Céu azul, negra noite - VISIONVOX

493

Transcript of Céu azul, negra noite - VISIONVOX

OpiniãoElise de Bois, uma mocinha teimosa, orgulhosa, impetuosa e

vingativa. Seu ódio por Bryan Stede, é tão grande que desejará a suamorte. Elise vai querer tirar tudo o que Bryan deseja, ela acabaomitindo alguns fatos que aconteceram, para prejudicar Bryan, masseu plano não saiu como ela desejava, e por isso o seu ódio porBryan se torna ainda maior.

Às vezes senti muita raiva de Elise, por ela colocar a culpa emBryan por algo que ele não fez, ela mesma que complicou a sua vida.

Sir Bryan Stede é um guerreiro mais alto do que o próprio Rei,forte, bonito com seus olhos azuis e com cabelos negros, apelidadopelo Rei como Caveleiro Negro. Bryan é um guerreiro horando emuito fiel ao Rei Henrique II, até depois de sua morte. Ele não é umhomem que abaixa a cabeça para ninguém, nem para o próprio Rei,pois Bryan enfrentava ao Henrique II, quando não concordava comsuas atitudes. Henrique II, deu ao seu fiel guerreiro títulos e vastasterras através do casamento com uma viúva muito rica e bela. Com amorte de Henrique II, sua fidelidade será para o novo Rei legítimo,Ricardo Coração de Leão.

Bryan sempre está caçando Elise, e Elise sempre está tentandofugir dele. Bryan também sente muita raiva de Elise, acredita que elaé uma ladra e que profanou o corpo do seu Rei. Elise conta algumasmentiras para Bryan, para esconder o seu segredo, ela não confia noprimeiro momento em Bryan, e ele tão pouco confia nela. Bryan sabeque ela tem algum segredo. Ele sente raiva dele mesmo por sentirenfeitiçado por Elise, e ela também não consegue esquecer dele,mesmo sentido tanto ódio.

No romance conta alguns fatos sobre o Rei Henrique II, daRainha Leonor, dos seus filhos, da lenda dos Plantagenetas e dasCruzadas e de suas guerras.

Ártemis

Sinopse

A vida de Elise de Bois, filha ilegítima do Rei Henrique II daInglaterra, mudou no dia em que conheceu Sir Bryan Stede,inigualável guerreiro, nobre de escassa fortuna e fiel a seu senhor.

Bryan acredita que a moça tem algo a ver com a morte de seuRei e a trata com brutalidade. Isso fez nascer neles um rancoralimentado pelos mal-entendidos. Mas indevidamente seus destinosse cruzam uma e outra vez... Até que o Rei decide casá-los.

Entre a Inglaterra e a Palestina das Cruzadas, o mundomedieval com sua fascinação e sua dureza é testemunha de umahistória de amor tão intensa como tempestuosa, que constitui a maisinesquecível das leituras.

A LendaFulko o Negro, Conde de Anjou, descendente de Rollo, o grande viking

que tinha chegado a ser o dono e senhor da Normandia. Era um guerreiro,temível e forte como seus antepassados, tenaz e decidido.

Um inverno, travou uma batalha contra Ranulfo, um Visconde de seuterritório. Da alvorada até o crepúsculo, Fulko enviou seus homens contra ocastelo de Ranulfo em uma onda furiosa determinada para destruí-lo. Flechasem chamas voaram sem compaixão por cima das muralhas, e os aríetes1 foramimpulsionados uma e outra vez contra as portas. Finalmente, o castelo deRanulfo incendiou-se, as portas foram derrubadas, e Fulko, cavalgando sobreseu magnífico corcel de guerra com sua espada desembainhada, entrou emgalope no pátio de armas para enfrentar o seu rebelde Visconde.

Mas Ranulfo já estava morto, a cena era de morte e destruição, chamas efumaça. Fulko se apressou para ir até torre de homenagem2, em busca dequaisquer tesouros que pudesse encontrar.

Foi ali onde viu pela primeira vez a Melusina. Ela estava imóvel no alto daescada de caracol, sem prestar atenção às chamas que se erguiam ao redordela. Quando a viu, Fulko ficou paralisado e não pôde se mover. Os cabelos deMelusina pareciam um mar de chamas de cores vermelhos e dourados, seusolhos eram um redemoinho de verde e azul, como ondas tempestuosas quebrilhavam sob um grande sol, sua pele era perfeita, e sua imagem ao mesmotempo era esbelta e sensual. Em todas as suas viagens, Fulko nunca tinhavisto uma mulher tão incrivelmente linda.

Enquanto a olhava, Fulko ouviu um ruído longínquo de trovão. O diaescureceu subitamente fora da torre, e o céu começou a tremer com uma fúria

de nuvens negras e a promessa de uma tormenta. E, entretanto, ela queparecia resplandecer envolta de uma luz sobrenatural e uma neblina de magia,assombrando ao Fulko, apropriando-se dele, dobrando sua vontade como omartelo de um ferreiro poderia dobrar o aço.

Mas os olhos que o contemplavam do alto, não faziam mais que odiá-loenquanto ardiam as chamas que estavam devastando o castelo. Fulko não seimportava com seu ódio, tinha sido possuído pela grande beleza de Melusina, ea desejava mais que os sonhos do céu, mais que às riquezas ou as terras, maisque a sua vida, ou sua alma.

Melusina gritou quando o Conde foi até ela, e o amaldiçoou e o cobriu deinsultos. Mas Fulko tinha o corpo e alma invadido, e este fez o mesmo que seusantepassados tinham feito, ele a violou.

E, contudo, isso não foi suficiente. Não o curou do desejo, da necessidadede conhecê-la, de chegar a possuí-la da mesma maneira em que havia opossuído. Fulko soube que se chamava Melusina, mas não pôde averiguar suadescendência e nem de onde tinha vindo. Apenas aprendeu o seu nome…, eque o fogo não a queimava por muito que chegasse a rodeá-la, que os pássarosdeixavam de cantar quando ela entrava no pátio de armas, e que inclusive abrisa guardava o silêncio.

Não podia deixá-la partir. E ele, guerreiro orgulhoso, suplicou-lhe que oamasse tal como ele a amava e que lhe concedesse de boa vontade o seu amor.

Melusina concordou, mas seu preço seria o matrimônio. Parecia umpreço muito pequeno, já que Fulko teria entregue de boa vontade a sua almaao diabo para que ela chegasse a ser completamente dele. Melusina não podialhe contribuir com terras, poder e nem dote, e mesmo assim Fulko concordouem se casar com ela. Tomou como esposa. Como tinha prometido, Melusinaveio até a ele, noite após noite. Seu corpo acariciava o de Fulko como umquente azeite perfumado e, como um vento tempestuoso, sua presençadespertava nele uma febre de desejo que o fazia esquecer de todo o resto. Fulkocaiu ainda mais profundamente sob seu feitiço.

Mas o Conde era um homem de grande força e chegou a perceber quetinha sido possuído, porque Melusina nunca respondia a suas perguntas,nunca queria lhe dizer quem era ou qual tinha sido o lugar de seu nascimento.Os bispos de Fulko estavam horrorizados por sua obsessão, e asseguravamsaber com toda certeza que Melusina era a filha do próprio Satanás, umaafirmação confirmada, segundo eles, pelo fato de que se negava a continuarparticipando da missa quando chegava o momento da celebração da eucaristia.

O Conde Fulko, portanto, fez com que ela parasse um dia do Senhor, nomesmo instante em que ela havia deixado a igreja. Cavaleiros fortes lutarampara segurá-la. Melusina gritou com um alarido tão potente e agudo que gelouo sangue de todos os que ouviram seu eco. Depois desapareceu. Os cavaleirosse encontraram segurando nada e uma nuvem de fumaça subiu para

desparecer através de uma janela, e a linda Melusina nunca mais foi vista.Mas tinha deixado para Fulko dois filhos, e um de seus filhos nasceu um

menino chamado Godofredo, Conde de Anjou, quem não demorou para serconhecido como Plantagenet3, pelo broto florido que luzia na batalha.Godofredo contraiu matrimônio com Matilda, herdeira da coroa da Inglaterra eneta de Guillermo o Conquistador. Dos dois surgiram os Plantagenet de sanguereal, Henrique II, Ricardo Coração de Leão e Juan, bem como toda umadinastia inteira de herdeiros, tão legais como... naturais.

Mas a lenda do diabo nunca abandonaria aos Plantagenetas. Foram umalinhagem de temperamento apaixonado, tão prontos a amar como para odiar.

Eles vêm do diabo. — Disse um santo bispo da época. — E ao diabo elestêm que prestar contas.

PrimeiraParte

O Rei Morreu

Prólogo

O cavaleiro estava alcançando-a. Com cada ensurdecedor momento quetranscorria, ela ouvia como o implacável retumbar dos firmes cascos do corcelia se aproximando um pouco mais.

O cavalo sobre o que ela fugia suava, ofegando desesperadamente paraencontrar cada nova respiração trêmula de ar que estremecia através dosmúsculos de seus flancos, enquanto este lutava por manter seu frenéticogalopar sobre a lama através do bosque. Elise podia sentir como o animal seesforçava debaixo dela, com o grande peso em sua garupa flexionando...,contraindo...

Elise se atreveu em olhar para trás enquanto o vento soprava ao redordela na escuridão da noite, cegando-a com os fios que ia soltando de seuspróprios cabelos. De repente seu coração pareceu parar, depois palpitar aindamais ruidosamente do que o estrépito dos cascos do corcel que galopava atrás

de sua montaria.O cavaleiro já estava quase em cima dela. A égua não tinha nenhuma

possibilidade de escapar da perseguição de um experiente corcel de guerra.E ela não tinha nenhuma oração contra o cavaleiro negro que montava

aquele corcel negro como a meia-noite. Tinha visto ele subir na sela. Ocavaleiro era ainda mais alto do que Ricardo Coração de Leão, tão largo nosombros e tão fino nos quadris como ele.

— Não! — Ofegou Elise, se inclinando sobre o pescoço de sua égua paraapressá-la que fosse ainda mais rápida. Não, não, não! — Acrescentou emsilêncio. — Não serei apanhada e degolada. Lutarei. Lutarei. Lutarei até quetenha exalado meu último fôlego...

Santo Deus, o que tinha acontecido? Onde estavam os homens quedeveriam estar ao redor do castelo, aqueles que deveria escutar os gritos dassentinelas?

Oh, Jesus Cristo misericordioso que está nos céus! O que tinhaacontecido?

Foi apenas uma hora atrás, Elise estava cavalgando, passando por aquelemesmo caminho para chegar no castelo. Para dizer seu último adeus, parachorar, para rezar pelo Henrique II da Inglaterra...

E agora galopava em uma frenética e aterrorizada fuga, perseguida pelomais vil dos ladrões, o mais desumano dos assassinos.

— Detenha, covarde! — Ela ouviu ordenar duramente o cavaleiro negro.Sua voz era grave e firme, segura de si mesmo e arrogante contra o

silêncio da noite. Elise fez que seus joelhos apertassem com mais força osflancos da égua. Corre, Sabrá, corre! — Rezou silenciosamente. — Corre comonunca você correu!

— Pare, estou dizendo! Profanador dos mortos!Elise ouviu as palavras, mas elas não tinham sentido. Ele era o

assassino! Ele era o ladrão! O mais vil das serpentes para ser capaz de atacar aum morto. Ao rei morto da Inglaterra.

— Vou abri-lo do pescoço até o estômago! — Rugiu o cavaleiro negro.O pânico percorreu o corpo de Elise como o implacável açoite do vento,

correndo grosseiramente através de seu sangue para fazê-la estremecerenquanto tentava agarrar às rédeas. Se virou novamente. O corcel já seencontrava imediatamente atrás de sua égua. Elise já podia ver o homem que omontava, o cavaleiro negro.

O cabelo do cavaleiro era tão negro como o céu de cor de ébano. Seurosto era impiedosamente bonito. Seus lábios eram duros e sombrios. Seuqueixo era tão sólido e firme como a pedra do castelo.

Seus olhos... Elise não pôde distinguir que cor eram. Mas ardiam com

uma fúria sombria sob as sobrancelhas rigidamente arqueadas.Não usava armadura e nem cota de malha, nem sequer uma capa.

Apenas uma escura túnica que batia violentamente em torno dele,impulsionada pela força do vento e do galope.

Seu braço, forte e musculoso, se estendeu para ela.— Não! — Gritou Elise, e deixou cair sobre ele o seu pequeno chicote com

toda a força de que era capaz.— Cadela de Satanás! — Rugiu ele, e voltou a estender o braço para ela.Desta vez, Elise não pôde detê-lo. O braço do cavaleiro se enrolou ao

redor dela, e sua mão se fechou ao redor de sua cintura com a firmezaimplacável de um grilhão de ferro. Elise gritou e ofegante desesperadamenteenquanto era levantada no ar da garupa de sua égua. Um momento depois,estava lutando enquanto era lançada sem nenhuma preocupação sobre osflancos do corcel, tratada com uma brutalidade que a deixou sem respiração.

Sua adaga! Necessitava de sua adaga! Mas estava presa dentro do bolsode sua saia, e Elise não conseguia se mover e nem mudar de postura. A únicacoisa que podia fazer era ficar imóvel sobre os enormes e sedosos flancos dorobusto animal, e rezar para que não caísse debaixo de seus cascos mortais.

O cavaleiro negro puxou bruscamente as rédeas, e Elise foi empurradapara o chão. Sua respiração fugiu dela quando se chocou com o chão, e por uminstante se encontrou muito atordoada para poder se mover.

Então o instinto assumiu o controle. Elise tentou se virar sobre simesma, mas se viu enredada em sua capa. A única coisa pôde fazer foi ofegarnovamente quando o cavaleiro ficou em cima dela, procurando seus pulsos eimobilizando contra o chão.

Um estremecimento de temor fez tremer os seios de Elise enquantotentava se mover. Sacudindo a cabeça, afundou os dentes no braço docavaleiro. Um grunhido de dor saiu dos lábios dele com um chiar quasemetálico, mas, em seguida ergueu as mãos mais acima e assim não deixouparte alguma dele que pudesse morder.

— Onde estão seus cúmplices, cadela? — Ele perguntou com voz áspera.Elise foi vagamente ciente de que falava em francês, a língua habitual em

todas as cortes que havia entre o muro de Adriano e as fronteiras da Espanhados dias do Conquistador. As palavras eram naturais e fluídas, mas continhamum traço de acento. O francês não tinha sido a primeira língua do cavaleiro.

— Me diga isso agora mesmo, ou ponho a Deus por testemunha, que ireiarrancar a carne do seu corpo centímetro por centímetro até que você me faleisso!

Ainda se debatendo desesperadamente, Elise respondeu a suas palavrascom as suas, optando por gritar na língua mais tosca e gutural que era o

inglês.— Não tenho cúmplices e não sou nenhuma ladra! Você é o ladrão, você é

o assassino! Me solte, filho de uma rameira! Ajuda! Ajuda! Oh, que alguém meajude. Me ajudem!

Um instante depois, foi reduzida a um súbito silêncio quando o dorso damão dele bateu no seu rosto. Elise apertou os dentes para não gritar de dor, eentão viu mais claramente o rosto do cavaleiro.

Seus olhos não tinham nada de escuro. Eram azuis, como o azul dassafiras. Pareciam estar ardendo, a queimado até o mais profundo de seu ser.Suas maçãs do rosto eram muito firmes e marcadas, sua testa larga, e seunariz longo e fino. Seu rosto tinha sido intensamente queimado pelo sol, eparecia endurecido pela exposição às inclemências do tempo. Elise juntou tudoaquilo simultaneamente com o seguinte pensamento: Como odeio este homem!Odeio-o. É um assassino? É um ladrão? Tem que sê-lo. Ele me seguiu. Meatacou.

— Você roubou um morto. Roubou ao Henrique da Inglaterra.— Não!— Então não encontrarei nada dele em sua posse?— Não! — Gritou ela. — Não sou uma ladra, eu sou...Ela se calou imediatamente. Nunca poderia revelar o segredo de quem

era. Aquele homem nunca acreditaria.E ele ainda poderia ser um assassino.— Você não consegue ver, imbecil? Não tenho nada comigo do rei...Voltou a se calar, tentando ocultar seu súbito pânico. Porque sim, que

tinha algo que pertencia ao rei. Oh, santo Deus! Não, o cavaleiro nuncaencontraria aquilo.

Ou sim?Elise fechou os olhos, se reprovando ferozmente por sua própria

estupidez.— Já veremos se pode demonstrar sua inocência, senhora. — Disse ele,

com sua voz sendo um silvo letal.Os olhos de Elise se abriram e se encontraram com a implacável decisão

do cavaleiro.— Sou a Duquesa de Montoui! — Declarou veementemente. — E exijo

que me solte agora mesmo!Ele entreabriu os olhos.— Não importo que seja a rainha da França! Tenho a intenção de

descobrir o que você fez e o que roubou.

— Me toque e verei sua cabeça em cima do cadafalso4 do verdugo!— Isso duvido muito, Duquesa. — O cavaleiro soltou seus braços e se

levantou, olhando-a fixamente enquanto cruzava os braços em cima do peito.— Vamos retornar ao castelo. — Disse depois. — Sugiro que esteja dispostapara falar quando tivermos chegado lá.

Ele se moveu com rapidez arrogância, ficou em pé e logo foi pegar asrédeas de seu cavalo.

Com igualmente velocidade, Elise colocou a mão por debaixo das dobrasde sua capa e procurou dentro de seu bolso. Seus dedos se fecharam sobre opunho de pérola de sua adaga.

Teria que esperar até que ele se virasse, até que voltasse a vir por ela. Eteria que golpear com rapidez e sem falhar o alvo. Esperar...

E enquanto esperava, franzindo a testa em uma sombra confusão. O quetinha acontecido? Quem era aquele homem? Um cavaleiro do castelo... ou umdos ladrões, convencido de que ela poderia ter conseguido pegar algo, antesque ele ter despojado o cadáver de seus pertences?

Tinha que ser um ladrão. Um assassino. Nenhum cavaleiro poderia secomportar de uma maneira tão desprezível. Santo Deus, e ali estava elamergulhada no mais mortal dos terrores e na esperança de poder afundar suaadaga no coração de um homem.

E não muito tempo atrás, a noite tinha sido preenchida com a maissombria e terrível infelicidade. Elise tinha ido ali porque amava muito aohomem, ao qual estava sendo acusada de ter roubado...

Capítulo 01

Julho de 1189O Castelo de Chinan.Província de Anjon

A chuva se converteu em uma miserável garoa. Já fazia muito tempo quetinha encharcado a capa de Elise, um singelo objeto de lã que ainda assimresultava mais apropriada para a peregrinação que se dispunha a fazernaquela noite. O capuz se estendia sobre suas feições e ocultava a suntuosocomprimento de seus cachos dourados avermelhados, nos quais poderia emum momento como aquele, ter atraído o olhar de certos homens.

Um momento como aquele...

O barulho surdo das gotas de chuva que se chocavam contra o pomo dasela de seu cavalo, era como uma sucessão de pequenos marteladas desferidossobre seu coração.

O rei estava morto. Henrique II, pela graça de Deus, rei da Inglaterra,Duque da Normandia e Conde de Anjou tinha morrido.

E apesar de tudo o que ele tinha sido, belo, valente, carregado devitórias... ou cruel, velho e derrotado, Elise o tinha amado com uma devoçãosingela e cega que muito poucas mulheres poderiam dar.

Ela o tinha entendido de uma maneira que muito poucas mulherespoderiam ter feito isso. Tinha conhecido, e tinha estudado avidamente quantopôde a respeito dele.

Henrique, o neto de outro Henrique, o último filho de Guillermo oConquistador, tinha nascido sendo o herdeiro de Anjou... e da Normandia. Seupai tinha lutado para que tivesse Normandia, e sua mãe tinha lutado para lheentregar a Inglaterra. Ela acabou falhando, e então Henrique travou uma longae dura batalha com o Esteban da Inglaterra para se apropriar da herança coma morte de Esteban. Através de Leonor da Aquitânia, chegou, conseguir todasaquelas vastas posses no Sul da França. Não tinha sido unicamente o Rei daInglaterra, porque também era um monarca europeu das mais altasdimensões. Pela Normandia, Aquitânia, Anjou e o Maine, devia fidelidade ao Reifrancês, mas Henrique foi o governante indiscutível. Até que o jovem Rei daFrança, Felipe Augusto, e os mesmos filhos de Henrique, se rebelaram contra amão severa com que os controlava, se uniram entre si para enfrentá-lo.

Henrique, conhecido em todas as partes por seu famoso caráter tãopróprio dos Plantagenetas, por seu longo enfrentamento com Tomam Becket...e por ter sido a causa do assassinato daquele homem. Henrique Plantagenetas,mudando e imprevisível, um homem cheio de energia e de poder que sempreestava em movimento e sempre estava disposto a enfrentar a todas asadversidades.

Mas desta vez, Henrique tinha sido derrotado. A morte tinha sido ovencedor.

Elise fechou os olhos em uma oração fervorosa. Como o tinha amado!Apenas poderia pedir a Deus, que a história que deixou registrada de todas asgrandes coisas que tinha feito. Inclusive em sua disputa com o Becket que,verdade, que se tornou pessoal, mas o Henrique tinha pretendido concederjustiça ao povo, fazendo como que o assassinato fosse um crime, tanto se eracometido por um leigo ou cometido por um membro do clero. Henrique tinhasido um homem de leis! Tinha criado maravilhosos tribunais, e um sistema dejustiça que sobreviveria durante muito tempo. Fazia desaparecer o julgamentopor Ordálio5 e trouxe as testemunhas a seus tribunais. Tinha sido um amigode seu povo.

E agora estava morto. Durante meses tinha estado combatendo ao jovem

Rei da França e ao Ricardo, seu próprio herdeiro. Batalha após batalha, aldeiaapós aldeia. Finalmente, Ricardo e Felipe tinham obrigado a assinar umdocumento com humilhantes exigências e Henrique tinha morrido,antigamente um grande Rei e agora um homem destroçado por dentro.

Elise tinha vindo chorar por ele, porque para ela Henrique era tudo.Tinha-o amado muitíssimo.

Viajava com uma só acompanhante, Isabel, uma jovem donzela a seuserviço. Sem dúvida, que era perigoso para ela fazer tal coisa, pois, emboraretirou todos os seus adornos, mesmo assim os criminosos e os ladrões podiampercorrer o mesmo caminho que ela em busca de uma presa fácil. Mas Elisesabia utilizar a sua adaga, e se sentia muito abatida para pensar em seupróprio perigo. Enquanto seu cavalo andava monotonamente através dointerminável lamaçal e a garoa que nunca deixava de cair, o manto ia caindopesadamente cada vez mais sobre ela. Desde o Montoui, o pequeno ducado deElise, um fértil vale circundado pela Aquitânia, Anjou e aquelas terras sobre asquais Felipe da França reinava diretamente, havia um trajeto de uns setenta edois quilômetros até chegar em Chinon. Na maior parte, as rotas eram boas,uma série de caminhos romanos pelos quais ainda podia circular graças aoconstante movimento de eclesiásticos, emissários e peregrinos, assim como aconstante vitalidade e as contínuas viagens que Henrique fazia através de seusdomínios. Mas os bons caminhos podiam significar mais perigos, e Elise tinhapassado uma parte de sua viagem entrando em trilhas estranha raramenteutilizados, que se achavam enlameados e eram traiçoeiros. Tinha sido umlongo trajeto e tinham ido o mais depressa possível, galopando durante ametade da distância. Seus progressos agora só estavam sendo parados pelo oataque daquela chuva miserável.

Uma coruja grasnou subitamente do bosque próximo, e a égua de Eliseparou por vontade própria.

— É o castelo, minha senhora. — Disse Isabel nervosamente, parandojunto dela. — Chegamos a ele.

Isabel estava muito cansada, e também estava assustada. Embora jáfosse um pouco tarde para este fato, Elise pensou que não deveria ter trazidoconsigo. Isabel era uma alma cândida e aprazível que não gostava de aventurasde nenhuma classe. Mas seu raciocínio tinha sido de que Isabel era jovem, desua mesma idade, e não importaria a rapidez com a que sua senhora tinha tidoque se mover. Agora já era muito tarde para mudar as coisas, e Elise suspirou.Deveria ter deixado ela em casa, e deveria ter vindo sozinha. Mas sabia que setivesse tentado partir sem nenhuma companhia, nunca teria sido capaz de selivrar dos outros fiéis servos que tinha no Montoui.

Entreabriu os olhos tentando ver algo na noite. A lua reluzia palidamenteno céu escurecido pela chuva, mas mesmo assim, verdade era que já podiamver diante delas os altos muros de pedra do castelo. Chinon, um dos castelosde Henrique, um lugar ao qual tinha vindo recorrer após ficar doente, depois de

seu encontro com o Felipe e Ricardo. Chinon, com seus altos muros de pedra,era um grande castelo, um castelo defensivo que se prolongava na noite atravésda paisagem igual a uma fortaleza.

A luz brilhava das seteiras6 dos arqueiros, mas estava embaçada peloresplendor nebuloso de uma lua meia escurecida pelas nuvens e fazia que ocastelo parecesse uma silhueta fantasmagórica reduzida após a noite.

— Venha, vejo uma ponte diante de nós. — Disse Elise a sua nervosadonzela enquanto fazia avançar a seus cavalos.

— Minha senhora, está segura de que é prudente correr este risco? Ocastelo estará cheio de cavaleiros do rei...

— Sim! Este risco é necessário! — Replicou secamente Elise.Não estava de humor para tolerar as críticas de uma serva. Mas apenas

as palavras tinham saído de seus lábios, Elise se arrependeu delas. Ela sempreencorajou às pessoas de sua casa, e que se sentissem orgulhosas de simesmas, e a seus servos ela ensinava a ler e escrever..., e a raciocinar.

E certamente a razão opinava que estava cometendo uma autênticaloucura. Apenas quero vê-lo. Tenho que ver ele. Devo essa última amostra derespeito.

— Isabel. — Disse em um tom mais doce. — Esses homens estarão deluto. E serão homens de honra. São os cavaleiros que continuaram a estar aolado de Henrique quando tudo ficou sombrio, e todos aqueles que careciam delealdade ou devoção o abandonaram para unir-se ao Ricardo e Felipe Augustoda França. Você verá. — Acrescentou com mais segurança da qual realmentesentia. — Como seremos tratadas com o devido respeito.

— Humf! — Bufou Isabel, mas naquela noite sua senhora tinha otemperamento muito difícil, então ela evitou seguir contradizê-la.

O cavalo que montava Isabel retrocedeu temerosamente ante a estreitaponte que levava às portas principais. Um instante depois, as duas mulheresforam interpeladas por uma sentinela, cuja ensurdecedora voz fez que anervosa égua de Elise desse coice de medo.

— Alto em nome da coroa! Vocês digam o que traz aqui, ou deem a volta.Elise tentou acalmar a sua inquieta égua, lamentando a incômoda sela a

gineta7 que tinha escolhido para a viagem.— Sou Elise de Bois, Duquesa de Montoui! — Anunciou com seca e

ressonante autoridade. — Vim para apresentar meus últimos respeitos aoHenrique da Inglaterra, meu rei e senhor!

Houve um súbito ruído de movimentos atrás das portas. Elise exalou umsuspiro de alívio quando as portas foram abertas com um chiado para permitira entrada. Conduziu a sua égua ao longo do que restava da ponte, com a Isabelseguindo-a muito de perto.

Uma sentinela cansado e esfarrapado a recebeu na úmida entrada docastelo. Estava muito magro debaixo de sua armadura, e tinha as feiçõespálidas. Elise sentiu uma súbita quebra de onda de compaixão por ele. Os leaisseguidores de Henrique haviam o trazido ali, dispondo de muito poucasprovisões, porque o rei da França e o filho contra o qual durante tanto tempotinha combatido pisavam nos seus calcanhares. E Henrique tinha acabado deassinar a humilhante trégua com os dois, justo antes de sua morte. Aqueleshomens provavelmente tinham comido e dormido muito pouco durantesemanas, talvez meses.

O exausto sentinela de rosto pálido a contemplou com interesse.— Não lhe conheço, minha senhora. E tampouco ouvi falar do ducado de

Montoui.— É um ducado muito pequeno. — Disse Elise secamente. — Mas se não

me conhece, senhor, então façam vir a seu superior, pois sou a Duquesa deMontoui e percorri um longo e penoso caminho para chegar até meu rei.

— Estão todos na missa... — Começou a murmurar a sentinela.— Pelo bendito nome de Jesus! — Exclamou Elise com irritação. —

Somos duas mulheres sozinhas. Que dano pensa que podemos lhe causar aum rei morto?

A sentinela retrocedeu. Como quase toda a aristocracia, Elise tinhaaprendido as maneiras de alguém, que deve ser obedecido.

— Não vejo que isso possa machucar a um morto. — Murmurou asentinela.

Elise desceu de sua égua sem ser ajudada.— Então me diga por onde se chega ao rei. Minha donzela me esperará

aqui.— John Goodwin! — Chamou secamente a sentinela, fazendo surgir das

sombras a um segundo homem armado. — Esta Lady é Elise de Bois, que deverezar pelo Henrique da Inglaterra. Sua donzela pode esperar aqui, e eu cuidareidos cavalos na ponte. Escoltará ela até a seus aposentos.

O homem assentiu, se virou e conduziu a Elise para o interior do castelo.O primeiro lugar em que eles chegaram foi a poterna8, a sala que havia mais àfrente da ponte levadiça em que cada lado do muro era cercado por afiadospontas agudas de aço, no caso de que a porta chegasse a ser atravessadaalguma vez, durante o curso de uma batalha, poderia ser acionado umaalavanca que faria que as pontas agudas avançassem bruscamente paradentro, empalando assim à primeira quebra de onda de invasores.

Chinon era um castelo que tinha sido planejado para a batalha. Osmuros eram altos e grossos, e estavam guardados por numerosas torres.Naquela noite o castelo estava muito escuro e úmido. O acre aroma das velas

de sebo flutuava pesadamente no ar. Não passaram por ninguém enquantosaíam da poterna para entrar no pátio externo, depois do qual deixaram paraatrás uma paliçada9 de madeira para entrar no pátio interno e seguir andandopara a torre de homenagem, ou fortaleza. Elise contemplou ao seu redor comum certo desgosto. Não gostava de nada de Chinon. Aquela noite o casteloparecia estar deserto. Certo que estava passando pelas defesas em vez deandar pelos alojamentos, mas mesmo assim não parecia haver absolutamentenada de elegante ou sequer confortável em Chinon. Apenas havia pedra fria,áspera e sólida... e nada acolhedora.

Uma vez dentro da fortaleza, Elise foi conduzida para além da espiral dedegraus de pedra desgastadas que deveriam conduzir à parte habitada docastelo. Então arqueou uma sobrancelha, e parou para interrogar ao cavaleiroque a escoltava. Não conhecia Chinon, já que nunca tinha estado alianteriormente. Mas sabia que Henrique gostava de se alojar no segundo andar,justo em cima das sentinelas e do armamento.

— Aonde me leva, senhor? Não deveria estar deitado o rei em seusaposentos?

— O rei se encontra neste solo, minha senhora. — Disse a sentinela comvoz triste. — Em vida ele estava muito doente e sofria muitas dores para serlevado pelas escadas. E na morte... Este é o solo onde faz mais frio, minhasenhora.

Elise não disse mais nada. Compreendia muito bem a necessidade deproteger o corpo da podridão.

Pouco depois pararam em frente de uma porta, e Elise por fim viu outrossinais de vida. Dois soldados de aspecto cansado flanqueavam entrada dacâmara mortuária.

— A Lady Elise de Bois, para ver o rei. — Anunciou cerimoniosamentesua escolta. — Assegure de que não a aborreça durante suas preces.

Os cavaleiros assentiram e se afastaram. Elise pôs a mão em cima dagrossa porta de madeira e a empurrou. Esta virou para dentro com um levegemido seguido por um suave chiar, e Elise entrou no aposento e fechou aporta atrás dela.

Durante alguns momentos se limitou a permanecer imóvel, se apoiandona solidez do carvalho. E contemplou a figura envelhecida e consumidadeitada, finalmente em paz, entre quatro postes carregados de grossas velasque ardiam constantemente para manter a umidade da noite afastada.

Nada já ficava da glória dos Plantagenetas. O corpo era de um homem,envelhecido antes do momento de ser um ancião e devastado pela enfermidadee sofrimento. As bochechas estavam profundamente afundadas pela morte, orosto estava cheio de rugas, e os lábios pendiam para baixo. Henrique jaziacom a coroa sobre sua cabeça e sua espada e seu cetro junto a ele, e ainda

assim parecia muito patético, para ter sido um monarca orgulhoso e arrogante.Inconscientemente, Elise levou seus dedos para boca e mordeu com

força. Não sentiu dor alguma enquanto tentava reprimir o grito de perda queestava crescendo dentro dela.

De repente correu para o corpo de Henrique e caiu de joelhos junto a ele.Embora a mão do rei estava inchada pela podridão e enrijecida pela morte,Elise a pegou, e suas quentes lágrimas a banharam com amor.

Não soube quanto tempo permaneceu ajoelhada ali, atordoada pelaperda, mas finalmente suas lágrimas silenciosas terminaram se secando e,voltando a contemplar com ternura aquele rosto devastado, pôs em seu lugaruma mecha de cabelos cinzas que tinha caído sobre a testa.

Houve um tempo que ele tinha sido belo e cheio de vida, um autênticoRei da cabeça aos pés. Henrique Plantageneta, tinha sido um homem deconstituição e estatura mediana, mas robusto, forte e ágil devido aos muitosdias que passava sobre a sela. Às vezes se mostrava despótico e grosseiro, e eravaidoso, exigente e dado a ter arrebatamentos de mau gênio. Mas onde alicolocava os pés, a força da vida sempre o tinha seguido. Temperamental,resolvido, teimoso e cheio de orgulho, era um Rei dominado pelas paixões que,apesar de todas aquelas outras coisas, era justo e ao que se respeitava por suamente, sua aguda inteligência e seus conhecimentos. Havia sido um linguistaassombrosamente talentoso, suas terras abrangiam sete idiomas, e ele estavaamplamente familiarizado com todas elas, o francês provençal de suas regiõesdo Sul, o francês normando do Norte do continente e da corte inglesa, o anglo-saxão de seus povos inglês, e o latim que era conhecido em toda a cristandade.Até conhecia a língua dos galeses, e o gaélico dos ferozes escoceses. Sua mente,como o seu corpo, fluía com a rapidez habilidade.

E quando ele sorria, um raio de sol caía sobre o mundo porque Henriquesorria da maneira como fazem os reis.

Elise nunca esqueceria a primeira vez que o viu, ou que se lembrava dehavê-lo visto. Ela tinha uns quatro anos de idade, quando Henrique cavalgouaté o castelo de Montoui.

Tinha chegado com um reduzido séquito, mas mesmo assim Elise ficouimpressionada ao vê-lo. Sua capa da cor azul real estava debruada de arminhoe parecia ondular atrás dele, enquanto permanecia sentado em todo seuesplendor em cima de seu corcel, um cavaleiro nascido para a sela.

E seus cabelos, vermelhos e dourados, tinha refletido a luz do sol.No princípio, Elise pensou que talvez fosse Deus. Com toda segurança,

era um Rei que estava por cima de todos os Reis.

Do bastião10 do castelo onde atirava pedrinhas em um lago, Elise correuatravés do salão de banquetes, subiu a toda pressa a íngreme escada decaracol e entrando no quarto de sua mãe.

— Deus veio, minha senhora mãe! Deus veio!Sua mãe riu alegremente, o som de um riacho cujas águas correm na

primavera.— Não é Deus, filhinha. É nosso senhor Henrique, Duque da Aquitânia e

Normandia, Conde de Anjou e de Maine, e Rei da Inglaterra!Quando chegavam visitantes importantes, Elise acostumava a ser

enviada para sua ama de leite, mas naquele dia não aconteceu assim. Ohomem que acabava de chegar, o grande homem, o Rei, tinha vindo para vê-la.Em um autêntico arrebatamento de alegria, Elise esteve encantada de podersubir a seu colo e exibir diante dele tanto suas maneiras e sua inteligência. Foium dia cheio de felicidade, pois sua mãe e seu pai, o Duque e a Duquesa deMontoui, sorriram com o maior dos prazeres quando o Rei riu e os felicitou pelabeleza de sua menina.

Nesse mesmo ano, outra visita de sangue real chegou à pequena corte deMontoui.

Desta vez os pais de Elise não se mostraram tão contentes. Eliseperguntou a sua mãe por que estava tão assustada e Marie de Boisempalideceu, e logo negou seu medo.

— Não estou assustada. É apenas a Rainha é uma grande senhora,poderosa por direito próprio...

Marie de Boís, que nunca tinha tido nenhum conflito com Leonor daAquitânia, se encontrava justamente nervosa. Henrique II, iniciava umaaventura com Rosamund Clifford, que teria consequências desastrosas. Leonore Henrique se separaram, e os dois filhos mais velhos do rei, Henrique eRicardo, já ressentidos pela falta de liberdade e confiança com que Henriquesempre os tratara, ficaram do lado de sua mãe em um aberto ato de desafio aseu pai.

Agora Leonor faria uma aparição em Montoui, e a lealdade de Montouiestava dividida. O pequeno ducado ficava justo entre o Anjou e Aquitânia, comesta última pertencendo a Leonor por direito de nascimento, e o rebeldeRicardo tinha sido proclamado Duque da Aquitânia, enquanto que Anjou eraindiscutivelmente de Henrique.

Montoui não poderia permanecer como território neutro durante muitotempo na guerra entre o rei e a rainha e os príncipes. Por costume feudal,Henrique, através de suas próprias posses europeias, era o soberano dosDuques de Montoui.

Naquela época Elise era muito pequena para que pudesse entender todasas complexidades do império Angevino11, ou as inimizades que tinhamdividido a uma família, mas da mesma maneira que tinha ficado muitoimpressionada com Henrique, ficou muito impressionada com Leonor.

A rainha era mais velha que o rei, mas era igualmente esplêndida e

igualmente linda. Elise tinha ouvido as histórias que se contavam sobre ela.Houve um tempo em que Leonor esteve casada com o rei da França, antes dese casar com Henrique, é claro, e tinha cavalgado como uma amazonaguerreira junto a ele até a Terra Santa, comandando no seu próprio exércitonas cruzadas.

Leonor era alta, majestosa, bela e elegante... e muito inteligente.Interrogou implacavelmente a Elise, e pareceu ficar agradada com todas asrespostas que recebeu. Então ela deu uma guloseima que foi aceita comofegante prazer pelas mãos gordinhas da pequena. Mas então a tinha feito sairdo salão.

— Estão fazendo um ótimo trabalho com esta menina. — Disse a rainhaao duque e a duquesa de Montoui. — Tem a coragem e a inteligência de seupai, e vocês estão guiando muito bem a ambas as coisas.

— Não sei o que se refere, alteza... — Começou a dizer a mãe de Elise.— Por favor, Marie! — A rainha parecia tão angustiada como divertida. —

Da mesma maneira em que tem a inteligência de seu pai, a pequena tambémexibi seu estandarte! Cabelos que têm a cor do ouro e o fogo! Não tenhammedo, que não procuro vingança. Apenas queria ver Elise e me certificar de querealmente era filha dele. Sempre contará com meu amparo. Bem, sabe Deusque não guardo rancor algum ao Geoffrey Fitzroy, e que sempre o protegi. Éuma lástima, asseguro-lhe isso, mas há momentos em que devo admitir que obastardo do Henrique seria o melhor herdeiro para o trono. Henrique e Ricardosão temerários e impetuosos, e Juan merece tanta confiança como umaserpente que se esconde entre a erva.

Os olhos da rainha, lindos e faiscantes, se posaram uma vez mais emElise.

— É uma menina muito linda. — Disse depois. — Impressionante, einteligente. Me agrada muito tê-la visto.

Disseram para Elise que se inclinasse diante da rainha. Então foi retiradaapressadamente do salão, mas não antes de começar a se perguntar o que eraum bastardo.

Para o filho do cozinheiro, três anos mais velho que ela, foi um prazer lhecontar o que era um bastardo. Mas embora o menino burlou implacavelmentedela, para Elise, ele assegurou que ela não era uma bastarda. A linda Marie deBois era sua mãe, e William de Bois, Duque de Montoui, era seu pai.

Mas conforme transcorriam os anos, o Rei da Inglaterra continuava vindoa visitá-los.

Elise lamentou saber que Henrique tinha encarcerado a Leonor, suarainha. Tinha gostado muito da rainha, mas até uma menina, sabia que nãodeveria se opor à ordem de um monarca tão poderoso, e por isso não dissenada.

À medida que crescia, foi autorizado cavalgar com ele.— Deve saber, Lady Elise. — Disse o rei em seu décimo aniversário,

depois de que ele deu um falcão habilmente adestrado. — Que você é a únicaherdeira de seus pais. Algum dia será a Duquesa de Montoui.

— Sim, alteza, já sei. — Disse Elise com orgulho.A uma idade precoce, foi informada que Marie não poderia dar à luz mais

filhos, e que ela deveria levar muito a sério suas obrigações. Montoui erapequeno, mas suas terras eram férteis. E Marie tinha dado forma a sua cortetomando como modelo a de Leonor da Aquitânia, acolhendo os historiadores,poetas e estudiosos do momento. Os músicos eram convidados a passar ummês e ficavam durante um ano. O castelo não era gélido, miserável e cheio decorrentes de ar como o eram a maioria, mas sim estava generosamenteadornado com tapeçarias que davam calor, e no chão sempre havia purosjunquilhos12. O Duque William tinha ido de cruzadas à Terra Santa com oLuis da França, e Leonor da Aquitânia, quando esta tinha sido sua rainha, etrouxe para casa muitas das comodidades do Oriente, tapetes persas,tapeçarias de seda, baixelas de ouro e porcelana, o mármore e a prata...

— Deve aprender a entender o mundo muito bem, minha pequena. Valemuito para ser... — Henrique ficou em silêncio durante alguns momentos.

— Para ser o que, alteza?— Um peão. — Disse ele com doçura. — E agora venha. Retornamos para

o castelo!A partir daquele dia, Elise encontrou sua educação muito ampliada.

Aprendeu todos os limites da Inglaterra, Europa e o Oriente, aprendeu quemeram os príncipes mais poderosos, e que terras estavam desaparecendo nastrevas.

Em seu décimo quinto aniversário, voltou a ver o Rei. Foi uma raraocasião, porque naquele tempo o jovem Henrique já tinha morrido e Ricardo sealiou com o Felipe, o jovem Rei da França, em uma amarga batalha contra oseu pai.

Leonor ainda estava encerrada dentro de sua prisão, e Elise aindachorava a morte de seu pai. William de Bois, Duque de Montoui, tinha adoecidoe morto por causa de uma ferida no ombro que sofreu durante uma batalhacontra Ricardo, liderada por seu soberano.

O Rei estava triste. Tinha envelhecido.Mas Elise percebeu de que Henrique tinha encontrado um refúgio nela.

Não havia trazido consigo nenhum de seus cavaleiros quando visitou Montoui,e era como se tivesse escapando da batalha, da dor e da amargura.

Elise se alegrou de estar com ele, especialmente naquele dia. Tinhaaprendido quanto pôde para agradá-lo, e também tinha administrado

brilhantemente suas propriedades desde a morte de seu pai. Marie a tinhaconsiderado, bastante velha para assumir toda a responsabilidade de suaherança, e Elise tinha demonstrado ser uma pessoa responsável. Equilibrandoas contas da casa, ocupava do chefe da guarda do castelo, encorajou a seusaldeões para obter uma maior eficiência no cultivo dos campos, e manteveMontoui em um estado produtivo de paz interna.

E tinha estudado com muito afinco. Tinha chegado a dominar o inglês e olatim, e tinha aprendido muitas, muitas coisas mais. Aos quinze anos e depoisde ter crescido alta, erguida e esbelta, se converteu em uma moçaassombrosamente linda. Tinha aprendido a desprezar o destino habitual dosexo feminino e a abominar o sistema que decretava que as mulheres deviamser vassalas, compradas e vendidas por seus pais e seus maridos segundoquais fossem suas riquezas e suas terras.

Mas também tinha aprendido a empregar os ardis e lisonjas de seu sexo.— Mãe diz que já tenho idade mais que suficiente para me casar — Ela

contou ao rei enquanto cavalgavam. — Sugeriu ao Duque de Turena, mas eutenho a impressão de que tal aliança seria um grave engano. — Não disse aoHenrique que desprezava ao Duque de Turena por ser uma almofadinhasatisfeito de si mesmo, e que nunca sabia se manter erguido em sua sela, massim utilizou a mais fria lógica. — Sua lealdade ao império Angevino é bastanteduvidosa, porque durante ano passado ele foi visto com muita frequência emcompanhia do Rei da França.

— Tem toda a razão! — Exclamou o rei apaixonadamente. — Não, nãoserá a esposa de tal homem. Não, não te casará até que eu tenha escolhidoalguém para você. Ah, que preço tão terrível você tem que pagar por isso! —Cuspiu. — Com seus legítimos herdeiros, um homem deve vender para omelhor lance e a melhor das alianças. Eu não farei isso contigo, minhapequena Elise.

E assim foi naquele dia que se inteirou de que era uma bastarda. Eliseera a filha bastarda do rei. Henrique lhe assegurou que ninguém sabia. Tinhaamado a sua verdadeira mãe, uma jovem camponesa que vivia perto deBurdeos. Ela tinha sido doce, amável e bondosa e enquanto ia se debilitandoaté a morte depois da dura prova do parto, ela pediu ao Henrique um últimofavor. Sua filha seria criada pela nobreza, mas salvaria do estigma dabastardia... Assim, tinha sido entregue ao duque e a duquesa de Montoui, quenão tinham filhos, e lhe tinha outorgado o dom da legitimidade.

Elise, atordoada e surpresa, se sentiu subitamente muito insegura de simesma. Toda a sua vida tinha sido profundamente amada por seu pai e suamãe, e agora acabava de saber que o nobre William não tinha sido seu pai...

Era a filha bastarda do rei.— Eu tirei muita coisa de você, com a revelação dessa verdade que

deveria ter mantido em silêncio. — Disse Henrique astutamente. — Ah, minha

pequena, sinto muito... Mas talvez possa te dar muito em troca. Te darei aquiloque não pude dar as minhas filhas legítimas. Darei a sua liberdade, e seuducado. Para uma mulher, esse é um grande presente. Você escolherá o seupróprio marido, minha filha. E governará suas próprias terras. Mas lembre-sebem, filha, que Montoui só pode ser sua mediante a farsa. Se a verdade de seunascimento chegar a ser conhecida, os campos se encheriam de loboslegalmente aparentados que reclamariam Montoui. Enquanto eu viver,ninguém ousará te atacar, mas no caso de algo acontecer comigo...

— Por favor! Não vamos falar sobre essas coisas, alteza!Elise não conseguia se decidir em chamá-lo de pai.— Realmente amava a minha mãe, majestade? — Ela perguntou.Elise não era nenhuma parva. Tinha ouvido falar das muitas conquistas

do rei, a mais nova das quais não era precisamente a linda Rosamund Clifford,que estava morta há muitos anos e que alguns diziam que tinha sidoenvenenada pela mão da rainha. Mas Leonor já se encontrava encerrada emsua prisão enquanto Rosamund jazia em seu leito de morte, e Elise se sentiaincapaz de acreditar que a rainha tivesse pago a um assassino.

— Sim, amava-a. Quando foi concebida, eu estava muito apaixonado porela. — Henrique levantou a mão e lhe mostrou o pequeno anel de safira queusava no dedo mindinho. — Sua mãe me deu isso a primeira vez que estivemosjuntos, e estive carregando desde então.

Marie, duquesa de Montoui, morreu no ano seguinte. Henrique só tinhatempo para lutar sua guerra com o Felipe e Ricardo, mas conseguiu tempopara ir ao castelo.

Tinha um aspecto horrível, velho e consumido pela dissipação.Mas agora Elise sabia que o amava, sem importar com sentimento de

traição que pudesse experimentar assim que soube que não era uma filhalegítima. Henrique era seu pai, e seu coração lhe pertencia.

— Pai. — Ela perguntou assim que estiveram a sós. — Não há comoconseguir chegar a fazer as pazes com o Ricardo? Se colocassem em liberdadeà rainha, possivelmente...

— Nunca! — Henrique se enfureceu. — Foi ela quem virou os meus filhoscontra mim! E Ricardo nunca dobrará seu joelho! É um jovem cachorrinhoarrogante...

O rei seguiu falando com voz irritada. Ricardo era um jovem cachorrinhoinsolente, Henrique tinha pedido muito pouco. E Leonor era tão perigosa comouma viúva negra.

Elise achava compreender uma grande parte dos problemas de Henrique,uns problemas que tinham convertido ao grande rei em um guerreiroenvelhecido, amargurado e falador. Henrique tinha sido ferido de uma maneiraque só um pai pode ser ferido por seu filho. Estava julgando a seu filho como

se fosse um menino, mas Ricardo Plantageneta, já conhecido como Coração deLeão, não era um menino que estava pedindo um novo corcel ou um arco. Eraum homem grande na flor da idade. E Leonor...

Bem, para Elise não custava nada acreditar que a rainha poderia seruma mulher muito perigosa. Mas também acreditava que Leonor ainda amavaao Henrique. Os pensamentos de seu pai estavam seguindo o mesmo curso queos dela.

— Leonor... — Murmurou Henrique, e Elise soube que sua mente estavapensando em sua esposa. Olhou-a, e por um instante seu sorriso foi jovem. —Em uma ocasião a vi quando era a esposa do rei francês, o velho Luis. Sim,Luis deveria ser um monge. Não estava à altura de Leonor. Naquela época elaera deslumbrante, talvez a chama mais brilhante de toda a cristandade. Tinhamais inteligência e estratégia no dedo mindinho, do que tinha Luis em todo seuflácido corpo. Como desejava que fosse minha! E a Aquitânia também,naturalmente.... Juntos criamos o império Angevino, ela e eu. E Leonor nuncase deixou dobrar. Encarcerada durante todos estes anos, e ainda segue sendouma ardilosa e orgulhosa velha vadia que sempre está tramando planos econspirações! Minha Leonor é uma rainha, isso é o que é…

Henrique guardou silêncio durante uns instantes e olhou a sua filha comolhos penetrantes.

— Mas veja, minha filha, que ela ainda estando na prisão tal como estevedurante quase doze anos! Segue seu exemplo no referente ao orgulho e oespírito, mas no caso de que chegue a se casar, considere-se advertida, nuncavire os seus filhos contra o seu pai!

Com a mudança que havia acontecido nele, de repente Elise esqueceu doprotocolo e colocou os braços ao redor dele.

— Nunca farei tal coisa, pai, porque estou apaixonada!— Apaixonada, eh? De quem?— De Sir Percy Montagu, pai. É um cavaleiro que lhe serve fielmente. E

sei que seu pai aprovou nosso enlace, e não demorará para pedir a minha mão.Henrique riu.— Ah, e fará muito bem! Conheço jovem Montagu, sim. Teria dado a

minha aprovação a um enlace de maior prestígio para você, mas...— Mas prometeu que poderia me casar com o homem que amasse!— Verdade, fiz isso.— E conservarei a propriedade de minhas terras, pai.— Bem! Vejo que prestou atenção às lições de seus preceptores.— Sim, isso é algo que pode ser feito de uma maneira totalmente legal.— Quando o jovem Percy pedir a sua mão, mande-o para mim. Aprovarei

o matrimônio, se isso for o que deseja.Elise tentou ocultar sua alegria.— Obrigada, majestade — Ela disse solenemente. Mas no mais profundo

de seu ser, estava compadecendo-se de seu pai e invejava a si mesmo.Aprendi muito como você, pai. — Ela pensou com um pouco de tristeza. —

Sempre saberei que um homem, ou uma mulher, não deve utilizar a uma criançacomo peão no curso de uma batalha. Vou saber que meus filhos, são tão dosangue de meu marido como meu, e que magoar a um progenitor que eles amamestá magoando a eles. Não me deixarei conquistar por um homem cujo olharsempre esteja indo de uma presa a outra..., como faz você. Quando disser queamo, assim o farei, com todo meu coração e meu propósito, para sempre. Comoamo ao Percy, e Percy me ama. As terras e os títulos não significarão nada paranós dois, e protegeremos a nós mesmos dos caminhos do mundo mediantecobertas de nossas próprias verdades e sinceridade.

O curso errante de seus pensamentos foi interrompido quando Henriqueesclareceu a garganta com um pigarro e atraiu sua atenção.

— Elise... Eu...— O que, majestade?— Nada. Eu...Estava muito tempo sem dizer isso para ninguém. A vida tinha

terminado, se tornando muito amarga para o Rei Henrique II da Inglaterra,Conde de Anjou e Duque da Normandia. As palavras tremeram em sua língua.Mas logo disse.

— Te amo, filha.— Eu também te amo..., pai...Aquela foi a última vez em que Elise o viu com vida.— Oh, Henrique. — Sussurrou enquanto as lágrimas voltavam a se

formar em seus olhos. — Foi tão terrível com você. Apenas poderia teraprendido afalar com seu filho legítimo da mesma maneira em que faloucomigo ...

Tinha ouvido falar finalmente, na trégua que foi obrigado a assinar com oRicardo e com o Felipe. Henrique tinha sido despojado de seu orgulho, de tudo.Uma vida de êxitos tinha sido convertida em um terrível fracasso.

E então tinha morrido. Morto, depois de ter descoberto que o mais novode seus filhos estava entre os homens que o abandonaria no final. O príncipeJuan. Juan Sem Terra, como o chamavam, porque todas as posses tinham sidorepartidas entre seus irmãos mais velhos, concedendo-lhe preferência antesdele, tinha abandonado a seu pai. Eram um ninho de abutres. Eram seusmeios irmãos.

Um estremecimento percorreu em Elise. Graças a Deus, ninguém sabia.

Ou quase ninguém.Leonor sabia. E Ricardo com toda segurança, libertaria imediatamente a

Leonor da prisão em que tinha passado dezesseis anos.Elise fechou os olhos apertando com força. Não poderia acreditar que

Leonor fosse traí-la. Em uma ocasião tinha prometido que a protegeria. Issosignificava que ela estava em segurança, ou isso esperava fervorosamente.

Ricardo seria coroado Rei da Inglaterra. Mas Ricardo não guardavanenhum rancor contra ela. Depois que o pai de Elise, que nesse caso, significaWilliam de Bois, estava morto, Henrique não tinha permitido que nenhumoutro cavaleiro de seu ducado lutasse por ele. Fiel à sua palavra, Henrique lhetinha outorgado todos os cuidados reais de que era capaz.

Elise enxugou as lágrimas e contemplou o rosto consumido de HenriqueII. Uma nova onda de lágrimas encheu seus olhos.

— Terminou entre as lágrimas e tristeza, majestade, mas saiba de umacoisa, você me deu tanto, tanto... E te amei. Agora eu te amo. E vou te amardurante todos os dias que resta na minha vida. E serei feliz, pai. Me deixou issocomo herança. Disporei meu compromisso com o Percy Montagu.Governaremos nossas terras juntos, e viveremos em paz e harmonia o um como outro. Isso é algo que terei aprendido com você, pai.

Percy. Elise pensou nele com um súbito desejo. Alto, esbelto e dourado,com seus olhos cor mogno sempre tão dispostos a refletir a compaixão e asolicitude... e a risada. Ah, se pudesse estar com ele agora.

Aquilo não demoraria para acontecer. A guerra tinha terminado. Amaioria dos homens de Henrique tinham ido para o Norte, a Normandia, depoisde que seu senhor tivesse decidido ir para o Sul com apenas alguns seguidores.Agora Percy estaria na Normandia, cheio de horror ao saber da morte do rei.Mas Ricardo não podia castigar a homens de honra que tinham lutado pelo Reilegitimamente coroado, e embora Percy fosse despojado de suas terras e suariqueza, isso para Elise não importaria no mínimo. Ela tinha Montoui. E opequeno ducado neutro, tinha um exército de quinhentos fortes guerreirospara defender seus limites.

Oh, pai! Apertou sua fria mão e sentiu a mordida do metal.Elise sorriu melancolicamente enquanto contemplava a pequena gema

que reluzia no anel do dedo mindinho de seu pai, a safira de sua mãe.De repente mordeu o lábio e depois tirou o anel do ossudo dedo.— Espero que não se importe, pai. É tudo o que chegarei a ter de vocês

dois. Nunca a vi, e agora você também se foi.Logo sorriu e deslizou o anel dentro de seu corpete. Henrique teria

compreendido, e nunca teria negado aquele anel que tanto significava para ela.Um instante depois Elise esqueceu do anel, porque ficou horrorizada ao

perceber de que não tinha rezado nenhuma só oração por seu pai.E Henrique estava terrivelmente necessitado delas!Havia rumores de que ele tinha negado sua alma a Deus, quando fugiu

diante de Ricardo depois de que Le Mans, a cidade na qual tinha nascido,ardesse ante os seus olhos.

Elise juntou as mãos e inclinou a cabeça em uma fervente súplica.— Pai nosso que está nos céus...

Capítulo 02

De pé nas ameias13 do castelo, o cavaleiro olhava para o Leste. Amonótona chuva por fim tinha cessado, e a brisa noturna levantava sua capa ea fazia chicotear a seu redor.

Proporcionava uma figura orgulhosa e formidável, alta e imóvel na noite.Era a imagem de um autêntico cavaleiro, forte e endurecido pelas constantesbatalha em defesa de seu rei.

Ele mesmo poderia ser um rei. Era bastante alto para poder olhar nosolhos do Coração de Leão. E como o Coração de Leão, tinha demonstrado suavalia tanto nos torneios como nas batalhas. Não havia guerreiro mais temível, enenhum que possuísse maior astúcia ou destreza. Apesar de toda sua robustacorpulência, havia nele uma graça felina. Podia esquivar facilmente do golpe deum machado de dupla lâmina e saltar com a graça como um acrobata por cimada estocada de uma espada. Sabia que era temido e respeitado, mas esseconhecimento não lhe proporcionava nenhum grande prazer.

Por muito forte que fosse, nenhum homem sozinho poderia mudar ocurso da guerra.

Tinha cavalgado com o Henrique durante três anos. E nesse tempo,sempre tinha confrontado a voz do rei. Nunca tinha se curvado, a pesar domau gênio pelo qual era famoso o rei, e, contudo, Henrique nunca o tinhaafastado de sua presença sem importar quão violenta chegasse a se tornar nadiscussão. Foi Henrique quem o tinha apelidado de o Cavaleiro Negro, oRebelde, o Falcão. Tudo isso com afeto, pois sempre sabia que seu franco e umpouco heterodoxo guerreiro era completamente leal, tanto a seu rei como a suaprópria consciência.

Agora contemplava à noite, mas sem vê-la realmente. Olhos de um azultão profundo que estavam acostumados a parecer ser da cor índigo14 ounegros, estavam ainda mais escuros por suas melancólicas reflexões. O ventoimpregnado da chuva estava aumentando, mas o cavaleiro não fazia nenhum

caso do vento. De fato, gostava de senti-lo. Parecia limpá-lo.Ele estava muito cansado do eterno derramamento de sangue.E agora tinha se perguntado, o porquê de todo aquele sangue havia sido

derramado. O rei morreu, longa vida ao rei. Ricardo seria coroado rei daInglaterra. Assim tinha que ser, já que Ricardo Coração de Leão era o legítimoherdeiro.

Houve um movimento nas ameias, acompanhado pelo estalo de umasbotas sobre a pedra. Guerreiro em todo momento, Bryan Stede se virou,imediatamente alerta e com sua faca na mão já preparado para deter umaestocada.

— Embainha a sua faca, Bryan! — Disse William Marshal enquanto ia atéele. — Bem sabe Deus, que possivelmente não demore para estar defendendo asua vida.

Bryan voltou a deslizar a faca debaixo da correia que rodeava seutornozelo, e se apoiou na pedra do castelo enquanto contemplava aproximaçãode seu amigo. Havia poucos homens aos que respeitava da maneira em querespeitava ao Marshal. Muitos o chamavam O árabe, já que era um homemmuito moreno com um nariz fino até a ponta. Mas fosse qual fosse suaprocedência, era inglês até a medula. Também era um dos melhores guerreirosde sua época, antes de que chegasse a se converter na mão direita deHenrique, Marshal tinha ido de uma província a outra, vencendo a todosaqueles que se atreviam a desafiá-lo em um torneio.

— Se tiver que defender minha vida, amigo Marshal, então você tambémterá que fazer isso. Quando me encontrei com Ricardo no campo de batalha,nenhum dos dois pôde vencer, e no final ambos desistimos a seguir lutando,mas você o fez cair de seu cavalo!

Marshal encolheu os ombros.— Quem pode saber qual dos dois preferiria esquartejar nosso novo rei?

É muito certo que eu poderia ter matado ao Ricardo, mas ele estava desarmadoquando se lançou por aquela ponte. Ele enfrentou você em um justocombate..., e não poderia matá-lo. Esse grande orgulho dele, não fará muitobem em saber que qualquer de nós poderia ter atingido um golpe que o teriamatado.

Bryan Stede riu, e apenas uma leve amargura sem perde tom de suagargalhada.

— Suponho que deveremos enfrenta-lo, Marshal. Amanhã veremos seRicardo estar disposto a apresentar seus últimos respeitos a seu pai. Depoisdisso, será o rei. E nós valeremos menos do que o chão pelo o que anda.

Marshal fez uma careta e logo sorriu.— Eu não poderia mudar nada do que aconteceu, Bryan.

— Não, e eu tampouco.Continuaram contemplando a noite em um afável silêncio durante uns

instantes, e finalmente Marshal perguntou.— Você teme enfrentar ao Ricardo, Bryan?— Não. — Disse ele com secura. — Seu pai era o legítimo rei da

Inglaterra. — Permaneceu calado por alguns momentos, estudando as estrelasque se foram abrindo o caminho através da escuridão da noite. — Nuncadeveria ter uma guerra entre aqueles dois homens, Marshal. Agora tudo parecetão mesquinho, tão insignificante.... Mas não posso pedir ao novo rei que meperdoe por ter lutado junto ao antigo. Fiz o que acreditava justo. Ricardo podeme despojar do pouco que tenho, mas não lhe suplicarei que me perdoe por terseguido os ditados de minha consciência.

— Nem eu. — Disse Marshal, e logo riu brandamente. — Demônios,acaso vou lhe lembrar que poderia ter matado ele, mas que detive minha mão?

— E graças a Deus que fez isso. — Murmurou Bryan com súbitaveemência. — Poderia imaginar o Príncipe Juan sendo rei da Inglaterra?

Marshal em seguida ficou sério.— Não, não poderia. Ainda acredito que Henrique, ainda poderia estar

conosco se não tivesse visto o nome de Juan no topo da lista de traidores queabandonaram em Le Mans.

Os dois homens voltaram a ficar em silêncio, pensando no rei morto.Pobre Henrique! Levar uma vida tão ilustre para logo ser rebaixado até taisextremos no momento da morte, levado a tumba pela perseguição de seusfilhos.

No final tinha sofrido tais dores, se sentindo desgraçado e sem poderdeixar de falar...

Mas Bryan Stede passou a amar muito a seu monarca. Henrique nãotinha sido nenhuma almofadinha obcecado pela elegância. Vivia em cima dasela e tinha forjado seu reino. Ele possuía astúcia, coragem e ousadadeterminação até o final. Aquele que o tinha vencido foi a vida, não a morte.

— Há uma coisa que continua sobressai em tudo isto. — Disse Marshal.— E é?— Leonor. Estou disposto a apostar a que a primeira ação de Ricardo,

será ordenar que sua mãe seja libertada de sua prisão.— Isso é verdade. — Disse Bryan com voz pensativa. — Marshal?— Sim?— Como acha que estará Leonor, depois de ter passado quinze anos na

prisão? Pelo sangue de Deus, agora já quase deve ter completado os setentaanos.

Marshal riu.— Posso te dizer como será Leonor: vivaz, cheia de astúcia e disposta

entrar em ação. Lamentando, a pesar do fato de que a tenha tido encarceradadurante todos estes anos, que Henrique tenha morrido, mas agradecendo tervivido para ver convertido em rei ao Ricardo. Leonor será seu maior recurso,Bryan. Fará que todo mundo se una a ele.

Bryan sorriu, porque estava de acordo com o Will Marshal. Tinhadiscutido abertamente com o rei a respeito de Leonor, uma e outra vez. E cadavez que estava na Inglaterra, se assegurou de ir visitar a rainha. NuncaHenrique havia negado que fizesse tal coisa.

— A parte ruim é que perderei a minha herdeira. — Disse Marshalsombrio.

— Isabel de Clare?Marshal assentiu.— Henrique me prometeu isso diante de testemunhas, mas não conto

com nenhuma concessão por escrito. Duvido que isso iria importar muito.Ricardo não vai me dar nada, mas sim, vai tirar de mim. — Marshal suspirou.— Ela teria me convertido em um dos donos de terras mais poderosos do país.

— Duvido que vou perder Gwyneth. — Disse Bryan, com muita maisjovialidade do que estava sentindo.

— Possivelmente não a perca. Todo mundo sabe que você e a Ladyestão... com um compromisso nupcial. — Disse Marshal, consolando a seuamigo. — Eu nunca vi Isabel de Clare. — Então você é o único que está emmelhor situação dos dois, meu amigo. Eu conheço muito bem tudo e o queestarei perdendo, a bela viúva, e toda sua linda terra.

— Certo. Ah, bem, sempre podemos ir aos torneios juntos.— Sim, suponho que podemos fazer isso.O peso da noite pareceu cair sobre Bryan. Seu coração pulsava com uma

surda dor por Henrique, e com uma resignada aceitação de seu futuro. A perdadoía.

Não sabia se alguma vez estaria apaixonado pela Gywneth, mas tinhadesfrutado imensamente com sua alegre companhia. As perspectivas da terratinham sido ainda mais agradáveis. O matrimônio era um assunto político, eBryan havia se beneficiado enormemente dos arranjos que Henrique tinhatomado para seus principais partidários. Não só teria se convertido nogovernante de uma poderosa província, mas sim teria adquirido uma viúvaalegre e atrativa. E um lar.

Nenhum homem podia negar o desejo que experimentava pela terra,pensou Bryan. Apenas um idiota teria perdido tais riquezas sem sentiramargura.

Mas fosse qual fosse a perda, não inclinaria a cabeça diante do Ricardo.Tinha apoiado ao Henrique porque escolheu fazer, e isso nunca negaria.Possivelmente não adquirisse suas terras, mas conservaria seu orgulho e aestima de si mesmo.

— Espero que Ricardo chegue logo. — Disse Marshal secamente. — Entãopoderemos finalmente ver enterrado ao rei, e nosso dever terá chegado a seufim. E eu, embora seja o único que faça isso, agradecerei poder dispor de umanoite de liberdade. Tenho intenção de consumir um odre inteiro de vinho, e demergulhar em uma cama de verdade com a serva mais limpa e que goste deganhar uma moeda de prata que possa encontrar.

Bryan Stede, dirigiu uma distraída sobrancelha arqueada a seu amigo, elogo voltou novamente o olhar para a noite que se estendia mais além docastelo.

— Sabe que servirá ao Ricardo, Marshal, igualmente como serviu aoHenrique.

— Eu diria o mesmo de você, amigo, se não fosse por sabemos muitopouco sobre o que trará o futuro... até que descobrimos até que ponto nosguarda o rancor de Ricardo. É mais que provável que nos obrigue a arrumar abagagem..., isso caso que consigamos seguir com vida!

— Atrevo-me a dizer que continuaremos vivendo. — Disse Bryanasperamente. — Não estaria muito bem visto que nosso novo rei matasse...

Então se calou, quando um grito agonizante atravessou a escuridão danoite, dividindo-a tão subitamente como uma lâmina de uma folha de aço.Durante um fugaz instante, os dois cavaleiros se olharam com uma mescla deassombro e atordoada surpresa. Logo se moveram com fluída agilidade,correndo para a torre da qual tinha saído o grito.

Elise fez um sincero intento de rezar, mas as palavras se convertiam emum monólogo carente de significado dentro de sua mente. Sua dor era umsurdo palpitar que ressonava em seus ouvidos e parecia envolvê-la, fazendo sesentir atordoada e à deriva.

Mas então ela se lembrou, quão necessitado de orações precisavaHenrique.

Ela umedeceu os seus lábios para voltar a rezar em voz alta, mas nuncachegou a falar. Um ruído tinha chegado até ela do outro lado da grossa porta,não tinha sido muito forte, e não era nada que pudesse localizarimediatamente, como o ranger de uma armadura ou a queda natural de umapegada.

O ruído era algo leve e um tanto abafado, e Elise teria passado por cimase tivesse falando em sussurros.

Sendo o que era, sentiu que um calafrio se apropriava de todo seu corpocomo se estivesse anunciando a chegada de uma súbita tormenta de neve.Fluxos de gelo pareceram deslizar-se por sua coluna e ficou totalmente imóvel,mal respirando, para voltar a aguçar o ouvido.

Ela se levantou de um salto assim que ouviu novos e furtivos ruídos. Ossons de um gemido afogado, de... um pouco pesado... como um homem...caindo sobre o chão de pedra atrás da porta.

E então a mesma porta começou a ranger.Presa de um súbito pânico, Elise se virou de um lado a outro em busca

de um refúgio. Um grupo de tapeçarias pendurada sobre o muro norte, pertoda grossa porta, e Elise correu primeiro para desaparecer atrás do refúgio queoferecia no mesmo instante em que a porta de carvalho chocavaestrepitosamente com a pedra e um grupo de homens vestidos com roupasescuras entrava correndo na sala.

— Depressa! — Gritou uma voz áspera e estridente.— Agarra a bainha! — Ordenou outra abrasiva voz de tenor. — Olhe para

as joias do punho...— Já olhará logo, idiota! Agora trabalha o mais depressa possível!A ordem tinha sido dada do primeiro e tom rouco. Contra a parede, Elise

mordeu o seu lábio com súbita violência enquanto se sentia rasgada entre oterror e a fúria. Como ousavam fazer tal coisa! Henrique estava morto. O reiHenrique estava morto, e aqueles... aqueles... sujos canalhas estavam seatrevendo a roubá-lo na morte.

Oh, se ele estivesse vivo não seriam tão ousados ou tão estúpidos!Pensou, Henrique faria que lhes atravessassem como espetos, empalaria suascabeças em postes para apodrecerem, alimentaria aos lobos com cada um deseus membros.

Mas Henrique não estava vivo. E aparentemente aqueles ladrões eram tãolivres como o vento para profaná-lo como quisessem.

Elise se perguntou quantos haviam, se lembrando que ela estava viva ede que não havia nada que desejasse mais que seguir estando-o. Deslizandosua esbelta silhueta com muito cuidado, foi para a borda da tapeçaria e olhoualém dela. Graças a Deus que a sala estava na escuridão e nas sombras, e queapenas as velas dispostas ao redor do catafalco15 davam um pouco de luz.

Não podia dispor de uma visão completa da sala, mas havia pelo menosquatro homens dentro dela, possivelmente cinco. Todos vestiam túnicas ecalças escuros, e pareciam abutres que eram em realidade. Enquanto Elise, osolhava com olhos enojados e cheio de fúria, os homens despojaram a sala detodos os seus ornamentos, mergulhando em uma escuridão ainda maiorconforme foram derrubando as velas para roubar os castiçais de ouro eestanho.

— O corpo! — Gritou alguém.Nem sequer a fraca forma em decomposição do rei ia ser considerada

sacrossanta. Henrique foi empurrado e virado para um lado e o despojou desua coroa, suas botas, os anéis que usava, seu cinturão e inclusive suacamisa. Elise esteve a ponto de gritar enquanto os ladrões terminavam com suamacabra tarefa... e permitiam que o corpo caísse ao chão com um patéticogolpe surdo.

— Depressa! Alguém vem!— Uma sentinela! Terá que matá-lo!Uma das figuras vestidas de escuro tirou uma faca de seu cinturão e

correu para junto da porta para sair. Um instante depois, Elise ouviu um curtogrito cheio de angústia que terminou bruscamente no gorgolejar da morte.

A porta voltou a ser aberta de um selvagem empurrão, sem mais atençãona cautela ou o silêncio.

— Vamos! Esse cavaleiro morreu chiando como um porco. Agora elescairão sobre nós como a uma praga de gafanhotos! — Gritou o assassinoenquanto entrava correndo na sala.

— Se movam! Peguem as tapeçarias e iremos!As tapeçarias. Aquelas palavras ressonaram nos ouvidos de Elise como

um toque dos mortos. O terror a deixou congelada, paralisando-a com umafrieza tão intensa como se antes nunca tivesse conhecido o frio. Se apoderoudela e oprimiu seus membros, seu coração, sua garganta... enquanto uma dasfiguras se colocava a andar para seu esconderijo.

Não! Pensou ela, e o calor abrasador da mais pura fúria foi em suasalvação. Abutres, gaviões, lixo, esterco! Tinham saqueado o corpo indefeso deseu pai e assassinado a homens de honra que souberam permanecer fiéis. Elesnão iriam matá-la!

Movendo-se com velocidade do raio, Elise colocou a mão debaixo de suacapa em busca da adaga incrustada de pérolas que havia em seu cinto. Seusdedos se fecharam ao redor dela, firmes e seguros de si mesmos, e quando atapeçaria foi arrancada da parede já se encontrava preparada.

Um grito, não de medo, mas sim de raiva, brotou de sua garganta. Elisese afastou da parede como lançada por uma catapulta, com a mão elevadacontra a escura silhueta que se viu subitamente distraída de seu trabalhoarrancando os tesouros da parede. O homem não teve tempo de pensar, defato, logo que pôde ter tempo para compreender que uma harpia estavacorrendo sobre ele com a mais letal das intenções.

Elise fez que ela, e a faca caíssem sobre ele em uma furiosa vingança.Sentiu o terrível rangido de sua lâmina encontrar a carne, e ouviu o gritoassombrado do homem. Mas não havia muita coisa para que pudesse sepreocupar. Arrancou a faca de sua silhueta cambaleante, sabendo que estava

ferido com gravidade, mas não mortalmente. Quando terminasse de cambalear,ele iria atrás dela.

Como fariam os outros homens, os abutres escuros.Se virou e praticamente voando para a porta, atravessando a soleira na

carreira para, com uma enlouquecida exibição de força, fechar atrás dela.Aquilo não os deteria durante muito tempo, e no melhor dos casos só lheproporcionaria alguns segundos extra.

Elise quase tropeçou com o corpo desabado de uma sentinela, mortoquando e se colocou a correr novamente, e indo mais devagar para ver ondepunha os pés, o coração pareceu subir para garganta. Havia quatro formasimóveis deitadas em cima da pedra, homens descomunais, guerreiros todoseles, assassinados sorrateiramente.

O chiado da porta de carvalho da câmara mortuária se abrindo uma vezmais, fez que Elise reatasse sua fuga, correndo tão depressa que seus péscalçados com apenas sapatilhas, pareciam tocar no chão. Os escuroscorredores, estranhamente salpicados de sombras pelas tochas que ardiamneles, pareciam prolongar e se curvar eternamente, com um vestíbulo envoltopela neblina conduzindo a outro. O coração de Elise pulsava aterrorizador epodia ouvir sua própria respiração, trabalhando e entrecortada.

Tinha que seguir correndo. Havia sentinelas na entrada do castelo. Seconseguia chegar até eles, estaria a salvo. Mas quando um escuro corredor sealargou por fim e a levou a uma entrada, não havia sentinelas presentes nelaou, ao menos, nenhum ao que se pudesse ver imediatamente.

Elise tropeçou com seus corpos quando se sentiu levada pela confusão.Não querendo acreditar o que os seus olhos diziam, se ajoelhou junto aohomem que a tinha interpelado antes.

— Senhor! Bom senhor!Ela moveu para empurrá-lo brandamente a bochecha, rezando para que

não estivesse morto, a não ser talvez inconsciente.Um instante depois retrocedeu horrorizada assim que viu seus olhos,

muito abertos e vidrados pela morte. O pescoço e a parte da frente de suatúnica e sua armadura estavam manchados de carmesim.

Tinham cortado a sua garganta por trás.— Oh, santo Deus! — Exclamou Elise com horror, se levantando de um

pulo. Os ladrões eram realmente implacáveis, praticantes da traição e acovardia, uns desprezíveis assassinos capazes de matar a sangue frio.

E eles acrescentariam a ela a sua lista de vítimas se não se apressasse,lembrou a si mesma enquanto o eco de pés que corriam a seguia como osmortíferos grunhidos de um lobo faminto emergindo das profundidades de umacaverna.

Isabel! Pensou então com uma súbita quebra de onda de pânico eremorsos. Onde estava sua companheira, sua donzela? Os olhos de Elise foramalém dos enormes corpos daqueles soldados, que tinham sido tão facilmenteabatidos cortados uma fina veia. Outra forma caída jazia junto à fria pedra domuro do Norte. Pequeno, realmente lamentável... e destroçada para sempre.

A bílis subiu por sua garganta enquanto uma horrível e abrasadora fúriaenchia seus membros com a força da raiva. Quanto gostaria de ver, como oshomens que mataram por trás e degolado a uma mulher, recebiam sua justarecompensa! Arder em uma grande estaca seria uma morte muitomisericordiosa para pessoas como aquelas. Deveriam ser enforcados até queestivessem meio mortos, e então deveria tirar as suas vísceras para terminaresquartejando-os.

— Venham! Por aqui!O grito, chegando desde tão perto dela, Elise se colocou em rápido

movimento. Voltou, olhar para a noite. Seu cavalo, uma linda égua árabedescendente dos corcéis que foram trazidos para casa depois da primeiraCruzadas, estava esperando por ela em cima de uma pequena extensão de ervaem frente à ponte levadiça. O cavalo de Isabel também estava esperando umcavaleiro. Mas não haveria ninguém para montar o cavalo cinza. Pensar nissoencheu Elise de amargura enquanto corria sob a luz da lua para o animal queesperava imóvel, oferecendo sua linda silhueta. Subindo sua saia de suamodesta túnica com uma mão e se agarrando ao pomo de sua sela com aoutra, Elise saltou à garupa da égua com uma fluida graça e leveza. Novosgritos ressonaram em seus ouvidos enquanto se equilibrava sobre a incômodacadeira feita para montar a gineta e lançava à égua a um sobressaltado galope.

— Jesus Cristo bendito! Você já viu tamanha atrocidade?Marshal e Bryan tinham chegado nos aposentos do rei, e atrás deles se

achava o resto dos homens do monarca.Todos permaneciam imóveis em um perplexo silêncio. Bryan não

respondeu imediatamente à observação horrorizada de seu amigo. Percorreu asala com um rápido olhar, sentindo que um calor tão devastador como de umimenso incêndio ia crescendo dentro dele.

Atrocidade? Sim. Além de toda compreensão, além de toda descrição.A sala tinha sido despojada de tudo o que possuía.Como igualmente ao Henrique.Na morte, o rei tinha sido objeto da maior de todas as indignidades que

jamais tivesse sofrido.Mas a ira de Bryan ia além da irreverente indecência que acabava de ser

infligida a seu rei. Abrangia o espantoso desperdício da vida humana e aabsoluta falta de respeito por ela.

As sentinelas...

Tinham sido seus amigos. Homens que tinham lutado valorosamentejunto a ele. Homens orgulhosos, homens valentes. Homens dotados de umavasta lealdade que obstinado a suas crenças e a seu rei quando tudo estavacontra a ele, mantendo as cabeças bem erguidas...

— Têm que ser capturados.Falou em um tom tão baixo que sua voz não deveria ser ouvida, e,

entretanto, foi. Com toda claridade. E a ameaça sombria e mortal quecontinha, fazia até seus próprios homens se sentissem dominados por umsúbito e frio estremecimento, e agradecendo a Deus não estar entre os ladrõesque podiam chegar a receber a vingança nas mãos daquele nome.

Tendo falado, Bryan girou bruscamente sobre um calcanhar para gritarsecas ordens.

— Templer, Hayden, se ocupe do rei. Prine, Douglas, Le Clare, vasculhemas ameias. Norman, reúne um grupo de homens para que procurem no castelo.Não deixem nenhuma só pedra por levantar. Joshua, te ocupe dos campospróximos. Marshal...

— Eu cuidarei dos bosques do Norte.— E eu do Sul, porque... — De repente se calou, tendo ouvido algo. — A

entrada! — Gritou subitamente, e com suas longas pernadas já tinha saído dasala antes de que outros pudessem pensar em se mover.

Bryan ouviu o eco de seus passos, chocando fantasmagoricamente comos muros de pedra do castelo, enquanto corria pelos corredores. As tochascolocadas no muro pouco faziam para aliviar a sombria escuridão ou o úmidofrio, e só serviam para intensificar as sombras traiçoeiras que se estendiamcom o passar do caminho. Mas Bryan não pensou nem por um só instante napossibilidade de sofrer um súbito ataque. Os responsáveis por aquela invasãonão tinham coragem para enfrentar a um guerreiro em igualdade de condições,eram como serpentes, atacando na escuridão aqueles não foram advertidoscontra elas. E nunca, nem sequer na batalha, Bryan sentiu uma fúria tão cega,tal determinação de que a justiça deveria ser feita, de que um inimigo acabariase encontrando com o frio aço de sua espada.

Ele parou na entrada, e sua furiosa indignação se viu renovada quandose encontrou com dois corpos mais. Parou para fechar os olhos de um jovemcavaleiro e logo voltou a se levantar, cravando o olhar na noite.

Algo o tinha advertido de que devia ir à entrada, algum som. Mas agora...Foi então quando viu o cavaleiro sob a luz da lua, em uma nítida

silhueta, surgindo em um desenfreado galope do vale que havia debaixo daponte. Bryan plantou as mãos enluvadas nos quadris, fixando em um propósitofrio e mortal.

— Meu corcel! — Rugiu, enquanto os homens chegavam correndo peloscorredores atrás dele.

Um instante depois ouviu o estrépito dos cascos de seu enorme cavaloressonando sobre a pedra. Ele saltou em sua garupa e o corcel arqueou e foirapidamente para a ponte.

— Senhor! — Chamou Jacob Norman. — Esperem um momento ecavalgaremos com você!

Encima do seu corcel, Bryan podia ver claramente a colina que se elevavado vale mais à frente da ponte. O cavaleiro parou, e naquele preciso instante sevirou para olhar para o castelo.

Sob o deslumbrante resplendor da lua cheia, pensou Bryan sobriamente,provavelmente resultava mais do que evidente que se dispunha para persegui-los.

O cavalo distante virou e começou outro desenfreado galope subindo acolina.

— Não! — Respondeu Bryan a seu soldado. — Não posso perder nem umsó momento, e cavalgarei sozinho. Siga as ordens que dei. Parece que elesdispersaram. Quero-os a todos!

Com esta última ordem gritando por cima de seu ombro já em retirada,deu rédea solta a seu corcel. O grande cavalo galopou ao longo da pontelevadiça, ameaçando estilhaçar as grossas madeiras sob seus poderososcascos.

O vento soprava ao redor de Bryan. O frio da noite o abraçou e alimentousua fúria. Tinha passado a metade de sua vida em cima da sela, e agora eraum único ser com aquela enorme besta criada para a bravura, velocidade eguerra. Ele se sentia como se estivesse voando entre a escuridão. O grandecoração do corcel palpitava em uníssono com o seu, e Bryan já estavaextraindo novas forças que acrescentar à vasta ondulação dos músculos que seagitavam rapidamente debaixo de suas coxas.

Os cascos do corcel de guerra pareceram consumir o vale inteiro,arrancando enormes bolotas de terra enquanto subiam ao galope pela colina.Frondosos bosques circundavam o campo, com escassos atalhos que fossemtransitáveis para os cavalos. Embora o cavaleiro já tinha desaparecido naespessura do escuro bosque, Bryan então, não teve dificuldade para seguir asua presa. O cavaleiro dominado pelo pânico tinha deixado sinais atrás de si,ramos partidos, terra assinalada e matagais meio esmagados. Em outros cincominutos de frenética galopada, Bryan voltou a vê-lo, entrando em uma clareira.

— Detenha, covarde! — Gritou com voz ensurdecedora enquanto suaraiva explodia com a liberação de suas palavras. — Pare! Profanador dosmortos! Vou abri-lo do pescoço até o estômago!

A resistência de seu corcel muito superior, já estava se tornando evidentesobre o do outro cavalo, um animal mais pequeno, mas Bryan vislumbroutenuemente que aquele também era de grande beleza. Uma égua árabe, se não

se equivocava. Provavelmente roubada, conseguida em um ato de latrocínio tãodesprezível, como o que se cometeu no castelo.

Sentindo sua proximidade, o cavaleiro da égua árabe se virou na sela.Bryan ficou perplexo ao ver que se tratava de uma mulher, tão magnífica echeia de graça como o cavalo.

Apesar do negrume do ébano do céu, a lua lavada pela chuva lheproporcionou uma súbita e intensa imagem da jovem. Ela estava envolta emuma qualquer capa, mas mechas de cabelos dourados avermelhadosescapavam do capuz para emoldurar seus delicados traços igualmente como osraios de um soberbo crepúsculo. Seus olhos permaneciam muito arregaladosem seu rosto e por um instante Bryan os viu, também, com uma claridadecristalina. Não eram inteiramente azuis e nem um pouco verdes, mas sim deum impressionante matiz de água-marinha ou possivelmente turquesa, e oobservaram por um instante debaixo de umas sobrancelhas arqueadas até otopo da testa. As sobrancelhas tinham uma linda cor do mel, igualmente comosuas pestanas, as quais eram longas, bonitas e abundantes e formavamatrativas crescentes pintas sobre as bochechas que pareciam ter sido beijadaspelas rosas.

Com uma severa reprimenda mental, Bryan lembrou a si mesmo, queaquela mulher era uma ladra e uma muito pior do que era habitual dentro desua classe, posto que tinha roubado a um morto.

E gerou mais mortos. Provavelmente tinha utilizado sua beleza parapoder aturdir e matar, o qual a tornava ainda mais desprezível.

Olhando para ela, suas primeiras vítimas tinham sido despojadas de seussentidos e logo depois de suas vidas. Tão aturdido como tinha estado ele,tinham sido surpreendidos com a guarda baixa primeiro e degoladas depois.

Tanta beleza, tanta perfídia. Mas com ele não daria resultado. Não seriadifícil fechar os olhos para a sua beleza, pois a beleza estava acostumava serreles. E quando recobria o mais negro dos corações, Bryan podia sertotalmente frio e totalmente imparcial. Totalmente justo.

Em uma fúria gélida e tranquila, voltou a ir até ela estendendo a mãopara agarrá-la pelo braço. Então ela deixou cair com vigor assombroso umchicote em cima de sua mão.

— Cadela de Satanás! — Bryan grunhiu veementemente, voltando aestender a mão para ela. Desta vez conseguiu agarrá-la. Pesava pouco para suaforça, já que ele estava acostumado a desmontar guerreiros protegidos por todasua armadura. Bryan a arrancou de seu cavalo sem um só momento dedesânimo e arrojou sua esbelta forma sobre o pomo de sua sela enquanto apuxava as rédeas de seu cavalo.

Assim que o gigantesco cavalo parou, Bryan deu a sua cativa um firmeempurrão que a fez cair no chão e a deixou ali deitada. Então a olhou comolhos penetrantes e impassíveis e então viu que ela, inclusive naquele

momento, sem fôlego e atordoada, estava tentando escapar dele, rolando paraum lado para se afastar dos cascos imóveis do corcel, mas se encontrandoenredada com sua capa.

Bryan passou a perna esquerda por cima da garupa de seu corcel esaltou ao chão, caindo sobre a jovem antes de que esta pudesse chegar a ficarem pé. Ele se colocou escarranchado em cima dela e segurou aqueles braçosque não paravam de se debater. Ela afundou os dentes no seu braço. Bryanlogo que sentiu a dor, mas afastou as mãos da moça, colocando ainda maisacima da sua cabeça para evitar sua vingativa dentada.

— Onde estão seus cúmplices, cadela? — Ele perguntou com voz áspera.— Me Diga isso agora mesmo, ou ponho a Deus por testemunha, que ireiarrancar a carne do seu corpo centímetro por centímetro até que você me faleisso!

Ela seguia lutando, toda uma tempestade de fúria e energia que serebelava.

— Não tenho cúmplices e não sou nenhuma ladra! — Lhe cuspiu. — Vocêé o ladrão, você é o assassino! Me solte, filho de uma rameira! Ajuda! Ajuda!Oh, que alguém me ajude. Me ajudem!

Bryan sentiu como se, em algum lugar das profundidades de seucoração, algo se rompesse. Era algo que clamava com a fúria angustiada contraa perfídia e a dor daquela noite. O grito que tinha saído dos lábios da moça fezque sentisse como se o sangue ardesse dentro de suas veias. Sua cativa gritavapedindo ajuda, pedindo clemência... e ela não tinha dado nenhuma.

Ele pegou os pulsos com uma mão, Bryan com o dorso da outra mãobateu no seu rosto.

— Você roubou um morto! — Gritou com voz gélida enquanto os olhosatônitos da moça se encontravam com os seus. — Ao Henrique da Inglaterra!Foi vista!

— Não!— Então não encontrarei nada dele em sua posse?— Não! Não sou uma ladra, eu sou... — Se interrompeu de repente, para

então seguir falando. — Você não consegue ver, imbecil? Não tenho nadacomigo do rei...

A voz repentinamente quebrou subitamente e uma expressão de alarmepassou rapidamente por seus olhos cor turquesa, e suas pestanas baixaramcomo suntuosos leques para cobri-los durante um momento. Quando seabriram novamente, voltavam a ser tão transparentes como antes e reluziamindignação e ira.

Uma talentosa atriz, pensou Bryan, que sabia disfarçar rapidamente averdadeira emoção com uma magnífica exibição de dignidade ofendida. Masnão tinha chegado a ser bastante rápida. Antes de que a traiçoeira sombra de

seus cílios tivesse caído, ele tinha visto a verdade em seus olhos. Tinha-aassustado. Era provável que tinha alguma posse do rei.

Os olhos da moça voltaram a se fechar. Seu corpo tinha ficadorigidamente imóvel debaixo do dele.

Os lábios de Bryan se curvaram na áspera imitação de um sorriso.— Já veremos se pode demonstrar sua inocência, senhora. — Ele

sussurrou, com sua voz sendo uma ameaça ainda maior do que representava asua mão com qual a imobilizou.

Os luminosos olhos dela se abriram para desafiar aos seus.— Sou a duquesa de Montoui! E exijo que me soltem agora mesmo!Montoui? Bryan nunca tinha ouvido falar daquele lugar. Mas nenhuma

duquesa iria pelo mundo, indo tão insuficientemente vestida como sua cativa,embora quem fosse ela era algo que não era importante naquele momento. Se aprópria Virgem Maria tivesse perpetrado os horríveis atos cometidos no castelo,isso não teria acalmado a fúria que sentia Bryan.

— Não importo que seja a rainha da França! Tenho a intenção dedescobrir o que você fez e o que roubou.

O corpo dela ficou mais rígido debaixo do dele, e Bryan pôde sentir seusintentos de curvar os dedos para rasgar a sua mão com as unhas.

— Me toque e verei sua cabeça em cima do cadafalso do verdugo!— Isso duvido muito, duquesa. — Ironizou Bryan, se esforçando por

reprimir a cólera que despertou nele o imperioso de seu tom. Resultava muitodifícil lembrar a si mesmo que era um cavaleiro, e não um juiz e um jurado. Sehavia algo que Henrique conseguiu, foi dar a lei a Inglaterra. Bryan não era umverdugo. Se ela fosse um homem, poderia ter desafiado e lutar com ele, poderiamatá-lo. Mas sendo o que era, aquela moça merecia a sentença de morte.Mesmo assim, ele não tinha nenhum direito a ditá-la.

Soltou os seus pulsos e cruzou os braços em cima do peito, olhando-aasperamente enquanto suas coxas continuavam aprisionando-a contra o chão.

— Vamos retornar ao castelo. Sugiro que esteja disposta para falarquando tivermos chegado lá.

Então se levantou com uma insolente rapidez, se colocando a andar pararecuperar as rédeas de seu corcel.

Ele deu as costas. Ela seguiu imóvel no chão, deitada tal como ele a tinhadeixado com a única diferença de que agora com os braços rodeava no peito.

— Vamos, duquesa. — Disse ele.Os olhos dela se encontraram com os seus, muito abertos e escurecidos e

subitamente cheios de... tristeza? Ou talvez de medo?— Estou esgotada. — Murmurou. — E fiquei presa em minha capa. Se

quiser me ajudar a me pôr em pé...Bryan impacientemente estendeu o braço para ela para levantá-la de um

puxão. Mas assim que pegou a mão esquerda, ela se levantou de um salto comuma assombrosa facilidade e elevou sua mão direita acima da cabeça. A luz dalua iluminou a lâmina brilhante de sua adaga e refletiu sobre ela, assim comoiluminou o ódio e o veneno que havia nos olhos da moça, agora tão claros comoo cristal e bruscamente entreabertos, para se refletir neles.

Não estava nem um pouco assustada, a não ser com muita raiva que eracapaz de matar.

E seu enganosamente esbelto corpo incluía uma surpreendentecombinação de perícia e força.

Apenas sua maior força e seus reflexos treinados pela guerra salvaramBryan golpe certeiro da adaga empunhada pela moça. O braço do cavaleiro saiudisparado para cima para capturar o dela, obrigando-a a atirar a adaga. Amoça deixou escapar um grito de dor e surpresa quando ele retorceu a suamão, torcendo o braço para trás das costas.

Bryan não pôde evitar deixar de se deleitar pelo estremecimento, quepercebeu em quando falou em sussurros com a sua boca junto no pescoçodela.

— Não, duquesa dos ladrões e dos assassinos, não serei sua próximavítima. Mas as rameiras e os ladrões acreditam em Deus, então te sugiro quecomece a rezar. Porque uma vez que estejamos no castelo, garanto que vocêserá minha vítima... e que pagará muito caro esta noite.

Capítulo 03

Uma nuvem passou diante da lua enquanto Bryan pronunciava aquelaspalavras, deixando-os mergulhados na quase total escuridão. O ventoaumentou em uma súbita série de rajadas geladas.

Elise sentiu seu sussurro, e suas mãos em cima dela como os gélidosdedos da perdição. E sua presença. Sua figura, imponente e musculosa,emitindo um intenso calor.

— Duquesa?Sua voz burlava dela, e fez que uma nova e gelado corrente de

estremecimentos fluir ao longo de sua coluna. Como tinha odiado o som de suavoz profunda, sensual, despótica e sempre condescendente!

Mas pelo menos ele não tirou a adaga de entre os dedos e a tinhaapunhalado, tal como ela tinha tido intenção de lhe fazer. Sua adaga estava

caída inofensivamente no chão. O seu pulso ainda doía, mas era muitoconsciente do cavaleiro.

Podia sentir a força que emanava dele enquanto permanecia imóvel atrásdela. Seu corpo era tão firme como o aço de uma espada, tão sólido como ocarvalho e tão ameaçador como um lobo faminto. Como à escuridão, seencontrava presente por toda parte em torno dela, e como o súbito vento ficavamais forte, podia golpeá-la à vontade.

Tinha cometido um espantoso erro ao tentar apunhalá-lo.Os dedos dele se fecharam como garras ao redor de seu braço.— Vamos, minha senhora..., antes de que comece a chover.Ele pegou a sua cintura com a longa sequência de dedos e a subiu na

garupa do corcel. Elise o olhou enquanto tomava as rédeas para montar atrásdela. Nunca tinha visto nada que pudesse se comparar com sua expressão,totalmente impassível, parecia ter sido esculpido a partir da dureza da rocha.Tendo a julgado e condenado, o profundo azul de meia-noite de seus olhos nãooferecia possibilidade alguma de clemência.

— Quem é? — Ela perguntou de repente. Se não era um dos ladrões,então tinha que ser um dos cavaleiros de seu pai.

— Sir Bryan Stede, duquesa. — Disse ele sobriamente. — Homem deHenrique até o fim.

Homem de Henrique. Então realmente voltaria a levá-la para o castelo. Ealgum dos cavaleiros que a conheciam estariam em Chinon, alguém quesoubesse que o rei tinha feito viagens para a província de Montoui.

Contudo, se perguntou, o que isso serviria se decidiam revistá-la?Descobririam o anel de Henrique, e assumiriam que ela estava entre os ladrões.Depois do que tinha acontecido, ninguém, desde os camponeses até a realeza,estaria além da ira das forças de Chinon. Não podia permitir que a revistassem,era assim simples. Teria que se comportar com tal dignidade que ninguém seatrevesse a tocá-la. Depois de tudo era filha de Henrique, por isso tinhaaprendido muito a respeito da autoridade aristocrática. Normalmente podiaobter a obediência com um frio olhar e umas quantas palavras ditas em vozbaixa. Ninguém jamais atreveria tocá-la com a menor falta de respeito.

Até aquela noite.Até que tinha caído nas mãos daquela vil imitação de um cavaleiro feita a

partir da pedra e o aço. Elise elevou o queixo majestosamente e lhe ofereceuum seco sorriso que não tinha nada que invejar a dele em sarcasmo.

— Nesse caso, Sir Stede, nos apressemos a retornar ao castelo. Estousegura de que ali haverá alguma autoridade que lhe fará pagar muito caro oque têm feito esta noite! Quando ficar provado quem sou, Sir Stede, você...

— Duquesa. — Disse ele, interrompendo-a bruscamente. — Já lhe

informei, que embora fosse a própria rainha da França, não haveria clemênciaalguma, se chegar a ser provado que você é uma ladra.

Elise queria responder de maneira breve e bruscamente, mas nãoconseguiu, porque a única coisa saiu de seus lábios foi um ofego de surpresa,quando Sir Bryan Stede pôs em movimento ao enorme corcel e não ficou maisescolha que se agarrar a sua abundante crina para conservar o equilíbrio. Oanimal em seguida se lançou ao galope, empurrando-a violentamente para opeito do cavaleiro.

Elise apertou os dentes enquanto o forte vento açoitava seu rosto,arrancando de sua cabeça o capuz da capa e liberando seus cabelos com umafúria carregada de espinhos. Um grunhido atrás, lhe disse que pelo menos seucabelo também estava golpeando o rosto do cavaleiro, e seu desconforto lhe fezsentir um grande prazer. Ela se sentia como se estivesse cavalgando sobre umatormenta, e não sabia quando terminaria o redemoinho, ou se alguma vezchegaria a encontrar um refúgio onde pudesse conhecer a paz.

Estava tão escuro, tão tremendamente escuro, e o frio ia aumentando acada minuto que passava. Como sabia aquele enorme cavalo para ondegalopava a semelhante velocidade? Certamente não demoraria para tropeçarpara derrubá-los a uma morte certa!

Mas o homem que tinha atrás não parecia estar preocupado. Ele seapoiava nela, mantendo-a mais baixo possível junto ao cavalo como seestivesse acostumado a aquelas frenética galopada. Possivelmente o estava.Mas ela não, e seus pensamentos ficaram reduzidos a uma monótona prece.Que isto termine, que isto termine, Oh, Deus, por favor, que isto termine de umavez.

Justo quando estava segura de que sua situação não poderia ser pior, aescuridão do céu noturno foi transformada em um intenso resplendor pelo raioque o rasgou. Um grito ficou preso na garganta de Elise, mas para grandeassombro dela, o corcel nem fugiu e nem mostrou vacilação alguma. A únicacoisa que fez foi seguir galopando através da noite.

O trovão que seguiu o raio foi ensurdecedor, mas mesmo assim o cavalonão mostrou sinal alguma de nervosismo. Elise guardou silêncio, seperguntando a que distância estaria agora o castelo. Onde se encontravam?Tão longe a tinha chegado a perseguir realmente o cavaleiro negro?

De repente, como se um oceano tivesse se aberto em cima deles, a chuvacomeçou a cair. Não era a garoa que tinha acompanhado Elise até o Chinon, anão ser um gélido e feroz dilúvio, tão torrencial que o corcel finalmentedesacelerou o passo e o cavaleiro negro resmungou uma maldição. Elise seinclinou instintivamente sobre o grosso pescoço do corcel, tratando de esquivardo selvagem ataque do vento e da água. Sua capa e sua túnica ficaramencharcadas. Molhada até os ossos e congelada de frio, já não podia continuara controlar os seus tremores.

O cavaleiro resmungou outro juramento, falou com cavalo e virou agarupa, encontrando um caminho pouco utilizado e cheio de mato que pareciase dirigir diretamente para a vegetação.

Algo chocou violentamente no ombro de Elise e seus lábios deixaramescapar um grito de surpresa. Virando-se em cima do cavalo, procurou osescuros olhos daquele cavaleiro tão pouco cavalheiresco.

— Idiota! — Ela o acusou. — Não haverá vingança para nenhum de nósse não procurar um refúgio que nos proteja desta...

— Estou procurando! — Ele uivou ao longo da resposta, enquanto achuva tornava ainda mais insuportável por um súbito dilúvio de granizo. —Abaixe a cabeça! — Ordenou, utilizando uma mão enluvada para empurrá-lade retorno a sua posição original e pressionar seu rosto contra o pescoço docavalo.

Um instante depois Elise sentiu o cavaleiro se aproximar junto delanovamente, e ficou protegida da tormenta pela amplitude de seu peito quandoas costas deste passou a suportar o castigo da chuva de granizo.

Mesmo assim, continuava a parecer que prosseguiam seu miserávelcaminho durante toda uma eternidade. Mas finalmente Elise vislumbrou umaabertura entre as árvores e uma frondosa vegetação, e forçando ao máximo osolhos contra a chuva e o vento, pôde distinguir os contornos de uma pequenaconstrução. Uns instantes depois já tinham chegado até ele, e Elise pôde verque era a cabana de um caçador, construída com troncos e coberta com palhae caniço. Não havia fogo ardendo dentro dela e nem vislumbre de luz alguma, eElise compreendeu com uma súbita pontada de tristeza que a cabanaprovavelmente tinha sido construída pelos cavaleiros que tinham vindo aoChinon com o Henrique, sendo construída por eles para que lhesproporcionasse um lugar no qual descansar naqueles dias em que se entravamdentro do bosque em busca de caça para alimentar ao séquito do castelo.Estaria sozinha na cabana com Sir Bryan Stede.

— Venha!Elise baixou o olhar para ver que o cavaleiro já tinha saltado de seu

cavalo e estava estendendo os braços para ajudá-la a baixar. Ela ignorou osbraços assim oferecidos, mas quando tentou desmontar do corcel por seuspróprios meios, sua capa encharcada enganchou no pomo da cadeira e teriacaído se ele não estivesse ali para agarrá-la.

Uma vez no chão, estava tremendo sem se mover durante algunsinstantes. Apenas podia mover os dedos, tanto era o tempo que eles passarampermanecendo tensamente imóveis sobre a crina do corcel em umadesesperada caça. Mas então sentiu um enérgico empurrão em suas costas,obrigando-a a avançar para a estreita porta da cabana.

— Entre no interior!

Outra pedra de granizo caiu violentamente sobre seu ombro, e Elise nãonecessitou novas exortações. Correndo para a porta da cabana, abriu-a de umempurrão e passou a estar sob a proteção do teto. Então se virou para ver queo cavaleiro negro estava levando o seu corcel ao redor da esquina da cabana.

Agora! Ela disse a si mesma. Agora tinha sua ocasião de escapar. Atempestade de granizo e o vento eram implacáveis, mas valia apena correr orisco de enfrentar às inclemências do tempo que ao ameaçador e insolente SirStede.

Tinha que correr. Era sua única possibilidade.Cravando os olhos na escuridão da tormenta, Elise fez uma profunda

inspiração de ar e voltou a cobrir a sua cabeça com o capuz encharcado,puxando até que cobrir a testa. Depois deixou para trás a soleira da porta e sepôs a correr para a clareira.

Suas sapatilhas se afundaram na lama e escorregando dentro dela, ecambaleou e caiu antes de que tivesse conseguido percorrer a metade docaminho que levava ao santuário das árvores. Lutou para ficar em pé ecomeçar a correr novamente. Outro raio caiu das alturas justo diante dela,enchendo o céu com uma impressionante claridade e o ar com um espantosochiado quando uma árvore foi fulminada por ele. Elise gritou quando o trovãoseguido quase imediatamente por um raio, parecendo fazer pedacinhos amesma terra com a força de seu estrondo retumbar. As árvores e a folhagem,compreendeu muito tarde, não ofereciam refúgio algum, unicamente umamorte certa.

Mas antes de que pudesse voltar atrás, se encontrou sendo jogadaprimeiro para a lama e capturada em uma caça cruel depois. Um momentoantes estava no chão, e no seguinte estava no ar. Bryan Stede, não tevenenhuma dificuldade para atravessar aquela escorregadia lama. Seus passoseram longos e eficientes, e poderia estar carregando um cilindro de tecido, emvez do peso de uma mulher. Nem sequer a olhou, enquanto voltava para acabana através da distância da clareira.

Mas ela podia vê-lo. A linha de seus lábios estava tão comprimida queparecia nada mais que um corte branco em suas tenebrosas feições queimadopelo sol. Sua mandíbula ficou tenso até se converter em um sólido quadrado, euma veia palpitava furiosamente contra a coluna musculosa de seu pescoço.Seus olhos haviam se tornado escuros até tal ponto que pareciam os negros einsondáveis poços do inferno.

O cavaleiro abriu a porta da cabana com um pé, e Elise conteve um gritode terror quando fechou atrás dele da mesma maneira. A tensão que tinha nasua mão, com qual a segurava delatava a profundidade de sua ira, que setornou ainda mais intensamente perceptível para os sentidos de Elise, quandoforam mergulhados na total escuridão da cabana. Bryan Stede estavasuficientemente furioso para despedaçá-la membro por membro, disso estava

segura, e na escuridão, Elise se sentiu como se estivesse preparado para fazerisso.

Mas não o fez. Colocou ela no chão, se afastando dela. Elise ficou tãoimóvel como uma morta, se sentindo muito atordoada por sua repentinaliberação e ficando cega inclusive na sombra dos movimentos do cavaleiro. Masde repente uma faísca de luz apareceu através da escuridão, e compreendeuque a cabana tinha sido provida de pederneira, e de uma lareira. Com anaturalidade própria de um homem que passava anos acampando, Bryan nãodemorou para ter um fogo aceso. Seu resplendor encheu a cabana de calor euma suave luz. Elise piscou diante daquela repentina claridade, e examinourapidamente a cabana com o olhar. Se encontrava muito bem conservada, eestava bem aprovisionada. A um lado da chaminé havia uma grande arca, nooutro, havia uma longa mesa sustentada por cavaletes e flanqueada por bancosdispostos em paralelo na mesa. No outro canto da habitação havia duas camasde suporte baixo, ambas as cobertas com grossas mantas de lã.

Junquilhos limpos distinguiam o chão com sua existência, e Elise soubeinstintivamente que sua primeira impressão tinha sido acertada. Os cavaleirosdo castelo tinham construído e aprovisionado aquela cabana, e a tinhamutilizado frequentemente quando estavam caçando no bosque.

Mas mesmo agora, Elise já podia ver o fogo, em seguida começou a arderrapidamente com grandes chamas que desprendiam um reconfortante calor,não porque sentiu que estava se aquecendo... ou que se encontrava a salvo.Suas roupas encharcadas e manchadas de lama grudavam em seu corpo econtinuavam gelando-a, como fazia a proximidade do homem do qual tinhapassado longas horas tentando escapar.

Quando o cavaleiro finalmente se separou do fogo, não haviaabsolutamente nada de tranquilizador em suas feições duras como pedra. Seusolhos de meia-noite percorreram a sua prisioneira da cabeça até os pés, e derepente Elise se perguntou, por que o raio lhe tinha parecido tão aterrador.

Deveria ter seguido correndo. Ele permaneceu imóvel, ainda acontemplando com aquele gélido olhar, e tirou o seu manto encharcado. Deu ascostas para Elise para estendê-lo em cima de um banco próximo ao fogo, masquando a ouviu mover um pé para mudar de postura, se virou para ela comuma incrível rapidez.

Elise levantou o queixo e sustentou o seu olhar em silêncio.Finalmente, o cavaleiro falou.— Ou é a mais estúpida das mulheres, duquesa, ou está realmente

desesperada. Tanto que deseja encontrar uma morte rápida na tormenta?— Não tenho absolutamente nenhum desejo de morrer. — Replicou Elise

friamente, se abstendo intencionadamente de oferecer a cortesia de um título.Ele tomou assento no banco para tirar as botas, mantendo os olhos

cravados nela enquanto executava tal tarefa.— E mesmo assim afirma não ser culpada de roubo ou de um

assassinato?— Não sou culpado de nada, exceto oferecer minhas preces pelos mortos.— Então por que tentou escapar de mim, quando ao fazer isso teria

significado a sua morte?— Não necessariamente.Ele resmungou um breve juramento, e lançou uma bota ao outro extremo

da habitação com uma súbita fúria que quase fez saltar Elise. Mas estavadecidida de não lhe mostrar sinal algum de que podia assustá-la, por issoseguiu a queda de sua outra bota com o olhar e então voltou a posar nele comfrio desdém.

— Nega que tinham intenção de me assassinar? — Perguntou Bryan.— Não, não nego isso. — Respondeu Elise sem se alterar. — Assumi que

era um dos ladrões e...— Tentou me apunhalar depois que soube que eu não poderia ser um

ladrão.— Sigo sem estar segura de que não é você, um ladrão e um assassino! —

Exclamou Elise furiosamente. — Certamente não se comporta como umcavaleiro. Têm as maneiras cortesãos de um javali!

Para surpresa de Elise, Stede riu.— Não, senhora, não estamos em nenhuma corte, e, portanto, não vejo

utilidade alguma das maneiras cortesãos. Se pensa que meu julgamento arespeito de você será menos severo pelo fato de que é uma mulher, lamento lhedizer que está equivocada.

— Sir Stede. — Disse Elise, falando muito devagar. — Espero muitopouco de você, pois me parece que seguramente você declinou de qualquer tipode inteligência que possa possuir. Não sou uma ladra...

— Certo, sim, você disse. É a duquesa de Montoui. Então me diga,duquesa, por que fugia do castelo? Por que não parou quando pedi que ofizesse?

Elise suspirou com uma grande exibição de impaciência, mas nenhumade suas afetações ou palavras parecia estar sortindo o menor efeito sobre ele.

— Cheguei ao castelo esta tarde para oferecer minhas preces pelo reiHenrique II. Foi enquanto estava rezando quando ouvi ruídos no corredor. Eume escondi dentro da sala, logo fugi...

— Escapou desses ladrões, quando homens grandes e honradossucumbiram à sua traição?

Elise apertou os dentes até fazê-los chiar ante o feroz cepticismo que

havia na voz do cavaleiro.— Me escondi atrás de uma tapeçaria. Quando um desses assassinos me

descobriu, o ataquei, contando com a vantagem da surpresa, e depois fugi.— Você... atacou a um homem... e saiu da luta sem ter sofrido nem um

só arranhão?— Não houve nenhuma luta. Eu ataquei primeiro, e então comecei a

correr enquanto ele cambaleava por causa da surpresa.— Você urdiu uma boa defesa. — Murmurou Stede.Mas Elise não conseguiu chegar a uma conclusão sobre os seus

pensamentos, a partir do brilho índigo que seguia a queimando de seus olhos.Sem se importar com sua presença, o cavaleiro tirou o seu encharcado calçãode lã e também o deixou em cima da mesa, perto da lareira, para que sesecassem. Por um instante pareceu que possivelmente esqueceu da presençade Elise, já que tirou as luvas e, deixou a pesada bainha de sua espada emcima das tábuas da mesa, para logo ficar imóvel com o rosto virado para aschamas enquanto esquentava as mãos.

Com a túnica que atingia até as coxas como único traje, o cavaleiroresultava ainda mais formidável do que estava usando sua manta escura. Elisenunca tinha visto um homem que produzisse uma impressão tão ameaçadoraunicamente em virtude de sua masculinidade. Uma camisa de lã estavaagarrada apertadamente a seus braços debaixo da túnica carente de mangas,mas mesmo assim o tecido realçava claramente aqueles enormes músculos queondulavam com o mais leve dos movimentos. Seus ombros pareciam muitolargos e sua cintura muito estreita. Estava claro que Bryan Stede era umhomem que tinha uma vida muito dura, praticava diariamente com suas armase mantinha seu corpo tão aguçado como seus sentidos porque seu objetivo erapermanecer com vida sobre o campo de batalha. Suas pernas, agora nuas,eram longas, magnificamente formadas e tão duras como o carvalho, cobertaspor uma abundante mata de pelos curtos escuro que combinava com anegrume da asa de corvo de sua cabeça. Sem perceber, Elise estremeceu. Elaera alta para ser uma mulher, mas mesmo assim foi agudamente conscientedas dimensões do cavaleiro. As mãos de Stede podiam esconder as suas, seassim o desejava, podia rodear a sua garganta com os dedos e extinguir suavida meramente com o ato de fechar um punho.

Então ele se virou subitamente para ela e seus olhos azuis percorreramsua forma com muito pouca expressão neles.

— Você está gotejando. — Disse.— Que observação tão inteligente, Sir Stede. — Respondeu Elise com um

intenso sarcasmo. Ele não pareceu notar o seu tom, e ainda assim, percebeuque apertava ainda mais em suas feições já rígidas. Então compreendeu queera uma temeridade por sua parte burlar dele e provocá-lo continuamente, e seperguntou por que fazia isso. Mas em realidade não queria se esforçar muito

em achar a resposta. Estava aterrorizada, e tomar a ofensiva talvez impedisseque aquele terror chegasse a fazer presa em todo o seu ser.

— Seria lógico pensar. — Disse ele suavemente. — Que qualquer, mulherdotada de um pouco de bom senso, não necessitaria fazer semelhanteobservação. Se você tirasse sua capa, não estaria tão encharcada... nem teriatanto frio.

Elise não queria lhe entregar sua capa. Lá fora a chuva seguia caindocom uma feroz intensidade, e o vento soprava grosseiramente. Mas... a chuvasempre terminava de cair... cedo ou tarde. E ela ainda se encontrava perto daporta. Se Stede chegasse a...

Chegasse a quê?Dificilmente perderia a consciência diante dela. Nenhuma pedra cairia do

céu para deixá-lo sem sentido. E correr às cegas não a ajudaria em nada,porque ele conhecia o terreno e era rápido, além de forte. Se voltava a correr,deveria estar segura de que poderia escapar.

Elise tirou com relutância a capa encharcada e avançou lentamente paraestendê-la em cima da mesa perto do cavaleiro. Sentiu seus olhos cravadosnela durante todo esse tempo, e prolongou a tarefa. Mas finalmente chegou ummomento que soube que tinha que se virar para encarar novamente ele, e umavez mais, Stede não tentou fingir que não estava inspecionando-acompletamente, mas uma vez mais, ela não pôde ler emoção alguma em seusolhos ou em sua tensa, mas impassível expressão.

Stede deu um passo atrás afastando do fogo, se curvando diante dela,enquanto fazia, Elise esteve segura tinha que ser um novo escárnio econvidando-a a se dirigir para o calor das chamas. Elise não gostava nada daideia de lhe dar as costas, mas se obrigou a avançar, estendendo seus esbeltosdedos para o fogo e permitindo que as chamas os esquentassem para dissiparseu intumescimento.

Podia ouvir o estalar dos ramos, das lenhas e as ferozes chicotadas dovento que soprava fora das paredes da cabana. Mas, mais profundo que a fúriada noite era o silêncio que reinava entre eles. Stede não lhe dizia nada, econforme foram transcorrendo os minutos em uma interminável progressão,ela foi se aproximando cada vez mais ao momento em que a agonia daapreensão a obrigaria a gritar. Embora não dizia nada, Elise sabia que ocavaleiro estava muito, muito perto, atrás dela. Sentia sua respiração subir edescer, notava que seu coração retumbava com um estrondosa ameaça sobreaquele som tênue, e sabia que o vibrante calor que emanava do corpo de Stede,não demoraria para se impor a cada vez mais, a pouca valentia a qual seaferrava nela em um febril desespero. A mão do cavaleiro se fechou de repentesobre seu ombro, e Elise teve que tirar sangue do lábio para não gritar.

— Venham, duquesa, se sente. — Disse ele cortesmente, e enquantofalava pôs um dos bancos atrás dela e então exerceu uma suave pressão em

cima de seus ombros para que tomasse assento nele.— Obrigada. — Murmurou Elise majestosamente, desejando ter podido

passar toda a noite de pé, antes de que sentir o contato abrasador do cavaleiroem cima dela. Mas sabia que não ia ser liberada de seu interrogatório, ou desua proximidade, e que sua única esperança era manter uma dignidade tãogrande que ele teria que respeitá-la por seu nobre berço.

— Sua história é muito boa, duquesa. — Disse finalmente Stede, e osussurro de sua voz tão perto do lóbulo de sua orelha quase a fez dar um salto.Então ele se apoiou no banco, sem a tocar, mas com os braços ao lado delacomo se fossem barras. — Muito boa, sim. Mas não acha que seria maisplausível acreditar que faz parte do bando de ladrões? Como teria sido fácilconduzir a perseguição para uma direção, enquanto seus cúmplicesdesapareciam por outra. E como seria fácil alegar inocência. Uma vezcapturada, é uma mulher sozinha. E uma mulher que certamente é capaz defazer dançar a seu desejo aos homens mediante os enormes olhos daingenuidade.

Elise esticou suas costas contra aquele tom.— Já lhe disse que sou a duquesa de Montoui, Stede. Não tenho

nenhuma necessidade de me unir aos ladrões.— Nem mesmos assassinos?— Nem mesmos assassinos.— Sabe utilizar muito bem uma adaga.— Sim.— Será talvez porque essa é a última ocupação feminina que se tornou

moda nas cortes?— Não, Sir Stede. Mas sou duquesa por direito próprio, e governo minhas

próprias terras. Em tais circunstâncias, é muito sensato que uma mulhertenha uma certa ideia de como se defender a si mesmo.

— Ah. E por que nunca ouvi falar desse Montoui?— Talvez seja porque é um ignorante.Ele não se moveu e não soltou nenhuma brusca resposta. Mas Elise

percebeu uma repentina tensão nos músculos já rígidos dos braços, queformavam uma jaula a cada lado dela, da mesma maneira em que sentiu umacontração do largo peito que estava suspenso a menos da distância do polegarde Stede por detrás dela. E um estranho calor, como se o raio tivesse chispadosubitamente a suas costas, invadiu toda sua coluna.

— Sua língua, duquesa, é tão cortante e afiada como sua adaga. E acrava tão rapidamente..., e com a mesma insensata temeridade.

Ela não disse nada, e se obrigou a não tremer assim que ele se ergueu e atocou, com suas calosas mãos de longos dedos sendo estranha e

assustadoramente suaves e delicados quando tomaram todo o comprimento deseu cabelo para estender ao redor de seus ombros.

Elise apertou os dentes enquanto ele persistia silenciosamente em suatarefa, tirando de seu cabelo os alfinetes que foram se movendoincomodamente durante a noite. Era um serviço simples e o suficientementecortês, mas mesmo assim Elise sentiu desejos de gritar ante a falsa intimidadeque havia nele. Por muito delicados que fossem os dedos do cavaleiro, ela podiasentir o poder contido de suas mãos, e a contradição que havia entre seustranquilizadores movimentos e suas ofensivas palavras jogada amargamentecom seus sentidos.

Se tivesse sido Percy...Elise fechou os olhos por um instante para pensar com uma súbita e

devastadora tristeza no cavaleiro a que amava. Ah, se Percy tivesse estado como rei em Chinon, agora ela não estaria sofrendo aquela indignidade! Percy eratudo o que deveria ser um cavaleiro, valente no campo de batalha, e mesmoassim terno e sensível no grande salão. Percy podia falar com as palavras maisdoces, e passava as horas que tinha livres com os trovadores, compondobalidas para ela. Não havia nada impenetrável e duro como a rocha em Percy,como sim, tinha naquele cavaleiro. Percy era esbelto e de uma altura maisparecida com a dela. Era galante e bondoso, e seus olhos eram de um quentecastanho dourado, e sua boca sempre estava curvada em um suave sorriso quenão continha qualquer zombaria. Era galante e determinado, e quando voltavapara ela, sempre caía de joelhos para beijar sua mão com reverência.Mantinha-a em cima de um pedestal, e embora tinham trocado beijosfascinantes que a faziam desejar algo mais, Percy jamais sonharia em desonrá-la antes do matrimônio.

Em um momento de súbita ironia, Elise pensou que terei que dar graçasà Virgem Maria pelo fato de que sua mãe natural e Henrique tivessem juradomanter em segredo a verdade de seu nascimento, e entregá-la como filha aoWilliam e Marie de Bois. Percy estava acostumado a assegurar que o rei tinhasido um velho libertino. E também acreditava na antiga lenda da Melusina,aquela que afirmava que o sangue de Satanás corria pelas veias dosPlantagenetas. Se Percy sabia que o sangue de Henrique corria pelas veias deElise, e que além disso era uma bastarda, certamente não teria devotado tãoternos cuidados, como quando encontrava defeitos em todos os trovadores seas letras de suas baladas demonstravam ser muito luxuriosos para os ouvidosde donzela de sua amada Elise.

Oferecer seus ternos cuidados! Admita, ela disse a si mesma em ummomento de verdade, Percy poderia seguir amando-a, mas nunca se casariacom ela se soubesse ou seja que era a filha bastarda do rei Henrique. Apesar detudo que o amava, Elise também o conhecia. Percy acreditava profundamentenas legalidades, assim como nas linhagens. Em uma sociedade devidamenteordenada, o homem nascia dentro de sua classe, e o sistema feudal era a

ordem do mundo. As linhagens familiares tinham que ser meticulosamenteriscadas, e o mau sangue devia ser excluída.

Os bastardos, especialmente os de Henrique! Não tinham lugar naimagem do mundo devidamente ordenado que tinha feito Percy.

Elise tinha discutido em muitas ocasiões com ele, porque Guillermo oConquistador tinha sido um bastardo. A realeza da Inglaterra descendia de umbastardo. Mas Percy se mantinha firme em suas convicções. Sabia o que tinhaterminado acontecer à realeza inglesa, a qual se viu sumida no derramamentode sangue entre o pai e o filho. Deus nunca concedia sua aprovação a umbastardo.

Aquilo representava um motivo de discórdia entre eles, mas Eliseprudentemente reserva suas opiniões para si mesmo. O homem não tinha sidocriado para ser perfeito, Percy era muito mais que a maioria deles e por issoElise estava disposta a aceitá-lo, e a amá-lo, apesar do que, muitonaturalmente, ela acreditava que eram ideias equivocadas.

Sagazmente, Elise sabia que havia uma consideração muito maisimportante que provavelmente tinha estado presente na mente de Henriquequando decidiu manter em segredo o nascimento de sua filha ilegítima,Montoui. Enquanto ele vivesse, ela nunca poderia chegar a perdê-lo. Masdepois de que ele tinha morrido, e se saberem, ou seja, que Elise não era adescendente legal de William de Bois, podia haver muitos que estivessemdispostos a reclamar o ducado. Primos longínquos do duque William, podiamaparecer de repente como a cogumelos em um bosque, dispostos a lutar peloducado. Primos que, sem importar quão longínquos fossem, podiam traçar sualinhagem até a família de Bois e, como consequência disso, demonstrar queeram herdeiros legais.

Ela era filha de um rei, e, entretanto, tinha todas as razões do mundopara agradecer que esse fato não fosse conhecido e para se empenhar emproteger o segredo de seu nascimento. Os dois fatores mais importantes de suavida estavam envolvidos, seu ducado, a terra sobre a qual governava, e, o queera de ainda maior importância para sua felicidade, o homem que amava.

Oh, Percy! — Pensou melancolicamente. — Se estivesse aqui, este infamefalcão noturno coberto de aço, não ousaria me acusar e me cobrir de vergonha!Então teria que lidar com você, meu amor.

Se fosse Percy quem a estivesse tocando daquela maneira, Elise estariase acalmando, até mergulhar em um doce vazio enquanto saboreava ossolícitos cuidados de um contato tão masculino.

Bryan se permitiu um amargo sorriso enquanto ia soltando o cabelo dajovem e espalhava. Podia sentir a rigidez de suas costas, e sabia que seucontato a fazia se sentir intensamente incômoda. Mas necessitava que elapermanecesse em guarda, pois só assim poderia abrigar a esperança dedesarmá-la... e chegar à verdade. Ocorrido naquela noite ainda era uma

profunda dor que rasgava sua alma como uma faca, e cada vez que fechava osolhos, podia voltar a ver o corpo desonrado do rei e os olhos sem vida de seusamigos mortos.

E se a causa de todo aquilo tinha sido o ardil de uma mulher, então essamulher iria pagar.

Aquela moça, pensou, era a escolha ideal para representar o papel decúmplice de um ladrão. O cabelo que ele estava tocando agora era tão lindocomo as chamas do fogo, ardendo com brilhos dourados em um momento parareluzir com faísca avermelhadas no outro. Enquanto secava com o calor daschamas estava cada vez mais suave em suas mãos, como se fosse umatapeçaria dourada feito com a mais pura seda do Oriente ou estivesse formadapor intermináveis quebras de onda de fogo. Caía com uma magnífica e opulentaabundância ao longo das costas da moça, chegando quase até suas coxas.Quase roçava o chão enquanto ela estava sentada.

E seus olhos, aqueles impressionantes olhos de tons turquesaemoldurados pelo profundo contraste dos seus cílios cor mel escuro, podiamluzir um disfarce da mais doce e ofendida indignação. Se o cavaleiro não ativesse visto correr e se não tivesse estado a ponto de ser vítima de sua adagaerguida malevolamente, não lhe teria custado nada em acreditá-la inocente.

Seu rosto estava impecavelmente construído com preciosas maçãs dorosto realçadas, opulentos lábios vermelhos como o vinho, e uma pele marfimtingida de tons rosados. Poderia ter sido muito bem uma filha de algum nobrede linhagem, mas nenhuma Lady de bom berço se aventuraria sozinha nanoite.

O cavaleiro também era consciente de que sua beleza continha aferocidade de uma raposa e a língua de uma víbora. Tinha estado mais quedisposta em assassiná-lo. Possivelmente foi esse o fator que o fez se decidirnaquele momento. Ela tinha tentado esfaqueá-lo, e lhe tinha falado em tons tãocondescendentes que tinha sido necessário exercer a maior força de vontadeimaginável, para que Stede não a golpeasse em uma de suas elegantesbochechas, e a fizesse ser atirada contra a parede.

Isso deixaria muito claro o quanto ele estava disposto a ir em referente àgalanteria cortesã.

— Assim é duquesa de Montoui. — Murmurou brandamente. — E viajouatravés dos campos sem acompanhantes para oferecer suas preces junto aocatafalco de nosso rei Henrique.

— Sim. — Disse ela com voz tensa.— E por que você deveria fazer tal coisa?— O quê?Bryan seguiu sorrindo. Por fim parecia ter encontrado uma rachadura na

armadura de sua história.

— Por quê? — Repetiu. — Por que deveria ter vindo a rezar no castelo,quando poderia celebrar missas no seu? É talvez parente do rei?

Elise não ouviu a provocação zombadora que havia em sua voz. Apenasouviu a verdade, e se apressou a negar.

— Não!— E então por que uma duquesa por direito próprio iria empreender uma

viagem tão perigosa?— Porque... eu... eu...— Porque é uma vil mentirosa!— Não! — Elise se levantou de um salto, em uma explosão de fúria tão

abrasadora como as chamas do fogo. — Lhe asseguro que sofrerá pelo o quetêm feito esta noite, Stede! Tenho amizades em lugares muito elevados, e meocuparei de que seja desarmado e desonrado! Verei suar em uma masmorra, epossivelmente inclusive desfrutarei do inigualável prazer de ver como suaestúpida cabeça é separada de seu corpo! Se pode ver que não sou nenhumaladra! Acaso levo comigo alguma tapeçaria? Ou a bainha da espada do rei?Idiota...

Dominada pela frustração e a fúria, Elise elevou os braços no ar,esticando assim o tecido de sua túnica desprovida de adornos através de seupeito.

E para seu imenso horror o anel, o anel de sua mãe, que tinha pego dodedo de seu pai, caiu ao chão.

Girando e dançando rapidamente com um agudo tinido sobre aspranchas, para logo ficar imóvel entre seus pés.

Seus olhos se encheram de horror, encontrou com os de Stede, e Eliseviu em suas profundidades cor azul de uma fúria que não se parecia com nadado que tivesse conhecido jamais.

Um instante depois, ela desistiu de toda pretensão de dignidade quandoele foi para ela, e logo gritou de terror assim que seus dedos já não delicadosatravessaram o ar para se fechar ao redor de seu ombro.

Elise resistiu desesperadamente, batendo a mão no rosto dele e rasgandoa bochecha com as unhas. Ele não pareceu sentir a dor, e tampouco vacilouquando lhe deu chutes, tapas e dentadas.

— Vamos ver o que mais está tentando esconder, duquesa.Aqueles longos dedos cujo poder ela já conhecia se fecharam ao redor da

gola de sua túnica. Elise o agarrou pelas mãos, mas sua força não era nadaquando se tratava de lutar contra a dele. A próxima coisa que ouviu foi umbrusco ranger de tecido quando ele rasgou a túnica da gola até o chão, e então,a rasgou impiedosamente.

Capítulo 04

Com a mais fina das regatas de linho como único traje, Elise sentiuindignação e fúria cobria o seu rosto com um manto carmesim.

O instinto a fez procurar desesperadamente sua vestimenta, e ao mesmotempo uma avalanche de juramentos dos quais inclusive o mais endurecidodos guerreiros teria sentido orgulhoso do que jorrava apaixonadamente de seuslábios.

— Bastardo! Escória! Filho de uma cadela doente! Descendente de umarameira...

Elise furiosamente lançou garras na mão que segurava a sua túnica delã, mas Stede agarrou o seu pulso com sua mão livre e lançou os restos datúnica de lã através da habitação, fazendo que caíssem no canto mais afastado.Elise, consternada, parou para erguer o olhar para seu atormentador. Olhos dacor azul que ardiam com o fogo da condenação lhe devolveram asperamenteseu escrutínio, acompanhando a tensão de uma mandíbula rígida com a firmedecisão de uma rocha.

Stede se abaixou para recolher o anel, fazendo que Elise soltasse umaexclamação afogada, e uma nova série de maldições, assim que se viuarrastada com ele.

— Nada que pertencesse ao rei? — Quis saber o cavaleiro.— Espere! — Balbuciou Elise. — Não entende...— Oh, sim que entendo. Entendi de primeiro momento.— Não...Ele voltou a se levantar, colocando-a a seus pés com um brusco puxão.— A regata, senhora.— O quê?Stede a soltou e deu a volta no banco para se sentar com expectativa, os

braços cruzados em cima do peito enquanto a contemplava com olhos frios ecalculista.

— Você já me ouviu, duquesa. A regata. Agora pode tirar isso vocêmesma, ou eu posso fazer por você. Receio que em minha maneira de fazer taiscoisas é um pouco brusca, se assim deseja conservar pelo menos um objetointeiro, sugiro que faça você mesma.

— Têm que ser um louco! — Gritou Elise, tremendo com uma súbitacomoção. Aquilo não podia estar acontecendo. Tinha sido amada e mimada porseus pais, sempre foi uma das favoritas do rei, e era querida e respeitada por

seu povo. Dava ordens sem levantar a voz e elas eram obedecidasimediatamente, seus cavaleiros se apressavam a ficar ao seu lado em qualquercrise, preparados para dar suas vidas para protegê-la...

E agora aquela... besta da noite... estava-a tratando com mais desprezodo que jamais teria feito a uma serva da cozinha.

E ela estava lhe permitindo fazer isso. Stede estava se infiltrando sob suapele e a despia de sua roupa e algo mais, porque ele estava roubando adignidade e a nobreza tão cuidadosamente moldadas ao longo de toda suavida...

— Um louco? — Ele repetiu secamente. — Talvez, porque a lua estácheia, e poderia dizer que a fúria que inflama a alma da beira da loucura écausada pela lua. — Por um momento, sua voz tinha sido quase agradável, umescuro veludo que teria sido muito admirado em outros tempos na bela cortede Leonor. Mas então mudou novamente, se tornando tão cortante e rígidocomo o aço quando disse. — A regata..., senhora.

Elise ergueu o queixo e, com um esforço terrível de vontade, fez que umraio invisível erguesse suas costas e ajeitar orgulhosamente seus ombros.

— Não é um cavaleiro honrado, Sir Stede. — Ela disse com a mais geladaaltivez. — Nenhum cavaleiro trataria de semelhante maneira a uma Lady...

— Mas você não é nenhuma Lady, duquesa. — Interrompeu Stede, semperder a calma. — Nenhuma Lady falaria com uma língua tão afiada e vil.

— Qualquer pessoa falaria com uma língua vil, quando se visse assediadapor uma criatura vil!

Ele sorriu, e ela não gostou daquele sorriso.— Estou esperando, duquesa.— Pois nesse caso, lhe aguarda uma espera muito longa, senhor, porque

não tenho nenhuma intenção de me despir diante de você como se fosse umaprostituta qualquer.

Ele encolheu os ombros, como se a questão dependesse inteiramentedela, mas logo começou a se levantar. Por experiências anteriores, Elise nãopodia duvidar de sua intenção, ou de sua capacidade de realizar qualquerameaça. A dignidade voltou a ficar esquecida quando chutou o chão comfrustrada fúria.

— Espere! — Ordenou, mas em sua voz havia, muita mais súplica do queela teria desejado.

Mesmo assim ele se deteve, as mãos apoiadas nos quadris e umasobrancelha arqueada, lhe dando com isso uma oportunidade de seguirfalando.

— Senhor, — começou ela, decidindo que implorar tranquilamente,poderia lhe resultar de muita utilidade, sem importar o quanto a aborrecesse a

ideia de tratar com aquele homem, embora só fosse com a mais insignificantedas cortesias. — Certamente você têm que ver até que ponto já comprometeuminha posição. Manchando a minha reputação me mantendo aqui dentro,enquanto essa tormenta continue rugindo no exterior, já me submeteu a maiordas indignidades me deixando tão malvestida como me encontro agora, emesmo assim, agora quer me deixar totalmente nua de uma maneira que fariaque qualquer homem honrado..., que qualquer homem honrado...

— O que qualquer homem honrado faria o que, senhora? — Perguntouele cortesmente.

Outra onda de rubor escarlate cobriu as bochechas de Elise. Por quegaguejava daquela maneira? A situação era óbvia.

— Compromete minha posição! — Explodiu finalmente, em um estalo defúria que foi incapaz de reprimir. E uma vez que as palavras saíram de seuslábios, compreendeu que sua posição poderia estar realmente comprometida.Bryan Stede estava demonstrando ser ainda mais tosco e grosseiro do que elatinha imaginado no princípio, caso que isso fosse possível. Estava claro quecada palavra que pronunciava o convencia ainda mais de que era uma ladra. Eagora tinha em sua mão uma prova de que ela tinha tomado algo do rei. Seacreditava que não era mais que uma vulgar ladra e uma rameira, poderiachegar a cometer qualquer classe de ação desonrosa.

— Duquesa. — Disse ele sem se alterar. — É você que comprometeu asua própria posição... quando achou apropriado tomar parte no assassinato eno roubo.

— Então que o diabo te leve! — Gritou Elise, apertando os dedos naspalmas de suas mãos e tentando não atacá-lo insensatamente em umarrebatamento de louca frustração. — Estou dizendo que...

Ele ergueu a safira do rei, deixando que reluzisse sob a luz das chamas.— Este anel. — Disse com voz subitamente enrouquecida. — Pertencia ao

Henrique Plantageneta. Usou em seu dedo mindinho, dia e noite, onde tenhoem minha memória. — Seus olhos se cravaram por um instante na brilhantepedra, e foram escurecendo pelo véu da lembrança. Logo voltaram a posar emElise, tão duros e reluzentes como a pedra. — A regata, duquesa.

— Eu juro que não tenho mais nada comigo...— Isso foi o que me jurou no começo.Foi um gesto insensato e nascido do desespero, mas Elise estava

desesperada. Começou a correr. Rodeando o banco, se lançou para a porta quelevava para noite. Seus dedos tocaram o duro carvalho, e sua mão procuroudesesperadamente a maçaneta. A porta começou a abrir.

Mas no mesmo instante em que começava a girar para dentro, ele afechou com uma portada cujos ecos ressonaram dentro da cabana. Elise sentiuque os dedos tão duros como garras se fechavam ao redor de sua cintura, e se

viu brutalmente jogada no chão. Começou a virar sobre si mesma, mas ele aseguiu rapidamente, se movendo com a graça desprovida de esforço, como umgato usa com um camundongo encurralado.

— Me deixem em paz! — Gritou ela com um alarido de medo e fúriaenquanto se aconchegou em um canto, e ele posicionou um pé a cada lado desua cintura. — Me Deixe...

Ele começou a se inclinar para frente, com as pernas estendidas ao redordela para voltar a aprisioná-la com seu corpo uma vez mais. A advertênciaclara que a tinha impulsionado a correr inicialmente fez que Elise seguisselutando. Enquanto via como a imponente silhueta do cavaleiro se dispunha adominá-la, começou a dar chutes com toda sua força.

Seus esforços foram recompensados por uma súbita e respiração de ar eum grunhido de dor, mas a sensação de vitória que se apropriou dela foirapidamente extinta pelo o brusca retorno da respiração. A dor não impediu deagir o cavaleiro. Colocando-se impassível ao redor dela e segurando os braçosque continuavam lutar, Stede os imobilizou junto do seu corpo por um instanteenquanto respirava fundo, e a contemplou com um ódio tão selvagem ardendono fogo azul de seus olhos que Elise em seguida lamentou suas temeráriasações.

Então se assombrou quando ele a soltou, lhe advertindo em todomomento com aqueles olhos que não se movesse, enquanto se sentouagachado diante dela, mantendo a maior parte de seu peso longe de seu corpo.

— Duquesa. — Disse falando muito devagar. — Não volte a se mover. Euadoraria dispor de uma desculpa para partir o seu nobre pescoço, assim se forsensata, então não me proporcionará isso. Está pondo a prova minhapaciência, senhora, mas posso lhe assegurar que, a esta altura, a maior partede seus cavalheiros da corte, já a teria matado a golpes. Me abstive demaltratar você, e unicamente pretendi prendê-la. Fique quieta e deixe de meprovocar porque, por muito nobre que seja, todo homem tem seu limite.

As lágrimas estavam vindo para os olhos de Elise, lágrimas de puropânico. Em questão de segundos estaria chorando como uma menina pequena,e não tinha nenhuma intenção de fazer tal coisa diante daquele homem.

— Prender! Maltratar! — Protestou enquanto seus dedos ardiam emdesejos de golpear aquelas feições de gelo e pedra. — Me limitei a resistir aosequestro! Me fez cair ao chão do alto do cavalo, me levou de um lugar a outroa seu desejo, e você me maltratou. É...

— A única coisa que tenho feito foi capturar a uma ladra!— Bastardo...Elise sentiu um formigamento na mão se tornou insuportável. Tentou

golpeá-lo, mas foi negado inclusive o prazer que proporcionaria aquela pequenador. Stede foi muito rápido. Segurou o seu braço quando este ainda estava

navegando para ele, e o sorriso gelado que roçou fugazmente seus lábiosquando voltou a colocá-los ao lado do seu corpo, era tão aterradora que ela nãoousou voltar a se mover.

Permaneceu completamente imóvel, observando os olhos de Stede etentando não tremer. Mas quando as mãos dele se posaram sobre o corpete desua regata, já não conseguia ficar quieta. Arranhou e se contorceu em umfurioso esforço por retirá-lo de sua pessoa.

— Maldita cadela! Pequena estúpida...Elise gritou quando ele voltou a segurá-la pelos pulsos, imobilizando com

uma captura tão cruel que as lágrimas fluíram livremente e reluziram em seusolhos.

— Adverti de todas as maneiras possíveis! — Disse ele com vozensurdecedora.

— E eu preferiria morrer, antes de ser violada por uma besta como você!— Respondeu Elise, dilacerada pela angústia.

— Violada?Para grande assombro de Elise, Bryan Stede ficou totalmente imóvel e

então começou a rir..., mas não a soltou enquanto colocava as mãos por cimade sua cabeça e as manteve imóveis, usando apenas uma das suas.

— Duquesa, a última coisa tenho intenção de fazer esta noite é te violar.Se quisesse a uma mulher, seria a uma que fosse atraente e carinhosa..., e nãoa uma que tem o coração negro de uma ladra!

Não mentia, e falava totalmente a verdade. Em toda sua vida, BryanStede nunca havia sentido o desejo de tomar a uma mulher pela força. Desdeque era um moço, as mulheres sempre vinham até ele. Das servas camponesasaté as Ladys de alta berço, as mulheres vinham a ele alegremente, cheias decarinho e dispostas a dá. Não demorou para aprender que as mulheresestavam acostumadas desejar os prazeres da cama com tanta paixão como oshomens. Ardiam em desejos de ser ensinadas, de agradar e ser agradadas.Gwyneth era uma delas. Linda, apaixonada e de longas pernas. Sempredisposta a abraçá-lo com tórrido calor e muitas promessas...

E Gwyneth ia acompanhada por terras e riqueza. Tinha transcorridomuito tempo da última vez que possuiu ao Gwyneth, muito tempo da últimavez que sentiu seu doce calor e conheceu seus olhos cheios de experiência...

Era igualmente verdade que possivelmente nunca voltasse a vê-la. SeRicardo decidia castigar a aqueles que se mantiveram ao lado de seu pai, SirBryan Stede já poderia se apressar em esquecer a Gwyneth, seus títulos e suasterras, e voltar a concentrar seus esforços no prêmio que poderia ganhar indoaos torneios.

Mas mesmo assim, sabia que ainda haveria mulheres cheias de calor edispostas a dar, querendo ser amadas. Nunca poderia imaginar se rebaixando

a usar a força. Não haveria prazer algum nisso.Principalmente quando desprezava a uma mulher da maneira em que

desprezava a aquela. Nascida para ser linda, mesmo assim carregava o anel,que ele sabia tinha pertencido ao Henrique. Ela proclamava sua inocência esua posição, e mesmo assim ele tinha a prova em seu poder.

Não, a ideia da violação nunca lhe tinha passado pela cabeça.Nem tinha chegado a pensar, ainda que vagamente, em desejá-la... até

agora.E agora...Agora contemplou o esplendor de cachos vermelhos e dourados que

enredavam seu comprimento ao redor de ambos, e os luminosos olhos corturquesa. Pensou no aspecto que ela oferecia diante do fogo, respirandopesadamente, com seus opulentos seios subindo e baixando e seus ombros nusreluzindo igual ao alabastro16. Pensou no que tinha sentido ao tocar sua carnesuave como a seda, na delicada fragilidade de sua pele de marfim, e na longa etentadoramente esbelta forma de suas pernas.

Sim, podia chegar a desejá-la. O palpitar que começava a crescer dentrode sua virilha era uma prova inegável disso. Podia chegar a desejá-la com umapaixão que encheria de fogo seu membro e faria arder seu sangue com umdoloroso desejo. Aquela mulher era tão linda como um sonho de Avalón17. Etinha passado muito tempo da última vez em que ele abraçou a uma donzela.Com as últimas batalhas, com a lamentável morte de Henrique... tinhatranscorrido quase um mês.

Podia chegar a desejá-la, lembrou a si mesmo com uma súbita fúria, masnão faria isso. Nunca quereria fazer sua, a uma ardilosa rameira quecertamente tinha formado parte de um repugnante roubo e assassinato.

Por um instante Elise permaneceu tão imóvel como ele, contemplandocomo as escuras emoções faziam ferver novas nuvens através das tensasfeições de Stede. Mordendo o lábio por dentro, apenas se atreveu a respirar erezou para que as palavras que acabavam de sair dos lábios do cavaleirofossem verdades. Depois voltou a ser atacada pela humilhação de sua posição,e novamente a encheu de fúria, que a tivesse rebaixado ao ponto de sersacudida e examinada por um homem, que adoraria ver sendo cozido vivo.

— Tire essas...— Ainda não, duquesa. Ainda não.— Não!Elise gritou, mas não pôde fazer nada enquanto ele finalmente segurava o

tecido de sua regata, agarrando-a pelo corpete e a rasgava ao mesmo tempo. Ese debatendo debaixo dele em busca de sua liberdade não lhe serviu muito.Tudo o que pôde fazer foi morder um pouco mais da pele de Stede, enquanto a

regata escorregava de seu convulsivo corpo.E então, para seu imenso horror, sentiu a mão dele se movendo por cima

dela. Conscientemente. Rapidamente.Sua larga e calosa palma se deslizou sobre seus seios para procurar

debaixo de seus braços. O cavaleiro mudou a posição de seu peso, trocando delado com ela. Depois sua mão voltou a se mover com uma aterradora eficiência,tocando seu estômago e seus quadris para logo deslizar-se um pouco mais parabaixo.

— Não! — Voltou gritar Elise, com voz cheia de fúria enquanto sentia osdedos dele em cima da íntima e delicada carne da parte interior de suas coxas.Ela se debateu contra a captura de Stede tentando voltar a chutá-lo, mas eleconteve cada um de seus movimentos com um dos seus, incrustando seujoelho entre as dela para obrigar a se separar e voltando a deslizar os dedos aolongo de sua coxa até que chegou ao triângulo dourado que havia na união.

Elise gritou de raiva sem que isso fosse de alguma utilidade. Sentiu comoele a tocava ali onde nunca tinha sido tocada antes, e a invasão de suaintimidade feminina foi uma afronta que nunca esqueceria. Da mesmamaneira, estava tão completamente impotente era uma indignidade que nuncaa abandonaria. Não podia libertar os seus pulsos e não podia combater a forçada musculosa coxa que mantinha separados as suas, deixando livres assim àmão e os olhos dele para que percorressem e invadissem quanto quisesse. Elisefechou os olhos enquanto um violento tremor se apropriava dela. Nunca haviasentido nada tão vivamente como sentia nele. O peso de sua robusta perna, ocontato desapaixonado de seu breve, mas decidido na inspeção.

Que Deus do céu me ajude! — Jurou silenciosamente. — Matarei a estehomem! Mas seu juramento pouco significava naquele momento, não sendomais que um tênue fio de esperança concebido para a sustentar.

Então, e tão decididamente como a havia segurado, o cavaleiro a soltou ese levantou em um só e fluido movimento. Elise o ouviu enquanto ia para ocanto. Os tremores do choque e a negra fúria se negavam a abandoná-la, e porum instante permaneceu mergulhada no atordoamento. Então abriu os olhoslentamente e viu que ele voltava a se erguer sobre ela, agora tendo nas mãosuma manta que jogou sobre ela com descuidado desdém.

— Algum dia eu mesma o matarei por isso. — Disse Elise, sustentando oolhar enquanto puxava a manta até cobrir o queixo com ela.

Ele encolheu os ombros.— Sugeriria que fizesse logo, senhora. Os ladrões geralmente são

pendurados por muito menos do que você roubou. Inclusive caso que umtribunal decida não ser muito duro com você, uma vez que é uma mulher,permanecerá encarcerada dentro de uma sólida torre.

Então ele deu as costas e retornou ao fogo, se sentando no banco para

esquentar suas mãos.Elise percebeu de que Stede decidiu dispensá-la por enquanto, como a se

fosse um desperdício. Ele a tinha despido, a tinha revistado e então a tinhadeixado de lado. Se ainda tivesse sua adaga, sofreria de bom grado asconsequências de atravessar sua pele, embora só fosse uma só vez para fazeremanar o sangue de seu negro coração.

Enquanto deitada, ainda atordoada e cheia de fúria, Stede se levantou e,como se estivesse sozinho, inclinou-se sobre a arca que tinha colocado àesquerda do fogo para examinar seu conteúdo.

Evidentemente, a cabana era aprovisionada frequentemente e da maneiraapropriada. Elise pôde ver como o cavaleiro tirava da arca um grande odre ealgo envolto em couro. Ainda sem prestar nenhuma atenção, voltou a tomarassento no banco e bebeu abundantemente do odre.

Elise mordeu o lábio, e logo seu olhar foi de Stede à porta paracontemplá-la com um desejo tão intenso, que ele deve ter percebido o que haviaem seu coração e voltou a cravar os olhos em sua cativa. Ela se sobressaltouassim que o ouviu falar, se virando para olhá-lo novamente com um imensoódio.

— Não volte a tentar, duquesa. Decidi deixar que seja a lei a que tejulgue, mas realmente, já estou muito farto. Se tiver que voltar a sair para lhebuscar, amarrarei suas mãos e pés e lhe amordaçarei, também, para assimeconomizar a meus ouvidos de sua língua afiada.

— Você decidiu deixar que seja a lei que me julgue? — Respondeu Elisecom uma pergunta furiosa, enquanto tentava reprimir o pranto novamente. —É essa a razão pela qual escolheu me prender, despir... e revistar?

Estava fazendo um terrível esforço para não desatar no pranto, masmesmo assim uma súbita rouquidão oprimiu sua garganta e a umidade reluziuem seus olhos, fazendo que a cor turquesa fosse tão intensamente brilhantecomo uma pedra esculpida perfeitamente. Não estava procurando compaixão,mas mesmo assim algo lhe indicou que tinha feito vibrar uma corda ocultadentro do cavaleiro escuro.

— Minha senhora. — Disse ele com doçura, e sem a brincadeira habitualque continha sua voz quando se dirigia a ela chamando-a de duquesa. — Estanoite vi muitas coisas. Vi o corpo de um monarca morto profanado e despojadode seus pertences, vi a velhos e leais amigos jazendo nos atoleiros de seupróprio sangue, com seus olhos que já não podiam ver, firmemente cravadosem mim. E vi seus olhos fixos em mim, também, cheios de ódio e veneno... e dointenso desejo de me atravessar parte por parte. Vi você gritar que é inocente,que é a duquesa de Montoui, acabava de sair de suas preces pelos mortos. E,entretanto, enquanto anunciava aos gritos sua inocência e sua indignação, aprova de sua mentira caía ao chão diante de seus pés, escondida em você. Sim,portanto despi e revistei você. Mas não te machuquei. Foi, possivelmente, um

ato de bondade. Ou preferiria ter se encontrado diante de um juradorapidamente formado de pessoas de sua posição, para logo ser despida erevistada? Fala de desonra, minha senhora. Pelo menos aqui estávamossozinhos. Qualquer que seja a decisão sobre a seu respeito no futuro, quandoretornarmos ao castelo de Chinon, ao menos saberão que não voltarão a serinspecionada dessa maneira... diante de uma multidão de outros olhares.

Elise sentiu que seus dentes começavam a tremer. Depois de tudo aquilo,seria possível que ainda pudesse haver algo mais aguardando-a no futuro?Não, daria as boas-vindas ao pensamento de retornar ao Chinon. Porque aliestariam aqueles que sabiam que tinha sido a amiga de Henrique.

Mas, eles importariam com isso? Ou possivelmente todos acreditariamque poderia ter roubado ao rei, especialmente quando aquele homem podiaexibir uma prova disso? Uma prova que todos tinham visto usar o rei, quandolavaram e vestiram seu corpo e o prepararam para o enterro.

Elise baixou a cabeça. Tinha que escapar. Assim que ficar livre daquelehomem e voltasse a estar em Montoui, não haveria nada que pudessemdemonstrar contra ela. As forças de que dispunha ali, somavam a quinhentoshomens de armas, e no caso de que Bryan Stede persistisse em suaperseguição, apenas seria sua palavra contra a dela. E ela defenderia seu casodiante a Leonor da Aquitânia, e Leonor a entenderia.

E Elise finalmente poderia encontrar vingança contra aquele homem...Era um sonho muito lindo, um que aliviava a raiva da humilhação que

ainda ardia dentro dela.Mas não era mais que um sonho. A menos que pudesse fugir de Stede.Existia a horrível possibilidade de que fosse culpada pelos nobres de

Chinon, e se encontrasse padecendo algum terrível castigo antes de queninguém pudesse intervir para salvá-la.

O sangue fugiu de seu rosto quando foi subitamente consciente de queestava contemplando seus pés descalços e Stede voltava a se erguer sobre ela.Um grito afogado escapou dos lábios de Elise quando ele se inclinou sobre elae, com a manta incluída, tomou em seus braços. Elise não pôde evitar que oalarme fizesse presente em seus olhos, quando este se encontrou com os deStede.

— Desculpe-me, duquesa. — Disse ele em um tom mais suave de queteria esperado Elise. — Mas não confio em você.

Um instante depois se encontrou sendo depositada na cama do cantodetrás, longe da porta. Mas embora ele estava muito distante de se mostrarsolícito, pelo menos o cavaleiro não a tinha transportado com brutalidade, eenquanto ele retornava ao banco, Elise o contemplou com uma sombra decálculo começando a crescer dentro de seus olhos semicerrados.

Bryan Stede era muita coisa, decidiu, primariamente tosco e brutal, masembora carecia dos delicados maneiras cortesãos que agraciavam até o dedomindinho de Percy, não era um homem cruel. Se ela tivesse compreendido deprimeiro momento que não era um dos ladrões que a perseguiam para reduzi-la ao silêncio por toda a eternidade, então teria se voltado para ele parasuplicar seu amparo. Se não tivesse estado tão aterrorizada e não tivesseresistido tão insensatamente, ele provavelmente teria acreditado nela.

Em vez disso, tinha chegado a isto.A aquela noite de degradação que nunca perdoaria ou esqueceria.Se ao menos não tivesse tentado apunhalá-lo...Ou se ao menos tivesse tido êxito em seu intento!Mas tudo aquilo pertencia ao passado. Se não agisse rapidamente com

toda a sua inteligência, tinha muitas probabilidades de se encontrar em umasituação ainda pior. Se ao menos pudesse suportar a sua ira e seu orgulho,apenas o tempo suficiente para salvar a si mesma!

Pensou secamente em Henrique, seu pai. Houve um tempo no que tinhasido o maior cavaleiro e rei de toda a cristandade. Havia possuído habilidade,ousadia e força e tinha reinado sobre suas terras de maneira tão justa quetinha chegado a ser conhecido como Henrique, o Promulgador de Leis. Masapesar de todos seus vastos dotes, sempre tinha tido uma grande debilidadepelas mulheres. Um rosto bonito e uma figura opulenta podiam atrair muitofacilmente sua atenção, um sorriso atrativo podia conquistar seu coração,embora os efeitos só durassem o que um fugaz feitiço.

A única coisa que Elise necessitava agora, era um fugaz feitiço.E não tinha nenhuma necessidade de conquistar o coração do cavaleiro

negro. A única coisa devia fazer, era abrandar o aço do qual parecia ter sidofeito a princípio, e rezar para que existisse uma essência de misericórdia ecavalheirismo em algum lugar de sua alma.

Elise percebeu de que ele estava observando-a novamente, e permitiu queseus cílios baixassem um pouco mais, defendendo a aguda astúcia que haviaem seus olhos enquanto ia riscando seus planos.

Ao Bryan achou que ela finalmente tinha sido submetida, e não foi semuma certa e exausta gratidão como a viu daquela maneira. Apenas tinhadesfrutado de uma hora de sono na morte do rei, e o cansaço que sentia estava

começando a se infiltrar em seus ossos.Mas havia algo na forma encolhida da moça que também o fazia se sentir

irritantemente culpado. Ela se encontrava toda encolhida com os pés debaixodela, a manta apertadamente ao redor a seu peito com os longos e delicadosdedos. Mas em cima daqueles dedos ele podia ver a protuberância de seusfirmes seios, e a lisa coluna de marfim de sua garganta. Sua cabeçapermanecia ligeiramente inclinada, de tal maneira que ele não podia ver osluminosos lagos de turquesa debaixo das magníficos cílios cor mel, mas mesmoassim não passou desapercebida a pureza julgando pelo seu embaraço. Suacabeleira, agora já quase totalmente seca, caía ao redor dela em umaabundante cascata, e para Bryan teria custado muito chamar a cor com osnomes do amanhecer ou o crepúsculo. Tinha um ardente vermelho escuronela, assim como o mais esplêndido ouro. E enquanto a olhava, Bryan nãopôde evitar imaginar como seria estar completamente enredado dentro daquelematagal de ouro, conhecendo sua sedosa carícia com a totalidade de seu corpomasculino, assim como seus dedos.

A partir desses pensamentos, era natural que logo sua mente pensassepara trás, retrocedendo apenas alguns minutos, até chegar ao momento emque ele a segurou debaixo dele. Nada poderia ser mais natural do que recordarque toda a carne daquela moça era do mais puro marfim, e que estava livre detoda mácula, que seus seios tentavam a um homem em tocá-los e saboreá-los,como se fossem firmes frutas amadurecidas que tivessem florescido atéalcançar uma orgulhosa altura, com seus topos tendo a fascinante e linda corde uma rosa tingida pelo orvalho da manhã. Sua cintura era estreita e curvacomo a da antiga Vênus romana, para depois, se desenrolar em um irresistíveltesouro, ao mesmo tempo que seu ventre descia suavemente, pela pélvis atéque a carne de marfim ficava escurecida pela mística de um triânguloexuberante feito do mais profundo mel, vermelho escuro e ouro. Suas pernas,longas e suaves ao tato e mesmo assim belamente formadas, pareciam ter sidofeitas para se entrelaçar com as de um homem.

Nem sequer Gwyneth, a mulher com a que ele estava disposto a se casar,poderia igualar a aquela moça no referente à perfeição.

Bryan tomou outro longo gole de vinho do odre de couro e sentiu como ocalor ia crescendo dentro dele. Estudou a moça abertamente, e entretanto issonão pareceu importar nem um pouco, já que ela manteve os olhosnervosamente discretos, talvez furiosamente baixos.

No melhor dos casos era uma ladra, lembrou secamente a si mesmo.Possivelmente uma rameira, provavelmente uma assassina.

Mas não pôde evitar que seus sentidos ganhassem uma intensa vida, eadmitiu com um rígido encolhimento de ombros que não podia lembrar terdesejado a uma mulher da maneira em que desejava a aquela. Bryan erajovem, e vibrantemente saldável. E, até cansado como estava, seu corpo estavalhe recordando que seus desejos eram saudáveis no melhor das hipóteses, e

que ultimamente tinha passado por um longo período de privação.Mesmo assim, e tal como havia dito a ela, nunca poderia imaginar em

tomar pela força a uma mulher..., nem sequer a uma traiçoeira da naturezadaquela moça.

Fechou os olhos e engolindo um longo gole de vinho. Era irritante,incômodo... e doloroso. Mas natural, supôs. Inclusive no caso de que ela fossetudo o que podia ser, ladra, rameira, assassina, Bryan estava começando apensar em uma suavização de seu julgamento, em um mero apaziguamento deum desejo elementar.

Contudo, vista sob o refúgio da manta, a moça parecia tanto abatidacomo orgulhosa. Com sua cabeleira em liberdade e fluindo ao redor dela, muitobem poderia ter sido a heroína de uma lenda. A Dama do Lago, possivelmente,Genebra, dividida entre os dois homens aos quais amava.

Absorta em sua desgraça...Bryan encolheu os ombros e um sorriso puxou suavemente de seus

lábios. Maldição, como ele estava cansado! Certamente essa era a única razãopela qual tais fantasias faziam ato de presença em sua mente. Mas ele não eraDeus, nem tampouco um rei, nem sequer o magistrado de um tribunaldisposto a ditar sentença. Não ostentava poder algum da vida ou da morteexceto na batalha, e sua batalha com ela tinha terminado. A tempestadecontinuava rugindo no exterior, vaiando estridentemente através das gretas eas frestas da cabana. Aquela noite, voltariam a se pôr em caminho, já que eleera seu carcereiro, era responsável por seu cuidado.

Ele ficou de pé e foi até ela. A moça não levantou os olhos até que Bryanlhe ofereceu o odre de vinho. Então o olhou com desconfiança, como seduvidasse de que ele desejasse vê-la desfrutar do mais mínimo conforto. Algoainda no altivo cinismo que havia em seus impressionantes olhos chegoudiretamente ao centro do coração de Bryan, suscitando tanta ternura comouma nova ira. Sim, tinha-a tratado de maneira brutal e grosseira. Mas era ela aque tinha estado fugindo do castelo. Tinha alegado inocência, para logodemonstrar ser uma mentirosa mediante o anel. Se queria maneiras cortesãos,deveria se comportar como em uma corte.

— É vinho, duquesa, não veneno. — Disse bruscamente. — Eu mesmobebi dele.

Um instante depois, ele ficou surpreso ao ver que ela começava a tremer,para logo umedecer os seus lábios com a ponta da língua.

— Obrigada. — Sussurrou, agarrando o odre e tomando um gole dele.Ficou tentado de se afastar dela. A moça estava revelando o medo que

tinha, e aquela debilidade feminina fez surgir nele um desejo de amparo.Ela não necessitava nenhum amparo...Mas ele não podia se obrigar a retroceder, e por isso a contemplou

enquanto bebia o vinho. Bebeu um longo gole e logo tossiu, e voltou a olhá-locom olhos assustados.

Bryan não pôde conter uma alegre gargalhada.— Duquesa, asseguro-lhe que o que contém não é mais que vinho. Mas

se trata de uma variedade local, bastante forte, e muito menos tão suave comopara alguns paladar. Mas não lhe fará nenhum mal.

Os olhos dela permaneceram posados nele durante um instante mais,uma neblina de luz azul esmeralda. Depois seus cílios voltaram a baixar, ebebeu outro longo gole de vinho.

Quando terminou de beber pela segunda vez, devolveu o odre e manteveseus olhos firmemente fixos nos seus. Então falou em voz baixa.

— Está equivocado a meu respeito, Sir Stede. — Disse com doçura.— De que maneira? — Ouviu ele perguntar.— Peguei o anel do corpo de Henrique, sim. Mas nada mais. E não estava

com aqueles que o roubaram tão desrespeitosamente e assassinaram a seussentinelas.

Elise se obrigou a permanecer tranquilamente imóvel, e a não afastar osolhos dele enquanto falava. A sobrancelha esquerda do cavaleiro ergueuincrédulo, mas não tentou negar suas palavras, e ela se perguntou se não teriaencontrado por fim a fissura em sua armadura. Então ele deu as costas eretornou ao fogo, olhando-o com as mãos distraidamente entrelaçadas atrás desuas costas.

— A pesar do fato de que tentou me matar. — Disse finalmente. — Eugostaria de acreditar na sua história. Não gosto das execuções públicas, nemver como uma pessoa é se separada da luz do dia pelo o resto de sua vida. Massua história não tem nenhuma lógica. Por que viajar em uma noite semelhantepara rezar lado do catafalco de um rei? Ricardo virá, já que terá que fazer isso.Mas quem mais acudirá? Leonor foi encarcerada. Juan se tornou em umtraidor. O bastardo do rei, Geoffrey Fitzroy, é esperado em Chinon, masninguém mais. O corpo de Henrique deve ser enterrado. E sob taiscircunstâncias, os únicos esperado para cuidar dele aqui são aqueles queestavam com ele durante os últimos momentos. Celebrarão missas por todassuas terras.

— E entretanto você veio, o rei foi despojado de seus pertences e algunshomens magníficos foram assassinados. Então fugiu de mim como se eu fosseo diabo, e tentou, pôr fim na minha vida com sua adaga. Descubro que tem oanel do rei. Segue me dizendo que veio unicamente a rezar, e que apenascarregava o anel de safira. Mas não há motivo para que lhe acreditar. Me diga,por que deveria acreditar em você, e tentarei fazer isso.

Como desejou Elise, poder jogar o odre contra sua arrogante esombriamente belas feições e lhe dizer que não dava a mínima para o que

acreditava ou não! Mas tinha que ir com cuidado, já que unicamentedesarmando-o poderia ter a esperança de escapar dele.

— A questão... era pessoal. — Murmurou, se assegurando de que sua vozsoasse o mais entrecortada e sem fôlego possível.

Ele deu as costas ao fogo e a olhou fixamente, e por um instante faltoupouco para que Elise sucumbisse ao pânico, pensando que o cavaleiro tinhacompreendido até que ponto era pessoal. Mas logo ele voltou a arquear aquelasobrancelha tão irritantemente convencido de superioridade e disse, falandoem voz baixa:

— Fica do mesmo jeito, tal réplica muito bem poderia ocultar muitasmentiras.

Elise fechou os olhos durante alguns instantes e permitiu que sua mentevagasse a seu desejo. A verdade, poderia lhe dizer a verdade. Podia correr orisco de que ele se comportasse honradamente e guardasse o seu segredo...

A ironia de seus pensamentos quase a fez rir em voz alta de si mesma.Honradamente? Stede nunca poderia se comportar de tal maneira. Já tinhademonstrado ser um dos homens mais implacáveis e grosseiros que ela teve ainegável desgosto de conhecer.

Um estranho vazio se apropriou dela, ajudando a acalmá-la. Não, fossequal fosse a mentira que tivesse que lhe contar, ou a fraude que tivesse querepresentar, não podia lhe dizer a verdade. Era muito possível que ele gritasseao mundo e, entre gargalhadas, embelezasse sua noite com a filha bastarda dorei. Poderia acreditar com muita facilidade, as pessoas podiam começar a ver asemelhança que a unia a seu pai...

Seu sonho de uma vida com o Percy ficaria feito pedacinhos, advertiu seucoração. Mas foi sua mente mais que seu coração a que a convenceu de queuma mentira, sem importar o ridícula e vergonhosa que fosse, bastaria, melhorque a verdade. Henrique estava morto e Ricardo ia subir ao trono. O equilíbriode poder entre os nobres e os soldados oscilaria precariamente. Se alguémdesejava lhe arrebatar Montoui, esse seria o momento ideal para que atuasse.E embora as forças que Elise dispunha eram poderosas, sempre havia aquelasque o eram mais poderosos. Se a verdade de seu nascimento venha a serconhecida ou seja se, então Montoui poderia ser arrebatado em uma sangrentaluta, centenas de pessoas podiam chegar a morrer, as fazendas e as casaspodiam arder até os alicerces, e os animais ser sacrificados pelos atacantes,deixando assim que as pessoas do agora rico ducado morrerem de fomequando o verão desse passo ao inverno.

Tinha que mentir.Tinha que conseguir manipular Stede. Ele possuía a força de seu sexo,

assim que ela deveria utilizar os atrativos ardis do dela.Elise tinha engenhado com frequência para manipular a seu pai, e

Henrique tinha sido o rei. Podia fazer que Percy se inclinasse ante seuscaprichos, com apenas um suave sorriso e um doce sussurro. Por que não aaquele cavaleiro?

Por que não, certamente.Parecia sua única escolha. E se dava resultado da maneira em que ela

estava planejando, então seria livre. Se não... espalharia um rumor diferente.Elise sorriu para si mesma. Sua mentira seria muito mais vil que a verdade,mas uma mentira vil seria o que a salvaria. E se Stede difundia aquele rumor...

Ninguém lhe acreditaria. Sua casta relação com Percy e suas elevadospadrões morais eram muito bem conhecidas. Havia uma saída. Elise teria queinterpretar o seu papel com a mais doce e delicada das artes femininas...

Capítulo 05

Elise ergueu o queixo, permitindo que seu corpo voltasse a estremecer apesar do gesto.

— Sir Stede, baseando no que sofri nas suas mãos até este momento,dificilmente pode me parecer a classe de homem no que sentiria disposta aconfiar. — Disse, agitando sedutoramente seus cílios e tomando outro longogole de vinho. Era uma bebida extremamente potente, afrutada e seca. Eliselevava toda sua vida bebendo cerveja e vinho, mas aquela... aquela eradelicioso. Enchia-a de calor. E de coragem. Uma falsa coragem, disso era muitoconsciente, mas, mesmo assim desesperadamente necessário.

Durante um momento ele se encontrou encurralado, capturado pela luzdo fogo que dançava sobre a riqueza do cabelo de Elise, pelo suave sussurro desua voz, pela súplica que havia nela.

— Minha senhora, se você pode dizer algo que declare inocente de tal ato,peço que fale.

Estava dando resultado! Como qualquer outro homem, Sir Bryan Stedepoderia ser desviado de seu curso, e conduzido à vontade com pouco mais doque o esforço de um falso sorriso. Exuberante, um novo calor e uma sensaçãode poder percorreram o corpo de Elise e decidiu a interpretar seu espetáculo.Ela se levantou, arrastando castamente sua manta consigo ao mesmo tempoque se assegurava de que uma panturrilha ficasse inocentemente revelada.

— Eu adoraria poder falar com você, Sir Stede! Já teria falado noprimeiro momento se não tivesse se comportado tão... grosseiramente.

Elise pronunciou a última palavra com um tom de constrangida ofensa,tão marcada que pouco faltou para que ela mesma acreditasse. E embora Stedepermanecesse imóvel com um cotovelo apoiado sobre o tosco suporte da

lareira, sua enigmática sobrancelha sempre arqueada, ela viu que seus olhosescureceram, ainda perspicazes enquanto a avaliava, mas possivelmenteavaliando a sombra da dúvida.

O cavaleiro não se curvou diante dela para se desculpar, mas vindo dele,a resposta que deu a suas palavras foi quase tão gratificante quanto.

— Minha senhora, sabe muito bem por que agi da maneira em que fiz.— Estava furioso, sim, e... muito compreensivelmente.Elise teve que afastar o olhar dele para pronunciar tão fantástica

mentira, mas inclusive o rápido movimento de seu corpo para contemplar ofogo com a cabeça baixa falou em favor dela. O cavaleiro guardou silênciodurante alguns momentos, e então se lembrou.

— Duquesa, ainda têm algo que dizer para esclarecer sobre a suasituação.

Elise se preparou para o momento culminante de sua representação,esticando as costas debaixo da manta e virando novamente a cabeça de talmaneira que o perfil de seu queixo ficasse realçado.

— Preferiria morrer mil mortes, Sir Stede, antes de lhe revelar as minhasverdadeiras razões para estar ali onde me encontrou!

Aquela parte era verdade, e Elise antes morreria que permitir que averdadeira razão chegasse a ser conhecida. Mas a mentira que se dispunha acontar certamente bastaria, e no caso de que chegasse a se espalhar, nãoacreditariam.

Esperava que ele jurasse a guardar silêncio, mas sua voz foi um suavemurmúrio quando advertiu.

— Duquesa, é possível que morra.Sentiu que o cavaleiro se aproximava dela, mas Stede se limitou a tomar

o odre de sua mão e beber dele enquanto se sentava escarranchado em cima dobanco, para logo abrir o pacote envolto em couro que tinha tirado da arca. Eliseouviu um rangido, e se virou para ver que Stede acabava de morder uma maçãmuito grande, vermelha e fresca.

Seus olhos permaneceram cravados em Elise com um olhar espectador.— Esta cabana se encontra muito bem aprovisionada! — Exclamou ela,

conseguindo por muito pouco que a irritação que sentia, não se transparecerem sua voz.

— Sim, está. — Respondeu ele afavelmente, movendo a mão em um arcoque percorreu toda a habitação iluminada pelo fogo. — Com o Ricardo semprenos pisando nos calcanhares, refugiamos imediatamente no Chinon. Construíeste lugar com o Marshal..., e dois dos homens que morreram esta noite.Sempre guardávamos aqui vinho e comida em abundância, uma vez que ascaçadas para alimentar ao exército eram importantes, e também o era o

santuário que oferecia, no caso de que nos encontrássemos apanhados por umtempo tão infernal como o da tormenta desta noite. Maçã?

Jogou a fruta para ela. Elise, instantaneamente consciente de queperderia a manta se cedia ao reflexo de agarrá-la no vôo, sorriu com doçura epermitiu que a maçã caísse ao chão.

Não era que ela ainda tivesse algo para ocultar daquele homem, é claro.Mas se asseguraria de que nunca voltasse a tocá-la, a menos que fosse porqueela tinha planejado isso.

Ainda sorrindo, se levantou graciosamente com a manta ao redor dela erecolheu a maçã.

— Dispomos de toda a noite, duquesa. — Disse ele brandamente.Elise se voltou novamente para o fogo, sustentando sua maçã. Por um

instante se sentiu absurdamente acalorada, como se o fogo da lareira estivesseardendo dentro dela. As chamas saltaram e estalaram e a habitação girou.Elise contemplou a maçã solitária na mão e logo a mordeu, e por algumaabsurda razão pensou na bíblia, e na Eva, dando aquela primeira dentada aofruto que tinha conduzido ao pecado original.

Então compreendeu que não deveria ter bebido tanta quantidade daquelevinho. Tinha lhe dado forças, mas agora estava obscurecendo sua mente ecriando um mundo de sombras quando ela necessitava tão desesperadamentede fazer que tudo saísse como era devido. Precisava convencer a aquele homemde que tinha conhecido muito bem ao Henrique, e de que tinha razões paralevar consigo um só e diminuto tesouro.

— Eu era sua amante. — Balbuciou subitamente.Ouviu a surpresa na sua respiração que seguiu a sua temerária

declaração, e logo ouviu o mais absoluto silêncio. Desejava se virar para ver oefeito que suas palavras tinham tido no homem, mas se fizesse outra coisa quenão fosse baixar a cabeça em fingida humilhação, perderia o impacto de suaenvergonhada apelação.

— Amante!A palavra foi como uma chicotada atirada contra o vento.— Sim. — Sussurrou ela, tremendo.— Henrique estava muito doente para...— No final, sim. — Murmurou Elise. — No último momento. E... e eu

estava com meses sem vê-lo..., mas...Finalmente se permitiu se virar e se deslizou graciosamente para baixo

até ficar de joelhos aos pés dele, implorando-o com olhos tão vastos ebrilhantes como uma vastidão de cristal. Pôs a mão, de maneira vacilante edelicada, em cima de sua coxa em uma suave súplica e lutou para não retirá-laquando o calor pareceu queimá-la. E um instante depois estava lutando por

não sorrir, porque tinha percebido o rápido estremecimento provocado por seucontato, e muito satisfeita em ver que tinha sabido avaliar com tal exatidão atéonde chegava a estúpida debilidade daquele homem.

— Sir Stede, ao dizer estas palavras, lhe confiei minha vida, pois se estaverdade ficar conhecida, me veria manchada e arruinada para sempre. Mas euamava ao Henrique. Oh, sim, ponho a Deus por testemunha de que o amava! Oanel tinha uma importância muito especial entre nós, e não acredito que eleteria me negado isso.

Seu discurso foi magnífico, e Elise sabia. Sendo apaixonada, tinhavibrado com uma resolvida sinceridade. Havia muita coisa que era verdadedentro dela.

O cavaleiro a olhou fixamente, e sua mandíbula parou o seu movimentosobre o pedaço da maçã que estava mastigando. Seus olhos se entreabriram,tão escuros e tenebrosos como o azul da meia-noite do céu cheio pelatormenta. Depois lhe tocou, alisando seus cabelos da têmpora até o pescoço.Elise curvou os lábios em um leve sorriso que esperava que fosse encantadorae acariciou instintivamente com a sedosa suavidade de sua bochecha a ásperatextura da palma dele, da mesma maneira em que uma gatinha procuraria ocalor e afeição em uma noite fria, assim faria ela. Certamente inclusive oscavaleiros implacáveis sabiam que as crianças, os bichinhos e as moçasdesejavam receber delicados cuidados e um amparo cavalheiresco!

Com um súbito movimento, Bryan Stede jogou a maçã ao fogo para logosegurar a cabeça de Elise com ambas as mãos.

— A amante de Henrique? — Repetiu em uma entrecortada pergunta, enela, Elise pôde ler toda uma infinidade dos pensamentos velozes como aschamas que corriam por sua mente. Ele tinha suavizado, se derretendo comoao aço no fogo do artesão. Agora ela já não era uma assassina, já não eradesprezível. E ele estava experimentando um certo arrependimento por tê-lamarcado como tal e tratá-la com tanta brutalidade...

E por muito que o lamente agora, não é nem a metade do que o lamentaráquando eu esteja livre e descubra que sou capaz de vingar as injustiças que estásendo cometidas comigo, pensou.

O rosto do cavaleiro baixou até ela. Elise voltou a sentir a força que haviaem suas mãos, e entretanto, agora era uma força trêmula e o contato tinhamuito mais de carícia do que aprisionamento.

— Você... amava... ao rei?Havia uma estranha inflexão na palavra amava, mas isso não alarmou a

Elise, pois tinha certeza que o cavaleiro estava limitando a certificar de que aemoção que ela tinha mostrado era real.

— Apaixonadamente. — Respondeu, sustentando o seu ardente olhar corazul.

Mas Bryan Stede não estava, naquele momento, interessado nem umpouco nas emoções, ou no rei ao que tão fielmente tinha servido.

Ele só pensava que a moça não era nenhuma donzela inocente, em quetinha conhecido a carícia de um amante, e então se viu privado dela durantemuito tempo, agora precisaria voltar a sentir aquela tipo de contato.

E em que o calor do fogo que rugia atrás dele parecia se tornado em umaparte de seu ser, destroçando, rasgando, consumindo seu sangue ao mesmotempo que consumia sua mente e seus pensamentos. O vento que assobiavafuriosamente além dos muros da cabana ventilou o fogo e o alimentou atéconvertê-lo em uma tormenta que ardeu com súbito calor e brilhos azuis,dourados e vermelhos. Ira, desejo, paixão, e perda... Tudo explodiu dentro dele.Tinha que possui-la. As semanas de tensão e fazendo a guerra, de padecer oesgotamento e as privações, foram subitamente superadas pela simplicidadedaquele fogo enquanto a necessidade básica do guerreiro e o varão que haviadentro dele clamava tão grosseiramente como o vento pelo socorro de uminterlúdio de esquecimento e prazer físico.

— Duquesa..., o rei está morto.— Eu... sei, — Murmurou ela, se sentindo mergulhada em uma súbita

confusão. — E... acredito que você o amava, como eu, e por isso que peço quenão me leve de volta para lá, me arrastando como uma ladra e...

— Não, minha senhora, não vou arrastar como uma ladra.— Obrigada, Sir Stede, obrigada... — Começou a dizer Elise, mas se calou

quando ele se levantou abruptamente e suas mãos se deslizaram até seusombros para carregá-la até ele. Viu que o azul de seus olhos estava acendendoaté se tornar em uma chama abrasadora, e que suas feições voltavam a estartensas, com um rápido palpitar pulsando na veia sobre o duro músculo de seupescoço.

— Não, minha senhora, não lhe levarei arrastada até o castelo como umaladra. Vou nós concedermos a tempestade desta noite, e preencheremos quãovazio que há dentro de cada um, enquanto a chuva passa um longo tempo comsua fúria.

— O que...? — Murmurou Elise, com sua confusão se tornando cada vezmais grande, até que finalmente reconheceu a chama azul que estava ardendocom uma crescente intensidade dentro dos olhos dele.

Desejo. Sincero, básico desejo.O cavaleiro não pensava nela como uma gatinha, ou uma menina.

Tampouco estava pensando que necessitava ternura ou amparo.— Sir Stede! — Protestou, lutando contra a teia do vinho e a habitação

que girava e o contato de aço quente de suas mãos em cima dela. — Eu era aamante do Henrique, não uma rameira vulgar e comum...

Ele riu.

— Não acho que haja nada comum em você, duquesa, acredite em mim!Elise o olhou com os olhos muito abertos enquanto sua posição ficava

subitamente e ameaçadoramente clara para ela. Até alguns instantes atrás,que tinha sido a aranha que tecia o tecido, e de repente era a mosca apanhadadentro dela. Tinha avançado ousadamente, para perceber muito tarde de quetinha caído no emaranhado da força daquele homem.

Jogou a pior de todas as cartas possíveis! Ela se reprovousilenciosamente em um repentino acesso de fúria. Sua mente procurou a todapressa as palavras apropriadas para lembrar para ele que não tomava anenhuma mulher pela força, mas pelo fogo dos olhos do cavaleiro soube queStede não estava pensando na força a não ser unicamente na paixão e queacreditava que ela, em sua solidão e sua perda, daria a bem-vinda àtempestade que se agitava dentro dele.

A aflição, e uma tardia sensação de sabedoria, se apropriaram dela.Estava tão acostumada a controlar as situações! Tinha conhecido muito bem aseu pai, e conhecia muito bem ao Percy. Com eles, podia seduzir e fascinar,podia levar um jogo tão longe quanto quisesse e, mesmo assim, e parar derepente com uma ordem que seria obedecida imediatamente. Mas Stede nãoera nenhum galante admirador. Ele nunca permitiria que uma mulher jogasseum jogo, que tentasse a um homem e depois fugisse.

Mas não a forçaria! Tinha que pensar, e falar rapidamente, e convencerde que a única coisa que tinha feito era lhe suplicar sua compaixão e nadamais.

Elise abriu a boca, mas o momento as palavras já tinha ficado para atrás.Estava fascinada, e seus olhos não podiam se afastar dos dele. Um instantedepois já não viu o fogo, porque sentiu como a boca dele abaixavaabrasadoramente sobre a sua.

Não soube se era prazer ou dor, e unicamente foi consciente de que setratava da maior agitação que jamais tinha conhecido o seu corpo. Muitoatordoada para protestar, apenas sentiu como a sensação se abria passoatravés da neblina de seu atordoamento e consternação. Stede era a sensação.O som do pulsar de seu coração junto ao peito dela retumbava como a fúria danoite, e o aço de seu corpo não tinha nada de frio, mas sim tinha se fundidopara envolvê-la com o calor do homem. A boca de Stede se posou firmementesobre a dela, e sua exigência era ávida, mas persuasiva. O roce de suabochecha era ligeiramente áspero, e o impacto de sua língua contra os lábiosdela foi, uma vez mais, puro fogo. Ele invadiu sua boca por completo, e a meramasculinidade de Bryan Stede era tal que ela ficou afligida e vencida antes deque pudesse voltar a ser suficiente proprietária de si mesma para pensar emoferecer resistência. Foi beijando-a cada vez mais profundamente até que Elisese encontrou se agarrando a ele para não cair, até que a respiração foiarrebatada do corpo, até que tudo deu voltas ao redor dela para que,

finalmente, não houvesse nada mais que o rugir do fogo e o selvagem estrépitodo vento.

Era um beijo, tentou dizer a si mesma em algum lugar de sua mente queacabava de estar oculta pela névoa. Nada mais que um beijo. Não podia sepermitir acreditar... aceitar... que de repente tinha renunciado a seudeterminado plano de ganhar docemente para sua causa, sem que houvessenenhuma consequência. Seguia sendo nada mais que um beijo...

Quantas vezes ela se comportou assim com o Percy, se alegrando emjogar e de poder pôr à prova os limites do poder que possuía? Com quantafrequência tinham terminado se afastando um do outro, rindo, enquanto Percyjurava que não poderia guardar a sua honra se ela continuasse tentando de talmaneira? Mas no mesmo instante em que Elise se perguntava a si mesma comuma crescente excitação o que sentiria, permitindo que Percy fosse ainda umpouco mais longe na hora de amá-la, já sabia que ele terminaria recuando paratrás, respirando pesadamente e com o coração pulsando muito depressa, parajurar que teriam que se casar logo. Quem controlava a situação era ela, eapesar de toda a diversão e o assombro, Percy sabia que Elise não faria dele atéque estivessem legalmente casados. Um beijo, sim, para seduzir e enfeitiçar,mas isso era tudo. Tinham compartilhado tantos beijos...

Mas nunca daquela maneira. Nunca com aquele frenesi de calor e fogoque queimava, com aquele poder que fazia que o mundo desse voltas e seprecipitasse na tempestade da tormenta. Percy nunca tinha sido aquele açoavassalador que fazia cair as barreiras e se apropriava da vontade dela.

Só um beijo..., para seduzir e enfeitiçar. Para fazer que um homemdesejar mais, para que ficasse enfeitiçado. Por isso quando Stede finalmenteretrocedesse, tropeçaria consigo mesmo e cairia na razão, esquecendo tudo oque não fosse ser galante e agradável. Um beijo... não mais.

Mas aquele homem não era Percy, a não ser Bryan Stede. Arrastada parasua espiral de desejo ávido, Elise já não podia combater a força de seus braços,não podia se afastar de seus lábios e não podia resistir o calor agitado de sualíngua invasora. Ela se agarrou a ele meramente para não cair e mesmo assimfoi consciente, com um inevitável tremor, que pareceria como se estivesse oencorajando a ir ainda mais além.

As mãos do cavaleiro se moveram sobre os ombros de Elise e a mantacaiu ao chão. Quando Stede afastou seu corpo do dela, Elise estava vestidaunicamente com o brilhante de seus cabelos compridos, que caía como sedasobre o veludo de sua pele. Seus olhos contemplaram os dele, muito abertos echeios de atordoamento, e então Stede se afundou ainda mais em umaarmadilha feita de lenda e mito, beleza e fantasia. Cachos vermelho e ouroflutuavam ao redor das delicadas feições de Elise, e ondulavam sobre seusseios. Caíam como uma capa para se estender docemente ao longo de seusquadris e suas coxas. A perfeição de suas formas voltou a se apropriar dossentidos de Stede, os opulentos seios coroados de um tom rosado, a magra

cintura, os quadris convidativamente curvados, e as longas e esbeltas pernas,todo isso esculpido no mais puro e impoluto marfim.

— Nada de comum... — Murmurou ele, e voltou a ir até ela.Suas palavras foram como a explosão do trovão que faz despertar do

sono, e Elise retrocedeu instintivamente para estender a mão em um atoreflexo de autodefesa.

Em seguida duvidou amargamente de que ele percebeu o seu gesto, porcausa da rapidez com a qual voltou a tê-lo em cima dela, arrastando-aimperiosamente para seus braços como se não pesasse mais que o ar.

— Stede! — Conseguiu ofegar finalmente, e, entretanto, seguia sem poderse liberar daquela teia de força que a mantinha presa, e a perturbação causadapela resposta que tinha provocado, seguia obscurecendo sua mente por muitoque tentasse esclarecer. — Stede!

Elise pôs as mãos em cima do peito de Stede, mas era como tratar deexercer pressão contra uma armadura. O imperativo passos do cavaleiro, oslevou rapidamente para a cama de plumas de ganso, e logo que Elise sentiuaquela suavidade debaixo de suas costas, sentiu também a dureza do corpodele em cima do dela. O cavaleiro ainda usava sua escura túnica, mas esta nãoparecia criar barreira alguma entre eles, e a longa peça queimou contra Elise,enquanto o robusto peso do homem a mantinha facilmente cativa.

— Stede! — Ela voltou a dizer, mas os dedos dele abriram caminhoatravés dos lados de seu cabelo, e Elise só teve um fugaz vislumbre do intensodesejo que ardia escurecendo nos olhos do cavaleiro antes de que a boca delevoltasse a reclamar a sua.

A explosão voltou a ter lugar, ondulando através de Elise como adescarga de um raio atrás do outro. E o ar... o aroma que chegava até ela, nãoperfumado, mas sim almiscarado, limpo, mas ameaçadoramente masculino. Osdentes de Elise se viram separados pela ávida força do ataque de Stede. Nemsequer pôde fazer que sua mandíbula se movesse enquanto a língua dele semovia a seu desejo para os limites mais profundos de sua boca, deixando-asem outra escolha que a não ser, parar com isso.

Um instinto desesperado fez que levantasse suas mãos contra ele, masnão conseguiu encontrar nenhum apoio para mantê-los separados. Tudoacontecia tão depressa...

Com tal fluidez, tão rapidamente...Isto não é o que eu pretendia! Gritou Elise para si mesma, mas não podia

falar, porque ele já tinha silenciado da maneira mais efetiva possível.Tampouco podia golpeá-lo, já que agora seus braços estavam presos pelos dele.Ela tentou dar chutes, mas quando levantou a perna descobriu que com isso,apenas lhe tinha proporcionado uma liberdade de ação ainda maior, já que opeso de Stede ficou plenamente alojado entre as coxas dela, e sua túnica foi

bruscamente erguida para cima dos quadris dele, a deixando assim em umaposição muito mais perigosa.

A escuridão pareceu descer ao redor de Elise, uma escuridão iluminadaunicamente por uma solitária tocha envolta em chamas. O estrépito do ventoressonava em qualquer parte em torno dela, despindo-a de tudo menos domomento e da tempestade da sensação. Em algum lugar daquela escuridão,Elise sabia que o fogo estava escondido, a única luz que agora podia ir até ela.Aço musculoso e carne ardente. Lábios que exigiam e queimavam, mãos quecomeçavam a se mover sobre ela, se deslizando ao longo de seu corpo paraacariciar seus seios e então encontrar sua coxa, e delicadamente forçá-la aacomodar à forma do homem. Elise sentiu seu contato, sua íntima carícia.Suave, mas tão experiente como aquele beijo firmemente persuasivo quecontinuava deixando-a aprisionada no silêncio. Então sentiu a força do corpodo cavaleiro, o poder de seu sexo masculino enquanto este começava a semover com ela.

Aço, pensou sentindo à beira da histeria. Aquilo era autêntico aço.Esquentado, forte, vivo... e palpitando com um pulsar de vida e exigência. Porum instante, o medo primitivo se impôs a todo o resto. Bryan Stede a mataria,a faria em pedaços, abri-la-ia ao meio com a irresistível força de sua espada...

Algo mais surgiu em sua mente. Saberia Stede que ela não tinha sido aamante do Henrique, ou poderia ser enganado? Podia ser enganado umhomem...?

Fogo! Correndo rápido dentro dela, atravessando-a com uma completa epotente precisão que era como um relâmpago branco e entregando seu esbeltocorpo a um estremecimento nascido do assombro conforme o relâmpago iaenchendo-a cada vez mais. A súbita sensação de dor abrasadora e explosivaera tão grande que Elise por fim conseguiu se afastar do apaixonado beijo docavaleiro, enterrando sem perceber a cabeça no ombro dele, para então fazerfluir o sangue de seu lábio inferior para não gritar. O vento se tornou a formarparte dela, atravessando-a e fazendo estragos através de todo seu ser. Entãoele parou bruscamente, como se a deixasse presa no olho da tempestade, paralogo voltar a assobiar lentamente, ficar mais forte e golpear até que uma vezmais se tornasse a ser uma tempestade. Elise tentou desesperadamentemanter suas lágrimas distantes.

Stede! Como o desprezava, e agora... agora ele era parte dela, estavadentro dela. Conhecia-a mais intimamente do que ela jamais sabia quepudesse chegar a intimidade, reclamando-a tão por dentro como por fora.Stede era parte dela, e a enchia ainda mais com cada uma de suas poderosasestocadas, tomando a de uma maneira tão consciente que aquela posse sempreseria uma marca gravada sobre ela, e Elise sabia que enquanto vivesse nuncaesqueceria do Stede ou aqueles momentos de tempestade.

A dor foi cedendo, mas não a sensação de estar ardendo por dentro.Assombrou-se que o seu corpo tivesse se entregado de tal maneira ao de Stede,

que mesmo o seu coração e sua mente realmente não tivessem chegado aassimilar o que tinha ocorrido, seu corpo já se adaptou de uma maneirainstintiva a aquele ritual primitivo. Elise se agarrava a ele, enquanto afundavaas unhas no ombro de sua túnica, mas toda a sua forma se movia seguindo oabrasador ritmo de Stede e ia absorvendo sua masculinidade. Não ia morrer,nem tampouco seria feita de pedaços. E…

Havia uma promessa oculta nisso, presente tanto nas chamas como norugido do vento. Algo... apenas que ela se limitasse a estender as mãos paraisso. Algo que era doce, que enchia os sentidos de Elise junto com a intimidadedo contato de Stede. Algo que prometia beleza e a luz das estrelas, e um galopeintenso no lombo ao vento. Contanto que ela assim permitisse...

Não! Aquele homem não era Percy! Era Bryan Stede, e apesar de todo seuesbelto e musculoso esplendor, era uma besta da noite. Agora tinha tomadotudo dela, e para Elise só podia abraçá-lo enquanto Stede deixava marcado asua vontade nela para toda a eternidade. Acariciando, segurando, tocando... eentão...

Gemendo, com voz baixa e gutural, e chocando brutalmente contra ela.Inundando-a consigo mesmo, no mesmo instante em que a abandonava...Os ventos morreram, o resplendor do fogo cessou de existir.Elise voltou a morder o lábio, e quando se debruçou em um rápido

esforço para ficar encolhida se afastando dele, Stede permitiu.A raiva começou a ferver dentro dela, acompanhada pela amargura. Não

havia nada que desejasse mais que estar afastada do homem cuja úmida epoderosa forma ainda repousava muito perto dela. Elise queria chorar e gritar eclamar contra Deus, e tudo ficou ainda mais amargo pelo fato de que não podiase permitir fazer tal coisa, já que seguia sendo sua prisioneira. Ela permaneciamergulhada no mais absoluto silêncio, e interpretava aquele último papel,possivelmente no fim a deixasse em liberdade, ou ainda poderia conseguirescapar.

Sentiu ele se mexer novamente, se levantando sobre um cotovelo paraapoiar a cabeça em uma mão. E logo a olhava. E fazia desaparecer porcompleto sua última esperança com suas primeiras palavras.

— A amante do Henrique, né?Elise se encolheu.— A amante do Henrique, e a duquesa de Montoui? — Perguntou ele com

uma estrepitosa gargalhada. — Pois claro que sim, minha senhora! E eu sou oRei do Vento da Noite! Por quem você me julga, duquesa? Por um idiota semexperiência, talvez?

O tom era suave e agradável, tanto que a terrível zombaria que continhaquase a fez enlouquecer de ira. Elise se virou para ele, e sua raiva ficoubruscamente liberada.

— Um idiota? Oh, não, Sir Stede! Tomo por um bastardo arrogante e umcompleto mentiroso! Sua honra é tão falso como sua língua. É um abutre, umaserpente, a mais vil das bestas...

— Falando em línguas, — A interrompeu ele asperamente, e Elise viuentreabrir o perigoso de seus agora limpos olhos cor índigo. — A sua, minhasenhora, decididamente será sua perdição. De que maneira menti?

— É bom em perguntar! — Gritou Elise, tentando liberta o seu cabelo dedebaixo do corpo de Stede, para então segurar o seu impassível olhar com ofurioso choque dela. — Violar! Disse que nunca lhe ocorreria pensar nisso! Aforça? Nunca a utilizaria...

A mão que Stede tinha livre se estendeu bruscamente para segurar oqueixo de Elise, ameaçando esmagar o frágil osso.

— Duquesa, você veio para mim... vindo de joelhos, lhe poderia recordar.Não resistiu.

— Resistir! — As lágrimas finalmente queimaram nos olhos de Elise, masa raiva impediu que chegassem a cair elas. — E de que maneira poderia terresistido? Você veio para mim como um corcel no cio, abusando de mim, meatormentando e me submetendo a toda classe de brutalidades...

— Tome cuidado com sua língua, duquesa, lhe advirto isso! — Disse elecom voz ensurdecedora. Seus olhos escureceram até adquirir uma perigosaescuridão, e sua sombria expressão. — Não abusei de você, não atormentei enão submetei a nenhuma classe de brutalidade. Se não tivesse mentido, eupoderia ter aliviar a dor. Mas se não tivesse mentido, então nunca teríamoschegado a semelhante ponto. Lamento que tenha sentida dor, mas isso é algototalmente natural..., conforme ouvi dizer.

— Conforme ouviu dizer? Oh, céus! Se Deus quiser, Stede, chegará umdia no que lhe cortarei em mil pedacinhos, que logo darei de comer aos lobose...

Ele a contemplou em silêncio, enquanto Elise prosseguia sua discursão, esua mandíbula foi se endurecendo conforme a escutava. A harpia que agoraestava cuspindo veneno contra ele, não poderia estar mais longe da sedutoradonzela que tão docemente se ajoelhou a seus pés. Aquela moça mais uma vezprovava que era uma mentirosa, e entretanto, agora Bryan se sentia afligidopela culpa, e o irritava o fato de que sentia tal coisa, e o enfurecia ainda maisque ela o colocou nessa semelhante situação. Seu conhecimento sobre suacondição verdadeira, que seu corpo era de donzela tinha chegado muito tardepara que ele pudesse se retirar a tempo e deixá-la intacta, assim que tudo oque tinha acontecido era obra dela mesma. Não tinha gritado e não tinhacedido ao pranto e, de algum jeito, isso também estava afetando o sentimentode culpa de Bryan, possivelmente porque tinha que admirar a valentia que atinha impulsionado a seguir lutando, da mesma maneira em que não podialamentar o que a tinha possuído e, de fato, que tivesse sido o primeiro em fazer

tal coisa. Sem que pretendesse se entregar, a moça tinha sido muito sensual.Tinha conduzido a tormenta das emoções masculinas de Bryan até um portobem guardado de satisfação, aliviou suas tensões, recebeu seu desejo e suasemente.

E agora ela tinha voltado a se tornar em uma completa harpia.Exatamente quando a recompensa física experimentada por Bryan tinha sidoassociada com sua prolongada falta de sono para direcioná-lo para oesgotamento total.

— Basta! — Disse secamente. — Já aguentei tudo o que estou disposto asuportar de uma ladra mentirosa e traiçoeira!

Elise deixou de falar, tragou ar com uma brusca respiração e suasbochechas empalideceram enquanto a intensa fúria desapareceu de seus olhos.

— Eu não... Não sou uma ladra...As palavras mal foram um sussurro e fizeram vibrar um acorde de

piedade dentro do coração de Bryan. Lhe dissesse o que dissesse ela, eraprofundamente consciente do papel que tinha interpretado em sua desgraça, eembora não podia mudar o que já foi, sentia por ela. E a moça seguia sendolinda. Ainda mais agora, enquanto tentava recolher seu cabelo ao redor delapara se cobrir, como os maltratados vestígios de seu orgulho e inocência.

— Não tema, duquesa. Não tenho nenhuma intenção de ver como seubonito pescoço é cortado... agora. Sua doce e delicada maneira de falar fiqueimuito apaixonado. Vou cuidar do seu bem-estar, como tivesse feito o seuamante o rei.

— O quê? — Ofegou Elise, e logo compreendeu a que se referia. — Antesperderia a minha cabeça uma cem vezes do que ter que suportar semelhante...

— Acasalamento bestial? — Contribuiu ele com educado e críticosarcasmo.

— ... Contigo outra vez. Sim, é uma descrição muito apropriada! —Explodiu Elise com rápida fúria.

A igualmente rápida gargalhada dele não fez grande coisa para aliviar aira ou a consternação que se apropriou dela.

— É a primeira queixa que já tive. — Disse Bryan com um alegre sorriso.— Mas duvido que tivesse que descrever com semelhantes palavras durantemuito tempo. Visto que não cheguei perceber de que você estava resistindo, edeitar contigo quando sente a verdadeira chama da paixão, sem dúvida seriacomo estar no céu. Além disso, minha senhora ladra, também duvido que fossedemorar muito tempo em descobrir os picos da paixão e o desejo. Foi criadapara embelezar o prazer de um homem, porque é docemente sensual inclusivequando todo o ato foi reduzido a uma mentira.

Elise o contemplou em silencio durante alguns instantes como serealmente estivesse louco, e então ouviu um barulho com suas unhas

arranhando a roupa da cama.— Te juro, Stede, e ponho Deus por testemunha que está no céu, que

você...— Sei, sei. — Disse ele, com a intensa pontada de irritação e a

impaciência ressonando em sua voz. — Me esfolará vivo, jogará aos lobos, eassim por diante. Mas no momento, duquesa, sugiro que feche a sua boca... ouvocê corre o risco de encontrar uma mordaça ao redor dela. Desejo dormir umpouco.

Elise voltou a guardar silêncio por um momento, lançando mais uma vezaquele olhar que o pontuava como louco.

— Sem mais?— Como?— Vai dormir assim sem mais? Me sequestrou, me levou de um lado a

outro, maltratou minha pessoa e arruinou minha vida... e agora vai dormir?— Exatamente.— Filho de...Ele se moveu com a rapidez de um raio, pondo uma mão em cima de sua

boca e voltando a se inclinar perigosamente perto dela.— Te aviso, duquesa, te aviso uma e outra vez, e mesmo assim insiste em

me provocar! Uma palavra mais, um alarido, um grito, um sussurro, e osrestos de sua regata podem se converter rapidamente em uma mordaça e umasataduras. Ou...

Elise contemplou com os olhos muito abertos e um olhar combativoaqueles olhos escuros de cor índigo, percebendo que quando Stede deixava defalar para sorrir malevolamente, seu sorriso podia chegar a alterar toda suaaparência. Seu nascimento lhe tinha outorgado umas belas feições, e os anostinham acrescentado poder à medida que foram endurecendo pouco a pouco.Mas quando sorria sempre havia um indicio de juventude nele, e Elise teve aamarga certeza de que teria muitas donzelas que o encontraria imensamentedevastador. Seu físico, como muito bem sabia ela, não podia estar maisgraciosamente provido de músculos ou da preparação que proporcionava oexercício, e sua imponente estatura e o azul escuro de seus olhos arrancariamtremores de medo no campo de batalha, assim como tremores de desejo aosimpressionados corações das mulheres.

— Ou... — O sorriso de Stede se tornou um pouco mais amplo, e Elisesentiu uma agitação perturbadora dentro de seu próprio coração, — Se vocêestá determina a me manter afastado do sono, então não desejaria desperdiçarmeu tempo.

Elise sentiu como seus seios incharam de repente com uma decididafirmeza contra a vastidão do peito dele, e ambos sentiram como as pontas

rosadas se endureciam instintivamente assim que ele pressionou seu peito como seu. Inclusive através do tecido que cobria os músculos ondulantes do peitode Stede, Elise sentiu a presença de sua carne junto à sua. O horroravermelhou suas bochechas quando ele mudou de postura e utilizou sua mãopara deslizar entre seus corpos, encontrando a plenitude dos seios de Elise e otentador topo do mamilo delator, para administrar imediatamente umadelicada massagem a cada um deles. Sua áspera e calosa palma se movia comuma inquietante ternura, e inclusive enquanto Elise se afundava em umagrande humilhação e indignação impotência, percebeu aquele contato atravésde todo seu ser. Seu corpo parecia ter ficado subitamente vazio sem o dele, eum primeiro indício do fogo se deslizou abrasadoramente através dela semovendo em pequenos ondulações.

Então ele voltou a rir e se separou dela.— Durma, duquesa, antes de que tenha ocasião de me preparar para

escutar mais sermão sobre a brutalidade.Aquilo era muito. Inclusive sabendo que perderia, Elise estava pronta

para lutar. Ela se virou rapidamente, conseguindo dessa maneira que suapalma ruidosamente entrasse em contato com a bochecha dele. A risada deStede cessou de repente enquanto a agarrava o seu braço, lhe torcendo paraobrigá-la se deitar novamente sobre as costas.

— Tentarei de entender esta reação, duquesa. Mas já é muito tarde paraque possa protestar e se indignar, muito tarde para evitar que meus olhoscontemplem sua nudez, e muito tarde para que você me retire o direito a tocaraquilo que já toquei. Durma, e me deixe em paz. Prometo que cuidarei de vocêtão bem como faria qualquer rei, e que te salvarei da forca ou da espada.

— Antes morreria que... — Sussurrou Elise, com suas defesas começandoa se derrubar à medida que esgotavam as suas forças.

— Não, porque também te prometi que não morreria. Durante os anospróximos, vai chegar a saber que sua vida é muito mais valiosa que qualquerunião entre um homem e uma mulher. Descansa, pequena víbora. Tudo ficarámelhor pela manhã. E não tente fugir de mim, porque eu acordo apenasouvindo o sussurro do vento.

— Te asseguro, Stede, que nunca unirei a você como sua cônjuge! Nunca,nem que o inferno se gele. Não demorarei para ser a esposa de outro homem, eentão terá que responder deste abominável ultraje...

— Te cale, duquesa.A voz continha uma advertência profunda e rouca. Elise fechou os olhos e

apertou os lábios até deixá-los tensamente franzidos. Não mais ameaçaimpotentes! Disse a si mesma. Espera..., espera...

Transcorreram os segundos, e então longos minutos durante os quaisElise só sentiu infeliz. Logo ouviu sua profunda e regular respiração, e se

atreveu a correr o risco de virar a cabeça para ver o rosto dele.Os olhos de Stede se fecharam, e suas feições estavam relaxadas. Elise

mordeu o seu lábio, se obrigando a permanecer imóvel.Ainda não... Ainda não...Elise estava segura de que ele despertaria com a brisa, com seus sentidos

intensamente aguçados do momento em que abrisse os olhos. Mas a julgar pelarapidez com que adormeceu, tinha que estar realmente esgotado. Se esperavadar um tempo para cair em um profundo, profundo sono...

Voltou a fechar os olhos, agora para desejar que o tempo transcorresserapidamente. Odiava sentir o contato de sua presença em cima dela, a mão tãocasualmente descansando sobre sua cintura nua, o braço que rodeando aborda de seu seio. Odiava o fato de que Stede deitado tão tranquilamente a seulado, enquanto ela se sentia tão vulnerável nua, e o que tivesse assumidosemelhante intimidade com ela.

E odiava que Stede estivesse dentro dela, odiava que ainda sentisse suamarca dentro de seu ser e ainda por cima dela. Odiava sua força, e seu poder, ea masculinidade que tal ponto a tinha dominado e vencido. Odiava o fato deque esta noite a tivesse mudado de tal maneira.

Sempre tinha estado equivocada. A vida a tinha protegido, e Henrique atinha encorajado a acreditar que era poderosa.

Naquela noite, Elise tinha aprendido que poderia ficar indefesa, e quetodas seus truques, só tinham servido para levá-la a entrar em combateprovida das armas de uma menina.

Tinha esperado que Stede se comportasse como um homem. E o tinhafeito. Mas não tinha percebido de que existiam certos homens aos que não sepodia enganar ou manipular..., exceto através de seus próprios meios.

Era uma lição tão dura como amarga, e as sementes da vingança iriam seesquentando pouco a pouco para terminar crescendo dentro dela. Se suasorações eram escutadas, quando voltasse a se encontrar com o Stede, saberiamuito bem como era o homem com o qual se enfrentava. Nunca voltaria asubestimar a um homem semelhante.

Os pensamentos de Elise desfilaram velozmente uma e outra vez por suacabeça enquanto esperava. Esperou até que o fogo ardeu mais baixo na lareira,e o vento deixou de ser dono e senhor embora fosse apenas um sussurro.

Então saiu cautelosamente debaixo da barreira do braço de Stede. Voltoua esperar. Então deslizou lentamente seu peso pela cama até que saiu dela.

E mesmo assim ele seguiu dormindo.Se não tivesse odiado tanto, Elise poderia se compadecer das profundas

rugas de esgotamento que havia em seu rosto, as quais apenas agora estavamcomeçando a se dissipar. Poderia ter admirado a constituição do guerreiro,

agora mergulhado em um tranquilo repouso, mas mesmo assim tão cheio devitalidade.

Se...Ela encontrou com os restos de sua regata e sua túnica destroçadas, e

queria ter vontade de gritar. Eram uma prova da noite, como eram o aromamasculino do cavaleiro que ainda perdurava ao redor dela, o fluido vital quetinha grudado em suas coxas, a lembrança que ainda ardia entre suasarticulações ressentidas que doíam tanto como se tivessem sido arrancadas deseu lugar.

Não podia gritar. Sua dor e sua fúria teria que ser levadas com ela, e emoutro momento e em outro lugar poderia encontrar a intimidade necessáriapara dar saída para sua raiva e lamber as feridas.

Sua roupa tinha ficado quase imprestável, mas mesmo assim vestiurapidamente nela. Sua capa, ao menos, podia envolver todo seu corpo e agoraapenas estava um pouco úmida. Enquanto a estendia ao redor dela, Elise sefixou na espada, nos calções e nas botas de Stede. Seguindo um impulso, osagarrou sem deixar de observá-lo nervosamente durante todo o tempo.

Seu manto... Estava estendido em cima da mesa junto dele. Elise oagarrou também, e contemplou com um olhar ofegante a espada de Stede. Quepensamento tão maravilhoso de imaginar, que ela poderia atravessar suagarganta com ela..., ou usá-la para cortar rápido o aço invasor de suamasculinidade!

Não tocou na espada. A experiência lhe tinha ensinado a mantê-lo maislonge possível dele.

Era uma lástima, também, que Stede não se incomodou em tirar a suatúnica e a camisa. Elise ficaria encantada ter deixado tão nu e vulnerável comotinha estado ela. Mas... pelo menos agora o cavaleiro teria que retornar para ocastelo indo descalço e a pé.

Voltou a contemplar a forma adormecida de Stede e sentiu como outraquebra de onda de fúria percorria seu corpo, queimando com um calor tãointenso que se colocou a tremer. Não... ele nem sequer se incomodou em tirar asua túnica... tinha sido ela, que foi despida por completo e ficou totalmentevulnerável. Stede... Stede tinha se limitado a agir impulsionado por uma pressafebril!

Sua única preocupação tinha sido obter um rápido prazer, e quando essameta teve sido alcançada, Stede tinha tido a desprezível arrogância de se virarpara ela e dizer que ela não resistiu.

Seus olhos seguiam contemplando a espada de Stede com expressãoofegante, mas uma acalorada discussão realizada dentro de sua própria menteterminou convencê-la, de que seria melhor deixando-o com vida do quecorrendo o risco de despertá-lo no caso de que sua pontaria ou sua resolução

chegasse a falhar.Justo quando se dispunha a sair, algo reluziu, um fio de fogo azulado

procedente do banco que capturou e cristalizou o resplendor de um brasaainda acesa.

Era o anel.O anel de safira de seu pai.Elise foi rapidamente para ele, recolheu e o colocou no seu dedo médio.

Ficava um pouco grande, mas não cairia.Tinha pago um alto preço pelo anel, um preço muito alto. A amargura

voltou a crescer dentro dela, mas agora não iria sem ele.Olhou ao Stede enquanto abria a porta com muito cuidado, e logo que

respirou enquanto a fechava atrás dela. Então, mordeu o lábio enquantorodeava a cabana a toda pressa, e encontrava ao enorme corcel do cavaleirodebaixo do beiral da cabana, protegido da tormenta pela proteção de umrefúgio.

Ela se perguntou desesperadamente se poderia controlar ao descomunalcorcel de guerra. Teria que fazer isso...

Graças a Deus, o cavalo ainda tinha as rédeas. Havia sido retirado a sela,mas ainda Elise preferia tentar a sua sorte sem ela. Ela se agarraria na garupapegando-o mais possível na crina, lhe dando ordens com as coxas e oscalcanhares, e esperaria que isso bastasse para convencer ao corcel de que ocontrolava por completo.

Elise lhe falou em um sussurro tranquilizador, agarrou o pacote de roupaque levou consigo e murmurou uma prece enquanto se agarrava a suas crinaspara subir à garupa.

Ela conseguiu. Cravou os calcanhares nos flancos do corcel e, para suaimensa alegria, este respondeu.

Sem dirigir um único olhar para a cabana dos caçadores, Elise se virouna garupa e se perdeu na noite.

Capítulo 06

7 de julho de 1189O palácio de Winchester, InglaterraLiberdade...Leonor da Aquitânia fechou os olhos durante um momento e saboreou o

som das palavras dentro de sua mente.

Era livre. Henrique tinha morrido, e ela era livre. Depois de dezesseisanos de encarceramento, por fim estava em liberdade.

— Majestade, se encontra bem...?Leonor abriu os olhos e sorriu docemente para o seu carcereiro. Este,

robusto e atarracado e de trinta e poucos anos, parecia muito mais velho comsuas grossas bochechas e sua meia calvície. Mas era um homem decente. Nãotinha recebido nenhuma ordem direta de abrir a sua porta, mas estavafazendo, e possivelmente colocava em perigo sua própria cabeça com isso. Emtodas as mansões e castelos onde a tinha mantido encerrada durante a últimadécada e meia, aquele tinha sido o guardião mais amável e bondoso.

E agora acabava de entrar correndo para lhe dizer que acabava de chegara notícia de que o Rei Henrique II da Inglaterra tinha morrido.

— Estou perfeitamente bem, milorde.— Se deseja partir... vá o mais depressa possível para Londres, pois

certamente é ali aonde estará Ricardo..., farei os acertos necessários.— Não, não, meu bom senhor. Esperarei aqui, já que certamente Ricardo

enviará alguém por mim. Agradeço sua preocupação, assim como a bondadeque você me demonstrou. E agora, se permitir que continue abusando de suahospitalidade durante algum tempo...

— É obvio que sim, majestade! Pois claro que sim!— E milorde. — Acrescentou Leonor, com um sorriso voltando a curvar

seus lábios. — Se você não importar... Bem, preferiria que voltasse a fecharessa porta para mim, pois neste momento prefiro estar sozinha.

— Oh, sim, sim, majestade. Claro que sim...A porta se fechou sem fazer nenhum ruído. Leonor voltou a fechar os

olhos, e logo se virou e foi para o fundo do quarto. Pendurado na parede haviaum espelho de prata já embaçado, magnificamente esculpido. Will Marshalhavia o trazido... Quanto tempo fazia isso? Dois anos? Três? O tempo foiperdido com tanta facilidade.

Tempo. Tinha sido uma prisioneira durante dezesseis anos! Era tão fácilperder a noção de um ou dois anos. Abriu os olhos e sorriu à anciã que estavadevolvendo o olhar.

— É livre. — Disse a seu reflexo. — Livre..., e com quase setenta anos deidade. Sua juventude se foi, Henrique está morto e, admita isso, Leonor,Henrique era sua juventude...

De repente seus olhos adquiriram um aspecto cansado e triste,parecendo se converter nos olhos de uma anciã. Porque Henrique estava morto.Ainda podia recordar o dia em que tinha ido pedir sua mão. Ela tinha umadécada mais que ele, e naquela época era proprietária de seu próprio futuro,mas mesmo assim ele tinha vindo para pedi-la em matrimônio. Seus discurso

não tinha versado sobre o amor, a não ser sobre as dinastias, e entretanto elasabia o quanto ele a desejava como mulher. Quando ela ainda estava casadacom o Luis da França, os olhos de Henrique a tinham seguido, a tinhamcobiçado...

Henrique tinha sido seu galante cavaleiro. Bonito, magnificamente forte,apaixonado e orgulhoso, com seus cabelos dourados avermelhados sendo umachama de glória na brisa. Como o tinha amado, como o tinha desejado! Aambição de Henrique tinha sido grande, sua vitalidade enorme. Entre ambos,seu império podia se estender desde a Escócia até o Toulouse. O impérioAngevino. Eram ambiciosos, eram fortes, ela estava apaixonada, e havia todauma vida que compartilhar em um triunfo abrasador.

— Ah, Leonor! — Disse à anciã solitária diante dela. — Ainda o ama umpouco. Podia ser frio e brutal, egoísta e desonesto, mas raramente houve umRei como Henrique! Vivia em cima de seu cavalo e por sua espada, e nuncapude lhe reprovar sua falta de coragem!

E agora, Henrique estava morto. Ela era livre.O que faria uma anciã com semelhante liberdade? As rugas que havia ao

redor de seus olhos eram tão numerosas como os caminhos que levam a ummercado, seu cabelo antigamente resplandecente se tornou quase totalmentecinza. Mas...

Uma faísca retornou a seus olhos e um sorriso foi a seus lábios enquantoerguia os ombros e as costas. Era algo realmente notável para uma mulher desua idade.

Certamente, Leonor, o mero feito de que esteja viva já tem muito denotável. Seu sorriso se voltou um pouco mais intenso, e alisou a touca quecobria seu cabelo. Uma anciã, sim, isso é muito possível que o seja. — Disse a simesma. — Mas também é a mulher mais notável de seu tempo. A herdeira maisrica de toda a cristandade, esposa de dois reis... Tinha conhecido a inveja e oescândalo, a paixão e o amor, a amargura e a dor. Mas tinha vivido. Ah, sim,tinha vivido. Ela e Henrique faziam que Londres cobrasse vida, ela haviatrazido a poesia e a graça para Inglaterra, da mesma maneira em que Henriquehavia trazido a lei e a justiça.

E o mundo voltava a esperá-la uma vez mais...Ricardo ia necessitá-la. O povo inglês sempre a tinha amado. Agora todos

a seguiriam, e ela prepararia o caminho para o coração de Ricardo.Logo terei que cuidar de Juan. Leonor suspirou enquanto pensava no

mais novo de seus filhos. Se perguntou com frequência se não seria uma mámãe, porque conhecia seus defeitos com toda claridade. Juan era mesquinho eperverso, e só pensava em si mesmo. Certamente seria um espinho nas costasde seu irmão.

Mas possivelmente resultava muito duro viver na sombra de semelhante

irmão. Apesar do fato de que Ricardo tinha seus próprios segredos escuros comos quais carregar, era a viva imagem de um Rei. Ninguém podia duvidar deleno referente ao combate e o valor, enquanto que Juan...

Juan. O que se podia dizer dele? Juan seria o primeiro em fugir doperigo. O primeiro em procurar refúgio. O primeiro em atribuir as vitórias e asproezas obtidas mediante o sangue de outros.

Como pudemos chegar a engendrar semelhante cachorrinho, Henrique? Seperguntou Leonor.

Juan era seu filho, e, sim, ela não era suficientemente má mãe para quenão se importar o que poderia ser dele. Leonor iria ter as mãos muitoocupadas, com Ricardo em uma e Juan na outra.

E Geoffrey... O bastardo de Henrique. Nunca poderia se permitir esquecerao Geoffrey Fitzroy. Não queria esquecê-lo. Ela tinha perdido a dois de seusfilhos, primeiro Guillermo e Henrique depois.

Geoffrey Fitzroy. Leonor agradeceu a Deus que tivesse aceito suabastardia! Geoffrey era inteligente, poderoso e ardiloso, menos temerário queRicardo e mais digno de confiança que Juan. Lástima que não tivesse nascidode seu seio...

Mas eles se davam muito bem. Geoffrey e ela se ocuparia disso, iriasubindo por sua própria escada de ambição dentro do seio da Igreja. Ela oajudaria em tudo que pudesse. Eles se compreendiam um ao outro.

Ah, a vida! Havia tanto por fazer. E então estava a moça.Leonor sorriu. Queria muito a suas filhas, que não custava nada estender

esse amor a pequena criaturinha que tinha parecido tão encantadora. Elise jánão era uma menina, mas sem dúvida teria crescido para se converter em umamulher preciosa.

Ela também ficaria protegida sob a poderosa asa de Leonor. Voltariahaver a corte, poesia, música! As questões políticas seriam discutidas demaneira cortês e inteligências, monges e clérigos seriam bem-vindos, osmaiores teólogos do momento veriam como lhe abriam as portas. A literaturapoderia florescer...

Liberdade...Uma palavra tão linda.De repente deu as costas ao espelho e, ficando nas pontas dos pés,

começou a dar voltas e mais voltas enquanto batia palmas. Um osso rangeuligeiramente, mas isso apenas a fez sorrir.

Então voltou a parar diante do espelho e riu de si mesma. Com seusolhos faiscando tão intensamente, as rugas pareceram se desvanecer umpouco. Seus traços eram agradáveis, tinha dignidade, e graça. A beleza podiachegar a desaparecer, mas os vestígios podiam perdurar dentro do coração.

Poderia andar orgulhosamente no braço de Ricardo. Podia receber às pessoassem necessidade de sentir temor algum.

— Sim, Leonor, é velha. Mas a liberdade é muito valiosa a qualqueridade. É um elixir de juventude... E embora seja velha, segue sendo Leonor daAquitânia. Rainha da Inglaterra. Ainda orgulhosa, ainda erguida. Ainda cheiade vitalidade! Ainda viva. Conhece o mundo. — Pensou. — Matrimônios,alianças, como fazer a guerra e a lei... Todas essas coisas é sua instrução, suavida. E agora voltam a ser suas.

Oh, Henrique, dói. Por muito amargo que seja o passado, agora uma partede mim jaz contigo. Houve um tempo no que foi meu galante cavaleiro, e seguesendo-o nos sonhos. E entretanto você e eu nos enfrentamos. Eu paguei minhascontas pendentes com estes últimos dezesseis anos, e agora você pagou as suascom a morte. E eu estou viva e sou livre...

Houve um tempo no que a presença de Leonor tinha sido impressionante.Agora, como no mínimo, ainda era majestosa. E também era sábia, porquesempre tinha vivido mais de uma existência. E eles a necessitavam.Necessitavam-na.

Ela estaria ali para todos eles.Andando com passo mais lento e pausado, Leonor tomou assento em sua

estreito cama de armar. Começou a estirar e flexionar os dedos, como se jáestivesse pondo a prova seu poder.

Logo...Então, agora, viriam a procurá-la. A quem enviaria Ricardo?

Possivelmente ao William Marshal. Possivelmente a Do Roche... Possivelmenteao jovem Bryan Stede. Homens de Henrique..., mas homens leais. E homensdela, também. Da mesma maneira em que tinham amado a seu soberano,tinham amado a sua rainha e nunca tinham negado seu amor.

Sim, era muito provável que todos terminassem fazendo as pazes comRicardo. E era provável que enviasse a um deles.

Ela estaria esperando.E estaria preparada.Depois de tudo, era uma setentona muito jovem. E tinha muitíssimo

ainda para dar...

Capítulo 07

ChinonWilliam Marshal tinha passado a maior parte de sua noite absorto em

uma fútil busca dos ladrões. Quando não tinha tido a mente ocupada em suadesoladora e urgente tarefa, seus pensamentos tinham sido ainda piores.Estava se enchendo de preocupação até quase à beira do desespero seperguntando o que teria acontecido ao Bryan Stede.

Pela manhã havia trazido consigo novas inquietações, mas quando o soljá estava muito alto no céu e se aproximava ao meio-dia, William estava devolta no topo das ameias, escrutinando os campos uma vez mais em busca dealgum sinal de seu amigo.

Finalmente descobriu à figura solitária, descalça e trêmula, que desciamancando pela colina para se encaminhar para o castelo de Chinon. Franzindoa testa de perplexidade o semblante William se obscureceu por um instante, edepois um sorriso surgiu de seus lábios.

Era Bryan. Louvado seja Deus! Era Bryan, retornando sozinho, sem seucorcel, sem suas botas.

William foi rapidamente para a torre mais próxima e desceu a toda pressapela escada de caracol. As sentinelas ficaram firmes enquanto ele prosseguiaseu rápido avanço para a poterna e a ponte, mas William rechaçou com umgesto da mão suas perguntas cheias de confusão e as ofertas para servi-lo emalgo, que deram quando passou junto deles e chegou ao outro lado.

Ele parou no topo da colina antes de descer para um vale.Bryan Stede seguia se aproximando com passo coxiando, resmungando

ferozes maldições em voz baixa. Então, parou com um juramentoparticularmente bestial enquanto seu amigo o contemplava, e ato seguinte,permaneceu em equilíbrio em cima de um só pé durante alguns momentospara arrancar com muito cuidado um espinho do outro.

— Pelas... bolas dos deuses!O juramento do cavaleiro não tinha podido ser mais veemente e William,

seu grande sentimento de alívio se combinando com a diversão que lheproduzia o estado de seu amigo, e se pôs a rir. Tinha visto como seu alto eformidável amigo recebia sem pestanejar muitas feridas no campo de batalha,mas as cardas18 e os espinhos estavam demonstrando ser um grandecalcanhar de Aquiles.

Bryan o contemplou com um olhar penetrante que teria gelado as costasde um homem menos valente. Então, vendo que acabava de ofender suafraqueza daquela maneira era William Marshal, franziu a testa e voltou aconcentrar a atenção em seu pé.

— Condenadas cardas! — Grunhiu. — Me sinto como se tivesse andandopor todo um campo de pregos!

William voltou a rir. Ver Bryan lhe agradava enormemente. Tinha tentadose convencer, de que era a tormenta que tinha mantido longe o seu amigodurante a noite, mas a preocupação vinha puxando seus pensamentos de

qualquer maneira, e não tinha conseguido dominar por completo seus temoresde que Stede, teria encontrado com um inimigo e teria sido deixado, morto ouagonizando, em um caminho solitário exposto às ferozes inclemências dotempo.

Que alívio delicioso era vê-lo vivo e ileso, salvo pela pequena questão dealgumas farpas irritantes!

— Onde você estive toda a noite? — Perguntou Will enquanto lhe davauma afetuosa palmada no ombro. — Tenho que admitir que temi, que tivesseencontrado seu fim nas mãos do inimigo.

— Procurei refúgio da tormenta — Se limitou a dizer Bryan para logo,falando em um tom cheio de súbito interesse, perguntou. — Capturou a algumdos ladrões, Will?

— Não, mas já falaremos disso pelo caminho. Venha, meu amigo — DisseWilliam, enquanto colocava um braço sobre o ombro de Bryan em um gestocheio de camaradagem e assinalava para o castelo. — Você pode mergulhar osseus pés em um balde cheio de água bem quente, e me contar, por que um doscavaleiros mais poderosos da cristandade retorna mancando... sem as botas, acapa e seu cavalo!

Bryan voltou a descarregar cautelosamente o peso em cima de seu pédolorido e seguiu ao William, olhando-o com olhos interrogativos.

— Não foi encontrado, nem só um dos ladrões? — Perguntou secamente.— Nem um, mas a resposta ao mistério de seu desaparecimento já foi

descoberta. Há passagens subterrâneas debaixo do castelo, e levam a aldeia.Quem defendia esta fortaleça antes que nós viéssemos, juram que nãoconheciam a existência das passagens. Não há nenhuma razão para nãoacreditá-los. Mas parece que os ladrões conseguiram fugir de nós..., e tambémde você?

Bryan não respondeu imediatamente. Entreabriu os olhos para protegê-los do sol da tarde e contemplou o castelo, e então perguntou.

— William, sabe algo de um pequeno ducado conhecido como Montoui?Surpreso pela pergunta, William deixou de andar e se virou para olhar

para Bryan com olhos mais escrutinadores.— Montoui? — Respondeu finalmente. — Oh, sim, certamente que sei

dele.— Conhece esse lugar?William ficou surpreso novamente, agora pela consternação que havia na

voz de Stede.— Não estamos muito longe de Montoui, um dia a cavalo sem nenhum

obstáculo no caminho.— Maldição! — Resmungou Bryan.

— Por quê? — Quis saber William.— Esquece isso. — Resmungou Bryan e logo, falando em um tom

subitamente explosivo, acrescentou. — Por que nunca ouvi falar desse malditolugar?

William encolheu os ombros.— É pequeno, e normalmente não estar no caminho de um exército,

porque foi território neutro desde a morte do velho duque. Henrique assim odecretou, e Felipe e Ricardo respeitaram seus desejos.

Bryan estava olhando-o fixamente.— Da morte do velho duque... — Repetiu lentamente. — Bem, e agora

quem governa esse ducado? E se Montoui for tão pequeno, como é que sabetanto dele?

— É governado pela jovem duquesa, a filha do velho Will, naturalmente.E sei tanto dele porque fui ali muitas vezes com o Henrique.

— Com o Henrique?— Maldito seja! Stede, começa a parecer um desses papagaios que havia

nos mercados da Terra Santa. Estive muitas vezes em Montoui com oHenrique.

— E então por que eu não estive lá? — Quis saber Bryan, com o rostovazio de toda expressão.

William Marshal franziu a testa e logo encolheu os ombros.— O último ano que fomos ali, você tinha retornado para Inglaterra para

determinar como estavam indo os assuntos que Henrique tinha pendentes como arcebispo. No ano anterior, acredito que te enviou a escoltar ao príncipe Juana algum lugar. E acredito que no ano anterior a esse...

Bryan levantou uma mão.— É suficiente, Marshal! Segui o fio do raciocínio sem nenhuma

dificuldade. — Disse enquanto retoma seu avanço mancando para o castelo, eWilliam apressou o passo para alcançá-lo.

— Por que todas essas perguntas, Stede?Stede encarou novamente ele, sua expressão habitualmente concisa

agora convertida em uma mistura entre a raiva e uma confusão tingida deincredulidade.

— Essa... duquesa... Qual é seu nome?— Elise. A Lady Elise de Bois.— Maldição! — Jurou Bryan. — William, pode me descrever a essa Lady?— Elise? — Um grande sorriso iluminou o rosto de Will Marshal. — É

absolutamente encantadora. Tão linda e cheia de vida como um amanhecer.

Como...— Dispensa a poesia, lhe rogo isso! — Gemeu Bryan.— Bem... — Will fez uma careta e ficou a pensar. — É uma mulher alta e

esbelta, embora de magníficas formas. Seus olhos são da cor dos mares, de umtom entre o azul e o verde. E seu cabelo... é como um pôr-do-sol,possivelmente. Não é da cor ouro e não é da cor avermelhada, a não ser, umavez mais, de um tom a meio caminho entre essas duas cores. Sua voz é tãodoce como a da cotovia da manhã...

— Oh, pelo sangue de Deus que é! — Grunhiu Bryan em uma nova eirrevogável interrupção. — Grita como uma galinha choca que acabasse deengolir uma ervilha!

Desta vez foi Marshal a ser pego de surpresa.— Elise? Mas você acabou de me dizer que...— Ontem à noite conheci a sua encantadora Senhora de Montoui. —

Disse Bryan secamente. — Tem as garras de um gato, e a língua de umavíbora. E é tão frágil como uma viúva negra...

— Raios! Aí sim é que estou perdido de tudo, meu amigo! Onde seencontrou com Elise, quando saiu daqui para perseguir um ladrão, e...?

— A encantadora Lady Elise era a ladra.— Elise? Não acredito! Montoui é pequeno, mas rico. E próspero. Sua

terra é a mais fértil que há em muitos quilômetros de distância, suas cabeçasde gado e suas ovelhas engordam da noite para o dia, e o velho Duque trouxeconsigo uma fortuna em ouro, gemas e marfim quando retornou das cruzadas.

— Lamento ter que fazer tremer sua torre de marfim, meu amigo, mas aLady carregava algo que tinha pertencido ao rei.

— Seriamente? — Perguntou Marshal, muito surpreso.— Estou lhe dizendo isso confidencialmente. — Murmurou Bryan com

uma repentina seriedade. — Já que não gostaria de vê-la julgada. Mas, sim,tinha a safira que Henrique usava em seu dedo mindinho. E sei que estava emseu corpo, pois o vi quando ele foi colocado em cima do catafalco.

— A safira... — Murmurou Marshal, ainda mais perplexo. Coçou a suacabeça, mergulhado em uma profunda meditação, e logo negou com a cabeça.— Não vejo nenhum sentido. Mas tem razão na safira, porque Henrique sempretinha usado. E, contudo, para Elise de Bois não serviria de muito a soma quepoderia chegar a dar por ele, isso até caso que esta fosse substanciosa.

— Possivelmente era uma cúmplice, nos impulsionou a persegui-la, paraassim nos afastar da direção que seguiram outros.

— Elise? Duvido disso. Mas me alegro de que não a tenha trazido comvocê, pois há outros que não poderiam duvidar disso, e no mais profundo demeu coração não posso acreditar culpada.

— Até que ponto conhece essa jovem? — Quis saber Bryan, aborrecidoante a aparente fascinação que William mostrava pelo objeto de sua irritação,especialmente desde que Marshal não tinha disposto de muito tempo parasucumbir a tais encantamentos em sua época. Sempre tinha estado ocupadocom os torneios e a batalha, desfrutava com uma mulher que estivessedisposta a compartilhar sua cama, mas não era muito dado à poesia ou osjogos cortesãos. O rei lhe tinha prometido a Isabel de Clare, a qual foiconsiderada como uma das herdeiras mais lindas, também a mais ricadisponível, e nem mesmo de sua desconhecida futura noiva, William falava comtal extravagância.

Marshal ergueu os ombros e então permitiu que caíssem.— Eu a conheço muito bem, e em detalhes. Henrique visitou Montoui

uma vez no ano durante quase vinte anos...— Vinte anos!— Esquece... — Marshal riu — Tenho uma década de vantagem à sua

frente, Sir Stede. Sim, desde que comecei a servir ao Henrique fui ao Montouiuma vez ao ano com ele. Me disse que era uma viagem que levava anos fazendoantes disso, então ouso dizer sem medo de estar errado que foram vinte anos.

— Que o diabo me leve! — Ofegou Bryan.— Parece que já fez isso. Ou foi a Lady Elise?Bryan lançou ao William um olhar cheio de hostilidade, mas se absteve

de replicar com veemência.— A Lady se apropriou de meu cavalo e de minhas botas, sim. — Disse

secamente.— Deve ter sido todo um encontro.— Sim, foi. Me diga, sabe algo mais dessa mulher?— Só que Montoui pertence unicamente a ela. Oh, sim, a rumores que se

casará com Sir Percy Montagu. A escolha foi dela.— Montagu...— Sei, sei. Tampouco eu gosto de muito desse homem. Cortês,

agradável..., mas não inspira muita confiança. Mesmo assim, verdade é que asLadys o acham bastante atraente. Faz anos, houve um escândalo com aCondessa Marie de Bari, porque parece ser que o jovem Percy ia semeandosuas sementes com muito pouca discrição no referente à condição matrimonialdas conquistas. Mas, naturalmente, sempre deu a entender que tinha aintenção de ser muito exigente na hora de adquirir o status de homem casado.E, — Acrescentou Marshal com um encolhimento de ombros. — Percy tem todauma reputação de ser encantador e carismático com as Ladys. Elise nãoencorajou a qualquer interesse por parte dos possíveis pretendentes até queconheceu jovem Percy, assim aparentemente seu matrimônio será por amor. A

história familiar dos De Bois é impecável, o qual significa que ela encaixa àperfeição com a visão do valor conjugal que Sir Percy tem.

— Humf! — Resmungou Bryan.Então ela iria se casar, pensou. Parabéns para ela..., e para Sir Percy

Montagu. O fato de que à Lady parecesse tão abominável que estivessedeterminada a encontrar suas próprias distrações, deveria ter sido um alíviopara ele. Depois da noite anterior, não levaria muito tempo para decidir queiria fazer caçar da honra de Bryan e exigir que se casasse com ela. Coisa queele teria feito... Para falar a verdade, e agora que sabia que aquela moça era aduquesa de Montoui, ele mesmo teria ido vê-la para fazer essa proposta depoisdaquela noite. Considerava que toda a situação era responsabilidade dela, masmesmo assim ele tinha sido o responsável por alterar sua condição virginal.Que continua considerando-a por uma mentirosa e uma ladra, não poderiamudar essa responsabilidade.

Bryan encolheu os ombros para si mesmo. Ela tinha deixado muito claroque o desprezava e que não queria ter nada com ele. Ela iria se casar comPercy Montagu. Ele deveria estar feliz de poder permitir que o fizesse.

Seu próprio futuro continuava dependendo dos ventos da mudança. Se ahonra o obrigasse a se unir em matrimônio com Elise de Bois, isso significariaperder toda esperança de que Ricardo decidisse honrar às dívidas de seu pai,não haveria nenhuma Gwyneth, e nenhuma vasta extensão de terras naInglaterra para que chegasse a ser dele. Sim, foi um alívio...

Mas pensar no Percy Montagu com a moça também resultava irritante.Montagu era muito escorregadio para merecer a semelhante...

Desonesta mentirosa? Teriam sido o casal perfeito.Não, porque por mais mentirosa que pudesse ser, aquela Lady era

impressionantemente linda. Tinha sido fundida e moldada até lhe conferir umaagradável perfeição...

E também era uma harpia que gritava e insultava. Talvez sim, elesmerecessem um ao outro.

Um instante depois Bryan não pôde evitar sorrir para si mesmo,subitamente divertiu ante o possessivo de seus sentimentos. Possivelmente sim,que tenho um pouco de besta primitiva. — Ele pensou. — Me sinto como se fossedesfrutar muitíssimo cortando as mãos do Percy no caso de que a tocasse, e eleparece ser o homem que ela escolheu.

Então, franziu a testa ao pensar em como Marshal parecia estarapaixonado pela moça. Aparentemente, Marshal nunca a tinha visto ou ouvidoquando ela se encontrava dominada pela raiva. Elise de Bois lhe tinharecordado a alguém quando amaldiçoava. As palavras que utilizava, asinflexões. Sacudiu a cabeça, porque não sabia em quem estava pensando. Alembrança se encontrava ali, mas de uma maneira totalmente elusiva. Então

Bryan comandou a si mesmo uma pequena sacudida mental, porque acabavade perceber de que Will estava falando enquanto andavam, e ele não tinhaouvido nenhuma só palavra que disse.

— Stede, você está escutando?— Oh, sim. Sinto muito, Marshal.— Percy tem coisas boas. Nunca fraquejou na batalha. Henrique gostava

muito dele. — Marshal ficou calado durante alguns instantes, e então seguiufalando. — Então que você e Elise se envolveram um pouco...apaixonadamente, suponho, uma vez que você acabou retornando para ocastelo descalço e sem cavalo. Mas eu não me preocuparia sobre o anel. Nãocapturamos nem mesmo um desses ladrões assassinos, e tudo o que foiroubado se perdeu para nós. — Ele hesitou. — Bryan, há muitos que acreditamque foram os próprios assistentes de Henrique quem o roubou..., servos quetemiam não receber nada. Mas se foi roubado por pessoas conhecidas ou pordesconhecidos é algo que agora já não tem muita importância. E apresentaruma acusação contra Elise lhe causaria um dano incrível.

— Não tinha intenção de dizer a ninguém, além de você. — RespondeuBryan.

— Então parece que o caso está encerrado.— Encerrado? — Perguntou Bryan, e negando com a cabeça. — Não

posso permitir que seja encerrado, Will. Ela estava no castelo quando osladrões estavam aqui. Ela, tinha o anel de Henrique, e tentou me apunhalarcom muita veemência. Mentiu para mim, e penso que a única coisa que eraverdade em tudo, que me disse nesta noite foi o seu nome. Já não sei o queacreditar..., exceto que no pior dos casos, ela poderia ser uma assassina e, namelhor hipótese, que está ocultando algum grave segredo.

Will parou, apressando ao Bryan que se calasse e escutasse suaspalavras.

— Bryan, uma coisa que eu posso te prometer, Elise amava muito aoHenrique. Ela nunca teria razão de fazer o menor desrespeito a seus restosmortais. Acredite em mim, não poderia estar entre os ladrões.

Bryan olhou ao Will, e por um momento se perguntou se deveria explicarao seu amigo. Então começou a se sentir um pouco farto de sua própriasensação de raiva e culpabilidade. Não diria nada mais, nem sequer ao Will.Apertou os dentes, ainda tentando decidir se Elise de Bois realmente podia sertão inocente como assegurava Will. Simplesmente não sabia. Mas no momento,aparentemente, bem podia lhe conceder o benefício da dúvida.

— De acordo. — Disse ao Will. — O anel está esquecido.Não estava esquecido, porque Bryan não se esqueceria dele até que

tivesse descoberto o segredo tão escondido poderosamente dentro de Elise deBois, para fazê-la impulsionar a cair de joelhos diante de seus pés, em vez de

lhe permitir a dizer a verdade.— Bem, isso resolve um dilema. — Disse Will.— E no que consiste esse dilema?— Na jovem serva a que agora temos como convidada. Descobrimos entre

os... corpos dos guardas que foram mortos. Seu pescoço tinha sido cortado,mas a encontramos respirando e o primeiro médico de Henrique a tratouimediatamente. Vive, já que aparentemente os estúpidos não se incomodaramsuficiente com ela para matá-la, mas não esteve consciente ou coerente, e nãotivemos maneira de saber de onde poderia ter vindo. Agora esse enigma ficouesclarecido. A donzela tem que ser uma serva de Elise de Bois.

— Muito provavelmente. — Resmungou Bryan, sentindo um súbitodesconforto.

— Enviaremos um cavaleiro ao Montoui para informar à duquesa de queessa mulher vive. Quando a donzela se encontre o bastante bem para poderviajar, possivelmente você gostaria de escoltá-la ao Montoui.

— Santo Deus, não, porque...! — Começou a dizer Bryan, e então umsorriso apareceu lentamente em seus lábios. — Sim, Marshal, talvez farei isso.

Seria muito interessante ver como se comportaria sua pequena harpia seestivessem cara a cara. Estaria disposta a admitir que eles já haviam seconhecido antes, e algo mais?

Era possível que ela tivesse a seus arqueiros no alto das ameias docastelo, preparados para saudá-lo.

— Que insensato é o homem! — Riu Marshal. — Sempre se mostradisposto a se encontrar com o diabo. Mas agora você tem que tratar com umdiabo muito maior que qualquer mulher.

— Sim?— Coração de Leão chegou.— Ricardo está aqui? Maldição, Marshal! Por que não me disse isso?

Como foram as coisas? Pelo menos vejo que ainda está vivo e em pé. Quepostura está adotando conosco?

— Uma que não tem nada de mau. — Respondeu Marshal, lhe dandouma palmada no ombro e voltando a empurrá-lo para o castelo. — Oh, nãoparou de gritar comigo e me chamou de tudo, e assegurou que se tivesse a suaarmadura teria acabado comigo. Mas logo não se zangou muito, quando olembrei que um rei precisava aprender a lição de que não devia cavalgar semarmadura, e que eu tinha desviado meu golpe. Já conhece o Ricardo. Bufou eresmungou, e ofereceu um grande espetáculo. Mas logo me abraçou e disse queeu tinha sido um homem leal a seu pai. Esperava que ambos deixássemos paratrás o passado e pensássemos no futuro da coroa.

Bryan assimilou a informação dentro de sua mente, esquecendo

rapidamente aquela noite que já tinha ficado para trás conforme seuspensamentos foram se voltando para o Ricardo Plantageneta. Coração de Leãoparecia estar se comportando com uma grande louvável sensatez, e com umahonra e uma sabedoria que poderia mesmo a dizer muito em favor de seureinado. O cavaleiro apertou firmemente os punhos antes de voltar a se dirigirao Marshal.

— Te falou... das recompensas prometidas pelo Henrique?— Fez isso, sim.— E?— E... — A pele azeitonada de Marshal foram iluminadas por um amplo

sorriso. — No princípio parecia não estar muito convencido de que Henriquedeveria ter me prometido tão grandes riquezas, mas quando se inteirou de queeram muitos os que tinham ouvido as palavras do rei, em seguida se mostroudisposto a fazer honra delas. Isabel de Clare vai ser minha. Vou ser conde dePembroke. Todas essas terras serão minhas!

— Maldição, meu amigo, mas te desejo muita sorte! — Exclamou Bryancom a máxima sinceridade. — Bem....Então parece que não demorarei parasaber qual vai ser o meu próprio destino, verdade?

Marshal riu.— Verdade, Sir Stede, e parece que agora é sua vez de encontrar com o

diabo!Bryan se deteve com visível desgosto diante da entrada de Chinon.— O que acontece? — Perguntou Marshal.— Se voltar a me tropeçar com ela, arrancarei a sua pele em tiras dessa

pequena e encantadora de sua Lady. — Respondeu Bryan irritadamente.Seus olhos se cravaram nos homens que cobriam as ameias e montavam

guarda junto a aqueles que usava o emblema de Henrique. Pelo menosquarenta homens andavam pelas ameias, a metade deles de Ricardo. Aindaforam embelezados com armadura e cota de malha, agora muito orgulhosos delevar o emblema do leão de Ricardo em cima de seus escudos junto com seuspróprios emblemas de família. Aqueles eram os guerreiros aos que Bryan tinhacombatido na longa batalha liderada pelo Henrique contra seu filho e o rei daFrança. Inimigos destinados a ser convertidos em amigos. Mas homens queantigamente tinham desejado vê-lo cair, e que naquele momento seguiriamsentindo um intenso rancor para ele...

E teria que passar diante deles sem calções e botas, sem manto e nemcavalo.

— Maldita seja essa mulher! — Gritou. Então passou junto ao Marshal,andando com as costas bem reta e as mãos apoiadas em cima dos quadris. Epassou diante dos cavaleiros de Coração de Leão, emanando um poder tão

imponente que nenhum deles percebeu, de que o muito respeitado guerreiro iavergonhosamente faltando os trajes.

Mas ele sabia. E enquanto apertava os dentes para se encontrar comCoração de Leão, estava pensando uma vez mais que adoraria aplicar umchicote de estrebaria à magnífica curva do traseiro de Elise de Bois.

Assim que tinha passado pela poterna, quando Bryan ouviu aensurdecedora voz de Ricardo chamando-o. Franziu a testa, pensando queCoração de Leão realmente convocava com um rugido. Ele endireitou osombros e parou, se mantendo erguido enquanto via como o novo Rei daInglaterra, e o soberano de meia Europa continental se aproximava até ele.

Quaisquer que sejam as coisas ruins que poderiam dizer do Ricardo,ninguém podia negar a magnífica figura que oferecia com sua estatura. Eraalto, possivelmente alguns centímetros a menos que Bryan, mas não deveriaesquecer que Bryan estava entre os homens mais altos de sua época. Eraextremamente musculoso, tendo passado seus dias em justas e batalhas desdeque era um moço ainda não crescido de tudo. Ricardo era um autênticoPlantageneta, seus olhos às vezes eram de um cinza tempestuoso e às vezes tãoazuis como o céu e, em estranhos momentos de paz, podiam ter a cor de água-marinha do Mediterrâneo. Seu cabelo loiro como o trigo tinha sido clareadopelo sol, e sua barba revelava muitos fios de um vermelho flamejante. O chãose estremecia por onde andava Ricardo. Mas apesar de todo o tempo que tinhapassado combatendo ao Henrique, Bryan sabia que Ricardo era um homem decaráter e dotado de firmes princípios. O cavaleiro não se acovardou quando viuchegando até ele, que tinha intimidado homem de menor estatura.

— Stede! Você tomou o seu tempo para marcar sua presença! E sembotas, nada menos. Santo Deus, onde passou a noite?

— Perseguindo ladrões, majestade.— E deixou roubar você, aparentemente.— Sim. — Se limitou a responder Bryan.Ricardo lhe dirigiu uma sobrancelha arqueada, mas não fez mais

comentários sobre o tema. Em vez disso, assinalou a entrada do bastião einsistiu ao Bryan a que fosse para ela.

— Vamos conversar sozinhos. Temos muito que discutir.Começou a adiantar Bryan para o bastião e então se deteve, se virou tão

subitamente que Bryan foi forçado a saltar para trás para evitar uma colisãocom o rei.

— Stede! Juras solenemente que me aceita como seu soberano? Você eeu lutamos longas e duras batalhas, mas respeito a lealdade que outorgou ameu pai, e gostaria de tê-la para mim.

— Henrique está morto, Ricardo. — Disse Bryan cansadamente. —Enquanto ele vivesse, nunca poderia jurar fidelidade. Agora você é o Rei, o

legítimo monarca que reina sobre todos seus domínios. Sim.... Agora lhe jurotoda fidelidade que prestei a ele.

— Se ajoelhe, Sir Stede, e me jure fidelidade.Bryan assim o fez, e Ricardo lhe indicou rapidamente que se levantasse.

Então, assentiu brevemente e se colocou andar para o bastião. Um fogo tinhasido aceso na grande câmara inferior, mas mesmo assim Chinon, tão queridopelo Henrique, continuava frio para Bryan. O grande salão de banquetes estavaescassamente mobiliado. As mesas e as cadeiras eram curiosamente semgraça, sem que tivessem sido objeto da arte esculpida. Prestava um serviço, enada mais.

Ricardo foi à cabeceira da mesa e se sentou, empurrando para fora umacadeira de um ponta pé, para que Bryan pudesse utilizá-la.

— Sente-se, Stede. — Lhe ordenou ao cavaleiro, e logo sorriu. — Nuncapude suportar sua altura!

— Há pouca diferença entre...— Estou acostumado a olhar a outros homens de acima.Ricardo levantou uma mão, e um servo surgiu rapidamente das sombras

trazendo vinho e o deixou entre eles. Ricardo dispensou o servo com um gesto eencheu um cálice para cada um deles. Bryan levantou o seu.

— Por um longo e próspero reinado, Rei Ricardo.Ambos beberam. Então Ricardo deixou seu cálice em cima da mesa com

um golpe seco. Um instante depois já voltava a estar de pé, passeandonervosamente pelo salão e lhe recordando ao Bryan a seu pai.

— Já estão dizendo que meu pai começou a sangrar, quando apresenteimeus respeitos a seus restos mortais. O que pensa você disso, Stede?

— Acredito que muitas coisas serão ditas. — Espetou Bryan sem darrodeios.

— Maldição! — Jurou Ricardo, descarregando um murro sobre a mesa eolhando ao Bryan com um súbito fogo ardendo em seus olhos. — Não sabiaque meu pai estava tão doente quando nos enfrentamos pela última vez... Ahistória me cobrirá de injúria ou me reverenciará, Stede?

— Tenho certeza de que isso resta a saber, alteza.Ricardo riu.— Nunca chegará a se ajoelhar realmente diante mim, verdade Stede? Ou

perante nenhum homem. Ah, bem, eu não fui tão culpado disso. Meu irmãoJuan começou esta batalha anos antes da morte de nosso pai, e foi nossomesmo pai quem causou isso. Adorava nos conceder todos seus títulos eoutorgar seus domínios, mas nunca quis renunciar nem a uma só fibra de seupoder, íamos ser marionetes, nada mais. E quando pretendemos governar,decidiu que ainda éramos crianças que podíamos ser levados de um lado a

outro por ele. Fez coroar rei a meu irmão enquanto vivia, e, entretanto, não lhepermitiu governar um ducado. Mas o jovem Henrique morreu e eu me convertiem herdeiro..., e que tive que enfrentá-lo. — Fez uma nova pausa. — Nuncadesejei vê-lo morrer tão destroçado, Stede.

Bryan olhou aos olhos de Ricardo e encolheu os ombros.— O que matou a seu pai, foi saber que seu irmão Juan o tinha traído,

ou pelo menos isso é o que dizem os médicos.— Hum... — Murmurou Ricardo sombriamente, indo ao redor da mesa

para voltar a tomar assento. — Juan... Não tenho nem ideia de onde está omoço agora. Você o viu?

— Não, desde que desapareceu depois da batalha no Le Mans.Ricardo tomou um longo gole de seu vinho e se recostou em seu assento

com expressão pensativa.— Sem dúvida estará se escondendo, tendo ouvido dizer que não

recompenso aos traidores. Mas pelo sangue de Deus! É que esse moço estúpidonão percebe que sou seu irmão? — Ricardo suspirou. — É de meu sangue, e émeu herdeiro. Que Deus me ajude a fazê-lo digno de um trono!

— Amém. — Murmurou Bryan, ganhando um franzindo de testa deRicardo.

— Herdei todas as responsabilidades de meu pai. — Disse ao Bryan. — Etenho intenção de honrá-las... a quase todas elas. Sem dúvida, Stede, me dirá,como o fez Marshal, que meu pai te prometeu uma grande herdeira.

Bryan encolheu os ombros, decidido a não ser provocado pelo Ricardo.Não jogaria a nenhum jogo. Gwyneth seria dele, sim ou não.

— Fez isso. Prometeu que teria à Lady Gwyneth de Cornualles.Ricardo levantou uma sobrancelha.— Uma grande herdeira, certamente.— Sim. — Se limitou a dizer Bryan.— Bem... — Começou a dizer Ricardo. Então, se interrompeu para

explodir em uma súbita gargalhada. — Stede, não posso lhe prometer uma dasmaiores herdeiras da cristandade a um homem que não tem botas! — Sorriu.— Não estou dizendo que não vai ser recompensar seu longo e leal serviço ameu pai. Mas tenho trabalho para você. Eu tenho que permanecer nocontinente para receber os juramentos de fidelidade de todos meus Barõeseuropeus como senhor dele. Mas desejo que minha mãe seja posta emliberdade, porque Leonor será minha regente até que eu possa ir paraInglaterra. Você e Marshal se ocuparão de sua libertação..., e de sua viagem,pois quero que seja vista pelo povo em todo o país. A maioria do povo a ama, ese alegrarão de perdoar a meus pecados e poder me reconhecer assim que avejam. — Fez uma pausa. — Também tenho outra tarefa para encomendar a

você. Temos aqui a uma serva que pertence à duquesa de Montoui. Te ocuparádessa viagem, e te assegurará de que Elise seja trazida para aqui, rapidamente,para que meu pai seja enterrado na abadia de Fontevrault, tal como eledesejava. Oh... e me parece que fará que a duquesa lhe acompanhe a você e aoMarshal. É muito possível que minha mãe necessite uma assistente de nobreberço.

Bryan ficou muito surpreso pelas palavras de Ricardo, já que Henriquedeveria ser enterrado o mais breve possível. Ricardo estava disposto a esperar achegada da duquesa de Montoui. Por quê?

Possivelmente, refletiu em seguida, Ricardo abrigava a esperança de queJuan fizesse ato de presença nesse momento. Pela razão que fosse, Ricardoquase lhe tinha prometido que Gwyneth e suas terras seriam dele, assim nãoparecia um momento muito apropriado para perguntar a seu monarca. Mas oque acontecia com o Elise de Bois? Sedutora, vadia, ladra.... Quem era ela?

Bryan se apressou a fechar os olhos, aborrecido ao ver que não podiaesquecê-la ou apagar de seus pensamentos. Mas não podia negar isso, tinhadesejado voltar a vê-la para poder presenciar como reagia diante dele, e Ricardolhe estava ordenando que o fizesse.

— E logo, Stede. — Estava prosseguindo Ricardo, com sua voz adquirindoum tom cheio de paixão enquanto voltava a golpear a mesa com o punho. —Terá chegado o momento de se preparar para a cruzadas! Henrique jurou seunir ao Felipe na Santa Missão de reconquistar Jerusalém e nossos santuárioscristãos no Oriente. Meu pai já não pode fazer tal coisa. Agora isso passou aser meu destino, e é um destino que desejo cumprir! Então cavalgará junto amim, Bryan Stede.

— Sim, alteza, cavalgarei junto a você. — Respondeu Bryan.Por que não? Sabia que os infiéis tinham tomado Jerusalém, já que nada

mais havia sido falado em toda a cristandade. Os cavaleiros eram os guerreirosde Deus e as cruzadas eram as batalhas mais santas nas que poderiam a sertravadas, porque foram travadas por sua glória.

O Oriente prometia aventura e um novo saber, e Bryan desfrutaria damudança. Se tudo corresse bem, ele deixaria para trás uma esposa que oamava, vastas terras e recursos, e retornaria para descobrir que também tinhaum herdeiro.

— Vá encontrar umas botas, Stede! — Ordenou Ricardo subitamente. —Então, terá que sair ao galope para o Montoui!

Bryan assentiu secamente e se levantou, indo para a porta. EntãoRicardo o chamou, e se deteve. Ricardo estava se levantando, e vinha até ele.

— Será recompensado, Stede. Confia em minha palavra?— Sim, Coração de Leão. Confio nela.Ricardo sorriu. Seu pacto tinha sido feito.

Ah, Montoui! O lar nunca lhe tinha parecido tão lindo para Elise,descansando no vale entre as cores vermelha e ouro do sol que ficava no céu!

Elise parou no topo da última colina que se erguia antes de suas própriasterras e respirou profundamente enquanto contemplava seu castelo, seu povo,seu ducado. De seu privilegiado ponto de observação, podia ver a totalidade domuro de pedra que circundava a aldeia, o qual consistia em numerosas casas,o moinho, a ferraria, a Igreja da Virgem, as oficinas para os ceramistas, osestanhadores, os ourives e artesãos de todas as classes. Mais à frente do muroque prometia segurança a seu povo em tempos de batalha, se estendiam asterras das fazendas e dos campos, acres férteis nos que se cultivavam o trigo, omilho, a aveia e as hortaliças, e onde as ovelhas e as cabeças de gado pastavame engordava. E além dos campos de cultivo estavam os bosques repletos decaça, javalis e pássaros, e cervos em abundância.

E mais além da aldeia murada se erguia o castelo de Montoui. Alto eprovido de um fosso, reluzia com um branco resplendor no crepúsculo. Ocastelo de Elise era um octógono com oito altas torres, sete delas para alojaraos convidados e aos homens de armas da duquesa e com a oitava sendo atorre da homenagem da família na qual se encontravam os aposentos de Elise.O lar..., um lugar no que havia calor e beleza. Ativo e cheio de vida. As lareirasestariam ardendo, a carne estaria se assando, as tapeçarias dariam calor asparedes, e junquilhos limpos já teriam sido pulverizados pelo chão de todo ogrande salão de banquetes. Em cima do salão de banquetes, o quarto de Eliseestaria aguardando-a com as janelas voltadas para o leste para o sol da manhãe sua cama, envolta em sedas, coberta com peles elegantes e linhos. O lar.Finalmente tinha chegado a ele. Elise parecia ter demorado uma eternidade empercorrer os longos quilômetros.

Não estava disposta a retornar a seu ducado suja e coberta de farrapos,por isso tinha seguido as trilhas mais afastadas até que se encontrou com umavelha desdentada no bosque. A anciã se mostrou encantada de poder trocaruma túnica de áspera lã, pelo magnífico par de botas masculinas que Elise lhetinha oferecido. E então, ela ficou surpresa quando Elise acrescentou aquelescalções tão bem tecidos e o magnífico manto na troca.

Para Elise tinha sido um imenso prazer poder se livrar das propriedadesde Bryan Stede, e descobrir que já não tinha que manter apertadamente omanto ao redor do seu corpo para permanecer respeitavelmente vestida.

No muro exterior da aldeia, os homens de armas lhe deram o alto e entãovieram correndo para saudá-la e escoltá-la. Elise obrigou a seus lábios a sorrir,entoou alegres saudações em resposta aos seus, e afastou aos homens com umrápido gesto.

— Tudo vai bem, meus prezados senhores! Retornei sem ter sofrido danoalgum!

— Mas minha senhora...

A chamada procedia de Sir Columbard, capitão da guarda, mas mesmoassim Elise conseguiu evitá-lo.

— Sir Columbard! Estou espantosamente cansada. Te imploro paradeixar para mais tarde!

Cavalgou rapidamente pela única rua principal da aldeia, a qualconduzia à ponte levadiça do castelo. Depois de ter cruzado com um ruidosogalope, Elise se apressou a entregar as rédeas do corcel a um cavalariçoquando deixava para trás a entrada da torre e entrava no pátio exterior.

Mas embora poderia se conformar levantando uma mão saudando seusaldeãs e homens livres para logo seguir cavalgando, não pôde negar a seucavalariço, Wat, que lhe dirigisse suas ofegantes palavras de boas-vindas.

— Minha senhora! Graças a Deus que você retornou sã e salva! Desdeque sua égua retornou...

— Sabra retornou? — Perguntou Elise rapidamente.— Sim, voltou antes do amanhecer! Cuidei bem dela, minha senhora,

prometo isso, mas minhas mãos tremiam. Temia tanto por você...— Obrigada, Wat, por ter cuidado de Sabra e por ter se preocupado tanto.

Mas agora já estou em casa, e sem que tenha me acontecido nada. Mas estoutão cansada!

Elise sorriu ao nervoso moço e se dispôs a passar a toda pressa juntodele.

— Minha senhora! Espere...Elise teve que fingir que não tinha ouvido. Se não encontrava logo a

intimidade de seu quarto e mergulhasse em um banheiro fumegante,começaria a gritar como uma louca, e logo choraria como uma menina até queseus olhos caíssem.

Unicamente na solidão poderia se permitir a libertar os seus sentimentosde raiva e frustração.

Cinco guardas com as cores ouro e azul de Montoui estavamesquentando as mãos em uma pequena lareira que ardia diante a porta dobastião principal e o salão dos banquetes. Todos se ergueram e se apressarama se ajoelhar diante dela, quando Elise foi rapidamente para o salão.

— Minha senhora!— Bendito seja Deus!— Estivemos lhe procurando por turnos desde que...— Por favor! Se levantem, meus prezados senhores. Estou bem e não me

aconteceu nada. É só que tenho tanta vontade de descansar que peço a vocêsque me desculpem!

Com um sorriso e o queixo erguido, Elise passou a toda pressa junto

deles, ignorando as chamadas que foram ficando para trás dela. Qualquerquestão urgente podia esperar.

Dentro de alguns momentos teria liberdade para gritar, reclamar,estremecer e tremer a seu desejo, sem que houvesse ninguém presente paraassistir a tão indecorosa conduta.

Tinha conseguido deixar para trás aos guardas sem nenhuma explicação,mas uma vez dentro do salão de banquetes, com a cálida bem-vinda de seufogo e suas acolhedoras tapeçarias, se encontrou com o Michael de Neuve, omordomo de seu pai e agora o seu, esperando-a.

Do Neuve tinha combatido junto ao William de Bois como escudeiro docavaleiro, tinha ido a cruzadas com seu Duque às Terras Santas paraconquistar Jerusalém, depois do qual se retirou do campo de batalha epassando a dirigir o castelo. Amava a Elise como tinha amado a seu pai, eagora, embora seu rosto estava enrugado pela idade e seus ombros estavamcomeçando a se encurvar, seu sentimento de responsabilidade para com elanão podia ser mais intenso.

— Minha senhora! O que aconteceu? Estive morto de preocupação desdeque seu cavalo retornou esta manhã! E quando o mensageiro chegou depoispara nos falar da pobre Isabel...

— Um momento, Michael, por favor! — Suplicou Elise, sentindo que osúbito palpitar de uma dor de cabeça começava a golpear sua testa. — Quehistória é essa que veio um mensageiro?

— Ainda não faz uma hora que chegou um cavaleiro procedente deChinon, minha senhora. Ele surpreendeu que você não tivesse retornado, ecomo consequência eu me preocupei ainda mais! Isabel vive, embora hajasofrido muitas feridas. Entregarão ela aqui logo que seja possível.

— Isabel vive? — Perguntou Elise, atordoada e cheia de incredulidade.— Sim, minha senhora, assim é...— Agradecemos ao Senhor! — Murmurou Elise, subitamente afligida pela

culpa. Ela sentiu primeiro tão machucada, e tão furiosa depois, que tinhaesquecido de chorar pela donzela. Mas Isabel vivia. A temerária conduta deElise não resultou a morte de outra pessoa. Havia coisas pelas quais tinha queestar agradecida...

— Mas, oh, minha senhora! O que aconteceu? — Quis saber Michael.— O corpo do rei foi vítima de alguns ladrões que assassinaram aos

guardas. Fui obrigada a fugir através da noite, mas agora já estou aqui. E aíque termina tudo, Michael.

— Ladrões! Assassinos! Oh, minha senhora! Já sabia que nunca deveriaceder a um capricho tão insensato por sua parte. Isabel, quase degolada! Epensar que poderia ter...

— Basta, Michael! — Ordenou Elise em um tom mais seco. — Não havianinguém que pudesse ter me dissuadido de minha peregrinação! O rei foi bomcom meus pais, bom comigo. Eu sentia que era meu dever ir, e nada poderiater mudado isso. E agora, Michael, onde está esse mensageiro?

— Já se foi, minha senhora. Lhe ofereci toda a hospitalidade do castelo,mas como agora Ricardo já se encontra em Chinon, retornou imediatamente. Ohomem nos assegurou que Isabel seria devolvida, e como um cavaleirochamado Bryan Stede tinha visto você, estava convencido de que no retorno eiria encontrá-lo. O que tem feito que demorasse tanto para voltar para nós,Lady Elise?

— Me mantive nas trilhas, Michael.— Nas trilhas! Mais ladrões e assassinos e.... Oh, Jesus Cristo bendito

que está nos céus! — Voltou a começar Michael, e apesar do muito que queriaao ancião, Elise teve vontade de gritar.

— Michael! Te suplico isso! Estou terrivelmente cansada. Só desejo umanoite de repouso. E um banho. Tenha a bondade de chamar a Jeanne para quevenha a me atender, por favor, já que necessito um banho. Lhe diga que tenhoque ter água quente, e em grande quantidade.

— Sim, minha senhora, sim. — Murmurou Michael, balançandoligeiramente a cabeça.

Sua duquesa raramente chama a atenção, mas possuía um gênio capazde fazer que o próprio diabo pensar duas vezes antes de enfrentar a ela. Elaestava falando com ele muito cortesmente. A etiqueta decorosa de Marie deBois tinha sido infundida em sua filha através de rigorosas horas deaprendizagem, mas Michael conhecia Elise. Agora a autoridade tinha aparecidoem seu tom. Seu queixo estava erguido, seus olhos cintilavam perigosamente, enão cabia dúvida de que a Lady sabia qual era seu posto na vida..., e comoutilizá-lo.

Aquela era uma dessas ocasiões na qual a Lady Elise podia perder amajestosa compostura pela qual era tão bem conhecida. Michael optousensatamente por dar meia volta e ir a toda pressa para a cozinha paraencontrar a Jeanne, a donzela de sua senhora.

Do grande salão de banquetes de Montoui, um lance de longos degrausde pedra conduzia à galeria ricamente mobiliadas dos quartos da família. Elisesubiu pela escada sem se apressar, mas logo que os passos de Michaeldesapareceram rumo à cozinha, estava correndo sem nenhuma cerimônia.Quando chegou na porta, abriu-a violentamente e a fechou de uma portadaatrás dela como se o diabo ainda estivesse perseguindo-a.

Não o estava fazendo, recordou a si mesmo. Já tinha alcançado e...Estou em casa. Em meu próprio castelo. Sou a duquesa de Montoui e ele

nunca chegará a ter o poder de voltar a me tocar. Aqui o poder é todo meu...

E não adiantou absolutamente nada! Pensou com renovada consternaçãoe fúria. Durante toda sua vida lhe tinha ensinado a compreender que pertenciaà nobreza. Que apenas precisava falar para ser obedecida. Que, se era linda ejusta, a serviria sem vacilar.

Tinha aprendido que o mais poderoso dos cavaleiros podia ser contidomediante um sorriso irresistível. Henrique lhe tinha prometido que ela regeriaseu próprio destino.

E agora... tinha desaparecido. Bryan Stede o tinha levado tudo consigo.Ele ensinou que pertencer à nobreza significava pouco ou nada, quando umhomem decidia que desejava a uma mulher, e o que era muito, e muito pior,também lhe tinha ensinado que ela podia ficar completamente impotente eindefesa... De acordo como o mensageiro, Bryan Stede a tinha visto e, portanto,tinha retornado mancando ao Chinon. Aparentemente, agora já sabia, semdúvida, quem ela era e isso seguia significando muito pouco para ele. Elisetinha levado o anel de Henrique, o qual a convertia em uma ladra, e, porconseguinte merecia qualquer coisa que ele pudesse fazer.

Stede tinha arruinado toda sua condenada vida, e a única coisa quetinha que dizer era que a tinha visto!

— Oh, Deus! — Gemeu Elise, inclinando a cabeça até deixá-la apoiada naporta. — Santo Deus, deixa que o perdoe! Limpa minha mente dele, antes deque a fúria e a humilhação me enlouqueça....

A súplica que estava murmurando ficou interrompida quando alguémchamou suavemente na porta.

— Minha senhora?Elise se virou e abriu a porta. Jeanne se inclinou rapidamente diante dela

e deu um passo para o lado. Vários servos entraram a toda pressa, trazendoconsigo a pesada banheira de bronze. Mais alguns servos se apressaram paraentrar atrás deles, carregando enormes baldes de água fumegante. Todos osfortes jovens se ruborizaram e lhe ofereceram umas boas vindas a casa, e entãosaíram apressadamente do quarto. Apenas Jeanne ficou.

Jeanne, pensou Elise, apertando os dentes até quase fazê-los chiar, nãoia ser fácil evitá-la. A vontade de Jeanne combinava com a cor cinza aço deseus cabelos grisalho. Era magra, mas a julgar por suas competentesmaneiras, poderia muito bem ser uma torre de pedra. Era como uma segundamãe, e Elise sabia que Jeanne a amava com uma completa lealdade e elaagradecia aquele amor, e correspondia a ele. Como a Michael, Jeanne tinhadécadas no castelo. Tinha servido a Elise desde que a duquesa tinha oito anos.

Ela não se deixaria afugentar por nenhum tipo de ares de grandeza, semimportar o majestoso que fosse ou a prática que tivesse que assumir.

Outros se foram, a porta se fechou. Jeanne tinha ficado e, com as mãosgastas pelo trabalho em cima de seus fracos quadris, submeteu a Elise a um

rápido escrutínio.— Não parece que tenha acontecido nada com você, menina. Onde estive

realmente?— Retornando para casa pelas trilhas. — Respondeu Elise mal-

humorada. — E minha cabeça está latejando como se fosse se romper de ummomento a outro, Jeanne! Não necessito nenhuma ajuda...

— Não vai se livrar de mim com tanta facilidade, Elise de Bois! —Declarou Jeanne firmemente, entrando com determinação na ampla esuntuoso quarto.

Antes, o quarto principal tinha pertencido a seus pais. Dispunha de umaenorme cama com dossel. As cortinas que a rodeavam eram de seda, trazidasdo Oriente quando o seu pai tinha ido para cruzadas. Nas Terras Santas,William tinha encontrado tempo para comprar e regatear. Tapetes persasadornavam os chãos, e grossas tapeçarias adornavam as paredes. Magníficosarmários esculpidos por professores do artesanato alemão ao lado das janelasarqueadas, e um guarda-roupa de seis metros de comprimento se estendia aolongo da parede esquerda. Aos pés da cama havia duas arcas turcas, contendouma abundante provisão das melhores toalhas e panos de linho, e o outrocontendo um sortido de sabões de ervas e rosas, e azeites de banhoaromatizados o suficiente grande, para que pudessem considerar decadentes.

Jeanne, acostumada há muito tempo cuidar de sua senhora, correu atéas arcas e, sem prestar atenção na perigosa carranca que escureceu osemblante de Elise, começou a reunir todo o sortido de artigos para o banho.Colocou em cima da cama toalhas de linho e sabões, e depois seguiuvasculhando nas arcas e terminou tirando um recipiente vazio que antigamentetinha contido um almíscar egípcio. Então fez uma careta enquanto ia até Elisee lhe oferecia o recipiente.

— O que...? — Começou a dizer Elise.— Atire isso. — Jeanne lhe aconselhou, com seus escuros olhos ainda

brilhantes apesar de suas quatro décadas.— Atirá-lo?— Sim..., arremessa isso! E com força, que pegue um bom impulso! Faça

que fique em pedacinhos ao se chocar contra a pedra da parede!Elise pensou em dirigir uma rápida reprimenda a sua donzela e lhe

ordenar que saísse do quarto, nem sequer Jeanne podia desobedecer umaordem direta, mas de repente se pôs a rir. Foi um som amargo, não um queresultasse agradável, mas ao menos era uma risada.

Logo aceitou o recipiente vazio e o lançou contra a parede com admirávelforça.

— Muito bem! — Disse Jeanne, aplaudindo a ação. — Agora você se senteum pouco melhor.

— Sim, me sinto melhor. — Admitiu Elise.— O banho ajudará a melhorar ainda mais seu estado de ânimo. —

Jeanne sorriu. Pegou a capa de Elise e, com um suspiro, Elise tirou os sapatose a túnica tosca de lã e entrou na água.

Estava quente, tanto que queimava. Mas tirou a tensão de seusmúsculos, e a neblina que erguia por cima da banheira ajudou a mitigar opalpitar que pulsava em sua testa. Elise fechou os olhos por um momento, elogo abriu para encontrar a Jeanne já preparada junto dela, segurando umgrande pano e uma grossa pastilha de sabão aromatizado com rosas.

— Obrigada. — Murmurou, aceitando ambas as coisas. Jeanne seafastou da banheira para ocupar uma cadeira de encosto reto que lheproporcionava uma visão dos arqueiros dos arredores do castelo. Elise olhou asua donzela, e logo olhou o sabão e o pano. Depois começou a esfregar-sefuriosamente com o sabão. Se lavava e lavava, poderia começar a apagar alembrança de Bryan Stede.

— Bem, minha senhora. — Disse Jeanne finalmente. — Perdeu o seucoração nas mãos de um ladrão?

Muito surpresa, Elise desistiu de seu ensaboar furiosamente.— Não seja absurda, Jeanne! — Replicou com irritação.Jeanne guardou silêncio durante alguns instantes e logo suspirou.— Me alegro, minha senhora. Mas não teria sido a primeira donzela de

nobre berço que abandona os limites de sua classe, e encontra o amor com umbelo jovem camponês. Nem a primeira em conhecer a dor que uma aventuratão insensata pode chegar a trazer.

— Não temo. — Disse Elise com voz gélida, se afundando debaixo daágua para molhar o cabelo, e voltando a emergir depois. — Te asseguro queentreguei meu coração a Sir Percy, e não pertencerá a nenhum outro.

— Ahhh... — Murmurou Jeanne. — Então você pensa que vai enganar aoPercy?

Elise voltou a fechar os olhos e apertou os dentes até fazê-los chiar.— Jeanne, não desejo ser interrogada, ou incomodada de nenhuma outra

maneira. Estou exausta, e....— Elise! Tenho a segurança de que estou pondo a prova sua paciência!

Mas deve ser paciente comigo..., por minha idade, pelo serviço que prestei asua família durante todos estes anos. E pelo futuro de Montoui.

— Montoui? Jeanne, se pode saber que insensatez está dizendo?Elise colocou o pano em cima do rosto com uma careta de desgosto,

enquanto deixava que o sabão seguisse impregnando seus cabelos. Se podiacheirar a rosas, então não seria assombrada pelo aroma de almíscar masculino

do cavaleiro.— Minha senhora, pode enganar a um ancião como Michael, e seus

guardas dançam ao som que você toca, mas eu sou uma mulher, que além játem seus anos, e vi muito da vida. Voltou vestida com roupas que não eram assuas, sozinha, em cima de um cavalo que apenas poderia pertencer a umcavaleiro..., ou de um ladrão que o tinha roubado de um cavaleiro. Umaprofunda fúria arde em seus olhos, e não procura outra companhia além dasua. Minha experiência me ensinou que apenas há uma coisa que possacausar isso em uma mulher..., e essa única coisa é um homem.

— De acordo, estou muito zangada com um homem. — Balbuciou Eliseatravés do pano.

— Foi violada, ou seduzida?— Jeanne!— Me deem chicotadas, minha senhora, mas a pergunta segue em pé.

Pergunto isso pensando em seu futuro, e porque gosto de você.Elise se perguntou com consternação, como sabia Jeanne. Agora só lhe

faltava levar em cima um cartaz onde contava que tinha esquentado a camadaquele diabo de olhos cor índigo! Seria tudo tão evidente para o Percy? O queiria fazer agora? Contá-lo? Tinha que dizer seria o mais honrado, certamente.Mas e se Percy desafiava ao Stede e desembainhar as espadas? Então elapoderia ser responsável pela morte de um deles.

Stede merecia morrer. Merecia ser esquartejado, pendurado, estripado,decapitado...

Mas e se era Percy que morria? Ela não poderia suportar isso...Acaso havia se tornado louca? Não poderia dizer ao Percy!— E esse homem não é ninguém com quem possa se casar, minha

senhora? — Perguntou Jeanne com doçura.— Me casar! — Gritou Elise, afastando finalmente o pano de seu rosto

para olhar a Jeanne. — Nunca!— Mas se ele a violou...— Não... exatamente.— Seja quem for esse homem, ele te seduziu, então pode ser conduzido

ao altar. Henrique se foi, é claro, mas certamente Ricardo demonstrará serjusto em suas decisões..., embora esperemos que Deus lhe perdoe por terperseguido a seu pai até levá-lo a tumba! E você é duquesa de umas terrasmuito poderosas. É uma lástima, porque se você fosse uma donzela comum...

— Jeanne! Não entende a situação. Não quero me casar com essehomem! Odeio-o! Me casarei com o Percy tal como planejei. Estou apaixonadapelo Percy Montagu, da mesma maneira em que Percy está apaixonado pormim.

— Estará tão apaixonado, eu me pergunto, ao saber que você carrega emseu ventre o filho de outro homem? Ou isso é uma possibilidade que nãoatravessou esse escudo de fúria que mostra?

O silêncio de Elise assegurou a sua donzela que suas palavras haviamatingido o alvo. Elise se inclinou para trás até se inundar na água, enxaguandocuidadosamente a massa emaranhada de seu cabelo. Ainda sentia o contato deStede em cima dela, e as palavras de Jeanne a fazia sentir com maisintensidade que antes. Ainda em silêncio, começou a se esfregar novamente.

— Elise, me fale. — Suplicou Jeanne com doçura. — Me Conte o queaconteceu. Quem era esse homem? Como...?

— Não, Jeanne, basta! Não te direi nada mais do que você já sabe por simesma. Não posso falar disso, e não farei isso! Te conforme com o que acha,porque não direi mais nada! — Disse Elise, e começou a esfregar o sabãocontra sua carne com maior fúria que antes.

— Não pode fazê-lo desaparecer se lavando. — A aconselhou Jeannedocemente.

— Apenas o seu aroma. — Se limitou a replicar Elise.Jeanne suspirou suavemente.— Esse homem parece ter causado uma impressão bastante maior do

que quer admitir.— Oh, causou uma grande impressão. — Replicou Elise com amargura.— Vamos, pequena. Me ocuparei de seu cabelo, e conversaremos.

Prometo que não farei mais perguntas. Vou tentar ajudá-la a ver o futuro, umavez que o fato está feito.

Elise mordeu o lábio. Possivelmente fosse melhor assim. Jeanne podiachegar a ficar tão pesada como uma galinha poedeira, mas nunca trairia suaconfiança. E Elise sabia que tinha que recuperar a serenidade e pôr um poucode ordem em seus pensamentos antes de que voltasse a ver o Percy.

— Sim. — Murmurou.Jeanne estava preparada com uma enorme toalha, e logo com um

delicado manto cuja seda era toda uma carícia. Em questão de momentos,Elise se encontrou sentada diante de sua penteadeira contemplando o enormeespelho ovalado de prata lavrada. Jeanne começou a pentear os emaranhadosde sua grande massa de cabelos molhados.

— Estou segura de que não carrego a seu filho dentro de mim. — DisseElise, subitamente cheia de calma. — O momento não é o apropriado.

— Está segura disso?— Sim. E nunca me casaria com semelhante homem.Jeanne finalmente esqueceu o franzindo na testa de preocupação que

tinha escurecido seu rosto, para rir durante alguns instantes.— Ah, Elise! O destino foi bom com você! A maioria das Ladys de nobre

berço são entregues em troca de algo para os maridos que nunca viram! Nãosão mais que peões em cima do tabuleiro de xadrez de um rei. E, entretantovocês dizem sim ou não com a mais absoluta autoridade! Às vezes me preocupocom você devido a isso. O mundo é áspero e brutal, e está acostumado aresultar muito mais fácil enfrentá-lo, quando não te induziu a acreditar emsuas próprias decisões.

— Nada mudou! — Disse Elise veementemente. — Encontrarei algumamaneira de me vingar desse arrogante... bastardo! E me casarei com o Percy!

— O que pretende em fazer? — Perguntou Jeanne brandamente.— Mentir. — Murmurou Elise com abatimento. — Oh, Jeanne! Não sei o

que fazer! Amo ao Percy porque somos sinceros um com o outro. Chegamos aestar unidos, nos considerando como iguais. Ele respeita minha mente e meuspensamentos, e viu que sou capaz e justa e que administro bastante bem o queé meu. Falamos, Jeanne. De tudo. Nunca lhe menti...

Ela se calou. Era certo que nunca tinha mentido ao Percy, mas tampoucoela tinha contado a verdade a respeito de seu nascimento. Henrique lhe tinhaadvertido de que não devia contar isso a ninguém, e ela tinha respeitado seusdesejos. Mas agora estava se perguntando, no mais profundo de sua mente,também não sabia que Percy não poderia amá-la se soubesse da verdade. Aslinhagens significavam tudo para o Percy.

— Nós amamos. — Murmurou, e então olhou fixamente para Jeanneatravés do espelho. — O que aconteceria comigo se não mentisse? — Perguntoua si mesma em voz baixa. Guardar a verdade a respeito de seu nascimento erauma coisa, porque podia pensar nisso como um juramento que tinha feito aoHenrique. Mas mentir a respeito de si mesma, a respeito de algo que acabavade acontecer...

— Seria muito nobre, minha senhora. — Disse Jeanne secamente. — Emuito estúpido.

— Tem razão, verdade? — Elise suspirou. Mas o que aconteceria com ofingimento que deveria assumir? Tinha tratado de fingir que não era virgemquando era, e tinha sido descoberta. Agora não demoraria para chegar omomento em que deveria fingir que era virgem quando não era. De repentetudo parecia estar condenado ao desastre, e Stede tinha a culpa de tudo.

Um instante depois, Jeanne pareceu estar lendo a sua mente.— Há maneiras de enganar a um homem como Percy, Elise. — Lhe disse

com doçura. — Um grito durante a noite de bodas, uma pequena mancha desangue de bezerro...

— Oh, Jeanne! É tão horrivelmente injusto! Nunca agradeci nada emminha vida tanto como minha liberdade de amar e me casar onde quisesse,

podendo assim escapar do destino de ser utilizada como moeda de troca ou mever manipulada por razões políticas! Meu matrimônio estava destinado a ser dehonestidade e confiança onde as coisas seriam compartilhadas. E agora tenhoque dar começo a tudo com mentiras e enganos!

Sentiu um puxão em seu cabelo e franziu a testa, e logo percebeu de queJeanne tinha deixado de prestar atenção, para ir para a seteira do arqueiro deuma janela.

— O que acontece, Jeanne?Jeanne se virou com seus escuros olhos muito abertos e cheios de

alarme.— Então pense rapidamente no que dirá, minha senhora Elise, porque ele

cavalga para aqui.— Percy! — Exclamou Elise, se levantando de um salto da cadeira para

correr para a janela.— Sim! Vê o seu estandarte no alto da colina? Agora mesmo está vindo

para aqui!O coração de Elise começou a pulsar descontroladamente, um novo

trovão para se unir ao que seguia ressonando dentro de seu coração. Não... eramuito cedo. Não estava preparada para recebê-lo. Não tinha transcorrido nemsequer uma noite desde...

— Necessitarei minha túnica com o pescoço debruado de arminho,Jeanne, por favor. E a touca branca, acredito. Fica muito bem com as mangasde forma longa.

— Sim, minha senhora. — Murmurou Jeanne humildemente.Elise tinha ficado imóvel com as costas muito reta e o queixo erguido.

Não havia nenhum estremecimento em seu lábio, nenhum tremor em sua voz.Estava tranquila, e seu porte não podia ser mais sereno. E majestoso.

Jeanne nunca tinha sentido mais orgulhosa de sua jovem senhora.E, entretanto, temia a loucura da juventude. Elise tinha se mostrado

horrorizada só de pensar em sua mentira, e além disso estavaapaixonadamente furiosa. Delataria a si mesmo?

Não faça isso! — Quis dizer Jeanne a moça. — Esqueça de sua vingançacontra esse outro homem, esqueça por completo, se é que deseja se casar com oPercy e ser feliz. Os homens poderiam se comportar de maneiras muitoestranhas. Percy podia amá-la muito, mas ficaria furioso e magoado... e sesentiria traído. E embora os homens podiam ir aonde quisessem, até que umagrande herdeira perdia a metade de seu valor quando perdia sua virgindade.

Elise ajustou um cinto dourado na parte inferior de seus quadris.— Presumo que Michael avisou à cozinha de que Percy está chegando.

Acredito que vem com um séquito de... contei a cinco homens. Parece o

número certo?— Sim, minha senhora.— Certifique-se de que temos um bom vinho de Burdeos para recebê-los.

Estarão sedentos da viagem.— Sim, minha senhora. — Murmurou Jeanne.Elise saiu do quarto, resplandecendo com a beleza que lhe tinha

concedido a natureza e com a elegância de sua seda branca debruada de pele.Estava majestosa, e era a duquesa de umas terras muito férteis.

Percy a amava. Também era certo que os homens se casavam inclusivecom mulheres velhas e feias que possuíam terras.

E Elise era inteligente, e sabia reagir com rapidez. Era muitoamadurecida para sua idade, como tem que ser uma duquesa. Tinha bondadee clemência, e uma sombra de aço quando surgia a necessidade. Seu povo aamava, sabia como falar sem dizer uma só coisa quando era necessário fazer,como dar ordens, e como recompensar. Sem dúvida saberia se comportarapropriadamente diante Sir Percy.

Mas Jeanne estava notando uma sensação muito inquietante nos ossos.Faria tudo o que Elise lhe tinha pedido que fizesse.... Depois, aguardaria suasenhora naquele quarto. Estaria ali, se por acaso sua serena e majestosapupila necessitasse um ombro sobre o qual chorar, quando os espectadoresforem embora e lhe permitisse ser o que era, uma jovem atordoada, furiosa,cheia de confusão. E muito magoada.

Jeanne sentiu como um leve estremecimento rasgava todo seu corpo. Ese as coisas não forem muito bem com o Percy?

Uma raiva nascida do mais profundo de seu ser tinha enchido de fúria aElise. Com um súbito estremecimento de preocupação, Jeanne se perguntouaté onde podia chegar a conduzir aquela corrente de fúria queimando a suaorgulhosa e temerária jovem senhora.

Capítulo 08

Elise desceu as escadas com um decoro que desmentia o retumbar deseu coração. Gostaria que não houvesse ninguém perto, nem um só homem desua própria guarda ou do séquito de Percy. Teria adorado descer correndo pelaescada e se jogar em seus braços, implorando a ele que a abraçasse e dessetoda sua cortesia e sua ternura, e aliviar a sua mente da confusão e da dor quea preenchia.

Mas havia muitas pessoas pressente, todo um castelo cheio de servos e

um grande salão cheio de cavaleiros. E uma duquesa, não descia escadacorrendo como uma criança, ignorando a seus outros convidados eenvergonhava a um homem como Percy.

— Minha senhora!Foi Percy quem lhe cumprimentou, afastando do fogo para saudá-la com

seus olhos brilhando de prazer, enquanto se inclinava sobre a mão de Elisepara logo tomá-la meigamente na sua, enquanto a conduzia para o fogo e parao resto dos convidados.

— Lady Elise, já conhece Sir Granville, Sir Keaton e Sir Guie. Apresento aLorde Fairview e a Sir Daiton.

Elise dirigiu uma inclinação de cabeça a cada homem.— Dou as boas-vindas a Montoui. — Então olhou para Percy, contendo

seu desejo de estar a sós com ele. — Se ocupou Michael de que estivessemcômodos?

— Sim, minha senhora! — Sua pergunta estava sendo respondida por SirGuy Granville, um cavaleiro mais velho e experiente pelas batalhas que tinhacavalgado com seu pai, e um homem pelo que Elise sentia muita apreço. — Nosentregou uma magnífica taça de vinho... — ergueu seu cálice. — E nosprometeu um soberbo banquete. Sua hospitalidade é um abraço muito bem-vindo depois dos dias que passamos em cima da sela.

Elise sorriu.— Estou feliz em poder proporcionar um pouco de conforto a alguns

homens tão valentes.— É hora de que todos desfrutemos do conforto!Elise voltou novamente olhar para o Percy com as sobrancelhas

arqueadas. Viu uma intensa excitação em seus profundos olhos castanhos e nosorriso que dispunha seus belos traços. Mais que nunca desejou poderrodopiar entre seus braços e compartilhar sua felicidade. Tinha um aspectorealmente maravilhoso. Alto e esbelto como sempre, quase magro, mas tãoatrativo.

— O que está dizendo, Percy? — Perguntou com doçura.— Ah, minha senhora! — Ele agarrou ambas as mãos e se inclinou para

beijar suas palmas. — Os rumores que chegaram até nós, enquantocavalgávamos não poderiam ser melhores! Ricardo está honrando a aquelesque se mantiveram fiéis a seu pai! Os que se converteram em traidores, para siou a seu pai, estão sendo despojados de seu títulos e terras. Aqueles que semantiveram leais, a ele mesmo ou ao Henrique, estão sendo ricamenterecompensados.

— Isso é maravilhoso! — Exclamou Elise, compreendendo agora onervosismo de Percy. Ele sairia bastante beneficiado do serviço que tinha

prestado para Henrique. Não tinha por que temer de nada, nenhumarepresália...

Lorde Fairview, um homem jovem e muito forte, embora não muito maisalto do que Elise, interveio na conversação.

— Dizem que Ricardo dará a metade da Inglaterra para os doispartidários mais fiéis de seu pai. Isabel de Clare, a filha do Conde dePembroke, será entregue ao William Marshal. Então ele passará a ser um dosnobres mais poderosos da Inglaterra. E se diz que Gwyneth de Cornualles seráentregue a Sir Bryan Stede, o qual lhe proporcionará quase tanta terra como aoWill Marshal. Será imensamente rico, e seus títulos encheriam uma página depergaminho atrás de outra.

Elise se alegrou de estar de pé junto à cabeceira da mesa ao lado do fogo,porque isso lhe permitiu estender o braço e segurar no respaldo do assento doduque com seu brasão elaboradamente esculpido nele.

A onda de emoção que acabava de percorrer todo seu ser, tinha sido tãointensa que parecia ficar banhada em uma luz devastadora branca, que lhetinha roubado o fôlego dos pulmões e a substância dos ossos. Então a raiva,líquida e abrasadora, devolveu suas forças.

Stede! O homem responsável por toda sua tortura ia receber uma dasherdeiras mais ricas da Inglaterra. Acaso não havia justiça?

— É obvio. — Estava prosseguindo Percy para Granville. — Por enquantonada é certo. Tudo o que ouvimos são rumores. Agora iremos para Normandiadesde Chinon, para render homenagem ao Ricardo. E então... — Percy riubrandamente enquanto permitia que sua voz se dissipasse no silêncio. — Logoveremos que lugar corresponde a todos sob o Coração de Leão!

Elise sorriu fracamente. Graças a Deus que todos estavam ali! Agora nãopoderia estar sozinha com Percy! Mas em seguida resultou óbvio que Percyapenas queria estar a sós com ela.

— Elise. — Lhe disse apressadamente. — Preciso falar contigo emprivado. Estou seguro de que estes cavaleiros compreenderão...

— Percy! — Protestou Elise com um doce, mas forçada risada. — Comoposso deixar a meus convidados...?

— Minha senhora! — Interrompeu-a Sir Granville com uma estrondosagargalhada. — Estamos magnificamente bem com o fogo e o vinho. Uma vezmais, agradecemos a hospitalidade. Vão onde queiram, mas retornemrapidamente para nós, pois faz muito tempo que nossos olhos não ficam tãodeleitados de tal maneira.

Bem falado, galante cavaleiro, pensou Elise. Mas um instante depois, suaira voltou a crescer. Sim, bem falado. Aqueles homens conheciam os códigos dacavalaria. Podiam pronunciar atrevidamente as floridas palavras que tãoagradável faziam a vida. Sir Stede era pouco mais que um bárbaro equipado

com uma armadura...Bem falado..., mas justo o que ela não necessitava naquele momento.— Elise? — Se apressou Percy.Todos a estavam olhando. Naturalmente, era muito normal que dois

jovens apaixonados queriam desfrutar de alguns minutos a sós. Elise não tinhaescolha. Se continuava protestando, Percy sem dúvida saberia que algo andavaerrado.

Ah, se pudesse ficar junto ao fogo... Havia uma certa segurança napresença de outros homens. Não diria nada ao Percy, e ele não demoraria parair embora para ver o Ricardo, assim lhe dando tempo para pensar.

— Elise? — Voltou a insistir Percy delicadamente. Sua mão estava emcima da sua com a mais perfeita cerimônia. — A noite está muito linda. Umpasseio pelas ameias do castelo sob as estrelas aliviará sua mente dosproblemas, e posso lhes aconselhar...

Elise obrigou a seus lábios a que se curvassem em um sorriso, e sedesculpou graciosamente. Saíram do salão pela escada de caracol e subiramtrês pisos até chegar às ameias.

Elise sentia os dedos dele em cima dos seus. Longos e grossos, assimeram os dedos dele. A mão de Percy era esbelta para ser de um guerreiro, esempre preferia lutar com a espada, do que fazer com um machado ou umalança. Sua força estava na agilidade, e Elise o amava pelo o que era, maisdelicado e refinado do que o homem médio de sua época. Era uma brisasussurrada, enquanto que um homem como Stede era o trovão e o vento,pensou com amargura.

Seguiram subindo até que estavam sob as estrelas... e sozinhos, já que osguardas se retiraram discretamente das torres.

— Ah... Elise...!Ela não pôde evitar um ligeiro sobressalto quando Percy a atraiu

subitamente para seus braços. Contemplou seus olhos cheios de vivacidade, elogo conteve a respiração quando os lábios dele desceram para roçar os seus,suave e reverentemente.

Mas a sensação que sempre tinha adorado se negou a vir. Não haviaexcitação alguma no sangue de Elise, nenhum magnífico assombro. A únicacoisa que podia recordar era Stede, o fogo e a fome que havia em seu contato,tão diferente daquele roce de uma suave brisa. Era a culpabilidade que atorturava, lhe roubando inclusive o consolo que o contato de Percy deveria lhedar! Elise estava muito transtornada para permitir que seu amor fluísse.Transtornada, subitamente assustada, e cheia de vergonha.

Mas mesmo assim não resistiu a seu beijo. Sua mente voava, tocando asestrelas. Tinha que manter a calma, permanecendo serena... e não dizendonada. Que Percy fosse ver o Ricardo para que ela pudesse dispor do tempo que

tão desesperadamente necessitava.— Elise! Elise!Percy afastou seus lábios dos dela e voltou a estreitá-la contra seu corpo.— Sonhei contigo cada noite, meu amor. E agora, tendo você em meus

braços, sentindo a suavidade de sua forma! Nosso querido rei morreu, masnosso mundo finalmente também está em paz! — Então se afastousubitamente dela, segurando-a pelos ombros enquanto a olhava aos olhos.

Elise sabia que Percy queria que ela dissesse algo, que proclamasse seuamor por ele. E ela se sentia tão... horrivelmente mal. Como se apenas tocá-la,Percy pudesse saber que outro homem a conheceu.

— Percy... — Seu nome saiu de seus lábios como um suspiro. Melhorassim, porque dessa maneira parecia como se a emoção que ele inspirava nelativesse roubado a capacidade de ouvir quando falava. Tragou saliva. — Percy,eu senti sua falta... muito.

Elise se perguntou por que. Por que parecia assombrada por aquela ideiade que ele sabia? Ela se esfregou com o sabão até eliminar de sua carne ocontato de Stede, mas Jeanne estava certa, não poderia eliminar de sua alma.

— Oh, Elise! — Percy voltou a estreitá-la entre seus braços, acariciando-a, e então se afastou suavemente, ainda segurando suas mãos. — Elise, seucapelão está no castelo?

— O irmão Sebastian? — Perguntou ela, tratando de entender o quepodia significar suas palavras enquanto sua consciência continuava apersegui-la. — Sim, acredito que sem dúvida estará perto. Não gosta de viajar,já sabe, ultimamente, está tão gordo que, ao andar rebola como a um pato e....

— Então vamos nos casar esta noite!— Esta noite? — Gritou Elise com horror.— Sim, esta noite! Henrique te deu permissão para se casar quando

quisesse. Mas agora Ricardo é nosso soberano. Você pertence à nobreza quetem terras, e eu não faço parte dela. Ricardo foi generoso, mas e se encontraralguma objeção ao nosso matrimônio? Se já estiver realizado, então, haverápouco que possa dizer.

Esta noite? Pensou Elise rapidamente. Sim, se case com ele esta noite!Que tudo seja resolvido de uma vez e quando for a sua esposa, já encontrariaalguma maneira de lhe explicar com todo o seu amor o porquê não tinha ido aele inteiramente casta...

Sim, aquela noite... seu futuro ficaria selado. Elise fechou os olhos. Umgélido fio de estremecimentos percorreu todo seu corpo. Não podia fazer isso.Destruiria tudo o que os estabelecia acima do tempo e do mundo. Emboraenganasse ao Percy, viveria no terror mais absoluto e cada vez que deitassejuntos, e se perguntaria se conceberia a um filho com ele, ou se possivelmente

já tinha feito tal coisa antes de que se convertesse em sua esposa...Se ele encontrava uma mentira nela, tudo teria terminado. A magia de

um matrimônio em igualdade de circunstâncias, uma aliança da escolha e oamor. Ela poderia ter um filho de cabelos negros como a asa de um corvo, eentão Percy daria as costas para ela e iria percorrer o mundo. Ou, pior ainda, aafastaria dele.

— Elise! — Ele sacudiu os seus ombros. — Me Fale!Elise se afastou brandamente dele e se virou para contemplar a noite.

Estranho, como tinha sonhado com Percy enfrentando com Bryan Stede parase vingar. E agora... agora não podia querer tal coisa. Percy podia morrer, e elanão seria capaz de viver com semelhante dor, culpabilidade e perda.

Mas tampouco podia se casar com o Percy como se nada tivesseacontecido.

— Meu amor. — Murmurou, se virou para as estrelas e se perguntandocomo a noite podia se burlar dela com semelhante beleza. — Eu... Acredito quese casar esta noite seria um grave erro.

— Por quê? — Quis saber Percy, e ela ouviu o receio e a confusão quehavia em sua voz.

Enganar ao Percy resultava horrivelmente duro quando chegava omomento de fazer... aquilo. Elise sentiu como a tensão se apropriava de seucorpo enquanto tentava falar em um tom o mais tranquilo e razoável possível.

— Por causa de Ricardo, Percy. Ele esperará que lhe peçamos suabênção... e sua permissão. Se atuarmos como se ele não existisse, entãopoderíamos estar pagando isso por durante muitos anos.

Percy ficou em silêncio. Elise não se atreveu a se virar para olhá-lo.Finalmente ele falou.— Não acredito, Elise. Por que, deveria se importar o Ricardo o que faz

um cavaleiro sem terras e a duquesa de uma pequena fazenda de terra que oresguarda dos domínios do rei francês?

— Porque ele é Ricardo. — Disse Elise secamente. — Tão orgulhoso earrogante como o seu pai.

Percy ficou em silêncio novamente. Elise o sentiu se mover atrás dela, emesmo que a sua vida dependesse nisso, não conseguiu expulsar de seu corpoa súbita rigidez que se apropriou dela quando sentiu, como os braços de Percyrodeavam a sua cintura.

— O que acontece com você? — Perguntou ele secamente.Ela fechou os olhos. Pensou naquele dia de verão em que o conheceu, ali

em Montoui, ao serviço de Henrique. Pensou nas longas conversas que tinhamcompartilhado até bem tarde da noite, diante do fogo e sob os olhos respeitososdos guardas, pensou na maneira como ele sempre sabia quando ela estava

tendo um problema, triste tentando decidir duas questões que surgiu de seupovo, preocupada com a colheita, ou por uma enfermidade que tinha afetadoao gado.

Sempre sabia. Era uma parte do porquê Elise tinha chegado a amá-lotanto. Percy era atencioso e sensível. Sempre estava disposto a escutar,respeitar sua mente, e suas decisões..., inclusive a aprender com elas.

— O que acontece comigo? — Murmurou, tentando ganhar tempo.— Elise, conheço você bem, meu amor.Uma certa força voltou para ela. Percy a amava. Era possível que ela

tivesse concebido a um filho, mas muito improvável. E realmente tinha tantaimportância a perda de sua virgindade quando comparado ao amor de todauma vida? Tinha que deixar para trás a culpa, especialmente quando essaculpa não deveria ser dela! E diga algo!

— Amo você, Percy. E logo nos casaremos. Mas eu não posso casarcontigo esta noite.

Sentiu que ele se movia atrás dela, e voltou a se sentir acariciada ereconfortada por seu amor.

— Por que não, Elise? Se hesitamos, tudo se perderá. Me conte o porquêde você estar tão angustiada, Elise. Te amo... aconteça o que acontecer!

Ela se virou uma vez mais para ele, e seus dedos acariciaram a suabochecha com admiração trêmula. Lhe pegou a mão e a beijou fervorosamente.

— Percy... — Murmurou. — Estou muito fragilizada, Percy. Fui ao Chinonpara rezar pelo rei. Sentia que era meu dever, pelo bom que ele sempre tinhasido comigo. Alguns ladrões roubaram tudo o que havia no corpo deleenquanto eu estava ali, e fui obrigada a fugir. Foi uma noite horrível.

Ele se separou dela e, sem fazer nenhum ruído, e se colocou a andarpelas ameias.

— Quem é, Elise? Quero saber.— O quê? — Perguntou ela imediatamente, franzindo a testa enquanto se

perguntava o que poderia ter falado para induzi-lo a fazer semelhantepergunta.

— Está apaixonada por outro homem. Quem?— Oh, Percy, não, não! — Então correu até ele e, agarrando-o pelo braço,

fez com que ele se virasse. — Não, Percy! Prometo que não estou apaixonadapor outro homem...

Ela se calou, horrorizada diante a ênfase que tinha posto nas palavrasapaixonada por. Viu os olhos de Percy, o súbito flamejar que tinha aparecidoneles, de interrogação e de dor, e soube que já não poderia voltar atrás. Tinhaque lhe contar agora mesmo o que tinha acontecido, porque a verdade seriamuito melhor que as coisas que ele poderia suspeitar.

— Me fale, Elise. — Sussurrou ele com voz entrecortada.— Te amo, Percy. — Disse ela.— Também te amo, me conte.— Já lhe disse isso. Alguns ladrões roubaram tudo o que havia no corpo

do rei. Eu estava ali quando aconteceu. Tive que fugir, então fugi. Mas nãopude ir o bastante rápido e fui capturada...

Percy se afastou de Elise tão de repente que o choque a surpreendeu.Seus dedos se afundaram nos braços de Elise, seus olhos adquiriram umaflamejante intensidade. Então sua voz que era um murmúrio, e mesmo assimera áspera e estava cheia de dor.

— Foi capturada e.... violada.... por um ladrão?De repente Elise sentiu que sua cabeça girava. Havia alguma diferença

entre ser violada por um ladrão, ou seduzida por um cavaleiro através de suaprópria estupidez?

— Não... não por um ladrão... — Balbuciou.— Por um dos homens do rei?Estava gritando. Percy estava gritando com ela. Elise nunca o tinha visto

tão furioso, e era terrível não saber se estava furioso com ela ou com o homemque tanto a tinha humilhado. Ele tinha prometido amá-la acontecesse o queacontecesse, mas naquele momento seria impossível tocá-lo. Elise não sabiacomo lidar com aquela situação.

Ela se virou, agarrou o muro de pedra sem vê-lo. As lágrimas. Sim, aslágrimas sempre funcionaram com um homem bom e atencioso. E, santo Deus!Acaso ela não merecia chorar? Amava a aquele homem, e estava a ponto de

perdê-lo por algo de que não tinha nenhuma culpa.Elise permitiu que seus ombros começassem a tremer e que um soluço

entrecortado escapasse de sua garganta. Assim que começaram a fluir, parecianão ter fim para suas lágrimas.

Finalmente, Percy parou atrás dela.— Elise, Elise... — Suas mãos lhe acariciaram os ombros. — Meu amor,

deve me contar o que aconteceu. Isto é horrível. Vai contra todas as leis dohomem, de Deus e da cavalaria. Foi violada por um dos homens do rei?

— Não exatamente... violada. Foi...— Não foi exatamente uma violação? — Interrompeu-a Percy, olhando

fixamente para Elise em um evidente estado de confusão. — Elise, ou foi ounão foi! Foi brutalmente forçada?

— Não... não exatamente, mas eu não pretendia...— Oh, Meu deus! — Gritou Percy. A doçura de seu tom tinha

desaparecido, e seu contato ficou tão firme que a machucava. — Não foiexatamente violação! O que foi?

— Percy... eu... — O que tinha sido? Então o que ela poderia responder aessa pergunta. — Fui... Fui enganada... Eu...

— Enganada...! Como? — Rugiu Percy.— Percy, é uma história longa e complicada. Ele não sabia quem eu era,

eu não sabia quem era ele...— Que razão tão maravilhosa para se deitar com um homem!— Percy! — Protestou ela, procurando seus olhos dourados e castanhos.

Onde estava o homem ao qual amava, que tinha jurado amá-la acontecesse oque acontecesse? Elise não o reconhecia. E achava que o conhecia tão bem!

— Durante todo este tempo reverenciei você e te coloquei em cima de umpedestal. — Disse ele amargamente. — E muitas foram as vezes em que mesenti muito desgraçado durante a noite. E agora me diz que depois de conheceroutro cavaleiro, vai e cai em sua cama igual a uma rameira! Possivelmente fuiidiota todo esse tempo! Te respeitando como a grande Lady Elise, duquesa deMontoui! Você esteve rindo durante todo o tempo? Deveria ter percebido emseus beijos o desejo feminino de algo mais! Só me falou de um, ou houveoutros? Me limitarei uma longa fila?

— Percy!Elise estava tão atordoada que apenas podia repetir o seu nome, e tentar

assimilar as horríveis coisas que ele dizia.— Oh, Deus! — Gemeu ele e, se afastando dela, se apoiou no muro e

descarregou um murro sobre ele. Então Elise sentiu sua dor, assim como suaira. E tentou dizer a si mesma que a ira de Percy estava sendo causada por

aquela dor, e que a golpearia porque tinha sido ferido, e não porque tivessedeixado de se importar. Nada disso a ajudou, e o comportamento de Percyseguiu sendo uma terrível surpresa para ela.

Mas então ele se separou da pedra e voltou a segurá-la pelos ombros,seus dedos beliscando a sua carne. E quando Elise ouviu o tom de sua voz,ficou rígida.

— Quem é esse homem? Não vão rir de mim se eu encontrar com ele. Etampouco ouvirei sussurros em minhas costas. Ou acaso já estiverammurmurando nas minhas costas? Inventou essa história de que foi capturada,porque uma vez que estivéssemos casados, eu saberia, sem dúvida, que eu nãoteria nos meus braços uma virgem?

A surpresa desapareceu, e se converteu em raiva. Elise o esbofeteou comtoda a sua força.

Percy retrocedeu cambaleando enquanto a olhava com incredulidade.Ergueu a mão na bochecha golpeada, e seus lábios se curvaram em umaexpressão sardônica. Elise nunca tinha visto uma expressão tão horrível ouameaçadora em seu rosto, e agora Percy era um homem diferente.

Ele determinado avançou até ela, e Elise compreendeu que tinhaintenção de lhe devolver o golpe.

— Rameira, deveria fazer você cair de joelhos...— Se aproxime um passo mais perto de mim, Percy Montagu, e gritarei

chamando a meus guardas! — Respondeu Elise secamente. Aparentemente eleacreditou, porque parou e a expressão sumiu de seu rosto. Mais uma vez eraunicamente Percy, o homem ao que tanto tinha amado. Terno e amável, capazda mais doce poesia. Como poderia ser tão cruel?

Elise levantou o queixo, tentando de impedir que tremesse.— Não posso acreditar que você me disse essas coisas, Percy. Você jurou

seu amor da mesma maneira em que eu jurei o meu. Se esse amor fosseverdadeiro, então não me desonraria desta maneira. Ninguém jamais riu nassuas costas, mas se tivessem feito, então eu teria esperado que sua fé em mimse prevalecesse a qualquer sarcasmo. Eu poderia se casar contigo esta noite, epossivelmente teria te enganado. Mas não fiz isso.

Percy tragou saliva como se não soubesse o que fazer.— Possivelmente você não poderia ter suportado a minha fúria se tivesse

descoberto.— Possivelmente. — Disse Elise friamente.— Quem é?— É importante para você?— Sim, Por Deus, importa!

— Por quê? Tem intenção de vingar minha honra? Ou tem intenção dedizer a ele que passou um longo momento ao meu lado... para manter a sua?

— Por Deus, Elise! — Amaldiçoou Percy grosseiramente, apertando ospunhos junto de seu corpo. — O que aconteceu?

— Me pergunto se realmente isso importa. — Respondeu Elise em vozbaixa. Depois lhe deu as costas, e pôs as mãos em cima da fria pedra do murodo castelo, enquanto se perguntava com amargura o que tinha esperado dePercy.

Mais do que isso! Gritou seu coração. Como poderia ter imaginado queseria capaz de explicá-lo tudo razoavelmente? E Percy, de todos os homens!Com seu sentido em sangue, pelo o que estava certo e o que estava errado.Possivelmente poderia lhe dizer: Henrique era meu verdadeiro pai, Percy, e porisso roubei o seu anel. Roubei-o porque minha mãe, que era uma camponesa deBurdeos, reuniu tudo o que tinha para comprar para o Henrique. Não queria queessa verdade fosse conhecida. Você pode entender isso, verdade, Percy? Por issoeu disse as mentiras erradas para o homem errado.

Não. Não havia maneira de explicar semelhante coisa ao Percy, e elatinha estado cega ao acreditar que poderia se explicar. E, entretanto, aindadoía terrivelmente o que ela pudesse ter acreditado que o amava com todo oseu coração, quando de repente estava chamando-a rameira. Percy havia setornado tão frio e duro como a pedra do muro que ela estava tocando. Elise otinha conhecido, sim. Tinha conhecido todas as coisas boas que tinha, seuamor pela poesia e a música, seu lado amável e delicado, seu sentido da honrae a lealdade. Também sabia que era o terceiro filho de um pequeno baronetenormando, e que sempre tinha sido ambicioso. As coisas materiais tinhammuita importância para ele, assim como ele se importava muito com o prestígioque tinha entre seus semelhantes.

— Que jogo está jogando comigo, Elise? — Quis saber Percy com vozáspera. — Diz que foi enganada. Estava bêbada, foi drogada? Ou tambémjogou um jogo com ele? Conheço as mulheres, minha senhora a duquesa. A vozdiz não e os olhos dizem sim, e há um limite além do qual um homem nãodeveria ser provocado. Seduziu a esse homem, Elise, dizendo não quando emrealidade estava dizendo sim? Brincou em ser Jezabel com o mesmo vigor quequalquer prostituta?

As unhas de Elise arranharam a pedra quando se virou abruptamentepara encarar ele, o queixo erguido e os olhos brilhando.

— Você conhece muitas dessas mulheres, senhor?— Sim...— Quantas?— Que diferença faz? Sou um cavaleiro, viajo com o rei e lutei em suas

batalhas. Passo muito tempo nas estradas, e às vezes estou cansado e

necessito que me reconforte. E sou um homem.— E me parece, Percy, que é um homem muito mais usado do que eu

jamais serei.— O quê?— Estou segura de que você me ouviu.As mãos de Percy voltaram a se converter em punhos junto de seu corpo,

e Elise viu como olhava dissimuladamente à torre mais próxima. Os guardasestão ali, Percy, e podem estar aqui em questão de minutos...

— Que Deus o tenha em seus braços, mas tudo isto é culpa de Henriquepor tê-la mimado tanto, Elise! Uma mulher traz para o mundo os herdeiros deum homem. Tem que ser casta e leal, pois quem criaria o bastardo do outro?

Elise sorriu.— Montoui é meu, Percy. Meu filho será o legítimo herdeiro..., não

importa com quem fui para a cama.— Cadela! — Gritou Percy subitamente. — E pensar que tinha você a

mais pura, a mais bela..., a mais piedosa das mulheres! Fala como uma filhade Satanás!

Quase, Percy, porque sou filha de Henrique II. O desejo de sorrir estavacomeçando a afligi-la. Elise não disse nada até que passou alguns instantes.

— Possivelmente seria melhor que fosse, Percy... antes de que seencontre manchado por minha perversidade.

Desta vez Percy lhe deu as costas, hesitando enquanto contemplava asestrelas sem vê-las. Quando ele finalmente a encarou novamente, havia emseus olhos um olhar atormentado pela dor.

— Sinto muito, Elise.— E pelo o que você sente? As coisas que disse, ou impacto que tive?— Não sei, não sei. — Murmurou ele, apertando sua testa com a palma

da mão e fechando os olhos. Quando voltou a abri-los, havia um olhardiferentes neles. Foi até Elise e ela ficou rígida quando ele tomou em seusbraços. — Elise... tenho te desejado por tanto tempo...

Percy deu um passo atrás, depois retirou abruptamente a sua touca queela tinha escolhido com tanto cuidado. O cabelo de Elise ficou liberados, umaintensidade de ouro diante do escuro céu. Percy afundou os dedos por trás delaem cima da nuca, segurando com força.

— Sonhei em ter você... com seu cabelo assim, se enredando ao redor demim, brincando com minha carne. Nenhum outro homem deveria tê-laassim....

— Percy, você está me machucando.Ele não pareceu ouvi-la.

— Ainda poderíamos nos casar. Antes teria que procurar refúgio em umacasa religiosa onde as santas irmãs poderiam cuidar de você até que tivessechegado o seu momento, até que estivéssemos seguros de que não haveránenhuma criança.

— Não irei a nenhuma lugar, Percy. Se você escolhe não confiar em mimem minha própria casa, não haveria nada pelo qual esperar.

— Elise, estou te oferecendo uma oportunidade para nós...— Percy! Não entende! Não há nada que me interesse se não houver

confiança nisso! Em realidade não se importa o que aconteceu, e a única coisaque você se importa é, que de alguma forma fiquei manchada. Sem o amor,sem a confiança, não quero o matrimônio! Não necessito terra... Já tenho aterra. Sou a duquesa. Eu...

— Elise! — Ele a interrompeu, e quando ela o olhou aos olhoscompreendeu que tinha permitido que seu próprio caráter alimentasse o dele.Percy estava novamente furioso enquanto continuava falando. — É umaestúpida! As mulheres se casam sempre que lhes dizem para fazer isso! E, sim!Vem para mim manchada por outro homem, e então proclama que mesmoassim sairá impune! Que assim seja, pois! Mas tenha muito cuidado onde põeos pés, linda minha. Ricardo Coração de Leão não é o Henrique que tanto temimava. Possivelmente entregará a um velho meio estragado ao que não deimportará onde esteve uma jovem esposa!

— Você está me machucando, Percy! Me solte!Seu aperto cessou de repente, e fechou os olhos e estremeceu.— Elise, Elise, trata de entender isso. Tenho te desejado tanto tempo...

esperei e esperei o matrimônio, para que nossa união fosse honrado, e agoradescubro isso. Que Deus me ajude, porque acredito que estou perdendo ocontrole de minha mente. O que era meu foi arrebatado, compreende?

Elise balançou a cabeça, querendo gritar e estava muito furiosa, magoadae confusa para poder fazer tal coisa.

— Não, Percy. — Murmurou, ficando sem palavras quando o contato delevoltou a ficar terno e delicado uma vez mais.

— Te amava, Elise. Te amava tanto, tanto...Ele a tinha amado, mas o tom que tinha usado significava que agora já

não a amava. E estava abraçando-a, mantendo-a muito perto de seu corpo.Elise podia sentir sua longitude, seu calor, seu contato.

Um contato que se tornou hesitante quando seus dedos se enredaramnos cabelos de Elise, arqueando sua garganta e dirigindo seus olhos para osdele. A cor castanhas parecia ter adquirido um tom febril, quase enlouquecido.

— Me faça seu esta noite, Elise. — Insistiu Percy. — Você entregou a umdesconhecido, verdade? Se entregue a mim. Pode ser que esteja tão seduzido,

para não me importar...Seus lábios desceram cruelmente sobre os dela, machucando-os com sua

intensidade. Elise combateu com súbita fúria aquele degradante ataque. Issonão era o que ela tinha querido de Percy! Tinha desejado cordialidade ecompreensão, e o amor que ele tinha jurado. A única coisa tinha recebido erafúria e punição.

Emitindo um som cheio de fúria saído do mais profundo de sua garganta,Elise conseguiu afastar sua cabeça da dele.

— Vá embora, Percy! Me deixe em paz, ou juro diante do céu quechamarei os guardas!

— Direi a eles que é uma rameira...— Eles servem ao Montoui, e me servem. É isso, Percy? Segue irritado

com o fato de que não pode receber a uma virgem..., mas mesmo assim seria oDuque de Montoui?

A hesitação dele revelou que se tratava exatamente disso. Mantendo osombros rigidamente erguidos, Elise se pôs a andar para a escada que a levariaà fortaleza.

— Não há nenhuma necessidade de ir embora a galope durante a noite,Percy. Montoui lhes oferece a hospitalidade de um jantar e uma noite dedescanso a você e a seus acompanhantes. Pode dizer a eles que estou com umaforte dor de cabeça. Não estará muito longe da verdade.

Ele não respondeu. Elise só ouviu o silêncio da noite enquanto seapressava pela fortaleza, e chegava à entrada inferior da torre que dava a seuquarto.

Jeanne despertou com um sobressalto, onde estava dormindo junto aofogo assim que ouviu o rangido de uma dobradiça.

A duquesa tinha retornado, e parecia ter vindo muito depressa.Elise não disse nada para Jeanne, mas sim foi para o fogo e ficou ali em

silêncio, enquanto se esquentava as mãos.Ela colocará pra fora as lágrimas. — Pensou Jeanne. — Certamente, que

vai expulsar as lágrimas, isso pode ser bom, porque com as lágrimas podeapagar a dor mais intensa.

Mas Elise não desatou a chorar. Permaneceu imóvel diante do fogodurante tanto tempo, que finalmente chegou um momento em que Jeanne, jánão podia seguir suportando aquela dor.

— Minha senhora?— Percy foi horrível, Jeanne. Arrogante, furioso, e desprezível. Me disse

coisas que deveriam tê-lo odiado. Por que sigo sentindo como se o meu coraçãotivesse sido arrancado?

— Oh, Elise. — Murmurou Jeanne docilmente. Queria ir até a moça ereconfortá-la, mas ela se mantinha muito erguida e cheia de orgulho para quepudesse oferecer consolo.

— Desprezo a mim mesma. — Murmurou Elise, com o que quase eracuriosidade. — Porque tenho medo que ainda possa amá-lo. Me pergunto se elese comportou da mesma maneira em que poderiam fazer todos os homens. Euacreditava tanto em nosso amor...

Um suspiro fez tremer sua esbelta forma. O branco de seu traje e o ourode sua cabeleira capturavam as chamas do fogo e brilhavam com uma etéreabeleza.

Então girou subitamente, se virando para Jeanne para olhá-la com olhosflamejantes.

— E ele, Stede, será recompensado com a metade da Inglaterra! Uma dasherdeiras mais ricas e alguns benefícios serão entregue. Títulos e terras e....Oh! Não permitirei que aconteça! Ele tomou tudo de mim..., e de algum jeito,Jeanne, juro que eu arrebatarei tudo dele!

Jeanne tentou murmurar algo que a acalmasse, mas deu um passo atrásdiante da sua jovem senhora. Nunca tinha visto arder com uma fúria tão febrila aqueles lindos olhos azuis. Nunca tinha visto tal tensão e fúria irradiando deuma forma tão esbelta.

Estava falando sério. A Lady Elise estava decidida. Quaisquer que fossemos obstáculos que se interpor em seu caminho, estava determinada a destruirao cavaleiro que a tinha levado a aquele momento.

— Não terá a Gwyneth de Cornualles... sem importar o que eu tenha quefazer!

Jeanne sentiu um estremecimento gelado percorrer nela. A característicaimplacável que havia na voz de Elise resultava aterradora.

— Sem importar o que eu tenha que fazer! — Repetiu Elise, e seus olhosse entreabriram até se converter em duas perigosas frestas reluzentesenquanto contemplava o fogo.

Capítulo 09

— Cavaleiros, minha senhora! Vindo do Leste!Elise lutou para despertar enquanto Jeanne entrava correndo no quarto e

abria as cortinas que envolviam sua cama. Tinha passado a maior parte danoite acordada, sem poder conciliar o sono até o amanhecer, e agora se sentiacomo se estivesse tentando mergulhar em uma grande névoa.

— Oh, minha senhora, desperte! Venha para a janela!Elise apressou a seus cansados membros a sair da cama. Quando seus

pés descalços tocaram a fria pedra do chão, o choque fez que despertassetotalmente e correu para torre para olhar para o Leste.

Eles ainda estavam a quase uma quilômetro de distância, umcontingente de dez homens com armaduras completas. Um casal de cavalosmalhados, adornados com sedas e plumas, puxava uma liteira19suntuosamente enfeitada.

Elise forçou a vista para estudar aos homens. Os estandartes queusavam eram das cores vermelha e dourada, e conforme foram se aproximandorapidamente, começou a distinguir o emblema.

Era de um leão.— São homens de Ricardo. — Disse com excitação.— Oh! — Exclamou Jeanne, batendo palmas alegremente enquanto se

colocava atrás de Elise. — Trazem de volta a Isabel!— E algo mais. — Murmurou Elise com súbita preocupação. — Não envia

a dez homens com armaduras completas e emblemas ardendo debaixo do sol,só para devolver a uma serva...

— O que acha que eles querem?Elise franziu a testa.— Não é guerra, isso é certo. Todos sabem que nossa guarnição está

formada por quinhentos homens. Vêm em qualidade de emissários oficiais...Sigo sem entender...

— Minha senhora! — Jeanne a repreendeu com doçura. — Mas até euentendo! Ricardo envia a seus homens para que você possa jurar fidelidade.

— Talvez. — Murmurou Elise. Como duquesa, deve ser leal ao rei francêspor suas terras, mas devido que era tão pequeno, Montoui sempre prestoulealdade às terras Angevinas com as quais se limitava diretamente. Comoconsequência, agora ela devia lealdade ao Ricardo. Ricardo, por sua vez, devialealdade ao Felipe da França por suas posses continentais.

Percebeu de que deveria estar se apressando para se vestir, mas algo amantinha imóvel diante da janela. A comitiva seguia avançando, e quanto maisperto estavam, mais forçada sentia ela em olhar. Havia algo familiar no homemque comandava.

Elise se perguntou como era possível. Aquele homem vestia umaarmadura completa e usava um elmo com um escudo, e um manto negro emcima de sua cota de malha. Não havia maneira de reconhecer suas feições ounem sequer a cor de seu cabelo, mas... Seu coração pareceu deixar de pulsarpor alguns instantes, para logo palpitar com uma ensurdecedora e sufocanteintensidade.

Era ele. Elise não precisava ver suas feições para reconhecer a maneiraem que montava sobre seu cavalo, sendo mais alto que os que cavalgavam comele. Apenas havia outro homem que pudesse se manter erguido em cima dasela com tão majestosa superioridade, e esse homem era o próprio Ricardo.

E não era Coração de Leão quem comandava a comitiva. Tinha que serStede.

— É ele! — Murmurou, com a voz subitamente endurecida pela fúria quea envolvia. Como ousava cavalgar tão atrevidamente para seu castelo! Eracomo um sacrilégio. Aquele homem tinha destruído sua vida, e agora pretendiadesfrutar de sua hospitalidade como que se estivesse prestes a ser coroado rei,e sem importar com passado, ela lhe devia jurar fidelidade.

— Ele? O que você quer dizer, minha senhora?Elise apenas ouviu a perplexa pergunta de Jeanne. Uma súbita onda de

calor envolveu todo seu ser, e por um instante se sentiu como se pudesse selançar sobre o muro de pedra e fazê-lo em pedaços.

— Ele? — Insistiu Jeanne.Ainda sem prestar atenção, Elise finalmente se afastou da abertura do

arqueiro para olhar para Jeanne com olhos flamejantes.— Vou usar o traje azul com a bainha de pele de raposa, Jeanne. A touca

bastante alta. E os brincos de ouro com o colar combinando que pai trouxe deJerusalém. Te apresse! Cada vez estão mais perto. Os guardas os deterão naporta, mas como vêm enviados pelo Ricardo, permitirão eles entrar. E não seriabom fazer esperar a semelhantes emissários.

Jeanne baixou os olhos.— Sim, Lady Elise. Dar-nos-emos pressa.Deixou a Elise junto da janela enquanto voltava para o quarto para

dispor dos objetos que ela tinha pedido. Ele! Assim, era aquele o homem quetanta dor tinha causado a sua senhora, e que agora cavalgava para o castelocomo se este lhe pertencesse! Jeanne decidiu nesse mesmo instante que aquelehomem devia pagar sua arrogância. Mas se queria se vingar em nome de suasenhora, deveria se apressar.

— Minha senhora?— Já vou, Jeanne!Elise já estava esperando na entrada principal do grande salão antes de

que entrassem os homens. Só três vieram ao salão, e Elise supôs que os outrosseriam soldados, que ainda não ganharam títulos ou a qualidade de cavaleiro.Naquele momento sem dúvida estariam jogando dados com os guardas docastelo que se encontrassem livres de serviço.

Seu coração pulsou com mais força enquanto via como os três homensvinham até ela, tirando os elmos.

Bryan Stede exibia um sorriso zombador, a qual incrementou a irritaçãoque já estava sentindo Elise, e levá-la em um estado no qual encontravadificilmente em permanecer imóvel e exalar o ar gélida da nobreza quepretendia usar. Olhou para ele friamente, com a cabeça erguida e seu vestidoretratando sua riqueza e importância.

Não vai me fazer tremer ou estremecer, Sir Stede, — Pensou furiosamente.— Nem provocar a birra infantil em mim. Chegará o dia em que me vingarei, eentão ficará totalmente desarmado.

Mas não foi Bryan o primeiro em que dirigiu a palavra, e por ummomento a fúria de Elise se dissipou, quando Will Marshal foi para ela, comseus escuros traços iluminados pelo calor de seu sorriso.

— Lady Elise! — Disse e se inclinou sobre a mão de Elise com umairresistível galanteria, estava ainda mais atraente pelo fato de que Will Marshal,era famoso por ser o mais implacável dos guerreiros e não ter nada degalanteador cortesão.

— Will!Elise abraçou ao homem que tinha sido o mais leal guerreiro de Henrique

e sua mão direita durante anos, inclusive quando estava em veementedesacordo com seu monarca. Então, retrocedeu para ver que o terceirointegrante do grupo era Geoffrey Fitzroy.

Ela se encontrou muitas vezes com seu meio irmão e sentia uma grandeapreço por ele, porque era orgulhoso, alto e de magnífica constituição..., e seresignou a seu destino como bastardo.

Elise se perguntou se, no caso de que seu próprio nascimento tivessechegado a ser conhecido, ela saberia levar a vida tão bem como Geoffrey. Tinhavinte anos a mais que ela e, enquanto ele sorria agora, Elise se perguntounervosamente se ele estaria sabendo desse elo que possuíam. Pior ainda, seperguntou se aquela súbita reunião significava que Ricardo sabia.

— Duquesa. — Murmurou Geoffrey, dando um passo à frente e tomandocortesmente sua mão, tal como tinha feito Marshal, para depositardecorosamente um breve beijo em cima dela.

Elise exalou um suspiro longamente contido. Tinham vindo para devolvera Isabel e lhe recordar que agora Ricardo seria rei, nada mais. Lançou umrápido olhar ao Bryan Stede. O cavaleiro permanecia imóvel alguns passosatrás dos outros dois homens, contemplando-a com uma diversãoacompanhada por algo mais.

Uma fúria abrasadora, como sentia ela?Não esperou que ele se aproximasse, porque gritaria se a tocava.

Graciosamente, assinalou ao fogo que havia além dela e os cavaletes da mesade banquetes.

— Bem-vindos ao Montoui, senhores. Posso lhes oferecer vinho, enquanto

me contam o que lhes trouxe até aqui?Will Marshal, que conhecia Elise desde que era uma criança, não estava

disposto a perder tempo com cerimônias e colocou um braço nos seus ombrosenquanto foram para a mesa.

— Ah, Elise! Que maravilhoso é poder te ver. Fica mais linda a cada diaque passa! E ver você é todo um alívio, pois me preocupei muitíssimo quandosoube que estava presente, quando se encontrou com nossos ladrões.

Um calafrio gelado percorreu a coluna de Elise. Desejava se virar paraolhar para Bryan Stede, e exigir saber o que tinha contado a aqueles homens.Mas não se atreveu a fazer isso, por medo e ser delata. Manteve as costaserguida, desejando que Geoffrey e Bryan estivessem na frente deles e não atrás.

— Foram capturados os ladrões? — Perguntou docemente.— Por desgraça não! — Disse Marshal com irritação. — Aparentemente

desapareceram por alguns túneis subterrâneos que há no Chinon! — Willsacudiu a cabeça para afastar a raiva e o desgosto, e logo riu. — E pensar quenosso amigo Stede, aqui presente, assumiu equivocadamente por uma ladra!

Elise se forçou a rir com ele, e quando chegaram à mesa, se virou para oStede com os olhos assassinos.

— Que imensamente divertido, verdade, Sir Stede?— A noite me pareceu muito... interessante. — Disse ele sem se alterar,

colocando o seu elmo em cima da mesa.— Mas eu quase quebrei uma costela, quando vi como esse gigante vinha

mancando para o castelo! E Ricardo foi até ele, antes de que pudéssemos pôroutro par de botas em seus pés!

Elise forçou os seus lábios a se curvar em um sorriso, enquanto olhavafixamente ao Stede.

— Ah, mas receber a nosso novo monarca sem usar botas parece tercausado pouco dano. Ouvi dizer que aqueles que melhor serviram ao Henriquevão receber as mais ricas recompensas.

— Verdade. — Disse Geoffrey. — Aparentemente meu irmão possui umpouco de sensatez. A lealdade não pode ser comprada, mas pode serrecompensada.

Stede não tirava os olhos dela. Elise pensou que naquele momento teriavendido de bom grado a sua alma ao diabo por um momento de força que lhepermitisse fazê-lo em pedaços. Tinha a audácia de ficar ali como se eles nãotivessem compartilhado nada mais que uma breve briga, e a única coisa quetinha acontecido era que ela tinha roubado as suas botas.

Uma nova sensação de calor voltou a impregnar seu corpo, e não tinhanada que ver com o fogo que ardia na lareira. Graças a Deus que não tinhafeito nenhuma confissão referente naquela noite, ou agora todos saberiam

que...E agora, embora Percy foi embora, ela ainda podia se apegar a uma certa

porção de dignidade. Mas era exasperante.Cada vez que olhava para Stede, recordava como a havia tocado e o calor

parecia fazê-la arder, com fúria, com debilidade, com o desejo de fugir correndoe rezar para que um vento refrescante pudesse livrar daquela lembrança.

Não, não podia livrar da lembrança. Não até que tivesse encontrado umamaneira de tirar tudo, tal como ele a tinha tirado dela, roubá-lo, violando assimsua posse de algo muito desejado.

Encontraria sua oportunidade, sempre que interpretasse cada cena coma devida dignidade. Quando queria poderia ser uma atriz consumada, e estavadecidida a encontrar alguma forma de chegar até Leonor, antes de que Stedepudesse receber as recompensas que lhe tinham prometido, para despojar dasterras e da posição que tanto desejava.

— Ah! — Disse cortesmente, se alegrando de ver que Jeanne chegavacorrendo na entrada da cozinha com uma bandeja de prata em que haviaquatro taças. — Aqui está o vinho, meus senhores, para que possam refrescarsuas gargantas cansadas pela viagem.

Jeanne se inclinou ante o Will Marshal, que agarrou a primeira taçaantes de que Geoffrey aceitasse a segunda com um murmúrio deagradecimento. Stede estendeu a mão para pegar a terceira taça, e Elise sesentiu tão perplexa como desgostada quando Jeanne tropeçou subitamente,estava a ponto de derrubar as taças.

— Oh! — Exclamou Jeanne com consternação, segurando com sua mãolivre a taça que estava mais em perigo, e que não era a que tinha pretendidopegar Stede. — Me perdoem, Sir Stede. — Rogou enquanto lhe oferecia a taça.

— Não tem importância. — Disse ele agradavelmente, sorrindo comdoçura para ruborizada Jeanne. Para Elise não gostou nada ver seu sorriso,porque o fazia parecer mais jovem e suavizava a severidade de suas feições setornando realmente muito bonito. Stede não tinha utilizado nenhum de seusencantos com ela, e entretanto estava disposto a perdoar a uma serva quandomuitos cavaleiros teriam castigado sua falta golpeando-a.

Jeanne lhe trouxe a última taça e Elise a interrogou com o olhar, mas adonzela se limitou a fazer outra pequena reverência e logo saiu a toda pressado salão.

— Ah, não cabe dúvida de que isto calma o paladar! — Aprovou Marshal.— Esvaziou sua taça e a deixou em cima da mesa. — E agora, minha senhora,falaremos da natureza de nossa visita. Deixamos a sua serva Isabel com ajudado criado que nos recebeu quando entramos.

Elise assentiu.— Sim, Michael se assegurará que esteja confortável e lhe atenderá como

é devido. Me alegrei muito em saber que estava viva. Mas há mais, verdade?Suponho que terão vindo para me pedir que jure lealdade ao Ricardo Coraçãode Leão, como Duquesa de Montoui. Tenham a segurança de que assim o farei,Marshal. Deus quis que Henrique morresse. Portanto Ricardo se converteu emseu herdeiro legal, e o herdeiro legal conta com todo meu apoio.

Notou que Bryan Stede mal abria a boca, e se perguntou por que tinhavindo. Meramente para zombar dela com sua presença? Tanto se falava comose não, Elise sabia que se encontrava ali. Alto entre o Geoffrey e Marshal,silencioso, escuro e poderosamente esbelto em sua armadura. Sentia umapontada ameaçador em seus olhos cor índigo inclusive quando seu olhar nãose encontrava com o dele, e sentia como os estremecimentos percorriam seusmembros apesar de que se mantinha erguida. Ah, se pudesse esmagá-lo agolpes! Mas não podia fazer isso, e teria que viver com a raiva que a consumiaaté que pudesse causar outro tipo de dano.

A astúcia pode ser mais poderoso do que a força, Sir Stede! Pensouenquanto ignorava sua presença para continuar sorrindo para o Marshal.

— Então, — Disse Marshal, sem perceber o tumulto que fluía através damente de Elise. — Você vai se ajoelhar diante daquele que representa Ricardo ejurar fidelidade?

— Com grande prazer. — Disse ela de boa vontade, dando um passoafrente para tomar a mão de Marshal.

Ele riu.— Não diante a mim, Lady Elise! Bryan Stede usa o anel de Coração de

Leão. É diante dele que deve se inclinar.Nunca! Pensou Elise, e entretanto não podia ofender ao Ricardo.— Tenho a impressão. — Sugeriu Geoffrey com uma certa secura. — De

que o meu irmão considera Bryan o seu representante mais competente. É oúnico homem ao qual tem que enfrentar olhando em seus olhos.

Elise sorriu e foi para Bryan Stede, procurando friamente uma expressãoem seus profundos olhos azuis. Naquele momento eram enigmáticos, masmesmo assim Elise percebeu a presença de uma tormenta dentro dele, e entãosoube que estava cheio de ira. Ela tinha conseguido humilhá-lo diante deRicardo, roubando o seu cavalo e as botas de um grande cavaleiro.

Estendeu a mão para ele, e Stede ofereceu a sua. No mesmo instante emque Elise via o leão esculpido em ouro em cima do anel, recordou o contato damão dele. Intimamente deslizando nela. A firme carícia de seus longos dedos.Aquele calor do qual não poderia fugir...

Antes de que ele pudesse fazer alguma coisa, Elise retirou o anel do dedoe graciosamente deu as costas, para ir até Marshal com uma gargalhada cheiade inocência.

— Permita que me incline diante de você, meu querido Will! Lembro tão

claramente sua amizade com nosso soberano Henrique que assim minhalealdade será ainda mais sincera.

Sem dar tempo mais uma vez que houvesse uma resposta, Elise tomou osdedos de Will, colocou o anel e se ajoelhou no chão com um movimento cheiode fluída elegância.

— Eu, Elise de Bois, Duquesa de Montoui, entrego desta maneira minhalealdade e minha submissão ao Ricardo Plantageneta. — Disse, e logo ficou empé tão rapidamente e graciosamente tão rapidamente como tinha deslizado aochão para acrescentar. — E agora, senhores, suponho que tudo está resolvido.

— Não tudo. — Respondeu Marshal.— Oh?— Ricardo pediu que a leve ao funeral de Henrique.Elise sentiu um nó na garganta, e permitiu que seus olhos baixarem para

o chão por um instante.— Sim, é obvio que participarei.— Seremos sua escolta, naturalmente. — Disse Marshal, e fez uma

pausa. — Ainda há mais.Elise levantou os olhos para ele, para lhe lançar um olhar cheio de

curiosidade. Marshal sorriu.— O rei Ricardo também lhe pede que nos acompanhem quando formos

libertar à rainha.— Leonor! — Exclamou Elise, muito surpresa.— Sim, Leonor. Seu primeiro ato como monarca será libertar a sua mãe.

Estará ocupado lá com diversos assuntos durante vários dias. — Will fez umapausa, durante o qual franziu a testa com visível desgosto. Logo disse. —Nenhum de nós viu o príncipe Juan desde que abandonou a seu pai, e Ricardoestá decidido a encontrá-lo. Mas também quer que sua mãe seja libertadaimediatamente. Depois, espera que ela percorra o país em seu nome para quedessa maneira o povo lhe dê boas-vindas, quando chegar ao chão inglês parasua coroação.

Elise assentiu lentamente com sincero entusiasmo. A oportunidadeestava chamando na sua porta! Ricardo tinha pedido que ela servisse à mulherque estava tão ansiosa para ver. Contudo, lembrou a si mesma que seria umalonga viaje. Sabia que Henrique seria enterrado na abadia de Fontevrault, talcomo tinha solicitado quando vivia. Dessa maneira, poderia repousar parasempre em suas colinas Angevinas, não longe do castelo no qual morreu.Depois dos serviços fúnebres, teriam que atravessar Anjou e Normandia, e logocruzar o Canal antes de cavalgar uma vez mais para ir para o Winchester, ondeestava presa a Leonor.

Sim, seria uma longa viaje, e parecia que com Stede junto dela. Mas não

estariam sozinhos, e Elise poderia chegar até Leonor.— Ficaria muito feliz acompanhá-lo até a presença da rainha! Quando

iremos?— Com o amanhecer, minha senhora. Você nos acompanhará até o

Fontevrault, onde daremos sepultamento de Henrique. E logo partiremos comrumo para a Inglaterra.

— Estarei pronta ao amanhecer. — Prometeu Elise.— Muito bem. — Aprovou Marshal. — Se me desculparem, assegurarei de

que os homens estão alojados para esta noite.— Michael se ocupará de acomodá-los. — Murmurou Elise.Marshal assentiu e foi para a porta. Geoffrey o seguiu, e Elise esperou

que Stede desse a volta e partisse também. Mas não o fez. Elise permitiu que osorriso desaparecesse de seu semblante, enquanto o contemplava sem tentardissimular seu ódio.

— Sai daqui! — Disse com voz sibilante.Ele encolheu os ombros, agarrou uma cadeira e tomou assento nela sem

nenhuma dificuldade apesar de sua armadura.— Não necessitam três homens para arranjar alojamentos para dormir

durante uma noite.— Não me importa o que é necessário. Quero você longe de mim. Sua

arrogância é repulsiva, porque não tem nenhum direito de estar aqui.— Fui ordenado a estar aqui.— Ah, sim! Pelo Ricardo.Stede voltou a encolher os ombros, mas mesmo assim ela viu que não

havia nada de complacente no fogo que ardia dentro das profundidades coríndigo de seus olhos.

— Ricardo tem intenção de me converter em um dos homens maispoderosos da Inglaterra. Essa não é uma razão ruim, para servir a um legítimosoberano.

— Exato! — Exclamou Elise sarcasticamente. — Gwyneth de Cornualles etodas suas terras. Será certamente muito rico e poderoso, Sir Bryan Stede. Issosignifica muito para você?

— Só um estúpido rechaçaria semelhante riqueza..., e poder, como vocêdiz.

— Só um estúpido. — Respondeu Elise secamente. Ele ergueu umaescura sobrancelha em um enigmático afrontamento.

— Parece estar um tanto amargurada, minha senhora.— Amargurada, não. Furiosa, sim. Não tem o direito de estar sentado em

meu salão ou entrar nele. Já sabe até que ponto te desprezo!Ele riu, e o som esteve cheio de autêntica diversão.— Você preferia que anunciasse ao Ricardo que não me atreveria a se

aproximar de Lady Elise, e que ela me disse que era uma mulher com muitaexperiência e entretanto me deparei desflorando-a? Isso teria conduzido a terque explicar minha situação, e dizer a ele que você havia tirado um anel docorpo de seu pai. Deveria fazer tal coisa?

Elise não respondeu à pergunta.— Você comete uma estupidez burlando de mim, Sir Bryan Stede — Ela

disse. — Descobrirá que embora não disponho da riqueza ou do poder deGwyneth de Cornualles, sim que posso chegar a obter uma certa vingança.

Ele ficou de pé e começou a andar até ela. Elise se encontrouretrocedendo. Estava em seu próprio castelo, e entretanto a mera força físicadaquele homem era uma ameaça que desafiava a propriedade, a sólida pedrade seus muros e até o último de seus quinhentos homens de armas.

— Dê um passo a mais. — Sussurrou ela. — E gritarei chamando a meusguardas.

— Pode gritar tudo o que quiser, Duquesa. — disse ele. — Não medeixarei ser ameaçado por uma ladra mentirosa.

Havia um atiçador junto ao fogo. Elise se virou e brandiuameaçadoramente.

— E eu não vou ser tocada por um bárbaro violador!— Isso dificilmente foi uma violação, Elise.— Dificilmente era nenhuma outra coisa!Ele fez uma pausa, mas Elise viu que era apenas para rir dela.— Você me odeia a tal ponto, por que não caí de joelhos para rogar seu

perdão? Possivelmente deveria ter comparecido diante de você com o rostomanchado pelas lágrimas, suplicando seu perdão e sua mão em matrimônio?Isso teria agradado você! Como teria saboreado a oportunidade de me dizer queme desprezava, e que antes preferiria se casar com um velho camponêsaleijado! Mas, naturalmente, tais palavras não teriam significado nada, vistoque está apaixonada por Sir Percy Montagu. Acredito que não soube escolhermuito bem, mas não guardo rancor. — Ele fez uma zombadora reverência emurmurou, em um tom cheio de cinismo. — Desejo longa vida e felicidade avocê e ao jovem Percy.

Elise permaneceu imóvel durante alguns instantes. O ódio parecia encherde uma maneira tão completamente que nem sequer podia respirar. Não podiapermitir que aquela emoção a controlasse.

— Sir Percy é duas vezes mais homem do que você, nunca poderá esperarse tornar, Stede. — Disse com voz gélida.

— Que lástima. Me diga, contou a ele... nosso pequeno encontro?— Isso não é seu assunto.— Como? Certamente que é sim! — Estava burlando dela, e ela sabia

disso. — Devo me preparar para quando chegar o momento em que seu futuromarido venha me procurar, querendo se vingar de sua honra!

— Estive rezando desde que nos conhecemos, para que Deus te faça cairmorto, Stede!

— Por que incomodar a Deus? Envia o viril Percy!Deu outro passo em direção dela, e Elise pôde ver claramente a risada em

suas feições. Por alguma absurda razão imaginou com a desconhecidaGwyneth de Cornualles, uma mulher ansiosa para recebê-lo e sentir seusbraços ao redor dela. Imaginou com seu sorriso e suas ásperas feiçõesembelezadas e fortalecidas pela ternura. Stede era um amante muitoexperiente, e Gwyneth provavelmente encontraria grande prazer nele.

— Um passo a mais, Stede, e juro que chamarei os guardas..., e queutilizarei este atiçador em seu insolente rosto.

— Realmente fará tal coisa?— Dúvidas de meu legítimo ódio?— Pelo que não duvido. — Disse ele friamente, com uma áspera tensão

endurecendo subitamente suas feições e apagando seu sorriso. — É que você éuma cadela temperamental que provocou sua própria queda. É a duquesa deMontoui, isso agora tenho isso muito claro. E Will jura que é a duquesa deMontoui é uma Lady muito rica, por isso cheguei a acreditar que não eracúmplice desses ladrões assassinos que tanto desonraram ao Henrique. Masroubou o anel. Isso ambos sabemos. Por quê? É um mistério, duquesa, umenigma que tenho descobrir não posso permitir que me escape.

Bryan fez uma pausa, olhando-a e esperando sua reação. Havia umarazão honesta pela qual roubou o anel? E se não a havia, então do que setratava? Podia significar algo. Em uma ocasião, depois que o Visconde de Lêemtinha morrido, o mais novo de seus filhos tinha levado o timbre de seu pai aum Visconde vizinho como sinal de que seu pai desejava que aquele filhoherdasse, e que o Visconde liderasse batalha contra o legítimo herdeiro.

Estaria envolvida Elise de Bois em alguma conspiração similar?Ela sorriu, e seu sorriso era ao mesmo tempo lindo e amargo, doce e

veneno.— Se for um mistério, Stede, se trata de um mistério que nunca chegará

a descobrir. Se for uma cadela temperamental, então mantenha afastado demim. Porque te desprezo..., como desprezo todos os ratos e serpentes!

Seu tom estava subindo com uma alarmante rapidez. A mera voz delebastava para deixá-la furiosa e suas palavras também tinha tocado um novo

poço de medo, já que Stede seguia querendo saber por que tinha pego o anel.Por que tinha mentido...

Percy, pensou com amargura, já estava perdido. Mas ainda tinhaMontoui. E nunca correria o risco de perdê-lo, da mesma maneira em quenunca se permitiria dar ao Stede, de entre todos os homens, a satisfação deque chegasse a conhecer a verdade. Elise já tinha perdido muito em suacompanhia para revelar seu segredo.

Um passo repentino colocou Stede na frente dela, e um instante depois,Elise pensou que tinha intenção de quebrar o seu braço quando ele tirou oatiçador de entre os seus dedos. A rapidez de seu movimento a tinha deixadomuito sobressaltada para que pudesse gritar, e logo seu contato a tinhadeixado intimidada. Os olhos de Stede se cravaram nos dela, enquanto oatiçador caía ao chão e seus braços a atraíam para ele.

— Não, duquesa, maldita seja!Elise sentiu como aço quente a imponente longitude do corpo de Stede

junto ao dela, e o instinto de lutar foi mais forte do que o de gritar pedindoajuda.

— Stede, te prometo que causará sua própria ruína! Verei você...— Me conte a verdade da questão! — Explodiu a voz dele em uma

abrupta interrupção. — Deixe de truques e mentiras, e assim poderemos fazeras pazes sobre esse episódio!

— Nunca te contarei nada, Bryan Stede! Me solte! Este é meu ducado...,meu castelo! Não estou a sua mercê, nunca voltarei a estar! Me solte! Teodeio...

Elise se calou de repente quando a mão com qual segurava ela seafrouxou bruscamente. As feições queimada pelo sol de Stede adquiriram umaespantosa cor cinzenta, e logo se dobrou sobre si mesmo, enquanto colocava asmãos no estômago. Para grande assombro dela, o cavaleiro caiu ao chão comum ensurdecedor estrondo da cota de malha na pedra.

— Stede? — Perguntou Elise com curiosidade, mantendo a distância masse ajoelhando junto dele.

Sua cabeça se virou para ela e isso lhe permitiu ver que seus olhos seencheram de agonia. Suas feições seguiam estando cinzas e estava setransformando em uma máscara de intensa agonia. Então murmurou algo, eela se aproximou um pouco mais para ouvir suas palavras.

— Se vivo...— O que acontece? — Exclamou ela, atordoada. Stede não podia estar

fingindo. Ninguém podia fingir tão devastadora tortura.Não estava preparada para ver como a mão trêmula dele se estendia

subitamente, arrancando a touca e se afundando em seu cabelo. Elise gritou

enquanto aqueles dedos como garras a faziam cair sobre o chão junto dele.— Cadela assassina!— O quê? Não tenho feito nada...— Duas vezes com.... esta. Tentou... me apunhalar. Agora... veneno. Que

Deus me ajude, porque se vivo... pagará por isso...Seus olhos começaram a embaçar e se fecharam. A mão que segurava o

cabelo de Elise foi relaxando lentamente. Atordoada, Elise se afastou dele emuma desesperada confusão. Estava realmente morto? Era o que ela tinhaquerido, verdade? Não! Não daquela maneira! Ela não era uma assassina,nunca recorreria ao veneno...

Resultava estranho vê-lo desabado sobre a fria pedra do chão do castelo,com sua grande altura e a musculosa largura de seus ombros estavarepentinamente impotentes. Então o corpo de Stede tremeu com uma súbitaconvulsão e Elise ficou em pé, pronta para correr para a porta e chamar oMarshal.

Não tinha dado um passo quando foi subitamente arrastada para tráspor um violento puxão na saia de seu traje, e se encontrou deitada novamenteem cima do corpo de Stede. Os olhos do cavaleiro voltavam a estar abertos,embora agora se achavam cobertos com um olhar letal.

— Viverei... viverei para ver isso... cadela do demônio! Pensava quelutaria cara... a cara... Arrancarei... sua pele em tiras... até te deixar beira damorte...

— Não fiz nada! — Gritou Elise.Os olhos de Stede se fecharam, mas sua mão seguia fechada em um

punho, rasgando a bela seda azul da túnica de Elise. O cavaleiro parecia estarmorrendo, e entretanto utilizava sua força para mantê-la imóvel. Elise sentiucomo o fogo de seu ser ia se infiltrando dentro dela, e o peso dos músculos queesmagavam os seus sob a cruel mordida de sua malha. As pálpebras de Stedeergueram lentamente e por um instante seus olhos claramente focados nela.

— Cadela... você...A mão de Stede caiu, deixando-a em liberdade.Elise conseguiu se levantar e começou a gritar. Um momento depois

Marshal, Geoffrey e dois dos guardas do castelo já entravam correndo no salão.Marshal se ajoelhou junto ao Bryan Stede enquanto, Geoffrey dava ordens deque se encontrasse a um médico e o trouxesse imediatamente.

Elise se sentiu como se estivesse dentro de um pesadelo enquanto omédico chegava, examinava ao Bryan Stede com o rosto muito sério eperguntava se tinha um quarto a qual pudesse levá-lo. Então ela ouviu a simesma falar, dizendo que ele poderia ser levado o quarto contigua à seu, oquarto na qual tinha dormido durante sua infância. Não era muito espaçoso,

mas a cama que continha era grande e o quarto se encontrava bem ventilado,as janelas também davam ao Leste e traziam brisas frescas. Era oferecidahabitualmente aos membros da família e os convidados mais especiais, por issoElise sabia que os lençóis estavam limpos e frescos, e que as arcas que haviadentro do quarto ofereceriam roupa de cama e toalhas extra no caso de quechegassem a se necessitar. O guarda-roupa incluso podia conter algumas dasvelhas camisas de dormir e curtas túnicas normandas de seu pai.

Will e Geoffrey levaram ao Stede entre os dois com um grande esforçomas carinhoso cuidado, e Elise não pôde fingir que não via a dor e apreocupação em seus rostos. Queria gritar que ela não o tinha envenenado,mas até o momento, não tinha sido acusada por eles. O médico ordenou que sepreparasse uma poção de musgo, leite azedo e um certo número de ervas. Elisepermaneceu mergulhada em seu atordoamento enquanto fiscalizava aexecução da fedida beberagem.

Acaso não tinha querido aquilo? Se perguntava a si mesma uma e outravez. Não acabava de lhe dizer quanto desejava vê-lo morto?

Mas não assim! Ela não era uma covarde, e tampouco era umaassassina. E agora.... Aquilo se abateria sobre sua cabeça como uma nuvemfeita da mais degradante suspeita.

Elise levou a repugnante beberagem escada acima ela mesma, e foirecebida na porta do quarto por um preocupado Will.

— Não entre, Elise, porque não há nada de agradável nisso. E o médicome diz que isto... — Roçou com a ponta dos dedos o cálice que continha amescla de leite azedo. — É para se assegurar de que as vísceras fiquem limpas.

— Will...— Fizemos uma parada em uma fazenda enquanto vínhamos para aqui.

— Disse Will distraidamente, mais para si mesmo que se dirigindo para Elise.— O médico diz que é muito possível que isso possa ter sido causado por umacarne podre.

Carne podre! Assim ao menos Will não suspeitava dela de assassinato...,ainda. Santo Deus! Elise já nem sequer sabia o que sentia. Odiava ao Stede.Oh, sim, certamente que o odiava! Mas não podia lhe desejar semelhantemorte.

Mas se vivia... acusá-la-ia abertamente? O cavaleiro tinha conservado asforças o tempo suficiente para lhe dirigir as mais terríveis ameaças.

Tensa e perplexa, Elise foi lentamente escada abaixo. Se sentou, sem serconsciente que o tempo passou, enquanto os homens permaneciam no quartoacima. Finalmente, e quando já tinha transcorrido um bom momento, GeoffreyFitzroy desceu pela escada e se deixou cair em um assento junto dela.

— Geoffrey?Ele sorriu afavelmente.

— Viverá.Elise não soube se sentia alívio ou pânico.— Agradecemos a Deus. — Murmurou, segura de que Geoffrey estaria

esperando por esse tipo de comentário.Os olhos de Geoffrey permaneciam fixos nela com uma terna

perplexidade, e Elise se ruborizou nervosamente.— Peço que traga algo para você, Geoffrey? Tem fome? Não prestei

atenção nenhuma na hora...— Não, Elise, não tenho fome. — Disse Geoffrey fazendo uma careta. — O

médico administrou ao Bryan essa repugnante beberagem para obrigá-lo avomitar, e expulsar assim o veneno de seu corpo. Demorarei um pouco emvoltar a ter fome.

— Oh. — murmurou Elise.— Deve se ocupar em fazer sua bagagem, Elise. Recorda que agora nossa

lealdade deve ser direcionada para nosso novo rei. Leonor adoece na prisão, eterá que fazer um longa viaje, cheio de duras galopadas para libertá-larapidamente, uma semana através do continente, possivelmente, e vários diasatravés dos campos ingleses. No mínimo.

— Como podemos ir agora?Geoffrey soltou uma risada.— Stede é um homem de aço, minha querida Elise. Uma noite de

descanso, e estará preparado para partir. Já está amaldiçoando ao pobremédico pela desgraçada enfermidade que lhe curou!

Elise conseguiu sorrir fracamente, mas não pôde encontrar muitadiversão na ideia. Não precisava se esforçar muito para imaginar ao BryanStede soltando juramentos até ficar sem fôlego, e a imagem não tinha nada deagradável.

Geoffrey riu, depois do qual pareceu hesitar por um instante. Elise oolhou, pensando que o apreciava muito. Seu cabelo estava grisalho, suasfeições tinham murchado e ainda não tinha quarenta anos, mas mesmo assimhavia muito de Henrique naquele filho. E mais coisas. Geoffrey possuía umadelicada sabedoria nascida de uma precária posição na vida, e era constante,honesto e leal.

— Você ficará feliz em ser uma acompanhante de Leonor nos próximosdias?

— Nada poderia me agradar mais. — Respondeu Elise com doçura.Geoffrey tamborilou com os dedos sobre a mesa, aparentemente sem que

percebesse do que fazia. Logo voltou a falar em voz baixa.— Elise, tenho a sensação de que deveria te advertir de duas coisas. Sei

que é minha irmã, assim como o Ricardo sabe.Elise não pôde reprimir a exclamação afogada que lhe escapou. Então

mal conhecia Coração de Leão, pois só o tinha visto uma ou duas vezes.Geoffrey o tinha encontrado em várias ocasiões indo em companhia de seu pai,e compartilhavam a mancha da ilegitimidade. Elise tinha a sensação de quepodia confiar nele, e inclusive lhe parecia que podia confiar no Ricardo. Mas setanto Geoffrey como Ricardo sabiam, quem mais poderia saber isso? NãoJuan..., por favor, Juan não. Henrique, que o tinha querido muito, nãoconfiava nele. Juan Sem Terra, o mais novo da origem legítima dosPlantagenetas... Deus não tinha criado a um homem mais desonesto ouegoísta. Se o príncipe Juan estivesse em posse daquela informação, podiaconverter a vida de Elise em uma cruel zombaria.

Geoffrey estendeu a mão por cima da mesa e deslizou gentilmente seusdedos pela bochecha dela.

— Não fique tão pálida, irmã. Ricardo não é um monstro tão terrível,embora admita que não me demonstrou muita cortesia. Por muito que eu acheque levou a tumba a nosso pai, não é um homem que careça de honra. Note emcomo se ocupou dos compromissos de Henrique, com homens como Stede eMarshal. Os dois chegaram a vencê-lo, e entretanto não lhes mostra nenhumrancor. — Geoffrey fez uma pausa. — Elise, acredito que realmente fomosenviados aqui porque Ricardo tem intenção de guardar o seu segredo e garantirtoda o seu soberano amparo.

Elise levantou as mãos e logo as deixou cair.— Se Ricardo guardar meu segredo, então não necessitarei nenhum

amparo. A menos. — Acrescentou brandamente. — Que Juan saiba.Geoffrey sacudiu a cabeça.— Estou seguro de que Juan não sabe nada. E estou seguro de que não

saberá nada..., pelo Ricardo, ao menos. Ou por mim. — Disse, e sorriu.Os lábios de Elise se curvaram lentamente para lhe devolver o sorriso.— Sabe de uma coisa, Geoffrey? Acho que gosto muito você.E realmente gostava muito daquele meio irmão dela. Recordava com

quanta frequência tinha acompanhado ao Henrique em suas viagens, porque ofilho que receberia tão pouco por meio de recompensas sempre tinha sido, oque dava a maior lealdade a seu pai. Em realidade Elise não o conhecia muitobem, já que suas visitas com o Henrique tinham sido esporádicas. Mas o tinhavisto de vez em quando ao longo de toda sua vida e por isso, em certa maneira,possivelmente o conhecesse bem. Geoffrey estava acostumado a ser muitocalado e presidia uma última palavra, se movendo à sombra dos reis, eentretanto observava e aprendia, e terminava chegando a suas própriasconclusões com inteligência e sagacidade.

— Tenho uma certa debilidade no referente ao sangue. — Disse ele

jovialmente. — O qual me leva a minha segunda advertência.— Oh?— Não faça Bryan Stede um inimigo.— Por quê? — Elise não tinha tido intenção de sussurrar, mas sim queria

saber. — Esse homem sem dúvida não tem escrúpulos. — Acrescentou,proporcionando um pouco de força a sua voz. — Não pode me expulsar deMontoui, e se escolhe liderar uma guerra...

— Elise! Elise! Bryan Stede tem muitos escrúpulos! Muitos. Sempreesteve disposto a dizer o que pensava do Henrique, quando servia ao Henrique,desafiou ousadamente ao Ricardo. Está jogando com um homem ao que nãopode superar.

— O que está dizendo, Geoffrey? Não fiz nada ao Stede.Acreditava Geoffrey, ele também, que ela se rebaixaria a envenenar a um

inimigo?— Não sei o que aconteceu entre vocês. — Disse Geoffrey, — E não estou

te acusando de nada. Apenas estou advertindo de que ele seguirá procurando,até que encontre o que busca. Suspeita algo a respeito de você, e não sabendoo que é, muito bem pode perguntar coisas que não são muito piores que averdade. Possivelmente deveria contar a ele.

— Nunca! E por que deveria fazer isso? Stede se casará com o Gwyneth eviverá longe, muito longe de Montoui! Nunca estará perto de mim.

— Elise, tem muito do Henrique em você..., muito, talvez. Vi funcionarsua mente como as engrenagens que chiam para mover uma ponte levadiça.Tem algum tipo de conta para ajustar com esse homem, e abriga a intenção demachucá-lo.

— Eu? O que poderia lhe fazer?— A inocência é preciosa, Elise, mas não acredito no que está me

dizendo.— Desprezo a esse homem, Geoffrey, mas mesmo assim te juro que me

alegro de que não tenha morrido aqui hoje.— Possivelmente não deveria se alegrar tanto. — Disse Geoffrey, seu

rosto se escurecendo subitamente. — E me acredite, passei anos aprendendode nosso pai. É possível deixar aleijado para sempre a um homem, e nãochegar a tocá-lo nunca, mediante o uso da astúcia e o ardil. Sabe exatamentedo que estou falando. Você sempre soube como manipular ao Henrique paraconduzi-lo para sua maneira de pensar. Bryan não é Henrique. Aprecio-o muitoe é meu amigo, um grande amigo. Mas é tenaz, determinado e muito forte,Elise, tanto em mente como em corpo. Assim que qualquer que seja a coisa queacendeu sua ira, esquece-a. Não se converta em sua inimizade, Elise.

— Por que me faz esta advertência, Geoffrey? Bryan Stede ameaçou fazer

algo contra mim?— Não.— Então...?— Conheço os dois, e percebi a tensão no mesmo ar quando falaram

antes. Quase pude sentir como as faíscas saltavam de vocês dois, como em umrelâmpago. Você está acostumada a mandar e sair com a sua, e ele também.Me limito a te advertir de que Stede pode chegar a ser um adversário muito,muito poderoso. Repito isso, não seja sua inimiga.

Elise sorriu com doçura e assentiu.— Não sou sua inimiga, Geoffrey. — Mentiu suavemente. — De fato,

agora mesmo irei ocupar do seu bem-estar como corresponde a uma boaduquesa.

— Gostaria puder acreditar nisso.Elise se dirigiu para a escada de caracol e logo se virou, parando com

súbita estupidez por um instante.— Geoffrey, cresci praticamente sozinha. — Disse. — Não sei como dizer

isto, mas estou feliz em ter você.Ele sorriu.— Poderia ser seu pai, sabe.— Mas não é. É meu irmão, e me alegro.Então subiu a toda pressa pela escada, um pouco ruborizada diante o

repentino vínculo que tinha sido estendido entre eles. Dois bastardos reais. Porque não?

Ela bateu hesitantemente na porta do quarto. Esta se abriu com umrangido e Will Marshal a recebeu.

— Está muito melhor, Elise.O alívio e o prazer de Will eram evidentes, e Elise desejou poder

compartilhar aqueles sentimentos. Mas ao menos poderia se sentir aliviada deque Stede não a tivesse acusado diante de outras pessoas de intento deassassinato.

— Posso vê-lo? — Perguntou ao Will.— Sim, e como estará com ele, eu me reunirei com o Geoffrey para

desfrutar de uma boa jarra de cerveja, se me permite fazer isso!— Claro que sim, Will. Como sempre, faz sua minha casa. Chame o

Michael, e ele te servirá encantado.— Obrigado, Elise. Se por acaso Bryan piorar novamente, o médico foi

para cozinha.Elise assentiu. Marshal passou junto dela e assim que se foi, Elise fechou

nervosamente a porta antes de ir para a cama.Eles tinham tirado sua armadura e sua túnica. Stede deitado sobre as

costas, e embora os lençóis foram puxado até seu peito, a grande solidezqueimado pelo sol de seus ombros estava nua. Seu cabelo parecia uma negrasombra em cima da brancura do travesseiro, e a severidade cinzelada de suasfeições ficava realçada pela suavidade da cama.

Elise mal se atreveu a se aproximar dele, mas o fez. Os olhos docavaleiro, que estavam fechados, se abriram subitamente diante de suaproximidade e sua boca se esticou em uma dura linha.

— Stede, juro que eu não...— Chega de mentiras! Não ficará pendurada uma corda, nem sua cabeça

ficará em cima do cadafalso do verdugo. Não envolvo os outros em umamesquinha batalha com uma mulher.

— Que o diabo te leve, Stede! — Gritou Elise, imediatamente inflamada.— Nunca me pendurará em uma corda, porque Ricardo não o permitirá. Estoudizendo isso unicamente porque é certo...

— Não acho que saiba dizer a verdade, duquesa. Chega de imbuir osfatos com tantas mentiras que carece de credibilidade. E Ricardo não senteapreço algum pelas mulheres, assim não precisa acreditar que vive unicamenteatravés do cavalheirismo.

— Não estou...— Me economize disso.Stede estremeceu enquanto lutava para se sentar na cama. Elise tinha

sentido tentada em ajudá-lo se não fosse porque, inclusive agora, não confiavanele, se acontecesse de que Stede pudesse chegar a colocar as mãos em cimadela. Parecia estar bastante furioso para estrangulá-la, bastando queconseguisse colocar os dedos ao redor de seu pescoço.

— Não compartilho o absoluto desprezo que sente Ricardo por seudelicado sexo. — Seguiu dizendo Stede. — Mas é uma mulher que eu adorariadeixar cheia de hematomas.

— Você não se atreverá a me tocar agora...— Que não me atreverei? Jamais conte com tal coisa, minha senhora a

duquesa.Stede estava muito cansado, esgotado e consumido pela enfermidade.

Seus olhos estavam meio ocultos pelas pálpebras quando se posaram nela,mas mesmo assim Elise não duvidou nem por um só instante da verdade emsuas palavras. Em todo caso, Stede parecia oferecer o máximo perigo quandomais imóvel estava.

Elise levantou os braços e se virou, cheia de desgosto.— Não só é um bastardo desprezível, Stede, é um estúpido bastardo

desprezível! Eu não te envenenei!— Lady Elise, tem coração de assassina!— E você é um imbecil, Stede.— Como você diz, porque isso estou disposto a ignorar isso. Mas

mantenha afastada de mim, duquesa. Porque chegar a se aproximar muito,então eu poderia recordar que tentou me matar duas vezes.

— Lástima que tenha fracassado.— Sim, verdade?— Posso te recordar que este é meu castelo, Stede?— Me recorde o que queira. Mas chega de artimanhas.Mais tarde Elise se perguntaria por que sempre perdia o controle com ele,

mas naquele instante não se permitiu pensar. Atravessou o quarto correndocomo uma gata selvagem e lhe deu um vigoroso murro na bochecha.

— Filho de uma rameira! Me atacou e me violou e agora me diz que memantenha afastada de você! Gostaria ter envenenado você! Teria feito umtrabalho o mais minucioso possível e...

Bryan Stede não adoecia como os homens normais. Embora sua peletinha passado a ser cinza e abatida, sua mão foi tão firme como o ferro quandoa agarrou pelo braço e se levantou cambaleando da cama para atrai-la para ele.Estava nu, pensou Elise com súbita consternação quando se encontrourangendo os dentes enquanto ele a incrustava irrevogavelmente contra suapessoa. E ela não poderia evitar de estar tremendo, horrivelmente conscientede sua cálida e dura masculinidade...

— Pequena cadela arrogante! Talvez seja hora de você aprender uma liçãosobre jogar certos jogos com os homens...

— Ponho a Deus por testemunha de que gritarei, Stede! — Sibilou Elise.Teria que fazer isso, pensou enquanto contemplava seu rosto. A ira que

fazia reluzir seus olhos com um escuro fogo era tal que pensou que Stedepoderia parti-la pela metade tão facilmente como se fosse um graveto.

— Pensa em atacar a um homem, e logo gritar como uma mulher.— Já aprendi todas as lições que desejo receber de você, Stede. E se

chegar o momento de combater, usarei de bom grado quaisquer armas queesteja na minha disposição.

Stede riu subitamente com uma seca gargalhada cheia de amargura, e seafastou dela sem qualquer consideração antes de torce a boca para logo voltarmancando para cama, sem pensar nenhuma só vez no pudor.

— Assim estamos nos enfrentamos em um combate, duquesa? Voulembrar disso. E eu também utilizarei quaisquer armas que tenha a minhadisposição, minha senhora.

— E o que se supõe que significa isso?Ele voltou cansadamente o rosto para seu travesseiro e falou com voz

enrouquecida.— Significa, Elise, que escolheste a batalha. E é você quem fixou as

regras, não há nenhuma regra, nenhum código de honra ou de cavalaria. Tudoé justo. E significa... que se não sair deste quarto assim que eu termine defalar, esquecerei que este é seu castelo e que é uma duquesa, e só recordareique tentaste me matar... duas vezes. Neste momento possivelmente não meencontro preparado para cometer um assassinato eu mesmo, mas adorarei meassegurar de que sua terna carne receba uma boa quantidade de dor infligidapor minha mão, e não vou me importar se você inundar o ducado com seusgritos enquanto me asseguro de que compartilha meu desconforto e minha dor.

— Bastardo! — Sibilou Elise, decidindo que uma saída naquele momentoseria o sentido de ação mais sensato.

— Tome cuidado, porque você pode dizer essas palavras tantas vezes, queno final possivelmente termine descobrindo que tenha a um dentro de você. Ouserá que importaria isso ao nobre Percy, ou chegaria sequer a saber, uma vezque você parece ser uma professora da mentira?

Apesar do respeito que sentia por sua força, Elise se deparou com osseus pés voltando uma vez mais até ele.

Stede se virou sobre a cama, com seus olhos estreitos em um repentinoaviso.

— Elise! Você nunca aprendeu a arte da retirada? Não te farei maisadvertências!

Ela apertou os punhos ao lado do seu corpo e se obrigou a permanecerimóvel.

— Desfruta da hospitalidade do castelo, Stede. — Disse friamente. Eentão virou graciosamente sobre seus calcanhares, saindo com toda adignidade que poderia reunir.

Uma vez fora, se apoiou pesadamente na porta.Tudo dela estava tremendo miseravelmente, por dentro e por fora.Compostura! Por que não podia conservá-la quando o tinha perto? Era

sua única possibilidade contra ele, e de algum jeito, ela tinha que vencer. Tinhaque ver como Bryan Stede era despojado de tudo o que desejava.

Ele tinha arrebatado tudo dela. O sonho, a ilusão do amor, e uma vida debeleza, tudo aquilo ficou em pedacinhos como sua inocência.

E agora...Agora inclusive estava convencido de que ela era uma assassina.Uma assassina não, Stede, mas uma ladra, sim. Porque manterei a

distância a respeito de você, mas o roubarei como você me roubou.Com aquele pensamento cheio de vigor em sua mente, ergueu os ombros,

e foi correndo para o seu quarto, chamando a Jeanne para que a ajudasse afazer a bagagem.

SEGUNDA PARTE

Vida Longa ao Rei!

Capítulo 10

Abadia de FontevraultAnjou

O corpo de Henrique foi tirado com o devido respeito do castelo deChinon e levado através das estreitas ruas da cidade. Através da ponte deVienne, que brilhava pacificamente sob o sol. Através do bosque, verde esilencioso, e finalmente até a abadia de Fontevrault. O bispo Bartolomé deTours leu os sagrados rituais do enterro sob a alta cúpula que cobria o teto daabadia de granito. O ar era fresco e limpo, e Henrique por fim descansou empaz.

Ricardo assistiu à cerimônia, assim como Geoffrey Fitzroy. Seguia semhaver nenhum rastro do Príncipe Juan Sem Terra.

Ele se esconde da fúria de Ricardo, depois de saber que seu irmão nãoestava recompensando a nenhum dos traidores que abandonaram a seu paipara se unir a suas posições. — Pensou Bryan secamente enquantocontemplava a cerimônia de seu lugar junto ao Marshal. — Lástima que suadesonesta astúcia não inclua a certeza de que Ricardo o protegerá como poderiaproteger a um aluno travesso.

Mas Juan Sem Terra não era a sua maior preocupação naquelemomento, não, pois tinha que ser sincero, nem era Henrique ou o enterro.

Seus olhos seguiam sem se afastar de Elise de Bois. Ajoelhada sobre ochão da abadia, a duquesa oferecia a aparência da mais doce das santas.

Vestida de branco, usando um brilhante traje de seda debruada com brancoarminho. Debaixo de uma touca de tule, o grande tesouro o seu cabelo caía porsuas costas como o magnífico e radiante estouro de um amanhecer. Eraimpossível não ficar fascinado por aquele cabelo, e não sentir que os dedosardiam em desejos de estender para eles para tocá-los, da mesma maneira emque uma criança desejaria tocar uma guloseima.

Especialmente quando guardava uma lembrança dela que tinha pouco aver com a mente, e tudo com os sentidos. Bryan a tinha visto embelezadaunicamente com aquele cabelo, e tinha sentido como sua sedosa suavidadeacariciava os ásperos contornos de seu próprio corpo.

Elise levantou a cabeça, e uma súbita sensação de golpe ondulou atravésdo corpo de Bryan. Lágrimas silenciosas umedeciam as bochechas da moça, esuas delicadas feições estavam tensas pela dor. Não se poderia negar queHenrique lhe tinha importado de uma maneira muito profunda e sincera.

Com o queixo erguido e as mãos entrelaçadas diante dela em uma prece,a sua silhueta verdadeiramente gloriosa, esbelto pescoço de cisne, lindo perfil edelicado, abundantes seios erguidos, e uma elegante e graciosa figura. A sedade seu traje parecia flutuar ao redor dela. Elise poderia ser um anjo..., se elenão soubesse que era uma criatura muito mais própria do inferno que do céu.

Bryan endureceu de repente, apertando os dentes até fazê-los chiarquando um espasmo serpenteou através de seu abdômen. O dia tinha sidouma pura tortura, com os efeitos residuais do veneno ainda presentes em seucorpo. Aquela dor renovada trouxe consigo a renovação da ira. Ficouassombrado que Elise de Bois pudesse odiá-lo tão profundamente paraenvenená-lo. E Bryan sabia que tinha sido envenenado. Através do vinho.

Só tinha falado de seu conhecimento com outra pessoa, porque Marshal eoutros acreditavam que era a carne podre o que o tinha feito adoecer. Mas aolongo de seus anos de serviço, e com mais frequência do que gostava derecordar, Bryan já tinha sido vítima da comida em mal estado. Aquilo tinhasido diferente. Aquilo tinha sido um veneno cuidadosamente administrado...por Elise de Bois.

Isso fazia que a fascinação que sentia por ela resultasse ainda maisirritante. A duquesa era o veneno feito mulher, secreta e furtiva, vivia umaimensa farsa. Bryan tinha desejado voltar a vê-la, e agora apenas queriaesquecê-la. Quando se encontrava perto dela, uma parte dele queriaestrangulá-la. Outra parte de seu ser queria lhe arrancar a seda, a pele e todosos vestígios do mundo da nobreza e o cavalheirismo e arrastá-la até um leito deterra nua.

Não foi a dor que rasgava suas vísceras o que fez apertar os dentes pelasegunda vez, mas sim o desejo torturante de voltar a encontrá-la para logopoder expulsá-la rapidamente de sua memória.

Elise de Bois o desprezava o suficiente para matá-lo. Bryan não lhe devia

nada. Dentro de duas semanas, se o mau tempo não impedisse, eles teriamchegado até Leonor e Elise deixaria de preocupá-lo. Pouco depois, Ricardo játeria atendido todos seus assuntos em suas posses europeias e chegaria aLondres para sua coroação.

Como seu monarca devidamente coroado, então Ricardo recompensariaao Bryan por todos os serviços prestados tal como tinha prometido.

Gwyneth estaria lá para se converter em sua prometida com toda suavasta riqueza e seus títulos. Tinha custado muito em ganhar, mas eramprêmios que valiam a pena para um homem ansioso para ter terras... e um lar.

Os monges concluíram um cântico e Ricardo, Coração de Leão, girousobre seus calcanhares e saiu da abadia. Bryan e Will Marshal se olharamsecamente e seguiram ao Ricardo ao exterior da abadia.

O sol caía sobre sua cabeça, tornando-a reluzir e realçandobrilhantemente o dourado e o avermelhados Plantagenetas de seu abundantemata de cabelo. Então Ricardo parou bruscamente, fazendo que seu mantogirasse majestosamente em torno dele, enquanto se virava para encarar com oBryan e Will.

— Confio em que estarão preparados para prosseguir sua viagem.— Sim, majestade. — Respondeu Will categoricamente.— Corram para minha mãe! Ela atuará como minha regente, e agindo em

meu nome, terá o poder de libertar a outros prisioneiros, homens que não sãoprisioneiros por crimes deliberadamente cometidos, mas sim pelo capricho deHenrique, ou de seus administradores. Não estão de acordo em que isso faráque meu reinado comece sob o símbolo de bondade?

— Verdade. — Conveio Bryan. — Um homem poderoso bem pode sepermitir conceder clemência.

Ricardo assentiu, agradado consigo mesmo e com a resposta de Bryan.— E enquanto vão para o Leonor, dar-lhes-ei algo muito sério para que

pensar.— Do que se trata, majestade? — Inquiriu Bryan cautelosamente.Ricardo golpeou a sua palma com um punho.— Do dinheiro, meus bons amigos! Minhas batalhas e as de meu pai

esvaziaram as arcas da Inglaterra. Devo ao Felipe da França vinte mil Marcosque lhe devia meu pai e necessitarei mais, muito mais para reunir um exércitoe levar para Terra Santa. — Ricardo fez uma pausa, levantando a vista paracontemplar com os olhos semicerrados o sol de meio-dia. De algum lugar, umpardal estava cantando uma canção. — Eu não era mais que um moço quandosoube que Saladino tinha tomado Jerusalém com seu exército de infiéis. Apóssonhei com uma companhia santa. E agora, embarcarei nessa companhia paraassim fazer honra aos juramentos de meu pai. Mas para fazer isso necessitarei

dinheiro!— Pensaremos nas moedas, Ricardo. — Prometeu Bryan secamente.— Pensem bem nelas, e recordem isso, se tivesse um comprador, de bom

grado venderia Londres! Reunirei os recursos para minha Santa Cruzadas!Marshal e Bryan se olharam, e logo assentiram.— E cuidem da Lady Elise. Ponho sua segurança inteiramente em suas

mãos. Lembrem disso.Muito surpreso, Bryan olhou a seu rei nos olhos. A princípio tinha dado

por certo que Ricardo enviava Elise de Bois, para Leonor por pouco mais queum capricho, mas agora via que inclusive Coração de Leão parecia sentirdebilidade por aquela moça.

O qual era imensamente irritante.— Vamos protegê-la da melhor forma que pudemos. — Respondeu Bryan

obedientemente. — Contudo, possivelmente não deveria nos acompanhar.Marshal e eu viajaremos com só cinco cavaleiros a mais, pode haver perigos aolongo do caminho, e...

— Que perigos? — Interrompeu-o Ricardo impacientemente. — Damos ocomeço a uma era de paz, e a envio com dois dos cavaleiros mais experientesde toda a cristandade. Estará a salvo. E agora, me deixem. Se Deus quiser, nãodemoraremos para voltar a nos encontrar para minha coroação!

Já estavam preparados para partir de Fontevrault. Seus corcéis estavamselados, e os cavalos tinham sido carregados com as provisões. Um dia decavalgada os levaria até o Canal. Com um pouco de sorte, alguns dias deviagem os conduziriam até a costa da Inglaterra, e alguns dias mais oslevariam até Leonor.

Bryan e Marshal se puseram a andar para os cavalos, onde estavamesperando os cavaleiros que os acompanhariam na viagem. Então Bryan paroubruscamente franzindo a testa.

— Como vai viajar a duquesa? Não vejo nenhuma forma de transporteque...

Will riu.— Elise cavalga como fazemos nós.— Temos que percorrer toda uma distância...— Não se preocupe, meu amigo. Ela monta tão bem como qualquer

homem.Bryan encolheu os ombros e subiu no seu corcel, recuperado tão

recentemente dos estábulos de Montoui.— Onde se encontra agora?— Está se despedindo de Ricardo.

Bryan franziu a testa enquanto virava a cabeça, para ver que Ricardoestava lhe oferecendo a Elise seu próprio manto para que cobrisse seu trajecom ele. O grande objeto quase a fez desaparecer, e havia algo de irritante nabonita cena.

— Cavalga sem nenhuma donzela? — Perguntou, baixando o olhar para oWill.

— Não está sozinha. Joanna, esposa de Sir Theo Baldwin, nosacompanhará também. — Will encolheu os ombros. — Está acostumada aseguir a seu marido quando parte para a batalha, e nenhuma destas duasmulheres devem nos fazer ir mais devagar.

Bryan pensou que as mulheres sempre eram um estorvo nas viagens,mas não disse nada. Conhecia a Lady Joanna, uma corajosa matrona decabelos cinzas, franca e honesta, e a apreciava. Melhor ela do que uma jovemdonzela disposta a se queixar continuamente porque não estava acostumadaaos rigores de uma dura viagem.

— Então te deixo com as Ladys, meu amigo. — Disse Bryan ao Marshal, eMarshal riu.

Bryan conduziu a seu cavalo até o começo da comitiva, e saudou oRicardo levantando um braço. Ricardo lhe devolveu o gesto erguendo a suamão. Bryan foi vagamente consciente de que Will ajudava a Elise a montar emsua égua árabe. Logo iniciou a marcha estabelecendo o passo, um bastanterápido.

Enquanto cavalgava, Bryan pensou distraidamente que fazia um diamuito bonito para viajar. Era pleno verão, as colinas Angevinas estavam cheiasde vegetação, os pássaros cantavam em qualquer parte ao redor deles, e asflores silvestres cresciam em abundância. O sol esquentava, mas a brisa erafresca. Eles se mantiveram nas estradas principais, já que Bryan tinha aviagem planejada. Poderia chegar em três dias ao trecho do rio que havia pertode Edu, com as mulheres, muito bem poderiam ter demorado sete. Bryan tinhadecidido que não passariam mais de quatro dias no continente. Não fariamnenhuma parada nos castelos que Ricardo tinha ao longo da estrada, nem node Le Mans onde tinha nascido Henrique nem, certamente, no que havia noRuan. A sua viagem não era uma em que tivessem que ser entretidos etratados com atenção como mensageiros de Ricardo, mas sim foram em umamissão urgente. Naquela noite procurariam uma simples proteção com osmonges na abadia de San Juan o Mártir, ao Sul de Ferté-Bernard.

Elise guardou silêncio enquanto cavalgava. A rapidez que estavam indonão induzia à conversa, mas embora tivesse induzido a ela, mesmo assim teriaescolhido por ficar em silêncio. Não podia evitar se fixar na beleza do dia verão,as grossas telas de ervas que cresciam sobre as encostas das colinas, ofervoroso vigor da caçada dos bosques. Aquele lugar era o coração das terras deHenrique, seus domínios Angevinos. Sua beleza que Henrique tinha amado

durante muito tempo. Agora Henrique estava morto, e seus olhos estavamfechados para sempre para beleza. Conforme foram transcorrendo as longashoras, Elise suspirou levemente e estremeceu, e uma crescente sede foiafastando sua mente da dor. Seguiram cavalgando, porque Stede não parava.Elise tinha a garganta ressecada, e toda ela estava dolorida devido às muitashoras que estava montando a gineta em cima daquela sela atrozmenteincômoda. O abatimento fez que pensasse no Bryan, e pensar nele fez que sesentisse ainda mais desgraçada. Para afastar a sua mente da dor e dodesconforto, Elise se permitiu dar rédea solta à vingança, e foram muitasconversas que manteve dentro de sua cabeça, nas quais encontrava aspalavras apropriadas para convencer Leonor da Aquitânia de que não deviapermitir que Ricardo recompensasse ao Bryan Stede.

Quando o sol começou a descer no céu e os passos de sua éguacomeçaram a se tornar mais vacilantes, Elise estava se sentindo cada vez maisfuriosa com Bryan. Will, possivelmente percebendo seus pensamentos,apareceu de repente junto dela.

— Já não falta muito. — Ele prometeu, e ela sorriu.Para a hora do anoitecer, ainda se encontravam alguns quilômetros de

seu destino. Marshal se adiantou para se reunir com o Bryan.— Talvez deveríamos parar e fazer outros planos para a noite. — Sugeriu.Bryan negando com a cabeça.— Não está muito longe daqui Will.Will encolheu os ombros.— Não, mas o terreno é muito escarpado para cavalgar na escuridão.Bryan olhou a seu amigo.— Temos queixas?— Não...— Então cavalgaremos.Elise estava a ponto de cair de sua sela, quando chegaram à abadia de

San Juan o Mártir. Santo Deus! Como poderia um homem cavalgar durantetantas horas seguidas sem pensar na sede ou nas comodidades, e sem lhes darnenhuma importância? Mas enquanto entravam no pátio da abadia, Eliseencontrou o implacável olhar de Bryan Stede fixos nela, e decidiu que nãomostraria nenhum sinal de esgotamento ou debilidade. Seus olhos seencontraram friamente com os do cavaleiro, e logo riu radiantemente de algoque havia dito Will Marshal, não sabia o que, enquanto ele vinha para ajudá-laa descer de seu cavalo.

Henrique, como descobriu Elise rapidamente, tinha sido um patrono paraaqueles monges. Bryan conhecia bem ao abade e, de fato, ambos pareciam serbons amigos. Os viajantes foram um motivo de uma grande acolhida, eles

aplaudiram assim que se soube que estavam indo libertar à rainha, e lhesdisse que podiam descansar ali durante a noite. A abadia era pequena, mas acolheita do verão tinha sido abundante e foram generosamente alimentadoscom uvas e hortaliças, truta e enguia de rio.

Ao longo do jantar, Elise sentiu os olhos de Bryan cravados nela de vezem quando. Não prestou nenhuma atenção nele e comeu como uma morta defome, coisa que estava.

A Lady Joanna era uma companheira bastante agradável, e lembrava aJeanne. Tinha algumas décadas a mais que Elise, e não parecia estar nadaafetada pela rapidez e as condições de sua viagem, e devido a isso, Eliseterminou decidindo que não poderia estar tão cansada depois de tudo.

Mas apesar da dureza de sua cama na pequena e austero quarto quederam a Joanna e a ela para que a compartilhassem, Elise adormeceu quaseimediatamente.

O amanhecer chegou com os pássaros cantando e uma enérgica chamadana porta daquele pequeno quarto parecida com uma cela. Elise esfregoufuriosamente os seus olhos, e em seguida percebeu que a Lady Joanna, já nãoestava dormindo no quarto.

A porta foi aberta de repente sem que ela tivesse dado nenhuma respostaà chamada. Elise puxou instintivamente os lençóis para cobrir com elas suaregata de linho, porque Stede acabava de aparecer na porta. Ele apenas aolhou.

— Vamos, Elise, que não demoraremos para cavalgar. — Se limitou adizer. Logo a porta voltou a ser fechada com um golpe seco.

— Cavalga aonde queira! — Resmungou ela em voz baixa, desejando teralgo para atirar em Stede antes que ele tivesse saído.

Mas a Lady Joanna reapareceu naquele preciso instante, fervilhando deenergia e com seu jovial sorriso sobre suas gordinhas bochechas.

— Em cima da mesa há ovos cozidos e rins, querida, e justo fora de nossajanela está o riacho mais delicioso que você possa imaginar! E agora seapresse, querida, porque temos que partir.

Elise sorriu suavemente e se obrigou a se levantar da cama com umapretensão de vigor. Então se apressou a ir até a janela.

— Um riacho? — Perguntou.— Aí mesmo. Você vê?Elise viu. Era um estreito riacho de águas borbulhantes que levava a um

lago além da abadia. Elise só hesitou um instante, e logo subiu de um salto aobatente de pedra da janela e sorriu para Lady Joanna.

— Não demorarei mais que um momento!A Lady Joanna não a repreendeu porque estava pensando em sair pela

janela com sua regata como único traje, e começou a rir.— Oh, se eu pudesse voltar a ser jovem! Mas se apresse, querida, no caso

de aparecer um monge! Já sabe que não são todos uns Santos.Elise assentiu e logo se apressou a sair.Mal havia amanhecido, mas o sol já prometia um doce e maravilhoso

calor. Elise correu para o riacho e se sentou demoradamente sobre a frondosaerva da margem, colocando as mãos em suas águas limpas para jogá-lasalegremente sobre o seu rosto. A água estava fria, mas a sensação eramaravilhosa. Elise colocou a cabeça nela uma e outra vez, bebendo avidamentee molhando o seu rosto uma e outra vez. Aquelas águas tão tonificantesfizeram que se sentisse muito viva, refrescada, jovem, disposta... e forte.Qualquer coisa que Stede pudesse chegar a fazer, ela poderia suportar. Epensaria em alguma maneira de convencer a Leonor de uma maneiraencantadora de que Stede não merecia nada. Nada!

Com o pensamento alegre de que prevaleceria lhe dando novos ânimos namente, finalmente se levantou relutantemente sobre os joelhos para logo ficarem pé. Ela se virou para correr e entrar sigilosamente através da janela, masquando se movia, o que fez foi ficar totalmente imóvel.

Stede estava ali, entre ela e a janela, observando-a, e aparentementenada agradado de estar fazendo tal coisa. Seus olhos se encontraram com osde Elise, viajaram lentamente até seus pés e logo voltaram a subir sem darnenhum sinal de emoção.

— Estamos preparados para partir. — Ele disse. — Está atrasando a todoo grupo..., e se expõe a um perigo ridículo.

— Perigo... — Repetiu Elise.Bryan foi até ela com uma expressão de desgosto no rosto, fazendo que

Elise escapasse um ofego abafado, quando ele pegou o tecido de sua regatajustamente no vale de seus seios.

— É como se você estivesse nua de um lado a outro! — Ele a acusou. — Edado que sua virtude se aproxima da divindade...

Elise podia sentir seus dedos sobre sua carne, e o contato deles trouxeum rubor a suas bochechas e um juramento de fúria a seus lábios.

— Me solte! — Ela disse, se debatendo até que pôde passar junto dele. Eolhando-o por cima do ombro, acrescentou. — Não esperava encontrar a umcavaleiro dominado pelo desejo me pisando meus calcanhares!

Bryan a alcançou e a obrigou a se virar até que ficou de frente para ele.— Deve aprender que as coisas não são sempre o que esperas, duquesa.

Não voltará a andar por aí desta maneira.Ela não disse nada, mas levantou o queixo para ele. Bryan a soltou com

um pequeno empurrão.

— Vista-se.… E vá para o pátio. Depressa.Elise não o desobedeceu nisso, já que não queria causar um atraso em

sua viagem. Mas sua pressa fez que perdesse a comida, e conforme iatranscorrendo a manhã, teve a segurança de que seu estômago grunhiaaudivelmente. Voltou a cavalgar mergulhada em um profundo sofrimento, eseguiu cavalgando. Sua carne continuava sentindo um estranho calor ali, ondeStede a havia tocado. E seu corpo, de vez em quando, experimentavarepentinos calafrios seguidos por um súbito calor que a fazia estremecer.Aquilo reforçou sua determinação de que ele não teria a vida que tinhaplanejado, com sua arrogância se vendo recompensado. Ela se asseguraria deque terminasse caindo.

Bryan cavalgava pensativo com uma sensação de tensão que cresciapouco a pouco à medida que as nuvens da tormenta foram cobrindo uma partecada vez maior do céu. Não podia esquecer a visão de Elise, ou o som de suarisada quando acreditava que ninguém a observava. Ele tinha enfurecido quebrincasse com o seu tempo, ainda mais porque não percebeu de que a maioriados homens, inclusive aqueles que foram prometidos a Deus, podiam serperigosos se os provocava.

E, Por Deus, que ela tinha estado muito provocadora! Com os cabelosespalhado a seu redor como uma extensão vermelho dourada do sol, com aregata tão úmida contra seu corpo que o arredondamento firme de seus seiosse encontrava claramente nítido até a profunda rosa escurecida de seustopos...

Elise de Bois é uma maldição que se abateu sobre mim. — Gemeu emsilêncio. — Me despreza, meu futuro está em outra parte, e mesmo assim, elaassombra minha mente e meu corpo hora após hora. O perseguia, o possuía...

De repente, o céu se abriu e a chuva caiu sobre eles. Tinham chegado àsmontanhas, as estradas eram traiçoeiras, e Bryan parecia ser arrastado namais absoluta e frio sofrimento. Mas não podiam parar, não por uma chuva deverão. Tinham que continuar se movendo o mais rápido possível.

Naquela noite seus alojamentos não foram grande coisa. Dormiram emum albergue de caça, todos juntos diante de um só fogo. Seu jantar consistiuem um guisado de ave bastante dura.

Outro dia de chuva os recebeu, outra noite em uma abadia ondepuderam se banhar e desfrutar uma vez mais de um bom jantar. Mas a manhãseguinte se manteve o sol fiel, e quando anoiteceu já estavam aproximando deEdu.

Chegaram a uma pequena aldeia que ficava ao Sul de Edu, e perto doporto que vários barcos cruzavam o Canal. Bryan decidiu que já que estavamali, bem podiam passar a noite. A julgar pelo cortante do ar, parecia que achuva não demoraria para chegar. Amanhã estariam preparados para secolocar ao mar.

Marshal foi a seu encontro à frente da comitiva.— Aqui há uma hospedaria em que me alojei muitas vezes. Têm um

quarto adequada para Elise e Joanna, e nós podemos dormir no salãoprincipal.

Bryan assentiu para indicar que estava de acordo.— Conheço o lugar, e eu mesmo estava pensando nele.Deu a ordem aos outros homens. Logo resmungou um juramento

enquanto via como os cinco guerreiros com suas armaduras, como Will,tropeçavam uns nos outros em sua pressa para ajudar Elise de Bois.

Bem, ele não teria nada a ver com ela novamente. Que envenenasse ovinho de outro homem.

Desmontando de seu cavalo, jogou as rédeas a um cavalariço e lhe disseque todas as montarias deviam ser levadas para lá. Logo, ignorando ahospitalidade da taberna, jogou o manto em cima dos ombros e começou aandar em direção do mar.

Não sabia quanto tempo estava olhando através do Canal, se permitindosonhar que realmente chegaria a ter um lugar ao qual chamaria de lar, quandoum rangido em cima do chão o alertou do fato de que alguém se aproximava.Se virando rapidamente, viu o Marshal equipado com um grande odre decerveja.

Bryan sorriu alegremente enquanto aceitava o odre e bebia dele comávida sede.

— Obrigado, Will. A consideração, e a cerveja, são muito apreciados.— Achei que poderia ser. O que você está fazendo aqui fora?Bryan riu secamente.— Sonhar.— Hum. Eu tenho feito perguntas sobre a minha própria sorte durante

todo o dia.— Não há muito que se perguntar, Will. Logo será o Conde de Pembroke,

senhor de Leinster..., e só Deus sabe o que mais!— Sei tão pouco sobre as mulheres... ouvi dizer que Isabel de Clare é

muito jovem, e muito linda. Me pergunto se aceitará a um cavaleiro cansado defazer a guerra e marcado pelas cicatrizes das batalhas.

— Não demorará para te conhecer pelo homem que é, e isso é tudo o quenecessitará. — Aconselhou Bryan. — Trate-a como você trata a nossa beladuquesa, e sem dúvida Isabel te considerará muito galante.

Na escuridão da noite, Bryan sentiu como os olhos de Will se cravavamsubitamente nele. Teria falado com uma amargura que não tinha intenção derevelar?

— Por que essas palavras tão cheias de sarcasmo, Bryan?— Eu fui sarcástico? Não pretendia ser.— É muito duro com ela, Bryan. Deveriam resolver suas diferenças,

porque ambos estão entre os favoritos de Ricardo.Bryan encolheu os ombros.— O que isso pode importar? Nossos caminhos serão separados depois

da coroação.Will hesitou antes de falar. Bryan não podia ver claramente suas feições

na escuridão.— Quando estou com vocês, acontece algo muito estranho. Parece como

se o trovão enchesse a habitação com todas suas perspectivas de umatempestade.

— Isso não é tão estranho. Penso que um chicote de estrebarias lhe fariamuito bem a essa moça.

Will soltou uma risada.— Bem, não tem por que se preocupar. Gwyneth não necessitará

nenhum chicote de estrebarias, porque é doce e obediente! — Disse, e entãobocejou e se espreguiçou. — Vou me deitar. Vem?

— Não demorarei para ir. Eu gosto de contemplar o mar. Parece queamanhã teremos chuva novamente.

— Uma dura travessia.— Mas devemos ir o mais rápido possível.— Boa noite.— Boa noite.Will começou a andar pelo caminho que levava da costa até a aldeia, e

Bryan se perguntou por que continuava olhando o mar encoberto pela neblina.Algo estava enchendo-o de preocupação. Quando Will tinha falado de Gwyneth,ele tinha experimentado um estranho pressentimento. Quando Henrique jaziaem seu leito de morte e seu futuro se ergueu tão duvidosamente diante dele,Bryan tinha tentado não sonhar e tentou não acreditar que ele e Gwynethpoderiam chegar a santificar sua relação com o matrimônio.

Que não chegaria a possuir vastas terras dentro de Cornualles, ao longoda costa de Dover. Que não se converteria em Conde de Wdtshire, e em senhordo condado de Glyph.

Agora... tudo estava ao seu alcance. E entretanto, tinha essepressentimento. Não seja estúpido, homem! Disse a si mesmo. E entretanto ossonhadores eram estúpidos, e não tendo tido nunca nada que lhe pertencesse,ele não podia impedir de sonhar com terras. Uma grande riqueza, conseguidanão através de alguma mulher feia e velha, a não ser através de Gwyneth...

Não ser capaz de imaginar claramente resultava um pouco irritante.Olhos de uma clara cor turquesa não cessaram de substituir os de Gwyneth.Cabelos como o sol, ao contrário como a noite...

— Socorro! Oh, socorrooooooo....!O súbito grito que rasgou a escuridão o assustou e o deixou totalmente

imóvel, para logo virar sobre seus calcanhares e correr para a aldeia. No meiodo caminho dela, parou para escutar. Então voltou a ouvir o grito, procedendode um denso matagal de folhagem que crescia junto ao mar.

Bryan reconheceu o som daquela voz. Tinha ouvido com suficientefrequência vociferando contra ele.

Abrindo caminho através do matagal, chegou até ela. Elise lutavafuriosamente com dois atacantes, um era jovem, e o outro era um homem maisvelho. Ambos tinham o aspecto desalinhado e esfarrapado dos pobres. Ohomem não tinha dentes, e o moço tinha uma cicatriz em seu áspero rosto deolhar penetrante.

Quando Bryan entrou na clareira, Elise acabava de conseguir libertar dojovem mediante alguns chutes, mas o homem estava à espera empunhandouma faca de lâmina enferrujada.

— Não resista, minha senhora. Apenas nos divertiremos um pouco eentão iremos com alguns de seus ornamentos! Agora seja boa, me escute, e nãovamos machucá-la. Eu não gostaria de nada ter que cortar uma carne tãolinda...

Bryan foi para eles.— Toque nela e morrerá. É uma pupila de Ricardo, Duque da Normandia

e Aquitânia..., e que não demorará para ser coroado Rei da Inglaterra.O moço deu um salto e olhou ao Bryan, com seu olhar concentrando

primeiro em seu peito depois subiu o olhar lentamente. Teve que compreenderque estava enfrentando a um cavaleiro que contava com toda sua saúde, todasua força e toda sua armadura. Ele, entretanto, não parecia ter o mais mínimointeligência.

— É um! — Gritou o moço. — E nós somos dois! Tad!O homem riu e fez um sinal ao moço. Os olhos de Bryan seguiram a este.

Então o homem se lançou sobre ele, empunhando a faca de lâmina enferrujadacom a ponta levantada apontando para sua garganta.

Bryan não tinha outra escolha que desembainhar rapidamente suaespada e matar ao homem antes de que aquela lâmina enferrujada pudessecortar sua própria carne.

— Santa Mãe de Deus! É o próprio diabo! — Ofegou o moço,retrocedendo. — Não a tocarei. Vou correr, vou correr...

Já estava correndo, quando Bryan esqueceu dele e foi para Elise com

furiosos passos.A moça estava segurando o manto rasgado ao redor dela, mas quando

Bryan se aproximou, olhou-o com horror.— Você o matou! — Gritou, e entretanto em seu coração havia tanta

culpa como acusação. Se não se sentisse tão desesperadamente necessitada deum pouco de ar fresco, nada daquilo teria acontecido. Aquele homem era umladrão e possivelmente tinha intenção de matá-la, mas mesmo assim a enchiade tristeza saber que era a responsável por sua morte.

— Sinto muito. — Disse Bryan asperamente. — Deveria ter permitido queele me matasse?

— Não havia necessidade de matá-lo! Apenas é um velho e pobre! —Exclamou Elise, decidida a não souber qual era a verdadeira profundidade deseus sentimentos..., ou o que ela mesma sabia que tinha a culpa de tudo.

Stede guardou silêncio durante alguns momentos, olhando-a fixamente.Seus olhos reluziam na escuridão.

— Apenas deve envenenar a cavaleiros que seja jovens e goze de boasaúde. É isso?

— Acredita o que você quiser! — Disse Elise secamente. Uma vez mais,estava acusando! Stede nunca acreditaria que não tinha causado nenhumdano físico. Baixou o olhar para o morto, sentindo náuseas. — Isto não eranecessário.

— Não, não era. Eu não gosto de matar, duquesa. Matei, verdade..., nocampo de batalha. Mas o assassinato é seu jogo, não o meu. O que estáfazendo aqui fora? Sua insensata conduta foi a causa de que tivesse quederramar este sangue!

— Minha insensata conduta! Apenas procurava ar fresco...— Ar fresco! Idiota! O homem cujo sangue derramado está chorando

pretendia te violar.— Não seria algo que não tenha acontecido antes.— Não seria? Acredito, duquesa, que você ainda precisa ver o mal que

pode chegar ser o mundo. Se não fosse por Ricardo, ficaria tentado a deixarvocê gozar de sua liberdade para que aprendesse o verdadeiro significado dapalavra. — Bryan ficou surpreso diante da suavidade de sua voz grave. Sua iraera algo que o roía por dentro e queimando e rasgava seu corpo, exigindo aagir. Mas conseguiu controlar seu gênio de algum modo. Ele se absteve degolpeá-la e estrangulá-la, mas lhe custou muito conseguir isso. Então seseparou dela, apenas para estar seguro de que não estaria ainda mais tentadode machucá-la. — Retorna para taberna. Eu irei atrás de você. Ricardo nospediu que garantíssemos sua segurança, e portanto isso farei. Se alguma vezvoltar necessitar de ar fresco, peça que te escolte. Se voltar a se encontrarsozinha, amarrarei suas mãos e seus pés e te depositarei diante da rainha

usando essas amarras. E não, te imploro isso, não cometa o erro de pensar,que faço ameaças meramente por diversão.

— Não cometerei esse erro, Stede. — Disse ela sem nenhuma humildade.— Vou atender suas advertências. Preferiria não ser seguida até o Winchesterpor um rastro de cadáveres ensanguentados!

Depois ergueu os ombros, se envolveu com os restos de seu manto epassou majestosamente junto dele.

Os dedos de Bryan ardiam com o desejo de trazê-la arrastada. Suas mãosse estenderam para ela e se converteram em punhos.

Então os baixou. Quando ela se virou a olhá-lo, os lábios dele estavamcurvados em um sombrio e malévolo sorriso.

A travessia foi horrível. De todas as muitas vezes em que Bryan tinhanavegado da costa da Normandia com rumo para as costas inglesas, não podiarecordar um momento no que o mar estivesse mais furioso.

O céu estava de um cinzento opaco, cheio de nuvens escuras que ferviame se agitavam, e de vez em quando descarregavam sobre eles cortinas frias dechuva. Marshal já tinha rendido fazia há muito tempo às náuseas. Como àLady Joanna e seu marido, e passou as últimas horas da viagem com a cabeçainclinada em cima do corrimão. Bryan estava seguro de que em qualquermomento ele também iria ali, para se unir a seu amigo em seu padecimento.Cavaleiros que podiam cortar uma cabeça sem sentir a mais leve inquietação,estavam tão enjoados como as tripas dos cães cheias de vermes.

Bryan permanecia perto de Will Marshal, sabendo que não poderia fazernada para ajudar, mas com a esperança de que sua presença poderia dar umpouco de atenção, já que nada mais. Os dedos de Will estavam muito brancosjunto ao corrimão, mas se virou para o Bryan com uma careta no rosto.

— Não é necessário que cuide de mim, amigo. De uma maneira ou deoutra, esta calamidade terminará chegando a seu fim. Sou um velho cavaleiroendurecido pelas batalhas, e preferiria que prestasse seu apoio à Lady Elise.

Bryan se enrijeceu e seus traços se endureceram.Will ergueu fracamente uma mão no vento.— A Lady é minha responsabilidade, verdade. — Ele disse. — Mas se você

me oferecer ajuda como meu amigo, então te peço que ofereça essa ajuda aElise.

Bryan encolheu os ombros.— Como quiser, Will.Era possível que o violento balanço da embarcação tivesse dobrado seu

caráter e suavizado o tom de Elise de Bois. Sorriu sombrio. Não era um

pensamento muito caridoso, mas de repente desejou vê-la vencida, despojadado orgulho e da força pelo impressionante poder dos céus e do mar.

Passando por cima de um cavaleiro estendido sobre a coberta, Bryan sedispôs para ir em busca de Elise. Estava seguro de que até os marinheiros dobarco sentiam raiva do mau tempo.

Mas ela não parecia acusá-lo nem um pouco.Elise de Bois permanecia imóvel na proa do navio, alta, erguida e

orgulhosa, como se desse as boas-vindas o açoite do vento e a agitação do mar.Seus olhos brilhavam e suas bochechas estavam ruborizadas pelo prazer e aexcitação. Usava uma capa de lã, mas não a rodeava ao redor do corpo. Ocapuz estava puxado para trás e seu cabelo cor de ouro e vermelho escuroflutuava e se agitava com o vento, sendo uma parte mais dela. Um tênuesorriso curvava seus lábios e suas feições, delicadas como eram, se ergueupara o céu. Bryan pensou com uma sombra de amargura que poderia ser umasacerdotisa da antiguidade, uma deusa de um culto, tocada por alguma escuramagia.

A fúria que lhe inspirava foi crescendo enquanto a contemplava. Se a pelede Elise de Bois estivesse empalidecida e sua esbelta forma estivesse sendorasgada pela agonia, ele poderia se compadecer dela. Poderia decidir que já erahora de procurar a paz entre eles.

Bryan suspirou. Nunca haveria paz entre eles. Ele se negava se culpardisso, porque ela tinha mentido com cada palavra. Mas ele a tinha ensinadoque seu nome e sua posição poderia não significar nada, e que Elise de Boispodia ser vulnerável aos caprichos de uma força maior que a sua. Era umalição que ela nunca o perdoaria. Pela qual, parecia, estaria disposta inclusiveem matá-lo. E no que isso iria mudar as coisas? Se perguntou a si mesmo comirritação. Sim, viajariam juntos com Leonor, enquanto esperavam Ricardoaparecer, mas logo seus caminhos se separariam. Ele estava aguardando ummatrimônio de riqueza e poder, e então chamaria de lugar remoto de refúgio. Acruzadas estava o esperando, com os cavaleiros de Deus se encaminhandopara a batalha cristã sob o estandarte de Coração de Leão... Bryan apertou osdentes até fazê-los chiar. Logo terminaria. A única coisa que tinha que fazer eraignorá-la, manter cortesmente a distância.

Mas sua presença seguia torturando-o. Profundamente. Vê-la se mantererguida e proprietária de si mesmo, como se tivesse absorvido o poder doturbilhão que se agitava ao redor dela, era uma ferida tão terrível como a queteria causado a lâmina de uma navalha.

E saber que seguia desejando-a representava uma irritação ainda maior.Nenhum homem que estivesse em seu são julgamento quereria a uma mulherque procurava acabar com sua vida, sem importar o muito atraente quepudesse ser aquela mulher. Especialmente quando tinha a uma doce e delicadaLady esperando-o. Mas Bryan desejava a Elise. Queria descobrir o segredo que

se ocultava atrás de tudo aquilo. Possivelmente fosse aquele segredo o quetanto o atraía, o que se tornava Elise realmente única. Fazia que o sangue deBryan fervesse com o mais intenso desejo cada vez que estava perto dela,enchendo-o com um ávido desejo que desafiava sua mente e seu coração.Queria tê-la entre seus braços e consolá-la... Não! A única coisa que desejavaera domar seu corpo e sua alma, e conservá-la como uma apreciada posse,mantendo-a segura sob uma rédea tão forte como a de seu cavalo, tãobrilhante e cuidada como sua espada e sua armadura.

Domá-la, e lhe ensinar que ele não era homem que fosse tolerar seusardis, suas traições..., sua determinação de vê-lo humilhado... ou morto.

Talvez então... poderia desencardir-se a si mesmo dela.Deixa de pensar nisso! Esquece-a, advertiu a si mesmo.Bryan virou sobre seus calcanhares para voltar junto ao Marshal

enquanto um áspero juramento escapava de seus lábios franzidos. Inglaterraestava à espera dele. Inglaterra, e o reinado de Ricardo, Coração de Leão.

Gwyneth...Doce e domável... e rica. Gwyneth o limparia da raiva e o escuro desejo.O navio executou uma manobra especialmente selvagem dentro do mar.

Bryan se agarrou ao corrimão, respirou fundo e tragou saliva com um grandeesforço. Um ataque mais das ondas, e estaria tão enjoado como Marshal...

— Terra à vista! — Anunciou um marinheiro.Terra, Inglaterra. O porto de Minster. Bryan disse a si mesmo que

conseguiria. Oh, sim, conseguiria...Elise nunca tinha visto nada tão fascinante como a costa inglesa. Nem

tanto pela paisagem, embora já adorava aquelas colinas com suas suavesencostas cobertas de erva, os penhascos íngremes e os bosques que pareciamse erguer como sentinelas atrás deles, a não ser as pessoas. Estavam por todaparte! O porto era uma colmeia agitada de atividade. Os pescadores vendiamsuas pescas, os camponeses negociavam seus produtos, seus porcos, suasgalinhas, e qualquer outra mercadoria imaginável. Os cantores de romancesiam e vinham a seu desejo, vestidos com trapos de muitas cores, e agradeciamalegremente qualquer moeda que lhe jogasse.

Em sua maior parte, o que via Elise era pobreza. As grandes mansõesestavam no campo, e era naqueles povoados e pequenas cidades costeiras ondeuma nova classe estava surgindo: a classe comerciante.

As ruas estavam cheias de lojas nas quais uma pessoa poderia comprar apreços muito caros, mercadorias e artigos procedentes de todas as provínciasdo continente. O poder marítimo e os longos séculos das santas cruzadasestavam aproximando entre si a mundos diferentes. Havia magníficas sedasorientais disponíveis, aço de Toledo, baixelas feitas de prata e ouro,palmatórias de estanho e tapetes persas. Tudo para que os camponeses vissem

e a nobreza o comprasse.Era um mundo estranho.Elise em seguida descobriu que ela mesma era uma curiosidade. As

pessoas contemplavam com aberto assombro à comitiva, os cavaleiros comsuas armaduras em cima de seus corcéis, ela com suas soberbas adornos.Uma onda de interesse apreensivo se apropriou do povo do momento em quedesembarcaram. E já havia espalhado a notícia de que eles tinham vindo paralibertar à boa rainha Leonor de seus anos de cativeiro.

Naturalmente, havia quem considerasse que Leonor era uma estrangeiraque apenas procurava causar problemas. Mas para a maioria das pessoas,fazia muito tempo que Leonor tinha demonstrado ser sua rainha. Quando erajovem, sua beleza os tinha enfeitiçado. E agora... agora recordavam suadignidade e seu orgulho, sua bravura e seu sorriso. Tinha amado muito aInglaterra, e as pessoas sabiam. Sempre tinha sido, em todos os aspectos, umarainha. Os anos não podiam obscurecer tal feito. Os romances e as balidasfalavam dela, e no mesmo instante em que os cavaleiros desciam daembarcação, com seus cavalos bufando e dando coices devido ao tempo quetinham passado no mar, as pessoas já gritavam: Deus salve o Ricardo, Coraçãode Leão! Deus abençoe a Leonor da Aquitânia! Deus abençoe a nossa rainhaagora que enviuvou!

Elise sorriu, porque resultava divertido. Muitas daquelas pessoaspossivelmente se puseram contra ao Ricardo quando este lutava com seu pai,mas Coração de Leão era conhecido em todo o mundo cristão e fora dele porsua grande coragem..., e seu grande coração. Era o indiscutível herdeiro aotrono. Todos pareciam estar dispostos a lhe dar a boas-vindas calorosamentesem a necessidade de serem encorajados demais a fazer.

A multidão os saudou agitando a mão e os aclamou enquanto avançavamatravés do povo. Elise não pôde evitar que o coração lhe enchesse de tristezadiante das mulheres que via. Tantas delas, não muito mais velha que a própriaElise, já tinham sido consumidas e envelhecidas pelos trabalhos e as tristezasda vida. As crianças se agarravam a suas saias, e até eles pareciam cansados eabatidos. Tentavam tocá-la, eles tentavam tocar a seda e a pele de seu traje.Afligida pela piedade, Elise colocava a mão em seus alforje e jogava moedaspara as multidões. As pessoas não se dispersavam, mas sim gritavam aindamais forte e se aproximando cada vez mais, até que os corcéis de guerra e suaprópria égua mal puderam se mover.

De repente ela sentiu uma violenta mão que puxava o seu braço, e ouviuum súbito rasgar de tecido. Alarmada, Elise se virou para se encontrar comque um velho de grande tamanho que acabava de lhe arrancar a manga do seutraje. Seus olhos estavam cheios de ferocidade, e sua mão erasurpreendentemente selvagem enquanto tentava fazê-la cair de seu cavalo.

— Não! — Gritou Elise. — Por favor!

— Esta seda! Esta seda! — Gritou o velho, e Elise compreendeu comhorror que pretendia arrancar o tecido que cobria suas costas.

Os cavaleiros se aproximaram, mas uma explosão de loucura tinhacomeçado a se apropriar da multidão. As pessoas já não pareciam temer osenormes cascos dos corcéis de guerra. Elise gritou, consciente de que estava aponto de cair de sua égua.

— Não, por favor! — Voltou a suplicar, atraindo finalmente o olhar dovelho. Por um instante seus olhos se encheram de vergonha, e Elise começou aacreditar que tinha conseguido controlar a situação.

Nunca saberia se estava certa. Nesse momento, Bryan Stede chegou atéela.

— Fora daqui! — Ordenou ao velho. Não desembainhou sua espada e nãotentou golpear a ninguém da multidão, mas mesmo assim todos se apressarama se afastar dele. Elise também sentiu o desejo de se afastar. Sabia que oíndigo de seus olhos podia se converter nas brasas dos poços do inferno,porque o conhecia muito bem. Mas naquele momento, o fogo e o aço de suafortaleza armadura de negro a afetaram e a aterrorizaram ainda mais do que àspessoas.

— Estúpida! — Gritou secamente Stede com voz cheia de fúria, e uminstante depois, ele tomou as rédeas de suas mãos. A égua de Elise empinoupara iniciar um rápido galope, e em seguida se encontrou correndo junto aocorcel de Stede.

Então ouviu um grande estrondo assim que outros cavaleiros tambéminiciaram um súbito galopar detrás deles. As lágrimas queimavam nos seusolhos quando o vento arruinou os cachos de seu cabelo. Mas já não tinha medode Bryan Stede, porque agora estava furiosa. Acaso sempre teria que seencontrar sendo levada arrastada de um lado para outro por ele? Não, PorDeus! Nunca voltaria a se intimidar, e Stede aprenderia que havia váriasmaneiras de utilizar o poder do que através da força bruta!

O galope pareceu durar eternamente, e mesmo assim, Elise soube queapenas se passaram alguns momentos antes que finalmente reduziram amarcha para terminar parando depois. Não tinham saído do povoado, masagora se encontravam ao final dele, longe do agradável aroma salgado do mar.Uma grande construção coberta com palha e treliças se erguia diante deles, eao lado dele com estruturas semelhantes. Uma placa deteriorada pelo tempopendurada de um poste de ferro, proclamando TABERNA.

Os cavaleiros começaram a desmontar enquanto Bryan Stede davaordens. Elise se perguntou onde estaria Will Marshal.

Não onde ela necessitava que estivesse, seguiu pensando com amarguraquando Stede foi até ela, e a desceu da sela sem nenhum tipo de consideração.

— Vamos conversar lá dentro. — Disse asperamente, fechando os dedos

ao redor do braço dela. Elise se sentiu tentada em se soltar e abrir longosarranhões com suas unhas no rosto de Stede, mas em seguida renunciou àideia. Stede não estava muito de bom humor, e Elise pensou que nem sequeras pessoas que havia ao redor deles poderiam salvá-la de sua represália nocaso de que optasse por atacar, por agora.

Agarrando-se a seu orgulho, Elise aceitou a mão com que a segurava epermitiu que a escoltasse até o interior da taberna, enquanto se perguntavacom uma sombra de desespero onde estaria a Lady Joanna. Ela saberia mantera distância do gênio de Bryan.

Era um lugar muito tosco e miserável. O salão principal consistia empouco mais que uma lareira central e várias fileiras de mesas feitas depranchas duras. Bryan a deixou esquentando as mãos diante do fogo enquantoele ia para o taberneiro, um homem grande que usava um grande aventalmanchado de gordura.

Pela extremidade do olho, Elise examinou aos outros clientes doestabelecimento. Todos pareciam ser pessoas do mar, homens de rostosqueimados pelo sol e endurecidos como o couro. Mas muitos deles mostravaum olhar de intensa satisfação em seus olhos, e Elise sorriu suavemente. Sim,era lógico vê-los contentes. Eles se afastaram dos senhores e das terras que osprendiam a uma vida de contínuo trabalho, o mar, embora pudesse se tornaruma amante muito dura, estavam libertando-os da vidas monótonas trabalhoao serviço de um senhor que apenas pensava em si mesmo.

Elise lembrou a si mesma de que ela pertencia à nobreza. Mas era umaboa governante, justa e clemente como lhe tinha ensinado a ser Henrique, ebondosa como sempre o tinham sido Marie e William de Bois. Montoui era umaprovíncia diferente da imensa maioria. Seu povo estava bem alimentados e bemvestidos. Sim, trabalhavam para ela, mas retinham grandes porções de suascolheitas e seus esforços eram recompensados. Sempre seria assim? Seperguntou com amargura. Pelo tempo que ela vivesse. Antes tinha sonhado queela e Percy educariam a seus filhos para que adquirissem sentido daconsciência. Estariam profundamente orgulhosos de Montoui, mas tambémconheceriam a responsabilidade do que devia trazer consigo todo aqueleorgulho. Mas agora...

Agora, estava sozinha. Mas naquele momento jurou que enquanto elavivesse, definiria o padrão de justiça. Sempre governaria a seu pequeno ducadobem e sabiamente. Então que... então que aquilo tivesse terminado, e aquiloera sua busca de vingança.

Por um instante, Elise sentiu um fugaz estremecimento dentro dela,como se aquela emoção houvesse tocado o seu coração. Lhe tinham ensinado aser orgulhosa, mas nunca rancorosa ou vingativa. Tentou dizer a si mesma queera estritamente justiça o que queria, mas em realidade se tratava de algo mais.Elise nunca tinha conhecido semelhante ira em toda sua vida. Sabia que osPlantagenetas e ela era um deles pelo sangue, e estavam acostumados a fazer

muitos danos a si mesmos em seus furiosos esforços por vingar uma injustiçada qual tinham sido objeto. Mas ela não podia evitar sentir o que sentia,porque Stede merecia perder tudo o que tanto cobiçava. Por muito quedesejasse que as coisas fossem de outra maneira, Elise não podia alterar seussentimentos. Stede não só havia lhe custado o Percy, mas sim além a tinhadespojado de toda ilusão. Já não controlava por completo seu destino, e nãoacreditava que pudesse voltar a acreditar nunca no amor. O único que restavapor fazer era se agarrar a sua posição e a sua inteligência, e procurar avingança ou a justiça que merecia Stede.

— Desejas criar mais problemas?O silvo chiou contra sua orelha. Elise, sobressaltada, deu as costas para

o fogo para olhar ao Stede. O tocou a manga rasgada de seu traje, e Eliseesticou um pouco mais o pescoço para ver que os frequentadores daqueleestabelecimento público estavam olhando-a com sorrisos especulativos.

Então devolveu o olhar ao Stede sem dizer uma palavra. Ele voltouagarrá-la pelo braço e a levou através do salão principal até uma sala contiguaque havia no piso baixo.

Elise enrugou o nariz com repugnância. Havia um intenso fedor de suorsem lavar dentro do quarto. Não havia colchões, só junquilhos e mantas quetemeu estariam infestadas de insetos.

— Isto é tudo o que você terá. — Disse Stede secamente. — Além, é claro,do salão público, e te asseguro que as moças que geralmente procuram umanoite de descanso aqui se ofenderiam ainda mais.

Sem dizer nada, Elise foi para a janela de vidraça reticulada para respirarum pouco de ar fresco.

Stede guardou silêncio durante alguns momentos. Quando falou, seu tomera o que poderia empregar um pai, com uma menina perigosamente travessa.

— Sei que é muitas coisas, Elise. — Disse. — É teimosa, falsa, desonesta.Horrivelmente orgulhosa, e desejando derramar sangue. Contudo, sempretinha acreditado que era meu sangre a que ardia em desejos para derramar. Játe disse que não gosto de matar sem motivo. Hoje poderia ter causado umgrave distúrbio no povo. É certo que sempre esteve segura, minha senhora,porque dispunham de uma escolta de cinco homens armados e comarmaduras. Teriam sido essas pobres pessoas que teriam perdido a vida. Nãome importará matar a um homem que pretende te cortar o pescoço. Mas nãomatarei a um camponês que deseja possuir aquilo que Deus te deu.

Elise se virou completamente.— Só queria dar...— Então é uma estúpida, porque essa não é a maneira de dar. —

Interrompeu ele. — Se nós não tivéssemos estado contigo, eles teriam roubadoaté o último ponto de fio que você vestia ao seu redor. Teria sido violada, e

provavelmente assassinada. Tem uma estranha propensão em se colocarnessas situações.

— Tenho? — Inquiriu ela com voz imperiosa. — Então é uma tendênciaque adquiri recentemente. Recordarei algumas coisas, Sir Stede. Você não émais que um cavaleiro sem terras. Eu sou a duquesa de Montoui. Estou acimade você, Stede. Recebe ordens de mim. E quanto a minha inclinação parabuscar problemas... Bem, voltarei a dizer que não vejo que importância podechegar a ter. Antes preferiria ser tomada por dez sujos camponeses do quevoltar a sentir embora seja apenas o roce de seus dedos.

— É verdade o que me diz? — Perguntou Stede cortesmente.— Sim, Sir Stede.Ele se curvou diante ela com uma reverência extravagantemente cortesã.— Sua superioridade, minha senhora, é uma teoria que devemos pôr à

prova algum dia.Elise sorriu com doçura.— Eu temo que não haverá ocasião de fazer tal coisa, Stede.

Encontraremos com Leonor, Ricardo chegará a Inglaterra e nossos caminhos sesepararão.

Stede sorriu em seguida, e o quarto pareceu ter sido subitamenteinvadida por uma intensa geada de inverno.

— Não esqueça, minha senhora, uma vez que Ricardo tenha chegado,então serei eu quem estará acima de você.

— Quando estiver casado com Gwyneth... e assume seus títulos?— Sim, quando estiver casado com Gwyneth,Elise manteve seu doce sorriso rigidamente colocado sobre suas feições.— As recompensas que espera ainda é um ideal, verdade, Sir Stede?

Possivelmente se trate de outro ideal que deve ser posta à prova.— É? — Replicou Stede, um pouco interessado. — Talvez seja assim, já

que o futuro sempre é aquilo que ainda deve ser visto. — Se virando, colocou amão em cima da porta. — Farei que lhe tragam algo para comer. Não tenhointenção de travar uma batalha contigo durante o jantar. No caso de vocêprecisar de algo durante a noite, estarei dormindo diante de sua porta.

— Não desejo você diante de minha porta...Ele riu e voltou a olhá-la.— Uma súbita mudança de ideia, duquesa? Desejas me ter dentro de seu

quarto?— Meu coração nunca mudará, Stede — Disse Elise com determinação

gelada. — E esquece que a Lady Joanna...

— A Lady Joanna já está a caminho de Southampton com seu marido.Não resultou de grande utilidade como acompanhante, aparentemente. Temmuito bom coração... Dado que você prefere que não esteja dentro, dormireidiante da porta. Deus sabe que para mim você não vale absolutamente nada,mas Ricardo parece pensar que tem um certo valor. Portanto, te entregarei sã esalva para Leonor.

Ele atravessou a soleira da porta saindo do quarto, uma figura alta eformidável com armadura que usava com tanta facilidade.

A porta se fechou com um golpe seco, e Elise poderia jurar que a madeirase estilhaçou com a violência do impacto.

Mas o frio ainda estava presente.Quem era ele, se enfureceu Elise em silêncio, para lhe fazer aquilo?

Ninguém! Ninguém dotado de título ou terras. Não era mais que um guerreiro.Um cavaleiro cansado de liderar batalhas. Uma forma de músculos e força quepodia brandir uma espada ou uma lança com habilidade mortal...

Stede tinha tocado nela, a tinha destruído... E Por Deus que faria omesmo! Agora, inclusive tinha enviado para longe à Lady Joanna, depois queElise estava tão acostumada com sua alegre companhia. Sentiria muito a suafalta. E tinha tido o descaramento de lhe dizer que não valia nada!

Nada? Deus, como a enfurecia aquela palavra..., e como lhe doía. Para oStede, ela não tinha sido mais que uma ladra, e com formas nos quadris ecurvas femininas. Mas já aprenderia. Terminaria sabendo que a posição e ainteligência poderiam chegar a ser tão poderosas como o aço, a armadura e osmúsculos.

Elise se perguntou melancolicamente por que seguia querendo se deixarcair ao chão e romper em lágrimas. Possivelmente porque ele tinha razão emuma coisa. Ela se colocou em perigo a si mesmo. Ontem à noite. E uma vezmais hoje. Diante de Marshal, ela poderia admitir o erro e o fato de que tinhamuito que aprender. Tivesse suplicado que a perdoasse o seu desejo ajudar aspessoas, mas agiu sem pensar no que estava fazendo. Diante de Marshal,sim..., mas não diante de Stede. Nunca diante de Stede.

Nunca tinha conhecido uma emoção tão intensa como a que professavaao Stede. Era assustador.

Mas os jogo de dados já tinham sido lançados, e Elise sentiu que estavagirando loucamente dentro de um redemoinho criado por ela mesma.

Que, como o vento e o fogo, rugia fora de todo controle.

Capítulo 11

15 de julho de 1189O palácio de Winchester, Inglaterra.— Alteza! Já estão aqui! Os mensageiros de Ricardo... Eles vêm para

buscá-la!Em um incomum gesto de emoção, o carcereiro de Leonor se ajoelhou

seus velhos joelhos na frente dela. Leonor sorriu. Tinha visto os cavalos seaproximando do palácio, tinha visto os estandartes de Ricardo o Rei, Coraçãode Leão. E à primeira visão daqueles estandartes, seu coração imediatamentelevantou vôo.

Ela se sentia incrivelmente jovem para uma mulher que estava perto dossetenta anos. O poder, como um vinho esquentado no fogo, tinha começado aesquentar seu corpo. Articulações que tinham doído se moviam com notávelfluidez, seus ombros se ergueram, sua coluna... bem, sempre tinha sido reta,mas agora... agora de fato parecia estar crescendo.

E por que não? Era Leonor da Aquitânia. Conhecida, famosa, mas mesmoassim com uma magnífica reputação, a maior das herdeiras, Lady e Rainha desua época. E se sentia forte. O mundo estava voltando a se abrir. Seu mundo.Ela tinha criado o cavalheirismo da corte inglesa, tinha sido reverenciada porpoetas do Leste e do Oeste...

E agora... agora voltaria a reinar como rainha. Não pelo matrimônio, anão ser através de Ricardo.

Era maravilhoso. Leonor queria rir, cantar e gritar sua alegria aos céus.

Mas manteve a leveza de seu sorriso e a compostura de seu porte. Porqueera Leonor da Aquitânia.

— Se levante, meu prezado senhor. — Disse a seu carcereiro com suavesagacidade. — Não consentirei que fique muito aleijado, apenas para permitir aentrada do mensageiro de meu filho. E podemos estar seguros de que tiveramuma longa viaje. Contamos com comida e vinho para oferecer?

— Sim, alteza.— Quem vem? — Leonor, se movendo com uma graça que desmentia

tanto sua idade como a curiosidade que sentia, se virou novamente para ajanela. — Armadura negra... Stede! Ricardo enviou Bryan Stede. E apostaria aque Will Marshal está com ele... Mãe de Deus! Muito considerado por parte deRicardo. Vejo que uma mulher cavalga com os cavaleiros.

— Se os rumores não são falsos, alteza, é Lady Elise de Bois, duquesa deMontoui.

A risada de Leonor nunca era alta ou rouca, mas naquele momento lheescapou uma suave risada do mais puro deleite. O mais amado de seus filhos,Ricardo, estava ansioso em assegurar a felicidade de sua mãe. Ele sabia queadoraria ver a jovem.

Sua risada terminou com um tênue suspiro. Haveria tanto o que fazer! Aspessoas deviam ser atraídas para a causa de Ricardo, e logo os nobres teriamque ser verificados e postos em seu lugar para o novo regime. Alguns seriamcastigados, e outros seriam apaziguados. Alguns poderiam voar para a fama e afortuna cavalgando sobre o fôlego do Leão.

E então, estavam os bastardos. Geoffrey Fitzroy, o filho ilegítimo deHenrique, tinha sido educado em palácios reais junto com seus próprios filhose então tinha servido lealmente ao Henrique como chanceler durante anos.Leonor não devia permitir que ele se sentisse menosprezado, e mesmo assimdevia se assegurar de que lembrasse de sua condição de bastardo. E Elise...

Elise... um matrimônio magnífico, é obvio. Ao seu devido tempo. Seriadivertido voltar a tratar a jovem para assim chegar a conhecê-la. Tinha sidouma menina tão deliciosa...

Estou faminta de fofocas, e faminta de vida! Pensou Leonormaliciosamente. Ah, sim, estou impaciente por voltar a começar...

Rainha da Inglaterra. Até certo ponto o título lhe permitia brincar de serDeus, e Leonor era muito realista para que pudesse considerar blasfêmiasemelhante pensamento. Brincaria de ser Deus, e se mostraria manipuladora edominante. Merecia ostentar o poder muito mais que a maioria das pessoas,porque, pelo menos, seus anos lhe tinham infundido uma profunda sensaçãode responsabilidade, e a dor de seu passado tinha lhe dado sua sabedoria.

Havia algo em Leonor da Aquitânia que impedia, que alguém a vissecomo realmente era, pensou Elise com curiosidade na sua primeira visão da

rainha. Tinha envelhecido, certamente. Agora era uma anciã, magra até oponto de abatida. Seu cabelo estava grisalho, e seu rosto revelava seus muitosanos, tanto de risadas como de lágrimas.

Mas quando se movia, quando andava, quando sorria, e quando falava,então era a idade que se passava a ser ilusão.

Leonor era magnífica. Sua presença enchia o salão. Seus olhos eramescuros e mesmo assim brilhantes e cheios de vida. Caminhava como seflutuasse sobre nuvens, ou navegasse nas águas muito tranquilas. Estavaencarcerada durante dezesseis anos, mas parecia como se meramente tivessepassado de uma corte real para outra. Era tão majestosa, tão humana, tãoperfeitamente adorável em suas palavras e em suas maneiras...

— Bryan! Will! Como maravilhosamente galante é vê-los ajoelhados! Masse levantem. Estou muito velha para me inclinar para lhes beijar, e sinto quedevo fazer isso!

Elise, alguns passos atrás dos homens, contemplou com uma sombra derancor em seu coração como Leonor acolhia carinhosamente ao Bryan Stede, elogo ao Will Marshal. Foi enquanto a rainha dava um fervoroso abraço em Will,quando olhou por cima de seu ombro para ver Elise. E então seu formososorriso, o sorriso que era capaz de fazer desaparecer os anos, voltou a aparecersobre seus lábios.

— Elise...! Will, fique ao lado para que possa ver a menina.Sorrindo, Will fez o que lhe dizia. Leonor foi até Elise e tomou suas mãos

em um forte apertão.— Que amável que você veio, Elise, e estar comigo agora. Passou muito

tempo da última vez que tive outra mulher com a qual conversar! — Soltandoas mãos, Leonor se virou para Bryan e Will. — E agora, me digam, como estáRicardo?

— Gozando de muito boa saúde. — Assegurou Will imediatamente. — Ese ocupando de seus assuntos de maneira muito admirável, majestade, masparecia que ele estava correndo o mais rápido possível para vê-la livre.

Leonor assentiu, agradada.— E o príncipe Juan?Bryan encolheu os ombros, mas o movimento já foi eloquente em si

mesmo.— Ricardo o está procurando neste momento. — Hesitou. — Juan

desapareceu, depois de que nos fomos obrigados a fugir de Le Mans.Leonor baixou o olhar durante alguns momentos.— E por isso sinto uma grande compaixão pelo Henrique, cuja alma Deus

tenha em seu seio. O lugar que o viu nascer, e ardeu diante seus olhos, e seufilho favorito se converteu em um traidor no final... Marshal, como morreu

Henrique?Pergunta afetou visivelmente ao Marshal.— Entre grandes padecimentos, majestade. A enfermidade, e uma

infecção interna, terminou vencendo-o. O pior foi que não pôde encontrardescanso nenhum. Se pudesse parar e cuidar da úlcera, é muito possível quetivesse sobrevivido.

Os olhos da rainha se encheram de tristeza.— Acreditem em mim, senhores, quando lhes digo que lamento muito

como foi dolorosa a sua morte, embora sua morte me liberte. Henrique foi umgrande homem, maior do que acho que terminará sendo considerado pelahistória. Ele se importava muito com a lei e seu povo quando não havianenhuma necessidade de dar importância a tais coisas, mas causou suaprópria queda. Tentou despojar ao Ricardo de suas terras para assim poderoutorgar ao Juan. Acredito que nunca chegou a perceber de que seus filhostinham crescido…, e eram de seu próprio sangue. — Suspirou. — Bem... AssimRicardo está procurando o Juan. Espero que o encontre logo, e que saiba trataradequadamente com ele. Juan sempre cobiçou aquilo que era de Ricardo. ERicardo, como Henrique, pode chegar a ser excessivamente generoso com opoder quando dispõe dele. — Sacudiu a cabeça solenemente, mas um instantedepois já sorria novamente e estava se virando para o Will. — Soube que agorajá não viajará comigo, Will Marshal. Não é incrível como as palavras podemchegar a voar? Mas entendo que Henrique lhe prometeu a mão de Isabel deClare, e que Ricardo honrou com essa promessa. E agora vai reclamar a essajovem.

Marshal riu.— Sim, aparentemente as palavras viajam depressa. E é verdade. — Sua

risada desapareceu, e sua expressão se tornou ligeiramente preocupada. —Chegou encontrar alguma vez com a Lady Isabel, alteza?

Leonor deixou escapar uma suave risada.— Não era mais que uma menina, quando fui encarcerada. — Disse

depois. — Mas, novamente segundo os rumores, é jovem e linda. Eexcessivamente rica. Não demorará para descobrir isso. E se quer me adularum pouco, William, quando estivermos sozinhos desta maneira, me chame pelonome que tenho. Bryan nunca hesita em fazer isso! — Os olhos da rainha seapressaram para se fixar em Bryan Stede. — Então você, Sir Stede, será minhaescolta enquanto percorremos os campos, como representantes de bom gradode Ricardo!

— Um dever que será meu maior prazer. — Respondeu Bryanamavelmente. — Ricardo me ordenou que permaneça junto de você até que elechegue para sua coroação, depois do qual, ao seu devido tempo, planeja seunir ao Felipe da França para iniciar a cruzadas que Felipe e Henrique estavamplanejando justo antes da sua morte.

— Está impaciente para ir às cruzadas?Bryan teve um instante de vacilação, e logo sorriu.— Eu, e como Ricardo, arde em desejos em vê-la livre.Elise se manteve em segundo plano, guardando silêncio. Ver o prazer que

a rainha extraía da presença de Stede, a irritava indescritivelmente. Não sedeixe conquistar por este cavaleiro das trevas! — Ela quis gritar. — É duro eimplacável, e muito diferente ao que parece ser...

Não gritou. O momento chegaria.Alguns servos entraram no salão trazendo vinho e bandejas cheias de

pães recém assados, ovos cozidos e toda uma variedade de queijos. Qualquerque fosse os sofrimentos que Leonor tivesse padecido, agora seria retificados,porque seu carcereiro se converteu em seu anfitrião. Os servos se apressaram aagradar todos os seus desejos.

— Ah, como adoraria poder desfrutar desta comida no jardim! —Exclamou Leonor docemente. — Vinho envelhecido... e amizades que os anosconvieram na melhor das colheitas! Elise! Me acompanhe enquanto andamos.Que alta é, minha querida! Quando te vi pela última vez, acredito que malchegava ao meu joelho. — Rainha, com os servos se apressando atrás dela,encabeçou a marcha para os jardins e até uma mesa de ferro forjado rodeadapor uma espaldera20 cheia de rosas, com o deleite que extraía da vidaresultando visível a cada passo que dava. Seguiu conversando, como sedezesseis anos de encarceramento nunca tivessem acontecido. A perfeitaanfitriã, dispensou os servos com um amável gesto e serviu vinho para todos.— Bryan, você já teve tempo para ver Gwyneth?

— Não, Leonor. Viemos diretamente até você.— Me adula! Mas lamento que tenham se mantido separados. Desta vez,

os dois fizeram suas promessas solenes.Bryan riu de bom grado, o que irritou um pouco mais a Elise.— Devem recordar, Leonor, que Henrique me prometeu as terras e os

títulos.— Não posso acreditar que Ricardo não vá respeitar os legados de seu

pai!— Oh, não, acredito que vá honrá-los. — Disse Bryan, levantando as

mãos com as palmas voltas para cima. — Não sei por que ele leva tanto temponisso.

— Possivelmente eu saiba. — Murmurou Leonor. — Acredito que poderiaestar pensando em uma maneira, em fazer que suas fortunas sejam aindamaiores. Quando Ricardo decide dar, faz isso generosamente.

Bryan riu.

— Majestade, rezarei para que conheça bem a seu filho.— Conheço bem ao Ricardo. — Disse ela. — Neste momento, estará se

preocupando com o vazio que se encontra o bolso que herdou! Essa é umacoisa em que devemos começar a pensar, pequenos meus! — Os penetrantesolhos escuros de Leonor se voltaram subitamente para Elise. — E você, Elise?Não perdi nenhuma de minhas faculdades mentais, graças a Deus por isso, eportanto sigo sendo muito boa com as somas. Por que não é casada?

Pergunta deixou paralisada a Elise, mas isso não importava. Bryan Stedeinterveio para responder ironicamente por ela.

— A Lady Elise está profundamente apaixonada, majestade! Temintenção de se casar com o homem ao que escolheu, Sir Percy Montagu.

— Sir Percy... — Leonor franziu a testa com expressão pensativa. — Temoque não o conheço..., nem sei nada dele.

Elise tomou um gole de seu vinho e obrigou a seus lábios a queadotassem um doce sorriso. Não tinha intenção de corrigir ao Bryan Stede.

— Estou segura de que logo o conhecerá, majestade. — Disse sem sealterar.

— Ah, o amor... Recordo isso muito bem! — Leonor riu suavemente. — Eme sinto ainda mais adulada pelo fato de que todos vocês terem vindo por mim!— Ela se levantou, deixando firmemente sua taça em cima da mesa. — Bryan,Will, deixo para vocês que se ocupem de planejar os próximos dias. Elise virácomigo para fazer a bagagem, assim amanhã, possamos nos pôr em caminho aprimeira hora.

Os homens, impedidos por sua armadura, mesmo assim se apressaram aficar em pé. Leonor os recompensou com um benigno sorriso, e estendeu umamão para Elise.

— Deve me refrescar a mente a respeito da moda, menina. Aos pássarosazuis não se importou muito como me apresentava diante deles.

Elise ficou comovida quando viu o pequeno quarto que a rainha ocupavadentro do palácio. Era muito austera, e mal tinha móveis. Uma só janelapermitia que entrasse luz no quarto.

Leonor percebeu o olhar de Elise que abrangia rapidamente ascircunstâncias.

— A luz do sol é muito bonita, verdade? Se pode aprender a se apegar aela, e seja o azul de um céu primaveril. — Fez uma pausa repentina, refletindono passado. — Houve muitas ocasiões nas quais fui confinada sozinha nestequarto. — Ela encolheu os ombros. — E houve vezes nas quais me permitiam iraos jardins, dependendo da natureza do carcereiro aqui presente e do caprichode Henrique. — Sorriu. — Uma vez, inclusive, fui levada a Normandia quandochegou a festa de San Miguel..., para usar a minha influência sobre o Ricardo,é claro. E nessa ocasião... Me atrevo acreditar que houve esperanças de que

minha família chegasse a fazer as pazes. Ah, bem, já faz muito tempo isso.— Sim, todo isso pertence ao passado. — Se apressou a assentir, Elise,

enquanto sentia dominada por um súbito desejo de levar Leonor daquelepalácio, que tinha sido uma prisão para ela. — Por onde começaremos, RainhaLeonor? Vejo que têm todos seus baús aqui...

— Já faz vários dias que fiz a bagagem. — Anunciou Leonor com ummalicioso sorriso e um balanço sua mão longa e elegante. — Te trouxe aquipara poder contemplar você com prazer. Dê algumas voltas para mim, menina!

Elise não se sentiu insultada, nem temeu fazer ridículo. O deleite queLeonor achava na vida era contagioso. Girou obedientemente diante da rainha,que tinha se sentado majestosamente aos pés de sua pequena cama.

Quando terminou, finalmente, parando na frente dela, rainha estavasorrindo.

— Deve saber, Elise de Bois, que não te guardo rancor algum.— É generosa, senhora.— Generosa? Não, unicamente velha. E muito realista! Há muito de seu

pai em você, mas... é linda de todas as maneiras! Ah, não baixe os olhos,menina. Houve um tempo que eu amava ao Henrique Plantageneta! Era o solde meus olhos. Henrique tinha quase doze anos menos do que eu, mas quandonos casamos formávamos o casal perfeito. Fomos ambiciosos, e estávamosdispostos a fundar um império e uma dinastia. Henrique era um cavaleiromaravilhoso, um cavaleiro muito galante. Ah, mas tornava loucos a seusnobres! Estranha vez se sentava para comer, e como consequência estes seviam obrigados a permanecer em pé durante suas refeições! Ninguém podiaigualá-lo em vitalidade ou paixão, ou nas qualidades de um estadista. Massejamos sinceras uma com a outra, Elise. Henrique era orgulhoso, não podiasuportar a ideia de entregar nenhuma parte de seu poder e, em ocasiões, eraestúpido. Nunca soube tratar com seus filhos, e devido a isso depositou sualealdade em minhas mãos. Não falaremos mal dos mortos. É certo que eu tinhaminhas razões para odiá-lo, mas nunca esqueci que também o amava. Damesma maneira em que tampouco numa esqueci que muitas vezes foi minhaprópria natureza a que se interpôs entre nós. O orgulho não casa muito bemcom o amor.

Leonor guardou silêncio durante um momento, um momento em que aluz, que parecia irradiar dela empalideceu. Elise sentiu uma imensa ternurapor aquela deliciosa rainha, que durante décadas tinha sido um enigma e umalenda, uma mulher capaz de desafiar ao mundo. E naquele momento, viu aidade da rainha, e sua sabedoria. Leonor tinha aprendido que a vida era umacombinação de alegria... e dor.

— Há tanto por fazer... — Murmurou Leonor. Voltou a olhar para Elise, euma vez mais a luz pareceu irradiar nela. — Tudo é um jogo de poder e intriga,e um que devemos jogar com muitíssimo cuidado! Não esqueça nunca, Elise,

que os jogadores inteligentes, os lutadores, são os que terminam ganhando! Àsvezes é impossível matar a um dragão mediante a espada, e nessas ocasiões odragão deve ser morto mediante a inteligência!

Elise sorriu, e sentiu amargura em seu coração, evitou que a delatasseatravés de seus olhos. Leonor era uma lutadora..., e uma sobrevivente. Elatambém seria.

Elise teve a estranha sensação de que seus planos para o futuroacabavam de ser santificados. Se era impossível matar a um dragão mediante aespada, então ela faria tal coisa mediante a inteligência. Tudo estava saindomagnificamente bem. Era óbvio que Leonor apreciava muito ao Bryan Stede,mas sentia de maneira muito profunda a responsabilidade que tinha paraElise.

Elise tinha encontrado uma amiga na rainha. Se sabia esperar, semdúvida conseguiria obter as eloquentes palavras que fariam cair a seu dragão.

A oportunidade chegou muito antes do que ela tinha esperado.Will Marshal os deixou na manhã seguinte para ir conhecer sua herdeira,

Isabel de Clare, e se casar com ela.Bryan, Leonor e Elise partiram para os povoados que se encontravam

dispersos pela campina inglesa.Não foi tão difícil como imaginou Elise. Na noite de sua chegada a Dover,

quando ela e Bryan tinham discutido a respeito da conduta de Elise, ela maltinha dirigido a palavra com ele. Então Will Marshal se tornou protetor e agora,com o Will longe, Leonor tinha sido a força que se interpunha entre eles.

Era, pensou Elise, como se Bryan Stede já tinha lavado as suas mãos.E seria melhor que eu fizesse o mesmo, estava acostumado a advertir a si

mesma.Apesar de estar acostumada a saber que ele se encontrava perto durante

os dias de sua viagem, ainda havia momentos em que vê-lo mexia uma partemuito profunda de seu ser, e a enchia de medo. Nunca esteve errada naopinião que tinha dele: Bryan Stede era um homem duro e cruel, e se alguémse opusesse a seus intuitos, Stede seria implacável. Em sua armadura negra,cavalgando sobre o corcel da meia-noite, era a viva imagem do poder. Aspessoas se afastavam para deixá-lo passar, e se inclinavam diante deleinclusive antes de que tivessem visto a rainha. E nenhuma só vez, com o BryanStede liderando a comitiva, a rainha foi abordada de maneira nenhuma.

Tanto Stede como Elise tinham esperado que Leonor viajasse em umaliteira porque, fosse qual fosse sua força, era uma anciã. Mas quando era arainha da França, em uma ocasião seu marido a tinha levado pela força emuma liteira, e inclusive agora se negava a voltar a entrar em uma. Leonor eElise cavalgavam uma junto da outra.

Elise adorou ver o país no verão. Agora o tempo permanecia ensolarado e

lindo para eles, e podia ver claramente os ocasionais moinhos nos campos, osbois e cavalos atrelados a um arado, e a abundância de flores silvestres daestação. As cidades a fascinavam com suas ruas muito estreitas, e os andaressuperiores que acostumavam parecer estar prestes a se chocar uns com outrosalém das estradas. Até a aldeia mais pequena oferecia algum entretenimento:malabaristas, harpistas, flautistas, histriões, e recitadores de baladas eromances. Com frequência, uma vez que Leonor era vista, os histriões vinhamaté ela para a dar de presente com sua arte, e lhe oferecer as balidas de amorque tinham sido compostas em sua honra ao longo dos anos.

Em um pequeno vale chamado Smithwick, se encontraram com umhomem livre que fazia um par de ursos amestrados obedecê-lo. Elise ficoufascinada por seu número, e Leonor a olhou com tolerância.

— Henrique também adorava os ursos. — Disse. — Viajavafrequentemente com eles. Sabia disso?

— Não, não sabia. — Admitiu Elise, e Leonor sorriu.Nesse momento, Elise soube que nunca seria capaz de acreditar nada

mau a respeito da rainha, porque estava começando a conhecer muito bem aLeonor. Nunca dizia a Elise, nada malicioso a respeito de Henrique, emboratampouco fingia negar seus defeitos. Sabia que Elise o tinha amado muito.

Elise poderia ser extremamente feliz..., se não fosse pela constantepresença de Bryan, sempre fazendo lhe sentir como se estivesse ardendo paralogo mergulhar nos calafrios, unicamente para arder novamente.

Naturalmente, ainda passava longas horas tentando decidir o que diriapara causar sua queda, e se assegurar de que perderia a Gwyneth da mesmamaneira em que ela tinha perdido o Percy.

Uma semana depois de sua partida de Winchester, já estavam nosarredores de Londres. Leonor tinha passado o dia falando com as pessoas eaclamando reinado de Ricardo Coração de Leão.

Como de costume, jantaram cedo e logo se retiraram para passar a noite.Não houve mais tabernas sujas, já que Leonor poderia se permitir dispor

da hospitalidade de qualquer uma propriedade. Aquela noite estavam na casade Sir Matthew Surrey, e o ancião cavaleiro estava encantado de poder acolherà rainha viúva. Elise e Leonor tinham recebido um lindo quarto que dava a umcampo de margaridas, e um batalhão de servos tinha deslocado de um lado aoutro para satisfazer de bom grado qualquer capricho delas. Elise tinhadesfrutado de um longo banho deliciosamente aromatizado, e tomando goles deuma taça de vinho esquentado com açúcar e especiarias, enquanto ela eLeonor se recostavam sobre lençóis limpos, conversando calmamente para irdigerindo as emoções do dia. Ela e Leonor compartilhavam um vasto colchãode plumas, coisa que não incomodou a nenhuma das duas, ao viajar, asmulheres aprendiam rapidamente que o mais habitual era que os alojamentosdevem ser compartilhados.

Elise em seguida tinha aprendido que servir a Leonor não tinha nada detrabalhoso. A Rainha era independente. Permitia que Elise lhe penteasse oscabelos e arrumar as suas roupas antes de vesti-las, mas além dessas tarefas,Leonor cuidava de si mesma. Mas Elise nunca se sentia inútil, posto que arainha desfrutava muito de sua companhia. Houve momentos que Elise estavasegura de que a rainha meramente pensava em voz alta, mas mesmo assim sealegrava de poder escutar e nunca temia em oferecer comentários.

Naquela noite, Leonor voltou a abordar o tema das arcas vazias daInglaterra.

— Ricardo. — Disse para Elise, enquanto se deitava na alta cama comseu colchão de plumas de ganso. — Tem uma desesperada necessidade dedinheiro. — Suspirou. — É uma lástima que formasse uma aliança contraHenrique com o Felipe Augusto. Agora Ricardo deve pagar ao Felipe os vinte milducados que Henrique jurou pagar justo antes de sua morte. Isso reduzirásignificativamente as somas que poderia utilizar para a cruzadas. E indo paracruzadas! Ah, liderar uma guerra Santa é uma proposta realmente estimável!Mas se aprende rapidamente a sentir falta do conforto dos lençóis limpos e dossuaves travesseiros... — A voz de Leonor foi enfraquecendo enquanto fechavaos olhos e desfrutava da suavidade de sua cama. Então abriu um olho. —Elise, se importaria fechar a janela, por favor? A noite está ficando fria.

Elise se apressou a levantar da cama e correu até janela. Mas antes deque pudesse fechar a janela, distinguiu um movimento no pátio que haviadebaixo dela e ficou imóvel.

Um homem estava andando a cavalo. Abaixo reinava a escuridão, já quea lua estava minguando, mas Elise se enrijeceu. Reconheceu o Stede. Haviapoucos homens de sua esbelta e poderosa estatura, ou que possuíam a largurados seus ombros. Não usava armadura a não ser unicamente seu manto, e seucabelo pretos estava descoberto. Inclusive com a escassa luz, a escuridão deébano de seus cabelos reluzia como se banhada pelas poucas estrelas quesalpicavam o céu.

— O que acontece? — Perguntou Leonor.Elise hesitou, percebendo que tinha chegado seu momento de iniciar seu

ataque com cuidado contra Bryan Stede.— Nada, Leonor. — Disse rapidamente, falando muito depressa e com

toda a intenção de fazer tal coisa.— Tolices, Elise. O que viu?— Só a um homem que se dispõe a partir a galope da Casa senhorial.— Oh. — Disse Leonor complacentemente. — Então é só Stede.Elise exalou cuidadosamente.— Sim, majestade, era Stede. Não desejava dizer isso porque... porque ele

não deveria deixá-la! Tem a responsabilidade de protegê-la!Os escuros olhos de Leonor se abriram e se posaram carinhosamente

sobre Elise.— Você me lembra ao Ricardo, uma pequena leoa que defende suas

crenças! Mas não é necessário que me proteja tanto, menina. E tampoucoprecisa mentir a respeito de Stede, ou ficar furiosa com ele. Fui eu quemsugeriu a ele que partisse esta noite.

— Oh?— Gwyneth se encontra em Londres. Uma curta cavalgada levará o Stede

junto dela. É um cavaleiro muito galante, cuidando tão atentamente de suavelha rainha. Merece desfrutar de uma noite de liberdade... e prazer. A verdadeé que estou um pouco aborrecida que Ricardo ainda não se ocupou deorganizar o matrimônio de Stede, tal como fez com Will Marshal.

Elise mordeu o seu lábio na escuridão. Ele Merece que cortem a suamaldita cabeça! — Pensou furiosamente. — Então Stede cavalgava para amulher, que pretende se casar. Seu troféu! O maravilhoso e valente Stede, sendorecompensado pelos frutos de sua força!

Elise guardou silêncio e permaneceu imóvel na escuridão, tentandopensar em quais seriam as palavras mais apropriadas. Alguns instantesbastaram para que o silêncio ficasse revelado como sua melhor arma.

— Você não se dá nada bem com Stede, verdade, Elise? — PerguntouLeonor com curiosidade.

— Eu...Leonor riu suavemente.— Não negue isso, Elise. Minha idade traz consigo certos benefícios. Pude

vê-los com frequência durante nos últimos dias. Vocês se evitam um ao outro.Não se falam, não se tocam. Mas cada vez que seus olhos se encontram,podemos sentir, como se Deus tivesse enchido de repente o céu com fogo enuvens de tormenta.

— Têm razão, majestade. — Admitiu Elise em voz baixa. — Bryan Stede,não gosto nem um pouco.

— Por quê? — Elise pôde ver o sorriso cheio de diversão da rainhaquando seus olhos começaram a se acostumar à escuridão. — Se eu fossejovem. — Prosseguiu Leonor, com bom humor seco. — Acho que não seriamuito difícil me apaixonar. Mas, dado que já deixei para atrás os dias em quepraticava essas loucuras e que depois chegava a se lamentar, posso ficar delado e admirar a homens como Bryan Stede. Assim me diga, Elise, o que temfeito esse homem para causar semelhante ódio em você?

Por fim tinha chegado seu momento, pensou, e sentiu como umatempestade de emoções se estremecia por todo seu corpo. Ela iria dar um

passo que não poderia voltar atrás, e tinha que pesar com o maior doscuidados cada palavra.

— É algo do qual preferiria não falar, Leonor.— Tolices! — Exclamou Leonor resolutamente.— Mas eu...— Elise, estou lhe ordenando isso, como a rainha regente da Inglaterra!Elise baixou rapidamente a cabeça, decidida a evitar que a ardilosa velha

rainha visse seu sorriso, já que Leonor lhe estava seguindo o jogo à perfeição.— Majestade, dado que me ordena falar, falarei. Mas também peço-lhe

que mantenha inteiramente confidencial cada uma das palavras que eu disser.— Não precisa me implorar. O que você disser, ficará estritamente entre

nós.Elise deixou escapar um longo suspiro, e manteve os cílios

cuidadosamente baixas sobre os seus olhos para que lhe servissem de escudo.O tumulto de sensações de frio e calor que se apropriou dela fazia que nãoparasse de estremecer, já que ia mentir, ou pelo menos modificar a verdade, enão conseguia evitar se sentir aterrorizada por tudo o que tinha de imprudenteem semelhante ato.

— Stede não me fez nada, Leonor. — Disse finalmente. — É o que fez aoutra pessoa, que me deixa detestá-lo tanto.

— Continue, por favor. — Disse isso Leonor com firmeza enquanto davaalgumas tapinhas sobre a cama. — Se deite, menina, e não fique tãonervosamente imóvel numa prudente distância de mim. Não sou uma loucaassassina, embora assim é como me chamaram quando morreu a pobreRosamund Clifford! Não sou um velho morcego para ter medo!

Elise se deslizou sob o cobertor em seu lado da cama e rezou para quesuas feições ficassem ocultas pela escuridão enquanto apagava a última vela.

— Quero ouvir essa história. — Lembrou Leonor com uma nota deadvertência na voz.

Elise voltou a suspirar com muito cuidado.— Tenho medo, majestade, que seu galante Stede nem sempre foi tão

cavalheiresco. Faz tempo se deparou com uma amiga minha, uma Lady decerta linhagem, quando esta se encontrava em uma circunstância bastantedesagradáveis e se sentia muito assustada. Ele a levou de um lado a outrocomo se não valesse nada, e a obrigou a...

— Compartilhar sua cama? — Perguntou Leonor incrédula.— Sim. — Admitiu Elise com tristeza.Para seu assombro, Leonor começou a rir.— Stede impôs sua companhia a uma jovem Lady!

— Majestade! — Exclamou Elise indignadamente. — Lhe asseguro quepara a jovem Lady não foi uma questão de riso.

— Peço desculpas, Elise. — Se apressou a dizer Leonor. — É que só que étão... absurdo. Stede é um homem que tem a tendência de ter às mulheres,tanto às que possuem um título como às que carecem dele, revoando embandos a seu redor. Elas se sentem atraídas por ele como as flores se sentematraídas pelo sol.

— A história é verdade. — Murmurou Elise.Leonor permaneceu calada, e pensativa, durante alguns momentos.— Se sua história for verdade, Elise, então deve me dar o nome da Lady.

E se tiver sido tratada injustamente, então Bryan tem que esquecer deGwyneth e remediar o dano que fez.

— Não pode remediar...— Pode se casar com a Lady.— Não! — Se apressou a protestar Elise. — Ela não deseja se casar com

ele, majestade. Tem intenção de se casar com outro homem, e se sente muitofeliz com sua escolha. É apenas... muito difícil ver como tal homem érecompensado mediante o matrimônio com uma das herdeiras mais ricas daInglaterra!

Leonor suspirou suavemente.— Se a mulher não deseja se casar com ele, então não há nada que se

possa fazer. E para uma mulher, sim, é possível que tal coisa seja muitoinquietante. Mas isso lhe digo, em minha qualidade de rainha, e tendo apolítica bem presente na minha cabeça tal como a teria em um homem, te digoque... temo que tampouco mudaria muito as coisas, Bryan Stede serve muitobem ao Henrique. Sua lealdade à coroa é indisputável. Será tão inapreciávelpara o Ricardo como foi para o Henrique, e qualquer rei que seja um poucosensato recompensará semelhante caráter. E não é só o caráter. — AcrescentouLeonor ironicamente. — Porque Bryan Stede oferece a Inglaterra uma dasmelhores espadas que existem hoje em dia. A única maneira de que ele poderiafazer para pagar suas ações, seria dispor seu matrimônio com a mulher a queofendeu..., sempre que ela seja da classe apropriada. Mas dado que essamulher não deseja o matrimônio, então não há nenhuma razão para parar ocurso de um matrimônio que é inteiramente apropriado. Gwyneth dispõe detremendas terras e riquezas, e Bryan tem o poder para governar e as conservar.

A força física, pensou Elise com amargura enquanto deitava naescuridão, parecia ser a arma mais poderosa. Ela tinha acertado o golpe daspalavras, e este não parecia ter causado nenhum dano. Verdade, que elasempre viveu em um mundo protegido. Sim, era ela que tinha um título. E eraa filha de um Rei, embora só uma filha bastarda. Contudo, Stede era quemtinha o poder.

Ele era quem possuía o braço que empunhava a espada.— Possivelmente... — Murmurou Leonor.— Disse algo, majestade?Leonor bocejou.— Nada, Elise, nada absolutamente. Apenas me perguntava... O que fará

depois de que Ricardo seja coroado?— Retornar para Montoui. — Disse Elise em voz baixa. — É meu ducado.

— Sorriu. — Ali, sou eu que comando.— É obvio. — Murmurou Leonor. — É obvio...As palavras da rainha foram seguidas por alguns instantes de silêncio.

Elise terminou se convencendo de que Leonor dormia, e o que havia ditocomeçou a dar voltas na sua mente.

Pode se casar com a Lady... pode se casar com a Lady... pode se casarcom a Lady...

Ela dispunha do poder..., se decidia utilizá-lo.E lhe era simplesmente impossível fazer, porque...A única maneira de impedir que Bryan Stede recebesse tudo aquilo que

desejava seu coração, era se interpor ela mesma em seu caminho. Poderia lhecausar dano. Oh, sim, poderia fazer muito dano. Ela não era Gwyneth, com oqual ele estava tão obviamente satisfeito, nem tampouco dispunha de umaquarta parte das vastas terras e grandes riquezas de Gwyneth. Seu ducado erapequeno, nem sequer se encontrava na Inglaterra, e Bryan Stede era inglês.

Mas teria que suportar durante toda a sua vida com uma escura besta deSatanás. Um cavaleiro que, admitia Elise no mais profundo de seu coração,ainda a aterrorizava.

Não, pensou então com súbita excitação, não teria que suportar ele.Poderia falar... e obrigar ao Bryan Stede a aceitar um compromisso nupcial. Elogo poderia ganhar tempo, deixando o matrimônio para mais adiante com umpretexto atrás do outro. Poderia alegar que tinha jurado peregrinar a váriossantuários. O tempo passaria, e então passaria mais tempo..., e finalmenteBryan se veria obrigado a ir para as cruzadas com o Ricardo. Ela poderia fazerisso. O próprio Ricardo tinha feito! Ele estava mais de uma década prometidocom a meia irmã de Felipe, mas nenhum matrimônio jamais tinha acontecido!

Elise imaginou o que aconteceria se Ricardo insistia em que houvesse asbodas, mas se negou a considerar seriamente semelhante possibilidade. E se ofazia... bem, ainda poderia escapar de Bryan antes de que o matrimôniopudesse ser consumado, retornar ao Montoui e fortificar o castelo para entãodar começo à tarefa de encontrar motivos que apresentar ao Papa para obteruma anulação. Provavelmente disporia de anos nos para realizar tal proeza,posto que a Terra Santa se encontrava muito distante.

E no momento em que tudo aquilo tivesse chegado a seu fim, Gwynethsem dúvida já teria sido entregue a algum outro cavaleiro merecedor dela.

Deus abençoado, sim, poderia fazer isso.Stede a mataria, pensou com um súbito estremecimento. Mas só se ele

conseguia colocar as mãos nela onde Leonor não visse. E a rainha nuncapermitiria que isso acontecesse.

— Elise?A suave interrogação de Leonor, surgindo da escuridão quando ela estava

segura de que a rainha dormia, foi tão surpreendente que Elise deu um pulo.— Sim? — Ela perguntou nervosamente.— É você essa Lady?Elise apertou o lençol com os dedos. Se dizia que sim...Poderia estar pondo em perigo sua vida ou, pelo menos, a segurança de

sua carne e de seus membros. Mas as doces e belas águas da vingançacomeçariam a fluir.

Fechou os olhos, franzindo as pálpebras com todas suas forças. Tinhaque estar louca!

— Elise?Abriu a boca, ainda não muito segura qual seria a sua resposta. Mas

nunca chegou a articular uma palavra, porque alguns golpes ensurdecedoresressonaram sobre a porta e uma serva começou a chamar nervosamente àrainha.

— Majestade! Majestade! O novo rei acaba de chegar! Desembarcou!Ricardo desembarcou! Coração de Leão está na Inglaterra!

Leonor saiu da cama com rapidez de um vento invernal, cruzou o quartocorrendo com a agilidade de uma jovem e abriu a porta.

— É isso verdade?A jovem serva caiu de joelhos, apertando as mãos com seu nervosismo.— Oh, sim, majestade! Dizem que desembarcou com centenas de homens

de armas. O Rei... nosso Leão da Inglaterra!— E o povo?— Aclamaram, e jogaram flores de boas-vindas!— Louvado seja Deus! — Exclamou Leonor, levantando a vista como se

pudesse ver o céu e estivesse agradecendo ao Criador com seu sorriso. Entãovoltou o olhar para a jovem, e seu tom adquiriu uma súbita tensão. — E Juan?O príncipe Juan. Você viu?

— Sim, majestade! Sim! Chegou de braço dado com seu irmão!Leonor voltou a erguer a vista, sua apelação ao céu sendo desta vez

muda.— Obrigada, moça! Obrigada!— Oh, para mim foi o maior prazer, majestade!A serva se despediu com uma reverência e Leonor virou sobre seus

calcanhares para voltar a entrar no quarto, esbelta e linda em sua felicidade.Seus olhos se posaram sobre Elise, e Elise viu que a rainha tinha esquecidotudo que se referia a ela, em sua alegria de saber que Ricardo tinha chegado, esido bem recebido.

Era melhor assim. Certamente, ela deveria ter tido um ataque de loucura,que a fez pensar nisso, embora só fosse por um instante, em obrigar ao Stedeque se casasse com ela.

Era sua única esperança... Era uma loucura...— Ah, Elise! — Riu alegremente. — Há tanto por fazer! Me alegro muito

de que Ricardo tenha abrigado ao Juan sob sua asa, mas... Henrique deu tantoa perder ao Juan! Ricardo deverá ter muito cuidado com seu irmão... Vamos,Elise! Vamos! Devemos nos vestir! Devemos estar preparadas!

Leonor acendeu a vela que havia junto na cama e, cheia de excitação,abraçou a Elise.

— Como esperei este momento e rezando por ele! Ricardo..., o Rei daInglaterra! A época para os leões chegou! Leões...

Sim, pensou Elise, é uma época para os leões. E o chefe da manada eraseu irmão. E era a leoa que sabia ser mortal. A leoa... que estava em busca dapresa.

Ricardo não demoraria para ser coroado rei. Não permitiria que sua meiairmã fosse humilhada, nem sequer pela melhor espada que havia em seu reino.No que estava pensando? Ela se perguntou com consternação. Mas sua menteestava liberando um terrível debate consigo mesma.

Podia esquecer de tudo e salvar os restos de sua própria vida. Mas umaparte dela seguia pedindo vingança, e essa porção arrojado e temerária de suanatureza tentava ignorar o horror do que poderia terminar fazendo a si mesma.

Casar-se com o Stede. Era impensável.E contudo...Henrique lhe havia dito que tudo era como uma partida de xadrez.E agora, era a vez dela mover a peça.

Capítulo 12

Elise teve pouco a fazer durante os primeiros dias após à chegada deRicardo. Leonor e Ricardo passavam o tempo trancados, e foi só na terceiramanhã que até os seus conselheiros de maior confiança foram convidados aparticipar de qualquer discussões ou planos.

Naquela terceira noite, Sir Matthew Surrey, que continuava albergando àfamília real e seu círculo mais imediato, abriu as portas de sua propriedadepara um pequeno banquete de boas-vindas. Elise se sentiu muito lisonjeadaquando Leonor quis que ela se sentasse na mesa principal, e se sentiucomovida pela ruidosa acolhida de Ricardo. Mas isso, pensou secamente,formava parte do carisma do Coração de Leão. Ricardo era um grande ator.Quando estava perto dele, a abraçava e a beijava e lhe oferecia magníficas efloridas frases. Quando lhe dava as costas, o rei já tinha esquecido tudo quehavia dito e dava rédea solta a sua única e atraente sonho: as cruzadas.

O príncipe Juan estava com ele. Um irmão totalmente diferente aoCoração de Leão, Juan era baixo, moreno e mal-humorado, mas seus olhoscontinham uma intensa astúcia da qual Ricardo carecia. O príncipe estevemuito amável com Elise, e a jovem se viu nervosamente se questionando arespeito daquele outro meio irmão dela.

Ricardo estava tantos anos prometido com Alys, irmã de Felipe daFrança, que a maioria das pessoas já havia perdido a conta do tempotranscorrido. A crença geral era que Henrique tinha seduzido a Alys há muitosanos, e depois se dedicou arrastar o assunto até que o matrimônio entreRicardo e Alys se converteu na grande piada da ilha inglesa e o continenteeuropeu. Mas Leonor com frequência tinha falado com Elise sobre a verdade,lhe contando que Ricardo não gostava das mulheres.

Por conseguinte, o príncipe Juan era o herdeiro de Ricardo até quechegasse o momento em que Coração de Leão pudesse gerar um herdeiro,supondo que esse acontecimento chegasse a acontecer alguma vez.

A ideia de Juan sentado no trono da Inglaterra resultava imensamenteaterrador, devido a sua irresponsabilidade e sua cruel natureza. A única coisaque poderia fazer era esperar que Ricardo desfrutasse de uma longa vida cheiade saúde.

Geoffrey e eu descendemos de Henrique. — Pensou Elise. — Mas nenhumde nós jamais poderá chegar a tocar na coroa. Leonor, com tudo isso nos ama,ocuparia por não ser desse jeito.

Tampouco se tratava de que ela ou Geoffrey fosse tentar obter a coroa.Ambos eram muito inteligentes para chegar a fazer tal coisa.

Geoffrey Fitzroy também se encontrava ali naquela noite. Parou para falarcarinhosamente com Elise, antes de ocupar o seu posto do outro lado da mesa,junto do príncipe Juan.

Percorrendo a longa mesa com o olhar, Elise viu que reunia a algunsconvidados muito interessantes. Hadwisa de Gloucester, que devia ser a

prometida de Juan, estava sentada no outro extremo junto de Geoffrey, queestava sentado junto de Juan. Juan, o segundo indivíduo mais importante doreino, estava sentado junto de Ricardo. Ao lado de Ricardo, naturalmente,estava Leonor. E então vinha a própria Elise. Junto dela, no momento, haviaum lugar vazio e, além dele, outros três assentos. Elise se perguntou paraquem seria.

Pergunta não demoraria muito tempo em ser respondida. No princípioElise pensou que Ricardo se levantou e estava de pé atrás dela, porque asombra e o tremor da chama da vela que criava na parece só podia pertencer aum homem muito alto. Então ouviu sua voz, suave e sardônica.

— Parece que esta noite vamos compartilhar uma taça. Que agradável.Me comportarei com galanteria, é claro, e permitirei, minha boa duquesa, queseja a primeira em beber. Depois beberei, me encontrando livre da preocupaçãodo veneno.

O sangue corria fervendo para os seios, o pescoço e as bochechas deElise. Como era costume na época, uma taça tinha sido colocada junto a cadalugar que havia na mesa e ela tinha que compartilhar a sua com Bryan Stede.

Ergueu o olhar para ele estreitando os olhos, mas seus lábios securvaram em um sorriso que continha muita doçura.

— Meu querido Sir Stede! Se eu fosse você, não cometeria a temeridadede me apressar a beber! Se realmente for uma cadela de Satanás, como vocême chamou em mais de uma ocasião, sem dúvida poderei beber umaabundante quantidade de veneno sem que me faça muito dano.

Stede arqueou uma sobrancelha enquanto puxava a cadeira para trás etomava o assento, com sua coxa roçando na dela.

— Não, duquesa, vejo que não soube escolher o descritivo apropriado.Não é mais que carne e sangue, equipada com longas unhas e uma línguamuito afiada. Ah... ah! — Ele advertiu de repente quando ela se dispunha aresponder. — Tenha muito cuidado com o que diz, duquesa. Não se iluda. Aquivem seu prometido.

A consternação, como um lago de negro líquido, encheu rapidamente ocoração de Elise quando seus olhos seguiram a direção do olhar de Stede.

Percy vinha para eles.As lágrimas arderam nos olhos de Elise quando o viu. Tinha um aspecto

maravilhoso, tão esbelto e majestoso, com suas feições tão delicadamenteesculpidas e seus inconstantes olhos castanhos penetrantes e cheios de almaquando se encontraram com os dela.

Elise não podia esquecer as coisas que Percy havia dito e feito...Mas tampouco poderia esquecer que o tinha amado. Possivelmente ainda

o amava, já que seu coração nem sempre conseguia obedecer a seu orgulho.

Percy não veio primeiramente para ela, mas sim saudou a família real.Ricardo apresentou afetuosamente para Leonor. Mas uns instante depois,Percy já estava diante de Elise e se inclinava sobre sua mão. Elise sentiu o rocede seus lábios em sua carne, e ouviu a suave pergunta a respeito de seu bem-estar que lhe enunciava.

E durante todo esse tempo soube que Stede estava observando-a,olhando-a fixamente. Sorrindo com aquele sarcástico sorriso, enquantocontemplava a trocas de cortesias que ocorriam entre eles. Alguns instantesdepois, tudo tinha terminado. Percy estava se levantando. Mas se virava para oBryan...

— Stede. — Disse Percy, saudando-o com uma seca inclinação de cabeça.— Montagu. — Stede devolveu a saudação, inclinando a cabeça em troca.Houve um conflito entre os dois homens, algo indefinível que espreitava

no ar flutuando ao redor deles.E um instante depois, aquilo também havia desaparecido. Percy se foi.

Elise percebeu de que Will Marshal tinha chegado à cabeceira da mesaescoltando a uma linda moça, e que estava apresentando ao Percy como suanova prometida.

Então sentiu os olhos de Bryan Stede novamente fixos nela e estendeuapreensivamente a mão para sua taça de vinho, apenas para encontrar com amão de longos dedos do cavaleiro que estava lá antes dela. Ergueu os olhospara os seus.

— Estou surpreso que não tenha pedido a seu prometido que se sentasseperto de você, duquesa.

Elise ignorou o comentário e disse:— Sir Stede, se deseja lhe assegurar de que seu vinho não está

envenenado, posso sugerir que deixe a taça e me permita beber dela?Ele assim o fez, mas continuou olhando-a fixamente. Elise bebeu um

longo gole de vinho, sem lhe passar a taça depois.— Onde se encontra sua prometida esta noite, Sir Stede?— Segue em Londres, desgraçadamente. E infelizmente, ainda não é

minha prometida. Ricardo não tem intenção de me conceder nem um sóinstante de seu tempo, até que ele seja coroado.

— Ah, que pena! — Elise se compadeceu sarcasticamente. — Nosso rei,que logo será coroado, mantém você pendurando por um fio! E, portanto,minha posição ainda é superior à sua, senhor! Como isso deve frustrar você!Terra e riquezas... tão perto... ao alcance de sua mão!

— Terra... e uma delicada beleza! — Lembrou ele sem que seu sorrisoaparecesse alterado nem um pouco.

— Sim, realmente seria uma lástima que tudo isso escorresse entre os

seus dedos. — Murmurou Elise com doçura.Ele se aproximou um pouco mais.— Mas não será assim. E cada dia que passa estou um pouco mais perto

de meus objetivos. Ânimo!— Por que diz isso?— Porque cada dia, estamos um pouco mais perto do dia em que nossos

caminhos serão separados para sempre. Um dia em que não sentirei maistentado em estrangulá-la, porque não me encontrarei o bastante perto de vocêpara fazer tal coisa...

Elise sorriu afavelmente e esvaziou a taça.— Oh, sim, Sir Stede, isso me dá novos ânimos.Não houve mais conversas entre eles porque Marshal, um Marshal muito

mudado com um radiante sorriso nos lábios, saudou a ambos. Sua jovemprometida, Isabel de Clare, era uma delicada beleza de doce voz. Parecia estarmuito satisfeita com o guerreiro que lhe tinha correspondido por marido, eElise se sentiu atravessada por uma leve pontada de inveja manchada demelancolia.

Isabel era jovem e muito atraente. Mas embora seu matrimônio tinha sidoorganizado por outros, lhe tinha concedido a um dos melhores homens eatenciosos que jamais desembainharam o aço para o seu rei. Enquanto paraela...

Só podia rezar para que Percy seguisse seu próprio caminho, pelo menosaté que os planos de Elise tivessem sido traçados.

Os problemas não começaram até que o jantar tinha terminado há muitotempo, até que os músicos tocou as suas melodias, até que os convidadosaplaudiram e aclamaram.

Elise parou para falar um momento com Isabel e Will Marshal. Elesestavam casados há pouco mais de uma semana, e ambos felizes para falar desuas bodas em Londres. Elise gostou instintivamente de Isabel. Era umamulher inteligente e serena, perfeita para seu querido Will. E enquantoescutava sua alegre conversa sobre as bodas, realmente pôde esquecer suaprópria situação e desfrutar do prazer que despertava nela a companhia docasal recém-casados.

Foi quando saía para o pátio, tranquila e cheia de serenidade, quando seassustou e se encheu de alarme por uma voz que falava, asperamente e muitoalto, na sombra de umas árvores distantes.

— Foi você, Stede! E não tinha nenhum direito de tomar o que era meu.Tem uma dívida comigo...

— O que tomei pertencia unicamente à Lady em questão. E não erabastante importante, Percy, para que seu coração seguisse sendo fiel.

Com um encolhimento de medo, Elise olhou nervosamente em torno dela.A voz de Percy ia subindo de tom com cada palavra. Mas no mesmo instanteem que o medo a encheu de algo espantosamente vivo, percebeu que só ela,Will e Isabel se encontravam dentro do pátio para ouvir a conversa que estavaacontecendo entre os dois cavaleiros formalmente embelezados.

— Você a violou...Uma áspera gargalhada interrompeu Percy.— Isso foi o que ela disse? Possivelmente esqueceu de explicar as

circunstâncias. Vou lhe dizer uma coisa, agi como fiz sem ter nenhumconhecimento de seu interesse pela Lady. A situação era... única.

— Vai pedir desculpa! Suplicará meu perdão, e me pagará umacompensação pelo que...!

— Não suplicarei seu perdão por nada, Percy Montagu! — ExplodiuBryan, subitamente farto de tudo aquilo.

Percy bebeu muito, pensou Elise com alarme, enquanto via como ele selançava sobre o Stede em um selvagem ataque. Bryan Stede deu um passopara trás, e Percy caiu no chão. Mas se levantou rapidamente, desta vezbrandindo uma adaga.

Uma vez surgindo da sombra das árvores, os dois homens eramclaramente visíveis. Stede afastou o golpe do braço de Percy quando a adagateria afundado nele. Então avançou com os dedos apertados em um punho quedirigiu com firme pontaria para o queixo de Percy, e este caiu ao chão.

Elise esqueceu a presença de Will e Isabel, e inclusive esqueceu de Stede.Enquanto Percy desabava sobre a dura pedra do pátio, ela correu para ele parase ajoelhar ao seu lado. Segurando a cabeça dele no colo, ergueu os olhos parao Stede para lhe lançar um olhar cheio de fúria.

— É uma besta!Foi um daqueles momentos em que os olhos dele pareciam ficar negros,

profundos, escuros e insondáveis. Ele pretendia falar, e então encolheu osombros.

— Você deve isso! — Disse Elise, descarregando o peso. — Não tinhadireito de... de...

— Eu não comecei a disputa.— Você poderia ter a decência...— De permitir que me esfaqueasse? Minhas desculpas, duquesa.

Possivelmente sim, sou uma besta. Meu instinto de sobreviver é muito fortepara que possa agir como um galante cavaleiro em semelhante situação.

Elise voltou o olhar para o Percy quando este gemeu. Alisou os seuscabelos afastando da testa, mordendo o lábio enquanto deslizava nervosamenteos dedos sobre sua carne em uma rápida busca de feridas graves.

— Você me defendeu. — Murmurou com ternura, quase sem perceber deque tinha falado em voz alta.

Stede riu, um som tão áspero como cheio de amargura.— Defendeu? Duquesa, o pedido de desculpas que pretendia obter de

mim era de natureza monetária.Elise ergueu a vista rapidamente para ele.— Você mente! — Acusou, mas sua voz era um débil sussurro. Já havia

aprendido que os ideais e as verdades estavam acostumados a ser duas coisasmuito diferentes.

Stede nunca chegou a responder. Os olhos de Percy se abriram e aolharam, embaçados pelo vinho e a dor.

— Stede... tem as recompensas. O prêmio sempre é dele...— Eu não sou dele, Percy. — Disse Elise com doçura. — E não sou um

prêmio.— Mas foi... — Sua voz sumiu quando seus olhos se encontraram com os

de Stede, que ergueu muito acima dele. — Ele sempre chega primeiro. E nuncatenta corrigir.

— O que queria que corrigisse, Percy? — Quis saber Bryan comexasperação, elevando as mãos para o céu.

— Elise...— Elise? — Bryan cruzou os braços em cima do peito e a olhou, com seus

olhos estreitos e escuros, mas sua postura cheia de paciência e seu tom muitocortês. De repente Elise se encontrou incapaz de falar sob seu escrutínio, eBryan voltou a dirigir seu olhar para o Percy. — Possivelmente deveria teexplicar com maior detalhe o que aconteceu. Não cavalguei até Montoui e leveiela de lá. Para falar a verdade, a duquesa ofereceu a si mesma com umamentira do mais interessante sobre seus lábios. — Seu penetrante olhar voltoua cravar em Elise. — Você nega isso, minha senhora? Se for assim, peço quefale. Estou aberto para debater a respeito de qualquer ponto.

— Elise? — Percy inquiriu com lamentação.Ela não o respondeu, mas sim falou com o Stede.— Ponho a Deus por testemunha do muito que te odeio!Ele encolheu os ombros.— Duquesa, digamos que você não soube ganhar o meu coração. Não

faço nenhuma acusação, porque tanto você como eu sabemos ao que me refiro.— Seus olhos se voltaram uma vez mais para o Percy, e Elise odiou acompaixão que viu dentro deles. — Mas sobre isso, não posso dizer nada mais.Se ela deseja falar sobre isso ou não, é assunto dela. Se tenho que ser sincero,eu mesmo continuo mergulhado na escuridão sobre isso. Mas cada uma de

minhas ações daquela noite foi racional, e não oferecerei nenhuma desculpa.Mas não caia no desânimo, Sir Percy. Ela me despreza. E aparentemente estáprofundamente apaixonada por você.

— Apaixonada! — Balbuciou Percy com um fio de voz, e a amarguratransbordou dele como o vinho de uma taça que se encheu muito. — Stede...

Uma garganta foi limpa com um súbito e deliberadamente barulhentopigarro. Elise se apressou a olhar para o Will Marshal novamente, ecompreendeu que o som realmente tinha sido uma advertência.

Ricardo Plantageneta estava entrando no pátio, com seu porte e a rapidezde seu andar sendo o próprio do monarca que está realmente irritado.

— Pelos dentes de Deus! Eu gostaria de saber o que está acontecendoaqui!

Ninguém falou. O penetrante olhar de Ricardo se posou em Percy, caídono chão, e então foi para Elise e finalmente para Bryan. Bryan comprimiu oslábios em uma apertada linha. Will Marshal, vendo que a derrota estavaalcançando um nível perigosamente explosivo, decidiu intervir e deu um passoà frente.

— Não é nada importante, alteza. Uma mera disputa pessoal que oscavaleiros Stede e Montagu devem resolver entre eles.

— Malditos sejam os dois! — Rugiu Ricardo. Tinha uma voz capaz deencher o pátio inteiro, e desfrutou com o espetáculo que supunha utilizá-la. —Tentamos contribuir uma transição pacífica na Inglaterra..., e dois de meuscavaleiros de maior valia rasgam seus pescoços um do outro! Quem queratribuir a origem da disputa?

Stede guardou silêncio. Percy falou com voz áspera.— Surgiu de mim, alteza.— Deseja desafiar a Sir Stede a uma justa, ou possivelmente a cruzar as

espadas?Elise, que estava tão perto de Percy, ouviu e sentiu ranger dos seus

dentes. Depois se levantou, ela o ajudou a se levantar. Por um instante, olhoupara Stede com amargura. Então ele se virou para Ricardo.

— Não, alteza. Necessitarão de ambos, nos dias que virão.Ricardo ofereceu a todos o seu olhar de leão enfurecido.— Então não ouviremos falar mais disto. Sir Percy, felicito por sua

sensatez. Se me inteirar de que houve mais problemas, ambos poderãosaborear uma fria masmorra de Londres até que aprendam a ser mais donos deseus temperamentos. Me entenderam bem?

— Sim, alteza. — Murmurou Percy.— Stede! — Gritou Ricardo.

— A disputa nunca foi minha, alteza. — Olhou para Elise por uminstante, e então voltou a centrar sua atenção no Ricardo. — Não tenhonenhuma conta pendente com Sir Percy.

Ricardo não tinha nada mais o que dizer. Com um último e iracundoolhar ao grupo que formavam os três, girou sobre seus calcanhares, seu mantovoando majestosamente ao redor dele, para retornar à casa senhorial.

Will, temendo mais problemas apesar das severas advertências, seapressou em ir até Bryan Stede.

— Bryan...— Já vou, Will. — Dirigiu uma inclinação de cabeça para Elise, e então

outra para Percy. — Duquesa... Sir Montagu...Will começou a exalar um suspiro de alívio. Mas antes de que ele e Bryan

tivessem dado dois passos, Percy já estava voltando a vociferar para Bryan.— Ainda te matarei, Stede.Will sentiu a forma musculosa de seu amigo enrijecer. Bryan parou e se

virou, mas misericordiosamente não perdeu a paciência.— Você e a duquesa têm muito em comum, Percy. Uma tendência às

ameaças, e uma grande debilidade pelo assassinato. Lhe desejo toda afelicidade do mundo, mas se planeja dedicar sua vida a causar minha ruína,então tenho pena de você. A vida deveria oferecer algo mais que umacompanhia tão mesquinha e insignificante.

Bryan Stede se inclinou na frente de ambos, se virou abruptamente e sedispôs a seguir os passos de Ricardo com Will Marshal agora no seu encalço.Isabel lançou um olhar hesitante para as costas de seu novo marido, hesitou eentão foi até Elise.

— Rogo que não se preocupe. Will e eu nunca divulgaremos nada distopara além do pátio em que nos encontramos neste momento. — Disse, e entãosorriu e se virou graciosamente para seguir o Will.

Então Elise ficou a sós com Percy. Este esfregou a sua mandíbula edepois seus olhos cheios de tristeza se encontraram com os dela.

— Sinto muito, Elise. — Murmurou, e ela se perguntou o que queria dizercom isso. Lamentava a cena humilhante diante do Rei? Sentia, talvez, não ter acoragem de desafiar o Stede em uma justa? Ou estava triste porque tinhadesejado amá-la, e descobriu que era simplesmente incapaz de fazer isso?

Percy pegou a sua mão e a levou aos lábios.— Sinto muitíssimo.Mas ela nunca chegaria a entender o Percy, porque então ele não se virou

para a casa senhorial, a não ser para o vazio da noite escura.Quis chamá-lo para que voltasse, dizer algo, fazer algo, chegar até ele de

alguma forma e tentar entender tudo o que ela tinha perdido..., e por que. Mas,como à noite, seu coração parecia estar vazio e escuro, e não pôde se mover enem falar.

A única coisa que pôde fazer foi ver partir o Percy.— Deus, como eu adoraria enfrentar a esse normando de pálido rosto em

uma justa! — Resmungou Bryan, com suas botas golpeando o chão em umarítmica progressão, enquanto andava pelo salão da casa de Londres, quealguns amigos tinham cedido ao Will e Isabel. — Esse homem parece um pavãoe se comporta igual a um deles! Vem até mim e me confronta..., mas logo serecusa a me desafiar!

Will olhou para Isabel, que respondeu a seu olhar com uma expressãocheia de calma enquanto servia outra taça de vinho para seu convidado. Willsuspirou e, sendo companheiro de Bryan por um longo tempo, se atreveu aexpor sua opinião.

— Bryan, dificilmente pode culpar Percy por sua hostilidade!Bryan cessou seus passos e, com as mãos apoiadas nos quadris, olhou

fixamente o Will.— Possivelmente não culpo o Percy. Pelo menos não o culpo por nada

mais que a covardia! Culpo à cadela que ele chama sua prometida! Ah, se Elisede Bois fosse capaz de dizer uma só palavra que contivesse alguma verdade!Ou se fosse capaz de manter uma discussão! Mas não, o que faz é envenenarmeu vinho! Will, te juro que na noite em que nos conhecemos tentou cortar omeu pescoço investindo toda a sua força com isso. E depois vem até mim, nadamenos que de joelhos e... Pai nosso que estás nos céus! O que eu fiz parachegar a conhecer essa mulher!

Will teve a audácia de rir.— Bem, meu amigo, eu diria que em algum momento sem dúvida terá

sido seu desejo... chegar a conhecer essa mulher!Bryan lhe lançou um olhar ameaçador.— Começo a ficar faminto pelas cruzadas, e de ter na minha frente

milhares de muçulmanos gritando, enquanto me ameaçam com suas espadas.— Talvez, — Disse Isabel, em um tom suave e tranquilizador que, apesar

tudo, não evitou que suas palavras removesse a ira de Stede, mas como umafaca para aumentar ainda mais. — Você deveria ter pedido para se casar com aDuquesa de Montoui.

— Me casar com ela! — Explodiu Bryan. — Santo Deus, só o diabo devevir a padecer desse semelhante destino! — Mas logo suspirou. — Isabel, nãotenho mais de monstro do que Will, aqui presente. Quando soube o que tinhafeito, o pensamento chegou a passar pela minha cabeça. Mas o certo é que eladeseja veementemente me ver morto e também é verdade, como viram estanoite, ela está apaixonada por Sir Percy. Fiquei em silêncio a respeito daquela

noite, como tem feito ela..., ou assim pensei. Não pretendo causar mais danos.Está prometida com o Percy, e... e espero que Gwyneth e eu em breve faremosnossos votos matrimoniais. Se estou realmente em dívida com alguma mulher écom Gwyneth, porque agora faz muitos anos que já nos conhecemos um aooutro.

Isabel escutou o Bryan, lhe ofereceu a taça de vinho e logo voltou a falarserenamente.

— Não sei o que te dizer, Bryan. Sua ira me parece curiosa, como a suaexpressão, quando viu como a Lady Elise mostrava sua terna preocupação porSir Percy. — Olhou para Will, com suas feições iluminadas por um suavesorriso que realçava sua jovem beleza. — Cheguei a conhecer muito bem essaexpressão, Will. Sabe do que falo?

Will lhe devolveu o sorriso e então olhou astutamente para Bryan.— Sim, Isabel, sei de que falas.— Bem, diabos que me levem se entendo! — Exclamou Bryan.Isabel riu com deleite, e Bryan descobriu que invejava a seu amigo e sua

felicidade recém encontrada. Matrimônio, sim, aquilo era o que significava omatrimônio. Aquele agradável entendimento, aquela maravilha querepresentava chegar a conhecer a um ao outro. Aquele matrimônio tinha sidoacordado e, no entanto, não poderia ter sido, porque o robusto guerreiro e ajovem herdeira realmente pareciam feitos um para o outro.

— Bryan, se eu posso ser considerado um bom juiz dos homens e dasmulheres, o que acontece não é tanto o que despreza ao Percy Montagu, é comocobiça o que é dele.... ou será dele.

— O quê?— Acredito que ainda desejas à duquesa.— Lady Isabel. — Disse Bryan com um prolongado suspiro. — Receio que

o matrimônio tenha feito você perder o julgamento. — Ele balançou a cabeça eentão soltou uma risada. — Ou possivelmente não. A duquesa é uma criaturade imensa beleza e enorme atraente. Mas só atinge os sentidos, e não ocoração, porque é dura e orgulhosa. Sim, pode ser que a deseje..., da maneiraem que o homem foi feito para desejar uma mulher. Mas lhe asseguro que nãolhe desejo nenhum mal. Rezo para que ela e Percy se casem e vivam felizmentedurante todo o tempo que estejam destinados a passar neste mundo.

Isabel encolheu os ombros.— Pense nisto, Sir Stede. O que deseja para eles talvez não seja possível.

Acredito que Sir Percy está muito ciumento de você. Ambos lutaram, mas vocêe Will foram os favoritos de Henrique. Ricardo já quer você perto dele, e confiaem você. Agora você arrebatou algo mais de Percy.

— O quê? Uma só noite com uma mulher? Então Percy é um idiota,

porque a vida se compõe de muitas noites.— Você o ouviu falar. — Disse Isabel com doçura. — Você foi o primeiro.

Para o Percy, isso significa muito. E você sabe muito bem, Bryan Stede, que amaioria dos homens sentiria o mesmo. Os homens podem ir onde bementender, mas esperam que suas prometidas cheguem a seu leito maritalsendo virgens.

Bryan escutou as palavras de Isabel e lhe sorriu pensativamente. Depoisfoi para ela, tomou suas mãos nas suas e beijou suavemente cada palma.

— Realmente. — Disse. — Will não poderia ter encontrado mulher maislinda, ou mais sábia, nem que tivesse percorrido o mundo inteiro. Will, minhasmais sinceras felicitações aos dois.

Abraçou ao Will, e logo se dispôs a deixá-los.— Bryan! — Chamou seu amigo quando saia. — É muito tarde! Passa a

noite aqui!— Não, não posso ficar. — Bryan sorriu. — Sua felicidade me

atormentaria até me enlouquecer. E tenho que retornar à Casa senhorial.Ricardo me pediu para encontrá-lo no escritório de Sir Matthew assim queamanhecesse.

— Boa viagem! — Despediu Isabel.Bryan se despediu agitando a mão, e logo partiu. Will e Isabel não

demoraram para ouvir o repicar dos cascos de seu corcel enquanto se afastava,com o galope de seu cavalo tão desenfreado como a ira que enchia seu coração.

Will suspirou.— É doloroso... — Murmurou.— Porque ambos são seus amigos e os ama muito. — Disse Isabel.— Sim.— Os dois são orgulhosos, meu senhor, e ambos estão dominados por

naturezas tempestuosas. São uns lutadores, e portanto têm que liderar suaspróprias batalhas.

— Tem razão, esposa. — Murmurou Will, tomando-a em seus braços.Sentir as suaves curva do corpo de Isabel junto ao seu fez que seuspensamentos de tristeza e preocupação começassem a dissipar. Tinha sidoabençoado com aquela mulher, linda, atenciosa, sábia...

E apaixonada. E o matrimônio era algo tão novo para ele...Seus lábios roçaram os dela com tremente assombro, e quando voltou a

olhá-la aos olhos, os seus estavam maravilhados.— Não podemos interferir. — Murmurou. Mas já tinha esquecido do que

estava falando. Tomando Isabel em seus braços, começou a soprar as velas.Mas havia alguém que tinha intenção de interferir, totalmente.

Quando Elise despertou, Leonor já havia se levantado e desaparecido. Ajovem se levantou, ainda cansada apesar de sua noite de sono, jogou água deuma jarra dentro de uma bacia. Apenas tinha lavado o rosto quando bateramna porta e uma jovem serva entrou para saudá-la com uma reverência.

— Bom dia, Lady Elise. Sua majestade, Ricardo Plantageneta... — A moçahesitou de uma maneira que fez que Elise a olhasse com curiosidade, e entãocompreendeu que estava tendo dificuldades para repetir as palavras deRicardo. A serva suspirou, e logo continuou falando. — Sua majestade ordenaque vá ao escritório de Sir Matthew, depois do salão de banquetes.

Elise se enrijeceu, se perguntando o que estaria planejando. Ordens...ordens! Aquilo não era um convite, a não ser uma convocação real.

— Descerei imediatamente. — Prometeu à moça com uma composturaque dissimulava a inquietação de seu coração. A serva saiu com umareverência, aparentemente aliviada de que sua mensagem tivesse sido bemrecebida.

O que eu fiz? Se perguntou Elise, franzindo a testa com uma sombra depreocupação logo que a moça partiu. Nada, não tinha feito nada. E Ricardo eraseu meio irmão! Tinha carinho por ele...

Era Ricardo, Coração de Leão. Estava alongando os braços, flexionandoos músculos do poder. Tinha lutado com seu próprio pai durante muitosanos...

E estava a ponto de ser coroado rei. Era o poder, o poder supremo.Com o medo enchendo o seu coração, Elise se vestiu rapidamente e

desceu a toda pressa. A sala de banquetes estava vazia, apesar da horaadiantada, já fazia muito tempo que os servos já tinham feito desaparecer todaa confusão da noite anterior. Uma dupla porta de grossa madeira emoldurava oescritório que havia junto do salão. Elise hesitou na frente dela, tentandoacalmar as desenfreadas palpitações de seu coração. Era a duquesa deMontoui. Não tinha feito nada de errado. Ricardo e ela eram do mesmosangue...

Ela se obrigou a bater ruidosamente na porta.— Adiante!Era a voz do Coração de Leão. Estava de um humor bastante estranho

para rugir. Elise manteve a cabeça alta, e logo entrou na sala.Ricardo estava sentado junto da mesa de trabalho de Sir Surrey, com

vários dezenas de pergaminhos e livros grandes na frente dele. Olhou para ela,e o impessoal de seu olhar causou novos calafrios que torturaram a coluna deElise. Em seguida viu que Leonor se acomodou em uma grande cadeira derespaldo reto elaboradamente esculpido que havia perto da mesa. A rainha lhe

sorriu distraidamente, e Elise foi para a mesa enquanto Ricardo ordenava ospergaminhos que tinha espalhados em cima dela.

O que era aquilo? Se perguntou Elise por um instante. Fosse o que fosse,pelo menos só envolvia a ela, Ricardo e Leonor.

Ou isso foi o que lhe induziu a acreditar no princípio. Mas logo ouviu umleve ruído atrás dela, o suave roce de uma bota. Se virou abruptamente paraver que não se encontravam sozinhos depois de tudo.

Bryan Stede estava de pé junto ao suporte da lareira, um cotovelocasualmente apoiado nela, com sua postura sendo a do cavaleiro que poderiarelaxar e mesmo assim permanecer sempre alerta. Estava vestido formalmente,com sua magnífica túnica de linho que era de uma cor azul escuro e seu mantoera um pouco mais escuro, e se estendia por cima de um só ombro. A rigidezpresente em suas feições era severo, e sua expressão não tinha nada deindiferente. E seus olhos não pareciam ser nem azuis nem negros, mas simsemelhavam arder com todos os fogos do inferno.

Capítulo 13

— Sou um homem muito ocupado. — Começou dizendo Ricardo, sem selevantar, ou sem parecer prestar atenção a nenhum dos presentes noescritório. Seus olhos não se separavam dos pergaminhos que havia na frentedele. Elise se surpreendeu um pouco ao ver que os pergaminhos que estudavaeram títulos de propriedade.

Finalmente Ricardo levantou a vista. Seus olhos se deslizaramrapidamente sobre Elise para terminar posando em Bryan Stede além dela.

— Vim para Inglaterra para reclamar minha coroa, mas nunca esqueci deque há aqueles que acreditam que levei a meu pai para tumba. Quando a coroaesteja indiscutivelmente colocada em cima de minha cabeça, terei que meconcentrar nas finanças. Quando houver resolvido minhas dificuldadesfinanceiras, terei que planejar a gloriosa batalha por Deus e me pôr emcaminho para reconquistar Terra Santa.

Ricardo seguiu falando, pondo toda sua ênfase nas dificuldades etribulações de um jovem monarca. Elise se atreveu a lançar um rápido olharpara Leonor, mas a rainha se limitou a inclinar a cabeça e continuou olhandopara Ricardo.

— Portanto, — Estava dizendo Ricardo. — Considerei mais convenienteresolver as pequenas questões das disputas, títulos, terras e matrimônios...agora. Stede!

— Sim, majestade.

Elise não podia ver Bryan Stede, mas soube que ele não se intimidoudiante do tom de Ricardo.

— Certos rumores concernentes a sua pessoa e a Lady Elise chegaram ameus ouvidos. O que tem a dizer?

Só transcorreram alguns instantes antes de que Bryan respondesse, maspara Elise pareceram toda uma vida. Podia sentir os olhos de Bryan cravadosem suas costas com tanta intensidade como se emanassem um autêntico calore a queimassem com a força de sua ira. Elise não queria que outras pessoassoubessem, especialmente Ricardo. Há também o fato de saber que foi elaquem tinha causado tudo aquilo, que as palavras tão cuidadosamenteplanejadas que disse para Leonor tinham sido absurdas e insensatas...

— Me conte o rumor, majestade, e lhe direi se é verdade ou falso.— Você a violou?Elise se manteve totalmente imóvel, desejando poder derreter e morrer

antes de suportar o pesado eco das palavras de Ricardo, as quais pareciamricochetear por toda a habitação. Uma vez mais, Stede hesitou com uma ligeirapausa que, apesar de sua brevidade, pareceu exercer uma terrível pressãosobre Elise. Não queria se virar para ele, mas fez isso e viu que os olhos deStede estavam cravados nela.

— Isso, majestade, é algo que acredito que deve responder a Lady emquestão. — Olhou-a com gélida cortesia, expectantemente. — Duquesa?

Elise queria sair, deixar a sala, deixar a casa senhorial, deixar aInglaterra. Queria retroceder no tempo, fingir que nunca tinha visto asperigosas feições de Bryan Stede e que nunca tinha conhecido seu nome.

— Elise! — Disse Ricardo com voz ensurdecedora. Elise queria baixar acabeça, e quis golpear o Coração de Leão por humilhá-la daquela maneira. Nãopoderia permitir que sua cabeça se inclinasse, porque devia se apegar a seuorgulho.

— Certamente, majestade... — Começou a dizer, tentando ganhar tempoenquanto rezava para que uma resposta fosse a sua mente. Podia dizer quesim, e para o seu coração aquilo seria a verdade. Mas sim exigiria darexplicações, e Ricardo sendo um homem, muito bem poderia encontrarjustificadas as ações de Stede. — Não é uma questão que deva consumir seuprecioso tempo...

— Então não permitamos que consuma mais tempo de que requer! —Respondeu Ricardo secamente.

— Possivelmente seja de pouca importância...— Elise, sem dúvida é de importância para você, porque do contrário

minha mãe nunca teria chegado a se envolver nela. Agora, eu gostaria deescutar uma resposta.

Assim tinha sido Leonor. Santo Deus, pensou Elise, Ricardo acabava decondená-la aos olhos de Bryan, e ela nunca tinha tomado a decisão final deenforcá-lo. Mas tinha feito que as engrenagens começassem a girar, e agora adecisão lhe tinha sido arrancado de entre as suas mãos. Ou não? Era aquilo éum tribunal investigador? Estava ela e Bryan sendo submetidos a julgamento?Ou possivelmente as sentenças já tinham sido ditadas.

Elise sentiu que Bryan dava um passo à frente. O calor pareciaimpregnar o ar ao redor dele, e se sentiu tentada em se afastar, como se suacarne temesse sofrer a queimadura de um fogo.

Por um instante terrível quis gritar. Queria se inclinar diante os joelhosde Leonor e lhe rogar que permitisse ir para casa. Tinha querido vingança. E,dominada por aquela selvagem obsessão, o que tinha feito?

— Esta manhã a duquesa de Montoui parece ter certas dificuldades parafalar, majestade, o qual é muito estranho nela. — Disse Bryan sem perder acalma. — Assim, farei quanto possa para responder à pergunta. Se eu a violei?Nunca foi minha intenção. Ela disse coisas que me induziram a acreditar quenão era inocente. Comprometi seu valor de uma duquesa com título e terras?Sim, majestade. Mas sem que houvesse nenhuma má intenção por minhaparte. A noite em que nos conhecemos eu estava sobrecarregado pela confusãoe a dor, e a duquesa, acredito, se sentiu obrigada a interpretar um papel queme induziu a pensar que ela... não veria com maus olhos que tivéssemos umapequena aventura.

Era certo. Elise tinha ido de joelhos até ele, havia-lhe dito que tinha sidoa amante de Henrique. Nenhuma das palavras que Stede acabava dizer eramentira...

— Pelo sangue de Deus, Bryan! — Disse Ricardo com irritação, mas Eliseem seguida percebeu de que não estava furioso com Bryan Stede, a não sermeramente perplexo ante a situação criada. — Os campos estão cheios decamponesas que desejam ser tomadas, e você.... Ah, isso não importa. Mereciater sido recompensado muito generosamente por sua infatigável lealdade àcoroa, Bryan. Você se manteve junto do meu pai, e me demonstrou suafidelidade. — Ricardo fez uma breve pausa e arranhou a sua dourada barba. —É bem sabido que você e Gwyneth são amantes há muito tempo, mas Gwynethnão era nenhuma donzela inocente quando vocês se conheceram. Me diga,quando soube desta situação... — Ricardo assinalou para Elise de umamaneira que a fez arder em desejos em bater cabeças de touro dos doishomens. — Não te ocorreu pensar que deveria ter oferecido matrimônio àduquesa?

Bryan riu, e Elise pensou com raiva que poderiam estar desfrutando deuma ociosa conversa sobre o sexo débil, enquanto esperavam ser chamados aocampo de batalha.

— A ideia passou pela minha cabeça, majestade. Mas a julgar pelo o que

ela mesma disse, a duquesa estava determinada a se casar com o homem queescolheu. Me pareceu que eu não tinha nenhum direito de impedi-la

— Não pensou na questão da descendência?— Sim, e ela me assegurou que não haveria nenhum.Estavam falando dela como se fosse uma égua que alguém poderia

pensar em comprar. Elise teve que lembrar a si mesma que Ricardo era o podersupremo no país, e que poderia tirar tudo dela, se assim decidisse. Primeiro,não se atirava as coisas em Coração de Leão ou se lançava sobre seu rosto comas unhas preparadas para tentar tirar os seus olhos. Não, se queria seguirvivendo com todos seus membros, sua saúde e suas propriedades intactas.

Os olhos de Ricardo se pousaram nela, e Elise encarou ele. Tentou com oseu olhar de água-marinha lembrá-lo que era sua irmã, que era de seu sanguee que não tinha nenhum direito de tratá-la como se fosse um objeto de suapropriedade tal como estava fazendo agora.

Mas os olhos de Ricardo permaneceram impassíveis.— Você me coloca em um dilema, Stede, porque a verdade é que se deitou

com ambas as mulheres. Mas não acredito que, nestas datas, a Lady Elisepossa garantir a nenhum de nós que o tempo que passaram juntos não váproduzir descendência. Gwyneth... é uma mulher mais do mundo. E com suariqueza, será aceita de bom grado por qualquer homem. Receio que já nãoposso dá-la a você, Bryan.

Ricardo voltou a contemplar seus pergaminhos. Elise sentiu um selvagemmomento de triunfo, havia tirado algo de Stede, algo inestimavelmentedesejado.

Mas a que preço?Ricardo voltou a erguer os olhos para Elise e Bryan.— Sir Bryan Stede, é minha decisão que você e a Lady Elise se casem.

Fixarei a data para... a noite anterior à coroação. Nessa noite terei necessidadede você para a coroação, é claro, mas logo lhe darei tempo, como fiz com oMarshal, para que vocês se familiarizem com o matrimônio.

Uma torrente de água gelada pareceu se precipitar ao redor de Elise comoa enxurrada de um rio transbordado. O latejar retumbou em seus ouvidos.Acaso não tinha sido ela que tinha pensado tudo aquilo, quase planejando porsi mesma? Mas até aquele momento nunca tinha parecido tão horrível. Não atéque Stede parou atrás dela e Elise sentiu sua ira, fervendo dentro daqueleincontrolável fluxo que ameaçava fazer ela cair de joelhos...

— Venha aqui, Stede! — Ordenou Ricardo, agitando com os dedos sobre opergaminho que havia em cima de sua mesa. — Não permitirei que saiaperdendo com este matrimônio. Elise já tinha Montoui, mas olhe isto. Estasterras... se estendem junto daquelas que pertencem a Gwyneth. O território éainda maior, se caso fui informado corretamente. Antes pertenciam ao velho Sir

Harold, mas Harold morreu durante essa última semana de batalhas naNormandia. Fiz que vários estudiosos comprovassem minuciosamente osregistros para que ninguém se ofendesse, e os registros demonstraram queHarold e Sir William, o pai de Elise, eram primos longínquos, dos tempos deGuillermo o Conquistador. A posse dessas terras, Bryan, fará de você não só oDuque de Montoui, mas também o Conde de Saxonby e o senhor dos condadoscosteiros mais baixos. — Ricardo ergueu o olhar para Stede, com o orgulho eum prazer infantil visivelmente presentes em suas feições. — Acredito, SirStede, que será recompensado com mais generosidade do que poderia ter sidode outra forma.

Elise mal conseguia ficar em pé. Tremores que poderiam ter sacudidochão pareciam estar crescendo dentro dela. Tudo era muito irônico, muitoinjusto! Stede ainda ia ser recompensado apesar de tudo..., e através dela!

Bryan se tinha inclinado sobre o pergaminho, mas nesse momentolevantou a cabeça e seus olhos se encontraram com os de Elise.

Havia tantas coisas naquele olhar de cor índigo. Triunfo. Ira. Escárnio.Risada...

Elise deu um passo à frente e se inclinou diante Ricardo.— Isso não é necessário, majestade. Sir Stede e eu dificilmente somos

compatíveis, e uma vez que sua relação com Lady Gwyneth já está há muitotempo estabelecida...

Ricardo se levantou, se erguendo com toda a sua estatura. Olhou paraLeonor, sorriu e então se virou para Elise.

— Minha resolução em relação a este assunto me parece completamentesatisfatória. — Disse a seguir.

— Montoui é meu! — Elise gritou imprudente. — E desprezo Sir BryanStede!

Possivelmente, por fim, tinha lembrado ao Ricardo que era filha de seupai. Suas feições, embora cheias de impaciência, se suavizaram.

— Não estou tirando Montoui de você, Elise. Me limito a te dar ummarido com quem dividir as responsabilidades. E as mulheres foramabençoada com naturezas volúveis e inconstantes. Estou seguro de que nãodemorará para se resignar com a ideia. Este matrimônio, duquesa, foi criadopor você mesma.

— Não! — Protestou Elise. — Nunca me resignarei a isto, Ricardo! —Prosseguiu, sem se importar que estivesse se dirigindo a Ricardo, ou que Bryanestivesse diante dela e estivesse ouvindo cada palavra. — E quanto a Gwyneth?— Quis saber. — Ela tem muito mais direito a esse homem do que eu! — Faziaapenas uma hora, teria adorado saber que ninguém pensava no futuro dapobre Gwyneth, contanto que não incluísse o Stede.

— Gwyneth terá o Percy Montagu. Ele é jovem, merece essa recompensa e

está necessitado de terras. Acredito que serão perfeitamente compatíveis. Aquestão está resolvida. Agora posso retornar a minha eterna e maldita buscade dinheiro!

Sem se incomodar em solicitar a permissão de Ricardo, Elise viroubruscamente sobre os calcanhares e foi para a porta.

— Elise! — Trovejou a voz de Ricardo atrás dela.Elise se virou muito devagar e, com bastante relutância, fez uma

reverência.— Majestade?— Você vai lembrar que sou o rei!— Não esqueci isso.O olhar de Elise se posou em Leonor, quem permanecia em silêncio

enquanto contemplava a cena com seus penetrantes e escuros olhos totalmenteinsondáveis. O que você me fez! Quis gritar Elise.

Mas o olhar de Leonor permaneceu cravados em Ricardo, e Elisecompreendeu que já tinha obtido tudo o que poderia esperar do monarca emascensão. Coração de Leão não se deixaria ser humilhado por uma mulher. Senão controlava o seu caráter até que ela já não estivesse diante dele, poderiadespojá-la de todas as suas terras. O magro fio de seu relacionamento com elesó serviu de algo enquanto ela o obedecesse, e devendo saber sobre os reis quetinham chegado a matar quando os vínculos de sangue interferiram com seudomínio absoluto.

Tudo isto foi obra minha. — Lembrou a si mesma. — Sim! Para que Stedepudesse perder tudo...

— Me desculpe, majestade. — Disse Elise com uma reverência, e saiu dasala com uma dignidade a qual se agarrava tenazmente.

Os arredores da propriedade de Sir Matthew estavam lindos. O verãocobria a terra com um intenso verde e uma abundância de cores, conforme asflores silvestres foram se abrindo sobre as suaves colinas e dentro dasprofundezas dos bosques.

Elise selou ela mesma sua égua apesar das ofertas em ajudá-la, com osquais se esforçaram os cavalariços de Sir Matthew. Sabia que houveconsternação entre eles, porque tinha escolhido cavalgar sozinha, mas nãoconseguiram impedi-la. Em parte, porque não se importava com o que poderiaser dela. E em parte simplesmente porque não poderia suportar seguir na Casasenhorial quando estava tão furiosa, com o espírito dilacerado e sua últimaesperança desaparecendo.

O sol da manhã a envolveu com seu resplendor e o vento ondulou atravésde seus cabelos. Além das pastagens nos quais baliam e pastavam as ovelhas,

um riacho tremia sob os dourados raios da manhã, e foi rumo daquelairresistível fita de prata para onde Elise estava galopando.

Sua égua só estava interessada nos longos e úmidos caules de erva quecresciam formando frondosos maciços junto das águas, e Elise deixou quevagasse por onde quisesse.

Sem pensar em sua delicada túnica de linho, tirou os sapatos e entrou noriacho. Uma rocha plana durante séculos pelo fluxo das água a chamava, e foiaté a rocha para se deitar por um bom tempo em cima de sua longitude epermitir que o sol ondulasse sobre ela, e lhe desse calor.

Que estúpida tinha sido. Seu título, sua relação com Ricardo.... Nadadisso significava nada. Os castelos eram recompensas, as terras eramrecompensas..., as mulheres eram recompensas. Elise de Bois não era diferentede qualquer outra mulher.

Falei com Leonor, joguei com essa idéia como um meio de causar aperdição de Stede... A vingança é minha, disse o Senhor, lembrou a si mesmacom amargura. Tão irônico, e tão verdade. Ela se condenou a suportar uminferno em vida porque tinha sido bastante estúpida para acreditar nelamesma.

Agora já estava feito. Stede não teria a Gwyneth, mas teria a metade deCornualles devido a algum parente longínquo do pai adotivo da própria Elise.

Era como uma caricatura grosseira de tudo aquilo que tinha lhe ensinadoHenrique.

Elise fechou os olhos contra o sol. O que podia fazer agora? Apelar oPapa..., e se arriscar sujeitar ira de Ricardo. Ricardo não demoraria para partirpara sua cruzadas, e certamente nenhuma outra coisa lhe importaria. Emrealidade a única coisa que ele importava era a cruzadas. Assim que tivessepartido...

Assim que tivesse partido, Stede teria ido com ele. Talvez para seencontrar com uma lâmina sarracena e morrer. Realmente desejava ela a suamorte?

Não. Chinon lhe tinha ensinado tudo o que precisava saber sobre amorte, o sangue e os corpos destroçados. Apesar de todo o ódio que tinhachegado a albergar dentro dela, de repente Elise queria a paz. Tinha perdido oPercy. Mais que o Percy, tinha perdido o sonho do amor. Mas já estava feito, enada poderia ser mudado. Tentando combater ao mundo, a única coisa tinhaconseguido era se machucar a si mesma.

— Quero ir para casa... — Ela se ouviu sussurrar em voz alta.Tinha entrado na arena acreditando que sabia como jogar o jogo, e agora

percebeu com uma imensa tristeza de que não sabia nada. A juventude e atristeza a tinham impulsionado a lutar, e tinha sido derrotada. Agora a únicacoisa que poderia fazer era rezar para que o passar dos anos lhe trouxesse

mais sabedoria, e uma maior moderação.Não havia nenhuma saída? Podia negar a fazer seus votos. E do que

serviria isso? Leonor tinha desafiado o Henrique..., e então tinha passadodezesseis anos de sua vida encarcerada. Poderia Ricardo chegar a ser tãoimplacável?

Elise terminou ficando tão profundamente mergulhado em seus lúgubrespensamentos que não ouviu se aproximar o corcel, e tampouco ouviu nadaabsolutamente até que um leve movimento a advertiu de uma presençapróxima. Abriu os olhos e descobriu o Bryan Stede contemplando-a do alto desua imponente estatura.

As águas do riacho chegavam até suas botas de meio cano e, como estavaacostumado a ter por costume, estava imóvel com as mãos apoiadas nosquadris, como se sempre estivesse pronto para desembainhar sua espada.

Mas agora parecia mais pensativo do que furioso, e Elise se sentia muitodesgraçada por temê-lo.

Ela olhou nos seus olhos, e então voltou a fechar cansadamente os seus.— Por que está aqui? — Perguntou com uma voz sem reação.— Porquê?Elise não podia vê-lo, mas soube por instinto que uma escura

sobrancelha se arqueou.— Duquesa, isso deveria ser óbvio. Me parece que temos muitas coisas

para conversar.— Não posso pensar muito o que te dizer. — Murmurou Elise secamente.

Então estremeceu quando a ponta calosa do polegar dele se deslizou sobre suabochecha, e seus olhos voltaram a se abrir de repente.

— Elise, tudo isto é sua obra.— Não...— Duquesa, não tenho problemas de audição. Você foi até Leonor, e só

Deus sabe o que disse.— Não pretendia que isso acontecesse. — Disse Elise nervosamente. A

tentação de se afastar de seu contato era muito forte e não foi o desejo defanfarronear, mas sim, mas um cansaço intenso, que lhe impediu de fazer talcoisa.

Ele sorriu, mas com uma grande amargura na curva de seus lábios.— Por uma vez, acredito em você. Só tinha intenção de escurecer minha

imagem diante Leonor..., e assim me privar de um futuro.— Você não merece ter um grande futuro.— Mas, oh, parece que vou ter isso!

Alguns instantes antes, Elise tinha querido a paz. Mas Bryan Stedepossuía um notável talento para deixá-la furiosa.

— Isso ainda pertence ao futuro. — Disse com voz gélida, deslizandograciosamente suas pernas debaixo dela, para assim poder se livrar de seucontato e se sentar a um braço de distância dele. — Há tantas coisas incertasneste mundo! O raio pode cair em qualquer momento. Estamos falando de umadata para qual ainda faltam três semanas! Eu poderia cair morta em qualquermomento, e estou segura de que tenho mais primos longínquos na Normandiadispostos a reclamar minhas propriedades...

Elise se interrompeu com um ofego sufocado quando ele a agarrou pelosombros, segurando-a não dolorosamente, mas sim com uma firmezairresistível. Os olhos de Stede capturaram os seus com uma intensidade coríndigo que sobressaltava e assustava.

— Espero que não esteja pensando em fazer nenhuma tolice. — Ele disseduramente.

— Tolice? — Repetiu Elise, confusa e cada vez mais nervosa. Então riusecamente. — Se refere algo como pôr fim a minha própria vida, Sir Stede? Issoé muita consideração. Não merece que se morra por você..., ou por causa devocê!

— Então, — disse ele com doçura. — Faça o que disse Ricardo para fazer,se resigne ao futuro.

— E você resignou a ele, Stede? — Inquiriu ela. Ele sorriu, mas uma vezmais a expressão que apareceu em seu rosto foi aterrorizante.

— Resignado, duquesa? Como não ia estar? Você me contribuiu com umariqueza muito maior do que nunca tenha imaginado.

— Riqueza! — Exclamou Elise furiosamente, libertando os ombros de suamão com um brusco movimento. — Acaso é a única coisa que se importa? Oque acontece com Gwyneth? Faz só duas noites que foi vê-la! Para estar comela. Tinha planejado sua vida com a Gwyneth e, entretanto, hoje Ricardo te dizpara jogar fora, e você renuncia ela! O que vai ser de sua vida, Stede? O que vaiser dos anos, e dos dias e das noites que irão acontecendo à medida quedecorrem esses anos? Me diga isso Stede. O que vai ser de Gwyneth?

Pareceu pulsar uma tênue linha azul de uma veia dentro do pescoço fortedele. Elise estava submetendo a uma dura prova a um temperamento que eratão explosivo como o fogo, mas não importava.

— Gwyneth, — Disse ele, com sua voz notavelmente controlada. — Vai secasar com Sir Percy. E agora me diga uma coisa, duquesa: O que vai ser dessagrande história de amor que havia entre você e ele? Que lugar correspondiaocupar Percy dentro de seus planos de vingança?

Elise baixou os olhos, mas não os ocultou o bastante depressa, porqueele riu.

— Isto é maravilhoso! Decidiu me aceitar porque o grande e nobre Percyte virou as costas! E você fala de amor! Oh, que grande história de amor deveter sido a sua!

— Houve um tempo, antes de você aparecer, em que era maravilhosa.Estava cheia de sonhos e fé nos anos que viriam depois! Nunca decidi quererter você, Stede! Não quero você. Não quero ter nada que a ver contigo...

— Tem uma maneira realmente muito notável de demonstrar quais sãoseus sentimentos. Mas apesar de todas as coisas que me tem feito...

— As coisas que eu fiz para você!— Me envenenar, para citar um. — Lembrou ele sarcasticamente.— Eu não tenho... Oh, não importa! Esta conversa não serve de nada.— Me importa. Importa-me muito. Esta conversa não vai ser inútil,

porque depois dela, finalmente terá algumas coisas claras.— Finalmente terei algumas coisas claras? — Inquiriu Elise com voz

gélida.— Põe a prova minha tolerância, Elise. — Advertiu ele suavemente, e

apesar do calor do sol, ela sentiu esfriar subitamente as águas do riacho quecorriam ao redor dos dedos de seus pés. Lançou um olhar aflito para amargem, e pensou em ficar de pé para atravessar rapidamente o riacho paraela então fugir de Stede. Será que ele se atreveria continuar a perseguindo ali,com a Casa senhorial tão perto que poderia ser visto?

— Se tivesse vindo falar comigo. — Ouviu ele dizer. — Teria casado comvocê sem uma ordem real e sem toda esta comédia de um comparecimentodiante de Ricardo e Leonor. Acredito que isso é o que mais me enfurece. Deixoumuito claro como me desprezava, e tentei me manter afastado de você. Então,nas minhas costas, ganha o carinho da rainha e chora diante dela como se nãotivesse sido mais que uma vítima doce totalmente inocente.

— Eu era uma vítima inocente!Ele levantou as sobrancelhas cortesmente.— Sendo a amante de Henrique? Dificilmente poderia ser inocente,

minha querida duquesa. Se esqueceu de dizer para Leonor que estava fugindode Chinon, e que tinha em seu poder o anel de Henrique. Tenho certeza quevocê também se absteve de lhe contar que dirigiu a ponta de uma adaga paraminha garganta e, em seu próprio castelo, envenenou o vinho que deu a umconvidado.

— Stede, te digo pela última vez que não envenenei seu vinho! Mas desdeque parece estar convencido de que você deve temer constantemente por suavida em minha presença, não seria mais sensato recorrer ao Ricardo? Se osdois, nos negarmos a contrair o matrimônio...

Ele começou a rir novamente, pondo um pé em cima da rocha junto dela

e apoiando um cotovelo em seu joelho.— Duquesa, eu estava zangado. Muito zangado. Eu não gosto que me

force a fazer nada. Mas este é seu leito conjugal, e te deitará nele!A margem estava chamando-a com uma força ainda maior. Elise olhou

para o Stede, sentindo que uma negra raiva enchia seu coração. Estavamdiscutindo suas vidas, e ele achava tudo muito divertido. Sua postura setornou relaxada e livre de formalidades, e a ideia do matrimônio não odesagradava nem um pouco. Ele podia desprezá-la, mas enquanto Elise viesseacompanhada por um título, riquezas e terra, a opinião que tivesse a respeitodela não era importante.

Então Elise sorriu de repente, vendo que a postura de Stede se tornouum pouco mais relaxada.

— Meu leito conjugal, Sir Stede? Lhe asseguro que nunca me deitareinele.

Com aquelas palavras tão categóricas, ficou em pé e apoiou docemente aspalmas na largura de seu peito. Antes que a suspeita fizesse estreitar os olhosdele, Elise empurrou com todas as suas forças e recebeu a satisfação de vê-locambaleando para trás, ele quase conseguiu recuperar o equilíbrio, masacabou desabando no riacho.

E ela estava pronta. Iniciou uma frenética corrida para a margem, sem seimportar que seus pés descalços tivessem que correr sobre o leito salpicado depedrinhas do riacho. Sabia que podia se mover ligeiramente quando queriafazer isso.

Mas tinha subestimado o Stede, um erro que tinha cometido com muitafrequência, se lembrou cheia de tristeza assim que sentiu a força dos dedosdele ao redor de seu tornozelo. Elise já quase tinha chegado à margem cobertade musgo, quando um ofego escapou inconscientemente de sua garganta,notou que caía, que era lançada justamente pelo ar, que se desabava sobre apequena correnteza do riacho. Tossiu e cuspiu enquanto a água enchia suaboca e se introduzia em seus pulmões, no princípio só pôde pensar nanecessidade de respirar.

Os dedos dele se enredaram nos seus cabelos e os puxando fazendo queseu rosto voltasse a ficar por cima da superfície, mas embora ela tossisse eofegasse em busca de fôlego, Stede se sentou escarranchado em cima deladentro do riacho.

— Voltemos para a conversa, duquesa. Eu tinha outros planos paraminha vida e você os alterou. Casar-nos-emos no dia antes da coroação. Éjovem, e posso perdoar o que aconteceu no passado. Estou disposto a fazer umesforço neste sentido, apesar do muito que me enfurece a maneira em que vocêse comporta. Juro que não guardarei qualquer reserva pelo o que você temsido, mas também te advirto que se utilizar a violência ou a mentira contramim de qualquer forma, tomarei represálias da mesma natureza. Será minha

esposa, e fica totalmente dentro da lei que um marido açoite a sua esposa atédeixá-la à beira da morte. Preste atenção em minha advertência, e nos daremosmuito bem. Duvide dela, e....

— Nunca duvidei da sua capacidade para a violência. — Disse Elise,tremendo dolorosamente sob seu aperto.

Ele resmungou um juramento cheio de impaciência, mas algo que viu nosolhos dela fez que se abstivesse de seguir falando. Os grandes olhos de Elisepermaneciam serenamente cravados nos seus, e eram tão belamentecristalinos como a abundante cor de água-marinha do riacho que brilhava aoredor deles. Bryan sentiu ela tremer, e viu a dor enrijecer suas frágeis feições.O que ela realmente queria? Se perguntou de repente. A doce beleza quesempre protegia Marshal, que ela parecia pensar que era? Rasgada etranstornada pela perda e os acontecimentos que foram acontecendo a seuredor? Ou realmente era uma bruxa por natureza, bastante ardilosa parautilizar seu rosto e sua forma em seu aproveito quando surgia a necessidade?Elise de Bois seguia negando que o tivesse envenenado... Mas Por Deus! Eletinha sido envenenado... em seu castelo.

Suspirou, se sentindo subitamente muito cansado ele também. Umapequena maldade levava com tanta frequência para outra que uma árvore seconvertia em um bosque cheio de armadilhas dos erros e dos mal-entendidos.Ela tinha amado, e aparentemente seguia amando, ao Percy Montagu. Ele é tãobastardo que lhe tinha feito muitíssimo danos com sua admissão de quaiseram suas prioridades. O qual agora resultava realmente irônico, dado queapesar de tudo Percy iria se casar com uma mulher que já tinha sido de Bryan.Mas quando Percy se negou a casar-se com Elise, ela não era tão rica como eraagora, que Ricardo tinha intervindo no assunto. Sendo um cínico por natureza,Bryan estava seguro de que Percy teria tido muitas poucas dificuldades paraaceitar a Gwyneth. Junto com a Isabel de Clare, e agora Elise, Gwyneth era aherdeira mais rica do país.

Bryan fechou os olhos por um instante. Era certo. Fazia tão só duasnoites ele tinha estado com a Gwyneth. Havia sentido o calor com o qual ela oenvolvia, desfrutando de sua risada e seu amor pela vida. E por ele...

A dor, o remorso, a tristeza... Tudo aquilo puxava de sua consciência e deseu coração. Tinha imaginado uma vida agradável. Como um cavaleiro, tivessecavalgado para a batalha, mas haveria um lar ao qual retornar. Um fogo quelhe daria a boas-vindas, e o calor ainda mais doce de uma esposa que o amava.Desejosa de poder acolhê-lo cada vez que ele retornava ao seu lar, se sentindofeliz porque poderia recebê-la... Mas em vez de Gwyneth, iria ter a aquelaguerreira harpia. Nunca saberia o que ela andava tramando nas suas costas,nunca seria capaz de comer ou beber em sua própria casa sem se perguntarse...

Vai me dar não só Montoui, a não ser a metade de Cornualles, lembrou asi mesmo. E por muito que tentasse, tampouco poderia esquecer a noite que

tinha terminado trazendo consigo todos aqueles acontecimentos, a noitedurante a qual ela o tinha enfeitiçado. Como um perfume que flutuasse no ar,aquela lembrança ainda permanecia dentro dele, fazendo que a desejasse mais,como um moço que tivesse saboreado um doce néctar e desejasse voltar asentir aquele sabor...

Era uma lástima que nove em cada dez vezes, também sentisse o desejode amordaçá-la a antes de levá-la para cama.

Bryan abriu os olhos e voltou a suspirar quando viu que ela seguiacontemplando-o com a hostilidade e a revolta em seu olhar.

— Elise, Ricardo ditou seus decretos. — Ele disse. — Agora noscorresponde decidir se a vida vai ser um céu ou um inferno.

Sua voz tinha sido tão suave, tão delicada. Havia delicadeza inclusive noroce impalpável de seus olhos cor índigo quando se encontraram com os dela.Uma nuvem passou na frente do sol, e uma súbita e vertiginoso enjoo seapropriou de Elise. Ela se viu imaginando como seria esse homem quandoescolhesse ser terno. Como seria quando ele tocava na Gwyneth? Acariciava-acom ternura? Sorria sem escárnio algum quando lhe falava em sussurros?

O enjoo se converteu em um calor que percorreu todas suas costas,levando consigo o frio das águas que fluíam ao redor dela. Sempre era sério eimponente? Ou ria com prazer e sussurrava doces palavras nascidas de suafantasia quando ele... tocava a Gwyneth? Sempre era duro como o aço e tãocortante como sua espada, ou às vezes era vulnerável, crédulo, terno...?

Elise tragou saliva e expulsou aqueles pensamentos de sua cabeça.Nunca poderia esperar delicadeza e ternura, ou nem sequer bondade e umtratamento respeitoso, daquele homem. Bryan Stede continuaria sendo umenigma distante para ela, da mesma maneira em que ela era para ele. Maspossivelmente... possivelmente tendo escutado aquelas palavras que nãoencerravam hostilidade alguma, agora ela poderia tratar de remediar uma partedo desastre que tanto tinha contribuído a causar.

— Bryan... por favor. Se nós dois fôssemos ver o Ricardo...— Não comparecerei diante dele, Elise.— Mas por que...? — Ela começou a perguntar, e então a amargura subiu

como uma bílis por sua garganta. — A terra. A terra e os títulos. Isso é a únicacoisa que te importa! — Ela disse.

A mandíbula de Stede pareceu tensa, mas sua resposta não contevehostilidade alguma.

— Não seja tão rápida na hora de menosprezar o desejo de ter terras eum lugar no mundo. Passei minha vida lutando pela terra, e sempre fazendoisso por outro homem. Você nasceu tendo sua riqueza, duquesa. Não desprezetanto o fato de que eu tenha me esforçado durante muito tempo para obter aminha.

— Claro que o desprezo! Montoui é meu.Ele riu brandamente.— E agora, duquesa, também tem a metade de Cornualles. Devido a

mim. Não está um pouco agradecida a mim?— Agradecida! Não! Não sinto o menor desejo de possuir a metade de

Cornualles!Por um instante Elise escrutinou seus olhos com um penetrante e

intenso olhar, desejando não estar aprisionada pela mão de Stede dentrodaquelas águas que já se tornavam fria em cada lugar onde ele não a tocava.Aqueles lugares onde sim a tocava, em troca, pareciam estar ardendo.

— Bryan... — Começar novamente com doçura, pensando quepossivelmente ainda fosse possível salvar algo. E suas palavras seriamrazoáveis. — Bryan, os títulos e as terras e, Cornualles... valem muito mais doque Montoui. Você pode ficar com elas! Nós podemos obedecer ao Ricardo.Podemos nos casar, mas então, nos separaremos amigavelmente para sempre.Eu retornarei para Montoui, e você pode ir inspecionar as propriedades deCornualles! Ambos sabemos muito bem que nunca poderemos ser outra coisa,senão os mais amargos dos inimigos, e não há nenhuma razão pela qualdevamos passar nossas vidas mergulhados em uma eterna infelicidade...

— Esqueça!As palavras cheias de excitação que Elise ia pronunciar ficaram presas

em sua garganta. Já não havia delicadeza ou rastro de ternura algum presentenos olhos de Stede. O azul se tornou terrivelmente escuro, e o índigo tinhapassado para o negro. Sua pele morena franziu tensamente em cima de suasenérgicas feições, e sua mandíbula endureceu até se converter em um robustocheio determinação. O calor de seu rígido contato contrastava intensamentecom a frieza do riacho.

— Porquê? — Murmurou Elise.— Duquesa, da mesma maneira em que desejo terras, também desejo

herdeiros legais aos quais possa deixar tudo aquilo que construí. Um homemsó pode engendrar herdeiros legais com sua esposa segundo a lei.

Elise fechou os olhos, sem poder reprimir o estremecimento que sacudiuseu corpo debaixo de Stede.

— Sinto que me encontre tão repulsivo. — Ele disse com voz gélida. — Eutampouco sinto nenhum desejo de passar minhas noites em um campo debatalha. Mas se isso é o que você escolheu que seja, Elise, então isso é o queserá.

Ela manteve os olhos firmemente fechados.Não, não será tal coisa, decidiu. Desta vez seus pensamentos não foram

fruto de malícia ou de vingança, a não ser meramente da determinação, e de

um temor profundamente enraizado. Não poderia levar a vida que desejavaStede. Não poderia ser um objeto de sua propriedade, permanecer encerradana casa senhorial como se fosse uma posse e estar ali para recebê-lo quandoassim o desejasse, silenciosa e resignada quando ele gritasse suas ordens epartisse, para a batalha... ou para uma mulher que estivesse mais dispostapara acolhê-lo.

Elise não poderia fazer aquilo por nenhum homem...E especialmente, não por Stede. Odiava-o por não ter acreditado

nenhuma só palavra quando ela tinha dito, odiava-o pelo o que ele tinha feito, eo odiava pelo o que pensava dela. Ele estava disposto a perdoar. E ela queria apaz, mas não o preço determinado por ele.

— Não te assusta a ideia de se casar comigo? — Inquiriu friamente.— Me assustar?— Disse que em uma ocasião te envenenei...— Verdade. — Respondeu ele com a mesma gelada cortesia. — Mas

também disse que perdoaria a sua juventude, e seus erros do passado.Acredito que posso fazer você entender que uma tentativa similar realmente irialevá-la no mais absoluto sofrimento.

O tom era cortês, e a ameaça não poderia estar mais clara.Elise manteve toda a serena dignidade de que era capaz dentro da

humilhação de sua posição debaixo dele no riacho. Não fez nenhum esforçopara resistir o seu aperto, mas manteve a voz firme e tranquila.

— E não te incomoda saber que estará se casando com uma mulherprofundamente apaixonada por outro homem? Que estará desejando essehomem, desejando sentir seus braços ao redor e...

— O que você deseje não é assunto de minha incumbência, duquesa. Oque você faça, naturalmente, que isso sim será. Assim deseje quanto te dervontade, Elise, mas a partir deste momento me considere seu guardião. Elembre-se que não deve duvidar nem um pouco da minha capacidade para aviolência.

— E quanto você, Sir Stede? — Disse Elise, perdendo o controle de seutemperamento. — O que me diz de você... e de Gwyneth?

Um sorriso sarcástico curvou no canto dos lábios dele, mas ao mesmotempo uma nuvem opaca pareceu se espalhar repentinamente sobre seusolhos.

— Gwyneth acaba de ser entregue para Percy. — Disse ele mais tarde.— Percy se negará a se casar com ela! — Exclamou Elise

impetuosamente.— Outra teoria que poderemos pôr a prova. Até o momento, você é a

perdedora.

— Ainda não é meu superior, se é que está se referindo a essa teoria.— Os maridos sempre são os superiores de suas esposas. — Disse Bryan

alegremente.— Não, por todos os...!— É o que estabelece a lei, Elise.Por que tentava encará-lo agora, desde aquela posição absurda de

demonstração que ela estava sob seu domínio?— Compreende tudo o que te digo, Elise?— Por favor, — Ela se limitou a dizer, sem dar nenhuma resposta a suas

palavras. — O riacho está frio, e você está me machucando.Nesse momento, Stede teve que decidir que ela tinha se submetido diante

de sua vontade, porque uma sombra de compaixão cruzou velozmente por seusolhos e então ele virou rapidamente para um lado para libertá-la. Elise selevantou com uma graça natural e voltou a olhá-lo nos olhos.

— E você compreenderá que prefiro te evitar até as bodas? — Perguntoudistantemente.

— Como desejas.Elise se sentiu estranhamente afastada de tudo aquilo, enquanto

contemplava como ele se levantava diante dela. Era mais alto que Ricardo,pensou de uma maneira muito diferente. E desde a sua grande distância, podiaadmitir que Bryan Stede era o perfeito cavaleiro. Musculoso, mascuidadosamente perfilado até adquirir uma delicada agilidade. Implacável,determinado, poderoso e a pele curtida pela intempérie.

Sim, era perfeito cavaleiro. O papel de nobre com terras, iria tão bemcomo o de rei para Ricardo.

Mas tudo fazia com que Elise o odiasse ainda mais, porque isso a deixouainda mais assustada. Sabia que Stede tinha intenção de deixá-lacompletamente submetida a sua vontade. Por conseguinte, afastaria de seucaminho. Sua vida apenas se veria afetada por isso, Bryan Stede continuariavivendo como antes, com a única diferença de que seria mais rico.

Elise conseguiu sorrir vagamente enquanto se virava e chamava a suaégua. Porque sua mente estava muito longe dali, e estava tão longe dali, queera devido a seus planos que já estavam girando rapidamente dentro dela.

Contrairia matrimônio com o Stede. Mostraria todo o dócil que poderiachegar a desejar a ele ou Ricardo.

E assistiria à coroação. Cumpriria com seu dever de ver como Ricardo eracoroado rei da Inglaterra. Iria ao grande banquete de braço dado com BryanStede...

Mas assim que começassem as celebrações, ela já teria partido.

Começaria a fazer discretos acertos agora mesmo, e desaparecia o mais rápidopossível.

Montoui era dela. Se pudesse chegar até ali sozinha, seria preciso todoum exército para que ninguém pudesse argumentar esse fato.

E para Ricardo não andava sobrando exércitos. Teria necessidade detodas suas forças para conservar a Inglaterra, e para seguir adiante com suaprópria paixão, a cruzadas pela Terra Santa. Bryan Stede acompanharia aoRicardo e permaneceriam muito longe dali durante dois, possivelmente trêsanos?

E em três anos, ela poderia erguer uma fortaleza inexpugnável..., eencontrar a maneira de escapar do matrimônio.

Capítulo 14

Setembro de 1189LondresElise contemplava a rua da sua janela. Havia tantas pessoas que se você

apertasse os olhos, as pessoas pareciam se misturar numa onda enorme decores berrantes. Sacerdotes, monges, camponeses, mercadores e nobres foramapressadamente de um lado a outro. Ricardo Plantageneta seria coroado reiamanhã, e o espetáculo poderia muito bem ser uma dessas coisas que sóacontece uma vez na vida.

O último mês estava completamente ocupado pelos preparativos para oacontecimento. Os Santos padres tinham ensaiado seus cânticos durantehoras, as costureiras e os alfaiates tinham confeccionado vestimentas até queos dedos ficaram em carne viva, mas suas bolsas estiveram bem cheias, e anobreza tinha vindo de toda a Inglaterra, assim como da vizinha Escócia e docontinente. Ricardo tinha herdado vastas províncias no continente, masinclusive aqueles que lhe deviam fidelidade em outros lugares tinham vindopara presenciar o espetáculo e obedecendo ao impulso da curiosidade. Coraçãode Leão se preparava para ser coroado legítimo Rei da Inglaterra.

Carroças puxados por mulas se mesclavam com as elegantes carruagensda aristocracia latifundiário. Ocasionalmente se ouvia um grito de fúria quandoum urinol era esvaziado da janela de uma casa da cidade, mas em sua maiorparte, o sacerdote, o camponês, o soldado, o mercador e a Lady transitavampela rua sem excessiva dificuldade. Oficial da justiça de Londres controlava asituação, havia cavaleiros armados comedidos por toda a cidade, e muitopoucos estavam dispostos a criar distúrbios no que iria ser o dia mais sagradopara Coração de Leão. Com sua intuição para o dramático, Ricardo queria que

as ruas transbordassem de pessoas movidas pela esperança de podervislumbrá-lo à distância. Apenas havia duas luzes que pudessem guiar osolhos dos homens comuns, e aquelas luzes eram de Deus e do monarca.

As únicas pessoas que não seriam bem-vindas no acontecimento, eramaquelas que não amavam a Jesus Cristo e não abraçavam a sua fé, e issoqueria dizer os judeus de Londres. Elise sabia que Ricardo tinha intenção deproteger a sua comunidade judia, porque essas pessoas eram, em geral,pessoas educadas e habilidosas. Se mantinham juntas e eram necessárias, jáque emprestavam dinheiro. E quando um homem não pagava o que devia a umprestamista, ou no caso de que esse prestamista morresse, a dívida triplicavapassava para as mãos do Rei.

Nos tempos de Henrique, o Rei e a comunidade judia tinham mantidouma relação que era distante, mas pacífica. Ricardo tinha intenção decontinuar com essa tradição.

Mas enquanto contemplava as cores da rua, Elise percebeu de que não sevia nenhum amarelo, sendo esse a cor que usavam os judeus. Ultimamente apopulação cristã se deixava conduzir muito facilmente ao frenesi contra quemnão era discípulo de Cristo. Os cavaleiros de Deus já levavam muitos anoscombatendo aos infiéis na Terra Santa, guerreando contra os sarracenos, osárabes e os turcos, e agora, se as pessoas não era um cristão, era um inimigo.

— Minha senhora?Elise se afastou da janela assim que ouviu a voz de Jeanne a chamando

suavemente. Jeanne já estava três semanas com ela e ainda parecia se sentirbastante nervosa, tanto por causa de Londres quanto por causas dos eventosque estavam acontecendo. Conhecia sua senhora, e embora esta não haviaconfiado nos seus planos meditados cuidadosamente a ninguém, Elise nãopodia evitar ter a sensação de que Jeanne já percebeu de que estava tramandoalgo.

— É a hora? — Ela perguntou tranquilamente.— Sim, Elise, já é hora de ir. Will Marshal espera para escoltar você até a

capela. Pede que se apresse porque sua majestade, Ricardo Plantageneta,roubou um pouco de tempo do mais ocupado de seus dias para lhe servir depadrinho perante de seu prometido.

— Estou pronta. — Disse Elise sem perder a calma.Estava. Levava horas vestida. Como não ousava insultar ao Ricardo ou ao

Bryan mostrando uma flagrante falta de interesse por suas próprias bodas,colocou o impressionante traje de cor azul gelo feito especialmente para aocasião. Seu espelho de metal lavrado lhe tinha assegurado que sua aparênciaera a da noiva, ou a oferenda, ideal. A camisa que usava debaixo do traje erada mais suave seda branca, e as mangas longas que forma angular com atúnica, tinham sido debruadas com a elegante brancura da pele de raposa. Suatouca era muito delicada, combinando véus de seda de cores azul e branca, e

estava coroada por uma fileira de reluzentes safiras e dourada flor de lis.Não tinha nenhuma importância, Elise decidiu, que a noiva estivesse tão

pálida como a neve, ou que seus olhos fossem enormes lâminas de turquesa eparecessem ser muito grandes para o seu rosto. Não tinha fingido diante deninguém que fosse entrar no matrimônio se sentindo cheia de felicidade eelegância artificiais, aquelas que indicavam a obediência que devia ao seu rei,apesar de quais fossem seus próprios desejos, era tudo o que importava.

— Sua capa, Elise. — Disse Jeanne. O objeto protetor foi estendido aoredor dela, e um instante depois Elise já descia pela escada para se encontrarcom o Will e Isabel, que estava falando com sua atual anfitriã, a senhora Wells,uma viúva gordinha e sem filhos que se mostrou encantada de poder acolher auma pupila de Coração de Leão em sua casa.

— Ah, Lady Elise! Está linda! — Exclamou a senhora Wells, com seuradiante sorriso cheio de sinceridade. — Pippa! — Disse então para a suadonzela. — Devemos brindar pela Lady Elise.

O vinho, servido em elegantes cálices de cristal vermelho que estavamreservados unicamente para as ocasiões mais especiais, apareceu. Elise tomourapidamente o seu. Sabia que tanto Will como Isabel não lhe tiravam os olhosdela, suas expressões sendo uma mescla de compaixão e medo.

Medo de que cometesse alguma insensatez, e todos mergulhassem emum estado de comoção no dia antes do maior momento de Ricardo.

Elise agradeceu à senhora Wells pelo vinho e então se virou para o Will.— Bem, vamos continuar com o que precisa ser feito. — Disse.A capela onde iria se casar ficava a uma rua de distância, com as

multidões, entretanto, Will tinha decidido que deveriam ir até ali a cavalo. Elepróprio se sentia muito incômodo e desgosto e, em consequência, cavalgou nafrente das Ladys, com o ouvido atento a qualquer conselho que sua esposapudesse ter para uma duquesa pouco disposta.

Isabel estava fazendo o possível para ignorar, da maneira mais jovialpossível o fato de que Elise desprezava o seu futuro marido.

— É estranho, verdade? — Disse Elise. — Tinha ouvido falar tanto deWill, e, entretanto, nunca o tinha visto! A única coisa que sabia, que era umcavaleiro com fama de ser realmente temível e iria se converter em meuprometido. Não saberia te contar todas as coisas horríveis que cheguei aimaginar, sabendo que tinha o dobro de minha idade. Mas quando o tive diantede mim, descobri que Will não tinha nada de temível, mas sim era um homemdelicado e com muito boas maneiras. Eu odiava a idéia do matrimônio, e,entretanto, isso só me trouxe felicidade.

Isso é porque você se casou com o Will Marshal e não com o Bryan Stede,pensou Elise. Mas respondeu às palavras de Isabel com um vago sorriso. Will eIsabel só tinham devotado uma bondosa amabilidade, e não podia fazer que se

sentissem mais desventurados com sua tarefa de acompanhantes do qual já sesentiam. E a comoveu se lembrar de que tinha sido Isabel a que tinha vindo apassar o dia com ela, conversando sem parar a respeito de flores, rendas,carnes, algo que pudesse manter ocupada a mente de Elise naquela manhã,fazia já várias semanas isso, em que soube que Sir Percy Montagu se casousem opor nenhuma resistência e, de fato, com muito gosto, com a herdeiraGwyneth de Cornualles.

Elise soube que tinham chegado à capela. Ricardo tinha ido em segredo,mas os homens de armas estavam apostos ao longo da rua e vigiavam aentrada. Will a ajudou a desmontar de seu cavalo, e os guardas lhes abriram ocaminho.

A capela se encontrava mergulhada na penumbra, iluminada por nãomais de vinte velas. Elise viu o frade de pé no altar e também viu o Ricardo,majestoso e formidável em uma suntuosa capa violeta. Sentiu a presença deIsabel junto dela, e o tranquilizador apertão de seus dedos sobre seu braço.

— Que noivo tão esplêndido! — Sussurrou. — Seguro que todas asmulheres do país invejariam a um homem tão magnífico! — Acrescentou comum suave suspiro de inveja.

Elise permitiu que seus olhos se posassem em Bryan. Permanecia de péatrás de Coração de Leão, e sua presença era tão formidável como a do rei. Suacamisa, como à de Elise, era branca, e estava adornada com rendas espanhóis.Sua túnica era de veludo vermelho, suas pernas, envolvida em calções brancos,evidenciavam a robusta força de seu esbelto, curtido e musculoso corpo. Seumanto, segurado em um ombro mediante um broche de prata, era do negropelo o qual o tinha chegado a conhecer, e seu ângulo realçava a larguradaqueles ombros dignos de todo um cavaleiro.

Bordado nas costas do manto, observou Elise com amargura, estava onovo emblema de armas que tinha passado a pertencer ao Stede, um escudo,formado por quatro seções. O falcão, uma insígnia que lhe tinha sido conferidapelo Henrique, as espadas cruzadas de Montoui, o gavião remontando o vôoque indicava suas novas propriedades, as quais se estendiam ao longo dafronteira galesa, e o corcel lançando à carga de seus condados no Cornualles.

Ele a contemplou em troca. Elise tinha se assegurado de evitá-lo atéaquele dia, e agora começou a desejar não ter feito. Não tinha esquecido comoos olhos de Bryan Stede podiam cair sobre ela, tão profundamente azuis quepareciam combinar com o negro de seu manto, insondáveis e imperiosos, seafundando nela para atravessá-la como se pudessem chegar a possuir suaalma..., advertindo..., ameaçando.

— Elise?Foi Ricardo que falou, e todo o resto pareceu ficar suspenso em uma

súbita imobilidade do tempo. A mão de Ricardo estendeu para ela. As velas, oincenso e o silêncio dos que estavam a sua volta pareciam se espalhar ao redor

de Elise. Era um sonho envolto em névoas, convenceu a si mesma, que deveriasuportar para que assim pudesse chegar a despertar em outro lugar.

Deu um passo à frente e aceitou a mão de Ricardo. O rei dirigiu umainclinação de cabeça para o monge e então pôs a mão de Elise na de BryanStede.

Elise quis se soltar, rechaçar a posse que sentia no firme contato deStede. Seus olhos se encontraram com os dele e voltaram a aparecer azuis,cheios de escárnios e triunfo. O monge começou a falar, e Elise não o ouviu.Sentiu a força da mão de Bryan enquanto puxava ela, fazendo-a descer junto aele de tal maneira que ambos ficaram ajoelhados juntos, viraram-se de frentepara o monge. Mesmo assim, Elise não ouviu as palavras. Contemplou o peitode Bryan enquanto este subia e descia com o tranquilo ritmo de suarespiração, e sentiu o calor do corpo de Bryan emanando ao redor dela.Acabava de se barbear e um fresco aroma de sabão flutuava em torno dele, ealgo mais o acompanhava, um pouco muito tênue, e masculino. Era um aromamuito agradável que pertencia unicamente a ele como homem, limpo, mas tãoúnico como o próprio Stede. Aquele aroma trazia consigo o inquietante aviso deque, embora o tempo os tinha separado de tal modo que agora se encontravamquase como desconhecidos, ela o tinha conhecido carnalmente, e nuncaesqueceria da noite em que se viram pela primeira vez.

— Elise de Bois?O monge a aguilhoava incomodamente com sua séria voz. Ela supunha

que deveria falar. O monge voltou a lhe repetir as palavras e Elise obrigou aseus lábios que se movessem, para que as repetissem.

E um instante depois era Bryan que estava falando. Suas palavras nãovacilaram como tinham feito as dela, e ressonaram com nítida energia.

Os resplendores das velas pareceram se confundir entre si, e de repentefez muito calor. Elise estava sendo engolida por um redemoinho de escuridãoque ameaçava inundando-a em um vazio carente de sentidos. A sensação decalor e a poderosa e inata tensão pertencentes ao homem que havia junto delase tornaram opressivas.

Elise apertou os dentes. Não perderia a consciência, não se deixariavencer pelo medo ou o ódio...

O monge estava falando depressa, muito depressa, aliviado de que suatarefa estava quase concluída. Celebrou a missa com dedos que tremiamnervosamente, e então murmurou uma última bênção em latim e suspirouruidosamente.

Stede estava puxando ela para pô-la em pé. Depois sua mão se posousobre o oco das costas de Elise, com um firme contato tão calculado efriamente vitorioso como os olhos cor índigo agora estreitos que se voltarampara ela naquele momento.

— Feito! — Exclamou Ricardo jovialmente. Mas sua impaciência saltava àvista. Foi para eles, deu algumas tapinhas nas costas de Bryan e beijou a Elisena bochecha. — Só temos tempo para levantar uma taça por esta união, assimfaçamos! Elise, minha mãe espera sua ajuda e a de Lady Isabel no palácio deWestchester. Bryan, sinto muito te oferecer a semelhante noiva e então te pedirque a deixe, mas ainda fica muito por fazer antes de manhã.

— A vida é assim, majestade. — Respondeu Bryan cordialmente,escondendo com seu tom a inquietação que estava sentindo.

A cerimônia nupcial tinha ido muito bem, porque, embora Elise de Boistinha murmurado seus votos com voz entrecortada, tampouco se poderia negarque os tinha pronunciado tendo uma faca na sua garganta. Quando a olhounos seus olhos, Bryan soube que não estava resignada com a situação. Agora éminha esposa, lembrou a si mesmo. Tal como havia dito Ricardo, foi feito. Eliseera dele, como era seus títulos, suas terras e toda a riqueza que trazia consigo.

Mesmo assim, não gostou nem um pouco da expressão que tinha emseus grandes olhos cor turquesa. Estes se mantinham tranquilamentedesafiantes, quando se encontraram com os seus. A hostilidade que Bryanesperava encontrar neles estavam curiosamente amenizados, como se...

Como se Elise não tivesse aceitado nem um pouco o que tinhaacontecido.

Ricardo os conduziu para o portal da capela, onde um dos membros deseu séquito já tinha feito uma aparição para lhes oferecer o vinho. Deveria terpreparado todo um banquete para umas bodas, mas o monarca em floraçãolhes tinha advertido previamente de que deveriam dispensar a comida habitual.Bryan sabia que Ricardo já estava ardendo de impaciência, firmementedecidido a voltar para trabalho, para planejar o dia seguinte e de seu reinadoposterior.

— Te sugiro que prestes a maior atenção possível no Castelo de Trefallen.— Disse Ricardo para Bryan enquanto bebiam o vinho. — Não posso deixarvocê partir até que tudo tenha sido resolvido aqui, mas é a mais rica de suaspropriedades, e tem sido cada vez mais descuidada desde a morte do velhosenhor.

Bryan assentiu. Tinha inspecionado os registros e as atas de todas assuas novas propriedades, depois que Ricardo lhe tivesse proporcionado a listacompleta, e sabia que sua riqueza estava em Trefallen. Elise, com certeza,suponho que Montoui seria sua residência principal. Teria que aceitar o fato deque ia viver em Cornualles. Seria melhor assim, decidiu ele. Por fim, dessamaneira tudo resultaria menos duro para ela. Em Montoui, Elise sentiria apresença de seu próprio poder e tentaria se opor a ele. Afastada de sua casa ede todos aqueles que desejavam lhe servir, aceitaria melhor seu papel comoesposa.

— Farei de Trefallen minha primeira preocupação, assim que for

conveniente. — Prometeu para o Ricardo.Ricardo terminou o vinho.— Devemos ir, e atender os assuntos pendentes. — Disse, chamando com

um gesto a um guarda para que se ocupasse de sua taça.Bryan fingiu terminar seu vinho enquanto observava a Elise. Sua esposa

estava falando com a Isabel enquanto tomava goles de sua taça, mas derepente se virou para ele como se houvesse sentido os olhos de Bryan fixosnela. Foi quase como um sorriso. Ele não gostou de nada disso.

Elise tinha dedicado todos os cuidados necessários para a sua apariçãodaquele dia, para falar a verdade, Bryan nunca a tinha visto mais linda. Ajuventude e a perfeição de suas formas ficavam acentuadas pelo delicado tecidodo traje que se agarravam nela, as safiras que coroavam sua touca de cordourada capturavam a qualidade da jóias de seus olhos, e se tornavamdeslumbrantes. Seus cabelos estavam soltos debaixo da touca, fluindo emgrossas e reluzentes ondas que incitavam aos dedos de um homem paraacariciar aquelas tranças. Uma mecha solitária se enrolou em cima daprovocadora plenitude de seus seios, e Bryan se encontrou imaginando já nuae permitindo que as mãos dele se enredassem livremente naquela mecha decabelos, para logo envolver a suavidade feminina que havia debaixo.

Seguiria resistindo a ele? Se perguntou com amargura. Ou, tal como jálhe tinha advertido que faria, suportaria sua presença e sonharia com o Percycada vez que ele a tocasse?

Uma explosão de calor tão intenso como o da forja de um ferreiropercorreu todo seu corpo, e Bryan quis fazê-la sua naquele mesmo instante.Não confiava nela, e cobriu Ricardo de silenciosas maldições por ter dispostosuas bodas daquela maneira. Uma hora teria sido mais do que suficiente, eteria bastado para fazer desaparecer dos lábios de Elise aquele sorriso queparecia ocultar um segredo e convencê-la de que o que tinha sido feito nãopoderia ser mais real. Era sua esposa, lhe pertencendo e sendo de suapropriedade para que ele a possuísse. Talvez seria necessário algum tempopara apagar todo pensamento de Percy Montagu de sua mente e de seucoração, mas em apenas uma hora, Bryan poderia ter feito um começocondenadamente bom. Não queria machucá-la, a não ser unicamente lheensinar que havia nele toda a virilidade que ela poderia esperar suportar, edeixá-la esgotada a tal ponto que Elise se cansaria de sua hostilidade eterminaria se curvando diante do inevitável.

Bryan apertou os lábios. Ainda não ousava a sonhar com um futuro noqual ela o receberia com prazer, e curvaria os seus lábios em um irresistívelsorriso que pretendesse dar boas-vindas e seduzir. Mas ele era mais velho emais sábio que Elise, e sabia que, tanto se ela desprezava a seu prometido ounão, a tinha abençoado com a juventude, uma intensa saúde... e toda umasensualidade inerente. Podia insultá-lo e desprezá-lo quanto quisesse, mas Por

Deus que o aceitaria, e não seria capaz de negar a si mesma.— Bryan. — Repetiu Ricardo impacientemente. — Os nobres da

Normandia esperam assistir a meu conselho, e oficial da justiça de Londresestá impaciente por concluir os acertos da guarda para o banquete de amanhãà noite. — Baixou a voz até convertê-la em um sussurro cheio decamaradagem. — Pode ir do banquete cedo e reclamar a sua noiva então, e tefaço a promessa real de não perturbar sua intimidade durante três diascompletos. Tempo suficiente, me parece, para que qualquer homem satisfaça oseu desejo!

É agora o que tem tanta importância, pensou Bryan por um instante,voltando a se fixar na expressão tranquilamente desafiante que havia nos olhosde sua esposa. Ricardo lhe tinha concedido uma grande riqueza, muito maiordo que jamais poderia ter imaginado. Ele tinha conferido uma elevada posiçãodentro da nobreza. Não tinha direito de enfrentar o Coração de Leão. O que eraum dia mais depois de tudo? Bryan tinha respeitado seu acordo e se manteveafastado de Elise até aquele dia. Amanhã à noite, Ricardo seriaindiscutivelmente Rei e Bryan poderia dedicar toda sua atenção a seusassuntos privados. Contudo...

— Um minuto mais, majestade. — Disse ao Ricardo. — Ainda tenho quebeijar a minha noiva.

Elise, fingindo interesse pela conversa de Isabel apesar de quanto quedesejava estar longe dali, não pôde ocultar seu alarme quando Bryan deu umsúbito, e muito determinado, passo para ela. Viu a fria determinação que haviaem seus olhos e quase se deixou levar pelo pânico, se afastando dele, quandoparou muito perto dela, dominando-a com sua imponente estatura e obrigandoo queixo de Elise que se inclinasse para trás para continuar olhando-a nosolhos. Então sorriu enquanto seus braços envolvendo em volta de sua forma,Elise sentiu a dureza de seu corpo. Bryan se inclinou sobre ela, estreitando-acontra seu corpo e reclamando seus lábios com uma lenta deliberação. Algo,como sempre, encheu-a ao sentir seu contato. Algo que era doce, que seinfiltrava por todo seu ser para manchar sua alma da mesma maneira em queo vinho estende sua mancha sobre o tecido. Algo que era fogo, invadindo-a eenvolvendo-a. Algo que a aturdia contra sua vontade, e a deixava desprovida detoda razão para lutar...

Lutar? Não podia lutar. Estava diante de Ricardo, e era a esposa deBryan. Por conseguinte, o beijo seguiu seu curso, a boca de Elise abriupassagem para de Bryan, e seus lábios se amoldaram flexivelmente aos seus.Elise sentiu a língua dele sobre seus dentes, encontrando a sua para rodeá-la eacariciá-la. As forças pareceram abandoná-la subitamente, e o suave brilho dasvelas girou loucamente e se atenuou para logo voltar se escurecer. A mãoesquerda de Bryan era uma firme pressão sobre o final de suas costas, e suamão direita se curvava ao redor de sua cabeça para sustentar Elise, entãopoderia respirar, e só era consciente do embriagador aroma que emanava dele e

do doce sabor de vinho que ainda estava presente em sua língua.Finalmente, um lascivo estalo de risadas interrompeu o beijo.— Venha, Stede, que a moça é sua para toda uma vida! — Exclamou

Ricardo com impaciência.Bryan se separou de Elise, e sorriu ao ver que tinha que segurá-la para

que a jovem não perder o equilíbrio. Mas seu sorriso desapareceu, assim queviu com o fervor da ira voltava a encher seus olhos e então se inclinou na frentedela com uma grande reverencia, debochando com seu próprio olhar.

Ricardo foi até ela para voltar a lhe dar um rápido beijo na bochecha, enesse momento, Elise o odiou tão profundamente como odiava ao Stede. Moça,tinha-a chamado. Ele era de seu mesmo sangue e talvez se importasse o quefosse dela, mas apenas quando isso lhe convinha. Dessa maneira tinha sidoconveniente seguir as normas do decoro, e mesmo assim recompensargenerosamente ao Bryan Stede com ela. Mas Bryan era o indivíduo que tinhamais importância para o Ricardo, e agora Elise via claramente. Irmão, rei,traidor... foi tudo o que pôde pensar e sentir.

Ainda estava tentando controlar seus trêmulos joelhos quando Bryan lhelançou um último olhar, tão cheio de promessa e advertência como seu beijo, eRicardo seguiu vociferante fora da capela.

As lágrimas vieram aos olhos de Elise e as dissipou com uma rápidapiscada cheia de impaciência enquanto levava instintivamente os dedos à boca,como se assim pudesse fazer desaparecer o sabor dos lábios de Bryan.Surpreendeu os olhos de Will Marshal fixos nela, e estavam cheios decompaixão. Era porque conhecia homem com o que se casou? Mas Will eraamigo de Bryan. Possivelmente fosse porque sabia o que sentia por ela ohomem com o qual se casou.

Elise ergueu as costas, lutando por recuperar as forças que Bryan tinhaconseguido lhe roubar de algum jeito. Sorriu para Isabel, e então para Will.

— Vamos? Não devemos fazer esperar à rainha.Will exalou como se tivesse estado contendo a respiração durante muito

tempo e, passando um braço ao redor de sua esposa e o outro ao redor deElise, procedeu para escoltá-las até a rua, onde foram flanqueadosimediatamente pelos guardas. Ato seguido levou às duas mulheres ao paláciode Westminster, onde atenderiam a Leonor, e então se apressou a se reunircom o Ricardo.

Elise suportou as felicitações e os bons desejos da rainha, e se sentoupara discutir o que precisava ser feito tendo em vista à coroação do diaseguinte. Escutou atentamente as palavras da rainha concernentes a suasobrigações no referente em saudar os convidados, e em seguida percebeu comum grande alívio de que tinha sabido planejar bem as coisas, ficaria livre commais tempo que suficiente para poder realizar o seu desaparecimento. Bryan

Stede nunca voltaria a despojar de suas forças e de sua razão. O beijo dematrimônio tinha sido o último que tiraria dela.

Quando começava a anoitecer, Elise finalmente foi liberada de suasobrigações e lhe permitiu retornar para casa da cidade onde se alojava asenhora Wells. Sua anfitriã, que tinha oferecido ao jovem casal generosamentea casa para, aqueles dias de imensa felicidade que segue a um matrimônio, elajá tinha partido em direção à residência de sua irmã.

Elise, se sentindo um pouco culpada porque tinha chegado a lhe termuito carinho à senhora Wells, não pôde evitar de se sentir aliviada de que elatinha partido. Ela ficou sozinha unicamente com uma discreta servidão e, éclaro, Jeanne.

Esta última iria lhe causar mais dificuldades do que esperou Elise.— Estou segura. — Disse Jeanne enquanto a ajudava com muito cuidado

em sair de seu elegante traje azul. — De que você não comeu nada o dia todo.Irei à cozinha para me assegurar de que lhes preparem um bom jantar e depois coloco você na cama. Terá necessidade de um boa noite de sono antes dascerimônias de amanhã, e além amanhã de noite...

Elise apertou rigidamente a mandíbula enquanto Jeanne ia baixando avoz até ficar calada, como se não soubesse o que mais poderia dizer.

— Não tenho muita fome, Jeanne. — Disse impacientemente. — Etampouco estou pronta para ir à cama. Tenho que escrever uma carta, e entãodevemos nos sentar para conversar.

Uma súbita suspeita estreitou os olhos de Jeanne.— O que está tramando, minha senhora? Já sei quais são os sentimentos

que lhe inspira esse cavaleiro, Stede, mas sem dúvida agora tudo ficouresolvido como é devido com estas bodas... seguindo as ordens de Ricardo. Nãosabe como me agradou lhe ver aceitar que sem dúvida essa era a melhorsolução aos olhos de Deus, e agora é sua esposa e você jurou obediência...

O uso da palavra obediência foi o último e decisivo elemento que inflamoua ira de Elise.

— Jeanne! Não aguento mais! — Elise arrancou sua camisola das mãosda serva e passou impacientemente pela cabeça. — Necessito pergaminho euma pena. — Disse firmemente, sem que sua voz admitisse interferênciaalguma.

Jeanne franziu os lábios, mas forneceu os objetos requeridos sem dizeruma palavra mais. Elise se sentou na cama e se inclinou sobre um baú cheiode sua roupa com o pergaminho posto em cima dele e a pena na mão. Já tinhacomposto mentalmente a nota muitas vezes, e só necessitou um instante pararefrescar as palavras em sua mente.

Colocou como título Stede, prescindindo deliberadamentedesconsiderando qualquer dos títulos dele e, acima de tudo, não referindo a ele

como seu marido. Então começou a deslizar rapidamente sua pena sobre opergaminho:

Soube recentemente de um problema que surgiu em meu ducado deMontoui. Para não estragar o seu dia com Ricardo, ou turvar sua mente comnovas preocupações, deixo esta nota, antes de incomodar você com umadiscussão. Desejo-lhe o melhor com suas propriedades de Cornualles, e peço aDeus que o proteja para quando partir para a nobre cruzadas.

Não acrescentou sua assinatura à nota. Quando Stede a encontrasse emcima da cama na noite seguinte, saberia de quem provinha com a mesmasegurança que compreenderia seu significado. Montoui era de Elise, e ogovernaria ela sozinha. Se Stede se opunha a tais pretensões, então elautilizaria contra ele todas as forças de que dispunha. Quanto ao resto do quelhe tinha contribuído seu matrimônio, Stede podia ficar com tudo.

Elise estava estudando suas palavras quando Jeanne voltou a encararela.

— Minha senhora, o que...?— Sente-se, Jeanne. — Disse Elise. Esperou até que sua desgostada

donzela sentar nervosamente no extremo da cama, e logo prosseguiu. — Nãotenho nenhuma intenção de me converter em nada mais que uma vassala útilpara o Bryan Stede. Vou a...

— É a sua esposa! — Balbuciou Jeanne.— Tal como ordenou Ricardo. Não fiz nada para resistir a isso. Mas não

viverei com ele, e não consentirei que me dê ordens. Enviei uma mensagempara o meu castelo, Jeanne, dispondo que uma escolta se encontre conosco emBrujas e nos conduza sãos e salvas até o Montoui.

— Planeja cruzar toda a Inglaterra sozinha até chegar ao porto onde seiniciará a travessia? Isso é uma loucura, Elise!

— Jeanne, lembrarei a você que sou sua senhora. — Disse Elisealtivamente. — Não planejo atravessar a Inglaterra, e nem sequer fazer atravessia, sozinha. Amanhã de noite devemos nos encontrar com um grupo desantas irmãs no rio Támesis às dez. Vieram para a coroação, mas planejam irembora de Londres amanhã à noite. Viajaremos com elas, e estaremos a salvode quem vaga pelas estradas.

— Minha senhora, isso é uma temeridade. Não posso permitir queabandonem a seu marido, e que desafie de maneira tão evidente ao Ricardo!

— Jeanne... — Elise se inclinou sobre ela e a segurou firmemente pelopulso para que prestasse toda sua atenção. — É o que vou fazer. E ponho aoJesus Cristo por testemunha de que se me trair, me assegurarei de que sualíngua seja arrancada de sua boca! Se decidir não vir, isso é seu assunto. Mas

eu irei.Jeanne guardou silêncio durante vários minutos nos quais sustentou o

furioso olhar de Elise. A decisão da jovem era irrevogável, e finalmente Jeannepermitiu que seus olhos baixassem com um suave suspiro. Houve ummomento que tinha entendido, quando ela odiava ao Bryan Stede tanto comoela amava a Elise. Mas aquilo tinha sido quando sua senhora foi desonrada, eJeanne tinha chegado ao extremo de remover céu e terra em segredo para seassegurar de que a honra de Elise fosse vingada. Mas agora, com omatrimônio, a honra tinha sido devolvida. A imensa maioria das Ladys de altoberço se casavam sem escolha ou consentimento que estivessem adesempenhar qualquer papel nisso, porque assim era como funcionava omundo. Elise estava criando um caminho de infelicidade ainda mais profundapara ela, ao querer abandonar e humilhar ao homem com o qual tinhacontraído matrimônio, um homem que não era, disso Jeanne estava segura, aclasse de varão capaz de esquecer e perdoar semelhante traição.

— Minha senhora... — Voltou a começar, mas então viu a teimosafirmeza do queixo de Elise, e soube que nada a faria mudar de pensamento.Amava a Elise tanto como poderia amar a sua própria filha. Nuncaabandonaria. — E o que acontece com o banquete? — Perguntou finalmente.

Elise sorriu alegremente, e riu com um som mais doce que nenhum dosque Jeanne tivesse ouvido sair dos lábios de sua senhora em muito tempo.

— Você estará me esperando junto à porta atrás do salão de banquetes.Não correrá perigo algum, porque haverá homens de Ricardo posto por todaparte. Disporá de uma carroça, já a comprei, e amanhã estará aqui. Euabandonarei o banquete logo que seja possível fazer isso sem despertarsuspeitas, me envolverei na simples capa de lã que você trouxe contigo, epartiremos.

— Eu não gosto de nada disso. — Murmurou Jeanne.— Temos que fazer a bagagem. — Disse Elise, sem fazer caso das

palavras. — E então é certo, necessitaremos uma boa noite de sono.As ruas estavam tão cheias como uma taça a ponto de transbordar, a

multidão se apertava e empurrava, e os homens de Coração de Leão se viam asérios apuros para manter à distância da multidão que aclamava e aplaudia.Mas o espetáculo era magnífico. O chão estava coberto de tecido do palácio atéa abadia, e primeiro os clérigos de mais alta posição, e então os nobres maispoderosos, precederiam ao Ricardo com o passar do caminho que conduziria asua coroação.

As flores de verão eram lançadas ao ar, e os monges elevavam suas boasadestradas vozes em um solene cântico. E então Ricardo apareceu diante deles,saudando seu povo com acenos de cabeça enquanto absorvia sua idolatria.Para o povo, a sua presença era maravilhosa, um belo e forte soldado de Deus,um rei que faria grande a Inglaterra e do qual poderiam se sentir orgulhosos.

Elise não formava parte da procissão, mas tinha um lugar reservadoespecial ao lado da rainha Leonor, Isabel de Clare e a nova prometida de Juan.Contemplou os preparativos, se sentindo tão impressionada como qualquer dosespectadores. Todos os clérigos e os nobres foram embelezados com suasmelhores vestimentas, o ouro, as sedas, as peles e as jóias abundavam, e Elisesentiu a mesma excitação que teria experimentado uma criança. Até que viupassar o Bryan Stede. Ia com o Will Marshal e o príncipe Juan, e as multidõesenlouqueceram quando os três passaram na frente delas. Bryan e Will játinham adquirido ao longo do tempo a fama de ser os campeões da Inglaterra, eJuan, bem, Juan era o irmão de Ricardo e seus pecados juvenis podiam seresquecidos durante naquele dia.

Elise apenas se inteirou da presença de Juan, porque seus olhos não seseparavam do homem que era uma cabeça mais alta que ele. Bryan vestia deescarlate, e com seus escuros olhos proporcionando um intenso contraste decor, estava irresistivelmente bonito. Saudava as multidões com inclinações decabeça como fazia Will, aceitando graciosamente sua homenagem. ComoRicardo, Bryan Stede era um homem do qual podiam se sentir orgulhosos, umsoldado que tinha demonstrado bastante o seu valor, majestoso, viril e, alémdisso, devastadoramente belo.

Ah, se o conhecessem! Pensou Elise com amargura. Então empalideceude repente, porque o tinha na sua frente, e seus olhos não se separavam dosdela. Bryan se inclinou diante dela e Leonor riu com deleite e os aclamou, e amultidão se uniu a suas aclamações. Semelhante cavaleiro devia ter a umaLady jovem e linda, e da mesma maneira em que adorava as representaçõesespetaculares, a multidão adorava as grandes histórias de amor. Elise viu queos olhos de Bryan estavam cheios de uma sarcásticos escárnios, mas amultidão não via. Elise não poderia fazer outra coisa que lhe sorrirgraciosamente, e desejar que o dia terminasse para que assim pudesse realizara sua fuga.

A comitiva chegou à abadia, onde Elise tinha um lugar atribuído. Viucomo Ricardo se curvava na frente de seu povo, jurando protegê-lo e defendê-lo, e então era coroado Rei da Inglaterra. A multidão enlouqueceu, lhe dando aboas-vindas em seus corações. Se havia alguém que não estivesse de acordocom isso, os guardas de Ricardo já tinham se assegurado de que não tivesse apalavra sobre esse assunto.

A procissão e a cerimônia religiosa ocuparam a maior parte do dia, e jáestava anoitecendo quando Ricardo fez sua última aparição diante da multidãopara então entrar a toda pressa no salão de banquetes. Ali seguiu havendotoda uma multidão a seu redor, já que tinha convidado a centenas decomensais. Mas aqueles convidados pertenciam à nobreza. As sedas, as peles eas jóias enchiam o salão.

Inclusive entrando com Leonor, Elise se encontrou recebendo cotoveladase empurrões que a levaram de um lado a outro e não demoraram para deixá-la

dolorida enquanto seguia à rainha para a mesa principal. A bebida já fluía emabundância, cerveja, hidromel e vinho, e Elise em seguida percebeu de que anobreza da Inglaterra acolheu com entusiasmo qualquer ocasião de secomportar como um bando de bêbados, as Ladys não menos que os Senhores.

Um instante depois ficou rígida assim que sentiu uma mão sobre seuombro, e se virou para ver que Bryan por fim tinha conseguido chegar até ela.

— Boa noite, esposa. — Ele disse brandamente.Elise em seguida percebeu que seu marido não estava entre aqueles que

não tinham parado de beber. Bryan Stede estava muito sóbrio, o qual fazia queseu sombrio sorriso resultasse ainda mais difícil de tolerar. Elise não resistiu oapertão de sua mão, mas tampouco respondeu a sua saudação.

— Nos é correspondido, acredito, a mesa principal, sentados à esquerdade Leonor. — Ele disse. — Tenho entendido que estaremos junto do Percy eGwyneth, o qual deveria nos proporcionar uma noite muito interessante.

Bryan viu como o sangue fugia rapidamente das feições de Elise,deixando seu rosto pálido e cheio de tensão. Assim ainda deseja ao Percy!Pensou, e lutou desesperadamente por reprimir mediante a razão à fúria queestava começando a nascer dentro dele, se lembrando que Elise tinha estadoprofundamente apaixonada por aquele homem e que o azar tinha trabalhadocontra ela. Apertando a mandíbula, tragou saliva para que não lhe tremesse avoz. Aquela noite lhe pertencia, possivelmente teria que ver como sua esposaadorava ao Percy com seus olhos, mas seria ele quem levá-la logo para casa, edeixaria uma dúzia de velas permanecessem acesas durante toda a noite, entãoElise saberia que não era o Percy Montagu quem a tinha em seus braços.

— Venha. — Ele disse em um tom mais amável. — Ocupemos nossosassentos.

Ela seguiu sem lhe dirigir a palavra, e enquanto ele a conduzia através damultidão, Bryan se assombrou diante da sua fúria e a emoção que despertavanele. O matrimônio... era um assunto legal, destinado à procriação deherdeiros legítimos. Era um contrato. Ele sempre o tinha considerado como tal.Tinha querido a Gwyneth, e tinha desfrutado imensamente com a doçura deseu espírito e com seus braços sempre dispostos a acolhê-lo. Mesmo assimtinha aceito sem problemas o que se casasse com o Percy. Pena, sim, haviasentido uma certa tristeza. Mas nada que pudesse se comparar com aquela...fúria que o consumia insensatamente por uma mulher que havia tocado umavez, e que teria que vigiar tão estreitamente como uma ave de rapina, só parase assegurar de que não se dispunha a lhe afundar uma faca nas costas.

Posse, disse secamente. Um homem sempre estava disposto a lutar porsuas posses. Ele lutaria sem pensar duas vezes pela terra que tãorecentemente lhe tinha dado, e protegeria com idêntico ardor seu cavalo, seuscastelos, suas colheitas... e a sua esposa.

— Bryan!

Seu nome foi pronunciado com vibrante deleite quando estavamchegando à mesa principal. Bryan viu a Gwyneth, sorriu a sua vez e entãoestendeu sua saudação ao Percy, quem se levantou junto dela com a testafranzida.

— Sir Percy. — Disse Bryan, tratando de ignorar o fato de que os olhos dePercy não se separavam de Elise, e que lhe estava devolvendo o olhar. —Gwyneth, acredito que você e Elise ainda não tinham se conhecido.

— Não, e é uma autêntica pena, porque vamos ser vizinhos! — Exclamou Gwyneth entusiasmada.

Elise tentou devolver o sorriso que lhe estava oferecendo a deslumbranteGwyneth, mas aquela incômoda situação não resultava nada fácil para ela.Como pode ela me sorrir quando sou eu quem está casada com este homem aoque... amava? Ela tinha vontade de gritar.

O sorriso de Gwyneth parecia ser sincero. Era uma mulher muito bela deolhos escuros, belamente translúcidos e cheios de vida, pele muito branca ecabelos abundantes de cor meia-noite que realçava a bela de suas pálidasfeições. Elise não pôde resistir à tentação de lançar um rápido olhar ao Bryan.Estava olhando a Gwyneth e vendo como ela era naquele instante? Ou, em suamente, despojava-a de seus belos trajes e imaginava os momentos que tinhamcompartilhado em uma doce e intensa paixão?

De repente, odiou ainda mais ao Bryan. Ele se deitou com o Gwyneth ecom ela. E Gwyneth se deitou com o Bryan, e agora se deitava com seu marido,Percy. Elise sentiu uma súbita fúria diante aquela situação que apenas ofereciaum aspecto. Desejou fervorosamente ter se deitado com o Percy naquelalongínqua noite em Montoui, para que agora pudesse obrigar ao Bryan a seperguntar se ela estava lembrando das carícias de outro homem, da mesmamaneira em que ela estava fazendo todas aquelas perguntas a respeito dele.

— Vizinhos? — Se ouviu que perguntava a sua própria voz.— Oh, sim! — Disse Gwyneth, e o prazer que sentia fez que seu sorriso se

tornasse ainda mais radiante. — Nossas residências principais apenas seencontram separadas por uma hora indo a cavalo. Por isso tenho tanta vontadede que cheguemos a ser amigas, Elise.

Elise conseguiu murmurar alguma cortesia como resposta. Não estavasegura que Gwyneth se alegrava de que ela fosse a ser sua vizinha, ou semeramente a agradava o fato de que Bryan, seu antigo amante, fosse a estartão perto. Mas se convenceu de que seus próprios sentimentos careciam deimportância, nunca seria a vizinha de Gwyneth porque iria embora... naquelamesma noite. Até onde ela sabia, Gwyneth e Bryan podiam desfrutar de tudo oque quisessem um do outro. E Percy! Percy merecia tudo aquilo que lhecruzasse no caminho. Ele tinha virado as costas devido ao Bryan, mas entãotinha aceito obedientemente a Gwyneth assim que esta foi oferecida.

E o que ele estava fazendo naquela noite! Como poderia olhá-la comsemelhante desejo e recriminação? Tudo era obra dele. Dele! Mesmo assimElise não poderia odiá-lo, porque a dor espreitava com muita intensidade emseus olhos. Percy estava realmente maravilhoso, esbelto e elegante, muitobonito com suas delicadas feições e seus claros olhos debruados de escuridão.Elise quis estender a mão e acariciar sua bochecha, aliviando assim a dor queapertava a sua testa.

— Estou segura de que você gostará muito de Cornualles! — DisseGwyneth, se virando para o Percy. A dor abandonou imediatamente os olhos

dele, e Elise compreendeu que seu matrimônio não o entristecia nem umpouco. — Não acha que Elise adorará o campo? É tão lindo...

— Sim... mal pude vê-lo, mas é muito lindo. — Respondeu Percy.Elise foi subitamente consciente de que a mão de Bryan estava lhe

rodeando a cintura. Não queria que ele a tocasse, e não queria ter que suportarnem um só instante mais daquela farsa cortês que estavam representando.

— Me desculpe. Vejo a rainha, e prometi ajudá-la a fiscalizar os acertosda disposição das mesas... — Disse, conseguindo se livrar sem dificuldade damão de Bryan para ir até Leonor com graciosa dignidade.

Bryan seguiu a Elise com um olhar pensativo enquanto se afastava eentão ocupou seu assento junto de Gwyneth. A conduta de Percy não poderiaser mais prudente, e os três desfrutaram de uma conversasurpreendentemente educada a respeito da criação de cabeças de gado e osbenefícios de ter um mordomo no qual pudesse confiar para que governasseum feudo durante a ausência de seu proprietário.

Um robusto cavaleiro que parecia ter consumido uma generosaquantidade de cerveja chamou o Percy. Percy também se desculpou, e Bryandescobriu que ele e Gwyneth ficaram sozinhos. Então olhou para Gwyneth elhe sorriu com a calma serenidade de uma longa amizade.

— Como está a vida de casada, Gwyneth?Ela soltou uma seca risada.— Bastante bem, Bryan. Percy é jovem e amável, e pode ser realmente

encantador. Mas sinto sua falta. — Acrescentou com uma suave insinuação. —Embora... seremos vizinhos.

Bryan tomou a sua mão com um sorriso cheio de ternura.— Gwyneth, já ofendi gravemente a seu marido em uma ocasião. Minha

consciência não me permite voltar a fazer isso.Os olhos de Gwyneth percorreram toda a longitude do salão. Bryan viu

que contemplava a Elise, quem estava ajudando a Leonor para acalmar a fúriade um cavaleiro que havia sido colocado ao fundo do salão

— É linda. — Disse Gwyneth sem nenhum rancor.— Sim.— Mas não está nada agradada com a situação.— Nada absolutamente.— Bem, recorda que se a vida chegar a se tornar muito amarga, ainda

posso ser sua amiga.Bryan tomou a mão de Gwyneth na sua e a apertou brandamente, e

então depositou um terno beijo em cima dela.— Uma boa amiga. — Ele disse. — E sempre lembrarei.

Elise não pôde ouvir as palavras trocadas, mas viu o gesto cavalheirescodele e se sentiu consumida por uma súbita e abrasadora onda de fúria. QueBryan ainda se sentisse fascinado por sua antiga amante não deveria lheimportar, já que iria deixá-lo. Mas sim que se importava. Se importavaporque... porque ele pretendia tê-la..., encerrando-a e conservando sua aliançacom o Gwyneth ao mesmo tempo. Bem, podia ter a Gwyneth aquela mesmanoite se assim o desejava, porque ela não demoraria para ir embora.

De repente franziu a testa, esquecendo a inquietante imagem de BryanStede tocando meigamente a Gwyneth. Um guarda que usava armaduraacabava de abrir passagem través da multidão de embriagados comensais parase deter junto de Stede. Elise viu como suas feições ficaram tensos em umsúbito endurecimento. Olhou para o guarda, assentiu e então se levantou e oseguiu para a porta do salão.

Elise umedeceu nervosamente os seus lábios. Se Bryan estava fora, podiaimpedir seus planos para fugir.

Sua hesitação apenas durou alguns instantes, porque em seguida seapressou a abrir passagem través da multidão para seguir ao Bryan a umadiscreta distância. Mas quando finalmente tinha conseguido sair do salão echegar na rua, se deteve horrorizada.

Os degraus estavam cheios de corpos, vozes masculinas gritavam de dor,e viu oficial da justiça de Londres muito ocupado dando ordens com vozensurdecedora por cima do caos para restaurar a ordem.

— Nem mais um passo, senhora! — Disse um guarda, detendo-a.— O que aconteceu? — Perguntou Elise.— Os judeus! — Exclamou o jovem guarda quase sem fôlego. —

Pretendiam reverenciar ao Ricardo com seus presentes, mas o povoenlouqueceu. Chamaram de inimigos de Cristo, e houve uma terrível luta. Voltepara dentro, ninguém está seguro aqui, e...

— Oh, santo Deus! — Elise conteve o fôlego quando o corpo mais próximodela se moveu de repente, estendendo uma mão ossuda. A capa amarela dohomem estava manchada por um brilhante respingo de vermelho. Sangue. —Necessita de ajuda!

— Os seus lhe ajudarão. — Disse o guarda. — Esta noite todo mundoodeia aos judeus, e o homem que pretenda ajudá-los arrisca sua vida e suareputação. A única coisa que podemos fazer é deter a matança. Deus todopoderoso! Os sacerdotes estão insistindo ao povo a que os mate!

— Vão para casa! Dispersam! Deus não nos pede que sejamosassassinos, que dão morte a homens e mulheres inocentes e desarmados!

O grito daquela voz ensurdecedora por fim conseguiu sossegar o estrépitoda multidão. Elise viu que não era oficial da justiça quem tinha falado, a nãoser Bryan. Estava avançando através da multidão, sem brandir a sua espada,

mas andando com tal fúria vingativa que todos se apressavam a se afastardiante dele.

— Vão, estou dizendo! E não tratem de derramar mais sangue. Hoje Deuslhes deu um rei, e não devem sujar esse dom com o derramamento de sangue.

As pessoas murmuraram em voz baixa, mas começaram a ir embora.Então não demoraram para ouvir as lágrimas e gritos de angústia, quando asmulheres e as crianças correram de um lado a outro procurando a seus mortose seus feridos.

Enquanto seguia contemplando aquela matança com olhos cheios dehorror, Elise viu como Bryan se detinha e se ajoelhava junto a um dos corposvestidos de amarelo. Ato seguinte, ele arrancou uma tira de tecido de seumanto para enfaixar a ferida de um ancião. Então, pela extremidade do olho,Elise percebeu um movimento furtivo perto de Bryan. Um homem, que por suacorpulência e suas sujas e esfarrapadas roupas muita bem poderia ser umferreiro, ia até o Bryan com sua mão erguendo uma grossa madeira paragolpear com ele, porque estava decidido a não esquecer de sua vingança contraos judeus, devido meramente que um cavaleiro bem vestido assim queordenasse.

— Bryan! — Elise se ouviu gritar. O cavaleiro se virou bem a tempo,arrancou o improvisado pau da mão do homem que se dispunha a atacá-lo e opartiu em dois em cima de seu joelho.

— Vá para casa, homem de Deus! — Gritou com voz cheia de fúria.O grande homem retrocedeu assustado e então baixou a cabeça,

surpreendido de uma súbita vergonha. Olhou nos olhos de Bryan, assentiu ese foi.

Elise não pôde evitar sobressaltar-se e tragar saliva quando os olhos deseu marido voltaram a se posar nela. Sua expressão era diferente... curiosa.Elise não tinha nenhuma intenção de ir até ele, mas mesmo assim seus pés alevaram junto de Bryan. Uma vez ali, se ajoelhou junto do ferido.

— Entra no salão, Elise. — Disse Bryan.— Este homem... está... ferido. — Disse ela docilmente. Seus dentes

batiam.— Me ocuparei dele até que venha a sua família. Volte para dentro.Seus olhos se encontraram com os dele. Na escuridão da noite Elise não

pôde ler nada neles, nem pôde encontrar nada em sua voz exceto a cansadaaceitação de que a noite havia lhe trazido mais assuntos dos quais se ocupar.

— Entre, Elise. Não demorarei para me reunir contigo.— Eu... Eu... Me disseram que a nobreza não devia se relacionar com....

que um homem poderia pôr em perigo sua reputação... ou sua vida, ajudandoa essas pessoas. A multidão é inquieta e perigosa...

— Já fez sua parte em me salvar da multidão. — Disse Bryan semlevantar a voz. — E não deixarei morrer a nenhum homem inocente edesarmado pelo simples fato de que tentou honrar a seu rei. Não me importoqual seja o temperamento do povo, porque minha reputação deve se sustentarpor si só. E agora Elise, por favor, volte para dentro. Aqui fora há muitosmortos, e muitos feridos. E ainda existem aqueles que enlouquecem quandocheiram o sangue. Não desejo ter que me preocupar com sua segurança.

Ela se levantou com movimentos que careciam de sua graça habitual.Não vou entrar no salão, Bryan, — Pensou. — Vou fugir.

Mas se pôs a andar. Para a entrada do salão. Ela se movia como umamarionete, seguindo seus planos. Jeanne estaria esperando-a ao dobrar aesquina..., se não lhe tinha acontecido nada durante o tumulto.

Lágrimas que não poderia nem começar a entender, arderam nos olhosde Elise. Passou junto da entrada do salão, e viu que Jeanne estava esperando-a. Sua donzela se encontrava a salvo, porque aquela rua que ia para Leste nãotinha sucumbido à surta violência na entrada do salão.

Elise parou alguns instantes antes de ir rapidamente para a carroça.Olhou para atrás tentando ver o Bryan, mas os guardas de Ricardo já estavamespalhados a seu redor para tomar conta da situação.

Uma lágrima escorregou por sua bochecha e Elise a secouimpacientemente. Estava fazendo o que era correto, o que tinha que fazer. Erasua única possibilidade de escapar de Bryan Stede, de escapar da espantosasituação que teria sido para ela, se encontrasse sendo realmente a suaesposa... Era uma lástima que precisamente naquela noite, de entre todas asnoites, teria que ser a ocasião em que tinha visto nele algo que tinha que...respeitar, e admirar.

Capítulo 15

15 de setembro de 1189Montoui

Elise nunca se alegrou tanto de ver os sólidos bastiãos21 de seu castelose elevando diante do céu azul da manhã.

Viajar com as irmãs a tinha mantido a salvo, mas também tinha feito queseus progressos fossem penosamente lentos. Uma viagem que não deveria levarmais de sete ou oito dias tinha requerido duas semanas inteiras. A irmã AgnesMaria tinha padecido um severo episódio de calos, e a irmã Anna Theresa tinhasido vítima de dolorosas bolhas em seu traseiro, nada menos, e por isso ogrupo teve que parar muitas vezes, sem poder andar ou ir a cavalo.

As noites tinham sido espantosas, passadas em hospedarias lotadas queestavam acostumadas a ser sujas, úmidas e fedidas. Mas não tinha sidounicamente a pobreza dos alojamentos que manteve acordada a Elise, porqueali onde as demais encontravam a paz do sono, ela tinha que suportar que asua mente a obcecasse com a batalha. Não conseguia esquecer os últimosmomentos que tinha passado com o Bryan. Mas no mesmo instante em queaparecia a imagem de sua valorosa preocupação pelo ferido, esta erasubstituída por outra. Bryan... e sua fúria na noite em que se conheceram.Bryan... com o brilho zombador de triunfo em seus olhos quando estavam nacapela. Inclinando-se sobre a mão de Gwyneth, com uma ternura que nuncatinha dirigido para Elise, e suavizando a severidade de suas feições.

Às vezes, quando deitada entre as monjas que roncavam, Elise tinha seencontrado cravando as unhas no lençol, enquanto era invadida por umaestranha onda de calor, que então seguiam os estremecimentos queameaçavam fazer bater os seus dentes. O calor era causado pela lembrança dobeijo que Bryan lhe tinha dado naquele dia na capela, uma lembrança que secombinava com outra imprecisa imagem, a da noite na cabana de caça, e entãovoltava a sentir que estava sendo arrastada pela impetuosidade da tempestade,e era consumida pelo calor das chamas.

Quando a manhã chegava e Elise despertava de um sonho inquieto einfestado de interrupções, e estava mais cansada de que quando se deitou nanoite anterior. A irritabilidade se convertia naquela ira abrasadora que sempreestava disposta a levantar sua cabeça, e então se sentia mais decidida quenunca a demonstrar que Bryan Stede não poderia com ela.

Na última noite anterior por fim as tinha levado através do Canal e aocontinente. Homens com magníficas armaduras que usavam as cores e osemblemas de Montoui estavam ali para as receber. Elise e Jeanne sedespediram das irmãs, depois de terem assegurado de que seu claustrodesfrutaria das doações apropriadas.

E agora...Agora podia ver os parapeitos, torre e ameias do castelo, tão orgulhosos e

magníficos diante da cortina de fundo das verdes paisagens. Elise riu de puroprazer ao ver que por fim tinha conseguido retornar a suas terras, e fez à éguase virar para ir alegremente para sua donzela.

— Quase já chegamos, Jeanne! Ah, que vontades tenho de poderdesfrutar de um banho muito longo e uma noite de sono sem o ruído dosroncos, e sem que a irmã Anna Theresa me empurre da cama com suascotoveladas!

Jeanne sorriu suavemente, mas não disse nada. Elise franziu a testadiante a falta de entusiasmo de Jeanne, e então encolheu os ombros e se viroupara esporear novamente à égua. Jeanne estava se comportando de umamaneira cada vez mais peculiar desde que tinham chegado ao continente. O

que era estranho, porque na Inglaterra tinha sido Elise que estava nervosa,sempre olhando por cima do ombro para se certificar de que não havianinguém a perseguindo.

Ela se perguntou se Jeanne estaria nervosa porque não conheciam osguardas que tinham vindo. A própria Elise se surpreendeu de que Michael nãotivesse enviado alguns homens aos quais ela conhecesse bem, porque Michaelsempre se preocupava com seu bem-estar e comodidade. Mas, a menos queMontoui tivesse sido queimado até os alicerces e Michael de Pole tivesse ardidocom ele, ninguém usaria a armadura especialmente concebida de Montoui semo consentimento de seu mordomo. E os jovens enviados para as escoltar e asguiar tinham demonstrado ser eficientes e irrepreensivelmente cordiais. Eraabsurdo que Jeanne estivesse nervosa agora. A menos que estivesse temendo aira de Bryan Stede, é claro.

Mas agora... agora Montoui se encontrava diante delas. Uma vez quetivessem ido além dos sólidos muros da aldeia, nada poderia tocá-las exceto opróprio Rei da Inglaterra, e Elise sabia muito bem que Ricardo não permitiriaque uma questão tão insignificante consumisse seu tempo quando tinha osassuntos da Inglaterra de que se ocupar e uma cruzadas que organizar. E o diade sua volta para casa não podia ter sido mais bonito. Delicadas nuvensbrancas salpicavam ligeiramente um céu resplandecente, e um suave verdedava vida aos campos e os bosques.

Voltou a rir e deu rédea solta a sua égua. Que maravilhosa era asensação de estar correndo com a brisa através dos campos! Tonificante,empolgante... e livre. Tão, tão livre! Parecia que uma eternidade havia passadodesde a última vez em que experimentou aquela maravilhosa sensação deliberdade, como se agora voltasse a ser a proprietária de seu próprio destino.

Finalmente chegou nas portas da aldeia e voltou a saudar com a mão aoshomens de armas que viu ali, e que lhe permitiram entrar. Passou rapidamentejunto à ferraria e o mercado, e ato seguinte cruzou a ponte, deixando paraatrás as pedras do castelo para entrar no bastião. Só então parou o galopedesenfreado e desmontou da égua, se sentindo muito cheia de alegria, para seimportar que ela entrasse pela porta correndo como uma criança para então irdiretamente ao grande salão.

— Michael! — Chamou enquanto tirava as luvas de montar. — Michael!Podia ver que havia um fogo aceso na lareira, e foi para ele. O dia não era

frio, mas o castelo sempre estava úmido e o calor do fogo pareceu lhe dar aboas-vindas ao lar. Elise começou a praticar mentalmente o que diria quandoseu mordomo a felicitasse por seu matrimônio, e pensou em como ia explicarque tinha intenção de fortificar seu castelo contra seu novo marido.

E então pouco a pouco foi ficando imóvel, porque acabava de perceber deque havia algo que não estava tudo bem...

Ao se virar teve a sensação de que se movia tão lentamente como se

estivesse em um sonho, já que o que tinha visto pela extremidade do olho nãopodia existir. Tinha sido uma miragem criada pela luz, e nada mais.

Elise permaneceu tão imóvel como uma morta enquanto seu olharpercorria o salão até chegar à cabeceira da mesa de banquetes, e lhe pareceuque inclusive seu coração tinha deixado de pulsar.

Ele estava ali. Bryan Stede, sentado no assento elaboradamenteesculpido do Duque William. Suas pernas estendidas para frente se apoiavamna mesa, com um pé calçado pela bota cruzado em cima do outro. Cinco longosdedos batiam distraidamente sobre a mesa, e os outros cinco sustentavam umcálice de prata. Stede tomou um gole dele enquanto olhava para Elise, umasobrancelha negra como a asa de um corvo ligeiramente arqueada e um sorrisosarcástico cortando uma áspera linha sobre sua mandíbula.

— Finalmente está em casa! — Murmurou, sem fazer nenhum esforçopara se mover. — Você demorou em fazer a sua viagem.

Elise não podia acreditar o que estava vendo: Stede, ali, acomodado alionde se sentou sempre o Duque William, ali onde se sentava ela. A ironia eramuito amarga para que pudesse ser aceita.

— O que está fazendo aqui? — Perguntou, sua voz pesada e muito lenta.A mente lhe dava voltas, e se sentia como se não pudesse respirar.

— O que estou fazendo aqui? — Repetiu ele cortesmente. Mas então elaouviu o fio cortante que havia em sua voz, e uma tensão implacável apagou osorriso dos lábios de Stede. — Escreveu que havia um problema em Montoui.Sem dúvida foi muito... nobre... de sua parte assumir com toda aresponsabilidade, mas não havia nenhuma necessidade de que fizesse talcoisa. Para falar a verdade, poderia ter chegado aqui muito mais depressavindo em minha companhia. — Deixou o cálice em cima da mesa e, baixandoos pés ao chão, se levantou. — Mas sabe, esposa, que ao chegar aqui descobrialgo muito estranho? Seu mordomo me assegurou que não tinha nenhumproblema. De fato, Michael se mostrou bastante ofendido. É um homem muitocompetente e perfeitamente capaz de levar os assuntos do ducado em suaausência. Ficou muito surpreso ao me ver, já que tinha dado como certo de queeu chegaria contigo. Aparentemente, quando você escreveu lhe dizendo queenviasse uma escolta no lugar onde desembarcaria, não se lembrou de lhedizer que viria para o castelo sozinha.

Elise retrocedeu instintivamente para se afastar dele, embora Stede aindatinha que dar um só passo para ela.

— Onde está Michael? — Ela se ouviu perguntar, e então se perguntou oque poderia importar onde estivesse. Com seus anos, Michael nunca poderiaprotegê-la de Bryan Stede.

— Está fiscalizando a preparação de um banquete para te dar as boas-vindas a casa, duquesa. — Respondeu Bryan sem hesitar. — Os guardas datorre do Norte viram você chegar há um tempo.

Elise descobriu que seus lábios estavam muito ressecados para quepudessem formar palavras. Umedeceu-os com a ponta de sua língua e entãofalou rapidamente, muito rapidamente.

— Esta conversa é uma farsa, e ambos sabemos. Não pode ficar aqui, nãoo permitirei. Pode partir em paz, ou chamarei a meu capitão da guarda e meassegurarei de que seja expulso mediante a força. Não desejo te humilhar de talmaneira, mas se não me deixar outra escolha...

Então deixou de falar subitamente, porque ele estava rindo. Mas suarisada era seca, e a aspereza do timbre continha uma ameaça mais aterradoraque o mais potente dos gritos.

— Elise, uma esposa que não deseja humilhar a seu marido, não oabandona em algumas horas antes que o matrimônio seja consumado. Podechamar o capitão da guarda quando quiser, mas temo que não vai conhecê-lo,e que ele não estará disposto a me expulsar mediante a força.

Uma súbita onda de consternação se agitou ao redor dela, mas Elise senegou a se deixar arrastar por aquelas geladas águas.

— É um estúpido, Stede! Pode ser que tenha substituído alguns doshomens, mas minha guarnição está formada por quinhentos soldados, e meupovo é leal...

— Oh, são muito leais. Mas quando escreveu para informar ao Michael deque vinha retornar para casa, também esqueceu de lhe informar de que tinhadecidido ir à guerra contra o seu marido. E subestimou a nosso Rei. Ricardoenviou suas próprias cartas, entre as quais havia uma destinada ao Montouionde informava a seu mordomo de nosso matrimônio, e de minha posição.Michael se sentiu muito agradado de poder dar as boas-vindas a um novoduque. Seu jovem capitão da guarda... Bem, em seguida se mostrou disposto aaceitar uma oferta de ir para Londres para servir ao rei Ricardo. Descobrirá queum grande número dos homens, os cinco que lhe escoltaram até aqui entreeles, são meus. Velhos amigos que lutaram valorosamente junto a mim paradefender ao Henrique. Quanto aos homens que não são meus... Bem, nemsequer seus mais leais servos se atreveriam a desafiar ordens escritas pelopróprio Ricardo, nas quais se declara que sou o duque de Montoui.

— Não... pode... ficar... aqui! — Gritou Elise.Ele sorriu.— Não tenho intenção de ficar aqui. Nem tampouco você o fará.— O quê?— Iremos esta noite. Suas travessuras me custaram muito tempo.

Ricardo me deu dois meses, e não mais, para pôr em ordem meus assuntos.Tenho que ir ao Cornualles.

— Pois então você vai a Cornualles! — Sussurrou Elise. — Mas eu não

irei. Montoui é meu lar, o lugar ao que pertenço. Não irei a nenhum outrolugar.

Ele a contemplou em silencio durante um momento muito longo. Elisetremia de tal maneira que temia cambaleasse e caísse em qualquer instante.Stede parecia estar à frente dela em cada um de seus movimentos, e agora quese via encurralada, Elise já não tinha nenhuma carta para jogar.

Stede foi até o fogo e estendeu as mãos para ele enquanto cravava osolhos nas chamas.

— Minha senhora, temo que não me deixa mais escolhas que lheameaçar. — Disse depois. — Iremos esta noite. Assim que tenha tempo paracomer, se banhar e descansar. Podem vir comigo pacificamente, ou pela força.Não desejo lhe humilhar, mas se não me deixa escolha...

Suas últimas palavras ficaram ironicamente suspensas no ar, para entãoterminar desparecendo.

Pela primeira vez, Elise notou que ela ia se movendo antes de que elechegasse a fazer isso.

— Não irei de Montoui! — Rugiu resolutamente. E logo correurapidamente para a escada, subindo por ela como uma exalação até chegar àporta de seu quarto. Uma vez dentro dele, fechou dando uma portada e correupara o grosso trinco de madeira deixando-o firmemente instalado em seu lugar.Apoiando as costas na porta, começou a tremer.

Não havia força alguma na terra capaz de obrigá-la a abrir aquele trinco.Ele a viu subir correndo pela escada se movendo tão rapidamente como

se flutuasse, e apertou a mandíbula quando ouviu a portada e o golpe seco dotrinco.

Depois voltou a contemplar as chamas, com as mãos entrelaçadas detrásde suas costas.

Tudo tinha ido tal como se esperava.Bem, — Pensou Bryan com irritada impaciência. — Então que assim seja.

Em um primeiro momento quase enlouqueceu de preocupação quando nãoencontrou com Elise na noite do banquete de Ricardo. Leonor o tinhatranquilizado sugerindo que Will e Isabel a tinham acompanhado até sua casa,já que os problemas prometiam invadir as ruas durante a noite.

Mas então tinha chegado na casa da cidade para se encontrar com suanota, e toda a preocupação anterior se converteu em um nó apertado de fúriadentro de seu estômago. Elise o tinha enganado, limpo e preciso. Não é deadmirar que tivesse esperado tão obedientemente pelo o dia de suas bodas e secomportou com tanta calma durante a cerimônia, já que isso lhe tinhaproporcionado tempo para urdir seus planos. Assim que tivesse chegado emMontoui, seria preciso uma guerra para tirá-la dali...

Mas também para Bryan lhe tinham deixado outra nota, e demoroumuito tempo para se acalmar o suficiente para ver.

A segunda nota era da donzela de Elise, uma mulher na qual Bryan maltinha notado antes. Começava com uma confissão, e uma súplica. Ela, Jeanne,tinha sido quem envenenou o seu vinho..., mas não o suficiente para matar,isso jurava pela Virgem Maria. Só para lhe fazer pagar o que ele tinha feito.Mas agora, como ele já tinha reparado sua culpa diante de Deus, Jeannequeria reparar a sua diante dele.

E dessa maneira soube que Elise viajaria muito devagar porque iria comas Santas irmãs. E soube que tinha decidido não ordenar que seu castelo searmasse contra ele, até que ela pudesse dar tais ordens pessoalmente.

Aquela mesma noite tinha ido ver Will, suportando as risadas de seuamigo com uma carranca para assim poder obter seu apoio.

— O que vai fazer? — Tinha perguntado Will. — Ricardo quer você aquipara que sua presença o ajude a convencê-lo de que deixa a Inglaterra em boasmãos, e dessa forma ele consegue reunir o dinheiro que necessita para pagarao Felipe e financiar as cruzadas.

— Não posso permitir que ela chegue em Montoui antes de mim!Fortalecerá o castelo, e então, Por Deus, terei que derramar muito sangue paratirá-la dali.

— Bryan...— Will Marshal, não me diga que você permitiria que sua esposa te

abandonasse, e que te proibisse a entrada em suas próprias terras!— Em suas terras. — Lembrou Will brandamente. — Elise nasceu sendo

uma Lady destinada a herdar...— É minha esposa.— De acordo, te ajudarei a expor seu caso diante de Ricardo. — Prometeu

Will finalmente. — Mas Bryan...— O quê?— Me prometa uma coisa.— O quê?— Que você irá devagar com ela. Deixe que chegue a te conhecer como o

homem que é em realidade. Elise é uma mulher. Deixa que ela seja a quevenha até você. Lembre que é jovem, que seu coração é terno e delicado...

— Tanto como uma pedra.— Me prometa que a tratará com a maior consideração possível.— Pelo amor de Deus, Will! Não sou um homem cruel ou perverso!

Prometo que o tentarei.O olhar de Bryan subiu pela escada até chegar à porta fechada, e

suspirou. Já sabia que não teria uma maneira de tirar Elise de Montoui semter que recorrer à força.

Um movimento no corredor atraiu sua atenção e se virou para ver entraruma mulher magra e de cabelos grisalhos que parou em seco, com o ruborfluía a suas bochechas, assim que o viu.

— Jeanne? — Perguntou.Ela assentiu sem dizer uma palavra, e ele franziu a testa, perplexo diante

do medo que parecia lhe inspirar. Então compreendeu que Jeanne certamentedevia estar se perguntando se o seu Senhor tinha intenção de se vingar delapelo doloroso combate que ela tinha obrigado a lidar com o veneno. Bryan lheofereceu um cativante sorriso cheio de melancolia.

— Esta noite levarei comigo à duquesa. — Depois disse. — Iremos paraCornualles sem que ninguém nos acompanhe, mas vou deixar homens paraque escolte você e o Michael até a nova residência. Estou seguro de quenecessitarei de sua ajuda competente para pôr ordem nos assuntos, porque sóDeus sabe no que estado encontraremos a propriedade.

O rosto de Jeanne se iluminou.— Obrigado, meu senhor.Bryan franziu a boca e então foi até ela.— A duquesa não se sente nada entusiasmada pela perspectiva de partir,

mas mesmo assim iremos. Necessita de uma boa comida, e um longo banhoquente. Como temo que não abriria a porta se acreditar que estou por perto,estarei no bastião com meus homens, onde posso ser visto de sua janela.

— Sim, meu senhor. — Murmurou Jeanne com uma pequena reverência.Bryan voltou a sorrir, e então passou por ela.Quando ele se foi, Jeanne sentiu que seus velhos joelhos tremiam de

debilidade. Pensou na bela claridade que tinha brilhado nos olhos de Stede,eram do azul mais intenso que ela jamais tinha visto! Quando sorriu. E aquelesorriso! Perfeito, inclusive os dentes, que Deus o abençoe! Covinhas em suasbochechas queimada pelo sol. Stede lhe tinha falado de uma maneira tãoagradável, e ela tinha estado tão aterrorizada por sua presença... Sua crençana santidade do matrimônio a tinha obrigado a deixar a nota, mas seu amorpor Elise a tinha obrigado a admitir que foi ela quem procurou se vingar dele.Muitos homens teriam mandado que destroçassem as suas costas a chicotadaspelo o que ela tinha feito, e possivelmente não teria se conformado com isso.

Jeanne decidiu que Bryan Stede era muito mais homem que Percy, e porfim se sentiu em paz com o que tinha feito. Era jovem, honrado, forte e, comseus olhos cor índigo e seu cabelo negro como o breu, também era bastantebonito para que inclusive o velho coração de Jeanne pulsasse mais depressa.

Ah, se Elise pudesse perceber o que tinha!

Jeanne suspirou enquanto começava a subir pela escada.E Bryan, se situando cuidadosamente diante da janela de Elise enquanto

travava uma conversa com um cavalariço, e não sabia que acabava de adquirira mais leal e persistente das servas.

Elise ainda estava encostada na porta quando a suave chamada ressonoupor cima dela, assustando-a até tal ponto que se endireitou e ela já tinhaatravessado correndo a metade do quarto antes que pudesse pensar emrespondê-la.

— O quê?— Sou eu Jeanne, minha senhora. Trouxe.... uma bandeja de comida.— Não tenho fome.— Michael fiscalizou com muita atenção a preparação deste jantar. Tem

todas as coisas que você gosta, Elise. Cordeiro cozido em vinho e temperadocom ervas, acompanhado por uma guarnição de verduras de verão. Pão recémassado e quente, minha senhora, da classe que não via na Inglaterra, isso lheposso jurar.

— Onde está o...? — Elise hesitou durante alguns instantes intermináveisenquanto tentava decidir se devia chamar Bryan por seu título. Estava claroque outros não tinham tido nenhuma dificuldade para aceitá-lo como Duquede Montoui, mas para a maneira de pensar de Elise, e enquanto ela não ofizesse, Bryan Stede não era tal coisa. Mas seu matrimônio lhe tinhaproporcionado todos seus títulos, e ele era todas aquelas coisas. Apenas umlouco o negaria. — Onde está o Duque? — Perguntou finalmente para Jeannecom voz cansada através da porta fechada.

— Lá fora, no bastião...— Não minta para mim, Jeanne! Juro que posso chegar a ser muito mais

tirana que ele se...— Minha senhora! Eu nunca lhe mentiria!Elise hesitou e fechou os olhos. Podia cheirar o cordeiro, já que seu

delicioso aroma se filtrava através da grossa porta. Era certo, nenhuma comidacozinhada na Inglaterra poderia se comparar com uma das que preparavamseus cozinheiros. Estava morta de fome, dado que o jantar da última noitetinha tido lugar em uma taberna onde a carne estava muito gordurenta paraque pudesse ser comida. O café da manhã tinha sido uma parte de pão duro...

— Se ele estiver no bastião, Jeanne, então o verei. — Anunciou Elise comum tom ameaçador. Foi para a janela, andando com rápida firmeza para queseus passos pudessem ser ouvidos. Não esperava absolutamente ver o Stede,estava segura de que segurava uma faca junto às costas de Jeanne, obrigando-a trair a sua senhora se não queria morrer.

Mas Bryan se encontrava no bastião. Um sorriso espreitava em suas

feições enquanto parecia manter uma discussão a respeito dos músculos docavalo com o Wat, o cavalariço de Elise. Para grande irritação de Elise, viu queBryan tinha um aspecto muito nobre com seu grande manto vermelho, e quetambém parecia se sentir em sua casa. Ele estava tão cômodo como seguro desi mesmo.

Ela se afastou da janela e abriu o trinco. Não deixou entrar Jeanne, massim habilmente pegou a bandeja das mãos de sua serva.

— Espere! Elise! — Gritou Jeanne. Elise parou, e Jeanne se apressou aseguir falando. — Farei que lhe traga o seu banho enquanto ele segue nobastião.

A hesitação de Elise durou apenas um momento, porque desejavamergulhar em azeites aromáticos e água quente expulsando vapor.

— Se apresse! E, Jeanne, me traga várias jarras de água fresca parabeber..., e qualquer classe de pão e queijo que possa encontrar.

Deu a ordem para Jeanne, sem querer realmente, em um tom muito seco,mas era necessário que o banho fosse trazido rapidamente e que ela estivessepreparada para poder se manter dentro de seu quarto.

Jeanne assentiu. Elise a ouviu chamar pedindo ajuda enquanto baixavaa toda pressa pela escada. Voltou para a janela e respirou com um poucomenos de dificuldade quando viu que Stede ainda estava falando com o Wat, eque naquele momento se achava muito ocupado no pátio examinando osdentes de um dos cavalos de batalha. Jeanne fazia que a servidão iniciasseuma rápida atividade. Quando Elise voltou a abrir a porta, entraram a todapressa por ela com sua banheira e uma multidão de baldes dos que se erguiavapor, mantidos em equilíbrio de dois em dois por longos paus que tinhamatravessados sobre os ombros. Todas os servos da casa a saudaramafetuosamente depois de sua ausência, e Elise teve que lembrar a si mesmaque devia ser gentilmente cordial, já que estava tão impaciente por voltar afechar a porta, que mal ouviu uma só das palavras que lhe disseram aquelesfortes e jovens camponesas.

— Onde está a água e a comida, Jeanne?— Elise, acabo de lhe trazer uma bandeja...— E também quero a outra. Agora! E depressa!Jeanne chamou uma das moças e esperou em silencio junto de Elise até

que trouxeram várias jarras de água, duas fogaças de pão de grossa casca euma grande porção de queijo branco suave.

— Minha senhora...Jeanne tentou ficar com ela, mas Elise a empurrou firmemente até fazê-

la sair pela porta.— Desejo estar sozinha, Jeanne.

Em seguida, fechou a porta com rápida firmeza, e então colocou o trincoem seu lugar e comprovou a solidez de seu suporte. Estava a salvo, asseguroua si mesma antes de se virar para o interior do quarto para decidir, sedesfrutava primeiro do reconfortante luxo da comida, ou se optava pelo banho.

Finalmente, aproximou uma arca da banheira de madeira e depositousua bandeja em cima dele. Antes de tirar as suas roupas de viagem, Eliseacendeu um fogo da lareira do quarto e foi alimentando com a abundanteprovisão de madeira que tinha amontoada diante dela até que as chamascobraram um agradável calor. Franziu a testa enquanto fazia isso, sesurpreendendo de que a pilha de lenhas estivesse tão alta e se achasse tão bemamontoada quando ela tinha permanecido ausente durante tanto tempo. Maslogo apertou os dentes com uma súbita onda de ira. A resposta era óbvia. Nãosabia quanto tempo estava Stede em Montoui, mas aparentemente tinha estadoutilizando o quarto de Elise como se fosse dele.

Não por mais tempo, disse a si mesma impacientemente. Ela não iria sairdali e Stede teria que se cansar de sua vigilância, e antes de que transcorressemuito tempo, deveria se apressar a partir com destino a suas novaspropriedades em Cornualles.

Esgotada pela tensão que a atormentava desde sua chegada, Elisefinalmente tirou suas roupas manchadas pela viagem, jogou azeite de essênciade rosas na água, segurou seu longo cabelo em um nó, e entrou na banheira. Aágua estava realmente soberba. Elise apoiou a cabeça na borda da banheira ese permitiu um momento de inatividade durante o qual se limitou a desfrutarda comodidade. Logo levantou a bandeja da comida da arca, deixou-aatravessada em cima da banheira e atacou seu conteúdo com um grandeapetite. O cordeiro estava delicioso, e Elise o saboreou até que teve consumidoa última mordida. Era, decidiu, uma maneira realmente deliciosa de jantar,apesar de tudo o que a rodeava, e lembraria no futuro.

Ela se serviu um pouco de vinho da jarra de prata que havia em cima dabandeja e então voltou a apoiar comodamente a cabeça na borda da banheiraenquanto ia tomando lentos goles de sua taça. Seria possível que aindapudesse ganhar aquela guerra? Sim, por Deus, era!

Elise sorriu enquanto seguia bebendo seu vinho sem se apressar. Bem,assim que seu marido tinha demonstrado ser o Duque de Montoui. Poisdurante nos próximos dias, Bryan Stede poderia exercer seu poder tanto comoquisesse. Não demoraria para cansar do jogo. Suas posses inglesas eram asmais valiosas... para um inglês, naturalmente.

O fogo que ardia hipnoticamente dentro da lareira, o doce sabor do vinhoantigo e o relaxante calor da água suavizada mediante os azeites foram secombinando para ir dissipando a tensão que enrijecia o corpo de Elise e atempestade que se agitava dentro de sua alma. Suas pálpebras começaram atremer, e meio que fecharam. Então ouviu um suave tilintar e deu um salto, eentão riu de si mesma quando percebeu de que tinha deixado cair sua taça de

vinho. Elise voltou a fechar os olhos e deixou que um ligeiro sono fosseenvolvendo-a agradavelmente.

— Meu senhor?Bryan, que voltava a estar imóvel diante do fogo com as mãos

entrelaçadas detrás de suas costas enquanto contemplava as chamas, se viroucortesmente para Jeanne enquanto ela se aproximava.

— Fiz que preparassem provisões tal como tinha ordenado, e os cavalosestão preparados, esperando o momento em que tenha necessidade deles.Mas...

— Mas o que, Jeanne?— Posso lhe assegurar que a Lady Elise não sairá de seu quarto.— Esperarei. Terá que sair... quando tiver suficiente fome ou sede.Jeanne sacudiu a cabeça, um pouco nervosa apesar da nova admiração

que sentia por ele. Também tinha ouvido como a raiva se apropriava de sua vozquando se deixava levar por seu temperamento, e não queria que este chegassea se ver dirigido contra ela.

Ela umedeceu os seus lábios.— Ela pediu que lhe trouxesse várias jarras de água. E pão e queijo. Não

lhe custaria nada permanecer dentro de seu quarto durante possivelmentetrês... ou quatro dias.

Ele não se moveu e não falou, e Jeanne necessitou muitos e muitoslongos segundos para perceber até que ponto o tinha enfurecido suas palavras.As emoções que estava sentindo só se fizeram visíveis no súbito tensão domúsculo cor de bronze sobre os grandes ossos de seu rosto, e no leveestreitamento de seus olhos.

— Entendo. — Disse em voz baixa, se virando novamente para o fogo.Quando falou, fez lhe dando as costas. — Jeanne, diga a Michael que seassegure de que a servidão esteja muito ocupada na cozinha ou em algumoutro lugar.

Jeanne se apressou a ir fazer o que lhe tinha ordenado. Assim que foiembora, Bryan bateu o seu punho contra o suporte da lareira e então lamentousua ação quando sua mão começou a doer imediatamente.

— Trata-a com delicadeza! — Murmurou secamente. Erguendo o olharpara a longa escada, suspirou e logo ergueu os ombros com resignadadeterminação para começar a subir os degraus sem fazer nenhum ruído.

Elise despertou bruscamente de seu sono pela segunda vez cheia deconfusão, porque o som que tinha ouvido não era o suave repicar da pratacontra a pedra. Tinha sido um golpe estremecedor, e se apressou a sacudirrapidamente a cabeça em um intento de dissipar a doce neblina do sono. Entãofranziu a testa, esperando que o som voltasse a chegar até ela para que

pudesse determinar do que se tratava.Voltou a ouvir o som, e então já não ficou nada que determinar, porque a

grossa porta de madeira estremeceu e o sólido ferrolho saltou em pedaços.Elise ficou tão atônita ao ver que a porta tinha sido forçada que nem sequer lheocorreu se alarmar quando esta gemeu sobre suas dobradiças, e se abriu paradentro.

O olhar de Elise foi da porta quebrada ao homem que permanecia imóvelem seu marco. Apenas então percebeu de qual era sua atual situação e saltouhorrorizada da banheira, sem afastar os olhos de Stede, enquanto apalpavaprocurando sobre arca sua toalha. Ele a contemplou com frio desprezoenquanto ia até ela e, por muito que Elise desejasse se manter erguida diantedele sem delatar sua consternação e seu medo, se pôs a correr através doquarto... e só conseguiu se encurralar assim mesma contra a parede que haviaalém da cama. A partir desse momento, a única coisa pôde fazer foi olhar parao Stede enquanto apertava a toalha contra o seu peito.

Mas ele parou assim que chegou na arca e, estendendo a mão, varreu osrestos do vinho e do jantar de Elise para o chão, sem olhar para eles paracomeçar a vasculhar dentro da arca. Tirou uma túnica de escura lã, umacamisa de linho e um par de resistentes calções, tecidos mais pensando para acomodidade do que poderia oferecer em elegância.

Em seguida, ele jogou tudo o que tinha tirado da arca.— Se vista.Elise tragou saliva e umedeceu os seus lábios nervosamente enquanto

lançava um olhar ofegante a suas roupas. O seu coração palpitavaestrondosamente, e estava fazendo um desesperado esforço para assimilar ofato, de que Bryan não tinha derrubado a sua porta com a ideia de atacá-la.

— Se vista! — Ele voltou a ordenar. — Vamos.— Não... — Começou a dizer ela, articulando o protesto apesar de si

mesma.— Pode se vestir você mesma, ou posso te ajudar. A maneira não

importa, com tal de que a tarefa seja realizada rapidamente.A expressão que havia em seus olhos indicou para Elise que falava a

sério, e foi cautelosamente para o lugar onde suas roupas tinham pousadosobre o chão. Os seus dedos tremiam com tal violência que cada movimentoera torpe e lento. A toalha escorregou de sua mão antes de que pudessedeslizar a camisa pela cabeça, e Elise soube que todo o seu corpo nu, tinhaficado exposto sob o implacável e desapaixonado escrutínio de Stede. Seusolhos fixos nela faziam que seus dedos parecessem pesar ainda mais. Bryanmurmurou um juramento, e um passo e se pôs na frente dela. Ele se inclinousobre Elise e, depois de forçá-la a se erguer com um brusco puxão, deslizou acamisa pela sua cabeça, para então repetir a ação com a túnica antes de que

ela pudesse protestar. Seu brusco contato deslizou ao longo do corpo de Elise,roçando seus seios e seus quadris, e ela não pôde evitar que lhe escapasse umgrito afogado quando ele a empurrou distraidamente para a cama para quepudesse lhe colocar os calções pelos pés.

— Eu faço isso! — Jurou sinceramente.Bryan permitiu que os calções caíssem em cima de seu colo, mas seguiu

erguido sobre ela. Elise apertou seus dentes que não paravam de tremer e seconcentrou unicamente em deslizar a lã brandamente tecida por cima dosdedos de seus pés.

Finalmente, Bryan se virou para percorrer a habitação com o olhar.— Necessitará suas botas mais resistentes.Seus olhos se detiveram em cima de outra arca e um instante depois

estava vasculhando nela, ficando satisfeito quando tirou dele um par de botasde pele de veado. Eram mais delicadas do que lhe teria gostado, mas serviriam.As levou para Elise e as deixou cair diante dela. Elise mordeu o seu lábioenquanto colocava os pés nas botas, e logo voltou a soltar uma exclamaçãoafogada quando sentiu como os dedos de Bryan se fechavam firmemente sobreseu braço e puxava ela até voltar a ficar de pé.

Chegaram na porta quebrada do quarto, e então o pânico fez que Elise sesentisse imbuída de uma frenética e renovada energia. Se retorceufuriosamente para se libertar da mão de Bryan e fez um frenético esforço paracolocar resistência, descarregando um enlouquecido dilúvio de golpes sobreseu peito e seu rosto. Ele deixou ela se agitar contra ele, e então lhe lançouuma seca advertência:

— Elise!Ela não percebeu a fúria que havia em seu tom. Uma série de estridentes

juramentos resmungados em voz baixa chegou a seus ouvidos, e só soubemuito vagamente que vinham dela.

Então, ela já não sabia de nada mais, porque Bryan se virou para elafinalmente para lhe golpear no queixo com o punho. Elise reconheceu o sabordo sangue em sua boca, e depois já não foi consciente de nada. Os sentidos aabandonaram em um súbito explosão de claridade de estrelas, e um instantedepois caiu nos braços dele como um mole maleável de um montão defarrapos.

Bryan a jogou no seu ombro e saiu do quarto para começar a descer pelaescada sem olhar para atrás nenhuma só vez. Saiu do salão para se dirigirpara o bastião, onde estavam esperando os cavalos. Wat e Michael também seencontravam ali, ambos aparecendo extremamente desconfortáveis. Bryansorriu para eles.

— Bem, parece que a duquesa vai cavalgar comigo. — Disse sem sealterar. — Me passe as rédeas de sua égua, Wat. E te assegure de que o cavalo

de carga esteja bem amarrado atrás dele.Wat se apressou a fazer o que lhe tinha ordenado, e Bryan assobiou

brandamente enquanto esperava ao lado do velho Michael de Pole.— Bem, faz uma noite ideal para viajar, verdade, Michael? — Perguntou

sem deixar de sorrir, como se fosse perfeitamente natural que estivesse levandoa duquesa em cima do ombro, como se fosse um saco de trigo preparado para omoinho.

— Sim, milorde. — Respondeu Michael, tentando, a sua vez, não olhar aseu novo senhor, nem à forma da duquesa desmaiada deitada sobre seuombro.

Wat voltou e segurou as rédeas. Colocando a Elise atravessada sobre olombo de seu corcel, Bryan montou atrás dela e dirigiu uma inclinação decabeça ao Michael e Wat.

— Michael, muito em breve verei você em Cornualles. Bem sabe Deus queterei necessidade de seus talentos administrativos. E você também virá, Wat.Meu escudeiro morreu de uma enfermidade dos pulmões, enquanto eu aindacombatia junto ao antigo rei, e desde então ainda não adquiri a nenhum outro.Acredito que saberá fazer bem o trabalho, sempre que estar disposto a meseguir na batalha.

— Sim! — Exclamou Wat, deslumbrado pela oferta. — Sim, meu senhor!Obrigado, Duque Bryan, que Deus lhe abençoe, senhor...

Bryan saudou o moço e ao ancião, e então fez avançar o seu cavalo. Asportas de Montoui giraram sobre suas dobradiças se abrindo diante dele, ecavalgou para a noite.

Capítulo 16

Elise percebeu que a noite era muito escura, e de que estavaterrivelmente desconfortável. O lado do seu corpo doía, e um instante depoispercebeu de que a dor era causada pelo constante esfregar de seu corpo contrao pomo da sela de Bryan, e sentiu uma dor aguda ali onde a tinha golpeado osdedos do cavaleiro.

Do momento que abriu os olhos, Elise soube com toda exatidão onde seencontrava. Podia ver debaixo dela os enormes cascos do corcel, que avançavarapidamente o passo. Como tinha visto aqueles cascos, teve muito cuidado demudar de posição. Se discutisse, apenas serviria para que seu nariz entrasseem contato com o joelho de Bryan, assim que Elise se virou para montardesajeitada mais uma vez, enquanto o desespero forçava os sofrimentos de seucorpo.

Aparentemente ele tinha percebido seu movimento, posto que deteve ocorcel puxando as rédeas, desmontou e já se encontrava ali para segurá-laenquanto ela escorregava lentamente do alto do lombo do animal, com aspernas muito dormente para que pudesse sustentá-la. Elise manteve o rostooculta junto ao pescoço do corcel e perguntou com voz clara.

— Quanto tempo levamos cavalgando?— Três horas, talvez quatro. — Respondeu ele, em um tom carente de

emoção. Elise voltou a ficar rígida junto do corpo que a segurava.— Agora já posso ficar em pé. — Ela disse friamente.Um instante depois, sentiu ele encolher os ombros e como a soltava.

Então Elise começou a desabar sobre a estrada, incapaz de convencer a seusmúsculos de que deviam mantê-la em pé.

— Posso ficar em pé! — Resmungou Bryan com irritação, se inclinandopara tomá-la em seus braços. Elise estava muito exausta para protestar contraseu aperto, e permitiu que sua cabeça repousasse no ombro dele. Ainda sesentia muito, muito cansada.

Bryan a deixou apoiada no tronco de um velho carvalho, e entãoimediatamente deu meia volta para voltar para o corcel. Elise o ouviu enquantolevava os cavalos para um lado da estrada, mas estava muito exausta paraprestar muita atenção nas suas ações. Tudo parecia doer nela. Tinha agarganta ressecada, e sentia o corpo como se tivesse estado recebendo golpesda cabeça até os dedos dos pés. Nem sequer dispunha da energia necessáriapara que se importasse que tivesse perdido a batalha final.

Finalmente, quando ouviu os seus passos esmagando as folhas pertodela, levantou a vista. Bryan havia soltado seu corcel e a égua dela, e aliviado opeso do seu cavalo de carga. E tinha limpo o chão para formar um buraco naterra sobre o que agora estava inclinado, acendendo uma pequena fogueira.Um brilho avermelhado surgiu de um nada, seguido por um intenso brilhoamarelo e alaranjado. Bryan contemplou o fogo que tinha aceso e foialimentando-o até que as lenhas maiores começaram a arder e alcançaram oclarão. Recostando-se para trás, enquanto ele se apoiar sobre os calcanhares,olhou novamente para Elise.

— O que está fazendo? — Perguntou ela nervosamente. Conhecia oscampos, e mesmo assim não sabia onde estavam. Não parecia haver nada maisalém deles, que estavam completamente sozinhos com as chamas.

— Acendo uma fogueira. — Respondeu ele, informando o óbvio.Elise tragou saliva com um penoso esforço, compreendendo naquele

instante que ele tinha decidido parar ali durante a noite. Por que era tãoterrível isso? Se perguntou abatida. Tanto se cavalgavam durante toda a noitecomo se não, ela era sua esposa... e sua prisioneira. Que importância poderiater qual fosse o momento em que finalmente se visse obrigada a aceitá-lo?

— Vamos ficar aqui... esta noite? — Perguntou, se sentindo-consternadaao notar a fraca vibração de sua voz.

— Sim. O serviço é limitado, mas os lençóis estarão limpos.Elise foi incapaz de apreciar o amável humor que havia na voz de Bryan.

Fechou os olhos e esperou chegar a humilhação inevitável.Mas ele não se aproximou em nenhum instante. Quando a tensão e a

curiosidade terminou obrigando-a a voltar a abrir os olhos, Elise viu que Bryantinha tirado mantas do alforje22, mais um odre e uma pele curtida com pão equeijo para dispô-lo tudo entre eles dois. Em seguida lhe ofereceu o odre, eenquanto ela aceitava soube que seus dedos continuavam trêmulos.

— É água. — Disse ele. — Estou seguro de que você necessita.Necessitava. A água fresca e clara era deliciosa, possivelmente inclusive

mais. Bryan tinha sentado em cima da manta estendida junto à árvore, e suaescura cabeça permanecia inclinada para baixo enquanto ia cortando fatias dafogaça de pão com sua faca de caça. Os brilhos da fogueira dançavam sobre aescuridão de seus cabelos, fazendo-os parecer quase azuis durante uminstante antes de que voltassem a ser negros. Elise se encontrou olhando parao desenho que formavam os diferentes fios, e estudando a maneira em queuma mecha perdida caía persistentemente em cima da testa de Bryan.

De repente ele levantou a vista e ela evitou o seu olhar, dirigindo suaatenção para o odre que tinha na mão e voltando a lhe oferecersilenciosamente.

— Pão? — Perguntou Bryan.Elise sacudiu a cabeça, evitando que seus olhos se encontrassem com os

dele e olhando além das finas folhas da árvore que se erguia sobre sua cabeçapara contemplar as estrelas que havia no céu. Podiam ter estado nos limites daterra. Se Stede tivesse querido encontrar um lugar da mais absoluta intimidadeno qual poder exercer seus direitos, no caso de que ela gritasse e resistissecomo uma louca, fazia bem. Ali apenas a escuridão da noite seria testemunhado que fizesse. Se Elise procurava refúgio em um lugar secreto dentro de seucoração, ele poderia fazer qualquer coisa e não se importaria, porque então elanão estaria ali realmente. Tinha que permanecer tranquila. Distante. E alémdisso... imune.

Para fazer tal coisa, não podia olhá-lo. E não podia permitir que seupânico fosse crescendo com cada momento que passava. Ela o confrontou etinha sido derrotada. Então podia se manter erguida, muito menos correr, eembora chegasse a correr, ele a alcançaria. A única dignidade que ficava era oorgulho com o que podia chegar a aceitar a derrota, e tinha intenção de aceitaro melhor possível. Mas aqueles momentos... aqueles momentos em queesperava! Estavam torturando cruelmente seus nervos.

— Deveria comer algo. — Disse ele.

— Não tenho fome.Elise percebeu seu encolhimento nos ombros, e então ficou atordoada

quando ele jogou uma segunda manta para ela.— Então dorme um pouco. Eu gostaria de chegar ao Canal amanhã de

noite.O coração de Elise pareceu iniciar um súbito espiral dentro de seu peito,

e então foi se acalmando lentamente. Segurou nervosamente a manta duranteum minuto, e logo se envolveu a toda pressa nela e tentou mudar de posturamuito silenciosamente até que esteve confortavelmente deitada no chão. Masentão não se atreveu respirar, temendo que o som fosse muito ruidoso e atraíraa atenção dele e pôr fim aquele inesperado alívio.

Finalmente, teve que respirar. Entreabrindo os olhos, viu que Bryanestava contemplando a noite, sem olhá-la, enquanto comia.

Voltou a fechar os olhos. Um momento depois o ouviu guardar a comidarestante e logo se deitar sobre o chão. Esperou, mas Bryan não se moveu. Ofogo foi se consumindo pouco a pouco. Elise dormiu.

Quando voltou a abrir os olhos, os pássaros cantavam, a escuridãodesapareceu, e a manhã era radiante. O sol, resplandecendo enquanto subiano céu, era quase cegador.

Elise não pôde evitar se sentir revitalizada. Enquanto deitada imóvelsobre o chão, pôde sentir como o calor do sol ia se infiltrando nela e lhe davanovas forças. Não era tão estúpida para esquecer que estava com Bryan Stede,mas a intensidade da manhã oferecia uma nova margem para os sonhos à luzdo dia. A manhã significava promessa.

— Há um riacho no final da encosta. Levarei você até ele.Uma escura sombra se estendeu bruscamente sobre o resplendor do sol,

quando Elise escutou Bryan falar. Não tentou fingir que ainda estavadormindo, e seus olhos se posaram nele. A manhã era fresca, masaparentemente isso não tinha impedido que Bryan tirasse a roupa paramergulhar no riacho. Usava seus calções apertados, mas seu cabelo reluziacom o brilho das gotas de água e seu peito nu ainda estava molhado. Elise nãopôde evitar sentir um sobressalto interior ao perceber de que antes nuncatinha visto seu peito nu. A vasta extensão de seus ombros tinha algo deimpressionante, e Elise pensou ironicamente que agora já não resultava tãosurpreendente que Bryan tinha conseguido derrubar a sua porta. Um escuroarbusto de pelo crescia em abundância em seu peito, se estreitandotriangularmente em direção de sua cintura e ajudando a ocultar as numerosascicatrizes que atribuíram seus anos no campo de batalha. Seu barriga era fortee plana, mas Elise pôde ver ondulação endurecida do músculo mesmo ali, evoltou a fechar os olhos, tentando aquietar o estremecimento de medo que seapropriou dela. Bryan Stede era seu marido e não queria voltar a se encontrarnunca a sua mercê.

— Elise, deveríamos nos pôr em marcha.Ela se levantou sem dizer nada, dobrou sua manta, e se virou para ele.— Eu gostaria de ir ao riacho sozinha.— Sinto muito. — Disse ele, mantendo as mãos despreocupadamente

apoiadas em seus quadris. — Não confio em você.— Se fosse fugir, o teria feito esta noite enquanto dormia...— De maneira, que era isso que você teria feito, hein? Lhe teria resultado

bastante difícil, minha senhora, uma vez que já estava dormindoprofundamente muito antes de mim. Não, não acredito que teria tentado fugiresta noite. Estava muito cansada, e teria te apanhado antes de que tivessedado o primeiro passo. Vamos ao riacho?

— Bryan, eu imploro isso! — Rogou Elise. — Me conceda um momento deintimidade!

Ele hesitou durante alguns momentos, e então encolheu os ombros eagarrou sua camisa de um ramo da árvore.

— Não demore muito em retornar, Elise. — Advertiu.O desejo urgente de seguir em frente assim que chegou no riacho foi tão

intenso que Elise mal conseguiu reprimi-lo. Mas sabia que ele cairia sobre elacomo um raio atraído pelo metal, por isso desfrutou rapidamente de umrefrescante banho nas frias águas e então se apressou a retornar. Bryan jáestava completamente vestido quando chegou, com sua espada segura em suabainha e seu manto preso pelo broche no ombro. Havia tornado a dispor o pãoe o queijo, e Elise se ajoelhou em silencio para comer. Bryan não aacompanhou, e Elise supôs que já tinha comido, porque permaneceu junto doscavalos esperando impacientemente. Demorou tudo o que pôde em comer, esoube que tinha chegado o momento de deixar de se opor a seus desejosquando ele perguntou.

— Meu cavalo, duquesa? Ou no seu?Cavalgaram em silencio até o fim da tarde, momento no que chegaram a

uma aglomeração de cabanas que pareciam formar uma pequena aldeia. Bryanse deteve diante de um daqueles lares de treliça e tijolo cru e desmontou de seucavalo, jogou as rédeas para Elise.

— Verei quem vive por aqui, e se podemos conseguir algo que estejacozinhado decentemente para comer.

Elise assentiu com toda a aparência da docilidade, mas uma nova febrede excitação percorreu todo seu ser no mesmo instante em que fazia.Contemplou Bryan enquanto este subia para a porta pelo atalho de terra,liberando uma batalha silenciosa dentro de sua mente enquanto ia seguindoele com o olhar.

Stede tinha se comportado com muita decência. Ela o tinha abandonado,

ele tinha superado os obstáculos que havia colocado e a tinha reclamado, masnão se afastou da decência.

Mas só depois de ter deixado ela sem sentido e a tinha tirado de seu lar.Aquela poderia ser sua última oportunidade, para sempre de escapar dele. Aégua de Elise era rápida e fogosa, mas não poderia superar ao corcel emnenhuma distância. Agora podia ser a única ocasião que teria em mudar decavalo e fugir.

Não havia tempo para pensar ou seguir raciocinando, ou nem sequerpara prestar atenção às tênues pontadas de culpabilidade que lançavambrandamente de sua consciência. Elise desceu rapidamente de sua égua.Esperou até que as largas costas de Bryan tiveram desaparecido depois daporta da cabana, e então saltou na garupa do corcel, esporeando-o até lançá-loa um desenfreado galope sem olhar para trás nenhuma só vez.

A terra e a erva passava rapidamente atrás dela, o céu, azul e dourado,girava loucamente a seu redor. Cruzou em questão de momentos o vale quetinham atravessado sem se apressar, e então o resplendor dourado do sol ficousubitamente dispersado entre o escuro e frondoso verde dos bosques degrandes pinheiros. Elise se inclinou sobre o pescoço do corcel para esquivardos grossos ramos que se partiam com um estalo sob o ataque do briosoanimal.

Até onde teria que ir, perguntou-se, antes de que pudesse afrouxar amarcha do corcel sem correr perigo de ser capturada por ele? Ainda não, aindanão. E tampouco devia se limitar a seguir a rota que tinha tomado quandosaíram de casa, porque isso faria que Bryan não tivesse nenhuma dificuldadepara pegar ela. Se guiava sua fuga seguindo o sol, não podia se perder. A únicacoisa que tinha que fazer era seguir cavalgando em direção ao Sul, Sudeste.

Elise saiu do bosque. Ali estavam dois atalhos, um que tinham utilizadoantes, circundando as montanhas, e um segundo, aquele que seguia naencosta da montanha.

Hesitou apenas um instante, e então seguiu o atalho que conduziaencosta acima.

Enquanto o terreno estava bom, Elise manteve o passo do corcel em umrápido galope. Mas o atalho não demorou para ficar invadido pelo mato esalpicado de duras rochas, e então Elise fez que o enorme cavalo diminuirmarcha, sabendo que o tinha obrigado a fazer um cruel esforço. Além de que oatalho fosse perigoso, o corcel ofegava por causa do exercício e sua negrapelagem estava encharcada de suor.

Permitiu que o cavalo fosse se refrescando com um trote, e então o pôs aopasso, e finalmente se virou sobre a sela para olhar para trás dela não havianada além do bosque. Exalando um longo suspiro, Elise olhou para frente.Uma vez mais, uma pontada de consciência que não conseguia entenderrealmente puxou ela. Por fim tinha conseguido deixar para atrás ao Bryan

Stede. Dispunha do cavalo mais poderoso. Dentro de outra noite poderia voltara estar em casa, e desta vez poderia se preparar contra ele. Não lhe devia nada,disse a si mesma. Voltou a virar nervosamente sobre a sela, mas não havianem rastro de Bryan. Esperava que não chegasse a perceber de que tinhaoptado por seguir outro caminho. Tinha deixado um rastro de ramos quebradotão claro como o dia através do bosque, mas o atalho na montanha tinha sidounicamente areia e rocha, e era possível que o corcel não tivesse deixadonenhum rastro delator. Mesmo assim....

Voltou colocar o animal ao trote, e não foi até que anoiteceu quandoparou e olhar para trás.

Quando a escuridão absoluta, exceto por uma fina tira de luz da lua,envolveu-a, Elise lamentou de sua decisão de não ter encontrado um lugaronde acampar durante a noite. Estava terrivelmente cansada, faminta esedenta. Como suas provisões estavam em cima do cavalo de carga, agora nãotinha nada. Ela se sentia muito culpada por ter obrigado ao corcel a fazer taisesforços, e começou a temer, se não encontrava água logo, mataria o animal.

— Pode cheirar água, moço? — Perguntou para o cavalo, dando umaspalmadinhas no seu lustroso flanco e contemplando como movia levemente asorelhas enquanto a ouvia falar.

Elise era consciente de que com tudo o que tinha feito e pretendia fazer,não haveria nada pelo qual Bryan a desprezasse mais do que matar a seucavalo. E por que não? Se perguntou com abatimento. O cavalo era uma belacriatura que tinha servido muito bem a seu amo, e não merecia morrer devidoa uma disputa com um homem.

— Vamos, moço! — Disse brandamente ao corcel. A água tinha que sersua principal preocupação naqueles momentos, e não podia permitir que suamente vagasse a seu desejo.

Especialmente para entrar em uma região onde veria o Bryan comGwyneth. Bryan, com uma terna risada em seus olhos enquanto se inclinavapara beijar a mão de sua amante...

Odeio, ela lembrou a si mesma. Mas em realidade não o odiava, já não.Tinha deixado de odiá-lo na noite da coroação de Ricardo, aquela noite em queo tinha visto defender a um homem porque seus princípios, e não a crençapopular, exigiam que assim o fizesse.

— Água. — Voltou a murmurar em voz alta, contemplando como asescuras orelhas do corcel se moviam de um lado a outro. — Tem que haver umriacho perto, moço. Se te deixasse seguir seu caminho, me pergunto se seriacapaz de encontrar...

Ela se calou, e os sons da noite fluíram ao redor dela, o chiar dos grilos, ograsnido ocasional de uma coruja. A folhagem que a envolvia, o qual tinhaparecido quente e verde sob a luz do dia, agora parecia escuro e assustador,misterioso e cheio de perigos. Elise prometeu a si mesma que encontraria água,

e que logo encontraria alguma classe de refúgio onde passar a noite até quechegasse a alvorada. Bryan tinha assegurado de que fosse vestidahumildemente para fazer uma dura viagem, mas mesmo assim poderia haversalteadores nas estradas pelos arredores. A cavalo sobre a que cavalgavamereceria ser roubado.

O corcel se deteve de repente, jogando as orelhas para trás e dandocoices enquanto arranhava nervosamente o chão com os cascos. Elise nãosoube o que lhe ocorria até que entreabriu os olhos, forçando a vista paradistinguir algo na escuridão. Tinha chegado a um planalto, e agora podia ouviro suave som de uma correnteza, e algo mais. Havia um ruído de vozes, demeninos que riam, de uma mulher que cantarolava.

Elise fez avançar cautelosamente o corcel. Haveria cerca de dez casasconstruídas no alto do planalto, e o tênue brilho de dez fogos das casas osenvolvia. Elise pôde ouvir o balir de alguns cordeiros, e então o ávido latido deum cão. Hesitou, e então viu que algo reluzia sob a lua com um tênue brilhodourado. Era uma cruz, uma cruz de ouro cravada, no que só poderia ser umacapela.

Seria uma pequena aldeia de camponeses cristãos, disse a si mesma comfirmeza. Ricardo, rei da Inglaterra, também era o duque daquelas províncias.Podia pedir proteção ali, em nome de Ricardo Coração de Leão.

Ela se apressou para fazer avançar o corcel enquanto pensava a todavelocidade. Não se identificaria como Elise, duquesa de Montoui. Se limitaria adizer que era uma peregrina, e que tinha ido rezar nos santuários daInglaterra. Então ela poderia se mover a seu desejo com o menor inconvenientepossíveis.

Vários cães mais se uniram ao que tinha estado ladrando. A porta daprimeira casa foi aberta subitamente, e uma mulher começou a brigar com oscães, retorcendo as mãos enquanto fazia isso. Então ergueu os olhos e viuElise, e ordenou aos cães que estivessem calados.

Era uma mulher baixa e robusta de cabelos grisalhos, um amplo seio ecálidos faiscantes olhos castanhos.

— O que temos aqui? — Disse para Elise. — Não vemos muitos viajantesno alto do planalto!

Elise desceu do corcel, se perguntando muito tardiamente como iriaexplicar a presença de um animal tão magnífico.

— Meu nome é Elise, boa mulher. — Disse afavelmente. — Retorno parao meu lar em Montoui, depois de ter feito uma peregrinação na Inglaterra.Necessito de água para o meu cavalo, e para mim, e.... eu...

— Seguro que tem fome, me atreveria a dizer! — Concluiu a mulher porela. — Bem, entre menina, entre! — A encorajou. — Mal posso alimentar vocêse insistir em ficar de pé na escuridão! George! George! Venha se ocupar do

cavalo desta jovem. Sou Marie, esposa de Renage. Entre, entre!Elise sorriu enquanto a mulher a rodeava amigavelmente com um braço

para conduzi-la ao interior da cabana. Um desajeitado moço que teria unsquinze anos saiu correndo da moradia, e olhou primeiro para Elise e depoispara o cavalo.

— Mamãe! — Chamou, assobiando baixinho. — Dê uma olhada nestabesta! Nunca havia visto tantos músculos em um cavalo, não, nunca!

— Necessita água. — Murmurou Elise.O jovem George voltou a contemplá-la, passeando desde sua cabeça até

os dedos de seus pés com um longo olhar que a avaliou de uma maneira tãoexata como tinha feito com o cavalo. Elise decidiu que o moço não podia termais de dezesseis anos, mas seu olhar a fez se sentir muito incômoda.

— Te ocupe do cavalo, George! — Disse Marie com firmeza, e uma vezmais começou a levar Elise para a cabana. — Vivemos em um lugar muitosolitário. — Acrescentou depois, desculpando a seu filho com suas palavras.

A cabana era pequena, mas estava limpa e resultava acolhedora com seufogo crepitante. Marie levou Elise até um banco e logo se apressou a ir para alareira.

— Meu guisado acaba de ferver no fogo. — Explicou, jogando dentro deuma terrina de madeira umas quantas colheradas daquele guisado quecheirava tão deliciosamente. — Meu homem e meus meninos chegarão maistarde, porque sempre esperam até anoitecer para descer às ovelhas dasencostas das montanhas.

— Obrigada. — Disse Elise enquanto Marie depositava o guisado nafrente dela, sorria e enchia uma tigela com a água de uma cisterna.

— Come! — Incentivou Marie. — Meu coração faz muito bem ver quedesfruta da comida.

Elise bebeu a água e então atacou o guisado. Estava tão bom como tinhaprometido seu aroma. O fogo, a comida e a robusta Marie combinaram parafazer que se sentisse segura e feliz. E era muito agradável voltar a ouvir suaprópria língua, embora o dialeto que se falava ali era do estilo do Norte, não osuave e melódico cantado em Montoui. Bryan passava sem nenhumadificuldade de uma língua a outra, e Elise supunha que aquilo se converteu emuma segunda natureza para ele devido a todo o tempo que tinha passado nocontinente com Henrique. Mas sempre ele falava em inglês, e agora... agora eraestupendo ouvir uma língua mais próxima à sua. Elise se sentiu muito perto decasa. Esvaziou a terrina de comida sem dizer uma palavra, sob os bondososolhos de Marie, mas então rechaçou sua oferta quando Marie estava presteenchê-la.

— Não tenho nada com o que te pagar. — Murmurou. Bryan a tinhalevado tão depressa que não usava nenhuma joia, e nem sequer tinha um

broche de manto decente para oferecer à mulher. Então lhe iluminaram osolhos. — Minha sela é magnífica. Possivelmente...

— As notícias, eu gostaria muito mais que sua sela! — Exclamou Mariealegremente, se sentando diante de Elise enquanto cortava enormes fatias depão recém assados. — Me diga, viu coroar rei da Inglaterra a sua majestadeRicardo?

Elise escolheu com muito cuidado suas palavras antes de responder.— Sim... Estava entre milhares de pessoas, naturalmente, mas vi como

nosso senhor Ricardo era coroado rei da Inglaterra.Marie estava faminta de rumores e fofocas, e Elise comeu pão

acompanhado com deliciosa manteiga fresca e falou animadamente de Londrese da coroação de Ricardo, evitando qualquer menção de si mesma enquanto iadescrevendo os trajes das Ladys e a elaborada procissão.

Elise se interrompeu assustada na metade de uma frase quando a portase abriu subitamente para se chocar com a parede. Olhou nessa direção paraver entrar um homem de gordas bochechas e peito largo quanto um barril,seguido pelo George e dois moços um pouco mais velhos que ele, todosmostrando uma clara semelhança com esse camponês de rosto rechonchudoque era seu pai.

— Assim que esta é nossa peregrina! — Resmungou o homem, olhandopara Elise com olhos cheios de suspicácia. — De onde conseguiu esse cavalo,moça?

— Renage! — Se apressou a repreendê-lo Marie.— Fora de meu caminho, mulher! — Exigiu Renage, indo para Elise e a

mesa. Ele se sentou escarranchado em cima do banco para poder observá-lamais meticulosamente. — Esse animal é o corcel de um cavaleiro, moça. Vicorcéis assim.... Oh, sim, vi-os. Nos estábulos de Sir Bresnay, nosso senhor.Roubou o cavalo, moça?

Elise terminou de engolir uma parte de pão. Ficou entupido na gargantae se engasgou e tossiu, olhando ao Renage com olhos chorosos. Aquele homemtinha um olhar que não gostava disso. Seus olhos eram muito escuros, epareciam muito pequenos nas dobras carnudas de seu rosto. E apesar do bemque lhe tinha feito Marie, tampouco gostava muito do aspecto que tinham osmoços. Todos estavam olhando-a fixamente enquanto seu pai a acusava,observando-a com a mesma classe de olhar que tinha lançado George, quandoestavam fora da cabana. Aquele olhar a fazia sentir como se quisesse saircorrendo dali.

São bons camponeses cristãos, Elise disse a si mesma. Mentiria, tendomuito cuidado no que dizia.

— Sim, Renage. — Disse, e então acrescentou rapidamente. — Viajavacom um grupo de irmãs quando me perdi. Um cavaleiro cruzou o meu

caminho, um inglês, e.... tentou roubar a minha honra. Eu estava desesperada.Tive a sorte de poder escapar dele lhe roubando o cavalo, e dessa maneira...sim! — Inclinou a cabeça orgulhosamente e lançou uma nuvem de lágrimas emseus olhos. — Lhe roubei o cavalo.

Então conteve a respiração. A maioria dos homens do continente, oscamponeses e os mendigos incluídos, tinham aos ingleses por pouco menosque bárbaros. Ricardo poderia ser o duque do território, mas o rei inglês tinhasido engendrado pelo Henrique Plantageneta, um Angevino, e Leonor daAquitânia.

Renage deixou escapar a respiração em uma prolongada exalação.— Aonde vai, moça?— A minha casa, Montoui. Um dia a cavalo indo para o sul.Renage arranhou a sua cabeça. Os moços, ainda olhando para Elise,

intercambiaram cotoveladas e empurrões enquanto lutavam entre eles para sero primeiro em conseguir que sua mãe lhe enchesse a terrina de guisado.

— Hoje em dia uma boa mulher que vá sozinha pelo mundo nunca estásegura. — Disse Renage desconfiado.

— Não estava sozinha. Ia com um grupo das Santas irmãs...— Uma história que já ouvi antes! — Disse Renage, rindo ruidosamente e

lhe dando uma palmada na coxa de Elise. Logo sua risada desapareceusubitamente. — Quero o seu cavalo.

Elise tentou seguir sorrindo enquanto ele apartava a mão em sua coxa.Em seguida decidiu dar o corcel, mas em troca de outro cavalo.

— É seu..., só que em troca, você me dá um animal que possa usar paraseguir meu caminho.

— Marie! Meu jantar.Marie pôs uma terrina de guisado diante de seu marido sem dizer uma

palavra. Renage manteve seus olhos cravados em Elise.— Não tem marido, moça?Elise esperou que nenhum rubor chegasse a suas bochechas.— Não. — Mentiu.— Eu tenho três filhos. — Disse ele secamente.— E eles são bem bonitos. — Ela voltou a mentir. — Mas quando nasci

fui prometida em matrimônio ao Roger o ferreiro por... pelo duque de Montoui,que não queria que me casasse com nenhum outro. Por favor, bom Renage, meajude a voltar sã e salva as estradas pela manhã!

Renage grunhiu e começou a comer ruidosamente sua sopa com a ajudade uma colher. Os moços tomaram assento no banco, se colocando muito pertode Elise para sua tranquilidade. Marie foi em seu resgate.

— Vamos, moça. Levarei você ao sótão para que durma... comigo. —Acrescentou veementemente, dando volta para fulminar a seu marido com oolhar. Renage seguiu comendo, sem prestar nenhuma atenção na sua esposa.— Possivelmente, — Disse Marie levantando a voz. — Poderia fazer uma partedo caminho com nosso sacerdote, o padre Thomas. Cuida de várias pequenasaldeias nas montanhas.

Elise baixou a cabeça e sorriu. Estaria a salvo. Marie e o padre Thomasse ocupariam de seu bem-estar.

— E agora o que acontece? — Disse Renage impacientemente, levantandoo queixo e detendo Marie antes de que pudesse levar a Elise para o alto emuma desmantelada escada.

Elise franziu a testa, muito desconcertada. Não tinha ouvido nada. Masentão ouviu o estrépito, os cães estavam começando a ladrar e uivar pelasegunda vez.

— Será que um homem não pode jantar como é devido? — Se queixouRenage, ficando em pé e lançando um olhar cheia de hostilidade para Elise,como se ela fosse a responsável por aquela nova interrupção, antes de abrir aporta de um golpe. — Silencio, malditos cachorros! — Gritou aos cães,deixando para trás a soleira enquanto entrava na noite.

Com o coração subindo na garganta, Elise passou ao lado de Marie parair até a porta.

Era a responsável por aquela nova interrupção. O resplendor da luz dacabana lhe permitiu vê-lo. Stede. Levando a égua pelas rédeas, se erguendosobre o Renage enquanto caminhava junto dele.

Elise sentiu que o sangue fugia de seu rosto. Tudo tinha terminado.Sempre a esperança, e sempre o desespero. Sempre... terminava vencendo ele.

Sentiu que a cor voltava para suas bochechas quando gritouresolutamente:

— Santo Deus! É ele! Oh, por favor! Me deixe correr até à igreja. Ondeestá esse padre Thomas? Me ajudem!

Então deu meia volta e caiu de joelhos diante dos pés de Marie.— Pobre menina! — Murmurou Marie no mesmo instante em que Renage

chegava à soleira, e Bryan se agachava por debaixo do marco da porta parasegui-lo.

Elise se atreveu a lançar um rápido olhar para Bryan. Naquela confusãofranziu suas sobrancelhas enquanto a contemplava ali ajoelhada no chão, masseus olhos se escureceram rapidamente para adquirir um implacável fogoazulado assim que compreendeu o que ela estava jogando.

— Senhora, sua pobre menina é minha esposa.— Sua esposa! — Gritou Elise. — Este nobres ingleses pensam que

somos apenas seus brinquedos! Nenhuma mulher está a salvo deles, e juramlutar pela cristandade!

O olhar de Renage passou de Bryan, com sua expressão assassina, atéElise, com seus olhos suplicantes. Logo pigarreou.

— Não desejo ganhar por inimigo a tão digno cavaleiro, milorde, mas amoça assegura que você não tem feito mais que tentar de lhe roubar suahonra.

— Sua honra? — Inquiriu Bryan com um bufo insultante. Jogou umamoeda de ouro em cima da mesa, e Elise sentiu como a consternação lheoprimia o estômago assim que viu como os olhos de Renage se aumentavamcom um súbito interesse.

Começou a se levantar e então parou, atordoada, quando Bryan começoua falar tranquilamente.

— Se escolher não vir até a mim, isso é assunto seu. Esta mulher, euacho, é minha responsabilidade, e por isso lhe pagarei por havê-la cuidado.Mas não te engane, meu amigo. Não é nenhuma criatura inocente.

Bryan voltou a olhá-la, e Elise não soube se o índigo de seus olhos reluziapor causa da ira ou da diversão. Então viu ele se virar, sair da cabana e fecharde uma portada atrás dele.

Renage rompeu em gargalhadas. Elise deixou de olhar para porta quetinha saído Bryan, para voltar olhar para o Renage.

— Ah, esposa! Que noite. Perdemos o corcel, porque o cavaleiroassegurou que o animal era dele. Mas em seu lugar deixou a uma linda e jovemégua com bonitos arreios... — Renage voltou à olhar para Elise. — Me pareceque adquirimos outro magnífico pedaço de carne! A moça goza de boa saúde e étoda uma beleza. Pode não chegar a seu leito matrimonial sem estarcompletamente pura, mas eu nunca fui dos que pensam que um pouco deexperiência estragava a uma mulher. Irá muito bem com um dos nossosmoços, Marie. Em que outro lugar poderíamos encontrar a uma moçasemelhante? Nos dará alguns netos soberbos. Agora, a respeito de qual dosfilhos...

— Eu a vi primeiro... — Começou a dizer George.— Eu sou o mais velho. — Interrompeu o filho que mais, se parecia com o

seu pai com os olhos de roedor. O segundo filho riu.— Se já foi usada, papai, não deveríamos obter todos algo dela?— Somos cristãos! — Disse Marie secamente.— O dever de um cristão é engendrar filhos! — Disse Renage alegremente

para a sua esposa. Deu um passo para Elise e puxou ela até obrigá-la a ficarem pé, depois do qual levantou o seu queixo. — Talvez deixamos que a moçaescolha o seu próprio companheiro, não é, Marie?

Elise foi empurrada para o centro da sala. George a agarrou e a atraiupara ele, cobrindo os seus lábios com um beijo repulsivo e babado. Elise oarranhou, mas o jovem soltou uma gargalhada acompanhada por um uivo dedor enquanto a mandava com um empurrão para outro irmão. O moço, maisvelho que George e com o rosto marcado pela varíola, fez um licencioso intentode tocar os seus seios, enquanto ria alegremente junto com seu irmão e seupai.

O medo já estava crescendo dentro de Elise para se apropriar dela,enquanto o mantinha a margem o desespero. Maldito fosse Bryan, e gostariaque ardesse nos infernos! Como poderia ter deixado abandonada naquela...

Ouviu rasgar seu corpete, e afundou furiosamente um joelho na virilhado camponês. Este gritou com autêntica dor, se dobrando sobre si mesmo.Elise lhe deu um empurrão e então correu para a porta, abrindo-a a todapressa para fugir para a noite.

E então parou em seco, ao ver Bryan apoiado em seu corcel.— Filho de cadela! — Gritou.Ele levantou cortesmente uma sobrancelha.— Em uma ocasião me disse que preferia ter dez camponeses sem dentes

antes que ter a mim. Aí dentro só há quatro, e todos parecem conservar seusdentes...

Ela se calou quando Renage saiu correndo da cabana com seus filhos,todos armados com forcado23.

Bryan estendeu a mão e, segurando Elise, subiu-a na garupa da éguapara então saltar em seu corcel.

— Saiamos daqui! — Advertiu. — São alguns infelizes que não sabemlutar e tenho minha espada, mas eu não gostaria de ter que pôr fim nas suaspobres vidas, por um pouco tão insignificante a qual se viram arrastados anossa disputa.

Um grunhido de dor escapou de seus lábios enquanto terminava de falar,e Elise viu como apertava a mandíbula a tempo que empalideciam suas feições.

— Vai! — Gritou então, levando a mão à costas. Elise estava assustada econfusa e o coração lhe retumbava dentro do peito, mas não se atreveu adesobedecê-lo.

Fincou os calcanhares nos flancos da égua. Um instante depois Bryan jáa ultrapassava a todo galope para guiá-la através da escuridão. A lua, a noite eas estrelas passavam como um raio. As luzes das cabanas desapareceram.Uma vez mais, tudo era como aquela primeira noite, poderiam estar sozinhosno mundo, travando uma louca carreira com o mundo.

Finalmente Bryan deteve o corcel, se deixando escorregar ao chão do altodele em vez de descer de um salto, como tinha por costume.

— Bryan? — Perguntou Elise hesitantemente, e sua voz pareceu encherde ecos na escuridão que os rodeava.

Não lhe respondeu, e Elise viu que estava conduzindo o corcel por umestreito atalho cheio de mato que serpenteava entre as árvores. Seguiu-o emsilêncio e sem fazer nenhum ruído, voltando a sentir perigo da noite e naescuridão que os envolvia dentro do bosque.

— Bryan! — Chamou então sem levantar a voz, porque já não podia vê-lo.Mas podia seguir ao corcel, e assim o fez. O atalho levava até uma clareira quehavia junto de um riacho.

Ali a lua reluzia sobre as águas, e Elise viu que Bryan tirou o seu mantovermelho e sua túnica. Segurou-os. Ambos estavam manchados de sangue.Elise não tinha visto o sangue antes porque o manto era da mesma cor.

— Bryan! — Chamou, com o alarme aparecendo em sua voz.E então o ouviu, junto às águas do riacho. Viu suas largas costas, seus

músculos queimados do sol reluzindo sob a luz da lua... E o sangue.— Bryan!Elise foi correndo até ele, e Bryan se virou e levantou uma mão para ela.

Elise tragou saliva.— Bryan... Quero te ajudar...— Por quê? — Perguntou ele com uma seca amargura. — Te afaste de

mim.— Mas está ferido...— Não de gravidade. Não vou morrer.Elise sentiu a ardência das lágrimas em seus olhos.— Não quero que morra. Apenas queria que me deixasse em paz, Bryan.

Por favor... me deixe te ajudar....Ele a contemplou em silencio durante alguns instantes, com suas

emoções obscurecidas pela noite enquanto seus olhos foram percorrendo-a.— Não. — Disse então bruscamente.Voltou a se concentrar em sua tarefa, umedecendo uma tira de tecido

arrancado de seu manto, para limpar a ferida de suas costas com ela.— Maldição! — Resmungou, franzindo a boca enquanto se sentava.— Bryan, eu nunca pretendi que acontecesse algo assim...— Então o que pretendia? — Gritou ele com súbita fúria, indo até ela em

dois rápidos passos que exigiram um terrível esforço de seu corpo, evidentequando a tensão invadiu seus olhos. Ele retorceu o seu braço e Elise ofegou,mas as palavras dele retumbaram na noite, sombrio e cheias de cansaço, antesde que ela pudesse falar. — O que pretendia que acontecesse? Tem intenção de

ir à guerra contra mim..., contra Ricardo? Ver como os homens se enfrentam emorrem, satisfará acaso seu sentido de honra? Assegura me odiar porque teviolei. Sou um homem brutal, duquesa, e nem sequer você começou a entendero que é a violência... o que é a violação! Deveria tê-la deixado ali. Deveria tê-ladeixado nas mãos daqueles irmãos de papada dupla, e então poderiadescobrir...

— Bryan! — Os dentes bateram quando ele a sacudiu e as lágrimas jáestavam indo a seus olhos, e Elise sentia muito, sentia muitíssimo, mastambém estava aterrorizada e a ponto de gritar pela dor da mordida que seustensos dedos infligiam no seu braço. — Bryan... me solte... por.... favor....

Ele assim o fez, se afastando dela com um empurrão tão veemente queElise desmoronou sobre o leito de mato suavizado pelas agulhas de pinheiro.

E um instante depois já o tinha em cima, sentado escarranchado emcima nela enquanto imobilizava os seus pulsos contra o chão. Sua voz seguiasendo um áspero trovão que ressonava rapidamente na noite.

— Te soltar? Nunca, duquesa! Você ainda não entendeu isso? Trate-a comconsideração! Isso é o que me disse Marshal. Tenha paciência! E em troca demeus esforços, sou recompensado com uma punhalada nas costas. Minhasenhora, talvez seja hora de ser finalmente culpado de tudo aquilo do que meacusa!

Seu rosto estava tão tenso, seus olhos estavam tão frios, tão implacáveise velados pela dor... Elise sentiu a ondulação dos músculos de Bryan quandose aproximou um pouco mais, e percebeu o terrível e estremecedor poder deseu corpo dominado pela fúria.

Suas mãos, ao se mover, soltaram-na unicamente para tocá-la uma vezmais. Seu polegar foi uma áspera presença que se deslizou pela bochecha deElise, e sua palma tremia. Estava tão, tão furioso...

As lágrimas começaram a escorregar pelas bochechas de Elise.— Bryan, — sussurrou. — Por favor...Não podia encontrar as palavras para lhe dizer, que sabia que seu intento

de escapar dele tinha chegado a seu fim, e que estava resignada a ser suaesposa. Que apenas lhe suplicava que não a tomasse dominado por uma iratão espantosa.

Ele ficou imóvel. Seus olhos se fecharam por um instante, e então seabriram. Tragou ar com uma profunda inspiração e depois se afastoubruscamente dela, se erguendo rapidamente sobre seu corpo para logo seafastar. Elise necessitou alguns momentos para perceber que se foi.

De repente teve muito frio, e lhe pareceu que nunca se sentiu tão vazia,tão totalmente oca por dentro, em toda sua vida.

Se levantou lentamente. Ele voltava a estar junto do riacho, envolvendo otorso com tiras arrancadas de seu manto. Elise permaneceu imóvel durante

alguns momentos, calada e trêmula, para então descobrir que se sentiaimpulsionada a ir novamente para ele. Dirigiu suas palavras para a largura dascostas de Bryan, tragando saliva com um penoso esforço diante da caladadignidade de sua postura.

— Bryan... Juro que não desejava que sofresse nenhum dano. Me....Comportei de uma maneira insensata e temerária e fui a causa de sua ferida...e lamento, lamento seriamente.

Ele não respondeu. Não durante um bom momento. Elise permaneceutensamente imóvel atrás dele, se sentindo muito desgraçada. Então viu inclinara escura cabeça de Bryan quando ele fixava olhos nas águas do riacho, e ouviucomo exalava um suave suspiro.

— Elise, é minha esposa. Tem que vir comigo. — Fez uma pausa. — Eutambém fui culpado... de condenar você injustamente em mais de uma ocasião.Agora sei que não envenenou meu vinho. — Voltou a levantar a cabeça, masseguiu sem se virar para ela. — Jeanne pôs o veneno em meu vinho. Admitiuessa ação diante a mim.

— Jeanne! — O horror se apropriou de Elise, e um novo medo chegoucom ele. Medo por Jeanne. — Por favor, Bryan! — Murmurou com suaveveemência. — Jeanne está velha, e seu verdadeiro crime foi o amor que sentepor mim. Se tentou machucá-lo, a culpa é minha. Não deve ser duro com ela.Lhe... suplico isso.

— Não será castigada.Elise ficou imóvel, aturdida pelo alívio. Bryan poderia fazer muitas coisas,

porque Jeanne era uma serva de Montoui. Inclusive poderia ordenar que aexecutassem por semelhante crime. Ou que a açoitassem tão cruelmente queuma mulher de sua idade não poderia sobreviver ao castigo. E, entretanto,agora estava declarando que Jeanne não seria castigada. Lhe devia algo emtroca dessa clemência.

— Bryan, eu... — Começou a dizer em voz baixa, mas então lhe fez um nóna garganta e teve que voltar a começar. — Juro pela Virgem Santíssima quenunca voltarei a tentar escapar de você.

Então ele se virou para ela, e em seus olhos havia uma sombra decuriosidade a que acompanhava um frio cepticismo.

— Não tem por que estar tão assustada ou te sentir tão humilde, Elise.Minha decisão a respeito de Jeanne não tem nada que ver com as promessasque possam vir de você. Embora tentasse fugir milhares de vezes, eu nuncapoderia dirigir minha vingança contra uma anciã que tinha arriscado suaprópria vida por amor a sua senhora. Não faça um juramento que não temintenção de cumprir.

— Tenho... intenção de cumpri-lo. — Murmurou Elise. Ele não dissenada. Elise franziu a testa quando viu um pouco de sangue escapando da

bandagem de tiras de tecido com o qual estava envolto.— Bryan, sua ferida.... Quero te ajudar...— Aperte um pouco mais as ataduras. — Disse ele com um suspiro. — O

próprio patife não tinha pontaria e era incapaz de lançar sua adaga comsuficiente força, mas é um arranhão que sangra como a chuva.

Elise pegou os restos do manto de Bryan e os rasgou em tiras maislargas. Com os olhos baixos, foi para ele. Soltou as ataduras que ele colocou eenvolveu novamente no seu torso, enfaixando-o com muito cuidado e seassegurando de que a ferida ficasse mais protegida o possível. Notou a tensãovibrar de vez em quando no seu liso abdômen, quando tocava sua carnerasgada, mas Bryan não emitiu uma só palavra, um suspiro ou sequer umgrunhido.

Quando terminou, não conseguiu olhá-lo no seu rosto. Ele saiu, e Elise oouviu fazer algo com os cavalos. Um instante depois já voltava a estar juntodela, trazendo consigo sua sela e a manta.

— Isto é tudo o que temos para passar a noite. — Disse secamente. —Deixei o cavalo de carga com a velha na cabana que chegamos esta manhã,porque podia viajar mais depressa sem ele. Durmamos um pouco.

Elise assentiu atordoada. Voltava a tremer, mas agora não de frio, massim de medo. Alguns instantes antes, tinha empurrado ao Bryan até o limite desua resistência. Havia sentido seu contato, o robusto calor de seu corpopalpitando junto dela. Tinha gritado, e encontrado uma momentânealiberação...

E mesmo assim, então tinha ficado atordoada pelo frio assim que ele asoltou.

Quanto tempo teria que transcorrer, se perguntou confusamente, quantotempo teria que transcorrer antes de que ele insistisse em...?

— Só temos uma manta. Venha aqui. Se não dormir junto a mim, pelamanhã estará gelada de frio.

Nervosamente, Elise tentou pôr um pouco de ordem no tecido rasgado deseu corpete, mas ele não estava prestando nenhuma atenção nela. Estavaestendendo a manta em cima do chão, dispondo os alforjes como travesseirospara suas cabeças.

Depois se deitou, com o olhar elevado para o céu noturno.Elise foi silenciosamente para ele e se deitou a seu lado. Bryan a cobriu

com a manta, mas o calor que ela sentia procedia do corpo dele.Ela nunca dormiria assim, pensou. Sentindo o lento subir e descer de

sua respiração, o movimento dos músculos, o calor...Fechou os olhos. Ele não a tocou e Elise, mergulhada em uma nebulosa

confusão, se perguntou se se sentia aliviada por isso...

Ou abandonada.

Capítulo 17

Bryan sentiu o movimento de Elise, quando ela se soltou de seu aperto sevirando lentamente, mas não tentou detê-la. Abriu os olhos, apenas,permitindo que suas pestanas negras como o azeviche os ocultassem enquantocontemplava a Elise.

Amanhecia e os raios de sol, dourados e vermelhos, criavam faixas sobreo cinza da noite agonizante. As limpas águas do riacho se refletiam em seuresplendor como milhares de safiras que reluziam para dar as boas-vindas aodia.

Observada pelo Bryan, Elise tirou as botas e a túnica e entrou no riachovestida unicamente com sua fina camisa de linho. O choque do frio lhearrancou uma exclamação afogada e depois se inclinou, sem pensar em suavestimenta, para recolher em suas mãos as águas limpas e jogar sobre o seurosto. Da mesma maneira em que os raios de sol enchiam de magia o riacho,também acariciavam seus cabelos emaranhados, mechas pareciam sedosas fiosdo mais puro ouro e cobre.

Elise se levantou, se estremecendo ligeiramente, e então começou adesembaraçar o emaranhado de seu cabelo até permitir que caísse ao redordela. As pontas dos cachos mais longos roçaram nas águas. Elise penteou oseu cabelo com os dedos, e quando soltou, foi como se uma capa feita com ospróprios raios do sol fluía ao redor dela com uma radiante e esplêndida glória.

Bryan abriu os olhos completamente e se apoiou em um cotovelo, econteve a respiração. Então Elise se virou subitamente e o olhou, com os olhosmuito abertos e sobressaltados, hoje de um azul cristalino, junto com a cor doriacho.

As águas onde tão imprudentemente que havia jogado, tinhamencharcado sua camisa e havia grudado em suas formas. O linho se esticourealçando a plenitude de seus seios, e a sua barriga plana e lisa, a poderosacurva de seus quadris. Bryan não pôde evitar sorrir enquanto pensava queElise era normalmente capaz de parecer imperturbável e... majestosa. Umaautêntica duquesa de nascimento: orgulhosa, distante, sempre disposta ajulgar os outros. Linda, mas intocável.

Mas agora... com seu cabelo em sedosa desordem, se agitandosuavemente até seus joelhos em um emaranhado esplendor, com seus olhostão enormes e sua jovem figura tão claramente delineada, parecia...

Uma criatura mágica, legendária. Uma filha da lenda. Alguma doce

criatura criada para o deleite e a recompensa de um homem. Uma Melusina24,feita para encantar a alma e tomar posse dela...

Para Elise não gostaria muito dessa descrição, pensou secamente.Seu sorriso começou a desaparecer, embora seus olhos permaneceram

cravados nela. A manhã era fresca, e Bryan se sentia desconfortavelmenteacalorado. Seus membros estavam tensos, seus músculos rigidamenteapertados..., e que iriam enforcá-lo se não sentisse sua respiração saindoentrecortada dos pulmões que pareciam arder! O desejo que sentia por ela eratão intenso que lhe rasgava as vísceras como uma fome insaciável, esticando-oe endurecendo-o quando nem sequer a havia tocado, exceto com seus olhos.

Seja paciente. — Tinha dito Marshal. — Trata-a com consideração. Deixaque ela venha até você...

Mas Marshal não vivia com um desejo constante que nunca se viasatisfeito. Elise era sua esposa. E agora, tinha jurado que não voltaria a deixá-lo.

Bryan levantou a mão para ela, com a palma aberta e voltada para cima.— Venha aqui. — Ele disse brandamente.Ela hesitou, e naquele instante ele rezou em silêncio para que não o

rechaçasse. Então seu orgulho exigiria que fosse até ela, e a magia voltaria adesaparece para ser substituída pela batalha.

Ficou em pé, não querendo permitir que as coisas chegassem a esseextremo. Bryan sabia que ela também era orgulhosa. E não poderia esquecer aferocidade com que ele gritou quando tinha perdido a paciência e a tinha feitocair no chão.

Foi lentamente na direção dela, sem prestar atenção na água queencharcou o seus calções e suas botas. Nenhuma só vez deixou de olhá-la nosseus olhos. Era necessário em retê-la com o seu olhar, porque não queria quese colocasse a correr. Elise não correu.

Ela o viu se aproximar, tremendo sob o frio da manhã. Bryan parou nafrente dela. Os braços nus de Elise reluziam com o brilho da água. Bryan pôsas mãos em cima deles. Seus olhos finalmente se separaram dos dela paracontemplar o delicado movimento com o que seus dedos foram acariciando asuave pele dos ombros de Elise.

Era o frio a causa que ela estava estremecendo? Ou se encolhia tentandoafastar do contato dele? Seus olhos voltaram a se encontrar com os de Elise.

— É inevitável que venha até a mim. — Ele murmurou. Ela nãorespondeu, mas seus olhos tampouco se separaram dos dele.

— Uma vez te machuquei muito. — Prosseguiu ele, sem suplicar, massendo totalmente sincero. — Lamento. A união de um homem e de uma mulhernão deveria ser algo doloroso e cheia de tristeza. — Ofereceu-lhe um sorriso

torto. — Deveria ser.... como tocar o céu, para a Lady como a para o Senhor.O brilho que brilhou nos olhos dela estava tão cheio de dúvida que Bryan

se pôs a rir.— Juro por minha espada que assim é como deveria ser, duquesa!Ela suspirou suavemente, espalhando seus cílios por cima de seus olhos.— Aprendi que não serve de nada lutar contra o.... inevitável.O lábio de Bryan seguiu curvado com uma secreta diversão. Não, ela não

iria se opor resistência. Mas tampouco iria lhe oferecer um simplesconsentimento. Vindo de Elise de Bois, aquelas palavras eram o mais próximode um consentimento voluntário que chegaria jamais obter.

— Está ferido. — Lembrou ela, com um tênue ofego em sua vozentrecortada. — Deve está doendo.

— Um arranhão na carne, nada mais. Sinto dor, verdade, mas é uma dorque não tem nada a ver com uma pequena ferida na carne. E... — Murmurou.— Parece um pouco ridículo deixar para manhã o que vai acontecer dequalquer maneira...

Ele levou os seus dedos para as tiras de sua camisa, afastando dos seusombros para logo baixar pouco a pouco, o objeto encharcado retiradosuavemente dela. Um rubor cobriu a pele de Elise quando seus seios, com seustopos rosados e endurecidos pelo frio, ficaram à vista. Uma vez chegado a esseponto, o tecido sucumbiu ao esforço de Bryan e caiu livremente até terminarondulando na água ao redor dos tornozelos de Elise.

Era como o nascer do sol, a chama em tons claros. Envolta na inocência,e mesmo assim não inocente.

— Eu vou congelar. — Disse ela nervosamente, e ele soube quepermanecer nua na frente dele fazia que se sentisse muito incômoda.Tomando-a em seus braços, libertou-a do olhar de desejo ardente que havia emseus olhos.

— Eu vou te aquecer. — Ele assegurou, e sua boca já se esquentou comaquela promessa, quando tomou a dela em um profundo e sedento beijo.

Elise pensou imediatamente naquele beijo na capela. Os lábios de Bryanpareceram se fundir com os seus, aumentando para abranger a totalidade desua boca. Úmidos..., aveludados... Experimentou as mesmas sensações quetinha sentido na capela. A debilidade. A doçura. Invadindo seus ossos, seusangue. Seus seios se endureceram contra o peito dele, e o áspero pelo quehavia ali o fazia cócegas e parecia brincar com ela. O peito de Bryan era tãoduro! Elise pôs as palmas de suas mãos em cima dele, não para afastar de umempurrão a não ser para senti-lo com as pontas de seus dedos.

Ele deu um passo para trás. Elise temeu cambalear e cair. Não fez isso, eentão ele estendeu sua mão queimada pelo sol, para alcançar a plenitude de

seu seio. Ela baixou os cílios, incapaz de sustentar o olhar.Tudo era diferente daquele longínquo dia em outro riacho. Elise tinha

frio, e se consumia de calor ali onde ele a tocava. Fogo e água, calor e frio, eaquela sensação...

A promessa de que bastaria que estendesse as mãos para que algoimensamente delicado e doce caísse sobre ela.

Quanto tempo levava lutando contra ele? Desde aquela negra noiteaçoitada pela chuva em que se conheceram. Elise já havia sentido a promessainclusive naquele momento, mas então estava sonhando com o Percy, e agora...

Nem sequer poderia trazer para sua mente uma imagem do rosto dePercy. O nome se tornou distante e confuso. As lembranças que guardava deleapenas eram uma imprecisa neblina.

Alguém gemeu brandamente: era ela, Elise. Tinha dado um passo paraele para afundar o rosto em seu ombro, enquanto deslizava os braços ao redorde seu pescoço. Tropeçou com a bagunça enredada ao redor de seus tornozelosque era sua camisa, e não se importou nem pouco que ele passasse os braçosao redor dela para tirá-la do riacho. Elise fechou os olhos e descansougraciosamente sobre ele. Não sabia como tinha que estender as mãos paratocar aquela escorregadia promessa, mas se sentia embriagada pela beleza damanhã e a ternura do contato de Bryan. Uma deslumbrante neblina feita demagia parecia envolvê-la completamente, se permitiu que as névoas fossemgirando lentamente, então a doçura que tão fraca voltava para seus membrospoderia chegar a crescer e...

Sua camisa ficou abandonada na beira do riacho, e um instante depoisElise se encontrou deitada sobre a cama feita pela manta e aquela terra queainda estava quente devido às horas que passaram dormindo em cima dela.Abriu os olhos. Muito por cima dela, as folhas do velho carvalho sepulverizavam através do suave, reluzente, agora vermelho céu do amanhecer.Uma brisa soprava entre as folhas, criando delicados sequência de luz esombras em cima da pele de Elise. Fechou os olhos. Pôde ouvir como Bryantirava primeiro as botas, e seus grossos calções de lã depois. Sentiu-o se deitarao lado dela, mas ainda não abriu os olhos. Sabia que ele estava apoiado emum cotovelo junto dela, e a pele nua de Bryan roçava na sua.

As pontas dos dedos de Bryan, suaves e delicadas como plumas,acariciaram a bochecha de Elise e seguiram o contorno de seu queixo. Aquelesuave contato prosseguiu ao longo de seu pescoço, e muito antes de que ele ofizesse, Elise já estava desejando que Bryan lhe tocasse os seus seios. Contudo,o contato seguiu sendo aquele roce tão suave como o de uma pluma que semovia em lentos círculos, tão escorregadio como a brisa. Elise se esforçou aomáximo por permanecer imóvel.

Languidamente... se movendo a seu desejo... aquele roce tão delicadocomo da seda, foi se deslizando ao longo dela. Elise sentiu Bryan com cada

costela... desenhando lentos motivos ao redor de sua cintura... fazendo-a arderpor dentro quando as carícias se deslizaram para mais abaixo para passar porcima de sua barriga. Então ouviu seu murmúrio, muito próximo a sua orelha.

— Estou te machucando?— Não.Bryan sorriu enquanto contemplava como a sua boca moldava à palavra.

Até aquele momento, quase teve medo de tocá-la. Deitada debaixo da árvore,com uma perna ligeiramente dobrada num ângulo na altura do joelho e suanudez inteiramente livre de mácula, Elise parecia tão pura e inocente quequase tinha achado desrespeitoso tocá-la. Envolta pela neblina dourada deseus cabelos, mergulhada primeiro na sombra e então na claridade pelas folhasque se moviam incessantemente por cima deles, parecia ainda mais intocável:uma virginal ninfa do bosque, alguma criatura surgida de um longínquoCamelot.

Era agora quando se sentia como um profanador que só pensava emtirar, não naquela noite em que a tinha tomado com tanta ignorância.Possivelmente porque, embora naquela noite Bryan a havia tocado fisicamente,se a mulher lhe escapava e, em consequência e em certa maneira, ele não tinhaconseguido arrebatar a sua inocência. Hoje pretendia tomar algo mais.Precisava ter mais, porque a obsessão que se agitou dentro dele naquela noitenão o tinha abandonado. Crescia como os ventos da tormenta que tinhamsoprado naquela noite, e Bryan não conheceria a paz até que não se apropriarde seu escorregadio atributos e a tivesse em suas mãos.

Agora, os sussurros mal ouviu uma só palavra tinha mudadosubitamente Elise. A beleza seguia estando ali, a perfeição inocente. Mas suaboca permanecia ligeiramente entreaberta. Então Elise umedeceu com a pontada língua, e os suaves montículos de seus seios de marfins que se elevavampor cima dela, tremeram levemente com a pressa repentina de sua respiração.Bryan se inclinou sobre ela, passando o rosto pelo vale que havia entre seusseios para provocar a pele com sua língua. Ele estendeu um úmido caminhoaté um mamilo que ergueu seu desafio escarlate ao amanhecer. Sentiu-aestremecer, e soube que ele mesmo se estremecia quando saboreava a docesuculência da carne de Elise, lambendo-a com sua língua para logo mordiscá-la delicadamente com seus dentes e, por último, atrai-la impetuosamente parao interior de sua boca.

Suaves sons saíam dos lábios entreabertos de Elise. Sussurros...gemidos... murmúrios..., ou possivelmente só era a brisa, que se agitava eparecia formar redemoinhos como a uma tempestade ao redor dele, dentrodele. As mãos de Bryan se enredaram entre os cabelos de Elise quando estes seestenderam por cima de sua cintura, atraindo-a para ele. Se deitou sobre ascostas com um rápido tombo, trazendo-a consigo, e gemeu brandamentequando se sentiu envolto por todos aqueles sedosos fios, cada cacho e cadamecha da qual eram como uma carícia ardente que fazia em sua pele.

Agora os olhos de Elise estavam abertos e o olhou, sobressaltada pelomovimento. Bryan passou uma mão ao redor de seu pescoço e atraiu o rosto deElise para o seu, lhe beijando a testa, a ponta do nariz e, finalmente, os lábios.Seu beijo voltou a ser longo e apaixonado. A mão esquerda de Bryan rodeou acabeça de Elise e a direita se moveu ao longo de suas costas, acariciando-acom as emaranhadas mechas daqueles cabelos que tanto o fascinava. Exploroutoda a longitude da coluna de Elise, acariciou a curva de sua cintura edesfrutou do firme erguido de suas nádegas. Então voltou a mudar de postura,desta vez para deixá-la debaixo dele. Seu contato já não era leve como umapluma, nem lento. Precisava senti-la, aliviar a febre que ardia em suas palmascom a suave feminilidade da carne de Elise. As mãos de Bryan eram ásperas eestavam calejadas, mas ali onde a tocavam com sua aspereza, ele a acalmavamediante a delicada cura de seu beijo e o suave movimento de sua língua.Queria despertar sua paixão, mas, mais que isso, estava totalmente fascinadopor seu aroma: Elise era como o amanhecer, como o verde belo do bosque. Seusabor era igualmente doce.

Ela já não permanecia imóvel, mas sim se retorcia e se arqueavaseguindo os compassos das mãos e os lábios dele. Bryan se sentiuimensamente satisfeito pelo movimento de Elise, e notou como a força de seudesejo trovejar dentro dele. Aproximou-se um pouco mais dela, descendo sobreseu corpo como impulsionado por algum demônio do vento para saber se Elisegostaria de recebê-lo. Ela pareceu se assustar, deixando escapar um suspirosufocado enquanto se estremecia. Mas não lhe opôs nenhuma resistência, e eledesfrutou do triunfo enquanto saboreava sua terna intimidade com ela,sabendo que lhe tinha arrebatado toda vontade de resistir ao mesmo tempoque lhe dava a beleza cristalina que constituía o dom da natureza.

Ele se ergueu por cima dela, rindo quando os olhos de Elise seencontraram com os seus, e então desceu quando um rosado rubor cobriu asbochechas dela. Bryan capturou-a com seu beijo, e ela saboreou o ardor de suapaixão. Elise não lembrava de querer tê-lo ali, e, entretanto, agora estava entreas suas coxas, e ela tinha estendidos os suas pernas ao redor de seu corpopara envolvê-lo com elas. A doçura a tinha invadido completamente,queimando e fazendo estragos dentro dela. A sensação resultava tãomaravilhosa que se convertia em uma estranha agonia, e mesmo assim Elisenão queria que terminasse. Seus dedos se cravaram nos braços dele, e ficouimpressionada pela dureza e o poder que havia neles. Devolveu-lhe o beijo comum ardor que também a impressionou, queria saborear a aquele homem, senti-lo junto dela. Bryan continuou brincando com ela inclusive naquele instante,atacando-a com uma série de lentas investidas, potentes e cheias de dureza, e,entretanto, sem chegar a entrar nela, sem acalmar aquele centro de doçuraardente...

Elise deslizou os dedos ao longo das costas dele e até a chegar à atadura.Passou por ali muito meigamente, e então voltou a tocar a pele e encontrou as

nádegas de Bryan. Elas também eram firmes, duras e pedrosos músculos. Elisepressionou com as suas mãos, e então ele se moveu finalmente. A essência dopróprio prazer pôde ser escutada no estremecimento e no ofego que seapropriaram dela quando chegou aquele momento.

Tinha lhe recebido, desejando-o e ansiando-o. Um escudo líquido, quentee que tudo abrangia. Bryan queria ir muito devagar, para estar ainda maisseguro de que ela conheceria a deliciosa alegria a qual terminariam chegandojuntos. Mas sua própria necessidade, que tinha sido mantida em umacuidadosa submissão durante tanto tempo, se ergueu de repente para engoli-lo. O desejo o impulsionou a iniciar um ritmo desenfreado, com trementesinvestidas que invadiam e procuravam. Soube com uma satisfação tão deliciosacomo a ambrósia, que os quadris de Elise se retorciam e tremiam debaixo dassuas. Seus suaves gritos eram a mais adorável das melodias, as mãos de Elise,tão carentes de inibições em cima dele, eram o mais próximo do céu que Bryanjamais conhecia.

E então a sentiu se esticar debaixo dele, enquanto era dominada por umestremecimento atrás do outro. Seu grito quase esteve cheio de sobressalto, emesmo assim foi um ofego que terminou diminuindo em um suave gemido.Bryan permitiu que tudo o que havia dentro dele explodisse como umalabareda de azeite ardendo, e então o gemido gutural cheio de satisfação queouviu foi o seu.

Ela rapidamente se encolheu como um novelo com as costas perto dele,mas sem se afastar de seu corpo. Ele permaneceu imóvel com o olharnovamente elevado para as folhas, se alegrando de que ela não estava olhando,porque não poderia apagar de seu rosto o sorriso de prazer satisfeito.

Elise estremeceu com um leve tremor, porque a brisa se esfriou derepente. Poderia voltar a sentir as coisas, aquelas coisas que não eram a pele eo corpo do homem ao seu lado ela. Necessitava a brisa para que a refrescasse,e, entretanto, não queria que apagasse aquela sensação que perdurava nela.

A doce, doce promessa tinha sido cumprida. Ele foi impressionantemaravilhoso, a coisa mais deliciosa que Elise jamais tinha conhecido. Tinha-adeixado exausta e, da maneira mais oposta possível, se sentindomaravilhosamente bem, poderosa e completa de uma maneira que nunca tinhachegado a imaginar. Ela se sentia embriagada por aquela sensação que adeixava ébria de prazer e de saciamento. Bryan tinha sido o vinho, o néctar.Magnífico de tocar, de sentir. Elise tinha esquecido sua disputa e renunciado aseu ressentimento. O fato de que ele fosse Bryan Stede e ela tivesse sidoprometida dele contra seus desejos, tinha perdido toda sua verdade. Apenassabia que ele era belo da forma que unicamente um homem poderia ser, e eletinha sido totalmente seu para desfrutá-lo, admirá-lo e abraçá-lo, todo ele coma totalidade dela.

Foi só então quando por fim pôde começar a sentir tristezas, depois deque as mágicas cores da alvorada se dissiparam para ser substituídos pela fria

e nítida brilhante do dia. Nada tinha mudado, Bryan seguia sendo o guerreirodo rei duro por mil batalhas, um cavaleiro impaciente por liderar novasbatalhas, que tinha dedicado um pouco de seu tempo para saciar o seu desejode terras e riqueza.

O fato de que simultaneamente pudesse saciar seu desejo de possuir asua rebelde esposa, não era mais que uma pequena recompensa acrescentada.

Como estava errada, pensou Elise com amargura. As coisas tinhammudado. Já não podia continuar considerando que tinha sido unido a elecontra seus desejos. Não seria capaz de seguir confrontando ele, mas pelomenos poderia se encontrar resignada em vez de estar ardentemente desejosa.

E, entretanto, mesmo assim Elise sabia, no mais profundo de seucoração, que não era a conquista fácil de seus sentidos que a torturava.Adorava aquela nova sensação e o novo conhecimento, aquela sensação depromessa que tinha estado torturando-a durante tanto tempo. O que doía, oque rasgava tão duramente a própria estrutura de seu coração, era osentimento de ciúmes. Agora seguiriam seu caminho para Cornualles. Bryanatenderia seus assuntos com áspera determinação. E então ele iria embora.Para estar com só Deus, e sabia quantas mais mulheres, da mesma maneiraem que acabava de estar com ela. Também estava Gwyneth, naturalmente.Gwyneth... que tinha compartilhado com Bryan uma aventura que nunca tinhasido um segredo. Uma aventura que, aparentemente, nenhum dos dois vianenhum sentido em terminar.

Elise fechou os olhos, se sentindo presa de uma súbita infelicidade. Nãoqueria pensar em Gwyneth e Bryan. Nem em como tinham estado juntos, ouem como tinham compartilhado intimidades que ela nunca tinha imaginadosequer. Tragou saliva, se obrigando a abrir os olhos à luz do dia. Não eranenhuma moça tímida estúpida, era uma duquesa por direito próprio, e nãoconsentiria que vivesse uma aventura diante de seus olhos. O futuro parecia seerguer diante dela com novos infortúnios, mas ela levaria tudo em seu tempo enunca permitiria que Bryan chegasse a conhecer os seus sentimentos. Se até omomento a tinha encontrado teimosa e difícil de lidar, já descobriria que aindapoderia ser mais.

O sol tinha começado a queimar a sua pele. Bryan tocou distraidamentecom os dedos as mechas de cabelos que ondulava sobre a curva arredondadado quadril de Elise, e então acariciou a pele que havia debaixo dele. Queriafazê-la se virar para encará-lo, mas em seguida pensou melhor.

— Elise? — Disse suavemente. Ela murmurou ou grunhiu uma respostaa sua chamada, e ele seguiu dando voltas à pergunta que nunca tinha deixadode importuná-lo. — Por que roubou o anel de Henrique, e depois me contoutodas aquelas mentiras tão absurdas?

Sentiu como ela ficava totalmente imóvel ao lado dele e então a ouviu rirsuavemente, o som apenas sugerindo sua amargura.

— Sabe, Stede, que agora a verdade não teria absolutamente nenhumaimportância?

— Então me diga isso. — Ele a apressou.— Stede. — Respondeu Elise, em um tom tão baixo que quase era um

sussurro. — Você tem tudo: terra, títulos, riqueza. Você... inclusive me tem.Submissa, quieta. Montoui... Tudo o que era meu, meu para tomar, você levou.Mas a resposta a esse segredo... é algo que não pode levá-lo. Ainda mepertence. É um segredo que tenho intenção de guardar, que devo guardar.

Ele permaneceu calado e imóvel durante um momento que se fezinterminável. Então Elise sentiu como se separava dela. Fechou os olhos, seperguntando como poderia conhecer um prazer que estava além daimaginação, para então se encontrar subitamente mergulhada no desesperoum instante depois. Ela se sentia confusa e atordoada. Ouviu os sons dosmovimentos dele enquanto se vestia e ia para os cavalos, mas este nãochegaram a tocar sua mente...

Até que Bryan voltou para ela, plantando uma bota a cada lado de seuquadril enquanto a olhava com olhos vazios de toda expressão. Elise,assustada, elevou o olhar para ele desejando poder esconder sua nudez comalgo mais do que o manto de seu cabelo.

Ele deixou cair algo na frente dela. Atordoada e subitamente nervosa,Elise seguiu sua queda. Era o anel. O anel de safira de Henrique.

— Você deu tantas coisas por ele que bem poderia usá-lo. — Disse Bryanbruscamente.

— Onde...? — Começou a dizer ela, mas ele a interrompeu secamente.— Encontrei em uma de suas arcas antes de que retornasse ao Montoui.— Como se atreve a vasculhar minhas coisas!Ele encolheu os ombros indiferentemente.— Pensei que precisava saber algo mais a respeito de você..., e não

esperava poder manter uma agradável conversa.Elise apertou a mandíbula e elevou o olhar para ele, com sua silenciosa

hostilidade ardendo brilhantemente em seus olhos. O remorso voltou a seimpor. Como poderia ter permitido que aquele... frio, arrogante e implacável!Guerreiro a tocasse da forma como o tinha feito? Naquele momento, desejoudesesperadamente poder fugir cheia de vergonha. Não só o tinha permitido,mas sim que o tinha convidado, a ceder a sua própria intimidade.

— Use o anel. — Repetiu ele.— Não posso usar o anel! — Respondeu ela. — É que você se esqueceu?

Há outros que sabem que pertencia ao Henrique.Ele riu com uma gargalhada em que não havia humor algum.

— Pode usar o anel, Elise. Quando partiu de Londres com tanta urgência,me senti obrigado em explicar nosso primeiro encontro para o Ricardo. Nossorei teve uma reação bastante estranha. Manteve um silêncio absoluto, coisaque não é nada próprio de Ricardo. Em seguida, se despediu de mim medesejando uma boa viagem, depois de me dizer que deveria retornar ao serviço,é claro, e disse algo bastante peculiar. Disse que deveria usar o anel e que sealguém te perguntasse a respeito dele, então tinha que dizer que tinha sido umpresente de bodas que te fez.

Elise afastou seus olhos dos de Bryan e contemplou o anel. Então opegou e o colocou no dedo.

— Se vista. — Ordenou secamente ele. — Perdemos a metade da manhã.— Não por minha escolha. — Respondeu ela na sua vez. — E se quiser

que me levante, então te sugiro que se mova. — Bryan passou por cima dela efoi selar os cavalos.

Elise se levantou e se apressou a agarrar sua camisa. Estava encharcada,e sem o cavalo de carga não tinha outra. Suspirou, decidiu dispensá-la ecolocou a túnica. A áspera lã irritava a sua pele, que agora parecia ter setornado especialmente delicada e sensível.

Suportaria o desconforto, decidiu ironicamente. Teria que aprender aaguentar muitas coisas, e encontraria algum modo de sair da experiência comsua dignidade e seu orgulho intactos.

Seus cabelos estavam muito emaranhados. Tentou alisar os com osdedos e tentou fazer umas tranças, mas as mechas não paravam de escapar,então sentiu a presença de Bryan atrás dela e se enrijeceu, mas não protestouao sentir seu contato. Alguns minutos bastaram para ele ter domado à massarebelde, e Elise se maravilhou de sua eficiência com os cabelos de uma mulher.

— Nos colocamos em caminho. — Disse ele. — Pararemos para comer,depois de que tenhamos percorrido uma boa distância.

— Não tenho fome. — Disse ela com voz baixa e, se afastando dele,montou em sua égua e o contemplou com fria impassibilidade, esperando.

Não pararam até que chegaram na cabana onde Elise tinha montado nocorcel de Bryan para escapar, e Elise voltou a se maravilhar diante da diferençaentre ela naquela época e agora. Então... fez seu último e desesperado intentode recuperar a liberdade, e descobriu que as coisas poderiam acontecer muitopior do que seu matrimônio. E agora estava resignada.

A anciã proprietária da cabana os alimentou com uma lebre assada. Acarne era dura e difícil de mastigar, mas estava quente, e Elise em seguidadescobriu que tinha muita fome. Mas não ficaram muito tempo. Bryan pagou àvelha em troca da comida e de que tivesse cuidado de seu cavalo de carga, eprosseguiram o seu caminho.

Naquela noite a passaram em uma estalagem que havia junto ao Canal,

em Barfleur. A habitação consistia em um pequeno e sufocante cubículo queestava no sótão, mas era a única coisa estava disponível. Elise se deixou cairsobre a cama de palha irregular, completamente exausta. Ficou adormecidaantes de que Bryan tivesse apagado a única vela disponível. Quando despertou,ele não se encontrava no quarto. Retornou para lhe dizer que já tinhacomprado a sua passagem.

Naquele dia o Canal estava tranquilo, tão silencioso e imóvel como umatumba. Atravessaram em questão de horas. Bryan estava impaciente por seguirseu caminho, assim começaram a seguir o caminho que iria em direção aoNordeste sem perder um instante. Naquela noite foram acolhidos na casasenhorial de Sir Denholm Ellis. Sir Denholm não demoraria para cumprir osoitenta anos, tinha ido nas cruzadas com o Leonor da Aquitânia quando ela erarainha da França, e entreteve seu jantar com histórias sobre a coragem deLeonor.

A casa senhorial era pequena, mas estava muito bem cuidada e dispunhade uma eficiente servidão. Elise pôde desfrutar de um longo banho e tirar asfolhas e o pó do bosque de seu cabelo.

— Fizeram bem ao virem para aqui, minha senhora. — Disse Mathilde, ajovem ama das chaves de Sir Denholm. — Mas não gozarão de muitos luxosnos dias que virão.

— Por que diz isso? — Inquiriu Elise. Mathilde soltou uma risada.— As terras de Cornualles são vastas e ricas, minha senhora, mas... O

antigo senhor faz muito tempo que morreu, e seu mordomo já era um homemmuito preguiçoso para começar. Não encontrarão uma grande recepçãoesperando por vocês.

Elise digeriu em silêncio as palavras de Mathilde, enquanto se inundavaum pouco mais na água. Para onde eles estavam indo?

Ainda estava dentro da banheira, quando Bryan entrou no quarto,enchendo-a com sua presença. Aparentemente se banhou em outro lugar,porque vestia uma túnica branca limpa e nada mais. Mathilde se ruborizou,soltou outra risada e saiu a toda pressa.

— Iremos cedo. — Disse Bryan para Elise.Ela ouviu quando tirou a sua túnica e subia na grande cama que os

aguardava. Elise hesitou, mas não ouviu nenhum som procedente dele. Saiu dobanho, se envolveu em uma toalha de linho e depois colocou uma cadeira juntoao fogo para poder pentear os seus cabelos, sentada nela, deixando que o calordas chamas fosse secando. Seguiu absorta na tarefa durante um bommomento, se concentrando profundamente nela, até que deu um salto ao ouvira voz de Bryan.

— Venha para cama, Elise!Elise assim o fez, e depois não sentiu o menor desejo de se afastar,

quando os braços de Bryan se estenderam para ela. O quarto foi escurecendoconforme o fogo ia diminuindo na lareira, e na escuridão Elise cedeu à tentaçãode devolver ao Bryan o seu toque. Isso fez que o ato do amor fosse ainda maisdoce, mas mesmo assim quando Bryan a estreitou contra ele depois de sualiberação, Elise voltou a experimentar uma súbita consternação.

Encontrava consolo, no fato de poder sentir a força de suas mãos emcima dela. Era bom deitar junto dele, sentir suas pernas cobertas de ásperopelo entrelaçadas com as suas.

Ela iria ficar muito vazia quando Bryan a deixasse.

Era mais de meia noite, a hora das bruxas, pensou Elise, quandochegaram à casa senhorial Firth. Para Elise parecia que nunca tinha estado tãocansada em toda sua vida, porque estavam cavalgando desde o amanhecer.Com suas terras já ao alcance, Bryan não tinha desejado fazer nenhumaparada e Elise, decidida a igualar em qualquer companhia, se negouteimosamente a lhe pedir que parasse para descansar. A chuva, uma lenta einsignificante chuvisco, tinha começado a cair ao caminhar no pôr do sol eagora, quando finalmente chegaram na casa, a que tão persistentemente atinha arrastado Bryan, Elise não sabia se queria rir ou chorar.

Quando se abriu passagem através da neblina e das nuvens, a lua estavacheia. A casa apareceu entre as frondosas e descuidada matagal como umsombrio monstro, vazio e carente de vida. Era uma construção normando,construído com pedra a metade do castelo e metade da casa senhorial, e à luzdo dia poderia presumir de possuir uma bela graça arquitetônica com seusesbeltos arcos e suas altas torres.

Mas agora só parecia áspero e temível, um aviso da época em que osnormandos comandados pelo Guillermo o Conquistador tinha combatidogrosseiramente para submeter aos saxões que fazia mais de um século.

Bryan começou a amaldiçoar em voz baixa. Parou na guarita da entrada,mas ninguém respondeu a seus golpes e quando entrou nela, apenasencontrou um sujo chiqueiro. Saiu dele para voltar a se reunir com sua esposa,que estava esperando em cima de seu cavalo, encharcada e muito cansada.

— Subiremos à casa senhorial principal. — Disse com a testa franzida.Cavalgaram em silêncio. O atalho estava cheio de mato. A porta estava

aberta. Bryan entrou e trabalhou na escuridão, enquanto Elise se apoiavacansadamente na porta. Pelo menos ali se encontrava protegida da incessantechuva fina.

As lenhas estavam tão úmidas como a noite, mas Bryan finalmenteconseguiu acender um fogo com a lenha impregnada de fuligem. Sua fumaçaacre encheu a sala com um sombrio brilho.

Houve um tempo em que a casa senhorial tinha sido magnífica. A salaera grande, e a lareira tinha sido esculpida na pedra. As janelas de vidraças,algumas delas feitas em cores belamente trabalhadas, seguiam adornando osmuros.

Mas muitas delas tinham sido quebradas ou roubadas. O chão estavacoberto de velhos junquilhos meios podres. Os móveis tinham desaparecido, eparecia que tudo o que não fazia parte da estrutura propriamente em si tinhasido levado da casa.

Finalmente Elise riu e, entrando na sala, moveu de um lado a outro comseus braços estendidos como se quisesse abraçar tudo.

— Estamos aqui! O grande lar desse magnífico guerreiro, o campeão dorei Henrique, a mão direita do rei Ricardo..., Bryan Stede! O Conde, o Duque...,o poderoso Senhor! Por isso! Por isso deu as costas para Montoui! Meu deus,que divertido isso!

Se não tivesse percebido o princípio de histeria que havia em sua voz,Bryan teria sentido tentado de esbofeteá-la.

— Cale a boca! — Ele se limitou a dizer asperamente.Então se levantou lentamente, contemplando o fogo enquanto a fúria ia

se apropriando de todo seu ser. A ferida que não lhe tinha doído absolutamentedurante o dia, começou a doer subitamente. Viu, sem muito interesse, queElise tinha ido ao assento encostado da janela. Houve um tempo, supôs, emque dele se dominava um magnífico jardim. Estava seguro de que agora aescuridão só ocultava ervas daninhas. Descarregou um murro sobre o suportee resmungou, se dirigindo mais a si mesmo que a ela.

— Pela Virgem Santíssima que esses servos folgados pagarão! Disponhodo tempo necessário para fazer pedaços a um bom número deles,esquartejando-os membro a membro. Juro pela cruz que saberão até ondechega minha fúria!

Bryan quase se esqueceu de Elise. Deu um susto quando a ouviu falar,sua voz suave e cansada.

— Se você resolver à situação da maneira em que acaba de dizer quefaria, milorde, logo encontraria unicamente servos mortos. É um guerreiro,Stede, e foi adestrado para liderar batalhas. Mas não pode enfrentar comalguns servos que carecem de disciplina. Isso não te trará a prosperidade quetanto desejas.

— Oh? E o que me trará isso, senhora?— No momento nada. — Disse ela. — É melhor que vamos dormir o

melhor possível durante o resto da noite. A manhã sempre resulta de maiorutilidade, na hora de dar ordem ao caos.

Ele apoiou a cabeça no suporte da lareira. Elise tinha razão. O quepretendia fazer? Ir correndo na aldeia como um louco, despertando o sono dos

camponeses, sem ganhar nada com isso além de sua hostilidade?Não soube quanto tempo tinha transcorrido, antes de que erguesse a

cabeça para dizer a Elise que traria as mantas e seus alforje.Elise tinha saído. Mas assim que olhou a seu redor, Bryan viu que já

estava trazendo suas mantas de viagem e começava, à dispor diante do fogo.Logo o olhou, com um pouco de incerteza em seus olhos.

— Se quiser que eu cuide de sua ferida...— Minha ferida está muito bem. Durma.Elise se escolheu diante do fogo. Bryan ficou de pé junto ao suporte da

lareira, escutando o ranger da madeira úmida enquanto lutava por se manteracesa. Finalmente saiu para fora e descobriu que Elise já tinha libertados aoscavalos de seus arreios. Estavam atados debaixo da sacada, o qual não tinhamais goteiras que na Casa senhorial. Os alforje e as selas de montar tinhamsido aproximadas todo o possível da construção.

Bryan agarrou os alforje e os levou para dentro. Procurou entre suasprovisões até que encontrou um odre de cerveja, o qual procedeu a esvaziarenquanto permanecia sentado diante do fogo contemplando-o com expressãopensativa.

Capítulo 18

Alaric, o mordomo, dormia profundamente. A noite anterior tinha bebidomuito, e o sonho era a mais pura das alegrias. Ele se assustou, quase saltandode sua cama de armar, quando sua porta se abriu de repente com umtremendo estrépito.

Alaric piscou em uma aterrorizado confusão. Então seus olhosdistinguiram a aparição que havia na porta.

Era alta e esbelta. Uma neblina dourada parecia rodear sua cabeça, e porum instante estremecedor Alaric pensou que a Virgem Santíssima tinha vindofulminá-lo.

— Oh, Meu deus, perdoe os meus pecados! — Gritou, caindo de joelhos.Sua aparição franziu a testa e deu um passo para o interior da casinha,

com seus traços cheios de desgosto. Alaric viu que o ouro que envolvia suacabeça não era uma coroa, a não ser um cabelo delicadamente trançada damesma cor.

— Deus provavelmente poderá perdoar seus pecados, mas tenho medo,que não estou tão segura a respeito do meu marido. Isto é lamentável! Estávivendo igualmente como fazem os porcos! E eu que tinha ouvido dizer que os

homens de Cornualles eram uma raça à parte... Acreditava que eram algunshomens magníficos, orgulhosos e fortes!

Alaric se levantou com um penoso esforço, tentando em vão em alisarseus despenteados cabelos.

— Não houve ninguém para se ocupar das coisas aqui, minha senhora.Leva um tempo tão longo sem ter ninguém... Sim, nós tornamos preguiçosos edescuidados.

— Isso terá que mudar. — Disse Elise suavemente. — E muito depressa,acredito. Você ouviu falar de meu marido? É Bryan Stede, o campeão de nossobom rei Ricardo, e tem muito mau humor! É um homem justo, Oh sim, do maisjusto, mas quando se trata de tomar posse de uma propriedade como esta... —Elise permitiu que sua voz fosse reduzida ao silêncio por uma desprezívelconsternação. Então olhou ao mordomo com uma nova tranquilidade nosolhos. — Mas Bryan ainda dorme! Reúna os camponeses, tragam rapidamenteos servos. Se Deus quiser, há muito que podemos fazer antes de que meumarido desperte!

Alaric começou a assentir profusamente, e se inclinando uma e outra vezdiante de Elise enquanto passava ao lado dela. Depressa! Depressa! Apressou-se a si mesmo em silêncio. Ainda era possível salvar seu fraco pescoço.

O mordomo olhou para trás enquanto corria para a aldeia. Ela o tinhaseguido à luz do sol, e agora parecia voltar, a estar envolta em ouro. Tãoelegante, tão linda. Suas palavras tinham estado cheias de firmeza, mas o tomfoi afavelmente suave. Talvez sim, que Deus a tinha enviado, depois de tudo,tinha vindo como uma advertência, uma bênção.

Alaric sempre confundiria a Elise com algo místico e sagrado. E desdeaquela manhã adiante, soube que a serviria com o maior dos entusiasmos ecom a máxima lealdade.

Os golpes despertaram, um som cujos ecos ressonavam irritantemente aoredor de sua têmpora. Bryan foi abrindo os olhos muito lentamente. Sentia-osinchados. Da mesma maneira em que sua língua parecia se tornado maisgrossa, como se tivesse crescido cabelo durante a noite. Quanto tinha bebido?O suficiente para ter uma terrível dor de cabeça, aparentemente. Uma dor decabeça que estava sendo agravado por aquelas malditas marteladas.

Deixando escapar um leve gemido, Bryan se levantou até ficar sentado nacama e segurando a sua cabeça entre as mãos. Tinha desejado despertar, paraver que tudo, tinha sido um pesadelo, que a grande recompensa que tantodesejava não tinha demonstrado ser mais que um castelo vazio e consumidopela podridão. Mas não era nenhum pesadelo.

E os golpes que tinha ouvido tampouco eram uma invenção de suamente. Seguia ouvindo-os, potentes e rítmicos, retumbando por cima de suacabeça.

Olhou em torno dele. Os junquilhos da noite anterior tinham sidoretirados, o fogo que ele estava atendendo assim que chegaram, até fazer deleuma doentia chama carregada de fuligem, ardia agora com um vigoroso chiado.As únicas amostras de sujeira que ficavam na vasta sala, era ele e a manta quetinha debaixo.

Os golpes cessaram, e logo voltaram a começar.— Elise! — Uivou Bryan, fazendo uma careta diante da dor que lhe

causou sua ação.Ele se levantou torpemente e seguiu olhando em torno dele. O suporte da

lareira tinha recebido um furioso esfregado, penduraram tapeçarias entre osarcos estruturais, e além de ter sido varrido, o piso tinha sido polido. O lugarinclusive desprendia um aroma de fresca limpeza.

— Elise! — Voltou a gritar com a firme determinação de seguir fazendo-o,mas se calou quando uma mulher bastante roliça e não muito agraciadavestida de lã cinza chegou correndo, lhe fazendo uma meia reverencia a cadapoucos passos que dava.

— Quem é? — Quis saber Bryan.— Maddie, milorde. — Respondeu a moça nervosamente, afastando do

rosto uma mecha de cabelo escuro. — Sou responsável por sua cozinha, ouassim me disse a senhora, com sua aprovação, senhor!

Bryan piscou rapidamente, tentando ocultar o seu assombro enquantovoltava a olhar a seu redor.

— Conto com sua aprovação, milorde?— O quê? Oh, uh, sim, é obvio. Mas, Maddie, onde está a Lady Elise?— Foi à aldeia, milorde. Alaric tem aos carpinteiros trabalhando no

telhado, e temos feito que as moças limpem a casa e a arejar um pouco, mas oferreiro e o sacerdote já faz tempo que foram viver na aldeia. Há uma ferrariaem perfeitas condições na parte detrás, e a capela é bela, milorde, realmentebela! A senhora disse que deixaríamos tudo tal como tinha estado nos velhostempos.

Bryan seguia observando-a com seu olhar totalmente vazio. Os escurosolhos de Maddie se aumentaram e deu um passo para trás.

— Não pretendíamos que a propriedade chegasse a ficar tão abandonada,Lorde Stede, realmente que não. Você verá, ninguém tinha vindo durante tantotempo que... Se nos derem uma oportunidade, já verá como a casa senhorial,recupera sua antiga grandeza e as colheitas em seguida lhes proporcionamuma magnífica renda. Por favor, milorde...

Bryan levantou uma mão para pôr fim o falatório de Maddie. Estavapiorando sua dor de cabeça com tanto falar, e não saberia o que lhe dizer,embora a sua vida dependesse disso. Ontem à noite queria enforcar a todos os

servos da propriedade. Naquela manhã já sabia que isso seria uma insensatez,além da mais horrenda das barbáries. Naquela manhã também se via obrigadoa admitir que apesar de todos seus desejos e esforços, não sabia nada arespeito de como administrar suas propriedades. Precisava dizer algo. Masadmitia a contra gosto que sua esposa já tinha posto mãos à obra, e queparecia estar fazendo um trabalho realmente esplêndido. Que curso de açãoteria adotado? Não muito áspero, mas aparentemente cheio de firmeza.

— Já vejo que estão trabalhando com muito empenho, Maddie. E possoouvir com toda claridade aos carpinteiros em ação. Não desejo atacar nenhumgolpe contra meu povo. Já veremos como vão saindo as coisas.

— Abençoado seja, Milorde! — Entusiasmou-se Maddie. — Comerá algo,ou prefere se banhar primeiro? Tenho pão fresco preparado, com manteiga bemgrossa. Truta do riacho, e bolo de rins!

Ouvi-la mencionar na comida já estava fazendo que Bryan sentissenáuseas.

— Quero um pouco de água, Maddie, só água. — Ele esfregou o seuqueixo, que começava a aparecer a barba. — E um banho e fazer a barba.Mas...

— Venham comigo, milorde, e vou lhe mostra a torre principal. — DisseMaddie, recolhendo suas saias e se pondo a andar por volta da escada comcorrimão de pedra. — A Lady Elise ordenou que toda a roupa de cama fosseposta ao sol esta manhã, por não parecer apropriado. — Lhe explicou. — Mashá uma banheira integrada alimentada por um manancial, com uma gradedebaixo, e que dentro vai se queimando a madeira para esquentar a água.Dizem que o senhor normando que construiu o castelo tinha estado em Roma evisto tais coisas. Esta manhã também limpamos a banheira, milorde. — Seapressou a dizer. — A Lady Elise insistiu muitíssimo em que se fizesseimediatamente!

Ainda um pouco perplexo, Bryan seguiu em silencio a sua nova servaescada acima e por um corredor que se estendia para a esquerda. Maddie abriuum belo conjunto de portas duplas.

Dois arcos normandos dividiam o quarto em três seções. Bryan emseguida pôde ver a banheira, uma elaborada e tentadora criação de pequenostijolos vermelhos situada no extremo direito, ali onde entrava o sol através deuma vidraça fixa. No segundo quarto havia uma armação de madeira e cordadestinada a acomodar uma cama, e embora o colchão tinha sido retirado parafora da casa para arejá-lo, o quarto já parecia convidativa. Tinham colocadovárias cortinas, e o chão estava coberto de tapetes persas. Debaixo de umsuporte esculpido na pedra, também havia um fogo que ardia calorosamente.Os alforje com suas roupas e suas provisões tinham sido subidas até aquelelugar e depositadas junto ao fogo.

A terceira seção do quarto estava vazia.

— O que era isto? — Perguntou Bryan para Maddie.— Um berçário, milorde. Um quarto para esses primeiros dias depois de

que tenha nascido um bebê. No final do corredor há um maior, naturalmente, equartos para as amas, as governantas e outros, mas há rumores que a Ladynormanda, que morou aqui primeiro não suportava a ideia de se afastar deseus bebês para que fossem cuidados por outros. A Lady Elise diz que seria umlugar maravilhoso para as arcas e o guarda-roupa. Um quarto de se vestir,acho que foi isso que chamou.

— Ela disse isso? — Quis saber Bryan, apertando a mandíbula.— Sim, milorde! É um torvelinho de energia, sua linda Lady!— Hum... — Respondeu Bryan secamente.Ao lado do fogo havia uma velha poltrona esculpida, tão ampla como

convidativa. Deixando cair nela, Bryan deu começo ao trabalho de tirar as suasbotas. Maddie começou a retroceder.

— Mandarei agora mesmo o Alaric, milorde.— Quem é esse Alaric?— O mordomo, senhor. Mas também sabe ser um bom valete.Bryan soltou um grunhido, e Maddie se apressou a sair do quarto. Ele

seguiu tirando a roupa e torceu a boca, quando afastou a bandagem de suaferida de faca. Estava curando sem problemas, mas ontem se excedeu na horade cavalgar e a ferida voltou a sangrar.

Com um encolhimento nos ombros, Bryan terminou decidindo que aágua apenas poderia ficar bem. Foi até a banheira e se agachou junto dela,para ver que debaixo havia um fogo ardendo dentro de uma grade de ferro.Tocou na água e descobriu que estava agradavelmente quente. O banho ofascinou, mas naquele momento, queria entrar nele não era para explorar amaravilhosa engenhoca através dos quais funcionava. Abrigava a esperança deque pudesse fazer desaparecer sua dor de cabeça.

Bryan se colocou na banheira e deixou escapar um suspiro de felicidade.Inundou a cabeça na água e passou os dedos pelos cabelos. A sensaçãoresultava muito agradável. Jogou a cabeça para trás e apoiou na borda. Aquelacoisa era tão condenadamente grande que um homem podia nadar dentro dela.Ou compartilhá-la...

Sorriu, pensando nas noites que poderiam chegar. Mas um instantedepois seu sorriso se converteu em um franzimento na testa quando pensou naElise.

Sempre a Duquesa, sempre a grande Lady. Agora Elise se encontrava emseu território, porque sabia como administrar e governar uma propriedade.Como dar ordens aos servos para lhe obedecer. Como deixar em condições umacasa senhorial em questão de horas sem ter virtualmente nada na mão.

Deveria se sentir agradecido. Elise era sua esposa, e parecia quefinalmente tinha conseguido convencê-la disso. Estava trabalhando muito parapôr um pouco de ordem naquela propriedade de Cornualles, quando ele temiaque seria forçado a investir todas suas energias meramente em mantê-la ali.Sua eficiência em tais trabalhos fazia que Bryan se sentisse muito ignorante,mas não se sentia ofendido por seus talentos. O que era, então?

Ainda não confiava nela. Havia uma parte de Elise que continuavafechada. Bryan tinha conseguido despertar sua paixão, mas não tinha chegadoa tocar no seu coração. Ou sua alma..., ou sua mente.

A terceira seção seria uma bom quarto de se vestir, havia dito ela,aparentemente descartando como um quarto para as crianças. Elise sabia algo,que ele ignorava? Ou se tratava de uma questão de planejamento, mais que deconhecimento? Recordou quão veementemente tinha negado Elise apossibilidade de ter uma criança na barriga, depois de seu primeiro encontro.Elise não queria ter um filho dele e simplesmente tinha decidido que, portanto,não o teria. Quanto tempo tinha transcorrido desde seu primeiro encontro?Quase três meses. Aparentemente ela estava certa.

Bryan apertou os dentes. Elise talvez planejava se vingar dele lhenegando um herdeiro? Poderia fazer tal coisa uma mulher? Sem dúvida haviadúzias de rameiras que passavam um ano atrás do outro sem conceber. Elequeria filhos. Nos dias que tinha passado indo de um torneio a outro, einclusive quando tinha começado a servir ao Henrique, Bryan chegou aperceber de que estava vivendo dentro de um vazio. Nenhum lugar erarealmente um lar. Foi então quando começou a desejar a terra, mas da mesmamaneira em que queria tê-la, desejava ter filhos aos quais lhe legar e umafamília com a qual iria construir e crescendo. Queria ensinar a um moço comocolocava a corda em um arco, como conseguia que uma flecha voasse para oalvo, como empunhar uma espada, e como se manter orgulhosamente erguido,inclusive diante de um rei.

Agora já tinha sua terra. E também tinha a uma duquesa que queriaconverter um quarto para as crianças em um quarto de se vestir.

Fechou os olhos e deixou que a água girar lentamente a seu redor. Aspalpitações pareciam estar diminuindo pouco a pouco dentro de sua cabeça.Quando começaram a bater na porta com os nódulos, Bryan não abriu osolhos, para dizer a quem batia que entrasse.

— Meu senhor?As palavras foram pronunciadas em um tom muito hesitante e

entrecortado. Bryan abriu um olho e contemplou a um fraco, homenzinho, quequase estava fazendo em pedaços a boina que segurava entre seus trêmulosdedos. Uma arca acabava de ser depositado diante de seus pés, e as toalhasque saíam dele, indicavam ainda mais com claridade o nervosismo do homem,dado que obviamente tinha deixado cair seus fornecimentos. Seus olhos eram

de uma brilhante cor castanha, e seu cabelo igualmente castanha estava muitomais longos como ditava a moda.

Bryan voltou a fechar os olhos. Alaric, seu mordomo. O homem quemerecia a maior parte de sua ira. Ontem à noite, de bom grado teria açoitadoaté lhe deixar as costas em carne viva.

— Apresento minhas mais humildes desculpa, milorde. Mas verá, quandonão vinha ninguém, as pessoas começaram a acreditar que eu dava ordenspensando em meu próprio benefício. Pensavam que me apropriava dasmercadorias e dos artigos que eles tanto custava a produzir. O antigo senhornem sempre os tratava com justiça. Era um desses normandos estúpidos egrosseiros que chamava carniça a todos os saxões. Eu mesmo...

Bryan voltou a abrir os olhos quando Alaric calou de repente,subitamente horrorizado. Então riu, quando compreendeu que seu mordomotinha presumido, que acabava de pôr um súbito fim a sua própria existênciainsultando aos normandos.

— Eu também sou descendente da antiga linhagem saxã, Alaric, emboraadmita que Henrique se cercou de normandos. — Disse ele. — No entanto, aconquista aconteceu cerca de cento e vinte anos. Não consentirei que meincomode com corriqueiras disputa entre diferentes povos.

Um instante depois Bryan se surpreendeu quando o assustadohomenzinho se ergueu era tão alto.

— Corriqueiro, milorde? Os homens foram degolados como ovelhas,nossas irmãs, mães, filhas... foram violadas. E quando falam de nós, ainda noschamam de cães.

— Se vai ser o meu valete, Alaric, não iria nada mal fazer a minha barba.— Sim, milorde.Bryan se perguntou durante um momento de desconforto se realmente

devia oferecer seu pescoço a aquele homem, mas então decidiu que, se nãofazia, nunca saberia se estava seguro quando desse as costas a aquelaspessoas.

Alaric começou a trabalhar, ensaboando as bochechas de Bryan paradepois começar a fiar sua navalha em uma tira de couro.

— Quanto à casa senhorial, milorde...— Sim. Quanto à casa senhorial...?— Tudo pode ficar como é devido em questão de dias. Os livros estão em

ordem. Tenho contas de cada casa, e de cada homem, mulher e criança.Conheço as rendas e os aluguéis, conheço os campos, e conheço as cabeças degado. Tudo o que é preciso é que considere conveniente me perdoar, milorde.

Bryan suspirou, torcendo o nariz quando Alaric aproximou a navalha deseu rosto.

— Alaric, tenho a obrigação de entregar para Ricardo dez homens destaprovíncia, armados e com montaria, para suas cruzadas. De onde demôniosvou tirar dez homens desta espécie?

Alaric ficou imóvel, e Bryan pôde sentir a indignação do mordomo.— Desta espécie, milorde? Você pode contar com várias dezenas de

homens para escolher! Descendentes de poderosos guerreiros, por muito que odestino os tenha obrigado a não ser mais que servos da terra. Tom, o filho doferreiro, para começar. Tem dezenove anos, é alto como uma árvore e é feito depuro músculo. Logo está o jovem Roger o padeiro. E Raúl, embora seja umgranjeiro de pura linhagem. E depois...

— Maldição, Alaric! — Exclamou Bryan, voltando a rir. Se tinha seus dezhomens para o Ricardo, que eram o que devia ao rei, podia estar tranquilo. Dezhomens de Montoui, e dez das terras de Cornualles. — Você conhece a todos,assim escolherá os dez. Mas cuidado, não escolha os que são mais valiosospara aqui. Durante o último mês estive seguindo um caminho bastanteperigoso, porque tomei emprestados homens e dinheiro de Ricardo. Para o reilhe custa muito se desprender de qualquer dessas duas coisas. Me demonstreque realmente pode ser eficiente, e seguirá se encarregando de administrar apropriedade. Não demorará para chegar aqui um homem de Montoui, omordomo da duquesa. Deixe que ele se ocupe da casa, e você se ocupará dasterras.

Alaric suspirou, e Bryan sentiu como a lâmina se deslizavagraciosamente sobre seu rosto.

— Sim, me parece uma solução muito generosa, e lhe agradeço.Durante alguns momentos, o único som que pôde se ouvir foi o da lâmina

raspando o rosto de Bryan. Então Alaric fez um lado e Bryan colocou a cabeçadebaixo da água. A mão de Alaric não tinha falhado nenhuma só vez, e paraBryan, agradou descobrir que não tinha nenhum corte no rosto. Alaric lhe deuuma toalha e Bryan saiu da banheira.

Ele se esfregou vigorosamente a pele e os cabelos com a toalha e ficoudiante do fogo. Notou que os olhos de Alaric não se separavam dele, e se viroucom uma sobrancelha levantada em sinal de interrogação.

— Suas costas, milorde... — Disse o mordomo. — Têm uma ferida queestá se tornando bastante feia. Disponho de um unguento para ela.

Bryan colocou a toalha ao redor da cintura e então encolheu os ombros.— Me torture com ela, Alaric.O mordomo colocou a mão na arca e tirou dele um pequeno recipiente.

Espalhou o unguento sobre a ferida, e logo a cobriu com uma bandagem limpa.Não voltou a falar até que procurou nas alforje e tirando delas roupa limpa,depois do qual segurou diante de Bryan uma camisa branca de linho para queseu senhor pudesse colocar os braços nela.

— Perdoem meu atrevimento, milorde, mas poderia lhe fazer umapergunta?

Bryan voltou a encolher os ombros enquanto fechava a camisa, e entãopegou os seus calções das mãos do homem.

— Pergunta o que queira. Não te garanto nenhuma resposta.— Como é que você, um saxão, passou a gozar de tanta estima por parte

do rei?— Tinha um bom braço para empunhar a espada. — Respondeu Bryan

secamente, e logo riu. — Está bem, Alaric, contarei isso. Meu pai era umcombatente realmente magnífico, e ganhou a nomeação de cavaleiro quandoHenrique chegou pela primeira vez na Inglaterra. O rei Henrique era umAngevino, recorda? O bisneto de Guillermo I através de sua mãe. Mas Angevinoou Normando, Henrique era o legítimo herdeiro. Meu pai tinha uma filosofiamuito sábia. Os normandos, dizia sempre, vieram para ficar. Mais vale quevamos absorvendo-os dentro de nosso povo que tentar de fingir que aindapodemos vencê-los, décadas depois de ter sido derrotados. Cresci em umapequena casa em Londres. Minha mãe morreu quando eu era muito pequeno, emeu pai morreu servindo ao Henrique. Perdi a casa devido aos tributos, mascontava com o treinamento ao qual me tinha submetido o meu pai. Primeiro fuiaos torneios, e logo fui lutar por Henrique quando seus filhos se uniram aoFelipe da França para fazer a guerra. Sim, — Ele riu, olhando o rosto queestava colocando Alaric. — Enfrentei ao Ricardo. Mas nosso novo rei é umhomem que sabe que a lealdade nunca pode ser comprada ou vendida comouma mercadoria, e que defendeu à coroa até fim e nos encontramos sendorecompensados. E assim é como cheguei até aqui, Alaric. Um inglês, um saxão,volta a ser um grande proprietário de terras..., quer dizer, sempre que você nãotenha conseguido afundá-los na ruína!

Alaric o olhou solenemente, e então seus lábios se curvaram em um lentosorriso.

— Não, milorde! Não afundei na ruína a suas terras. Já verá!— É melhor que vejo isso imediatamente. — Disse Bryan secamente. —

Logo terei que retornar para o rei, levando comigo os dez homens preparadospara a batalha. Escolha eles esta noite, e quero vê-los pela manhã. Ainda nãodisponho das espadas para eles, e reza a Deus para que nosso ferreiro seja umhomem competente! Mas com o tempo sendo meu fator principal, devo começara treiná-los imediatamente. E, Alaric, melhor que peça a Deus que possaconfiar em você no futuro. Estarei longe daqui, mas espero saber que meusassuntos estão sendo devidamente atendidos.

— Onde está sua preocupação, milorde? Não duvide de que Deus lheabençoou!

— Do que está falando? — Quis saber Bryan, que não entendia nada.

— De sua duquesa! — Exclamou Alaric, e lhe iluminou o rosto. — Semdúvida tem que ser uma das mulheres mais inteligente, e mais lindas, de todaa cristandade! Quando o galo cantou, a Lady Elise já nos tinha posto a todosem movimento! Acredito que ao anoitecer, saberá até quantos frangos egalinhas há na aldeia!

— Sim, a duquesa é muito eficiente. Isso será tudo por agora, Alaric.Verei você na sala dentro de alguns minutos. Agora quero examinar os livros decontas.

— Sim, milorde.Alaric o deixou. Bryan passou por detrás da banheira para ir à vidraça e

olhou para fora.Podia ver as casas da aldeia, bonitas moradias cobertas com palha e

treliças que reluziam com brilhos brancos sob o sol. Se elevavam em um valeque ia descendendo pouco a pouco da casa senhorial. Havia centenas delas, seestendendo quase até o mar. E também estava a terra. Suaves encosta, colinascheias de verde. Pasto, cheios de cabeças de gado e ovelhas. Bryan Stede eradono e senhor de tudo aquilo.

E tudo aquilo seria conduzido novamente à ordem. Não mediante comchicote, a não ser com firme justiça. Chegaria a ser tão forte e orgulhoso comoMontoui...

Outra vez Montoui! Montoui... e Elise.Michael não demoraria para estar ali, e Jeanne. Então as coisas

funcionariam de maneira impecavelmente ordenada.Se Bryan Stede se encontrava ali ou não.Ele se perguntou se era aquilo o que o incomodava em realidade, o fato

de saber que iria fazer parte nas grandes cruzadas de Ricardo. Antes, a ideiateria sido convidativa. Mas agora...

Aquele pequeno pedaço da Inglaterra era dele. Apesar da noite anterior,Bryan tinha o pressentimento de que poderia chegar a ser forte, inexpugnável erico. Seria muito irônico que seu senhor interrompesse por uma lâminasarracena em sua garganta depois de tantas coisas terem caído em suas mãos.

E quando não tinha nenhum herdeiro ao qual pudesse deixar tudo.Ele se afastou impacientemente da vidraça e saiu do quarto. Suas botas

ressonaram sobre os degraus quando desceu por elas a toda pressa. Alaricestava esperando sentado na mesa, com seus livros e pergaminhos espalhadosdiante dele.

— Bem, comecemos de uma vez. — Disse Bryan.Alaric assentiu, e os dois começaram a trabalhar. Maddie lhes trouxe

comida e cerveja. Conforme transcorria à tarde, Bryan soube que havia váriascasas senhorias menores a mais nas propriedades. Seus servos se contavam

por muitos milhares. Todos os ofícios estavam representados, e sua lã estavaconsiderada como uma das melhores do país.

Também lhe surpreendeu agradavelmente se inteirar de que tinha cofrescheios de moedas. Os camponeses tinham seguido pagando suas rendasdurante muito tempo antes de que chegasse o momento em que o descuido e aletargia se apropriaram da propriedade, e Alaric, embora dispunha do controle,tinha sido um homem honesto.

Quando tiveram terminado, Bryan esteve pensativo durante váriosminutos. Então disse ao Alaric:

— Devemos formar um exército para que a propriedade esteja protegida.— Mas por que, milorde? Ricardo foi coroado e aceito, estamos em paz...— Quem sabe quanto tempo pode durar qualquer paz? O reinado de

Ricardo deveria ser aprazível em casa. Mas... quero treinar um exército. Queroque se levantem muralhas defensivas ao redor da casa senhorial. Diga aoferreiro que precisará dispor de muitos aprendizes, porque temos espadas earmaduras que forjar.

— Sim, milorde! As pessoas voltarão a estar muito ocupadas..., masacredito que também se sentirão orgulhosas!

Maddie os interrompeu para lhes dizer que o ferreiro tinha retornado, eque estava esperando por eles atrás da casa senhorial. Bryan e Alaric foram atéali. O ferreiro era um homem forte com tons de cinza começando a lhe tingir astêmporas. Seus ombros e seus braços eram enormes, um sinal de que levavalongos anos em seu ofício. Bryan descobriu que era um homem inteligente echeio de energia, e o ferreiro entendeu rapidamente tudo o que seu senhorqueria dele. Quando Bryan saiu da ferraria, os fogos do estabelecimento jáestavam ardendo intensamente apesar de que começava a anoitecer.

Quando Bryan voltou para a casa senhorial, se encontrou com Elise nasala dando instruções para Maddie a respeito de como queria que estivesseposta à mesa. Bryan foi para o suporte da lareira e se apoiou distraidamentenela, sem dizer nada até que Maddie teve retornado à cozinha. Os olhos deElise se encontraram com os dele através da sala, e Bryan não esteve seguro dese continham desafio ou uma súplica de reconhecimento.

Não, nela nunca havia súplica alguma. Seus cabelos estavamimpecavelmente penteados, seu traje era imaculado. Sempre era tão alta eorgulhosa..., e tão perfeita. Bryan podia tocá-la com uma chama, mas quandovoltava a olhá-la, ela já tinha recuperado a serena impassibilidade da maisgélida congelado inverno.

Por Deus, não sabia se a amava... ou se a odiava. Elise de Bois oobcecava, dia e noite. Possivelmente era uma sorte que fosse embora dali.Longos meses cavalgando para as batalhas, fariam que esquecesse da maneiraem que aquela jovem parecia ter se apropriado de todo seu ser.

Inclinou-se na frente dela.— Você fez um grande trabalho, senhora.Ela encolheu os ombros.— Não queria viver na sarjeta. Agora, se me desculpar, milorde, Maddie

não demorará para servir o jantar e eu gostaria de me banhar...Ele sorriu.— Não. Primeiro jantaremos.Os olhos de Elise retrucou aos dele, mas logo suspirou em uma exibição

de paciência e tolerância.— Como deseja.Saiu da sala por um arco que havia no extremo direito da sala, e retornou

alguns instantes depois. Bryan já se sentou à cabeceira da mesa. Elise ocupouseu lugar junto a ele. Maddie apareceu seguida acompanhada por um moço, eentre os dois lhes serviram um aromático jantar de carne e bolos de verduras,maçãs de setembro, grossos queijos e cerveja.

A comida era boa e a cerveja ainda melhor, mas Bryan, se lembrando deseus excessos da noite passada, bebeu muito pouco. Agradou-lhe ver que Eliseparecia estar bebendo muito mais que ele. Sua presença ainda a punhanervosa. Provavelmente desejava o dia em que ele partiria, e ela ficaria livrepara reinar sobre aquelas terras sozinha.

Maddie e o moço ficaram de pé junto à parede, preparados para voltar aencher suas taças ou seus pratos e dispostos a lhes servir assim que oindicassem levantando uma mão. Bryan percebeu de que Elise não os ignoravacomo estava acostumado a fazer a nobreza, mas sim, agradecia a eles com umsuave murmúrio cada vez que apareciam.

Manteve uma conversa o mais simples possível, sabendo que inclusive omelhor dos servos estava escutando cada palavra que se pronunciasse, e queas falações corriam sem freio quando sentavam a sós nas cozinhas durante anoite. Elogiou ao ferreiro, e explicou como tinha que fazer uma espada cuja alâmina estivesse o suficientemente afiada. Elise não falou muito, masrespondeu cortesmente a seus comentários, e parecia entender seu desejo defortalecer as terras.

— Montoui, — Murmurou ela. — Quase sempre estava em paz. Mas issose deve, acredito, a que nossas muralhas não podiam ser atravessados, e a quenossa guarnição sempre contou com muitos homens.

Finalmente não ficou nada mais que comer. A última e suculenta maçãtinha sido saboreada, e ambos estavam fazendo durar uma última taça decerveja. Elise se levantou de seu assento, e o moço levou os últimos pratos.

— Estou muito cansada. — Murmurou Elise, e Maddie voltou a aparecerjunto a ela.

— Subirei para lhe ajudar, minha senhora.Bryan se levantou da mesa.— A duquesa não necessita nenhuma ajuda, Maddie. Eu também estou

muito cansado. O jantar estava magnífico. Aplaudo seus talentos.Elise não protestou. Bryan já sabia que ela não ia fazer tal coisa diante

do servos e, ao pegar no seu braço, ficou satisfeito ao ouvir o trovão de seucoração. Elise foi para o centro do quarto enquanto ele fechou e trancou asportas para então parar diante dela.

Bryan viu que o colchão tinha sido devolvido à cama, a qual tinha sidopreparado com lençóis de linho limpo e um grosso cobertor de pele. O fogoseguia ardendo com intensidade, e outro tinha sido aceso na grade de ferro quehavia debaixo da banheira.

— Este lugar está cheio de promessas. — Disse, tomando assento paratirar as suas botas.

— Sim, está. — Concordou Elise. — Entre os moradores, há muitosentalhadores magníficos que ardem em desejos de proporcionar suas melhorespeças ao nosso lar. Embora os campos foram descuidados, segue tendo tempomais que suficiente para obter a colheita de finais do verão. Ainda não estamosem setembro. Somos muito afortunados a respeito da abundância de nossasovelhas. No Flandes pagam muito bem a lã inglesa, e nossos ganhos podemchegar a ser elevados quando tudo voltar a estar em ordem.

Seguia de pé no centro do quarto. Bryan ficou detrás dela e começou alhe tirar os alfinetes dos cabelos. Notou-a estremecer e respirou a fragrânciaperfumada de seu cabelo ao mesmo tempo que sentia crescer aquele familiardesejo em sua virilha. Levantando os seus cabelos, com seus lábios pressionousuavemente no seu pescoço.

— Têm um autêntico talento para enfeitiçar aos homens, verdade, minhasenhora?

— Milorde?— Nosso povo.— Oh, não... Me limitei a lhes recordar que seu novo senhor era o

campeão do rei, um cavaleiro formidável que era justo, mas também capaz deter muito mau humor.

— Hmmm.Bryan passou as mãos ao longo do braço de Elise e encontrou os ombros

de sua túnica as mangas soltas. Baixar o tecido não requereu nenhum grandeesforço, e o suntuoso objeto verde caiu ao chão.

Seguiu lhe acariciando a pele, encontrando como único obstáculo aquelafina camisa que era tão suave como a seda.

— E acha o que você disse é verdade?

Elise lhe respondeu em um tom bastante seco, mas antes de que falasseBryan ouviu a rápida inspiração com a qual tragou ar.

— Agora é o campeão de Ricardo, e não cabe dúvida de que seu caráter émuito... ardente.

— E o seu, minha senhora? — Perguntou ele, deslizando os dedos pordebaixo das tiras da camisa e permitindo que estes vagassem sugestivamentede um lado a outro.

— Só é quando o... provoca.A camisa caiu ao chão. Bryan envolveu a Elise com os braços por trás,

lhe rodeando os seios com as mãos para acariciar suavemente. Elise se virou eapoiou a cabeça nele com um suave gemido. Bryan se ajoelhou na frente dela elhe tirou os sapatos e as meias. Elise o deixou em silêncio.

Bryan ficou em pé e tirou de seu manto, e logo depois de sua túnica esua camisa.

— Ainda não provou a banheira, duquesa? — Inquiriu educadamente.— Esta manhã... — Murmurou ela.— É o bastante grande para um pequeno exército... e realmente perfeito

para duas pessoas.Riu e, levantando-a em seus braços, depositou-a na água quente. Então

se reuniu com ela, depois de ter tirado os calções e, se sentando diante deElise, pegou um pano que havia ao lado da banheira. Ato seguinte, se inclinoupara ela e a beijou e enquanto utilizava o pano, com seu sabão perfumado,para lhe dar massagem no pescoço e nos seios. Depois passou a fazer cada vezmais abaixo por todo seu corpo, até que a risada de Elise, o fez queinterrompesse o beijo franzindo a testa.

— Encontra-me divertido?— Não... está me fazendo cócegas.Bryan se uniu a sua risada, e então deixou cair o pano para que suas

mãos ficassem em liberdade para percorrer a totalidade do corpo de Elise,enquanto se inclinava em cima dela.

— Assim que te faço cócegas, hein? — Murmurou, aprofundando nocentro dela com seu contato.

Elise deixou escapar uma exclamação afogada, e seus lábios pareceramarder nos ombros de Bryan. Então ela também estendeu as mãos para tocá-lo.A poderosa intensidade de excitação que percebia nela, fez que se sentissesubitamente tonta, como se a água quente da banheira estivesse percorrendotodo seu ser. Arqueando-se sob seu contato, Elise se encontrou subitamentepossuída por um novo atrevimento. Suas mãos se moveram por debaixo daágua, e seus lábios exploraram a vastidão do peito de Bryan.

A língua de Bryan ondulou ao redor da orelha dela e, rindo novamente,Elise o abraçou estreitamente. Foi então quando ele ficou em pé, reluzindo ecom todo o corpo gotejando água. Estendeu as mãos para ela, agarrou-a emseus braços e a tirou da banheira, sem prestar atenção à água, para levar até àcama que os aguardava. Aquele novo atrevimento seguia estando presentedentro dela, e fez que o jogo ao que se entregaram lhe parecesse excitante e aenchesse de felicidade. Quando Bryan se deitou junto a ela, Elise começou atirar com beijos as gotas de água de sua pele cor bronze. Os gemidos de lheproporcionaram uma deliciosa sensação de poder, e Elise seguiu brincandocom ele como um espectro que roçasse seu corpo com o seu, desfrutando docontato de seus seios sobre a pele de Bryan, beijando-o até que teve capturadoseu sexo da maneira mais completa para gozar do doce triunfo da selvagem eapaixonada resposta que provocou em Bryan.

Ele a agarrou pelos ombros e aproximou os lábios de Elise aos seus. Equando teve satisfeito seu desejo daquele beijo, cravou o olhar em seusbrilhantes olhos. Colocou-a em cima dele, e a risada abandonou os olhos deElise, para ser substituída por um pouco mais escuro, quando Bryan entrounela. O fogo que se apropriou de ambos ardeu com uma rápida e completalabareda, e quando foi deixado para atrás, ele a manteve abraçada enquantoenredava os dedos em seus cabelos. Então a levantou de tal maneira que Eliseseguia em cima dele, com as mãos apertadas contra seu peito, e quando osolhos de Elise se encontraram com os seus, não havia vergonha alguma neles,a não ser unicamente o suave brilho do momento que seguia ao prazer.

— Sim, realmente é uma pequena cadela. — Disse Bryan com doçuraenquanto procurava seus olhos com o olhar. — E, entretanto, por que tenho asensação de que... alguma vez cheguei a ter você inteira?

— Porque nunca me terá inteira. — Disse Elise.Ele a fez virar e se colocou em cima dela, com o rosto subitamente muito

sério.— Quero você inteira. — Ele disse tensamente.Os cílios de Elise protegeram os seus olhos da súbita ira que estava

vendo nos olhos dele, e a rabugice desapareceu de sua voz.— O que é o que não pertence a você? — Perguntou. — Sou sua esposa, e

tenho feito tudo o que é preciso fazer com seu lar. Vou ser os seus braçosquando assim o deseja. O que mais queres?

— Quero saber o que há dentro de sua mente, o que rege seu coração, oque está pensando quando me responde tão educadamente, mas ao mesmotempo baixas os cílios por cima de seus olhos.

Elise riu brandamente, mas o som esteve cheio de amargura e então lherespondeu em um tom sarcástico:

— Também quer possuir minha alma, milorde Stede? Nunca cometerei a

estupidez de depositá-la diante de seus pés! São uns pés realmenteimplacáveis.

— Realmente é? Ou será que sua alma, possivelmente, ainda pertence aoutro?

— A alma, meu senhor, talvez seja a única coisa realmente livre de quedispõe uma pessoa. Não pode ser possuída, enquanto o corpo sim pode serpossuído.

Os olhos de Bryan se escureceram até tal ponto que, Elise se sentiu presaem um súbito temor.

— Tudo o que deveria pertencer a você por direito próprio é seu já! —Exclamou.

Brincou com uma mecha de seus cabelos, acariciando-lhe com enganosasuavidade.

— Mais será melhor que continue sendo. — Ele disse, empregando umtom de voz tão baixo, que um dilacerador estremecimento de medo percorreuas costas de Elise.

— Dúvida de sua autoridade? — Perguntou.— Falo dessa maneira para que não haja nenhum mal-entendido entre

nós. — Disse ele e, se afastando dela, se deitou sobre as costas. — Não estágrávida? — Perguntou subitamente.

— Não estamos juntos o tempo suficiente para que...— A noite em que nos conhecemos tem sido muito atrás.— Não estou grávida. — Murmurou ela nervosamente.Ele começou a rir.— Então disse que não teria meu filho. E parece que você decidiu que

assim ia ser. Me diga, duquesa, segue sendo vontade sua não ter meu filho?— A vontade tem muito pouco a ver com isso...— Seriamente?— É obvio! — Replicou Elise com irritação. — O que faz você pensar

que...?— Existem certas maneiras. Mas se descobrir que utilizastes, Elise, então

descobriria que ainda não experimentou o quão terrível pode chegar a ser omeu mau humor.

Ela deu as costas.— Não sou eu, meu senhor. — Disse desdenhosamente. — Não te nego

um herdeiro. Possivelmente Deus decidiu que não merece isso.— Dizem, Elise, que Deus ajuda ao homem que se ajuda a si mesmo.Seus braços a rodearam, voltando a atrai-la para ele.— Não fico muito tempo de estar aqui, duquesa. Por isso devo aproveitar

ao máximo do tempo de que ainda disponho.Os olhos de Elise pareceram brilhar quando se encontraram com os dele,

e Bryan imaginou que aquele resplendor poderia ser devido ao véu daslágrimas. Mas quando voltou a enredar-se na rede deliciosamente perfumadade seus cabelos e sua carne, ela não protestou.

Ali, em sua cama, havia-a possuído. Elise virtualmente admitiu isso. Se acapturava e recapturava a uma e outra vez, então talvez terminariaencontrando e pegando algo que lhe escapava.

Que direito tinha ela sobre ele? Sua beleza..., mas aquilo pertencia a ele.Bryan deixou de pensar. A noite era escura, e o calor de seu corpo estavamachando o mais delicioso das fogueiras.

Em momentos como aqueles, parecia ridículo interrogar-se a respeito doque, durante a paixão, ficava reduzido a nada.

Capítulo 19

No transcurso de umas quantas semanas, a casa senhorial tinhaexperiente uma notável mudança.

Quando Jeanne e Michael chegaram do continente, o lugar começou aadquirir o ambiente que tanto tinha Montoui de bonito. Os guardas bemtreinados de Elise chegaram, incluído seu experiente capitão. Bryan encontrouos seus dez homens para o exército de Ricardo, e cem a mais aos quais podertreinar como guardas e soldados para que protegessem suas posses emCornualles. Não foi possível construir uma muralha que abrangesse a aldeia eas fazendas mais afastadas, mas Bryan estabeleceu alguns limites ao redor dacasa senhorial, e em seus primeiros dias de trabalho chegou a poder ver comose colocavam os alicerces deles. A pedra não escasseava, já que suapropriedade continha a pedreira da qual tinham saído as muralharas da casasenhorial fazia cem anos.

Cada manhã ao amanhecer, seu tosco exército passava pelos exercíciosde treinamento. Seus homens eram uns ignorantes no referente ao manejo dasarmas, mas estavam ansiosos em aprender, e agradeciam sua nova condição.

Como bem sabia Bryan, um homem que nasce com pouco, não pode esperarchegar a obter grande coisa em sua vida, a menos que conte com umainteligência ou uma força realmente excepcional. Faltava meses para que oexército chegasse a cobrar forma, da mesma maneira em que deveriamtranscorrer meses para que sua muralha de pedra fosse erguida, mas poderiair embora, sabendo que os alicerces de cada um tinham sido colocados comoera devido.

Na manhã de seu oitavo dia em Cornualles, Bryan estava sentado emcima de seu cavalo vendo como o capitão submetia ao treinamento aoshomens. Alguns bonecos tinham sido trespassados em enormes espetos e oshomens que até o momento dispunham de espadas, praticavam fazendo empedaços a seus oponentes sem vida.

De vez em quando Bryan chamava um homem para fazer uma indicaçãoou um comentário, e se assegurava de que suas ordens fossem bem recebidas.Estava pensando em alguns moços que tinham bastante talento, quando Alaricveio correndo, através dos campos mais afastados, da parte detrás da casasenhorial.

Quando chegou ao cavalo de Bryan, o mordomo estava ofegando enecessitou alguns instantes para poder recuperar a respiração.

— Minha senhora... a duquesa... pede que vá para casa o mais depressapossível! Se aproximam alguns cavaleiros, viu-os da torre Oeste!

— Cavaleiros? — Perguntou Bryan.— Parece que os conhece. — Respondeu Alaric.Bryan arqueou a sobrancelha, e logo fez virar o cavalo para a casa

senhorial, o seu cavalo galopou para ela. O jovem Wat, que tinha vindo deMontoui com Michael e Jeanne, já estava preparado para se ocupar de seucorcel, e Bryan pôde saltar do cavalo e entrar correndo na sala.

Elise tinha estado fiscalizando o trabalho de curar a carne para alimentarà casa senhorial durante o próximo inverno. Para esta tarefa colocou umsimples vestido de lã cinza, e seu cabelo estava recolhido em duas grandestranças. Quando Bryan entrou na sala e a encontrou dando rápidas ordenspara Maddie, sua esposa parecia uma jovem camponesa.

— O que acontece? — Perguntou ele.O olhar que lhe lançou Elise assegurou para o Bryan que, fosse o que

fosse, sua esposa o considerava culpado disso.— Temos companhia! — Disse Elise secamente, e então hesitou enquanto

baixava os cílios. — Lorde e Lady Montagu.— Gwyneth e Percy? Como sabe? Se os viu da torre, ainda têm que estar

bastante longe daqui.Elise voltou a hesitar, e então falou em um tom mais suave que antes.

— Reconheço o estandarte de Percy assim que o vejo. — Disse. — Vêmacompanhados por uma escolta armada de quatro homens. Disse para Maddieque o jantar tem que ser excepcional, e Michael e ela já estão começando apreparar. Pode dizer ao Alaric para subir o vinho que guardou na adega? Já seique não se trata de uma colheita muito boa, mas te rogo que faça a melhorseleção que possa. Agora tenho que subir correndo a me trocar de traje.

Bryan viu que Elise estava bastante nervosa, e isso o irritou porque nãoestava seguro do que se devia.

— Se fosse você, eu não me esforçaria muito. — Ele disse secamente. —Estou seguro de que tanto Gwyneth como Percy sabem que acabamos dechegar à casa senhorial. E vivendo tão perto de nós como vivem, sem dúvidasabem que este lugar necessitava de que se investisse uma grande quantidadede trabalho nele. Não esperarão que lhes ofereçamos uma suntuosahospitalidade.

— Pois ofereceremos! — Replicou secamente Elise sua vez, e então seusolhos voltaram a abaixar. — Por favor, Bryan. Não suportaria que nenhum dosdois se compadecesse de mim.

— Compadecer de você, senhora?Os olhos de Elise se ergueram para os seus, cristalinos, enormes e de cor

turquesa, enquanto movia o braço em um gesto que abrangeu a sala e toda apropriedade.

— Por favor, Bryan? — Perguntou com doçura. — Não quero queninguém saiba que nos.… brigamos.

Bryan suspirou.— Vá se trocar, duquesa. Alaric e eu descobriremos a melhor safra, e se

alguém morre de fome durante o inverno por causa disso, então que assimseja.

— Ninguém morrerá de fome! — Replicou Elise secamente, subindo assaias e se pondo a correr para a escada, dado que ninguém iria ver além deBryan. Ele a viu partir, se perguntando se desejava se embelezar por causa doorgulho, ou porque precisava se convencer a si mesmo de que ainda podiaatrair a seu perdido amor.

Cerrando os dentes, Bryan girou sobre os seus calcanhares. Alaric, aindaofegante, tinha-o seguido ao interior da sala.

— Venha, Alaric. Tem que me conduzir para qualquer pessoa que saiba oque dispomos na adega. O importante deve ser abandonado. A duquesa desejatratar com atenção seus convidados.

Alaric não entendeu o súbito mau humor de seu duque. Assentiu, e logoprocedeu a guiar ao Bryan até a cozinha e, dali os dois homens desceram paraa umidade da adega.

Para falar a verdade, Bryan não acreditava ter nenhum motivo paraguardar rancor de Percy Montagu. Considerava que seu vizinho tinha umconjunto de precedência bastante estranhas e que perdia a calma com umaridícula facilidade, mas inspirava mais pena que outra coisa. Percy estavaapaixonado, e não soube conseguir que seu amor realizasse. Tinha sido seupróprio e equivocado sentido da honra que lhe custou perder a Elise, e nãocabia dúvida de que logo tinha sido recompensado muito generosamente com oGwyneth. Mas Bryan, ainda que inconscientemente, tinha tomado à mulherque ele amava. Os cavaleiros sempre tinham muito claro o que era justo entreeles e, devido a isso, Bryan ainda tinha a sensação de que tinha ofendidogravemente a aquele homem, tanto se gostava particularmente bem ou não.Ah, se pelo menos pudesse confiar em Elise...

A adega tinha resultado conter uma pequena provisão de vinho deBurdeos cobertas de teias de aranhas. Bryan tinha deixado ali o Alaric paraque se encarregasse de trazer, e depois havia tornado a sair, depois de chamaro Wat para que lhe trouxesse o seu corcel.

Alguns minutos lhe bastaram para alcançá-los. Gwyneth agitou a mãocom grande entusiasmo assim que o viu vindo, e já estava preparada pararecebê-lo com seu sempre magnífico sorriso. Percy lhe estreitou firmemente amão com mais solenidade, e então começou a lhe pedir desculpas enquantoseus cavalos empinavam.

— Possivelmente não deveríamos ter vindo, já que aparentemente vocêsmesmos acabam de chegar. — Disse. — A verdadeira razão, Sir Stede, éGwyneth. Fui chamado para Londres para me reunir com o Ricardo, comodeverá fazer você, e me sentiria mais tranquilo se Gwyneth e Elise semantivessem um estreito contato uma com a outra. — Fez uma breve pausa, eentão seguiu falando depois de um instante de vacilação. — Gwyneth estáesperando um filho, e no caso de que nos encontremos em uma terra longínquaquando chegar o momento, eu gostaria de saber que conta com uma amigaperto.

Bryan lançou um rápido olhar para Gwyneth, e então os felicitou aambos.

— Estou muito contente, e estou seguro de que Elise também estará,diante sua boa sorte. E sempre são bem-vindos aqui em qualquer momento. Écerto que acabamos de chegar, mas estamos felizes por vocês terem vindo.

Eles começaram a andar para a casa senhorial, levando aos cavalos nasrédeas. Gwyneth falou das colheitas que cresciam melhor em seu rochoso solo,e Percy lhe contou que Ricardo já começado a sua campanha para reunirdinheiro. Um cavaleiro que não desejasse ir para as cruzadas podia comprarhonoravelmente sua ausência. O rei da Escócia tinha devotado vários milharesde marcos em vez de seu serviço, e outros grandes barões, duques e condesestavam fazendo o mesmo. Aos mercadores estavam vendendo concessões,escuros cargos e títulos estavam sendo revividos, e em troca de uma generosa

quantidade de dinheiro, um homem poderia comprar um posto no governo dorei. Bryan começou a rir.

— Percebo a delicada mão da rainha Leonor em tudo isto. — Disse paraPercy. — Terá advertido ao Ricardo de que não poderia seguir sendo ummonarca popular se afligia a seu povo com novos tributos! Assim que nada detributos, e o rei passa a se converter em um comerciante. Brilhante!

Tinham chegado à casa senhorial. Bryan se surpreendeu, mas tambémficou muito agradado, ao ver que Wat e outros dois, subitamenteuniformizados, moços aguardavam diante da porta com o objetivo de levar oscavalos, e para escoltar os guardas de Percy até a recém organizado barracão.

Elise estava esperando-os diante da lareira. Embora não estava muitoseguro de que não preferisse à serva de longas tranças, Bryan não teve maisescolha que admirar sua elegante transformação. Seu vestido de veludo era deum intenso verde escuro, com as mangas graciosamente alongadas. O elegantedecote e a bainha estavam debruados com fio de ouro, era um vestido singelo,mas mesmo assim a via impecavelmente fluido e belo sobre as curvas de seucorpo. O cabelo de Elise tinha sido dominado e minuciosamente penteada paraque se enrolasse ao redor da coroa de ouro e pérola de sua touca. Uma finacauda de seda bege fluía da coroa junto ao comprimento de seu cabelocuidadosamente trançadas.

Sua esposa foi para eles para recebê-los.— Lady Gwyneth, Percy... que imenso prazer é lhes receber aqui. —

Disse. — Entrem, entrem. Devem ter muita sede depois de tanto cavalgar.Bryan observou a Elise enquanto se dirigia ao casal, e a viu tão cordial e

serena que sentiu o súbito impulso de agarrá-la pelos ombros e sacudi-la. Nãopodia saber o que estava ocorrendo debaixo de seus olhos turquesa quando seposavam no Percy, mas se perguntou se não se sentiria tentado em esbofeteá-la no caso de que soubesse.

Elise sorriu com seu sorriso indescritível e pareceu flutuar através dasala enquanto ia para a mesa. O vinho tinha sido trazido e vertido em umescanciador de prata, com quatro taças cheias de jóias esperando junto a ele.Bryan nunca tinha visto aquelas taças anteriormente, e supôs que Michaelteria trazido de Montoui junto com outros detalhes.

Gwyneth e Percy seguiram Elise até a mesa, e Bryan foi atrás deles.Tomaram assento diante do fogo e a conversa prosseguiu. Percy começou afalar dos assuntos de rei Ricardo, e Gwyneth convidou a Elise para ir caçar nosbosques.

Bryan notou que o tempo transcorria sem perceber. Um moço entrou nasala, e para Elise bastou levantar a mão para que o jovem servo se dispusera avoltar a encher uma taça.

Eles nunca pensariam que Elise acabava de abandonar o calor de sua

própria cozinha, onde estava suando junto com outros para preservar a carnecom a perspectiva do inverno. Parecia como se a tarefa mais difícil que tinha nomundo era selecionar o que seria o traje mais apropriado para o dia.

Eu tiro meu chapéu para você, duquesa, pensou secamente.Acompanharam ao Percy e Gwyneth em um percurso pela casa senhorial, eBryan sorriu enquanto via a habilidade com que Elise evitava as habitaçõesque ainda não tinham sido limpas e mobiliadas novamente. O único momentoum pouco incômodo teve lugar no quarto de ambos, quando Gwyneth semostrou cheia de deleite e inveja diante da sua banheira.

— Que maravilha! — Exclamou.— Sim, é. — Disse Elise. — A água corre constantemente através de um

tubo, e também é constantemente levado através de um mecanismo que chegaaté o manancial que há além dos muros. Foi inventado em Roma, ou isso é oque nos disseram.

— Absolutamente maravilhoso! — Repetiu Gwyneth, muitoimpressionada. — E justo em seu dormitório!

— Tem que vir a utilizá-lo em alguma ocasião. — Disse Elise cortesmente.Mas foi nesse mesmo instante quando uma tensa inquietação pareceuapropriar do grupo. Bryan olhou a sua esposa. Todos eles... quem estavapensando que desfrutaria do banho com quem?

Bryan lembrou a si mesmo, que Percy iria assim que ele o fizesse, e nãogostou de nada, do imenso alívio que sentiu ao pensar nisso.

Gwyneth riu e dissipou aquele inquietante feitiço.— Quando nos duas estivemos sozinhas, depois de que nossos maridos

passem a servir ao rei, possivelmente poderia vir e ficar contigo.— Isso será muito agradável. — Murmurou Elise. — Mas devem estar

famintos! Iremos descer e jantaremos

O jantar foi maravilhoso, e esteve impecavelmente servido. Bryan seperguntou, como Elise e inclusive seus leais servos tinham conseguido chegara preparar semelhante banquete em tão curto tempo. Havia porco assado,enormes pernas de cordeiro, uma infinidade de bolos, delícias preparadas comleite fresco e pudins, assim como fruta fresca em abundância.

A julgar por semelhante banquete, bem poderíamos ser os nobres maisricos do país.... Pensou. Ah, sim, sua esposa era muito eficiente.

Não foi até quando o jantar estava quase a seu fim, quando Gwynethcomeçou se explicar sua aparição para Elise.

— Assim verá, embora peço desculpas por ter chegado tãoinesperadamente, o caso é que tinha muita vontade em ver você! Já não sou

tão jovem quanto deveria ser para ter a meu primeiro filho, e confesso queestou muito assustada.

Houve uma sutil diferença na expressão e o tom de voz de Elise.— Mas isto é... maravilhoso... Percy, Gwyneth... Desejo a vocês toda

felicidade com seu filho. — Tomou um gole de seu vinho. — Quando... éesperado para nascer?

— No final da primavera, acredito. — Disse Gwyneth entusiasmada. —Parece muito distante, mas o tempo pode escapar com muita facilidade.

— Sim... — Murmurou Elise. — Pode fazê-lo, certamente. Não tema,Gwyneth. Minha donzela... Jeanne... atendeu a minha mãe quando nasci. Asduas estamos próximas.

As palavras eram cordiais, mas Bryan teve a impressão de que o calordesapareceu da voz de sua esposa. Por quê? Porque ela também tinha desejadoter um filho de Percy? Não entenderia o raciocínio de Elise até que Gwyneth ePercy foram alojados em um quarto de convidados, e ele finalmente fechou aporta da sua.

— O que aconteceu com você enquanto estávamos lá embaixo? — Quissaber. — Qualquer um teria pensado que estava desejando alguma desgraça aseu filho.

— Seu filho? — Exclamou Elise, se virando para ele e permitindo comesse movimento que Bryan visse como a fúria ardia, intensa e cheia de vida,nas profundidades turquesas de seus olhos.

— Do que está falando? — Inquiriu ele, ficando igualmente tenso,enquanto cruzava os braços em cima do peito e a contemplava.

— Não sabe contar, meu senhor? A criança nascerá na primavera. É filhode Percy... ou seu?

Bryan entreabriu os olhos e, sem perder a calma, disse.— Eles se casaram em agosto.— Sim..., uma data convenientemente próxima, diria eu.Bryan fez como se não a tivesse escutado e entrou na habitação.

Sentando-se em cima da cama, tirou as suas botas e então passoucansadamente os dedos por entre os seus cabelos.

— E então? — Perguntou Elise com um silvo.— E então o quê?— É seu filho?Bryan tirou o manto, sem lhe importar se caía ao chão em um montão

confuso.— Não. — Disse, mas seu instante de vacilação, já tinha durado apenas o

suficiente.

— Está mentindo.— Não estou mentindo. — Replicou ele impacientemente. — Faço tudo o

que posso para fechar a sua boca, sem ter que recorrer a nenhuma palavravulgar.

— É seu filho sim ou não?— Muito bem, Elise. Se nascer em março, é meu filho. Se nascer em

abril, o pai é Percy.Então se levantou, sem lhe prestar nenhuma atenção, enquanto tirava a

túnica passando por cima dos ombros. Depois terminou de se despir e deitouna cama. Elise não se moveu. Bryan a olhou. Imóvel como uma morta, suaesposa mantinha as mãos apertadas em tensos punhos ao lado de seu corpo,enquanto o contemplava com uma escura fúria que ia acendendo uma letaltempestade dentro de seus olhos.

Ele fechou os seus, colocando o braço em cima das pálpebras paraproteger da luz da vela.

— Hoje jogamos o seu jogo, Elise. Nossos convidados ficaramapropriadamente impressionados por nossa elegância. Estou cansado, assimvenha para cama.

Sem mover nem um músculo, Bryan abriu um olho debaixo da sombrade seu braço. De repente Elise deu meia volta e seus passos ressonaramsecamente sobre o chão enquanto ia para a porta.

Bryan se levantou da cama com um ágil salto, agarrando-a pelo braço eobrigando-a a se virar para ele.

— Aonde vai?— Fora.— Fora onde?— A qualquer lugar. Longe de você.— Porquê?— A razão não pode ser mais evidente.Bryan a soltou e se apoiou tranquilamente na porta para cravar os olhos

em sua esposa. Elise lhe devolveu o olhar com o queixo obstinadamentelevantado.

— Não estive com Gwyneth desde a noite em que Percy chegou nosarredores de Londres. — Disse Bryan.

Elise piscou, mas não deu nenhum outro sinal de que as palavrassignificassem algo para ela.

— Eu gostaria de ir dar um passeio. — Ela disse friamente.Bryan guardou silêncio durante alguns momentos.

— Por causa de Gwyneth? Ou porque de repente tem descoberto que teresultava muito desagradável dormir com seu marido, enquanto o galantePercy descansa debaixo do mesmo teto?

— Acaso se importa? — Quis saber ela. Encontrava-se à beira do pranto,e estava mais que disposta a machucá-lo e fazer sentir a dor que a rasgava pordentro como uma centena de pequenas facas.

Ele levantou uma sobrancelha.— Com relação como vá terminar tudo? Não. Mas para mim, sim que me

importa.— Talvez me parece, meu senhor marido, que você seja forçado a sentir

as mesmas dúvidas que o resto de nós. Possivelmente deveria te deixar agoramesmo para ir em busca de Percy, permitindo assim que pergunte se oherdeiro que tanto deseja é seu ou não. E talvez saber que Percy se encontranesta casa, faz que me invada o desejo de sentir seus braços ao redor de mim...

Foi tudo o que pôde dizer. Bryan nunca teve intenção de fazer isso, masde repente estava segurando-a enquanto a sacudia violentamente. Entãopercebeu o que estava fazendo e a soltou..., muito depressa. Elise caiu ao chão,atordoada, mas não vencida. Um instante depois já se levantou para se lançarsobre ele com a rapidez de um furacão, lhe golpeando no peito com os punhosenquanto suas unhas lhe rasgavam a pele. Bryan fechou os olhos durante uminstante, lutando por não perder o controle de si mesmo, e então a segurou e aatraiu violentamente para ele. A cabeça de Elise se inclinou para trás e seusolhos, ainda ardendo com um líquido fogo cor turquesa, se encontraram comos de Bryan.

— Esqueça, duquesa. — Disse ele brandamente.— Me deixe em paz. — Sussurrou ela.Ele sacudiu a cabeça lentamente.— Nunca me fechará a porta por causa de Percy Montagu... ou de

qualquer outro homem.— E, entretanto, espera que corra obedientemente à cama, enquanto

aceito a sua amante e seu bastardo em minha casa?— Ex-amante, e se oferecemos hospitalidade foi devido a sua insistência

nisso. E.... é do mais improvável que a criança seja minha.— Do mais improvável!— Elise! O passado é algo que não posso alterar. Duvido muito que

Gwyneth leve meu filho em seu ventre, porque ela é uma mulher do mundo, ealém disso eu sempre tive muito cuidado de não ir deixando um rastro debastardos através dos campos de batalha ou em casa. O que queria quefizesse? Que insultasse ainda mais o Percy e exigisse saber que estava segurode que em breve será pai?

— Quereria que me deixasse sozinha!— Esta noite não sairá por essa porta. Não consentirei que te dedique a

percorrer os corredores para tender uma armadilha ao pobre Percy, no caso deque lhe ocorra sair de seu quarto e descubra a sua anfitriã pronta para seabandonar a devassidão em cima da pedra...

Bryan não terminou a frase, porque um instante depois estavaesfregando mandíbula, tendo descoberto que Elise era capaz de se soltar desua mão para lhe devolver uma bofetada que poderia equivaler com a suaquanto na potência. A violência do golpe ressonou entre os dois.

Possivelmente estava mais que merecido.— Não irá, Elise. — Ele disse brandamente.— Vou a...— Não, não fará. E se continua me dando motivos para isso, esquecerei

possivelmente que eu merecia a sua bofetada. Se tivermos que ter uma cenadiante dos convidados, não vejo por que não pode ser a do marido brutal queaçoita a sua esposa de afiada língua.

Bryan esteve seguro de que se naquele momento, Elise tivesse umaespada, de bom grado o teria atravessado com ela. Como não a tinha, selimitou a lhe sustentar o olhar com um brilhante desafio e então deu meiavolta, se liberando bruscamente de sua mão, e se sentou diante do fogo. Bryana contemplou durante alguns instantes, e então suspirou. Conhecia muito bemaquela súbita rigidez de seu queixo. Elise não ia ceder. Foi para ela e lhe roçoua bochecha com os dedos. Elise se encolheu ao sentir seu contato.

— Sinto muito, Elise.Ela levantou os olhos para os seus.— Milorde, peço-lhe que me diga o que sente. Por que me disse coisas tão

horríveis? Ou por que temos de ser obrigados a nos embarcar nesta imitaçãorude de um matrimônio para começar?

— Você nunca se curva a ninguém, verdade, Elise?— Te fiz uma pergunta.— Lamento ter ferido seus sentimentos.Os olhos de Elise se afastaram dos seus, para baixar para as suas mãos,

e começou a brincar distraidamente com o anel de safira que agora usava emseu dedo médio.

— Devo admitir que estou lisonjeado.— Lisonjeado?— Não achei que isso importaria tanto para você.— Pois nesse caso não tenha um conceito tão bom de si mesmo, Stede. —

Disse ela friamente. — Eu não gosto que me humilhe, e considero esta situação

como muito humilhante.Bryan se separou dela.— Venha para cama, Elise. — Disse cansadamente.— Não me importo...— E eu dou a mínima que você não se importa. Não posso te deixar

sentada nesta cadeira com toda a roupa posta, porque conheço muito bem seutalento para os desaparecimentos.

Elise seguiu imóvel em seu assento, contemplando o anel sem vê-lo,como se não tivesse ouvido o seu marido. Com um juramento de exasperação,Bryan puxou o seu braço e a arrancou do assento. Os olhos de Elise secravaram nos seu, com surpresa e uma intensa hostilidade.

— Elise, não fiz nada com a deliberada e maliciosa ideia de machucá-la.— Disse Bryan. — Mas juro por Cristo que não permitirei que saia destahabitação, e, portanto, te manterei junto a mim para me assegurar de que nãotente nenhuma de suas insensatas fugas. Estou muito cansado, e estou fartodesta discussão que não serve de nada. Você tem tempo até que eu tenhacontado até dez para se despir e se colocar na cama..., ou do contrário eumesmo te levarei ali.

Elise começou a rir.— O homem valente que nunca se rebaixa a empregar a força...— E sua esposa a harpia. — A interrompeu Bryan. — Não conseguirei

nada de você mediante a força, além de que seu corpo esteja ali onde deveriaestar por direito. Mas, minha doce esposa, juro que isso o obterei com muitopouca paciência se...

— Não me toque! — Gritou Elise, libertando seu braço de seu aperto dosdedos de Bryan e lhe dando as costas. Então foi tirando suas vestimentas comdedos trêmulos, deixando que tudo fosse caindo a seus pés. As lágrimasardiam em seus olhos enchendo de ardência. Queria golpear ao Bryan atédeixá-lo negro e azul, golpeá-lo uma e outra vez até que entendesse...

O quê? Elise não sabia. Nem ela mesma o entendia. Tinha pensado quequeria fugir de Bryan para voltar com o Percy, e nem sequer poderia lembrarcomo tinha sido amar ao Percy.

Em realidade só queria fugir... de Bryan. E, no entanto, se ele a tivessedeixado partir, então ela teria conhecido um sofrimento ainda mais profundo.

Sua camisa caiu ao chão. Ainda tremendo, Elise jogou impacientemente aum lado sua touca e soltou o seu cabelo, arrancando os alfinetes com talviolência que as lágrimas afluiu nos seus olhos com a dor. Apenas conscientede qualquer sensação, se deslizou sob o frescor dos lençóis para dar as costasao centro da cama e fechar os olhos. Enfrentar ao Bryan teria sido umainsensatez, porque ele terminaria ganhando.

E o que teria se convertido em uma insensatez ainda maior era o fato deque teria tocado em Bryan então, e com isso possivelmente teria revelado o fatode que por muito louca e furiosa que estivesse, ainda desejava tocá-lo.Possivelmente agora mais do que nunca, queria ser abraçada e reconfortada, equeria acreditar que o filho de Gwyneth não poderia ser dele, porque Elise nãoacreditava que pudesse suportar ter que compartilhar Bryan de semelhantemaneira. Ela tornaria louca...

Afundou os dedos em seu travesseiro, se obrigando a manter os olhosfechados e o corpo imóvel.

Fazendo honra a sua palavra, ele manteve a distância. Elise ouvia suarespiração no silêncio da noite, e lhe pareceu que poderia ouvir os batimentosdo seu coração.

Não era mais que o dela, retumbando implacavelmente contra seu peito.Elise esperou, tensa e cheia de tristeza, mas os segundos foram passando

até se converter em minutos, e os minutos seguiram transcorrendo. Ele nãotentou tocá-la. Elise levou os nódulos à boca e os mordeu. Necessitava deBryan... Não queria necessitá-lo.

Aqueles desejos conflitantes criaram dentro de seu coração um caos tãodoloroso como cheio de confusão. Suas emoções se agitavam loucamentedentro dela, tão fora de controle como uma onda nascida do fundo do oceanoque tivesse iniciado seu avanço irreprimível para a terra firme. Não podiapermanecer na cama, não sem gritar, não sem estalar como uma lenharessequida subitamente jogada a um fogo abrasador...

Ela passou os nódulos pelas suas bochechas e descobriu que estavammolhadas. Tentou se acalmar fazendo uma profunda inspiração de ar, e aúnica coisa que conseguiu foi que lhe escapasse um soluço afogado.

— Elise...Finalmente Bryan foi para ela e seus dedos alisaram suavemente os seus

cabelos, afastando os do rosto para então tocar a sua garganta.— Não! — Gemeu Elise penosamente.— Está chorando...— Estou furiosa! — Replicou ela, e o controle de domínio muito frágil se

rompeu subitamente. Se virou para ele, se enredando nos lençóis, e começou adescarregar furiosos murros sobre seu peito. Bryan lhe permitiu fazer issodurante um bom momento. Depois a estreitou contra ele, rodeando-a com seusbraços. Tocou as suas bochechas e sentiu as lágrimas, e conheceu um súbitosentimento de ternura capaz de equivaler com a paixão que ela sempre poderiadespertar nele. Ele a colocou bruscamente debaixo dele e, esquecendo suapromessa, secou a umidade de suas bochechas com seus beijos e entãoencontrou seus lábios. Para grande surpresa dela, os lábios de Elise sesepararam avidamente sob os seus e, estreitando-o entre seus braços, se

grudou fervorosamente a ele.Elise descobriu que a ira podia inflamar um desejo escuro, selvagem e

tempestuoso. Seu coração nunca tinha sido presa de uma tormenta maior, e,entretanto, nunca tinha desejado mais ao Bryan.

Mas então ele se afastou subitamente dela. Elise tinha querido que anoite os envolvesse unicamente com as tênues brasas do fogo para romper aescuridão, e de repente Bryan começou a acender as velas que havia dispostasao redor da cama.

Então seus olhos se encontraram com os de Elise quando voltou para seulado e foi se inclinando muito lentamente sobre ela.

— Esta noite... esta noite ambos veremos as coisas com claridade. Vocêmanterá os olhos abertos enquanto te faço amor. E me sussurrará o meunome... uma... e outra vez.

Ela não respondeu. Seus olhos seguiram se encontrando com os dele emum terrível choque de vontades até que tudo ficou esquecido exceto a doceurgência.

Quando foi deixado para atrás, Elise se enrolou ao lado dele e, exaustano corpo e na mente, dormiu.

Bryan permaneceu acordado durante muito tempo, vendo como a chamadas velas ia se reduzindo pouco a pouco e pensando que deveria apagá-las.

E se perguntando com uma nova tristeza o que tinha conduzido à suaesposa a tão selvagem abandono. Poderia Elise manter os olhos bem abertos, emesmo assim sonhar com outro homem dentro dos olhos de sua mente...?

Tinha que ir o mais rápido. Muito rápido. Não acreditava que o filho deGwyneth pudesse ser dele, mas isso só o tempo diria. E o orgulho de Elise eratão grande.... Nunca o perdoaria. Era possível que voltasse a partir assim queele partisse. Para atravessar o Canal em direção ao Montoui, mais determinadado que nunca em escapar.

Finalmente suspirou e se levantou para apagar com as pontas dos paviosdas velas. Antes de extinguir a última chama, Bryan deixou quetranscorressem alguns instantes. Elise estava maravilhosamente enredada naseda de seu próprio cabelo, e, no entanto, suas bochechas pareciam estartensas pela dor e franzindo a testa, inclusive no sono, escurecia seu semblante.De repente se retorceu e deixou escapar um suave gemido enquanto ele aolhava.

Os dedos de Bryan se deslizaram sobre a última chama e então se deitouao lado de Elise, estreitando-a muito meigamente entre seus braços atéaproximá-la a ele para segurá-la junto a seu coração.

Gwyneth e Percy se foram pela manhã. Bryan e Elise os viram partirjuntos, despedindo-os com a mão até que os cavalos tiveram desaparecidodepois do topo de uma colina.

Elise murmurou que tinha algo que fazer, e se foi a toda pressa. Bryanapertou os lábios e voltou para as tarefas de criar seu exército e construir asua muralha.

Os dias transcorreram rapidamente em uma precária e muito silenciosatrégua. A comida para o inverno estava preparada, e as reservas de cerveja emadeira para o fogo continuaram crescendo nos porões. Bryan passou váriosdias caçando, e Elise reuniu os servos para que passasse longas e tediosashoras inclinada em cima do caldeirão fazendo velas.

Cada noite Bryan estreitava a sua esposa entre seus braços, e entãopermanecia acordado se perguntando se realmente tinha algo entre eles.

E finalmente chegou aquele dia inevitável que seria o último que passavano lar. Bryan teve a satisfação de ver que sua muralha ia subindo pouco apouco, e que seu improvisado exército de guardas começava a adquirir forma.

A casa senhorial se converteu em um lugar elegante e acolhedor. Elisefazia trazer tapeçarias e móveis magnificamente trabalhados, renda belgas etapetes orientais. A casa senhorial era um lar.

O que só faltava o calor daqueles que o habitavam.Naquela última noite, Elise foi até ele sem implorar. Como sempre,

resultava assombroso que uma mulher tão fria e distante durante o diapudesse oferecer tão doce calor de noite. A noite... a última noite de Bryan.

O desespero da partida se apropriou dele, e a sede voltou a surgir donada, assim que ficou satisfeito. Bryan se mostrou apaixonado e exigente,inesgotável e insaciável. Elise não murmurou um só protesto, e foi a seuencontro impulsionada pela abrasadora inconsciência de seu próprio ardor.

Bryan se levantou para se vestir assim que chegou a alvorada, sem quetivesse conseguido dormir nem um só instante.

Com a bainha de sua espada em seu lugar, se ajoelhou ao lado Elise. Assombras dançavam debaixo de seus olhos, e estava muito pálida. O amanhecerque ia se infiltrando através de suas janelas acariciou seus cabelos, e Elisepareceu ficar envolta em sedosos fios de cor vermelha e ouro.

Bryan pegou a sua mão e brincou distraidamente com a safira que haviaem seu dedo. Então a olhou nos seus olhos e falou com profunda sinceridade.

— Quem é você, duquesa? Realmente te tenho? Ou encerraste sua almapara sempre no mistério e o segredo?

Os olhos de Elise reluziam, lagos cor turquesa que ameaçavamtransbordar e afogá-lo. Sacudiu a cabeça.

— Não odeie a Gwyneth por minha causa. — Lhe disse Bryansuavemente.

— Outra ameaça, meu senhor, ou meramente uma advertência?

— Uma sugestão, não uma advertência ou uma ameaça. — Sorriu comuma súbita amargura. — Não te deixo nenhuma ameaça, porque Percycavalgará comigo.

— Que conveniente, verdade?Ele encolheu os ombros.— Para minha maneira de pensar, sim.— E eu tenho que ser boa com sua amante!— Cordial, meramente, com uma vizinha. Aqui nos encontramos muito

isolados, e ela está grávida.— Ah, sim! Não está desejando de todo coração que ela, nossa fértil

vizinha, fosse sua esposa?— Gwyneth tem um temperamento muito melhor. — Disse Bryan sem se

alterar. — E admito que então me sentiria mais seguro na crença de queretornaria para encontrar uma esposa. Pergunto-me se não terá intenção deabandonar este lugar assim que a poeira se dissipar depois de minha partida.

— Para correr para Montoui? — Quis saber ela. — Me pergunto queclasse de boas-vindas encontraria ali. A essa altura seus amigos, os homens dorei, sem dúvida já tomaram o controle do ducado.

— Da mesma maneira em que aquilo é meu, isto é, seu.— Não tema. — Murmurou ela, lhe virando as costas. — Não sinto o

menor desejo de voltar, me ver arrastada através dos campos.— Ou simplesmente deixar o tempo passar com a esperança de que as

cruzadas se cobrará seu preço entre as vidas dos homens?— Não desejo sua morte.— Só minha ausência.— Você estava tão ansioso para ir lutar como o próprio Ricardo.— O mesmo que você tinha em me ver partir.— Ricardo ainda está na Inglaterra.— Sim..., o que significa que provavelmente irei retornar antes de que as

forças partam para o continente.— Uma advertência, meu senhor?— Uma declaração. Resultado da curiosidade, talvez. — Estendeu a mão,

lhe acariciando suavemente o queixo com o polegar e o indicador, mas,contudo, obrigando firmemente a seus olhos a que se encontrassem com osseus. — Ardo em desejos em descobrir se você realmente vai esperar por mim.

— O futuro promete ser muito interessante, verdade? — Murmurou ela, eBryan soube que como sempre, igualmente ocorria com ele mesmo, abrincadeira espreitava atrás das palavras de Elise.

— Muito. Estarei especialmente interessado no estado de sua saúdeantes de que partamos para a Terra Santa.

— Minha saúde? Sempre é boa...— Espero te encontrar torturada pelos enjoos e as náuseas de cada

manhã.Um súbito rubor espalhou nas bochechas de Elise.— Realmente deveria ter feito tudo ao seu alcance para se casar com

Gwyneth, já que ela certamente teria esperado por você... torturada pelosenjoos e as náuseas de cada manhã!

Bryan ficou em pé e foi para a porta sem nenhum desejo de deixá-la coma amargura de uma nova briga entre eles.

Ele parou diante a porta.— Não lamento nada de nosso matrimônio, duquesa.A porta se fechou brandamente atrás dele, e alguns minutos depois Elise

ouviu o repico dos cascos do cavalo, quando Bryan com sua comitiva desoldados e escudeiros, partiu para encontro do dia.

O quarto começou a se esfriar, e a casa senhorial pareceu ficarsubitamente deserta.

Elise já estava conhecendo um terrível vazio dentro de seu coração.

Capítulo 20

O outono passou rapidamente para se tornar no inverno, e em meados dedezembro a casa senhorial se erguia como um palácio de gelo em cima de umamontanha de neve.

Elise arrumou casa bastante bem. Os guardas já tinham aprendido acumprir com suas obrigações, a casa senhorial funcionava sem problemas, e osservos pareciam estar alegremente resignados a nova ordem das coisas. Osenhor da casa senhorial poderia ter ido, mas não demoraram para descobrirque a Lady Elise poderia ser tão ardilosa como inflexível quando a obrigava afazer isso, assim como misericordiosa e justa quando vinham a ela com averdade à frente. As disputas eram resolvidas cada manhã na sala, e quandonão havia nenhuma resposta clara para dar a um problema se guiando pela lei,Elise selecionava a aleatoriamente cinco homens para deliberar sobre o caso e,até o momento, todos tinham aceito os veredictos proporcionados. Perante aseu povo, inclusive para os servos que estavam mais próximos a ela, Eliseoferecia uma aparência da mais completa calma e resignada.

Mas por dentro, fervia com um tumulto de emoções que ameaçava fazê-la

perder o julgamento. Essas emoções a colocariam ainda mais louca devido aofato de que Elise não as entendia nem um pouco.

Com cada dia que passava, via renovar o desejo que sentia pelo Bryan.Quando cada dia chegava a seu fim, passava longas horas deitada acordadaem seu quarto, só e congelando de frio. Desejava com uma apaixonadaintensidade a presença e a proximidade de Bryan.

Quando despertava cada manhã, desejava matá-lo. Queria estrangulá-lo,sacudi-lo de um lado a outro, despedaçá-lo membro a membro.

Por muito que tentasse raciocinar consigo mesma, Elise se sentiaengolida por uma entristecedora nuvem negra de raiva, cada vez que pensavaem Gwyneth e na criança que levava dentro. Estava enjoada e com náuseas. Eentão queria deitar-se e chorar.

Era ciúmes, é claro, mas Elise não podia aceitá-los como tal. E tampoucopodia se permitir acreditar que era outra coisa senão conformada ao seumatrimônio. Passava longas horas se perguntando onde estaria Bryan.Gwyneth poderia ter ficado ali, mas Londres estava cheio de mulheres, comtanta variedades como alta ou baixa, e Elise sabia que no passado Bryan tinhadesfrutado de um nível de entretenimentos que abrangia tanto à plebe como ànobreza. Depois de tudo, naquela noite em que ele a tinha tomado pelaprimeira vez no bosque, tinha intenção de se casar com a Gwyneth.

Os homens, desde o Percy até o pai de Elise e passando pelo Bryan. Ecertamente Bryan! Não eram muito melhores que os animais. Henrique, que elatanto amava, tinha tratado abominavelmente a Leonor e às dúzias de amantesque teve. Percy, que encheu os sonhos de Elise com uma vida diferente, tinhademonstrado ser pateticamente débil e irremediavelmente hipócrita. PorémPercy já tinha desistido de importuná-la. Embora Elise queria que Bryanacreditasse que ela ainda estava apaixonada por Percy, porque percebia queisso lhe proporcionava uma pequena vantagem sobre tudo o que tinha sidoforçada a engolir dele, agora já não podia evocar o rosto do homem que tinhasido seu amado, quando este se encontrava ali onde não podia vê-lo.

Enquanto que a imagem de Stede a atormentava continuamente.Cheia de fúria, Elise lembrou a si mesma que seu marido podia estar em

qualquer lugar. Bryan tinha assegurado não ter visto a Gwyneth desde queRicardo tinha ordenado seu matrimônio, mas teria feito unicamente parasuavizar uma plumagem frisada? Aparentemente, não se esperava que oshomens fossem fiéis a suas esposas, especialmente não quando estavam aserviço de seu rei e quando esse serviço os levava longe de seus lares. Mesmoassim, quando não poderia evitar pensar na provável infidelidade de Bryan,Elise nunca imaginava com as vagabundas desconhecidas. Via-o com Gwyneth.

Quando fechava os olhos durante a noite, a imagem poderia se tornarinsuportavelmente clara. Bryan e Gwyneth se encontravam sozinhos em umquarto, com o único e tênue resplendor de algumas velas pálidas. Aguardava

uma acolhedora cama com lençóis limpos e um colchão de plumas. Os olhos deBryan se encontravam com os de Gwyneth e então, quando os dois já estavamabsortos em um olhar cheio de paixão, Gwyneth sorria, seus lábios seumedeciam para separar lentamente e seus escuros olhos pareciam arder.Ambos começavam a tirar roupa com ofegante urgência, e Bryan deixavaescapar um profundo gemido. Deixava Gwyneth deitada em cima da cama, masentão ela se sentava sobre seus joelhos para acolher seu alto corpo doguerreiro, acariciava a apertada a pele queimado do sol, tocava o rosto e seupeito e ouvia o palpitar do coração de Bryan, sentia tremer todos os durosmúsculos quando ela deslizava suas mãos e seus lábios por cima dele....

Elise despertava sobressaltada, gemendo suavemente ela mesma... eodiando a seu marido com um ardor digno da noite em que se conheceram. Porque não a tinha deixado em paz? Se perguntava grosseiramente. Odiava aoBryan por desejá-lo tão apaixonadamente, e porque se desprezava a si mesmopor isso. Sua vizinha não demoraria para dar à luz ao bastardo de seu marido,uma vizinha que tinha sido abertamente a amante de seu marido e que, emalgum momento no futuro, poderia voltar a se converter em sua amante.

E por que não? Bryan queria um filho. Gwyneth estava a ponto desatisfazer aquele desejo. Elise podia imaginá-lo se encontrando em umaencontro clandestina para se extasiar com a vida que tinham produzido entreambos.

Mas o filho de Gwyneth não poderia ser o herdeiro de Bryan! Só Elise, aesposa legalmente unida a ele, poderia lhe dar um herdeiro.

Mas, Elise disse a si mesma para atenuar seu sofrimento, o inferno e omesmo diabo se gelariam antes de que ela desse seu herdeiro para Bryan! Nãoquando ele percorria o país criando bastardos.

Seria verdade, se perguntava melancolicamente, que poderia negar seuansiado herdeiro para Bryan mediante do mero desejo de não conceber? A ideiaera realmente estúpida, porque agora mesmo já se via obrigada a se perguntarse não poderia ter concebido. Um breve pensamento a consolava, se tinha umfilho, seu filho não seria um bastardo.

Como ela era.Mas como, também, era outra coisa que continuava lhe ocultando a seu

marido. Já não tinha nenhuma importância, é claro. Ninguém ousaria reclamaralgo possuído por Lorde Bryan Stede. Mas o anel seguia inquietando o Bryan,esse mistério era algo que não podia tocar, e Elise tinha a sensação de que eraum muro que a protegia de estar completamente...

Completamente o quê?Elise não queria enfrentar à resposta. Não amava o Bryan, nunca poderia

amá-lo. Há muito tempo ele deu uma verdade muito sábia, quando lhe disseque seria uma loucura colocar sua alma ou seu coração a seus pés.

Mais era melhor odiá-lo e lhe negar aquilo que desejava. Ha! Pensavazombando de si mesma. Nunca tinha conseguido negar o Bryan aquilo quedesejava, porque quando ele não a buscava então tinha sido ela que ia até ele.O que lhe tinha feito Bryan para que desejasse sua presença dia e noite, eunicamente a sua?

Era um enigma que continuaria obcecando-a, sem importar quão serenafosse a aparência que oferecia ao mundo.

Em meados de dezembro, Gwyneth visitou a Elise.Chegou envolta em peles para proteger do frio, com seus escuros cabelos

reluzindo esplendorosamente sobre a brancura da raposa. Elise ficou rígidaassim que foi informada que se aproximava um grupo de cavaleiros quehasteavam os estandartes de Percy, sabendo muito bem que só poderia setratar de sua rival. Mas quando Gwyneth chegou à casa senhorial, Elise jáestava pronta para recebê-la com afável cortesia e lhe dizer que não deveria seexpor ao mau tempo em seu estado.

— Estava ficando louca pouco a pouco por estar tão sozinha! —Proclamou Gwyneth enquanto se acomodava diante do fogo.

Elise pensou que ainda conservava sua graciosa magreza de antes. Seseu filho tivesse sido concebido antes do matrimônio, a estas alturas seutamanho já deveria estar arredondado consideravelmente!

— Temo que aqui há muito poucas diversões. — Disse.— Oh, mas pelo menos estamos juntas! — Respondeu Gwyneth.Com os escuros olhos da outra mulher fixos nela, Elise sentiu um tênue

calafrio. Gwyneth era realmente muito linda. Contudo, e apesar do afávelsorriso de sua vizinha, Elise teve a sensação de que havia algo furtivo esatisfeito de si mesma na curva de seus lábios, assim como no brilho queiluminou aqueles olhos cor mogno, enquanto Gwyneth baixava os cílios emsinal de apreciação.

— Tinha muita vontade de ver você, Elise, porque tenho medo que devereime pôr à mercê de sua misericórdia! Já sei que isto pode soar terrivelmenteridículo, mas eu gostaria de te rogar que me concedesse sua hospitalidade apartir do mês de março em adiante.

Elise manteve sua expressão imóvel e, falando com voz cheia de doçura,lhe perguntou.

— Teme que seu filho vá nascer antes do previsto, Gwyneth?Gwyneth levantou as mãos em um gesto cheio de incerteza e voltou a

sorrir.— O inverno me assusta. É meu primeiro filho..., assim espero que você

possa entender.— Sim, entendo. — Murmurou Elise. Mas realmente entendia? Estava

procurando Gwyneth um pouco de companhia... ou alguma outra coisa?Desejava insinuar para Elise que seu filho tinha sido engendrado pelo Bryan,ou estava imaginando Elise tal coisa devido ao turbilhão no seus interior quelhe causava aquela pergunta?

— Pode ficar aqui durante todo o tempo que queira, Gwyneth. — Disseserenamente para a outra mulher. — Embora eu pensava que quisesse que seuherdeiro nascesse em sua propriedade.

— Oh... Bem, já que estamos tão perto os uns dos outros... Realmenteisso não parece ter nenhuma importância, verdade?

— Não. — Respondeu Elise, sorrindo. — Suponho que não importaabsolutamente.

Gwyneth ficou para passar a noite. Elise, determinada a não lhe deixaracreditar que ainda havia a menor fenda na armadura de seu matrimônio,esteve encantadora e se esforçou por sua convidada. Inclusive ofereceu paraGwyneth o quarto principal, com seu fabulosa banheira, para a noite. E alémdisso insistiu em que Gwyneth desfrutasse dela..., e viu um brilho de prazersob os cílios subitamente baixos de Gwyneth.

As perguntas voltaram a perturbá-la. Era evidente que Gwyneth estava seimaginando a si mesma na banheira... na cama... com o marido de Elise? OuElise estava colocando pensamentos maliciosos ali onde não deveria estar?

Naquela noite não dormiu. Dividida entre a agonia e a raiva, deu voltas emais voltas para as alegres confidências de Gwyneth.

O menino não pode nascer em março! Repetiu a si mesma uma e outravez. Gwyneth estava muito magra para isso. Mas se era filho de Bryan...

Então parecia natural que Gwyneth quisesse que o bebê nascesse napropriedade de Bryan antes que na sua. Mas com que fim? Se perguntou Elise.Gwyneth estava legalmente casada, como estava Bryan. Por ordem de Ricardo.Gwyneth e Bryan nunca poderiam estar juntos... a menos que decidissemenfrentar os longos anos que demorariam para poder conseguir as anulaçõesmatrimoniais através do Papa.

Ou, pensou Elise sentindo outro calafrio, ao menos que tanto ela comoPercy morressem. E Gwyneth poderia voltar a se tornar em uma viúva, porqueos homens caíam como moscas quando iam para as cruzadas.

Mas sou jovem e gozo de boa saúde. — Elise lembrou a si mesma. — Soumuito jovem, e gozo de muito boa saúde.

Se obrigou a se virar e fechou os olhos. Semelhantes pensamentos eramverdadeiramente ridículos. Gwyneth poderia ter a intenção de lhe criar sériosproblemas, mas a frágil beleza morena dificilmente era uma assassina.

Elise suspirou, desejando não ter cometido a estupidez de lhe dar seupróprio quarto. O quarto de convidados era cômodo e muito acolhedora, masElise estava acostumada a sua própria cama. A cama que tinha compartilhado

com seu marido.Começou a se perguntar se Bryan demoraria muito em voltar para seu

lado. Ricardo ainda estava na Inglaterra, e a julgar pelas últimas notícias quetinham chegado até ela, o rei ainda estava recolhendo dinheiro, aprovisionandoe organizando o exército que atravessaria o Canal. Na Normandia, tinhaencontrado com o Felipe da França, já que os dois monarcas tinham juradocavalgar juntos. Elise também sabia que o exército não demoraria para ir aoContinente. Mas Bryan lhe disse que tentaria retornar antes de que tivessemsaído da Inglaterra com destino ao Continente.

Voltou a se sentir dilacerada pelas mesmas dúvidas de sempre,desejando que seu marido viesse, para logo desejar que não viesse. Sepossuísse o menor vestígio de dignidade ou de orgulho, Elise o repudiaria.

Mas se fazia tal coisa, deixaria-o em liberdade para procurar a outra.Ou faria ele isso de todas as maneiras?Gwyneth se foi pela manhã. Alaric permaneceu ao lado de Elise enquanto

Gwyneth, como uma ninfa das neves, novamente envolta em suas peles, seafastava ao galope.

— Acho que não vou sentir saudades dela. — Resmungou Alaric em vozbaixa.

— Alaric! — Repreendeu Elise, se virando para olhar a seu mordomo comolhos cheios de surpresa. — Não deveria dizer isso a respeito de Lady Gwyneth.

— Lady! — Disse Alaric com um bufido, e logo apressou a Elise a voltarpara calor da sala. — Não pretendia lhe faltar com respeito, minha senhora. —Disse logo, se instalando diante do fogo para cortar uma parte de madeira. —Pode pertencer à nobreza, mas não é nenhuma Lady.

— É muito linda... — Ouviu-se começar a dizer Elise.— É linda, Oh, sim. Mas não como você, minha senhora. Pode enganar à

maioria dos homens, mas não a um servo que está observando quando ela nãosabe que a olham. É perigosa.

— Tolices. — Disse Elise secamente. E deu meia volta, firmementedecidida a centrar sua atenção em uma tapeçaria que ia necessitar certasreparações.

Alaric esteve a ponto de voltar a falar, mas logo decidiu não fazer isso, sededicou a contemplar o fogo com expressão pensativa.

O povo de Cornualles eram muito supersticiosos, Alaric tinha nascido emCornualles e sabia. Era um bom cristão, e portanto tentava evitar que sua almase extraviasse na superstição.

Mas havia algo naquela beleza de escuros cabelos que acabava de partir,que tinha vontade de fazer o sinal da cruz. Assim o fez, observandodissimuladamente a sua senhora. Elise não o viu e Alaric quase desejou que o

tivesse visto, queria que o interrogasse a respeito. Queria advertir, que seusupersticioso coração parecia que a Lady Gwyneth ocultava o mal dentro dela,e de que representava um terrível perigo para a Lady Elise.

Elise se alegrava muito de que Gwyneth tinha partido. Ela se concentrouna casa senhorial e, acompanhada pelo Jeanne, dedicou-se a visitar quemtinha adoecido na aldeia. Agradeceu ver que seus pedreiros continuavamtrabalhando a pesar do frio invernal, e que a muralha de Bryan ia se erguendoao redor deles.

Uma semana depois um guarda divisou a outra comitiva que ia para acasa senhorial de Firth. Correu a comunicar ao Michael, e Michael foi correndopara ver Elise.

— Rainha se aproxima! — Exclamou.— Leonor? — Perguntou Elise, muito surpresa.Michael sorriu com nervosa excitação.— Dado que nosso soberano Ricardo ainda não se comprometeu, não me

ocorre que haja nenhuma outra mulher neste reino que eu possa chamar derainha!

— Chame o Alaric, Michael. Chame Maddie. Chame Jeanne! Os quartostêm que ser preparados, e devemos lhe oferecer o melhor que temos.

Elise se trocou a toda pressa e desceu correndo. Alaric estava muitoocupado acrescentando lenha na lareira para que o fogo desse o máximo calorpossível. Maddie estava ordenando às moças, que preparassem magníficoscaldeirões para servir vinho quente temperado com canela. Jeanne corria deum lado a outro varrendo o chão e tirando o pó das tapeçarias.

Quando Leonor chegou com seu séquito, toda a servidão estavaesperando-a para recebê-la. Elise agiu como prescrevia o cerimonial e caiu dejoelhos quando Leonor entrou na casa senhorial, mas a rainha em seguida pôsfim às formalidades.

— Levante, menina, e dê um abraço nesses ossos velhos e frios paraaquecê-los!

Elise assim o fez, encantada de voltar a estar com Leonor. Rainha viajavacom várias mulheres, entre as quais estava Alys, irmã de Felipe da França esuposta prometida de Ricardo. Alys era uma mulher agradável e linda, emborasua beleza já começava a desvanecer e cheia de tristeza, que tinha se resignadohá muito tempo às peculiaridades dos reis. Supostamente seduzida peloHenrique, pouco depois de que tivesse chegado a Inglaterra sendo pouco maisque uma menina, já não parecia ter muitas esperanças de chegar a se casarcom o escorregadio Ricardo.

Elise se assegurou de que estivesse o mais cômoda possível. Rainha etodo o seu séquito foram acolhidos como correspondia à realeza, e Elise sesentiu orgulhosa de que seu novo lar tivesse conseguido chegar tão longe. Umbanquete realmente assombroso para as datas invernais foi servido paraLeonor, e a conversa que se manteve durante o jantar foi tão agradável emundana que Elise riu com autêntico prazer... até que soube que o rei Ricardojá não estava na Inglaterra, porque já fazia dois dias que ele e seu séquitotinham desembarcado na França.

Bryan não viria.Elise tentou ocultar sua amargura a seus convidados, e acreditou ter

feito um trabalho admirável. Ordenou que seu quarto fosse cedido à rainhadado que era a melhor da casa, mas Leonor, aparentemente, estava decididaem falar com ela a sós.

— Não te despojarei de seu quarto, Elise, mas adoraria compartilhá-lacontigo. Sinto falta daquelas noites nas quais estava ali para falar e fazer quevoltasse a me sentir jovem!

Quando Elise teve terminado de se ocupar dos outros convidados e foi aseu quarto, Leonor já se banhou e deitada na cama, embelezada com umacamisola branca recém lavada. Seu cabelo grisalho caía sobre seus ombros, eestava lendo uma carta com um franzimento na testa que enchia de rugas seusemblante.

Sorriu, não obstante, quando viu Elise e golpeou brandamente a cartacom um dedo.

— Ricardo! É meu orgulho, e a origem de todos meus desgostos. Vouseguindo de um lado a outro com Alys, decidida a casar ele, e comoconsequência ele sai correndo e me deixa uma carta em que afirma que antes épreciso liderar a Santa guerra de Deus. Meu deus, Meu deus! É que nãopercebe de que com isso deixa seu país com Juan?

Elise sorriu fracamente com obediente simpatia. Leonor não eranenhuma parva. Sabia que seu filho tinha entregue seu coração a umapaixonado amor pelo astuto Felipe da França, e que aquele amor não podia seestender à irmã de Felipe.

— Ah, casá-lo-ei. Se não com a Alys... Bem, o rei da Navarra tem umafilha. Em uma ocasião a jovem viu Ricardo e jurou que não se casaria comnenhum outro homem... Mas os assuntos de Ricardo não podem ser atendidosesta noite. E estou muito interessada nos seus.

— Em meus assuntos! Mas por quê?Rainha sempre era direta.— Por que não veio quando o seu marido te chamou para Londres?— Bryan nunca me... — Começou a dizer Elise, se sentindo cheia de

confusão.

Mas a rainha a interrompeu impacientemente.— Elise! Esperava que você teria reconciliado depois de que Bryan te

trouxe aqui. Fazer ouvidos surdos a sua chamada tal como fez, foi um ato tãoteimoso e infantil que...

— Não fiz tal coisa! — Disse Elise secamente, se esquecendo de queestava falando com a rainha. — Lhes juro, Leonor, pelo Jesus Cristo que estánas alturas, que não fiz ouvidos surdos a nenhuma chamada. Bryan nãoenviou a ninguém para que me levasse para Londres.

Leonor contemplou as belas feições cheias de perplexidade e, sim,também de angústia da jovem, e voltou a franzir a testa.

— Eu mesma vi partir o mensageiro. — Murmurou, baixando a vista paralogo voltar olhar para Elise. — Chegou até Lady Gwyneth, que disse a todosque acabava de ver você e que se encontrava muito bem de saúde.

Elise sentiu que o coração deixava de pulsar dentro do seu peito.Gwyneth tinha estado em Londres, e Bryan tinha estado em Londres. Percytambém tinha estado em Londres, mas...

— Me sinto muito confusa. — Conseguiu murmurar. Leonor suspirou.— Acredito em você, menina, acredito em você. Assim que Ricardo teve

terminado de atender seus assuntos, de repente sentiu uma vontade tremendade ir para França. Os homens sabiam que assim que tivessem saído deLondres, já não fariam nenhuma parada. Mas houve alguns dias de descanso,enquanto ainda estavam concentrados em Londres, e aqueles que tinhamesposas as fizeram vir. Acredito que Bryan se zangou muitíssimo. Mas eleresulta difícil em saber disso, porque é tão calado... Mas poderia ver em seusolhos, e na rigidez de sua mandíbula. A única coisa que me disse foi, que eraexatamente o que poderia ter esperado de você.

Elise deixou escapar uma retumbante gargalhada.— Não estou segura de que sairia correndo para Londres em resposta a

sua chamada, majestade, mas lhe juro por tudo o que é Sagrado que nuncative essa oportunidade.

— Acredito em você. — Disse a rainha. — E é minha fervorosa esperançaque seu marido também te acredite.

Uma rápida e terrível desolação se apropriou subitamente de Elise. Eramuito jovem, e o único que poderia ver diante dela, era os anos e mais anos emque sua vida não seria mais que um constante campo de batalha. Caiu dejoelhos junto da rainha, e o turbilhão que estava rasgando-a por dentro encheuseus olhos de lágrimas.

— Senhora! Em uma ocasião jurou que me protegeria. Por que me fezisto? Me entregar a um homem que não me queria, que só queria minha terra.E também lhe deram Montoui...

Sua voz desapareceu em um soluço entrecortado. Leonor afastou os seuscabelos do rosto em uma suave carícia que tentava consolá-la tãocarinhosamente como se Elise fosse sua própria filha, em vez da bastarda deHenrique.

— Elise... — Suspirou profundamente, e então levantou o queixo dajovem com um dedo ossudo mas ainda elegante. — Elise, — Ela lembrou comdoçura. — Você estava decidida em impedir que Bryan se casasse comGwyneth. Tem que admitir isso. Porque se não estivesse tão firmementedeterminada para fazer algo, não teria me contado a história que contou. Háquem diz que sou uma velha intrometida, mas... Elise, vocês dois parecem umcom o outro. Percy nunca teria sido o homem apropriado para você, Elise. Éum bom homem, mas se inclina diante o primeiro vento que sopra. EMontoui...

Leonor fez uma pausa antes de seguir falando e tragou ar com umaprofunda inspiração.

— Elise, uma herança é uma maldição, não uma bênção. Quando eu eramuito jovem, estive apaixonada. Mas não poderia estar, sabe, porque eu era aDuquesa da Aquitânia. Casaram-me com o Rei da França..., devido a minhasposses, é claro. E quando Luis e eu nos separamos, soube que deveria voltar ame casar o mais breve possível, antes de ser arrastada para o altar por algumnobre cheio de ambições que pretendesse se apropriar de minhas terras.Quando Henrique veio para mim, e acredito que naquela época me amava, elejá possuía Normandia e Anjou. Mas Poitou e a Aquitânia eram meus, e tambémeram as terras mais ricas. Henrique era o herdeiro do trono inglês, é claro, equando Esteban morreu, reclamou esse trono. Eu não era inglesa, mas chegueia amar a Inglaterra. Dei ao Henrique oito filhos. Três de nossos filhosmorreram. E... Não estou lhe explicando isso muito bem, verdade? Elise, houveum momento em que eu poderia sair de minha prisão, em sessenta e seis,quando Henrique quis que fosse para a Normandia. Se tivesse concordado emtomar Aquitânia de Ricardo, e teria dado para o Juan depois que o jovemHenrique tivesse morrido e Ricardo se tornasse o herdeiro de Henrique. Elise,Ricardo te deu esta terra, da mesma maneira em que deu Montoui ao Bryan.Para que possuíram essas terras um ao lado do outro. Sem que fossem nemsua nem dele, mas sim de ambos. Elise, Ricardo sabia como Henrique e eu nostínhamos confrontado por suas terras e as minhas, e a dispersão queterminaram sofrendo todas elas. Ele não queria isso para vocês. Bryan é jovem,valente e forte. Você conhece o mundo da nobreza e os segredos de governar.Bastaria com que lhe dessem uma oportunidade de...

A voz da rainha se encheu de um desejo melancólico. Elise sabia queLeonor estava tentando assegurar de que sua vida não repetisse os erros darainha. Leonor tinha tentado lhe dar felicidade. Não chegava a entendertotalmente.

Elise beijou a frágil mão da rainha.

— Às vezes desejo o calor de Montoui. — Murmurou. — Às vezes aqui faztanto... frio.

— Ah, não saberia te dizer como senti falta de Aquitânia quando chegueipela primeira vez em Londres! — Explicou Leonor. — Como desejava oensolarado sul. Mas os ingleses... são únicos. Amo a esse povo, porque emgeral são justos e sentem um grande amor pela lei. E além a Inglaterra... ésólida, Elise. Encontramos em uma ilha, muito afastada do continente e dasguerras que fazem estragos nele. Felipe é um rei muito mais ardiloso do quenunca pôde chegar a ser o velho Luis. Luis não era um mau homem, mas ocriaram para que fosse um monge e não um rei ou um marido. Mas temo que...se Ricardo... morre, então temo que Juan será um rei débil. Perderá as possesdo continente diante de Felipe. Mas este pequeno pedaço da Inglaterra quepossui, Elise, esta terra que há em Cornualles, será sua, e será de seus filhos,e dos filhos de seus filhos. Tenha em conta com muito apreço.

— Assim o farei, Leonor, assim o farei. — Jurou Elise, comovida poraquela confissão saída do mais profundo do coração da rainha. Tentarei isso,acrescentou em silencio para si mesma.

— Seja feliz, menina. — Disse a rainha brandamente, beijando a testa deElise. — Direi ao Bryan que o mensageiro nunca chegou até você. —Acrescentou com voz pensativa.

Não acrescentou que duvidava que Bryan fosse a acreditá-la. Masnenhuma das duas mulheres dormiu bem naquela noite, porque ambasestavam se perguntando o que tinha acontecido com o mensageiro.

Elise esteve encantada de que a rainha e seu séquito ficassem paracelebrar o Natal com ela. Sem sua presença estaria sozinha e cheia de tristeza.Com eles, a casa senhorial resplandecia e Elise encontrou uma certa paz nasingela missa e o banquete de que desfrutou do grupo de mulheres.

A manhã da partida da rainha, Elise percebeu de que iria conhecer umaintensa solidão, assim que Leonor partisse. Pensou em lhe rogar que permitisseir com ela, e então se lembrou de quão fervorosamente tinha desejado Leonorque cuidasse de sua parte em Cornualles. Ficaria ali, e faria quanto estivesseem suas mãos para assegurar que a casa senhorial e as terras seguissemcrescendo em elegância e riqueza.

Leonor apenas tinha algumas últimas palavras que lhe dizer em privado.— Recorda, Elise, e te rogo que não pense mal de mim quando te digo

isto, que deve ser leal ao Ricardo, mas que não tem que se tornar na inimizadede Juan! Temo pelo Ricardo. Pode chegar a ser tão amalucado e temerário..., eJuan pode chegar a ser tão implacável!

— Onde está o príncipe Juan? E... Geoffrey?Leonor sorriu.— Ambos deixaram a Inglaterra. Geoffrey... me assegurei que fosse

oferecida uma elevada posição dentro da Igreja. Juan... Os dois juraram aoRicardo que não voltarão a pôr os pés na Inglaterra durante sua ausência, paraque assim ele não deva temer que seus irmãos tentem tomar a sua coroa.Atreveria em dizer, não obstante, que ambos retornarão em questão de mesescom um pretexto ou outro. Não acredito que Geoffrey cobice a coroa. Quanto aoJuan, acredito que estaria disposto a cortar o pescoço do seu irmão para ficarcom ela. Assim tome cuidado.

— E quanto a Inglaterra?— Ah... Inglaterra! Me preocupa. Ricardo nomeou chanceler a um

normando, um homem chamado Longchamp. Não confio nele, mas... Tenhoque ver Ricardo casado!

No gélido pátio, Elise abraçou Leonor ardentemente e desejou o melhor àdesventurada Alys. Então seguiu agitando a mão até muito tempo depois que oséquito da rainha, com sua majestuosidade e seu colorido, tivessedesaparecido.

Depois retornou à sala que tanto se esforçou em tornar linda e elegante...e sentiu como o terrível frio ia se infiltrando nela.

Bryan Stede despertou subitamente na noite. O fogo se apagou em seuquarto do castelo de Stirgil, na Normandia, e o quarto estava ficando gelado,mas uma fina capa de transpiração cobria suas costas nua.

Tinha estado sonhando.Elise tinha estado na frente dele, tão perto que Bryan poderia tocá-la.

Seu cabelo não estava preso, e uma brisa tinha levantado até fazer ondularcomo suaves neblinas douradas ao redor de seu corpo nu como o mármore.Elise tinha estado andando lentamente, sinuosamente, com a elegante graça ea depreciativa facilidade de um gato. Seus opulentos seios se elevavamconvidativamente, e a branca curva de seus quadris balançava em umasedutora chamada. Seus olhos reluziam como autênticas jóias, e sorria quandoestendeu os braços...

E passou ao lado de Bryan para se lançar nos braços ofegantes de umapaixonado envolto em neblinas. As mãos de outro homem se estenderam paratocá-la, acariciando o sedoso terreno baixo de sua cintura e segurando aarredondada firmeza da carne de suas nádegas para, levantá-la, deixá-laapoiada nele.

Elise se virou entre aqueles braços para olhar ao Bryan, e uma malíciatriunfal endureceu seus olhos.

— Ela leva em seu ventre o seu bastardo para Percy, e eu levarei em meuventre o seu para você...

O sonho não desapareceu, e Bryan tinha despertado mergulhado em umaterrível agonia. Sua carne clamava pedindo abraçar a uma mulher, eentretanto não bastaria com qualquer mulher, precisava estreitar entre seus

braços a fascinante jovem de seu sonho e tomar a de tal maneira que nuncadeixasse de se estremecer ao sentir seu contato, para que nunca duvidasse deque era dele e unicamente dele.

Maldita Gwyneth!O pensamento foi tão súbito e intenso que Bryan acreditou ter gritado. Se

virou rapidamente, mas Will Marshal, dormia profundamente junto dele, nãotinha se movido. Os sonhos de Will não podiam ser mais doces. Isabel estavaesperando seu primeiro filho e suas cartas chegavam cada dia. O matrimôniode Will havia lhe trazido riqueza, e muito mais. Também havia lhe trazido afelicidade e tinha permitido saber o que significava se sentir satisfeito de suaexistência.

Bryan apertou os dentes. Se não fosse pela Gwyneth, agora ele talvez nãose sentiria completamente satisfeito com sua vida, mas pelo menos poderiaconhecer os inícios da felicidade. Estava acreditando que Elise por fim sereconciliou com a ideia de seu matrimônio... até que chegou Gwyneth com oanúncio de que estava grávida. Bryan não tinha estado totalmente seguro deque o bebê não era filho dele, até que Gwyneth veio para Londres. Agora estavaseguro de que o bebê não era filho dele, mas estava igualmente seguro de queElise acreditaria ainda mais firmemente que era.

Quando Elise não foi ao seu chamado, Bryan se enfureceu muito paraque pudesse prestar muita atenção a nenhuma outra coisa. Mas entãoGwyneth, o encurralou em seu quarto na casa da cidade e, se lançando a seusbraços enquanto soluçava, disse que o bebê era filho dele. Então lhe perguntouo que iriam fazer.

Bryan tinha estado a ponto de estreitá-la entre seus braços, porque obelo rosto de Gwyneth parecia estar atormentado pela angústia quando a viuentrar.

Mas enquanto ela se apoiava em seu peito, Bryan sentiu que uma súbitafrieza se apropriava dele. Não sabia qual era seu jogo, mas Gwyneth estavatentando tomá-lo por um estúpido.

Ele sabia com toda exatidão qual tinha sido a última noite que passoucom ela, porque ao dia seguinte, Ricardo tinha chegado nos arredores deLondres. E se Gwyneth tivesse concebido naquela noite, então agora poderiamostrar de uma largura de tamanho que se encontrava obviamente ausente.Acaso pensava que os homens eram incapazes de fazer um cálculo tão simples?

— Me toque, Bryan. — Ela tinha suplicado, pegando a sua mão paraguiar os dedos para sua barriga. — Sente a nosso filho. Nosso filho, seu e meu,enquanto que essa pequena putinha ambiciosa que afundou suas garras emvocê, demonstra que é incapaz de dar à luz.

— Percy é seu marido, Gwyneth. E essa pequena putinha ambiciosa, comochama você, é minha esposa.

— Esposa! Elise ainda te despreza! Se recusa a ir com você! Que lealdadepode lhe dever? Oh, Bryan, fomos feitos um para o outro! Ela queria ter aoPercy, e eu sei que ainda o deseja. Vamos ter um ao outro.

Gwyneth estava tão linda como sempre. Tão doce quando lançava suasacusações contra ele. Tão suave entre seus braços. Por um instante, Bryansentiu a tentação de jogá-la sobre a cama e se liberar de toda a fúria e o desejoque estava reprimindo.

Não podia fazer isso. Gwyneth era, mas ao mesmo tempo não era, amulher a qual tinha desejado possuir no passado.

— Bryan, te amo tanto! — Sussurrou ela com voz entrecortada.— Quando estávamos aqui neste verão, parecia muito agradada com seu

matrimônio.— Eu tinha perdido você. Pensava que teria que suportá-lo. Não posso

fazer isso.— Gwyneth, seu filho não é meu. — Disse ele secamente.— Mas é, Bryan. Sei... e Elise sabe.— Elise!— Fui vê-la, Bryan. Me sentia tão assustada... Quero que seu bebê nasça

sem nenhum problema, e sob o seu teto.— Gwyneth! — De repente se encontrou sacudindo-a violentamente. A ela

não pareceu se importar e, enquanto sua cabeça caía para trás, seus olhos seencontraram com os de Bryan para contemplá-lo com uma malévola satisfação.— O que disse para Elise?

— Nada... Simplesmente sabe.Gwyneth não teve sua vitória, porque Bryan separou-se dela de um

empurrão e deixou seus próprios aposentos.No dia seguinte partiram de Londres. Não tinha havido tempo para fazer

nenhuma rápida escapada aos campos de Cornualles.Mas agora... agora era fevereiro. E os campeões de Ricardo esperavam a

seu rei, aguardando um dia atrás de outro. Ricardo e Felipe não conseguiamchegar a ficar de acordo a respeito de nada, tanta era a desconfiança que cadaum inspirava ao outro. A cruzadas não tinha começado sequer, e já estava seprolongando interminavelmente.

Bryan se levantou da cama e olhou pela estreita fresta de arqueiros dovelho castelo normando. O Canal ficava ao Norte do castelo. Mais à frente doCanal, a uma eternidade de distância, encontrava-se o lar.

O lar, sim, porque era seu lar. Elise era sua esposa. Tinha que aceitaraquele fato e aceitar a ele, tinha que esperar, unicamente sua volta e deninguém mais...

Rainha havia lhe dito que Elise nunca chegou a receber sua mensagem.Bryan não acreditava. Não quando Elise tinha fugido na noite da coroação deRicardo. Não quando o tinha ameaçado com a infidelidade para igualar o queela dava como certo...

Uma nova capa de suor se estendeu através de seus ombros. Agora nãopodia despertar o rei, mas pela manhã...

— Pelo sangue de Deus, Bryan! Não, não conta com minha permissãopara retornar para casa! Já disse que vou te necessitar quando for me reunircom essa ardilosa raposa francesa do Felipe...

— Majestade, William Marshal está junto a você...— E me alegro muito de que esteja ali, mas também preciso ter comigo a

sua inteligência, Bryan Stede. Dentro de três dias pediremos a meus barõesnormandos que prestem seu apoio à causa e você tem que excitar aoscavaleiros.

— Então me dê três dias, meu senhor!— Para quê? Isso só te proporcionaria tempo suficiente para fazer a

viagem, e para nada mais. Possivelmente umas quantas horas em sua casa...— Me conformo com isso. — Murmurou Bryan.Ricardo elevou seus musculosos braços em uma impetuosa amostra de

exasperação.— Três dias, Bryan.Bryan se inclinou diante dele e deixou o Ricardo.Partiria sem que ninguém o acompanhasse e deixaria ali o Wat, quem

tinha demonstrado ser um magnífico escudeiro, para que servisse ao WillMarshal durante sua ausência. Will coçou a sua cabeça, enquanto via comoBryan montava em seu corcel.

— Você ficou louco. — Disse. — Chegará em Cornualles, e então terá queretornar logo que tenha chegado.

— Sei. — Disse Bryan asperamente, envolvendo as mãos nas rédeasenquanto fazia virar garupa do seu cavalo. Logo sorriu. — Enlouqueci, Will.Agora agarrarei à esperança de uma ou duas horas me devolverão um pouco deprudência.

Will franziu a testa.— Bryan... o que disse Leonor possivelmente é certo. Pode ser que o

mensageiro nunca chegou até Elise. Não... — Pigarreou. — Não parta a todogalope envolto em uma tempestade de fúria. Castigar a desobediência de Elisecom seus punhos não te servirá de nada. Apenas isso.

Bryan riu amargamente, espantado com o poder que possuía Elise dearrastá-lo através da terra e o mar só para estar com ela durante algumas

horas.— Will, te asseguro que a última coisa que tenho em mente é bater na

minha esposa!Tinha que chegar no Canal e cruzá-lo em um tempo recorde. E então

seguiria o seu caminho para Cornualles.Já tarde da noite seguinte, o guarda posicionado na torre do Sul viu

chegar a um cavaleiro solitário que ia para a casa senhorial arrojado em umdesenfreado galope.

O guarda correu para despertar Alaric. Este contemplou como o cavaleirose aproximava da casa senhorial.

— Despertamos à Lady Elise? — Perguntou o guarda nervosamente.Alaric seguiu observando ao escuro cavaleiro, que cada vez se estava

mais perto. Então, de repente franziu a testa que escureceu seu semblante deconsternação.

Logo começou a rir.— Não, não precisamos despertar à Lady Elise. Lorde Bryan estará aqui

antes de que possamos fazer isso como é devido!Elise tinha estado profundamente mergulhada no sono do esgotamento.

O dia tinha sido terrivelmente frio e Elise tinha passado horas fervendo musgodo bosque, puxando debaixo da neve, a fim de convertê-lo em um medicamentopara a tosse invernal que tanto estava acostumado a afligir a quem se viadebilitados pelo intenso frio.

Ela, Maddie e Jeanne tinham trabalhado até muito avançada a noite.Quando por fim subiu a seu quarto, para Elise a comoveu descobrir queMichael fez que o fogo de sua lareira ardesse com uma intensa chama, e quealém disso tomou atenção até o extremo de ordenar que os braseiros dispostosdebaixo da banheira também fossem acesos. Pouco tinha faltado paraadormecer dentro da banheira, agradecendo absurdamente estar bastantecansada para que não custasse nada adormecer e, ao mesmo tempo, temendoque fosse resolver seus problemas com isso mediante com um método tãosimples como se afogar.

Saindo da enorme banheira, Elise tinha respirado profundamente eapreciativamente o limpo aroma de seu azeite de banho, o qual era muito maisagradável que o persistente fedor almiscarado do musgo quando começava aferver. Ela se secou e, depois de ter desembaraçado levemente o seu cabelocom os dedos, se deixou cair em cima da cama para logo puxar os lençóis e agrossa manta de pele, até ficar bem coberta. Antes de que sua cabeça tivesseentrado em contato com o travesseiro de plumas, Elise já estava dormindo.

Fazia várias horas desde aquele momento. Seus sonhos a envolviamcomo as delicadas nuvens da primavera, lindos sonhos nos quais Elise amava eera amada.

Então despertou com um súbito sobressalto, bruscamente arrancado dosonho e, entretanto, não estava segura que realmente tivesse chegado adespertar. Porque Bryan estava de pé na frente dela. Delicados flocos de neveintrincadamente tecidos ainda salpicavam seu escuro manto de lã e reluziamcegadoramente sobre o negro de meia-noite de seus cabelos despenteados pelovento. Bryan permaneceu imóvel na frente dela durante alguns momentosintermináveis, com aqueles flocos de neve derretendo em cima dele e uma mãoainda sobre a porta que acabava de abrir, e o outro em seu quadril. Elise nãopodia acreditar que Bryan realmente estivesse ali. Sabia que estava naNormandia.

O estrondo da porta tinha feito que ela meio se sentar na cama, eapertando os lençóis contra o seu corpo e os olhos arregalados por um súbitoalarme. Elise olhou a seu marido, tendo a sensação de que o tempo tinhaficado tão congelado como o gelo que aprisionava os ramos invernais dasárvores. Nunca tinha visto Bryan tão... feroz e formidável, e entretanto nuncatinha visto um desejo tão triste no negro azulado de seus olhos. Era uma ilusãodo fogo, disse a si mesma, um sonho de inverno. O olhar que lhe estavadirigindo, terno e ao mesmo tempo faminto, e a mesma imagem daqueleguerreiro tão alto...

Ela pensou, Bryan era tão selvagem e tão doce, tão inocente e apaixonadaescuridão como todos os sonhos que estava perseguindo. Sua entrada tinhafeito que Elise se sentasse sobre os joelhos ao mesmo tempo que espremiadefensivamente as roupas da cama. Atordoada por sua aparição, tinha deixadocair os lençóis. Os cachos dourados avermelhados, feitos de uma tênue seda seenrolavam desordenadamente sobre seus seios e caíam ao redor da sinuosabeleza de sua forma. Os topos obscuramente rosados de seus seios de marfimse erguiam com orgulhosa firmeza debaixo do ouro e o fogo de toda aquelaconfusão de cabelos e, embora Bryan estava cavalgando durante uma semanainteira, o desejo teria atravessado todo seu ser com o irresistível ataque de umsol de verão. Os olhos de Elise permaneciam muito abertos, cristais de cor azule verde posadas nele, e seus lábios entreabertos estavam umedecidos pelasurpresa e então, tal como ele tinha sonhado com tanta frequência, os braçosde Elise se ergueram lentamente...

Não para receber a outro, a não ser para recebê-lo.Bryan foi para ela com um grito enrouquecido enquanto fechava a porta

empurrando-a com o pé. Sua roupa fugiu dele com a mesma e simplesqualidade do sonho, e um instante depois já estava junto a ela, encontrandocom o seu corpo para se fundir com ele. Não conseguia abraçá-la suficienteestreitamente ou com a suficiente ternura. O corpo de Bryan se estremeceuviolentamente quando Elise acolheu seus lábios em um apaixonado beijo paraentão lhe sondar docemente a boca com sua língua, abrasadora eapaixonadamente, enquanto suas unhas passavam através dos cabelos dele ecorriam sobre seus ombros, suas costas e suas nádegas. Cálida e vibrante,

toda ela se estremecia em um sinuoso movimento cheio de doçura enquantosussurrava palavras inarticuladas mas ardentes. As mãos de Bryan semoveram sobre ela enquanto seus lábios desejavam bebê-la. Suas bocasvoltaram a se encontrar em um chamejante esplendor, e gemidos que eramcomo soluços ficaram apanhados em suas gargantas para logo escaparbruscamente delas. Bryan se ergueu sobre Elise e então se perdeu dentro dela,tremendo violentamente diante a intensidade daquele doce êxtase que tudoparecia abrangê-lo. O fogo que ardia dentro da lareira pareceu se erguersubitamente ao redor deles, ardendo com uma crescente intensidade quepoderia desafiar inclusive os ventos invernais.

Quantas vezes a tinha tido Bryan entre seus braços daquela maneira! Emesmo assim, de repente teve a sensação de que empreendia uma novaviagem. Subiu por caminhos de esplendor nunca explorados, e sua alma vooucom o sol do verão enquanto seu corpo descobria a existência de um topo deprazer que se erguia acima do que ele poderia ter conhecido antes. Elise vibroudebaixo dele quando o esplendor, fez erupção como uma explosão de umaestrela cadente caindo do céu. Então o verão voltou lentamente para serinverno, mas um inverno muito belo, dividido pelo frágil prazer dos delicadosflocos de neve que foram caindo do céu.

Bryan a abraçou sem dizer nada. Quando ela ia falar, ele levou os dedosa seus lábios. Elise se encolheu com uma delicada ternura junto a ele, a ásperaraposa novamente inocente, a selvagem rameira repentinamente convertida emuma criatura de infinita doçura. Durante um momento lhe bastou com isso, ecomeçou adormecer.

O tempo era seu inimigo. Bryan despertou de repente e beijou o espíritode seus sonhos, enchendo Elise de paixão com o lento ir e vir de seus dedossobre sua pele. Os ventos do inverno sopravam fora do quarto, mas nenhumdos dois percebeu isso ou se importava. O sol ardia entre aquelas quatroparedes.

Quando voltaram a repousar no resplendor da satisfação saciada, Elisenão tentou falar mas sim descansou pacificamente sobre o ombro de Bryan.Ele deixou que a adormecesse pouco a pouco até que Elise terminou caindo noirresistível torpor de seu desejo finalmente satisfeito. Seus lábios, inclusivenaquele profundo sono, se curvavam em um leve sorriso, e então Bryan soubeque a amava. Mais que a qualquer título que lhe tivesse outorgado, mais que àterra, mais que à vida.

Se levantou e começou a se vestir. Sua túnica e seu manto estavammolhados e muito, muito frias. Olhou-a, odiando a ideia de ter que deixá-la.Elise colocou a mão na bochecha. A safira iluminada pela luz das chamaspareceu erguer seu cegador olhar para ele, e Bryan suspirou.

Que estúpido era. Tinha perdido sua alma, e ela estava decidida a não lheentregar nunca a sua. Nunca o perdoaria. E agora ele devia retornar para juntodo seu rei...

Bryan permitiu que sua mente deixasse de pensar. A noite era um sonho,uma rede de contos de fadas tecida com o abrasador do sol de verão sobre agélida beleza do inverno coberta de brancura.

Não permitiria que toda aquela glória cristalina ficasse feita empedacinhos.

Então o rosto despido de seu amor contemplou Elise, e ela teria voandoem asas da alegria só de tê-lo visto. Com um gemido de dilaceradora agoniaque não nascia de sua garganta mas sim de sua alma, Bryan deu meia volta efoi embora.

O alvorada já quase tinha alcançado.Alaric estava esperando-o no final da escada. Bryan conversou

rapidamente com seu mordomo enquanto consumia uma refeição de pão ecarne fria preparada a toda pressa. Alaric tinha esquentado vinho, que lhedaria um pouco de calor para sua viagem. E alguns instantes depois já estavase afastando a galope, um escuro cavaleiro montado em um corcel negro comoa meia-noite que voava sobre a neve.

Capítulo 21

Se Alaric não tivesse assegurado que sim, que o duque realmente tinhavoltado para casa, Elise poderia acreditar que a noite mágica tinha sido umsonho.

No fim de março, porém, com ou sem a confirmação de Alaric, Elise jásabia que Bryan tinha vindo para vê-la em carne e osso e que sua presençanão tinha sido nenhuma ilusão. Ia ter um filho, e estava encantada com isso. Anoite em que Bryan tinha retornado para Cornualles, tinha mudado tudo paraela devido a uma razão muito simples, agora podia admitir diante si mesmaque amava a seu marido.

A admissão não lhe trouxe a felicidade perfeita, já que não sabia quandovoltaria a vê-lo. Não sabia aonde o levaria, o caminho da batalha, se à morte ouos braços de outra mulher. Mas quando Bryan retornasse, Elise queriadepositar o ramo de oliveira da paz diante dele. O que tivesse ocorrido antes,fosse o que fosse, já não tinha importância.

Porque Bryan tinha vindo até ela. Através das gélidas águas e campos deneve e gelo, ele tinha cavalgado sozinho para chegar até ela.

Elise até sentiu desaparecer a raiva que estava sentindo contra Gwyneth.Gwyneth, acreditava agora, estava mentindo. Se agarrava a qualquer vínculocom Bryan que pudesse encontrar. Gwyneth poderia lançar todas asinsinuações que quisesse, e Elise sabia que ela se limitaria a sorrir, certa por

enquanto na profundidade de seus sentimentos. Era muito possível queestivesse cometendo uma loucura, mas amava ao Bryan Stede. Bryan era seumarido e tinha intenção de conservá-lo..., sempre que Deus permitisse voltartê-lo junto dela.

O bebê significava tudo para Elise. O herdeiro de Bryan, a criança que eletanto tinha querido. Aparentemente agora ela teria que esperar toda umaeternidade, mas o simples pensamento na maternidade pareceu mudá-la eElise disse a si mesma que seu sexo, ela mesma incluída, estava cheio deextravagância. Ela se sentia como se tivesse amadurecido e se tornando maisdoce e amável, e amava a frágil vida que havia dentro dela com toda a livreintensidade com a qual agora se permitia amar a seu marido. Esforçou-sequanto pôde em comer bem, em beber leite de cabra quente, e quando sedeitava na cama de noite dormia um sono tranquilo e profundo, com umsorriso lhe curvando os lábios, porque agora podia dar ao Bryan algo que seriaimensamente precioso para ambos. Às vezes durante a noite, na solidão de seuquarto, Elise acariciava seu ventre ainda liso e falava em sussurros paracriança. Seria um menino, decidiu, porque todos os homens queriam varões. Epor isso lhe disse, que seria o filho do maior cavaleiro de toda a cristandade, eque o sangue de reis corria por suas veias.

Esperou até princípios de abril para estar segura de sua notícias, e entãoenviou um mensageiro através do Canal para que encontrasse às tropas deRicardo, em qualquer lugar que estivessem.

O inverno se negava a diminuir seu volume sobre a terra. Os ventos demarço então tinham chegado a se acalmar antes de que voltassem aumentarpara encontrar com abril. Outra tormenta de neve cobriu os campos, e empleno apogeu daquela tormenta, Elise foi despertada de um profundo sono pelaJeanne, quem lhe rogou encarecidamente que descesse para falar com o Alaric.

O mordomo a esperava ao lado da lareira da sala, e Elise em seguidasoube que Alaric estava preocupado, porque um pequeno grupo de cavaleirosse aproximava da casa senhorial, e, entretanto, parecia estar avançando muitodevagar para ela.

— Temos que ajudar seja lá quem se encontra com dificuldades! — DisseElise.

— Mas poderia se tratar de uma armadilha, minha senhora! — ProtestouAlaric. — Os ladrões, e os foragidos abundam em um inverno como este,porque os homens livres e os servos sem-terra que vivem nos bosques,frequentemente encontrar-se com suas crianças que passam fome e seuspróprios estômagos se acham vazios.

— Irei à torre. — Insistiu Elise. — Se forem alguns mendigos que passamfome, então têm que ser alimentados. E se um amigo ou um mensageiro estátentando chegar até mim, então tem que ser ajudado.

— O vento sopra com muita força... — Protestou Alaric.

Mas Elise o interrompeu lhe dizendo que se abrigaria com uma boa capa.Da torre do Norte, Elise entreabriu os olhos e escrutinou a distância

através dos campos coberto de neve. Uma minúscula comitiva, formada por sótrês pessoas, lutava por avançar a pé. Alaric viu como Elise os contemplavacom a testa franzida durante alguns instantes, para então se virar subitamentepara ele e gritar.

— Alaric, chame cinco homens e mande selar minha égua!— Minha senhora...— Oh, Alaric! Te apresse! Acaso não vê? É a Lady Gwyneth, e parece ter

sido assaltada por alguns ladrões! Vem a pé, com sua criança que vai nascerem qualquer momento...

Elise subiu correndo a seu quarto para proteger do frio e da neve comalgo mais de roupa, um tanto assombrada de que pudesse se sentir tãosinceramente preocupada com Gwyneth. Mas estava, porque seu recémencontrado amor tinha aberto o seu coração, a toda classe de ternuras. MasGwyneth! Que insensatez por sua parte, arriscar-se a sair de casa comsemelhante tempo...

Alaric seguia contra que Elise partisse, e continuava lhe expressar a suadesaprovação com um franzir na testa, enquanto ela montava em sua égua.

— Alaric, estou quase com envergonha de dizer que tenho a força de umtouro jovem! — Assegurou Elise. — Não me ocorrerá nada. Mas estou muitopreocupada com Lady Gwyneth. Se assegure de que Jeanne mantém acesos ofogo para fazer ferver a água.

A neve os cegou assim que começaram a marcha. Os cinco homens quecompunham a escolta de Elise tentaram formar um escudo ao redor dela comseus cavalos, mas era muito pouco o que poderia fazer. Elise era forte e gozavade boa saúde, e apesar dos estragos do frio, teria desfrutado da cavalgada senão tivesse perplexa e preocupada. Sem a vantagem da torre, em seguidaperderam a posição das três silhuetas que lutavam para chegar à casasenhorial.

Os guardas de Elise começaram a lhe rogar que retornasse. Elise por fimcomeçou a acreditar que tinha cometido uma temeridade ao sair, porque seupróprio filho era um bem muito precioso para pô-lo em perigo. Mas pararetornar teria que dividir o grupo de guardas em duas partes, e de repente nãose atreveu a fazer isso. E se eles iam a pé e não fosse encontradosrapidamente, não demorariam para morrer entre a neve.

— Seguiremos juntos! — Ordenou Elise.Cavalgaram durante outros dez minutos, e estavam subindo pouco a

pouco ao redor de uma pequeno volume de árvores nuas na estranha noiteaçoitada pela neve, quando o uivo do vento foi subitamente interrompido porgritos sedentos de sangue. Elise, sobressaltada, fez sua égua voltar para ver

que estavam sendo atacados por um pequeno grupo de homens a cavalo.Homens com as espadas em alto, que saltavam de suas selas para atacar aosguardas.

— Minha senhora! — Gritou um guarda, e Elise se virou bem a tempo dever como um homem de pele azeitonada caía sobre ela. Em seus lábios haviaum sorriso torto que trouxe o pânico ao coração de Elise. Gritou, mas oinstinto a obrigou a fazer virar a sua égua, empinando-a, e ali onde o homemtinha estado a ponto de segurá-la, terminou caindo sobre a neve, e um instantedepois Elise ouviu o terrível ranger dos cascos da égua, quando estes caiaramsobre ele.

Não podia se preocupar com seu destino. O homem tinha caído, e osgritos e os mortais chiados da morte ainda ressonavam ao redor dela. Elise fezvirar uma vez mais à égua, com os brilhantes atoleiros de sangue destacandointensas cores sobre a pureza da neve. Três de seus guardas jaziam mortos,enquanto que só um dos quatro atacantes seguia com vida para enfrentar osoutros. Mordred! Gritou Elise, contemplando com fascinado horror como umdos homens erguia um machado de guerra contra o mais jovem dos guardas.Mordred ouviu sua advertência e saltou de seu cavalo, o animal lançou umgrito de dor e caiu sobre a neve em vez de Mordred. O atacante se esforçou porrecuperar seu machado do cavalo agonizante, e Mordred acabou com ele, lheabrindo o pescoço com a lâmina de sua espada.

Elise e Mordred se olharam, e então voltaram os olhos para a cena quehavia a seu redor. A neve estava coberta de cadáveres. O último guarda deElise e seu último atacante tinha caído juntos, ambos sangrando mortalmentee ambos já silenciosos. Os cavalos tinham desaparecido ao galope na noite, eapenas ficavam a besta morta e a égua de Elise.

— De onde vinham? — Sussurrou Mordred sem entender nada, e entãoergueu olhar para Elise. — E por quê?

— Não sei. — Sussurrou ela, tal como tinha feito ele, e sua voz pareceuzombar de Elise, quando foi dispersada e convertida em um eco pelo vento.

— Retornemos para casa senhorial. — Murmurou Mordred.— Não podemos. Temos que encontrar à Lady Gwyneth.— Gelaremos de frio e também morreremos, minha senhora.Elise só queria retornar. A visão de todos aqueles mortos ao redor dela e

o assobio fantasmagórico do vento que açoitava a brancura manchada desangue da noite invernal, resultavam aterradores para a alma. Pensou em seufilho, e soube que a volta era a decisão mais sensata.

Mas também sabia que ela estaria condenando a lady Gwyneth e seusacompanhantes à morte.

— Vamos só um pouco mais longe, Mordred. Então te juro que nem vocêe nem o vento poderão retornar a casa antes de mim.

Mordred pôs-se a andar ao lado dela.— Os cavalos são uns traidores! — Resmungou de repente. Olhou para

trás por cima de seu ombro e estremeceu visivelmente.— Amanhã deveremos recolher a nossos mortos e lhes daremos sepultura

diante de Deus. — Murmurou Elise.— E outros?— Tentaremos descobrir quem são... e por que nos atacaram.Elise e Mordred continuaram avançando penosamente durante alguns

momentos de angustiante silêncio, e de repente ouviram os gritos cada vezmais baixo que pediam auxílio.

— Na frente de nós! — Gritou Elise para Mordred e, estendendo a mãopara ele, viu como subia de um salto à sela atrás dela. Alguns instantes depoisencontraram à Lady Gwyneth de Cornualles.

Deitada sobre a neve, protegida do frio unicamente por uma capa de lã,porque aparentemente a tinham despojado de suas peles. Sua pele não tinhamuita cor que a neve, e seu cabelo negro azeviche era como um manto negroestendido em cima dela. Até seus lábios estavam tão pálidos como de umamorta. Uma anciã sentada junto a ela estremecia e chorava, e eram seus gritosque finalmente tinham conduzido Elise e Mordred até sua direção.

Elise saltou da garupa de sua égua e se ajoelhou junto de Gwyneth.Encontrou um pulso na base de sua garganta, e então pôs a mão em cima doventre de Gwyneth e achou duro e muito arredondado, sentindo como movialevemente de postura sob seu contato.

— Vive, a criança vive!— O que aconteceu, anciã? — Quis saber Mordred.— Nos não percebemos... chegaram sem que ninguém os vissem vir...

queimaram a casa senhorial. Oh, como brilhava! E levei, a minha senhoraGwyneth, mas eles nós pegaram... levaram os cavalos... e a deixaram aqui paramorrer... a ela e a Sir Percy...

A anciã sofria de um severo choque e da prolongada exposição ao frio.Seus lábios continuaram articulando palavras, mas nem um só som saiu maisdeles.

— Santo Deus, o que vou fazer? — Rezou Elise em voz alta. Tinha quelevar a Gwyneth até a casa senhorial. Poderia subir na égua? Ou ao fazer issomataria a Gwyneth e a criança?

Tentou levantar a cabeça de Gwyneth para assim poder lhe falar, e entãoos escuros olhos da beleza morena abriram subitamente.

— Percy! Percy! Tem que encontrar ao Percy... tem que...— Gwyneth! Sou eu, Elise. Tenho que te levar para casa senhorial. Percy

está com o Ricardo...— Não! Não! — Os olhos de Gwyneth se iluminaram e olhou diretamente

para Elise. — Percy retornou para casa... estava doente. Uma infecção. — Suavoz começou a dissipar-se e, recorrendo a alguma reserva interior, apertou obraço de Elise com uma força surpreendente. — Percy! Está atrás de nós... merogou que seguisse adiante! Oh, que injusta fui com ele! Vá, pelo Percy, Elise.Me jure pela Virgem abençoada que irá buscá-lo!

— Tenho que te levar para casa senhorial, Gwyneth. Você e seu filho vãomorrer...

— Mereço a morte! — Gritou Gwyneth com voz cheia de angústia. — Mejure isso Elise, você que o amava. Vá até o Percy...

Seus olhos se fecharam. Elise olhou à anciã, que rompeu em choro ecomeçou a se balançar lentamente. Elise a sacudiu com súbita veemência.

— É verdade o que diz? Percy estar lá atrás, caído na neve?— Sim! — Choramingou a mulher. — Meu senhor Percy... caiu. Não podia

seguir andando.Elise se levantou.— Mordred, tem que levar Gwyneth à casa senhorial em cima de minha

égua, e enviar imediatamente outros para virem nos buscar!— Minha senhora, não posso te deixar!— Se não o fizer, Mordred, então ambos seremos culpados de ter

assassinado à Lady Gwyneth e a seu filho. Sua serva e eu encontraremos a SirPercy. Te ordeno que leve a Gwyneth.

Mordred tragou saliva.— A criança poderia nascer... e morrer.— Morrerá de qualquer maneira, se não fizermos algo. Mordred, pelo

amor de Deus! Vá, e nos envie ajuda!Mordred desceu da égua. Ele e Elise, conseguiram subir a Gwyneth até a

sela com todo o cuidado possível. Elise, contendo as lágrimas, viu eles seafastar. A anciã já estava chorando novamente, e Elise não podia se permitirderramar nenhuma só lágrima. Agarrando-a pelos ombros, puxou ela até pô-laem pé.

— Temos que nos mover ou nos congelaremos. E temos que encontrar aSir Percy. — A anciã não parava de chorar. Elise mordeu o lábio com umacareta de consternação, e então bateu a bochecha dela com uma firmebofetada. — Basta! Como se chama?

A anciã a olhou, atordoada. Sacudiu a cabeça, mas então levantou oqueixo e Elise viu que o pranto tinha cessado.

— Sou Kate, donzela de lady Gwyneth desde seu nascimento.

— Bem, Kate, tem que me conduzir até Sir Percy e devemos rezar paraque esteja vivo.

Não acrescentou que precisavam rezar por muito mais, que não houvessemais foragidos espreitando ao redor delas, que Mordred pudesse enviar ajudaantes de que as duas sucumbissem ao intenso frio.

— Não acho que seja muito longe. — Balbuciou Kate. — E quando elacaiu...

— Venha, Kate, comecemos a andar.Elise e Kate se agarraram uma à outra, para iniciar um lento e dificultoso

avanço através da neve. Finalmente encontraram ao Percy, que era um vultoencolhido sobre si mesmo, cinzento e à beira da morte. Elise deixou escaparum grito de consternação e se ajoelhou junto a ele. Chamou-o, e lhe deupalmadas em suas geladas bochechas. Não conseguiu fazê-lo voltar a si, e seucoração começou a palpitar com os frenéticos batimentos do coração dacompaixão e da pena. Suas feições seguiam sendo belas e clássicas mesmonaquele momento. Elise sentiu a comovente pontada do amor perdido, eresolveu fazê-lo viver. Mas havia tão pouco que ela poderia fazer!

— Kate! Devemos lhe dar calor. Temos que arrastá-lo até a proteção queoferecem aquelas árvores, e nos aconchegamos junto a ele.

Kate assentiu, mas os seus olhos saltaram de uma maneira, que indicoupara Elise até que ponto considerava impossível que duas mulheres geladas defrio pudessem carregar um homem inconsciente. Sem prestar atenção, Elisepôs as mãos à obra.

Percy pesava muito, mas a tarefa não era impossível. Grunhindo e seesforçando ao máximo, Elise e Kate conseguiram levá-lo até o mato que semprepermanecia verde onde pelo menos o açoite do vento já não poderia alcançá-lo.E enquanto esperavam sentadas ali, a velha Kate recuperou o domínio de simesma e começou a falar.

— Faz apenas dois dias que, meu senhor, Percy chegou em casa. Seucavalo o jogou ao chão na Normandia, e a infecção se estendeu por seu joelho.O bom rei Ricardo o enviou para casa. Chegou em um liteira. Então a LadyGwyneth decidiu ficar em sua própria casa senhorial, junto do lorde Percy paradar à luz a seu filho. Tinha intenção de lhe enviar um mensageiro. Mas nestanoite... alguns homens armados caíram sobre a casa senhorial. Meu senhor,Percy ficou furioso, devido o quão impotente que estava. Ele, minha senhora eeu fugimos... mas nos alcançaram, e levaram os cavalos, nos deixando ali paramorrer.

— Homens bem armados! — Repetiu Elise. — Mas quem...?— Não sei! — Choramingou Kate. — Oh, Lady Elise! Não sei! Alguns

falavam inglês, alguns falavam francês!Elise agradeceu imensamente, que Bryan sabiamente ter pensado armar

mais poderosamente sua casa senhorial em Firth. Ali não teria nenhum ataquesurpresa. Pelo menos não na casa senhorial, porque um ataque sim, que tinhatido lugar em um campo...

— Esfregue as mãos de Sir Percy, Kate. — Disse. — Suas luvas estãoencharcadas e não servem para nada. Pegue, coloque as minhas nele e nãodeixe de esfregar as mãos.

Pareceu demorar toda uma eternidade enquanto permaneciamaconchegado na proteção daquele mato, sem que o vento noturno deixasse deassobiar e uivar um só instante ao redor deles. Elise não parava de falar, eordenava para que falasse agora Kate. Aquele frio que entorpecia os corposfazia com que a tentação de dormir fosse muito grande, mas estavamadormecendo, então talvez nunca encontrassem elas.

Finalmente Elise ouviu o surdo retumbar de alguns cascos se movendosobre a neve e o tinido dos cavalos de algumas montarias. Ela se dispôs alevantar-se de um salto para gritar na escuridão, mas logo hesitou e voltoupara aconchegar entre o mato. Percy e Gwyneth tinham sido objeto de um ferozataque, e só Deus sabia por que. Elise não se atrevia a anunciar sua presençagritando até ter a certeza de que eram seus homens quem cavalgava através danoite invernal.

— Lady Elise!Elise sorriu, e o calor pareceu encher todo seu ser, junto com o alívio. Se

virou para a esperançada Kate.— É Alaric, Kate! O resgate chegou!Alaric caiu de joelhos sobre a neve e beijou a saia encharcada da túnica

de sua senhora, quando viu que não lhe tinha acontecido nada. Elise o fezlevantar e o rodeou com seus braços, estreitando-o contra ela em um abraçofugaz, mas cheio de carinho.

— Lorde Percy necessita desesperadamente de calor, Alaric. Tem querecolhê-lo com o maior cuidado possível, e levá-lo a casa senhorial.

Elise se sentiu ainda mais aliviada assim que viu que desta vez eram dez,os homens que tinham saído da casa senhorial. Enquanto sua sombriacomitiva retornava em silencio através da neve, começou a pensar naquelanoite com uma amarga tristeza. Vários de seus homens tinham morrido, comsuas vidas feitas pedaços sobre a neve. Elise já tinha conhecido a violênciaantes, e isso talvez a tivesse feito endurecer, mas todas essas vidas não podiamser ignoradas. Aquela noite algumas mulheres se tornaram em viúvas ealgumas crianças tinham perdido a seus pais. Por quê?

Na casa senhorial, Maddie desceu correndo as escadas para receber aElise, dentro da sala e então disse que Jeanne estava com lady Gwyneth. Játinham preparado um quarto o mais quente possível para Lorde Percy, etambém tinham aquecido tijolos para sua cama. Uma beberagem preparada

com vinho e ervas que borbulhava e desprendia vapor estava preparada paraser vertido pouco a pouco dentro de sua garganta. Elise se apoiou algunsinstantes no suporte da lareira, enjoada, enquanto as chamas que rugiamdentro da lareira começavam a fundir pouco a pouco o frio que estavadormente seus membros. Então ergueu com um débil sorriso assim que viuque alguns homens subiam com muito cuidado o Percy escada acima.

— Que alguém leve a Kate para a cozinha, porque ela também precisa seaquecer. Como se encontra lady Gwyneth?

— Está muito nervosa e um pouco fora de si, mas vive. A criança nasceráem qualquer momento. É um milagre que não tenha nascido em cima da sela!

— Não tenho muito frio, e nem sou muito velha para que não possa estarcom minha senhora. — Disse Kate para Elise com dignidade. — Disponho desua permissão para fazer isso, duquesa?

— É obvio, Kate... — Murmurou Elise. Maddie colocou uma taça quentede algo entre os dedos de Elise, começou a tomar goles dela, vendo comoMaddie conduzia a Kate para a escada. — Kate! Um momento! — Chamou derepente. Kate parou e Elise lhe disse. — Pense nisso bem antes de responder,Kate. Quem pode ter feito tudo isto... e por quê? Não reconheceu ninguém,Kate? Não havia nenhum estandarte delator, não se pronunciou nenhumapalavra que pudesse indicar uma razão para algo semelhante?

Kate negou com cabeça com abatimento.— Nada, minha senhora. Nada.Elise assentiu em silêncio e a deixou partir. Ela terminou a bebida quente

que lhe tinha dado Maddie, e então deveria ser apropriado mudar de roupa,quando Maddie lhe lembrou que a roupa estava molhada e fria. Entrou noquarto pelo qual tinham levado a Gwyneth, mas uma vez ali, percebeu querecuperava a consciência, como voltava a mergulhar na inconsciência, e queJeanne e Kate a estavam atendendo eficientemente durante o parto. Sentindo-se ainda atordoada, confusa e impotente, Elise foi ver o Percy.

Estava consciente, mas aquilo não aliviou para Elise de seu sofrimento.Percy ia morrer. Elise não estava segura de como sabia. O fato estavasimplesmente aí, para ser visto em sua espantosa palidez, na estranhaqualidade de sudário daquelas sombras acumuladas sob seus olhos que foramse apagando pouco a pouco.

— Elise...Percy levantou a mão para ela com um grande esforço. Alaric se retirou

discretamente para um canto na penumbra da habitação, e Elise se apressouem pegar a mão de Percy.

— Me perdoe. — Disse ele, com fino fio de voz tenuamente ligado à vida.— Percy, não deve tentar falar...

Ele riu, um som muito tênue e cheio de amargura.— Não, Elise, tenho que falar agora, porque nunca voltarei a ter a

oportunidade de fazer isso. Quem teria pensado que depois de todas asbatalhas às que sobrevivi, meu cavalo me deixaria a perna se transformar emum despojo cheio de pus, e que então a neve de um inverno inglês uniria suasforças da infecção para me matar! O sacerdote veio para me outorgar amisericórdia de Deus, e desejo sentir sua bondosa mão. Mas estando sobre aface da terra e enquanto essa vida vai se desparecendo na cinza...

— Tem que se agarrar à vida, Percy. Sua esposa está a ponto de te darum filho.

— Me esforço por ouvir as palavras. — Disse Percy sem amargura, — Eouvir como você me perdoa o mal que te fiz.

— Percy, você não me fez mal algum...— Sim que lhe fiz isso. Magoei tanto nos dois, porque te amava e permiti

que o orgulho e o ciúmes a afastasse de mim. Por isso rogo o seu perdão...— Percy! Se você pede isso, então te perdoou de bom grado, embora não

há nada que perdoar. A vida nos leva onde quer que agrade. Por favor, Percy,não desista sem lutar...

— Elise, um cavaleiro sabe quando é derrotado. — Disse ele, agitandofracamente a mão para que lhe aproximasse um pouco mais. — Devo teadvertir...

— Me advertir? — Perguntou Elise, inclinando-se sobre ele.Um resplendor tão súbito e intenso como o do fogo iluminou por um

instante os olhos castanhos de Percy, e durante esse instante Elise se viutransportada ao passado. Retornou a um tempo no qual tinha sido muitojovem e estava apaixonada, e sentia muita segura de que poderia alterar odestino tomando-o em suas mãos mediante a força de sua vontade.

— Longchamp... — Sussurrou Percy com um fio de voz.Longchamp... Elise franziu a testa. Longchamp era um normando que se

confiou ao cargo de chanceler da Inglaterra, enquanto o rei Ricardo ia ascruzadas.

— O que acontece com Longchamp, Percy?— Eu... zombei dele em Londres. A casa senhorial... as chamas...

Longchamp é um homem temível. Só pensa no poder, e é implacável.— O chanceler da Inglaterra! Oh, Percy! Se atreveria a fazer tal coisa?— Não abertamente. Mas...Percy fez uma pausa e umedeceu os seus lábios. Elise olhou em torno

dela procurando água, e Alaric se apressou para pegar, Elise viudistraidamente que o sacerdote realmente tinha sido chamado e permanecia de

pé ao fundo do quarto, com os olhos fechados em uma prece.— Me escute, Elise! — Suplicou Percy, voltando a encontrar substância

para sua voz enquanto rechaçava a água com um gesto. — Bryan se opôsabertamente e com todas suas energias. Longchamp o fará pagar de algumjeito. Furtivamente, tal como fez esta noite.

Percy fechou os olhos, esgotado pelo esforço que tinha feito para falar.Elise ouviu uma súbita comoção no quarto e tentou soltar a sua mão de Percy.Então ele voltou a abrir os olhos e seus dedos se apertaram desesperadamentesobre a mão de Elise.

— Espere, também deve ter em mente que...— Não fale, Percy! — Murmurou Elise. — Voltarei em seguida.— Deve entender...Elise não ouviu o resto, porque já estava correndo para o quarto. Jeanne

a esperava ali, com uma pequena forma envolta em panos de linho.— Um varão. — Ela disse.Elise mordeu o lábio e tentou conter as lágrimas, enquanto pegava em

seus braços com muito cuidado o recém-nascido de rosada pele.— Gwyneth? — Perguntou.— Esgotada e muito débil, e agora inconsciente. Mas ela também é uma

lutadora.Elise assentiu. O bebê deixou escapar um patético gemido enquanto

franzia os olhos.— Sinto muito, pequeno, mas terá uma mãe. E seu pai...Voltou correndo ao quarto de Percy.— Percy, olhe para o seu filho! É lindo, e perfeito!Percy contemplou o bebê. Elise levou a criança até sua cabeceira, e Percy

o tocou.— Um filho... — Ofegou. Seguiu acariciando brandamente com os dedos

ao bebê que não parava de gemer, mas seus olhos se voltaram para Elise. —Sua mãe?

— Encontra-se bem.Ele assentiu, como com grande satisfação.— Lhe diga que estou muito agradecido. Mas, Elise, deve prestar atenção

a minha advertência...Elise pensou que apenas havia voltado a fechar os olhos, aqueles belos

olhos cor castanhos, que antes unicamente haviam lhe trazido sonhos efascinação.

— Percy?

Alaric foi para ela.— Ele partiu, minha senhora.Elise reprimiu um soluço e as lágrimas emanaram silenciosamente por

seu rosto. Estreitou contra seu peito o bebê que não deixava de protestar.— Pequeno, seu pai era um homem magnífico e com um grande sentido

da honra. Assegurar-me-ei de que você saiba tudo a respeito dele! —Murmurou fervorosamente, e suas palavras não podiam ser mais sinceras.Porque, sim, Percy não tinha tido medo da morte. Em vida às vezes tinha sidodébil, mas quando lhe chegou o momento de morrer soube ser forte.

O bebê continuava chorando. Elise, com os olhos cegos pela tristeza,voltou a sair do quarto. Alaric lhe tocou os ombros e a levou até a sala. Ali Eliseouviu os murmúrios monótono da voz do sacerdote enquanto recitava aspalavras de Deus sobre o corpo de Percy.

Uma vez no corredor, Elise se apoiou na parede enquanto estreitava aobebê entre seus braços. Jeanne se viu obrigada de tirá-lo.

— Minha senhora, têm que dormir!Elise não soube o que lhe dizer. Não podia deter a incessante cascata de

lágrimas que rolava por suas bochechas. Como tinha lutado para manter comvida o Percy entre aquela neve! E o tinha perdido.

— Minha senhora! — Disse Jeanne firmemente. — Deve pensar em seupróprio filho.

— Meu próprio filho... — Murmurou Elise. Agora sabia que o menino deGwyneth era filho de Percy. Não podia se alegrar disso, porque a tristeza lhetinha arrebatado toda sua inveja e o ciúmes. Nem sequer podia pensar quantotinha amado ao Percy, nem podia lembrar das palavras de advertência que eletinha dirigido. A única coisa que sentia era o vazio. Apenas o distantepensamento de seu próprio bebê conseguiu romper a confusão de sua mente.Maddie apareceu ao lado de Jeanne. A anciã serva dirigiu uma inclinação decabeça a mais jovem, e Elise se deixou levar docilmente, enquanto Maddie aconduzia para seu dormitório.

O sono foi uma misericordiosa pausa que chegou rapidamente.Despertou para encontrar a Jeanne em seu quarto, avivando o fogo que

estava baixando pouco a pouco enquanto ela dormia, e em seguida se lembroudos acontecimentos da noite anterior.

— Como se encontra lady Gwyneth? — Perguntou tão bruscamente quesua donzela, assustou, deu um salto e golpeou a cabeça no suporte da lareira.

— Bem, mas muito afetada. — Replicou Jeanne, esfregando-a têmpora, eentão hesitou durante um momento antes de acrescentar. — Não para deperguntar por você.

— Sabe de... seu marido?

— Já sabia antes que disséssemos. — Murmurou Jeanne. — Agora...chora tanto que temo que suas lágrimas terminem azedando o leite do bebê.

Elise se apressou a levantar-se da cama. Jeanne correu para ela paraajudá-la a se vestir.

— Minha senhora, devem aprender a não exigir tanto de você mesma.Ontem à noite poderiam ter morrido e...

— Deixa de me tratar como a se fosse uma criança, Jeanne. Gozo demuito boa saúde.

Jeanne suspirou, mas insistiu em que Elise bebesse uma taça de leite decabra quente antes de sair da habitação. Elise fez o que lhe pedia, e entãocorreu para o quarto de Gwyneth.

A velha Kate cantarolava cantigas ao bebê. Gwyneth guardou silêncioquando Elise entrou no quarto, mas assim que foi para a cama, Elise viu queos belos traços de Gwyneth estavam rígidos pela força das lágrimas que tinhaderramado.

— Gwyneth... — Murmurou com doçura, se sentando ao lado dela emcima da cama, tal como tinha feito com o Percy na noite anterior. — Por favor,Gwyneth, sei que perdeste a seu marido, mas agora tem um filho precioso.Deve se tranquilizar pelo bem de seu pequeno...

— Ah, Elise! — Sussurrou Gwyneth dolorosamente, com o brilho daslágrimas iluminando seus escuros olhos cheios de desespero. — Não é apenasque Percy tenha morrido. Magoei ele tanto!

Elise sentiu que seu coração começava a palpitar estrondosamente,porque sabia que estava a ponto de receber uma confissão. Não queria ouvirque Gwyneth tinha sido infiel ao Percy com o Bryan.

— Gwyneth, Percy me pediu que dissesse, como estava agradecido porseu filho.

— É filho dele, Elise. Por isso fui tão injusta com o Percy e o machuqueitanto. Eu.... Não sei se poderá entender isto. Me criaram sabendo que mediriam quando e onde deveria me casar. Quando tinha quinze anos,prometeram-me em matrimônio com um duque de oitenta anos. Que Deus meperdoe, mas não pude chorar quando aquele duque morreu! Conheci o Bryan,e então... — Fez uma pausa e seus escuros cílios varreram suas bochechas.

— Gwyneth, por favor!Os olhos de Gwyneth voltaram a abrir-se subitamente.— Não, Elise! Quero que entenda! Pensava que Bryan e eu nos

casaríamos. Henrique prometeu. Então, de repente, Ricardo se converteu emrei e Bryan se casaria contigo. Resignei-me à ideia, porque sempre tinham meensinado que o matrimônio era uma questão de política. Mas, verá, amava aoBryan. Você foi a intrusa. Não pude evitar em te odiar. Também sabia que

Percy ainda te amava. Mas Percy era bom, Elise, e foi tão bom comigo... Houvemuitos momentos nos quais rimos e fizemos amor! Não sei por que não pôdeme bastar com isso. Mas eu... queria ao Bryan, também. Fiz uma emboscadaao mensageiro enviado de Londres quando deveria chegar até você antes de queo rei deixasse a Inglaterra. E em Londres... tentei seduzir ao Bryan. Queria queambos acreditassem que o filho de Percy era dele. Queria que ficassem o maisafastados possível um do outro.

Um imenso alívio se apropriou de Elise. Gwyneth tinha tentado seduzirao Bryan, e não tinha conseguido. Um instante depois a culpabilidade invadiutodo seu ser tão rapidamente como o tinha feito antes do alívio. Que direitotinha a sentir semelhante alegria quando Percy estava morto?

— Te agradeço que me tenha contado isso, Gwyneth. E, por favor, sei quedeve chorar por Percy, era seu marido, e acredito que amavam um ao outro.Mas seu filho vive, Gwyneth! Tem que ficar bem logo, e dar seu amor ao filho dePercy.

Gwyneth parecia subitamente esgotada, depois dizer o que acreditava quetinha o dever de dizer. Ela se sentou com um sorriso cheio de tristeza eestendeu as mãos para Kate, que esperava no outro extremo do quarto. Kate selevantou e trouxe o bebê, com seu velho rosto cheio de rugas iluminado por umterno sorriso.

Elise contemplou como Gwyneth embalava ao bebê junto a seu peito.Então se sentiu rasgada por uma terrível inveja, porque o menino era belo eperfeito. Então, pensou, logo ela também teria seu próprio filho, o filho deBryan, ao qual amar tão doce e meigamente...

Mas antes, o pai daquele pequeno tinha que ser enterrado como eradevido. Os homens de Elise, que tinham morrido para protegê-la, ainda jaziamsobre a neve. Se Percy estava certo, o chanceler Longchamp ainda estavasedento de sangue e não vacilaria em empregar os meios mais tortuosos de quepudesse dispor.

Havia tanto por fazer. Elise tinha que se reunir com o Michael, Alaric e ocapitão da guarda. Tinha que posicionar as sentinelas, a casa senhorial tinhaque se converter na fortaleza defensiva que tanto se parecia, e ela tinha quepreparar-se para um cerco.

O filho de Gwyneth foi batizado na mesma manhã em que se deusepultura a seu pai na cripta da capela. Parecia ser um menino robusto e são,mas Elise sabia que naqueles tempos em que a morte chegava com tantafacilidade aos mais jovens e aos mais velhos e inclusive aos fortes, ossacerdotes preferiam batizar aos recém-nascidos e conduzi-lo maisrapidamente possível para a graça de Deus, Gwyneth ainda se encontravamuito fraca, para que pudesse assistir a nenhuma das cerimônias. Mas pareciater melhorado bastante desde aquela terrível manhã em que tinha feito suaconfissão para Elise.

Elise enviou uma carta para Bryan lhe falando da advertência de Percy,mas não tinha nem ideia de quando ou onde a receberia ele. Nem sequer sabiase seu marido tinha recebido a carta que lhe escreveu lhe contando queesperava um filho.

Vinte homens foram enviados para que inspecionassem a propriedade deGwyneth. Seus servos, informaram, estavam retornando do bosque no quais sedispersaram quando começou o ataque. A casa senhorial de Gwyneth tambémtinha sido edificada com pedra, e Mordred contou animadamente para Eliseque poderia, com um considerável esforço, ser devolvida à sua antiga grandeza.

Cada manhã Elise se levantava cedo e contemplava nervosamente osguardas enquanto estes se exercitavam. Graças a Deus, o muro já estava muitoalto! Elise rezava para que sua própria casa senhorial fosse tão inexpugnávelcomo Montoui.

Depois de ter infligido todos seus estragos, o inverno foi cedendo pouco apouco durante aquela semana. Já não caia mais neve, um calor primaverilchegou com uma suave brisa, e a neve começava a derreter.

E com a chegada da primavera chegou um mercador, um homenzinhoque trazia consigo bolsas cheias de agulhas e baldes de sal, renda e bagatelas.Se chamava Limón, e também trazia notícias.

Elise comprou várias agulhas, e ofereceu uma comida quente ao curvadohomenzinho. Fez que a servissem diante da lareira na sala principal, e quandoestava comendo, o mercador começou a falar.

O chanceler Longchamp tinha substituído aos dignatários de Ricardo pormembros de sua própria família.

Todos eram normandos, e estavam voltando a inflamar a antigarivalidade entre saxões e normandos.

Longchamp percorria os campos com seu próprio exército de oitocentoshomens. Exigia hospitalidade do tipo, que fazia passar fome durante meses auma província inteira! Em nome do rei. A esposa de Will Marshal, a jovemIsabel de Clare, negou-se a lhe abrir as portas de uma de suas casassenhoriais, e Longchamp tinha declarado que se vingaria de Will tal como tinhafeito com o Percy Montagu.

Os velhos olhos do mercador se voltaram para Elise.— É melhor você ter cuidado, minha amável duquesa. — Disse. — As

pessoas odeiam tanto ao Longchamp, que agora estão aplaudindo ao príncipeJuan e ao Geoffrey Fitzroy. O chanceler é um homem retorcido e muitopoderoso que está faminto de poder. Declarou que quando Will Marshal voltarpara a Inglaterra depois de ter estado servindo ao Ricardo, descobrirá que nãotem mais nada, e jurou que Bryan Stede sofrerá tal derrota que deverá searrastar muitos quilômetros para chegar a sua própria tumba.

— Bryan nem sequer se encontra aqui...

— Lorde Stede, ou isso dizem os rumores, não teme à ira de Ricardo. Dizabertamente ao rei que Longchamp está destruindo seu reino.

— Por que Ricardo não faz nada?— Para o rei Ricardo não gosta das críticas, nem sequer quando as

aceita. Confia no Longchamp, depois de longos anos na Normandia. Nãoacreditará que realmente é seu chanceler, até que se veja absolutamenteobrigado a isso. Não se preocupem muito, minha senhora. Este lugar seconverteu em uma magnífica fortaleza. Digo-lhe estas coisas unicamente paraque façam que seus homens se mantenham alerta.

Elise não necessitava semelhante advertência, do terror vivido na neve nanoite em que morreu Percy, tinha dobrado os exercícios de treinamento, osguardas e os efetivos.

Agradeceu seu interesse ao mercador e este prometeu voltar. Comexpressão pensativa, Elise começou a subir pela escada que levava a seuquarto. Assim Percy tinha razão. Longchamp, que teria negado tal coisa diantedo rei Ricardo, é claro, tinha ordenado o ataque contra a propriedade de PercyMontagu. E Percy Montagu tinha morrido...

Querido Percy. As lágrimas voltaram a arder nos seus olhos, como faziamcom tanta facilidade quando pensava nele. Percy tinha querido adverti-la comseu último fôlego...

Recordar aqueles momentos fez que Elise parasse de repente. Percy tinhaestado tentando adverti-la a respeito de algo. Mas tinha morrido antes de quepudesse fazer isso. Elise se perguntou desesperadamente a respeito do quetinha querido adverti-la.

Gwyneth...Tinha chegado a pronunciar Percy o nome de sua esposa? Certamente...

estava morrendo, e sua esposa lhe tinha dado um herdeiro naqueles últimosmomentos. Gwyneth também tinha necessidade de se confessar para ela. Elisejá não sentia rancor algum de Gwyneth e tinha hospedado à mulher em suacasa, protegendo-a e inclusive desfrutando de sua companhia e do bebê. Entãoo quê?

O que era que tanto se esforçou Percy por tentar em dizer?Elise suspirou e apressou o passo. Queria chegar a seu própria quarto,

porque ultimamente sempre estava muito cansada. Hoje teve tonturas emvárias ocasiões, e alguns pontos negros tinham aparecido diante de seus olhos.

Descanso.... Sim, necessitava mais descanso. Mas era difícil descansarquando o país poderia estar se encaminhando para a guerra civil, quandoBryan estava a muitos quilômetros de distância e ela estava sozinha.

De repente ficou imóvel como uma morta, e um instante depois reprimiuo grito que pugnou por sair de sua garganta quando uma súbita dor lheatravessou as costas. Elise respirou fundo, perplexa e um pouco atordoada. A

dor voltou a parecer e então a tontura começou a fazer caminho través dela,desta vez fora de todo controle.

Viu as escadas enquanto começava a cair por elas. Um longo soluço deangústia escapou de seus lábios, e um instante depois já estava caindo na sala.

As escadas desapareceram. Tudo desapareceu.O mundo se converteu em um muro cinza.Elise ouviu as vozes que falavam em sussurros muito antes de que

chegasse a despertar de tudo. Era Jeanne e Maddie, mantendo quente seuquarto e cuidando dela. Não sabiam que Elise podia ouvi-las, mas podia fazerisso, e entendeu tudo.

Quando por fim abriu os olhos, estes estavam cheios de lágrimas.Tinha perdido a criança que levava em seu ventre. A pequena vida que

tinha sido tão, tão preciosa. O pequeno de Bryan, a frágil criação de uma noitede sonho, aquela vida que tinha significado tudo para ela...

Tudo.O bebê tinha sido o futuro de ambos.Sua oportunidade de conhecer a paz, de conhecer o amor.Elise chorou amargamente, e ninguém pôde consolá-la.

Capítulo 22

No período de algumas semanas, a casa senhorial tinha experimentadouma notável mudança.

Quando chegou agosto, inclusive aqueles que temiam a ira do rei Ricardoe sabiam que não gostava de nada das críticas, estavam escrevendo cartas aseu soberano.

O chanceler Longchamp ia destituindo um por um a todos os homens deRicardo. Controlava a Torre Branca em Londres e, por conseguinte, tinha ocontrole da cidade. Isabel de Clare, seguindo ordens de Will Marshal, tinhafortificado suas propriedades irlandesas e se mudou para o castelo que tinhano Gales. Inclusive aqueles que não temiam diretamente ao Longchampdesconfiavam dele. Com o Ricardo ausente, o chanceler se apropriou do poder.

Elise estava cada vez mais preocupada com a situação em Cornualles. Omercador se converteu em seu amigo e seguia vindo à casa senhorial de Firth,mas estranha vez trazia boas notícias. O príncipe Juan tinha retornado paraInglaterra com a desculpa de que pretendia salvar o reino para seu irmão, eGeoffrey também tinha vindo. Geoffrey, que já era arcebispo, tinha procurado

refúgio em um monastério, e um membro da família de Longchamp tinhaordenado que fosse tirado pela força, o qual tinha que ser um grave pecadocontra Deus.

Geoffrey foi encarcerado pelas pessoas de Longchamp, e embora era obastardo de Henrique II, começaram a compará-lo com santo Tomam Becket, oqual tinha assassinado devido a algumas palavras murmuradas pelo Henrique.As pessoas começaram a aclamar ao Geoffrey e Juan, não suportavam sergovernadas pelo Longchamp, e estavam dispostas a aceitar que Juan osubstituíra em qualidade de regente. Se não se fazia algo logo, não demorariapara explodir uma guerra civil a grande escala. Longchamp merecia serderrotado, mas muitos temiam que se Juan ia à guerra contra ele, tambémtentaria tomar a coroa de Ricardo.

E parecia como se Ricardo estivesse decidido a acreditar que nada demau acontecia. Saiu da França com o Felipe em agosto, e em setembro estavaarmando mais tropas na Mesina.

Elise escrevia cartas constantemente. Não para Ricardo, a não ser paraBryan.

Não sabia o que lhe dizer. Empregando palavras rigidamente formais,contou-lhe que tinha perdido a seu filho. Mas não podia confessar seu amor nopapel, e temia que Bryan estivesse amargamente decepcionado com ela. Seumarido tinha querido tanto ter um filho...

E aquela criança, concebido durante uma tempestade de inverno, tinhasido o tênue vínculo de seu amor.

Bryan sempre tinha desejado terras, e Bryan tinha desejado herdeirosque herdassem aquelas terras. Seu matrimônio tinha sido estabelecido pelo rei.

Quanto mais tempo passava fora o seu marido, mais fácil resultava paraElise ir se afundando na desolação. Tinha aprendido a amá-lo, só para perdê-lo. Porque se sentia como se o tivesse perdido, já que era setembro e a grandecruzadas de Ricardo ainda tinha que por a caminho. Só Deus sabia quandovoltaria a ver Bryan. Às vezes sua imagem se tornava imprecisa em seussonhos, e então se perguntava se Bryan se lembrava dela. Houve um tempoque a tinha desejado. Possivelmente nunca a tinha amado, mas pelo menos adesejava. Agora levava tantos meses longe...

E ela tinha perdido a criança. Poderia esperar, poderia resistir, poderiaconservar uma parte de sua prudência... só que teve ao bebê para amá-lodurante a ausência de Bryan.

O filho de Gwyneth, o pequeno Percy, florescia como uma flor daprimavera. Era robusto e alegre, um garotinho gordinho que ria extasiado cadavez que ela o pegava em seus braços. Em setembro a casa senhorial deGwyneth já tinha ficado reconstruída, mas Gwyneth seguia em Firth. Não seatrevia a ir para casa, e com o Longchamp representando ainda tal ameaçapara as casas senhoriais que não estavam fortificadas, Elise não poderia lhe

pedir que partisse. E estava muito feliz de ter consigo ao pequeno Percy, porquese sentia responsável por ele. Adorava segurar o menino, embora fazer issotambém a enchia de dor. Tinha desejado tanto ter seu próprio filho. Ummenino belo e são para entregar orgulhosamente ao Bryan. O filho de ambos,algo realmente valioso surgiu do turbilhão de seu matrimônio.

Elise e Gwyneth tinham chegado a desenvolver uma precária amizade.Elise devia admitir que Gwyneth tinha um caráter muito doce, e que podia serencantadora em todo momento. Foram muitas as noites solitárias nas quaisElise se alegrou de que ela e Gwyneth tivessem podido gastar algumas daslongas horas em ociosa conversa. Se apenas pudesse chegar a confiarplenamente em Gwyneth, Elise sabia que poderia compartilhar suas própriaspreocupações e temores e, possivelmente, vê-los aliviados. Mas não confiavaem Gwyneth, não completamente, e nunca poderia admitir diante dela, que derepente se encontrou loucamente apaixonada pelo Bryan, e que passava cadanoite mergulhada na angústia, perguntando-se onde e com quem poderia estardormindo a seu marido naquele momento.

Sabia que Gwyneth escrevia para Bryan, como fazia ela, mas se sentiaincapaz de perguntar qual era o conteúdo das cartas de Gwyneth. Dava porcerta que pareceriam bastante com às suas, cartas que expondo a deplorávelsituação na Inglaterra, e suplicava que alguém fizesse algo que obrigasse aoRicardo agir. Elise sabia que suas cartas sempre eram duras e formais, comoeram as cartas que lhe enviava Bryan em resposta às suas. Não continhamcondenação alguma por ter perdido a seu filho, e as palavras eram corteses.Muito corteses. Elise percebia uma amarga decepção nelas.

Maddie e Jeanne insistiam em lhe dizer que era jovem, que tinha pordiante muitos anos nos quais ter filhos. Essas afirmações não consolavammuito a Elise porque, tal como estavam as coisas, parecia que transcorreriamanos antes de que voltasse a ver seu marido, e agora sentia crescer a distânciaentre eles. Quando voltassem a se encontrar, seriam dois desconhecidos. Oslaços de ternura que tão recentemente tinham surgido entre ambos, seriammurchados com o passar do tempo.

Havia pouco que pudesse fazer, além de se agarrar à crença de queestava mantendo a salvo sua propriedade das arteiras e ambiciosas mãos dochanceler Longchamp.

Durante o inverno, Longchamp tinha ameaçado invadindo todas aspropriedades pertencentes ao William Marshal e Bryan Stede. Elise tinhatriplicado a guarda, e quando à neve do inverno voltavam a cair, já tinha amais de trezentos homens armados e treinados, preparados para defender acasa senhorial de Firth e as propriedades de Cornualles que a circundavam.

Mas o exército de Longchamp era o dobro de grande que o seu. Apenas adureza do inverno, e o fato de que o chanceler ainda estivesse muito ocupadoroubando os cargos dos homens de Ricardo em Londres, impediu queLongchamp atacasse.

Em pleno apogeu do inverno, foram novamente visitados por viajantes.Nenhum estandarte flutuava ao vento quando o grupo formado por alguns dezcavaleiros, foi se aproximando da casa senhorial, e Elise, chamada nosbastiãos por seu alarmado mordomo, forçou os olhos contra o tempo paratratar de ver quem chegava de tal maneira. Não é Longchamp, porque se ele sedispusera a invadir a casa senhorial, então teria vindo com todo seu exército. Esegundo as últimas notícias que tinham chegado até ela, Longchamp seencontrava em Londres.

— Damos o alarme? — Perguntou Alaric.Elise negou com a cabeça lentamente.— Não, não acredito. Quem vem para nós são cavaleiros, mas não tem

mais que dez. Venha de onde venha, este grupo de viajantes chega em paz.Não foi até que o grupo quase tinha chegado à casa senhorial, quando

Elise percebeu de que era o príncipe Juan quem se dispunha aparecer paraela. Se alegrou de não ter levantado nenhuma barreira contra ele, mas nãopôde evitar ficar um pouco nervosa. Leonor não confiava no Juan, e se a mãede um homem não podia confiar nele, então outros fariam melhor tendo muitocuidado com aquele homem.

Juan tinha jurado não retornar para Inglaterra, enquanto Ricardo seencontrasse fora do país. O rei aparentemente, estava disposto a lhe perdoarquase tudo a seu irmão mais novo, mas Ricardo não era nenhum estúpido esabia que Juan cobiçava a coroa. O príncipe Juan, não obstante, eraimensamente, mas preferível aos olhos do povo do que o insofrível normandoLongchamp. Por isso que ele foi bem recebido em Cornualles.

E porque Leonor a tinha advertido a respeito em uma ocasião, Elise sábiaque algum dia Juan poderia se tornar a ser rei. Ricardo era um dos monarcasmais poderosos do mundo, um dos mais valentes.

O qual fazia altamente provável que cedo ou tarde conseguisse se matarcom sua insensata ousadia.

E por isso era tão importante que Elise escolhesse muito bem o caminhoa seguir diante do príncipe, especialmente dado que Juan era meio irmão dela,como era Ricardo. Os dois eram tão diferentes como a cor que os distinguiaRicardo, o rei dourado, Juan, o príncipe moreno e frequentemente asperamentesombrio. Não, terei que agradá-lo em todos os seus caprichos, mas sem confiarnele nunca, e lhe dar as boas-vindas era uma tarefa que supunha uma duraprova para os nervos. Elise sempre tinha que se agarrar à esperança de queJuan não suspeitasse nada a respeito de sua verdadeira identidade.

— Lady Elise!O príncipe a saudou com afetuosa cortesia, e Elise viu que ultimamente

tinha mudado um pouco. Ainda usava altos saltos presos em suas botas. Juannão suportava o fato de que nunca chegaria a ser muito alto, mas seu traje era

mais sóbrio que em ocasiões anteriores, e se comportava com uma silenciosadiscrição.

Só seus olhos eram os mesmos. Estavam tão escuros e alerta comosempre, e Elise pensou que o príncipe era um ator realmente soberbo. Juan eraardiloso e ambicioso. Sabia utilizar muito habilmente a oportunidade e aconveniência.

Um leve calafrio percorreu Elise. O que ocorreria se Juan chegava seconverter em seu rei?

— Que prazer poder recebê-lo aqui, alteza! — Disse, lhe devolvendo asaudação.

— Ah, Lady Elise, o prazer não é meu objetivo. Vim para ver como vocêsuportou o inverno com o Longchamp em seus calcanhares!

— Muito bem, obrigada. — Respondeu Elise, refreando sua língua. Sabiaque o príncipe não tinha vindo a se certificar de seu bem-estar, mas sim,apenas queria saber até que ponto estava disposta a fazer sua parte para lidarcom o Longchamp.

— Não sei por que meu irmão o rei mostra semelhante cegueira diantedesse homem! — Exclamou Juan veementemente. — Um homem que ameaçademolir a propriedade de seu marido, enquanto Bryan Stede cavalga ao lado deRicardo! Contudo, confiou em que Ricardo se ocupará de que se faça justiça, epor isso retornei a estas costas para saber o que pensa o povo fazer sobre esteassunto. Pude ouvir sua voz.

Elise não disse nada. Juan, interpretando o papel de benevolentegovernante, voltou-se para os membros de seu séquito para apresentar-lhe, sóum deles se manteve afastado, um homem vestido de sacerdote que despertoua curiosidade de Elise. Em seguida tinha reconhecido a seus outrosacompanhantes. Eram nobres conhecidos por sua grande afeição ao vinho e àsmulheres, e Elise não pôde evitar seguir se sentindo um pouco inquietaenquanto recebia a eles na casa senhorial. O sacerdote não parecia ter lugarnaquele grupo. Naturalmente, também era certo que alguns membros do clerotinham se tornado famosos por ignorar as regras de seu habito, mas mesmoassim...

Gwyneth fez uma aparição na sala e Elise se alegrou disso, porqueGwyneth assumiu sutilmente os deveres de anfitriã, ordenando quetrouxessem comida e o vinho, e contribuindo um novo e mais alegre ambiente àsala.

Elise ficou aliviada de suas funções e pôde dar as boas-vindas ao últimodos convidados o homem encapuzado que permanecia em um segundo plano.Quando outros foram para a lareira, aquele homem a chamou suavementeenquanto elevava a cabeça. Elise viu um par de reluzentes olhos azulcinzentos.

— Geoffrey! — Exclamou com verdadeiro deleite. — Estava preocupadacom você, mas já vejo que está livre e bem!

— Shh! — Disse ele. — Se, estou livre e me encontro muito bem. —Sorriu tristemente. — Inclusive tenho um pouco de herói, mas não finjocavalgar com esta comitiva. Por nada do mundo quero que Ricardo saiba queme uni ao Juan. — Suspirou. — Já me acusa o suficiente de cobiçar a coroa demeu meio irmão, e embora eu continuo dizendo que o trono da Inglaterraficaria muito cheio com o Ricardo já estando sentado nele. Os rumores seguemcirculando.

— Mas Geoffrey, agora é arcebispo! Bem, certamente ninguém...— Não. Porque certamente não existe quando a pessoa tem sangue real....

seja qual seja o lado dos lençóis de que possa provir. — Ficou muito sério. —Por isso estou aqui, Elise.

— Por quê?— Tome cuidado com o Juan. Tenha muito cuidado. Elise. Está ciumento

de Bryan, devido o muito que Ricardo o respeita e porque lhe outorgou taisriquezas. E suspeita de você. Devido ao interesse que demonstra Ricardo. E seele tivesse toda a Inglaterra enquanto que você vivesse em uma ilha pequena,então iria querer se apossar dessa ilha pequena.

— Que vou fazer? — Exclamou Elise. — Longchamp em um lado, e Juanno outro!

— Não faça nada. Te limite a tomar cuidado, e não te mova daqui. SeRicardo morrer sob a espada de um sarraceno, Juan séria rei. Se acreditar queaceita isso e que lhe será leal, então te deixará em paz. Não cabe dúvida de queLongchamp terminará sendo vencido, porque foi muito longe. O povoenlouqueceu quando a irmã do chanceler se atreveu a me prender. AgoraRicardo tem que fazer algo, e o fará. Mas Ricardo respeita ao Longchamp, porisso cabe a possibilidade de que o chanceler consiga tomar o poder. E aconteçao que aconteça, Elise, não permita que seus sentimentos chegue a te delatar.Vivemos tempos muito perigosos para os bastardos reais.

— Ninguém sabe, Geoffrey. — Disse Elise em voz baixa. — Nem sequer...Bryan.

Geoffrey sorriu.— Ah... Assim que vocês dois continuam liberando sua pequena guerra!

Em uma ocasião te adverti de que não devia fazer dele um inimigo, irmãzinha.— Não somos exatamente... inimigos. — Murmurou Elise, ruborizando-

se.Geoffrey levantou uma sobrancelha com um ligeiro sorriso.— Me alegro, Elise, porque neste momento seu marido tem que dedicar

todo seu tempo ao rei. Bryan suplicou que lhe permitisse retornar para casa,

mas Ricardo não quer se afastar dele.Elise riu amargamente.— Então parece que nada tem muita importância, verdade? Sejamos

amigos ou inimigos, quando Bryan retorne para casa mal se lembrará do quetínhamos chegado a ser.

Geoffrey apertou a sua mão.— Isso pode não demorar acontecer. — Ele disse com doçura.Ela tentou sorrir, mas não pôde fazer. Ambos sabiam que Geoffrey estava

mentindo. Elise tinha sido arrastada a um jogo perigoso entre o chanceler e opríncipe, com Geoffrey sendo seu único autêntico amigo.

— Você... viu Bryan? — Perguntou.— Faz alguns meses, antes de que decidisse que deveria retornar para

Inglaterra apesar de minha promessa.— E?— Bryan sempre está bem. Mais sombrio e calado do que nunca cheguei

a vê-lo, isso sim. Mencionou que tinha perdido um filho. Sinto muito.Elise baixou rapidamente os olhos para que Geoffrey não visse as

lágrimas que formavam em seus olhos. Bryan tinha mencionado do filho, e elaestava segura de que com uma grande decepção. Possivelmente acreditava queElise nunca poderia lhe dar seu herdeiro, que era muito frágil para isso. Talvezpassava os dias lamentando seu matrimônio, e as noites encontrando consolopara a prisão do matrimônio que o mantinha preso a ela.

Ah, se pudesse estar com ele! Parecia que nunca ia ter uma ocasião delhe demonstrar que...

Que o amava. Que poderia ser uma esposa maravilhosa... e uma mãeigualmente maravilhosa.

Elise levantou a cabeça. Quaisquer que fossem as outras coisas nasquais tinha fracassado, pelo menos tinha conseguido manter forte à casasenhorial. Tinha mantido a salvo a propriedade de Bryan para quando eleretornasse.

— Obrigado por ter vindo para me ver, Geoffrey. — Disse a seu meioirmão. — E te prometo que terei muitíssimo cuidado com o Juan. — Geoffreyassentiu sem deixar de olhá-la. — Venha, bebe um pouco de vinho esquentadocontra o frio. — Disse ela.

Levou-o a mesa, onde começaram a falar de coisas sem importância, atéque Geoffrey foi à lareira com sua taça. Então não afastou os olhos de LadyElise. Ela esteve muito cordial e manteve cuidadosamente a margem os maisluxuriosos dos acompanhantes de Juan, aqueles que podiam temer aoCavaleiro Negro, Bryan Stede, mas se consideravam a salvo tendo umcontinente de distância.

Elise era uma daquelas estranhas belezas que combinavam a sabedoriacom uma majestosa serenidade. Geoffrey pensou pela milésima vez que eles, osfilhos ilegítimos de Henrique, teriam sido muito melhores herdeiros ao trono.

Suspirou apressadamente enquanto bebia seu vinho. Queria muito a suacabeça, para se expor ao risco de perdê-la tentando tomar a coroa. Ricardo eraum homem tão formidável que para Geoffrey, nunca pensou enfrentar a seuirmão.

Mas se Juan chegava a subir ao trono, então todos teriam que começar atremer.

Sorriu enquanto ouvia como Elise golpeava brandamente a mesa com seucálice. Então Elise o levantou, e permitiu que seus olhos cravassemsucessivamente em cada um dos homens.

— Bebamos por nosso soberano o nobre Ricardo! Rei da Inglaterra,Conde de Anjou, Duque da Normandia e da Aquitânia.

Todos os cavaleiros elevaram suas taças. O príncipe Juan repetiu obrinde. Geoffrey teve a segurança de que estava saboreando as palavras, e quesubstituía mentalmente o nome de Ricardo pelo seu.

Graças a Deus que Ricardo era forte e estava mais são que um boi!O grupo do príncipe ficou com eles durante uma semana. Para Elise,

aqueles dias foram muito desventurados, durante os quais tentou cortesmenteevitar as perguntas indesejadas dos seguidores de Juan.

Então estava o próprio Juan. O príncipe, como lhe tinha advertidoGeoffrey, era um homem que receava de tudo e de todos. Interrogava-a arespeito de seu passado, a respeito de Bryan, a respeito da casa senhorial.Elise sempre estava tensa. No momento Juan tinha necessidade dela, porquerepresentava um bastião contra Longchamp. Mas estava ciumento de Bryan, eElise poderia ler a inveja em seu tom, inclusive quando o príncipe recorria àparte de encantos dos Plantageneta que lhe tinha correspondido pornascimento. Se atreveria alguma vez, a levantar a sua mão contra Bryan?Provavelmente não, pensou Elise. No caso de que conseguisse chegar ao trono,Juan teria necessidade de homens como Will Marshal e Bryan Stede.

Contudo, ela provavelmente deveria se manter alerta diante seu irmãodurante o resto de sua vida.

O única fato realmente benéfico da chegada de Juan, foi a mudança queaconteceu em Gwyneth.

Gwyneth parecia ter voltado para a vida. Não formou aliança decasamento com nenhum dos cavaleiros, mas gozava imensamente com aatenção que eles lhe dedicavam.

— Estou tão chateada! — Confessou para Elise. — Nenhum deles é aclasse de homem com o qual desejaria me casar, embora suponha que agora

que Percy partiu, terei que me casar. Ricardo assim o ordenará.— Sir Trevor é um homem muito bonito. — Sugeriu Elise. — Parece mais

amadurecido que os outros, mais digno de confiança.Gwyneth começou a rir.— Sir Trevor cavalga com o príncipe, e é tão estúpido e luxurioso como

outros. Mas... Oh, Elise! Que farta estou de ter que esperar aqui, presa pelaneve, e quase assediada por esse desprezível Longchamp! Temo terminarmorrendo de monotonia se não acontece algo logo!

Elise sentia o mesmo que ela, mas não disse nada.— Você tem ao Bryan para esperar que retorne. — Lembrou Gwyneth

com doçura. — Se minha situação fosse essa, poderia suportar esta solidão...— Pelo menos tem a seu filho.— Sim... e o amo muito. Mas você deve saber, igualmente sei eu, que o

amor de uma criança não é como de um homem. Oh, Elise! Iria até mesmo aoinferno para voltar a conhecer um homem de verdade!

— Gwyneth! Isso é uma blasfêmia!— Mas é verdade.— Já acontecerá, Gwyneth. Seriamente.E ocorreram coisas. Longchamp incrementou suas ameaças contra as

propriedades de Will Marshal e Bryan Stede. O inverno o manteve a margem, eElise e Gwyneth seguiram estando presas na fortaleza, solidamente fortificadarodeada pela neve. Elise começou a desesperar-se, mas quando parecia terchegado a sua hora mais escura, o destino lhe proporcionou uma estranhapausa por obra e graça de outro grupo de cavaleiros que chegou à casasenhorial.

Então tinha despertado de fato, Gwyneth e a metade da casa seguiamdormindo, quando ouviu o longínquo som de umas trompetistas. Elise se vestiua toda pressa e correu à torre do sul. Alaric estava com os sentinelas, olhandoatravés do campo. Elise se uniu a ele. Ambos contemplaram ao grupo decavaleiros que vinha para eles, tentando distinguir os estandartes queondulavam ao vento.

— Esse não é Longchamp... — Murmurou Alaric tensamente. Então, derepente, ele e Elise se encontraram se olhando com olhos cheios de alegria,porque os estandartes luziam os leopardos e os lírios da Inglaterra. O emblemados Plantagenetas.

— Mas não pode ser o rei! — Murmurou Elise. — Ricardo nunca deixariasuas cruzadas. E não é Juan novamente, porque Juan sempre chega muitofurtivamente para se apresentar fazendo ondular o estandartes.

— Não é o rei... e não é o príncipe! — Exclamou Alaric. — É a rainha!

— Leonor! — Gritou Elise.A casa senhorial não demorou para ser uma agitação de atividade. E

Elise logo se encontrou abraçando à rainha, enquanto sentia como a distânciaque o tempo tinha feito surgir entre elas, caía igual às folhas do outono.

Na sala, Elise suplicou que a pusesse à par das últimas notícias.— Oh, Leonor! Sempre me alegro muito em ver você, mas o que está

fazendo aqui? Pensava que tinham intenção de seguir ao Ricardo e vê-locasado...

— Eu vi contrair o matrimônio, assim agora sou uma rainha viúva damaneira mais oficial possível.

— Com Alys?— Não, e é algo que sinto muito, porque fomos pateticamente injustos

com essa jovem. Ricardo contraiu matrimônio com a princesa da Navarra,Berengaria. Mas temo, que tampouco tenho feito nenhum favor a Berengaria,porque o noivo voltou a partir na mesma tarde das bodas. — De repente Leonorolhou fixamente para Elise. — Vim em minha qualidade de regente daInglaterra. Se Ricardo se negar a salvá-la por si mesmo, então eu terei quefazer por ele. E agora, me conte tudo o que saiba sobre o que organizou esseLongchamp!

Elise assim o fez, lhe explicando solenemente quanto tinha acontecidodurante a primavera passada, a morte de Percy incluída.

— Nunca pudemos chegar a provar que foram os homens deLongchamp...

— Mas foram. — Disse Leonor com uma seca certeza. — Bem, sentiremosfalta de Sir Percy em nosso reino. Mas pode estar segura de que Longchampsofrerá uma precária queda. Venho com o selo de Ricardo, e com um bomnúmero de homens armados. O governo de Longchamp chegou a seu fim. Senão bastar comigo, Ricardo enviou a outros. Agora mesmo William Marshal vaipara o castelo de Pembroke. Voltaremos a nos reger pela lei.

— Will! — Exclamou Elise excitadamente. — Ricardo enviou ao Will? Equanto a Bryan...? — Começou a perguntar, e se calou assim que viu aexpressão de pena da rainha.

— Sinto muito, menina, mas Bryan não vai retornar. Ricardo já deupermissão ao Will para que volte para sua casa, e não dispensará ambos.

— Oh. — Murmurou Elise, tratando de ocultar sua decepção. Sópercebeu que Gwyneth acabava de entrar na sala, pois escutou as palavras decondolência que a rainha dirigia à viúva. Mas um instante depois, Leonor jávoltava a se dirigir a ela, e Elise se obrigou a prestar atenção.

— Soube que perdeu um bebê, Elise. Sinto muito, mas não deve levarisso muito pessoalmente. Dará à luz a outros.

— Uma proeza muito difícil para uma mulher sozinha, majestade! —Encarregou de dizer Gwyneth, substituindo Elise.

— Verdade. — Murmurou Leonor com voz cheia de pena. — E nemsequer eu poderia convencer Ricardo para dispensar ele... — De repente Leonorriu, e seus olhos ainda jovens se iluminaram com a excitação de uma moça. —Bryan não pode vir até você, querida minha, mas possivelmente você poderia iraté ele.

Elise conteve a respiração.— Indo para as cruzadas? — Perguntou com voz entrecortada.— Por que não? Eu mandei às tropas da Aquitânia junto ao Luis quando

era rainha da França. Várias de nós, herdeiras por direito próprio, vamos àchamada. Chamávamos as amazonas, e devo dizer que nos sentíamos muitoorgulhosas disso. Desenhei trajes para que pudéssemos cavalgar como fazemos homens, e viajávamos sem levar mais bagagem que eles. Luis e eu tivemosessa espantosa disputa que terminaria levando a nosso divórcio quandoestávamos nas cruzadas, mas meu destino não estava com o Luis a não sercom o Henrique. E mesmo assim, que maravilhoso foi ver os palácios orientais!Como chegaram a nos tratar com atenção. Naquela época meu tio era o duqueda Antioquía... Oh, se agora fosse jovem... mas não sou. E além a Inglaterra menecessita. Mas... — Os olhos do Leonor seguiam faiscando com um intensoresplendor. — Se a Inglaterra me tiver, então Cornualles estará a salvo doshomens como Longchamp! E então você, duquesa, terá um exército muitopoderoso, mas que carecerá de toda utilidade. Pegue esses homens e leva ascruzadas!

— Me seguiriam? — Murmurou Elise. Gwyneth respondeu a essapergunta com uma gargalhada.

— Já levam um ano obedecendo suas ordens! — Disse. — Com umaoportunidade de chegar a ser cavaleiros, os aguardando no campo de batalha,estou segura de que seguirão a qualquer lugar. E eu também irei, Elise! Nãopoderia suportar ficar totalmente sozinha. Aprendemos a fazer frente às coisasjuntas e, realmente, me sentiria muito mais segura indo contigo do que ficarpara atrás, tão isolada. Oh, poder pôr fim a esses dias de eterno aborrecimento!

Elise olhou para Gwyneth com uma sobrancelha ceticamente levantada.Então encolheu os ombros e riu. De repente, voltava a se sentir viva de umamaneira em que não havia sentido desde que viu morrer ao Percy, e perdido aseu filho antes de que este tivesse chegado a conhecer a vida. Uma súbitaexcitação fez que sentisse como se seu sangue corresse pelas veias em grandescorrentes, e como se fosse forte, e invencível.

Bryan...Podia cavalgar até Bryan. Tinha trabalhado uma e outra vez com seus

guardas, e estes estavam preparados para combater. Poderia mandá-los,porque já levava muitos meses mandando-os e os havia forçado o suficiente.

Tinha convertido a casa senhorial do Firth em um bastião tão sólido queninguém se atreveu a atacá-la.

E as cruzadas! Poderia cavalgar na guerra Santa de Deus, poderia verlugares longínquos, terras cheias de mistério e beleza.

E Bryan...Já não teria que se perguntar onde dormia. Estaria junto a ele,

combatendo a seu lado e por ele. Não mais na espera, não mais na tortura, nãomais no aborrecimento. Não mais se perguntar se seu marido chegaria aretornar alguma vez.

Passaram tanto tempo separados. Pensava ainda nela? Desejaria-a?Poderia se permitir ela abrigar a esperança de que ele também pudesse amá-la?

Não importava. Podia ouvir a chamada do clarim que convocava àbatalha, e ia seguir. Seus olhos se encontraram com os de Gwyneth, e Elise viuque estes refletiam sua excitação.

Um leve tremor de inquietação se apropriou dela durante um momento.Gwyneth iria com ela. Gwyneth... a amiga à qual tinha suportado tantas coisasjuntas.

Mas eram realmente amigas? Estava impaciente Gwyneth por pôr fim aohorrível aborrecimento dos dias que compartilhava com Elise? Ou também,como a Elise, só pensava na possibilidade de voltar a ver o Bryan?

Em realidade não importava. Nada importava. Se terá que chegar a isso,Elise estava tão decidida a enfrentar Gwyneth, como estaria enfrentando a todoo exército do islã, para ter uma oportunidade de voltar a ver seu marido.

Para averiguar se a vida poderia rivalizar com o esplendor da memória...Levantando-se de um salto, Elise abraçou efusivamente à rainha.— Tenho intenção de fazer isso, majestade!Leonor assentiu lentamente.— Sim, Elise, penso que o fará. Te prepare, e então espera minha

chamada. Estou segura de que Longchamp fugirá da Inglaterra, porque se nãoo faz, saberá o que se sente dentro de um cárcere. Amanhã irei a Londres, elogo que seja possível, te comunicarei que já pode te pôr em caminho.

As coisas não estavam indo nem a metade do que parecia ser simplesexpostas daquela maneira. Ricardo tinha enviado já o ancião Walter Coutancecom Leonor, mas embora Walter entregou ao Longchamp as ordens de Ricardo,Longchamp proclamou que estas não eram autênticas. O príncipe Juan estavano Sudoeste e, odiando ao Longchamp, o povo ficou de seu lado. Longchampchamou traidores ao Juan e Geoffrey, e a ameaça de uma guerra civil seintensificou ainda mais. Mas finalmente foi possível reunir suficientes força, eRicardo enviou novas ordens. Longchamp não só iria ser deposto, mas sim,além disso teria que enfrentar a um julgamento e suas propriedades seriamconfiscadas.

Longchamp fugiu. Foi capturado, disfarçado de mulher, no Dover. Poucofaltou para que o enforcassem como uma bruxa, mas foi reconhecido, e em vezde ir ao cadafalso o encarcerou, seguia sendo um dos favoritos de Ricardo, e sóRicardo poderia ditar a sentença final.

Longchamp subornou a um carcereiro e conseguiu escapar para ocontinente. Mas em realidade aquilo não parecia importar, porque a ameaçaque representava para a Inglaterra, e para o Elise tinha cessado. Ricardoterminaria encontrando ele cedo ou tarde, e então Longchamp teria queresponder de todos seus atos.

Ainda faltava por ver o que faria Juan.Para Elise parecia que sua liberdade para ir embora tinha demorado uma

eternidade em chegar. Voltou a ser primavera, já tinha transcorrido mais deum ano da última vez que viu Bryan, antes de que pudesse tomar a seuexército e Gwyneth, Jeanne e a velha Kate, e partir para a Terra Santa.

Elise passou sua última noite na casa senhorial contemplando o fogo queardia em seu quarto. Tentou se convencer a si mesma de que tinha que estarlouca para embarcar em semelhante missão. A rota seria longa, e perigosa.Viajaria com um exército, naturalmente, um exército que colocaria ao serviçode Ricardo Coração de Leão.

Mas sabia que seu objetivo não era prestar ajuda ao rei. Iria partir porquetinha que fazer isso, porque uma febre que tinha crescido dentro dela pareciaimpulsioná-la. Ardia em desejos de voltar a ver o Bryan, de descobrir sepoderia haver amor entre eles. Como o necessitava, como chorava suaausência, como o desejava! E tinha tanto, tanto medo de que não vê-lo logo,então o perderia para sempre.

Começou a andar pela habitação, se perguntando se não seria realmentefilha da estirpe do diabo, porque agora sabia que nem o céu nem a terrapoderiam chegar a afastar a de sua missão.

Pela manhã, eles partiram.O pequeno Percy ficou confiado a Maddie. Elise se perguntou como era

capaz Gwyneth de separar do menininho, vendo como os olhos castanhos dePercy se enchiam de lágrimas enquanto se foram, Elise soube que nuncapoderia abandonar a seu filho... no caso de que ela e Bryan vivessem parachegar a ter algum.

Ia ser uma viagem muita longa. Da costa inglesa cruzaram o Canal parachegar ao Balfleur. Através da Normandia, Maine, Poitou e Aquitânia, puderamencontrar hospitalidade nos diferentes castelos e posses de Ricardo. Elise,Gwyneth e Jeanne compartilharam alojamentos de distinto grau decomodidade, enquanto que o exército quase sempre acampava nos campos.Mas era primavera e o tempo, em sua maior parte, sempre era bom. A estaçãode plantar as colheitas já se apropriou dos campos. Os fazendeiros os aravam,e a folhagem iam ficando mais verde a cada dia que passava, e as floresbrotavam em qualquer parte.

Desde a Aquitânia, viajaram pelos domínios do rei Felipe. Ali tambémencontraram hospitalidade nas residências e propriedades do monarca francês,já que das cruzadas, Felipe e Ricardo eram aliados. Escarpados e atalhosmontanhosos os levaram da França até as províncias e principados da Itália.Cada quilômetro percorrida fazia que Elise estivesse um pouco mais perto deBryan.

Embarcaram no porto de Brindisi em navios mercantes obtidos dehomens do mar italianos. O mar Jônico estava tranquilo e belo enquanto osconduzia ao Mediterrâneo. Passaram uma noite ancorados perto de Giz, e logovoltaram a estar no mar. As tormentas açoitaram o Mediterrâneo comtempestuosa ferocidade poucas horas depois de que tiveram embarcado, e suaembarcação balançou com violenta fúria.

Elise, Gwyneth e Jeanne passaram intermináveis horas de medo a se

agarrando uma à outra, sob coberta enquanto erguiam preces à Virgem, atodos os Santos, ao Jesus Cristo e a Deus. Elise amava o mar, mas nunca otinha visto tão enfurecido. Finalmente, deixou juntas Jeanne e Gwyneth esubiu se cambaleando para coberta, agarrando-se aos mastros e osequipamentos do barco. Ergueu o olhar para o céu de cor cinza aço, através dachuva e voltou a rezar fervorosamente para que lhe permitisse viver, emboranão fosse merecedora disso. E pediu a Deus que o que ele decidisse, nãotrouxesse consigo a morte de outras pessoas.

Continuou chovendo, e o vento aumentou. Elise não demorou para ficarconvencida de que Deus não se incomodou em escutá-la.

Mas enquanto permanecia imóvel ao lado do mastro, se aconchegandojunto a ele mergulhando no frio e na miséria, o vento começou a morrerlentamente. Ainda mais devagar, o céu passou do cinza ao azul. Elise caiu dejoelhos, sussurrando seu agradecimento às alturas.

A luz do dia lhe mostrou que nenhum dos navios se afundou. Só se tinhaperdido uma vida, a de um guerreiro que foi arrastado sobre a amurada nomomento culminante do vendaval.

Um período de mares pacíficos os levou para Chipre. Foi ali ondesouberam que o rei Ricardo tinha tomado a cidade portuária de Acre.

Mais uma viagem, só uma, Elise disse a si mesma, e sua missão seriarecompensada. Naquela noite logo que dormiu, tão ansiosa estava, tãopreocupada, tão nervosa. Como a receberia Bryan?

Finalmente chegaram a Acre.Sob um intenso sol, entraram pela primeira vez no mundo árabe. Os

mercadores gritavam suas mercadorias nas ruas, e mulheres disfarçadas foramcorrendo de um lado a outro. Um aroma de incenso flutuava no ar, e oscamelos percorriam as ruas com seus torpes andar. Tudo era caloroso,poeirento e completamente alheio. Os cavaleiros ocidentais andavam pelosmesmos caminhos que misteriosas mulheres disfarçadas.

Elise olhou em torno dela com os olhos exagerados pela fascinação.Finalmente estava ali!Ela se sentia emocionada, cheia de excitação...E não poderia deixar de tremer. Logo, muito em breve, veria o Bryan.

TERCEIRA PARTE:

Leões do Deserto

Capítulo 23

Agosto de 1190Oásis do Muzhair, no caminho para Jerusalém

O grito do Islã cresceu ao redor dele, ressonando por toda parte em umcântico que começava sendo suave para logo se voltar rapidamente estridente.Suas notas foram repetidas em um sem-fim de ecos, pelos lábios dos infiéis.Primeiro os homens que lutavam a pé, chegaram correndo com aquele gritopara se chocar com os cristãos, e logo vieram os que cavalgavam sobre seusgraciosas montaria árabes, com as espadas brilhando malignamente sob o sol,enquanto os cascos de seus corcéis trovejava em cima das areias.

— Arqueiros! — Gritou Bryan, para cem homens bem treinados avançoucom seus arcos longos. Bryan levantou a mão para esperar, com uma nervosatensão e, com o súbito sinal com a mão através do ar, as flechas começaram avoar. Subiram em elegantes arcos cuja rápida elegância era digna de se ver, elogo caíram para abrir passagem través da carne e o osso, e pôr fim ao canto doislã enquanto os homens gritavam em mortal agonia e se desabavam.

Mas ali onde as fileiras foram quebradas, novos homens enchiam asbrechas. Tantos... lutando por suas terras, por sua forma de vida.

Bryan tinha acreditado toda sua vida no grande credo cavalheiresco dacristandade. A meta de Ricardo também tinha sido a sua, Jerusalém... para osseguidores de Cristo. Tinha lutado ao lado de Henrique, e tinha dado morteuma e outra vez durante a batalha. A carnificina que estava acontecendo a seuredor, não deveria ser nada novo, e matar infiéis teria que ser muito fácil.

Mas não havia nada de fácil naquilo, que conheciam como a TerceiraCruzadas. Os seguidores do islã estavam sendo comandados por um homemchamado Saladino. Saladino tinha dada origem à Terceira Cruzadas,arrebatando Jerusalém dos cristãos tinham permanecido na Terra Santa paragoverná-la depois da Primeira e a Segunda Cruzadas. Os muçulmanos otinham por um herói Santo, e Bryan quem estava liderando escaramuças comele desde que finalmente conseguiram chegar ali em junho, não podia evitaradmirar sua honestidade e sua valentia.

Saladino não era jovem, posto que já tinha deixado para atrás as cincodécadas de existência. Quando era muito mais jovem, tinha passado a servir aocalifa25 egípcio e se converteu em Vizir26 ou governante, daquele país. Tinha

estendido seu governo sobre Ladysco, Alepo, Mosul e Edesa. Sua capacidademilitar beirava na genialidade, e Bryan tinha descoberto que era um grandeconstrutor, as escolas e as mesquitas se erguiam sob sua mão, os estudiososeram bem-vindos em seus palácios, e os habitantes de suas secas terras dodeserto eram recompensados com canais e irrigação. Na batalha era terrível, efora do campo de batalha sempre falava suavemente e sem levantar a voz,embora não por isso perdia sua firme determinação.

Ele e Bryan se encontraram cara a cara em uma ocasião e tinhamcombatido ferozmente com suas espadas, ficando um pouco atordoados aodescobrir que nenhum era capaz de superar a seu rival.

Então quase sorriram um com outro enquanto retrocediam. Mas osmortos jaziam em qualquer parte ao redor deles, e seus sorrisos em seguidadesapareceram.

— É Stede. — Murmurou Saladino.Bryan voltou a se surpreender ao ver que um poderoso governante

conhecia seu nome. Saladino falava com um francês marcado pelo acento, massuas palavras não podiam soar com maior claridade e Bryan não tevedificuldade alguma para entendê-lo.

— Sim. E você é o grande Saladino.Saladino assentiu antes de voltar a falar.— Meu povo morre, e o seu morre sobre as ressecadas e distantes areias.— Jerusalém é nossa cidade mais Santa. Os seguidores de Cristo clamam

para poder ir a ela em peregrinação.Saladino aceitou suas palavras, e logo voltou a sorrir com tristeza.— Esta terra, este deserto, pertence a nosso povo. Não posso renunciar a

Jerusalém. Mas eu não teria nenhuma objeção à presença dos peregrinos. Digaisso ao Ricardo Coração de Leão.

— O direi. — Respondeu Bryan e então, falando com uma amargura quenão pretendia, acrescentou. — Mas não me escutará.

— Então deveremos lutar até que escute. Você obterá vitórias, e euobterei vitórias. Os homens morrerão. E outros homens, como você mesmo,seguirão sentindo a falta do lar e da suas mulheres e seus filhos.

Bryan tinha sorrido sombriamente.— A minha mulher... porque apenas tenho uma, grande sultão.— Só uma? Tem que ser muito especial.Bryan sabia que os muçulmanos mantinham a várias esposas, e

possuidores de grandes riquezas também desfrutavam de haréns.— Sou cristão, Saladino. E, sim... minha mulher é única é muito

especial. Mas não tenho filhos.

Saladino tinha rido com alegre bom humor.— E tampouco os terá..., enquanto sua mulher chore sua ausência em

uma terra longínqua, e você veja sangrar aos homens em cima desta areia! Ouserá que sua mulher não chora a sua ausência? Se for tal como você diz que é,possivelmente encontre a outro enquanto você está longe. Deveria estar emcasa. Sou um homem razoável. Fale com seu rei.

Sem temor algum, Saladino deu as costas para Bryan e se afastou agalope. Infiel ou não, um homem honorável reconhecia a outro. Saladino sabiaque Bryan, era tão incapaz de esfaqueá-lo pelas costas, como teria sido ele delhe fazer tal coisa ao Bryan.

Ambos os homens tinham vivido para continuar lutando.Bryan falou com Ricardo do encontro, mas tal como tinha esperado,

Ricardo apenas prestou atenção. A palavra de um infiel, não significava nadapara um rei cristão. Ricardo queria Jerusalém.

Hoje Bryan não enfrentava ao Saladino, a não ser a seu sobrinhoJalahar. Jalahar era um Emir27 com antigos direitos sobre o oásis do Muzhair.Sua residência principal era conhecida como o palácio do Muzhair, e seencontrava a algumas horas mais à frente do oásis indo a cavalo.

Bryan levantou a sua espada quando os muçulmanos atacaram contra oscristãos. Seus homens estavam melhor treinados, e eram os lutadores maiseficientes. Mas os muçulmanos chegavam em hordas. Bryan gritou ordens,seus cristãos fecharam filas e deu começo um feroz combate corpo a corpo.Bryan viu como Sir Theban, um cavaleiro de Montoui, empunhava o velhomachado de guerra pelo qual se tornou famoso. Um homem caiu na frente dele,com sua cabeça quase separada do corpo. Então Bryan obrigou a sua menteque ficasse em branco enquanto desembainhava a sua espada, porque ummuçulmano vinha para ele agitando a sua espada, enquanto entoava seuestridente cântico com toda a potência de seus pulmões.

O sol caía implacavelmente sobre eles, fazendo brotar um repugnantefedor do sangue que estava sendo derramada. Levantou-se um vento que fezformar redemoinhos das areias do deserto, cegando aos homens e enchendo assuas bocas com uma súbita secura. A batalha seguiu seu curso. O braço deBryan foi golpeado por uma espada de Damasco28 e, resmungando umamaldição, Bryan atravessou o estômago do muçulmano com sua lâmina.

Um cântico voltou a ressonar no deserto, agora indicando que osmuçulmanos estavam se retirando. Bryan limpou o suor e a areia dos olhos efoi seguindo sua retirada com o olhar.

Montado no alto de uma duna distante, e uma silhueta contra o azulamarelado do dia, viu Emir Jalahar. Era inconfundível, porque montava umcorcel de um branco tão puro, como negro quanto à meia-noite que era o deBryan.

Jalahar... o sobrinho do Saladino, e um guerreiro brutal e temível. Masera jovem, com não mais do que duas décadas de idade, e ainda não tinhaaprendido a sabedoria e a estratégia de seu tio.

Aquela era uma batalha que Jalahar tinha perdido.Bryan acreditou poder sentir os olhos de Jalahar cravados nele, lhe

devolvendo seu escrutínio. Jalahar tinha perdido, mas a batalha tinha sidoliderada como era devido. Ambos os homens sabiam. Jalahar se inclinou sobresua sela em uma saudação dirigida ao Stede, e Bryan o devolveu levantandouma mão. Os muçulmanos desapareceram detrás da duna, e Bryan se dispôs aconcentrar-se na espantosa tarefa de separar os feridos dos mortos.

— Se apressem! — Ordenou a seus homens. — Nossos feridos morrerãorapidamente aqui, devido ao calor.

Sir Theban, um guerreiro descomunal, corpulento mas com umaconstituição que o tornava quase quadrado de tão cheio de musculatura queestava, pôs-se a andar junto de Bryan. Parou ao lado de um homem que gemia,e Bryan virou a cabeça para gritar que alguém trouxesse ajuda. Os cavaleirosreataram seu caminho, e de repente Sir Theban se ajoelhou.

— Que a Virgem María abençoe a esta desafortunada moça! — Exclamou.Cheio de curiosidade, Bryan pôs os pés no chão. Sir Theban acabava de

dar a volta a um corpo coberto de areia. Era de uma mulher. Uma moça,sobretudo. Uma que tinha sido jovem e linda, mas que agora usava um colarda morte vermelha ao redor de seu pescoço.

— Quem é? — Perguntou Bryan com voz subitamente enrouquecida.— Uma das rameiras dos franceses. — Respondeu Theban suavemente.

— Deve ter seguido a seu cavaleiro até o acampamento ontem à noite.Bryan começou a jurar veementemente.— Malditos sejam esses homens! Já disse uma e outra vez que não

permitirei que tragam mulheres para batalha!Sentiu náuseas, tão súbitas e intensas que temia que não demoraria para

se humilhar a si mesmo vomitando sobre a areia os restos de sua últimacomida. Se acostumar a ver homens mortos era uma coisa. Mas ver uma moça,uma linda jovem, rameira ou não, convertida em comida para os carniceiros dodeserto, era algo que não podia suportar. E aquela jovem... Seu cabelo eralongo e dourados. Sujo e emaranhada, estendia sobre seus pálidos traçosarranhados pela areia. Não havia nela a menor sombra de ruivo ou suspeita defogo, mas ver a jovem fez que Bryan pensasse em Elise.

Vivo mergulhado na infelicidade pelo muito que desejo vê-la, — Pensou,lembrando de sua esposa. — Mas dou graças a Deus de que não esteja aqui.

Estava seguro de que os muçulmanos não tinham tido nenhumaintenção, de matar a moça, que simplesmente tinha estado no meio. Não, não

teriam tido nenhuma intenção de matá-la. Ali as loiras eram muito estranhas,e se os guerreiros não tivessem estado imersos na batalha teriam tratado defazê-la prisioneira. Aquela moça teria sido todo um troféu.

Já não seria o troféu de nenhum homem. Estava morta. E por algumarazão, agora sua morte estava roendo por dentro dele, Bryan Stede, que tinhaaprendido há muito tempo a olhar para morte de frente.

Ele ficou em pé.— Envia a um destacamento para que se ocupe do enterro, Theban.

Retorno para o palácio da costa para informar ao Ricardo.Theban assentiu.— E quanto os infiéis?— Enterra-os também! — Gritou Bryan com voz ensurdecedora. — E não

me olhe assim, Theban, pelo amor de Deus! Nunca poderemos reclamar estapequena parte de terra se não livrarmos do fedor da morte.

Theban voltou a assentir. Bryan chamou o Wat, e lhe ordenou quereunisse aos homens que se ocuparam dos últimos enterros. Retornariam comele, levando consigo aos feridos.

Então guardou silêncio enquanto iniciava o caminho de volta à costaonde os cristãos tinham conseguido se tornar fortes. Ricardo o cobriria deelogios.

Bryan tinha infligido um duro golpe contra Jalahar e, por conseguinte,contra Saladino. Mas Bryan não queria que o cobrisse de elogios. Queriaretornar para casa.

As longas horas se converteram em dias, e os dias se foramtransformando em meses. Já tinha transcorrido mais de um ano da última vezque esteve em casa. Cartas... sempre havia cartas chegando até ele. Cartas queeram mais uma maldição que uma bênção, porque quando lia a respeito dosproblemas que estavam surgindo a milhares de quilômetro de distância, elenão podia fazer nada para remediá-los. Bryan e Marshal tinham discutido oproblema que representava Longchamp até ficar roucos, e Ricardo tinhademorado uma eternidade em admitir que havia um problema. Para Marshallhe tinha permitido retornar, enquanto que Bryan...

Bryan estava deitado acordado noite atrás de noite, rezando.Preocupando-se, pensando, se torturando. Por Elise.

Tinha passado tanto tempo.Então tinha recebido a carta em que contava que Elise tinha perdido ao

bebê, junto com a qual lhe dizia que estava grávida, de tal forma que até amesma alegria tinha sido tirado antes de que Bryan pudesse chegar a saborearseu sabor. Com que amargura tinha recebido aquelas notícias! E Percy...morto. Gwyneth e seu filho estavam vivos unicamente porque ele tinha sido o

bastante previdente para armar Cornualles.Só por causa de Elise...Elise. Bryan tinha sido consumido pelo medo quando Percy teve que

deixar de servir ao Ricardo devido a sua ferida. Pelo medo... e pelo ciúmes.Passou muitas noites de angústia se perguntando se Elise voltaria para ohomem com quem, por vontade própria, tinha tido intenção de contrairmatrimônio.

E então Percy... tinha morrido. Bryan lamentou sua morte, mas tambémsentiu perseguido pela culpabilidade, devido ao alívio que tinha experimentado.

Elise não estaria com o Percy.Mas o ataque nunca merecido que causou a sua morte!Poderia ser Elise. Elise poderia morrer entre as chamas, ficar à mercê de

alguns traidores assassinos...Só Leonor tinha evitado que Bryan desafiasse abertamente ao Ricardo e

partisse para seu lar. Leonor, que tinha jurado vigiar a Elise com olhosmaternais.

Bryan apertou os dentes até fazê-los ranger. Já não acreditava naquelaguerra Santa. Os muçulmanos chamavam o Alá da mesma maneira em que elechamava de Deus, quando necessitava de ajuda do céu. Morriam, e deixavamviúvas e órfãos, como os cristãos.

Mas Bryan seguiria combatendo, e combateria com vigor. Só poderiaretornar para casa, quando Ricardo finalmente ficasse satisfeito.

Seu silêncio meditando o levou até a cidade portuária em que Ricardotinha estabelecido seu quartel geral dentro do palácio de um Xeique deposto. Opalácio era uma deslumbrante estrutura cheia de arcos e minaretes29,adornada com belas tapeçarias, tapetes e repleta de adornos de ouro e prata. Odescomunal monarca inglês parecia totalmente fora do lugar neste ambientedelicado. Bryan estava acostumado a se sentir incômodo e torpe ali, sentadoem almofadões coberto de seda, bebendo em taças pequenas e temendoconstantemente que pudesse se mover muito abruptamente e destroçassealgum dos frágeis adornos de cristal.

Desmontou de seu cavalo diante do palácio e dirigiu um sorriso paraWat, o qual tinha ignorado durante a longa viagem de volta. Mas Wat seacostumou a mudanças de seus estados de humor, e ele sorriu cansadamenteagora, enquanto pegava as rédeas do corcel das mãos de seu duque.

Bryan levantou o olhar para as graciosas linhas do palácio e suspirou.Provavelmente estava sendo um péssimo comandante para seus homens,embora tentava não permitir que suas próprias tristezas influenciassem sobreseu caráter. Sir Theban havia dito em uma ocasião, que passava muito temposozinho, que na cidade havia muitas mulheres cheias de talento desejosas de

ser abraçadas por um cavaleiro.Bryan não tinha sido criado para o celibato, mas muitos meses antes,

enquanto esperavam o dia em que Felipe e Ricardo deixariam de discutir otempo suficiente para que as cruzadas por fim colocassem em marcha, tinhasucumbido aos encantos de uma linda camponesa. Quando ela o deixou, Bryantinha sentido o mais insatisfeito que nunca. A moça não tinha satisfeito suafome, e nem sequer tinha começado a acalmar o desejo oculto dentro de seucoração, que tinha passado a reger o corpo de Bryan. Sua esposa, decidiu comum seco humor, tinha-o enfeitiçado. Nunca tinha chegado a conhecê-la deverdade, e ela nunca tinha chegado a confiar nele. Elise ocultava escurossegredos, e parecia desfrutar provocando-o e burlando dele. Mas o tinhaenfeitiçado.

Se Elise nunca lhe desse um herdeiro que ele tanto tinha acreditadodesejar, isso não lhe importaria nem um pouco, com tal que pudesse estarperto dela. Com tal que pudesse começar a penetrar o que estava ocultandodebaixo de seu tremendo orgulho...

Então pensou naquela moça morta, que tão intensamente lhe tinha feitolembrar de Elise e ficou muito sério. Seu único consolo era saber que naquelesinstantes, Elise estava dentro dos limites protetores do cuidado de Leonor.

— Bryan!Ouviu gritar seu nome e franziu a testa, sabendo que reconhecia aquela

voz feminina. Então, da simples entrada do elegante palácio, viu aparecer umturbilhão de cor. Uma mulher de longos cabelos escuros corria para ele, todauma beleza com o olhar do diabo em seus escuros olhos.

— Gwyneth? — Murmurou com voz enrouquecida.Ela já corria para ele para abraçá-lo.— Bryan! — Exclamou. Instintivamente, ele a abraçou. Se alegrava em

vê-la. Gwyneth era uma conexão com o lar.O lar...Afastando-a brandamente de si, Bryan a olhou com um sorriso nos

lábios.Gwyneth riu alegremente.— Vim com um novo contingente de homens!— Um novo contingente? — Perguntou ele, franzindo a testa. — Bem sabe

Deus que não iria nada mal dispor de mais homens. Mas de quem é oshomens?

Os olhos de Gwyneth eram realmente deslumbrantes.— Alguns homens que segue a Elise, duquesa de Montoui, condessa da

Sajonia e entre outros! Vocês dois têm tantos títulos, Bryan! Foi uma sugestãoda rainha. Nos falou daqueles dias em que ela foi para as cruzadas com o Luis

da França, e... Bryan?A pele queimada pelo sol dele, tinha adquirido uma aterradora palidez, e

seus olhos tinham passado do azul ao negro como fazia quando se enfureciapor algo.

— Elise... está aqui? — Perguntou Bryan com voz estridente.— Instalada em seu quarto. — Respondeu Gwyneth nervosamente,

desejando de repente não ter sido primeira em estar com ele.Bryan guardou silêncio durante alguns instantes, para logo erguer o

olhar para as janelas esculpidas do palácio.— Elise foi... realmente eficiente e sábia, Bryan. Quando começaram os

problemas na Inglaterra, em seguida aumentou a guarda. Assim queLongchamp deixou de ser uma ameaça, Elise já tinha mais homens de armasdos que necessitava. Todos ardiam em desejos de ir para as cruzadas, Bryan...Bryan?

— O quê? — Perguntou ele, voltando o olhar para ela como se não tivesseouvido uma só palavra de quanto havia dito. — Me Desculpe, Gwyneth. Jáfalarei contigo mais tarde. Sinto muito pelo Percy...

Passou distraidamente ao lado dela e subiu os escassos degraus quelevavam a palácio. Um instante depois já estava correndo, afastando aempurrões aos servos, enquanto voava pelos reluzentes corredores brancos queconduziam à escada detrás. A porta de seu quarto estava entreaberta, e Bryana abriu de um empurrão.

Elise sabia que ele vinha. Ainda estava inclinada sobre o assentoencostado à janela que dava ao pátio. A brutalidade de sua entrada a assustou,mas não se levantou.

Bryan cruzou a soleira, olhando-a como tinha feito naquela noite de abriljá tão distante no tempo. Mas de repente Elise acreditou que naquela noitetinha sido parte de um sonho, porque agora apenas poderia reconhecer aodesconhecido que havia diante ela.

A pele de Bryan tinha escurecida além da pele queimada pelo sol, e asrugas que havia ao redor de seus olhos cor fogo escuro, eram mais profundasde como lembrava ela a última vez que o tinha visto. Seu marido parecia tercrescido um pouco mais, e ter os ombros mais largos, seus escuros cabeloseram mais longos, e se enrolavam sobre o pescoço de sua túnica. Acabava dechegar da batalha, pensou Elise, e não seguiu sentada porque, pretendia lhefaltar intencionalmente respeito, mas sim porque de repente se sentia muitofraca para permanecer de pé. Agora parecia que sempre tinha estadoapaixonada por ele. Mas o tempo tinha apagado todos os hesitantes laços quetinham surgindo entre eles. Elise ainda o amava, ver o Bryan a fazia tremer, eseu corpo parecia se derreter e palpitar junto com seu coração. Mas não podiacorrer até ele. Não podia rodeá-lo com os braços, e não poderia lhe dizer todas

as coisas que tinha sonhado em dizer, quando voltasse a vê-lo. Ainda oconhecia o suficiente, ou se lembrava o bastante bem dele, para perceber deque Bryan estava furioso.

Bryan não desejava tê-la ali. Elise tinha viajado durante mesesintermináveis através das terras e dos mares para estar com ele..., e ele não aqueria ali! Da janela, Elise tinha visto aparecer um sorriso radiante como o sol,que apagou a tensão de suas feições quando seu marido saudou a Gwyneth,tinha visto como abraçava a Gwyneth, estreitando-a entre seus braços... comoriu, até que Elise se viu obrigada a lembrar sem fôlego o quão belo poderia serBryan...

Mas sua risada tinha sido para outra mulher.Bryan tragou saliva, desejando ter fechado a porta para que agora o fosse

possível se apoiar nela. Elise era como água fresca na areia escaldante dodeserto. Como a Gwyneth, estava com o cabelo solto, e aqueles cachos queardiam como o sol se enrolavam ao redor dela em um reluzente esplendor.Vestia um traje de algum desenho novo, umas folgados calças debaixo de umatúnica que acompanha as pernas. As mangas eram de um pálido água-marinha, e a túnica era de um tom mais escuro que capturava a corindescritível de seus olhos, os quais oscilavam entre o azul e o verde. Aquelacor era fascinante, Bryan estava perdido dentro dele fazia há muito tempo, eapós não tinha conhecido um só instante de paz. Elise estava mais magra, mascontinuava cheia precisamente ali onde ele desejava tocá-la, e inclusiveenquanto estava de pé diante dela querendo repreendê-la por sua presença,Bryan não podia exercer o menor controle sobre aquele desejo interior que jáestava atraindo-o para ela, para despojar de suas roupas até que pudesseestreitá-la, nua, contra ele.

— Passou muito tempo. — Disse Elise, falando primeiro. Sua intençãotinha sido de empregar um tom de voz o mais suave possível, mas a escurafúria com que a estava olhando Bryan fez que uma nota de desafio aparecessenela.

— O que é essa... loucura? — Perguntou-lhe Bryan com voz sibilante.Ela encolheu os ombros, sentindo-se confusa e doída por sua atitude.— Os homens talvez não sejam os únicos que desejam cavalgar para a

glória. Eu tinha um exército, assim que o levei para as cruzadas.— Você não vai ficar. — Disse Bryan bruscamente.Tremiam os seus joelhos. Se virou para fechar a porta e então viu que

Jeanne estava muito ocupada no fundo do quarto, tirando objetos de um baúde viagem. Jeanne interrompeu sua tarefa e seu olhar foi de Elise para Bryan.

— Sai, Jeanne. — Ordenou Bryan suavemente.— Bryan! Jeanne, não tem por que obedecer ordens de...— Sai, Jeanne. — Repetiu Bryan.

Jeanne olhou fixamente para Elise, mas obedeceu o Bryan. Bryan fechoua porta e então finalmente pôde se apoiar nela, rezando para que a sólidamadeira lhe desse forças.

— Bryan, passa mais de um ano longe de casa! Não tem nenhum direitode começar a dar ordens para minhas servas!

— Estou seguro de que ela o compreende. — Disse Bryan sem se alterar.— Elise, não vai ficar aqui. Te agradeço os homens, mas você irá pela manhã.

— Não farei isso! — Exclamou Elise, seu tom entre a tristeza e a ira. —Eu treinei a esses homens! Eu...

— Elise! Este lugar é perigoso!— Perigoso! — Elise riu amargamente. — Havia perigo em Cornualles,

Bryan Stede, e soube enfrentar como era devido a ele sem você, muitoobrigada.

As pestanas de Bryan baixaram subitamente e seus dedos se afundaramnas palmas para formar punhos. Não, ele não tinha estado ali. Tinha estadoviajando naquela estúpida companhia que não significava nada! Elise tinhatodo o direito do mundo de censurá-lo sua ausência porque ela correu um sérioperigo, mas ele não poderia permitir que voltasse a se encontrar em semelhantesituação, enquanto ele estava impotente. A rameira que tinha morrido hoje...quase tinha morrido diante dos olhos de Bryan...

— Bryan, não te vi ordenar para Gwyneth que partisse. — Disse Elisesem levantar a voz.

— Gwyneth não é minha esposa. É uma duquesa por direito próprio, enão posso lhe dizer o que deve fazer.

— Eu sou uma duquesa por direito próprio, Bryan!— Também é minha esposa.— Fico.— Não ficará!— Antes perguntaremos ao Ricardo, o que tem que dizer a respeito,

verdade? Já sei que é a mão direita do rei, mas Ricardo quererá contar commeus guardas. E são meus guardas, Bryan!

— Assim que me desafiaria indo ver o rei! — Exclamou Bryan com vozenrouquecida, cheio de fúria e sem poder acreditar no que acabava de ouvir.

Desta vez foi Elise a que baixou as pestanas. Desejava gritar a verdade.Te amo! Não posso voltar a te deixar!

Mas ele estava rechaçando-a. Elise tinha sonhado que tomaria em seusbraços e lhe diria como a tinha necessitado, como a tinha visto com os olhos desua mente durante todas as noites solitárias...

Ele nem sequer a tinha tocado, e agora estava exigindo friamente que

fosse embora.— Não me interporei em seu caminho, Bryan. — Respondeu com voz

baixa. — Mas não tenho intenção de ir.— Muito bem, Elise. — Disse ele. — Levaremos esta disputa doméstica

diante do rei. Acessarei a acatar sua decisão, com tal de que você faça omesmo.

Elise voltou a olhá-lo, com o seu coração pulsando descontroladamente.Ricardo tinha que estar em dívida com ela! Confiaria na sua clemência, e destavez lembraria sem hesitar que era de seu próprio sangue. Ela tinha enfrentadoa seus inimigos enquanto ele ordenava implacavelmente a seu marido ir paramuito longe. Desta vez, Ricardo teria que escutá-la.

Assentiu, tragando saliva. Um incômodo silêncio surgiu entre eles.— Tem muito bom aspecto. — Disse Elise finalmente.— Pareço um montão de areia. — Respondeu ele. — Mas você... você está

muito magra. Se encontra bem?Elise assentiu, se perguntando com abatimento como podiam estar tão

afastados um do outro.— Estive muito bem desde que... perdi a criança. Jeanne disse que tudo

estava indo como era devido, apenas com aquela noite na neve e Percymorrendo, e a casa senhorial necessitando mais fortificações... tudo se juntoupara se tornar excessivo. — Olhou o chão, e então para Bryan. — Sinto muito,Bryan! — Disse com um fio de voz. — Sei que... Eu desejava desesperadamenteesse bebê. Sinto muito, seriamente!

As lágrimas ameaçavam encher os seus olhos. Baixou rapidamente avista para suas mãos, e então deu um salto quando ele deixou a porta efinalmente e foi até ela, ajoelhando-se a seu lado para tomar suas mãos nassuas.

— Elise, não estou furioso pela criança! Ou talvez sim que estou furioso.Porque não pude estar ali. Porque devido a isso, você teve que carregar tudo, eprovavelmente perdeu ao pequeno porque se viu forçada a cuidar de muitascoisas ao mesmo tempo. O que me preocupa é agora. Não quero você aqui,Elise.

Ela ofereceu um sorriso torto e cheio de tristeza, com seus dedosimpaciente por estender para tocar os cabelos despenteados de seu marido.

— Nem sequer por uma noite? — Sussurrou.Bryan ouviu a fantasia brincalhona que havia em sua voz. Era como a

mais doce das chamadas de sereia. Cravou o olhar nos líquidos lagos cor água-marinha de seus olhos, e uma súbita série de estremecimentos percorreu todoseu corpo. Levantou as mãos e deixou que seus dedos se enredassem no cabelode Elise, enquanto segurava a seu rosto entre as mãos e se inclinava sobre ela

para beijá-la. Os lábios de Elise eram puro mel. Entreabriram-se sob seucontato e Bryan assolou avidamente sua boca, sentindo palpitar seu corpo coma promessa de um êxtase que tinha aguardado em seus sonhos, acordado edormido.

Elise se deixou escorregar do assento da janela para ficar ajoelhada juntoa ele. Seus dedos se enredaram entre os cabelos de Bryan e se afundaram emseus ombros. Seus tênues soluços ficaram afogados pelos lábios de Bryan, eElise se agarrou a ele em um doce abandono voluntário. Bryan tentou seafastar dela.

— Estou muito sujo. — Disse com voz afligida. — Coberto de areia dodeserto e da imundície da batalha.

— Não me importa! — Sussurrou ela. — Me abrace, Bryan! Me abrace,por favor! — Voltou a apoiar a cabeça no peito de seu marido, deixando quesuas carícias suaves como plumas cobrissem o corpo do guerreiro. Ele contevea respiração, aguçando o ouvido para escutá-la enquanto ela voltava a lhe falarem sussurros. — Me ame, Bryan. Me ame, por favor.

Bryan não necessitava maior convite para fazer isso, e tampouco podiaseguir reprimindo seus próprios desejos. Lutou com a bainha de sua espada eencontrou os dedos trêmulos de Elise lhe ajudando a tirar a espada que caiujunto dele. Elise atirou sua túnica mantendo os olhos baixos. Juntos apassaram por cima dos ombros. Bryan se sentou, levantando-o, e uma vezmais voltaram a se encontram unidos em um abraço febril.

Passou mais de um ano desde que a abraçou pela última vez! — LembrouBryan a si mesmo. — Seja delicado, seja terno, tome cuidado...

Mas o fogo que corria por seu sangue era intenso, e de repente seencontrou lhe arrancando aquele estranho traje em vez de tirar delicadamente.Mas ela não pareceu se importar, seus lábios já percorriam o peito de Bryan emordiscava suavemente a pele, beijando-o, envolvendo-o e provocando-o com aponta de sua língua. Enquanto ele lutava com a roupa que a cobria, e terminourasgando o tecido, Elise o acariciou, deixando que suas unhas criassem rastrosde prazer ao longo da coluna de Bryan. De repente a teve subitamente nua emseus braços. Os duros topos dos seios de Elise o estimularam novamente, e acurva de seus quadris fez que a mente de Bryan conhecesse uma nova espiralde êxtase. Levava tanto tempo sem segurar os seios de Elise nas palmas desuas mãos, sem acariciar o duro carmim dos topos com o calor de seus lábios econhecer o sabor acetinado de sua pele de marfim. As palmas de Bryan,endurecidas pelas calosidades, percorreram todo o corpo de Elise, enquantoseus beijos o queimavam. Mas quando a depositou em cima dos lençóis deseda da cama coberto por um dossel, Elise se sentou para voltar a estar entreseus braços e puxar freneticamente suas botas e seus calções até que Bryanesteve tão nu como ela.

E um instante depois Bryan se encontrou com ele quem estava sendo

empurrado contra a suavidade das almofadas espalhadas em cima da camacoberta de seda. Então Elise veio até ele, envolvendo-o nas lindas mechas comoouro de seu cabelo, para então se erguer sobre Bryan enquanto a magníficaextensão de suas longas pernas o abraçou em uma selvagem e irresistívelbeleza, enquanto suas coxas se arqueavam sobre os quadris de Bryan. Entãoela se arqueou quando ele estendeu as mãos para acariciá-la, e no momentoem que os dedos de Bryan encontraram os seus seios com uma delicadareverência, ele conteve a respiração de puro assombro diante a sua perfeição.Esbelta e flexível, cheia de curvas e esculpida. Os seios de Elise eram tãofirmes, orgulhosos e opulentos sob as mãos de Bryan, sua cintura tão estreita,seus quadris tão fluídos, curvas e delgados...

Embora chegasse a permanecer afastado de Elise durante cem anos,Bryan sabia que sempre sonharia com ela, que a esperaria e a desejaria.Nenhuma mulher poderia tocá-lo novamente ou lhe dar prazer nunca mais,porque até mesmo a maior das beldades empalideceria em comparação comtudo o que ele tinha encontrado em Elise. A necessidade que sentia dela eramais profunda que a carne, sendo uma fome que poderia ser saciada masnunca preenchida. O calor que emanava dela era maior que o da paixão, eentretanto afetava aos sentidos de Bryan de uma maneira que nenhuma outramulher poderia jamais fazer.

Elise fez amor, com um selvagem e temerário abandono. Enquanto queuma cálida brisa agitava a seda da exótico cama árabe, a inibição foidesaparecendo rapidamente diante do esplendor. Bryan saboreou a doce belezade febre agressiva que se apropriou de Elise, e em seguida tentou atrai-la devolta para ele, assim que viu que ela ficava repentinamente imóvel.

— Está ferido! — Disse então Elise, encontrando o lugar onde a espadalhe tinha rasgado o braço.

— Um arranhão... — Murmurou ele.— Mas, Bryan, deve está doendo...— É um arranhão, mais nada! — Rodeou-a com os braços, subitamente

adormecido. — A única dor que sinto, é a que você pode aliviar agora...Começou a falar em sussurros, com palavras que a fizeram tremer e

ruborizar-se... e morrer cada vez, com um pouco mais com o maravilhosoassombro diante das sensações que a consumiam e foram devorando-a pouco apouco. Não demoraram para ser uma massa de membros que se acariciava,beijava, amava e voava nas asas do êxtase. A febre nunca tinha ardido com tãointensa brilhantismo, nunca tinha chegado a seu apogeu com tão doce edevastador prazer... e tampouco tinha baixado tão lentamente para uma pazgratificante, deixando-os entrelaçados, falando em sussurros... se acariciando.

Mas quando Elise finalmente deitou completamente imóvel, sorrindo comacanhamento e sustentando o olhar cor índigo de Bryan, viu que os olhos deseu marido tinham adquirido uma expressão diferente e pensativa e que, até

estando ainda um pouco rasgados pelas emoções, já tinham endurecidonovamente.

Bryan sorriu com um certo abatimento.— Segue sem poder ficar. — Disse docemente.— Por quê? — Sussurrou ela com desespero.Ele encolheu os ombros, sem saber muito bem o que poderia lhe dizer.— Ganhamos uma posição, perdemos uma posição. E, Por Deus, Elise,

estou farto de ver sangue! Febre, mordidas de serpente, o calor... Nossoshomens morrem como as malditas moscas que revoam a nosso redor. Aquelesem quem confio se convertem em traidores. Sempre, é como estar a umimpasse. Saladino é forte, e poderoso. Tem um sobrinho que enfrento... quasetodo dia. Mantenho meu terreno e ele mantém o seu. O que é meu um dia podenão ser ao seguinte. Não te quero aqui, Elise. Juro que a única maneira quechegue a comandar tropas será passando por cima de meu cadáver.

Ela tragou saliva, temendo querer saber mais. Queria acreditar queBryan só pensava em sua vida e seu bem-estar. Não queria perguntar semantinha como concubina a uma daquelas lindas mulheres do porto, em cujasveias se mesclavam vários sangues, e não queria lhe perguntar de que formapreenchia as suas noites.

Só queria ficar.— Bryan, acabo de chegar. Te suplico que me deixe ficar... durante um

tempo. Ficarei ali onde você me diga que fique, e não me aproximarei dabatalha. Os homens que trouxe comigo lhe seguirão, e se for então,necessitaria de uma escolta. Talvez um dia, o reforço representado por aquelesque vieram sob nosso estandarte, faça uma diferença crucial.

Ele não parecia muito convencido. Elise baixou os cílios e começou adepositar o líquido quente de seus beijos sobre as cicatrizes já meiodesvanecidas que sulcavam o peito de Bryan. Então mudou ligeiramente depostura junto a ele, deixando que as pontas de suas longas tranças sedeslizassem sobre as coxas de Bryan.

— Eu... eu... senti...sua falta. — Murmurou com voz enrouquecida, entãose sentiu cheia de emoção ao ver como ele continha a respiração, enquanto seucorpo estremecia.

Bryan levantou a mão para o rosto de Elise e alisou os seus cabelos, paralogo acariciar as suas bochechas com seus dedos.

— Talvez não seja necessário que vá imediatamente... — Começou adizer, mas então os dois se assustaram quando alguém chamou energicamentena porta. — O que acontece? — Rugiu Bryan.

Uma voz hesitante seguiu um breve silêncio.— É Wat, milorde. O rei Ricardo espera com fúria no solário, espera o

relatório de como foi sua batalha com o Jalahar.Bryan resmungou uma maldição abafada.— Diga ao rei que agora mesmo vou para lá. — Levantou-se da cama,

sem olhar para Elise, enquanto voltava a se vestir com uma nova maldição. —Se algum dia me apresentar a oportunidade, preferiria não desfrutar do favorde um rei!

Parou na frente da porta e finalmente voltou o olhar para Elise, franzindoa testa por um instante, para então permitir que um tênue sorriso puxasse deseus lábios.

— No momento, Elise, permitirei que fique. Mas não aqui. Nossa posiçãoé muito mais forte na Antioquía. Levarei você lá. Não estarei contigofrequentemente, porque o mais frequente é que nos encontramos acampadosno deserto. Mas se esse é seu desejo, ficará aqui. Por agora. Me prometerá queirá, no caso de que seja necessário.

— Bryan...— Me prometa isso.Ela sorriu com imensa doçura.— Prometo.Bryan pareceu ficar satisfeito. Fechou a porta atrás dele, e Elise

descansou a cabeça no travesseiro, enquanto seu sorriso se convertia em umagargalhada triunfal. Nunca a obrigaria a partir.

Porque ela se asseguraria, de que nunca pudesse suportar tê-la longe!

Capítulo 24

Outubro de 1190O palácio de Muzhair, no caminho da costaEra um homem de estatura média, esbelto mas de constituição robusta e

forte. Era um homem valente, educado na força e na bravura pelo Saladino,um brilhante estrategista. Seu nome era Jalahar, e aos vinte e cinco anos deidade governava seus domínios com uma completa autoridade sob o Alá. Eraconhecido pela vivacidade de seu gênio e, também, por sua rápida inteligênciae por ser capaz de ter clemência quando era justo e necessário tê-la. Seus olhoseram de um castanho escuro e suas feições estavam muito marcadas, masmesmo assim eram surpreendentemente agradáveis. Indicavam a dureza davida que tinha levado sobre a sela, superando os elementos que tinhammarcado seu caminho no momento de nascer para reinar como monarcasupremo sobre o deserto.

Da janela decorado em seu palácio de Muzhair, o emir contemplava comexpressão pensativa às forças cristãs acampadas além das dunas do desertoque circundavam seu bastião.

Não podiam tomar o palácio. Disso estava seguro, como o Saladino estavaseguro de que não tomariam Jerusalém.

Mas aquela guerra, liderada por intrusos cristãos, estava-lhe custandoum preço muito alto, tanto no referente à perda do comércio como em vidas deseu povo. Cada vez que se aventurava além dos limites de seu reino, o emirtinha que pagar um preço ainda mais elevado em mortes, porque o inglêsStede, sob o comando daquele rei cristão ao que chamavam de Coração deLeão, sabia como conservar suas posições.

Jalahar pensou que Stede era um digno oponente. Se era vontade de Aláque um homem se visse empurrado à batalha, então era bom enfrentar-se aum homem dotado de força e inteligência.

— Jalahar.Se virou, sua capa do deserto ondulando ao redor dele. Sonina, uma

moça de Damasco que era graciosamente pequena e primorosamente linda,aguardava-o com os olhos respeitosamente baixos e seus braços estendidospara lhe oferecer uma terrina cheia de tâmaras com mel. Jalahar sorriu e, indopara ela, agarrou uma tâmara, fez girar entre seus dedos e logo colocou naboca, sem afastar os olhos nem um só instante, da já ruborizada moçaenquanto fazia tudo aquilo.

Tomou a terrina de suas mãos e a deixou em cima de uma mesinhaturca, e então cruzou com ela o quarto varrido pela brisa para colocar de lado agaze que protegia dos insetos e se deitar junto da moça sobre uma cama deamaciados travesseiros de muitas cores.

Jalahar afastou o véu e estudou seu rosto, sem deixar de sorrir porqueSonina era uma criatura deliciosa e, mesmo assim, se perguntando por quenão sentia a alegria que deveria experimentar em sua companhia. O grandeMaomé tinha decretado que um homem podia chegar a tomar quatro esposa, eele tinha tomado três. Sonina era a mais linda delas, e lhe tinham ensinadodesde o seu nascimento que sua função na vida era agradar a um homem.Jalahar não poderia achar defeito algum.

Mas o desejo que deveria chegar quando a acariciou não fez ato depresença e, atraindo-a para ele, emir acariciou a reluzente magnificência corébano dos cabelos de Sonina.

— Logo voltará a ir para o combate — Sussurrou ela.— Sim. — Se limitou a dizer ele.Ele teria conversado com um de seus homens, teria explicado que

naquela noite tinha intenção de sair de Muzhair, seguindo uma rota muitotortuosa, não podia cair sobre os cristãos em um ataque frontal e encontrar a

vitória, mas seus espiões lhe tinham informado que um pequeno grupo,comandado por seu inimigo Stede, viajaria de uma cidade para outra naquelanoite. Jalahar tinha a esperança de que seu ataque fosse uma surpresa totalpara eles, e se não obtinha uma grande vitória, pelo menos causaria sériosdanos às forças cristãs.

— Terminará logo? — Perguntou ela docemente.— Quando Alá quiser. — Respondeu ele, e ela guardou silêncio.Sonina sabia muito bem qual era seu lugar. No mundo do Jalahar, suas

mulheres eram protegidas ferozmente, mas esperava delas que permanecessemem um discreto segundo plano, a menos que lhes pedisse que dessem umpasso adiante. Jalahar nunca discutiria sua estratégia com ela, porque Soninanão era mais que uma mulher. E como mulher, finalmente voltou a despertarsua paixão. Jalahar fez amor, percebendo a sabedoria com que ela sabia amá-lo e se felicitando a si mesmo pela escolha que tinha feito quando tomou poresposa. Sonina era filha de um Califa de Bagdá, décima filha, e por isso oCalifa tinha insistido em que não fosse tomada como primeira esposa. Tinhachegado a ele com uma grande dote e ultrapassava enormemente a suas irmãsem beleza.

Mas assim que a moça teve satisfeito seus apetites, Jalahar a beijousuavemente e lhe disse que saísse. Logo fechou os olhos e sentiu como a cálidabrisa ondulava a seu redor. Não se sentia realmente satisfeito. Havia tanto queera dele.... a magnificência do palácio, dúzias de servos, milhares de pessoasque adoravam seu nome. Suas primeiras duas esposas tinham lhe dado filhose filhas, combatia unicamente sob o grande Saladino, era um homem queparecia ter inclusive ao vento do deserto a suas ordens.

E se sentia como se não possuísse nada.Era aquela guerra com os cristãos, disse a si mesmo. Aquela incessante,

eterna guerra...Mas realmente era a guerra? Havia algo que faltava em sua vida, e

Jalahar não sabia o que. Possuía tudo aquilo que poderia ser possuído.Jalahar suspirou e, se levantando, estirou seus músculos rigidamente

esticados. Então se vestiu, dirigindo seus pensamentos para a estratégia danoite.

— Está cansada?Elise olhou para Bryan com um amplo sorriso curvando magnificamente

seus lábios, e então negando com a cabeça.— Absolutamente, Bryan. Estou desfrutando muitíssimo desta cavalgada.

Tudo é tão esplêndido e digno de se ver!

Bryan olhou em torno dele. Não havia muito que ver além do deserto,pensou secamente. Mas o sol estava pondo sobre as dunas que tremiam eondulavam como um mar de bronze, e o céu cheio de reflexos dourados eescarlate que brilhavam sobre os elegantes arreios dos cavalos, era esplêndido.Devolveu o sorriso fascinado para a sua esposa.

— Às vezes resulta muito fácil de te agradar, duquesa. — Disse. Fez queseu cavalo se aproximasse um pouco mais ao dela e se inclinou sobre a selapara sussurrar no seu ouvido. — Mas como parece que custa tão pouco te darprazer, também parece justo que um pouco de prazer termine chegando atévocê.

Elise se ruborizou ligeiramente e baixou os cílios de tal maneira que elenão visse como seguia sorrindo.

— Bryan! Seus homens nos rodeiam.— Meus homens também se sentem muito agradados. — Disse ele com

uma gargalhada. — Todos estão convencidos de que meu humor melhorougrandemente desde que você chegou.

— Eles pensam isso? — Inquiriu ela inocentemente.— Ah. E sabe uma coisa? — Disse ele com um brilho de conspiração nos

olhos. — Chegou a meus ouvidos o rumor de que manhã pela manhã, todostêm intenção de me pedir aqueles favores que mais desejam obter de mim.Sabem que você e eu estivemos separados durante duas semanas, mas queesta noite voltaremos a estar juntos.

— Bryan! — Exclamou ela, olhando ao redor e se sentindo muitoagradecida de que já estivesse escurecendo, porque sabia que sua pele iaficando um pouco mais rosada com cada palavra que ouvia. Mas cavalgavamna retaguarda da comitiva de uns cinquenta homens que os acompanhavaatravés do deserto, e nenhum deles estavam olhando. — Concederá muitosfavores? — Perguntou, se virando para seu marido com os olhos inocentementeabertos.

— Provavelmente todos.Ela sorriu, mas logo suspirou e baixou a vista para o pomo de sua sela.— Mas amanhã voltará a ir, também. — Disse brandamente.O guardou silêncio durante alguns instantes antes de falar, e então disse:— Elise, já sabe que é assim como deve ser.Já tinham transcorrido mais de dois meses desde aquele primeiro dia, em

que Elise voltou a ver Bryan. E durante todo esse tempo tinhamcompartilhado, no melhor dos casos, dez noites. Ele sempre estava partindo agalope e, tal como tinha prometido Elise, ela sempre estava esperando-o.

Parecia que justo quando começavam a se sentir mais perto um do outro,voltavam a ser bruscamente separados. As palavras te amo sempre estava

suspensas em seus lábios, e entretanto nunca tinha ocasião de chegar a serpronunciadas.

Mas Elise era mais feliz do que pudesse lembrar nunca ter sido. Sempreestava preocupada com Bryan, mas estando ali pelo menos tinha a fé de queretornaria para ela. Ricardo lançava uma campanha atrás de outra, mas Bryannunca se encontrava o bastante longe para que não pudesse voltar junto dela,pelo menos uma vez cada duas semanas. Elise se negava a acreditar que Deusfosse permitir que Bryan morresse nas mãos dos infiéis.

E era melhor, muito melhor, que esperar em casa! Ela e Gwynethvisitaram os bazares. Compraram bagatelas e perfumes, sabões aromáticos eincenso exótico. A música que soava nas ruas era perturbadora e obsessiva, e avisão de crianças descalços brincando de correr de um lado a outro, paraganhar uma moeda comovia seus corações e as fazia rir diante das travessurasdos pequenos. Oh, sim! Aquilo era muito melhor que estar em casa, esperandoe se fazendo perguntas.

Os ocidentais da Primeira e a Segunda Cruzadas tinham deixado seuslegados detrás deles. Muitas das pessoas eram uma fusão do Oriente e doOcidente, pessoas magníficas que se inclinavam docilmente diante a cadamudança de governo. Seguiam a Maomé, mas serviam aos cristãos. Elise,hospedada em qualquer dos palácios possuídos pelo Ricardo, que Bryanconsiderasse mais seguro naquele momento, sempre era esplendidamenteservida. Ouvia fascinantes história de magia e tradição local, soube que asserpentes podiam ser encantadas, lhe ensinaram a utilizar maravilhosasplantas que faziam que seus cabelos brilhassem como o sol, e que além dissomantinham a pele fresca e livre de toda mácula.

Tinha conhecido ao Felipe Augusto da França, o astuto rei francês. Egostava de acreditar que em algumas ocasiões tinha evitado que ele e Ricardoentrassem em apaixonadas batalhas verbais. Os reis ocidentais,aparentemente, nunca podiam chegar a ficar de acordo sobre o caminho quedeveria seguir as cruzadas. Ricardo, que estava acostumado a optar porignorar a presença de Elise, tinha-lhe contado em um de seus estranhosmomentos de confidências que estava furioso com o Felipe, porque o rei francêsjá se mostrava disposto a renunciar a companhia. A atitude de Ricardo para oFelipe não poderia ser mais hostil, e isso apesar de que antes da morte deHenrique tinham chegado a ser os melhores amigos.

Bryan lhe contou que via aproximar guerra com a França no futuro daInglaterra. Mas aquilo era algo, que agora significava muito pouco para Elise,porque Montoui se encontrava longe e Inglaterra estava ainda mais longe.

Agora estava na Terra Santa, e ali Elise se sentia muito viva. Inclusivequando Bryan estava comandando as tropas, sentia-se livre e cheia de vida.

Mas vivia única e exclusivamente para aquelas noites nas quais podiamestar juntos.

Não tinha sido fácil, porque tinham chegado a se tornar em um par dedesconhecidos. E o passado estava muito cheio de amarguras e desconfiança.Elise não tinha sido capaz de voltar a falar da criança, e tampouco tinhainterrogado ao Bryan a respeito dos incontáveis meses nos quais tinham estadolonge um do outro.

Elise sempre tinha muito cuidado o que dizia, quando Gwyneth seencontrava perto. Seguia sem ser capaz de dizer que confiava em sua amiga, eestava acostumava ferver em silêncio por dentro quando via Bryan e Gwynethfalando ou rindo. Mas para ser justa, devia admitir que a única coisa que tinhavisto em Bryan era cortesia, e que Gwyneth tampouco se comportava como seBryan fosse algo mais que um amigo muito querido.

Aquela amizade sempre inquietaria Elise, mas agora aceitava que opassado não poderia ser alterado. Preocupar-se com isso ou se torturarpensando no que já tinha acontecido, só serviria para convertê-la em umaharpia insofrível.

E, pensava Elise com um sorriso malicioso, naquele momento era ela aque se encontrava em melhor situação, para encher de preocupações ao Bryanquando ele sentia bem. A cruzadas estava cheio de fortes e bonitos cavaleiros,homens fascinados pelas mulheres da casa que se mostravam muito galantes,e mesmo assim respeitosos, porque todos eram muito conscientes da reputaçãocom uma espada que tinha Stede. Era bom. Não bastava..., mas era bom. Ela eBryan possivelmente não se atreviam a descobrir o que se escondia além daaparência, e por isso aceitavam o que havia à primeira vista. Bryan era seumarido, e Elise era sua esposa. De momento, essa simplicidade bastaria.

E se Bryan não iria a ela com apaixonadas proclamações de amor, pelomenos ele fazia dela objeto de suas confidências. Quando seu marido podiaretornar junto a ela, o padrão sempre estava acostumado ser o mesmo. Faziamo amor desesperadamente, temendo o tempo vazio e estéril que ocupava osintervalos. Mas então deitados acordados, nus e então se tocando enquantodeixavam que a brisa noturna fosse esfriando sua pele febril. Bryan falava daguerra, e para Elise, ela adorava o fato de que estivesse seguro de que lhe dizeraquilo que não diria a nenhuma outra pessoa.

— Não posso evitar de admirá-los. — Dizia ele, dos seguidores de Maomé.— Se esforçam por aprender e alcançar a meta da pureza e o asseio da alma.Da mesma maneira em que nós sentimos que somos os guerreiros de Deus,eles se consideram a si mesmos soldados de Alá. Eu sou um cavaleiro cristão, ecomo tal fui chamado a defender os princípios de Cristo. Mas Saladino eJalahar... ambos são homens honestos. Sinceros, honoráveis. Nós encontramosmuitos quilômetros de casa, e a única solução para isso é uma trégua. Acreditoque Saladino está disposto a oferecer a segurança aos peregrinos cristãos, coma única condição de que os deixemos em paz.

— Mas Ricardo se nega a fazer tal coisa?

— Ricardo ainda sonha tomando Jerusalém.— Poderemos retornar para casa alguma vez... juntos?— Sim... algum dia.E ela também falou. Contou-lhe como tinha morrido Percy, e o quanto

que a tinha assustado as ameaças de Longchamp. Ele perguntou pelo pequenoPercy, e ela tentou lhe contar com voz jovial quão maravilhoso era aquelegarotinho.

Mas as coisas que não se diziam, sempre eram as quais mais torturavamElise. Se Bryan se casasse com Gwyneth, agora seu filho o estaria esperandoem casa. E seu marido se mostrava estranhamente calado e pensativo arespeito de Percy. Acreditaria que ela ainda amava o Percy, e que a morte dePercy tinha sido um golpe muito terrível para seu coração? Acreditaria que elatinha sido infiel...?

Naquela noite, para Elise não importava como tudo tinha acontecido. Sesentia como se Deus finalmente lhe tivesse permitido expiar o seu passado. Oscavalos não poderiam ir o bastante rápido para seu desejo, e inclusive quandoBryan brincava com ela e Elise sentia palpitar descontroladamente o seucoração, ardia em desejos de chegar ao palácio da Antioquía.

E de estar a sós com Bryan.Tinha tudo planejado. Quando chegassem a seus aposentos, Elise

suplicaria docemente um banho. Este seria cheio com os azeites mais exóticos,dando assim um aroma deliciosamente sensual e agradável que iria seerguendo junto com o vapor, para terminar se apropriando de ambos.

Elise tomaria o seu tempo...Tanto que ambos enlouqueceriam de tortura, mas Elise teria que se

assegurar de que ele fosse o primeiro em sucumbir. E ela conhecia Bryan. Seumarido passaria por cima do fato de que Elise estivesse encharcada, e secolocaria impacientemente na água para pegar ela. Elise protestaria diantedaquela ação, fingindo uma grande fúria, e lhe diria com indignação que deviaser cortês e delicado com ela em todo momento. Ele, naturalmente, fingiria nãotê-la ouvido e a depositaria em cima da cama, mas quando então se deixassecair junto a ela, sua curiosidade não demoraria para ir crescendo e exigiriasaber o porquê. Elise o faria esperar, fingindo ela não ter escutado, enquantocobria sua garganta de pequenos beijos.

Bryan se veria dividido entre a impaciência e o desejo, e aquela súbitaaspereza que fazia uivar sua voz, voltaria a fazer ato de sua presença quandolhe ordenasse que voltasse a falar. Elise sustentaria o olhar com seus enormesolhos cheios de inocência e então, só então, ficaria séria. Diria que estavasegura de que iria ter um filho, e lhe prometeria fervorosamente que aquele nãoperderia...

— O que passa pela sua cabeça? — Perguntou Bryan subitamente, e ela

se virou sentindo-se muito culpada para encontrá-lo estudando-a, seus olhoscor índigo entreabertos e pensativos. — Você sorri, e depois franze a testa, edepois volta a sorrir com um sorriso tão cheio de segredos, que me faz esquecerdas prioridades e de arrastá-la desse cavalo para fazer você cair em meusbraços.

— Galopamos eternamente pelo deserto? — Perguntou ela com umrepentino desejo.

— Possivelmente. — Respondeu ele, sentindo como seu coração pareciaficar feito um nó dentro da garganta enquanto a olhava.

Naquela noite Elise estava com cabelo solto, uma grande capa queondulava e se formava redemoinhos a seu redor. Seus olhos eram tãoinocentes, tão impressionantemente assombrosos em sua perfeita cor água-marinha, tão lindos no contraste que criavam com sua pele de tons marfim erosa. Não era a jovem que uma vez a tinha tomado entre semelhantetempestade de ira e orgulho mútuos, porque o tempo a tinha mudado. Agoraera ainda mais linda, seu rosto encerrava a beleza conferida pela prova e asabedoria e toda ela seguia sendo uma tempestade, mas mesmo assim seapaziguou.

Ele a amava imensamente, e apesar disso não podia evitar sentir medo.Elise seguia sendo tão enigmática e escorregadia como tinha sido sempre,ainda levava a safira, e Bryan se perguntou se não se mantinha afastada dele,da mesma maneira em que mantinha oculto o segredo do anel.

Bryan franziu a testa enquanto estendia o braço através do espaço quehavia entre eles, e tomava a mão com expressão pensativa.

— Pergunto-me se chegará a confiar em mim alguma vez. — Murmurou,fazendo que seus olhos se encontrassem com os dela em uma repentina epenetrante pedido. — Em uma ocasião, e já faz muito tempo isso, disse-me quehavia certas coisas que eu poderia tomar e outras coisas que não poderiachegar a tomar. Tinha razão, duquesa. Tomei. Fiz de você minha esposa. Teobriguei a cruzar o Canal e se converteu na senhora de uma nova casasenhorial, e entretanto sempre senti falta de algo. Porque é algo que não podechegar a ser tomado. Pergunto-me se alguma vez me dará isso.

O coração de Elise parecia palpitar com a violência do trovão dentro deseu peito, e a beleza e o temor de tudo aquilo quase a fizeram gritar. Dar!Pensou. Eu daria qualquer coisa no mundo que estivesse em minha mão parapoder dar a você...

Não podia falar, e por isso umedeceu os seus lábios em um intento dealiviar sua secura e fazê-los se mover. Ele sorriu, torto, meigamente. — Pelomenos, esposa minha, acredito que já não jura vingança contra mim.

— Não... — Conseguiu murmurar ela docemente. E então seus lábios securvaram em um sorriso, e seus olhos cheios de luz se encontraram com osdele. — Bryan... esperei tanto por esta noite. Tenho muitas coisas para te dizer.

Ele levantou as sobrancelhas, muito surpreso.— Segredos? — Perguntou ironicamente.— Segredos... — Respondeu ela em voz baixa. — Um que acredito

significará mais para você do que qualquer outro.As feições de Bryan pareceram ficar tensa subitamente, e o índigo de

seus olhos se voltou tão escuro, que Elise pensou iria se perder neles. Suamandíbula se converteu em um quadrado de dureza, e ela teria pensado queestava furioso, a não ser pela doçura com a qual ele falou.

— Elise... Elise...O corcel de Bryan estava tão perto do dela que suas coxas chocaram.

Elise percebeu a tensão que havia em seu marido, em sua voz, e começou aestremecer-se enquanto desejava desesperadamente poder pular para seusbraços. Deus nunca tinha criado um cavaleiro melhor, um homem maismagnífico, e nesse momento, Elise sentiu que Bryan era dela, realmente dela,completamente dela...

— Me diga! — Ordenou ele, e havia fogo índigo em seus olhos e desejo emsua ordem.

Me diga! Ela quis gritar. Me Diga que me ama, e só a mim, inclusive se foruma mentira.

Mas Bryan não fazia, aquilo não importaria. Elise queria lhe falar de seufilho, queria depositá-lo tudo a seus pés. O anel... o anel que os tinha unido...queria explicá-lo, lhe fazer entender quanto medo tinha, que outros soubessemque era a filha bastarda do rei.

A imagem de sua preciosa noite juntos apareceu dentro de sua mente, obanho fumegante, a maravilha de se encontrar nos braços de Bryan, odespojamento das armas e a armadura, e, finalmente, o tocar.

— Quando chegarmos a Antioquía... — Começou a sussurrar ela, masentão suas palavras foram feitas pedacinhos por um grito, agonizante eprolongado, que surgiu das primeiras filas.

— O que...?— Jalahar! — Gritou alguém. — Uma emboscada!Bryan esporeou o seu cavalo.— Fique atrás! — Gritou para Elise com voz ensurdecedora. Seu corcel se

afastou ao galope, levantando súbitos jorros de areia do deserto. Elise tragousaliva, dominada por um súbito terror da noite enquanto ouvia gritar ordens deBryan. — Fechem as filas! Desembainhe as suas espadas! Formem um círculode amparo! Nada de pânico! Não desdobraram uma grande força!

Possivelmente não tivessem desdobrado uma grande força, mas oestridente cântico dos muçulmanos subiu para o céu, enquanto a escuridão

parecia envolvê-los a todos em um apertado abraço. Os cavalos levantavam eempinavam, dando coices entre agudos relinchos. As flechas sulcavam o ar. Eos muçulmanos já quase estavam em cima deles.

Bryan apareceu ao lado de Elise acompanhado pelo Gwyneth, Wat eMordred, que estavam cavalgando na frente da comitiva.

— Retrocedam para a duna! — Ordenou Bryan. — Se escondam!Aconteça o que acontecer, não avancem um só metro! Vão!

Elise o olhou, atordoada e sem entender nada.— Levo uma faca... — Começou a dizer, mas Bryan já tinha batido uma

seca palmada sobre a garupa de seu cavalo, e este acabava de iniciar umrápido galope.

— Te esconda! — Gritou Bryan. — Por Deus, lhe estou suplicando isso!Vá!

Elise assim o fez. Mas enquanto suas cavalos se afastava ao galope, sevirou para olhar. Os muçulmanos e os cavaleiros estavam concentrados em umcombate corpo a corpo. Os gritos sulcavam o ar. As espadas voavam de umlado a outro, brilhando e causando estragos. Elise viu uma confusão de sanguee morte, homens e bestas que chocavam e lutavam entre si.

— A duna! — Gritou Gwyneth. — Desmonta, Elise!Mordred puxava ela. Elise estava muito confusa, muito horrorizada e

muito assustada pelo o que pudesse acontecer com Bryan, para descer de seucavalo. Seguia forçando a vista, tentando ver algo através da escuridão.

Viu Bryan. Ainda montado em seu corcel, seu marido levantava a espadapara logo deixá-la cair. Uma e outra vez, uma e outra vez. Acabava com umhomem, e o seguinte já estava se lançando sobre ele.

— Elise!A batalha e o terror que enchia seu coração a tinham enfeitiçado. Elise

não ouviu o trovejar dos cascos que ressonava atrás dela, até que já era muitotarde. Não tinha percebido que usando as calças, que Leonor tinha desenhadopara ela, poderia ser confundida facilmente por um homem na escuridão.

Não foi consciente de nada além da cena de batalha que havia diante delaaté que foi subitamente atacada por uma catapulta voadora, um homem deforça irresistível cujo ímpeto a arrancou da sela de seu cavalo e a jogou ao chãoem uma louca queda.

Elise empunhou desesperadamente sua faca e levantou. Uma ação fútil.O muçulmano já estava em cima dela, com a espada em alto pronta paragolpear.

Mas o muçulmano não chegou a descarregar o golpe.Contemplou-a em silêncio.

Jalahar tinha ficado atônito ao descobrir que seu oponente era umamulher. Na escuridão, não tinha percebido...

Como poderia ter estado tão cego? Nunca tinha visto uma mulher comoaquela. Nunca tinha visto cabelos que eram ouro puro, nem olhos cuja belezaigualava a do mar Egeu. Sua pele era como luz da lua, pálida e sedosa.

E por muito que poderia estar a ponto de morrer, aquela mulher o olhavadesafiantemente com a faca levantada, enquanto o ódio e o orgulhoiluminavam a estranha cor de seus olhos. Seus seios subiam e baixavamfreneticamente enquanto com a boca tentando recuperar a respiração e lhesustentava o olhar sem temor algum.

Jalahar se levantou abruptamente com um movimento cheio de fluídagraça, e não afastou os olhos dela enquanto ia para seu cavalo.

Elise viu que Mordred se dispunha a vir da duna.— Não! — Gritou, mas seu guarda já corria para o muçulmano. Aquele

árabe estranhamente bonito e de ossos tão delicados se virou rápido, suaespada já atravessava o ar. Elise voltou a gritar enquanto via cair ao Mordred,com o ombro emanando sangue. Correu para o Mordred, mas o muçulmanoatraiu sua atenção para ele, falando em um francês muito claro que mal tinhaacento algum.

— Se desejasse, agora estaria morto.Elise se encontrou contemplando-o novamente, sem poder afastar seu

olhar daqueles profundos olhos castanhos escuros que pareciam atravessá-la eacariciá-la ao mesmo tempo.

Então o muçulmano se inclinou e, dando-a volta com sua brancavestimenta ondulando sob a brisa, saltou na garupa de seu cavalo. Eliseafastou os olhos dele para olhar ombro de Mordred. O sangue continuavaemanando, mas Mordred abriu os olhos e lhe dirigiu um débil sorriso.

— Não é uma ferida mortal...Gwyneth se apressou a se reunir com Elise, rasgando sua túnica para

proporcionar uma vendagem ao Mordred.— Temos que sair deste lugar. — Disse tensamente para Elise. — Agora

sabem que estamos aqui. E esse homem... voltará para por você, Elise.— O quê? — Exclamou Elise, muito surpreendida.— Era Jalahar. — Murmurou Mordred. — Voltará.— Voltar! Se comporta como se não houvesse maneira de rechaçá-los

combatendo! Não poderão retornar...Elise deixou de falar quando viu os olhos cheios de tristeza de Gwyneth

fixos nela, e se virou para contemplar a batalha que prosseguia seu curso.Bryan ainda estava montado em seu corcel, graças a Deus! Mas haviamuçulmanos por toda parte.

— Elise!O grito de Gwyneth voltou a fazê-la ser consciente da proximidade do

perigo. Um dos guerreiros do deserto vestidos de branco vinha para eles porcima da duna..., sorrindo. Seus dentes reluziam com uma brancuradeslumbrante em cima de sua pele morena. O muçulmano riu e, lançando umgrito, caiu sobre eles.

Sem ter a chance de pensar, Elise ergueu sua adaga quando já era muitotarde para que o árabe parasse o seu ataque. Seu atacante caindo sobre aadaga, uivando sua raiva, e os dois rolaram juntos sobre a areia. Eliseexperimentou um instante de imenso terror, mas então o alívio inundou todo oseu ser, assim que percebeu que o árabe não tinha forças. Se seguia lutando, oguerreiro iria se debilitando e possivelmente terminaria morrendo.

Elise ofereceu uma furiosa resistência, mordendo, dando chutes eatirando frenéticos golpes. O punho dele se chocou com seu queixo e Elisecambaleou, mas o desespero a manteve em pé e fez que seguisse lutando.Podia ouvir os gritos de Gwyneth, e o Mordred amaldiçoando sua impotência.

Mas tudo ia bem. O braço do árabe perdeu sua força...Elise já quase estava livre...A liberdade chegou a um preço muito alto. No mesmo instante em que se

debatia tenazmente, Elise levantou a cabeça para olhar para o final das dunas.Bryan galopava freneticamente para ela. Seu marido não via nada que pudesseestar em seu caminho.

E então Elise começou a gritar com todas suas forças, porque a lâminamalevolentemente reluzente de uma espada de Damasco já estavaatravessando a noite. Bryan finalmente a viu e tentou se afastar, mas tinhareagido muito tarde. A lâmina acertou no lado do corpo de Bryan caiu de seuleal corcel, dando tombos sobre a areia com a inércia da queda.

— Cristo abençoado! Estamos perdidos! — Gemeu Gwyneth.Elise já estava de pé e corria sobre a duna. Os homens de Bryan

pareciam estar muito longe, ocultos pela encosta de outra duna. Mas damesma maneira em que Elise tinha que chegar até Bryan, também tinha quevoltar a reuni-los. As lágrimas fluíam por suas bochechas enquanto corria paraseu marido, mas começou a gritar ordens.

— Se concentrem e reagrupem! Coragem, guerreiros cristãos! Não estátudo... perdido!

Elise não viu que seus homens já voltavam a se dispor em filas, jamaischegaria a saber que suas palavras os tinham salvado da derrota total, que suaforma de dourados cabelos, correndo corajosamente através das areias, tinhalhes proporcionado a faísca de valor que necessitavam. Chegou onde estavadeitado Bryan e caiu junto a ele, grunhindo e soluçando enquanto tentava viraro seu corpo cheio de músculos. Os olhos de seu marido permaneciam fechados

na presença dela, seu rosto, de contornos tão poderosamente marcados, estavacinzento. Até a firme boca, que era áspera na ira e terna no amor, estavabranca. Elise apoiou a cabeça em seu peito, Bryan respirava! Encontrou seupulso... o coração pulsava... mas tão fracamente! Elise começou a rasgarfreneticamente sua túnica e lutou com a armadura amassada de Bryan, paraencontrar a ferida e deter o fluxo de sangue. Finalmente a encontrou, um cortede comprimento do pé dela. E o sangue! Muito sangue! Elise apertoufuriosamente a ferida, arrancando mais tecido com a qual deter o fluxo desangue, e rezou fervorosamente para que estivesse conseguindo conter ahemorragia.

E um instante depois cessou bruscamente em seus esforços, confusa eatordoada, quando viu que a ponta de uma longa espada acabava de sercolocada em cima da garganta de Bryan. Elise levantou a vista com horror paraos escuros, temíveis e firmes olhos daquele muçulmano que a tinha arrancadoda sela de seu cavalo.

— Não! — Ofegou, e só então percebeu de que a noite tinha ficadosubitamente mergulhada no silêncio, porque naquele instante nem sequer seouvia o sussurro da brisa. Olhou em torno dela e viu que os cristãos e osmuçulmanos permaneciam imóveis, com os muçulmanos afastados dela, Bryane os que estava atrás da duna, daqueles cavaleiros que haviam tornado a seagrupar. A tensão não poderia ser mais intensa e evidente, e os manteveapanhados a todos no centro de um planalto invisível enquanto todosaguardavam nervosamente o próximo movimento.

De repente o muçulmano se ajoelhou junto a ela e tocou o pulso nopescoço de Bryan. Então olhou para Elise com curiosidade.

— A ferida é grave, mas possivelmente sobreviva a ela. Stede... meuinimigo muito digno. Um homem dos quais dez de meus melhores guerreirosnão podem derrubar, e mesmo assim, cai igual a uma mosca por uma mulher.

A tristeza e o pânico formaram um nó na garganta de Elise.— Não... vai matá-lo. — Suplicou. — Você é Jalahar... um líder de

homens, não um assassino.O muçulmano se levantou.— Sim, sou Jalahar. E não, eu não gostaria de matar a um guerreiro tão

nobre e poderoso quando se encontra deitado indefeso sobre suas costas. Mascomo vê... — Seu braço abriu o ar em um gesto que abrangeu aos exércitoscristão e muçulmanos ali onde ambos esperavam, totalmente imóveis. —Chegamos a um impasse. Quanto a mim... intriga-me uma mulher dos cachosdourados pela qual este homem de aço se mostra tão disposto a morrer. Vocêse levantará e virá comigo, ordenando as suas tropas que não tentem impedirnossa fuga. Então, mulher dourada, lhe permitirei viver. Se for devidamenteatendido, Stede... viverá.

Elise olhou ao Jalahar e a consternação ergueu dentro dela, se elevando

em uma súbita e incontrolável onda de agonia interior que a deixou paralisadae totalmente carente de forças. Agarrando a barriga com as mãos, tentouconter as lágrimas que estava derramando sobre Bryan. Não poderia deixá-loali! Não poderia fazer, o que aquele árabe estava exigindo que fizesse!

— Por favor! — Murmurou, voltando novamente para o Jalahar com osolhos cheios de lágrimas. O rosto do emir permaneceu impassível, e agitou suaespada em um rápido balanço de tal maneira que Elise se lembrou de seu fiocortante como uma navalha.

As lágrimas correram livremente por suas bochechas enquanto enterravao rosto no peito de Bryan, segurando sua forma inconsciente com todo o amorque nunca se atreveu a lhe oferecer.

— Estou esperando. — Lembrou Jalahar.Elise mordeu o lábio, enquanto sentia o palpitar do coração de seu

marido debaixo dela. Finalmente levantou a cabeça e beijou meigamente aquelerosto cheio de sujeira. Bryan precisava de cuidados. Cada momento que eladeixasse transcorrer ali lhe custaria um pouco mais a seu marido. Amava-otanto. Deixá-lo seria como morrer, mas se não fazia, então sem dúvida Bryanmorreria.

Obrigando a suas lágrimas parar, Elise secou suas bochechas em umgesto friamente desafiante enquanto voltava a encarar com o Jalahar.

— Um momento. — Disse. — O deixarei aos cuidados de outra pessoa.Sim... Pensou, deixarei ele aos cuidados de outra pessoa. Gwyneth. O

rosto que Bryan verá quando despertar será o de Gwyneth, e será Gwynethquem o atenderá e cuidará dele... Gwyneth, enquanto eu...

Voltou a ter a sensação de que a dor estava rasgando as vísceras a fariase dobrar sobre si mesma. Mas tinha que fazer isso... tinha que fazer. Ou elemorreria.

Uma vez na duna, chamou Gwyneth. Aterrorizada Gwyneth deu umaamostra de sua própria coragem veio quando olhou para Elise, e então desceulentamente do alto da duna para ir a seu encontro, percorrendo nervosamentecom o olhar aos muçulmanos enquanto ia se aproximando dela.

— Bryan... vive. — Disse Elise com voz hesitante. — Mas se não chegarnas mãos do melhor dos médicos de Ricardo o mais breve possível, não viverádurante muito tempo. Perde sangue tão rapidamente... A hemorragia pode sercontida, a ferida tem que permanecer enfaixada e...

A sua voz começou a falhar e se calou. O olhar de Gwyneth foi de Elisepara o silencioso e imóvel Jalahar.

— Elise... — Murmurou com um fio de voz, e então as lágrimascomeçaram a fluir de seus olhos. Abraçou Elise, e um instante depois ambasas mulheres estavam chorando.

Finalmente Elise se separou de Gwyneth, sabendo que os minutos e osangue de Bryan, estavam desaparecendo nas areias do deserto.

— Vá com ele! — Sussurrou desesperadamente e, meio cega pelaslágrimas que permaneciam obstinadamente presentes em seus olhos, se pôs aandar para o Jalahar. Se sentiu tentada de voltar novamente junto de Bryan.Um último beijo depositado sobre aqueles lábios que se tornaram tão frios ecinzentos..., mas então Jalahar a agarrou pelo braço. Não cruelmente, a nãoser com firmeza. Dirigida dessa maneira para um dos homens do emir dodeserto, Elise se encontrou sendo levantada para garupa de um cavalo.

— Fala com seus homens. — Disse Jalahar sem erguer a voz.Elise tragou saliva, e então falou com toda a potência de seus pulmões.— Deixem partir aos muçulmanos! — Gritou. — Do contrário isto se

converteria em uma carnificina. Ordeno que sigam seu caminho para o rei!Ouviu como os muçulmanos subiam as suas montaria ao redor dela.

Alguém disse algo naquela estranha língua, o cavalo ao que a tinham subido foifustigado e, empinou por um instante, em seguida iniciou o galope. Foi oinstinto que obrigou a Elise a se agarrar ao pomo da sela, porque todopensamento e toda sensação desapareceram repentinamente.

A única coisa que lembraria daquela furiosa cavalgada pelo deserto seriauma vaga confusão de imagens diferentes. Jalahar não parou, até que tiverampercorrido uma grande distância, através da qual Elise só sentiu que estavaentrando em um imenso e negro abismo do inferno.

Quando eles pararam, o emir foi até ela. A lua já concedia uma tênueclaridade, suficiente para ver silhuetas atravessando contra a areia e do céu.

— Ali estão, seguindo seu caminho para o rei.Elise escrutinou o deserto. Era verdade. Os cavaleiros estavam

obedecendo sua ordem, e avançavam lentamente para o nordeste. As lágrimassempre pressente cobrindo os olhos de Elise, mas mesmo assim pôde ver queforam tão devagar, era porque dois robustos cavaleiros transportavam a liteiraimprovisada que tinham feito para o Bryan Stede.

— Você o ama muito? — Perguntou Jalahar com uma repentinacuriosidade.

— Sim.— Vai esquecer.A vida e o espírito voltaram subitamente para Elise, e enfrentou o Jalahar

para cuspir nele.— Nunca! Nada que você possa chegar a me fazer fará que o esqueça,

Jalahar. Sou sua esposa... unida a ele Por Deus e pelo amor. Você nunca

mudará isso.O emir lhe sorriu revelando alguns dentes muito brancos, e então a olhou

com os olhos cuja estranha tristeza, conseguiu comover de algum inexplicávelmaneira em Elise. Sem raiva, ele secou o cuspi em sua bochecha.

— Mas o esquecerá. Posso ser amável e delicado, e posso ser paciente. Domomento em que te vi, mulher dourada, meu coração nublou minha mente. Medará muitos filhos, alguns filhos que terão minha força, sua beleza e seuorgulho. E quando os tiver em seus braços, aprenderá a esquecer ao valenteStede.

Elise começou a rir.— Deverá ser muito paciente, Jalahar. Muito paciente. Já levo um

menino em meu ventre, o filho de Stede.O sorriso de Jalahar não desapareceu.— Já disse que sou paciente. Posso esperar.— Matarei você se tenta me tocar. Se não poder te matar, então me

matarei.Desta vez foi Jalahar que riu.— Não me matará, mulher de Stede. E tampouco acredito que vá tirar a

sua vida. Não obrigarei você a me dar nada... até que esteja preparada paraque te obrigue a dar. E não deve temer por seu pequeno. Não sou um assassinode crianças.

Elise seguiu olhando-o fixamente enquanto tentava de não perder acompostura. O abatimento e a confusão se apropriaram dela, e se sentiu presano desespero e na desolação.

Queria deixar cair sobre a areia e chorar até que tivesse criado umatoleiro de água que pudesse afogá-la e aliviar com isso a dor que havia em seucoração. Queria morrer, mas ao mesmo tempo não queria morrer. Porque ofilho de Stede era tudo o que lhe restava, e tinha que acreditar que Jalaharnunca faria mal a seu filho.

— Venha... — Disse ele, fazendo virar a garupa de seu cavalo. Entãoestendeu a mão para as rédeas de Elise, e ela estava muito abatida para quepudesse se importar. — Como se chama? — Ele perguntou.

— Elise. — Respondeu ela com voz baixa.Ele estendeu a mão e acariciou um cacho da intensidade de seu cabelo,

tão fascinado como se seus dedos estivessem sustentando autêntico ouro.— Não tema, Elise. — Disse com doçura, seu francês impecável e

estranhamente tranquilizador. — Não te farei mal. O mais provável, —Acrescentou com voz subitamente triste. — É que te reverencie.

Continuaram cavalgando sobre as suaves curva das areias, e finalmente

chegaram aos grandes muros brancos que circundavam um imponente eexótico palácio.

— Muzhair. — Disse o emir.Um homem gritou que os deixassem entrar. Enormes e grossas portas

começaram a se abrir, e entraram em um pátio que tinha sido preparado paraa guerra e o assédio com catapultas, besta30 e aríetes31. Elise conteve aslágrimas que finalmente tinham ameaçaram fluir de seus olhos, quando asgigantescas portas voltaram a se fechar detrás dela.

Jalahar assinalou uma janela no alto de uma torre.— Seus aposentos. — Disse suavemente.Ela não disse nada, e quando seus lindos olhos se encontraram com os

dele, neles não havia nada além de tristeza.— Vou deixar você em paz. — Prometeu Jalahar. — Até... que nasça o

seu filho.Mas ela seguiu sem dizer nada.— É minha refém! — Gritou ele subitamente. — Minha prisioneira, minha

posse. Te ofereço os melhores cuidados, os melhores aposentos. Você não diznada.

Ela sorriu finalmente.— Se o que você quer dizer é que vai me deixar em paz, então estou

agradecida. Mas se o que buscas é me dar algo, me dê minha liberdade. Amo ameu marido. Nunca serei capaz de me entregar a nenhum homem, porque deio meu coração e minha alma a meu marido. Ele compreenderia isso, Jalahar.Já aprendeu que existem coisas que não podem ser tomadas, a não serunicamente recebidas... quando lhe dão isso.

Jalahar começou a rir.— Pode ser, Elise. Pode ser. Mas possivelmente me conformarei com

aquilo que posso tomar. E o tempo... o tempo, minha senhora, muda muitascoisas. Possivelmente esquecerá seu rosto. — Jalahar ficou sério. — E talvez...ele morrerá. E depois, Elise?

Ela não respondeu. As lágrimas haviam retornado para os seus olhos.Jalahar deu um par de palmas. Apareceram duas jovens vestidas de

sedas e ele murmurou algo naquela língua que tão estranha e alheia soavapara Elise.

O emir desmontou de seu cavalo e, colocando os braços ao redor dela,desceu Elise.

— Bem-vinda a Muzhair, Elise. — Disse, empurrando-a suavemente paraas jovens. — Dorme bem. Esta noite... pode fazer isso em paz.

Elise não fez nenhum esforço por resistir ou falar enquanto as duas

jovens a levavam para uma grande arcada. Jalahar gritou algo, e Elise se virouapaticamente para ele.

— Não acredito que Stede vá morrer. — Disse o emir. — Me assegurareide que saiba como ele se encontra.

— Obrigada. — Murmurou ela.Ela agradeceu a um homem que a tinha levado pela força era ridículo.Mas Bryan ainda vivia...Na confusão, no medo, no desespero, Elise tinha que se agarrar a aquele

fato. Fez a única coisa que podia fazer.Bryan ainda vivia...

Capítulo 25

— Um... dois... três... quatro!Elise uniu mediante um nó dois últimos lençóis e contemplou o pátio

interno que se estendia debaixo de sua sacada. Levava uma semanaobservando o pátio cada noite, e tinha descoberto que quando a lua estava noponto mais alto de sua trajetória, o pátio se encontrava vazio. Supunha queentão todos os muçulmanos se reuniam na oração.

E aquela noite... Elise estava preparada. O espaço que havia entre suajanela e o chão deixava tonta, parou, tremendo e temerosa de que fosse lhefaltar coragem. Tinha que tentar escapar, ou do contrário se voltaria louca.Elise fechou os olhos durante alguns momentos e então abriu novamente. Comum vigor renovado, amarrou o extremo de sua corda ao pé de um móvel deferro e lançou o comprimento restante por cima do corrimão da sacada. Atoseguinte, conteve a respiração durante alguns momentos, mas não veioninguém e ela não pôde ouvir o mais leve som na noite. Reunindo coragem pelaúltima vez, Elise subiu com muito cuidado as saias de seu traje, uma criaçãode seda que lhe tinha dado uma das mulheres de Jalahar, e equilibrou o pesode seu corpo em cima do corrimão. Agarrando-se ao lençol com todas suasforças, rezou para que o móvel de ferro lavrado, pesasse o suficiente parasuportar o seu peso. Ela se balançou ligeiramente, e então murmurou umarápida prece de agradecimento quando viu que a corda feita com lençóisaguentava. Curvando os tornozelos ao redor da escorregadia seda, iniciou adescida com muito cuidado. A euforia iluminou seus olhos quando seus péscalçados com sapatilhas tocaram o chão do pátio. Tinha conseguido! Agora aúnica coisa que restava para fazer, era se fundir com o muro mergulhar naescuridão, ir pouco a pouco até a parte dianteira, e se esconder dentro de umacarroça...

— Faz uma noite realmente magnífica para tomar o ar, verdade?Elise deu um salto quando ouviu a voz de Jalahar detrás dela. Se virou

para ele, pronta para lutar ou para a correr, mas Jalahar se limitou acontemplá-la com seu sorriso triste e seus sagazes olhos escuros.

— Não corra, Elise. — Disse docemente. — Ou me verei obrigado achamar a outros para que lhe detenha. — Levantou as mãos em um gesto cheiode sofrimento. — Então você lutará... vai se machucar a si mesma... e talvez aseu filho.

Elise exalou, deixando que seus ombros se inclinassem sob o peso daderrota. Só tinha visto o Jalahar em uma ocasião desde que a trouxe ali,durante sua terceira manhã no palácio. Então o tinha atacado impulsionadapela raiva, só para descobrir que sua magreza era enganosa. Jalahar não tinharespondido a seu ataque com outro ataque, mas sim se tinha limitado a lheretorcer sutilmente o braço de tal maneira, que qualquer novo movimento porparte de Elise causava uma intensa dor. Então lhe tinha informadocortesmente de que não voltaria a interromper sua solidão ao menos que ela semostrasse mais receptiva a sua presença.

O emir de Muzhair estendeu uma mão para ela.— Retornamos andando juntos?Elise passou ao lado dele. A mão de Jalahar caiu junto a seu lado, mas

ele a seguiu, e ela pôde sentir muito claramente sua presença. Seu aroma erade almíscar e madeira de sândalo, e seus passos não faziam nenhum ruído,mas mesmo assim emanava dele um inquietante calor. Sempre lhe falava emvoz muito baixa, quase com tristeza. Elise o odiava por mantê-la prisioneira,mas tinha descoberto que não podia chegar a odiá-lo como homem.

Um lance de estreitos degraus conduzia a seu quarto da torre. Elisesubiu em silêncio e então, ficando rigidamente imóvel, esperou que ele abrisseo ferrolho. Quando a porta se abriu, Elise entrou no quarto e saiu para asacada. Jalahar a seguiu. Elise não o olhou, mas soube que a contemplavaquando ele suspirou e recolheu a corda improvisada que ela tinhaconfeccionado com os lençóis.

— Não quero te deixar sem nada que permita se cobrir, porque às vezesas noites são muito frias. — Disse Jalahar. — Tenha a segurança de quehaverá um homem debaixo de sua sacada dia e noite,

Elise se negou a lhe dar uma resposta, e um sorriso puxou suavementedo canto dos lábios de Jalahar.

— Elise... Esse intento de fuga era tão insensato como perigoso, paravocê mesma e para seu filho. Dei tempo porque acredito que terminará vindopara mim, e devido a seu filho. Mas se ele não te importa o suficiente paracuidar do bem-estar de seu ventre, então começarei a me perguntar por quedeveria me importar. E talvez acabe decidindo que a única maneira de

conseguir que receba meus cuidados é me assegurar de que aprenda adesfrutar deles.

Ela finalmente falou depois de contemplá-lo em silencio durante algunsinstantes, sendo muito consciente de que as palavras de Jalahar eram umaadvertência, e pressentindo que emir não era a classe de homem que ameaçameramente por falar.

— Não tentarei voltar sair pela sacada. — Disse secamente.Jalahar sorriu, e seus escuros olhos reluziram com um brilho de

diversão.— Se fosse um homem, te pediria que me desse sua palavra de honra.

Conhecendo sua determinação, não acredito que haja nenhuma maneira deque possa chegar a acreditar em você. Me limitarei a dizer que nosso futuroestá em suas mãos.

Elise se assustou, tragando saliva, quando ele andou para ela. Jalaharriu assim que a viu pegar no corrimão da sacada, e parou sem dar um só passoa mais. Mas estendeu a mão e seus olhos seguiram o movimento de seusdedos, enquanto estes se posavam suavemente sobre os cabelos de Elise, paraafastar as mechas que se espalhavam em cima de sua testa.

— Suas excursões na meia-noite são muito cruéis para seu cabelo, Elise.Venha e a escovarei por você.

— Eu posso escová-lo sozinha.— Mas não me negará um prazer tão insignificante, especialmente não...

quando tenho notícias de seu marido.— Bryan! — Exclamou ela, e a delatora emoção que sentia brilhou

intensamente em seus olhos. — Me Conte. Vive? Vai curando sua ferida? O quevocê sabe? Qual é sua fonte?

Jalahar lhe fez uma pequena reverência, lhe indicando dessa maneiraque deveria entrar no quarto. Elise hesitou com uma vacilação que só durouum instante, e então saiu da sacada para retornar a seu quarto.

Odiava seu quarto, mas isso não era porque ela recebeu um quartodesagradável para ocupá-lo. Pelo contrário, a tinham aprisionado no luxo. Seuquarto era grande, e o lado Leste estava ocupado por intermináveis fileiras dealmofadas de plumas, forradas com seda e espalhadas sob uma grande tendada mais pura seda. Suntuosos tapetes davam calor ao chão, e as janelasestavam cobertas por cortinados que ondulavam em um suave balanço de tonsverde e tons verdes claros. Elise dispunha de um penteadeira delicadamenteesculpido, escovas e pentes de prata lavrada, e uma banheira esculpida e tãofunda que quase podia nadar dentro dela. Lhe tinha proporcionado um grandenúmero de preciosos livros, minuciosa e habilmente copiados por eruditos,traduções francesas de obras dos mais famosos poetas gregos e romanos. Nadade que pudesse necessitar ou querer lhe tinha sido negado... exceto sua

liberdade.E essa era a razão pela qual Elise odiava tanto aquele quarto. Porque sem

importar o muito luxuosa que fosse, era uma prisão.— Sente-se! — Ordenou Jalahar, lhe assinalando o tamborete que havia

diante de sua penteadeira.Elise obedeceu nervosamente, lhe suplicando com os olhos quando estes

se encontraram com os de Jalahar no espelho de metal lavrado magnificamenteesculpido. Ele sustentou o olhar durante um instante, mas não falou enquantopegava a escova destinada a ela, e começava a tirar os alfinetes da massa deseu cabelo, sem seguir nenhuma ordem determinada. O cabelo caiu ao redorde Elise em um radiante esplendor e Jalahar tomou os cachos com fascinação,contemplando como os cabelos dourados avermelhados brilhavam na luz dasvelas enquanto ia deslizando a escova por eles em uma suave série deescovadas.

— Jalahar!Elise não queria lhe suplicar informação, mas a ameaça de um soluço

estava presente em sua voz quando falou.— Pelo que ouvi, ainda resiste.— Vive!— Sim, mas...— Mas o quê? — Perguntou Elise, se virando no tamborete enquanto

erguia os olhos para os dele, se sentindo atormentada por uma súbitainquietação.

— Dizem que luta com uma febre. É o que está acostumado a acontecermuito frequentemente, sabe... Não é a ferida que mata ao homem, a não ser afebre.

Elise baixou os olhos, conscientes de que estavam se enchendo delágrimas.

— Stede é um homem muito forte. — Disse Jalahar. — Tem junto dele osmelhores médicos do rei inglês.

— Que provavelmente o matarão se a febre não acabar com ele! —Exclamou Elise.

Jalahar guardou silêncio durante alguns momentos, e então murmurou:— Pedirei ao Saladino que envie a um médico do Oriente, um egípcio que

esteja familiarizado com a febre do deserto.Com o passar do tempo, Elise acharia absurdo que o homem que a tinha

separado de seu marido mediante a força, se mostrasse disposto a fazer tudo oque estivesse em seu poder para cuidar da vida e da saúde de seu marido, masnaquele momento só podia pensar no Bryan, e não se importava nem um

pouco do que estivesse falando dele com o Jalahar, como tampouco importavao fato de que os dois homens fossem inimigos naturais.

— Um egípcio? — Quis saber.— É o melhor que conheço. — Disse Jalahar com doçura.— Mas aceitará Ricardo que esse egípcio vá até lá? Permitirá que veja o

Bryan?— Até seu rei respeita a honestidade do Saladino. Seu rei é teimoso e

suas intenções não podem estar mais erradas, mas não é nenhum estúpido.Ocupar-me-ei de que esse homem lhe seja enviado.

As lágrimas estavam fazendo que Elise ver borrado. Ela contemplou assuas mãos.

— Me... manterá informada?— Sim... contanto que você me convide a entrar, é claro.— Te convidar para...Ele sorriu através do espelho.— Este é seu domínio.Elise cravou o olhar em seus escuros, escuros olhos, tão expressivos em

seu contraste com a pele queimado de suas feições estranhamente refinados.Os dedos de Jalahar, longos e esbeltos, repousavam sobre o dourado do cabelode Elise. De repente Elise estremeceu e desejou que Jalahar fosse gordo, feio esujo. Ele não era. Mesmo embelezado com suas folgadas roupas do deserto, oemir de Mozhair produzia uma impressão de agilidade e robusta força. Delicadoe de voz suave, era um homem realmente muito estranho.

— Este lugar não é meu domínio. — Disse Elise. — É uma... prisãomagnificamente mobiliada. Você é meu carcereiro. Os prisioneiros nãoconvidam para nenhuma parte os seus carcereiros.

— Deve pensar em você mesma como uma hóspede. Um bom anfitrião,nunca entra nos aposentos de uma hóspede sem dispor de um convite.

— Esta noite você entrou nele com toda a liberdade do mundo.— Ah... mas as circunstâncias eram de uma natureza mas bem

atenuante, não te parece? Descobri que precisava prestar um serviço emqualidade de escolta.

Elise contemplou a penteadeira e falou em um sussurro.— Sabe que convidaria a qualquer lugar... só para saber algo a respeito

de Bryan.— Então voltarei para você assim que tenha notícias.Transcorreu outra semana antes de que voltasse a vê-lo. Elise tentou ler,

tentou encontrar algum método de conservar a paciência, rezando para não

enlouquecer. Mas por muito que tentasse de fazer outra coisa, o habitual eraque se dedicasse andar pelo quarto.

Era servida por duas mulheres, ambas as árabes e ambasmagnificamente vestidas e cobertas de jóias. Elise encontrava seu trajebastante curioso para umas servas até que descobriu, graças ao pouco defrancês que falava a mais velha delas, que ambas eram esposas de Jalahar.Assombrou que Jalahar enviasse a suas esposas para cuidar de outra mulher,a qual tinha feito cativa em uma batalha, mas nenhuma das duas parecia sesentir ofendida pela ação.

— Segundo as leis de Alá, um homem toma quatro esposas. — DisseSatima, pequena e um pouco gordinha.

— E Jalahar tem...?— Três. Quando chegar o momento apropriado... te converterá em uma

esposa.— Mas eu já tenho um marido!— Não para as leis do islã.A mulher árabe desaprovou sua falta de entusiasmo, como cativa, Elise

teria devido se sentir adulada ao saber que o grande Jalahar tinha decididofazer dela uma esposa, quando não deveria ser nada melhor que umaconcubina.

Elise caiu em dias de profunda tristeza. Jalahar não lhe trazia nenhumainformação, e a única coisa que podia fazer era se preocupar incessantementepelo Bryan. O certo era que as febres podiam acabar inclusive com os homensmais fortes, e já parecia ter transcorrido tanto tempo... Quanto tempo poderiaenfrentar até o bem treinado e robusta força de Bryan a uma febre que aassolava implacavelmente?

E se vivia...Bem, tinha deixado ele aos cuidados de Gwyneth.Elise dava voltas e mais voltas em sua grande cama de almofadas e sedas

e chorava. Gwyneth finalmente teria ao Bryan e ela seria a quarta esposa deum senhor do deserto, aprisionada para sempre em um quarto de seda.

Os dias e as noites intermináveis foram passando para que Elisepensasse e meditasse. Ela se lembrou da casa senhorial de Firth e do dia emque Percy tinha morrido, e de como tinha morrido tentando adverti-la... arespeito de Gwyneth. E agora, ela tinha chegado a outorgar sua bênção aaquela mulher para que ficasse com seu marido...

Se Bryan vivia.Tinha que viver. Pensar nele com Gwyneth, era preferível a se imaginar

aqueles olhos cor índigo fechados para sempre, e que seu coração já nãopulsava cheio de vida e vitalidade.

Elise passou dois dias seguidos sem comer. Satima finalmente conseguiuconvencer a de que comesse, lembrando que dessa maneira faria grande mal aseu bebê. Mesmo assim, era difícil para ela sentir que isso poderia serimportante, porque ainda não tinha percebido a presença da vida dentro dela eparecia terrivelmente distante.

Uma manhã, enquanto Elise contemplava sem ver o cobertor de sedaestendido sobre sua cama, ouviu abrir porta com um suave rangido. Não deumuita importância, pensando que se trataria da Satima ou Marín lhe trazendouma bandeja com um café da manhã de frutas e pão fresco.

— Deixa a bandeja em qualquer lugar. — Murmurou Elise com vozdistante.

— Ah... Não, me sentarei contigo enquanto come! Tem que comer, sabe.Era uma voz diferente. Elise se virou para ver outra mulher, pequena,

frágil e muito linda. Seus olhos eram escuros e enormes, e suas feições tinhauma deliciosa forma de coração. A mulher olhou para Elise com um sorriso quea fez se sentir vagamente inquieta.

— Quem é? — Perguntou.— Sonina. Entro, sim? Selecionei as tâmaras mais doces para você... pão

fresco recém saído do forno. Por favor? Tem que comer. — Insistiu Soninacarinhosamente.

Elise não se sentia nada bem. Se afastou da confusão de almofadas e selevantou, oferecendo um vago sorriso a Sonina enquanto ia para a sacada. Oque estava acontecendo? Por que não tinha vindo Jalahar para informá-la arespeito de Bryan? Bryan não poderia ter...

— Morrer!Elise se apressou a se virar assim que a palavra foi gritada de repente, e

ficou atordoada ao ver a frágil beleza se lançando sobre ela como uma flecha,com a mão erguida no ar e os dedos rigidamente fechados ao redor do punhode jóias de uma adaga.

Com um grito instintivo, Elise se agachou ao mesmo tempo que se viravapara evitar receber uma punhalada. Então voltou a dar meia volta, pronta paralutar. Quando Sonina a atacou pela segunda vez, Elise lhe golpeou o braço comtal violência que a força de seu impacto obrigou à adaga a escorregar pelo chão.Quando Sonina começou a lhe dar furiosos murros, Elise se ergueu e seguroupelo pulso da jovem árabe, se assombrando de sua própria força.

— Basta! — Gritou para ofegante Sonina, que seguia tentando lhearranhar o rosto.

— Deveria ter comido as tâmaras! — Gritou Sonina.Uma onda de medo percorreu a coluna de Elise.— Não estariam envenenados, verdade?

— Sim! Sim! E ainda conseguirei te matar!— Porquê?— Jalahar! Não permitirei que me substitua.— Não tenho o menor desejo de te substituir..., e Jalahar já tem outras

duas esposas!— Elas! — Sonina franziu os lábios em uma careta cheia de desprezo. —

Não são mais que dois corvos velhos! Eu sou aquela que ele procura! As demaiscuidam de seus filhos..., e de suas rameiras.

Elise não pôde evitar de corar.— Não sou sua rameira, Sonina, e tampouco desejo ser sua esposa.

Tenho um marido. Se desejas se livrar de mim, então me ajude! me ajude a ir...A porta se abriu de repente. Satima entrou no quarto, acompanhada por

um forte guarda. Passando ao lado de Elise, agarrou pelos cabelos de Sonina ecomeçou a repreendê-la furiosamente em árabe. Sonina gritou ao mesmotempo, mas o guarda a agarrou pela cintura e, levantando-a no ar, tirou elaesperneando do quarto.

— Não voltará a te incomodar. — Disse Satima.— Não coma as tâmaras. — disse Elise secamente.Satima voltou a olhar para a bandeja de comida, não necessitando que

lhe dessem mais explicações.— Sonina está muito ressentida contigo. — Disse depois. — Jalahar

retorna esta noite, e em sua mensagem pedia que fosse vê-lo depois de que sebanhe e jante.

Elise baixou os olhos.— Sim, verei ele. — Disse.Jalahar foi a seu quarto quando já era muito tarde. Elise levava horas

indo de um lado a outro, e quando a porta se abriu, correu para ele.— Você soube algo? Me conte por favor.Jalahar não a fez esperar. Olhou-a enquanto falava, e Elise se perguntou

o que ele achava de tão intrigante em seu rosto.— O egípcio trata ao Stede. Seu marido ainda luta com a febre, mas a

febre está cedendo, ou isso é o que ouvir dizer. Recuperou o conhecimento emuma ou duas ocasiões, e o egípcio diz que viverá.

Elise começou a tremer tão violentamente por causa do alívio, que seenroscou sobre o tapete, como se suas pernas fossem muito fracas para podersustentá-la. Levando as palmas para suas bochechas, apertou como se elatambém quisesse ficar inconsciente.

Jalahar se inclinou sobre ela e a levantou até estar de pé novamente.

— Te trouxe boas notícias. Mas agora, você é minha anfitriã. Vai meentreter.

Os olhos de Elise ficaram tão cheio de pânico, porque Jalahar se pôs arir.

— Não tomo nada que você não dê, lembra?Ele bateu palmadas algumas vezes e a porta se abriu. Dois servos

entraram trazendo uma curiosa mesa baixa, e começaram a dispor peçasesculpidas em cima dela. Elise olhou para o Jalahar.

— Xadrez. — Disse emir, indo para a mesa e agarrando uma das peçaspara desfrutar de seu magnífico artesanato com a sensibilidade de suas mãos.— Um trabalho do mais insólito. Foi um presente feito para o meu pai pelo qualera rei de Jerusalém naquela época. Um rei cristão. Sabe jogar?

Elise assentiu e tomou assento em cima de uma almofada.— Você moverá primeiro. — Disse Jalahar, e ela assim o fez.Os peões foram tomados, os cavalos e os bispos caíram.— Joga bem. — Disse Jalahar.— Ganharei. — Disse ela.Jalahar sorriu.— Isso é improvável. Porque seguirei jogando contigo até que eu seja

quem ganhe.A partida seguiu seu curso, e finalmente Jalahar voltou a falar.— Ouvi dizer que teve uma manhã muito interessante. — Ele disse.Elise encolheu os ombros sem perder a calma.— Sua esposa tentou de me envenenar. Então tentou me apunhalar.— Será castigada.— Por quê? Ela quer me ter neste palácio tão pouco como eu desejo estar.— Uma esposa não vai contra a vontade de seu marido.— Então não quererá me ter por esposa, Jalahar, porque eu acredito em

minha própria vontade.A mão de Jalahar parou em cima de uma das peças e então olhou para

Elise, com um sutil brilho reluzindo nas profundidades de seus olhos,enquanto seus lábios se curvavam em um sorriso apenas perceptível.

— Não lembro ter sugerido que você deveria ser minha esposa. — Dissecortesmente.

Elise não soube por que se ruborizava.— É o que Sonina teme.O emir encolheu os ombros.

— Não terá que voltar a se preocupar a respeito de Sonina.— Não desejo que a castigue. — Disse Elise. Moveu uma peça e olhou

para ele. — Acho que vai descobrir que você não pode fazer nenhummovimento. Ganhei a partida.

Jalahar se levantou e se inclinou diante dela.— Me dou por vencido. Dentro de uma semana voltaremos a jogar.

Elise aprendeu a sobreviver aos longos dias se concentrando em doispensamentos. Leonor, rainha Leonor, que lhe deu tanto em forma de cuidadose afeto, tinha sido uma prisioneira durante dezesseis anos. Houve momentosnos quais a tinham tratado com terrível dureza, lhe negando os mais simplesdos prazeres. Leonor tinha saído daquela experiência sendo tão orgulhosa eforte como sempre.

Tinha aprendido como esperar...Pensar em dezesseis anos estava preste a fazer que Elise voltasse afundar

no desespero, mas seu segundo pensamento evitou que fizesse tal coisa.Tinha que permanecer sã, consciente e alerta. Era bem possível que a

única coisa que ela poderia esperar ter do homem ao qual tinha chegado aamar com todo seu ser, fosse o seu filho. Pelo bebê, aguentaria.

Jalahar vinha a vê-la cada semana. Elise soube que Sonina tinha sidodevolvida a seu pai. Isso a encheu de indignação, mas Jalahar se mostroufirme.

— Minha casa vive em paz. Uma mulher capaz de apunhalar ouenvenenar a outra não é a classe de mulher a qual desejo ter em minha cama.Eu lidero minhas guerras no campo de batalha, contra homens.

Elise deixou de prestar atenção na sua partida de xadrez, movendo suarainha aleatoriamente enquanto ela respondia.

— Então você não me quer aqui, Jalahar, porque de bom grado temataria, para ganhar minha liberdade se tivesse a ocasião de fazer isso.

— Faria isso?Com o rápido movimento de um peão, Jalahar lhe arrebatou sua rainha e

a deixou em situação de cheque mate. Elise mal havia estado seguindo o cursodo jogo, mas não pôde evitar que lhe escapasse um grito quando um súbitotapa de Jalahar fez que o tabuleiro e as peças caíssem ao chão. Depois Jalaharficou em pé, levantou-a com um brusco puxão da almofada sobre o qual estavasentada e, estreitando-a contra seu peito, obrigou-a a olhar nos olhos dele.

— Te darei a minha adaga. — Disse, tirando uma lâmina letal de seucinturão e colocando na mão dela. — Pegue-a! — Acrescentou e, rasgando a

túnica, deixou descoberto a pele e os músculos de seu peito.Elise, atordoada pela sua ação, começou a retroceder se afastando dele

com a adaga de punho de pérola em sua mão. Jalahar seguiu avançando paraela, desafiando-a com o brilho de seus escuros olhos.

— Basta, Jalahar! — Gritou Elise. — Te apunhalarei!— Você fará?Jalahar estendeu o braço e, pegando a sua mão, aproximou a lâmina da

adaga na sua pele. Então exerceu uma pressão que obrigou a descer à mão deElise, fazendo emanar sangue em uma fina linha vermelha.

— Basta! — Voltou a gritar Elise, liberando a mão de seu aperto.Lágrimas histéricas encheram seus olhos e uma vez mais retrocedeucambaleando diante dele, desta vez para tropeçar com as almofadas e ostravesseiros de seda de sua cama. Caiu sobre elas e o pânico abriu os olhosquando Jalahar sorriu e, depois de se deitou junto dela, apoiou um cotovelopara contemplá-la.

Elise se separou dele e se sentou contra à parede, encarando ao Jalahare lhe sustentando o olhar.

— Você não tem o instinto necessário para matar. — Disse ele e, sevirando com um súbito e ágil movimento, se ajoelhou em cima de seu divã.Seus dedos acariciaram suavemente a bochecha de Elise. — Tão difícil seria meamar? — Perguntou.

Seus lábios roçaram os de Elise. Ela queria se afastar daqueles lábios,mas não podia fazer porque se encontrava presa contra a parede. Mas ocontato não era cruel, nem imperioso. A boca de Jalahar era cálida e tinhasabor de hortelã, e se posava com uma persuasiva delicadeza sobre a de Elise.O beijo foi muito tênue, apenas algo mais que um murmúrio sussurrado emcima dos lábios de Elise. E um instante depois Jalahar já voltava a olhá-lafixamente.

Elise tremia, confundida e rasgada pelo choque de suas emoções.Separou os lábios para falar, e então se lembrou de que ainda tinha a adagaem suas mãos.

A pôs entre os seios.— Talvez não possa tirar a sua vida. — Disse. — Mas posso tirar a

minha.Um brilho de ira escureceu os olhos de Jalahar, e ele arrancou a adaga

das mãos com um golpe tão violento que Elise gritou, enquanto a via girarsobre o chão.

— Me acha tão abominável que estaria disposta a se matar e matar a seufilho? — Quis saber ele com gélida fúria.

Os olhos de Elise se encheram de lágrimas.

— Não. — Ela sussurrou. — Não te acho repugnante. Mas eu... amo ameu marido. É que você não pode entender isso?

Jalahar estendeu a mão para ela e Elise se encolheu sobre si mesma, nãoporque temesse que fosse machucá-la, mas sim porque temia sua delicadeza.

— Não vou machucá-la, moça dourada. — Disse com doçura. — Só vouabraçar você. Não resista a mim.

Jalahar a deitou sobre as almofadas junto a ele e a rodeou com seusbraços. Elise sentiu a tranquilizadora carícia de seus longos dedos ao longo desua bochecha, entre seus cabelos. Fechou os olhos e seus tremores foram seacalmando gradualmente. Jalahar não tinha mentido, porque a única coisa queestava fazendo era abraçá-la.

E enquanto deitada imóvel entre seus braços, Elise sorriu amargamenteatravés das lágrimas do mais terrível dos remorsos. Tinha havido um tempo emteria o matado para escapar... de Bryan. E teria prazer em vê-lo pendurandoem uma corda com a pele feita em tiras. Houve um tempo em que... mas entãoela era uma mulher diferente do que era agora, ou talvez porque até que aconhecer o Bryan não tinha sido mais que uma menina, e porque só entãocompreendeu as profundezas do êxtase e o desespero que podiam vir a trazerconsigo o fato de amar. Jalahar... era tão diferente de Bryan. Esbelto, moreno,um muçulmano, um príncipe do deserto. Tinha nascido para seguir outroscaminhos, para seguir a outro Deus.

Mas Elise tinha aprendido com Bryan que havia muitas maneiras deolhar a um homem, e que Jalahar possuía qualidades que ela não podia evitarrespeitar. E Bryan lhe havia dito em uma ocasião... aquela primeira noite... hámuito tempo, no que se tornava a ser outro mundo, que nenhum encontro depele merecia morrer por isso. Elise não desejava morrer, e Jalahar não a tinhaobrigado a enfrentar a aquela prova.

E não, não odiava ao Jalahar. Enfrentaria ele e se alguma vez Jalaharchegava a forçá-la, então Elise teria que lutar e oferecer a maior resistênciapossível. Mas estava assustada. Muito assustada. Bryan lhe tinha dado umaparte tão grande de amor, que tinha aberto um caminho nunca explorado paraos sentidos e o coração de Elise, e agora temia que a solidão e o medo quesentia terminassem tornando-a vulnerável à mesma ternura que mostravaJalahar.

Então ele falou, movendo sua mão com distraída fascinação sobre ocabelo de Elise, como se ele tivesse lido a mente.

— Realmente seria tão difícil me amar... da maneira em que ama aoStede?

— Não posso responder a essa pergunta. — Disse ela. — Porque amo aoStede.

Jalahar guardou silêncio durante alguns instantes que foram muito

longos. Então se inclinou para trás, apoiando a cabeça em um cotoveloenquanto contemplava a suave neblina de seda que havia em cima deles.

— E se Stede morrer?— Me prometeu que não morreria! — Gritou Elise.— Nenhum homem pode chegar a fazer essa promessa. Mas não estou

falando de sua ferida e da febre. — Olhou-a. — Deve saber que ele virá pormim. Isso requererá seu tempo, porque antes precisará recuperar as forças...,pelo menos que venha se arrastando pela ira, em cujo caso decididamentemorrerá. Encontraremos no campo de batalha. Um de nós tem que matar ooutro.

— Por quê? — Perguntou ela, seus olhos tão brilhantes e líquidos como omar enquanto o olhava fixamente. — Se te importar algo, Jalahar, então medeixe partir.

— Não posso. — Se limitou a lhe dizer ele.Ficando em pé, alisou a sua túnica e então se inclinou diante dela, com

um sorriso cheio de tristeza franzindo seus lábios.— Tenho que ir, porque se não fizer corro o risco de faltar ao meu

juramento. Verei você logo.

Jalahar vinha cada terça-feira. Já não houve mais explosão de violênciaentre eles, e o que faziam com mais frequência era jogar xadrez. Às vezes lhepedia que lesse algo, e às vezes ele fazia progressos hesitantes através dastentativas de Elise de lhe ensinar inglês. Elise começou a entender algumaspalavras de árabe, e quando ele pedia que deixasse escovar os seus cabelos, jánão tentava se negar. Parecia algo insignificante, e Elise sempre via seusescuros e pensativos olhos fixos nela e sabia que então Jalahar estavaexercendo um grande domínio de si mesmo. Às vezes se sentia estremecerquando ele a tocava, e se perguntava o que acontecia se chegasse o dia em queJalahar perdesse a paciência.

A semana em que sabia que o mundo cristão estaria celebrando o Natal,resultou excepcionalmente duro para ela. Se acostumou que os diasintermináveis transcorressem de uma maneira tão tediosa que esperava comimpaciente deleite as visitas de Jalahar. Elise tinha conseguido sair de seuabatimento, e estava decidida a manter mais sã possível e dar à luz a umarobusta criança cheia de vida. Jalahar falava muito pouco de Bryan, mas haviadito que a febre por fim tinha cedido, e que Bryan vivia. Não falava da guerraentre os cristãos e os muçulmanos, e, na maioria das ocasiões, ela não seatrevia a lhe perguntar a respeito. Rezava para que Bryan não partisse para abatalha quando ainda se encontrasse fraco, porque isso faria que fosse umapresa fácil para a morte.

E se perguntava frequentemente o que estaria fazendo Bryan naquelesinstantes. Estaria Gwyneth junto a ele? Sabendo até que ponto a afetava ocontato de Jalahar, Elise não poderia odiar o Bryan no caso de que aceitassequalquer classe de consolo que pudesse chegar a lhe oferecer Gwyneth.Gwyneth deveria ter sido a sua esposa. Bryan a conhecia desde muito antes,quando conheceu a Elise. Não, não poderia odiá-lo se procurava um pouco deconsolo. A única coisa que podia fazer era suportar a dor e se perguntar seBryan a estaria procurando.

O próprio Jalahar parecia estar mais sombrio e calado do habitualquando veio a vê-la dois dias antes do Natal. Tinha ordenado que trouxessemvinho, que os muçulmanos não bebiam, para ela como uma concessão a seucristianismo. O tabuleiro de xadrez já estava preparado, mas nenhum dos doisestava prestando muita atenção às peças.

Jalahar moveu distraidamente uma torre sem afastar os olhos dotabuleiro.

— O egípcio retornou com o Saladino para voltar a prestar seus serviços.— Disse, e então ergueu os olhos para ela. — E Stede foi visto no pátio dopalácio de Acre, exercitando-se com sua espada.

Os dedos de Elise tinham começado a tremer com tal violência que nãopôde levantar sua peça de xadrez. Apertou as mãos em cima de seu colo até setornar em punhos e as olhou.

— Se recuperou por completo, então?— Isso parece. Meus informadores me dizem que está pálido e fraco, mas

que se mantém erguido ao andar.Jalahar se levantou e começou a passear pelo quarto como se não tivesse

nada melhor que fazer, agarrando uma curiosidade aqui e lá. De repente Eliseo sentiu atrás dela, e seus dedos lhe roçaram suavemente o topo de suacabeça.

— Há muita controvérsia sobre você, moça dourada. O rei inglês não parade enviar mensagens a meu tio Saladino. Exige que Saladino a devolva paraele.

— E o que... — Elise umedeceu os lábios. — O que disse Saladino aonosso rei?

Percebeu o encolhimento de ombros de Jalahar.— Saladino me pediu que te devolva. Me diz que não é mais que uma

mulher, e que estamos liderando uma guerra por um propósito maior.— E... o que você disse para o Saladino?— O que digo a você... que não posso fazer isso.— O que diz Saladino então?Os dedos de Jalahar se deslizaram sobre a bochecha de Elise, e levantou

o seu queixo para assim poder olhá-la nos seus olhos de cima.— Este é meu domínio. — Disse depois. — Meu palácio. Estamos lutando

pelo bem comum, mas meu tio não pode me dizer o que devo fazer em umassunto como este.

Não sorriu, e se limitou a estudar as feições de Elise. Então a soltou e foipara a porta.

— Esta noite o jogo me esgotou logo. — Disse em voz baixa. — Me enchea paciência. E estou cansado. — Parou, e uma expressão pensativa escureceuainda mais seus escuros olhos, enquanto voltava a olhá-la fixamente. — Seufilho nascerá em abril? — Perguntou.

Elise sentiu que um súbito rubor tingia suas bochechas.— Sim. — Sussurrou passando alguns instantes.— Isso não é muito tempo. — Disse ele. — Você deve começar a pensar

no que vai fazer.— Fazer? — Repetiu ela vagamente.— Seu filho será bem-vindo aqui. — Disse Jalahar com repentina secura.

— Mas acaso não vai ser o herdeiro de Stede? Deve decidir se quer manter aseu filho junto de você, ou se desejas entregar a ele a seu pai.

Elise umedeceu os lábios, sacudida por uma nova dor... e por umadilaceradora sensação de aflição. Durante todo aquele tempo, todas aquelaslongas semanas que se converteram em meses, nunca tinha aceito que ascoisas pudessem chegar a ser como eram, para sempre. Não podia esperar delaque renunciasse a seu filho! Não ao bebê que finalmente tinha começado a semexer, a existir tão poderosamente dentro de seu coração. Mas poderia mantê-lo separado de seu pai? Se tinha desejado um filho com tanto desespero era emparte por ela mesma... e em parte pelo Bryan. Um filho possivelmente fosse aúnica coisa realmente valiosa que ela poderia chegar a dar para ele.

— Stede segue estando aqui..., na Terra Santa. — Murmurou.— Pensa que esta guerra continuará eternamente? Ou que os cristãos

chegarão a nos dominar por completo alguma vez? O rei Felipe da França járetornou para as suas próprias terras. Nem sequer a determinação de Coraçãode Leão pode se manter para sempre. Stede virá contra mim, sim. Exigirá quedevolva a sua esposa e a seu filho, e se tal é seu desejo, a criança seráentregue. Mas, pensando bem, possivelmente não exigirá que lhe entregue acriança. Talvez acreditará que é meu filho. Me diga, Elise, sabe Stede quelevava a seu filho em seu ventre?

— Não. — Murmurou ela.Jalahar encolheu os ombros.— Então talvez desejará ficar com a criança. Aqui vai amá-lo muito,

porque tal será meu desejo.

Jalahar finalmente empurrou a porta. Elise se levantou de um salto e ochamou.

— Disse que teria que se enfrentar com Bryan no campo de batalha!Jalahar parou e sorriu.— E te agarrará na esperança de que seu cavaleiro me mate? Stede

necessitará algo mais que amor e desejo para enfrentar as minhas forças. Oscristãos levam meses tentando derrubar meus muros, e não o conseguiram.E... se Stede vier por mim agora, como te disse, morrerá. Ainda se encontramuito fraco para poder ser um digno adversário. Não quereria ter que matá-loem semelhante momento, mas em defesa própria, possivelmente me vejaobrigado a fazer isso. Se desejas que viva, então deve rezar para que deseje,que Stede sente por você não seja o bastante intenso para levá-lo a morte.

Jalahar fechou a porta atrás dele.Elise seguiu com os olhos cravados nela, temendo aquele futuro que

nunca tinha temido antes. Se sentia muito atordoada para chorar, mas assimque passou os dedos pelas bochechas descobriu que estavam umedecidos pelaslágrimas silenciosas da derrota.

Capítulo 26

Vivia em um mundo de sombra, onde reinava a escuridão e os pesadelos.Às vezes cavalgava por ele, com seu corcel arrancando grandes pedaços deterra enquanto passavam com seu galope ensurdecedor. Não sabia por quecavalgava ou qual era o lugar ao qual estava tentando chegar. Os ramos dobosque invadiam o caminho, e este parecia se afundar diante dele sem que lheoferecesse nada além um buraco negro, um escuro vazio que tinha sido feitopara preencher sua vida.

Às vezes a luz entrava em seu mundo de sonhos. Então era começo dooutono, e ele estava imóvel em um exuberante prado. Os pássaros cantavamem um suave coro e a brisa soprava perto dele, deliciosa e fresca.

E ele a via. No alto de uma duna, vestida de branco. O sol a envolvia, eseu cabelo era um halo dourado que balançava na brisa enquanto ela corriapara ele, sorrindo, com os braços estendidos e os olhos tão brilhantes e lindoscomo um mar azul. Ele levantava os braços para ela, e começava a correr. Masusava a sua armadura, e esta pesava muito. Cada novo passo ia se tornandomais difícil até que de repente se encontrava gemendo e gritando em busca denovas forças, amaldiçoando a Deus por tê-lo deixado inútil quando precisavachegar até ela para viver.

Havia outros momentos nos quais voltava a ser capaz de se mover. Então

escalava a colina. Mas ali onde antes tinha estado Elise, agora encontrava umcavalo preparado para a batalha. E quando olhava, ficou cego por um halo deouro e se protegeu os olhos com a mão. E seu coração palpitavaentrecortadamente, porque não era sua Elise que tanto desejava que montava ocavalo a não ser o Rei Henrique, voltava da tumba tal como era antes, de que aenfermidade fizesse estragos nele e terminasse matando-o. Era o Rei quandoainda se mantinha erguido e forte sobre seu corcel, quando suas feiçõestinham mostrado tanto sua sabedoria como a vivacidade de seu caráter,quando seus olhos se encontrava iluminados pelo resplendor da justiça e daestratégia.

Henrique levantava um dedo e assinalava para Bryan com ele. Quandopor fim falava, sua voz não era a de um homem vivo, a não ser um frio ecotrêmulo saído da tumba.

— Você me abandonou... abandonou...Bryan tentava abrir os olhos. Então já não era o Henrique a quem via a

não ser o filho do Henrique, Ricardo Coração de Leão. Ricardo não lhe dirigia apalavra, mas sim falava ao redor dele como se Bryan nem sequer estivesse ali.

— Ele está me olhando nos olhos. — Dizia Ricardo.— Duvido que ele saiba, Coração de Leão.Um homem estranho, muito magro e vestido com túnicas imaculadas e

um turbante, olhava para o Bryan de acima. Os escuros olhos decretavam queera ancião, seu rosto, marrom como a casca de uma árvore, não tinha sidochegado a ser desfigurado pelas rugas do tempo.

— Stede! Não pode morrer! Tem que seguir a meu lado!Era Henrique quem falava, ou era Ricardo?As sombras se agitavam em torno dele. Elise estava sentada em cima do

cavalo, chamando Bryan enquanto as lágrimas corriam por suas bochechas. Assombras ameaçavam engolindo, levando ela para sempre. Suplicava,implorava, rogava que fosse até ela. E ele não podia fazer isso, porque pesavammuito as suas pernas.

— Tenha paciência com ela, trata-a com delicadeza.Will Marshal estava de pé junto a ele.— Não posso chegar até ela! — Gritava Bryan. — Me Ajude, Will! Me

ajude!Mas Will desaparecia entre as sombras, e Bryan voltava a se encontrar

sozinho. O rosto de Henrique, o rosto de Ricardo... o rosto de Elise... desfilavampor sua mente até que todos os rostos se convertiam em um só, para entãodesvanecer-se. Bryan voltava a estar no bosque, montado em seu cavalo egalopando para o escuro abismo. Mas agora havia um ponto de luz dentro dele,um fio dourado que o atraía. Era uma coroa, uma coroa cheia de jóias. Então a

coroa se voltava imprecisa, e deixava de ser uma coroa. Era o cabelo de Elise,brilhando com relâmpagos dourados avermelhados enquanto era apanhadapelo sol e o vento. E Elise voltava a chamá-lo, estendendo os braços para elecom aqueles seus dedos tão longos e delicados. Usava o anel de safira e estetambém capturava a luz do sol, forçando-o a explodir em um campo de azul... eentão a escuridão voltava. Então as sombras se convertiam nas areiasmovediças do deserto, e no sol implacável com seu calor abrasador. Elisevoltava a estar ali, mas as areias formavam um muro ao redor dela e quandoestas se dissipavam, Elise desaparecia novamente.

— Elise! — Dizia Bryan, gritando seu nome. — Elise!— Estou aqui! — Sussurrava ela. — Estou aqui.Então algo frio roçava a testa de Bryan e uma mão apertava a sua,

delicadamente mas com firmeza.— Elise! — Gritava ele com voz entrecortada. — Não me deixe!— Nunca te deixarei. — Prometia ela.Era real, estreitava-o entre seus braços.Bryan voltava a sonhar, e quando o frio do bosque gelava seu corpo,

então lhe dava calor com mantas e se deitava junto a ele. Quando o sol dodeserto o queimava, ela o refrescava com panos. Ele sempre gritava seu nome eela sempre sussurrava que estava ali, e o estreitava entre seus braços.

Mas então finalmente chegou a manhã, quando Bryan abriu os olhos edescobriu que não estava nem no deserto e nem no bosque. Pestanejou. Suatêmpora palpitava com um doloroso pulsar, e tinha a garganta ressecada. Nãodispunha de forças nem para levantar a cabeça. Mas voltou a pestanejar eolhou em torno dele. Parede branca, finas cortinas que se balançavamlentamente. Almofadas debaixo dele....

O palácio de Acre, disse a si mesmo. A fortaleza de Ricardo...Ele se sentia horrivelmente confuso, como se sua cabeça estivesse cheia

de teia de aranha. Fechou os olhos e tentou pensar.Então se lembrou. Tinha estado cavalgando junto com a sua esposa, se

perguntando com o seu coração palpitando tão depressa como o de um moço,que segredos lhe sussurraria ela, mal suportava o resto da viagem de tantocomo a desejava. Elise colocaria o seu coração e sua alma a seus pés,estreitaria entre seus braços e lhe diria que o amava por cima de todos oshomens, que a única coisa que queria era que ambos passassem o resto deseus dias juntos...?

Não tinha ouvido os árabes, até que já os tinham sobre eles. A batalhaesteve muito igualada. Bryan tinha combatido, e combatido bem, até que...

Até que viu Elise. Sendo atacada. Lutando, se debatendo, cheia dedesespero... E ele estava galopando para ela quando aquela terrível dor lhe

rasgou o lado do seu corpo e mergulhou na escuridão primeiro... e no mundodo sonho depois.

Elise!Mas ela tinha respondido a seu chamado, porque da mesma maneira em

que agora Bryan sábia que os sonhos tinham sido ilusórios, também sábia queo contato de uma mulher tinha sido real.

Alguém se moveu ao lado dele e seu coração encheu de alegria. Omovimento requereu todas suas forças, mas Bryan conseguiu se virar nessadireção.

E então sua alma caiu ao seus pés, e a confusão voltou a se apropriar desua mente.

Gwyneth, complemente vestida, e se apoiava em um cotovelo enquanto ocontemplava com assombro.

— Você despertou, Bryan! — Exclamou. — Está realmente acordado.Ele tentou falar, mas tinha a garganta muito ressecada, Gwyneth saltou

da cama de amaciadas almofadas de pluma, e, correndo para a jarra da água,apressou-se a servir uma pequena porção dentro de uma taça e a trouxe.Bryan se horrorizou ao descobrir que ainda era incapaz de levantar a cabeça.Gwyneth teve que lhe sustentar o pescoço para que pudesse beber.

— O que aconteceu? — Conseguiu perguntar com uma voz, que apenasera um grasnido.

Ela franziu nervosamente o lábio sem responder.— Tenho que chamar o médico, Bryan.Gwyneth saiu correndo do quarto. Um instante depois, o rosto árabe

velho e queimado pelo sol de seu sonho estava contemplando com expressãopensativa para Bryan do alto.

— Você venceu à infecção, Lorde Stede. — Disse o homem em um inglêsmuito lento e laboriosamente pronunciado. — Mas ainda têm que lutar por suasaúde. Precisa dormir, com o tipo de sono tranquilo e cheio de repouso quepermite sanar ao corpo.

— Quero saber o que aconteceu! — Clamou Bryan. Tremia a voz, eparecia uma criança doente que está sendo tomado por uma birra. Sem prestarnenhuma atenção, o homem lhe fez beber mais água.

— Durma. — Disse depois. — Quando voltar a despertar, poderá falar ummomento.

Aquilo era absurdo! Nunca descansaria. Mas se encontrava tão fracocomo um anciã, e lhe pesavam muito as pálpebras. Bryan fechou os olhos.

E dormiu. Quando voltou a abrir os olhos, o árabe estava ali.— Pode levantar a cabeça?

Bryan assentiu. Foi difícil e pareceu lhe exigir todas suas forças, maslevantou a cabeça.

— Não cabe dúvida de que seu Deus sorriu para você. — Disse o árabe.— Deveria estar morto.

— Quem é? — Perguntou Bryan.— Sou Azfhat Muzhid, um médico egípcio que serve ao grande Saladino.— Saladino! — Exclamou Bryan. Deixou que sua cabeça voltasse a cair

sobre o travesseiro. O egípcio sorriu levemente, e então falou em um tom, ondenão havia nem humildade nem alarde algum.

— Deve sua vida a meus conhecimentos, e a seu Deus. Seus médicosingleses... Oh, não são melhores que os carniceiros! Insistiram em lhe sangrar,quando o sangue já tinha fugido de seu corpo como a água que desaparece naareia!

— Então eu agradeço. — Disse Bryan.— Não é necessário que agradeça a mim. Foi enviado...— Pelo Saladino? Então nossa guerra...— Continua.— Então como...?— Agora não falará mais, Stede. Deve recuperar as forças, porque agora é

como uma criança. Já irá recuperar a saúde com o passar do tempo. Sendodevidamente atendido, você fará progressos a cada dia que passe.

O egípcio já se dispunha a deixá-lo.— Quero saber onde está minha esposa! — Gritou Bryan.Azfhat parou e então voltou a cabeça para ele, mas só levemente.— Enviarei à mulher para que se sente ao seu lado.Bryan permitiu que seus olhos voltassem a se fechar, porque ainda

sentia as pálpebras ridiculamente pesados. Uma grande inquietação seapropriou dele. Quando ouviu abrir a porta, obrigou a seus olhos quevoltassem a se abrir.

Era Gwyneth.Ela o olhou com visível preocupação, e então foi até ele e se sentou em

cima da almofada que havia junto a seu quadril.— Onde está Elise? — Perguntou Bryan.Gwyneth moveu os lábios como se fosse a falar e então hesitou, olhando

para ele de tal maneira que suas escuros cílios lhe acariciaram as bochechas.— Bryan, o egípcio disse que não devia...— Onde está Elise? O que lhe aconteceu? Tenho que saber! Chame ela...

Pensei que... Gwyneth! Me diga! Elise não morreu! Sei que não morreu. Ponhoa Deus por testemunha, Gwyneth! Me conte o que aconteceu!

— Bryan... — Gwyneth suspirou, tragou saliva nervosamente e então oolhou nos seus olhos. — Elise se encontra no palácio de Muzhair.

Bryan fechou os olhos cheio de consternação. Conhecia sua esposa. Eliseteria lutado até o final, e só Deus sabia o que teriam feito os árabes...

— Virgem abençoada! — Murmurou. — Tentará apunhalar a alguém, eeles...

— Bryan, não! Não deve se preocupar. Foi com eles por sua própriavontade...

— Por sua própria vontade!Os olhos de Bryan se abriram com tal horror e tristeza que Gwyneth se

apressou a voltar a falar.— Não dessa maneira. Bryan. Seu líder... Jalahar... tinha posto a ponta

de sua espada em cima de sua garganta. Sua vida... Elise foi com ele. Ela... foicom ele para te salvar.

Uma nova dor, muito maior do que qualquer ferida e mais extenuanteque qualquer febre, se apropriou de Bryan.

— Eu preferiria morrer. — Sussurrou.— Todos nós teríamos morrido. — Murmurou Gwyneth.Bryan tentou se levantar da cama.— Temos que organizar o ataque. Devemos tomar o palácio. Talvez...

talvez ainda possamos chegar ali a tempo...— Não! Bryan, não! — Protestou Gwyneth.Seus belos olhos cheios de tristeza, enquanto o obrigava a voltar a se

recostar na cama. Pelo sangue de Deus! Nem sequer podia resistir à força deGwyneth.

— Bryan! — Exclamou ela. — Não serviria de nada. As forças de Ricardoestiveram atacando o palácio um dia atrás de outro. Eles resistiram durantetodo este tempo...

— Todo este tempo! — Ele ofegou. — Quanto tempo estou deitado aqui?— Quase dois meses, Bryan.— Dois meses!Fechou os olhos. Dois meses. Elise! Nenhum pesadelo podia rivalizar com

aquela agonia. Imagens de sua esposa nublaram sua mente, o pálido marfimde sua pele, suave e reluzente como a seda, sob as mãos queimadas pelo sol doinfiel do deserto...

Seus olhos se abriram de repente, e Gwyneth gemeu de medo diante da

súbita ferocidade que viu neles.— Tenho...chegar até... ela. — Murmurou Bryan com um fio de voz.Conseguiu ficar em pé. Mas logo caiu, desabando sobre o chão. Gwyneth

gritou, e de repente houve muitas mãos para pegar ao Bryan e voltar adepositá-lo em sua cama.

Durante os dias seguintes, Bryan foi aprendendo a contra gosto a terpaciência. A angústia não abandonava seu coração ou sua mente, masGwyneth disse uma coisa que o manteve cravado na cama.

— Bryan, se morrer então nunca voltará a vê-la, e tampouco poderáajudá-la.

Por isso tomava os caldos e bebia as repugnantes beberagens que omédico preparava com sangue de boi e leite de cabra. Conforme foramtranscorrendo os dias, Bryan pôde levantar primeiro a cabeça e se sentar nacama depois.

Gwyneth não se separava dele, e à medida que ia recuperando as forçasBryan começou a observá-la, agradecido por seus cuidados.

— Sempre foi você, verdade? — Perguntou brandamente um dia. — Euchamava Elise, e você respondia.

— Pensamos que seria melhor. Você parecia acreditar que eu era Elise,assim... envolvia com meus braços ao seu redor. — Ele a olhou com umasobrancelha arqueada.

— Só isso, Gwyneth?Ela riu um pouco nervosamente e então se levantou e começou a passear

pelo quarto, colocando as coisas em ordem, em vez de olhar nos olhos dele.— Estava muito doente, Bryan. Mas em uma ocasião tentou... —

Gwyneth interrompeu seu perambular nervoso pelo quarto e o olhou fixamente,como se ela mesma se sentisse um pouco assombrada. — Quando então, podiaabrir seus olhos velados pela febre, Bryan, seguia mostrando lascívia! — Riutristemente. — E em um dado momento pensei... nem eu mesma sei o que foique pensei. Quando vim aqui com Elise, não sabia o que faria se aoportunidade chegasse a se apresentar alguma vez. Aquela mesma noite emque fomos atacados... Elise veio para mim. Pediu-me que cuidasse de você. Eela sabia, então ela sabia que a levariam e que eu ficaria contigo. Então possoimaginar o que teve que lhe custar isso. Mas ainda assim... ainda haviamomentos que me alegrava, porque tinha te desejado tanto, tanto... — Sorriucom tristeza, e fez uma pausa. — Percy e eu... não tivemos um maumatrimônio. Mas ele sempre soube o que eu sentia por você. Estou segura deque na noite em que morreu, tentou advertir para Elise a respeito de mim.Sobrevivi a aquela noite graças a Elise. Meu filho... o filho de Percy... está vivo

porque ela foi a nosso encontro. Tenho uma dívida imensa com ela, mas seguiate desejando. Não soube até agora que... quando poderia te ter, algo parecidocom a honra espreitava dentro de meu coração, depois de tudo. Te segureientre meus braços e fiquei do seu lado. Para poder te reconfortar... mas nadamais.

Bryan lhe sorriu e estendeu a mão. Gwyneth foi para ele, tomou a mão evoltou a sentar-se a seu lado. O sorriso de Bryan desapareceu e seu apertoficou mais forte.

— Tenho que recuperá-la, Gwyneth. É a parte mais forte de mim.

— Você tem que ficar bem. — Disse Gwyneth.— Farei isso.O médico egípcio, Azfhat Muzhid, vinha a vê-lo cada dia. Estava

acostumado a se mostrar cínico, mas era cortês à estranha maneira dosorientais. Estava muito satisfeito com os progressos de Bryan, por muito quepreferisse que não lhe fizessem perguntas. Mas finalmente Bryan ficou muitoinsistente, e Muzhid lhe respondeu com um suspiro.

— Fui enviado aqui pelo Saladino... a pedido de seu sobrinho, Jalahar.— Jalahar? — Se apressou a perguntar Bryan. — Por que ia Jalahar a

fazer tal coisa?O egípcio hesitou, e então encolheu os ombros.— Penso que porque sua refém só pensa em você, e ele desejava agradá-

la. O melhor presente que poderia fazer era lhe dá notícia de que vivia.Bryan apertou os dentes e tragou saliva. Outra vez! Elise se oferecia como

se fosse uma mercadoria em troca da vida de seu marido... e ele deitado ali...impotente.

Não disse nada mais o Azfhat. Na frente de Gwyneth, descarregou todasua ira sobre o Jalahar e lamentou amargamente o destino que tinha tido quesofrer Elise por causa dele.

Gwyneth, que tinha visto o Jalahar, e sabia da maneira em que só umamulher podia saber, que Jalahar seria um homem capaz de agitar o sangue einspirar devoção, se absteve muito sensatamente de dizer para Bryan que nãoacreditava que Elise fosse padecer muito nas mãos do emir do deserto.

Bryan descarregou tal murro sobre a parede que Gwyneth temeu quetivesse quebrado os ossos. Então, com a dor e a confusão velando o olhar deseus olhos cor índigo, se virou novamente para ela.

— Por quê? — Quis saber. — Por que a levou quando tem um mundo demulheres, quando só basta estalar os dedos para ter tudo aquilo que quiser?

Gwyneth pensou que aquela era uma pergunta que sim poderiaresponder sem nenhum risco.

— Para um homem destas terras a cor da pele de Elise é realmente única,Bryan. Deveria ter visto o Jalahar a primeira vez que a olhou. Estava... —Gwyneth se interrompeu, não sabendo como continuar.

— Estava o quê? — Quis saber Bryan com voz tensa.— Fascinado. — Concluiu Gwyneth com um fio de voz.Bryan pareceu aceitar sua palavra, e então deu vazão à sua fúria. Mas

fascinado era uma descrição muito suave que Gwyneth queria dizer emrealidade. Aquela noite tinha havido algo mais profundo nas emoções do nobremuçulmano, algo que piorava enormemente a situação. Para o Jalahar a

esposa de Bryan era algo mais que um lindo brinquedo, porque Elise pareciater conquistado seu coração em questão de segundos.

Era uma lástima que ela não fosse loira, pensou Gwynethmaliciosamente. Não estava muito segura de que teria importado muito seJalahar tivesse subido ela na garupa de um cavalo, para então galopar atravésdas areias do deserto, até levá-la a um palácio exótico onde teria aceitado comprazer.

Sim, isso tinha que acontecer com ela.Porque Bryan estava apaixonado por sua esposa, e jamais mudaria isso.

E não se podia duvidar do amor que Elise sentia por Bryan. Pobre Bryan!Gwyneth nunca tinha visto um homem poderoso tão destroçado pela perda.

Tentou tranquilizá-lo, e tentou lhe explicar que Jalahar estava muitofascinado por Elise, que não faria nada que pudesse torná-la ainda maisinimigo a seus olhos. Provavelmente estava bem atendida e a deixava em paz.

Gwyneth não pensava que nenhum dos dois acreditava nisso, mas erampalavras que Bryan se lançava tão avidamente como um moribundo seagarrando à vida. Ela nunca deixaria de estar um pouco apaixonada peloBryan, assim que se alegrava de poder lhe oferecer algum consolo.

Azfhat se foi na semana seguinte. Disse para Bryan que a partir daquelemomento só sua própria vontade podia levá-lo adiante. Despediram-se comoamigos.

Uma semana depois, Bryan já poderia ficar de pé. Começou a seexercitar, conscienciosamente devagar, mas sem cessar. Trabalhava osmúsculos de suas mãos e os dos dedos de seus pés na cama, e estirava eflexionava as pernas. Quando pôde voltar a andar sem perder o equilíbrio,irrompeu na sala de Ricardo e deixou cair seu punho sobre os mapas debatalha que havia espalhado diante do seu perplexo soberano.

— Está sentado aqui sem fazer nada, majestade, enquanto o inimigo tema minha esposa! Exijo que se faça algo!

Ricardo o olhou com assombro, e seu gênio de Plantagenetas começou ase encrespar.

— Stede, me alegro muitíssimo de ver você tão bem, e o fato de você terpassado todas essas semanas jazendo diante das portas da morte, faz que meabstenha de ordenar que você seja levado para a torre mais próxima! Esquececom quem está falando!

As ameaças de Ricardo acostumavam ser meras fanfarronadas, e Bryandecidiu manter isso em mente.

— Não esqueci. É meu rei, e lhe sirvo bem e com lealdade. Mas desejosaber o que está sendo feito.

Ricardo olhou para Bryan e então acenou uma mão, se despedindo do

tabelião que tinha estado sentado na sala tomando notas. Quando o gordohomenzinho saiu com seu pavonear andar, Ricardo se recostou em seu assentoe estudou em silencio para Bryan, enquanto seus dedos tamborilavamdistraidamente sobre a mesa.

— Fiz tudo o humanamente possível. — Disse finalmente. —Continuamos atacando a porta de Muzhair, e cada semana envio mensagensao Saladino. Não há nada mais que eu, ou ninguém, possa fazer.

— Tem que haver um jeito! Utilizem mais homens...— Maldita seja, Stede! Não há mais homens! Essa serpente do monarca

chamada Felipe se retirou da cruzadas! Os cavaleiros austríacos não servem denada sob o comando do Leopoldo! Estou fazendo tudo o que posso paraconservar aquilo que temos...

— Tem de haver uma maneira, Ricardo! Não está fazendo todo opossível...

— Stede! — Gritou Ricardo com voz ensurdecedora, ficando em pé. Bryantinha enfraquecido muito devido a sua enfermidade, mas mesmo assim tinhaalguns centímetros de vantagem do rei, e Ricardo detestava aqueles algunscentímetros mais alto. — Sente-se! — Grunhiu a seu cavaleiro. — Não suportoter que erguer a vista para você, e sabe disso. E eu fiz você, Bryan Stede. Te deiseus castelos e suas terras..., e a sua esposa. Se quero, posso acabar contigo.Agora se sente, e ouça a razão.

Bryan tomou assento, mas em seguida se inclinou sobre a mesa deRicardo.

— Me conceda isto, alteza. Permita comandar aos homens quandovoltarem a partir contra o palácio. Me permita levar comigo aos cavaleiros deMontoui, e aos cavaleiros de Cornualles. E me deixe escolher pessoalmente osoutros. Conseguiremos tomar o palácio. Faremos...

— Bryan! — Disse o rei com tristeza enquanto sacudia a cabeça. — Paramim será um autêntico prazer voltar a pôr homens sob seu comando. Assisti amuitas missas especiais para rezar por sua recuperação, porque necessito ahomens como você. Mas não porei um exército sob seu comando até que tenharecuperado as forças. Até que seja o cavaleiro que superava nas justas a todosoutros..., e que foi capaz de me fazer cair de meu cavalo! Quando chegar essedia, Bryan, então te darei tudo o que necessita. Tem meu solene juramento.Pelo sangue de Cristo, homem! Pensa acaso que eu não removeria tanto o céucomo a terra para recuperar a Elise se pudesse?

Bryan se sobressaltou, surpreso pela tensão e a sinceridade que havia navoz do rei. Tinha estado esperando que Ricardo lhe dissesse que não podiainterromper a grande cruzada pelo bem de uma mulher. Os cavaleiros deRicardo tinham o hábito de permanecer prudentemente calados, mas qualquerpessoa próxima ao rei sabia que os comentários licenciosos concernentes àsmulheres eram uma mera exibição para os outros. Ricardo só aprovava uma

fêmea, sua mãe.— Falava a sério, verdade? — Inquiriu Bryan.— É obvio!— Por quê? — Perguntou Bryan, sem dar tempo para pensar.Ricardo o olhou, tão surpreso como ele.— Você não sabe?Bryan negou com a cabeça. Ricardo sorriu, um pouco tristemente.— Elise é minha irmã. Minha meia irmã, mas tão do sangue de Henrique

quanto eu.Bryan sentiu que seu queixo caia, e ficou boquiaberto. Estava seguro de

que devia parecer um idiota sentado com aquela cara, mas nunca se haviasentido mais atordoado.

E então de repente tudo adquiriu sentido. As lágrimas que Elise tinhaderramado por Henrique, a noite entre a tormenta. O anel... o anel de safiraque tinha convencido Bryan de que Elise era uma mentirosa e uma ladra.

E seu rosto! O cabelo dourado avermelhado. Meu deus, mas quão cegotinha chegado a estar. O cabelo de Elise era como um estandarte dosPlantagenetas! Deveria saber isso, deveria ter percebido. Até o sonho tinhatentado dizer-lhe, aquele sonho no qual tinha visto o Henrique, Ricardo... eElise.

Até a lenda, pensou enquanto um sorriso cheio de tristeza puxavadolorosamente os cantos de seus lábios. Até a lenda dos Plantagenetas, aquelalenda que falava, de como o sangue de Melusina tinha dado fogo, beleza emagia à raça. Magia, Oh, sim, uma magia fascinante e irresistível. Não o mal, anão ser unicamente uma beleza tão grande que suscitava um amor capaz deatar a um homem por toda a sua vida. Bryan a havia tocado uma vez, damesma maneira em que aquele descendente dos vikings havia tocado aMelusina há tanto tempo. Uma só vez tinha bastado para que ele soubesse quenunca seria suficiente. Que a desejaria, que a necessitaria e a amaria durantetoda sua vida.

Fechou os olhos, se sentindo cheio de um tardio remorso. Tinhaarrancado Elise da sela de sua égua, tinha-a levado de um lado a outro comouma prisioneira... e se não a tinha violado, sim que a tinha seduzido mediantea força.

E tudo porque ela era filha de Henrique, porque estava determinada aevitar que ele conhecesse a verdade.

E ele deveria saber! Quando Elise perdia a paciência, quando se deixavalevar pela fúria. Como Henrique. Como Ricardo... corria para o perigo,arriscava seu próprio e insensato pescoço quando estava realmente furiosa edecidida de algo. Tinham sido tantas as vezes em que Bryan pensou que

lembrava a alguém! Tinha passado anos inteiros cavalgando junto ao Henrique,e agora cavalgava junto ao Ricardo. Tinha estado cego.

E aquela noite... aquela escura noite de súbita violência e abrasadorapaixão que tinha mudado a sua vida... e a dela... Se Elise tivesse confiado nele,aquela noite poderia não ter acontecido...

— Por quê? — Murmurou em voz alta, sem perceber de que estavafalando.

— Ela nunca chegou a te contar isso, hein? — Disse Ricardo, e entãosuspirou. — Possivelmente pensava que o segredo devia morrer com os poucosque o conheciam. Meu pai me falou dela quando já estávamos confrontandoum com ao outro. Quando a mãe de Elise estava em seu leito de morte, entãofez alguma tipo de juramento lhe prometendo que sua filha seria criada comouma autêntica nobre. Mas Henrique nunca poderia negar que era filha dele, efinalmente chegou um momento em que disse isso. Minha mãe adivinhou,mas... Oh, que Deus abençoe a minha mãe! Nunca teve rancor para nenhumdos bastardos de meu pai. Ama muito ao Geoffrey... mas voltemos para o querealmente importa. Meu pai poderia estar tentando entregar minha herançapara o Juan, mas acredito que até ele sabia que Juan não era mais que ummoço e que não poderia confiar nele. Eu sou tudo o que se interpõe entre oJuan e a coroa. Se morrer... e se Juan souber... Elise poderia pagar muito caro.Juan é um homem muito rancoroso. E a própria Elise recebeu mais do queJuan enquanto crescia. Tinha Montoui. É um segredo que deveria serguardado, Stede. Se... — Ricardo fez uma pausa cheia de tristeza, e então otom de sua voz adquiriu uma súbita brutalidade assim que voltou a falar. — Seconseguimos fazer que volte conosco. Se você tiver filhos, inclusive elespoderiam padecer muito na mão de Juan, no caso de que você e eu já nãopudéssemos mais protegê-los.

Bryan ficou em pé, cambaleando levemente.— Recuperarei minhas forças, alteza. E então lembrarei o seu juramento

de permitir que mande aos homens escolhidos por mim.Ricardo o viu sair do quarto.Bryan voltou para sua cama com passo vacilante. Dormiu durante uma

hora. Comeu tudo o que lhe trouxe Gwyneth, e voltou a iniciar seus exercícios.Os dedos de seus pés... que absurdo seria no passado exercitar os dedos deseus pés. Mas aqueles dedos carregavam a seus pés, seus pés carregavam asuas pernas...

E voltaria a ficar em pé sem cambalear, andaria, e empunharia umaespada, e lutaria.

Se pelo menos pudesse controlar as imagens que havia em sua mente!Mas quando a escuridão chegou com a noite, então a imaginação de Bryan otraiu. Jalahar! O árabe, musculoso e esbelto, era um homem exótico einteligente. E se Elise tinha ido com ele porque ficou fascinada pela cor de sua

pele, porque tinha ficado subitamente fascinada por um príncipe do deserto...?Bryan apertou os dentes. Pensar em Elise entre os braços de outro, fez

que se contorcer em fúria e agonia. Podia vê-la com tanta claridade. Podiaestender a mão e quase tocar sua imagem, quase sentir a suavidade de suapele, a seda de seu cabelo enquanto espalhava ao redor dela em uma gloriosadesordem...

Tentou fechar sua mente para agonia, enquanto permitia que sua irafosse crescendo pouco a pouco. A fúria poderia infundir novas forças. E Bryanqueria que Elise voltasse para o seu lado. Estava disposto a lutar por ela, emorreria em vez de perdê-la.

Cada dia se exercitava. Esticado no chão, Bryan se erguiaimplacavelmente a si mesmo, para ir recuperando a dureza de sua barriga.Exercia pressão sobre seus braços no princípio pouco a pouco, se cansando emquestão de minutos. Mas conforme passava o tempo, a determinação terminouvencendo, e Bryan pôde erguer o seu peso do chão uma e outra vez, sem secansar, mantendo-o assim durante um bom momento.

Então passou para o pátio e voltou a começar com sua espada. Golpes,machadadas, estocadas. Seu corcel se tornou meio selvagem devido a todosaqueles meses de inatividade, e Bryan teve que reaprender desde o começocomo tinha que montá-lo.

Havia dias nos quais ficava tonto e tinha que deixá-lo, mas aqueles diasestavam se tornando menos frequentes.

E enquanto Bryan se exercitava, Ricardo prosseguia sua guerra Santa. Orei ia avançando pouco a pouco ao longo da linha costeira, sempreaproximando-se de Jerusalém, sempre sendo obrigado a retroceder. As cidadescosteiras caíam diante dos cruzados, mas Jerusalém os evitava. Em marçoRicardo entrou no pátio, recém retornado da batalha. Contemplou se exercitaro Bryan, e se alegrou de ver que os ombros de seu cavaleiro estavam seenchendo com a dureza do músculo. Sua cintura era esbelta e firme, e seusbraços robustos. Uma nova cicatriz se estendia ao redor de sua cintura, mas jáestava empalidecendo. A ferida não foi tão grave como a febre que causou.

— Agora você vai tentar comigo! — Ordenou Ricardo.Bryan ficou perplexo, mas logo encolheu os ombros e ele e Ricardo

começaram a cruzar suas espadas. Deram voltas e mais voltas pelo pátiolançando golpes, parando e atirando estocadas, ganhando terreno e seretirando, igualados um com o outro em cada um dos golpes que se atiravam.Mas então a lâmina do rei se chocou com a espada de Bryan, e esta voou pelosares e terminou caindo ao chão. Ricardo sorriu para o Bryan.

— Você está quase preparado. — Ele disse, e então se aproximou umpouco mais para que suas palavras só pudessem ser ouvidas por seu cavaleiro.— Ambos sabemos que Lorde Stede, em sua melhor forma, pode arrebatar aespada até de seu rei. O dia em que arrebatar a minha espada, saberei que

está preparado.Ricardo, satisfeito com sua vitória, prosseguiu seu caminho para o

palácio. Bryan voltou a empunhar sua espada, e voltou ao trabalhar.O primeiro dia de abril Ricardo mandou Bryan para sua sala do conselho.

Bryan entrou nela e se surpreendeu ao ver árabe magro e não muito alto de pédiante do rei. Ricardo, que não se levantou, assinalou com desprezo para ohomem de seu assento e se dirigiu para Bryan.

— Vem do Saladino em resposta a minha última mensagem. Queria queouvisse suas palavras.

O olhar do árabe foi do Ricardo ao Bryan, e então voltou novamente pararei. Aqueles gigantescos guerreiros cheios de músculos o colocava muitonervoso, especialmente porque sabia que eles não iria gostar de nada de suaresposta.

— Fala, homem! — Ordenou Ricardo.O pequeno árabe moveu os seus pés e se inclinou.— O grande Saladino lamenta lhes dizer que carece de autoridade, para

ordenar ao príncipe mais novo que libere sua refém de guerra.— Uma refém de guerra? — Exclamou Bryan sarcasticamente.O árabe voltou o olhar para ele, tendo decidido que o cavaleiro de escuros

cabelos era o mais perigoso dos dois homens, por muito que o outro fosse omonarca inglês.

— Sim, nobre inglês. A refém Elise está bem atendida e se encontraalojada em um dos magníficos aposentos. Lhe serve comida preparada pelosmesmos cozinheiros da cozinha de emir, e não lhe nega nada. — O cavaleiroseguia olhando fixamente para o mensageiro de uma maneira que fez umedeceros seus lábios uma vez mais. — O médico que lhe atendeu, Azfhat Muzhid, vaivê-la a cada dia...

Deixou de falar assim que viu franzir a testa de Bryan, e um instantedepois ouviu a fúria na voz do cavaleiro.

— O médico! Por quê? Está doente? Sofreu algum dano? O que ele temfeito?

O emissário tinha feito bem em temer ao cavaleiro escuro, porque então ohomem cruzou a sala no que pareceu ser um só passo e, agarrando ao pequenoárabe pela gola da sua túnica, deixou que seus dedos se fechassem ao redor desua garganta.

— Fale! O que acontece? Está ferida? O que tem feito Jalahar?— Nada, nada! Está me estrangulando! Me deixem no chão, suplico isso.

Não sou mais que um emissário!Ricardo pôs a mão sobre o ombro de Bryan e o apertou suavemente.

— Baixe ele. — Murmurou o rei, respondendo ao fogo abrasador queardia nos olhos de Bryan. Era óbvio que Bryan nem sequer percebeu de queestava a ponto de matar a aquele homem.

Bryan se estremeceu, o fulgor enlouquecido desapareceu de seus olhos ebaixou ao homem. O árabe se engasgou e tossiu, e esfregou o pescoço..., masentão começou a falar muito depressa.

— Ela está bem! Muito bem! Azfhat a atende unicamente porque esperaum filho.

Ficando tão imóvel como um morto, Bryan olhou ao mensageiro com umsúbito desejo de estender as mãos para ele e estrangulá-lo meramente pelasnotícias que se viu obrigado a trazer. Mas não podia matar ao mensageiro deSaladino, porque fazendo isso poria em perigo a vida de cada cristão que estãoprisioneiro dos muçulmanos.

Deu meia volta, se sentindo como se acabassem de convertê-lo em pedrafundida. Passos lentos e pesados o levaram de retorno a seu quarto,ironicamente, o mesmo que tinha compartilhado com ela, naquela primeiranoite em que Elise tinha chegado até ele, na Terra Santa.

Caindo de joelhos, Bryan apertou as têmporas com as palmas das mãosem um intento de acalmar a dor. Já não podia seguir se enganando a si mesmocom o pensamento de que Jalahar não se aproximou de Elise. Jalaharprovavelmente a tinha tomado uma noite atrás de outra, imaginando que assimnasceria um filho tão dourado como ela...

Um som escapou dos lábios de Bryan, algo que não era nem um gritonem um alarido, a não ser o gemido de um homem mergulhado na maisprofunda das agonias.

Gwyneth entrou correndo no quarto para cair de joelhos junto a ele eagarrá-lo pelos ombros.

— Bryan! O que acontece? A ferida reabriu? Você está se sentindo mal? Oque...?

Bryan ergueu o olhar para os olhos de Gwyneth, e uma grandegargalhada, profunda e cheia de vida, fluiu de seus lábios. A risada, muitointensa, parecia se burlar da angústia que escurecia seus olhos.

— Elise espera um filho dele em seu ventre! — Exclamou, e aquelagargalhada que se mofava de si mesmo voltou a ressonar. — Santo Deus!Passei todas estas noites mergulhado na tortura, desejando-a, necessitando-a... e ela espera um filho de Jalahar em seu ventre!

De repente viu como os escuros e lindos olhos de Gwyneth se enchiam delágrimas diante dele. Gwyneth... que tinha cuidado dele, que o amava.Gwyneth, a que ele tinha custado tão pouco em abandoná-la por Elise!

Estreitando-a entre seus braços, Bryan a apertou contra ele. Seus lábiosdesceram grosseiramente sobre os dela, e suas mãos percorreram seu corpo

sem nenhum tipo de consideração, lembrando um caminho de beleza pelo qualele tinha vagado há muito tempo.

Gwyneth se sobressaltou diante da ferocidade de seu beijo, mas entãodevolveu. E de repente os dois estavam rodando pelo chão, arrancando roupaum do outro. Bryan era incapaz de sentir a menor delicadeza. Sua necessidadede ser amado era tão intensa e desesperada como sua necessidade de amar.

Mas quando se ergueu sobre Gwyneth, se dispondo para tomá-la comoum cavalariço tomaria a uma moça camponesa, então a raiva morreu derepente em seu interior. Se afastou, tremendo enquanto se sentou ao lado dela,para voltar a segurar a sua cabeça entre as mãos. Aquilo não poderia aliviar ador que havia dentro dele, nem curá-lo do desejo e do anseio. A única coisa queele estava fazendo era cometer uma terrível injustiça com aquela mulher quenão merecia sua ira ou sua violência. A qual não poderia dar o seu amor,porque este já tinha sido entregue.

— Sinto muito, Gwyneth. Estive a ponto de.... Sinto muito. Você nãomerece isso...

Ela guardou silêncio. Então começou a recolher a roupa que tinha ficadoespalhada a seu redor.

— Não é necessário que se desculpe, Bryan. Se pudesse contar com suaatenção, eu mesma teria seduzido você de bom grado em um grande número devezes. Talvez... possivelmente lamento um pouco não poder curar a verdadeiracicatriz que leva. Mas... Bryan...

— O quê? — Perguntou ele, olhando-a fixamente enquanto seguia sesentindo imensamente desgraçado. Gwyneth o tinha amado, no entanto, ele sóqueria usá-la para se vingar de uma dor que não tinha sido causado pelaGwyneth. E Bryan já tinha aprendido no que consistia a agonia de amar, eagora acrescentaria essa dor a outra.

Gwyneth respirou fundo, reunindo coragem.— Esse mensageiro disse que... Elise tinha o filho de Jalahar em seu

ventre?— O que quer dizer? — Perguntou Bryan tensamente.— Um médico raramente atende a uma mulher durante esses

momentos... a menos que a mulher já esteja a ponto de dar à luz. — Gwynethriu secamente. — Raramente vai esperar nessas alturas, mas se Jalaharconsiderar Elise especial... Bryan...Não te ocorreu pensar que a criança poderiaser sua?

Ele a contemplou com expressão pensativa durante alguns momentos, eentão se levantou e começou a se vestir a toda pressa. Depois correu para aporta.

— Aonde vai? — Perguntou Gwyneth ansiosamente.

— Alcançar o mensageiro!Bryan alcançou o pequeno árabe quando o cavalo deste avançava

lentamente pelo caminho que saía da cidade. O árabe, acovardado, se encolheusobre sua sela.

— Não tema, homem do islã! Não tenho intenção de te machucar. Querosaber algo mais. Quando o filho da cristã nascerá?

O árabe, que seguia estando bastante nervoso, olhou-o com receio. Entãoencolheu os ombros e respondeu com muita cautela.

— Não estou de todo seguro, porque não a vejo. Mas acredito que temque ser logo, porque Azfhat ficou em Muzhair.

O homenzinho em seguida ficou paralisado pelo medo, seguro de quetinha dado a resposta equivocada e temendo que o escuro e imponentecavaleiro realmente tivesse a intenção de matá-lo naquele momento. PorqueBryan estendeu a mão para ele, mas logo riu alegremente e deixou assombradoao mensageiro beijando-o em ambas as bochechas.

Realmente, os cristãos estavam loucos.— Obrigado, meu amigo! Obrigado! — Gritou Bryan, e então lançou um

punhado de moedas de ouro sobre a areia enquanto se afastava ao galope.O árabe desmontou de seu cavalo se sentindo cheio de assombro. Depois

voltou a encolher os ombros, e sorriu alegremente enquanto começava a tirar oouro da areia. Os caminhos do Alá eram inescrutáveis.

No palácio de Ricardo, em Acre, Gwyneth tinha arrumado a toda pressa oseu traje, e estava se preparando para partir seguindo seu próprio impulso.Recolheu alguns pertences, e então chamou um servo fazendo soar acampainha para que lhe trouxesse uma pena e pergaminho.

Começou a escrever rapidamente uma nota:

Bryan:Vou para Muzhair. Me deixarão entrar, porque sou uma mulher sozinha.

Pode ser que isto soe uma loucura, e você possivelmente duvide de meu motivo,mas desejo estar com Elise. É muito possível que agora ela necessite de umaamiga, e isso é o que tenho intenção de ser.

Se Deus realmente está sentado no céu, e se as coisas sejam alguma vezcorrigidas, voltará a ter sua esposa, e seu filho. Nunca contarei nada do ocorridopara Elise. Para falar a verdade não há nada que lhe contar, porque você a amamuito, para poder amar a outra mulher. Como sua amiga, te rogo que nunca lhediga nada. Ela vai pensar que você está mentindo, mas quererá que minta.

Te amo, e quero o bem de Elise. Rezo para estar fazendo o que éapropriado, mas sei que desejo estar ao lado dela e lhe proporcionar qualquertipo de ajuda que esteja em minhas mãos. Não se preocupe por mim, porque já

sabe que sempre caio de pé.Gwyneth

Deixou a nota em cima do travesseiro de Bryan e sorriu com tristeza.Então se apressou a sair do quarto, decidida a alcançar ao mensageiro deSaladino para assim poder encontrar seu caminho até o líder muçulmanoprimeiro, e ao lar de seu sobrinho depois.

Bryan retornou ao palácio se sentindo de um estranho bom humor. Foicom passo rápido e decidido à sala do conselho de Ricardo, e inclusive esperouaté ouvir o anúncio do escudeiro antes de comparecer diante de seu rei, semque tivesse sido autorizado a fazer isso.

Quando lhe permitiu entrar, Ricardo o olhou com uma sobrancelhalevantada com ar de espectador.

Bryan desembainhou sua espada e a pôs diante de Ricardo.— Estou preparado para lhe superar, alteza. — O desafiou.Ricardo o contemplou em silencio durante um bom momento. Então um

sorriso foi curvando lentamente seus lábios, e se levantou.— Acredito que poderemos encontrar um pátio no qual não haja

ninguém. Não estaria nada bem, que os homens vissem como Coração de Leãoperde sua espada, já sabe. Eles acreditam que sou invencível.

Foram juntos ao pátio. Ninguém veio saber o que foi o que aconteceu ali,mas o estrondo das espadas se colidindo, se ergueu para o céu.

Capítulo 27

Elise despertou com a estranha sensação de que alguém estava olhandopara ela. Abriu os olhos para ver as escuras e reluzentes pupilas de Gwynethcontemplando-a por cima, e como um leve sorriso franzia seus lábios em umabela amostra de diversão.

Elise a contemplou durante alguns momentos sem saber que cara pôr.— Morri... e chegamos ao céu ou ao inferno juntas.Gwyneth começou a rir.— Não, Elise, está muito viva. E devo dizer que olhar para você é um

autêntico prazer! Sempre pensei que nunca deixaria de ser a mais esbelta eperfeita das fadas, mas agora parece um frade mais gordo que eu jamais tenhavisto!

Elise se ruborizou levemente, mas então riu junto com Gwyneth, ainda

assombrada de que Gwyneth pudesse estar sentada ao lado dela no palácio deJalahar. Se sentou se movendo com dificultosa estupidez, porque suasdimensões pareciam ter se dobrado durante o último mês, e perguntou:

— Como pode estar aqui?— Oh, foi muito fácil. Consegui chegar até o Saladino, que a propósito,

devo dizer é um homem fascinante e encantador, e como consequência disso,fui escoltada até aqui.

— Mas por quê? — Murmurou Elise. — Gwyneth, pode ser que nuncacheguemos a ser postas em liberdade. Agora que está aqui, talvez nuncadeixem você partir!

Gwyneth encolheu os ombros.— Nem eu mesma estou completamente segura do porquê. Ah, bem...

Percy sempre dizia que eu tinha alma de aventureira. — Ficou séria. — Soubedo seu filho, Elise. Pensei que você poderia ter necessidade de uma amiga.

Elise olhou para Gwyneth com olhos cheios de assombro. Milhares deperguntas passaram por sua mente. Milhares de medos, milhares depreocupações. Todas estavam relacionadas com Bryan. Mas se Gwynethtivesse... ocupado o lugar de Elise ao lado de Bryan, por que razão iria vir aqui?

Gwyneth leu as perguntas em seus olhos, e se apressou a falar.— Agora ele está bem, Elise. — Ela disse. — Bryan se encontra

perfeitamente. Manteve um longo e uma terrível batalha com a febre, masterminou vencendo, tão forte como sempre, pelo menos.

Elise disse a si mesma, que não iria chorar porque já tinha derramadomuitas lágrimas, mas mesmo assim de repente sentiu a ardência da umidadeem seus olhos.

— Cuidou dele enquanto estava doente? — Perguntou em um sussurropara Gwyneth.

— Eu... e o egípcio, sim.— Obrigada. — Murmurou Elise, pondo os dentes sobre seu lábio

inferior. O que poderia ter acontecido não era importante, porque Gwynethtinha ajudado assegurar que Bryan seguisse com vida.

Mas teria sobrevivido... só para morrer na batalha?— Gwyneth, o que pensa Bryan? O que está fazendo? Tem que saber que

estou aqui. Gwyneth, esta criança é dele, não de Jalahar. Sabe Bryan? Oh, tejuro que não sabia o que fazer! Pensava que se Bryan acreditasse que a criançaera de Jalahar, então podia ir embora para sempre e, com consequência, viver,mas não sei se poderia suportar que ele não soubesse... não poder achar queele viria aqui... Oh, Gwyneth! Me fale dele, porque preciso saber a verdade!

Gwyneth hesitou, mas sua vacilação só durou uma fração de segundo.

— Bryan é como todos os homens. — Disse para Elise com voz afligida. —Pensar em que estava com o Jalahar fez com que enlouquecesse de fúria, equando soube da criança... — Levantou as mãos em um gesto de explicação. —Os homens também podem ser tão tolos como as crianças. Sua atenção foidirigida para o fato de que a criança não demoraria para nascer, por issoacredito que agora ele está convencido de que é seu filho, que está prestes adar à luz no palácio de outro homem.

— O que fará? — Sussurrou Elise.Gwyneth encolheu os ombros.— Ricardo não permitirá que ele faça nada até que tenha recuperado

todas suas forças. Mas logo... logo reunirá à elite do exército e os trará contra opalácio.

Elise voltou a se recostar em seu travesseiro, sentindo um doce deleite aosaber que ele lutaria por ela e sem importar que a causa fosse o amor, aposse... ou a criança. Mas seus estremecimentos de deleite se combinaram comescuros tremores de medo, porque não cabia a dúvida de que Bryan e Jalaharse buscariam um ao outro. Um deles morreria. Bryan tinha que vencer... masinclusive essa vitória traria consigo dor, porque Elise não poderia evitar sentiralgo por aquele príncipe do deserto que a tinha levado a força, mas que mesmoassim só lhe tinha mostrado ternura e delicadeza.

Contudo, ela tinha que rezar por sua morte. Porque seria Jalahar ouBryan.

— Sabe Jalahar que está aqui? — Perguntou para Gwyneth. — Sabe queBryan... virá a seu encontro?

— Sim, sabe que estou aqui. — Disse Gwyneth secamente. — Ninguémpode se aproximar de seu dourado troféu sem sua permissão. Me permite estarcontigo..., com tal de que saia deste quarto assim que ele entre nele!

— Disse... algo quando soube que Bryan viria aqui?— Sua atitude parece ser muito de fatalidade. Parece que esse é o

costume entre os muçulmanos. Acredito que Jalahar sempre soube que Bryanviria e que terminariam se encontrando.

— Eu esperava que talvez... talvez ao saber com toda certeza que astropas cristãs se concentrariam contra seu palácio e seu domínio, Jalahar me...deixaria em liberdade.

Gwyneth suspirou.— Me parece, Elise, que subestima o poder do orgulho de um homem... e

de seu desejo.— Eu não sou... digna de tudo isto! — Murmurou Elise.— Provavelmente não. — Replicou Gwyneth alegremente. Se levantou e

começou a perambular cheia de curiosidade pelo suntuoso quarto, pegando a

escova de prata e examinando as taças adornadas com joias que havia em cimada estante marroquina. — Sua prisão não está nada mal! — Dissedelicadamente.

Elise voltou a se recostar no travesseiro. Ultimamente estava se sentidomuito cansada, pesada e letárgica. Havia momentos nos quais sua emoção eraintensa, mas em outros se sentia muito esgotada e derrotada para que nadapudesse lhe importar.

— Segue sendo uma prisão. — Observou.Gwyneth se virou e foi novamente para ela, com a animação anterior

presente uma vez mais em seus olhos, enquanto perguntava.— Como é ele, Elise?— Como é quem? — Perguntou Elise de volta.— Jalahar! Oh, vamos, Elise! É uma mulher, não um pau! Jalahar é

magro, mas ele parece muito forte! Suas feições estão perfeitamente dispostas,e seus olhos parecem despir a uma mulher e acariciar sua alma. Qualquermulher que não esteja cega poderia ver que Jalahar sabe como tocar... comoamar. Como apreciar a beleza...

Elise olhou a sua amiga e inimiga, primeiro com assombro e então comuma súbita compreensão. Ela também havia sentido a atração que emanava deJalahar, e só a profundidade do amor que sentia pelo Bryan tinha impedido dese render diante do príncipe do deserto.

— Pouco posso te dizer que já não saiba. — Disse para Gwyneth. —Nunca me tocou.

— Ele nunca... tocou em você? — Repetiu Gwyneth com incredulidade.— Prometeu do primeiro momento que me deixaria em paz até que o filho

de Bryan nascesse. — Elise olhou para Gwyneth com olhos cheios de tristeza.— Bryan alguma vez acreditará, certo?

Gwyneth torceu o nariz, e então encolheu os ombros.— Possivelmente sim. Ele vai querer acreditar. — Sorriu. — E agora

levanta.Elise fechou os olhos.— Para quê?— Porque, ficar deitada como uma larva, não é bom nem para você nem

para a criança. Dessa maneira só conseguirá que o parto se torne ainda maisdifícil.

— E isso vai importar? — Perguntou Elise cansadamente.— Vamos! — Insistiu Gwyneth. Elise descobriu, que era mais fácil

obedecer do que resistir.

Na manhã do último dia do mês de abril do ano 1192, segundo ocalendário Juliano, Elise foi subitamente despertada por uma dor na parteinferior de suas costas, que rivalizava com qualquer outra que já tivesseconhecido. Ofegou, afundando os dedos nos sedosos lençóis, mas não chegou agritar. Mal havia amanhecido, e estremeceu enquanto tentava servir uma taçade água. Mas de repente se sentiu como se ela mesma se estivesse afogando,porque aquela terrível dor voltou aparecer e desta vez sim que gritou.

Gwyneth, despenteada e com os olhos velados pelo sono, se apressou a iraté ela.

— O momento chegou! — Disse com excitação. — Não se mova. Trareioutra camisa, e farei vir o Azfhat.

Tremendo, Elise fez o que ela dizia. Nunca tinha acreditado que iria dar àluz no palácio. Em seus sonhos se via libertada milagrosamente de tudo aquilo,e quando trazia para o mundo um filho lindo e saudável, Bryan ao lado dela.Mas os sonhos não eram a realidade, e seu bebê estava a ponto de chegar.Jalahar a obrigaria a tomar uma decisão: poderia ficar com a criança, oupermitir que este fosse levado para junto de Bryan.

Felizmente, outra dor física se apropriou dela para aliviar a tortura queescurecia sua mente. A natureza lhe estava proporcionando um único objetivo,que era dar à luz ao seu bebê.

Gwyneth já estava tirando a sua camisa molhada para substitui por umaseca. Os dentes de Elise tremiam enquanto era conduzida novamente para acama. Ouviu vagamente como Gwyneth golpeava a porta com os dedos, e entãoouviu sussurros e fechou os olhos.

Quando voltou a abri-los Azfhat estava com ela, tão seco e solenementetranquilo como de costume.

— Ainda falta muito. — Ele disse. — Embora, não muito agora que vocêrompeu a bolsa. — Ele levantou a sua cabeça para que bebesse um pouco, lheassegurando que não machucaria nem a ela e nem ao bebê, mas sim fariadesaparecer a mais intensa da dor.

O pior passou, mas ficou uma vaga e distante dor. As horas foramtranscorrendo.

Então Azfhat foi convocado a outro lugar. Satima e Gwyneth seguiram aolado de Elise, lhe refrescando a testa com panos e animando-a para querespirasse profundamente. Elise ouviu como Gwyneth murmurava algo paraSatima em seu francês gutural falado com acento inglês.

— Por que saiu Azfhat?— Jalahar o chamou. — Disse Satima, encolhendo os ombros com a

típica fatalidade muçulmana. — Ele não estava presente no palácio quandonasceram seus filhos. Hoje deixa um campo de batalha e quer saber por que a

criança demora tanto em nascer, e por que a ouça gritar.Abaixo, no elegante pátio interior adornado com sua fonte, Jalahar ia e

vinha sobre os ladrilhos enquanto proporcionava uma furiosa reprimenda aoestoico médico.

— É médico, o maior dos doutores, o estudioso egípcio! Por que você nãopode fazer nada? Se ela morrer, você morrerá! Verei como eles colocam em umcaldeirão de alcatrão onde irá fervendo pouco a pouco!

Azfhat suspirou, sem se deixar afetar por todo aquele gênio, diretamentedirigido contra ele.

— Não morrerá, Jalahar. Não sofre mais do que deve sofrer qualquermulher. Não posso fazer nada, porque a vida tem que seguir seu curso. Gritaporque a vida é um processo doloroso. Nem você nem sequer o grande Saladinopodem ordenar que o bebê chegue ao mundo antes de que esteja preparadopara fazer isso..., tanto se me ferve em alcatrão ou não!

Jalahar olhou ao médico com olhos cheios de frustração. Azfhat conteve arisada e se absteve de sacudir a cabeça com assombro. Tanto o cavaleirocristão como o príncipe do deserto, magníficos guerreiros, líderes de homens,perdiam a cabeça pela mulher loira.

Azfhat encolheu os ombros mentalmente. O mundo era assim. Ele já eramuito velho e cético para sucumbir ao feitiço de um rosto belo, mas apesardisso havia se sentido hipnotizado pelo poder daqueles olhos saídos de um marazul. Não se podia culpar a aquela mulher por levá-los a todos à ruína. Elise deBois, a beleza dourada que se inclinou sobre seu marido e amante, para fazerum trato por sua vida enquanto ele jazia em um atoleiro de sangue, já era umalenda tanto para os muçulmanos como para os cristãos.

Quando pensava no futuro, Azfhat só via tristeza. Tinha visto como ocavaleiro cristão sobrevivia graças ao poder de sua vontade, e tinha visto comosua vontade liderava uma dura batalha para chegar a recuperar a imponenteforça de seu corpo.

Conhecia o Jalahar. Quando os dois homens se encontrassem...Azfhat se inclinou.— Se me permitir isso, Jalahar, voltarei estar com a mulher e oferecerei o

serviço que requerem de mim.— Vai! — Disse Jalahar com voz ensurdecedora. Azfhat torceu o nariz, e

então foi atender Elise.Embora ela estava totalmente convencida de que iria morrer, e se alguém

tivesse lhe oferecido pôr fim à agonia com o rápida estocada de uma espada,teria acolhido esse golpe. O parto de Elise foi relativamente fácil e o bebênasceu quando ainda faltava bastante para anoitecer.

Quando ouviu o primeiro pranto, Elise se sentiu tão maravilhada que

estaria disposta a repetir tudo novamente.— Já terminamos. Agora só tem que aguentar um momento mais. —

Disse Azfhat.— O bebê...— Faça o que te digo. — Ordenou Azfhat. Cortou o cordão umbilical e

tirou a placenta.Elise olhou vagamente Gwyneth limpando e secando o corpinho, e tentou

se sentar na cama.— Gwyneth! Me dê o menino, por favor!Gwyneth riu com deleite.— O menino! É uma filha, Elise, e é linda. Quando secar a cabeça... sim,

então terá um incrível cabelo de um loiro branco, e seus olhos... São de azulmais profundo que eu jamais tinha visto!

— Uma filha! — Exclamou Elise. — Estava tão segura de que seria ummenino.

Gwyneth lhe entregou o bebê com muito cuidado. Azfhat foi para ela e aexaminou com interesse.

— Será uma grande beleza... e um grande problema, receio, igual a suamãe!

Elise lançou um olhar furioso para Azfhat, mas um sorriso que não eranada habitual nele apagava a aspereza de suas palavras. O médico egípcio lhedisse que ia deixar com a pequena e que podia segurá-la durante um momento,mas que logo deveria dormir.

Elise se sentia muito afligida pelo assombro e aquela recém encontro deadoração para que pudesse dormir. Ela e Gwyneth, e inclusive Satima, semaravilharam contemplando à pequena, e Elise se debateu torpemente comseu primeiro intento de amamentar a sua filha. Mas os minúsculos e fervorosopuxões dados em seu peito a fizeram sentir um deleite que não parecia comnada que pudesse imaginar, e foi com uma mescla de êxtase e esgotamentocomo finalmente permitiu que Gwyneth lhe tirasse à menina de entre os seusbraços.

— Me faz pensar no pequeno Percy. — Disse Gwyneth.Elise, primorosamente enternecida pela maravilha da experiência, sorriu

com tristeza.— Não sente muita saudades, Gwyneth? Como pode suportar estar longe

dele?— Não sei. — Respondeu Gwyneth com doçura enquanto embalava à

pequena contra seu peito. — Amo muito, seriamente..., mas tive que ir emborade Cornualles assim como você. Me sinto como se estivesse procurando algo...

mas não sei o que. — Sorriu para Elise e deixou escapar uma risada cheia detristeza. — Não se preocupe com nada, Elise. Descanse.

A ordem foi obedecida sem nenhuma dificuldade. Elise não pensou nofuturo, imediato ou distante. Fechou os olhos e se sumiu em um aprazívelsono.

Aquela noite ela e Gwyneth voltaram a examinar ao bebê, contando osdedos de seus pés e rindo de longos que eram.

— Será alta. — Disse Gwyneth com muita segurança. — E olhe nos dedosde suas mãos! Que longos serão! Longos e elegantes!

— E não está nada encolhida! — Exclamou Elise com orgulho maternal.— É realmente linda! — Se maravilhou.

A porta se abriu de repente. As duas mulheres ergueram à vista,assustadas.

Jalahar estava imóvel na porta, com suas delicadas feições escuramenteimpenetráveis e seus olhos cravados em Elise. Então seu olhar foi dela paraGwyneth com uma ligeira inclinação de sua cabeça.

— Fora. — Ele disse secamente.Gwyneth não era uma mulher que se deixasse impressionar por nenhum

homem. Olhou para Elise, encolheu os ombros e foi para a porta. Mas se detevepara dar um suave tapinha na bochecha de Jalahar.

— Seus desejos são ordens para mim. — Disse com marcado sarcasmo, eentão Jalahar a agarrou pela pulso e a olhou com os olhos que ardiam dedesgosto.

— Não brinque com minha paciência, senhora..., se deseja retornar paraeste quarto.

Gwyneth libertou o pulso de sua mão e saiu do quarto. Jalahar foi para acama, se sentou junto à coxa de Elise e estendeu os braços para ela.

— Desejo ver a menina.Um pânico absurdo se apoderou de Elise. Ela se encontrava muito débil e

nunca tinha se sentido tão indefesa, e tampouco sentia uma compulsão deproteger e defender tão forte como estava experimentando agora. A mera ideiade permitir que a menina se afastasse de seus braços lhe parecia abominável.

Um juramento de impaciência fez ranger os dentes de Jalahar.— Te machuquei alguma vez? — Perguntou furiosamente. — Acaso pensa

que sou um carniceiro capaz de fazer mal a um bebê inocente?Elise tragou saliva penosamente e lhe entregou à menina se sentindo

cheia de apreensão. Seus medos não demoraram para demonstrar infundados.Jalahar tratou com imensa ternura a sua preciosa carga, sustentando opescoço da pequena com muito cuidado. Contemplou-a em silencio durante

um bom momento e afastou sua roupa para contar os dedos das mãos e dospés tal como tinha feito a própria Elise. A pequena protestou com umestridente grito. Jalahar sorriu, e devolveu sua filha para Elise.

— É uma menina realmente linda. Como a chamará?— Ainda não decidi. — Murmurou Elise, mantendo os olhos baixos.

Como podia pôr nome à menina... sem o Bryan?— Será melhor decidir. Eu presumi que gostaria que ela fosse batizada a

sua maneira cristã, assim amanhã virá um sacerdote.Elise assentiu, embalando o seu bebê junto a seu peito.— Lenore. — Disse de repente. — Pela rainha. — Acrescentou.— Ah... Sim, Leonor da Aquitânia. Rainha da França, e logo depois da

Inglaterra. Eu ainda não tinha nascido quando ela veio aqui com o antigo reifrancês, mas as lendas não morreram. É apropriado nomeá-la em honra dessamulher.

Lenore, que levaria o nome de uma rainha, não estava nadaimpressionada. Continuava chorando, apesar das carinhosas carícias de suamãe.

— Tem fome. — Disse Jalahar.Elise não queria dar o peito à pequena com os olhos de Jalahar cravados

nela. Mas os escuros olhos de Jalahar ardiam com uma penetrante intensidadee da mesma maneira em que sabia que nunca a machucaria, Elise tambémsabia que não sairia do quarto.

Seus olhos repeliu os de Jalahar, mas ajustou a camisa e levou apequena para seu seio. Jalahar a contemplou em silêncio, parecendomergulhado em uma profunda meditação. Elise voltou olhar para a douradacabeça de sua filha. Apesar da presença de Jalahar, voltou a sentir o intensodeleite de seu amor e beijou aquela cabecinha, acariciando-a com suabochecha.

— Me pergunto se amará a nosso filho com tanta ternura. — DisseJalahar finalmente.

Elise esqueceu da pequena em um instante de alarme. Olhou paraJalahar, e descobriu que seus escuros olhos se cravavam nos dela com umaintensidade tristeza que era tão determinada como... aterradora.

— Neste mesmo instantes. — Murmurou. — Bryan está reunindo umexército para trazê-lo contra você.

— Isso ouvi dizer. Mas é muito possível que os muros de Muzhairdemonstrem ser impossíveis de escalar.

— Bryan não deterá...— Pode ser que não. Como já disse antes, é provável que cheguemos a

nos encontrar. Mas o tempo começa a correr como as areias do deserto... paravocê.

Elise tragou saliva com um penoso esforço.— Disse que nunca me... forçaria.— Seria forçada? — Inquiriu ele com doçura enquanto se inclinava sobre

ela e sua mão afastava os cabelos da testa de Elise. Então abriu a palma ecobriu sua bochecha com ela, sempre consciente da proximidade da meninaque estava profundamente dormindo junto do coração, palpitante de sua mãe.— Será que não cheguei a te importar embora só um pouco?

Elise conteve a respiração, se sentindo a beira do pranto diante daternura com que a tocava Jalahar, e o melancólico desejo que havia em suavoz.

— Amo ao Bryan. — Disse em voz baixa, mantendo muito perto dela àfilha de Bryan para que lhe servisse como aviso.

Jalahar sorriu com tristeza.— Esperei durante muito tempo. — Ele disse, e logo se levantou. — Seu

tempo ainda não terminou. Azfhat diz que não devo te tocar até que a lua cheiavolte a aparecer no céu.

Elise estremeceu. Um mês. Era muito tempo... e nada de tempo. Jáestava sete meses no palácio, despertando cada dia para se perguntar se Bryanviria alguma vez...

Jalahar interrompeu o curso de seus pensamentos.— O rei inglês adoeceu, Elise. — Disse. — Coração de Leão lidera suas

batalhas de sua cama. Se apropriou de um bom número de cidades costeiras,mas nunca tomará Jerusalém É muito improvável que chegue a tomar estepalácio. Mas tampouco pode nós vencer o Coração de Leão. Conselheiros emambos os lados, sábios estrategistas militares, dizem que devem chegar a umacordo e assinar uma trégua. Seu marido é um digno inimigo, um grande evaloroso cavaleiro. Mas nem sequer ele pode tomar uma fortaleza como aminha por si só. Chegou o momento de você decidir se deseja manter à meninajunto de você, ou enviá-la para o seu pai. Tendo em conta que engendrasteuma filha e não um filho, pode ser, que Stede não se importe tanto e que desejemantê-la aqui. Os filhos herdam.

— Eu era uma menina! — Respondeu secamente Elise. — E herdei!Jalahar encolheu os ombros.— Então possivelmente desejará que levem a menina. Tem que tomar

uma decisão logo.Saiu do quarto antes de que ela pudesse responder. Elise baixou o olhar

para sua pequena filhinha, agora dormindo, cuja cabelo incipiente formado porum delicado pelo prateado estava fazendo suaves cócegas na bochecha. A

pequena deixou escapar um tênue gemido, e um pequeno punho se agitou.Elise podia sentir o leve movimento que produzia cada vez que respirava, ocalor emanado do seu corpinho de sua filha, e a completa necessidade econfiança da menininha que tinha ao lado dela.

— Não posso te mandar embora! — Sussurrou. — Nunca.... Te amotanto. É tudo o que tenho de Bryan...

Fechou os olhos, com o êxtase que tinha sentido diante do nascimento desua filha subitamente desaparecendo e o tormento obscureceu todo o resto.

Jalahar nunca lhe mentia. Aparentemente Ricardo estava muito doente,porque só uma enfermidade muito grave podia mantê-lo afastado do campo debatalha. Os cavaleiros cristãos estavam travando uma longa e infrutíferabatalha, e sem dúvida desejavam retornar para o lar.

O que acontecia? Bryan não poderia escalar os muros do palácio sozinho.O tempo... estava terminando.— Elise! Venha para a janela!Depois de ter colocar Lenore na bela cestinha que havia lhe trazido

Satima, Elise correu para janela para se reunir com Gwyneth. Do alto da torre,podiam ver além dos muros do palácio.

Poucos dias depois do nascimento de Lenore, os cavaleiros começaram achegar, para ir acampando ali onde estavam seguros e estavam fora do alcancedas flechas disparadas do palácio. Aquela manhã a atividade era ainda maior.Uma grande catapulta tinha sido arrastada sobre as areias durante a noite, eum enorme aríete repousava sobre carros providos de rodas. E parecia como seagora as tendas se estendiam até se perder no deserto.

— Bryan vai tentar tomar o palácio! — Exclamou Gwyneth.Elise não sabia se sentia medo ou alegria. Cada dia transcorrido do

nascimento de Lenore tinha sido uma tortura. Jalahar havia lhe trazido umrelógio de areia, e Elise estava acostumado a se sentar para olhá-lo,contemplando como foram desaparecendo as areias do tempo. Cada dia tinhavisto como os cruzados foram organizando seu ataque nos arredores dopalácio, mas Jalahar vinha a vê-la com frequência, e lhe havia dito que seushomens saíam cada noite da fortaleza para fazer incursões que obrigassem aretroceder aos cristãos. Gwyneth disse que as incursões eram comandadaspelo mesmo Jalahar, possivelmente indo em busca de Bryan. Até o momento,os dois homens não se encontraram.

Mas quantos homens tinham morrido? Pergunta era muito dolorosa.E agora, seus últimos dias se estavam terminando...— Quando pensa que atacarão? — Perguntou para Gwyneth

ansiosamente.— Não sei. — Murmurou ela. — Mas será logo.

— De repente?Gwyneth estudou o rosto de Elise, notando o franzir testa de preocupação

que escurecia seu semblante.— Já vejo... — Disse finalmente, e suspirou. — Elise, você sabe que não

vai perder a cabeça. Não deve estar tão assustada.Elise a olhou com irritação.— Você se comporta como se não se importasse! Não entende. Tudo será

diferente...A risada de Gwyneth a interrompeu, e Elise olhou à linda morena com

olhos cheios de fúria.— Do que tem tanto medo, Elise? — Perguntou Gwyneth. — Do Jalahar,

ou de você mesma? Elise, Jalahar será um amante terno e delicado. Muitasmulheres desejariam ter um homem assim. Não morrerá se ele decide te fazerdele, e tampouco mudará em nada. Não há nenhuma maneira de sair daqui...

— Gwyneth!— Sou uma mulher extremamente prática, Elise. — Disse Gwyneth com

um suspiro. — E Jalahar deu amostras de ter uma paciência realmente notávelpara ser um homem. Já faz muitos meses que poderia ter passado por cima dofato que estava grávida, e poderia ter violado no momento que tivesse desejado.Poderia ter ordenado que matassem a sua filha, ou poderia arrebatá-la nomomento em que nasceu. Esse homem está absurdamente apaixonado porvocê. Mas mesmo estando apaixonado por você, Jalahar é um homem.Qualquer dia poderia morrer por você. Acredito que desejará ter desfrutado dealgo antes, se por acaso termine morrendo. Me parece que você pode enfrentá-lo e seguir resistindo até que acabe com sua paciência e se machuque, ouaceitá-lo... e se divertir.

Elise se afastou da janela.— Não posso aceitar ao Jalahar! Bryan nunca... voltaria a querer estar

comigo.Gwyneth explodiu em uma grande gargalhada, e então abraçou Elise

para tentar compensar sua reação.— Pequena estúpida! Bryan te ama! Nada mudará isso!— Sim! Sim que mudará! — Exclamou Elise. — Eu... Houve um tempo

que pensei que Percy me amava, Gwyneth. E cometi um erro de lhe confessaruma coisa...

— Elise! Percy era jovem, e se sentiu muito ferido. Mas nunca deixou dete amar, e mesmo assim penso que também me amava, a sua maneira. BryanStede não é Percy! Te ama muito profundamente, e é sua esposa. Adoecer depreocupação por algo que não pode mudar é uma insensatez, Elise! Enquantodeitado prostrado por essa febre, Bryan provavelmente estava seguro de que

Jalahar te possuía cada noite. Mas agora está aqui... em algum lugar aí fora,reunindo um exército para te resgatar.

Elise apertou a delicada carne seu lábio entre os dentes, desejando que atranquilizassem.

— Realmente acha que Bryan... me ama, Gwyneth?Gwyneth ficou tentada em rir, e a amargura se apropriou dela durante

um instante. Mas então viu terrivelmente a sinceridade que tomava Elise detudo aquilo, e o vulnerável que era.

— Sim. — Se limitou a dizer. — Estou totalmente segura de que Bryan teama... muito profundamente. — Suspirou. — É uma lástima que Jalahar nãosinta essa terrível fascinação por mim. Eu estaria encantada de poder melançar sobre seus almofadões!

— Gwyneth!— É verdade. — Disse Gwyneth secamente, e então ficou muito séria. —

Elise... Deve compreender que a única maneira que possa a estar com o Bryan,é que Bryan mate ao Jalahar.

Elise a olhou fixamente.— O que está dizendo?— Que também poderia acontecer o contrário. — Disse Gwyneth com

doçura. — Nesse caso... seria melhor que se reconciliasse com o Jalahar.— Não... — Murmurou Elise.— De uma maneira ou de outra, acredito que se aproxima o momento em

que já não poderá seguir brincando a ser a rainha que exige isto ou aquilo. Masse... se Bryan matar ao Jalahar depois que... que ele tenha perdido a paciência,digamos que há uma forma de que possa seguir vivendo em paz.

— Como?— Mentir.— Bryan nunca me acreditaria!Gwyneth riu.— Talvez não. Mas como já te disse, os homens são animais muito

estranhos. Bryan pode não acreditar em você, mas ele não vai chamá-la dementirosa. Antes preferirá viver com a mentira.

— Está dizendo que Bryan me amará não importa o que aconteça! —Gritou Elise. — Mas então me diz para mentir!

— Acho que gostamos de nos agarrar a uma pequena mentira. — DisseGwyneth maliciosamente, e se dispunha a seguir falando quando chamaramrapidamente à porta. As mulheres se olharam e então foram correndo para ela,sendo Gwyneth que falou. — Entre. — Disse sem levantar a voz.

Alguém abriu a porta do lado de fora, que girou sobre suas dobradiças.Elise não pôde evitar se sentir um pouco atordoada pelo aspecto do

homem que viu aparecer na porta, era de estatura mediana, mas sua folgadatúnica fazia que parecesse enorme. Seu abundante cabelo grisalho estavacoberto por um turbante vermelho, sua barba era do mesmo cinza resistenteque seus cabelos, e enrolava até lhe cobrir a metade do seu peito. Seus olhoseram extremamente agudos e penetrantes e seu rosto cheio de rugas tinha sidocastigado pelo tempo e o intenso sol, mas Elise pensou que nunca tinha vistoumas feições mais cheias de energia. Tanto ela como Gwyneth ficaram olhando,muito impressionadas.

O homem se inclinou diante delas, as avaliando com o olhar enquantoentrava no quarto. Então diante de Elise.

— É você... — Disse, enquanto seus olhos a percorriam de cima a baixosem nenhuma desculpa. — Elise... a esposa cristã do cavaleiro Bryan Stede,súdito do rei Ricardo da Inglaterra.

Elise assentiu, e então encontrou sua voz.— Sim, sou Elise, esposa de Bryan Stede.— E a menina que há na cesta... é filha dele?— Sim... e você quem é?O homem riu com uma risada muito agradável.— Cabelos dourados e todo um caráter! — Disse, então sacudiu a cabeça.

— Ah, se eu fosse um pouco mais jovem... Mas não sou, e aprendi que oscaprichos da carne passam rapidamente. Contudo, dentro de meu sanguesegue havendo uma faísca que ainda lembra de semelhantes paixões. SouSaladino.

— Saladino! — Ofegou Elise.— Assim você ouviu falar de mim... — Repôs ele. — Me alegro, dado o

problema delicado que chegaste a representar em minha vida! Lutamos por umimpério..., e devemos dedicar nosso tempo com questões como esta!

Lágrimas, que afastou com uma frenética piscada, fizeram que começassea arder os olhos de Elise.

— Você vai... vai me enviar ao lugar de onde vim? É essa a razão pela queveio? Isso resolverá o problema que estou criando...

Deixou de falar assim que viu que Saladino estava negando com a cabeçacom abatimento.

— Apenas Jalahar pode te devolver ao lugar de onde veio. E é muitoteimoso. Vim sugerir que você mande ir à filha de Stede pela manhã. — Aangústia que escureceu os olhos de Elise adoçou a voz de Saladino quandovoltou a falar. — Já sabe que uma batalha acontecerá aqui. Se ama à menina,então te assegurará de que seja posta em segurança. Não há nenhuma

necessidade de que uma inocente sofra neste assunto. Os filhos de Jalahar jáestão sendo enviados longe daqui.

Elise baixou a cabeça enquanto tentava conter as lágrimas. Sentiuencurvar os seus ombros, e assentiu. Se Jalahar estava enviando longe os seuspróprios filhos, então inclusive ele acreditava que havia perigo.

Saladino levantou a sua cabeça tomando suavemente pelo queixo.Estranhamente, Elise não se surpreendeu ao descobrir que seus olhos estavamcheios de carinho, compreensão e um pouco de tristeza.

— Ah, se eu fosse um pouco mais jovem! Talvez seja um troféu pelo qualeu também teria lutado!

Ele se inclinou, primeiro para ela e depois para Gwyneth, para depoisdesaparecer entre o suave sussurrar de sua túnica.

Elise agarrou à menina de sua cesta. Deitou-se sobre as almofadas eembalou a Lenore junto a seu peito. Gwyneth não pôde encontrar nenhumapalavra de consolo que lhe oferecer.

Aquela noite Jalahar apareceu de repente na porta. Olhousignificativamente para Gwyneth e ela suspirou e se levantou, se dispondo asair do quarto.

— Espera! — Ordenou Jalahar, e Elise e Gwyneth se olharamnervosamente.

Os olhos de Jalahar não se separavam da menininha, que dormia feitaum novelo ao lado de Elise.

— Você leve a menina. — Murmurou.— Não! — gritou Elise imediatamente.— Será devolvida para que passe a noite contigo. — Disse Jalahar.— Elise! — Disse Gwyneth, se apressando a inclinar-se sobre as

almofadas. — Deixa que a leve! Esta noite parece estar muito... tenso. Elise!Jalahar não mente para você! Voltarei a trazê-la!

Elise afastou as mãos de sua filha e permitiu que a pequena fosse comGwyneth. Quando a porta se fechou detrás de Gwyneth, Jalahar permaneceuimóvel sem deixar de olhá-la. Elise se levantou nervosamente, sentindo atentação de se grudar na parede.

Jalahar atravessou o quarto até chegar à janela, e falou em um tomquase distraído.

— As tropas se agruparam no outro lado de nossos muros. Pode vertodas as tochas do acampamento acesas, fogo sob as estrelas. Fez um bomtrabalho, seu Stede. Quando der começo, a batalha será terrível.

Então se virou subitamente para Elise, levantando os braços para oscéus além da janela decorada.

— A lua volta a estar cheia. — Ele disse.Elise não disse nada. Uma série de violentos estremecimentos sacudiu

seu corpo, e o medo e o relâmpago pareceram correr por seus membros. Queriaretroceder e se afastar, mas o gesto teria sido tão estúpido como inútil.

Jalahar foi para ela, parando quando seus corpos já quase se tocavam.Acariciou a sua bochecha e depois enrolou os dedos em seu cabelo, semantendo a apenas um suspiro de distância de Elise.

— Já não demorará muito em começar. — Disse. — Amanhã..., no diaseguinte. Desta forma saberia... — Uma súbita tensão quebrou a sua voz, evoltou a começar desde o início. — Desta forma saberia por que luto.

Elise ficou repentinamente paralisada por seu contato e pela ameaça dotempo. Ela ficou rígida, incapaz de falar, incapaz de se mover. Incapaz depensar.

Jalahar levantou a outra mão para seu rosto e depois utilizou a esbeltalongitude de seus dedos para deslizá-los sob o tecido que cobria os ombros deElise. Ela só usava uma camisa de fresca seda, e esta escorregou como em umsúbito ondular das areias sob o contato daqueles dedos, deixando-a nua,exposta aos olhos de Jalahar...

— Não! — Gritou Elise, súbita e veementemente, mas ele já a tinhaestreitado em seus braços e se encontrou caindo, como em um abismo deeternidade, para terminar em cima das amaciadas almofadas de sua cama.Jalahar já estava ao lado dela. Elise resistiu desesperadamente, dando murros,arranhando e se debatendo..., mas não era rival para ele e, em muito poucotempo, Jalahar já tinha lhe imobilizado os pulsos, enquanto a contemplavatristemente com seus profundos e escuros olhos do deserto. — Não! — Voltougritar Elise com voz entrecortada, e sacudiu a cabeça com as lágrimasescorregando debaixo de suas pálpebras.

— Não se mova. — Sussurrou ele uma e outra vez, lhe falando com umadoçura que era tão reconfortante como tranquilizadora. Mantinha-a presa comuma mão enquanto com a outra ia secando as lágrimas de suas bochechas,acariciando-a... muito suavemente...

Elise, trêmula e estremecida, terminou ficando imóvel.— Abre os olhos. — Ele ordenou suavemente. Elise assim o fez, e o

contemplou mergulhada no estupor. Jalahar sorriu para ela com afligidatristeza. Então seus olhos se separaram dos dela e seus dedos traçaram umcaminho entre o vale de seus seios, agora pesados e firmes devido ao recentenascimento de sua filha. — Só desejo te amar... — Murmurou. — Nunca temachucar...

Elise jamais tinha conhecido tais abismos de angústia. Queria seguirresistindo a ele e se agarrar à lembrança de Bryan. Mas não poderia negardiante si mesma que o terno contato das pontas dos dedos de Jalahar,

deslizando sobre sua pele estava despertando o desejo dentro dela. Se Jalaharpersistia, o corpo de Elise, que se acostumou ao amor e, então, de repente overia negado, a trairia e então, no fundo de seu coração, ela teria traído Bryan.

A boca de Jalahar foi ao encontro dela. Elise queria se afastar, mas ele amantinha aprisionada em um aperto muito cheio de amor. Seu beijo foi umalenta exploração cheia de delicadeza e, ao mesmo tempo, de um irresistíveldomínio.

Os lábios de Jalahar se separaram dos dela e seu olhar voltou a cravarnos olhos de Elise. Depois sua escura cabeça desceu. Jalahar beijou o pulsoque latejante na curva da base do pescoço de Elise e seus lábios descreveramum delicado motivo sobre seus inchados seios, para então terminar descendopara seu umbigo.

Por muito que a atormentasse ser tocada pelo Jalahar, a sensação queproduzia seu contato era muito agradável. Que estranho! Aquela primeira vezcom Bryan não tinha havido nada mais que ira, dor... e uma tempestade depaixão. E, entretanto, ela tinha aprendido a amar ao Bryan e, com todo oinexplicável e elusivo que era aquilo, agora nunca poderia explicar por que oamava tanto quando houve um tempo que o odiava.

Elise voltou a fechar os olhos enquanto todo seu corpo se estremeciaviolentamente, e então gritou em uma súplica angustiada.

— Jalahar! Por favor... Por favor, Jalahar, me solte e me escute!Os olhos de Jalahar se voltaram para ela, receosos mas cheios de

curiosidade.— Sim?Elise se apressou a tragar saliva e fez uma profunda inspiração de ar,

rezando para que pelo menos ele tivesse a consideração de escutá-la.— Se me tomar agora. — Ela disse com voz entrecortada. — Será pela

força. Se... se você e Bryan se enfrentam em combate, e Bryan morre, entãoeu... eu irei a você voluntariamente.

Jalahar permaneceu imóvel durante alguns instantes e então foierguendo lentamente uma sobrancelha.

— Agora resistirei com todas minhas forças! — Gritou Elise. —Enfrentarei a você uma e outra vez até que o esgotamento faça que termineperdendo o meu sentido, e então você só fará amor com um carapaça vazia.

— Eu poderia perder a batalha. — Informou secamente Jalahar.— Esse é o risco que corre. A guerra sempre é um risco, e entretanto os

homens sempre lutam. — Ele guardava silêncio, ainda olhando-a fixamente. —Por favor, Jalahar! Se sair vencedor, juro por nosso Cristo e pela abençoadaVirgem Maria que darei as costas a meu passado, e irei até você...voluntariamente.

Ele fechou os olhos, e um súbito estremecimento percorreu seu corpo.Então a soltou lentamente e, se virando agilmente sobre as almofadas, saltouao chão para aterrissar sobre seus pés.

Foi para a porta e parou na frente dela, permitindo que seus olhospercorressem a seu desejo toda a forma de Elise. Ela já estava puxandonervosamente com mão o lençol, quando ele a parou com um murmúrio quaseinaudível, e então Elise permaneceu imóvel sob seu escrutínio, sendoconsciente de que ele tinha sido concedida uma incrível misericórdia.

— Pelo menos assim saberei que aspecto tem com sua pele nua sobre aseda. — Murmurou Jalahar, para então lembrá-la em um tom muito mais seco.— Voluntariamente, Elise. É uma promessa que não romperá.

Deixou-a. Elise começou a tremer novamente, e então se apressou pararecuperar a sua camisa.

Gwyneth retornou, cheia de curiosidade, com Lenore.— E bem? — Quis saber.— A batalha... será o desenlace. — Disse Elise com um fio de voz, e então

embalou meigamente a sua pequena junto a seu peito, enquanto acariciavasua fina e sedoso cabelo.

— Fez... um trato com ele? — Perguntou Gwyneth.— Sim. — Sussurrou Elise.Gwyneth guardou silêncio durante alguns instantes, e depois disse:— Santo Deus! Ah, o que eu não daria por ter nascido loira!Aquela noite nenhuma das duas dormiu, e tampouco falaram. Pela

manhã, uma amável matrona árabe lhe tirou com muita delicadeza o bebê deElise e, embora Elise não compreendeu as palavras, soube que a mulherprometia cuidar da pequena com todo seu amor e todo zelo até que fosseentregue a uma ama-de-leite cristã.

O dia passou, sem nenhuma tensão parecendo crescer junto com apresença do exército que esperava do outro lado do muro.

A noite voltou a chegar.A noite, tensa e cheia de silêncio.E então chegou alvorada.

Capítulo 28

— Jalahar!

Flechas, inflamadas pelas chamas do alcatrão32 que as cobriam, voarampelos ares com os primeiros raios dourados do dia, as catapultas tinhamatiraram pedras e areia, e os aríetes tinham investido nas portas.

Gwyneth e Elise tinham passado toda a manhã escutando os sons dabatalha, ouvindo os berros, os gritos, as confusões.

Os muçulmanos eram lutadores que defendiam aquilo que eram deles. Abatalha tinha sido sangrenta e terrível.

Mas finalmente as portas tinham caído.Os cristãos não tinham entrado em galope. Um silêncio tinha seguido, ao

desmoronamento da madeira e da pedra, e quando o pó se dissipou, havia umcavaleiro imóvel na entrada.

— Jalahar!O grito, vibrante e estremecedor, subiu novamente para o céu. Elise, de

pé junto à janela com Gwyneth, começou a tremer, e uma palidez cinzentacobriu suas bochechas. Seus joelhos se dobraram, e teve que apoiar-se naparede.

— É Bryan! — Ofegou.— Pois claro que é Bryan. — Respondeu Gwyneth.— Mas o que está fazendo! — Choramingou Elise. — Ali... na entrada,

sem nada para se proteger. Qualquer idiota poderia disparar uma flecha quelhe daria... — Tirando forças da fraqueza, Elise se levantou de um salto eafastou bruscamente de Gwyneth e da janela. — Oh, Gwyneth! O que estáfazendo?

As últimas palavras foram um sussurro, porque novos estremecimentosfaziam tremer todo o seu corpo e o coração palpitava descontroladamente comuma mescla de medo e orgulho. O corcel de Bryan empinava enquanto mordiao freio. Mas Bryan permanecia erguido sobre a sela, com a brisa agitando seumanto ao redor dele em uma deslumbrante glória escarlate. Elise não podia verclaramente seu rosto, mas sim sua forma, robusta mas esbelta, imponenteinclusive em cima da sela. Bryan não fazia nenhum caso do nervosismo docorcel, porque toda sua atenção estava concentrada no palácio, e no desafioque acabava de lançar.

— Jalahar!Sua voz voltou a ressonar. Áspera e exigente, mesmo assim era música

para os ouvidos de Elise. Quando o tinha visto por última vez, Bryan jazia nasportas da morte. E agora...

Sua atenção foi bruscamente afastada de Bryan, quando outro cavaleirofoi a seu encontro.

Jalahar.

A vinte passos de distância, Jalahar parou.Os dois homens montavam corcéis de guerra. Ambos usavam armadura,

e ambos brandiam suas espadas desembainhadas.— O que está acontecendo? — Quis saber Gwyneth.— Não sei! — Gemeu Elise, e depois acrescentou. — Shh! Estão dizendo

algo...Bryan tinha baixado a voz. Elise aguçou o ouvido para escutar aquelas

palavras pronunciadas em um tom mais baixo, mas não pôde ouvir. Umterceiro homem a cavalo se reuniu com eles, era Saladino.

— O que estão fazendo? — Sussurrou Elise quando os cavalosrepentinamente viraram, e então saíram pela porta para ser seguidos pelosmuçulmanos de Muzhair, quem cantava algo que ondulava através do ar comoondas de calor balançando sobre as areias do deserto.

— Se vão! — Exclamou Elise. — Eles saem juntos pelas portas!Se afastando da janela, correu freneticamente até a porta para lançar-se

contra ela. O ferrolho exterior não cedeu. Febrilmente, Elise voltou a lançar-secontra a porta.

— Me ajude, Gwyneth!Gwyneth ficou a seu lado, e juntas atacaram contra a porta. Mas o

ferrolho era sólido e muito resistente, e o único que obtiveram em troca de seusesforços foram algumas contusões.

— Não posso suportar isto! — Gritou Elise, se apoiando pesadamente naporta.

Gwyneth ofegou, e então deixou escapar um suspiro.— Elise, não podemos derrubar a porta. Acredito que nem sequer um

cavalo poderia jogá-la abaixo.— Mas eles estão aí fora... e nem sequer sabemos o que está

acontecendo... Gwyneth, a última vez que vi o Bryan ele estava ensanguentadoe jazia ferido no chão. Quase à beira da morte.... Não posso permitir que issovolte acontecer! E Jalahar.... É tão estúpido!

— Seja lá o que se dispõem a fazer, não podemos detê-los!— E eu não posso ficar aqui!Elise se dispôs a se jogar novamente contra a porta, mas de repente

parou e deu meia volta na metade do primeiro passo.— Gwyneth! Os lençóis! Pegue os lençóis!— Os lençóis!— Sim... Temos que amarrar as pontas e descer por elas. Já fiz isso antes

em uma ocasião, mas Jalahar me surpreendeu..., e disse que colocaria um de

seus homens debaixo da sacada. Mas agora esse homem não estará ali,Gwyneth. Não haverá ninguém ali, porque todos saíram do palácio.

Enquanto falava, Elise começou a amarrar industriosamente os lençóisem nós.

— Você vai matar nós duas! — Protestou Gwyneth, olhando por cima docorrimão da sacada, enquanto segurava nervosamente a barriga com as mãos.

— Você me ajude amarrá-las. Eu vou, e você pode fazer o que quiser.Elise amarrou a ponta do último lençol no móvel de ferro lavrado,

puxando energicamente para pô-lo a prova. Subiu ao corrimão e fechou osdedos ao redor da seda, apertando-a com toda a sua força. Então olhou paraGwyneth, fechou os olhos durante um momento, sorriu nervosamente e deucomeço à descida. Escorregou muito rapidamente pela seda e aterrissou comum forte golpe sobre os ladrilhos do pátio, mas em seguida se levantoucambaleando para se despedir de Gwyneth agitando a mão em um gestotriunfal.

— Espera! — Gritou Gwyneth nervosamente. Fez uma pausa, e entãotragou ar. — Irei contigo.

— Te agarre bem! — Disse Elise, lhe dando ânimos. — Posso te agarrarantes de que chegue ao chão... Oh!

Gwyneth também escorregou ao longo da seda e Elise tentou segurá-la.Caíram juntas sobre os ladrilhos do pátio, ofegando para recuperar o fôlego,mas sem sofrer nenhum dano.

— E agora o quê? — Quis saber Gwyneth.— Temos que chegar à porta principal.— Mas estamos detrás de...— Gwyneth! Você saiu do quarto. Pensa! Que caminho temos que seguir?

Para onde corremos?Gwyneth refletiu durante alguns momentos, e logo respondeu.— Por aí.O palácio era um labirinto de arcos esculpidos e corredores, agora

mergulhado no silêncio. Os passos das duas mulheres ressonaram sobre osladrilhos e os mármore enquanto corriam, e finalmente chegaram a um becosem saída.

— Temos que voltar! — Anunciou Gwyneth, e começaram a retornar poronde tinham vindo. — Vejo o pátio interno! — Exclamou Gwyneth passadosalguns momentos.

Um instante depois, estavam passando pelo pátio interno, com suasplantas exóticas e suas fontes nas quais corria a água. Gwyneth parou paracontemplar uma das fontes.

— Vamos! — Gritou Elise, puxando o seu braço.Cruzaram o pátio correndo, mas pararam diante da entrada principal do

palácio. Um guarda seguia em seu posto, embora dali podiam ver a portadestroçada e, longe, na areia além dela, a multidão que cantava.

Gwyneth puxou Elise para trás, e as duas se apertaram ao muro.— Como vamos passar na frente dele? — Quis saber Gwyneth.Elise mordeu o lábio enquanto tentava pensar com rapidez.— Poderíamos correr... Não, espera! — Murmurou. Um par de leões de

marfim esculpido flanqueavam a primeira fonte como se montassem guardajunto dela. Elise correu para pegar um, e então se agachou detrás da porta.Depois fez frenéticos gestos para Gwyneth.

Gwyneth respirou fundo, e então foi para a entrada andando com passorápido e decidido. À vista de todos, e um pouco atrás de Elise.

— Oh! — Gritou desfalecendo, caindo ao chão. Tal como tinha esperadoElise, o guarda se virou, baixando a espada, e se apressou a ir até a Gwyneth.Elise se moveu silenciosamente atrás dele e levantou o leão, rezando para quenão falhasse a pontaria. O leão caiu com um golpe surdo sobre a nuca dohomem, e este desabou em cima de Gwyneth, fazendo ela voltar a gritar.

— Tire ele de cima de mim!Elise ajudou Gwyneth a deixar de lado o corpo inconsciente do guarda.

Gwyneth se levantou rapidamente, e seu olhar foi de Elise ao guarda.— Vamos! — Suplicou Elise.A porta parecia estar imensamente longe. Redemoinhos de areia lhe

cortavam a respiração enquanto corria, o sol da manhã ardia com um cruelresplendor, e o cântico do deserto parecia ir subindo de tom em um novofrenesi. Uma vez na porta, Elise e Gwyneth tentaram escalar a pilha deescombros, mas então Gwyneth parou Elise, com um grito cheio de surpresajusto quando ela já havia começado a descer.

Elise se virou para ver Gwyneth olhando por cima das cabeças dosexércitos ali reunidos, cristãos e muçulmanos, enquanto colocava mão em suagarganta.

— O que acontece? — Quis saber Elise. Gwyneth não respondeu. — Oque acontece? — Gritou Elise, e então deixou de prestar atenção em Gwyneth eagarrou a uma parte de estrutura caída para ganhar um pouco de altura.

Os exércitos se alinharam a cada lado de um vasto terreno baixo de areia.Saladino, embelezado com todos os seus ornamentos de guerra, estava nocentro de suas forças com sua espada erguida, brilhando como um feixe deraio cada vez que o sol refletia no metal.

De repente sua espada brilhou no ar, descendo, e de cada lado do terrenobaixo de areia surgiu um som tão ensurdecedor como o rugido do trovão.

Os cavalos tinham iniciado o galope...À esquerda, Bryan montado em seu corcel.À direita, Jalahar montado em um puro sangue árabe.Elise não podia se mover, ou falar. A única coisa que pôde fazer foi

contemplar o espetáculo com olhos cheios de horror, enquanto o mesmo chãoparecia estremecer com aquele retumbar de cascos, que foram se aproximandocada vez mais um do outro...

Era uma prova no deserto. Homem contra homem. Requintado até umaperfeição mortal pela aparência da armadura.

Ambos os opositores cavalgavam com suas espadas em alto e seus corposinclinados em cima de seus cavalos para ficar o mais perto possível deles. Eracomo um torneio, mas não se tratava de nenhum jogo. A morte era o grito quesubia para o céu, os cristãos gritavam o nome de seu cavaleiro, e osmuçulmanos cantavam o deles. As vozes e o estrondo foram crescendo emintensidade conforme os cavalos galopavam freneticamente um para o outro,deixando para trás de si, um rastro de terra e areia. As espadas brilhavam noar, e as armaduras desprendiam um resplendor prateado.

— Não! — Gritou Elise, fechando instintivamente os olhos quando oscavalos se encontraram. O sol parecia queimar a pele despojando de todassuas forças, e temeu que fosse desmaiar.

Um súbito clamor se ergueu ao redor dela, e Elise abriu os olhos comgrande assombro. Nenhum dos dois homens tinha sido derrubado de seuscavalos. Elise começou a exalar um suspiro de alívio, e um instante depois avertigem voltou a se apropriar dela quando viu que os opositores estavamretornando a seus respectivos campos para iniciar um novo galope.

— Basta! — Gritou. — Basta, pare!Ninguém a ouviu, e tampouco eles teriam prestado atenção se a tivessem

escutado. Elise, começou descer pela segunda vez do montão de escombros.— Elise! — Gritou Gwyneth ao vê-la se afastar. — Volte aqui! Não pode se

aproximar mais...Elise voltou o olhar para ela, sem que em realidade chegasse a vê-la.

Seus olhos estavam desfocados pela ansiedade e o horror.— Têm que parar...Dando meia volta, correu para a multidão e abriu caminho entre

cotoveladas e empurrões através da multidão de árabes. Estes a olharam commera irritação, porque tinham toda sua atenção concentrada no campo dehonra.

Mas ninguém estava disposto a se afastar de bom grado para deixá-lapassar. Elise ouviu o início de um novo rugido, e logo aquele estrondo que faziatremer o chão. Os cavalos voltavam a galopar freneticamente sobre a areia,

carregando um em direção ao outro com suas narinas dilatados e as orelhaspresas aos crânios enquanto o suor espumava ao longo de seus corposlustrosos.

— Basta! — Gritou Elise, se sentindo à beira da histeria.As espadas resplandecentes subiram e baixaram, e a multidão

enlouqueceu. Elise deixou para trás a dois homens muito gordos para seaproximar um pouco mais ao terreno baixo.

Os dois opositores haviam caído e agora rolavam sobre a areia,estendendo rapidamente as mãos para recuperar suas espadas. Seus cavalosse afastaram da ação, enquanto Jalahar e Bryan se levantavam cambaleando.

Elise não podia ver nenhum de seus rostos, porque ambos tinhamviseiras baixa de seu elmo. Bryan... com o brasão que o proclamava duque deMontoui, conde de Saxonby e senhor dos condados costeiros, Jalahar... comsua armadura que exibia todas as antigas e elaboradas entalhes esculpidos porseus povos do deserto.

Ambos permaneciam de pé, lutando para manter o equilíbrio e libertar asuas mentes da confusão causada pelo brusco choque de ter descarregado umno outro.

Voltaram levantaram as suas espadas, e a batalha a pé começou seucurso. Elise contemplou durante alguns instantes, fascinada pelo entrechocardo aço. Bryan era o mais corpulento, mais alto e com maior largura de ombros,e ambos eram ágeis. Ambos podiam atacar vigorosamente, esquivar e deter osgolpes. A batalha foi os conduzindo cada vez mais perto da multidão, que seapressou a retroceder para lhes proporcionar mais espaço. Bryan descarregouum tremendo golpe sobre o elmo de Jalahar e a espada de Jalahar deslizousobre o peito de Bryan, amassando a armadura.

— Não. — Sussurrou Elise, consciente de que os homens que havia aoseu redor não podiam estar mais satisfeitos com a batalha.

Dois dignos oponentes se enfrentavam um com o outro, dois guerreirosque mereciam ser respeitados e admirados. Para morrer, para se converter nopó e na cinza da lenda...

— Não. — Voltou, murmurar para si mesma. A última vez que tinha vistoBryan, jazia sangrando e destroçado. Com o rosto cinzento.

Tinha sido separada dele. A tinha obrigado a viver sem ele no mesmoinstante em que acabava de descobrir a maravilha de viver com ele..., e deamá-lo. Se morria, Elise se sentia realmente incapaz de imaginar que teriavontade de viver.

Mas quando seus olhos se voltaram para o Jalahar, seu coração foi comeles. Jalahar poderia praticar a crueldade, mas nunca tinha sido outra coisaque terno e delicado. E fazia muito tempo que Elise tinha aprendido quantodoía amar a alguém... se esse amor não era correspondido.

A espada de Jalahar reluziu sob o sol com um intenso brilho quando suamão lançou uma súbita estocada, fazendo que a espada de Bryan saíssearremessada de entre seus dedos. Elise gritou, mas o som foi afogado peloclamor da multidão.

O triunfo de Jalahar teve uma vida muito curta. Bryan respondeuinstintivamente baixando o cotovelo para golpear o braço de Jalahar, e areluzente espada muçulmana caiu sobre a areia junto à sua.

Um ágil salto com o qual Jalahar voou através do ar, juntou aos doishomens, que então começaram a lutar sobre a areia com as mãos nuas sob opeso de suas armaduras.

Elise viu tudo impreciso por um instante. Depois voltou a ver o Saladino,sentado sobre seu cavalo e contemplando a batalha enquanto ela chegava aseu apogeu. Não cantava nem aclamava como faziam outros, mas simpermanecia impassivelmente imóvel em cima de seu cavalo, com só seusnotáveis olhos mostrando emoção, uma tranquila aceitação.

Abrindo passagem através da multidão, Elise correu para ele e se lançoucontra sua perna para atrair sua atenção, enquanto seus olhos imploravam aosde Saladino, assim que estes se viraram para ela.

— Detenham, grande Saladino! Deve fazer que parem! Só você pode fazeralgo, só você... Por favor, Saladino! Suplico isso!

Ele a olhou com tristeza enquanto sacudia a cabeça.— Escolheram evitar que se derrame o sangue dos outros, lutando entre

eles, e concordaram que quando o combate terminar todos irão em paz. Lutampor sua honra, e alguns homens como eles estão dispostos a morrer por essahonra. É seu direito. Não posso despojar desse direito.

— Não há honra algum na morte! — Protestou Elise.Saladino se inclinou do alto da sela para tomar suavemente o seu queixo

na mão, e se sentiu comovido por aqueles olhos cheios de tortura queprocuravam os seus como duas jóias do céu.

— Realmente você não desejava isto, verdade, moça? — Suspirou. —Alguém poderia pensar que é uma bruxa ou uma sedutora, e, entretanto, éinocente de toda malícia. Não é sua culpa, mas os homens têm que lutar e Aládeve decidir como terminará o combate.

Elise se afastou furiosamente de seu contato.— Alá! Deus! Quando os homens são uns insensatos, devem ser detidos

por outros homens...Sua voz desapareceu, enquanto se virava novamente para o combate. A

multidão rugia.Os homens já tinham perdido seus elmos e suas viseiras, e estavam

cobertas de sangue e sujeira. Um fio de sangue emanava da boca de Bryan, e

da têmpora e do olho de Jalahar. De repente Jalahar pôs-se a correr sobre aareia indo para sua espada, e Bryan fez o mesmo.

Mas quando voltaram a ficar imóveis, virados um para o outro, ambosofegavam ruidosamente. Seus passos estavam torpes e vacilantes, e oentrechocar das espadas estava mais débil. O calor, as armaduras e o peso desuas espadas, estavam deixando eles sem forças.

Jalahar lançou uma rápida estocada contra o estômago de Bryan. Bryanse dobrou sobre si mesmo e recuou. Mas então se lançou para luta, devolvendoa estocada. Jalahar cambaleou e caiu para trás. Bryan levantou sua espada noar e, se sustentando sobre um cotovelo, Jalahar ergueu a sua para que seencontrasse com ela.

Foi então quando Elise voltou a gritar, agora tão alto, com tanto horror ede maneira tão aguda que o som subiu por cima dos cânticos, das aclamaçõese dos insultos. Seus pés voaram sobre a areia sem nenhum pensamentoconsciente por sua parte, e de repente se viu correndo. Quase parecia navegarpelo ar, determinada que nem Deus e nem Alá, tomassem algo dela naqueledia. Sua carreira não poderia ser mais insensata e temerária, porque naquelesinstantes os homens confrontados em combate só pensavam em si mesmos e,de fato, Bryan levantou sua espada justo quando Elise apareceu correndo entreeles. Jalahar se preparou para golpear com a sua. Elise teria ficado empaladanela, se as forças não tivessem falhado o árabe no último momento, tornando aenfraquecer e para logo cair impotente sobre a areia.

Elise se lançou contra Bryan com as lágrimas escorrendo por suasbochechas. Ela não o havia tocado e nem o visto desde há muito tempo, eentão procurou os olhos cor índigo que estavam vidrados pela fadiga, olhos quemal se reconheciam e só viram nela uma irritante interferência que apareceude repente no qual realmente importava agora. Elise viu que o sangue emanavade algo mais que a boca, os braços e as coxas de Bryan estavam cheios decortes, mal ficava em pé...

— Bryan! — Gritou, quando ele já se dispunha em afastá-la de um tapa.— Bryan!

As mãos de Elise agarraram o aço aquecido pelo sol de sua armadura, edesejou desesperadamente poder tocar sua pele, porque o homem parecia setornado tão duro e implacável como o aço. Mas inclusive debaixo da barreiradaquela couraça, Elise sentiu estremecer sua robusta forma. Bryan estava aponto de desabar-se. Sua corpulência lhe tinha proporcionado a vantagem finalem termos de força e da resistência, mas como Jalahar, não demoraria paracair, derrubado por uma dúzia de feridas.

— Bryan! Acabou. Oh, por favor, Bryan, me escute. Vão matar um aooutro... ambos morrerão...

Mas foi Jalahar que desabou naquele momento. E a multidão, comoromanos da antiguidade no circo, já gritava pedindo sangue.

— Acabou, e da maneira mais honorável possível! — Suplicou Elise.Bryan a empurrou para o lado e Elise caiu, cega pelas lágrimas e os seus

cabelos emaranhados. Ficou deitada ao lado de Jalahar, os profundos olhosdele nublados pela dor, se cravaram nela. Então ele falou em sussurros, comuma voz tão cansada que não havia nela força alguma.

— Ele tem que... empunhar a espada. É o vencedor. Morro com honra, eisso é melhor que viver... com a derrota.

— Não! — Gritou Elise, e rolou sobre a areia até se interpor entre a formacambaleante de Bryan e do corpo de Jalahar. Foi vagamente consciente de queSaladino estava rugindo para arrastá-la para fora da luta. Se eles iam afastá-la,teria que ser levada arrastada.

Vários homens começaram a se aproximar dela.— Bryan! — Gritou Elise em uma desesperada súplica, se lançando sobre

seus joelhos.E Bryan finalmente baixou o olhar para ela, para seu rosto manchado de

barro e molhado pelas lágrimas. Um sorriso torto franziu seus lábios.— Elise... — Murmurou.— Por favor, Bryan... mais morte não. Por favor...Bryan baixou o olhar para ela. Ouviu o rugido da multidão, que gritava

pedindo sangue.Mas de repente, já não tinha nenhuma necessidade de seguir matando.

Afrouxou sua a mão sobre a espada e deixou que caísse ao chão.Da mesma maneira em que tinham gritado pedindo morte, a multidão de

guerreiros, muçulmanos e cristãos, converteu sua caprichosa gritaria em umapetição de clemência.

Bryan cambaleou, e logo caiu de joelhos. Seus olhos se fecharamsubitamente e desabou em cima de Elise, jogando-a novamente a cair sobre aareia e deixando-a presa entre ele e a forma imóvel de Jalahar.

Vencedor e vencido, ambos deitados inconscientes com a mulher pelaqual tinham acabado de lutar, dolorida e presa entre eles.

Elise tentou sair de debaixo do pesado ombro de Bryan, segura de queseus próprios e esbeltos membros não demorariam para se partir. De repentealguém estava ajudando-a, e Elise levantou a vista para se encontrar com osolhos faiscantes do Saladino.

— Os caminhos do Alá são inescrutáveis. — Disse ele. Tirou de cimaBryan e a levantou, um guerreiro ancião e grisalho, mas alguém que asegurava com uma força que os anos não podiam lhe arrebatar. Levantou umamão, e os homens se apressaram a cuidar de seus cavaleiros feridos. Doisárabes levantaram do chão o Jalahar, e Wat e Mordred correram para Bryanpara levá-lo dali.

Saladino continuava olhando fixamente para Elise.— Os homens geralmente são como meninos. — Disse. — Se enfrentam

por seu brinquedo favorito, e terminam lutando por ele.— Eu não sou um brinquedo. — Disse Elise. — Sou a Duquesa de

Montoui, e a Condessa de Saxonby.Ele sorriu.— Possivelmente não seja um brinquedo. E possivelmente nos tenha

ensinado... e a esses meninos... que não é. Vai em paz, duquesa..., moçadourada.

— Em paz? — Sussurrou ela.Ele a rodeou com um braço e pôs-se a andar para as tropas cristãs que

se preparavam para ir embora.— Seu rei Ricardo adoeceu por causa das febres e do calor. Ganhou, e eu

ganhei. Não demoraremos para assinar uma trégua. Conservarei Jerusalém,mas a abrirei para seus peregrinos cristãos.

— As cruzadas... realmente terminaram?— Desta vez... sim. A paz não durará para sempre. Nossas diferenças são

vastas, e voltará a haver guerra. Mas para você, Elise, e para seu guerreiro,terá terminado. Agora vá e atende a seu marido.

Ela sorriu hesitantemente, e então seguiu andando pela areia até ali,onde a esperava Mordred com um cavalo.

— Elise!Saladino acabava de chamá-la, e Elise se virou para ele.— Obrigado. — Ele disse suavemente. Ela levantou uma sobrancelha em

um gesto de interrogação, e Saladino acrescentou. — Por meu sobrinho. Pelavida de Jalahar.

Elise sentiu a ardência das lágrimas em seus olhos e assentiu, paraentão seguir o seu caminho com Mordred. Já tinha montado em seu cavalo,impaciente por ver Mordred levá-la até liteira que transportaria o Bryan,quando seus olhos saltaram subitamente e gritou para Mordred.

— Espera!— Minha senhora... — Começou a protestar Mordred, mas ela se virou

rapidamente para ele e o interrompeu.— A Lady Gwyneth ainda está em algum lugar junto das portas! Tenho

que encontrá-la!Mordred gritou outro protesto e Elise ouviu seus passos correndo detrás

dos seus, ecoando abafado sobre a areia. Mas em seguida o deixou para atrás,se afastando horrorizada ao ver que esqueceu de Gwyneth. E sabia que

ninguém a levaria dali pela força, já que contava com o amparo de Saladino.Mas Gwyneth, não estava visível por parte alguma do lado dos escombros

da porta. Elise subiu eles para procurá-la com o olhar, mas não viu nem rastrode sua amiga. Desceu dos escombros e correu para o palácio, cruzando asportas em uma louca carreira para então, parar subitamente diante da fonte.

Jalahar tinha sido levado até ali. Deitado diante da água jorrando, comsua túnica como única vestimenta.

Era Gwyneth quem atendia suas feridas, limpando o corte que havia naparte superior de sua testa. Elise deu um passo hesitante para frente. Os olhosde Jalahar se abriram e se encontraram com os seus. Então ele sorriu com umvisível esforço e levantou uma mão para ela. Gwyneth recuou, lhe indicandocom um aceno de cabeça que deveria responder à chamada.

Elise tomou a mão dele na sua.— Tão difícil teria sido me amar? — Sussurrou Jalahar. — Ou chegou a

me amar, talvez, embora que só fosse um pouco?Elise levantou a sua mão aos lábios e lhe beijou a palma.— Te amar teria sido muito fácil. — Ela disse. — Só que... já amava a

outro homem.Ele apertou a mão sem deixar de sorrir. Então seus olhos voltaram a se

fechar cansadamente, e a soltou.Elise seguiu contemplando-o em silencio durante um momento até que

finalmente afastou os olhos dele e se virou para Gwyneth.— Agora tem que vir. Vamos.Gwyneth negou com a cabeça com um sorriso afligido.— Não vou.— Como você não vai vir?— Sou uma excelente enfermeira. E agora que você já não estará aqui...

— Gwyneth não chegou a terminar a frase, e Elise compreendeu. Mas estavamuito preocupada.

— Gwyneth... Já sabe que ele tem duas esposas. Acho que eu nuncapoderia ficar feliz com...

Gwyneth começou a rir.— Essas duas velhas! Não me subestime até semelhante extremo, Elise.

Posso ser uma mulher muito persuasiva. E, — Acrescentou, baixando a voz eficando muito séria. — Acho que talvez poderemos encontrar aquilo que ambosestivemos procurando. Bryan é seu, Elise. Acredito que o lar só me resultaria...doloroso.

— Mas... seu filho, Gwyneth. Percy...

— Ame por mim, Elise. Fará isso? Sei que você e Bryan podem lhe darmuito mais do que eu poderia dar a ele. Vá, Elise. Você esperou durante muitotempo, e agora deve ir com Bryan. E com sua filha. Eu serei feliz aqui. Teasseguro isso.

Elise continuaria discutindo com Gwyneth, mas Mordred acabava deaparecer ao lado dela e já a havia segurado com firmeza pelo cotovelo paraacompanhá-la.

Parecia assombroso que o sol ainda brilhasse, e que as areias do desertocontinuassem a brilhar sob ele.

Parecia como se tivesse transcorrido toda uma vida.Mas não tinha chegado a seu fim.Só tinha começado.Desta vez não houve sonhos, só um terrível esforço para sair da

escuridão que depois foi seguido pelo despertar.Algo fresco lhe acariciou a testa e as bochechas, e um contato delicado e

cheio de ternura chegou até ele. Bryan sorriu antes de abrir os olhos, porquedesta vez sabia.

Era sua duquesa.Conhecia seu doce e perfumado aroma, e o roce inconfundível das pontas

de seus dedos, agora tão cheio de amor. Abriu os olhos e estes se encontraramcom os seus. Turquesa... água-marinha... uma tempestade, um aprazível marinfinito no que um homem podia se perder eternamente para conhecer oêxtase. Bryan estendeu um braço e tomou sua cabeça com a mão, atraindo-apara ele. Seus lábios trêmulos roçaram os de Elise, e Bryan saboreou o beijocomo poderia fazer com o mais antigo dos vinhos, impressionado e maravilhadopelo sabor daquele néctar incomparável, delicado e sutil, que sempre seacharia presente em seu coração.

Um gemido o interrompeu de repente, e Bryan se separou delasobressaltado. Viu que voltava a estar em seu quaro do palácio da fortaleça deRicardo, e aquele choramingo tão inquietante provinha do berço montado atoda pressa que se balançava suavemente ao outro lado de sua cama cobertade seda e almofadas.

— Acho que nossa filha está chamando você. — Ele brincou.Elise se desculpou com o olhar e correu para o berço. Bryan sorriu

enquanto via como o amor que sua esposa dava a sua filha acrescentava umabeleza ainda maior a suas feições.

Elise pegou em seus braços o bebê e voltou junto a seu marido para olhá-lo com olhos cheios de preocupação.

— Você... gosta, Bryan? Já sei que os homens preferem ter um filho,mas...

Bryan começou a rir.— Se eu gosto? Uma bela pergunta para fazer a um homem que acaba de

ser pai pela primeira vez! É linda, e embora só faz um par de dias que nosconhecemos, já a amo muito.

Ficou surpreso ao ver que Elise baixava rapidamente os cílios, e então sesurpreendeu ainda mais ao ver uma lágrima escorrer por sua bochecha. Bryanse apressou a estender as mãos para ela, reprimindo um grunhido quando omovimento causou nos seus músculos doloridos e na sua carne rasgada umanova dor para lembrá-lo da batalha tão recentemente travada. Não queria vê-lalamentar agora, não queria que Elise se preocupasse com ele quando... Faziatanto tempo desde que ele viu o rosto dela, e tive a sua esposa junto a ele.Sozinha, exceto por sua filha. Juntos quando a vida tinha ameaçado separá-lospara sempre.

— O que acontece, Elise? — Perguntou com voz enrouquecida, tendomuito cuidado com o bebê enquanto lhe acariciava suavemente a bochechacom a palma aberta. — Elise, Santo Deus, agora tudo ficou resolvido! Temiaque nunca voltaria a te abraçar, e, entretanto, aqui estamos. Está tudo bem, eexceto por uma dor de cabeça e um montão de contusões e cortes, estou bem...

— Oh, Bryan! — Murmurou ela fervorosamente. — Tinha tanto medo deque nunca fosse aceitar à menina! De que não queria voltar a me ter ao seulado! Havia tanta distância entre nós! Oh, Bryan, sei o quanto será difícilacreditar nisso, mas... Jalahar nunca chegou a me tocar. Prometeu esperar atéque nascesse o bebê... e então eu lhe prometi que decidiria de acordo com oresultado da batalha... e... Bryan! Te amo! Te amei durante meses e meses nosquais me aterrorizava a ideia de dizer isso. Segui te amando quando estávamosseparados, e isso foi a única coisa que me manteve sã...

Apesar de suas feridas, Bryan apertou os dentes e se levantou da cama,atraindo carinhosamente para seu peito Elise e sua filhinha para enredar osdedos entre aqueles cabelos dourados avermelhados que tinham capturado seucoração fazia há tanto tempo.

— Elise! — Murmurou ardentemente enquanto lhe beijava as bochechas,a testa, os lábios. — Elise! Acredito no que você me diz, meu amor, mas devesaber que não importa. Te amo. Nada poderia mudar isso. Fiquei fascinado,enfeitiçado, desde aquela noite no bosque quando acreditava ter capturado auma ladra. A partir desse momento, aninhou tão profundamente em meucoração que estava acostumado a pensar que o amor que sentia por vocêterminaria me deixando louco. Inclusive quando te abraçava, pensava que vocêtinha conseguido me evitar de alguma forma. Foi altiva e teimosa, e nuncaestava disposta a aceitar a derrota. Mas você não vê, meu amor? Nunca poderiadeixar você partir. Por isso te tirei de Montoui e te arrastei através dos campose das colinas. — Ele sorriu tristemente. — Estava tão ciumento do pobre Percy,que já não sabia o que fazer nem o que pensar. Acredito que houve ummomento que inclusive cheguei a odiar a Gwyneth, quando vi o quão errada

você estava a respeito de seu filho e quão furiosa chegou a ficar.Lenore, segura nos braços de sua mãe e aquecida pelo peito de seu pai, já

se tinha fartado de tantas confissões. Seus pequenos punhos se agitaram noar, e rompeu em uma nova série de gritos. Elise olhou primeiro a sua filha eentão ao Bryan, e se pôs-se a rir alegremente apesar das lágrimas que aindaumedeciam seu rosto.

— Bryan! — Riu por cima dos choramingos. — Estava tão ciumenta quefiquei furiosa! Não poderia suportar pensar que Gwyneth teria o seu filho...,especialmente quando parecia que eu não podia ter.

— Te darei montões de filhos. — Prometeu ele maliciosamente. — Masnão acha que deveria fazer algo com a filhinha que já temos, visto que não parade chorar?

— Tem fome. — Disse Elise.— Se desejar, posso chamar a ama de leite...Elise protestou com grande veemência.— Já me tiraram em uma ocasião, e não deixarei que volte a se separar

de mim. A experiência não foi maravilhosa o suficiente para que eu não possacuidar dela sozinha.

Bryan deu algumas tapinhas em cima da almofada de seda e plumas quetinha ao lado.

— Te deite ao meu lado com ela.— Nem sequer deveria estar sentada aqui desta maneira, porque está

ferido.— Se deite ao meu lado. — Insistiu Bryan. — Não posso permitir que

volte a se afastar.Ela sorriu e fez o que lhe pedia. A pequena ficou entre eles enquanto

Elise preparava a roupa para poder lhe dar de mamar. Bryan se maravilhoudiante da sua filha da mesma maneira em que Elise tinha feito com tantafrequência, se apoiando sobre um cotovelo para lhe acariciar a bochecha epoder tocá-la. Um quente silêncio os envolveu, e as sombras do anoitecerescureceram o quarto, enquanto Lenore seguia chupando o peito de sua mãe.Elise olhou para Bryan com surpresa e um pouco de desculpa.

— É muito exigente.Bryan começou a rir.— Como era de esperar da neta do rei Henrique.Os olhos de Elise pareceram saltar, e Bryan voltou a rir.— Quanto tempo que você... sabe? — Perguntou Elise com uma mescla

de perplexidade e recriminação. — Como... quem...?Bryan sorriu maliciosamente.

— Ricardo considerou apropriado em me dizer isso, quando o acusei denão estar fazendo o suficiente para te trazer de volta. Fiquei feliz que ofizesse..., dado que minha esposa nunca tinha mencionado.

Elise se ruborizou.— Ia te contar isso. Na noite em que fomos emboscados... ia contar sobre

o bebê... e de meu pai.Bryan acariciou uma radiante mecha de seus cabelos, e seu triste sorriso

adquiriu maiores proporções.— Estou feliz de que você ia me dizer isso. Acho que acabei por relacionar

de alguma forma o mistério que te envolvia com a confiança, se tivesse mecontado isso, teria pensado que você confiava em mim... e que por fim tinhacomeçado a me amar. Me senti como um autêntico imbecil... porque deveria teradivinhado, é claro. Meu Deus, acredito que conhecia Henrique melhor quequalquer outro homem! Não cabe dúvida de que tem seu temperamento! E esseseu cabelo é um estandarte dos Plantagenetas! — Seu sorriso desapareceu eseus olhos azul noite se cravaram nela com uma súbita intensidade. — Elise...por que não me contou isso naquela noite no bosque? Poderia ter salvado avocê mesma... de mim, se tivesse feito. Eu nunca teria traído você.

— Agora já sei. — Disse ela com doçura. — Mas tinha medo. Tinha sidoadvertida... pelo Henrique. Montoui era pequeno, mas também não poderia mepermitir que também fosse vulnerável. E... se Juan soubesse... Bryan, aindapode nos criar muitos problemas. O... ou a Lenore, supondo que chegasse asaber de algo.

— É um segredo que guardarei..., e que sempre apreciarei. E agora devodizer que estou feliz, por você estar determinada a me ocultar isso a qualquerpreço.

Elise baixou os olhos durante alguns instantes.— E outra coisa que tinha medo era o jeito de ser de... de Percy. Estava

tão obcecado com o justo e o decente... Ele nunca teria casado com umabastarda, especialmente se era de sangue real. Tinha ao Henrique por um velholibidinoso.

— A única coisa que posso dizer uma vez mais, é que estou muito feliz. —Murmurou Bryan com imensa doçura, e depois permaneceu calado durantealguns momentos. Lenore, finalmente saciada, adormeceu entre seus pais.Bryan não sentiu seus cortes ou seus machucado quando a pegou, suaspoderosas mãos queimada pelo sol extremamente cuidadosas e cheias deternura enquanto segurava a sua pequena. — Minha filha. — Disse com vozpensativa para Elise. — Descende de Guillermo o Conquistador. Confesso queme sinto bastante orgulhoso.

Elise começou a sorrir, e então franzindo a testa que escureceu seusemblante.

— Não estou muito segura de que meus parentes me agradem muito.Juan é meu meio irmão como Ricardo, e... Henrique era um libertino!

Bryan ouviu como o bebê soltava um pequeno arroto. Ele estava commedo que suas pernas fracassassem se levantasse, por isso sussurrou paraElise.

— Pegue-a, ainda dorme.Elise se apressou a pôr a Lenore em seu berço. Os braços de Bryan

estavam estendidos para ela, e seu coração pareceu palpitar com umesplêndido trovão quando voltou para ele para se deitar novamente a seu lado.

— Elise, sei o quanto que amava ao Henrique. Não manche nunca esseamor, pensando que não tem por que estar orgulhosa dele. Henrique erahumano, temperamental, áspero e frequentemente injusto com seus filhos..., ecom Leonor. Mas era um bom rei, Elise. Deu a lei a Inglaterra. Uma boa lei, euma lei tão sólida que muito bem poderia suportar as ausências de Ricardo e,que Deus nos ajude, o tempo que Juan passe no trono.

Elise sorriu e estendeu a mão para acariciar o seu peito, sentindo-secheia de admiração.

— Obrigado por isso, Bryan.— Obrigada a você. — Murmurou.— Porquê?— Pela neta de Henrique. E... por sua filha.Elise se recostou em seu peito se sentindo cheia de felicidade, e então se

lembrou de que Bryan era uma massa de cortes e machucados. Começou a seafastar, mas Bryan voltou puxá-la para ele.

— É incrível o quanto que eu senti sua falta. — Disse, e uma súbitaaspereza tingiu sua voz. — Isso estava me deixando louco... pensando noJalahar.

Elise se sentou para olhá-lo de cima.— Nunca me tocou nem me fez mal algum, Bryan. — A mentira era muito

pequena. Jalahar a tocou..., mas nunca da maneira em que fazia Bryan. — Porisso... fico feliz que você não o tenha matado.

Bryan exalou um prolongado suspiro.— Então, também estou feliz de não tê-lo matado.— Gwyneth ficou com ele.— Ela fez isso?— Diz que é uma enfermeira excelente. Ela é?— Gwyneth foi muito boa comigo. — Disse Bryan, lendo a pergunta não

formulada que havia nos olhos de Elise. — Foi muito boa comigo..., e isso foi

tudo.Ele olhou nos olhos dela, e a felicidade que os preenchia recompensava

muito ao Bryan por aquela pequena alteração da verdade. Beijou-a muitosuavemente e murmurou

— Elise... Acredito em você, e te juro que nunca gostei de ter que matar aum homem. Mas preferiria não ouvir falar mais da bondade de Jalahar.

— E eu, — Respondeu Elise, beijando delicadamente um ponto dagarganta de Bryan que não tinha sofrido nenhum machucado. — Preferiria nãoouvir falar da boa enfermeira que é Gwyneth.

— De acordo. E agora, tire a sua roupa.— Bryan! É uma massa de escuros e azulados hematomas e corte e...— Sou uma massa de desejo ardente que deseja a minha esposa.Elise teria discutido com ele. Fazia tão pouco que haviam trazido ele da

batalha...Mas ela também era uma massa trêmula de ardente desejo. Os olhos de

Bryan, suas carícias... a maravilha de saber que a amava... que realmente aamava, de uma maneira tão profunda como ela o amava... tudo aquiloincrementava os apetites aos quais tinha dado rédea solta em tantos sonhos.

Com só um leve murmúrio de desaprovação, Elise tirou a túnica e acamisa e voltou a se deitar junto dele.

— Bryan... — Ofegou, com a mente invadida por um furacão de deleiteenquanto as mãos dele se deslizavam avidamente sobre sua pele nua. —Bryan... te amo...

— Duquesa. — Murmurou ele. — Te amo...Elise subiu em cima dele antes de que pudesse irromper em ridículos

choro de felicidade e o olhou com um sorriso malicioso.— Tenho intenção de lhe demonstrar, milorde, que uma esposa pode

atender muito melhor a seu marido que qualquer outra enfermeira... me diga,milorde... onde lhe dói?

Bryan sorriu, se abstendo de deitá-la sobre a cama e aliviar o tortura desua necessidade dela, que afligia seus dias e suas noites durante tanto tempo.

— Aqui... — Murmurou, apontando para os lábios. Elise os beijou,demonstrando ser deliciosamente perita nisso. Então voltou a se erguer sobreele. — Aqui... e aqui... e aqui...

Uma cálida brisa os acariciou com a chegada do anoitecer. Os lençóisforam empurrados da cama, e Elise aliviou com imensa ternura todos as doresde Bryan, até que chegou um momento no qual podiam ter sido imaginados.

Se não eram imaginados, pelo menos agora já não importavam. Entreuma fascinante sedução, a que se seguia, Elise se preocupava temendo lhe

causar dor, mas Bryan não queria nem ouvir falar disso e chegou um momentoem que, quando não pôde seguir suportando-o por mais tempo, teve que entrarnela com toda a doce raiva do desejo.

Estava esgotado, e lhe doía tudo...Mas o êxtase superou com muito à agonia.No final, Bryan soube que tinha sido uma noite que nunca esqueceria. O

delicado abraço da noite, as suaves brisas, a seda que ondulava lentamente,sua pequena dormindo...

Sua esposa, Elise, que tinha deixado de ser distante e escorregadia...Seu amor... um bastião contra o passado, contra tudo que os anos

poderiam trazer.Em junho, Ricardo e Saladino assinaram uma trégua.A Terceira Cruzadas tinha terminado, Bryan, Elise e sua pequena Lenore,

por fim puderam partir para a Inglaterra.Nenhum dos dois pensava naquela viagem como uma volta ao lar.Ambos sabiam que já tinham chegado em casa.

Epílogo

Abril de 1199Casa senhorial do Firth, Cornualles

O cavaleiro estava alcançando-a. Com cada ensurdecedor momento quetranscorria, ela podia sentir mais profundamente o retumbar da terra e ouvircomo o implacável galopar dos firmes cascos do corcel ia se aproximando cadavez mais.

Seu cavalo suava e ofegava, procurando desesperadamente por ar comcada trêmula respiração que fazia estremecer os músculos de seus flancos emum frenético esforço por manter aquele desenfreado galopar sobre a lama eatravés do bosque. Elise podia sentir como os tendões do animal trabalhavamfuriosamente debaixo dela, assim como ao se flexionar e se contrair o grandelombo.

Ela se atreveu a lançar um rápido olhar para trás enquanto o ventosoprava ao redor dela na escuridão da noite, cegando-a com as mechas queestava se libertando de seu cabelo. O coração pareceu parar de repente, paradepois palpitar com um estrondo ainda maior do que os cascos do corcel quegalopava atrás dela. Sorriu.

Estava quase em cima de mim. A égua não tinha nenhuma possibilidadede escapar à perseguição do experiente corcel de guerra.

E Elise não tinha nenhuma oração contra o escuro cavaleiro quegalopava sobre aquele corcel negro como a meia-noite. Tinha-o visto montarnele. Era ainda mais alto que Ricardo Coração de Leão, e tão largo nos ombrose esbelto nos quadris como o monarca inglês. E, caso que tal coisa fossepossível, sua agilidade era maior...

Nunca teria uma oração contra ele. Aquele cavaleiro estava destinado aconquistar seu coração, e agora ele pertencia tão irremediavelmente como jáfazia quase uma década quando Elise descobriu que era uma esposa muitoapaixonada por seu marido.

— Cadela! — Rugiu ele, e ela soube que a tinha alcançado.Fez que a égua fosse mais devagar, e sentiu como os braços dele a

rodeavam enquanto a levantava da garupa de seu cavalo para depositá-la sobrea enorme sela do corcel. Os olhos do cavaleiro brilharam na noite enquanto elesorria com um sorriso cheio de lembranças ternos e a beijava...prolongadamente. Havia retornando a convocação no continente, e cada vezque retornava voltava a ficar atordoado diante da profundidade do amor quesentia por ela.

O sorriso de Bryan desapareceu, e fingiu torcer o nariz, enquantoafastava seus lábios dos dela.

— A que vem semelhante conduta por sua parte, Duquesa? Um homemretorna a seu lar depois de ter passado um mês longe dele.... e, sua esposa saicorrendo da casa senhorial, antes de que ele possa desmontar de seu cavalo!

Elise riu suavemente e, passando os seus braços ao redor do pescoço,brincou com o broche que segurava o manto em cima do ombro de Bryan.

— Esta... conduta... como você chama, se deve que sua a esposa desejavapoder estar alguns minutos a sós contigo. Se tivesse esperado serenamente naentrada para recebê-lo como é devido, então eu também teria que ser obrigadaa atender ao Will e a todos outros que vieram com você. E as crianças teriam seatirado em cima de você, é claro. Nem você nem eu teríamos coragem paramandá-los para cama! Desta maneira, Will vai fingir que está em sua casa emanter todos os outros entretidos, e Jeanne e Maddie lhes proporcionarãoqualquer classe de hospitalidade que necessitem. E você e eu... poderemosreunir com eles dentro de um momento.

As últimas palavras foram ditas com uma apaixonada sorriso que fez queo coração de Bryan parecer tremer como uma flecha. Depois de dez anos dematrimônio, e que agora estavam com cinco filhos, três irmãos e uma irmãpara Lenore, Elise apenas bastava sussurrar, ou sorrir de alguma forma, parao sangue de Bryan ferver com um súbito fogo tal como tinha feito desde oprimeiro momento.

Dez anos, Por Deus, sim, porque setembro marcaria o décimo ano de seumatrimônio. Para eles tinham sido bons anos, anos de construir e colher. Agoraera difícil lembrar que no primeiro momento a casa senhorial havia osrecebidos como um lugar de abandono e decadência. Eles a tinham convertidoem uma fortaleza e uma autêntica casa senhorial, seu pequeno canto domundo oferecia colheitas boas e abundantes, e os camponeses que serviamcom vigor e de bom grado, devido às recompensas de seu trabalho e a justiçade seu senhor e sua senhora. Havia paz ali, serenidade e beleza.

Dez anos... tanto tempo, tantas coisas que tinham alcançado a crescer.O tempo tornou Bryan e Elise ainda mais perto um do outro, mas nunca

lhe tinha arrebatado a beleza inicial e a intensa emoção. Para Bryan, Elisesempre seria sua Melusina, a magia que enchia toda sua vida. Nunca poderiase cansar dela, e a única mudança seria que continuava desejando-a cada vezcom maior desejo. O sangue dos reis corria pelas veias de sua esposa, e oorgulho de um leão regia seu coração. Seguia sendo dourada, linda e sedutora,e assim seria como a encontraria Bryan, durante todos os dias de sua vida.Elise ainda era o feitiço que o fascinava, e sempre seria.

Ah, mas os anos!Para a Inglaterra, tinham sido anos tensos e difíceis, anos nos quais

tinha tido lugar uma longa luta sem que nenhum dos lados vencesse ou fossederrotado. Depois das cruzadas, Ricardo tinha sido feito prisioneiro peloLeopoldo da Áustria, e depois entregue ao senhor daquele soberano, Henriqueda Alemanha. Inglaterra havia sido sangrada por um enorme resgate, e oshomens de Ricardo tiveram que travar uma dura batalha para evitar que Juanassumisse todo o controle da coroa de seu irmão durante a ausência deste.

Mas mesmo depois de ter sido libertado, Ricardo, o belo e poderoso reique tão reverenciado tinha chegado a ser por aquele povo que tão bem oacolheu, tinha passado muito pouco tempo na Inglaterra. Indevidamente, tinhaido lutar com o Felipe da França.

E agora...A careta e o franzir de testa de Bryan tinham sido fingidos, mas a

cansada tristeza que enchia seus olhos não tinha nada de falsa. Elise tinhafeito esquecer durante alguns minutos que tinha passado galopandofreneticamente atrás de sua sedutora, lhe fazendo esquecer dessa maneira quetrazia as notícias mais terríveis que um homem pudesse chegar a comunicar.

— O que acontece, Bryan? — Perguntou Elise, que tão bem conhecia asdiferentes mudanças do rosto de seu marido.

Ao longo dos anos, Bryan tinha lutado para passar o seu tempo juntodela, e frequentemente o tinha conseguido. Mas também tinha havido outrosmomentos nos quais era chamado para cavalgar junto ao Ricardo. Elise tinhaaprendido a suportar aquelas ausências, porque tinha aprendido que apesar doatrito que duas pessoas com tanto temperamento estavam condenadas a ter, o

desejo que Bryan sentia por ela era tão forte como o aço de sua espada e tãoirresistível como sua lâmina. Em uma época dominada pela infidelidade, Bryanera um homem fiel. Sempre voltava para ela de bom grado, às vezes gritandocom voz de trovão e habitualmente cheio de exigências..., mas sempre feliz depoder retornar. Seus braços ao redor dela, enquanto guiava ao corcel por entreas árvores, eram tão firmes e robustos como sempre e Elise podia sentir o amore a necessidade em seu contato. Mas conhecia bem a seu marido e sabia queseu coração estava afligido pela tristeza, por muito que ele a tivesse saudadocom sua ironia habitual.

— Bryan...?— O rei morreu. O dardo de uma besta o fez cair em Chaluz, e foi seguido

por uma febre que não havia cura. — Disse ele.— Santo Deus! — Exclamou ela, e guardou silêncio durante alguns

momentos. Nunca tinha chegado a estar o bastante perto do gigante que eraseu meio irmão para sentir dor diante da notícia, mas uma comovedora tristezase apropriou dela, porque Ricardo sempre tinha cuidado lealmente do bem-estar de Elise.

A notícia era assombrosa... e aterradora. Para a Inglaterra. Depois deLongchamp e apesar de todas suas ausências, Ricardo tinha deixado o país emmãos de administradores capazes e aqueles homens tinham demonstrado serrealmente muito capazes, porque as tinham maquinado de algum jeito paramanter a margem ao Juan. Mas agora...

— Juan será rei. — Murmurou ela.— Que Deus nos ajude, sim.— Oh, Bryan! O que acontecerá agora?Ele suspirou, e ela viu a fadiga em seus traços enquanto a claridade da

lua brilhava sobre eles. Seu amado guerreiro era um homem curtido pelascicatrizes da batalha, mas o tempo o tinha tratado com gentileza. Não tinhaacrescentado nem um só grama de gordura a seu robusto corpo, seus ombroseram tão largos como sempre, e se mantinha mais reto que uma flecha. Masagora uma sombra de cinza cobria suas têmporas e pequenas rugas sobre osseus olhos, tornavam um pouco mais profundas quando estava preocupadopor algo, como estava naquele momento.

— Homens como Will e eu faremos tudo ao nosso alcance para conduzi-lopara um reinado decente. Mas tenho medo, Elise. Não posso evitar de me sentircheio de temor. Juan com uma coroa em cima de sua cabeça... é umpensamento realmente aterrador, sim. Esperamos alguns anos muito duros,meu amor.

Elise sorriu com lábios trêmulos.— Não temo ao futuro, Bryan. Nada será tão terrível que não possa

suportar... agora que tenho você ao meu lado.

Os lábios pressionaram gentilmente os dourados cabelos que cobriam otopo da sua cabeça.

— É minha fortaleza de paz e beleza quando todo o resto estarmergulhado no caos. — Disse com ternura.

Elise aceitou suas palavras, amando-o por elas.— Sabe Leonor? — Perguntou depois, pensando no muito que a rainha

tinha amado ao Ricardo.— Ela estava a seu lado.— Isso é algo do que me alegro.Pobre Leonor! Aproximando-se dos oitenta anos, a única coisa que

procurava, ela também, era a paz. Agora... agora se veria obrigada a exercertoda a pressão de qual fosse capaz sobre o Juan.

— Meu deus, que farto estou da guerra e da política... — Disse Bryan.— O rei morreu, longa vida ao rei. — Murmurou Elise.Sim, Bryan estava cansado. E os dias e os meses que viriam, e

possivelmente os anos, seriam muito duros. Possivelmente tentasse se retirar,mas então muitas pessoas fariam retornar. Tal era a maldição dos homens comcaráter, fortes de corpo e de alma.

Bryan ainda não disse, mas provavelmente não estaria muito tempo emcasa. Teria que comparecer diante de Juan. Depois teria que tentar de mantê-lo a margem, ou se unir aos barões de Ricardo e ao povo contra ele. Seriamtempos difíceis, exaustivos e cheios de duras exigências.

Elise acariciou a sua bochecha seguindo um impulso repentino.Poderia ir com ele... mas o mais novo de seus filhos, ao qual tinha

colocado o nome de Henrique em memória de um passado de segredos, sótinha dois meses, e Elise não queria se separar dele ou levá-lo para Londres. Eem Londres, Bryan disporia de pouco tempo para ela. As pessoas iriam a eleem busca de justiça. Tinha servido ao Henrique, e tinha servido ao Ricardo. Aspessoas sabiam e o amavam.

Possivelmente iria para Londres. E ele estaria fora durante muito tempo.Mas no momento...— Bryan, não podemos deixar que o futuro esperar pelo amanhã? —

Perguntou melancolicamente.Ele baixou o olhar para os lindos olhos de sua esposa e sentiu o intenso

calor, e o hipnotismo de sua atração. Elise era suave e dócil em seus braços,mas seu murmúrio fazia alusão a uma promessa de força, a uma tempestadede paixão que o impulsionaria para costas distantes, e então devolvê-lopacificamente a uma baía cheia de paz.

— Você esteve na cabana ultimamente? — Quis saber ele com voz

subitamente enrouquecida.— Claro.Os olhos de Elise deslumbravam sob a luz da lua. Depois de ter

retornado à casa senhorial de Firth da Terra Santa, há tantos anos, uma dasprimeiras coisas que fizeram foi construir uma cabana de caça. Era um lugarao qual tinham cuidado com frequência quando o mundo lhes parecia muitocansativo e cheio de gente.

— Não fiz você galopar por todo o bosque assim que retornou semnenhuma razão! — Informou Elise com indignação. — Há vinho comespeciarias se esquentando em cima de um fogo baixo, que enche toda ahabitação com o magnífico e delicado resplendor que desprendem as chamas. Acama foi feita com perfumados lençóis limpos de linho, e no caso de que a noitese torne terrivelmente fria, temos mantas de lã que nos darão calor. Pão recémassado, se por acaso de temos fome. Manteiga bem cremosa, e guisado deveado. Bryan, às vezes os reis têm que esperar aos homens... e às mulheres!

Ele jogou a cabeça para trás e riu, se maravilhando diante da maneira emque Elise podia aliviar sua mente inclusive das tensões mais profundas.

Sim, a vontade dos reis poderia esperar.— E pensar que em uma ocasião passei uma noite inteira tentando

desesperadamente de te manter dentro de uma cabana! — Exclamou ele. — Efoi uma noite pela qual chegou a me odiar tanto!

Elise se ruborizou.— Foi um tirano desprezível.— Mas acreditava que você era uma ladra da pior índole. E além disso

tentou de me seduzir, em vez de se limitar a perceber até onde chegava seupoder.

Elise fechou os olhos e se apoiou em seu peito. Durante aquela noite,Bryan era completamente dela. Will Marshal entenderia. Will amava muito asua esposa, e entenderia.

Aquela noite... Elise seria feliz.— Você disse em uma ocasião, Milorde Stede, que possuo um grande

poder... de persuasão?— Verdade.— Então se importaria que... te seduzisse?— Me importar? Não. Mas temo que não terá a oportunidade de fazer

isso.— Oh?Bryan lhe dirigiu um sorriso torto e cheio de malícia que encheu de

estremecimentos o corpo de Elise.

— Porque tenho intenção de te seduzir sem mais demora.— Oh.De repente Bryan esporeou o seu corcel, fazendo-o avançar entre as

árvores ao longo de um caminho bastante conhecido. E enquanto o corcelgalopava através da noite, um relâmpago acariciou repentinamente o céu paraser seguido pelo rugido do trovão.

Grossas gotas de chuva começaram a cair sobre eles.Elise ergeu o olhar para Bryan para encontrar com seus olhos pousados

nela.Os dois puseram-se a rir.O corcel seguiu galopando para o distante resplendor de um fogo que

ardia em uma cabana perdida nas profundidades do bosque.

Notes

[←1]Aríete é uma antiga máquina de guerra que foi largamente utilizado nas Idades Antiga e Média, para romper

muralhas ou portões de castelos.

[←2]Torre de Homenagem, onde era feito homenagem militar e defesa do castelo, por ser alta demais, onde fica a

guarda.

[←3]Plantageneta é o sobrenome de um conjunto de monarcas ingleses, conhecidos como dinastia Plantageneta ou

Angevina(de Anjou), que reinaram em Inglaterra entre 1154 e 1399. O nome tem na sua origem a giesta (plant genêt emlíngua francesa), que o fundador da casa Godofredo V, Conde de Anjou escolheu para símbolo pessoal.

[←4]Cadafalso, patíbulo, estrutura provisória de madeira sobre a qual os condenados à morte eram executados.

[←5]Ordálio, também chamado juízo de Deus, foi muito usado nos primeiros séculos da Idade Média. Consistia em

submeter à prova do fogo ou da água o acusado, que, se dela saísse salvo, era em geral declarado inocente.

[←6]Abertura numa fortificação para permitir disparo de armas (setas).

[←7]Sistema de equitação que se serve de estribos curtos, arções altos e freio apropriado.

[←8]Poterna (ou porta do ladrão, porta da traição, ou porta falsa), é uma porta secundária, dissimulada nas muralhas

de um castelo ou fortaleza, conduzindo para o exterior.

[←9]Paliçada estacada de varas ou troncos fincados no solo, ligados entre si, para servir de defesa contra-ataques.

[←10]Bastião ou Baluart, em arquitetura militar, é uma obra defensiva, situada nas esquinas e

avançada em relação à estrutura principal de uma fortificação abaluartada.

[←11]Império Angevino ou Império Plantageneta é o conjunto de Estados que se estendiam dos confins anglo-

escoceses aos Pirenéus e da Irlanda a Limousin, unidos a meio do século por Henrique II de Inglaterra.

[←12]Nome de diversos narcisos amarelos, são conhecidos como junquilho comum e o junquilho cheiroso.

[←13]Ameias, pequenos parapeitos denteados que guarnecem o alto das torres, fortificações ou castelos e que

protegem os atiradores.

[←14]Corante azul violácea extraída do indigueiro (anileira).

[←15]Catafalco, estrado alto para o caixão.

[←16]Rocha branca, translúcida, semelhante ao mármore, porém menos resistente do que ele.

[←17]Avalon é a ilha feérica acessível tão somente aos seres do Reino das Fadas e dos valentes cavaleiros que, por sua

pureza e seu amor, serão dignos de ser admitidos nela.

[←19]Liteira é uma cadeira portátil, aberta ou fechada, suportada por duas varas laterais. É transportada por dois

liteireiros ou dois animais, um na frente e outro atrás.

[←20]Renque de árvores ou arbustos junto ao muro ou parede.

[←21]Bastião ou Baluarte, nos castelos medievais constiui-se numa defesa mais baixa e mais larga. Tem, normalmente,

um formato pentagonal, apresentando duas faces, dois flancos e uma gola (linha pela qual está ligado à estruturaprincipal). Normalmente, é sustentado por muralhas.

[←22]Alforje é um tipo de bolsa, usualmente preso a uma sela, usado para transporte de objetos em animais como o

cavalo.

[←23]Forcado utensílio de lavoura, formado de uma haste, terminada em duas ou três pontas, garfo.

[←24]Melusina é uma personagem da lenda e folclore europeu, um espírito feminino das águas doces em rios e fontes

sagradas.

[←25]Califa título assumido, após a morte de Maomé, pelos chefes grandes políticos e religiosos muçulmanos.

[←26]Vizir título usado em alguns países muçulmanos para designar autoridades como ministros de Estado. A palavra

vizir vem da palavra árabe wazir, que quer dizer aquele que ajuda alguém a carregar um fardo.

[←27]Emir título que designa, originariamente, o chefe do mundo muçulmano. O território governado por um emir

chama-se emirado. Nome igualmente dado aos descendentes do Profeta.

[←28]O aço damasco é a união de dois ou mais aços de características diferentes, unidos pelo método de caldeamento.

Uma barra de damasco pode ter várias camadas, que podem variar de 50 a 600.

[←29]Minaretes é uma das mais típicas características da arquitetura muçulmana. Do alto do minarete, um funcionário,

chamado muezzin, convoca o povo às orações.

[←30]Besta ou Balestra é uma arma com aspecto semelhante de uma espingarda, com um arco de flechas adaptado a

uma das extremidades de uma haste e acionado por um gatilho.

[←31]Máquina de guerra usada na Antiguidade e na Idade Média para abrir brechas em muralhas ou portões de

castelos e povoações fortificadas.

[←32]Alcatrão ou Breu substância escura e viscosa que se obtém pela destilação da hulha (Combustível mineral fóssil

sólido).