Planet Hemp - VISIONVOX

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Transcript of Planet Hemp - VISIONVOX

© 2018 Pedro de Luna

Uma mensagem assustadora dos nossos advogados para você:

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida, sem a permissão do

editor. Se você fez alguma dessas coisas terríveis e pensou “tudo bem, não vai acontecer nada”, nossos

advogados entrarão em contato para informá-lo sobre o próximo passo. Temos certeza de que você não

vai querer saber qual é.

Este livro é o resultado de um trabalho feito com muito amor, diversão e gente finice

pelas seguintes pessoas:

Gustavo Guertler (publisher), Marcelo Viegas (edição), Fernanda Fedrizzi (coordenação

editorial),

Jaqueline Kanashiro (revisão), Guilherme Theodoro (diagramação e projeto gráfico) e

Giovanna Cianelli (capa).

Fotos (capa e quarta capa): Daniela Dacorso

Foto do autor: Elza Cohen

Produção de ebook: S2 Books

Obrigado, amigos.

2018

Todos os direitos desta edição reservados à

Editora Belas-Letras Ltda.

Rua Coronel Camisão, 167

CEP 95020-420 – Caxias do Sul – RS

www.belasletras.com.br

facebook.com/biografiaplanethemp

ISBN 978-85-8174-468-1

Capa

Créditos

Folha de rosto

Se o Planet Hemp fosse um filme

Intro

Capítulo 1. Skunk

Capítulo 2. Formigão

Capítulo 3. Rafael

Capítulo 4. Bacalhau

Capítulo 5. Ronaldo

Capítulo 6. D2

Capítulo 7. Encontros e reencontros

Capítulo 8. E a sementinha brotou

Capítulo 9. Super-Elza

Capítulo 10. Brrruno

Capítulo 11. Diamante negro

Capítulo 12. Bola pra frente

Capítulo 13. Usuário

Capítulo 14. O “A” e o Zé

Capítulo 15. Abril pro Planet

Capítulo 16. Censura e confusão

Capítulo 17. Lobatto

Capítulo 18. Cidade do rock

Capítulo 19. A primeira turnê pelo nordeste

Capítulo 20. Jackson

Capítulo 21. Hemp family

Capítulo 22. As meninas do Planet

Capítulo 23. Gente que incomoda

Capítulo 24. Dominando SP

Capítulo 25. Black Alien

Capítulo 26. Cannabis CUP

Capítulo 27. Fortalecendo o movimento

Capítulo 28. Os cães ladram

Capítulo 29. Hemp New Year

Capítulo 30. Intensa mente

Capítulo 31. Cachorrada

Capítulo 32. Queimando tudo

Capítulo 33. Divergências

Capítulo 34. Poltrona 22

Capítulo 35. Baseado em fatos reais

Capítulo 36. Fazendo escolhas

Capítulo 37. Loucura, loucura, loucura

Capítulo 38. Eu tiro é onda

Capítulo 39. Saem dois, volta um

Capítulo 40. Casa do caralho

Capítulo 41. A invasão do sagaz ganjaman

Capítulo 42. Salve, Jorge

Capítulo 43. Pedrinho e Pedrão

Capítulo 44. Hip Hop Rio

Capítulo 45. A grande família

Capítulo 46. O dono da banca

Capítulo 47. Bebi, comi e fui embora

Capítulo 48. Cara ou coroa?

Capítulo 49. Sambandido

Capítulo 50. Marcelodedois

Capítulo 51. Desabafo

Capítulo 52. Speed

Capítulo 53. Duas voltas pontuais

Capítulo 54. Adivinha, doutor...

Capítulo 55. O ritmo e a raiva

Capítulo 56. Nada pode me parar

Capítulo 57. Nobru

Capítulo 58. Mais vivos do que nunca

Capítulo 59. Legalize já

Capítulo 60. Legado

Cronologia

Agradecimentos

LOCALIZE JÁ!

O Rio de Janeiro do Planet Hemp nos anos 1990

1. Imperator: R. Dias da Cruz, 170 – Méier; 2. Campus da Uerj: R. São Francisco Xavier, 524 –Maracanã; 3. Garage Art Cult: R. Ceará, 154 – Praça da Bandeira; 4. Rubbertec (onde Skunktrabalhava como office boy): R. Bela, 954 – São Cristóvão; 5. Jornal do Brasil/Rádio Cidade: AvenidaBrasil, 500 – São Cristóvão; 6. Praça Mahatma Gandhi (onde rolava o point punk) – Centro; 7.Barraca de camelô do D2: R. Treze de Maio, em frente ao Clube Bola Preta – Cinelândia; 8. FundiçãoProgresso: R. dos Arcos, 24 – Lapa; 9. Circo Voador: R. dos Arcos, s/n – Lapa; 10. Sinuca da Lapa: R. Riachuelo, 44 – Centro; 11. Casa do Satanésio: R. Riachuelo, 112 – Centro;12. Casa do Olmar Lopes: R. Riachuelo, 121 – Centro; 13. Bar do Ivanovich: Esquina da R. doRezende com André Cavalcanti – Centro; 14. Praça da Apoteose: R. Marquês de Sapucaí, s/n – SantoCristo; 15. Cemitério São Francisco de Paula (onde Skunk foi enterrado): Rua de Catumbi, 120 –Catumbi; 16. Estúdio Groove (onde o Planet Hemp nasceu): R. Azevedo Lima, 246 – Rio Comprido;17. Estúdio Totem: R. Almirante Alexandrino, 1991 – Santa Teresa;18. Apartamento do Dark Peixoto, pai do D2: R. Bento Lisboa, 89 – Catete; 19. Apartamento daPaulete, mãe do D2, onde o Stephan nasceu: R. do Catete, 90 – Catete; 20. Sony Music Brasil(gravadora do Planet Hemp): Praia do Flamengo, 200 – Flamengo; 21. Apartamento do pai do Skunk:R. Barão do Flamengo, 42 – Flamengo; 22. Apartamento do Formigão: R. Ministro Tavares de Lira,108 – Flamengo; 23. Apartamento do Claudinho e do Brennand (primeiro QG do Planet): R. Marquêsde Abrantes, 110 – Flamengo; 24. Apartamento da Elza Cohen (segundo QG e onde D2 morou):Esquina da R. Marquês de Abrantes com R. Marquês de Paraná – Flamengo; 25. R. Farani, onde os estudantes da Facha bebiam e vários músicos da Hemp Family se conheceram;26. Estúdio Casa do Caralho: R. Mario Portela, 293 – Laranjeiras; 27. Cine Estação Botafogo: R.Voluntários da Pátria, 88 – Botafogo; 28. Dr. Smith: R. da Passagem, 169 – Botafogo; 29. Canecão:Avenida Venceslau Brás, 215 – Botafogo; 30. Estúdio Hanói: R. Paulo Barreto, 16 – Botafogo; 31.Estúdios Mega: R. Macedo Sobrinho, 68 – Humaitá; 32. Espaço Cultural Sérgio Porto: R. Humaitá,163 – Humaitá; 33. Ballroom: R. Humaitá, 110 – Humaitá; 34. Estúdio Discover: R. Maria Angélica,593 – Jardim Botânico; 35. Apartamento do Sr. Wilson, pai do Kadu, onde D2 morou: R. Faro, 28 –Jardim Botânico; 36. Apartamento do Bacalhau: R. Jardim Botânico, 643 – Jardim Botânico; 37.Baixo Gávea: Praça Santos Dumont – Gávea; 38. Torre de Babel: R. Visconde de Pirajá, 128 –Ipanema; 39. Casa de Cultura Laura Alvim: Avenida Vieira Souto, 176 – Ipanema; 40. Parque Garota

de Ipanema: Avenida Francisco Bering, 2 – Arpoador; 41. Bunker 94: R. Raul Pompeia, 94 –Copacabana; 42. Basement: Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 1.241 – Copacabana; 43. Lojade discos Marchris (que o Skunk frequentava): R. Souza Lima, 65 – Copacabana; 44. Let it Be: R.Siqueira Campos, 206 – Copacabana; 45. Mariuzinn: Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 435 –Copacabana; 46. Zoom: R. Rodolfo Dantas, 102 – Copacabana; 47. Crepúsculo deCubatão/Kitschnet: R. Barata Ribeiro, 54 (subsolo) – Copacabana; 48. Bar Bodega: Avenida PradoJúnior, s/n – Copacabana; 49. Apartamento do Maurício Garcia (onde Skunk passou festas de Natal eAno-novo), na Galeria Luiz Thomaz: Avenida Princesa Isabel, 186 – Leme; 50. Rádio FluminenseFM: Avenida Visconde de Itaboraí, 184, 10º andar, Centro – Niterói; 51. Estação Cantareira: PraçaLeoni Ramos, 9 – São Domingos, Niterói; 52. Vollúpya: R. Coronel Tamarindo, 35 – São Domingos,Niterói; 53. Pista de skate de São Francisco: Avenida Quintino Bocaiúva, s/n – São Francisco, Niterói;54. Bedrock: R. Armando Lopes, 3 – Charitas, Niterói; 55. Double Six: Estrada Caetano Monteiro,1.996 – Vila Progresso, Niterói; 56. Cemitério do Maruí (onde Speed foi enterrado): R. GeneralCastrioto, 409 – Barreto, Niterói.

PREFÁCIO

SE O PLANET HEMP FOSSE UM FILME

Se o Planet Hemp fosse um filme, seria muito difícil escolher o gênero.

Porque é uma história de aventura que começa com dois amigos, que se

tornam irmãos. Inspirados pelos beatniks, descobrem juntos uma nova vida,

com muita ação, suspense e boas risadas. Skunk era uma comédia e uma

biblioteca sonora ambulante. O coach do seu parceiro musical, queimando

tudo noite e dia, como uma versão carioca do Cheech & Chong [1].

Uma parceria poderosa, que afasta Marcelo da mulher e do filho, para se

juntar a uma banda de rock e rap. Noites quentes, DJs inflamados, animação,

gatas, gatos, beijo na boca, sexo, drogas. Início dos anos 1990, o amor está no

ar e o cheiro do bagulho também. Tórridos romances. De repente, o drama,

com a morte de Skunk. Como num filme policial, o grupo segue adiante e

enfrenta de perto o terror, sem medo. Apanha da polícia no Rio; é perseguido

por juízes na Bahia, em Vitória e em Goiânia; para finalmente ser preso em

Brasília.

O Planet Hemp virou uma causa. Pela legalização da maconha e pela

liberdade de expressão. A história da banda é um documentário vivo da cena

cultural brasileira do meio dos anos 1980 até os dias de hoje. Uma mistura de

realidade e ficção. Que, no caso do Planeta Maconha, está mais para ficção

científica.

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Escrever sobre o Planet Hemp significa fazer amigos e inimigos. Eu

sempre gostei da banda e da crew, desde que os conheci na minha juventude,

em Niterói, editando fanzines e produzindo eventos. Nos meus livros

anteriores, esbarrei muito com eles e a hemp family. Um livro sobre a banda

seria só questão de tempo.

O Planet Hemp surgiu de um grupo grande de amigos com interesse por

música, cinema, quadrinhos e cultura alternativa em geral. Essa galera

formou bandas, fotógrafos, DJs, jornalistas, produtores e artistas plásticos

responsáveis pela base da cena do Rio de Janeiro, nos anos 1990. Como em

qualquer turma de amigos, o tempo e as afinidades fazem uma seleção

natural, agregando uns aqui, outros ali.

Depois de mergulhar a fundo na biografia da banda, uma coisa eu posso

garantir: quem esteve lá, no palco ou na plateia, com certeza tem ótimas

histórias para contar. Entre tapas e beijos, notas e cheiros, D2 e o Planet

Hemp contribuíram (e contribuem) muito para a arte brasileira. Acomode-se

na poltrona, aperte o cinto e prepare-se. A viagem já vai começar.

Pedro de LunaSão Paulo, SP

2018

Marcelo D2 e Rafael Crespo no primeiro show do Planet Hemp em Salvador (BA). Zaragata, 1996.Foto: Sora Maia.

INTRO

“Digo foda-se as leis e todas as regras, eu não me agrego a nenhuma delas.

Me chamam de marginal só por fumar minha erva, por isso tanto osinteressa (...)

O álcool mata bancado pelo Código Penal, onde quem fuma maconha é que é o marginal.

E por que não legalizar? E por que não legalizar? Estão ganhando dinheiro e vendo o povo se matar (...)

Este é o Planet Hemp alertando pro chegado, pra você tomar cuidado com os porcos fardados.

Não falo por falar, eu procuro me informar, é por isso que eu digo, legalizeganja!

Legalize já, legalize já, porque uma erva natural não pode te prejudicar” [2]

Brasília, 9 de novembro de 1997, três horas da madrugada. O cheiro amargo

de suor e cerveja misturado com maconha não deixava dúvidas de que se

tratava de um show do Planet Hemp. Em uma catarse coletiva, sete mil

pessoas – em sua maioria homens e jovens – cantavam a plenos pulmões

todas as músicas dos dois discos do repertório. Sem saber, todos os presentes

no ginásio do Minas Brasília Tênis Clube presenciavam uma noite histórica

para a música brasileira.

Em uma época de perseguição e cerceamento à liberdade de expressão, a

chance de se apresentar naquela noite já era uma vitória para os músicos e

integrantes da equipe. Ainda mais em um fim de semana tenso como aquele,

com a morte de fãs em um show dos Raimundos, em Santos, e o

cancelamento em cima da hora do show, em Belo Horizonte, com direito a

cinco horas de detenção na delegacia – e que pouca gente soube. Eram

tempos de censura e repressão policial, em que cada show realizado já era

uma benção.

Por essas e por outras, tudo o que Marcelo D2 e seus companheiros

queriam naquela madrugada era terminar o show em paz e comemorar com

os amigos, como sempre acontecia por onde passava a caravana da fumaça. O

vocalista tinha, ainda, outro compromisso importante naquele domingo:

chegar ao Rio de Janeiro a tempo da festa do seu (então único) filho Stephan,

que completava seis anos de idade.

D2 era o segundo mais velho, com trinta anos, atrás apenas do baixista,

Formigão, trinta e quatro. O DJ Zé Gonzales tinha vinte e oito, o baterista,

Bacalhau, e o vocalista, Gustavo, vinte e cinco; e o guitarrista da noite,

Jackson, apenas vinte. Jovens fazendo música para outros jovens. Entre uma

baforada e outra, o público cantou junto com a banda: “Quer me prender só

porque eu fumo cannabis sativa // na cabeça ativa, na cabeça ativa, na cabeça

ativa” [3]. Quando, enfim, o sexteto detonou os acordes finais, o alívio. Dever

cumprido e mais um show foda chegou ao fim. Banhados em suor, com

sorrisos no rosto, a banda entrou no camarim para abraçar os camaradas que

lhes aguardavam com toda a sorte de drogas para as famosas festinhas até o

amanhecer.

Nem cinco minutos se passaram. Sem tempo para abrir uma merecida

cerveja gelada ou dar um trago num baseado. Policiais civis do Distrito

Federal invadiram a área reservada aos artistas acompanhados por uma

repórter de TV e seu cinegrafista, com a câmera ligada iluminando tudo e

todos. Começou uma correria para se livrar dos flagrantes no vaso sanitário.

A euforia deu lugar a um clima de apreensão, enquanto as pessoas eram

separadas pela polícia. Músicos do Planet Hemp de um lado, os demais

presentes para o outro. Os dois empresários da banda tentavam entender o

que acontecia. Um deles correu para esconder o ônibus da turnê. Estava tarde

demais para telefonar para alguém. Do lado de fora, o público voltava para

casa de alma lavada, sem desconfiar do que acontecia nos bastidores.

Sob os olhares dos amigos, os seis músicos foram separados e conduzidos

para diferentes viaturas, com destino à carceragem da Coordenação de Polícia

Especializada. No banco de trás do carro, mirando as luzes da capital federal,

Marcelo olhou para o céu estrelado e pensou: “Caralho, o que será que o

Skunk pensaria se estivesse aqui?”.

CAPÍTULO 1

SKUNK

Ele nunca foi um homem de vida fácil. Luís Antônio da Silva Machado

nasceu em maio [4] de 1967, fruto de uma relação entre o patrão e a

empregada doméstica, num apartamento do Flamengo, Zona Sul do Rio. Sua

mãe era jovem e deixou a casa de família para trabalhar num boteco. Até que

a madrasta convidou o pequeno Luís para morar com ela, o pai e o filho do

casal.

Desde pequeno, Luís sempre foi generoso, amoroso e organizado, a ponto

de separar as meias por cor. Adorava música e odiava futebol. E o que pegou

Luís pelo pescoço foi o punk rock. Por volta dos 13 anos de idade, Luís bateu

os olhos num punk e tudo mudou.

Era um dia qualquer de 1981. Luís andava pelo Aterro do Flamengo

quando trombou com Joel de Oliveira Júnior, o tal punk. Um morava na rua

Barão do Flamengo, e o outro no Largo do Machado, bem próximos. Como

dois vira-latas, logo se reconheceram. Bermuda xadrez, visual de skatista,

“que som você gosta?” Começaram a falar de B-52’s, Bauhaus, Joy Division

e nasceu uma amizade.

Luís perguntou a Joel se podia ir até a sua casa para ouvirem discos. No

dia seguinte, apareceu por lá com uma camisa de banda pintada à mão e

vários LPs. Depois disso, os dois passavam a tarde inteira ouvindo música.

Luís batizou Joel de Formigão, pela semelhança com o personagem narigudo

do romance O fantasma da ópera, e o apelido pegou.

Começaram a frequentar as lojas de discos no centro da cidade, julgando

os LPs pela capa: “Ih, é cabeludo? Então não presta! Este aqui tem gente de

cabelo espetado e terninho, então deve ser maneiro”. Escolhiam pelo visual.

Joel gostava mais de pós-punk quando Luís o levou para conhecer o

movimento punk, na praça Mahatma Gandhi, em frente ao Cinema Odeon, no

centro histórico do Rio.

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Foi nos encontros da galera que curtia a cultura punk rock que Luís

conheceu Olmar, o Marreco, baixista do Coquetel Molotov [5], e passou a ir

em todos os shows da banda, que teve muita importância na sua formação.

Tem até um documentário sobre a banda, intitulado Punk Molotov [6], no qual

ele aparece. Nesse período, aos 14 anos, Luís já escrevia letras e era uma

pessoa eclética, ouvia de tudo. Queria fazer uma banda dele, só não sabia

como. Na sua cabeça, já tinha todas as ideias: ouvia de The Clash e Sex

Pistols a Miles Davis e Boy George.

Nessa época, Luís trabalhava como office boy numa firma e odiava ser

“explorado pelo sistema”. Porém, era o único do movimento punk que tinha

um walkman e podia comprar pilhas e fitas cassete. Era uma época em que se

pegava o disco, ouvia, gravava em fita cassete e depois devolvia.

O apelido Skunk vem dessa época. Certa vez, ele raspou a cabeça,

deixando apenas um moicano para ir a uma festa punk. Porém, na segunda-

feira, não podia ir trabalhar daquela maneira e raspou o resto do cabelo. Um

dia ele era skin, no outro era punk. Sempre que ele se apresentava frisava que

era Skunk, com “u”. Quando todos estavam curtindo hardcore, ele ouvia

mais as bandas que tocavam som skinhead com a base filosófica e doutrinária

do punk.

Sensível e amoroso, Skunk tinha um humor ácido e ficava dando

“soquinhos” nos outros, depois um tapa na cabeça e saía correndo. Ligado em

tudo e em todos, era uma verdadeira antena. Apesar de duro, não pensava em

dinheiro nem gostava de trabalhar. Fazia escambos, ganhava roupas e comida

dos amigos. Era o símbolo do novo malandro da Lapa, tradicional bairro

boêmio do Rio de Janeiro.

Aqueles garotos até bebiam “Sangue do Diabo” (cachaça com groselha),

mas Skunk não estava ali pelas drogas. Ele estava ali pelo som. A atmosfera

do movimento punk no início dos anos 1980 era muito musical. Onde um

punk passava, colocava um som para rodar.

Houve um tempo também em que as bandas punks ensaiavam na “casa do

Satanésio”, na rua do Riachuelo, no Centro, porque o equipamento ficava lá.

E o Skunk explorava principalmente o microfone. Ele tinha um ouvido

poderoso e cantava todas as músicas gringas que curtia. Dez anos depois,

num show do Planet Hemp, no Circo Voador, Skunk dividiu o palco com

Satanésio, cantando “Eu sou o Rio”, do Black Future. Ainda chegaremos lá.

Além do povo da praça Mahatma Gandhi, tinha também a galera do skate,

que ouvia o mesmo tipo de som. Os skatistas costumavam andar de

madrugada pelo centro, na ladeira do lado do Museu da Imagem e do Som,

na praça XV, e no monumento a Estácio de Sá, no Aterro. Quem estivesse

perto, e com um skate, ia junto. Naquela época, as turmas eram bem

misturadas: playboys da Urca, galera do Méier, alguns de Niterói e muitos do

Centro, da Lapa, da Glória, do Flamengo.

Os homens eram maioria, mas havia mulheres. Uma turma da pesada:

Edinho, Mauricio, Edu, Pollo Rios, Dentinho, Vampiro, Pelé, Fala-Fala,

Chora-Chora, Ronaldo Zero, Cesar Nine, Tatu, Lúcio Flávio, Guto Jimenez,

Paulo Beral, Tai-Tai, Maria Portuguesa (Maria da Piedade), Claudinha

Pipoca, Janice Caiafa, Yama, Karna e Cris, só para citar alguns nomes.

A esse grupo vibrante e heterogêneo, com moradores da Zona Sul, Norte e

Oeste e da Baixada Fluminense, somaram os que vieram de São Paulo e

Brasília, seja para morar ou visitar o Rio. Uma galera que conhecia e

frequentava a cena alternativa.

No meio de tanta gente bacana, Skunk e Formigão já sonhavam em ter

uma banda. O futuro vocalista chegou até a sugerir um nome: The Bullets

Are Not Made Of Sugar (as balas não são feitas de açúcar). O que ele talvez

não imaginasse é que um daqueles amigos, um tal de Milton, se tornaria um

importante divulgador da banda que viria a nascer, não importa como se

chamasse.

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Milton era vizinho de Skunk no bairro do Flamengo e ambos eram filhos

de mães separadas dos pais, como 90% da turma. Skunk cansou de ligar para

o amigo com o pretexto de ouvir um som, embora o objetivo também fosse

descolar um almoço ou uma janta. Maconha era considerada coisa de hippie,

não fazia parte do universo punk, e quem podia pagar consumia bebidas

alcoólicas. Da mesma forma, ninguém pensava em AIDS, porque era “doença

de artista da Zona Sul”. No entanto, havia bastante intolerância. Quando os

dois começaram a usar camisetas de bandas new wave, foram hostilizados.

Camisetas rosas ou vermelhas nem pensar, no máximo uma multicolorida do

Devo.

Por ser o mais alto da turma, Milton virou o Miltão. Assim como o Skunk,

também fuçava as revistas importadas no edifício Central e nas bancas de

importados do Centro. Corria atrás da informação para editar fanzines ou

escrever letras de música. Quando começou a escrever na revista Pipoca

Moderna, a jornalista Ana Maria Bahiana lhe deu um pseudônimo. Virou o

Tom Leão.

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Por volta de 1984, boa parte da galera do movimento, entre eles Skunk,

começou a ouvir mais as bandas do pós-punk inglês, do two tone, do mod e

da new wave, sem deixar de curtir o punk/hardcore do Dead Kennedys e do

Black Flag. Começaram a se interessar por bandas como Bauhaus, Echo &

The Bunnymen, The Cure, The Smiths, Siouxsie & The Banshees, The

Specials, Madness, Devo, Oingo Boingo e The Jam, e a frequentar locais

como Metrópolis, Circo Voador, Mamão com Açúcar, Parque Lage, Noites

Cariocas, Canecão, Ilha dos Mortos e Crepúsculo de Cubatão.

Curioso e interessado, Skunk vivia metido nas bancas de jornal da avenida

Rio Branco, folheando as revistas de música importadas, mesmo sem

entender quase nada de inglês. Ele queria mesmo é assimilar o visual,

antecipar as tendências. E isso ele fazia muito bem. Se um dia ele dizia que o

Exploited era a melhor coisa do mundo, no dia seguinte apontava uma banda

hardcore da Finlândia. E, de repente, ele aparecia com o visual do Boy

George, se declarando fã de Adam and The Ants.

Um dia, Skunk conheceu o José Roberto Mahr, que começava uma

carreira paralela de DJ ao emprego como comissário de bordo. Zé o convidou

para uma nova festa, chamada Papawave, dedicada às bandas da new wave,

na boate Papagaio, na Lagoa Rodrigo de Freitas, ao lado do Tivoli Park.

Mesmo sem grana, Skunk tinha entrada livre em todas as boates. Conhecia

todos os jornalistas, DJs e formadores de opinião, sabia como funcionavam

os bastidores. Naquela noite, ele levou os amigos Formigão e Satanésio para

conhecer o DJ que colocava os tais sons de que eles gostavam. Formigão

andava sempre de calça e terninho, usando camisetas pintadas à mão com

capas de discos como The Crossing (o primeiro da banda escocesa Big

Country) e o primeiro (e homônimo) do B-52’s.

Eles eram uns mulambos sim, mas uns mulambos muito bem informados.

Chegando lá, sentiram-se em casa. Como eram atentos aos melhores sons do

momento, inclusive pelas tais revistas gringas que Skunk comia com os

olhos, os três faziam listas com nome de bandas e discos para o Zé procurar

nas suas viagens internacionais. Dali, José Roberto passou pela Mamão com

Açúcar e Metrópolis, até chegar ao lendário Crepúsculo de Cubatão.

Numa das noites na Papawave, Skunk bateu o olho num moleque com

idade próxima à sua vestindo uma camiseta do P.I.L. pintada à mão, e, claro,

foi se apresentar. Ali conheceu Eduardo Garcia, o Edu, que também viria a

ser um grande amigo.

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Quando Skunk e Edu ficaram amigos, ele ainda trabalhava como office

boy numa loja de peças de tornearia mecânica, em São Cristóvão. Por

coincidência, o pai do Maurício, primo do Edu, era cliente da tal loja. E eles

moravam no mesmo prédio. Na primeira vez em que Skunk foi à casa de

Maurício, quando foi apresentado ao pai dele, os dois já se conheciam.

Skunk procurava uma noção de família. Reservado com a vida particular,

falava pouco sobre a intimidade e vivia o tempo todo na rua ou na casa dos

outros. Quando conheceu Edu, se sentiu em casa. Passou várias noites de

Natal e Ano-novo na casa dele.

Quando o Edu conheceu o criador do Planet Hemp, a sua maior aventura

tinha sido ir umas duas vezes ao Dancing Méier, ver umas bandas punks,

inclusive a 402, do seu primo Léo, irmão do Maurício, com o Fernando

Magalhães (Barão Vermelho). Também ia aos festivais punks do Circo

Voador, que duravam até o sol raiar.

Skunk se identificava muito quando via um negro numa banda bacana,

como Ranking Roger [7], vocalista do The Beat. Entre 1984 e 1985, o tal

primo Léo apresentou à turma uns discos de ska, mas também de rockabilly e

psychobilly, como The Cramps e Stray Cats. Rapidamente ele criou o próprio

visual com topete, sapatos com sola dupla e larga e jaqueta de cozinheiro,

com os botões pintados de preto.

Foi nesse período que surgiu a ideia de formar com Léo, Edu e Maurício a

banda Big Trep (A Grande Trepada), na qual ele seria o vocalista. Skunk

chegou a compor duas músicas, uma delas (“Sonhei com você”) foi gravada

no primeiro disco da banda, lançado pela Polvo Discos, em 1994, e dedicado

a ele.

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Bem articulado, Skunk conhecia todo mundo e dizia que não se

interessava pela moda, e sim pelo estilo. Um dia aparecia com visual do

movimento new romantic [8], no outro, com um corte de cabelo no estilo da

cantora Grace Jones. Quando todo mundo só usava preto, fez um moicano

colorido, usava camisetas de cores variadas, isso quando não ia com um tênis

All Star de uma cor diferente em cada pé. Tinha uma espécie de

personalidade múltipla.

Além das estampas de camisetas, Skunk fazia estêncil, bottons e

customizava as próprias roupas. Usava camisetas pintadas pelo amigo

Tantão. Aliás, ele, Tantão e Carlos Rasta eram chamados de “afro-futuristas”,

ainda que ele fosse o patinho feio do trio, o mais pobre e desestruturado.

Certa vez, Edu fez um curso de silkscreen e produziu algumas camisetas,

todas a partir de desenhos feitos à mão. Depois, começou a usar fotos de

revistas que o Skunk xerocava em papel vegetal para, então, revelar a tela.

Uma das primeiras, em 1986, foi a da cantora Siouxsie Sioux. O problema é

que nesse tipo de estampa, a tinta seca em vinte minutos, para só poder lavar

depois de vinte e quatro horas. Skunk estampou na casa do Edu à tarde e, de

lá, foram para o show da banda Siouxsie and the Banshees. Os dois estavam

bem na frente do palco, mas atrasou muito e o local ficou muito quente. Com

o calor e o suor, a estampa começou a derreter.

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Alexandre Rossi, o Rolinha, tinha apenas 15 anos quando conheceu o

Skunk, então na fase rockabilly. Frequentavam as sessões de vídeos na Casa

de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, e ambos ajudavam a vender o fanzine

Esperma de Baleia, do amigo Carlos Magno, apelidado pelo Skunk de King

Buffo, porque era bem gordo e tinha a bunda grande. Como o moleque

morava com os pais em Ipanema, tratou de colar naquela esponja de

tendências, que compartilhava com a galera as fitas gravadas pelo DJ José

Roberto Mahr.

Foi o Skunk quem apresentou o Rolinha para o Formigão e para todo o

pessoal do underground da Lapa, tornando a sua vida bem mais divertida:

“Foi com ele que fui pela primeira vez ao Circo [Voador], onde aprendi como

engabelar o porteiro para entrar de graça nos shows e fui desvirtuado para

sempre. Íamos direto nas noites mais góticas, que o povo chamava de dark.

Nossa onda era a cena britânica pós-punk e o que curtíamos de black music

vinha de uma citação a James Brown, feita pelo Echo & the Bunnymen.

Naquela época, não existia ainda a cena do rap do Rio, acho que só tinha a

galera da São Bento [no centro de São Paulo]: o Gueto, o Thaíde, o Skowa,

mas o hip-hop ainda era uma coisa meio indie, como um segmento do rock,

não algo à parte”.

O Skunk começou a assumir a postura do hip-hop por intermédio do

miami bass. Certo dia, aparou o cabelo e trocou o borrachão (o tal sapato de

sola dupla) por um tênis adidas branco. Ouvia muito o som dos Beastie Boys

e sempre chegava com uma rima pronta, que inevitavelmente aludia ao que

ele faria com o rabo dos amigos. Logo depois, Rolinha conseguiu um

trabalho como produtor no Circo Voador e incentivou o amigo a formar uma

banda que se encaixasse com a programação da casa. Inspirado por todo

aquele novo mundo alternativo, abandonou a escola na sétima série, depois

de repetir pela terceira vez, e começou a fazer trabalhos de freelancer como

releases, críticas e reportagens para revistas e jornais. Skunk era um cara

inspirador, e quem cruzasse o seu caminho se contagiava.

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Apesar de não tocar nenhum instrumento, Skunk respirava música.

Passava os dias em lojas de discos como a Marchris (do DJ Zezinho, também

conhecido como Zé Ramone), em Copacabana, e na Balzac, no Catete.

Gostava de customizar fitas cassete, muitas vezes reduzindo numa máquina

copiadora as capas dos LPs para o formato menor do cassete. Generoso,

presenteava os amigos com essas fitas e gostava de tocar as suas seleções

musicais nas festas realizadas na casa da galera.

Também era muito pesquisador e se aproximava de pessoas que pudessem

lhe dar conhecimento, numa época de rara informação, sobretudo do que

acontecia no exterior. Chegou a frequentar os encontros na casa do

antropólogo Hermano Vianna, irmão de Herbert, vocalista d´Os Paralamas do

Sucesso, que tinha uma grande coleção de discos. Se alguém tivesse um disco

novo, ele ia até lá para gravar, fosse onde fosse. Pouca gente sabe, mas Skunk

foi o primeiro cara a organizar raves em terrenos baldios no Rio. Uma delas

foi divulgada no boca a boca e aconteceu no Alto da Boa Vista, com o

caminho iluminado por setas e velas. Ele também criou os primeiros samples,

juntando falas do noticiário da TV com batidas de rap. Skunk fazia muita

coisa ao mesmo tempo, como se intuitivamente soubesse que teria uma vida

curta.

Em 1989, Preto Serra era o DJ da festa Rock Brasil, discotecando só em

vinil, na boate Zoom – um inferninho de Copacabana muito louco, com um

chão de luzes. Foi onde rolou um show solo do Humberto Effe e a primeira

exposição do artista (e músico) Cabelo [9], no segundo andar. Uma noite, o

Skunk apareceu lá, dizendo que estava apaixonado por uma francesa e que

tinha feito uma música para ela, sampleando o hit “Lullaby”, do The

Cure [10], com uma secretária eletrônica. E pediu para o DJ tocar a música na

pista. Como a qualidade estava decente, o DJ meteu o dedo no play. Era

apenas o sample do Cure com a voz dele. Skunk ficou amarradão, pois foi a

primeira vez que tocaram um som dele na pista. Como era a fita original, ele

pegou de volta.

Os encontros no point punk aconteceram até meados de 1985, depois

começaram a rolar muitas brigas e ninguém ia mais para lá. As pessoas

começaram a se espalhar. Foi nessa época que Skunk e Kadu Carlos se

conheceram: “Eu conheci o Skunk no Crepúsculo de Cubatão. Sempre que a

gente se encontrava, ele estava de walkman e me apresentou vários sons

maneiros, como Pixies e Sugarcubes”.

Skunk costumava brincar que o Kadu tinha que ser o DJ dele. Quando

começaram a andar juntos, Kadu conheceu o Marcelo Yuka antes d´O Rappa

e também o Rafael Crespo na fase gótica: “Eu tocava no Vinde a Mim As

Criancinhas quando o Second Come me convidou pra entrar. O ponto de

encontro da banda era na Mesbla, no passeio público. Eu contei pra ele, e

ficou amarradão”, conta Kadu.

Muitos anos depois, quando o Planet Hemp assinou contrato com a Sony,

Kadu não se tornou nem o baterista nem o homem das picapes, mas o

primeiro roadie oficial da banda. A crew do Planet estava formada.

CAPÍTULO 2

FORMIGÃO

Uma das pessoas com quem Skunk foi perdendo contato na segunda metade

dos anos 1980 foi o amigo Formigão. Enquanto o primeiro começou a ficar

mais pela Zona Sul, o segundo ficava mais na região do centro, Lapa e,

principalmente, na casa da mãe do Satanésio. Era uma espécie de pensão

também conhecida como Maples House [11], onde você entrava e não

conseguia mais sair.

Formigão passava o dia no quartinho do Satanésio – que tinha um guarda-

roupas cheio de revistas em quadrinhos –, fumando maconha e falando de

música. Foi assim que Olmar e Satanésio começaram a fazer um som com o

Tantão, que estava morando no albergue. Os primeiros ensaios do Black

Future eram uma verdadeira zona.

Nessa época, o Cesar Nine trabalhava no McDonald’s e, quando a loja

fechava, à meia-noite, aquele bando tirava no “zerinho ou um” (também

conhecido como “dois ou um”) para ver quem ia buscar o lanche. A Lapa era

muito escura e perigosa. O percurso da rua do Riachuelo até a Cinelândia

parecia uma eternidade, um terror como o da rua Maple.

As primeiras aventuras de Formigão numa banda foi como roadie do

Black Future, atividade que não desempenhou lá muito bem. Num show em

Botafogo, durante a passagem de som, o Edinho pediu para ele pegar o

amplificador de guitarra. Só que ele resolveu carregar de costas e não viu o

degrau do palquinho. Tropeçou e caiu com o ampli em cima dele, para uma

gargalhada geral. Quando começou o show, nada de sair o som do baixo. O

roadie trapalhão tinha simplesmente esquecido de ligar.

No segundo show, em Belo Horizonte, a banda faria o lançamento do LP

num teatro na Savassi. Na hora H, começou a sair fumaça do amplificador e

Formigão ficou só olhando, tímido, sem saber o que fazer. Os caras queriam

matá-lo. Mas não chegaram a tanto. No hotel, notaram que o roadie já estava

dormindo, bêbado e só de cueca. Como vingança, Edinho e Olmar

começaram a enrolá-lo num colchonete. Pegaram aquele sanduíche de gente,

tiraram do quarto e o colocaram no meio do corredor.

A verdade é que Formigão começou a tocar baixo por acaso. Na casa do

Satanésio tinha um violão com apenas duas cordas e ele ficava

acompanhando, enquanto um vinil do Joy Division rodava na vitrola. Ele

chegou a ensaiar com o Black Future quando o Edinho saiu para ser apenas

DJ e o Olmar passou para a guitarra. Mas logo o Cesar Nine entrou e o ex-

roadie saiu.

A sua primeira banda se chamava Dança de Tânatos [12], criada na rua dos

Inválidos, na Lapa. Ele, o Cabeça, o Glauco e a Cris, com quem tocou na

banda Eutanásia. O primeiro show foi em 1987 e ele tremia igual vara verde.

Não durou nem dois anos.

Formigão na gravação do disco MTV ao vivo, em São Paulo. DirecTV Hall, 2001. Foto: MarcosHermes.

CAPÍTULO 3

RAFAEL

Se alguma pessoa quisesse encontrar o Formigão, deveria começar

procurando pelo bar mais próximo. Conhecido como o junkie da turma, quase

não comia, mas bebia (e muito). Quando o point punk caiu em decadência, na

segunda metade dos anos 1980, o ponto de encontro mudou para o murinho

do Cine Estação Botafogo e o Bar do Julio, bem ao lado. Quando o boteco

fechava e os funcionários iam lavar o chão, a galera brincava que aquela água

suja era do cabelo do Formigão.

Rafael Crespo morava na Tijuca, mas como tinha carro, ia todo santo dia

para o Estação. Ao contrário da praça Mahatma Gandhi, ali circulava uma

galera mais cult, que gostava de cinema e de som. Foi nessa época que ele e o

Formigão se conheceram. Os dois ficaram amigos e andavam sempre juntos,

com o também amigo Cabeça, de Vila Isabel.

Quando dava meia-noite e o Estação fechava, a turma ia para o Baixo

Gávea ou para o bar Bodega, na rua Prado Junior, em Copacabana. Na

verdade, um puteiro falido onde podiam ouvir as suas fitas cassete de punk e

pós-punk bem alto no porão, com luz negra e tudo mais. Skunk também

frequentava esse circuito com o amigo Carlos Rasta.

Pouca gente sabe, mas Skunk e Rafael tiveram uma banda juntos, o Magic

Numbers, inspirado numa música do primeiro disco do grupo de rap norte-

americano De La Soul. A proposta era fazer um som pesado, psicodélico,

com batidas eletrônicas e influência de acid house. Uma mistura maluca de

Public Enemy com Primal Scream, Happy Mondays e 808 State. Rafael

achou as ideias muito originais e arrojadas para a época. Chamou um amigo

guitarrista, que também tinha uma bateria eletrônica, e se propôs a tocar

baixo. Skunk convidou o Tantão para tocar teclado. Mas, após alguns

ensaios, a banda morreu na praia.

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Nas memórias alcoólicas de Formigão, ele conheceu o Rafael no já citado

estúdio na rua dos Inválidos. O guitarrista estava com uma camisa amarela do

The Cult e uma bandana vermelha na cabeça. Foi assim que surgiu a banda In

Kollapse, com Fomigão no baixo, Edinho e Rafael nas guitarras, Wilson

(Power) na bateria e Leandro no vocal. Chegaram a tocar no Espaço Retrô,

em São Paulo, onde a namorada do Rafael trabalhava.

Certa vez, quando a banda tinha um show marcado, um amigo se ofereceu

para tirar fotos e os músicos deram uma grana para ele comprar os filmes.

Chegou o dia D, show rolando, ele lá fazendo poses e soltando o dedo. Um

tempo depois, quando o grupo pediu para ver as fotos, descobriram que ele

gastou o dinheiro com cerveja e não tinha filme nenhum na máquina. Era

apenas encenação! Como os cinco brigavam muito, o In Kollapse durou

pouco, uns dois anos no máximo.

As noites no Estação eram animadas e ricas em informação, do jeito que o

Skunk gostava. Na época, DeFalla e Dead Kennedys eram uma unanimidade,

e todo mundo ouvia a rádio Fluminense FM. Entre os frequentadores,

estavam também Ronaldo Pereira, Marcelo Yuka e as irmãs Giovanna e

Daniela Hallack.

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Antes da hemp family, teve a galera do Cine Estação Botafogo. E foi lá

que a fotógrafa oficial do Planet entrou na história. Daniela Dacorso fazia

comunicação na ECO/UFRJ, onde tinha um programa em rádio livre

chamado “Carraspana” [13] – ela, a irmã, a Nina Lemos e a Paola, que tinha

aderido ao punk rock lá na Argentina. E, tomando uma cerveja ao lado do

cinema, entre darks e punks, Daniela conheceu o Skunk:

“O Skunk era genial, mas era chato porque ficava agarrando as meninas,pegando na gente. Aí ele sumiu por um tempo. E eu comecei a namorar umcara de outra galera, fiquei meio hippie. Quando o Skunk voltou, ele estavamais maneiro. Ele já estava sampleando a voz do Cid Moreira no JornalNacional, colocando umas batidas, e ninguém fazia isso, porque todo mundoera mais roqueiro. A raveque ele organizou num terreno baldio parou naspáginas policiais de algum jornal.

Eu conhecia todo mundo do Planet, mas só conheci o Marcelo na porta daBasement quando ele namorava a minha irmã, a Gio. A gente sempre se deumuito bem, ele estava sempre lá em casa. Como eu já gostava de funk, RunDMC, DeFalla, curtir hip-hop foi natural.

Comecei fotografando as bandas da galera, tipo Second Come, In Kollapse,Venham a Mim as Criancinhas... Fiz as fotos de divulgação do BlackFuture. E quase todo mundo gostava do DeFalla, pra mim era A banda. Eufotografei um show deles com uma câmera Olympus, com filme, quandonão tinha nem [câmera] digital. Eu usava um filme por evento e, de cada 24ou 36 poses, salvavam umas duas fotos. Por causa da música, consegui o

meu primeiro emprego numa agência de notícias, que distribuía pauta paraos cadernos de cultura do Brasil inteiro. Eu escrevia e fazia fotos.

Depois disso, trabalhei como jornalista numa revista holística, mas eu jáestava fazendo freelas para a Sony Music. A minha primeira exposição foino [festival] BHRIF com as fotos ampliadas em cópia colorida dessa sessãodo Planet. A gente usou as fotos que tirei deles sobre a lona amarela.Projetei-as em cima deles e fotografei de novo. Antes, eu era só fotógrafa deimprensa.

A primeira foto em capa de disco foi a deles na sinuca, na capa do Usuário.Eu lembro que fizemos a fumaça com charutos e incensos. Uma vez, fizuma matéria deles para a Showbizz, com eles vestidos de malandros; emoutra, eles ficaram de macacão, como funcionários de lava-jato. Resolviassinar como Daniela Dacorso em homenagem ao meu pai, que me deu acâmera dele quando roubaram o meu equipamento, e porque ficava maissonoro do que Daniela Hallack”.

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Em 1988, o DeFalla se apresentou no Circo Voador, ainda com a Biba na

bateria e o Castor Daudt na guitarra. E essa noite foi muito especial para uma

pessoa que estava na plateia: foi nesse show que o Rafael decidiu ser

guitarrista. Ao ver o cara fazendo bases, harmonias, ritmos e solos, com

somente um pequeno pedal de distorção e nada mais, superminimalista, ele se

encorajou a tocar também. Em entrevista ao livro, Castor se diz lisonjeado:

“E ele estava certíssimo. Não só conseguiu, como acredito que ele toca muito

melhor do que eu, sinceramente!”.

Influência de muitos artistas dos anos 1990, Eduardo Martins Dorneles, o

Edu K, vocalista do DeFalla, nasceu em Porto Alegre, mas com dois para três

anos mudou com a família para São Paulo:

“[São Paulo] foi onde eu cresci e comecei a estudar. Com uns onze anos,comecei a gostar muito de rock, porque tocava numa rádio da padaria ondeeu sempre ia. Como o meu pai era militar, morei em Curitiba, no Rio e aténo Paraguai. Mas a minha primeira banda foi em Foz do Iguaçu, com oamigo chileno Gustavo Aguirre, o X.

Eu cheguei em um clube lá em Foz, todo metido a John Travolta, quandoum cara me perguntou se eu conhecia o ‘Travoltinha’, que estava sentado namesa, com pinta de índio. De repente, o DJ parou a música e disse que nósdois iríamos dançar. No meio da performance, estourou o fecho da minhacalça! Ficamos amigos e criamos um grupo de dança. Depois, fizemos umabanda com um guitarrista da escola, que era um pouco mais velho.

Depois dessa fase mais disco, em 1983 eu voltei para Porto Alegre e surgiuo embrião do DeFalla. Eu já fazia show de rap com bases. Mas quando euconheci [a banda] Urubu Rei, eu falei pra mim mesmo que precisava tocarcom eles. Tanto que a Biba, o Castor e o Flu eram da banda e eu roubei elespro DeFalla. Gravamos a coletânea da RCA [14] e o primeiro disco, com rap,um pouco antes de sair a coletânea Hip-Hop cultura de rua [15].

O primeiro empresário do DeFalla foi o Tonho Meira, irmão da Biba.Enquanto em Porto a gente sofria pra fazer um show com duas ou trêsbandas, na Argentina já rolava festival, as bandas tinham equipamentos.Apesar de ser ao lado de Porto, não tinha intercâmbio, e até hoje é assim.

O Mario Gildo era meu amigo irmão, a gente ficava juntos pelas ruas namadrugada. Isso antes de ele ser roadie do DeFalla. Ele é um guitarristafoda. Eu digo que ele é meu alterego. Uma vez, a gente foi tocar em Porto

Alegre e se hospedou num hotel tradicional, antigo, lá no centro. Aí, euestava num carro, com uma guria, na porta do hotel, quando voou lá de cimaum copo de uísque. Era ele lá em cima. Como se não bastasse, apareceu decueca no hall.

No disco We Give a Shit! [16], eu andava com o Igor, o Max [os doisCavalera] e o João Gordo. O Sepultura tinha lançado o Beneath theRemains [17] e também estava numa fase de transição. O Ratos de Porãotambém estava foda. Então, eu resgatei minhas raízes do metal. E a gentefez um disco de crossover”.

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Skunk continuava muito ligado à estética das bandas. Certa vez, ele pirou

quando viu os músicos do Stone Roses pintados de azul na capa da revista

New Musical Express. Com o título “Never Mind the Pollocks”, a banda

estampava a capa da edição de 18 de novembro de 1989, que chegava ao

Brasil com certo atraso. Em 1991, Rafael se mudou para São Paulo, onde

conheceu Sandra Mendes, com quem formou a banda Cold Turkey [18]. Ela

trabalhava no Espaço Retrô, onde também era a responsável pela arte dos

flyers, cartazes e pelo fanzine da casa. Quando ele voltou, muita coisa havia

mudado na cena carioca.

Bacalhau e Marcelo D2 no camarim do Canecão aquecendo as turbinas para o show do Planet Hemp.Acervo pessoal de Bacalhau.

CAPÍTULO 4

BACALHAU

Wagner José Duarte Ferreira nasceu na Ilha do Governador, no dia 21 de

abril de 1972. Desde pequeno se acostumou a ouvir música. Na vitrola ou no

rádio de ondas curtas e médias escutava Beatles, Elvis, Roberto Leal,

Francisco José, além da rádio britânica BBC e das outras emissoras nas quais

as pessoas falavam em línguas estranhas, mas divertidas.

A sua mãe dizia que o menino montava as panelas para bater muito antes

de começar a falar. Aos seis anos, pediu uma bateria Hering para o Papai

Noel. Já morando em Teresópolis, aos onze, quis uma guitarra, embora não

levasse muito jeito pra coisa. Aos treze, depois de quebrar o estrado da cama

batucando com suas baquetas, é que ganhou dos pais uma Taiko

Caramuru [19], que tem guardada até hoje. Anos depois, descobriu que taiko

significa tambor, em japonês.

Primeiro, teve a fase play alone, tocando junto com os discos. Na época,

os amigos fizeram o Clube do Disco e cada um comprou um LP para trocar

uma vez por semana: Black Sabbath (o primeiro da banda, de 1970), dois do

Deep Purple – Live in London (1982) e Machine Head (1972) – e ele

escolheu o Led Zeppelin II (1969). Até hoje, o falecido baterista John

Bonham o influencia pela facilidade com que ele brincava com a dinâmica,

com os tempos da música.

Depois de morar alguns anos na serra, sua família voltou para o Rio, dessa

vez para a Zona Sul. Com outros três amigos, formou sua primeira banda,

Crepúsculo Nuclear, que ensaiava na Ladeira do Leme e chegou a compor e

gravar uma música de sete minutos.

Os horizontes se abririam durante o segundo grau, no Centro Educacional

da Lagoa (CEL), em Ipanema. Wagner era amigo do Marco André (o

Donida), do (músico e artista plástico) João Callado e do João Guilherme

Duprat, o Perna, que lhe aplicou em Ginger Baker e Frank Zappa. Aos

dezesseis anos já andava com camiseta preta de bandas de metal, debaixo do

sol escaldante do Rio. O que faz até hoje.

Então, em 1991, inspirados por um sarau da escola que nunca existiu,

surgiu o embrião do que seria a banda Acabou La Tequila: ele, Paulo

Kastrup, Donida, Renato Martins, Alexandre Kassin e o Perna. Numa banca

de jornal, compraram a tal “Bíblia do Roberto Carlos”, com todas as músicas

do Rei, e começaram a ensaiar. Havia ainda uma outra banda chamada

Martina Viu o Sapo, que era só o Renatinho, o Paulinho, o Kassin e um

baterista.

O Kassin também tocava baixo numa banda do Ronaldo Pereira (dono do

estúdio Groove), chamada Elvira Pagã. Foi assim que a molecada também

começou a ensaiar lá e ficou íntima do dono. Ensaiavam de manhã antes de ir

para o colégio ou matavam aula à tarde para tocar. Inclusive, as primeiras

músicas do Acabou La Tequila foram para uma coletânea do estúdio: “O

menino sai da estrada” e “A mosca, a moita e a morta”.

Antes de virar rato do Groove, Wagner já tinha esbarrado com o Skunk.

Mas foi batendo ponto diariamente no estúdio que ele conheceu Rafael,

Formigão, Wilson Power e um monte de bandas legais. Foi então que o

proprietário sugeriu que ele trabalhasse lá. Afinal, naquele primeiro

momento, era apenas um estúdio de ensaio, e ele teria a oportunidade de

aprender a operar os equipamentos.

Ronaldo sempre admirou o fato de Wagner ser um músico pesquisador,

daqueles que escutam bastante os discos e procuram saber quem gravou,

onde, como, com que produtor e outras particularidades da gravação. O

produtor ficou tão amigo do baterista, que o convidou para ser padrinho da

sua filha mais velha, Manoela. Mas outras surpresas lhe aguardavam. Pouco

tempo depois, ele se tornaria o Bacalhau, do Planet Hemp.

CAPÍTULO 5

RONALDO

Na década de 1980, houve uma explosão do rock nacional, e muitas bandas

de Brasília tocaram no Rio de Janeiro. Algumas ficaram mais famosas, como

é o caso da Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Capital Inicial e Plebe

Rude. As que chegaram um pouco depois encontraram um pouco mais de

dificuldade para se estabelecer. No fim de 1984, o Finis Africae tocou pela

primeira vez no Rio, na Mistura Fina [20]. Foi quando o baterista Ronaldo

Pereira conheceu Skunk e Formigão.

No fim de 1985, Ronaldo mudou-se para o Rio. Foi morar em Ipanema,

por coincidência, no mesmo prédio do Bi Ribeiro, baixista dos Paralamas.

Ele sempre hospedava a galera de Brasília que vinha para a cidade, inclusive

o Canisso, baixista dos Raimundos. Apesar de mais novos, todos os roqueiros

de Brasília se conheciam, a velha e a nova geração. Ele estava apostando

todas as suas fichas no Finis Africae – cujo nome foi tirado da biblioteca da

abadia no livro O nome da rosa, de Umberto Eco.

O grupo lançou um mini-LP de seis faixas, com um som que mesclava a

atmosfera dark com percussões africanas e levadas funk. Com esse EP,

conseguiram a atenção da gravadora EMI-Odeon, que lançou um disco

inteiro deles, com produção de Mayrton Bahia, o mesmo da Legião. Os

brasilienses participaram de programas de rádio e TV, saíram na imprensa

escrita e tocaram por quase todo o Brasil. Nos anos 1980, a música

“Armadilha” foi uma das quarenta mais tocadas nas rádios brasileiras.

Em 1988, um baque. A gravadora dispensou a banda e, como morar no

Rio já era muito caro, dois integrantes retornaram para Brasília. Ronaldo

ainda tentou levar adiante, recrutando outros três músicos, um deles o

guitarrista César Nine, que frequentava o point punk. Com a nova formação,

o Finis sobreviveu até 1990, quando hibernou por um longo período.

Além de músico profissional, Ronaldo também se interessava por

produção musical e resolveu montar o estúdio Groove, que no início abria

apenas para ensaios. Em 1991, comprou uma casa no número 246 da rua

Azevedo Lima, no Rio Comprido, bem na encosta do morro São Carlos, ao

lado de uma boca de fumo. Fez uma reforma a partir de um projeto de

arquitetura do amigo André X, da Plebe Rude, parceiro das antigas no rock

de Brasília.

O investimento inicial foi de trinta mil dólares. Em cima ficava a casa e

embaixo o escritório, o pátio e o estúdio. Enquanto rolavam as obras, ele

começou a trabalhar como programador em duas rádios: a Estácio FM e a

Fluminense FM – no programa Espaço aberto – divulgando artistas novos,

inclusive a primeira fita demo da Cássia Eller.

Não demorou e ele comprou um porta-estúdio de oito canais para gravar

fitas demo em cassete. As primeiras foram das bandas Dash e Dogs in Orbit.

Chegou até a criar um pacote chamado Demo Ensaio, por meio do qual

gravou o ensaio de bandas como Second Come e Cactus Cream em cassete,

que, para a época, era o que havia de mais acessível.

O Groove se tornou uma espécie de clube, com estúdio, produtora e selo

de fitas cassete. Também tinha um jornalzinho, que divulgava as atividades, o

Groove News. Ronaldo se tornou um paizão, um cara muito querido na cena,

acolhia todo mundo. Praticamente todas as bandas legais da época ensaiavam

lá. Tinha um trio de heavy metal que cheirava muito, derrubava uma garrafa

de (conhaque) Domecq em duas horas de ensaio.

O clima era tão bacana, que em certos dias o estúdio ficava ocupado com

doze horas de ensaio seguidas. E, mesmo quem não estava ensaiando, ficava

por lá, batendo papo e fazendo amizades. Quando o embrião do Planet

chegou lá para ensaiar, Skunk e Marcelo já tinham a ideia da banda na

cabeça.

CAPÍTULO 6

D2

Diferentemente dos outros integrantes do Planet, Marcelo Maldonado Peixoto

se tornou músico bem mais tarde. Nascido na tarde do domingo de 5 de

novembro de 1967, num hospital em São Cristóvão, ainda criança viu o pai

tomar algumas duras da polícia, lembranças que nunca se apagaram da

memória. Numa dessas enquadradas, a mãe, Paulete, estava grávida da sua

irmã, Carla. O pai, Dark, tinha esse nome porque quando ele nasceu os pais

achavam que seria uma menina e se chamaria Joana Dark, em homenagem à

heroína francesa e santa da Igreja católica, Joana d’Arc.

Apesar de ter sido criado num ambiente cuja trilha sonora predominante

era o samba, Marcelo nunca se esqueceu do show do James Brown, no

Rio [21]. Ele tinha apenas seis anos e foi ao seu primeiro show com o pai, o tio

e outros amigos, todos com cabelo black power, que era a moda da época.

Aos doze anos, seus pais se separaram e Marcelo ficou morando com a mãe,

no Andaraí, Zona Norte do Rio.

Durante a adolescência, Marcelo andava de skate, criava fanzines e

namorava bastante. Aos dezesseis anos, resolveu morar com o pai, no bairro

do Catete. Sonia Affini de Moraes morava com a avó, na rua Correia Dutra.

A sua tia era amiga de praia do Dark, que morava ali pertinho, na rua Bento

Lisboa. Foi assim que ela e Marcelo se conheceram. Ele tinha dezoito anos e

servia no quartel do exército, na Urca, Zona Sul carioca. “Um dia, o meu pai

brigou comigo, me trancou em casa e o Marcelo foi lá, meio que me pedindo

em casamento [risos]”, relembra Sonia.

Quando deu baixa no exército, arriscaram a sorte em Maringá, no norte do

Paraná, onde a família de Sonia tinha um negócio, mas não deu certo. Ao

voltarem para o Rio, dividiram um quitinete no Catete com o Dark. Seguindo

a intuição de mãe, Paulete alugou um pequeno apartamento no mesmo bairro,

para ficar mais próxima do filho.

A convivência tem sempre os dois lados. Dark começou a cobrar que o

filho “vagabundo” trabalhasse para ajudar nas contas e brincava que “para

comer ele era uma draga, mas para trabalhar era uma praga [22]”. Como ele

era chefe de departamento de pessoal numa imobiliária, ligou para uns

conhecidos e arrumou emprego de porteiro para o filho, em Copacabana.

Marcelo saía da boate Kitschnet no mesmo bairro e passava o resto do dia

dormindo na portaria do edifício, durante o expediente.

Quando o Stephan nasceu, Sonia tinha apenas dezenove anos e Marcelo,

vinte e um. Ele era vendedor numa loja de móveis quando se mudaram para

um pequeno apartamento no número 90 da rua do Catete, onde Paulete

morava de aluguel antes de comprar um imóvel. Ela repassou o contrato e

deixou o apartamento mobiliado para o filho e a nora. Pouco depois, Dark

descobriu um câncer de pulmão e se juntou à família. Enquanto esteve vivo,

foi um avô dedicado.

Foi nesse período que Marcelo e Skunk se conheceram. Cansado de ser

empregado, o mais novo pai do Catete comprou uma barraca de camelô no

bairro, onde vendia produtos contrabandeados do Paraguai, como relógios,

fitas cassete virgens, walkmans, vitaminas e brinquedos. Chegou a ter duas

barraquinhas, que lhe rendiam uma boa grana mensal.

Nessa época, gastava muito dinheiro em discos, camisetas e revistas de

skate e música, o que deixava Sonia aflita, já que tinham um bebê e várias

contas para pagar. O casal produzia fanzines de skate e frequentava

campeonatos. Sob pressão constante, o camelô começou a beber muito e

decidiu sair de casa.

Quando virou “patrão”, Marcelo começou a frequentar a Treze de Maio e

a conhecer um monte de gente ligada à música.

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Skunk tinha um amigo negro, alto e forte, que morava na Lapa e

estampava camisetas. O nome dele era Lincoln. Quando o Marcelo saiu de

casa, deixou as barraquinhas de muamba com a Sonia e começou a vender

essas camisetas do Lincoln (de bandas de punk e rock em geral) na rua Treze

de Maio, em frente ao Clube Bola Preta, no centro do Rio. Foi quando

começou a ouvir ainda mais música. Ele pegava os discos emprestados no

fim da tarde e os devolvia no dia seguinte. Envolvido pela atmosfera musical

do lugar, raspou e pintou o cabelo de roxo, o que lhe valeu o apelido

Genciano, em referência à violeta genciana, o tal corante com fins medicinais

utilizado para tingir o cabelo. Quando explodiu o grunge, todo mundo passou

a andar de camisa xadrez, ele inclusive.

A Treze de Maio era um lugar eclético: circulavam punks, headbangers,

grunges e a galera do rap, transformando o local num verdadeiro reduto

underground, onde rolava a informação. Era onde as pessoas encontravam os

melhores discos para comprar. Numa convivência pacífica, cada camelô

vendia um estilo de som. Tinha um varal enorme com camisetas e discos

pendurados em fios de nylon. Quem chegava logo virava amigo. Certo dia,

um cara de São Paulo chegou lá com um vinil duplo raríssimo e importado do

Dead Kennedys. Uma semana depois, todo mundo já tinha uma cópia em

cassete.

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Naqueles primeiros anos da década de 1990, a Lapa ainda era suja,

fedorenta e perigosa. As pessoas tinham medo de ir lá. Mas todos eram

aceitos, bebendo cachaça e pulando o muro do lendário Circo Voador. Uma

das bandas que tocava lá era o DeFalla, misturando rock e swing. Subversivo,

num dos shows o vocalista Edu K fixou umas linhas de tricô com cola Super

Bonder no cabelo, fazendo uma espécie de moicano maluco. Muitos artistas

moravam no bairro, em lofts ou repúblicas. O cineasta Jorge Mourão, por

exemplo, projetava filmes num loft na rua Taylor, com cachaça grátis.

A casa do Olmar, da banda Black Future, era uma espécie de “hotel de

malucos”, e o Skunk ia sempre para lá. Um dia, quando ele tocou a

campainha, quem abriu a porta foi o Jorge Brennand. A partir daí, se deram

tão bem, que pareciam amigos de infância, apesar de um ser quinze anos mais

velho que o outro. Também conhecido como Jorge Beatnik, conheceu a mãe

biológica do Skunk e ficou impressionado com a sua juventude. Passava

perfeitamente por uma irmã dois anos mais velha que o filho. Ela morava

num cortiço decadente com banheiros coletivos na Joaquim Silva, a mesma

rua onde ele morou em dois “hotéis para cavalheiros”.

Foi por intermédio do Skunk que o Marcelo conheceu Jorge Brennand. Os

três se aproximaram pela afinidade com a mesma turma. Tiveram empatia

imediata e se completavam. Marcelo gostava de jazz em geral, mas

especialmente de Dave Brubeck, e o Brennand contou a ele que os beatniks,

sobretudo Jack Kerouac, gostavam de declamar poesia durante os shows, nos

pequenos clubes de jazz. Ele achou muito legal e, de certa forma, acabou

fazendo isso, já que rap em inglês significa ritmo e poesia. Para o Ronaldo

Pereira, o Brennand era uma espécie de mentor intelectual do Marcelo: “Ele

era meio beatnik e escrevia uns contos eróticos fodas”.

Brennand também trabalhava como camelô, geralmente comercializando

produtos para crianças. Vendeu réguas de formas geométricas, espelho

mágico para desenhar, além de dente e nariz de palhaço. Numa época, o

Skunk trabalhou em algum lugar ligado à Caixa Econômica Federal, e

passava o dia afixando cartazes de prêmios e sorteios em casas lotéricas.

Andava sempre com um monte de cartazes e vários rolos de fitas adesiva –

com o que presenteava Brennand em sua barraquinha.

Quando Marcelo conheceu Skunk, ele tinha acabado de ser demitido desse

emprego: “Naquela época, não era tudo tão solitário, não se ouvia música

sozinho. A gente se reunia no quitinete do meu pai, lá no Catete, ou na casa

do Júnior, em Niterói. Sentava todo mundo junto pra fumar um e ouvir um

disco, compartilhando os sons”.

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Os amigos contam que Brennand vivia sujo, largado e exalando álcool,

como reza a cartilha dos beats. Virou uma espécie de guru para Marcelo e os

dois começaram a viver um dia após o outro, bastando vender mercadorias o

suficiente para comer um sanduíche de mortadela, dormir numa espelunca

qualquer e comprar bebida ou maconha.

Ambos gostavam da liberdade que a rua oferecia. Muito tempo depois, já

separada do Marcelo, quando as muambas acabaram, Sonia mudou-se com o

filho para a casa da mãe e do irmão, no bairro de Maria da Graça, na Zona

Norte, enquanto ele mergulhou na vida louca. Certa vez, ele e Brennand

dormiram sentados no banco da praça. Enquanto um dormia, o outro ficava

vigiando, num revezamento.

Sempre andando pelo centro da cidade, Marcelo chegou a tomar a sopa

que era distribuída na sede do Banco do Brasil para moradores de rua. Como

ele já frequentava a boate Basement, às vezes ia para a porta da balada e

ficava esperando até o Wilson Power sair, para dormir em sua casa. Foi o DJ

quem o apelidou de Benji, um cãozinho vira-lata e sem lar que ficou famoso

num filme de 1974.

O futuro vocalista do Planet Hemp frequentava ensaios da banda punk

Pacto Social e conheceu o vocalista Wladimir Palmeira [23]. Era uma época de

repressão policial e volta e meia a polícia dava uma dura nos camelôs do

centro. Quando começou a vender camisetas de bandas como Garotos Podres,

Dead Kennedys, The Clash, Beastie Boys e Led Zeppelin, ele conheceu o

Fábio Costa, dono do Garage Art Cult, que o convidou para vender as

camisetas nos shows que promovia por lá e dormir embaixo do palco.

Segundo Marcelo, Fábio gostava de death metal e era muito generoso.

Não ligava para dinheiro, não pensou numa vida longa, não tinha apego nem

plano de negócios, só queria que a parada funcionasse. Organizava um show

de sexta para comer no sábado. D2 sempre declarou sua gratidão ao fundador

do Garage, que praticamente deu a própria alma para o underground.

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Quando o camelô Marcelo Genciano descobriu a cena underground, a

noite carioca vivia um momento de transição. A primeira casa underground

dos anos 1980 foi o Crepúsculo de Cubatão, inaugurada num subsolo da

Barata Ribeiro, em Copacabana, no final de 1984, início de 1985, na esteira

do primeiro Rock in Rio. Resistiu por alguns anos, fechou e, tempos depois,

reabriu como Kitschinet – firme e forte até 1992.

Também em Copa, a Basement [24] foi outra que marcou época, reunindo

os alternativos entre 1989 e 1992 na famosa Galeria Alaska, conhecida como

point gay. Foi lá que o DJ Wilson Power introduziu o rap na noite carioca.

Como sempre foi tradição no Rio, a galera ficava bebendo do lado de fora

antes de entrar, nesse caso no boteco do Moacir. Quando o Wilson ou o

Amandio (DJ e dono da casa) passavam, a galera ficava assediando, pedindo

para entrar de graça. Quando era o Edinho na porta, ninguém falava nada,

cumprimentava e passava direto, sob protestos do DJ: “É por isso que o

underground não vai pra frente”.

Wilson e Edinho faziam a festa Rock Power, a única festa que tocava

desde as bandas de Seattle e os crossovers metal-eletrônicos até os ravers de

Manchester, as bandas seminais do Britpop e tudo o que era relevante das

décadas anteriores. Com isso, conseguiam reunir músicos dos anos 1980 e

das futuras bandas dos anos 1990, até artistas de outros segmentos. Edinho já

conhecia o Marcelo das barracas na Treze de Maio, onde comprava os discos

de vinil, mas implicava com o camelô porque ele nunca pagava para entrar

em festa alguma. Enquanto o Wilson e o Amandio curtiam o oba-oba, Edinho

negava o VIP porque achava injusto liberar para uns e não para outros.

Em 1991, foi inaugurada a Dr. Smith, na rua da Passagem, em Botafogo,

que sobreviveu até janeiro de 1996. A casa tinha telões com shows de rock e,

ao lado, um boteco que ficava lotado. Nesse início dos anos 1990, o DJ era o

grande influenciador da cena. Quando a Basement fechou, Edinho levou seus

discos para tocar na Dr. Smith, e ficou bastante associado ao nome da casa.

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Tentando dar um novo rumo para a sua vida, Sonia começou a trabalhar

como hostess na porta da Dr. Smith. Mas, naquele início dos anos 1990, ser

mãe solteira não era uma tarefa fácil. Um dia ela deu uma dura no Marcelo ao

amanhecer, na saída de uma boate em Copacabana:

“Foi ali na saída do túnel, perto do bairro Peixoto. Nesse dia, eu fiqueiconversando com o DJ Wilson Power, porque parecia que eu era uma mãedesnaturada, quando só eu sabia o que estava passando. Isso aconteceu umavez na Lapa também. Às vezes, dava 22h e ele não dormia, e eu precisandodormir pra trabalhar no dia seguinte. Foi barra pesada.

Eu estava muito chateada e até deprimida porque fazia muito tempo que oStephan não via o Marcelo. Ele chamava o pai e, quando acontecia de oMarcelo sumir, ele ficava triste, com febre, e isso me deixava enlouquecida.Mas era só encontrar o pai ou os amigos dele, que tivessem uma relaçãocom o Marcelo, que ele ficava feliz e melhorava.

Certa vez, o Skunk brigou comigo por isso e eu dizia que ele não sabia o queera ser mãe. Mas eu aprendi a gostar do Skunk. Ele era uma pessoa muito

difícil, mas de bom coração. A gente tinha altos arranca-rabos. As pessoasmais próximas diziam que, por a gente gostar da mesma pessoa (Marcelo),nunca iria dar certo. Claro que no início eu fiquei chocada com essa coisa deo Marcelo querer ser cantor.

Quando nos separamos, o Marcelo disse pra mim: ‘Espera, que eu vouvoltar rico pra buscar você e o Stephan’. Eu ri e brinquei dizendo que elenão cantava nem no chuveiro [risos]: ‘Então, quer dizer que você acordouquerendo ser cantor, vai ali na esquina e volta rico e famoso?’. Ele ficouchateado, passamos até um tempo sem nos falar direito. Eu tenho muitoorgulho do grande artista que ele se tornou”.

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Enquanto isso, a cena underground carioca seguia em frente. Para quem

tinha banda, a melhor novidade foi o Garage, na praça da Bandeira. A casa

começou em 1989 como uma espécie de cineclube para exibir vídeos para os

órfãos do bar Caverna, ao lado do Canecão, que estava em decadência. Dois

anos depois, em 31 de agosto de 1991, um dos sócios, o tricolor Fábio da

Costa Baptista (sócio da torcida Young Flu), inaugurou um palco para shows.

Retrocedendo um pouquinho no tempo, a história começou assim: Fábio

era torneiro mecânico e tinha uma equipe de eventos musicais de rock, em

Cascadura, com um sócio, e foi assim que conheceu o amigo e parceiro

“Ozzy”. Quando a equipe acabou, ele foi trabalhar com Raul no Caverna 1,

num cemitério em São João de Meriti. Seis meses depois, fecharam a casa e o

Raul abriu o Caverna 2, em Botafogo, em 1984, com um salão de heavy

metal e outro de power metal. Um tempo depois, Fábio saiu de lá e se afastou

por uns três anos.

Quando o Hans Junior abriu o Garage, num casarão decrépito, a ideia era

exibir vídeos. Foi o Fábio quem colocou pilha para organizarem shows

também. Uma parte da renda com as apresentações de bandas ia para o

Motoclube do Brasil, proprietário do imóvel, e que durante o dia usava o

espaço como oficina. Costa não tinha medo de arriscar e passou vários

cheques pré-datados para a madeireira que funcionava ali em frente, comprou

as tábuas e construiu ele mesmo (com ajuda de alguns amigos) um palco.

Três bandas de metal tiveram a honra de pisar nele pela primeira vez:

Anchluss, Dementia e Endoparasites.

Após três shows, ele conseguiu a grana e pagou as madeiras. Mas o Hans

ficou desapontado, achou que mais gente frequentaria a casa, o que seria

fundamental para conseguir pagar as despesas. Então, decidiu chutar o balde.

Um belo dia, o Fábio chegou lá e o Hans tinha levado tudo, não deixou nem

um metro de fio no Garage. Em paralelo, Fábio e amigos organizaram shows

em outros locais. Um evento lendário foi com os alemães do Kreator, em

1992, colocando cinco mil pessoas na quadra da Estácio de Sá. Foi a primeira

turnê deles pelo Brasil, passando por Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, Brasília e São Paulo.

O Garage foi um projeto de vida daquele idealista incorrigível. O trabalho

era duro: os shows aconteciam à noite e, logo depois, ele tinha que limpar a

casa toda, para que a oficina de motocicletas pudesse receber os clientes pela

manhã. Ele ralava muito para ganhar menos do que o salário de um torneiro

mecânico. Ele passou por bons e maus momentos, inclusive fechando a porta

em alguns períodos. No início de 1994, ele já demonstrava uma certa

decepção: “Você dá vinte ingressos pra banda vender um mês antes do show

e, no dia, o cara chega com apenas três vendidos” [25]. A venda antecipada

não era uma condição, mas evidenciava um problema crônico da cena, que

perdura até os dias de hoje. Aos trancos e barrancos, o Garage resistiu por

vinte anos e mereceria um livro só para ele.

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Setembro de 1991. Na periferia de Osasco, em São Paulo, o jovem

Rodrigo Brandão fazia cursinho pré-vestibular, bebia todo dia de manhã e

vivia uma vida sem perspectivas:

“Aí, um cara que faria o papel do sacerdote numa peça de teatro rock deupra trás e a galera me convidou. Topei e mudei para o Rio, onde morei comum casal, na rua Paula Freitas, em Copacabana. Eu lembro que a gentecombinou de ir ao show do DeFalla, no Garage, na sexta-feira à noite, e, delá, iríamos direto até a rodoviária para ver o Public Enemy tocar no sábado,em São Paulo [26].

Só que chegamos cedo, o DeFalla ainda estava passando o som, e fomos proboteco. Nisso, chegou um maluquinho com um paninho cheio de bottons.Eu me amarrei no [botton] que tinha uma foto do Red Hot Chili Pepperscom os caras de luvas e sem camisa. O problema é que eu tinha, tipo, dezcruzeiros, o botton custava cinco e eu precisava de dinheiro pra beber epegar o ônibus pra rodoviária. Aí, ele falou assim: guarda o dinheiro doônibus, me dá o resto que eu te dou o botton e puxo uma cerveja pra nós.Firmeza! Era o Marcelo.

Ficamos um tempão trocando ideia sobre som, e então a galera chegou.Fumamos um e foi legal pra caralho. Aí, eu convidei o Marcelo pra ir napeça, lá no Caverna, e ele foi mesmo! Chegou lá com um patch do Jane’sAddiction de presente pra mim, e ainda assistiu à porra da peça. Era teatro

rock com Slayer e uma trilha sonora pesada. Essa foi a minha única vez noteatro”.

A partir desse dia, Rodrigo e Marcelo viraram grandes amigos. Mais

adiante, um ajudaria muito o outro. Um como VJ da MTV e o outro como

vocalista de uma das maiores bandas de rock do Brasil.

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Em 1990, o surfista punk Dadá Figueiredo [27] levara doze facadas

desferidas por skinheads quando saía de uma loja de discos, em Copacabana,

e quase morreu. As brigas entre punks e carecas eram constantes, no Rio e em

São Paulo. Dois anos depois, em 23 de setembro de 1992, Marcelo vendia as

suas camisetas do lado de fora do Canecão. Nessa noite, quem tocava na casa

de shows de Botafogo eram os Ramones, no lendário show que acabou em

confusão quando os carecas soltaram uma bomba de gás lacrimogêneo bem

no começo da música “Rock ‘n’ Roll High School”.

Com o tumulto, o público saiu correndo para a rua. Quando a situação se

acalmou, as pessoas voltaram e Marcelo entrou no bolo, sem pagar ingresso.

Por essas coincidências da vida, Skunk, Carlos Rasta e Brennand também

estavam lá. Eles viram o mesmo histórico show, no mesmo lugar, e seria

questão de (pouco) tempo até se conhecerem.

Um mês depois, o DeFalla tocou no Circo Voador na fatídica “Noite do

Homem Elefante”. Já havia uma cena pujante no underground,

principalmente na Zona Norte, na Zona Oeste e na Baixada. A banda que

abriu a noite, o Poindexter, era de lá. O vocalista, Vital, se recorda de Skunk

improvisando um rap no meio de uma música do DeFalla e de Marcelo

fazendo coro numa outra música e, depois, dando um mosh. Mais uma vez as

duas vozes do Planet Hemp estavam no mesmo lugar, mas ainda não eram

amigos. Uma semana depois, o Cold Turkey tocou no Garage e é bem

provável que Marcelo tenha assistido ao show do Rafael Crespo, futuro

guitarrista do Planet.

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A história de como os dois vocalistas do Planet Hemp se conheceram é

bastante popular. Eles se esbarraram na rua e, ao olhar para a camiseta do

Dead Kennedys que Marcelo usava, Skunk perguntou se ele gostava mesmo

da banda e começou a testá-lo, perguntando sobre músicas e discos. Skunk

era assim mesmo, abusado, sem-vergonha e cara de pau, um perfeito relações

públicas. Nesse dia, ele emprestou para o cara que nunca tinha visto antes

uma fita da banda Dread Flimstone and the Modern Tone Age Family,

provavelmente o álbum From the Ghetto (1991). O som era uma mistura de

reggae com jazz e Skunk se inspirava muito nos negros que faziam boa

música. Eles se despediram e combinaram de se encontrar no dia seguinte, lá

na Treze de Maio.

Skunk e Marcelo viraram unha e carne, estavam sempre juntos. Foi Skunk

quem levou o parceiro para conhecer o bar do Ivanovich, um misto de boteco

e mercearia que vendia uma cachaça num filtro de barro, cheio de casca de

árvore dentro, de onde saía um líquido avermelhado. A cana tinha até nome

de santa: Nossa Senhora dos Remédios. Custava um real para encher uma

garrafa. A birosca ficava na rua do Rezende, quase esquina com a rua André

Cavalcanti, no coração da Lapa, onde Marcelo foi apresentado a Carlos

Rasta, Tantão e tantos outros. Apesar de estar sempre tocando Beatles no

estabelecimento, foi Ivanovich quem falou de rap para a dupla.

Skunk se preocupava muito com a saúde do velho Brennand. Às vezes,

dava um trocado e, para garantir que o coroa não gastaria com cachaça, o

acompanhava até o bar do Ivanovich para garantir que comeria a famosa sopa

de ervilha. Entre uma pinga e outra, Skunk conheceu Jôse, Josei ou Josi, não

se sabe ao certo o nome de guerra. De dia, José era recepcionista num

laboratório de análises clínicas, e à noite se vestia de mulher, mas não

conseguia se prostituir. Um dia, ele foi trabalhar vestido de mulher e ninguém

falou nada.

Os mais íntimos contam que Skunk era sexualmente aberto, experimentava

tudo, gostava de homens e mulheres. Nunca se descobriu exatamente a

relação entre ele e a travesti, pois ele conversava e tinha uma boa relação com

várias travestis. Mas essa, em especial, sempre o convidava para comer

alguma coisa ou fumar um beck no hotel onde ela morava, ali, na Lapa. A

prostituição comia solta e o pessoal brincava que dava para pegar AIDS só de

respirar. A vida do Skunk era a música, só depois que ele descobriu a doença

(que não contou para ninguém) é que começou a beber muito, fumar

maconha e a cheirar cocaína – o que o deixava muito, muito mal.

Quando atingiram um grau maior de confiança, Skunk contou para

Marcelo que era filho de uma empregada doméstica e o levou para conhecer

o quartinho, numa casinha simples onde vivia a sua verdadeira mãe, na rua

Joaquim Silva. Certa vez, a polícia bateu lá e “achou” cem gramas de

maconha do Skunk. Além de ficar detido por alguns dias, os PMs levaram a

sua TV e o videocassete com os quais gravava shows e videoclipes. Isso foi,

certamente, o que mais o entristeceu. Aquela era a sua porta de entrada para o

mundo, a sua internet.

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Quando começaram a andar juntos, Marcelo e Skunk ouviam bandas como

Sonic Youth, Smashing Pumpkins e Mudhoney. Para Marcelo, não importava

o sucesso, e sim “estar rolando”. Como nenhum dos dois sabia inglês,

aprendiam na marra, lendo revistas estrangeiras com um dicionário ao lado.

Ele lembra até hoje o dia em que falaram em fazer um som juntos, caindo

mais para o rock:

“A ideia de fazer uma banda séria, pra gente, já era bastante divertido.

Fazer música mandando a polícia tomar no cu, sabe? Nossa visão era

consertar o mundo de outra maneira, não era tão séria como os Racionais

[MC’s]. Graças a ele [Skunk], eu conheci uma galera maneira e começou

aquela vida de rock star, repleta de baladas, garotas, drogas, pessoas

interessantes e música boa. Mas, melhor do que viver a parada, é sonhar a

parada”.

Quando a dupla descobriu o rap, criavam as próprias bases, executando os

discos ou fitas originais e, ao mesmo tempo, voltando e gravando num

cassete. Voltando e gravando, voltando e gravando, até extrair pequenos

trechos da parte instrumental. Uma das músicas sampleadas foi

“Lovesong” [28], do The Cure.

Com a primeira fitinha em mãos, os dois foram até a boate Mariuzinn, e

Skunk pediu ao DJ Zezinho para tocar. Eles iriam cantar juntos com um

único microfone. As pessoas estavam dançando na pista com o som bonito do

vinil quando, de repente, entrou aquela fita cassete com o som baixo e

abafado, e os dois cantando. Erraram a letra toda, mas arrancaram alguns

aplausos. Tinham uma sintonia absurda, cantando como se estivessem

conversando entre eles.

A nova dupla procurava encontrar o seu lugar, a sua turma. Eles não

queriam fazer um rap muito politizado nem o discurso dos negros no poder.

Estava mais para um rap de doidão, uma mistura de Public Enemy, Beastie

Boys, House of Pain, Ice-T e Cypress Hill. Os dois assistiam à TV a cabo na

casa do amigo Dinho, que morava na rua da Glória. Mais abastado, ele criava

cobras, tinha uma bateria eletrônica e um closet onde os amigos entravam

para fumar maconha. Foi ele quem emprestou a camisa aerografada do Ice-T

para Marcelo fazer um show.

As primeiras letras eram em inglês e a dupla chegou a ter três nomes

provisórios: The Bullets Are Not Made Of Sugar, Phunky Budha e Black

Enough For You – esse último inspirado no grupo norte-americano de rap

N.W.A. Foi o amigo Brennand – que chegou a traduzir algumas letras para o

idioma estrangeiro – quem insistiu para que cantassem em português.

Quando o primeiro disco do Cypress Hill [29] foi lançado e fez muito

sucesso, Skunk disse que era necessário falar sobre aquilo no Brasil também,

“porque a maconha ainda iria mudar muita coisa!”. A primeira letra no

idioma nativo foi “Legalize já”. O nome Planet Hemp foi retirado de um

anúncio na revista High Times, também conhecida como a “bíblia da

cannabis”. Era o nome de uma loja que, inclusive, patrocinava a famosa

Cannabis Cup. Antes mesmo de ter a banda, os dois ficavam cantando suas

letras e pensando em como seriam os videoclipes.

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Uma vez, Marcelo chamou o amigo Rogério Lourenço para fazer uma foto

da dupla de MCs nas celas desativadas no prédio do antigo Dops [30],

habitadas por mendigos. Na maior cara de pau, os três foram entrando com

uma câmera na mão, naquele cenário de prisão antiga, com as paredes

rabiscadas. E ficaram lá um tempão, fazendo poses e fotografando. Skunk

queria muito viver a vida de um astro, com direito a festas, shows, sessões de

fotos e coletivas de imprensa.

Como Batman & Robin, os dois MCs estavam sempre juntos, a ponto de

Luís ter ciúmes das namoradas de Marcelo. Como o D2 era sedutor e

mulherengo, fazia sucesso com as garotas, enquanto Skunk não tinha o

mesmo desempenho. Luís era conhecido como uma pessoa vaidosa, mutante

e perfumada. O camaleão negro da noite carioca mudava o estilo a todo

momento.

Foi punk, depois new wave, rockabilly e, finalmente, rapper. Nessa época,

os dois bebiam muito, mas reagiam de maneira diferente. Marcelo, magrelo e

de bigodinho, era mais sentimental e, às vezes, chorava. Skunk era o palhaço,

o cara que alegrava os outros para ficar com a sua própria tristeza.

O apelido D2 saiu de um brinquedo do Stephan, que estava com dois anos

de idade. Marcelo colocou a peça de plástico com o número 2 num fio e

pendurou no pescoço. D2 é uma gíria para dar duas tragadas no beck. Os dois

usavam brincos no nariz, mas Skunk chamava Marcelo de burguês porque ele

se preocupava em conseguir grana para bancar as despesas do Stephan.

Nessa mesma época, Jorge Brennand também ganhou um novo apelido, e

assim nasceu a dupla Marcelo D2 e Jorge D4, porque ficavam sempre

bêbados, caindo de quatro pela rua.

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Por conta dos seus dreadlocks, Carlos Ferreira Silva ganhou o apelido de

Carlos Rasta. Ele conheceu Skunk em 1985 e, em seguida, toda a sua turma:

Tantão, Formigão, Dida e Come-Planta. No início dos anos 1990, Rasta

começou a estudar na faculdade Hélio Alonso, em Botafogo. Skunk já havia

lhe apresentado para Marcelo, e na faculdade ele reencontrou Rafael Crespo.

Como já era hábito, os alunos da Facha lotavam uma rua nos arredores, a

Farani, repleta de bares. Um dia, Carlos marcou um encontro ali com D2 e o

levou para um ensaio do Cold Turkey, a banda de Rafael e Sandra. Foi

quando os dois foram apresentados.

Pouca gente sabe, mas Carlos Rasta foi um dos primeiros a testemunhar o

início da banda. Skunk o convidou para participar, mas como era tímido, não

se sentia seguro no palco nem escrevia as letras, preferia apenas acompanhar

os ensaios e ajudar como roadie.

Nas primeiras fotos profissionais de divulgação, tiradas pela Daniela

Dacorso, com um pano cheio de folhas de maconha ao fundo, ele está junto

com a banda. É o único de dreads, afinal, para Skunk, o mais importante era

o visual. Ficou conhecido como o guru da banda, sendo, na verdade, um

amigo bem próximo. Acompanhou tudo de perto até 1994. Com a morte do

querido Skunk, ele cortou o cordão umbilical e seguiu o seu caminho.

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Nessa fase embrionária do que seria o Planet Hemp, Marcelo ficou muito

amigo da Elza Cohen. De todos da banda, era com ele que ela se identificava

mais:

“Nós tínhamos ideias parecidas, era como se ele fosse meu irmão. OStephan ficava brincando comigo a noite toda, como se fosse meu filho. Eleera bem pequeno, tinha os cabelos loirinhos e encaracolados, um anjinho.Às vezes, a gente ia dormir às quatro da manhã [risos].

Nessa época, eu trabalhava numa imobiliária e tinha um chefe dodepartamento pessoal que me protegia pra caramba contra uma mulhergrossa de lá: ‘Tenha paciência, ela não tem malícia, ela veio do interior’.Passou o tempo, nunca mais trabalhei em imobiliária e o Marcelo foi morarlá em casa.

Um dia, a gente estava sem grana pra comer e ele sugeriu irmos comer nacasa do pai dele, no Catete. Quando eu cheguei lá, era o Dark: o meu ex-chefe era o pai do Marcelo! De lá fomos para a casa da Paulete, almoçarcoxinhas de frango. Foi aí que eu conheci a Carla e o Lenin, a Tuannypequenininha. [Foi aí] que eu entrei pra família”.

Elza e Marcelo trabalharam na mesma imobiliária, como o seu Dark, mas

preferiram apostar em seus projetos autorais com música. Eles ainda não

sabiam, mas Elza Cohen e Marcelo D2 teriam os seus nomes escritos na

história do rock nacional. Uma nova cena independente estava nascendo no

Brasil, e o Rio de Janeiro pulsava de tanta energia. Se quem faz uma cena são

as bandas, naquele momento muitas estavam nascendo.

David Corcos dá um stage dive pra cima do Bacalhau no ônibus do Planet Hemp, em 1994. Acervopessoal de Bacalhau.

Skunk com as amigas Patricia e Vanessa durante a festa de Natal de 1987, na casa do Mauricio Garcia,no Leme. Acervo pessoal de Mauricio Garcia.

Marcelo D2 e Mariana Vitarelli durante a viagem para o show do Planet no festival SuperDemo, emSão Paulo (1994). Foto: Elza Cohen.

Carlos Eduardo Miranda dando uma ideia em Rafael, Skunk, Speed e D2 durante festa da revistaGeneral, na Dr. Smith, em 1993. Acervo pessoal de Elza Cohen.

CAPÍTULO 7

ENCONTROS E REENCONTROS

O ano de 1993 foi excitante. A cena musical começava a ferver novamente,

com gente nova fazendo e acontecendo. Ninguém sabia o que era, mas todo

mundo queria participar de alguma maneira. Existia a MTV, as revistas

nacionais, as rádios e os fanzines, que divulgavam bandas novas. Com a

explosão do grunge, as grandes gravadoras buscavam nomes que pudessem

trazer frescor e lucros.

Inspiração não faltava. Em janeiro, o festival Hollywood Rock colocou na

Praça da Apoteose grandes nomes do momento, como Nirvana, L7, Red Hot

Chili Peppers e Alice in Chains. Os heróis do DeFalla também estavam lá.

Esse show foi um divisor de águas na carreira do vocalista Edu K: “Quando

eu fiz aquele mise-em-scène no Hollywood Rock 93, tocando de cabelo rosa,

o meu plano era o obituário do DeFalla. Aquele show é um catálogo de todas

as coisas que a gente fez na banda, por isso é muito foda. Uma hora eu estava

de peruca, uma hora com uma meia no pau, tocamos ‘Give it Away’ [do

RHCP], eu usei um collant cor-de-rosa colado no corpo. A gente era

alienígena na própria cena underground, não ganhava dinheiro, só se fodia”.

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Nessa mesma época, Rafael terminou o relacionamento com a Sandra,

com quem morava em São Paulo e dividia uma banda, o Cold Turkey. Ele

tinha ficado dois anos fora e, ao retornar, percebeu o quanto o Rio de Janeiro

havia mudado. Uma das primeiras coisas que ele fez, claro, foi entrar numa

banda. A convite do Wilson Power, com quem tocara no In Kollapse, o

guitarrista foi ensaiar no estúdio Groove com o novo grupo, formado também

pelo vocalista Gustavo Santoro (ex-Explicit Hate), o baixista Olmar Jr. (ex-

Black Future) e Fernando Kamache, então do Second Come, na outra

guitarra. No primeiro ensaio, fizeram três músicas, uma de cada estilo

diferente. Como não havia uma identidade, nos ensaios seguintes, Fernando

saiu. O quarteto remanescente começou a desenvolver uma sonoridade

fortemente calcada nos anos 1970, com muitas influências de Stooges, Black

Sabbath, The Doors e Jimi Hendrix.

Um mês depois de ser formada, a banda fez o seu primeiro show, no

antigo Der Tempel, na rua Augusta, em São Paulo. Precisavam de um nome

e, depois de alguma discussão, escolheram Dogs in Orbit. Não demorou e o

Ronaldo, dono do estúdio, convidou os quatro para gravar uma fita demo

pelo selo Groove e, futuramente, para participar de uma coletânea. Mas logo

começaram a surgir algumas tensões entre os integrantes da banda, o que

culminou numa briga feia em pleno estúdio, no dia da gravação, e Rafael

saiu.

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No verão de 1993, o Groove era o ponto de encontro, onde músicos de

toda a cidade iam para tomar cerveja, fumar um beck, levar um som e jogar

conversa fora. Tinha uma birosca no início da rua e uma boca de fumo no

final. O Germany (que tempos depois seria técnico de monitor do Planet)

ensaiava lá com a banda Os Culhões e lembra que as pessoas iam se

conhecendo entre um ensaio e outro. Ah, claro, e toda banda que chegava por

lá, precisando de um baixista, pegava o Formigão para tocar. Numa dessas, o

Dash começou a ensaiar por lá e agradou ao Ronaldo.

A história do Dash começou num estúdio em Botafogo, quando o

guitarrista Robinson (Crusoé) reuniu uma galera para tocar no que seria o

Running Noses: Marie na bateria, Simone (ex-Squonks) na guitarra e

Formigão no baixo. Quando gravaram a primeira demo, preferiram convidar

o Kadu, pois ele era baterista do Second Come e tinha mais experiência. Ele

não apenas “roubou” a vaga da Marie como também sugeriu que tivessem

mais um guitarrista. Pouco tempo depois, o próprio Robinson saiu e as

guitarras ficaram com Diba e Simone, que era também a vocalista.

O Dash foi uma das bandas mais promissoras do Rio naquele ano. No

primeiro e único CD da banda, concluído em 1994, Marcelo D2 fez backing

vocal em “Tetsuo”, e Rafael e Bacalhau tocaram em “Red Cars”. Produzido

pelo Ronaldo, com letras em inglês e até em japonês, o disco contava com a

seguinte formação: Simone do Valle, no vocal e na guitarra; Diba, na outra

guitarra; Kadu, na bateria; e Formigão, no baixo. Quando o Planet começou a

bombar, Formiga foi “expulso” dando lugar ao André X (Plebe Rude) e,

depois, ao Donida. Como a Simone começou a faltar a vários ensaios, o Dash

virou o Matanza. Mas isso é assunto para outro livro.

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Nascido em 26 de outubro de 1973, Bernardo Ferreira Gomes dos Santos

começou cedo. Ainda na escola, participou da banda Perfeição Nenhuma

Small Band e Engenharia de Som Ltda, mesclando influências de punk e

música eletrônica. Em 1990, começou a cantar no Missed in Action, de

Niterói, com Eduardo, na bateria; Alberto Lohmann, no baixo; e Rogério

Rodrigues, na guitarra. Até 1995, quando o grupo existiu, gravaram dez

músicas avulsas [31], que nunca constituíram de fato uma demo. Cinco delas

foram captadas ao vivo em 1992, durante um show no bar Blue Jeans, em

Botafogo, inclusive o medley de “Surfin’ Bird” (Trashmen) e “Anarchy In

The U.K.” (Sex Pistols).

Como estava sempre na rádio Fluminense FM, Bê ajudava os

apresentadores Tom Leão e André X atendendo ao telefone no programa Hell

Radio, que tocou as músicas da banda. O seu apelido era Bernardão Erótico.

Apesar de a qualidade da gravação deixar a desejar, servem para ouvir

BNegão cantando em inglês com um estilo vocal muito mais parecido com o

qual ficou conhecido. Paralelamente, Bernardo também cantava no Juliete, ao

lado de Junior Tostói (guitarra), Bruno Migiliari (baixo) e Wig (bateria). No

verão de 1994, gravaram a primeira demo (homônima) com apenas cinco

músicas. Chegaram a participar do programa Básico instinto, apresentado por

Fausto Fawcett, na Band, onde Bê cantou músicas próprias e uma versão de

“I am the Walrus”, dos Beatles. Em 1995, o Juliete lançou a segunda demo,

já sem Bernardo, com César Nine em seu lugar.

Por volta de abril de 1993, BNegão e oito amigos do bairro de Santa

Teresa formaram uma banda para participar de um sarau de colégios no Circo

Voador: nascia o grupo The Funk Fuckers. Os vocalistas eram Bernardo e seu

irmão Léo. Apesar de ter por volta de dezoito anos, Bê já conhecia Skunk,

que chegou lá com o Marcelo, e ficaram conversando pela grade. Foi nesse

dia que os dois foram apresentados, com um muro entre eles. Bastante

simbólico.

Logo depois, também do lado de fora do Circo Voador, chegou o

Formigão, que já conhecia o Bernardo, lá do Garage. Skunk perguntou se era

possível colocá-los para dentro de graça. Diante da negativa, pularam o muro

e saíram correndo, fugindo dos seguranças.

No terceiro show do Funk Fuckers, no Espaço Cultural Sérgio Porto,

Skunk participou de uma música. Foi quando nasceu “Skunk Jammin’”, que

acabaria gravada na primeira fita demo (1995) e no primeiro e único CD.

Quase dez anos depois, em carreira solo, imerso no espiritismo e no budismo,

BNegão declarou que achava que era da “equipe da destruição do mundo”,

mas só depois entendeu que estava na equipe da construção [32].

Na opinião do Ronaldo, “o Funk Fuckers tinha tudo para acontecer, mas

rolava na mesma época que o Planet e acho que o mercado não absorvia as

duas [bandas]”.

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Gustavo Black tinha 15 anos quando conheceu Cláudio Speed e Althayr

Júnior (o DJ Rodrigues), na ocasião do lançamento da coletânea Hip-Hop

cultura de rua (1988). Cinco anos depois, os três se juntaram num único

grupo, o Speedfreaks, inspirado num vídeo de skate da marca norte-

americana Santa Cruz. No início dos anos 1990, eles não tinham muitas

referências de rap no Brasil, além de Thaíde e dos Racionais MC’s, que

moravam em São Paulo. Num show na Concha Acústica de Niterói, Gustavo

e Speed conheceram o Gabriel O Pensador, o primeiro MC a atingir as

massas, e conversaram sobre a Boogie Down Productions [33].

Num réveillon, Black e Speed estavam no Groove e alguém precisava ir à

boca de fumo comprar as paradas. Sobrou para o Gustavo. Enquanto ele

aguardava na “fila”, um indivíduo muito louco se desentendeu com os

traficantes e começou a rolar tiro. Gustavo conseguiu pegar as encomendas e

saiu correndo, em zigue-zague. Foi quando o Speed batizou o parceiro como

Bulletproof, à prova de balas.

Em março de 1993, o DeFalla se apresentou em duas noites no Circo

Voador, cada uma com duas bandas locais diferentes. E a crew baixou em

peso. Na verdade, chegavam para a passagem de som e ficavam direto. Na

hora do show, Marcelo e Skunk estavam lá no gargarejo. D2 conseguiu,

inclusive, subir no palco para fazer coro numa música e sentiu o gostinho do

sucesso.

O Gustavo, que já conhecia o Skunk das noites no Kitschinet, foi então

apresentado a D2, que usava uma camisa do James Brown pintada à mão

(possivelmente produzida pelo Tantão). Aos três se juntou o Speed – que

também já conhecia o Skunk –, e assistiram ao show juntos. Essa foi a

primeira vez que Gustavo entrou num camarim, conheceu o Edu K, cantou

para ele e bebeu da sua cerveja [34].

Aliás, um parêntese: foi Speed quem ensinou para o Black e também para

o D2 a fazer “cara de artista” para entrar de graça nos eventos ou nos

camarins. Na primeira vez, Speed virou para o Marcelo e disse para ele

encher o peito, fazer cara de artista e passar direto pelos seguranças.

Funcionou. Dali em diante a estratégia se repetiu inúmeras vezes [35].

Numa das duas noites no Circo, o Rafael apareceu no camarim, dizendo

que estava morando no Rio novamente, e apresentou o Marcelo D2 e o Skunk

para os caras da banda. Ele também mencionou que estavam pensando em

fazer uma banda, inspirada no DeFalla, cujo nome seria, talvez, Planet Hemp.

O guitarrista Castor disse que a banda fumava o tempo todo, mas falava

pouco disso nas músicas, que eram sempre em inglês, o que dificultava o

entendimento popular: “Acho que eles [Planet Hemp] sacaram um gancho

legal para explorar, até porque era um hábito nosso tão normal, que a gente

nem pensava muito sobre isso”.

Assim como D2 e Skunk eram vagabonds profissionais, Gustavo pulava

de um emprego para o outro e só queria saber de noitada. Pouco tempo

depois, ele conheceu a galera do Planet Hemp e, daí em diante, Black Alien

& Speed se encontravam com eles duas ou três vezes por semana.

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Depois de sair do Dogs in Orbit, Rafael voltou a estudar inglês e retomou

a faculdade. Também reencontrou o amigo Formigão, dos tempos do In

Kollapse, que chamou a Chris (com quem ele tocou no Eutanásia) para levar

um som. A banda começou a ensaiar, mas não era fácil encontrar um bom

baterista. Num desses ensaios frustrados em que o baterista não foi, apareceu

o Carlos Rasta, seu amigo da Facha, e que sempre estava com uma camiseta

do Black Flag. Nesse dia, Carlos levou um amigo dele junto, o Marcelo.

Os dois já tinham se cruzado na noite carioca, mas nunca haviam trocado

uma ideia. Dessa vez, ficaram improvisando no estúdio, até que D2 pegou o

microfone e começou a cantar um rap em cima de uma base. Ao fim do

ensaio, foram tomar uma cerveja e o vocalista contou que estava tentando

montar uma banda com o Skunk. E, claro, convidou o guitarrista para tocar

com eles.

Marcelo e Skunk queriam samplear músicas – como “Siva”, do Smashing

Pumpkins – de bandas das quais gostavam, e fazer rap com elas. Porém,

como não tinham os equipamentos, achavam que o Rafael podia tocar tudo

isso na guitarra. Trocaram telefones e ficaram de marcar um ensaio. Marcelo

estava muito impressionado com a atitude e o visual do Rafael, que tinha

acabado de voltar de uma temporada em São Paulo e estava em sua melhor

forma.

Alguns dias depois, Marcelo ligou para marcar um ensaio, e Rafael

convocou o amigo Márcio para tocar bateria, que acabou desmarcando na

véspera. D2 explicou que o Skunk estava doente – sequer desconfiavam que

era AIDS –, mas decidiu manter o encontro. No dia marcado, Rafael chegou

ao estúdio na praça Mauá e encontrou Marcelo, Dinho (que ajudaria nos

vocais), um baixista chamado Alexandre e o Jorge Brennand, que ele já

conhecia. D2 levou uma fita cassete com umas bases de bateria eletrônica

pré-gravadas, pois a sua ideia era fazer uma banda de rap misturado com

samba e bossa-nova.

Quando o Rafael começou a tocar guitarra usando bastante os pedais, o

baixista começou imediatamente a esboçar um ar de contrariedade e

desaprovação. Graças à empolgação contagiante de Brennand, que fez o

papel de maestro, o ensaio seguiu até o fim. De lá, foram tomar uma cerveja,

animados com o resultado, ainda que a proposta inicial tivesse sido

devidamente desvirtuada. E começaram imediatamente a procurar um

baterista e um baixista. Nesse meio tempo, Formigão reencontrou o seu bom

e velho amigo de adolescência Skunk, que já estava interessado em hip-hop.

Nesse dia, o baixista falou para o amigo sobre o Groove, e que se quisesse

encontrá-lo bastava dar um pulo por lá, onde ele batia ponto diariamente.

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Apesar de estar estabelecido no Rio, Rafael foi a São Paulo, reencontrou a

ex-namorada (Sandra) e eles retomaram o relacionamento. Dessa vez, cada

um em sua cidade. O Cold Turkey continuava fazendo muitos shows e foi

convidado para tocar num grande festival, em Assis, interior de São Paulo,

com direito a transporte, alimentação, hospedagem e um pequeno cachê. O

problema é que o baixista oficial tinha compromisso no dia e eles estavam

inseguros com o substituto. Rafael concordou em ir até lá e tocar com a sua

antiga banda.

Marcelo não via a hora de fazer o seu próprio show e, aproveitando que

estava sempre no Garage, pediu ao Fábio para agendar uma data. O amigo

disse que havia uma vaga para dali a duas semanas. Só que a banda tinha

feito apenas um ensaio e sequer tinha baixista e baterista! Como morava

próximo ao Groove, Rafael foi até lá e pediu uma indicação para o Ronaldo,

que lhe deu o telefone do Bacalhau – que cursava faculdade de administração

–, o plano B, caso nada desse certo na música. Para o baixo, pensou no

sempre disponível Formigão.

Após alguns desencontros, enfim todos conseguiram se reunir num mesmo

dia no Groove. Rafael, Bacalhau e Formigão já estavam no estúdio quando

Marcelo e Skunk chegaram. Eles já tinham algumas letras, como “Legalize

já” e “Puta disfarçada”. A verdade é que os dois queriam mesmo era fazer

uma dupla de rap, mas como não tinham o equipamento nem DJ, toparam

tocar com uma banda de rock. Os ensaios do Planet eram uma grande festa,

uma salada musical regada a drogas e álcool. Mas que funcionava muito bem.

Em uma semana, com apenas dois ensaios, a banda tinha seis músicas

prontas. No primeiro, saíram “Puta disfarçada”, “Phunky Budda” e “Terceiro

mundo”. No segundo, “Porcos fardados”, “A culpa é de quem?” e “Futuro do

país”.

Desde o início, as funções eram bem definidas. Marcelo tinha o carisma,

enquanto Skunk cuidava das relações públicas, mas ambos davam muita

importância para a imagem e escreviam as letras. Formigão era muito louco,

inclusive faltava aos ensaios, e Rafael era o mais presente. D2 era muito livre,

gostava de viver na rua, solto por aí. Ele e Rafael organizavam as músicas.

Porém, os dois já tinham divergências musicais, uma vez que o guitarrista já

tinha tido uma “banda séria” e gostava mais de rock alternativo do que de

hip-hop. Os vocalistas tinham uma veia mais do rap, e os instrumentistas

eram os roqueiros.

Muito criativo nas composições, Rafael era o único que tocava de fato.

Fascinado pelo Billy Duffy, guitarrista do The Cult, era ele quem afinava o

baixo do Formigão e coordenava os arranjos. Marcelo e Skunk pediam uma

base de guitarra mais funkie para rimarem em cima e explicavam com a boca

o som que queriam: “Faz assim, toca assim”. No estúdio, era ele quem

puxava os riffs, enquanto Formiga ia atrás, fazendo as linhas de baixo, e

Bacalhau criando as levadas de bateria.

Para o Formiga, Rafael foi o melhor parceiro de guitarra que ele já teve em

toda a sua vida. Foi ele quem criou o riff de “Mantenha o respeito” baseado

no de “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana. Nessa época, Formigão pirava

em Jane’s Addiction e se inspirou neles quando teve a ideia da linha de baixo

em “Não compre, plante”.

O som do Planet trazia a mistura do Judgment Night [36], o disco que

juntou Biohazard, Onyx, Rage Against the Machine, Cypress Hill e outras

bandas da época. Naquele momento, eles falavam sobre o que ninguém tinha

coragem de falar. Era um sonoro “foda-se” que deu certo. Eles tinham o

visual, o discurso, a atitude e a musicalidade. E, o melhor, estavam no lugar

certo, na hora certa. Para o seu primeiro show, o lugar não poderia ter sido

outro: o Garage.

Colagens feitas pelo próprio Skunk em sua pasta de recordações. Acervo pessoal de Ronaldo Pereira.

CAPÍTULO 8

E A SEMENTINHA BROTOU

Oficialmente, o Planet Hemp começou em junho de 1993 e o primeiro show

aconteceu no dia 24 de julho, no Garage, com outras três bandas: Suínos

Tesudos, Unmasked Brains e Chip ‘n Dale Rose Rang. Foi um show bem

curto, com as primeiras e únicas seis músicas. Contou basicamente com a

presença de amigos, como o jornalista Tom Leão, a Sonia e os integrantes das

outras bandas. Como o Skunk tinha vergonha de cantar em público, ficava

mais atrás. Marcelo teve dor de barriga antes de subir no palco e cantou de

costas quase o tempo todo. Carlos Rasta foi o roadie. Até aquele momento,

ninguém desconfiava que o criador da banda já havia contraído o vírus da

AIDS.

Nesse début nos palcos, o mico só não foi maior porque a banda pediu

para ser a primeira a tocar, por volta de onze e vinte da noite, quando o

Garage ainda estava vazio. Nem chegaram a fazer uma jam no fim porque o

Rafael tinha que correr para a rodoviária: ele tinha se comprometido a fazer o

tal show com o Cold Turkey no dia seguinte, em Assis, no interior de São

Paulo, e o único ônibus direto para lá saía à meia-noite.

Apesar de estar separada do Marcelo, sua ex-mulher, Sonia, compareceu e

achou o ambiente muito escuro e estranho: “No camarim tinha uma cama de

casal, cheia de pulgas, sem janelas. Foi quando eu conheci o Formigão, e

percebi que ele era fanho. O Marcelo não tinha me contado e eu tive que

prender o riso. A iluminação do lugar era só uma lâmpada pendurada por um

fio, a gente mal conseguia ver as pessoas, era um breu só. O som era

horrível”.

Após a apresentação, todos que ficaram por lá foram beber cachaça na rua

Ceará. Segundo o Formigão, “porque ter banda não é só chegar, encontrar e

tocar; tem que ter a convivência, ouvir som juntos, trocar experiências.

Senão, vai parecer fake”.

O Cold Turkey já havia tocado uma vez no Garage, em outubro de 1992, e

o Rafael queria repetir a dose. Para matar dois coelhos com uma cajadada só,

Fábio Costa agendou as duas bandas para o mês seguinte. No dia 21 de

agosto, Planet Hemp, Cold Turkey, Beach Lizards e Cactus Cream tocaram

juntos. O Mickey Junkies (SP) estava escalado também, mas não conseguiu

viajar. A partir daí, o Planet Hemp tocou no Garage todos os meses, virando

uma espécie de “banda da casa”.

Kadu já ia a todos os shows do Planet: “Na época, todo mundo ficava

muito louco, mas o Bacalhau era mais fraco para a bebida. Teve um show no

Garage em que ele dormiu na bateria [risos]. O Marcelo ficou puto”.

Rapidamente, Marcelo sacou a reação do público quando ele dizia no

microfone que fumava maconha. No começo da banda, o Planet tinha o

hábito de tocar tão alto, mas tão alto, que só dava para entender o refrão. Nos

primeiros shows, o público insano pirava e participava de tudo. A plateia

selvagem subia no palco para pular, alguns caíam de tão bêbados. Outros

brigavam com os seguranças. Era a maior zona, todo mundo subia no palco.

Certa noite, eles estavam no Garage e o Gustavo lá, rimando sem parar.

Qualquer coisa que você falasse ele começava a rimar. Por isso que ele é o

que é hoje. O Speed era bronco, mas gente finíssima, um talento. Aí, o Planet

estava tocando e ele ficou do lado o tempo todo, pedindo para tocar. No fim

do show, enfim passaram o baixo e o Speed ficou fazendo slap (porque não

sabia tocar com palheta). Só que o público não gostou e começou a gritar o

nome do Formigão. Ele ficou tão puto, que devolveu o instrumento e saiu

andando. Só que não viu o fim do palco e caiu. Foi direto para o hospital com

o ombro e a clavícula machucados.

O Planet queria e precisava de um empresário. Chegou a fazer uma rápida

experiência com a Carla, que cuidava do Beach Lizards, mas os maconheiros

desejavam exclusividade. Como a banda nasceu e cresceu no estúdio Groove,

foi natural que o primeiro empresário do Planet Hemp fosse mesmo o

Ronaldo Pereira. Assim como o Fábio Costa, ele era um grande incentivador

das bandas e da cena. Em 1993, ele ajudou a Elza Cohen nas primeiras

edições do festival SuperDemo com os equipamentos do estúdio e fez o

mesmo com os seus pupilos.

Como a cena era verdadeiramente underground, o primeiro papel do

Ronaldo foi minimizar as roubadas. Antes de fechar um show, checava qual

seria o equipamento, tentava conseguir um transporte, camarim, enfim, o

melhor possível. Quando dava grana, era pouca, mas distribuída igualmente.

Um pouco adiante, chegou a comprar um isopor, onde escondia as cervejas

para os músicos tomarem após o show – como o camarim do Planet sempre

foi lotado de fãs e amigos, era comum detonarem tudo, enquanto a banda

estava no palco.

Os primeiros shows do Planet com Ronaldo na função de empresário

foram num mesmo fim de semana: sexta-feira, no Garage, com Cabeça, Piu-

Piu & Sua Banda, Soutien Xiita e Funk Fuckers; e domingo, em Copacabana.

No primeiro, ficou gente de fora e o Garage teve que abrir as portas.

Bacalhau era o único que tinha um cachimbo (que prende o prato no

contratempo) e emprestou para todas as bandas. Como o BNegão já estava lá

com o Funk Fuckers, aproveitou e fez uma participação numa música, ao

lado de D2 e Skunk.

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A história de Elza e Ronaldo se mistura com a do próprio Planet Hemp. E

os dois juntos é quem faziam a roda girar. Marcelo a conheceu na primeira

edição do SuperDemo e chegou a morar um tempo na sua casa, de favor,

naquele período em que era um sem-teto. Na terceira edição, no Circo

Voador, Elza convidou as bandas Skank e Raimundos, duas sensações do

momento. Quando o Ronaldo e D2 perguntaram o que deveriam fazer para o

Planet tocar no evento, ela explicou que eles precisavam de uma fita demo e

que ela gostaria de assistir a um show da banda antes.

E assim fizeram. D2 e companhia entraram em estúdio e gravaram uma

fita demo ensaio, com oito músicas. Além das cinco primeiras [37], já

figuravam no set list “Muthafuckin’ Racists”, “Maryjane” e “Rappers reais”.

A arte foi da Sandra Mendes, mulher do Rafael, e o nome de Bernardo não

aparece. Direto do Planeta do Rap traz na capa uma foto do Skunk de costas.

Bastante simbólico, antecipando uma despedida deste planeta.

As rimas do Skunk em “Phunky Buddha” foram utilizadas anos depois na

música “Hemp Family” do segundo disco, Os cães ladram mas a caravana

não pára (1997). Eles não incluíram nessa demo tosca a primeira versão de

“Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga”, que acabou gravada no terceiro

disco, A invasão do sagaz Homem Fumaça (2000). O embrião do Planet

Hemp já estava com o DNA completo.

Para o teste ao vivo, a produtora cultural convidou a banda para se

apresentar na sua festa de aniversário, no Let it Be, em Copacabana, onde

antes tinha funcionado uma sauna. Situado na rua Siqueira Campos e

decorado com memorabilia dos Beatles, o Let it Be tinha sido local de shows

nos anos 1980, antes de virar termas. Quando voltou, em 1993, apostou

novamente em shows musicais. O nome do evento era Dancing Sunday, pois

acontecia no domingo, e o DJ era o sempre presente Edinho. O Planet tocou,

com Skunk e tudo, e não queria sair do palco de jeito nenhum. Só pararam de

tocar quando ela fechou a cortina.

Quem também estava lá era o Pedro Só, que escrevia uma coluna semanal

no Jornal do Brasil chamada “Alcova”. Ele acompanhava a cena no Garage e

tinha total liberdade para escrever sobre bandas desconhecidas que, mais

tarde, foram contratadas por gravadoras. Era um formador de opinião. Além

do Skunk e do Formigão, já tinha amigos em comum com o D2. Ele viu o

show, conversou com a banda e partiu.

Uma semana depois, publicou a primeira entrevista da banda na grande

imprensa, com um título quase idêntico ao da demo [38]. E, como não podia

deixar de ser, deu merda. O jornalista estava indignado porque o cantor

Gabriel O Pensador havia se projetado com um rap contra o ex-presidente

Fernando Collor de Mello, sendo filho de uma jornalista que trabalhara na

campanha para elegê-lo, e resolveu cutucar o cara através do Planet: “Apesar

de elogiarem o trabalho de Gabriel O Pensador, questionam a sua

autenticidade. Afinal, o cara vocifera contra playboys, mas estuda na PUC e

tem chofer”.

Naquele mesmo domingo, dia em que a coluna foi publicada, o artista

ligou para a casa do Pedro para exigir algo como um direito de resposta. A

polêmica não durou muito tempo, mas ajudou a tornar os hempers mais

conhecidos no mainstream.

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Vital Cavalcante conheceu Marcelo D2 ainda nos tempos da Treze de

Maio, a quem se referia como “o cara de cabelo vermelho que anda sempre

com o Fábio do Garage”. Como vocalista do Poindexter, integrou uma cena

formada no subúrbio um pouco antes de surgir o Planet Hemp, com bandas

como Soutien Xiita, Gangrena Gasosa e Sex Noise, apenas para citar

algumas. Entre 1990 e 1991, quando formou o seu grupo, as bandas já

existiam, mas ainda não se conheciam direito. Poucos shows, geralmente

toscos.

Em 1992, o intercâmbio começou a fluir, atingindo o ápice no ano

seguinte, com o Garage lotado e uma rede nacional efervescente com

fanzines, cartas e fitas cassete – que vendiam como água em lojas de discos e

nas “banquinhas” montadas nos shows [39]. Como exemplo, Gangrena Gasosa

e Second Come foram contratados pelo selo Rock it!, que começou como

loja. Na opinião de Vital, a ponte entre o underground e o mainstream era

uma ilusão, o que aconteceu foi muita tentativa e erro. E que quando uma

ideia alternativa chegou na indústria musical, ela já foi modificada até perder

a razão de ser.

De fato, a Gangrena Gasosa e o Second Come surgiram nessa pré-cena,

quando o Rio não tinha a segregação de estilos que havia em São Paulo, e

representam bem isso. As duas bandas assinaram com o Rock it!, do Dado

(Legião Urbana) e André X (Plebe Rude), que contava com distribuição da

EMI. A Gangrena apareceu da fusão das bandas Ódio e Vermes da Lepra,

fazendo uma mescla de metal, hardcore e umbanda, que foi apelidado de

“saravá metal”. Após o primeiro disco, o vinil Welcome To Terreiro (1992), a

banda gravou a demo Cambonos From Hell, que foi recusada pela gravadora.

A ideia do grupo era fazer o segundo disco com o nome de Smells Like A

Tenda Spirita [40], sacaneando o hit do Nirvana.

Numa entrevista, o então vocalista, Angelo, contou que a banda foi

obrigada a aceitar um primeiro álbum sem guitarra e a gravadora transformou

o disco no que ela quis, até que a gravadora virou as costas pra eles [41].

Como uma espécie de Sex Pistols, autodestrutivos, para Vital eles eram “a

banda do Rio” naquele momento. O seu grupo, Poindexter, também foi

convidado pela Rock it!, mas declinou por falta de dinheiro dos integrantes

para bancar a capa e as outras despesas.

A história do Second Come é ainda mais, digamos, dramática. O embrião

foi a banda Eterno Grito, que lançou um vinil de seis músicas pela gravadora

da rede de lojas Toc Discos. Em novembro de 1989, formaram uma banda

nova cantando apenas em inglês e gravaram a primeira fita demo, apontados

como uma das bandas revelação de 1990 pela revista Bizz.

No ano seguinte, gravaram a terceira fita demo e os seus cassetes

começaram a vender mais que os CDs importados da loja de Dado e André.

A gravadora contratou o grupo e ajudou a pagar a gravação, realizada em

apenas setenta e duas horas, e lançou o primeiro disco, You (1993) em LP e

CD, com tiragem de mil cópias. Um dos grandes shows foi na primeira

edição do Festival Juntatribo, em Campinas, São Paulo. Nesse meio tempo, a

Rock it! contratou outras bandas além deles e da Gangrena: Dungeon, Pelvs e

Low Dream.

Em 1994, com um novo baterista, partiu para o segundo disco, apenas em

CD, Superkids, superdrugs, supergod and strangers. Lançado em junho, foi

tema de uma matéria premonitória na Folha de S.Paulo que dizia: “Second

Come representa bem o que virou o rock independente no país: bandas à

margem do marketing agressivo das grandes gravadoras, do interesse em

modismos da imprensa e até da programação das chamadas ‘rádios rock’. (...)

Deve ser, novamente, candidato a melhor disco pouco ouvido do ano” [42]. No

final daquele ano, após um show no Circo Voador, a banda acabou [43].

A própria banda de Vital também não teve um fim tão feliz. O Poindexter

lançou três fitas demo em quatro anos, participou de coletâneas – entre elas

Rock Baixada (1993) e Paredão (1996) –, mas só conseguiu lançar seu CD

Falar é fácil (Tamborete) em 1997. Teve dois videoclipes e encerrou a

carreira com show no Garage, em 1999, ao mesmo tempo que o Soutien

Xiita.

Sem a participação de Bagulhão (guitarra) e Coelhão (bateria), Vital e o

baixista Flock formaram uma segunda banda, chamada Jason, com Leonardo

Panço (guitarra) e Rafael Ramos (bateria). Uma das boas lembranças de Vital

vem de 1995, quando lançaram a demo Curta e grossa. Na época, Marcelo

D2 disse ao vocalista que ficou amarradão na banda e que ouvia direto nas

viagens.

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O Planet, que não tinha gravadora nem preconceitos, tocava aonde fosse

para divulgar o seu trabalho. Ainda com o Skunk, por exemplo, fez um show

em setembro de 1993, no Sacristia, o bar dos punks e alternativos em Bangu,

na Zona Oeste do Rio. O local era um casarão velho, com pé-direito alto,

iluminação sombria e um som razoável para a época. O dono entendia de

drinques e um dos mais populares era o Perdão, Senhor. Esverdeado e turvo,

vinha numa taça grande, com vodca, rum, tequila e a borda impregnada de

açúcar. Era bem doce e dava uma onda monstruosa.

Nessa mesma época, Formigão começou a ensaiar com uma banda de

hardcore chamada Necator, que é o nome de um verme. A formação era

Morcego (guitarra), Formigão (baixo), Wander (bateria) e Cruel (voz), que

foi do movimento punk nos anos 1980 e não está mais entre nós. Quando ia

rolar o primeiro show, em Realengo, o baixista faltou sem dizer nada. Na

verdade, o pessoal do Necator ainda não sabia que ele tocava com o Planet,

com quem ele teve um compromisso no mesmo dia. A nova banda desanimou

e não durou muito mais.

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A plantinha estava crescendo e rápido. Os músicos eram no palco o que

eram na vida pessoal. Marcelo era a malandragem, Skunk a atitude punk,

Rafael e Formigão o rock. A banda era a cara da Lapa e todo mundo torcia

por eles, havia uma vibração muito positiva no ar. No dia primeiro de

outubro, uma sexta-feira, a banda se encontrou para comemorar os trinta anos

do Formigão. Na hora de entregar o primeiro pedaço do bolo, ele não teve

dúvida: “Para a pessoa que me colocou o apelido de Formigão”, e entregou

para o Skunk, seu amigo dos tempos de adolescente no point punk.

As gravadoras continuavam se movimentando atrás de um novo Nirvana,

de uma banda desconhecida, que lhes pudesse render rios de dinheiro com

investimento baixo. Foi quando o movimento Manguebeat saiu de

Pernambuco para ganhar o mundo. Com apenas alguns shows realizados no

Recife, um em São Paulo e outro em Belo Horizonte, Chico Science & Nação

Zumbi foram contratados pela Sony. Paralelamente, os Raimundos e o

Mundo Livre S/A estavam na mira da Banguela.

Sabe aquele papo de que o mundo gira, gira e para no mesmo lugar? O

Miltão, que fazia fanzines no point punk, havia se tornado o jornalista Tom

Leão e começara a trabalhar como freelancer na coluna “Rio Fanzine”, uma

página dupla, colorida, publicada aos domingos no “Segundo Caderno” do

jornal O Globo. Ou seja, algo como o horário nobre na TV aberta. Munido da

tal fita demo gravada ao vivo num ensaio, Skunk procurou o velho amigo e se

reencontraram. Então, o Tom convidou o Planet Hemp para tocar numa festa

do programa de rádio Hell Radio, que fazia com André X (Plebe Rude), e

onde o jovem BNegão havia trabalhado como atendente de telefone.

O evento aconteceu numa quarta-feira à noite, na Torre de Babel, na

Visconde de Pirajá, em Ipanema, com exibição do vídeo “Cereal Killer”, do

Green Jelly, e dois shows. Além deles, no flyer saiu o nome do Piu-Piu & Sua

Banda, mas quem acabou tocando foi o Poindexter. O Planet Hemp passou o

som e foi beber num boteco ao lado, esperando a hora de tocar.

Naquela bagunça do barzinho, Speed pediu para tocar o cavaquinho de um

cara e estourou as cordas. Nisso, chegou um outro fazendo repente e tocando

triângulo na maior interação. De repente, chegaram uns caras com um visual

diferente e chapéu característico, e foram logo reconhecidos. Era o Chico

Science e a Nação Zumbi, que estavam gravando o primeiro disco no Rio,

hospedados no hotel Atlântico Copacabana, e tinham ido até lá para ver o

show do “Planeta Maconha”.

As duas bandas ainda não se conheciam pessoalmente: eles se

cumprimentaram e ficaram ali na maior resenha. Durante o show do Planet,

com todos já amigos, os caras da Nação participaram de “Futuro do país” e

fizeram uma jam session em “Sophisticated Bitch”, do primeiro disco do

Public Enemy, Yo! Bum Rush the Show (Def Jam, 1987). D2 levou o filho e

cantou com ele no colo, com o consentimento da Sonia: “Eu não deixava o

Marcelo levar ele pra todo lado porque eu cuidava do Stephan com unhas e

dentes, mas nesse show ele levou mesmo”.

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Após esse encontro marcante e improvável, as duas bandas se

reencontraram dois dias depois, no Circo Voador, para a quarta edição do

SuperDemo. Só não foi melhor porque tocaram em dias diferentes. Chico

Science & Nação Zumbi e DeFalla foram os headliners da sexta; Planet

Hemp e O Rappa, os de sábado.

Um detalhe interessante nessa edição do festival foi a parceria entre a Elza

Cohen e a Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas (Ames). Para

assistir ao evento, o público pagou CR$ 400 e também levou um quilo de

alimento não perecível – que foi revertido para a Ação da Cidadania Contra a

Fome, a Miséria e pela Vida, do falecido sociólogo Betinho. Todas as bandas

abriram mão do cachê e a renda foi revertida para entidades de caridade [44].

Essa edição do SuperDemo também foi marcada por um encontro

emblemático. David Corcos, o Marroquino, era roadie de meia dúzia de

bandas no Rio, mas no festival ele tocou bateria no Suínos Tesudos. Apesar

do preconceito (na época), assistiu ao show do Planet Hemp com Skunk,

Marcelo, Bernardo e Gustavo no palco e ficou de cara. Foi então que

procurou o Ronaldo Pereira e disse a ele que queria ser roadie da banda. Sua

entrada oficial na equipe técnica aconteceria no SuperDemo seguinte, no

Aeroanta de São Paulo.

O vocalista do DeFalla, Edu K, lembrou que era uma época de mudanças:

“No Rio, eu curtia muito o Ethiopia [45], uma banda pós-punk, e ia ao

Crepúsculo de Cubatão. Em São Paulo, era a época do Rose Bom Bom, a

gente já estava fazendo essa mistura de funk com hip-hop. Nós, o Gueto, a

Fábrica Fagus. Mas a explosão foi no Rio, quando lançamos o Kingz [46] e o

hip-hop dominou. A gente participou dessa revolução hip-hop no Rio. A

primeira vez que o Pavilhão 9 tocou no Rio foi o DeFalla quem levou [47].

Eles estavam hospedados na Lapa e quando saíram do hotel pra ir tocar,

levando a maleta com as máscaras, a polícia parou os caras e deu uma dura,

foi o maior auê. No meio do show, caiu picape no chão, um caos, mas eles

adoraram”.

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O Planet Hemp estava tão frenético, que dois dias depois, numa segunda-

feira, véspera de feriado, já estavam de novo em cima do palco. Dessa vez no

Garage, dividindo a noite com Funk Fuckers, Poindexter, Cabeça, Tornado e

SpeedFreaks.

Nesse show, o Planet não pôde contar com Formigão, e convidou o Speed

para tocar baixo. Ele, claro, aceitou com aquela tradicional soberba: “Não

preciso ouvir nada para tirar as músicas, eu toco o que o Formigão toca, e

com as duas mãos para trás”. No meio da apresentação, o público começou a

gritar “ão ão ão, cadê o Formigão?”. Claro que ele ficou puto, mas levou na

esportiva e tocou até o fim.

Era raro uma banda indie ganhar passagens aéreas para viajar. Nesse show

do Planet sem o Formiga, ele tinha ido pra Curitiba com o Dash. As duas

bandas dividiam o baixista, mas a prioridade era da banda do Kadu: “Depois

desse show, a gente fez uma reunião e decidiu deixar o Formigão ser feliz. O

André X tocou por um tempo. Aí, um dia, eu estava no Baixo Gávea quando

comecei a ouvir uma música do Dash no violão. Fui lá falar com o cara, era o

Donida. Ele entrou pra banda, virou namorado da Simone e do Dash nasceu o

Matanza”.

O termo hemp family nasceu nesse momento designado para as bandas que

ousavam sair do lugar comum do rock alternativo da época e misturar ritmos,

não apenas por gostar de fumar a ganja. Na fumaça sonora do Planet, o rap e

o rock faziam um crossover com samba, baião e hardcore. Na própria

explicação da banda, a primeira geração da família era composta também por

SpeedFreaks, Funk Fuckers, Juliete (outra banda paralela do BNegão),

Consciência Urbana e Positive Soul. A afinidade maior era entre o Planet e as

duas primeiras. Uma frequentava os ensaios e shows da outra. Pouco depois

desse show das três bandas no Garage, começaram também a viajar juntas.

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Depois de tantas emoções, o Planet teve finalmente um fim de semana

livre de compromissos. No sábado, Skunk, Marcelo e Formigão foram para o

Groove e tomaram um ácido. Com eles estava também o (já falecido) amigo e

fotógrafo Dido, que registrou a bagunça com a sua câmera. Como os pais do

Rafael assinavam O Globo, ele recebia a edição de domingo antes mesmo de

chegar às bancas. Inesperadamente, o guitarrista chegou no estúdio com o

jornal na mão. O Tom Leão havia publicado uma matéria com a banda [48],

com a tal foto na pista de skate, para delírio geral.

Marcelo ainda usava o tal bigodinho e ficou em primeiro plano de gorro,

com uma folha de maconha; ainda sem os dreads, Formigão usou uma

camisa do Dr. Dre, com uma folha gigante; Rafael estava de boné e

bermudão, bem abaixo do joelho, como era a moda da época. Também

aparecem no registro fotográfico Carlos Rasta, Bacalhau e Skunk – de gorro e

óculos escuros, segurando um skate. O visual é tudo, lembra?

Nesse dia, o Formigão tinha um show com o Dash, no Garage, junto com

Second Come e Beach Lizards. Completamente alucinados, os dois vocalistas

colocaram a maior pilha de ir lá e tocar também, mesmo sendo um tributo ao

Pixies! Afinal, o Kadu já estaria lá, sabia todas as músicas e poderia fazer as

vezes do Bacalhau. Conseguiram convencer o Rafael, que precisava trocar de

roupa, e foram todos para a casa dos pais dele, próxima ao estúdio.

Enquanto o Rafael se arrumava – o que costumava demorar bastante –, os

três ficaram pirando na sala, ouvindo o disco Roots do Sepultura nas alturas.

De repente, apareceram duas sombras de pessoas na porta de vidro da sala.

Os pais do Rafael chegaram antes de eles irem embora. Doidão, D2 se

escondeu atrás da estante na sala. Nisso, os pais dele entraram e

cumprimentaram um por um: “Oi, Skunk! Oi, Formigão! Oi, Marcelo!”.

Quando o Rafael ficou pronto, pegou o carro e levou o trio para o Garage.

Porém, quando passava pela avenida Presidente Vargas, no centro da cidade,

o Skunk pediu para parar o carro. Ele também tinha pingado colírio

ciclopégico [49] e estava na maior paranoia, dizendo que tinha que ir lá ver a

mãe. Simplesmente abriu a porta e saiu correndo pela rua!

Ao chegarem no Garage, os músicos mostraram o jornal para o Fábio e

para todos que estavam lá, para alegria geral. O organizador do evento era o

Rodrigo Lariú. O Planet Hemp, que não estava programado nem havia

ensaiado nenhuma música do Pixies, ficou enchendo o saco, pedindo para

tocar. Funcionou. O show começou com “Mantenha o respeito” e, logo no

início, Marcelo começou a ouvir um backing vocal atrás dele, mas achava

que era a onda do ácido. Quando prestou atenção, era o Bernardo fazendo a

segunda voz. Como ele sabia todas as letras, subiu no palco e cantou com a

banda. Foi um show curto, com cinco músicas próprias e uma do Pixies

improvisada.

Da mesma forma que Pedro Só, em sua coluna no Jornal do Brasil, tanto

Tom Leão quanto o colega Carlos Albuquerque tinham total liberdade para

escrever sobre o que quisessem n’O Globo. A única sutileza foi colocar a

folha da maconha na arte da página em forma de fumaça. Segundo o

jornalista, a história de Falcão com O Rappa também passou pelas páginas da

sua coluna, mas de uma forma inusitada. O futuro vocalista pintava casas

quando viu no jornal (com o qual forrava o chão) um anúncio da banda

procurando vocalista. Ele leu, foi lá e ganhou o posto. Coisa de filme.

UMA BREVE HISTÓRIA DORIO FANZINE

Tom estudava comunicação social na Facha quando começou a escrever comofreelancer para O Globo, em janeiro de 1985, época do primeiro Rock in Rio. A partirdali, passava notas para a coluna da Ana Maria Bahiana – que levava o seu próprionome – como um colaborador fantasma até o fim dos anos 1980.

Conquistando a confiança da jornalista, Tom escreveu críticas de discos e matérias,até que ganhou a seção “Na cidade”, com notinhas curtas, em sua maioria agendacultural. Por coincidência, Carlos Albuquerque também lia a coluna e enviou uma cartapara a Ana, que ficou amarradona e o convidou para colaborar também. Os dois nem seconheciam.

Quando a Ana se mudou para Los Angeles, sugeriu que a dupla assumisse de vez acoluna e mudou o nome dela – “Rio fanzine” foi uma sugestão do Tom. Nos primeirosdois anos, ainda como freelas, eles só iam até a redação para fazer a coluna. À medidaque ela foi ficando popular, o jornal os contratou como funcionários.

Nos tempos das gravadoras, Tom escolhia uma por semana para visitar e sugerirlançamentos. Contou que implorou para a EMI lançar no Brasil o segundo disco do RedHot Chili Peppers, Freaky Styley (1985). Naquele início da década de 1990, osjornalistas eram muito respeitados como pessoas que estavam a par das tendências e dasnovidades. Na Fluminense FM, o Hell Radio durou apenas um ano numa frequênciaintermitente. Ficou algumas semanas fora do ar e voltou a pedido do púbico.

A balada das quartas-feiras começou a rolar quando o Gringo Cardia fez a pontecom os donos, que eram ligados ao teatro. Apesar de a Torre de Babel contar com umapequena estrutura de palco e som, nem sempre rolavam shows na festa do programa.Quanto ao jornal, contando o período da coluna da Ana até o fim do “Rio fanzine”,foram vinte e cinco anos de serviços prestados à cultura alternativa carioca.

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Uma semana após a matéria no “Rio fanzine”, em 24 de outubro de 1993,

o Planet Hemp fez o seu primeiro show em São Paulo. A Sandra Mendes,

namorada do Rafael, trabalhava como promoter do Urbania [50] e parte da

galera foi no carro do guitarrista, parte foi de ônibus. O lugar era bem legal,

com minirrampa para andar de skate e bem diferente de tudo o que havia no

Rio.

Falar de maconha dava uma sensação de liberdade, uma polêmica que

aglutinava as pessoas, poder gritar “não compre, plante!”. Após o show, o

Planet fez uma jam session com a Manson Family, com Edu K (DeFalla), no

baixo; Mario Gildo, na guitarra; Conversadô, na bateria; e MZK e Rodrigo

Brandão, nas vozes.

Essa feliz coincidência, na verdade, não aconteceu por acaso. Eles tinham

amigos e gostos em comum, como relembrou Brandão:

“O Edu K eu conheci por meio do meu fanzine Sentinela dos malditos. Ele éuma das pessoas mais do it yourself que eu conheço, aprendeu tudo sozinho.Se eu conheci o som do Funkadelic, Parliament, Stooges e Jimi HendrixExperience foi culpa do Edu K. Quando o funk nem estava estouradomundialmente, ele já tinha a ‘Popozuda’. Por ele ser ansioso, nunca esperouo reconhecimento. A história ainda há de colocá-lo no seu devido lugar.

Ele ganhou uma graninha no Hollywood Rock e ficou morando um tempoem São Paulo. Aí montamos uma banda, a Manson Family. Eu, ele, MarioGildo, MZK e Conversadô. Nesse dia do Urbania, a gente ia abrir. Só que oCarlinhos [Dias] passou lá antes pra pegar um pedal de guitarra pro showdele com o Tube Screamers no Der Tempel, que também iria acontecernaquele domingo, junto com o No Class, de Campinas. Fui com ele até lá eperdi a hora.

Quando voltei, o Planet Hemp já tinha tocado, e a gente fechou. Foi oprimeiro e último show da Manson Family. No final, fumamos todos juntos

na escada e eles partiram pra rodoviária. Nessa noite, a gente selou airmandade. Nesse dia eu conheci o ‘Gustavinho Paz e Amor’. Na segundavez que me encontrei com ele, já era o Black Alien”.

Brandão nunca esqueceu de quando assistiu ao seu primeiro show do

Pavilhão 9, no Der Tempel, só com picapes e os retornos, o palco

completamente vazio: “Ficou um estranhamento estético. O Planet foi muito

importante nisso. Eles diziam: ‘A gente é rap, mas não tem preconceito em

gostar de Stooges ou de grunge’. Isso ajudou muito a fazer uma ponte entre o

rap e o rock, onde antes havia um abismo”.

Nas memórias do Kadu, o Dash é quem iria tocar, e o Planet acabou

tocando no lugar deles por acaso: “Era pro Dash tocar, mas a Simone estava

rouca e não conseguia cantar. Aí colocamos o Planet no lugar. Nesse show do

Urbania, o Skunk nos levou para um boteco onde estava o Carlos Rasta.

Ficamos tomando cachaça com carqueja, e os dois pagaram almoço pra

gente. Depois, encontramos o resto da galera lá, na Boca do Lixo. O Tantão e

a Sandra pegaram pincel e ficaram escrevendo ‘C.V.’ (de Comando

Vermelho) nas pessoas. No show, o Edu K estava tocando baixo, aí no meio

da apresentação arrebentou o plugue e ele continuou tocando”.

Rodrigo Carneiro, vocalista dos Mickey Junkies, também estava nessa

noite memorável no Urbania. Ele conhecia a Sandra como a “mulher da mão

tatuada com aranha”, dona de brechó no Madame Satã e envolvida com o

cine clubismo. Os dois se aproximaram quando ela foi promoter do Espaço

Retrô. O Rafael era o técnico de som da casa e operou a mesa na estreia dos

MJs por lá. Os dois eram conhecidos como um casal e integrantes do Cold

Turkey, com quem Ricardo Mix tocava bateria. Quando o grupo se desfez,

Carneiro convidou Mix para entrar para o clube dos Mickeys loucos.

Naquela noite, Carneiro ficou muito feliz quando percebeu que o Skunk

conhecia, e bem, o trabalho da sua banda. Ambos egressos do punk oitentista,

com interesses em diversas outras vertentes da música estranha, estavam ali

praticando algo onde os seus pares não eram muito vistos. Se identificaram

bastante com a questão da negritude. Entre os poucos afro-punks brasileiros,

destacavam-se Clemente (Inocentes) e o baixista Renato Rocha (Legião

Urbana), nos anos 1980; Donald (Gritando HC), Canibal (Devotos do Ódio) e

Paulão (Gangrena Gasosa), nos anos 1990, para citar alguns nomes.

Nessa primeira aventura em São Paulo, a Zoy, que namorava o Marcelo,

fez uma foto famosa no meio da rua com o D2, Skunk e Bacalhau. A ajuda de

custo que o Planet recebeu por esse show foi tão pequena, que, na volta,

quem bancou a gasolina e o lanche da galera foi o Skunk, que havia sido

demitido do emprego e recebido o seguro-desemprego.

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Zoy estudava na Esdi [51] quando conheceu o Planet Hemp, literalmente de

carona. Para ir a uma festa do curso de arquitetura no Fundão, o amigo

Kassin arranjou uma carona para ela no carro do Rafael, junto com o Marcelo

e a Sonia. Eles não estavam mais casados, porém tinham a barraquinha de

produtos do Paraguai e moravam também com Dark e Stephan, no quitinete

em frente ao Ciep do Catete. E a Zoy no meio, que situação! Na festa, rolou

um show improvisado com Good Night Varsovia e Planet Hemp, e a

estudante se apaixonou por Marcelo na mesma hora. Achou o vocalista

extremamente carismático e, entre amigas, se referia a ele como “o rapper”.

Nessa época, D2 tinha uma namorada oficial, uma ruiva de cabelos

compridos da Tijuca. Mas ela não estava nem aí e começou a frequentar a

barraquinha do Marcelo no Catete. Sonia devia pensar que ela namorava o

Kassin, pois os dois sempre estavam juntos. Só que não. Zoy e D2

começaram a se trombar na noite, até que ficaram, namoraram, terminaram e

ele começou a namorar com a Gio.

Ela foi testemunha dos primeiros shows do Planet, com mais gente no

palco do que na plateia: “O Planet era explosivo no palco, e a plateia vinha

junto. Nunca foi de ter muita gente, mas os poucos que estavam ficavam

malucos. Tantão caía direto de cima do palco, completamente bêbado. Os

shows eram democráticos, todo mundo participava. A pouca grana que

entrava era imediatamente transformada em cachaça” [52].

Nas recordações de Zoy, Skunk aparentava muita raiva, talvez por ter

descoberto que era soropositivo: “Ainda assim, ele era mais forte que os

magrelos da banda. Skunk e Marcelo tinham o sonho de sair da merda pela

música. D2 era mais político, Skunk era mais ‘foda-se’. Andavam em turma,

muito ligeiros nas brincadeiras, um levantava pro outro cortar. Skunk era

ácido [e era] muito zoado com a parada de ser gay. Quando ele estourava,

ficava puto e saía fora”.

Às vezes, o Skunk sumia depois dos shows e o Marcelo chorava no colo

de Zoy. Talvez pela impotência diante da situação.

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O primeiro show do Funk Fuckers em São Paulo também foi no Urbania,

uma semana depois desse do Planet, também no Projeto Skate, que acontecia

aos domingos. O problema é que Bernardo tinha 18 anos, mas dois

integrantes eram menores de idade e não puderam viajar. Em seu lugar,

Skunk e Marcelo foram no bonde e cantaram com a banda.

Menos de um mês depois, o Planet voltou ao Urbania, dessa vez

acompanhado. No sábado, tocaram Planet Hemp e Cold Turkey, e no

domingo, SpeedFreaks e MT Bronks. Nesse show, pra variar, foram todos no

Chevette preto do Rafael. Na frente, o dono do carro e um amigo

headbanger; atrás, foram apertados Marcelo, Gustavo, Speed e Skunk.

Naquela época, não tinha crack no Rio e eles nem faziam ideia do que era, até

se hospedarem num hotel na Boca do Lixo, em frente à boca de fumo, onde

também rolava pedra. Impressionados com os prédios altos no centro de

Sampa, Speed zoava os amigos: “Quatro paraibinhas na cidade grande...”.

Como eles não tinham dinheiro e o quarto tinha só três camas, criaram

uma passagem secreta pelo buraco do ar-condicionado, tapado com uma

madeira, que dava para a rua. A galera se revezou para dormir, até que o

responsável pegou no flagra e expulsou todo mundo. Gustavo lembra-se do

Skunk quietinho na cama, ouvindo hardcore no walkman, enquanto era

zoado. Tiravam o fone de ouvido pra gritar na orelha dele, quando tudo o que

ele queria era descansar: “Me deixa, cara, tô cansado”.

Das trinta pessoas que estavam no show do trio de Niterói, Gustavo

lembra de ter visto o (cartunista) Angeli e a (atriz) Regina Casé, e ter

conhecido o Rodrigo Brandão – “com dreads coloridos, falava pra caralho e

sabia de tudo”. Nesse show, o Speed estava muito doido, deu o baixo para um

garoto tocar e ficou falando: “Toca esse baixo, pou! Toca esse baixo, pou!”.

E o DJ Rodrigues, que montou a picape em cima de uns engradados de

cerveja, sumiu de repente, mas o som continuou rolando, inclusive os

scratches! Quando o Gustavo olhou para trás de novo, só viu uma mão

fazendo os scratches. Aí, quando acabou o show, o DJ explicou que se

desequilibrou e caiu, mas ficou com vergonha de se levantar e continuou

tocando ali, abaixadinho, até o fim.

Quando o show acabou, descobriram que o metaleiro que veio de carona

no carro com eles estava levando um quilo de maconha na mala. Ou seja,

todos viajaram para São Paulo correndo risco. Na volta, como não cabiam

sete pessoas no carro, tiraram na sorte e o Gustavo perdeu. Teve que ficar

sozinho em São Paulo, sem dinheiro, apenas com o cartão de débito preto do

Bradesco, que ganhou no emprego da época. Ele dormiu no banco da praça

Roosevelt, até que a Sandra chegou do trabalho, umas sete da manhã: “Ela

morava bem no alto, tipo 17º andar, e aquela foi a primeira vez que eu ouvi

John Coltrane com atenção. Da janela do apartamento, ouvindo Coltrane e

mirando a rua da Consolação. Eu nunca esqueci daquela combinação.

Naquele dia, eu falei para mim mesmo: vou querer estar sempre nesse lugar”.

As idas para São Paulo influenciaram o Planet Hemp e o SpeedFreaks nas

gírias, nas roupas e na atitude. A cada viagem, voltavam para o Rio ainda

mais corajosos.

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Um pouco depois do primeiro show do SpeedFreaks em São Paulo, foi a

vez da turma de lá viver fortes emoções no Rio de Janeiro. Era aniversário do

VJ Cazé Pecini e um grupo de cinco amigos foi de ônibus para lá: Rodrigo

Carneiro, Rodrigo Brandão, sua namorada e um casal de amigos. O Rafael

passou na rodoviária e buscou a trupe.

Depois da festa, resolveram ir até o Posto 9, na praia de Ipanema. Estavam

no carro, Rafael, Sandra, Brandão e a namorada, Carneiro e Gustavo Black,

que sugeriu uma passadinha rápida para compras na comunidade do

Cantagalo. O próprio subiu rapidamente a escadaria. Na volta, quando

entrava no carro, foi abordado por dois policiais – um deles, visivelmente

alterado –, que mandaram entregar o flagrante. Após o primeiro tapa no rosto,

o PM avisou que a negociação teria que ser rápida, pois outra viatura estava

para chegar.

Enquanto Brandão e Rafael estavam no caixa eletrônico com os policiais,

surgiu a tal viatura. Passaram bem devagar, encarando Sandra, Carneiro,

Gustavo e a namorada do Brandão, que aguardavam quietos, sentadinhos no

meio-fio. Sem paciência para averiguar, os policiais seguiram o rumo. Não

demorou muito, os quatro voltaram frustrados por não conseguirem realizar o

valor do saque. A extorsão continuou, com o valor diminuindo, até chegarem

a um acordo e os dois PMs aceitarem um cheque (evidentemente sustado

depois).

Brandão lembrou como se fosse hoje: “[Quando] o Gustavo desceu, os

homens enquadraram. Pensei na hora: ‘Daqui pra frente ou eu vou amar ou

vou odiar esse maluco’. Foi foda, eu vi o gambé chutando a cara do Gustavo.

Quando os caras foram embora, com a cara toda machucada, ele falou: ‘Eu

ainda vou cantar o meu rap em cima do caixão desse FDP’. Nunca me

esqueci disso”.

Após o susto, com todos murchos, retomaram o caminho em direção à

praia. Nisso, Gustavo começou a dizer que “fazia e acontecia, que poderia

matar um deles e”... Sandra interrompeu e deu um sermão daqueles, culpando

o MC por ter se livrado do flagrante, jogando dentro do carro. Começou uma

discussão, o clima ficou tenso, até que Black pediu que Rafael parasse o

carro. Era madrugada e não havia ninguém na rua. Saiu pisando duro pela

escuridão, deixando marcado na memória de Carneiro o dia em que conheceu

o futuro vocalista do Planet Hemp.

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O fim do ano de 1993 foi extremamente movimentado. Tanto os

Raimundos quanto o Planet Hemp foram entrevistados no Groove, em

momentos diferentes, para o quadro “Banda antes”, da MTV. Na reportagem

“Os novos barulhos” [53], Edmundo Barreiros escreveu com todas as letras

que o Rio era “o celeiro mais diversificado e criativo do cenário

underground, coisa que há muitos anos não acontecia”, destacando nomes

como Beach Lizards, Dash, Dogs in Orbit, Tormentor, Pelvs e Planet Hemp –

representado na foto que ilustrou a reportagem pelo Formigão.

Além dessas, outras tantas bandas em alta no momento tocaram na II

Bienal Internacional de Quadrinhos [54], que foi orçada em quinhentos mil

dólares, com patrocínio da Telerj, e ocupou vários espaços da cidade. Para os

pernambucanos do Chico Science & Nação Zumbi, o evento foi ainda mais

especial, pois conheceram pessoalmente Jacques de Loustal, o quadrinista

francês de que tanto gostavam. Antes de formar a CSNZ, Chico, Lúcio Maia,

Dengue e Vinicius Sette tocavam num grupo chamado Loustal, com o qual

compuseram as músicas “Etnia” e “Manguetown”. A título de curiosidade,

foram as HQs do personagem Corto Maltese, de Hugo Pratt, que inspiraram

as costeletas compridas de Chico.

Ainda nesse período, num gesto de grande solidariedade, Fábio Costa

reservou um domingo no Garage para o evento Não Esperem que Façam por

Nós. O festival contou com onze bandas, entre elas, Cabeça, The Fectos,

Slow Death e Planet Hemp, com o Skunk no vocal. A renda do show foi

revertida para a creche Tia Aparecida, próxima ao local, e para a associação

de moradores de favelas da cidade. Numa reportagem, Kalunga, vocalista do

Cabeça, disse: “Vamos reunir todas as panelinhas sonoras do underground

carioca, num grande caldeirão que, quando explodir, vai jogar banda pra tudo

quanto é lado”.

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Marcello Lobatto trabalhava como empresário do Hanói-Hanói e realizava

eventos como shows-tributo, nos quais tocava o vocalista e baixista do Hanói,

Arnaldo Brandão. Numa primeira aproximação entre Lobatto e Ronaldo, o

Planet Hemp participou do show do Beach Lizards, no Tributo ao The Doors.

O evento aconteceu no Circo Voador e contou também com Sex Noise, Dash

e Baiuzito & Rock Boys. Em sua rápida participação, os caras do Planet

quebraram aos chutes um quadro do Jim Morrison.

Mas nem Ronaldo nem Lobatto. O ano de 1993 foi da Elza. Foi ela quem

realizou os dois primeiros e os dois últimos eventos legais do ano. O

SuperDemo fez uma parceria para o lançamento da revista General, com o

festival no Aeroanta de São Paulo; e uma festa na Dr. Smith, no Rio. Em São

Paulo, tocaram Maskavo Roots, Raimundos, Professor Antena e O Rappa. No

Rio, apenas DJs. Uma foto importante tirada nessa noite mostra o ex-repórter

da Bizz Carlos Eduardo Miranda conversando com D2, Skunk, Speed e

Rafael. A Banguela era uma realidade. E estava de olho no Planet Hemp.

Capa e encarte da segunda fita demo do Planet Hemp, lançada em 1994.

CAPÍTULO 9

SUPER-ELZA

Na fazenda do pai, no norte de Minas Gerais, a pequena Elza inventava

filmes, atuando com as bonecas. Quando cresceu, mudou-se para Montes

Claros. Junto com uma amiga, que era atriz, encheu-se de coragem e foi para

o Rio de Janeiro. No final dos anos 1980, na flor da idade, a jovem magra e

alta começou a desfilar e a se enturmar com o povo da moda. Num primeiro

momento, o seu objetivo era fazer figurino para cinema. Até virar assistente

de uma amiga venezuelana cuja mãe era editora da revista Moda Brasil.

Foi assim que conheceu a banda de rock do Steve Frazer (que tinha um

salão de beleza em Nova York) e o underground na música. Quando a banda

dele veio tocar no Rio, Elza divulgou para os jornais. Conseguiu tantas

matérias, que o dono da casa de shows (chamada Botanic [55]) a contratou

como assessora de imprensa. Em seguida, foi promovida a diretora artística.

Frequentando o circuito alternativo carioca da época – Estação Botafogo,

Dr. Smith, Basement, Garage e Kitschnet –, a produtora cultural teve a ideia

de criar um festival para aquelas tantas bandas novas: o SuperDemo. Afinal,

ela recebia dezenas de fitas demo por semana, vindas de todo o Brasil e até

do exterior, e remetia à superdemocracia, em função da diversidade e da

liberdade de estilos que o festival pretendia abrigar.

A primeira edição, em 14 de janeiro de 1993, foi, na verdade, uma festa

para comemorar o grande número de fitas demo que tinha recebido. A noite

na boate Kitschnet contou com shows das bandas Second Come e Diaop (Do

Inferno ao Paraíso) e a discotecagem foi inteirinha com fitas demo. Tanto

essa festa quanto a seguinte contaram com a parceria da jornalista Isabel

Flores, responsável pelo “Contracapa”, o programa de bandas novas da

Fluminense FM, e Andrea Rock and Roll, que trabalhava na Warner Music.

Uma das bandas mais bacanas da época, a Gangrena Gasosa sempre fazia

o despacho from hell nos shows, quando jogavam um prato de macumba com

bala, velas, farofa, frango e tudo mais em cima do público. Além da

cenografia e do conceito bem definido, o grupo de saravá metal lançava seu

primeiro disco, Welcome to terreiro. Então, nada mais natural que tocassem

no primeiro SuperDemo. Porém, com uma condição: não fazer o tal

“número”.

Na dúvida, o Little Quail tocou antes da Gangrena. Claro que o grupo

desobedeceu, fez o despacho e sujou tudo. Na hora, o responsável pela casa

mandou parar o som e encerrou o festival no meio. Farofa de macumba pra

todo lado. Com muito papo, limparam o chão e a festa continuou ao som dos

DJs Edinho e Mauricio Garcia.

Depois que a Sony contratou Skank e Chico Science, as demais gravadoras

ficaram atentas e começaram a disputar Elza Cohen como uma espécie de

“olheira”. Os diretores artísticos a convidavam para tomar um café e levar as

coisas novas e boas que estava escutando. Como divulgadora, Elza ia

pessoalmente às redações entregar kits com releases, fotos, panfletos e fitas

demo. Foi assim que estabeleceu amizade com jornalistas como Tom Leão,

Calbuque, Pedro Só e Giovana Hallack, entre outros.

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Já na terceira edição, Elza foi convidada para levar o SuperDemo ao Circo

Voador e apresentou as bandas Skank, Artigo 299, Pravda e Raimundos. Foi

o lançamento do primeiro disco independente do Skank pela Sony, que

resolveu comprar os direitos e relançar pelo selo Chaos. Como tudo deu

certo, ela repetiu a dose. A carência de festivais desse tipo era tão grande,

que, no intervalo de um ano, Elza recebeu mais de mil fitas demo. Só a banda

curitibana Boi Mamão mandou cinco vezes o mesmo material e deixou

diversos recados na secretária eletrônica. De tanto insistir, entrou na fila e

tocou na décima edição [56].

Para o SuperDemo seguinte, o Circo Voador deu duas datas para a

produtora, mas esqueceu e marcou a festa da Ames no mesmo dia. O

presidente da associação de estudantes era o Rodrigo Quik, e, em vez de

brigar, Elza sugeriu juntar os dois eventos, mantendo a banda do cara no line

up. Ficou lotado nos dois dias, tendo DeFalla e Chico Science & Nação

Zumbi de headliners, na sexta; e Gabriel O Pensador, no sábado, com Planet

Hemp e O Rappa. Ela ainda teve que contornar uma treta entre Gabriel e D2,

porque um não tocava onde e quando o outro iria tocar. Graças à cobertura da

MTV, o festival ficou conhecido no Brasil todo e surgiram os primeiros

convites para fazer o festival fora do Rio.

No final de 1993, André Forastieri (ex-editor da Bizz) e Rogério de

Campos lançaram em São Paulo uma nova revista chamada General. Para

marcar a empreitada, os dois convidaram Elza para fazer o quinto

SuperDemo no Aeroanta, e convocaram Raimundos, Professor Antena e O

Rappa para tocar. Os brasilienses do Pravda tiveram contratempos e foram

substituídos em cima da hora pelo Maskavo Roots.

Um line up campeão. No ano seguinte, as quatro bandas que tocaram nessa

noite gravaram os seus primeiros discos: Raimundos e Maskavo pela

Banguela, O Rappa (ainda com o baixista Nelson Meireles [57], produtor do

Cidade Negra) pela Warner – com direito a mixagem em Londres – e o

Professor Antena marcou a volta do selo Plug pela BMG, com a regravação

de “Boys Don’t Cry” (The Cure), em versão ska, e a participação do sambista

Moreira da Silva [58].

Como o Planet era uma banda de gente dura, quando chegaram em São

Paulo só tinham dinheiro para comprar pão, apresuntado e refrigerante. Em

entrevista à MTV, Bernardo contou que só tinha dez pessoas no público e,

quando o evento acabou, ficaram rodando pela cidade até que tomaram uma

dura sinistra: “O Rafael mostrou um documento que parecia o mapa do

tesouro do pirata, uma cópia toda remendada. O policial olhou e perguntou:

‘Tá achando que isso aqui é Rio de Janeiro, para andar com essas merdas?’.

Na volta, fomos parando o carro em todas as pensões nas cidadezinhas e

ninguém queria alugar um quarto pra gente. Aconteceu isso umas dez vezes.

Quando já estava de manhã, uma senhorinha bondosa deu abrigo pra gente

dormir [59]”.

Numa via de mão dupla, Elza produziu no Rio uma festa na Dr. Smith,

comemorando o ano bom para o festival e a nova publicação que chegava às

bancas. Nessa noite, em Botafogo, além de várias pessoas importantes da

cena, o diretor artístico da Banguela trocou uma ideia com o Planet Hemp. A

Sony também crescia os olhos, mas ainda cautelosa com um artista tão

polêmico.

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Assim como a mineira Elza fez carreira no Rio, um gaúcho tentou a vida

em São Paulo. Carlos Eduardo Miranda chegou à capital paulista em outubro

de 1988 como repórter da Bizz, e em 1993 acompanhava com interesse a

nova cena independente brasileira. Após cobrir os festivais Abril Pro Rock

(Recife) e Juntatribo (Campinas), ele estava com a mala cheia de boas fitas

demo, e queria muito ver aquelas bandas contratadas por grandes gravadoras.

Durante uma entrevista com os Titãs para a revista, Miranda sugeriu que a

banda criasse uma gravadora para lançar tanta gente boa que surgia pelo país.

Convenceu os caras, que convenceram a gravadora (Warner), e nasceu a

Banguela, cujas primeiras contratações foram Raimundos, Little Quail and

the Mad Birds, Mundo Livre S/A e Maskavo Roots.

Miranda falou sobre o espírito daquela época: “A MTV era a alma do

bagulho, o que fazia a cena vingar. A [diretora de relações artísticas da

emissora] Anna Butler era casada com o meu sócio na gravadora, o Brian.

Teve até diretor da MTV dirigindo clipe da Banguela. O estúdio Be Bop era

perto do Largo da Batata, do Aeroanta, do Dama Xoc, então todo mundo

dormia lá. Eu virava as noites e, quando chegava lá, à tarde, estava sempre

rolando. Era algo vivo. Turmas são pessoas que gostam de ficar juntas. A

MTV era viva. Havia rádios como a 89 FM, a Brasil 2000 e a Cidade e o

público se identificou com o que via e ouvia, a sua própria vida”.

No verão de 1994, enquanto Miranda gravava o primeiro CD dos

Raimundos, num estúdio em São Paulo, o Planet Hemp gravava uma fita

demo em cassete, no Rio. Parte dessa segunda demo foi gravada e mixada no

quarto do andar de cima da casa do Groove, e parte no Rock House, em

Botafogo. Dessa vez, Skunk agiu ainda mais como manager da banda. Entre

fevereiro e abril, o Planet gravou num Tascam com oito canais, com

produção do Ronaldo e do Jenner, que tocou um Roland MC300 (sequencer)

e um Roland 5 (bateria eletrônica).

Já se aprofundando no conceito da cannabis, a banda dividiu a fita em dois

lados, um solto e outro prensado. Colocou no lado A as músicas mais pesadas

e no B os raps com programação eletrônica (bateria, synth, efeitos). Essa fita

é o protótipo do primeiro álbum e já conta com “Legalize já”, “Dig Dig Dig”

(que está com o nome de “Planet Hempa”), “Punkhy Buddha” – já bastante

diferente da versão anterior – e “Raprocknrollpsicodeliahardcoreragga”

(também com outro nome). Entre as músicas mais “eletrônicas”, usaram pela

primeira vez as vinhetas.

Nas primeiras fotos da banda, Skunk já estava magro em decorrência da

AIDS, e pediu para Carlos Rasta posar em seu lugar. Ao amigo Rogério,

solicitou o desenho com caneta à mão para a capa – com uma fonte

trabalhada, a folhinha da maconha e dez faixas. A tal fusão de punk e hip-hop

com a Lapa tinha se concretizado. Durante a gravação no Groove, o amigo

Dida fez algumas fotos em preto e branco que Skunk utilizou em suas

colagens sobre a banda. Skunk era o empresário, o cara que pensava no

conceito. Ele até aparece no primeiro clipe não oficial da banda, gravado por

estudantes universitários no terraço da Fundição Progresso, mas nunca brigou

por ego, pois sabia que o seu lugar era na sombra.

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Enquanto isso, na Sony, a gravadora propôs a Elza lançar uma coletânea

em CD do SuperDemo. Mas, antes, ela tinha que manter o festival ativo, em

evidência. Os shows eram a sua vitrine. Pernambuco estava em alta. Chico

Science tinha sido capa da revista General [60] e era o destaque do primeiro

festival Abril Pro Rock, junto com Paulo Francis Vai Pro Céu, Devotos do

Ódio, Jorge Cabeleira e tantos outros.

Depois do Carnaval, ela botou novamente o bloco na rua e fez mais um

SuperDemo no Circo. Dessa vez, com duas bandas pernambucanas (Jorge

Cabeleira e Paulo Francis Vai Pro Céu), uma mineira (Pato Fu), uma paulista

(Devotos de Nossa Senhora Aparecida) e apenas uma carioca (Coma). Nesse

dia, os Devotos lançaram o seu disco e o diretor do selo Plug, da BMG,

contratou o Pato Fu para lançar o segundo disco, Gol de quem [61]. Vinte dias

depois do festival, Elza lançou o clipe de “Nega Jurema”, dos Raimundos,

numa festa, na Dr. Smith, com os próprios integrantes da banda discotecando

com o DJ Edinho. Não tinha pra ninguém, ela era a promoter oficial do

udigrudi no Rio.

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Uma coisa bacana no Circo Voador era quando tinha um fim de semana

foda. Foi o que aconteceu uma semana depois do SuperDemo: na sexta,

tocaram DeFalla, Planet Hemp e Positive Soul. No sábado, Ratos de Porão e

D.F.C. Esse show foi muito especial para Skunk e Marcelo. Os dois

escolheram as suas melhores roupas e limparam a barra branca da parte de

baixo do tênis. Edu K percebeu que não era uma noite qualquer: “Quando o

DeFalla tocou com o Planet, no Circo Voador, em 1994, aquilo foi

importante porque eles estavam começando a fazer o que nós fazíamos,

desbravando novos sons, tipo raggamuffin”.

A diretora do espaço, Maria Juçá, conhecia D2 desde os anos 1980,

quando ele pedia para entrar de graça ou pulava a grade. Tem poucas

lembranças de Skunk, que era mais reservado, e não fazia ideia do artista que

Marcelo se revelaria. Até então, ele era só mais um bicão para infernizar a

sua vida. Nessa noite, ela teve a certeza de que o palco do Circo seria tão

importante para a geração 90 como tinha sido para a 80. Foi noite de virar o

mundo de costas para o que rolava fora daquela esfera.

Também, nesse evento, o adolescente Bruno Pederneiras conheceu o

BNegão. Ele estava com uma camisa preta do Onyx e o Ber com uma branca

do mesmo grupo de rap. Foi lá e puxou assunto. Ao ver o Rafael tocando,

achou o estilo bem parecido, apesar de ainda ser um iniciante. Nessa época,

Bruno estava só começando a tocar com uns amigos no Tilt Yo Head. Ele

cantava/gritava e espancava a guitarra e, meses depois desse encontro de

camisetas iguais, abriu um show do Planet com o Pin Ups (SP), na Fundição

Progresso. Mais adiante, o guitarrista iria tocar no Cabeça e, mais de dez anos

depois, no próprio Planet Hemp.

Como o Marcelo não tinha babá nem com quem deixar o filho, levava o

moleque pra todo lado. Na hora de tocar, Marcelo, Skunk e Stephan entraram

no palco de moletom, com o capuz escondendo o rosto. De repente, surpresa,

o menino de três anos anunciou o show: “Senhoras e senhores, com vocês a

banda do meu pai: Planet Hemp!”.

Marcelo tocou com duas camisetas. Começou com uma do escritor

Charles Bukowski, que tinha acabado de morrer, e no meio do show ficou

com a de baixo, do Pavilhão 9. Foi tudo bem ao estilo deles, com um monte

de participações especiais, dentre elas a do Satanésio cantando “Eu sou o

Rio”, do Black Future. No meio de tanta alegria, Skunk realizava mais um

sonho: tocava com o DeFalla no Circo. Estava dando tudo certo. O que ele

não sabia é que teria apenas três meses de vida.

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Não ser famoso tem lá as suas vantagens. Certa vez, a crew do Planet

estava na Lapa e ia pra Botafogo na caçamba aberta da picape Chevy do

Rolinha. Na época, o Marcelo namorava a Jô, por quem o Skunk era

apaixonado e chamava de Garota Moranguinho. Como se não bastasse a

infração, o D2 estava com aquela cabeleira gigante, o famoso freio de

camburão.

Não deu outra, foram parados pela polícia e, obviamente, o motorista

estava com a documentação vencida. Rolinha começou a apelar, disse que

estava levando uma banda pra passar o som no Circo Voador pois não tinha

dinheiro para o frete. O guarda olhou para o Marcelo e perguntou: “Aquele é

o [sic] Mamonas?”. O condutor do veículo, claro, confirmou, e o policial

liberou na hora: “Por que você não falou logo? Pode passar!”. E lá se foram

eles.

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Os integrantes do Planet Hemp tinham, em média, 24 anos, e apostavam

todas as fichas em 1994. Em entrevista ao jornal alternativo Traficante da

Liberdade [62], Bacalhau pediu patrocínio, Marcelo citou uma nova banda ao

falar da hemp family (Color Blind) e Skunk declarou sua paixão do momento:

música árabe contemporânea. A reportagem terminou com Skunk sacaneando

Bacalhau, dizendo que ele estava com saudade de Portugal.

Obcecado pela questão visual, o vocalista implicava com a ausência de

estilo do baterista, que torcia para o Vasco da Gama e mais parecia um

legítimo português. Os demais companheiros diziam que ele devia tapar a

calvície com uma peruca com dreadlocks. As constantes piadas com o mais

novo do grupo escondiam as diferenças pessoais e musicais entre Bacalhau e

os dois MCs, e anos depois culminariam com a demissão dele.

Na segunda vez que o SuperDemo viajou para fora do Rio, aportou no

Aeroanta de São Paulo com duas bandas cariocas (Planet Hemp e Piu-Piu &

Sua Banda) e duas gaúchas (Linguachula e Graforréia Xilarmônica) para

tocar com os locais do Tiroteio. Rolou ainda exposição de fotos da Daniela

Dacorso do evento no Rio. O festival contou com o apoio das marcas Vision

Street Wear e Cavalera. A trupe do Planet aproveitou a viagem e pegou

algumas roupas na loja, numa parceria saudável que se estendeu por um bom

tempo entre a banda e as marcas.

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Criada em 1991 como uma marca de camisetas e shapes de skate, a Drop

Dead nasceu da cabeça de Eduardo Dias, numa pequena sala de serigrafia, em

Curitiba. Ele e o amigo Morto, que desenhava as estampas, faziam um

programa na rádio Estação Primeira e recebiam muitas fitas demo de todo o

Brasil, inclusive a do Planet Hemp.

Algum tempo depois, Eduardo abriu um bar no centro da cidade, atrás do

Teatro Guaíra, chamado Mary Jane. Tinha uma decoração descolada, com

umas colunas de fogo na entrada, feita com ajuda de vários amigos que já

eram artistas (Keila, Morto, Zé, Farinha). Todos eles se encontravam aos fins

de semana no porão para ver os shows das tais bandas que enviavam suas

fitas demo.

Foi assim que o Planet fez o seu primeiro show em Curitiba. Até então, a

banda só tinha tocado no Rio e em São Paulo. O bar pagou as passagens e

deu uma grana para a comida. Rafael e Marcelo foram de ônibus um dia antes

do resto da banda. Skunk não foi e Bernardo cobriu o amigo. Eles eram

completamente desconhecidos na capital paranaense e não deu muito público,

mas acabaram tocando lá outras vezes.

Numa outra oportunidade, rolou um campeonato de skate e, quando

acabou, todo mundo foi para lá. O Mary Jane ficou lotado. Bacalhau sempre

usava uma camiseta do bar escrito I Love Mary Jane. A partir daí, sempre

que tinha um show do Planet na cidade, a galera da marca levava a banda na

loja e na fábrica pra pegar umas roupas ou fazer alguma ação.

Uma vez, na skatepark da marca, Eduardo apresentou ao D2 e ao DJ

Zegon um talento local, o DJ Primo. Os dois identificaram a joia preciosa na

hora e o dono da Drop resolveu apostar no garoto. Primo disputou uma

batalha de DJs em São Paulo e ganhou. Dali em diante, começou a tocar com

vários artistas, entre eles o próprio Marcelo. Antes da Drop Dead, o Planet

teve apenas o apoio das marcas Homey e Vision. Com a marca paranaense

estabeleceu uma relação longa e duradora.

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Apesar de o Ronaldo e de a Elza batalharem por shows cada vez melhores,

o que rolava no Rio ainda era bem underground, com uma ou outra exceção.

O Planet tocou em dois locais que representam bem isso. Primeiro no festival

I Hate Lariú, em “homenagem” ao fanzineiro Rodrigo Lariú, do selo

Midsummer Madness, que só promovia bandas indies que cantavam em

inglês. O evento aconteceu no espaço Eco, em Jacarepaguá, com Gangrena,

Soutien, Poindexter e Piu-Piu. Essa foi a primeira e última vez que Vital

Cavalcante conversou com Skunk.

Logo depois, o Planet tocou na Re-volta do Garage, novamente com Piu-

Piu e Gangrena, além de Beach Lizards, Cordel Elétrico e mais seis bandas.

O evento de aniversário do Garage aconteceu seis dias antes do aniversário

do Bacalhau, com Skunk cantando, e a primeira participação do BNegão, os

três vocalistas juntos. Ele e Bacalhau eram os mais novos da banda, ambos

nascidos em 1972. Sem internet, não havia outro jeito de divulgar o trabalho

de uma banda, então era show atrás de show. E dá-lhe Planet e Suínos

Tesudos, no Canil Pub, em Mesquita; e dá-lhe Planet e Funk Fuckers,

novamente no Garage, agora com o Força da Gravidade.

Um evento marcante foi quando a banda tocou com mais três atrações na

Rave Hip-Hop, na Fundição. A festa foi criada por Elza e Ronaldo, nessa

aproximação entre Planet, Groove e SuperDemo, e bombou. Em parceria com

a gravadora, aproveitaram a festa para lançar os CDs de rap Doggystyle, do

Snoop Doggy Dog, e Shaq Diesel, o primeiro do jogador (do Orlando Magic)

Shaquille O’Neal, que motivou a instalação de várias cestas de basquete na

Fundição.

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Mesmo sendo a ex-mulher do Marcelo, Sonia conhecia toda a galera, mas

nunca viajou com a banda: “Conheci o Black no Circo e o Speed no Garage.

Do Speed, nunca fomos muito amigos, apesar de ele frequentar lá em casa.

Do Gustavo até hoje sou amigona. Quando fui trabalhar de door woman, na

Dr. Smith, ele ia sempre lá. Eu gostava do Rafael. Ele e o Marcelo brigavam

por causa da banda mesmo, mas eu tentava sempre apaziguar isso”.

Mas foi, quem diria, do Skunk que ela virou a melhor amiga: “O Skunk

era alucinado por chocolate, comia tudo de chocolate, o dia inteiro! Eu não

gosto e o Stephan também quase não come. Então, uma vez ele chegou lá em

casa muito louco e brigou comigo porque não tinha chocolate em casa. Como

não tinha chocolate numa casa de criança? Que absurdo! [Risos.] Discutimos

por causa disso e tivemos uma briga infantil a ponto de ele cruzar comigo na

rua do Catete e virar a cara [risos]”.

A amizade, contudo, ganhou ainda mais força na adversidade: “Uma vez,

ele me pediu para ir ao hospital com ele, quando ainda morava com a

madrasta e o pai. Ele voltou chorando muito, me falou o resultado do exame

e pediu para eu não contar pra ninguém. Na doença dele, nós ficamos muito

cúmplices”.

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Para levantar uma grana e tocar de novo no Urbania (em São Paulo), a

Elza agendou duas datas para um show do Planet Hemp no Botanic, a casa

onde ela ainda trabalhava como produtora. Quando o Gustavo entrou em

estúdio com Speed para gravar “Hit hard hip hop” [63], o Skunk já estava

doente, mas eles não sabiam. Ele estava perdendo muitos shows do Planet.

Primeiro, a desculpa era pneumonia. Depois, virou pneumonia dupla. Numa

dessas noites, no Botanic, o Falcão (d’O Rappa) foi um dos primeiros a

chegar e ficou ali, fazendo uma jam com Gustavo e Speed. No refrão de uma

das músicas, ficaram gritando “Skunk, pneumonia dupla” sem saber que, na

verdade, o amigo estava muito pior.

Mais tarde, quando o Planet tocava, o Formigão se atrapalhou e a correia

do baixo caiu. Carlos Rasta, o amigo roadie, nem estava olhando. A banda

então começou a chamar a atenção dele. Quando ele viu a cena, em vez de ir

lá e ajudar a prender a correia de volta, Rasta pegou uma cadeira e levou para

o Formigão sentar.

Numa espécie de corrida do ouro, bandas como Skank, Pato Fu, Chico

Science & Nação Zumbi e Raimundos já tinham sido contratadas por grandes

gravadoras e o Planet também queria botar o seu boi na sombra. Elza e

Ronaldo faziam a sua parte para ajudar a banda, até que mais um parceiro

entrou na história.

“Eu amo você”. A mensagem do ursinho é sincera. Elza Cohen não apenas ajudou muito o PlanetHemp como também abrigou Marcelo D2 em sua casa por um tempo. Foto: Mariana Vitarelli.

CAPÍTULO 10

BRRRUNO

Bruno Levinson e Elza Cohen eram bem próximos. Ele ajudou com releases e

assessoria de imprensa em algumas edições do SuperDemo. Mas o que

chamou a sua atenção foi como o produtor Paulo André Pires conseguiu

mobilizar o mercado e abrir os olhos das pessoas para o que estava rolando

no Recife, por meio do Abril Pro Rock. O lançamento dos CDs Da lama ao

caos e Samba esquema noise ajudaram (e muito) a demarcar Recife como

uma nova referência no mapa da música brasileira. Se na primeira edição o

festival pernambucano revelou ao mundo Chico Science & Nação Zumbi e

Mundo Livre S/A, na segunda as apostas eram outras.

O próprio Paulo André acreditava que aquele seria o ano do Jorge

Cabeleira e o Dia em Que Seremos Todos Inúteis. Ele enviou uma fita demo

do quinteto pernambucano para a Elza, que os escalou para o SuperDemo.

Viajaram por trinta e seis horas de ônibus para tocar por quarenta minutos em

terras cariocas. Alguns integrantes da banda se hospedaram na casa da

organizadora do festival, e outros na casa dos músicos do Pravda (DF). Ao

voltar para o Recife, tocaram novamente no Abril Pro Rock, pelo segundo

ano consecutivo. Receberam, então, três propostas para assinar, por três

diferentes gravadoras: Natasha, Banguela e Sony [64].

Bruno estava empolgado com o surgimento de novos festivais no país, no

entanto, achava todos muito voltados para o Rrrock. Foi aí que vagaram

algumas datas no Centro Cultural Sérgio Porto, e a RioArte, órgão da

Prefeitura que administrava o espaço, ofereceu para Brrruno fazer o seu

festival para novos talentos nos mais variados estilos da nossa música. E

assim nasceu o Humaitá Pra Peixe (HPP).

Antes de organizar o seu primeiro grande festival, o carioca Bruno

escrevia poesia. Cultivou o hábito desde a adolescência, arriscando os

primeiros versos a partir dos treze anos. Por conta desse dom, escreveu letras

para a banda Coma. Depois, virou produtor do grupo. O (futuro DJ)

Marcelinho da Lua era o roadie. Na função de letrista e produtor, começou a

fuçar lugares para tocar e tentar fazer parcerias com outras bandas. Foi assim

que conheceu a Elza, o Planet e o Funk Fuckers, e fizeram shows juntos.

Levinson acompanhava e vivia a cena. Então, era natural que o Planet Hemp

estivesse no Humaitá Pra Peixe.

A primeira edição do HPP ocupou por vários dias o Centro Cultural Sérgio

Porto, no Humaitá, reunindo trinta atrações diferentes. Interessado naquele

novo universo, Marcelo D2 vivia nas passagens de som e lá trocava altas

ideias com o produtor, até virarem amigos. Vinte anos depois, ele escreveu a

biografia do músico. Ao longo do festival, Bruno foi conhecendo melhor o

resto da banda, menos o Skunk, que ele já cumprimentara rapidamente, num

show no Garage.

O burburinho em torno do Planet estava crescendo e todos diziam que eles

eram a bola da vez. Percebendo que se tratava de um show estratégico,

Ronaldo e a banda capricharam, investindo em cenário e projeções. Eles se

prepararam de fato para aquele show. Havia um rumor de que o Jorge

Davidson, diretor artístico da Sony, iria pessoalmente para assistir, assim

como fizera em São Paulo, com Chico Science & Nação Zumbi e Mundo

Livre S/A.

Dito e feito. Davidson compareceu e fez muitas perguntas ao Bruno sobre

a banda e a cena. O Planet fez um showzaço e, no camarim do Sérgio Porto,

Jorge confirmou que queria contratá-los. Estavam felizes, mas com uma certa

desconfiança, um pé atrás... Os caras eram cabreiros e marrentos. “O HPP já

nasceu com essa vocação de ser vitrine, de amalgamar uma cena e assim ficar

mais fácil para a imprensa, gravadoras e público chegarem juntos para

conhecer. O Planet fez isso magistralmente e eu usei muito esse show deles

como exemplo durante toda a história do HPP.”

O Planet tocou numa segunda-feira, com Positive Soul e Artigo 288, este

último um grupo de rap que tinha sido lançado pelo selo Radical Records, do

Mayrton Bahia. Nessa época, não tinha cachê fixo no HPP. Todas as bandas

ganhavam percentual de bilheteria, e com eles não foi diferente. Como dava

pouca grana para todos, com certeza, nesse show, eles investiram mais do que

ganharam. A brodagem estava comendo solta entre o Coma e o Planet Hemp.

Uma semana depois do Humaitá Pra Peixe, as duas bandas tocaram juntas na

festa Legalize It, no Circo Voador.

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Assinar um contrato com uma grande gravadora era algo muito sedutor

para a época. A primeira proposta da Sony foi que o Planet Hemp

participasse de uma coletânea com Jorge Cabeleira, Coma e Oscabeloduro,

cada grupo com três músicas. Ansiosos, os cabeleiras Dirceu, Pedro, Beto,

Rodrigo e Davi concordaram e, pouco tempo depois, voltaram ao Rio para

gravar. Dessa vez, de avião e com direito a duas semanas de hospedagem em

hotel. Nesse meio tempo, o Planet não aceitou entrar no esquema da

compilação e a gravadora optou por ficar só com eles e os pernambucanos,

dispensando as outras duas bandas.

Um mês depois de gravarem as três músicas, os músicos do Jorge

Cabeleira receberam novas passagens aéreas e viajaram novamente para o

Rio. Com um mês de hospedagem garantida pela Sony, o grupo entrou no

estúdio Nas Nuvens para gravar o seu primeiro disco com produção de Frejat,

do Barão Vermelho. O Coma acabou lançado de forma independente pelo

selo Cucamonga, em parceria com a gravadora Albatroz, do Roberto

Menescal. Já os brasilienses d’Oscabeloduro só debutaram em 1996, quando

o CD Com todo amor e carinho foi lançado numa parceria entre a RVC

Music e a Berlin Records.

A negociação entre a Sony e o Planet Hemp foi longa e turbulenta. E, no

meio do caminho, uma tragédia anunciada.

Black Alien, D2, BNegão, Ivan Dias (baterista do Coma), Bruno Levinson e Momo (vocalista eguitarrista do Coma), antes de mais um show no SuperDemo. Acervo pessoal de Elza Cohen.

CAPÍTULO 11

DIAMANTE NEGRO

Skunk sempre foi muito discreto em sua vida particular, mas não lidava

muito bem com a rejeição. Amigos afirmam que ele chamava de racistas e de

vadias as mulheres que não davam mole para ele. Dizem também que ele

estava sempre pronto para se atirar. Na noitada, quando tocava “We Want

Some Pussy”, do 2 Live Crew [65], ele andava apontando na direção de quem

estivesse mais perto. Certa vez, ele fez isso com uma menina que apelidou de

Hipopótama Dark e tomou (merecidamente) um tapa daqueles no rosto.

Segundo os amigos, apesar de ser descrito como um cara doce e gente boa,

estava sempre querendo agarrar as meninas, sem muitos critérios. A maioria

das suas namoradinhas era da Zona Sul. De temperamento forte, mas sempre

com o astral para cima, Skunk não gostava de ser contrariado. Pessoas

próximas já tiveram que separar algumas brigas dele, na maioria das vezes

causadas por namorados ciumentos. Liberal, também gostava de chocar, dizia

que estava no banheiro beijando um amigo ou outra coisa do tipo.

Nas festas alternativas do Rio, Edinho recorda-se de Skunk falando sobre

travestis, afirmando que alguns eram mais bonitos que muitas mulheres. O DJ

nunca viu o vocalista do Planet Hemp com nenhuma namorada, mas

confirma que ele falava sobre sexo de uma maneira chula e até mesmo

grosseira. O próprio Marcelo achava o Skunk bastante promíscuo: “Comia

homem, mulher, traveco, quem desse pra ele”.

Certa vez, D2, Skunk e Rafael estavam dando um rolé de carro no Catete,

ouvindo som e queimando um. Rafael dirigindo, Marcelo do lado e o Skunk

atrás, falando merda sem parar. De repente, cruzaram com o DJ Zezinho,

amigo do Skunk havia muito tempo, e ofereceram uma carona. Ele trabalhava

num boteco na subida para Santa Teresa e foram todos pra lá, onde o amigo

liberava umas cervejas de graça. Quando estavam indo embora, Marcelo e

Rafael ouviram um papo estranho no banco de trás do carro, abaixaram o

som bem devagarzinho e, quando olharam, o Skunk estava imprensando o

amigo no cantinho: “Pô, vai, Zezinho, libera o cuzinho”. Promíscuo ou não, o

idealizador do Planet tinha um senso de humor bastante peculiar.

As histórias não param. Em outra ocasião, a crew do Planet saiu do Garage

direto para a casa do Rafael, porque a mãe dele cozinhava bem e os pais

viajavam todo fim de semana. Estavam lá esquentando a comida quando o

Marcelo começou a zoar o Skunk dizendo que ele era gay. Aí, ele deitou no

chão, abriu as pernas e falou: “Vem, me faz mulher”.

Reza a lenda que Skunk escreveu “Puta disfarçada” para uma amiga de

Marcelo Yuka, por quem se apaixonou, mas a menina fazia faculdade e tinha

outros planos para a vida. O vocalista e o baterista se conheceram no boteco

do Cine Estação Botafogo e ficaram muito amigos. Numa entrevista

legalizadíssima, D2 confirmou que era específica para uma pessoa, que ele

traduziu essa música para o português e acrescentou pedaços [66].

Yuka se deu bem com Skunk e logo foi apresentado aos seus amigos D2 e

BNegão. Um dia, correndo por lazer na estrada das Paineiras, Skunk

começou a tossir sem parar e Yuka achou que era a tal da pneumonia.

Como um presságio do que seria a sua vida, o criador do Planet Hemp

tinha uma tatuagem significativa na mão esquerda: o personagem Coyote do

desenho animado Papa-Léguas. Quando era perguntado sobre a escolha,

Skunk respondia: “Porque ele é como eu, sempre se fode no final”.

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Quando Skunk descobriu que era soropositivo, ficou triste, calado e

desinteressado. Sumiu por um tempo. O seu humor também mudou. Se ele

falasse alguma coisa, a pessoa não prestasse atenção e pedisse pra dizer de

novo, rebatia com amargura: “Eu não sou sampler para ficar repetindo a

mesma coisa”.

Certa dia, após duas semanas fora do Rio, viajando com a banda, Marcelo

D2 reencontrou o amigo e ficou desesperado. Ele percebeu o que estava por

vir. No fim da vida, Skunk e a madrasta se reaproximaram. Um amor enorme

brotou. Foi a primeira vez que Skunk a chamou de mãe.

Poucos dias antes de sua morte, o Falcão estava na casa de Elza Cohen

quando recebeu uma ligação do Yuka. O Skunk não estava bem e a madrasta

precisava levá-lo para o hospital. Como apenas o vocalista d’O Rappa tinha

carro, lá foram eles. Naquele dia, os dois músicos descobriram a verdade e

choraram muito. Ele mantivera aquele segredo guardado a sete chaves, pois

tinha muito medo de que os amigos o abandonassem. E os amigos eram tudo

que Luís Antônio tinha na vida.

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Naquela quarta-feira, 8 de junho de 1994, caía uma tempestade pesada no

Rio de Janeiro. Mais uma vez, Skunk passou mal. Rafael, Yuka e a sua

madrasta o levaram até um posto de saúde em Botafogo, para tentar uma

internação. A enfermeira se recusou a ficar com o doente, deu uma bolsa de

soro e o mandou de volta pra casa. Foi quando o guitarrista soube que o

fundador da banda tinha AIDS. Até então, ele dizia que era tuberculose.

Na fatídica noite, o Brasil venceu Honduras por oito a dois num amistoso,

em San Diego, se preparando para a Copa dos EUA, onde seria tetracampeão

mundial de futebol. D2 e Formigão estavam com Tantão e o produtor Jenner

Melo, num cantinho do estúdio Groove, fazendo um som com o John Merrick

Experience, projeto criado em 1994, durante as gravações da fita demo do

Planet, da qual Jenner foi o produtor.

Jenner foi o cara que produziu o lado B da demo do Planet, o lado hip-hop.

Esse som que D2 e Formigão estavam fazendo com os dois amigos era um

trip-hop – numa época em que não se usava esse termo – com synths,

samplers e bateria eletrônica. Essas são as músicas que saíram depois no EP

Hemp New Year.

A última vez que a fotógrafa Mariana Vitarelli encontrou Skunk foi no

Garage: “Eu lembro do Skunk no Garage, com uma namorada gente boa,

formavam um casal bacana, que ficava trocando altas ideias sobre som. Na

sexta, enquanto o Skunk estava no hospital, com pneumonia, nós fomos pra

Basement. O Marcelo estava arrasado. Nós saímos, nos sentamos na avenida

Atlântida e ficamos bebendo, arrasados. O velório foi no outro dia”.

A primeira pessoa que soube da morte do Skunk foi a Cleide Fontes, que

tinha ido visitá-lo. Quando ela chegou lá, ele tinha acabado de falecer. Umas

três horas depois, o Carlos Rasta ligou para o Rafael para avisar que o amigo

tinha morrido.

Yuka estava entrando em estúdio para gravar o primeiro disco d’O Rappa

quando recebeu um telefonema da sua mãe, avisando que o amigo tinha

falecido. Na mesma hora, o baterista foi com o D2 e as irmãs Dani e Gio até

o apartamento, no Flamengo, onde avistaram o corpo do amigo na cama.

Rafael chegou logo depois. Skunk tinha apenas 27 anos de idade [67].

Skunk desencarnou alguns meses antes de Eazy-E, o criador do grupo de

hip-hop N.W.A. (negros com atitude, em tradução livre), que também tinha

fama de ser um cara promíscuo. Teve sete filhos com seis mulheres

diferentes. Ele não sabia que havia contraído o vírus da AIDS até que, em

fevereiro de 1995, teve um ataque de asma no estúdio. Foi internado, mas

faleceu dez dias depois. Dois negros, rappers, fundadores de suas respectivas

bandas, vítimas da mesma doença maldita.

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Tudo aconteceu muito rápido, mas o enterro de Luís Antônio Skunk foi

épico. Um dia nublado e chuvoso no cemitério do Catumbi, num cortejo

enorme, cheio de pessoas ligadas à música, no mais completo silêncio.

A sua família agradecia a todos pela presença: estavam impressionados

com a quantidade de amigos que o filho tinha na cidade. O velório foi com o

caixão aberto – na época, acreditava-se que isso não podia ser feito, porque o

vírus poderia ser transmitido pelo ar, o que depois confirmou-se ser uma

lenda. Skunk estava bastante magro, mas com um semblante sereno.

Os amigos contribuíram para pagar as despesas do enterro, mas a grana só

deu para comprar um espaço na parede. Junto ao caixão, depositaram balas e

uma garrafinha pequena de uísque, daquelas de frigobar. Com delicadeza,

Sonia colocou uma barra de Diamante Negro, o chocolate preferido do

falecido amigo, e pediu que comesse com muito carinho: “Daquele dia em

diante, toda vez que eu comesse chocolate iria me lembrar dele”. Como no

fim de um show, Skunk se despediu dos amigos sob aplausos.

Marcelo foi ao enterro com a Dani e a Gio, mas em função da chuva e do

caos no trânsito do Rio, chegou tarde demais. O produtor cultural sergipano

Bruno Montalvão estava lá e recorda-se do momento em que D2 repousou as

mãos no cimento fresco, recém-colocado do túmulo, e prometeu a Skunk que

se a banda desse certo, ele agradeceria sempre a ele.

Por ironia do destino, justamente quem mais sonhava com aquele

momento – o dia em que a sua banda assinaria um contrato com uma grande

gravadora – foi quem partiu primeiro. Como um coach musical, Skunk

identificou o talento do D2 e formou o seu sucessor (BNegão).

Após o enterro, todos os integrantes do Planet Hemp foram para o estúdio

Groove, acompanhados de Marcelo Yuka e outros amigos, onde ficaram

tocando e fumando por horas a fio. Essa jam session enfumaçada foi a forma

encontrada para se despedirem do tão querido amigo. Como um mentor

espiritual, Skunk continuaria acompanhando tudo lá de cima.

Ricardo Blondet, Skunk, BNegão, Formigão e Jorge Brennand na Dr. Smith, em 1993. Acervo pessoalde Elza Cohen.

CAPÍTULO 12

BOLA PRA FRENTE

Atordoados com a partida do amigo, os músicos do Planet Hemp só

decidiram seguir em frente porque a madrasta do Skunk insistiu muito.

Afinal, era o sonho do cara, o objetivo para o qual ele dedicou todos os

segundos em seus últimos anos de vida. A banda decidiu que, se o álbum

realmente saísse, dedicariam o disco ao amigo e fundador do grupo.

Um mês depois da morte do Skunk, o grupo viajou pela primeira vez para

Belo Horizonte. Por meio de um patrocínio da Secretaria de Cultura de Minas

Gerais, Elza foi convidada para realizar um SuperDemo na praça da Estação

e, claro, levou o Planet com ela. Os cariocas fizeram um show daqueles, no

mesmo palco onde tocaram os locais Baratas Tontas e duas bandas de Juiz de

Fora, Deep Noise e Brother Rap. Aquele foi o maior público para quem a

banda tinha tocado até então. A apresentação teve uma energia incrível e,

depois, os músicos ficaram circulando pelo meio da galera, trocando ideia.

No mês seguinte, BH foi palco de outro festival importante, o BHRIF, que

reuniu bandas internacionais (como o Fugazi) e nacionais (como Black

Future, Jorge Cabeleira e Dead Fish – este, no Off-BHRIF).

Ainda se recompondo, Ronaldo organizou um evento em homenagem ao

Skunk e a banda só participou de dois show no Circo Voador. O primeiro foi

no lançamento do quarto disco dos Beastie Boys, Ill Communication, a banda

preferida do falecido vocalista. Além do Planet, tocaram Funk Fuckers e uma

banda improvisada, chamada Hemp Family, com os músicos da galera se

revezando entre uma apresentação e outra. O segundo show aconteceu um

mês depois, no dia 10 de setembro de 1994, quando o Planet tocou numa

noite chamada Rap Verde, com Zé Brown, Tornado, Funk Fuckers e Rap di

Breque.

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Sergio Vanalli estudava na Unicamp (Campinas/SP), tinha uma banda e

editava um fanzine. Inspirado em festivais gringos, ele e um grupo de amigos

começou a organizar shows na universidade, até se encorajarem para realizar

o festival Juntatribo. Os critérios na escolha das bandas eram a variedade de

estilos e a abrangência geográfica. Quanto mais representantes de todos os

cantos do Brasil, melhor.

A primeira edição, em agosto de 1993, aconteceu durante três dias, com

várias bandas de São Paulo e apenas quatro de fora: Second Come (RJ), Low

Dream (DF), Skijktl (PR) e Raimundos (DF), que faziam ali o seu primeiro

show no estado. O evento contou com o apoio do Diretório Central dos

Estudantes (DCE) e o patrocínio da marca de jeans Staroup. As bandas e os

fanzineiros se hospedaram numa chácara mais afastada, e um serviço de

Kombis fazia o transporte até a rodoviária de Campinas. A expectativa era ter

entre trezentas e quinhentas pessoas por dia, mesmo sendo entrada franca,

mas ultrapassou a marca de duas mil pessoas por noite. Como era inverno,

enquanto o público agitava nos shows, subia um pó marrom claro, o que

rendeu ao festival o apelido de JuntaTerra.

Em reportagem da EPTV [68] com pessoas que foram ao Juntatribo, a

banda local Muzzarelas lembrou quando chegou na universidade e viu placas

de carros de todo o Brasil: “Antes, nós éramos mais ou menos desconhecidos

aqui em Campinas, e passamos a ser mais ou menos desconhecidos no Brasil

inteiro”. Numa entrevista em vídeo ao TCC Rock em Campinas anos 80 e 90,

Caio Ribeiro, um dos idealizadores do Juntatribo, contou que foi um

acidente: “De repente, tinham três mil barracas. Na época, Raimundos era

brother, Planet Hemp era brother... Já era uma brodagem. O palco foi uma

troca, tudo do evento foi no zero a zero. E, de repente, tinha lá toda a

imprensa!”.

O festival também teve cobertura da MTV, que escalou o VJ Fabio

Massari para a missão. Nas palavras dele: “Se a situação é muito melhor hoje

em dia, ela só aconteceu porque alguns malucos, em 1993, juntaram, sei lá,

vinte bandas debaixo de uma tenda, em Campinas. E mostraram pra todo

mundo que tinha um cenário independente forte, com público e bandas

legais”.

No ano seguinte, as coisas mudaram um pouco. Sergio tinha conseguido o

seu primeiro emprego como engenheiro químico e, após divergência entre os

organizadores, com mudanças de pessoas na produção, o segundo Juntatribo

nasceu em parto de fórceps. O Planet Hemp soube do sucesso da primeira

edição e queria muito tocar na segunda. Como eles estavam bem

recomendados, receberam um telefonema com o convite oficial: passagens de

ônibus para ida e volta, alimentação no “bandejão” e hospedagem numa sala

de aula da universidade.

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Em 1994, o festival aconteceu em três dias de setembro. A estrutura era

bastante precária. Carlos Eduardo Miranda foi até Campinas levando a sua

recém-criada gravadora: “Eu negociei pra ter um quiosque, mas quando

cheguei lá tomei um susto. Como a gente tinha pegado demos da galera e

tinha muito material, pendurei a bandeira da Banguela e vendi no carro

mesmo. Esse festival foi marcante, terra vermelha e bunda branca. As bundas

da galera refletindo a lua cheia enquanto estavam mijando e cagando sob a

lua cheia brilhante”.

No primeiro dia, dedicado ao hardcore, os problemas apareceram logo no

primeiro show. O Resist Control, de Curitiba, chamou tanta gente para pular

junto com eles, que o palco quebrou ao meio. A estrutura metálica dobrou e

quebrou as duas guitarras e o baixo dos integrantes da banda paulistana IML,

pois os instrumentos estavam justamente embaixo do palco. Com o acidente,

todas as bandas de sexta tiveram que tocar no sábado, junto com as guitar

bands.

O Planet Hemp seguiu do Rio para Juiz de Fora e de lá para Campinas.

Chegaram no sábado. Como nessa época o Rafael morava em São Paulo,

precisou ir até o centro da cidade para trocar a passagem, porque era o único

que não voltaria de lá para o Rio. Um guitarrista baiano de dezessete anos,

chamado Peu Sousa [69], se ofereceu para acompanhá-lo, pois também

precisava trocar a passagem, e a partir daí ficaram amigos. Ele já tinha tocado

em duas bandas, trabalhava como roadie e também morava em São Paulo.

Nunca souberam se ele estava lá curtindo, trabalhando ou acompanhando o

Brincando de Deus, única banda baiana do festival.

Como as bandas só ganhavam o tíquete para comer no refeitório da

Unicamp no dia em que tocavam, D2 e BNegão “imploraram” para Vanalli

dar um para o sábado também. Eram todos duros, inclusive os cabeças do

Juntatribo. O Planet dividiu o alojamento com a galera do Boi Mamão, de

Curitiba, e ficaram brothers.

Ainda no sábado, o segundo problema: um início de confusão entre punks

e a banda santista Garage Fuzz quase acabou em briga (e com o evento).

Graças à intervenção da turma do “deixa disso”, não virou JuntaTapa e tudo

acabou na paz.

Rodrigo Carneiro, vocalista do Mickey Junkies, tocou no primeiro

Juntatribo, uma Cannabis Cup campineira, e foi para a segunda edição

justamente no domingo, dia da apresentação do Planet. Saiu de São Paulo no

Fusca da amiga Adriana Lessa, acompanhado por Rodrigo Brandão (então VJ

do YO! MTV) e do guitarrista Mario Gildo, que já havia tocado com os

cariocas no Urbania. Tanto o Carneiro quanto o Planet Hemp tinham tanta

certeza de que a legalização da maconha no Brasil estava prestes a acontecer,

que durante os seus shows sempre davam pitadas nos baseados oferecidos

pelo público. As suas lembranças daquele dia em Campinas são de um show

intenso e anárquico, aprovado em uníssono.

O Planet entrou no palco após um show sonolento do Daizy Down, de São

José dos Campos. A maioria das bandas cantava em inglês e o grupo entrou

cantando em português, o que gerou uma conexão forte logo de cara. Num

vídeo de dez minutos do show [70], os cariocas tocaram as músicas do

primeiro disco com uma postura de palco bem dinâmica. Em “Dig Dig Dig”,

Marcelo D2 quicou para lá e para cá usando a camiseta listrada colorida da

Vision que o Rodolfo dos Raimundos também tinha. Ele e Rafael estavam

bem coloridos, o guitarrista ainda sem os dreads. BNegão apareceu com a

sua inseparável camiseta branca do Onyx [71] e gorro cobrindo os olhos,

Formigão com uma camiseta do Ratos de Porão e o Ronaldo Pereira

escorando a bateria do Bacalhau, para ninguém cair em cima dela.

Ao longo do show, a fumaça da maconha se misturou à poeira do chão de

terra, as pessoas subiam no mastro da lona de circo, como se fosse um pau-

de-sebo, e davam mosh lá de cima. Ao final, D2 dá uma ideia num cara que

queria encerrar o show e toca a saideira, com participação de Rodrigo

Brandão na voz e Mario Gildo (com lenço e cartola a la Hendrix) na guitarra.

O Planet saiu aclamado como o melhor show do festival.

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Edson Luís morava em Jaraguá do Sul (SC), tinha uma banda e uma loja

de discos na cidade. Com uma turma de quinze pessoas do Curupira Rock

Club, aí inclusos os amigos de Joinville, viajaram até Campinas para registrar

aquele acontecimento histórico. Em vez de curtir, ele levou uma câmera

Panasonic VHS, duas baterias e dez fitas virgens. Foi um dos poucos a

fotografar e gravar o show do Planet [72], o único a que ele assistiu em toda a

sua vida.

O festival expôs a realidade da cena brasileira. De um lado, as bandas que

cantavam em inglês e sonhavam em fazer uma carreira fora do Brasil. Do

outro, as que cantavam em português e já vislumbravam o sucesso de nomes

como Titãs, Paralamas e Barão Vermelho. Quando as rádios tocaram

“Selim”, com os Raimundos misturando Ramones com forró, acendeu uma

luz. Marcelo dizia que eles tinham que ser os cariocas da parada! E cantar o

Rio de Janeiro real: violento, cruel, drogado, com uma polícia repressora. E

não o paraíso que os Paralamas cantavam, do rock de bermudas na praia.

A apresentação no Juntatribo foi um divisor de águas na carreira do Planet

Hemp. Chegaram lá cheios de marra, no meio de bandas do Brasil todo, e no

final só se falava deles. Foi a primeira vez que se sentiram importantes,

porque as bandas que eles amavam – como Pin Ups, Mickey Junkies e

Garage Fuzz – sabiam quem eles eram. Na cobertura exibida pela MTV, o

show dos cariocas foi o destaque. Na volta para o Rio, de ônibus, o

pensamento de D2 era um só: “Podemos não ser os melhores, mas não tem

ninguém melhor do que nós”.

Infelizmente, a segunda foi também a última edição do festival. Apesar do

saldo positivo de mídia, sem o patrocínio da Skol, que estava encaminhado,

mas não se concretizou, os organizadores tomaram prejuízo. Em reportagem

na Folha de S.Paulo [73], Vanalli lamentou o excesso de bebida, violência e

libertinagem, e afirmou que precisou desembolsar mais três mil reais do

próprio bolso, além dos oito mil que conseguiu de patrocínio da cantina, que

usou para pagar o aluguel do toldo de circo, do palco e do som. Além de

colocar grana do próprio bolso, ele quase perdeu a futura esposa. Poucos

meses depois, a cervejaria lançou o seu próprio festival, o Skol Rock.

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Ainda no Juntatribo, Marcelo D2 foi entrevistado por Fabio Massari,

repórter e apresentador da MTV. Após cursar dois anos de engenharia, o

“Reverendo” mudou para o curso de rádio e TV na FAAP. Mostrando

interesse e conhecimento pela música, o aluno foi indicado pelo (então)

professor Serginho Groisman para estagiar na rádio 89 FM. Começou em

outubro de 1987 e criou o Rock Report. Num curto período em que o

programa foi veiculado na filial da rádio no Recife, uma loja de lá gravava e

deixava rolando no alto-falante. Foi assim que Chico Science soube da

existência do comunicador paulista.

Anos depois, a MTV se instalou em São Paulo e um amigo da rádio

indicou Massari. Começou em fevereiro de 1991 conciliando as duas

emissoras. No início, fazia a programação do Clássicos MTV e do Lado B –

os dois programas que viria a apresentar pouco tempo depois. No dia em que

o VJ Thunderbird faltou, escalaram o Fabio para apresentar o Rock Blocks.

Apesar de falar rápido (como no rádio), o público e a diretoria gostaram.

Quando a 89 FM saiu das mãos do Grupo Jornal do Brasil e voltou para os

antigos donos, o coordenador Eduardo Andrews indicou Massari para o seu

lugar. Uma das coisas mais incômodas que ele teve que fazer na nova função,

contou o próprio, foi demitir a locutora Monika Venerabile.

No meio dos anos 1990, a MTV brasileira era uma das mais legais e

autorais do mundo. E como o Lado B passava na madrugada, Massari tinha a

chance de ousar. Exibiu uma única vez o clipe do Nine Inch Nails no qual

aparecia um cara pelado destroçado por uma máquina, e que tinha sido

banido das outras filiais. Numa outra oportunidade, o VJ ganhou uma

camiseta de uma rádio pirata do interior de São Paulo, a Bolha, e gravou o

programa usando a malha. No dia seguinte, alguém do Ministério das

Comunicações ligou para a MTV e deu o maior esporro.

Depois do encontro no Juntatribo, Massari e o Planet Hemp ainda se

cruzariam muito ao vivo, sobretudo nos festivais, e o grupo seria assimilado

pelo canal.

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Logo depois do Juntatribo, o Planet tocou num evento na UERJ com

outras onze bandas, como Dash, Beach Lizards e Serial Killer. Sabe-se lá por

que, foi o Kadu quem tocou bateria com o Planet nesse dia. Talvez o

Bacalhau tivesse algum show com o Acabou La Tequila. Como a galera

invadiu o palco, o baterista do Serial Killer (Marcelinho) bancou o segurança

do Kadu, afastando todo mundo de perto da bateria. O Formigão comemorou

mais um ano de vida do jeito que mais gostava: em cima do palco. Porém,

dessa vez, sem o amigo Skunk para abraçar.

Em outubro, o SuperDemo voltou ao Aeroanta, em São Paulo. Um ônibus

fretado levou as bandas (Akbal, Coma e Planet Hemp) e os agregados –

inclusive Falcão e Lobato d’O Rappa, a fotógrafa Mariana Vitarelli e Tantão,

que pintou o cenário para o show do Planet. Fizeram as honras da casa os

grupos Party Up e Aftazarden. Bruno Levinson foi como produtor do Coma,

cujo baixista era Mauro Berman, que anos depois integrou a banda de

Marcelo D2. Pouco tempo depois desse show, Bruno começou a trabalhar

pela primeira vez numa gravadora, a Natasha Records, que tinha entre os

sócios Caetano Veloso e sua mulher, Paula Lavigne. Bruno se tornou gerente

da empresa com pouco mais de trinta anos [74].

David Corcos era o roadie de várias bandas cariocas e foi na caravana.

Ajudou todo mundo nos shows até que, numa hora, o empresário Ronaldo

Pereira virou-se para ele e falou: “Tu é bom, moleque”. A partir daí, virou um

amigo-roadie, e passou a acompanhar a banda. No show do Planet, o Mário

Gildo (ex-roadie do DeFalla), que já havia participado no Juntatribo, subiu ao

palco com um sapato na cabeça e, ao final da música, quebrou a própria

guitarra [75]. A viagem do tipo “bate e volta” contou com cobertura do

jornalista Carlos Albuquerque, publicada na coluna “Rio Fanzine” d’O

Globo [76].

Ainda nessa viagem, os músicos do Planet tiveram uma conversa séria

com o Miranda, que queria contratá-los para o selo Banguela. Quando o

velhinho soube que a Sony queria fazer um contrato para compactos com

diversas bandas promissoras, inclusive o Planet, começou uma campanha

junto com André Forastieri no caderno “Folhateen”:

“O contrato era horrível, tipo duas músicas agora e duas depois, por cincoanos. Eu liguei pra Elza e falei: ‘Pode ser legal pra ti, mas não vai ser prasbandas’. Avisei ao ‘Forasta’ e liguei pras bandas, avisando da roubada. Asgravadoras compravam os caras, colocavam em hotel bacana, levavam parauma festa bem louca.

Aí, eu disse pro Ronaldo [Pereira, empresário]: ‘Se eles forem presos, emvez de soltar, eu vou preso junto. Eu não tenho homens de terno pra tirar dacadeia. Vou te mandar um contrato pra você esfregar na cara da Sony. Emúltimo caso, até contrato [a banda] mesmo, foda-se’. Mas era só pra minar ocontrato ruim da coletânea. Sair por uma gravadora grande seria melhor praeles, com certeza. Quando a gente começou a detonar o pau-de-sebo, a Elzame ligou chorando e eu expliquei que era uma manobra política. Foi aí que agravadora propôs que ela escolhesse duas bandas e começasse um selo. E,no fim, a minha profecia se concretizou: eles foram presos e foram os carasde terno que tiraram eles [da cadeia]”.

Em sua versão, Elza nunca quis uma coletânea, desde o início o seu

objetivo era ter um selo com a marca SuperDemo, mas tanto a Sony quanto a

BMG tinham medo de arriscar e propuseram a ela uma compilação de bandas

novas.

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O “Folhateen” foi o suplemento para os adolescentes que a Folha de

S.Paulo lançou para atrair os jovens leitores. Essa estratégia popular nos anos

1990 foi repetida n’O Globo – com o “Planeta Globo” e, depois, o

“Megazine” – e no Jornal do Brasil, com o “Zine”. Muitos anos depois, os

Diários Associados (jornal Estado de Minas) fizeram a revista eletrônica Zine

para computadores e tablets. Em dezembro de 2013, na centésima edição,

adaptaram para smartphones.

Tudo começou em 1991, quando Suzana Singer contratou o jornalista

André Forastieri [77], de vinte e cinco anos, para editar um caderno semanal

para os adolescentes. Inspirado numa edição da revista Spin, o editor propôs

que a edição fosse pautada por estudantes secundaristas, inclusive com seções

reservadas para os alunos do segundo colegial de vários colégios da capital

paulista. “Era o Folhateen por teens [78].” O caderno para adolescentes foi um

grande sucesso e uma boa vitrine para a divulgação de novas bandas. Como o

Planet Hemp.

A pressão dos dois (Miranda e Forastieri) deu certo. O Planet negociou um

contrato melhor e a Elza recebeu um voto de confiança no jornal: “Se a Elza

fizer no Rio o papel que o Miranda tem feito aqui em São Paulo, a coisa toda

pode avançar pra caramba em muito pouco tempo [79]”. A longa e tortuosa

negociação da banda com a gravadora merece um capítulo à parte.

CAPÍTULO 13

USUÁRIO

Em 1994, os Raimundos estouraram com “Selim”, música presente no

primeiro disco da banda lançado pela Banguela, selo dos Titãs com o

Miranda e que tinha distribuição da Warner. A Sony já tinha deixado passar

os Raimundos, por achar que a banda falava muitos palavrões e, portanto, não

podia dar mole novamente e perder o Planet. Ela sabia do interesse da

Banguela na banda.

O Planet Hemp também preferia lançar o seu primeiro disco com o

Miranda, porém, a fila para gravar estava enorme. Por outro lado, a proposta

da Sony era uma coletânea do SuperDemo e dois compactos, que iriam

prender a banda por cinco anos. Sem o Skunk, mas ainda com os valores

originais da banda muito fortes, os músicos vinham do underground, eram

contra as grandes gravadoras, porém confiavam muito na Elza.

Miranda compreendeu os motivos do grupo em não assinar com ele, mas

achava um suicídio aceitar aquela proposta indecorosa. Ao mesmo tempo em

que fez uma campanha detonando o pau-de-sebo da gravadora, com o apoio

de Forastieri no “Folhateen”, a pedido da Elza ele enviou um contrato da

Banguela para o Ronaldo Pereira usar para pressionar a multinacional. Ele

avisou que o contrato era frio e que não queria encrenca, pois não tinha

advogados como os da major. Os pernambucanos do Jorge Cabeleira foram

ansiosos e assinaram o contrato da coletânea. O Planet negociou melhor e se

instaurou o Chaos [80].

Foram várias reuniões até chegarem a um acordo com a pequena equipe da

Sony: o diretor artístico Jorge Davidson trabalhava com Ronaldo Viana e o

seu assistente, Bruno Batista (que anos mais tarde respondeu pelo A&R da

gravadora), além de Alice Pellegatti e Zeca Fernandes, no marketing.

Ronaldo Pereira já conhecia Davidson e Viana da sua época com o Finis

Africae na EMI-Odeon. Apesar de terem vendido cinquenta mil cópias do

primeiro disco, a sua banda foi dispensada justamente pelos dois executivos.

Agora, ele reencontrava a dupla não mais na condição de artista, mas como

empresário da banda.

Depois que o Planet recusou participar da coletânea, a gravadora ofereceu

um split em vinil com o Jorge Cabeleira e o Dia Em Que Seremos Todos

Inúteis e, se desse certo, lançariam um CD. A oferta foi, novamente,

sumariamente recusada. Na cabeça do Marcelo também estava clara uma

outra vantagem deles: a origem. Afinal, as bandas prontas para gravar eram

Raimundos e Little Quail, que eram de Brasília; o Skank de Minas Gerais;

Chico Science & Nação Zumbi de Pernambuco; alguns possíveis nomes em

Curitiba; e, no Rio, apenas eles e o Acabou La Tequila.

Bacalhau recorda que o Skunk morreu no meio desse processo e o

Bernardo já estava na banda: “Pelo que eu me lembro, foi o Skunk mesmo

que trouxe ele [Bernardo], porque ele já conhecia as músicas. Foi quando

rolou o interesse do selo Banguela e da Sony. O Bê já tinha o Juliete e o Funk

Fuckers, e eu [já tinha] o Acabou La Tequila. O Bê morava em Santa Teresa

e já andava com o farnelzinho dele: água, banana, comida, parecia uma

tartaruga, ele já estava bem à frente do seu tempo [81]”.

Formigão conta que o Rafael andava muito com o Marcelo, e ele formava

a dupla da pinga com o Bacalhau: “Uma vez, a gente teve uma reunião na

Sony e nós tomamos um porre de cachaça dentro da gravadora. Comecei a

xingar a Rede Globo e a bater na mesa, ele mijou no carpete, dois comédias

[risos]. O primeiro disco é tosco, mas para mim é o melhor [82]”.

O percussionista da banda Jorge Cabeleira, Pedro Mesel, lembra muito

bem desse episódio: “No segundo semestre de 1994, já apalavrados com a

Sony, finalmente fomos assinar o contrato do nosso primeiro disco.

Chegamos na sede da gravadora e ficamos numa sala reservada, esperando

para sermos atendidos. Andando pelo corredor, nos encontramos com a turma

do Planet Hemp. Em determinado momento, vi o Formigão entrando numa

sala e fui atrás, achando que também era a hora de entrarmos para assinarmos

o contrato. De repente, me deparei com o Formigão sozinho na sala, urinando

na parede [risos]. A galera era muito louca mesmo”.

Rafael confirma que a Banguela era a gravadora que todo mundo queria,

mas com a Elza e a Sony, eles seriam a prioridade: “Todo mundo assinou o

contrato com a Banguela lá no Groove, menos eu. A gente discutiu, bateu

boca. Ainda bem. Porque a Banguela acabou e não lançou ninguém. O

Marcelo ficou naquela de ‘Sony é o caralho’, mas eu os convenci a irem lá.

Aí, o Marcelo foi para a reunião com o Stephan, todo reticente e tal. E

começou a pedir as coisas [83]”.

Marcelo lembra que foi bem direto. Virou para o Jorge Davison e listou as

condições para assinar: “A gente produz o disco e vocês não mexem em

nada; também queremos um videoclipe, mas tem que colocar no contrato, e

cinquenta mil reais”. O diretor da Sony concordou com tudo. Depois, eu

pensei: “Puta que pariu, pedi pouco [risos] [84]”.

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Com o contrato em mãos, Rafael levou para o pai ler, já que era o único

com alguma experiência no assunto. Ele sugeriu algumas mudanças, o

guitarrista levou de volta e a gravadora concordou com as alterações das três

ou quatro cláusulas. Uma delas dizia que todas as decisões deveriam ser

tomadas em concordância entre a banda e a gravadora. A Sony era a

gravadora mais careta da época e eles precisavam de uma banda como o

Planet Hemp.

Elza entrou como produtora executiva e, pela indicação das duas bandas

(Planet e Jorge Cabeleira), ela recebeu uma grana pelo uso da marca, mais

uma grana pela indicação das bandas e uma pequena porcentagem sobre a

venda dos discos. Daniela Dacorso fez as fotos e, numa delas, usada no

encarte, aparece o amigo e roadie Carlos Rasta.

Uma das conquistas mais importantes na época foi conseguir autorização

da Sony para se autoproduzirem, já que cada gravadora tinha os seus

produtores preferidos. Como o Ronaldo havia feito um curso de gravação de

áudio na Rio Música, com o professor Fábio Henriques, o empresário da

banda sugeriu que ele fosse o engenheiro de gravação, pois ele era muito bom

e bem calmo. O Planet acabou repetindo a experiência dos amigos d’O Rappa

em seu primeiro CD, gravando no mesmo estúdio (Discovery), com o mesmo

engenheiro de gravação e mixagem (o Fábio Henriques, em seus primeiros

trabalhos como produtor).

O Planet convidou o seu ídolo Edu K para ser o produtor, mas ele não

estava disponível. Anos depois, Bacalhau reencontrou o líder do DeFalla e

falou o quanto eles queriam o cara como produtor, não como técnico de som,

porque o baterista já sabia a referência sonora que queria: Lenny Kravitz e

Living Colour, timbres de bateria mais modernos, gravados com o software

Pro Tools.

Tempos depois, Edu reconheceu que não ter produzido o disco do Planet

foi a sua única cagada: “Quando eu recusei, os Tubarões Voadores me

chamaram pra produzir o deles [85], e aí eu perdi o medo de produzir. Me

arrependi quando eu vi o clipe de ‘Legalize já’, com o Mario Gildo na sinuca

fazendo a dancinha do Oompa Loompa [86], mas era tarde, eu já estava todo

cagado. Até então, eu só tinha produzido o DeFalla, com a minha própria

técnica, e observando os técnicos gravando”.

No álbum de estreia do Planet, Ronaldo atuou como produtor executivo e

assistente de produção. Foi ele quem alugou equipamentos como

amplificadores Ampeg para o Formigão, bateria vintage para o Bacalhau e,

principalmente, equipamentos para o Rafael, como uma caixa Leslie, que

originalmente é uma caixa para gravar órgão Hammond, mas que fica foda na

guitarra. Alugaram do Frejat, o único no Rio que tinha uma Leslie original.

Após a assinatura do contrato com a Sony, Ronaldo contratou Kadu como

roadie e, algum tempo depois, o Kleber. Foram os dois primeiros integrantes

oficiais da equipe técnica da banda.

O empresário do Planet também pesquisou vários discos e gravações e

mostrou esse material para a banda e o Fábio, de modo a encontrar a

sonoridade que eles queriam. “Foi muito intenso e trabalhoso, mas valeu a

pena, o disco tem um som único.”

Dentro do orçamento que a Sony investiu no disco, a banda separou uma

grana para o estúdio, uma parte para o clipe e cada um comprou alguma coisa

– Formigão um baixo e Bacalhau uma bateria, por exemplo. Sandra Mendes

fez todas as artes do disco à mão. Rafael ainda era casado com ela: “A nossa

filha Júlia nasceu um pouco antes de sair o disco, eu ainda estava morando no

Rio. A Sandra sempre foi envolvida com desenho, pintura, artes plásticas. Ela

trabalhava no Espaço Retrô [87], fazendo toda a parte gráfica dos cartazes, dos

flyers e do zine de lá. Participou de todo esse processo de gravação, formação

da banda e estava profundamente envolvida com tudo desde o início. Nada

mais lógico do que ela cuidar dessa parte gráfica, assim como a Dani, que

sempre tirava nossas fotos, fazer a [foto] do disco. Eram as pessoas talentosas

que faziam parte do nosso círculo íntimo”.

Bacalhau lembra de ter visto o layout original, com tudo recortado,

montado e colado à mão, e descobriu que em design “bacalhau” é uma

maneira de acertar um negócio que está ruim. Segundo o baterista, foi assim

que ele ganhou o apelido que o acompanha até hoje.

O único músico da banda com alguma experiência anterior em gravação

era o Rafael, que já tinha gravado uma música com o Cold Turkey para a

coletânea No Major Babes volume 2. Então, quando foram para o estúdio, o

guitarrista teve a oportunidade de experimentar. Em Usuário, Rafael usou as

suas próprias guitarras (uma Gibson 335 semiacústica e uma Fender

Duosonic-2), combinando diversos pedais (wah-wah, Sansamp, Fuzz Face)

com diferentes amplificadores, como um Marshall JMP, Pignose e Mesa

Boogie [88].

Coincidentemente, o empresário do Planet participou bastante da

compilação No Major Babes volume 1 [89], produzida pelo jornalista Marcel

Plasse. Ronaldo tocou bateria em “Violent Kiss” (Second Come), e ajudou a

gravar “Sexy Lenore”, com o Dash. O Planet entrou aos quarenta e cinco do

segundo tempo e participou com “Puta disfarçada”, e ele entrou como o

produtor da faixa.

Devido à sua notória falta de maiores conhecimentos de harmonia,

Formigão criou uma banda imaginária, chamada A Gente se Encontra no Mi,

o que justificava qualquer erro de harmonia, já que o tom original da maioria

das músicas do Planet Hemp era a nota Mi. Usuário ficou pesado, agressivo,

repleto de raiva e, com certeza, um disco focado na questão da maconha –

naqueles tempos, só de tocar no assunto já era como xingar alguém.

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No primeiro disco do Planet, Marcelo D2 participou basicamente com as

letras. A sua música favorita tanto do álbum quanto da banda é “Mantenha o

respeito”. Como ele, Rafael e Gustavo eram muito competitivos, estavam

sempre disputando para ver quem fazia melhor. Quando Rafael criou os riffs

de “Mantenha o respeito”, D2 tinha que rebater com uma letra poderosa

também. O refrão da música é parecido com o de “Smells Like Teen Spirit”,

mas, como os vocalistas cantam rap em cima, ninguém percebeu. Foi uma

sacada do guitarrista.

Quando “Legalize já” foi gravada na fita demo, a cada take o Formigão

fazia uma frase de baixo diferente, então Jenner e Ronaldo criaram uma

batida dele tocando baixo. Com o tempo, ele virou mestre em fazer esse loop

sozinho. Inspirado nas linhas de baixo do Jane’s Addiction, criou a de “Não

compre, plante!”. O baixista bebeu da água do Body Count para criar com o

Rafael o instrumental de “Muthafuckin’ Racists”, sua música favorita no

disco. Apesar de ter sido o álbum mais tosco do Planet, para ele foi também o

mais honesto: a cara verdadeira da banda.

Usuário foi o primeiro disco do Bacalhau e a sua única preocupação era

dar merda e os caras baterem na porta do seu pai. Afinal, ele era um moleque

e a banda só mais uma aposta. Ainda assim, o baterista contribuiu com dois

sons diferentes de caixa em “Fazendo a cabeça”, com a inovação de

contratempo em “Legalize já”, deu vários palpites em “Dig Dig Dig” e fez

backing vocal (pela primeira vez na vida) em “Bala perdida” – anos e anos

depois, se encorajaria de cantar em suas outras bandas. Como ele morava na

Ilha do Governador, costumava ficar até tarde da noite com o Fábio

Henriques, que lhe dava carona até a Leopoldina. Nesse disco, suas favoritas

são “Fazendo a cabeça”, “Dig Dig Dig”, “Futuro do país”, “Mantenha o

respeito” e “Não compre, plante!”.

O baterista David Corcos emprestou os pratos para o Bacalhau gravar, o

que lhe deu carta branca para acompanhar o trabalho. Naquela época, ele já

aspirava a ser técnico de som e produtor, e pediu para o Ronaldo deixá-lo

produzir o disco ou, pelo menos, uma música, mas foi vetado. Anos depois,

já como um renomado produtor, David assinou trabalhos do Planet e da

carreira solo do D2.

BNegão entrou apenas para gravar a voz nas partes que o Skunk cantava e

colaborou com a letra de “Bala perdida”. Em respeito ao falecido amigo, ele

não cantou como da sua maneira, e sim do jeito do Skunk. Afinal, frisou

Kadu com todas as letras, a banda era o Skunk: “Quando ele adoeceu pela

primeira vez, o Bernardo fez alguns shows. Na segunda vez que ele adoeceu

e não voltou mais, a banda decidiu continuar e o Bernardo gravou o disco.

Tem músicas que são do Skunk e estão sem o crédito dele. Acho que rolava

também uma parada de o Bernardo ganhar menos do que os outros, de ser

músico contratado”.

No release enviado para a imprensa dentro de uma latinha de ferro com o

single de “Legalize já”, o jornalista Carlos Albuquerque, do Rio Fanzine,

escreveu: “Carioca da gema, universal por natureza”.

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Durante a gravação de Usuário, Speed e Gustavo Black foram ao estúdio

praticamente todos os dias. Speed foi o único dos cinco que não foi

(oficialmente) do Planet, mas ele era da crew. Tanto que tocou baixo em

“Skunk” e, além disso, a faixa doze do disco é “Speed Funk”. Então, para os

integrantes, ele era tão da banda quanto qualquer um.

Gustavo já era um bom letrista e estava sempre cantando Eek-A-

Mouse [90], como um verdadeiro toaster que ele é. As noções de

“Deisdazseis” (“deixa eu falar a verdade // é que eu me sinto bem com os

sangue bom aqui da cidade”) vêm do ragga. E o Planet acoplou o ragga.

Essa música é o xodó de Black. O Skunk criou o refrão de “Muthafuckin’

Racists” e o Gustavo (que falava inglês fluentemente) escreveu a letra, além

de colaborar com o refrão nas faixas “Mantenha o respeito” e “Legalize já”,

que lhe renderam os direitos conexos.

Naquela época, as bandas da hemp family precisavam muito umas das

outras porque não tinham repertório suficiente. Então, de certa forma, o DJ

Rodrigues ajudou a produzir o disco, pois muita coisa do primeiro álbum saiu

da casa dele, em Niterói. Todos os scratches e as bases (não orgânicas) são

dele. As suas favoritas em Usuário são “Deisdazseis” e “Punkhy Buddha”.

Em “Porcos fardados”, o DJ usou um sampler de “Palco”, do Giberto Gil,

mas a editora não liberou e ele teve que refazer tudo. Já o empresário,

Ronaldo, tem especial predileção por “Mantenha o respeito”. Em algumas

faixas, Chico Neves criou programações, Marcelo Lobato (tecladista d’O

Rappa) tocou órgão Hammond e Marcos Suzano, percussão.

De modo a ampliar os horizontes dos músicos, Ronaldo mostrou para a

banda o LP Free Your Mind... and Your Ass Will Follow, do Funkadelic [91], e

todos piraram. Jenner colocou uma pilha para a banda gravar uma música

sobre futebol, mas eles não deram bola. Pouco tempo depois, a banda Skank

lançou “É uma partida de futebol” e estourou.

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Bruno Montalvão mudou-se de Aracaju para o Rio por incentivo do pai,

que tinha uma agência de propaganda na capital de Sergipe. De cara, ele

gostou da ideia, já que a cidade também tinha praia, mulheres bonitas e, ainda

por cima, o seu time do coração, o Flamengo. Matriculou-se no curso de

publicidade da Facha, onde ficou amigo de Carlos Rasta, que lhe apresentou

o Skunk e o levou para os primeiros ensaios do Planet Hemp. Ele mesmo

chegou a cantar numa banda paralela com Formigão, Rafael e Wilson Power,

mas que não durou mais do que quatro ensaios.

No início, Montalvão morou com a mãe na rua Paulo Barreto, em

Botafogo, e a galera ensaiava no estúdio Hanói, bem pertinho dali. Muitas

vezes os instrumentos ficavam em sua casa, para facilitar. Quando se mudou

para a rua Treze de Maio, no centro da cidade, o pai ainda ajudava nas

despesas, mas depois Bruno passou a vender ácidos para pagar as contas.

Marcelo D2 era cliente assíduo.

Durante as gravações de Usuário, ele ia quase diariamente ao estúdio, para

ajudar no que fosse necessário. Ou seja, comprava comida no boteco,

buscava cervejas e enrolava os baseados. Na faixa instrumental “Skunk”,

Montalvão deu a ideia do diálogo no fim da música. Na hora de gravar,

Marcelo D2 chamou o amigo para falar com ele no microfone. Ficou tão

bom, que ficaram com o primeiro take logo de cara. O envolvimento com a

música mudou a sua vida e aquele jovem de vinte e um anos largou a

publicidade. Ele reencontraria o Planet algum tempo depois, produzindo o

primeiro show da banda, em Aracaju.

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Enquanto o Ronaldo e a Elza produziam a Rave Hip-Hop, os DJs Edinho e

Wilson Power atacavam de Rave Rock. Na verdade, a ideia foi do DJ

Amandio (na ocasião, dono da Basement) e a concepção dos DJs Wilson e

Edinho, como um desdobramento da festa Rock Power. Aliás, reza a lenda

que Skunk e D2 decidiram formar o Planet Hemp em 1993, numa noite da

Rock Power. Esta foi a primeira vez que o termo rave foi utilizado numa

festa de rock, abrangendo todo um universo de música pop alternativa, o que

também incluiu a música eletrônica. A data foi escolhida justamente numa

época em que a boate precisava de uma reforma básica. Essa foi a maneira

que os dois DJs encontraram de arrecadar uma grana para o Amandio fazer as

obras necessárias.

A primeira Rave Rock aconteceu numa casa alugada no Jardim Botânico,

com shows de Beach Lizards, Dash e Planet Hemp – ainda com o Skunk.

Com o sucesso e a repercussão, um produtor resolveu contratar a turma para

fazer a mesma festa na Fundição Progresso. Como o Planet estava em estúdio

gravando o Usuário, só abriu uma exceção porque a festa era de três amigos

queridos, e com os ídolos do DeFalla. Todos os shows foram ótimos,

inclusive o dos Suínos Tesudos, que lançaram no evento a segunda fita demo.

A festa aconteceu no Cabaré da Fundição, cujo camarim ficava na parte

superior. Ronaldo já tinha entrado e saído várias vezes de lá, quando falaram

que a polícia estava no camarim. Na mesma hora ele subiu correndo,

devidamente credenciado, e o segurança o barrou. Nisso, veio um fortão sem

camisa e saiu dando porrada. O cara era segurança de um dos promotores da

festa e deu um soco tão forte, que ele apagou na hora.

Como todo mundo estava louco de ácido, a galera se juntou e começou a

tensão. Puto da vida, D2 chutou a porta de vidro do escritório da Fundição. O

problema é que era uma porta aramada e ele acabou tomando um prejuízo: o

sangue jorrava da perna cortada do músico. Os seguranças começaram a rir e

o Wilson, descontrolado, pulou em cima daquela poça de sangue enorme para

molhar os caras, que quase o encheram de porrada. O dia raiou e os dois

foram para o Hospital Municipal Souza Aguiar. Ronaldo ficou todo

arrebentado, tem a cicatriz até hoje. Marcelo levou diversos pontos e, por

pouco, não perdeu os movimentos na perna.

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Certa vez, Ronaldo encontrou com o Renato Russo no estúdio. Ele estava

gravando um disco solo e os dois se esbarraram na troca de período entre ele

e a banda. Fazia anos que não se viam e ficaram bem alegres, recordando os

tempos de Brasília. Na despedida, o cantor mirou uma pasta 007 e perguntou

se o amigo tinha virado advogado. No que ele respondeu, “não, sou

empresário dos maconheiros do Planet Hemp”. Os dois riram muito e se

despediram. Foi a última vez que Ronaldo encontrou o artista, que faleceu

pouco tempo depois.

Usuário foi dedicado à memória de Skunk. No período em que Ronaldo

foi o empresário da banda, até o final de 1998, ele garantiu que a família do

ex-vocalista recebesse alguma grana pelos direitos autorais.

Zé Gonzales não participou da gravação, mas as suas preferidas são “Dig

Dig Dig” e “Deisdazseis”. Ele entrou para o Planet Hemp no show de

lançamento do Usuário, em São Paulo, e permaneceu na crew até o fim da

turnê do Sagaz Homem Fumaça. Sua história com a banda começou com o

skate e merece ser contada nos mínimos detalhes.

Palhetas usadas por Rafael e Formigão no show de 2 de outubro de 1996, no Clube Petropolitano (RJ).Acervo pessoal de Rodrigo Tonante.

CAPÍTULO 14

O “A” E O ZÉ

Nascido em São Paulo, em 26 de abril de 1969, José Henrique Castanho de

Godoy Pinheiro estabeleceu contato com a música e os discos de vinil ainda

na infância: “A minha mãe sempre gostou de música boa e tinha muitos LPs,

tipo Led Zeppelin, The Wall [Pink Floyd], Thriller [Michael Jackson], a

coletânea Hit Parade 3 [Ariola, 1982] com ‘Planet Rock’, do Soul Sonic

Force. Ela era dona de casa e tinha dois toca-discos. Ela comprava vinis,

mixava, gravava fitas em gravador de rolo, fazia mixtapes. Tocava em casa

mesmo, discotecava para os filhos. Quando eu tive altura pra mexer nos toca-

discos, com sete ou oito anos, comecei a meter a mão ali também”.

Tempos depois, já no fim dos anos 1980, Zé frequentava o Largo São

Bento (no centro de São Paulo), berço do hip-hop nacional, quando conheceu

aquele que virou o seu padrinho, o jornalista Arthur Veríssimo:

“Eu conheci [o Arthur] na noite. A gente andava de skate na PraçaRoosevelt e de lá ia para o Cais [92], um lugar com todas as tribos. Tinhamtrês DJs: o Jaime era o punk, o Magal era o gótico e pós-punk, e o Arthurera o malucão eclético de vanguarda, o primeiro a tocar Public Enemy eSchoolly D, no Brasil. Eu fazia parte da facção Ibiraboys, com o Chorão, o‘Thronn’ e outros.

Comecei a levar discos pra cabine e o Arthur era muito junkie, de tomarheroína, então a gente ficava tocando e ele deitado, chutando a nossa bunda.Ficávamos lá, discotecando, eu e o André ‘Xiko’, irmão do Alê, da loja

Ultra Hemp. Fizemos o projeto DJ Chita. Hoje, o Xiko tem a Fat Crystal [93],que faz superadubos, coisas para growing. Eu sou de 1969 e ele é de 1959,eu tinha 18 anos e ele 28. Aí, o Arthur me adotou: viajávamos juntos, e agente carregava os discos dele. Ele ganhava mil e dava cinquenta contos pragente. Tocamos em festas da revista Trip, para a qual ele escrevia [94]”.

Quando ficou amigo do Thaíde e do DJ Hum, Zé aprendeu a fazer

scratches antes de começar a tocar: “Eu ainda não sabia mixar, mas

enganava. Também comecei a ser DJ em campeonatos de skate, nos quais eu

competia como profissional. Saiu uma foto minha na revista Yeah! e o

Thronn me apelidou de Zé Gonzales [95]. A gente pegava apelido dos gringos,

imitava o estilo”.

Na segunda metade dos anos 1980, a cidade de Guaratinguetá, no Vale do

Paraíba (SP), tornou-se conhecida por sediar importantes campeonatos de

skate. No Campeonato Brasileiro de 1985, que marcou a primeira vez do

skatista profissional Tony Alva no país, Marcelo D2 aproveitou a folga no

quartel e foi até Guará, onde conseguiu dormir na camaradagem na casa de

skatistas locais [96]. Dois anos depois, no Brasileiro de 1987, o Zé competiu.

O apelido do DJ trouxe sorte. Na primeira visita do skatista profissional

norte-americano Mark Gonzales ao Brasil [97], em 1990, D2 teve a chance de

conversar com ele: “A gente estava numa ruazinha no Rio, ao lado do hotel, e

o Mark estava pulando uma mesa enorme de ollie. Aí, o D2 começou a trocar

uma ideia comigo sobre música, sobre o [toaster inglês] Shinehead, e a gente

se conheceu assim. [Naquela época] eu era DJ e skatista profissional, mais

famoso que o Marcelo. Então, a primeira coisa que uniu a gente foi skate e

música. Nesse mesmo ano eu fui pra Guará apenas como DJ [98]. Eu já não

tinha mais a pressão de competir porque estaria no campeonato ou na festa

como DJ. Foi lá [em Guará] que o Marcelo ouviu Public Enemy pela

primeira vez, eu apresentei a ele”.

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Unidos pelo amor ao skate e à música, Zé Gonzales e Marcelo D2

começaram a se trombar direto e viraram amigos. Em novembro de 1993, se

encontraram no show do Planet, no Urbania, quando o DJ viu o Skunk

cantando e conheceu o Speed, que estava de pijama.

Um ano antes de entrar para o Planet, Zé fez uma turnê como DJ do

DeFalla, na época do Kingzo [99], com o Mario Gildo junto, quebrando hotel e

apavorando tudo: “Depois disso, nunca mais teve DJ na banda. Eu conheci o

Jackson já com o Edu K. Nessa época, ele ainda nem sonhava em tocar

guitarra no Planet, ele colava no DeFalla. Muita gente não dá a importância

que ele tem, mas o Jackson teve uma participação ativa, inclusive quando o

Rafael quebrou a clavícula e ele virou guitarrista da noite para o dia”.

Com faro para talentos, foi o Zé quem revelou o DJ Nuts para o resto do

mundo: “O Rodrigo era irmão de uma amiga minha, que frequentava uma

balada de boy, chamada Allure, onde eu discotecava. Aí, eu o convidei para

tocar na minha festa de aniversário, dia 26 de abril de 1995, e foi a primeira

vez que saiu Rodrigo DS Nuts num flyer. Antes, o apelido dele era

‘Teixeirinha’. O Nuts eu tirei da música com o Snoop Dogg [100]. O Marcelo

foi na festa, e eu não era da banda ainda”.

Edu K lembrou de quando o Zé Gonzales tocou com o DeFalla: “Fomos

tocar em Curitiba, num galpão grande, e o DJ Primo estava bombadaço. Aí o

Zé estava todo inseguro e a gente falou pra ele fazer os scratches do jeito

dele. Algum tempo depois, o Nuts gravou os scratches em Meu nome é Edu

K [Dabliú, 1995]. Eu lembro que ele matou aula e chegou lá pra gravar de

roupinha e bolsa do colégio [risos]”.

Deserdado aos 26 anos, Zé seguiu o conselho do padrinho Arthur

Veríssimo e foi para a Jamaica comprar discos e fazer planos. Quando voltou,

começou a tocar na banda de um baixinho, magrinho, de cabelo curto, que

colava nele nos campeonatos de skate para falar sobre música [101].

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A entrada do Zé na banda aconteceu no susto, meio por acaso:

“Nós estávamos na madrugada de domingo pra segunda no The Jungle, umbar na Vila Madalena, e o Marcelo falou que ia ter show naquela segunda,mas a banda estava sem DJ, e me chamou pra tocar. Fui para a passagem desom, mas nunca tinha ensaiado com eles, e levei dois banquinhos paracolocar as minhas coisas em cima. Eu só conhecia o Marcelo, conheci osoutros integrantes na hora. O Marcelo falou que eu poderia fazer o que euquisesse, tocar de improviso mesmo. Na semana seguinte, eles iam praCuritiba e me chamaram de novo. Foi assim que eu comecei a ir para osshows.

Na época, eu tinha um estúdio de gravação chamado Digital Dali, na ruaBela Cintra, com o Apollo e o Antonio Pinto, filho do Ziraldo. A gentechegava no estúdio às duas da manhã, antes de ir pra balada, para oColumbia, na rua Estados Unidos. Era uma época baladeira, eu dormia demanhã e à tarde. Os dois sócios [no estúdio] enveredaram pelas trilhassonoras, o Apollo pra publicidade e o Antonio pra cinema. Depois de umtempo, eu vendi a minha parte na sociedade e fiquei só no Planet.

Por gostar da noite, rolou uma empatia de cara com o Marcelo e com o Rafa.No primeiro ano com o Planet, quando eu ia pro Rio ficava sempre na casado Rafa. Só depois, nos Cães, é que eu ficava em hotel, com a gravadorapagando.

Eu levei o Apollo como tecladista para shows do Usuário e ele gravou oCães ladram. Ele parou um pouco antes do fim, antes de a gente ser preso,porque ele casou e a esposa não deixou que ele tocasse mais com a gente[risos]. Mesmo na banda, ele continuava trabalhando na publicidade. Ficouuns dois anos e meio na crew. O Apollo somou muito à sonoridade dabanda”.

O primeiro show do Apollo com o Planet foi em Santos, no litoral de São

Paulo. Também foi a primeira viagem do Kleber com a banda. O roadie

Kadu também estava lá: “Estávamos tomando um café e esperando a

liberação dos quartos no hotel, quando o Chorão chegou e se apresentou pra

gente, entregou uma fita demo [do Charlie Brown Jr.]. Eles ainda cantavam

em inglês. O Marcelo disse que eles iam abrir o show pra gente. O lugar era

esquisito, tive que colocar a picape do Zé em cima de um piano. Mas tinha

uma mesinha bacana na qual o Kleber colou um adesivo com o nome do

Planet e levou [pra casa]. Ele travou a mesinha pra ele e usou em muitos

shows”.

Kleber e Kadu levavam e montavam tudo sozinhos: bateria completa,

amplificadores, o Moog e o Fender Rhodes do Apollo. Kadu lembra que o

tecladista usava um cabeçote e um pedal de wah-wah nos dois teclados,

tirando um sonzão que mais parecia com uma segunda guitarra: “O Apollo

dizia que pra competir com o Rafael ele precisava estar à altura dele”.

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Apollo Nove é o nome artístico do tecladista e renomado produtor

Francisco Carvalho. A mudança na grafia aconteceu depois de fazer o disco

do Otto e da Cibelle para a (gravadora) Trama, quando a gravadora Crammed

o convidou para fazer um disco solo [102]. O motivo da alteração: quando se

digitava Apollo 9 num buscador na internet, só aparecia a nave espacial.

Então, a partir de 2006, passou a assinar por extenso: Apollo Nove. Antes de

conhecer o DJ Zé Gonzales e entrar para a crew do Planet Hemp, ele já tinha

percorrido uma longa estrada.

Nascido em São Paulo, com raízes paternas no Recife, o pequeno

Francisco cresceu ouvindo muita música de raiz em casa. O pai trabalhava

em agências de publicidade e era muito amigo do Marcus Pereira, que lançou

o disco Música popular do Nordeste [103] – e tantos outros LPs fundamentais

– pela sua própria gravadora. Do lado materno veio a influência da Igreja

metodista, com o canto no coral e as aulas de piano clássico. Aos oito anos,

ele já tocava obras de Mozart. Na adolescência, Chico passou a gostar de

novos sons:

“Eu sempre fui fã do Brian Eno e, nessa época, eu morava no Jabaquara e iacomprar discos no centro, ia muito à [loja] Baratos Afins. Na primeira vezque eu fumei um e a onda bateu, eu tinha comprado o disco My Life in theBush of Ghosts [104]. Eu estava no metrô, voltando pra casa, e comecei a vero cara sentado à minha frente com o nariz do Picasso, todo distorcido. Sópra ver como eu estava doido. Eu devia ter uns dezesseis anos. Cheguei emcasa, ouvi esse disco e mudou a minha vida.

No fim dos anos 1980, entrei numa fase de música experimental, eletrônica,comecei a produzir para um selo chamado Cri Du Chat. Na primeira

coletânea, Minimal Synth Ethics [105], eu produzi tudo sozinho, com exceçãodo grupo do Maurizio Onito, que veio pronto. Recebi sessenta dólares poresse trabalho. O [meu] apelido surgiu porque os amigos diziam que euestava sempre chapado, fora de órbita. Aí, quando saiu a coletânea, em vezde assinar como Francisco Carvalho, coloquei Apollo 9, com o número”.

Em 1990, aos dezenove anos, Apollo mudou-se para Londres, com uma

mão na frente e outra atrás, disposto a não voltar nunca mais:

“Eu vendi uma guitarra Vox Teardrop em forma de gota pro EdgardScandurra e vendi outras duas [guitarras]. Levantei uns quatro mil dólares,que acabaram muito rápido. Aí, comecei a ler os beatniks e isso abriu aminha cabeça. Comecei a gostar da ilegalidade. Eu pedia emprego e aspessoas não me davam porque eu estava com visto de turista. Quandoinventei que era o italiano Francesco Gianpoli arrumei emprego de garçom.Eu tirava as etiquetas brasileiras das minhas roupas e usava um sapatoitaliano. Depois, comecei a vender quadros de porta em porta em bairrosbons de subúrbio.

Depois eu acabei descobrindo que eram quadros falsos, feitos em escalaindustrial, em Taiwan. Eu comprava [esses quadros] por quarenta e duaslibras e vendia por quanto eu quisesse. Cheguei a fazer seiscentas libras naprimeira noite. Com dezenove anos! Os punks ainda estavam por ali, porém,já estavam velhos, decadentes. Mas tinha a cena acid house, o lance dasrádios piratas, o Happy Mondays estava no auge. Música e ecstasy, daí as‘segundas felizes’. Fim dos anos 1980, início dos 1990, as raves, o verão doamor. Vi vários shows fodas.

Quando começou a guerra do Golfo, a coisa ficou sinistra, ‘terceira guerramundial, o mundo vai acabar’... E, pra piorar, eu peguei uma gripe de seismeses. Eu vendia quadros à noite, num inverno muito frio, e entrava na casaquente das pessoas. Entrava e saía, e fiquei assim por seis meses.

Juntei uma grana e voltei para montar o meu estúdio, com seiscentos mildólares. Só que não existia aqui uma cena de música eletrônica. Não tinhaessa alegria de Londres, ainda era pra baixo. Eu usava um pedal de samplerde plástico e filtrava no [sintetizador] Minimoog. Eu conheci o Brian Enopessoalmente, em São Paulo. Ele filtrava as coisas dentro do moog, e porisso comprei um. Então, em vez de um estúdio de seiscentos mil dólares, namúsica eletrônica eu podia criar um universo sintético, quase virtual. Quereco? Coloca o reverb, não precisa gravar na catedral.

Eu ouvi muitos discos do Walter Carlos, e um dia eu vi as fotos do estúdio,que era na casa dele, no qual ele tocava sozinho todos os instrumentos. Elefazia tudo. Isso me bateu muito. Eu tocava piano, guitarra e gostava degravar. E, pra mim, o Prince é o Michael Jackson, e ele também fazia tudosozinho.

Lembro que eu gravei o Disk Putas [106], uma banda hardcore que só falavade profanações: a Dora [guitarra e vocal], a Priscila [baixo] e o RenatoCohen, que é DJ, na bateria. Na época, ele tinha dreads. Elas foramconvidadas para ir para a Banguela e o disco ia se chamar Morte aos Titãs.Tomei um doce pra mixar. A foto da capa era a Malu Mader com oTaumaturgo Ferreira com tarja na cara [107]. Aí, rolou a maior treta, o disconão saiu. Foi quando eu conheci o Miranda.

Aí, a Dora indicou o estúdio pro Zegon, que tinha uma banda chamada 3P.Antes, ele teve a banda DJ Chita, que era ele e o meu cunhado, o AndréChita, irmão mais velho da minha mulher. Tudo em família. Com o 3P,gravei ‘Modelo, manequim, michê’. Naquela época, pagava-se por dia, eficamos um mês trabalhando nessa música: o Zé pagou a maior grana. Mastodo mundo perdeu a fita da mixagem, e não existe mais essa música.

Nessa época, comecei a trabalhar na MTV, produzindo aberturas deprogramas, as trilhas dos VMBs, as vinhetas e tal. Isso me lembra amochilinha amarela de surf do D2. Parecia um membro dele. Um dia, na

festa do VMB, o Falcão d’O Rappa falou pro D2 abrir a mochilinha praafanar alguns copos, que eram supermaneiros. Marcelo abriu o zíper eapontou: ‘Não cabe mais, já está cheia’, mostrando um monte de copos[risos]”.

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No embalo do sucesso que o rap fazia nos EUA, nos anos 1980 a MTV

norte-americana criou um programa de duas horas chamado Yo! MTV Raps,

que se tornou uma referência para o movimento hip-hop. Entre os primeiros

vídeos do programa, (hoje) clássicos como “Follow the Leader”, da dupla

Eric B. & Rakim; “Chain Gang”, do Shinehead; “High Rollers”, do Ice-T; e o

caso de sucesso do ‘Hey Ho’, do grupo Naughty by Nature, cujo disco

homônimo lançado em 1991, pela Tommy Boy, virou platina em um ano.

Por outro lado, a MTV teve sérios problemas em 1991 com o clipe de “By

The Time I Get to Arizona” , do Public Enemy, onde os músicos – todos

negros – se vestem de soldados e matam um político do Arizona, um dos

poucos Estados a não reconhecer a data da morte de Martin Luther King

como feriado.

Quando a emissora chegou ao Brasil, em outubro de 1990, já no primeiro

fim de semana exibiu o programa Yo! MTV Raps, porém, sem apresentador.

Num desses acasos da vida, Rodrigo Brandão virou VJ da MTV. E ele contou

como tudo isso aconteceu:

“Primeiro, colocaram [pra apresentar o programa] o Rodrigo Leão, vocalistado Professor Antena. Depois, entrou um cara do Rio, que também não ficou,

e aí resolveram passar o Yo! gringo, de madrugada, em inglês e em temporeal. Pra mim, foi a melhor parte, porque a informação chegava rápido.Depois, entrou o DJ Primo. De 1993 para 1994, ele me chamou paraescrever uns textos pra ele, na brodagem, e fiz isso por uns meses até que elesaiu do programa.

Quando a MTV me contratou como VJ, eu morava em Osasco. Um dia, porindicação do Carlinhos [Againe/Polara], o Daniel Bozzio me ligou parafazer um teste para o Yo!. Eu via os caras fazendo e achava muito fácil, erasó ficar na frente da câmera falando de som. A Soninha [Francine] dirigiu oteste, mas ela nem era apresentadora ainda. Era para ler um texto sobreChico Science & Nação Zumbi e Grandmaster Flash [108]. Como eu conheciaos dois, foi mole, fiz de improviso. Passou uns dois meses, trombei o Daniele ele me disse que a Soninha estava atrás de mim, que eu tinha sidoaprovado. Depois que o VJ Primo saiu, a MTV queria descontinuar oprograma, mas o contrato obrigava a manter. Então, me perguntaram se eutopava apresentar sem ganhar nenhum centavo. Era o segundo semestre de1994 e eu estava cursando comunicação na Faap.

Quando eu arrumei esse trampo, não dava mais pra pegar duas horas debusão lá de ‘Oz’ [apelido de Osasco] pra cá, e aluguei um apartamento narua Augusta. A galera do Planet ficava lá direto. Tinha dia de o Marcelochegar sem avisar, e de repente bater lá na porta. Era todo mundo moleque,todo mundo favelado, mas sendo reconhecido e ganhando uma graninha.Um dia, ele estava lá em casa sem fazer nada e chamei pra ir comigo naMTV. A gente estava gravando e, nos intervalos, ia fumar na escada,quando apareceu o Cazé e convidou o Marcelo pra declamar num programanovo dele.

Aí ele: ‘Posso sim. Pode ser agora?’.

E o Cazé: ‘Agora não, mas pode ser hoje’.

Ele passou o dia lá, esperando, e gravou! O sangue nos olhos do D2 fez

Ele passou o dia lá, esperando, e gravou! O sangue nos olhos do D2 fezmuita diferença”.

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No início de 1994, assim como o Brandão, o Apollo também trabalhava na

MTV. Ele como videomaker e a mulher Joana C4 [109] como produtora

gráfica. Ele tinha vinte e quatro anos, ela, vinte e três. Na emissora, ela criava

os samplers visuais para os fundos dos apresentadores. Fora do emprego, ele

se dedicava ao trabalho autoral Jungle Bells, e a transformar ruídos

ambientais em trilhas sonoras de filmes e produções independentes [110]. Foi

então que Apollo e Zé Gonzales se conheceram, ficaram amigos e

começaram a andar juntos com frequência:

“Eu trabalhava no áudio da MTV e tinha uma banda com o Antonio Pinto eo Alec, que tocava no [grupo de new wave] Metrô. Na MTV eu tive aoportunidade de trabalhar com equipamento foda, fiz coisas muito legais, sóque ganhava tipo seiscentos reais. Teoricamente eram seis horas, mas euficava sempre além do horário. Aí, o Antonio foi demitido e chegou na salachorando. Então, eu sugeri de abrirmos um estúdio. Mas era um porão.

Foi quando rolou uma boa oportunidade. A mãe do Zé tinha uma salinha naBela Cintra, entre as ruas Estados Unidos e Oscar Freire. Como era umcontrato antigo, a gente ia pagar mil e quatrocentos reais! Nós três ficamossócios, metemos uma película escura na vitrine, o Speto fez um grafite emontamos um estúdio de primeira. Era o Digital Dali. O pai do Zé sugeriude comprar um [software], o ProTools, de trinta mil dólares. Ficávamos

azarando as vendedoras de loja. Viramos um pedacinho da favela no meiodos Jardins.

O estúdio era demais, só que o Zé não aparecia, o Antonio não tinha skilltécnico, e eu que mexia em tudo. O [produtor] Bid ia lá direto com o ChicoScience. Aí eu fiz [o filme] Terra estrangeira [111] e as coisas começaram arolar pra gente. Então, se hoje a música sustenta três famílias, se o Zé e oAntonio Pinto têm carreiras internacionais consolidadas, é porque o pai doZé acreditou na gente. Um estúdio high-tech na mão de uns vagabundos.

Certo dia, o pessoal do Planet apareceu lá no estúdio num fim de tarde, comumas minas muito loucas, tipo Easy Rider [112]. O David Corcos ficoutocando bateria, e achei que ele era da banda porque o Bacalhau não foi.Ficaram lá fazendo um som. Perguntaram se tínhamos gostado do Usuário.A gente já fazia uma produção mais moderna, e aquele disco era de rock,com uma produção bem simples.

Logo depois, o Zé entrou pra banda e eles continuaram indo lá, no estúdio.Aliás, a contribuição do Zé – e minha também – foi subcreditada nessatransformação do Planet. Nós levamos um pouco mais de sofisticação prabanda, colocamos delay no scratch, delay no vocal. Foi ele [Zé] quem fez aconexão com o [produtor] Mario Caldato”.

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Zé levou Apollo para a turnê do Usuário, durante a qual o tecladista

encontrou liberdade total para improvisar. Aliás, a própria banda também não

tocava exatamente a mesma coisa. “Legalize já”, por exemplo, não era

executada ao vivo da mesma maneira que estava no disco: o bacana era

observar os caminhos que eles trilhavam até chegar ao refrão.

Ao entrar na crew do Planet Hemp, o produtor ficou realmente livre, leve e

solto: “Eu me separei [da Joana] e levei a cama pro estúdio, que virou o

matadouro. Às vezes, o D2 vinha pra São Paulo e dormia num tapete peludão

lá [no estúdio]. Ele estava começando a ficar famoso. Como ele tinha aquele

cabelo, as pessoas o paravam na rua pra pedir um beck”.

O mais novo integrante da banda não apenas agregou ao som do Planet,

mas também obteve um ótimo desempenho junto às fãs, o que lhe rendeu o

apelido de Apollo Love: “Eu tinha acabado de sair de um casamento de três

anos. Por isso, desfrutava desse assédio e devia ter certo jeito, porque nem

era o mais conhecido da banda. O D2, o Zé e eu eram os que pegavam mais.

Rolava uma certa competição, um querendo pegar a mulher do outro, um pé

no corredor pro outro tropeçar e cair [risos]. No Planet teve de tudo, até

roadie transando com duas mulheres! Era uma banda pica doce [risos]. Eu

preferia ir com uma mina pro hotel do que ficar no camarim pirando até de

manhã. Hoje, tenho vinte anos de casado. Ainda bem que aproveitei bastante

[risos]”.

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Relembrando as histórias do início do Planet, Zé Gonzales reconheceu que

a galera era muito junkie, mas que boa parte das drogas eles ganhavam de

presente: “[A gente] ganhava um quilo de maconha e trocava por cinquenta

gramas de pó, daí alguém chegava cheio de ácidos. O ritmo era bem forte.

Ninguém ligava pra nada, só estava pensando na próxima semana, no

próximo show. No auge da loucura, o Marcelo era pai só do Stephan. Eu só

tinha a Mariah, que morava em Porto Alegre”.

Rodrigo Brandão também vivenciou muitas histórias, uma delas num show

do Planet, em Maresias, litoral norte de São Paulo: “Acabou o show, todo

mundo loucão, maior calor no camarim. Uma groupie pegou a guitarra e

começou a tocar. Geral doidão vendo a mina tocar. No auge do solo, o dente

postiço da mina voou e geral rolou de rir. Todo mundo no auge da loucura,

quando o dente da mina voou e acabou com a conversa [risos]. Eu lembro

que a gente estava indo dormir umas nove da manhã, e aí chegou o Rafael

apontando pro Gustavo: ‘Você acredita que ele estava batendo na porta da

casa dos outros perguntando onde comprava pó? E ainda me convenceu a ir

com ele!’”.

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Se a conexão com Zé e Apollo em São Paulo modernizou o som da banda

carioca, foi no Recife que o Planet Hemp conheceu de pertinho uma cena

nova e pulsante, carinhosamente conhecida por Manguebeat.

Formigão e BNegão durante show no SuperDemo, no Aeroanta, em 1994. Acervo pessoal de ElzaCohen.

D2, Rafael e BNegão dão entrevista durante o festival Abril Pro Rock, no Recife (PE), em 1995. Foto:Fabio Massari.

Jackson, Bacalhau, D2, Formigão e Apollo com Alice Pellegatti no camarim do Canecão, em dezembrode 1996. Acervo pessoal de Zeca Fernandes.

Kleber França, Formigão, D2, Bacalhau e Zé Gonzales na segunda vez do Planet em Fortaleza (CE),em 1996. Acervo da Barraca Biruta.

CAPÍTULO 15

ABRIL PRO PLANET

Enquanto o Miranda só pensava nos discos da Banguela, Elza estava com a

cabeça nos eventos. Ela vivia um verdadeiro dilema. Enquanto nos outros

estados os produtores ofereciam transporte, alimentação e hotel para as

bandas, no Rio o seu festival sempre dava prejuízo.

No finalzinho de 1994, enquanto o Planet gravava o primeiro disco, a

RioArte ofereceu a ela quatro dias no Centro Cultural Sérgio Porto. Elza

respirou fundo, tomou coragem e partiu para mais um SuperDemo, com um

monte de bandas de fora do estado, principalmente do Distrito Federal

(Oskara, El Kabong e OsCabeloduro), do Paraná (Boi Mamão, Magog e

Resist Control) e do Rio Grande do Sul (Acústicos & Valvulados, Doiseu

Mindoisema e Graforréia Xilarmônica). Com cobertura do Fabio Massari

para o Lado B, da MTV, o festival contou com o Funk Fuckers representando

a hemp family.

Após o show na Fundição e o terrível incidente com a porta de vidro,

Marcelo passava o dia todo deitado no sofá da casa do pai, com a perna toda

fodida. Foi então que o Brennand convidou o D2 para morar no apartamento

do Claudinho. E assim nasceu o novo QG da banda. Toda a galera fazia o

esquenta no apê do Flamengo e voltava para dormir depois da noitada. Certa

vez, tinha mais de dez pessoas no chão, mal dava para entrar.

O músico Tim Lisandro (que tocava na banda de baile Sigilo’s) morava na

Rocinha e também vivia no apartamento do Flamengo. Nessa época, ele e o

Bruno Montalvão cuidavam do D2, fazendo cadeirinha com os braços e

carregando o músico para o banheiro e qualquer outro deslocamento

necessário. Passavam o dia inteiro fumando maconha e jogando Tetris, Doom

e Príncipe da Pérsia, no video game. Coincidência ou não, Tim casou-se com

a Sonia e virou padrasto do Stephan.

Ela lembra que “todo mundo era meio tio do Stephan, queria pegar e

brincar. Foi uma fase bem difícil, eu tinha que acertar a minha vida para

cuidar dele e pagar as contas, sair da casa da minha mãe e alugar um

apartamento pra mim. O Tim já morava lá e, como eu já trabalhava nos fins

de semana, por várias vezes ele é quem ficava com o Stephan”.

Apesar de passar mais tempo na rua do que em casa, tecnicamente

Brennand continuava sendo um dos moradores do apartamento do Claudinho.

Mas a convivência já não era como fora no passado: Brennand estava limpo,

tinha parado de beber e usar drogas. E conviver com malucos quando se está

careta não tem a mesma graça... Ele chegou a participar da gravação do clipe

de “Legalize já” fazendo o making of, mas havia conhecido uma mulher com

quem se casaria e começou a se afastar gradualmente da crew e a fazer

programas de TV com boa repercussão.

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Em janeiro de 1995, o Rio de Janeiro ganhou mais um festival para somar

ao lado do SuperDemo e do Humaitá Pra Peixe. Marcelo Anorak criou a

Expo Alternative e ocupou a Casa de Cultura Laura Alvim, na Praia de

Ipanema, com bandas de fora como Brincando de Deus (BA) e Mickey

Junkies (SP) – prestigiada por toda a hemp family, que baixou lá em peso

para assistir.

O vocalista Carneiro escutou, em primeira mão, o recém-mixado Usuário

no toca-fitas do carro do Rafael, junto com D2, Érico Birds e André Satoshi.

No entanto, a primeira vez que o disco do Planet tocou em público foi no

Vina Bar [113]. Assim que a banda pegou a mix em CD, o Rafael foi até a casa

de Gustavo Black, em Niterói, e foram para o bar ouvindo. Tocaram o disco

lá pela primeira vez, em alto e bom som.

No programa MTV no Ar, sobre o primeiro dia da Expo Alternative, o

fanzineiro Leonardo Panço contou que algumas bandas vendiam de

quinhentas a duas mil fitas demo apenas em shows e pelos Correios. Um dos

pontos altos do festival foi o show do Funk Fuckers, no qual D2 cantou

“Zerovinteum” pela primeira vez. A música que fala de arrastões, chacinas e

outros problemas da cidade infelizmente continua bastante atual.

Ainda sobre o primeiro disco, durante a masterização o Ricardo Garcia

reclamou muito com o Ronaldo sobre o volume que a banda queria no CD.

Na opinião dele, se ficasse muito alto, iria distorcer algumas coisas nas

músicas. Para convencê-lo de que a escolha do grupo não mancharia a sua

reputação, o empresário levou diversos discos de bandas gringas para mostrar

que, nos volumes oito e nove, as músicas já distorciam, e que o Planet estava

satisfeito com o volume sete. E explicava que, se tocassem qualquer faixa do

disco na pista de dança depois de uma música do Nirvana, o DJ não

precisaria compensar aumentando a do Planet.

Quando a master do disco ficou pronta e seguiu para a prensagem na

fábrica, em Manaus, a banda convocou todo mundo para a gravação do

primeiro videoclipe. A primeira música de trabalho foi, claro, “Legalize já”.

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Nos primeiros anos da década de 1990, as gravadoras faziam os clipes

com uma galera de publicidade, mas a gerente de marketing do selo Chaos

(Alice Pellegatti) achou que tinha mais a ver o clipe ser feito por alguém do

cinema, e convidou a Marcia Leite para dirigir. Na ocasião, ela trabalhava na

Globo e fazia frilas, sobretudo documentários. “Legalize já” foi o seu

primeiro clipe – e o único que ela gosta.

A diretora recebeu a música antes mesmo de o disco sair e escreveu o

roteiro, inspirado no glamour do hip-hop norte-americano. Quando

apresentou para a banda, eles recusaram porque não era o estilo de vida deles,

e sugeriram filmar no Garage e na Sinuca da Lapa. Como a sua formação era

como roteirista de ficção, ela refez tudo e apresentou uma nova proposta, bem

suja, com a cara do Planet.

O clipe terminava com eles voltando depois da noitada, fumando um beck

com o dia nascendo e passando pela menininha regando o pé de cannabis. Só

que a cena do pôr do sol, na verdade, foi filmada no amanhecer do sol. Então,

a filmagem tinha que acontecer na hora exata, não podia passar um minuto

sequer. O set de filmagem estava pronto e nada do BNegão chegar. Ligaram,

ligaram, e nada do Bernardo. Marcia ia perder a luz e não podia filmar no dia

seguinte porque não tinha verba. Assim que eles acabaram de rodar a cena,

Bê chegou, reclamando que os táxis de Santa Teresa não paravam para ele.

Foram dois dias de filmagem, um no Garage e outro na Sinuca – quando o

Formigão disse para a diretora que tinha tomado quatro ácidos. Aliás, a

Sinuca foi um dos poucos custos do clipe, pois o dono cobrou pela locação do

local. Entre os baseados fumados na gravação, alguns eram cenográficos,

outros não. O orçamento foi o equivalente a cinco mil reais nos dias de hoje.

Pouquíssima grana para filmar em 16 mm, revelar, telecinar e fotografar.

A equipe toda trabalhou de graça. Os figurantes eram amigos, o figurino e

a maquiagem eram de amigos, o Estevão Ciavatta fotografou de graça, o

Gustavo Hadba tinha um steadycam e filmou sem cobrar nada. A montagem

foi do (falecido) João Paulo de Carvalho, que tinha montado o seriado

Armação ilimitada para a Rede Globo, nos anos 1980. A própria diretora

colocou dinheiro do bolso no projeto. Logo depois chamaram a Marcia para

fazer um clipe d’O Rappa, com menos grana ainda.

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Após as gravações de Usuário, começaram os conflitos entre D2 e Rafael.

Uma vez, na porta do Garage, o guitarrista ficou bastante bravo porque o

Marcelo quis mudar na hora o set list que a banda tinha ensaiado. Um mês

antes de o CD sair, numa entrevista para o “Folhateen” [114], as divergências

internas transpareceram para os leitores. Num dado momento da conversa, a

repórter perguntou se o Planet era um grupo de rap. Rafael foi mais ligeiro e

respondeu primeiro, afirmando que era uma banda de rock. Marcelo, todavia,

ponderou: “Na verdade, são duas bandas. Uma é de rock e outra é de rap. Só

que a gente juntou e deu nisso”. Foi a primeira vez que os interesses distintos

de cada um foram revelados ao público. A jornalista perguntou se o pessoal

do rap tinha aceitado bem a mistura, e D2 rebateu: “Não, eles achavam que a

gente estava deturpando o movimento. Achavam um absurdo uma banda

misturar rap com guitarra e bateria. Quem apoiou foi o pessoal do rock”.

Divergências à parte, Marcelo soltou o verbo (sobre outros temas) nessa

entrevista: “O que não é certo é um jovem que fuma maconha levar dura da

polícia”, “Quase todos os meus camaradas da época morreram. O único que

não morreu está preso”, “Não queremos ser cabeça de movimento nenhum de

legalização”.

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No meio tempo em que o clipe era finalizado e enviado para a MTV, o

Planet Hemp fez o seu primeiro show no Recife, na terceira edição do Abril

Pro Rock. A Sony sabia do potencial do festival e bancou as passagens. O

organizador, Paulo André, colocou a banda pra tocar antes dos donos da

festa, Chico Science & Nação Zumbi, que estavam jogando em casa.

Assim como acontecera no ano anterior com o CSNZ, o Planet e o Jorge

Cabeleira viram o disco pronto pela primeira vez justamente nos bastidores

do festival. Eles estavam no camarim quando a galera da Sony chegou com

uma caixinha de CDs. Os músicos ficaram amarradões, mostrando para o

Chico Science, para o Miranda, para o Massari, e subiram para tocar

empolgadíssimos.

O Planet era uma banda muito ousada e irreverente, e falava sobre

maconha depois da abertura política, após anos de ditadura militar. Eles

foram uma das atrações principais do festival. Imagine: Recife, Planet Hemp

e maconha. Durante o show, subiu uma fumaceira do caralho. No meio da

apresentação, pessoas da plateia subiram no palco e virou a maior zona. D2

ficou sem a carteira, mas nunca soube se perdeu no meio da confusão ou

quando mergulhou na galera. O que importa é que foi paixão à primeira vista

e o Planet ganhou o público do Recife.

Se o show foi marcante, uma outra passagem em terras pernambucanas

também foi inesquecível. Durante o festival, D2 saiu para comer alguma

coisa acompanhado de Otto, Fred 04, Canibal e Chico Science, que lhe falou:

“Marcelo, a gente tem que fazer música regional que seja universal [115]”. Ele

nunca se esqueceu desta frase.

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Bruno Levinson estava lá no Recife e sentiu que aquela cena era

promissora, pois esteticamente estava um passo à frente das bandas dos anos

1980, que desejavam soar como os artistas estrangeiros. Aquela enxurrada de

bandas novas perdeu a vergonha de possuir uma sonoridade brasileira. Elas

misturavam todos os gêneros, inclusive o rock, com forró, samba e maracatu.

Na verdade, todos os que estavam naquele Abril Pro Rock, em 1995, tiveram

a sensação de serem protagonistas de alguma coisa muito importante, um

momento histórico.

No meio daquela catarse no Circo Maluco Beleza, o produtor do Humaitá

Pra Peixe percebeu a diferença entre os dois festivais. No Rio, em vez de

colocar os holofotes sobre os artistas locais, fazia valer a “natureza” de ser

um caldeirão de estilos e comportamentos. Foi no HPP a primeira vez do

Mundo Livre S/A no Rio, o emblemático show do disco Gol de quem (do

Pato Fu) e o último do rapper Sabotage. Assim como no Abril Pro Rock, o

HPP também virou uma linda vitrine para o público, os jornalistas e os

artistas grandes conhecerem os novos, mas também para as gravadoras.

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Para compreender por que foi tão importante o show do Planet Hemp no

festival, precisamos retroceder dois anos. Outubro de 1993, hotel Atlântico

Copacabana. Chico Science & Nação Zumbi brindaram com uma cerveja

bem gelada numa mão e uma vela só de belota [116] na outra.

Com alguns shows em Pernambuco, um em São Paulo e um em Minas

Gerais, a banda assinou um contrato com um selo da Sony Music: o Chaos. E

lá estavam eles no Rio de Janeiro, com um mês de hospedagem, comida e

tudo pago, gravando o seu primeiro disco: Da lama ao caos. Um título bem

apropriado, diga-se de passagem. Basta observar o caos em que o Rio se

tornou. Com produção de Liminha, os mangueboys estavam literalmente Nas

Nuvens [117].

E a recepção na cidade não poderia ter sido melhor. Festival SuperDemo

no Circo Voador, com O Rappa, Planet Hemp e Gabriel o Pensador. Rolou

uma afinidade instantânea e a crew do CSNZ colou com D2, BNegão, Black

Alien e Speed, que os levaram para festinhas em Niterói, noites no Garage e,

claro, colavam em todos os shows da banda. A crew do Planet eram os

amigos locais da cena. E, para a Nação, a cena carioca era incrível, doida

como a do Recife.

Marcelo tinha uma verdadeira adoração por Chico. Nos shows da Nação,

D2 ficava no gargarejo do palco porque sabia que Chico o chamaria para

participar. Sempre. Depois que ficaram amigos, Chico invariavelmente

convidava D2 pra subir no palco, nos shows da Nação, no Rio. Du Peixe

cantava “Sophisticated Bitch” do Public Enemy nos shows, e falava o refrão

“legalize já, legalize já” bem antes do Usuário ser lançado, mas ninguém

sabia de onde vinha essa citação.

Chico Science e sua Nação infelizmente não conheceram Skunk. Com a

Elza, fizeram apenas uma edição do SuperDemo. Nem chegaram a se

hospedar lá, como os seus conterrâneos do Jorge Cabeleira e Paulo Francis

Vai Pro Céu, em outra edição do festival. Chico pilhava Ronaldo Viana da

Sony: “Ronaldo, meu irmão, se ligue no Planet e no Mestre Ambrósio,

contrata os caras”. O Planet até foi contratado, mas Chico não viveu para ver

o MA ser contratado pela Sony, poucos anos depois.

Então, quando o Planet tocou no Recife, as duas bandas já tinham um ano

e meio de brodagem. A terceira edição do Abril Pro Rock foi a primeira a

reunir os novos nomes dos anos 1990 em um mesmo evento. Foram quatro

dias de shows, com Skank, Raimundos, CSNZ e Mundo Livre S/A como

headliners de cada dia, e mais Pato Fu, Jorge Cabeleira e Planet Hemp.

Apesar de ter sido um show histórico, foi também a última vez do Planet no

festival. Apenas o D2 tocou novamente, em carreira solo, em 1999 – numa

noite memorável com Otto e Nação –, e em 2004, com os belgas do Vive la

Féte.

Em 1996, a Nação Zumbi voltou ao Rio, dessa vez para fixar a barraca.

Paulo André ainda era o empresário da banda e alugou um apartamento em

Santa Teresa, tanto para ficar mais perto da Sony quanto para viabilizar mais

shows no eixo Sul/Sudeste, sem o custo de trazer doze pessoas do Recife. E a

crew do CSNZ era grande, vários caranguejos para alimentar: “Um milhão é

muita grana, mas um milhão dividido por oito músicos não é tanto assim”.

A crew do Planet era ainda maior, parecia excursão de turismo de

adolescentes, sempre com trinta, quarenta pessoas. Kleber e Kadu, da equipe

técnica, lembram que uma galera ia pra ver se sobrava alguma coisa, os

chamados “agregados”. Aqueles que, de repente, cantavam no show com a

banda, ou filavam alguma droga, já que colar no Planet era uma forma de

aparecer. Quando o ônibus chegava em qualquer cidade do Brasil, a galera ia

fazendo o check-in e a recepção do hotel ficava lotada de gente nos sofás.

Quando a Nação e o Planet se encontraram para a festa de premiação do VMB

de 1996 [118] foi assim.

A Sony colocou CSNZ, Planet, Jorge Cabeleira e Skank no mesmo hotel.

Só faltavam os mineiros chegarem, quando começou a confraternização Rio-

Recife. No corredor, sob um forte nevoeiro de fumaça de baseados, havia

uma circulação frenética de pessoas nos quartos, num abre e fecha de portas

sem-fim. A fotógrafa Mariana Vitarelli estava lá: “Algumas pessoas ficaram

hospedadas em quartos duplex e nego ficava lá cheirando, até escorrer sangue

do nariz. Enquanto o Jorge Cabeleira quebrava o quarto do hotel, o Planet

não tinha isso, não fazia suruba, ninguém pegava ninguém. A gente ficava

trocando ideia, ouvindo som, uns fumando, outros cheirando, todos

bebendo”.

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Para os pernambucanos do Jorge Cabeleira, a doideira desse VMB

começou ainda antes. Com a palavra, o percussionista Pedro Mesel:

“Sempre que a banda viajava em turnê, sofria com a qualidade e com a faltade maconha em outros estados. E, como Pernambuco era o maior produtorda erva e conhecido pela qualidade, estávamos acostumados a viajar sempre

de ‘cima’. Em 1996, a banda fez uma turnê de um mês, foi quando eu eDirceu Melo [guitarrista e vocal] resolvemos levar meio quilo no avião.Coloquei dentro da conga, amarrado com fita-crepe.

Chegando ao hotel Park Lane, lembro de abrir o case da conga para conferirse a mesma continuava por lá e o cheiro incensou o saguão do hotel. Daídescobrimos que Chico Science & Nação Zumbi e o Planet Hemp tambémestavam hospedados lá e avisamos que estávamos com o produto. Pronto!Começou a festa no nosso quarto, rolou uma jam com os músicos equeimamos vários baseados. Me lembro que em determinado momento agerente do hotel tocou a campainha para reclamar do barulho e, ao abrir aporta, a fumaça se alastrou por todo o corredor.

O barulho e o cheiro forte incomodaram os hóspedes do hotel e as trêsbandas foram expulsas do recinto. Levamos uma bronca danada da AlicePellegatti, pois o Skank também ficaria hospedado no mesmo hotel”.

O Skank, que chegou por último, não passou nem da recepção. A Sony

teve que arrumar outro lugar para hospedar as quatro bandas, bem no dia do

VMB. No fim das contas, o Planet nem concorreu, apenas tocou na festa com

O Rappa. A Nação Zumbi perdeu em todas as cinco categorias em que

concorreu, e o Skank levou duas estatuetas para Belo Horizonte.

Depois do lendário Abril Pro Rock, a banda carioca tocou no Recife por

meio de outros produtores e casas como o Mauritzstadt – que teve o Gutie

(do Rec Beat) como fundador e programador. Durante algum tempo, a Nação

Zumbi fumava muita maconha, um baseado atrás do outro. E o Planet Hemp

cheirava muito. Corria uma piada que dizia que o Planet Hemp era a

verdadeira Nação Zumbi (porque nunca dormia) e a Nação Zumbi era o

verdadeiro Planet Hemp (de tanto que fumava).

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Assistindo a todas aquelas bandas boas no Abril Pro Rock, outra pessoa

decidiu viver naquele universo: Antonio Gutierrez, o Gutie. Nascido em São

Paulo, o jornalista foi transferido para o Recife como correspondente de

economia do jornal Gazeta Mercantil, que depois virou Valor Econômico. O

Fred 04 era repórter da TV Jornal e os dois se encontravam na balada para

falar de música. No festival, ele trocou o jornalismo pelo desafio de ser

empresário do Mundo Livre S/A.

Na época, Gutie fazia o projeto Rec Beat num puteiro chamado Francis

Drinks, que recebia os marinheiros no Porto do Recife. Todos os sábados ele

levava três bandas para tocar. Como o bairro era deserto, o produtor sabia se

ia ou não bombar pela quantidade de carros estacionados no lugar. Essa festa

com bandas ao vivo foi o embrião do festival. Depois, transferiu para o

quintal do Centro de Cultura Luiz Freire, em Olinda, até aportar no Recife.

Quando isso aconteceu, o Planet Hemp já era uma banda grande e nunca

tocou no festival.

Nesse primeiro momento da cena, ainda existia o mercado fonográfico e o

Abril Pro Rock funcionava como uma plataforma de lançamento de bandas

não para o público, mas para o mercado. Junto com o line up do festival,

Gutie via o Paulo André listando os nomes das pessoas que trabalhavam em

gravadoras, porque a expectativa das bandas era tocar e assinar com alguém.

Os artistas dependiam muito das gravadoras para gravar e divulgar, pois a

tecnologia disponível não permitia que cada um gravasse seu próprio disco

com uma qualidade razoável.

Gutie nunca se esqueceu de quando avistou um Miranda abatido,

conversando com os Raimundos, triste por eles irem da Banguela para a

Warner [119]. E, como o Chico assinou com a Sony, a Banguela pegou o

Mundo Livre S/A. O primeiro disco deles foi o que consumiu mais horas de

estúdio na história da discografia brasileira, mais de seiscentas horas. No

entanto, essa gravação aprofundou muito o conceito musical de Fred e

companhia, numa experiência de estúdio inédita, com tamanha intensidade.

Como o Mundo Livre nunca quis morar no Rio nem em São Paulo, pode ter

comprometido uma maior aproximação com as bandas do Sudeste.

Com o tempo, o Rec Beat virou um selo também. Lançou os alagoanos do

Living in the Shit [120], uma demo do Matalanamão [121], e conseguiu

patrocínio com a Celpe (Companhia Energética de Pernambuco) para o

Mestre Ambrósio lançar o seu primeiro disco.

Certa vez, o Mundo Livre estava em Salvador e os caras aproveitaram para

ir ao show do Planet na cidade. Só que muito antes de chegar no lugar, rolou

um baculejo da polícia. Gutie, Otto e Bactéria encostaram na Kombi e foram

revistados. Como estava rolando um som, ele ficou batucando com os dedos

e tomou o maior esporro dos PMs. O show aconteceu, mas a polícia estava

apreendendo as drogas de todo mundo.

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As melhores biografias são aquelas em que não apenas os personagens

principais, mas também os coadjuvantes têm boas histórias. O Jorge

Cabeleira & O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis era muito mais

maconheiro e fez muito mais merda do que o Planet Hemp. No primeiro dia

em que chegaram para gravar no estúdio Nas Nuvens, a galera do Planet

apareceu lá para ciceronear. Foram os primeiros caras que conheceram e com

quem criaram uma amizade no mundo musical fora do seu estado. Entre um

beck, uma sinuca e uma cerveja, fluiu a amizade. Quando os Stones tocaram

pela primeira vez no Rio [122], o Rafael descolou pra eles alguns

micropontos [123], artigo raro no Nordeste e, pouco antes de saírem do hotel

para ir ao show, os pequenos ácidos caíram no tapete, gerando uma

verdadeira operação de busca.

A diferença é que enquanto a média de idade dos pernambucanos era de

apenas dezoito anos, os cariocas tinham entre vinte e cinco e vinte e oito

anos. Isso não impediu que as duas bandas se dessem muito bem

excursionando juntas. O vocalista e guitarrista Dirceu dizia que “músico

pernambucano que não ama maconha não é pernambucano”, então eles

levavam muita, muita erva para a viagem.

Na cobertura desse mesmo hotel do VMB de 1996, a TV Globo gravou

uma matéria com o Planet Hemp. Para ficar bonito na telinha, o Planet pediu

uma belota grande para os amigos de estrada que, claro, não negaram.

Ronaldo Pereira, o empresário, achava engraçado porque para o pessoal do

Jorge Cabeleira tudo era babilônia, tanto coisas boas quanto coisas ruins.

Gostou do show? Babilônia... Gostou do bagulho? Babilônia...

Certa noite, a Sony organizou uma festa na boate Resumo da Ópera, no

Rio, para comemorar o lançamento do novo disco do Skank, e convidou

outras bandas do selo. De repente, acenderam um baseado no meio da parada,

causando a maior confusão com os seguranças da casa. Todos achavam,

claro, que tinha sido o Planet. Na verdade, era uma rodinha com gente de

todas as bandas (Planet, Jorge e CSNZ), mas na hora que os seguranças

chegaram, o beck estava na mão de Chico Science. Todo mundo saiu

correndo para chamar o pessoal da gravadora, já que Chico estava sendo

posto pra fora, e rapidamente a situação foi contornada.

Em outra ocasião, o vocalista Dirceu foi preso fumando maconha num

campeonato de surfe, em Porto de Galinhas. Tudo porque deu o azar de

acender na frente de uma mesa com policiais civis. Tanto ele quanto os

amigos, que faziam a cabeça com ele na praia, passaram mais de vinte e

quatro horas presos numa cela de delegacia. Ao menos, o músico teve

companhia para ver o sol nascer quadrado e jogar dominó enquanto estava

detido.

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A ascensão da banda Jorge Cabeleira foi meteórica. Formada às pressas

para o concurso Recife Rock Show, em 1993 – no qual Chico, Fred 04 e

Paulo André foram jurados –, logo depois tocou no SuperDemo e no Abril

Pro Rock, em 1994 (onde distribuíram várias fitas demo). Após alguns shows

no Sudeste e uma longa negociação, foram contratados pela Sony. Voltaram

ao APR um ano depois para lançar o CD, com produção de Roberto Frejat e

participação especial de Zé Ramalho.

Quando Dirceu começou a perceber as semelhanças entre blues e baião e a

compor músicas como “Silepse” e “O dia em que Conceição subiu a serra”,

as demais composições surgiram com velocidade de foguete. No primeiro

disco, que levou o mesmo nome da banda, Jorge Cabeleira & O Dia em que

Seremos Todos Inúteis gravou uma música pregando a descriminalização da

maconha e denunciando as condições precárias do nordestino sertanejo.

Num trecho de “Recife”, os cabeleiras cantavam: “No agreste é onde o pau

come // E lá a vida é mais dura de viver // Derruba mata, queima mata,

cuidado lá vem os ‘homi’ nesse lugar que a maconha vai crescer // O cabra

macho, honesto, trabalhador tem que se abaixar pra traficante com mais

dinheiro pra pagar // Os ‘homi’ vem pra prender o plantador, aparecer na TV,

virar notícia de jornal”.

Como o álbum deles ficou pronto junto com Usuário, os cabeleiras

Dirceu, Pedro, Beto, Rodrigo e Davi tocaram com o Planet no lançamento no

Rio e em São Paulo e, em 1996, novamente no Abril Pro Rock. Tinham tudo

para decolar como os hempers, mas faltou um detalhe importante:

maturidade.

O medley da música “Carolina” com “O xote das meninas” (de Luiz

Gonzaga) estourou nas rádios e no “Top 10”, do Disk MTV. Como já

agenciava o CSNZ, naturalmente Paulo André virou também o empresário da

banda de universitários: “‘Carolina’ tocava dez vezes por dia na rede

Transamérica para todo o Brasil. Ao contrário do que aconteceu com Chico e

Mundo Livre, cujas rádios brasileiras cagaram, Jorge atropelou todo mundo

do Recife. Como a receptividade foi muito boa, a gravadora criou muito

expectativa em cima deles”.

Como o produtor tinha viagens internacionais agendadas com Chico e a

Nação, foi difícil dar muita atenção aos meninos: “Nessa época, eu não tinha

nem escritório. Fazia tudo do meu quarto-escritório, com uma linha de

telefone fixo residencial e um aparelho de fax. O Jorge Cabeleira durou seis

meses na Sony. Deram muito problema, eram matriculados em faculdades,

não podiam ficar fora muito tempo”.

A verdade é que, além dos garotos não terem estratégia nem um produtor

profissional para orientar a carreira, ainda por cima – por ideologia – se

recusaram a ir aos programas do Faustão e da Xuxa, mas fizeram playback

no da Marília Gabriela. Também não quiseram se mudar para o Sudeste como

a Sony queria, aproximando-os mais do eixo Rio-São Paulo. Achavam que

perderiam a conexão com o Recife, de onde emanavam as inspirações.

Muitos anos depois, o baterista Davi (da formação original) faleceu ao pisar

num fio de alta-tensão.

Em 1998, a banda deu uma pausa. Três anos depois, voltou com um novo

baterista, assinando apenas como Jorge Cabeleira e lançou o seu segundo CD,

Alugam-se casas para o Carnaval. Na ocasião, aprovaram um projeto de

incentivo cultural, e conseguiram um patrocinador para a produção e a

divulgação do disco. Porém, a empresa não aportou nem metade do valor

prometido e os músicos desanimaram. Mais uma vez o grupo hibernou.

Dirceu formou a banda Eta Carinae, gravou dois discos e excursionou pela

Europa. Em seguida, formou a Deltas.

Recentemente, a banda lançou a coletânea Trazendo luzes eternas,

reunindo todas as músicas dos dois discos e mais duas inéditas. Também foi

homenageada com um documentário chamado A lenda do Jorge Cabeleira,

com direção de Eduardo Pereira, sobre um espírito sertanejo contemporâneo

de Lampião. Mais maduros, Dirceu, Coelho e Mesel reuniram-se novamente

para lançar o terceiro disco de inéditas e tentar voltar ao jogo.

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Para se firmar não bastava apenas fazer música de qualidade, tinha que ser

bom também em vendas, como escreveu na ocasião o jornalista André

Forastieri: “Essa cena [...] não vai para a frente enquanto não tiver gente

vendendo disco pra caramba e, mais do que isso, deixando claro que está

vendendo disco pra caramba. Para isso é importante que o estouro aconteça

na grande vitrine artística do Brasil, o Rio. Que além de tudo, é sede das

cinco grandes gravadoras [124]” (na época, as multinacionais eram Sony,

Warner, EMI, Polygram e BMG).

Por essa e por outras, a expectativa era enorme no momento de

lançamento dos primeiros discos do Planet Hemp e do Jorge Cabeleira. Como

a imprensa e o público receberiam o cartão de visita do selo SuperDemo?

CAPÍTULO 16

CENSURA E CONFUSÃO

Usuário foi bem recebido pela imprensa, inclusive a paulista. A Folha de

S.Paulo elogiou a postura da banda, com uma certa consciência social, letras

sobre maconha e violência urbana. Ao longo da matéria, D2 disse que não era

pró-maconha, e sim contra o tráfico. E completou: “Só o que o governo está

conseguindo com a ação do Exército é criar um clima de guerra civil”. Ao

contrário do Rio cantado pelas bandas dos anos 1980, o Rio do Planet era

“um Rio Zona Norte, onde rola o funk, o pagode e os tiroteios [125]”.

Quando o disco saiu, o próprio D2 colocou o CD embaixo do braço e

levou para tentar tocá-lo em todas as rádios, inclusive as comunitárias. Como

não havia telefone celular, e-mail nem muito menos WhatsApp, muitas vezes

as entrevistas surgiam inesperadamente. Como o Marcelo era quem se

expressava melhor, a Sony ficava doida atrás dele, e não conseguia localizá-

lo. Foi quando a Alice Pellegatti sugeriu que a Elza o convidasse para morar

com ela, no apartamento do Flamengo, próximo ao do Claudinho e do

Brennand. Ele, claro, concordou. A vida ficou muito mais fácil para a

produtora e para a gravadora, porque bastava bater na porta.

Pouco tempo depois, os Beastie Boys enfim vieram ao Brasil. Primeiro,

tocaram para quatro mil pessoas no Olympia, em São Paulo. No Rio, o show

foi no Imperator, com abertura do Planet Hemp. A Elza adorava a banda e

tinha um pôster enorme do grupo na parede da sala. De repente, um dos

integrantes do grupo entrou no apartamento para buscar o Marcelo. Ela ficou

tão surpresa e, ao mesmo tempo, envergonhada, que não teve reação.

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Menos de uma semana depois de realizar mais um sonho, o de abrir para

outra banda que o Planet Hemp amava, eles iriam estrear na tela da TV.

Porém, assim que a MTV recebeu o clipe de “Legalize já”, decidiu submeter

ao Ministério das Comunicações em Brasília, para uma adequação de horário.

Resultado: o clipe foi devidamente censurado, só podia ser exibido após as

onze da noite.

Em reportagem no Estadão, Marcelo D2 esbravejou: “Você tem que ter o

direito de escolher entre fumar ou não. Só não é certo negar informação ou

lavar as mãos, como faz o governo [126]”. Afinal, não eram apenas os cinco

músicos que fumavam e lutavam pela reformulação das leis brasileiras. Uma

pesquisa nacional do Vox Populi mostrava que 78% dos entrevistados eram a

favor da legalização.

Com a proibição, todos os envolvidos ficaram bem chateados, a começar

pela diretora, Marcia Leite. Afinal, a MTV criou a demanda, as gravadoras

tinham grana para produzir, mas privilegiavam o que havia de mais

comercial, o que era mainstream. E não existia outra opção, como YouTube

ou rede social para a banda postar o vídeo. Poucos meses depois, o Planet

Hemp foi indicado na categoria Videoclipe de Rock e perdeu para “Bê a Bá”,

dos Raimundos.

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Um mês depois de tocar com os Beastie Boys, o Planet Hemp foi

convidado para o seu primeiro show com bandas dos anos 1980. Eles abriram

a festa de dezoito anos da Rádio Cidade FM no Metropolitan, com a

participação de Blitz, Barão Vermelho e Biquíni Cavadão.

Na véspera, o Planet tocou num bar de playboy, em São Paulo, e todo

mundo tomou ácido. Foi um showzão, com todo mundo loucão. Ao final,

saíram eufóricos para zoar na noite paulistana. No dia seguinte, chegaram

detonados no Rio e não tinham uma equipe técnica fixa. Eles foram a banda

de esquenta, que toca primeiro e “cedo”, para os parâmetros do rock. O show

no Metropolitan foi horrível, o primeiro num palco grande, e eles ficaram

muito chateados com tudo isso.

Já no camarim, após a decepcionante apresentação, o roadie David Corcos

estava fazendo o número dois quando o Marcelo D2 jogou uma cesta de

frutas nele por cima da porta do banheiro. Ali começou uma verdadeira

guerra, com frutas voando para todo lado. Na zona, quebraram o espelho e

colocaram fogo na cortina. Quando o responsável pela produção da casa – o

falecido Pepe – entrou no camarim, o Formigão estava segurando um isopor

quebrado prestes a arremessá-lo em alguém. Quando o Bacalhau chegou,

encontrou o camarim todo detonado e tomou o maior esporro também. Dizem

até que a porrada rufou com os seguranças do Metropolitan...

Resumo da ópera: a banda voltou do show de ônibus e a casa noturna

mandou a conta para a gravadora. O Planet foi proibido de tocar lá por um

bom tempo e a rádio congelou a execução das músicas.

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A verdade é que tanto o Planet quanto o Jorge Cabeleira faziam merdas

sim, mas estavam testando os limites. Sorte a deles é que estavam cercados

por bons amigos, como Elza e Bruno, que naquele momento eram a bola da

vez. Os dois produtores colocaram as duas bandas nos palcos do Rio e São

Paulo, dando o pontapé inicial no processo de lançamento dos dois discos.

Antes dos eventos oficiais, Jorge Cabeleira & O Dia Em Que Seremos

Todos Inúteis tocou numa edição especial do SuperDemo, realizada no

Parque Garota de Ipanema, no Arpoador. O aquecimento foi com Cabeça,

Concreteness (SP) e duas bandas de Curitiba: Resist Control e Boi Mamão –

aquela que dividiu alojamento no Juntatribo com o Planet. Nesse show deles

no Rio, Marcelo fez uma participação especial.

O show oficial de lançamento do primeiro disco das duas bandas, em São

Paulo, aconteceu numa segunda-feira, no extinto Blen Blen Club, em

Pinheiros, com cobertura da MTV. O Mauro Berman tocava teclados no

Planet e dividia o quarto com o David Corcos. Os dois carregaram um

bong [127] com restos de bagulho e fumaram no show de São Paulo. Como

ninguém conhecia aquilo antes, um jornal paulistano publicou uma foto do

Rafael bongando e colocou uma legenda do tipo “olha o tamanho do baseado

que o guitarrista está fumando”.

Esse show no Blen Blen marcou a entrada do DJ Zé Gonzales na banda,

substituindo o Rodrigues. Em sua estreia como DJ do Planet, basicamente a

missão foi lançar climas, fazer scratches e colocar o sample de “Legalize”

(do Bob Marley) no final de “Legalize já”. Gustavo Black entendeu a opção

de Rodrigues, que entrou como office boy no banco oito anos antes e, naquele

momento, ocupava uma boa posição. Trocar o certo pelo incerto não parecia

muito sensato. O próprio Gustavo tinha o seu emprego e, com essa

estabilidade, podia pagar as suas despesas com transporte e lazer.

No dia seguinte, as duas bandas voltaram para o Rio e, na quarta-feira, o

Jorge Cabeleira lançou o disco em terras cariocas, comemorando o Dia

Internacional da Música. O show aconteceu no Arpoador, com as bandas

Coma e Blecaute, e entrada franca. Ficou lotado e a banda pernambucana

contou com a participação de Chico Science numa música e da dupla Marcelo

D2 e BNegão no cover de “Killing in the Name”, do Rage Against the

Machine, que estava estourada na MTV. Assim que os cabeleiras acabaram o

show, caíram dois raios na mata atrás do palco e desabou uma tempestade

brutal.

Chegou o fim de semana, com shows do Planet em São Paulo e no Distrito

Federal. No sábado, a banda tocou no Hitchcock, a (extinta) casa de shows

dos irmãos Maluf (da banda Concreteness), em Santa Barbara d’Oeste (SP).

E, no domingo, o grupo se apresentou num festival no Ginásio da Asbac, em

Brasília, promovido pela discoteca 2001, ao lado dos locais Suculent Fly, El

Kabong e Paradoxo, além do No Class (SP) e Resist Control (SP). Nesse dia,

acontecia no Maracanã a final do campeonato estadual de futebol. O

Fluminense venceu o Flamengo de Romário por três a dois, com o gol de

barriga do Renato Gaúcho aos quarenta e dois minutos do segundo tempo.

Único tricolor da banda, o guitarrista Rafael estava feliz da vida, diferente do

flamenguista Marcelo D2.

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Infelizmente, o Flamengo era o menor dos problemas de Marcelo e sua

banda. As coisas não engrenaram tão rapidamente e o Planet oscilava entre o

underground e os eventos com mais estrutura. Um dia, estavam na Lona de

Campo Grande, com o Poindexter; no outro, tocavam no lançamento da

coletânea No Major Babes, com DeFalla e Black Alien (Gustavo Black + DJ

Rodrigues), no Aeroanta de São Paulo [128].

Até que apareceu mais uma grande oportunidade: abrir para o Cypress

Hill, em dois dias de shows no Olympia, em São Paulo. Por intermédio da

revista Bizz, Marcelo D2 entrevistou a banda no Hotel Maksoud Plaza e

fumou o bagulho californiano deles, sob as lentes do fotógrafo Rui Mendes.

O Planet ainda estava se fazendo conhecido, mas não decepcionou e agradou

aos dois mil e quinhentos pagantes. Um ano depois, tocaram no mesmo lugar

para o dobro de pessoas. A banda ainda tinha muito a crescer, mas naquele

momento estava amarrada.

Os conflitos entre Rafael e D2 continuavam. Na opinião do guitarrista, D2

era uma pessoa muito influenciável: “Uma vez, a gente foi tocar no Garage, e

já tínhamos ensaiado e definido um set list. Aí, a gente saiu do ensaio direto

para o show. Chegando lá, o Marcelo encontrou uns amigos do samba e do

rap que disseram que o set estava muito pesado, muito metal, e ele quis

mudar tudo em cima da hora! Nesse dia, a gente teve uma discussão séria na

porta do Garage [129]”.

Além dos problemas internos, o Planet Hemp não dava grana o suficiente.

Os músicos ganhavam pouco, a equipe técnica era mínima. Foi então que o

Ronaldo percebeu que precisava da ajuda de mais uma pessoa para que a

banda pudesse decolar. E assim o fez.

Marcelo D2 e Ronaldo Pereira no camarim do Palace, em 1997. Acervo pessoal de Ronaldo Pereira.

CAPÍTULO 17

LOBATTO

Nos dois primeiros anos de vida do Planet Hemp, Ronaldo Pereira trabalhou

sozinho desempenhando as funções de empresário, produtor executivo e

produtor de estrada. Nesse período, cavou shows, entrevistas, apoiadores e

distribuiu fitas demos para todas as gravadoras, a imprensa, os músicos e os

formadores de opinião. Após o lançamento do Usuário, ele percebeu que

precisava de mais alguém para ajudar a vender os shows da banda.

Conversando com o baixista do Hanói-Hanói, Arnaldo Brandão indicou

Marcello Lobatto, que fazia esse tipo de agenciamento para a sua banda. Num

primeiro momento, Ronaldo estranhou, achou o parceiro com um visual meio

de bancário. Mas ele precisava de alguém fixo no escritório, enquanto ficava

na estrada com os músicos. Ronaldo também vendia shows e fazia a pré-

produção deles, mas preferia cuidar da parte artística, sobretudo apresentando

sons e referências para a galera.

O primeiro show que o Lobatto vendeu foi em Curitiba. Com o passar do

tempo, ele sugeriu a Ronaldo que abrissem uma produtora, com cinquenta

por cento para cada um, e propôs que se chamasse Na Moral Produções

Artísticas.

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Assim que começou a dividir o agenciamento do Planet Hemp com o

Ronaldo, Marcello Lobatto tratou de se aproximar com a gravadora:

“Quando eu peguei a banda, a Sony gostou porque enfim podia conversarcom alguém de marketing, que falava a mesma língua. Eu já era um cara domercado. A minha meta era tirar o cara do underground e levar para omainstream. Eu sabia o caminho.

Quando eu ligava para os contratantes, quem conhecia a banda dizia que euera maluco porque não conseguiria tocar em clubes e shows para asprefeituras. Mas eu tinha amigos em clubes que abriam espaço para artistasnovos. Nessa época, eu não dava nada da bilheteria e o cara ficava com obar. Esses clubes não sabiam da força da banda, então se no primeiro showtocamos para trinta pessoas, na segunda vez tocamos para três mil. Aí, oclube crescia o olho e queria fazer de novo, mas em outras condições.

Em média, eu fechava de doze a quinze shows por mês. Eram comuns asturnês grandes, como a do Usuário, pelo Sul do Brasil, com uns dezoitoshows, tocando em lugares muito pequenos. Era uma estratégia de expansão.Nessa turnê eram três contratantes e fizemos os três estados: Paraná, SantaCatarina e Rio Grande do Sul. Não existia o Google, você não sabia comocontratar um artista, onde achar o telefone dele. Então, como foi nesse caso,alguém comprava uma quantidade de shows e revendia aos contratanteslocais.

Nessa turnê pelo Sul, teve um show em que o D2 estava de ressaca,passando mal, e, pra sorte dele, o palco era em formato de ‘L’, então ele nãoprecisava correr. Ficava ele de um lado, a batera de outro, e o BNegão deoutro. À tarde, fui conhecer o produtor. Devia ter uns setenta anos, era opróprio dono da casa. Quando a fila começou a se formar, ele veio com umpapo meio nazi: ‘Isso não é o público da minha casa, isso é ralé’. E eu ficavana bilheteria, contando os tickets e o caralho.

Na primeira música do show, cinco ou seis seguranças passaram por mim naportaria e arremessaram um cara para fora da casa. Na segunda música, jáestavam arremessando o quinto, parecia saloon de faroeste. E o coroareclamando: ‘São os maconheiros, estão fumando lá dentro’. Aí eu falei procara que se fosse pra tirar todos os maconheiros do show, era melhor tirar abanda toda [risos]. A gente bebia e fumava pra caralho. Ele compreendeu,relaxou e o evento foi um sucesso.

Os contratantes dessa turnê pelo Sul eram o Guigo e o Claudio. A gentebrincava dizendo que estávamos foguigos e mal claudios (fodidos e malpagos). O Guigo tinha um lance meio autoritário de acordar a galera namarra, tipo ‘tem que sair agora, vamos pro local X porque já tá todo mundolá’. Aí, quando chegávamos, não tinha ninguém, só a gente. Então, a bandajá estava putaça com ele.

Nisso, eu comprei um revólver de brinquedo no camelô e botei na cintura.Fui lá e dei uma dura nele: ‘Meu cumpadi, que porra é essa de ficaracordando neguinho fora do horário?!’. O Guigo ficou me olhando bolado,de olhos arregalados [risos]. Depois disso, ele passou vários dias viajando aolado do motorista do ônibus. Depois, ele ainda viajou uma parte da turnêescondido num carro à parte, e contava pros outros que a gente andavaarmado [risos].

Cada cidade era uma cidade, grandes e pequenas. Se na cidade tinha MTV,que só pegava em UHF, o show bombava mais do que na que não tinhaUHF. Então, quando tinha trinta, quarenta pessoas, a gente perguntava pelopúblico e o Guigo respondia: ‘Aqui o pessoal chega tarde, lá pra meia-noite’. E a gente: ‘Mas já é meia-noite!’. Era muita implicância. A genteperguntava pro Guigo se o show do dia seguinte seria mais cheio e elesempre dizia que sim. Mas pra gente estava sempre legal.

Às vezes, o camarim era melhor do que o show. A gente brincava que podiacolocar frutas de cera só para enfeitar porque ninguém comia nada mesmo.

Era mais as laricas mesmo, chocolate, bombom... Mulheres eram poucas,porque o camarim do Planet era homem pra caralho, de camisa preta ecabelo esquisito”.

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Onde há fumaça, há Planet Hemp. Desde o início, a dificuldade em

agendar shows para a banda foi a bandeira da legalização da maconha.

Quando lançaram o segundo disco, começaram a viajar com um advogado na

equipe, com liminar e tudo mais. Mas, nessa fase do Usuário, o público ia

aos shows do Planet Hemp para extravasar, fumar maconha e xingar a

polícia. Bem diferente do que acontecia com Chico Science & Nação Zumbi,

que naquele momento fazia a sua primeira turnê internacional, tocando no

Festival de Montreux (na Suíça), com The Specials, e no Central Park (em

Nova York), com Gilberto Gil. Foi com a grana dessa viagem que Chico

comprou um Ford Landau 1979.

Andando lado a lado, as duas bandas foram indicadas como Artista

Revelação na primeira edição do MTV Vídeo Music Brasil. O Planet com

“Legalize já” e CSNZ com “Da lama ao caos”. Além deles, concorriam os

clipes de “Livre iniciativa” e “Carolina”, dos também pernambucanos Mundo

Livre S/A e Jorge Cabeleira. Mas quem saiu com o troféu lá do Memorial da

América Latina foi o Pato Fu, com “Sobre o tempo”.

Naquele início da MTV, unir música e imagem fazia toda a diferença. O

visual era tão importante quanto o som. Jorge Cabeleira chegou num carro

conversível. O Planet chegou numa Kombi toda grafitada, com figurino

glamouroso e tocou “Legalize já”. O figurino foi criado pela estilista Saliha

Istambuli, que depois vestiu O Rappa e quase toda a hemp family com a sua

grife Fly. O ponto alto foi a apresentação ao vivo de Chico e a Nação com

participação de Gilberto Gil, em “Macô”. A música foi gravada algum tempo

depois no segundo disco da banda, com a participação de Gil e D2.

Tudo isso era muito divertido, mas Usuário demorou muito para começar

a tocar nas rádios, principalmente no Rio de Janeiro. Bacalhau recorda-se

bem: “Quando o primeiro disco saiu, teve boas críticas, mas demorou um

ano, um ano e meio até começar a ser tocado nas rádios do Rio. Já tocava em

São Paulo, mas timidamente. Aí, os Paralamas do Sucesso começaram a tocar

música de todo mundo no show deles: Raimundos, Chico Science e nós. Era

um medley de ‘Eu quero ver o oco’, acho que ‘Manguetown’ e ‘Mantenha o

respeito’. Isso deu a maior força!”.

Por sorte, a situação estava prestes a mudar para melhor com a volta de

uma famosa locutora à cidade maravilhosa.

CAPÍTULO 18

CIDADE DO ROCK

Monika Venerabile já nasceu comunicadora. Aos oito anos de idade, criou o

seu primeiro programinha, com parada de sucessos e tudo mais, usando

apenas uma buzina, um gravador e um radinho de pilha. Aos dez, tinha uma

coluna no jornal O Fluminense, o “Cantinho da Monika”, a mais nova

repórter do estado do Rio de Janeiro. Quando ela tinha doze anos, o jornal

comprou a rádio Fluminense e ela começou a fazer matérias para a emissora

também.

Quando surgiu o projeto de criar a Maldita, uma rádio de rock no 94,9

FM, ela colou na galera. E como as locutoras da época faziam uma voz sexy,

o jeito irreverente de Monikinha se tornou a referência para a primeira equipe

da Fluminense – formada por Selma Boiron, Milena Ciribelli, Edna Mayo,

Liliane Yusim, Cristina Carvalho e Selma Vieira. Com o sucesso, ela recebeu

uma proposta da rádio Cidade para ser a apresentadora do programa 60

minutos de música contemporânea, incorporado da rádio JB AM para um

público das classes A e B. Era veiculado no horário nobre, ao meio-dia, e

Monikinha foi contratada a peso de ouro.

Corria o final dos anos 1980 quando o Grupo Jornal do Brasil a enviou

para uma temporada de três meses, em São Paulo, junto com o seu diretor na

época, Eduardo Andrews. A missão dos dois: implantar (em 1989) a 89 FM,

a rádio rock de São Paulo. E assim o fizeram. Monika achou que voltaria para

o Rio, quando o diretor da Jovem Pan a contratou por quatro longos anos. Na

Jovem Pan, ela foi líder de audiência ao lado do Emílio Surita.

Após um longo período na capital paulista, Monikinha voltou para a rádio

Fluminense FM, em Niterói. Foi quando o Eduardo retornou para uma

segunda temporada na 89 FM e levou a locutora junto, por mais seis meses

em São Paulo. Em seguida, virou apresentadora da rede Transamérica. A

convite da emissora, se mudou para o Recife, onde se tornou a coordenadora

da rádio, lançando Chico Science e todo o movimento Manguebeat.

Após seis meses no Recife, Monika voltou para casa como a coordenadora

da Transamérica, no Rio. Nessa época, o Eduardo Andrews (sempre ele) já

estava na rádio Cidade e lhe fez mais um convite. A emissora iria estrear um

programa diário às seis da noite, o Cidade do rock, e queria ela no comando.

Só que ela não era mais uma apresentadora, agora ela estava em outro nível,

era uma coordenadora. O amor ao rock falou mais alto e, três semanas

depois, ela estava lá.

De volta ao Rio de Janeiro, depois de ter visto de perto o Manguebeat,

completamente encantada com as coisas do Recife, a única banda que

chamou a atenção de Monikinha foi o Planet Hemp. O problema é que, após

a confusão no show da rádio, no Metropolitan, a banda estava banida da

emissora. Então, ela colocou como condição da sua contratação que só

entraria no ar se o Cidade do rock tocasse Planet Hemp. E assim, meio sem

saber, eles foram anistiados.

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A equipe do programa Cidade do rock era unida, com Lelessauro e Marcia

Meiguice na produção. Um deles, em especial, conseguiu dar uma guinada

completa por uma dessas coincidências do destino. O cara era baiano, morava

em Niterói, estudava comunicação social e durante o programa atendia o

telefone, anotando pedidos de músicas dos ouvintes e participação nas

promoções. Aí, a Monikinha organizou a sua festa de aniversário na boate

Double Six, em Niterói, e convidou o Planet Hemp e a Baba Cósmica para

tocar. Como ele era um rock brother, abriu espaço para a banda do estagiário

tocar no evento.

Representantes de gravadoras compareceram à festa procurando novos

talentos. Só que o Planet já estava na Sony e o Rafael Ramos, da Baba

Cósmica, tinha “descoberto” o Mamonas Assassinas. Sobrava a banda do

Bahia, o telefonista da Monikinha, cujo nome foi dado de improviso naquela

noite: Os Theobaldos. A gravadora Universal estava começando a formar um

cast e já tinha contratado o Lobão. Foi lá e contratou os caras. Com o passar

do tempo, a banda mudou o nome para Tihuana. Pois é, a vida é feita de

pequenos ventos de sorte, e eles estavam no meio dele.

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O Planet tocava na rádio porque era uma grande tendência. Se a rádio não

tem audiência, não tem anunciantes, e vai à falência. Quem manda nisso tudo

é o público. Monikinha e a equipe da rádio lançaram o Planet Hemp com

“Mantenha o respeito”, a mais divertida, e, depois, entraram com “Legalize

já” na programação. O Planet Hemp e a rádio Cidade FM fizeram um

casamento perfeito. Até campanha de vereador a banda fez com a locutora.

Foi no Colubandê Music Beer, em São Gonçalo, quando ela levou um ônibus

cheio de bandas do Rio para tocar, às vésperas das eleições. Estava tudo bem,

até que um roqueiro se engraçou com uma mulher de um pagodeiro e deu a

maior confusão, com tiros para o alto e tudo mais.

Também havia uma sinergia entre a rádio e o Jornal do Brasil. O impresso

era o irmão mais velho, mais sério, enquanto a rádio era feita pelos

empolgados e deslumbrados. Dentro do estúdio, era o Reino Encantando da

Monikinha, todo mundo fumava um com ela: Charlie Brown Jr., Raimundos,

Planet Hemp, todo mundo junto, todo mundo irmão. Então, quando o jornal

publicava cartas de leitores com mães e avós de ouvintes queimando a

apresentadora, reclamando que ela fazia apologia à maconha, isso só lhe dava

mais audiência. Não demorou muito e a Cidade FM chegou ao topo entre as

rádios jovens do Rio. E o Cidade do rock o líder no segmento.

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O mercado fonográfico continuava aquecido e os discos das bandas novas

eram bem recebidos. Nesse meio tempo, a Banguela acabou. Com cinquenta

artistas no catálogo, mais do que a própria Warner, o selo dos Titãs foi

descontinuado. Os três integrantes que tinham interesse na iniciativa – Sérgio

Brito, Branco Melo e Charles Gavin – negociaram com a Polygram e criaram

o selo Excelente, cuja direção artística continuava com o Miranda. [130] O

novo selo foi o responsável por lançar os primeiros registros de bandas como

Virgulóides (SP), Maria do Relento (RS), Magnéticos (PR) e Acabou La

Tequila (RJ).

Além da rádio Cidade, na primeira metade dos anos 1990 havia outras

emissoras pop rock no Rio de Janeiro. Uma delas era a Transamérica, que

possuía um estúdio enorme e tradicional, onde eram feitos programas com

artistas tocando ao vivo. Um dia, o Planet Hemp foi convidado para

participar na mesma gravação que o Gabriel O Pensador. Apollo estava lá:

“Era o programa Transa ao vivo, num estúdio maravilhoso, tocando ao vivo

na rádio. A gente ganhava roupa da Vision e o D2 estava com um casaco

dessa marca igualzinho ao do Gabriel. Na hora de ir embora, o Gabriel falou

pro Marcelo: ‘Ei, você pegou o meu!’. De fato, tinha uma chave de carro

dentro... Como eram idênticos, [Marcelo] pegou o casaco trocado”.

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O primeiro ano do Planet Hemp com Usuário seguiu entre altos e baixos,

tocando nos lugares capitaneados por amigos, como o Circo Voador e a

Fundição Progresso – onde aconteceu o lançamento oficial do disco no Rio.

Por sua vez, a produtora de festas e promoter Elza Cohen estava em alta na

noite carioca. Além de fazer a festa Zoeira na Lapa, era também promoter da

Yestermorn, um casarão em Botafogo, com seis ambientes diferentes, onde

aconteceram festas e shows incríveis.

Com tantas bandas “novas” encaminhadas, assinando contrato e lançando

discos, a produtora cultural das tranças vermelhas se questionou se valia a

pena continuar com o SuperDemo. Afinal, ela frequentemente atrasava o

pagamento do próprio aluguel para pagar som, luz, segurança, material

gráfico e outras despesas do festival. Produzido de forma coletiva e solidária,

o evento contava sempre com amigos hospedando e alimentando os músicos

que vinham de outros estados. Foi então que ela fez uma parceria com

produtores locais para retomar o caráter itinerante do festival.

A estratégia deu certo. Em 1995, Elza conseguiu levar o festival para

Curitiba, São Paulo e Brasília – lá, com direito a quatro dias de shows. No

quarto dia do festival, OsCabeloduro tocavam o hit “Estupra, mas não mata”

(inspirada na célebre frase de Paulo Maluf) e, ao mesmo tempo, Elza dava

uma entrevista para a MTV quando, de repente, o som parou. O público

estava pogando tanto, que o cara do som pensou se tratar de uma briga

generalizada e desligou tudo. Fabio Massari e Elza riram muito desse

“incidente”.

A descobridora de talentos fechou o ano com um SuperDemo em casa,

promovendo dois dias de shows no Parque Garota de Ipanema, com mais

bandas de fora do que locais. Para essa edição do festival, um grupo de

jovens roqueiros paulistas pegaram a ponte aérea até o Arpoador somente

para conhecer as novas bandas boas do momento. E, claro, para conhecer

pessoalmente a Elza Cohen, e convidá-la para ser curadora de uma nova

publicação, um guia que aproximaria as bandas de gravadoras, empresários e

casas noturnas: o Underguide [131].

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Kleber França era um parceiro e tanto de Ronaldo Pereira. Formavam uma

dupla quase fixa nos trabalhos com bandas novas. Ronaldo produzia, Kleber

gravava e mixava. Um dia, dentro do estúdio, o empresário do Planet Hemp

perguntou se o técnico fazia som ao vivo. De bate pronto, respondeu que sim.

No dia seguinte, ele já estava dentro da Van, seguindo com a banda para a

gravação do programa Som Brasil, para a TV Globo, no Metropolitan, a

maior casa de shows do Rio na época.

Até então ele não conhecia os músicos, apesar de ter participado por acaso

do clipe de “Legalize já”. Na noite em que o clipe foi gravado, na Sinuca da

Lapa, Kleber estava bebendo na rua quando o convidaram para ir numa

filmagem onde a cerveja e a maconha eram de graça. Não pensou duas vezes

antes de aceitar o convite e, meses depois, assistiu ao clipe na TV.

Ele já fazia o som para a banda carioca de metal Dorsal Atlântica, e o

Planet precisava de um técnico que entendesse de som pesado para traduzir

toda aquela pressão das apresentações ao vivo. Como a grana era curta,

Kleber fazia tanto o P.A. (som que vai pra plateia) quanto o monitor (som

que atende os músicos no palco) ao mesmo tempo.

Durante muito tempo, as empresas de som e casas de show ficavam

assustadas com o volume sonoro que eles atingiam nas apresentações. Era

sempre muito, muito alto mesmo. Além do técnico de som, o staff incluía o

Ronaldo, o Lobatto e o Kadu, primeiro roadie da banda. Kleber e Kadu

faziam tudo sozinhos: montavam, afinavam, carregavam, tocavam e

passavam o som. Somente na turnê do segundo disco houve uma equipe de

fato.

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A vida do Planet Hemp estava igual a um cabo de guerra. Quando a banda

puxava para o seu lado, alguém vinha e puxava de volta para o outro. No fim

de 1995, a banda começou a ter problemas com a Justiça. Em Brasília,

quinhentos CDs foram recolhidos das lojas, enquanto em Goiânia, um juiz da

Terceira Vara Criminal proibiu o show da banda na cidade, além de prender o

promotor do evento por uma semana e apreender cinquenta e três cópias de

Usuário, camisetas e material promocional.

No estado do Rio, uma juíza proibiu a entrada de menores no show deles,

em Petrópolis. Na véspera do feriado de quinze de novembro, o Planet se

apresentou, pela segunda vez, em Florianópolis (SC), para mil e duzentas

pessoas, após shows por São Paulo e gravação no Estúdio Transamérica.

Fazia-se urgente marcar uma posição. Entendendo a importância disso,

Ronaldo e Lobatto bancaram a ida de Marcelo D2 para a Cannabis Cup, em

Amsterdã: seria uma maneira de as pessoas olharem o vocalista de outro jeito

e ele próprio entender como era a cultura da maconha legalizada na Europa.

Nessa viagem, ele foi acompanhado pelo DJ Zé Gonzales e seu amigo André

Chita, o fotógrafo Vavá Ribeiro e o repórter Arthur Veríssimo, que publicou

a cobertura da viagem numa matéria na revista Trip [132].

No voo de volta, D2 e Zé pousaram no Rio e entraram no ônibus da banda

para tocar no interior de São Paulo. Como o Rafael já estava em São Paulo,

daria um jeito de ir para lá. Só que na hora de passar o som, nada do

guitarrista, e sobrou para o técnico de P.A. O tempo foi passando e nada de

ele aparecer ou dar sinal de vida. Na hora do jantar, Ronaldo intimou o

Kleber a tocar em seu lugar. O cara entrou em pânico. Afinal, ele tinha

acabado de ser contratado e, se negasse, o Planet teria que cancelar o show.

Após a refeição, Kleber foi para o quarto com D2 e Formigão, que o

ensinaram a tocar as músicas do Usuário em apenas duas horas!

O técnico suava frio. Quando chegaram ao local do show, o alívio. Rafael

já estava lá, rindo e bebendo com o contratante. O técnico contou a história

toda e, após rir copiosamente, o guitarrista respondeu: “Se eu soubesse que

você ia tocar, eu nem vinha”. Feliz por rever o músico, seguiu para a mesa de

som e tudo correu bem. Nesse fim de ano, além de shows pelo interior de São

Paulo, o Planet Hemp tocou na 2ª Convenção Internacional de Tatuagem, na

capital, junto com Korzus, Okotô, Los Sea Dux e mais um monte de bandas

da época. O último show de 1995 rolou no bar Hollocaustus, em São João de

Meriti, na Baixada Fluminense.

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Também no fim do ano, os amigos do Chico Science & Nação Zumbi se

mudaram para o Rio de Janeiro, com o objetivo de gravar o segundo disco,

Afrociberdelia, além de ficar mais perto da Sony e do eixo onde tudo

acontecia. Rafael e Kadu lembram-se perfeitamente de ver o ensaio dos

pernambucanos no estúdio Totem. Quinze cabeças espremidas assistindo pela

janelinha do lado de fora.

Com o fechamento do Groove, o Planet Hemp começou a ensaiar no

Totem. Então, assim como iam todos os dias para o estúdio do Rio

Comprido, a banda passou a ir diariamente para Santa Teresa. Enquanto o

CSNZ mudou do Recife para o Rio, o Planet se preparou para fazer o

caminho inverso, em sua primeira turnê pelo Nordeste. A ansiedade estava no

limite máximo.

Fazendo o V da vitória, Alexandre MZ (baixista do Squaws); Felipe Barcellos, no mic; e Speed, nobaixo, durante jam session em festa no estúdio Totem.

A enorme formação do Planet Hemp com o percussionista Negalê (à direita) no camarim da BarracaBiruta, em Fortaleza (CE). Acervo pessoal de Apollo Nove.

Bacalhau, D2, Lobatto, Kadu, Clauber e Formigão tomando café da manhã. Acervo pessoal deBacalhau.

Aguardando no aeroporto: Bacalhau, Jackson, Meteoro (de óculos escuros), Zé, Kadu, Apollo, D2,BNegão e Formigão. Acervo pessoal de Bacalhau.

Marcello Lobatto e BNegão no segundo show em Fortaleza, em janeiro de 1996. Acervo pessoal deBarraca Biruta.

CAPÍTULO 19

A PRIMEIRA TURNÊ PELONORDESTE

Se os primeiros meses de vida do Usuário foram difíceis, em 1996 as coisas

melhoraram consideravelmente. Logo na primeira sexta-feira do novo ano, o

Planet Hemp começou os trabalhos no Garage, com Beach Lizards, Tornado,

Funk Fuckers, Cabeça e Piu-Piu & Sua Banda. Ensaiaram ao vivo o set list e

arrumaram as malas para a primeira turnê pelo Nordeste, organizada por

Marcello Lobatto. Na época, o cachê da banda era de mil e quinhentos reais,

trezentos para cada um.

O primeiro show da banda em Salvador ocorreu no dia dez de janeiro, no

Zaragata (antigo Sabor da Terra), no Jardim dos Namorados. O local, na orla

da capital baiana, já foi demolido. Além do Planet, tocaram Jorge Cabeleira e

os locais do The Dead Billies. O evento só foi viabilizado porque o produtor

cultural Rogério “Big Bross” sugeriu ao Rui Mascarenhas, da Uivo

Produções, que topou fazer o show. O amigo da banda trabalhou na logística,

na recepção e ainda fez a direção de palco.

Nessa primeira aventura pela boa terra, os cariocas se hospedaram no

Albergue do Porto, um hostel no Porto da Barra. Assim que se instalaram,

Bacalhau pediu um beck ao cicerone e ganhou uma sacola de supermercado

cheia do soltinho. Afinal, todo mundo da cidade quis dar uma preza para a

banda. Como era maconha solta e não prensada, parecia uma quantidade

enorme, mas era algo próximo a cinquenta gramas. Ao ver o baterista

impressionado, Big soltou essa: “Mermão, tem que fumar tudo! Vocês não

são o Planet Hemp?”. Nesse mesmo dia, o produtor local foi de ônibus com

D2 até o Mercado Modelo e o vocalista andou pela rua numa boa, sem ser

reconhecido.

À noite, os pernambucanos do Jorge Cabeleira subiram ao palco loucos de

ácido, mandaram um bonecão de Olinda para os presentes e tocaram

“California Über Alles” (Dead Kennedys), deixando o público no ponto. A

polícia baiana sequer sabia da existência do Planet Hemp e o show parecia

em Kingston [133].

Nesse momento da turnê do Usuário, o pano de fundo era um desenho do

Tantão, no qual nem havia ainda o nome da banda. Só depois é que virou o

desenho do Speto, com as caricaturas. Marcelo entrou no palco distribuindo

baseados pra galera e a loucura começou. Os seguranças não queriam deixar

as pessoas darem mosh e todo mundo estava se acotovelando, até que o

próprio D2 pulou e pediu para liberar geral. Teve até um cidadão que subiu

de cueca no palco para pular.

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No dia seguinte, o Planet Hemp subiu para Aracaju, onde reencontrou o

velho amigo Bruno Montalvão, que produziu nessa noite o seu primeiro

show, em parceria com Gabriela Caldas, que também era amiga de alguns

integrantes. O local escolhido foi o Batata Quente, na Orla de Atalaia. A

expectativa era enorme, já que o público sergipano estava ansioso para ver ao

vivo uma das bandas mais polêmicas do momento, num palco pequeno, na

beira da praia e bem de perto. À tarde, durante a passagem de som, os

produtores perceberam que não daria para montar um camarim decente no

local do show, e improvisaram um na casa da própria Gabriela, não muito

distante dali.

As horas se passaram e, quando o Bruno buscou a banda, por volta das dez

da noite, começou uma briga na porta do show entre as torcidas do Sergipe e

do Confiança. Um torcedor foi baleado. Quando a Van com a banda chegou,

estava a maior confusão, com muita polícia e correria. Uma batata quente

mesmo! O produtor entrou com a banda e começou a negociar com a polícia,

para que não cancelassem o evento. Foi acertado que dois policiais

acompanhariam o show, mas não prenderiam ninguém fumando maconha. O

show deveria continuar e continuou.

Meia hora depois, com a banda no palco, a festa começou. Na metade da

segunda música, boooommm!!! Um disjuntor de energia explodiu, cortando a

luz no bairro todo. O público sedento gritava, acendia fósforos, isqueiros e

até uma fogueira foi improvisada. Então, aconteceu o inusitado. A banda

desceu do palco e foi interagir com os fãs, enquanto esperavam pelo

reestabelecimento da eletricidade. Nesses quarenta minutos de espera, o

Planet Hemp conversou, bebeu e fumou com a galera. Foi um acontecimento

maior do que o show em si. Depois, a banda voltou para o palco e tocou com

muita raiva e vigor. Foi histórico, quem estava lá lembra até hoje daquela

noite.

Como as despesas foram altas e o ingresso barato, o “lucro” foi de

aproximadamente mil reais para a banda e nada para o Bruno. O produtor

argumentou com Lobatto que precisava receber alguma coisa pelo seu

esforço e, depois de muita discussão, D2 lhe entregou uma nota de cinquenta

reais. “Foi o meu primeiro show e saí no lucro!”, comemora Bruno. Ao final,

ele levou o Planet Hemp de volta para o hotel, na Ilha de Santa Luzia, no

munícipio de Barra dos Coqueiros.

Na manhã seguinte, durante o café da manhã no hotel, o Formigão tomou

suco de manga e, depois, leite. Poucos minutos depois, foi dar um mergulho

no mar e começou a passar mal. O baixista ficou verde e a galera teve que

tirá-lo de dentro da água. Sentou na areia e começou a vomitar todo o suco de

manga. Depois disso, nas internas o apelido dele ficou “Manguinha” por um

bom tempo.

Em julho do mesmo ano, o Planet voltou a Aracaju para um show no

Espaço Emes, com abertura da banda local Snooze. A apresentação dos

cariocas teve a participação do Fúria [134] no beatbox e de “uma misteriosa

modelo mascarada” [135] que fez um striptease quase completo.

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O terceiro show da turnê aconteceu no Mauritzstadt, no Recife. É difícil

precisar a grafia correta do bar, pois quando os holandeses ocuparam a capital

pernambucana batizaram de Mauritsstadt (Cidade Maurícia) em homenagem

ao conde Maurício de Nassau, mas o público local chamava de Mauristad.

Enfim, o importante é que mais uma vez foi foda demais. O ingresso do show

era uma folha de talão de cheque preto e branco com folhas de cannabis. O

Planet tocou com duas bandas locais, Eddie e Os Cachorros. No camarim, um

fã apertou um baseado gigante, com uns dez centímetros de largura. Bacalhau

até fotografou como prova da preza.

De lá, o Planet Hemp seguiu até Fortaleza. A banda havia tocado um ano

antes no (já extinto) Clube Massapeense, na Praia de Iracema. Foi lá que os

DJs Rubens Barrocas e Fernando Vilela conheceram a banda e a convidaram

para uma segunda apresentação, na capital do Ceará. Rubens era amigo do

irmão mais novo de Fernando, que tinha uma loja de discos chamada Céu. No

réveillon de 1990, os dois ficaram sócios numa barraca de praia chamada

Biruta, na Praia do Futuro, e começaram a trazer bandas para tocar lá.

Debutaram em grande estilo, com Chico Science & Nação Zumbi, em 1994.

Nada mais apropriado do que os doidos do Planet tocarem num local com

esse nome.

Nessa época, o coletivo Seres Urbanos fazia todos os cartazes e as filipetas

para a divulgação das festas e dos shows. Eles também tinham feito um

fanzine, adaptando as letras das músicas da banda local Dago Red [136], e

sugeriram que cada vez que uma banda de fora tocasse no Biruta, fizessem

um zine semelhante. O conteúdo foi composto basicamente por fotos, texto

editorial, um pequeno texto sobre a banda e letras de músicas transformadas

em quadrinhos. Weaver Lima cuidava dos quadrinhos e o Galba dos textos.

Era um mimo para as pessoas que frequentavam os shows no Biruta e uma

maneira simpática de divulgar as bandas que lá tocavam. O zine Undergraff

#5 teve tiragem de quinhentas cópias, que foram distribuídas gratuitamente

para as primeiras pessoas que entraram no show. As músicas quadrinizadas

foram “Legalize já”, “Futuro do país” e “A culpa é de quem?”.

O show, como sempre, foi memorável. Ainda mais na praia, num local

bacana, repleto de baganas. Certa vez, antes de um show, Marcelo declarou

que considerava a maconha de Fortaleza a melhor maconha do mundo [137]. E

o iogurte achocolatado Chandelle a melhor coisa para a larica. É importante

notar que, quando ele disse isso, já tinha ido a uma edição da Cannabis Cup,

na Holanda. O fato é que nessa entrevista o D2 valorizou o produto nacional,

da mesma forma que, no show em Amsterdã, o Planet Hemp entrou na

divulgação oficial do evento com o nome de “Planeta Maconha”.

A partir desse primeiro show, o Planet virou local do Biruta. Em uma das

passagens por lá, a banda pediu um bolo de maconha, só que a pessoa fez a

guloseima usando galhos e sementes. O cara teve uma boa intenção e o doce

ficou até gostoso, com cara de brownie, mas os galhos... Noutra

oportunidade, os músicos emendaram do show direto para uma festa na praia.

Às sete horas da manhã, Formigão saiu da praia sem camisa, quase pelado,

doidão de cachaça, com uma garota magrinha e desdentada de um lado e uma

anã do outro. A galera começou a rir e elas o deixaram na porta do hostel,

porque ele não conseguia chegar por conta própria. O baixista dizia que

adorava Fortaleza porque era o único lugar em que ele conseguia arranjar

umas meninas para namorar.

Rubens e Fernando contaram que nenhum show do Planet Hemp no Biruta

deu lucro, mas o prejuízo também não foi tão grande. Como eles divulgavam

apenas na própria barraca, evitando a grande mídia, quando as autoridades

ficavam sabendo, o show já estava rolando. Eles tinham um fichário e,

quando alguém dava “carteirada”, eles anotavam o nome, o batalhão etc.

Como vários policiais iam lá sem farda para curtir, a barraca era um território

livre para fumar a ganja.

O único problema era quando grupos rivais se encontravam do lado de

fora, como no caso dos enfrentamentos da comunidade da Cidade 2000 com a

do Castelo Encantado. Como se não bastasse as pessoas dos dois bairros

saírem na porrada, elas também tentavam quebrar os tapumes para entrar de

graça no show. Certa vez, tiveram que chamar o Batalhão de Choque, que

chegou dando tiros para o alto e dispersou a galera. Quando a briga acabou, o

Planet estava tocando “Porcos fardados”. Nessa hora, um dos policiais virou-

se para Fernando e disparou: “Esses baitolas são foda, a gente vem aqui

ajudar e os caras cantam isso”.

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Nos anos seguintes, o Planet Hemp passou a encerrar as turnês nordestinas

em Fortaleza, passando uma semana por lá. A banda ficava numa pousada

próxima ao Biruta, aproveitando o tempo para jogar futebol e curtir a praia.

Eles se apresentavam gratuitamente na festa de Rubens e de Fernando na

terça-feira e tocavam por cachê no sábado. Numa dessas terças, o DJ Zé

Gonzales assumiu as picapes e o D2 pegou o microfone. De repente, foram

chegando outros integrantes: o Apollo, o percussionista Negalê, a banda toda.

Começaram a improvisar ali mesmo, no chão, no meio da galera. Foi um dos

grandes shows do Planet no Biruta e até hoje as pessoas lembram com

entusiasmo desse episódio.

Apollo nunca se esqueceu do que aconteceu depois: “Acabou o show, o

Black ficou ali, no camarim, conversando com três minazinhas incríveis.

Então, ele começou a mandar um rap. Depois de vinte minutos, sobrou uma

mina só. Daí, ela vazou e ele continuou lá, cantando sem parar [risos]”. O

tecladista lembrou que, enquanto o Raimundos tinha ônibus de dois andares,

o Planet era pura contenção de custos: “Uma vez, a gente chegou para tocar

num ônibus escolar infantil, com banco pequenininho, para crianças [risos]”.

Numa dessas “temporadas” em Fortaleza, os contratantes colocaram todo

mundo numa casa de praia enorme de frente pro Biruta, carinhosamente

batizada de Pensão Hospício. A crew tinha dois dias de folga, e day off é pior

do que trabalho, porque todo mundo ficava bem louco, com ressacas

monstruosas. Numa delas, o Formigão e o D2 estavam deitados em duas

espreguiçadeiras, tentando se recuperar para o show que aconteceria naquela

noite. Só que à tarde uma equipe da afiliada da TV Globo chegou para

entrevistar a banda. O D2 já estava acordado e pediu para a equipe entrar sem

alarde. Ele pegou a sua espreguiçadeira e a colocou silenciosamente ao lado

do Formigão, que dormia pesadamente de óculos escuros. Com o cenário

pronto, o Marcelo pediu para o cinegrafista filmar os dois juntos na

entrevista. Luzes ligadas, câmeras gravando, o vocalista começou a responder

às perguntas do repórter.

A entrevista seguiu tranquilamente quando, no final, o repórter pediu para

o D2 deixar um recado para os fãs. Ele convidou todos para irem ao Biruta e

bateu com força no braço do baixista: “Manda um recado pra galera,

Formigão!”. Ele acordou tão assustado, com a câmera apontada para ele e o

microfone na cara, que respondeu em tom de raiva: “A culpa disso tudo é da

Rede Globo. Vai todo mundo tomar no cu, seus filhos da puta!!!”. Levantou-

se e saiu andando batendo o pé, enquanto todos desabaram de tanto rir.

Outros momentos marcantes no Biruta aconteceram durante a turnê do

segundo disco, Os cães ladram mas a caravana não pára, no qual o Planet

Hemp expressou a gratidão aos cearenses gravando uma música chamada

“Biruta”.

Na época, o palco ainda era de costas para o mar, enquanto o camarim

ficava de frente para o mar e de costas para a rua. Num certo momento, o

Rafael começou a fazer um solo bem longo e o D2 correu para o camarim.

Quando o Fernando entrou, o vocalista estava lá, curtindo a mesma visão da

plateia com o mar verde à sua frente. Noutra vez, quando o palco passou a

ficar na lateral do camarim, a stripper que acompanhava a banda subiu e

ficou só de calcinha. A galera queria invadir o palco e os seguranças tiveram

muito trabalho. Hoje, Rubens não é mais sócio de Fernando no Biruta, mas a

barraca continua firme e forte em seus vinte e sete anos de vida.

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A primeira turnê nordestina chegou ao fim em Natal (RN), num domingo,

com abertura do Brutal Brain. No voo de Fortaleza para lá, a mala do Kleber

foi extraviada e ele ficou apenas com a cachaça Sapupara que levou a bordo.

Bom, melhor do que nada! O show foi agendado para o Casarão da Ribeira.

Apesar de ser um prédio histórico, o local estava caindo aos pedaços, com

paredes esburacadas, banheiros fedidos e apenas dois ventiladores de teto.

Para subir ao tablado de cinquenta centímetros de altura, a banda passou pelo

meio do público. No meio da apresentação, D2 acendeu um baseado e

ofereceu para a galera. Tinha tanta gente ali em cima, que a banda sumiu. E,

claro, o beck nunca mais voltou para a mão do vocalista.

Anna Lira foi a produtora do evento. Na época, o Marcello Lobatto

ofereceu o show para um produtor, que não se interessou e passou a bola pra

ela, que trabalhava com bandas independentes, mas não conhecia o público

do Planet. Ela teve apenas dez dias para divulgar e correu atrás panfletando,

colando cartazes e conseguindo matérias (nem sempre positivas) nos jornais

locais. O local era realmente sem estrutura, porém, o aluguel era baratíssimo.

Não havia saída de emergência nem camarim, e o palco, pequeno e baixo, foi

montado especialmente para eles. No fim do show, os músicos ficaram por lá,

tomando cerveja e fumando com o público. A partir desse evento, o Casarão

da Ribeira virou point.

A produtora estava no início de carreira e foi acusada por um cidadão em

um jornal da cidade de aliciar menores a fumar maconha. Outro colunista

armou um barraco, porque ela não deu ingressos para seus amigos assistirem

ao show de graça, e publicou outra matéria detonando Anna no jornal, com

inverdades sobre a organização. Esse show foi marcante em sua vida, e não

apenas pelas polêmicas: “O Lobatto chegou a me perguntar quanto eu tinha

gastado pra fazer o show e simplesmente dividiu o lucro. Os meninos não

eram exigentes. Eram ótimos. Sempre muito simples”.

Nesta gig, o Planet se hospedou numa pousada de um amigo da Anna, na

Praia do Cotovelo, em Parnamirim. Um pouco distante, mas muito

confortável. As refeições também aconteceram em restaurantes de amigos nas

praias do Cotovelo, Ponta Negra e dos Artistas. Algum tempo depois, ela fez

um segundo show da banda em Natal, dessa vez num prédio onde

antigamente funcionava uma delegacia. Rolou uma tarde de autógrafos no

shopping e o evento foi um sucesso. A estrutura tinha melhorado: camarim,

palco alto, som excelente, saída de emergência e casa cheia. Tanto a Na

Moral quanto a Sony enviaram uma carta apoiando e elogiando a “produção

impecável”, que foi publicada num jornal local. “Lembro da calma do D2,

com uma cabeleira linda, e do sorriso de BNegão.”

Novas amizades, shows bons e fartura de maconha. Após essa primeira

investida bem-sucedida pelo Nordeste, o Planet Hemp voltou sempre que

possível.

Música quadrinizada e publicada no fanzine Undergraff #5, de Fortaleza (CE). Acervo pessoal WeaverLima / Seres Urbanos.

CAPÍTULO 20

JACKSON

Apesar dos esforços de Ronaldo e Lobatto, o Planet Hemp ainda não dava

muita grana. Ao menos não o suficiente para montar uma equipe técnica de

verdade, com carteira assinada e tudo mais. Quem metia a mão na massa

ainda era o Kadu e o Kleber. No lugar de uma solução definitiva, optavam

por improvisos, com os agregados aqui e ali, que davam uma força e seguiam

na caravana com a banda. Um desses caras que colaram na crew e acabou

virando músico mais adiante foi o Jackson, apelido de Eduardo Vitória.

Ele é neto de Mario Magá, um trompetista de banda de baile no interior do

Rio Grande do Sul que não queria que nenhum dos filhos fosse músico. Uma

vez, o seu pai, que era dentista, trocou com um paciente um tratamento por

aulas de violão e ganhou também um instrumento. O jovem Eduardo ficou de

olho no violão, mas em vez de incentivar o filho a tocar, arrumou um estágio

de office boy para ele, no banco Meridional. Por sorte, um vizinho da rua

tinha um estúdio na garagem e estava se desfazendo das coisas. O garoto foi

lá e descolou uma guitarra Dolphin, que ele levava para aula para se exibir.

Por volta dos dezesseis anos, formou a sua primeira banda, a Rap Crazy. O

Egisto produzia shows na Segunda Sem Lei, no (bar) Porto de Elis, e

encaixou a bandinha para abrir a noite com Ultramen, M-19 e Groo Brothers

– a banda de rap e funk metal do Edu K com o Juju, Chocolate, Egisto

Ophodge (ou Del Santo) e Rudi. Uma das músicas se chamava “Zé

Beijinho”, porque o Chocolate queria beijar todas as mulheres.

Ao perceber que o garoto estava empolgado, Egisto fez um convite para

que ele trabalhasse como roadie do guitarrista Solon Fishbone, da banda

Graforréia Xilarmônica, com o Tchê Gomes e a galera do TNT. Algum

tempo depois, Edu K fez um show na capital gaúcha e disse pro moleque que

ele tinha que ir pra São Paulo. Como o adolescente tinha algum dinheiro do

estágio guardado no banco, arrumou as malas e deu tchau para Porto Alegre.

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Um dos tios de Jackson era controlador de voo da aeronáutica e havia sido

transferido de Bagé para São Paulo, e o sobrinho foi morar com ele num

apartamento, na avenida Brás Leme, em Santana. Nessa época, tinha muita

gente do Sul morando e trabalhando na capital paulista. Um deles era o filho

do músico Flávio Santos, o Chaminé, que fora baixista do Solon Fishbone e

do Taranatiriça. O filho dele em São Paulo era o Carlinhos, guitarrista do

Againe, e que trabalhava na MTV, na época. Quando o Carlinhos soube que

o adolescente tinha sido roadie do seu pai, ele pirou. Jackson ficou amigo do

Carlos, que morava com o Rodrigo Brandão e a modelo Gica, numa casa em

Pinheiros.

Nessa mesma época, Edu K estava morando num apartamento na Oscar

Freire, casado com a Maristane, e lançando o seu primeiro disco solo depois

do DeFalla [138]. Ele tocava com o Alec (Haiat, que foi guitarrista da banda

Metrô), o Mario Gildo (no baixo) e o Kuki (Stolarski, baterista das bandas

Metrô e Funk Como Le Gusta). Jackson bateu na porta e acabou ficando por

lá. Virou o roadie dessa galera.

Edu contou um detalhe importante: “Ele chegou e ficou. Ficava lá,

estirado no sofá, pedia leite com Nescau, dizendo que a mãe dele faria isso ou

aquilo [risos]. A gente foi no lançamento do Usuário, foi foda. Foi ele quem

me trouxe a demo da [banda] Comunidade Nin-Jitsu. Foi assim que começou

a amizade com o Fredi [Endres] [139], que culminou depois com o estouro da

‘Popozuda’ [140]. O Hermano Vianna conhecia um gringo que queria fazer um

selo de funk carioca. Ele queria lançar o Miami Rock [141] inteiro. Eu comecei

a ir pra Europa assim, fazendo show de electro”.

Até então, o Jackson só tinha visto o Marcelo D2 uma única vez, num

show do Ultramen e do Planet Hemp, no bar Opinião, em Porto Alegre,

quando saiu o clipe de “Legalize já”. Ele nunca se esqueceu desse dia:

“Quando os caras do Ultramen chegaram pra passar o som, começaram a me

zoar, me chamando de Gildinho, dizendo que eu era o novo Mario Gildo”.

Ele não fazia ideia que estavam se referindo ao tal roadie do DeFalla que

andava pelado, colocava sapato na cabeça e quebrava os instrumentos.

Aí, rolou o aniversário do Edu K e o Jackson colou na hora com o D2. No

dia seguinte, o guri continuou enchendo o saco do dono da casa para levá-lo

numa festa de rap. Até que ele ligou para um amigo, o Zé Gonzales, e pediu

ajuda. Nesse dia, o DJ o levou ao baile da Soweto, onde os DJs eram o Hum

e o Nuts.

Como o Edu não aguentava mais aquela “visita permanente” na casa do

casal, o gauchinho começou a ficar direto na casa de Pinheiros. Até que,

numa das vezes em que o D2 foi a São Paulo, ele chamou o garoto para ir de

carro para o Rio com ele e o Rafael. O que era para ser um fim de semana se

transformou em vários meses.

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Quando chegou ao Rio, o primeiro choque de realidade: o vocalista que

ele tanto idolatrava morava no quartinho de empregada do roadie. O Marcelo

já tinha saído da casa da Elza e se mudado para o modesto aposento na casa

do Seu Wilson, pai do Kadu, roadie do Planet Hemp, e restou ao Jackson

dormir na sala, com o cão e o gato.

O quarto do D2 era composto basicamente por uma cama e duas ou três

prateleiras, nas quais repousavam credenciais, óculos e roupas que ele

ganhava da Vision. As paredes eram cobertas de pôsteres de shows do PH.

Segundo consta, o cômodo tinha o maior cheiro de chulé. Às vezes, quando o

Marcelo não estava, Apollo caía por lá depois da noitada: “Onde ele dormia

não era nem uma cama, era uma tábua. Mas a vista era incrível. Eu sempre

chegava de manhã e via o Cristo de lá. Também tinha uma estantezinha com

as revistas, os discos do Funkadelic e dos Mutantes”.

Quando o Jackson chegou, Marcelo ainda estava muito abalado com a

morte do Skunk e só usava uma calça jeans alvejada com água sanitária, que

tinha sido do parceiro. Ele não tirava nem para lavar e, quando ficou muito

ferrada, virou bermuda. O uniforme dele era essa calça, camiseta branca e o

adidas Gazelle preto com listras brancas – que ele usou no primeiro VMB [142]

e depois deu para o Jackson. Era uma época de liberdade total e de curtir a

rua: Jackson e D2 saiam sem rumo, ficavam cinco dias pela casa dos outros.

Veio então o show do Planet Hemp e O Rappa, no Riocentro. O Kadu não

pôde trabalhar nessa data e o Jackson ganhou a sua primeira oportunidade

como roadie.

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O verão de 1996 no Rio de Janeiro foi marcado pelo apitaço, tática usada

pelos banhistas para avisar quando a polícia se aproximava. Se um PM

colocasse o pé na areia, a galera começava a soprar os apitos. A maré estava

começando a virar para o Planet. Quando eles voltaram da primeira turnê

pelo Nordeste, aconteceu mais uma edição do Hollywood Rock, com Chico

Science & Nação Zumbi, Raimundos e Pato Fu – cada banda foi escalada

como headliner de uma das três noites do festival.

Já fazia quase um ano que o Planet havia tocado no Metropolitan e

quebrado o camarim, quando a banda foi convidada para abrir o show dos

Raimundos por lá. Porém, nesse dia, rolou uma das maiores enchentes da

história do Rio e o show foi adiado. Como o Jackson era roadie, foi com o

equipamento para a passagem de som, mas a Van foi embora. Na sequência,

encontrou o Zé, o Rafael, o Apollo e o Marcelo. Eles também foram para a tal

passagem de som que não rolou, e o carro do Rafael tinha dado problema: o

alarme disparava sozinho e brecava o carro.

Mexe daqui, mexe dali. O carro saiu andando, até parar de novo, no meio

da rua. A Barra da Tijuca era muito deserta e, quando avistaram um posto de

gasolina, precisavam passar por um matagal cheio de água até o joelho. O

Marcelo, o Apollo e o Rafael foram buscar ajuda, enquanto o Jackson e o Zé

tentavam dormir no carro infestado de mosquitos. Nisso, se passaram três

horas e nada de os caras voltarem. Quando os dois chegaram no posto, estava

rolando a maior festa. Lá, conheceram o dono do macaco de uma propaganda

da Pepsi da época [143].

O macaco estava num hotel e a galera foi até lá para tirar uma foto

Polaroid com o mamífero. O dono do animal também disse que tinha um

skank em casa. Resultado: todos bêbados, entraram no Fusca dele para ir lá

provar. Chegando na casa dele, o cara deu um baseado qualquer e apagou. De

repente, apareceu uma mulher de camisola, e os músicos meio constrangidos,

meio excitados, explicaram a situação. Essa imagem marcou o Apollo:

“Aquela mulher linda de camisola virou pra gente com aquele sotaque de

carioca e perguntou se queríamos que ela levasse a gente pro motel.

Demorou! Aí, ela respirou fundo e explicou melhor. Ela iria dar uma carona

até lá”.

A gentil companheira deixou aquele bando de marmanjos esquisitos na

esquina seguinte. Minutos depois, passou um ônibus que os levou até a porta

do hotel dos Raimundos, onde encontraram o Mario Gildo e o Raul Machado.

Ficaram todos virados, tomando umas e outras no quiosque.

Veja como diferentes caminhos levam ao mesmo lugar. O diretor Raul

Machado conheceu o Planet Hemp nesse dia e por esse motivo: “Eu estava

indo com o Raimundos para fazer um clipe ao vivo e o Planet ia abrir [o

show]. Só que caiu um dilúvio e o ônibus do Raimundos ficou preso na

Gávea a noite inteira. Meu irmão Digão, que na época tinha uma produtora de

áudio, encontrou o Zé Gonzales na Barra da Tijuca e eles estavam ilhados lá.

O Planet inteiro foi dormir na casa do meu irmão. Foi assim que eu conheci

eles”.

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Após o temporal de fevereiro, o show foi remarcado para uma data no

Carnaval, mas novamente adiado. Após duas tentativas, enfim as bandas se

encontraram em março, no Metropolitan. Os Raimundos já tinham lançado o

segundo disco, Lavô tá novo, e tocado no Hollywood Rock, mas aquela era

uma ocasião especial. Inclusive para um jovem fã.

Rodrigo Amorim tinha dezesseis anos e estava apaixonado pelo som do

Planet Hemp. Quando a banda tocou no VMB, ele reparou que o Rafael usava

uma guitarra muito antiga, uma Fender 1952, que um amigo explicou ser uma

Tonante. Então, quando foi ao show, ele fez um cartaz perguntando:

“RAFAEL, POR QUE TONANTE?”. Os shows das duas bandas foram

incríveis e, pegando carona no apitaço, D2 jogou vários apitos para o público.

Quando acabou o do Raimundos, que foi a segunda banda da noite, D2,

BNegão e Bacalhau entraram no palco para tocar “Give it Away”, do Red

Hot Chili Peppers, diante de dez mil pessoas. Assim que o evento acabou, o

fã chegou no backstage e mostrou novamente o cartaz.

Duas semanas depois, o Planet tocou pela primeira vez no Bedrock, em

Niterói, onde morava Rodrigo. Foi um show avassalador, que levou mil e

oitocentas pessoas ao local, inclusive o autor deste livro. E, mais uma vez, o

fã levou o cartaz e pediu para os músicos autografarem nele. Para sua sorte

ou seu azar, o primeiro com quem trombou foi o Speed, que gritou bem alto:

“Olha o moleque do Metropolitan!”. A partir desse dia, o seu apelido virou

Tonante. Ele colou na crew e sempre que podia ia aos shows.

Nesse show, aconteceu uma parada surreal, relembram Kleber e Kadu: “O

Rafael tinha acabado de comprar uma guitarra 335, tipo a do BB King, e

levou pro show do Bedrock. Quando ele passou pro Jackson afinar, a guitarra

caiu no chão. Nem tinha dado um acorde ainda!”.

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Assim como o Jackson, Rodrigo Tonante era antes de tudo um fã. E,

quando podia, ajudava como roadie ou o que mais eles precisassem. A ajuda

foi necessária quando o Planet tocou na Cervejaria Voadora, em Juiz de Fora

(MG). Quando a banda chegou ao local (um hangar ao lado do aeroporto),

Tonante foi carinhosamente recebido: “Caralho, moleque, você de novo?”.

Como dizem, quem está no fogo é pra se queimar. Não demorou e o Kadu

pegou o fã para ajudar a carregar as coisas e a montar o equipamento.

Rodrigo descobriu que no dia seguinte a banda tinha show em Petrópolis e

pediu para ir junto. Quando o show acabou, ele ajudou o Kadu a desmontar

tudo e seguiram viagem.

No caminho entre Juiz de Fora e Petrópolis, Ronaldo perguntou a idade do

fã, que não tinha nem dezoito anos. O empresário ficou preocupado, mas não

tinha mais volta. O show em Petrópolis foi bom, o Formigão tocou com um

baixo Fender Mustang branco que o Rafael havia comprado. Na volta pra

casa, quando todos dormiam, Kadu pegou o Tonante pelo braço e tirou da

mala um pedal de guitarra. O moleque ficou impressionado e pensou: “O

Kadu é foda mesmo, vai consertar um wah-wah depois do show, no escuro,

com o ônibus balançando...”. Porra nenhuma. O roadie foi retirando os

parafusos até que apareceu o bagulho que estava escondido dentro do pedal.

A preza era boa, apertaram uns três ou quatro cigarros e todos ficaram muito

felizes. O jovem fã dormiu e só acordou quando estava no Rio.

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O Planet era uma banda muito visada pela polícia, que tinha motivos de

sobra para sempre desconfiar dos caras. Uma vez, já com o Usuário lançado,

a TV Globo fez uma reportagem (no Globo Repórter) escancarando os

músicos apertando um, fumando e se declarando usuários em cadeia

nacional. A locução em off explicava que há um ano a banda era

desconhecida e que nas letras de suas músicas a maconha era personagem

central. A narração continuava, enquanto eram exibidas cenas dos músicos se

preparando para ensaiar no Totem: “Três da tarde. Os integrantes do Planet

Hemp, sem a menor cerimônia em frente à câmera, repetem uma rotina.

Nessa sala de espera, em vez de cafezinho, tem cigarro de maconha. O

baseado vai passando de mão em mão”. (Além de Marcelo D2, as imagens

mostram também BNegão, Zé e Apollo fumando.)

O repórter perguntou se era o primeiro do dia, Marcelo soltou a fumaça e

disse que era o terceiro. Numa cena com todos reunidos, D2 reafirmou que a

banda não queria que todo mundo fumasse. E sim que, quem quisesse fumar,

pudesse fazê-lo com paz e dignidade, sem precisar trocar tiros com a polícia.

A edição seguiu instigando: “Provocativos, audaciosos, eles dizem não ter

medo. Mesmo num país onde maconha é crime e dá cadeia”.

Ao final da reportagem, cenas de um show no qual o próprio D2 fuma no

palco. No fim, quando o repórter tentou se aproximar do público, a vaia foi

geral. Um fã rechaçou a abordagem: “A gente tá a fim de fumar e você tá a

fim de filmar”. Um dos entrevistados da plateia assumiu diante da câmera

que fumava e ofereceu ao repórter. A edição não mostra se ele aceitou ou

não. O fato é que o programa colocou no Planet Hemp o rótulo de “a banda

da maconha” para todo o país. E, se essa imagem foi transmitida para os pais

dos artistas, ela também chegou para os juízes, os delegados, os policiais e os

militares. Apollo apareceu com destaque na reportagem: “A matéria no

Globo Repórter explanou para toda a parte crente da minha família. Eu

apareço dando pega no beck em cadeia nacional”.

A mesma TV Globo exibiu, em dezembro de 1995, o especial Som Brasil

sobre a cantora Rita Lee. Durante a entrevista, a ex-vocalista dos Mutantes

fala com todas as letras: “Planet Hemp é um desacato permanente à

autoridade” [144]. A banda participou do programa cantando com ela “Esse tal

de Roque Enrow”, uma das três letras coescritas por Paulo Coelho gravadas

no álbum Fruto proibido (Som Livre, 1975).

Depois da confusão no show da rádio Cidade (quando o Planet fez guerra

de frutas e quebrou um espelho), nessa gravação com a Rita Lee a banda

ficou com o pior camarim do Metropolitan. Não tinha nada, só a mesa, pra

não ter o risco de uma nova confusão. Foi o primeiro show de Kleber França

como técnico de P.A.: “Eu consegui ver na TV, tarde da noite, num domingo.

Pelo que eu me lembro, nem passou uma música do Planet. Exibiram uma

jam session no final, com Raimundos, Pato Fu e o Planet”.

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A turnê do Usuário rendeu histórias inesquecíveis e perigosas. Certo dia,

antes de entrar numa cidade, a galera avistou uma barreira policial

aguardando a chegada do Planet Hemp. O motorista avisou que iria parar.

Mas o que fazer com o bagulho? Jogar fora? Nem pensar. Como sempre,

ninguém queria jogar nada fora.

O ônibus foi reduzindo a velocidade, manobrando para estacionar e

ninguém sabia o que fazer. Foi então que o Pedrão, diretor de palco, pensou

rápido e pediu para entregarem tudo para ele. O cara recolheu toda a maconha

disponível, abriu um saco de um snack sabor queijo, colocou todos os

flagrantes no fundo e cobriu com o biscoito.

Quando a porta abriu, os policiais subiram no veículo e revistaram todo

mundo. Em seguida, mandaram descer com as bagagens. Abriram as malas,

as bolsas e não acharam nada. E o Pedrão ali, comendo o biscoito bem

devagarinho, com toda a calma do mundo. Quando a blitz terminou, os

policiais se desculparam pelo transtorno e o ônibus entrou na cidade. Cada

um pegou a sua parte no fundo do biscoito e a viagem continuou.

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Jackson fez boa parte da turnê do Usuário como roadie. Era conhecido

como o lembrador de histórias da galera. Nas internas, o Marcelo era

chamado de Pantaleão [145], por contar muitas histórias que aconteceram com

o Jackson, com o Zé ou com o Rafa, como se tivesse sido com ele.

Quando o D2 se juntou com a Manu, não dava para o Jackson continuar

morando com o vocalista, mas ele seguiu viajando e colando com a banda. A

pedido do Marcelo, o amigo foi morar no estúdio Totem, onde acordava com

os tambores da Nação Zumbi. “O que a gente fazia lá era impressionante.

Marcelo Yuka ou Marcelinho (do Squaws), na batera; eu; Ulysses; e o

Rafael, na guitarra. Eu também tocava baixo. Tinha o Falcão, o Seu Jorge.

Uma casa absurda, a maior vibe”.

Jackson morou por algum tempo no Totem até o dia em que, já na turnê do

segundo disco, o Ronaldo o dispensou da equipe. O gaúcho voltou para São

Paulo, onde virou roadie do Ratos de Porão. Mas, como nada é por acaso,

algum tempo depois o seu destino cruzaria novamente com o do Planet Hemp

num dos acontecimentos mais marcantes da música brasileira.

CAPÍTULO 21

HEMP FAMILY

O estúdio Totem foi inaugurado em 1995, num casarão de mil metros

quadrados, em Santa Teresa. No início, era o local onde o baixista Ulisses e o

guitarrista Alexandre Mazza (ou simplesmente MZ) levavam um som com os

amigos, ainda gestando o que seria o Squaws. A sociedade contava também

com Claudinha, mulher de Alexandre. Quando o Groove fechou, todo mundo

migrou para lá, pois tinha o mesmo clima de clube.

O termo hemp family ficou mais conhecido a partir do Totem, não mais

por serem bandas que ousavam misturar gêneros musicais distintos, mas por

reunir uma galera que curtia os mesmos sons, as mesmas baladas, a mesma

erva e eram muito amigos. As bandas se ajudavam, escalavam os parceiros

para abrir os shows, falavam umas das outras nas entrevistas e também para

os executivos de gravadora, que queriam encontrar o próximo sucesso. “A

hemp family era como a Zulu Nation, uma coisa coletiva e anárquica em

torno dos mesmos interesses”, definiu Miranda.

Quando o Planet lançou o primeiro disco, Gustavo Black ia ao show com

ou sem cachê, porque era um agregado. Assim como os caras iam assistir aos

shows do Speedfreaks, no Olho do Tigre, no Bouganville, no Barthô, na

Vollúpya, no Vina Bar e em outros picos de Nikiti City.

Como a casa onde ficava o Totem era enorme, os custos fixos e de

manutenção também eram altos. Sem contar os artistas que ensaiavam e

davam calotes. Foi então que os três proprietários começaram a fazer festas

no local. Uma das primeiras se chamou Maryjane Pega o Bonde no Totem,

no dia 2 de fevereiro de 1996, com shows do Squaws e Planet Hemp, e

discotecagem do Zé Gonzales.

As jam sessions entre integrantes de várias bandas eram comuns,

principalmente nas festas. Quando o Chico Science ensaiava lá com a Nação

Zumbi, a galera se apertava para ficar vendo da janelinha, hipnotizada com

aquele som. Foi no Totem que Ronaldo conheceu o Seu Jorge, ainda falando

em idealizar o Farofa Carioca. Ele chegou a convidar a banda para a

coletânea Grooves From Rio, com Tornado, Black Alien e outros nomes. A

festa do disco aconteceu dia 12 de julho, com as bandas tocando ao vivo, e o

Planet participou de uma jam session.

Naturalmente, com a visibilidade trazida ao estúdio, todas as atenções

começaram a se voltar para os donos da casa. Percebendo a oportunidade, o

Squaws lançou a sua primeira fita demo homônima com quatro faixas. A

demo tinha produção artística de Ronaldo Pereira, gravação e mixagem do

Kleber França e produção executiva da Elza Cohen. Ou seja, a mesma galera

que estava em volta do Planet. Além de MZ e Ulisses, a banda contava com

Marcelinho, na bateria; Agui, no vocal; e Claudio, no teclado Moog, nos

samplers e nas sucatas.

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O diretor Raul Machado conheceu D2 e companhia no episódio da

enchente com os Raimundos, na Barra, quando quase todos dormiram na casa

do seu irmão. Ele disse QUASE todos: “O Gustavo, eu conheci no Garage. O

Speed [eu conheci] logo depois. Lembro que eles brigaram na mesma noite,

Gustavo de olho roxo. No dia seguinte, já eram melhores amigos de novo.

Saudades do Speed, ele era o maníaco camarada mesmo”.

No dia 4 de outubro, o Planet Hemp gravou no Totem o videoclipe de

“Dig Dig Dig”. A partir desse dia, Raul se tornou o diretor de clipes oficial da

banda: “Em ‘Dig Dig Dig’, eu estava afim de experimentar câmera lenta,

então aluguei uma 16 mm e umas luzes. A maioria das luzes não funcionou.

Filmei com velocidade dobrada e telecinei na velocidade normal, pra ficar em

câmera lenta. Pra ter esse efeito, eles tinham que cantar duas vezes mais

rápido. Passei uma fita um dia antes pra eles treinarem, mas eles nem

ouviram. A parte do Black e do Marcelo saindo do banheiro filmamos no

Garage, no meio de todo mundo durante uma festa. No final da filmagem, já

estávamos bêbados e chapados e fomos pro baile funk. Todo o equipamento e

material da filmagem estava no meu porta-malas. Deus protege os loucos... se

eu perdesse a câmera, provavelmente estaria pagando por ela até hoje!”.

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Quem também chegou por linhas tortas e ficou na crew foi o grafiteiro

paulista Speto, que pintou no Totem e desenhou para o Planet Hemp:

“Conheci primeiro o D2 e depois o resto da banda. Conheci por meio do Zé

Gonzales, porque eu andava de skate e viajava muito, inclusive pro Rio.

Grafitei no estúdio Totem. O Raul Machado, amigo em comum, fez um

videoclipe lá, e eu desenhei uns personagens. Aí eu grafitava com eles,

viajava junto, fiz caricaturas deles. Tudo era brodagem”.

Influenciado pela filosofia do “faça você mesmo”, Speto relembrou como

foi o seu contato com as bandas da cena dos anos 1990: “Ao conhecer esse

discurso das bandas de fazer um som com raízes brasileiras, como Nação

Zumbi, Planet Hemp, Sepultura, O Rappa, eu levei para o grafite. Tinha um

gostinho de coisa nova, de não estar repetindo alguma coisa”.

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O primeiro disco do Planet Hemp começou a decolar quando a conjuntura

ficou ainda mais favorável. O que inevitavelmente passou tanto pela

programação da MTV quanto pelas ondas das emissoras de rádio. Além das

estações totalmente dedicadas ao rock – como 89 FM e Brasil 2000 (São

Paulo), Estação Primeira (Curitiba), Ipanema (Porto Alegre), 98,1 (Santos),

107 FM (Belo Horizonte) etc. –, até as emissoras com programação não

especializada passaram a abrir espaço para promover bandas novas, como o

Segunda sem lei (Felusp/RS), Radiola (Globo FM/RJ), Mangue beat

(Caetés/PE) e outros.

No Rio, com uma mão da Monikinha, o Planet estreou na parada musical

da Cidade FM, em fevereiro de 1996, ocupando o quinto lugar com

“Mantenha o respeito”. Um mês depois, ficou em segundo lugar e, em abril,

emplacou duas no Top 10 ao mesmo tempo (a anterior e “Legalize já”). No

mesmo período, um grupo de jovens paulistas lançou um guia de música

underground, o Underguide, cuja segunda edição estampou o Planet Hemp

na capa.

Sem descuidar do Rio, Ronaldo começou a fazer o circuito de lonas

culturais, como a de Campo Grande, colocando o Tornado e o Black Alien

para abrir os shows do Planet – que gravou “Top Top” para a coletânea

Triângulo sem bermudas (Natasha Records), com versões dos Mutantes.

Paralelamente, O Rappa entrou em estúdio para gravar Rappa Mundi, seu

segundo CD, e Chico Science & Nação Zumbi tocou no Abril Pro Rock, com

participação de Gilberto Gil. Correndo por fora, BNegão participou com o

Funk Fuckers da coletânea Paredão.

Num período em que o DJ Zé Gonzales estava no exterior, Nuts o

substituiu no Planet em três ou quatro shows: “Quando eu gravei o disco d’O

Rappa [146], coloquei o Nuts no carro e avisei a eles que iria levar o DJ da

banda. Ao chegarmos lá, eles olharam para o Rodrigo e começaram a rir na

cara dele: ‘Esse moleque?’. Ele tinha 17 anos e ficou com a banda por um

ano e meio”.

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Cada banda fazia a sua correria, mas quando se encontravam era uma

festa. Uma dessas oportunidades únicas aconteceu no Geraes Rock Festival,

no campo do Tupynambás, em Juiz de Fora (MG), uma espécie de

Woodstock mineiro. O evento conseguiu reunir Pato Fu, O Rappa, Planet

Hemp, Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi, além dos locais

Dinossauros Barrigudos. O ônibus com o Planet saiu do Rio às três da manhã,

com a repórter Giovana Hallack e a fotógrafa Daniela Dacorso cobrindo para

a Bizz; e o que levou O Rappa e CSNZ, às sete da manhã.

A essa altura do campeonato, o fã Rodrigo Tonante – aquele do cartaz no

Metropolitan – já sabia qual era o esquema para entrar no backstage: vestir

roupas pretas e se passar por integrante da equipe técnica do Planet Hemp. E

lá foi ele de Niterói para Juiz de Fora. Na dúvida, o seu primo comprou dois

ingressos. Como sempre fazia, chegou no local do evento mais cedo, vestido

com roupas pretas, e procurou a entrada secundária. Explicou para o

segurança que havia se atrasado e por isso precisava entrar para pegar as duas

credenciais. Como garantia, deixou com o cara os dois ingressos.

Assim que adentraram na área restrita, trombaram com Rafael e Zé

Gonzales, que o reconheceram: “Olha o Tonante aí! O que você está fazendo

aqui, moleque?”. Como o evento estava atrasado, não conseguiram ficar ali

para a passagem de som. Mas fã que é fã não desiste fácil.

O primeiro show foi do Pato Fu. Enquanto a banda de John e Fernanda

Takai se apresentava, Tonante viu um cara saindo do backstage e perguntou

como ele havia entrado lá. Quando o segurança deu uma brecha, os três

passaram por um ônibus atrás do palco e entraram! O Formigão estava com o

pé engessado e eles ficaram ao seu lado, assistindo ao show. De repente, o

Black Alien chegou, reconheceu o seu conterrâneo e pegou duas credenciais

para eles com o D2. Dali em diante, assistiram ao resto do festival do palco,

na maior tranquilidade.

Esse show também foi marcante para o Kadu: “No festival, em Juiz de

Fora, eu era o roadie do Planet e o Berg era o da CSNZ. A gente se ajudou à

beça. Eu lembro de ajudá-lo a vestir o Chico, com aquela roupa do homem de

lança. Eu estava sempre no estúdio Nas Nuvens, na época em que eles

gravaram o Afrociberdelia. Assim que acabaram de gravar o disco, eles me

chamaram para ir de roadie na turnê. Eu queria muito, muito mesmo. Mas

não podia, estava com o Planet. A vaga acabou ficando com o David

Corcos”.

Kleber e Kadu contam que Rafael reclamava muito do David. O garoto era

o seu roadie e a guitarra estava sempre desafinada. Certa noite, quando

terminou a última música do show, Rafael tirou a guitarra do pescoço, jogou

para o alto e virou as costas para o palco. Como numa cena de sessão da

tarde, David correu, pegou a guitarra ANTES de ela cair no chão e deu o

último acorde na música.

Foi o último show que ele fez como roadie do Planet Hemp.

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Se a turma da hemp family gostava de dar uma bolinha no beck, era um

desastre com a bola de futebol. Em 1995, a MTV criou um campeonato de

futebol para as bandas que frequentavam a sua programação, o Rockgol. Na

primeira edição, participaram oito grupos e alguns ex-jogadores profissionais.

Na segunda, em 1996, a quantidade de bandas dobrou, além de permitir

também que os roadies fizessem parte das equipes. Da crew, participaram

CSNZ, O Rappa e Planet Hemp, que perdeu de 11 a 0 para o Skank.

O Planet ainda participou das edições seguintes – em 1997, num time

conjunto com os Suínos Tesudos; em 1998, com o Squaws; e em 2001, com

O Rappa e Farofa Carioca –, mas sempre fazendo vergonha dentro das quatro

linhas. A exceção foi em 1998, quando O Rappa foi o campeão. Nessa

edição, Marcelo Yuka não atuou como jogador, mas sim como repórter de

campo.

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Em junho, Chico Science & Nação Zumbi fizeram dois shows no Tom

Brasil, em São Paulo, para o lançamento do segundo álbum, Afrociberdelia.

O disco chegou embalado por músicas fortes como “Maracatu atômico”, o

single de trabalho “Manguetown” (com videoclipe dirigido por Gringo

Cardia) e “Macô”, que contou com a participação de Gilberto Gil e Marcelo

D2. “Macô” contava a história de um camelô que vendia a ganja dentro de

equipamentos eletrônicos, mas também virou codinome para a maconha. No

estado do Maranhão, a expressão “cadê Roger?” virou uma espécie de código

para perguntar se alguém tinha um beck [147].

A banda pernambucana estava um passo à frente de todas as outras da sua

geração. Pouco depois do lançamento no Brasil, CSNZ e Mundo Livre se

apresentaram no Prospect Park, em Nova York. E não parou por aí: Chico e a

Nação partiram para a segunda turnê europeia, percorrendo treze cidades em

dezessete dias. Tocaram na Suíça, Bélgica, França, Alemanha, Dinamarca,

Holanda e Áustria, dividindo os palcos com grandes nomes como Coolio,

Beck, Ministry e Nick Cave [148]. Não tardou muito e Afrociberdelia chegou

ao quinto lugar na World Music Charts Europe.

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O auge da parceria entre o Planet Hemp e a Cidade FM aconteceu no dia 4

de junho, uma terça-feira, quando “Mantenha o respeito” atingiu o número 1

na parada da emissora. Naquela noite, a banda tocou na festa da rádio no

Canecão, com casa cheia. Os seguranças revistaram o público e se limitaram

a apreender os baseados acesos durante o show, que começou com uma hora

de atraso. Durante a execução de “Legalize já”, a galera subiu ao palco e

derrubou um refletor, interrompendo a apresentação por alguns minutos. Mas

a grande novidade foi a performance de uma stripper, que ficou apenas de

calcinha. Essa é uma história que merece ser contada nos mínimos detalhes.

CAPÍTULO 22

AS MENINASDO PLANET

A bisavó era dona de uma fábrica de roupas em Minas Gerais. Como os

novelos de lã vinham com a etiqueta Made in Siberia, a senhora queria que

sua bisneta tivesse esse nome. A mãe, por sua vez, preferia Raquel. No

impasse, a garota foi batizada de Sibéria Raquel, mas sempre preferiu Sibéria

de Almeida.

Desde menina, ela chamava a atenção pela beleza. Na juventude, ganhou o

título de Garota Piscina, no clube Atlético Mineiro. Por volta dos vinte anos,

Sibéria fazia estágio numa rádio em Belo Horizonte e já conhecia a banda

Hanói-Hanói e o seu empresário, Marcello Lobatto, que começou a trabalhar

com o Ronaldo Pereira, na venda de shows do Planet Hemp. Por esses acasos

da vida, ela mesma passou a ser uma das atrações.

Em 1995, Sibéria mudou-se para a casa de uma tia, no Rio, disposta a

aprender mais sobre o universo da música. Colou na galera do Planet para

ajudar no que fosse necessário: camarim, passagem de som etc. O striptease

começou por brincadeira, durante um show no Circo Voador. Eles estavam

passando o som quando o Lobatto colocou pilha. Empolgada, saiu de lá e

comprou roupas sensuais; à noite, debutou. Se no universo do Planet tinha

rock e muitas drogas, só faltava o sexo para completar a tríade.

Sibéria entrava de calcinha, sutiã e cinta-liga, com uma máscara

escondendo os olhos. Se fosse de dia, colocava também um boné. Ela sequer

fumava maconha, mas morria de medo de a tia descobrir. Entrava e saía

acompanhada do segurança e fazia o seu número durante “Puta disfarçada”:

dançava um pouquinho e tirava apenas o sutiã. Chegou a dar entrevista para a

revista Ele & Ela e, dizem, inspirou a criação da personagem Tiazinha, de

Suzana Alves.

Pelas suas contas, foram poucas participações, entre cinco e dez vezes,

num período de alguns meses em 1996. Começou no Rio e seguiu pela turnê

no Nordeste, viajando quase um mês direto. No Canecão, Formigão e Rafael

ficaram desconcentrados, sem saber se tocavam ou se olhavam para ela [149].

Na ocasião do show na Praia do Futuro, em Fortaleza, ela bateu a cabeça

descendo um tobogã, num parque aquático, ficou grogue e não falava coisa

com coisa. Ainda em Fortaleza, um empresário local ficou apaixonado e

perguntou quanto ela cobraria para fazer um show particular. No Rio, um

locutor e apresentador de TV a cabo causou transtornos, telefonando e

perseguindo a bela jovem mineira.

Quando tocaram no Olympia, em São Paulo, ao final da noite, ela, fãs e

integrantes da banda (menos D2 e Lobatto, que fugiram de táxi) tomaram

uma dura e terminaram na delegacia. O susto foi ainda maior quando uma das

meninas apareceu com um saquinho com pó branco. Por sorte, era apenas sal,

pois ela tinha problema de pressão baixa. O caso apareceu na imprensa e a tia

deu um ultimato, encerrando o número da sobrinha.

Como queria aprender, mais importante que fazer o strip era entender

como aquilo funcionava. A remuneração ficava em segundo plano. Tanto que

viajava com a banda, mas nem sempre fazia a performance. Sibéria se casou,

mas continuou trabalhando com outras coisas no ramo da produção. Com o

marido, abriu uma empresa de elétrica e suporte para eventos.

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Os fãs gostavam e esperavam ansiosos pelo strip, então achar uma

substituta seria uma questão de tempo. Num show absurdamente lotado, no

Circo Voador, uma menina linda e loira procurou o Lobatto. Como ele era

casado, passou a bola para o outro empresário (Ronaldo), também casado,

que encaminhou a garota para o jovem e solteiro Felipe Casqueira,

funcionário da Na Moral Produções.

Casqueira era produtor, trabalhava tanto no escritório quanto viajando com

os artistas da empresa. Entrou para o time a convite de Lobatto, que o

conheceu como produtor da festa A Bruxa Está Solta, realizada com o amigo

Felipe Cambraia, no estúdio Totem, com show da banda A Bruxa. Nos cinco

anos com o Planet, trabalhou nos três discos de estúdio, até receber um

convite de Cássia Eller. Dali a sua carreira decolou, passando por artistas

como Nando Reis, Zelia Duncan e Nação Zumbi.

Voltando ao show no Circo Voador, o garotão trocou uma ideia com a

candidata e marcou um teste em sua casa. Ela atendia pelo nome de Aline,

que ninguém descobriu se era ou não um pseudônimo. Garota de programa

profissional, trabalhava em casas noturnas e também como acompanhante.

Morava num pequeno apartamento, em Copacabana.

Devidamente aprovada, Aline entrava de roupão e tirava a roupa não

apenas em “Puta disfarçada”, mas também em “Zerovinteum”, quando

Formigão soltava o groove no baixo. Nunca aconteceu de algum fã subir ao

palco para agarrar qualquer uma das duas strippers. O Planet Hemp sempre

foi uma banda que intimidou o público, então as pessoas subiam apenas para

dar um mosh e nada mais. Aline participou de menos apresentações do que

Sibéria, até que, por algum motivo, o “número artístico” deixou de acontecer.

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Entre as meninas do Planet, havia também as fãs. Em 1997, um grupo de

estudantes criou em São Paulo o principal fã-clube do Planet Hemp no Brasil.

Daiane, Luana, Priscila e Meire tinham por volta de quinze anos e

conheceram a banda pelo rádio. A partir daí, começaram a comprar revistas e

tudo que saía sobre eles. Também gravavam músicas e entrevistas no rádio e

na MTV. Daiane se tornou a líder e hoje é a única fundadora original no fã-

clube, que não tem um nome:

“O primeiro show que nós fomos foi na zona sul de São Paulo, na Pippers.O segundo foi na Primavera do Rock, no Aramaçan, em Santo André. Emalgum momento, a Luana e a Meire foram para a grade, estavam chorandode emoção por ver a banda de pertinho. Então, um dos vocalistas desceu dopalco e deu um beijão na Luana.

Não havia a pretensão de fazer um fã-clube, foi tudo muito natural. Quandosaía um CD novo, a gente chegava na loja no primeiro dia, comprava odisco e decorava todas as letras pra cantar no show de lançamento. Tantoque, quando o Marcelo esquecia a letra, ele dava o microfone pra gentecantar (risos). As músicas que eu mais gosto são ‘Dig Dig Dig’, ‘Quem temseda?’ e ‘Hemp family’, que é a minha preferida e nunca vi ao vivo. Masgosto de todas, claro. Na temporada de shows no Palace, nós fomos aos trêsdias!

O [segurança da banda] Anjinho viu a gente e começou a notar que íamos a

O [segurança da banda] Anjinho viu a gente e começou a notar que íamos atodos os shows. Então, conhecemos os caras e o Lobatto. A gente chegavasempre muito cedo, assistia à passagem de som, ia para o camarim antes edepois, assistia de cima do palco. Tínhamos o telefone do Anjnho, ele diziaem qual hotel estariam, [perguntava] quantos ingressos precisávamos. Elenunca pediu nada em troca.

Com o tempo, a mãe da Luana não deixou mais ela ir. A Meire virouevangélica, a Priscila casou, pararam de ir aos shows. Então, conforme cadauma ia saindo, eu ia conhecendo outras meninas: Juliana, Patrícia, Cristina eGisleine. Éramos quatro de novo.

O Marcelo sempre foi casado. A Manuela era bem ciumenta. A gente estavano camarim, e ela deu piti, rolou o maior estresse. Eu conheci todos os filhosdo Marcelo, porque a Camila sempre foi mais acessível, um amor. Quandoeles tinham a marca Manifesto 33 1/3, a irmã dela mandou umas roupas pragente. A única vez [que tivemos uma conversa] íntima foi quando o Marceloestava no camarim e começou a desabafar: ele estava triste porque aManuela não o deixava ver a Lourdes”.

Pedrinho, Ganjaman, Daiane e Formigão, em São Paulo. Acervo pessoal do Fã Clube do Planet Hemp.

Nas lembranças de Daiane, o camarim era sempre farto, mas os músicos

do Planet Hemp só bebiam: “Então, a gente comia tudo. Frutas, bolos,

sanduíches. Uma vez, teve uma torta de morango que ninguém tocava, aí a

gente foi lá e comeu [risos]”. Ela fez questão de frisar que a banda sempre se

mostrou bastante cuidadosa com ela e com as outras garotas do fã-clube.

“Nunca vi eles cheirarem na minha frente, iam para o banheiro. Nós éramos

muito novinhas, então eles até fumavam na nossa frente, mas cheirar não”.

A preocupação da banda com as fãs também se manifestou de outras

maneiras: “Teve um show em Pinheiros que foi num lugar pesado, quase um

puteiro. Aí, eles foram lá fora e disseram que não achavam legal a gente

entrar. Eu era a única maior de idade. Ficamos do lado de fora, esperando o

show inteiro para falar com eles no final”.

“No dia que o Yuka foi baleado, o Planet chegou supertarde num show,

em Osasco”, recordou Daiane. “A gente sempre entrava com eles. Então,

ficamos lá, sem grana, esperando doze horas. A gente chegou meio-dia e eles

só uma da manhã!”

Para as meninas do fã-clube, os mais acessíveis sempre foram os três

vocalistas e o Zé. Quando o Bacalhau saiu do Planet, elas ainda não

conheciam a banda pessoalmente: “O Pedrinho estava sempre na dele. O

Rafael era bem fechado, tirava uma foto e acabou. O Formiga também era

fechadão. O Marcelo, o Ber, o Gustavo e o Zé eram os mais queridos, que

conversavam mais. A gente chegou a fazer carteirinha e cartão de visitas do

fã-clube, mas nunca chegou a ser oficializado. Se eu não fosse ao show, elas

também não iam. Eu era a grandona, a líder, então quando me viam, eles

sabiam que o fã-clube estava comigo. Várias pessoas se aproximavam da

gente para se aproximar deles. Tem foto minha com a banda na qual

aparecem meninos e meninas que eu nunca mais vi na vida”.

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Bezerra da Silva sempre dizia que “malandro é malandro, mané é mané”.

Já o ditado popular diz que “onde se ganha o pão, não se come a carne”.

Tudo leva a crer que tanto as strippers quanto as fãs mantiveram uma relação

de amizade com a banda, sem envolvimentos amorosos. O problema residia

do outro lado da rua, com a polícia. Essa não morria de amores pelo Planet

Hemp. Foi quando problemas em série começaram a acontecer...

Sibéria fazendo striptease no show do Planet Hemp no Circo Voador, em 8 de novembro de 1996.Foto: Rodrigo Tonante.

CAPÍTULO 23

GENTE QUE INCOMODA

Aproveitando o sucesso da regravação do Barão Vermelho do clássico

“Malandragem dá um tempo”, de Bezerra da Silva, a revista Veja fez uma

reportagem sobre as novas bandas de rock que falavam abertamente sobre

maconha, destacando que o Planet era a mais militante de todas. A matéria

comparava a diferença entre a geração atual e os sambistas do passado.

Enquanto antes as letras insinuavam que outra pessoa estava usando, os

roqueiros citavam eles próprios como usuários [150].

Quando o Planet visitou Goiânia pela segunda vez, a justiça local fez duas

tentativas para cancelar o show. Um ano antes, o promotor do evento ficou

uma semana preso e cinquenta e três CDs e quinhentas camisetas da banda

foram apreendidos. Desta vez, o Planet estava bombado na MTV e conseguiu

se apresentar no estacionamento, em frente à casa de festas La Fontaine. Mas

era sempre uma tensão porque, na maioria das vezes, os cancelamentos

aconteciam na véspera, o que atrapalhava o planejamento do transporte, da

logística e da contratação da equipe de apoio.

Como se não bastasse os inconvenientes aos músicos e aos empresários da

banda, começou a sobrar também para o público. Em Vitória (ES), o juiz

Ronaldo Sousa cancelou dois shows, que foram divulgados por meio de

outdoors com uma folha da cannabis escrito “Legalize já”. Lobatto ainda

tentou reverter a situação: “Eu fui até lá, com o D2, pra gente fazer um

tumulto e tentar liberar o show. Era no ginásio do [clube] Álvares Cabral

[hoje Arena Vitória], oito mil ingressos vendidos, eu ia sair com o dinheiro

de um carro popular no bolso. O meu medo era que esse cancelamento

provocasse outros, uma onda de cancelamentos, como de fato aconteceu

depois”.

O promotor do evento, de apenas vinte anos, ainda cobriu a planta do

outdoor por um ursinho verde, com uma bandeira branca na mão. No dia do

show, ele foi para a porta do ginásio em sinal de protesto. Aproveitando

aquela multidão reunida, um candidato a vereador, de vinte e cinco anos,

seguiu para lá com um trio elétrico tocando as músicas do Usuário, que já

tinha vendido cinquenta mil cópias.

Não teve conversa. Catorze policiais foram pra cima e levaram o candidato

e o promotor do evento presos. Os dois capixabas se conheceram no

camburão, assinaram o Artigo 12 e ficaram mais de dez dias numa cela

imunda e sem iluminação, na delegacia de Vila Velha. O caso repercutiu nas

páginas da revista Veja, justificando outra matéria [151] e cartas pró e contra

dos leitores [152].

Sem os shows na capital do Espírito Santo, o Planet seguiu com os planos

da sua miniturnê de julho pelo Nordeste. O planejado era começar por

Salvador, seguir para o Biruta, em Fortaleza, e voltar descendo de ônibus até

terminar em Salvador de novo. Porém, a Bahia havia se transformado num

lugar bem complicado. O delegado de Tóxicos e Entorpecentes de Salvador,

Itamir Casal, se tornou um dos principais algozes da banda, assim como uma

juíza da 1ª Vara Privativa de Tóxicos da Bahia. Eles cancelavam os shows e

prendiam as pessoas do público.

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Os shows dessa turnê nordestina foram negociados por Marcello Lobatto:

“A gente tinha passagem de ida e volta pra Salvador, para tocar na EstaçãoShock, num evento da produtora Irá Carvalho. A ideia era voar pra Bahia,de lá pra Fortaleza, e ir descendo de ônibus até Salvador, pra usar apassagem aérea de volta pro Rio. Um dia, o delegado Barbosinha me ligou,perguntando se o Marcelo estava. Eu falei que era eu mesmo, mas ele deviaestar pensando que era o D2. Aí ele falou: ‘Pode anotar aí, o fã-clube devocês está esperando aqui, em Salvador. Anota o nome dele aí, D.R.E.(Delegacia de Repressão a Entorpecentes)’. E desligou. O advogado daSony dizia que nós éramos indefensáveis.

Na porta do show, só de ter camisa do Bob Marley já era preso. Prenderamum monte de gente, mas não cancelaram o show. Lá dentro, num corredorenorme, que levava até o camarim, eu conheci pessoalmente o Barbosinha.Ele estava à paisana com outros policiais e eu me apresentei. Disse que tinhaduas maneiras de eles entrarem no camarim, uma com mandato e a outrasendo convidados. ‘Se quiserem entrar mesmo, vocês são meus convidados,mas não vão achar nada’. Aí, eles começaram a olhar pela fechadura [risos].

A banda entrou no palco. No meio do show, comecei a conversar com oBarbosinha, a falar sobre a legalização da maconha e os benefícioseconômicos para a Bahia e o Nordeste. No final, ele já estava concordando,dizendo que achava maconha um mato, que tinha raiva mesmo era dacocaína. Quando o show acabou, eu levei [os policiais] até o camarim,tiraram foto com a banda e tudo”.

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No fim da turnê, a banda retornou a Salvador para fazer o último show,

novamente na Estação Shock. Outras dezenas de pessoas foram presas do

lado de fora, inclusive muitos adolescentes. Lobatto explicou como foi:

“Nesse dia não tinha ninguém na rua, a seleção brasileira estava jogandocom a Nigéria, na Olimpíada. Estava tudo bem estranho. Então, deixei odinheiro da turnê no cofre em um quarto do hotel (que não era o meu) e fuipara a passagem de som, quando chegou a polícia. Rapidinho eu saquei queia dar merda. Dei uma grana pro D2, pro BNegão e falei pra vazarem dali. OPM perguntou quem era o dono da banda e os caras apontaram pra mim. E opolicial começou: ‘Tá achando que aqui é Rio de Janeiro, que aqui não tempolícia?’. Então comecei a explicar que o Cypress Hill cantava sobremaconha nos EUA e a Sony contratou a gente pra cantar a versão dessasmúsicas em português. Como poderíamos recusar um contrato com agravadora do Roberto Carlos?

Aos poucos convenci o cara, disse que assim que voltássemos pro Rioiríamos mudar isso. Foi nessa que o PM falou: ‘É bom mudar mesmo,porque vocês são os inimigos número um da família brasileira’. Foi daí quesaiu essa frase, que a imprensa usou direto para se referir a nós. Um policialtinha dito que com ou sem show, a gente estava cheio da grana por causa daturnê. Foi um diálogo tenso. Voltando pro hotel, tinha uma blitz e eu sópensava no dinheiro no cofre. Se eu era o dono da banda, a grana estavacomigo”.

Nesse retorno à capital baiana não teve papo. A polícia chegou para

prender a banda, mas Big Bross e seus amigos soteropolitanos foram mais

rápidos: “Demos fuga num Gol quadradinho, colocamos o D2 no porta-

malas, o BNegão no banco traseiro e levamos eles para o hotel”.

As adversidades enfrentadas pelo Planet, somadas ao caso do cantor

Tiririca (da mesma Sony, acusado de pregar o racismo numa música), e a

outros casos no cinema e na literatura, motivaram o Jornal do Brasil a

publicar uma matéria de capa intitulada “Gente que incomoda”. Duas

semanas depois, a banda carioca enfrentou outra prova de fogo.

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A MTV tinha um programa chamado Na estrada, no qual ela

acompanhava um artista durante a viagem para tocar. Em agosto, uma

repórter da Bizz acompanhou a equipe de TV no ônibus mais enfumaçado do

Brasil, com exibição constante de vídeos sensuais. Naquele momento, o

favorito era o da mineira Núbia de Oliveira [153]. O roteiro começou no Rio,

seguiu para um show em BH (com direito a striptease da Sibéria), outro em

Curitiba (sem a moça e num frio desgraçado) e terminou em São Paulo, de

onde a banda voltou para casa a bordo do Trem de Prata. Sugestivamente,

esse programa foi batizado de Planet Hemp de ponta a ponta.

Um ano depois do lançamento do Usuário, o Planet Hemp voltou a São

Paulo para um show no Olympia, numa terça-feira. No sábado, a Folha de

S.Paulo publicou uma entrevista com o BNegão, perguntando como ele

reagiu aos episódios recentes, em Salvador e Vitória. O vocalista respondeu

que se sentia como na época da ditadura: “Fico pensando o que pode levar o

ser humano a fazer essas paradas. Toda essa celeuma por causa de um

punhadinho de mato [154]”. E, quanto mais a Justiça e a polícia reprimiam,

mais fãs o grupo arrebatava.

Na noite de 13 de agosto, a polícia montou seis barreiras de contenção e

mais de setenta pessoas foram presas, antes mesmo de entrarem na casa de

shows. Um capitão da PM paulista explicou que se tratava de um

policiamento concentrado, com todos os batalhões de choque, Rota, canil e

cavalaria [155]. Alguns meses depois, esse mesmo oficial foi acusado de ser

proprietário de um desmanche de caminhões roubados [156] e, depois de anos,

foi demitido da corporação acusado de roubo de caminhões e agiotagem [157].

As ruas nos arredores da casa de espetáculos estavam tomadas de gente, e

teve quem levasse três duras do estacionamento até a porta do Olympia.

Rodrigo Brandão não apenas compareceu, como tocou na abertura: “Eu abri

com o Los Sea Dux. Eu usava um cabelo black power, já tinha tomado um

doce e, quando vi um monte de polícia, botei os becks no cabelo. Era mão na

cabeça, beck no cabelo e doce na mente [risos]. Esse dia foi cabuloso, muita

tensão, muita energia, muito especial”.

A produção estimou um público de quatro mil e quinhentas pessoas e o

show rolou numa boa, sem qualquer confusão. Quando o Planet acabou de

tocar, Lobatto teve uma ideia. Ele tinha certeza de que a banda seria presa na

saída, principalmente o D2. E ele ainda corria o risco de perder o dinheiro da

bilheteria, que era pago em espécie, grana, dindim. D2 colocou uma touca

para esconder o cabelo black power e saiu com o empresário, disfarçado no

meio da multidão.

Dois minutos após as duas Vans com a banda e a equipe deixarem o

Olympia, a polícia enquadrou os veículos. Enquanto isso, D2, Lobatto e

Ronaldo fugiram rapidamente de táxi. Ao passar ao lado do furgão, os três

avistaram a galera de pé do lado de fora da Van, tomando uma dura. Não só

os músicos, como também a stripper Sibéria e algumas groupies. Todo

mundo foi levado para averiguação na 7ª Delegacia Policial, na Lapa. “Na

delegacia, a Sibéria pagou geral pro delegado”, contou Lobatto.

Durante a revista e o interrogatório, o delegado olhou um por um e notou

que faltava alguém. Perguntou pelo cabeludo. Ingênuo, David Corcos

respondeu: “Vocês erraram de DP, ele está na oitava”. De fato, após o show,

o combinado era se encontrar na 8ª DP, um bar perto da avenida Paulista.

Todo mundo mandou o jovem calar a boca e, por sorte, o policial estava por

fora das baladas jovens da época.

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Lobatto havia vislumbrado aquele show um ano antes, quando o Planet

Hemp abriu para o Cypress Hill no Olympia e deu meia casa:

“Eu vi ali um potencial. Tanto que marquei uma data lá. A casa era grande.Só de pista, quatro mil pagantes. Aí, o D2 deu uma entrevista na TV e disse:‘A galera do Skank está convidada, a da Blitz não’. Pra quê? [risos]. Nanoite do show, o táxi teve que me deixar numa esquina afastada, de tantapolícia na frente do lugar. Naquele momento, eu me arrepiei: ‘Será que agente está incomodando tanto?’. Me deu um medo de alguém jogar umabomba e dizer que foram os maconheiros.

Eu já vinha de uma escola de bilheteria, então era marrento, tinha presença,mandava nos seguranças, dava ordens para a polícia e tal [risos]. Para nãotravar a entrada da galera, como o Juizado de Menores não tinha condiçõesde revistar todo mundo, sugeri fazer quatro filas, e quem caísse na primeiraera revistado. E assim resolvemos e o show rolou numa boa. As pessoas

seguiam as instruções, mas ficavam intrigadas: ‘Que carta esse cara tem namanga de mandar na porra toda?’”.

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O lendário show do Planet, no Olympia, foi a primeira viagem de Renata

Lopes, a Renatinha, com a banda. Naquele momento, ao lado de Ronaldo e

Lobatto, ela era a única funcionária da Na Moral Produções: “O meu início

foi na Facha, e a galera se encontrava na rua Farani, inclusive as bandas. Era

por volta de 1994, tinha 19 anos e era uma das poucas que morava na Zona

Norte. Convivendo com o Carlos Rasta, conheci a galera da música. Aí, fiz

um trabalho de faculdade na editoria de Esportes da TV Globo, porque o meu

objetivo era o jornalismo esportivo, e acabei fazendo um estágio informal na

emissora. Foi assim que me conectei de vez com o skate, que eu já adorava.

Quando trabalhava no [programa] Esporte Espetacular teve o Mundial de

Münster, na Alemanha, que o Digo [158] ganhou. Eu liguei pra lá [Alemanha],

atrás da informação e tomei o maior esporro, porque a ligação internacional

era caríssima. Mas foi a música que fez a minha conexão com o skate”.

No finalzinho do estágio, a Globonews estava sendo lançada e ela já sabia

editar os VTs. Era uma séria candidata ao cargo e a permanecer na emissora.

Mas tinha outros planos:

“Como não era o meu perfil, liguei para o Ronaldo Pereira. Eu trabalhava noJardim Botânico e a Na Moral ficava ali perto. E comecei a trabalhar comoassistente de produção do Ronaldo e do Lobatto. Quando tinha possibilidadede ir para a estrada eu ia, mas ficava mais no escritório. Eu entrei em 1996,no auge da turnê do Usuário.

Como o Ronaldo agenciava o Planet e outras bandas, inclusive o Squaws,começou a ficar sem tempo para o Groove. Foi um grande aprendizado: eufazia assessoria de imprensa, construía os textos com os dois sócios daprodutora, aprendi muito. O Lobatto cuidava exclusivamente da venda deshows para o Planet. Quem viajava com a banda era o Ronaldo, ele que iapro estúdio, cuidava do lado artístico. Mas os dois eram managers.

Eu lembro que eles analisavam as propostas de show caso a caso. Se ocontratante tinha como pagar pelo que ele queria, a logística. Acho que osprodutores das bandas também trocavam bastante, construíam shows eturnês juntos. Tinha a dificuldade de comunicação, existia apenas telefonefixo e fax. O show na Cannabis Cup, em Amsterdã, foi fechado por fax.

Como a cena do Rio era pequena, todo mundo frequentava os mesmospoucos lugares. Eu era a mais nova, e me tratavam como irmã. Mesmoquando eu viajava como a única mulher no meio dos homens [risos]. Tantoque virei a Renatinha, no diminutivo. Eu não era uma menininha, pelocontrário, queria desbravar o mundo, mas havia um cuidado comigo.

Também tinha um movimento intenso de casas de shows. Todo dia tinhauma festa no Ballroom [no bairro do Humaitá, na Zona Sul], com algumagravadora lançando alguém. [As gravadoras] criaram muitos selos, tinhamuito dinheiro rolando. Na produtora, a gente sempre ganhava ingressos,discos, kits supermaneiros. Eu ajudava tanto no administrativo quanto nopalco.

A minha primeira viagem foi pro show do Olympia. Eu cuidei da Sibéria, anossa stripper. Na saída, a polícia estava de tocaia e eu numa das Vans. Asgroupies foram as culpadas, porque estavam doidas para dar pros caras. Aíeu peguei a identidade delas e tal, e elas entraram numa de bater boca comos policiais. Foi todo mundo pra delegacia. Eu era a única mulher eprodutora no meio da banda e das fãs”.

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Pouco mais de uma semana depois do show no Olympia, o Planet Hemp

voltou a São Paulo para tocar “Hey Joe”, com O Rappa, na premiação do 2º

MTV VMB, no Anhembi. Ficou tão bom, que D2 acabou gravando essa

música com Falcão, Yuka e companhia no CD Rappa Mundi. Como a banda

só tinha o clipe de “Legalize já”, não concorreu. Entretanto, os amigos do

Chico Science & Nação Zumbi foram indicados em cinco categorias com

“Manguetown” e, infelizmente, não venceram em nenhuma. Perderam todas

para o Skank e os Paralamas do Sucesso.

Dois meses depois da festa da MTV, o Planet teve o seu show cancelado

na Spetaculus, em Brasília. A pedido do promotor Temístocles Mendonça

Castro, da Procuradoria de Defesa do Cidadão do Distrito Federal, que

assistiu a um show do grupo em Fortaleza, a Delegacia de Tóxicos e

Entorpecentes de Brasília apreendeu discos da banda na cidade. O delegado

Manoel Mascarenhas não podia impedir a apresentação, mas ameaçou

prender os integrantes depois do show, caso tocassem determinadas

músicas [159]. Na dúvida, o promotor Helder Cunha devolveu o dinheiro dos

mil ingressos vendidos antecipadamente, adiou o show e correu atrás de um

mandado de segurança para garantir o evento.

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E quem estava de frente nessas roubadas era quase sempre o Ronaldo.

Desde o início da banda tinha sido assim, afirmou Bacalhau: “[Ronaldo era]

o cara que organizava tudo, que tinha os contatos. O Arnaldo Brandão

apresentou o Lobatto pra gente como o cara que ia vender shows, [mas] ele

só virou o empresário quando o Ronaldo saiu. O Lobatto já pegou as coisas

mais estruturadas”.

A verdade é que ser empresário do Planet Hemp era chumbo grosso na

certa. No dia 4 de fevereiro de 1996, a banda estampou a capa do jornal O

Dia com a chamada “Juventude fuma, come e até toma banho de maconha”.

O gancho era o show do PH com os Raimundos, no Metropolitan.

No mesmo ano, rolaram eleições municipais e um candidato a vereador

pelo PT veio com a proposta de implantar o SOS 281, um socorro jurídico

por telefone para proteger o usuário da cannabis dos excessos da polícia e da

lei. Com o mote A Senha da Liberdade – Aperte 13677, Moretti fez um

panfleto com uma foto dele ao lado do Planet Hemp.

Na juventude, Vanildo Rossy Moretti tinha sido preso durante o regime

militar. No santinho da sua campanha (na qual ele próprio se declarava

usuário), apareceu numa foto com boina e postura de guerrilheiro ao lado de

D2, Formigão e Bacalhau. Nas eleições de 1996, no Rio de Janeiro, Moretti

conseguiu dois mil votos. Na seguinte, tentou em São Paulo, obteve os

mesmos dois mil votos e também não se elegeu.

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Uma relação que se fortaleceu com o passar do tempo foi a do Planet com

o bar Opinião, em Porto Alegre, cujo proprietário é primo de Marcello

Lobatto. Assim que a banda lançou Usuário, agendaram o primeiro show por

lá e foi um grande sucesso. Gabriel Souza relembrou como foi: “Fizemos uns

banners gigantes, com o símbolo de proibido fumar, mas com um baseado

dentro. Naquela época, as pessoas achavam que os caras ‘comeriam’

maconha no palco. Então, estávamos bem receosos. Depois do primeiro

show, nunca mais deixamos de fazer o Opinião pelo menos quatro vezes por

ano. Também fizemos shows em Pelotas, Rio Grande, Passo Fundo,

Atlântida, Imbé, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e muitas outras. Já fiz mais

de cinquenta shows e posso garantir que nunca vi um show do Planet meia

boca. Sempre foram insanos e todas as formações deram conta do recado”.

Uma história que Gabriel nunca se esqueceu aconteceu alguns anos

depois, num show em Passo Fundo (RS), cidade cuja economia se baseia no

comércio e na agropecuária: “Terminou o show e fomos beber num barzinho

da cidade. Estávamos de boas, até que chegaram alguns agroboys [160]. Um

deles fez um comentário racista e, na mesma hora, o Jackson se levantou e

deu um soco na cara [dele]. Começou uma briga generalizada dentro do bar!

Quando a gente achou que tinha terminado, saímos e estavam todos reunidos

lá fora, nos esperando com pedaços de pau, soqueiras e até tacos de baseball.

O resultado de tudo isso foi uma cicatriz de doze pontos na testa, que o

Marcelo carrega até hoje”.

A confusão aconteceu no restaurante Frangos e Fritas, no centro da cidade,

local escolhido para a banda jantar depois do show. A briga começou por

volta das quatro da manhã. D2 estava numa mesa com a galera, enquanto, na

outra, o Jackson e o Black Alien conversavam com duas garotas locais, uma

delas era uma modelo famosa na cidade. De repente, um local apaixonado

pela garota se aproximou e perguntou: “Por que esses negões vêm trazer

AIDS para as nossas mulheres?”.

Os garçons começaram a defender o cara, mas o Jackson puxou ele para

fora e meteu a porrada. O guitarrista só tomou uma paulada na coxa e saiu no

lucro: “Era uma rua cheia de bares e todos os seguranças começaram a se

juntar. Tinha um cara com um cajado amarrado na mão que parecia o Thor. O

Marcelo [D2] chegou abrindo os braços, perguntando ‘que porra é essa?’,

quando o Thor deu com o cajado na cabeça dele. Escorria sangue e o Marcelo

partindo pra cima do cara. Aí, a polícia já chegou batendo na gente, e ficou

do lado dos caras do bar. Coisa de cidade pequena do interior”.

O próprio D2 contou essa história algumas vezes: “De repente, os caras

voltaram com mais de vinte, com uns pedaços de pau na mão, amarrados no

punho, gritando, parecia a Ku Klux Klan. Os caras correram, a polícia deu

uma geral e mandou a gente embora”. Um jornal gaúcho noticiou a passagem

turbulenta do Planet Hemp pela cidade. Publicou que a briga se estendeu para

o lado de fora do estabelecimento, que apenas D2 foi ferido, mas a banda não

registrou ocorrência policial [161].

Parodiando a canção infantil, “um Planet Hemp incomodava muita gente,

dois Planet Hemps incomodavam, incomodavam muito mais”. Numa banda

polêmica, cheia de pessoas com personalidade forte, muitos quebra-paus e

arranca-rabos ainda estavam por vir.

Planet Hemp em ação no show do Circo Voador, em dezembro de 1996, onde recebeu o disco de ouropor Usuário. Foto: Roberto Garzon.

CAPÍTULO 24

DOMINANDO SP

No início dos anos 1980, Carlos Prozzo conheceu o cantor e compositor Zé

Geraldo, no Festival de Águas Claras [162], numa fazenda no interior de São

Paulo. Tornou-se o empresário do artista e produziu o LP No arco da porta

de um dia (lançado em 1986, pela gravadora Arca Som), numa parceria de

três anos. No mesmo período, apresentou o programa Rockstrote (que dá

nome à sua produtora) na rádio 97 FM, em Santo André, entrevistando

bandas emergentes no rock nacional. A emissora fazia as suas festas de

aniversário com cinco ou seis bandas por noite, cujas vagas eram

disputadíssimas. Nesse convívio com artistas e produção de eventos para a

emissora, Carlão virou o produtor da banda Golpe de Estado [163].

Com a experiência adquirida organizando as festas da 97 FM, no Clube

Atlético Aramaçan [164], em Santo André, o produtor criou os seus próprios

eventos e expandiu para o interior de São Paulo. Primeiro, ele selecionava os

artistas baseado em pesquisas com vendedores de gravadoras e de lojas de

discos, além do seu próprio gosto pessoal. A fórmula campeã consistia em

visitar as rádios de cada cidade, onde comprava mídia e realizava promoções

com discos, CDs, pôsteres etc. As músicas dos artistas começavam a tocar e,

dois ou três meses depois, ele voltava àquelas cidades com os shows. Em

90% dos casos era sucesso de bilheteria.

Em setembro de 1996, trabalhando há dez anos no ramo, Carlão decidiu

produzir o seu primeiro festival, que chamou de Primavera do Rock. Ele

havia percebido que uma nova geração tinha chegado com toda força nos

anos 1990. Na primeira edição, convidou Little Quail, Angra, Raimundos e

Planet Hemp. Dali em diante, criou vários outros nomes sugestivos, como a

Noite da Expressão. Foi então que ele fechou uma parceria com o Marcello

Lobatto. A Na Moral dava a exclusividade para a Rockstrote no estado de

São Paulo, ele comprava um pacote de shows e, se algum contratante ligasse

para o escritório do grupo no Rio, o empresário encaminhava para o Carlão.

Quando o Lobatto conheceu o produtor paulista, Carlão fazia os shows do

Raimundos e dominava São Paulo: “Foi aí que eu comecei a oferecer mais

facilidades pra ele fazer os shows com o Planet. Ele preferia comprar dez

datas à vista. Dava um cheque de 50% do valor total na contratação e os

outros 50% depois. Eu vendia um pacote. Foi assim que invadimos São

Paulo. O de praxe é o contratante pagar o cachê mais as despesas: passagens

aéreas, hospedagem, alimentação, som, luz, transporte local etc. Quando era

no Canecão, Palace ou Olympia era diferente. Por bilheteria a conta era em

cima da quantidade de ingressos que seriam vendidos. Mas depende muito,

cada caso é um caso”.

Seguindo essa estratégia, o Planet tocou várias vezes em clubes como o

Aramaçan e o Cristóvão Colombo (Piracicaba), na Jump (Santos), na Adler

(Vinhedo) e tantos outros lugares. Dividiu a noite com bandas oitentistas –

como Ultraje a Rigor, Ira!, Capital Inicial e Golpe de Estado –, bandas

contemporâneas mais conhecidas – Charlie Brown Jr., Raimundos, O Rappa,

CPM 22, Racionais MCs – ou ainda se firmando, como Os Theobaldos,

Tihuana e Maskavo, para citar apenas alguns nomes. Uma exceção foi o

show no Palace (São Paulo), quando o Planet comemorou as duzentas mil

cópias vendidas do segundo disco, e não contou com diversas outras atrações.

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Como o Planet tocou em muitos eventos da Rockstrote, por anos a fio,

colecionaram histórias boas e ruins. Vamos começar com as boas.

Nos anos 1990, todas as bandas queriam dar entrevista no Jô Soares onze e

meia, no SBT. A Sony tentava de todas as maneiras, mas o apresentador

recusava, por achar que o Planet fazia apologia à maconha. Então, durante

uma miniturnê, que o Carlão fez com o Jô por Santo André, Marília, Vinhedo

e Limeira, o produtor começou a convencer o Gordo, dizendo que aquilo era

apenas um estilo rebelde, que estavam exercendo o livre arbítrio etc. Meses

depois, a banda foi convidada para o programa.

Na época da perseguição feroz, Carlão e Lobatto tinham que fazer a maior

correria para liberar os shows, o que acabava prejudicando a bilheteria destes.

Uma vez, em Santos, tinha mais polícia do que público. A casa na avenida da

Praia estava lotada, mas como ficou naquele chove-não-molha de embarga,

libera, embarga, libera, chegaram uns dez camburões e um monte de

policiais. Nessa noite, o Chorão ficou um tempão alugando o produtor com

um CD demo na mão, pedindo para entregar ao D2. Carlão esqueceu e, no dia

seguinte, quando a banda tocou novamente, trombou o vocalista do Charlie

Brown Jr. no camarim, puto da vida: “Você não entregou o meu disco, mas

eu consegui”. Tempos depois, já com a banda estourada e tocando nos

eventos da produtora, Chorão continuava agulhando: “Aí, tá vendo, hoje você

compra o meu show”.

A conexão entre as duas bandas começou no skate. Na ocasião, o Ronaldo

era casado com Ana Carvalho, campeã de skate e mãe de dois filhos com ele.

O próprio empresário do Planet foi DJ em campeonatos. E o Chorão sempre

ficava pedindo para tocar. A sonoridade da banda era diferente no começo,

com letras em inglês e um som mais na linha do Pantera. E o D2 botava pilha

para cantarem em português. Mesmo assim, eles sempre abriam os shows do

PH em Santos.

O CBJR gravou três fitas demo até conseguir ser contratado por uma

gravadora e lançar seu primeiro CD, em 1997. As duas bandas ficaram muito

parceiras, tanto nessa época underground, quanto mais tarde, quando os

santistas gravaram o Acústico MTV (2003) com participação de D2 em

“Samba makossa”. Em 2007, Chorão bancou e atuou no filme O magnata,

dirigido por Johnny Araújo, que depois ganhou vários prêmios da MTV com

o D2.

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Quando o Planet estava numa sequência boa de shows, o Rafael comprou

duas guitarras de uma vez, uma delas era uma Flying V preta, que custou em

torno de seis mil reais. Ele nunca gostou de tocar na Primavera do Rock [165],

no Clube Aramaçan, mas, nessa vez, em especial, o som estava uma desgraça

só. Como a banda só tinha o Kleber como técnico de P.A., ninguém se ouvia

no palco. E no Planet sempre foi assim: quanto mais alto o som, melhor o

show. Mas, na época, nenhum técnico de som conseguia fazer com que a

banda se ouvisse durante o show.

Nessa noite, o Rafael ficou tão bravo, mas tão bravo, que no fim do show

ele destruiu a guitarra em protesto. Vendo aquela atitude rock star do seu

guitarrista, o D2 puxou a bateria do Bacalhau e jogou no chão! Nisso, o cara

do som veio correndo abraçar o amplificador de guitarra. Quando a banda

entrou no camarim, Crespo virou-se para seus companheiros e deu a

sentença: “Se não tiver um técnico de monitor, eu não toco mais”. No show

seguinte, o Germany começou a trabalhar com a banda fazendo monitor e o

som melhorou muito.

A verdade é que os shows do Planet tinham uma energia muito pesada.

Num outro show antológico, no ABC paulista, os ânimos estavam exaltados e

a galera começou a invadir o palco. De repente, um cara subiu, pegou o boné

do Marcelo e pulou. E o D2 foi atrás. A porrada estancou geral. Quinze mil

pessoas saindo na porrada, o palco tremia.

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Numa das várias vezes em que o Planet tocou na Adler, em Vinhedo, a

banda estava passando o som quando o Jackson deu um tapa no Formigão,

saiu correndo e pulou do palco, que era de granito e devia medir uns três

metros de altura. Quando o baixista pulou atrás, caiu de mau jeito e rachou o

calcanhar no meio! Formigão ficou no chão, urrando de dor. Nessa hora, o

Carlão o colocou no carro e o levou para um pronto-socorro, em Valinhos.

Aquele show era numa sexta-feira e a banda ainda tinha mais duas datas

para fazer: sábado, em Santo André; e no domingo, em Rio Claro. Não teve

outro jeito, o Meteoro (que era o iluminador) levou o músico para o palco no

colo. Formiga tocou sentado, com o pé engessado e latejando de tanta dor. E

a cabeça cheia de bolas. O local estava lotado e o Planet se apresentou com

três vocalistas (D2, BNegão e Black Alien) e dois guitarristas (Jackson e

Rafael), num dos melhores shows da vida do roadie.

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Em outra ocasião, o produtor fechou com a RBS um show no Gigantinho,

em Porto Alegre, com Charlie Brown Jr., Raimundos e Planet Hemp,

exatamente nessa ordem. Carlão estava no aeroporto de Guarulhos com os

santistas e os brasilienses esperando os cariocas chegarem para voarem todos

juntos para o Sul. O tempo passou, passou, e nada de o Planet aparecer.

Nisso, chegou o Jackson, que na época era roadie, dizendo que o combinado

era mesmo se encontrarem ali para pegar o mesmo avião. Deu a hora do

embarque e tiveram que partir sem o Planet. As duas bandas chegaram na

capital gaúcha, deixaram as malas no hotel e foram passar o som.

Eram duas da tarde e Prozzo estava muito preocupado. Lembrou que o D2

estava nos EUA, mixando o disco solo e achou que seria melhor aparecer lá

com três integrantes do que com ninguém. Resolveu pegar um voo para o Rio

e foi atrás do Lobatto, do Formigão e do Bacalhau. Nada. Os shows

começaram e a ordem era enrolar, tornando os sets mais compridos, para ver

se o Planet chegava a tempo. Quando eram duas horas da manhã, Carlão

chamou o Jackson ao palco e explicou que havia rolado um problema. O

público vaiou e a noite terminou de forma melancólica.

Não foi a única vez que D2 deu um bolo no Carlão. Ronaldo Pereira ainda

era empresário da banda junto com o Lobatto e o Planet tinha um show em

alguma cidade no interior de São Paulo. Mas como o Marcelo ainda estava

nos EUA, não conseguiu ir. O Planet fez um show meio remendado, com o

BNegão cantando numa parte, o Chorão em outra e até o Falcão fez as vezes

de vocalista. Foi um Planet sem o D2.

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Ainda no primeiro ano da parceria entre o Planet Hemp e o Carlão, a

banda foi até o Guarujá, no litoral paulista, para tocar com Raimundos e Os

Ostras, no Ginásio Municipal Guaibê. Uma jovem fã de São Paulo, chamada

Camila Morais, disse para a mãe que iria dormir na casa de uma amiga do

colégio, que também se chamava Camila, mas as duas fugiram até a praia só

para assistir ao show. Justo naquele dia, Camila Morais brigou com o cara da

produção dos Raimundos com quem ficava e pensou que, se fosse até lá,

poderiam fazer as pazes à noite.

Quando as duas Camilas chegaram na porta do evento, a Morais encontrou

o tal ficante e brigaram novamente. Resultado: as duas ficaram do lado de

fora, sem nenhum puto no bolso, chorando sem parar. Até que aconteceu o

improvável. Avistaram o D2 na entrada do backstage e pediram para tirar

uma foto, prontamente atendida. Então, o vocalista perguntou o motivo do

choro. A adolescente explicou, ele riu e disse: “Vocês duas vão entrar

comigo, não vão ficar pra fora nem fodendo”. Quando o tal produtor viu as

Camilas entrando de braços dados com o Marcelo, quase caiu para trás.

As duas meninas assistiram aos shows e, no final, o casal fez as pazes.

Elas são amigas até hoje e uma é madrinha da filha da outra. E, curiosamente,

a terceira e atual esposa do Marcelo também se chama Camila. Sem dúvida,

aquela foi uma noite surreal na qual D2 foi ao mesmo tempo cupido e anjo da

guarda.

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Mesmo com tanta emoção e glamour, organizar shows era o hobby do

Carlão. O seu negócio principal eram os postos de gasolina. Era o que pagava

as contas. Como ele bem sabia, produzir shows de rock tinha lá os seus

riscos.

Uma noite, num show em Bauru, quando estava na hora de o Planet Hemp

tocar, ainda faltava o contratante pagar ao Carlão uma parte do cachê que

tinha sido combinado. A banda ficou aguardando e só tocou horas depois,

quando o produtor confiscou o Fiat Palio do contratante. Sim, a sua parte no

evento foi paga na forma de um automóvel!

Numa outra vez, o Lobatto quis dar um carro de presente para o D2. Como

o Carlão tinha dois Jeep Cherokee, trocou um deles e mais uma grana por

onze shows da banda. Era um carrão de jogador de futebol da época. Ele

pediu para o cunhado dirigir até o Rio e entregar para o Lobatto, que levou

para a Camila entregar ao marido. Era o primeiro carro do Marcelo. Uma

moeda de troca. Um carro por onze shows.

Carlão e Lobatto estavam animados. A banda iria pra estrada, as caixas

registradoras iriam tilintar. Os dois tinham apostado alto na parceria. O

problema é que, justo no primeiro fim de semana pós-escambo com o Jeep

Cherokee, aconteceu o acidente no show dos Raimundos, no Clube de

Regatas Santista, em Santos, onde oito jovens morreram, e em seguida a

prisão do Planet Hemp.

Carlão era o produtor do show em Santos e foi obrigado a cancelar oito

datas dos Raimundos e adiar as do Planet, além de ficar vários meses

proibido de realizar shows.

CAPÍTULO 25

BLACK ALIEN

Apesar de integrar a crew, Gustavo de Almeida Ribeiro (nascido em 7 de

junho de 1972) revelou que nunca ganhou nada com o Planet até 1996, antes

de gravar o segundo disco. Até então, ele ia para o hotel com eles, bebia o

que eles bebiam, fumava o que eles fumavam, viajava de ônibus, avião e

Van, mas não recebia nenhum centavo. Por essas e por outras, corria

paralelamente com a sua nova banda (sem o Speed), batizada com aquele que

seria o seu nome artístico: Black Alien. O grupo era formado por ele, na voz;

o DJ Rodrigues, nas bases e picapes; e a Samantha, no violoncelo.

Convivendo com os empresários do Planet, Gustavo aprendeu as manhas e

agendou vários shows para a sua própria banda. Tocou no Garage, no

Bedrock, na festa Zoeira, no Circo Voador e onde mais conseguisse. O

próprio Ronaldo deu muita força, tanto colocando o Black Alien para abrir os

shows de D2 e companhia quanto por meio da coletânea Grooves From Rio,

junto com Squaws, Tornado, Cesar Nine, Falso Inglês e Papparazzi.

Como o Planet já era um artista exclusivo da Sony, Pereira quis apresentar

para a imprensa e as gravadoras outras boas bandas de rock cariocas com

influências de black music. O lançamento do CD foi numa festa, no Totem,

com a participação d’O Rappa e do Planet, além dos DJs Rodrigues, Zegon,

Tulio e Nuts. Os cem primeiros pagantes levaram o disco de brinde.

Assim como Gustavo, BNegão tinha o Funk Fuckers. A diferença é que

enquanto a banda Black Alien era o plano B do primeiro, o FF era o plano A

do Bernardo. Tanto os integrantes do Planet quanto os dois empresários

sabiam dos projetos paralelos da galera e tentavam ajudar no que fosse

possível. Na segunda edição da Expo Alternative, por exemplo, D2 participou

do show do Funk Fuckers, tocando com laços e bobs coloridos na cabeleira.

A própria Elza Cohen dava a maior força, colocando a banda no SuperDemo

(no Rio e em Brasília) e apresentando para as gravadoras.

Numa sexta-feira, 20 de setembro de 1996, o Planet Hemp tocou pela

segunda vez no Bedrock, em Niterói, com apresentação da Monikinha e

abertura do Black Alien. O show foi tão cheio, que bateu o recorde dos

Raimundos, que havia tocado lá, em abril. Ao final, em vez de ficar por

Nikiti, Gustavo seguiu pro Rio com a crew.

No domingo pela manhã, Gustavo acordou na casa de uma amiga, em

Ipanema, e decidiu voltar de ônibus pra Niterói. Nessa época, o Marcelo

ainda morava num quartinho de empregada na casa do pai do Kadu, na rua

Faro. Quando o Black passava pela rua Jardim Botânico, avistou o Bernardo

e o Marcelo no bar Joia. Parecia um casal terminando namoro. Aí, ele

começou a xingar os dois pela janela do buzum e eles falaram para o cara

descer.

Black sentou na mesa do boteco, pediu dois chopes e foram todos para a

casa do seu Wilson, onde o Bernardo buscou uns três ou quatro discos e foi

embora. Então, D2 e Gustavo começaram a dar uns tecos e o Marcelo, muito

puto, contou que o Bernardo ia sair da banda. Começou a falar, falar, falar...

O D2 já tinha ligado para o Mario Caldato produzir o segundo disco e quase

surtou com a saída do parceiro, porque em pouco tempo entrariam em estúdio

para gravar.

De repente, Marcelo parou, olhou, refletiu e perguntou para o Gustavo se

ele queria entrar oficialmente para a banda. De acordo com a proposta, ele

ganharia a mesma coisa que o BNegão e os dois poderiam fazer músicas

juntos. Convite aceito imediatamente. Nesse dia, o Kadu estava com a Bady e

o Bacalhau na casa deles, no Jardim Botânico, quando o Marcelo bateu lá

para avisar que o Bernardo tinha saído da banda: “Ele chegou muito bolado.

Poucos dias depois, ele anunciou o Gustavo como vocalista”. Naquela mesma

semana, o Lobatto ligou para o Black e deu as boas-vindas.

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A substituição do BNegão por Black Alien foi mais natural do que um

golpe de sorte. Afinal, entrava alguém da crew e que já sabia todas as letras.

Além disso, Bernardo e Gustavo eram amigos, não era um estranho qualquer.

O Rafael preferia o parceiro do Black porque, além de cantar, Speed também

era instrumentista e tocava baixo muito bem: “Na época, eu votei no Speed.

Mas os caras diziam que ele era muito doido. Mal sabiam eles que o

Gustavo... [risos] [166]”.

Única funcionária da Na Moral na época, Renatinha também não se

surpreendeu: “Os músicos da banda ganhavam bem porque eles faziam

muitos shows. Acho que era um lance do momento, o Bernardo estava

mergulhando no lance espiritual dele, virando vegano, e o Funk Fuckers

estava bem. Talvez não chegasse ao tamanho do Planet, mas naquele

momento todas as bandas estavam tentando. Ele sempre se manteve a mesma

pessoa, até hoje, acho que ele nunca mudou”.

O batismo na banda era dividir quarto com o Gustavo. Uma vez, o Kadu

dividiu com ele e, ao chegar no quarto, encontrou a sua mala revirada pelo

novo vocalista a procura de drogas. Segundo o Kleber, o Germany sempre

deixava uma ponta de bagulho justamente para o Gustavo “achar”.

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Amiga de longa data dos dois, Elza Cohen acompanhou tudo de perto por

meio do seu selo e do festival SuperDemo:

“O Ber entrou no Planet Hemp depois e o Marcelo sempre foi o maisentusiasmado com a banda, se preocupava em ensaiar, fazer show, escolhero figurino. Não que ele mandasse mais, é que o Marcelo tinha maisiniciativa. Acho que o Ber sentia a necessidade de ter uma banda pra chamarde sua.

Eu lembro também que a galera do Funk Fuckers ficava chateada porquesempre dependia da agenda do Planet para eles marcarem show. Tinha genteque achava a banda sexista. As garotas ficaram chocadas comigo quando euos contratei pra BMG. O disco foi meio frio e as rádios não tocaram porqueachavam o som agressivo. E eles eram bem melhores ao vivo.

Tanto que quando o Ber começou a fazer sons mais dubs, reggaes e até jazz,as pessoas receberam melhor. O fato de ele ser um cara de muitos projetostambém dificultou muito. O Ber é simpático e do bem, mas o Marcelo temempatia, carisma, atitude e entusiasmo de sobra. Isso contou muito a favordele. Essa coisa de ser visionário, de estar sempre em busca do novo.Enquanto o Ber é mais ligado às raízes. Nem melhor nem pior, apenaspersonalidades diferentes, temperamentos diferentes”.

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Do lado daqueles que não entenderam a saída do BNegão, estava o então

VJ do programa Yo! MTV Raps, Rodrigo Brandão:

“Quando o Bê saiu da banda, rolou um disse-me-disse danado. A Astrid[Fontenelle] chegou lá na MTV dizendo que o Lobatto confirmou que o caranão tinha saído. Só que, na mesma hora, um cara do jornalismo disse ocontrário, que a sucursal do Rio gravou um vídeo com o Bê falando quesaiu. Qual era o furo certo? Ninguém tinha anunciado ainda. Aí, chegou doRio a tape com a entrevista, anunciando que ele estava saindo do Planet praficar no Funk Fuckers. E a MTV colocou no ar.

A gente já sabia o lastro de energia positiva que ele é e a diferença que issofazia. No primeiro show que eu vi do Planet depois [da saída do BNegão],achei o Gustavo e o Marcelo rimando muito parecido. Hoje eu vejo que erao Marcelo sendo influenciado pelo Gustavo. Mas, na época, achava que erao contrário.

Quando fomos ao show do Funk Fuckers, em São Paulo, não entendíamospor que fazer letras que brigavam com as minas. E os músicos nem eram tãobons. Por mais que não fosse isso, ficava uma sensação de ser um sub-Planet. Pra mim, a saída dele é que fodeu com o Planet”.

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Em seus primeiros dias como segundo vocalista do Planet, Black Alien,

que não tinha nada com isso, participou com a banda do Programa livre, de

Serginho Groisman, no SBT, cantando “Legalize já”. Rafael usou a camiseta

do Againe, banda paulista de hardcore cujo primeiro CD foi lançado pouco

tempo depois, por ele mesmo, por meio do seu próprio selo (Spicy Records).

Claro que, para o segundo disco, não foi complicado trocar o Bernardo

pelo Gustavo, pois a ideia do Marcelo já era cair mais para o hip-hop. O duro

é que o Usuário estava no seu melhor momento. E, naquele disco, era o

BNegão quem dava a cara e a voz ao segundo vocalista. Foi então que a Sony

sugeriu fazer o clipe de “Dig Dig Dig”, que era a música mais bombada

naquele momento na Rádio Cidade.

O clipe de “Dig Dig Dig” foi dirigido por Raul Machado, durante um dia

inteiro de filmagem no estúdio Totem. Coincidência ou não, o segundo clipe

do Usuário é de uma música cantada quase toda por D2. Bernardo passou a

maior parte do tempo gritando apenas “Planet Hempa!” e cantou algumas

frases no fim. Uma delas diz “assim como Deus não mente, diamba não mata

gente”. ‘Diamba’ é um apelido para maconha em Angola e nos estados do

Maranhão e Piauí.

BNegão aparece no clipe com os dreads enormes, assim como Formigão e

Rafael. Marcelo usava cabelo black power. Como ensinara o mestre Skunk,

um visual maneiro. Parecia até banda de reggae, com exceção do Bacalhau,

que já estava carequinha e com pinta de português da padaria. O clipe de

“Dig Dig Dig” deu o maior gás na banda, e chegou rapidamente ao primeiro

lugar no quadro Disk MTV, com os videoclipes mais pedidos pelo público.

Nessa época, Black Alien estava tão parecido com Bernardo, que num

show em Natal (RN), uma fã confundiu os dois. Essa história é lembrada até

hoje pela banda e, claro, por Gustavo: “Foi em Ponta Negra. A menina queria

ficar comigo e ficou perturbando a viagem inteira. Depois do show, eu a levei

para o hotel. Na manhã do dia seguinte, estávamos deitados e tal, ela fazendo

carinho, e perguntou por que me chamavam de BNegão. Ela não deu pro cara

errado, ela deu pra quem ela tinha gostado [risos]”.

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Assim como o Gustavo antes da contratação oficial, Speed também ia para

o hotel com o Planet Hemp, bebia o que eles bebiam, fumava o que eles

fumavam, mas não recebia nenhum centavo. Não era um músico contratado,

e sim um agregado. A primeira vez em que Speed viajou de avião foi com o

Planet.

Black Alien & Speed formavam uma dupla do barulho. Além de colar na

crew do Planet, colavam no Chico Science & Nação Zumbi e no O Rappa.

Uma vez, num show da CSNZ e Funk Fuckers, no Nordeste, os dois saíram

na porrada em cima do palco. Eram dois irmãos que brigavam o tempo todo.

Mas a verdade é que, quando o Gustavo entrou de vez no PH, a banda Black

Alien ficou de lado. E o Speed também.

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Nesse período, Gustavo era viciado em cocaína e cheirava muito. Então,

sequer preocupou-se em assinar um contrato com o Planet Hemp ou a Na

Moral. Era no fio do bigode e na carreira de pó: “Eu nunca assinei nada com

eles, por isso nunca me pagaram direito. Até eu parar de beber, eu não sabia

onde eu estava na vida. Músico contratado como eu ganhava um pouco

menos que o valor da tabela. Vamos dizer que eu ganhava uns oitocentos

reais por show, fazendo uns dois por semana, oito por mês. Uma renda de

seis mil e quatrocentos reais para um sujeito de vinte e poucos anos, viajando

e conhecendo um monte de gatas [167]”.

Realmente, não era nada mau. Afinal, um mês depois de virar vocalista do

Planet Hemp, rolou o famoso bonde para a Cannabis Cup, em Amsterdã.

CAPÍTULO 26

CANNABIS CUP

Em 1995, Marcelo D2 e Zé Gonzales foram conhecer de perto a Cannabis

Cup [168], em Amsterdã. Na época, D2 ainda não ganhava uma grana forte

com o Planet Hemp, mas a Na Moral achou que a repercussão seria boa e

bancou a passagem do vocalista. O DJ contou que o Marcelo ficou no hotel

com ele e levou pouca grana, algo em torno de quatrocentos ou quinhentos

dólares.

O evento aconteceu na Pax Party House, um edifício de três andares, e

reuniu cerca de mil pessoas, sendo oitenta por cento norte-americanos, que

degustaram variedades da erva e viram uma exposição de produtos feitos com

hemp. Acompanhados pelo jornalista Arthur Veríssimo e pelo fotógrafo Vavá

Ribeiro, os dois integrantes do Planet Hemp formaram uma espécie de

delegalização brasileira. D2 e o DJ foram os personagens de uma reportagem

na revista Trip [169]. Numa foto, Zé apareceu fumando uma tora enorme.

Alguns anos depois, o PH gravou uma música chamada “DZ Cuts”, que

diz: “com baseado na mão, Dz Cuts // com baseado na mão, Dj Nuts // com

baseado na mão, Zé Gonzales // com baseado na mão, Planet Hemp”. É que

quando o Zé não podia participar do show, o DJ Nuts o substituía. Era

considerado um DJ prodígio.

Claro que a viagem não foi apenas a lazer, foi também com a intenção de

conseguir um show para o Planet no evento. E deu certo. No ano seguinte,

1996, a revista High Times convidou a banda para tocar lá. Em entrevista à

Folha, Ronaldo Pereira explicou que os organizadores gostaram do som, mas

acharam meio violento: “Eles preferem coisas leves, como Jerry Garcia [170].

Explicamos que a repressão, no Brasil, é violenta [171]”. Em novembro de

1996, D2 voltou à Holanda, dessa vez para tocar com a sua banda, na 9ª

edição da Cannabis Cup.

O Planet Hemp sempre foi uma espécie de sistema solar em que os

maiores loucos orbitavam em volta. Nessa primeira viagem internacional da

maioria dos músicos, eles próprios pagaram as suas passagens, e os amigos

que podiam pagar as próprias despesas foram juntos.

Entre músicos, equipe e agregados, a crew contava com mais de quinze

pessoas [172]: Marcelo D2, Black Alien, Formigão, Rafael, Bacalhau, Zé

Gonzales, Ronaldo, Samantha, Renatinha, Kadu, Kleber, Mariana Vitarelli,

Giovanna, Daniela, Raul Machado, Bolinha (Serial Killer), Batata, Gui

(irmão do Zegon), Vavá Ribeiro e Vanessa, a namorada francesa dele. Foi ela

quem disse para o Gustavo que ele precisava conhecer o rap francês, tipo

Suprême NTM [173] e Raggasonic [174]. Nessa viagem, ela deu duas fitas

cassete para o Black, que ele tem guardadas até hoje.

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A caçula da crew na Cannabis Cup 96 era a Marianinha, aspirante a

repórter e fotógrafa. Ela conheceu o Skunk e o D2 por meio do seu irmão,

Daniel Vitarelli, que tocava no Brotherapp, quando ela tinha treze anos. Na

época da viagem, tinha somente dezessete.

“Quando o Marcelo voltou da Cannabis Cup de 1995, ele falou muuuito

sobre o evento, então decidi que iria no ano seguinte e combinei de fazer uma

matéria para a [revista] Dynamite”, explicou Marianinha. “Como eu era

menor de idade, a minha mãe teve que autorizar e o [editor André] Pomba me

credenciou como repórter. O fotógrafo Marcos Bragatto me ajudou, eu

revelei duas fotos lá e escaneei no Brasil. O meu pai comprou a minha

passagem e fiquei num hotel longe pra caralho, só que muito mais barato.”

Ela contou que a festa já começou dentro do avião: “A gente foi bebendo e

fumando na parte de trás. Outubro de 1996, podia fumar cigarro no avião! Só

que quando pousamos, a British extraviou as malas”.

No aeroporto de Amsterdã, a gangue foi recepcionada pela equipe do

evento e credenciada ali mesmo. Quando chegou a vez do Kleber França,

técnico de P.A., deu ruim. Não havia mais nenhuma credencial de artista, e

lhe deram uma diferente. Ele colocou no pescoço e foi para a rua. Durante o

passeio, estranhou que era superbem tratado e que lhe ofereciam tudo do bom

e do melhor em qualquer coffee shop que entrasse. Só depois descobriu que

estava usando uma credencial de JUIZ, e podia consumir tudo o que quisesse

na cidade.

Como o Kleber não fumava maconha, o seu passatempo era andar a pé por

Amsterdã e, quase sempre, se perdia pela cidade. Uma noite, ele e o

Formigão foram perseguidos por um cara que disse que ia matá-los, pensando

que os dois eram italianos. Quando descobriu que se tratavam de brasileiros,

se desculpou e ensinou o caminho de volta para o hotel. O psicopata explicou

que naquela área havia uma gangue que matava italianos. Ser brasileiro

ajudou muito nessa hora.

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No primeiro dia, enquanto esperavam que suas malas fossem acomodadas

num hotel, Marianinha e as outras meninas acharam que a galera ia engatar a

marcha e não ia olhar pra trás. Ela contou a história:

“Eu dei umas vaciladas porque viajei sem dinheiro. O Formigão meemprestou quarenta euros, enquanto os meus pais transferiam dinheiro doBrasil. Imagina, eu era virgem e só queria fumar maconha e beber pracaralho. E menor de idade! Ninguém iria querer nada comigo [risos].

No primeiro dia, os caras sumiram e ficamos num bar. A Renatinha, a Gio eeu. Sentamos num reggae e ficamos, porque os filhos da puta sumiram. Trêsda manhã, a gente lá, paquerando os rastas. De repente, eu estava na portado bar, e vi o Formigão do outro lado da rua.

Ele estava no Red Light [175]. O Marcelo bateu na porta e entrou. Todomundo entrou, só faltava ele. Na hora em que ele bateu na porta, a mulherabriu e perguntou se ele falava inglês. ‘No!’ Não entrou na boate e aindaficou perdido. Por não saber falar inglês, nesse dia ele ficou a ver navios. OFormigão foi o personagem principal da viagem, a figura mais interessante.Sem falar inglês, ele fez mil amigos em Amsterdã, só na mímica”.

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Como bem lembrou o Kadu, Amsterdã foi invadida por duas turmas

diferentes: uma galera saiu do Rio de Janeiro e outra de São Paulo.

Teoricamente, o pessoal de SP (que chegou antes) deveria ter cuidado da

parte de albergues e hotéis, “mas não fez nada”, enfatizou. “Eu lembro que

pegamos um quarto para nove pessoas. O Formigão tinha um quarto e uma

cama só pra ele, mas preferia dormir no chão do nosso [quarto]”.

Ele também recordou da história da Marianinha sem dinheiro: “Ela ficava

pedindo dinheiro emprestado e dizia que os pais iriam depositar na nossa

conta. Se não me engano, ela sumiu uns dois dias e apareceu cheia de

dinheiro e com uns tickets para comer. Acho que ela foi na Embaixada

Brasileira, disse que tinha sido roubada e os caras ajudaram [risos]”.

Um dia antes do show do Planet, no Melkweg, Kadu foi conhecer a

tradicional casa de espetáculos, junto com o Ronaldo, o Kleber e a Renatinha,

que atuou como intérprete. “Conhecemos o diretor de palco, um americano

que montava tudo sozinho, rapidinho. Nesse dia, vimos o show do Fishbone e

do Moby.”

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A exposição da Cannabis Cup 1996 aconteceu no mesmo local do ano

anterior, com degustação de vários tipos diferentes de maconha. Os shows

rolaram durante três dias, no Melkweg. Como o nome Planet Hemp era

justamente o da loja que patrocinava o evento, a banda carioca saiu na

divulgação oficial como “Planeta Maconha (Brazil)”.

Momentos antes do início do show do Planet, uma senhora bem velhinha

entrou no camarim com uma bandeja de bolo: “Não comam muito porque o

bolo tá bem forte”. Como a galera estava na maior larica, nem deu ouvidos e

atacou. Mas tratava-se de um space cake sinistro, um bolo de chocolate com

haxixe. O show foi foda e o diretor Raul Machado filmou com lentes olho de

peixe. Essas cenas entraram no clipe de “Adoled”.

Quando acabou a apresentação, a galera dispersou. Bacalhau comeu vários

bolinhos e apagou. O Kadu também comeu uns três e ficou mal. O Formigão

e o Kleber saíram para beber mais e ouviram um som saindo de uma

portinha. Quando a holandesa abriu a porta, olhou para a cara de marroquino

da dupla e mandou um sonoro get out!

No caso do Rafael, a lembrança mais marcante foi a de quase morrer. E

ninguém sabia disso. Ele tinha passado o dia inteiro andando pela cidade e

chegou no local do show morrendo de fome. De barriga vazia, comeu uns três

pedaços do space cake. Quando acabou o show, ele ia mudar-se para o hotel

da organização do evento, onde estavam a Samantha e o Gustavo, porque o

hotel da banda era muito ruim. Ele estava de bicicleta e precisava buscar a

mala no centro da cidade, mais afastado. Só que, quando ele saiu do show,

começou a bater a onda.

O guitarrista deixou a bike por lá e saiu andando rumo ao hotel. Eram

cinco andares, e eles estavam no último. Rafael subiu ofegante pela escadinha

estreita do hotel quando a sua pressão começou a baixar, ficando perto de ter

um “teto preto”. E ele nunca tinha passado por isso. Sentia-se como se fosse

desmaiar, que ia morrer ali, na escadinha do hotel, e ninguém encontraria o

seu corpo. Quando conseguiu entrar no quarto se jogou na cama e respirou

fundo: “Deus, não me deixa morrer. Deus, não me deixa morrer”. Um bom

tempo depois, já recuperado, Rafael pegou a mala e foi para o hotel do

Gustavo e da Samantha. Aquela experiência mexeu tanto com ele que,

quando voltou ao Brasil, deu um tempo de fumar e de beber.

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Dentre os funcionários da Na Moral, apenas o Lobatto não foi para a

Holanda. Acompanharam a crew o Ronaldo e a Renatinha. Ela acrescentou

mais alguns causos dessa inesquecível viagem: “Eu lembro de duas cenas em

especial. [A primeira] quando passamos perto de uma delegacia, e estava

rolando uma rave lá dentro [risos]. Em outra [ocasião], vimos um policial

dando uma dura num cara. Ele derramou o pó no chão e mandou o cara ir pra

casa. A gente bolou: ‘Ué, não vai dar tapa na cara? Não vai pedir propina?’.

O que a gente sofria aqui [no Brasil], em viagens e shows, não se via por lá.

Mas tinha cartaz por todo lado, proibindo o uso de drogas pesadas”.

A cultura das coffee shops também propiciou um choque de cultura:

“Frequentávamos o Twilight Zone, todo verde, onde não vendia bebida

alcoólica, só café e haxixe. A maioria era assim, uma experiência para entrar,

degustar e bater papo. Imagina o choque pra gente, acostumado com Garage,

Lapa, polícia carioca. Mesmo onde vendia space cake e cogumelos, também

não vendia bebidas”.

“Quando eu voltei da viagem e cheguei em casa, o jornal estava em cima

da mesa”, revelou Renatinha. “O meu pai apontou para uma notinha nele e

perguntou se eu tinha ido naquilo ali, no festival internacional da maconha

[risos]. Não foi a minha primeira viagem gringa, mas foi incrível.”

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Já perto do fim da viagem, o Rafael resolveu aproveitar um dia livre para

ver um show num squat [176]. O prédio era enorme, e não foi tão fácil achar o

local exato do show. Num dos andares, tinha uma pista de skate gigante.

Quando chegou ao andar certo, o show já tinha acabado. Mas o que ele queria

mesmo era colocar o Planet Hemp para tocar nesse pico. Ele conseguiu, e o

Kadu explica como foi:

“A volta do Bacalhau, do Formigão e da Renatinha para o Brasil era viaBritish Airways, então eles ainda tinham um ou dois dias em Londres. Onosso voo era direto, por outra companhia. Então, no último dia, o Rafaelestava tentando um show num squat, mas demorou à beça pra voltar.

Quando ele chegou, já de madrugada, os três tinham acabado de ir proaeroporto. Pra piorar, o resto da banda tinha mudado de hotel, e ele chegoulá putaço: ‘Eu dando tudo pela banda e eles vão embora? Bolinha, você vaitocar baixo, e o Kadu a bateria’.

E lá fomos nós. Eu sabia tocar algumas músicas. Na passagem de som, o Zésoltou as batidas, a gente improvisou em cima e o show foi basicamenteassim. Teve um cara magrelo com um berimbau, uma bicicleta e uma caixade som abrindo pra gente”.

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O diretor Raul Machado foi um dos que viajaram por conta própria. Ele

vendeu o clipe de “Dig Dig Dig” para a Sony e, com essa grana, embarcou no

bonde e gravou o clipe de “Adoled”:

“Eu levei a minha câmera Super 8 e peguei emprestada uma Hi8. Gravei abanda pela cidade e o show na Cannabis Cup. Tem várias histórias boas!

Um dia, nós comemos cogumelo e saímos pra filmar. Aos poucos, todomundo foi se perdendo. Numa certa hora, fui parar numa festa de criançaspatinadoras, [junto] com o Formigão. E, aos poucos, todo mundo foi sereencontrando no Red Light. Abria uma vitrine e saía um louco... Eu me

perdi e encontrei o Gustavo na madrugada, se protegendo da chuva, putoporque tinha comprado placebo. Um holandês abriu a porta do bar – que jáestava fechado – e perguntou se não queríamos esperar a chuva passar ládentro. Estávamos encharcados e loucos.

Lá dentro, tocava reggae. O Gustavo achou um microfone e começou arimar. Os holandeses curtiram, pararam de limpar o bar e nos encheram decerveja. Certa hora, eu apaguei e derrubei uma pilha com uns cinquentacanecos. Não sobrou nenhum. ‘No problem, my friend’, respondeu oholandês. Eles estavam emocionados com o show particular do Black Alien.No fim, fomos embora com camisetas e mixtapes do bar.

Também inesquecível foi um dia em que a banda foi jogar sinuca parafilmar e, na minha vez de estourar, eu derrubei cinco bolas de uma vez. Issonunca aconteceu de novo! O Marcelo estava com a câmera e gravou omomento. Aparece no clipe de ‘Adoled’. Como o Bernardo saiu da bandaum pouco antes dessa viagem, no clipe aparece o Black Alien, mas usei oáudio do disco, com a voz do BNegão.

No fim, eles me aceleraram para entregar alguma coisa e só usei mesmo omaterial da Hi8. Como eu mandava os filmes em Super 8 para revelar nosEUA, demorava tanto pra chegar, que não foram utilizados no clipe. Estãoaté hoje no meu armário. Essas cenas continuam inéditas”.

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O show na Cannabis Cup foi apenas um pretexto para uma viagem de dez

dias para o Planet Hemp e a sua galera, que mapeou Amsterdã no vômito.

Além de fumar, beber e tomar ácidos, a banda ainda descolou um show extra

num squat, para o qual a Samantha e o Zé fizeram os flyers. O resto ninguém

se lembra muito bem…

Show extra em Amsterdã durante a viagem para a Cannabis Cup, em 1996. Arte da Samantha Caldato.

CAPÍTULO 27

FORTALECENDO O MOVIMENTO

O caminho que o Planet Hemp percorreu com o primeiro disco foi espinhoso.

Shows proibidos, discos recolhidos, fãs e promotores de eventos presos, clipe

censurado e mudança de vocalista. A banda brigava o tempo todo com a

Sony, achava que a gravadora podia fazer mais. Tocando por todo o Brasil e

em cada vez mais rádios, com o passar do tempo eles conseguiram manter o

respeito, apareceram na TV e terminaram o ano de 1996 atingindo a tão

desejada meta das cem mil cópias vendidas. Um ano e meio depois do

lançamento, Usuário conquistou o disco de ouro.

Claro que a galera do Planet estava feliz. Assim como acontecera com o

pessoal d’O Rappa, que obteve um retorno muito melhor com o segundo

disco, Rappa Mundi, do que com o primeiro. Mas família que toca unida

fuma unida. E o sonho era que todo mundo da galera assinasse contrato com

uma grande gravadora.

Nesse sentido, um evento muito simbólico se chamou Fortalecendo o

Movimento e reuniu Planet Hemp, Funk Fuckers, Cabeça, Squaws e Black

Alien para arrecadar fundos para o Garage. As três primeiras bandas

debutaram no Garage. Uma relação de amor verdadeiro, tocando para salvar

o pico, para saldar as dívidas da casa. O ingresso custou dez reais. Foi um

sucesso, absolutamente lotado, com gente pra caramba do lado de fora.

Dois meses depois, em 16 de dezembro, aconteceu novamente, dessa vez

no Totem, com uma jam session entre integrantes da hemp family, inclusive

Speed e DJ Sonic – a banda de hardcore do Rafael com Ulisses e Marcelinho,

os dois do Squaws. Nessa, o Rafael tocava baixo e cantava. Chegaram a

gravar uma demo em cassete. Também no Totem, o D2 comemorou o seu

aniversário de vinte e nove anos com um churrasco.

Dentre essas bandas, o Squaws era a mais bem encaminhada. Abriu o

show de lançamento do novo CD d’O Rappa, no Circo Voador, e, um mês

depois, tocou na lona como atração principal. Com o Planet, abriu um show

no Lokau do Rock, na Barra da Tijuca. Eles só tinham uma fita demo

lançada, mas contavam com padrinhos de renome.

O baterista Marcello Nunes, o Marcelinho, contou um pouco sobre essa

época: “Eu e o Reinaldo formamos a banda P.H.I.T.S. e ensaiávamos no

Groove. Ele também tocava no The Cynics e eu no Serial Killers. Tinha

também o Contexto. Todo mundo era amigo, todo mundo torcia por todo

mundo. Lembro que num churrasco a gente colocou duas bateras, [primeiro]

eu e o Bacalhau, [depois] eu e o Yuka... Ficou muito foda, tipo Rage Against

the Machine. Teve um show histórico, na Lona Cultural de Campo Grande,

do Planet com o Squaws”.

Além de tocar, Marcelinho também atuava como fanzineiro: “Tales,

Reinaldo, Luís Claudio e eu fazíamos o Colírio Cultural, o primeiro fanzine a

falar abertamente de maconha. Não compre, plante. Muitas letras do Planet

foram inspiradas nele. A gente também fazia um programa na rádio da Uerj.

Lembro que saiu uma matéria no jornal contando que a gente dava a cotação

da melhor erva. Toda semana dizia onde estava o melhor beck do Rio. Aí,

babou. O programa e a rádio [risos]”.

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Apesar de estar oficialmente fora da banda, BNegão continuava

participando dos shows e dos preparativos do disco novo, que seria gravado

em breve. Sempre que era perguntado sobre o assunto, Marcelo D2 respondia

que o Funk Fuckers tinha futuro e deveria continuar, e salientava que o FF

sempre foi a banda principal do Bernardo [177].

Apollo conheceu o Planet no show do SuperDemo, no Aeroanta, aquele no

qual o Mario Gildo quebrou a guitarra. Quando acabou, ele foi falar

justamente com o BNegão: “Ele estava na fase espantalho, com o chapéu

grande, o começo do começo. A gente lamentava [o fato] de ele não vestir a

camisa, no sentido de ter um compromisso. Uma vez, alguém me disse que

ele podia não se sentir à vontade de ocupar o lugar de uma pessoa que

morreu, como uma apropriação indevida. Pode ser. Ele é um dos caras mais

honrados que eu conheço, um cara relax, fantástico. O Funk Fuckers nunca

foi lá essas coisas. Será que ele não sabia? [No Planet Hemp] todo mundo

dava ideia, mas era a banda do Marcelo. Ainda que o Bernardo também fosse

compositor e tão assediado quanto o Marcelo. Essa sempre será a banda do

Marcelo”.

Superada a desconfiança, a Sony ofereceu condições melhores para o

segundo álbum do Planet, concordando inclusive em pagar o cachê do Mario

Caldato Jr., o mesmo produtor dos Beastie Boys. Para a pré-produção, a

gravadora alugou por mais de dez dias o estúdio Uptown, onde Kleber França

trabalhava, gravando e mixando todas as músicas novas, o chamado lockout.

Na época, todo mundo gravava no Uptown, no bairro da Glória, que cobrava

em dólar. O produtor brasileiro radicado nos EUA gostou do desafio e

aceitou vir para o Brasil gravar aqueles cariocas que falavam sobre maconha.

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O segundo semestre de 1996 foi emblemático tanto para o Planet quanto

para O Rappa. O Hemp se afirmou, bateu as cem mil cópias e ganhou o

respeito da Sony para negociar melhor um segundo disco. Da mesma

maneira, a banda de Falcão, Yuka, Lobato e Xandão virou o jogo no segundo

álbum, Rappa Mundi, que foi muito bem recebido, com “Dia de feira”

tocando bastante nas rádios. Com uma levada pop, a música fala sobre um

pequeno traficante que vende ervas que curam e acalmam.

No dia 28 de outubro, enquanto O Rappa fazia o show de lançamento do

disco novo, no Circo Voador, o Planet tocava em Volta Redonda. A

apresentação d’O Rappa se aproximava do fim, e Falcão anunciou o bis. De

repente, Yuka olhou para o lado e quase não acreditou no que viu: D2, Rafael

e Zé Gonzales correndo até o palco para tocar “Hey Joe” junto com a banda.

O Planet havia voltado do seu show em tempo recorde, só pra tocar com os

amigos. Esse era o verdadeiro espírito da hemp family. Anos depois, quando

o Bacalhau saiu da banda, Yuka tocou bateria no Planet em alguns shows.

Brodagens.

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A história de Manuela Cruz com o Planet começou quando uma amiga a

indicou para trabalhar numa produtora, a Na Moral. Precisando de grana, ela

topou, sem saber muito bem o que lhe aguardava. Tinha dezoito anos e

concordou em ser uma espécie de estagiária/secretária/faz-tudo. Era uma

amiga agitada na vida de D2. Nessa época, ele ainda morava (alegremente)

no quartinho de empregada do seu Wilson, pai do Kadu, roadie da banda, que

Marcelo também considerava um pai. Logo no seu primeiro show como

funcionária da Na Moral, a ninfeta loirinha apareceu de shortinho jeans,

chamando a atenção de todo mundo. Inclusive do Marcelo.

O Planet Hemp ganhou disco de ouro com o Usuário e comemorou com

um show, claro, no Circo Voador. A abertura ficou por conta das bandas

Black Alien e The Cynics. A lona estava completamente abarrotada, seis mil

pessoas, um recorde até então. Antigamente, a casa era cheia de estruturas

metálicas, como andaimes, e tinha a maior galera pendurada ali. A

apresentação do Planet foi como uma festa da sua geração, com várias

participações especiais, como Falcão e Yuka. Além de D2, cantaram Gustavo

e BNegão. A stripper Sibéria fez o seu número pela última vez, antes de

deixar a crew e a vaga para a loira Aline.

Nas memórias do Apollo, o show foi digno de uma festa de Baco no

Olimpo: “Tinha gente sentada até nos andaimes, lá no alto. Eu tomei um

doce, aí o Lobatto ficou ali do meu lado e, no final, falou que eu fazia umas

paradas legais. Cinquenta shows depois é que ele percebeu isso [risos]. Pelas

minhas contas, fiz uns cento e cinquenta shows com a banda. Na época, o

Planet só não fazia mais shows do que o Araketu”.

Também nessa noite tão especial, D2 ficou pela primeira vez com a Manu,

que trabalhava na produtora. Foi paixão à primeira vista. Ficaram colados o

resto da noite. O vocalista queria levá-la para BH, mas o Lobatto retirou a

funcionária de dentro do ônibus e da viagem. O namoro seguiu assim,

intermitente. Ficavam quatro ou cinco dias juntos, aí o D2 pegava a estrada

com a banda. Pegava também quem cruzasse por ela. Nos tantos anos em que

ficaram juntos, Manu sabia que banda de rock em turnê era um perigo, mas

tudo bem, desde que a groupie não fosse do Rio.

Como nessa época o Marcelo namorava com a Gio, sobrou pra Renatinha:

“A Gio não gostava de mim porque quando a coisa cresceu, a Manu também

foi trabalhar na Na Moral. Sempre fui amiga dos caras da banda, nunca iria

caguetar. Eu falo que está sendo escroto, mas não vou dedurar. Nunca fui

amiga das mulheres, mas, às vezes, em shows por aí, eu perguntava pros

caras se valia a pena pegar uma mulher feia pra caralho só pra meter! As fãs

eram loucas pela banda. Uma vez, nós fomos numa loja no Méier e uma fã se

jogou aos pés do Marcelo, se arrastando pelo chão. Tinha fã que se esfregava

neles, qualquer um da banda servia! Eu já vi fã levantar a saia para o cara

autografar na bunda. O Apollo e o Zé eram os bonzinhos, os paulistas da gig,

os mais discretos. E o camarim do Planet, sabe como é, sempre foi aquele

Open Bar [risos]”.

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O show de ouro do Planet também deixou muito feliz a Maria Juçá,

diretora do Circo. Ela testemunhou o nascimento de todas aquelas bandas da

hemp famliy, meninos penetras virando homens de sucesso. Por incrível que

pareça, o Planet nunca sofreu perseguição na lona da Lapa. Sempre foi um

organismo siamês.

Claro que ela já viu a polícia prender pessoas do público. Muitas. Ela

mesmo perseguiu policiais que arrastavam jovens presos por flagrante de

maconha da 5ª Delegacia até a esquina da rua do Lavradio. A Juçá ia atrás,

oferecendo camiseta, adesivo, qualquer coisa para que soltassem a rapaziada.

Também já guardou armas de policiais que estavam à paisana nos shows do

Planet, puxando os seus baseados até entortarem. Então, quando o Planet

tocava, o trabalho era constante, dentro e fora do Circo.

As negociações com o Planet, tanto com Ronaldo quanto com Lobatto,

sempre foram tranquilas porque existia muito afeto. E a própria Juçá

reconhece que veio ao mundo carimbada para cuidar de maluco. Então,

quando a galera enlouquecia, ela cuidava do dinheiro deles. Nesse show do

disco de ouro, o Planet tocaria em Belo Horizonte no dia seguinte e resolveu

virar à noite lá no Circo mesmo. Um “vaporzinho” [178] foi chamado para

animar a festa. Os shows do Planet exigiam um ritual por parte de todos para

aguentar a porrada.

Nas memórias da diretora, era normal o trânsito de pessoas estranhas no

camarim, que pareciam ter saído recentemente do sistema penitenciário ou de

um cortiço. Então, o combinado não valia. Era corriqueiro os ambulantes do

entorno do Circo frequentarem o camarim do Planet em troca de umas latas

de cerveja e uma ou outra carreirinha de pó ruim.

O seu maior trabalho era acalmar a segurança que, obviamente, achava o

fim da picada ter que esperar por aquela cambada até a hora do café: “Eles

não podiam deixar o Circo enquanto houvesse artista no camarim. Sabe

quando você começa a esverdear depois de doze horas de atividades ilícitas?

Então, era assim que todos ficávamos depois dos shows do Planet Hemp”.

Ainda no show de entrega do disco de ouro, às oito horas da manhã, a

equipe do Planet estava tão louca, que resolveu deixar com a Juçá todo o

dinheiro da bilheteria, que ela espertamente colocou dentro de um saco de

lixo para despistar os ladrões. Era MUITA grana. Como eles iam viajar até

BH, o Lobatto botou o saco na mão dela e pediu que depositasse. Na

segunda-feira, quando ela derramou o dinheiro na mesa da tesouraria do

banco, o gerente teve uma tremedeira e perguntou se ela era maluca de trazer

aquele saco cheio de dinheiro num táxi. Era assim que ela e o Lobatto

negociavam, e é assim que eles negociam, até hoje.

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Uma semana depois da noite dourada, cerca de oitocentas pessoas foram

até a Lapa para os shows dos Garotos Podres e Ratos de Porão, com abertura

do Serial Killer. De repente, no meio dessa festa punk de sábado à noite, o

político Luiz Paulo Conde entrou no local com seus correligionários e até

uma bandinha para comemorar a sua eleição para prefeito do Rio. Não

conseguiu ficar mais que dez minutos. Foi expulso por um grupo de

aproximadamente quinze punks, que o xingaram e atiraram latas de cerveja.

No dia seguinte, Falcão e D2 estamparam “Que tribo é esta?” na capa da

revista “Domingo”, do Jornal do Brasil. Na extensa reportagem, com direito

a uma foto no Totem, no estilo Santa Ceia, a hemp family foi desberlotada

por inteiro.

Na segunda-feira, o prefeito, Cesar Maia, então padrinho político de

Conde, anunciou a cassação do alvará de funcionamento do Circo Voador,

ignorando a sua tradição cultural na cidade: “Tradição de quê? De bagunça?

De desordem? De maconha? De cocaína? [179]”. Revoltados com a decisão

arbitrária, no dia seguinte, mil e quinhentas pessoas compareceram a um ato

público de protesto contra o fechamento do Circo. Só que, para atiçar ainda

mais a multidão, o oficial de justiça afixou um cartaz fechando também a

Fundição Progresso, bem ali ao lado.

Como o Perfeito Fortuna, um dos sócios da Fundição, tinha as chaves do

Circo, o povo invadiu o local para protestar. Entre os artistas presentes,

estavam BNegão e Marcelo Yuka, que disse ao JB: “O circo é o verdadeiro

quilombo cultural da cidade [180]”. Havia também políticos como os

vereadores Eliomar Coelho e Chico Alencar, o deputado federal Fernando

Gabeira, e o deputado estadual Carlos Minc, que invocou o artigo 348 da Lei

Orgânica do Estado, que proibia o fechamento de espaços culturais sem

consulta previa à comunidade.

Apesar da adesão de políticos, artistas, estudantes e jornalistas, o tempo foi

passando e nada acontecia. Foi então que Juçá criou o movimento S.O.S.

Circo Voador, percorrendo diversos municípios do Estado do RJ – Cabo Frio,

Petrópolis, Volta Redonda, Nilópolis e Niterói – e outros espaços pela

capital, promovendo shows pela reabertura do espaço. Alguns deram lucro,

outros prejuízo. Muitos artistas participaram da campanha, entre eles Planet

Hemp, Skank, Os Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Baia & Rock Boys,

Jorge Ben Jor e Fernanda Abreu. Nenhum deles cobrou cachê, apenas o

pagamento dos custos de produção, locomoção e passagens.

O show com o Planet, em Niterói, foi o que reuniu maior público. Jorge

Roberto Silveira era o prefeito e Juçá pediu o seu apoio. Imediatamente, ele

tomou providências para que a Estação Cantareira recebesse uma obra

emergencial. O local tomou um banho de loja, com a construção de muros,

colocação de portões, reforma de banheiros e uma pintura nova.

A primeira noite no local foi com o Kid Abelha, na maior paz e

compostura. No dia em que o Planet tocou, foi o terror. Quase cinco mil

pessoas tentaram entrar, na marra. Pedaços de muro foram usados como

alavanca para escalar os trechos que ainda resistiam, os portões viraram

tapete, os roadies lavaram as mãos e o público tomou conta do inferno que se

estabeleceu. Pelo visto, Deus ajuda os loucos, pois não houve um acidente

sequer. A luta pela reabertura do Circo durou oito anos e acabou no Supremo

Tribunal Federal, com a manutenção da sentença da Ação Popular a favor da

lona cultural.

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Sem o Circo e sem a Fundição, sobrou o Canecão. Em dezembro, três das

mais importantes bandas do momento tocaram lá, cada uma num dia

diferente: Planet Hemp, O Rappa e Chico Science & Nação Zumbi, eleita

pela imprensa especializada como a melhor banda do ano. Esse foi o último

show do Chico no Rio, antes de voltar para Recife e sofrer o trágico acidente

de carro. Nesse mesmo período, ele fez uma das suas últimas gravações, uma

versão de “Rio 40 graus” para a coletânea Raio X, de Fernanda Abreu.

Para esse mesmo disco, Planet, O Rappa, Fausto Fawcett e tantos outros

participaram da gravação de “Bloco rap Rio”. No clipe, BNegão apareceu

com a camiseta do Funk Fuckers. Quando a Fernanda passou a bola, ele e D2

cantaram:

“Hip-hop Rio, é Planet Hemp // sempre nuvem de fumaça // tão depressa

que nem sente // eu sou do samba, sou do reggae, sou do rap, sou do soul //

mas também sou do hip-hop, do hip-hop eu sou // porque o som entra na

cabeça e não tem hora // quero ver ficar de fora, quero ver ficar de fora //

então, meu irmão, procure se informar // porque uma erva natural não pode te

prejudicar”.

Ainda em dezembro, Leonardo Rivera começou a trabalhar como

assistente de A&R na PolyGram e a sua primeira atitude foi marcar uma

reunião com o Marcelo Lobatto, num pub no Jardim Botânico. Ele estava na

gravadora que tinha mais dinheiro e mandava no axé, mas não tinha tradição

de modernidade no rock dos anos 1990. Léo quis contratar o Planet Hemp de

qualquer forma e concordou em pagar a multa do contrato da Sony. Mas nem

o Lobatto topou nem a PolyGram quis desembolsar a grana. O descobridor de

talentos não desistia fácil e ficou de olho naquela turma, que se reunia no

estúdio Totem.

Guitarrista do Squaws e um dos donos do estúdio Totem, Alexandre MZ

celebrava o fato de donos e clientes virarem amigos: “No começo, havia

muitas bandas que vinham ensaiar aqui só para conhecer o Planet Hemp.

Alguns eram chatos, outros entraram para a família [181]”.

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Para fortalecer ainda mais o movimento, Mario Caldato Jr. gostou da pré e

veio ao Brasil para gravar o segundo disco do Planet Hemp. Nascido em São

Paulo, ele se mudou para os EUA com dois anos de idade e voltou para

visitar a família uma única vez, aos dez. Morando na gringa, trabalhou com

os Beastie Boys em discos como Paul’s Boutique [182], Check Your Head [183]

e Ill Communication [184]. Em 1995, finalmente chegou a hora de o grupo

tocar na América do Sul. Um amigo em comum falou para o produtor que o

DJ Zé Gonzales estava louco para conhecê-lo, e, quando o Planet abriu para

os Beastie Boys, no Rio, o encontro aconteceu. Foi nessa ocasião que os

cariocas o convidaram para produzir o próximo álbum deles.

Mario foi recebido no Rio com um churrasco no Totem. Quase ao mesmo

tempo, a Samantha – que tocava cello, na banda Black Alien – também

chegou na festinha. Foram apresentados e, como ela tinha voltado de uma

longa temporada em Nova York, sentaram-se na mureta do estúdio e

conversaram sobre os amigos em comum. Na época, Sam namorava o Yuka.

Aí, a galera se aproximou dos dois e ofereceu carne, cerveja e beck. Foi

quando descobriram que o convidado de honra era vegetariano e

praticamente não bebia nem fumava. Caldato teve que passar o churrasco

comendo salada, crepe e pão de alho.

Na história do Planet, Mario Caldato foi padrinho da banda e de vários

integrantes em seus projetos solo. Vamos chegar lá...

Mario Caldato gravando o disco Os cães ladram... no Estúdio Mega. Foto: Bacalhau.

CAPÍTULO 28

OS CÃES LADRAM

A gravação do segundo disco do Planet Hemp foi a primeira de Mario

Caldato no Rio de Janeiro: “Eles eram doidinhos, engraçados e cheios de

ideias. Foi muito bom trabalhar com o Chico Neves. O clã, a hemp family,

todo mundo junto, querendo ajudar e fazer uma coisa diferente”.

O produtor também havia gostado do disco anterior, Usuário, que

considerou “cru, com uma energia punk e uma semente muito forte”.

Obviamente, no segundo, D2 estava com outras ideias e Zé Gonzales criou

bases, batidas e scratches. Foi uma mudança importante, pois deixou de ser

uma banda de rock com rap para se tornar uma banda de hip-hop com rock,

com vários climas diferentes, e também mais eclética. Não foi fácil, mas

funcionou.

Como todos os músicos do Planet eram muito fãs dos Beastie Boys,

Caldato decidiu repetir uma experiência que havia feito com os gringos nos

álbuns Check Your Head e Ill Communication: cada música era gravada e

finalizada, para só depois fazer a seguinte. Como os BBoys tinham o próprio

estúdio, eles podiam se dar ao luxo de ficar uma semana ou duas trabalhando

numa ideia, até a banda e o produtor se reencontrarem e continuarem. Com o

Planet, fizeram assim porque cada música tinha uma ideia diferente, então

trocava a bateria e decidia em qual sala gravar.

Mario Caldato deu uma aula de gravação. Afinal, a banda saiu de um

engenheiro de som cheio de limitações, para uma sala gigante, com roadie,

três tipos de bateria, uma porrada de equipamento para guitarra, órgão

Hammond e diversos teclados. Seguindo a metodologia de gravar uma

música por vez, a banda gravava o baixo, a guitarra, a voz e a bateria, mixava

e aprovava. Só depois de aprovada, passavam para a próxima. A primeira foi

“Adoled”, seguida por “Zerovinteum” (que contou com participação de

Fernanda Abreu) e “Mão na cabeça”, com a bateria no corredor e um

microfone só.

Até então, o disco se chamaria Nacabeçativa. Depois é que virou Os cães

ladram mas a caravana não pára, inspirado numa frase do Ibrahim Sued, já

que a polícia ficava o tempo todo atrás da banda. O falecido colunista se

apropriara de um provérbio árabe e costumava dizer que “os cães ladram e a

caravana passa”.

É o disco mais balanceado dos três, com um pouquinho da raiva do

primeiro e os hits do terceiro. Caldato gravou todas as músicas e adiantou

bastante a mixagem, que finalizaram em Los Angeles, trocando as bases em

duas semanas bem intensas de trabalho.

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Do primeiro para o segundo álbum, muitas coisas mudaram, inclusive o

próprio Marcelo. Nessa transição, de ser mais maduro, de escrever coisas

mais interessantes, descobriu muitas coisas sobre cinema e música. Quando

D2 queria conhecer um som, comprava logo a coleção toda de CDs do artista.

As coisas tinham melhorado um pouco e ele já podia se dar esses pequenos

luxos.

O primeiro foi um disco de maconha. E falar sobre maconha era mais

agressivo do que tratar da questão da legalização em si. Na época do Usuário,

os próprios repórteres evitavam dizer a palavra nas entrevistas. Eles

perguntavam: “Vocês defendem a legalização da erva?”. E a banda: “É, da

maconha?”. No segundo, D2 já estava colado com o Zé Gonzales,

aprendendo a produzir, e se ligando mais em estúdios. Também marcou uma

aproximação maior do tecladista Apollo 9, que participou bastante: “A gente

tocou TODAS as músicas dos Cães ladram em shows, antes de gravar. O

Black Alien era um personagem. Em ‘Zerovinteum’, ele chegou [para

gravar] virado há três dias, sem voz. O Mario meteu um pedal de distorção

na voz dele, escondeu a rouquidão e ficou ainda mais foda. Isso é o produtor.

Teve uma vez que eu e o Zé estávamos tomando um açaí, em Ipanema,

quando perguntamos pro Mario como ele conheceu os Beastie Boys. Ele

disse que estava muito louco num show deles e subiu no palco pelado. E os

caras adoraram a atitude dele. Foi então que o Caldato começou a fazer

monitor pra banda, virou técnico de P.A. e começou a produzir”.

Além da mudança de conceito e sonoridade, Bacalhau percebeu uma

alteração significativa na questão financeira. Antes, boa parte da grana que

entrava era reinvestida na banda, para o fluxo de caixa da empresa, mas, no

segundo disco, ficou claro que a banda havia subido um degrau. Se em 1995,

antes de lançar o Usuário, o baterista não era incentivado em casa – “O

problema não é a maconha, é eu ser músico. Ser músico é pior [185]” –, no

segundo disco ele teve um apoio um pouquinho maior dos pais, apesar de ter

largado a faculdade de administração.

O empresário Ronaldo era quem buscava o Caldato todos os dias no hotel

e o levava para a gravação, no estúdio Mega. Acompanhando de perto, ele

achou que a banda descobriu um horizonte novo. Chegou até a gravar a

bateria numa música incidental de vinte e nove segundos, a “Bossa”.

Mesmo fora da banda, Bernardo teve uma participação muito maior do que

em Usuário. Ele contribuiu com as letras de “Zerovinteum”, “100%

hardcore”, “Adoled” e “O bicho tá pegando”. O ex-vocalista oficial estava

dando um gás tanto no Funk Fuckers quanto no seu novo projeto, o selo Ualé

Maluo [186] Records, que, junto com Formigão, lançou os CDs do Dash e

Zumbi do Mato.

Formigão foi o primeiro músico do Planet a ter equipamento completo,

para surpresa do Kadu, o roadie oficial: “O Bi Ribeiro emprestou um baixo

rosa foda e caro pra ele. Um dia, ele trocou numa loja por um baixo

Rickenbacker e um cabeçote Ampeg. Depois disso, toda vez que a gente

cruzava com os Paralamas, inclusive nos aeroportos, o Formigão sumia

[risos]. Até um dia em que ele não conseguiu fugir e teve que se explicar pro

Bi”.

Ainda mordido com a saída do parceiro de vocal, D2 sacaneou o Ber

durante uma entrevista para a revista Rock Press [187]. Sem barba, bigode e

com o cabelo aparado, Marcelo disse que sem ele sobrava mais comida e

mais maconha, porque o amigo comia e fumava demais. Numa outra

entrevista, confirmou que “o BNegão participava pouco, agora ele participa

até mais um pouco. A mudança foi maior no palco [188]”.

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Muito antes de entrarem em estúdio com o Caldato, a banda já tinha sete

músicas prontas. Um dia, D2 estava num posto de gasolina, ao lado do Sérgio

Porto, quando o Yuka perguntou: “No primeiro disco vocês falaram de

maconha, e no segundo, vão falar de quê?”. De bate-pronto, o vocalista

respondeu: “De maconha de novo! Eu continuo queimando tudo até a última

ponta!”. E ficou com essa frase na cabeça.

Quando foram ensaiar, o Rafael criou uma guitarra para “Queimando

tudo” e, em cima dela, Marcelo colocou o refrão de uma frase só. Black Alien

ajudou a escrever o resto da letra. Gustavo também escreveu “Zerovinteum”,

com D2 e BNegão, e usou o refrão de “Hit Hard Hip Hop”, do SpeedFreaks,

em “Hip Hop Rio”. Por sua vez, “Rappers reais” foi a primeira letra que D2

fez com Skunk.

Com o repertório feito às pressas, boa parte do segundo disco foi composta

durante as gravações e a mixagem em Los Angeles. Para chegar às dezesseis

faixas e ocupar quase cinquenta minutos do CD, o Planet gravou também

“Seus amigos”, da banda de hardcore carioca Serial Killer. Um trecho da

letra diz: “Cuidado com os que se dizem seus amigos, pois são um bando de

babacas querendo te sacanear // vivem uma vida mentirosa cujo único

objetivo é de você se aproveitar // andam todo tempo ao seu lado, esperando a

sua confiança, pois só querem te sugar”. A música também foi usada na trilha

sonora do filme Legalize já.

D2 contou que, depois do diretor artístico Jorge Davison, foi o presidente

da Sony, Roberto Augusto, quem mais botou banca. Como exemplo, em

“Queimando tudo”, a gravadora falou que não dava para lançar uma música

que dizia “eu canto assim porque fumo maconha”, que ia dar merda, então

Marcelo teve que assinar um termo de responsabilidade. Olhando para trás, o

vocalista lembra que tomou vários processos, desde associação ao tráfico até

mãe dizendo que o filho começou a fumar por culpa da banda. Como um

fumo cheio de galhos e sementes, o Planet Hemp também deu muita dor de

cabeça.

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Ainda no final de 1996, a revista Showbizz realizou uma promoção com a

Sony para a gravação de um CD single, com duas músicas inéditas, também

distribuído pela gravadora. Muitas bandas enviaram material, e a escolhida

foi uma de Santa Isabel (SP) chamada Mongolords, que tocava psychobilly.

Quem escolheu foi a própria galera do Planet Hemp. Para a gravação das

duas faixas (“Amor platônico” e “Necrópole”), o Formigão emprestou o

baixo, o Rafael uma guitarra Fender, e o Marcelo D2 e o Bacalhau

produziram. Gravado e mixado no estúdio Discover, no Rio, ...Assim

caminha a insanidade foi uma experiência bacana para as duas partes, mas

tempos depois a banda acabou e eles se mudaram para Nova York.

Atualmente, a banda se chama Skizoyds.

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Os dias de gravação d’Os cães foram uma doideira só, com muita

maconha, cerveja, ácido e pó. Em certa ocasião, voltando do estúdio Mega,

Manu, Marcelo e Gustavo tomaram um doce e foram completamente loucos

para a casa da Renatinha, que morava em Ipanema, com o pai. Era Natal,

tudo lindo e iluminado na Lagoa Rodrigo de Freitas, Zona Sul do Rio. E o

LSD era tão forte, mas tão forte, um tal de Panoramix [189], que Black andou

de costas o caminho todo, da Lagoa até Ipanema.

Renata ainda trabalhava na Na Moral e percebeu que a banda tinha dado

um salto na relação com a gravadora, após provar o seu potencial com o disco

de ouro no álbum de estreia: “Havia muita diferença entre a estrutura do

Usuário e a do Cães ladram. Em todos os aspectos. Tanto que eles gravaram

num estúdio realmente mega. A Sony fechou uma sala enorme com um piano

de cauda sensacional”.

Algumas cenas da gravação ficaram registradas na cabeça do tecladista

Apollo: “O estúdio era novinho, mas, em três horas, o Planet transformou

numa favela. Tinha um tijolão de beck na mesa. Eu me lembro de uma cena:

o D2, loucão, estava separando da Jojô, já ficando com a Manu, que tinha

ficado com o Kadu. A Manu de shortinho. Ele doidaço, no corredor, saindo

faísca da cabeça. A Jojô de um lado, a Manu de outro e ele no meio,

gravando, loucaço. A gente estava gravando no Mega e um dos donos

descolou skank pra gente todo dia. E ninguém tinha skank naquela época. Aí,

o Formigão chegou com o disco de ouro e esticou umas linhas [de cocaína]

em cima dele”.

Quando o Marcelo e a Manu se conheceram, fluiu uma paixão

ingovernável. O músico alugou um apartamento no Jardim Botânico e ela foi

morar com ele. Música, amor, muita balada, dias e dias virados, todo mundo

louco. Na mesinha de cabeceira, uma fartura: cinquenta gramas do solto,

cinquenta do prensado e vários tipos de doces. O vocalista se apaixonou

novamente por uma mulher mais nova e, anos depois, teria com ela uma

filha, Lourdes.

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Quem tem ótimas lembranças do segundo álbum é o técnico de P.A. da

banda, Kleber França. Depois de fazer a pré-produção do disco, a Sony pagou

para ele ficar durante todo o período de gravação ao lado de Mario Caldato,

absorvendo o máximo possível. Ele passava o dia inteiro vendo o produtor

equalizar, gravar e mixar as músicas. Um dia, durante o almoço, o “gringo”

disse que gostou do trabalho do carioca e que poderia usar no CD os

hardcores já gravados por ele na pré-produção, bastava ele mesmo mixar

novamente.

Só que os dias foram passando, passando... No último dia de estúdio,

Kleber não apareceu. De repente, o telefone da sua casa tocou. O Mario

estava esperando por ele para mixar as faixas. Kleber saiu correndo, remixou

os hardcores de novo, Mario aprovou e colocou no CD. No fim do trabalho,

o produtor pediu o seu nome artístico para colocar na ficha técnica. O técnico

disse que não precisava. Então Caldato respondeu, com grande sabedoria:

“Tem que colocar, sim, o seu nome. Você quem fez, e, no futuro, isso será

importante!”. Dito e feito. Com Os cães, França ganhou o seu primeiro disco

de platina.

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Em toda matilha, sempre existe um cachorro que é o líder. Quando o

Planet começou a gravar o segundo disco, Marcelo D2 passou a se colocar

como tal, e a bater de frente com o Rafael, que até então era o seu principal

parceiro nas composições. O que rolou foi que o D2 começou a colocar em

prática o seu projeto de fazer uma banda de hip-hop, que basicamente utiliza

base eletrônica, contrariando os interesses do guitarrista roqueiro. Dentro do

estúdio, aconteceram várias discussões entre os dois.

Rafael falou sobre esse momento de tensão: “Na gravação, comecei a ficar

puto. Minhas ideias começaram a ser boicotadas para o disco ficar mais hip-

hop. Então eu ficava de chato, discutindo com o Marcelo, e o resto da banda

não falava nada. Porque eu e o Marcelo somos pessoas com muitas

convicções. Metade do ensaio brigando, discutindo. Uma época chata. Aí,

quando gravou, eu já estava ligando o foda-se. Eu pensei: ‘Ou brigo com o

cara e acabo com a banda ou então ligo o foda-se [190]’”.

As pessoas que estavam ao redor da banda, naquele momento, perceberam

que Marcelo estava cada vez mais próximo dos dois paulistas, Zé Gonzales e

Apollo 9. Afinal, um DJ e um produtor era tudo que ele precisava para criar

bases, scratches e samples. Ao sacar a mudança de rumos na barca, Rafael

começou a traçar outros planos. Montou outra banda (o DJ Sonic, com

Ulysses e Marcelinho, do Squaws), criou um selo (a Spicy Records) e passou

a viajar direto pra São Paulo: “Eu voltei a São Paulo para buscar as minhas

raízes. O Planet tinha deixado de ser a minha forma de expressão. O negócio

ia virar rap, ia virar samba, o que nunca foi a proposta. Então, busquei outra

direção. Eu reencontrei a galera do underground paulista e voltei a ter uma

conexão. A banda não queria aceitar, começou a ficar enciumada e [passou] a

me boicotar. A época em que eu estava puto foi desde a gravação e mixagem

até a turnê de lançamento d’Os cães ladram [191]”.

Mesmo com esse clima tenso, D2 reconheceu que os grandes compositores

desse álbum foram ele, Rafael e Zegon. O DJ tem consciência da sua

importância no primeiro disco da banda em que ele participou: “Eu devo ser

coautor de pelo menos metade das músicas”.

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As primeiras experiências de Mario Caldato com o Planet Hemp foram

realmente inesquecíveis. Como ele gravou com a banda no fim do ano, em

fins de dezembro de 1996 ele entrou no ônibus da fumaça em direção à

Bahia, para um show no réveillon, em Porto Seguro. O produtor já era

vegetariano e sofreu bastante com a alimentação. Em todas as paradas, ele

perguntava antes se o feijão tinha carne. Como batismo na crew, o filho do

Ronaldo, Matheus, fez cocô (de fralda) em cima dele. O bebê conforto virou

uma banheira improvisada para os banhos.

Renatinha também embarcou nessa viagem: “Como era Ano-novo, as

famílias também foram. O Matheus era um bebezinho, o Apollo levou a

Mari. Cada um com a sua mulher. O Speto grafitava nos shows, acho que o

Black Alien abriu. Todo mundo entrou em transe”. A crew encarou dezoito

horas de viagem em ônibus fretado, bebendo, fumando e vomitando. Apesar

da empatia entre Caldato e Samantha, na época, ela optou por curtir o Ano-

novo em Angra dos Reis, com Marcelo Yuka, Seu Jorge e Bertrand (do

Farofa Carioca).

Tocar na Bahia era sempre motivo de apreensão. Certa vez, o Ronaldo

filmou um oficial de justiça botando a ordem de fechar a casa para não rolar o

show. Também tinha o famoso Barbosinha, um policial que se travestia com

peruca rastafári para dar flagrante, que apareceu num show do Planet. Aqui

vale uma pausa e um trago.

Antes mesmo de o Planet Hemp ser preso, em novembro de 1997, a banda

de reggae baiana Sine Calmon & Morrão Fumegante parou na delegacia.

Tudo por culpa de um show no Pelourinho, com policiais infiltrados entre o

público. Segundo o relatório encaminhado à Delegacia de Tóxicos e

Entorpecentes, “cada vez que Sine Calmon gritava ‘Fogo na Babilônia!’ [192],

os jovens acendiam seus baseados e pareciam cada vez mais estimulados”. O

líder do Morrão foi condenado a três anos de prisão, que cumpria em

liberdade, quando a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia

revogou a condenação por unanimidade [193].

Voltando ao Planet: graças a Jah, tudo correu bem. Durante o show do

réveillon, Formigão estava doidão de ácido, pirando nas tochas, querendo

acompanhar a galera com o pé quebrado, afundando na areia e rindo pra

caralho: “Eu tive uma fissura jogando futebol. Eu fui pular pra cabecear e,

quando eu voltei ao chão, já era. Só consegui tocar por que me enchi de

bola”.

De Porto Seguro, a banda seguiu para Caraíva. No último dia de viagem,

uma parte da galera voltou de avião e outra de ônibus. Como o Formigão

estava com a perna engessada, ele andava pela vila numa carrocinha puxada

por um jegue. O Marcos Crepe era uma espécie de roadie manager, um

produtor de estrada, e ficava tomando conta dele.

O baixista tinha uma amiga que morava com uns gringos numa

comunidade, numa praia deserta, perto de onde a banda estava hospedada.

Ela chamou o músico para conhecer o lugar. Quando chegaram, a menina e

uma amiga gringa ficaram de topless! Depois de fumar um baseado,

Formigão colocou um plástico na perna, subiu numa prancha de surf e entrou

na água com uma sereia de cada lado. Estava literalmente no paraíso.

O problema é que o ônibus para o Rio estava de partida e nada do

Formigão aparecer. Ronaldo e Kadu saíram pela cidade, procurando o

baixista, até localizar o cara sentado numa prancha, dentro d´água, com um

saco plástico na perna e uma menina de topless de cada lado: “Formigão, seu

filho da puta, a gente estava te procurando! Vamos embora, que o ônibus vai

sair”. Resposta do fundo do mar: “Eu não vou! Eu não vou!”. Claro que ele

não teve opção. Viajou por horas e horas com a imaginação nas alturas.

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Durante a mixagem nos EUA, ficou evidente que “Queimando tudo” era

uma das músicas mais fortes do disco. Marcelo queria usar a levada de

“Funky Drummer” do James Brown, que era bastante manjada. Depois,

sugeriu a batida de “MMMBop”, do Hanson: “MMMbop, ba duba dop // ba

du bop, ba duba dop // ba du bop, ba duba dop... [194]”. Caldato riu,

desconversou e optou por uma base em looping, que melhorou muito. Na

época, D2 estava ouvindo muito Eazy-E, que usava bastante uma segunda

voz, meio arrastada, e por isso sugeriu ao produtor que fizesse algo similar

em “até a úúúúúltima ponta...”, ali, de fundo.

O estúdio de Mario, em L.A., era pequeno e apertado, basicamente um

quarto de dormir e outro com todos os equipamentos. Então, ele, o Marcelo e

o Zé trabalhavam nos scratches e programando, enquanto o Rafael

descansava no sofá de couro preto da sala, não demonstrando muito interesse.

A verdade é que, como o guitarrista estava sem espaço no Planet, gravou um

som do DJ Sonic com o Kleber França, no estúdio Uptown, e aproveitou a

viagem para mixá-lo, num estúdio que o Caldato indicou. Ele ficava mixando

com o Planet e, quando dava dez da noite, ia para o outro estúdio, mixar o DJ

Sonic até as seis da manhã. Então, quando Zé e D2 saíam para mixar Os

cães... pela manhã, muitas vezes ele estava dormindo.

Zé teve a mesma impressão: “Acho que o Rafael já estava sem vontade.

[Ele] estava no rolê do hardcore e da Spicy, dos shows que ele queria ver.

Tanto que eu e o Marcelo fomos ver show e discotecagem de uma galera em

L.A. e ele ia sozinho nos rolês dele de rock. Não acompanhava a gente. Foi

nessa viagem que comprei a minha MPC. O mais importante foi conhecer o

Mario. Com a grana do adiantamento, mais o cachê de músico por gravar em

todas as faixas, depois eu voltei de férias pra Los Angeles e o Caldato mudou

a minha maneira de fazer música, usando a forma simples de colocar um

MPC e um toca-discos lado a lado”.

Um dia, Rafael estava numa loja de instrumentos, em Hollywood, pegou

uma guitarra e começou a tocar uma música sua. Foi quando um cara parou

para falar com ele, perguntou de quem era o som e o convidou para ensaiar

com a sua banda. O guitarrista guardou o papel com as informações e passou

de tudo pela sua cabeça. Pensou seriamente em ficar por lá e montar outro

grupo. Mas, como a sua filha, Julia, ainda era pequena, decidiu voltar para o

Brasil. Porém, voltou cagando e andando para o Planet Hemp.

De volta ao Rio, Rafael acompanhou a gravação do primeiro disco do

Againe, que seria lançado pelo seu selo, Spicy Records. A banda veio de São

Paulo para gravar com o Kleber no estúdio Uptown, durante o Carnaval de

1997. O amigo e roadie Jackson gravou na faixa “Gatemouth”. A gravadora

independente era o projeto paralelo do guitarrista do Planet. Vinte anos

depois, em 2017, Songs about the week here, other places, other thoughts foi

relançado em álbum digital e numa tiragem limitada de cinquenta fitas

cassete, pela Botanical Party, selo de Santiago (Chile).

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Quando o segundo disco do Planet Hemp ficou pronto, a editora pediu

autorização a Erasmo Carlos para utilizar um trecho da sua música “Maria

Joana”, gravada na voz de Eliana Pittman. Essa canção foi uma homenagem

explícita do músico à maconha, e na época foi proibida de tocar nas rádios e

nos shows ao vivo. Lançada em 1971, no primeiro disco do cantor, com

produção de Nelson Motta, diz a letra: “Eu quero Maria Joana // eu vejo a

imagem da Lua Refletida na poça da rua // e penso da minha janela // eu estou

bem mais alto que ela (...) eu quero Maria Joana // eu sei que na vida tudo

passa // o amor vem como nuvem de fumaça”.

Nada feito. Nem o fato de a mãe do Lobatto ter sido assessora de imprensa

do Tremendão nem o de a sua tia Narinha ter sido casada com ele. Erasmo

negou o pedido e a master teve que voltar para o Caldato modificar.

Black Alien admirava uma coisa no Marcelo: ele estava sempre atrás dos

melhores para trabalhar com ele. Assim como havia recrutado Zé, Apollo e

ele próprio, agora tinha ao seu lado também o percussionista Negalê, que

fazia a dupla Afronautas, com o Wellington, e tocava em festas, com o DJ

Paulo Futura. Em algumas fotos de divulgação, Negalê posou com a banda e

Rafael usou a camiseta da banda Againe. D2 também voltou dos EUA tão

encantado com o Mario Caldato, que, depois d’Os cães, produziu quase dez

discos com ele.

Quanto à Sony, a única coisa que a gravadora não queria era ter outro

problema com a Justiça. Por conta de uma música do primeiro disco do

Tiririca, de 1996, que vendeu mais de um milhão de cópias, o palhaço cantor

levou cinco processos com acusação de racismo. A gravadora teve mais de

cento e vinte e cinco mil CDs recolhidos e precisou reimprimir o disco sem a

canção polêmica. No segundo álbum, de 1997, a Sony teve que indenizar o

compositor Braguinha pelo uso de um trecho da cantiga “Chapeuzinho

Vermelho” numa música de Tiririca -, que acabou sem gravadora, sem esposa

e ainda perdeu a guarda dos três filhos [195]. A Sony sabia que o Planet podia

dar mais e maiores frutos, mas, naquele Brasil em fase de redemocratização,

era necessária muita, muita cautela.

Lançamento do segundo disco no Canecão. Foto: Kleber França.

CAPÍTULO 29

HEMP NEW YEAR

Para escrever esta biografia, além de muita pesquisa e dezenas de entrevistas,

enviei diversas mensagens por WhatsApp para os músicos e a equipe, a fim

de tirar dúvidas rápidas, simples. Numa dessas vezes, Marcelo D2 me

respondeu que “93, 94 e 95 passaram rápido demais, como se tivessem sido

três anos em um”. Da trinca Groove/Garage/Basement (ensaio/show/balada)

até que queimou bem o início de carreira. Ao se declarar publicamente

Usuário, o Planet Hemp entrou para a história como a primeira banda

brasileira a gravar um disco sobre maconha.

O início foi foda: primeiro clipe censurado, camisetas e CDs apreendidos,

shows cancelados, músicos e fãs presos, músicas vetadas na rádio e todo tipo

de perrengue. Mas deu certo, o Planet bateu o patamar dos cem mil discos e

continuou num ritmo excelente. Era a banda dos maconheiros. E, se todos

eles comprassem o disco, estava de ótimo tamanho. A estratégia do Planet

sempre foi tocar, tocar, tocar. Mais do que estar na grande mídia ou mesmo

nos zines, o público do Planet se fez no rádio, mas principalmente ao vivo.

Depois de um réveillon na Bahia, com mais dois discos garantidos pela

frente, mais crédito da Sony e a produção de Mario Caldato Jr., o Planet

Hemp tinha todos os motivos do planeta para começar o ano de 1997 feliz e

otimista. Para celebrar o ano novo, a gravadora lançou por meio do selo

Chaos o disco promocional Hemp New Year, presenteando fãs e jornalistas. O

EP trazia oito músicas, sendo três ao vivo em shows, uma gravada ao vivo

em estúdio, dois remixes (“Dig Dig Dig” e “Legalize já”) e duas faixas da

demo tosca de 1993. A versão de “Dig Dig Dig” foi produzida pelo Apollo na

época em que ele trabalhava no estúdio YB.

Renatinha ainda trabalhava na Na Moral e apontou um detalhe importante:

“Na época do Planet, o Bacalhau não gostava muito de ensaiar, então, volta e

meia ele errava tocando ao vivo. No show onde foram gravadas as músicas

que saíram no Hemp New Year, ele errou na bateria e isso pesou contra ele

mais pra frente, quando saiu da banda”.

Em 2018, esse raríssimo EP, distribuído no fim de 1996 para a imprensa e

os amigos, foi disponibilizado em plataformas digitais de streaming media.

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O verão de 1997 foi mais especial do que o da lata para o Planet Hemp.

Como estavam em estúdio gravando o segundo disco, não fizeram shows,

apenas uma participação no Humaitá Pra Peixe. O Planet participou de uma

jam session na segunda-feira e o Funk Fuckers fez o seu show na terça.

Aqueles que perguntassem ao BNegão o motivo da sua saída do Planet teriam

mais ou menos esta resposta: estava difícil ficar nas duas bandas ao mesmo

tempo. “Dei prioridade ao Funk Fuckers, que é a minha banda mesmo [196].”

Na sua biografia autorizada, D2 reafirmou que o núcleo do Planet sempre foi

ele, Skunk, Rafael e Formigão.

Bruno Levinson, que não tinha nada com isso e amava as duas bandas,

para garantir, colocou cada uma num dia diferente. Além de produtor do

festival, ele trabalhou diversas vezes como assessor de imprensa do Planet e

produziu alguns shows da banda, além do HPP. Eram amigos e parceiros

constantes de trabalho. Mas aquela edição do Humaitá Pra Peixe, a sétima,

teve um sabor diferente.

O festival acontecia meio que “no susto”, quando apareciam brechas,

quando sobravam datas e a Rio Arte oferecia ao Bruno. E assim ele havia

feito seis edições, buscando dar uma cara que refletisse o que tivesse

acontecido durante o ano anterior. Começou em 1993, misturando música e

poesia, e realizou duas em 1994 (com show do Juliete, KMD5 e Planet

Hemp), quando começou a ocupar as segundas e terças ou terças e quartas.

Em 1995, o festival contou com várias bandas que cantavam em inglês

como Second Come, Dash, Barneys e Beach Lizards. Essa edição também foi

lembrada pelo lançamento do segundo disco do Pato Fu, no Rio, e pelo show

de Moreno Veloso, com participação de Marcelo D2 e Dengue (baixista da

Nação Zumbi), em “Legalize já”, com Caetano e Paula Lavigne na plateia,

aplaudindo. Anos depois, Marcelo e o cantor baiano protagonizaram uma

pequena confusão.

Em 1996, Levinson agitou novamente o verão com bandas promissoras,

fazendo duplas que combinavam bastante, como Acabou La Tequila +

Kamundjangos, Little Quail + Coma e Squaws + Blecaute. Pouco depois,

Tequila e Squaws foram contratados pela Excelente Discos e pela PolyGram,

respectivamente. Em junho do mesmo ano, ele realizou uma edição especial,

com as noites dedicadas às bandas dos selos independentes, como Mundo

Livre S/A (Excelente), Wander Wildner (Fora da Lei), Maria Bacana (Rock

it!), Tubarões Voadores (Radical) e Concreteness (Tinitus). A última noite,

que reuniu a turma do disco de tributo aos Mutantes (Triângulo sem

bermudas) levou quinhentas pessoas ao HPP, um recorde até aquele

momento.

Enfim, em janeiro de 1997, Bruno conseguiu o seu primeiro patrocínio.

Com o dinheiro da Coca-Cola, ele pôde investir mais em mídia e

infraestrutura, pagar cachês para as bandas e também ganhar algum. No

sétimo HPP, o produtor misturou bandas de gravadora e selos independentes

com bandas sem gravadora.

Uma das noites mais concorridas foi a que o Funk Fuckers tocou com os

Suínos Tesudos. A outra, claro, foi a de lançamento do segundo disco do

Little Quail and The Mad Birds, A primeira vez que você me beijou, que

contou com uma jam de músicos da geração 1990. Subiram ao palco

integrantes de bandas como Matanza; Dash; Coma; Acabou La Tequila;

Raimundos; BNegão; o guitarrista Rafael, do Planet Hemp; e tantos outros.

Na base da improvisação, tocaram clássicos do punk rock e do new wave.

Essa noite bateu o recorde da história do festival no Sérgio Porto, com

seiscentas pessoas dentro e tantas outras do lado de fora.

Para tristeza do Bruno, do Planet e de todo mundo que gostava do festival,

logo depois dessa noite histórica, o centro cultural entrou em reforma e o

HPP parou. O prazo era de um ano, que se transformou em três. Enquanto

aguardava pacientemente pela obra, Levinson produziu shows e eventos em

outros lugares, inclusive no Circo Voador. O Humaitá Pra Peixe voltou

apenas em janeiro de 2000 e, coincidentemente, o primeiro show foi com

Ultramen e Autoramas – a nova banda do Gabriel (do Little Quail) com o

Bacalhau, ex-baterista do Planet Hemp. Sim, em três anos muita coisa iria

mudar. Mas não vamos nos adiantar aos fatos.

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Enquanto o verão de 1997 foi marcante para Bruno Levinson, por ser o

último festival antes de hibernar, também o foi para a turma do Garage, que

não aguentou o tranco e passou a casa para um empresário, que transformou

o local numa casa de forró. A despedida de Fábio Costa reuniu vinte e uma

bandas, em três dias de shows. As portas só abririam novamente para o rock

em julho de 1998, com BNegão liderando o movimento de reocupação.

O Planet Hemp saiu do Rio apenas para fazer uma pequena turnê pelo

interior do Rio Grande do Sul. Inicialmente seriam oito shows, mas “graças”

à Justiça, quatro caíram e os músicos só conseguiram tocar em Santa Maria,

Caxias do Sul, Gravataí e na Praia de Imbé. Dali a alguns dias, uma tragédia

se abateria sobre todos que gostavam do Manguebeat e da nova cena de

bandas brasileiras.

Set list de 1997 com músicas dos dois primeiros discos. Acervo pessoal de Rodrigo Tonante.

CAPÍTULO 30

INTENSA MENTE

No fim de 1996, Chico Science & Nação Zumbi se despediram do Rio de

Janeiro e voltaram a morar no Recife. Os caranguejos com cérebro voltavam

para casa triunfantes. Aquela sensação de veni, vidi, vici. Em menos de três

anos, três viagens para a Europa: primeiro Suíça, Alemanha e Bélgica,

depois, uma ida à França e a terceira rodando pelo Velho Continente, com Os

Paralamas. E, ainda, duas idas aos Estados Unidos e dois discos lançados pela

Sony. Muita coisa em tão pouco tempo. Intensamente, como o Skunk em

apenas um ano de Planet Hemp.

De volta ao mangue, Chico foi coroado o rei do Baile dos Artistas.

Durante o Bal Masqué – o baile mais tradicional do Brasil, criado há setenta

anos –, Science cantou e dançou “Madeira que cupim não rói” [197],

acompanhado por Antônio Nóbrega. A letra não poderia ser mais adequada:

“... e se aqui estamos, cantando esta canção // viemos defender a nossa

tradição // e dizer bem alto que a injustiça dói // nós somos madeira de lei que

cupim não rói”.

Já no pré-Carnaval, como manda a tradição, Olinda fervia. No dia 1º de

fevereiro, Chico foi à prévia do bloco Enquanto Isso na Sala de Justiça, no

Centro de Cultura Luiz Freire, onde reviu vários amigos. Estava feliz por

estar de volta à sua terra, cercado por caranguejos. No dia seguinte, ao

anoitecer, quando dirigia sozinho o Fiat Uno Mille branco, emprestado da sua

irmã, Goretti, bateu num poste na divisa entre Recife e Olinda.

Com o impacto da batida, Francisco de Assis França sofreu fraturas

múltiplas na face, traumatismo craniano e afundamento do tórax. Foi

socorrido e levado ao Hospital da Restauração, mas chegou morto ao local.

Tinha trinta anos de idade e vivia o auge da sua carreira. No seu último dia

em vida, Chico almoçou com os pais e a irmã e não consumiu nenhuma

bebida alcoólica. No porta-luvas do automóvel foi encontrada a fita demo

do Speedfreaks. Sonia lembra o quanto D2 ficou triste: “O Chico era um

amigão pra ele. O acidente impactou até o Stephan. Ele era pequeno, viu na

TV e ficou dizendo ‘mãe, o tio Chico, o tio Chico’. Foi uma tragédia”.

A despedida do artista parou a cidade e entrou para a história. Seu corpo

foi velado no pátio do teatro Guararapes, no parque de exposições Memorial

Arcoverde, no Recife, dentro do Centro de Convenções de Pernambuco, em

frente ao local onde ocorreu o acidente. “É para que o povo possa

homenagear”, explicou o pai, Francisco Luiz França. O empresário da banda,

Paulo André, fez, nesse dia, a pior produção da sua vida, providenciando

caixão, flores, cadeiras e todo o resto. Os fãs chegaram cedo, mas o velório

só foi aberto às oito da manhã, com a entrada de quatro pessoas por vez. Dez

mil pessoas se despediram. O escritor e então secretário estadual de cultura,

Ariano Suassuna, chorou copiosamente.

Entre fãs, amigos e artistas, um grupo de doze cortadores de cana

anônimos da Zona da Mata emocionaram a todos. Vestidos de guerreiros do

maracatu Piaba de Ouro, com roupas típicas e coloridas, repletas de guizos,

os caboclos de lança foram saudados com gritos de “Chico, Chico”. Enquanto

as pessoas cantavam as músicas do ídolo, eles dançavam em frente ao caixão.

Aproximadamente mil pessoas permaneceram no prédio até a saída do corpo.

Coberto com a bandeira de Pernambuco, o corpo de Chico foi transportado

por policiais da guarda de honra até o carro do Corpo de Bombeiros, que o

conduziu até o cemitério de Santo Amaro. O cortejo de quatro quilômetros

foi acompanhado por milhares de fãs, que aplaudiam e cantavam sem parar.

O enterro aconteceu duas horas depois do previsto, e o caixão foi carregado

por amigos (como o empresário Paulo André) e integrantes da banda. Antes

do sepultamento, dois caranguejos foram colocados na cova, e Chico foi

enterrado com o seu conhecido chapéu de palha [198]. O então governador,

Miguel Arraes, estava em Brasília, mas decretou luto oficial no estado por

três dias.

O ator e músico Antônio Nóbrega manteve o desfile do bloco Na Pancada

do Ganzá, na Praia da Boa Viagem, no qual ele se apresentaria pela primeira

vez com Chico, em cima de um trio elétrico. Carregando faixas pretas, antes

de sair, o bloco fez um minuto de silêncio. No intervalo entre uma música e

outra, Nóbrega leu poemas e letras de músicas do vocalista. Os demais blocos

do pré-Carnaval também cantaram músicas do compositor e, durante o

Carnaval, todos os blocos fizeram um minuto de silêncio, antes de

começarem o desfile [199].

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Ainda que Chico fosse o principal porta-voz do Manguebeat, a tragédia

não poderia acabar com o movimento, que ganhara vida própria. Havia uma

expectativa por um sucessor natural, como Fred 04, que refutou a

responsabilidade. Ele dava o gás no segundo disco do Mundo Livre,

Guentando a ôia (Excelente, 1996), o último com Otto na banda. Numa

entrevista a um jornal local, Fred comparou a morte de Chico a de Bob

Marley, lembrando que, mesmo sem o mito, a influência da Jamaica

continuou pelo mundo [200].

Orgulhosos da sua cultura, os garotos pernambucanos usavam os mesmos

óculos e as mesmas costeletas do músico. Mas o vazio deixado por sua morte

não podia ser afetado pelo personalismo. Apesar de toda a emoção pela perda

do ídolo e amigo, o show precisava continuar.

Para perpetuar o legado do cientista que espalhou a batida do mangue pelo

mundo, mesmo ainda arrasado emocionalmente, Paulo André organizou a

quinta edição do festival Abril Pro Rock. Realizado no mesmo Centro de

Convenções, em frente ao local do acidente fatal, entre 18 e 20 de abril, o

evento reuniu quatorze bandas pernambucanas, três baianas, três mineiras,

duas brasilienses, duas paulistas, duas cariocas e a californiana Dead Fucking

Last. Com três dias de evento, um a menos que no ano anterior, foi também

mais pop, com um headliner por noite: Paralamas, na sexta; Planet Hemp, no

sábado; e O Rappa, no domingo.

Na primeira noite, diante de sete mil pessoas, o guitarrista Dado Villa-

Lobos e a Nação Zumbi participaram do show d’Os Paralamas tocando

“Ainda é cedo” e “Manguetown”. Foi a primeira vez que a banda tocou em

público após a morte do líder.

O segundo dia foi ainda mais cheio, com dez mil pagantes, e uma pegada

mais punk e hardcore. O Planet Hemp tocou depois dos Inocentes e dos

Devotos do Ódio, que lançaram o seu primeiro CD, após duas demos e nove

anos de estrada. Durante a apresentação dos hempers, rolou um momento de

tensão quando um barulho de tiro fez o público sair correndo, mas (ainda

bem) nada de grave aconteceu. Apesar de curto, o show contou com a

participação dos rappers locais do Faces do Subúrbio e do BNegão e mostrou

músicas do segundo disco, que ainda não estava pronto. Os gringos do DFL

perderam o avião em São Paulo e fecharam a noite [201].

No último dia, entre tantas boas atrações, apresentaram-se Jorge Cabeleira,

Otto, Pato Fu e Dona Margarida Pereira, o “Red Hot Chili Peppers do

Recife”. Quem fechou o festival foi O Rappa, com Falcão calçando uma bota

de gesso e Marcelo Yuka se recuperando de uma febre. D2 participou do

show cantando “Hey Joe”. Ele desceu do palco e foi para o meio da galera. O

ponto alto foi a participação dos músicos da Nação Zumbi e do vocalista Max

Cavalera, recém-saído da Sepultura. Max entrou no palco com uma lança de

maracatu, pediu um minuto de silêncio e cantou “Da lama ao caos” [202].

Essa edição do festival foi muito importante também para o Apollo, que ia

se firmando como produtor: “Quando o Chico morreu, o Alex Antunes havia

feito um concurso no Recife, no qual o vencedor escolhia um produtor para o

disco, viabilizado pelo selo Rec Beat. A vencedora foi a Dona Margarida

Pereira & Os Fulanos e eu que produzi o disco, o primeiro deles. Nesse Abril

Pro Rock, teve o primeiro show solo do Otto, no qual o BNegão, o Nuts e eu

participamos. No show do Planet, o [guitarrista da Nação] Lucio Maia fez

uma jam session com a gente. E o Planet era uma banda articulada no

improviso. Era muito legal, a gente fazia show com todo mundo louco de

ácido. O Rafa ia pro teclado, cada um tocava uma coisa”.

O APR contou novamente com a cobertura da MTV e, pela primeira vez,

do Multishow. Depois de ter propiciado um contrato com gravadora para o

Jorge Cabeleira, em 1994, e para os Devotos do Ódio, em 1996, nesse ano a

bola da vez foi a Eddie, contratada pela Roadrunner [203].

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Fruto de um relacionamento entre Chico Science e a amiga de escola Ana

Luiza, a filha Louise (ou Lula) nasceu em 1990. Quando o cantor faleceu, ela

tinha apenas seis anos e os pais já estavam separados. Na infância, ela era

amiga do Ramon, percussionista e filho de Jorge du Peixe. Afastada do

círculo da banda, a menina reatou a amizade com Ramon dez anos depois,

aos dezessete, quando foi estudar em São Paulo, e começaram a namorar.

Ao lado do namorado e do sogro, du Peixe, Louise tocou no projeto

Afrobombas, ao mesmo tempo em que integrou o Coisinha, grupo formado

por China e membros do Mombojó, para tocar canções infantis que fizeram

parte das suas infâncias [204]. O casal Ramon e Lula também protagonizou o

clipe de “Um sonho”, da Nação Zumbi, interpretando eles mesmos.

Como a perícia revelou que a fivela metálica do cinto de segurança se

rompeu no impacto, a família de Chico entrou na Justiça contra a Fiat. O

processo levou oito anos e deu a vitória aos pais do músico, que ficaram com

metade da indenização milionária, a maior paga a pessoa física pela indústria

automobilística do país. A outra metade foi para Louise. A decisão saiu por

ocasião dos dez anos de morte de Science. Em entrevista, a mãe, Rita

Marques de França, declarou: “Para mim, é como se fosse o primeiro dia. A

tristeza vai diminuindo, mas a saudade vai aumentando [205]”.

Quando o percussionista Gira, do Lamento Negro, conheceu Chico,

viraram grandes amigos. Nascido e criado na comunidade pobre de

Peixinhos, usando tranças rastafári, José Givanildo se tornou um dos três

percussionistas da Nação Zumbi, ao lado de Gilmar Bola 8 e Jorge du Peixe.

Da periferia do Recife, Gira ganhou o mundo. Quando a banda morou no

Rio, durante o ano de 1996, ele passou muito tempo sozinho, deitado na

cama, como se estivesse deprimido. Quando o amigo e mestre Chico Science

faleceu, o músico caiu em tristeza profunda. Ainda resistiu e permaneceu na

banda até o ano 2000. Dali em diante, Gira passou por problemas financeiros

e psicológicos. Em 2017, foi vítima de parada cardíaca, seguida de

complicações nos pulmões, e faleceu.

CAPÍTULO 31

CACHORRADA

Antes mesmo de sair o álbum novo, Usuário atingiu a marca das cento e

trinta mil cópias vendidas. Com a participação de Lobatto, a banda negociou

melhor com a Sony e levantou uma grana para D2 montar o estúdio Casa do

Caralho. O vocalista tinha mil planos, entre eles lançar um fanzine de skate, o

Narguilê, e uma revista para concorrer com a Playboy, só com mulher pelada

e maconha: “Gravadora não quer saber do que está acontecendo, eles querem

saber de números. Se o disco está vendendo, eles deixam a gente fazer o

nosso trabalho”.

A expectativa era enorme para cair na estrada com Os cães ladram mas a

caravana não pára. Primeiro, porque os músicos já estavam cansados do

repertório antigo. Segundo, porque haveria mais estrutura e a banda já estava

muito mais conhecida. Foi então que o Ronaldo Pereira pôde contratar uma

equipe grande, com três roadies (Kadu, para a bateria, DJ e percussão;

Roberto Medeiros, para teclados e baixo; e Cesar Nine, para guitarra e voz),

dois técnicos de som (Kleber França, no P.A.; e Germany Ribeiro, no

monitor), um iluminador (Ricardo Meteoro), um segurança (Anjinho), um

produtor assistente (Marcos Krepp) e, às vezes, o advogado Rogerio.

Os designers Gringo Cardia e Muti (responsável pela arte do CD) fizeram

todo o projeto de cenografia da turnê e o cenógrafo Marcelo Madeira foi

contratado para acompanhar a crew na estrada. O Ronaldo sempre ia, e o

Lobatto de vez em quando. Somando a banda, no mínimo quinze pessoas,

fora as meninas da Na Moral (Manu, Jane, Bia, Renatinha etc.) e os

agregados. Uma verdadeira “ex-quadrilha da fumaça”!

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Kadu foi a primeira pessoa da equipe, ainda na fase mais sem grana. Como

ele não trabalhava mais como roadie da Plebe Rude – apenas tocava no Dash

e estava sempre ajudando e fumando nos shows do Planet –, sua entrada foi

natural. Além de ser muito amigo da galera, o Marcelo havia morado na casa

do pai dele, antes de se juntar com a Manu.

Kleber também já trabalhava com o Ronaldo e a maioria das bandas

underground do Rio de Janeiro. Ele gravando e mixando e Pereira

produzindo. A rotina do técnico era passar o dia todo no estúdio durante a

semana e, aos fins de semana, ia para a estrada com o Planet. Como a banda

começou a fazer muitos shows, trocou a rotina com carteira assinada pela

vida de freelancer. No início, os donos do estúdio pediam para ele não dizer

que era técnico daquele bando de maconheiros. Com o passar do tempo e o

sucesso, o jogo mudou. Um dia, Kleber ouviu o recepcionista do estúdio no

telefone dizendo: “Um dos nossos técnicos trabalha pro PLANET HEMP.

Você vai adorar trabalhar com ele”.

Como na maioria dos locais o som era ruim, Kleber aprendeu a tirar leite

de pedra. Certa vez, numa casa de show, vieram com um decibelímetro (ou

sonômetro), um aparelho para medir o nível de pressão sonora. O técnico

local disse que somente o som do palco já estava passando dos limites

permitidos e que não deixaria fazer o show naquele volume. Kleber

despistou, dizendo que quando a casa enchesse de gente, iria diminuir,

porque daria mais volume. Conversa fiada. Mais tarde, quando o técnico saiu,

ele “descalibrou” o aparelho, tornando os níveis “aceitáveis”. O som ficou

bem alto, mas a leitura do aparelho apontava bem abaixo.

Numa outra cidade, com medo da má fama do Planet, o dono da empresa

de som disse que o display com o qual media o volume não podia chegar no

amarelo, só podia ficar no verde. O tal display ficava embaixo da mesa do

Kleber, bem no escuro. O técnico do Planet chegou mais cedo ao show,

correu para a mesa de som, com um rolo de fita isolante preta, e tapou o

dedo-duro, deixando apenas a luz verde aparecendo. Afinal, depois da luz

amarela vinha a luz vermelha, que a banda atingiria com toda certeza.

Em seguida, tirou todas as lâmpadas do local onde estava a mesa de som e

acendeu um incenso. Quando o dono do som chegou, começou a questionar

as mudanças. Kleber respondeu que fazia o som daquela maneira, no escuro,

para sentir a energia do local. E o técnico colocou o som para gritar. Durante

o show, nada de luz amarela, apenas a verde. Ao final, ele cumprimentou o

Kleber e disse que nunca ouviu nada tão bom, alto e definido: “Acho ótima

essa ideia de incenso”. Quando chegou no hotel, França lembrou que havia

esquecido de tirar as fitas do display e, uma hora, ele soube a verdade.

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Germany Ribeiro também ensaiava no estúdio Groove, onde conheceu o

Skunk e a galera da banda. O Planet Hemp só teve técnico de monitor depois

que o Rafael exigiu um para continuar tocando. E, como o guitarrista curtia

tocar bem alto, era difícil deixar o som de palco redondo. Quando ele entrou

na crew, o Kleber já deu a letra: “O palco é muito alto. O Bernardo pede para

aumentar a voz dele e abaixar a do Marcelo. E o Marcelo pede para aumentar

a voz dele e abaixar a do Bernardo”.

A relação entre todos sempre foi tranquila, nunca houve uma separação

entre artistas e equipe técnica. Sempre foi um coletivo, quase uma família

mesmo. Cada um era importante na sua função. “Antigamente, as estruturas

eram bem precárias. O Planet toca alto, vocal gritado. É difícil controlar a

parada. Nunca fui um técnico muito técnico. Isso só veio a acontecer após a

digitalização dos equipamentos [206].”

Cesar Nine e Roberto Medeiros foram, respectivamente, guitarrista e

baixista do Finis Africae. Cesar também tocou no Coquetel Molotov e

Roberto foi vendedor na famosa loja de discos Modern Sound, que resistiu

até 2010, em Copacabana. Marcos Krepp também já tinha experiência e

trabalhou no escritório da Na Moral, fazendo a pré-produção dos shows.

Marcos José Sousa, o Anjinho, começou a trabalhar como segurança em

1990. Medindo um metro e oitenta e pesando cento e quinze quilos, ele tinha

por volta de trinta e dois anos quando entrou para a crew [207]. Quando todo

mundo estava louco, era ele quem ficava na contenção. Como o Anjinho não

bebia, quando ele dividia o quarto com o Black rolava um respeito.

O apelido surgiu por ele ser uma espécie de anjo da guarda,

principalmente do D2, o mais assediado pelas fãs, pela imprensa e pela

polícia. Uma vez, no Nordeste, o voo atrasou e eles chegaram muito tarde ao

local do show. O público já estava impaciente. Durante o show, um fã queria

colocar o filho que estava no seu ombro em cima do palco, mas o Anjinho

não deixou. Aí, o cara fingiu que ia falar com o segurança e, quando ele se

abaixou, foi puxado do palco. Grande e pesado, ele caiu, quebrou o braço e

entrou na porrada.

Quando o Marcelo viu a cena, não pensou duas vezes. Pegou o pedestal do

microfone e pulou. O resto da crew pulou atrás. “Naquele dia, eu fui o

segurança dele. Depois do show, teve um tumulto danado. Cercaram o

camarim e ficaram gritando. Aí, deixamos o cara mais exaltado entrar,

conversamos, ele fumou um com a banda, e todo mundo foi se acalmando.”

Como o Ronaldo costumava brincar, iluminador é o ponta-esquerda,

sempre o último a entrar. Ricardo Meteoro trabalhava com teatro antes de

entrar para a crew. Último a ser integrado ao time, gostava muito do

conhaque Domecq, o que lhe valeu o apelido de Domecqteoro. Também era

conhecido como um tudólogo, alguém que sabia de tudo.

Para dar uma cara mais profissional, Ronaldo fez camisetas da equipe e

uniformizou todo mundo: “A equipe técnica era a cara da banda e pactuava

com os ideais dela”.

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Na turnê do Usuário, muitas vezes os empresários fretavam um ônibus

grande, tipo leito conforto (onde a poltrona deitava quase a noventa graus), e

a banda viajava junto com todo mundo. Algumas poucas vezes foram todos

de avião, despachando o equipamento, mas era mais raro, em função do peso.

Na turnê d’Os cães, por causa do cenário (quadros, telas, pisos, fundo de

palco, baseados cenográficos gigantes), tinha que ser de ônibus mesmo. O

ônibus do Planet era quase um Plunct Plact Zum [208], no qual a pessoa

entrava e se perdia no tempo e no espaço. Pela integração da galera, algumas

viagens eram até mais legais do que o próprio show.

Na estrada, todos davam trabalho, mas um trabalho bom. A galera do

fundão era a dos bagunceiros: Formigão, parte da técnica e, às vezes, o D2.

Gustavo e Speed eram muito loucos e falavam sem parar durante as

viagens. Embora fossem grandes amigos, se ofendiam o tempo todo num

freestyle eterno. Mas sempre foi misturado, meio família mesmo. O Planet

sempre teve uma contradição, o que talvez seja a fórmula: todo mundo

gostava de rap, mas também muito de rock.

Uma curiosidade: apesar de ser um dos músicos fundadores da banda, o

Formigão gostava mesmo era de andar com a técnica, a galera da graxa, das

drogas, da maconha. Quando tinha duas Vans, uma para a banda e uma para

os roadies, ele sempre preferia ir na dos roadies. No hotel, os quartos eram

pré-definidos por funções. Ou seja, os roadies ficavam juntos, os técnicos

também, enquanto os músicos tinham quartos singles. Normalmente havia

um quarto eleito como o da resenha.

O quarto do Kleber e do Germany era o famoso cinzeirão, porque era para

onde todos rumavam depois do show para beber, fumar e jogar video game

até amanhecer. Como sempre havia algum repórter ou fotógrafo atrás da

banda, o baixista preferia o anonimato junto à equipe, onde ficava mais à

vontade.

Essa união entre artistas e equipe foi criada primeiramente pelas

dificuldades. Fazer um show do Planet era quase uma guerrilha. Afinal, como

se não bastassem as dificuldades técnicas e estruturais dos anos 1990, eles

ainda tinham a polícia nos calcanhares. Por várias vezes, a trupe saía para

fazer três shows e acabava realizando apenas um. Ou nenhum. Então, não era

apenas uma relação trabalhista, havia uma amizade verdadeira. Durante a

semana, a galera se encontrava para fazer churrasco regado a bagulho e

cerveja.

Todas as vezes que rolava uma viagem, o ponto de encontro para a saída

do ônibus era o Catete ou o posto de gasolina, ao lado do Sergio Porto, no

Humaitá. Numa dessas gigs, quando o buzum pegou a Praia de Botafogo,

Black Alien acendeu um beck de skank e o ônibus ficou infestado pela marola

doce, cheirosa e inconfundível. Três minutos depois, no Aterro do Flamengo,

foram parados pela polícia. Ronaldo e o motorista desceram para conversar e

o policial insistiu que o documento do veículo estava atrasado. O guarda

entrou no ônibus e perguntou que banda era aquela. Como de costume, o

empresário disse que era o ônibus da equipe técnica d’Os Paralamas. Deram

um café para a autoridade e seguiram viagem.

A turnê do segundo disco marcou uma nova fase, mais próspera. Morando

junto com D2, nem sempre a Manu podia viajar com a banda, mas lembra

que o casal viveu com um pouco mais de conforto para o padrão da época.

“Quando eu conheci o Marcelo, a gente cansava de ir para a Lapa de ônibus.

Quando a coisa melhorou um pouco, a gente pegava táxi. Não tínhamos a

preocupação de ter um glamour [209].” Nas lembranças do Germany, as

groupies eram raras. Nos shows só colavam homens doidões, com camiseta

do Bob Marley. Mas numa dessas ele conheceu a jornalista Luana Ribeiro,

com quem foi casado por dez anos e tiveram um filho.

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Depois de tantos percalços, as coisas estavam cada vez melhores para o

Planet. A primeira entrevista para a TV sobre o segundo disco foi, claro, para

o amigo Rodrigo Brandão, na MTV:

“A banda estava muito maior, muito mais foda, porém, muito parecida como Beastie Boys. Na hora da gravação, quando fizeram essa comparação, oMarcelo respondeu: ‘O que eu tenho a dizer é que esse é o melhor elogioque eu poderia ouvir’. Ele não é um letrista foda, mas tem um puta carismade palco e, principalmente, uma voz marcante.

Nos anos noventa o rock estava muito ‘coxinha’, e o Planet trazia uma coisade bandido, que fazia muita diferença. E tinha a ver com Mutantes, nessa deser rock, mas outros estilos são bem-vindos. O ácido expandiu a mente,enquanto o rap era mais careta. Na cabeça dessa galera, o Planet era rockdemais.

Certa vez, a gente estava lanchando de cabelo black power na praça Pan-americana, quando colou um maluco e ficou dizendo que nos conhecia. Aí,o Marcelo apontou pra mim e perguntou quem eu era. O cara riu: ‘D2’.Prendendo o riso, eu apontei pro D2 e perguntei quem era ele então. O caradeu aquele sorriso e respondeu: ‘Ah, claro que eu sei quem é: Gabriel OPensador!’ [Risos]”.

A banda começou a ter uma boa mídia espontânea. Saiu numa reportagem

da revista High Times e tocou no programa H, de Luciano Huck, na TV

Bandeirantes. A corrente se expandiu e a energia positiva fluiu também para

os amigos. O Funk Fuckers lançou o videoclipe de “Funk Fuckers is in tha

house”, no Ballroom, num show com Zumbi do Mato; e o Cabeça lançou o

seu primeiro CD, no (reaberto) Garage, com participação do BNegão numa

faixa do disco.

Na época, a PolyGram era a maior multinacional do disco e ainda não

tinha contratado ninguém daquela geração. Léo Rivera era olheiro da

gravadora e procurava novos talentos. Amigo do Bacalhau e do Formigão, os

dois o convidavam para os shows em ginásios, na Zona Norte do Rio, em

bairros como Méier e Madureira, e frequentavam o seu apartamento, no

Jardim Botânico, no mesmo prédio onde funcionava o estúdio do Chico

Neves. No aniversário do baixista do Planet, umas dez pessoas se

amontoaram na quitinete do Léo para beber e fumar, inclusive Diba, Simone

e Kadu, que formavam o Dash.

Uma noite, durante uma festa no estúdio Totem, Rivera conheceu

Alexandre Mazza e Claudinha, que o convenceram a mostrar o CD do

Squaws (gravado e mixado no estúdio da banda pelo então jovem e ainda

desconhecido engenheiro de áudio Kleber França) para o Max Pierre e o

Marcelo Castello Branco, respectivamente o diretor artístico e o presidente da

PolyGram. A qualidade técnica surpreendeu os dois, que foram com o jovem

olheiro até Santa Teresa, para conhecer tudo aquilo de perto. Foi no estúdio

de Santa Teresa que Léo conheceu também o Seu Jorge e sua banda Farofa

Carioca.

Confiando na intuição do funcionário, os executivos contrataram as duas

bandas. Com mais verba, o Squaws entrou com o Kleber no estúdio Mega e

refez diversas coisas, deixando o disco ainda melhor. O técnico chegou a

fazer alguns shows com o grupo, mas a sua prioridade sempre foi o Planet.

Apesar da conquista, os dois grupos tinham que seguir o cronograma da

gravadora e os CDs saíram apenas no ano seguinte.

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Ansiosamente aguardado pelos fãs, o novo disco do Planet Hemp teve

“Queimando tudo” como música de trabalho, estreando em segundo lugar na

rádio Cidade FM. O clipe foi dirigido por Raul Machado:

“Eu queria que parecesse ter sido filmado nos anos 1970, por isso o

figurino meio Pecado capital [novela de grande sucesso exibida entre 1975 e

1976]. Um dia antes da gravação, o Rafa brigou com o segurança do Love

Story, em São Paulo, e me ligou de madrugada. Ele queria adiar a filmagem

porque estava de olho roxo. Falei que olho roxo era defeito especial e ia ficar

legal no clipe [risos]. Fiz um copião e queria editar na moviola, não em

vídeo. Fiquei esperando a animação do Speto, só que mais uma vez

anteciparam o prazo para a entrega, e editei em vídeo mesmo”.

O single “Queimando tudo” fez tanto sucesso, que a banda foi convidada a

estrelar, quem diria, um comercial do cartão de crédito Visa para a TV. Na

propaganda, D2 fez uma paródia com a sua própria música, cantando “eu

continuo pagando tudo até a última conta”. O sucesso chamou cada vez mais

a atenção da polícia e de juízes pelo Brasil afora, e os músicos pagaram um

preço muito alto por isso.

Planet Hemp recebe de Ronaldo Viana, diretor da Sony Music, os discos de platina pelas 250 milcópias vendidas de Usuário e Os cães ladram... observados pelos empresários Ronaldo Pereira e

Marcello Lobatto (um em cada ponta). Acervo pessoal de Kleber França.

Lançando Os cães ladram... no Programa Livre do SBT.

Formigão e Marcelo D2 em ação no Clube Petropolitano, em Petrópolis (RJ).Foto: Rodrigo Tonante.

Camarim no show de lançamento de Os cães ladram... no Palace. Acervo pessoal de Ronaldo Pereira.

CAPÍTULO 32

QUEIMANDO TUDO

A festa de lançamento de Os cães ladram mas a caravana não pára foi

produzida pela Sony, por meio da Alice Pellegatti, dona da AZ produções e

responsável pelo marketing da banda. Nesse evento, ela conheceu a Claudia

Carmo, dona do Totem e esposa do baixista do Squaws, que também

contratou a produtora após assinarem com a PolyGram. O segundo disco do

Planet já saiu da fábrica com cem mil cópias vendidas e foi bem recebido

pela imprensa, que inclusive minimizou a saída do BNegão, dizendo que não

trouxe maiores consequências, já que ele participou da maioria das

faixas [210].

O jornalista Marcelo Janot conheceu a banda em 1995, com o lançamento

de Usuário, quando cobria cinema e música na Tribuna da Imprensa.

Recebeu o CD e ficou maluco com aquele som. Na mesma época, começou a

carreira de DJ, tocando no Cabaret Kalesa, um inferninho de striptease na

praça Mauá, no centro do Rio, até então frequentado exclusivamente por

prostitutas e marinheiros filipinos. Por conta da nova programação da casa,

voltada para os moderninhos, o Kalesa virou um sucesso instantâneo na noite

carioca. E os sons do Planet eram obrigatórios no set list, como lembrou

Janot: “Tinha um sujeito, uma dessas figuras folclóricas da noite carioca, que

esperava eu tocar ‘Dig Dig Dig’, se metia no meio da pista lotada e, ao

soarem os primeiros acordes, gritava ‘MACONHAAAAA!’. Não era só

empolgação de fã, era propaganda do seu negócio, principalmente [211]”.

Em 1996, Janot foi contratado pelo Jornal do Brasil, veículo no qual

permaneceu por cinco anos. Dentre as matérias que publicou no “Caderno

B”, foi ele quem escreveu a resenha d’Os cães ladram, o seu preferido da

banda. Para o jornalista, foi ali que eles começaram a mergulhar fundo no uso

dos samples, construindo uma sonoridade nova, sem perder a identidade

musical. Ele continuou sendo DJ, tocando no festival Humaitá Pra Peixe e na

festa Brazooka, na Casa da Matriz, onde fez sets temáticos de Planet Hemp e

Marcelo D2 solo. O povo delirava.

Dois anos depois de Usuário e superadas todas as dificuldades iniciais, a

plantinha crescia rápido e saudável. Além de tocar nas rádios e na TV, o

Planet Hemp agora estava na internet, a grande novidade. A primeira home

page da banda foi criada e mantida pelo DJ Rodrigues dentro do portal UOL,

com apenas sete links (Discos, News, Fotos, Aonde, Links, Censura e Mail).

O botão para voltar até a página anterior era um cigarrinho escrito BACK.

Em junho, a Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Civil do Rio de

Janeiro tentou enquadrar o grupo no artigo 287, por apologia de fato

criminoso, no caso em ambiente virtual [212]. Não conseguiram.

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Com o fechamento do Circo, o SuperDemo perdeu o seu quartel general.

Somado a isso, já existia uma cultura do VIP e ninguém queria pagar para

entrar. Elza lembra de casos envolvendo os próprios seguranças do festival

vendendo ingressos para o público na surdina. Na cidade maravilhosa, o risco

de prejuízo era sempre grande. Sem a lona da Lapa e sem o seu principal

evento, a produtora aproximou-se ainda mais do hip-hop. Enquanto isso, o

selo Chaos continuava emplacando sucessos no mundo pop, com Jota Quest,

Skank, Cidade Negra e Gabriel O Pensador.

Quando o diretor artístico da Sony, Jorge Davidson, foi para a BMG,

levou a Elza e o selo dela juntos. Em julho de 1997, a multinacional

contratou mais uma aposta da olheira, o Funk Fuckers. Porém, o primeiro e

único CD da banda, Bailão classe A, ficou para 1998 (e seria o último do selo

SuperDemo). Dessa vez, além de abrir as portas de uma gravadora, ela

chegou a produzir a banda, marcando diversos shows para o grupo, que era a

prioridade número 1 do BNegão. Elza também criou um programa de rádio

com sua marca na Zona Sul FM (que funcionava dentro de um hotel na

avenida Delfim Moreira, no Leblon) e, como promoter, assumiu a casa

noturna Atlântica 1910, em Copacabana.

O Squaws foi “cozinhado” como o Funk Fuckers. Também contratado em

1997, passou o ano inteiro trabalhando no primeiro disco, lançado só no ano

seguinte. Tocando ao lado de outras bandas da hemp family, apresentaram-se

cinco vezes em Vitória (ES) e uma em Curitiba (PR). O single de “Quem são

vo6” chegou ao primeiro lugar em seis rádios comunitárias da Baixada e da

Zona Norte. O grupo de Ulisses e MZ fazia mil planos, inclusive transformar

o estúdio Totem num selo da PolyGram e lançar dois artistas por ano:

“Quanto mais bandas, melhor. Tanto o Pavilhão 9 como o Planet vendem pra

caralho, e quem compra o disco não é o playboy que ouve Skank. Quem

compra é a galera da rua mesmo [213]”.

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Se no primeiro disco a caminhada foi difícil, no segundo o senhor com

cara de cão boxer deu sorte para o grupo. Em 1997, só deu Planet Hemp. A

banda ainda era desconhecida do povo brasileiro e a Sony queria colocar uma

foto dos músicos na capa. Só que não combinava com o conceito do álbum,

que mostrava a violência generalizada nas ruas do Rio de Janeiro.

Negociando, a gravadora aceitou um retrato falado dos integrantes no

encarte, numa estética hardcore, que simulava um jornal em preto e branco,

com as músicas dispostas como matérias – o título grande como se fosse a

manchete e as letras em texto corrido, em vez de estrofes –, ilustradas com

fotos de apreensão de armas e drogas, caixões, favelas e pessoas sendo

revistadas por policiais. Na capa, por meio de uma montagem no Photoshop,

o designer Muti Randolph criou a imagem de um homem utilizando fotos de

políticos alemães do pós-guerra. Os olhos, o nariz e a boca são de pessoas

completamente diferentes [214].

E com olhos vermelhos, puxando pela boca e soltando pelo nariz, em

pouco menos de dois meses a primeira música de trabalho chegou ao

primeiro lugar na Rádio Cidade FM. Inspirada no filme homônimo de 1978,

da dupla Cheech e Chong, D2 começou “Queimando tudo” mandando a real:

“Eu canto assim porque eu fumo maconha // adivinha quem tá de volta

explorando a sua vergonha? // eu sou o melhor no microfone, não dou mole

pra ninguém // porque o Planet Hemp ainda gosta da Mary Jane”.

No clipe dessa música, dirigido por Raul Machado e ambientado em Santa

Teresa, Rafael andou de bicicleta, Bacalhau perseguiu a Renatinha e

Formigão fumou bastante de boina rastafári e camiseta regata do Flamengo.

Por ser um dos autores, Black Alien marcou bem a sua presença, enquanto

BNegão apareceu num take rápido numa frase com quatro palavras: “Fazendo

a sua cabeça”.

O show de lançamento foi em grande estilo, com três noites lotadas no

Palace [215] e anúncio de página inteira na Folha. Além da formação básica do

Usuário, participaram o DJ Zé Gonzales, os vocalistas Black Alien e

BNegão, mais o tecladista Apollo e o percussionista Negalê. Claro que havia

uma grande apreensão no ar. Afinal, um ano antes, no Olympia, havia pelo

menos dois policiais com metralhadoras e cachorros em cada esquina. Em

entrevista, D2 disse que esperava menos repressão e hipocrisia: “Garanto que

a banda não faz nada de proibido no palco e que maconha tem em qualquer

show [216]”.

A apresentação transcorreu numa boa, apesar do som alto e ruim, com

direito a uma jam session com o Pavilhão 9. Ao final do show, Rafael disse

no microfone: “Galera, vamos dar uma força pro que é alternativo. E não

ouçam só o que a Showbizz fala”. O repórter da revista que cobriu a noite foi

tirar satisfação com o guitarrista, que se explicou melhor. Ele não quis falar

especificamente da revista, mas também da 89 FM e da MTV, ícones da

comunicação jovem e mainstream da época. “Há muitas bandas que, apesar

de competentes, não têm acesso a eles.” Com a ponderação, o dono da Spicy

Records ainda teve a caixa postal do selo divulgada na matéria, que terminou

dizendo que “o Planet ao vivo é pura celebração [217]”.

O disco novo foi tão bem recebido pelos fãs e pelos lojistas, que depois do

show, os executivos da Sony foram com a banda até o camarote e entregaram

um CD de platina pelas duzentas mil cópias vendidas. Rafael jogou o dele no

chão, quebrou e quis mijar em cima. A verdade é que ele estava puto há

tempos... “Quando a gente ganhou o disco de ouro pelo Usuário, eu coloquei

na parede do meu quarto e está lá até hoje. Um vinil dourado, clássico, lindo.

Então, quando a gente ganhou o d’Os cães ladram, era um CDzinho! Não era

um disco em vinil. E como eu já estava puto, bêbado e tinha ligado o foda-

se... [218].”

Quem não gostou foi o tecladista Apollo, mas não pela atitude do

guitarrista: “O Rafa mijou e quebrou o disco de platina na frente do Ronaldo

Viana, diretor da Sony, e aí ele pegou o meu, né? Esse show foi gravado pela

MTV. Eu daria um dedinho meu para pegar essas tracks”.

Na tarde de sábado, antes do segundo show, D2, Formigão, Bacalhau e

Black Alien foram até a redação da Folha de S.Paulo conversar com os

leitores do “Folhateen”. Durante a sabatina, D2 contou que, assim como em

Usuário, Os cães também foi dedicado ao Skunk. E falou sobre o processo

criativo: “No disco novo, eu quis botar um outro lado meu. O Bacalhau quis

botar um dele. O Gustavo entrou compondo também. Não foi um disco como

o primeiro, que foi só eu e o Rafael”. Sobre o BNegão, Marcelo contou que,

em Fortaleza, um fã jogou uma garrafa nele, ao saber que Bê não cantaria

naquela noite [219].

Ainda no sábado, a MTV compareceu ao Palace e gravou o show na

íntegra. A cobertura foi veiculada em duas partes. Naquela noite fria de

inverno em São Paulo, Zé Gonzales e Black vestiram gorros, D2 um casaco,

e Bernardo com longos dreadlocks começou com um chapéu cobrindo os

olhos. O palco contou com um cenário bacana, com andaimes, gravações e

diversos vídeos no telão. Conforme o show foi esquentando, a banda foi se

soltando ainda mais. Bê e Marcelo desceram até a galera e declararam o palco

liberado para saltos. Visivelmente doidão, Rafael deitou no chão com a

guitarra e, ao final do show, ficou batendo com ela nos nove baseados

gigantes que desceram do teto.

A passagem do Planet por São Paulo deixou marcas. Na segunda-feira, só

deu eles nos jornais paulistas. O JT contou que vinte homens da PM, quatro

viaturas e seis cães espalhados pelas redondezas fizeram o policiamento do

lado externo do Palace. Dentro da casa, em vez dos doze seguranças

habituais, foram contratados vinte e um [220]. O escritor Marcelo Rubens

Paiva cobriu para a Folha e escreveu que “o Planet Hemp é um alento diante

desse mundinho tão sem graça, mesquinho e sem causas” [221].

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No Palace, os cariocas da banda Cabeça fizeram a abertura na sexta e no

sábado. Coincidência ou não, com o passar do tempo, tanto o baterista

Pedrinho quanto o guitarrista Nobru entraram para o Planet. No show,

gravado pela MTV, o vocalista Fabio Kalunga, muito amigo do Marcelo,

entrou no palco justamente em “Fazendo a cabeça” e ficou por lá. Em

homenagem, D2 usou uma camiseta com a capa do primeiro CD deles, Na

medida do impossível [222], lançado em parceria com o selo Groove, do

Ronaldo Pereira. No domingo, quem abriu em SP foram os brasilienses d’Os

Cabeloduro. Uma semana depois, no Imperator, no Rio, o Cabeça abriu na

sexta e os candangos, no sábado.

A brodagem entre as bandas foi uma característica marcante nos anos

1990 e, no caso do Planet, com outros grupos de hardcore, como o Cabeça.

Quando fez o teste para ser baterista, Pedro Garcia tinha treze para catorze

anos, um pré-adolescente. “No primeiro show que fizemos, no Garage, o

BNegão conta que durante a passagem de som o Fábio Costa disse que o

Kalunga tinha ficado maluco, mas logo depois do show ficou impressionado.

O Kalunga nunca gostou do ambiente gravadora, jabá, essas coisas. Queria

ser uma banda independente de sucesso [223].” Num desses shows de abertura,

o vocalista até brincou com a plateia, chamando palmas no ritmo da música,

algo impensável no underground.

Apesar de as duas bandas se esbarrarem o tempo todo, o guitarrista Bruno

Pederneiras, o Nobru, só conheceu pessoalmente os músicos do Planet no

Imperator. Aliás, foi uma noite inesquecível. É que a passagem de som foi

antes do show principal, então só deu tempo de comer num McDonald’s ao

lado e voltar para tocar. “No show do Cabeça, a gente estava agitando geral e,

de tanto pular, o bagulho desandou e eu vomitei ali mesmo. Eu vomitei à

beça no palco durante uma música, mas não parei de tocar! Depois do show,

o Formiga veio até me dar os parabéns [risos] [224].”

Os integrantes d’Os Cabeloduro conheceram os do Planet durante uma

passagem pelo Rio. Os hempers estavam gravando Usuário e um amigo em

comum levou os visitantes até o estúdio. Pouco depois, se trombaram no

camarim do Teatro Sesc Garagem, em Brasília. Além de baixista em sua

banda de hardcore, Helio Gazu também trabalhava como roadie do Câmbio

Negro e vivia na estrada, com uma mochila cheia de fitas demo. Gazu se

recorda que não faltou sinuca e muita cerveja na rua Augusta durante a turnê

d’Os cães ladram. “Com o D2, tocamos o terror em Sampa [225].” Poucos

meses depois, as duas bandas se reencontraram no fatídico show da prisão.

Sobre o show de lançamento no Rio, há uma história que merece ser

contada. O Lobatto já tinha fechado as noites com o Imperator quando o

pessoal do festival Skol Rock o procurou. Ele disse que só aceitaria participar

do evento se o Planet fechasse a noite: “Mesmo assim eles não cederam. Os

caras da Skol queriam tanto o show, que tentaram comprar o show direto do

Imperator. No fim, o Skol Rock é que mudou a data, fez uma semana depois.

E o Planet não tocou”.

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Uma semana depois de lançar o novo disco no Rio e em São Paulo, a

caravana caiu na estrada em mais uma turnê pelo Nordeste. Dessa vez com

uma equipe técnica completa, cenários e um disco campeão na bagagem.

Aproveitando as férias de julho, Ronaldo e Lobatto montaram um roteiro

incrível para a turnê: Fortaleza, Mossoró, Natal, João Pessoa, Recife e

Aracaju, descendo de volta pela Bahia (Salvador, Ilhéus e Porto Seguro). Mas

nem tudo saiu como o planejado. O Planet Hemp era o símbolo de uma causa

polêmica e pagou um preço alto por isso.

O show de lançamento de Os cães ladram... no Palace foi destaque no Jornal da Tarde de 7 de julho de1997. Acervo pessoal de Bacalhau.

CAPÍTULO 33

DIVERGÊNCIAS

Com o lançamento do segundo disco, o Planet Hemp ficou ainda mais

conhecido Brasil afora. Por diversas vezes, quando o ônibus da banda

chegava numa cidade, a galera na rua gritava bem alto: “Maconha!

Maconha!”. Como retaliação, a banda começou a ter cada vez mais shows

cancelados. No Recife, por greve da PM; em Salvador, por causa dela.

Levantar a bandeira da erva tinha o seu preço: na hora em que os músicos e

os empresários enfim ganhariam dinheiro de verdade, começou uma forte

repressão policial.

O primeiro show cancelado na turnê nordestina foi no Circo Maluco

Beleza, no Recife, em decorrência de uma greve da polícia. Kadu era um dos

roadies e lembra do caos e da anarquia que se instaurou, com pessoas

andando peladas nas ruas, cabines de polícia incendiadas, e até uma foto de

um corpo com o braço arrancado apareceu no jornal. A banda se hospedou

num hotel em Olinda, com um segurança armado na porta, já que havia

muitos bandidos à solta.

Rafael tinha vindo de São Paulo na maior pilha de tocar: “Estávamos

cheirando cola no quarto do hotel, coloquei meu vidrinho no bolso e saí.

Andei duzentos metros e encontrei um polícia, o único, que me parou. Dei

uma de louco e comecei a falar em inglês. O cara me deu uma bronca e

mostrou o caminho do hotel. Ficamos na loucura no quarto do hotel até de

manhã”.

No dia seguinte, o Planet seguiu de ônibus para Salvador. Dormiram

durante a viagem e chegaram no fim do dia, por volta das seis da noite. Na

capital baiana, o problema foi com o delegado Itamir Casal, que não queria

deixá-los tocar. A banda parou o ônibus na frente do lugar do show para

passar o som, mas não teve jeito: a apresentação foi cancelada. Dali, foram

todos para o hotel, bem distante do local, e o Rafael continuava tanto na pilha

de tocar como de sair na balada.

Inquieto, o guitarrista entrou num táxi e foi sozinho para o Pelourinho. Já

rolava a história do Barbosinha, o policial que prendeu o Sine Calmon e a

banda Morrão Fumegante. Então, lá pelas tantas, num boteco,

coincidentemente o Rafael conheceu o cantor de reggae. Fumaram um beck e

viraram brothers. Como a banda toda tinha jogado a maconha fora, Sine deu

uma preza considerável para o novo amigo, que às três da manhã pegou um

táxi e voltou para o hotel.

Porém, quando se aproximava da sua cama quente e macia, Rafael avistou

uma barricada da polícia na rua do hotel. Uma esquina antes, a cinquenta

metros da blitz, o músico pediu para o motorista do táxi parar. Claro que ele

ficou intrigado e perguntou se o cara de tranças rastas amarelas fugia da

polícia. Assustado, nem cobrou pela corrida e mandou o guitarrista descer

rapidamente do veículo. No meio da madrugada, Rafael se embrenhou pela

mata atrás do hotel, pulou o muro e entrou pelos fundos. Quando chegou no

seu quarto, não havia ninguém. Estavam todos no quarto do Marcelo com a

maior cara de cu, tristes e caretas. Rafael contou sobre a sua aventura no

Pelourinho e tirou do bolso aquele monte de maconha. Foi a maior festa.

Com o clima tenso, o Planet Hemp cancelou os shows de Ilhéus e de Porto

Seguro, na Bahia, e também o de Maceió, capital de Alagoas.

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Apesar da bagunça, das viagens, da grana e do reconhecimento, Rafael

continuava com a cabeça na sua gravadora e nos projetos paralelos ao Planet

Hemp. Quando ele não podia – ou não queria – ir ao show, a carta na manga

era substituí-lo na guitarra pelo Ulisses (do Squaws) ou pelo Jackson (o

roadie). Kadu lembra de uma vez, no Recife, onde ele não apareceu e a

galera da Nação Zumbi, olhando de longe, comentou que ele estava bem mais

magro. Na verdade, se tratava do Ulisses que, como o Rafael, também tinha

dreadlocks com as pontas descoloridas. O empresário, Ronaldo, sabia da

insatisfação do músico, que de certa forma cavava a sua demissão.

Em agosto, o Planet Hemp foi convidado para a festa do MTV Video Music

Brasil, no Palácio das Convenções do Anhembi, em que concorreu com o

clipe de “Deisdazseis/Dig Dig Dig”, na Escolha da Audiência; e “Queimando

tudo”, na categoria Rock. Na hora de tocar, a banda foi anunciada por dois

caras vestidos como policiais. Como não houve ensaio geral e o grupo

apresentou apenas duas músicas – “Adoled” e “Queimando tudo” –, o Rafael

não tocou, com o Jackson fazendo as vezes de guitarrista.

Assistindo ao vídeo, a sua ausência se explica. Após a primeira música,

Formigão, Jackson e Bacalhau viraram meros espectadores de D2, Black

Alien, Zé Gonzales e Negalê, num set improvisado de hip-hop, onde Marcelo

fez beatbox e pediu “liberdade de expressão já”. E o Rafael já havia deixado

claro que não queria fazer rap, pois era (e é) um guitarrista de rock. Para

variar, mais uma vez o Planet não ganhou nenhum prêmio da emissora.

No dia seguinte, a banda fez dois shows no interior de São Paulo – sexta,

em Mogi das Cruzes; e sábado, em Bauru. Para a segunda apresentação, o

juiz Emir Maddi só autorizou o show em cima da hora, após ação cautelar do

delegado-titular da Dise, Edson Cardia, colocando a responsabilidade nos

músicos, nos promotores e nos proprietários do Country Club de Bauru: “O

delegado Edson Cardia já havia apreendido cinquenta e nove camisetas com

estampas alusivas à maconha e com os dizeres ‘libere [sic] já’. As camisetas

teriam sido comercializadas pelos organizadores da apresentação do

grupo [226]”.

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Apesar de toda a perseguição, o Planet continuava firme na sua estratégia

de conquistar público pelos seus shows. E mal voltou para casa, caiu

novamente na estrada. Menos de uma semana após o VMB, a banda fez duas

noites no bar Opinião, em Porto Alegre, e uma em Pelotas. Foi o último show

do Apollo como integrante fixo:

“O Planet tinha feito um show em Brasília, onde deu um problema numteclado, um piano elétrico Rhodes, que era de um amigo meu, queemprestava, mas não queria vender. Eu fui usando... Um dia, o Simoninhame ligou perguntando se eu estava com um piano assim e assado, e começoua descrevê-lo. Era o primeiro Rhodes que veio para o Brasil e pertenceu aopai dele, Wilson Simonal. Como ele era de compensado e eu levava pracima e pra baixo, estava em farelos. O Rhodes dos Cães ladram é esse, oroxo é do Marcos Valle.

Fiz o tal show em Brasília, com um segundo teclado. Aí, tinha um cara

Fiz o tal show em Brasília, com um segundo teclado. Aí, tinha um carafilmando. Eu ia pedir uma cópia quando me disseram que ele era da PolíciaFederal. Também tinha uma fotógrafa que eu conheci. Quando nósestávamos indo embora tinham vários camburões pretos, sem identificação,com os vidros escuros e sem placa.

Uns quinze dias depois, nós fizemos um show no bar Opinião, em PortoAlegre, e a minha mulher tinha engravidado. Eu estava de casamentomarcado. Então, esse foi o meu último show com eles, foi quando pedi parasair. Só que os Cães ladram era um disco com bastante teclado, o Zé tinhadificuldade para reproduzir ao vivo o que fizemos em estúdio, era tudo maiscomplicado. Mas me coloquei à disposição para tocar em shows maiores epara gravar com eles. Aí, quando a banda voltou a Brasília e foi presa,aquela filmagem anterior, comigo, foi usada como prova”.

Além do casamento e da paternidade, outro motivo que levou Apollo a

pedir para sair foi a quantidade enorme de shows cancelados: “Eu só recebia

por show realizado. A turnê do Nordeste tinha vinte e três shows marcados e

ficaram apenas quatro. Se eu ia ganhar, por exemplo, doze mil reais, no final

recebia dois mil. E perdia trabalho em São Paulo. Isso foi pesando cada vez

mais”. Mas teve otras cositas más. “Eu lembro que chegamos para um show

em Santa Maria [RS] e, enquanto do lado de fora do ônibus as crianças

gritavam ‘maconha, maconha!’, do lado de dentro a banda cantava ‘Brizola,

Brizola!’. Imagina que desmoralização se a banda fosse presa com pó.”

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A principal praça de shows do Planet Hemp continuava sendo o estado de

São Paulo, sobretudo por conta do Carlão, que dominava o interior realizando

eventos em casas noturnas, clubes e ginásios. Dez dias depois dos shows no

Sul, o Planet tocou em Indaiatuba, Taubaté e na segunda edição da Primavera

do Rock, no clube Aramaçan de Santo André, junto com Raimundos, Ira!, O

Rappa e Catapulta.

No final de setembro, o Planet Hemp pisou novamente no palco do Palace,

para fazer mais três noites, com a mesma formação de julho: Marcelo D2

(vocal), Rafael (guitarra), Bacalhau (bateria), Formigão (baixo), Gustavo

Black Alien (vocal), Negalê (percussão) e o DJ Zé Gonzales. Os shows não

foram proibidos, como aconteceu em Salvador, Vitória, Brasília e Curitiba,

mas a Justiça aumentou a idade mínima para dezoito anos – o alvará da casa

permitia a entrada de maiores de quatorze anos, desde que acompanhados de

um responsável. Esse novo detalhe afetou também os shows d’O Rappa e do

Pavilhão 9, que vieram na sequência.

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Três semanas depois, foi a vez de tocar no Canecão, com a participação do

Bezerra da Silva. Aquela foi a maneira que o Lobatto encontrou de contornar

o cancelamento do show do Planet, na Hípica: “Rapidamente, procurei o

Gerson Alvim para fazer no Canecão. Convidamos o Bezerra da Silva e ele

cantou uns três sambas. Se deixasse, não sairia mais do palco [risos]”.

Muito antes de pensar em tocar numa banda, Marcelo D2 já gostava do

sambista, uma das primeiras pessoas a cantar a maconha com um humor

tipicamente carioca. Quando lançou o segundo disco com o Planet, D2 fez

uma citação na faixa “O bicho tá pegando” aos versos “vou apertar, mas não

vou acender agora // se segura malandro, pra fazer a cabeça tem hora”, refrão

de “Malandragem dá um tempo”, imortalizada por Bezerra e gravada em

1996, pelo Barão Vermelho.

Justiça seja feita, muitas das canções gravadas pelo malandro foram

escritas por compositores como o alagoano Adelzonilton Barbosa da Silva

(29 de junho de 1943 – 9 de agosto de 2016), que assina “Malandragem dá

um tempo” com Moacir Bombeiro e Popular P. Essa música foi gravada

primeiro no álbum Alô malandragem, maloca o flagrante (RCA/BMG,

1986). Adelzonilton, que em 2004 se converteu e virou Adelzo Nílton,

também escreveu sucessos como “Defunto caguete” e “Canudo de ouro”,

gravados por Bezerra.

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A comunicadora Monika Venerabile foi tão importante para o sucesso do

Planet Hemp por meio do Cidade do Rock, que, quando a banda bateu cem

mil cópias vendidas do Usuário, ela e o programa também foram

homenageados. “Isso é inédito, alguém ganhar disco de ouro sem ser o

próprio artista. Está pendurado na parede da minha sala.” Porém, o que lhe

marcou ainda mais foi o disco duplo de platina [227] por Os cães ladram,

entregue com toda pompa, na fábrica da Sony, no bairro de Acari. Ela foi a

apresentadora da noite, se considerava parente da banda e tinha certeza de

que ia ganhar novamente uma cópia do disco comemorativo.

Entretanto, na hora H, a entrega foi apenas para o diretor da Rádio Cidade,

Eduardo Andrews, que anistiou os caras na emissora. Para a Monikinha, nem

mesmo um buquê de flores. “Fiquei tão magoada, que não esperei até o fim e

fui embora da festa. Eles não sabem disso, mas ali acabou o meu amor pelo

Planet Hemp. Sabe como é mulher, né? Por um fio de cabelo desfaz um

casamento. Aquela mulher que brigava com todo mundo por causa do Planet,

aquela se afastou realmente [228].”

A mágoa da radialista foi apenas a ponta do iceberg. Outras pessoas que

estiveram ao redor da banda na fase de consolidação já haviam se afastado, e

outras estavam por sair de órbita também.

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Os discos do Planet Hemp vendiam bem, as músicas tocavam nas rádios e

os shows continuavam rolando, mesmo com as dificuldades. Uma noite, a

banda tocou em Santos, no litoral paulista, e Rafael e Zé foram de carro com

o Gui, irmão do DJ. Ao final do show, os músicos foram para um hotel na

cidade, mas o guitarrista queria voltar para São Paulo. O problema é que o

carro já estava lotado. Como estava muito doido, Rafael pediu para ir no

porta-malas, onde apagou e dormiu. Só que em algum momento o carro

passou num buraco, deu um solavanco, e ele caiu de mau jeito, quebrando o

braço.

No dia seguinte, quando acordou, ele não conseguia se mexer. O amigo

Raul levou Rafael para o hospital e o diagnóstico foi clavícula quebrada, três

meses parado, sem tocar. Detalhe: o Planet Hemp tinha show naquela noite,

em Belo Horizonte, com cinco mil ingressos vendidos. O guitarrista ligou

para a banda e o Jackson, que era o roadie, tocou no seu lugar, usando um

capuz. E ninguém percebeu.

Se o Rafael já estava cagando e andando para a banda, depois do acidente

ficou ainda mais distante: “Foi aí que o Marcelo me ligou e disse que me

queriam fora da banda. Então, quando eles foram presos, eu ri. Os caras me

tiraram da banda e semanas depois são presos? [229]”.

As reações foram diversas. O baixista Formigão ficou chateado, mas

respeitou. Ele lembra que o Rafael já estava em outra vibe, introspectivo, era

o último a chegar e sempre de cabeça baixa. Em suas memórias, foi o

guitarrista quem pediu para sair. Black Alien também sentiu falta do parceiro,

pois ele era de fato o instrumentista da banda. Na opinião de Apollo, “o Rafa

era o cara que tinha mais cultura de rock da banda, uma enciclopédia. O D2

também tem outro tipo de cultura. Vamos combinar que o Planet Hemp são

eles dois”.

Até o roadie Kadu já tinha percebido o desinteresse do guitarrista: “O

Rafael estava tocando de qualquer jeito, fazendo qualquer coisa,

desinteressado. Uma vez, no Nordeste, ele levou um tombo feio no palco,

[pois estava] bêbado”. Ronaldo Pereira também percebeu que o artista não

estava bem, e que o problema se iniciou quando suas músicas foram vetadas

pelo Marcelo no segundo disco: “Aí ele começou a ter atitudes que até então

não tinha. Talvez por essa insatisfação de ver o trabalho indo por outro

caminho. Daí em diante, as coisas começaram a mudar, o clima que sempre

tinha sido de companheirismo e parceria entre os integrantes da banda, já não

era mais assim [230]”.

Como se não bastasse perder o guitarrista original e principal compositor

da banda, Ronaldo começou a ter problemas com o sócio: “As coisas também

mudaram muito no escritório da Na Moral. O Lobatto começou a gastar

muito com as despesas do escritório e ter diversos desentendimentos com os

contratantes de shows, agindo com uma postura arrogante e focando na

escola antiga de empresariamento artístico brasileiro, na qual a regra era

tratar mal os contratantes. Nada a ver com o Planet, que sempre foi uma

banda de postura democrática e humana. Como eu não concordava nada com

isso, começaram as brigas”.

Depois de fraturar a clavícula e se recuperar, Rafael tocou com a banda

Diluentes e se dedicou ao CD do Againe e ao EP do Garage Fuzz, lançados

pela sua própria gravadora. Em entrevista a uma importante revista da época,

após revelar que (no momento) o disco mais importante da sua vida era o

Alien Lanes (Matador Records, 1995) do Guided by Voices, o repórter

finalizou com o seguinte diálogo:

Repórter: Falo o que sobre a sua saída do Planet?

Rafael: Diz que eu não queria mais tocar rap ou então que eu não queria

fazer parte do sistema.

Repórter: Bem, posso até colocar, mas os caras da banda não vão ficar

putos?

Rafael: Vão, mas eu digo que foi você que inventou [231].

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O astral estava pesado e uma nuvem carregada pairou em cima da cabeça

da galera. E o Jackson, que enfim conseguiu uma vaga de músico na banda,

iria sofrer as consequências. Após tocar encapuzado em BH, ele viu um show

na Hípica ser cancelado no Rio de Janeiro – e realizado dias depois, na arena

da Fundição Progresso. Ele também tocou em Volta Redonda (RJ) e

participou de dois programas de TV. O primeiro foi o aniversário de um ano

do programa H, apresentado por Luciano Huck, na Bandeirantes. Nessa

segunda participação, a banda ficou quase doze minutos no ar, com as

meninas do palco (Hzetes) sofrendo para conter o público.

Uma semana depois, o Planet enfim conseguiu ser entrevistado no

programa Jô Soares onze e meia, que na época era veiculado no SBT. A

gravação aconteceu na véspera de Marcelo completar trinta anos. Usando

uma camiseta da seleção brasileira de futebol, D2 sentou ao lado do Jô. Entre

brincadeiras e papo sério, o vocalista contou que antes a banda fazia de vinte

a vinte e cinco shows por mês, e no momento fazia por volta de dez

apresentações mensais. “A gente já teve de vinte e cinco a trinta [shows]

cancelados esse ano”, revelou na ocasião.

Nas poucas oportunidades em que teve de estar nas telas de TV, o Planet

Hemp aproveitou muito bem. Agradecia ao Programa livre, ao H, ao Jô

Soares e a quem quer que lhe desse espaço. Na entrevista ao Jô, Marcelo

repetiu o discurso que a banda não fazia apologia, só queria fumar em paz, e

que estava sendo perseguida injustamente. Dali a seis dias, a banda teria uma

chance no programa Barraco MTV, de Astrid Fontenelle, sobre censura.

Porém, um acidente de percurso mudou tudo. E prender o Planet Hemp era só

uma questão de tempo.

CAPÍTULO 34

POLTRONA 22

Dois anos depois do festival de Woodstock, a juventude brasileira viveu a sua

tardia onda de paz e amor. Exatamente em agosto de 1970, quando um grupo

de jovens músicos e cineastas começou a filmar a onze quilômetros de Nova

Friburgo (RJ) o primeiro filme hippie brasileiro, Geração bendita – É isso aí,

bicho. Dirigido por Carlos Alberto Bini e totalmente rodado na região, a

história mostrava um advogado que, cansado dos problemas da vida e da

rotina cotidiana, foge para viver na Comunidade Quiabo’s, fazendo

artesanato para vender na cidade. O sítio existia de verdade e integrava um

grande acampamento, do qual também fazia parte a Comunidade Abóbora’s,

seguindo um estilo de vida visionário e baseado nos ideais hippies.

Incomodado com a presença dos doidões, em 26 de novembro de 1971 o

delegado de Nova Friburgo, Amil Reichard, invadiu a Comunidade Quiabo’s

e prendeu todos os hippies, entre eles os integrantes da banda Spectrum, com

idade média de vinte e um anos, autores da trilha sonora do filme. A

autoridade local se aproveitou de uma cena na qual os artistas pilotavam um

jipe psicodélico e prendeu todos que estavam no set de filmagem. Cerca de

vinte pessoas tiveram os cabelos raspados e as barbas escanhoadas pelos

barbeiros da cidade [232]. Fãs protestaram na porta da delegacia e o principal

jornal da cidade não publicou nada a respeito.

No entanto, o assunto continuou rendendo notícia na capital e no Brasil

afora. Um jornal gaúcho publicou uma matéria na qual o diretor do filme

relatava as dificuldades para filmar em cidades do estado do Rio. A

reportagem afirmava que a polícia ficava no pé da equipe, “apesar dos

protestos, até por escrito, dos moradores que simpatizam com eles e os

protegem sempre que podem [233].” Diante da péssima repercussão, poucos

meses após a prisão, o delegado Amil Reichard foi transferido da cidade. O

tal jornal local publicou que a transferência foi uma rotina

administrativa [234].

Quando o filme ficou pronto, em 1971, a Censura Federal Brasileira

cortou vários pedaços, como as cenas do banho nu na cachoeira e dos

personagens fazendo o símbolo de paz e amor, obrigando a filmar e refilmar

diversas cenas. Quando enfim terminaram o segundo corte, o filme foi

rebatizado para É isso aí, bicho! e lançado em janeiro de 1973. Exibido no

cine São José, em Nova Friburgo, e nas telas do Rio e de São Paulo – onde

fez a terceira melhor bilheteria entre os filmes nacionais em cartaz –, nove

meses depois o filme foi novamente proibido e apreendido pela Divisão de

Censura e Diversões Públicas (DCDP) da Polícia Federal.

Utilizando atores amadores da própria comunidade, o longa-metragem

colorido de uma hora e vinte e cinco minutos de duração foi filmado com

uma câmera de 35 mm sem zoom e utilizou onze latas de filme (quando a

média era de vinte e cinco a trinta) ao custo total de trezentos mil cruzeiros.

Apesar de pouco para os padrões do mercado, o produtor Carl Kohler

colocou os sítios Quiabo’s e Abóbora’s à venda para pagar parte das

dívidas [235]. A perseguição de parte da sociedade friburguense expulsou os

hippies da cidade, e eles se organizaram em dois grupos, um no Sana e outro

em Visconde de Mauá, também na região serrana do Rio. O filme continuou

praticamente inédito até 2002, quando seus negativos foram resgatados por

um dos produtores, Carlos Doady, com a ajuda da Cinemateca do MAM-RJ,

e foi disponibilizado na internet.

A banda Spectrum do filme era formada por ex-membros do grupo 2000

Volts, além de atores e músicos da produção, como Caetano, Serginho,

David, Fernando e Toby. Já o conjunto musical Spectrum, além da trilha do

filme, também gravou um único disco, com doze músicas sobre paz, amor,

liberdade e natureza [236]. Como o filme demorou muito para entrar nos

cinemas, a banda terminou sem ter feito um show sequer. O LP, ao contrário,

tornou-se artigo de colecionador e foi relançado em outubro de 2001, numa

tiragem limitada, pelo selo alemão Psychedelic Music. Vinte e cinco anos

depois da prisão dos hippies em Friburgo, outra banda sentiu na pele o

preconceito e a mão pesada da Justiça.

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O jornalista Fernando Gabeira também sentiu na pele a repressão do

regime militar. Em janeiro de 1970, quando seria preso em São Paulo, correu

em direção ao matagal e levou um tiro nas costas. Da capital paulista foi

levado para o presídio na Ilha Grande, no Rio. Em junho, Gabeira foi

libertado junto a outros presos políticos e banido para a Argélia. Vinte e

quatro anos depois, eis o que ele relatou sobre os seis meses encarcerado:

“Aqui, o filho chora e a mãe não ouve. Esta era uma frase comum nas

cadeias brasileiras, mas doía mais inscrita nas paredes da Ilha Grande. A Ilha

era mais que uma prisão, era um desterro. Viajávamos no porão do barco,

rescendendo a cebola e a batata e os guardas nos olhavam do convés,

apontando as metralhadoras Ina para as nossas cabeças [...] A Ilha foi e será

uma grande lição de paciência [237]”.

A aproximação entre o Planet Hemp e o deputado foi importantíssima.

Começou com a erva e logo teriam mais uma coisa em comum: a prisão. Em

1996, quando apreenderam quinhentos CDs da banda, apenas Fernando se

manifestou a favor do Planet. Três meses antes de os músicos serem presos, o

jornal International Magazine entrevistou lado a lado Gabeira e Marcelo D2,

vítima constante da perseguição policial: “A gente tomou uma dura da polícia

federal, em Vitória, quando todo mundo chegou armado até os dentes e com

cachorro cheirando tudo. Parecia que a gente era do Cartel de Medelin e a

gente começou a rir. E o cara falou que a gente era o inimigo número um da

família [238]”.

Um mês depois, em entrevista à revista Manchete [239], D2 se posicionou:

“Nós falamos com a voz que temos, não consigo me expressar de outra

maneira. Não podemos é transformar o Planet Hemp num partido político.

Ninguém pode esquecer que, por trás disso, há música”. E Bacalhau declarou

que aprovava o Gabeira: “Pena que ele é um só”.

Um só, mas o suficiente para salvá-los na hora certa.

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Na última música do seu oitavo disco, cantava Rita Lee: “Eu tô ficando

velho, cada vez mais doido varrido // roqueiro brasileiro sempre teve cara de

bandido! [240]”. E o Planet Hemp não era apenas uma banda problemática: só

por existirem já atraiam problemas. Quase três décadas depois da prisão do

Spectrum, o grupo de (paulistas e) cariocas virou o inimigo número um da

família tradicional brasileira.

Era uma sexta-feira, 7 de novembro de 1997. Após mais um show em São

Paulo, o Planet chegou a Belo Horizonte para tocar no Estação 767. Porém, a

pedido de políticos locais, o show foi cancelado e a equipe sequer montou o

palco. O produtor do evento, Aluizer Malab, tomou um prejuízo de trinta mil

reais. Tudo isso porque o promotor André Estevão Ubaldino solicitou ao juiz

da 12ª Vara de Tóxicos de BH, Ely Lucas de Mendonça, a expedição de um

mandado de interdição do local do show, apelando para a Lei dos Tóxicos (n.

6.368/1976) que veda qualquer tipo de apologia às drogas.

Ficaram todos num barzinho na porta do hotel, bebendo cerveja. Em um

determinado momento, um dos produtores do evento freou bruscamente o

carro e avisou que a polícia estava a caminho para revistar os quartos. “Quem

tiver algo, joga fora agora!” Foi aquela correria! O único que não subiu para

o quarto foi o técnico de P.A., Kleber França. Depois de um bom tempo, nada

da polícia e ele resolveu averiguar de perto. Conforme o elevador subia, ele

começava a sentir um cheiro cada vez mais forte de bagulho, e em todos os

andares. Ninguém jogou nada fora. Apenas resolveram fumar logo tudo que

tinham, infestando os corredores com a fumaça da marijuana.

Inconformados com mais um cancelamento, os membros do Planet

falaram com um, com outro e conseguiram uma jam session no Studio Bar,

no centro da cidade, junto com a banda de cover do Rogério Flausino. Os

cariocas tocaram apenas “Mantenha o respeito” e a casa veio abaixo. “Mas já

tinha policial disfarçado, escondido dentro da casa, e fotografaram o Black

Alien fumando um no meio da galera [241].” Mais uma vez, Kleber estava do

lado de fora, dormindo no ônibus. Quando eram três horas da manhã, ele viu

os policiais se aproximando e cercando o bar.

Lá dentro, o técnico de monitor da banda estava fumando um com o casal

de proprietários. De repente, da janela do escritório, no segundo andar do bar,

ele reparou um movimento estranho. Perguntou quem eram os caras de roupa

preta, e os donos disseram que eram os garçons. Germany retrucou: “Mas os

garçons estão [armados com espingarda calibre] de 12”. Ele desceu

correndo, para localizar e avisar os músicos, um por um. Como os técnicos

não era conhecidos, passaram anônimos pelos policiais.

Quando a polícia deu voz de prisão, Ronaldo usava uma camiseta d’Os

Cabeloduro [242], com um desenho de um PM porco levando porrada. O

delegado Willer Leroy, responsável pela abordagem, mostrou a Ronaldo e a

Lobatto os mandados de busca e apreensão dos veículos utilizados pelo

grupo, autorizando também revistas aos músicos e aos locais onde se

encontrassem. Nessa hora, o sangue gelou. É que a galera levava um quilo de

bagulho no buraco de iluminação da poltrona 22. Um cachorro subiu e

começou a farejar pelo chão e pelas poltronas. Quando passou ao lado da 22,

Jackson suou frio, mas o cão passou direto.

Havia um informante na calçada que dizia ao policial responsável quem

era quem, e pelo nome. Cada detido tinha que subir no ônibus, pegar as suas

coisas e descer para a calçada, inclusive o Germany: “Acordaram todo mundo

que dormia nas poltronas e soltaram um pastor alemão dentro do ônibus.

Mandaram que todos descessem com suas bagagens. No meio da madrugada,

todos encostados na lateral do ônibus, com suas respectivas mochilas,

tomando aquela geral”. Marcelo ainda não havia sido localizado, permanecia

na festa. Foram revistando um por um até que chegou a vez do Formigão. Ele

abriu a bolsa e retirou tudo dos bolsos... “Ahammm!!! Achei, sargento!

Apologia!”, exclamou um policial segurando um chaveiro com desenho da

folha da maconha.

Ingenuamente, o baixista retrucou: “Não, isso não é apologia. Isso é o meu

chaveiro”. Germany não conseguiu se conter e gargalhou. O guarda se irritou:

“Ah, então tá achando graça?!”, e colocou o técnico no camburão, desses em

que a parte de trás é dividida ao meio e os presos não se veem. De repente,

tapas e xingamentos. Era o Marcelo, colocado na outra metade, em meio a

uma bad trip: “O que eu fiz? Iremos todos pra vala, fodeu”. Percebendo o

desespero do vocalista, o técnico interrompeu para tentar acalmá-lo. Ele

começou a rir: “Germany? Só poderia ser você, puta que pariu”.

Apesar de ter fumado um bagulho verme e estar chapadaço, Germany

disse que conseguia ver pelas frestas que o ônibus da banda seguia atrás do

camburão. E deu a letra: “Mano, vamos ser presos e tudo que você falar pode

nos prejudicar, portanto use do silêncio, e pela manhã a gente sai”. Do outro

lado, D2 concordou: “Pode crer, até porque acabei de tomar um ácido e tô

muito doido”. Ao chegar na delegacia, os dois foram recepcionados com

pescotapas e xingamentos: “Venha, seu maconheiro de merda, agora tu vai

ver”.

Quando o ônibus da banda parou na porta da delegacia, os passageiros iam

sendo chamados, um de cada vez, para serem revistados e irem para a sala de

espera. Zé lembra que eles ficavam apostando quem seria o próximo na

averiguação: “O policial virou pra gente e disse que não podia ficar

apostando ali. Revistaram tudo e não acharam nada”. A Ana, atual esposa do

DJ, morava em BH nessa época e ia ao show que foi cancelado. Ela só

conseguiu ver um show da banda na festa de vinte anos da MTV, muitos e

muitos anos depois.

Depois que todo mundo desceu do ônibus, ficaram de frente para a sala do

delegado, que ia chamando um de cada vez para os esclarecimentos. Nisso,

entrou um PM conduzindo um cara com um cabelão igual do Marcelo, só que

muito bêbado e falando alto. Quando ele deu de cara com o D2, tomou um

susto: “Caralhoooo, você por aqui?!”. E o policial: “Ah, então vocês já se

conhecem?”. E o cara: “Conheço ele da televisão! Não é um pé inchado como

você, seu PMzinho de merda”. Dessa vez Germany prendeu o riso.

Na madrugada de sábado, todos foram revistados e interrogados na

delegacia de plantão do Departamento de Investigações, conhecido na década

de 1980 como o Inferno da Lagoinha. Tomaram vários esporros e o delegado

rasgou um cartaz da banda. “Do lado de fora da cela, o policial colocava os

cães [da raça] doberman para latir pela grade [243].” Mesmo botando o terror,

Willer Leroy e sua equipe encontraram apenas o chaveiro do Formigão, uma

ponta de cigarro e uma caixa metálica, contendo a planta medicinal

artemísia [244]. Cansaram a crew até de manhã, quando todos foram liberados.

“Assim que entramos no ônibus e ele deu ré pra ir embora, a gente

acendeu o primeiro baseado e começou a rir da cara deles”, relembrou Zé

Gonzales. Quinze anos depois, em 2012, o Planet Hemp fez um show no

Mineirinho, voltando a Belo Horizonte de cabeça erguida.

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O sol raiava alto na estrada. Após a dura na madrugada mineira, o Planet

Hemp seguiu até a capital do Brasil. Sem internet ou smartphone, a galera

ouvia fitas cassete em walkmans, cantava, tocava, conversava e lia revistas

para passar o tempo, sem saber de uma tragédia envolvendo uma banda

amiga.

Na mesma noite em que tomaram sufoco em BH, oito pessoas morreram e

setenta ficaram feridas no show dos Raimundos, em Santos (SP). O acidente

aconteceu na saída do evento, quando os corrimões da principal escada

cederam e dezenas de pessoas caíram de uma altura de três metros. Segundo

o produtor do evento, Carlos Alessandro Prozzo, o Carlão, a culpa foi do

clube, que não abriu as quatro portas, apenas uma. O problema é que havia

quase seis mil pessoas num clube com capacidade máxima para duas mil e

seiscentas. E todas essas pessoas saíram por uma única escada, que não

aguentou o peso e desabou.

Os Raimundos cancelaram cerca de quatorze shows que fariam até o fim

do ano [245]. O Clube de Regatas Santista, cujo alvará permitia a realização de

shows para jovens desacompanhados, com um limite de idade de quatorze

anos, teve a sua reputação afetada e a sede onde ocorreu a tragédia foi

demolida, em 2010. A Justiça condenou Carlão e o presidente do clube,

Reinaldo Gomes Ferreira, à detenção em regime semiaberto, mas depois

alterou a pena para a prestação de serviços à comunidade e a entrega de cinco

cestas básicas cada um.

Apesar da morte de oito jovens entre quatorze e vinte anos repercutir em

todo o país, a história triste caiu no esquecimento da própria cidade. As mães

das vítimas não foram acolhidas, um memorial em sua lembrança não foi

erguido [246]. Vinte anos depois, em 2017, o jornalista Sérgio Vieira lançou o

livro Raimundos – o show que nunca terminou, imortalizando o caso. O

lançamento em Santos reuniu parentes das vítimas, advogados e pessoas que

estavam no clube naquela noite fatal.

Mas o Planet Hemp não sabia nada disso. Depois de tomar o sacode em

Minas Gerais, a rapaziada ficou com tanto medo de tomar outra dura que, de

BH até Brasília, fumou um quilo todinho. Como o BNegão tinha um show

com o Funk Fuckers, ele não foi com o Planet para a Capital Federal.

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Quando chegou em Brasília, a esquadrilha da fumaça começou a ligar para

os amigos atrás de drogas. Didiu Rio Branco era um desses amigos. Sua irmã

era próxima dos caras e já tinha hospedado a banda, em São Paulo. No

sábado à tarde, um amigo ligou para ele e deu o alerta: a banda seria presa.

Um conhecido dele, que trabalhava na TV Globo, obteve essa informação, e

ela foi se espalhando à boca miúda. Didiu foi até um bistrô onde a galera

estava e avisou aos dois empresários para se livrarem de qualquer flagrante

no hotel. Aliás, no hotel havia um repórter que perguntava muito, inclusive

sobre o horário de chegada dos músicos no local da apresentação.

Depois do show da Legião Urbana, em 1988, que terminou em quebra-

pau, aquela noite no Minas Brasília Tênis Clube também entrou para a

história do rock em Brasília. O clima era tenso do lado de fora, com revistas

da polícia, tentativas de invasão de pessoas sem ingresso e vários policiais à

paisana no meio do público.

Quando o técnico de P.A. do Planet chegou à mesa de som, foi

imediatamente apresentado a um técnico de som da polícia, que havia

acoplado um gravador de rolo na mesa para captar as vozes dos cantores.

Kleber voltou ao camarim e avisou o que estava acontecendo. Não podia ser

feito nada diferente do habitual. Por sorte, o clube não tinha pé-direito alto e

não usaram quase nada dos cenários, principalmente os enormes baseados

cenográficos que desciam no palco. Ficaram no bagageiro do ônibus.

Tanto o show de abertura com Os Cabeloduro quanto o do Planet Hemp

foram incríveis. As duas bandas tocaram para uma plateia insana de sete mil

pessoas. “Era uma fase muito difícil. Nessa época, tinha que tocar e sair

batido. Não podia ficar no camarim. Era tocar e tchau [247].” Só que, naquela

vez, os cariocas estavam doidos para confraternizar com os amigos

candangos, que já os aguardavam para comemorar no camarim numa noite

que, muito provavelmente, seria longa e louca.

Após entrarem no camarim, nem cinco minutos se passaram e alguém

anunciou que a polícia estava chegando. Depois do aviso, a galera começou a

despejar as drogas na privada. Didiu foi a primeira pessoa a entrar no

banheiro e, com dor no coração, dispensou um tijolinho com umas cem

gramas de um prensado paraguaio bem cheiroso. Banheiro lotado e os

policiais batendo na porta do camarim. Quando abriu, entrou um sujeito com

a ordem de prisão e, atrás dele, um cinegrafista e uma repórter da TV Globo

gravando e dando flagrante ao mesmo tempo.

Helio Gazu, baixista d’Os Cabeloduro, ficou tenso e apreensivo: “Tinha

gente engolindo, escondendo, jogando debaixo dos sofás, mas os caras só

queriam os membros do Planet. Quando o D2 recebeu voz de prisão, ele

estava apertando a mão de um grande amigo, o Claudão. Colocaram o Planet

de um lado da sala, os convidados do outro lado, e Os Cabeloduro separados

também”.

O show do Planet tinha seguido o set list de sempre. Assim que terminou,

os policiais recolheram o material de gravação e Kleber e o iluminador

Meteoro foram para o camarim. A porta estava trancada e os dois bateram

com força, se identificando como “da banda”. Imediatamente a porta abriu e

um homem respondeu: “Podem entrar, vocês estão presos”. Todos os

integrantes da equipe que estavam no clube foram colocados junto aos

músicos. A imprensa de Brasília estava lá dentro, fotografando tudo. Parecia

que somente a banda não sabia que seria presa naquela madrugada:

“A superoperação para prender os perigosíssimos meliantes em Brasília

mobilizou cerca de setenta policiais, além de um aparato de metralhadoras,

escopetas, gás lacrimogêneo e apoio da Delegacia de Operações Especiais.

[...] Segundo a polícia, o contingente foi maior do que o usado para prender

vinte e um traficantes de cocaína, em 1995. [...] O delegado Eric Castro

parecia ter feito a prisão do século [248].”

Cerca de vinte garotões fortes da Polícia Civil deram voz de prisão em

flagrante, adentrando o camarim da banda, alegando que a voz gravada direto

da mesa de som era a prova. A ação teve como base os artigos 12 (apologia)

e 18 (associação de pessoas para uso de drogas) da Lei de Entorpecentes (n.

6.368/1976). Se condenados, os músicos poderiam amargar de três a quinze

anos na cadeia e deveriam permanecer atrás das grades até o julgamento.

Depois do show, a Polícia Civil também prendeu três menores fumando

maconha [249].

Quando o público soube da prisão da banda começou uma confusão dos

lados de dentro e de fora do clube. Os músicos foram encaminhados para os

carros e levados para a Coordenação de Polícia Especializada de Brasília, a

CPE. A equipe técnica foi liberada e correu para o ônibus, que, por sorte, a

polícia não viu. No bagageiro viajavam os seis baseados cenográficos de

aproximadamente quatro metros cada um. Lobatto ficou com a banda e o

Ronaldo, que conhecia todos os cantos da cidade, escondeu o ônibus no setor

hoteleiro.

Depois disso, Ronaldo e a equipe voltaram para o hotel, e lá descobriram

que todos os quartos tinham sido vasculhados e a bagagem revirada. A

polícia ainda estava lá e tinha lacrado os quartos. Como eram provas,

ninguém podia entrar. O empresário mandou a equipe voltar para o Rio no

ônibus da banda e, em seguida, foi encontrar Lobatto e os músicos.

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Marcelo Maldonado Peixoto (D2), trinta anos; Gustavo de Almeida

Ribeiro (Black Alien), vinte e cinco; Eduardo da Silva Vitória (Jackson),

vinte; Joel Oliveira Júnior (Formigão), trinta e quatro; Wagner José Duarte

Ferreira (Bacalhau), vinte e cinco; e José Henrique Castanho de Godoy

Pinheiro (Zé Gonzales), vinte e oito, foram detidos na Carceragem da CPE,

que mantinha duzentos e cinquenta presos num espaço cuja capacidade era

para cento e quarenta. Quando os seis chegaram, os detentos aplaudiram,

gritaram o nome da banda e cantaram as músicas.

Mas a lembrança de Black Alien não é das melhores: “Quando chegamos

algemados, um cara riu e falou: ‘Os cães ladram e a caravana para’. Eu

lembro que, mesmo algemado, o Marcelo olhou pra mim e falou para

fazermos uma música para aquele filho da puta. E ganhamos dinheiro até

hoje com esse FDP [250]”. A música em questão, “Baseado em fatos reais”,

era uma das sugestões para o título do terceiro disco do Planet, mas acabou

saindo no primeiro disco solo de Marcelo D2, Eu tiro é onda. Enquanto

aguardavam vagas no Complexo Penitenciário da Papuda, os seis artistas

foram alojados numa cela separada.

Naquele domingo, 9 de novembro, Stephan completou seis anos, mas D2

não conseguiu voltar a tempo de comemorar com o filho. A prisão da banda

foi noticiada no programa Domingão do Faustão, na TV Globo. Manuela,

que morava com Marcelo na ocasião, também só chegou no fim da festinha,

já sabendo da má notícia.

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Pouca gente sabe, mas por pouco uma mulher teria ido em cana também.

A Samantha tocava cello na banda de Black Alien, que também dividia o DJ

Zé Gonzales com o Planet, já que o Rodrigues nunca podia viajar para shows,

em função do seu emprego no banco. Apesar de a banda estar animada e no

maior gás, ela lembrou que estava ficando difícil fazer os shows de abertura:

“Ficava pesado porque dois dos integrantes tocavam depois [com o Planet],o Zé e o Gustavo. Por esse e por outros motivos, parei de viajar com eles.Na época, estava ficando insuportável a presença da polícia... Aqueleaparato todo de um governo que não faz o básico pelo país, mas faz essecirco por causa da maconha. Era agressivo, e, depois de ter morado emNova York e Amsterdã, aquilo me incomodava profundamente. Eu achavadantescamente fora de proporção.

Por sorte parei de viajar com eles, pois teria sido presa também. E, como euera a única mulher, ia ficar sozinha na cadeia! Acompanhei aqueles dias

com um nó na garganta e uma sensação de impotência e não pertencimentototal. Fiquei, claro, muito feliz quando [eles] estavam de volta”.

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Apesar de não desejarem isso, quando foram presos os músicos sentiram

até um certo alívio, pois conviviam o tempo todo com essa possibilidade. A

intimidação, com direito a polícia passando com fuzil na frente do show, e os

constantes cancelamentos das apresentações já tinham dado no saco.

Todavia, seis homens presos numa cela não era a coisa mais gostosa do

mundo. E o Jackson, que com vinte anos era o mais novo do grupo, era um

dos mais sacaneados. A banda o chamava de Cinderela, porque no seu

primeiro mês de rock star já pegou cadeia. Como ele teve uma origem de

gangues e tomou duras em Porto Alegre, achava que ia dormir e sair no dia

seguinte. Ledo engano.

Jackson ficava num canto, com uma camisa vermelha na cabeça. Ganhou

o apelido de Maria Cantinho e uma musiquinha: “Maria Cantinho alegria da

rapaziada // botava pra dentro dando gargalhada e sem argumento engolia a

parada // ele falou uma vez que o seu sonho era casar com nego Johnny

Blaze [251] // que o levasse para morar fora que na hora da foda cortasse suas

bolas”.

A cadeia aproximou muito todo mundo: chorar juntos, rir juntos,

prospectar um futuro. Como o Bacalhau estava ficando careca, a banda pôs

uma pilha pra ele fazer um implante ou usar uma peruca com dreads. Jackson

ficou emocionado no dia em que conseguiu ligar e falar com a mãe. Mas,

para a mascote da crew, foi o DJ Zé Gonzales quem mais acusou o golpe:

“Ele já tinha uma filha e, com a criação que teve, nunca imaginou estar preso.

Certo dia, ele leu a Bíblia e tal”.

Zé ganhou uma Bíblia de presente de um detento, mas o seu maior trunfo

na cela era outro: “Eu consegui, não sei como, entrar com o meu BIP [252]. E

comecei a receber mensagens de apoio e de zoação, como a do João Gordo:

‘E aí, já comeram o cuzinho do Jackson?’ [Risos]. ‘Nós, os operadores da

[empresa do pager], desejamos tudo de bom pra vocês, Planet Hemp’. Os

caras colocavam terror que a gente ia ficar dois meses presos. A gente não

podia se misturar com os outros presos nem no banho de sol”.

Depois do Marcelo, o Formigão era o Planet favorito do menino Jackson.

Primeiro, porque os dois dividiam o quarto no hotel, mas a cama do baixista

ficava intacta. Ele preferia os quartos dos roadies ou dar um rolé, deixando o

caminho livre para o jovem companheiro com os hormônios a mil. A banda

dizia que ele era o homem mais velho do mundo, e inventou uma

musiquinha, cantada no ritmo de “O canto da cidade” (1992), da Daniela

Mercury: “O vesgo dessa cidade sou eu // o fanho dessa cidade é eu // uô ô

ele é um terror // uô ô onde a mãe dele errou? // uô ô dinheiro ele não tem //

uô ô ele é o Matusalém!”.

De fato, Formigão era o mais velho da turma, e guardou outras lembranças

da cela na CPE: “O Chiquinho, que era assaltante de banco e varria a parte de

fora das celas, nos defendia e dizia para ninguém mexer com a gente. Tinha

um carcereiro que passava batendo o cassetete nas grades das celas todos os

dias, às três horas da madrugada. Maior pressão psicológica, saca? Então

ficavam sempre três acordados e três dormindo. Os caras queriam mesmo dar

um pau na gente. Teve um dia que faltou água e o Marcelo deu um toque no

[Fernando] Gabeira. Quando restabeleceram o abastecimento, ele virou

herói. Estiveram lá o Gabeira, o [Roberto] Freire e o [Eduardo] Suplicy, que

chorou e tudo [253]”.

Zé também lembrou disso: “Era ano de eleição, o Planet tinha disco de

ouro e político é oportunista. Uma pessoa que eu vi sinceridade foi o Suplicy,

que conversou com a gente e ficou com lágrimas nos olhos. O nosso caso

chegou na Ruth, esposa do [então presidente] Fernando Henrique Cardoso.

Acho que nenhum político ficou contra, não existia um Bolsonaro nem uma

bancada da Igreja evangélica como é hoje”.

Na primeira delegacia, foram cinco dias sem banho, comendo arroz, três

grãos de feijão e carne. Um dia, D2 falou pro Bacalhau: “Cara, das duas uma:

podemos pegar quinze anos [de prisão] ou ganhar uma medalha de honra ao

mérito [254]”.

Em 1997, com discos devolvidos e shows cancelados, o Planet Hemp

viajava com o advogado junto e um habeas corpus preventivo. Com a

proximidade das eleições, o conservadorismo cresceu junto. Alguns shows

foram embargados, outros, não, mas ninguém sofreu tanto na pele quanto os

músicos durante a prisão em Brasília.

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Deputado federal pelo Partido Verde do Rio de Janeiro, Fernando Gabeira

era um dos maiores nomes no debate sobre a descriminação da maconha no

Brasil. Foi para ele que o Planet Hemp telefonou às quatro da manhã de

domingo e avisou da prisão. Na segunda-feira pela manhã, Gabeira conectou

a Sony e a Na Moral Produções ao advogado Nabor Bulhões que, contratado,

pediu relaxamento da prisão, apontando que os autos não detalhavam as

músicas e as expressões que caracterizavam apologia às drogas.

Ao mesmo tempo, o parlamentar telefonou para o então governador,

Cristovam Buarque, do PT, que não se mostrou muito interessado em

intervir. Diferentemente do secretário de Segurança de Brasília, que permitiu

a sua entrada na prisão: Gabeira visitou os músicos e transformou o caso em

um debate sobre a liberdade de expressão. Ele esteve na CPE acompanhado

dos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Roberto Freire (PPS-PE) e do

deputado João Paulo (PT-SP), que discutiu com o diretor da Polícia Civil e

disse: “Vou ler no plenário as letras do Planet Hemp, aí o senhor vai lá e me

prende”.

Gabeira, a gravadora, a produtora e o advogado da banda iniciaram as

negociações para libertar os artistas. Mas, naquele momento, com trinta graus

dentro da cela, tudo o que D2 e seus amigos queriam era tomar um bom

banho, mas não tinham nem mesmo toalhas. Responsável pela prisão do

Planet Hemp, o juiz da 1ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais de

Brasília, Vilmar José Barreto de Pinheiro, negou a petição de Nabor Bulhões

e manteve o sexteto preso.

O delegado da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Distrito

Federal, André Barros, também visitou a banda, que pedia ao menos o direito

de ouvir música. O delegado responsável dizia que a “sua cadeia” ia virar

uma boate e que todos os presos poderiam pleitear a mesma coisa. O grupo

de advogados explicou que era uma situação excepcional, pois se tratava de

uma banda de música e de presos provisórios. Após muita negociação,

conseguiram convencê-lo e, assim, amenizar o martírio atrás das grades.

A prisão do Planet Hemp foi destaque nos telejornais daquela segunda-

feira. Paulo André, criador do festival Abril Pro Rock e empresário de Chico

Science, soube através do Jornal Nacional, da TV Globo. E pensou: “Que

publicidade do caralho! Foi um holofote neles e ganharam o respeito de todos

os maconheiros do Brasil”.

No Rio de Janeiro, a diretora do Circo Voador, que continuava fechado,

ficou muito, muito puta da vida: “Minha raiva era acumulada por conta da

perseguição ao Circo e ainda mais pela prisão do Planet. O Circo Voador

estava fechado pelo Cesar Maia e mantido pelo Conde. Houve uma

movimentação de apoio que envolveu políticos, artistas, produtores, juristas,

jornalistas. No encontro, no Teatro Leblon, a indignação e a inflamação eram

tão grandes, que ninguém se ouvia. Todo mundo queria falar, gritar,

protestar”.

Naquela época, a assessoria de imprensa da banda recebia o clipping uma

vez por semana e pelo correio. Quando era para divulgar um show, o release

e as fotos de divulgação do Planet Hemp seguiam para a imprensa local por

correio, três semanas antes da apresentação. Com tantas dificuldades na

comunicação antes da popularização da internet, as notícias chegavam aos

parentes e amigos dos músicos com certa demora. O que aconteceu nos dias

seguintes deu ainda mais visibilidade ao grupo, que ficou conhecido em todo

o Brasil.

Reprodução da matéria publicada no quarto volume da coleção “História do rock brasileiro”, lançadapela revista Superinteressante em 2004.

CAPÍTULO 35

BASEADO EM FATOS REAIS

A prisão do Planet Hemp começou a ser planejada quatro dias antes do show

em Brasília, com um laudo do Instituto de Criminalística e um mandado de

busca e apreensão emitido pelo juiz Vilmar Barreto. Com a papelada em

mãos, o delegado-chefe Eric Castro e seus agentes vestiram-se de grunges e,

munidos de câmeras, se infiltraram entre os seis mil fãs, na maioria

adolescentes. Os músicos foram presos na madrugada, assim que terminaram

de tocar, sem oferecer qualquer resistência. Seus quartos no Eron Hotel foram

revistados e interditados [255].

Marcello Lobatto passou a madrugada na porta da delegacia: “O Roberto

Augusto, presidente da Sony, não podia atender o telefone, pois já corria um

processo de racismo contra a gravadora. Então, os jornais começaram a me

procurar, e eu, inexperiente com a imprensa, disse para um deles, acho que de

Minas: ‘Sabe como é a polícia no Brasil, né? Pode arrancar, levar eles pra

vala e... Foi!’. Isso deu manchete no jornal. Tipo o empresário fica na porta

da delegacia para não matarem a banda”.

Quando entraram na cela da CPE às onze da manhã de domingo, os seis

músicos encontraram um chuveiro sem água, uma privada e uma torneira.

Dormiram no chão até que chegassem os colchonetes. Outros detentos

emprestaram um dominó, uma Bíblia e revistas de mulheres peladas.

Pensaram em escrever uma música chamada “Nada fácil”. A prisão da banda

foi destaque no Fantástico, da TV Globo. O delegado argumentou que o

show foi a prova do crime, enquanto o deputado Fernando Gabeira alegou

que o flagrante foi impreciso, em ação premeditada.

No dia seguinte, como integrava a Comissão de Direitos Humanos da

Câmara, Gabeira conseguiu entrar e visitar a banda. Ele levou frutas e

água [256]. A prisão dos seis músicos mobilizou políticos, artistas e

empresários, mas principalmente os parentes, os amigos e os fãs da banda. Na

frente da delegacia de polícia especializada em Brasília, jovens em vigília

protestavam em sinal de solidariedade. Como diz o ditado: quem tem amigo

tem tudo. Com a ajuda de um parceiro, Didiu Rio Branco conseguiu entrar na

CPE, por volta de meia-noite, e levar para os brothers alguns itens de

“primeira necessidade”, como chicletes, sanduíches, chocolates e revistas

masculinas.

Na terça, o Planet Hemp já havia se transformado numa causa e tomado o

Brasil inteiro. Grandes nomes da música se uniram numa comissão, Marisa

Monte e Gilberto Gil divulgaram um manifesto e os empresários da banda

contrataram um parecer dos advogados Técio Lins e Silva e Dario

Corrêa [257]. Reclamando do cardápio da prisão (arroz, feijão, carne, farinha e

jiló), os músicos receberam camisetas e cuecas limpas, chinelos, escovas,

sanduíches e frutas [258].

No quarto dia de confinamento, uma quarta-feira, meio que na surdina, o

diretor da polícia civil rapidamente enfiou os seis hempers num camburão e

os enviou para o presídio de segurança máxima da Papuda. Ele queria se

livrar daquele pepino, tirar o foco da imprensa, que ficava vinte e quatro

horas na porta da sua delegacia. Gabeira havia brigado com Cristovam, pelo

não envolvimento no caso, e D2 achava um absurdo ter sido preso numa

cidade governada pelo PT, o “partido dos artistas”. Então Gabeira avisou

sobre a transferência da banda ao senador Roberto Freire, que ligou

imediatamente para o governador do Distrito Federal.

Num camburão para quatro detentos, os seis amigos se apertavam em

direção ao presídio. Estava muito quente e o motorista dava freadas bruscas

para sacanear os caras. No meio do caminho, antes de chegar ao destino final,

o motorista recebeu um rádio mandando que eles voltassem. A ordem partiu

do próprio Cristovam Buarque, que, preocupado com a repercussão negativa

do caso, ordenou que o veículo desse meia-volta. Nessa hora, o policial ao

volante copiou, desligou, respirou fundo, virou-se para trás e, com sangue nos

olhos, ironizou: “Se deram bem, hein?”.

O advogado Nabor Bulhões impetrou mais um habeas corpus e Gabeira

conseguiu que o grupo fosse transferido do CPE em Brasília para a 3ª

Delegacia de Polícia, na cidade-satélite de Cruzeiro, que era uma delegacia

recém-reformada. A banda ficou numa cela de quinze metros quadrados com

uma TV levada pelo próprio Gabeira. Até lanche do McDonald’s receberam.

Perto da anterior, aquela era um luxo! Após um concurso de flexões, vencido

por D2, ele se tornou o xerife da cela e escolheu a cama de cima do beliche.

No Congresso Nacional, o deputado carioca conseguiu uma audiência

entre o ministro Íris Resende e uma comissão formada por Marisa Monte,

Fernanda Abreu, Paula Toller e Dado Villa-Lobos, que pedia a liberdade dos

músicos [259]. Gabeira defendia a mesma causa do Planet Hemp, com uma

simples diferença: “O que eles dizem em forma de canção, eu digo em forma

de discurso [260]”.

Nesse mesmo dia, os músicos também receberam a visita do Hamilton

Pereira, na época secretário de Cultura do DF, que durante a ditadura militar

ficou cinco anos preso. Enquanto isso, nas ruas de Brasília, o delegado Eric

Castro e sua equipe de agentes varria as lojas de discos recolhendo todo o

material do grupo [261].

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Pouco depois de o Planet Hemp ser preso em Brasília, o grupo

pernambucano Faces do Subúrbio também sofreu na mão da polícia. A banda

apresentava a música “Homens fardados”, no Parque de Exposição de

Animais, no Recife, quando o show foi interrompido e os músicos receberam

voz de prisão. Os vocalistas Tiger e Zé Brown, de vinte e três anos, e o

baterista Garnizé, de vinte e cinco, foram levados de camburão debaixo de

tapas, pauladas e beliscões, enquanto eram chamados de “maconheiros”. Os

outros três integrantes se trancaram no camarim e escaparam.

Alegando que precisavam acalmar o público, cerca de oitenta policiais

desceram o cacete na galera, chegando a quebrar o pé do baterista Luiz Inácio

Ferreira, que havia feito o show de abertura com a sua banda, Via Sat. Os

músicos detidos chegaram à delegacia por volta de meia-noite de segunda e

foram soltos por volta das quatro da manhã de terça-feira, após interferência

do secretário de Imprensa do governo de Pernambuco, que acompanhou de

perto a confusão. Mesmo após o caso, os artistas continuaram sofrendo

ameaças [262].

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Privado da liberdade e sem nem mesmo um beck pra fumar, a semana de

“Back” Alien foi tensa, com um clima ruim e um peso nas costas muito

grande: “Primeiro ficamos na cadeia, e depois numa cela da federal, junto aos

presos por roubo de carga, crime de falsidade ideológica e colarinho branco.

Numa cela ao lado tinha uma galera pesada, e, do outro, era só de mulheres

171 – tanto que uma senhorinha ia para casa todo dia e trazia biscoito de

polvilho pra gente. Tem uma foto no IML esperando pra fazer exame de

corpo delito, onde eu apareço sentado no chão com aquele cheiro de morte no

ar. Aconteceu, tá acontecido. Mas eu vou morrer achando que o estado nos

deve desculpas”.

Para esta biografia, Fernando Gabeira declarou ao autor: “Defendi na

época que eles não estavam fazendo apologia, pois apologia, uma palavra que

deriva de Apolo, significa endeusar. Visitei diariamente o grupo na cadeia,

levando meu conforto e também a experiência de quem já tinha passado por

muitas cadeias no período da resistência ao governo militar. Eles se

comportaram muito bem, e com a ajuda de um criminalista foram soltos.

Creio que o grupo defende apenas a descriminalização da maconha e tem

direito a expressar sua opinião, em música e verso. O período nos aproximou

muito e creio que ficou uma sensação de amizade entre nós, embora

tenhamos nos encontrado poucas vezes depois do episódio”.

A articulação política e jurídica deu certo. O desembargador Otávio

Augusto Barbosa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aceitou a

argumentação da existência de erros técnicos no flagrante e nos autos de

prisão, apresentada pelos advogados Nabor Bulhões e D’Alembert Jaccoud.

Os policiais que prenderam a banda simplesmente não citaram o nome das

músicas nem os trechos que faziam apologia, invalidando o flagrante. A ação

policial foi ilegal e abusiva.

Na quinta-feira, 13 de novembro, por volta das duas da tarde, os seis

músicos do Planet Hemp deixaram a cela oficialmente, mas ainda precisaram

esperar por duas horas até a chegada dos alvarás de soltura. Na sala de

vigilância, se abraçaram e cantaram muito (“ô, ô, ô, ô, Nabor, Nabor, Nabor”)

homenageando o advogado. Gabeira declarou que a polícia de Brasília “foi

incompetente a ponto de ser comovente”. E o deputado João Paulo (PT)

chegou a cantar trechos de músicas da banda no plenário [263].

Para mostrar que eram da paz, as primeiras fotos “livres” mostravam os

artistas de camiseta branca, limpa e lisa, no lugar das que usaram por cinco

dias seguidos. A banda entrou num furgão no pátio da delegacia e passou

direto pelas cem pessoas que esperavam em frente ao local, aos gritos de

“Legaliza! Legaliza! [264]”. Nessa pequena multidão, estavam Didiu, Betinho

e várias fãs.

Mesmo livres, a vida continuaria sendo dura para esse bando de

maconheiros do Rio (e de São Paulo). Na ocasião, o diretor-geral da Polícia

Federal disse que nunca ouviu os discos da banda, mas que os integrantes

seriam presos todas as vezes que cantassem músicas sobre maconha. O então

ministro da Justiça, Iris Rezende, que era evangélico e contrário ao projeto

que descriminava o uso da erva, prometeu comprar um CD para analisar [265].

Gabeira protestou contra a contradição, já que o próprio Conselho Federal de

Entorpecentes se manifestara contra a prisão. E afirmou que, se fosse

necessário, apelaria ao então presidente, Fernando Henrique Cardoso [266].

Com a polêmica em torno da prisão, o Planet saiu de trás das grades com

quatrocentos e setenta mil discos vendidos, sendo duzentos e vinte mil de

Usuário e duzentos e cinquenta mil de Os cães ladram mas a caravana não

pára. A Sony Music não se pronunciou. Gabeira acreditava que o episódio

apressaria a votação no Senado de um projeto aprovado na Câmara dos

Deputados, que descriminava o uso da ganja. E projetou um desafio para os

músicos: “Agora eles vão ter de mostrar para uma juventude fascinada que

não são heróis, que não querem ser condutores de nenhuma forma de opinião

ou comportamento [267]”.

Apesar de ter saído da banda dois meses antes da prisão, o tecladista

Apollo também foi beneficiado: “O Planet era uma banda de duros, ninguém

tinha dinheiro. A prisão foi o melhor case publicitário que eu já vi. Eu sei

porque ganhei os direitos autorais disso. Em uma semana a gente vendeu

muito, e recebi dinheiro pra caralho”.

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Em agosto de 1976, grávida do seu primeiro filho (Beto), a cantora Rita

Lee foi presa por porte e uso de maconha. Apesar de ter parado com tudo por

conta da gravidez, a ditadura militar encontrou pontas na casa e condenou a

artista a um ano de prisão domiciliar. Nesse mesmo ano, Gilberto Gil foi

preso por porte de maconha num hotel, em Santa Catarina. Nos anos 1980,

Titãs, Lobão e RPM também rodaram com drogas. Quando o Planet Hemp

foi enfim solto, a roqueira cantou a pedra: “O final dessa novela de agora será

mais ou menos o seguinte: o Planet Hemp vendendo milhões de discos e o tal

delegadozinho indo preso em flagrante num antro de prostituição

infantil [268]”.

O juiz Vilmar José Barreto Pinheiro, que prendeu o Planet e proibiu as

rádios do DF de executarem quatorze músicas da banda, era o titular da 1ª

Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais de Brasília desde 1995.

Alguns anos depois desse episódio autoritário, ele foi acusado de receber

quarenta mil reais para libertar um suposto traficante, que tinha o irmão de

Vilmar como advogado [269]. Em 2013, após dez anos de processos e

investigações, o TJDFT condenou o magistrado por violação dos deveres

funcionais. Com a aposentadoria compulsória, o juiz manteve os seus

vencimentos, com remuneração bruta de R$ 28.761,43 [270].

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O que ninguém soube é que, da delegacia, a banda não foi pegar o avião

de imediato. A crew passou no hotel Brasília Imperial e seguiu para a casa da

dona Nilda, mãe do desenhista Didiu Rio Branco, que morava bem próxima

do aeroporto. Enquanto esperavam o voo noturno para o Rio de Janeiro, os

músicos do Planet Hemp comemoraram a liberdade bebendo várias cervejas,

fumando vários baseados e levando um som. Black Alien deu a sua camisa

com o logo da banda para Didiu, que retribuiu com uma num estilo Hare

Krishna.

A festinha da tarde contou com a presença do Betinho, então diretor de

palco dos Raimundos; meia dúzia de fãs, que também estavam na vigília na

prisão e foram no bonde; dos músicos Daniel e Ralph d’Os Cabeloduro;

algumas vizinhas, que ele sequer conhecia; e um paparazzo, que fotograva

para um jornal e foi devidamente expulso.

Por pouco a baladinha não acabou em sangue. Lá pelas tantas, D2 saltou

na piscina e bateu com a cabeça na parte mais rasa. Marcelo ficou com um

galo enorme na testa, que, para tirar uma onda, ele dizia ter sido na prisão.

Depois do acidente aquático, durante algum tempo ele usou uma touca para

esconder o machucado. O vocalista havia realizado o sonho de Skunk, e não

desistiria tão fácil do plano pactuado com o falecido amigo.

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Triste ou feliz, sóbrio ou doidão, Marcelo sempre ligava para a Manu de

noite ou de madrugada. No dia em que ele foi preso, ela achou que era uma

dessas ligações bêbadas e desligou. Ela estava deitada no colchão do quarto

simples, com uma mesinha de cabeceira, no apartamento do Jardim Botânico.

D2 precisou ligar umas três vezes até Manu acreditar que era pra valer: o

Planet Hemp tinha sido preso.

Foram dias de angústia. A banda estava o tempo todo para sair, mas não

saía. No meio de tantas incertezas, Manu estava lá no aeroporto quando o

companheiro voltou para casa. De maiô e cabelo verde, registrado pela MTV.

Ao saber que o Planet havia sido solto, Alice Pellegatti também foi com uma

amiga até o aeroporto, onde receberam os meninos com pétalas de rosas. Mas

a cena que Manu nunca esqueceu foi a da mãe do Marcelo superpreocupada e

do Lobatto tentando acalmá-la: “Não se preocupe, Paulete, que agora vai

vender mais”.

Na mesma noite em que chegou ao Rio, D2 e Manu saíram para dançar e

beber na Febre, uma festa de drum and bass criada por Bruno Levinson e o

DJ Calbuque, que rolava na boate Gueto, em Botafogo. Um mês depois da

prisão, quando Marcelo olhou a sua conta bancária, tinha trinta mil reais [271].

Foi a primeira vez que ele ganhou dinheiro de verdade com o Planet Hemp. E

o Lobatto estava certo. Depois da cadeia, a banda vendeu muito mais.

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A banda toda voou para o Rio, com exceção de Zé Gonzales, que morava

em outra capital:

“Quando cheguei em São Paulo, já comprei a passagem para Amsterdã.

Fui pra Cannabis Cup sozinho, com a minha namorada à época. Foi a minha

terceira vez lá, cheguei a discotecar, dei entrevista e falei do Planet, parecia

uma celebridade. Aí, dias depois, o Nuts chegou também com o Gui, meu

irmão, mas ele [Nuts] tinha combinado de voltar para o Brasil para tocar com

O Rappa. Só que ele acabou ficando por lá. Quando voltamos, O Rappa tinha

feito um show em São Bernardo [SP] e deixou os equipamentos dele na nossa

garagem. Aí o Nuts foi mandado embora d’O Rappa e eu comecei a levá-lo

com a gente. Rolaram alguns shows do Planet com dois DJs e quatro toca-

discos! Foi quando surgiu o DZ Cuts, nosso crew de DJ e produção. [A gente]

fazia discotecagem na noite juntos. Ele chegou a participar das primeiras

ideias do [disco] Eu tiro é onda, foi a única parada que fizemos em dupla. Ele

fez um pouco da turnê do disco e seguiu”.

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Mesmo fora da cadeia, o Planet Hemp continuava no centro das conversas.

A prisão da banda deflagrou um debate nacional sobre liberdade de

expressão. Parte da imprensa tratou como uma ação policial estabanada, que

se reverteu em promoção para os artistas. Na terça-feira, o Planet Hemp

concedeu uma coletiva de imprensa totalmente lotada, num hotel na Zona Sul

do Rio, com cobertura até da emissora norte-americana CNN.

Durante a entrevista, se declararam vítimas de perseguição, anunciaram o

cancelamento dos shows até o fim do ano e afirmaram que os planos de

tocarem em fevereiro de 1998, na Europa, também estavam cancelados. E,

como a banda vivia dos ingressos vendidos nos shows, cancelar era um

grande prejuízo, ainda mais próximo ao réveillon e às férias de verão. O

discurso girou em torno de um habeas corpus preventivo para garantir a

realização dos shows. Marcelo D2 também contou que a polícia tentou

apreender os discos em Brasília, mas não encontrou nenhum nas lojas: “Ou

vendeu tudo ou estão escondendo. Daqui a pouco, nosso disco vai ser

vendido no alto dos morros, como as drogas [272]”. Em outro momento da

coletiva, Marcelo expressou suas opiniões: “A gente tava lotando casa de

show com sete mil pessoas, e eu acho que eles não estavam preparados para

que a gente tivesse esse poder todo em nossas mãos. Eu acho que isso tudo

assustou muito [273]”.

Logo depois, em entrevista a uma revista de São Paulo, o líder da banda

contou que uma das primeiras coisas que ele fez quando voltou ao Rio foi ir

ao Maracanã, ver o Flamengo jogar: “Foi a galera me ver no estádio pra

explodir no grito: ‘Maconha, maconha!’. Agora, acho horrível que comecem

a nos considerar heróis. Faltou respeito de parte da mídia e da Justiça para

com o trabalho do Planet. Vendemos quinhentos mil discos, gostem ou não.

Se há limite, não é liberdade. E, se o Planet Hemp ultrapassa esse limite,

então ele é muito raso. Tem que ir mais fundo [274]”.

No dia seguinte à entrevista coletiva, o empresário e político Turco Loco

disponibilizou um trio elétrico para um evento em solidariedade à banda, na

praça Charles Miller, em São Paulo. Participaram do ato artistas (como a

banda Pavilhão 9) e VJs da MTV (como Cazé e Astrid Fontenelle). O DJ Zé

Gonzales compareceu. Cerca de trezentas pessoas participaram, inclusive

fumando um no local. A polícia só chegou duas horas depois, com três

viaturas, mas apenas observaram [275]. Poucos dias após o evento, a banda

conseguiu um habeas corpus preventivo, que proibia a prisão dos músicos

antes do julgamento do processo em que eram acusados de incentivar o

consumo de drogas.

Por intermédio da Soninha, o Rodrigo Brandão também ajudou no ato pró-

Planet, no Pacaembu: “Eu fui DJ no evento, toquei em cima de um caminhão.

Eu lembro que assim que o Marcelo saiu, a MTV ligou pra ele e ele disse que

queria falar comigo. Além de sermos amigos, nessa época eu estava

namorando com a Dani Dacorso, a irmã da Gio, com quem ele namorou. O

Planet Hemp era o som do Body Count com a temática do Cypress Hill, só

que ninguém tinha feito isso no Brasil, era Zeitgeist [276] mesmo”.

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Serginho Groisman foi a primeira pessoa a noticiar que a banda estava

livre, e por isso convidou o Planet Hemp para tocar e dar entrevista ao vivo

no Programa livre. Porém, Marcelo D2 temia ser preso novamente e não

queria sair de casa. No dia da participação, ele estava em casa com a Manu, e

os dois tomaram um ácido muito, muito forte. Ficaram tão doidos, que o

vocalista resolveu não viajar.

Preocupados com o sumiço do homem de frente, que não atendia o

telefone nem a campainha, Ronaldo e Lobatto chamaram um chaveiro e

arrombaram a porta do apartamento. Encontraram o casal completamente

chapado. Deram um sacode, colocaram o D2 no primeiro avião para São

Paulo, de onde ele pegou um helicóptero direto para o estúdio do SBT. Reza

a lenda que esse helicóptero foi emprestado pelo próprio Silvio Santos.

A banda começou o programa ao vivo e em rede nacional sem ele.

Conforme o programa (e o tempo) avançava, o apresentador foi alfinetando:

“O D2 dorme até tarde?”, “O D2 costuma se atrasar?” etc. Bacalhau e Black

Alien responderam às perguntas da plateia e, no ato musical, Jackson fez a

parte de D2 no vocal, ao lado do Black. Nos trechos que falavam de

maconha, eles simularam apitos, em vez de pronunciar a palavra [277].

Marcelo chegou no estúdio exatamente na hora em que subiam os créditos

de encerramento do programa. Para não perder a viagem, a solução foi gravar

com D2 e exibir a participação num segundo programa. No meio da

gravação, a Justiça emitiu o habeas corpus preventivo, que impedia a prisão

deles depois de shows. Com seu vocalista de volta, na segunda parte D2

cantou. E falou: “Temos que informar as pessoas sobre a maconha. Muita

gente coloca a gente como herói ou como bandido. Somos apenas músicos”.

Com o documento em mãos, a banda voltou a agendar shows [278].

Nesse dia, Jackson enfrentou a segunda resistência na banda, depois do

empresário Ronaldo Pereira: “Quando o Rafael saiu, o Bacalhau meio que

ficou pagando de dono da banda, junto com o Marcelo. O Formigão nunca

falava nada e eu sempre dividia quarto com ele. Mas o Bacalhau ficou meio

arrogante, cheio de direitos e tal. E o Ronaldo, que colava com ele, achava

que eu, o Zé e a galera que ele tinha levado pra banda éramos playboys. Eu já

saí na porrada com o Bacalhau dentro da Van. Ele queria mandar em mim e

eu já estava de saco cheio”.

Verdade seja dita: Jackson não era uma unanimidade na banda. Muitos

achavam que ele não tocava guitarra à altura do Rafael. Tanto que, no futuro,

desenvolveu-se melhor rimando e produzindo. Nas internas, mesmo tendo

sido preso com a banda, os seus dias no Planet Hemp estavam contados.

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Mesmo antes da prisão, enquanto o segundo disco era prensado na fábrica

da Sony, a banda tratou de se precaver juridicamente. Além de iniciar a turnê

d’Os cães ladram com uma equipe técnica completa e um advogado,

encomendaram um parecer legal que não impedia a prisão, mas servia de

fundamento teórico contra a perseguição que a banda estava sofrendo. O

empresário Marcello Lobatto nunca se esqueceu do valor: “Dez mil reais por

dez páginas, mil reais por página”.

Valeu cada centavo. O parecer legal foi elaborado pelo advogado Técio

Lins e Silva, que, em 1985, na Nova República, foi presidente do Conselho

Federal de Entorpecentes, do Ministério da Justiça. O Brasil havia saído de

uma ditadura militar duríssima, vinte anos em que os habeas corpus ficaram

suspensos. E, nessa Nova República, era importante fixar novos

fundamentos.

“Para entender o momento e a legislação vigente à época, a Lei n. 6.368estabelecia que qualquer pessoa (inclusive padre, pastor, síndico, professor)que quisesse falar em público sobre o tema drogas tinha que submeter o seutexto a um órgão colegiado que o autorizasse. Em 1985, com base da forçada autoridade moral do Conselho Federal de Entorpecentes, nós revogamos,por portaria, que não era mais necessária essa autorização para que qualquerpessoa falasse sobre drogas, a favor, contra, ou nem um nem outro, elaresponderia pelos abusos que praticasse. Então o CFE restabeleceu essefundamento necessário para a existência da democracia, que é a liberdade depensamento.

Além disso, por conta de um obscurantismo e de um fundamentalismo dessalegislação, a polícia federal começou a prender os integrantes das igrejasUnião do Vegetal e Colônia Cinco Mil, em Rondônia e no Acre, pelo uso dafolha da chacrona (psychotria viridis), que é mato amazônico vegetal. O seuuso ritual começou a ser reprimido porque um dos princípios ativos dessamistura de vegetais constava da lista de medicamentos com substânciasproibidas, e o porte dela justificava a prisão em flagrante. E começaram aprender os membros dessas seitas, desses grupos.

O Conselho Federal de Entorpecentes conseguiu tirar da lista essasubstância, ingrediente fundamental para a preparação da ayahuasca, usadanos cultos do chamado Santo Daime. Isso tem mais de trinta anos! E essetempo indica o quanto a decisão foi acertada, porque não há caso de usoabusivo desse chá que veio dos incas, das populações andinas [279]”.

A prisão do Planet Hemp gerou um debate intenso em torno do artigo 12

da Lei n. 6.368 e o artigo 5º da Constituição Federal e resultou num fato

concreto e palpável. A Lei n. 6.368 foi revogada e houve uma

despenalização, ou seja, o usuário de qualquer droga não é mais apenado, não

vai para a cadeia como ia quando era pego com uma bagana ou

microquantidade de cannabis ou substância proibida. Para o advogado, hoje a

legislação está um pouco mais moderna: “O artigo 12 tinha dezoito verbos,

dezoito condutas humanas como se fossem condutas de tráfico de drogas.

Acho que a tendência é a despenalização e a descriminalização. Tem sido

assim no mundo inteiro, em Portugal, no Uruguai, em diversos estados dos

protestantes Estados Unidos da América, em vários países da Europa. A

tendência é de as pessoas caírem na real e não colocarem numa substância

todo o fundamentalismo, como se ali morasse Satanás”.

No fim das contas, Lins e Silva comemora não a vitória de um grupo

musical, mas o reconhecimento de valores fundamentais da cidadania. “A

Justiça reconheceu que a liberdade de pensamento é um valor superior a

preconceitos. Venceu a liberdade de pensamento contra o fundamentalismo e

a ignorância.”

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Boa parte da publicidade gratuita que o Planet Hemp capitalizou proveio

da imprensa diária, que noticiou o dia a dia da banda na cadeia, cada um com

a sua própria visão. Até por ser do Rio, cidade natal da banda, o Jornal do

Brasil cobriu, diariamente, até o desfecho feliz da história. Também carioca,

O Globo começou a acompanhar o caso mais de perto em outubro, com o

cancelamento de dois shows no Rio (na Hípica e em Duque de Caxias),

quando Lobatto declarou que dez a vinte por cento dos shows pelo Brasil

eram cancelados [280]. Muitos desses shows foram inviabilizados por serem

proibidos para menores de dezoito anos, que representavam mais de

cinquenta por cento do público do grupo [281].

A primeira matéria d’O Globo sobre a prisão contrapôs o delegado Eric

Castro (“tenho 14 anos de polícia e nunca tinha visto tanto consumo de

maconha”) e Marcelo D2 (“não somos criminosos, estávamos só

trabalhando”) [282]. Quando a banda foi solta, o discurso do vocalista era de

vitória (“essa prisão só reforça o que a gente já canta. Ela prova que estamos

no caminho certo ao questionar a hipocrisia social e exercer o livre direito de

opinião”), porém sem assumir protagonismos. Como bem resumiu Black

Alien, “as letras não falam só de maconha, mas de todas as coisas que nos

incomodam. Mas não somos partido político, somos uma banda [283]”.

Em São Paulo, o Estadão dedicou ao episódio dois editoriais bem duros.

No dia seguinte à liberdade do Planet Hemp, o jornal publicou, no seu

editorial, que a prisão da banda foi muito bem-vinda, “se for o prenúncio de

uma atitude mais rigorosa das autoridades contra as campanhas, mais ou

menos explícitas, que se fazem neste país para promover o consumo de

drogas”. Mais adiante, ao chamar Gabeira de demagogo-mor da ignorância e

da irresponsabilidade, declarou que “a apologia das drogas ainda é uma causa

alegremente abraçada por uma fração expressiva do chamado meio artístico e

intelectual no Brasil”.

Sem distinguir usuário de traficante, o jornal relatou que em 1996 a PM

prendeu onze mil, setecentas e quarenta e sete pessoas acusadas de uso e

tráfico de drogas, só na cidade de São Paulo, um número trinta por cento

superior ao ano anterior. E que, no Rio de Janeiro, dos mil e quinhentos

jovens, de doze a dezoito anos, presos no primeiro semestre de 1997, um

terço estava envolvido com drogas. O editorial finaliza com dureza: “Não há

nada de engraçado nem de artístico e muito menos de democrático ou

libertário em sua apologia. Todo o rigor da lei ainda será pouco para deter

aqueles que ganham a vida, seja negociando, seja fazendo propaganda das

drogas. Eles são criminosos de extrema periculosidade [284]”.

Uma semana depois, o mesmo veículo publicou outro editorial. Começava

dizendo que a prisão da banda “foi o estopim para um espetáculo de

insensatez, de marketing demagógico e de discurso falacioso” (...) e que “o

que está em jogo não é o direito à discussão sobre a conveniência ou não da

descriminalização do uso de algumas drogas, mas a irresponsável apologia do

seu consumo”, além de que “as drogas, estimuladas pelo embalo do som de

algumas bandas, têm ceifado muitas vidas”. Amparou-se em dados do

juizado de menores do RJ, que apontou uma migração dos jovens para a

venda de drogas, em vez do roubo e do furto, e finalizou: “Não é hora para

demagogia e falso liberalismo. O momento exige responsabilidade e senso

ético. Caso contrário, a violência continuará sendo uma trágica rotina [285]”.

Além do destaque no noticiário geral, nos meses seguintes à prisão, além

de participar de programas de rádio e TV, o Planet Hemp estampou a capa de

jornais e revistas especializadas como Bizz, Vírus e International Magazine.

Os músicos D2, Formigão e Black Alien foram caricaturados também na

capa da versão brasileira da MAD, com a mascote da revista “cheirando

maconha [286]”.

Entre julho de 1995 e meados de 2000, o jornalista Pedro Só era o editor-

chefe da Bizz. Ele próprio fez um perfil e uma capa com o D2. A prisão,

claro, era um gancho e tanto de pauta: “Na Bizz, cobrimos o grupo como

gente grande, como um dos grandes. Venderam bem quando foram capa [da

revista]. Acho que nunca tiveram críticas negativas. Era uma banda que vivia

um belo momento, inspiradíssima e desafiando o conservadorismo, em um

assunto que se impunha no cotidiano dos jovens [287]”.

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Na época da prisão, Jackson morava na casa da Elza Cohen: “A prisão

chamou mais a atenção para a causa, deu mais espaço pro Planet falar”. É

fato que o Planet Hemp não foi o primeiro artista brasileiro a cantar a erva.

Noel Rosa cantou sobre um malandro que “perdendo a doce amada foi fumar

na encruzilhada, passando horas em meditação [288]”; os Mutantes falaram em

“folhas de sonho [289]”; e, quase trinta anos depois, Rita Lee questionou “por

que uísque sim, por que cannabis não? [290]”. Na mesma época de D2 e

banda, o Raimundos pitou na Kombi [291] e apertou uma planta do Maranhão

para ficar com o olho roxo e queimar o dedo no fim [292].

Já a banda Baba Cósmica e os Mamonas Assassinas alugaram um

caminhão pra comer feijão (mas chegando lá só tinha maconha) [293], e O

Rappa vendia ervas que curam, acalmam, aliviam e temperam [294]. Isso sem

falar no Gabriel O Pensador, que acendeu, puxou, prendeu e passou [295], e

nos Virguloides, que acharam um bagulho no banco de trás do ônibus [296] e

venderam cento e oitenta mil cópias do seu disco.

O episódio da prisão dos cariocas foi utilizado pela advogada Deborah

Sztajnberg numa aula sobre letras de música que deram em questões

jurídicas: “Casos muito notórios no Brasil são os do Tiririca (a questão da

negritude), daquele funk que dizia que ‘um tapinha não dói’ [297] e o do Planet

Hemp, porque eles foram presos por apologia às drogas, quando tem toda

uma sequência de letras de apologia às drogas, inclusive uma do Gabriel O

Pensador. Mas a do Planet foi a mais proeminente porque eles foram presos”.

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Algum tempo depois da prisão, o próprio presidente da Sony pediu a Alice

Pellegatti que criasse uma recepção bacana para contrapor os dias difíceis da

banda atrás das grades. Nessa época, ela cuidava do marketing do selo Chaos,

o menor e o mais segmentado da Sony.

A produtora criou uma festa em Laranjeiras, na qual os garçons estavam

vestidos como policiais militares. Nessa época, o alto escalão da gravadora

apoiava bastante o Planet Hemp. “Ao contrário do departamento jurídico, que

sempre encrencava e não acreditava que aquelas músicas falando só de

maconha seriam o sucesso que foram”.

Apesar da fama e da grana (que começava a entrar), os músicos ainda

moravam de aluguel. Mas eles não tinham jogado a toalha. A prisão colocou

holofotes em cima dos seis integrantes e, apesar dos riscos, a procura por

shows continuava alta. O primeiro após a prisão foi negociado a peso de ouro

e, como sempre, repleto de tensão.

Cartaz do fatídico show do Planet Hemp em Brasília, onde a banda foi presa depois de se apresentar.Acervo pessoal de Pedro de Luna.

Didiu aponta para o galo na cabeça do D2 após um mergulho malsucedido na piscina. Acervo pessoalde Didiu Rio Branco.

Festa depois de sair da prisão. Da esquerda pra direita: André Gustavo, Daniel (Os Cabeloduro),Formigão, Betinho, Bacalhau e Ralph (Os Cabeloduro). Acervo pessoal de Didiu Rio Branco.

Reprodução da revista Manchete, de 6 de setembro de 1997, antes de a banda ser presa. Acervo pessoalde Bacalhau.

Bacalhau, D2 e Black Alien, na coletiva após a prisão. Reprodução do jornal International Magazine #42, dezembro de 1997.

CAPÍTULO 36

FAZENDO ESCOLHAS

O primeiro show após a prisão foi em Uberaba (MG), pelo dobro do preço

que a Na Moral Produções cobrava antes do episódio em Brasília. Muito mais

famosa, é claro que a banda valorizou o seu passe. Os músicos e a equipe

técnica comemoravam dentro do avião, aguardando a decolagem, quando o

comandante anunciou: “Bom dia, senhores passageiros, nosso voo vai para

Uberaba e eu gostaria de dizer que sou a favor da liberdade de expressão”.

Parecia que tudo estava a favor da banda. Só que não.

Quando a aeronave pousou, o mesmo comandante comunicou pelo rádio:

“Bem-vindos ao aeroporto de Uberaba. Todos os passageiros devem

desembarcar, exceto os integrantes do PLANET HEMP”. Ao olhar pela

janela, os músicos avistaram dezenas de homens de preto cercando o avião.

Os policiais fizeram um corredor polonês no desembarque, escoltando a

banda até a sala de bagagens. A sorte é que havia um ponto falho na

segurança. Os policiais aguardavam a saída da crew no fim da sala de

desembarque, mas havia um banheiro no meio do caminho. Todos se

entreolharam e entraram no toalete ao mesmo tempo, dispensando os

flagrantes na descarga. Os policiais assistiram àquela cena incrédulos, sem

poder sair de suas posições. Livres de flagrantes, os artistas não podiam ser

presos novamente.

Durante a passagem de som, a polícia apareceu novamente e pôs os

cachorros no palco, farejando os equipamentos. Não encontraram nada e o

show aconteceu tranquilamente. Ronaldo Pereira lembra que, quando enfim

ia-se ganhar dinheiro de verdade, os shows foram proibidos: “Até então, o

cachê mais alto devia ter sido uns vinte e cinco mil reais. Não sei como ficou

depois, mas um cachê foda hoje é de quinhentos mil. O problema é que, num

fim de semana em que iam rolar quatro shows, caía para um. Até então, dava

para cada um ganhar uns cinco mil reais por show. Na minha época, todo

mundo ganhava igual. Aí um alugou casa, outro comprou carro, mas nada

demais. Quando o D2 ficou solo, ele sim chegou a outro patamar [298]”.

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Mordida com a volta por cima dos maconheiros, a polícia civil de Brasília

enviou cartas a rádios e boates, proibindo a execução de músicas do Planet

em todo o Distrito Federal. Com medo de multa, emissoras como a

Transamérica FM acataram a ordem imediatamente.

No Recife, o juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Bartolomeu

Bueno de Morais, proibiu a entrada de menores de dezoito anos no show,

afirmando que o grupo fazia “apologia do uso da maconha, substância vejetal

[sic] de uso proscrito, ilícito e proibido no Brasil”, característica “prejudicial

à formação do jovem [299]”. Esse show, no Circo Maluco Beleza, foi

produzido por Jorge Ayres, que se viu obrigado a devolver mais da metade

dos três mil ingressos vendidos antecipadamente. Ainda assim, mil e

novecentas pessoas pagaram para ver a banda, que tocava pela primeira vez

no Recife depois da prisão. Segundo reportagens da imprensa local, seriam

mobilizados cinquenta policiais naquela noite e o Departamento de Polícia da

Criança e do Adolescente funcionaria com dois delegados de plantão e toda

equipe reforçada [300]. Na hora do show, o contingente foi ainda maior: foram

enviados aproximadamente setenta homens, sendo quarenta do Batalhão de

Choque.

Menores entraram com documento falsificado e outros foram extorquidos

por policiais do lado de fora. Quando a banda subiu ao palco, o advogado

Rogério Bastos da Costa fez o sinal da cruz. Coincidentemente, a energia caiu

durante “Porcos fardados”, demorando vinte minutos para voltar. O Planet

fez uma jam session com o Faces do Subúrbio e músicos locais foram

convidados para cantar “Maracatu de tiro certeiro”, de Chico Science. Ao

final, D2 soltou a bomba: “Espero que todos tenham se divertido muito, e que

ninguém vá preso hoje”. Dessa vez, a banda não foi para o camarim após o

show. Seguiram direto para o carro e de lá para o hotel [301].

Responsável pelo evento, Jorginho conheceu o Planet Hemp trabalhando

no festival Abril Pro Rock e produzindo shows do Jorge Cabeleira e o Dia

Em Que Seremos Todos Inúteis. Algum tempo depois dessa noite, ele se

mudou para o Rio e começou a trabalhar para a Na Moral Produções.

Ainda em dezembro de 1997, a banda fez dois shows no interior de São

Paulo com o Carlão, em Santo André e Vinhedo, mas viu cair o de São Luís.

Seria a primeira vez na capital do Maranhão. No Rio, o grupo emplacou duas

músicas ao mesmo tempo no Top 10 da rádio Cidade FM, “021” e “Hip Hop

Rio”, na frente de gringos como Oasis, Metallica, Sublime e Bush.

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O fim do ano foi realmente animado. Havia uma fila enorme de bandas

boas Brasil afora esperando por uma oportunidade. Aquela era a hora do

Funk Fuckers, a banda do BNegão. Em 1996, eles bateram na trave,

projetados na coletânea Paredão (EMI) com três músicas: “The Funk

Fuckers Is Intha House” (num clipe à la Beastie Boys, com três vocalistas na

pressão: Bernardo, Flavinho e Leon!), “Marieta” (que também virou

videoclipe) e aquela que diz que “político safado tem que tomar tiro na

testa”.

Um reforço de peso na técnica do Funk Fuckers foi o Kadu, que, após a

prisão, saiu da crew do Planet: “O problema é que, depois da prisão, todos os

shows marcados para o Planet em novembro, dezembro e janeiro caíram. E

eu precisava juntar um dinheiro para comprar um jogo de pratos pro

Bacalhau. Então, o BNegão me chamou pra trabalhar com o Funk Fuckers.

Mas era pouca grana, tipo cem reais por show. Foi quando o Lobatto me

convidou para morar em São Paulo e trabalhar com a Nação Zumbi. Eu não

pensei duas vezes”.

Bernardo é carinhosamente chamado pelo DJ Zé Gonzales de ursinho

carinhoso: “A saída dele já era anunciada. Ele acreditava no Funk Fuckers.

Tanto que acabou a tour do Cães ladram e ele saiu. Mas não lembro de

nenhuma discussão. Mesmo depois do Planet, eu viajei pra discotecar com

ele em carreira solo”.

O vento parecia estar a favor dos Funk Fuckers. Perto do Natal, a banda

lançou a sua primeira música de trabalho, “Búlica”. Numa embalagem

bastante criativa, a gravadora colocou o CD single numa caixinha fina de

cristal, simulando um envelope dourado de camisinha. A música estreou em

sétimo lugar no Top 10 da rádio Cidade FM, à frente de O Rappa, Jon Bon

Jovi e Legião Urbana. Os Funk Fuckers apostaram que “fã se faz ao vivo” e

tocaram por todo o Rio, de Irajá ao Imperator, no Méier, abrindo para o

Suicidal Tendencies.

Outro “expatriado”, Rafael Crespo também seguia com mais alegria no

seu projeto paralelo. A Spicy Records fez uma festa memorável no Bedrock,

em Niterói (RJ), com shows do Garage Fuzz, Againe, Dash, Pelvs e

Cigarretes. O guitarrista tocava e lançava os primeiros discos de sua

gravadora independente.

Quem também teve um Natal de alegria e prosperidade foi O Rappa. A

banda de Falcão e Yuka ganhou o seu primeiro disco de ouro, por Rappa

Mundi (Warner), e a comemoração foi com uma festança no Baixo Gávea,

Zona Sul do Rio. A jam no Hipódromo Up contou com o baixista e produtor

Liminha e o vocalista Marcelo D2, que era (e é) local do BG [302].

E ali, em plena praça Santos Dumont, Marcelo começou a se sentir livre

para voar. Quando abriram a gaiola, ele saiu para ganhar o mundo. A verdade

é que depois que Bernardo e Rafael bateram asas, D2 se colocou como o líder

do Planet Hemp. Cabia a ele a missão de manter viva a missão do Skunk. E,

pegando carona na polêmica da prisão, os discos venderam muito em

pouquíssimo tempo, algo como cinquenta mil do Usuário e cem mil dos Cães

ladram. “Nós tivemos um começo avassalador”, afirmou Marcelo. “A gente

andava junto com Skank e Jota Quest, mas não tinha nada a ver. A gente era

tudo maluco, frequentava as festas... No VMB, acho que ganhei uns doze

prêmios em carreira solo, mas o Planet Hemp nunca ganhou nada!”

O problema é que o Marcelo entrou numa paranoia depois da prisão,

achava que o telefone estava grampeado e faltava aos compromissos. “Teve

uma vez que o Serginho [Groisman] pediu ao Silvio Santos o helicóptero

emprestado pra me buscar”, contou o vocalista, relembrando o episódio em

que chegou atrasadíssimo ao programa do SBT. Nas lembranças do

guitarrista Jackson, não foi apenas o Marcelo, mas todo mundo da banda

ficou noiado: “Acho que nessa época o Zé até parou de fumar! A gente

rodava demais, perdia dinheiro direto pros caras [policiais]. Aí, fomos fazer

um show em Santos quando o Chorão chegou e jogou na nossa mesa um

tablete de maconha do tamanho de um telefone celular. Ele jogou na mesa e

ninguém pegou. Ele querendo ser maneiro e a gente bolado de ser preso [303]”.

Enquanto vivia aquele turbilhão de emoções, Marcelo D2 viu as bandas

dos amigos também crescerem e o Skank bater um milhão de cópias vendidas

dos álbuns Calango e O Samba Poconé. Era chegada a hora de fazer

importantes escolhas.

CAPÍTULO 37

LOUCURA, LOUCURA, LOUCURA

Como dizia o próprio nome do disco, a caravana não podia parar. O Planet

Hemp já tinha perdido três integrantes (Skunk, BNegão e Rafael), mas o

bonde estava sem freio. Marcelo D2 contou que “a Sony ofereceu algo como

duzentos, trezentos mil reais para gravarmos um disco logo na sequência da

prisão. Mas fomos pro estúdio e não fluiu. Já tínhamos combinado de

parar [304]”. Além do estresse antes, durante e depois da cadeia, os músicos da

formação inicial estavam há pelo menos três anos trabalhando direto, sem

férias. Nos bastidores, a situação também não ia nada bem entre os dois

sócios da Na Moral Produções.

Ronaldo Pereira foi convocado para uma reunião no Rio, com Marcello

Lobatto, que propôs aumentar o seu próprio percentual de dez para vinte por

cento nas receitas dos shows da banda, argumentando que precisava ganhar

mais porque estava desempenhando um papel estratégico junto aos

advogados e à gravadora. Na sequência, Ronaldo marcou uma reunião com a

banda no apartamento do D2, no Jardim Botânico, para falar sobre essa

proposta do Lobatto e, principalmente, resgatar o clima antigo da banda, que

não estava nada legal:

“Conversamos bastante e decidimos que o grupo voltaria – como era naépoca do Groove – a participar mais e decidir sobre todas as questões

relacionadas à banda na gravadora, no escritório, nos shows etc. E que nãoiríamos aceitar a ‘proposta’ do Lobatto. Me lembro bem que saímos (eu,Formiga e Baca) bem animados e cheios de planos para o futuro.

Pois bem, nada disso aconteceu! Pelo contrário, o D2 sumiu por semanas e,depois, veio com a ideia fixa de gravar seu disco solo, reclamando muitoque só ele fazia as coisas na banda e que o Formiga e o Bacalhau não faziamnada. Não entendi o que estava acontecendo, achava que o Planet tinha quegravar um disco novo logo, pois era necessário dar uma resposta à sociedadee aos fãs, dizer que nada tinha mudado e que o grupo continuaria com suabandeira e seu discurso ‘Legalize já!’. Fiquei bem confuso, pois tínhamoscombinado várias ações e nada foi feito.

Hoje, sinto claramente que o D2 e o Lobatto amarelaram, ficaram com medode lançar um novo disco da banda, e fizeram um acordo (só os dois) paracatapultar a carreira solo do D2. Não tenho e não tinha na época nenhumproblema quanto ao D2 se lançar em carreira solo, só que aquele momentoera para o disco do Planet. Todos ralamos muito e eu realmente acreditavana causa que a banda defendia. Não fui preso, mas passei diversas situaçõesruins com a polícia nos shows, muitas datas canceladas e as despesasaumentando. Tava bem difícil!”.

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No verão de 1998, a banda fez uma gig de três shows pelo Sul [305], a

primeira na região depois da cadeia. A chegada no aeroporto Salgado Filho,

em Porto Alegre, foi bem tensa, revistaram absolutamente tudo que eles

trouxeram. Produtor local, Gabriel Souza esperou duas horas até liberarem os

artistas: “Depois disso, o primeiro show foi na Praia de Cidreira. Antes do

show, o delegado da cidade veio conversar comigo e disse que se eles

cantassem Legaliza já [sic] ou acendessem um baseado no palco, eles

parariam o show. D2 fumou o baseado e cantou ‘Legalize já’”. E nada

aconteceu.

Quando voltou de viagem, o Planet fez uma apresentação histórica no

programa H de verão [306], transmitido ao vivo numa praia do Rio, com

apresentação de Luciano Huck e Suzana Werner. A banda ficou ao vivo na

TV Bandeirantes por meia hora. Ao lado de Black, Formigão, Bacalhau, Zé e

Jackson, Marcelo D2 tocou várias músicas, como “021”, “Legalize já”,

“Adoled” e anunciou que o disco novo bateu as trezentas mil cópias e que “o

tiro saiu pela culatra”. Um dos momentos mais engraçados foi quando Huck

perguntou ao Zé Gonzales sobre a “cannabilis (sic) cup”. E teve mais: o

apresentador também perguntou ao Falcão, d’O Rappa, sentado sem camisa,

ao lado da bateria, se ele estava namorando o Bacalhau ali atrás.

Há outros dois momentos curiosos. Quando os apresentadores pediram

para a banda tocar mais uma música, D2 empurrou Bacalhau pelas costas até

a bateria para que ele começasse a tocar: “Bora, Bacalhau”. Em seguida, para

fechar com uma versão remix de “Queimando tudo”, ele fez o contrário.

Marcelo abraçou o baterista e o levou da bateria até a frente do palco.

Bacalhau ficou dançando ali até o fim, enquanto Jackson, Falcão, e os

cantores Ivo Meirelles e Pedro Luís participaram cantando o refrão.

Coincidência ou não, alguns meses depois Bacalhau saiu da banda.

Luciano Huck, autor do bordão “loucura, loucura, loucura”, perguntou a

D2 quando sairia o próximo disco do Planet. A resposta: “Acho que em 99,

vou fazer um disco só de hip-hop. De repente ano 2000, não tem pressa não”.

De forma quase premonitória, o apresentador encerrou o programa dizendo

que, se Deus quisesse, a galera do Rio de Janeiro poderia ver shows do Planet

Hemp logo, logo.

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A Sony já tinha faturado trezentas mil cópias de Os cães ladram mas a

caravana não pára, que continuava rendendo frutos. Pouco depois da

aparição no programa de TV, mais uma música do disco entrou na

programação da Cidade FM: “Nega do cabelo duro”, um sucesso de 1942

escrito por Rubens Soares e David Nasser e regravado de forma mais

moderna pelo Planet.

Com o bom desempenho comercial, a gravadora assinou um contrato para

três discos solo de Marcelo D2 e renovou por mais três do Planet Hemp. Em

março de 1998, Marcelo anunciou que o seu primeiro solo se chamaria

Baseado em fatos reais e o empresário Lobatto declarou que o voo solitário

do vocalista não atrapalharia a banda, que planejava tocar em maio, na França

e em Portugal [307].

Esse foi um momento de grande controvérsia. Há quem diga que D2 era o

mais interessado em gravar um disco novo do Planet Hemp como resposta,

afirmando que ele ia até o Totem para ensaiar e compor músicas novas, mas

algum integrante sempre furava e o processo não avançava. Por outro lado,

acredita-se que D2 realmente fez uma escolha, priorizando um disco de hip-

hop do jeito que ele sempre quis fazer.

A verdade nua e crua é que, depois da prisão, ninguém queria contratar o

Planet; e quem contratava, cancelava logo depois. D2 contou em entrevista

que tiraram férias sem ter escolha: “Nos lugares que íamos tocar, tinha

sempre carros da polícia na porta, com as sirenes ligadas e os policiais dando

várias duras na galera [308]”. A banda tentou seguir em frente, lançando dois

LPs, um com Os cães na íntegra, e um vinil verde para DJs e colecionadores,

com uma versão de “Hip Hop Rio” de um lado e “Rappers reais” de outro,

com arte gráfica do DJ Rodrigues [309], mas a repressão e o medo imperavam.

Colocando na balança, Marcelo já tinha banda há cinco anos, com dois

CDs lançados. A prisão foi uma ducha de água fria, e a sua família foi

exposta publicamente. Dar um tempo com o Planet parecia ser o mais sensato

a fazer. Anos depois, D2 disse numa entrevista que aquela foi a decisão certa:

“Ensaiamos uma vez, tava ruim, ensaiamos outra, tava ruim. Aí falamos:

quer saber, não vamos fazer disco nenhum. A gente deixou de cometer um

erro: entrar no jogo da gravadora”.

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Black Alien não concordou em dar um tempo no Planet e deixar a parada

esfriar. Ele achava que um disco de resposta era a coisa certa a se fazer: “O

Lobatto prometeu deixar o Marcelo [D2] rico e deixou. Ali fez-se uma

escolha: ‘Acabamos com a banda e lançamos você, fodam-se os caras’. Mas

como não era a minha banda, eu estava cagando. Quando a poeira da cadeia

baixou, era pra todo mundo sentar no estúdio e gravar um disco. Porque

convencer o Formigão é fácil. Achavam que bastava me dar um pozinho,

deixar cantar e foda-se. Eu vou discutir dinheiro com quem só pensa em

dinheiro?”.

De qualquer forma, o resultado não foi tão ruim para o Black Alien: “O

disco do Marcelo [310] me sustenta até hoje. Eu continuei na gig. Pra mim, não

mudou nada. O [Mano] Brown virou meu fã por causa da letra de ‘Império

contra-ataca’ [311]. Nego diz que [essa música] introduziu a metáfora no rap”.

Um dos mais afetados com a pausa na banda, o baixista Formigão viu a

sua principal fonte de renda secar: “Depois da prisão, todo show dava merda.

Era muita perseguição. Antes, a gente quase não parava no Rio, tocava direto.

E eu sempre fui muito irresponsável com dinheiro, sempre gostei de estar

com os meus amigos por perto, de comemorar”.

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Os últimos shows do Planet Hemp antes de hibernar foram com Charlie

Brown Jr. e Raimundos, na Adler, em Vinhedo (SP); no Metropolitan, com

Arnaldo Antunes, Titãs e O Rappa; e no Bedrock, em Niterói (RJ). O show

para seis mil pessoas, no ginásio Chico Neto, em Maringá (PR), foi cancelado

depois que a Justiça proibiu a presença de menores de dezoito anos. “O

empresário da banda no Paraná, Paulo Bácaro, da empresa Mantovani

Promoções, de Cascavel, disse, em Maringá, que os menores de doze a

dezessete anos representam sessenta por cento do público dos shows

apresentados pelo grupo” e alegou um prejuízo de vinte mil reais [312].

O estado do Paraná foi uma pedra no sapato da banda, com dois algozes: o

deputado Luiz Carlos Alborghetti [313] e o delegado Adauto de Oliveira, da

Delegacia de Antitóxicos de Curitiba. A dupla conseguiu proibir shows na

capital e no litoral, e o policial tentou apreender todos os CDs da banda,

alegando que o grupo pregava a desobediência civil e fazia apologia do

plantio e uso da maconha. As ordens judiciais para a apreensão dos CDs

geraram outra contravenção, a pirataria de CDs [314].

Além da atividade parlamentar, Alborghetti (1945-2009) apresentava um

programa popular de TV, no qual batia na mesa com um cassetete: “Não

tragam o Planeta [sic] Hemp para a capital, porque o Ministério Público vai

metê-los na penitenciária e o dono da casa de shows que trouxer vai ser

enquadrado no artigo 12”.

Ao saber de um show da banda, em Caiobá, no litoral, o apresentador

espancou a mesa: “Só se passar por cima do meu cadáver [315]”. Anos depois,

participando de um programa de TV, o apresentador contou novamente a

história. Afirmou que não ia deixar a banda “dar um tapa na macaca no

palco”, não no Paraná, “então acionei o Ministério Público, eles [integrantes

da banda] entraram num avião e foram embora [316]”.

Outra cidade paranaense onde o Planet teve dificuldades foi Londrina. Não

conseguiram tocar lá nos anos 1990 e, em 2001, a juíza substituta no Juizado

da Infância e Juventude, Fabiana Silveira Karam, proibiu dois shows da

banda na casa noturna Z-3, com o Planet sendo alvo de um mesmo processo

duas vezes [317].

O produtor Eron Quintiliano foi o único que conseguiu furar o bloqueio e

fez um show no Paraná: “Na época, o Alborghetti embargava todos os shows

no estado. Nesse mesmo fim de semana, que consegui fazer o show em Ponta

Grossa, o de Londrina e o de Curitiba foram cancelados. Só conseguimos

fazer por ter um amigo próximo de um deputado federal, que travou o

Alborghetti. Foi uma tensão só, mas no fim deu tudo certo. Foi muito foda,

histórico”. O show para cinco mil pessoas aconteceu na Indústria Casa Shows

e foi o primeiro grande show nacional de Eron. A formação do Planet nessa

noite lendária foi D2, BNegão, Formigão, Rafael e Pedrinho.

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O intervalo nas atividades do Planet Hemp também atrapalhou um grupo

de fanzineiros e desenhistas cariocas, que desenvolvia um gibi inspirado em

D2 e companhia. Quando a primeira revista ficou pronta, o guitarrista Rafael

saiu e não queria mais ter a sua imagem associada à banda. Com isso, a

galera foi obrigada a mudar a história principal e a capa da primeira edição,

redesenhando e substituindo pelo Jackson e o Black Alien.

O primeiro número da Hemp Family Comix foi criado por Ricardo

Oliveira (Kado), Alexandre Alves, Renato Faccini e Ronald Lima; editado

por Carlos Vinícius Marins; e lançado na festa Zoeira, de Elza Cohen, na

Sinuca da Lapa, com a presença de todos os integrantes da banda. A

expectativa era tão grande, que se a vendagem fosse boa, o diretor da Taquara

Editorial aumentaria a tiragem de quinze para quarenta mil exemplares, com

distribuição nacional [318].

Após o evento, a revistinha foi vendida em bancas de jornais, com

distribuição setorizada da Fernando Chinaglia – primeiro Rio de Janeiro e a

sobra para São Paulo e outros estados –, e nos shows do Planet, no Rio. A

primeira edição vendeu muito bem, cerca de cinco mil exemplares. Com o

lucro do gibi, em vez de investir logo na segunda edição da Hemp Family

Comix, os desenhistas lançaram um projeto novo com o Zé do Caixão. Só que

a revista foi um fracasso. Dos dez mil exemplares impressos, apenas mil

foram vendidos. Um prejuízo monstro [319].

O segundo número da revistinha saiu dois anos depois, durante uma festa,

no Ballroom, com show de Black Alien & Speed, sem a presença do D2.

Porém, dessa vez, a distribuição dos cinco mil exemplares pela Fernando

Chinaglia deixou a desejar e ninguém encontrava no jornaleiro. Ao menos o

gibi se pagou. Sem desanimar, Ronald, Kado e também Rodrigo Djames

partiram para a terceira edição, transformando o Planet Hemp nos

Hempossíveis.

Nesse meio tempo, o trio foi processado pelo estado de Rondônia por

apologia e formação de quadrilha. Os três responsáveis pela revista foram

intimados, responderam ao processo e foram condenados a pagar cestas

básicas. O material original, criado para a terceira edição, foi engavetado e

cada um do grupo seguiu o seu rumo, deixando o desenho em segundo plano.

O cerco ao Planet Hemp continuava firme e forte, e mesmo agregados

podiam sofrer as consequências da perseguição.

Capas das únicas duas edições da revista em quadrinhos inspirada na hemp family.

CAPÍTULO 38

EU TIRO É ONDA

Com o suporte do Lobatto, Marcelo D2 negociou com a Sony o contrato para

o seu primeiro disco solo. Até então, o patrimônio do vocalista consistia num

jipe Cherokee e um apartamento alugado, onde morava com a Manu. Com o

dinheiro da venda dos discos e direitos autorais do Planet mais o

adiantamento da gravadora, ele comprou uma casa própria na rua Mario

Portela, no bairro das Laranjeiras, onde a primeira providência foi mudar o

número do telefone [320].

Como o sobrado tinha três dormitórios, ele montou um estúdio caseiro

(home studio) com o sugestivo nome de Casa do Caralho. Basicamente, era

um quarto com alguns equipamentos dentro: um computador Mac G4,

picapes, um console Mackie, uma placa Digi 001 e um MPC. Com eles, foi

gravado o Eu tiro é onda. Apesar de ser um disco solo, vários integrantes da

crew continuavam ao seu redor, e o álbum foi totalmente produzido pelos DJs

Zé Gonzales e Rodrigo Nuts.

O guitarrista Jackson foi um dos que mais encorajaram D2 a começar uma

carreira solo: “Nós estávamos viciados em rap, eu gastava todo o meu

dinheiro em CDs. O Marcelo e o Zé viajavam, iam a Fat Beats [321] e

voltavam cheios de discos. Sempre gostei mais do rap de Nova York – tipo

Nas e Mobb Deep – para criar o meu próprio estilo. Aí, pedi para o Marcelo

se eu podia fazer uns backing vocals em ‘Império contra-ataca’. Eu queria

cantar também. Mas quem estava gravando essa música pro disco, o David

[Corcos], era muito bravo. E no dia [da gravação] eu estava gripado, com a

voz anasalada. Sentado na mesa de som, ele não quis saber: ‘Ou tu grava

agora ou tu não vai participar do disco’. Fiz uma parte bacana, que fala de

Tim Maia fase Racional [322], que virou cult [323]”.

Além de Jackson, Black Alien e Speed, Marcelo se cercou de artistas

consagrados como o pianista João Donato e o baterista Dom Um Romão.

Pela primeira vez, o rapper carioca gravou um cover, “Cláudio, eu tive um

sonho”, do primeiro disco da dupla paulista Thaíde & Dj Hum [324].

Utilizando apenas samples nacionais, D2 fez um disco de hip-hop sem muito

compromisso: “A onda de gravar um disco em casa é que você não tem muita

responsabilidade de vender muito [325]”.

Durante a gravação de Eu tiro é onda, Marcelo participou do primeiro

show da Nação Zumbi após a morte de Chico Science. A apresentação

aconteceu em maio, na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Terceiro álbum

pela Sony, CSNZ foi uma homenagem a Chico, com apenas quatro músicas

inéditas – uma delas, “Malungo”, com a participação de Fred 04, Falcão e

Marcelo D2. O Planet Hemp gravou “Samba makossa”, que costumava tocar

nos seus shows.

Com foco total na gravação do disco solo, outra exceção na agenda de D2

foi um show do Planet Hemp, no Clube Aramaçan, em Santo André (SP),

com os Racionais MC’s.

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Encantado com o trabalho de Mario Caldato, D2 contratou o produtor para

fazer duas músicas em L.A. (“Eu tiro é onda” e “Batucada”). Mas todo o

resto foi gravado pelo David Corcos, na Casa do Caralho. Por meio do Wu-

Tang Clan, Marcelo conheceu o trabalho de Carlos Bess e fechou com ele

para assinar a mixagem do álbum.

Em junho de 1998, época da Copa do Mundo de Futebol, na França, D2,

David, Zé, Nuts e Black Alien partiram para Nova York e Los Angeles, com

o objetivo de mixar o primeiro disco solo do Marcelo. Gustavo tem boas

lembranças desses dias: “Eu estava em Nova York, alternando as sessões

com o David, no estúdio da Sony, a casa da Bebel Gilberto e os encontros

com o [MC] King Mack. [Em Los Angeles], ficamos atrás do estúdio MGM,

indo todo dia para a casa do Mario Caldato – onde fumamos o bagulho do

The Roots, que estava hospedado lá. Foi uma viagem foda! Chinatown,

Venice, Santa Monica, conhecendo os picos que só víamos em filme,

assistindo ao show do Tricky e do Lenny Kravitz”.

Gustavo ainda esticou a viagem: “Aí, os caras voltaram para o Brasil e eu

fui pra Paris, com o David. Fiquei hospedado na casa do Emanuel e da

Samantha [ex-Black Alien]. Lá, eu e o David fomos a festas e cantei em

algumas. Teve uma em que o microfone pifou e cantamos com o headphone,

como na capa do [disco] Return of the Boom Bap [326]”.

A Samantha também se recordou desses dias na França: “Eu resolvi fazer

uma viagem para Paris para encontrar um amigo de Nova York e acabei

ficando por lá. Foi quando comecei a trabalhar no [restaurante] Favela Chic.

Fiz as primeiras festas [do restaurante] e a primeira compilação, inspirada

numa fita cassete que o Yuka me deu de presente. Na verdade, esse foi o

momento em que reencontrei o Mario Caldato, depois daquele encontro anos

antes, no estúdio Totem. Fui sozinha até Bruxelas para mostrar a ele a

compilação que eu e David Corcos criamos [327], propondo que ele a mixasse.

Ele tinha terminado o Hello Nasty [328] e estava trabalhando com um cantor

chamado Arno [Hintjens]. Depois desse encontro, eu e o Mario nos

casamos”.

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No dia em que Marcelo chegou ao Brasil, após a mixagem em Los

Angeles, o seu pai, Dark Gomes Peixoto, faleceu vítima de câncer no

pulmão, num hospital do Rio. Mesmo com o coração apertado, nada podia

lhe parar.

Quando D2 preparava o terreno para se lançar como um cantor solo de

rap, Elza Cohen já era uma especialista em festas hip-hop. Na sua festa

Zoeira, na Sinuca da Lapa, um grande sucesso da noite alternativa carioca,

ela lançou o disco CSNZ, cujo remix de “A cidade”, pelo DJ Soul Slinger,

abalou geral. Ela também criou a festa Black Family, na Fundição Progresso,

com shows de Black Alien e Funk Fuckers, e a dupla D2 & Seu Jorge como

DJs.

Uma das ideias de Marcelo com a Casa do Caralho era lançar novos

artistas. O primeiro passo foi dado na primeira edição da festa Hip Hop Rio,

na Casa do Tá na Rua, na Lapa, com Black Alien cantando, Zé e Nuts

discotecando.

No entanto, Lobatto tinha outros planos para o seu artista. Ele percebeu

que havia uma interseção entre D2 e a Nação Zumbi, um vocalista sem banda

e uma banda sem vocalista, e juntou os dois. A banda pernambucana assinou

contrato com a Na Moral Produções e fez uma turnê junto com o rapper

carioca. Na turnê Malungo, Marcelo se apresentava primeiro e a Nação

depois.

Dividindo o mesmo empresário (Lobatto) e a mesma gravadora (Sony), a

ideia agradou muito ao Bruno Levinson, que cuidava do marketing das duas

bandas no selo Chaos: “A Nação tinha perdido seu vocalista, o Chico, e o

Marcelo perdido a sua banda, o Planet. Nos pareceu lógico e adequado fazer

a turnê deles juntos. Foi sensacional. Shows antológicos”.

Kadu Carlos também acompanhou de perto. Após a prisão, o roadie do

Planet foi convidado pelo Lobatto para trabalhar e morar com a Nação

Zumbi, em São Paulo, e reencontrou o Marcelo nos poucos shows da turnê

conjunta. No ano seguinte, Kadu ficou na ponte rodoviária Rio-São Paulo,

trabalhando com a Nação, os Los Hermanos, a Cássia Eller e a produtora

Stagebrains.

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Em setembro, D2 atacou de DJ na festa de oito anos do Garage e no

lançamento da revista Trip #65, que encartou um CD single do Marcelo.

Marcelo também organizou a segunda festa Hip Hop Rio, dessa vez na

quadra do Jacarezinho, Zona Norte da cidade. Em carreira solo, ele estava

cada vez mais envolvido com o rap.

Mas a sombra do Planet Hemp continuava em seus calcanhares. A música

“Hip Hop Rio” entrou na trilha sonora do seriado Malhação (TV Globo) e a

banda tocou no Canecão, num evento organizado por Maria Juçá, que, para

tentar reabrir o Circo Voador, chegou até a se candidatar a deputada estadual

(mas não ganhou). Ela entrou na Justiça com uma ação popular contra a

prefeitura, anexando um manifesto assinado por grandes músicos brasileiros.

O show pelo Circo foi marcado pelo lançamento da coletânea Esse é do bom

e do melhor e, além do Planet, tocaram também Nação Zumbi, Farofa

Carioca e Baia & os Rock Boys [329].

Sem a sua primeira descobridora de talentos (Elza Cohen), o Chaos

continuou investindo em bandas que tinham disco, mas não estouraram,

como Maskavo Roots e Mestre Ambrósio, além da baiana Penélope. Em

outubro, o selo da Sony comemorou cinco anos com um grande show, na Via

Funchal, em São Paulo. Os artistas convidados tocaram músicas próprias e de

outros do mesmo cast [330]. Menos o Planet Hemp, que tocou apenas as suas.

Eles fecharam a coletânea gravada no evento e lançada em parceria com a

MTV com “Mantenha o respeito”, “Baseado em fatos reais” e “Dig Dig Dig”.

Também foi lançado um CD single promocional, apenas com uma música do

Planet e outra da banda Penélope.

Ainda em outubro, D2 lançou o seu primeiro disco em CD e LP e avisou

que não abandonou o Planet Hemp: “Eu tenho o maior orgulho de a banda

resistir. Teria sido óbvio lançar um disco depois de a gente sair da

cadeia [331]”. Ele também cantou no lançamento de CSNZ, da Nação Zumbi,

no Rio. No dia seguinte, voou para Aracaju, onde tocou no festival ROCK

SE, no Estádio Batistão, junto a outras quinze bandas.

Primeiro festival independente de Sergipe nos anos 1990, o ROCK SE

teve cobertura da imprensa por meio da revista Rock Press, do jornal

International Magazine, da TV Cultura e da MTV (via Lado B, apresentado

por Fabio Massari), mas resultou em um grande prejuízo para os cinco

organizadores – entre eles, Bruno Montalvão e os sócios na Marginal

Produções. Com esse nome o evento morreu. Em 2000, Montalvão e outros

produtores criaram o festival Punka, que durou cerca de oito edições.

Uma semana depois do show em Aracaju, D2 pegou dois dias no Teatro

Rival, uma segunda e uma terça, e lançou oficialmente Eu tiro é onda, no

Rio. O evento contou com a participação de Black Alien, Speed, BNegão e

muitos outros. Flertando com uma carreira de MC, Jackson nunca se

esqueceu do tapa que ganhou de Speed em cima do palco: “Todos os MCs

participaram, sem ensaio, sem tecnologia maneira pra tocar, as bases

pulavam. Aí, logo na primeira rima, o Speed passou pra mim, me dando um

tapão (blau!!!). Fiquei nervoso e errei a música toda, mas não fiquei bravo

porque ele sempre me tratou bem”.

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Jackson contou outra boa história dessa mesma época:

“Estávamos em São Paulo, e o Tuca, filho do Bezerra da Silva, tocavapercussão na banda. Só que ele era o ‘Bezerra do mal’. Batia nos nossosamigos, fazia horrores. Tem um show clássico do Bezerra empurrando oTuca pro Marcelo, que devolvia o Tuca pro Bezerra [risos]. Enfim,estávamos na festa de aniversário do [jogador de futebol] Denílson, antes deele se transferir para o Betis [da Espanha] [332]. Era um show de pagodenuma festa fechada, na Serra da Cantareira, repleta de gatas. Os pagodeiroschegavam de Lamborghini azul, de Ferrari amarela e tal.

O Marcelo tem vários estágios de bebedeira e, quase no último, ele quasenão fala nem lembra de nada. Dessa festa, nós fomos pro Lov.e [333], masnão tinha ninguém. Aí, o Tuca achou uma carteira cheia de dólares no

banheiro e pensou ter descoberto a senha do cartão de banco. Não somos deroubar nem nada, mas paramos num caixa eletrônico pra ver qual era. Nessaestavam eu, o Zé, o Marcelo e o [Jorge] Kuque, skatista do Rio. De repente,passou um carro de polícia e se ligou na gente, pois o Tuca estava socando amáquina.

Quando a gente saiu do Itaim pegando a [avenida] Nove de Julho,apareceram uns quinze carros da polícia. E, detalhe, na carteira tinha várioscheques de quantias diferentes, dólares e porte de arma. Era a carteira de umpolicial civil! Apesar de bêbado, nesse dia o Marcelo fez uma parada quemostrou o quanto ele gostava de mim: tirou os cheques do meu bolso ecolocou no dele, para assumir toda a culpa, se fosse necessário. O policialolhou para o Marcelo e provocou: ‘Olha ali aquele cara que canta ‘Porcosfardados’’. E o Tuca, pensando rápido, respondeu: ‘Ô amigo, essa aí é doPavilhão 9’.

Ele tinha guardado a parada dentro do toca-fitas do Zé. Aí, o cara passou alanterninha, pegou a tal carteira e perguntou quem era o fulano de tal.Rapidamente, o Tuca devolveu: ‘É o nosso empresário’, apontando para umcarro mais adiante. Não satisfeito, o policial virou para o Marcelo: ‘Masvocê não é o cara que canta ‘Não compre plante?’’. E o D2: ‘Ô amigo, essaaí é d’O Rappa, não sabe nada de música’ [risos]. E ficou nessa: ‘Mas évocê quem canta ‘Legalize já’, não é?’. E a gente: ‘Pô, essa aí é dosRacionais’.

Aí, o PM pegou os cheques e perguntou por que estávamos com aquilo. E oTuca, muito sagaz, respondeu: ‘Como gastamos tudo que ganhamos, o nossoempresário paga a gente assim, pra que a gente só possa descontar no bancoamanhã’. No fim, o cara devolveu os cheques, liberou a gente e, já rindo,perguntou: ‘Tá, agora que vocês estão liberados, fala aí a música que vocêscantam’. E o Marcelo: ‘Vou apertar, mas não vou acender agora’.

Aceleramos e voamos dali na maior felicidade! No fim das contas, passamoso American Express do cara e comemoramos às custas dele”.

Quando o Marcelo lançou o seu disco solo, a Renatinha já tinha saído da

Na Moral, mas continuava ligada à galera. Na opinião dela, o D2 já tinha uma

conexão com o samba, mas era algo que não combinava com o Planet. “Tanto

que ‘Eu tiro é onda’ é o nome de uma música que o Bezerra da Silva

gravou [334]! Eu trabalhava com pessoas que amavam o D2 e não sabiam que

ele era do Planet: ele conseguiu atingir o meu pai, a minha mãe, outro

público. Ele deixou de ser o cara do rap, do hardcore, o maconheiro, e virou

um pop star na MPB, quebrou a barreira”.

Nas palavras da Renatinha, “o Planet tinha cinco pilares: rap, rock and

roll, psicodelia, hardcore e ragga. Cada pilar tinha a ver com um integrante

da banda. A partir do momento que isso se desmanchou, o Planet se

desmanchou. O Marcelo soube administrar as duas coisas. Ele queria crescer,

e fez isso na carreira solo com as orientações do Lobatto. Hoje, a Na Moral é

uma grande empresa, ele seguiu o sonho dele e chegou lá”.

Se a carreira solo do D2 era só alegria, não se podia dizer o mesmo do

Planet Hemp. Deixado de lado, o grupo não fazia shows e a grana diminuiu

consideravelmente no bolso de Formigão, Bacalhau, Black Alien e Ronaldo.

Esse conflito de interesses abalou a amizade e provocou mudanças

importantes, às vésperas da primeira turnê internacional da banda.

Postal do lançamento do single do primeiro disco solo do D2, na Bunker94, em setembro de 1998.Acervo pessoal de Pedro de Luna.

CAPÍTULO 39

SAEM DOIS, VOLTA UM

Desde que entrou para o Planet Hemp, Wagner José Bacalhau sempre foi um

dos mais sacaneados pelos outros caras da banda. Além de ser o mais novo,

tinha aparência e apelido de português. Era também o único do núcleo duro

que não conhecia o Skunk antes de a banda nascer. No início, houve

situações em que o baterista bebeu demais e chegou a dormir sentado na

bateria, no meio do show. Para o tecladista Apollo, “o Bacalhau era disparado

o mais louco da banda. Ele comia pontas do baseado porque achava gostoso,

salgadinho”.

Numa entrevista no fim de 1996, Marcelo brincou com o amigo, dizendo

que ele era influenciado pelo fado, e contou que ele tomou uma suspensão na

gravação da segunda demo, em 1994, por beber em serviço: “O cara começou

a ficar muito louco e até que seguramos a onda dele. Foi uma suspensão para

ele se tocar e, depois, continuar, como ele está até hoje [335]”. A página da

entrevista foi ilustrada por uma foto da banda do D2 abraçando o amigo

batera, demonstrando a amizade entre os dois.

Segundo Marcelo, a postura do Bacalhau na banda sempre foi a de um

cara ativo, que gostava de falar e de dar ideias que (só de sacanagem) a banda

nunca aceitava: “Ele vinha aqui em casa me buscar para ir na rádio, queria

dar entrevista. Mas não era um cara de confronto de ideias como nós quatro:

eu, Gustavo, Bernardo e Rafael. Mas acho que é isso que move a banda para

a frente, essa guerra entre as personalidades, um querer ser melhor do que o

outro. No começo, não tinha essa de um derrubar a ideia do outro, era todo

mundo formando junto. No fim, não”.

Como bom portuguesinho que é, Baca tinha um jeito grosso, mas gente

boa. No período em que Jackson morou no Rio, foi muito bem tratado,

chegou até a ficar um tempo no apartamento do baterista: “Mas ele queria

sempre mais e mais. Folgado e ingrato [336]”. Uma vez, os dois saíram na mão

dentro da Van.

Para os dois Marcelos (D2 e Lobatto), o Bacalhau cansou de repetir um

mantra: ele achava melhor ser uma banda que vendia sempre cem mil discos

a que vendeu um milhão e depois sumiu. O baterista também acreditava que

as outras subsidiárias da Sony pelo mundo poderiam dar uma força, bastava

correr atrás. Por insistência, o Planet saiu numa coletânea de música

brasileira com Chico Science & Nação Zumbi e o disco Os cães ganhou uma

versão no Japão, além do lançamento em Portugal.

No fim de 1998, Bacalhau saiu da banda. Mais uma vez a história foi

cercada de controvérsias. Na versão do Marcelo, quando ele parou com o

Planet para fazer o seu disco solo, tanto o Bacalhau quanto o Formigão

ficaram sem fazer nada. Então, os dois músicos teriam ido até a Sony e pego

vinte mil reais para gravar uma parada só deles. Ao saber disso, o vocalista

ficou muito puto e foi tirar satisfação. Nunca se provou se houve qualquer

empréstimo de dinheiro da gravadora, mas persistiu a possibilidade de haver

um trabalho novo e paralelo.

Com o DJ Wilson Power por testemunha, D2 enquadrou os dois na saída

da boate Bunker, às seis horas da manhã, e deu o maior esporro na frente de

todo mundo: “Vocês estão achando que eu sou otário? Eu sei o que vocês

fizeram! Acabou essa porra, vocês estão fora do Planet Hemp!”.

O produtor David Corcos endossou a versão em que o Baca levou uma

demo sem voz para o diretor artístico da Sony na época, o Ronaldo Vianna,

que de pronto ligou para o Marcelo, que não estava sabendo de nada: “Hoje,

com mais calma, vejo que não precisava ter tirado ele por causa disso. Me

parece mais um pretexto porque queriam tocar com um baterista melhor. Eu

mesmo sempre levava um som com eles fora do contexto da banda. A saída

do Bacalhau com certeza foi a mais traumática”.

Depois dessa briga, Bacalhau começou a evitar o D2 e saiu mesmo da

banda. Se fosse hoje, Marcelo não teria feito isso: “Eu chamava ele e dava

um corretivo [risos]. Mas ele sumiu, eu tentava falar com ele e ele não

atendia. Aí, como ele adorava dar entrevista, a Manu fingiu que era uma

repórter d’O Globo e ligou pra ele. Peguei o fone e disse que estava indo na

casa dele imediatamente. Ele não abriu o portão, me atendeu do lado de

dentro da grade [risos]. É o tipo de coisa que eu não faria hoje de jeito

nenhum”.

Amiga dos dois, Elza Cohen lembra do Bacalhau como um cara muito

sensível: “Ele sempre queria levar a Bady [nos shows], que era a mulher dele

na época. Só que quando a banda viajava pra tocar, geralmente as

companheiras não iam, tanto pelas despesas extras como também porque eles

tinham que ficar focados no show, e não em dar atenção às meninas”. Elza

também enumerou alguns possíveis motivos para a saída do baterista: “Ele

estava bebendo muito, errando nos shows, estava relaxado demais, relapso,

faltando aos ensaios. Ele não estava cumprindo com as responsabilidades e

foi muito triste quando ele saiu”.

Na versão relatada por Elza, foi Lobatto quem deu a má notícia para o

Bacalhau: “O Marcelo não teve coragem de falar com ele pessoalmente.

Coube ao Lobatto demiti-lo. Eu lembro de um dia, na casa do Marcelo, de ver

ele e o Bacalhau chorando, porque eles eram muito amigos. Mas a banda

estava crescendo muito e era um momento que exigia grande

responsabilidade. Essa história de grana da gravadora eu acho estranha. Se a

Sony fosse liberar algum [dinheiro], acho que seria apenas pro Marcelo”.

Depois da prisão, segundo o depoimento do Kadu, foi o Marcelo quem

ficou pilhando a galera de ensaiar e gravar um disco, mas o Bacalhau não

queria:

“O Bacalhau me falou que a Sony ia gravar um disco solo pra cada um

[risos]. Aí, o Marcelo foi lá fazer o disco solo dele. O tempo passou e,

quando vi o Bacalhau de novo, ele estava desse tamanho, gordão, um

controle em cada mão. TV, som, comendo e bebendo, gastando o dinheiro.

Quando a grana acabou, ele perguntou sobre gravar um disco novo. Foi daí

que rolou essa história dele ter levado pra Sony ‘o disco novo do Planet

Hemp’. Aí, a gravadora ligou pro Lobatto, que negou, disse que o cara era

maluco, e avisou ao Marcelo. Um tempo depois, rolou o meu aniversário, no

Baixo Gávea, e o Marcelo chegou lá, me deu o maior abração e tal. De

repente, o Bacalhau partiu pra cima dele e a galera teve que apartar [a briga].

Foi foda porque dividiu, dando razão pra um ou pra outro, começou uma

separação da galera”.

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Formigão também negou de pés juntos ter pego dinheiro emprestado na

Sony. O baixista andava muito com o Bacalhau e, na real, os dois

conversavam bastante sobre continuar ou não na banda, já que não rolavam

mais shows: “Estávamos numa fase de muita cachaça. Depois da prisão

ficamos até mais responsáveis, mais pé no chão. Eu lembro que eu ligava pro

Bacalhau todos os dias, falando pra ele não sair da banda. Até que decidiram

tirá-lo e eu fiquei muito triste. Mas quem era eu para julgar alguém? Eu, um

porra-louca?! Esse negócio de reunião pra tirar alguém da banda, eu não

consigo”.

Bacalhau também negou a hipótese do empréstimo da gravadora. Para ele,

o problema era a perseguição e o consequente cancelamento dos shows: “Eu

ter saído da banda depois da prisão foi apenas uma coincidência. O Marcelo

já estava querendo fazer uma coisa sem banda, mais hip-hop. A gente tinha

combinado de fazer um show [do Planet] por mês, mas os shows estavam

sendo vetados, cancelados. Então, cada um foi fazer a sua parada. Mas eu e o

Formigão precisávamos continuar tocando! Em relação a direitos autorais,

música só dá dinheiro se você for o autor, se noventa por cento dela for seu.

Com o passar dos anos, como as músicas param de tocar, diminui muito. Aí,

eu percebi que se a galera não me queria, eu tinha que seguir o meu caminho.

Ao sair do Planet Hemp, fiquei de seis meses a um ano parado”.

O DJ Zé Gonzales também ficou surpreso com a saída do companheiro:

“O Bacalhau é um bom baterista, mas era um pouco acomodado, e o Planet

pedia mais um pouco. O Rafael encanava com a velocidade, achava que ele

alternava nas músicas. O que eu soube foi que gravaram uma demo escondida

e, se eu fosse o dono da banda, também teria tirado [o Bacalhau do grupo].

Mas eu não entendi direito a saída dele”.

Também do lado paulista da crew, Rodrigo Brandão não andava muito

com Bacalhau, mas lembra-se dele ser muito zoado: “Os caras brincavam que

ele ia assumir a padaria do pai. O foda de beber muito é que ele perdia o

ritmo. Depois, ele virou a chave nos Autoramas e mandou bem de novo”.

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Para o empresário Ronaldo Pereira, a demissão do amigo baterista foi a

gota d’água:

“Eu já não me sentia como antes e não concordava em nada com os novosmétodos utilizados pelo Lobatto com a gravadora, a imprensa e oscontratantes de shows. Fora a contabilidade, que muitas vezes não batia,com muita desorganização nas contas.

Quando o Rafael saiu, ele [Lobatto] não queria que o Bacalhau tambémficasse na banda. Acho que foi uma implicância, não um motivo grave pratirá-lo da banda. Para mim, foi injusto. Mas segui por pouco tempo e depoiseu saí também, no fim de 1998, quando eles iam para Portugal pela primeiravez. Meu último show foi com o [Marcelo] Yuka na bateria, no lugar doBacalhau.

Eu nem falei nada, simplesmente larguei. Estava desgastado e eu nãoconcordava com algumas coisas, inclusive administrativas. O Planet foi umaputa escola de produção... Às vezes, viajava só a banda e eu, sem roadienem nada. Lidava com público, segurança, contratante que não pagava, essatensão. Geralmente, quando se vende um show, você recebe cinquenta porcento antes e os outros cinquenta por cento na hora, em espécie, antes decomeçar a apresentação. Então, dos três mil shows que eu já fiz desde 1982,já passei até por situações com arma e tudo.

Dos seis anos em que trabalhei com a banda, somente os dois últimos (1997e 1998) não foram tão legais. Os outros foram maravilhosos. Mas éimportante que as coisas sejam esclarecidas quando surge umaoportunidade. Antes, se dizia que a história era escrita pelos vencedores.Hoje, sei que a história é reescrita a cada momento, por todos que fizeram eviveram a história verdadeiramente”.

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Para o Black Alien, a saída do Ronaldo foi a mais sentida. Segundo ele,

era “como se um fosse o lado administrativo” (Lobatto) e o outro o “lado

afetivo” (Ronaldo). “Tudo bem, coloca um careca [Lobatto] pra cuidar, mas

deixa o nosso careca – que gostava da gente, que era amigo do Skunk e fazia

as coisas com carinho, que sabia das nossas necessidades”.

David teve a mesma sensação: “O Ronaldo fez tudo por aquela banda,

inclusive encontrar alguém pra vender shows, que foi o Lobatto. Eu era

amigo do Ronaldo e fiquei bem chateado com a situação. Eles chegaram tão

longe com a própria música e, em vez de valorizar isso, ele começou a não

gostar dessa sensação”.

Apollo achava muito true que o empresário não tinha o dente da frente:

“Ele era o cara que estava junto com a gente. No ônibus, ele cantava

‘enquanto tiver língua e dedo, não há mulher que meta medo’ [risos]”.

Amigo de longa data, Formigão ficou muito triste com a saída do empresário:

“Eu preferiria que os dois continuassem trabalhando juntos. Mas tem que ser

profissional. Nessa hora, não dá pra se levar pela emoção”.

O jornalista e produtor Bruno Levinson enxergou o movimento de outra

maneira. “O Lobatto já havia sido empresário de outras bandas. A sua mãe já

havia trabalhado nesse meio. Ele sempre teve uma visão mais de mercado,

mais estratégica, mais business, e quando ele pegou o Planet para trabalhar,

não foi sem perceber o potencial da banda nesse sentido. Além disso, é um

ótimo negociador e dialoga muito bem com os artistas que empresaria”.

Na opinião de Bruno, Ronaldo era um cara mais romântico, enquanto

Lobatto tinha visão empresarial: “Imagino que tenham tido divergências

neste sentido: Ronaldo mais romântico e Lobatto mais business. Com o

Lobatto, ficou mais estratégico o crescimento da banda para o mainstream.

Talvez, com o Ronaldo, eles não fossem conseguir dar esse passo. Quando

falo isso não vai aqui nenhum julgamento de méritos, mas sim uma

percepção sobre a diferença dos dois [337]”.

Zé Gonzales não se lembra se a questão era financeira, de ter mais um cara

para dividir a comissão com o Lobatto, mas recordou que o Ronaldo era mais

um brother: “Era bom ter os dois lados, cada um no seu setor. Não vejo o que

o Lobatto fez de tão grande assim. Mas aprendi com ele a lidar com

contratantes e depois ensinei ao meu irmão. A postura meio mal-educada e

meio grossa dele eu não gosto, acho que soa meio arrogante, mas ele é bom

de negociação. Eu entendi o jogo, de pedir tanto pra conseguir tanto”.

Naquele momento, dos integrantes originais do Planet Hemp, restaram

apenas D2 e Formigão. Independentemente do disse-me-disse, o fato é que

Bacalhau e Marcelo D2 ficaram muitos anos sem se falar. Só retomaram

contato quando se esbarraram na festa do MTV Video Music Brasil de 2005,

quando o baterista já tocava no Autoramas e os dois tomaram uma cerveja

numa boa, sem ao menos lembrar o motivo da briga.

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A saída do Bacalhau aconteceu às vésperas da primeira turnê

internacional. Justamente na hora de ir a Portugal, o “portuga” dançou. À

procura do sub perfeito, Marcelo perguntou se o David estava tocando bem,

mas ele declinou. Cogitaram convidar o Nervoso, mas o Jackson sugeriu o

Pedrinho: “Como o Marcelo já gostava do Kalunga e da galera da [banda]

Cabeça, eu o chamei para um teste e falei pra ensaiar todas as músicas. Ele

sempre puro, caretão, chegou lá e tocou tudo. E funcionou, ele resolveu o

problema. Tínhamos um show em uma semana e precisávamos de alguém

que tocasse as vinte e sete músicas da banda”.

Pedrinho fez apenas um teste e nenhum ensaio. Tocou com o Planet à

noite, no Garage, e, no dia seguinte, pela manhã, embarcou para Portugal

com a banda. Depois do show e antes de embarcar no longo voo, a crew

passou no Baixo Gávea. Lá, pegou uma bola de pingue-pongue e partiu para

o Galeão.

Essa viagem marcou o Kleber: “O avião decolou e começamos a apertar o

botão chamando o serviço de bordo. Pim, cerveja. Pim, cerveja. E o Gustavo

começou a ficar intrigado: ‘Vocês estão bebendo demais, parece que estão

cheirados’ [risos]. Acabamos com a pedra. Foi tudo no voo. Aí, pim, cerveja.

O comissário olhou, virou as costas e foi embora: ‘Vocês acabaram com a

cerveja do avião e não tem onde parar pra comprar mais’. Tivemos uma ideia:

‘Tem vinho? Traz quatro garrafas!’. Uma hora, as luzes foram baixando, a

galera começou a dormir. A gente só viu a brasinha debaixo do cobertor do

Gustavo. Ele deu uma baforada, mas foi o suficiente pra empestear o avião”.

História verídica: Black Alien se cobriu com a manta oferecida pela

companhia aérea e acendeu um baseado. O cheiro se espalhou por toda a

aeronave, mas, por incrível que pareça, nenhum comissário de bordo

percebeu ou localizou o fumante. A banda chegou em Lisboa no dia 7 de

dezembro e ninguém foi deportado. Fez dois shows no Ritz Club, na capital,

e partiu para tocar no Porto, em Montijo e Faro.

Como já foi contado antes, a partir da prisão da banda, todo mundo que

vacilava ganhava uma musiquinha. Durante a turnê portuguesa, Gustavo

estava numa época bem chata, bem paranoico, achando que as pessoas

estavam escondendo tudo dele. Além disso, só queria cheirar pó o tempo

todo. Um dia, a crew fugiu dele para jogar video game num quarto do hotel.

Só que ele descobriu onde estavam e arrombou a porta chutando! Jackson

ficou assustado, porque chamaram a polícia e ele pensou que seria deportado

na hora. Depois disso, compuseram uma música pro Gustavo (cantando no

ritmo da canção “Amigo”, de Roberto Carlos e Erasmo):

“Você não tem amigo, mané // e nenhum camarada // até o teu irmão de

sangue te enfia a porrada // o Speed só anda contigo pra cheirar de graça //

ficar no quarto com você é a pior desgraça // me lembro daquela noite, foi

difícil pra gente // você ficava rimando, parecia um doente // usou a toalha

para se esconder do espelho // Gustavo Ribeiro você é um puta pentelho”. Em

seguida, todo mundo ficava de pé, como se estivesse louvando, cantando o

refrão: “É difícil lhe dizer por isso eu lhe digo // é fácil compreender // por

que o Gustavo não tem amigo”. Depois da paródia, Jackson contou que Black

ficou quieto a turnê inteira.

O show em Faro foi o último da turnê e aconteceu num orfanato, chamado

Casa dos Rapazes. Quando acabou o show, parte da banda foi embora e parte

ficou lá, na farra. Foi aí que um caminhão chegou e atravancou a entrada.

Enquanto a galera esperava para poder sair, Kleber achou um barril enorme

de chope e começaram a beber. Mesmo depois que o caminhão foi embora,

continuaram lá, enchendo a cara. Um desfecho à altura e com a cara do

Planet. Após uma semana, retornaram ao Brasil.

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Um ano depois de ser demitido, Rafael recebeu um novo telefonema de

Marcelo. O líder do grupo marcou um encontro no Matrix [338], na Vila

Madalena (SP), e disse ao guitarrista que a banda queria que ele voltasse.

Eles já tinham vendido muitos discos e a Sony começou a cobrar o novo

álbum. E quem é que fazia as músicas? Rafael voltou sem ressentimento, mas

um retorno com esse histórico acumulado nunca é suave.

Após a tour em Portugal, D2 contou que o Bacalhau “andava desmotivado,

parecia que não queria contribuir mais com a banda. Mas isso é normal, o

Hemp não precisa ter uma formação fixa, tanta gente já entrou e já saiu”. E

fez um contrapeso, dizendo que o Rafael “estava desinteressado antes, mas

agora tá amarradão. Nós sempre compusemos muito juntos e já fizemos

algumas coisas novas [339]”.

O DJ Wilson Power, que sempre acompanhou a banda de perto,

reconhecia o talento do guitarrista original do Planet, mesmo sabendo que ele

não era fácil de lidar: “O Rafael é muito mutante, bipolar, tem depressão.

Quando eu me separei, fiquei muito deprimido, a mulher tinha levado tudo, e

fui morar por quatro dias no apartamento dele, na Tijuca. Eu querendo

desabafar e ele deitado o dia inteiro, calado, mexendo no iPad. O roadie do

Planet dizia que eu era o único cara que conseguia fazer o Rafael rir. Na

minha opinião, quando ele saiu, não estava mais na vibe de fazer aquele som,

vendo aquilo como um emprego, e expressou isso da pior maneira possível.

Eu mesmo fui até a Na Moral umas quinhentas vezes fazer as pazes entre o

Lobatto e o Rafael”.

D2 concordou: “Isso é a merda de ter banda, acaba com a amizade. O

convívio é foda. No Planet, por exemplo, Rafael, Marcelo, BNegão, Black

Alien, é tudo personalidade forte, mermão. Não é mole”.

Com a saída do paizão Ronaldo e do Bacalhau, não tardou para Pedro

Garcia largar as baquetas no Cabeça, já que as datas dos shows começaram a

bater.

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Segundo as leis do Universo, ‘tudo o que vai volta’. Quando o Bacalhau

trocou o Acabou La Tequila pelo Planet Hemp, a saída do baterista foi suave:

“Como o Planet engrenou, eu fiz o meu último show com o Tequila no

SuperDemo [340], no Sérgio Porto. O Marcelo D2 e o BNegão estavam lá, no

meio da galera. Foi maneiro. Então, eu trouxe o Nervoso para tocar no meu

lugar [no Acabou La Tequila], já que o Beach Lizards estava devagar. Havia

muita proximidade entre as bandas. Uma irmandade artística”.

O amigo retribuiu algum tempo depois. Em 1998, André “Nervoso”

Paixão fundou o Autoramas, ao lado de Gabriel Thomaz e Simone do Valle.

Em 1999, o baterista, que também tocava no Matanza, passou as baquetas

para o desempregado Bacalhau: “A partir daí, eu lancei vários discos, toquei

em meio mundo. Fiz mais coisas no Autoramas do que no Planet, onde em

determinado momento eu ficaria limitado. No Planet, quem fazia os arranjos

musicais era eu, o Formigão e o Rafa. E por isso reitero que, no primeiro

disco, o crédito das músicas deveria ser para todos: D2, Skunk, Rafael,

Formigão e Bacalhau. Eu sempre achei e vou continuar achando que é isso.

No segundo disco, algumas coisas deveriam ser creditadas para todos, como

coautoria, nunca concordei que um tenha que ganhar mais que o outro”.

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Depois de contratar o Squaws e o Farofa Carioca para a PolyGram,

Leonardo Rivera estava montando o selo Astronauta Discos e tinha verba

para lançar o seu primeiro artista. Léo escolheu justamente a nova banda do

ex-baterista do Planet, que tinha um contrato de exclusividade com a Sony:

“Eu tinha conversado com os Los Hermanos, mas a Abril Music levou. E

queria contratar o Autoramas, mas tinha o impedimento do contrato do

Bacalhau. Tive que ir até o escritório da Na Moral, que na época era em

Copacabana, e, com o Baca ao lado, pedir ao Lobatto para liberar o cara. No

começo, ele não queria, mas acabamos convencendo-o. Na realidade, até hoje

eu acho que ele dificultou um pouco pra tirar uma onda com a cara do

Bacalhau. Comigo, não, ele agiu normal”.

Por intermédio do seu selo independente, com distribuição da Universal

Music, Léo lançou os dois primeiros discos da banda, Stress, depressão &

síndrome do pânico (2000) e Vida real (2001). Logo que o segundo CD saiu,

os Autoramas tiveram uma baixa dupla. A (então) baixista Flávia Couri saiu

da banda porque ia se casar e mudar para a Dinamarca. No dia seguinte,

Bacalhau também pediu as contas. Único remanescente da formação original,

Gabriel Thomaz reestruturou o grupo com Melvin, no baixo; sua esposa,

Érika Martins, na guitarra, nos teclados e na percussão; e o baterista Fred

Castro (ex-Raimundos), que saiu um ano depois.

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A história das bandas Acabou Ta Tequila e Matanza se misturam com a do

próprio Planet, passando pelo Bacalhau e pelo roadie Kadu Carlos.

O grande Jimmy era o irmão mais novo de Diego e vivia pedindo pra

entrar no Acabou La Tequila. Quando foi aceito, ele era maior e mais alto que

todos os músicos, porém, o menor em idade. Então os mais velhos mandavam

o “Dimenor” calar a boca. Foi aí que Bruno Munk London ganhou o apelido

Dimi e, depois, Jimmy. O ruivo tinha uma banda chamada Dry Martini Blues

e entrou para o Tequila quando o Bacalhau já estava no Planet.

Animado em ver as bandas ao redor assinando contrato, em 1995 o

Tequila lançou uma demo com Jimmy, Renatinho, Kassin e os bateristas

Nervoso e Léo. Uma resenha na revista Showbizz [341] disse que a banda fazia

“um rock pós-Nirvana pesadão, com duas baterias e influências que vão de

Mano Negra a Jovem Guarda”. Como o Tequila fazia poucos shows, Jimmy e

Donida resolveram criar outra banda paralela, misturando country e

hardcore. Além dos dois tequileiros, o Matanza contava com Kadu e Diba,

do Dash. Mas como o Kadu era roadie do Planet, estava sempre ocupado e

durou apenas um ensaio. Nervoso assumiu a bateria.

Quando o Miranda saiu da Warner e foi para a PolyGram dirigir o selo

Excelente Discos, o Tequila foi contratado e lançou seu primeiro CD

homônimo, em 1996, com participação especial de Bacalhau (em “Teto

preto”) e Black Alien (em “Como vai, senhor?”). Nas rádios e na MTV a

música de trabalho foi “Biscoito”. Porém, para o azar da banda, em 1998 o

Excelente foi incorporado à gravadora Abril Music e o segundo disco do

grupo, O som da moda, ficou cinco anos na geladeira até ser lançado.

O Matanza fez um caminho parecido: lançou uma única demo (Terror em

Dashville, de 1998) e também lançou o CD pela Abril Music, em março de

2001, após um burocrático percurso. Nesse CD, o baixo já era ocupado por

China, em vez do Diba. Com o fim da gravadora ligada à editora paulista, a

banda foi contratada pela gravadora carioca Deck Disc.

O curioso é que esse troca-troca de integrantes ao longo dos anos 1990

culminaria em novas bandas nos anos 2000, como Matanza, Canastra,

Autoramas e Nervoso (em carreira solo). Gabriel Thomaz tocou com dois

bateristas com apelido de Bacalhau. O primeiro, Marco Aurélio Mendes, no

Little Quail, em Brasília, e o segundo, no Autoramas.

Quando, enfim, saiu o segundo disco do Acabou La Tequila, em abril de

2004, a banda ficou motivada de fazer shows novamente. Em janeiro daquele

ano, o grupo tocou no festival Humaitá Pra Peixe [342]. Em 2010, numa

reunião pontual, o grupo se apresentou no Oi Futuro, em Ipanema. Em

matéria n’O Globo [343], Carlos Albuquerque usou uma frase que talvez

defina bem o que representou o grupo para a cena: “Uma das bandas mais

influentes e subestimadas dos anos 1990”.

Em 2015, o Bacalhau, que tinha sido do Tequila e do Planet, saiu também

do Autoramas. Desde então, toca no Monstros do Ula Ula, no qual, frisa com

todas as letras, a autoria das músicas é de todos. Também se meteu a fazer

eventos, como o Baca Fest, movimentando a Áudio Rebel, uma espécie de

“Garage carioca” dos anos 2000.

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Naquele final de 1998, não foi só o Planet que passou por grandes

mudanças. A própria cena e o público viveram uma transição de interesses.

Prova disso foi a décima terceira edição do SuperDemo, realizado durante

três dias de dezembro, na Fundição Progresso. De todas as edições, essa

deixou uma triste lembrança em Elza Cohen:

“Quando eu recebia toneladas de fitas demos, tinha uma hora em que eu

separava quatro bandas emergentes, fodas, urgentes e fazia um SuperDemo.

Os shows eram reflexo da quantidade enorme de bandas boas. Era uma

ideologia ingênua: não pensava quanto ia ganhar, se ia ganhar. Quantas vezes

atrasei o meu aluguel para pagar o som do festival? No fim do SuperDemo,

estava ficando tudo muito repetitivo, muito igual. Todo mundo imitava o

Marcelo, o Chorão e o Chico Science. Certa vez, cheguei num show com

abertura do Planet Hemp cover. O demo do SuperDemo também era de

democracia”.

Em 1998, Elza recebeu a proposta de uma produtora para que fizesse

apenas a curadoria do festival, deixando a produção a cargo dela. E aceitou.

Com exceção do Planet, a sua lista de atrações incluía toda a hemp family

(Funk Fuckers, DeFalla, O Rappa e Squaws), além de Los Hermanos, Otto e

Zumbi do Mato – que entrou após a produtora receber um abaixo assinado

pedindo a sua participação. Um palco foi montado no sábado somente para

três artistas do selo Chaos – Vulgue Tostói, Penélope (ainda Charmosa) e

Maskavo Roots –, que contava com Bruno Levinson na equipe de marketing.

Tudo bem, tudo bom, quando, na hora H, Elza descobriu que a tal

“parceira” tinha gastado demais e desapareceu do mapa. Desesperada, ela

seguiu o conselho de Carlos Eduardo Miranda, que curtia o evento: diminuir

a quantidade de palcos e cancelar alguns shows, de forma a reduzir bastante

as despesas com som, luz, cachê e segurança. Dito e feito, Cohen deixou

apenas um palco e limitou em vinte minutos o show para cada artista. Como a

Fundição tinha hora para fechar, mesmo assim não deu tempo do Pólux,

Cabeça, Cabeçudos e Zumbi do Mato se apresentarem. Em relação ao cachê,

cancelou os shows d’O Rappa, Câmbio Negro e Mundo Livre S/A.

O problema todo foi que, na intenção de dar mais espaço para mais

bandas, o evento ficou mais caro do que nas edições anteriores. Nas palavras

de Elza, “tinham vários palcos para várias bandas novas. O pessoal do ‘Rio

ao Vivo’ fazia uma revistinha e uns eventos e me chamou para fazer juntos.

Eles é que criaram a ideia de ter vários palcos. Um cara lá tinha ficado de

conseguir patrocínio, mas não conseguiu. No dia, acho que choveu e não deu

público suficiente. Eu tive que cancelar um palco, reduzir duas músicas para

cada banda. Los Hermanos entendeu. Todo mundo fez isso para que rolassem

todos os shows”.

Numa matéria com a cobertura do festival, a produtora anunciou que faria

uma nova edição para compensar [344], o que nunca aconteceu. O festival foi

descontinuado por seis anos. Somente no fim de 2004 Elza conseguiu um

patrocínio para fazer o SuperDemo Digital, no Centro Cultural Banco do

Brasil [345], e virou a página.

Itinerário da banda durante a turnê em Portugal, em dezembro de 1998.

CAPÍTULO 40

CASA DO CARALHO

O ano de 1999 serviu para juntar os cacos e reagrupar o Planet Hemp, depois

de tantas idas e vindas, projetos paralelos e mudanças de integrantes. A banda

estava em alta dentro da Sony e tinha o segundo maior tour support [346] da

gravadora, perdia só para uma dupla sertaneja.

Com a grana preta oferecida pela gravadora para gravar o terceiro disco,

Marcello Lobatto perguntou ao técnico de P.A. (Kleber França) se era

possível montar o próprio estúdio da banda. Com a resposta positiva, o

empresário convenceu a major a lhe dar os recursos e investiu na Casa do

Caralho. Depois de perguntar aos músicos quais os equipamentos que eles

gostariam de usar no disco novo, Kleber França foi às compras. Uma

empresa foi contratada para fazer a obra civil. “Montei toda a parte de ligação

de cabos, soldas e montagem de equipamentos.” O home studio começava a

virar um estúdio de verdade.

No primeiro semestre de 1999, o Planet Hemp fez poucos shows,

destacando um com o DeFalla, no bar Opinião, em Porto Alegre, e outro na

Jump, em Santos. Aliás, na cidade do litoral paulista, outro roqueiro abriu

uma gravadora. Da mesma forma que Rafael Crespo, o baterista Boka (do

Ratos de Porão) criou a Pecúlio Discos para lançar bandas que ele

considerava legais, mas que não tinham espaço no mercado.

Quem também corria pelo lado de fora era a dupla inseparável Black Alien

& Speed. Gustavo estava melhor de grana do que o parceiro, porque depois

da prisão as músicas dos dois discos do Planet tocavam e os CDs vendiam.

Quando o D2 lançou o disco solo, o Hemp se enfraqueceu, mas Black recebia

por “Baseado em fatos reais” [347] e “O império contra-ataca”. Então, o Speed

falou: “E eu? Vou ficar de papagaio de pirata nessa porra? [348]”. Como o DJ

Rodrigues estava ocupado, convenceram o jovem DJ Castro [349], que em seu

“quarto-estúdio” gravou bastante coisa com os dois MCs. Parte desse

material permanece inédito.

Ainda na cola do Marcelo, Black Alien & Speed cantaram na festa Zoeira,

no Palácio dos Arcos, na Lapa, e participaram desde o início da coletânea

Marcelo D2 apresenta Hip Hop Rio, misturando nova geração e cascudos,

com produção do David Corcos e gravada na Casa do Caralho.

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Quando o Planet Hemp foi preso, Bruno Levinson trabalhava na gravadora

Natasha Records, mas logo em seguida foi para a Sony Music. Ele achou

certa a escolha de D2 em dar um tempo e fazer o seu projeto solo. Bruno

cuidou do marketing do selo Chaos e de todo o lançamento do Eu tiro é onda,

do início ao fim.

“Eu percebia que as gravadoras já tinham contratado as bandas que iriam

ser alavancadas. Todas já tinham seus artistas e/ou estratégias. A BMG com o

selo Plug, a Sony com o Chaos, a EMI lançando a coletânea Paredão, a

Banguela com seus sucessos e outros selos também tentando. Era uma cena

que já havia rompido a barreira inicial do mercado. Eu achava que já estava

configurado quem seriam os grandes e quem estava lutando por ser médio.

Também percebia o hip-hop crescendo, e aí veio o primeiro solo do D2.”

Bruno teve o prazer de fazer no seu festival Humaitá Pra Peixe tanto o

show solo do D2 quanto o do projeto Marcelo D2 apresenta Hip Hop Rio. E,

obviamente, ele também trabalhou com Black Alien & Speed: “Sempre

gostei muito desses dois. Até quando eu não gostava, gostava! O Speed me

enchia o saco o ano inteiro, me alugava muito querendo tocar. Vinha cheio de

argumentos e falando freneticamente. Ele queria muito e eu também. Lógico

que eles tocaram! Dois dos rappers mais talentosos que temos e tivemos”.

Em janeiro de 1999, a MTV exibiu o show da festa de cinco anos do selo

Chaos, realizado no Via Funchal. O Planet Hemp foi pinçado durante a

hibernação e tocou com uma formação inusitada, com duas guitarras (Rafael

e Jackson), três vocais (D2, BNegão e Black Alien) e o Marcelo Yuka (d’O

Rappa) na bateria. Formigão usou uma camiseta da banda Serial Killer;

Black, um gorro rasta; Jackson, boné; Zé, chapéu de pesca; Rafael e

Formigão, dreadlocks; e D2, uma boina e um medalhão, como na capa do Eu

tiro é onda. Bernardo escondeu o rosto o tempo inteiro, com uma espécie de

touca preta.

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O verão de 1999 começou quente no Rio 40 ºC, cidade maravilha,

purgatório da beleza e do caos. Ou seria do Chaos? O Planet foi novamente

convidado para tocar no programa H de verão, numa praia do Rio. Na mesma

época, Bacalhau assumiu a bateria do Autoramas e Ronaldo Pereira tentava

ressuscitar o Finis Africae e o estúdio Groove [350].

O Carnaval chegou e com ele uma maior aproximação entre Marcelo D2 e

Seu Jorge. Os dois estavam juntos num show do Faces do Subúrbio, na

Fundição Progresso, quando D2 falou o quanto gostaria de misturar rap com

samba e DJ com percussão. Maria Juçá ouviu e, na mesma hora, perguntou

por que ele não fazia isso no Carnaval. Ele adorou a ideia.

D2 já tinha misturado rap com samba no seu primeiro disco solo, assim

como o Farofa Carioca misturou diversas influências musicais no recém-

lançado Moro no Brasil. Jorge e Marcelo tinham muitas afinidades e tocar na

mesma banda era só uma questão de tempo. Naquela noite de rap

pernambucano na Lapa, Jorge batizou o novo grupo de X-Tudo, o sanduíche

de rua para os estômagos fortes.

A primeira apresentação do X-Tudo aconteceu no Rio Folia, num palco

montado pela Riotur nos Arcos da Lapa, com curadoria de Maria Juçá, Elza

Cohen e outros produtores culturais. Além de D2 e Seu Jorge, o X-Tudo

contou com o DJ Zé Gonzales, o rapper Shabazz e a Galera da Cruzada, um

grupo de sambistas liderados pelo Tuca, filho do Bezerra da Silva. O

primeiro flerte foi bacana, mas o Farofa Carioca estava começando a trilhar o

seu caminho, e já tinha tocado recentemente em São Paulo pela primeira

vez [351]. Bem diferente do Marcelo, recém-chegado de uma turnê em

Portugal.

O Carnaval alternativo também contou com shows de outras bandas como

Acabou La Tequila, Baia & Rock Boys, Los Djangos e Kongo (do DJ

Edinho). BNegão participou tanto como DJ quanto tocando com o Funk

Fuckers [352].

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O Planet Hemp participou de um ato de protesto contra o fechamento do

Circo Voador, que continuava de lonas atadas. Comandando uma roda de

samba, D2 foi o convidado para a estreia do programa Música brasileira, de

João Marcello Bôscoli, no canal Multishow, ao lado de Zélia Duncan.

Como a banda estava focada em compor canções inéditas para o novo

álbum, D2 foi sozinho para o festival Abril Pro Rock. Sozinho entre aspas,

afinal, ele levou para o seu show a bateria da escola de samba Mangueira e

alguns integrantes do Planet. O repertório foi baseado no CD Eu tiro é onda e

nos dois discos do PH. Na hora de “Nega do cabelo duro”, ele chamou duas

meninas para dançar no palco [353].

Quem não estava nada satisfeita com essa história de Casa do Caralho e a

presença constante de pessoas, em sua maioria homens, era a mulher do

Marcelo. Sem privacidade, Manu insistiu e D2 alugou um apartamento no

Catete. Ali, engravidou da Lourdes, primeira filha do D2, que já tinha o

Stephan.

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Um causo engraçado aconteceu quando a banda ensaiava na Casa do

Caralho. A porta do aquário do estúdio era grande, pesada e tinha um defeito

na fechadura. Ela não abria por dentro; se fechasse, só dava para abrir por

fora. Durante o ensaio, alguém se distraiu e bateu a porta. A banda toda ficou

trancada no estúdio e o sinal de celular era muito fraco lá dentro. A casa

estava vazia e o jeito foi esperar alguém chegar para salvar a galera.

O tempo foi passando, passando, e eles foram ensaiando, ensaiando e

ensaiando. Até que cansaram e ninguém apareceu. De repente, o celular do

Formigão tocou! Todos se olharam felizes e aliviados. Afinal, aquela era a

grande chance de pedir ajuda. O baixista atendeu e ficou mudo, somente

ouvindo. Em seguida, desligou o aparelho e começou a reclamar: “Porra, eu

tô preso aqui há horas e vem um filho da puta e me liga a cobrar?! Tá, tá, tá

de sacanagem”.

Os músicos se entreolharam e esbravejaram em coro: “Porra,

Formigão!!!”. Horas depois, foram resgatados são e salvos.

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As obras para a ampliação e as melhorias do estúdio continuavam a todo

vapor. Em junho, os pedreiros derrubaram as primeiras paredes da casa de

Laranjeiras para transformar os três cômodos do segundo andar em sala da

técnica e de gravação. No térreo, a sala virou recepção. Agora, não era mais

uma opção. Seria cômico se não fosse trágico: Marcelo D2 expulso da sua

própria casa, que acabara de comprar.

No segundo semestre, D2 continuou com a corda toda, fazendo muitos

shows. Com um som mais palatável em seu projeto solo, ele ampliou bastante

o seu público. Muitas pessoas que gostavam do D2 nem mesmo sabiam que

ele cantava no Planet Hemp.

Focados no terceiro disco, os músicos do Planet se encontraram em shows

pontuais, como a inauguração do Mega Show, em Salvador. A casa de shows,

no bairro do Retiro, pertencia a Raimundo Ravengar, na ocasião, o mais

famoso traficante de drogas da Bahia [354]. Salvador era um problema para a

banda, que sempre tinha shows cancelados lá. Certa vez, a banda estava na

capital baiana quando o Lobatto foi surpreendido duas vezes:

“Eu me lembro que o oficial de justiça disse que a gente não podia fazernem o show nem tocar no programa H. Um dia, me ligou o Raimundão, oRavengar, contratando a banda para tocar na Mega Show. O D2 estava emLos Angeles e me ligou perguntando se tinha algum show marcado. Eu faleique tinha esse, mas que podia ser cancelado. Só que ele foi cumprindo tudoque estava combinado. Pagou cem por cento antecipado, mandou aspassagens aéreas.

Chegamos em Salvador e fomos até a Mega Show, para comer. Aí, quemestava servindo a comida? O tal oficial de justiça que proibia nossos shows.E a esposa dele cozinhava. O Ravengar tinha um acordo doido com ooficial, então ele vinha com uma lista com três ou quatro músicas emvermelho, fazia um teatro dizendo que aquelas marcadas a gente não poderiatocar. Aí a gente dizia que tudo bem e fazia o show. O camarote estavalotado de policiais, só que todos a nosso favor, fazendo a nossa segurança.Cantando, dançando, todo mundo muito doido. Foi muito maneiro.

A partir daí, quando alguém da Bahia ligava eu passava pro Ravengar. Quershow em Salvador? Liga pro Ravengar. Ele dava uns presentinhos, masnunca tocava neles. Quer um negocinho? Alguém vinha e te entregava, elenunca colocava as mãos”.

Parece absurdo, mas a banda só conseguiu tocar na Bahia com a

intervenção do dono do morro. Kleber não entendeu nada: “Em vez de

salgadinhos, o Raimundo botou um self-service pra gente! E indicou um cara

que arrumava tudo. Primeiro ele trouxe água, depois cerveja, uma folha de

jornal cheia de maconha e uma bola de pingue-pongue de pó”.

Sobre esse show, Black Alien também contou uma história incrível:

“Nesse dia, tive o meu primeiro surto psicótico de cocaína. O show foi no

sábado, quando o Raimundo me deu um Ferrero Rocher que, em vez do

bombom, só tinha pó. No domingo, já viajei de avião todo errado. Aí,

chegando no Rio, encontrei a Jô [Hallack], a Dani [Dacorso] e o MC Control

– o Adrian, um inglês residente em São Paulo, à época, que era MC do DJ

Marky e ficou cuidando de mim. Tinha uma festa do DJ Nepal tocando em

Copacabana e fiquei fritando. De lá, fomos para o Empório, em Ipanema”.

A fritação continuou na segunda-feira. “Eu tive um surto psicótico à tarde.

Eu frequentava um prédio onde uma amiga minha morava e os moradores

chamaram a polícia. Só que eu estava tão doido, que cuspi na bota do cara. O

PM olhou pra mim, olhou pro síndico, disse que não tinha nada a ver com

aquilo e foi embora. Fiquei batendo com a minha mala na porta de vidro até o

porteiro abrir e saí andando pela cidade, puxando a minha mala pela rua,

xingando as pessoas e tendo alucinações. Na praia de Botafogo, peguei um

táxi para Niterói. Só no dia seguinte é que eu percebi a merda toda que eu

tinha feito.”

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Nessa mesma época, o Planet fez um show no Estádio Ayrton Borges, em

Uberlândia (MG), e em duas edições da Primavera do Rock, em São Paulo,

uma na Adler de Vinhedo e outra no clube Aramaçan, em Santo André. Os

dois eventos (de sete horas cada) contaram com Ultraje a Rigor, Capital

Inicial, Golpe de Estado e Raimundos – com quem Black Alien cantou

“Deixa eu falar”. O PH encerrou a noite subindo ao palco às quatro e meia da

manhã [355].

Uma característica notável no Planet é que ele nunca negou as suas

origens. Ou seja, um dia estava almoçando com o mainstream, no outro

jantando com o underground. Se num fim de semana a banda dividia o palco

com grandes nomes do rock brasileiro, no outro participava do show do

Black Alien & Speed na UERJ, ao lado de bandas como Pacto Social, 77

Idols e Manifesto 021 [356].

Sem a companhia do Planet, Marcelo D2, Black Alien, Speed e DJ Nuts

também participaram do show do grupo paulista Funk Como Le Gusta, no

Ballroom, com a música “Fourty Days” do trompetista Billy Brooks. Ele foi

sampleado pelo grupo A Tribe Called Quest na música “Luck of Lucien”

sobre o rapper francês Lucien Revolucien, que integrou o coletivo Native

Tongues e foi da Zulu Nation. Também em sua carreira solo, D2 participou

do disco Rossi, the king cantando um clássico da jovem guarda (“Negro

gato”) em dueto com o rei da música brega, Reginaldo Rossi.

Como o disco novo do Planet caminhava em passos lentos, todo mundo

que pôde também se agilizou em projetos paralelos. Zé Gonzales e Nuts

lançaram uma fita cassete do DZ Cuts, enquanto Rafael tocou e produziu na

demo do Elroy, sua nova banda. A fita foi gravada por Rildo Baptista,

mixada e masterizada pelo David Corcos, com design do encarte também do

Rafael, utilizando desenhos da Sandra.

No início da carreira solo, D2 fazia shows com o Speed, o Black Alien e o

Jackson, numa fase pré-Hip Hop Rio. “O império contra-ataca” foi a tentativa

dele de manter a gangue na estrada. Só que uma hora ele teve que cortar, para

a parada dele ir para a frente. Nesse momento de cada um por si, novos

horizontes se abriram também para Black Alien & Speed, que foram tentar a

vida em São Paulo, para gravar um disco só deles.

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Quando o Gustavo e o Speed se mudaram para São Paulo, foram morar no

apartamento do produtor Alex Cecci, o Don KB, no centro da cidade. Assim,

se reconectaram com velhos e bons amigos, como Rodrigo Brandão:

“O Gustavo apoiava e levantava bastante a bola do Speed. Começou quandoele abriu mão de ser a banda Black Alien para se tornar a dupla Black Alien& Speed. Ele estava numa de ser comissário de bordo quando rolou aqueleencontro no qual o Speed disse pra ele: ‘Se você é só um maluquinho quefaz rap, Tom Jobim é só um maluquinho que toca piano.’ Quer prova deamor maior do que essa?

Uma vez, a Nação Zumbi foi tocar em Maceió e levou os dois pra fazer oshow de abertura. Eles já estavam brigando antes de entrar no palco. OGustavo estava todo de branco, todo alinhado. A primeira rima era doSpeed, que virou pro Gustavo, jogou uma garrafa de água e cantou: ‘Saicalado, sai calado’. Na sequência, o Gustavo, todo molhado, deu o maiorchute no rabo dele no palco [risos]. Os dois passaram o show cantando e sebatendo. Ficaram brigando até o dia seguinte. Também teve uma vez, lá nosanos 1990, que eu fui gravar com o Los Sea Dux, no Rio. Foi um jazzinstrumental que saiu no vinil dos Cães ladram e escondido no CD. Aí, agente foi numa balada na Volupya, em Niterói. Lá para as tantas chegam osdois todos fodidos no terraço: ‘Saímos na porrada lá embaixo, mas tá tudocerto’.

Eu concordo com os dois e discordo dos dois. Eles tinham razão, mastambém estavam errados. Uma vez, no lançamento do Mamelo [SoundSystem], em 2006, o Gustavo participou e o Speed foi lá. No fim, Speed meabraçou e disse que só eu mesmo pra fazer esse encontro entre eles doisrolar. Eu sempre dizia a eles: ‘Vocês são muito melhores juntos do que

separados’. E acho isso até hoje. Eles são mesmo a melhor dupla depois deChumbinho e Bacamarte”.

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Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a obra na casa nova era o menor dos

problemas de Marcelo D2. A gravadora cobrava o disco novo do Planet

Hemp, mas a pré-produção era lenta e os músicos não conseguiam evoluir

nas composições novas.

Convocado como uma espécie de “salvador da pátria”, o guitarrista Rafael

Crespo encontrou um quadro bastante diferente em seu retorno às fileiras do

grupo: “Para o terceiro disco, tinha dinheiro pra gravar, mas nenhuma música

pronta. Então, quando eu voltei, percebi que a banda tinha perdido a unidade

artística do som. A banda perdeu criativamente. Eu tinha ido para o hardcore

e os caras continuaram na onda do rap, do hip-hop. E, quando eu voltei, não

queria mais bater de frente com o Marcelo”.

Na opinião do Rafael, havia uma carência de direcionamento no novo

material: “O terceiro disco do Planet foi uma coisa meio perdida, uma

colagem de várias coisas. Começava uma parada comigo, Pedrinho e

Formiga, mas nunca ia para a frente. Isso desanimava, tirava o meu tesão. Aí,

a gente parou de compor. O que me deixou desconfortável foi o lance criativo

da banda que se perdeu”.

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No meio de tantas más notícias, uma boa. Após um hiato de três anos, o

Humaitá Pra Peixe voltou ao Sérgio Porto. O festival de Bruno Levinson

ocupou as terças e quartas, com dois shows por noite. No dia 19 de janeiro de

2000, o Planet Hemp fez um show surpresa com Jackson e Rafael na guitarra.

Seria uma noite de alegrias para todos, se não fosse por um detalhe muito

importante: o casamento entre Marcelo e Manuela não ia nada bem.

Entre 1995 e 2000, D2 e Manu passaram por poucas e boas. Divertiram-se

muito juntos. Do Jardim Botânico, mudaram-se para uma casa, em

Laranjeiras, e de lá para um apartamento, no Catete. Nem sempre Manu

podia viajar com a banda, mas tinha uma cumplicidade com o Marcelo e

sabia muito bem dos riscos do seu marido galanteador. Mas no Rio, não. Era

quase um acordo. E foi justamente nessa época, morando no mesmo Catete

de D2 e Skunk, que ela descobriu o caso do marido com a Camila.

Verdade seja dita: a companheira de D2 estava longe de ser uma

unanimidade na banda. O próprio escudeiro de Marcelo não a considerava

uma boa influência. Foi o Jackson quem apresentou a Camila ao vocalista, na

época da festa Zoeira Hip Hop, da Elza Cohen. Porém, quando ela soube que

o músico era casado, se esquivou:

“A minha amiga Deborah estava saindo com o Jackson, que ia tocar numafesta que a Elza Cohen produzia às terças, em Copacabana. Eu fuiacompanhando ela. O Marcelo estava lá na festa, com a Manu grávida. Nahora de sair, dei uma carona para um casal de amigos e o Jackson começoua falar que o Marcelo estava interessado em mim, e que tinha me convidadopara ir com ele num jogo do Flamengo, no dia seguinte. Eu respondi: ‘Avisapra ele que eu sou Fluminense e que é pra ele levar a mulher dele’.

Achei que o recado tinha sido dado. Um tempo depois, no meio de um jantarcom a Deborah e umas amigas, o Jackson apareceu com o Marcelo. Ele todogalanteador, Don Juan, me conquistou. Eu achei que seria uma noite e nada

mais. Depois ficamos uma semana sem nos ver, mas volta e meia ele meprocurava. A Manu soube e, claro, ficou muito abalada, então eu e oMarcelo decidimos nos afastar pra ele viver esse momento com ela, ter aLourdes e tal. Foi ali que botamos um ponto final, que não foi tão finalassim”.

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O nome Lourdes foi escolhido por Marcelo em homenagem à avó materna,

mãe da Paulete. E quando nasceu a sua primeira filha, ele comemorou onde

mais gosta: em cima do palco. E, mais uma vez, a Camila estava em seu

caminho:

“Eu fui com uns amigos num show d’O Rappa, no Canecão, e lá encontrei

o Bruno, que trabalhava na Na Moral. No meio do show, o Marcelo subiu no

palco e fez uma participação surpresa. Quando ele cantou e saiu, o Bruno me

encontrou de novo e me chamou pra ir ao camarim, o que não fiz porque sou

avessa a essas coisas. No fim do show, a gente saiu, jantou, ele me contou

que a filha tinha nascido, mas que pensava muito em mim e não conseguia

mais levar adiante o casamento. Inclusive, até onde eu sei, ele esteve presente

ao nascimento, depois saiu pra comemorar, e acabou rolando esse nosso

encontro inesperado no show d’O Rappa. Coisas do destino”.

Elza Cohen nunca se esqueceu disso: “O Marcelo foi tão julgado. Como

foi difícil pra essa menina nascer. Eu tenho um amor muito grande pela

Lurdinha”. Quando o casal se separou, Manu ficou com a bebê recém-nascida

e, algum tempo depois, se afundou nas drogas até parar nos Narcóticos

Anônimos [357]. Passaram-se dezesseis anos de mágoa até os dois se

acertarem: “O Marcelo se transformou muito da pessoa que conheci e me

apaixonei. Continuo fã dele como letrista e nada mais”.

Para a Camila, também foi uma experiência marcante: “Eu nunca me

envolvi na relação deles nem influenciei o Marcelo, mas sei que a Manu

passou por momentos complicados. Quando o Marcelo viajava, muitas vezes

eu é quem pegava a Lourdes e cuidava dela. Não foi fácil. Não pela Manu. A

sombra que me perseguiu por muito tempo foi a de que eu tinha causado dor

a alguém. Por muito tempo eu também me questionei se tinha feito a coisa

certa. E da mesma forma que aconteceu com ela, um tempo depois aconteceu

comigo. O carma pela minha escolha era meu mesmo. Com o tempo e a

maturidade, aprendi a jamais me relacionar com alguém que tenha uma outra

pessoa, porque é uma dor que não quero nunca mais causar a ninguém”.

Em 2018, ao completar dezoito anos, Lourdes virou riponga e vegana. Nas

palavras de Camila, “uma menina de luz”.

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Assim como o Sagaz Homem Fumaça, o cartunista Arnaldo Branco

também criou um personagem, o Capitão Presença, que aparecia na hora em

que o maconheiro mais precisava. Ou seja, quando não tinha nada para

fumar, o capitão aparecia e salvava. Naquele momento, com disco atrasado e

casamento arrasado, Marcelo D2 estava em sérios apuros. O amigo Zé

Gonzales sacou o drama e pediu ajuda. Ligou para São Paulo e chamou o

Ganjaman.

CAPÍTULO 41

A INVASÃO DO SAGAZ GANJAMAN

Daniel Ganjaman conheceu o Planet Hemp no festival Juntatribo de 1994, em

Campinas (SP). Como o Rafael também frequentava a cena underground de

São Paulo, os dois tinham muitos amigos em comum. Dividiram os palcos

algumas vezes e sempre estavam presentes nos shows uns dos outros. Daniel

e Rafael já eram brothers, mas quem fez a ponte com a banda foi o Zé

Gonzales, ao convidá-lo para trabalhar em A invasão do sagaz Homem

Fumaça: “Foi o Jackson quem me apresentou o Ganja e começamos a fazer

um monte de coisas juntos. O que o DZ Cuts não fez, eu e o Ganja fizemos”.

Como o novo álbum estava muito atrasado, a gravação começou assim que

a obra do estúdio terminou, com um cheiro fortíssimo de tinta e cola de

sapateiro. Foi nesse momento que Ganjaman pegou um avião e foi até a Casa

do Caralho: “Cheguei no estúdio e conheci o David, que começou a me

mostrar faixa a faixa do que eles tinham feito, apontando os pontos que ainda

estavam inacabados, precisando de novas ideias. Assim que terminou de

mostrar tudo, ele riu e soltou a seguinte frase: ‘Bom, agora, vamos começar a

trabalhar porque os caras falaram que tu ia chegar e resolver essa porra

toda!’. Dali pra frente, viramos grandes amigos e colaborei nos arranjos do

disco tocando vários instrumentos (baixo, guitarra, piano elétrico,

sintetizadores), além de compor ‘O sagaz Homem Fumaça’, o reggae do

disco, com Rafa, Marcelo e Seu Jorge”.

A gravação ocorreu entre sessões de TV, video game e até grafite. Marcelo

D2 achava importante que o estúdio tivesse um clima agradável e

descontraído, diferente dos que existiam no Rio, até então. Para que os

artistas pudessem registrar rapidamente as ideias que surgiam, independente

da hora do dia, foram comprados vários colchonetes [358].

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Diz o ditado que em que time que está ganhando não se mexe. Sem

arriscar, o terceiro disco de inéditas foi novamente produzido por Mario

Caldato, com coprodução de David Corcos e o auxílio luxuoso de Daniel

Ganjaman, Zegon e Rodrigo Nuts. Além de Black Alien, D2 escreveu

diversas letras com BNegão. O Planet Hemp virou uma família.

Praticamente todas as músicas dessa colcha de retalhos têm uma história.

Em “Contexto”, foi o Zé quem trouxe o loop de “É mentira”, do Marcos

Valle, e D2 puxou o bonde: “Eu sempre achei foda que o Brand Nubian [359]

falava o nome da banda várias vezes no meio das músicas. Como eu adorava

gritar Planet Hemp no refrão, e o público também, eu tive uma ideia. Fiquei

ouvindo a base do Zé, escrevi a minha parte (‘quem é que joga a fumaça pro

alto?’) e falei pro Bernardo e pro Gustavo: ‘Isso pode virar um hino, não ter

ninguém cantando o refrão’”.

BNegão e Gustavo escreveram as suas partes e eles partiram para a

gravação, como recordou D2: “De cara, eu que gravava todos os refrões.

Então, falei: ‘Não, cada um canta o seu refrão e depois canta a sua parte’.

Ficou foda. Depois, nós fomos atrás do Marcos Valle e ele liberou. Eu acho

essa música muito foda”.

Apesar de ter voz ativa nas decisões, D2 garantiu que, entre eles, nunca

houve a coisa de “a banda é do Marcelo porque foi ele quem começou com o

Skunk”. Nas palavras do próprio, ele tentava botar ordem: “E ia me

colocando porque tenho uma personalidade forte pra caralho. Tirando

‘Procedência C.D.’, cuja ideia de letra não foi minha, todas as outras músicas

começaram com ideias minhas”.

Essa música nasceu durante uma farra de dois dias na Casa do Caralho.

Marcelo ficava gravando, enquanto Wladimir (da banda punk Pacto Social) e

um amigo iam ao Morro do Fallet pegar as drogas. “Procedência C.D.” teve o

nome provisório de HC1 [360], “100% hardcore” (do disco anterior) era o HC2

e “HC3” ficou com esse nome mesmo. Esta última foi a primeira letra do

Rafa com o Planet. O guitarrista de dreads também criou a instrumental

“Gorilla Grip”. O Formigão não conseguia tocar essa música, então o baixo

foi gravado pelo Ganjaman, que também virava o baixista quando tocada ao

vivo nos shows.

“Quarta de Cinzas” também tem uma história legal. Em 1999, Marcelo

conheceu a Camila e ela falava muito da Praia da Guarda do Embaú, em

Santa Catarina. Aí, veio o Carnaval e ele decidiu que escreveria lá as letras

das músicas para o terceiro disco, enquanto os caras ficaram no estúdio,

fazendo o som. Só que, na verdade, o vocalista não escreveu nada, ficou só

zoando. Quando ele voltou na Quarta-feira de Cinzas, a banda perguntou

sobre as letras. Marcelo enrolou e disse que o instrumental tinha ficado foda e

que era para gravar daquele jeito, pois no dia seguinte ele colocaria uma letra.

O que nunca aconteceu.

“Freio de camburão” nasceu no caminho para um show em Santo André.

Marcelo comentou que o Planet era igual a freio de camburão da polícia, que

para a toda hora. Foi só falar nela que tocou uma sirene e eles tomaram uma

dura. Por sua vez, “12 com 18” ficou com clima de polícia perseguindo

bandidos (no caso, eles). Os dois números do título referem-se aos artigos da

Lei de Entorpecentes utilizados para basear a prisão em Brasília [361].

Jackson foi um dos compositores de “Ex-quadrilha da fumaça”, participou

de “Gorilla Grip”, gravou o baixo em “Contexto” e “Four Track”, e guitarra

em “Procedência C.D.” e “Stab”. Em relação à essa última faixa, ele

reclamou por não entrar nos créditos, apesar de ter feito o solo: “O meu estilo

é muito diferente do Rafael. A minha escola foi o blues e a dele foi o

hardcore, e nessa época eu estava estudando bastante jazz. Mas o certo seria

dividir os créditos entre quem fez a letra; o Zé, que fez o stab [362]; e eu, que

criei o refrão”.

O DJ concorda: “Foi um acidente legal, quando o meu vinil de scratch

com vários stabs riscou e travou naquela posição. Ele ficou repetindo, aí eu

gravei aquilo, que induziu as notas da música sob a qual o Jackson fez o riff

principal de ‘Stab’. Mas quando você fecha um disco, quem manda a ficha

técnica é a banda...”.

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O DJ da banda contou que, durante a gravação do terceiro disco, D2 estava

se separando e ficou bastante ausente:

“Quem carregou esse disco fui eu, Ganja e o David. Lógico que o Marcelo

“Quem carregou esse disco fui eu, Ganja e o David. Lógico que o Marcelosupervisionava tudo, mas a gente teve algumas diferenças. Ele tinha umamúsica sobre a Lapa, com uma citação do Black Future, que nunca foifinalizada. A gente também tinha uma com o João Gordo rimando, chamada‘Paranoia’, que ficou foda, mas nunca saiu.

Fui crescendo dentro da banda a partir do segundo disco e ganhei ainda maisrelevância na época do Homem Fumaça. Deixei de ser músico contratado eentrei na divisão de cachê com o Marcelo, o Formigão e o Rafael. Na épocado Cães, teoricamente eu ganhava igual ao Formigão, e o Marcelo ganhavamais. Acho que era mais de dez mil reais por show, eu saía com um bolo dedinheiro no bolso. Ou seja, comecei a ganhar uma porcentagem de músicocontratado, só que oficialmente não entrei para a banda, não entrei nocontrato com gravadora ganhando royalties nem ganhei cachê de músico,mas dividia o cachê em show, então não fiquei nem aqui nem ali, até o finalda turnê do Homem Fumaça.

Uma vez, o Marcelo falou pra mim, com todas as letras, que eu não era dabanda; disse que eu era importante, mas não era fundador. Então, nem entrei[na banda] nem era músico contratado... No final, fiquei a ver navios. Fuiquem mais trabalhou no disco, da pré-produção até a masterização, em todasas etapas. E só ganhei direito autoral, nenhum centavo como músico nemcomo royaltie.

Sou autor de ‘Queimando tudo’, ‘Contexto’, ‘Stab’ e várias outras. Oconceito de vinhetas com sons e trechos de filmes, colagens, as falas dosfilmes Dona Flor e seus dois maridos e Pixote, era algo que eu já fazia antesde entrar no Planet”.

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Se no primeiro disco o Planet Hemp falou de maconha e no segundo sobre

a liberdade de expressão, no terceiro a banda abordou o cotidiano, os temas

do dia a dia. Gravado de forma livre e caseira em apenas quarenta e cinco

dias, criando e registrando numa média de uma música a cada dois dias, o

grupo queria mostrar que era brasa, e não cinza. Apesar de entrar na crew

depois do Usuário, o empresário Lobatto achou que houve uma evolução

enorme do primeiro pro segundo disco. E concluiu: “Apesar de o terceiro ser

um disco mais frio, é o mais elaborado”.

Pouca gente sabe, mas Marcelo D2 só escreve quando vai gravar um disco.

Nunca parou e falou: ‘Vou escrever uma música’. Ele gosta de pensar

primeiro no conceito do álbum, e o do terceiro CD só veio depois do disco

pronto. Inicialmente, se chamaria Os Homens-Fumaça contra o Comando

Delta [363]. Foi o Rafael quem deu o título A invasão do sagaz Homem

Fumaça, numa referência ao cidadão comum.

O disco novo estava pronto e a gravadora ficou cobrando um nome

definitivo. A banda sentou num restaurante no Largo do Machado e ficou

trocando ideia sem parar, pois tinham que decidir isso naquele dia. D2 tirou

da mochila uma HQ do Marcelo Quintanilha e mostrou pra galera. Em

seguida, o Bernardo deu a ideia de um super-herói, e acharam que aquele cara

seria perfeito para desenhar a capa a lápis, em preto e branco. Ainda assim,

para Marcelo, A invasão do sagaz Homem Fumaça é o disco menos

conceitual do Planet.

Com ou sem conceito, o disco já saiu da fábrica da Sony com cem mil

unidades vendidas.

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Da mesma forma que D2, Black Alien só sentou para escrever quando

precisou: “Eu não escrevo porque eu gosto, eu escrevo porque sai de mim. Eu

escrevo por impulso. O Speed era um cara prolífico. Ele tirava lazer do

aprendizado, do ensaio, do escrever. E fazia uma música por semana. E eu

não, só fazia quando tinha que fazer”. Gustavo também falou da sua

importância para a banda: “Será que foi o Planet que me alavancou mesmo?

Tira ‘Contexto’, tira ‘Queimando tudo’, tira ‘Zerovinteum’, tira ‘Test drive

de freio de camburão’, tira ‘Ex-quadrilha da fumaça’, tira ‘Nega do cabelo

duro’, tira ‘Deisdazseis’. Até hoje eles cantam e eu recebo. Eu reconheço o

valor de todo mundo, inclusive o meu”.

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Apesar dos pesares, o Planet Hemp se reuniu novamente porque ainda era

um bom negócio para todos. Com integrantes do primeiro, do segundo e

agora do terceiro disco, a banda contava com nove músicos: D2, Black Alien,

BNegão, Formigão, Rafael, Zé Gonzales, e os novatos Pedro, Jorge e

Ganjaman, que na turnê tocava guitarra, baixo e teclado. Antes de cair na

estrada, D2 pegou um avião para Los Angeles para mixar A invasão do sagaz

Homem Fumaça com o Mario Caldato e, sem saber, salvou a vida de Seu

Jorge.

CAPÍTULO 42

SALVE, JORGE

No dia 22 de janeiro de 2000, a segunda casa de Marcelo fechou as portas.

Com a Casa do Caralho em obras, o Garage realizou o seu último evento,

com quinze bandas tocando. Fábio da Costa Batista desistia de uma vez por

todas. Ele estava cansado de ter que fazer um S.O.S. Garage a cada dois anos,

quando renovava o contrato de locação. O próprio Circo Voador também já

tinha feito um S.O.S. e continuava fechado.

Quase quarentão, Fábio abandonou a mulher e os três filhos, em 1991, e

casou-se com o rock and roll. Deixou a família e mudou-se para o casarão do

Moto Clube do Brasil, do qual se despedia. Tricolor, kardecista, torneiro

mecânico e diretor de bateria da torcida Young Flu, Fábio contabilizou

oitocentos e sessenta e oito shows em oito anos no Garage [364], o mais

importante clube de rock do Rio.

Enquanto o Garage fechava, o coração de Marcelo D2 se abria. O músico

vivia um turbilhão de emoções. Separado da Manu e namorando a Camila,

D2 mudou-se para um quarto de hotel na Lapa. Agora, ele era pai de dois

filhos (Stephan e Lourdes), estava prestes a lançar o seu quarto disco (terceiro

com o Planet e um solo), e protagonizava um movimento importantíssimo no

Rio com as festas e a coletânea Marcelo D2 apresenta hip hop Rio. Com

tanta coisa rolando à sua volta, um belo dia Marcelo encontrou por acaso, na

rua, com o Seu Jorge. O amigo tinha acabado de sair da Farofa Carioca e

estava muito, muito mal.

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Seu Jorge conheceu o Planet Hemp no Totem, no bairro de Santa Teresa,

levado pelo Bertrand, um dos fundadores do Farofa Carioca. Os dois

moravam juntos e, numa festa, ele conheceu o Alexandre MZ, com quem

conseguiu os discos do Planet, Nação e O Rappa. Então, MZ o convidou pra

conhecer o estúdio. Foi assim que Bertrand e Jorge começaram a frequentar e

a conhecer toda a hemp family. O Totem virou o point, onde a galera ia

mesmo quando não tinha ensaio.

Boa praça, com voz grave e um violão a tiracolo, Jorge vivia por lá. Ele e

Bertrand também participavam do lanche coletivo de pão com mortadela e

refrigerante. Ali, os dois encontraram a sua turma, participando das famosas

jam sessions do estúdio:

“Aquela foi a primeira vez que eu cheguei perto de uma galera que – de fato– fazia um som pesado, guitarras e tal, que entendia de som, dosequipamentos. Eu não tinha acesso a esse tipo de informação, ao universodo estúdio. Na verdade, eu não tinha acesso a universo nenhum! Então,quando eu cheguei lá e comecei a conviver, isso foi muito importante. Tinhaas bandas de Vitória [Pé do Lixo, Manimal], Os Theobaldos, um lequemuito diverso de sonoridades.

A minha participação inicial foi cantando nas jams, fazendo letras quedepois serviram pro Farofa. O Bertrand começou a tocar flauta, eu cantavaminhas letras em canjas, sobretudo ‘Moro no Brasil’. No Squaws, eu fizparticipação em três músicas do disco: em ‘Vacilão fica de fora’, eu toquei

percussão; em ‘Não sou eu’, eu cantei junto com o Agui; e fiz a abertura doclipe, em ‘Quem são vo6?’”.

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É interessante notar a brodagem entre as bandas no primeiro e único disco

do Squaws, O jogo vai virar (Polygram, 1997), que vai de Falcão (O Rappa),

colocando a voz em “Corra otário”, até a galera do Planet Hemp: o DJ Zegon

participou de “Vacilão” e o DJ Nuts de “Nada pode me parar”; Marcelo D2

cantou em “Se eles te pegam”; e Rafael Crespo tocou guitarra em “Quem são

vo6?”. Vale o registro: Rafa tocou esta música com o Squaws, no festival

Abril Pro Rock de 1998, no Recife.

Quando alguém tentava comparar o Squaws ao Planet Hemp, a banda do

Totem respondia que poderiam haver referências em comum, mas o som era

muito diferente e que, ao contrário dos amigos, o seu disco não fazia qualquer

alusão à maconha. Uma das melhores histórias do Squaws é a disputa entre

duas gravadoras: estavam com o DAT pronto para mandar ver o primeiro

disco independente quando a Sony chegou junto. Prestes a assinar o contrato,

a PolyGram surgiu na história com uma proposta melhor e fechou o

negócio [365].

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Da primeira visita ao Totem até as jams e o estrelato, tudo aconteceu

muito rápido na vida de Mário Jorge, mais conhecido como Seu Jorge. Em

1997, nasceu o Farofa Carioca e, em apenas um ano, lançou o primeiro disco,

Moro no Brasil, pela major Polygram. Mais um ano se passou e, em 1999,

ele deixou a farofada pra trás:

“Quando eu saí da banda, fiquei um mês seriamente deprimido. Um mês nacama, deitado, sem levantar, não comia nem ia ao banheiro. Aí, tentei voltaraos poucos pra rua, até que encontrei o Marcelo e comentei que tinha saídodo grupo e estava cheio de compromissos, aluguel pra pagar, essas coisas. OD2 comentou que o Planet estava há um bom tempo sem tocar compercussão: ‘Pô, Jorge, você podia tocar uma percussão com a gente! Eucompro tudo e vou descontando do seu pagamento’.

Na primeira semana, tinha quatro shows. Com os dois primeiros eu jápaguei a percussão. Com os outros dois ainda sobrou uma puta grana. Naépoca, o meu break even (point) [366] era baixíssimo, paguei rapidinho asminhas dívidas. O Marcelo jogou a corda.

Esse filho da puta me fortaleceu quando eu mais precisei, esse cara é foda.Se um dia eu fizer um filme sobre a minha vida, tem que ter essa passagem:primeiro me dando um emprego e depois me estimulando. Ele fazendo omaior sucesso e, na maior humildade, me chama pra trabalhar. Não pra fazerbagunça. Coração bom, mesmo valor, valor de subúrbio, sabe o que é passarum aperto.

Eu acho que o mais prejudicial foi depois da prisão: o cancelamento deshows e a perseguição. Eles queriam tocar e tinha um público louco por eles.Numa viagem com o Planet, o Lobatto teve que assinar um contrato de quepoderiam fazer o show naquela cidade, mas não tocariam determinadasmúsicas. Eu peguei dois shows que teve esse problema de a polícia vir,parar, revistar, de não compreender que era uma banda de artistas, não demarginais”.

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Produtor de eventos em Pernambuco, Jorge Ayres trabalhava com a banda

Jorge Cabeleira & O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis. Quando a banda

foi dispensada da Sony, ele ligou para o amigo Marcello Lobatto, pedindo

trabalho, e se mudou para o Rio:

“Eu morei de 2000 a 2011. Fui produtor executivo da banda [Planet

Hemp] por um tempo. Já viajei várias vezes até com a identidade do Lobatto.

O D2 tinha uma carteira de identidade velha, e sempre ficava retido no

embarque do voo por causa do péssimo estado de conservação. Eu usava o

documento do Lobatto e passava direto. Ele ficava com vontade de me

dedurar [risos]. Também fui produtor de estrada deles por alguns anos. Fui

em premiações da MTV e no Festival de Verão de Salvador. Viajei com o

Seu Jorge, tocando percussão, e o Apollo 9, nos teclados. Mas quem dava

mais trabalho era o Gustavo. Hoje em dia ele tá uma beleza, mas naquela

época era complicado viajar e coordenar tudo com ele sempre ‘acordado’”.

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Marcelo D2 fez outra preza para o Seu Jorge, levando o amigo pela

primeira vez aos EUA, para acompanhar a mixagem do CD A invasão do

sagaz Homem Fumaça. “Foi assim que eu me aproximei do Mario [Caldato],

que fez uma demo pra mim”, contou Seu Jorge. “Depois, eles me levaram

para o Japão, que foi a maior decepção. Viajamos de [classe] econômica,

vinte e oito horas de viagem com as galinhas [367]. Depois, eu toquei com eles

de novo nos EUA, mas eu já estava morando aqui, isso foi antes do [ataque

ao] World Trade Center. Aí, fiz meu disco [Samba esporte fino, de 2001], o

filme Cidade de Deus e tudo virou”.

Jorge e Bertrand, ambos do Farofa Carioca, com Formigão, D2 e Mario Caldato, na pré-produção d´Oscães ladram... Acervo pessoal de Bacalhau.

CAPÍTULO 43

PEDRINHO & PEDRÃO

Pedro Garcia virou baterista da banda Cabeça com quase quatorze anos. Filho

do guitarrista e cantor Bebeco Garcia [368] – roqueiro gaúcho de sucesso nos

anos 1980, que se mudou para o Rio de Janeiro –, o adolescente não tinha

essa visão de galera muito doida e drogada da noite, estava apenas focado em

ser um músico bem-sucedido. Pedro acompanhava a galera nas festinhas, mas

tratava os shows com dedicação. Por ser o mais novo da turma, o xodó, ficou

conhecido por Pedrinho. Ao lado de Nobru e Kalunga, em 1997 gravou o

primeiro CD do Cabeça.

Um ano depois da prisão, o Planet Hemp voltou a tocar ao vivo, numa

turnê em Portugal, e o Pedrinho foi a melhor solução: “Fui considerado o

cara que ia resolver rápido por já conhecer as músicas e me dar bem com a

galera. O Jackson botou bastante pilha para eu ficar na banda [369]”. E ficou.

Por uma feliz ou infeliz coincidência, Pedro ganhou a vaga de baterista e

Jackson perdeu a de guitarrista. Ele gravou no disco novo ao lado de Rafael,

que voltou a ser o primeiro guitarrista, mas brigou com Black Alien. Então,

foi suspenso e, depois, demitido. Buscando novas oportunidades, Jackson foi

para São Paulo e tocou guitarra nos shows dos Racionais MC’s. De lá, voltou

para Porto Alegre, onde uma música sobre motel mudou a sua vida.

Com ou sem o Jackson, o Planet se organizou com uma nova e diferente

formação. Eram dez ou onze músicos, quase uma orquestra. O Ganjaman

assumiu a segunda guitarra e os teclados, o Seu Jorge substituiu o Negalê na

percussão, além de três vocalistas. Para o Formigão, a passagem de som era

um problema. “Mas harmonicamente era do caralho. Era mais que uma banda

de rock.”

Antes de colocar a turnê na estrada, a banda fez alguns shows avulsos em

Porto Alegre e Salvador. Na capital baiana, tocou pela segunda vez no Mega

Show e participou da nona edição do festival Garage Rock, com os

conterrâneos do Jason, tocando para quatro mil pessoas, na Concha Acústica

do TCA. No lançamento da segunda edição da revista em quadrinhos Hemp

Comix, no Ballroom, o Planet foi o “homenageado”, mas o show foi da dupla

Black Alien & Speed. Para invadir, os sagazes homens fumaça chegaram

bem de mansinho. E o Pedrinho com eles.

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Por precaução, o Planet lançou o CD e esperou para ver no que dava, antes

de fechar shows pelo país. A repercussão inicial foi positiva, inclusive na

imprensa. A Folha de S.Paulo afirmou que o novo álbum era mais cru e

menos sofisticado que o anterior, porém, um manifesto de empáfia, uma

cuspida na cara. Ressaltou a crítica ao então presidente Fernando Henrique

Cardoso na letra de “Stab” (“entra Fernando e sai Fernando e quem paga é o

povo // que pela falta de cultura vota nele de novo // e paga caro”) e deu

quatro estrelas:

“O Planet Hemp reaparece, três anos após o trauma, como banda que

podia ter enfiado o rabinho entre as pernas, por conta de tanta pressão (e da

gravadora lesada que a abriga). Fez o contrário, e fez bonito. Perde-se em

confusões e excessos ainda, mas é de fazer gosto ver que nem todo mundo é

bunda-mole no Brasil. E se esses vão ser de novo confundidos com bandidos,

o problema não é deles, mas do Brasil dos Malufs [370]”.

Por sua vez, o Estadão disse que “sonoramente, o novo disco é uma

mistura do que a banda fez nos trabalhos anteriores”, mostrando um Planet

Hemp “mais político, antenado com a realidade social e bastante crítico [371]”.

Ao jornal, D2 explicou que a banda deu mais ênfase às guitarras, dominando

muito melhor os instrumentos e tratando os arranjos com maior

profissionalismo.

Dois meses depois, o Planet Hemp marcou presença na sexta edição do

MTV VMB, no Credicard Hall (São Paulo), apenas para executar “Ex-

quadrilha da fumaça”. Nem o grupo nem o Marcelo concorreram com

videoclipes. Depois de tocar, D2 deu um rolé pela festa e encontrou com

Caetano Veloso. O cantor baiano se aproximou num tom amigável, falou que

o show do Planet foi o melhor e os dois começaram a discutir de forma cada

vez mais acalorada. Caetano estava chateado porque D2 faltou a gravação

para a trilha sonora do filme Orfeu, produzido pela Natasha Records, da sua

esposa, Paula Lavigne. O rapper deixou todo mundo no estúdio alugado

esperando por vários dias. Para piorar, Marcelo disse num jornal que furou de

propósito [372]. De repente, a própria Paula chegou, a galera separou e a

conversa acabou.

Ao mesmo repórter da Folha, que resenhou o novo disco, D2 explicou o

fim da discussão: “O que eu ia fazer, dar um soco em Caetano, brigar na mão

com o segurança dele? Eu tinha acabado de fumar um skank. Não tenho

motivo nenhum pra ficar batendo boca com ele, tenho problema muito maior

para resolver. Vou ter medo dele? Pelo amor de Deus. Por ser uma pessoa

inteligente e mais velha, devia ser mais sensato e tentar resolver aquilo [373]”.

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Depois de tocar na Holanda e em Portugal, o Planet Hemp queria ampliar

a sua carreira internacional. Com esse objetivo em mente, Lobatto fez contato

com promotores residentes no exterior, que levavam bandas brasileiras para

tocar para brasileiros. A primeira experiência seria uma breve excursão aos

EUA, tocando em julho nas cidades de Orlando, Nova York, Boston e Los

Angeles [374]. Depois, passou para setembro, em Nova York, Boston e

Miami [375]. No fim, a excursão foi ainda mais breve que o planejado.

Dos quatro a seis shows previstos, caiu para apenas um, em NY. Pedro

Nicolas, o Pedrão, era o produtor de estrada da banda: “Foi num clubinho que

ficava no Queens, tipo a Diadema de Nova York. Por algum motivo, o

[rapper] Ice Blue dos Racionais também estava na gig. Para compensar o

transtorno, o contratante pagou dez ou doze dias num hostel barato da cidade,

na Central Park West, daqueles com um banheiro por andar. Como o hostel

era péssimo, não tardou e o D2 saiu. Eu e o Zé fomos para o apê de uma

amiga milionária, no West Side. Virou uma viagem de passeio, na qual

alguém foi salvo da polícia pelo nosso amigo John por alguma treta com

maconha [376]”. Pouco depois, o Planet tocou novamente para a comunidade

brasileira na gringa, dessa vez, no Japão.

Uma coisa engraçada (menos pro Formigão, claro) é que todas as vezes

que ficava muito louco, o baixista tinha descontrole urinário. Tanto que o seu

segundo apelido era Formijão. Nessa primeira viagem a Nova York, ele ficou

tão doido, que numa noite mijou na mala do Pedrão e, na outra, na mala do

Black Alien. O Pedrão, coitado, apenas ria: “O Planet Hemp era uma banda

surreal, inconsequente e muito engraçada”.

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Depois de um hiato de três anos, o Planet botou o bloco na rua e voltou a

fazer uma turnê pelo Brasil, repetindo a fórmula vencedora do disco anterior.

Ou seja, começou a tour por São Paulo, com uma sexta e um sábado, no

DirecTV Hall (antigo Palace). O cenário foi novamente criado por Gringo

Cardia, representando uma oficina mecânica e um ferro-velho, numa rua do

subúrbio carioca, colocando no palco uma Kombi de verdade, além de luzes,

cones, telas de proteção, tapumes, fitas de isolamento e cadeiras de praia para

os músicos descansarem. No telão, um vídeo com cenas de violência policial

contra integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

(MST). O show teve abertura do Ratos de Porão e foi proibido para menores

de dezoito anos.

Com casa cheia, o Planet fez um set de duas horas e meia. A banda

aproveitou o cenário para descansar nas cadeiras de praia e na Kombi,

tomando uma cerveja e fumando um. Marcelo D2 leu um manifesto contra o

presidente FHC e João Gordo deu uma canja em “Quem tem seda? [377]”.

Apesar da repressão, os shows rolaram numa boa. Diferente, por exemplo,

do Espírito Santo. Em entrevista à Folha [378], D2 contou que não conseguia

tocar em Vitória há seis anos e que recebia telefonemas com ameaças de

morte. Mesmo assim, agendou o lançamento do disco novo por lá, com uma

liminar para garantir a realização do show. Após as duas noites em São

Paulo, o Planet esticou até o Clube Aramaçan, em Santo André, e tocou em

mais uma Primavera do Rock, ao lado do Ira!, Tihuana e Maskavo.

A segunda parada da turnê foi o Rio de Janeiro, começando pela Zona

Norte. O local escolhido foi o Olimpo, uma casa de shows na Vila da Penha

para duas mil e setecentas pessoas, inaugurada pelo Roberto Carlos um ano

antes. A chance de rever o Planet era tão esperada pelos fãs, que eles

invadiram a casa. Uma fã, que chegou atrasada, achou estranho quando não

avistou filas enormes e pensou que o show já tivesse começado. Quando se

aproximou, percebeu as roletas presas no teto. A massa invadiu, inclusive os

moradores de rua, e jogaram as catracas pro alto.

Então veio o momento mais aguardado. A Kombi com os faróis acesos

entrou no palco e a catarse começou. BNegão apareceu sem os famosos

dreads, Seu Jorge cantou em algumas músicas e Bertrand deu uma canja.

Uma das canções foi dedicada ao “fã-clube” da banda, a polícia militar. Das

quinze músicas novas, o Planet tocou treze, além dos clássicos. O Olimpo

virou uma grande nuvem de fumaça digna dos doze deuses da mitologia

grega.

Pouco tempo depois, A invasão do sagaz Homem Fumaça foi lançado no

Canecão, na Zona Sul carioca. A banda já tinha dobrado as vendas do terceiro

disco, atingindo a casa das duzentas mil cópias. No show, D2 fez um discurso

pedindo paz, com coro do público, citando o atentado a Marcelo Yuka,

baleado numa tentativa de assalto a terceiros. O vocalista Falcão estava lá e

chorou como uma criança. Uma semana depois, “Contexto” chegou ao

primeiro lugar na rádio Cidade FM.

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De certa forma, o terceiro disco encerrou um ciclo, para começar outro.

Anos antes, quando o Skunk projetou o Planet Hemp, inspirado no Cypress

Hill, ele nunca poderia imaginar a sua banda abrindo para os gringos, como

aconteceu no Olympia, em 1996. Ou mesmo que um dos vocalistas gravaria

uma participação num disco da banda, como o cubano Sen Dog fez em

“Quem tem seda?”. Se foi o Skunk quem teve um sonho, coube a D2 realizá-

lo.

E, pelo visto, o palpite do falecido estava mais do que certo. Numa matéria

de capa, o Jornal do Brasil constatou que as letras sobre maconha eram um

grande sucesso no país e que o consumo da erva quadruplicou em dez anos.

Como exemplo do êxito comercial no mundo pop, citou os cem mil discos do

Tihuana, os duzentos mil dos Virgulóides e o caso do Planet Hemp [379], que

se aproximava de um milhão de discos vendidos. Em apenas seis meses, A

invasão... chegou a duzentos mil que, somados aos trezentos e setenta mil de

Usuário e trezentos e trinta mil de Os cães..., totalizavam novecentas mil

cópias. Para um bando de maconheiros, que a Sony não dava nada no início,

um negócio de ouro!

Uma das entrevistas mais famosas nesse período foi quando D2 recebeu a

editora especial da revista Playboy, por dois dias, num quarto de um flat

decadente, na Lapa. Com ironia, contou que foi extorquido umas vinte vezes:

“Se eu tivesse posto a grana que dei para a polícia na poupança, estava rico”.

Ao ser perguntado sobre quanta maconha já havia consumido, ele fez as

contas: cento e cinquenta a duzentos gramas por mês, uns dois quilos e

quatrocentos por ano. E concluiu que já tinha fumado por volta de quarenta

quilos de ganja [380].

Era com esse cara que Pedrinho tocava, um cara sagaz e cascudo.

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Depois da turnê frustrada aos EUA, o empresário Marcello Lobatto

agendou uma viagem de uma semana no Japão. Mais uma vez, Pedrão foi o

produtor de estrada:

“Dessa vez tudo deu certo, com dois shows em Nagoia, um em Gunma, umem Hamamatsu e [outro] numa cidade que não lembro o nome. Após vinte ecinco horas de voo até Nagoia, saímos pra jantar com o [contratante] Tysone uma espécie de sócio investidor, num lugar sinistro, sem nada em volta,com umas brasileiras vestidas de gueixas servindo um sushi ruim e muitabebida. Parecia um puteiro. Bebemos pra caramba e ficamos muito doidos.O Gustavo se fantasiou de diabo e ficou cantando.

O show em Nagoia foi numa casa de shows de verdade. Um deles foi noréveillon. Eu liguei pra casa, mas no Brasil ainda era o ano velho. Na cidadede Gunma, o show aconteceu numa espécie de gafieira bizarra, uma casasem janelas, num frio absurdo.

Antes da viagem, o Tyson avisou pra não levar drogas, porque ser presocom maconha no Japão é coisa séria. E a erva de lá, além de cara, é ruim.Uma noite, numa boate, conhecemos uma brasileira que tinha um namoradoiraniano, meio bandido. Ciumento, ele cortou os dedos de um cara queconversou com ela. E eu comi ela. Todo dia de manhã, nego mecumprimentava e perguntava se eu ainda tinha dez dedos. Essa minaconseguiu um monte de drogas pra gente.

Como não dá pra plantar maconha no Japão, eles cheiram crystal meth [381],uma anfetamina superpoderosa. Todo mundo cheirou, mas o Black abusou.Ele ficou não sei quantos dias sem dormir. Numa madrugada de menosquatro graus [-4º], o Black saiu sozinho, a pé, pela rua afora, para descolar aparada. Horas depois, ele voltou [com a droga]: ‘Vocês acham que eu soubobo, malandro? Eu sou de Niterói!’”.

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Zé Gonzales lembrou detalhes importantes sobre essa aventura japonesa:

“Fui eu quem pegou a cocaína que ele [Black Alien] estava cheirando noavião, indo pro Japão. Discutimos na frente de todo mundo, e joguei nadescarga. Ainda bem, porque quando a gente chegou lá, a cachorrada foitoda em cima dele. Em qualquer país, chegava na imigração, ia todo mundopara o lado oposto ao dele. Uma vez, ele desmontou uma TV no quarto dohotel porque alguém contou pra ele que tinha escondido uma parada ali.

Na tour do Japão, a gente tocou em um bar controlado pela Yakuza. E oBlack começou a usar crystal meth. Ele usou um dia e, no quarto pro quintodia, continuava acordado. Aí, enfim, ele dormiu e a gente pôs ele de roupa etudo debaixo do chuveiro gelado, no inverno, mas ele não despertou. Teveum show que ele não fez. Foi a última turnê dele com o Planet. E eu, loucotambém, dirigindo um carro que depois soubemos que era roubado!”.

No retorno ao Brasil, o DJ enfrentou um pequeno calvário para receber:

“Depois que viajamos pro Japão, a gente não recebia os cachês de lá. Como

eu ganhava porcentagem dos cachês, comecei a questionar o Lobatto e a

diretoria ali. Foi aí que começaram a preparar a minha cama de gato. Tanto

que, quando eu já morava em Los Angeles, fui tocar no Japão com os

mesmos contratantes do Planet e fiquei sabendo o que era e o que não era”.

Para o Pedrão, marcante foi o dia em que saíram de Nagoia em direção ao

campo: “Estava nevando, o alto das montanhas estava branquinho. Então

chegamos a uma floresta e demos de cara com um galpão enorme, cheio de

coisas usadas, obsoletas, que tinham saído de linha: o ‘Brechó do Almeida’.

O comércio de um brasileiro, lá no cu do Japão, no campo, no meio do país!

Compramos guitarra, roupas, tênis, um monte de bugigangas muito baratas”.

Quando voltaram de viagem, Rafael presenteou a pequena Julia com uma

boneca das Meninas Superpoderosas, um dos presentes mais legais que a

filha já ganhou: “Ter um pai que viajava muito acabou sendo algo

interessante e curioso para mim, quando era criança. Lembro muito bem do

Formiga. Às vezes, o meu pai me levava nos ensaios, e eu achava o cabelo

dele muito estranho. Na época, isso me marcou muito. E me lembro do D2

sendo uma pessoa muito animada, e com um espírito jovem. Do resto da

banda, tudo o que eu me lembro é que eles eram sempre muito simpáticos

comigo [382]”.

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O ano 2000 começou um tanto complicado para Marcelo D2, mas

terminou muito bem. Eleito pela Bizz [383] o Melhor Artista do Ano [384], ele

recebeu a equipe da revista na Casa do Caralho. Na foto para a capa, um

Marcelo de bigodinho, cabelo grande (mas não black power) e camisa social

amarela (ouro, da prosperidade) por cima da boa e velha camiseta branca e

lisa. No estúdio, cercado por fotos e pôsteres, repousava no chão o quadro

com o disco de ouro de Usuário, ainda por pendurar.

Quando a revista chegou às bancas, em janeiro de 2001, Marcelo cantou

no Humaitá Pra Peixe, apresentando artistas da futura coletânea que ele e

Bruno Levinson estavam por lançar. Após o show, declarou que gostou de ser

escolhido pela Bizz, mas que isso não o tornava melhor do que ninguém.

Entretanto, ponderou: “Se ajudar a vender discos do Planet, o meu solo e a

nossa coletânea, aí tá valendo [385]”.

Pedrinho sentiu-se tão à vontade no Planet Hemp, que permaneceu na

banda por mais tempo que o próprio Bacalhau. Agora, ele fazia parte da crew

de Marcelo D2, que estava prestes a fazer uma das coisas mais legais que já

aconteceram no movimento hip-hop do Rio.

CAPÍTULO 44

HIP HOP RIO

Em 2001, o principal projeto de Marcelo D2 com Bruno Levinson foi o

Coletivo, uma marca que incluiria gravadora, editora, produtora de eventos e

muitos outros braços. Um ano antes, rolaram algumas edições da festa Hip

Hop Rio e D2 gravou na Casa do Caralho os artistas selecionados para a

coletânea em CD com o mesmo nome. No dia 16 de janeiro, ele atuou como

um verdadeiro Mestre de Cerimônias no festival Humaitá Pra Peixe.

Acompanhado do DJ Zé Gonzales, começou o show com a música “Hip Hop

Rio” (do Planet Hemp) e chamou um a um os convidados da noite.

Os primeiros a entrar foram os caras do Inumanos, locais da Lapa. Em

seguida, Marcelo cantou a sua “Eu tiro é onda” e chamou ao palco o Núcleo

Sucata Sound, de Volta Redonda (RJ). O terceiro convidado foi BNegão, que

cantou três músicas, inclusive a “Dança do patinho”, gravada mais tarde no

seu primeiro CD solo, Enxugando gelo (2003). As mulheres do Negaativa

subiram para cantar raps engajados, tratando de temas como o uso de

camisinha e gravidez indesejada.

Ao final, acompanhado por BNegão, D2 interpretou versões de sucessos

do Planet Hemp e comemorou o crescimento do gênero musical e a

diversidade de temas, fugindo do núcleo padrão (violência e opressão): “Cada

grupo é de uma parte diferente da cidade ou do estado, e essa diferença

aparece na música: cada um faz o hip-hop do seu jeito [386]”. Empolgado, o

rapper alugou todas as quartas de fevereiro no Ballroom e realizou vários

shows como aquecimento para o lançamento da tão esperada coletânea.

Em março, num show do PH, na Fundição Progresso, D2 colocou na

abertura os grupos Inumanos e Negaativa. Essa noite foi emblemática, pois

fazia quatro anos desde o último show do grupo no bairro da Lapa. A banda

levou o cenário completo da turnê do Sagaz. Também, nessa época, tocaram

pela primeira vez no festival Planeta Atlântida, em Xangri-lá (RS), e mais

uma vez no Clube Aramaçan, em Santo André (SP), ao lado do Charlie

Brown Jr.

Como a crew estava enorme – e a grana não era tão grande assim –,

decidiram-se por uma formação mais compacta, como aquela do início, e

mais rock de novo. Os três integrantes que moravam em São Paulo (Apollo,

Zé Gonzales e Ganjaman) foram afastados. O DJ não levou numa boa:

“Aí, surgiu a história do acústico que não era acústico, e sim o disco aovivo, que eu considerei uma rasteira. Eliminaram o DJ, mas usaram as basesque eu fiz. Da noite pro dia, saíram eu e o Ganja. Fui avisado que estavafora pelo Rafael. Mas eu ainda estava no show solo do Marcelo e comecei apreparar a minha saída do Brasil.

Eu tinha acabado de fazer o disco do Sabotage e dos Racionais, tinha feitouma faixa pro Sepultura, eu e o Nuts fizemos ‘Boca de lata’ pro Raimundos.Não tinha mais pra onde ir aqui e a indústria do disco estava decaindo.Vendi tudo e fui pra Los Angeles, [onde] o Mario [Caldato] me ofereceuessa casa que tinha sido estúdio antes. Comecei a trabalhar pra ele, adiscotecar na noite. Fiquei lá de 2003 a 2005. Comecei a gravar lá o meudisco [do NASA, duo com o produtor californiano Squeak E. Clean], quesaiu só em 2009, quando eu já estava de novo no Brasil.

Agradeço pelas barreiras e pelos tombos, se não fosse isso, eu teria ficadocom o Planet até hoje. Gravei com o George Clinton e o Chuck D [PublicEnemy]. Se não fosse o Planet, eu não tinha chegado lá, mas o pontoprincipal dessa história é o Mario Caldato. Eu lia nos encartes dos CDs doBeastie Boys e dizia que um dia seria amigo dele. Quando os Beastie Boysvieram a São Paulo, eu fiquei no rolé com o Mario, o MCA e o Mike D”.

Nos primeiros dois meses em Los Angeles, morando no antigo estúdio do

produtor, Zé Gonzales já havia tocado nos principais clubes, feito trilhas e

ganhara a residência na Star Shoes, uma das melhores baladas de Hollywood.

Enquanto isso, o DJ Primo morava no apê do DJ, em São Paulo [387]. Uma

mão lava a outra.

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O estresse maior aconteceu na saída de Black Alien. Banda e staff

achavam que ele estava muito doidão, beirando o insuportável. Pedrão era um

deles: “Muita cocaína. Ele se tornou uma pessoa difícil de conviver. Estava

agressivo, muita marra”. Kleber fez coro: “Tava o demônio”. Mas, nas

lembranças do próprio MC, a questão foi financeira: “Pedi um aumento que

foi recusado, e saí”. Ele havia gravado três discos com o Planet e achava

justo aumentar o seu cachê.

Para compreender a sucessão dos fatos: quando o Planet saiu da cadeia e

deu um tempo, o Gustavo continuou na gig do D2 solo. Tempos depois, saiu

dela e também do PH. Com o amigo Cláudio Márcio mudou-se de Nikiti para

São Paulo. Os novos ares cinzentos fizeram muito bem ao Mr. Niterói, que

decolou: “Em 2000, eu dominei. Todo mundo ouvia Black Alien & Speed,

Rappin Hood e Sabotage. Saboreei o sucesso de ‘Um bom lugar’, minha e do

Sabotage. Lancei vários singles com o Speed”.

Um dia, telefonaram para a casa do Gustavo. Zé Gonzales fez a ponte e o

convidaram a voltar pro Planet. Achou o cachê baixo e recusou. Naquele

momento, Black Alien estava muito bem, inclusive de grana, e não precisava

voltar. Mas os caras insistiram, prometeram e convenceram. Ele gravou no

Sagaz e participou do maior hit do disco, “Contexto”. Como o puta letrista

que é, mesmo ao deixar novamente a banda, sempre deixou a sua caneta à

disposição.

Os fãs, é claro, sentiram falta de Black Alien. Depois de gravar com Speed

o lendário disco Na face (que por divergências nunca foi lançado), a dupla

rachou e cada um seguiu o seu rumo. Em 2001, sem o Planet e sem o Speed,

Gustavo voltou pra Niterói e formou o Reggae B, com o baixista Bi Ribeiro

(Os Paralamas do Sucesso), tocando versões e criando um repertório autoral.

Também gravou várias participações em trilhas para o cinema, o teatro e a

TV. Seguiu uma carreira paralela, até que em 2004 foi convidado pelo Rafael

Ramos para gravar pela Deck Disc o seu primeiro disco solo.

Gustavo só cantou novamente ao vivo com D2 e BNegão muitos anos

depois, em 2016, por acaso, no festival João Rock, no interior de São Paulo.

Ele tinha feito o seu show solo e estava urinando quando ouviu a banda

chamá-lo. Balançou, lavou as mãos e voltou ao palco.

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A verdadeira preocupação de Marcelo D2 talvez fosse que, mais uma vez,

a música do Planet Hemp ficasse em segundo plano. Que a banda ficasse

mais famosa por causa de brigas e confusões do que pelo som ou pelos

shows. Em entrevista, D2 provocou: “Essas proibições só podem ter uma

explicação: o medo das coisas que dizemos, medo de que possamos mudar a

situação do país. Mas já voltamos a tocar em todas as cidades nas quais

enfrentamos problemas. Até em Brasília já tocamos de novo [388]”.

Sim, é verdade. O Planet Hemp tocou em Brasília pela primeira vez depois

da prisão. E foi inesquecível. Na tarde do show, o clima estava muito pesado.

Marcelo fez uma reunião com os músicos e a equipe e disse que

provavelmente seriam presos novamente e, quem não quisesse participar,

estava liberado. A galera “tava junta” e seguiu adiante. Quando chegaram ao

hotel, havia muitos agentes da polícia federal esperando. Eles ficavam à

paisana nos corredores, na frente dos quartos, esperando a banda dar um

mole. Então, todos foram até um mesmo quarto, cuja janela dava vista para

um terreno baldio, e dispensaram todas as drogas.

O show foi na Academia de Tênis José Farani, um verdadeiro resort com

vinte e uma quadras de tênis, quatro piscinas, seis restaurantes estrelados, dez

salas de cinema e duzentos e vinte e seis apartamentos [389]. A banda chegou

ao clube cinco estrelas e topou com os policiais logo de cara. Como não

tinham flagrante, não havia nada a temer. De repente, policiais entraram no

camarim segurando uma cópia do set list. Disseram que por causa da

apologia às drogas, eles não poderiam cantar dezenove das vinte e três

músicas. As censuradas estavam com o nome riscado.

Do lado de fora, tumulto com a polícia, bombas de gás e fãs quebrando a

entrada envidraçada. Quando o show começou, o teatro se repetiu. Um

técnico da polícia ligou o gravador para registrar a voz dos cantores e utilizar

como prova. Malandros, os vocalistas da banda praticamente não cantaram

NADA. Suas vozes quase não foram ouvidas o show inteiro. Formigão,

Pedrinho e Rafael tocaram o instrumental, enquanto Marcelo e Bernardo

colocaram o microfone para o público cantar. A toda hora, o D2 pegava o mic

e ironizava: ‘Olha seu juiz, eu não tô cantando nada, hein?’. No fim, o show

na Academia de Tênis José Farani foi colaborativo: cantado pela galera.

Na turnê do Sagaz, Daniel Ganjaman dividia quarto com o Pedrão, o

produtor de estrada da banda. Ganja tocou no show de Brasília e comemorou

quando, no dia seguinte, todo mundo conseguiu recuperar as suas coisas no

terreno baldio ao lado do hotel: “Tenho poucas lembranças desse período, por

razões óbvias. Era uma época muito intensa e as noites nunca terminavam.

Recebemos uma notificação extrajudicial alertando que, se alguma das

músicas que constavam no processo fosse executada, íamos todos presos

novamente. Fizemos o show sem tocar os principais hits, em função do

processo em andamento, e saímos do palco direto pra Van, com um disco do

Zé Gonzales ainda tocando. Foi um enorme alívio quando chegamos ao hotel.

No dia seguinte, lembro de descer pra procurar [e achar!] o bagulho que eu

tinha jogado fora no dia anterior”.

Pedrão resumiu: “Eles estavam na cola, passamos ilesos e ainda tiramos

uma onda. Fomos embora com as nossas coisas que eles tanto queriam”.

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Cair na estrada com o Planet Hemp era garantia de adrenalina contínua.

Pedrão que o diga. Quando a banda ia pra São Paulo, para fazer alguma ação

de divulgação, sempre pedia a Sony para ficar no Jandaia [390], um hotelzinho

antigo, com fachada de madeira, no centro da cidade. A gravadora não

entendia muito bem o motivo, já que podiam ficar num hotel melhor. O

produtor não podia contar, mas “lá, os funcionários do hotel vendiam pó.

Você podia ligar no serviço de quarto e pedir cocaína”.

Nessa época, a galera era viciada em video game e, durante as viagens,

sempre havia um Super Nintendo por perto. Uma vez, ficaram todos juntos,

num único quarto do Jandaia, jogando por horas e horas. Em algum

momento, alguém ligou para o serviço de quarto e pediu drogas. Pouco

depois, o funcionário retornou a ligação, perguntando se aceitavam o troco

em putas. A reposta foi a altura: “Sim, se a puta souber jogar video game”.

Por mais surreal que possa parecer, isso era peixe pequeno se comparado a

outras putarias. Pedrão nunca esqueceu da cena que presenciou num show,

em Porto Alegre: “No palco, atrás das caixas Marshall do Rafael, havia uma

garota ajoelhada. Quando você ia de um lado do palco para o outro, bastava

dar uma paradinha pra menina fazer um boquete rápido. No palco, em pleno

show!”.

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Satisfeita com as boas vendas do Planet Hemp, a Sony fechou uma

parceria com a MTV e propuseram a banda gravar um disco ao vivo, no

DirecTV Music Hall, em São Paulo. Para a surpresa geral, foram convocados

apenas os “integrantes-base”, numa volta às origens. A pilha partiu do Rafael,

que achava interessante voltar às raízes. Como a crew estava enorme, com

quinze a dezesseis pessoas, entre músicos e técnicos, as viagens saíam caras e

não dava muita grana. Para economizar, até o Pedrão foi dispensado da

equipe.

Com exceção de Pedrinho (no lugar do primeiro baterista, Bacalhau),

participaram do show apenas Marcelo, BNegão, Formigão e Rafael. Quando

o grupo voltou à formação mais enxuta, Zé e Ganjaman já estavam

trabalhando bastante como produtores. Sobre a exclusão dos demais músicos,

D2 confirmou que não houve briga: “O Zé [Gonzales] está no meu projeto

solo e ele tem um projeto com o Black Alien. Ou seja, continuamos

amigos [391]”. Na real, o Gustavo ficou muito puto. Com a demissão, ele e

Marcelo ficaram anos sem se falar.

Dois meses depois do show, foi lançado o MTV ao vivo – Planet Hemp,

com dezessete faixas no CD e vinte no DVD, mostrando um som mais cru e

pesado, que dividiu opiniões. D2 explicou que eles não estavam satisfeitos

com a sonoridade dos últimos tempos: “Estava plástico demais, muito anos

1980, então quisemos resgatar a agressividade do começo [392]”. O novo

trabalho foi gravado por Ganjaman e mixado por Mario Caldato.

Ganjaman contou com a ajuda do seu irmão Fernando Sanches nessa

empreitada: “Naquela época, a gente já tinha o estúdio El Rocha há uns

quatro anos, então estávamos bem familiarizados com o processo de gravação

e engenharia de som. A banda fez questão de gravarmos em formato

analógico, o que já não era comum nessa época. Soubemos que a captação foi

muito elogiada pelo Mario Caldato, o que me deixou muito feliz”.

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Em julho de 2001, a banda recebeu uma notícia boa e uma ruim.

A boa notícia: A invasão do sagaz Homem Fumaça foi indicado ao Latin

Grammy Awards [393] como Melhor Álbum de Rap/Hip-Hop do Ano. O

vencedor, entretanto, foi o disco Un Paso a la Eternidad, do Sindicato

Argentino Del Hip Hop, que levou o troféu no formato de gramofone. O

Brasil também concorreu em outras categorias, com Gilberto Gil e Bebel

Gilberto, filha do João Gilberto.

A má notícia: eles voltaram a ter sérios problemas com a Justiça. Primeiro,

a banda foi proibida pela juíza substituta do Juizado da Infância e Juventude

de tocar na Z-3, em Londrina (PR), onde tinha dois shows agendados. A

equipe técnica chegou ao local, passou o som, montou o palco e o cenário.

Faltando poucas horas para começar a apresentação, o oficial de justiça

chegou com a ordem de cancelamento. A maldição de Londrina. Nos últimos

dez anos, após diversas tentativas, o grupo nunca havia conseguido tocar na

cidade, sempre impedido pelos homens e pelas mulheres da lei.

Uma semana depois, na sexta-feira, se apresentaram em Florianópolis

(SC) e voltaram para o Rio de Janeiro, onde foram uma das atrações

principais de um evento pelo Dia Mundial do Rock, na Praça da Apoteose.

Porém, o juiz Siro Darlan, da 1ª Vara da Infância e Juventude, proibiu a

entrada de menores, pelos motivos de sempre. O evento tinha o apoio da

prefeitura do Rio e, além do Planet, contava com outros grandes nomes dos

anos 1980 e 1990.

No domingo, a tensão estava no ar. Eram aguardadas cerca de quarenta mil

pessoas, boa parte delas menores de idade. A ordem judicial era a de proibir a

entrada mesmo que estivessem acompanhados de pais ou responsáveis, sob

risco de ser enquadrado no crime de desobediência civil. Essa decisão quase

provocou uma tragédia. Centenas de jovens foram barrados e enfrentaram

policiais militares, formando um grande tumulto. Encurralado, o magistrado

liberou a entrada.

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Uma semana depois desse show na Apoteose, a revista IstoÉ Gente

publicou uma entrevista bombástica com D2, com o título “O roqueiro, a

maconha e o juiz [394]”. Marcelo começou dizendo que o juiz deveria se

preocupar com menores de rua e prostituição infantil, e que o magistrado

estava apenas atrás de promoção. Argumentou que sempre fala na primeira

pessoa (“eu fumo, eu faço”) e que não dá pra controlar cada pessoa que está

no show ou ouve o disco.

Na única parte em que passou de pedra a vidraça, criticou o Ronaldinho

por fazer propaganda para a Brahma (em 1998). Anos depois, no verão de

2005, o próprio D2 virou garoto-propaganda da mesma marca de cerveja,

numa campanha ao lado de Zeca Pagodinho e Seu Jorge [395]. Antes fosse da

cerveja Becks.

Em 2015, o então desembargador Siro Darlan foi desligado pelo Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro por “incompatibilidade com a orientação,

pensamento e filosofia de trabalho da administração”. Ele ocupava as funções

de coordenador da Comissão Judiciária de Articulação das Varas da Infância

e Juventude e Idoso, bem como da Comissão Estadual Judiciária de Adoção

Internacional [396]. No ano seguinte, o procurador-geral de Justiça do Rio

pediu à corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma

investigação sobre a conduta de Darlan [397].

Em coluna no jornal O Dia, Siro escreveu que “um dos princípios de

Bangalore é o da imparcialidade, que é essencial para o apropriado

cumprimento dos deveres do cargo de juiz e o principal atributo do

Judiciário. Um Tribunal ou um juiz deve executar suas obrigações sem

favorecimento, parcialidade ou preconceito”. E terminou lembrando que

“ocorre abuso de autoridade quando um juiz ou Tribunal perde o controle de

sua própria compostura e decoro e torna-se pessoal em relação a uma parte

com quem tenha antipatia ou divergência social ou doutrinária [398]”.

Quem com ferro fere, com ferro será ferido.

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Ao voltar para a formação inicial, com cinco músicos, o Planet Hemp

reduziu a equipe e os custos. Conseguiu furar mais uma barreira e tocou pela

primeira vez no festival Pop Rock Brasil, em Belo Horizonte. E lançou o

disco MTV ao vivo, em três noites no Canecão. Um sucesso. Aquela sim era a

banda que saiu do Rio em 1993 para conquistar o Brasil e o mundo, cantando

aos quatro ventos que fumava tudo até a última ponta.

No sétimo VMB, um fato inédito: nem Marcelo D2 nem Planet Hemp

concorreram. E também não se apresentaram. A noite foi do Charlie Brown

Jr., que ganhou dois prêmios com “Rubão, o dono do mundo”, e d’O Rappa,

que levou três categorias com “O que sobrou do céu” e ainda tocou na festa

com o Sepultura. Contemporâneos, Gabriel O Pensador e Pato Fu faturaram

um troféu cada.

Àquela altura do campeonato, a própria seleção natural escolhia quem iria

e quem não iria continuar no jogo. Das bandas do Manguebeat, a Nação

Zumbi tentava sair da sombra de Chico, com Jorge du Peixe cantando. Fora

da Sony, seu quarto disco (Rádio S.Amb.A) saiu pela gravadora independente

YB. Por sua vez, o Mundo Livre S/A acertou a mão justamente no quarto

álbum, Por pouco, lançado pela Abril Music. Puxado por músicas românticas

e mais leves, como “Melô das musas” e “Meu esquema”, o grupo de Fred 04

tocou nas rádios e concorreu ao VMB.

Daquela turma do Rio, geral continuava (literalmente) batendo cabeça.

Tanto a galera do punk, do rock, quanto do rap e da mistura, como Squaws,

Funk Fuckers, Os Theobaldo e tantos outros. Havia mais bandas na cena,

mais gravadoras, mais imprensa especializada, mas também havia a internet.

Com o MP3 e o disco pirata, a indústria vendia cada vez menos CDs e DVDs.

Do ponto de vista estético, a cena passava por uma transição, com a explosão

do emocore, espécie de “hardcore emotivo”, com letras usando verbos no

infinitivo como amar, chorar, gritar, doer, viver, sentir, sofrer e morrer. Dessa

leva, emergiram as bandas que souberam se divulgar na internet e estavam no

coração da tempestade, como NX Zero, Fresno e CPM 22.

Assim como aquela hemp family das bandas que ensaiavam no Totem, o

Planet Hemp também virou uma grande família. Começou como um quinteto

(baixo, guitarra, bateria e dois MCs). Depois, entrou um DJ (o Zé participava

de todos os shows e, quando não podia, chamava o Nuts) e um tecladista. A

formação foi a oito integrantes, com a entrada do percussionista Negalê

(depois, o Seu Jorge) na turnê d’Os cães. Chegou a nove no Sagaz, com a

admissão do Ganjaman (além de guitarra, tocava baixo, teclado e fazia

backing vocal) e a volta do Bernardo. Foi a primeira vez que o grupo teve

três vocalistas.

Não satisfeito com uma banda imensa, Marcelo D2 transformou a sua

Casa do Caralho na casa da Maria Joana, com um monte de gente o tempo

inteiro dormindo, tocando e gravando. Ele estava prestes a se tornar o

padrinho de um movimento inteiro.

CAPÍTULO 45

A GRANDE FAMÍLIA

Um belo dia, Marcelo D2 se olhou no espelho e lembrou o caminho

percorrido naqueles trinta e três anos de vida. Aquele cara que ainda poderia

ser um camelô tinha lançado cinco discos, conhecido os seus ídolos e viajado

pelo Brasil e pelo mundo. Tornara-se um homem de família, pai do Stephan

(com nove anos), Lourdes (com um) e, em breve, do Luca. Pois é. Camila,

sua terceira mulher, estava grávida de dois ou três meses. Enjoava horrores e

reclamava até da fumaça do marido.

Foi a Camila quem apresentou Carolina ao Seu Jorge. Ele ficou tão

apaixonado por ela, que compôs uma música para a musa inspiradora.

“Carolina” abriu o seu primeiro disco solo, Samba esporte fino, produzido

por Ganjaman e Mario Caldato. O disco saiu no Brasil em 2001, pela Regata

(gravadora do produtor e compositor Bernardo Vilhena), e em 2002 no

exterior, pela inglesa Mr. Bongo.

Seu Jorge estava se acertando na vida, colocando tudo nos eixos. Marcelo,

prestes a ser pai pela terceira vez, também. O parceiro Bruno Levinson fez a

direção artística do Free Jazz Project, uma versão mais cool do festival anual

patrocinado pela Souza Cruz, e deu aquela força de sempre.

O evento itinerante passou por quatro cidades, apresentando diversos

artistas em mais de trinta shows. BNegão, Matanza e Nação Zumbi tocaram

no Rio; Rumbora e Seu Jorge em Curitiba; Ultramen em Porto Alegre; e

Marcelo D2 em São Paulo. Acompanhado pelo grupo Hip Hop Rio, o MC

emprestou o seu prestígio para novos grupos de rap como Inumanos e

Negaativa. Os amigos Black Alien & Speed também fizeram uma

participação.

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Duas semanas depois, Bruno e Marcelo concretizaram finalmente uma

ideia, lançando a coletânea Marcelo D2 apresenta Hip Hop Rio, da mesma

forma que Lobão fizera dois anos antes: como um CD-Revista, a preço fixo,

vendido nas bancas de jornal de todo o Brasil [399]. O investimento foi do selo

carioca Net Records, formado por pequenos investidores, que adquiriram de

cinco a vinte cotas de mil reais, e esperavam vender ao menos metade dos

trinta mil exemplares do kit com CD e revista [400]. Produzida pelo próprio

D2 e gravada na Casa do Caralho, a compilação apresentava velhos

conhecidos como BNegão e Black Alien & Speed, passando por novos

nomes como Mahal (filho do Luiz Melodia), 3Pretos, Inumanos, Negaativa,

Núcleo Sucata Sound, Artigo 331 e Esquadrão Zona Norte. Marcelo D2

também entrou no disco, claro, e adiantou o que seria o seu segundo material

solo com “A maldição do samba”. Chamada de cínica e melódica, a Folha de

S.Paulo reconheceu como um dos primeiros legítimos sambas-rap nacionais.

Sobre o disco, publicou que “não evita temas polêmicos nem pesados, mas é

bem-humorado, musical e visita o samba [401]”.

Apesar da festa homônima existir desde 1997 e ter sido realizada em

vários lugares, o CD só tomou forma muito tempo depois. Algumas músicas

já estavam prontas, outras foram apenas remixadas e, em outros casos,

fizeram tudo de novo [402].

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Pouco tempo depois de se mudarem para São Paulo, Black Alien e Speed

já estavam locais. Eles gravaram duas músicas para uma coletânea da revista

Trip #82, com produção do Tejo. Uma delas, “Quem que caguetou?”, caiu na

mão do DJ e produtor Fat Boy Slim que a remixou, renomeou para “Follow

Me Follow Me” e o single com batida de funk carioca explodiu, levando o

rap de Niterói e São Gonçalo para o resto do mundo. A música tocou nas

pistas europeias, entrou na trilha sonora do filme Velozes e furiosos 5 e num

comercial de TV da Nissan [403].

Rodrigo Brandão convivia direto com eles e testemunhou a boa fase da

dupla:

“O beat do Tejo nessa música não é genial, mas ele acertou em ter colocadoum pancadão com as vozes dos dois. O crédito ali é meio a meio. O Gustavofez o gancho do ‘quando você atira, eu já não sou a mira’ e a parte do‘follow me, follow me’, mas a parte do Speed foi a que a galera decorouprimeiro. Na época, a gente fazia shows com a Academia Brasileira deRimas, Mamelo Sound System e Nação Zumbi, com todos no busãocantando as músicas de Black Alien & Speed, e essa foi uma que todomundo decorou a parte do Speed antes: ‘Pode dá, tô de colete // eu voupegar, eu vou matar o caguete’.

No rap nacional, o gênio do Speed foi vítima do racismo ao contrário. Porele não ser preto, ter uma abordagem agressiva e um elemento muito bizarro

(que pra mim é a cereja do bolo). Se o Speed fosse negão, ele teria sido oTupac [Shakur]. Ele almejava alcançar um lugar também. Black Alien &Speed criaram uma escola. Se o Gustavo não tivesse desandado nas drogas,ele teria sido o Mano Brown do rap underground. Mas entre a insegurançadele e o vício, não ocupou o lugar que deveria ter ocupado. Foi uma pena.Mas que bom que ele conseguiu sair vivo disso”.

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Apesar de o D2 aparecer com mais um projeto paralelo, o Planet Hemp

seguia vivo. Fazia shows aqui e ali, como duas noites em Porto Alegre, uma

em Santos e a já tradicional Primavera do Rock, no clube Aramaçan. A banda

não gostava de ensaiar, preferia a estrada. No estúdio, a coisa virava bagunça

porque começavam a fazer jam e a coisa não rolava. “Além de ser um saco

ter que tocar a mesma música duzentas vezes”, desabafou o vocalista,

anunciando que eles já tinham três músicas novas prontas [404]. Um bom

indício do quarto disco de inéditas.

Porém, a garagem da Casa do Caralho tinha virado depósito, com a Kombi

e os cenários do show. Nessa época, o técnico de P.A. da banda conseguiu

uma matéria numa revista técnica de música, e ele mesmo dividiu a capa com

D2 [405]. Além de trabalhar nos shows, Kleber França gravou praticamente

todos os discos que apareceram no estúdio do Planet. A reportagem foi

publicada, dando muito destaque para a dupla e para o estúdio. Porém, mais

uma vez, os planos mudaram. D2 comunicou a todos que estava se mudando

com a Camila para São Paulo e precisava vender o estúdio. Camila explicou:

“Eu e o Marcelo morávamos numa casa no Recreio dos Bandeirantes, na

extrema Zona Oeste do Rio, longe de tudo. O Luca muito pequeno, eu isolada

e o Marcelo distante dos dois aeroportos, viajando toda semana para tocar.

Ele achava que uma temporada em São Paulo iria alavancar as vendas”.

Ronaldo Viana, José Eboli, Suzy, Lobatto, D2, Alice Pellegatti, Alexandre Schiavo, Liminha, Pedrinhoe Rafael recebendo o disco de ouro pelo MTV ao vivo. Acervo pessoal de Alice Pellegatti.

Marcelo D2 entra no palco para a gravação do disco MTV ao vivo. Foto: Marcos Hermes.

Bruno Levinson abraça D2 ao lado de Pedrinho, BNegão e Mano Changes, no camarim do DirecTVMusic Hall, na gravação do CD e DVD MTV ao Vivo. Foto: Marcos Hermes.

Planet Hemp na Ilha dos Pescadores, na Barra da Tijuca (RJ), em 2001. Foto: Luana Ribeiro.

CAPÍTULO 46

O DONO DA BANCA

Colocando em pratos limpos: quando o Rafael e o Bernardo voltaram pra

banda, a história era outra. O Planet Hemp era – moral e financeiramente

falando – a banda do Marcelo. Sem o Skunk e já com o primeiro disco, eram

cinco músicos, com vinte por cento para cada. O Bernardo saiu, perdeu a cota

fixa e voltou mais tarde, como músico contratado. Então o Rafael saiu e o

Bacalhau também. Quando o guitarrista voltou pra gravar o Sagaz,

tecnicamente o D2 detinha oitenta por cento do nome, da marca, do controle

da banda. Os outros vinte por cento eram do Formigão, que ficava na dele.

Em mais de vinte anos juntos, o vocalista nunca assinou um contrato com

o empresário Marcello Lobatto. D2 dizia que a banda também “não ligava pra

dinheiro, mas quando entrava algum todo mundo reclamava ou brigava”. As

poucas vezes em que assinou papéis foram dos dezoito processos sofridos na

Justiça brasileira ou para registrar o nome e a marca Planet Hemp. Nas três

vezes em que a banda foi convidada para ir ao Programa do Faustão, na TV

Globo, aceitou somente na terceira tentativa, com a condição que pudesse

levar com eles cinquenta integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem-Terra [406]. Claro que não rolou.

Então, quando o Planet Hemp entrou no avião com destino a Salvador, em

fevereiro de 2002, só havia duas certezas: de que todo mundo ali trabalhava

para os dois Marcelos e de que a viagem seria muito doida. E foi. Aquela era

a primeira vez do Planet no Festival de Verão, um evento tradicional e

eclético, que mistura artistas de estilos completamente diferentes. Foram

cinco dias de muitos shows no Parque de Exposições da capital baiana. No

primeiro, Raimundos, Otto, Lampirônicos e Catapulta, mesclados com

Araketu, Djavan e Chiclete com Banana. No segundo, Supla e O Rappa, com

Skank, Asa de Águia e É o Tchan. O terceiro dia intercalou Cidade Negra e

Banda Eva, com Kid Abelha, Ivete Sangalo, Tribo de Jah e Gabriel O

Pensador. No sábado, a programação foi de Titãs, Marcelo Nova e CPM 22

até Daniela Mercury, Adão Negro, Diamba e KLB. O Planet tocou na última

noite, no mesmo palco que Zélia Duncan, Gilberto Gil, Timbalada e

Harmonia do Samba.

Acabou a viagem, os músicos foram pagos pelo show e um abraço.

Marcelo tinha uma casa nova para cuidar e mais uma boca para alimentar.

Marcelo administrou como pôde o Planet, a sua carreira solo e o projeto Hip

Hop Rio. Por outro lado, a chegada de Luca Peixoto transformou o casal.

Camila era centrada, queria constituir família, ter filhos e um futuro. Ajudou

muito o Marcelo na tarefa de ter controle e planejamento financeiro: “Acho

que o Marcelo viu em mim uma parceira para essa busca de uma coisa mais

sólida. Quando eu me juntei com ele e saí da casa dos meus pais eu tinha

apenas vinte e dois anos”.

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Com os acontecimentos na vida particular de Marcelo, somados à crise na

indústria fonográfica, à concorrência de eventos de música eletrônica e à

perseguição da Justiça, obviamente o Planet Hemp foi fazendo cada vez

menos shows. Porém, bons shows. Em maio, a banda fechou a primeira noite

do festival Mada, em Natal (RN), com muitas rodas de pogo, enquanto D2 e

BNegão ditavam suas palavras de (des)ordem no palco [407]. O produtor

Jomardo Jomas conta que, até 2002, eram apenas bandas independentes no

Mada: “Quando definimos que teria headliner encerrando cada noite, nossa

primeira opção foi o Planet Hemp. Foi um show antológico”.

Pouco tempo depois, os hempers se apresentaram mais uma vez em Santo

André (SP), dessa vez com o CPM 22, e voaram para uma turnê na América

do Norte. Acompanhado por Rafael, Formigão, Pedrinho e BNegão, D2

tocou em Montreal, no Canadá, e em cidades dos EUA. Um mês tocando e

viajando. Mais uma vez o técnico de P.A. ficou de fora. Na primeira turnê

americana, Kleber França teve o visto negado. Na segunda, a Na Moral

esqueceu de pedir o visto dele.

Em Nova York, Formigão ganhou uma surpresa: “O meu sonho de

consumo, [desde que era um] moleque, sempre foi tocar no CBGB. E a banda

me deu isso de presente! Quando eu entrei lá, parecia uma criança. Toquei

com a camisa do Ramones, filmamos e tudo. Foi uma realização pessoal”.

Para o baterista Pedrinho, essa viagem também foi memorável: “Tocávamos

em lugares pequenos, sem roadie nem equipe técnica, carregávamos e

montávamos o equipamento. Tocamos para um público que não conhecia a

gente no Canadá ou para pouca gente nos EUA. Era como se a banda

estivesse no começo de novo. Foi um mês de cidade em cidade, sair de shows

em estádios [no Brasil] e tocar em lugares que nem tinham palco. Um

gostinho de underground novamente, mas sendo o Planet Hemp. Não sei se

pros outros teve tanta importância, mas pra mim foi foda”.

Quando voltaram do sonho americano, encontraram o pesadelo brasileiro.

O PH fez um show em Osasco (SP) e infelizmente não participou do lendário

festival Green Rock [408], em Palma (MG), com Nação Zumbi, Raimundos e

Sepultura. Todavia, o Planet esteve lá por meio de uma música tocada pela

banda mineira Tianastácia no primeiro dia do festival.

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Depois de passar por poucas e boas, aqueles últimos anos tinham sido de

profundas mudanças para Marcelo D2. O velho novo Planet da primeira

formação tinha múltiplos interesses: o Rafael, com a sua gravadora e as

bandas paralelas; o Bernardo, com o seu primeiro disco solo; e até o Pedrinho

– que sabia que o sonho não iria durar para sempre – começou a traçar um

plano B. Como sempre gostou de gravar, mixar e produzir, o baterista juntou

dinheiro e comprou equipamentos para o seu estúdio caseiro, onde foi

gravada boa parte do CD do Bê. Ele participou como músico, engenheiro e

produtor. Além disso, durante um bom tempo tocou bateria no Seletores de

Frequência.

Cansado de toda aquela confusão e cobrado pela Sony, Marcelo também

se voltou a um novo disco solo, já que fazia cinco anos desde o lançamento

de Eu tiro é onda. Ligou para o velho amigo David Corcos e começaram as

gravações no Rio. Se no primeiro CD do D2 o rap flertou com o samba, no

segundo ele extrapolou.

Na fase de composição, D2 ligou para o Bezerra da Silva e cantou o refrão

de “Qual é?”, no que o sambista sugeriu a expressão “Qual é, neguinho? Qual

é?”, dizendo que era uma frase popular, que estava na cabeça do povo [409].

Várias músicas eram ideias antigas que ficaram pela metade como, por

exemplo, a faixa título (“À procura da batida perfeita”), “Vai vendo”, “A

maldição do samba” (assinada por Marcelo e Zé Gonzales) e “Batidas e

levadas”, cujas rimas foram apresentadas na turnê pelo Canadá.

Em “Pilotando o bonde da excursão”, D2 recordou todos os tipos de

maconhas que fumara com o Planet até ali: haxixe, em Portugal; ‘cabrobró’,

no Recife; ‘manga-rosa’, na Bahia; home grow, no Canadá; croonic, na

Califórnia; kind bud, em Nova York; skunk, na Inglaterra; e tantos outros, que

ele provavelmente não lembrava mais, por razões óbvias. Essa música foi

inspirada no clássico “Rapper’s Delight”, canção de quatorze minutos

lançada em 1979, pelo trio nova iorquino The Sugarhill Gang, e que ganhou

uma versão no Brasil pelo Miele (1938-2015), com o nome de “Melô do

tagarela [410]”. Esse melô do Miele é considerado o primeiro rap nacional, já

com estilo definido como um gênero musical específico. Um dos versos,

infelizmente ainda tão atual, diz que é de morrer de rir “quando a gente leva a

sério o que se passa por aqui // saio com a menina, tá tão cara a gasolina //

levo um tiro na esquina, ‘e te manda já daqui’”. Dezessete anos depois,

“Rapper’s Delight” também inspirou Gabriel O Pensador, que sampleou o

clássico gringo na sua “2345meia78”. Essa música foi uma das vinte mais

tocadas nas rádios do Brasil, em 1997.

Certa vez, assistindo a um show do Guru (1966-2010), Marcelo gostou de

ver o rapper norte-americano começando uma rima com um trecho do Public

Enemy e resolveu fazer algo similar. Como a sua música favorita dos

Racionais MC’s era “Voz ativa”, decidiu homenageá-la cantando seus versos

no início de “Qual é?”: “Ih, eu tenho algo a dizer // explicar pra você // mas

não garanto porém que engraçado eu serei dessa vez [411]”). Muito tempo

depois, D2 recebeu ameaças (inclusive físicas) e foi acusado de não ter pago

os direitos autorais pelo uso. O rapper se defendeu, explicando que as

liberações eram trabalho da sua editora e ficou bastante decepcionado com o

grupo.

Tretas à parte, com o disco praticamente pronto, D2 e David voaram para

mixar com Mario Caldato, em Los Angeles. Durante a estadia na Califórnia,

receberam a visita de will.i.am, do Black Eyed Peas, e conversaram bastante

sobre a violência no Rio. Desse papo, saiu “C.B. sangue bom”, do rapper

gringo com Marcelo e David – aliás, o produtor assinou quatro letras do

disco. will.i.am gravou nessa faixa e estabeleceu uma brodagem com o MC

carioca, que iria se estender por um bom tempo.

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Na manhã do dia 24 de janeiro de 2003, a galera do Planet Hemp acordou

com uma notícia muito triste: o rapper Sabotage fora assassinado com três

tiros, em São Paulo. Nascido no dia 3 de abril de 1973, na Favela do Canão,

no Buraco Quente, Mauro Mateus dos Santos, vinte e nove anos, pai de três

filhos, vivia o seu melhor momento artístico. Sobrevivera a uma infância

sofrida com a mãe e os dois irmãos, e virou olheiro do tráfico aos oito anos

de idade. Aos quinze, quando roubava toca-fitas, policiais o levaram para a

delegacia e arrancaram os seus dentes de cima [412]. Indiciado duas vezes,

ficou preso na Febem do Tatuapé.

Ainda na adolescência, o rimador banguela participou de concursos para

novos talentos e conheceu os Racionais MC’s. Chegou a namorar a mesma

menina que Mano Brown, filha de um delegado do Morumbi [413]. Mauro

virou assaltante e gerente do tráfico, mas saiu do crime por meio do rap.

Aceito pela família RZO (Rapaziada da Zona Oeste) tornou-se grande

parceiro do Helião e virou o Maestro do Canão. Apelidado por acaso pelo

irmão Deda, explicava que sabotagem era o ato, e sabotage o cara que

praticava o ato.

No fim de 1997, os Racionais MC’s criaram a sua própria gravadora, a

Cosa Nostra, e apostaram em Sabotage. O seu primeiro disco, Rap é

compromisso, se tornou um clássico do rap nacional, com mais de um milhão

e setecentas mil cópias vendidas. Do menino pobre, que comeu comida do

lixo, brotou um herói negro, como o Gato Félix (seu personagem favorito).

Da sua bolsa mágica, tirou um som muito à frente do seu tempo.

Curiosamente, o CD termina com uma música chamada “Cantando pro santo

com Chorão”, com a participação do próprio vocalista do Charlie Brown Jr. e

do DJ Zé Gonzales – que apresentou o som do rapper ao D2.

Quando ouviu o disco, Marcelo ficou chocado com a facilidade e a

malandragem: “Ele trouxe uma nova perspectiva pro rap naquele momento,

uma maneira nova de escrever rap em português e isso foi fundamental [414]”.

Era um liquidificador de influências musicais e um verdadeiro cronista das

quebradas, que conseguia falar a língua das favelas, espalhando uma

mensagem de autoestima e de mudança.

Ao se tornar um artista de sucesso, a primeira providência foi instalar um

chuveiro elétrico em casa. Voltou a andar armado nos shows e criou um

penteado diferente de todos os rappers da época. O pulo do gato foi o

cinema. Trabalhou como consultor técnico e atuou no filme O invasor (2002,

de Beto Brant), emplacando cinco músicas na trilha sonora ao lado de faixas

do Pavilhão 9, Tejo e Black Alien & Speed. Ao chegar às telonas, Sabotage

inspirou uma geração, quebrando uma barreira para a cena do rap.

Infelizmente, Sabota não viveu para assistir à estreia de Carandiru,

lançado dois meses depois da sua morte. No filme de Hector Babenco, além

de fazer uma ponta como Fuinha, o detento viciado, realizou uma consultoria

e compôs uma música (“Aracnídeo”) para a trilha. O personagem Nego Preto

foi baseado no seu tio, o Velho Monarca, encarcerado na extinta

penitenciária.

Dez anos depois de sua morte, em 2013, Sabotage foi homenageado com a

biografia Um bom lugar (de Toni C., lançada pela editora LiteraRUA), e a

família recebeu metade da renda pelas vendas. Além disso, o rapper foi

homenageado com discos póstumos [415]. Dois deles incluíram a música “Me

empresta o microfone [416]”: “Se eu vou fumar um beck, eu deixo quieto //

não vou tomar lugar do Planet Hemp // e os falsos MCs vão se morder até

cair os dentes”.

Se felizmente a arte tirou Maurinho do vício da cocaína e do crack,

infelizmente a violência interrompeu o processo. Na véspera de morrer, ele

escreveu sua última letra, “Quem viver verá”, em que termina cantando seis

vezes a mesma frase: “Sem pó, maloca minha sem se drogar”. A morte de

Sabotage foi a terceira de uma sequência de mortes de amigos do Planet

Hemp, iniciada com o Skunk e o Chico Science, e seguida por Speed (em

2010), Chorão e Champignon (no mesmo ano de 2013).

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Aos poucos, Marcelo conseguia descolar a sua imagem do Planet Hemp. A

ponto de pessoas gostarem dele, comprarem discos e irem aos shows, sem

sequer saber que ele era da banda que falava de maconha. Os shows em

carreira solo não davam problemas. Já os do Planet... Em abril de 2003,

moradores de Linhares, no Espírito Santo, fizeram uma passeata contra a

presença do grupo na cidade. Marcelo foi à rádio local, deu entrevista, a

banda fez o show (lotado) e não houve confronto com a polícia [417]. Mesmo

assim, gerava um desgaste, algo que D2 já não estava mais afim de ter.

No mesmo mês, a Sony lançou o seu segundo disco solo. Anunciado como

o primeiro CD oficialmente numerado pela indústria fonográfica brasileira, À

procura da batida perfeita chegou repleto de samples brasileiros. Se no

primeiro álbum a esposa de Tom Jobim negou o pedido, no segundo o rapper

conseguiu a autorização de Paulinho da Viola, mas com uma condição: “Tá

legal, tá legal, eu aceito o argumento // mas não me altere o samba tanto

assim [418]”. O sempre presente Seu Jorge cantou em “A maldição do samba”

e o rapper Aori participou de “Batidas e levadas”. Com apenas doze anos,

Stephan fez um dueto entre pai e filho em “Loadeando”, sobre base e (parte

da) letra do MC Marechal.

Esse disco foi um marco na questão de uso de trechos de músicas de

terceiros. Além de citar os Racionais, numa polêmica contada alguns

parágrafos antes, “Qual é?” desfilou outras influências musicais, como Chico

Science (“e lembrando de Chico comecei a pensar // que eu me organizando

posso desorganizar [419]”), Thaíde & Dj Hum (“e é isso que é preciso //

coragem e humildade // atitude certa na hora da verdade [420]”) e os

mandamentos black de Gerson King Combo [421].

Dez anos depois, com o avanço do debate e da legislação sobre a questão

dos direitos autorais, Marcelo teve problemas para liberar samples. Na época

do sexto disco solo, Nada pode me parar (2013), que também dá nome a uma

música da dupla Thaíde & Dj Hum [422], ele não conseguiu a autorização para

usar pedaços de canções de Bob Dylan, Dave Brubeck e Parliament – que

pediu cinquenta mil reais, quase metade do orçamento do disco [423].

De volta À procura da batida perfeita, apesar de ter saído em abril, o

show de lançamento no Rio aconteceu apenas no fim de julho, no Canecão. A

Folha de S.Paulo deu quatro estrelas. Publicou que Marcelo D2 estava quase

cantando, que entrava em contradição, casando a estrutura do gangsta rap

com um discurso família (em “Loadeando”) e destacou o sample-parceria

com João Nogueira. Impressionado com a petulância do MC, o jornalista

escreveu que, em busca da perfeição, desrespeitou os dois gêneros ao mesmo

tempo: “Avacalha com o samba porque ama apaixonadamente o hip-hop e

não acredita, em momento algum, nos dogmas do samba [424]”.

Apesar da boa recepção da imprensa, mais uma vez o trabalho demorou

para dar retorno. Levou quase um ano para tocar direto nas rádios. A primeira

conquista veio mesmo por meio da tela da TV. Sempre buscando cercar-se

dos melhores, Marcelo convidou Johnny Araújo para dirigir o clipe de “Qual

é?”. Começou ali uma parceria importante e duradoura, mas que, nos

bastidores, gerou mais um problema com outro importante parceiro. Já

chegaremos lá.

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Durante a turnê do disco 100% Charlie Brown Jr. – Abalando a sua

fábrica (EMI, 2001) em Portugal, um jornal de lá escreveu que a banda tinha

bocas ordinárias, porque usava muitos palavrões em suas letras. Chorão

achou tão engraçado, que batizou o disco seguinte de Bocas ordinárias (EMI,

2002). Mais rock do que hip-hop, e com músicas do calibre de “Papo reto” e

“Só por uma noite” (que entrou na trilha sonora do seriado Malhação), o

álbum ganhou disco de ouro. O CBJR já tinha vendido mais de um milhão e

meio de discos quando foi convidado pela MTV para inaugurar a série de

discos acústicos.

Num esquema banquinho e violão, o vocalista encarou o desafio com os

parceiros Marcão (violões), Champignon (baixo acústico) e Pelado (bateria).

Como o Chorão sempre admirou o Marcelo, o convidou para participar da

gravação, que aconteceu em dois dias, em São Paulo. Com base criada pela

banda e piano Rhodes tocado por Ganjaman, D2 e Chorão cantaram “Samba

makossa”, de Chico Science, numa das melhores faixas do disco. Sabotage

foi lembrado na sua “A banca (Ratata é bicho solto)”, cantada com os

integrantes do RZO – Negra Li também participou de “Não é sério”, em que

Chorão reafirmava que também era um rimador: “Também sou da banca,

aperta aí um no pote que fica tudo a pampa”.

Vinte dias depois da gravação, aconteceu a festa de premiação do VMB. O

CBJR concorria em quatro categorias, com dois clipes diferentes, retirados do

álbum Bocas ordinárias, sendo um dos favoritos da noite. Por ironia do

destino, o amigo Marcelo D2 era um dos principais concorrentes, com o clipe

de “Qual é?”, disputando em cinco categorias. O MC carioca subiu três vezes

ao palco no Palácio das Convenções do Anhembi, levando inclusive o prêmio

de Videoclipe do Ano. Já os santistas ganharam dele na Escolha da Audiência

com “Papo reto”. Eles também venceram na categoria Rock, enquanto D2

faturou na categoria Rap. Marcelo dedicou o prêmio ao Sabotage, que

(postumamente) concorreu com o clipe de “Respeito é pra quem tem”.

O momento-chave foi a premiação da categoria Direção em Videoclipe. O

Charlie Brown Jr. concorria com “Só por uma noite”, dirigido por Chorão e

Johnny Araújo, baseado numa ideia do vocalista e filmado em dois dias. O

clipe autoral foi derrotado por “Qual é?”, de D2, dirigido pelo mesmo

Johnny, o “seu” diretor, devidamente surrupiado pelo amigo carioca.

No ano seguinte, Araújo dirigiu mais um clipe de D2, para a música

“Loadeando”, fortalecendo uma amizade que gerou bastante ciúme em

Alexandre Magno Abrão. Na décima edição do VMB, o novo clipe de

Marcelo concorreu em seis categorias e levou em três, inclusive o cobiçado

prêmio de Videoclipe do Ano, enquanto o CBJR concorreu em apenas uma

(com “Vícios e virtudes”), mas não levou. Mesmo enciumado, Chorão

convidou Johnny Araújo para dirigir o seu primeiro filme, O magnata (2007).

O Acústico MTV – Charlie Brown Jr. (EMI) saiu um mês depois do VMB

2003, com excelente recepção. Em pouco mais de três meses, tornou-se o

terceiro DVD e o nono CD mais vendido do ano, faturando disco de platina.

Uma semana antes do VMB, a emissora exibiu pela primeira vez o show do

disco.

Uma das hipóteses para nunca ter rolado uma cabeçada no nariz ou um

soco no olho [425] entre D2 e Chorão é o fato de que sempre existiu muito

respeito entre os dois. Ou, vai saber, Chorão tivesse o poder do perdão e da

resignação. Em 2001, perdera o pai. Em 2003, num show com o Rodox, em

Belo Horizonte, Alexandre encontrou Rodolfo Abrantes, que se converteu

após deixar o Raimundos. Os dois estavam no camarim quando Chorão

puxou o amigo – agora evangélico – num canto e perguntou como havia sido

a experiência [426].

Tanto o Chorão quanto o baixista Champignon já tinham problemas com

cocaína. Após a morte dos dois companheiros de banda, o guitarrista Marcão

fez a música “Não estamos sozinhos”, citando a droga branca como a neve,

que dizem que emagrece, mas representa perigo [427].

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O bom desempenho na premiação da MTV chancelou D2 a cobrar mais

pela sua presença. Cinco dias depois do evento, ele foi contratado como

garoto-propaganda da loja Mandi, e tocou na inauguração de um estande dela

dentro da Daslu, uma das lojas mais luxuosas de São Paulo.

Na imprensa, especulou-se que o cachê para o pocket show foi de

cinquenta mil reais. Marcelo também não revelou o valor, apenas que ganhou

o triplo do cachê dele na época [428]. Naquele caso, grana não era o problema.

Pelo contrário. Era por ela que o MC estava ali. E não estava só. Também

contratado para o evento, Seu Jorge subiu ao palco e cantou com o amigo. Ao

contabilizar três discos de platina e dois de ouro, D2 estava muito bem de

vida: “Posso me considerar rico para o Brasil. Mas nunca vou ostentar, não

vivo assim. Eu faço churrasco em Madureira [429]”.

À procura da batida perfeita foi muito bem recebido pelo público e pela

crítica. Vendeu cem mil cópias e foi lançado nos EUA, na Europa e na Ásia.

Eleito o melhor disco do ano ao lado de Brasileirinho, de Maria Bethânia,

carimbou o passaporte para os festivais de Montreux, na Suíça, e de Roskilde,

na Dinamarca. As músicas novas colaram tanto no ouvido, que “Qual é?”

entrou na novela Senhora do destino, da TV Globo. Camila corrobora: “Com

o disco À procura da batida perfeita, o Marcelo atingiu outro patamar.

Trouxe outro dinheiro, outra fama, outro sucesso para a carreira dele. E aí a

gente teve que encarar mais a parte burocrática da vida adulta, entender sobre

imposto de renda [risos]. Até hoje é assim: eu cuido da parte administrativa e

ele da criativa [risos]”.

No fim do ano, Bernardo lançou o seu tão esperado disco de estreia,

Enxugando gelo (Net Records), praticamente no mesmo esquema da

coletânea Hip Hop Rio, com um CD-Revista. A diferença é que o primeiro

álbum de BNegão & Os Seletores de Frequência veio junto com a primeira

edição da revista Outracoisa, do Lobão, que todo mês lançaria a publicação

impressa acompanhada de um disco. Comercializado apenas em bancas de

jornal, teve um bom resultado, com quatorze mil cópias vendidas. Algum

tempo depois, o CD foi distribuído pela Tratore e disponibilizado para

download gratuito. A sua boa repercussão rendeu ao grupo turnês pelo Brasil

e pela Europa.

Enquanto Marcelo e Bernardo procuravam novos rumos e novas batidas, o

Planet Hemp permanecia na geladeira, quase não fazia shows e ficava cada

vez mais de lado.

Crew do Planet Hemp reunida no Japão. Acervo pessoal de Kleber França.

CAPÍTULO 47

BEBI, COMI E FUI EMBORA

A sorte estava mesmo ao lado da família Peixoto. Na música “Vai vendo”,

pela primeira vez na carreira, Marcelo D2 gravou algo sobre os filhos: “Eu

exemplo vivo continuo na luta // graças ao Stephan, Lourdes e Luca”. E,

coincidência ou não, foi abençoado. Bastou colocar o pé em São Paulo, que o

seu segundo CD solo explodiu. Porém, como o marido passava mais tempo

viajando do que em casa, Camila sentia-se sozinha com o pequeno Luca.

Quando ela engravidou novamente, não pensou duas vezes: “Decidi voltar

pro Rio e nessa hora ele também teve que escolher. Voltamos todos”.

Chegou o verão, uma estação que combinava perfeitamente com a mistura

de rap e samba de À procura da batida perfeita. Marcelo recebeu um convite

para tocar no festival Planeta Atlântida, no Rio Grande do Sul. Ele já havia

tocado antes por lá, com o Planet Hemp, durante a turnê do disco A invasão

do sagaz Homem Fumaça, e dessa vez se apresentou no primeiro dia, ao lado

d’O Rappa, Skank, Cidade Negra, Ira!, Tribo de Jah, Nenhum de Nós e

Charlie Brown Jr.

Existe uma foto dos bastidores, na qual o Chorão aparece conversando

com o Marcelo. O primeiro, com visual preto e vermelho de jogador de

basquete norte-americano; e D2 de camisa polo azul-clara, gorro claro de

crochê e um medalhão redondo escrito D2. Exatamente como no início do

Planet, quando ele pegou um número 2 de brinquedo do Stephan e pendurou

no pescoço. Esse show do Marcelo foi tão bom, que ele voltou mais seis

vezes ao festival: 2005, 2007, 2009, 2010, 2012 e 2017. O Planet Hemp

tocou novamente em 2013.

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“O Planet Hemp é uma das bandas mais identificadas com o festival

Humaitá Pra Peixe”, afirmou Bruno Levinson. “Todos tocaram com seus

trabalhos solos e com outras bandas. O BNegão tocou com Funk Fuckers,

Juliete e Os Seletores de Frequência. Formigão também tocou com outros

[projetos], assim como o Bacalhau e o Rafael. Todos sempre foram muito

bem-vindos. O Planet tocou na edição que fiz no Canecão. Foi histórica!”

Levinson estava eufórico. Naquele 3 de fevereiro de 2004, ele conseguiu

reunir o PH para um show surpresa no encerramento dos dez anos do HPP,

no Canecão. A banda, que estava sumida dos palcos, dividia a noite com três

nomes do novo selo capitaneado pelo Bruno, o Cardume: as cariocas Jimi

James e Bangalafumenga, e o pernambucano China, ex-vocalista do Sheik

Tosado. Os três e o Pato Fu.

O PH, claro, foi a última banda da noite. Passava de uma da manhã

quando o bonde dos maconheiros saiu de trás das cortinas, pediu que todos

levantassem o isqueiro e, em seguida, perguntaram gentilmente: “Quem tem

seda?”. A partir dali, acenderam um clássico no outro. No meio do show, D2

chamou o China pra cantar “Samba makossa”. Encerraram com uma jam

session porrada em “Dig Dig Dig”.

Ninguém tinha mais dúvidas, era a hora do disco novo do Planet Hemp.

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No meio de uma crise na venda de discos, D2 era uma máquina de

dinheiro para a Sony e a MTV. Com apenas dois discos solos, anunciaram a

gravação do seu acústico. Cedo demais para revisitar a obra? Não parecia

importar. As duas empresas investiram alto, pagaram por um cenário e uma

disposição do público diferentes, uma banda grande, com umas vinte pessoas,

e excelente produção. Em vez de gravar no subúrbio do Rio, o show foi

montado e cenografado numa espécie de teatro, em São Paulo.

D2 chegou e causou. Bebeu o tempo todo, derrubou a caneca de cerveja no

chão durante a dança dos bailarinos, cantou fora do microfone, irritou-se por

ter que regravar, tirou o ponto do ouvido várias vezes. Saiu para usar o

banheiro e deixou esperando o grupo de músicos formado por sambistas,

rappers, violonistas e até uma orquestra de cordas. Embriagado, disse que a

maconha estava liberada, levando as produtoras à loucura. Chorou com o

filho Stephan, errou as letras e se divertiu. O repórter da Folha de S.Paulo

adorou: “Sob o pretexto da bebedeira, comandou um show de sabotagem e

autossabotagem. Se alguém tinha que se enquadrar ali era a MTV, não o

artista [430]”.

Além do filho, D2 recebeu no palco o parceiro BNegão, com quem cantou

“Contexto”. Outra extravagância foi a participação de will.i.am, que cantou

os seus versos em inglês em “C.B. Sangue Bom”. Ter um convidado

internacional não era para qualquer um. Custava caro, bem caro. O som ficou

excelente, com uma ótima mixagem, instrumental realmente acústico com

cordas e sopros, porém, sem os discursos inflamados de D2.

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Três semanas depois da gravação do acústico, Marcelo foi pai pela quarta

vez. E a Camila, mãe de segunda viagem: “A Maria Joana nasceu no Rio, no

dia 7 de agosto, com cinquenta e dois centímetros e meio. Na época que a

Juju chegou, o Stephan estava com doze anos, a Lourdes com quatro e o Luca

com dois e meio. O Luca veio no momento da construção da relação, de uma

vida mais simples. [A Maria Joana] já chegou com uma vida mais

construída. Ela nasceu quando o Marcelo não parava um fim de semana em

casa. O Marcelo não se abala com as crianças. Ele só anda pra frente, sem

olhar pra trás”.

A tropa crescia e com ela as despesas. Quando a pequena Maria Joana

tinha apenas um mês de vida, o seu pai lançou o terceiro disco solo, o

Acústico MTV. Menos de quinze dias depois, ele quebrou um tabu e

concordou em participar pela primeira vez do programa dominical do Fausto

Silva, na TV Globo. Todo vestido de branco e acompanhado pelo Stephan,

D2 cantou, dançou e recebeu ao vivo, em pleno Domingão do Faustão, o

disco de ouro pelo novo trabalho. O apresentador frisou várias vezes que

tinha vendido muito em apenas quinze dias. Ô lôco, meu!

É claro que o episódio provocou comentários. A sua ex-mulher ligou para

dar uma sacaneada e o chamou de “vendido”, no que ele respondeu: “Não,

Manu, eu tenho quatro filhos [431]”.

Após cantar na loja Daslu e no Domingão do Faustão, Marcelo estava

cada vez mais rico e famoso. Quando o CD e o DVD do acústico foram

lançados, o mesmo repórter da Folha de S.Paulo, que esteve na gravação, fez

uma matéria. A ele, D2 disse que no primeiro dia de gravação misturou

vinho, cerveja e um bagulho forte, perdendo totalmente o controle, inclusive

na jam session que fez bêbado com João Donato, incluída apenas no DVD:

“Hoje eu bebo muito menos do que já bebi, uso muito menos droga do que já

usei. [Aquilo] foi ridículo, eu não conseguia acertar as letras, olhava para a

câmera e enrolava a língua [432]”.

Camila se recordou de outro episódio, na época d’A invasão do sagaz

Homem Fumaça, quando o marido também perdeu a linha por causa da birita:

“Se não me engano, foi um show em Santos, em 2000 ou 2001. O Marcelo

bebeu muito antes e durante o show. Quando acabou, ele já estava

completamente bêbado e resolveu fazer o show todo de novo. Ele começou a

pular para o público, empurrava o Gustavo e o [segurança] Anjinho em cima

da galera [risos]. Como o hotel era perto da casa de show, eu e o Anjinho

fomos arrastando o Marcelo, cada um de um lado. A gente chamou esse dia

de A invasão do sagaz Homem Cachaça [risos]”.

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Black Alien tem uma platina com o Planet Hemp. Poderia ter duas. Uma

num disco pendurado na parede e outra no nariz. Quando o D2 gravou o

acústico, a imprensa divulgou que ele assumiu estar bêbado no primeiro dia

de filmagem [433]. O que ninguém contou é que a programação inicial não era

para dois dias de gravação, apenas um. E que ele não tinha apenas bebido,

mas também cheirado muito pó.

Gustavo relembrou o episódio: “Quando o Marcelo estava gravando o

acústico, ficou pancado e ninguém conseguiu gravar. A boca dele ficou

caída, todo torto. Então, tiveram que remarcar as passagem aéreas, pagar

mais uma diária do hotel cinco estrelas, e a técnica toda teve que voltar no dia

seguinte. Uma diária a mais para uma equipe enorme de cinquenta pessoas.

Uma equipe monstruosa... E o cara parou a gravação pancado de cocaína. Tá

entendendo a merda? Tudo parou. Aí, no dia gravou aquilo, fraquinho, todo

cansado... Teve que dar um teco pra gravar de novo, e conseguiu fazer. O

will.i.am entrou com aquela cara lá... Deu o maior prejuízo”.

Segundo Black Alien, esse prejuízo não caducou e foi “cobrado” anos

depois: “Sabe aquela volta do Planet em 2012, no ao vivo para a MTV? Sabe

o que foi aquilo? Com a MTV falida, o Marcelo me ligou dizendo que estava

devendo um favor à MTV. Ele me chamou pra cantar, mas não queria me

pagar. Não fui. Eu soube que o show foi uma merda. A reunião da volta do

Planet Hemp foi na casa do Lobatto e eu fui. Anna Butler estava lá e não

falou comigo. Porque o favor era pra ela. Mas ela também não veio me pedir

nada. Bebi, comi e fui embora [434]”.

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Como ironizou em sua própria música “À procura da batida perfeita”,

Marcelo D2 virou uma celebridade nacional: “Agora é artista não se mistura

com a plebe // Domingo no Faustão, terça-feira na Hebe”. Completamente

bombado na rádio e na TV, ele reservou dois dias no estacionamento do

Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, 9 e 10 de dezembro, e lançou o seu

novo show, À procura da batida perfeita – Acústico MTV. E, para terminar

aquele ano maluco, cheio de boas e más surpresas, o Planet Hemp fez mais

um show, dessa vez no Circo Voador, faltando três dias para o Natal.

Registros dos bastidores do show no MAM. Na foto da esquerda, Alice e Lobatto. Na direita, MariaFlor, D2 e Roberta Rodrigues. Fotos: acervo pessoal de Alice Pellegatti.

CAPÍTULO 48

CARA OU COROA?

Oficialmente, o Planet Hemp ainda existia, mas andava a passos lentos.

BNegão focava na sua carreira solo, Marcelo estava bombando, Pedrinho já

tinha o seu estúdio e Formigão se virava como dava. O Rafael continuava

bastante incomodado com a situação: “Me tiraram em 1997, me chamaram de

volta em 1998. Aí, em 2002, 2003, o Marcelo estava com a carreira solo, eu

com a banda Polara, então convoquei uma reunião e sugeri que a gente desse

um tempo. A ideia era dar um tempo de uns dois anos e voltar com um disco

novo. A banda estava devagar e sem planejamento”.

Uma vez, o guitarrista encontrou com o Bernardo na rodoviária e o

vocalista contou que ia sair da banda. Ele estava chateado com o tratamento

diferenciado que a Na Moral dava a ele em comparação ao seu companheiro

de microfone, e mais uma vez brigou com D2 e o empresário Marcello

Lobatto.

Nesse ínterim, até o Gustavo lançou um disco para chamar de seu. Aposta

de João Augusto e do filho Rafael Ramos, Black Alien assinou contrato para

três álbuns com a Deck Disc, e ficou quarenta e oito dias enfurnado num

estúdio, na Barra da Tijuca, com o produtor Alexandre Basa. Ele disse para a

gravadora que tinha umas dez letras. Na verdade, tinha apenas duas. Valeu o

sacrifício.

Gravado entre maio e junho, Babylon By Gus Vol. 1 – O ano do macaco

saiu em setembro de 2004, teve excelentes críticas e os fãs adoraram. A

Folha de S.Paulo elogiou a produção sofisticada, as letras pesadas e o

trabalho lapidado do produtor: “Se D2 é samba, Black Alien é gangsta rap,

raggamufin, Outkast [435]”. Ao lembrar que o acústico de Marcelo foi o seu

disco mais fraco pela “redundância precoce”, o jornalista terminou a resenha

provocando: “Ok, ele agora quer é fazer barulho (leia-se ganhar dinheiro), a

moeda tem obrigatoriamente dois lados. Aliás, é preciso mesmo escolher

entre cara e coroa? [436]”.

Fora do Planet Hemp há alguns anos, Gustavo deu um novo sentido para a

sua carreira, enquanto D2 estabelecia-se como celebridade e um artista muito

maior que a sua banda de origem. Cada um ao seu estilo e com a sua

estratégia: Marcelo ganhava rios de dinheiro com shows e contratos de

patrocínios, enquanto Black Alien tentava a sorte por uma gravadora menor,

revelando as duas faces da mesma moeda.

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No meio do caminho, o Bezerra morreu. Para não perder o jeito, o

sambista Dicró fez piada: “Ele era tão malandro, que morreu numa segunda-

feira, para não atrapalhar o feriado de ninguém. E no dia 17/1 [171 é o artigo

do Código Penal para estelionato] [437]”. Nascido numa família pobre, no

Recife, José Bezerra da Silva fugiu para o Rio com quinze anos, escondido

num navio que transportava açúcar. No samba fez uma carreira de sucesso.

No dia 1 de setembro de 2004, Bezerra sentiu-se mal em sua casa, em

Copacabana, e foi internado com enfisema pulmonar, no Hospital dos

Servidores. Após oitenta dias no hospital, o músico sofreu uma parada

cardíaca, seguida de falência múltipla dos órgãos, e faleceu aos setenta e sete

anos. O velório aconteceu somente na terça, no teatro João Caetano, na praça

Tiradentes. De lá, o corpo de Bezerra seguiu até o cemitério do Caju, num

caminhão do Corpo de Bombeiros, acompanhado por carros da (quem diria)

polícia. O principal representante do “sambandido [438]” foi recebido numa

tarde quente por duzentas pessoas, entre fãs, parentes e amigos.

O enterro foi acompanhado de cantoria. Todas as pessoas se emocionaram

cantando as músicas de Bezerra e gritando o seu nome. O cantor Dicró, que

gravou com ele e Moreira da Silva o disco Os três malandros in concert [439],

lembrou o amigo como “um cronista, sempre crítico à sociedade”. Mais

jovem que o sambista, o vocalista Falcão também deu um abraço na viúva,

Regina, e nos três filhos. No seu primeiro disco, O Rappa gravou “Candidato

Caô-Caô” e Bezerra participou da música e do clipe.

Depois que virou evangélico, no final de 2001, o velho sambista pensava

em gravar um disco com músicas religiosas. O que rendeu mais uma troça no

enterro: “Malandro foi o Bezerra, que no fim da vida se converteu e pronto”.

Ele foi enterrado perto da cantora Elizeth Cardoso [440].

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No dia em que Bezerra partiu, D2 estava voltando de uma turnê. Chegou

em casa por volta das sete da manhã quando a Camila deu o triste recado.

“Naquele momento, ele era um bom filho e o Bezerra um pai pra ele”,

afirmou Camila. Marcelo tomou um banho e foi sozinho para o velório.

Chegou por volta das dez da manhã e, de cara, encontrou com o Zeca

Pagodinho, já com uma cervejinha gelada: “Ô, D2! Em enterro de sambista a

gente não chora, não. A gente comemora. Senta aí e pega um copo,

parceiro!”.

Marcelo sentou e bebeu. Muitas pessoas foram chegando, cada uma

trazendo uma história sobre o Bezerra da Silva. E colocaram uma pilha nele,

para que gravasse um disco para o falecido. O rapper saiu de lá, bêbado,

somente às sete da noite: “Fui pra casa, dormi e sonhei com ele. Sonhei que a

gente tava no palco [441]”. Quando acordou, passou o dia ouvindo os discos

do Bezerra e anotando quais músicas gostaria de gravar. A primeira que

anotou era especial, uma que ele dizia para o velho sambista que tinha sido

feita para ele, “Partideiro sem nó na garganta”, gravada no disco Presidente

Caô Caô (BMG, 1992):

“Vejam bem, mas eu sou eu, partideiro indigesto, sem nó na garganta // e

defensor do samba verdadeiro que nasce no morro, fonte de inspiração // é,

mas eu sou assim, sem farpa na língua meu bom camarada, não sou caô caô

nem conversa fiada // e também detesto caguetação // sei que na minha

ausência os invejosos me malham sem pena e sem dó // eles dizem até que eu

fumo maconha, que ando com a venta entupida de pó”.

Marcelo idolatrava Bezerra, e não se conformava que, com aquela idade,

ele ainda tivesse que fazer shows por cachê baixo pra sobreviver. Vítima do

preconceito, mesmo tendo vendido três milhões de cópias dos seus mais de

vinte e cinco discos, o sambista da favela só conseguiu cantar no Canecão

depois de vinte anos de carreira. Para D2, deixou o bongozinho e o chapéu:

“A morte do Bezerra eu comparo com a morte do Skunk. Foram duas perdas

muito grandes de dois grandes parceiros na música”.

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Por coincidência, quatro dias após a morte de Bezerra, Marcelo voou

justamente para a terra natal do sambista. Ele tocou sexta-feira, no Festival de

Verão do Recife, e, no sábado, no Festival de Verão de Salvador. No show de

Pernambuco, dividiu o palco do Chevrolet Hall com Cidade Negra, Jota

Quest, CPM 22 e Engenheiros do Hawaii. Um dos pontos altos do show foi a

participação dos b-boys locais Pelezinho e Chaveirinho, durante o set de

“Queimando tudo”. Já na capital baiana, o MC contou com a participação do

guitarrista Peu Sousa, que, por divergências, saíra da banda da Pitty.

Na segunda-feira, Marcelo voltou da viagem pelo Nordeste e foi a vez do

Black Alien se apresentar no festival Humaitá Pra Peixe, que em 2005

espalhou os shows por diversos lugares, como a boate Melt, no Leblon.

Gustavo tocou lá, acompanhado pelo DJ Pachu, e dedicou a música

“Caminhos do destino” a alguém que não sentava mais à sua mesa. Um

trecho da letra diz “se você me trair e vem dizer que é meu amigo // eu corro

atrás, eu instigo, investigo”. Na época, teve gente pensando que era uma

indireta para o Marcelo, mas não era nem nunca foi.

Ao final desse show na boate, Bi Ribeiro (baixista dos Paralamas) tocou

três músicas. Eles já tocavam juntos no Reggae B. A pedidos, Black tocou

“Eric B. is President” (de Eric B. & Rakim, lançada em 1987) e fez um

medley, misturando músicas próprias com trechos de “Don’t Believe The

Hype” (Public Enemy) e outras [442].

Quinze dias depois, no Carnaval de Pernambuco, Black Alien tocou no

festival Rec Beat, no Cais da Alfândega, no Recife Antigo. O produtor do

evento, Antonio Gutierrez, nunca esqueceu disso: “Desde que ele chegou,

ficava me ligando e pedindo pó. E eu naquela correria da produção. Até que

uma hora ele me ligou ameaçando, que se não levasse pra ele, ia cancelar o

show. Eu disse que ele ficasse à vontade pra ir embora. Aí ele baixou a bola”.

O problema de Gustavo com o pó começou na adolescência. Até meados

de 2015, ele tinha contabilizado nove internações em clínicas de reabilitação.

“No início, a cocaína e o álcool me davam o céu, depois foram me dando só o

inferno. O meu problema é o álcool. A cocaína infla o meu ego. Depois ele

fica lá embaixo, tem a ressaca moral, aí pra levantar usa de novo. Fica

naquela espiral infernal [443].”

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Enquanto o Black Alien reconquistava o trono no reino do rap, D2

ganhava fãs cada vez mais ecléticos, não apenas os roqueiros e os adeptos da

cultura hip-hop. Uma prova disso aconteceu no mês de março. Primeiro, D2

foi a atração do show gratuito em comemoração ao Dia Internacional do

Consumidor, ao lado do Jorge Aragão, no Sambódromo do Anhembi (SP).

Duas semanas depois, lá estava ele cantando na casa do Big Brother 5, na

grande noite da final do reality-show da TV Globo. Em show particular, o

MC cantou para Grazi Massafera, Sammy Ueda e Jean Wyllys, o professor

baiano que faturou um milhão de reais. Eleito com cinquenta e cinco por

cento dos votos, tomou mesmo o gosto por votações e elegeu-se deputado

federal pelo Rio de Janeiro.

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Quem também estava sorrindo de orelha a orelha era o Marcello Lobatto.

Com faro para talentos, o homem responsável por gerenciar as carreiras do

Planet e do D2 tornou-se o primeiro empresário da cantora Pitty. Quando a

Deck Disc trouxe Priscilla Novaes Leone da sua Salvador para morar no Rio,

apostou novamente na intuição de Rafael Ramos, “o descobridor do

Mamonas Assassinas”.

O jovem produtor conhecia a Pitty da cena underground, pois fizeram

alguns shows juntos na época em que ela cantava na banda de hardcore

Inkoma e ele tocava bateria no Jason. Rafa recebeu pelo correio uma demo da

amiga, só com voz e violão, adorou e convenceu o pai a lançar o primeiro

disco solo da artista. Numa dobradinha campeã, a Deck lançou o CD e a Na

Moral Produções agenciou a cantora. Lançado em maio de 2003, Admirável

chip novo lacrou. O disco foi abraçado pela rádio Cidade FM, que tocou

várias músicas, como “Máscara”, “Teto de vidro”, “Equalize”, a faixa título e

“Semana que vem”.

O show de lançamento no Canecão foi um sucesso. Na ocasião, ela ainda

era casada com o baterista Duda. Os acompanhavam o guitarrista Peu Sousa e

o baixista Joe Gomes, que tinham tocado em importantes bandas de rock

baianas. Admirável emplacou e foi o disco mais vendido do ano. O sucesso

aumentou em 2004, quando Pitty foi eleita a cantora revelação tanto no

Prêmio Multishow de Música Brasileira quanto no do canal Nickelodeon,

evidenciando a sua forte penetração entre crianças e adolescentes. Na festa do

VMB de 2004, ela saiu vencedora com dois clipes diferentes: “Equalize”

como o Melhor Videoclipe de Rock e “Admirável chip novo” como o Melhor

Videoclipe do Ano, na escolha da audiência. Em novembro, com mais de

cento e trinta mil cópias vendidas, Pitty atingiu um outro patamar. Ela

ganhou poder de negociação.

Depois de fazer quatro clipes ao custo de vinte mil reais cada, ela decidiu

fazer o quinto com três diretores (Maurício Eça, Pablo Nobel e Sérgio

Mastrocola), e com um orçamento quatro vezes maior, oitenta mil reais.

Numa das cenas de “Semana que vem”, numa crítica à banalização do sexo e

da nudez pela mídia, a cantora pulou corda sobre os corpos de vinte

figurantes nus, que receberam cem reais de cachê cada um [444]. Ela estava

surfando a onda, e a música escolhida se mostrou bastante apropriada: “Não

deixe nada para depois // não deixe o tempo passar // não deixe nada para a

semana que vem // porque a semana que vem pode nem chegar”.

E ainda bem que chegou. Em 9 de abril de 2005, Marcelo D2 e Pitty se

apresentaram, juntos, no Camping Show, em Brasília. E toda vez que essa

dobradinha acontecia, Lobatto marcava dois gols numa mesma partida.

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Depois de tocar no Distrito Federal, Lobatto seguiu com D2 para Porto

Alegre, onde fizeram duas noites do show acústico, no bar Opinião. Logo

depois, a Sony colocou na praça o DVD À procura da batida perfeita, com

os seis clipes mais recentes, outros seis clipes do primeiro disco e um

documentário no qual D2 fala de suas influências mais remotas, como

Jovelina Pérola Negra. Enquanto o Planet Hemp seguia mergulhado no

formol, a gravadora lançava produtos e mais produtos com o nome do

Marcelo.

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Assim como o Lobatto, a história de Marcelo D2 e do Planet Hemp

também se misturam com a vida de Alice Pellegatti e sua AZ Produções. Ela

gerenciava o marketing na Sony quando a gravadora lançou Usuário. No ano

seguinte, ela foi terceirizada para cuidar do selo Chaos, com um contrato

anual. A liberdade possibilitou que Alice prestasse serviços para outras

gravadoras, até virar empresária da cantora Adriana Calcanhoto, no disco

Marítimo.

Quando Alice e o marido, Roberto Frejat, guitarrista do Barão Vermelho,

engravidaram da Julia, ela deu um tempo na vida profissional. Foi ela quem

encomendou os discos de ouro e de platina do Planet e do D2, como uma

maquete do Flavio Papi reproduzindo o cenário do Gringo Cardia, com a

Kombi customizada e tudo. Ela própria foi homenageada pelo trabalho da AZ

na divulgação do disco Os cães ladram mas a caravana não pára e ganhou

um disco num quadro, que até hoje enfeita o seu escritório no bairro da

Lagoa, Zona Sul do Rio.

Certo dia, para promover um álbum do D2, Alice teve uma ideia ousada,

que o Lobatto comprou: “Eu descolei um casarão antigo, no bairro da Glória.

Era lindo de gritar. Começava com um jardim e um gramado impecável. A

casa tinha um pé-direito altíssimo, vitrais originais e chão de ladrilho

hidráulico. Só não dava para montar show ao vivo, então fizemos um tipo de

galeria, no hall de entrada. Tinha tanto carro, que usamos o estacionamento

de um motel próximo. Os DJs foram o Tamempi [445], o D2 e tantos outros.

Lotou, foi bem maneira. Compareceram desde o Nelsinho Motta a atores

descolados e ligados à música. Deu três páginas na [revista] Vogue RG”.

Tempos depois, D2 foi destaque na mesma publicação. Quando a Vogue

RG #40 chegou às bancas, em maio de 2005, Marcelo estava na capa. Porém,

de costas, contra a luz, deixando a mostra apenas o brilho dourado da fivela

do cinto e do seu nome. Em cima da fotografia escura sobre fundo cinza, o

título em letras garrafais: “D2 ASSUME SEU LADO CELEBRIDADE”.

Além de entrevista, Marcelo fez um ensaio fotográfico com o fotógrafo

Christian Gaul, inspirado no cantor e trompetista Chet Baker [446] – que

morreu caindo de uma janela de hotel, em Amsterdã. No ensaio, Marcelo

usava bigode fino, cavanhaque ralo e cabelo bem curto, raspado dos lados.

Calça larga, tênis branco e no pescoço um medalhão com a TAG D2, num

recorte para estêncil, o mesmo da capa do disco À procura da batida perfeita,

já com cento e cinquenta mil cópias vendidas. O Marcelo com o 2 prateado

no peito não era o mesmo do início do Planet Hemp, com um número 2 de

plástico, surrupiado de um brinquedo do filho.

O novo Marcelo, pai de quatro filhos, prosperou e comprou uma casa no

Cosme Velho, bairro nobre na Zona Sul carioca. Agora, havia toda uma

máquina por trás, trabalhando para ele, incluindo os músicos da banda e a

equipe técnica. A roda precisava continuar girando. Eram muitas bocas para

alimentar. Ele sabia e queria isso: “Meus objetivos são fazer música bem-

feita e entrar no mercado. Não quero morrer igual ao Bezerra da Silva,

durango, fudido, tendo que fazer show até os setenta e sete anos para

sustentar a família [447]”.

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Deixado em segundo plano, o Planet Hemp não ensaiava, não fazia

músicas novas e praticamente não se apresentava ao vivo. Mesmo assim,

recebeu o convite do produtor Jomardo Jomas para tocar na sétima edição do

festival Música Alimento da Alma (Mada), em Natal (RN): “Quando

fechamos, eu nem sabia das tretas. Aí, um tempo depois, me ligaram dizendo

que a banda não ia tocar, mas eu insisti, porque já estávamos divulgando a

presença deles no festival. Eles cumpriram o compromisso. A banda chegou

primeiro, e o D2 pousou em Natal já próximo da hora do show, que foi muito

bom”.

Anunciado como uma “volta da banda”, o que se viu foi uma digna

despedida. Com a formação clássica de cinco integrantes, incluindo BNegão,

o Planet tocou na segunda noite, 27 de maio de 2005, para um público de

quatorze mil pessoas. Antes de entrar no palco, D2 reuniu a banda no

camarim e disse que se o Bernardo ia mesmo sair (de novo), seria melhor a

banda acabar. Todos concordaram e abriram uma garrafa de champanhe para

comemorar todas as coisas boas que o Planet Hemp proporcionara a todos.

Assim que começou o show, Marcelo anunciou que seria o último da banda e

desceu a lenha [448]. Mesmo sem ensaiar, o show na Arena Imirá, na via

Costeira, foi empolgante. Em alguns momentos, D2 até esqueceu a letra das

músicas. Depois, sentenciou: “Nós somos o Planet Hemp. Ou éramos. Ou

seremos”.

Ao final, no backstage, BNegão declarou que a banda tinha acabado por

uma divergência ideológica entre Marcelo e ele, e que decidiu sair da banda:

“A minha visão é mais espiritualista e a dele é mais materialista [449]”. Na

verdade, sem o público saber, o show em Natal foi mera formalidade. No

início do mês, Bernardo já tinha anunciado que estava fora. Quinze dias antes

do Mada, ele tocou com a sua banda, no Blen Blen, em São Paulo. O seu

primeiro disco, encartado na revista Outracoisa, vendera quinze mil cópias.

Acompanhado d’Os Seletores de Frequência, ele estava prestes a embarcar

para sete shows na Europa, inclusive no Roskilde Festival, na Dinamarca:

“Tivemos divergências ‘filosóficas’. Olhava para um lado e o ‘escritório’ ia

para outro. Não estava batendo. Para mim, deu [450]”.

As críticas de Bernardo ao antigo parceiro ainda repercutiram por mais um

bom tempo. Quando a Bizz voltou às bancas, comemorando vinte anos da

revista, BNegão foi entrevistado e disse que D2 sempre foi um capitalista:

“Apesar de o Marcelo antes posar de revolucionário, quem conviveu com ele

no dia a dia sempre soube que ele é isso aí. Ele está para o esquemão, e não

para a galera. Sei que ninguém tem o direito de falar o que ele tem de fazer da

vida dele, só não quero estar junto disso aí”. E colocou um ponto final: “Se o

Planet voltar, eu não vou estar [451]”.

Fofoca ou não, quando compôs o novo disco, Meu samba é assim, na letra

de “Falador” D2 fez referência ao episódio: “Usa a TV e o rádio pra falar dos

outros // paga de zen, mas é um puta invejoso (...) // quando você precisa de

dinheiro eu tô lá // e eu que sou capitalista”. Numa entrevista, reafirmou:

“Quem pede emprestado é que mais fala mal. O cara leva tua grana uma vez,

duas. Na terceira, você diz não e vira um capitalista filho daspu... Pelo amor

de Deus, tirem o olho do meu dinheiro! Vai ficar em cima do [ex-governador

do Rio de Janeiro] Garotinho, que tá roubando todo mundo.” [452]

Parceira de longa data, Camila enfatizou que “ele pode até ter ficado

decepcionado, mas não guarda mágoa de nada ou ninguém. Talvez alguns

amigos é que guardem mágoa dele. O Marcelo põe na letra e bola pra frente!

Não fica olhando pra trás. Eu é que senti saudade do abraço do Ber, que é um

dos melhores da face da Terra”.

Fato é que sem o segundo vocalista, após o show do festival Mada, em

2005, a planta secou e morreu. Foi declarado o fim do Planet Hemp. E cada

um seguiu o seu rumo.

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Para algumas pessoas próximas, foi até melhor assim. Elza Cohen viu a

pausa como uma coisa boa: “Eu não fiquei chocada porque a carreira solo do

Marcelo ia muito bem, e eu achava que faltava mais empenho do resto da

banda. Ele [D2] ficava lá: ‘Vamos ensaiar, vamos fazer música nova’, e o

pessoal nada. Eu estava de fora, mas lembrava do Marcelo mais

sobrecarregado, pensando no Planet, tendo mil ideias, enquanto os outros se

acomodaram. Tinha também um desgaste natural do tempo, do convívio. Foi

até bom acontecer isso para eles acordarem e perceberem o quanto eles são

irmãos. Tanto que estão aí de novo”.

Gravação do álbum MTV ao vivo em 2001, em São Paulo. Foto: Marcos Hermes.

CAPÍTULO 49

SAMBANDIDO

Bezerra da Silva esbanjava sabedoria: “O mal não está nas drogas, está nos

homens”. E D2, por sua vez, completava: “A maconha só acentua o que o

sujeito é [453]”. O ícone do sambandido brasileiro agora jazia no céu. Na terra,

D2 se reinventava a cada dia. De roqueiro a MC, depois assumiu-se sambista,

mas sempre maconheiro. E transitando por universos nunca antes

imaginados.

Vinte dias depois do “último” show do Planet Hemp, em Natal (RN), D2

partiu para uma turnê europeia de duas semanas com nove shows, sendo seis

em território francês. O mote da turnê era O ano do Brasil na França. Ele já

havia tocado solo anos antes, num showcase, no Favela Chic, em Paris, e

outro no club La Vapeur, em Dijón. Dessa vez, a excursão começava por

Lyon e seguia por Toulouse, Nanterre, Amsterdã, Marseille, Châlons-en-

Champagne, Rudolstadt, Bruxelas e, finalmente, no Eurockéennes Festival,

em Paris [454].

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Com fama de furão, Marcelo é conhecido por marcar e não comparecer

aos compromissos, como na tal polêmica com Caetano e Paula Lavigne.

Quando a turnê pela Europa se confirmou, ele deu bolo mais uma vez. Não

no Velho Continente, mas por aqui mesmo.

Como sempre gostou de moda, D2 criou com a sua cunhada uma marca de

street wear, a Manifesto 33 1/3. Sabendo disso, a organizadora do Fashion

Rio, Eloysa Simão, o convidou para lançar a grife no evento. Ele encerraria o

evento no domingo, mas já na segunda teve que viajar para Portugal e a tão

badalada estreia não aconteceu por “problemas inesperados de agenda neste

momento em que D2 prioriza sua carreira internacional [455]”.

Dois meses depois, D2 enfim lançou a coleção de verão da grife, junto

com a cunhada e sócia, Carol Aguiar. Inicialmente com setenta e cinco itens,

entre camisetas, calças e casacos. Mais ou menos na mesma época, a marca

de skate Drop Dead lançou o modelo de tênis MD2, com quatro cores

diferentes e uma caixa que podia ser reutilizada para guardar CDs. Algum

tempo depois, a Manifesto 33 1/3 abriu a sua primeira loja, na rua das

Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Camila contou que a irmã já trabalhava com

moda e o Marcelo se interessava pelo assunto: “Quando a minha irmã

engravidou é que a marca ficou em segundo plano. Mas foi uma experiência

ótima para todos”.

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Dois dias depois de voltar da turnê na Europa, Marcelo fez a festa no

décimo Prêmio Multishow, no Teatro Municipal do Rio. Foi eleito o melhor

cantor e o seu Acústico MTV levou o prêmio de melhor álbum. Ele e a Pitty

levaram dois troféus cada, para a alegria do Lobatto. Ela como melhor

cantora e melhor clipe por “Semana que vem”. As apostas do empresário se

confirmavam.

No dia seguinte, D2 se apresentou em Pindamonhangaba, interior de São

Paulo. No fim da manhã de segunda-feira, voltando de viagem na minivan

com o produtor, um músico e o motorista, foram parados numa blitz do

Batalhão de Policiamento Rodoviário assim que saíram da Dutra e entraram

na Linha Vermelha, no Rio. Ficaram detidos por uma hora e meia. Após ser

liberado, o artista fez uma denúncia ao jornal O Dia, que noticiou a tentativa

de extorsão [456].

Apesar dos pesares, após uma temporada de seis meses morando

novamente em São Paulo, D2 voltou para o seu Rio de Janeiro [457].

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Desde o início do Planet Hemp, Marcelo dividiu seu coração entre Rio e

São Paulo. Tocou várias vezes com a banda e, depois, em carreira solo. Num

ano cheio de emoções, ele voltou para mais dois grandes momentos na capital

paulista. Na premiação do décimo primeiro VMB, no Credicard Hall, só deu

Pitty: Ídolo MTV, Melhor Performance Ao Vivo (“Eu quero sempre mais”,

de Ira! e Pitty) e vocalista da Banda dos Sonhos. O único troféu do D2 foi o

de Melhor Videoclipe de MPB, por “A maldição do samba”, com

participação do Seu Jorge e Nelson Sargento. Isso mesmo, de MPB! Foi

nessa festa que ele reencontrou o antigo parceiro Bacalhau, com quem não

falava há anos, desde a sua expulsão do Planet Hemp. Tocando com o

Autoramas, o baterista levou três prêmios, incluindo o de Melhor Videoclipe

Independente, por “Você sabe”.

Semanas depois, na mesma casa de espetáculos, D2 se apresentou na festa

de vinte anos da rádio 89 FM. Mais uma vez, Chorão o convidou para cantar

“Samba makossa”, no show do Charlie Brown Jr. Na sua vez, Marcelo

chamou a Pitty para cantar a sua “Anacrônico” e participar de uma versão

improvisada de “Mantenha o respeito”. No final, só com DJ, a banda toda foi

para a frente do palco, cantou com o público e saiu formando um

trenzinho [458].

Três dias após o evento de rock em São Paulo, D2 subiu ao palco no

Pavilhão de Exposições do Parque Barigui como atração principal ao lado de

Zeca Pagodinho. O que parecia improvável, aconteceu. Depois de gravarem

juntos, os dois fizeram um show juntos, numa das dobradinhas mais bem-

sucedidas do show business brasileiro.

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No fim de 2005, Marcelo foi convidado para um churrasco na casa do

jogador Ronaldo (Fenômeno). O atleta pediu que Marcelo compusesse uma

música para ele. Tempos depois, o MC entregou “Sou Ronaldo”, usando as

sucessivas lesões no joelho para falar de superação: “Perrengue a gente passa

// eu nunca tô de bobeira // a bola quica // eu pego ela de primeira”. Como o

Marcelo já tinha gravado o seu novo disco, Meu samba é assim, a música

para o craque da seleção brasileira foi lançada posteriormente, numa edição

especial e na edição brasileira do CD oficial da Fifa [459]. D2 já estava de

malas prontas para mixar nos EUA, mais uma vez com Mario Caldato Jr.

Uma semana antes do Natal, D2 se despediu de 2005 com um show

eletroacústico, no belíssimo Morro da Urca. Terminar o ano de forma mais

carioca, impossível. O cara estava no topo. Merecia uma estátua. Ganhou

uma praça com o seu nome.

CAPÍTULO 50

MARCELODEDOIS

Com o sucesso de Marcelo D2 e Pitty, a Na Moral Produções estava nas

nuvens. A produtora, que começou pequena, no início dos anos 1990,

transformou-se num prédio inteiro, no bairro do Leblon, Zona Sul carioca.

Então, quando comemorou mais um aniversário, no dia 10 de dezembro, o

empresário Marcello Lobatto presentou o seu artista, inaugurando, na parte

externa do imóvel, a Praça Rapper Marcelo D2. Teve até champanhe! A

homenagem se deu afixando uma placa na parede, sob os olhares da cantora

Bebel Gilberto, do guitarrista Roberto Frejat e da atriz Patrícya Travassos,

entre outros [460].

A dupla se dava bem, gostava de trabalhar e não ficava de frescura. No

verão de 2006, Lobatto fechou shows do D2 em Búzios (RJ), Caraguatatuba

(SP), Salvador (BA), e em bairros como Campo Grande e Jacaré, no Rio de

Janeiro. A verdade é que Marcelo era um excelente relações públicas, criava

as oportunidades, e o outro Marcello as consolidava.

No dia 6 de fevereiro, Sérgio Mendes e Marcelo D2 representaram o

Brasil num concerto da PeaPod Foundation, instituição criada pela banda

Black Eyed Peas, em prol das crianças carentes do mundo. O show aconteceu

em Los Angeles e foi transmitido ao vivo para toda a América do Norte.

Amigo de outros carnavais e anfitrião do evento, will.i.am aplaudiu e

apresentou D2 como “o grande nome da música brasileira da atualidade”.

No fim de 2005, D2 compareceu ao pagode do Arlindo Cruz, na quadra da

escola de samba Império Serrano. Deixou uma impressão tão boa, que o

sambista o convidou para desfilar na ala do banjo durante o Carnaval. Aceito

o convite, Marcelo cruzou a avenida tocando banjo na madrugada do segundo

dia de desfiles no Sambódromo. Gostou tanto, que repetiu a dose no ano

seguinte.

No último dia de fevereiro, Marcelo escreveu a “Carta ao presidente”, com

que fecharia o novo disco, já na fase final. No texto musicado, cobrou uma

atitude do então presidente, Lula, que ainda estava no primeiro mandato:

“Sentimento predominante entre as classes ainda é // qual seria a diferença do

Luiz pro José? // (...) minha mãe sempre dizia que o exemplo vem de cima //

e agora Silva, você tá em cima // (...) se você não sabia de nada // então não

está fazendo teu trabalho direito // afinal de contas, você é o presidente

eleito!”.

Um mês depois de atravessar o templo do samba, D2 tinha shows

agendados em Nova York, Boston e Miami, nos EUA. Porém, o contratante

não enviou a documentação a tempo de tirar os vistos de trabalho para os

músicos que acompanhavam o Marcelo e os shows foram cancelados [461].

Como se não bastasse o contratempo e o prejuízo dessa gig internacional,

em março, a revista da MTV estampou na capa uma entrevista com Bernardo

e Gustavo [462]. Num dos trechos, Black Alien conta a história de um show no

Aramaçan, em Santo André, no qual o D2 perguntou no microfone pelo

BNegão, e o Black respondeu que ele estava em seu lugar, aí o Marcelo

olhou na sua cara e disse: “Que merda”. “E o que eu iria dizer? Não existe

isso, arte é insubstituível. Você pode imprimir um tom baseado naquele

artista que veio antes, [mas] o legado você respeita. Eu respeitei o que o B

deixou”. Bernardo completou: “E eu respeitei o que o Skunk deixou”.

Em outro momento, BNegão disse que continuava cem por cento a favor

da legalização: “Não só da maconha, mas de todas as drogas. É um modo de

melhorar bastante a situação. Só que não vai acontecer porque neguinho

obedece a política antidrogas dos EUA, que é contra tudo e todos, por isso

não vai rolar”. Essa edição foi a última vendidas em bancas, antes de migrar

para o modelo exclusivo para assinantes.

Mesmo com a banda parada, as coisas ainda estavam mal resolvidas na

crew do Planet Hemp.

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Em maio, Marcelo D2 lançou o seu quarto disco solo, Meu samba é assim

(Sony BMG, 2006), novamente misturando o samba com o rap. Ao todo,

vinte e cinco colaboradores de todas as partes do Brasil. Metade dos

convidados eram sambistas, metade MCs. De um lado, Alcione, Arlindo Cruz

e Zeca Pagodinho. Do outro, Marechal, Aori e Mr. Catra. Tratando o samba

com respeito, o rapper já começou o disco dizendo a que veio:

“Aperta o play, aumenta o som // e joga na seda aquele do bom (...) mas

quem diria? Que engraçado, hein! // foi pra cadeia e agora bomba no rádio //

(....) se eu canto rap é que meu samba não vai parar // seu eu canto samba é

que meu rap agora tá lá” (“Meu samba é assim”). E perguntou: “É isso que tu

quer pra tua vida, parceiro? Fumar um, tirar onda, encher o bolso de

dinheiro?” (“Malandragem”).

O primeiro disco de inéditas em três anos foi recebido com duras críticas.

A revista IstoÉ Gente achou que “a maioria das letras gira em torno do

próprio umbigo do cantor. Em ‘Nunca esquecer’, ele conta que foi camelô,

feio e sem dinheiro. (...) Com palavras fracas, D2 mostra que corre atrás

mesmo é de batidas, não de rimas. Nas batidas, ele acerta [463]”.

A revista Quem Acontece publicou uma entrevista com o título “Marcelo

D2 samba no asfalto”. No papo, ele disse não fazer parte de nenhum

movimento e sim flutuar entre o rap e o samba, agulhou (sem dizer o nome)

o BNegão (“algumas pessoas próximas já me pediram dinheiro e depois

falaram em jornal que sou um capitalista”) e chamou de hipócritas as pessoas

que se vestem de branco e fazem passeata no Leblon:

“Depois, senta para tomar um chopinho no [bar] Jobi. Isso vai mudar o

quê? Se o filho do favelado fuma maconha ele vai preso, pega seis anos. Mas

se ele for filho do cara do Leblon, se livra em cinco minutos. A Justiça é só

para a ralé? Será que a Zona Sul está mesmo disposta a perder suas regalias

para ter um Rio menos violento? É essa paz que a gente tem que ver. Se é

paz, tem que ser igual para todo mundo, não só para a Zona Sul”.

Já a Folha de S.Paulo deu três estrelas com uma sutil ironia. A crítica dizia

que D2 estava numa encruzilhada entre o dinheiro e os ideais do rap, e “se

quisesse manter algum grau de autenticidade, teria de transitar de um

universo para outro sem perder o que carrega de genuíno [464]”. A jornalista

confirmou que ele conseguiu achar essa terceira via, porém, pendendo mais

para o rap-samba do que para o samba-rap. Ela também criticou as letras,

que “ainda mancam”. E terminou cobrando um protagonismo do Marcelo

como incentivador de novos talentos: “O pior defeito de D2, no entanto, é

não ter concorrência. (...) Não se trata de medir talento. Mas de abrir caminho

para a profissionalização de outros tantos moleques e meninas que também

observam a vida com uma caneta na mão”.

Nessa mesma matéria, em entrevista a outra repórter, D2 atribuiu o seu

sucesso na carreira solo ao estouro do rap americano. Ao ser perguntado

sobre uma volta do Planet Hemp, respondeu que estava magoado: “Como é

que o BNegão e o Black Alien falam mal do Planet? Se não fosse a banda,

esses caras não seriam nada. Eu me orgulho disso, por que eles não se

orgulham? Acho que o Planet e a galera que gostava da banda merecem mais

respeito. O BNegão vivia nas minhas costas e agora vai numa revista falar

que sou capitalista. Agora vive nas costas do Falcão, é backing vocal d’O

Rappa. Assume logo que é backing vocal e deixa o Planet Hemp [465]”.

A verdade é que Marcelo não havia digerido o fato de BNegão ter dito

numa revista que ele era um capitalista. Em sua versão, foi o vocalista quem

foi até a sua casa pedir dinheiro emprestado: “O sucesso me ensinou a ver

quem eram realmente meus parceiros [466]”.

Curiosamente, a primeira música de trabalho foi a mais roqueira de todas,

“Gueto”. D2 explicou em entrevistas que achava a melhor letra do disco, que

ele pretendia trabalhar bastante, por no mínimo dois anos, antes de fazer

outro. Ele acreditava que era possível ser feliz morando em favela: “O gueto

não é a favela. Ele está dentro da cabeça das pessoas”. Com participação do

Mr. Catra, a faixa ganhou um belo clipe dirigido (mais uma vez) por Johnny

Araújo, e venceu o prêmio de Melhor Videoclipe de Rap no décimo segundo

VMB, realizado no dia 28 de setembro, no Credicard Hall.

Logo depois, aconteceu, em São Paulo, o Sub Rap Combo [467], com a

apresentação dos produtores Prince Paul e Scotty Hard – que mixou o álbum

Futura (Trama, 2005) da Nação Zumbi –, da banda Mamelo Sound System e

do MC Akin. Marcelo D2 compareceu e, lá, reencontrou com o velho amigo

Rodrigo Carneiro, do Mickey Junkies, que tratou logo de apresentar à

Camila, sua esposa: “Esse é o Carneiro, meu único amigo das antigas que não

fala mal de mim”.

Entre tretas, rimas e escopetas, D2 sabia muito bem o que tinha que fazer

da sua vida a partir de agora. E cantou isso em “Gueto”: “Não preciso abaixar

minha cabeça // e nem preciso falar mal de ninguém // o que eu preciso é me

focar no meu trabalho // me focar na minha família // que aí o meu sucesso

vem”. Naquele momento, a melhor coisa a fazer era mesmo deixar o Planet

de lado, focar na Camila e nos quatro filhos, e dar gás total.

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O mercado fonográfico havia mudado drasticamente: quase quarenta por

cento da renda das gravadoras provinha de produtos especiais, como CDs

corporativos feitos sob encomenda. A pirataria física e o MP3 tornaram as

metas anteriores muito mais difíceis. Nos anos dourados, as duplas sertanejas,

as cantoras de axé, os pagodeiros, os padres e até as bandas de rock vendiam

um, dois, três milhões de discos com alguma facilidade. Nos anos 2000, os

números caíram pela metade.

A partir de 2004, o disco de ouro equivalente a cem mil cópias passou para

cinquenta mil. O de platina, que significava mais de duzentos e cinquenta mil

discos vendidos, mudou para oitenta mil. Mais recentemente, as regras

mudaram novamente. Agora, para ter um ouro na parede, precisa vender pelo

menos quarenta mil. Para o disco de platina, oitenta mil, e platina dupla,

cento e sessenta mil cópias. Nos EUA, o disco de ouro é recebido com

quinhentas mil e o de platina acima de um milhão de unidades.

Dois bons exemplos dessa transição da indústria: em 1993, a dupla Zezé di

Camargo & Luciano vendeu novecentas e cinquenta mil cópias, foi disco de

diamante. Quando lançaram um álbum novo, em 2009, venderam “apenas”

duzentas e dezoito mil cópias. No grande ano de 1997, quando o U2 lançou

Pop no Brasil, a expectativa era vender “só” duzentas e cinquenta mil (disco

de platina), o mesmo número do antecessor Zooropa (1993), e menor que The

Joshua Tree (1987) e suas trezentas e quarenta e duas mil. No caso de Pop,

ele já saiu da fábrica com cento e cinquenta mil unidades realmente vendidas

– e não consignadas, como era de praxe – às lojas [468].

Para efeito de comparação, em 1997, no auge, o Brasil movimentou um

bilhão e duzentos milhões de dólares com vendas de cento e quatro milhões

de unidades (CD, K7 e LP). Com “a grande crise”, o mercado encolheu. Onze

anos depois, em 2008, o valor total foi de um bilhão de dólares a menos,

apenas duzentos e cinco milhões de dólares, aí incluídos o CD (61%), o DVD

(27%) e os arquivos digitais (12%). As expectativas mudaram. Se um artista

consagrado vendesse de trinta a cinquenta mil peças e um novato de cinco a

dez mil, estava de bom tamanho [469].

Com a mudança de parâmetros, o resultado deixou de ser apenas pelo

número de cópias físicas. Surgiu um novo mercado, com maior rentabilidade

em outros produtos, entre eles o digital. Ao se complementarem, os mercados

físico e digital coexistem, não se excluem. Depois da venda de MP3,

ringtones e outros formatos de download de arquivo, foi o streaming que

chegou para abalar. O acesso alterou o comportamento do consumidor, que se

acostumou a ouvir a música em tempo real, sem a posse dela.

A partir de 2008, o Brasil começou a certificar as vendas de digitais,

porém, as reproduções por streaming começaram a ser aferidas apenas de

2013 em diante. A partir de 2016, a Riia passou a certificar álbuns por

streaming [470], como Thriller (1982), de Michael Jackson, que na quantidade

de audições em tempo real, ganhou trinta discos de platina nos EUA,

tornando-se o álbum mais vendido dos últimos tempos.

Porém, em junho de 2006, nada disso importava. Marcelo só conseguia

pensar em Berlim.

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Marcelo D2 sempre gostou de futebol e video game. Quase pirou quando a

sua música “Profissão MC” entrou na trilha do jogo Fifa Soccer 2005.

Quando podia, assistia aos jogos do Flamengo. Na primeira vez em que foi ao

programa do Jô Soares, vestia uma camiseta da seleção brasileira. Usava em

shows a camiseta com que jogou o MTV Rock & Gol. Perna de pau, D2 já até

quebrou a perna em pelada. Mas, naquele momento, só conseguia pensar na

Copa do Mundo de Futebol.

Com o disco novo nas mãos, D2 arrumou as malas e partiu para uma turnê

de três meses pela Europa e pelos EUA. No Velho Continente, tinha shows

marcados nos festivais de Roskilde (Dinamarca), Nice Jazz Festival (França),

Womex (Inglaterra) e até na Finlândia. Pegou o passaporte e se mandou para

tocar para sessenta e cinco mil pessoas no último dia do Rock in Rio Lisboa

2. Com passagem marcada para fazer shows na Alemanha e um ingresso para

o primeiro jogo da seleção brasileira, ele estava contando os minutos.

Contratado para fazer shows pela própria prefeitura de Berlim, no dia 13

de junho o rapper tocou e saiu correndo para o estádio olímpico. Para não

perder a estreia do Brasil, pegou carona num carro da polícia, com direito a

sirene e tudo [471]. Ao chegar, presenciou a vitória magra por um a zero, gol

de Kaká, contra a Croácia.

Uma das coisas que mais surpreendeu Marcelo, principalmente em cidades

da França, Espanha e Itália, foi a quantidade de gente que conhecia

“Profissão MC” em função do game da Fifa. Anos depois, ele teve “Você diz

que o amor não dói” incluída na versão 14 do jogo [472]. No Festival de

Montreux, na Suíça, D2 tocou de chapéu vermelho e camisa branca, com a

cara do Bezerra, acompanhado de Fernandinho Beat Box, os inseparáveis

Maurinho e Lourenço (com quem toca até hoje) e grande banda. Nos EUA,

D2 foi o convidado de Sérgio Mendes no Hollywood Bowl, tocando com a

Filarmônica de Los Angeles para quinze mil pessoas.

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De volta ao Brasil, Marcelo bateu ponto em mais um VMB, no Credicard

Hall. Convidado ao palco por meio de um vídeo da atriz Maria Alice

Vergueiro – popular com o curta-metragem Tapa na pantera, no qual fuma

maconha no cachimbo –, D2 entrou de chapéu branco e roupa de malandro,

acompanhado do Mr. Catra, para cantar “Gueto” no encerramento da festa. A

música faturou o prêmio de Melhor Clipe de Rap, batendo os clipes de Black

Alien, Inumanos, MV Bill e Pavilhão 9.

Uma semana depois, D2 deu o pontapé inicial na turnê do Meu samba é

assim. Com duas datas na Via Funchal, em São Paulo, o show misturou

momentos mais sombrios e densos, com outros mais iluminados e alegres. O

cenário de Gringo Cardia, inspirado na capa do novo CD, incluiu três telões

para as participações virtuais de outros artistas e exibição de vídeos da

Apavoramento Sound System. Quinze dias depois, Marcelo fez o show do

seu quarto disco solo no Canecão, no Rio.

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No primeiro ano sem o Planet Hemp, Marcelo D2 voou em céu de

brigadeiro. Sem abrir mão das oportunidades, terminou 2006 tocando na festa

da rádio Transamérica FM, em São Paulo, e se apresentou para quarenta e

cinco mil pessoas, no festival Pop Rock Brasil, em Belo Horizonte. Depois de

participar duas vezes com a banda (em 2001 e 2002), e “sozinho” (em 2004 e

2005), D2 tocou pelo terceiro ano seguido, colocando o Mineirão abaixo. Ele

foi o último artista antes do Black Eyed Peas, que fechou a noite.

D2 havia conquistado o seu espaço, garantido o seu convite para o olimpo

dos grandes artistas da música brasileira. Começou o ano de 2007 se

apresentando no festival Planeta Atlântida, em Florianópolis (SC). No

Carnaval, um dia ele estava tocando com Lenine, no Marco Zero, no Recife.

No outro, desfilava novamente na Marquês de Sapucaí, com a Império

Serrano. Quebrou mais um tabu ao ganhar um disco da série Perfil, da Som

Livre. No Prêmio Multishow 2007, com a presença de Dona Rita, Chico

Science foi o homenageado do ano. Os Paralamas do Sucesso e a Nação

Zumbi tocaram várias músicas do falecido artista, com a participação de D2

no vocal. Com “Dor de verdade”, Marcelo ganhou como Melhor Clipe do

Ano.

Nessa mesma época, o chamado emocore vivia ali o seu melhor momento.

Apesar de ser apenas uma premiação de videoclipes, o VMB ainda era um

importante termômetro de popularidade. Com a banda toda ou por meio de

integrantes, NX Zero, Fresno, Strike, Hateen e CPM 22 ganharam metade dos

prêmios. Pitty foi novamente a vocalista do ano e faturou o troféu de Melhor

Videoclipe com “Na sua estante”.

Rico e consolidado, Marcelo reencontrou um velho amigo que tentava se

reinventar depois de ser demitido do Planet Hemp. E resolveu ajudá-lo a

gravar um disco.

CAPÍTULO 51

DESABAFO

Quando foi dispensado do Planet Hemp, após a gravação do álbum A invasão

do sagaz Homem Fumaça, Jackson foi para São Paulo e, depois, voltou para

a sua querida Porto Alegre. Tentando se reinventar, o guitarrista começou a

buscar espaço como MC, começando uma carreira solo bem interessante.

Puxando os fios da memória, Jackson lembrou daquela época: “Uma

gravação importante foi uma demo para um selo do Rapsoulfunk, do Primo

Preto [473]. Nessa época, gravei com Sabotage, SP Funk, Z’África Brasil e

Trilha Sonora do Gueto. Só que o engenheiro de gravação perdeu todas as

minhas músicas no HD e fiquei só com os áudios da demo. Só sei que isso

caiu na mão de alguém que finalizou e colocou no YouTube. Não fui eu, mas

ficou irado! Outra foda dessa época é ‘Gíria criminal [474]’, do Sabotage, com

o Cascão, o Funk Buia e eu”.

Mas outra música marcou mais profundamente a carreira de Jackson:

“Um dia, eu estava na casa do Gustavo Munhoz, que é um dos compositoresde ‘Motel’ – junto com Nitro Di (do Da Guedes [475]) –, e ele disse que tinhaachado uma gravação antiga nossa. Quando ele tocou o som foi incrível. Namesma hora eu tive um insight e o refrão veio na minha cabeça: ‘Contigoqueria ir pro motel // te beijar todinha até entrar no céu // vi você dançandotirei meu chapéu’. Aí, ele completou brincando: ‘Essa noite é nossa’.Demorou. Eu gravei esse refrão e esqueci.

Passou quase um ano, quando tive a proposta do Baze [Da Guedes], que

Passou quase um ano, quando tive a proposta do Baze [Da Guedes], queestava fazendo uma coletânea da Orbeat, chamada Operação contágio[2005] [476]. Eu escolhi as músicas ‘O som do diamante’ e ‘Motel’. Masquando mostrei ‘Motel’ para os caras do Da Guedes, só tinha a base e orefrão, não tinha as rimas ainda. Eu fiz a rima na hora de gravar.

Gravei e foi um sucesso. ‘Motel’ começou a tocar aos sábados no Caldeirãodo Huck, na TV Globo. Abria e fechava o programa com ela. Então oLuciano Huck lançou uma coletânea, Hip Hop Huck [2007], e colocou‘Motel’. E, depois, teve a surpresa com o [cantor] Thiaguinho [477]. Como‘Motel’ é editada pela Warner, não precisa ter uma liberação do autor. Sóque também não me avisaram. Eu estava em Porto Alegre, na casa da minhamãe, quando um amigo que estava no show de gravação do DVD me ligouna hora: ‘Mano, o Thiaguinho está gravando a sua música!’.

Fui o primeiro artista de rap regravado por um artista de outro gênero, nessecaso, por um artista popular, do samba. Foi muito bom, mas não ganheimuita grana. No final de ‘Motel’, eu faço uma citação pro Jorge Ben: procéu, pro céu [478]. Ele pediu 50% dos direitos da música pra liberar. Então,50% ficaram pro Jorge Ben, eu fiquei com 30% e dei 20% pro Bira Mattos(que não escreveu, mas fez o refrão), pro Nitro Di [do Da Guedes] e proGustavo Munhoz, os dois compositores que fizeram a base. A arrecadaçãotrimestral com as minhas participações no Planet e outras músicas, como‘Motel’, dá uma graninha, mas varia muito”.

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Marcelo gostava muito do parceiro das antigas, que estava procurando um

lugar ao sol, e resolveu dar uma força. Tudo começou no camarim do festival

Planeta Atlântida, em janeiro de 2005. Na época, os dois Marcelos queriam

começar um selo e cada um escolheu um artista diferente. Lobatto apostava

na banda Luxúria e D2 no amigo Jackson:

“Quando rolou de gravar o meu disco, com produção executiva do MarceloD2, foi muito foda. Ele próprio participou, além de vários músicos eprodutores que tocavam com ele. Ele bancou pra gente gravar no estúdioAR. Ele numa sala, eu em outra e o Ed Motta numa outra. Eu entrava pragravar das oito da manhã às duas da tarde, e ele das duas da tarde em diante.O Marcelo usou uma parte da grana da gravadora e outra ele colocou dobolso dele.

Então aconteceu uma desavença, porque a ideia era os dois racharem oscustos dos dois artistas, mas o D2 não aceitou e cada um investiu no artistaque queria. O Lobatto ficou puto, rolou uma crise séria entre os dois. OMarcelo teve que vender a casa que ele construiu. Aí foi passando o tempo enão houve qualquer esforço do Lobatto pelo meu disco.

Enquanto o meu disco estava parado, o Seu Jorge me convidou para fazer oprojeto Black Rock, com o Pretinho da Serrinha, na bateria; eu, na guitarra;e ele, no baixo e cantando. Fizemos seis ensaios em São Paulo e algumasmúsicas. E já tinha rolado um problema com o Lobatto, porque o Pretinhotambém era músico do Marcelo e, certa vez, os dois queriam ele para umshow na mesma data. Como ele também era compositor na banda nova,optou por ficar com o Jorge.

Um dia, descobriram que eu estava lá na casa do Jorge, e o Lobattotelefonou pro telefone dele, que me passou a ligação. O Lobatto me disseque o Faustão tinha feito uma proposta para gravar num bloco chamadoPistolão, no qual eu seria apresentado como uma aposta do D2. Na época, oJorge estava com a Mariana e disseram que eu precisava escolher um lado.Optei pelo meu trabalho autoral. No final, um mês depois, quem eles

levaram no Domingão do Faustão? O Leandro Sapucahy. Perdi o trampo e,ainda por cima, não fiz o programa”.

Batizado de Do carvão ao diamante, o álbum ficou seis anos na gaveta,

até que, trocando o N pelo M, Jacksom colocou o disco de graça na internet.

A banda Luxúria lançou o seu primeiro disco homônimo pela Sony, em 2006,

e desapareceu antes de lançar o segundo.

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Melhor sorte teve Marcelo. Depois de ser um artista da Sony por mais de

dez anos, o seu contrato acabou e ele assinou com a EMI. Trocou uma grande

gravadora por outra. Em junho, na véspera de um show em Portugal, a

imprensa noticiou a novidade.

De casa nova, D2 convidou um monte de gente para fazer barulhooo no

seu quarto (ou quinto, se considerado o acústico) disco solo, A arte do

barulho: Marcos Valle, Seu Jorge, Aori, Fernandinho Beat Box, Roberta Sá,

Thalma de Freitas, Mariana Aydar e mais uma vez o filho Stephan, então

com dezessete anos.

Pitty gravou, mas a Deck Disc não liberou “Feriado” a tempo. A porta-voz

da gravadora explicou “que uma música dela com D2 solta nas rádios, por

exemplo, ofuscaria uma possível canção solo de Pitty lançada

posteriormente [479]”.

Gestado por quatro meses e gravado em quarenta e cinco dias, o novo

álbum foi produzido novamente por Mario Caldato, com o auxílio luxuoso do

DJ Nuts. A gravação teve momentos itinerantes, para conseguir colocar em

prática todas as participações: em estúdios, praias, fazendas, apartamentos...

Para gravar o piano de Marcos Valle, por exemplo, Nuts levou o seu

computador até a casa dele. Foi e fez.

A arte do barulho encerra a trilogia de rap com samba, mas repete a

mesma fórmula vencedora, com um punhado de bambas cantando sobre

bases à pampa. Bases de DJs do naipe de Marechal, Primo, Cia, Renato

Venom e Nave. A maconha se fez presente em “Pode acreditar”: “Dois

moleques ali sentados // tramando contra o mundo e fumando um baseado

(...) imagina só o fim da repressão // você falar de maconha e de liberdade de

expressão”.

Vale a pena contar a breve história do primeiro single, “Desabafo”, com

sampler da voz da cantora Claudia em “Deixa eu dizer”, canção de protesto

composta por Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza e gravada por ela no

disco de mesmo nome, lançado em 1973, pela Odeon.

Nas lembranças do Jackson, a canção tinha sido composta por Vinicius

Nave e deveria ter entrado no disco anterior, Meu samba é assim. Um dia, ele

estava na rua com o D2 e começou a cantar “Deixa, deixa, deixa eu dizer o

que penso desta vida // preciso demais desabafar”. Era véspera do Marcelo ir

pra Nova York mixar com o Caldato, mas ele ficou amarradão e ligou para o

autor. Vinicius havia dado a música para o MC Marechal, mas, claro, tinha

todo o interesse em colocar no disco do Marcelo, e mandou a sua versão por

e-mail. “Desabafo” saiu como segunda faixa do CD e Nave levou o crédito

de produtor e compositor.

O videoclipe foi gravado no bar do hotel Cambridge, no centro de São

Paulo, com participação de Xis, Fernandinho Beat Box, DJ Nuts, Jackson,

noventa figurantes e direção (mais uma vez) de Johnny Araújo. Em time que

está ganhando, não se mexe.

Convidado para tocar na festa do VMB 2008, D2 montou um palco

elegante, com DJ, bateria, contrabaixo acústico e cuíca. Entrou de chapéu-

panamá, óculos escuros, gravata e colete para cantar “Desabafo”. Terminou

com uma baforada em cima do palco, na frente de todo mundo. Não ganhou

com o clipe, mas foi eleito o vocalista do ano, após três anos de Pitty. À

frente da Banda dos Sonhos, tocou com Bi Ribeiro e João Barone, dos

Paralamas, e o guitarrista Chimbinha (Calypso). Em 2009, “Desabafo” foi

indicada ao Grammy Latino como Melhor Canção Urbana.

Ainda no fim de 2008, D2 participou do programa Altas horas, de

Serginho Groisman, tocando as músicas novas, e fez uma aparição no

Casseta & Planeta, também da TV Globo. A turnê de divulgação começou

em março de 2009, no bar Opinião, em Porto Alegre. Em maio, tocando para

uma plateia de brasileiros residentes na terra do canguru, Marcelo tornou-se o

primeiro rapper brasileiro a fazer show na cidade mais populosa da Austrália.

Ele tinha motivos de sobra para dar pulos de alegria.

Enquanto o Planet Hemp hibernava, Marcelo D2 seguia uma carreira de

sucesso. Foi então que duas mortes, uma antiga e uma nova, mudaram para

sempre a sua vida.

CAPÍTULO 52

SPEED

Se o Marcelo D2 falou, tá falado: “Speed foi o único dos cinco que não foi

oficialmente do Planet. Mas ele era tão da banda quanto qualquer um”.

Quando o Planet Hemp engrenou, ele ficou sem função e mudou-se para São

Paulo. Nos oito anos na vida paulistana, separou-se do Black Alien, afastou-

se da família – inclusive da filha –, e lançou um CD solo, Speed Expresso.

Rodrigo Brandão esteve com os dois (Speed e Black) quando eles foram

entrevistados no programa do João Gordo, na MTV: “A Estela estava pra

nascer e o Speed falou da Helô na entrevista, porque ele estava apaixonado

por São Paulo e pela Helô. Eu sentia uma dicotomia foda nele. Ele queria

estar perto da filha, mas, ao mesmo tempo, a vida dele era em SP”.

E a última vez que o Rodrigo encontrou com o Speed foi justamente nos

arredores da MTV, na padaria Real: “O Scotty Hard estava junto [comigo].

Ele estava produzindo o disco Velha Guarda 22, do Mamelo Sound System,

e pirou no Speed. Imagina só: o Speed tinha passado só pra pegar um disco

com as bases e acabou ficando com a gente até duas da manhã [risos]. Acho

que foi a última vez que a gente se viu. Como a parada não virou, ele voltou

pra Niterói”.

Zé Gonzales sempre encontrava o amigo, que estava feliz: “Eu ia sempre

na casa dele, na Vila Mariana, quando ele estava com a Helô. Quando

desestruturou é que a coisa devia ter desandado”.

Em 2008, Cláudio Márcio de Souza Santos [480] voltou para Niterói com

problemas psicológicos e iniciou um tratamento. Nessa época, Black foi na

casa dele para ouvir o disco Meu nome é velocidade [481]: “Achei foda. Ele

ainda tinha vinte músicas sobrando”. Brandão também enxergava genialidade

nas músicas novas: “É incrível como ele usa a voz dele conversando com ele

mesmo”.

Na noite do dia 25 de março de 2010, Speed saiu da casa da mãe (com

quem estava morando), no bairro de Tenente Jardim, e foi para a praça da

Cantareira, point na Zona Sul de Nikiti City, que bombava às quintas-feiras.

O rapper de trinta e sete anos chegou lá e encontrou um amigo, o MC Tigrão,

de quem se despediu às duas da manhã da sexta-feira. Horas depois, o seu

corpo foi encontrado próximo a uma favela, com várias marcas de tiro.

Amigo de Cláudio desde a escola, coube ao Gilber T a tarefa de comunicar

ao Black Alien, que estava em casa: “Eu dei graças a Deus que não

estávamos brigados. A gente já saiu na porrada várias vezes. Em público,

umas cinco. Até em cima do palco. Mas é tipo coisa de irlandês, sai na

porrada e toma umas depois. A gente ficou sem se falar por causa de ego”.

Gustavo compareceu ao velório, assim como Gilber, BNegão, André

Amaral, Joubert e Marcos Castro, que começou a sua carreira de DJ com o

Speed. O programa Balanço geral acompanhou o enterro do músico no único

registro audiovisual disponível na internet. A polícia trabalhava com a

hipótese de Speed ter sido confundido com um policial do Core ou do Bope,

por estar de jeans, camiseta preta e botina.

Na música “O império contra-ataca”, a primeira de Jackson como MC, foi

Speed quem o apresentou: “Jackson, moleque sangue bom // começo a rimar

com todo respeito...”. Amigos desde a época do Planet Hemp, quando Speed

foi pra São Paulo os dois ficaram ainda mais próximos: “Eu já era fã do

Speed, do Edu K e do Marcelo. Eles eram os meus heróis. Quando ele morreu

a gente ia fazer um show do D2 solo, em Brasília. Esse dia foi triste pra

caralho, chorei muito”.

Camila lembrou que D2 não pôde ir ao enterro, mas ficou arrasado: “O

Marcelo ficou péssimo. A primeira pessoa em que ele pensou foi o Gustavo,

como ele estaria com a notícia. Cada parceiro dele [D2] que parte o deixa

arrasado. Ele é avesso a hospitais, velórios e enterros, não lida bem com

isso”.

Nove meses depois de perder o irmão, Lia Santos viu a mãe partir atrás do

Claudinho: “Ela tinha uma doença congênita no coração, que chamam de

coração grande, e a dor de perder o filho não foi suportável. Foi um estopim.

Um dia ela me falou, lá em casa, que não tinha mais motivo pra viver”.

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O Planet Hemp, por sua vez, tinha mil motivos para reviver. A partir de

uma campanha liderada por Tico Santa Cruz para que a hashtag

#PlanetHemp figurasse entre os itens mais comentados do dia no Twitter,

muita gente começou a pedir a volta do grupo. E os ex-integrantes

começaram a trocar mensagens e a postar sobre essa possibilidade.

Na rede social de cento e quarenta caracteres, D2 listou algumas

exigências para o retorno: “Uma tonelada de Smoking Prata”, “300 mil latas

de cerveja” e “Estoque sortido de diversas variedades de cannabis

sativa [482]”. O autor de “Quem tem seda?” também marcou mais um gol, ao

lançar uma seda com o seu nome em parceria com a fabricante A Leda [483].

Enquanto a plantinha do planetinha não renascia, D2 continuava

trabalhando sua carreira internacional. Depois de ir pela quarta vez no ano

para a Europa, onde tocou num festival de rap, com Eminem e Jay-Z, ele

tinha quatro shows na Inglaterra e um em Paris marcados para agosto. O ex-

camelô já havia tocado em vinte e quatro países diferentes. E pensar que, no

início do Planet Hemp, conseguir tocar em São Paulo já era o máximo dos

máximos.

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Mais ou menos um ano e meio depois de lançar A arte do barulho, a EMI

cobrou um disco novo. Um dia, num jantar, Leandro Sapucahy perguntou

para o Marcelo sobre a antiga ideia de gravar um disco tributo ao Bezerra,

surgida no velório, cinco anos antes. O MC topou na hora e convidou

Leandro para produzir. Em sua homenagem, nasceu Marcelo D2 canta:

Bezerra da Silva (EMI, 2010), quinze faixas com clássicos imortalizados na

voz do embaixador das favelas. No disco mais fácil dos últimos anos, D2 e o

time de dezenove músicos gravaram vinte e duas faixas em apenas dois dias.

Marcelo sempre declarou publicamente a influência do sambista na sua

vida. Cresceu ouvindo os discos do Bezerra, que giravam na vitrola durante

os encontros sociais na infância e na adolescência. Já adulto, teve a

oportunidade de conhecê-lo pessoalmente e viraram amigos.

Para fechar o disco-tributo, D2 gravou uma carta fictícia, “Caro Amigo

Bezerra”: “A saudade tem apertado tanto meu peito // que resolvi reunir

velhos amigos nossos // pra relembrar um pouco da sua obra (...) um ídolo,

um grande amigo // que foi influência e inspiração”. Bezerra costumava

colocar a mão no seu ombro para falar baixinho e calmamente. No estúdio,

D2 chorou várias vezes durante a gravação: “Parecia que as músicas dele

eram minhas [484]”.

Quando os dois se conheceram, por volta de 1993/1994, Marcelo viu no

coroa um segundo pai. Quando o Dark faleceu, o Bezerra ligou pro Marcelo e

o convidou pra comer feijão-branco com dobradinha que a esposa, Regina, ia

fazer especialmente para ele [485].

O sambista fez um show com o Planet Hemp em 1997 e convidou D2 para

gravar a música “Garrafada do Norte (Erva proibida) [486]”. Num dueto

genial, Bezerra diz que “o negócio é o seguinte: se Leonardo dá vinte // por

que que o Marcelo não pode dá dois?”. Na resposta, D2 alterou uma frase da

letra original. Em vez de “então me explique doutor”, trocou por “o Planet

Hemp quer saber // por que essa erva é proibida?”. Em 2007, no show de

gravação do CD e DVD Tributo a Bezerra da Silva (Som Livre, 2008), na

Fundição Progresso, D2 participou cantando “A semente”, com João Gordo.

É a penúltima faixa do disco.

A adoração do Marcelo pelo velho malandro era tão grande, que fez a capa

parecida com a do LP Eu não sou santo, lançado por Bezerra em 1990. Esse

foi o primeiro disco que D2 comprou com o seu próprio dinheiro: na capa,

uma foto do artista como o Cristo, descalço, na cruz, com duas armas na mão

e a favela ao fundo. A paródia não passou impune: a nova versão da capa

rendeu um processo judicial.

O show de lançamento do seu sexto disco aconteceu um mês e meio

depois do álbum chegar às lojas. Sábado, 20 de novembro, no Circo Voador,

na Lapa. Tocando em casa e inspirado pelo mestre, D2 e banda subiram ao

palco com figurino vermelho, branco e preto, num cenário repleto de velas,

imagens de santos e uma cruz no alto do palco, que mudava a luz de acordo

com o clima da música.

O produtor do CD, Leandro Sapucahy, se juntou ao grupo como

percussionista. Nesse ambiente da malandragem carioca, Marcelo (com uma

camiseta do Bad Brains) revelou a sua intimidade com a obra de Bezerra e

prestou a homenagem ao seu mentor. De afilhado para padrinho, cumpriu

uma promessa que havia feito a si mesmo [487].

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A devoção de Marcelo D2 virou tatuagem, com o rosto de Bezerra

eternizado no antebraço esquerdo do rapper. Quando ele foi fotografado para

a capa do álbum tributo, é claro que a tattoo tinha que aparecer. Porém, ela

foi alvo de um processo por parte da viúva do sambista. No início, a família

pediu direitos autorais relativos à venda do disco, que teria sido lançado sem

autorização e, segundo o advogado, teria vendido dois milhões de cópias. A

EMI Music alegou que o artista não era o compositor de nenhuma música e

reduziu a indenização de quatrocentos e trinta mil reais para trinta mil reais,

apenas por utilização indevida de imagem (a tatuagem no braço). A

gravadora foi condenada pela 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Rio [488].

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Não é necessário ter uma banda para entender como é difícil trabalhar com

o consenso. Ter que convencer, votar, abdicar, ganhar, perder, ser

contrariado. Quando o Planet Hemp acabou, Marcelo ficou livre, leve e solto

para fazer apenas o que tivesse vontade. Inclusive, uma carreira internacional.

No ano de 2010, ele foi a Europa quatro vezes.

Na primeira, numa turnê por Portugal e Espanha, fez o seu último show na

Ilha da Madeira, quando um vulcão entrou em erupção na Islândia, fechando

todos os aeroportos. Ele ficou preso e teve que cancelar um show no Paraná.

Da segunda vez, ele fez Portugal, Suíça e França, tocando em Paris, no dia da

final da Copa do Mundo de Futebol na África do Sul.

Dois meses depois, a crew fez um show na Inglaterra e outro na Irlanda.

Mais dois meses, Argentina e Uruguai. No meio dessa turnê sul-americana,

D2 foi até São Paulo para abrir pro Eminem. Marcelo fez um show de meia

hora, no dia do seu aniversário de quarenta e três anos, com direito a bolo no

palco e os músicos cantando parabéns.

Encerrou o ano tocando no réveillon, em São João de Meriti, na Baixada

Fluminense, fazendo o primeiro show do evento, às nove da noite, a tempo de

sambar fora dali.

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Um belo dia, um repórter do portal G1 de São Paulo telefonou para

Marcelo D2. A entrevista e a matéria foram sobre o disco em homenagem ao

Bezerra da Silva. Porém, no último parágrafo, ele desabafou: “Pensei várias

vezes em voltar com o Planet Hemp, mas acho difícil. Eu não gosto de banda

velha que volta, é um bagulho meio babaca. O que a gente tinha que falar,

falou naquela época [489]”. Um mês depois, o Planet fez um show surpresa

numa noite inesquecível.

Carlos Rasta, D2, Black Alien e Speed (abraçados), na Dr. Smith em 1993. A pessoa à frente não foiidentificada. Acervo pessoal de Elza Cohen.

CAPÍTULO 53

DUAS VOLTAS PONTUAIS

Um dia, Marcelo D2 recebeu um telefonema importante. Do outro lado da

linha, a pessoa sugeriu a ele fazer a volta do Planet Hemp numa festa no Rio

de Janeiro, em comemoração aos 20 anos da MTV no Brasil. Como a

emissora sempre gostou e apoiou o PH, o convite seria natural. Porém, ao

contrário de todos os convidados [490], que cantariam acompanhados de uma

banda-base, o Planet seria a atração principal, tocando com os seus

integrantes originais. O vocalista aceitou, mas com uma condição: “Eu topo,

mas não vou ligar pra ninguém”.

Segundo Marcelo, “foi ela [produtora] quem ligou e todo mundo

concordou. Aí, fomos para uma reunião no Baixo Gávea, nós quatro. O

Bernardo não foi. Começamos bem de novo [risos]. Mas ficamos animados,

ensaiamos, foi o último suspiro da MTV Brasil”.

O Planet não tocava junto desde o festival Mada 2005, quando fizeram um

show surpresa. Mas surpresa mesmo teve o Kleber França, técnico de P.A. da

banda. Ele morava em Cabo Frio e estava na rua quando recebeu uma

mensagem da Nextel: “Você quer ir ao show do Planet Hemp dia 20 de

outubro, no Pier Mauá?”. Ele não entendeu nada. Pouco depois, a Na Moral

enviou uma mensagem, explicando que havia fechado um show exclusivo.

Kleber foi correndo para casa contar a boa-nova para a esposa.

Como não rolava cachê, Black Alien não participou. Segundo o Rafael, a

Alexandra Briganti pediu a ele pra convencer o Ber a tocar, porque ele não

queria. No fim das contas, BNegão aceitou. O primeiro a entrar no palco foi o

D2, que só de sacanagem apresentou Pedrinho (então tocando no Rockz)

como Bacalhau. Rafael estava cabeludão e o DJ Zé Gonzales fez ali o seu

último show com o Planet Hemp. Diante de cinco mil pessoas, a banda abriu

com “Legalize já” e começou a bagunça. D2 estava radiante: “Parecia minha

festa de quinze anos”.

Na sequência, o Planet mandou “Dig Dig Dig” e “Stab”. O combinado era

tocarem três músicas. Mas sabe como são eles... Emendaram o hardcore de

“Seus amigos” e anunciaram a última, “Mantenha o respeito”. Mas sabe

como é o Marcelo... Ele sinalizou para Zegon, que soltou a base de

“Queimando tudo”, para alegria geral da nação. Seis músicas, mas o

suficiente para injetar uma dose de ânimo no grupo. As três últimas

transmitidas apenas on-line pelo site da emissora [491].

Ao fim do show, Kleber desligou a mesa de som e ficou observando os

músicos visivelmente emocionados no palco. Encerrou os trabalhos e foi

cumprimentá-los: “Eles estavam muito felizes no camarim, todos abraçados.

Talvez esse show tenha sido o embrião para a volta”. Após esse evento, os

fãs do Planet Hemp se encheram novamente de esperança. Todos fazendo a

mesma pergunta: estaria a ex-quadrilha da fumaça de volta na praça?

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Marcelo ficou animado com um possível retorno da sua banda de origem.

Quando o Carnaval de 2011 chegou, ele promoveu duas noites de baile no

Circo Voador. Tendo como base o repertório do disco em homenagem ao

Bezerra da Silva, entre convidados do samba e do rap [492], a atração principal

foi o Planet Hemp. De cabelos brancos, tropeçaram em algumas partes das

letras, mas nada disso importava. E sim vê-los novamente jogando em casa e

no mesmo time.

O Planet havia feito um show no ano anterior e participado do show solo

do Marcelo, o que dava esperanças de um retorno da banda. Mas enquanto

isso não acontecia, Lobatto tocou o barco. Alugou por um mês uma casa de

quatro andares, com quatro quartos e dois jardins, no bairro de West Village,

em Nova York [493]. Para a missão de verão, o empresário viajou com Pitty e

Marcelo D2, e eles recebiam as pessoas na brownstone para trocar uma ideia

na moral. No dia 24 de julho, os dois vocalistas se apresentaram no Summer

Stage, no Central Park.

No fim de setembro, D2 se apresentou no Rock in Rio, e cantou “Eu já

sabia”, com o filho Stephan. Marcelo arriscou até uns passos de break dance.

O ano virou e o MC começou bem acompanhado, gravando o Luau MTV na

praia, cantando novamente com o primogênito [494].

O maior problema do Marcelo em 2011 não foi a banda, o empresário, a

polícia ou a carreira solo, e sim, o casamento. Ficaram um ano separados, até

reatarem. Um episódio que a Camila explica com bom humor: “Planet Hemp,

né? Nunca casamos de papel passado, mas estamos juntos há dezoito anos,

com um aninho separados no meio disso”.

Ano novo, vira o disco e bola pra frente. No fim de maio de 2012, o selo

Coqueiro Verde lançou o segundo disco solo de BNegão e os Seletores de

Frequência, Sintoniza lá, cujo primeiro single e clipe de trabalho foi

“Alteração (ÉA!)”. O DJ Zé Gonzales começou o Tropkillaz com o produtor

André Laudz e os dois tocaram na Sibéria, antes até de fazer show no Brasil.

Até o Marcelo gravou uma música inédita, “Eu já sabia”, produzida por

Mario Caldato, para o seu próximo disco solo, que sequer tinha nome. Como

ele havia gravado “Malandragem às avessas” para o disco Dia após dia

lutando (2010), da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, D2 retribuiu a

gentileza convidando o vocalista Helio Bentes para cantar com ele. A música

virou clipe e teve a participação do Stephan.

Tudo levava a crer que o Planet Hemp não se reuniria novamente tão cedo.

Até que, mais uma vez, o telefone tocou.

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Desde a sua inauguração, em outubro de 1982, na Praia do Arpoador, até a

mudança para a Lapa, mais de três mil e quinhentos artistas já haviam tocado

sob a lona. Depois que foi fechado pelo prefeito César Maia, o Circo Voador

ficou inativo até ser reconstruído no mesmo local, com investimento de

quatro milhões de reais da própria prefeitura. Foi realizado um concurso de

projetos e a tenda antiga foi substituída por uma de PVC prateada. Também

foram adquiridos novos equipamentos de som e luz, tudo para melhorar a

acústica e não incomodar a vizinhança. Reaberto em 22 de julho de 2004,

com capacidade para duas mil e quinhentas pessoas, o Circo voou

novamente.

Funcionário antigo do Circo, Alexandre Rossi, o Rolinha, fez uma

ponderação interessante: “O Circo estava bem fodido, bem decrépito, e foi

largado nas nossas mãos, então isso dava liberdade pra fazermos as maiores

porra-louquices. A gente reverberava o caos que as bandas promoviam na

época. Aquela coisa de todo mundo pulando no palco ao mesmo tempo era o

símbolo daquela geração. Todo mundo vivia como se não houvesse amanhã,

porque acreditávamos que não havia mesmo [risos]. Pode parecer romântico,

mas ninguém era pago, artistas maiores não queriam tocar lá. A melhor coisa

que aconteceu foi o Circo ter fechado, senão não haveria Circo hoje”.

No Circo reaberto, o cenário era outro, de acordo com o Rolinha: “Tudo

muito mais comportado, menos rock’n’roll, e poucas bandas mantinham esse

espírito caótico do Planet. Tudo era mais Los Hermanos. O público era outro.

Se hoje podemos trazer bandas gringas de médio e pequeno porte, é porque

temos essa estrutura. A verdade é que quem trampa no Circo desde daquela

época tem um pouco de medo de voltar a ser tão largado novamente, pois

agora conseguimos pagar todo mundo que trabalha e podemos viver disso.

Mas faz falta ter uma casa onde os porras-loucas se sintam representados.

Queria que o Circo investisse em uma casa menor, só pra poder ter isso de

novo”.

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Fundadora e diretora do Circo Voador, Maria Juçá foi quem mais brigou

pela reabertura do espaço. Fã e amiga desde o início da banda, ela sabia que

show do Planet Hemp na lona era sinal de dor de cabeça na certa: “O D2 era

aquele fraco abusado, que sempre escolhia uma treta com os piores. O alvo

preferido dele era a segurança. Tive que atravessar vários infernos para

protegê-lo dos seguranças do Circo, que ameaçavam arrancar a cabeça dele.

Já o Bê, o Black Alien, o Bacalhau, o Rafael, o Pedrinho e o Formigão eram

mais descolados e se viravam sozinhos. Mas não sei por que cargas d’água eu

sempre estava por perto das merdas do D2”.

Pensando na banda, Juçá revelou uma preferência: “Eu tinha uma queda

especial pelo Black Alien. Era muito bonito, e continua. Interessante,

criativo. Por conta desse meu interesse extranormal por ele, por várias vezes

tive os meus ouvidos desatarraxados de tanto ouvir rimas em português e

inglês, durante horas desenfreadas, pela sua interminável capacidade criativa.

Com o Speed tive pouco contato. Não sei bem por quê, mas eu sentia que ele

era meio arredio, e então não me aproximava”.

Em 2012, o Circo Voador completou trinta anos, e Juçá programou um

ano inteiro de shows comemorativos. A ideia dela era que os artistas

tocassem novamente um disco emblemático ou repetissem um show

importante realizado na casa. A lista estava muito bacana: O Rappa tocando

Lado B Lado A (1999), a Plebe Rude fazendo um show do LP O concreto já

rachou (1986), Ratos de Porão e Garotos Podres relembrando o show de

novembro de 1996, que ocasionou o fechamento etc.

Numa retrospectiva linda dessas, ainda faltava um nome. Juçá passou a

mão no telefone e convidou o Planet Hemp para abrir uma exceção e tocar.

Marcelo ficou animado e anunciou o show surpresa numa rede social,

postando uma foto dos quatro integrantes originais, sem o BNegão.

Entretanto, D2 fez o convite, mas o antigo parceiro respondeu que isso

atrapalharia a sua carreira. Bernardo confirmou que “realmente tinha falado

‘não’ antes, porque estou superfeliz com meu disco novo, mas conversei com

a galera da banda e resolvi participar [495]”.

Um mês antes da tão aguardada reunião, Marcelo contou que a banda

nunca brigou a ponto de alguém sair para sempre: “Discussões eram normais.

Claro que já tomei decisões que não agradaram muito a todo mundo. Prefiro

que tenha gente me xingando porque [a banda] acabou do que ter vergonha

de ter estragado o projeto que idealizei com o Skunk. Mas não sabemos o dia

de amanhã. Por isso, não afirmo que nunca mais vou fazer um disco novo

com o Planet. Pode ser que daqui a três anos eu esteja em estúdio com eles,

planejando uma turnê [496]”.

Quem também estava animado era o guitarrista Rafael. Numa entrevista,

vinte dias antes do show, disse que sentia muito prazer em tocar com os

amigos, que havia uma química muito boa entre eles. Explicou que antes da

prisão havia uma expectativa desagradável em cada show, e que os músicos

absorviam esse estresse e descontavam uns nos outros. Quinze anos depois,

as coisas estavam diferentes: “Quando você está ali, de novo, com as mesmas

pessoas, você começa a lembrar de certas coisas, vê como aprendeu a lidar

com situações que antes eram muito complicadas e hoje você encara como

algo normal, natural. Acho que isso acabou dando mais ânimo pra gente

voltar a tocar, todos estão mais tranquilos e relaxados [497]”.

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Anunciado para o dia 28 de setembro, os dois mil e duzentos ingressos do

show no Circo Voador se esgotaram em apenas uma hora [498]. E, se quem faz

um, faz dois, o Planet fechou mais uma data no dia seguinte, dentro do

projeto Pepsi on Stage, no bar Opinião, em Porto Alegre. Havia interesse,

havia demanda reprimida, havia uma porção de gente torcendo que a banda

voltasse de vez. Eles também. Tanto que, para essa ocasião especial, a banda

fez cinco ensaios. Um recorde!

Na grande noite, absurdamente lotada, o Planet dividiu o show em três

atos, um para cada disco de estúdio, com mais de vinte e cinco músicas no

total. No primeiro set, dedicado ao Usuário, abriu com o hino “Legalize já’.

A partir da primeira música, o público e a banda já eram unha e carne.

Emocionado, o vocalista se mostrou feliz por tocar novamente com os

amigos. Ao apontar para o Pedrinho, lembrou do primeiro baterista,

Bacalhau, dando a entender que ele não tocou porque não quis. Quando o

Marcelo anunciou que o seu novo CD se chamaria Nada pode me parar, foi

acusado de plágio pela banda do Baca, que lançara um disco chamado Nada

pode parar os Autoramas (Monstro Discos, 2003).

No segundo bloco, com faixas de Os cães ladram mas a caravana não

pára, os fãs cantaram a plenos pulmões “Zerovinteum” e “Hip Hop Rio”.

Como nos velhos tempos, muita roda de pogo (sobretudo em “Adoled” e

“100% hardcore”) e sucessivos stage dives, inclusive do próprio D2.

Na terceira parte, como o Black Alien não participou, o público cantou as

partes dele em “Contexto”. Na versão de “Samba makossa”, D2 citou o

falecido Speed e o amigo Gustavo. O show terminou com “Mantenha o

respeito”. Voltaram para o bis e, depois de tocar mais algumas, fecharam a

tampa.

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Por ocasião da volta do Planet Hemp aos palcos, o poeta Sady Bianchin

escreveu um poema, devidamente autorizado para publicação nesta biografia:

PLANET HEMP

O futuro revisitará o passadonas rodas de rap, de poesiacortando como faca afiadaa fatal linha da utopia.

Cantando para não ser presono Planet Hemp de nossas vidascom o circo pegando fogo na Lapasinuca de bico nas cadeias de intrigas.

Fumaça Rio abaixo, Rio acimaos olhares do alto irradiama liberdade está na próxima esquinaque os jornais do Brasil anunciam.

Pela coragem do proibidoa banda ganhou certidãovozes derrubando murosdos 500 anos de solidão.

É gente comendo o pãoque o diabo amassoucom a massa do trigomeu coração é desta tribo.

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Depois do show de aniversário do Circo Voador, a Sony lançou uma caixa

com os quatro CDs da banda, mais o EP Hemp New Year. Animado com o

retorno, Lobatto agendou uma turnê com onze shows do Planet Hemp,

terminando no festival Lollapalooza Brasil 2013. O frenesi com a volta da

banda foi tão grande, que os ingressos para o show de São Bernardo do

Campo (SP) se esgotaram tão rapidamente, que foi necessário fazer uma

apresentação extra no dia seguinte.

Único que não tinha montado um negócio ou lançado disco em carreira

solo, o baixista Formigão ficou bastante aliviado com o retorno: “Eu tinha

guardado um dinheirinho, que foi embora rápido. Quando eu estava na

penúria da penúria, na marca do pênalti, a banda voltou”.

A volta do Planet aos palcos também criou uma outra expectativa: a de um

novo disco de inéditas. Porém, antes de cair na estrada e entrar em estúdio, os

cinco integrantes precisavam lavar um pouco de roupa suja e colocar algumas

coisas em pratos limpos. Para isso, uma importante reunião foi marcada.

Set list do show do Planet Hemp, em dezembro de 2012, comemorando os 30 anos do Circo Voador.Acervo pessoal de Rodrigo Tonante.

CAPÍTULO 54

ADIVINHA, DOUTOR...

Para a volta do Planet Hemp havia uma condição inegociável. Apesar das

idas e vindas do Rafael e do BNegão, a partir daquele momento todos

ganhariam exatamente a mesma coisa. Detentor do nome e da marca da

banda, Marcelo D2 concordou: “Eu já estava rico. Mas não foi o dinheiro do

Planet que me deixou rico”.

O vocalista estava muito feliz em reunir novamente os parceiros,

começando por BNegão: “Não é como antes, mas a gente conversa por

mensagem”. Os dois tinham cortado relações. “Eu tinha sido imbecil e

ignorante de ficar dez anos sem falar com o BNegão. Pô, o cara é meu amigo,

meu camarada [499]”.

Bernardo deixou claro que o combinado era só tocar até o Lollapalooza,

sem gravar disco novo: “A galera está se dando bem, é do caralho tocar com

eles, mas temos nossos próprios projetos. Para a galera do Seletores de

Frequência essa parada foi meio penosa. A gente perdeu vários shows

importantes porque a data batia com os shows do Planet [500]”.

Infelizmente, D2 só não conseguiu convencer Black Alien: “O que eu sei é

que ele quis mais grana do que nós poderíamos dar. Tava todo mundo

ganhando igual e tiramos a proposta. Resolvemos chamar pra, sei lá, [tirar o]

peso na consciência e, porra... Ele não quis. Mas tá tudo certo. É o que mais

brigo e com quem eu mais falo. A gente sempre resolve na hora [501]”.

O DJ Zé Gonzales não foi convidado, mas levou na esportiva: “Nessa

volta, o Planet ficou muito maior do que o Marcelo de novo. Ele acertou

muito n’A Batida Perfeita e tal, mas depois não vingou. O Marcelo sempre

soube juntar bem as peças, quem ele tinha que ter ao lado dele. Ele tem bom

gosto, sabe o que é bom. E, se ele não sabe, ele sabe quem sabe. Eu saí do

Planet no comecinho de 2002, mas sempre tive contato com ele. Até com o

Lobatto eu falo, mesmo achando que puxaram o meu tapete”.

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Em outubro de 2012, o DJ Nato PK lançou o segundo volume da mixtape

Pau-de-dá-em-doido, com uma música em homenagem ao Speed, “O som é

assim (Funk Sinatra)”, com participação de BNegão e Rodrigo Brandão.

“Foi muito emocionante”, contou Brandão. “O Nato PK é um guerreiro do

rap de Santo André, eles são a resistência no ABC. Quando ele fez o

primeiro volume da coletânea, era alguém da posse encontrando com algum

artista de fora. No segundo, a ideia era um encontro de pessoas que nunca

tinham se encontrado antes, só a base era do Nato. Então, eu recebi um beat

de baixo marcante e nada mais. De tanto ouvir, eu comecei a achar a base a

cara do Speed, com a estética dele. Aí, já veio na cabeça a voz do Bernardo.

Gravamos ao vivo no estúdio e usamos colagens com vozes do Speed”.

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O retorno do Planet aos palcos fez a banda viajar bastante em novembro e

dezembro, pelo Sul, Sudeste e Nordeste. Claro que houve contratempos. O

show que aconteceria em Manaus, por exemplo, foi cancelado por uma

questão de logística, já que no dia seguinte a banda tocaria em Belo

Horizonte. A última apresentação no ano, que aconteceria em São Gonçalo

(RJ), passou para o município vizinho, Niterói. Com uma agenda reduzida,

priorizando o Planet, D2 fez o seu último show solo de 2012 em Caiobá, no

litoral paranaense.

Em carreira solo, Black Alien também teve um fim de ano animado, com a

chegada da cegonha. No dia 12 de novembro, nasceram, em Niterói, os seus

filhos gêmeos Antonio e Camillo Dourado Ribeiro Santos Cidade.

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O empresário Marcello Lobatto explicou que nunca teve contrato assinado

com o Planet Hemp nem com o Marcelo D2 em carreira solo: “Só tivemos

contrato na volta da banda, porque muita gente dizia para mim que a turnê

não chegaria até o fim. A vida inteira foi tudo de boca, acordo verbal”.

A negociação para o show da banda no festival Lollapalooza foi

primorosa: “A gente ainda não tinha tocado em São Paulo, só em Santo

André. Eu queria que, pela primeira vez, uma banda brasileira fechasse um

palco num festival internacional por aqui. Antes, o brasileiro era só aperitivo

para um monte de gringos desconhecidos. Então, coloquei como condição

que o Planet só tocaria se fechasse a noite. O Marcelo Frazão, que cuidava do

festival no Brasil, topou. Seria histórico, uma banda brasileira fechando e tal.

Quem não queria eram os produtores gringos. Aí, de um lado eu fiquei

positivando a venda e, do outro, ameacei fazer duas noites no Espaço das

Américas. Vendi muito bem, acho que o cachê foi em torno de trezentos e

cinquenta mil reais”.

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O ano novo começou bem, com show do Planet Hemp no festival Planeta

Atlântida, em Santa Catarina. Marcelo estava muito feliz e declarou na TV:

“Melhor que a volta da banda foi a gente voltar a ser amigo. Eu, mais do que

nunca, tenho certeza de que a banda não era sobre legalização da maconha,

era sobre liberdade de expressão [502]”. Porém, dias depois, mais um amigo da

banda faleceu.

Alexandre Chorão foi encontrado morto por overdose de cocaína às quatro

e meia da manhã, do dia 6 de março, na cozinha do seu apartamento, no

bairro de Pinheiros, em São Paulo. O exame necroscópico revelou 4,714

microgramas de cocaína por mililitro de sangue no corpo do vocalista do

Charlie Brown Jr. O último encontro em vida entre ele e D2 havia sido num

quarto de hotel, em Belo Horizonte, para fumar um baseado [503]. Em sua

página na rede social Facebook, Marcelo escreveu: “Apesar de toda ‘marra’,

o Chorão era um cara muito carinhoso. Lembro quando ele brigou com os

caras do Los Hermanos e todos estavam metendo o pau nele, fui visitá-lo na

casa dele, em Santos, pra saber como ele estava, e encontrei a mãe dele muito

feliz pelo apartamento que ele tinha acabado de comprar pra ela… Um cabra

brabo que, do jeito dele, cuidou da família… [504]”.

Em seu último show da turnê, no festival Lollapalooza, em São Paulo, o

Planet Hemp tocou no palco Butantã, por volta das sete e quinze da noite. O

show seguiu o mesmo formato, com três atos, um para cada disco de estúdio.

Um dos pontos altos foi em “Contexto”, com o público cantando junto em

alto e bom som. Marcelo dedicou “Samba makossa” ao falecido amigo.

Juntos, gravaram a música de Chico Science & Nação Zumbi no disco

acústico do CBJR. O público correspondeu, esvaziando somente no final,

próximo da apresentação do Pearl Jam, num palco longe dali. D2 também

falou de Chorão na entrevista depois do show, que foi gravado e transmitido

pelo canal Multishow.

A apresentação em São Paulo foi tão boa, que a banda foi convidada para

tocar no mesmo ano no Lollapalooza de Chicago. Para D2, em especial, a

turnê com sua banda serviu também para colocar pingos nos is: “Aprendi o

que é minha carreira solo e o que é o Planet Hemp, e foi incrível que setenta

ou oitenta por cento das pessoas nunca tinha visto o Planet Hemp. Quem tem

vinte e cinco anos hoje, há dez anos não podia ir num show, era

proibido [505]”.

Após a morte de Chorão, os integrantes do CBJR formaram uma nova

banda, A Banca, com Champignon, no vocal; Thiago Castanho e Marcão

Britto, nas guitarras; Bruno Graveto, na bateria; e Lena Papini, no baixo. A

primeira apresentação aconteceu no programa Altas horas, e contou com a

participação de D2 em “Samba makossa”. Um mês depois, o grupo caiu na

estrada com a turnê nacional Chorão eterno, cuja renda foi revertida para o

skatepark do vocalista, num terreno alugado em Santos, que era mantido por

ele com recursos próprios. A Banca chegou a lançar um single inédito, “O

novo passo”, e tinha shows marcados até outubro, quando encerraria a tour

num show tributo no Espaço das Américas, em São Paulo.

Quem também passou por poucas e boas foi a roqueira Pitty. Quatro dias

depois de tocar com o Agridoce no Lollapalooza, ela foi internada de

madrugada, num hospital de São Paulo, após sentir dores fortes no abdômen.

Sua passagem pela UTI foi tensa e inspirou a letra da música “Sete vidas”.

Em maio, o amigo e ex-guitarrista da sua banda, Peu Souza, suicidou-se.

Como se não bastasse, o ex-baixista Joe Gomes a processou por direitos

trabalhistas, o que a deixou bastante magoada: “Pra mim, foi uma espécie de

morte, mesmo que simbólica [506]”.

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Após o Lollapalooza, Marcelo lançou mais um CD solo, Nada pode me

parar (EMI, 2013), que estava sendo gravado desde 2011, quando se separou

da esposa, Camila (mas depois reataram). Primeiro disco iniciado sem ter um

nome ou conceito definidos, e novamente produzido por Mario Caldato, o

sétimo álbum solo foi composto na estrada, durante as passagens de D2 por

Rio, São Paulo, Angola, Los Angeles, Nova York e Portugal. Muitas coisas

foram gravadas em quartos de hotel. O título foi inspirado na música

homônima da dupla Thaíde & DJ Hum: “Eu já caí, só que me levantei // eu

faço meu sistema, eu dito a minha lei // nada pode me parar”.

O álbum estava pronto desde 2012, e cada uma das quinze músicas ganhou

um videoclipe. Os clipes foram gravados paralelamente pela mesma diretora

(Gandja Monteiro), mas o lançamento foi adiado por conta da turnê com o

Planet Hemp. Apesar de cantar a sua carioquice em “A cara do povo” (“o

samba e rap tava aê, eu trouxe o tempero // embaixador do Rio cumpade //

cadê o isqueiro?”), o lançamento aconteceu em São Paulo, numa loja

temporária na Galeria Ouro Fino, que ficou aberta por cinco semanas. Lá, os

fãs podiam comprar bonés, camisetas, CDs, fones, buttons e copos com o seu

nome. Para o rapper, o novo álbum falava sobre o quanto o rap levantou a

sua autoestima e sobre a coragem de falar o que se pensa.

Apesar dos trabalhos solos dos dois vocalistas, no mesmo mês em que D2

lançou Nada pode me parar, o Planet Hemp fez um show só com as músicas

do Usuário, no Teatro da Rádio Mix FM, em São Paulo. Tudo levava a crer

que a banda tinha voltado para valer, e que agora nada iria parar o Planet

Hemp. Dali a um mês e meio o grupo arrumaria as malas para dois shows nos

Estados Unidos, quem sabe também retomando uma carreira internacional e

provando que não era jogo de cena pra inglês ver.

BNegão e Marcelo D2 no Lollapalooza 2013, em São Paulo. Foto: Bruno Eduardo.

Marcelo D2 no show do Planet Hemp no Lollapalooza 2013, em São Paulo. Foto: Bruno Eduardo.

CAPÍTULO 55

O RITMO E A RAIVA

O fantasma do Planet Hemp não queria largar o pé do quinteto, que resolveu

gravar um DVD. Ainda não era o tão aguardado disco de inéditas, mas

poderia ser um primeiro sinal de que a banda estava, de fato, de volta na

praça. A gravação de O ritmo e a raiva aconteceu em duas noites, no

Credicard Hall, em São Paulo. Em seguida, a banda e sua equipe técnica

voaram para Nova York.

Assim como fizera em São Paulo, a capital brasileira do rap, D2 montou,

no número 56 da Avenue C, a sua loja itinerante com CDs, vinis, papel de

seda, camisetas, tênis, fones, sandálias Havaianas e shapes da marca Drop

Dead, com a foto da capa do disco. Marcelo adorou a experiência,

relembrando os seus tempos de vendedor. Ele mesmo ficava atrás do balcão

atendendo aos clientes.

No sábado, o PH abriu oficialmente o Brasil Summerfest e, na quinta-

feira, o D2 fez uma festa no Nublu para lançar o seu disco. Morador de Nova

York, Seu Jorge compareceu para dar um abraço e cantar com o amigo. No

dia do show da banda no Central Park, Marcelo chamou o Formigão num

canto do saguão do hotel e deu a má notícia. A mãe do baixista havia

falecido. E ele estava há milhas e milhas de distância dela.

“A pior coisa que tem é você não lembrar do show”, afirmou o baixista.

“Eu estava careta, mas não lembro do show até hoje, porque a minha cabeça

estava no Brasil. Acabou o show e peguei um voo à meia-noite. Cheguei no

Rio de manhã e fui direto para o cemitério. Consegui enterrar a minha mãe e

voltei para os EUA no mesmo dia.” Formigão demonstrou muita

responsabilidade e compromisso com o PH, e tocou no Lollapalooza em

Chicago.

Com a óbvia exceção da morte da mãe do Formigão, tudo parecia correr

bem na banda, mas, na verdade, o Marcelo estava novamente de saco cheio

das suas brigas com o guitarrista, como lembrou Kleber, o técnico de P.A.:

“Na volta [dos EUA], quando se despediam no aeroporto do Galeão, Marcelo

já estava tão de saco cheio do Rafael, que ele falou: ‘Até daqui a dez anos’. O

Rafael queria mixar o DVD novo com o Pedrinho e assim o fez, mas a galera

não gostou e mandaram refazer”.

É bom relembrar que o Planet Hemp estava sem gravadora. Quem havia

saído da Sony e ido para a EMI era o Marcelo D2 solo. Nessa época, ele

também já estava envolvido com um longa-metragem sobre a sua história

com o Skunk, que seria dirigido pelo Johnny Araújo e se chamaria Meu

tempo é agora.

Ainda assim, Marcelo deu uma entrevista e disse que “se no começo do

ano passado, perguntassem para mim se o Planet voltaria, eu responderia:

‘Não, impossível’. Agora, eu não sei. Não posso mais falar isso. O que era

impossível, agora virou possível [507]”.

O mercado da música havia mudado muito e D2 ampliava o leque de

parceiros, apontando novamente sua lupa para o rap e menos para o samba.

Na festa do Prêmio Multishow 2013, ele se apresentou acompanhado da

Cone Crew Diretoria, que ele conheceu através do filho Stephan. Marcelo já

havia gravado uma música no CD deles [508] e convidado o DJ da banda

(Papatinho) para produzir “Abre alas”, em Nada pode me parar. Ele começou

a apresentação com uma máscara cobrindo o rosto como um Black Bloc e

homenageou Chorão. No palco, cartazes de protesto como “Cadê o dinheiro

do povo?” e “Legalize já”.

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Em setembro, duas mortes abalaram ainda mais os músicos do Planet

Hemp. No dia 9, o baixista Champignon foi encontrado morto, no estúdio

caseiro em sua casa, em São Paulo. O laudo mostrou que ele deu um tiro num

dos instrumentos musicais antes de disparar o segundo na cabeça, seis meses

após a morte de Chorão. O músico foi enterrado no mesmo cemitério que o

amigo.

Apesar do luto, a Festa Rock BH no ginásio do Mineirinho foi mantida. O

evento contou com shows de D2, CPM 22, Detonautas e outras atrações. Já o

show no Espaço das Américas, em São Paulo, com D2, Falcão e Samuel

Rosa, que encerraria a turnê da banda A Banca, foi cancelado na mesma hora.

Um mês depois da morte de Champignon, o Charlie Brown Jr. lançou o

clipe da música “Um dia a gente se encontra”, que faria parte do disco novo

da banda, La família 013. Gravado no edifício Planalto, no centro de São

Paulo, o vídeo foi dirigido por Alexandre, filho de Chorão, e contou com

várias participações, inclusive a de Marcelo D2 e integrantes do CBJR. O

microfone usado na gravação pertencia ao falecido vocalista. O álbum

póstumo foi disponibilizado na internet.

No dia 30 de setembro foi a vez de a MTV Brasil dar adeus, vinte e três

anos depois de o canal chegar ao país. Inaugurado no antigo prédio da TV

Tupi, no bairro do Sumaré, o canal foi deficitário nos primeiros nove anos,

até trocar o foco na música por programas de comportamento e humor para

adolescentes. Deu certo até a popularização da internet. Afinal, por que

esperar a exibição do clipe favorito se bastava um clique para assisti-lo

quando quisesse? Além disso, surgiram concorrentes como Multishow,

MixTV, PlayTV, VH1 Brasil e tantos outros. Mais uma vez a audiência

despencou. Nos últimos meses de vida, dos cento e cinquenta funcionários

restaram menos da metade, setenta pessoas operando em apenas três dos nove

andares [509]. Um completo fim de feira.

Depois de duas décadas de operação, o Grupo Abril devolveu a marca

licenciada à Viacom. No dia seguinte, 1º de outubro de 2013, uma “nova”

MTV surgiu das cinzas. Diferente da MTV que fez história, estreou somente

com VJs virtuais interagindo por meio das redes sociais. Buscando uma

identificação entre o público de dezoito a trinta e quatro anos, a MTV da

Viacom foi para a TV a cabo. A aposta foi certeira. Em cinco anos, a TV

paga cresceu duzentos por cento no Brasil. Em canais fechados, com uma

equipe nova e um VP egresso do canal GNT, em três anos, a MTV triplicou a

sua audiência [510].

A nova MTV descontinuou o tradicional VMB, único prêmio cujo troféu

mudava de tema a cada ano, até se padronizar em 2006 com um cachorrinho.

Em 2018, a emissora lançou o Prêmios MTV MIAW, patrocinado pela

Samsung, envolvendo não só a música, mas toda a cultura pop. Realizado há

cinco anos no México, na noite do MTV MIAW 2017, a MTV mexicana

alcançou o primeiro lugar em audiência no país [511].

Voltada para o público millenial, a nova MTV focou num prêmio para

jovens makers, criando categorias mais contemporâneas como, por exemplo,

a Paródia do Ano, o Match Perfeito, o Deus do Instagram, o Viral do Ano,

Melhor Filme, Melhor Série e Melhor Vídeo [512].

Até o momento, o acervo da emissora continua restrito, inclusive para as

pesquisas externas, como esta biografia. No entanto – viva a internet! –,

alguns programas, clipes e eventos estão disponíveis gratuitamente, porém,

com qualidade de som e imagem aquém dos arquivos originais. Diversos

registros, como o quadro “Banda antes MTV”, com o Planet Hemp, que foi

gravado no estúdio Groove, (ainda) não estão na web. Nem o show da prisão

em Brasília. Nem os dois da banda no festival Abril Pro Rock de 1995 e

1997. Nem a cobertura completa do lançamento d’Os cães, no Palace, com

abertura do Ratos de Porão, no qual o João Gordo bebeu querosene do

cuspidor de fogo, achando que era cerveja.

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Sem gravadora e sem MTV, o Planet Hemp ficou sem pai nem mãe. Para

piorar, a banda arrumou um problema com a gravação do DVD: “Uma

dificuldade enorme na liberação das imagens usadas no telão”. Foi assim,

com ritmo e com muita raiva, que o Planet fez uma turnê sem DVD. O set list

da tour foi o mesmo de antes, com os três blocos do show dedicados

cronologicamente a cada um dos discos.

Faltando apenas seis shows para terminar a turnê de pré-lançamento do

DVD, Rafael saiu novamente da banda. Quem poderia substituí-lo em cima

da hora? Ligaram para o Jackson:

“Faltando um mês para terminarem os últimos seis shows [513], o Rafael,

que ganhava dez mil reais por show, disse que queria o dobro, e o Marcelo

reclamou: ‘Pô, quer ganhar mais que eu? Então eu quero ganhar mais tanto’.

Foi nessa que o Lobatto me ligou, e eu estava casado, cheio de contas para

pagar. Ele me ofereceu dois mil e quinhentos reais por show, mas eu topei,

queria colocar uma semente, queria voltar [para a banda] depois. Fiquei

triste de não ter voltado, porque quando eles estavam fodidos, eu já sabia as

músicas, poupei o tempo dos caras. Eu tive uma atitude maneira e eles não”.

Formigão confirmou a história: “O Rafael disse que não tocaria mais.

Acho que ele não estava concordando com o cachê. Foi um baque em cima

da hora e o Jackson salvou a gente. Realmente, o Rafael e o Marcelo

discutiam muito, entravam em choque. Hoje em dia, a banda está muito mais

democrática”.

Com a volta do Jackson, o Planet Hemp terminou a turnê começando por

dois shows no Opinião, em Porto Alegre. O dono do bar, Gabriel, passou a

madrugada em estúdio com a banda, que ensaiou com o guitarrista Jackson e

o amigo Edu K, a voz do DeFalla. Na primeira noite, Edu cantou a sua

“Repelente” e participou de “Queimando tudo”, junto com o Tonho Crocco

(vocal do Ultramen). Em “Samba makossa”, ainda na primeira noite, D2

homenageou Chico Science e Chorão. Na segunda noite, o show foi dedicado

a Nelson Mandela, falecido horas antes de a banda subir ao palco. Foi afudê.

Como sempre é quando a banda toca na capital do Rio Grande do Sul.

Colecionador e consultor, Micael Machado estava na plateia desse show e

escreveu um elogio e tanto ao jovem que segurou o abacaxi na guitarra do

Planet: “Jackson, apesar de ter feito um trabalho ‘de responsa’ e de ter

assumido a bronca e dado conta do recado com sobras, como exaltado por

BNegão (sendo o principal responsável pelo show acontecer, segundo o

vocalista), tem um estilo de tocar totalmente diferente do de Rafael, pois este

usa e abusa de seus pedais de efeitos para criar uma verdadeira usina de sons

ao longo das canções e de seus solos, e Jackson tem um estilo mais ‘simples’,

utilizando principalmente a distorção e o wah-wah como principais efeitos.

Isso alterou bastante a estrutura das canções, embora a maioria do pessoal

pareça não ter dado muita atenção a este fato [514]”.

Depois de causar ótima impressão em POA, a banda tocou no Curitiba

Master Hall, onde D2 ficou amarradão: “Curitiba sempre foi uma casa para a

gente. Foi onde fizemos nosso primeiro show fora do eixo Rio-São Paulo.

Decidimos que faríamos essa turnê para fechar o ano e que colocaríamos

Curitiba no mapa. Talvez esses sejam os últimos shows. Não sei se nos

reuniremos de novo. Mas não tem nada planejado nem músicas novas.

Estamos fazendo o que tem pintado, o que tem dado vontade [515]”. Num

show histórico para os curitibanos, com D2 descansando numa cadeira de

praia entre as músicas, o Planet cumpriu o seu dever.

Diferente do show em Porto Alegre (RS) e em Sorocaba (SP), quando

tocou de cara limpa, jeans e boné, em Lorena (SP) o Jackson tocou anônimo,

de casaco e capuz. Encerraram a caravana com show na Estância Alto da

Serra, uma casa para doze mil pessoas, em São Bernardo do Campo (SP). Ao

voltarem para o Rio, tchau e benção. O Planet Hemp acabou mais vez.

Marcelo D2 explicou por quê:

“Já encheu o saco de novo [risos]. Daqui a uns dois anos, quem sabe? Não

precisamos ficar tanto tempo afastados. Esse reencontro foi uma ideia da

Maria Juçá [do Circo Voador], o Bernardo disse que não ia participar, mas

conseguimos convencê-lo. Ia ser um show só, mas começou a esgotar tudo

em meia hora, e aí decidimos marcar mais cinco shows, e mais cinco… [516]”.

A improvável (re)volta do Planet Hemp terminou mais uma vez. Marcelo

deu meia volta e foi cuidar da sua família. Ele tinha um novo disco solo para

lançar e agora nada podia pará-lo.

Edu K participa do show do Planet Hemp no Bar Opinião (Porto Alegre), em 2013. Foto: Kleber Poeta.

CAPÍTULO 56

NADA PODE ME PARAR

“Ele bate no bumbo e você sente no peitoEsse é o Planet Hemp fazendo efeito”

Imprevistos acontecem nas melhores famílias e nas melhores bandas. Quando

voltou de uma viagem a Nova York, D2 marcou um jantar com o Stephan.

Ele iria sugerir que todos se mudassem para o exterior. Porém, antes mesmo

de fazer a proposta, o filho contou que a Marina estava grávida e eles iriam

ter um bebê. Assim como seguiu os passos do pai na música, Stephan, vinte e

dois anos, também foi pai jovem. E Marcelo, aos quarenta e seis, avô: “Tem

uma coisa muito interessante que meu pai sempre falava e que eu achava um

absurdo: ‘Quando você tiver filho vai saber’, e eu comecei a falar a mesma

coisa para o Stephan [517]”.

Casado com a Camila há quatorze anos, com quem teve Luca e Maria

Joana, D2 era um paizão. Podia dormir às três e meia da manhã que acordava

às seis para levar o filho à escola. Camila contou que a cada ano ele se torna

um pai melhor: “Acordar cedo, por exemplo, é uma coisa muito nova. O

Marcelo se torna mais participativo quando as crianças estão maiores. Mas

ser um paizão independe de acordar cedo ou não”.

Certa vez, Luca foi assaltado saindo da escola, no bairro da Gávea, e

Marcelo ainda tentou correr para pegar o ladrão. Episódios assim o

inspiraram a compor músicas como “Danger Zone” [518], na qual versava que

“as ruas não perdoam, filho! Ah, isso eu sei // porque nasci e fui criado em

uma cidade sem lei // Aqui é o Rio”.

Em julho de 2014, no seu primeiro dia dos avós, D2 postou uma foto da

Giovanna, sua netinha [519].

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O lançamento do seu novo disco foi no Circo Voador, com direito a uma

verdadeira quermesse. A Feira MD2 tinha de tudo: a “Barraca da larica”

oferecia doces; “Acerte um baseado na boca do D2” era a versão de boca do

palhaço; “Retrato falado” fazia caricaturas do público num cartaz de

“Procura-se”; a força era testada no “Martelo da discografia”; “Print Gram”

imprimia fotos direto do Instagram, desde que postadas com a hashtag

#nadapodemeparar; e outras barracas disponibilizavam Playstations com os

jogos Fifa 14 (com uma música do D2) e Skate 3. Todos os brindes eram

personalizados com a marca D2.

Outra novidade foi o Circo ter aberto bem mais cedo, para o público curtir

a rádio Nada Pode Me Parar, uma rádio ao vivo com um pequeno palco para

pockets shows. Por lá passaram desde Arlindo Cruz e Mart’nália até as

bandas Start e Cabeza de Panda, e o rapper Filipe Ret.

Marcelo começou o show por volta de meia-noite e meia, recebendo vários

convidados, como Seu Jorge, BNegão, Stephan e Hélio Bentes, do Ponto de

Equilíbrio. Num determinado momento, D2 perguntou quem já tinha ido a

um show do Planet Hemp. Poucos levantaram a mão. E brincou com a

garotada: “Mas fumar maconha, cês fumam, né? [520]”. Após mais de duas

horas de som, agradeceu: “Estou muito feliz que vocês vieram aqui me ver. O

Circo Voador é minha casa. Já fiz grandes noites aqui [521]”.

No dia seguinte ao segundo show, o time de Marcelo D2 jogou uma pelada

antes do show no Nike Festival de Esportes, na Praia do Flamengo. O evento

marcou o lançamento da camisa da seleção brasileira para a Copa do Mundo

no Brasil. Uma semana depois, ele lançou na internet o clipe de “Você diz

que o amor não dói”, gravado numa favela de Angola com os rappers locais.

Ele ainda tinha doze clipes inéditos, que foi publicando aos poucos. Como ele

já era patrocinado pela Nike, pediu para a fabricante produzir um tênis

diferente, desenhado por ele, para cada clipe do disco novo.

“Terra do samba, do reggae, do rap,do rock, do ragga e do pandeiro”

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Em janeiro de 2014, Bruno Levinson realizou pela última vez o seu

festival Humaitá Pra Peixe, após vinte anos e dezenove edições. A noite

integrou a programação do evento Rider Sessions no Jockey Clube Brasileiro

e contou com shows do Bixiga 70, O Terno e Cone Crew Diretoria.

Duas semanas depois do HPP, D2 e sua trupe levaram o circo para a

Audio Club, em São Paulo, para gravar o DVD Nada pode me parar – Ao

vivo em duas noites. Além de fliperamas e da loja itinerante, foi montada uma

pista de skate da Drop Dead com apresentação de skatistas profissionais.

Marcelo abriu o show contando que nasceu no subúrbio do Rio, num

ambiente musical: “Foi o hip-hop que me deu voz e que me fez rodar o

mundo”.

Na Copa do Mundo de 2014, D2 tinha shows marcados nos dias dos três

primeiros jogos da seleção brasileira. As apresentações (nas quadras da

Portela, Grande Rio e Mangueira) aconteceram sempre após as partidas.

Marcelo também tocou na Casa Fenomenal, na Zona Portuária, e pela

primeira vez o filho Luca, de doze anos, subiu ao palco para cantar com o

pai. E, como sempre, o rapper partiu para lançar o novo disco numa turnê por

dezoito países durante o verão do hemisfério norte.

Outro golaço do ano foi a parceria com a Drop Dead para lançar uma

coleção inspirada no Planet Hemp, com shapes de skate, bonés, camisetas e

seis modelos de tênis repletos de folhinhas. O dono da marca, Eduardo Dias,

gostou bastante: “O primeiro projeto foi o tênis do D2, que tinha uma

campanha muito foda feita pelo Zé e pelo Newton, que trabalhavam na MTV

na época, e também pela galera do DD Studio. Nessa volta da banda, o

Marcelo me procurou e foi muito gratificante lançar uma linha de produtos

com uma banda tão importante como o Planet”.

Eduardo também relembrou alguns contratempos típicos da associação

com a banda: “Já tivemos problemas com lojistas que não compravam – e até

hoje não compram – nada que tenha uma folha [de maconha] estampada. Na

época em que os caras foram presos foi foda, o juiz mandou prender todos os

produtos que tinham alguma associação com a erva, e nessa eu tive que juntar

todas as camisetas que estavam em estoque e me esconder na casa da minha

avó por uma semana. Vários amigos gerentes de lojas foram em cana, foi

foda. Imagina os policiais indo nas lojas e nos camelôs para retirar camisetas

do Bob Marley. Demorou pra coisa se acalmar. Depois disso, levou anos pra

gente voltar a fazer algum produto com a erva”.

A lista de produtos com o nome do Planet Hemp ainda poderia crescer,

pois Marcelo tinha a esperança de lançar em 2014 o CD e o DVD gravados

ao vivo no ano anterior. A sua carreira solo tampouco estava livre de alguns

atrasos: o DVD Nada pode me parar – Ao vivo só foi lançado em 2016, após

problemas com liberação de samplers, pela Universal Music.

Em uma entrevista de 2014, D2 disse que não se considerava celebridade

nem andava com segurança: “Algumas pessoas procuram a fama mais do que

o sucesso, e depois reclamam de falta de privacidade. Isso é demagogia. Se

eu não quiser, não dou entrevista, sou o meu patrão. As coisas mais chatas do

meu trabalho são fazer sessão de fotos e viajar de madrugada. Mas faz parte,

se ganha bem. Melhor do que trabalhar naquela rotina [522]”.

O Planet Hemp ainda se reuniu numa única noite, para tocar na décima

quarta edição do festival João Rock, no dia 14 de junho de 2015, em Ribeirão

Preto (SP), num show que contou com BNegão e Rafael.

“Eu canto o que eu falo,Eu falo o que eu quero,Qual é o problema?”

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Quem também experimentou o ônus e o bônus do mundo dos artistas foi

Black Alien. Em outubro de 2013, ele abriu um crowdfunding para viabilizar,

enfim, o segundo disco solo. Mais de um ano depois, encerrou a campanha,

arrecadando R$ 46.732 de 645 pessoas [523]. Assim que atingiu a meta, depois

de ter princípios de overdose, Gustavo se internou mais uma vez numa clínica

para dependentes de álcool. Foi lá que ele compôs duas das doze músicas do

CD, “Somos o mundo” e “Terra”.

No dia 17 de julho, Gustavo saiu direto da clínica para a nova casa, num

condomínio fechado na Granja Viana, bem longe das tentações da Vila

Madalena, onde o rapper morava com a companheira, Marina, antes da

mudança: “Foi na minha oitava internação, ano passado. Todas as outras, eu

não levei a sério, embora eu tenha ido por livre e espontânea vontade [524]”.

Administrando a sua vocação autodestrutiva, Gustavo conseguiu se isolar

com o produtor Alexandre Basa, o mesmo do primeiro disco, e gravou

Babylon by Gus – Vol. II: No princípio era o verbo (Independente, 2015). Na

capa, ele próprio joga xadrez com a morte, parodiando o filme O sétimo selo,

de Ingmar Bergman. Na caixa de som, um álbum bastante pessoal, com duas

músicas (“Homem de família” e “Identidade”) gravadas no período em que

Speed foi assassinado. O segundo disco solo do Black Alien, então com

quarenta e três anos, foi lançado em CD e disponibilizado gratuitamente na

internet. Apesar de estar limpo, ele ainda tinha pesadelos com drogas e

álcool: “O Gustavo consciente e o inconsciente brigam e isso passa [525]”.

Quase ao mesmo tempo, BNegão lançou Transmutação (Natura Musical,

2015), cujas letras foram escritas no estúdio durante as gravações. A

mixagem foi de Mario Caldato e MPC (do coletivo Digitaldubs). A turnê

começou em São Paulo e seguiu por Florianópolis, Curitiba, Londrina,

Salvador, Recife, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte e, finalmente, Rio.

“Paz, pa-pa-Paz, Planet HempPaz, pa-pa-Paz, the Funk Fuckers

Paz, pa-pa-Paz, O RappaPaz, pa-pa-Paz, Black Alien” [526]

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Um vento de saúde chegou na casa de Marcelo D2, que parou de beber,

começou a correr e deixou o cabelo crescer e a cultivar dreadlocks. E, quando

ninguém esperava, ele anunciou a volta definitiva do Planet Hemp a partir de

duas noites na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, uma semana antes do

Natal. Para alguns fãs, o anuncio foi recebido com desconfiança: tão difícil de

acreditar quanto na existência do Papai Noel. Mas era verdade. O Planet

estava ativo novamente, com um novo guitarrista substituindo o Rafael. E,

mais do que nunca, fazendo a sua cabeça.

CAPÍTULO 57

NOBRU

Quando o Planet Hemp decidiu voltar de vez, D2 ficou muito feliz por

reestabelecer a amizade com BNegão: “Estou a fim de escrever com o

Bernardo de novo. A gente não escreve junto já faz mais de dez anos. O

maior arrependimento da minha vida é ter ficado esse tempo todo sem falar

com o Bernardo [527]”. Mas a banda precisava resolver um problema sério.

Quem tocaria no lugar do Rafael? Pedrinho e BNegão não pensaram duas

vezes antes de indicar Bruno Pederneiras, o Nobru. Contemporâneo e amigo

da mesma galera, o guitarrista não apenas aprendeu a tocar as músicas dos

três discos, como acrescentou novidades nos arranjos.

Ainda moleque, Nobru tocava numa banda chamada Tilt Yo Head quando

assistiu aos primeiros shows do PH:

“Nessa época, por volta de 1994 ou 1995, eles tocaram algumas vezes noCirco [Voador], e numa dessas noites, eu conheci o Kalunga, do Cabeça,que me mostrou a fita demo do Planet. Depois disso, a nossa banda começoua ensaiar no estúdio Casa 3, onde ele trabalhava. O dono do estúdio era oFlavio Canetti, baterista do Funk Fuckers, a banda paralela do Bernardo. Eujá tinha visto alguns shows do Funk Fuckers, e eles também ensaiavam naCasa 3.

O Bernardo me contou que ia me chamar pra cantar no FF antes de eu entrarno Cabeça, mas não fez isso, porque iria inviabilizar a minha banda, que eletambém curtia. Anos depois, fui tocar com ele no Seletores de Frequência e

foi um período muito foda, de viagens internacionais e tudo. Agradeçomuito a ele. Uma coisa é te convidar pra tocar no underground na base doamor, e outra é conseguir levantar a banda a ponto de pagar as contas sócom a música.

Enfim, foi lá no estúdio que comecei a fazer contato com outras bandas elogo marcamos um show do Tilt Yo Head com o Cabeça, no Garage. Poucotempo depois, o Kalunga me chamou pra tocar com ele no Cabeça”.

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O Cabeça foi um dos grupos mais representativos do underground carioca

nos anos 1990. Daquelas bandas que tocavam todos os fins de semana, saíam

em todos os zines e das quais todos gostavam. Com músicas ingênuas, curtas,

engraçadas e um som meio maluco, o trio tinha um público fiel.

Nobru contou um pouco da história da banda: “O Cabeça é de 1992 e

sempre foi a banda do Kalunga, que é uns cinco anos mais velho do que eu e

o Pedrinho [Garcia, que foi baterista do Cabeça e, depois, do Planet].

Depois que eu entrei na banda, o Ronaldo [Pereira] propôs para nós

gravarmos com ele o CD [Na medida do impossível]”.

A formação do Cabeça mudou diversas vezes. “Eu devo ser da quarta ou

quinta formação”, contou Nobru. “Toquei intensamente com eles de 1995 até

2000, e muitas vezes no Garage. Num determinado momento, o Cabeça

tocava lá quase todo fim de semana [risos]. Às vezes, o [proprietário] Fábio

Costa pedia um socorro e convidava as bandas que levavam mais público

para tocar e levantar fundos pra casa.” Num desses eventos para fazer

benfeitorias na casa, o seguinte time foi escalado: Black Alien, Squaws, Funk

Fuckers, Planet Hemp e Cabeça (fechando a noite). “Ficou lotadaço até o

final. Também tocamos lá no evento de lançamento do nosso CD, com

Reajuste, Poindexter e Gangrena Gasosa. O primeiro show do Mukeka di

Rato (ES) no Rio também foi lá, com a gente. Foi no Garage que eu vi um

show brutal de três horas do Cólera. O interessante é que, naquela época, as

bandas tinham estilos muito diferentes e tocavam juntas no mesmo evento.”

Se tocar no Circo Voador era um marco para as bandas cariocas, poucas

podem dizer que debutaram “por acaso”. Com o Cabeça, foi assim: “Ia ter

show do Tubarões Voadores, mas eles não apareceram. Aí, o Bernardo nos

viu ali na grade e perguntou se todo mundo da banda estava lá. Como

estávamos, tocamos!”. Nobru também guarda com carinho as lembranças de

uma turnê que subiu até Salvador (BA), junto com a banda Pólux. “Tocamos

com Mukeka di Rato, Dead Fish e a banda Shes – pré-Inkoma, da Pitty.

Depois dessa turnê, eu saí da banda. O circuito underground do Rio era boa

vontade, muita precariedade, pouca grana, muita disposição e tudo a perder.

Juventude a todo o vapor.”

Em 2002, o Cabeça lançou o segundo álbum, Tudo isso, pelo selo

Tamborete. “Mas aí, surgiu o Seletores de Frequência e o Cabeça deu uma

parada. De 2002 até 2005 eu toquei com o grupo de rap A filial, com o

Lobão e mais um tanto de banda de tudo quanto era tipo. Em 2006, o

Pedrinho me chamou pra fazer outra banda com ele, que seria o Rockz, que

durou até 2012. Depois, toquei baixo por um ano no Seletores como sub do

Kalunga.”

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Um dos episódios mais marcantes para o Nobru foi o show do Cabeça

abrindo para o Planet Hemp, no Imperator (RJ), na turnê d’Os cães ladram,

quando ele vomitou no palco, mas continuou tocando: “Depois dessa, sempre

que eu e o Formigão nos encontrávamos na noite carioca, ele lembrava

disso”.

Nobru não poupou elogios ao baixista: “O Formiga é uma das pessoas

mais legais que eu conheço. Foi ele quem botou pilha para eu substituir o

Rafael, além do Bernardo e do Pedrinho, com quem eu já havia tocado antes

e conheciam o meu trabalho mais de perto. Eu entrei [no Planet] em outubro

de 2015”. Segundo o guitarrista, “o Planet tem uma sonoridade peculiar”,

uma espécie de colagem das referências musicais dos integrantes. “Esse lance

de punk, hardcore com funk, soul, rap, metal e rock. Essas coisas mais

inusitadas. Nossas referências são mais ou menos as mesmas. No caso da

guitarra, imagino que eu, o Rafael e o Jackson tenhamos oitenta por cento de

referência musical em comum. Não somos da onda Stevie Vai e Eddie Van

Halen...”

Certa vez, num ensaio, Nobru disse que eles eram a banda punk mais

suingada de todas. “Vive ali, na fronteira, entre o pop e o alternativo”. Na

lista das preferidas para tocar ao vivo, ele dá destaque para as mais hardcore

do repertório, como “Mary Jane”, “Seus amigos” e “100% hardcore”. “Mas

todas são boas de tocar. Para mim, é uma honra e um privilégio tocar com

eles, nessa instituição chamada Planet Hemp. Eu só tenho a agradecer por

esses anos com eles.”

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Filho temporão, Fábio Kalunga tentava convencer os seus pais bem mais

velhos de que a banda era coisa séria. Depois de anos, ele saiu de casa e

morou por um tempo com o Marcelo D2. Quando o Cabeça lançou o segundo

disco, pouca coisa mudou, e a banda deu uma pausa sem-fim. Em 2009, o

baterista Pedro Schroeter voltou a morar no Brasil e o grupo voltou a

atividade com Kalunga e Nobru. Mesmo com o guitarrista no Planet Hemp, a

banda estava finalizando um disco novo com produção de Rafael Ramos

quando aconteceu a tragédia.

Kalunga estava empolgado com a volta do Cabeça, tanto que saiu do

Seletores de Frequência, a banda do BNegão. No dia 30 de julho de 2017, o

skatista do Leblon fez o seu último show, encerrando o evento I Love XV,

promovido pelos skatistas da praça XV, no centro do Rio. Numa sexta-feira

13, Kalunga foi encontrado morto no seu apartamento, na Zona Sul carioca.

Para o Pedrinho, “ele era o cara que agitava a cena, ajudava as bandas,

produzia, influenciava. Um cara muito importante, além de um baixista

único”.

Dez dias depois, um evento no Centro Cultural Sérgio Porto pelos vinte

anos da banda Carbona se tornou (também) uma homenagem ao Kalunga. O

show contou com a participação de Nobru e Pedro Schroeter, além de

parceiros que tocaram com o Cabeça com as suas respectivas bandas, como

Paulão (Gangrena Gasosa), Vital Cavalcante (Poindexter e Jason), Larry

Antha (Sex Noise), Marco Homobono (Djangos), Roberio Catelani (Anarchy

Solid Sound) e Babão e Smile (MC’s HC).

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A única pessoa que não ficou muito feliz com a entrada do Nobru no

Planet Hemp foi o Jackson. Afinal, ele sempre esteve ao lado da banda

quando a necessidade surgiu, cobrindo o Rafael por duas vezes: em 1997,

pouco antes da prisão, e no fim da turnê de 2012. Por isso, Jackson tinha

certeza de que ele era a bola da vez: “Eu reconheço que eu era um fã do

Planet Hemp que entrou pra banda e se embriagou com o sucesso. Fiquei

arrogante, tratei mal os roadies, não dava autógrafo para os fãs. Mas o mais

bizarro foi ter colocado uma terceira pessoa, pois o Marcelo já tinha dito que

se voltasse mesmo eu ficaria na banda como guitarrista. E, de repente, eu não

estava dentro, e sim um amigo do Pedrinho, o cara que EU indiquei pra

banda!”.

Uma porta se fechou e outra se abriu: “O Zé [Gonzales] também ficou

puto e me chamou pra trabalhar com o Tropkillaz [528]. Comecei como roadie

e virei produtor. Foi uma volta pra mim, para reconstruir o meu caminho,

depois de tocar numa das maiores bandas do Brasil. O Zé foi muito

importante pro estilo do Planet, pras roupas, pra evolução técnica. Pode

colocar isso na conta dele”. Porém, tudo indica que as diferenças ficaram no

passado: “Teve um show [do Planet] um tempo atrás, junto com o Tropkillaz.

O Marcelo me chamou no palco, e disse em público que eu era da banda. Foi

importante. Ele falou: ‘Eu sei que é muito difícil pra você estar aqui agora’.

Eu sei que pra ele também é difícil, tem que cuidar dos filhos dele, que Deus

dê muito mais a ele, mas continuo na luta”.

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Quando o Nobru entrou no Planet, em outubro de 2015, a banda começou

a ensaiar pelo menos uma vez por semana. Sua estreia foi em dezembro, no

show de vinte anos do disco Usuário, na Fundição Progresso. Antes de

homenagear o Rio com “Zerovinteum”, os dois vocalistas improvisaram

versos de protesto: “120 tiros em cinco jovens! 120 tiros em cinco menores!

Vão tomar no cu seus filhos da puta [529]”. D2 bradou: “Vocês ficam aí hoje

tomando champanhe e guaraná, mas nos anos noventa era assim que a gente

fazia rap [530]”.

Também participaram do show integrantes do Serial Killer e o Marcelo

Yuka, que de punhos cerrados na cadeira de rodas puxou um “Fora, Cunha”.

Ainda no palco, o ex-baterista d’O Rappa acompanhou a performance do

Planet em “Samba makossa”. Quem também surpreendeu ao aparecer na

bateria foi o Bacalhau, que havia saído dos Autoramas.

Operando o som, Kleber França achou que o Nobru se encaixou

perfeitamente: “Me parecia muito à vontade. E o fato de ele já ter tocado com

o Pedro, na banda Cabeça, deve ter ajudado mais ainda. Cada dia está melhor

que o anterior. Ele foi superatencioso quando eu dei algumas sugestões sobre

os timbres para o som ao vivo. A química está perfeita. Os shows têm sido

irados. Muita energia, emoção. No primeiro show da volta, eu mesmo senti

um nó na garganta. Muitas lembranças em um flash de anos e anos de

viagens e confusões e shows antigos. Quando acendeu a luz na plateia no fim

do show, vi várias pessoas chorando de emoção”.

O novo guitarrista também se mostrou um cara de sorte. Em função de

problemas pessoais, o rapper norte-americano Snoop Dogg cancelou o seu

show no festival Lollapalooza 2016. E, adivinha, doutor, quem entrou no seu

lugar?

CAPÍTULO 58

MAIS VIVOS DO QUE NUNCA

Em janeiro de 2004, Marcelo D2 vivia um ótimo momento em sua carreira

solo quando foi escalado para tocar no Hip Hop Manifesta, no Riocentro,

uma espécie de centro de convenções na Zona Oeste do Rio. Ele tocou na

primeira noite, abrindo para o rapper norte-americano Ja Rule, mas quem ele

queria mesmo conhecer era o headliner da segunda noite, o Snoop Dogg. O

evento aconteceu também em Florianópolis, com as mesmas três atrações da

etapa carioca, divididas em dois dias.

Jogando em casa, D2 tocou para um público de quinze a vinte mil pessoas,

e cantou “Loadeando” com o filho Stephan, doze anos, que já naquela época

pensava seriamente em ser cantor. Após a sua apresentação, pediu para ser

apresentado ao Snoop, para quem entregou um disco. Quando o gringo

mandou um “I’m Snoop Dogg, the boss”, Marcelo respondeu em português:

“Então aperta um aí!”. Foi atendido na hora [531].

Doze anos depois, por conta do cancelamento inesperado do show que

faria no Lollapalooza Brasil 2016, Snoop acabou abrindo uma vaga para o

Planet Hemp. O grupo aceitou o convite, desde que com as mesmas

condições. Ou seja, tocar no mesmo dia e horário do astro, encerrando o

festival, e ganhando o mesmo cachê. O revés foi lembrado por D2 no dia do

evento: “O Snoop cancelou, o Bob Marley já morreu, qual maconheiro

sobrou? Chamaram o Planet Hemp! [532]”.

Na noite do domingo, 13 de março, os maconheiros mais famosos do

Brasil já começaram descendo a lenha. Abriram com o hardcore

“Procedência C.D.”, engatando meia hora de hits como “Legalize já”, “Não

compre, plante” e “Dig Dig Dig” com o telão exibindo imagens de Dilma,

Lula, Fernando Henrique Cardoso e outros políticos. Quando D2 pediu para

tirarem as crianças da sala, BNegão deu a ordem (“Roda! Roda!”) e o grupo

mandou “Mary Jane”, abrindo rodas de pogo. Aniversariante do dia, João

Gordo cantou a sua “Crise geral” [533]. Foi sucedido pelo Bolinha, guitarrista

do Serial Killer, de quem o Planet tocou “Seus amigos”.

Na sequência de “Queimando tudo” e “Quem tem seda?” a fumacinha

cheirosa subiu direto. No embalo das manifestações contra a corrupção, que

foram realizadas mais cedo em todo o Brasil naquele mesmo dia, D2 mandou

na lata: “Que dia para o país. A luta pelo poder. Esquerda e direita. Quem vai

tomar mais nosso dinheiro?”. BNegão lembrou que estudantes e professores

levam porrada da polícia carioca, que também mata menores. Marcelo

anunciou e tocou a música que ele escreveu com quatorze anos, “Futuro do

país”. Ao fundo, no telão, imagens estilizadas da então presidenta, Dilma

Rousseff; do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; e

do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró.

Nesse segundo show no Lollapalooza, o Planet encerrou com a mesma

música com que fechou em 2013, “Mantenha o respeito”. A grande diferença

estava no clima da banda. No primeiro Lolla, eles agradeceram ao Kleber, ao

Germany e ao Rafael, que ainda estava na gig, e terminou o show pirando

com a guitarra na frente dos amplificadores.

O show do Lolla 2013 foi poderoso e D2 agradeceu ao seu modo: “Filha

da putaaa!”. BNegão completou: “Nós somos o Planet Hemp! Do caralho,

São Pauloooo!!!”. Marcelo chamou a crew para a foto final: “Chega aí, Rafa!

Chega aí, David [Corcos]. David, seu filho da puta, chega aí”. Feito o clique,

D2 se despediu: “Valeu, rapaziada, até daqui a dez anos!”. E, mais uma vez,

BNegão resumiu numa frase: “Esse é o Planet Hempaaaaa!!!!”.

Em 2013, o festival foi transmitido pelo Multishow. Três anos depois, a

transmissão foi do Canal Bis. Quando o show do PH estava acabando, D2

agradeceu a todo mundo que assistiu de casa pelo “cannabis”. Bernardo

endossou o trocadilho e corrigiu: “Cannalbis, cannal bis”. Num clima mais

leve, as apresentações em 2016 foram muito mais carinhosas que na vez

anterior, quando só falaram o nome e o instrumento de cada um. Coube a

BNegão fazer as vezes de Mestre de Cerimônias:

“No baixo, lendário, mesmo bebendo [muita] cana, Formigãooo. Na

guitarra, a lenda, o mito, patrimônio do underground carioca, uma salva de

palmas para Nobruuu. O meu vizinho eternamente [do bairro de] Santa

Teresa, na bateria, Pedro Garciaaa. Nesse microfone aqui, Bernardo Negron,

vulgo BNegão. No outro microfone, Marcelo Peixoto, também conhecido

como... D2!!!”.

No final do show, BNegão deu três recadinhos: fiquem com Deus, usem

camisinha e cuidado com a polícia. D2 provocou: “Avisa lá que a ex-

quadrilha da fumaça tá de volta”, disse ele por quatro vezes seguidas. No

telão, uma implosão fictícia do Congresso Nacional, em Brasília.

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Como não podia faltar, o show do Planet Hemp no Lollapaloza 2016 teve

“Samba makossa”, dedicada a todos os amigos que se foram, como Skunk,

João Nogueira, Chorão e Champignon. E, claro, a Chico Science, que se

estivesse vivo completaria cinquenta anos de vida naquele exato dia. Sem o

líder, mas na ativa, a Nação Zumbi comemorava os vinte anos do seu

segundo disco, Afrociberdelia, que chegou às lojas em junho de 1996 e

vendeu cem mil cópias. Outra homenagem feita em 2016 foi o lançamento do

documentário Chico Science: Caranguejo elétrico, dirigido por José Eduardo

Miglioli, e dividido em três atos: “Da lama”, sobre a infância de Chico e o

encontro com Jorge du Peixe; “Caos”, sobre a Recife dos anos 1990, shows e

bastidores de gravações; e “Legado”, sobre a influência da obra de Chico na

de muitos artistas contemporâneos.

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Se parar pra pensar, o Planet Hemp é um sobrevivente da geração do rock

nacional dos anos 1990, marcada pela fusão de ritmos. O próprio grupo

poderia ter acabado logo depois que o Skunk morreu. Primeira banda a abrir

caminho, o Raimundos penou, mas conseguiu dar a volta por cima. A cara da

banda era o vocalista Rodolfo, que se converteu, saiu e montou o Rodox – e

ainda chamou o Canisso pra tocar. Tempos depois, o baixista voltou para os

Raimundos, com Digão cantando, e aí foi o baterista Fred quem pediu pra

sair.

Após a morte de Chico Science, a Nação Zumbi também ralou muito para

conseguir um lugar ao sol e uma cerveja antes do almoço. Poucos duvidam

que a história teria sido diferente se Chico Science estivesse vivo até hoje. E

o que dizer do Charlie Brown Jr., que perdeu os dois integrantes mais

emblemáticos num período curtíssimo de tempo? Ou mesmo d’O Rappa, cujo

baterista Marcelo Yuka foi baleado, ficou paraplégico e dois anos depois

deixou oficialmente a banda? Justo ele, o principal letrista, ativista e o mais

engajado politicamente de todos.

Daquela turma que formava a hemp family, os que não morreram ou não

fizeram sucesso estavam em outras. Black Alien vivia um ótimo momento,

sóbrio e cuidando da carreira solo. Por outro lado, o seu grande parceiro,

Speed, tinha sido assassinado brutalmente. O Funk Fuckers encerrou

atividades e alguns integrantes continuaram na música, como o guitarrista

Gabriel Muzak. O Cabeça estava na ativa novamente, mesmo com Nobru

tocando guitarra no Planet, quando o vocalista e baixista Fábio Kalunga

faleceu. A banda Tornado também acabou, mas o seu vocalista continua em

carreira solo com o nome de Gilber T.

Então, se o Planet Hemp está vivo até hoje e o D2 faz tanto sucesso, parte

do mérito é do Skunk. Mal ou bem, ele foi o primeiro coach do rock

independente nacional. Foi ele quem identificou o talento e o potencial do

Marcelo, lhe encorajou, lhe motivou, o desenvolveu como letrista e MC, e

ainda criou o conceito da banda. Quando soube que estava prestes a morrer,

Skunk escolheu fazer música e estar com o parceiro nos seus últimos dias

encarnado na Terra. Ele sabia que aquele cara poderia realizar o seu sonho de

menino. Marcelo cumpriu a promessa feita naquele dia chuvoso de 1994, no

velório do amigo de fé, irmão camarada. Fechou os olhos e agradeceu. Por ter

acreditado e insistido, D2 mudou radicalmente de vida. A dele e a de todos

que tocaram ou trabalharam com o grupo.

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Nos anos 1990, quando surgiu a hemp family, era claro e evidente que a

galera não apenas se ajudava como também as bandas precisavam umas das

outras. Trocavam músicos, músicas, letras e shows. Gravavam uns nos discos

dos outros. Se divulgavam nas entrevistas, recomendavam para os

contratantes, colocavam para abrir os shows, usavam os mesmos

fornecedores, tocavam nos mesmos lugares. Havia muita brodagem. Então,

foi muito simbólico quando aconteceu a primeira participação do Black Alien

num show do Planet Hemp, quinze anos depois de ele ter saído do grupo. Se

em todas as vezes anteriores o problema fora dinheiro, dessa vez não teve

desculpa. Com o alcoolismo controlado, Gustavo havia tocado no festival

João Rock 2016, em Ribeirão Preto (SP), num show bacana, com músicas

dos seus dois discos.

Quando acabou a apresentação, Black voltou rapidamente ao palco

acompanhado do BNegão, e pediu para o DJ Castro soltar a base. A eles se

juntou Marcelo D2, para juntos cantarem “Contexto”, num encontro histórico

que não acontecia desde que o Gustavo saiu da banda, em 2001. Ao final, os

três se abraçaram e tiraram uma foto juntos no palco. Antes de devolver o

microfone, D2 se despediu com a primeira frase de “Samba makossa”:

“Minha família quer tudo como quem não quer nada (mas toma uma de

assalto quando chega na parada)”.

De lá, o Planet foi para o outro palco, onde fez um show bem parecido

com o do Lollapalooza. Os clássicos, as versões para “Crise geral” e “Samba

makossa” e o mesmo discurso político agudo. Sem pudor, BNegão mandou o

presidente Michel Temer tomar no cu [534] na frente de cinquenta mil pessoas.

É o que se espera dos artistas. Tocando pela segunda vez no festival, o PH

conseguiu fazer um show ainda mais vigoroso que o do ano anterior.

Quando se preparava para deixar o Parque de Exposições de Ribeirão

Preto, D2 foi abordado por um jovem repórter do jornal O Globo, e explicou

que nunca deixou de falar com Black Alien, apenas estavam afastados. E que

a velhice faz com que as picuinhas fiquem de lado: “Eu parei de beber, ele

também, então era uma boa hora para um encontro. A gente não combinou

nada de tocar junto de novo, só de se encontrar com mais frequência mesmo.

Acho que a parada mais importante era isso, de voltarmos a nos falar. Se a

gente vai tocar de novo junto um dia, isso é consequência. É maneiro para

nós também. Nós três juntos... Perdemos tantos amigos nesses anos, sabe?

Éramos cinco, já se foi o Skunk, já se foi o Speed... Agora, estamos nós três

aí, mais vivos do que nunca, saudáveis. Não foi mole passar pelos anos 1990,

não. AIDS, cocaína, tiroteio, polícia, Rio de Janeiro violento... [535]”.

O jornalista quis saber sobre o disco novo e as músicas inéditas. Marcelo

despistou: “Talvez no ano que vem. Começamos a ensaiar para fazer umas

paradas... É muito difícil voltar a fazer o Planet Hemp, voltar a pensar como

Planet Hemp... Se for para sair, tem que ser sem pressão”.

Numa rede social, a banda postou uma foto de Gustavo, Bernardo e

Marcelo juntos, acompanhada do seguinte texto: “Mais vivos do que nunca...

Não foi fácil passar a juventude nos anos 90 no Rio: polícia, cocaína,

comando vermelho, AIDS... Muitos dos nossos já se foram, mas a gente,

entre erros e acertos, está aí, ‘mais vivos do que nunca’... Eu amo esses

caras”.

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Depois de anos perdidos em rusgas com os dois parceiros, o show que

uniu os três vocalistas do Planet Hemp mostrou que amar é para os fortes.

Desde a época do Skunk, contando com ele próprio, já passaram pela banda

quatro vocalistas, cinco guitarristas (Rafael, Jackson, Ulisses, Ganjaman e

Nobru), três bateristas (Bacalhau, Yuka e Pedrinho) e vários DJs (Rodrigues,

Zé Gonzales, Nuts etc.). Porém, em todo esse tempo, apenas um baixista, o

bom e velho Formigão.

Ao longo dos anos, o Planet já tocou com aproximadamente dezoito

formações diferentes. Entre músicos temporários e de ocasião, como Mario

Gildo e Seu Jorge, a maioria das participações era no vocal ou na guitarra,

como destacou D2: “Tinha show que a gente já pedia pra colocar mais um

amplificador, porque sabia que ia aparecer mais alguém pra participar. Teve

uma época que chegamos a ter música com três guitarras: o Rafael, o Jackson

e o Ganjaman”.

Com o ambiente modificado, positividade e alto-astral, tudo voltou a fluir

bem para a banda. No dia 23 de setembro, o grupo tocou pela terceira vez no

festival Mada, em Natal. Em outubro, foi a vez de se apresentar no B.B. King

Blues Club & Grill, em Nova York, e, pela primeira vez, no lendário festival

Porão do Rock, em Brasília. Na capital federal, antes de tocar “Contexto”, o

BNegão lembrou: “A apatia é grande. A crise é intensa”. Em dezembro, a

banda tocou no Festival de Verão de Salvador e na Coudelaria Souza Leão,

no Recife. A banda estava ensaiando uma vez por semana, o que, para o

Planet, que detesta ensaiar, era um bom sinal. E assim seguiram as coisas,

fluindo no seu próprio tempo.

CAPÍTULO 59

LEGALIZE JÁ

Dezembro de 2017. Noite de avant-première no Festival do Rio, no Cine

Odeon, localizado na Cinelândia, Rio de Janeiro. Bem ao lado da Lapa.

Cenário perfeito para a primeira exibição pública do filme Legalize já,

dirigido por Johnny Araújo, sobre a história de música, liberdade e amizade

entre Skunk e Marcelo D2 antes de formarem o Planet Hemp. Com a palavra,

o diretor:

“O Skunk era uma unanimidade. Ele estava um passo à frente de todomundo. O encontro entre o Skunk e o Marcelo não foi tão cinematográficoassim, ele estava subindo a escada do metrô no Catete quando viu acamiseta do Marcelo. Na época do exército, com dezessete anos, Marcelotomou coragem e convidou a Sonia para comer uma pizza. Tomou duascervejas e saiu carregado. Não era o D2 ainda, era o Marcelo. No filme é oMarcelo.

Quando estávamos produzindo o filme, fomos até o prédio em Botafogo,onde o Skunk morava, e descobrimos que o pai dele morreu, a família semudou, mas, às vezes, o irmão passava para pegar a correspondência. Então,quando conseguimos falar com ele, descobrimos que tanto os pais quanto amadrasta do Skunk eram negros. O pai era militar e ajudava a mãeverdadeira com dinheiro. Quando a sua esposa descobriu, trouxe o bebê paracriar e o Skunk cresceu achando que a madrasta era a sua mãe de verdade. Eela o amava muito, com todo o seu coração.

Adolescente, o Skunk começou a usar roupas coloridas, brincos, e o pai,

Adolescente, o Skunk começou a usar roupas coloridas, brincos, e o pai,militar, ficou muito puto. Ele e o irmão nunca se deram bem. O irmão eramais velho. Numa discussão em casa, ele ficou sabendo que era adotado. Aí,ele quis conhecer a mãe biológica, que morava num cortiço, mas não deumuito certo. Então, começou a levar essa vida de ficar por aí, cada hora numlugar. Com as mulheres ele era doce e amargo ao mesmo tempo, às vezes,tratava mal.

Existem duas versões para como ele pegou HIV. Uma, que ele era bissexual.A segunda, quando ele fez a tatuagem do Coyote na mão e compartilhou damesma agulha de um amigo na hora de tatuar. Tanto que é uma tattooescrota, não terminada. Quando o Marcelo viu, começou a zoar e o Skunkexplicou o motivo de ter tatuado o personagem. ‘Ele é que nem eu: corre,corre, corre e só se fode no final.’

No dia em que o Skunk foi buscar o exame de AIDS, ele trabalhava nabarraca de camelô da Treze de Maio com o Marcelo, que perguntou se elequeria que fizesse companhia. Skunk preferiu ir sozinho. Na volta, Marceloperguntou o resultado e ele disse que estava tudo bem. Mentira. No diaseguinte sumiu da barraca e começou a beber, começou a cheirar.

Quando o Skunk soube da doença ele ia se jogar na frente de um ônibus,chegou a ficar na rua parado, olhando e pensando em se matar. O coquetelde remédios era muito agressivo, ele passava muito mal e parou de tomar.Com vergonha, o pai escondeu a doença do resto da família. O único quesabia era o Yuka. No dia em que ele levou o Skunk para a clínica deBotafogo, ele estava ficando sem ar. Ao chegar em casa, morreu”.

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Johnny, codinome de João, não conheceu o Skunk pessoalmente. Mas, ao

se envolver no filme, ficou íntimo. A primeira vez em que ele foi ao show do

Planet Hemp, no festival Juntatribo 2, em setembro de 1994, Skunk já tinha

feito a sua passagem:

“Eu conheci o Planet Hemp com os caras da produção [do festival], pedindopra eles pararem de tocar, por causa do tempo de show, e o público agitandosem parar, subindo no palco e dando mosh. Era foda ver um cara em cimado palco cantando ‘eu canto assim porque fumo maconha’. O Planet Hemp éo sonho realizado do Skunk.

Nessa época, eu já estava trabalhando em produtora e pegava umas câmerasde vídeo emprestadas à noite pra gravar os clipes dos meus amigos. Graveium do Pavilhão 9 que o clipe custou só dois mil reais. Um amigo meumorava numa casa na Pompeia e transformou a garagem num estudiozinho,onde rolavam jam sessions, inclusive uma entre a Nação Zumbi e o PlanetHemp. Eu gravava tudo em vídeo e alguém registrou os áudios em gravadorde rolo. Todo esse material está desaparecido.

Mas só fui colar com a banda no lançamento do disco À procura da batidaperfeita, o filme nasceu desse encontro. A publicidade começou a pegardiretores de videoclipes, e aí comecei a dirigir para a publicidade pelospróximos sete ou oito anos. Aí, o Marcelo me procurou atrás do cuidado quea publicidade tinha com os detalhes, e fizemos uma reunião com ele e oLobatto, para falar do clipe. Eu pensei no [diretor] Spike Lee, na coisa dasorigens, e as minhas ideias bateram com as do Marcelo. A gente se entendeue ainda se entende muito rápido.

O Marcelo nunca tinha recebido um prêmio com o Planet no VMB e a genteganhou vários troféus com ‘Qual é?’ e ‘Loadeando’. Aí, fomos comemoraràs duas da manhã e ele começou a chorar, dizia que tudo aquilo era doSkunk, que não era para ele estar ali. Como escreveu Vinícius [no ‘Sambada benção’], ‘a vida é a arte do encontro’.

E, desde a primeira vez em que a gente [a equipe original do filme] se

E, desde a primeira vez em que a gente [a equipe original do filme] seencontrou, passaram-se nove anos. Eu, o fotógrafo Adriano Goldman, aLara – que sempre foi a produtora do filme – era amiga da roteirista PatríciaAndrade, sobrinha do Nelson Motta. Ela trabalhou uns dois anos no roteiro,depois o Luiz Bolognesi conseguiu sujar um pouco mais como eu queria,intitulou Legalize já. Mas aí ele começou a falar com o Marcelo e virou umfilme sobre a prisão. Ele dizia que o Legalize já seria a resposta ao Tropa deelite.

Anos passaram, muita coisa aconteceu. O último roteirista do filme foi oFelipe Braga. A gente já tinha uns quinze tratamentos. Fui compilando,tirando o que eu não gostava. Aí, passados nove anos, o filme estava maismaduro, eu também, e fiquei muito a fim de fazer”.

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Skunk e Marcelo eram a própria contradição. Um de família negra e

católica, de classe média alta, da Zona Sul. O outro, de família branca de

classe média baixa, ligada ao candomblé e à umbanda. Para o D2, Skunk foi

um anjo que entrou em seu caminho, tornou-se o seu melhor amigo durante

dois anos e, de repente, bateu asas e voou. Antes de ser o Legalize já, o filme

iria se chamar Anjos da Lapa.

Na segunda exibição pública, também em dezembro de 2017, na 41ª

Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme levou o prêmio de

Melhor Ficção Nacional, na opinião do público. Segundo o diretor, a demora

de nove longos anos se deu pelo pouco envolvimento do Marcelo:

“Se na época de captação ele tivesse colado na gente, teria acontecido mais

“Se na época de captação ele tivesse colado na gente, teria acontecido maisrápido. Os atores que a gente selecionou mudaram muito até a gravação. Láatrás, o João Miguel ia fazer o Brennand; o Fabricio Boliveira seria oSkunk; a Nanda Costa, a esposa do Marcelo. Mas isso foi há nove anos. Poroutro lado, o não envolvimento dele me passava respeito e confiança no queeu estava fazendo. O Marcelo sempre dizia que o filme era meu, não dele.

Mas ele é como o Romário, que no fim da partida resolve a parada. Aosquarenta e cinco do segundo tempo, ele chegou com tudo, chegou junto pracaralho. Ajudou muito com a direção de arte, figurinos e foi fundamental naparte musical. Teve sessões que ele saiu no meio, chorando de emoção. Porexemplo, na cena na casa do Dark, quando o pai diz que ele tem que irembora. Na cena da morte do Skunk eu nem o convidei.

A última namorada do Skunk foi na gravação na Treze de Maio, e foi umadas coisas mais emocionantes que você pode imaginar. Ela foi a últimapessoa que conviveu com ele. E ele não transava com ela, dizendo que eraoutro tipo de amor. Ao final, chorando copiosamente, ela me abraçou e disseque naquele dia ela finalmente conseguiu se despedir dele. O texto que apersonagem radialista da Rafaela Mandelli leu no filme foi escrito pelaMonikinha Venerabile.

O clipe original em película que está no filme a gente achou jogado naUFRJ. Eu estava trabalhando com o Marcinho Menezes, bem no início daminha carreira na série Alice, para a HBO. Achamos a lata, tenho o clipeinteiro. Aí, eu peguei o material e editei. Como eles usavam uma fitacassete, a sincronização é uma merda. Era um trabalho de faculdade doFabricio e do Cabelo.

Na única vez que eu falei com o BNegão, ele foi até a casa da Lara e pediupara não colocar o nome dele no filme. Quando o Planet voltou, ele mudoude ideia. Mas ele disse que o Planet Hemp era a banda do Skunk, não doMarcelo. O Rafael ficou puto, tipo o Frejat no filme Cazuza. O Bruno, que

interpretou o Rafael, já tinha trabalhado no filme Tim Maia. O primeirocorte do filme tinha duas horas e meia. Terminou com uma hora e trinta equatro minutos. Cortamos a apresentação do personagem do Skunk pelametade, várias cenas do Marcelo com a mulher.

Foram quatro semanas de filmagem. No último dia de gravação, quando agalera começava a desmontar, rolou um show surpresa do Planet Hemp. E,como presente para a molecada que fez a figuração, a gente deixou elesficarem também. Foi na cena do Garage, gravada no Teatro Odisseia, naLapa. Nesse dia eu acordei chorando, pisei lá chorando, eu estava há noveanos fazendo o filme. Como era só o show, eu fiquei de espectador”.

Cartaz oficial do filme. Foto: Divulgação Academia de Filmes.

CAPÍTULO 60

LEGADO

A volta do destemido Planet Hemp no país do golpe se deu gradualmente,

numa fotossíntese ao contrário. Na natureza, as plantas absorvem a luz do Sol

durante o dia e, à noite, absorvem oxigênio, eliminando gás carbônico. No

planeta maconha é o inverso: seus moradores absorvem a energia da noite,

queimando um e inspirando gases, recuperando o oxigênio durante o dia.

Porém, apesar da reunião da banda, os seus integrantes continuaram com os

seus projetos paralelos.

Em 2017, o ano do Marcelo foi de Flamengo, cerveja, jazz e correria. Ele

assinou uma coluna semanal sobre o seu time de coração no jornal O Globo,

deu nome a uma cerva da Layback (marca catarinense do skatista Pedro

Barros) e formou o grupo Marcelo D2 & SambaDrive para tocar as suas

próprias músicas em ritmo de jazz. A primeira turnê rodou o Brasil, a Europa

e a América do Sul.

Patrocinado há anos pela Nike, o sneakerhead Marcelo correu atrás de

patrocínio para o seu novo projeto, Amar é para os fortes, iniciado em 2014 e

concretizado em 2018, sem uma gravadora por trás para bancar. As músicas

do décimo disco [536] da carreira do D2 compõem a trilha sonora do filme,

que também tem roteiro dele:

“Eu nunca pensava em ganhar dinheiro com os discos. Queria que o discofosse ouvido, pois sempre foi só uma forma de expressão. A MTV foi o

YouTube da minha época. Tinha que estourar lá pra banda acontecer, e foimuito importante pra gente. Ganhei vários prêmios [na MTV]. O Planet foiindicado várias vezes ao VMB, mas nunca ganhou nada! Nada! Granamesmo veio com show, com publicidade...

Essa coisa de amar é para os fortes mostra que o pica das galáxias não é ocara que dá tiro em todo mundo, é o cara malandro, que ganha dinheiro, quevive e vai embora. É engraçado, porque eu sempre amei cinema, ficavaansioso para ir às sessões.

Aí, passou aquele furacão do começo do Planet, do moleque suburbano quefoi morar no Catete e teve um filho, banda que estourou, dando entrevista eopinião sobre tudo. Hoje, posso chamar diretores que eu gosto, já dirigiclipes meus e do Stephan também. Pensei nisso antes de fazer o Amar é paraos fortes. Porque vai ser meu décimo disco, com cinquenta anos, entãoresolvi escrever o meu filme [537].

O Planet sempre foi muito largado. A gente não faz projetos, deixamos ascoisas acontecer. Voltamos em 2012 com um show. Aí, fizemos outro, em2013, em 2014 fizemos alguns e foi rolando... Agora, o Planet é um projetopra gente se divertir. Não tem mais gravadora: nem pra banda nem pra mim.Tô fazendo meu disco, meu filme e agora a reunião do Planet. Escreverroteiro, dirigir e cantar é foda [risos]”.

A história autobiográfica do primeiro filme de Marcelo mostra a dura vida

de jovens pobres como Sinistro, o protagonista, que foge da violência da

favela para conhecer uma artista plástica e mudar a sua vida: “Eu gosto de ser

um entertainer no palco, acho que faço bem essa função de MC, botar a

galera pra gritar, botar a mão pro alto, dar mosh, mas, nos meus discos, eu

quero conteúdo bravo. O cinema é um entretenimento e tem filmes que

mudam a vida das pessoas. Eu quero isso. Tocar alguém [538]”.

Quando sobe ao palco com a banda, o D2 cinquentão continua se sentindo

um moleque: “Parece que tenho dezesseis anos, pulando no palco. A gente

parou há doze anos, quase como uma street legend, sabe qual é? Tem uma

legião de fãs que nunca viu Planet Hemp”. Para um futuro disco do Planet,

Marcelo já escreveu as letras de “Eu me importo” (inspirada em “Pela paz”,

do Cólera) e “Agora chega”, sobre a política brasileira.

No segundo semestre de 2018, D2 comemorou vinte anos do seu primeiro

disco solo, Eu tiro é onda, e quinze anos do segundo, À procura da batida

perfeita. Dez anos depois do lançamento da sua biografia solo, ele ganha a

biografia da sua banda. Onda, batida, solo, banda. Motivos de sobra pra

sambar. No próximo disco do Planet Hemp, uma coisa é certa: D2 vai tentar

acrescentar o samba ao rap-rock’n’roll-psicodelia-hardcore-e-ragga da

banda. Nem que seja só de fininho.

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O rap do Planet Hemp tem dois lados, o A e o B. Entre idas e vindas na

banda, BNegão gravou um CD com o Funk Fuckers e três discos solo.

Marcelo nunca saiu, e antes mesmo de lançar Amar é para os fortes, já

contabiliza seis de estúdio e dois ao vivo na conta, apenas na carreira solo.

D2 também já morou duas vezes em São Paulo, enquanto o parceiro nunca

saiu do Rio. Dois estilos, dois temperamentos. Talvez por produzir mais,

Marcelo tenha se capitalizado mais. O posicionamento de ambos é bastante

diferente.

BNegão sempre se mostrou um artista versátil, com diferentes formatos.

Em 2017, ele fez shows tanto com o Seletores de Frequência quanto com o

Planet Hemp, tocou com o DJ Castro e o trompetista Pedro Selector no

BNegão Trio, dividiu o microfone em debates e fez participações especiais

em festas e bandas de abertura. Na opção mais econômica, BNegron Bota

Som é a versão DJ do Bernardo, na qual sequer precisa de palco.

Como as plantas, cada espécie de MC tem o seu próprio ritmo e a sua

própria necessidade de desenvolvimento. E são justamente as diferenças entre

elas que as fazem tão interessantes e especiais, juntas ou separadas.

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O braço rock do Planet Hemp é o Formigão, que não virou DJ, nem MC,

nem cineasta. Continuou sendo o bom e velho baixista das várias bandas.

Talvez o hemper mais querido pelos fãs, nunca saiu nem faltou em show.

Certa vez, tocou com a perna engessada e o dente inchado do siso ao mesmo

tempo. Por essas e por outras, a “lêndea” do rock carioca inspirou e continua

inspirando.

No dia da exibição do filme Legalize já, no Festival do Rio, no Cine

Odeon, Formigão não apareceu. Na sequência, houve show do Planet no

Circo Voador e Marcelo perguntou o motivo da ausência. “Eu não iria me

aguentar de tanto chorar.” Sim, dentro de uma grande formiga também bate

um coração.

A experiência de conhecer e conviver com os seus ídolos na adolescência

foi decisiva para Rodrigo Tonante decidir ser roadie profissional. Nesse show

memorável no Circo, quando o Planet tocava a última música, “Mantenha o

respeito”, Formigão largou o baixo e o Tonante o pegou para colocar na

estante: “Nessa hora, o Bernardo disse que era pra eu tocar. Foi uma emoção

sem tamanho. Depois do show da volta, em 2012, às vezes eu passava o som

do baixo até o Formiga chegar. Quando ele, o Pedro e o Nobru chegavam, eu

cantava com outro roadie, até que o Marcelo e o Bernardo chegassem”.

Era a forma do fã sentir a sensação de ser um integrante do Planet Hemp

por alguns instantes. Sensação essa que Joel, o Formiga, sente desde 1993 e

que certamente pretende sentir por muito tempo.

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Um dos sintomas de que essa banda deixou marcas é quando você lembra

dos primeiros shows. O responsável pela psicodelia do Planet Hemp foi o

tecladista e produtor Apollo 9 (que agora é Nove por extenso):

“Os meus dois primeiros shows no Planet foram no Guarujá, com o CharlieBrown, e um na Uerj, no Rio. Era um palquinho baixinho, nem tinhailuminação. Aí entrou um cara pelado, pegou uma cadeira de praia, abriu ojornal e acendeu um baseado. UAU! Isso nunca aconteceria no Aeroanta, emSão Paulo. Teve um moleque que deu um mosh enfiando a cara na parede.Eu me lembro dele todo machucado depois do show tirando foto com abanda.

Hoje eu tenho quatro filhos, o mais velho tá com dezenove, dois gêmeos dedezessete e um menino de doze. Os meninos começaram gostando do D2,porque ele fez uma reengenharia da carreira dele muito interessante, quemostra o artista e a pessoa interessante que ele é. Os meus filhos meenchiam o saco pra ir num show do Planet e os amigos deles não acreditamque eu toquei com eles. O fato de as músicas tocarem até hoje é muitorelevante.

Então, eu os levei pra ver o show no Espaço das Américas lotado, umas dezmil pessoas. Quando eu fui pegar uma cerveja, passou um cara apagadosendo carregado por umas pessoas, com a testa estourada porqueprovavelmente deu um mosh e foi de cara no chão. De repente, voltou o caracom a testa enfaixada, correndo de novo pro meio da galera. Isso me deu omaior flashback.

Claro que tocar as músicas sem o teclado é como cantar parabéns sem ‘épique, é pique, é pique’, mas tudo bem. É muito bonito eles aindatrabalharem com o Kleber, que está tirando um puta som deles. Olha aconsistência disso: o fato de o Planet ser uma banda querida e o público terum comportamento igual ao de tantos anos atrás. Isso é uma coisa muitopreciosa.

[Depois do show], cheguei com os meus filhos lá no camarim, puta lugarchique, com champanhe e tal, o Seu Jorge lá, todo garboso, várias outraspersonalidades. O Robert Wyatt do Soft Machine [539] disse que ‘a maioriados artistas te levam até um limite. A Cosey [540] começa a partir dolimite [541]’. E o Planet começou a partir do limite”.

Apollo continua produzindo até hoje, e cada vez melhor, pela sua

produtora A9. Ele tem como clientes e amigos Marcelo D2, Zé Gonzales e a

galera da hemp family.

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Rafael sempre foi o mais hardcore do Planet Hemp. Num dos primeiros

ensaios do embrião da banda, assim que ele chegou no estúdio plugou o

pedal, a guitarra e o amplificador e colocou de lado a ideia de misturar rap

com samba e MPB.

Na crew, passou por todas as roubadas de início de carreira: “Certa vez,

marcamos dois shows na mesma noite. Um num clube, em Bangu, e depois

em Jacarepaguá. Naquela noite, choveu pra caralho e alagou tudo! Nós

chegamos em Bangu umas nove da noite, e não tinha equipamento, nada. Aí,

fomos pra Jacarepaguá e foi foda. Tinha uma galera, foi irado”.

Rafael saiu duas vezes do Planet Hemp: em 1997, antes da prisão, e no fim

de 2013, antes de terminar a turnê O ritmo e a raiva. Teve outras bandas,

como Elroy, DJ Sonic e Polara, e um estúdio. Em 2016, ao lado de Marcello

Fernandes (baixo) e Mario Mamede (bateria), formou o Herzegovina,

fazendo um pós-punk soturno, “para dançar com as paredes”, como se fazia

nos anos 1980. A banda lançou uma demo em vinil e cassete. O amigo e DJ

Wilson Power, que conhece bem esse guitarrista fascinado pelo Billy Duffy

(The Cult), compara a sua banda nova com o bom e velho Warsaw [542].

A filha de Rafael nasceu pouco tempo antes do Usuário, o disco em que o

guitarrista foi o principal compositor: “Na infância, eu lembro de ter ido no

aniversário de um dos filhos do D2, mas com a separação da banda, eu perdi

contato com todos. Então, não houve amizade. Depois, mais velha, com

dezoito anos, eu reencontrei todos eles no show do Circo Voador [em 2012],

e foi engraçado, porque todo mundo se sentiu muito velho quando me viu.

Ninguém acreditou. Foi um dos melhores shows da minha vida. A energia no

ar era muito forte, todo mundo estava muito feliz e animado”.

Ela garante que o pai tentou lhe dar aulas de guitarra, mas não deu muito

certo: “Fui um fracasso [risos]. Bateria também não deu muito certo. Nunca

pensei em ter banda, pois eu nunca tive talento com instrumentos musicais,

embora eu gostasse de cantar”. Filha do Rafael com a mixologista Sandra

Mendes, Julia Mendes Crespo Lopes nunca passou por alguma situação

constrangedora por ter o Planet Hemp no sangue: “Até nos ambientes mais

conservadores as pessoas ainda acham muito legal pelo fato dele ser músico e

ter feito sucesso. Claro que sinto orgulho, só que não me aproveito da

situação para tentar chamar a atenção dos outros ou ganhar fama. Acho que

ele merece isso. Não eu”.

Com os dois pés firmemente cravados no chão, ela afirma: “O mais

importante que tenho para falar da minha vida com o Planet é que, por mais

que isso seja algo grande e que tenha feito muito sucesso, não me mudou

como pessoa ou interferiu na minha vida. É algo que faz parte de mim, da

minha história, mas não trouxe coisas ruins. Apenas lembranças boas,

orgulho do grande músico que meu pai é e uma lição de que nós temos que

fazer o que gostamos na vida, irmos atrás dos nossos sonhos”.

No momento, Julia mora no interior de São Paulo, onde faz um curso de

gestão de equinocultura. Sandra e Rafael moram no Rio, ela criando

drinques, ele criando riffs.

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Na formação atual do Planet Hemp, Nobru é o homem da guitarra. Ele já

tocava com o baterista Pedro Garcia na banda Cabeça, cujo líder e fundador,

Fabio Kalunga, faleceu em 2017. Poucos meses antes de partir, ele fez shows

com BNegão & Os Seletores de Frequência em Curitiba e Belo Horizonte.

Nobru é o pseudônimo de Bruno Pederneiras, que conseguiu se firmar na

difícil tarefa de substituir o Rafael.

Um enorme desafio num momento ímpar, como se estivesse começando

tudo do início: “Muita gente que está vendo [o Planet Hemp] pela primeira

vez, só conhecia o trabalho solo do Marcelo. Esse lance de falar de maconha,

pra quem tá chegando agora, ainda é pertinente. Enquanto não mudar essa

situação, ‘Legalize já’ sempre será um grito. O que antes era ‘Não compre,

plante’, hoje já poderia ser ‘plante e venda dentro da lei’, como no Uruguai e

parte dos Estados Unidos”.

Nobru acredita que bandas como o Planet fazem falta. “Não surgiu

nenhuma nesse estilo papo reto ‘contra tudo e contra todos’ desde então.

Talvez, por isso, a banda ainda tenha relevância. E também não mudou muita

coisa no Brasil desde então: racismo, brutalidade policial, corrupção

generalizada, desigualdade social, intolerância religiosa, censura... Acho que

se algum juiz ou autoridade quiser mesmo encrencar com a parada, eles vão

dar um jeito. Mas, talvez, hoje não dê tanto Ibope querer melar os shows do

Planet... Brasil é Brasil, tudo pode acontecer”.

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O último vagão no trem do Planet Hemp é o ragga, de raggamuffin, e

quem introduziu o gênero jamaicano na banda foi o Black Alien. No primeiro

disco, “Deisdazseis” é o ragga no qual ele e D2 cantam somente à base de

palmas: “Ele bate no bumbo e você sente no peito // esse é o Planet Hemp,

fazendo efeito // toda porrada que entra no ouvido sai da guitarra // rap-

rock’n’roll-psicodelia-hardcore-e-ragga // (...) eu canto o que eu falo, eu falo

o que eu quero // qual é o problema?”.

Gustavo realmente fala o que quer. Dez anos depois do aclamado disco de

estreia, Babylon By Gus – Vol. I: O ano do macaco, ele lançou Babylon By

Gus – Vol. II: No princípio era o verbo, viabilizado por crowdfunding e

composto durante mais uma internação pelo vício em álcool e cocaína. Após

nove rehabs, Black Alien deu a volta por cima e teve um 2017 fantástico,

tocando por todo o Brasil. Ele continua fora do Planet e soltou o verbo:

“Eles só vão saber se eu estou a fim de tocar com eles, se me ligarem. OMarcelo nunca me ligou pra perguntar nada. Posso tocar sim, se ele pagar oque eu mereço. Me liga e eu digo quanto eu quero. E sabe por quê? Porquedurante cinco anos eu não recebi nada! Dez mil por show não é dinheiro pramim. Eu quero o dobro. Banda de abertura é outro negócio, é o meu grupo, éa minha ideologia. Mas ainda não chegamos a um acordo em relação acachê.

Hoje, nego fica chocado como eu sou carrasco no trabalho. Eu que fecho oshow, faço a porra toda. Dou esporro, se passar um minuto sequer da horacombinada para tocar. Sabe por que nego me pergunta por que eu não estouno Planet hoje? Porque a definição de sucesso é dinheiro, exposição. Mas oPlanet não ganha mais dinheiro do que eu. Como eu não estou na mídia,acham que estou passando fome. Eu não estou passando fome. Nuncaprecisei e nunca vou precisar da banda.

Hoje, qualquer gatinha pelada fumando maconha tem o mesmo número deseguidores que eu. E tem mesmo, porque este é um país de merda, onde aspessoas glorificam cretinos e idiotas. Tem uma frase gringa que diz: Stopmaking stupid people famous [543]. Hoje, eu tenho cento e quarenta milseguidores, mas não participei do boom da internet, eu cheguei depois.Quando eu saí da clínica [pela última vez] eu tinha zero seguidores. Em trêsanos eu conquistei cento e quarenta mil. Dos meus primeiros quinzeseguidores, um era o Thaíde. O Mike D [dos Beastie Boys] me segue.

Três anos sem drogas e sem álcool e, hoje, nego acha que estou curado.Ninguém vale a minha recaída. Não dá pra ser doidão e ser alguém. Não dátempo, tem que trabalhar! Nem o Snoop Dogg fuma tanta maconha quanto

você acha que ele fuma! Ele faz pra aparecer. O cara tem vinte discos eprecisa decorar as letras. Você tem vinte e quatro horas, sendo seis pradormir. Sobram dezoito horas pra você ser pai, artista e cuidar dos negócios.Não dá pra fumar maconha toda hora! Isso tudo é marketing. Qualquer umsó fuma quando não tá trabalhando”.

Em 2010, Black Alien perdeu o seu parceiro, Speed, assassinado em

Niterói. De 2011 para 2012, ele foi tema do documentário Mr. Niterói – A

lírica bereta, de Ton Gadioli. Após os períodos de queda, novamente a

ascensão. Começou 2017, com uma turnê por três estados: Rio, São Paulo e

Paraná. No festival Hip Hop Rio, na Marina da Glória, tocou ao lado do

Planet Hemp, Gabriel O Pensador e Filipe Ret. Em diversas gigs pelo Brasil,

convidou e foi convidado. Também lançou uma música avulsa, “Sangue de

free”, na qual cita os filhos gêmeos. No fim do ano, tocou no clássico festival

Porão do Rock, em Brasília, e na rave Universo Paralelo, na Bahia.

Black Alien trocou a sua Nikiti City por São Paulo há muitos anos.

Morando longe das tentações da Vila Madalena, num condomínio tranquilo e

pacato, atualmente Gustavo faz a gestão da sua própria carreira. Continua

gravando e cantando com um monte de gente bacana. Merece uma biografia

só dele.

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Depois que saiu do Planet, o DJ Zé Gonzales se reinventou. Morou na

Califórnia, onde criou o duo N.A.S.A. (North America/South America) e, de

volta ao Brasil, fundou com André Laudz o projeto de música eletrônica

Tropkillaz, que vai muito bem, obrigado. Ele continua trabalhando bastante

com os ex-integrantes Apollo, David Corcos e Jackson.

Um dos primeiros DJs de bandas de rock no Brasil, Zegon viveu uma

época de ouro: “Depois, veio uma geração que afundou o rock brasileiro.

Pós-emo, o rock perdeu relevância. Eu veria mais relevância no Planet hoje,

dentro do crossover de rock, hardcore e hip-hop, numa formação mais

original. Quem toca hoje faz parte da história, da hemp family, só acho que

uma banda que use scratches e beats deveria ter um DJ, mesmo que não seja

eu. Acho feio dar playback. Eu era importante dentro do Planet e, depois que

saí, nunca teve um DJ substituto”.

Mas o DJ também aponta virtudes: “Eles têm uma bagagem, um baixista

econômico, como o Formigão. O minimalismo dele valoriza o Planet. O

Marcelo é um MC da segunda geração do hip-hop do Rio. O Pedrinho era um

garoto e viu a banda surgir. A banda tinha três vocalistas versáteis e nenhuma

banda teve isso”.

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Ex-roadie, ex-guitarrista e ex-detento do Planet Hemp, Jackson foi o fã

que se embriagou com o sucesso. Depois de integrar a crew do Marcelo D2

solo, trocou a letra final do seu nome e como Jacksom gravou um disco como

MC, Do carvão ao diamante. Atualmente ele trabalha como produtor de

estrada do Tropkillaz.

“Tocar no Planet deu pra pagar as contas, mas não sobrou, por exemplo,

para comprar um carro. O Lobatto percebeu que o Marcelo era o cara mais

marcante da parada e ficou ao lado dele. Isso gerou problemas, por exemplo,

com o Ber e com o Rafael. O Lobatto cuidava mais do Marcelo do que do

resto, e a lealdade dos caras superou a amizade com todo mundo. Como eles

ganhavam muito mais na carreira solo do D2, foi mais interessante pra eles

acabar com a banda, em que as decisões tinham que passar por mais gente.

Além disso, o Marcelo já tinhas as crianças, não queria queimar o filme dele

falando de maconha”.

Na opinião de Jackson, “a volta do Planet faz sentido. O Charlie Brown

acabou, Raimundos continuou, mas sem o Rodolfo... as bandas da nossa

geração não existem mais”.

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Músico e produtor reconhecido, Daniel Ganjaman gravou e participou da

turnê do álbum A invasão do sagaz Homem Fumaça, tocando nos EUA, no

Japão e em praticamente todas as capitais brasileiras. Em 2011, se destacou

como produtor dos álbuns Nó na orelha, do Criolo, e Alegria compartilhada,

do For Fun (que contou com participação do Black Alien, em “Cosmic

Jesus”). Junto com os irmãos e o pai, desde 1997 Ganja é dono do estúdio de

gravação, mixagem e masterização El Rocha, na capital paulista.

Com conhecimento de causa, falou sobre a importância do Planet: “A

banda se consolidou como uma das mais autênticas expressões musicais

daquela época. Para toda a minha geração, o Planet Hemp e seus agregados

foram referência de inovação e qualidade no acabamento. Tenho um enorme

orgulho de ter feito parte dessa história, sem contar a bagagem adquirida e as

portas que se abriram após minha participação na banda”.

Quando o assunto é a legalização da maconha, eis a opinião do Ganja: “Na

época, ainda era um discurso muito distante da realidade, mas o Planet teve

absoluta importância, não só no enorme avanço que tivemos na causa em si,

mas também no que diz respeito à liberdade de expressão. Ambos os assuntos

ainda são extremamente discutidos hoje em dia e é muito louco pensar nesse

posicionamento que o Planet Hemp teve há mais de vinte anos, quando peitar

essa causa era algo impensável. A importância disso é imensurável”.

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Primeira funcionária da Na Moral Produções e hoje uma profissional do

audiovisual, Renatinha viu a carreira solo do Marcelo D2 como um ato

político: “Aí, sim, ele conseguiu vitrine para falar além do público

underground. Esse negócio que maconha alimenta a violência é balela. O que

combina com cocaína é nicotina e álcool. E depois de vinte anos continua

esse papo. Então, o Planet continua coerente, influenciando gerações e

fazendo você pensar”.

A produtora cultural e fotógrafa Elza Cohen, que levou a banda para

gravar o Usuário, pela Sony Music, não fuma, mas concorda: “Você vê o

show do Planet Hemp hoje e parece que o tempo não passou. Ainda não

surgiu nada tão consistente. Quando eu trabalhava com a banda, os meus

primos eram crianças. Hoje, eles são apaixonados como se o Planet tivesse

surgido agora. Essa geração dos vinte e poucos anos também se sente

representada. Eles contribuíram, e continuam contribuindo, inclusive para a

discussão da legalização da maconha. Uma velha banda nova”.

Amigo de longa data, o produtor, DJ, MC e ex-VJ Rodrigo Brandão toca

em festas, shows e promove eventos. Atualmente, ele lança mixtapes e se

apresenta com o pseudônimo de Gorila Urbano: “Uma noite, eu caí por acaso

num canal onde estava começando o show do Planet no festival Planeta

Atlântida. Aí, uma música, duas, que bagulho anacrônico, me soou datado.

Pra mim, os anos 1990 são marcados por Planet Hemp, Chico Science e

Racionais. São os caras que fizeram um debate e um som pra frente. Nesse

momento, acho que os Racionais envelheceram melhor. Pelo lado das bandas

de rock que estão aí hoje, só o Planet tem um debate atual”.

Esposa de Marcelo D2 há dezoito anos, Camila Aguiar concorda: “O

Planet Hemp não perde a atualidade porque, infelizmente, o nosso país não

progride. Acho mais atual do que nunca. As letras fazem até mais sentido

agora do que fizeram naquela época. É como se eles fossem profetas,

enxergando o que já estava acontecendo e a sociedade não queria ver. Daí,

chegarmos ao país dividido como hoje, e que se divide cada vez mais, numa

triste realidade. Só a união e o amor vão salvar a gente dessa”.

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Quem conheceu e conviveu com o Planet Hemp nos dourados anos 1990

diz que a banda continua relevante. Tocando com Os Cabeloduro (DF), que

continua em atividade, Gazu viveu a melhor fase do grupo junto com os

caras: “São dois Planets: antes da fama e depois da fama. Isso é normal, faz

parte do trabalho, até hoje somos amigos. No retorno dos caras num show

aqui, em Brasília, Os Cabeloduro foram lembrados. O Planet escreveu uma

história ímpar na música brasileira, ultrapassou a fronteira do rock. Na minha

opinião, uma das maiores bandas do Brasil, pelo som e pela postura. Falta

isso hoje no rock, só tem conversa fiada e pouca atitude”.

Vocalista do Jorge Cabeleira E O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis,

única banda do selo SuperDemo junto com o Planet, Dirceu nunca parou de

tocar. O grupo continua ativo e as memórias também: “Acho que o Planet e

os Raimundos foram as bandas com quem mais compartilhamos momentos

juntos na estrada, vários shows em comum, muito rock and roll em todos os

sentidos. Temos uma história massa juntos e essa conexão e essas

lembranças, todas elas positivas. Vida longa ao Planet Hemp e ao Jorge

Cabeleira! Quem sabe um dia nos encontramos pelos palcos da vida

novamente?”.

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Quando os integrantes do Planet Hemp estavam começando uma carreira,

o DJ Edinho já aplicava muita música boa neles. Um dos mais importantes

DJs de rock do Rio, tocando até hoje, lembra que sucesso é uma palavra

relativa:

“Eu acho que o sucesso do Planet Hemp tem muito a ver com a bandeira queeles resolveram apoiar. Musicalmente a banda é ótima, mas a mistura queeles faziam não tinha nada de excepcional. Acho que o pulo do gato veio nosegundo disco, quando começaram a flertar com sons brasileiros e abrir oleque sonoro. A produção do Caldato, a efetivação do Bernardo e aassociação com o Gustavo também foi benéfica pra banda.

Uma coisa bem importante no sucesso da banda é que, apesar de não terhavido grande investimento de marketing, assinaram com uma

multinacional. Isso os fez terem um lastro maior de divulgação do trabalhopara todos os cantos do país, já que a distribuição do CD era mais eficientedo que no caso dos independentes.

A importância que vejo neles é mais pela coragem de dar a cara a tapa,levantando essa bandeira de liberalização da maconha, de mostrar quãoarcaica é nossa legislação. Musicalmente, tem sua importância pelo caminhoque fez ao longo dos discos, misturando pitadas de samba, reggae,mostrando uma faceta mais brasileira e latina para o povo que gostavaapenas de rap e hardcore. Hoje, o Planet Hemp é importante por suaautenticidade, por sua força que continua intacta”.

Diretora do Circo Voador, Maria Juçá conhece o Planet Hemp desde

criancinha e reconhece que a banda literalmente plantou sua história: “As

gerações vão se sucedendo, mas as necessidades dos seres continuam as

mesmas: expressar suas ideias, estabelecer diálogo, se fazer entender e ser

reconhecido. Grande parte da nova geração encontra no Planet todas essas

características. A arte deles vai atravessar os tempos. São referência. São

vanguarda em sua geração, são novos, novíssimos”.

Para o Rolinha, produtor do Circo Voador desde os anos 1990, o Planet

Hemp nunca decepcionou: “O fato de eles falarem de maconha é mais pra

afirmar que ninguém diz pra eles o que fazer, e isso é o que mantém a

jovialidade deles. Nunca uma gravadora, um empresário ou qualquer

engravatado se meteu no core [núcleo] da banda. O Planet sempre vai ser

necessário, porque ali todo mundo é verdadeiro até a medula, todo mundo é

comprometido com a sua própria autonomia, é uma banda sem medo. E isso

faz muita falta. Nenhuma banda surgida depois dos 2000 no Brasil me

pareceu trazer esse espírito. Não é que sejam melhores ou piores, mas eles

são o que são. E são isso de um jeito que ninguém mais é”.

Criador do festival Mada, Jomardo Jomas já levou o Planet Hemp para

tocar em Natal (RN) por três vezes: “A relevância deles é enorme, e vai bem

além da bandeira da legalização da maconha. Eles levantaram a possibilidade

de discutir isso e também a liberdade de expressão, coisas que eram tabus. O

Planet Hemp marcou e marcará pra sempre a música brasileira”.

Quando o jornalista e produtor cultural Bruno Levinson lançou a biografia

Vamos fazer barulho! (Ediouro, 2007), do Marcelo D2, o Planet Hemp estava

parado. Desde o início ele quis fazer o livro explicitamente sob a ótica do

rapper. Com o passar do tempo, ele trocou a produção de shows e festivais

underground por empreitadas bem maiores. Bruno continua achando que o

Planet é uma excelente banda, mas acredita que a relevância está adormecida:

“Para serem novamente relevantes, só se fizerem boas músicas novas,

adequadas ao momento. Por mais que possamos dizer que o discurso de

‘Legalize já’ ou ‘Mantenha o respeito’ ainda são atuais e pertinentes, a forma

desse discurso evoluiu e as músicas ficaram. Sinto muita falta de um artista

com discurso vigoroso, contundente, inteligente, provocativo, como o Planet

já teve. Acho, inclusive, que nosso momento político pede algo assim. Não

sei se o Planet ainda tem essa verdade nos olhos. Acho natural que não

tenham mais essa gana. As prioridades hoje são outras”.

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David Corcos se tornou um produtor famoso. No início do Planet, era um

rapaz que tocava bateria e tentava ser roadie. Ele foi testemunha ocular, mas

acredita que os tempos mudaram: “Rolou um impacto da volta, mas logo a

poeira deu uma baixada. Acho que a banda poderia ter relevância hoje com

material novo, com o mesmo discurso atual de legalização e crítica à

sociedade e à política”.

Técnico de monitor da banda há vinte anos, Germany Ribeiro sonha “que

o Planet volte a produzir, que traga o Gustavo de volta e que uma turnê nova

seja marcada nos próximos anos. Com o Nobru na guitarra, o som tá muito

afiado. O momento atual do Brasil e da música merecem uma banda com tal

atitude. Algo com uma estrutura viável pra rodar o país, [fazer] novos clipes,

[emplacar] hits no rádio etc.”.

Segunda pessoa contratada para a equipe técnica da banda em 1995,

depois do roadie Kadu, ainda hoje Kleber França surpreende-se quando, nos

aeroportos, esbarra com fãs que eram moleques e hoje são adultos: “Acho

que o público e o próprio Planet merecem um material novo. Mas eles têm

um ritmo próprio. Uma hora deve sair, e, se sair, vai ser com a assinatura do

Planet. Na hora que ouvir os primeiros acordes, você já sabe quem é”.

Presidente do fã-clube, Daiane tem a mesma expectativa: “A gente vai

ficando mais velha, continua gostando, mas o pique diminui. Eu acordo às

três da manhã pra entrar no trabalho às seis. É na hora que o show tá rolando!

Até hoje, tem gente que eu falo sobre Planet Hemp e não conhece [a banda].

Mesmo gente mais velha. Mas conhece o D2. Eu acho as músicas do Planet

Hemp tão atuais quanto antes, porque não mudou nada, continua a mesma

bosta. Sou a favor de tudo que eles pregaram, e pregam, inclusive a

legalização da maconha. E olha que eu não fumo. Queria muito que eles

voltassem com o pé na porta”.

Pois é. Enquanto houver injustiça, repressão e aquele cheirinho

inconfundível no ar, o Planet Hemp continuará queimando tudo até a última

ponta, até o último ponto.

Kleber França, dono do P.A. do Planet Hemp e destas credenciais, gentilmente cedidas para o livro. Otécnico de P.A. entrou para o Planet Hemp no especial Som Brasil - Rita Lee, no Metropolitan (RJ), no

dia 3-10-1995 e até hoje opera o som do grupo.

D2 e Gabeira no International Magazine #39, em agosto de 1997 (acervo pessoal de Pedro de Luna).

Planet Hemp na Rock Press #7, em março de 1997 (acervo pessoal de Pedro de Luna)

Denise Andrade enquadra o Planet na revista Vírus #6, em 1997 (acervo pessoal de Bacalhau).

A foto clássica do Usuário na capa do Underguide #2, em 1996 (acervo pessoal de Pedro de Luna).

Recorde de lotação no Bedrock, em Niterói (acervo pessoal de Pedro de Luna).

Primeira vez em Fortaleza, em 1995.

Registro histórico do primeiro show da história do Planet Hemp, no Garage, em 24-7-1993.

No extinto Urbania, o primeiro show na capital paulista, em 1993 (acervo pessoal de Ronaldo Pereira).

Show em 1994 no lendário Canil Pub de Mesquita (acervo pessoal de PC Stocc).

Flyer do show na barraca Biruta, em Fortaleza, janeiro de 1996 (acervo pessoal de Ronaldo Pereira).

A noite de 1995 em que a galera do Planet Hemp conheceu Chico Science & Nação Zumbi, emIpanema.

CRONOLOGIA

Reconstituir os passos do Planet Hemp e da hemp family foi uma tarefa

hercúlea. Parti do nada, sem uma agenda, um caderno ou qualquer anotação

de local, data, mês ou ano. Aos poucos, por meio de flyers, cartazes,

reportagens e páginas na internet fui reconstituindo o caminho que os

hempers e as bandas amigas fizeram desde o início. Também são citados

fatos importantes, como premiações, shows de artistas que são referência e

outros marcos relevantes.

A minha intenção foi a melhor possível com os recursos disponíveis para

esta solitária pesquisa. Humildemente, considero a cereja do bolo. No caso

deles, a cerveja. Espero que contribua para pesquisas e bibliografias. Caso

você encontre algum dado errado ou detalhe impreciso, ou tenha algum

material de show do Planet Hemp que não está neste levantamento, por

gentileza, envie para mim: <[email protected]>.

Dessa forma, poderemos atualizar a cronologia em edições futuras. Jah

bless!

Pedro de Luna

199131/8 – Primeiro show no recém-construído palco do Garage Art Cult (RJ).6/9 – Rodrigo Brandão e Marcelo D2 se conhecem na porta do show do DeFalla, no Garage.7/9 – Primeiro show do Public Enemy no Brasil, no Ginásio do Ibirapuera (SP).7 a 17/11 – Primeira Bienal Internacional de Quadrinhos no Rio.

199214/4 – Fábio Costa, do Garage, organiza seu primeiro show internacional com os alemães do Kreator.Julho – Os mangueboys lançam no Recife o manifesto “Caranguejos com cérebro”.24/9 – Skunk, Carlos Rasta e Brennand vão ao show dos Ramones, no Canecão e, por pouco, nãoesbarram com Marcelo D2.17/10 – Poindexter abre para o DeFalla, no Circo Voador. D2 dá um mosh e Skunk canta no show deEdu K e companhia.24/10 – Cold Turkey toca no Garage.

199314/1 – Festa de lançamento do SuperDemo na Kitschnet (RJ). Show com Second Come e Do Inferno aoParaíso (Diaop).15/1 – DeFalla toca no primeiro dia do Hollywood Rock, no estádio do Morumbi (SP), com Alice inChains, Biquini Cavadão e Red Hot Chili Peppers. Durante a transmissão do festival, a MTV exibe amatéria sobre o Manguebeat, gravada quase seis meses antes, no Recife.26 e 27/3 – Show do DeFalla no Circo Voador (RJ). Marcelo D2 canta numa música.1º/4 – Festa do SuperDemo na Dr. Smith (RJ), com show de Little Quail & The Mad Birds e GangrenaGasosa, DJs Edinho e Mauricio Garcia.25/4 – Primeira edição do festival Abril Pro Rock, com CSNZ e outras onze bandas no Circo MalucoBeleza, no Recife (PE).9/6 – Show de CSNZ e Mundo Livre S/A no Aeroanta (SP).26/6 – Festival SuperDemo, no Circo Voador, com Skank, Raimundos, Artigo 288 e Pravda.Julho – CSNZ assina contrato com a Sony Music.24/7 – Primeiro show do Planet Hemp, no Garage, com Suínos Tesudos, Unmasked Brains eChip’n’Dale Rose Rang.30/7 – A banda Cão Careca (que também já se chamara Bat Macumba) muda o nome pra O Rappa etoca no Circo Voador.17 a 19/8 – Primeira edição do festival Juntatribo, na Unicamp, em Campinas (SP), com Second Come,Raimundos, Okotô, Pin Ups, Mickey Junkies, Tube Screamers e várias outras bandas.21/8 – Segundo show do PH, novamente no Garage, com Cold Turkey, Cactus Cream e Beach Lizards.28/8 – Show com DeFalla, Pavilhão 9 e Second Come no Circo Voador.3/9 – PH faz show no Garage com Cabeça, Funk Fuckers, Piu-Piu & Sua Banda e Soutien Xiita.4/9 – Show do PH na Let it Be (RJ), em Copacabana, com Dogs in Orbit.12/9 – Primeira grande matéria sobre o PH, publicada por Pedro Só, em sua coluna no Jornal do Brasil.19/9 – PH toca com Sex Noise no Sacristia, em Bangu (RJ).1º/10 – Aniversário de trinta anos do Formigão, quando ele dá o primeiro pedaço do bolo pro Skunk, oamigo que o apelidou.6/10 – PH e Poindexter tocam na festa Hell Radio V, na Torre de Babel, em Ipanema (RJ). Nesse dia,os músicos do Planet conhecem pessoalmente a galera do CSNZ e fazem uma jam session.8 e 9/10 – Festival SuperDemo 4 no Circo Voador. Sexta: Piu-Piu & Sua Banda, Suínos Tesudos,CSNZ e DeFalla. Sábado: PH, O Rappa, Alexandre Lima, Lordose Pra Leão e Gabriel O Pensador.11/10 – PH toca no Garage, com Funk Fuckers, Poindexter, Cabeça, Tornado e Speed Freaks.17/10 – Tom Leão publica na coluna “Rio Fanzine” (jornal O Globo) a segunda grande matéria sobre oPH.

24/10 – PH lança a demo-ensaio no Urbania (SP), com Skunk e D2 nos vocais. Também participam doevento Speedfreaks e a Manson Family.31/10 – Funk Fuckers toca no Urbania.3/11 – O Jornal do Brasil publica a matéria “Os novos barulhos”, com foto de integrantes do Dash,Beach Lizards, Pelvs e PH (no caso, o Formigão).11 a 21/11 – Segunda Bienal Internacional de Quadrinhos no Rio. Várias bandas da galera seapresentam, inclusive o PH.20 e 21/11 – Dose tripla no Urbania. Sábado, show com PH e Cold Turkey; no domingo, Speedfreaks.28/11 – PH toca no Garage, no evento Não Esperem que Façam por Nós, com Cabeça, The Fectos,Slow Death e outras seis bandas.29/11 – Zé Gonzales toca como DJ com Arthur Veríssimo na festa da revista Trip, em São Paulo.3/12 – Tributo ao The Doors no Circo Voador. O PH participa no show do Beach Lizards quebrando,aos chutes, um quadro do Jim Morrison.6/12 – PH no SuperDemo 5 + festa da revista General, no Aeroanta (SP), com Maskavo Roots,Raimundos, Professor Antena e O Rappa.22/12 – Festa do SuperDemo na Dr. Smith (RJ) + festa da revista General.

199415/1 – Foto do PH numa matéria sobre moda street, no caderno “ELA”, do jornal O Globo.Fevereiro – PH na capa do jornal Traficante de Liberdade #3.5/3 – Festival SuperDemo 6, no Circo Voador, com Jorge Cabeleira e o Dia Em Que Seremos TodosInúteis, Pato Fu, Devotos de NSA, Coma e Paulo Francis Vai pro Céu.11/3 – Show do PH com Positive Soul e DeFalla, no Circo Voador.26/3 – Festival I Hate Lariú, com PH, Gangrena Gasosa, Soutien Xiita, Poindexter e Piu-Piu, no ECO,em Jacarepaguá (RJ).8 e 9/4 – Segunda edição do festival Abril Pro Rock, novamente no Circo Maluco Beleza, com CSNZ eJorge Cabeleira, que é contratado pela Sony.12/4 – Festival SuperDemo 7, no Aeroanta (SP), com PH, Piu-Piu & Sua Banda, GraforréiaXilarmônica, Linguachula e Tiroteio.15/4 – Show de lançamento do primeiro disco de CSNZ, Da lama ao caos, no Circo Voador.15/4 – A Re-volta do Garage. PH, Piu-Piu, Gangrena Gasosa, Beach Lizards, Cordel Elétrico e maisseis bandas.29/4 – Show de lançamento do disco Da lama ao caos, no Aeroanta (SP).11 e 18/5 – PH acústico no Botanic, no Jardim Botânico (RJ).14/5 – Show com PH e Suínos Tesudos no Canil Pub, em Mesquita (RJ).21/5 – Raimundos lança seu primeiro CD, no Circo Voador.23/5 – PH mais três bandas na Rave Hip Hop, na Fundição Progresso, na Lapa (RJ).27/5 – PH no Garage, com Funk Fuckers e Força da Gravidade.30/5 – PH na primeira edição do festival Humaitá Pra Peixe, no Centro Cultural Sérgio Porto, noHumaitá (RJ).3/6 – PH, Coma, Pinhead e Professor na festa Legalize It, no Circo Voador.8/7 – PH faz o primeiro show após a morte de Skunk, no SuperDemo, na praça da Estação, em BeloHorizonte. Além deles, tocam Os Baratas Tontas, Deep Noise e Brother Rap.

6/8 – Festa de lançamento do disco Ill Communication (Beastie Boys) e homenagem ao Skunk, noCirco Voador.12 a 15/8 – Festival BHRIF, em Belo Horizonte, com show do Fugazi (EUA).10/9 – Festa Rap Verde, no Circo Voador, com show do PH, Zé Brown, Tornado e Rap di Breque.16 a 18/9 – PH se apresenta no segundo festival Juntatribo, em Campinas (SP).30/9 – PH + 11 bandas na Concha da UERJ, no Maracanã (RJ).8/10 – PH no festival SuperDemo, no Aeroanta (SP), com Akbal, Coma, Party Up e Aftazarden.15/10 – Noite da Banguela Records, no Circo Voador, com Raimundos, Little Quail e Kleiderman.27/10 – O Free Jazz Festival realiza, no Hotel Nacional, o primeiro grande evento com hip-hopinternacional no Rio, com show do rapper Guru e dos grupos US3 e Digable Planets.4/11 – PH toca na Basement, em Copacabana (RJ), com Suínos Tesudos e Akbal.5/11 – Ramones no Circo Voador, com abertura do Little Quail.7/11 – PH na segunda edição do festival Humaitá Pra Peixe, com Coma e Akbal.26/11 – Durante a gravação do Usuário, o PH abre para o DeFalla na Rave Rock, na FundiçãoProgresso, na festa dos DJs Edinho e Wilson.1º a 4/12 – Festival SuperDemo, no Sérgio Porto, com show surpresa dos Raimundos.

19959/1 – PH toca com Big Trep e Coma, na festa de oito anos do “Rio Fanzine”, no Fun Club (RJ).13 a 22/1 – Primeira edição da Expo Alternative, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema (RJ).No último dia, Marcelo D2 canta “Zerovinteum” pela primeira vez, durante o show do Funk Fuckers.17/3 – Gravação do clipe de “Legalize já”, no Garage.8/4 – PH toca no terceiro dia do Abril Pro Rock, abrindo pro CSNZ.20/4 – PH abre para os Beastie Boys, no Imperator, no Méier (RJ). O grupo tocou dia 18 no Olympia,em SP, mas o PH não abriu.27/4 – Clipe de “Legalize já” estreia na MTV (após as onze da noite).Maio – D2 participa do show de Moreno Veloso no Humaitá Pra Peixe, no Sérgio Porto, cantando“Legalize já”.25/5 – Festa de dezoito anos da Rádio Cidade FM, no Metropolitan, na Barra da Tijuca (RJ), com PH,Barão Vermelho, Blitz e Biquini Cavadão.30/5 – Black Alien toca no Boungaville Club, em Niterói (RJ), com o DJ Rodrigues discotecando.3/6 – Festival SuperDemo, no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador (RJ). O PH não toca, mas D2canta com a banda paranaense Boi Mamão. Também tocam Jorge Cabeleira, Resist Control, Cabeça eConcreteness.11/6 – PH toca no Mistura Fina, na Lagoa (RJ).17/6 – PH toca no Hitchcock, em Santa Barbara d’Oeste (SP).19/6 – PH lança Usuário no Blen Blen, em São Paulo, com Jorge Cabeleira, também lançando o seuprimeiro CD.21/6 – Jorge Cabeleira lança o CD no Parque Garota de Ipanema, com PH, Coma e Blecaute.25/6 – PH toca num festival no Ginásio da Asbac, em Brasília, promovido pela discoteca 2001, com asbandas Suculent Fly, El Kabong, Paradoxo, No Class e Resist Control.30/6 e 1º/7 – PH no Jail Bar, em Curitiba (PR). Sexta com abertura do Resist Control e sábado comMonkey Brain.3/7 – Imperator fecha para reformas.

8/7 – Em turnê pela Europa e pelos EUA, CSNZ toca no Festival de Montreux e em Nova York.20/7 – Os clipes do PH e CSNZ são indicados no 1º VMB.4/8 – PH toca na Lona de Campo Grande (RJ), com Poindexter.10 e 11/8 – Festival SuperDemo, no Aeroanta de Curitiba. O PH não foi escalado.25/8 – PH e Maskavo Roots tocam no antigo Coliseo, em Curitiba.26/8 – PH toca no lançamento da coletânea No Major Babes, no Aeroanta (SP), com DeFalla, BlackAlien e outras bandas.28 e 29/8 – PH abre para o Cypress Hill, no Olympia (SP).31/8 – Festa do 1º VMB. PH, Sepultura e CSNZ fazem show (os pernambucanos junto com GilbertoGil).1º/9 – PH lança Usuário, no Cabaré da Fundição Progresso, na estreia de Zé Gonzales no Rio.8/9 – PH toca em Forquilhinha (SC).3/10 – PH grava o especial Som Brasil: Rita Lee (TV Globo), no Metropolitan. Primeiro show doKleber França como técnico de P.A. da banda.6/10 – PH no Circo Voador, com Coma, Boato e Baia & Rock Boys.20/10 – PH toca pela primeira vez em Niterói, na Double Six.28/10 – O juiz Huygenes Bandeira de Melo, da 3ª Vara Criminal de Goiânia, faz uma diligência em trêslojas e apreende 53 discos, 500 camisetas e cartazes de shows da banda na cidade.28/10 – PH toca na Yes Brasil, em Goiânia.29/10 – PH toca pela primeira vez em Fortaleza (CE).14/11 – PH toca para 1.200 pessoas na Apae de Florianópolis (SC).23 a 26/11 – D2 e Zé na Cannabis Cup, em Amsterdã.2 a 5/12 – Festival SuperDemo, no Teatro Garagem, em Brasília, com Acabou La Tequila,Kamundjangos, Funk Fuckers, Os Cabeloduro e várias outras. O PH não tocou.9 e 10/12 – PH toca na 2ª Convenção Internacional de Tatuagem, em São Paulo.13/12 – Festival SuperDemo, no Aeroanta (SP), com Las Ticas Tienen Fuego, Kamundjangos, AcabouLa Tequila, Cambio Negro e RIP Monsters.13/12 – PH no Ginásio do Olaria Atlético Clube (RJ).16 e 17/12 - Festival SuperDemo, no Parque Garota de Ipanema (RJ), com Cabeça, RIP Monsters,Acabou La Tequila, Kamundjangos, Maria do Relento, Little Quail & The Mad Birds e outras.23/12 – PH no Hollocaustus, em São João de Meriti (RJ), com Cabeçudos, Poindexter e Soutien Xiita.Dezembro – PH e O Rappa abrem para o argentino Charly Garcia na 1ª Riocult, no Riocentro. A bandaCSNZ se muda para o Rio e começa a gravar o segundo disco, Afrociberdelia. Marcelo D2 participacantando em “Macô”.

19965/1 – PH toca no Garage, com Beach Lizards, Piu Piu, Funk Fuckers, Cabeça e Tornado.10/1 – PH toca no Zaragata, em Salvador (BA).11/1 – PH toca no Batata Quente, em Aracaju (SE).12/1 – PH toca no Mauritzstadt, no Recife (PE).13/1 – PH no Biruta, em Fortaleza (CE).14/1 – PH e Brutal Brain, no Casarão da Ribeira, em Natal (RN).18/1 – PH toca no Subindo ao Céu, em Teresina (PI).20/1 – Primeira vez do PH em Guarapari (ES).

19, 20 e 21/1 – Festival Hollywood Rock, na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, com CSNZ,Raimundos e Pato Fu, um em cada noite.28, 29 e 30/1 – Festival Hollywood Rock, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, com CSNZ,Raimundos e Pato Fu, um em cada noite.2/2 – Festa Maryjane Pega o Bonde, no estúdio Totem, e show com Squaws.4/2 – PH na capa do jornal O Dia, com a chamada “Juventude fuma, come e até toma banho demaconha”.6/3 – PH no Aeroanta de Curitiba, com abertura do Resist Control.7/3 – Ramones no Metropolitan (RJ).8/3 – Raimundos e PH no Metropolitan, após dois cancelamentos (13 e 24/2).19/3 – Lançamento da coletânea Paredão, no Circo Voador, com show de Funk Fuckers, Poindexter,Kamundjangos e outras.22/3 – PH toca com Squaws, na Lona de Campo Grande (RJ).24/3 – PH toca para 1.800 pessoas no Bedrock, em Niterói (RJ), com abertura da banda Black Alien.Março – Chega às bancas a revista Trip sobre a Cannabis Cup 95, contando a aventura de D2 e Zegon.5/4 – PH participa da coletânea O triângulo sem bermudas (tributo aos Mutantes), gravando “Top Top”.13/4 – PH toca no Geraes Rock Festival, em Juiz de Fora (MG), com Pato Fu, O Rappa, CSNZ,Raimundos e Dinossauros Barrigudos.23/4 – Além de “Legalize já”, “Mantenha o respeito” entra pra lista das 10 mais da rádio Cidade FM.23/4 – Último show do Aeroanta, em São Paulo, que no dia seguinte fechou as portas.26/4 – Em partida pelo MTV Rock & Gol, Skank vence o PH por 11 a 0.4/6 – PH toca na festa da rádio Cidade FM no Canecão (RJ) e põe stripper no palco.4/6 – PH assume o 1º lugar na rádio Cidade FM, com “Mantenha o respeito”.8 e 9/6 – CSNZ lança Afrociberdelia, no Tom Brasil (SP).21/6 – Show do PH cancelado em Salvador e 62 pessoas são presas na porta. Nesse dia, as bandasBlack Alien, Acabou La Tequila, enZZo e Kamundjangos tocam na festa No Shape do Ska, noBedrock, em Niterói.22/6 – Show do CSNZ e Mundo Livre no Prospect Park, em NY.29/6 – A banda Black Alien toca no Olho do Tigre, em Niterói.3/7 – Primeira matéria falando do PH na revista Veja.11 a 27/7 – CSNZ faz a segunda turnê europeia, passando pela Suíça, Bélgica, França, Alemanha,Dinamarca, Holanda e Áustria.12/7 – Festa Grooves from Rio, no Totem (RJ). PH participa de jam session.18/7 – Juiz Ronaldo Sousa cancela show do PH, em Vitória. Promotor do evento e candidato a vereadorsão presos.19/7 – PH na Shock, em Salvador (BA).20/7 – PH no Biruta, em Fortaleza (CE).21/7 – Funk Fuckers toca no DCE da UFF, em Niterói (RJ).27/7 – PH no Espaço Emes, em Aracaju (SE).28/7 – PH tem o segundo show em Salvador (BA) cancelado.31/7 – Jornal do Brasil publica a matéria de capa “Gente que incomoda”.Agosto – PH sai do Rio num ônibus com a repórter da revista Bizz e a equipe do programa MTV naestrada, toca em Belo Horizonte (com a stripper Sibéria), segue pra Curitiba (sem ela) e vai para SP.7/8 – PH é tema de cartas em sessão da Veja.9/8 – Após um ano em obras, Imperator é reaberto com show do Roberto Carlos.

13/8 – Show do PH no Olympia (SP). Várias pessoas são presas e a banda acaba na delegacia.22/8 – Festa do 2º MTV VMB no Anhembi (SP). PH tocou “Hey Joe” junto com O Rappa.Setembro – PH toca na 1º Primavera do Rock, no Clube Aramaçan, em Santo André (SP), com Angra,Raimundos e Little Quail.5/9 – PH e Squaws no Lokau, no Recreio dos Bandeirantes (RJ).6 a 8/9 – Segunda edição da Expo Alternative, agora na Fundição Progresso. Marcelo D2 participa doshow do Funk Fuckers.17/9 – Marcelo D2 grava “Hey Joe” no segundo disco d’O Rappa, Rappa Mundi.20/9 – PH toca pela segunda vez no Bedrock (Niterói), com a banda Black Alien abrindo. Logo depois,BNegão deixa oficialmente a banda.21/9 – PH na Newtime (SC), com Papas da Língua e O Surto.23/9 – PH no Programa livre, do SBT.28/9 – Gustavo (Black Alien) Ribeiro estreia oficialmente como segundo vocalista no show do PH, naboate Hollywood, em São Gonçalo (RJ).29/9 – Funk Fuckers toca no Olho do Tigre, em Niterói (RJ).1º/10 – PH toca na Cervejaria Voadora, em Juiz de Fora (MG).2/10 – PH toca no Clube Petropolitano (RJ).4/10 – PH grava o clipe de “Dig Dig Dig” com Raul Machado, no Totem.10/10 – Pato Fu e CSNZ tocam no Circo Voador.12/10 – PH toca na festa Fortalecendo o Movimento, no Garage, com Cabeça, Funk Fuckers, BlackAlien, Squaws e Cabeça. A casa fica absurdamente lotada.25/10 – MTV exibe o Na estrada, com o PH.28/10 – PH em Volta Redonda e O Rappa no Circo Voador.29/10 – Show do PH cancelado na Spetaculus, em Brasília. Promotor manda apreender 500 CDs dabanda na capital federal.Novembro – PH tem show cancelado em Petrópolis (RJ). Após turnê na Europa, os Paralamasretribuem convidando CSNZ para abrir o show deles, no Metropolitan.8/11 – PH faz show com Cynics e Black Alien, no Circo Voador, e recebe o disco de ouro por Usuário.9/11 – PH toca em Belo Horizonte.16/11 – R.D.P. e Garotos Podres tocam e o Circo Voador é fechado. O PH não foi, pois o grupo tocouno Guarujá (SP) com Raimundos e Os Ostras.17/11 – A hemp family é capa da revista “Domingo”, do Jornal do Brasil.27/11 – PH toca na Melkweg, durante a 9ª Cannabis Cup, em Amsterdã.28/11 – PH toca na Pax Party, durante a 9ª Cannabis Cup, em Amsterdã.29/11 – Acabou La Tequila, Little Quail, Marky Ramone, Bad Religion e Sex Pistols no festival CloseUp Planet, na Praça da Apoteose (RJ).30/11 – Inocentes, Os Ostras, Marky Ramone, Bad Religion e Sex Pistols no festival Close Up Planet,na Pista de Atletismo do Ibirapuera (SP).2/12 – CSNZ toca no Canecão. É o último show no Rio, antes da morte de Chico Science.7/12 – PH (enfim) toca na Spetaculus, em Brasília.16/12 – Segunda festa Fortalecendo o Movimento, no Totem. Jam session com integrantes da hempfamily.20/12 – PH toca no Canecão.21/12 – O Rappa toca no Canecão.

199720/1 – Funk Fuckers + Suínos Tesudos no festival Humaitá Pra Peixe, no Sérgio Porto (RJ).25/1 – PH no Circo Beach, na praia de Imbé (RS). A turnê inclui também shows em Santa Maria,Caxias do Sul e Gravataí.28/1 – PH participa de jam session no encerramento do Humaitá Pra Peixe.31/1 – Últimos shows no Garage, com 21 bandas em 3 dias, antes de virar casa de forró.2/2 – Chico Science morre em acidente de carro, em Pernambuco.8/3 – PH no Centro de Convenções de Goiânia (GO).18/4 – PH toca no Bedrock, em Niterói (RJ).19/4 – PH no festival Abril Pro Rock, no Centro de Convenções do Recife, com Inocentes e Devotos doÓdio.22/4 – Funk Fuckers faz show e lança clipe no Ballroom (RJ), junto com o Zumbi do Mato.Maio – PH sai numa matéria na revista High Times, a “bíblia da Cannabis”.13/5 – “Queimando tudo” estreia em 2º lugar na Cidade FM do Rio.20/5 – PH grava o programa H, na Band.28/5 – Marcelo D2 e Black Alien participam da festa Jamléia Geral, no Nikiti Pub, em Niterói.7/6 – Jornal do Brasil publica resenha do segundo disco do PH. Cabeça lança o seu primeiro CD no(reaberto) Garage, com participação do Funk Fuckers. BNegão grava numa música do disco.9/6 – Funk Fuckers toca no Leão XIII, em Itaboraí (RJ).13/6 – No Rio, o jornal A Notícia publica a reportagem “Planet Hemp com o pé na cela” (sobre o siteda banda).27/6 – Em matéria no jornal A Tarde, o delegado Itamir Casal diz que proibiu os shows do PlanetHemp que aconteceriam em julho, em Salvador.1º/7 – “Queimando tudo” chega ao 1º lugar na Rádio Cidade FM.4, 5 e 6/7 – PH lança Os cães ladram..., no Palace (SP). Cabeça abre nos dois primeiros dias e OsCabeloduro no terceiro.11 e 12/7 – PH lança Os cães ladram..., no Imperator (RJ). Cabeça abre o primeiro show e OsCabeloduro o segundo.12/7 – Speedfreaks e enZZo tocam no Empório, em Ipanema (RJ).13/7 – PH toca no Gran Circular, em Brasília (DF).18/7 – Skol Rock no Imperator, com The Lemonheads (EUA) e Virgulóides.19/7 – PH toca no Biruta, em Fortaleza (CE).22/7 – PH toca em Mossoró (RN).23/7 – PH toca em Natal (RN).24/7 – PH toca em João Pessoa (PB).25/7 – PH tem show cancelado no Circo Maluco Beleza, no Recife, por causa da greve da polícia.27/7 – PH toca em Aracaju (SE).29/7 – O delegado Itamir Casal proíbe show do PH, em Salvador (BA).30/7 – Show do PH cancelado em Ilhéus (BA), por falta de segurança.31/7 – Show do PH cancelado em Porto Seguro (BA), por falta de segurança.2/8 – Show do PH cancelado em Maceió (AL).14/8 – PH toca “Adoled” “e Queimando tudo”, na festa do VMB.15/8 – PH toca na La Boom, em Mogi das Cruzes (SP).

16/8 – Show do PH, no Country Club de Bauru (SP), é liberado de última hora por juiz. Delegado localjá havia apreendido 59 camisetas.20 e 21/8 – PH toca no Opinião, em Porto Alegre (RS). Último show do Apollo 9 na banda.22/8 – PH toca no Engenho Santo Inácio, em Pelotas (RS).Agosto – Marcelo D2 e Fernanda Abreu no Programa livre, do SBT.9/9 – PH toca no S.O.S. Circo Voador, na Cantareira, em Niterói, para mais de seis mil pessoas, comparticipação d’O Rappa.13/9 – PH toca no Clube Primavera, em Indaiatuba (SP).19/9 – PH toca no Ginásio da Associação, em Taubaté (SP).20/9 – PH toca na Primavera do Rock 2, em Santo André (SP), com Ira!, Raimundos, O Rappa eCatapulta.26, 27 e 28/9 – PH volta ao Palace (SP) para três noites comemorando 200 mil cópias vendidas d’Oscães ladram...10/10 – PH tem show cancelado, na Hípica, na Gávea (RJ).11/10 – PH tem show cancelado em Caxias (RJ).19/10 – PH lança Os cães ladram..., no Canecão, com participação de Bezerra da Silva.Outubro – PH toca em Itu (SP), com CBJR e Catapulta; no clube Cristovão Colombo, em Piracicaba(SP); e na Jump, em Santos (SP). Na volta, Rafael se machuca e Jackson entra em seu lugar. O primeiroshow do novo guitarrista é em Belo Horizonte, para cinco mil pessoas, mas ele toca disfarçado, decapuz.24/10 – PH inaugura a Arena da Fundição Progresso. O Rappa toca no Imperator.25/10 – PH toca na Aldeia da Lua, em Volta Redonda (RJ), com Speedy Gonzales.28/10 – PH toca no 1º aniversário do programa H, na Band.1º/11 – PH, O Rappa e CBJR no Aramaçan, em Santo André (SP).4/11 – PH grava entrevista para o programa Jô Soares onze e meia (SBT), na véspera de o Marcelocompletar trinta anos.7/11 – PH tem show cancelado no Estação 767, em Belo Horizonte. A banda toma uma dura e passa amadrugada na delegacia. Fãs morrem após show dos Raimundos, em Santos.8/11 – PH toca no Minas Brasília Tênis Clube, em Brasília (DF).9/11 – PH é preso após o show, no dia do aniversário de seis anos do Stephan, filho do D2.10/11 – Três integrantes do Faces do Subúrbio são presos em cima do palco, num show no Recife, aocantar a música “Homens fardados”.13/11 – Planet Hemp é libertado da prisão, em Brasília.14/11 – Marcelo D2 iria participar do show do Pavilhão 9, no Palace (SP).15/11 – PH toca em Uberaba (MG) por mais que o dobro do cachê de antes da prisão. Fora da banda,Rafael faz a festa da sua Spicy Records no Bedrock, em Niterói, com Garage Fuzz, Againe, Dash, Pelvse Cigarettes.18/11 – PH dá entrevista coletiva para a imprensa, num hotel no Rio.19/11 – Ato pela liberdade de expressão e em solidariedade à banda, na praça Charles Miller, em SãoPaulo.20/11 – PH no Programa livre (ao vivo, sem o D2), em São Paulo.21/11 – PH no Programa livre, com o D2 (gravado). A banda recebe o habeas corpus preventivo nomeio da gravação.30/11 – Funk Fuckers toca em Irajá (RJ).6/12 – PH tem show cancelado, em São Luís (MA). Seria a primeira vez da banda por lá.

12/12 – Funk Fuckers abre para o Suicidal Tendencies (EUA), no Imperator.13/12 – PH toca em Vinhedo (SP), com o Formigão rachando o calcanhar durante a passagem de som.14/12 – PH toca no Aramaçan, em Santo André (SP).15/12 – PH toca em Rio Claro (SP).19/12 – PH toca no Circo Maluco Beleza, no Recife, mas o juiz Bartolomeu Bueno proíbe a entrada demenores.22/12 – D2 participa de jam session com O Rappa, na festa pelo disco de ouro por Rappa Mundi, noHipódromo Up, no Baixo Gávea (RJ).23/12 – “Hip Hop Rio” entra na parada da Cidade FM e “Zerovinteum” continua em 1º lugar no Top10.27/12 – Ainda repercutindo a prisão, o PH é capa do jornal International Magazine e das revistas Víruse Showbizz.

19989/1 – PH toca no Barulho do Mar, na praia da Cidreira (RS).10/1 – PH toca no Circo Beach, na praia de Imbé (RS).11/1 – PH toca no bar Opinião, em Porto Alegre (RS).20/1 – No dia de São Sebastião, o PH toca ao vivo no programa H de verão, numa praia no Rio deJaneiro.3/2 – PH emplaca “Nega do cabelo duro”, na Cidade FM.Março – PH toca com Charlie Brown Jr e Raimundos, em Vinhedo (SP).13 e 14/3 – O Rappa toca no Metropolitan (RJ).20/3 – Squaws abre para o Oasis, no Metropolitan.21 e 23/3 – Funk Fuckers faz dobradinha com Pavilhão 9, no lançamento do seu primeiro disco, Bailãoclasse A. BNegão e banda tocam na sexta, no Bedrock (Niterói); e no domingo, na MHS Skatepark, naZona Oeste do Rio.1º/4 – PH, Titãs, Arnaldo Antunes e O Rappa, no Metropolitan (RJ).2/4 – PH, Titãs, Arnaldo Antunes e O Rappa, no Palace (SP).4/4 – Invasão carioca no festival Abril Pro Rock, no Centro de Convenções de Olinda (PE), comSquaws, Funk Fuckers, Acabou La Tequila, Polux e Baba Cósmica. Lançando o seu primeiro CD,Agora tá valendo, os locais do Devotos do Ódio fecham a noite. Uma vitória da “Seattle dosMiseráveis”.5/4 – O Rappa toca no festival Abril Pro Rock, no Centro de Convenções de Olinda (PE).18/4 – PH toca em Niterói (RJ), com Curinga abrindo.24/4 – Show do PH é cancelado no ginásio Chico Neto, em Maringá (PR).25/4 – Lançamento da Hemp Comix número 1 (Taquara Editorial) na festa Zoeira, na Sinuca da Lapa,apenas com DJs. Rafael pede para não ser incluído nos quadrinhos sobre o PH.8/5 – D2 participa do primeiro show da Nação Zumbi, após a morte de Chico Science, para lançar odisco C.S.N.Z., em Santos (SP).15/6 – Funk Fuckers lança o seu primeiro CD, no Ballroom (RJ), com abertura dos Djangos.26/6 – O Rappa e Marcelo D2 tocam na França, em clima de Copa do Mundo de Futebol.Junho – PH e Racionais MCs tocam no Clube Aramaçan, em Santo André (SP).11/7 – Mais um show pra salvar o Garage, novamente com Funk Fuckers tocando.

17/7 – Primeira edição da festa Hip Hop Rio do Marcelo D2, na Casa do Tá na Rua, na Lapa (RJ).Black Alien cantou, Zé e Nuts discotecaram.18/7 – Ainda na tentativa de reerguer a casa, Funk Fuckers e Chatos & Chatolins tocam no Garage.19/7 – Squaws toca no festival Caiu na Rede é Punk Rock, em Itaipu, Niterói.31/7 – Festa Black Family, na Fundição Progresso, com Black Alien, Funk Fuckers e outros. Elza eMarcelo D2 atuaram como produtores e DJs. Seu Jorge também discotecou.Julho – Turnê Malungo, a primeira da Nação Zumbi sem Chico + Marcelo D2.8/8 – Funk Fuckers e CBJR tocam no Imperator. Big Trep e Autoramas tocam no Bedrock.15/8 – Squaws e Pavilhão 9 abrem para o Sepultura, no estacionamento do Anhembi, em SP.20/8 – Marcelo D2 abre pra Björk, no festival Close Up Planet, no Metropolitan (RJ).21/8 – Nação Zumbi abre para o Prodigy, no festival Close Up Planet, no Metropolitan (RJ).Setembro – PH e O Rappa na Jump, em Santos (SP).4/9 – Festa de aniversário de oito anos do Garage, com Marcelo D2 atuando como DJ.6/9 – Funk Fuckers toca no Garage.15/9 – Maria Juçá lança, no Canecão, a coletânea Esse é do bom e do melhor, com shows de PH, NaçãoZumbi, Farofa Carioca e Baia, em prol do Circo Voador, que continua fechado.24/9 – Festa de lançamento da Trip #65, com Marcelo D2 e convidados como DJs. A revista trouxe otrabalho solo do D2 num CD single. Ele saiu numa capa, a outra opção era com a Rafaela Fischer.26/9 – D2 promove a segunda edição da festa Hip Hop Rio, na quadra do Jacarezinho, Zona Norte doRio.26 e 27/9 – Zine Mutante 2, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.5/10 – Nova temporada do seriado Malhação e o PH tem “Hip Hop Rio” incluída na trilha sonora. Ottolança o disco Samba pra burro, com produção de Apollo 9.6/10 – Jornal do Brasil publica a primeira matéria sobre o disco de estreia do D2 solo, Eu tiro é onda.25/10 – Funk Fuckers na festa de cinco anos dos Cabeçudos, na MHS Skatepark (RJ).27/10 – PH toca e grava na festa de cinco anos do selo Chaos, na Via Funchal (SP). Sem o bateristaBacalhau, Marcelo Yuka (O Rappa) quebrou um galho e cumpriu a missão.30/10 – Nação Zumbi lança C.S.N.Z. no Ballroom e Marcelo D2 participa.31/10 e 1º/11 – Festival Rock SE, no estádio Batistão, em Aracaju (SE). Marcelo D2, Squaws, Pelvs eO Rappa representam o Rio junto a outras quinze bandas, como Pin Ups, Mechanics, Living In TheShit, Eddie, Snooze, Lacertae e Karne Krua (as três sergipanas).9 e 10/11 – D2 lança Eu tiro é onda, no Teatro Rival, com participação de Speed, BNegão, Black Alien,Jackson e outros MCs.6/12 – Após muito tempo, PH toca novamente no Garage, num domingão à noite.7/12 – Primeira turnê internacional do PH, para Portugal, com Pedrinho no lugar de Bacalhau.8 e 9/12 – PH toca no Ritz Club, em Lisboa.10/12 – PH toca no Hard Club, no Porto.11/12 – PH toca no Iguana Bar, em Montijo.11, 12 e 13/12 – Elza Cohen realiza o derradeiro SuperDemo, na Fundição Progresso (RJ), com FunkFuckers, DeFalla, O Rappa e Squaws. Da hemp family, só o PH não tocou, pois estava viajando.12/12 – PH toca na Casa dos Rapazes, em Faro. Último show da turnê.

1999Fevereiro – PH toca na Jump, em Santos (SP).

13/2 – D2, Seu Jorge e BNegão se apresentam no Carnaval, nos Arcos da Lapa (RJ).14/4 – Festa Guanabara Sessions, com Black Alien, Menescal, Marcelinho Da Lua e outros, no MisturaFina (RJ).23/4 – Black Alien e Speed cantam na Zoeira, no Palácio dos Arcos, na Lapa. D2 inicia a coletânea HipHop Rio, com produção de David Corcos.14/5 – D2 lança Eu tiro é onda, no Palace (SP), com abertura de Funk Como Le Gusta e Thaíde & DJHum.20/5 – PH e DeFalla no Opinião, em Porto Alegre (RS).Setembro – PH faz o show de inauguração da Mega Show, no Retiro, em Salvador (BA).25/9 – PH toca na festa Túnel do Tempo, no Estádio Ayrton Borges, em Uberlândia (MG).29/9 – D2, Black Alien, Speed e DJ Nuts participam do show do Funk Como Le Gusta, no Ballroom(RJ), na música “Fourty Days”, do trompetista Billy Brooks.9/10 – PH toca na 3ª edição da Primavera do Rock, na Adler, em Vinhedo (SP), com Ultraje a Rigor,Capital Inicial, Raimundos e Golpe de Estado.16/10 – PH toca na 3ª edição da Primavera do Rock, no Clube Aramaçan, em Santo André (SP), comUltraje a Rigor, Capital Inicial, Golpe de Estado e Raimundos (com quem Black Alien cantou “Deixaeu falar”).19/11 – PH participa do show do Black Alien & Speed, na Aracnomania na UERJ (RJ), que contoucom Pacto Social, 77 Idols e Manifesto 021.20/11 – Pavilhão 9 e Nocaute no Bedrock, em Niterói (RJ).

200019/1 – PH faz show surpresa no festival Humaitá Pra Peixe, com duas guitarras: Jackson e Rafael.22/1 – Último show do Garage, que fecha pra valer.Fevereiro – PH toca pela segunda vez na Mega Show, em Salvador (BA).13/5 – Jornal do Brasil publica matéria de capa com Marcelo D2.Maio – PH lança A invasão do sagaz Homem Fumaça, terceiro álbum de estúdio.5/6 – A Folha de S.Paulo dá 4 estrelas para o disco novo do PH.7 e 8/6 – PH toca no Opinião, em Porto Alegre (RS).10/6 – Integrantes do PH se metem numa briga, após o show em Passo Fundo (RS). D2 leva umapaulada na testa, que deixa uma cicatriz eterna.8/7 – Black Alien & Speed tocam na 3ª edição do festival Porão do Rock, em Brasília.9/7 – PH toca para quatro mil pessoas, no 9º Garage Rock, na Concha Acústica do TCA, em Salvador(BA), com as bandas Adão Negro, TMRK, Brincando de Deus e Jason.14/7 – PH na Expo Trade, em Curitiba (PR).26/7 – PH começa a vender músicas avulsas no formato .wmv por R$ 2 no portal iMusica, além deanimações em Flash.10/8 – PH toca “Ex-quadrilha da fumaça” na festa do VMB, no Credicard Hall (SP). Após o show,Marcelo D2 discute com Caetano Veloso.28/8 – Lançamento da Hemp Comix 2, no Ballroom (RJ), com show de Black Alien & Speed.1º e 2/9 – PH lança o novo disco A invasão do sagaz..., no DirecTV Hall (SP), e volta a fazer turnê peloBrasil após quase três anos.29/9 – PH lança A invasão do sagaz..., no Olimpo, na Vila da Penha, Zona Norte do Rio.

Setembro – PH, Ira!, Tihuana e Maskavo tocam na 4ª Primavera do Rock, no Clube Aramaçan, emSanto André (SP). Black Alien & Speed saem com duas músicas num CD promocional da revista Trip.Outubro – PH toca na Praia Grande (SP) e na 4ª Primavera do Rock, em Vinhedo (SP). Marcelo D2 dáentrevista à revista Playboy.24/11 – Festa Hemp Family no Rock Night (ex-Garage), com show da Gangrena Gasosa, Uzômi,Jason, Moléstia e D.F.C., de Brasília.3/12 – Jornal do Brasil publica a matéria “Sinais de fumaça”, sobre o sucesso da maconha na músicapop.5 e 6/12 – PH lança A invasão do sagaz..., no Canecão (RJ).8/12 – “Contexto” chega ao 1º lugar da rádio Cidade FM, no Rio.

200116/1 – D2 apresenta grupos como Inumanos, Núcleo Sucata Sound e Negaativa, no festival HumaitáPra Peixe.Janeiro – D2 na capa da Showbizz #186, como o Artista do Ano (2000).9/2 – PH toca pela primeira vez no festival Planeta Atlântida, em Xangri-lá (RS).13/3 – Comemorando os dez anos da MTV Brasil, chega às bancas a revista da emissora.17/3 – PH toca na Fundição Progresso (RJ), com abertura do Inumanos e Negaativa.Abril – PH e CBJR em Santo André (SP). Pai D3: nasce o Luca, segundo filho homem e o terceiro deMarcelo D2.16/5 – PH grava o disco MTV ao vivo, no DirecTV Hall (SP).14 e 15/7 – PH tem dois shows proibidos por juíza na Z-3, em Londrina (PR).20/7 – PH na Joaquina, em Florianópolis (SC).22/7 – PH toca em festival pelo Dia Mundial do Rock, na Praça da Apoteose (RJ), com Pancake, OSurto, Tianastácia, Pato Fu, Engenheiros do Hawaii, Cidade Negra e Tihuana.30/7 – Seu Jorge lança o seu primeiro disco, Samba esporte fino.9/8 – Começa o Free Jazz Project, na Marina da Glória, no Rio. Nação Zumbi toca no primeiro dia,BNegão no segundo e Matanza no terceiro.12/8 – PH em Belo Horizonte, no festival Pop Rock Brasil.17, 18 e 19/8 – Lançamento do CD MTV ao vivo, no Canecão (RJ).21 e 22/8 – Começa o Free Jazz Project, no Moinho São Roque de Curitiba. Seu Jorge tocou.30 e 31/8 – Começa o Free Jazz Project, no galpão do Shopping DC Navegantes, em Porto Alegre.4, 5 e 6/9 – Marcelo D2 no Free Jazz Project, no Tom Brasil (SP).25/9 – Lançado o disco Marcelo D2 apresenta Hip Hop Rio.3 e 4/10 – PH no Opinião, em Porto Alegre (RS).26/10 – PH no Reggae Night, em Santos (SP).Outubro – D2 e Kleber França são capa da revista Áudio Música e Tecnologia sobre gravação em casa.PH toca na Primavera do Rock, em Santo André (SP). Marcelo e Camila se mudam para São Paulo e aCasa do Caralho fecha as portas.14/12 – Speed faz show com Black Alien para lançar o CD Expresso, dentro do festival SP Rima ComPaz, no SESC Belenzinho (SP).

20023/2 – PH toca pela primeira vez no Festival de Verão de Salvador.

23/5 – PH toca pela primeira vez no festival Mada, em Natal (RN).14/6 – PH e CPM 22 no Clube Aramaçan, em Santo André (SP).6/7 a 6/8 – Turnê do PH pelos EUA e pelo Canadá: Montreal, Los Angeles, Boston, Nova York eConnecticut.23/8 – PH toca em Osasco (SP).30 e 31/8 – Festival Green Rock, em Palma (MG), com Nação Zumbi, Sepultura e Raimundos.7/9 – PH toca no festival Pop Rock Brasil, em Belo Horizonte (MG).

200318/1 – PH toca no Guarujá (SP).2/2 – PH toca pela segunda vez no Festival de Verão de Salvador.16/2 – PH toca no Skol Rio, no Jockey Club (RJ).Maio – Sai o segundo disco solo de Marcelo D2, À procura da batida perfeita.31/7 e 1º/8 – Lançamento de À procura da batida perfeita, no Canecão (RJ).5 e 6/8 – Gravação em SP do Acústico MTV Charlie Brown Jr.26/8 – Festa do 9º VMB, no Palácio das Convenções do Anhembi (SP). O clipe de “Qual é?” (MarceloD2), dirigido por Johnny Araújo, ganha três prêmios, inclusive Melhor Clipe do Ano.1º/9 – D2 faz show dentro da loja Daslu, em São Paulo.20/9 – Sai o Acústico MTV Charlie Brown Jr., com D2 cantando “Samba makossa”.26/9 – Bezerra da Silva lança, no Ballroom (RJ), o disco Meu bom juiz.26/9 – MTV exibe pela primeira vez o Acústico MTV Charlie Brown Jr.17/11 – MTV exibe o programa Família MTV, enquanto D2 ainda morava em SP com a Camila e oLuca.Novembro – BNegão & Os Seletores de Frequência lançam o álbum Enxugando gelo.

20045/1 – BNegão & Os Seletores de Frequência abrem a 10ª edição do festival Humaitá Pra Peixe, na Melt,em Ipanema (RJ).9/1 – D2, SP Funk e Ja Rule (EUA) tocam no Hip Hop Manifesta, no Riocentro (RJ).24/1 – Black Alien toca no Humaitá Pra Peixe, na Melt (RJ).3/2 – Show surpresa do PH no encerramento dos dez anos do Humaitá Pra Peixe, no Canecão. D2chama o China para cantar “Samba makossa” com ele. Na abertura, China, Jimi James eBangalafumenga. Há três anos sem tocar, o Planet celebrou dez anos de carreira.7/2 – D2 toca no festival Planeta Atlântida (RS).16/4 – D2 toca no festival Abril Pro Rock, no Centro de Convenções do Recife (PE).14 e 15/7 – D2 grava em São Paulo o Acústico MTV.18/7 – D2 fecha o festival Porão do Rock, em Brasília (DF).8/8 – Nasce Maria Joana, segunda menina de Marcelo, pai também da Lourdes.Setembro – D2 lança o Acústico MTV e vai pela primeira vez ao Domingão do Faustão, na TV Globo.Na contramão, Black Alien lança o seu primeiro disco solo, Babylon By Gus – Volume 1: O ano domacaco.10 e 11/12 – Lançamento do show À procura da batida perfeita – Acústico MTV, de Marcelo D2, noestacionamento do Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio.22/12 – Show surpresa do PH no aniversário do Circo Voador.

200517/1 – Morre no Rio o sambista Bezerra da Silva.21/1 – D2 toca no Festival de Verão do Recife, no Chevrolet Hall, junto com Cidade Negra, Jota Quest,CPM 22 e Engenheiros do Hawaii.22/1 – D2 toca no Festival de Verão de Salvador, com participação do guitarrista Peu (ex-Pitty).28/1 – D2 toca no festival Planeta Atlântida (RS), na praia de mesmo nome.7/2 – Black Alien toca no festival Rec Beat, no Cais da Alfândega, no Recife Antigo.13/3 – Jorge Aragão e D2 tocam no sambódromo do Anhembi (SP), em show gratuito emcomemoração ao Dia Internacional do Consumidor.29/3 – D2 canta na final do BBB 5. Ele foi até a casa onde estava Grazi, Sammy e Jean Wyllys, oprofessor que faturou R$ 1 milhão.9/4 – D2 e Pitty tocam no Camping Show, em Brasília (DF).13 e 14/4 – D2 faz show acústico no Opinião, em Porto Alegre (RS).25/4 – Lançamento do DVD À procura da batida perfeita.12/5 – BNegão toca no Blen Blen (SP), em seu primeiro show novamente fora do PH.15/5 – D2 toca no Tom Brasil, em São Paulo.27/5 – PH toca na 7ª edição do festival Mada, em Natal (RN).4/6 – D2 toca em Belém (PA).17/6 – D2 toca em Lyon, na França.18/6 – D2 toca em Tolouse, na França.21/6 – D2 toca em Nanterre, na França.24/6 – D2 toca em Amsterdã, na Holanda.25/6 – D2 toca em Marseille, na França.30/6 – D2 toca em Châlons-en-Champagne, na França.1º/7 – D2 toca em Rudolstadt, na Alemanha.2/7 – D2 toca em Brussels, na Bélgica.3/7 – D2 toca no Eurockeennes Festival, em Paris, na França.7/7 – D2 faz a festa no 10º Prêmio Multishow, no Teatro Municipal do Rio. Eleito melhor cantor doano, seu disco acústico levou o prêmio de Melhor CD.8/7 – D2 toca em Pindamonhangaba (SP).10/7 – D2 é detido durante uma hora e meia em blitz da PM, no fim da manhã, na Linha Vermelha, noRio de Janeiro.23/7 – D2 toca em Campos do Jordão (SP).Agosto – D2 lança a grife de roupas Manifesto 33 1/3, com a cunhada e sócia Carol Aguiar.21/9 – D2 volta a morar no Rio, após uma temporada de seis meses na capital paulista.22/9 – D2 toca em Mogi das Cruzes (SP).29/9 – D2 vence como Melhor Clipe de MPB no 11º VMB, no Credicard Hall (SP).11/10 – D2 toca na Estância Alto da Serra, em São Bernardo do Campo (SP).13/10 – D2 toca em Porto Seguro (BA).19/10 – D2 canta na festa de 20 anos da 89 FM, no Credicard Hall (SP).22/10 – Zeca Pagodinho e D2 tocam no Pavilhão de Exposições do Parque Barigui, em Curitiba.10/12 – Inauguração da Praça Rapper Marcelo D2, no prédio da Na Moral, no Leblon (RJ).17/12 – D2 encerra o projeto Oi Noites Cariocas, no Morro da Urca (RJ).

2006Janeiro – D2 toca em Búzios (RJ), Caraguatatuba (SP) e Campo Grande (RJ).6/2 – D2 toca no PeaPod Foundation Benefit Concert, no Henry Fonda Theater, em Los Angeles, aolado de nomes como Justin Timberlake, Stevie Wonder, Sérgio Mendes, John Legend, Erykah Badu,Q-Tip, Pharoahe Monch e Sleepy Brown.17/2 – D2 toca em Madre de Deus (BA).18/2 – D2 no Espaço Fama, no Jacaré (RJ).28/2 – D2 desfila na Império Serrano, durante o Carnaval no Rio.22/3 – D2 e equipe tem visto negado para tour nos EUA.19/4 – D2 e Nação Zumbi tocam na festa do projeto Trama Universitário, na Via Funchal (SP). Ele fazuma performance acompanhado de Jair Rodrigues e Max de Castro.8/5 – D2 lança o terceiro disco solo, Meu samba é assim.4/6 – D2 toca no último dia do Rock in Rio Lisboa 2.13/6 – D2 toca em Berlim e corre para assistir ao primeiro jogo do Brasil, na Copa do Mundo deFutebol.25/6 – D2, a Filarmônica de Los Angeles e Sérgio Mendes tocam juntos no Hollywood Bowl.1º/7 – D2 toca no Festival de Montreux, na Suíça.21/7 – D2 toca no Pori Jazz Festival, na Finlândia.25/7 – D2 toca no Nice Jazz Festival, na França.28/9 – D2 toca “Gueto”, com Mr. Catra, no 12º VMB, no Credicard Hall (SP). Com essa música, elevence como Melhor Clipe de Rap.6 e 7/10 – D2 lança o disco Meu samba é assim, na Via Funchal (SP).21/10 – D2 lança o disco Meu samba é assim, no Canecão (RJ).10/11 – D2 toca na festa da Transamérica FM, no Espaço das Américas (SP).12/11 – D2 toca no festival Pop Rock Brasil, no Mineirão (Belo Horizonte), com Black Eyed Peas, TheRasmus, Nando Reis e Armandinho.

200713/1 – D2 toca no festival Planeta Atlântida, em Florianópolis (SC).18/2 – D2 participa do show de Lenine, no Marco Zero, no Carnaval do Recife.28/2 – D2 desfila novamente no Carnaval na Império Serrano, no Rio.3/7 – D2, Nação Zumbi e Paralamas se unem num show em homenagem a Chico Science, no PrêmioMultishow. A sua “Dor de verdade” ganhou como Melhor Clipe do Ano.Agosto – Som Livre lança o CD Perfil, de Marcelo D2.

200829/2 – Black Alien e Edson Gomes tocam na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador(BA).27/6 – D2 faz show em Portugal.30/8 – Som Livre lança o CD e DVD Tributo a Bezerra da Silva, no qual D2 canta com João Gordo.27/9 – D2 toca “Desabafo” no VMB 2008. O rapper é eleito Vocalista do Ano na Banda dos Sonhos.16/10 – D2 toca no Empório Avenida, em Ponta Grossa (PR).

20/11 – D2 lança o quarto disco solo, A arte do barulho, o primeiro pela EMI.6/12 – D2 toca no programa Altas horas, da TV Globo.

200913/5 – D2, DJ Nuts e equipe gravam novo clipe do rapper, em Florianópolis (SC).30/5 – D2 toca no Luna Park, em Sydney, na Austrália.27/9 – D2 no programa Irritando Fernanda Young, no canal GNT.17/12 – A hashtag #PlanetHemp figurou entre os itens mais comentados do dia no Twitter.

201015/1 – D2 lança o disco A arte do barulho, no Circo Voador, no Rio.16/2 – D2 faz show no camarote da Brahma, na Marques de Sapucaí, levando o rap para o mundo dosamba.12/3 – D2 lança o disco A arte do barulho, no bar Opinião, em Porto Alegre.26/3 – Speed é encontrado morto no bairro de São Lourenço, em Niterói (RJ).27/3 – Enterro de Speed. D2 estava voltando de show em Salvador e não conseguiu chegar a tempo dese despedir do amigo. Nessa noite ele tocou no Citibank Hall, no Rio.Maio – D2 faz turnê por Portugal e Espanha.5/5 – D2 toca na Queima das Fitas, em Porto, Portugal.6/5 – D2 toca no festival Womad 2010, na cidade de Cáceres, na Espanha.8/5 – D2 toca na Praia da Calheta, na ilha da Madeira.12/5 – D2 tem show cancelado em Maringá (PR), porque a banda ficou presa na ilha.25/6 – D2 toca no Sumol Summer Fest, na cidade de Ericeira, em Portugal.10/7 – D2 se apresenta no Openair Festival de Frauenfeld, na Suíça.11/7 – D2 toca no Parc de la Villette, em Paris, na França.26/9 – D2 toca em Brighton, na Inglaterra.28/9 – D2 toca em Dublin, na Irlanda.20/10 – PH toca na festa de vinte anos da MTV no Brasil, no Armazém 2 do Pier Mauá, no Rio.3/11 – D2 toca na Babylon, em Córdoba, no primeiro show da turnê pela Argentina e pelo Uruguai.4/11 – D2 toca em Rosário, na Argentina.5/11 – D2 volta ao Brasil e abre pro Eminem no F1 Rocks, no Jockey Club de São Paulo.6/11 – D2 toca no Teatro Verano, em Montevidéu, no Uruguai.7/11 – D2 toca na Groove, em Buenos Aires, na Argentina.8/11 – D2 volta pra Montevidéu e toca na festa da Johnny Walker.20/11 – Lançamento do disco Marcelo D2 canta: Bezerra da Silva, no Circo Voador.31/12 – D2 toca no réveillon de São João de Meriti, na Baixada Fluminense (RJ).

201118 e 19/2 – Baile do Marcelo D2 no Circo Voador, com participação do PH e convidados como Wilsondas Neves, Arlindo Cruz, Leandro Sapucahy, Start, Helinho, Marcio Local e ConeCrew.5/7 a 5/8 – D2 e Pitty em Nova York. No dia 24 de julho, os dois vocalistas se apresentam no SummerStage, no Central Park.

30/7 – DeFalla toca pela primeira vez no festival Porão do Rock, em Brasília, na turnê de reunião dabanda.30/9 – D2 toca no festival Rock in Rio.

201210/1 – D2 grava o Luau MTV, na Praia do Pepê, na Barra da Tijuca (RJ).25/5 – O selo Coqueiro Verde lança o segundo disco de BNegão & Seletores de Frequência, Sintonizalá.28/9 – PH toca na festa de trinta anos do Circo Voador e a banda volta à ativa.29/9 – PH toca no bar Opinião, em Porto Alegre (RS).25/10 – DJ Nato PK lança o segundo volume da mixtape Pau-de-dá-em-doido, com uma música emhomenagem ao Speed, “O som é assim (Funk Sinatra)”, com as vozes de BNegão e Rodrigo Brandão.1º/11 – PH toca em Ribeirão Preto (SP).3/11 – PH toca no Stage Music Park, em Florianópolis (SC).9/11 – PH toca no Biruta, em Fortaleza (CE).10/11 – PH toca no Centro de Convenções, no Recife (PE).11/11 – PH toca em Curitiba (PR).14/11 – PH toca na Estância Alto da Serra, em São Bernardo do Campo (SP).15/11 – PH toca de novo na Estância Alto da Serra. Show extra.21/11 – A Sony lança uma caixa com os quatro CDs da banda e o EP Hemp New Year.1º/12 – PH toca no Wet’n’ Wild, em Salvador (BA).3/12 – Morre aos 53 anos o fundador do Garage, Fábio Costa.4/12 – PH toca na Barra Music, no Rio de Janeiro.7/12 – Show cancelado do PH, em Manaus (AM).8/12 – PH toca no Mineirinho, em Belo Horizonte (MG).15/12 – PH toca no Teatro Popular de Niterói (RJ).27/12 – D2 toca no Hyddra, em Caiobá (PR).

201315/2 – PH toca no festival Planeta Atlântida, em Florianópolis (SC).16/2 – D2 toca no programa Altas horas, da TV Globo.6/3 – Chorão é encontrado morto em casa, por overdose de cocaína.31/3 – PH toca no festival Lollapalooza Brasil, no Autódromo de Interlagos (SP).10/5 – D2 lança o disco Nada pode me parar.28/5 – PH toca o álbum Usuário, no Teatro da Mix, em São Paulo.12 e 13/7 – PH grava o DVD O ritmo e a raiva, no Credicard Hall (SP).20/7 – PH toca no Central Park (NY) durante o Brasil Summerfest. D2 abre uma loja pop-up.25/7 – Festa de lançamento do novo disco do D2 no Nublu, em NY.3/8 – PH toca no festival Lollapalooza de Chicago.3/9 – D2 canta com a Cone Crew Diretoria no Prêmio Multishow.9/9 – O baixista Champignon se suicida, em São Paulo.30/9 – Último dia da MTV Brasil sob concessão da editora Abril.2/10 – D2 toca no Cine Joia, em São Paulo, no lançamento do game Fifa 14.8/10 – CBJR lança o clipe de “Um dia a gente se encontra” com participação de Marcelo D2.

22 e 23/11 – D2 lança Nada pode me parar no Circo Voador, no Rio.4 e 5/12 – PH toca no Bar Opinião, em Porto Alegre (RS).6/12 – PH toca no Curitiba Master Hall, em Curitiba (PR).7/12 – PH toca na Cervejaria do Gordo, em Lorena (SP).13/12 – PH toca na Pagliato, em Sorocaba (SP).14/12 – PH toca na Estância Alto da Serra, em São Bernardo do Campo (SP).

201416/1 – Última edição do festival Humaitá Pra Peixe, após vinte anos de vida, no Jockey Club do Rio,dentro do evento Rider Sessions.31/1 e 1º/2 – D2 lança Nada pode me parar, na Audio Club (SP).12/6 – D2 toca na quadra da Portela, em Madureira, após o jogo Brasil 3 x 1 Croácia.17/6 – D2 toca na quadra da Grande Rio, após o jogo Brasil 0 x 0 México.21/6 – D2 toca na Casa Fenomenal, no Rio.23/6 – D2 toca na quadra da Mangueira, na Tijuca, após o jogo Brasil 4 x 1 Camarões.Julho – Drop Dead lança a coleção Planet Hemp, com seis modelos de tênis, camisetas e bonés.30/8 – D2 toca no Clube Ponta Lagoa, em Ponta Grossa (PR).31/8 – D2 toca pela segunda vez no festival Porão do Rock, em Brasília (DF).5/10 – D2 e Stephan vão ao programa Esquenta (TV Globo), e Marcelo fala pela primeira vez sobre seravô.

201513/6 – PH toca no festival João Rock, em Ribeirão Preto (SP), e fecha o show convidando Pitty paracantar “Mantenha o respeito”.3/9 – Black Alien lança o seu segundo disco, Babylon By Gus – Volume II: No princípio era o verbo.12/9 – BNegão & Os Seletores de Frequência lançam o disco Transmutação, em São Paulo. A turnêseguiu por Florianópolis (18/9), Curitiba (19/9), Londrina (20/9), Salvador (2/10), Recife (3/10), PortoAlegre (5/11), Brasília (13/11), Belo Horizonte (14/11) e Rio de Janeiro (20/11).3/12 – PH no Espaço das Américas, em São Paulo.18 e 19/12 – A volta do PH com shows na Fundição Progresso (RJ).26/12 – PH no Café Curaçao, em Guaratuba (PR).

201629/1 – PH toca na Pedreira Adventure Park, em Guarapari (ES), vinte anos depois do último show lá,em janeiro de 1996.30/1 – PH, CPM 22 e Planta & Raiz na Estância Alto da Serra, em São Bernardo do Campo (SP).19/2 – PH no Cowboy Saloon, em Cascavel (PR).20/2 – PH no Parque Internacional de Exposições Francisco Feio Ribeiro, em Maringá (PR).5/3 – D2 lança o CD e DVD Nada pode me parar – Ao vivo, na Audio (SP).11/3 – PH com Filipe Ret, na Quadra da Mocidade (RJ).12/3 – PH no festival Música 360 BH, na Esplanada do Mineirão, em Belo Horizonte.13/3 – PH toca como headliner no festival Lollapalooza Brasil, no Autódromo de Interlagos (SP).19/3 – PH toca em Londrina (PR).

26/3 – PH no Music Park, em Balneário Camboriú (SC).1º/4 – D2 lança o CD e DVD Nada pode me parar – Ao vivo, no Circo Voador (RJ).23/4 – PH na Stage Music Park, em Florianópolis (SC).5/5 – PH com Autoramas e MCs HC, no Circo Voador (RJ).18/6 – PH toca no 15º João Rock, em Ribeirão Preto (SP). Black Alien participa cantando uma música.5/8 – Black Alien toca no festival Goiânia Noise, em Goiânia (GO).3/9 – PH com Black Alien, Raimundos e Flora Matos no Urban Stage Arena, em São Paulo.23/9 – PH pela terceira vez no festival Mada, em Natal (RN).15/10 – PH toca no B.B. King Blues & Grill, em Nova York (EUA).29/10 – PH e Nação Zumbi tocam no festival Porão do Rock, em Brasília (DF).10/12 – PH toca pela terceira vez no Festival de Verão de Salvador, na Arena Fonte Nova, com ORappa, Baiana System, Natiruts, Capital Inicial e Nando Reis.17/12 – PH toca na Coudelaria Souza Leão, no Recife (PE).

201728/1 – PH no Festival Planeta Brasil, na Esplanada do Mineirão, em Belo Horizonte (MG).6/5 – PH no Parque dos Igarapés, em Belém (PA).14/7 – PH toca no festival Hip Hop Rio, na Marina da Glória (RJ).21/7 – BNegão & Os Seletores de Frequência tocam em Belo Horizonte (MG).2/8 – BNegão & Os Seletores de Frequência tocam em Curitiba (PR).11/8 – PH toca no Barclays Center, em Nova York (EUA).18/8 – PH toca na Audio, em São Paulo (SP).25/8 – BNegão Trio toca no Teatro Popular de Niterói (RJ).6/10 – PH toca no Circo Voador, com abertura do Tantão e os Fita, após a estreia do filme Legalize já,no Festival do Rio.13/10 – Morre no Rio o músico Fabio Kalunga, vocalista, baixista e fundador da banda Cabeça.14/11 – PH toca no Hangar 667, em Belo Horizonte (MG).19/11 – PH toca com Baiana System no BSA Festival, no Kartódromo de Lauro de Freitas (BA).25/11 – Por conta de fortes chuvas, Black Alien tem o show cancelado no festival Porão do Rock, emBrasília (DF). Ele iria fechar um dos palcos.

201817/3 – PH toca na Praça Verde Dragão do Mar, em Fortaleza (CE).26/4 – PH no evento Marielle Gigante no Circo Voador (RJ).5/5 – PH toca na Estância Alto da Serra, em SBC (SP).8/6 – PH toca no bar Templo Music, em São Paulo (SP).9/6 – PH no festival João Rock, em Ribeirão Preto (SP).7/7 – PH na Stage Music, em Florianópolis (SC).21/7 – PH toca no Sirena, em Maresias (SP).24/7 – Vinte e cinco anos do primeiro show do PH, que aconteceu no Garage (RJ).18/8 – PH no Credicard Hall, em São Paulo (SP).22/9 – PH na Tribal Tech, em Curitiba (PR).1º/11 – PH na Fundição Progresso, na Lapa (RJ).24/11 – PH no Clube Aramaçan, em Santo André (SP).

1º/12 – Planet Hemp no festival Rock the Mountain, em Itaipava (RJ).

Acompanhe a biografia da banda pelo facebook.com/biografiaPlanetHemp

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, àquelas que foram mais sacrificadas com a ausência do

pai e marido durante um ano de trabalho, minhas amadas Tatiana, Lívia e

Julia.

A todos que fazem ou fizeram parte da banda: Skunk, Marcelo D2, Rafael,

Formigão, Bacalhau, DJ Rodrigues, Bernardo, DJ Zé Gonzales, Apollo Nove,

Gustavo Black Alien, Eduardo Vitória (Jackson), Pedro Garcia, Negalê,

Bruno Pederneiras, Daniel Ganjaman, Seu Jorge, Marcelo Yuka e DJ Nuts.

Em ordem alfabética, a todos que ajudaram cedendo material, dando

entrevistas ou informações: Adreana Oliveira, Alexandre Rossi (Rolinha),

Alice Pellegatti, André Barros, André Renato Malvar, Anna Lira, Antonio

(Gutie) Gutierrez, Bady Cartier, Bruno Eduardo, Bruno Levinson, Bruno

Montalvão, Camila Aguiar, Camila Morais, Camila Pereira dos Santos,

Carlos Eduardo Miranda (in memoriam), Carlos Ferreira Silva (Rasta), Carlos

Prozzo, Castor Daudt, Claudia Carmo, Daiane Araújo e FC Planet Hemp,

Daniela Dacorso, David Corcos, Deborah Sztajnberg, Didiu Rio Branco,

Dirceu Melo, Dulce Hefner, Edinho Cerqueira, Edmundo Barreiros, Edson

Luís de Souza, Edu K, Eduardo Dias, Eduardo Garcia, Elza Cohen, Emerson

(Nepal) Pinto, Eron Quintiliano, Fabiano Paixão, Fabio Bola, Fabio Massari,

Fabio Vicente, Flavio Flock, Flavio Lazarino, Felipe Casqueira, Fernando

Gabeira, Fernando Vilela, Gabriel Souza, George Frizzo, Germany Ribeiro,

Helio Gazu, Jenner Melo, Johnny Araújo, Jomardo Jomas, Jorge Ayres, Jorge

Brennand, Julia Mendes Crespo Lopes, Kadu Carlos, Kleber França, Kleber

Poeta, Laine Nascimento, Leonardo Panço, Leonardo Rivera, Letícia Lins e

Silva, Lisiane Ramos, Luana Ribeiro, Luciana Toledo, Magoo Felix,

Manuela Cruz, Marcia Leite, Marcio (Satanésio) Bandeira, Maria Juçá, Maria

da Piedade Morais, Mario Caldato, Marcelo Janot, Marcelo Lobatto, Marcelo

Mara, Marcello Nunes, Marcos Hermes, Mariana Vitarelli, Mayra Vital,

Mauricio Mauk Garcia, Monika Venerabile, Olmar Lopes, Paulo André

Moraes, Paulo Stocc, Pedro Mesel, Pedro Nicolas, Pedro Serra, Pedro Só,

Raphael Erichsen, Raul Machado, Renata Lopes, Ricardo (Kado) Oliveira,

Roberto Garzon, Rodrigo Bragança (Tonante) Amorim, Rodrigo Brandão,

Rodrigo Carneiro, Ronaldo Pereira, Rogerio (Big) Pereira Brito, Rubens

Barrocas, Sady Bianchin, Samantha Caldato, Sergio Lima, Sergio Vanalli,

Sibéria de Almeida, Sonia Affini, Sora Maia, Speto, Tecio Lins e Silva, Tom

Leão, Vital Cavalcante, Vladimir Palmeira, Walter Junior, Wander Esposito,

Weaver Lima, Wilson Power e Zeca Fernandes.

Um agradecimento especial ao editor Marcelo Viegas, a Gustavo Guertler

e a toda a equipe da editora Belas-Letras, a todos que ajudaram na produção

editorial deste livro, à minha família, a quem por cansaço mental eu tenha

esquecido, e, principalmente, aos fãs do Planet Hemp. Sem vocês, a chama

não estaria acesa até hoje. Fogo na bomba!

[1] Dupla de humoristas de grande sucesso nos anos 1970 e 1980 nos EUA, com filmes recheados demaconha e temas do ideal hippie.

[2] Trechos da música “Legalize já”, do disco Usuário (1995).

[3] Trecho da música “Queimando tudo”, do álbum Os cães ladram mas a caravana não pára (1997).

[4] Nenhum entrevistado soube informar o dia exato de nascimento.

[5] Banda formada em 1981, na pista de skate de Campo Grande (RJ), por Tatu, Lúcio Flávio, CésarNine e Olmar.

[6] Dirigido por João Carlos Rodrigues, o documentário pode ser encontrado no YouTube.

[7] Com a banda inglesa, Roger lançou três discos de estúdio. Com o fim do The Beat, em 1983, sejuntou a membros do The Specials e fundou o General Public. Nessa banda, além de cantar, ele tocavabaixo, bateria e teclados.

[8] Marca registrada do pop no início dos anos 1980, com artistas falando de relacionamentos eutilizando sintetizadores, como The Human League, Spandau Ballet, A Flock of Seagulls, Culture Clube Duran Duran.

[9] Nome artístico de Rodrigo Saad, vocalista da banda Boato, que inspirou um curta-metragem (Boato:Uma autodefinitude, de 1991). Em 1998, o Cabelo lançou seu primeiro CD, Abracadabra.

[10] Música do álbum Disintegration, lançado em maio de 1989, “Lullaby” foi o single de maiorsucesso da banda.

[11] Inspirada no seriado Além da Imaginação e num conto de Edgar Allan Poe.

[12] Na mitologia grega, Tânatos é a personificação da morte.

[13] Inspirado na música “Todos os dias da semana” da banda Fellini (“todos os dias da semana // vocêcai numa carraspana // amor é uma droga, só dá trabalho”).

[14] Na compilação Rock Grande do Sul (1985) o DeFalla participou com “Instinto sexual” e “Vocême disse”.

[15] Lançada em 1988, essa coletânea é considerada a primeira do rap nacional. Traz músicas doThaíde & DJ Hum, Código 13, MC Jack e O Credo.

[16] Quarto disco do DeFalla, foi lançado em 1990 pela Cogumelo Records, o mesmo selo que lançouo Sepultura.

[17] Lançado em 1989, pela Roadrunner Records, o álbum vendeu mais de 800 mil cópias em todo omundo.

[18] Cold Turkey, na gíria dos junkies, é a chamada crise de abstinência. Além do Rafael Crespo, aformação da banda contava também com a Neca, na outra guitarra; e o Ricardo Mix, na bateria. Ogrupo terminou em 1993. Quando deixou o Planet Hemp, Rafael formou o Elroy, com o mesmoRicardo Mix.

[19] Segundo reportagem do Drum Channel, “a história das primeiras baterias brasileiras é confusa emal documentada. Uma versão diz que a fábrica de baterias Caramuru (segundo alguns, localizada emSergipe; segundo outros, em Diadema, cidade da Grande São Paulo) foi a pioneira na fabricação debaterias no Brasil. Em 1952, foi fundada a fábrica de baterias Pinguim, inspirada nas baterias Ludwig”.

[20] Conhecida casa de jazz do Rio, foi inaugurada nos anos 1980 em Ipanema – substituindo oJazzmania – e lá ficou por dez anos. Dali, mudou-se para a frente da Lagoa Rodrigo de Freitas atéfechar as portas, em 2006, após quinze anos de atividades num dos pontos mais nobres da Zona Sul.

[21] Apesar de ter dito à MTV que foi no Maracanãzinho (cujo show foi em 1988), é mais provável quetenha sido em 1973, no Canecão, quando o Mr. Dynamite visitou o Brasil pela primeira vez, fazendoduas noites no Rio e duas em São Paulo. Brown esteve novamente entre nós, em 1994.

[22] Vamos fazer barulho: Uma radiografia de Marcelo D2 (Editora Record, 2007, página 180) deBruno Levinson.

[23] Depois do seu casamento, Wlad deu um tempo com a banda entre 1990 e 1994, por isso as duasbandas nunca tocaram juntas.

[24] Em maio de 1996, a Basement mudou de mãos e de nome, passando a se chamar Noise.

[25] “O Underground que deu certo”. Jornal Backstage, fevereiro de 1994, entrevista a MarcosBragatto.

[26] O grupo veio ao Brasil em 1991, no auge da carreira, lotando o ginásio do Ibirapuera, em SãoPaulo. Nessa gig, se tornaram os primeiros artistas estrangeiros de hip-hop a visitar uma comunidade, aFavela da Vila Operária, em Santo Amaro, na zona sul da capital.

[27] Nascido em 1965, Dadá foi baixista da banda Os Normais, talvez a primeira banda punk do Rio.Nos anos 1980, ao retornar de um campeonato na África do Sul, passou a usar jeans, coturno, moicanoe usar apenas roupas pretas. No ano do atentado, fora eleito pela revista Hardcore o Surfista MaisHardcore do Brasil. Como ele mesmo costumava dizer, “era muito punk para os surfistas e muitosurfista para os punks”. Em 2014, o diretor Raphael Erichsen lançou o documentário Radical sobre ele.

[28] “Lovesong” foi um presente de casamento do vocalista Robert Smith a Mary Poole, sua amiga deinfância. Ela faz parte do álbum Disintegration (1989).

[29] O álbum homônimo saiu em agosto de 1991 e ganhou disco duplo de platina. O segundo, BlackSunday, estreou em 1º lugar nas paradas, com 261 mil cópias vendidas só na primeira semana. No total,vendeu mais de 3,4 milhões de unidades, recebendo o disco triplo de platina.

[30] Localizado na avenida Presidente Vargas, o edifício do Departamento de Ordem Política e Socialfoi construído em 1914 e tombado em 1999. Funcionou como local de prisão e tortura nas ditaduras deGetúlio Vargas e dos militares.

[31] Para saber mais sobre a banda, disponível em: (www.lacumbuca.com/2013/01/acervo-la-cumbuca-missed-in-action.html). Acesso em: 5 set. 2018.

[32] “Ele é BNegão” por Henrique Nunes, no Diário do Nordeste, em 19-11-2003.

[33] Grupo formado no Bronx, em Nova York, no fim dos anos 1980, pioneiro na fusão do hip-hopcom o dancehall e que falava nas suas letras sobre o cenário que seria apelidado de “gangsta rap”.

[34] Essas e outras histórias são contadas em detalhes no livro Brodagens – Gilber T e as histórias dorap e do rock carioca (Ilustre Editora, 2016) de Pedro de Luna.

[35] “Speed não merecia ter morrido desse jeito, diz Marcelo D2” de Amauri Stamboroski Jr. no G1,em 27-3-2010.

[36] Trilha sonora do filme homônimo de 1993, a coletânea misturou grupos consagrados de rap e rockcomo Helmet com House of Pain, Run DMC com Living Colour, Biohazard com Onyx, Slayer comIce-T, entre outras parcerias. O Cypress Hill participou com duas faixas, uma com o Sonic Youth eoutra com o Pearl Jam. Antes desse disco lendário, o rap e o rock já haviam se cruzado em “Walk ThisWay” (Aerosmith com Run DMC), “No Sleep ‘Till Brooklin” (Beastie Boys com Kerry King,guitarrista do Slayer) e “Bring the Noise” (Anthrax com Public Enemy).

[37] “Puta disfarçada”, “Phunky Budda”, “Porcos fardados”, “A culpa é de quem?” e “Futuro do país”.Criada nos primeiros ensaios, “Terceiro mundo” já estava descartada.

[38] “Direto do planeta hip hop”, Caderno B, em 12-9-1993.

[39] Uma boa referência sobre esta primeira geração é o livro Esporro (Tamborete, 2011), de LeonardoPanço.

[40] O álbum foi lançado apenas seis anos depois, em 2000, com outra formação, pela Tamborete, selode Leonardo Panço (Soutien Xiita/Jason). No ano seguinte, a banda fez uma turnê pela Europa. Em2013, lançaram o documentário Desagradável, disponível no canal oficial da banda, no YouTube.

[41] “Saravá, Metal”. Entrevista para o jornalista Eduardo Ribeiro, publicada no site da Vice, em 6-2-2013.

[42] “Rock alternativo respira com Second Come” de Marcel Plasse na “Ilustrada”, em 22-6-1994.

[43] Em 2009, o vocalista e fundador Fábio Leopoldino faleceu. Dois anos depois, o selo midsummermadness lançou um CD tributo à banda. Em 2015, a banda voltou à ativa. Para saber mais, disponívelem: (mmrecords.com.br/second-come). Acesso em: 5 set. 2018.

[44] “Leve o arroz, veja o show, entre para a AMES”, de Paulo Reis, no Jornal do Brasil.

[45] A banda lançou apenas um EP homônimo de quatro músicas, em 1986, pelo selo Top Tap.

[46] Kingzobullshitbackinfulleffect92 (Cogumelo Records, 1992) é o quinto disco do DeFalla.

[47] Em 28 de agosto de 1993, o DeFalla tocou no Circo Voador com Second Come e Pavilhão 9.

[48] “Onde há fumaça, há rap”, publicado no “Segundo caderno” em 17-10-1993.

[49] Usado exclusivamente para dilatar as pupilas, é uma substância anticolinérgica que age no cérebro,deixando a visão distorcida e podendo causar alucinações.

[50] Urbania foi uma casa na rua Álvaro de Carvalho, no centro de São Paulo, ao lado do metrôAnhangabaú. Foi inaugurada no dia 18-9-1993 com shows do Killing Chainsaw e Happy Cow. Junto aoDer Tempel (no início da rua Augusta) e ao Cais (na praça Roosevelt), formava um triângulo de casasabertas para novas bandas. A Gangrena Gasosa tocou lá no dia 2-12-1993, o Dash com Cold Turkeynum evento de bandas com mulheres dia 15-1-1994, e o Mundo Livre S/A no dia 28-4-1995. Com otempo, mudou de nomes e de donos: Armaggedon, Next e Caravaggio. Em setembro de 1995, oEstadão noticiou um show do Hateen lá, mas já com o nome de Armaggedon.

[51] Escola Superior de Desenho Industrial é uma unidade de ensino da Universidade do Estado do Riode Janeiro.

[52] Entrevista para a pesquisa do filme Legalize já.

[53] “Caderno B” do Jornal do Brasil, 3-11-1993.

[54] Em 1997, o evento aconteceu em Belo Horizonte e mudou o nome para Festival Internacional deQuadrinhos (FIQ). As duas primeiras edições da Bienal aconteceram no Rio de Janeiro, em 1991 e1993.

[55] A experiência na rua Pacheco Leão durou três anos e meio. Foi lá que ela criou a festa DancingBrasil, com o DJ Zezinho (o tal que parecia um Ramone e tinha sido DJ no Mariuzinn), com grandesucesso. Nesse meio tempo, Elza também foi promoter do Blue Jeans, na rua da Passagem. Quando oBotanic fechou, em julho de 1994, para dar lugar a uma concessionária de automóveis, a dupla levou afesta para a Arabella, ex-Bali Bar, na Barra da Tijuca. Mas não durou muito.

[56] “Explosão demográfica”. Entrevista para o Zine Ó, número 14, dezembro de 1994, por RonaldoSoares.

[57] Substituído no segundo CD por Lauro Farias, que tocava baixo no KMD5 com o baterista MarceloYuka.

[58] “Professor Antena marca volta do selo Plug”, de Marcel Plasse, na “Ilustrada”, em 1-7-1994.

[59] Entrevista do BNegão no DVD MTV ao vivo – Planet Hemp.

[60] Número 2, janeiro de 1994.

[61] Deveria ter saído no segundo semestre de 1994, mas ficou para 1995.

[62] “Planet Hemp: Raps nervosos e letras afiadas”, de Mika & Péricles. Traficante da Liberdadenúmero 3, jan/fev de 1994.

[63] Lançada como Black Alien & Speed, em 1994, na coletânea No Major Babes, pelaParadoxx/Caffeine.

[64] “Baião, punk rock e muita macaxeira”, entrevista a Leonardo Panço no Traficante da Liberdade,número 5, de jul/ago de 1995.

[65] “We Want Some Pussy” saiu no primeiro disco, The 2 Live Crew Is What We Are, de 1986.

[66] “Rapconha nas paradas”, de Leonardo Panço, na revista Panacea número 38, mar/abr de 1995.

[67] Dentro da cultura pop, é conhecida a lenda do Clube dos 27, que reúne diversos rockstars quemorreram aos 27 anos de idade: Brian Jones, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kurt Cobain, AmyWinehouse, dentre outros. Por mais trágico que isso possa parecer, é impossível não lembrar disso aorelatar o falecimento do Skunk.

[68] Emissora afiliada da Rede Globo no interior do Estado de São Paulo e Sul de Minas Gerais.

[69] Em 1995, Peu formou a banda Dois Sapos e Meio, que fez muitos shows com o Inkoma, banda dehardcore da amiga Pitty. Quando a cantora se lançou em carreira solo, Peu virou o guitarrista do grupo.Ao dar a vaga para Martin, tocou com DeFalla, Marcelo D2 e formou as bandas Trêmula e Nove MilAnjos – esta com Champignon, do Charlie Brown Jr. Peu se enforcou com um cinto em sua própriacasa, em Salvador, no dia 5 de maio de 2013, dois meses após a morte de Chorão.

[70] Disponível no YouTube e visualizado em 2-10-2017.

[71] Banda de hip-hop de Nova York formada em 1988.

[72] Vide nota 3, página 99.

[73] Matéria assinada por Flávio Faria, para a “Ilustrada”, em 21-9-1994.

[74] “Gravadoras pequenas contra-atacam”, de Ramiro Zwetsch, na Istoé Gente. Publicada em 7-2-2000.

[75] Essa história é contada em detalhes no livro Brodagens (Ilustre Editora, 2016) de Pedro de Luna.

[76] “Velocidade Máxima” saiu no “Segundo Caderno”, em 16-10-1994.

[77] Nesse mesmo período da Folha de S.Paulo, Forastieri editou também a revista Bizz. Em 1993,decidiu abrir a sua própria editora (Acme) com o sócio, Rogério de Campos. Lançaram a revistaGeneral, que perdurou por 16 edições. Em outubro de 1995, acompanhando o crescimento e asmudanças da indústria da música, a Bizz mudou o nome para Showbizz. Já na editora Símbolo, foidescontinuada em 2007. Em novembro de 2011 foi a vez do “Folhateen” dar adeus. O jornal justificouque 39% dos leitores jovens se informavam pela internet e pela TV (35%), apenas 6% pelo jornalimpresso. A quantidade de leitores de até 22 anos caiu de 20% em 2001 para 11% em 2011.

[78] “Bye-bye, Folhateen”, por André Forastieri, no seu blog no R7. Publicado em 22-11-2011.

[79] “Sony lança selo para novos músicos”, por André Forastieri no “Folhateen”, em 21-11-1994.

[80] Série O outro lado do disco, Episódio 2, de Rodrigo Lariú. Canal Brasil, 2015.

[81] Entrevista do baterista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[82] Entrevista do baixista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[83] Entrevista do guitarrista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[84] Entrevista do vocalista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[85] Tubarões Voadores (Radical Records, 1995) trouxe versões para “Não me mande flores”, doDeFalla, e “War Inside My Head”, do Suicidal Tendencies.

[86] Oompa Loompa são os assistentes do filme A fantástica fábrica de chocolate.

[87] Criado por Roberto Cotrim, o Retrô foi um marco da cena underground paulistana e funcionou emduas casas no bairro de Santa Cecília. A primeira entre 1988 e 1992, e a segunda de 1995 a 1998,quando fechou de vez.

[88] “Check in com Rafael do Planet Hemp”, por Alexandre Aquino, na Rock Press, número 6, página13.

[89] Lançada em 1994 pela Paradoxx/Caffeine também contava com Black Alien & Speed com a faixa“Hit hard hip hop”.

[90] Nome artístico do cantor Ripton Hylton (Kingston, 1957), que interpretou um traficante de drogasrastafári no filme New Jack City, de 1991.

[91] O segundo álbum da banda norte-americana foi lançado em 1970 e produzido por George Clinton.

[92] Localizado no número 134, na praça Roosevelt, era um porão soturno, com decoração em neon,com programação musical variada.

[93] Disponível em (https://fatcrystal.com). Acesso em: 6 set. 2018.

[94] Um flyer da festa de 29 de novembro de 1993 foi publicado na revista Trip, número 111, de maiode 2003.

[95] Em referência ao lendário skatista norte-americano Mark Gonzales (também conhecido comoGonz), considerado pela revista especializada Transworld Skateboarding o skatista mais influente detodos os tempos.

[96] O quarto campeonato nacional aconteceu nos dias 29 e 30 de novembro e 1º de dezembro de 1985,no Itaguará Country Club.

[97] Mark Gonzales visitou o Brasil para fazer uma demonstração durante a segunda edição da CopaItaú de Skate, que aconteceu em 1990, numa arena montada na Praia de Ipanema.

[98] O 5º Campeonato Brasileiro de Skate aconteceu nos dias 10, 11 e 12 de abril de 1987, no ItaguaráCountry Clube. O de 1989 aconteceu num local de exposições, nos dias 20 e 21 de maio.

[99] Kingzobullshitbackinfulleffect92 (Cogumelo, 1992), quinto disco do DeFalla.

[100] Snoop Dogg canta em “Deeez Nuuuts”, do álbum The Chronic (Death Row Records, 1992) doDr. Dre.

[101] “Zé Alguém” por Endrigo Chiri Braz na revista Trip, número 111, em maio de 2003.

[102] Gravado por Apollo no seu estúdio Ludwig Van, o CD Res Inexplicata Volans foi mixado porYann Arnaud, em Paris, e lançado pelo selo Ziriguiboom, da Crammed, em 2006. O show delançamento aconteceu em três noites no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.

[103] Lançado em 1973, em quatro volumes, com frevos, cirandas, coco, sambas de roda, maracatus emuito mais. Conta com a participação do Quinteto Violado, Zélia Barbosa, Banda de Pífanos deCaruaru e tantos outros. Porém, mais que apenas esse álbum, o selo independente Discos MarcusPereira fez história, com preciosos registros.

[104] Produzido por David Byrne e Brian Eno, foi lançado em 1981, pela Sire Records.

[105] Lançada em 1989, pela Cri Du Chat, é considerada a primeira coletânea de pop eletrônicobrasileiro e foi distribuída também para a Europa, os Estados Unidos e o Japão.

[106] Na matéria “Disk-Putas celebra o underground em SP” de Erika Palomino e Guto Barra, na“Ilustrada” de 21 de maio de 1994, ela é considerada “a mais anárquica e debochada formação da cenapop de São Paulo”.

[107] Taumaturgo morava com Malu quando a atriz foi apresentada ao músico Tony Bellotto, comquem está casada até hoje. O selo Banguela pertencia à sua banda, os Titãs.

[108] Conhecido como o pai do scratch, Joseph Saddler (ou Grandmaster Flash) nasceu na ilha deBarbados e o seu primeiro disco, The Message (Sugar Hill, 1982), lançado como Grandmaster Flash &The Furious Five, é considerado um dos 1001 discos para ouvir antes de morrer. E um divisor de águasno rap, claro.

[109] Pseudônimo de Joana Ceccato, que se tornou a diretora de vinhetas da MTV e vocalista da bandaBiônica.

[110] “Apollo 9 e Joana C4” de Guto Barra, na “Ilustrada”, em 11 de fevereiro de 1994.

[111] Filme luso-brasileiro de 1996, dirigido por Walter Salles e codirigido por Daniela Thomas, comtrilha sonora escrita por José Miguel Wisnick.

[112] Dirigido pelo ator Dennis Hopper, Easy Rider ganhou o prêmio de Melhor Filme de DiretorEstreante no Festival de Cannes, em 1969.

[113] Bar da galera na rua Wadih Curi, no bairro de São Francisco, em Niterói, no chamado “baixoSaco”, nos anos 1990.

[114] “O grupo Planet Hemp lança seu primeiro disco e aquece a questão da descriminalização damaconha”, de Antonina Lemos. “Folhateen”, 20 de março de 1995.

[115] Frase revelada por Marcelo D2 numa entrevista em 2015 para o jornal Correio de Uberlândia.

[116] Maconha solta, colhida e secada, sem nenhum tratamento químico ou prensada. Produto típico dePernambuco.

[117] Estúdio criado em 1984 por Gilberto Gil e Liminha, ex-baixista dos Mutantes, numa casa noJardim Botânico. Lá, foram gravados clássicos como Cabeça dinossauro, dos Titãs; e Selvagem?, dosParalamas.

[118] Segunda edição do VMB no dia 22-8-1996, no Palácio das Convenções do Anhembi, em SãoPaulo.

[119] O selo pertencia aos Titãs, mas era a Warner quem prensava, distribuía etc. Apostando nadiversidade, baixos orçamentos em clipes e produções, e tendo apenas cinco lançamentos (Raimundos,Mundo Livre S/A, Graforréia Xilarmônica, Maskavo Roots e Little Quail & the Mad Birds), aBanguela emplacou o maior número de indicações no VMB 1995. Porém, em julho do mesmo ano, amajor se dividiu em WEA Music e Continental, e dispensou a Banguela sem o seu maior sucesso.Tempos depois, o selo migrou para outra major, a Polygram.

[120] Chá magiológico foi gravado entre 94 e 95 e lançado em 1996. Trazia 16 músicas com influênciado Manguebeat na percussão e nos arranjos de guitarras. A faixa “Pessoas bad comunication”, que saiuna coletânea Brasil Compacto (Rockit!, 1996) conta com a participação de Lucio Maia (Nação Zumbi),na guitarra; e Stela Campos, nos vocais. Em 1997, lançaram a demo Quentura, produzida por Castor(DeFalla) e Marcel O. Provavelmente, o Living in the Shit foi a principal banda de rock alagoana comprojeção nacional nos anos 1990.

[121] Formada em 1993 no Alto José do Pinho, após o fim da Flores Negras, o Matalanamão lançou em1995 a demo Mim Dai (cuja música homônima virou clipe) e fez uma turnê de ônibus do Rec Beat,com Devotos e Faces do Subúrbio.

[122] A banda tocou nos dias 2 e 4 de fevereiro de 1995, promovendo o álbum Voodoo Lounge. Aabertura ficou por conta do Barão Vermelho, da Rita Lee e dos Spin Doctors.

[123] Variação do LSD, essa droga sintética costuma ser marrom com o tamanho da cabeça de umalfinete.

[124] “Sony lança selo para novos músicos”, na “Ilustrada”, em 21-11-1994.

[125] “Planet Hemp canta Rio acima de 40 graus”, de Marcel Plasse, na “Ilustrada”, em 13-4-1995.

[126] “Clipe do Planet Hemp cria polêmica”, de Ricardo Alexandre, no suplemento “ZAP”, em 27-4-1995.

[127] Também conhecido como bongo e water pipe, é um purificador, pois faz com que a fumaça dotabaco ou da maconha entre em contato com a água antes de ser inalada, como acontece no narguilé.

[128] “Aeroanta apresenta nova safra de bandas”, na “Ilustrada”, em 25-8-1995.

[129] Entrevista com o Rafael para o autor exclusivamente para esta biografia.

[130] “Ex-integrantes do selo Banguela lançam o Excelente, pela Polygram”, no “Folhateen”, em 2-10-1995.

[131] Produzido pela editora Espetáculo, o Underguide foi lançado em fevereiro de 1996, comdistribuição gratuita e dirigida, trazendo uma ficha dos artistas com nomes, telefones e estilo musical.Comparado a Carlos Eduardo Miranda, da Banguela, “Mirandinha” ascendeu rápido e virou consultordo selo Chaos, da Sony, para quem indicou o Mukeka di Rato (ES) e Ovos Presley (PR), nuncacontratados. Fontes: “Sai guia que traz roteiro para underground”, de Thales de Menezes, no“Folhateen”, 11-3-1996; e “Daniel, 15, é o novo Miranda do rock”, de Fabian Décio Chacur, no“Folhateen”, 13-5-1996.

[132] Edição número 47, datada de março de 1996.

[133] Kingston Town, capital da Jamaica.

[134] Figura lendária da cena roqueira de Aracaju.

[135] Resenha do show por Adelvan Barbosa, publicada no zine Cabrunco, número 8, de 1996.

[136] Formada em 1992, com o nome inspirado no primeiro volume do livro de contos de John Fante,lançado em 1940, a banda tinha acabado de lançar a sua primeira fita demo, Songs of Innocence.

[137] “Marcelo D2. A voz da Hemp Family”. Zine Shape A, #7, dezembro de 1996, entrevista a Pedrode Luna.

[138] Recheado de funk, charm, soul e gangsta rap, o álbum Meu nome é Edu K foi lançado em peloselo Dabliú, com distribuição nacional da Warner, contendo treze faixas, todas em português. Na suaedição 119, de junho de 1995, a revista Bizz anunciou que “o ex-drag queen hardcore dá uma de bomrapaz e investe na dance music” e que a música “Vai tomar NO *#S@X?!” chegara ao primeiro lugarna parada da rede Transamérica. Apesar disso, o CD teve baixa tiragem, má distribuição e nãocorrespondeu em vendas nem em repercussão na grande mídia.

[139] Fredi era o guitarrista da banda e, com o codinome Chernobyl, virou DJ e produtor de músicaeletrônica. O primeiro CD da Comunidade, Broncas legais (Rock it!, 1999), foi produzido por Edu K evendeu cinquenta mil cópias.

[140] “Popozuda rock ’n’ roll” encaminhou o DeFalla para o mainstream e para o cenário do funkcarioca. A música fez parte de campanhas internacionais da Coca-Cola e da Nike.

[141] O CD Miami rock 2000 foi lançado pela Sony com as músicas “Miami rock” e “Popozuda rock’n’ roll”.

[142] Realizado em 31-8-1995, o 1º MTV Video Music Awards Brasil contou com a participação dopúblico elegendo em dez categorias diferentes os melhores dos cento e vinte e oito clipes realizadosentre junho de 1994 e maio de 1995. Com o clipe de “Legalize já”, apresentada ao vivo na festa depremiação, o Planet concorreu nas categorias Rock e Revelação, mas não levou. “Segue o seco”, deMarisa Monte, foi o grande vencedor, com cinco troféus.

[143] No verão de 1996, a Pepsi lançou dois comerciais de TV onde cientistas “testam” doischimpanzés que só tomam Coca e Pepsi, mostrando o que acontece com cada um. Criado pela agência

BBDO, de Nova York, os filmes tinham suas complementações locais produzidas por uma produtorabrasileira. As duas fabricantes travaram uma verdadeira guerra no Conselho Nacional deAutorregulamentação Publicitária. Fonte: ‘Pepsi leva à TV novo anúncio com chimpanzés’, de Célia deGouvea Franco, na Folha de S.Paulo, em 14-2-1996.

[144] Disponível em: (memoriaglobo.globo.com/videos/idvideo/5156819.htm). Visualizado em 4-9-2018.

[145] Personagem do humorista Chico Anysio, o caçador aposentado Pantaleão Pereira Peixoto vivia acontar histórias em sua cadeira de balanço. Nas esquetes, quando ele acabava de contar o causo,perguntava para a esposa Tertuliana: “É mentira, Terta?”. Ela, claro, sempre confirmava.

[146] No segundo disco da banda, Rappa Mundi, lançado pela Warner, em 1996, Zé Gonzales fezscratches. O DJ Rodrigues também.

[147] “Explicando as metáforas de Chico Science – Parte II”, de Almir Cunha, publicado em 1-3-2016,no site Raízes do mangue.

[148] “Chico Science e Nação Zumbi fazem melhor turnê europeia”. Publicado em 9-8-1996, na“Ilustrada”.

[149] “Canecão é palco de festa dos fãs do Planet Hemp”, de Edmundo Barreiros, publicada em 6-6-1996, no “Caderno B” do Jornal do Brasil.

[150] “Som que faz a cabeça”, de Celso Masson, na Veja, em 3-7-1996.

[151] “O abuso da lei”, na Veja, em 31-7-1996.

[152] “Cartas dos leitores”, na Veja, em 7-8-1996.

[153] “Erotismo para viagem”, publicado na revista Bizz, sem crédito na matéria.

[154] “Planet Hemp testa a Justiça de São Paulo”, de Marisa Ádan Gil, na “Ilustrada”, em 10-8-1996.

[155] Na matéria da Bizz, citada anteriormente, o autor da declaração foi o capitão Cleodir Nardo.

[156] “PM é preso em depoimento à CPI”, de Otávio Cabral, na Folha de São Paulo, em 27-3-1997.

[157] “Capitão acusado de roubo é demitido da Polícia Militar”, no Diário do Grande ABC, em 23-3-2000.

[158] O paulistano Rodrigo Menezes começou a andar de skate com dez anos. Tornou-se campeãobrasileiro de downhill até começar a subir pelas paredes e virar também o campeão brasileiro devertical. Em julho de 1995, na final do 14º Münster Monster Masterchip, Digo derrotou Colin McKay,sagrando-se o primeiro skatista brasileiro a vencer uma etapa do circuito mundial.

[159] “Brasília luta para liberar show de Planet Hemp”, de Augusto Gazir e William França, na“Ilustrada”, em 8-11-1996.

[160] Termo popular para designar jovens playboys do interior, geralmente filhos de industriais ricosou poderosos latifundiários, coronéis e donos de grandes extensões de terra.

[161] “Vocalista do Planet Hemp agredido em Passo Fundo”, de Fernanda Crancio, no Zero Hora, em14-6-2000.

[162] Provavelmente na segunda edição, nos dias 4, 5 e 6 de setembro de 1981.

[163] A banda lançou os dois primeiros discos pela Baratos Afins (o primeiro vendeu cinco mil cópias)até ser contratada pela Eldorado. Após dez anos de carreira, o vocalista Catalau deixou o grupo e seinternou numa clínica de reabilitação para viciados em drogas. Tornou-se pastor da igreja Bola de Nevee casou-se com uma pastora, com quem teve dois filhos. Em 2017, após vinte anos, ele subiu ao palcopara participar da gravação do CD ao vivo pelos trinta anos do Golpe de Estado, conforme foi noticiadopela Veja SP, em 25-2-2017.

[164] O clube teve o seu salão social inaugurado por Roberto Carlos, em março de 1980. Desde então,tocaram por lá artistas como Raul Seixas e Marcelo Nova (em 1988), Faith No More (em 1991, paraseis mil pessoas), Ramones (em 1996, com skinheads tentando invadir o clube) e Deep Purple (em1997, para seis mil pessoas), entre tantos outros.

[165] Festival anual que o Carlão realizava sempre em setembro. Sem sede fixa, o festival aconteceuem diferentes cidades, geralmente com as mesmas bandas no “pacote”. Aquela já devia ser a quinta ousexta vez do Planet no evento.

[166] Entrevista com o Rafael feita pelo autor exclusivamente para esta biografia.

[167] Depoimento do músico ao autor exclusivamente para esta biografia.

[168] Em 1987, Steven Hager (editor-chefe da revista High Times) idealizou o primeiro campeonato demaconha.

[169] Revista Trip 47, março de 1996.

[170] O falecido Jerry Garcia era o vocalista e guitarrista do Grateful Dead.

[171] “Festival escolhe a melhor maconha”, de Marcelo Rubens Paiva. Folha de S.Paulo, 23-11-1996.

[172] Como ninguém lembra direito dos detalhes (por motivos óbvios), alguém pode ter faltado da listaou constado dela sem ter ido na viagem.

[173] Formado em 1989, com a sigla NTM para a expressão Nique Ta Mère (foda a sua mãe), fez umshow no Bataclan, em 1996, que entrou para a história do hip-hop.

[174] Grupo francês de ragga, descoberto na compilação Rapattitude, teve o hit “Sors avec ton gun”(saia com sua arma) lançado junto com o filme O ódio, de Mathieu Kassovitz, com o ator VincentCassel.

[175] Red Light District. Conhecido como Bairro da Luz Vermelha, é famoso por ser uma zona deprostituição legalizada.

[176] Squats são prédios ocupados por punks e transformados em moradia e/ou centros culturais comespaços para shows. Prática muito comum na Europa, mas pouco difundida no Brasil.

[177] Fonte: Revista “Programa” do Jornal do Brasil, 8-11-1996.

[178] Pequeno traficante de rua que (geralmente) não porta arma, e atua no leva e traz da boca de fumoaté o consumidor, ganhando uma comissão sobre a venda das drogas.

[179] “Prefeito do Rio cassa alvará de funcionamento do Circo Voador”, de Wilson Tosta. Folha deS.Paulo, 19-11-1996.

[180] “Artistas desafiam Justiça e abrem Circo”, no Jornal do Brasil de 20-11-1996.

[181] “Um estúdio para cada músico” de Rodrigo Lariú n’ O Estado de São Paulo de 4-7-1997.

[182] Produzido por Mario Caldato Jr. + Dust Brothers, o segundo disco dos Beastie Boys foi lançadoem 1989, pela Capitol Records.

[183] Lançado em 1992, pela Capitol, o terceiro disco da banda, também produzido por Mario, é oprimeiro do tecladista Money Mark.

[184] O quarto álbum, ainda com produção de Caldato, saiu em 1994, novamente pela Capitol, eestourou com a música “Sabotage”.

[185] “Rapconha nas paradas”, de Leonardo Panço, na revista Panacea #38, março/abril de 1995.

[186] Como o baixista do Planet era fanho, era assim que saía o som da expressão “qual é, maluco?!”.

[187] Rock Press #7. Entrevista gravada no estúdio Totem, por Alexandre Aquino e André RenatoMalvar.

[188] Zine THC #4 (Belo Horizonte, inverno de 1997).

[189] O druida gaulês das histórias em quadrinhos de Asterix & Obelix, criado em 1959, por AlbertUderzo e René Goscinny, faz uma poção mágica que deixa os gauleses invencíveis.

[190] Entrevista do guitarrista ao autor exclusivamente para esta biografia.

[191] Entrevista do guitarrista ao autor exclusivamente para esta biografia.

[192] Esse é o nome do primeiro disco da banda, formada em 1994. O CD Fogo na Babilônia saiu em1997, pela Atração Fonográfica.

[193] Conforme matéria na Folha de S.Paulo, em 27-11-1997.

[194] Essa base pop e contagiante é criação dos Dust Brothers, dois amigos de Los Angeles, e a músicafaz parte do álbum Middle of Nowhere (1997), do Hanson, que vendeu dez milhões de cópias. Antes domainstream, os Dust Brothers produziram o segundo disco dos Beastie Boys, Paul’s Boutique (1989) eOdelay, do cantor Beck (1996).

[195] Fontes: “Tiririca faz show em meio à polêmica”, de Marisa Adán Gil, na Folha de S. Paulo, em 9-8-1996; e “Reconstruindo Tiririca”, de André Barcinski, na Folha de S.Paulo, em 28-10-1999.

[196] Zine Cabrunco número 9. Aracaju, janeiro de 1997, entrevista a Adolfo Sá.

[197] Uma das músicas mais tradicionais do Carnaval pernambucano, “Madeira que cupim não rói” foicomposta por Lourenço da Fonseca Barbosa, mais conhecido como Capiba, músico e compositor defrevos brasileiro, em 1963. Foi escrita como uma forma de protesto contra o resultado do concurso deblocos daquele ano, que concedeu o primeiro lugar ao Batutas de São José, em vez de ao Madeira doRosarinho. Ambos são blocos carnavalescos mistos muito tradicionais do Recife.

[198] Chico Science – a rapsódia afrociberdélica, de Moisés Neto (Edições Ilusionistas, 2007).

[199] “Chico Science é enterrado em Recife – Blocos prestam homenagem no pré-carnaval de Recife”,da Agência Folha, em 3-2-1997.

[200] Chico Science – a rapsódia afrociberdélica, de Moisés Neto (Edições Ilusionistas, 2007).

[201] “A alternativa da inovação”, de Bráulio Neto, no Jornal do Brasil, em 21-4-1997.

[202] “Emoção balança o cenário pop”, de Bráulio Neto, no Jornal do Brasil, em 22-4-1997.

[203] Com sete anos de estrada, o grupo gravou Sonic Mambo, nos Estados Unidos, no meio doinverno, e voltou para o Recife, no Carnaval de 1998. Infelizmente, um ano de crise na indústriafonográfica.

[204] “Lula Lira, filha de Chico Science, trilha seu próprio caminho”, de Camila Souza, publicado noDiário de Pernambuco, em 11-12-2013.

[205] “Dez anos após morte, família de Chico Science recebe indenização”, de Renata Baptista, naAgência Folha, em 2-2-2007.

[206] Entrevista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[207] “Anjo da guarda leva tiro primeiro”, de Lia Regina Abbud, na Folha de S.Paulo, em 4-10-1998.

[208] Programa infantil especialmente criado pela TV Globo, em 1983, no qual as crianças entravamnuma nave espacial muito louca e faziam uma viagem espacial.

[209] Entrevista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[210] “Um Planet mais leve em 2º CD”, de Marcelo Janot, no Jornal do Brasil, em 7-6-1997.

[211] Entrevista para o autor exclusivamente para esta biografia.

[212] O jornal carioca A Notícia publicou no dia 13 de junho a reportagem “Planet Hemp com o pé nacela” sobre a polêmica envolvendo o site da banda.

[213] Entrevista com a banda Squaws no zine PPZ #8, datado de janeiro de 1998.

[214] D2 e Muti explicam o conceito no programa Arte na Capa, do Canal Brasil, exibido em 24-11-2016.

[215] Inaugurado em 1983, na Alameda dos Jamaris, 213, no bairro de Moema, o Palace virou DirectvMusic Hall e, depois, Citibank Hall. Em 28 anos de existência, recebeu mais de 2.700 shows até serdevolvido ao proprietário e demolido, dando lugar a um estacionamento.

[216] “Planet Hemp mostra CD”, de Bruna Monteiro de Barros, na Ilustrada, em 4-7-1997.

[217] “Celebração da satividade”, na revista Showbizz de agosto de 1997, página 84, por Bruno Zeni.

[218] Depoimento do Rafael ao autor exclusivamente para esta biografia.

[219] “A pior droga é a ignorância”, “Folhateen”, em 14-7-1997.

[220] “Show do Planet Hemp reúne fãs da maconha”, de Mariana Castro, no Jornal da Tarde, em 7-7-1997.

[221] “Banda carioca Planet Hemp toca pros mano véio e pras mané”, de Marcelo Rubens Paiva, naFolha de S.Paulo, em 7-7-1997.

[222] Por coincidência, em 2014, a cantora Fernanda Takai lançou seu quarto disco solo pelaDeckDisc, com o mesmo nome.

[223] Depoimento do baterista ao autor exclusivamente para esta biografia.

[224] Depoimento do guitarrista ao autor exclusivamente para esta biografia.

[225] Entrevista do baixista ao autor exclusivamente para esta biografia.

[226] “Juiz autoriza show do Planet Hemp”, de Wagner Oliveira, na Folha de S.Paulo, em 16-8-1997.

[227] Até 2004, o Brasil considerava cem mil cópias vendidas para Disco de Ouro e duzentas ecinquenta mil para Disco de Platina. Após 2004, a exigência caiu para cinquenta mil e cento ecinquenta mil, respectivamente. Nos EUA, para conseguir o Disco de Ouro é preciso vender quinhentasmil cópias e Platina só se chegar a um milhão.

[228] Entrevista de Monikinha ao autor exclusivamente para esta biografia.

[229] Entrevista do Rafael ao autor exclusivamente para esta biografia.

[230] Entrevista do Ronaldo ao autor exclusivamente para esta biografia.

[231] “Rafael: masses for the asses alternative compilation”, de André Mansur, na revista Rock Press#11, dezembro de 1997.

[232] “Artistas presos e cabeças raspadas”, no jornal O Dia, em 27-11-1970.

[233] “Hippies querem ter paz para trabalhar...”, no Correio do Povo, em 6-12-1970.

[234] Artigo “É isso aí, bicho: narrativas sobre o filme Geração bendita no jornal A Voz da Serradurante a ditadura militar”, de Thamyres Dias Saldanha Martins e Debora Breder, da UniversidadeCandido Mendes (RJ). Apresentado em 2009 durante o 32º Congresso Brasileiro de Ciências daComunicação.

[235] Disponível em (www.spectrum.mus.br/clipping.htm). Visualizado em 10-2-2018.

[236] Disponível em (www.spectrum.mus.br/banda.htm). Visualizado em 10-2-2018.

[237] “Nenhum homem é uma ilha”, de Fernando Gabeira, na Folha de S.Paulo, em 28-3-1994.

[238] D2 e Gabeira em entrevista a Haroldo Zager, Marcos Petrillo e Marcelo Fróes, no jornalInternational Magazine #39, em agosto de 1997.

[239] “Planet Hemp: inimigos públicos número um”, de André Gordirro, na Revista Manchete #2.370,de 6-9-1997.

[240] “Ôrra Meu!” é a última música do álbum Rita Lee, conhecido pelos sucessos “Lança perfume” e“Baila comigo”, lançado em 1980 pela Som Livre.

[241] Entrevista do guitarrista Jackson ao autor exclusivamente para esta biografia.

[242] Os Cabeloduro é uma banda punk hardcore formada em 1989, no Guará (DF), que lançou um CDem 1996, pela RVC/Berlin e, anos depois, um EP, pela Tamborete. Sua mascote foi criada pelo Túlio,do D.F.C.

[243] Depoimento do baixista Formigão ao autor exclusivamente para esta biografia.

[244] “Planet Hemp passa outra noite na prisão”, de Abnor Gondim e Carlos Henrique Santiago, na“Ilustrada”, em 11-11-1997.

[245] “Raimundos param turnê”, de Marcelo Negromonte, na “Ilustrada”, em 11-11-1997.

[246] “O silêncio dos inocentes”, de Evaldo Novelini, no Diário do Grande ABC, em 5-11-2017.

[247] Depoimento do baixista Formigão ao autor exclusivamente para esta biografia.

[248] “É proibido cantar”, de Marcel Plasse, com a colaboração de Pedro Alexandre Sanches e TomCardoso, na revista Vírus #6, dezembro de 1997.

[249] “Planet Hemp é preso por apologia da droga”, de Fabiana Melo, na Folha de S.Paulo, em 10-11-1997.

[250] Depoimento do vocalista Black Alien ao autor exclusivamente para esta biografia.

[251] Pseudônimo do rapper, ator e produtor Method Man, que também integrou o grupo Wu-TangClan.

[252] Um receptor eletrônico de mensagens curtas de texto, quando ninguém sonhava em tersmartphone ou Twitter.

[253] Depoimento do baixista Formigão ao autor exclusivamente para esta biografia.

[254] Revista Putz #7, edição de fevereiro de 1998.

[255] “Músicos são presos por apologia de droga”, de Jailton de Carvalho, no JB, em 10-11-1997.

[256] “Roqueiro do Planet Hemp critica prisão”, de Jailton de Carvalho, no JB, em 11-11-1997.

[257] “Advogado pede libertação de roqueiros”, no JB de 11-11-1997.

[258] “Juiz decide manter roqueiros presos”, de Jailton de Carvalho, no JB de 11-11-1997.

[259] “Artistas vão até ministro”, no JB de 13-11-1997.

[260] “Planet Hemp recorreu a Gabeira duas vezes”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em15-11-1997.

[261] “Prisão de roqueiros gera crise política”, de Renato Fagundes, no JB de 13-11-1997.

[262] “PM bate no público, para show e prende rappers em Recife”, de Xico Sá, na “Ilustrada”, em 13-11-1997.

[263] “Roqueiros são libertados”, de Renato Fagundes, no JB de 14-11-1997.

[264] “Músicos do Planet Hemp são soltos no DF”, de Solano Nascimento, na Folha de S.Paulo, em14-11-1997.

[265] “Na mira dos federais”, no JB de 15-11-1997.

[266] “PF vai acompanhar shows do Planet Hemp”, de Solano Nascimento, na “Ilustrada”, em 15-11-1997.

[267] “Gabeira classifica ação da polícia de calamitosa”, de Pedro Alexandre Sanches, na Folha deS.Paulo, em 14-11-1997.

[268] “Rita Lee lembra sua prisão em 76”, de Pedro Alexandre Sanches, na Folha de S.Paulo, em 14-11-1997.

[269] Revista Consultor Jurídico de 3-12-2006.

[270] A notícia publicada no Correio Braziliense, de 24-5-2013, foi reproduzida em diversos jornaispelo país, como O Globo e O Estado de Minas.

[271] Entrevista de Marcelo D2 à revista Trip, em julho de 2005.

[272] “Planet Hemp nega apologia e vê perseguição”, de Cristina Grillo, na Folha de S.Paulo, em 19-11-1997.

[273] Entrevista coletiva do Planet Hemp no jornal International Magazine #42, dezembro de 1997.

[274] “É proibido cantar”, de Marcel Plasse, com a colaboração de Pedro Alexandre Sanches e TomCardoso, na revista Vírus #6, dezembro de 1997.

[275] “Protesto reúne 300 jovens em SP”, na Folha de S.Paulo, em 20-11-1997.

[276] Termo de origem alemã cuja tradução significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dostempos.

[277] “O dia na história (20-11-1997): Marcelo D2 não consegue habeas corpus e Planet Hemp mudamúsica no Programa livre”, no site (www.sbtpedia.com.br), em 20-11-2015.

[278] “Planet Hemp obtém habeas corpus”, no Notícias Populares, em 21-11-1997.

[279] Entrevista com o advogado Técio Lins e Silva exclusivamente para esta biografia.

[280] “Grupo que pede a descriminação da maconha tem dois shows proibidos”, em 11-10-1997.

[281] “Confen diz que Planet Hemp não comete crime”, por Isabel de Paula, em O País, em 12-11-1997.

[282] “Integrantes da banda de rock Planet Hemp são presos por apologia do uso de drogas”, em OPaís, em 10-11-1997.

[283] “Solto, Planet Hemp é recebido com festa pelos fãs”, de Maria Lima e Vannildo Mendes, em OPaís, em 14-11-1997.

[284] “Criminosos de extrema periculosidade”, editorial do jornal O Estado de SP, em 14-11-1997.

[285] “Legítima defesa da sociedade”, editorial do jornal O Estado de SP, em 22-11-1997.

[286] Número 136, janeiro de 1998.

[287] Entrevista de Pedro Só ao autor exclusivamente para esta biografia.

[288] “Quando o samba acabou” (1933).

[289] “Panis et circenses”, faixa do álbum Os Mutantes (1968).

[290] “Obrigado não”, faixa do álbum Santa Rita de Sampa (1997).

[291] “Pitando no Kombão”, faixa do álbum Lavô tá novo (1995).

[292] “O toco”, faixa do álbum Lapadas do povo (1997).

[293] “Sábado de sol”, originalmente gravada pelo Baba Cósmica, ficou conhecida na versão dosMamonas Assassinas, presente no álbum homônimo, de 1995.

[294] “A feira”, faixa do álbum Rappa Mundi (1996).

[295] “Cachimbo da paz”, faixa do álbum Quebra-cabeça (1997).

[296] “Bagulho no bumba”, faixa do álbum Virgulóides? (1997).

[297] Em outubro de 2015, quinze anos depois de lançar a música “Tapinha”, pelo Bonde do Tigrão, aJustiça condenou a Furacão 2000 a pagar uma indenização de quinhentos mil reais por incitar aviolência contra a mulher. A indenização de meio milhão de reais seria revertida em favor do FundoFederal de Defesa dos Direitos. Processo semelhante ocorreu com a música “Tapa na cara”, do grupoPagod’Art.

[298] Entrevista de Ronaldo ao autor exclusivamente para esta biografia.

[299] “Planet Hemp tem execução de músicas e show proibidos”, na Folha de S.Paulo, em 18-12-1997.

[300] “Menores querem ver a Planet Hemmp [sic]”, no Diário de Pernambuco, em 19-12-1997.

[301] “Não passou de cortina de fumaça”, de Clarissa Lima, no Jornal do Commercio, em 22-12-1997.

[302] Coluna do Tárik de Sousa, no Jornal do Brasil, em 27-12-1997.

[303] Entrevista com o Jackson ao autor exclusivamente para esta biografia.

[304] Entrevista de Marcelo D2 ao autor exclusivamente para esta biografia.

[305] No Barulho do Mar, 9-1-1998; no Circo Beach (Imbé), 10-1-1998; e no Opinião (Porto Alegre),11-1-1998.

[306] O programa H estreou na Band em outubro de 1996. Em março de 1999, a personagem de SuzanaAlves, a Tiazinha, bombou na capa da revista Playboy, vendendo mais de um milhão de exemplares.No mesmo ano, Huck foi para a Globo e Otaviano Costa assumiu o programa, mudando o nome paraO+.

[307] “Vocalista do Planet Hemp assina contrato para gravar três discos”, de Ricardo Fotios, na Folhade S.Paulo on-line, em 20-3-1998.

[308] “O Planet Hemp se levanta e vai à luta”, de Carlos Albuquerque, no “Rio Fanzine”, d’O Globo,em 29-3-1998.

[309] “Rio fanzine”, d’O Globo, em 26-4-1998.

[310] Referência ao primeiro disco solo de Marcelo D2, Eu tiro é onda (Sony, 1998).

[311] Faixa assinada e estrelada por Black Alien, BNegão, Speed, Jackson e D2 ao lado dos DJs ZéGonzales e Nuts. Em 1999, circulou uma demo em cassete do duo DZ Cuts (Zegon e Nuts), com meiahora de som em cada lado. No terceiro disco, o Planet gravou uma música chamada DZ Cuts.

[312] “Banda Planet Hemp decide cancelar show em Maringá”, de Marccio W. Varella, na Folha deLondrina, em 24-4-1998.

[313] No CD Ska com paulera, a banda curitibana Boi Mamão gravou a música “Vagabundo”, em suahomenagem. Nascido em Andradina (SP), Alborghetti morreu aos sessenta e quatro anos, em Curitiba,onde morava há vinte e dois, vítima de câncer de pulmão.

[314] “Delegado diz que vai apreender CDs do Planet Hemp”, de Kraw Penas e Lorena Aubrift Klenk,em 18-12-1997, na Folha de Londrina.

[315] Disponível em (https://youtu.be/yeSqf0d3Jg8). Visualizado em 18-2-2018.

[316] Disponível em (https://youtu.be/UjdUmwTNdzI). Visualizado em 18-2-2018.

[317] “Juíza proíbe apresentações do Planet Hemp”, na Folha de S.Paulo, em 18-7-2001.

[318] “Planet Hemp protagoniza revista alternativa”, de Bruno Garcez, na “Ilustrada”, em 25-4-1998.

[319] Depoimento de Kado ao autor exclusivamente para esta biografia.

[320] Fonte: Revista Playboy #303, publicada em outubro de 2000.

[321] Loja de discos de vinil fundada pelo DJ Jab, no Lower East Side de Manhattan, em 1994, que, nofim dos anos 1990, se expandiu para outros lugares nos EUA, além de Tóquio e Amsterdã.

[322] Por volta de 1975/76, o cantor virou devoto da Cultura Racional – uma religião derivada doespiritismo que trata de cosmologia, metafísica, ecologia, linguística e teologia – e lançou dois discossobre isso pelo seu próprio selo, o Seroma.

[323] Entrevista do guitarrista Jackson ao autor exclusivamente para esta biografia.

[324] Pergunte a quem conhece (Eldorado, 1989), produzido por Nasi e André Jung, vocalista ebaterista do Ira!, respectivamente.

[325] “Marcelo D2 mistura hip-hop e música brasileira em seu 1º álbum solo”, de Daniel Pompeu deToledo, no “Folhateen”, em 29-6-1998.

[326] Primeiro disco solo de KRS-One, lançado em 1993, que anteriormente tocava com o DJ Scott LaRock, na Boogie Down Productions.

[327] Mario concordou em mixar apenas algumas músicas da coletânea Postonove (BMG, 2001), comoo “Bonde do gorila” (Samantha e David), e “Batucada” (do Marcelo D2) – que saiu no segundovolume. A ideia deu tão certo, que saíram três edições da compilação.

[328] Puxado pelos singles de “Intergalatic” e “Body Movin”, o quinto disco dos Beastie Boys foilançado em 1998, pela Capitol Records, e vendeu seiscentas e oitenta mil cópias na primeira semana.Faturou dois Grammy, inclusive o de Melhor Álbum de Música Alternativa.

[329] “Do bom e do melhor pelo Circo Voador”, de Jamari França, no Jornal do Brasil, em 15-9-1998.

[330] “Chaos promove um megashow”, Folha de S.Paulo, em 26-10-1998.

[331] “O hip hop carioca de Marcelo D2”, por Silvio Essinger, no Jornal do Brasil, em 6-10-1998.

[332] Em 1998, Denílson foi vendido do São Paulo para o Real Betis por US$ 32 milhões, na época atransferência mais cara da história do futebol.

[333] Boate no bairro da Vila Olímpia aberta pelo (então) casal Flavia Ceccato e Ângelo Leuzzi, emjunho de 1998, após a experiência deles com o B.A.S.E. Na Lov.e, DJs como Marky e Mau Mau foramresidentes. Citado aqui na biografia, Rodrigo Brandão chegou a fazer as terças hip-hop na festa GorillaGroove. A casa fechou as portas em abril de 2008, após quase dez anos.

[334] Escrita por Adelino da Chatuba e Édson Show, a música foi gravada por Bezerra no CD Contra overdadeiro canalha (RGE, 1995).

[335] “Planet Hemp. Queimando tudo”. Entrevista a Alexandre Aquino e André Renato Malvar, narevista Rock Press #7.

[336] Depoimento do Bacalhau ao autor por WhatsApp no dia 20 de fevereiro de 2018.

[337] Entrevista de Bruno Levinson ao autor exclusivamente para esta biografia.

[338] Inaugurado em 1995, o lendário bar rock de São Paulo funcionou por muitos anos na ruaAspicuelta, até mudar-se para a rua Inácio Pereira da Rocha, no mesmo bairro.

[339] “Peixe fora d’água”. Revista Showbizz #162, coluna “Informe”.

[340] Esse show foi no dia 2-12-1994. O Acabou La Tequila também tocou no SuperDemo de 1995,em São Paulo, ao lado de Câmbio Negro e Hip Monsters, porém, já com Nervoso na bateria.

[341] Edição 125, dezembro de 1995.

[342] “Disco ‘perdido’ dá vida ao Acabou la Tequila”. Por Guilherme Werneck, na “Ilustrada”, em 9-4-2004.

[343] Matéria assinada por Carlos Albuquerque no jornal O Globo, em 13-6-2010.

[344] “Bandas ficam sem tocar no Superdemo”, de Silvio Essinger, no Jornal do Brasil, em 15-12-1998.

[345] “Agora Digital, SuperDemo retorna com palestras”, por Bruno Natal, em 1º-12-2004, na“Ilustrada”.

[346] Verba destinada geralmente para a aquisição de equipamentos, instrumentos, passagens,acomodação, aluguel de veículos e outras despesas durante uma turnê.

[347] A primeira frase da parte em que Gustavo canta é: “Eu sou pago pra rimar e rimo pra ser pago”.

[348] A história completa de Black Alien & Speed é contada no livro Brodagens, do mesmo autor,Pedro de Luna, lançado em 2016, pela Ilustre Editora.

[349] Marcos Castro também integrou o coletivo de rap Quinto Andar e acompanha BNegão duranteanos a fio, inclusive no projeto de trio com Pedro Selector no trompete. Castro também toca com AFilial.

[350] “O Rock Brasil assume o ‘revival’”, de Silvio Essinger, no Jornal do Brasil, em de 20-2-1999.

[351] Em 29-9-1998, o Farofa fez seu primeiro show de Moro no Brasil em São Paulo, na Escola CircoPicadeiro. A apresentação do octeto contou com a participação da cantora Fernanda Abreu e serviucomo preparação para a apresentação da banda no Free Jazz Festival.

[352] “Carnaval samba-rap-rock na Lapa”, de Silvio Essinger, no Jornal do Brasil, em 4-2-1999.

[353] “Noites de som inovador no Recife”, de Silvio Essinger, no Jornal do Brasil, em 19-4-1999.

[354] Essa história é contada em Filipe Salvador: a cultura de Angola no Brasil, do mesmo autor, Pedrode Luna, lançado em 2017, pela Ilustre Editora.

[355] “Show reúne 5,5 mil pessoas no Aramaçan”, de Sueli Osório, no Diário do Grande ABC, em 17-10-1999.

[356] Festa Aracnomania, no prédio dos alunos da UERJ, em 19-11-1999.

[357] Vamos fazer barulho: Uma radiografia de Marcelo D2 (Editora Record, 2007), de BrunoLevinson.

[358] Revista Áudio, Música e Tecnologia #121 de outubro de 2001.

[359] Grupo norte americano de hip-hop.

[360] HC é uma abreviação da palavra hardcore.

[361] “Planet Hemp solta sua fumaça sonora”, por Marcelo Valletta, na “Ilustrada”, em 6-5-2000.

[362] Stab é uma única nota ou acorde de staccato (uma nota de duração reduzida) que adicionapontuação dramática a uma composição. Na música eletrônica e no hip-hop, stabs são utilizados comotrechos muitos curtos de uma música utilizados como acréscimos rítmicos em outra.

[363] A música “Procedência C.D.” faz referência ao Comando Delta, um suposto colegiado da eliteque escolheria os presidentes do Brasil. Essa hipótese foi levantada em uma entrevista do então

presidente da Associação dos Agentes da Polícia Federal.

[364] “O fim da era Garage”, de Silvio Essinger, no Jornal do Brasil, em 22-1-2000.

[365] “Squaws come o pão que Oasis amassou”. Jornal do Commercio, em 27-3-1998.

[366] O ponto de igualdade entre receita e despesa, a grana que você precisa levantar todo mês parazerar as suas despesas.

[367] Em 1999, o Planet Hemp fez uma turnê pelos Estados Unidos e pelo Japão, para divulgar o discoA invasão do sagaz Homem Fumaça, do qual Jorge participa na última faixa, o reggae “O sagazHomem Fumaça”.

[368] Integrante da banda gaúcha Garotos da Rua, faleceu em 2010 após complicações cirúrgicas para aretirada de um tumor no cérebro. Em 2003, pai e filho gravaram o CD Confidencial, mesmo nome dodocumentário protagonizado por Pedrinho.

[369] Entrevista do baterista Pedro Garcia ao autor exclusivamente para esta biografia.

[370] “Planet Hemp parte para o confronto em novo CD”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”,em 5-6-2000.

[371] “Planet Hemp volta ao ataque com novo CD”, na Agência Estado, em 30-5-2000.

[372] “Paula Lavigne, bruta flor”, por Nina Lemos, em 28-10-2013, na revista TPM #21.

[373] “Marcelo D2 abre fogo”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 31-8-2000.

[374] “Fumaça no ventilador”, de Adilson Pereira, no Jornal do Brasil, em 13-5-2000.

[375] “Fumaça e fogo”. Coluna da Mônica Bergamo, na “Ilustrada”, em 26-8-2000.

[376] Entrevista do Pedrão ao autor exclusivamente para esta biografia.

[377] “Maconha e política no palco do Planet Hemp”, de Tom Cardoso, no site Cliquemusic, em 2-9-2000.

[378] “Menores de 18 anos não verão show”, na “Ilustrada”, em 31-8-2000.

[379] “Sinais de fumaça”, de Adilson Pereira, no Jornal do Brasil, em 3-12-2000.

[380] Entrevista à Andréa Barros, na revista Playboy #303, em outubro de 2000.

[381] Como se fosse um ecstasy turbinado, é mais barato que a cocaína e pode ser fabricado comfacilidade, misturando a fenedrina com outros produtos como amônia. O consumo da droga nos EUAgerou doenças bucodentais, com os dentes se tornando frágeis e quebrando com grande facilidade. Aolongo das gengivas se formam uma série de cavidades escuras.

[382] Entrevista de Julia ao autor exclusivamente para esta biografia.

[383] No início do ano 2000, numa associação entre a editora Abril e a editora Símbolo, a Showbizzvoltou a se chamar Bizz e a sair pela Símbolo.

[384] Revista Bizz #186, em janeiro de 2001.

[385] “Marcelo D2 apadrinha novos talentos do rap carioca”, de Silvia D., no site Cliquemusic, em 17-1-2001.

[386] “Marcelo D2 apadrinha novos talentos do rap carioca”, de Silvia D., em 17-1-2001, no siteCliquemusic.

[387] “Zé Alguém”, por Endrigo Chiri Braz, na revista Trip #111, em maio de 2003.

[388] “O cerco aos homens-fumaça”, de Marco Antonio Barbosa, no site Cliquemusic, em 20-7-2001.

[389] Em 2010, irregularidades vieram à tona e o local fechou um ano depois, conforme reportagem dosite G1.

[390] Localizado na av. Duque de Caxias, o hotel Jandaia ficava no bairro dos Campos Elíseos,próximo à redação da Folha de S.Paulo. Hoje, o hotel chama-se Jaguar.

[391] “Planet Hemp volta às origens e grava ao vivo”, de Luciana Pareja, na Folha de S.Paulo, em 16-5-2001.

[392] “Planet Hemp lança disco ao vivo”, de Gislaine Gutierre, no Diário do Grande ABC, em 24-7-2001.

[393] No seu primeiro ano, a cerimônia do Grammy Latino foi o primeiro programa em espanholtransmitido no horário nobre da TV norte-americana. Ele foi assistido por mais de sete milhões e meiode pessoas. Em 2001, quando o Planet Hemp concorreu, esse número foi ainda maior.

[394] “O roqueiro, a maconha e o juiz”, de Luís Edmundo, na Isto É Gente, em 30-7-2001.

[395] “Cervejarias voltam a apostar na força do garoto propaganda”. Caderno “Empresas &Tecnologia”, no Valor Econômico, em março de 2005.

[396] “Siro Darlan se diz incomodado mas vê afastamento com ‘naturalidade’”, de Henrique Coelho,no G1, em 3-6-2015.

[397] “Desembargador Siro Darlan é denunciado ao CNJ”, de Elenice Bottari, no jornal O Globo, em29-10-2016.

[398] “Juízes vingativos”, no jornal O Dia, em 29-4-2017.

[399] Lobão vendeu cinquenta mil cópias do disco A vida é doce nesse esquema de CD-Revista.

[400] “Hip hop em erupção”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 25-9-2001.

[401] “Disco traz balanço e bom humor ao rap”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 25-9-2001.

[402] “D2 bota banca com o rap carioca”, de Christian Caselli, no site Cliquemusic, em 15-10-2001.

[403] Essa história é contada em maiores detalhes no livro Brodagens, desse mesmo autor, lançado em2016, pela Ilustre Editora.

[404] “A indicação não vai mudar a vida do Planet Hemp, diz Marcelo D2”, na Reuters, em 3-9-2001.

[405] Matéria de capa na revista Áudio, Música e Tecnologia #121, de outubro de 2001.

[406] “Entrevista de Marcelo D2” a Ricardo França Cruz, publicada na revista Rolling Stone #47, emagosto de 2010.

[407] “Mada 2002 confirma vocação de festival grande”, por Mônica Loureiro, no Cliquemusic, em 27-5-2002.

[408] Organizado por Marcos Petrilo, editor do Jornal do Rock, sacudiu a pacata cidade na zona damata de Minas Gerais, nos dias 30 e 31 de agosto de 2002.

[409] “Mais Marcelo D2”. Conteúdo exclusivo para o site da entrevista (a Ricardo França Cruz)publicada na revista Rolling Stone #47, em agosto de 2010.

[410] Lançada num compacto pela RCA, em 1980.

[411] “Voz ativa” foi lançada com três versões diferentes no EP Escolha o seu caminho, pelaZimbabwe Records, em 1992.

[412] Jornal Estação Hip Hop #11.

[413] Entrevista de Mano Brown à revista Rap Nacional #6, página 46, em outubro de 2012.

[414] “Rappers exaltam legado de Sabotage e analisam disco póstumo”, de Luccas Oliveira, n’ OGlobo, em 23-10-2016.

[415] A coletânea Rap é o hino que me mantém vivo (Cosa Nostra, 2008) e o disco de inéditasSabotage, lançado em 2016, no Spotify, com produção do trio Instituto, o mesmo produtor de Rap écompromisso.

[416] Gravada em 1997 por Sabotage e Marcio Attack Versos, no primeiro single em vinil de Marcio.

[417] “O pesadelo do pop”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 30-4-2003.

[418] “Argumento”, de Paulinho da Viola, foi gravada no disco homônimo, lançado em 1975 pelaEMI-Odeon.

[419] Da música “Da lama ao caos”, do disco homônimo de Chico Science & Nação Zumbi, lançadoem 1994 pela Sony.

[420] Referência ao disco Humildade e coragem são nossas armas para lutar (TNT Records, 1992).

[421] Na música “Mandamentos black”, do disco homônimo lançado pela Polydor, em 1977, Gersonfala sobre dançar, amar, andar, usar e falar como um black.

[422] Novamente do disco Humildade e coragem são nossas armas para lutar.

[423] “Sem liberação, D2 retira músicas de CD”, de Lucas Nobile e Matheus Magenta, na “Ilustrada”,em 10-5-2013.

[424] “Disco quer irritar os extremistas do samba e do rap”, de Pedro Alexandre Sanches, na“Ilustrada”, em 30-4-2003.

[425] Em 2004, Chorão fez isso com Marcelo Camelo, quando se esbarraram no aeroporto deFortaleza. Ele estava puto com uma crítica feita pelo homem de frente do Los Hermanos.

[426] “Chorão sabia que precisava de Deus, diz Rodolfo, ex-Raimundos”, de Braulio Lorentz eRodrigo Ortega, no G1, em 11-3-2013.

[427] “Marcão lança música e homenageia Chorão e Champignon em letra”, de Bruno Gutierrez, noG1, em 28-12-2013.

[428] “Enquadro”: entrevista de D2 a Endrigo Chiri Braz, na revista Trip #135, de julho de 2005.

[429] “D2 canta para high society na Daslu”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 3-9-2003.

[430] “Bêbado, D2 afronta caretice MTV”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 16-7-2004.

[431] Página 204 da biografia Vamos fazer barulho – Uma radiografia de Marcelo D2, de BrunoLevinson, pela Editora Record, 2007.

[432] “Por trás da cortina de fumaça”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 17-9-2004.

[433] “BEBO, NÃO NEGO.” Nota na coluna da Mônica Bergamo, na “Ilustrada”, em 31-7-2004.

[434] Entrevista de Black Alien ao autor exclusivamente para esta biografia.

[435] Em 2003, a dupla norte-americana Outkast lançou por selos da Sony Music o quinto CD, o duploSpeakerboxxx/The Love Below. Sucesso imediato, ganhou um Grammy de melhor álbum do ano – osegundo disco de hip-hop a vencer a tão cobiçada categoria – vendeu mais de cinco milhões de cópias.

[436] “Black Alien, tempero e antídoto”, de Pedro Alexandre Sanches, na “Ilustrada”, em 17-9-2004.

[437] “Enterro do sambista, ontem, foi acompanhado por cerca de 200 fãs”, de Luiz Fernando Viana eSérgio Rangel, na “Ilustrada”, em 19-1-2005.

[438] O filme Onde a coruja dorme (2012), de Márcia Derraik e Simplício Neto, mostra como Bezerrase tornou uma estrela nos anos oitenta com a explosão do pagode, inicialmente chamado de“sambandido” pela crítica.

[439] Para sacanear os três tenores, os três sambistas fizeram esse disco, lançado em julho de 1995,pela Companhia Industrial de Discos (CID). O samba do morro queria descer para a cidade.

[440] “Cantor Bezerra da Silva é enterrado no Rio”, no portal Terra, em 18-1-2005.

[441] Entrevista a Ricardo França Cruz na Rolling Stone #47, em agosto de 2010.

[442] “O perito”, por Bruno Natal, no site Urbe, em 26-1-2005.

[443] Entrevista do Black Alien no programa Panelaço, do João Gordo, em 5-5-2016.

[444] “O rock da vovó”, por Mônica Bergamo, na “Ilustrada”, em 28-11-2004.

[445] Jornalista e pesquisador, o DJ carioca Daniel Tamempi tocou nas principais festas hip-hop dosanos 2000 e foi um dos precursores das batalhas de MCs.

[446] “Marcelo D2 também está na moda!”, no site Vírgula, em 2-5-2005.

[447] “Enquadro.” Entrevista de D2 a Endrigo Chiri Braz, na revista Trip #135, de julho de 2005.

[448] Entrevista de D2 a Guto Gimenez na revista Tribo Skate #168, em setembro de 2009.

[449] “Planet Hemp roubou a cena”, por André Cananea, no “JP Zine”, do Jornal da Paraíba, em 31-5-2005.

[450] “Show revela o velho e o novo BNegão”, de Thiago Ney, na Folha de S.Paulo, em 12-5-2005.

[451] Após mudar o nome para Showbizz e voltar novamente a se chamar Bizz, a revista voltou com aedição #193, em setembro 2005, com Mick Jagger na capa e a matéria “BNegão sopra as cinzas doPlanet Hemp”. As informações foram retiradas da matéria “BNegão independente e feliz longe deMarcelo D2”, no site Vírgula, em 5-10-2005.

[452] “Marcelo D2 grava com Zeca Pagodinho, Alcione e Arlindo Cruz”, de Marcelo Pereira, no portalTerra, em 7-5-2006.

[453] Entrevista de Marcelo D2 a Michele Gomes na revista Status, em 9-10-2014.

[454] “Marcelo D2 confirma nove shows na Europa”, no site Vírgula, em 9-5-2005.

[455] “Programação decola, mas perde Marcelo D2”, de Erika Palomino, na “Ilustrada”, em 15-6-2005.

[456] “Nova polêmica de Marcelo D2”, por Mariana Kalil, na IstoÉ Gente, em 18-7-2005.

[457] “Black São Paulo por Marcelo D2”, por Bruna Bittencourt, na revista Trip, em 21-9-2005.

[458] “Resenha – 20 anos da 89 FM (19-10-2005)”, por Alexandre Cardoso, no site Whiplash, em 7-11-2005.

[459] “Marcelo D2 faz ode a Ronaldo em samba-rap”, de Luiz Fernando Vianna, na Folha de S.Paulo,em 3-6-2006.

[460] “Praça ganha nome de Marcelo D2”, de Andréia Takano, no site Ofuxico, em 14-12-2005.

[461] “Visto de banda atrasa e Marcelo D2 cancela turnê nos EUA”, por Reinaldo Marques, no portalTerra, em 21-3-2006.

[462] Revista da MTV #58, publicada em março de 2006, comemorando cinco anos da revista. Criadaem março de 2001 pelos dez anos da emissora, a publicação durou até 2007, após setenta e noveedições.

[463] “As batidas de Marcelo D2 continuam boas, mas letras apenas giram em torno de seu umbigo”,na IstoÉ Gente, na edição 351, em 15-5-2006.

[464] “Rapper expia culpa e conversa com consciência”, de Lulie Macedo, na “Ilustrada”, em 8-5-2006.

[465] “Marcelo D2 usa o samba para aprofundar o rap”, de Adriana Ferreira Silva, na “Ilustrada”, em8-5-2006.

[466] “Quarto álbum de Marcelo D2 responde a críticas”, de Dojival Filho, no Diário do Grande ABC,em 6-5-2006.

[467] Essa foi a primeira edição do minifestival itinerante, realizada no teatro do Sesc Pompeia, em 4-10-2006.

[468] “Pop chega às lojas hoje com disco de ouro”, de Luiz Antônio Ryff, na “Ilustrada”, em 3-3-1997.

[469] “O sucesso encolheu”, de Thiago Ney, na “Ilustrada”, em 1º -1-2010.

[470] Disponível em: (Fonte) (riaa.com/riaa-debuts-album-award-streams/). Visualizado em: 5-9-2018.

[471] “Marcelo D2: do choro por Zico em 1986 ao choro de Branco oito anos depois”, por Thiago Dias,no Globoesporte.com, em 13-4-2010.

[472] “Trilha sonora de ‘Fifa’ ajuda música a ganhar força diz Marcelo D2”, de Bruno Araujo, no G1,em 3-10-2013.

[473] Paulo Brandão entrou na MTV Brasil como estagiário, em novembro de 1993. Evoluiu paraassistente de estúdio e fez decupagem de fitas até que passou no teste para apresentador do Yo! MTVRaps. Aos 19 anos, sem falar inglês, o vocalista da banda SP Funk introduziu ainda mais o rap nacionalna programação. Fonte: “O Primo Preto do irmão Branco”, de Sérgio Dávila, na Folha de S.Paulo, em31-7-1994.

[474] A música saiu no CD coletânea Uma luz que nunca irá se apagar (2002), último trabalho dorapper e produtor Sabotage (1973-2003), que canta em todas as músicas. A coletânea também contacom a participação de BNegão em “Dorobo”. No seu disco anterior, o músico paulista gravara “Umbom lugar” com Black Alien.

[475] Grupo de hip-hop formado em Porto Alegre, em 1993, por Nitro Di, Baze e DJ Deelay.

[476] “O som do diamante” é a faixa 6 e “Motel/Ive Brussel”, com participação do Bira Matos, é a 7.

[477] O ex-vocalista do Exaltasamba lançou “Motel” no CD e DVD Ousadia & alegria (Som Livre,2012), gravado em abril de 2012, no Credicard Hall de São Paulo.

[478] Ao final, Jorge canta: ‘Eu quero Ive Bru Brussel // Bru Bru Bru Brussel’. A canção “Ive Brussel”foi a segunda do LP Salve simpatia, lançado em 1979, pela Som Livre. Ive Brussel é o nome de uma fãbelga por quem ele se apaixonou quando se hospedou em Bruxelas para uma série de shows na Europa.

[479] “Música com Pitty é vetada do disco de D2”, por Artur Tavares, na Rolling Stone, em 1º-11-2008.

[480] Nome verdadeiro do Speed.

[481] Disco solo com vinte e uma músicas, gravado, produzido e lançado pelo próprio Speed.

[482] “Zé Gonzales fala sobre possível reunião do Planet Hemp”, na Rolling Stone, em 5-1-2010.

[483] “Enrolado”, de Caio Ferreti, na revista Trip #187, em 13-4-2010.

[484] “Marcelo D2 homenageia Bezerra da Silva em seu novo CD”, de Ana Clara Werneck, no Extra,em 25-9-2010.

[485] “D2 privilegia o Bezerra da Silva satírico em homenagem”, de Pedro Alexandre Sanches, no iGCultura, em 24-9-2010.

[486] Essa música faz parte do disco Meu bom juiz (CID, 2003), lançado com show no dia 26 desetembro, no Ballroom, no bairro do Humaitá.

[487] “Marcelo D2 cantou Bezerra da Silva no Circo!”, no site da Na Moral Produções, em 26-11-2010.

[488] “Por causa de tatuagem de D2, EMI é condenada a indenizar família de Bezerra”, por LeonardoRodrigues, no UOL, em 14-7-2016.

[489] “Marcelo D2 quer apresentar Bezerra da Silva à molecada”, de Amauri Stamboroski Jr., no G1,no dia 29-9-2010.

[490] Entre as várias atrações, participaram Os Paralamas do Sucesso; Skank; Pitty, com MarceloGross (do Cachorro Grande); Jorge Ben Jor, com Caetano Veloso e Andreas Kisser (Sepultura);Fernanda Abreu; Otto, com Fred 04 e Jorge Du Peixe; Mallu Magalhães, com George Israel; e RobertoFrejat, entre outros.

[491] “Planet Hemp na festa de 20 anos da MTV!”, no site da Na Moral Produções, em 22-10-2010.

[492] Nos dias 18 e 19-2-2011, aconteceu o Baile do Marcelo D2 no Circo Voador, com participaçãodo Planet Hemp e convidados como Wilson das Neves, Arlindo Cruz, Leandro Sapucahy, Start,Helinho, Marcio Local e ConeCrew.

[493] “Marcelo D2 e Pitty no Summer Stage”, no site da Na Moral Produções, em 16-6-2011.

[494] A gravação aconteceu no dia 10-1-2012, na Praia do Pepê, na Barra da Tijuca.

[495] “BNegão confirma participação em show do Planet Hemp”, por Lucas Reginato, na RollingStone, em 1º-8-2012.

[496] “Marcelo D2 fala sobre o retorno do Planet Hemp, que não faz shows há quase 10 anos”, deMichelle Miranda, n’O Globo, em 20-8-2012.

[497] “Rafael do Planet Hemp fala sobre a reunião da banda”, no UOL Música, em 7-9-2012.

[498] “Ingressos para show do Planet Hemp no Circo Voador esgotam em uma hora”, n’O Globo, em14-8-2012.

[499] “Fui um idiota, diz D2 sobre dez anos sem falar com o Planet Hemp”, entrevista a MarinaAzaredo, no portal Terra, em 10-5-2013.

[500] “BNegão compara shows atuais do Planet Hemp aos de antigamente: hoje não tem mais porrada”,de Lucas Reginato, no site da revista Rolling Stone, em 15-1-2013.

[501] “Marcelo D2: na lata, mas com dó”, de Yuri de Castro, no site da revista Trip, em 12-6-2013.

[502] “Marcelo D2 comemora volta do Planet Hemp e defende banda de polêmicas”, no programaAltas horas da TV Globo, veiculado em 16-2-2013.

[503] “Marcelo D2 dedica música ao Chorão, do Charlie Brown Jr.”, de Renato Vieira, n’O Estadão,em 28-3-2015.

[504] “Amigos e celebridades lamentam morte de Chorão”, no site da revista Veja, em 6-3-2013.

[505] “Legalização da maconha é um assunto ultrapassado, diz Marcelo D2 em lançamento de disco”,de Estefani Medeiros, no portal UOL, em 9-5-2013.

[506] “Pitty depois da tempestade”, por Natacha Cortês, na revista TPM #152, em 10-4-2015.

[507] “Marcelo D2 não descarta o retorno definitivo do Planet Hemp”, por Pedro Antunes, no site darevista Rolling Stone, em 6-9-2013.

[508] D2 participou de “Falo nada”, no segundo CD do grupo, Com os neurônios evoluindo (2011).

[509] “Nos últimos dias, MTV Brasil faz autodeboche e sofre com abandono”, por Daniel Castro, noUOL, em 20-9-2013.

[510] “MTV planeja prêmio para celebrar cultura pop e ter mais conteúdo nacional”, no site NaTelinha,em 15-12-2016.

[511] “MTV anuncia chegada do Prêmios MTV Miaw ao Brasil”, no site da MTV, em 22-1-2018.

[512] “Tipo VMB: MTV Brasil terá seu próprio prêmio a partir deste ano”, de Leonardo Torres, noPortal Popline, em 17-1-2018.

[513] Os últimos shows eram: 4 e 5 de dezembro, no Opinião (Porto Alegre, RS); 6 de dezembro, noCuritiba Master Hall; 7 de dezembro, na Cervejaria do Gordo (Lorena – SP); 13 de dezembro, noPagliato (Sorocaba – SP); e 14 de dezembro, na Estância Alto da Serra (São Bernardo do Campo – SP).

[514] “Review Exclusivo: Planet Hemp (Porto Alegre, 4 e 5 de dezembro de 2013)”, por MicaelMachado, no seu blog, em 24-12-2013.

[515] “O retorno do Planet Hemp a Curitiba”, por Rafael Rodrigues Costa, no “Caderno G”, da Gazetado Povo, em 5-12-2013.

[516] “Marcelo D2”. Entrevista a Michele Gomes, na Status, em 9-10-2014.

[517] “Marcelo D2 conta que está curtindo ser vovô de primeira viagem: ‘Pra caramba’”, no programaEsquenta, de 5-10-2014.

[518] Gravada em Nada pode me parar (2013), essa faixa contou com a participação do rappercaliforniano Aloe Blacc, que nesse mesmo ano foi pai pela primeira vez, de uma menina batizadaMandela.

[519] “Marcelo D2 publica vídeo de netinha mandando beijo”, no Extra, em 26-7-2014.

[520] “Marcelo D2 vai ser avô”, por Thamine Leta, na coluna Gente Boa, em 26-11-2013.

[521] “Marcelo D2 transforma Circo Voador em parquinho temático para lançar seu novo trabalho”,por Nayanne Louise, no IG, em 23-11-2013.

[522] “Marcelo D2”. Entrevista a Michele Gomes, na Status, em 9-10-2014.

[523] Disponível em: (www.catarse.me/blackalien). Visualizado em 5-9-2018.

[524] “Após 11 anos, Black Alien volta ‘pra cima’ em disco sobre recuperação”, de Tiago Dias, noUOL, em 23-9-2015.

[525] “Rapper Black Alien comemora a nova fase e lança disco após 11 anos”, de Pedro Antunes, n’OEstadão, em 31-8-2015.

[526] Todos os trechos de “Deisdazseis” do Planet Hemp.

[527] Entrevista com Marcelo D2 a Matias Maxx, na Noisey, em 2-2-2016.

[528] Criado em 2012 pelos DJs e produtores André Laudz e Zé Gonzales, juntando música eletrônicae rap, evoluindo para o chamado trap. Um detalhe interessante é que André tem a mesma idade da filhamais velha de Zegon, e a diferença entre os dois parceiros é de mais de vinte anos.

[529] No dia 28 de novembro, quatro policiais atiraram contra um carro com cinco jovens em CostaBarros, no subúrbio do Rio, disparando oitenta e um tiros de fuzil e trinta de pistola. Pelo menoscinquenta atingiram o automóvel, matando todos os ocupantes do veículo.

[530] “A volta triunfal do Planet Hemp com protesto político na Fundição lotada”, na coluna daHeloísa Tolipan, no JB, em 19-12-2015.

[531] “Marcelo D2 acusa rappers de forjarem polêmica”, de João Bernardo Caldeira, no JB Online, em12-1-2004.

[532] “Em horário nobre no Lollapalooza, Planet Hemp faz críticas ao governo”, de Tiago Dias, noUOL, em 13-3-2016.

[533] Do álbum Cada dia mais sujo e agressivo (Cogumelo, 1987), do Ratos de Porão.

[534] “João Rock 2016: Marcelo D2, BNegão e Black Alien cantam juntos pela primeira vez em 15anos no festival”, por Lucas Brêda, na Rolling Stone, em 19-6-2016.

[535] “Quinze anos depois, Planet Hemp e Black Alien se reúnem no palco”, por Luccas Oliveira, nojornal O Globo, em 19-6-2016.

[536] Três álbuns de estúdio com o Planet Hemp + seis álbuns de estúdio solo + o novo disco.

[537] Entrevista de Marcelo D2 ao autor exclusivamente para esta biografia.

[538] “Marcelo D2 prepara o disco ‘Amar é para os fortes’, que sairá juntamente com um filmeroteirizado e dirigido por ele”, por Eduardo Ribeiro, no site da Trip, em 20-9-2017.

[539] Banda de rock psicodélico e jazz cujo nome foi retirado do livro homônimo de 1961 do beatnikWilliam S. Burroughs.

[540] Em 1976, Cosey Fanni Tutti fundou a banda Throbbing Gristle, considerada uma das criadorasdo gênero industrial, ao lado do Cabaret Voltaire. Em 1981, a banda se desfez, mas Tutti continuougravando com o parceiro do grupo Chris Carter, sob o nome de Chris & Cosey. Tiveram um filho,Nick, que tocou numa das voltas do Throbbing, que continua ativo.

[541] A frase original diz: “Some performer/artists may take it up to the limit; Cosey’s art STARTSfrom the accepted limit” (em tradução livre: “Alguns artistas podem levá-lo ao limite; a arte de Coseycomeça pelo limite aceito”). Robert Wyatt se referia à artista Cosey Fanni Tutti.

[542] Banda de pós-punk do baixista Peter Hook com o baterista Stephen Morris, antes do Joy Divisione do New Order.

[543] Em tradução livre: pare de fazer pessoas estúpidas ficarem famosas.

A estrada para WoodstockLang, Michael

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O Festival de Woodstock, de 1969, é uma referênciacultural norte-americana e mundial, e nenhum outrolivro captura o ambiente, a música e as maquinaçõesdos bastidores com mais brilho e fidelidade do que aobra de Michael Lang, um best-seller do New YorkTimes. A estrada para Woodstock chega ao Brasil naefeméride dos 50 anos do festival, contando tudo o quevocê precisa saber sobre os três dias mais famosos nahistória da música. Lang revive a mágica para ageração que presenciou tudo aquilo... e também para asgerações seguintes."Um relato vívido e efervescentedaqueles três dias frenéticos e históricos... A narrativa

em primeira mão de Lang é equiparável a umacredencial para os bastidores daquele evento icônico."–New York Post"O livro de Lang é de um valorinestimável." – USA Today"De fato, entre os deleitesde A estrada para Woodstock estão as vozes...Momentos culturais são impossíveis de replicar, mas écrédito de Lang que a mitologia de Woodstock aindaevoque um senso fascinante de possibilidades." – LosAngeles Times"Michael Lang se mostra um contadorde histórias brilhante e divertido." – Miami Herald

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Vai lá e fazMattos, Tiago

9788581743660

320 páginas

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O mundo está cheio de histórias de empreendedoresque começaram do nada. Tiago Mattos, um dosmaiores futuristas brasileiros, formado pela Singularity– a universidade erguida no Vale do Silício peloGoogle em parceria com a Nasa – vai te mostrar nestelivro que, sim, você pode criar uma empresa bem-sucedida do zero se tiver o mindset certo e entendercomo o mundo está mudando. Porque nunca foi tãofácil fazer. Nunca foi tão fácil fazer um livro, umamúsica, um filme, uma reunião dos colegas do ensinomédio, uma passeata, um partido político, uma casa,um carro, uma declaração de amor, uma viagem ao

redor do mundo. Nunca foi tão fácil fazer umaempresa. Nunca foi tão fácil entender que ninguém faráo mundo que você quer por você. Só você.

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O papai é popPiangers, Marcos

9788581742441

112 páginas

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Então, você vai ser pai. Você sabe que precisa compraruma casa maior. Tem que ter mais espaço pra criança.Tem que ter mais um quarto no apartamento. Tem queter um berço novo, não pode ser aquele que a vizinhase dispôs a emprestar. Então você sabe que tem quetrocar de carro, com seis airbags, no mínimo, ar-condicionado de fábrica. O que o humorista MarcosPiangers descobriu ao ser pai jovem é que essaspreocupações não fazem diferença nenhuma. O quevale mesmo não é pagar pela melhor creche, se você éo último a buscar seus filhos. Não é comprar osmelhores brinquedos, porque as crianças gostam

mesmo é das brincadeiras que não custam nada. Nofundo, o que importa mesmo, como os textos divertidose emocionantes de Papai é Pop mostram, é você estarcom seus filhos, não pensando em outra coisa, masestar lá. De verdade.

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O cabelo de DalilaRibeiro, Paulo

9788581741789

150 páginas

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Você está deitado em sua cama, enquanto uma chuvabate eternamente sobre o telhado de zinco. Ao seulado, a mulher com quem você divide a mesma cama, amesma chuva, a mesma vida, mal se move sob umcobertor que ambos compartilham e disputam. O quevocê tem de seu são esse quarto e suas memórias, asque você honestamente possui, e que se revolvem emsua mente, ao som da chuva. O Cabelo de Dalila é aomesmo tempo um ensaio e a comprovação do ensaio,que demonstra que tudo que temos de nosso nessemundo é o presente. O significado desse presentesomente pode ser compreendido como a totalização de

todos os momentos que o criaram, feita sob um teto e achuva que nele bate. Neste universo, a literatura éconvertida em uma operação de cálculo diferencial, naqual a variável desconhecida tende a zero e o nossopresente assume seu valor absoluto.

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Revolução LauraD'Ávila, Manuela

9788581744766

192 páginas

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A maternidade é revolucionária E-BOOK COMTEXTO EXCLUSIVO DE DUCA LEINDECKEREste livro é o registro afetivo de uma mulher, mãe deuma criança de dois anos, que aceitou o desafio deconcorrer à presidência do Brasil em novembro de2017 e que, em agosto de 2018, tornou-se candidata avice-presidente, chegando ao segundo turno. Umamulher que percorreu um país continental,amamentando sua filha e construindo uma nova formade ocupação do espaço político. Também é umaconversa, sobre uma jornada de aprendizado eacolhimento. Sobre privilégios; sobre as lutas para que

privilégios não existam mais. É sobre direitos. É sobrefeminismo e liberdade. É sobre afeto, carreira e amor,porque não tem sentido ser pela metade. É sobre estar enão estar; presença e ausência. Sobre ser mãe e mulher;ser madrasta e não ser bruxa. Sobre acolher, sonhar umoutro mundo e ser o outro mundo sonhado. E,profundamente, é sobre uma revolução chamada Laura.Uma revolução de amor, de amor próprio, de potência.Porque depois de gerar um filho não há nada, nadica denada que uma mulher não possa fazer. Filha, você meensina a ser feliz quando não tenho controle de nada.Você me salva sendo amor em tempos de ódio.Obrigada. Certa vez, em uma das ocasiões em que elanão estava sendo bem acolhida, eu disse: se for maissimples aceitar uma mulher na condição de primeira-dama, do que de uma criança de dois anos e meio,digam a todos que Laura é minha primeira-dama. Ela éminha filha e precisa ser amada. Maternidade empoucas palavras: chuva de cuspe. Passamos a vidajulgando as maternagens de outras mulheres. Quandochega a nossa vez percebemos que cuspíamos para