A PUBLICIDADE E A DEFINIÇÃO DE REGRAS QUANTO AO USO DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE
CHAMEM O CONAR! O EFEITO DE TERCEIRA PESSOA E O APOIO À CENSURA DA PUBLICIDADE DE CERVEJAS
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CHAMEM O CONAR! O EFEITO DE TERCEIRA PESSOA E O APOIO À CENSURA DA
PUBLICIDADE DE CERVEJAS1
André Bomfim dos Santos2
RESUMO
A maioria das queixas feitas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) é
proveniente de consumidores preocupados com a má influência dos comerciais de cerveja sobre a
sociedade em geral. Este estudo utiliza a hipótese do efeito de terceira pessoa (Davison, 1983) para
averiguar se a discrepância “eu” versus “os outros” está na base da percepção dessa influência, assim
como no apoio à censura destes conteúdos. A hipótese refere-se à crença dos indivíduos de que eles
são menos vulneráveis à influência persuasiva dos meios de comunicação do que as outras pessoas em
geral, especialmente grupos sociais considerados mais distantes e/ou vulneráveis. Para averiguar esse
comportamento no contexto da publicidade de cervejas, foi realizada uma pesquisa empírica baseada
em um dos experimentos originais de Davison (1981), adicionando ao componente perceptual, a
distância social e o apoio à censura. Ao confirmar a presença dos três componentes do efeito de
terceira pessoa, o estudo ratifica a ideia de que a percepção e a reação dos indivíduos podem estar
menos relacionadas com a influência direta do conteúdo midiático sobre si próprios, do que com a
influência presumida sobre outras pessoas e grupos sociais. Além disso, evidencia-se aqui o premente
debate entre autorregulamentação e censura prévia no campo da publicidade brasileira.
Palavras-chave: Efeito de terceira pessoa. Publicidade. Autorregulamentação. Censura.
ABSTRACT
The majority of complaints made to the National Council for Advertising Self-Regulation (CONAR)
comes from consumers concerned about the bad influence of beer commercials on society in general.
This study uses the hypothesis of the third-person effect (Davison, 1983) to investigate whether the
discrepancy "self" versus "other" underlies the perception of presumed influence of such content, as
well as to support its censorship. The hypothesis refers to individuals' beliefs that they are less
vulnerable to the persuasive influence of the media than other people in general, especially social
groups considered most remote and/or vulnerable. To investigate this behavior in the context of beer
ads was conducted empirical research based on one of the original experiments of Davison (1981),
adding to the perceptual component, social distance and support for censorship. By confirming the
presence of three components of third-person effect, the study reinforces the idea that perception and
reaction of individuals may be less related to the direct influence of media content about themselves,
than with the presumed influence on others and social groups. Moreover, is evidenced the urgent
debate between self-regulation and censorship in advertising in Brazil.
Keywords: Third-person effect. Advertising. Self-regulation. Censorship.
1 Trabalho realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
Brasil 2 Aluno do Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia. E-mail:
1
“A aparição do outro faz surgir na situação um aspecto não desejado por mim, do qual não sou dono e que me
escapa por princípio, posto que é para o outro”.
Jean Paul Sartre
1 INTRODUÇÃO
Desde 1980, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), é o
órgão responsável pela regulação dos conteúdos publicitários exibidos nos veículos de
comunicação brasileiros. Baseada no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
(CBARP), a sociedade civil sem fins lucrativos responsabiliza-se pela aplicação e pelo
acatamento das normas nele contidas. A regulação é feita a partir de denúncias de seus
membros associados, diretores, do próprio mercado e, sobretudo, de cidadãos, denominados
consumidores, que podem registrar suas queixas no site da instituição. De acordo com dados
do próprio CONAR, o segmento líder em infrações e reclamações é o de bebidas alcoólicas,
representado na totalidade dos casos pelos anúncios de cerveja, impressos ou televisivos. E a
expressiva maioria das reclamações feitas ao setor, ou 64,5% delas, é proveniente dos
consumidores, quase sempre preocupados com a indução ao consumo irresponsável entre
adolescentes e jovens adultos. 3
Nessas queixas, os consumidores revelam-se via de regra mais preocupados com a má
influência desses comerciais na população em geral do que em si próprios ou em indivíduos
mais próximos, como os familiares. É o caso, por exemplo, das reclamações de consumidores
de diversos estados sobre o comercial Tubarão, da marca líder em processos no CONAR. No
filme, um grupo de jovens adultos ignora placas de advertência e entra no mar infestado de
tubarões para resgatar uma caixa de cervejas. Voltam para a praia com vários tubarões presos
aos seus corpos, mas felizes por terem resgatado o produto. Segundo os consumidores, a
linguagem jovem, irreverente e fantasiosa teria o poder de atrair a atenção do público infanto-
juvenil. Além disso, a representação traria a banalização de um comportamento de risco e o
produto cerveja estaria colocado num patamar mais importante que a própria vida. O
processo, no entanto, foi arquivado, pois segundo o relator, “o consumidor sabe muito bem
que a situação mostrada não passa de palhaçada, uma piada sem nenhuma sutileza”. A
preocupação dos consumidores no caso acima, assim como a de tantos outros que dão
3 Dados obtidos através da análise de uma amostra dos casos do segmento, de maio 2011 a maio 2012, no site do
CONAR.
2
entradas em processos no CONAR, revela o padrão de comportamento descrito pelo
sociólogo W. Phillips Davison em sua hipótese do efeito de terceira pessoa (ETP):
as pessoas tendem a superestimar a influência que a comunicação de massa
tem sobre as atitudes e comportamentos de outros. Mais especificamente,
indivíduos que são membros de uma audiência exposta a uma comunicação
persuasiva (tendo ou não essa comunicação a intenção de ser persuasiva) irão
esperar que essa comunicação tenha um efeito maior sobre os outros do que
sobre si mesmos. E, façam ou não parte da audiência ostensiva dessa
mensagem, o impacto que eles esperam que essa comunicação venha a ter
sobre os outros, os levará a tomar algum tipo de atitude. (DAVISON, 1983, p.
3).4
De volta ao caso Tubarão, é notório que a preocupação maior dos reclamantes não é
consigo, mas com crianças e adolescentes em geral, um grupo social notadamente vulnerável
aos efeitos da comunicação televisiva por não ter maturidade suficiente para avaliar e julgar
seus conteúdos, como bem revela o resumo de caso registrado no site do conselho:
O filme atraiu reclamações de consumidores de Belo Horizonte, Betim e Juiz
de Fora (MG), Curitiba e Guarapuava (PR), Fortaleza (CE), Recife e Calçado
(PE) Florianópolis, Balneário Camboriú e Blumenau (SC), Salvador e Juazeiro
(BA), Campo Grande (MS), São Paulo, Campinas, Piracicaba, Sorocaba e
Araçatuba (SP), Brasília, Anchieta (ES) e Afua (PA). Eles consideraram o
filme desrespeitoso para com aqueles que perderam a vida ou foram mutilados
no mar e para com a figura do salva-vidas, além de estimular comportamento
perigoso, tanto mais porque a linguagem do filme atrairia a atenção de
crianças e adolescentes. (CONAR, nov. 2012)
Em seus comportamentos, portanto, apresentam-se alguns componentes básicos do
ETP. Ao processar o comercial pela cena em questão, os bem-intencionados reclamantes
vêem as crianças e adolescentes (nesse caso, os outros) como indivíduos incapazes de
estabelecer limites entre a representação fantasiosa do filme e a vida real. E o possível efeito
nocivo da mensagem sobre esse público os levam a tomar uma atitude: acionar o CONAR e
solicitar a sustação da veiculação do comercial.
Averiguar se tais propagandas podem de fato induzir ao consumo de álcool ou a
comportamentos de risco certamente não faz parte dos objetivos de um estudo tão conciso.
Cabe aqui averiguar, não os efeitos diretos da mídia, mas os chamados indiretos. Neste caso,
a percepção dos indivíduos em relação à influência presumida dessas mensagens sobre si e
4 Os textos em inglês aqui apresentados foram traduzidos pelo autor.
3
sobre as outras pessoas em geral. E tão importante quanto essa percepção, as atitudes
decorrentes dela. Mais especificamente, o apoio à censura5 dos comerciais em questão.
Para tanto, foi replicado um experimento do próprio Davison (1983), em que ele testa
a relação do ETP também com anúncios publicitários. No presente caso, foi empreendida uma
pesquisa empírica entre estudantes universitários do município de Lauro de Freitas (região
metropolitana de Salvador), para testar a sua percepção sobre a influência dos comerciais de
cerveja sobre si e sobre os outros. O experimento original é aqui ampliado, com a inclusão do
componente comportamental - apoio à censura - e do corolário da distância social, isto é, a
ideia de que grupos mais distantes socialmente são mais vulneráveis ao efeito da mídia.
Além de aplicar a hipótese de Davison ao contexto da recepção de filmes publicitários
brasileiros, o estudo pretende trazer para o debate sobre autorregulamentação versus censura
prévia da publicidade de cerveja, questões relativas aos efeitos indiretos dos mass media e a
dimensão subjetiva do processo comunicativo.
2 REVISÃO TEÓRICA
A hipótese formulada por Davison situa-se no campo da mass communication
research estadunidense (MCR), inaugurado nos anos 20 com os estudos empíricos sobre os
efeitos da comunicação de massa e que abriga estudos e abordagens heterogêneos, mas
ligados por determinadas características em comum. Segundo Araújo (2001, p. 120), entre os
pontos de ligação que dão forma a esse conjunto, estão: a orientação empiricista e pragmática
dos estudos, o foco na comunicação mediática e sua fundamentação em um modelo linear de
comunicação, o qual só viria a ser superado na década de 60, com a incorporação de
elementos extramedia ao processo comunicacional.
Nas revisões históricas, a MCR é habitualmente dividida em duas grandes fases gerais:
a primeira, que vai até o início dos anos 40 e entende os efeitos da mídia como “ilimitados,
diretos e imediatos” e a segunda, quando com o aporte principalmente da sociologia, passa-se
a entender esses efeitos como “limitados, diretos e mediatos” (SERRA, 2007, p. 145). A fase
inicial é baseada nas teorias da sociedade de massa e nos estudos da psicologia behaviorista
das primeiras décadas do século passado e são hoje abrigados dentro da linha que se chama de
5 Embora o termo “censura” possa trazer à tona uma série de discussões éticas e políticas, ele é aqui utilizado na
sua acepção de reprovação social, preservando a fidelidade ao termo “censorship”, utilizado originalmente por
Davidson. Registramos, portanto, que não há qualquer intenção de, através da sua utilização, avaliar o
julgamento e sustação dos comerciais propostas por cidadãos e mediadas pelo CONAR como um ato arbitrário
ou antidemocrático.
4
teoria hipodérmica. Mattelart (2011, p. 37) explica que se supunha então que a mídia agia
“segundo o modelo da ‘agulha hipodérmica’, termo forjado por Lasswell para designar o
efeito ou impacto direto e indiferenciado sobre os indivíduos atomizados.”. A influência do
conceito de sociedade de massas é, portanto, explícita. Segundo Wolf (1999, p. 11), “a massa
é composta por pessoas que não se conhecem, que estão separadas uma das outras no espaço e
que têm poucas ou nenhumas possibilidades de exercer uma ação ou influência recíprocas.”
Apesar de os estudos de mass communication terem superado a abordagem
hipodérmica, o construto de uma mídia poderosa, de efeitos “ilimitados, diretos e imediatos”
sobre massas moldáveis e passivas, permanece até hoje no imaginário coletivo da sociedade.
Para Perloff (1993), essa visão esquematizada da mídia (media schema), juntamente com a
auto-valorização do indivíduo (ego-enhancement), formam as bases sobre a qual se assenta o
efeito de terceira pessoa. Sobre o funcionamento do media schema, o autor explica que “na
medida em que os indivíduos acreditam que o cidadão médio é vulnerável à mídia ou a mídia
é todo-poderosa, eles podem logicamente inferir que os outros são mais vulneráveis à mídia
do que eles próprios.” (Id., 1999, p. 362, tradução nossa). Já o ego-enhancement é explicado
como uma ilusão de vulnerabilidade: “este ponto de vista sustenta que os receptores precisam
acreditar que eles são invulneráveis a acontecimentos negativos [no caso, a influência
persuasiva dos meios de comunicação] como forma de preservar o controle e a auto-estima.”
(Id., 1993, p. 177).
Autor de duas valiosas revisões teóricas sobre o ETP, Perloff também estabelece,
ancorado em evidências empíricas presentes nos estudos de uma série de pesquisadores
(COHEN; DAVIS, 1991; GUNTHER; THORSON, 1992; RUCINSKI; SALMON, 1990 et
al.), cinco “condições facilitadoras” do surgimento do efeito de terceira pessoa. São conceitos
fundamentais para o entendimento do fenômeno e, por isso, esquematizados no quadro 1.
QUADRO 1: CONDIÇÕES FACILITADORAS DO ETP (PERLOFF, 1993)
1. CARÁTER DA MENSAGEM: a maioria dos estudos comprova que o ETP manifesta-se de forma
mais contundente em casos de mensagens negativas, ou consideradas pelo receptor como “não –
interessante para me deixar influenciar”, incluindo aí a propaganda de bens de consumo.
2. AUTO-ENVOLVIMENTO (EGO-INVOLVMENT): o ETP é positivamente relacionado com o
envolvimento ou interesse do indivíduo em relação ao assunto.
3. PARCIALIDADE DA FONTE: existe também uma relação direta entre o ETP e a percepção de
parcialidade da fonte, em particular daquelas notadamente persuasivas, como a publicidade.
4. EDUCAÇÃO: alguns estudos a apontam como outro fator positivamente relacionado ao ETP, uma
vez que uma maior escolaridade faz o indivíduo se considerar mais crítico em relação aos conteúdos da
5
mídia e, conseqüentemente, superior aos demais.
5. COROLÁRIO DA DISTÂNCIA SOCIAL: prediz que a discrepância entre os efeitos da comunicação
sobre “si próprio” versus “os outros” aumenta na medida em que os outros são definidos em espectros
mais amplos e globais.
Não é possível concluir uma revisão sobre o efeito de terceira pessoa sem tocar no seu
aspecto comportamental. Mais notadamente no ponto mais destacado por Davison: o apoio à
censura. O mecanismo básico pelo qual ele floresce é descrito com objetividade por Perloff
(1993, p. 180, trad. nossa):
No final das contas, ao perceber que a comunicação exerce um efeito maior
sobre os outros do que sobre si [...], o indivíduo deve querer censurar a mídia
se ele ou ela avaliou a mensagem negativamente, ou ele ou ela deve querer
divulgar a mensagem, se avaliada positivamente.
Davison aponta uma série de outros comportamentos resultantes do ETP na vida
cotidiana contemporânea, a exemplo das flutuações das bolsas de valores ou da estocagem de
suprimentos em momentos de distribuição irregular (cf. TEWKSBURY, 2004). Mas deixa
claro, no entanto, que “o fenômeno da censura oferece o que é talvez o campo mais
interessante para especulações acerca do papel do efeito de terceira pessoa.” (DAVISON,
1983, p. 14, trad. nossa).
3 PUBLICIDADE E EFEITO DE TERCEIRA PESSOA: HIPÓTESES
Apesar de também poder ser fonte de entretenimento e informação, a publicidade é
quase sempre vista como um conteúdo indesejável, que interrompe de forma arbitrária o fluxo
dos conteúdos midiáticos. Além do caráter arbitrário, outros fatores podem ser tomados como
causas dessa antipatia pública. Em outro estudo sobre efeito de terceira pessoa e publicidade,
Gunther e Thorson (1992, p. 576, trad. nossa) levantam uma série de motivos, entre os quais o
caráter explicitamente persuasivo dos comerciais: “dada a intenção reconhecidamente
persuasiva da publicidade, espera-se em seu domínio, em geral, um forte efeito de terceira
pessoa.” O que é ratificado por McQuail (2003, p. 508) em sua definição de publicidade:
A publicidade tem sido controversa por várias razões, em especial as
seguintes: não ser em geral desejada pelos receptores; ter um caráter de
propaganda e ser suspeita de enganar e manipular; ter um efeito de distorção
nas relações entre os media e a audiência; os seus conteúdos serem
6
estereotipados e enganadores; a sua presença influenciar conteúdos não
publicitários.
No caso aqui estudado, esses aspectos indesejáveis são incrementados pelo debate
social em torno da influência negativa presumida dos comerciais de cerveja. Para melhor
embasar esta discussão, foi feito um levantamento prévio das reclamações dos consumidores
no banco de casos e decisões do CONAR no período de um ano: entre maio de 2011 e maio
de 2012. A análise dos dados decorrentes dos 26 casos revela que os consumidores têm
preocupações específicas sobre a influência desses anúncios (QUADRO 2), que vão desde a
representação de comportamentos antissociais, como a infidelidade, até o desrespeito à figura
humana. Mas a principal razão das queixas é a indução ao consumo irresponsável.
QUADRO 2 - NÚMERO DE PROCESSOS POR CATEGORIA DE QUEIXA
RESPONSABILIDADE SOCIAL: INDUÇÃO AO CONSUMO IRRESPONSÁVEL (ICR)
- Comerciais que induzem ao consumo irresponsável através de recursos como: apelo imperativo;
cena de ingestão do produto; associação do produto a atributos desejáveis coragem, êxito
profissional ou social, poder de sedução; apelo à sensualidade; desvalorização daqueles que
bebem; menosprezo à moderação do consumo; recomendação do produto em função dos seus
efeitos sobre os sentidos; recursos e apelos que despertem a atenção de crianças e adolescentes.
12
RESPONSABILIDADE SOCIAL: COMPORTAMENTOS ANTISSOCIAIS (CAS)
- Comerciais que estimulam através de suas representações comportamentos que atentam contra a
decência, a exemplo de infidelidade e desrespeito aos pais.
5
RESPONSABILIDADE SOCIAL: COMPORTAMENTOS DE RISCO (CR)
- Comerciais que manifestam descaso pela segurança, com cenas que representem situações de
risco à vida ou à integridade física.
4
RESPEITABILIDADE: DESRESPEITO À FIGURA HUMANA (DFH)
- Comerciais que desrespeitam a dignidade da pessoa humana, incluindo ofensas ou
discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.
3
DESCUMPRIMENTO DE OBRIGATORIEDADES LEGAIS (DOL)
- Comerciais que descumprem obrigatoriedades impostas ao segmento, como a cláusula de
advertência e a restrição de apelos comerciais em propaganda exterior.
2
TOTAL
26
Partindo do caráter eminentemente antissocial associado a essas mensagens, a
pesquisa empírica espera, em primeiro lugar, replicar o resultado obtido por Davison no
experimento de 1983, detectando o componente perceptual do efeito de terceira pessoa.
H1: A influência presumida da publicidade de cervejas sobre os outros será maior
que a influência percebida sobre si.
7
Dando o primeiro passo além do experimento original, será testado o componente do
corolário social, que prediz que a percepção de terceira pessoa será intensificada na medida
em que “os outros” são representados por grupos mais genéricos ou socialmente distantes. A
percepção de terceira pessoa será medida sobre os seguintes grupos sociais, por ordem de
distância presumida, do mais próximo ao mais distante: amigos, outros universitários, jovens
que não possuem nível universitário e adolescentes.
H2: A percepção de terceira pessoa estará positivamente relacionada com a distância
social dos grupos avaliados.
Dessa forma, a distância social será medida tanto em termos de generalização - amigos
versus outros universitários, como em termos de nível educacional - outros universitários
versus jovens que não possuem nível universitário. O grupo “adolescentes” foi colocado como
último grau da escala de distância social por conta de sua vulnerabilidade presumida: pelo
fato de serem indivíduos em formação de caráter e personalidade, demandam naturalmente
um olhar paternalista, gerando consequentemente, uma forte percepção de terceira pessoa.
Em um segundo passo além do experimento original, será avaliado o componente
comportamental do ETP, ou a predisposição à censura dos comerciais. De acordo com Perloff
(ver quadro 1), o efeito de terceira pessoa se intensifica quando o conteúdo em questão é
considerado antissocial. Espera-se, portanto, como hipótese 4:
H3: A percepção negativa da publicidade de cervejas estará positivamente
relacionada com o apoio à censura.
4 METODOLOGIA
Um questionário de nove perguntas foi aplicado entre 96 estudantes da União
Metropolitana de Educação e Cultura – UNIME, instituição privada de ensino superior, no
campus da cidade de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, Bahia, entre 06 a
10 de agosto de 2012. Foram evitados os alunos dos cursos de Comunicação, mais
notadamente os de Publicidade, pois estes trariam possivelmente um olhar tendencioso em
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relação ao tema, ou ainda uma provável predisposição a defender a sua futura área de atuação.
Dessa forma, participaram da pesquisa alunos dos cursos de Direito, Administração,
Logística, Serviço Social e Ciências Biológicas.
O questionário se iniciava com algumas perguntas sócio-demográficas básicas: sexo,
idade e curso. Logo em seguida era apresentada uma breve notícia, forjada para a pesquisa e
supostamente atribuída a um periódico sobre publicidade. O texto serviu para introduzir os
respondentes na problemática que envolve a publicidade das cervejas, buscando, porém, uma
imparcialidade no tratamento da mesma. Para tanto, são apresentados os pontos de vista dos
consumidores reclamantes e da agência de publicidade como se pode conferir no quadro 3.
QUADRO 3: MATÉRIA FORJADA SOBRE A PROBLEMÁTICA
PUBLICIDADE DE CERVEJAS É ALVO DE DENÚNCIAS.
É cada vez maior o número de denúncias de consumidores de todo o país em relação à publicidade das cervejas,
sob a alegação de que os comerciais podem induzir o público ao consumo irresponsável da bebida. Com sua
linguagem irreverente e fantasiosa, a Skol é a marca campeã de denúncias. Um dos comerciais processados
mostrava um grupo de jovens adultos em uma piscina de plástico, enquanto uma grande piscina ao lado era
utilizada para gelar centenas de latas de cerveja. Para os reclamantes, o anúncio induz claramente ao consumo
excessivo, contrariando inclusive a cláusula obrigatória “Beba com moderação”. Segundo a assessoria da
F/Nazca, agência que criou o comercial, “todos sabem que se trata de uma fantasia, um exagero que ninguém
levaria a sério.” De um lado o politicamente correto. De outro, a liberdade criativa dos publicitários. Segundo o
CONAR, Conselho de Autorregulamentação Publicitária, “é preciso encontrar um equilíbrio entre pontos de
vista tão divergentes”.
Meio e Mensagem on line, novembro/2011.
A primeira pergunta era “Com que frequência você consome bebidas alcoólicas?”. Ela
serviu para verificar uma possível relação do consumo ou da abstemia com a desejabilidade
da mensagem e, conseqüentemente, o efeito perceptual. Apesar de não estar presente nas
hipóteses, não foi desconsiderada a possibilidade de consumidores de bebidas apresentarem
uma percepção reduzida ou nula do caráter antissocial da mensagem, em oposição aos
abstêmios.
A segunda pergunta, cuja resposta resume-se a sim ou não, avaliava se o respondente
acreditava na influência dos comerciais citados sobre o consumo irresponsável de bebidas. A
terceira pergunta media a percepção da influência dos comerciais de cerveja sobre o consumo
da bebida no próprio respondente, numa escala de 6 pontos, variando de 0 (nenhuma
influência) a 5 (influência extremamente forte). Ela representava, portanto, a percepção sobre
o self ou si próprio. Seguindo o procedimento de Davison (1983), o questionário introduz
algumas perguntas sobre a percepção dessa influência sobre os outros, até chegar à questão
crucial: Em que medida você acha que os comerciais de cerveja influenciam negativamente os
9
grupos abaixo? Seguindo a mesma escala, os respondentes avaliaram a influência sobre
amigos, outros universitários, jovens que não possuem nível universitário e adolescentes.
Antes disso, porém, a quarta pergunta levava o respondente a avaliar a sua influência
presumida “da mídia sobre o comportamento das pessoas”, em escala semelhante à supra-
citada. A questão 5 avaliava como anda a imagem dos conteúdos publicitários entre os
respondentes através da pergunta “Você acredita que a propaganda é também uma forma de
instrução e informação?” As respostas resumiam-se a “Não. O único interesse é vender.” E
“Sim. Os comerciais também podem ser intrutivos.” A sexta questão, pedia que o respondente
avaliasse a influência dos comerciais de cerveja sobre uma situação específica: o consumo
irresponsável ao volante. Respostas na mesma escala.
E, por fim, mas não menos importantes, as questões concernentes ao apoio à censura,
avaliado em três níveis, do mais fraco ao mais severo: medidas regulatórias que retirem os
comerciais abusivos do ar; restrição do horário para os comerciais de cerveja em geral; e a
proibição dos comerciais de cerveja na televisão. As respostas também seguiam a escala
supra-citada.
Antes de prosseguir, é preciso deixar claro que não se propõe aqui o rigor estatístico
comum às experiências que servem de base ao estudo, como critérios de aleatoriedade e
técnicas de regressão. Fica a proposta de, havendo oportunidades mais propícias, replicar o
estudo com esse tipo de expertise. Ainda assim, reafirma-se a validade da proposta, ancorada
na objetividade dos experimentos originais do próprio autor da hipótese: “todos os testes
foram realizados com grupos pequenos em condições informais. [...] Mesmo que isolados, os
experimentos não sejam impressivos, todos os resultados tendem a confirmar a hipótese.”
(DAVISON, 1983, p. 4). Foram seguidos também os conselhos em relação a não-
contaminação dos grupos e a não-suspeita sobre a hipótese testada.
5 RESULTADOS
A tabela 1 revela a presença marcante do efeito de terceira pessoa em todos os graus
de influência estipulados como resposta. No grau 5 (influência extremamente forte), por
exemplo, a influência presumida sobre si próprio (16,48%) é consideravelmente menor que
nos grupos classificados como “os outros”. Uma diferença de 7,14 pontos percentuais a
menos em relação ao grupo de amigos, considerado aqui o grupo socialmente mais próximo, e
que chega a 26,19 pontos percentuais nos grupos de jovens não-universitários e adolescentes,
10
considerados os mais distantes. Contundentemente, para o grau zero, que representa a
ausência de influência, tem-se o efeito inverso, com 40,47% de respondentes que acreditam
que a publicidade de cervejas não exerce qualquer influência sobre o seu próprio consumo de
bebidas, contra percentuais de freqüência que variam de 2,19 a 4,39% para os demais grupos.
TABELA 1 - Influência presumida da publicidade de cerveja sobre o consumo da bebida –
Todos os entrevistados
Si próprio Amigos Outros
universitários
Jovens que
não possuem
nível
universitário
Adolescentes
Grau de
influência
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
0 (nenhuma
influência)
35 38,46 3 3,29 2 2,19 4 4,39 2 2,19
1 (influência
muito fraca)
6 6,59 8 8,79 8 8,79 5 5,49 2 2,19
2 (fraca
influência)
10 10,98 19 20,87 18 19,78 8 8,79 7 7,69
3 (influência
moderada)
18 19,78 26 28,57 23 25,27 15 16,48 16 17,58
4 (forte
influência)
7 7,69 14 15,38 18 19,78 26 28,57 25 27,47
5 (influência
extremamente
forte)
15 16,48 21 23,07
22 24,17 33 36,26 39 42,85
91 100 91 100 91 100 91 100 91 100
Abrem-se aqui parênteses na análise dos resultados: a maioria dos respondentes (42%)
declara-se não consumidores de bebidas alcoólicas. Para investigar se a ideia de
invulnerabilidade ao efeito da publicidade estaria diretamente associada ao fato da abstinência
alcoólica, a discrepância “eu” versus “os outros” foi analisada separadamente entre os grupos
de abstêmios e consumidores. Como mostram as tabelas 2 e 3, o efeito de terceira pessoa
continuou se manifestando de maneira expressiva em ambos os grupos, de forma levemente
mais intensa no grupo de abstêmios, os quais evidentemente se acham mais imunes aos
efeitos de tal publicidade. Em outras palavras, o ETP pode ser detectado independente da
freqüência de consumo de bebidas. Dessa forma, confirma-se satisfatoriamente a primeira
hipótese do estudo (H1) nas diversas situações de consumo de bebidas alcoólicas.
TABELA 2 - Influência presumida da publicidade de cerveja sobre o consumo da bebida –
Abstêmios
11
Si próprio Amigos Outros
universitários
Jovens que
não possuem
nível
universitário
Adolescentes
Grau de
influência
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
0 (nenhuma
influência)
17 40,47 0 0 0 0 1 2,38 0 0
1 (influência
muito fraca)
1 2,38 1 2,38 2 4,76 1 2,38 0 0
2 (fraca
influência)
1 2,38 9 21,42 7 16,66 4 9,52 2 4,76
3 (influência
moderada)
11 26,19 15 35,71 11 26,19 6 14,28 12 28,57
4 (forte
influência)
6 14,28 8 19,04 11 26,19 13 30,95 11 26,19
5 (influência
extremamente
forte)
6 14,28 9 21,42 11 26,19 17 40,47 17 40,47
42 100 42 100 42 100 42 100 42 100
TABELA 3 - Influência presumida da publicidade de cerveja sobre o consumo da bebida –
Consumidores de bebidas alcoólicas
Si próprio Amigos Outros
universitários
Jovens que
não possuem
nível
universitário
Adolescentes
Grau de
influência
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
0 (nenhuma
influência)
18 36,73 3 6,12 2 4,08 3 6,12 2 4,08
1 (influência
muito fraca)
5 10,20 7 14,28 6 12,24 4 8,16 2 4,08
2 (fraca
influência)
9 18,36 10 20,40 11 22,44 4 8,16 5 10,20
3 (influência
moderada)
7 14,28 11 22,44 12 24,48 9 18,36 4 8,16
4 (forte
influência)
1 2,04 6 12,24 7 14,28 13 26,53 14 28,57
5 (influência
extremamente
forte)
9 18,36 12 24,48 11 22,44 16 32,65 22 44,89
49 100 49 100 49 100 49 100 49 100
Voltando, portanto, à tabela 1, é possível perceber que, de forma geral e, mais
especificamente nos graus 4 e 5 de influência presumida, os percentuais aumentam na medida
em que se avança para os grupos mais distantes. Contrariamente, na situação de influência
zero, os percentuais decrescem. Isso revela que a influência presumida sobre “os outros”
aumenta na medida em que estes fazem parte de grupos sociais mais distantes e, por isso,
considerados mais vulneráveis aos efeitos hipodérmicos da publicidade. E que a reação
explicada por Perloff como auto-valorização do indivíduo ou ego-enhancement revela-se aqui
12
no fato de que, no grau zero (nenhuma influência), o maior percentual se encontra na coluna
do “si próprio”. Além disso, percebe-se que essa vulnerabilidade decresce quando nos
deslocamos para os grupos mais distantes. Apesar de algumas inconsistências nos graus mais
fracos de influência presumida, acredita-se que os dados apresentados oferecem suporte
suficiente à hipótese que envolve o corolário social (H2).
E, por fim, os dados referentes ao apoio à censura. Para averiguar a relação entre a
percepção negativa da publicidade de cervejas e o apoio à censura, utilizou-se como variável
independente a percepção dos conteúdos em questão, separando os respondentes pela resposta
à pergunta 2: de um lado aqueles que acreditam que “os exageros e excessos mostrados nos
comerciais de cerveja podem induzir os consumidores a um consumo irresponsável da
bebida”, percebendo estes conteúdos como eminentemente antissociais; e, de outro, aqueles
cuja percepção é mais neutra e acreditam “as pessoas são capazes de compreender que o
exagero faz parte do apelo de venda da propaganda, não sendo influenciadas por isso”.
TABELA 4 - Grau de apoio à medidas restritivas e à censura prévia – Acreditam na influência
negativa da publicidade (conteúdo antissocial)
Suspensão de
comerciais
abusivos
Restrição de
horário para
comerciais de
cerveja em
geral
Proibição de
comerciais de
cerveja
Grau de apoio à medidas
restritivas
Freq. % Freq. % Freq. %
0 (Nada favorável) 2 4,25 1 2,12 3 6,38
1 (Fracamente favorável) 3 6,38 2 4,25 5 10,63
2 (Razoavelmente favorável) 4 8,51 1 2,12 5 10,63
3 (Favorável) 10 21,27 6 12,76 9 19,14
4 (Fortemente favorável) 8 17,02 11 23,40 5 10,63
5 (Totalmente favorável) 20 42,55 26 55,31 20 42,55
47 100 47 100 47 100
TABELA 5 - Grau de apoio à medidas restritivas e à censura prévia – Desacreditam na
influência negativa da publicidade
Suspensão de
comerciais
abusivos
Restrição de
horário para
comerciais de
cerveja em
geral
Proibição de
comerciais de
cerveja
Grau de apoio à medidas
restritivas
Freq. % Freq. % Freq. %
0 (Nada favorável) 5 11,36 5 11,36 14 31,81
1 (Fracamente favorável) 4 9,09 2 4,54 4 9,09
2 (Razoavelmente favorável) 8 18,18 4 9,09 5 11,36
13
3 (Favorável) 14 31,81 10 22,72 9 20,45
4 (Fortemente favorável) 6 13,63 9 20,45 5 11,36
5 (Totalmente favorável) 7 15,90 14 31,81 7 15,90
44 100 44 100 44 100
Como revela a tabela 4, entre o grupo que acredita na influência negativa da
publicidade, os maiores percentuais concentram-se nos 2 últimos graus de apoio às medidas
restritivas (fortemente a totalmente favorável). Essas duas últimas linhas concentram 59,57%
dos respondentes para a medida de suspensão, 78,71% para a medida de restrição de horário e
53,18% para a medida de proibição. Já entre aqueles que desacreditam na influência negativa
da publicidade, esse apoio às medidas restritivas se torna menos enfático. No caso da
suspensão, o maior percentual (31%) encontra-se no grau 3 (favorável), seguido do grau 2
(razoavelmente favorável) com 18,18%. Para a medida de restrição, os picos encontram-se no
grau 5 (totalmente favorável), com 31,81% e no grau 3 (favorável), com 22,72%. E para a
censura prévia ou proibição, tem-se um pico de 31,81% no grau zero (nada favorável). Vale
notar que em todas as três medidas, o percentual de respondentes no grau zero (nada
favorável) é expressivamente maior do que na tabela 4, com uma diferença de 7,11 pontos
percentuais para a medida de suspensão, 9,24 pontos para a medida de restrição de horário, e
25,43 pontos para a medida de proibição. Tais variações entre as tabelas revelam a
contundência da terceira hipótese (H3).
6 DISCUSSÃO
O tratamento dos dados e as conclusões empíricas aqui apresentadas oferecem
comprovação à maioria das hipóteses preconizadas. A tabela 1 mostra que a influência
presumida sobre “si próprio” é menor do que sobre “os outros”, nos graus de 1 a 5, com
apenas algumas inconsistências em relação ao grupo de “jovens não-universitários”, nos graus
1, 2 e 3. Creditamos esse fenômeno ao fato de que, para muitos respondentes, a classificação
“não-universitários” pode estar associada à ideia de um desfavorecimento social e,
consequentemente, a um menor acesso às mídias de massa. Por outro lado, no grau zero
(nenhuma influência), o contraste torna-se marcante, com o maior percentual registrado para a
coluna “si próprio” (38,46%), contra percentuais que variam de 2,19 a 4,39% para “os
outros”. Confirma-se com êxito a hipótese 1, com uma expressiva discrepância entre “eu”
versus “os outros” na percepção da influência negativa dos conteúdos publicitários em
questão.
14
Como observado acima, a discrepância cresce na medida em que se avança para os
grupos aqui definidos como “socialmente mais distantes”, com incongruências em relação ao
grupo “jovens não-universitários”. Sustenta-se aqui que o corolário da distância social é
satisfatoriamente confirmado pelos dados empíricos e que as incongruências citadas são
decorrentes de uma percepção por parte do senso comum de que camadas sociais menos
favorecidas têm menos acesso às mídias de massa, sendo dessa forma mais imunes aos seus
conteúdos. Deve-se notar, que nos graus mais fortes de influência (4 e 5), a discrepância varia
conforme o previsto na hipótese 2.
Em relação à hipótese 3, pode-se observar através da comparação das tabelas 4 e 5
uma diferença de opinião consistente entre aqueles que acreditam na influência negativa dos
conteúdos e aqueles que não acreditam. Para os primeiros, a mensagem é vista como
notadamente antissocial. Como resultado, manifestam um apoio mais expressivo às medidas
de regulação e censura. Porém, deve-se fazer nesse ponto uma importante observação: em
ambos os casos, os respondentes demonstraram-se mais favoráveis à restrição de horário do
que às medidas de suspensão da veiculação e, principalmente à proibição dos comerciais ou
sua censura prévia. Se a modesta amostra aqui avaliada pode servir como termômetro para a
discussão entre autorregulamentação e proibição, pode-se concluir que a proibição é
considerada uma medida extrema e, portanto, inadequada para a maioria dos entrevistados.
7 CONSIDERAÇÕES
No momento em que tramitam dois projetos de lei6 que visam restringir a exibição dos
comerciais de cervejas à faixa horária das 21:30h às 06:00h, o debate entre
autorregulamentação e censura prévia de conteúdos midiáticos divide a opinião pública por
diversas razões. Se de um lado existe o abuso às convenções sociais de moral e decência, de
outro existe a liberdade de expressão. De um lado está o desejo de proteger crianças e
adolescentes da influência perniciosa de certos conteúdos, mas de outro está a lembrança
traumática da censura arbitrária dos governos militares. Encontrar o ponto ideal para a
regulação dos conteúdos dos mass media tem sido tarefa difícil no mundo inteiro e não será
diferente no Brasil.
6 Os projetos de lei PLS 307/11 e PLS 703/11, ambos do senador Wellington Dias, têm como objetivo reforçar a
Lei 9.926 de 1996, ampliando as restrições de horário também para as propagandas de cerveja e o vinho, que
ficaram de fora da lei por serem consideradas de baixo teor alcoólico. Disponível em: <
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/01/24/projetos-de-wellington-dias-restringem-propaganda-e-
venda-de-cervejas>. Acesso em: 05 jul. 2012.
15
No que diz respeito aos conteúdos publicitários, o CONAR surgiu em 1980, trazendo a
autorregulamentação do setor como uma solução. Em termos de funcionamento e padrões de
atendimento ao consumidor, o órgão brasileiro preenche todos os pré-requisitos estabelecidos
pela EASA – European Advertising Standards Alliance7, da qual é membro correspondente
desde 2006. Entre os recursos cobrados pela EASA, estão: o monitoramento dos conteúdos
publicitários, registro de queixas e publicação de decisões pela internet e a ampla divulgação
do órgão através de campanhas promocionais.
Porém, o estudo prévio que serviu de base para esta análise e cujos dados não podem
ser aqui desconsiderados, revelam que, apenas 15% das queixas feitas à publicidade de
cervejas resultou na retirada do comercial do ar. Outro dado importante é o de que a maioria
dessas queixas, 65,4%, é proveniente dos consumidores. O confronto desses dados pode
revelar um descompasso entre a atuação do CONAR e a percepção do público sobre a
adequação desses comerciais aos princípios éticos estabelecidos pelo CBARP. Entre os
motivos das queixas, o principal é a indução ao consumo irresponsável, presente em 46,15%
dos registros, seguido da representação de comportamentos antissociais, com 19,2%. O
primeiro diz respeito, entre outros aspectos, à utilização de recursos como apelo imperativo,
apelo à sensualidade e o uso de recursos que chamem a atenção do público infanto-juvenil,
induzindo assim ao consumo excessivo ou ao consumo entre crianças e adolescentes. Estas
razões justificam as queixas, por exemplo, de consumidores de diversos estados sobre o caso
Tubarão, citado na introdução. Apesar delas, o processo foi arquivado, pois segundo o relator,
o consumidor saberia discernir a representação fantasiosa da vida real.
A pertinência da decisão seria motivo de longas análises interpretativas tanto do filme,
quanto do código e da opinião pública. O que cabe aqui, no entanto é ressaltar que no debate
sobre autorregulamentação versus censura prévia, não basta avaliar o efeito direto e imediato
dos conteúdos midiáticos sob uma ótica “hipodérmica”. É preciso também avaliar a percepção
do público sobre os mesmos, deslocando a discussão da fonte emissora para o receptor. Como
explica Dalmonte (2006, p. 53), “quando se fala em efeitos fortes, a ênfase está no emissor,
que é capaz de ‘acertar’ seu alvo; já os efeitos fracos abordam o contexto da comunicação
tomando por referência o tipo de relação que o receptor estabelece com o que lhe é
apresentado.” Pertencente a essa segunda tradição de pesquisas, o efeito de terceira pessoa
tem sido aplicado nos mais diversos contextos, para provar que a reação comportamental dos
7 A EASA é responsável pela estipulação de padrões éticos que devem ser respeitados pelos órgãos de
autorregulamentação publicitária da maioria dos países europeus. O CONAR é membro correspondente desde
2006, sendo o primeiro órgão de autorregulamentação latino-americano e o quarto não europeu a receber essa
distinção. Disponível em: <www.conar.org.br>. Acesso em: 05 jul. 2012.
16
indivíduos aos conteúdos midiáticos pode estar menos relacionada com a influência das suas
mensagens sobre os próprios, do que com a influência presumida das mesmas sobre as outras
pessoas e grupos sociais. Dessa forma, a análise aqui empreendida pretende, além de lançar
esse outro olhar sob a discussão do problema, contribuir, ainda que de forma modesta, para a
verificação e longevidade da hipótese de Davison.
REFERÊNCIAS
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