Da Itália com Amor Anne Weale - VISIONVOX

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Da Itália com Amor Anne Weale Digitalizado e corrigido por Projeto_romances [email protected] Da Itália com Amor A n n e W e a l e Este Livro faz parte do Projeto_Romances, sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é estritamente proibida

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Da Itália com Amor Anne Weale

Digitalizado e corrigido por

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Da Itália com Amor

A n n e W e a l e

Este Livro faz parte do Projeto_Romances,

sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A

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estritamente proibida

Da Itália com Amor Anne Weale

Da Itália com Amor

Anne Weale

Tio David foi como um raio de sol na vida triste de Bethany. Ele surgiu

de repente, bonito, romântico, sensual, e a levou para a sua magnífica

villa, na Itália. E apesar dos laços de sangue, Bethany se apaixonou por

ele! David também a amava, por isso a mandou de volta para a

Inglaterra, despedaçando o coração da pobre garota. O tempo foi

passando e Bethany ficou conhecendo Robert Rathbone, rico dom-juan

que, para seu grande espanto, a pediu em casamento. E foi só depois de

ter concordado em se casar, que ela soube toda a verdade sobre David!

Será que ele ainda a amava? Bethany teria coragem de romper seu

compromisso com Robert?

Da Itália com Amor Anne Weale

CAPITULO I

Bethany estava preparando o café da manhã quando ouviu o ruído da pi lha de jornais e revistas que o jornaleiro jogara na caixa do correio do pequeno prédio onde morava com sua amiga Grace.

Vestindo um penhoar de algodão por cima da camisola, os longos e espessos cabelos castanho escuros, soltos nos ombros, ela desceu a escada atapetada que levava ao hall de entrada.

Sobre o capacho, junto ao alto portão em estilo georgiano, jaziam as publicações, ainda amarradas por um barbante. Ela levou o pacote para a mesa da portaria, separou o Daily Telegraph e correu de volta para o apartamento do primeiro andar.

Ao entrar na cozinha, a torrada saltou da torradeira, já pronta. Bethany abaixou o gás, onde a água fervia, e com mãos trémulas de ansiedade abriu o jornal em busca da notícia que deveria fazer com que seu vigésimo aniversário se tornasse o dia mais feliz de sua vida.

Todavia, enquanto folheava o.matutino, não sentiu a alegre excitação de quem está no auge da felicidade, mas apenas a apreensão de alguém temeroso de estar cometendo um erro irreparável.

A grande decisão que tomara tornava-se de conhecimento público na coluna social. A primeira parte do noticiário descrevia as atividades da família real. Em seguida vinham alguns anúncios e, por fim, a seção de casamentos.

Bethany sentiu um arrepio quando encontrou, na longa listagem, a notícia que estava procurando. Pareceu-lhe estar lendo o próprio epitáfio:

"Lord Robert Rathbone e Srta. B. Castle Ficaram noivos Robert Edward Andree, filho mais

moço do duque e da duquesa de Dorset, do Castelo de Granner, e Bethany, filha mais velha de sir John Castle,

já falecido, e enteada de lady Castle, de Blackmead Ma-non, Hampshire."

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Ainda estava relendo a notícia que lhe custara tantas noites de insônia e tantos dias de perplexidade quando o telefone tocou.

A maioria dos chamados era para Grace Suffolk. Mas a colega varara a noite dançando na Annabel, uma das boates mais badaladas de Londres, e tão cedo não iria levantar.

Muito bonita e extrovertida, Grace tinha uma verdadeira legião de fãs. Bethany, no entanto, só tivera um admirador constante nos últimos meses, não só pelo temperamento discreto e reservado mas também porque os demais tinham desistido, não se sentindo à altura para competir com o filho de um duque de ótima aparência e possuidor de invejável fortuna, herdada da avó norte-americana.

Durante o namoro, vários colunistas sociais o tinham classificado como um dos melhores partidos da Grã-Bretanha. E a própria Bethany, que já fora considerada uma das mais lindas debutantes da sociedade inglesa, agora era comparada com lady Diana Spencer, princesa de Gales. Sob vários aspectos, havia realmente certa semelhança entre elas.

Nenhuma das duas fumava ou bebia; falavam com voz doce e pausada, tinham modos suaves e senso de humor.

Lady Diana acabara de completar vinte anos quando se casara na Catedral de St. Paul, e Bethany estariam com vinte anos e dois meses quando se casasse com Robert.

Seu casamento. . . Bethany suspirou, resignada, e foi atender ao telefone que não parava de tocar.

A voz do outro lado da linha era a do futuro marido.

— Feliz aniversário! Parabéns, cara noivinha!

— Oh, Robert! Obrigada.

— O que estava fazendo? Tomando café?

— Sim, aliás. . . quase. Ainda não comecei. E você? Já de voltada sua maratona?

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Robert era fanático pelo método Cooper e todos os dias bem cedo, infalivelmente, ia dar sua corrida no Hyde Park ou no Green Park.

Também Bethany era uma pessoa ativa, mas preferia uma boa caminhada. Aliás, fora em longos passeios pela propriedade rural do duque que ela soubera muita coisa sobre Robert. Mesmo assim, ele continuava sendo um enigma.

A maioria das pessoas acreditava que o jovem casal era perfeito e que tinha tudo para ser feliz. Aparentemente estavam certas.

O fato de Robert, até o último inverno, ter tido fama de conquistador não era um obstáculo para seu casamento com uma moça tão pouco vivida e inexperiente como Bethany. Porém, nem os amigos mais íntimos de Robert sabiam que toda a sabedoria dele se resumia à vida sexual, pois, em matéria de sentimentos, ele ainda estava na estaca zero. Nunca se apaixonara, e não fazia questão de demonstrar que estava apaixonado por Bethany. Limitava-se a apreciá-la e a querer levá-la para a cama. A verdade nua e crua era que Robert nunca fora uma pessoa emotiva. E emoção era o que sobrava em Bethany. Ela já estivera profundamente apaixonada, já sofrera angústias intoleráveis e não desejava repetir a experiência.

— Sim, cheguei há pouco — estava dizendo Robert, em resposta pergunta da noiva. — Antes de entrar no chuveiro, pensei em dar-lhe um alô. Se você olhar embaixo da almofada do sofá, vai encontrar um presentinho que escondi ontem à noite, quando voltamos do teatro.

— Robert! Você é um amor! Não desligue, que eu vou dar uma espiada.

Colocou o fone sobre a mesinha, com cuidado, e atravessou a sala de estar. O sofá de chints azul e branco era criação de uma dupla de decoradores famosos de Mayfair, e tinha pertencido aos pais de Grace, já falecidos.

Bethany enfiou a mão por baixo dos almofadões até encontrar um pacote retangular. Ao abri-lo, deu com um relógio suíço, comprado numa loja cara de New Bond Street, com a marca Cartier. Redondo, com o mostrador cor de champanhe, números romanos e pulseira de ouro, devia ter custado uma nota.

Ela voltou apressadamente para o telefone e disse, entusiasmada:

— É deslumbrante! Vou morrer de medo de perdê-lo.

Tivera a mesma sensação quando ganhara o anel de noivado, uma magnífica esmeralda montada em platina

— Já olhou o que está gravado atrás? — Espere um minuto que vou ver.

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Tirou o relógio do estojo e virou-o. "'De R. para B., no dia de seu vigésimo aniversário." Não era a dedicatória que um homem apaixonado teria escolhido, mas era melhor do que nada. Em seguida vinha a data do aniversário.

— Parece que você tinha certeza de que eu ia finalmente dizer "sim"!

É que depois de muitas tentativas, só na noite anterior Robert tinha conseguido fazer Bethany aceitar casar-se com ele. E nunca teria comprado um presente valioso se não houvesse um compromisso formal entre os dois.

— Por que diz isso?

— Porque você não teria tempo de comprar o relógio ontem e mandar fazer a gravação no mesmo dia, ora!

— Tem razão. Na verdade, comprei o relógio na semana passada. Ia passando pela vitrine e, quando bati os olhos nele, achei que combinava com você.

E a gravação, também foi feita na semana passada?

— Sim. Porque dessa vez, querida, eu sabia que você ia aceitar a minha proposta de casamento.

Era a primeira vez que ele a chamava daquela forma afetuosa. Normalmente, ela era apenas "minha cara". Talvez aquilo fizesse parte da encenação, para que todos pensassem que o noivado era o resultado de um amor verdadeiro.

— Pois eu continuo sem entender. por que você me pediu em casamento — disse ela, e a figura elegante, morena-jambo do noivo, em seu training cor de vinho, veio-lhe à mente. Aliás, desde o primeiro encontro reconhecera em Robert sua origem latina.

Quando o vira, com aqueles cabelos negros, a pele trigueira e os olhos escuros muito vivos, até estranhou que ele falasse inglês sem sotaque. Robert lhe lembrou imediatamente um jovem italiano. Mas, na verdade, só a ascendência vinha da Itália; eram imigrantes que haviam feito fortuna nos Estados Unidos e por isso acabaram entrando para a aristocracia inglesa.

— Se você ainda não entendeu, vou ter que lhe explicar mais uma vez — disse Robert. — Mas não agora, e muito menos por telefone. Passo aí às sete, está bem? Nesse ínterim, cuide-se.

— Está certo. E muito obrigada pelo relógio!

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Desligaram. Bethany ficou imaginando que ele agora ia tirar o training e entrar no chuveiro. Só uma vez o vira de peito nu e, pensando nisso, chegou à conclusão de que aquele relacionamento estava fora de época em, pelo menos, trinta anos. Com exceção de uma única vez em que ele tentara sair do sério, geralmente Robert a tratava com o maior respeito, chegando a ser cerimonioso.

Agora, que estavam noivos oficialmente, todos iam pensar que eram amantes. Mas seria difícil que isso acontecesse. Robert nunca passara dos beijinhos, sem qualquer envolvimento ou paixão.

Aliás, beijos que nunca combinavam com os olhares de cobiça que ele lhe lançava. Era de estranhar, tendo em conta a fama de dom-juan que lhe atribuíam.

Por certo, logo que casassem, Robert iria fazer com ela tudo o que quisesse.

E, ao imaginar a entrega total na noite de núpcias, Bethany sentia-se mal, como se fosse cometer uma violência, uma traição a si mesma.

Estava tomada por esses pensamentos contraditórios quando a porta do quarto se abriu e Grace apareceu na sala. Não havia tirado a maquilagem ainda, e seus cabelos loiro-acinzentados estavam todos emaranhados. Mas a Casa de Leilões onde ela trabalhava só abria às dez, e até a hora em que fosse apanhar o ônibus para Picadilly já estaria com a pele limpa, parecendo um pétala de rosa, o cabelo penteado e os olhos azuis brilhantes, acesos, como se tivesse dormido oito horas de sono reparador.

— Quem telefonou? Foi Robert?

— Foi. Minha conversa a acordou? Desculpe! Eu ia levar-lhe o café na cama.

— Eu é que devia paparicá-la hoje. Feliz aniversário, amiga! Grace tirou do bolso do penhoar um pacotinho com a etiqueta da famosa loja Liberty.

— Se não gostar, eles trocam — informou Grace, enquanto Bethany desembrulhava o pacote e tirava dele um par de brincos em forma de flor.

— Oh, mas eu adorei!

— Seus grandes olhos cinzentos, de longas e espessas pestanas, brilhavam de satisfação, e ela correu para o espelho, para experimentar os brincos.

— São chineses — explicou Grace. — Eu devia ter mandado furar as orelhas para poder usar esses brincos. Onde você furou as suas? Na Itália?

— Sim. Em Florença. Francine me levou a um dos joalheiros de Ponte Vecchio.

— Quem é essa Francine?

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Bethany hesitou. Sempre evitava falar sobre os tempos que passara na Itália. Precisava se esquecer daquela época, pois, como dizia o grande poeta Dante Alighieri, "não existe maior pena do que lembrar-se, na tristeza, dos tempos em que fomos felizes".

— Uma francesa que conheci por lá e de quem me tornei amiga. Felizmente, Grace olhou para o relógio que ficara na mesinha do telefone e não fez mais perguntas embaraçosas.

— Meu Deus! Este relógio é o fino! Também, vindo de Robert, não é de estranhar!

Ele escondeu no sofá quando chegamos do teatro ontem à noite. Foi por isso que telefonou: para dizer onde estava. É lindo, não acha? Vou usá-lo só nas ocasiões especiais.

— Eu não faria isso. É mais seguro levá-lo no pulso do que deixá-lo por aí. Alguém pode quebrá-lo ou roubá-lo. Aliás, um Cartier exclusivo combina bem com a futura esposa de Robert. Você pode se considerar mais invejada que a princesa de Gales. A pobrezinha tem o inconveniente de ter que agüentar aquela chatice do cerimonial do Palácio. Você, como futura duquesa, no máximo, terá que fazer a abertura de alguma quermesse de caridade.

O comentário fútil e inconseqüente da amiga logo atingiu a sensibilidade de Bethany. Pensou que, apesar da riqueza e posição, a família do noivo não tinha sido poupada de tristeza e sofrimento. Quando adolescente, o filho mais velho, James, visconde de Hartigan, ficara confinado a uma cadeira de rodas, o que o impedira de casar e ter filhos.

Bethany sabia que Robert adorava o irmão e teria dado toda a fortuna herdada da avó para que James se recuperasse. Robert não tinha a mínima ambição de ser o sucessor do titulo de duque. Nem ela, aliás. E, possivelmente, se não fosse pela doença do irmão, Robert continuaria a levar a vida despreocupada de solteiro pelo menos até os quarenta anos. Atualmente ele tinha vinte e nove, o que era muito pouco para um homem que gostava de viver intensamente.

Mas, apesar da reputação de conquistador, ele não podia ser considerado um playboy. Ais vinte e poucos anos, formara-se engenheiro agrônomo e passara uns tempos na América do Norte. Agora, era o responsável pelas ricas propriedades agrícolas pertencentes à família desde o século XVI.

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A única vez em que Bethany o vira furioso fora quando as reservas florestais de Sussex, onde proliferavam raras e belas orquídeas, tinham sido danificadas, num ato de vandalismo, pelos produtos químicos usados pela comissão de reflorestamento. Bethany se admirara com a reação dele, pois até aquele momento nunca conhecera seu lado sério e responsável. Mais tarde ele lhe explicou a razão do protesto violento. Desaprovava os métodos modernos de adubagem e desinfecção das plantações, achando que esses sistemas eram um crime contra a saúde pública, crime incentivado por industriais e publicitários inescrupulosos.

Depois de conhecer essa nova faceta de Robert ela começara a gostar cada vez mais dele. . . Mas gostar de um homem não significava amá-lo.

— “L’amor che muove il sole e l’altre stelle". . .

Sem perceber que tinha anunciado a frase em voz alta, surpreendeu-se quando Grace perguntou:

— O que significa?

— Oh... É só um trecho da Divina Comédia, de Dante. Veio-me à cabeça não sei por quê.

— E o que significa?

"O amor que move o sol e as outras estrelas."

— Eu já amei várias vezes, mas nunca senti a paixão devastadora de Dante e Beatriz. Acho que nem gostaria de me apaixonar tão intensamente. Os grandes amores sempre terminam em tragédia.

Apesar de as duas serem amigas íntimas desde os tempos de colégio, era Grace quem fazia as confidências. Bethany limitava-se a escutar. Aquela troca de segredinhos do tempo de internato nunca mais se repetira, pois Bethany se fechara em copas desde que voltara da Itália.

— Você acha que o amor que sente por Robert é capaz de mover o sol e as estrelas.

— Todo verdadeiro amor é assim.

Mas, para Bethany, "verdadeiro" amor significava algumas semanas de felicidade seguidas por meses e meses de tristeza e solidão. O que sentira no passado fora um amor inocente, tão inocente que ela nem pudera prever seu triste final.

— Bem, Grace, a minha torrada vai esfriar. E você? Vai querer o mesmo de sempre?

— Sim. Mas antes vou tomar um banho.

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A amiga voltou para o quarto e Bethany para a cozinha, a fim de comer o pequeno lanche. Robert a fizera mudar seus hábitos alimentares. Antigamente, ela e Grace só tomavam café preto e, no máximo, um pãozinho com manteiga. Mas Robert dizia que o certo era comer como um rei pela manhã, almoçar como um príncipe e jantar como um mendigo. No que estava certo.

Robert também não fumava. Bebia pouco. Pelo menos isso eles tinham em comum.

Bethany olhou o relógio. Ainda havia tempo. Marcara um encontro com o advogado da mãe às onze e meia, e até lá podia pôr a casa em ordem.

Há quinze dias recebera uma carta assinada por um dos sócios do escritório de advocacia, solicitando seu comparecimento na firma no dia do aniversário.

Bethany chegou ao escritório na hora marcada. Henry Sheringham, o advogado, parecia já ter lido o Daily Telegraph. A primeira coisa que disse, ao levantar-se da cadeira para recebê-la, foi um cumprimento:

— Soube que ficou noiva. Queira aceitar meus votos de felicidade.

— Obrigada.

Bethany acomodou-se na cadeira em frente à escrivaninha e ficou esperando que ele explicasse o motivo daquela convocação. O Dr. Sheringham fora advogado da mãe durante dezessete anos. Será que ela ainda se lembrava de Clare Castle?

Como se tivesse lido os pensamentos dela, ele começou a dizer:

— Como a senhorita só tinha três anos quando sua mãe morreu, não sei se lembra-se dela. — Ela meneou a cabeça, e o advogado continuou: — Quando conheci sua mãe, ela já estava gravemente doente, mas ainda era uma bela mulher. Aliás, muito parecida com a senhorita. — Fez uma pausa, olhando-a. — A semelhança é realmente extraordinária. Nunca vi mãe e filha tão iguais!

— Verdade? Não sabia disso. Nunca vi nenhum retrato de minha mãe — confessou Bethany.

Se ele estranhou o fato, não deu demonstração.

— Sua mãe deixou sob nossa custódia um envelope lacrado. Não conhecemos o conteúdo. Conforme instruções dela, deveríamos entregá-lo quando a senhorita completasse vinte anos. Agradeceria se assinasse este recibo, que comprova ter recebido o envelope intacto. — Bethany assinou o papel e ele acrescentou:

— Naturalmente, deve estar curiosa em saber o que contém o envelope. Se quiser, pode ir para a sala ao lado e ficar à vontade.

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Bethany não esperou um segundo convite; foi para o lugar indicado, pronta para desvendar o mistério. Parecia-lhe estranho ter em mãos algo deixado por uma mulher de quem não se lembrava mais e que o pai raramente mencionava. Os empregados mais antigos da casa diziam que sir John evitava tocar no nome da ex-esposa porque ficara muito chocado com sua morte prematura.

Ao abrir o grosso envelope, Bethany encontrou duas pastas e uma carta, assim endereçada: "À minha amada filha Bethany".

Numa das pastas havia duas fotos: uma, de uma moça sorridente, sentada num prado, e outra da mesma moça, tendo nos braços um bebe. Pareciam ser retratos da própria Bethany, não fossem diferenças muito sutis.

Na outra pasta, dentro de uma caixa achatada de papelão, havia o mais original colar que ela já vira. No centro destacava-se uma pedra azul transparente e a moldura, em ouro, era toda trabalhada com cenas de ninfas dançantes e guirlandas cravejadas de rubis. Do aro pendiam três pérolas rosadas.

Bethany entendia pouco de jóias antigas. Só mesmo o que lhe havia ensinado a duquesa, mãe de Robert. E ficou imaginando se aquele era um trabalho de ourivesaria da Renascença ou alguma imitação.

De qualquer maneira, era um lindo objeto, apesar de não parecer ter sido presente do pai. Mas as famílias tradicionais costumavam possuir peças provenientes de outras gerações. A casa dela não era exceção, apesar de o pai pouco ter se interessado por esse tipo de coisa.

O que ele gostava mesmo, quando vivo, era de caçar durante o inverno, acompanhado por uma matilha de cães foxhound. Durante o resto do ano costumava ser visto com freqüência, acompanhado pela segunda esposa, nos hipódromos ingleses.

Bethany fechou a caixa e pegou o envelope. Rompeu o lacre e tirou de dentro várias folhas de papel escritas a mão, com uma letra muito parecida com a sua.

“Minha querida filha”.

Desde que eu soube que meu mal não tem cura e que não viverei o bastante para vê-la crescida, passei muitos dias e noites imaginando como lhe escrever.

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Após muito meditar, cheguei à conclusão de que o melhor seria contar-lhe toda a verdade sobre mim e seu verdadeiro pai. Só você saberá, minha doce e querida filha, a quem não suporto ter que deixar sozinha no mundo como uma pobre enjeitada. Sim, porque você há de sentir-se sozinha e desamparada, tal como me senti quando meu amado Benedict morreu num acidente. Seu verdadeiro pai, a quem amei de todo o coração, foi Benedict Laurence, o violinista. Quando você estiver lendo estas linhas, só alguns velhos músicos se lembrarão dele. Espero e rogo a Deus que você tenha herdado o talento de seu pai. Se isso acontecer vai ter que lutar muito para vencer e se impor, pois aquele que você considera como pai é avesso a qualquer manifestação artística."

Nesse ponto Bethany engoliu em seco, espantada com a revelação de que sir John Castle não era seu verdadeiro pai.

Antes de tudo, isso significava que não era sobrinha de David. Aquela barreira intransponível de um parentesco consangüíneo não existia mais — a barreira que a separava do homem amado. Sim, porque ainda o amava.

A mãe tivera razão quando previra que ela iria sentir-se como uma estranha, uma intrusa. Desde o dia em que John Castle se casara novamente, Bethany sofrera horrores com a madrasta e, quando fora mandada para um colégio interno, com apenas oito anos, chegara a sentir alívio. Pelo menos durante o ano letivo, conseguia livrar-se dos maus tratos que Margaret lhe infligia.

Bethany suspirou e tentou ler o resto da carta mas não conseguia se concentrar. Sua mente voltava constantemente para David. Ela demorou tanto que o dr. Sheringham bateu à porta, pedindo licença para entrar.

— Não quero importuná-la, srta. Castle, mas estava demorando tanto que até pensei que estivesse. . . bem . . . que estivesse se sentindo mal.

— Oh, não, ao contrário! Estou exultante!

Ele pareceu assombrado com aquela reação e Bethany achou que devia explicar tamanha alegria.

— É que agora tenho duas fotografias de minha mãe! — Mostrou-lhe as fotos. — E também este lindo colar, que pertenceu a ela.

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O advogado relanceou o olhar pelas fotos e concentrou-o na caixa que continha a jóia.

— É uma linda peça de ourivesaria. Certamente muito valiosa. Aqui entre nós, sua mãe não devia ter deixado algo tão precioso aos nossos cuidados, sem nos avisar. Se eu soubesse antes, teria aconselhado fazer um seguro ou ter guardado essa jóia no cofre de um banco. Não sou um expert, mas posso notar que essa peça deve valer uma fortuna, à parte o valor sentimental.

Depois que Bethany guardou a caixa na bolsa, o advogado perguntou:

— Poderia me informar se o duque e a duquesa estão em Londres no momento?

— Sim, estão.

— Então, se me permite, eu a aconselho a tomar um táxi, ir diretamente para a casa deles e guardar o colar no cofre. Ou então posso recomendar a Harvey & Gore, uma firma muito respeitada e especializada em jóias antigas. Eles poderão avaliar essa peça e determinar a data da manufatura. Quer que eu lhe chame um táxi?

— Sim, por favor. Eu agradeceria muito.

A menção dos futuros sogros trouxe Bethany de volta à realidade. Antes que o advogado entrasse na sala, ela pensara em tomar o primeiro avião para a Itália. Por alguns instantes esquecera Robert e o noivado. Mas agora, lembrando-se novamente do noivo, deu-se conta de que, para fugir de uma armadilha do destino, acabara caindo noutra, ainda pior.

Graças a Deus o motorista do táxi era quieto e ela aproveitou o silêncio do trajeto para refletir sobre a situação.

Não ter direito ao sobrenome Castle pouco a afetava. Mas os duques de Dorset ficariam indignados. Para eles, aquela revelação poderia resultar num escândalo. Quando soubessem da verdade, iriam preferir que Robert escolhesse outra noiva.

Bethany se encheu de esperança. Afinal, os duques iriam preferir um pequeno e temporário escândalo do rompimento do noivado a uma nora plebéia.

Quanto a Robert, nunca fora apaixonado por ela e só sairia ferido em seu amor-próprio, quando muito.

O táxi entrou num bairro chique de Londres, onde as casas suntuosas mostravam o prestígio de seus moradores. Os Dorset eram proprietários de uma delas, com fachada avarandada, muitos quartos e um enorme salão onde, logo mais à noite, seria oferecida uma festa em comemoração a um noivado que estava prestes a desfazer-se.

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Bethany pagou a corrida e dirigiu-se ao pórtico encimado pelo número da casa. Tocou a campainha e pouco depois a porta foi aberta por um jovem empregado, que ela reconheceu ser um dos camareiros do castelo. Todos os serviçais do duque usavam libré verde-escuro e só o mordomo se vestia com paletó mescla e calças listradas.

— Bom dia. A senhora duquesa está em casa?

— Creio que sim, srta. Castle.

O empregado a fez entrar no hal pavimentado em mármore branco e preto, como um tabuleiro de xadrez. Do centro subia uma escadaria que se desdobrava em dois lances laterais no primeiro pavimento, formando um patamar com duas portas que levavam ao descomunal salão de visitas.

Do outro lado do hall também existiam portas, e uma delas dava para o escritório do duque. A outra, para a saía de almoço. Foi através desta última que a duquesa apareceu.

— Vi um táxi parando e pensei que fosse Jack. — A mulher estava se referindo ao marido. — Não esperava vê-la aqui antes da noite, Bethany.

A duquesa era uma mulher portentosa, poucos centímetros mais baixa que o filho. Desde o momento em que a conhecera, Bethany sentira-se bastante à vontade com ela.

A duquesa tinha cabelos curtos e crespos, usava pouca pintura no rosto e, quando estava no campo, seu traje predileto eram jeans e blusas esporte ou pulôveres. Mas, naquele dia, vestia um conjunto de linho vermelho, com uma blusa de seda azul-marinho fechada por um laçarote. Na lapela do casaquinho exibia um broche de ouro em forma de serpente.

Gentilmente, a mulher convidou Bethany para almoçar e ela acabou aceitando. Aceitou também um cálice de cherry da reserva especial da casa, pois a duquesa achou que estava pálida e precisava de um estimulante. E estava precisando mesmo. Tomaram o aperitivo sentadas, lado a lado, no sofá da sala de almoço.

— Minha filha — começou a dizer a velha dama, quando se acomodaram —, estou achando que você está perturbada com alguma coisa. Qual é o problema?

Bethany sentiu que estava prestes a chorar. Controlou as lágrimas e, com lábios trêmulos, resolveu ir diretamente ao assunto.

— É que acabei de descobrir que sir John não é meu pai. Minha mãe estava grávida de outro homem quando casou com ele. Meu verdadeiro pai morreu num desastre aéreo. Mamãe entrou em pânico e acabou se casando com aquele que até hoje julguei que fosse meu pai.

A duquesa ficou em silêncio por alguns instantes.

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— Tem certeza disso? Como soube?

Bethany contou tudo.

— Não consigo entender qual foi o objetivo de sua mãe ao contar-lhe uma coisa dessas. Na minha opinião, essa não foi uma atitude prudente nem ajuizada.

— Oh, não! Eu preferi saber da verdade — protestou Bethany. Isso explica por que nunca tive afinidades com meu... meu pai. Sempre me senti... insegura ... deslocada... Só lamento não ter sabido disso antes... antes de ter sido anunciado o noivado. Sim, por que agora não vou mais poder casar com Robert — acrescentou, em voz baixa.

— E por que não?

— Bem, porque. . . porque, afinal, sou uma bastarda!

— Eu prefiro usar o termo "filha do amor". E, se pensa que as circunstâncias de seu nascimento vão fazer a mínima diferença para Robert, está redondamente enganada. Você o está subestimando, Bethany. Não gosto de ficar elogiando meu filho, mas ele tem caráter. Sempre foi muito leal com as pessoas a quem ama. O fato de ele ter sido volúvel não significa que vá ser assim para sempre. Agora que encontrou a moça certa, eu ficaria muito admirada se mudasse de idéia. Não tem cabimento desmanchar o noivado. Só espero que não proponha uma coisa dessas a Robert. Ele espera que você confie nele em toda e qualquer circunstância.

— Eu confio, e tenho certeza de que ele vai repetir tudo que a senhora acabou de dizer, mas só por uma questão de decência. No entanto, para mim, a única atitude decente é tirar este anel do dedo e devolvê-lo. — Ao falar, Bethany tirou a esmeralda do anular e a pôs na palma da mão. — É que a senhora ainda não teve tempo de pensar direito nesse assunto.

— Sua mãe mencionou na carta, quem foi seu verdadeiro pai? Disse que foi um músico chamado Benedict Laurence. Talvez a duquesa, assídua freqüentadora de óperas e concertos sinfônicos, pudesse se lembrar desse nome.

— Pois eu acho que se sir John Castle aceitou a situação durante tantos anos, não vejo razão para você se preocupar. Devia enterrar tudo isso e ir em frente, como se nada tivesse acontecido. Se quiser, conte tudo a Robert, assim como eu vou contar a Jack, mas posso garantir, desde já, que ambos não vão dar importância ao fato. O que importa é que Robert escolheu uma moça com todas as qualidades para ser nossa futura nora. — E tornou a enfiar o anel no dedo de Bethany. — Tenho plena confiança de que você será uma excelente esposa para meu filho.

Nesse instante, um empregado entrou na sala, empurrando um carrinho com o almoço.

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Bethany pensou que, se estivesse apaixonada por Robert, as palavras e a atitude da duquesa lhe teriam proporcionado um grande alívio. Mas a situação era outra. Bem outra.

— Oh, querida, eu ainda não lhe dei os parabéns, nem minha lembrança de aniversário! — exclamou a duquesa. — Tinha a intenção de entregar seu presente hoje à noite, mas já que você está aqui, vou dá-lo agora. — Virou-se para o empregado. — Roger, peça à sra. Crane para mandar-me aquele pacotinho que deixei em cima da penteadeira do meu quarto.

— Pois não, Alteza.

Logo que ele saiu, as duas começaram & se servir. Bethany tinha dificuldade até em engolir, tamanho o nervosismo que sentia. Quando esticou o braço para servir-se de mousse, a duquesa comentou:

— Esse é o relógio que Robert lhe deu?

— É lindo, não acha?

Devia ter mencionado antes o presente de Robert, mas estava tão confusa que esqueceu.

Até aquele dia, parecera-lhe que não haveria nenhum poder sobre a face da terra que pudesse modificar o fato de ter se apaixonado por um homem que, geneticamente, era seu tio. E, por ironia do destino, ela havia cedido aos insistentes pedidos de casamento de Robert quarenta e oito horas antes de descobrir que David não tinha qualquer parentesco com ela!

O empregado voltou com um pequeno embrulho, que continha uma das miniaturas pertencentes à coleção do castelo.

— Oh, mas esta miniatura faz parte da sua coleção!

— Não importa. Afinal, fica tudo em família. Feliz aniversário, minha querida! — A duquesa deu-lhe um beijo carinhoso. — Ah, seria melhor não usar jóias esta noite, pois Jack pretende dar-lhe uma muito especial, mandada fazer para Charlotte, a quinta duquesa de Dorset.

Bethany se sentiu até mal com tantas gentilezas.

— Vocês são bons demais para comigo. — Murmurou, muito embaraçada.

Lembrando-se do colar que lhe legara a mãe, resolveu mostrá-lo à duquesa. A velha dama o examinou com atenção.

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— Eu diria que é uma criação de Carlo Giuliani ou de algum membro da família Castellani, famosos ourives do início do século passado. Mas, por via das dúvidas, você poderia levar a peça ao museu Vitória e Albert. Eles estariam mais aptos a dar-lhe uma opinião. Se quiser, posso incumbir-me disso, já que você está sempre muito ocupada com seu trabalho. Ah, já avisou a Sra. Hastings para arrumar logo uma substituta?

— Sim, já. Tenho certeza de que não faltarão candidatas para o meu lugar. A Sra. Hastings é uma ótima pessoa e a clientela da loja é das melhores.

Nos últimos dezoito meses, Bethany vinha trabalhando numa floricultura em Chelsea. Fora David quem lhe arrumara o emprego, pouco antes de resolverem nem se falar mais. Ele passara o ano viajando pela índia e pelo Extremo Oriente, e seu último sinal de vida fora um cartão de Natal.

Bethany ficara grata com aquele silêncio, porque havia ajudado a cicatrizar as feridas de seu coração.

Já passava das duas da tarde quando ela conseguiu voltar para o apartamento. O melhor a fazer seria contar toda a verdade a Robert. Ele já sabia que existira um homem em sua vida, que ela amara e perdera, mas desconhecia a identidade desse homem. Agora ia ficar sabendo.

A duquesa a aconselhara a dormir um pouco para refazer-se do abalo que sofrera. Bethany preferiu preparar um chá. Só depois se deitaria na penumbra e colocaria o despertador para as cinco horas. Robert só viria buscá-la às sete, e às oito teria início a festa de comemoração do noivado.

Mas quem conseguiria dormir naquelas circunstâncias?

Bethany levou a bandeja com o chá para a sala e, sem dar-se conta, ficou espreitando o telefone. Subitamente, sentiu uma vontade irrefreável de ligar para David e contar-lhe a grande novidade.

Bastava discar o código internacional e o número de David.

— Sete. . . nove. . . uno, . . nove. . . quatro. . .

À medida que discava com um lápis, ia repetindo os números naquela língua musical que aprendera a ponto de falar tão fluentemente quanto David. Seu coração batia, em sobressalto, na expectativa de ouvir aquela voz tão querida após dois anos intermináveis. Mas foi uma voz roufenha de mulher que atendeu.

— Poderia falar com o Sr. Castle, por favor?

— Ele não está. Aqui quem fala é Anna, a governanta.

Quando ele volta?

Amanhã à noite, se não houver contratempos.

— Ele não está em Portofino?

Da Itália com Amor Anne Weale

— Não. Viajou para a França. Não vai ser possível fornecer-lhe o telefone, porque ele está fazendo um tour com o novo automobile. Quer deixar algum recado?

Bethany ficou indecisa.

— Não. . . não, obrigada. Chamarei novamente. Grazie e arrivederci.

Prego. Arrivederci.

Vagarosamente, ela recolocou o fone no gancho.

Então David estava excursionando pela França! Exatamente como tinham feito naquela ocasião, atravessando a fronteira pelos Alpes. . . Estaria acompanhado ou sozinho? Com seu cavalete e sua caixa de tintas?

Subitamente, Bethany pensou na possibilidade de ele ter casado. Se ela estava à beira do casamento, por que com David haveria de ser diferente?

Atormentada por essa dúvida, começou a andar pela sala. E se ligasse novamente para Anna e perguntasse?

Se ele tivesse casado, valeria a pena causar tantos transtornos a Robert e sua família?

Não, não. Mesmo que David tivesse casado ela precisaria ser sincera para com Robert. Para o noivo, aquele amor infeliz pertencia ao passado. Mas isso não era verdade. Toda a antiga paixão se reacendera ao sopro de uma nova esperança.

Tornou a discar para Portofino, mas dessa vez, para sua decepção, ouviu uma gravação avisando que as linhas internacionais estavam ocupadas. Por quanto tempo?

Em menos de três horas Robert estaria tocando a campainha, esperando que ela já estivesse pronta e arrumada, trajando aquele vestido longo que ele tanto apreciava.

Oh, Deus! O que vou fazer?

E deixou que as lágrimas escorressem, copiosas, enquanto corria para o quarto e afundava a cabeça no travesseiro.

Por uns cinco minutos chorou e soluçou, desabafando todas as emoções que contivera por tanto tempo. Já mais calma, deitou de costas, olhando o teto, pensativa. Percebeu que havia leves rachaduras no estuque.

Também em seu quarto, em Blackmead, havia rachaduras no teto. Ainda adolescente, costumava ficar olhando para elas, entregue a sonhos e devaneios.

Fora numa dessas tardes de reclusão e melancolia que John Castle morrera, vítima de um desmoronamento de barreira na estrada próxima à mansão.

Pouco depois dos funerais, David entrara em sua vida.

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CAPITULO II

Bethany lembrou-se de que estava escrevendo uma carta para Grace, naquela ocasião. Durante as férias escolares, trocavam uma correspondência assídua, contando as novidades. Sir John havia sido sepultado um dia antes no pequeno cemitério da igreja local; a viúva e suas duas filhas ainda estavam com os olhos vermelhos de tanto chorar. Somente ela, a mais velha, não conseguira derramar uma lágrima por aquele homem que nunca lhe dera um beijo ou lhe fizera um carinho. Mas, apesar da rispidez, nunca permitira que a madrasta a maltratasse. Agora que ele morrera. . .

Nanny Evans entrara no quarto sem bater.

Apesar de Bethany já ter completado dezesseis anos, ninguém respeitava sua privacidade. Quando Susan, sua meia-irmã de dez anos, contara à mãe que Bethany se trancava por dentro, lady Castle subira as escadas como um rojão, e exigira que ela lhe entregasse a chave da porta.

— Só espero que não ande fumando escondido! — disse ela, farejando o ar como um perdigueiro.

— Claro que não! Só não gosto que Susan e Julie invadam o meu quarto sem bater.

— Nesta casa estão proibidas as portas fechadas. Você passa tempo demais trancafiada aqui em cima. Por isso anda tão abatida! Você precisa sair mais, praticar exercícios.

Imitando a patroa, Nanny Evans, que trabalhava como babá em Blackmead Manor desde que Bethany tinha um mês de idade, também tratava como uma criancinha, dando-lhe ordens e fazendo-lhe reprimendas. '

Tinha certeza de que ia encontrá-la aqui, enfurnada neste quarto disse a babá, num tom de crítica, como se ela não tivesse direito de escrever uma carta e devesse estar fazendo qualquer outra coisa.

— Há um homem lá embaixo que diz ser irmão do falecido sir John.

— Não sabia que o patrão tinha irmãos. Como sua mãe não está em casa, achei que seria melhor que você fosse atendê-lo.

Ela sempre se referia a lady Castle como "sua mãe", achando que Bethany devia considerá-la como tal.

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— Tudo bem, Nanny, eu desço em seguida.

— Levei-o para a biblioteca, onde há pouca coisa para roubar, caso ele seja algum impostor — disse Nanny, ainda ofegante pelo esforço de ter subido as íngremes escadas que levavam ao sótão, onde Bethany tinha seu refúgio.

— Ele tem a aparência e a prosa de um cavalheiro, mas não se parece nada com seu pai. Pode ser algum aventureiro que tenha lido a notícia do acidente nos jornais e queira tirar proveito da situação. É melhor que desça logo para ver o que ele está aprontando. Se suspeitar de algo, é só gritar que eu chamo a polícia.

Bethany descera a escada de dois em dois degraus, curiosa. Ao entrar na biblioteca, não viu ninguém. Só depois de alguns instantes ouviu uma voz masculina, muito agradável, vinda do alto.

— Alô!

Olhou para cima e o viu, encarapitado na escada de rodinhas usada para alcançar as prateleiras superiores.

— Boa-tarde — cumprimentou ela.

Ele não era parecido com o pai. Não era nada parecido.

A pele morena era bronzeada e os cabelos fartos e castanhos, com mechas mais claras pelo efeito do sol. O azul dos olhos de sir John era pálido e opaco, e o dele, da cor das hortênsias.

Fechando o livro que estava consultando, ele o recolocou na prateleira e desceu a escada estreita. Só quando pisou o chão e começou a andar na direção dela foi que Bethany se deu conta de como era alto.

— Como vai? Sou David Castle. Você deve ser a srta. Castle — disse ele, estendo-lhe amistosamente a mão.

Era a primeira vez que lhe davam o tratamento a que tinha direito por ser a filha mais velha de sir John.

— Sim, sou a srta. Castle. Como vai?

Ele apertou-lhe a mão de uma forma calorosa e firme.

— É bem provável que você nunca tenha ouvido falar em mim, portanto é melhor que eu me identifique.

Largou-lhe a mão e tirou do bolso interno do paletó de tweed um passaporte onde se lia D.W. Castle.

Bethany já ia devolver-lhe o documento quando ele advertiu:

— Seria melhor que desse uma olhada também na fotografia, para ver se confere.

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Ela folheou as páginas internas do passaporte e, depois de ter conferido a foto, esticou um olho para a folha oposta, onde se lia:

"Ocupação: Artista

Lugar de nascimento: Blackmead. United Kingdom

Residência: Itália

Altura: 1 m 87"

O espaço reservado a "Esposa e Filhos" estava riscado de alto a baixo. No rodapé da página aparecia sua bela assinatura.

— Bem-vindo ao lar — disse Bethany com uma certa timidez, ao devolver-lhe o passaporte.

Ela tinha deixado a porta da biblioteca aberta e a srta. Evans estava entrando naquele momento, apreensiva.

De repente, Bethany sentiu-se senhora de si, a própria "senhorita Castle".

— O sr. Castle acabou de identificar-se. Suas suspeitas eram infundadas, Nanny. Ele deve estar cansado e com fome, depois de uma viagem tão longa. Faça o favor de pedir à sra. Herring para que providencie um chá com torradas.

— Oh. . . pois muito bem. — A babá parecia contrafeita, mas se retirou.

Bethany voltou a falar com o visitante.

— Talvez prefira um uísque com soda, não? As bebidas estão na sala de estar. Lá é mais quente e confortável do que aqui.

— Aliás, pelo que me lembro, a casa toda sempre foi gelada. Mas notei que instalaram um sistema de aquecimento. Pelo visto, andaram fazendo melhorias.

— É, temos aquecimento central. Com exceção deste cômodo, que raramente é usado, a não ser por mim.

— Desconfio que Nanny me tomou por algum bandido e resolveu me confinar a um lugar apertado — disse ele, e Bethany confirmou com um gesto de cabeça. — E pensar que as coisas mais valiosas desta casa, as mais fáceis de roubar, estão justamente aqui, na biblioteca! Quer dizer que você também aprecia livros?

— Sim. Muito.

Ambos se dirigiram para o salão de estar. Bethany acendeu a lareira e disse para David servir-se de um drinque.

— E você, o que vai tomar? Um cherry? — perguntou ele, aproximando-se das bebidas.

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— Eu? Sim, por favor.

Sua perturbação devia-se ao fato de que ninguém lhe oferecera bebidas alcoólicas, antes.

Com um alto copo de uísque numa das mãos e um cálice de cherry na outra, ele foi sentar-se junto a ela, ao pé da lareira.

— Como sua madrasta está encarando essa morte? Ela e seu pai eram muito unidos?

— Sim, eram. Ela só saiu de casa hoje porque tinha hora marcada no dentista. Mas deverá estar de volta às cinco horas, Sr. Castle. Oh! Eu não devia tê-lo chamado de Sr. Castle! De agora em diante, deverá ser chamado de sir David.

Ele sacudiu os ombros, indiferente.

— Não pretendo usar o título. Para mim, ele morreu junto com meu irmão. Foi por isso que vim até aqui: para que sua madrasta saiba que não tenho intenção de usurpar-lhe a herdade.

— Não pode usurpar o que é seu por tradição e direito. Esta casa agora é sua.

Não tenho o menor interesse nela. Possuo uma casa bem melhor, num lugar bem mais agradável. — E, erguendo o copo, brindou: — Alla salute!

— Alla salute! — repetiu ela, sem saber ao certo o que estava dizendo. — Eu me chamo Bethany. Diga-me, em que lugar da Itália está morando?

— Num vilarejo chamado Portofino, na Costa Lígure.

— Onde fica?

— Bem no começo da "bota", perto da França, a caminho de Viareggio, onde o corpo de Sheliey foi encontrado.

Sheliey era um dos poetas favoritos de Bethany. De David também. Conversaram sobre ele, sua vida e sua obra. Bethany estava exultante. Nunca pudera comentar coisas assim com o pai e a madrasta, pois literatura nunca fora o forte deles. Mas David era diferente.

Um homem com tanto talento, tão sensível. . . Por que teria brigado com o irmão, e por que ainda estava solteiro aos 35 anos?

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Não que demonstrasse a idade. De costas, com aquele corpo esbelto, de ombros largos e quadris estreitos, parecia um adolescente. Principalmente porque tinha jeito de não levar nada a sério.

— Há muito tempo que vive em Portofino?

— Cinco anos. Antes disso, eu era um verdadeiro andarilho. Ainda costumo viajar muito, mas o meu quartel-general é a casa de Portofino.

— O único inconveniente é que o lugar é tão bonito que em certas épocas do ano fica infestado de turistas, e os comerciantes enlouquecem, cobrando 800 liras por uma garrafa de água mineral que normalmente custa 200. Mas eu compro tudo em Rapallo e a minha casa, graças a Deus, fica fora do alcance dos excursionistas.

Conversaram sobre tanta coisa que nem sentiram o tempo passar. Bethany estava feliz por ter alguém sensível e inteligente como David para trocar idéias; naquela casa, não havia muita chance para isso. Ouvia, fascinada, as histórias que ele contava, e lhe falou um pouco sobre sua vida, sobre sua amizade com Grace e a importância da família dela em sua vida.

— Às vezes, passo as férias com eles, num lindo apartamento em Chelsea.

— E eles a fizeram visitar a Tate Gallery?

— Oh, sim... e também a National Gallery. E, no ano passado, a Sra. Suffolk nos levou para ver a Exposição de Verão da Royal Academy. Você já expôs seus trabalhos lá?

— Já, mas ultimamente vendo a maior parte numa galeria de arte chamada Colnaghi.

Bethany lembrara-se de que o Sr. Suffolk tinha dito que os quadros, lá, eram caríssimos é uma galeria importante. Você é um artista famoso?

— Não diria famoso, mas de boa aceitação. Talvez não tenha ouvido falar em mim porque uso um nome artístico: David Warren. É um dos meus sobrenomes.

— Qual é seu estilo?

— Você entende de pintura?

Bethany sacudiu a cabeça, numa negativa.

— Bem, eu pinto o dia-a-dia, cenas da vida real — continuou ele.

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— Alguns quadros da Renascença italiana, e mesmo dos pintores flamengos, tinham um toque de realismo. Mas esse estilo desenvolveu-se mais na Holanda durante o século XVII, com Verneer e Hooch, que reproduziam cenas de tavernas. Na França, Chardin foi um dos mais famosos, e na Inglaterra tivemos Hogarth. Os quadros de Degas, com suas dançarinas exercitando-se na barra ou amarrando os laços das sapatilhas, são bons exemplos desse estilo. Eu prefiro pintar marinhas.

— Em aquarela ou óleo?

— Aquarelas, de preferência. Mas chega de falar sobre mim. Que outros interesses você tem, além da leitura? Já descobriu sua vocação?

— Bem. . . vou indo bem no colégio, mas ainda não decidi que carreira vou seguir. — E mudando de tom: — Acho que vou servir o chá, antes que esfrie.

Era a primeira vez que ela se incumbia de servir um chá, mas David a deixava tão à vontade que não derramou uma só gota.

— Que matérias você prefere? — perguntou ele enquanto se servia de torradas.

— Francês e alemão.

— Talvez você tenha vocação para línguas. Ser poliglota, nos dias de hoje, é meio caminho andado. Você terá o mundo a seus pés.

— Acha?

Bethany ficara surpresa pois, em casa, nunca a haviam estimulado nesse sentido e, na escola, a preocupação maior era preparar as alunas para enfrentarem a concorrência tão logo terminassem os estudos.

A descontração de David a entusiasmava. Mas sua animação desaparecera quando lady Castle chegara. David, que àquela altura já havia tirado o paletó, levantou-se imediatamente, ao passo que Bethany encolheu-se. Pigarreando nervosamente, ela fez as apresentações.

— Margareth, este é David, irmão de papai.

— Prazer em conhecê-la, lady Castle. Margaret olhou-o com desdém.

— Boa tarde — respondeu, seca, sem dar-lhe a mão. — Presumia que viesse, mas não tão depressa.

Aquela era uma indireta clara, evidente e acintosa, de que ele viera só para reclamar seus direitos na herança.

Bethany ficara atônita com tanta agressividade, mas continuara quieta.

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— Vim para tranqüilizá-la tão logo soube da morte de meu irmão. Quero que a senhora saiba que não tenho qualquer pretensão de ficar com o título ou a herança. Já escolhi meu tipo de vida e não pretendo modificá-lo. Apesar do vínculo que me liga a esta herdade, não sou obrigado a morar nesta casa e a abrir mão das minhas atividades para me dedicar à administração da propriedade. Se a senhora puder tomar conta disso, muito bem. Caso contrário, terá que contratar alguém para fazê-lo, pois não desejo voltar a morar na Inglaterra. A não ser, como já disse para Bethany, que um dia eu venha a ter um filho que queira seguir os passos dos nossos antepassados.

Margaret não esperava por aquilo. Mas, em vez de mudar de atitude, tornando-se mais gentil e cordata, continuara a falar no mesmo tom prepotente:

— E o senhor está disposto a colocar tudo isso por escrito? Bethany notara que David não havia gostado da sugestão, mas mantivera a mesma tonalidade cortês.

— Não creio que seja necessário. A senhora tem a minha palavra de que a única pessoa que poderá reivindicar a posse da propriedade será meu filho. E saiba que sou solteiro e pretendo continuar assim por muito tempo. Minha palavra não é suficiente, lady Castle?

Um brilho de cólera se acendeu nos olhos castanhos da mulher que, olhando para a enteada, ordenou, muito seca e autoritária:

— Quer deixar-nos a sós?

Já fora da sala, Bethany encontrou Nanny.

— Ele vai pernoitar aqui?

— Não sei.

No íntimo, ela desejava que David ficasse para sempre. A vida naquela casa seria bem mais feliz com ele.

No primeiro lance da escadaria fora interceptada pela meia-irmã:

— Qual é o mistério? Por que Nanny andou cochichando com mamãe e depois nos mandaram para cima, dizendo para não sairmos do quarto? Quem estava na sala?

— Uma visita para sua mãe!

— Quem?

— Se sua mãe quiser que você saiba, ela mesma vai lhe contar. Bethany chegou a seu quarto no sótão e reiniciava a carta para

Grace quando ouviu os passos de Margaret subindo a escada.

— Posso saber o que lhe deu para ficar dando ordens a Nanny? Por que serviu chá e por que acendeu a lareira?

— Pensei que tivesse que fazer as honras da casa. Afinal, ele é irmão de papai.

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— Um homem que você nunca viu antes, e cujo nome nunca foi mencionado nesta casa! Se você tivesse um mínimo de inteligência, teria percebido que ele é persona non grata em Blackmead.

— Pois me pareceu uma pessoa muito agradável.

— Muita gente indesejável comporta-se dessa maneira. Quando ele era jovem, teve um péssimo procedimento.

— O que foi que ele fez?

— A madrasta hesitou por um instante.

—Traiu a confiança de seu pai de uma forma imperdoável.

— Quem sabe ele não tenha mudado desde então? Atualmente, parece que é um artista de sucesso.

— Você só está se baseando no que ele disse.

— Se não fosse verdade, ele certamente agarraria, com unhas e dentes, a chance de retomar a herdade.

— Ele não tem capacidade para substituir seu pai. Não duvido que prefira uma vida livre e despreocupada. Ele tem um ar bem irresponsável!

Bethany ficou calada.

— Entretanto, como não tenho escolha, acho que vou ter que hospedá-lo por esta noite. — Margaret voltou a falar. — É melhor que você jante com Nanny e as meninas.

Quando ela saíra, Bethany deixara-se cair sentada na cadeira, profundamente desapontada por não poder mais ver David. Talvez não tivesse nem oportunidade de despedir-se dele, no dia seguinte.

Tarde da noite ela estava sentada na cama, agasalhada por um roupão acolchoado, pois o aquecimento não chegava até o sótão, e lendo um de seus autores prediletos, quando ouviu uma pancadinha na porta. A princípio assustou-se, mas depois surpreendeu-se ao ver David entrando.

— Presumi que você ainda devia estar acordada. Quando pego um bom livro, sou capaz de ficar lendo até de madrugada. Você não está com fome?

— Trouxe alguma coisa para comer? — perguntou ela, alvoroçada ante a perspectiva de fazer um piquenique à meia-noite.

— O jantar estava bem fraquinho. Então, esperei sua madrasta ir dormir e fiz uma ronda na despensa.

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Ele mostrou um saco plástico e, sentando-se na beirada da cama, tirou dele algumas maçãs, biscoitos, um queijo e o resto das tortas. Este quarto parece uma geladeira. Por que você dorme aqui, no sótão, se há tantos quartos vazios na casa?

— É que papai e Margaret sempre tiveram muitos hóspedes. Mas eu gosto deste quarto. E não é tão frio assim. É só usar meias de lã e uma bolsa de água quente,

— Mas não tem cabimento! Não lhe deram nem um cobertor Elétrico?

Bethany mordiscou um biscoito. Estava feliz demais com aquele festim inesperado para aborrecer-se com minúcias. Mas David havia sido implacável:

— Para ser franco, não gostei nada da sua madrasta e tive a impressão de que vocês não se dão.

— Bem. . . na verdade, não nos damos bem. Eu tentei, mas não consegui.

— E comigo? Você acha que se daria bem?

— Oh, sim, seria fácil. Por quê? Resolveu ficar por aqui?

— Não. Tenho uma idéia melhor. Que tal ir comigo para Portofino; Bethany olhou-o, assombrada.

— Você está querendo dizer. . . ir morar na Itália. . . para. . para sempre? "

— Não necessariamente para sempre mas, pelo menos, por uns tempos, para que você possa aprender também o italiano,

— Oh, David! Eu adoraria! Juro que adoraria! Você não está brincando comigo, está?

— Nunca falei tão sério.

— Já falou com Margaret? Será que ela vai deixar? Ela disse

— Que ... que...

— Disse o quê?

— Ela não o aprecia muito. Disse... Disse que certa vez você fez algo imperdoável. . .

— É verdade. Fiz mesmo. Mas isso foi há muito tempo.

— Acha que papai o teria perdoado se você tivesse voltado antes? Ele sabia do seu paradeiro? Teria escrito, se soubesse?

— Não. Ele não sabia onde eu estava, e mesmo que soubesse não teria escrito. O que fiz foi imperdoável sob o ponto de vista dele. Só posso garantir que não foi nada tão grave. Não sou um irresponsável, embora algumas pessoas pensem isso. Mas, pelo visto, a sua situação aqui não é das melhores. Seria bom sair um pouco.

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— Tem razão. Eu prefiro mil vezes ir com você. Mas não vou ser uma amolação? Não gostaria de dar despesas. . .

— Você poderia conservar os meus pincéis limpos e o meu atelier arrumado. Seria uma forma de "pagar" a sua estadia. Só que essa decisão a obrigaria a abandonar o colégio, pois eu não poderia arcar com as despesas da mensalidade e mais o vaivém de avião uma dúzia de vezes por ano!

— Oh mas eu não ligo em deixar o colégio. Só sinto separar-me He Grace. Ela, porém, vai terminar os estudos no fim do próximo trimestre.

— Esqueci das suas provas finais — disse David, enrugando a testa. Quando terminam suas férias?

— Em duas semanas, mas...

Estava para dizer que não se importaria em perder as provas quando ele a interrompeu.

— Então, antes das provas, você vai ter tempo de conhecer Portofino e ver se pode se adaptar lá. Depois, volta para prestar exames e deixa o colégio junto com Grace. O que me diz?

— Perfeito! Oh, David, eu.. , eu. . .

Sem conseguir expressar em palavras toda sua gratidão e entusiasmo, segurou-lhe a mão morena e deu-lhe um ruidoso beijo. Depois, sentiu os olhos se encherem de lágrimas e, sem poder controlar-se, deixou que elas rolassem livremente.

Era a primeira vez, em toda a sua vida, que chorava na frente de alguém. Pensou que David fosse se afastar, irritado e constrangido, mas ele afagou-a com carinho, tentando confortá-la.

— Pobrezinha da minha Bethany. . . Pobre criaturinha infeliz. . . Aquelas palavras afetuosas abriram todos os diques emocionais de Bethany, que caiu num pranto convulsivo.

David a manteve encostada ao ombro, passando-lhe a mão pelos cabelos, como se ela fosse uma menininha. Depois que se acalmou, ela balbuciou, escondendo o rosto de vergonha:

— Des. . . desculpe! Eu. . . eu estou parecendo uma boba!

— Chorar faz bem. Sabe, é porque os homens não choram que estão aí, com úlceras e problemas cardíacos. Quer um lenço? Agora seria bom você tomar uma bebida quente com um pouco de uísque, para relaxar e dormir melhor. Vou dar uma olhada lá embaixo, para ver o que posso arrumar.

Quando ele saíra, tão silenciosamente quanto um gato, ela aproveitara para recompor-se.

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David era a pessoa mais bondosa que já conhecera. Nem podia acreditar que ele e aquele homem brusco e insensível que fora seu pai tivessem o mesmo sangue.

Antes de David voltar, Bethany tivera tempo de passar água no rosto e pentear-se. Ao escovar os cabelos, pensou que, quando ficasse livre da tirania de Margaret, deixaria que eles crescessem, pois a madrasta a obrigava a usá-los curtos, alegando ser mais prático e higiênico.

Será que também a proibiria de acompanhar David?

Quando ele voltara ao quarto, trazendo uma caneca de chocolate quente e um copo de uísque, Bethany já estava acomodada na cama, comendo uma maçã. Ele despejou um pouco de uísque na caneca; e, quando ela falou que tinha medo de que Margaret não a deixasse viajar, tranqüilizou-a.

Não esquente a cabeça com isso. Sua madrasta só pensa no próprio bem-estar e não se arriscaria a entrar em choque comigo, agora que depende da minha generosidade. Quanto tempo você levar para arrumar sua bagagem? É que precisamos sair cedo para apanhar-mos o vôo do meio-dia para Gênova.

Ah, eu sou rápida, mas, se preferir, posso fazer as malas ainda hoje à noite.

— Deixe para amanhã. Agora seria melhor descansar e acordar cedo.

— Não vejo a hora que chegue amanhã! — disse ela, entusiasmada. David sorriu, e tomou o último gole de seu uísque.

— Bem, agora boa-noite e durma bem — despediu-se e, inclinando-se deu um beijinho na ponta do nariz de Bethany.

Doze horas depois, ela já estava a bordo do avião que a levaria a Gênova.

Tivera um sono agitado e, depois que a aeromoça serviu o almoço, tirou um cochilo, só acordando na hora em que David a chamou.

— Acorde, Bethany! Já vamos aterrissar.

Ele havia deixado seu carro esporte estacionado perto do aeroporto e, poucos minutos depois de desembarcarem, já estavam na auto estrada ladeada por altos ciprestes.

— Portofino é muito longe?

— Fica a trinta e seis quilômetros de Gênova. Dez minutos dei autostrada e mais dez, até Rapallo. Dentro de meia hora estaremos mergulhando na piscina.

— Na sua casa tem piscina?

— É uma necessidade, num clima quente como este. Agora até que está fresco, comparado com os meses de julho e agosto.

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Alcançaram a costa logo que entraram no desvio para Rapallo. Pouco depois passaram por um vilarejo à beira-mar. Santa Marghenta Lígure. Em outra cidadezinha, chamada Paraggi, tomaram uma estrada jngreme e tortuosa, ladeada de casas suntuosas, meio escondidas muros altos e portões. Finalmente, pararam frente a um desses portões, onde se lia Villa Delphjni.

Os muros eram cor de abricó e o portão, encimado por capitel de pedra esculpida.

Ao entrarem, Bethany verificou que a fachada era simples, mas todas as janelas ficavam incrustadas em molduras de granito trabalhado a cinzel, o que lhes emprestava um aspecto tridimensional.

Bethany sentira amor à primeira vista pela casa.

David abriu a porta dupla central com uma enorme chave de bronze. Antes de entrarem, segurou-lhe a mão, dizendo:

— Feche os olhos e siga-me.

Bethany obedecera e fora com ele, de mãos dadas, às cegas, ouvindo outra porta se abrir. Pela claridade, percebera que estava novamente ao ar livre.

— Agora pode abrir os olhos!

Bethany não só os abriu, como os arregalou, engolindo em seco.

Diante dela espraiava-se um cenário de sonho. Lá embaixo, ao longe, divisava-se o cais de Portofino, banhado peia luz do sol e cheio de embarcações de todos os tamanhos e cores. Acima, num pequeno promontório, via-se um imponente castelo.

— Bonito, não acha? — perguntou ele.

Estavam num terraço com piso de cerâmica; mobiliado com cadeiras, espreguiçadeiras e mesinhas pintadas de branco. Diante dela havia um balaustre, de onde se via uma piscina cuja água azulada rebrilhava sob os raios solares, serena e convidativa.

— Antes de mais nada, que tal darmos um mergulho? Vista logo seu maio. Vou buscar a mala no carro e mostrar-lhe seu quarto.

Cinco minutos depois ela se refestelava num amplo e fresco dormitório de cujas janelas avistava-se o mesmo panorama do terraço.

Vestira um biquíni azul-marinho e, quando desceu, David já estava dentro da água. Ao vê-la, deu algumas braçadas em direção à escadinha da piscina. Só quando começou a subir foi que ela percebeu que o maio dele não passava de uma exígua sunga.

Naquela noite, foram jantar num restaurante ao ar livre, localizado na praça junto ao molhe.

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O jantar começou com um primo piatto de tortellini recheado de presunto.

O segundo prato foi galinha assada com vagens e uma salada temperada com um excelente azeite de oliva, que fez Bethany lembrar-se dos Suffolk.

— Preciso mandar um cartão-postal para Grace! Sabe, nem acredito que o conheci ontem e que hoje estou aqui, na Itália! Agora entendo porque você não fez nenhuma questão de ficar com a casa de Margaret. Quem é o louco que trocaria tudo isso para vá morar lá?

— Muita gente. Existem lugares bem piores para se morar do que uma confortável casa de campo inglesa, mesmo que o clima não ajude muito. Eu mesmo, quando era garoto e meus pais ainda eram vivos, gostava muito de Blackmead. Mas tenho que confessar que prefiro o sol, o calor.

— Faz sempre sol aqui? Mesmo no inverno?

Estavam saboreando um pedaço de queijo gorgonzola e, quando Bethany preparava sua porção, notou que David estava olhando para, alguém que devia estar sentado à mesa atrás dela.

Um brilho estranho parecera iluminar-lhe o olhar, mas apagou-se quando tornou a fitá-la.

Quando ele fora pagar a conta, Bethany pudera ver quem tinha despertado a atenção de David: uma bela mulher, que estava lendo um romance. Conseguiu ver que o título era francês. Os cabelos dela eram ruivos, e os olhos verdes. Devia ter a mesma idade de David vestia uma blusa de seda verde, decotada, que exibia o bronzeado do busto. Os lábios eram pintados de um vermelho vivo e, nas orelhas, tinha brincos de argola, em ouro. Nos dedos, uma infinidade de anéis.

Bethany tivera que reconhecer que era uma mulher charmosa, e estranhou que estivesse sozinha.

Quando eles se ergueram para ir embora, a mulher não levantou os olhos do livro.

— Como é? Vamos desenferrujar um pouco as pernas? — sugeriu David.

Andaram ao longo do cais, apreciando os barcos, e depois subiram a ladeira que levava a uma capela, no alto de uma colina, onde brilhavam velas e lamparinas acesas pelos fiéis. Depois continuaram a caminhada em direção ao píer. Numa rocha em frente ao mar havia uma placa, cuja inscrição dizia que Guy de Maupassant escrevera o romance Bel-Ami em Portofino.

Na volta, tornaram a ver a mulher ruiva. Ela vinha caminhando pelo molhe, na direção deles, com o livro debaixo do braço. Seu andar era lento e sensual. Dessa vez ela os notou. Olhou para David e depois para Bethany, que tinham parado para admirar um enorme iate americano.

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— Buona notte — disse ela, fitando David.

— Buona notte —- repetiu ele, com uma ligeira inclinação de cabeça.

Entreolharam-se, com um meio-sorriso nos lábios, como se estivessem compartilhando de algum segredo.

A mulher atravessou a prancha, pulou agilmente pelo degrau da amurada do barco e desapareceu de vista.

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CAPITULO III

Depois de oito dias de descanso e despreocupação, Bethany havia regressado a Londres, onde passaria duas noites no apartamento dos Suffolk antes de voltar para o colégio com Grace.

Quando as duas ficaram sozinhas, começaram a contar as novidades.!

— Você precisava ter visto a cara de minha mãe! — disse Grace.

— Ela ficou doida quando leu a carta que você mandou antes dei viajar. Disse que era uma indecência sua madrasta ser tão indiferente e inescrupulosa a ponto de entregar uma mocinha de dezesseis anos às mãos de um solteirão desconhecido. Papai também ficou uma fera. Mas, no dia seguinte, sir David ligou da Itália, perguntando se poderíamos hospedá-la aqui em casa quando voltasse. Só então meus pais sossegaram, achando que, afinal, ele não era o vilão seqüestrador de menores que eles imaginavam.

— Ele não gosta de ser chamado de sir David — esclareceu Bethany. — Prefere que o tratem simplesmente de Sr. Castle ou então, pelo nome artístico, David Warren.

— Você está com um bronzeado tão lindo! Mas me conte. . . me conte tudo!

Bethany descreveu a casa, o pão fresquinho com mel que comia no café da manhã, o mercado de Rapallo onde ia fazer compras ' os legumes, as frutas e até os peixes do Mediterrâneo, eram mais saborosos que os da Inglaterra.

— Quando terminávamos as compras, íamos ao Massone tomar sorvete. Cada sorvete! Tem um, vermelho, chamado mirtilli, que é feito de amoras silvestres. — Uma delícia!

— Meus jeans teriam estourado! Mas você tem sorte. Não parece ter engordado nem um grama!

Mais tarde, com muito tato e diplomacia, a Sra. Suffolk interrogara Bethany sobre David e seu modo de vida.

— Grace me contou que a senhora ficou preocupada comigo.

— É que gostamos muito de você, Bethany. Quando disse que seu tio era um artista, demos asas à imaginação, vendo você envolvida com uma turma de pintores de segunda categoria, expatriados, gente viciada em drogas e coisas do gênero. Ficamos apavorados! Afinal, você nunca tinha ouvido falar nele.

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— Mas eu já tinha ouvido falar dele, sim! Por Grace.

— Grace?

— Pois é. Faz tempo. . . há muitos anos, ela ouviu a senhora fazer um comentário sobre uma briga que houve entre David e meu pai. Sabe que briga foi essa?

— Não conheço as razões da briga. Ouvi apenas boatos a respeito. Só seu tio sabe da verdade. Acho que deveria perguntar a ele, minha querida.

— Já perguntei. Ele admite que procedeu mal, mas diz que não fez nada grave e que foi compelido por circunstâncias difíceis de explicar.

— Em todo caso, tudo se passou há muitos anos e as pessoas mudam com a idade. Naquele tempo ele era muito jovem. . . quase uma adolescente.

O trimestre escolar parecia interminável. Bethany estava ansiosa por voltar à Itália. David escrevera-lhe umas poucas cartas, ilustradas com desenhos humorísticos. Ela mandava uma carta toda semana.

Por fim, a época dos exames chegara e, com ela, o final do curso.

Na última noite que havia passado em Londres, Bethany fora com Grace e o casal Suffolk assistir a um novo espetáculo musical no London Palladium. No dia anterior, a sra. Suffolk comprara para cada uma delas uma variedade de roupas de verão, pois estavam de partida Para as ilhas gregas, onde pretendiam passar as férias.

E fora de vestido novo, os cabelos mais compridos e uma segurança e viajante veterana que Bethany chegara a Gênova.

Tinha sido fácil divisar David entre a multidão que estava no saguão do aeroporto. Ela imaginara ser recebida com um aperto de mão e, no máximo, um beijo no rosto, mas ficara surpresa e felicíssima quando ele abrira os braços e a alçara no ar com euforia. Quando se afastaram em direção à saída, ele comentou:

— Pensei que fosse encontrá-la magra, com olheiras fundas por causa dos exames da escola, mas você está linda!

— É que estou tão feliz, David! Estou tão contente por estar de volta! E, desta vez, não vai ser só por oito dias.

— Eu também estou contente, doçura. Temos um almoço de comemoração nos esperando na Villa, e vamos abrir uma garrafa de champanhe para celebrar o encerramento das aulas e a abertura! para a Vida, com "V" minúsculo.

Como ele era sensacional, pensou ela com adoração ao entrar na auto estrada. Tão saudável e bronzeado. . . Tão limpo e cheiroso! com aquela camisa e calça brancas, os pés calçados com sapatos de lona.. .

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O sol italiano estava forte e ela começou a suar de tanto calor. Não via a hora de vestir o biquíni novo, tomar um banho frio m jogar-se na piscina.

— Quais as novidades?

Perguntou David, sorridente, e Bethany contou-lhe sobre o show que assistira no Palladium.

Cantarolou algumas canções do espetáculo, e ele pareceu ficar impressionado com aquela habilidade até então desconhecida.

— Nunca pensei que você fosse tão musical! Sabe tocar algum instrumento ou prefere o canto?

— Você acabou de ouvir a minha voz e ainda tem coragem de perguntar?

— Sua voz é muito bonita.

— Verdade? A regente de nosso coral não pensava assim. Não que eu fizesse questão de participar do coro. Aquelas músicas não fazem o meu gênero.

— Nunca aprendeu a tocar piano?

— Não, e nunca me empenhei. Tenho ouvido para música, para isso não quer dizer que eu seja um gênio.

— Pode ser que não, mas esse talento pode ser desenvolvido. Hoje de manhã vi uma harpa na vitrine de um antiquário. Não gostaria de tentar?

— Acho a harpa um instrumento lindo, mas nunca me senti tentada a tocá-la. Creio que vou seguir seu conselho e tornar-me uma brilhante especialista em idiomas! — disse ela, num tom de gozação.

As areias de Rapallo e de Santa Margherita estavam repletas de uma infinidade de guarda-sóis coloridos. O mar estava cheio de banhista e os bancos, ao longo do passeio marítimo, ocupados por pessoas idade que se distraíam apreciando o movimento.

Ao chegarem a Portofino, a estrada tornou-se quase intransitável, a quantidade de carros. Mas, finalmente, chegaram à tranqüila ladeirinha que levava à Villa Delphini.

David estacionou o carro à sombra de uma árvore. Bethany ergueu olhos para rever aquela fachada rosada e os detalhes arquitetônicos de granito em que pensara tão amiúde, durante sua permanência na Inglaterra, Todas as venezianas estavam escancaradas e os toldos tinham sido abaixados.

— Não sei se você está com sede, mas eu estou com a garganta seca! Antes de abrir as malas, sugiro tomarmos o champanhe que deve estar nos esperando no gelo!

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Antes que David tivesse tempo de pôr a chave no ferrolho, a porta da frente abriu-se inesperadamente.

Estava quase cochilando na beira da piscina quando ouvi o seu carro chegando

-— Disse a mulher que apareceu na soleira da porta, com uma bata curta de algodão indiano cobrindo-lhe o biquíni, com enormes óculos escuros.

Bethany a reconheceu na hora. Era a mesma mulher ruiva que encontraram no restaurante na primeira noite que passara em Portofino.

Só espero que já tenha posto o champanhe no gelo, Francine. Estamos morrendo de sede — disse David, antes de fazer as apresentações.

— Bethany, esta é madame Valery. Logo mais você vai experimentar a comida soberba que ela sabe fazer.

— Como vai? — cumprimentou Bethany, um tanto intrigada e decepcionada com a presença da francesa.

Bem, obrigada, srta. Castle. E a senhorita? — retribuiu, abrindo um sorriso amistoso que lhe emprestou um novo brilho aos olhos verdes.

— Se não se importa, preferia chamá-la de Bethany, e você, por favor, me chame de Francine. Não se ofenderia se eu fizesse uma observação pessoal?

— E, sem esperar resposta, declarou:

— Você sta muito mais bonita do que da primeira vez que a vi, lá no molhe. Já parece moça feita, não uma criança. O cabelo, assim comprido, fica-lhe bem melhor.

— Obrigada.

Foram para o terraço onde, numa mesinha à sombra de um toldo, ^via um balde com gelo, abrigando uma garrafa verde.

David fez saltar a rolha, encheu três taças e brindou:

— Faço minhas as palavras de Jonathan Swift: "Que você viva todos os dias de sua vida"! À saúde, signorina!

Bethany murmurou um tímido "obrigada", levando a taça aos lábios, radiante de felicidade por ser alvo de tanta atenção.

O almoço que Francine tinha preparado começou com uma galantinal de galinha e presunto, enfeitada com ovos cozidos e aspargos, acompanhada por uma salada que continha nozes, cogumelos marinados, buques de couve-flor e brotos de feijão.

Como sobremesa, saborearam uma Tarte Tatin feita de pêras, com uma cobertura caramelada simplesmente divina. Como arremate, foi servido um queijo dolcelatte junto com uma cestinha de figos frescos] perfumados.

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— Lembra-se daquele iate americano que estava ancorado no porto?

— Perguntou David. — Tinha chegado do Caribe, e Francine era a encarregada da cozinha de bordo. Infelizmente para o dono do iate, e felizmente para mim, consegui convencê-la a deixar o emprego e a vir trabalhar aqui por uns tempos.

— Por uns tempos — repetiu a francesa.

Aquilo soou como se ela não tivesse intenção de permanecer eternamente em Portofino.

Depois do almoço, Bethany foi para o mesmo quarto que tinha ocupado antes, a fim de arrumar suas coisas. Sobre a escrivaninha havia um vaso com cravos brancos. Teria sido idéia de David ou de Francine?

O comportamento deles durante o almoço não denunciava uma relação amorosa, mas Bethany achou que o papel da francesa naquela casa não se resumia a cozinhar e a cuidar dos afazeres domésticos. Desconfiou que Francine também devia usar seus dotes na cama.

Um homem viril e saudável como David não levava existência de monge e, por certo, muitas mulheres já tinham passado por sua vida, pensou Bethany, olhando-se no espelho.

Quanto tempo ainda levaria para tornar-se adulta? Um, dois anos?

Pelas leis inglesas, as moças podiam se casar, sem consentimento paterno, aos dezoito anos. Mas a maioria das pessoas achava essa idade insuficiente para um passo tão sério como o casamento. Dezenove anos era o ideal. Mas ainda estava longe... Trinta meses... Já Cento e vinte semanas. . . Oitocentos e tantos dias. . .

Uma batida à porta havia interrompido os devaneios de Bethany. Francine enfiou o rosto pela abertura.

— Não está faltando nada, Bethany? Prateleiras suficientes para seus livros? Cabides para suas roupas?

— Obrigada, tenho mais do que o suficiente. Não trouxe tanta coisa assim.

— Posso entrar e dar um dedo de prosa com você?

— Claro que sim! Entre.

— Gosto muito desse traje — disse a francesa, ao ver um vestido verde-água pendurado na cabeceira da cama. — É um modelo de Laura Ashley, não é? As criações dela são de muito bom gosto, e algodão é o tecido ideal para os climas quentes. Nunca gostei de fibras sintéticas. São calorentas, mesmo nas casas com ar condicionado como as dos Estados Unidos.

-- Você morou lá?

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— Sim, logo que me separei de meu marido. Tenho uma irmã casada com um americano, e achei um bom lugar para começar as minhas viagens pelo mundo. Vivi numa cidadezinha do interior da França por dez anos e sempre desejei conhecer todos aqueles lugares que tinha visto em fotografia: São Francisco, New Orleans, Martinica, Lisboa, Alicante, Monte Cario. Já visitei quase todos esses lugares, mas ainda tenho uma longa lista. Quero conhecer tudo antes de ficar velha.

Francine pediu licença e sentou-se numa cadeira de balanço, junto ao pequeno balcão do quarto. Levara consigo uma cesta de costura e começou a pregar uma renda na gola de uma camisola de cetim.

Aquela havia sido a primeira das muitas conversas que tiveram.

Uma amizade crescente fora surgindo à medida que os dias passavam, pois as duas ficavam juntas sempre que David se ausentava para fazer esboços de paisagens marítimas, ou trancava-se no atelier para pintar suas famosas aquarelas.

Além de ser excelente cozinheira, Francine era muito hábil em trabalhos manuais e criava peças delicadas e originais. Quando adolescente, freqüentara um colégio de freiras onde aprendera todos os segredos do bordado.

- Eu achava engraçado, e ao mesmo tempo triste, que aquelas três gastassem seu tempo bordando peças íntimas que seriam vestidas por mulheres não tão castas, e desvestidas por seus amantes. Já imaginou morrer sem nunca ter provado um beijo, sem nunca ter o corpo acariciado por um homem? Muitas freiras se arrependiam de ter tomado aquele caminho, mas tarde demais. É muito mais difícil, para uma esposa de Cristo, abandonar sua fé, do que uma mulher comum abandonar o marido quando o casamento não dá certo.

— E o seu, não deu certo?

— Deu tudo errado. Casei só porque o rapaz era bonitão, e eu estava curiosa para conhecer o sexo. Tinha só dezoito anos... Oh, isso foi há vinte anos, e moças da minha idade, em cidadezinhas provincianas, não se atreviam a perder a virgindade antes do casamento. Aquelas que o faziam metiam-se em apuros. Se eu tivesse tido filhos, provavelmente ainda estaria com meu marido. Mas, como isso não aconteceu, após alguns anos pensei: o que estou fazendo aqui, desperdiçando a minha vida numa cidade de que não gosto ao lado de um homem tão insignificante? Até fazer amor era uma rotina que não me dava prazer algum. Então, certo dia, eu lhe disse que ia embora. Ele ficou possesso, não porque me amasse, mas porque eu era uma boa dona-de-casa. Era conveniente para ele ter alguém que cozinhasse e, ainda por cima, o servisse na cama.

— Fitou Bethany com aqueles olhos verdes muito expressivos.

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— Não cometa o mesmo erro, chérie. Não se case com o primeiro amor, a não ser que tenha certeza de que será também o último. Às vezes, coincide que o primeiro e o último sejam a mesma pessoa, mas isso é muito raro.

Quando Bethany recebera o resultado dos exames, nota A em línguas estrangeiras e B nas outras matérias, David lhe dissera:

— Parabéns, doçura. Você merece um premio. Que tal uma viagem a Florença?

— Oh, David! Será que poderíamos?

Bethany tinha terminado de ler um livro sobre a família Mediei, baluarte da Renascença italiana, e estava louca para conhecer a cidade que fora cenário de seu poder e grandeza.

— Sim, podemos. Os meus quadros vão ser expostos na Kennedy Gallery, de Nova York, e na Laing Gaílery de Toronto. Ambas têm uma clientela milionária, disposta a gastar centenas de dólares em obras de arte. Vai dar para passar pelo menos uma semana em Florença.

Decidiram que a viagem seria realizada em setembro.

Apesar de David e Francine dormirem no mesmo quarto, quando estavam perto de Bethany nunca davam demonstrações de afeto, a não ser um ou outro beijo superficial. Também nunca mais ela os vira entreolharem-se com aquele sorriso enigmático que trocaram no primeiro encontro.

Mas, poucos dias antes de deixarem Portofino, um acontecimento inesperado viera perturbar Bethany.

Certa noite, lá pela uma e pouco, ela sentira sede e resolveu ir até a cozinha. Enquanto bebia seu copo de água gelada, Cat, a gatinha que Maria, a faxineira, achara perdida na rua, pulou da caixa de papelão em que dormia e veio esfregar-se nos tornozelos de Bethany.

Ela apanhou o bichinho e afagou-lhe o pescoço peludo.

Antes de apagar as luzes, tornou a colocar Cat na caixinha e subiu a escada pé ante pé, para não fazer barulho. O quarto de David ficava do lado oposto ao patamar e, quando ela subiu o último degrau, ouviu um gemido, acompanhado de suspiros arquejantes.

Pensando que os dois estavam dormindo, Bethany aproximou-se mais da porta e ficou escutando aqueles gemidos que iam se intensificando.

— Não, não... oh, não, por favor, pare... — A voz lânguida que suplicava era de Francine.

Em seguida, ouviu uma risada. Era David. Depois, um gritinho e uma súplica diferente, que, dessa vez, pedia para "não" parar.

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Quando Bethany se deu conta de que estava ouvindo os sons de um casal no ato do amor, ficou petrificada. Depois se apavorou, pensando na possibilidade de eles notarem sua presença. Mais que depressa correu para seu quarto.

Profundamente perturbada, ficou acordada por muito tempo, tentando imaginar o que os dois estariam fazendo naquela cama larga, de colunetas entalhadas.

Até então, tinha sido relativamente fácil ignorar o lado íntimo daquele relacionamento, mas, depois do que ouvira, seria impossível. Começou a fantasiar, imaginando David e Francine entrelaçados nas mais variadas posições, que vira num livro que circulara secretamente, de mão em mão, entre as alunas do último ano. O livro apenas servira para evidenciar, em detalhes, o que Bethany já sabia há muito tempo. Agora, teria preferido nunca ter visto aquelas gravuras que reproduziam graficamente o que deveria estar acontecendo, ao vivo, do outro lado do corredor.

Lembrou-se da francesa confidenciando-lhe que o marido nunca a satisfizera sexualmente; David devia ser um amante bem melhor. Talvez Francine se apaixonasse por ele e desistisse de seus projetos de viagem. Talvez David pedisse para que ela ficasse para sempre. O fato de ser mais velha pouco importava. Francine era uma mulher muito atraente, de boa índole, e uma dona-de-casa perfeita. O que mais David poderia querer?

Durante vários dias Bethany continuou a sentir-se perturbada com o que escutara naquela noite.

A caminho de Florença, ela começou a refletir que David e Francine bem que poderiam ter ido sozinhos, sem ninguém para atrapalhar. Mas, logo que chegou à cidade, suas preocupações sumiram diante da beleza do lugar.

David parou o carro sobre uma das muitas pontes que cruzam o rio Arnò para que elas vissem um pouco das maravilhas da cidade e depois levou-as ao Harr's Bar, um restaurante situado às margens do rio, muito popular entre os turistas americanos. Fizeram uma refeição leve e foram para o hotel.

O Villa Belvedere ficava um pouco afastado do centro. O quarto do primeiro andar, que David tinha reservado para ele e Francine, tinha um terraço ensolarado de onde se avistava um magnífico panorama de Florença, dominado pela majestosa cúpula da Catedral. O de Bethany ficava no segundo andar e dava para os fundos, mas tinha uma bonita vista dos jardins.

— Logo que arrumar suas coisas, desça para o nosso quarto e venha aproveitar o solarium — disse David, que a tinha acompanhado até o segundo andar para verificar se as acomodações eram satisfatórias.

— Acho que vou preferir cair na piscina.

— Faça como quiser. Nós vamos descansar um pouco até as cinco e, depois, daremos um giro por aí.

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O hotel tinha uma pequena piscina de contornos irregulares, cercada por espreguiçadeiras, metade das quais estava ocupada. Bethany ficou umas duas horas por ali, lendo entre um mergulho e outro. Todas as vezes que levantava os olhos do livro, via David e Francine no terraço. Ela parecia estar cochilando, e David desenhava.

Pouco antes das quatro horas, Bethany foi tomar banho e vestiu um dos trajes que Francine tinha costurado para ela. Encontraram-se no bar do andar térreo e saíram para um passeio pela cidade. Para Bethany, foi uma experiência mágica. A cada rua, a cada esquina, sentia-se transportada para a Florença antiga, pois aqueles eram os mesmos lugares percorridos outrora por Michelangelo, Benvenuto Cellini e outras celebridades.

David, que já estivera em Florença antes mesmo de Bethany nascer, achava que a cidade já não era a mesma, por causa do barulho e da fumaça do tráfego intenso. Achava que deveriam reservar as áreas maiores para uso exclusivo de pedestres.

Às seis e meia da tarde foram tomar aperitivos num bar ao ar livre na Piazza delia Sgnoria, em frente ao Palazzo Vecchio. Antes de sentarem, David tinha lhes mostrado os baixos relevos feitos por Michelangelo, esculpidos às cegas, com as mãos nas costas, para ganhar uma aposta. No centro da praça, indicou-lhe o marco de pedra que determinava o local de onde Savonarola, o fanático frei dominicano, incitara os florentinos a queimar todos os seus haveres mais preciosos, inclusive algumas pinturas pagãs de Botticelli, e onde acabara, ele mesmo, sendo queimado vivo, como herege.

— Amanhã, vocês dois vão dar seus giros pelos museus enquanto eu me divirto fazendo uma orgia de compras — disse Francine, depois de tomar um gole de Negroni. — Em matéria de pintura, interesso-me por alguns artistas plásticos modernos. — E sorriu intencionalmente para David. — Mas não sou fanática pelos antigos mestres.

— Não vai nem querer ver o Nascimento de Vénus, de Botticelli? Nem o David de Michelangelo? — perguntou Bethany, surpreendida.

— Posso vê-lo daqui mesmo. — E apontou para a estátua de um homem nu, plantada bem na entrada do palácio.

— Estou falando do David da Academia. Esse é só uma cópia.

— Não. Vão vocês. Eu sou o que chamam de "sacrílega". Prefiro admirar as vitrines de Via Tornabuoni.

Bethany ficou chocada por alguém estar em Florença e ignorar tesouros artísticos da cidade. Mas David começou a rir e concordou:

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— Certo, caríssima. Vá fazer o que lhe apetece e nós dois faremos o mesmo. E, por falar em apetecer, vocês estão com muita fome? Se não estiverem, sugiro uma pizza para o jantar.

Era a primeira vez que Bethany ouvia David chamando a francesa por um nome carinhoso, em italiano. Aquilo significaria que o relacionamento amoroso entre os dois estava ficando mais sério?

A pizzaria que ele freqüentava nos tempos de estudante já não existia e eles foram para outra, chamada La Nuova Campana, situada numa ruela que desembocava no Duomo, como era conhecida a catedral.

Havia uma infinidade de pizzas no cardápio e David sugeriu que cada um pedisse um tipo diferente.

Bethany ficou observando um dos pizzaioli, um rapaz bem jovem de cabelos crespos, que batia a massa, vestindo apenas calça branca e camiseta sem mangas. Quando ele percebeu, piscou para ela. Bethany enrubesceu e desviou o olhar, envaidecida. Tinha já notado que muitos florentinos olhavam com admiração para Francine, mas o cozinheiro de cabelo encaracolado fora o primeiro a demonstrar interesse por ela.

No dia seguinte, Bethany e David passaram a manhã toda na Galleria degli Uffizi, o museu mais importante da cidade. Nas arcadas encontraram muitos estudantes, que se ofereciam para pintar os retratos dos turistas por umas poucas liras.

— Por que não posa para um deles? — sugeriu David. — Seria interessante ter uma recordação de Florença. Aquele sujeito ali parece ser talentoso.

Por alguns minutos, bastante constrangida, ela foi alvo dos olhares curiosos dos passantes. Terminado o trabalho, David pagou e agradeceu.

Foram encontrar Francine numa caffetteria. A cadeira ao lado dela estava abarrotada de pacotes.

— O que é isso? — perguntou Francine, ao ver o rolo de papel que David trazia debaixo do braço.

— Um retrato de Bethany. O que acha? — E desenrolou o papel. Francine ficou olhando com ar crítico.

— É bastante bom, mas não gostei do jeito que desenha a boca. Por que mandou fazer o retrato por um estudante se você tem um artista na família?

— Não foi idéia minha, foi dele. Você nunca pintou retratos David?

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— Só quando era estudante. Se estiver inspirado, vou fazer um esboço seu esta tarde. O problema é que esses retratos são feitos em público, à vista de todos, e isso tira a espontaneidade de quem posa. Comigo você pode relaxar. Agora vamos ouvir as novidades de Francine. O que andou comprando?

— Acho que passei dos limites...

O olhar contrito que enviou a David fez com que Bethany desconfiasse que aquela sessão de compras tinha sido financiada por ele. Francine não devia ter dinheiro e contava com o dele para tudo. Bem, a verdade é que ela retribuía com suas prendas domésticas. . . E as não domésticas.

Bethany não pôde reprimir uma sensação de mal-estar, pois não conseguiria gastar o dinheiro de homem nenhum. Se tivesse um amante, faria questão de ser independente, senão o relacionamento poderia tomar um aspecto mercenário.

— Mas não comprei coisas só para mim — continuou Francine. — Também comprei presentes para vocês dois. — E entregou um pacote para cada um.

Num deles havia uma camisa azul, listrada, e, no outro, um cinto e um par de brincos.

Bethany, que esperava brincos baratos, do Mercato delia Paglia, achou que aqueles pareciam de ouro legítimo.

— Na verdade, Bethany, esse presente é da parte de David. Ele só me encarregou de escolhê-lo.

— É uma recompensa por você ter sido boa menina e ter passado nos exames — esclareceu ele.

— Mas eu pensei que o meu premio fosse esta viagem! São de ouro legítimo, não são?

No berço natal de Cellini, de que mais poderiam ser? Os ourives daqui ainda mantêm a tradição dos grandes mestres.

Eram brincos de argola, delicadamente trabalhados.

Antes de irmos embora vou levá-la para furar as orelhas — declarou Francine.

— Obrigada, David. São muito bonitos. Vou conservá-los com muito carinho. — E, levantando-se, deu-lhe um leve beijo na face.

— Eu também quero agradecer meus presentes — disse Francine, beijando-o também.

— Foi uma satisfação, minhas queridas.

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Durante a tarde, no hotel, David fez um croqui de Bethany, captando-lhe com muito mais acuidade as linhas jovens da boca e os traços suaves das pálpebras, na posição de leitura. Desenhou também as longas pernas, numa postura juvenil, mas evidenciou seus atributos de mulher nos traços sinuosos com que contornou o busto e a curva dos quadris.

No rodapé da folha:

"Bethany — dezesseis, a caminho dos dezessete".

Colocou a data e assinou.

— No próximo ano farei outro. Na sua idade, em doze meses as pessoas mudam muito.

No dia seguinte, persuadiram Francine a visitar, pelo menos, o Museo degli Argenti, no Palazzo Pitti.

Mas não foi a inestimável coleção de jóias, camafeus, pratarias, cristais e marfins, pertencentes à família Medici, o que mais impressionou Bethany, e sim um retrato exposto num dos salões do palácio.

Apesar de ter lido muito sobre o mais famoso dos Medici, nunca vira a imagem dele. E agora estava ali, à sua frente. Lorenzo di Piero de Medici, um homem com uma vasta cabeleira negra, usando uma roupa lisa de veludo bordo, onde se destacava um colarinho branco frisado. Pela expressão, parecia estar pensando em alguma coisa jocosa, pois os cantos de sua boca sensual estavam puxados num meio sorriso, e seus olhos pretos tinham um brilho divertido.

Se ela tivesse vivido em Florença naquela época, seguramente teria se apaixonado por aquele homem.

Após a visita ao Palazzo Pitti, dirigiram-se a um dos lugares mais pitorescos da cidade. Ponte Vecchio, a mais antiga ponte sobre o rio Arno e a única que não fora atingida pelos bombardeios durante a II Guerra Mundial. Diferenciava-se das outras porque era coberta e ladeada de pequenas lojas, a maior parte delas especializada em jóias de ouro e prata. No centro da ponte abria-se um espaço maior, que era o ponto de encontro de estudantes, pequenos artesãos e turistas.

Deixando Bethany ali para apreciar o movimento, David levou Francine a uma das lojas a fim de comprar-lhe uma lembrança mais duradoura do que roupas.

Quando voltaram, a francesa trazia ao pescoço uma delicada corrente de ouro. E, apesar de ter passado o resto da tarde a admirar no espelhinho do porta-pó o efeito da jóia, o sexto sentido de Bethany dizia-lhe que Francine teria preferido que David tivesse comprado uma simples aliança de ouro.

A hora de retornar à Villa Delphini chegou depressa demais.

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Bethany fez a viagem de volta num estado de ânimo bem melhor, pois não foi mais incomodada por aquela sensação de ser uma intrusa, e pelo ciúme que a tinha perturbado. Podia ser idiotice, mas sua mente estava agora ocupada pela lembrança de um homem que vivera e morrera há mais de quinhentos anos: Lorenzo de Medici.

O outono em Portofino equivalia ao verão em outros lugares do norte da Itália e a aproximação do inverno dava a impressão de que estavam entrando no outono.

Foram festejar os feriados de fim de ano numa estação italiana de esqui. Logo depois do Natal, comemoraram o aniversário mais feliz da vida de Bethany.

Ela já estava falando italiano correntemente, sem deixar de praticar o francês e o alemão.

Na semana que antecipava a Páscoa, David precisara fazer uma viagem de negócios a Londres. Iria ausentar-se só por dois dias, Francine levou-o até o aeroporto e, quando voltou, estourou a bomba.

Entrando na cozinha onde Bethany estava dando leite à gatinha, anunciou:

— Eu também vou embora, Bethany. Tomei informações no aeroporto e já reservei lugar num vôo que sai antes de David chegar. Eu já sabia que não haveria futuro para nós dois. Portanto, quando ele voltar, não estarei mais aqui.

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CAPITULO IV

— Vai embora para sempre, Francine? Não vai mais voltar? Bethany estava perplexa.

— Arrume um cafezinho para mim, por favor — pediu a francesa, deixando-se cair sentada numa cadeira, parecendo muito cansada e abatida. — Pensei que David e eu pudéssemos ter um relacionamento estável e permanente, mas isso não será possível. E, para mim, a situação atual não é satisfatória. Bem, querida, agora que está mais crescida, acho que posso falar-lhe com franqueza. Não sei se vai entender, mas desde que me separei de meu marido, há dez anos, convivi com vários homens. Para muitas pessoas, posso ser considerada uma devassa. Mas eu acho que existem muitas mulheres, ditas respeitáveis, que, se tivessem coragem, fariam a mesma coisa que fiz no caso de o casamento não dar certo. Pensem o que quiserem de mim. O que sei é que não sou uma mulher vulgar. Sempre andei em busca de amor. . . de estabilidade.

— Pois acho que é uma pessoa extraordinária e até estava torcendo para que você e David se casassem!

Os olhos de Francine encheram-se de lágrimas.

— Obrigada, chérie. Também gosto muito de você. Amo a ambos. Infelizmente, David não sente o mesmo a meu respeito. Ele é bondoso... algumas vezes chega a ser afetuoso... mas não me ama. Nem sei se algum dia conseguirá amar alguém. Tenho a impressão de que aconteceu algo com ele, no passado, que o tornou incapacitado para o amor. Fisicamente, ele é potente, até demais. Mas emocionalmente é um homem castrado. Para ele é impossível doar o coração, simplesmente porque não tem um coração para doar.

Bethany serviu duas xícaras de café e foi sentar-se perto da francesa.

— Se você o ama de verdade, Francine, não seria melhor ficar e ter um pouco de felicidade do que ir embora e não ter nenhuma?

A outra meneou a cabeça, num gesto de desânimo.

— Estou com trinta e nove anos, quatro a mais que David. Mesmo que eu me cuide, em mais alguns anos terei um papo aqui — apalpou o queixo —, e isto vai começar a despencar — passou a mão sobre os seios. — Só quando um homem ama uma mulher é que não faz caso desses detalhes.

— Mas David também vai ficar velho um dia!

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— David vai se conservar por muito tempo. Ele tem um tipo físico invejável. Pode ser que os seus cabelos embranqueçam, mas vão continuar fartos. Se ele começar a emagrecer, os ossos vão aparecer. Mas ossos não envelhecem tanto quanto carnes. Os olhos dele poderão perder um pouco o brilho, mas aquele tom azul nunca ficará opaco, e ele sempre será um homem de chamar a atenção das mulheres.

Havia uma amargura tão grande na voz de Francine que Bethany ficou extremamente penalizada.

— Querida Francine... não vá! Precisamos de você aqui. David vai ficar muito decepcionado quando descobrir que você o abandonou dessa forma!

— Eu já me despedi dele a noite passada. Nós nos beijamos muito, nos amamos intensamente. David sabe que fico nervosa quando ele viaja de avião, e deve ter pensado que foi por isso que passei a noite acordada, em seus braços. Mas, quando voltar, vai compreender, e saberá que aquela foi uma despedida.

— Francine tomou um gole de café e encolheu os ombros. — Sei que vou ficar deprimida por algum tempo, ê inevitável. Tudo na vida tem um preço, e esse ano que passei com David e você fez com que eu poupasse muitas lágrimas, muitos momentos de solidão. Mas quem sabe? Talvez eu ainda encontre um grande amor, desde que não vá embora tarde demais.

Antes de embarcar, Francine forneceu o endereço provisório de um pequeno hotel em Paris, onde pretendia passar as primeiras duas ou três semanas.

— Se David achar que faço muita falta, poderá entrar em contato comigo nesse endereço. Mas ele não vai fazer isso — disse, balançando a cabeça tristemente.

— Você tem dinheiro suficiente até. . . até. . . que alguma coisa aconteça?

— Tenho, tenho. Não se preocupe comigo. Além do mais, posso arrumar um emprego em Paris. Afinal, alguém com os meus dotes culinários, modéstia à parte, é sempre muito requisitado. Tenho também algumas economias. Andei vendendo boa parte da langerie que bordei, para uma butique em Rapallo. E, por falar nisso, deixei um embrulho em cima da sua cama. Ê um jogo que fiz especialmente para você. Guarde-o para a sua lua-de-mel, chérie.

A caminho do aeroporto, elas ficaram praticamente em silêncio. Francine tinha os cabelos presos num coque e vestira-se com elegância e sofisticação, pronta para enfrentar Paris. Estava realmente muito bonita.

Mas, na hora da despedida, acabou borrando o rímel dos olhos, pois ambas caíram no choro.

Depois que ela embarcou, Bethany foi recompor-se no lavatório do aeroporto, pois David deveria chegar a qualquer momento. Mas o avião atrasou uma hora.

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Como ele só trazia uma pequena maleta, não precisou perder tempo na alfândega e, passando à frente dos outros passageiros, foi direta-mente ao encontro de Bethany.

— Alô, doçura! Sinto tê-la feito esperar. Onde está Francine?

— Ela... ela não está aqui.

— E onde se meteu? Por acaso o carro encrencou?

— Não, o carro está lá fora, no estacionamento. Bem. . . Francine está a caminho de Paris. Tomou o avião há duas horas. Ela foi embora para sempre, David.

— O quê?

Ele parecia assombrado.

— E por quê? Ela lhe disse por que foi embora?

— É que Francine te ama e pensa que você não sente o mesmo. Tenho o endereço dela em Paris, caso queira. . .

Por mais de um minuto David ficou mudo, muito tenso, olhando sem direção.

— Ela tem razão — disse, por fim. — Eu gosto muito dela. Tinha-lhe carinho e apreço. Francine era uma pessoa fora de série. Ótima na cama e no fogão. Mas eu não a amava.

E, como se estivesse arrependido de tanta franqueza, propôs:

— Vamos sair daqui. Já estou cansado de multidões, e não vejo a hora de voltar para a paz e a tranqüilidade da minha casa. Só acho que Francine poderia ter me esperado.

Ao chegarem à Villa Delphini, David declarou que ia tomar banho e que não almoçaria, pois já comera no avião. Bethany, que mal tomara o café da manhã por causa dos atropelos da viagem de Francine, estava morta de fome. Foi até a cozinha, serviu-se de um pedaço de pão, tomou um iogurte e preparou uma salada de frutas.

Dali por diante, teria que fazer as refeições. Não sabia cozinhar, mas aprendera um pouco, observando Francine.

Depois de lavar os pratos que sujara, Bethany subiu para o quarto e encontrou sobre a cama o presente que Francine lhe deixara. O jogo consistia de uma camisola, uma liseuse, um penhoar e uma combinação, tudo confeccionado em cetim branco bordado com ponto sombra, em azul. O ponto era feito por baixo de recortes de organza transparente, estrategicamente distribuídos.

A camisola era virginal, e sexy ao mesmo tempo.

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Bethany não resistiu à tentação de experimentá-la. De fato, era um modelo próprio paia uma mocinha, mas, certamente, tinha o dom de virar a cabeça de qualquer homem.

— Bethany, você está aí? — Depois de uma pancadinha à porta, David foi entrando no quarto. — Sabe onde Francine guardou. . .

Ao vê-la naqueles trajes, ele parou. Seus olhos perspicazes de artista pareciam estar estudando as formas femininas através das transparências, e Bethany foi tomada por uma sensação estranha, nunca antes sentida.

— Desculpe. Se eu soubesse que você estava trocando de roupa, não teria entrado.

Virou as costas e saiu.

À noite, foram jantar num bom restaurante, em Rapallo. Mas, por melhor que fosse a comida, nunca poderia ser comparada à de Francine, que chegava ao cúmulo de assar pão em casa num país famoso pela qualidade de seu pão.

Mas não era somente dos requintados pratos de Francine que eles iam sentir falta. Também os expressivos olhos verdes fariam falta. A voz pouco rouca e suas risadas.

Logo que voltaram para a Villa, David foi para o quarto. Bethany ficou imaginando se ele ia mesmo conseguir dormir, sem ter a seu lado àquela mulher que por tanto tempo compartilhara de seu leito.

Pela manhã, logo que acordou, a primeira imagem que Bethany viu foi o retrato de Lorenzo de Medici. Ela comprara uma reprodução do famoso quadro exposto no Palazzo Pitti e o pregara no espelho pendurado frente à cama. Ficara tão obcecada por aquele personagem que, atualmente, conhecia detalhes da vida dele.

Mas que importava isso agora? Bethany suspirou e levantou-se, pronta para enfrentar as tarefas que a Villa lhe reservava.

Nas primeiras semanas havia sido um Deus nos acuda mas, pouco a pouco, as coisas foram entrando nos eixos e eles começaram a se adaptar à ausência de Francine.

David passou a dedicar-se mais à pintura e, Bethany, aos serviços domésticos e ao estudo de idiomas. Tudo virou rotina até o dia em que ela foi sacudida por um novo choque.

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David tinha ido a Rapallo fazer uma revisão no carro quando chegou uma carta da Inglaterra. Pelo envelope, Bethany reconheceu a letra de Grace e logo se alvoroçou, sorrindo. Mas a carta de Grace não tinha nada de engraçado. Era curta e concisa. Comunicava que o Sr. e a sra. Suffolk tinham falecido num acidente de carro provocado por um motorista embriagado, A mãe morrera na hora e o pai ainda sobrevivera três dias. Grace terminava dizendo que uma tia ia levá-la para os Estados Unidos, na esperança de que ela pudesse refazer-se do choque que levara. Fornecendo o endereço da tia, Grace concluíra a carta assim:

"Você há de compreender se eu não escrever por algum tempo. Sinto-me como se o mundo tivesse desmoronado à minha volta".

Bethany sentiu mais a morte daquele casal querido do que a do próprio pai.

Quando David voltou, encontrou-a recostada na espreguiçadeira do terraço com a carta na mão e o rosto banhado em lágrimas.

— O que aconteceu, minha querida?

Como resposta, ela entregou-lhe a carta. David leu-a com atenção, uma ruga vincando-lhe a testa.

— Meu Deus! Que tragédia! Quando chegou a carta?

— Oh... há questão de uma hora e meia.

E você ficou aqui sozinha todo esse tempo, minha pobre garota? Sentou-se ao lado dela, deu-lhe um lenço e passou-lhe o braço pelas costas. Ela aninhou-se, muito triste e desconsolada.

— Oh, David! Como Grace irá suportar uma coisa dessas? Eles eram maravilhosos! Pobre amiga. . . coitadinha dela!

— Coitadinha de Bethany! Você também os amava muito, não é verdade?

— Sim, mas pelo menos ainda tenho você. Ela não tem mais ninguém. Por que logo eles? Com tanta gente malvada que tem neste mundo?

E recomeçou a chorar convulsivamente.

David consolou-a usando todos os argumentos possíveis, mas Bethany não se conformava.

— Mas é tão injusto que um bêbado tenha acabado com suas vidas, ainda tão moços! Eles não eram velhos, sabe? Tinham uns quarenta e poucos anos.

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— É, é injusto. A vida é injusta. Por exemplo, por que eu fui abençoado com um talento que me permite levar a vida que levo, num lugar lindo como Portofino, enquanto que outros têm que se sujeitar a trabalhar em minas de carvão ou nas grandes fábricas de automóveis, lugares barulhentos, insalubres e poluídos? Ou, pior do que isso, os que dependem da caridade alheia para sobreviver? O mundo está cheio de injustiças, doçura. Você devia saber disso melhor do que ninguém. Já passou por maus bocados, principalmente nos últimos tempos.

Bethany soltou um suspiro.

— Viver aqui apagou todas as minhas mágoas. Você tem sido tão bondoso comigo, David. . .

Ele ergueu-lhe o queixo, fitando-a bem dentro dos olhos.

— Na atual conjuntura, você tem sido uma bênção para mim. Como eu me arranjaria sem você? De uns tempos para cá, tem sido o meu braço direito!

Tal como fizera naquela noite em Blackmead, ele beijou-lhe a ponta do nariz. Quando ela enviou-lhe um pálido sorriso de gratidão, a fisionomia de David adquiriu uma nova e perturbadora expressão. Aqueles olhos azuis se fixaram em seus lábios tão intensamente que Bethany chegou a pensar que ele ia beijá-la na boca. Àquela perspectiva, seu coração disparou, alarmado.

Talvez nem lhe passasse pela cabeça uma coisa dessas, pois pouco depois David levantou-se e disse, num tom neutro:

— Por que não levanta daí e vai tomar um banho rápido, para relaxar? Pode deixar que hoje eu cuido do almoço.

Por algumas semanas Bethany continuara a sentir aquele vazio causado pela morte das duas pessoas que ela mais amava no mundo depois de Grace e de David. Sua melhor amiga tornara-se órfã. Como ela.

Procurava não dar demonstrações da depressão que a morte dos Suffolk lhe causara, mas era difícil ficar de cara alegre. David também parecia inquieto, insatisfeito com sua produção artística e impaciente no trato com as pessoas, apesar de nunca se mostrar irritado com ela.

Certa noite estavam ambos na cozinha quando ele perguntou:

— Você já leu Salgueiros ao Vento? é um dos meus livros prediletos.

— Também era o meu, quando jovem. Lembra-se daquela passagem em que o rato do esgoto encontra o rato do mar e o convida para almoçar em sua toca?

— E o rato do mar começa a contar-lhe suas viagens ao redor do mundo, deixando o pobre rato do esgoto tão invejoso e angustiado a ponto de querer largar tudo para aventurar-se no mar se a ratinha mole não o tivesse impedido? Ê assim que você está se sentindo, David?

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— Você tem um raciocínio rápido, Bethany.

— Mais tarde, o ratinho ressentiu-se da interferência da ratinha... Ouça, David, nunca vou querer ser um empecilho para você. Se está com vontade de viajar, não se prenda. Eu posso ficar aqui sozinha, sem problemas.

— Não era bem essa a minha idéia. Sabe, já faz dois anos que levo uma vida sedentária e me deu uma vontade louca de sair por aí, mas levando você comigo. — Aonde iremos? Tem alguma sugestão?

— Não sei onde você já esteve. . .

— Andei percorrendo a Europa, mas nunca passei pelos Pirineus. Que tal irmos dar uma olhadela na Espanha?

Partiram, dois dias mais tarde, rumo à Espanha, deixando Caí aos cuidados de Maria.

Era maio. As colinas verdejantes que circundavam a auto estrada estavam enfeitadas por florzinhas amarelas.

Pretendiam passar a noite no famoso Hotel e Restaurante Oustaude Baumanière, em les Baux, França. O guia turístico que levavam recomendava o hotel pela excelente comida, serviço impecável e lugar aprazível.

— Todavia o projeto fracassou, pois o hotel só dispunha de um quarto vago.

— Oh, que pena! E você, que tanto queria comer lá! Se estivesse sozinho, bem que poderia ter ido — disse Bethany, pesarosa.

Uma boa refeição tem que ser saboreada a dois. Não se aborreça. Na volta, quem sabe, arrumaremos lugar. Vamos ver o que o nosso guia turístico tem a oferecer como alternativa. Arles parece ser interessante.

David optou por um hotel chamado Mas de Ia Chapelle, a poucos quilômetros, ao norte da cidade. A grande piscina olímpica foi a primeira coisa que viram ao estacionarem o carro.

— Só espero que não esteja lotado — disse David, ao seguirem a seta que indicava a recepção.

Trilhando uma alameda que circundava o hotel, puderam ver a capela histórica que havia ali. Era uma construção bem mais imponente que os outros edifícios laterais, com um alto campanário, um portal entalhado, em forma de arco, e vitrais nas janelas de ogiva. Mas o que mais chamou a atenção de Bethany foi uma estátua da Virgem em granito erguida na esplanada fronteiriça à capela.

— Oh, vou rezar para que tenham acomodações — disse Bethany, já encantada com o lugar.

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Para alívio de ambos, a proprietária dispunha de dois quartos, ambos de casal, com vista para a alameda por onde tinham chegado. David foi para o térreo e Bethany ficou no primeiro andar.

Foram para a piscina e, mais tarde, David anunciou que ia dar uma caminhada. Não a convidou para acompanhá-lo. Numa das conversas que ele tivera com Francine, dissera que as pessoas criativas necessitam de momentos de solidão. Ou, quem sabe, por estar na França, ele sentia saudades da antiga companheira? Aquela decisão de viajar poderia ter sido motivada mais por uma insatisfação íntima do que pelo desejo de conhecer novos lugares.

Mas agora era tarde demais. Onde estaria Francine? Talvez mandasse um cartão de Natal com o novo endereço. Bethany duvidava muito. Ela era por demais altiva para tomar uma atitude dessas. E, por causa disso, nunca mais se veriam.

Quando ele voltou do passeio, uma hora mais tarde, Bethany já estava no quarto, retocando o esmalte das unhas, depois de ter tomado banho e lavado a cabeça. David se fez anunciar por um assobio, mas Bethany não pôde vê-lo por causa da marquise.

Pouco depois ele bateu à porta.

— Entre! Não está trancada!

Quando ele abriu, Bethany surpreendeu-se ao vê-lo com um ramo de flores silvestres na mão.

— Flores para outra flor! Não é original, mas é sincero — disse, rindo.

— Oh, David! Que lindas! Obrigada. — Ela foi logo pôr as flores na água, usando um dos copos do banheiro. — Adoro flores silvestres!

— Vim propor um aperitivo. Mais tarde, antes do jantar, tomaremos outro, na pérgola.

Ato contínuo, desceu para o térreo e foi buscar uma garrafa de Frecciarossa, um vinho branco que trouxera da Itália.

— Não sei se faço bem em encorajar uma garota tão jovem como você a tomar vinho todas as vezes que me dá vontade. Vou tentar maneirar um pouco enquanto estivermos na Espanha — disse ele, ao servi-la.

— Mas você só bebe às refeições! E, quanto a mim, não sou tão criancinha assim. Já estou com dezessete anos e meio. Bem... quase. Só daqui a oito meses atingirei a maioridade.

— E vai ser livre para fazer o que bem entender. Eu tive que esperar até os vinte e um. Não que meus pais fossem intransigentes. Era John quem desaprovava que eu me dedicasse à pintura.

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Bethany não estava nem um pouco disposta a desenterrar o passado. Preferia falar sobre o futuro.

— Onde estaremos amanhã à noite? Já na Espanha?

— Pode ser. Mas não muito longe da fronteira, se formos dar sugiro por Arles na parte da manhã. Sei que existem algumas ruínas romanas para serem visitadas e também o Museu Rèattu, onde estão expostas obras de Picasso e Gauguin. Van Gogh também viveu em Arles durante dois anos, mas me informaram que a casa onde viveu foi destruída durante a Segunda Guerra.

Bethany tomou mais um gole de vinho.

— É divertido viajar assim, não acha? Sem saber onde vamos estar no dia seguinte. . . com quem vamos nos encontrar. . . o que vamos ver.

— Sempre gostei de perambular a esmo — ele concordou. — Mas também é bom termos um lugar fixo para morar.

Quando terminaram de beber o vinho, David voltou para o quarto, deixando-a à vontade para arrumar-se para o jantar.

Bethany resolveu experimentar um penteado mais sofisticado, parecido com o que Francine usara para viajar a Paris. Usou também os brincos florentinos e um vestido novo, preto, estampado com rosas brancas, que, sem as alças, se transformava num tomara-que-caia apropriado para a noite.

Quando ficou pronta, foi encontrá-lo lá embaixo, sentado numa cadeira de armar, fazendo um croqui da estátua da Virgem. Só então Bethany notou a inscrição que havia no pedestal: "Je veille mes enfants", ou "Velo pelas minhas crianças".

Quando Bethany chegou, David levantou-se e depôs o bloco de desenho na cadeira.

— Não interrompa o seu trabalho — pediu ela. — Vou dar uma voltinha pelo jardim.

Uma coisa que evitava fazer era perturbar David, quando estava trabalhando.

Será que ele tinha notado a mudança no penteado? Teria gostado do vestido novo?

Quando retornou do breve passeio, ele já estava acomodado junto a uma mesinha esmaltada, com dois altos copos de limonada à frente.

— Pedi alguma coisa sem álcool porque no jantar vamos tomar mais um pouco de vinho e é bom não exagerar — disse ele. — Você está parecendo mais adulta, hoje. Gostei desse seu penteado.

— Obrigada.

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— Fico contente por não usar de artifícios para parecer mais velha. Com a pele privilegiada que tem, não precisa de mais maquilagem.

Em seguida, pegou o bloco de desenho e começou a rascunhar o perfil dela.

Quando terminou de tomar a limonada, Bethany viu que David acabara o croqui.

Estaria querendo lisonjeá-la?, pensou, quando ele lhe mostrou o desenho. Tinha consciência de que estava com uma aparência bem melhor do que de costume, mas aquele croqui a fazia parecer... bem, parecer linda! Teria realmente aquele pescoço tão bonito? Seus olhos eram assim tão grandes? Seus cabelos, tão brilhantes?

— Céus! Você me fez parecer tão charmosa!

— Só desenhei o que os meus olhos viram. Você está se transformando numa linda moça, Bethany. E, agora, que tal irmos jantar?

A sala de refeições do hotel ficava no interior da antiga capela, que havia sido reformada com muito bom gosto.

As mesas eram guarnecidas com toalhas cor-de-rosa, e as cadeiras, estofadas de veludo da mesma cor. Nas paredes viam-se tapeçarias em estilo medieval e a iluminação era feita por lampiões nos cantos e castiçais sobre as mesas.

Fora uma noite inesquecível. Quando entraram, estava tocando a Rapsóâie in Blue, de Gershwin, Durante o antepasto ouviram uma das canções de Charles Aznavour, She, apenas orquestrada. Bethany, de tanto ouvir o disco de Grace, tinha aprendido a letra de cor:

"Ela pode ser o rosto que não esqueço

Motivo de dor ou de prazer

Pode ser um tesouro, ou o preço

Que terei que pagar para viver.

Pode ser o amor que não perdura.

Mas viverá nas sombras da amargura

Que sentirei em mim até morrer".

Subitamente, Bethany recordou-se de Francine dizendo: "Nem sei se algum dia ele conseguirá amar alguém. Tenho a impressão de que aconteceu algo com ele, no passado, que o tornou incapacitado para o amor. Para ele, é impossível doar o coração simplesmente porque não tem um coração para doar".

— Seria verdade?

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Será que aquele homem tão atraente, tão talentoso, era incapaz de amar? Não podia acreditar. Ou melhor: recusava-se a acreditar. Sim, porque percebia, naquele momento, que tinha se apaixonado por ele.

Felizmente David estava entretido, quando Bethany se deu conta daquela perturbadora revelação.

Bethany rememorou toda a convivência com ele, descobrindo que há muito tempo o amava. Mas, naquela época, David pertencia a Francine, e ela, por um desses fenômenos da mente humana, se refugiara na fantasia, transferindo sua paixão para Lorenzo de Mediei.

— Acho que nunca comemos tão bem em lugar algum! — ele comentou, ao terminar sua porção de queijo.

— Estava ótimo, não é? Será que na Espanha a comida é tão boa assim? De pratos espanhóis só conheço um, a paella.

— Não deve ser comparável à cozinha francesa ou italiana, mas ouvi dizer que os espanhóis têm excelentes vinhos.

Foram tomar o café ao ar livre, admirando os contornos da capela refletidos na superfície rasa da água da piscina. A quietude seria total, não fosse o som da música vinda do salão de jantar.

— No passado, este lugar deve ter sido uma fazenda — disse David. — Ma, no dialeto do sul da França, quer dizer "casa de fazenda". Amanhã, na hora de pagar a conta, vou perguntar à proprietária.

Mas no dia seguinte, na afobação da partida, esqueceram de perguntar a história do lugar e da capela. A única coisa de que Bethany se lembrou foi colher uma das flores do jardim para guardar, como lembrança, entre as páginas de um livro. Mas não seria pela flor que ela nunca mais esqueceria de Mas de La Chapelle. . .

Depois de visitarem os lugares programados em Arles, cruzaram a fronteira da Espanha, na altura da Catalunha.

Ao cair da tarde hospedaram-se numa casa situada no topo de uma colina, chamada de La Casa de Los Angeles. O nome fora inspirado na coleção de anjos que os proprietários possuíam. Eram de granito os dos jardins, de terracota os do interior da casa, anjos dourados, dependurados nos tetos.

Aquela era uma casa confortável, tinha piscina e não ficava longe dos centros de compras.

À noite foram jantar num restaurante recomendado pela imobiliária que lhes alugara a casa. Não gostaram da comida.

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— Amanhã eu mesma vou cozinhar — disse Bethany, ao voltarem à Casa de los Angeles. — Quer que faça um cafezinho, David?

— Para mim, não. Estou empanturrado com tanta gordura. Por hoje não quero mais nada. Boa-noite. — E foi dormir.

Ao chegar a seu quarto, Bethany ficou meditando se a comida espanhola era a responsável pelo mau humor de David ou se ele estava assim indócil por outra razão desconhecida.

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CAPÍTULO V

Nas duas semanas seguintes, o estado de espírito de Bethany passara por altos e baixos. Quando David sorria e era amistoso, ela ficava eufórica. Se ele tornava-se sisudo e taciturno, ela caía em depressão.

Por algum tempo, ele se distraíra pintando vários ângulos dos bancales, plataformas de terra sobrepostas e reforçadas por muros de pedra, formando verdadeiros terraços nas vertentes das montanhas.

Ao cair da tarde, David dedicava-se a desenhar esboços de Bethany. Ele tinha intenção de pintar um grande quadro, quando voltassem para Portofino, e aqueles rabiscos serviam para escolher a posse mais adequada.

Às vezes iam tomar banho de mar na praia próxima à aldeia de Calpe, junto ao Pefíon de Ifach um penhasco que avançava sobre o mar.

De um modo geral, ela gostou da Espanha, apesar de preferir a Itália. A maior parte das críticas sempre partia de David, principalmente no que se referia à alimentação. E foi quase um alívio quando, após três semanas, ele sugeriu que voltassem para Villa Deiphini.

Bethany não atinava por que aquela viagem estava se tornando um pesadelo, e ficou com medo de que o motivo principal fosse a monotonia.

A viagem de volta foi feita num ferry-boat, que transportou o carro de Barcelona para Génova.

Ao pisar o solo italiano, David pareceu renascer.

Começou a pintar o retrato de Bethany, em guache. Mas não parou nisso. Durante todo o mês de junho fez vários outros retratos dela. Bethany passava horas e horas posando, sob aquela atmosfera impregnada de deliciosas fragrâncias, às vezes conversando, outras em silêncio.

David pintou-a em vários trajes e poses.

Certa manhã, voltando de Rapalio com uma grande cesta de pêssegos e cerejas que comprara no mercado, David anunciou inesperadamente:

— Esta tarde gostaria que posasse nua. Você se importa?

— Nem um pouco.

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Por que haveria de importar-se em posar nua se o que mais desejava na vida era fazer amor com ele?

Depois do almoço, David a fez deitar à beira da piscina, sobre uma toalha azul-turquesa, com um joelho erguido e a outra perna solta, o pé mergulhado na água. Não era uma posição fácil de ser mantida por muito tempo, e ele permitiu alguns descansos.

Num daqueles intervalos, ouviram a campainha.

— Eu vou atender — disse David. — É melhor que se vista. Antes de descer, ele tomou a precaução de cobrir o cavalete com um pano. Quando voltou, acompanhado de um rapaz italiano, ela já estava de biquíni. David apresentou o jovem como Giancarlo Salviati, filho do proprietário de uma das villas vizinhas.

— O pai dele é um industrial milanês — informou David quando a sós com ela —, e a família possuiu várias propriedades. Só de vez em quando vêm a Portofino, mas mandam um batalhão de empregados na frente, para arejar e limpar a casa. Como Giancarlo veio passar a temporada sozinho, deve estar se sentindo deslocado. No mínimo vai convidá-la para sair.

— Mas eu não tenho a mínima intenção de sair com ele!

— Também não precisa exagerar. Já está na hora de experimentar coisas novas. Dezessete anos e meio, nos dias de hoje, já é até um pouco tarde para o primeiro romance.

— Eu já tive o meu primeiro romance. David olhou-a, intrigado. Ora essa!

— Quando?

Ela inspirou fundo, antes de se atrever a dizer:

— Com você... no Mas de La Chapélle.

—Não deve considerar aquilo como um romance.

— Não sei por que não! Afinal, você me trouxe flores. Eu usei um vestido novo e prendi o cabelo. Jantamos a sós, à luz de velas, num lugar lindo. Ouvimos músicas suaves. Foi a noite mais maravilhosa e romântica que tive na vida!

— A primeira de muitas que virão a seguir, pode crer. Logo, logo, muitos admiradores vão querer levá-la a lugares bem mais excitantes do que Mas de La Chapelle.

— Cabe a mim julgar, não acha?

Ferida pela indiferença de David, ela voltou, amuada, para a beira da piscina, tirou o biquíni e reassumiu a pose.

Durante meia hora David continuou a pintar, em silêncio, e depois a dispensou.

— Pode se vestir. Por hoje, chega.

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Ele tirou o chapéu de palha que o protegia do sol, o short branco que cobria a sunga e atirou-se na piscina, espirrando água por todos os lados. Alguns respingos atingiram a pele aquecida de Bethany. Ela se levantou, tornou a se vestir e, enquanto ele nadava, foi olhar a tela pousada no cavalete,

Como sempre, ele a tinha retratado com tal generosidade que ela mal se reconheceu naquela figura esguia e glamourosa deitada na toalha azul.

Se ele a via daquela forma, não estaria enxergando com os olhos condescendentes do amor? Ou seria mera exaltação artística?

David estava nadando como um louco, de um lado a outro da piscina, quando ela entrou em casa para preparar uma limonada. Ao voltar, ele já guardara os apetrechos de pintura e sumira dentro do atelier. Só saiu de lá quando, peia segunda vez, tocaram a campainha, e Giancarlo apareceu para jantar.

Dali em diante, encorajado por David, o rapaz passava a maior parte do tempo em Villa Delphini. Antes do término da semana, no entanto, alguém mais tornou-se assíduo freqüentador da casa.

Natasha — ela dizia que seu sobrenome só podia ser pronunciado por seus compatriotas russos — chegou a Portofino como Francine havia chegado: no iate de um milionário. Ela nascera em Londres e, de russo, só possuía o sobrenome e os antepassados. Proclamava-se escultora e dizia estar a caminho de Florença quando se viu enredada pelas belezas de Portofino e resolveu passar uma temporada ali. Hospedou-se no Splendido e falava de hotéis cinco estrelas e de milionários como se fossem seu ambiente habitual.

Mas Giancarlo chegou à conclusão de que Natasha não passava de uma arrivista à cata de um novo protetor, pois se desentendera com o proprietário do iate.

— Ela deve ter bastante dinheiro para se sustentar, pelo menos por algum tempo, senão não iria insinuar-se com David — confidenciou ele a Bethany.

Ela precisava reconhecer que, com aqueles cabelos negros retintos e aqueles olhos azuis, quase transparentes, Natasha chamava a atenção. Mas não simpatizava com ela, e até estranhava, pois David parecia divertir-se com suas piadas irreverentes e grosseiras.

— Quando disse isso a Giancarlo, o rapaz se admirou.

— David bem que me disse que você era pura e inocente! Mas deve ser ingênua demais se não sabe por que ele a tolera: David está querendo dormir com ela. Só estranho é que ainda não o tenha feito. Natasha não tem nada de inocente, pelo contrário. Acho até que perdeu a conta dos homens com quem já dormiu. Sei que você considera David um ser sobrenatural, mas deve entender que, de vez em quando, precisa de uma mulher. Ou pensa que ele é um santo ou um monge?

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— Eu entendo muito bem. Quando vim para cá, da primeira vez, ele vivia com uma francesa. Mas ela era completamente diferente de Natasha. Francine era um amor de pessoa, e acho que Natasha é. . . é uma ordinária!

Aquela expressão não fazia parte do vocabulário de Bethany mas era a única que fazia justiça à mulher que, agora, estava reclinada numa das espreguiçadeiras da piscina, com um monoquíni preto e três voltas de uma corrente de ouro passadas pelo pescoço. O dengo com que ela espalhava o bronzeador pelos seios nus deixou Bethany envergonhada.

— Você tem razão — concordou Giancarlo. — é mesmo uma ordinária que só serve para... — Interrompeu-se de súbito. — Não conheço nenhuma palavra decente que exprima o que quero dizer.

Estavam conversando em italiano, que Bethany já falava fluentemente.

Naquele momento David estava entrando na cozinha, e deve ter ouvido, pelo menos, o final da conversa, pois fez uma cara zangada. Teria ficado furioso porque ouvira ela falar de Francine e Giancarlo? Ou porque chamara Natasha de ordinária? , Qualquer que fosse o motivo, ele logo se recompôs.

— Posso ser útil em alguma coisa? — ofereceu-se.

— Está tudo pronto. É só ajudar a levar as bandejas.

Já reunidos à mesa ao ar livre, perto da piscina, nada indicava, pela conversação superficial que estavam mantendo, uma explosão temperamental tão arrasadora quanto a que se seguiu. Nunca Bethany chegou a entender o que motivou aquela cena deprimente, pois estava falando com Giancarlo quando Natasha gritou;

— Seu nojento! Você não me tapeia, David!

Atônitos, Bethany e Giancarlo a encararam. Seu rosto estava lívido e contorcido pela cólera; a voz assumira um tom áspero e estridente.

— Pensei que fosse um cara normal — continuou ela, com ódio. — Já conheci gente degenerada, mas nunca como você! — Virou-se para o jovem italiano. — Pode ir tirando o seu cavalinho da chuva, Giancarlo. Você nunca vai conseguir nada com essa sujeitinha. Ela não está interessada em você, assim corno ele não quer nada comigo. O caso é entre eles dois. Não sei como os italianos chamam essa aberração, mas em inglês é chamada de...

— Cale essa boca, Natasha!

David não alterou a voz, mas seu tom era tão imperativo que por uns segundos ela silenciou. Antes que se recuperasse, David a fez levantar, puxando-a por um braço.

— Apanhe suas coisas. Vou levá-la de volta para o hotel.

— Não precisa se incomodar! Prefiro ir a pé!

Da Itália com Amor Anne Weale

Recolheu a sacola, a toalha, e começou a descer os degraus, muito prensa, em direção à saída.

Giancarlo olhou para Bethany e depois para David, sem jeito.

— Eu... eu também vou andando. Preciso escrever umas cartas. O almoço estava ótimo, Bethany. Obrigado. Vejo você mais tarde... talvez.

Deu um sorriso amarelo e sumiu de vista.

— Sinto muito pelo que aconteceu, Bethany — desculpou-se David. — Nunca deveria tê-la convidado. Foi um erro de minha parte... um dos muitos.

— É verdade, David? É verdade o que Natasha falou? Porque, de minha parte, é. Eu te amo.

Ele não a fitou; continuou com os olhos fixos na cestinha de frutas que havia sobre a mesa. Depois encheu um copo com água mineral e levou-o aos lábios. Sua mão tremia.

— O que você sente por mim não é amor. É uma afeição natural. . . é aquele tipo de carinho que as filhas costumam ter pelos pais.

— Não é isso, meu querido David. Eu te amo como uma mulher ama um homem. . . como Francine te amava. Faz tempo que descobri isso, mas não tinha certeza dos seus sentimentos por mim.

Os olhos azuis de David encheram-se de amargura, sofrimento e desespero.

— Pelo amor de Deus! Sou seu tio. . . irmão de seu pai! Nunca poderá haver nada entre nós!

— Por que não? Se nós nos amamos, o que importa isso? Nunca o considerei como um tio. Nunca. Nós nos conhecemos como dois estranhos, não como parentes. Poderíamos nos casar, se quiséssemos. Só não poderíamos ter filhos... se você quiser casar comigo, claro. Se quiser, viveremos juntos pelo resto da vida.

Será que captara bem o que aquele olhar dizia? Será que vira naquelas pupilas azuis o que tanto desejara ver?

Mas o rosto dele logo transfigurou-se, adquirindo uma expressão severa.

— Você está dizendo absurdos. Não quero ferir os seus sentimentos, Bethany. Sei que grande parte da culpa é minha, mas precisamos pôr um ponto final nisso. Além dos laços de sangue, existe o inconveniente de eu ser quase vinte anos mais velho. Quando você tiver trinta anos, eu já serei um homem de meia-idade. Quando tiver cinqüenta, serei um velho decrépito.

Em vez de desanimá-la, aquele raciocínio renovara-lhe a esperança.

— Mas você me ama, não ama? Pelo menos um pouquinho?

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— Gosto demais de você. Como artista, sinto-me cativado por seu rosto, sua graça, sua figura. Você vai se tornar uma mulher linda e, mesmo agora, possui uma doçura, uma meiguice que inspiraria qualquer pintor. Mas isso não tem nada a ver com o tipo de amor a que você se refere.

— Não acredito no que está dizendo, David. Acho que você está negando que me ama por causa daquilo que Natasha andou dizendo. Ela fez com que esse amor parecesse pervertido, incestuoso. Mas não é assim. Sórdido seria você ter feito amor com ela... pensando em mim.

A onda de rubor que subiu ao rosto bronzeado de David confirmou que ela acertara no alvo. Aquela mulher seria apenas uma válvula de escape.

— Oh, David! Nós poderíamos ser tão felizes! — Sentou-se junto dele. — Só conheci a verdadeira felicidade quando vim morar aqui, com você. Sinto-me realizada. . . bem, quase. Só falta você me beijar, me abraçar... me amar!

Emocionada, ergueu-se da cadeira e, inclinando a cabeça, deu-lhe um beijo na boca.

Por um instante ele não reagiu. Mas depois, sem poder resistir àquele apelo, puxou-a para o seu colo.

E deu-lhe um longo e apaixonado beijo. Bethany envolveu-o e apertou seu corpo de encontro ao dele, impelida pelo instinto e pelo temperamento ardente.

Pensou que ganhara a batalha, que nada mais havia para ser dito, e que ele não poderia mais viver sem ela.

Porém, subitamente, ele se libertou, empurrou-a para longe e levantou-se.

— Que Deus me perdoe! Eu devo ter enlouquecido!

Começou a andar de um lado para outro, abrindo e fechando os punhos convulsivamente, num gesto que evidenciava luta íntima.

Bethany acompanhou-o com o olhar até que, finalmente, ele voltou para perto dela.

— Não podemos continuar a viver sob mesmo teto. Isso é ponto passivo. Temos que parar imediatamente com essa loucura.

— Não acho que seja uma loucura. Você me ama, David. Acabou de provar isso.

— Tudo que provei foi que, por alguns instantes, eu te desejei. . . assim como desejaria qualquer mulher. Qualquer homem teria tido a mesma reação.

Bethany empalideceu.

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— Não desejo feri-la, mas você tem que convir que conheço a vida melhor do que uma adolescente. O que está sentindo agora não vai durar, é apenas uma empolgação amorosa. Todos nós, na juventude, passamos por isso. Daqui a cinco anos você vai olhar para trás e dar graças a Deus por ter se livrado do pior. E agora, o que vou fazer? Esse é que é o problema. Alguém vai precisar cuidar de você. — Não posso despachá-la assim, sem mais nem menos.

— Vai mesmo mandar-me embora?

— Não tenho alternativa. Permitir que fique, depois do que aconteceu hoje, seria imperdoável. Eu me propus ser seu tutor até a maioridade, e essa responsabilidade inclui defendê-la de tudo e de todos, inclusive de mim mesmo. Eu seria um canalha se me aproveitasse de você.

Dois dias depois Bethany desembarcava no aeroporto de Londres e era recebida por uma amiga de David, que a hospedaria por uns tempos, até que arrumasse emprego e acomodação.

Bethany sentira-se expulsa do paraíso e jogada nas profundezas do inferno. O pior era saber que David nunca voltaria atrás.

Um ano mais tarde, quando Grace Suffolk voltou dos Estados Unidos, encontrou Bethany morando num pensionato e trabalhando numa floricultura em Chelsea.

Os pais de Grace tinham deixado a filha em boa situação financeira. Ela ainda possuía o apartamento com vista para o Tamisa, que ficara alugado durante sua ausência. Mas, para evitar tristes recordações, preferiu comprar outro, menor, e persuadiu Bethany a ir morar com ela.

O trauma de ter perdido os pais tão tragicamente não parecia ter afetado muito a exuberante personalidade de Grace.

— Não se pode ficar chorando sobre o leite derramado para sempre — dizia ela.

Bethany não lhe contou o que acontecera em Portofino. Para justificar sua volta, disse apenas que David tinha fechado a casa para passar um ano viajando pela índia e Extremo Oriente.

Nem com a amiga podia desabafar sua desilusão. Às vezes, pensava que até teria sido melhor que David tivesse morrido. Seria mais difícil esquecê-lo sabendo que continuava vivo. Ainda mais, que se convencera de que ele também a amava.

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Depois que foi morar com Grace, Bethany começou a participar da vida social da amiga. E sua tristeza, em vez de enfeiá-la, parecia torná-la mais bela e sedutora. Nenhuma moça com aqueles olhos enormes e melancólicos poderia passar despercebida por muito tempo. Pouco a pouco, ela começou a aceitar convites para ir ao teatro ou a concertos, apesar de manter os homens a distância. Essa atitude desencorajava seus admiradores. Grace fazia de tudo para tirá-la daquele marasmo, apresentando-lhe homens interessantes. Achava estranho que Bethany não se empolgasse por nenhum deles.

O único homem que pareceu entusiasmá-la um pouco entrou em sua vida de repente. Bethany estava nos fundos da loja quando ouviu o som do sininho que badalava quando a porta era aberta. Foi atender e viu um homem alto, bem vestido, que examinava um dos arranjos de flores exposto nas prateleiras. Tinha os cabelos negros e a pele morena. Por um instante ela pensou que fosse um árabe em trajes ocidentais.

— Às suas ordens! — cumprimentou, atenciosa, começando a sorrir.

O homem virou-se e o sorriso de Bethany desapareceu.

Ele possuía nariz aquilino, olhos escuros, quase pretos, tez morena, mas não era árabe. Seu tipo era italiano, e sua fisionomia não lhe era estranha.

A boca sensual mostrava um meio sorriso, e os olhos tinham um brilho estranho como se alguma coisa o divertisse. Sem dar-se conta, ela começou a falar em italiano:

— Buon giorno, signore. Posso aiutarlo?

Os profundos olhos escuros examinaram de alto a baixo a esbelta figura de Bethany, que vestia um traje de crepe preto com gola de organdi branco. Era um olhar bem à italiana: atrevido.

— Bom-dia. Vim buscar umas flores de seda que minha mãe encomendou no começo do mês.

O inglês dele era impecável, sem o mínimo sotaque.

— Estão em nome de quem?

— Dorset. . . Castelo Cranmer.

— Oh, sim. Estou lembrada.

Fora Bethany quem atendera aquela senhora que viera encomendar flores artificiais, trazendo uma amostra da cor. Também trouxera dois vasos de cristal, em forma de cornucópia, para a confecção do arranjo. Pareceu-lhe uma pessoa acessível e cordial. Só quando anotou o pedido, com nome e endereço, é que descobriu tratar-se da duquesa de Dorset, cujo castelo, em Cranmer, era considerado um dos mais belos do sul da Inglaterra,

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Naquela mesma noite, ao voltar ao apartamento, mencionara a visita da duquesa a Grace, que a advertiu:

— Pode ser que ela seja uma criatura maravilhosa, mas um de seus filhos é um pilantra. Teve um caso com a amiga de uma amiga. Depois que se divertiu bastante, ele lhe deu o maior fora e logo partiu para outra. Se a mãe ficar freguesa da loja e ele começar a aparecer por lá, cuide-se!

Então aquele homem alto, moreno e atraente não podia ser levado a sério. Era um mulherengo de marca maior?

Pensando naquilo, Bethany tornou-se muito séria e circunspecta ao atendê-lo, apesar de seu indiscutível charme.

A única indiscrição que ele cometeu, depois daquele primeiro olhar, foi observá-la enquanto embrulhava a encomenda. Depois que pagou, com um cheque especia l onde constava ser ele lorde Robert Rathbone, ela agradeceu:

— Obrigada. Por favor, diga a sua Excelência que, se o arranjo não for de seu agrado, teremos o maior prazer em refazê-lo.

— Direi. Mas tenho certeza de que ela vai ficar encantada com as flores. Mamãe sabe seu nome? Castle.

— Srta. Castle?

— Sim.

— Obrigado, senhorita. Adeus.

Mais tarde, ao folhear uma revista, Bethany viu umas fotos dele em trajes de pólo. Era a reportagem de um campeonato patrocinado pelo príncipe de Gales. Numa das fotografias, o príncipe lhe entregava uma taça de prata.

Ao analisar melhor as fotos, lembrou-se com quem ele se parecia: Lorenzo de Mediei.

Durante um mês nem pensou em lorde Robert, até que; ao verificar o livro de pedidos, notou que havia mais uma encomenda da duquesa.

Na primeira oportunidade, comentou com a proprietária da loja.

— Parece que a duquesa de Dorset gostou daqueles arranjos.

— É, e agora encomendou um como presente para uma amiga. Só espero que consigamos novos clientes através dela, que é conhecida pelo requintado bom gosto. E, se começar a falar sobre o nosso trabalho, será uma ótima propaganda para a loja. A propósito, ela me congratulou por ter uma auxiliar tão eficiente e simpática como você.

— Gentileza dela.

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—- Você é realmente de grande valia para mim. A classe de clientes que atendemos aprecia ser servido por gente bem-educada.

Tagarelaram mais um pouco, mencionando de passagem o filho da duquesa, e logo Bethany tornou a esquecê-lo.

Mas, se soubesse o que levara a duquesa a fazer o segundo pedido e algumas perguntas discretas à sra. Hastings sobre a jovem gerente, Bethany teria caído de costas.

Na verdade, quando lorde Robert voltou para casa com os arranjos, elogiou a moça que o atendera e, como a mãe queria vê-lo livre da vida que levava, sabia que podia contar com ele para rever Bethany. Afinal, a altivez e a beleza da moça da floricultura o tinham afetado profundamente.

Por isso, quando uma das ex-colegas de classe de Bethany apareceu na loja a fim de convidá-la para uma reunião informal, ela nem de longe sonhava que aquilo era coisa combinada.

A anfitriã, Sra. Fitzhoward, morava a poucos quarteirões do apartamento de Grace e, como a noite estivesse fresca e estrelada, Bethany resolveu ir a pé. Lá, uma empregada ajudou-a a tirar o casaco, e a própria Sra. Fitzhoward veio recebê-la.

— Srta. Castle! Como está bonita nesse vestido cor-de-violeta! Não estava muito frio lá fora? Venha, venha tomar um vinho quente.

E apresentou-a a vários convidados, mas houve um que não esperou que a anfitriã fizesse as apresentações: aproximou-se logo.

— A srta. Castle e eu já nos conhecemos. Mas, talvez, ela não se lembre de mim. Sou Robert Rathbone, srta. Castle.

Quando ela estendeu a mão para cumprimentá-lo, ele beijou-lhe levemente os dedos. O gesto foi executado com a naturalidade de quem está habituado com aquela demonstração de cavalheirismo.

Mesmo sem ter nenhuma intenção de sucumbir aos encantos dele, Bethany não pôde evitar de sentir-se lisonjeada com a homenagem.

— Pois eu me lembro do senhor, lorde Robert.

— Sempre alimentei a esperança de tornar a vê-la.

— Verdade? E por quê?

— Porque eu queria muito lhe falar e sabia que, mesmo que voltasse à loja, você nunca iria aceitar um convite meu para almoçar. Mas, agora, nós nos encontramos em circunstâncias que nos permitem conversar à vontade.

Seu sorriso cativante derrubava qualquer resistência. Além disso, onde ele teria adquirido aquele bronzeado tão sedutor?

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Bethany tomou um gole de vinho quente, olhando para as pessoas que estavam no amplo salão. Era uma atitude que sempre condenara, como falta de educação. Por mais que uma conversa fosse aborrecida, a pessoa tinha obrigação de prestar atenção ao interlocutor. Mas aquele era um caso especial: Bethany estava a fim de livrar-se de Robert.

— E sobre o que quer falar? — perguntou, displicente.

— Sobre. . . sobre onde aprendeu a falar tão bem o italiano.

— É que morei na Itália por uns tempos, depois que terminei o curso.

— E o que a fez pensar que o italiano era o meu idioma?

— É que você tem tipo italiano.

— Na verdade, tenho sangue italiano. Minha bisavó era filha de imigrantes que se fixaram nos Estados Unidos e acabaram milionários. Mas isso não interessa. O que importa é estar com você.

— Já tinha ouvido falar que você era um grande namorador, e agora vejo que os boatos têm fundamento!

— Não é preciso ser namorador para reconhecer a sua beleza. Basta não ser cego. Minha mãe tem a mesma opinião. Ela a acha linda, com olhos brilhantes e expressivos, mas tristonhos. A primeira impressão que tive foi de que o seu olhar parece sempre estar dizendo: "mantenha distância". Você costuma prejulgar as pessoas? Já tomou a decisão de não gostar de mim baseada nos boatos que andou ouvindo por aí?

— Onde há fumaça, há fogo. Mas existe pelo menos um fato que me faz supor que não temos nada em comum.

— Que fato?

— Você adora pólo.

— Sim, adoro. Mas nunca vi alguém considerar isso um defeito.

— Pois eu abomino tudo que se refere a cavalos.

— E quais são as suas preferências?

—- Poesia. . . artes plásticas e. . . culinária.

Seria muito difícil ele gostar de uma dessas coisas. Por isso, foi com espanto que ela o ouviu retrucar com uma citação literária, em italiano:

— Quant' e belia giovinezza, che ti fugge tuttavia! Chi vuole ser lieto, sia: di doman non c's certezzaf — E acrescentou: — Não sei quem escreveu isso. Talvez seja você a autora.

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Era uma incrível coincidência, um fato realmente extraordinário, aquele homem estar repetindo palavras enunciadas pelo herói predileto de Bethany.

— Foi escrito por Lorenzo de Medici. Onde aprendeu isso?

— Com minha bisavó. Ela já devia estar caducando quando a conheci. Repetia essa frase tão amiúde que acabei decorando. Mais tarde, quando soube o que significava, achei bonito e verdadeira. — E repetiu: — Que bela é a juventude que, todavia, nos foge. Quem quiser ser feliz que o seja logo, pois o amanhã é incerto. De fato, ninguém pode saber o que nos espera no dia de amanhã.

E, olhando-a maliciosamente, prosseguiu: — Acho que consegui confundi-la, srta. Castle. Se me julgou um avoado, um conquistador barato, enganou-se. Tive o privilégio de ser criado num ambiente culto, cercado de obras de arte. Portanto, se uma das suas predileções é arte, estou às suas ordens para discutir sobre pintura, escultura, música, o que quiser. Quanto à culinária, não sou um chef de cuisine, mas tenho um paladar bastante requintado para poder apreciar uma receita feita por você.

Bethany estava abismada. Ele tinha a mesma facilidade de lidar com as coisas que David tinha. . . Ao lembrar-se dele, foi assaltada por uma onda de nostalgia e saudade do tempo em que vivera em Villa Delphini e de um homem que amara tão imensamente.

Muito constrangida, sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas. Robert notou.

— O que foi que eu disse que a afetou tanto?

— Nada. . . nada.

— Talvez minha mãe tenha razão: você é uma moça triste. Desculpe se a aborreci. Foi sem querer.

— Não precisa desculpar-se. Não foi mesmo nada. Vamos falar um pouco sobre artes? — apressou-se em sugerir, para mudar de assunto. — Você prefere pintura a óleo ou aquarelas?

— Prefiro aquarelas. . .

Durante mais de meia hora conversaram sobre quadros célebres, estilos, museus, vernissage e galerias de arte.

Quando Robert não tentava flertar, e limitava-se a falar de assuntos sérios, até que era uma boa companhia. No final da festa, ela não fez objeções quando ele se ofereceu para levá-la para casa.

— Que tal a festa? — perguntou Grace, desligando a televisão quando ela entrou no apartamento.

— Boa.

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— Ouvi quando você chegou. Quem a trouxe?

Robert Rathbone. — A amiga arregalou os olhos, mas Bethany antecipou-se, antes que ela fizesse algum comentário: — O diabo não é tão feio quanto o pintam.

— Pretende tornar a vê-lo?

— Acho que não. — Na verdade, Bethany ficara decepcionada por ele não ter proposto um novo encontro. — Creio que ele gostou de conversar comigo durante a festa, mas percebeu que eu não estava disposta a ser mais um dos seus inúmeros casos — completou, num tom brincalhão.

Mas, se os pensamentos de lorde Robert pudessem ser lidos no momento em que ele voltava para casa, tanto Bethany quanto a duquesa teriam uma noite de insônia.

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CAPITULO VI

Quando Bethany havia ido trabalhar, no dia seguinte, passou-lhe pela cabeça que talvez Robert aparecesse na loja para convidá-la a almoçar. Mas ele não apareceu, e ela não chegou a ficar desapontada.

Nos três dias que se seguiram Bethany surpreendeu-se várias vezes pensando na festa da Sra. Fitzhoward. Sempre que o telefone tocava, tinha a vã esperança de ouvir aquela voz profunda e pausada que falara de arte com clareza e sabedoria.

No quarto dia, quando foi atender ao telefone da loja, uma voz feminina perguntou:

— Posso falar com a srta. Castle?

— É ela.

— Aqui é a secretária da duquesa de Dorset. Ela deseja falar-lhe por um instante. Mas é assunto particular. Se preferir, poderemos ligar mais tarde para a sua casa. Só que não encontrei o seu nome na lista telefônica.

— É que o telefone não está no meu nome. Mas posso falar com a duquesa agora.

— Então um momento, por favor.

Depois de uma breve pausa, ouviu a voz da duquesa:

— Boa-tarde, srta. Como vai? Meu filho Robert contou que a senhorita é grande apreciadora de aquarelas. Imaginei que gostaria de conhecer a nossa pinacoteca. Se não tiver compromisso, aceitaria passar o fim de semana conosco, no castelo Cranmer?

— Eu. . . eu ficaria encantada! — respondeu, gaguejando de espanto. — Quanta... quanta gentileza de sua parte!

— Ora, deixe disso. Meu marido vai ter que pernoitar em Londres na sexta-feira e poderá ir buscá-la no sábado pela manhã. E como eu tenho dentista marcado para segunda-feira, poderei levá-la de volta. Vai ser um fim de semana em família. Não precisa se preocupar com roupas e coisas do gênero. Só aconselho a trazer agasalhos e sapatos confortáveis para andar bastante, pois tenho certeza de que Robert vai convidá-la para longas caminhadas. Ele é um verdadeiro andarilho. Eu não sou, e talvez nem você seja.

— Pois eu sou.

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— Ótimo. Já tenho o seu endereço. Poderia dar-me o telefone, caso surja algum imprevisto?

Bethany ditou-lhe o número, e a duquesa encerrou o diálogo confirmando:

— Então, estamos combinadas. Meu marido irá apanhá-la às dez e meia. Tente estar pronta. Nós nos veremos no sábado. Até lá!

Quando Grace soube do convite, exclamou:

— Minha Nossa Senhora! Quem sabe ele se apaixonou por você, e desta vez, para variar, tenha boas intenções!

Bethany riu.

— Tudo isso parece tão inacreditável! É como se um disco voador tivesse pousado no telhado!

Porém, de uma coisa ela estava certa: Robert não iria tentar seduzi-la debaixo do nariz dos pais. E assim poderia gozar das belezas daquele castelo famoso sem ter que se preocupar com Robert.

Às dez e vinte do sábado, Bethany já estava prontinha, aguardando na calçada do prédio a chegada do duque.

Às dez e vinte e cinco, avistou um Rolls-Royce que vinha em sua direção. Sabendo que Grace estava olhando da janela do apartamento, acenou para ela e esperou que o carro estacionasse junto ao meio-fio.

O motorista desceu, pegou a maleta de Bethany e foi abrir a porta traseira para que ela entrasse.

— Bom-dia, srta. Castle! — cumprimentou o duque. — Parabéns por já estar pronta. A pontualidade é uma virtude dos reis, conforme as palavras de Luís VIII. Mas, em geral, não é muito respeitada pelas mulheres. . .

— Bom-dia — respondeu ela, com um sorriso, apertando-lhe a mão.

O duque não era nada parecido com o filho, a não ser na altura...Tinha cabelos e bigodes grisalhos e olhos acinzentados.

Bethany acomodou-se a seu lado e por uns dez minutos conversaram sobre generalidades. Por fim o duque propôs:

— Bem, não vamos ficar tagarelando por toda uma hora de viagem. Sugiro que dê uma olhada nos livros que minha esposa encomendou, enquanto eu dou uma lida no Times.

Bethany escolheu uma biografia que há tempos estava desejando ler, e não tirou os olhos do livro até que o duque anunciou:

— Já chegamos!

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O castelo Cranmer ficava no centro de uma ilhota, num grande lago circundado por bosques e parques. Fora usado como casa de campo e os bosques, como reserva de caça, por Henrique VIII. Mais tarde, foi doado pela rainha Elizabeth I a Piers Rathbone. Desde aquele tempo sempre fora habitado pelos sucessores da família. Muitos guias turísticos exibiam fotos do castelo, como um exemplo pitoresco de uma bem conservada edificação medieval.

Bethany se informara desses pormenores no dia anterior. Ainda no carro, depois de fechar cuidadosamente o livro, ficou apreciando aquelas muralhas altas que existiam há mais de quinhentos anos.

O Rolls-Royce entrou na estreita ponte que atravessava o lago e, em seguida, passou sob as arcadas centenárias do portão, chegando a um imenso pátio calçado de pedras.

A duquesa já estava à espera deles, e Bethany estranhou que Robert não estivesse junto.

Ao descerem, a primeira coisa que o duque fez foi beijar a esposa com evidente afeição.

A srta. Castle entreteve-se com um dos seus livros durante a viagem, querida. Certamente vai querer terminá-lo antes de voltar para Londres.

— Qual deles a interessou? — perguntou a duquesa ao apertar a mão de Bethany. — Vou pedir ao mordomo que o leve para o seu quarto. Agora, venha conhecer James, meu filho mais velho. Robert não está. Passou a semana toda fora, mas é esperado hoje à tarde. Devo preveni-la de que James está confinado a uma cadeira de rodas. Foi acometido por uma doença que não tem cura. Ele suporta isso com grande coragem e, felizmente, sua riqueza intelectual compensa a deficiência física.

Quando elas entraram no quarto, James, o visconde de Hartigan, estava sentado junto à janela, apreciando a vista e ouvindo uma música erudita que Bethany não reconheceu.

Ao vê-las, ele girou a cadeira de rodas e foi desligar o aparelho de som.

Era um belo homem, mas diferente do irmão, percebia-se que fora forte e elegante. Seu sorriso era alegre.

— Desculpe se não me levanto, srta. Castle. Ou posso chamá-la pelo encantador nome de batismo?

— Claro que pode, por favor.

Ele só poderia ter tido conhecimento de seu primeiro nome através do irmão. O que Robert teria comentado?

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Quando ele chegou, às três da tarde, Bethany já se instalara no lindo quarto verde e branco situado num dos torreões, almoçara regiamente e já começara a sentir-se à vontade com os outros membros da família, principalmente com a duquesa,

Ela estava mostrando a Bethany a coleção de porcelanas antigas quando Robert apareceu. Beijou a mãe e entregou-lhe um pacotinho.

— Uma lembrança de Paris, mamãe.

— Alô, Bethany! Que bom tornar a vê-la! Como já lhe devem ter contado, passei a semana toda do outro lado do Canal da Mancha, e precisei contar com os préstimos de meus país para usufruir da sua agradável companhia. Estou feliz que tenha aceitado o nosso convite.

Ao falar, entregara-lhe também um pacotinho, confeccionado com o mesmo papel dourado. A duquesa estava abrindo o dela, que continha um par de luvas finíssimas, de suéde. — Obrigada, querido. Gostei demais. Foi uma boa lembrança. Bethany não tinha muita certeza se deveria aceitar um presente de Robert, e ficou aliviada quando verificou tratar-se de um simples lenço de algodão estampado, para usar ao pescoço.

— Muito obrigada.

— Espero que goste do vermelho.

— Vou pedir para que você acompanhe Bethany num giro turístico pelo castelo, Robert — disse a duquesa. — Já foi ver seu irmão?

— Já, passei por lá agora mesmo. Pareceu-me abatido! Ele não passou bem esta semana?

— Parece que não, mas ele não dá o braço a torcer. Então nos veremos à hora do chá, às quatro e meia. Não se atrasem.

A duquesa afastou-se e Robert acompanhou-a com o olhar. Bethany nunca o vira com aquela expressão tão séria e compenetrada. Com toda a má fama, pelo menos uma qualidade ele devia ter: era bom filho e um irmão afetuoso.

— O que o levou a Paris?

— Não fui propriamente a Paris. Só passei por lá. Estive na zona rural, fora da cidade. Na França, possuímos uma fazenda de criação de gado onde estamos fazendo experiências com cruzamentos de raças por meio de inseminação artificial. Mas, como você já disse que não gosta de eqüinos, não quero aborrecê-la também com bovinos e ovinos.

— Gosto de ovelhas. São animais dóceis e pacientes.

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— Sem qualquer associação de idéias, quer saber o que meu pai disse de você há pouco? O seguinte: "Uma moça muito dócil e agradável. Pernas bonitas... Pontual... e gosta de leitura". Você foi aprovada de saída, o que nunca aconteceu antes em relação às minhas amiguinhas.

Ao falar, esticou um olhar para as pernas bem torneadas de Bethany.

— Ele tem razão quanto às pernas! Aliás, eu já as tinha notado, da primeira vez que a vi. E não há nada mais erótico que pernas com meias pretas de náilon!

Bethany teve o pressentimento de que ele ia beijá-la ali mesmo. Estavam numa ala raramente usada no castelo que só era aberta quando os Dorset recebiam ministros de Estado ou a alta nobreza.

Naquele salão vazio, a virilidade emanada por Robert tomava proporções assustadoras. Instintivamente Bethany deu um passo atrás e falou, num tom gélido:

— Sinto-me lisonjeada por ter sido aprovada por seu pai, mas devo preveni-lo de que não sou, nem pretendo ser, uma dessas suas "amiguinhas", no sentido que você dá à palavra. Talvez uma amiga no bom sentido. Nada mais.

— Por que não? Se aceitou o convite de mamãe é porque não deve ter um caso amoroso em andamento. . .

— Não tenho caso algum, nem pretendo ter. Muito menos com alguém a quem conheço tão pouco — respondeu ela, com firmeza. — Se pediu à sua mãe que me convidasse só porque queria ter um romance comigo, sinto muito desapontá-lo. Aceitei porque tinha vontade de conhecer o castelo e todas as belas obras de arte que o tornaram tão famoso. Se quer saber, fiquei até admirada quando sua mãe me convidou, mas não tão deslumbrada a ponto de querer ter... ter um caso com você.

— Não me recordo de ter sugerido tal coisa. Apenas admirei as suas belas pernas, e não me consta que tecer um elogio seja equivalente a fazer uma proposta.

Bethany sentiu que enrubescia diante daquele sarcasmo.

— Só estou tentando deixar tudo bem claro desde já... para... para evitar futuros mal-entendidos.

— Mensagem recebida e compreendida — disse ele, e olhou para o relógio de pulso.

— Vamos deixar o restante da visita para mais tarde. Sá é hora do chá.

A última vez que Bethany tomara chá à inglesa, servido formalmente em aparelho de prata, fora quando David aparecera em Black-mead e a carregara num "tapete mágico" para seu mundo colorido de Portofino.

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Essa recordação tornou Bethany taciturna durante todo o tempo em que a família esteve reunida, tomando chá e conversando sobre os tempos idos.

Bethany percebeu que James não comeu quase nada. Só agora notava que seu aspecto era o de um homem gravemente doente.

"Que bela é a juventude que, todavia, nos foge. Quem quiser ser feliz que o seja logo, pois o amanhã é incerto."

As palavras de Lorenzo de Medici voltaram-lhe à memória. Ele também tivera um desgosto com o irmão, Giuliano. Testemunhara o assassinato dele por um dos membros da família Pazzi, rival dos Mediei. O próprio Lorenzo escapara por um triz. Na ocasião, Giuliano tinha apenas vinte e cinco anos.

Quem sabe a invalidez e a progressiva decadência física de James tivessem influenciado Robert a querer viver intensamente enquanto ainda era jovem e saudável.

Mas, no caso dele, não seria mais compensador um casamento estável do que uma sucessão de aventuras amorosas?

— Tudo bem com você, Bethany?

A voz profunda e sonora de Robert a assustou.

— Oh, desculpe! Eu estava no mundo da lua!

— E o que havia de bom na lua?

— Pouca coisa. Era quarto-minguante,.. Naquela noite, antes do jantar, Robert mostrara-lhe o grande salão onde estavam expostos os retratos a óleo dos ancestrais da família. Havia telas assinadas por Kneller, Van Dyck, Reynolds, Gainsbo-rough e Zoffany. Mas o que mais lhe despertou a atenção foi o re-trato da bisavó norte-americana de Robert, pintado por John Singer Sargent. Ao ser retratada, a duquesa trajava um vestido de veludo escarlate, que lhe realçava ainda mais a beleza tipicamente italiana. O magnetismo que emanava era quase palpável.

Além daquele imenso salão, onde eram servidos os banquetes, o castelo possuía mais uma grande sala, também destinada a jantares formais. Mas, naquela noite, eles jantaram numa saleta redonda, à qual chamavam de parlatório, situada numa das torres.

Era ali que estavam dependurados os quadros adquiridos pelo atual duque e sua família, e as paredes eram praticamente cobertas de pinturas.

Quando a duquesa indicou a Bethany o lugar onde deveria sentar-se, e Robert foi puxar-lhe a cadeira para que se acomodasse, ela ficou parada, imóvel, olhando para um dos quadros à sua frente.

Nunca o vira antes, mas aquele estilo era-lhe dolorosamente familiar.

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— Oh... não é um Warren? — perguntou.

— Sim. Fui eu quem o comprou, em Nova York — respondeu Robert. — Você deve conhecer bem a obra de Warren para saber, de um só relance, que é um trabalho dele!

— Conheço muito. Warren é meu tio.

— Irmãos de sua mãe? — perguntou James, sentado ao lado dela.

— Não. É irmão de meu pai. Warren é um dos sobrenomes dele.

— Eu sabia que ele era inglês, mas me disseram que não mora na Inglaterra.

— Ele vive na Itália.

— Então você ficou com a família dele quando passou aquela temporada na Itália?

— Fiquei.

Ela achou desnecessário explicar que David não tinha família. Se aquele quadro não lhe tivesse chamado a atenção, teria preferido não mencionar seu parentesco com ele.

Inevitavelmente, aquela coincidência despertou o interesse dos demais, e ela foi metralhada por várias perguntas a respeito de David, até que, para seu alívio, Robert tomou a iniciativa de mudar de assunto.

Depois do jantar, o duque pediu desculpas e foi dormir. James foi levado para seus aposentos por um empregado que cuidava só dele.

Antes que o casal se retirasse, Bethany apressou-se em despedisse de Robert, desejando-lhe uma boa noite.

Um brilho malicioso iluminou-lhe os olhos escuros.

— E eu que contava com você para jogar baralho!

— Sinto muito, mas não costumo dormir tarde. Além disso, levantei muito cedo hoje, para deixar o apartamento arrumado antes de viajar.

— Nesse caso, não quero ser egoísta, privando-a de um merecido descanso. Por coincidência, também sou madrugador. Quando amanhecer já estarei fazendo o meu cooper diário ao redor do lago. Mas também adoro a noite. O sono é o prenúncio da morte, e para se viver a vida é preciso ficar acordado o maior tempo possível. Boa noite, Bethany.

Na verdade, ela não estava com um pingo de sono. Só queria continuar a leitura da biografia.

Estava na cama, lendo há uns quarenta minutos, quando ouviu uma batida na porta.

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Não acreditava em assombrações, mas aquele castelo antigo a assustava um pouco. Bethany olhou apreensiva para a porta. Quem seria àquela hora da noite?

— Entre — ordenou, incerta de quem iria aparecer.

Foi Robert quem abriu a porta, ainda vestindo o paletó de tweed e trazendo uma caneca de prata na mão.

— Da janela do meu quarto vi a luz acesa, e presumindo que você estivesse acordada trouxe-lhe uma bebida — disse ele, fechando a porta e aproximando-se da cama.

Bethany tinha prendido seus longos cabelos num rabo de cavalo, frouxo, para evitar que embaraçassem, e vestia uma camisola que era uma versão modernizada dos modelos tipo "vovó", de gola alta e mangas compridas, franzidas.

Robert colocou a caneca na mesinha de cabeceira e depois, com um sorriso irônico, tocou o rabo-de-cavalo, a gola, a manga franzida e o livro entreaberto sobre a cama.

— Você está parecendo uma virtuosa virgem da época vitoriana! Mas desconfio que entre suas virtudes não está incluída a sinceridade. Você veio cedo para a cama porque queria ler e não porque estivesse com sono,

— Bem. . . em parte, sim.

A outra parte é que você ficou apreensiva por ter que ficar sozinha comigo. Acertei?

— Quando você disse: "Mensagem recebida e compreendida", tomei aquilo como uma garantia. Portanto, não vejo razão para ficar apreensiva.

— Já que é assim, posso me sentar um pouco?

Tomando o silêncio dela como um consentimento, ele sentou-se na beirada da cama, mas bem afastado.

— O que é isto? — perguntou ela, pegando a caneca de prata.

— É um chá de ervas que minha mãe toma quando não consegue dormir. E eu juntei um pouco de brandy.

— É estranho como a história se repetia.

Naquela mesma tarde, o chá, servido num aparelho de prata, lembrara-lhe a cena vivida ao lado de David. E, agora, estava sentada na cama, tomando uma bebida, tal como ocorrera quando David a visitara, alta noite, em seu quarto do sótão.

— Gostaria de fazer uma pergunta um tanto indiscreta — disse Robert.

Bethany ficou em silêncio, olhando para ele por cima da borda da caneca.

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— Durante o jantar, tornou-se claro, pelo menos para mim, que você não estava gostando de falar sobre a Itália. Também naquela festa, na casa da Sra. Fitzhoward, quando citei um poeta italiano, você ficou perturbada. E hoje à tarde, disse-me que não tem intenção de se envolver com homem algum. Isso tudo me faz concluir que teve um caso de amor com um italiano que acabou não dando certo, e de cuja desilusão ainda não se recuperou. Essas deduções são carretas?

Por um instante, terrivelmente embaraçoso, Bethany pensou que Robert tivesse adivinhado toda a verdade. Mas ele se referira a "um italiano", o que não era o caso de David.

— É verdade. Eu me apaixonei por alguém, na Itália.

— Logo imaginei. — Evidentemente, ele não pretendia esticar aquele assunto, pois pegou o livro e comentou: — Deve ser interessante.

— Oh, é excelente! Conta fatos históricos, mas num estilo leve, romanceado.

— Vou lê-lo na primeira oportunidade. Mas não deixe que a leitura a absorva até a madrugada, pois, se não chover, poderíamos dar uma caminhada logo depois do café da manhã.

Levantam-se e foi andando para a porta.

— Gostaria muito — disse ela. — Ah, e obrigada por isso. — É apontou para a caneca de chá.

Já com a mão na maçaneta, Robert retrucou:

— "Isso", como você chama, foi um mero pretexto para vir até aqui. Boa-noite!

Robert comportou-se muito bem dali em diante. Um mês depois, durante o qual Bethany o viu por várias vezes, recebera novo convite para ir ao castelo, e levara Grace. A duquesa soubera, por intermédio de Robert, que ela era órfã e achou que poderia sentir-se muito solitária no apartamento.

Mas, àquela altura, Grace tinha arrumado um novo namorado e parecia animadíssima - Apesar de ter curiosidade em conhecer o castelo, preferiu passar o fim de semana com seu novo amor.

Grace não era mais virgem desde que vivera nos Estados Unidos, e Bethany suspeitava de que ela não dormia sozinha no apartamento durante suas ausências. Possivelmente, até se arrependera de ter insistido para que morassem juntas, pois a presença de Bethany tirava-lhe a liberdade.

Sendo uma mulher liberada, Grace começou a trabalhar para que Bethany fizesse sua iniciação sexual com Robert.

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— Sei que no começo a preveni contra ele, mas isso foi antes de conhecê-lo. Agora cheguei à conclusão de que é um rapaz bem melhor do que eu imaginava, o que não elimina o fato de ser um homem ardente e sensual. Acho isso muito importante num parceiro, para que uma moça não saia decepcionada em sua primeira experiência amorosa. — Sempre achei que uma relação sexual é sempre decepcionante se não existem profundos sentimentos que a motivem — retrucou Bethany. — Prefiro esperar por alguém que eu ame para fazer a minha estréia.

Pois então, iria esperar para sempre, pensou, desolada.

Foi o próprio Robert quem a levou para Cranmer, naquela sexta-feira à noite.

James estava internado, para submeter-se aos exames de rotina. No sábado, a duquesa ia oferecer um jantar dançante. A maioria dos convidados seria jovem, e ela recomendou a Bethany que trouxesse um vestido apropriado.

— Mamãe costuma dar essas festas quando James está no hospital - Ela acha que meu irmão poderia ficar deprimido ao ver os outros dançando — explicou Robert durante o trajeto. — Pobre James. . .

As palavras de David vieram-lhe à mente: "A vida é injusta. O mundo está cheio de injustiças, doçura. Você devia saber disso melhor do que ninguém.

Comparadas com as de James, suas tristezas não tinham a menor consistência. E não só as de James, também as de Robert. Ele poderia sentir-se entristecido por ser tão forte e saudável enquanto o irmão definhava dia-a-dia.

Tudo que não tem remédio é mais difícil de suportar, como a doença de James, e... o amor sem esperança que ela sentia pelo próprio tio!

No sábado pela manhã, foram dar um passeio a pé, seguidos pelos vários cães de raça de Robert, entre os quais o predileto, Archie, um lindo Labrador.

Depois do almoço, a duquesa insistiu para que ela fosse dormir um pouco, para estar mais descansada para a festa.

No dia anterior, levada por um impulso, Bethany comprara um vestido habillé curto. Era confeccionado em seda azul brilhante com uma pala dourada de tecido transparente, decotado à altura do busto. Para completar, um casaquinho no mesmo tecido dourado.

Aquele traje não exigia jóias, mas, mesmo que exigisse, ela só possuía os brincos de ouro que David lhe dera e, esses, estavam guardados bem no fundo de uma gaveta para evitar recordações dolorosas.

Quando a duquesa viu o vestido novo de Bethany, exclamou:

— Que graça! Você tem gosto! Adoro essa cor. Sabe, tenho um conjunto de colar, pulseira e brincos, em lápis-lazúli, que combinam com esse traje. Não quer usá-lo?

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— É muita bondade sua, duquesa, mas não me importo de não usar jóias.

— Não deve mesmo importar-se. Com esse pescoço tão longo e bonito, essa pele tão fresca e rosada, e esses olhos tão reluzentes, você não precisa de outros adornos. Só pensei nisso porque o meu conjunto parece ter sido feito sob medida para esse seu vestido. Venha dar uma espiada.

Realmente, as jóias combinavam tão bem com o vestido que Bethany não resistiu à tentação de aceitar o oferecimento. A duquesa seria assim, tão generosa, com todas as moças do círculo de amizades de Robert? Bethany estranhava tanta amabilidade.

Admirara-se também que Robert não avançasse o sinal. Talvez ele estivesse achando aquele relacionamento uma pausa refrescante em seus amores fogosos. E seria bem provável que estivesse mantendo, simultaneamente, alguma ligação amorosa mais discreta. Mesmo que Bethany não tivesse nenhuma intenção de entregar os pontos, desagradava-lhe a idéia de ser convidada para o almoço enquanto que, ao jantar, ele se faria acompanhar por alguma moça mais tolerante e liberal.

Quando Robert a viu naquele vestido azul e dourado, adornada com as jóias de lápis-lazúli, sua reação foi fria. Apesar de ter dito que ela estava encantadora, seu olhar não demonstrava entusiasmo. Só o duque mostrou-se realmente encantado.

Durante o baile, ela teve consciência de que estava sendo alvo da curiosidade dos presentes, a maioria freqüentadores assíduos do castelo e amigos da família.

A aristocracia inglesa era um círculo fechado onde todos se conheciam. Apesar de, nos últimos tempos, ser liberal o suficiente para incluir cantores famosos de rock, ainda tinha certa tendência conservadora para moças não conhecidas socialmente.

Bethany e Grace pertenciam, por berço e educação, à escala hierárquica mais baixa da aristocracia. Isso teria sido suficiente. Mas ambas tinham desaparecido de circulação após concluírem os estudos e, agora, sem o respaldo dos pais, haviam perdido seu lugar naquela elite onde, em outras circunstâncias, Bethany teria sido logo reconhecida como "a filha dos Castle".

Assim, ela estava na mesma situação de Cinderela no baile do Príncipe Encantado: uma misteriosa desconhecida que, apesar do lindo vestido e das jóias valiosas, era olhada de esguelha. E com um agravante: a reputação de Robert os levava a crer que ela fosse mais uma das amantes dele.

Não se importava em ser desconhecida, mas odiava passar por uma simples aventura do filho do duque.

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Entretanto, no transcorrer da noite, Robert não deixou que pensassem mal dela. Tratou-a com a maior consideração e respeito, sem monopolizá-la, e só no final da festa foi que dançou com ela com mais freqüência.

— Está se divertindo?

— Oh, sim. Muito!

Com ele, Bethany sentia-se à vontade. Tinham sempre assunto para conversar. Além disso, o contato físico, durante a dança, era-lhe agradável. Em certo momento, sentiu até um impulso de encostar seu rosto no dele, mas controlou-se.

Quando o baile terminou e os últimos convidados foram embora, Robert sugeriu:

— Se não estiver muito cansada, gostaria de mostrar-lhe a vista ,lá de cima das muralhas, sob a luz do luar. E hoje é noite de Lua cheia! — Vendo que ela hesitava, garantiu: — Minha intenção é só mostrar-lhe a vista, pode crer.

— Está bem — ela concordou, ainda em dúvida.

Subiram até as ameias por uma escada em caracol. Realmente a paisagem, apreciada daquela altura, era espetacular. O lago espelhava o disco prateado da Lua; as pradarias e bosques estendiam-se a perder de vista, silentes e misteriosos.

— Eu costumava brincar de guerreiro aqui em cima quando criança, e passava horas fingindo que me protegia do ataque das flechas inimigas por trás dessas seteiras.

Enquanto falava, uma leve aragem despenteou-lhe os cabelos negros. Era fácil imaginá-lo como um guerreiro medieval, vestindo uma armadura, um elmo e um manto vermelho, caído nas costas. Os traços dele eram bem mais marcantes, fortes e enérgicos que o dos homens de sua geração. Ele tinha um ar antigo, como deviam' ser os rostos dos homens da Idade Média.

Curiosa, Bethany quis saber:

— E, quando você era criança, o que queria ser quando crescesse? Robert sacudiu os ombros.

— Um explorador na África. . . um piloto de corridas de carro. . . um pára-quedista. . . todas essas coisas que os garotos ambicionam e que não dão em nada. Sou necessário aqui, nas propriedades agrícolas.

Ao subir um dos degraus de pedra que levava à parte mais alta da torre, Bethany enganchou o salto numa fissura e quase caiu. Ele logo a amparou pela cintura e, suspendendo-a no ar como se fosse uma pluma, tomou a colocá-la num lugar plano.

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Bethany virou-se para ele, a respiração suspensa, tomada de uma estranha excitação. Teve um pressentimento de que ele ia beijá-la.

— Podemos descer pela escada desta torre. É do lado que fica o seu quarto — disse ele, e nada do que ela previra aconteceu.

Robert deixou-a na porta do quarto, e, desejando-lhe um boa-noite, retirou-se.

Enquanto se preparava para dormir, Bethany ficou cismando se ele teria realmente desejado beijá-la. Ou fora ela que desejara?

Na semana seguinte ao baile, Bethany vira-se às voltas com um dilema. Sabia que precisava parar de encontrar-se com Robert. Era evidente que se sentia perigosamente atraída por ele, mesmo que só fisicamente. As forças da natureza, em seu trabalho de perpetuação das espécies, a levaram até a pensar que teria apreciado ser beijada por ele. Passado o momento de exaltação, chegou a sentir desprezo por si mesma, acompanhado de um sentimento de deslealdade para com David.

Ao mesmo tempo, refutava em abrir mão da amizade com Robert, pois isso significaria romper seu bom relacionamento com a mãe dele. A duquesa estava tomando, pouco a pouco, o lugar vazio deixado pela Sra. Suffoik e por Francine.

Bethany era carente de afeto, tanto pela morte prematura da mãe quanto pela vida infeliz que levava com a madrasta. A amizade profunda com pessoas do mesmo sexo era-lhe imprescindível. Tanto assim que era muito afeiçoada a Grace, apesar das diferenças de temperamento.

Quando Robert telefonou, dizendo que tinha dois ingressos para uma nova peça de teatro, ela acabou aceitando o convite.

O Natal já estava chegando e eles continuavam a encontrar-se com assiduidade.

— Ele deve estar apaixonado por você — assegurou Grace. — Um homem corteja uma moça com dois objetivos; ou para uma aventura passageira ou para casar. Não me parece que ele se comportasse como se quisesse ter apenas uma aventura. Se houver cama nessa história, há de ser um leito nupcial.

A menos de uma semana do Natal, Robert aparecera na floricultura, dez minutos antes de encerrar o expediente, carregado de pacotes e pacotinhos. Não havia mais ninguém na loja, e ele deixara-se afundar numa cadeira, suspirando.

— Fui fazer as compras de Natal e confesso que cansei. As lojas estão repletas e ser atendido é uma verdadeira batalha. Estou exausto, faminto e sedento. Vai levar horas, antes que o trânsito melhore para eu poder voltar para casa. Por que não me convida para ir até o seu apartamento, experimentar a sua comida? Quero ver se você entende mesmo de arte culinária!

— Com todo o prazer! Já tenho um cassoulé esperando no forno. Grace e eu temos intenção de aproveitar a noite para empacotar os nossos presentes.

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Bethany fora convidada para passar o Natal no Castelo Cranmer, e a amiga iria para a Escócia, conhecer os pais de Robin, seu atual namorado.

Mas, quando chegaram ao apartamento, encontraram um bilhete sobre a mesa.

"Mudei de idéia. Vou sair com Robin. Não voltarei tão cedo. Peguei emprestada a sua carteira preta de cetim e echarpe de chiffon. Espero que não se incomode. Beijos, Grace."

— Por mim, tudo bem. Mas quando ela pretende embrulhar os presentes? — Foi a única reação de Bethany. — Grace e Robin vão tomar o trem para Edimburgo amanhã à noite, e ela vai trabalhar o dia inteiro. Não sei por que Grace inventou de ir a uma festa logo hoje, quando tem tantas coisas para fazer!

— Ela não é tão conscienciosa quanto você. No mínimo está contando com a sua colaboração para preparar os pacotes.

— Se eu pudesse, ajudaria. Acontece que não tenho a lista das pessoas que ela vai presentear.

Robert tirou o paletó.

— Deixe esse problema para depois do jantar. Sua grande preocupação, agora, é tentar refazer as minhas energias. Para começar, um gim-tônica ia bem. Se me disser onde estão as bebidas, preparo uma também para você. Enquanto isso, você se incumbe do jantar.

Comeram ao som de músicas de Natal, na sala cheia de presentinhos, papéis coloridos, fitas e enfeites. Era um ambiente natalino, bem mais aconchegante do que o pensionato onde Bethany passara as Festas no ano anterior.

Depois do jantar, Robert a ajudou a enxugar a louça e logo voltaram para a sala, para enfrentar a tarefa de embrulhar os presentes. Bethany estava atrapalhada com um dos embrulhos e ia desmanchá-lo, para começar tudo de novo, quando Robert perguntou se ela aceitava um cafezinho.

— Oh... sim, por favor — respondeu, sem olhar para ele. Teve a impressão de que ele havia saído da sala e, pouco tempo depois, quando estava abaixada, batalhando com aquele pacote complicado, sentiu um bafejo quente na nuca.

Ficou tensa, e sua atenção desviou-se para a sensação de estar sendo beijada no pescoço.

Não soube o que fazer quando os braços fortes de Robert a enlaçaram e a suspenderam, como naquela noite em que ela tropeçara nas muralhas do castelo.

Quando seus olhos se encontraram, Bethany lembrou-se das palavras de Grace: "Uma aventura passageira ou o leito nupcial".

Dessa vez, ela não teve só impressão de que ele ia beijá-la. Teve certeza.

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Só não sabia se aquele beijo seria o começo de uma proposta para ir para a cama ou para o leito nupcial.

E, para qualquer das hipóteses, seria o fim daquela amizade.

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CAPITULO VII

No início ele apenas roçou os lábios nos dela. Mas o desejo logo explodiu em beijos ardentes. Antes que Bethany esquecesse do mundo, pensou em David que, um dia, também a beijara com aquela impetuosidade. Depois, não pensou em mais nada a não ser no homem que a apertava nos braços e a cobria de beijos exigentes.

Aos poucos Robert foi se acalmando e fazendo carícias mais comedidas e ternas. Seus dedos vibrantes percorreram-lhe as costas macias; deslizaram suavemente pelas curvas dos quadris e tornaram a subir, até alcançarem a nuca. Ele começou a tirar um a um, os grampos que lhe prendiam o coque, liberando a massa sedosa de cabelos que caíram, livres, sobre os ombros. Durante todo esse tempo, continuou a dar-lhe pequenos beijos enlouquecedores, na boca, nos olhos, nos lóbulos das orelhas, causando-lhe arrepios e desejo.

Até aquele momento, Bethany nunca soubera quão intensas eram as sensações que estivera refreando. Desejara aquilo, ansiara por aquilo, e sempre se dominava, convencida de que só um grande amor poderia justificar o ato sexual. Mas, agora, estava soltando as amarras, estava desejando intensamente aquele homem, permitindo-lhe carícias cada vez mais audaciosas. Sentiu-lhe as mãos escorregando por baixo do suéter e apalpando a carne macia dos seios. Quando ele a pegou no colo e a carregou para o sofá, uma excitação primitiva apoderou-se dela. Era o que deviam sentir as fêmeas diante da força física dos machos. Apequenou-se, sentiu-se fraca e submissa, um ser sem vontade própria, entregue a um poder maior.

Por algum tempo ficou estendida sobre os almofadões, os olhos fechados, os membros lânguidos, enquanto Robert beijava-lhe as pálpebras.

Quando ele a ergueu um pouco, para tirar-lhe o suéter, Bethany deixou-o agir sem protesto, aturdida, como se aqueles beijos lhe tivessem anestesiado as reações.

— Sua pele é tão perfumada! Cheira a lilases e rosas — sussurrou ele, com voz rouca. — É tão macia. . . parece veludo. Oh, Bethany! Você é tão linda!

As palavras eram tão meigas, as carícias tão suaves, que Bethany não se alarmou com a rouquidão daquela voz alterada pelo desejo. Só quando ele fitou seus seios já desnudos com um olhar sensual, foi que ela enrubesceu, mas não tentou detê-lo.

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Com uma urgência incontida, Robert começou a tirar a gravata e a desabotoar a camisa. O peito musculoso e bronzeado era parcialmente recoberto por pêlos negros que evidenciavam ainda mais a masculinidade daquele homem que, encostado a ela, a fazia delirar.

Era tão bom ficar assim, coração com coração, pele com pele. Parecia-lhe a coisa mais natural do mundo, como se tivesse feito aquilo vezes sem conta, em outras épocas, outras vidas.

Ele deixou escorregar a cabeça, descansando-a sobre um dos seios delicados, e com dedos ágeis começou a acariciar o outro. Bethany teve a sensação de que derretia por dentro, e uma excitação dolorosa apoderou-se dela. Envolveu aquela cabeça com os braços, premindo-a com mais força, e ele repetiu as carícias com os lábios.

Sem afastar-se dela, e com uma perícia surpreendente, tirou-lhe o resto da roupa, deixando-a somente de calcinha. Então tocou e apalpou o corpo de Bethany com mãos experientes.

Assaltada por um conflito íntimo, ela queria que ele parasse e, ao mesmo tempo, que continuasse. Desejava ardentemente experimentar o êxtase apenas intuído e, agora, quase revelado.

Robert notou que ela estava prestes a entregar-se e, com um beijo ainda mais apaixonado, tentou quebrar-lhe a última resistência.

Por alguns segundos ela conseguiu evitar aquela boca sequiosa que a queria subjugar.

— Não. . . não, por favor. . . eu. . .

Mas aquele protesto só serviu para excitá-lo ainda mais. Bethany entrou em pânico e tentou desvencilhar-se dele. Quando Robert percebeu o medo estampado no rosto dela, parou de beijá-la e sentou-se.

— O que aconteceu, Bethany? Ela também sentou-se, encolhendo as pernas e procurando o suéter para cobrir-se.

— Eu. . . eu não quero fazer uma coisa dessas, Robert. Não. . .não sei o que deu em mim.

— Pois eu sei. Sei muito bem o que deu em nós dois. Agora é tarde demais para desistir, amorzinho. Portanto, para de bancar a virgem ultrajada.

Sorrindo, tirou-lhe o suéter da mão e ia jogá-lo para o lado, quando Bethany tornou a agarrá-lo, aflita.

— Pois é isso que eu sou! Uma virgem! Nunca fiz uma coisa dessas antes, não tomo pílula e . . .

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Interrompeu-se, evitando encará-lo, morrendo de vergonha por ter que se explicar, entrando em detalhes tão humilhantes. Reconheceu que era a maior culpada por terem chegado àquele ponto. Devia tê-lo rechaçado desde o começo.

— Ora, Bethany! Deixe de conversa! E aquele italiano? Não vá querer me convencer de que nunca teve nada com ele!

Tornando a fitá-lo, ela viu-lhe a expressão cética no olhar. Instintivamente ergueu o queixo, num desafio.

— O homem a quem amei, e ainda amo, só me beijou uma vez.Foi tudo o que aconteceu entre nós. E digo mais: até hoje foi o único que me beijou.

— Se você correspondeu da forma como fez comigo hoje, esse italiano deve ter um autocontrole inacreditável para contentar-se comum único beijo!

O tom de voz era sarcástico, como se ele ainda não estivesse acreditando.

— Você nunca vai compreender. Havia razões intransponíveis que o impediam. . . Ele. . . enfim, ele não se sentia no direito de... de...

— Pois eu compreendi. Era um homem casado. Se foi assim, o melhor que você tem a fazer é esquecê-lo. E um amor só se esquece com outro amor. Aliás, estávamos no caminho certo antes que você se apavorasse.

— Você não acredita em mim! E por que deveria acreditar, se permiti que fosse tão longe? — disse Bethany num tom amargo, e seus olhos se encheram de lágrimas. Com voz ressentida, continuou: — Era essa a sua intenção, Robert? Você esperava que mais cedo ou mais tarde eu sucumbisse, como fizeram as outras?

Um forte rubor coloriu o rosto de Robert. Olhou-a de soslaio e, levantando-se abruptamente, jogou-lhe as roupas e começou a vestir a camisa.

Bethany se vestiu o mais rápido possível. Só não conseguiu ajeitar a desordem da cabeleira solta.

— Deixarei a seu critério inventar uma desculpa para seus pais, desculpando-me por não comparecer à festa de Natal — disse ela, ao levantar-se do sofá.

— Não seja boba, Bethany. Claro que você vai comparecer. Grace vai para a Escócia e você não vai passar o Natal aqui sozinha. Não teria cabimento.

— Não quero ir. A nossa amizade, se é que era uma amizade, terminou aqui e agora. Não desejo tornar a vê-lo e não vejo razão para que você queira me ver novamente, agora. . . agora que já sabe que não poderá me incluir na sua coleção de conquistas. Confesso que quase conseguiu. Mas não haverá uma segunda chance.

Robert venceu a distância que os separava em duas passadas e, colocando-lhe as mãos sobre os ombros, olhou-a fixamente.

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— Acha que não? Pois eu acho que você está querendo enganar a si mesma. Sempre me quis, me desejou, como eu a quis e desejei desde nosso primeiro encontro. Não sei qual o motivo que a fez recuar. A não ser que esteja dizendo a verdade, que realmente seja virgem. Como só há uma forma de comprovar isso, e eu não gosto de ser o primeiro homem na vida de uma mulher, só me resta confiar na sua palavra. Mas não tente negar que desejou fazer amor comigo. Bethany não disse uma só palavra. Estava embargada pelas lágrimas.

— É melhor que eu me vá — disse Robert.

Ele foi recolher os pacotes que trouxera e, antes de sair, acrescentou:

— Não poderei vir a Londres amanhã. Tenho assuntos importantes a tratar em Cranmer. Mas manterei contato.

Ela sabia que aquilo não era verdade. Era apenas uma forma educada de dizer adeus. Não podia culpá-lo pelo que acontecera. Seria muita ingenuidade dela não prever, desde o início, que as coisas terminariam daquela maneira.

Quando ele saiu do apartamento, Bethany foi postar-se à janela, esperando vê-lo aparecer na calçada.

Começara a garoar. Robert tinha deixado o carro numa praça, a duas quadras. Levantou a gola do paletó e começou a andar, cabisbaixo.

Bethany imaginou que ele deveria estar se remoendo de frustração, morrendo de raiva dela. Teve certeza de que nunca mais o veria. Sentiu-se vazia e desesperançada, como quando voltara da Itália. Deu as costas para a janela e olhou aquele monte de pacotes espalhados pela sala. Um deles era para James. Que desculpa arrumaria Robert para justificar a ausência dela na noite de Natal?

Voltou para junto do sofá onde, há pouco, derretera-se de desejo nos braços dele e deixou-se cair sentada, dessa vez derretendo-se em lágrimas.

Acordou confusa e desnorteada, com Grace a seu lado.

— São duas da manhã! Você já devia estar na cama há muito tempo! Como foi que adormeceu aqui no sofá?

Ainda sonolenta, Bethany sentou-se.

— Eu... eu não sei!

— Bethany! Você andou chorando? O que foi que aconteceu?

— Robert veio jantar aqui e. . . e depois. . . bem, depois tentou me seduzir. Não quero vê-lo nunca mais!

— Grace ficou muda por um momento, mas depois falou:

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— Antes de mais nada vá lavar esse rosto e deite-se. Vou lhe preparar um chá, e depois você me conta tudinho.

Assim foi feito e, já na cama, Bethany relatou à amiga tudo que acontecera.

Grace não ficou escandalizada, nem condenou a atitude de Robert.

Era de se esperar que um homem como ele tentasse um avanço com uma moça bonita e atraente como você.

Mas não me conformo em ser tratada como um objeto sexual! Eu só me entregaria a um homem que me amasse, que tivesse consideração por mim!

Mas Robert deve gostar de você, senão não teria sido tão paciente. Um homem que só pensasse em sexo já teria lhe dado uma prensa há mais tempo.

— Pode ser. No fundo, a culpa foi minha. Eu deveria ter me afastado dele há séculos. Mas não queria abrir mão dos fins de semana no castelo ou da amizade que tenho pela mãe dele.

Por falar nisso, o que vai fazer agora com relação ao Natal? Suponho que o seu programa tenha ido por água abaixo.

— Eu. . . eu acho que vou passar o Natal na Itália — mentiu Bethany. — David vai voltar de viagem para as Festas. Ele telefonou e me convidou para a ceia que vai oferecer a alguns amigos. Quanto a isso, não vai haver problema.

Detestava mentir, mas não queria estragar o Natal da amiga.

— É estranho você não me ter dito nada a respeito. Mas sempre suspeitei que tinha deixado algum grande amor na Itália. Foi por isso que não se interessou por um partidão como Robert, não foi? Bethany preferiu sair pela tangente.

— Olhe a hora! Já é muito tarde e precisamos dormir. Amanhã você vai ter um dia cheio!

— Não lhe contei? Amanhã não vou trabalhar. Deram-me folga para cuidar da viagem. Mas entendi a indireta. Você não quer falar sobre a Itália. Tudo bem. Quer tomar um dos meus comprimidos para dormir? São bem fraquinhos e ajudam a relaxar.

— Não, obrigada. Não é necessário. Estou exausta e vou dormir como uma pedra. Obrigada pelo chá e pela simpatia.

— Disponha, Boa-noite, amoreco.

Bethany passou o dia seguinte lutando para manter uma cara alegre com os clientes da loja. Estava preocupada com o que diria Robert aos pais, e o que diria à duquesa caso ela telefonasse.

Bethany se despedira de Grace pela manhã e, quando chegou em casa, depois do trabalho, o apartamento estava às escuras.

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Sentiu-se tentada a tirar o fone do gancho e ir diretamente para cama. Mas Robert poderia querer telefonar, contando-lhe qual a mentira que inventara, para justificar a ausência dela na festa de Natal.

Eram oito horas, e ela estava tentando distrair-se com um programa de televisão, quando a campainha tocou.

Pensando ser um dos vizinhos convidando-a para um cálice de cherry e uma fatia de panetone, e já pensando numa desculpa para recusar, Bethany foi abrir a porta.

Quase caiu de costas quando viu Robert parado no vestíbulo.

— Posso entrar?

Ela afastou-se para dar-lhe passagem.

— Eu. . . eu pensei que você não viria a Londres. . .

— Não era para vir, mas dei um jeito. Precisava falar com você.

— Um telefonema lhe pouparia esse transtorno.

— São coisas que não se podem falar por telefone.

— Já disse à sua mãe que não vou aparecer no Natal?

— Não, porque ainda tenho fé que você vá. Creio que este vai ser um Natal muito feliz para mamãe. Ela vai ganhar algo que sempre desejou na vida: uma nora.

Bethany olhou-o, atônita, e Robert segurou-lhe as mãos. As dele estavam geladas.

— Estou pedindo você em casamento. Só ontem à noite, quando ia dirigindo o carro de volta para casa, foi que me dei conta do quanto nós combinamos. Fui um tolo em não ter visto isso antes.

— Você acha que nós. . . que eu e você combinamos?

— Vejo que está duvidando. Reconheço que não me comportei bem ontem à noite e que tenho sido um desmiolado com relação às mulheres. Mas a culpa tem sido delas, também... — Fez uma breve pausa antes de prosseguir: — Mesmo antes de receber a herança de minha avó, o fato de ser filho de quem sou, fez com que as mulheres se tornassem demasiadamente condescendentes para comigo. Falando com franqueza, você foi a primeira, em todos esses anos, que não se atirou nos meus braços, que não caiu no meu papo como, . . como. . .

Interrompeu-se, em busca da palavra exata.

— Como um patinho?

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— Isso mesmo. Como vê, não levar as mulheres muito a sério e aproveitar todas as chances tornou-se um hábito na minha vida. Admito que seja um mau hábito, mas se você conseguir se colocar no meu lugar, há de reconhecer que é perdoável. Mas os hábitos, depois de arraigados, são difíceis de extirpar. Precisei questionar-me muito ontem à noite para reconhecer que gosto de você não somente porque é atraente e desejável.

— Mas você acabou de falar em casamento e, para isso é preciso amar, não somente gostar. E você não sente amor por mim.

— Nem você por mim. Mas, nos tempos de minha bisavó, muitos casamentos bem-sucedidos não eram fundamentados em grandes amores. E você não vá me dizer que pretende passar o resto da vida solteira só porque o homem que ama é casado!

— Nunca pensei nisso.

— Pois pense agora. Não preferiria morar num lugar sossegado como Cranmer em vez de viver no turbilhão de Londres? Não preferiria ter uma casa que fosse sua em vez de ser hóspede num apartamentozinho de uma amiga? Não preferiria ir comigo, no mês que vem, passar férias no Caribe, do que enfrentar o inverno na Inglaterra?

Bethany refletiu. A resposta seria "sim", mas. . .

— Gostaria de ter filhos, não gostaria?

— Sim, eu gostaria. . .

— E eu "preciso" tê-los — reforçou Robert, que ainda retinha as mãos dela nas suas.

— Você nem sequer completou trinta anos! Não seria melhor esperar mais um pouco? Quem sabe ainda encontrará uma moça a quem ame e seja amado por ela...

— Acho muito improvável, e não posso ficar adiando indefinidamente a idéia de casar. Os últimos exames médicos de James não são nada animadores. Tanto ele quanto meu pai ficariam mais tranqüilos se soubessem que a sucessão está garantida, pelo menos por mais uma geração. Meus país te adoram. Ficariam eufóricos se soubessem que a pedi em casamento e que você aceitou.

Bethany deixou-se cair sentada numa das cadeiras da sala de jantar. Passara uma noite agitada e seu dia de trabalho fora estafante. Não estava em condições de tomar uma decisão tão importante. E aquele inesperado pedido de casamento a abalara ainda mais do que a tentativa de sedução da noite anterior.

Como se estivesse seguindo o fio de seus pensamentos, Robert argumentou:

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— Se não sentíssemos atração mútua, eu não me arriscaria a fazer-lhe essa proposta- Mas, na noite passada, ficou comprovado que vamos nos dar muito bem. — E, com um brilho malicioso nos olhos escuros, acrescentou: — Não creio que você achasse tão intolerável conceber filhos comigo. . .

Lembrando-se dos momentos de êxtase que gozara nos braços dele, Bethany corou até a raiz dos cabelos,

— Você nunca amou alguém? — perguntou, e Robert sacudiu a cabeça negativamente. — Então não pode avaliar a agonia que irá sentir, caso venha a encontrar a pessoa certa, quando for tarde demais. . . Quando já estiver casado comigo.

— Não acredito que alguém possa se apaixonar por outra pessoa, quando o casamento dá certo. Isso só acontece quando se busca uma compensação para alguma deficiência do cônjuge, geralmente de ordem sexual. Não acha?

— Pode ser.

— Eu até vou mais longe. Se cada um de nós se propuser a fazer o outro feliz, poderemos chegar a ter um relacionamento tão bom quanto o de um casal que se une por amor. Estou preparado para tentar, se você também estiver.

— Eu preciso de algum tempo para pensar.

— Naturalmente. O tempo que quiser. — Pegou-lhe a mão e beijou-lhe os dedos, de leve. — Desculpe por ontem à noite. Fui grosseiro.

— Eu também fui culpada. Não devia ter permitido que você fosse tão longe.

— Esqueça. Eu nunca tinha conhecido uma virgem antes. Pensei que fosse uma espécie extinta.

— Então, agora, acredita em mim?

— Acredito. Muitas mulheres conseguem chorar por fingimento, mas nenhuma delas é tão boa atriz a ponto de ficar assim, corada por pudor.

Depois que Robert fora embora, Bethany mal acreditava que tudo aquilo fosse verdade. Chegou até a pensar que adormecera e sonhara com a visita. Era realmente inacreditável! Afinal, ela iria passar o Natal em Cranmer e, mais do que isso, como futura esposa de Robert!

Em janeiro, quando Robert viajou para as Antilhas, em férias, Bethany ainda não tinha se decidido a aceitar a proposta de casamento.

Invejava aquela viagem a um lugar quente e ensolarado como o Caribe, pois tinha que curtir um inverno chuvoso em Londres. Mas, pelo menos, disporia de três semanas para pensar, sem pressões.

Grace achava que ela era louca em hesitar. Mas a amiga não conhecia os detalhes daquela proposta,

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Foi durante a ausência de Robert que Bethany encontrou-se, inesperadamente, com a madrasta, na seção de modas da Loja Harrods.

Àquela altura, os colunistas sociais já faziam mexericos sobre as possibilidades de um casamento entre o filho da duquesa de Dorset e a encantadora enteada de lady Castle. Só omitiam que a viúva e a filha mais velha de sir John estavam de relações cortadas.

Talvez para evitar que esse tipo de comentário surgisse, lady Castle mostrou-se extremamente amável ao vê-la.

— Bethany! Quase não a reconheci! Você está tão linda!

Sem ter chance de protestar, ela viu-se arrastada pela madrasta para o bar do Hotel Hyde Park, próximo ao Harrods, onde lady Castle estava hospedada.

— Fiquei feliz que o acaso nos tenha reunido novamente. Sempre lastimei que o nosso relacionamento não tenha sido dos melhores no tempo em que você era mais moça. Sabe, acho que eu tinha ciúmes — confessou a madrasta enquanto tomavam seus drinques.

— Ciúmes? Por quê? Papai e eu nunca fomos muito chegados. Não havia razão para ciúmes.

— Na verdade, eu tinha ciúmes era de sua mãe. Sabia que John tinha loucura por ela, apesar de tê-lo feito sofrer. Eu quis torná-lo feliz, mas ele nunca a esqueceu. Como não esqueceu o sofrimento que ela lhe causou. Você era a cópia de sua mãe, e acho que transferi o rancor que sentia por ela...

— Quando você diz que mamãe tornou papai infeliz, até dá a impressão de que ela o fez de propósito. Afinal, ela não teve culpa de ter ficado doente e de ter morrido, deixando-lhe uma filha pequena para criar.

— Não foi por isso que ele sofreu. Tudo aconteceu muito antes de ela morrer. — Lady Castle fez uma pausa, como se estivesse medindo as palavras. — Estavam casados há menos de um ano quando ele descobriu que sua mãe não o amava, que só se havia casado para tornar-se uma lady. Mais tarde, ela foi infiel ao marido. Não são meros boatos, posso garantir. Foi o próprio John quem me contou. Mas o fato de ser infiel e imoral não fez com que o pobre deixasse de amá-la. Olhando para você, posso compreender essa fraqueza. Você é estonteante, de tão linda. Não me admira que lorde Robert esteja tão apaixonado. Então, quando saí esse casamento?

— Ele não está apaixonado. Quero dizer, somos muito amigos. O resto é pura onda dos colunistas sociais.

— Mas ele é um ótimo partido!

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— Ao contrário de minha mãe, se o que andou me dizendo é verdade, não estou interessada em posição social. O que nunca consegui entender era por que papai não gostava de mim. Só porque eu era filha dela? Mas era também filha dele!

— É que seu pai não tinha muito jeito com crianças. Nem mesmo com Susan e Júlia. De qualquer forma, essa é uma história já morta e enterrada. Não seria bom trazer à tona esses desentendimentos familiares, Bethany. Se você acabar casando com lorde Robert, a família dele vai preferir não falar no assunto.

Esse último comentário explicou por que lady Castle se mostrava tão amável: por puro interesse. Bethany não acreditou naquela falsa cortesia ou no que ela dissera sobre sua mãe, e logo que pôde livrou-se da madrasta.

Já fazia duas semanas que Robert havia partido, quando o telefone tocou.

Bethany surpreendeu-se ao ouvir a voz dele ao telefone, chamando de Nova York.

— O que, o que você está fazendo aí?

Deu uma praga nas nossas plantações e eu resolvi voltar para casa mais cedo, via Nova York. Talvez tenha sido uma premonição ter feito este trajeto. Encontrei, aqui, algo que nos interessa muitíssimo.

— O quê?

— Você vai ter que conter a sua curiosidade até depois de amanhã, quando eu chegar a Londres.

Comunicou-lhe a hora da chegada e o número do vôo, e desligou em seguida, deixando Bethany com a pulga atrás da orelha.

Daria um jeito de esperá-lo no aeroporto, nem que fosse para faltar no emprego.

Depois de duas semanas ao sol do Caribe, Robert parecia um cigano, de tão moreno. Indiscutivelmente era o homem mais atraente que saiu pelo portão da alfândega.

— Bethany! Que surpresa agradável!

Deu-lhe uma palmadinha nas costas, mas não a beijou. Aliás, desde aquela famosa noite ele só lhe dera um leve beijo no rosto, na festa de Natal.

— Estou louca para saber o que foi que você encontrou em Nova York que tanto vai me interessar.

— Eu lhe mostro logo que chegarmos ao apartamento.

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A bagagem dele incluía vários volumes retangulares, embrulhados com papel pardo, que, mais tarde, ela veio descobrir tratar-se de quadros. Eram esboços e pintura que a retratavam nas mais variadas poses. Robert tinha comprado aqueles retratos, mais de uma dúzia, na Galeria Kennedy, de Nova York.

— Já tinham sido vendidos uns dois antes que eu aparecesse por lá. Não pude fazer nada a não ser recomendar ao marchand que me avisasse caso os quadros reaparecessem no mercado para venda. Não quero o retrato de minha esposa pendurado na parede da casa de outro homem.

Bethany estava por demais perturbada para fazer qualquer comentário.

— E sequer vamos pendurá-los nas paredes da nossa casa se eles representam uma lembrança dolorosa do seu passado — afirmou ele com suavidade. — Ficarão guardados nos arquivos da família, para serem admirados pelas futuras gerações.

— O que você quis dizer com... com "lembrança dolorosa do passado"?

Ele poderia ter adivinhado, só ao olhar para os retratos, que David a amara? Nenhuma das telas tinha assinatura mas, para qualquer conhecedor de arte, era óbvio que o autor era David Warren.

— Deve ter notado que nenhum dos quadros traz assinatura. A galeria tinha instruções para vender os quadros como se fossem de uma jovem desconhecida, pintados por um autor anônimo. Mas, para mim, ficou claro que, se não foram pintados por seu tio, tiveram uma influência marcante do estilo dele. Acredito que o autor seja aluno de David Warren, e presumo que foram feitos pelo mesmo homem por quem você se apaixonou. Acertei?

Não haveria nada de mal em admitir aquela hipótese. Não precisaria acrescentar que parte daquela teoria estava errada.

— Sim. . . sim. é isso mesmo, é estranho tornar a ver esses retratos. . . depois de tanto tempo. Nem me reconheço nessa mocinha tão bronzeada, com toda essa cabeleira solta.

— Pois eu gosto dos seus cabelos assim. Esse coque complicado a envelhece.

Aquelas palavras a fizeram lembrar-se do único momento em que Robert a vira de cabelos soltos, e ela desejou que ele a tomasse novamente nos braços e a beijasse. . . beijasse. . . beijasse muito, até que conseguisse esquecer aquela "lembrança dolorosa do passado".

— Só espero que você não tenha gasto uma fortuna nessa compra — disse Bethany, preocupada. — Seria um desperdício, na eventualidade de não chegarmos a casar. Sim, porque eu ainda não me decidi.

— Um dia você decide. Não há pressa.

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Apesar de estarem sozinhos no apartamento, e nada o impedisse de fazer-lhe um carinho, um gesto de amor, Robert nem sequer a tocou.

Mais tarde, quando ficou sozinha, Bethany se pôs a pensar em por que David vendera os quadros. Talvez já houvesse outra mulher em sua vida, e ele não quisesse ter o atelier abarrotado com os retratos da sobrinha. Podia pegar mal. Nesse caso, por que não os destruíra? Bem lá no fundo, já sabia a resposta: ele não era o tipo do homem que dá valor sentimental aos retratos de uma jovem que significou algo, no passado.

Embora Robert pensasse que as telas não fossem assinadas, ela sabia que, na ocasião em que haviam sido produzidas, levava não só a assinatura de David como também a identificação do lugar: "Mercado de Arles", "Restaurante de Frutos do Mar", "Calpe", "Florença".

No primeiro croqui que David desenhara, no Hotel Belvedere, escrevera no rodapé; "Bethany — dezesseis, a caminho dos dezessete".

Antes de despachar aqueles quadros para os Estados Unidos, onde a modelo não seria reconhecida, ele tivera o cuidado de apagar todas as assinaturas e de pintar, por cima, um pouco mais do cenário, disfarçando o vazio. Apesar de Robert ser bom conhecedor de arte, não havia notado o embuste e nunca o notaria, se aqueles retratos fossem para os arquivos da família. Isso, "se" eles casassem. Caso contrário, Robert os revenderia, pois não os comprara porque a amava, e sim para resguardar a imagem da futura esposa.

Quando voltou ao castelo para mais um fim de semana, Bethany encontrou toda a família bronzeada, inclusive James, que até parecia mais saudável.

No domingo pela manhã, enquanto Robert e os pais assistiam ao culto na capela do castelo, Bethany ficou fazendo companhia a James. Estavam ouvindo uma música de Corelli quando ele a surpreendeu, dizendo:

— Desejaria que você pudesse aplacar o sofrimento de Robert, Bethany. — Ao vê-la tão admirada, acrescentou: — Ele me contou que a pediu em casamento, mas que ainda não conseguiu persuadi-la a aceitar. Talvez esteja sofrendo um castigo merecido, pois, no passado, andou estraçalhando muitos corações. Só espero que você seja mais piedosa do que ele foi, e acabe concordando em ser sua esposa. Todos nós a achamos adequada para ele.

Ela quase respondeu que aquele suspense todo não era assim tão intolerável para Robert, mas preferiu não desiludir James.

— É que nem completei vinte anos! Não que eu me sinta imatura. Só acho que sou jovem demais para dar um passo tão definitivo quanto esse.

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— Concordo... em parte. Mas acho que a sua indecisão vem do fato de não estar apaixonada. Pelo menos foi isso que Robert me contou. Mas gostar de alguém é o que importa para que um casamento tenha sucesso e perdure. Se você analisar o relacionamento de meus pais, e de muitos outros casais felizes, vai chegar à conclusão de que a amizade é um fator preponderante para a felicidade matrimonial. — A música terminou, e James virou o disco. — A noite passada andei observando vocês dois. E acho que têm gênios muito parecidos. Acho que se dariam muito bem.

Aquela observação foi marcante na decisão de Bethany. Robert e ela tinham senso de humor, davam boas gargalhadas juntos e se divertiam.

Robert não a pressionou mais. Porém, algo mais os uniu.

Num dos vários fins de semana, Robert foi fazer compras no mercado próximo ao castelo, levando consigo Archie, o cão Labrador.

Por uma dessas malvadezas do destino, Archie foi atropelado por um carro.

Robert e ela levaram o animal ao veterinário, que deu o triste veredicto:

— Eu poderia tentar salvar-lhe a vida, mas ele vai ficar aleijado e sofrerá muito. O melhor seria sacrificá-lo.

Bethany viu Robert ficar pálido. Mas foi com doçura que pediu para que ela saísse da sala. Bethany obedeceu, o coração apertado. Archie acompanhava Robert desde filhotinho. Ela compreendia, melhor do que ninguém, quanto custava sacrificar um animal de estimação.

Foram enterrar Archie juntos, e Bethany testemunhou a emoção de Robert, que estava prestes a explodir em prantos.

— Oh, Robert! — ela exclamou, solidária.

Caíram um nos braços do outro, chorando, sentindo a mesma tristeza.

É. . . eles não compartilharam apenas as alegrias e Bethany chegou à conclusão de que, mesmo que não se amassem, tinham, de fato, muitas coisas em comum.

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CAPITULO VIII

Na noite em que o noivado seria anunciado oficialmente, Robert chegara ao apartamento vinte minutos antes da hora marcada.

Bethany já estava pronta, debruçada na janela, e viu quando ele chegou de táxi. Estava mais charmoso do que nunca, num dinner-jacket branco que lhe realçava ainda mais a tez morena.

Robert pagou o motorista, olhou para cima e a viu. Endereçou-lhe um sorriso sedutor, que Bethany retribuiu com certo constrangimento.

Ela logo encaminhou-se para a porta, à espera de Robert. Vestia uma saia longa, de tafetá preto, e uma blusa branca, enfeitada com rendas e bordados, comprada numa loja finíssima especializada em roupas estilo Belle Êpoque. Era um dos trajes prediletos de Robert.

Até aquele dia ela sempre procurara agradá-lo, usando as roupas que ele gostava e concordando em ter um filho tão logo se casassem.

Mas, desde o momento em que lera a carta da mãe, sua cabeça e seu coração estavam numa confusão total.

O fato de ter descoberto, justamente no dia do noivado, que a barreira entre ela e David não existia mais a transtornara. Aquela fora a peça mais cruel que o destino poderia lhe ter pregado.

Robert subiu a escada de três em três degraus, e chegou ao primeiro andar sem o menor sinal de cansaço. Assim que entrou foi logo anunciando:

— Vim um pouco mais cedo porque quero falar com você a sós. Onde está Grace?

— Ainda se vestindo. Ela costuma ficar pronta só em cima da hora. Sua mãe já lhe contou o que aconteceu?

— Contou. — Foram sentar-se na sala de visitas e, tomando as mãos de Bethany entre as suas, ele continuou: — Como pôde pensar, só por um segundo, que eu iria me importar em saber de quem você é ou não é filha?

— Eu... eu sabia que não faria diferença. Mas uma pessoa da sua posição não pode permitir plebeus na sua descendência.

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— Minha cara mocinha, em todas as famílias antigas e tradicionais sempre existem "plebeus". Em heráldica, nem todos os brasões tiveram origem nobre. Muitos dos Rathbone, no passado, galgaram posições à custa de violência e de falta de escrúpulos. O que estou dizendo está até documentado nos livros de lorde David Cecil, um grande historiador da Universidade de Oxford.

— Mas Robert...

— Não quero ouvir nem mais uma palavra sobre isso. Mesmo que a revelação de sua mãe viesse a público, ainda assim eu desejaria que você fosse minha esposa. — Ergueu as mãos de Bethany e beijou-as com afeto. — Essa carinha linda. . . esse seu jeitinho de sorrir... sua compreensão e meiguice. . . sua solidariedade quando Archie foi atropelado.. . essas são as únicas coisas às quais eu dou valor.

Bethany ficou até surpresa com tanta ternura e generosidade. Como ele pudera esconder tanto tempo uma personalidade tão encantadora?

O diálogo foi interrompido por Grace, que apareceu lutando para desprender o zíper que enganchara no chiffon vermelho do vestido.

Bethany conseguiu remediar o estrago e foi quase correndo que eles saíram para tomar um táxi na esquina da avenida. Bethany ergueu a saia, para que não arrastasse no calçamento, e Robert, olhando para seus tornozelos, comentou:

— Continuo tendo um fraco por meias pretas de náilon.

Ela lembrou-se de um comentário semelhante quando estivera no castelo pela primeira vez e temera que ele fosse beijá-la no salão de banquetes. Se tivesse ouvido a voz da razão, teria parado naquela primeira visita e, agora, não estaria presa numa armadilha.

Felizmente, Grace ficou tagarelando durante todo o trajeto. Bethany limitou-se a escutar o que os dois diziam. Mas algo de seu conflito deve ter transparecido aos olhos sagazes de Robert.

Quando ele a ajudou a sair do táxi, perguntou:

— Não me diga que está com dor de cabeça, está?

Não. Por quê?

— Você me pareceu um tanto quieta no caminho. . .

— É que estou um pouco nervosa. Só isso.

— Não há razão para nervosismo. Todos vão ficar deslumbrados com você.

Bethany até esquecera que o duque iria presenteá-la com uma das jóias da família. E, quando os Dorset se viram a sós com ela, deram-lhe os adereços de diamantes de Charlotte, a quinta duquesa. Foi o próprio Robert que lhe prendeu o colar ao pescoço.

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— É melhor que você mesma coloque estes — disse o duque, entregando-lhe os brincos.

Bethany começou a desmanchar-se em mil agradecimentos diante de um presente tão valioso, mas o duque a interrompeu.

— Não foi somente a meu filho que você tornou feliz, querida Bethany. Todos nós estamos radiantes com esse noivado. Agora, creio que vocês dois vão querer ficar um pouco a sós. — E retirou-se discretamente.

— Já notou que ainda não lhe dei nem um beijo?

Ela estava de costas para ele, mas o grande espelho de parede refletia a expressão de seu rosto. Apesar de Robert nunca mais a ter beijado com ardor, nem mesmo quando a pedira em casamento pela segunda vez, seus olhos tinham agora o mesmo brilho intenso e voluptuoso da noite em que quase chegara a seduzi-la.

Muito nervosa, Bethany o deteve:

— Você vai borrar o meu batom, e eu não quero aparecer toda desarrumada logo na primeira vez que vou conhecer os seus parentes.

Robert sorriu, condescendente.

— Está bem. Vou desarrumá-la mais tarde, no fim da festa. Por enquanto, dou-lhe só um beijinho, que não vai estragar o seu batom.

Quando ela se virou, Robert depositou-lhe um beijo no decote, junto ao seio.

As horas que se seguiram foram as mais contraditórias da vida de Bethany. Afinal, era seu aniversário e sua festa de noivado, e nunca recebera tantas demonstrações de admiração, gentileza e amizade. Quando, de tempos em tempos, relanceava o olhar pelos espelhos venezianos do salão de festas, e via sua própria imagem, muito corada e sorridente, mal podia acreditar que aquela moça tão festejada estava com o coração em pedaços.

Ao brindar o evento com champanhe, saborear canapés de salmão e receber os cumprimentos dos convidados, soube que depois daquela noite não poderia mais quebrar seu compromisso com Robert. Agora, além dele, havia outras pessoas a considerar. Como poderia decepcionar James, os pais dele, toda a família, depois de ter sido alvo de tantas atenções, tanta bondade e tantas gentilezas?

Estava previsto que no dia seguinte, após o café da manhã, Robert partiria para Cranmer, onde negócios importantes o esperavam.

Portanto, foi com espanto que ela o viu aparecer na loja, na hora do almoço, convidando-a a comer num restaurante próximo.

— Você não devia voltar hoje a Cranmer?

— Não gostou da surpresa?

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— Claro que gostei! é que pensei que você tivesse compromissos a resolver durante toda a semana.

— Adiei a viagem para amanhã. Não me conformo que seu tio não tenha vindo para a nossa festa. Entendo que você não tenha querido convidar sua madrasta, apesar de não podermos evitar convidá-la para o casamento, mas não compreendo por que não mandou um convite para seu tio.

— Mas Robert, eu já expliquei que ele não é meu tio e já disse porque não o convidei! Ele é um artista. Não é uma pessoa sociável, e ter que vir até Londres só para uma festa de noivado teria sido um transtorno. De qualquer forma, quando liguei para ele ninguém atendeu. Certamente está fazendo uma das suas famosas viagens pelo mundo.

Aquela era uma mentirinha que ela precisara inventar quando a família de Robert vira-se no dever de enviar um convite a David Warren. Na verdade, ela não telefonara coisa alguma, nem lhe escrevera, e David só saberia do noivado através dos jornais.

— Pode ser que ele estivesse mesmo viajando, mas sei que é esperado para hoje à noite. Falei com a governanta de Villa Delphini pela manhã.

Bethany parou.

— Você telefonou para a Villa? Por quê?

— E por que não? Não vejo por que não haveria de falar com ele, caso o encontrasse em casa. Ou você vê?

— Não. . . não, lógico que não, mas. . .

— Você deve estar achando que sou um intrometido e um prepotente, querendo fazer as coisas à minha maneira. E que hoje pela manhã, enquanto fazia o meu Cooper, andei pensando que deveríamos ir visitá-lo na Itália. Apesar de não ser seu tio e não precisarmos do consentimento dele para o casamento, ele é seu tutor e merece consideração. O mais educado seria conhecê-lo antes da cerimônia. Acontece que nos próximos dias não poderei ausentar-me porque tenho compromissos inadiáveis. Mas nada impede que você dê um pulinho até Portofino. Para ser franco, até já marquei a sua passagem. Depois do almoço, iremos até o seu apartamento, você pega as suas coisas e seguiremos para o aeroporto, a tempo de você embarcar no último vôo da tarde, que vai para Gênova.

— Mas eu. . . eu não posso! Como vou deixar a loja, assim, sem ao menos avisar a sra. Hastings?

— Já expliquei a situação a ela. Você tem uma licença de quarenta e oito horas. E, como vai viajar de avião, eu a aconselho a tomar um vinho leve. Que tal um Sole Maintenon?

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— Sim. . . sim. . . está bem. Peça qualquer coisa, Robert, por que fez uma coisa dessas? Por que providenciou tudo sem o meu consentimento?

— Se eu a tivesse consultado, você não concordaria. Acho que tem um trauma qualquer com a Itália, que só poderá ser derrubado voltando para lá. Só assim terá oportunidade de rever o homem que tanto amou. Talvez, com um pouco de sorte, você comece a perguntar-se o que viu nele na época da sua paixão. Dois anos é muito tempo. Muita coisa pode mudar.

O garçom se aproximou e Robert fez os pedidos. Uma vez sozinhos novamente, ele ficou olhando-a, pensativo, antes de prosseguir:

— A noite passada, e não foi a primeira vez, senti que havia um espectro naquela festa. Não gostaria que esse fantasma estivesse presente na nossa lua-de-mel.

Bethany pestanejou e baixou as pálpebras, sem coragem de encará-lo.

— Você já considerou a possibilidade de... de ainda sentirmos o mesmo amor de outrora?

— É um risco que preciso enfrentar — afirmou ele, e passou a falar de coisas práticas: — Seria melhor você tomar um táxi até Portofino, quando chegar. Seu tio não vai buscá-la no aeroporto. Conforme me disse a governanta, ele vai voltar de viagem tarde da noite.

— Você disse a ela a hora da minha chegada?

— A hora e o vôo! E também avisei que o avião poderia atrasar.

— Mas ela sabe quem sou? No meu tempo, a empregada era outra. O olhar de Robert tornou-se desconfortavelmente penetrante.

— Como sabe que é outra se ninguém atendeu ao telefone quando ligou para lá?

Bethany ficou vermelha.

— É que. . . bem, num dos cartões que recebi de David, ele mencionou que tinha uma nova governanta.

— E também deve ter falado sobre você a ela, pois essa governanta não estranhou a sua chegada repentina.

A cabeça de Bethany ainda parecia um redemoinho quando ele a acompanhou até o apartamento para trocar de roupa e preparar uma maleta de viagem.

Robert pouco falou durante o trajeto até o aeroporto. Dirigia velozmente, mas era prudente e concentrava toda sua atenção no volante. Mas não podia ser só a concentração que lhe deixava os músculos dos maxilares tão tensos e rígidos.

Chegando ao saguão de embarque, Robert foi comprar-lhe algumas revistas.

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— Se não se importa, não vou ficar até a hora de o avião levantar vôo. Mas a chamada deve ser daqui a pouco.

— Bem . . então. . . adeus.

— Adeus, Bethany. Eu deveria ter providenciado essa viagem antes do noivado. Mas, assim mesmo, não pense que é tarde demais para mudar de idéia.

Ambos ficaram imóveis, olhando um para o outro. Repentinamente, mudando de tom, ele exclamou:

— Quer saber? Que vá tudo para o inferno!

E abraçando-a impetuosamente, beijou-a tanto que despertou a curiosidade de todos que estavam ao redor.

Antes que ela se refizesse do impacto de ter sido beijada em público daquela forma, ele a largou e desapareceu no meio da multidão.

Tarde da noite, não podendo mais conter a impaciência e a ansiedade, Bethany resolveu descer até o ancoradouro por um atalho que os moradores da colina costumavam usar para encurtar caminho.

Encontrara a Villa pouco mudada. Portofíno também continuava o mesmo. A única alteração é que ninguém mais a reconhecia.

Sentada no bar da praça, onde pela primeira vez vira Francine, pediu uma granita de limão e ficou saboreando o refresco, aspirando aquele ar cálido, perfumado a limoeiros e maresia, tão característico da primavera na Costa Lígure.

As lembranças voltaram-lhe à mente num fluxo contínuo, como se fossem ondas do mar apagando as pegadas recentes sobre a areia. Parecia-lhe que nunca tinha saído dali. Depois de andar um pouco peía beira do molhe, voltou para a Villa e encontrou Anna muito agitada.

— Oh, signorina. Che peccatol Se tivesse voltado uns dez minutos antes! Se o signore tivesse ouvido a sua voz ao telefone, não teria desligado tão rápido. Infelizmente, ele estava com pressa de tomar o avião e não deu chance de explicar que tinha uma visita à espera dele.

— Que avião? Para onde ele estava indo?

— Não sei. Ele não disse. Só disse que ia ligar amanhã para avisar quando voltaria. Sinto muito, signorina. Vai pensar que sou uma tola, mas juro que ele não me deu tempo para falar.

Bethany conseguiu apaziguá-la e ambas foram para a cozinha, tomar um cafezinho. Através da tagarelice da governanta, Bethany soube que ela era. a primeira mulher a pisar em Villa Delphini desde que David voltara do Oriente.

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— Ele fica muito sozinho neste casarão. Um homem da idade dele devia ter esposa, filhos — confidenciou-lhe a italiana baixota e gorduchinha, que estava louca para descobrir que espécie de relacionamento tinha Bethany com o patrão.

Mas Anna teve que ir dormir, naquela noite, com a curiosidade insatisfeita.

Por coincidência, a governanta preparara para Bethany o mesmo quarto que ela ocupara quando morava na Villa.

Antes de deixar-se, Bethany foi até o balcão e ficou com o olhar perdido nas luzes do porto, pensando.

Talvez David não tivesse voltado naquela noite por ter lido a notícia do noivado no Daily Telegraph. E tivesse voado para Londres, para saber com que tipo de homem ela ia casar. Nesse caso, não encontraria ninguém no apartamento, pois Grace tinha um encontro com um rapaz que conhecera na festa.

Talvez devesse telefonar para Robert, avisando que chegara bem.

Por que ele a beijara daquela forma, na frente de todo mundo? Será que se importava com ela mais do que queria admitir? E se ela chegasse à conclusão de que seu amor por David era mais forte do que qualquer convenção social, será que ele sofreria seriamente com isso?

Pensando em Robert, lembrou-se da reprodução do quadro que durante tanto tempo ficara colado ao espelho daquele quarto. Achou o póster numa gaveta da cômoda, ainda enrolado com uma fita colante. Desenrolou-o em cima da cama e ficou olhando para a imagem de Lorenzo de Medici, fazendo comparações entre os traços fisionômicos dele e do noivo. Pareciam até irmãos. E que coincidência Robert ter repetido, em italiano, a frase histórica de Medici!

Robert. . . Sentiu um aperto no coração, semelhante ao que experimentara quando voltara para Londres, exilada daquele paraíso onde nunca pensara pôr novamente os pés. . .

— Signorinal Signoririna! Acorde! Venha depressa! Estão chamando de Londres.

Bethany foi atender na extensão do quarto de David, tonta de sono.

— ALÔ!

— Bethany? É David!

Aquela voz tão familiar, que há tanto tempo não ouvia, fez com que ela acabasse despertando.

— David! De onde você está ligando?

— De Londres. Tomei um avião para cá ontem à noite e, quando cheguei, soube que você tinha embarcado para Gênova poucas horas antes. Foi culpa minha. Não devia ter sido tão precipitado. Mas não faz mal. Estarei aí em tempo para o almoço.

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— David, espere. . . espere! Não desligue!

— Estou esperando. Algum inconveniente?

— Não. É que preciso lhe dizer uma coisa importante. Não dá para explicar tudo por telefone. O principal é que nós não somos parentes! Seu irmão não é meu pai, e eu não sou sua sobrinha!

— Já estou sabendo. Robert me contou.

— Robert?

— É que ninguém atendeu quando liguei para o seu apartamento, e então tentei me comunicar com a casa dos pais dele. E acabei passando a noite com eles.

— Em Cranmer?

— Sim. É quase a mesma distância do aeroporto até o apartamento de Grace. Não pude recusar o oferecimento da duquesa para pernoitar no castelo.

— Entendo. . . Robert chegou a lhe explicar que eu soube da verdade só no dia em que o noivado ia ser anunciado?

— Sim, explicou. Nós dois tivemos uma longa conversa. Ele é um grande sujeito. Gostei dele.

— Eu também gosto, mas. . . David cortou-lhe a palavra.

— Agora preciso ir. Nós nos veremos dentro de poucas horas. Até breve.

Bethany mal teve tempo de repetir um "até breve". As horas de espera pareceram-lhe intermináveis. O único recurso para passar o tempo era descer novamente até o porto.

Ela soltou os cabelos e vestiu uma saia estampada que David lhe tinha comprado em Arles.

Será que vendo-a assim ele se recordaria daquele lugar mágico — Mas de ia Chapelle —, onde ela compreendera que o amava?

O mundo deles poderia voltar a ser aquele paraíso que haviam perdido com a chegada de Natasha?

A última hora de espera foi a pior.

Quando ouviu o ronco do motor do carro subindo a ladeira, Bethany ficou tão nervosa quanto no dia anterior, quando chegara temerosa de que a governanta lhe dissesse que agora havia uma signora Castle na Villa Delphini.

O carro estacionou e ela apurou o ouvido. Escutou duas vozes diferentes, mas ambas masculinas.

Correu para a porta e abriu-a de par em par.

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David estava ali, na soleira. Olhou para ela e depositou as malas no chão. Atrás dele havia outro homem, também muito alto de braços cruzados. Era Robert.

Por alguns segundos nenhum dos dois falou. Pareciam petrificados, observando-a atentamente como se aguardassem alguma reação da parte dela.

Bethany olhou para um e para outro. Naquele instante, não teve mais dúvidas de qual era o eleito de seu coração.

Só restava saber se aquele que ela tanto amava correspondia ao seu amor.

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CAPITULO IX

Robert foi o primeiro a falar.

— Bem, achei que as coisas se tornariam mais simples se eu viesse com David.

Bethany não entendeu o que ele quis dizer mas, antes que pudesse pedir um esclarecimento, David aproximou-se e beijou-a no rosto.

— Alô, Bethany. Como vai?

Aquele era um cumprimento comum, usado por milhões de europeus. Podia revelar uma afeição sincera ou camuflar emoções mais fortes.

Anna apareceu, falando pelos cotovelos e gesticulando muito, aflita porque o patrão não avisara que traria outro hóspede. Precipitou-se para carregar a mala de Robert para dentro de casa, e ele precisou convencê-la a não fazer isso, falando em italiano com uma fluência que surpreendeu Bethany.

David interferiu.

— Anna, você pode preparar a cama de don Robert mais tarde. Por enquanto, basta separar umas toalhas limpas e sabonetes para que ele possa tomar um banho e trocar de roupa. Para mim, arrume um copo de vinho, que vou ter uma conversa com a signorina. Agora, cada um vai levar a mala para o seu quarto, e eu desço em seguida.

Depois que os dois homens subiram a escada, Anna comentou:

— Talvez o signore Castle não saiba que na Itália usa-se don ou donna só para descendentes da alta nobreza! — E cochichou: — Esse rapaz tão lindo é filho de algum duque?

Quando Bethany confirmou, Anna soltou um assobio de admiração.

— Então vou ter que caprichar! Estrearei umas toalhas novas. Apesar de já estar acostumada à atraente cor morena de Robert,

Bethany não esquecera os cabelos claros nem os olhos azuis de David.

Após dois anos sem vê-lo, sentira o mesmo impacto da primeira vez em que o vira, trepado na escada da biblioteca de Blackmead Manor.

Quando David veio ao seu encontro, no terraço, foi logo dizendo:

— Então quer dizer que, afinal você não é minha sobrinha, hein? Ficou muito chocada ao saber disso?

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Bethany poderia ter respondido que fora um choque muito agradável, mas não o fez.

— Isso explicou muitos fatos que sempre me intrigaram. Encontrei Margaret em Londres, há pouco tempo, e me pareceu que ela não sabe a verdade. Mas talvez meu irmão soubesse.

David pegou o copo de vinho que ele trouxera e foi apoiar-se à balaustrada do terraço.

— John suspeitava que todo e qualquer homem que se aproximasse de Clare queria era cortejá-la. Em alguns casos, ele tinha razão. — Virou-se para Bethany. — Você agora é suficientemente adulta para conhecer toda a história. Eu também me apaixonei por sua mãe. Era evidente que ela e John não se davam bem. Apesar disso, ele a adorava. Nunca entendi por que se casaram, até que Robert me falou sobre a carta de sua mãe. Quando ela era viva, eu só sabia que era terrivelmente infeliz. Meu único desejo era dar-lhe algum consolo. Mas uma coisa puxa outra e John, um dia, nos surpreendeu aos beijos. Acusou-a de adultério. Não era verdade, mas poderia vir a ser. Na mesma hora me expulsou de casa.

Olhando para David, à espera que continuasse, Bethany notou que havia modificações sutis em sua aparência. Fios brancos misturavam-se ao cabelo loiro, e as pequenas rugas ao redor dos olhos eram agora mais pronunciadas. Mesmo assim, parecia ser quinze anos mais moço do que realmente era.

— Quando fiquei penalizado com a sua situação em Blackmead e a trouxe para cá, você me lembrava sua mãe. Mas só em parte, pois eu não previa, digamos assim, problemas. Francine estava vivendo comigo e você não passava de uma menina de escola. Mais tarde, quando fizemos aquela viagem à Espanha, percebi o que eu tinha feito ao adotá-la. Você era uma criaturinha linda, cheia de vida, de sonhos, carente de afeto. Durante toda a viagem passei por um inferno, pois aquela era uma situação dos diabos. Todas as vezes que olhava para você, parecia-me estar vendo sua mãe.

Bethany lembrou-se daquela noite, em Mas de La Chapelle. As toalhas cor-de-rosa, os castiçais nas mesas, a música de Azna-vour, She. . .

— Então Francine tinha razão quando disse que você tinha perdido o seu coração para alguém, e há muito tempo.

— Temo que sim. Tive outras mulheres, inclusive Francine, e mais outras virão, com as quais desfrutarei algumas migalhas de felicidade. Mas Clare. . . Clare era a minha outra metade.

Ao dizer isso, ele a fitou com um olhar vago e Bethany teve a impressão de que David não a enxergava. Via outra mulher, parecida com ela. ..

Sacudindo a cabeça, ele disse bruscamente:

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Robert já deve ter terminado de tomar banho. Por que você não sobe e não lhe dá as boas-vindas como manda o figurino? Parece que ele está cismado de que existiu alguém, no tempo em que você morava aqui, a quem amou, e por quem ainda sente amor. Não creio que seja verdade, se ê que algum dia foi verdade.

— Foi verdade. Já não é mais. — Chegou perto dele. — Querido David — disse, em voz baixa —, estou muito contente por você ter sido o meu primeiro amor. Se eu não o tivesse tido como exemplo, talvez nunca houvesse dado o devido valor a Robert.

Como fizera Francine certa vez, em Florence, ela deu um beijo na ponta do próprio dedo e depositou-o no rosto de David.

Ele sorriu e a impeliu gentilmente em direção ao hall.

Bethany subiu correndo a escada. Bateu à porta do quarto de Robert e, quando ele gritou:

— Avanti!

Ela entrou e encontrou-o descalço, com uma toalha amarrada na cintura, penteando os cabelos negros, ainda úmidos, em frente ao espelho.

— Oh, é você, Bethany? — Largou o pente sobre o console e virou-se para ela. —uma bela casa, esta. E tem uma vista para o mar simplesmente maravilhosa!

— É . . . Villa Delphini é um lugar encantador. Gostaria de ter uma casa assim para passar as férias. Mas, para viver, ainda prefiro a Inglaterra. — E, mudando a inflexão da voz, acrescentou: — Robert, tenho que lhe dizer um coisa. . . é uma coisa muito séria.

— Eu já sabia. Foi por isso que vim para cá. Qualquer que fosse a sua decisão, eu queria estar presente. Não teria paciência para esperar por um telefonema ou uma carta. Vá em frente. Diga o que tem a dizer. Ou quer que eu o faça por você? Já sei: quer romper o noivado. Não digo que ficarei dando pulos de alegria com isso, mas também garanto que não vou estourar os miolos com um tiro nem vou me alistar na Legião Estrangeira.

— Não é nada disso. Não pretendo romper o noivado. Só quero fazer uma revisão sobre as condições do nosso casamento. É que estou apaixonada por você, Robert. Só percebi isso quando me beijou no aeroporto e, quando cheguei aqui, senti que o meu coração tinha ficado com você, lá na Inglaterra.

— Chegue até aqui e repita tudo. Ela aproximou-se,

— Eu te amo... te amo. . . amo... eu... E foi interrompida por um beijo apaixonado.

Uma hora depois, deixando David entretido em ler a correspondência que se acumulara durante sua ausência, Bethany levou Robert para conhecer Portofino. Ao subirem até a igrejinha no alto da colina, ele perguntou:

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— Era David que você amava, não era? Nunca houve nenhum homem casado na sua vida. Estou certo?

— Está. Foi a David que eu amei — confessou ela, feliz em poder ser, finalmente, honesta com ele.

— Tive um palpite que fosse ele quando vi aqueles retratos. Com ou sem assinatura, eram autênticos Warrens. . . E foram pintado não só com uma técnica brilhante, mas também com muito amor.

— Sim. Mas não era por mim o amor que ele sentia. — E contou-lhe o que David lhe havia revelado sobre a mãe. — Sempre que ele me retratava, estava vendo Clare, desejando Clare. . . Pobre homem! Acabou arruinando a vida por causa dessa paixão juvenil. Não fosse por Clare, poderia ter ficado com Francine para sempre. Onde será que ela foi parar? Será que já encontrou um novo amor?

— Você trouxe as fotografias de sua mãe ou as deixou em Londres?

— Estão aqui, na bolsa. Pensei em oferecer pelo menos uma delas a David.

E mostrou as fotos de Clare Castle a Robert.

— Existe, realmente, uma certa semelhança. Mas sua mãe não é tão linda quanto você, não transmite tanta doçura e meiguice no olhar.

— É difícil julgar por uma fotografia, mas parece que ela tem um ar fútil.

Deixou as fotos de lado e segurou as mãos de Bethany.

— E você, minha querida, é a moça menos fútil que já conheci. Conforme meu irmão observou, da primeira vez que você nos visitou, é raro encontrar uma moça tão bela e tão recatada. Ele me persuadiu a não perder tempo, tentando passar-lhe uma cantada. Quanta sabedoria!

Passaram a noite de núpcias num hotel em Londres. No dia seguinte viajaram para a índia, começando por Nova Delhi. Em Srinagar, iriam alugar uma casa flutuante e passar três semanas no romântico lago de Dal.

Mas, ao entardecer do primeiro dia, Bethany não estava prestando muita atenção às belezas do Himalaia. Não parava de pensar na noite anterior.

Logo que se viram sozinhos, naquele apartamento luxuoso do hotel de Londres, ele a tomou nos braços e a beijou.

Durante o breve noivado, Robert continuou quase tão contido quanto antes. Mas nem por um instante ela duvidou que, por trás daquela aparência fria, existia um temperamento sensual e ardente.

Quando ele a apertou nos braços e seus lábios percorreram-lhe a curva sinuosa do pescoço, as orelhas rosadas e as faces de pêssego, Bethany pôde sentir o ímpeto daquele desejo por tanto tempo refreado e que, agora, se exaltava.

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Ela rendeu-se aos carinhos com total confiança. Tinha certeza de que a primeira noite de amor com Robert iria ser uma experiência maravilhosa e inesquecível.

— Vamos para a cama mais cedo? — sussurrou ele junto ao seu ouvido.

— E por que não? — concordou Bethany, aninhando-se nos braços dele. — Foi um dia longo e exaustivo!

Ele começou a desabotoar-lhe o vestido de seda e a desafivelar-lhe o cinto de camurça.

Por baixo do vestido, ela estava usando a linda combinação bordada em ponto sombra feita por Francine.

Sem pressa, mas com a segurança de um homem experiente, Robert continuou a despi-la e a carregou nos braços, já nua, para o leito matrimonial. Livrou-se depois das próprias roupas, os olhos escuros fixos no corpo adorado de Bethany. Ela corou ante aquele olhar persistente e se cobriu.

Quando ele se deitou a seu lado, Bethany sentiu as mãos morenas e fortes envolverem-lhe a cintura, e seus lábios amorosos procuraram-lhe a boca.

Ela desejou que Robert a tomasse com toda a paixão e frenesi de que era capaz, que a beijasse com loucura, que a fizesse gritar de prazer.

— Oh, meu querido! Como eu amo você!

E enfiou os dedos por entre aqueles cabelos negros e sedosos. Era tão bom sentir-lhes a maciez. . . Também era gostoso passar as mãos pelos músculos poderosos das costas másculas.

— Como você é forte!

— E como você é macia. . .

O que se seguiu foram suspiros, gemidos, estremecimento de prazer. Bethany entregava-se sem restrições. Como ele a desejava! E como ela ansiava ser desejada e desejar!

Seus corpos se fundiram num só e ela pensou que fosse morrer de prazer.

Aquele paraíso não podia nunca mais desaparecer, até o fim de sua vida.

David Castle estava no terraço da casa de Portofino, abrindo uma garrafa de Bianco delle Cinque Terre, um vinho raro e caríssimo que recebera de presente do pai de Giancarlo;

Durante todo o dia seus pensamentos tinham se concentrado em Bethany. Não comparecera ao casamento, e dera como desculpa uma viagem para a Austrália. Realmente iria viajar, mas só dentro de três semanas.

Na verdade, não quis levar Bethany até o altar, pois não teria resistido a mais essa provação.

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Mentira ao dizer que Clare havia sido o grande amor de sua vida. Era a filha de Clare que ele amava com todas as suas forças. Ela o conquistara com seus encantos, assim como o irmão fora conquistado pelo feitiço de uma mulher que nunca deveria ter se tornado sua esposa.

David afirmara que Clare era sua metade, mas era Bethany quem o fazia sentir-se completo.

O sofrimento que ele amargara depois que Bethany partira fora quase insuportável. Mas, agora, era preciso superar a dor e lutar. Por uma vida vazia.

Não fosse por Robert, será que eles poderiam ter revivido aquela louca paixão? Talvez. Não. Tinha certeza que sim.

Mas não adiantava ficar chorando sobre o que não tinha remédio. Precisava esquecer Bethany.

Mas, naquela noite, não seria possível deixar de pensar nela. David sonhava estar no lugar do homem que a possuiria.

A lembrança da fisionomia radiante de Bethany, no dia em que partira com o noivo, dava-lhe um certo consolo. Pelo menos ela passaria o resto da vida ao lado de um homem bom que poderia dar-lhe a Lua, se ela quisesse.

Olhando para as luzes do porto, David ergueu sua taça de vinho e fez um brinde silencioso à mulher que perdera e à felicidade dessa mulher.

— Salute! — brindou.

E chorou.

FIM