-

do timorenses a refugiarem-se no Timor indonésio (“Portuguese Timor Tightens Border”, Indonesian

Oberver [Jacarta], (13 de Setembro de 1963), p. 1.125 “Anexo A – Relatório Periódico de Contra-Informação n.º 9/63, do PERINTREP n.º 9/63,

confidencial, (referente ao período de 01 a 31 de Setembro de 1963)”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-

-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fls. 200-201, IAN/TT, Lisboa; “Timor rebels seeking help”, The Courier-Mail

[Brisbaine], (16 de Setembro de 1963), p. 1; “Rebels in Timor ask Indo. Aid”, The Daily Telegraph

[Sydney], (16 de Setembro de 1963), p. 1; “Seeks Recognition: Portuguese Timor Rebel Asks Indonesian

Help”, The Japan Times [Tóquio], (16 de Setembro de 1961), p. 1.

396 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

repressão sobre os que reivindicavam a independência do território era mais

intensa do que a dos colonialistas holandeses e britânicos. Neste sentido afirmou

que já existiam muitas vítimas entre os prisioneiros, entre os quais destacou o

“chefe de Estado-Maior do Conselho Militar” da URT, major-general Abubakar

Ilemandiry.126

A entrevista de Maly suscitou uma reacção da ABRI no mesmo dia. O porta-

-voz do Estado-Maior-General das Forças Armadas da Indonésia, capitão Jusuf

Sirath, declarou que desconhecia por completo qualquer informação acerca da

constituição da URT. Interpelado pela imprensa qual era a sua opinião acerca da

revolta defendeu que era necessário proceder, em primeiro lugar, a uma investi-

gação para apurar os factos. Por outro lado, alegou desconhecimento das decla-

rações proferidas por Maly em Bandung.127 A reacção da ABRI constituiu, na

opinião do encarregado de negócios, interino, de Portugal em Jacarta, José

Eduardo de Melo Gouveia, um sintoma “que as autoridades governamentais

deste país não julgam oportuno que o problema de Timor seja agitado no

presente conjuntura”.128

Os decisores políticos da Indonésia podiam manter uma atitude de grande

ambiguidade em relação à URT porque existia uma percepção generalizada que

Timor-Díli passaria a integrar naturalmente a Indonésia, aquando do desmorona-

mento do império português. Um diplomata para os assuntos políticos da embai-

xada de Itália em Jacarta confessou ao cônsul de Portugal na cidade, António

d’Oliveira Pinto da França, que durante a visita a Koepang do embaixador de

Itália, o governador da NTT, Brigjen J. Lala Mentik,129 declarou-lhe que a “integração”

do Timor Portugis: “é tarefa que não requer esforço, mas apenas a paciência para

126 “Timor Portugis Mulai Bergolak: Pem. Portugis Lebih Kedjam Dari Kolonialis Belanda Dan

Inggris”, Merdeka [Jacarta], (16 de Setembro de 1963), pp. 1 e 2.127 “S A B Tidak Tahu Menahu”, Merdeka [Jacarta], (17 de Setembro de 1963), p. 1.128 “Ofício n.º 125, de 18 de Setembro de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor

– organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.129 Governador de Nusa Tenggara Timur [Timor Indonésio] entre 1960 e 1965 (http://

www.tokohindonesia.com/pejabat/pemda/ntt/index.shtml; consulta efectuada em 1 de Junho de

2005).

397colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

esperar que, como fruto maduro, caía em nossas mãos na hora da liquidação do

império colonial português, talvez por decisão do próprio Portugal”.130

Apesar das declarações de destacados responsáveis políticos da Indonésia, o

segundo canal da estação de televisão alemã ocidental, a Zweites Deutsches

Fernsehen (ZDF), interpretou a formação do I “governo” da URT como uma tentativa

do governo da Indonésia para criar um “Estado-sombra” [Schattenstaat] nas regiões

fronteiriças entre o NTT e Timor-Leste e o enclave de Oecusse-Ambeno. Adiantava,

ainda, que o governo indonésio tinha disponibilizado o seu corpo diplomático ao

serviço do governo da URT, que os governos da região foram informados acerca da

URT e que a Indonésia tencionava romper relações diplomáticas com Portugal. Por

outro lado, acrescentava que a Indonésia ia tentar obter o reconhecimento da URT

pela ONU e, posteriormente, integrá-la na própria Indonésia.131

A reportagem alemã ocidental não foi, contudo, corroborada pela evolução

da conjuntura. A atitude vacilante da Indonésia em relação ao movimento

manteve-se, também, em parte, devido aos condicionalismos políticos que sur-

giram com o estabelecimento do eixo Jacarta-Pequim. O regime de Mao Zedong

estava interessado em refrear qualquer hipotético movimento da Indonésia

contra Timor, por constituir uma acção que lhes criaria uma situação político-

-propagandística internacional embaraçosa relativamente a Macau. Pois, se a

Índia tinha expulso Portugal de Goa, política encetada em 1954132 e concluída

em Dezembro de 1961,133 o pequeno Estado francófono do Benim tinha compe-

130 “Ofício n.º 37 do consulado de Portugal em Jacarta, de 20 de Abril de 1965, p. 1” in “Agitação

nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.

521, AHDMNE, Lisboa.131 “Despacho sobre a ‘Bildung einer ‘Vereinigten Republik Von Timor’ durch die Indonesische

Regierung” [‘Criação de uma ‘República Reunida de Timor’ pelo Governo Indonésio’], proveniente da

ZDF, do princípio de Novembro de 1963”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/

63-SR, N.T. 3292, fls. 111-114, IAN/TT, Lisboa.132 O exíguo enclave de Dadrá caiu na noite de 21 para 22 de Julho de 1954 (Fernandes, 2000,

p. 125; Gaitonde, 1987, pp. 81-82; India, 1974, p. 33), enquanto Nagar-Aveli, entre 29 de Julho e 2 de

Agosto do mesmo ano (Fernandes, 2000, p. 126; Gaitonde, 1987, p. 82; India, 1974, p. 33).133 Após as Forças Armadas da União Indiana terem posto em execução a operação Vijay na

tarde do dia 17 de Dezembro, os enclaves de Goa, Damão e Diu cairam dois dias depois (Fernandes,

2000, p. 176; Gaitonde, 1981, pp. 157-169; India, 1974, pp. 40-144; Azeredo, 2003, pp. 88-92).

398 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

lido a administração portuguesa a abandonar o Forte de São João Baptista

de Ájuda, em 31 de Agosto de 1961 (Fernandes, 2001, pp. 48-56) e a Indo-

nésia eventualmente pusesse fim à presença portuguesa em Timor, porque

razão é que a China Continental não procedia de forma idêntica em relação a

Macau?134

A aquiescência de Sukarno às pressões políticas de Pequim valeu-lhe,

todavia, duros ataques político-propagandísticos por parte da Malásia. Os ór-

gãos de propaganda do último país destacavam constantemente as diferen-

ças nas atitudes de Sukarno para com a Malásia e Timor. Por exemplo, a esta-

ção oficial de radiodifusão A Voz da Malásia chamou à atenção dos seus ouvintes

que:

“Sukarno sabe muito bem que Timor é conhecido como colónia portu-

guesa na Ásia e mal fala dele, no entanto, Sabah e Sarawak são indepen-

dentes e ele não se cansa de falar em libertá-los. Sukarno e os seus

apaniguados são tão libertadores, porque não libertam a ilha de Timor?

Tem um elefante na sua frente, mesmo ao pé dele e não o conhece, mas

conhece uma formiga bem ao longe. […] Sukarno olhando assim para

os portugueses é o mesmo que ter ligações com o colonialismo. Se ele

e os seus apaniguados não libertam o povo de Timor Português ao lado

do seu Timor, porquê gritar tanto acerca de Sabah e Sarawak que estão

independentes? É assim que é um revolucionário libertador?”135

A posição oscilante da Indonésia em relação à URT, só se alterou publica-

mente após o discurso proferido pelo presidente Ahmed Sukarno, em 17 de

Agosto de 1965. Por ocasião do 20.º aniversário da independência da Indonésia,

o chefe de Estado afirmou que o seu país continuaria “a apoiar activamente a luta

134 Para as contradições entre a teoria e a prática da política da China Continental em relação

a Macau vide Fernandes, 1999, pp. 989-1002.135 “‘Emissão da estação de radiodifusão A Voz da Malásia, de 23 de Outubro de 1964’ in

‘PERINTREP n.º 10/64, confidencial, (referente ao período de 01 a 31 de Outubro de 1964)”, PIDE/DGS,

“GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 721, IAN/TT, Lisboa.

399colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

pela independência dos povos de Angola, Moçambique, Guiné, Timor Português,

Iémen, Omã, Djibuti, Namíbia, Botswana e Suazilândia”.136

Embora a referência a Timor fosse ligeira, tinha a gravidade de ser a primeira

vez que o governo da Indonésia afirmava publicamente existir uma “luta

pela independência do povo de Timor Português”. Esta referência poderia ter

visado simplesmente silenciar os sectores políticos internos e externos

que criticavam o regime de Sukarno por consentir a presença de Portugal

em Timor-Díli, não significando, contudo, uma mudança de atitude por parte

do governo da Indonésia em relação a Portugal. O resto do discurso de Sukarno

foi inesperadamente moderado, não contendo alusões, como esperava a

administração do presidente americano Lyndon B. Johnson, à hipótese do

corte de relações diplomáticas com os Estados Unidos da América, nem ataques

ao Reino Unido, pelo menos tão contundentes como costumavam ser no passa-

do. A moderação de Sukarno estava relacionada com a recente secessão da

Singapura da Federação Malaia e com a esperança depositada que esta situação

viesse a colocar o governo do Reino Unido numa atitude que conduzisse a

negociações.

O discurso de Sukarno foi saudado pelos órgãos dirigentes da URT,

alegadamente reunidos clandestinamente em Díli, entre os dias 1 e 7 de Setem-

bro de 1965. No comunicado divulgado à imprensa notava-se uma clara conver-

gência de posições entre o movimento e Sukarno.137

Não obstante a nova atitude pública do dirigente supremo da Indonésia,

como acontece múltiplas vezes na vida política a “declaração” era uma mera

intenção, pois a orientação e a prática da Indonésia permaneceu dentro dos

136 “Anexo A – Relatório de Contra-Informação n.º 10/65, do PERINTREP n.º 10/65, confidencial,

(referente ao período de 01 a 31 de Outubro de 1965)”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.

8973, fl. 135, IAN/TT, Lisboa.137 “Comunicado do ‘Ministry of Foreign Affairs [of the] Union Republic of Timor’ [Kementarian

Luar Negeri, Uni Republic Timor], assinado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-chefe do

Estado-Maior-General do Conselho Militar da URT, brigadeiro-general Mohammed Abbay Redway

Maly, de 8 de Setembro de 1965”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR,

N.T. 3292, fls. 76-77, IAN/TT, Lisboa.

400 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

mesmos trâmites. Aliás, esta atitude foi reforçada pelo contra golpe de Estado de

1 de Outubro de 1965, orientado por Mohammed Suharto e A.H. Nasution. A

nova conjuntura proporcionou o regresso ao status quo ante na questão do Timor

Português (Fernandes, 2001, p. 36).

Esta atitude irritou a direcção da URT. Reflectindo, em parte, este agrava-

mento, a URT divulgou um comunicado especial, em malaio, em 18 Novembro de

1965, que reflectia uma posição de desconfiança e amargura em relação à

Indonésia e em que voltava a reiterar que Timor era uma “nação” que “pertencia

ao grupo Malaio/Melanésia” e lamentava “que nunca recebemos auxílios doutros

países”.138 Adiantava ainda:

“… que genuinamente odiamos TODAS AS FORMAS DE COLONIALISMO,

seja o colonialismo pela raça portuguesa, seja por outras raças europeias

ou até pelos mongólios ou pelo NOSSO PAÍS VIZINHO que também é

um de nós sendo malaio; além disso há o divino direito para nós de

opor e faze-los fugir, NÃO IMPORTA SE O SOLO FIQUE COBERTO COM O

SEU SANGUE, quando se trata de cumprir as Ordens de Alá[,] o Primo-

roso[,] em restabelecer a honra de Timor em especial e dos malaios em

geral, no mundo internacional”.139

A desilusão do movimento com o regime de Sukarno era tão profundo, que

pela primeira vez, referiu-se publicamente ao manifesto da oposição portuguesa

a exortar Salazar a conceder a independência às colónias portuguesas nas

138 “which never received assistance from other countries”. “‘Special Statement of the Central

Presidium of the Union Republic of Timor’, assinado por T.E. Maly Bere, segundo-primeiro-ministro-

-adjunto do 2.º governo da URT, de 18 de Novembro de 1965”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-

-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 61, IAN/TT, Lisboa.139 [W]e genuinely hate ALL FORMS OF COLONIALISM, w[h]ether that colonialism is by the

Portuguese race, or by any other European races, or even by the Mongols, or by OUR NEIGHBOUR

COUNTRY WHICH IS ALSO ONE OF US BEING MALAY; what more there is a divine right for us to

oppose and chase out, NO MATTER IF THE GROUND FLOWS WITH BLOOD IF IT’S TO FULFILL ORDERS

OF ALLAH THE EXCELLENT IN REESTABLISHING THE HONOUR OF TIMOR ESPECIALLY, AND THE MALAY

GENERALLY, IN THE INTERNATIONAL WORLD”. Ibid.

401colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

eleições de 1965 e chegou a propor 4 condições para contemplar um desfecho

pacífico.140

O derrotado regime de Sukarno tentou esquivar-se do assunto. Esta missão

coube ao seu 1.º vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros,

Hurustiati Subandrio. Este limitou-se a defender a posição contrária ao do seu

presidente, três meses e meio mais tarde. No dia 7 de Dezembro de 1965,

durante uma entrevista acerca das relações entre Jacarta e Camberra, o jornalista

australiano Frank Palmos mostrou o comunicado da URT acerca das suas activi-

dades políticas. Subandrio respondeu que estava a ler o:

“documento pela primeira vez [e que] não fora abordado por nenhum

grupo revolucionário pedindo assistência. Timor é certamente uma

colónia, por isso discordamos em princípio [do] seu estatuto, mas é

[um] problema diferente [da] Malásia e de momento quanto menos se

falar melhor. [… T]al problema não tem [a] urgência [da] Malásia sendo

muito provável [que] venha [a] ser levantado [no] futuro próximo e nós

acreditamos [que] se resolverá por si próprio com o tempo”.141

A atitude contemporizadora de Subandrio estava relacionada com a queda

em desgraça política de Sukarno após o contra golpe de Estado de 1 de Outubro

de 1965 e a sua própria sobrevivência política, pois acabou por ser detido no dia

18 e Março de 1966 (http://pilger.carlton.com/timor/chronology; consulta efec-

tuada em 1 de Junho de 2005) e exonerado das suas funções dez dias depois

(http://www.indonesianembassy.org.uk /indonesia_cabinet_1945-2001.html;

consulta efectuada em 1 de Junho de 2005).

Esta nova conjuntura política interna facilitou o regresso ao status quo ante

em relação a Timor por parte do novo regime javanês. As mudanças sentiram-se

em duas áreas bem distintas: na militar e na diplomática. Logo após a mudança

140 Ibid.141 “Telegrama n.º 7 do consulado de Portugal em Jacarta, de 10 de Fevereiro de 1966” in

“Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-

-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

402 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

dos principais responsáveis militares em Jacarta foi instruído um processo disci-

plinar pelo Komando Operasi Tentara Indonesia – KOTI (Comando Operacional do

Exército da Indonésia) contra o tenente Letman Slamet, oficial de ligação com a

URT em NTT, por ter abusado da sua autoridade ao exigir “ao comandante dos

Tentaras de Atambua algumas armas para distribuir a Nai Buti e seus homens”.142

Por outro lado, procederam à apreensão das armas.143

A atitude no ministério indonésio dos Negócios Estrangeiros foi também no

mesmo sentido. Solicitado a pronunciar-se sobre a URT, o director-geral dos

Negócios Políticos do Departemen Luar Negeri, embaixador Anwar Sani, informou

o encarregado de negócios, interino, da Nova Zelândia em Jacarta, Paul Edmonds,

de que nunca ouvira falar do grupo e que o governo indonésio não estava

interessado no movimento. Sani adiantou que a morada mencionada no ofício

dirigido pela delegação da URT em Jacarta à embaixada da Nova Zelândia

indicava que o grupo estava situado em simples barracas e se encontrava em

“situação muito desamparada”.144

Esta informação foi confirmada pelo general Subroto Kusmardjo,145 presi-

dente da Junta de Turismo da Indonésia. O último declarou que os dirigentes da

URT “eram de nacionalidade indonésia, não pertencendo à população do Timor

português”.146 Reconheceu, ainda, que a URT ambicionava a independência total

142 “PERINTREP n.º 12/65, referente ao período de 1 a 31 de Dezembro de 1965”, PIDE/DGS, “GU-

-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 62, IAN/TT, Lisboa.143 Ibid.144 “Ofício PAA 22 do director-geral, interino, dos Negócios Políticos do ministério português

dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais,

de 13 de Janeiro de 1967”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292,

fl. 39, IAN/TT, Lisboa.145 Este general indonésio mostrou-se receptivo à “iniciativa de triangulação turística, Austrália,

Timor (português e indonésio) e Bali”, em Janeiro/Fevereiro de 1967 (“Carta de Jilianus S. Mustafa

para Ken Davidson, de 22 de Fevereiro 1967”, PAA M. 806, AHDMNE, Lisboa.146 “Ofício PAA 251 do director-geral, interino, do Negócios Políticos do ministério português

dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE/DGS, major Fernando da Silva

Pais, de 28 de Maio de 1968”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T.

3292, fl. 34, AN/TT, Lisboa.

403colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

de Timor. Adiantou, porém, “que o seu governo não tem ambições territoriais,

nem alimenta qualquer interesse em alterar a actual situação política da ilha de

Timor”.147

A declaração deste alto funcionário indonésio foi confirmada pelo chefe da

subdelegação de Timor da PIDE. Segundo o inspector João Lourenço a alegada

sede da URT em Batugadé era inexistente. Na opinião deste, não existia “uma

única casa de pedra e cal e onde conhecemos todos os elementos ali residentes,

com a certeza de que entre eles não existem adeptos de tal ‘movimento’. Como

já tem sido referenciado mais vezes por esta Subdelegação, acreditamos que os

componentes do grupo que se atribui a representação de tal ‘República’ sejam na

sua totalidade de nacionalidade indonésia e que alguns residam em Atambua,

cidade relativamente próxima da nossa povoação fronteiriça da Batugadé, não

havendo conhecimento de que, nos últimos tempos, se tenham manifestado por

qualquer meio ou processo”.148

Entretanto, a administração portuguesa de Timor regozijou-se com a nova

atitude do regime de Suharto através de um artigo de fundo no qual teceu

rasgados elogios ao novo dirigente javanês. Intitulado “O Presidente Suharto e a

Indonésia”, este semanário oficioso congratulou o novo chefe de Estado por ter

devolvido as propriedades de borracha confiscadas por Sukarno às companhias

belgas, suíças, francesas e inglesas, na Samatra e em Java Ocidental, como

contrapartida pela concessão de financiamentos e de conhecimentos técnicos

ao governo da Indonésia. Na opinião deste semanário, esta atitude iria colocar o

novo regime em excelentes condições para contrair empréstimos nos mercados

financeiros internacionais. Por outro lado, felicitou Suharto por ter ajudado a

fundar a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ANSA) e pela eventual

concessão de bases militares aos EUA. Embora reconhecesse que a nova orienta-

ção “levará ainda o seu tempo a ser posto em prática, mas a verdade é que o

147 Ibid., fl. 35.148 “Ofício n.º 238/68-CI(2), confidencial, do chefe da subdelegação da PIDE em Díli, inspector

João Lourenço, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 15 de Junho de 1968”, PIDE/

DGS, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 32, IAN/TT, Lisboa.

404 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Presidente Suharto está com mão firme e larga visão a colocar a pátria na rota

certa”.149

A premente necessidade do regime de Suharto em se consolidar no poder

e em estreitar relações políticas com as principais potências ocidentais

contribuiu decisivamente para que o novo regime de Suharto tivesse uma

atitude de cooperação para com Portugal e para que a URT fosse ostracizada.

Esta realidade foi constatada pelo jornalista Hugh Mabbett, em finais do ano de

1970. Quando passou por Jacarta apurou que “the only visible evidence in Djakarta

of Indonesian interest in Portuguese Timor is a tiny slum building purporting to be

the headquarters of the Central Presidium of the Union Republic of Timor, president

A. Mao Klao”.150

Com o intuito de obter o apoio da ONU, a presidência central da URT enviou

um ofício ao secretário-geral da ONU, U Thant, a protestar contra a ocupação

portuguesa de Timor, defendendo que os timorenses eram “badly treated” e a

apelar à sua autodeterminação“as soon as possible”.151 Neste sentido, solicitou que

o ofício em apreço fosse enviado à Comissão dos Direitos Humanos da organiza-

ção.152 A Indonésia ficou tão descontente com esta atitude, que na sequência do

envio de uma petição à ONU a protestar contra a ocupação de Timor por

Portugal, em Março de 1971, o presidente Suharto deu instruções para se

proceder ao encerramento da sede da URT em Jacarta, no mesmo mês.153

149 “O Presidente Suharto e a Indonésia”, A Voz de Timor, ano 8, n.º 419 (19 de Maio de 1968),

p. 2.150 Hugh Mabbett, “Portuguese Timor: The Uneasy SE Asian Outpost” Mainichi Daily News

[Tóquio], (4 de Janeiro de 1971), p. 5.151 “Ofício n.º 0427/SK/Prespu-URT/XII/1969, de 28 de Dezembro de 1969” in “União Rep. Timor”,

Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, 88, AHDMNE, Lisboa.152 “Ofício n.º 1881, secreto, do director do gabinete dos Negócios Políticos do ministério do

Ultramar, Ângelo dos Santos Ferreira, para o governador de Timor, coronel graduado Fernando Alves

Aldeia, de 30 Março de 1971”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, 88, AHDMNE, Lisboa.153 “Perintrep n.º 4/72, confidencial, de 01 a 30 de Abril de 1972, do comandante-chefe das

Forças Armadas de Timor, coronel graduado Fernando Alves Aldeia, de 4 de Maio de 1972, p. 3” in

“Timor: Relatórios da Comissão de Coordenação de Defesa Civil, 1970-1971”, PAA M. 806, AHDMNE,

Lisboa.

405colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Finalmente, os dirigentes da Indonésia receavam que a URT não só defendia

a “independência total” de Timor Oriental, como, também, a unificação política

de toda a ilha de Timor e a sua completa independência política de Jacarta. Para

além da “Constituição” da URT defender uma completa independência de Timor-

-Díli em relação Jacarta, desde a sua “aprovação em 4 de Abril de 1965 (anexo V),

como verificámos anteriormente, o secretário do presidente da URT, Beak Xuf,

informou o secretário da legação da Nova Zelândia em Jacarta, em Maio/Junho

de 1965, que “Timor pretendia [uma] independência absoluta[,] recusando qual-

quer forma [de] associação com [a] Indonésia”.154 Por seu turno, o general Subroto

Kusmardjo, presidente da Junta de Turismo da Indonésia, confidenciou, em

Março/Abril de 1968, “que as autoridades indonésias tinham conhecimento de

que o referido grupo[, a URT,] chegara mesmo a ambicionar a independência

para a totalidade da Ilha”.155

Sétimo, a incapacidade para estabelecer um relacionamento com a elite

crioula timorense. O êxito dos movimentos de libertação também passa pela

obtenção de um entendimento ou de eventuais apoios, implícitos ou explícitos,

da elite crioula. Acontece, que no caso da URT tal fenómeno nunca se observou.

Após a Agence France-Presse ter divulgado um despacho, no dia 14 de Abril de

1963, e as edições do South China Morning Post, do dia seguinte, e do Confidential

Report, de 25 de Abril de 1963, terem publicado notícias sobre a formação do I

“governo” da URT, F. Pinto, destacado funcionário do gabinete dos Negócios

Políticos do ministério do Ultramar, foi de opinião que a notícia tivesse sido

instigada por “certos mestiços desejosos de prestígio”. Baseou a sua conjectura

em dois factores. Primeiro, A. Mao Klao seria sino-malaio, de acordo com informa-

154 “Aerograma n.º A-10 do cônsul de Portugal em Jacarta, António d’Oliveira Pinto da França,

de 9 de Junho de 1965, p. 1” in “Relações Políticas de Portugal com a Indonésia: atitude da Indonésia

perante o movimento ‘União da República de Timor’, 1965-1970”, PAA M. 1163, AHDMNE, Lisboa.155 “Ofício PAA 193 do director-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios

Estrangeiros, João Hall Themido, para o secretário-adjunto da Defesa Nacional, general Manuel

Gomes de Araújo, de 28 de Maio de 1968” in “Relações Políticas de Portugal com a Indonésia: atitude

da Indonésia perante o movimento ‘União da República de Timor’, 1965-1970”, PAA M. 1163,

AHDMNE, Lisboa.

406 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

ção avançada por Alexandrino da Silva, da mesma repartição. Segundo, a inter-

ferência do alegado sino-malaio Pedro José Lobo, presidente do Leal Senado de

Macau, na libertação do seu consogro Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo,156

referenciada no Confidential Report, levou F. Pinto a suspeitar que os seus “inte-

resses financeiros”, “os grupos em que ele se apoia” e a sua “enorme ambição,

parece-me que haverá interesse em, com a maior discrição que o problema

envolve, procurar seguir este fio, para saber da proveniência da notícia da France-

-Presse e dos possíveis interesses que ele, porventura escondam”.157

Na sequência desta informação foram solicitadas informações aos

govenadores de Timor e Macau e ao director da PIDE sobre Pedro José Lobo pelo

director dos Negócios Políticos do ministério do Ultramar, no dia 28 de Junho.158

Embora alegasse que “[a] origem e os meios utilisados para conseguir a sua

fortuna, são bastante duvidosos, especialmente durante o período crítico da

segunda guerra mundial e os anos que a procederam”, o comandante da PSP de

Macau, tenente-coronel Carlos Armando da Mota Cerveira, informou o director

da PIDE, major Fernando Silva Pais, que “[n]ada consta sobre quaisquer ligações

políticas do Sr. Dr. Pedro José Lobo com Timor [...] Desconhece-se qualquer

possível interferência que aquele senhor possa ter tido nas notícias emanadas

através da ‘Agence France-Presse’ ou publicadas no jornal South China Morning

156 Residente em Macau desde 18 de Dezembro de 1960, após uma diligência efectuada por

Pedro José de Lobo junto do presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, em 4 de Maio de

1960, a protestar a sua inocência (“Carta de Pedro José Lobo para o secretário de Salazar, de 14 de

Junho de 1960”, AOS/CP-156, Pt. 2, fl. 241, IAN/TT, Lisboa). Convém recordar que Francisco Araújo,

vogal do Conselho de Governo de Timor e amigo e consogro de Pedro José Lobo, foi detido por

alegado envolvimento na rebelião de 1959, no final de uma sessão deste órgão, em Outubro do

mesmo ano (Barata, 1998, p. 71).157 “Informação inserta de F. Pinto, de 7 de Junho de 1963 no ofício n.º UL 1360, confidencial,

do primeiro-secretário de legação Duarte Nuno de Lima Barroso, da secção dos Negócios Políticos

Ultramarinos da direcção-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios Estrangeiros, para

o director do gabinete dos Negócios Políticos do ministério do Ultramar, de 9 de Maio de 1963” in

“União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa.158 Ofícios n.º 4064, 4065 e 4066, muito secretos, para o director da PIDE, governador de Timor

e governador de Macau, respectivamente (“União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15,

G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa).

407colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Post, de Hong Kong”.159 Por seu turno, o governador de Timor, tenente-coronel

José Alberty Correia, informou o ministro do Ultramar, comandante António

Augusto Peixoto Correia, que Pedro José Lobo já não tinha “parentes directos” na

colónia, que possuía uma empresa de exploração agrícola que não dava grandes

lucros devido à ausência de avultados investimentos, ser “concessionário de

vários aforamentos”, tendo-lhe, contudo, sido retirado “um terreno por o não ter

convenientemente plantado” e que desconhecia se ele tinha contactos com

agências noticiosas estrangeiras.160

Como a PIDE se limitou a coligir as informações fornecidas pelos governado-

res de Macau e Timor não avançou com nenhum dado novo sobre o eventual

fornecimento de informações por parte de Pedro José Lobo aos órgãos da

comunicação social internacional sobre a URT e acerca do eventual conluio entre

o último e A. Mao Klao. Confrontado com a ausência de provas, F. Pinto recomen-

dou o encerramento do “assunto Dr. Pedro José Lobo”.161 Em suma, a documen-

tação consultada existente nos arquivos portugueses sugere que não existia

nenhum apoio por parte da elite crioula timorense à URT.

Oitavo, a dissimulada incapacidade para estabelecer contactos e alianças

com os movimentos de libertação da África lusófona e organizações internacio-

nais que fomentavam a “revolução mundial” (Bell, 1981, p. 155) e para angariar

apoios externos contribuíram decisivamente para o insucesso da URT. Tanto a

nível político, diplomático, militar e financeiro, quer ao nível de países árabes e

islâmicos, assim como malaios, de quem se afirmava próximo, quer de outros

159 “Ofício n.º 185/Inf., secreto, do comandante da PSP de Macau, tenente-coronel Carlos

Armando da Mota Cerveira, para o director da PIDE, major Fernando Silva Pais, de 20 de Julho de

1963”, PIDE/DGS, Proc. SR/2339/60, N.T. 3029, fl. 15, IAN/TT, Lisboa.160 “Ofício n.º 93, secreto, do governador José Alberty Correia para o ministro do Ultramar, de

27 de Agosto de 1963, pp. 1 e 2” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M.

88, AHDMNE, Lisboa.161 “Informação inserta de F. Pinto, de 4 de Novembro de 1963, no ofício n.º 921-GU, muito

secreto, do gabinete do director da PIDE para o director do gabinete dos Negócios Políticos do

ministério do Ultramar, de 3 de Setembro de 1963, p. 1” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/

L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa.

408 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

países e regiões, a URT demonstrou uma clara incapacidade para concretizar o

seu programa político.

Múltiplos exemplos ajudam a ilustrar esta situação. Em Julho de 1963, a URT

enviou vários documentos às embaixadas do Irão, Turquia, Síria, Arábia Saudita,

Afeganistão e Iraque. Apesar da proximidade político-religiosa, a embaixada da

Síria forneceu fotocópias de quatro documentos da URT ao encarregado de

negócios, interino, de Portugal em Jacarta,162 enquanto os diplomatas da Turquia

e do Afeganistão consideraram os “documentos sem interesse”.163

Dificuldades mais ou menos parecidas voltaram a registar-se quando a URT

manifestou interesse em participar nos trabalhos de organizações de solidarie-

dade política do Terceiro Mundo. No dia 1 de Janeiro de 1965, os 4 órgãos

dirigentes da URT (“Comissão de Libertação”, “Presidium Central”, “Governo” e

“Conselho Militar”) expressaram publicamente apoio à realização da II Conferên-

cia Afro-Asiática, prevista para ter lugar em Argel, em Novembro. Contudo,

aproveitou para reiterar o direito de todas as nações malaias a participarem na

conferência, incluindo a Malásia, a grande rival da Indonésia na região. Na

opinião do cônsul de Portugal em Jacarta, a posição dos dirigentes da URT era

“assaz ‘perigosa’ para quem está asilado neste país”.164 Para além desta postura, a

URT inclinou-se a favor da posição soviética no âmbito da conferência, contra-

riando o eixo Jacarta-Pequim. Esta atitude poderia precipitar “o desagrado

indonésio por afectar a China comunista”.165 Por outro lado, reafirmou que a URT

tinha todo o direito de participar na conferência, exortando, por esta razão, Ben

Bella, em particular, e o governo argelino, em geral, a não hesitar nos convites a

162 “Telegrama n.º 30, cifrado, recebido da legação de Portugal em Jacarta, de 22 de Outubro

de 1964” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República

Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.163 “Aerograma n.º 37, cifrado, recebido da legação de Portugal em Jacarta, de 29 de Outubro

de 1964” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República

Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.164 “Ofício n.º 83 de 18 de Setembro de 1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor –

organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.165 Ibid.

409colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

enviar e a não se deixar manipular por um grupo de países que pretendessem

explorar a reunião para os seus próprios fins.166

Atendendo a que mais nada foi avançado nesta matéria, em 8 de Setembro

de 1965, o brigadeiro-general Mohammed Abbay Redwan Maly, “ministro dos

Negócios Estrangeiros” e “vice-chefe de Estado-Maior-General” do Conselho Mi-

litar da URT, divulgou um comunicado a manifestar o interesse do seu grupo em

participar na II Conferência Afro-Asiática, e na Conferência Internacional para a

Liquidação de Bases Militares Estrangeiras, prevista para ocorrer em Outubro.167

Porém, não participou em nenhuma. A cimeira da primeira nunca se chegou a

realizar, enquanto a segunda decorreu em Jacarta, entre os dias 17 e 20 de

Outubro de 1965.168

A recusa em convidar a URT contribuiu para que o diário de Jacarta Nusa

Putera publicasse dois artigos, em 20 e 21 de Outubro de 1965, de um funcioná-

rio de um hospital da capital a defender a oportunidade de convidar a URT. Para

instigar uma vigorosa reacção por parte das autoridades indonésias, o texto

argumentava que estavam na colónia mais de 6.000 militares portugueses. Este

diário insistiu “no dever que a Indonésia tem de dar o seu apoio à luta de

libertação de Timor” e avançou com “dados geográficos, populacionais e

económicos que, em seu entender, provam a viabilidade da uma ‘República de

Timor’, independente”.169 Apesar destes dois artigos, a Indonésia manteve a sua

oposição em relação à participação da URT em conferências internacionais.

As dificuldades não foram só com os países árabes e islâmicos. Pelo contrá-

rio, também, se observaram nas diligências que praticaram junto de vários países

166 Ibid.167 “Statement of the Ministry of Foreign Affairs of the Union of the Republic of Timor, Batugadé,

Timor, 8 de Setembro de 1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações

nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.168 “Relatório, secreto, ‘Conférence Internationale pour la Liquidation des Bases Militaires

Étrangères’, de 19 de Janeiro de 1966?”, PIDE/DGS, “Serviços Indonésios”, Proc. n.º 236-SC/CI(2), N.T.

6982, fl. 935-1, IAN/TT, Lisboa. 169 “Ofício n.º 108, do cônsul de Portugal em Jacarta, António d’Oliveira Pinto da França, de 28

de Outubro de 1965, p. 1” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalis-

tas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

410 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

malaios. No dia 20 de Julho de 1963, o director-geral do Presidium Central da

URT, Abdullah Kalao, divulgou um comunicado no qual apelava aos Estados

malaios “to give us support and cut off diplomatic relations with the Portuguese

Imperialists”.170 O apelo era algo ridículo, pois dos 20 Estados malaios indepen-

dentes, só 2 mantinham relações diplomáticas (Indonésia e Tailândia) e 1 consu-

lares (Singapura). Portanto, a reivindicação não fazia grande sentido. Por outro

lado, dois dos Estados em apreço mantiveram o mesmo estatuto nas relações

com Portugal, enquanto a Indonésia as reduziu de diplomáticas para consulares,

em 1965, mas por razões relacionadas com a substituição de Nehru por Sukarno

à frente do Movimento dos Países Não-Alinhados (Fernandes, 2001, pp. 32-33).

O desinteresse generalizado na região pelas actividades da URT era tão

intenso que a organização se viu na necessidade de divulgar um comunicado em

torno desta matéria para exortar os decisores políticos da região a cumprirem os

“10 princípios de Bandung”171 e apelar directamente à opinião pública. O “primei-

ro-ministro”, “brigadeiro-general” Boly Mao, defendeu no comunicado em apreço

que era preciso não deixar que os princípios em consideração se transformassem

num “mero instrumento de propaganda” e apelava à constituição de “milícias de

voluntárias” nos países vizinhos com vista a auxiliarem o braço armado da URT,

o Conselho Militar, a expulsar os imperialistas portugueses de Timor-Díli.172

Em 25 de Julho de 1968, um despacho proveniente da delegação em Jacarta

da agência noticiosa Reuters afirmava que a URT solicitou ao primeiro-ministro

da Malásia, Tunku Abdul Rahman, que convidasse o Fiji, as Maurícias, a Nova

Caledónia e a Papua Nova Guiné Ocidental a participarem na primeira cimeira de

170 “Announcement Regarding the Reshuffle of the Cabinet Formation for the 2nd Period (1963-

-1965, de 20 de Julho de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações

nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.171 Os Dasa Sila Bandung (Dez Princípios de Bandung), aprovados na conferência afro-asiática

que decorreu entre os dias 18 e 24 de Abril de 1955, previam o apoio dos países signatários aos

movimentos de libertação de territórios sob o domínio colonial estrangeiro.172 “Statement of the Central Government Council of the Union Republic of Timor-Dilly, 9 de

Novembro de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas

‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

411colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

chefes de Estado e de Governo da Organização da Conferência Islâmica.173 Por

outro lado, a direcção da URT manifestou-se disponível a enviar o seu “ministro

para a Construção da União da República/República Autónoma”, “brigadeiro-

-general” Boly Mao, à referida cimeira. Porém, apesar das fortes simpatias que a

URT nutria pela Malásia e das suas fortes tendências islâmico-malaias, o regime

de Kuala Lumpur remeteu-se ao silêncio. A cimeira de chefes de Estado e de

governo da organização em apreço acabou por se realizar Rabat, em 25 de

Setembro de 1969, sem a presença da URT.

Para além de ter manifestado interesse e não ter sido convidada para

participar em conferências internacionais, a própria URT propôs pelo menos a

realização de uma conferência internacional. No dia 1 de Dezembro de 1966, o

presidente A. Mao Klao, enviou um ofício ao primeiro-ministro da Nova Zelândia,

Keith Jacka, e ao governo da Samoa,174 a propor-lhes a realização de uma

Conferência da Oceânia, para ter lugar no último país, com o intuito de estabe-

lecer uma “Aliança da Oceânia”, uma organização regional dedicada ao fomento

do progresso, como, aliás, já existia nas Américas e na Europa. A cimeira teria

como objectivo estabelecer um secretariado, que se encarregaria, posteriormen-

te, de convidar as Filipinas, o Japão, a Formosa/Taiwan, o Canadá, os EUA, México

e a Argentina a integrarem a organização regional.175 Tal como as outras tentati-

vas, esta foi também infrutífera.

A única organização que se prestou sempre apoiou publicamente a URT foi

a Persatuan Seluruh Bangsa Melayu (União Geral da Raça Malaia). O presidente

desta agremiação, Mulwan Shah, divulgou um comunicado em Jacarta, no dia 15

173 “Despacho da agência noticiosa Reuters proveniente de Jacarta, intitulado ‘Jacarta fala na

formação da União da República de Timor’, de 25 de Julho de 1968”, PIDE/DGS, “República Unida de

Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 30, IAN/TT, Lisboa; “‘Oust the Portuguese’ Timor ‘Grab’

– Indo Appeal”, The Sunday Telegraph [Sydney] (23 de Junho de 1963), p. 1.174 O primeiro micro-Estado do Pacífico Sul a tornar-se independente no dia 1 de Janeiro de

1962 da Nova Zelândia.175 “Ofício de A. Mao Klao para o primeiro-ministro da Nova Zelândia, de 1 de Dezembro de

1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida

Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

412 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

de Abril de 1963, no qual defendeu que os portugueses tinham que sair de Timor

até ao dia 15 de Julho, caso não o fizessem teriam de enfrentar a acção da ONU.176

No, entanto, funcionários governamentais indonésios interpelados pelo corres-

pondente da United Press International (UPI) na capital javanesa afirmaram que

Mulwan Shah era um resquício da Conferência de Solidariedade Afro-Asiática,

que tinha decorrido há dois anos, e recusaram-se a tecer os comentários sobre as

suas actividades. Porém, um funcionário defendeu, particularmente: “he’s a crank.

Don’t take him seriously”.177

A sua alegada parca influência junto dos círculos oficiais indonésios, não

impediu, contudo, que a Persatuan Seluruh Bangsa Melayu persuadisse, com êxito,

a agência oficiosa javanesa Antara a divulgar um seu comunicado a exortar à

expulsão dos portugueses de Timor-Díli, a apoiar a URT, em termos genéricos, e a

congratulá-la pela formação do seu I “governo”. Este texto declarou ainda que os

timorenses eram uma parte inseparável da raça malaia.178 Por outro lado, no

mesmo mês, enviou um telegrama ao presidente do Conselho, António de Oliveira

Salazar, a solicitar “a imediata libertação dos prisioneiros existentes em Timor e

‘exigindo que seja dada independência à Colónia, o mais brevemente possível’”.179

No dia 10 de Junho de 1963, esta organização, que reivindicava representar

250 milhões de malaios, desde o “Hawaii to Madagascar, from Formosa to the Coco

Islands”, difundiu um comunicado no qual reiterava publicamente o seu apoio à

URT. De acordo com o texto: “[t]he Malay peoples will naturally give their positive

support to any action launched by the Republic of Timor-Dili to destroy the Portuguese

Fascist-Imperialists”.180 O apoio desta organização contava, porém, muito pouco,

176 “Give Up Borneo And Timor Or Face U.N. Action” The South China Morning Post [Hong Kong],

(17 de Abril de 1963), p. 1.177 Ibid.178 “Now Indonesia Turns on the Portuguese in Timor”, The Sunday Times [Singapura], (23 de

Junho de 1963), p. 1.179 “Ofício n.º 3057/K-8-2 do gabinete dos Negócios Políticos do ministério do Ultramar, de 9 de

Maio de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘Repúbli-

ca Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.180 “Indonesians New Threat to P. Timor”, The Northern Territory News [Darwin], (25 de Junho de

1963), p. 1.

413colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

quer na Indonésia, quer internacionalmente. Na visita que efectuou a Jacarta o

jornalista Hugh Mabbettt, no último trimestre de 1970, constatou que a URT

“appears to come under the wing of another proverty-stricken body, the All Malay

Race Union”.181

Para além de se ter batido com grandes dificuldades no estabelecimento de

contactos externos com países política e religiosamente próximos, as próprias

embaixadas ocidentais mostraram-se muito pouco abertas às diligências da URT.

Por exemplo, o “ministro, interino, dos Negócios Estrangeiros” da URT, Mohammed

Abbay Ridwan Maly, dirigiu ofícios semelhantes ao primeiro-ministro britânico,

Lorde Home, e ao presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson, em 29 de Dezembro

de 1963, a solicitar “aid and support in moral and material at least to bless the

struggle by the people of the Union Republic of Timor-Dilly”. Por outro lado, pediu

que lhes fossem concedidos direitos para transmitir propaganda da URT nos

órgãos de comunicação social.182 Os ofícios foram entregues nas embaixadas

britânica e americana em Jacarta.183 Porém, a embaixada britânica não atribuiu

qualquer “importância” à nota da URT.184

O desinteresse das missões diplomáticas de grandes potências pela URT,

observou-se, também, por parte das médias e pequenas potências ocidentais. O

embaixador da Suíça em Jacarta, Reveillond, recusou-se a aceitar um ofício da

URT dirigido ao presidente da Confederação Helvética, Hans Schaffner, no senti-

181 Hugh Mabbett, “Portuguese Timor: The Uneasy SE Asian Outpost”, Mainichi Daily News

[Tóquio], (4 de Janeiro de 1971), p. 5.182 “Nota do ‘ministro, interino, dos Negócios Estrangeiros, da URT, Mohammed Abbay Ridwan

Maly, para o primeiro-ministro do Reino Unido, Lord Home, de 29 de Dezembro de 1963” in “Agitação

nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.

521, AHDMNE, Lisboa.183 “Aerograma n.º 13, cifrado, recebido do encarregado de negócios da legação de Portugal em

Jacarta, José Eduardo de Melo Gouveia, de 23 de Março de 1964” in “Agitação nas províncias

ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE,

Lisboa.184 “Ofício UL 57 enviado por Hall Themido, em nome do ministro dos Negócios Estrangeiros,

Franco Nogueira, para o embaixador de Portugal em Washington, Vasco Vieira Garin, de 18 de Abril

de 1964” in “Movimentos de libertação de Timor”, Arq. emb. Washington, M. 255, AHDMNE, Lisboa.

414 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

do de ser aplicado a Convenção de Genebra à URT, em Novembro de 1966.185

Enquanto, que o ofício enviado à embaixada do Reino Unido em Jacarta no

sentido de a URT ser “aceite na comunidade britânica”, de meados de 1969, foi

considerado por um diplomata britânico na capital da Indonésia como uma

“carta ridícula e sem importância”. A reputação da URT era tão fraca que o chefe

do departamento do Sudeste do Pacífico do Foreign Office declarou ao conselhei-

ro da embaixada de Portugal em Londres “que desconhecia a questão e que a

Missão Diplomática do seu país em Jacarta não tinha feito qualquer comunica-

ção sobre a mesma. Considerou o assunto como uma ‘graça’ sem importância”.186

Numa tentativa desesperada para romper com o seu isolamento, em 8 de

Junho de 1970, por ocasião da reeleição de Sirimavo Ratwatte Dias Bandaranaike

para o cargo de primeira-ministra do Sri Lanka, a URT enviou uma carta a

congratulá-la e a solicitar “moral and material support to the struggle of the

realization of our independence and Your Excellency’s formal recognition of our

country”.187 A embaixada do Sri Lanka em Jacarta forneceu, porém, “a título

particular,”188 uma fotocópia da carta enviada a Bandaranaike, ao consulado de

Portugal. Tal como o governo de Kuala Lumpur, o regime de Colombo não se

pronunciou sobre esta matéria.

No derradeiro esforço para tentar obter reconhecimento internacional, em

Agosto de 1973, a URT enviou uma missiva à rainha Juliana a solicitar o apoio da

soberana e do governo dos Países Baixos à luta em prol da independência de

185 “Ofício UL 964 do director-geral, interino, dos Negócios Políticos do ministério português

dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais,

de 7 de Novembro de 1966”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T.

3292, fls. 42-43, IAN/TT, Lisboa.186 “Informação secreta n.º 2921, proc. QQ-14, de Vasconcelos de Carvalho, de 7 de Novembro

de 1969, p. 7”, MU/GNP/SR: 164/Cx. 17S, AHU, Lisboa.187 “‘Letter to H.E. The Ambassador of Sri Lanka [in] Djakarta’, de 8 de Junho de 1970”, PIDE/DGS,

“República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 28, IAN/TT, Lisboa.188 “Ofício PAA 369 do director-geral dos Negócios Políticos do ministério português dos

Negócios Estrangeiros, Gonçalo Caldeira Coelho, para o director-geral da PIDE/DGS, major Fernando

da Silva Pais, de 27 de Julho de 1970”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc.

n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 1, IAN/TT, Lisboa.

415colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Timor. Apesar da embaixada ter remetido o ofício da URT ao ministerie van

Buitenlandse Zaken [ministério dos Negócios Estrangeiros], o chefe da missão

diplomática holandesa em Jacarta sublinhou na sua missiva para Haia “a pouca

representatividade do movimento e a sua situação delicada que poderia resultar

do seu apoio, no contexto das relações com o Governo indonésio”.189

Para além de manifestar total inaptidão para estabelecer contactos e con-

trair apoios a nível bilateral, a URT revelou-se também incapaz de estabelecer

contactos e obter ajuda a nível multilateral. Assim, ao contrário dos movimentos

de libertação da África lusófona e de Goa, a URT também não logrou participar

em conferências internacionais de concertação política dos movimentos de

libertação das colónias portuguesa, como a Conferência das Organizações Nacio-

nalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).190

A falta de capacidade da URT em se afirmar quer no terreno, quer interna-

cionalmente, levou o ministro Silva Cunha a considerar numa exposição secreta

para um grupo restrito de deputados à Assembleia Nacional, que teve lugar na

Biblioteca do Palácio de S. Bento, em 15 de Fevereiro de 1967, que Timor “não

tem problemas políticos internos”.191 Adiantou, ainda, que no território “não há

189 “Ofício n.º 6170 do director-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios

Estrangeiros, Gonçalo Caldeira Coelho, para o director-geral da PIDE/DGS, major Fernando da Silva

Pais, de 14 de Agosto de 1973”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação Nacional do Timor Português”,

Proc. n.º 18891/CI(2), N.T. 7826, fl. 20, IAN/TT, Lisboa.190 No caso da CONCP, cuja primeira conferência teve lugar em Casablanca, entre os dias 18 e

20 de Abril de 1961, e que contou com a presença do presidente do Congresso Nacional de Goa e

do secretário da Liga Goesa de Londres, a URT não se fez representar. Instituto dos Arquivos

Nacionais / Torre do Tombo, “Informação secreta n.º 684/61-GU da PIDE, de 6 de Junho de 1961” in

“Informações da PIDE: realização da CONCP, 1961”, AOS/CO/UL-32C, Pt. 63, fl. 415, IAN/TT, Lisboa.

Convém recordar que o Marrocos, país islâmico moderado, era um dos principais apoiantes logísticos

e financeiros da CONCP. Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, “Informação secreta n.º

1.402/61-GU da PIDE, de 12 Setembro de 1961” in “Informações da PIDE: realização da CONCP, 1961”,

AOS/CO/UL-32C, Pt. 63, fl. 416, IAN/TT, Lisboa. Portanto, apesar da similaridade religiosa e, provavel-

mente, ideológica entre a URT e o governo marroquino, o incipiente movimento de libertação

timorense não conseguiu tirar partido desta situação aparentemente vantajosa.191 “Exposição secreta à Assembleia Nacional sobre a situação no ultramar pelo ministro Silva

Cunha, de 15 de Fevereiro de 1967”, AOS/CO/UL-58, Pt. 1, Sbd. 39, fl. 311, IAN/TT, Lisboa.

192 Ibid., fl. 317.

193 O “governo” estava previsto para durar até 9 de Abril de 1965, isto é, por um período de 2

anos. Desentendimentos entre os dirigentes do movimento contribuíram para que durasse pouco

mais do que 3 meses.

416 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

movimentos subversivos internos. População fiel e muito dedicada. O movimen-

to da República Independente de Timor (Batugadé) que por vezes aparece

referido na Imprensa estrangeira não tem qualquer consistência. É formado por

meia dúzia de indivíduos que nunca estiveram em Timor. O caso especial do Nai

Buti”.192

Conclusões

Apesar da conjuntura política internacional ter sido altamente favorável à

criação da URT, este movimento embrionário de tendências fortemente tradi-

cionais e etno-nacionalistas nunca conseguiu tirar dividendos desta situação e

firmar-se politicamente no terreno. Nesta sucinta análise apontamos para 8

factores que contribuíram para esta situação. Primeiro, a total incapacidade da

URT para transcender actividades que se circunscreviam meramente ao foro

político-propagandístico. Porém, até neste sector se debateu com sérios proble-

mas de divulgação dos seus comunicados. Segundo, o aparente intenso conflito

entre os seus principais dirigentes. Terceiro, a sua forte matriz islâmico-malaia era

incompatível com uma população na sua esmagadora maioria animista e

tendencialmente católica. Quarto, a sua total incapacidade para se afirmar atra-

vés da luta armada, como o fizeram vários movimentos de libertação da África

lusófona. Quinto, as conflituosas relações que manteve com os regimes no poder

em Jacarta, o seu principal apoiante. Sexto, a “integração” de Timor na Indonésia

não constituiu uma prioridade para os regimes de Sukarno e Suharto no período

em apreço. Durante o regime de Sukarno as principais prioridades foram a

anexação da Papua Nova Guiné Ocidental na Indonésia e a tentativa gorada para

evitar a independência da Malásia. No período seguinte o interesse de Suharto

foi consolidar o seu regime e fomentar o crescimento económico. A incorporação

do Timor Português foi completamente relegada para segundo plano. Sétimo,

incapacidade para estabelecer um relacionamento com a elite crioula timorense.

417colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Oitavo, a URT manifestou ao longo de todo este percurso uma grande falta de

competência política para mobilizar apoios externos e estabelecer contactos e

alianças com os movimentos de libertação da África lusófona e de Goa, organi-

zações de concertação anticolonial, como a CONCP, e organismos internacionais,

mesmo os de matriz político-religiosa. Estes factores contribuíram para que após

o 25 de Abril de 1974, que precipitou bruscamente o aparecimento de várias

formações políticas em Timor, a URT não conseguisse afirmar-se como um actor

político no terreno. A breve trecho seria substituído pela APODETI, uma associ-

ação cívica com uma base política de apoio mais ampla.

Anexo ICronograma da evolução institucional da URT, 1960-1974

Fontes: AHDMNE e IAN/TT.

Denominação Comissão Presidium Conselho II III IV V VI APODETIde Central Militar e “Governo” “Governo” “Governo” “Governo” “Governo”

Libertação I “Governo” ??? ???

Quantidade de 9 9 30 e 12 25 ??? 27 ??? 20membros

Documentos “Declaração “Consti-importantes de Inde- tuição

pendência” (4 de Maio)

Datas 1960 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1974(2 de (9 de (9 de (9 de (9 de (9 de (9 de (9 de (27 de

Novembro) Abril) Abril) Abril) Abril)??? Abril) Abril)??? Abril) Maio)

418 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Anexo IIOs “governos” da URT, 1963-1973

I “Governo”

(9 de Abril de 1963 a 9 de Abril de 1965)193

1 Primeiro-Ministro T.E. Maly Bere

2 Vice-Primeira-Ministra Immany

3 Conselheiro do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com a Raça Malaia Datok Palimo Kayo

4 Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com a Raça Malaia Brigadeiro-general Z. Falah

5 Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com a Raça Malaia Inche Mohammed Qossim Al-haj

6 Ministro do Interior e dos Assuntos dos Estados-Membros Joseph Seran

7 Ministro da Educação, Informação e Estruturas do Estado Mohammed Abbay Ridwan Maly

8 Ministro da Agricultura, Pecuária e das Pescas Major N. Nai Bere

9 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Naema Ellyzabeth

10 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução Immany

11 Ministro das Comunicações (Rádio, Correios, Telégrafos e Telefones) W. Liando

12 Ministro dos Transportes Marítimos, Terrestres e Aéreos Alfonso Tifaona Labalekan

Fonte: “Announcement of the Formation of the New Cabinet of the Central Government of the Union Republic ofTimor-Díli for the Period of 1963-1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalis-tas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

419colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

I “Governo”

1.ª remodelação

(10 de Julho de 1963 a 1 de Novembro de 1964)

1 Primeiro-Ministro A. Mao Klao

2 1.º Vice-Primeiro-Ministro Maly Tae

3 2.º Vice-Primeiro-Ministro T.E. Maly Bere

4 3.ª Vice-Primeira-Ministra Immany

5 4.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Z. Falah

6 5.ª Vice-Primeira-Ministra Brigadeiro-general Aminah Balikh

7 Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia A. Mao Klao

8 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia Al-Hadi

9 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia Inche Mohammed Qossem Al-Haj

10 Ministro da Administração Interna e dos Assuntos dos Estados-Membros Maly Tae

11 Ministro-Adjunto da Administração Interna e dos Assuntos dos Estados-Membros Brigadeiro-generalMohammed Abbay Ridwan Maly

12 Ministro da Agricultura, Avicultura e Pescas Joseph Seran

13 Ministro-Adjunto da Agricultura, Avicultura e Pescas Major N. Nai Bere

14 Ministro dos Transportes Marítimos, Terrestres e Aéreos Alfonso Tifaona Labalekan

15 Ministro da Educação, Informação e Estruturas do Estado A. Mao Klao

16 Ministra-Adjunta da Educação, Informação e Estruturas do Estado Brigadeiro-general Aminah Balikh

17 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Fomento Immany

18 Ministra-Adjunta das Finanças, Assuntos Económicos e Fomento Al-Hadi

19 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Nn. Naemma Ellyzabeth

20 Ministro-Adjunto das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Coronel Thalib Bara

21 Ministro das Comunicações (Rádio, Correios, Telégrafos e Telefones) W. Liando

Fonte: “Announcement Regarding the Reshuffle of the Cabinet Formation for the 2nd Period, 1963-1965” in“Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.521, AHDMNE, Lisboa.

420 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

I “Governo”

2.ª remodelação

(2 de Novembro de 1964 a 9 de Abril de 1965)

1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Boly Mao

2 1.ª Vice-Primeira-Ministra Immany

3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Leto Mao

4 3.ª Vice-Primeira-Ministra Brigadeiro-general Bara Mao

5 Ministro dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general MohammedAbbay Ridwan Maly

6 Vice-Ministra dos Negócios Estrangeiros Manehat

7 Ministro das Relações com os Países Malaios Brigadeiro-general Bara Mao

8 Vice-Ministro das Relações com os Países Malaios Inche Mohammed Qossem Al-Haj

9 Ministro da Administração Interna Brigadeiro-general Boly Mao

10 Vice-Ministro da Administração Interna Lao Marac

11 Ministro da Organização dos Países-Membros e dos Assuntos dos Estados Brigadeiro-general Leto Mao

12 Vice-Ministra da Organização dos Países-Membros e dos Assuntos dos Estados Wa Sallamah

13 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Immany

14 Vice-Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Aquilina Kitu

15 Ministro da Educação e da Universidade Qader Gorou

16 Ministro da Informação e Propaganda Salla Mohammed Sakran

17 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução Immany

18 1.º Vice-Ministro das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução La Omar Al Haj

19 2.º Vice-Ministro das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução La Massa

20 Ministro dos Transportes Marítimos Alfonso Tifaona Labalekan

21 Vice-Ministro dos Transportes Marítimos La Abdusshukur Al Haj

22 Ministra de Estado Hendo

Fonte: “Announcement on the Reshuffle of the Cabinet for the Second Period, 1963-1965” in “Agitação nasprovíncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE,Lisboa.

421colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

II “Governo”

(9 de Abril de 1965 a 9 de Abril de 1967)

1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general A.H. Bere

2 1.ª Vice-Primeira-Ministra Immany

3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Th. Bara

4 3.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general B. Balle

5 Ministro dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general MohammedAbbay Ridwan Maly

6 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros Lao Marae

7 Ministro das Comunicações com os Estados Malaios Coronel Sikky Mao

8 Ministra-Adjunta das Comunicações com os Estados Malaios M. Cane

9 Ministro do Interior B.M. Mai Laka

10 Ministro-Adjunto do Interior F.D. Notake

11 Ministro para a Construção da União da República/República Autónoma Brigadeiro-general Boly Mao

12 Ministra-Adjunta para a Construção da União da República/República Autónoma Wa Sallamah

13 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Immany

14 Ministra-Adjunta das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Aquilina Kitu

15 Ministro da Educação e da Universidade Brigadeiro-general M.S. Pakkeh

16 Ministro-Adjunto da Educação e da Universidade Matang Lakuru

17 Ministro da Informação e Propaganda Salla Mohammed

18 Ministro-Adjunto da Informação e Propaganda M.S.K. Seran Klao

19 Ministra das Finanças, Economia e Construção Immany

20 Ministro-Adjunto das Finanças, Economia e Construção Amma Abu

21 Ministro das Comunicações Marítimas Alfonso Tifaona Labalekan

22 Ministro-Adjunto das Comunicações Marítimas La Abdusshukur Al Haj

23 Ministro de Estado La Omar Al Haj

24 Ministro de Estado Inche Mohammed Qossem Al-Haj

25 Ministro de Estado Amma Seran

Fonte: “Announcement of the Central Government Council of the Union Republic of Timor (Third Period, 1965--1967) in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”,PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

422 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

IV “Governo”

(9 de Abril de 1969 a 9 de Abril de 1971)

1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Boly Mao

2 1.ª Vice-Primeira-Ministra Brigadeiro-general Immany

3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Coronel Sikky Mao

4 Ministro dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general MohammedAbbay Ridwan Maly

5 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general Bara Mao

6 Ministro das Relações com os Países Malaios Coronel Sikky Mao

7 Ministro-Adjunto das Relações com os Países Malaios Tenente-coronel M. Coro

8 Ministro do Interior e dos Países Membros Coronel M.S.K. Ghani Calao

9 Ministro-Adjunto do Interior e dos Países Membros F.D. Notake

10 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Brigadeiro-general Immany

11 Ministra-Adjunta das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Aquilina Kitu

12 Ministro da Educação e Universidade Brigadeiro-general M.S. Pakkeh

13 Ministro-Adjunto da Educação e Universidade Dr. Naroins Adam Letodabsy

14 Ministro da Informação e Propaganda Brigadeiro-general A.R. Ulabi Talo

15 Ministro-Adjunto da Informação e Propaganda Tenente-coronel C. Corou

16 Ministra das Finanças e do Banco da Revolução de Timor Brigadeiro-general Immany

17 Ministro-Adjunto das Finanças e do Banco da Revolução de Timor Vago

18 Ministro da Economia e Comércio Coronel Bukuany Maya-Maya

19 Ministro-Adjunto da Economia e Comércio Vago

20 Ministro das Provisões para a Guerra Vago

21 Ministro-Adjunto das Provisões para a Guerra Vago

22 Ministro dos Transportes Marítimos Alfonso Tifaona Labalekan

23 Ministro-Adjunto dos Transportes Marítimos Coronel Pahar Hady Taha

24 Ministro de Estado La Abdusshukur Al Haj

25 Ministro de Estado La Omar Al Haj

26 Ministro de Estado Inche Mohammed Qossem Al-Haj

27 Ministro de Estado Ilegível

Fonte: “Nomeação do Conselho de Ministros do Governo da República Unida de Timor, do V Período, de 9 de Abrilde 1969”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287-SR/63, N.T. 3292, fls. 12-17 e 25, IAN/TT, Lisboa.

423colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

VI “Governo”

(9 de Abril de 1973 a 9 de Abril de 1975)194

1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general M.T. Analessy

2 1.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general S.G.S. Gasang

3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general P.H. Ulumando

4 3.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general M.K. Lacca Mao

5 4.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Sh. Chan Letomaly

6 Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com os Países Malaios Brigadeiro-general Sh. Chan Letomaly

7 Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com os Países Malaios Brigadeiro-general Dr. IncheMohammed Qossem Al-Haj

9 Ministro do Interior e dos Assuntos dos Estados Membros Brigadeiro-general P.H. Ulumando

10 Vice-Ministro do Interior e dos Assuntos dos Estados Membros Coronel La Abdusshukur Al Haj

11 Ministro dos Transportes Marítimos Coronel Hasheem Lacry

12 Vice-Ministro dos Transportes Marítimos Capitão A.H. Wariu

13 Ministro da Educação e da Universidade Brigadeiro-general Sh. Chan Letomaly

14 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Construção Brigadeiro-general Immany

15 Ministro da Saúde Brigadeiro-general A.H. Bere

16 Ministra dos Assuntos Sociais Coronel Dr.ª Mariam Riza Laik

17 Ministro das Provisões para a Guerra Coronel Sheik M. Boly Amang

18 Ministro da Informação e Propaganda Coronel M.Z. Anapary

19 Ministro dos Assuntos Religiosos Major Manise

20 Secretário de Estado do Conselho de Ministros Capitão A.H. Wariu

Fonte: “The Composition of the Central Government Council of the Union of the Republic of Timor,Period VII, de 28 de Junho de 1973”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação Nacional do TimorPortuguês”, Proc. n.º 18891-CI(2), N.T. 7826, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.

424 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Anexo III“Conselho Militar” da URT

In the name of Allah with pity and mercy

Directorate General

Central Presidium

Union Republic of Timor Dilly

Batugadé – Timor Dilly

No. P.II/VI/DG-Prespu-URTD/63

Subject: Announcement regarding the

FORMATION OF THE

MILITARY COUNCIL OF THE

UNION REPUBLIC OF TIMOR DILLY

in the emergency area of Batugadé

A N N O U N C E M E N T

All of us safe and prosperous owing to God’s mercy

It is hereby announced that at 10 o’clock in the morning, June 10, 1963, in

the emergency fighting area of Batugadé, a Military Council has been formed by

the Acting President of the Central Presidium of the Union Republic of Timor

Dilly, Mr. A. Mao Klao, with a decree Number 0005/VI/PRESPU-URTD/1963, and

June 10, 1963, was determined as the Armed Forces Day.

THE MILITARY COUNCIL is the headquarters of the Armed Forces covering

forces of all arms.

The soldiers of the Union Republic of Timor Dilly have their politics, economic

and religion properly guided.

THE ARMED FORCES are the backbone of the people and the State, and

become the defenders of the State Constitution to fulfil God’s duties. The position

425colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

of the Military Council is to assist the Central Presidium of the Union Republic of

Timor dilly, and are at the same level as Cabinet Ministers or the Central

Government Council member.

The Supreme Chairman: The Acting President of the Central Presidium

of the Union Republic: Mr. A. Mao Klao.

Deputy Supreme Chairman: 2nd Vice-President of the Central Presidium

of the Union Republic: Mr. Maly Tae.

= = = = = = = = = = =

Chairman: Major General Mao Bere

1st Deputy Chairman: Brigadier General Z. Falah

2nd Deputy Chairman: Brigadier General Miss Aminah Balikh

Honoured General Chief of Staff in absentia: The late Major General

Abubakar Ilemandiry

General Chief of Staff: Brigadier General Mohammed Shaleh Pakkeh

Deputy Chief of Staff: Brigadier General Mohammed Abbey Ridwan

Maly

Members of the Military Council:

Colonel Thalib Bara

Colonel Salim Siku

Colonel Mohammed Shaleh

Colonel Umar Bara

Lieutenant Colonel P.E. Siregar

Lieutenant Colonel Shofyan Ghany

Lieutenant Colonel Thomas Uly

Major Moeis Attamao

Major N. Nai Bere

Major Gabril Taty Nahak

426 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Major Miss Amishah Tolang

Major C. Kalao

Major Abdul Hamid Bere

Major Baso

Major Abdurahin Mao Ilaly

As military corps of one Malay State in the Pacific, the Armed Forces of the

Union Republic of Timor Dilly will remain as a fort for the Malay Family Race in

general and the Pacific fort in particular; for that reason the Armed Forces of the

Union Republic of Timor Dilly, should be on the alert, ever ready with the spirit

and soul of Melanesia as one of the Malay groups in the Pacific where Timor

remains in the center.

Keep on fighting to sweep the Portuguese Imperialists without any

negotiations and strengthen the friendship with all neighbouring States and the

world in general and especially with the States in the Pacific.

A M E N!

At the emergency fighting area of Batugadé

10 o’clock in the morning June 10, 1963.

Issued by: The Liberation Bureau of the

Union Republic of Timor Dilly

Directorate General

Central Presidium of the

Union Republic of Timor Dilly

Director General

(sgd) Abdulah Kalao

Fonte: “Announcement Regarding the Formation of the Military Council of the Union Republic of Timor Dilly in theemergency area of Batugadé, 10 June, 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizaçõesnacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.

427colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

Anexo IV

In the name of Allah, the Gracious and the Merciful

THE DECLARATION OF INDEPENDENCE

May peace and the blessing of Allah upon us

With the Patriotically Revolutionary struggle, as well as continuously energetic

effort led by the revolts; commencing the end of the Year 1959, and by the struggle/

propaganda of TIMOR LOVERS (DILLY).

Until the forming of the Bureau of the Liberation on November 2, 1960, and with

the consent and mercy of Allah the very Glorious, the Central Presidium of the Union

of the Republic was formed at 9.00 a.m., on Sunday, April 9, 1961.

TIMOR which is declared INDEPENDENT; commencing this time and day with the

capital in PRASZA (DILLY) and during the emergency of struggle the Realization of

Independence, the Revolution Capital is in BATUGADÉ.

THE UNION OF THE REPUBLIC OF TIMOR is a CONFEDERATE TIMOR, which formed

a SOCIALISTIC STRUCTURE being guided by Allah’s Holy Book as a continually ricing

the history of MALACCA under the guidance of MAROMAK OAN in the GOLDEN AGE

of ancient CONFEDERATE TIMOR.

This DECLARATION OF INDEPENDENCE attended by 9 (nine) members of the First

CENTRAL PRESIDIUM.

The STRUGGLE OF DRIVING AWAY THE OLD AND NEO-COLONIALIST IS CARRIED

OUT BY FORCE AT THE POINT OF WEAPON (arm), the VICTORY IS NECESSARILY SEIZED.

As MALAY’S RACE AND COUNTRY WHICH SITUATED IN THE MALAY’S MELANESIAN

ARCHIPELAGOES, WE STRUGGLE FOR THE GREATLY MALAYS CONFEDERATION.

MORES TIMOR! (VIVA THE TIMOR!) MORES MALAY’S MELANESIAN! (VIVA MALAY’S

MELANESIAN!).

May Allah be with us.

AMENApril 9, 1961

Acting President of the Central Presidium

Signed

A. Mao Klao

428 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

Anexo V

In The Name Of Allah, The Most Beneficent And Merciful

C O N S T I T U T I O N

To make it clear to the world, and to the public opinion at home alike, and to

be the point of compass of the Ministry of Foreign Affairs and all representatives

abroad, the Central Presidium formulated a Constitution as follows:

1. The Union of Timor Republic and the patriotic Timorese People, as citizens

craving for a full independence, assert their resolute standpoint against

imperialism, colonialism, neo-imperialism and neo-colonialism of any kind and

of any race, whether it is of the white, the colored or the yellow-skinned

people.

2. The patriotic and heroic Timorese People’s Revolution started as a struggle

with red spillings of blood and sharp points of weapons, and is now in the

process of gaining the last victory to drive away the Portuguese imperialism

and other forms of imperialism, neo-imperialism, colonialism and neo-

-colonialism that are all aspiring to annex the beloved country, Timor; a victory,

that is to be won at the end of a battle.

3. Timor is the Timorese People’s claim, and not that of the Portuguese and other

imperialists, neither it is the claim of Peoples, which are not the citizens of the

Union of Timor Republic. Foreigners have no right to obstruct and slow off the

coming success of the liberation struggle, namely the full independence of

Timor. Any attempt to do so will be regarded as that performed by the

accomplices of the Portuguese imperialists or something of the sort.

4. Any Timorese, for lack of knowledge and being ignorant, sided with the

Portuguese and other colonialism, is here and now warned to immediately

realize his mistake, and to immediately come shoulder to shoulder with Timorese

freedom fighters in gaining the common victory over the Portuguese and

other colonialists.

5. The Union of Timor Republic, being a peace-loving State, has never aspired to

annex any neighboring territory, and [on the] other hand, she is never prone

429colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA

to be annexed by any neighboring country. Timor loves to live in a peaceful

friendliness and in a mutual respect with other countries. It is again stressed,

that Timor is against any neo-colonialism from anywhere.

6. The Union of Timor Republic, as a Malay country belonging to the Malay-

-Melanesian group of islands, feels it deeply that she is a member of the family

requiring a mutual help with all neighboring countries, especially with the 250

million Malayans living in the area as far as from Hawaii to Malagasy.

7. As a Malay country realizing the importance of unity, the Union of Timor

Republic supports resolutely the idea of All Malay Race Union, and will put

herself as its first member. This union is to comprise all Malayans living in the

area as far as from Hawaii to Malagasy.

8. The Union of Timor Republic as a State fighting under democratic principles

towards a socialist structure and guided by the Holy Book of Allah, following an

independent foreign policy and being free to determine her own course, has

always strived for a membership in the United Nations, and has always been

ready to create a friendly relationship with all countries in the world and with

all peace-loving Peoples.

9. The Union of Timor Republic in her struggle to drive the imperialists away from

Timor needs any kind of help from anywhere, with a condition that the

Liberation Struggle of the Union will be thus undamaged.

10. The Union of Timor Republic has always craved for joining any international

organization that will inflict no loss to the independence and the sovereignty

of the Union of Timor Republic, directly as well as indirectly.

Amen.

In the Emergency Post,

Batugadé,

May 4, 1965.

The Central Presidium of the Union of Timor Republic

A. Mao Klao

(Acting President of the Presidium)

430 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

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432 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE

4

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Armando Marques Guedes é o

Presidente do Instituto Diplomático.

É também Professor Associado com

Agregação da Faculdade de Direito

da Universidade Nova de Lisboa,

onde tem as regências de Relações

Internacionais, Ciência Política,

Direitos Africanos, e Antropologia

Jurídica.

Nuno Canas Mendes é membro do

Conselho Superior do Instituto

Diplomático. É também Professor

Auxiliar do Instituto Superior de

Ciências Sociais e Políticas da

Universidade Técnica de Lisboa. Tem

aí a regência da cadeira Mudança

Social e Economia na Região Ásia-

-Pacífico e lecciona a cadeira de

História da Colonização Moderna e da

Descolonização.

Neste volume são coligidos nove

artigos sobre vários aspectos dos

diversos tipos de nacionalismo que

se têm feito sentir em Timor-Leste.

A finalidade é a de ensaiar um pri-

meiro balanço da importância assu-

mida pelos sentimentos nacionais

em gestação, muitas vezes tão con-

testados, para a construção tanto de

uma comunidade política quanto de

um Estado em Timor.