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Ana Marusia Pinheiro Lima Meneguin
Publicidade em Transito:
O Mercadológico e o Social em Campanhas de Automóveis
Dissertação apresentada à Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, como requisito à obtenção do título de Mestre em Comunicação.
Orientação: Prof* Dra Selma Regina Oliveira
Brasília-DF
2003
Ana Marusia Pinheiro Lima Meneguin
Publicidade em Trânsito:
O Mercadológico e o Social em Campanhas de Automóveis
Dissertação aprovada como requisito à obtenção do título de Mestre em Comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação - Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Banca Examinadora formada pelos professores:
Dr3 Selma Regina Oliveira (Orientadora) Faculdade de Comunicação - UnB
Dr2 Tânia Siqueira Montoro Faculdade de Comunicação - UnB
Dr3 Márcia Coelho Flausino Centro Universitário de Brasília - UniCeub
Brasília, 30 de setembro de 2003
AGRADECIMENTOS
A Deus, Autor do Universo, Aquele que é, a um só tempo, “o caminho, a verdade e a vida”,
a fonte infinita do combustível que garante a força necessária para prosseguir,
A meus pais Pedro e Ede, que abriram, pavimentaram e sinalizaram meus caminhos,
A Fernando, copiloto nessa aventura, que dividiu as angústias e descobertas inerentes ao
percurso,
A Felipe, meu pequeno passageiro, que agora também é parte dessa trajetória,
A toda a minha família, pelo apoio,
A Selma, minha orientadora, que assumiu a missão de me ajudar a retomar o rumo, a
persistir, a me ater ao roteiro de viagem, eliminando falsos atalhos, desvios e voltas inúteis;
A Márcia Flausino, que advertiu a tempo para que eu viajasse com a segurança de uma
base teórica sólida,
Aos membros da banca,
Aos entrevistados,
A Agência Leo Bumett e ao Ministério dos Transportes,
E a todos que contribuíram para o sucesso dessa jornada.
RESUMO
A Publicidade transforma o automóvel em ser vivo e o ser humano em
máquina. Produto em marca. Meio de transporte em símbolo de status. A armadura também
pode ser a arma. O motorista tanto é deus como pecador. Dirigir é prazer e é dor. O trânsito
é palco e também arena. E espaço público que foi privatizado. A Publicidade transporta o
indivíduo da condição de pessoa para estatística. Inclui e exclui ao mesmo tempo. A
Publicidade transita. Da necessidade ao desejo, da promessa à atitude, da disposição ao
comportamento. Da conquista à manutenção. Faz conviver o comercial, o político, o social.
A Publicidade abastece o Imaginário, organiza a Cultura, fragmenta a vida em estereótipos.
E todos os caminhos são ida e vinda, porque o automóvel, o motorista, o trânsito, o
indivíduo, o Imaginário, a Cultura e a vida são molas mestras para o discurso publicitário.
Impregnado no cotidiano, com seus insistentes slogans, chamando o público a assinar um
contrato, pacto tácito que é a origem de todo o poder da Publicidade.
Palavras-chave: Publicidade, Automóvel, Atitude, Estereótipo, Discurso
ABSTRACT
This thesis aims at analysing Advertising related to the automobile,
contrasting salesmanship and brand promotion, of a marketing character, with traffic safety
messages, of a social kind, noting similarities, differences and points of friction between
them. The constituent elements of the two faces of this speech-genre are hilighted,
especially the exortation to take a stance and the use of stereotypes as models to be
followed by the target public. The theoretical and methodological bases are Social
Psychology and Speech Analysis, as proposed by the French School of thougth.
Advertising transforms the automobile into a living thing and a human
being into a machine, a product into a brand, a means of transport into a status symbol. On
the other hand, Publicity transforms the armour into a weapon. The driver is a god as much
as a sinner. Driving may be a pleasure and also a pain. Traffic is like a stage and also like a
battle field. It is public space which has been privatized. Advertisments transport the
individual from the condition of person to a statistic. They include and exclude people at
the same time. Ads move from the need to the desire, from the promise to the attitude, from
the intention to the action. From the conquest to the maintenance. They bring together
business, politics and social life. They supply the Imagery, organize Culture, fragment life
into stereotypes. They are ali two-way streets, because the automobile, the driver, traffic,
the individual, the Lmagery, Culture and life are like an engine for the speech-genres of
Advertising and Publicity. The speech-genres that are impregnated in day-to-day life, with
their insistent slogans, calling the public to sign a contract, a tacit pact that is the origin of
ali the power of the ads.
Keywords: Advertising, Automobile, Attitude, Stereotype, Speech
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 13
A Publicidade Imperativa.............................................................................................. 13
Pecados Capitais nada Originais................................................................................... 14
Atirando a Primeira Pedra — A Publicidade de Caráter Social.................................... 16
0 Automóvel como E lo................................................................................................... 17
1.GUIA DE VIAGEM-METODOLOGIA.................................................................. 21
1.1 Objetivo.................................................................................................................... 21
1.2 Outras Teorias.......................................................................................................... 21
1.3 Opção Teórica e Metodológica................................................................................ 23
1.4 Justificativa............................................................................................................... 25
1.5 Indicando Itinerários........................................................................... .................... 26
2 NOS DOMÍNIOS DA PUBLICIDADE..................................................................... 31
2.1 Eu te Direi Quem És - Publicidade, Atitude e Posicionamento.............................33
2.2 Publicidade de Mercado........................................................................................... 34
2.2.1 Atitudes de conquista............................................................................................ 36
2.2.2 Atitudes de manutenção........................................................................................ 36
2.3 Propaganda Institucional Social............................................................................. 37
2.3.1 Atitudes de conquista............................................................................................ 37
2.4 Atitudes Estereotipadas........................................................................................... 38
2.5 Vende-se a Alma... do Negócio — o Contrato entre Publicidade e Público...........44
3 O AUTOMÓVEL NA PUBLICIDADE 51
3.1 A Cultura do Automóvel.......................................................................................... 51
3.2 Deixai-nos Cair em Tentação - Publicidade Mercadológica do Automóvel........53
3.2.1 Conquista do objeto..................................................................................................53
3.2.2 Conquista do bem-de-consumo...............................................................................56
3.2.3 Conquista do tem po.................................................................... .......................... ...57
3.2.4 Conquista da força....................................................................................................58
3.2.5 Conquista do sexo..................................................................................................... 59
3.2.6 Conquista do grupo...................................................................................................61
3.2.7 Conquista de s i .................................................................................. .................... ....62
3.2.8 Conquista do espaço.................................................................................................63
3.2.9 Regularidades............................................................................................................64
3.3 Vós que Tirais o Pecado do Mundo, Dai-nos a Paz... no Trânsito - Propaganda
Institucional Social de Segurança no Trânsito...............................................................66
3.3.1 Manutenção do grupo...............................................................................................67
33.2 Manutenção do espaço............................................................................................. 68
3.3.3 Manutenção do tempo........................................................................................... 69
33.4 Manutenção do objeto........................................................................................... 69
3.3.5 Manutenção do poder aquisitivo.......................................................................... 70
2.3.2 Atitudes de manutenção........................................................................................ 38
3.3.6 Manutenção da força e do sexo............................... ........................................... ...71
3.3.7 Regularidades.............................................................................................................72
4 ANÁLISE DE DOIS ANÚNCIOS.................................................................................75
4.1 Rota 666— VT de Lançamento do Fiat Brava........................................................ 75
4.1.1 Interdiscurso.............................................................................................................. 76
4.1.2 Atitudes propostas................................................................................................ ....79
4.1.3 Contrato...................................................................................................................... 79
4.2 O Inferno está Cheio de Boas Intenções - VT do Programa de Redução
de Acidentes nas Estradas (PARE)................................ ............................................. ...80
4.2.1 Interdiscurso.............................................................................................................. 81
4.2.2 Atitudes propostas................................................................................................ ....82
4.2.3 Contrato......................................................................................................................82
4.2.4 Paradoxos na escolha de estereótipos........................................... ...................... ..83
4.2.5 Paradoxos na construção da mensagem...............................................................85
4.2.6 Paradoxos na segmentação.................................................................................. ..87
4.2.7 Paradoxos nos objetivos....................................................................................... ...88
4.2.8 Paradoxos na relação enunciador- destinatário................................................ 90
4.3 Análise Comparativa dos Anúncios....................................................................... ..90
5 GUERRA SANTA NA PUBIJCIDADE -SOCIAL VERSUS MERCADOLÓGICO 94
5.1 Primeiro Round ........................................................................................................ ...94
5.2 Segundo Round ........................................................................................................ ....96
5.3 Terceiro Round.......................................................................................................... 98
5.4 Quarto Round ............................................................................................................. 98
5.5 Quinto Round............................................................................................................. 99
5.6 Se Não Pode Derrotar o Adversário, Una-se a E le.................................................100
CONCLUSÃO.................................................................................................................104
REFERÊNCIAS..............................................................................................................108
13
INTRODUÇÃO
A Publicidade Imperativa
Ela está em todo lugar. Em todo instante. E se acha no direito de insistir,
mandar, ordenar porque diz saber o que é melhor para cada pessoa. Ela é a Publicidade, a
grande catalisadora das vontades humanas, a começar pelas mais imediatas, básicas,
orgânicas:
Beba Coca Cola. Obedeça à sua sede (Sprite). Tome Dan-up. Exija Orloff
hoje. Compre Baton. Existem mil maneiras de preparar Neston, invente uma. Para a Perdigão,
diga “sim”. Tome Melhorai. Passa Gelol que passa. Prove. Experimente. Saboreie.
A Publicidade não estaciona aí. Identifica outras motivações no cotidiano, a
busca racional por tudo o que possa tomar a vida mais prática, fácil e vantajosa. Então sugere,
argumenta, receita, recomenda, convence, impõe:
Viaje bem, viaje Vasp. Vem para a Caixa você também. Faz um 21. Mande
por Sedex. Leia o Globo. Mude para a Amil. Não perca. Aproveite. Compre um, leve dois.
Compre agora, pague depois. Concorra. Ganhe.
14
Existem ainda outros desejos mais sutis, relacionados a sentimentos e
emoções, nem sempre assumidos ou entendidos. Essa sutileza, entretanto, não impede que a
Publicidade os reconheça e lide com eles com exímia habilidade. Dessa vez, ela vai apelar,
atrair, seduzir, incitar, exigir:
Fuja e ame no Motel Fujiama. Abuse e use C&A. Deixe um Ford
surpreender você. Compartilhe momentos, compartilhe a vida (Kodak). Entregue-se. Alegre-
se. Apaixone-se. Sonhe. Viva.
rAo núblico. são exi£idas_di versas atitudes. A cada uma delas, corresponde
uma necessidade. De todas essas motivações, não cabe julgar as que são mais indispensáveis
ou mais legitimas porque todas são necessidades do ser humano, umas mais primárias,
materiais, outras mais abstratas, simbólicas. O que realmente chama a atenção é observar
como a Publicidade migra da mera apresentação das qualidades físicas dos produtos para a
promessa de que sua aquisição vai fornecer a passagem para um estado novo, superior e
mágico de incremento à própria personalidade do consumidor e de seu posicionamento em
face do grupo (ROCHA, 1995). Assim, asseguraria a preferência de um produto no meio de
tantos outros iguais a ele e a nova compra do mesmo produto em intervalos regulares.
Pecados Capitais Nada Originais
Para romper a inércia e atingir resultados contínuos, a Publicidade não
trabalha com neutralidade nem com equilíbrio. Ela vai apresentar um mundo exacerbado, que
suscite dependência por parte do público-alvo. Esse mundo está em oferta, mas vai demandar
artificialmente um certo esforço pessoal, para que pareça uma conquista, uma escolha. Trata-
se de um jogo permanente com os limites do indivíduo, o semear de uma vontade de
extrapolação de si.
15
No entender dessa autora, nada retrata mais a extrapolação que as imagens
do pecado. A Publicidade vai insistir na GULA, vai pedir que se deixem as dietas para depois,
ou o oposto, que se mantenha a boa forma mas se coma sem culpa, porque o doce é lighí, o
antiácido é eficiente e a academia é próxima. Vai mostrar as delícias da LUXURIA, um
universo de apelos, sensações, devaneios, obsessões, deleites, prazeres proibidos e
insaciáveis, entre perfumes, shampoos, lingeries, jóias, duchas, revistas. Vai estabelecer um
padrão a ser seguido, para prestigiar sua manutenção nem que seja pela PREGUIÇA, no
manuseio do controle remoto, na praticidade da sopa pronta, do delivery e da internet. Vai
propor situações de disputa em casa, no escritório, no hospital, na política, no supermercado,
na escola, no videogame, destacar os vencedores, inflar seus egos, muni-los de ORGULHO
indescritível, um estado de espírito tão atraente do qual não vão querer abrir mão e nem
dividir com ninguém. Vai valorizar a AVAREZA como atitude de inteligência, nas
promoções, financiamentos, planos e descontos mirabolantes. Vai provocar inquietação,
inconformidade, sentimento de inferioridade, incompletude e ânsia pelo que é do outro e
justificar a mais pérfida das INVEJAS, da atriz, do milionário, do europeu, do vizinho, do
irmão. Vai insuflar a CÓLERA e transformar as cenas mais corriqueiras em verdadeiros
dramas, nutrir a raiva pelo oponente, dos estádios de futebol aos palanques eleitorais; a raiva
pela marca concorrente, pelo sistema, pelo outro e, no fim, apresentar o produto como a
salvação e a recuperação do equilíbrio social.
Os sete pecados capitais percorrem livremente cada uma das categorias de
produtos e também a hierarquia de necessidades básicas, racionais e emocionais. A Gula, por
exemplo, não é exclusiva como exasperação da fome e vai se revelar na compulsão por um
relógio, um móvel, um cargo político. A Luxúria ultrapassa a esfera dos relacionamentos para
se situar no apego a produtos e marcas.
16
A Publicidade pode criar diversas combinações entre os pecados e até
arranjá-los todos juntos em uma única campanha. Sem o menor pudor, ela vai convidar o
público (que faz crer ser sempre seleto) a praticar cada um deles. Não há por que temer arder
no fogo do inferno: pelo contrário, conquista-se o passaporte para o paraíso capitalista. Sem
medo do trocadilho, não é à toa que os pecados são CAPITAIS.
Atirando a Primeira Pedra - a Publicidade de Caráter Social
A fim de garantir a harmonia e a abrangência do paraíso, a Publicidade se
encarrega de ditar outras atitudes, em nome do bem-estar social, informando, recomendando,
aconselhando, orientando, conclamando:
Ajude. Colabore. Participe. Preserve a natureza. Recicle. Continue
economizando. Respeite. Obedeça. Denuncie. Faça o auto-exame. Doe órgãos. Vacine seu
filho. Adote um analfabeto.
E se algo ameaçar essa harmonia, os apelos são veementes no sentido
contrário, alertando, negando, atacando, intimidando:
Não use drogas. Não polua. Não fume. Não desperdice. Não tome remédio
sem receita. Não compre CD pirata. Não deixe a AIDS te pegar. Diga não à exploração sexual
de menores.
As atitudes com tendência à ação e as com tendência à não-ação da
Publicidade de cunho social ancoram-se na manutenção de um suposto estado ideal de
coisas, já existente ou conquistado anteriormente. O que é perfeito precisa ser mantido: o
padrão de vida, o poder aquisitivo, a evolução tecnológica, o desenvolvimento econômico, o
fornecimento permanente de benefícios, o sistema. Todos esses bens, contudo, são embalados
em apelos altruístas, de preservação da saúde, da natureza, da vida, da paz.
17
Imputa-se à Publicidade poder fenomenal e incrível capacidade de
manipulação do público. Cabe saber se tal influência se aplica também às mensagens sociais,
se é possível situá-las no mesmo patamar de alcance e força de outras categorias do discurso
publicitário, como a comercial, a promocional de marca e a política. Dessa questão inicial,
desdobram-se outras: como a Publicidade de cunho mercadológico e a de cunho social
constroem seus discursos? Como a Publicidade lida com a dicotomia conquista/manutenção?
Há algo no discurso das campanhas sociais que possa comprometer sua eficácia simbólica?
Partindo dessas perguntas, desenvolveu-se o presente trabalho.
O Automóvel como Elo
Para aproximação e circunscrição do tema, foi escolhido como objeto de
análise as campanhas publicitárias que têm no automóvel seu elemento principal. O
automóvel mostra-se um objeto rico porque consegue reunir todos os tipos de atitude
esperados pela Publicidade, tanto em termos mercadológicos como em termos sociais..
Dentre os diversos produtos industriais, o automóvel merece destaque como
grande ícone do Século XX; abrange conceitos amplos em quantidade e em conteúdo, do
binômio modernidade-capitalismo à construção de uma Cultura. A conquista de um lugar
cativo no Imaginário da sociedade modernista é incessantemente confirmado pela
Publicidade, que ao mesmo tempo reconhece no automóvel um motor para si própria. O
automóvel deve à Publicidade assim como a Publicidade deve ao automóvel, não somente em
termos de montante investido pelas fábricas, responsável por grande parte do faturamento das
Agências de Publicidade e dos veículos de comunicação, mas porque o automóvel é síntese
dos desejos (e dos pecados capitais) que podem ser estendidos a cremes dentais, sabões em
pó, lâminas de barbear, bancos, telefones, refrigerantes...
18
Figura 1“Gula; Orgulho; Inveja; Preguiça; Luxúria; Cólera; Avareza; Pressa.Novo Fiat Brava HGT 1.8 16V. Nunca foi tão rápido chegar ao oitavo pecado capital.São 132 cavalos. Mais rápido, mais potente e mais agressivo. Inclusive no design, com aerofólio e rodas aro 15. É também com rapidez que você percebe itens de série exclusivos para seu conforto: ar condicionado automático, direção hidráulica e vidros dianteiros elétricos. Além de faróis com regulagem elétrica. Fire Prevention System (bloqueio do fluxo de combustível em caso de acidente) e trava elétrica das portas, que aumentam sua segurança. Fiat Brava HGT. Pecado é não acelerar um.”
No automóvel, é possível experimentar a GULA pelo espaço - devorando
Distas, estacionamentos, uaraeens. a cidade, o campo, o pedestre - e pelo tempo - o
aproveitamento de cada segundo, o desfrutar de cada momento; exercitar o ORGULHO de
dominar uma máquina poderosa, de pertencer, segundo MpLuhan (1971, p.250), a uma
categoria diferente de seres, transformando os pedestres em cidadãos de 2a classe; ser alvo e
agente de INVEJA; morrer de PK±.(JU1ÇA nos deslocamentos, com os câmbios automáticos,
nos drive-íhru, nos lava-jato e com os manobristas; entregar-se à LUXUR1A da exibição, do
sex-appeal, dos bancos macios, do exagero das cores e cheiros; encarar o trânsito como um
desafio e enxergar nos sinais, nos flanelinhas, ônibus e outros automóveis inimigos
19
merecedores de toda a CÓLERA; esconder-se, com AVAREZA, dentro de uma casca e
ostentá-la como prolongamento de si, acreditando reinar absoluto no asfalto.
Não satisfeita, a Publicidade ainda vai imputar mais um pecado ao
automóvel: a PRESSA (Figura 1).
Claro que essa explosão de hedonismo ,e egolatria tem seu preço e, para a
m etáfora ficar ainda m ais adenuada. a cada^pecado acaba incidindo um castigo. O paraíso
toma-se um grandej^ongestionamento; a disputa, uma regra; e o trânsilo^uma instância onde
se mata e sejnorre^stematicamente
A reação não tarda. Eis que entre os slozans promocionais de_£utomóveis
surgemas campanhas de paz no trânsito, bradando incisivamente: ,
Use o cjnto. Respeite a faixa. Obedeça à sinalizaçãa Crianças no banco de
trás^Revise seu carro Não estacione em lugar proibido. Não ultrapasse o sinal vermelho. Não
ultrapasse a faixa contínua. Não dirija com sono. Se beber, não dirija. Se dirigir, não beba.
Não corra. Não mate. Não morra
Fm uma época em que é tênue a fronteira entre o público-e o privado, o
estudo do automóvel mostra-se pertinente porque vai lidar com esses contrastes. O carro é o
símbolo máximo de individuação; o casulo móvel, na definição de Popcom (1993). O
indivíduo, protegido por essa armadura, controlando essa máquina veloz tendo literalmente os
pés acima do chão, tem a oportunidade de encontrar-se com os outros, armados ou não, na
arena chamada trânsito. Em outra abordagem, as campanhas de paz no trânsito mantêm a
intenção de devolver ao indivíduo a noção de coletividade, para preservar as vidas.
O automóvel surge nestè trabalho como chave da análise, o ponto de junção,
o paralelo entre campanhas mercadológicas e sociais. A escolha do objeto não poderia ser
mais apropriada. A Publicidade de Automóvel revela-se como uma grande via dupla, rumo ao
paraíso, ora no sentido da conquista ora no sentido da manutenção.
20
Entender o mecanismo que produz no consumidor o desejo de ter urfi
automóvel pode ajudar a explicar se há resistências por parte desse consumidor às mensagens
de combate à violência no trânsito que tencionem controlar sua maneira de se apropriar desse
automóvei ’ Finalmente, pode-se partir das regularidades detectadas nos discursos publicitários
relativos ao automóvel, um objeto concreto, e testar sua correspondência em discursos
relativos a objetos mais abstratos de campanhas sociais (AIDS, drogadição etc.), abrindo-se
uma fresta para sua compreensão.
21
1 GUIA DE VIAGEM - METODOLOGIA
1.1 Objetivo
Este trabalho objetiva analisar a Publicidade relacionada ao automóvel,
contrapondo os esforços de venda e promoção de marca, de caráter mercadológico, às
mensagens de segurança no trânsito, de cunho social, observando-se semelhanças, diferenças
e zona de atrito entre eles. São apontados os elementos constitutivos das duas faces desse
discurso publicitário, em especial a exortação à tomada de atitudes e a utilização de
estereótipos como modelos a ser seguidos pelo público-alvo. Os suportes teóricos e
metodológicos são a Psicologia Social e a Análise do Discurso (AD), conforme proposta pela
escola francesa.
1.2 Outras Teorias
Durante muito tempo, as teorias da Comunicação se balizaram nos seis
elementos do Processo Comunicativo conforme foi definido por Roman Jakobson (1970): o
Emissor, o Receptor, a Mensagem, o Contexto, o Canal e o Código. As pesquisas se
detiveram nos efeitos dos Meios de Comunicação de Massa - Canal; na produção do sentido,
na dissecação do conteúdo ou no arranjo da Mensagem; em seguida, voltaram-se para o
estudo da recepção das mensagens. Cada elemento do processo era examinado isoladamente,
na tentativa de se descobrir quais as linhas básicas que determinavam a influência e a eficácia
da Comunicação.
Os estudos acerca da Publicidade Social têm-se voltado bastante para ã
medição de seus efeitos. Essa não é tarefa fácil, primeiro porque, para aferir os resultados, os
22
dados disponíveis são insuficientes, muito menos tangíveis que o número de vendas (no
tocante à Publicidade Mercadológica) ou votos (no caso da Publicidade Eleitoral). Em
■segundo lugar, porque a atitude social sofre influências múltiplas, sendo a Publicidade
somente uma delas, o que dificulta precisar a motivação principal.
Como a maioria dos esforços das campanhas de paz no trânsito se concentra
na denúncia e na correção de certos comportamentos considerados nocivos, seus efeitos sã<j>
na verdade contra-efeitos, ou seja, quantas pessoas deixaram de se comportar de maneira
inconseqüente .̂ fcsse número não pode ser obtido por várias razões: não basta subtrair das
estatísticas de acidentados - incrível como muitas pesquisas se norteiam por esses dados! -
porque a relação entre acidentados e não acidentados não é direta nem simétrica. Como saber
quantos acidentes não ocorreram? Nas estatísticas de mercado, as vendas são facilmente
computáveis, mas no trânsito não é possível identificar quantas infrações foram cometidas,
muito menos quantas infrações não foram cometidas. Em um único dia, o motorista está
exposto a dezenas de situações. Ele pode agir corretamente em 99% delas e bastar 1% para
causar um acidente. Para complicar ainda mais a questão, ele pode agir corretamente em
100% delas - e ser vítima de outro motorista.
Mesmo as porcentagens acima não são verificáveis. Pode-se recorrer a
entrevistas e tentar colhê-las diretamente com o público Contudo, como lidar com a distância
entre o que o entrevistado fala e o que ele efetivamente faz? Defleur e Bali Pokeach (1993, p.
238) apontam o que invalida grande parte das pesquisas: o momento quando o pesquisador
não se dá conta de que o entrevistado não fala de si, mas da imagem que ele acredita ser a
melhor de si. Até mesmo a imagem que o entrevistado tem do entrevistador influencia sua
resposta. As Agências de Publicidade responsáveis pelas campanhas têm-se dedicado a
pesquisas de recall (índice de lembrança) e de aceitação e apurado resultados expressivos. Há
acolhida quase unânime das mensagens, mas nem sempre isso se reflete na prática. Ademais,
23
quem teria coragem de se posicionar contra esses apelos e, pior ainda, confessar que comete
pecados?
Pesquisas quantitativas e qualitativas, que incluem os estudos de recepção,
têm aperfeiçoado suas técnicas a fim de corrigir tais distorções e conseguir retratos mais
próximos da realidade. O que mantêm em comum é o isolamento das variáveis na
investigação do Processo de Comunicação, tomando a Publicidade como estímulo e a atitude
como reação
Outras vertentes, de pesquisa vão lidar com pressupostos diferentes, ligados
à .cultura ou à significação. Abandonam a linearidade do processo, as relações de causa e
efeito, a polarização produção/ consumo das mensagens e a predominância de um emissor
manipulador ante um receptor submisso Não falam sequer de recepção, mas de coemmciação
(PINTO, 1999). Nesse sentido, as correntes atuais, especificamente as que trabalham com a
Análise do Discurso, consideram a Comunicação um sistema de linguagem em ação, inter-
relacionado com o contexto que o comporta, com participação equivalente de enunciador e
destinatário.
1.3 Opção Teórica e Metodológica
Escolheu-se a Análise do Discurso (AD), conforme proposta pela escola
francesa, como disciplina mestra deste trabalho, a referência que vai fornecer os postulados
teóricos e os dispositivos metodológicos de interpretação dos anúncios publicitários
relacionados ao automóvel.
O trabalho tomará os anúncios (aqui entendidos como todo o conjunto de
peças: filmes, anúncios de revista ou jornal,folders, panfletos, outdoors, spoís para rádio...)
em sua materialidade. O motivo de se lidar com marcas formais é não inferir nada que já não
24
esteja presente no discurso, não deixar que a análise fique muito restrita à experiência
individual do analista nem se transforme em um eterno desmitificar.
Cada anúncio será analisado como objeto simbólico, articulado a outros
com os quais compartilha regularidades, formando o discurso. Discurso pressupõe,
etimologicamente, curso, percurso, dinâmica. É fluxo de sentido que atravessa o tempo,
presente na relação entre interlocutores - enunciador e destinatário. “E palavra em
movimento, é prática da língua. É quando a língua faz sentido, como trabalho simbólico,
constitutivo do homem e portanto da história" (ORLANDI, 1996 b, p. 15).
A AD está interessada no processo de produção dos sentidos e não apenas
na análise de produtos. O propósito não é a explicação dos objetos, mas o uso de cada anúncio
como unidade que permite ter acesso ao discurso. Depois disso, evidencia Orlandi (1996 b,
p.60-61), os objetos desaparecem como referências específicas para dar lugar à compreensão
de todo um processo discursivo do qual eles - e outros que nem mesmo são conhecidos -
fazem parte.
Interpretar, para a AD, também não é pinçar e identificar os sentidos nos
objetos, porque o sentido nunca é fixo. Não se busca um sentido por trás do que está
enunciado nem as razões pelas quais isso poderia estar ocorrendo. A tarefa da AD concentra-
se na explicitação do modo como um objeto simbólico produz sentidos (ORLANDI, 1996 b,
P-64).
Dentre as pesquisas na área de Comunicação, o trabalho pretende
compreender como a Publicidade constrói seu discurso, em especial as campanhas comerciaià
de automóvel e as de paz no trânsito, indo além da medição de seus efeitos práticos - se a ̂
campanhas deram ou não o resultado pretendido - para recair sobre a interpretação dos seus
efeitos de sentido possíveis.
25
O sentido é [...] um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas - na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas - constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta (SPINK & MEDRADO, in SPINK. 2000, p.41).
São discriminados os passos seguidos na pesquisa, sugerindo um dispositivo
de análise a mais para o discurso publicitário.
1.4 Justificativa
Uma das grandes vantagens de se trabalhar com a AD está em seu caráter
aberto, que permite prismar o tema em muitas interpretações. O diferencial em relação a
outras tendências teóricas é o reconhecimento do silêncio, das lacunas do não-dito presentes
no discurso, como elemento constituinte, provido também de sentido. Abre-se o leque da
análise e localizam-se aspectos inconscientes de produção da enunciação, aquilo que escapa à
intenção do enunciador, que outros referenciais teóricos não abarcam.
Os objetos simbólicos, para a AD, jamais são neutros. Por isso, a abordagem
é crítica e pretende distinguir neles a ideologia que lhes empresta o sentido.
A Publicidade Comercial e Política têm sido pivôs de uma série de
acusações, desde sua frivolidade, seu presumido poder alienante, até sua falta de ética. A
Publicidade de caráter social conseguiu se manter à margem dessa discussão (BARRETO,
1982).
O enfoque crítico exigido pela AD vem colaborar para ampliar o debate
acerca da Publicidade de caráter social. Por isso, antes de se rotularem os publicitários maus
das campanhas das montadoras, que incitam as pessoas a correrem risco no trânsito, e os
26
publicitários bons das campanhas sociais, deve-se empreender uma reflexão mais pausada. E
menos inocente, como dispõe Orlandi (2000, p.9).
Não temos como não interpretar. Isso, que é contribuição da análise de discurso, nos coloca em estado de reflexão e. sem cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo. permite-nos ao menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem.
1.5 Indicando Itinerários
A compreensão dos mecanismos deve necessariamente passar pela
compreensão dos conceitos envolvidos. Para entender a motivação e o funcionamento do
discurso publicitário, deve-se antes ter claros os alicerces teóricos que a vão fundamentar.
No primeiro capítulo, tomam-se por referência trabalhos de vários teóricos
em Comunicação Social e de profissionais da área, para explicitar o que se entende por
Publicidade e suas categorias principais (Comercial, Empresarial, Social e Política),
discorrendo sobre objetivos, características e peculiaridades do discurso publicitário.
Autores da Psicologia Social (Lopez; Krech, Crutchfíeld e Ballachey) e do
Marketing Social (Kotler & Roberto; Vaz) fornecem subsídios para a definição de Atitude e
a proposição de respectiva tipologia (Atitudes de Conquista - Ação Próxima e
Disponibilidade Positiva; Atitudes de Manutenção - Não Reação e Inação).
Das pesquisas em Análise do Discurso (Orlandi, Maingueneau, Pinto,
Spink) são trazidos os conceitos de incompletude, imagem, posição, papel e repertório.
Somados ao conceito de Imaginário (Durand), configuram o arcabouço teórico para se
desenvolver a noção de estereótipo publicitário e das diversas formas de relação que ele
estabelece com o público-alvo.
27
São também discriminados os sustentáculos do discurso, as condições de
produção (sujeitos, situação e memória) o contrato firmado entre os sujeitos enunciador e
destinatário, o contraste paráfrase e polissemia da Publicidade tal como prática discursiva,
servindo de gabarito para a análise.
Considerando o discurso um processo que afeta o contexto onde se encontra
e é afetado por ele, cabe ao analista reconhecer o que compõe esse ambiente. No segundo
capítulo, descortina-se um panorama da Cultura do Automóvel (fiel à acepção de Cultura
de Geertz), com todas as dimensões que a constituem: o design, a velocidade, o hedonismo, o
individualismo, a economia, a política, tendo a Publicidade como um agente de fomento e de
reflexo dessa grande teia de significados.
A fim de obter uma visão abrangente da Publicidade de Automóvel,
Mercadológica e Social, são estudados anúncios de variados meios - TV, revista, jornal e
outdoor. As diferentes mídias complementam-se umas às outras.
Os anúncios para TV exploram o movimento dos automóveis, a sucessão de
cenários por onde eles passam, montando um enredo, uma história com começo, meio e fim.
Têm duração curta. Os anúncios de revista compensam essa efemeridade com textos mais
explicativos, dedicando-se a listar atributos do veículo ou leis de trânsito. Se querem enfatizar
a velocidade, empregam artifícios nas fotos que denunciem a passagem do carro (paisagem
borrada, objetos em suspensão), como uma cena de filme congelada, ou associam a ele
imagens que remetam a dinamismo (animais correndo, aviões, capacete de Fórmula 1).
Anúncios de TV e revista são nacionais. Anúncios para jornal visam atingir de forma mais
localizada, apropriada ao varejo. Outdoors também cumprem essa função, de outra maneira:
como lembretes de rua.
28
Foram reunidos cerca de 70 anúncios para TV, de diversos automóveis,
veiculados no Brasil a partir da década de 60, reexibidos no Programa Intervalo e gravados no
período de 1998 a 2000, e 15 filmes publicitários de caráter social, veiculados entre 1998 e
2000, constantes de um vídeo institucional editado pelo Ministério dos Transportes.
Os anúncios para revista foram recolhidos de Veja, Istoé e Época (alcance
nacional) e os de jornal, do Correio Braziliense (Distrito Federal), entre 2000 e 2002.
Outras peças publicitárias de TV, revista, jornal e outdoor, constantes em
anuários e livros de teoria e prática da Publicidade, produtos de divulgação diversos de órgãos
governamentais ligados ao trânsito e entrevistas com profissionais envolvidos completaram a
pesquisa.
Pelo estudo do material, definido como corpus deste trabalho, foi possível
distinguir regularidades e agrupar os anúncios em linhas de abordagem, dependendo do
objetivo do anunciante e do público-alvo escolhido.
No terceiro capitulo, a aplicação dos conceitos e das premissas é
aprofundada na análise de dois filmes publicitários que chegaram a ter exibição concomitante
no Brasil.
1. Lançamento do Automóvel Brava, da Fiat
Agência de publicidade: Leo Bumett
Veiculação: Maio de 2000
Trata-se de um anúncio comercial. Reúne todos os apelos que vão
diretamente ao desejo do consumidor de automóveis, incluindo status, sensualidade, poder,
liberdade, potência e egoísmo, associados a pecados capitais.
29
2. Conscientização de Motoristas
Programa de Prevenção de Acidentes nas Estradas (PARE), do Ministério
dos Transportes
Agência de publicidade: Link
Veiculação: 1999 a 2002
O filme publicitário (VT) do PARE não é comercial; vem alertar sobre os
comportamentos de risco e suas conseqüências no trânsito.
Optou-se por VTs porque têm mais impacto e alcance que as peças de mídia
impressa. Aiém disso, por disporem de movimento, reproduzem o funcionamento do carro,
aproximando-se do efeito gerado pelas imagens no cinema, verdadeiramente o primeiro
grande veículo de Publicidade do Automóvel, ratificado por Schnapp (1999, p.23): “a história
dos veículos automotivos é, desde o começo, a história das câmeras do cinema”.
O critério de escolha não se baseou em autoria, e sim na capacidade de cada
anúncio em representar ao máximo sua formação discursiva. Deveu-se à completeza do VT
do Fiat Brava, por combinar magistralmente os vários impulsos egocêntricos que rodeiam o
consumo do automóvel, e à comparação com o VT não comercial do PARE, de enfoque
contrário.
Reportando-se às categorias trabalhadas nos capítulos 1 e 2, os VTs são
examinados quanto à sua afiliação discursiva (Interdiscurso - elementos comuns a outros
enunciados, na Publicidade e fora dela); ao tipo de atitude proposta; à promessa do
anunciante; ao estereótipo usado.
São considerados locução, trilha sonora, mensagem, cor, cenário,
personagem, movimento de câmera, ritmo de cenas e narrativa. Do entrecruzamento desses
30
aspectos, levantam-se paradoxos (de acordo com a Pragmática de Watslawick et al.) que
possam estar interferindo na capacidade de persuasão dos anúncios.
Atendendo a um dos preceitos metodológicos da AD, ao final é feita a
comparação entre os dois VTs.
No quarto capítulo, com base nas inferências advindas do estudo dos
anúncios de Automóvel, é instituído o confronto entre Publicidade Mercadológica e Social,
ressaltando semelhanças e divergências e de que maneira uma se posta em face da outra.
A Conclusão revê o tema destacando os pontos principais discutidos e
propõe respostas às questões lançadas.
31
2 NOS DOMÍNIOS DA PUBLICIDADE
Alguns autores (Ciro Marcondes Filho - 1986, J. Pinho - 1990) preferem
separar Publicidade como ferramenta de mercado e Propaganda como disseminadora de
idéias. De fato, a Propaganda é mais antiga, remonta à Igreja pós Renascimento, em suas
atividades de conversão e expansão. A Publicidade é muito mais jovem, contemporânea do
capitalismo moderno, alimenta-o e é alimentada por ele. A Propaganda, entretanto, acabou
sendo sorvida pela indústria da Publicidade, adaptando-se a suas características formais e
operacionais.
Por opção metodológica desta pesquisa, a diferença será marcada pela
categorização de acordo com o tipo de mensagem:
• Publicidade Comercial - Promoção de bens de consumo e serviços;
• Propaganda Institucional Empresarial - Promoção da marca;
• Propaganda Institucional Social - Motivação para tomada de
consciência em relação a um problema social, a fim de atenuá-lo ou
eliminá-lo;
• Propaganda Institucional Política - Adesão a determinado partido,
obtenção de votos ou divulgação de atos do Governo.
As quatro categorias, entre outras, formam o gênero Publicidade,
abrangendo toda a atividade do ramo, identificável pelas características:
• Intencionalidade e parcialidade;
• Autoria - assinatura do anunciante;
• Formato - mensagens presentes nos espaços destinados pelos veículos de
comunicação (TV, rádio, jornal, revista...) entre a programação (mídia
32
eletrônica), entre matérias e reportagens (mídia impressa) ou ainda como
a própria mídia (outdoors, folders, planfetos...);
• Indústria envolvida: agências de publicidade, produtores, veículos;
• Processo - briefing (lista preliminar de dados do anunciante que baliza o
trabalho das agências), planejamento, criação, aprovação, veiculação,
avaliação.
A divisão da Publicidade em categorias de acordo com os objetivos pode ser
visualizada no seguinte esquema:
A Propaganda Institucional Empresarial se localiza na interseção entre
Publicidade de Mercado e Propaganda de Idéias porque em um primeiro momento visa obter
^efcado
atitudes favoráveis do público em relação à marca, mas no final mantém o foco nos negócios
e no lucro.
33
2.1 Eu te Direi Quem És - Publicidade, Atitude e Posicionamento
Para atingir suas metas, a Publicidade privilegia a linguagem intimista,
estabelece um contato sedutor com o público e emprega os imperativos com desenvoltura.
Isso cria a ilusão de um discurso instantâneo para o cumprimento imediato do comportamento
sugerido. O desfecho dos anúncios, com o produto ou a marca como solução mágica dos
problemas, também pode dar a impressão de fechamento e completude da mensagem, com
final preciso. O discurso publicitário, contudo, não é acabado nem pretende ditar
comportamentos (ações) e sim atitudes (pré-ações).
Qual a natureza da atitude? O Marketing Social define atitude como a
disposição constante de um indivíduo para agir de forma previsível numa determinada
situação (VAZ, 1995, p. 52), mediante avaliação positiva ou negativa de pessoas, objetos,
instituições, idéias ou acontecimentos (KOTLER & ROBERTO, 1992, p.26). Para esses
autores, a atitude é um modo de pensar, assentada no campo das idéias, em oposição a
comportamento, considerado um modo de agir, pertencente ao campo das práticas.
Em concordância estão as definições de atitude oriundas da Psicologia
Social. Para Lopez (1970, p.230), não é a ação, mas a ação potencial, preformada. Para Krech,
Crutchfield & Ballachey (1975, p. 161-163), trata-se de um sistema de avaliações positivas ou
negativas e sentimentos acerca de algo, somados à tendência para a ação, ou seja, a prontidão
de comportamento.
Unindo as concepções desses autores, neste trabalho será adotado o seguinte
conceito: atitude é a postura capaz de direcionar, autorizar e impelir a ação do indivíduo,
afetada externamente pelo ambiente e pela circunstância, em relação a algo (pessoa, objeto,
idéia) e orientada internamente por um padrão de disponibilidade determinado por intrincadas
intercombinações de experiências pessoais anteriores.
34
Nem toda ação humana pode ser enquadrada como derivada de uma atitude.
Atitude pressupõe trabalho mental; excluem-se os atos reflexos, condicionados, automáticos.
O indivíduo sempre terá uma explicação, uma justificativa, ainda que parcial, para uma
atitude. Existem motivações inconscientes às quais ele não tem acesso, mas a parcela
consciente é suficiente para dar suporte à intencionalidade de sua atitude.
A atitude traduz o posicionamento do indivíduo perante si mesmo e o
mundo, exigido pelo presente e lastreado pelo passado. Posição é a palavra-chave para
entender a tomada de atitude.
A postura assumida reflete o grau de satisfação obtido em decorrência de
sua adoção pelo indivíduo. No caso dos anúncios publicitários, as pessoas identificam
motivações que já nutrem e ofertas que já esperam (mesmo sem ter consciência absoluta
disso), necessidades e desejos básicos, racionais e emocionais.
Uma regra disseminada entre os publicitários, formulada por George H.
Batten, redator de uma agência estadunidense (apud MALANGA, 1976), prega que o anúncio
deve atender a quatro imperativos: chamar Atenção, criar Interesse, despertar o Desejo e
convidar à Ação. É o chamado Principio AIDA. O último “A”, o convite à Ação, deixa o
anúncio aberto. A ação é posterior. Assim, pode-se afirmar que a Publicidade molda atitudes,
tendo o comportamento como algo para além do seu discurso.
2.2 Publicidade de Mercado
Sampaio (1999, p. 17) enumera várias motivações da Publicidade de
Mercado: vender produtos, informar o consumidor, promover o consumo, mudar hábitos, criar
conceitos, recuperar a economia. O anunciante percebe que para incrementar seus negócios
deve investir no básico, como o produto, e no amplo até chegar à marca, estabelecendo o
35
trânsito entre as necessidades básicas, racionais e emocionais do consumidor. Nota-se,
portanto, um movimento da Publicidade Comercial rumo à Propaganda Institucional
Empresarial, propondo ao público dez atitudes:
• Conheça nossa marca - divulgação;
• Aprecie, adote (consuma efetivamente), defenda nossa marca -
promoção;
• Prefira nossa marca em relação a outras - destaque;
• Divulgue nossa marca a outras pessoas - expansão do mercado;
• Aprenda, acompanhe as evoluções de nossa marca e adapte-se a elas
- educação e correção do mercado;
• Continue adotando nossa marca - consolidação e manutenção,
(baseado em SAMPAIO, 1999, p.28)
Em sua relação dos objetivos da Publicidade, CurdifF (apud PINHO, 1990,
p. 18) ressalta a importância da mobilização dos trabalhadores da empresa anunciante, dos
intermediários (fornecedores, representantes, revendedores, vendedores). Pinho (ibidem)
completa a lista com o governo (de quem o anunciante espera incentivos) e os acionistas. A
Publicidade voltada para o mercado, portanto, não se reduz ao grupo
anunciante/consumidores; abrange todos os grupos acima citados e outras empresas
envolvidas, incluindo os concorrentes.
As atitudes propostas pela Publicidade Mercadológica tendem a tipos
diferentes de ações, podendo ser divididas em atitudes de conquista e atitudes de
manutenção
36
2.2.1 Atitudes de conquista
• Ação próxima - o consumidor age (efetua a compra, por exemplo) em
intervalo curto após ter visto o anúncio.
• Disponibilidade positiva - o consumidor não sente necessidade de agir
na ocasião do anúncio, mas quando precisa, lembra-se do apelo e age.
Quando a Petrobrás divulga seu apoio ao Projeto Tamar de tartarugas
marinhas, não vende explicitamente sua linha de produtos e serviços.
Transmite, entretanto, simpatia, que pode se reverter em preferência do
consumidor, mais tarde. A disponibilidade positiva é uma atitude em
compasso de espera.
2.2.2 Atitudes de manutenção
• Não-reaçâo - A atitude proposta é de apaziguamento. O consumidor
não faz parte do público-alvo da empresa anunciante e poderia até se
converter em um inimigo. Pede-se a ele uma atitude neutra. Isso pode
ser observado, por exemplo, na comunicação de empresas de cigarro em
relação aos antitabagistas.
• Inação - Atitude claramente verificada nos imperativos negativos -
“recuse imitações” (Havaianas), “não se contente com menos” (Basf).
Espera-se, em vez de uma ação, que se deixe de agir de determinada
forma.
37
As atitudes de conquista são típicas da Publicidade Comercial. As de
manutenção caracterizam-se por um estado de boci-vontade, mais direcionado à promoção da
marca. Essa é uma estratégia da Propaganda Institucional Empresarial, que mostra a empresa
anunciante como fundamental para a comunidade.
2.3 Propaganda Institucional Social
A Propaganda Institucional Social, por seu turno, visa atingir os seguintes
objetivos, transcritos em forma de atitudes:
• Conheça o problema;
• Conheça as causas do problema;
• Saiba como impedir ou sanar as causas;
• Impeça ou sane as causas;
• Recorra à nossa instituição;
• Continue impedindo ou sanando as causas.
Quanto aos tipos de atitudes:
2.3.1 Atitudes de conquista
• Ação próxima - Atitude voltada para atos concretos e visíveis. As
campanhas desse tipo destinam-se, na maioria das vezes, à obtenção de
recursos para alguma causa (doação de dinheiro, alimentos, objetos
usados e outros) ou à participação do público em evento com data
definida (vacinação, passeata).
38
• Disponibilidade positiva - É uma atitude de conscientização. O
anúncio é, ainda, uma oportunidade para a instituição mostrar seu
trabalho e tomar-se uma referência para o destinatário no momento em
que ele se vir envolvido com o problema em questão.
2.3.2 Atitudes de manutenção
• Não-reação - Atitude esperada principalmente quando há alguma
intervenção incômoda ou desagradável, uma restrição de liberdade (por
exemplo, o fechamento para a restauração de um monumento, a
interdição de vias). Pedem-se a compreensão e a paciência do público.
• Inação - Enquanto a atitude com tendência à ação próxima atende ao
objetivo de sanar a causa do problema abordado, a atitude de inação
orienta-se para impedir a causa, solicitando ao público que pare de se
comportar de maneira nociva. E o tipo de atitude mais freqüente nas
campanhas institucionais sociais.
2.4 Atitudes Estereotipadas
Conforme foi visto anteriormente, a tomada de atitude é um posicionamento
em face de uma situação externa e se sustenta em motivações internas com vistas à satisfação
de necessidades. Como posicionamento, é sempre relativo, situando-se em determinado ponto
de uma escala individual e de uma grupai.
O ser humano encontra-se em perpétuo sentimento de incompletude, que é
a carência de sentido para construir sua personalidade e sua visão de mundo. A personalidade
39
está em permanente construção. Defleur e Bali Pokeach (1993, p.228) salientam que as
pessoas carecem de discernimento a seu próprio respeito, sempre buscando imagens do
jovem, do idoso, do homem, da mulher, de cada papel na sociedade que possam tomar
emprestado para foijar sua própria identidade.
A escolha por determinada imagem vai depender da posição que se deseja
alcançar dentro de um grupo, confirmando a teoria de que o ser humano é um ser social.
Contraditoriamente, isso é o que o satisfaz individualmente. O lugar no grupo funciona como
termômetro de quanto vale sua personalidade, de seu prestígio como pessoa. Ele vai procurar
obter o equilíbrio entre parcelas da personalidade comuns às do restante do grupo e outras
parcelas que marcam a diferença - menos como oposto, mais como complemento ao grupo.
O indivíduo não se atém a uma imagem fixa, e sim à combinação múltipla
de diversas imagens, porque vivência diferentes papéis no decorrer do dia, ora como filho,
ora como pai, como patrão ou empregado, como profissional, consumidor, cidadão e assim
por diante. Esses são papéis estáveis, ou institucionais, segundo Maingueneau (1998, p. 103).
Uma vez exercendo um papel institucional, a pessoa ainda pode assumir diversas posturas,
como conselheiro, conciliador, agressor etc. São comportamentos ocasionais, ou papéis
discursivos (MAINGUENEAU, 1998, p. 104). Note-se que os papéis são sempre relacionais.
Atua-se como fiiho perante outro indivíduo pai. E do encontro de papéis, e não de cada papel
isoladamente, que surge o sentido das posições.
As imagens consideram não os traços sociológicos empíricos, como classe
social, idade, sexo ou profissão, mas a idéia que se faz, o que se espera de cada papel (pai,
filho, consumidor etc.) (ORLANDI, 1996 a, p.30). Constituem-se a partir das relações sociais
que funcionam no discurso.
O indivíduo encontra na mídia uma farta coleção de imagens para balizar
seus posicionamentos e, conseqüentemente, suas atitudes. As imagens que mais atendem a
40
esses propósitos são reunidas ao longo de sua vida, formando o que a AD chama de
repertório, uma espécie de imaginário individual.
Ao focalizarmos as produções midiáticas, estamos identificando repertórios que possam compor essas produções discursivas e que, por meio delas, adquirem maior visibilidade e passam a tomar-se disponíveis às pessoas, podendo compor suas práticas discursivas cotidianas. Elas ampliam o leque de repertórios disponíveis às pessoas, possibilitando a produção de outros sentidos e a construção de versões diversas sobre si e o mundo a sua volta (MEDRADO, in SPINK, 2000, p.252).
Dentro dos meios de comunicação de massa, a Publicidade merece destaque
pela incrível habilidade de sintetizar imagens, apropriando-se de determinados aspectos delas
para construir os personagens de seus anúncios, definidos como estereótipos. A imagem tem
natureza complexa, contém múltiplos sentidos, ao passo que nos anúncios o estereótipo é
simplificado, podendo ser assim descrito:
• Explícito - O estereótipo tem limites muito precisos. Sempre manifesta
seus pensamentos por meio de palavras ou ações. Atua de forma
acentuada, óbvia, exagerada e até caricata,
• Reduzido - O perfil de um estereótipo é único, previsível, de traços
fixos, facilmente reconhecível, distinguindo-o como um personagem
plano, no dizer de Doc Comparato (1995, p. 129);
• Específico - o estereótipo vivência uma situação bem marcada, sua
atuação na trama é pontual, até pelo caráter condensado do anúncio;
• Padronizado - atores diferentes em diferentes anúncios podem
encarnar o mesmo estereótipo e isso não lhe retira a uniformidade;
• Repetido - por tipo entende-se o que pode ser copiado, reproduzido à
exaustão, mantendo qualidades iniciais. A Publicidade aposta em
mensagens pílulas - e pílulas homeopáticas, porque são administradas
recorrentemente. Dessa maneira, seu conteúdo, incluindo o estereótipo,
é reforçado, perpetuado.
41
O elenco de estereótipos é numeroso e variado: vovô rosado de
suspensórios; executivo estressado; vizinha idosa, invejosa e fofoqueira; vizinha jovem e
provocante; menino sapeca; menino de óculos, estudioso e tímido; família feliz; cunhado
atrapalhado; mulher perua e consumista; jovem rebelde e assim por diante.
O estereótipo é manipulado e absorvido sem que se questione seu grau de
correspondência com a realidade. Segundo Irene Carvalho (1984, p.45), a idéia que se faz de
um estereótipo, como o da rainha, do político, do lutador de boxe, do japonês, provém em
grande parte do acatamento de pontos de vista consensuais, por força da participação social, e
menos do contato direto com rainhas, políticos, lutadores e japoneses. Não se espera
veracidade do estereótipo em si, mas de sua coerência com o cenário montado para sua
atuação.
O estereótipo é utilizado na Publicidade para sensibilizar o destinatário,
personificar o que é impessoal, como o produto, ou imaterial, como a marca ou a idéia,
inserindo-os no dia-a-dia e dando-lhes vida. Sua relação com o destinatário pode se dar de
várias formas:
• Espelho - o destinatário se identifica com o estereótipo em algum
aspecto, em dada circunstância.
• Projeto - apresenta o que o destinatário quer ser, quer alcançar, dentro
de um cenário de realização pessoal possível.
• Mito - trata-se de um estereótipo de projeto que contém valores
universais, arquetípicos. Pertence a um mundo onírico.
• Janela - surge o interesse ou a curiosidade pelo estereótipo do outro.
• Consultório - o estereótipo é tomado como uma autoridade no
assunto. Aquilo que ele recomenda se reveste de credibilidade.
42
• Contraste - é o inverso do estereótipo de projeto: tudo o que o
destinatário não quer ser e por isso luta para não ser confundido com
ele.
• Objeto do desejo - o estereótipo é do sexo oposto. Mostra-se admirado
com os feitos de outro estereótipo (mesmo que este não esteja presente
no anúncio), com o qual o destinatário quer se identificar para se sentir
atraente.
Segundo José Martins (1999, p. 17), o produto, serviço, a marca ou a idéia a
ser anunciados, para ter eficácia, devem ter cara própria, e não a cara do destinatário. No
caso do estereótipo de espelho, uma e outra por acaso coincidem. Deve-se, em suma, levar em
conta que todo estereótipo é artificial, idealizado, e não uma pessoa real. Além disso, o
mesmo estereótipo pode representar espelho para uma pessoa e consultório ou janela para
outra. O estereótipo dona-de-casa perfeita, por exemplo, é freqüente em anúncios de sabão
em pó. O Omo não estaria investindo tanto dinheiro na imagem perpétua da mãe que faz o
melhor para a família se isso não revertesse em sucesso de vendas. A alta executiva
independente não vê sua própria imagem (espelho) no anúncio de Omo porque lavar roupa é
uma tarefa que ela costuma delegar. Por isso, confia em uma autoridade no assunto, ninguém
melhor que o estereótipo da mãe dona-de-casa perfeita (consultório). Existe, no entanto, a
dona-de-casa que enxerga no estereótipo de Omo um reflexo seu.
Isso ocorre também em relação ao sexo. Se aparece uma mulher em um
anúncio de perfume masculino, ela pode servir de objeto do desejo para que um homem se
veja compelido a usar tal perfume, e referência (consultório) para uma mulher sentir-se à
vontade de pedir a seu namorado que o use.
43
Estereótipos substancialmente diferentes do destinatário despertam interesse
porque fornecem uma alternativa de experimentar viver outra vida. Funcionam como válvulas
de escape. É como Martins explica o fato de um caminhoneiro comprar um tênis Nike mesmo
sem nunca ter posto os pés em uma quadra de basquete (MARTINS, 1999, p. 17), ou um
executivo comprar uma Harley Davidson em busca do espírito de rebeldia. Inclui-se nessa
categoria o estereótipo mítico, como o herói, o guerreiro, o estadista, o artista, a lenda, que
fascina pela possibilidade de se encarnar uma fantasia.
A diferença pode atrair mas também gerar repulsa. O estereótipo de
contraste é largamente utilizado em campanhas cujo mote é a atitude com tendência à inação,
ou seja, quando se pede ao público que deixe de agir segundo padrões condenáveis.
Condenáveis pelos mais diversos motivos, até os mais fúteis, como não estar na moda, ou os
mais elevados, para preservar a saúde.
O estereótipo de contraste aparece em cenas execráveis, fracassando, sendo
punido. Quando a Publicidade de Mercado se vale do contraste, deseja ressaltar não os
benefícios do produto e sim os prejuízos de sua falta O arremate é o surgimento do produto
como solução. A repulsa inicial do destinatário, então, é substituída pelo alívio do
aparecimento da marca redentora.
Nem sempre o estereótipo é incorporado por um personagem humano. As
vezes, o anúncio se reduz à apresentação do produto ou da marca. Mas ao produto e à marca
são atribuídas características humanas, tais quais se usam para qualificar uma pessoa
(MARTINS, 1999, p. 19), constituindo-se em estereótipos de mesmo cunho modelar.
Uma das peculiaridades mencionadas do estereótipo é a sua especificidade.
Isso quer dizer que um estereótipo bem sucedido em certa situação pode ser desastroso em
outra. Martins (1999, p. 145) observa como o estereótipo de fadinha, ao estilo das
apresentadoras de programas infantis, ajuda na venda de guloseimas, refrescos e chocolate,
44
mas não convence na venda de massa de tomate. O estereótipo adequado seria o de mãe, a
mesma indicação para sabões em pó.
Como saber qual o estereótipo mais adequado para cada situação? O
segredo está na expectativa de funcionamento. Esse é o elemento que fala mais intensamente
ao sistema interno de avaliação que norteia as atitudes do consumidor.
Você preferiria tomar um avião pilotado por sua mãe, que você adora, ou por um piloto antipático, arrogante e experiente? A menos que sua mãe tenha milhas de vôo segurando o manche, sua escolha cairá sobre o piloto. Um conceito está ligado a crenças e papéis. As pessoas não tomam decisões por aquilo que elas mais gostam, mas sim pelo que trará maior expectativa de realização (MARTINS, 1999, p. 117).
A Publicidade não promete algo que vá funcionar sempre e em todos os
grupos. Cada anúncio fornece um estereótipo. O indivíduo pode adotar vários estereótipos,
exatamente porque se depara com diferentes circunstâncias que lhe exigem diferentes papéis e
posições.
2.5 Vende-se a alma,., do negócio - o Contrato entre Publicidade e Público
No começo, as teorias concebiam a Publicidade como um instrumento à
parte da audiência, controlada por grupos dominantes, com o propósito de manipular opiniões
e direcionar o comportamento. Seguindo a linha behaviorista, os estudiosos em Comunicação
chegaram a comparar a ação da mídia a uma agulha que atingiria infalivelmente cada
indivíduo da massa (teoria hipodérmica). Para os críticos da Escola de Frankfurt, a chamada
indústria cultural teria propriedade alienante, transformando indivíduos em autômatos. O
consumidor seria passivo, vitimizado, à mercê desse controle, adotando estereótipos e
tomando atitudes não congruentes com suas necessidades verdadeiras e sua vontade.
Mais tarde, os pesquisadores foram constatando as limitações tanto dos
efeitos dos meios de comunicação de massa quanto de seus modelos teóricos. Mais
45
recentemente, segundo Venício A. de Lima (2000, p.27), surgem teorias, como as culturais,
que passam a focar o fenômeno comunicacional não mais como transmissão emissor/receptor,
e sim como compartilhamento. Outra vertente traz o aporte da Lingüística, introduzindo a
noção da significação e da Comunicação como prática. Nesse grupo, incluem-se os analistas
do discurso. A Análise do Discurso - AD dá elementos para que se vislumbre uma visão
diferente da Publicidade, a partir de sua percepção como prática discursiva.
A Publicidade utiliza estereótipos inseridos em situações específicas, como
fragmentos de cotidiano que servem de referência para as pessoas. De início, cabe frisar que
os estereótipos são acolhidos pela Publicidade mas não são criados por ela. São oriundos de
posições preexistentes que por sua vez tiram seu sentido do acervo do Imaginário, esse
grande museu de imagens que, segundo Durand (1998, p.6), reflete e molda a conduta das
pessoas. O sentido é uma construção coletiva da sociedade, fruto de um sistema denominado
pela AD de condições de produção
São condicionantes da produção do sentido os sujeitos, a situação e a
memória (ORLANDI, 2000):
• Sujeitos - são os interlocutores do discurso. Nesta pesquisa, a
Publicidade está como sujeito enunciador e o público-alvo, como
sujeito destinatário. Ao enunciar, o sujeito Publicidade tem a intenção
de transmitir um sentido, mas seu discurso é afetado por outras
influências das quais ele não tem controle nem consciência. A posição
de onde fala e a posição do destinatário são anteriores à ocupação por
um e por outro. O enunciador, pelo mecanismo da antecipação
(ORLANDI, 2000, p.39), põe-se no lugar do destinatário e verifica se
seu discurso terá eco. Isso é o que a Publicidade faz quando encomenda
pesquisas de opinião e de mercado. Pelo mecanismo da relação de
46
forças entre as duas posições (ORLANDI, 2000, p.39), observa se tem
credenciais para falar o que fala. Na Publicidade, esse é o trabalho de
escolha do estereótipo mais pertinente de acordo com o objetivo a
atingir. O enunciador até pode realizar esses ensaios conscientes antes
de proferir o discurso, mas não percebe que as posições e as relações
entre elas são produzidas em âmbito ao qual não tem acesso pleno -
estão, simplesmente, lá. A posição mãe, inspiração para os estereótipos
mãe na Publicidade (mãe superprotetora, mãe dona-de-casa perfeita,
mãe ditadora, mãe modeminha, mãe divinizada), não tira seu poder pela
participação no anúncio; ela já está carregada de sentidos, apenas
confirmados na mensagem publicitária.
Situação - o discurso tem localização certa, é produto de um lugar e de
um tempo. Mais uma vez, o estereótipo mãe dona-de-casa em um
anúncio de sabão em pó tem na área de serviço seu contexto imediato,
com intenção de atitude de ação próxima na área de serviço do
consumidor. Há ainda o contexto sócio-histórico e ideológico que toma
natural a mãe como autoridade no assunto limpeza da casa, e não o pai,
por exemplo.
Memória - Segundo Orlandi (2000, p.30-36), para algo ter sentido, é
preciso que já tenha feito sentido antes. O sujeito, entretanto, tem a
ilusão de que seu discurso é inédito. Ele precisa desse esquecimento de
ordem ideológica para que se julgue autor do seu dizer. Tudo o que foi
dito e esquecido forma o interdiscurso, a memória discursiva, fonte
inesgotável e eterna de todos os discursos. Isso porque o discurso não
tem início nem fim, sempre remete a um discurso anterior e a outros
47
que virão. No interdiscurso ou memória discursiva estão presentes,
continuando o exemplo, a imagem de mãe com todos os sentidos que
lhe foram atribuídos desde sempre, para ser desdobrados e
transformados em estereótipos.
O fato de ter consciência de somente uma parte do processo de produção do
discurso não faz do sujeito uma marionete, pelo contrário. Se assim fosse, a História seria
uma seqüência autônoma de fatos sempre iguais e independente da ação do sujeito. É
justamente a instância de enunciação que constitui o sujeito em seu discurso. Ela o submete a
regras, mas igualmente o legitima, atribuindo-lhe a autoridade vinculada institucionalmente a
seu lugar de fala e posicionando-o historicamente (MAINGUENEAU, 1997, p.33). O discurso
dá corpo à imagem do enunciador. Sendo seu papel relacionai, confere, ao mesmo tempo,
corpo á do seu destinatário: Ueu me concedo um lugar e atribuo lugar a outro”
(MAINGUENEAU, 1997, p.48). A partir daí, é estabelecido um contrato entre os sujeitos:
A noção dc contrato pressupõe que os indivíduos pcrtcnccntcs a um mesmo corpo dc práticas sociais sejam capazes de entrar cm acordo a propósito das representações de linguagem destas práticas. [...| O ato dc fala transforma-se, então, cm uma proposição que o EU dirige ao TU c para a qual aguarda uma contrapartida dc conivência (CHARAUDEAU apud MAINGUENEAU. 1997, p30).
O contrato entre Publicidade e público enseja uma troca: a Publicidade
mostra o acesso a um bem, serviço ou uma idéia por meio de um discurso, construído em
torno de um estereótipo, e pede ao público determinadas atitudes; o público tem acesso a esse
discurso e ao estereótipo, uma das diversas fontes de imagens para armazenar em seu
repertório, por meio da compra do bem, da utilização do serviço ou da adesão à idéia,
convertendo as atitudes sugeridas em ações.
A Publicidade celebra o contrato assinalando fortemente sua posição de
superioridade em face do target (público-alvo). De acordo com Barreto (1982, p. 135), o
48
discurso publicitário sempre faz uso de uma fala autoritária, que se posta acima do
consumidor, ainda que a dissimule em tom coloquial e amistoso:
Não concordo com a tese de que o ‘diálogo’ entre o publicitário e o eventual comprador do produto deva ser de igual para igual. Pares iguais tendem a se neutralizar por baixo, não produzem ação. A posição mais adequada e eficaz é a de leve superioridade sobre o público a ser persuadido. Não é presunção ou esnobismo; mas autoridade cordata e autêntica.
Bourdieu (1998, p.89) considera a fala autoritária na verdade uma fala
autorizada.
O poder das palavras reside no fato de não serem pronunciadas a titulo pessoal por alguém que é tão-somente ‘portador’ delas. O porta-voz autorizado consegue agir com palavras em relação a outros agentes e, por meio de seu trabalho, agir sobre as próprias coisas, na medida em que sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato c do qual ele é, por assim dizer, o procurador.
Ou seja, a fala autoritária da Publicidade é apenas um artificio retórico, pois
ambas as partes do contrato têm a mesma responsabilidade na construção do discurso. O
enunciado só tem razão de ser na resposta do destinatário, realimentando o processo e dando
continuidade à comunicação. O destinatário entra como participante paralelo, em mesmo
nível. Citando Bakhtin (1992, p.316), “são precisamente os reflexos recíprocos que
determinam o caráter dos enunciados.” Enunciador e destinatário são igualmente produtores.
Não há por que falar de manipuladores nem manipulados, vítimas nem culpados.
Eni Orlandi (1996a, p.33) confirma:
Considero inadequada a terminologia que distingue condições de produção c condições de recepção, pois acredito que a noção de condições de produção abrange, como um todo. a emissão c a recepção.
Os próprios publicitários reconhecem que o poder da Publicidade deve-se à
aliança firmada com o target:
“A Publicidade não dita comportamentos. Ela tira o comportamento do meio
da multidão e põe em destaque” (PERISCINOTO, 1995).
49
“[A Publicidade] não mente. Ela lança mão de fragmentos de verdade,
ângulos da estatística. [...] Não exprime a verdade. Ela USA a verdade” (BARRETO, 1982).
“As campanhas mais bem sucedidas propõem às pessoas fazer aquilo que já
desejam” (RIBEIRO, 1994, p. 171).
Por outro lado, o reforço naquilo que o público já deseja não quer dizer que
a Publicidade seja somente um espelho. Para Anna Figueiredo (1998, p.21),
Publicidade não funciona como um mero espelho da sociedade, refletindo mecanicamente a “realidade’ social, pois não é uma força estanque, absolutamente condicionada por fatores externos a ela. A Publicidade apresenta uma dinâmica, se produz como prática social e, por conseqüência, também age sobre a sociedade, influenciando-a.
Mais uma vez, insiste-se na noção do contrato e na presença de seus dois
participantes, Publicidade e público, na produção do discurso.
A Publicidade mapeia o terreno, pinçando referências familiares ao público,
sedimentando a base onde possa se apoiar com segurança. Em seguida, ergue seu castelo sob
uma aura original, criativa, genial, já detectada por Eco (2001, p. 157):
O reconhecimento dc genialidade reverbera sobre o produto, impelindo a um consenso que se baseie não só na resposta do tipo ‘este produto mc agrada’, mas também ‘este produto inc fala de modo singular' c por conseguinte ‘este c um produto inteligente e dc prestígio’.
Barreto (1982, p. 135) reitera:
O anúncio adequado, inteligente, criativo, e demonstração de superioridade dc imaginação sobre o consumidor a ser persuadido c este se persuade mais rápido por isso. O anúncio criativo gera uma admiração sincera e ele cede dc bom grado a esse julgamento.
Transpondo o raciocínio para o território da AD: existe no discurso uma
tendência intrínseca à institucionalização, à continuidade, à regularidade lingüística. Mas no
momento em que ele se manifesta, vai se defrontar com uma oportunidade de ressignificação
e ruptura A linguagem em uso, em ação, o confronto paráfrase/polissemia que se processa
no cotidiano das pessoas, constitui o que Spink e Medrado (in SPINK, 2000, p.45)
denominam de prática discursiva. Assumindo-a como tal, a Publicidade combina com
50
maestria os componentes do mesmo (paráfrase) e do novo (polissemia) em seus enunciados.
O novo é a garantia de que o discurso publicitário vai se atualizar conforme requer a
realidade, mas impor-se também como condicionante de produção de realidades outras.
A Publicidade atualiza-se para acompanhar e atualiza-se para transformar.
No primeiro caso, porque não pode parar no tempo, ela precisa mobilizar as gerações
nascentes. Assim Alex Periscinoto (1995) explica o fato de o jeans nunca envelhecer - ao
contrário do chapéu, a despeito de terem a mesma idade - por obra e graça da insistência da
comunicação. No segundo caso, porque a Publicidade necessita de renovação constante a fim
de dar fôlego ininterrupto às atitudes do targeí.
Para decifrar o modo como o discurso publicitário trabalha com os sentidos,
é fundamental compreender que o contrato com o público não finda com a atitude, nem com a
ação desencadeada por ela. No que tange à Publicidade de Mercado, consumo não é
consumação. Em termos de marketing, isso é verdade porque a indústria reivindica produção
contínua. Em termos de AD, porque a Publicidade sabe manejar a linguagem para aproveitar-
se da irremediável incompletude humana, criando situações de dependência. O consumidor
poderá sempre recorrer à Publicidade como um dos suportes para satisfazer suas ansiedades.
51
3 O AUTOMÓVEL NA PUBLICIDADE
3.1 A Cultura do Automóvel
O automóvel é o baluarte de um movimento histórico marcado pela
coexistência simbiótica entre capitalismo e modernismo. Inaugurou um sistema de produção
industrial. Atraiu o interesse e o investimento dos mais diversos grupos. Fomentou avanços
tecnológicos. Encabeçou inovações no design., embaladas pelo afa de sepultar de vez o
passado e criar uma estética própria e inédita. Lastreou durante décadas a economia das
grandes potências, patrocinadas por multinacionais montadoras, petrolíferas, empresas de
borracha e autopeças em geral. Transformou-se, assim, em indicador de progresso e
importante instrumento de legitimação política. No plano social, concedeu e ao mesmo tempo
impôs novo ritmo à vida, muito mais acelerado. Retalhou, redimensionou e desenhou cidades.
Dividiu cidadãos em duas classes - motoristas e pedestres. Redefiniu a noção de transporte.
Acalentou a oportunidade ímpar e sem precedentes de se exercer ao máximo o
individualismo.
Contar a história do automóvel é falar também da sociedade que se
transformou ao longo de sua evolução, desde sua aparição como mero divertimento de classes
privilegiadas, passando por sua conversão em beneficio para milhões de pessoas, à atual
condição de necessidade imprescindível, segundo Langlois (1990, p.22), para suportar os
contratempos dos novos estilos de vida.
52
O automóvel se alojou de forma tão onipresente em aspectos tão múltiplos e
variados da vida coletiva do Século XX, que é possível reconhecer em sua evolução
elementos compatíveis com o conceito de cultura de Clifford Geertz (1989):
Cultura é um conjunto ordenado de mecanismos simbólicos de controle do
comportamento social, por meio dos quais o ser humano dá forma, ordem, objetivo e direção
à vida. São planos, receitas, regras e instruções, assentados em um sistema entrelaçado de
estruturas de significado, interpretáveis em função do contexto e articuladas nas próprias
ações sociais. O sistema é extra-genético, socialmente estabelecido, historicamente
acumulado, herdado e transmitido em formas simbólicas. Essa trama de significados permite
ao ser humano definir seu mundo, expressar sentimentos e fazer julgamentos. Pela cultura, de
caráter essencialmente público, ele comunica, perpetua e desenvolve seu conhecimento e suas
atividades em relação à vida.
A cultura traz, portanto, componentes que contribuem muito intimamente
para a formação das atitudes do indivíduo.
O automóvel, em sua saga, atende a todos esses quesitos. Ele funda sua
Cultura e marca presença singular no Imaginário. A fantástica máquina sobre rodas
remodela, recicla, atualiza e propõe imagens sem as quais não é possível descrever estes dias
de história recente, as highways; o sacrifício do jovem herói - James Dean; o calhambeque de
bigodes; o reluzente rabo-de-peixe conversível; o besouro, a cápsula, o bólido; o novo Narciso
(Figura 2), o novo Pégaso, o novo Centauro; o carrinho membro da família; o carro-mulher; a
liturgia dos lançamentos; o modelo do ano; os museus. Imagens impregnadas no cinema, na
TV, cantadas em prosa e verso.
53
Figura 2"Vectra. O mais belo”
A sucessão de cada contexto, de cada situação, foi abrindo o leque das
imagens compartilhadas, mobilizando o que estava esquecido, retraduzindo os já-ditos da
memória, do interdiscurso. A Cultura do Automóvel é esse ambiente espetacular de
profusão de discursos, tendo a Publicidade como um dos sujeitos mais atuantes.
3.2 Deixai-nos Cair em Tentação - Publicidade Mercadológica do Automóvel
Com o respaldo da enorme gama de imagens no Imaginário e dos programas
da Cultura do Carro, a Publicidade Mercadológica do Automóvel providencia o desfile de
seus estereótipos, cada um cumprindo zelosamente seu papel na promoção de várias atitudes:
3.2.1 Conquista do objeto - “Tenha um automóvel”
O automóvel é o astro principal. O foco da Publicidade no produto e nos
seus atributos físicos aparece, na grande maioria, por ocasião dos lançamentos (Figura 3),
54
quando é necessário destacar um diferencial, seja em relação à concorrência, seja na versão
nova de um modelo.
’3 .cP - !
307__PEUGEOT
Figiira 3‘Multiplexagem Peugeot. A tecnologia Peugeot em um único fio.’
Para o carro de luxo, o estereótipo utilizado nos anúncios transmite status,
fisticação, imponência, riqueza, conforto, exclusividade, para o homem que pode obter da
v.da tudo o que deseja, o próprio capitalista bem sucedido. Nos VTs, a cor é sóbria, tanto do
carro como do ambiente. As cenas são longas. Não há locução no decorrer do anúncio, apenas
na assinatura. A música é suave, quase sempre instrumental ou clássica. O carro está parado
para ser admirado como se admira uma jóia. Quando se desloca o faz devagar e
majestosamente, em pistas impecavelmente asfaltadas de centros urbanos requintados,
entradas de mansões ou marinas. O personagem principal é homem, tem mais de 40 anos, está
55
bem vestido e sozinho. No desenrolar do enredo, ele estaciona para apanhar uma mulher
loura, sofisticada, que está à sua espera.
Se o veículo for funcional, o estereótipo sugere praticidade, economia,
racionalidade, jovialidade e despojamento, para o homem no início da carreira ou a mulher de
forma geral. Os anúncios propõem a quebra do paradigma do grande automóvel
cinematográfico, apelando para uma atitude inteligente do consumidor Sugerem um novo
jeito de encarar o automóvel, mais próximo de sua função como meio de transporte, sendo por
isso um carro mais acessível (Figura 4).
De 0 a 100 no tempo suficiente.
Figura 4
As imagens mais inesquecíveis dos anúncios são o Cadillac rabo-de-peixe
na categoria de luxo e o Fusquinha mascote e a van de família, na categoria funcional.
A conquista do objeto é a primeira abordagem da Publicidade Comercial, a
mais imediata e a mais palpável. Ela vai se transferir para territórios mais subjetivos
acompanhando a história do automóvel, à medida que a ele são acrescentadas novas
roupagens do Imaginário. Isso também ocorre em nível micro, na evolução de cada produto,
desde o lançamento até a fase madura de manutenção de vendas.
56
3.2.2 Conquista do bem-de-consumo - “Compre agora’
Figura 5“Renault. Você tein mais alguns dias para aproveitar. Ou todo o tempo do mundo para lamentar. 0,49% dc juros a.m.”
O enfoque é na própria aquisição do automóvel, no preço, nas condições de
pagamento, na oportunidade de compra (Figura 5). É uma estratégia de regulação de estoques,
encabeçada pelas concessionárias. Dois estereótipos de contraste são postos na linha de
ataque: as marcas concorrentes e o consumidor que não aproveita a chance, o bobo.
A produção dos anúncios é despojada. A linguagem é bastante coloquial,
valendo-se muitas vezes do humor. Nos VTs, a locução acelerada soma-se à sucessão
frenética das imagens, sugerindo pressa ao consumidor, já que a promoção é por tempo
limitado (Figura 6).
« t t M nCASSOfil* W - íi
- 1 * :* g s • SOO* B i U M liV E . C®. M K 0 c m « o » « e r f . p i n t u r a , t - í f
SÓ SE FOR AfiORAÜRODACD E
y m
Figura 6
57
3.2.3 Conquista do tempo - “Corra e ultrapasse limites”
Figura 7•‘19:01 19:02 19:04 19:10 20:10 22:35Você não vai querer perder tempo com mais nada. [...] Honda Civic”
A velocidade é a meta, seja na otimização de tarefas diárias (Figura 7), seja
no entregar-se a ela pelo próprio êxtase que provoca. Cabem as comparações aos carros de
corrida e aos aviões (Figuras 8 e 9). Participam da cena as highways infinitas que se perdem
no horizonte, planas, aveludadas e desimpedidas, ao sabor do vento e do céu aberto,
imortalizadas por Hollywood. Highways que prescindem de destinos. Livres. O espírito de
liberdade converte-se, em seguida, em espírito de rebeldia. O risco fica ainda mais atraente.
Figura 8‘Marea Turbo. O carro mais rápido do Brasil.”
58
Figura 9‘Audi A3. Agora com 180 HP. Prepare-se. O Audi A3 permite acelerações muito rápidas e ultrapassagens seguras. Respeite as leis de trânsito e os limites de velocidade.”
3.2.4 Conquista da força - “Dome esta fera”
Figura 10"Pick-ups Chevrolet Série Especial Rodeio.[...] Mostre que você aprecia uma boa montaria e segure a sua. Belas, bravas e indóceis. Bem do jeito que você gosta.”
O automóvel toma emprestados os atributos dos animais velozes e
elegantes, como o cavalo e os felinos. Torna-se provido de vida. O estereótipo é rústico, como
os utilitários de fazenda (Figura 10), aventureiro e destemido, como os LandRover, voltado
59
para atividades e condições que requerem muita potência e resistência. Personagem freqüente
nos anúncios é a natureza exuberante e hostil, mas pronta para se render ao carro forte. Força
que corresponde à virilidade de seu motorista.
Mesmo quando o carro forte é adotado na cidade, em suas edições de luxo,
preservam-se seus instintos animais. Talvez porque a própria cidade tenha se transformado em
uma selva.
3.2.5 Conquista do sexo - “Deixe-se seduzir e seduza”
USADOS H O N D A
Na compra do seu usado Honda, você ganha SEGURO TOTAL por um ano.'
PLANTÃO HOJE ATE AS 1SH tazsasa
Figura 1I
O automóvel é provido de força, de raça, de vida. É possível ainda
reconhecê-lo como humano e dotá-lo de sentimentos, emoções, personalidade. Alma. Fazê-lo
capaz de atiçar paixões (Figura 11).
O grau de erotização é tamanho que toma possível ao automóvel assumir-se
como um sinuoso corpo feminino e encarnar também o espírito masculino: um ser
hermafrodita, pronto para saciar todos os desejos. O automóvel ora se metamorfoseia em
60
mulher que seduz - a noiva mecânica de McLuhan (1971) (Figura 12) ora em prótese do
homem que seduz.
Figura 12‘Peugeot 206. Só entende quem tem um ”
A Ferrari vermelha e resplandecente é a melhor representante, curvilínea e
arrebatadora. O vermelho é a primeira cor do espectro solar detectada pelo olho humano. Está
vinculado a sentimentos carnais e quentes, como paixão, excitação e perigo.
A mulher, como estereótipo, é quase sempre loura. A loura habita o
Imaginário como a diva, a deusa, tão diáfana, clara, asséptica. Sua imagem povoa os
anúncios de carros encarnada nas beldades arianas, sensuais e chiques.
O homem é jovem e desafiador, experimentando tudo o que a Publicidade
promete para quem tem habilidade.
Do outro lado dessa celebração de prazer, surgem os séquitos de
admiradores e invejosos.
61
Aborda-se o público invocando o espírito de grupo, o valor de pertença a
uma comunidade. A presença de personagens é maciça. Comparecem como aglutinadores e
porta-vozes do grupo as autoridades, pessoas famosas, artistas, pilotos consagrados e até as
próprias marcas, que se revestem de credibilidade pelos depoimentos e pela tradição.
O objetivo dos anúncios de conquista do grupo não é comercial Trata-se de
um tipo de Publicidade de manutenção, de reforço da marca, ou confirmação da escolha feita
pelo target.
A estratégia de fortalecimento da marca abrange a empresa de forma global,
não se detendo em um produto específico. O grupo, entretanto, não é visto como massa. Toda
a linha de automóveis é mostrada, mas em um segundo plano, como pano de fundo na vida de
cada consumidor (figura 13) - o consumidor jovem, do carro esporte ou carro forte, a família,
com o utilitário; o popular, com o funcional; o executivo, com o carro de luxo.
3.2.6 Conquista do grupo - “Entre para o clube”
Figura 13Jingle: “Pelas ruas e avenidas, pelos caminhos que a vida me leva, eu quero estar com você. [...] Ford. Fazendo seu caminho melhor.”
62
Cada carro parece especialmente produzido para um determinado nicho de
mercado, formando um elenco que resume todas as conquistas possíveis (objeto, bem-de-
consumo, tempo, força, sexo). Os vários segmentos são explorados exatamente para mostrar a
versatilidade da marca e sua preocupação em atender a todos, mas a cada um em sua
individualidade. Quem estiver em desacordo com os padrões de escolha predefinidos deve ser
expurgado para o bem do grupo.
Um mote recorrente é o nacionalismo, atrelado à idéia de progresso
proporcionado pela atuação da fábrica de automóveis no país. A Publicidade enaltece a
empresa anunciante tal como entidade de utilidade pública, ou seja, como importante,
necessária e até imprescindível para a comunidade.
3.2.7 Conquista de si - “Seja egoísta”
O estereótipo é um automóvel que sustenta seu discurso no poder de escolha
do consumidor, que pode optar pela cor, pelos acessórios, pelo financiamento e pela compra
via internet. Tudo dá a entender de que é um carro feito por encomenda e sob medida (Figura
14).
63
1 3 Chevrolet M icrosoft Internet Expiorer Fn cArquivo Editai Exfci Favoritos Ferramentas A yda = ,
4a . . . O Lã 4Volar Avança; Parar Atuakzar Pégna n o a l
a m <3Pesquisar Favoritos Histórico
B* #Correto Imprimir
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!l................. ................................................................................................................. l-tr1l J Conctiído ----------------------* r a r Internet
Figura 14“O Celta possui o motor mais potente da categoria. Foi feito sob medida para você, que exige alta tecnologia num carro econômico. É ver para crer. Monte o seu”.
3.2.8 Conquista do espaço — “Defenda seu território”
Ruas e estradas praticamente desertas. Este é o mundo dc Marlboro da
Publicidade de Automóvel, um mundo onde ainda é permitido desfrutar de tudo o que o carro
dispõe, com toda liberdade. E o sonho do carro solitário. Não há trânsito, com motos, ônibus,
outros carros, nem pedestres, nem guardas. Dirigir transforma-se em uma terapia. Exacerba-se
o individualismo (Figura 15).
Figura 15“Novo Ford Ka. O resto é passado.” Tudo se transporta para o passado, à medida que o Ka passa. A cidade atual existe agora somente para ele.
64
As categorias aqui enunciadas não esgotam o universo da Publicidade de
Automóveis. Também não seguem uma ordem ou uma seqüência. Ainda que se possam
distinguir as fases, primeiro as campanhas de lançamento, em seguida as de varejo ou de
marca, é importante frisar que uma fase não exclui outra e que os tipos de abordagem são
livremente utilizados e mesclados pelos publicitários, dependendo dos objetivos de marketing
e de comunicação que desejam atingir.
3.2.9 Regularidades
Nos VTs, a locução ou a fala ocorrem nas campanhas de varejo ou quando é
necessário explicar algum diferencial do carro. Ainda assim, aos poucos vêm sendo
substituídas por caracteres ou se deixam constar nos anúncios impressos.
Na grande maioria, a voz é masculina. O homem é muito mais freqüente
como personagem, em estereótipos de todo o tipo e no comando do veículo, ao passo que a
mulher quase sempre cumpre a função do objeto do desejo. Isso leva a entender que os
anúncios se dirigem mais intensamente ao público masculino. A ênfase, contudo, está se
diluindo, e as montadoras começam a atinar para os 40% do mercado referentes às mulheres.
Os personagens são brancos. Os negros são raros, restritos às campanhas de
marca (conquista do grupo) (ver Figura 13, 7o quadro).
Os anúncios abusam das cores; são discretos apenas nos carros de luxo e nos
carros solitários.
A água é um elemento constante na Publicidade de Automóvel, seja com o
veículo correndo na praia, atravessando rios, refletindo na placidez dos lagos, sob a chuva ou
deslizando por sobre poças nas estradas. A água remete a frescor; é visualmente plástica,
fluida, transparente e ao mesmo tempo refletiva. Cede gentilmente à passagem do carro,
65
indicando sua presença, espargindo-se, submetendo-se à sua força (Figura 16). Quando um
automóvel entra na água, mostra ser seguro, potente, resistente às intempéries e às condições
mais inóspitas. O mesmo ocorre quando percorre velozmente as estradas de terra e areia,
também freqüentes nos VTs.
Figura 16
São abundantes os jogos de luzes. O brilho na lataria é proporcionado pelas
lâmpadas de luz amarela da cidade, à noite. Esse efeito também se verifica em cenas feitas ao
pór-do-sol, a hora mágica dos fotógrafos.
O espírito que define a escala cromática também se revela na escala
musical, que por sua vez dita o ritmo das cenas. Carros solitários ou de luxo merecem trilhas
suaves, clássicas. Carros esporte pedem energia e carros sexies, clima.
Músicas populares cantadas ejingles aparecem nos anúncios de marca ou de
carros funcionais.
No áudio dos VTs, há uma unanimidade curiosa - a ausência absoluta do
ruído do motor do carro. Em pouquíssimos casos, ouve-se som de freadas, quando o
automóvel executa alguma manobra mais espetacular.
66
3.3 Vós que Tirais o Pecado do Mundo, Dai-nos a Paz... no Trânsito -
Propaganda Institucional Social de Segurança no Trânsito
Em dissonância com o paraíso prometido nas campanhas de automóveis, o
trânsito na prática se transforma no próprio inferno - engarrafamentos, estresse, guerra de
vaidades, perigo de morte. Logo surge a reação, na tentativa de reverter o quadro. Na verdade,
a preocupação com a violência no trânsito é anterior ao próprio automóvel tal como é
conhecido hoje. Como bem observa Jeffrey Schnapp (1999), o trânsito não é realidade tão
nova. Em sua magistral reconstrução antropológica da velocidade, o autor traz crônicas e
gravuras já do Século XVIII, inconformadas com os acidentes provocados por máquinas
diabólicas e seus condutores irresponsáveis. Mesmo na Mitologia Grega, é possível encontrar
episódios em que os abusos da velocidade não são perdoados pelos deuses. Entretanto, para
manter o foco no tema, serão abordados esforços mais atuais, ligados ao automóvel
propriamente dito.
As sociedades pressionaram os governos para a adoção de medidas de
contenção dos abusos, que vingaram na forma de leis. Equipamentos de segurança foram
paulatinamente acrescidos aos veículos; a estrutura viária passou por adequação e sinalização;
condutas foram disciplinadas. Dentre as providências, não podia faltar a regulamentação das
punições no caso de desobediência.
A Publicidade entrou como coadjuvante. As estratégias de conscientização,
prevenção e combate à violência tomaram dois caminhos: a manutenção do grupo,
demandada pela sociedade em geral; e a manutenção de si, voltada para um destinatário, o
motorista, individualmente. Frise-se que este destinatário está presente nos dois enfoques,
porque está incluído no grupo. No primeiro, evoca-se seu sentimento gregário; no segundo,
seu ego.
67
Utilizando terminologia semelhante à da Publicidade Mercadológica do
Automóvel, seguem as atitudes propostas pela Propaganda de Segurança no Trânsito, de
cunho social:
3.3.1 Manutenção do grupo - “Não atente contra a vida”
O grupo é formado pelos estereótipos das vítimas inocentes em
contraposição aos dos motoristas irresponsáveis. O rol dos motoristas irresponsáveis abrange
desde os estereótipos ineptos aos mais perniciosos: o distraído, o dorminhoco, o autoconfiante
em demasia, o que não respeita a sinalização, o apressadinho, o egoísta, o espertinho, o
bêbado inconseqüente, o sedutor exibicionista, o suicida potencial, o imbecil. O motorista é
demonizado. Suas atitudes são veementemente repudiadas. As conseqüências nefastas de seus
atos são experimentadas pelas vítimas inocentes, cujo grupo se subdivide em dois:
• Os outros - são os desconhecidos, os demais motoristas, os pedestres,
sem rosto nem história. Costumam aparecer nas estatísticas. A tentativa
dos publicitários é justamente re-humanizá-los, dar-lhes nome, como
nos testemunhais veiculados no Carnaval de 2000, em que as vítimas -
reais - narravam a dor causada por motoristas irresponsáveis (Figura
17).
Ricardo Debbio cocmsctaafc
Figura 17
68
• Os nossos - são as pessoas dentro do círculo íntimo dos motoristas. Há
o amigo da vez, que não bebe e dá carona ao resto da turma no final da
farra. E há outras vítimas inocentes, normalmente mulher e criança
(Figura 18), da família do motorista irresponsável. O apelo é no sentido
de proteger os entes queridos, sensibilizando o indivíduo que não mede
os efeitos de seu comportamento. A família é vitimizada em duas
circunstâncias: quando fica órfã do motorista que morre e quando ela
própria se envolve em acidente por culpa dele.
Figura 18Em um dos VTs da campanha do PARE, o garoto espera, apavorado, a colisão com o caminhão que vem na pista oposta. após a ultrapassagem irresponsável do pai.
3.3.2 Manutenção do espaço - “Preserve o ambiente”
Aqui o grupo reivindica a preservação do patrimônio coletivo, natural ou
construído. Estão inseridas as campanhas para que não se jogue lixo nas estradas (Figura 19),
nem pontas de cigarro na vegetação. No meio urbano, a preocupação se volta para a redução
da emissão de gases poluentes, a criação de zonas restritas nos centros históricos, o rodízio de
automóveis e o incentivo ao uso de transportes públicos.
Figura 19“Se você suja as estradas, suas férias viram um lixo."
69
Os anúncios dirigidos mais incisivamente ao motorista - Manutenção de si
- abordam os seguintes temas:
3.3.3 Manutenção do tempo - “Perca um minuto na vida, mas não perca a vida em um
minuto”
Pretende desqualificar o estereótipo da velocidade. Uma das justificativas
racionais está no fato de que, na cidade, a diferença entre dirigir a 60 km/h e a 80 km/h, em
termos de ganho de tempo, reduz-se a segundos, porque os trajetos são curtos. Em
compensação, a gravidade do choque é muito superior. Ou seja, retomo pequeno para risco
grande.
Se a opção é trabalhar com o lado emocional do destinatário, mostra-se a
velocidade como um prazer muito efêmero se comparado à segurança, ao amor da família, à
vida em si. “Quem anda muito depressa não vê o que está deixando para trás”, “não dirija
mais rápido que o seu anjo-da-guarda possa voar” são algumas ilustrações.
3.3.4 Manutenção do objeto - “Dirija seguro”
Essa é uma atitude também explorada pela Publicidade de Mercado e refere-
se ao automóvel como um bem. Estimula-se a revisão periódica, a aquisição de apólices de
seguro (Figura 20) e de outros itens de proteção física, como blindagem. O estereótipo é o
precavido, o tranqüilo, em oposição ao desprevenido que se arrepende tarde demais. Um
slogan de repercussão foi o de uma seguradora: “Carro. Ainda vão te roubar outro”.
70
1
FALTAS GRAVÍSSIMAS
D n ^ r na contramão em vu de nuo Multa de R$ 172,99 (130 U f lRs).
Transportar criança com m n w s de 10 aros no barco dafrente, Se o barro traseiro estiver totalmente ocapado por outras crianças 3 criança dt maior estatura poderá ocupar o banco dianteiro. Essa exceção não sc aplica ao transporte remunerado, como tãais e conduções escolares. Multa de R$ 172.99 (! 80 U SW i
e retenção do veículo até que a situação sejj. regularizada.
Figura 21Trecho de cartilha elaborada pelo PARE
A idéia é associar a cada infração de trânsito o valor correspondente à multa
(Figura 21) e as demais punições, como suspensão ou cassação da carteira de motorista e a
apreensão do veículo. Trata-se de um apelo para que o destinatário sinta o prejuízo no bolso e
71
em tudo o que representa ficar sem seu carro. A autoridade da lei é designada como
estereótipo.
3.3.6 Manutenção da força e do sexo - “Seja vivo”
Figura 22"Álcool e direção. Urna mistura estupidamente gelada”
São mensagens de extraordinário impacto devido à combinação de
elementos racionais - até mesmo científicos - e emocionais. A Rede de Hospitais Sarah
Kubitschek, especializada na recuperação do aparelho locomotor, aposta nessa abordagem. O
foco não se limita à morte (Figura 22), abrange a sobrevivência com seqüelas irreversíveis
(Figura 23). O público-alvo, jovens de 18 anos, é alertado quanto ao perigo de se ficar
paraplégico ou tetraplégico. A perda de movimentos e de sensibilidade, o comprometimento
da resposta sexual, a conseqüente situação de eterna dependência são os pontos mais
comentados, relacionados ao abuso da velocidade e do álcool e à não-utilização do cinto de
segurança.
72
Figura 23“Brazil is the World Champion in footkall. Infortunatelly, Brazil is also the World Champion in traffic accidents. Let ’s go, Brazil. Let ’s tose this World Cup. Fernando Araújo. One among a million Brazilians a yea r victim o f traffic accidents."
3.3.7 Regularidades
Em linhas gerais, as campanhas publicitárias sociais se apóiam no
reconhecimento de um problema que afeta a sociedade e na enumeração das respectivas
causas. Na maior parte das vezes, enfatizam como solução a supressão de cada causa
isoladamente Empregam com insistência o amedrontamento como tática persuasiva.
O destinatário é apontado como agente principal. Toda a responsabilidade
pelas causas do problema recai sobre ele, cabendo-lhe, portanto, interromper o processo. Para
convencê-lo disso, é necessário criar instâncias de identificação entre o destinatário e o
estereótipo que personifica o problema.
Uma dessas manobras de identificação consiste em trazer o destinatário
para dentro da cena, efeito produzido pela técnica da câmera subjetiva. Na câmera objetiva,
o destinatário é um espectador passivo. Acompanha as cenas de um ângulo externo. Na
câmera subjetiva, ele assume o ponto de vista do personagem, vê com seus olhos, sente na
pele os acontecimentos. Enquanto na câmera objetiva ele observa o carro na rua e o motorista
dentro, na subjetiva ele se vê no interior do carro, vê a estrada através do pára-brisa e a si
próprio como motorista (Figura 24).
73
Figura 24
A câmera subjetiva é raramente utilizada na Publicidade Mercadológica de
Automóvel, porque traz uma visão muito universal, generalizada, que se teria dentro de
qualquer carro. Não há o diferencial. Entretanto, é justamente seu caráter indefinido que a
torna recorrente na Propaganda Social, para atingir o maior número de pessoas possível, não
importa o carro que estiverem dirigindo.
Outros pontos denotam a diferença entre a Propaganda de Paz no Trânsito e
a Publicidade das montadoras:
• Destaque no personagem, no enredo ou no cenário - estradas asfaltadas
ou vias urbanas. O carro tem importância inferior;
• Ritmo nervoso das cenas, perda constante de enquadramento e nitidez;
• Ausência de efeitos especiais típicos dos anúncios mercadológicos -
jogos de luzes, água, terra;
• Cores apagadas ou cenas em preto-e-branco;
• Trilha sonora monótona, triste ou tensa. A exceção fica por conta de
anúncios que preferem aliviar o tema na base do humor (batida = beijar
o poste; derrapagem = sabão);
• Ruído aparente do motor do carro, da buzina, da freada.
74
O que há um comum nos dois tipos de campanha é patente na caracterização
dos personagens, com proeminência quase total de motoristas homens e brancos. A mulheres
estão geralmente no banco do carona.
75
4 ANÁLISE DE DOIS ANÚNCIOS
4.1 Rota 666 - VT de Lançamento do Fiat Brava
Figura 25
O personagem principal do VT do Brava é uma mulher, linda, loura,
sensual, audaciosa. Ela dirige de forma displicente e arriscada seu automóvel vermelho nas
ruas (quase desertas) de uma cidade grande, à noite, logo após uma chuva. Todos os outros
personagens que aparecem sucessivamente são homens, brancos e bem vestidos.
76
O primeiro homem está na faixa de pedestres. Ele se assusta com a freada
brusca da mulher. Close no volante do Fiat Brava. Caracteres brancos: “Volante com
regulagem de altura” . O segundo está em outro carro, que ela ultrapassa perigosamente. Ele
não parece se importar com a manobra, quando ela o flerta pelo espelho retrovisor.
Caracteres: “Air bag, side bag e ABS” . O terceiro é um pedestre que tenta atravessar a rua,
mas recebe um jato de água provocado pelo carro da moça. Caracteres: “Ar condicionado de
série” . O quarto homem está caminhando com seu cachorro. Ela pára o carro e abre o vidro.
Caracteres: “Vidro elétrico de série” . A moça sorri, insinuando uma carona. Ele não aceita e
justifica mostrando sua aliança de casado. Ela conforma-se e segue viagem, com uma
expressão que mescla decepção por não conseguir tudo e pena do homem, que perdeu uma
grande oportunidade.
Todas as cenas são carimbadas pelo locutor como “um pecado” : o avanço na
faixa de pedestres, a ultrapassagem perigosa, a passagem pela poça d’água, a paquera com um
homem casado. Ao final, a assinatura: “Fiat Brava. Pecado é não ter um.” Caracteres: “Fiat.
Movidos pela paixão” .
4.1.1 Interdiscurso
O VT do Fiat Brava parece bem original, pela sua ousadia. Contudo, basta
voltar um pouco nas campanhas de automóveis para reconhecer nele elementos do
Interdiscurso que já estavam presentes em VTs anteriores:
• Mulher loura;
• Carro esporte, vermelho, reluzente, como signo de status, riqueza,
poder, sensualidade;
• Velocidade e manobras arriscadas;
77
• Ruas molhadas;
• Jogos de luzes.
A Publicidade sempre vai mostrar carros velozes e reluzentes, não por falta
de criatividade, mas porque aposta numa fórmula de sucesso. Se é possível agrupar
campanhas de diferentes montadoras em razão dos mesmos tipos de apelo, isso deve-se a um
jogo de auto-referência que garante a continuidade da mensagem. Esse jogo transcende seus
limites quando, por associação, as empresas de autopeças, de pneus ou as petrolíferas se
aproveitam de um estilo já consolidado.
A paráfrase, a aposta no mesmo, assegura a manutenção de algo familiar
para que o destinatário pegue o gancho, conecte com as impressões que já tem. O totalmente
novo tende a enfrentar repulsa e resistência.
A polissemia, a novidade que dá certo tom incomum ao VT, está presente
nos jogos de linguagem. No VT, distingue-se a correspondência entre as manobras da
motorista e os itens disponíveis no Brava, constantes das legendas - a ultrapassagem brusca e
os dispositivos de segurança; o jato d’água, compulsoriamente refrescante, e o ar-
condicionado; a paquera e o vidro elétrico. Chega-se a um resultado que não seria possível
somente com a seqüência de cenas ou somente com a seqüência de caracteres, isoladamente.
A junção de ambas constitui uma metáfora de conjunto ou, no jargão publicitário, uma gag.
Inúmeras podem ser as combinações entre visual e legendas, infinitas formas de se dizer a
mesma coisa, aproximando inclusive o que à primeira vista não parece guardar nenhuma
relação. Não por acaso a gag é tão utilizada na Publicidade.
Outro aspecto de certo caráter polissêmico aparece na escolha do motorista:
uma mulher. Normalmente, ela está esperando o homem, o motorista viril que domina a
máquina vermelha e possante, ou ao seu lado, no banco do carona. O VT do Brava põe a
78
mulher ao volante. Seria um reflexo da revolução feminista? Finalmente, as mulheres
estariam sendo equiparadas aos homens? Uma observação mais acurada não confirma essas
suspeitas. A começar pela cena, menos nova do que aparenta. Um VT da Chrisler, ainda em
preto e branco, é protagonizado por uma loura. O locutor alerta, entretanto, para o fato de a
garota ser apenas “um item opcional do Chrisler”. A mulher da Fiat comete uma série de
infrações. A todo momento, o Locutor (um homem) rotula seu comportamento como sendo
“um pecado”. Pelas estatísticas, a mulher é uma motorista muito mais prudente. Há até
descontos para ela nas seguradoras. Entretanto, seu estereótipo continua sendo de motorista
inábil. O VT do Brava não dá à mulher a carta branca para que ela aja como homem, de forma
ousada. Pelo contrário, estigmatiza sua posição no trânsito.
Outra questão: a mulher é menos suscetível às promessas da Publicidade de
Automóvel, quando o carro é para si própria. Ela compra o carro útil, funcional.
Contraditoriamente, impressiona-se com o carro esporte ou de luxo quando eles são
conduzidos por homens. Se ela adota o sentimento infantil do homem e se deixa seduzir por
esses carros, não se iguala a ele de forma positiva pela ousadia: encaixa-se no estereótipo da
mulher loura, ignorante e fútil.
Para o público feminino, o estereótipo do Brava não funciona como
espelho, nem projeto, nem mito. Não é sequer contraste, porque é provocação, ironia, não
tenciona originalmente alertar as mulheres para que ajam de forma diferente. A figura da
mulher no VT enquadra-se como objeto do desejo. A mensagem dirige-se, portanto, ao
público masculino.
Nada impede que uma mulher queira comprar o Brava. Ela, nesse caso, não
se sente atingida pelas insinuações, não se importa ou até quer provar que está acima disso.
79
4.1.2 Atitudes propostas
O VT prega essencialmente a conquista do sexo: “Deixe-se seduzir e
seduza”. Em nível secundário, está a conquista do objeto, com a descrição de elementos do
carro. Por se tratar de um lançamento, pede-se ação próxima - a compra no auge da moda.
4.1.3 Contrato
A Publicidade promete ao consumidor do Brava um carro potente,
confortável, bonito o bastante para chamar a atenção, a ponto de as outras pessoas perdoarem
qualquer deslize; tão seguro que sobreviva às mãos de uma loura. A mensagem embutida é:
“Se uma mulher barbeira consegue tudo isso do carro, imagine o que vai conseguir você, que
é homem”.
80
4.2 O Inferno Está Cheio de Boas Intenções - VT do Programa de Redução
de Acidentes nas Estradas (PARE)
Figura 26
Um homem e uma mulher saem de uma festa, à noite. Ele está visivelmente
alcoolizado. Ela demonstra desconforto com a situação, mas se resigna. Ele assume o volante
de seu carro e, ao tentar sair do estacionamento, colide com o carro de trás. Dá uma risadinha
amarela.
81
Close em uma placa com a velocidade permitida, de 50km/h. Close no
velocímetro do carro: mais de 80km/h. Na insistência da mulher de que está sendo
imprudente, o homem alega que ela está se preocupando á toa e liga o rádio. Novamente, ela
conforma-se.
Ele ultrapassa um sinal vermelho, para o qual ela chama a atenção, mas é
tarde demais. Surge um caminhão no cruzamento e o acidente é inevitável. Contudo, o
acidente não ocorre: tudo não passou de um sonho. O homem está na festa, como no início, e
acorda, em um misto de susto com o pesadelo e alívio por não ter sido real.
Entra a locução, em o/f. “No trânsito, nem sempre é possível ter uma
segunda chance.” A mulher o convida a ir embora, ao que ele responde: “Vamos sim, mas
você dirige.” Ela concorda: “Tudo bem, não bebi nada mesmo...” A voz dela é encoberta pela
do locutor: “Dirija com responsabilidade.” Na parte inferior da tela, surgem os caracteres:
“Proteja a vida de quem você ama.” Em seguida, a assinatura: “Governo Federal”. São vários
símbolos, o do Programa de Redução de Acidentes nas Estradas (PARE), em destaque, o do
Ministério dos Transportes, o do Ministério da Justiça e o do Governo Federal.
A narrativa se apóia principalmente no estereótipo masculino. Tudo é
centrado nele. E esse é o primeiro impacto no público que assiste ao VT. Reproduzindo a
ordem de impactos, sucedem o estereótipo feminino, o ambiente, o enredo e a mensagem
final, que pode ser sintetizada em: “Se beber, não dirija, sob pena de causar um acidente e
morrer ou matar quem você ama” .
4.2.1 Interdiscurso
O teor, forte e dramático, é reincidente nas campanhas de prevenção de
acidentes no trânsito no Brasil. A herança interdiscursiva provém da Publicidade Social nos
82
Estados Unidos, que acredita no choque para comover o destinatário e aumentar o recall da
mensagem, adotada largamente no Brasil.
Durante o sonho, as cores são frias e a música é tensa. No final, quando o
homem acorda, dão lugar a tons quentes e música mais leve. A Locução, porém, continua
grave até a assinatura.
As cenas são rápidas, alternando câmera objetiva (o casal, o carro) e
subjetiva (a sinalização de trânsito, o painel do carro).
O protagonista é homem, branco. A mulher está no banco do carona.
4.2.2 Atitudes propostas
“Proteja a quem você ama” - atitude de manutenção do grupo (os nossos),
que inclui o motorista, afinal ele pode muito bem amar a si próprio. A mulher cumpre a
função de amigo da vez. Pelo contraste, esperam-se três inações - não dirigir após beber, não
ultrapassar os limites de velocidade e não avançar o sinal vermelho, conforme seqüência do
filme. Pelo desfecho, insinua-se uma alternativa de ação próxima - “Dê a chave do carro a
quem não bebeu”.
4.2.3 Contrato
A proposta do VT, aparentemente clara, esbarra em alguns problemas: A
ameaça se esvai pela imprecisão: “no trânsito, nem sempre é possível uma segunda chance”.
A promessa, um pouco eclipsada pela assinatura, aparece subentendida no fim: “confie em
sua mulher e ela ficará agradecida” .
83
As falhas no contrato vêm acompanhadas de vários paradoxos, incoerências
internas das mensagens, que podem estar prejudicando a eficácia simbólica esperada para esse
discurso:
4.2.4 Paradoxos na escolha de estereótipos
O personagem principal é um homem, alto, branco, magro,
presumivelmente de alto poder aquisitivo (seu carro é um Toyota, preto, novo). Ele está com
uma mulher, e parece nutrir uma relação estável com ela, seja como namorada ou esposa. Ao
sair da festa, ele demonstra embriaguez, pelo andar cambaleante, pelos olhos espremidos, pela
voz. A mulher não apresenta sinais de ter ingerido álcool. Está lúcida e preocupada com as
reações do companheiro, que insiste em dirigir. Ele tenta tranqüilizá-la, mostrar que ela está
exagerando, afinal, sente-se em condições de guiar o automóvel. A história pretende
corresponder ao que ocorreria com freqüência: o homem alcoolizado que prefere dirigir a
entregar o carro para a mulher; o próprio efeito do álcool potencializando a sensação de
domínio e autoconfiança; a mulher considerada inábil, mesmo lúcida; a mulher que reclama
sem razão, chegando até a ser inconveniente; por fim, a confirmação de que ela estava certa
apesar de não ter impedido a ação dele: um acidente de trânsito.
O primeiro paradoxo ocorre porque o destinatário homem não se identifica
com o personagem masculino. Trata-se de um estereótipo de contraste, o bêbado importuno,
tão carregado que chega ao caricato. Para os homens, inteligente é saber beber, nunca perder
o controle.
No VT do PARE, a mulher é a personificação da consciência. E ela que
alerta para os perigos aos quais o homem está exposto com seu comportamento. A mulher na
direção é mais consciente, mas os homens não reconhecem esse fato. Atribuem a ela os
84
acidentes, por serem, segundo eles, inábeis e lentas. Dessa forma, o apelo do VT é esvaziado,
porque os homens tendem a se aborrecer com os palpites femininos. Por outro lado, muitas
garotas apreciam a coragem de garotos que se arriscam.
O acidente não chega a ser uma surpresa. O personagem masculino merece
mesmo ser punido: um a menos para conturbar o trânsito. Para as mulheres, também a moça
do VT merece condenação: não agiu com firmeza, aceitou os argumentos de um chato
perigoso.
Outro ponto a ser destacado é a projeção. O destinatário não se identifica
com o estereótipo de contraste e por isso quer que ele seja castigado no final (sofra um
acidente, receba uma multa). E mais: passa a projetá-lo nos outros motoristas, julgando-os
culpados da problemática e criando uma tensão todas as vezes que está no trânsito. O trânsito
passa a ser uma campo de batalha onde todos são inimigos, ninguém é confiável.
Tudo indica o destino trágico, inclusive a atmosfera cromática e a trilha
sonora, carregadas desde o início do VT. Entretanto, os personagens não morrem no fim. Foi
um pesadelo. Essa é uma artimanha, uma dissimulação, porque o Governo prefere esconder-se
na ambigüidade para eliminar a certeza e isentar-se da possível atribuição de culpa, na
incapacidade de prever se os comportamentos certamente resultarão em acidentes.
Outro paradoxo é mostrar o personagem em alto grau de embriaguez.
Pesquisas da Rede Sarah de Hospitais revelam que mais de 50% dos acidentes ocorrem
porque o motorista está alcoolizado, mas não bêbado, trocando as pernas ou com fala
embargada. O álcool age de maneira diferente para cada pessoa e para cada situação. Às vezes
basta uma pequena quantidade, até menor do que a aceita pelo Código de Trânsito, para
deprimir o sistema nervoso, inibir o reflexo, suspender o julgamento, exagerar a
autoconfiança, desconcentrar, reduzir a visão e a audição e afetar o equilíbrio do motorista. E
é nesse estágio de autoconfiança que ele mais se arrisca.
85
Mensagens amedrontadoras são frágeis. Para Peter Senge (1999, p.203), que
estuda processos de aprendizagem do indivíduo e do grupo, objetivos fundados em medo são
inevitavelmente a curto prazo. Nesses casos, só há motivação enquanto persiste o
intimidamento.
As montadoras de automóveis cedo descobriram como neutralizar as
ameaças dos VTs contra a violência no trânsito, refutando-as pela presença dos itens de
segurança no carro: freios ABS, barras laterais, air bags. As companhias de seguro fomentam
a criação de um espírito de confiança, bem como os cursos de direção defensiva. Em outro
nível, não menos importante, os carros são benzidos e ornados de amuletos protetores, como
adesivos “Propriedade de Jesus”, fitas do Senhor do Bonfim, imagens de santos.
O amedrontamento pode ainda surtir resultados funestos quando contribui
para o comportamento inverso, em vez de evitá-lo. O maior índice de acidentes no Brasil
verifica-se na faixa etária próxima aos 18 anos, idade mínima para tirar a carteira de
habilitação. Dirigir significa, para esses jovens, a transição para um mundo antes inacessível,
uma espécie de passaporte para a vida adulta. Eles querem provar que são corajosos e têm
habilidade para entrar nesse mundo, por isso se entregam a situações de risco.
Outra contradição está no apelo - pedir às pessoas que dirijam mais devagar
em função da preservação da coletividade. Para elas, é incompatível pensar no coletivo
quando se está dentro do maior símbolo de individualidade, o automóvel.
O enunciador não pode afirmar com certeza que, se o destinatário não acatar
a mensagem, sofrerá um acidente. Por isso, no VT conta com o subterfugio de mostrar que
tudo não passou de um sonho. O argumento exibe sua inconsistência: se o homem
(personagem principal) não seguiu os conselhos da mulher que escolheu para ser sua
4.2.5 Paradoxos na construção da mensagem
84
acidentes, por serem, segundo eles, inábeis e lentas. Dessa forma, o apelo do VT é esvaziado,
porque os homens tendem a se aborrecer com os palpites femininos. Por outro lado, muitas
garotas apreciam a coragem de garotos que se arriscam.
O acidente não chega a ser uma surpresa. O personagem masculino merece
mesmo ser punido: um a menos para conturbar o trânsito. Para as mulheres, também a moça
do VT merece condenação: não agiu com firmeza, aceitou os argumentos de um chato
perigoso.
Outro ponto a ser destacado é a projeção. O destinatário não se identifica
com o estereótipo de contraste e por isso quer que ele seja castigado no final (sofra um
acidente, receba uma multa). E mais: passa a projetá-lo nos outros motoristas, julgando-os
culpados da problemática e criando uma tensão todas as vezes que está no trânsito. O trânsito
passa a ser uma campo de batalha onde todos são inimigos, ninguém é confiável.
Tudo indica o destino trágico, inclusive a atmosfera cromática e a trilha
sonora, carregadas desde o início do VT. Entretanto, os personagens não morrem no fim. Foi
um pesadelo. Essa é uma artimanha, uma dissimulação, porque o Governo prefere esconder-se
na ambigüidade para eliminar a certeza e isentar-se da possível atribuição de culpa, na
incapacidade de prever se os comportamentos certamente resultarão em acidentes.
Outro paradoxo é mostrar o personagem em alto grau de embriaguez.
Pesquisas da Rede Sarah de Hospitais revelam que mais de 50% dos acidentes ocorrem
porque o motorista está alcoolizado, mas não bêbado, trocando as pernas ou com fala
embargada. O álcool age de maneira diferente para cada pessoa e para cada situação. Às vezes
basta uma pequena quantidade, até menor do que a aceita pelo Código de Trânsito, para
deprimir o sistema nervoso, inibir o reflexo, suspender o julgamento, exagerar a
autoconfiança, desconcentrar, reduzir a visão e a audição e afetar o equilíbrio do motorista. E
é nesse estágio de autoconfiança que ele mais se arrisca.
85
Mensagens amedrontadoras são frágeis. Para Peter Senge (1999, p.203), que
estuda processos de aprendizagem do indivíduo e do grupo, objetivos fundados em medo são
inevitavelmente a curto prazo. Nesses casos, só há motivação enquanto persiste o
intimidamento.
As montadoras de automóveis cedo descobriram como neutralizar as
ameaças dos VTs contra a violência no trânsito, refutando-as pela presença dos itens de
segurança no carro: freios ABS, barras laterais, air bags. As companhias de seguro fomentam
a criação de um espírito de confiança, bem como os cursos de direção defensiva. Em outro
nível, não menos importante, os carros são benzidos e ornados de amuletos protetores, como
adesivos “Propriedade de Jesus”, fitas do Senhor do Bonfim, imagens de santos.
O amedrontamento pode ainda surtir resultados funestos quando contribui
para o comportamento inverso, em vez de evitá-lo. O maior índice de acidentes no Brasil
verifica-se na faixa etária próxima aos 18 anos, idade mínima para tirar a carteira de
habilitação. Dirigir significa, para esses jovens, a transição para um mundo antes inacessível,
uma espécie de passaporte para a vida adulta. Eles querem provar que são corajosos e têm
habilidade para entrar nesse mundo, por isso se entregam a situações de risco.
Outra contradição está no apelo - pedir às pessoas que dirijam mais devagar
em função da preservação da coletividade. Para elas, é incompatível pensar no coletivo
quando se está dentro do maior símbolo de individualidade, o automóvel.
O enunciador não pode afirmar com certeza que, se o destinatário não acatar
a mensagem, sofrerá um acidente. Por isso, no VT conta com o subterfugio de mostrar que
tudo não passou de um sonho. O argumento exibe sua inconsistência: se o homem
(personagem principal) não seguiu os conselhos da mulher que escolheu para ser sua
4.2.5 Paradoxos na construção da mensagem
86
companheira, por que irá acreditar em um sonho? Por sucessão, o destinatário do VT tem
menos chance ainda de dar crédito a isso: um sonho, de um estereótipo de contraste, dentro
de um anúncio publicitário!
O problema do álcool é mais um aspecto perturbador, tratado no VT do
PARE com um assustador simplismo. Alcoolismo não se reduz a acidente de trânsito. Destrói
famílias, relações sociais. Entretanto, o PARE aceita que se beba. Apenas que não se sente ao
volante em seguida.
A mesma velocidade que mata também pode salvar. Não existe, aliás, nada
que seja totalmente benéfico ou totalmente prejudicial. Que recado dão ambulâncias,
caminhões de bombeiro ou viaturas policiais - todos carros ligados ao poder público - quando
cruzam a cidade em disparada? E por que esse mesmo argumento não pode ser usado pelo
motorista comum? Nem sempre se vivência uma situação de emergência, é claro. Em muitas
vezes, acelera-se por puro exibicionismo. O exemplo, porém, demonstra o quanto é intrincada
a problemática do trânsito, tão repleta de dualidades.
Finalmente, a maior contradição: desejar acabar com a violência no trânsito
utilizando para isso enredos violentos. Já nos anos 60, perguntava McLuhan (1971, p.47):
Não parece ev idente que quando se força uma situação a um ponto extremo de saturação, o resultado mais provável é a precipitação? [...] O espetáculo da brutalidade empregado como dissuasão pode brutalizar.
O autor, ao se referir à insistência desse tipo de apelo, completa: “o
entorpecimento é o resultado óbvio de todo terror prolongado. [...] A indiferença é o preço da
eterna vigilância” (MCLUHAN, 1971, p.47).
87
Durante muito tempo, criticou-se o destinatário pela sua apatia, pela
alienação de fazer parte de um grande rebanho, a massa. Em movimento contrário, ele
buscou, a todo custo, uma identidade própria, algo que o individualizasse. E agora é acusado
por isso. Os VTs de segurança no trânsito se contradizem duplamente: enviam uma
mensagem única para toda a audiência, fazendo uso das estratégias da indústria publicitária e
dos meios de comunicação de massa; e mostram, o tempo todo, situações individuais:
• as vítimas estão sozinhas, separadas dos causadores de acidentes;
• a preocupação é com a pessoa que se ama, a família, e não o restante.
Ninguém discute a sobrevivência do motorista de caminhão, que vinha
em sentido oposto ao do carro do protagonista;
• na prática, mesmo que a pessoa transforme seu comportamento e siga
todas as recomendações da campanha, não está livre de se envolver em
acidentes, pois o trânsito é uma entidade coletiva e imprevisível. Vejam-
se, por exemplo, as vítimas de VTs testemunhais, que estavam com o
carro estacionado.
Os anúncios não são direcionados para um público específico, mas para
todo o segmento da sociedade formado por motoristas e pedestres. Ao pretender atingir todo
mundo, dispersam-se e não atingem ninguém em profundidade. Esquecem uma das
propriedades do estereótipo, a especificidade, o que lhe impede de ser universal.
4.2.6 Paradoxos na segmentação
88
Em um vídeo institucional de síntese dos dados das campanhas de paz no
trânsito, o Governo admite que acidentes, infelizmente, continuaram a ocorrer. O que
impressiona é a fala do apresentador do vídeo em seguida: “Mas o Governo Federal teve sua
iniciativa reconhecida publicamente pelas instituições participantes, por toda a imprensa e
pela maioria da população brasileira”.
Abre-se um novo viés na especificação dos objetivos das campanhas do
PARE. Seriam menos Propaganda Social e mais Propaganda Política, de promoção da marca
do Governo? Por que as pesquisas se detiveram em índice de lembrança e aceitação da
mensagem, e não na busca de resultados concretos?
Por que o Governo assumiu a responsabilidade de assinar essas campanhas?
E certo que existe uma preocupação com prejuízos econômicos oriundos da violência no
trânsito. Segundo informações do site do PARE (2000),
O Banco Mundial, cm seu relatório de 1994. aborda o problema do desperdício de recursos materiais, e principalmente humanos, nos acidentes de trânsito. O resultado das avaliações do Banco conduzem a 20 bilhões de dólares/ano com um total de 500.000 pessoas mortas. 15 milhões de feridos e/ou inválidos, geralmente pertencentes à faixa etária mais produtiva da população de cada nação.
Ingenuidade esperar que a Publicidade, ainda que estivesse isenta de
qualquer paradoxo em seu discurso, fosse suficiente para frear essas estatísticas. Mas se seu
poder se mostrou tão limitado, por que o Governo investiu tanto nesse tipo de campanha (uma
verba anual superior a R$ 20 milhões)?
O trânsito é uma realidade complexa. Pelas pesquisas do PARE, 90% dos
acidentes ocorrem presumivelmente por falha humana (falta de atenção, excesso de
velocidade, bebida, sono, desobediência à sinalização, desrespeito ao pedestre). Os outros
4.2.7 Paradoxos nos objetivos
89
10% seriam em decorrência de defeito mecânico no veículo, defeito na via ou na sinalização.
Tomar essa proporção de forma isolada é incorrer em erro.
A problemática do trânsito no Brasil não se limita ao comportamento
indevido de motoristas e pedestres. A C ultura do Automóvel encontrou terreno tão fecundo
no País que se alastrou quase irreversivelmente, tolhendo as alternativas a ela. As cidades se
desdobraram para servir à frota cada vez mais numerosa de veículos, em detrimento da
estrutura do transporte de massa.
O automóvel acabou se transformando em mal necessário. Quanto mais essa
crença se confirma, mais ela se prolifera, ciando um ciclo vicioso, verdadeiro promotor de
violência no trânsito.
O Governo, com suas campanhas publicitárias, pode não resolver a questão,
mas se desvencilha de sua parcela de culpa. O objetivo do VT, assim, desloca-se da atitude de
inação do motorista irresponsável para atitudes de disponibilidade positiva (boa vontade) e
não-reação (de oposição ao Governo), dirigidas a toda a sociedade. O Governo consegue
projetar sua marca tal qual instituição preocupada com a população e ainda colher louros pela
iniciativa, não tão altruísta como poderia se supor em um olhar mais superficial.
E o outro componente do enunciador, os publicitários? Será que eles se
incomodam com os resultados insuficientes? Depende do ponto de vista. Em nome da
difundida responsabilidade social, há Agências de Publicidade dispostas a criar de graça para
instituições. Livres da prestação de contas que normalmente devem às empresas comerciais
em termos de aumento no volume de negócios, elas desfrutam de espaço ideal para vôos
criativos, que lhes creditam vários prêmios, fortalecendo suas próprias marcas. Nesse caso, os
resultados, pelo contrário, são bastante animadores. Logicamente, não se excluem os
profissionais engajados de fato, que ainda persistem na busca de saídas para a problemática.
90
O enunciador faz questão de se revelar na assinatura do VT: é o Programa
de Redução de Acidentes nas Estradas (PARE). O nome é sugestivo. Trata-se de um órgão do
Ministério dos Transportes, uma instituição governamental. A sigla não é um acróstico
perfeito, mas um arranjo das letras iniciais. Também é alusiva à placa de regulamentação de
parada obrigatória, a única vermelha e de formato octogonal na coleção do Código Brasileiro
de Trânsito. O imperativo não dá margem a dúvidas, é taxativo. Resume o teor das campanhas
assinadas - PARE - de correr, de dirigir após beber, de se arriscar - , todas atitudes de inação.
O destinatário tende a dar mais credibilidade à mensagem na medida em que
confia no enunciador. Essa confiança se processa em outras experiências, temporais e
paralelas, ou seja, em como esse enunciador tem se comportado anteriormente e de que outros
discursos paralelos está se utilizando. O que o Governo tem feito no tocante às providências
de responsabilidade exclusiva sua? Essas experiências estão condizentes com a mensagem do
VT? A indústria de multas, a impunidade, a falta de manutenção de vias e da sinalização
parecem em desacordo com as atitudes propostas ao público.
4.3 Análise Comparativa dos Anúncios
A comparação entre objetos simbólicos do corpus é um dos instrumentos
preconizados na metodologia da Análise do Discurso. Diferenças encontradas auxiliam na
interpretação; o que está presente em um chama a atenção para o que está ausente no outro
Os objetivos dos dois VTs são bem distintos. Um é comercial, o outro,
institucional (parte social, parte político).
4.2.8 Paradoxos na relação enunciador - destinatário
91
O VT do Brava aparentemente compele a dirigir sem prudência. O do PAREr
prega o oposto. E muita petulância da Fiat ensinar a cometer infrações. Mas ela tem um álibi,
uma árvore genealógica frondosa e antiga, com anúncios de automóveis correndo e fazendo
todo tipo de loucura. O Brava pode se defender, alegando que ao menos foi sincero, ao
confessar seus pecados.
Um dos pontos focais na análise conjunta dos VTs está na comparação entre
os personagens femininos:
Brava PARE lLoura Morena
Motorista| í Carona
Imprudente {versus homens prudentes) Prudente {versus homem imprudente)
Sozinha Acompanhada1 —- .....
Final ruim | Final feliz - termina o VT como motorista
Os desfechos surpreendem A mulher do Brava não é correspondida em sua
insinuação e termina sem-graça. Não deixa de ser um castigo, por todos seus pecados. Para
consumidoras mais puritanas, pode até soar como vingança, em defesa da esposa do homem
que passeia com seu cachorro.
A mulher do PARE, por sua vez, alegra-se com a confiança demonstrada
pelo parceiro, que desperta de um pesadelo e se convence a ser mais cauteloso, permitindo
que ela dirija. A chave do carro, inexplicavelmente, já está na mão dela.
Homem e mulher do PARE saem ilesos, redimidos e recompensados, após
todos os percalços. Acordaram a tempo. De certo modo, a motorista do Brava também tem
sua redenção, com a intervenção final do Locutor: “Fiat Brava. Pecado é não ter um”. Ou seja,
pecado, mesmo, é não ter um Brava. O resto se reduz a filigrana.
92
Em outro estágio da interpretação, checa-se a atuação dos estereótipos
diante das circunstâncias mostradas e seu poder de suscitar atitudes no público. Em outras
palavras, cabe investigar se os VTs despertam no destinatário o desejo de transferir para a
realidade dele as experiências retratadas, de estar na pele dos personagens.
No VT do Brava, o Locutor considera “um pecado” o assédio da moça ao
homem casado. Essa fala pode ter outras traduções. “Um pecado” pode ser a negativa do
homem. Outros talvez não dispensassem a paquera. A expressão da moça também é ambígua.
Pode ser frustração mas pode ser soberba e comiseração: “não sabe o que está perdendo...”
“Fiat Brava. Pecado é não ter um”, completa o Locutor. A moça, portanto, pode nem ter se
importado por terminar sozinha. Afinal, ela tem um Brava. Não precisa de mais nada. Ponto
para ela e ponto para as consumidoras que apreciam essa independência. Quanto aos
consumidores do sexo masculino, também eles gostariam de estar dirigindo um Brava, um
carro extraordinário, acima do bem e do mal. Ou de estar na pele do homem casado, fosse
para aceitar ou para repetir o ato dele. Ser assediado faz bem ao ego, mesmo tendo que se
negar.
O homem do PARE não goza de posição cômoda. Para ter dormido no meio
da festa, ele deveria estar sozinho, sem amigo nenhum. Nem a mulher lhe fazia companhia
(ela chega depois, por trás dele). Festa chata. Bêbado chato. Quem gostaria de estar na pele
dele? Ninguém. E na dela? Ninguém. Esse VT não seduz. Não desperta interesse. É falho no
cumprimento de sua função.
O anúncio da Fiat incita a vontade de se ter um automóvel pela alta
expectativa de funcionamento, ao mostrar a sensação de individualismo, superioridade e
frisson que ele indiscutivelmente provoca. Mesmo que o desejo não se traduza no consumo do
Brava, a Fiat contribui para reafirmar a Cultura do automóvel e impulsionar sua indústria.
93
O consumo de sentidos do VT do PARE também se efetiva, na medida em
que as pessoas concordam com a utilidade da mensagem. A diferença está na apropriação.
Enquanto o Brava compele o destinatário a conquistar o automóvel para si, o PARE o induz a
ver a manutenção da segurança no trânsito como dever dos outros.
Em suma, deve-se ter em conta que os dois enredos estão a serviço de
propósitos específicos, não foram criados para se fechar na saga pessoal dos personagens.
Têm uma função a cumprir, são anúncios publicitários. Após a interpretação do que está na
superfície, a receita pregada na mensagem inicial sobre qual atitude tomar (“compre o
Brava”; “se você bebeu, deixe que outra pessoa dirija”), é necessário observar como ocorre a
inserção dos sentidos, mobilizados no discurso, no cotidiano do público. Em primeiro
momento, os dois VTs lidam de forma semelhante com a questão da segurança no trânsito
quando relacionam pecados e castigos (ainda que esse não seja o objetivo da campanha
comercial do Fiat Brava), mas funcionam de maneira totalmente distinta no âmbito da
Publicidade tal qual prática discursiva.
94
5 GUERRA SANTA NA PUBLICIDADE - SOCIAL VERSUS
MERCADOLÓGICO
5.1 Primeiro Round
A estratégia de ataque à Publicidade de Mercado é uma teimosia da
Propaganda Institucional Social, inócua ou apenas provisória. E inútil exigir ou esperar
altruísmo da Publicidade de Mercado. Ela é essencialmente um negócio. Só recorre ao outro e
ao grupo quando pressente a expectativa do indivíduo.
A Publicidade de Mercado reúne a Publicidade Comercial e a Propaganda
Institucional Empresarial. Aparentemente, é um aglomerado solidário de sentidos que sempre
se ratificam uns em relação aos outros. Entretanto, a regra é o embate e não a uniformização.
Nos anúncios de automóveis, em termos de tipologia, o carro funcional é a antítese do carro
de luxo; aquele constrói sua justificação desconstruindo o que é valioso a este. O carro de
luxo, sóbrio, contrasta com o carro esporte, exibicionista. Dentro da mesma empresa, o
modelo do ano sobrepuja o modelo antigo. Dividindo o mercado, as marcas estão em perene
confronto. Quanto aos estereótipos, o estereótipo da mulher motorista não coincide com o do
homem motorista e assim por diante. As divergências são eficazes na segmentação do público
e do mercado. São úteis para manter a ilusão de variedade, de produção individualizada,
personalizada.
A escolha do consumidor sempre é uma renúncia, ainda que ele não
perceba. A opção pelo carro funcional significa abrir mão do conforto, da beleza ou do
desempenho do carro de luxo, do carro esporte ou do carro forte (Figura 27). Em
compensação, a Publicidade do carro funcional vai munir de argumentos racionais o
consumidor para que ele realize sua compra acreditando estar obtendo o melhor custo-
95
beneficio. Também vai lhe propor um estereótipo a alcançar, um que satisfaça seus anseios
emocionais, derivado de sua escolha: inteligente, prático, econômico.
Quer luxo, compre o Santana.
Figura 27
As diferenças entre os carros de luxo, esporte, forte, popular são bem
marcadas pelo que é enfatizado na Publicidade de cada um, pelos estereótipos que figuram
nos anúncios. O jogo se estende, na preferência por uma marca, pelo melhor momento para a
compra, por um modelo da moda ou por um exclusivo, todas bem fundamentadas.
Há, ainda, brechas pelas quais o consumidor enquadrado em determinado
estereótipo pode conseguir uma pequena amostra de outros estereótipos mais sofisticados. É o
que Faith Popcorn (1993, p.35-36) chama de pequena indulgência uma recompensa material,
uma ajuda de luxo com o que há de melhor em certa categoria. Se não há como ter um Rolls
Royce, compra-se um chaveiro da marca. Se o Porsche é muito caro, há como adquirir o jogo
de rodas de liga leve que saem de fábrica nesse automóvel. Às vezes, basta o emblema para
que o consumidor se sinta um pouco possuidor da marca, como no caso da Audi (Figura 28).
96
Figura 28"Todo inundo sonha com um Audi".
Em síntese, a Publicidade de Mercado sabe lidar com as divergências e até
tira partido delas. A oposição até ajuda no posicionamento - é mais fácil se situar quando já
existe uma referência. Se a referência é muito diferente, tanto melhor. Se não o é, criam-se os
diferenciais, incluindo os mais abstratos, gratuitos ou absurdos.
Por essa razão, a Publicidade Mercadológica não se abala com os ataques da
Propaganda Social. Está acostumada a reajustar-se, a trabalhar na contradição. Retira
justamente daí sua coesão: utiliza as diferenças como complementariedades e não umas
anulando as outras.
5.2 Segundo Round
Outra tática da Propaganda Social em sua cruzada contra a Publicidade
Mercadológica é a reconfiguração ou a desconstrução de estereótipos utilizados nos anúncios
comerciais. Nas campanhas em prol da segurança no trânsito, por exemplo, desqualificam-se
o consumidor de bebidas alcoólicas (de sociável a bêbado), o motorista do carro esporte (de
destemido a idiota exibicionista) e prodígios como velocidade, individualidade e esperteza são
97
transmutados em irresponsabilidade, egoísmo, indolência. Novamente, a Publicidade de
Mercado não se vê atingida por isso. O mesmo estereótipo que recebe reforço num dia pode
no dia seguinte ser massacrado por ela, sem o menor remorso. A quebra da expectativa e o
fator surpresa, muitas vezes acompanhados do humor, são potentes indicadores da propalada
genialidade publicitária, exatamente o momento em que se sacode a inércia e se instala a
polissemia. A Fiat sugere, em sua campanha institucional de marca no ar desde 2001, que
está na hora de se reverem conceitos, desde a relação de gênero (enquanto a mulher toma
cerveja e assiste a uma partida de futebol, o marido está na cozinha), de raça (o negro não é o
motorista, mas o pai de família), de idade (a mocinha não é a filha do senhor, mas a
namorada). O mais interessante é que nem mesmo os estereótipos postos em xeque pela Fiat
perdem a força. Eles precisaram ser evocados no início, o que lhes assegurou a paráfrase, a
atualização.
Dificilmente kdes-construímos' o que foi construído. Criamos espaço, sim, para novas construções, mas as anteriores ficam impregnadas nos artefatos da cultura, constituindo o acervo de repertórios interpretativos disponíveis para dar sentido ao mundo (SPINK & FREZZA. in SPINK, 2000, p27).
Ou seja, a Propaganda Social pode estar caindo na própria armadilha e
confirmando justamente o que pretendia suprimir. É corrente, de fato, a eleição, a perseguição
e o abate de um inimigo na Publicidade. O inimigo pode ser o problema a ser resolvido, o
concorrente, o próprio estereótipo. Mas a Publicidade de Mercado enfrenta o inimigo
oferecendo o paraíso por meio de um estereótipo que usa o produto ou a marca. Já a
Propaganda Social apresenta o inferno e estereótipos cujas atitudes (erradas) quer imputar ao
destinatário, na esperança que ele mude. O inimigo passa a ser o próprio destinatário. E
natural que ele ignore o ataque, duvide dele e até o repudie.
98
5.3 Terceiro Round
O confronto entre Publicidade de Mercado e Propaganda Social coloca o
destinatário em uma nova situação de escolha. Qual das mensagens desfruta de maior
credibilidade? Qual merece aceitação? Espera-se do destinatário que ele tenha discernimento
para separar o joio do trigo. Quando as campanhas sociais destroem os elementos
constitutivos das campanhas promocionais, pretendem demonstrar que tudo são truques. A
desconstrução do discurso publicitário comercial, no entanto, não impede que o destinatário
duvide das intenções do discurso social. Não seriam também truques? Afinal, tudo é
Publicidade, tem o mesmo formato e divide os espaços na mídia. Por que Publicidade de
Mercado é manipulação e a Propaganda Institucional Social, não?
5.4 Quarto Round
Em meio a todas as disputas, o que realmente traduz a diferença entre
Publicidade de Mercado e Propaganda Social é o contrato que uma e outra estabelecem com
o público.
Quando o objetivo da Propaganda Social é uma atitude destinada à inação (a
rejeição de uma ação considerada perniciosa), aparecem pelo menos dois problemas. O
primeiro é de ordem estrutural: os autores da Psicologia Social (Freedman, Carlsmith & Sears
- 1977; McDavid & Harari - 1980) concordam que a proposta de mudança de atitude
existente sofre muito mais resistência que a proposta de aquisição de nova atitude. O segundo
problema reside no próprio contrato: dificilmente as campanhas sociais oferecem ao
destinatário algo em troca. Os estereótipos, em grande parte, são de contraste (o que o
destinatário não quer ser). Como abordado anteriormente, as campanhas mercadológicas
99
restauram a harmonia quebrada pelo estereótipo de contraste com a inserção do produto ou da
marca. Não ocorre o mesmo na Propaganda Institucional Social. O estereótipo é simplesmente
exterminado para servir de exemplo. E nada é posto no lugar. Nada há a ser conquistado. E
manter o que já existe tem pouco poder de motivação.
A morte do estereótipo de contraste, acompanhada de slogan moral da
história, também provocam o afrouxamento do quadro de tensão criado. Esvai-se o impacto.
O enunciado fecha-se em si, não há mais nada a fazer. O polêmico fotógrafo da Benetton,
Oliviero Toscani (1996, p. 86), percebeu o problema e optou por despir de seus anúncios os
títulos ou as legendas:
Uma campanha clássica teria acrescentado uma mensagem simples, clara, sem ambigüidade. Algo como nunca mais isso!’. E o espectador teria sido liberado do dever de pensar. A Benetton não lhe teria proposto prontinho o slogan politicamente correto. [...1 A Publicidade se cala. a significação permanece aberta.
5.5 Quinto Round
As cláusulas do contrato da Propaganda Institucional Social têm-se mostrado
nebulosas, abstratas. Na Publicidade de Mercado, a responsabilidade pela satisfação das
necessidades do destinatário é do produto ou da marca. Na Propaganda Social, a
responsabilidade recai sobre o próprio destinatário e, em expressivo número de anúncios, não
fica sequer claro o que ele deve fazer - somente o que não deve fazer. Não há conquista, ou
pior, há até a possibilidade de perda. Muitas campanhas sociais sustentam seu discurso em
ameaças, como multas e punições. Isso pode até funcionar a curto prazo porque se interrompe
o comportamento nocivo enquanto vigem as advertências, mas dificilmente a mudança se
cristaliza. As atitudes antigas podem inclusive se enrijecer pela repressão.
100
5.6 Se Não Pode Derrotar o Adversário, Una-se a Ele
Uma das maneiras de a Publicidade de Mercado responder aos ataques da
Propaganda Social é usá-los a seu favor, readaptando-se, ou domesticar o adversário, ao tomar
para si seu discurso.
Da mesma forma que os anúncios de prevenção se reportam aos anúncios de
automóveis como uma reação, ou um desmantelamento das mensagens, existe também a
recíproca. A Publicidade das montadoras não permaneceu inalterada com o bombardeio de
críticas. Nesse sentido, a Propaganda de paz no trânsito gerou frutos. O primeiro movimento
pode ser visto na inclusão de itens de segurança nos carros e sua divulgação nas peças
publicitárias, como uma satisfação a ser dada à sociedade e como um diferencial. Os
mecanismos de neutralização do discurso que aponta o carro como o grande vilão da
civilização moderna também aparecem no desenvolvimento de filtros antipoluentes e na
diluição do estresse dos engarrafamentos em opcionais de conforto, como rádios, toca-CDs, ar
condicionado.
O segundo movimento surge em campanhas de paz no trânsito assinadas por
empresas. Seu interesse divide-se entre a conscientização e a autopromoção, um esforço de
Propaganda Institucional Empresarial. É uma atividade típica de Relações Públicas, que se
utiliza de estratégias da Publicidade. Exemplos são os anúncios dos Amortecedores Cofap:
“Amortecedor vencido não avisa. Mata ”; e da empresa petrolífera Shell, com a edição de seus
manuais de direção segura “Shell Responde” .
Nos primeiros carros, os itens de segurança eram praticamente inexistentes,
ou acessórios. Os investimentos das montadoras no sentido de prover os automóveis de
tecnologia para amortecer os impactos datam dos anos 70. No início, os dispositivos eram
opcionais e se restringiam aos carros top de linha. Em seguida, foram sendo incorporados aos
101
modelos mais simples. Até aquilo que muitas vezes se impôs por força da lei aparece nos
anúncios com ares de bônus, de diferencial, acrescido desinteressada ou espontaneamente, em
prol do bem-estar do consumidor.
A apropriação do discurso social pela Publicidade de Mercado goza de
credibilidade e influência, por ser coerente e acessível para o destinatário.
Importante ressaltar que as atitudes sociais contidas nas campanhas
comerciais não colidem com as atitudes pecaminosas de costume. As montadoras de
automóveis nunca abrirão mão das imagens do carro prótese reluzente, casulo impenetrável,
em alta velocidade e em situações arriscadas. Apenas se oferecem formas de contornar o
risco, com airbags, barras laterais, freios potentes. Fica implícito que o acidente não é
acidental; é inegável, mas previsível e controlado.
As empresas estreitam ainda mais a fidelização do cliente ao insistirem nas
revisões periódicas e nas autopeças originais, quando indústria e varejo se alimentam
mutuamente em ciclo muito bem articulado.
O relacionamento do consumidor com a marca ultrapassa a mera compra do
produto e a aquisição de um emblema identificador que confere posição no grupo, firmando
laços de confiança estabelecendo um contrato bem mais completo. “Essa empresa preocupa-
se comigo” é a mensagem que fica.
Em sentido inverso, se a Publicidade Mercadológica aproveita-se das
benesses do discurso social, o mesmo pode-se dizer da Propaganda Social que emprega
estratégias de mercado para se fortalecer. O próprio Marketing Social se ampara no princípio
de que a mudança de atitude e de comportamento são idéias que devem ser vendidas como
produtos a determinada clientela.
Algumas instituições chegam a optar por comercializar produtos. Por
exemplo, a Organização Não Governamental (ONG) WWF incumbe-se de ações de proteção
102
à natureza. Trabalha com quotas, adquiridas por afiliados, e em troca distribui kits com
camisetas e adesivos. O contrato é perfeito: a WWF angaria recursos e ao mesmo tempo
divulga sua marca; o afiliado utiliza a marca do WWF para autopromoção.
Iniciativa semelhante tem o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer -
IBCC com a campanha “O câncer de mama no alvo da moda”. A marca, literalmente
transformada em grife, associada ao mundo da moda, aparece em peças de roupa à venda e
tem conseguido expressivas adesões de pessoas famosas dando depoimentos em suas
campanhas.
A venda de produtos é útil para arrecadação de fundos. Em contrapartida, o
produto toma a atitude palpável, tangível. O que se vende, contudo, não é a camiseta ou o
adesivo em si. O desempenho da promoção de camisetas da Fundação Mata Atlântica, por
exemplo, foi irrisório se comparado com o do IBCC. O segredo desse tipo de contrato
enunciador/destinatário está na marca. A marca é o signo que resume e materializa a relação
entre instituição e público. Cedo se nota que seu poder encontra-se na visibilidade - da marca,
que se pretende em todos os lugares, e do destinatário, que quer se fazer notar em seu grupo.
Assim ocorre na Publicidade Mercadológica e assim tem-se verificado nas campanhas de
Propaganda social bem sucedidas. Tudo indica que a Propaganda Social também está em
trânsito, dirigindo-se rumo à promoção da marca.
Tática semelhante pode ser aplicada nas campanhas de segurança no
trânsito? Antes de mais nada, é necessário descobrir que atitudes estão em jogo na propaganda
do WWF e na do IBCC. O objetivo de ambas, conforme mostrado acima, é divulgar as
respectivas marcas como entidades sérias e recolher verba em prol de suas causas. Nos
anúncios - vale ressaltar: nos ANÚNCIOS - a atitude de conscientização acerca da
preservação do meio ambiente e do combate ao câncer é secundária. A veiculação restringe-se
a determinado período.
103
A contribuição é um ato pontual, não exige atenção continuada. Pode-se, por
exemplo, comprar a camiseta sem necessariamente engajar-se na causa. Isso explica a
enxurrada absurda de produtos piratas com a marca do IBCC, refletindo o sucesso da
propaganda que a posicionou como grife. Pode-se até adquirir a camiseta da mesma forma
que se compra qualquer outra roupa de marca e por acaso estar ajudando as entidades. Não há
garantia, também, de que a garota que ostenta o alvo azul no peito conheça e realize de fato o
auto-exame de mama. A venda desses produtos, de certo modo, é uma transferência de
responsabilidade: doa-se dinheiro para que a instituição se encarregue de proteger a natureza
ou combater o câncer. Ainda assim, o consumidor sente que fez a sua parte.
Outras variáveis, bem diferentes, compõem a problemática do trânsito. As
campanhas não visam angariar dinheiro, nem as pessoas estariam dispostas a fazê-lo, uma vez
que já acham mais do que suficiente o que pagam em impostos, taxas, pedágios ou multas.
Dirigir com prudência é uma atitude permanente e não pontual. Além disso, o bom motorista
não está livre de se acidentar por culpa de outro. Os anúncios parecem rosários de conselhos,
isso quando não assumem o tom de ordem, nem sempre bem-vindos porque entram em
choque direto com todo o ideal de liberdade individual propalado na Publicidade de
Automóveis. Por último, reduzem-se a solicitar atitudes de manutenção. Difícil convertê-las
em marca, em símbolo de conquista. A mesma dificuldade enfrenta a Propaganda contra a
AIDS e contra o uso indevido de drogas. Propõem um contrato autoritário, com muitas
cláusulas para o destinatário. Não é a simples mudança ou a aquisição de uma atitude isolada.
Dizem respeito a uma reorganização no seu modo de viver de forma geral. E pouco oferecem
em troca.
104
CONCLUSÃO
Neste trabalho, procurou-se investigar a arquitetura do discurso publicitário:
• Fachada superlativa, imponente e desafiadora, uma ode ao excesso;
• Objetivos estruturados em função de atitudes requeridas por parte do
público e do anunciante, ambos igualmente contribuindo para a
produção discursiva;
• Fixação de estereótipos, amostras de como o acatamento da mensagem
é compensador;
• Alicerces parafrásticos (manutenção) e ousadias polissêmicas
(conquista) em um edifício que nunca se completa.
Os publicitários possuem à disposição todos esses recursos em suas produções.
Têm demonstrado talento e habilidade no campo mercadológico, mas não há consenso sobre
como lidar com apelos sociais.
Não se deseja incorrer em um maniqueísmo simplista opondo
diametralmente Publicidade Mercadológica e Propaganda Institucional Social. O paralelo foi
útil para evidenciar a relevância da elaboração e administração do contrato no discurso
105
publicitário. Nem tudo o que se anuncia reverbera em atitudes. Aí agreguem-se o modo de
anunciar, o contexto, o momento, o enunciador, o destinatário. A Publicidade de Mercado
coleciona resultados felizes, mas não está invicta e também amarga fracassos. A Propaganda
Institucional Social enfrenta várias dificuldades, mas também comemora exemplos bem-
sucedidos. A chave está no contrato estabelecido com seus respectivos públicos.
A Publicidade do Automóvel é pródiga em exemplos de contratos. Ao
adquirir seu carro, o consumidor percebe dois benefícios:
• o concreto, vindo da fábrica, correspondente ao produto e sua função
como meio de transporte;
• o atribuído pela Publicidade Mercadológica, representado pela marca,
com sua carga simbólica.
A marca, o emblema, a etiqueta fazem do carro um discurso, um objeto que
produz sentidos, por si só e pelo modo de dirigi-lo, sugerido nos anúncios. Um modo nem
sempre compatível com a realidade do trânsito.
Iniciativas em prol da paz no trânsito tentam chamar a atenção para isso.
São aplaudidas, mas nem sempre recebem adesão real. Talvez porque a etiqueta no trânsito
não goze do mesmo prestígio que a etiqueta da marca no carro.
Das lições obtidas pelo estudo da Publicidade de Automóveis e de
Segurança no Trânsito, depreende-se que o seu sucesso reside na sua capacidade de
reproduzir e ao mesmo tempo mobilizar essa travessia de sentidos. O anúncio publicitário tem
credibilidade à medida que promete algo que o consumidor entende que vai funcionar na
prática. Funciona não porque a Publicidade é poderosa, e sim porque respeita as convenções
sociais que dão condições para que o contrato selado se cumpra.
106
Por mais que se exponham envoltas em aura mirabolante e repletas de
efeitos especiais, as atitudes propostas pela Publicidade eficaz são simples:
• São palpáveis - listam qualidades físicas e desempenho dos produtos
ou serviços, anunciados como soluções de problemas;
• Podem ser traduzidas em marca, signo de visibilidade individual e
posicionamento no grupo. Além disso, a marca contém a expectativa de
continuidade de funcionamento, que lhe garante a fidelização por parte
do consumidor;
• Tendem a ações pontuais, rápidas ou fáceis - a compra, a utilização do
serviço, o comparecimento a um evento, uma doação.
Isso se aplica a todas as categorias do gênero Publicidade, inclusive a
Propaganda Institucional Social. Qualquer meta mais pretensiosa, mais megalomaníaca, e que
fuja a esse esquema, vai enfrentar resistências, seja qual for o tipo de campanha publicitária.
São anúncios cujas atitudes sugeridas:
• não se traduzem em marca;
• requerem ação permanente;
• exigem muito do destinatário;
• entram em choque com atitudes existentes, arraigadas, que já deram
resultados satisfatórios.
A rejeição se agrava quando o contrato estabelecido entre os sujeitos enunciador -
Publicidade - e destinatário - target - é falho, com cláusulas:
• unilaterais - solicitam sem oferecer nada em troca;
• inconsistentes, vagas, infundadas;
107
• incoerentes, contraditórias, paradoxais;
• irreais, dissimuladas, falsas, mentirosas;
• críticas e não propositivas; que se apóiam em argumentos destrutivos;
• ofensoras ao destinatário.
Não está no escopo deste trabalho fornecer fórmulas ideais para o sucesso
de campanhas publicitárias, até porque elas não existem. Há, sim, aquilo que deu certo porque
estava adequado às circunstâncias, confirmando que cada discurso tem suas particularidades,
suas condições de produção.
Por fim, cabe dizer que esta é apenas uma interpretação dentre as
interpretações possíveis do discurso publicitário, com destaque à Propaganda Institucional
Social, e tenciona dar pistas de como abordar certas questões. É um olhar, um debruçar-se
sobre um tema instigante. Se contribuir para propor uma atitude de reflexão acerca dele, já
cumpriu seu objetivo.
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