Pluralidade, Mudança e Produção de Valor na Edição de Livros
Limites à Mudança Jurisprudencial
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LIMITES À MUDANÇA JURISPRUDENCIAL
Rodrigo Ramina de Lucca
Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil pela USP. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr).
Advogado.
Resumo: O autor defende, neste trabalho, a limitação da mudança jurisprudencial, tendo em vista os males que a inconstância e a volatilidade da jurisprudência causam ao ordenamento jurídico. Após demonstrar que civil law e common law compartilham, desde a origem, objetivos comuns, o autor afirma que a instabilidade da jurisprudência não é uma característica própria ao civil law; trata-se, em verdade, de distorção incompatível com a essência e a finalidade de um sistema jurídico positivado. Ao final são propostas regras para limitar a mudança jurisprudencial, como o princípio da inexistência de novas razões e o obrigatório respeito da confiança legítima depositada na jurisprudência, bem como técnicas de modulação dos efeitos da alteração jurisprudencial.
Abstract: The author defends, in this essay, that overruling should not be unrestricted, because of the harm that an inconstant and volatile case law causes to society. After demonstrating that civil law and common law share, since its origins, the same goals, the author asserts that an instable case law is not a civil law natural characteristic; it is, indeed, a distortion that is incompatible to the purposes of civil law. At the end, the author proposes some rules to limit overruling, like the ‘No-New-Reason Principle’ and the protection of legitimate expectations generated by the precedent, and, when necessary, some variations of prospective overruling.
Palavras-chave: Mudança jurisprudencial; precedentes; civil law; common law;
segurança juridica; confiança legítima; modulação de efeitos; stare decisis.
Keywords: Overruling; precedents; civil law; common law; legal certainty; legitimate
expectations; prospective overruling; stare decisis.
Sumário: 1. Introdução. 2. Civil law, common law e segurança jurídica. 3. A
incompatibilidade do civil law com uma jurisprudência instável e volátil. 4. Unidade e
impessoalidade da jurisdição. 5. O mito do “livre convencimento jurídico” e a
interpretação do Direito. 6. O stare decisis e o civil law. 7. Justiça e segurança jurídica.
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8. Irrelevância da natureza da atividade jurisdicional para que se garanta estabilidade à
jurisprudência. 9. A experiência inglesa quanto ao respeito a precedentes horizontais.
10. Alteração x evolução da jurisprudência. 10.1. Os “ambientes decisionais”. 11.
Limites à mudança jurisprudencial. 11.1. O princípio da inexistência de novas razões – a
incongruência social e a inconsistência sistêmica. 11.2. A proteção da confiança
legítima. 12. A mudança jurisprudencial prospectiva. 12.1. Duas regras para a mudança
jurisprudencial prospectiva. 13. A responsabilidade civil do Estado. 14. Conclusão
1. Introdução
O respeito a precedentes judiciais já é uma realidade no Brasil. A produção
doutrinária nesse sentido é profícua e o Judiciário começa a se conscientizar da
importância de garantir mais segurança jurídica pela homogeneização das decisões
judiciais. Foi-se o tempo em que decisões contraditórias eram vistas com naturalidade
ou, ainda pior, com condescendência pela comunidade jurídica; como se a erraticidade
da jurisprudência fosse uma demonstração da independência funcional de cada
magistrado e uma característica indissociável da suposta incerteza do Direito.
O problema, porém, muitas vezes é focado excessivamente no necessário
respeito aos precedentes verticais, esquecendo-se que também o desrespeito a
precedentes horizontais é fonte de insegurança jurídica. Dito de outro modo, a
insegurança jurídica não reside apenas na insistência de alguns magistrados em
desrespeitar o entendimento estabelecido por um tribunal hierarquicamente superior.
Tão ou mais grave do que isso é o descomprometimento de um tribunal com a sua
própria jurisprudência, sobretudo quando se está diante de um tribunal excepcional,
como o STJ ou o STF, cuja função precípua é justamente a de assentar a aplicação do
Direito em todo o território brasileiro.
De acordo com a doutrina tradicional do civil law, a alteração da
jurisprudência não pode ser limitada, sob pena de engessamento do Direito. Se os juízes
não puderem romper com a jurisprudência consolidada, afirma-se, não poderão aplicar
novas teses e novos conceitos aos casos postos a julgamento. E se a jurisprudência é,
como a doutrina italiana gosta de referir-se, o “direito vivo” (diritto vivente),1 deve
1 Expressão classicamente utilizada por Tullio ASCARELLI (v. Giurisprudenza costituzionale e teoria dell’interpretazione. p. 351 e ss.) e largamente difundida na doutrina italiana.
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manter-se também ela viva, alterando-se e adaptando-se sempre que necessário.
Segundo Giovanni Verde, uma jurisprudência que não muda é uma “jurisprudência
esclerosada”.2
No entanto, dois breves e simples exemplos demonstram com clareza os
riscos inerentes à mudança jurisprudencial.
Até a década de 90 prevaleceu o entendimento jurisprudencial de que a
propositura de ação de nulidade da doação inoficiosa estava sujeita a um prazo
prescricional (rectius: decadencial) de vinte anos contados da abertura da sucessão, i.e.,
da morte do doador. A solução tinha como fundamento a promoção da paz social e a
impossibilidade de se litigar sobre herança de pessoa viva. A propositura da ação de
nulidade antes da abertura da sucessão implicava, como regra, a extinção do processo.3
Em 1998, porém, o STJ alterou drasticamente a jurisprudência ao decidir
que o prazo vintenário para a propositura da ação de nulidade deveria ser contado do
próprio negócio, e não da morte do doador.4 Como era de se esperar, a mudança de
entendimento foi catastrófica. Naquele caso específico, muito embora as doações
tivessem ocorrido nas décadas de 50 e 60, a demanda havia sido proposta apenas em
1991, cerca de dois anos após o falecimento do autor da herança. Ou seja, a demanda foi
proposta dentro do prazo estabelecido pela jurisprudência anterior, mas fora do “novo”
prazo estabelecido pelo STJ.
Se os herdeiros prejudicados tivessem proposto a ação até 20 anos após as
doações inoficiosas, muito provavelmente o processo seria extinto. Proposta a ação no
lapso temporal considerado correto pela jurisprudência até então vigente, um novo
entendimento jurisprudencial acarretou a improcedência da demanda por “prescrição”.
Como consequência, os herdeiros prejudicados jamais puderam defender o seu direito à
legítima. Essa mesma situação repetiu-se em casos similares.
O segundo exemplo é um célebre caso francês. Em 2001, um médico foi
condenado por não ter revelado ao seu paciente todos os “riscos excepcionais” inerentes
2 VERDE, Giovanni. Mutamento di giurisprudenza e affidamento incolpevole... p. 9. 3 Dentre outros, STF, RExt 18726, j. 18.06.1951; TJSP, Recurso de Revista n.° 172.044, j. 1º de abril de 1970; STF, RExt 94.118/PE, j. 26.11.1982 e publicado em 25.02.1983; TJSP, AI 13.353-4/5, j. 06/08/1996; TJPR, AC 54.861-4, j. 12.05.1999. Nesse mesmo sentido, há julgados recentes: TJSP, AC 9067876-82.2001.8.26.0000, j. 27.09.2007; TJSP, AC 9036640-20.1998.8.26.0000, j. 04.11.2009 4 STJ, REsp 151.935/RS, j. 16.11.1998.
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ao tratamento prescrito. O problema é que a suposta omissão do médico ocorreu em
1974, mas a obrigação de revelar os “riscos excepcionais” de um tratamento só foi
recepcionada pela jurisprudência francesa em 1998. O médico, portanto, foi condenado
por uma omissão que não era considerada omissão na época dos fatos.5
Como se pretende demonstrar adiante, ao contrário do que vem sendo
repetido há décadas nos países do civil law, a jurisprudência não pode mudar. A
jurisprudência apenas pode, e deve, evoluir. Uma evolução que deve ser consciente,
justificada, e que deve respeitar a segurança jurídica, a confiança legítima dos
jurisdicionados e acompanhar eventuais alterações jurídicas e sociais. Existem limites à
mudança jurisprudencial; e não apenas porque tais limites são fundamentais para
garantir a paz social (o que já seria motivo suficiente para defendê-los), mas
principalmente porque tais limites são inerentes à lógica do civil law.
2. Civil law, common law e segurança jurídica
A segurança jurídica, ao lado da justiça e do progresso social, é um dos três
objetivos do Direito6 e elemento fundamental do Estado de Direito.7 Atua em prol da
racionalidade da atividade estatal e da rejeição da arbitrariedade de quem exerce o
poder. Nas palavras de Rafael Valim, “há uma notória fundamentação recíproca entre o
princípio da segurança jurídica e o Estado de Direito, sendo aquele elemento
indispensável deste, ao mesmo tempo em que este é condição necessária daquele”.8
Por se tratar de um instituto eminentemente funcional,9 a compreensão da
segurança jurídica se dá pelos atributos que ela impõe ao Direito. Em apertada síntese,
pode-se dizer que há segurança jurídica quando o Direito é estável, previsível e protege
a confiança legítima do particular no Estado. 5 Cf. MOLFESSIS, Nicolas (pres.). Rapport sur les revirements de jurisprudence. 1.4.1; BACHELLIER, Xavier; JOBARD-BACHELLIER, Marie-Noëlle. Les revirements de jurisprudence. p. 304-305; MALINVAUD, Philippe. A propos de la rétroactivité des revirements de jurisprudence. p. 312. 6 Cf. RADBRUCH, Gustav. La securité en droit d’après la théorie anglaise. p. 87; ROUBIER, Paul. Théorie Générale du Droit. p. 318 e ss.; VALEMBOIS, Anne-Laure. La Constitutionnalisation de l’Exigence de Sécurité Juridique... p. 5-6. 7 Sobre o conceito fino de Estado de Direito defendido por este autor, v. RAMINA DE LUCCA, Rodrigo. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais. Capítulo Primeiro, ponto 1. 8 VALIM, Rafael. O Princípio da Segurança Jurídica no Direito Administrativo Brasileiro. p. 34. 9 V. CALMES, Sylvia. Du Principe de Protection de la Confiance Légitime... p. 156.
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Foi justamente para que o Direito fosse dotado de estabilidade e
previsibilidade, i.e., para que houvesse segurança jurídica, que o civil law nasceu e
desenvolveu-se. A formulação de leis escritas e preestabelecidas nada mais é do que
uma forma de proporcionar ao indivíduo (i) certeza de que situações jurídicas
consolidadas não serão abruptamente alteradas (estabilidade) e (ii) conhecimento prévio
das consequências de suas ações e omissões (previsibilidade).
No entanto, também o common law desenvolveu-se em busca da certeza do
Direito. Enquanto o civil law seguiu o caminho da positivação das normas jurídicas, o
common law encontrou a segurança no respeito aos precedentes, extraindo princípios de
direito da motivação das decisões judiciais.
É interessante notar que o common law começou a ser desenvolvido
concomitantemente na Inglaterra e na Europa continental. A carência de produção
literária jurídica entre os séculos VIII e XI, conhecidos como “‘séculos mudos’ da
história do direito”,10 fez com que os juízes assumissem o papel de guardiões do
costume local.11 De modo a imprimir mais sistematicidade e previsibilidade ao Direito,
bem como informar aos juízes como haviam sido decididos casos análogos àquele que
estava posto para julgamento, alguns tribunais da Europa começaram a conservar e
divulgar a sua própria jurisprudência.12 Na França do final do século XII, por exemplo,
os julgamentos eram resumidamente anotados em rolos de pergaminho; um século
depois já havia cadernos mantidos por oficiais públicos (greffiers) com a integralidade
das decisões.13 A Inglaterra, por sua vez, publicava os chamados Year Books, os quais
continham relatórios das decisões proferidas pela Corte dos Common Pleas.14 Com o
mesmo objetivo, o Direito Ibérico utilizou as fazañas, que eram “sentenças, casos
10 TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de História do Processo Civil Lusitano. p. 159, fazendo referência a Gacto Fernández. 11 V. GODDING, Philippe. Jurisprudence et motivation des sentences, du moyen âge à la fin du 18e siècle. p. 40. 12 V. SAUVEL, Tony. Histoire du jugement motivé. p. 15-16 13 Cf. SAUVEL, Tony. Histoire du jugement motivé. p. 10-11. V. também DAWSON, John P. The Oracles of the Law. p. 290 e ss. 14 DAWSON, John P. The Oracles of the Law. p. 9-10.
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julgados notáveis e duvidosos, cuja força vinculante decorria da autoridade reconhecida
a quem as proferia e aprovava, bem como da exemplaridade do caso”.15
O desenvolvimento de um direito jurisprudencial na Europa continental foi
interrompido pelo resgate do Direito Romano pelos glosadores de Bolonha.16 Assim
como ocorria em Roma, os juízes voltaram a pautar as suas decisões por normas escritas
e preestabelecidas, sendo-lhes vedado fundar as decisões apenas em precedentes
judiciais. Alheia a tais acontecimentos, a Inglaterra continuou publicando os Year Books
e, como consequência, seguiu desenvolvendo o common law.
A consolidação do civil law veio com a Revolução Francesa e o período de
codificações que a seguiu nos séculos XIX e XX. O positivismo europeu pôs fim à
crença de que existiria um Direito Natural, privilegiando sobremaneira a segurança
jurídica em detrimento do casuísmo das decisões. O common law, também no século
XIX, rompeu com o jusnaturalismo e desenvolveu a regra do stare decisis, atribuindo
aos precedentes eficácia vinculante semelhante à das leis.17
Ou seja, tanto o civil law quanto o common law sempre tiveram exatamente
o mesmo objetivo: promover a segurança jurídica. O que os diferencia é apenas o
caminho percorrido para tanto. Como explicam Rupert Cross e J. Harris, “O juiz
continental, sem dúvida, sempre quis, tanto quanto o juiz inglês, que o Direito fosse
certo, mas ele sentia essa necessidade menos intensamente por causa do amparo
concedido primeiro pelas regras do Direito Romano e dos costumes codificados e
depois pelos códigos da Era Napoleônica”. Carente de um direito positivado, a solução
encontrada pelo Direito inglês foi apoiar-se na doutrina dos precedentes, “com sua
essencial e peculiar ênfase na rigidez e certeza”.18
15 TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de História do Processo Civil Lusitano. p. 160. 16 Cf. DAWSON, John P. The Oracles of the Law. p. 124-126. 17 Cf. DAVID, René; JAUFFRET- SPINOSI, Camille. Les Grands Systèmes de Droit Contemporains. p. 282. 18 CROSS, Rupert; J. W. Harris. Precedent in English Law. p. 11-12. No original: “The continental judge has no doubt always wanted the law to be certain as much as the English judge, but he felt the need less keenly because of the background of rules provided first by Roman law and codified custom, and later by the codes of the Napoleonic era. Roman law was never ‘received’ in England, and we have never had a code in the sense of a written statement of the entirety of the law. ‘English justice, if it were not to remain fluid and unstable, required a strong cement. This was found in the common-law doctrine of precedent with its essential and peculiar emphasis on rigidity and certainty”. No mesmo sentido, BENDITT,
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3. A incompatibilidade do civil law com uma jurisprudência instável e volátil
A positivação do Direito, característica central do civil law, nada mais foi do
que a “domesticação das fontes de produção do direito”, 19 dando prevalência ao Direito
estatal sobre o Direito costumeiro ou transcendental. Foi a maneira encontrada, repete-
se, para dar previsibilidade e estabilidade ao Direito, bem como limitar os poderes dos
agentes públicos e políticos, impedindo uma atuação arbitrária do Estado contra o
particular. O civil law, portanto, é um instrumento esculpido para promover o Estado de
Direito e a segurança jurídica, princípios basilares da liberdade individual.
Com efeito, a necessidade de limitar os poderes dos juízes e governantes
impulsionou o iluminismo do século XVIII e o positivismo radical do século XIX a
extrair toda a racionalidade jurídica das normas positivadas. A segurança jurídica
decorria da exata aplicação da lei, a qual deveria contemplar todas as hipóteses fáticas
possíveis. Beccaria, por exemplo, escreveu: “Em cada delito, o juiz deve formular um
silogismo perfeito: a premissa maior deve ser a lei geral; a menor, a ação em
conformidade ou não com a lei: a consequência, a liberdade ou a pena”.20 Esse
silogismo seria único e acabado: “Quando o juiz for coagido, ou quiser formular mesmo
que só dois silogismos, estará aberta a porta à incerteza”.21
Se ao juiz competia apenas formular um único e perfeito silogismo, então é
evidente que todo caso análogo deveria receber exatamente a mesma resposta
jurisdicional. Diante dos fatos, o juiz simplesmente aplicaria a norma correspondente,
extraindo a consequência jurídica prevista pelo legislador. Nessa linha de pensamento,
não havia espaço para instabilidade jurisprudencial. Decisões conflitantes implicariam,
necessariamente, a ilegalidade de uma delas.
De modo a garantir a mais ampla e irrestrita uniformidade na aplicação da
lei, o Direito francês pós-revolução retirou toda a função integrativa da jurisprudência;
em caso de obscuridade ou omissão nas leis, o juiz deveria solicitar a “interpretação
Theodore M. The rule of precedent. p. 106: “In the end, the demand that judges follow precedent is no more than the demand that they follow established legal rules, of which the rule of precedent is one”. 19 Cf. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial. p. 38-39. 20 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. p. 46. 21 Ibidem. p. 46.
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autorizada” do Poder Legislativo.22 Além disso, houve a criação do Tribunal de
Cassação com a função precípua de proteger o Direito positivo e invalidar as decisões
ilegais.23
Tais medidas não foram despropositadas. O período anterior à Revolução
Francesa, especialmente a partir do final do século XVI, foi marcado por abusos não só
da realeza, mas também dos juízes. A magistratura francesa transformara-se em uma
instituição venal e incompetente. Os processos eram longos e caros, os cargos eram
transmitidos por contratos de compra e venda ou por via hereditária, o até então rígido
processo seletivo de juízes começou a ser fraudado ou mesmo ignorado, e os juízes
preocupavam-se cada vez mais com o seu papel político na sociedade.24 Esse contexto
histórico explica, inclusive, por que Montesquieu, ele próprio um magistrado que
herdou o nome e cargo de juiz de seu tio,25 relegou a magistratura a uma posição
secundária em relação aos demais Poderes em sua obra.26
O tempo demonstrou que a mera vinculação dos juízes às leis é insuficiente
para obter segurança jurídica. A incapacidade do legislador de prever todas as hipóteses
fáticas, o necessário papel integrativo da jurisprudência, a inevitável interpretação dos
dispositivos legais e constitucionais e a adoção de cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados, para citar apenas alguns fatores, eliminaram por completo a crença de
que toda decisão judicial deve se resumir a um único silogismo jurídico.
Isso não significa, porém, que o civil law tenha se afastado da busca pela
segurança jurídica. O fracasso do modelo positivista clássico não permite concluir que o
próprio positivismo tenha fracassado, nem, muito menos, que a segurança jurídica tenha
deixado de ser um dos pilares do Direito e condição essencial do Estado de Direito e da
paz social. Entretanto, de nada adiantam leis abundantes, estáveis e bem elaboradas se
cada juiz puder interpretá-las e aplicá-las da forma como bem entende; e depois de
interpretá-las e aplicá-las, resolva dar uma nova interpretação e julgar diferentemente
22 V. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. p. 131-132. 23 V. CALAMANDREI, Piero. La Cassazione Civile, v. I. p. 497 e ss.
24 V. SAUVEL, Tony. Histoire du jugement motivé. p. 26 e ss.; DAWSON, John P. The Oracles of the Law. p. 350-362. 25 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Repudiating Montesquieu? p. 11-12; v. também a cronologia da vida do autor disponível em MONTESQUIEU. De l’Esprit des Lois, t. I. p. 72. 26 V. MONTESQUIEU. De l’Esprit des Lois, t. I. passim, esp. p. 330.
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casos idênticos. Exigir estabilidade do Direito também implica exigir estabilidade na
interpretação e aplicação desse Direito.
O civil law, ainda que não tenha sido originalmente construído sobre o
respeito a precedentes judiciais, o que se considerava irrelevante para a garantia da
segurança jurídica, parte do pressuposto de que as mesmas decisões serão proferidas
para as mesmas situações fáticas, jamais tendo comportado uma jurisprudência instável
e volátil. Imaginar que cada juiz pode decidir o caso concreto como bem entende é uma
deturpação lógica da razão de ser do civil law.
4. Unidade e impessoalidade da jurisdição
Outro aspecto que nem sempre é observado ao avaliar o problema do
desrespeito aos precedentes está ligado às características da jurisdição. Como se sabe, a
jurisdição é a função, a atividade e o poder do Estado de, imperativamente, efetivar o
Direito, proteger e realizar os direitos subjetivos e promover a paz social. A jurisdição,
destarte, é manifestação do poder do Estado ou, como já foi muito bem definida, é a
“expressão do poder estatal soberano”.27 Toda decisão judicial é um ato jurisdicional e,
consequentemente, um ato estatal.
Por ser expressão do poder do Estado, a jurisdição é una e impessoal. Una
porque, assim como o Estado e o poder estatal, “não comporta divisões”;28 há apenas
uma jurisdição, ainda que repartida em diversas competências.29 Impessoal porque os
atos jurisdicionais são sempre atos do Estado-juiz, jamais do magistrado.30 Nas palavras
de Pontes de Miranda, “Enquanto os outros sujeitos da relação jurídica processual têm
interesse dependente dos resultados do processo, o juiz não tem interesse próprio,
qualquer que seja. O seu interesse é transindividual, identifica-se com a missão social
que lhe confiou o Estado: realizar o direito objetivo e pacificar, dirimindo contendas.
27 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelllegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. p. 141. 28 Ibidem. p. 141. 29 V. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. I. p. 326-328. 30 Precisas as lições de Cândido Dinamarco: “O juiz não é sujeito do processo, em nome próprio: ele ocupa o lugar do mais importante dos sujeitos processuais, que é o Estado. Não atua em função de seus interesses, ou de seus escopos pessoais, mas dos escopos que motivam o Estado a assumir a função jurisdicional”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. I. p. 329.
10
(...) Toda sua atividade é ordenada no sentido de que, através dele, seja o Estado que
exerce o ato. (...) O pedido é feito ao Estado. Esse, pelo seu juiz, responde qual o texto
que incidiu, ou qual o texto que não incidiu, ou se não há texto para o caso, ou se o
há”.31
Salvo se essas concepções forem gravemente distorcidas ou ignoradas, não
há como aceitar decisões judiciais diametralmente divergentes e contraditórias. Se a
jurisdição é una, então deve se manifestar com unidade, coerência e coesão. Admitir
uma jurisprudência vacilante é o mesmo que admitir que o Estado possa comportar-se
de maneira contraditória sem nenhuma justificativa para tanto, violando a boa-fé
objetiva que dele se espera e a confiança legítima nele depositada pelo cidadão.
5. O mito do “livre convencimento jurídico” e a interpretação do Direito
A constatação de que as decisões judiciais são proferidas pelo Estado-juiz, e
não pelo juiz-pessoa, é extremamente importante e conflita com a difundida (e
perniciosa) concepção de que a falta de homogeneidade da jurisprudência está ligada ao
livre convencimento judicial. De acordo com o que normalmente se defende, a
jurisprudência não seria homogênea porque cada juiz teria a faculdade de decidir
segundo a sua própria consciência. Com isso, não raro as decisões são fundadas sobre o
“entendimento” que o juiz prolator tem do Direito, ainda que esse “entendimento”
contraste com a jurisprudência de tribunais hierarquicamente superiores ou mesmo com
a jurisprudência do tribunal a que ele está vinculado.
Não há, contudo, relação entre o princípio do livre convencimento e a
suposta liberdade atribuída aos juízes para que apliquem o Direito como bem entendem.
O princípio do livre convencimento desenvolveu-se em resposta a um
sistema de provas típicas com peso previamente estabelecido pelo legislador. No
sistema da prova legal, ou prova tarifária, é o legislador quem determina quais provas
terão aptidão para provar certos fatos. O princípio do livre convencimento, por sua vez,
parte do pressuposto de que cada prova terá uma força demonstrativa particular,
dependendo do contexto em que é produzida. Logo, deve-se atribuir ao próprio julgador
a função de valorá-la criticamente. Para que essa análise crítica atenda às exigências do
31 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, t. II. p. 338-339.
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Estado de Direito, o livre convencimento deve ser racional e motivado à luz dos autos.
Ou seja, o juiz deve demonstrar que se convenceu da veracidade ou falsidade de uma
alegação fática a partir de motivos razoáveis a uma “pessoa inteligente e sensível à
realidade”.32 O artigo 131 do CPC é muito claro nesse sentido: “O juiz apreciará
livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que
não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe
formaram o convencimento”.
O princípio do livre convencimento, portanto, está ligado ao convencimento
fático do magistrado, e não jurídico. O juiz tem alguma liberdade para convencer-se
racionalmente a respeito da veracidade das alegações fáticas das partes, pois os fatos e
as provas são variáveis de acordo com cada caso concreto. A aplicação do Direito,
todavia, não comporta convencimento, apenas interpretação. Sendo assim, podem
existir (e de fato existem) diversas interpretações a respeito da aplicação do Direito, mas
tais interpretações não são regidas pelo princípio do livre convencimento.33
Lembre-se que a motivação jurídica de uma decisão judicial supõe a
apresentação de razões jurídicas universais ou universalizáveis.34 As normas jurídicas
positivadas são naturalmente universais, mas a exigência da universalidade é
especialmente importante quando o juiz precisa justificar a interpretação dada à lei, a
concepção atribuída a um conceito jurídico indeterminado etc. Essa necessária
universalidade das razões jurídicas de uma decisão judicial contrasta com a
especificidade da motivação fática e explica a distinção entre o livre convencimento
racional e motivado de alegações fáticas específicas e a interpretação judicial de um
Direito universal (i.e., aplicado indistintamente a todos que a ele estão sujeitos).
32 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. III. p. 106. V. também PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, t. II. p. 377. 33 A História corrobora essa conclusão. O princípio do livre convencimento (íntimo) era utilizado na década de 1790 na França pós-revolucionária como instrumento de celeridade no julgamento dos inimigos políticos do ancien régime (v. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. p. 324-325) ao mesmo tempo em que eram instalados o Tribunal de Cassação e os juízes ficavam impedidos de suprir lacunas e corrigir antinomias do ordenamento jurídico. 34 Dentre outros, v. MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the Rule of Law. p. 78-100; ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. p. 220-228; AARNIO, Aulis. Le rationnel comme raisonnable. p. 239-250.
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Além disso, a impessoalidade da jurisdição elimina a possibilidade de que
cada juiz tenha um entendimento jurídico diverso do outro por uma razão simples: as
decisões judiciais não são proferidas pelo juiz-pessoa, mas sim pelo Estado-juiz. Daí
afirmar com exatidão Cândido Dinamarco que “As preferências axiológicas, éticas,
sociais, políticas ou econômicas do juiz, enquanto opções pessoais, não podem
prevalecer assim e impor-se imperativamente mediante atos que não são dele mas do
Estado – do qual ele é um agente impessoal”.35
Em formidável exemplo de desapego a concepções particulares, a Cour de
Cassation belga, em 9 de outubro de 1980, decidiu que as normas jurídicas estrangeiras
deveriam ser aplicadas de acordo com a interpretação que lhe é dada no país de origem.
Como consequência, determinou que o art. 1.645 do Código Civil francês fosse aplicado
segundo a interpretação que lhe era dada na França, ainda que diversa da jurisprudência
da própria Cour de Cassation em relação a dispositivo idêntico existente no Código
Civil belga.36
O juiz, destarte, longe de ter uma “liberdade de convencimento”, tem o
dever de aplicar a norma jurídica positivada nos casos fáceis, que são a maioria, e, ao
deparar-se com casos difíceis (hard cases), encontrar a interpretação “correta” do
Direito a partir da compreensão do sistema jurídico e da identificação dos valores da
sociedade em que está inserido.37 Não que realmente exista uma interpretação correta.
A procura pela única resposta correta traduz o dever do juiz de encontrar não a resposta
que ele considera adequada ao caso concreto, mas a resposta universal do Estado à
demanda que lhe foi apresentada. Embora seja uma ficção, trata-se, como muito bem
pontuou Teresa Arruda Alvim Wambier, de um “pressuposto operativo de
funcionamento ou de operabilidade do sistema”.38
Dito de outro modo, a função do juiz é dar a resposta estatal à pretensão do
demandante, independentemente de ser esta a resposta que ele, de acordo com os seus
valores pessoais, daria.
35 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. I. p. 135. 36 Cf. RORIVE, Isabelle. Diverging legal culture but similar jurisprudence of overruling: the case of the House of Lords and the Belgian Cour de Cassation. p. 324 37 DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. passim. 38 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. p. 30
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6. O stare decisis e o civil law
Mas como conciliar as diferentes “respostas corretas” encontradas pelos
juízes?
Se o Estado-juiz já apreciou uma demanda e respondeu como aquela
situação fática é regida juridicamente, então esse mesmo Estado-juiz deve julgar de
forma idêntica todos os casos análogos que venham a surgir. O juiz-pessoa, enquanto
presentante do Estado, deve respeitar a razão jurídica universal dada anteriormente,
independentemente de suas convicções e valores pessoais.
Embora a eficácia vinculante dos precedentes seja intimamente associada ao
common law, a doutrina anglo-saxônica é firme em ressaltar a dissociabilidade entre
ambos. A adoção da regra do stare decisis (“keep to what has been decided
previously”)39 é, na verdade, produto histórico da busca pela segurança jurídica40 e só
foi efetivamente incorporada pelo Direito inglês a partir do século XIX, muito depois da
criação, do desenvolvimento e da consolidação do common law.41 Também é importante
ressaltar que o stare decisis não é uma norma legal, mas uma simples “prática
judiciária”; uma prática observada com tão “alto grau de uniformidade” que o seu
desrespeito é muito raro.42
Desse modo, exatamente o mesmo caminho pode ser trilhado pelo Direito
brasileiro, independentemente de qualquer alteração estrutural ou sistemática do
ordenamento. Como vem sendo defendido neste trabalho, o civil law não foi pensado
para comportar decisões judiciais contraditórias. O complexo e exaustivo sistema
recursal, geralmente característico nos países de tradição romano-germânica, demonstra
a preocupação sempre presente com o controle da atividade judicial e, sobretudo, com o
controle da aplicação do Direito. Especificamente no Brasil, as sentenças, como regra,
não têm eficácia enquanto estiverem sujeitas ao controle do tribunal hierarquicamente
39 V. CROSS, Rupert; J. W. Harris. Precedent in English Law. p. 3. 40 V. DAWSON, John P. Oracles of the Law. p. 80 e ss. 41 Sobre o tema, v. EVANS, Jim. Change in the doctrine of precedent during the nineteenth century; RORIVE, Isabelle. Diverging legal culture but similar jurisprudence of overruling: the case of the House of Lords and the Belgian Cour de Cassation. p. 329. Na doutrina nacional, v. RAMINA DE LUCCA, Rodrigo. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais. Capítulo Quinto, ponto 13.3; ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante. p. 509-514. 42 CROSS, Rupert; J. W. Harris. Precedent in English Law. p. 98-99.
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superior (art. 520 do CPC). Prolatado o acórdão pelo tribunal, as partes ainda poderão
questionar a correção jurídica da decisão, apontando violações a normas jurídicas
positivadas ou divergência jurisprudencial quanto à aplicação ou interpretação do
Direito.
O Brasil possui, portanto, tribunais excepcionais voltados especificamente à
homogeneização da jurisprudência, proporcionando estabilidade e previsibilidade ao
Direito. O Superior Tribunal de Justiça essencialmente protege e dá unidade às leis
federais em território nacional e o Supremo Tribunal Federal protege e dá unidade à
aplicação da Constituição. Esse sistema recursal abrangente e altamente preocupado
com a simetria na aplicação do Direito demonstra que a instabilidade e a inconstância da
jurisprudência não são inerentes à nossa tradição jurídica.43 A adoção da regra do stare
decisis independe de alterações legislativas ou sistêmicas; basta que, assim como se deu
no Direito inglês, haja a conscientização coletiva de que respeitar precedentes verticais
e horizontais é importante e necessário à integridade do ordenamento jurídico e à paz
social.44
7. Justiça e segurança jurídica
Não raro argumenta-se que o respeito a precedentes pode provocar injustiça,
impedindo o juiz de encontrar a solução mais adequada ao caso concreto. O juiz deveria
ter liberdade para aplicar o Direito da maneira que lhe pareça mais adequada de acordo
com a situação fática que lhe é apresentada. Sergio Chiarloni, p.ex., afirma que o juiz
superior que vê a jurisprudência desrespeitada por um juiz inferior deve “exprimir
gratidão por ter-lhe sido oferta a justa perspectiva de mudá-la”.45
43 Ainda em 1928, o Procurador-Geral da Bélgica Paul Leclercq já defendia que a Cour de Cassation estava vinculada a seus precedentes em razão do papel que desempenhava na uniformidade de aplicação do Direito positivo, a qual garantia paz social e segurança jurídica. Com isso, “uma interpretação errada, mas permanente, é preferível a interpretações sucessivas e contraditórias”. Essa forma de compreender as coisas foi compartilhada por muitos dos Procuradores-Gerais que o sucederam (Cf. RORIVE, Isabelle. Diverging legal culture but similar jurisprudence of overruling: the case of the House of Lords and the Belgian Cour de Cassation. p. 339-340). 44 Listando alguns dos vários benefícios proporcionado pelo respeito a precedentes, v. CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. p. 570 e ss. 45 CHIARLONI, Sergio. Funzione nomofilattica e valore del precedente. p. 237. No original: “A conferma dell’assunto, possiamo tranquillamente immaginare un giudice inferiore che non rispetta il precedente consolidato, ma capace di argomentare nella sua sentenza l’oppotunità dell’overruling da
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Nem sempre se explica, porém, o que significa decidir com justiça. Muitos
diriam, parafraseando Aristóteles, que há justiça quando os iguais são tratados de
maneira igual e os desiguais são tratados de maneira proporcionalmente desigual. Se
assim for, a luta pela justiça é basicamente a luta pela igualdade substancial.
Partindo do pressuposto de que há justiça quando há igualdade substancial,
então justiça e segurança jurídica são ideais absolutamente interdependentes. Apenas
pode-se falar em igualdade se casos análogos produzirem as mesmas consequências
jurídicas e, logicamente, receberem a mesma resposta jurisdicional. Esse sempre foi o
objetivo da positivação do Direito: proporcionar universalidade em sua aplicação e,
consequentemente, igualdade entre as pessoas.
A verdade é que julgamentos divergentes não refletem a “justiça do caso
concreto” por várias razões: (1) a decisão divergente pode ser menos “justa” do que o
precedente; (2) não existe um ideal de justiça determinado e comum a todas as pessoas;
a decisão casuística pautada pela suposta “justiça do caso concreto” nada mais é do que
uma decisão amparada em valores de justiça pessoais do juiz-pessoa, os quais nem
sempre coincidem com os valores pessoais das partes ou mesmo com os valores da
sociedade em que ele está inserido; (3) ao fim e ao cabo, a “justiça” é um conceito
institucional representado pela aplicação legítima e isonômica de normas jurídicas
válidas e democraticamente produzidas pelo povo e para o povo.46
Em passagem bastante realista e ponderada, Marie-Anne Frison-Roche
afirmou: “Se a pessoa é racional, ela não espera tanto a satisfação de seus interesses,
porque estes podem ser modificáveis ou compartilhados, mas o conhecimento do
destino que o Direito lhe reserva, de modo que ela possa agir levando em consideração
esse dado”.47 Em sentido parecido, Cândido Dinamarco já havia defendido que “O
parte del giudice superiore così bene da riuscire a convincerlo, senza che ovviamente quest’ultimo abbia in tal caso alcun motivo per lamentare il mancato rispetto della propria giurisprudenza, dovendo semmai esprimere gratitudine per essergli stata offerta la giusta prospettiva per cambiarla”. 46 Como escreveu BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Juiz, processo e justiça. p. 111-112: “A observância do direito objetivo, portanto, interessa ao Estado, visto que a verdadeira paz social se alcança com a correta atuação das normas imprescindíveis à convivência das pessoas”. E continua: “Quanto mais a tutela jurisdicional se aproximar da vontade do direito substancial, mais perto se estará da verdadeira paz social”. 47 FRISON-ROCHE, Marie-Anne. La théorie de l’action comme principe de l’application dans le temps des jurisprudences. p. 311. No original : "Si la personne est rationnelle, elle n’attend pas tant la
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importante não é o consenso em torno das decisões estatais, mas a imunização delas
contra os ataques dos contrariados; e indispensável, para o cumprimento da função
pacificadora exercida pelo Estado legislando ou sub specie jurisdictionis, é a eliminação
do conflito como tal, por meios que sejam reconhecidamente idôneos”.48
Por isso volta-se a afirmar: não há justiça em um sistema jurídico inseguro.
Decisões erráticas tornam imprevisíveis e instáveis as vidas das pessoas, além de gerar
gravíssima injustiça pelo julgamento desigual de casos iguais.
8. Irrelevância da natureza da atividade jurisdicional para que se garanta
estabilidade à jurisprudência
Outro tema geralmente levantado quando se trata de respeito a precedentes
no civil law é o da natureza da atividade jurisdicional. É muito comum que tanto os
defensores quanto os detratores da eficácia vinculante dos precedentes partam da
equivocada premissa de que o respeito a precedentes é possível apenas em um sistema
em que as decisões possuem eficácia normativa; ou seja, em um sistema em que o
Direito seja criado pelas decisões judiciais.49
A discussão sobre a eficácia normativa das decisões judiciais faz parte de
uma questão nuclear tanto da Teoria Geral do Direito quanto da Teoria Geral do Direito
Processual: qual é a natureza da atividade jurisdicional? Criativa ou declaratória? Quer
dizer, as decisões judiciais criam o direito que rege o caso concreto ou declaram um
direito preexistente?
satisfaction de ses intérêts, car ceux-ci peuvent être changeants ou partagés, mais de connaître le sort que le droit lui réserve, de sorte qu’elle puisse agir en intégrant cette donnée". 48 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. p. 195. 49 Na doutrina francesa, dentre muitos outros, v. AUBERT, Jean-Luc. Faut-il ‘moduler’ dans le temps les revirements de jurisprudence?... J’en doute ? p. 301 e ss; BACHELLIER, Xavier; JOBARD-BACHELLIER, Marie-Noëlle. Les revirements de jurisprudence. p. 304-310; MALINVAUD, Philippe. A propos de la rétroactivité des revirements de jurisprudence. p. 312-318; MONÉGER, Joël. La maîtrise de l’inévitable revirement de jurisprudence : libres propos et images marines. p. 323-328; SERINET, Yves-Marie. Par elle, avec elle et en elle ? La Cour de cassation et l’avenir des revirements de jurisprudence. p. 328-334. Na doutrina do common law, v. SAMPFORD, Charles. Retrospectivity and the Rule of Law. p. 168. Na doutrina italiana, v. VERDE, Giovanni. Mutamento di giurisprudenza e affidamento incolpevole... p. 10; ss; PUNZI, Carmine. Il ruolo della giurisprudenza e i mutamenti d’interpretazione di norme processuali. p. 1353.
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A polêmica entre os declarativistas e os constitutivistas está intimamente
ligada à forma pela qual o Direito Material e o Direito Processual se relacionam e tem
lugar cativo na doutrina do civil law desde a promoção do Direito Processual como
ciência autônoma, em 1868, com a obra de Oskar von Bülow. Também no common law
a discussão foi intensa no século XIX, tendo prevalecido, lá, a tese de que as decisões
possuem natureza constitutiva.
O tema é interessantíssimo e de riqueza ímpar, mas, com todo o respeito, é
absolutamente irrelevante para a discussão sobre a eficácia vinculante dos precedentes.
Se as decisões judiciais têm natureza normativa, então não há dúvidas de que devem ser
respeitadas como fonte do Direito. Mas se as decisões judiciais se limitam a declarar um
direito preexistente, como acredita este autor,50 então com ainda mais razão deveria
haver homogeneidade na jurisprudência. Se o direito a ser aplicado ao caso concreto
existe independentemente da decisão judicial, então esse direito não pode variar de
acordo com o juiz que o aplica, sob pena de tornar a atividade jurisdicional um poder
personificado. Exatamente porque é declarado, o Direito deve ser estável e aplicado
com uniformidade pelo Estado-juiz.
9. A experiência inglesa quanto ao respeito a precedentes horizontais
Ao julgar o caso London Tramways v. London County Council, em 1898, a
House of Lords decidiu: “mas o que é a interferência ocasional no que talvez seja uma
justiça abstrata, se comparada com a inconveniência – a desastrosa inconveniência – de
ter cada questão sujeita à rediscussão e de tornar as relações da humanidade duvidosas
em razão de diferentes decisões, de modo que, na verdade e de fato, não haveria uma
real Corte final de apelação”.51
50 Sobre a posição deste autor e as razões pelas quais acredita que as decisões judiciais têm e devem ter natureza declaratória, v. RAMINA DE LUCCA, Rodrigo. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais. Capítulo Terceiro. 51 [1898] AC 375. No original: “Of course I do not deny that cases of individual hardship may arise, and there may be a current of opinion in the profession that such and such a judgment was erroneous; but what is that occasional interference with what is perhaps abstract justice as compared with the inconvenience - the disastrous inconvenience - of having each question subject to being reargued and the dealings of mankind rendered doubtful by reason of different decisions, so that in truth and in fact there would be no real final Court of Appeal? My Lords, ‘interest rei publicæ’ that there should be ‘finis litium’ at some time, and there could be no ‘finis litium’ if it were possible to suggest in each case that it
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Essa paradigmática decisão foi o ápice de um movimento que já vinha se
desenhando desde 1861, quando a House of Lords, ao julgar o caso Beamish v.
Beamish, seguiu o precedente criado no caso The Queen v. Millis, não obstante
considerá-lo equivocado. Foi a partir de 1898, porém, que se consolidou a eficácia
absolutamente vinculante dos precedentes da House of Lords, inclusive para os seus
próprios membros. Uma vez estabelecido um “princípio de direito”, esse “princípio de
direito” seria doravante definitivo.
É interessante notar que a atribuição de eficácia vinculante aos precedentes
da House of Lords foi uma medida extremamente liberalista. Ao contrário do que muitas
vezes se imagina, a Corte não garantiu eficácia vinculante aos seus precedentes como
forma de majoração de seus poderes. O propósito da medida ficou muito claro no
julgamento do já referido caso Beamish v. Beamish: “Se a lei estabelecida como ratio
decidendi, sendo claramente vinculante a todos os tribunais inferiores, e a todos os
súditos da Rainha, não for igualmente considerada vinculante para Vossas Excelências,
então esta Corte estará arrogando-se a faculdade de alterar o direito e legislar com
autônoma autoridade”. Uma vez estabelecido o “princípio de direito” regente de uma
situação fática, esse princípio de direito deveria ser aplicado pela Corte a casos análogos
até que fosse alterado ou revogado legislativamente. 52
A House of Lords tinha plena consciência, portanto, de que a vinculação a
seus próprios precedentes significaria redução de seus poderes, pois apenas teria
condições de estabelecer o “princípio de direito” que rege determinada situação fática
uma única vez. Essa ponderada conclusão contrasta com as frequentes e equivocadas
might be reargued, because it is ‘not an ordinary case’, whatever that may mean. Under these circumstances I am of opinion that we ought not to allow this question to be reargued”. 52 No original: “My Lords, the decision in The Queen v. Millis (…) seemed to me so unsatisfactory (…). If it were competent to me, I would now ask your Lordships to reconsider the doctrine laid down in The Queen v. Millis (…). But it is my duty to say that your Lordships are bound by this decision as much as if it had been pronounced nemine dissentiente, and that the rule of law which your Lordships lay down as the ground of your judgment, sitting judicially, as the last and supreme Court of Appeal for this empire, must be taken for law till altered by an Act of Parliament, agreed to by the Commons and the Crown, as well as by your Lordships. The law laid down as your ratio decidendi, being clearly binding on all inferior tribunals, and on all the rest of the Queen's subjects, if it were not considered as equally binding upon your Lordships, this House would be arrogating to itself the right of altering the law, and legislating by its own separate authority”.
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afirmações de que a eficácia vinculante de precedentes implica majoração indevida de
poderes dos juízes.
A eficácia absolutamente vinculante dos precedentes da House of Lords
durou até 1966, quando foi editado um Practice Statement53 autorizando o Tribunal a
“divergir de decisões prévias quando isso lhe parecesse correto”. Embora tenha
expressamente reconhecido a importância de respeitar os seus próprios precedentes, o
Tribunal entendeu que a “aderência muito rígida a um precedente pode levar à injustiça
em um caso particular e também restringir indevidamente o desenvolvimento adequado
do Direito”.54
Independentemente disso, o alto comprometimento da House of Lords com
os seus próprios precedentes permaneceu inalterado até 2009, quando foi substituída
pela Supreme Court of the United Kingdom. Como aponta a doutrina, raríssimas foram
as vezes que a House of Lords alterou a sua jurisprudência entre 1966 e 2009.55
10. Alteração x evolução da jurisprudência
Tal qual reconhecido pela House of Lords na década de 60, a jurisprudência
deve ter condições de evoluir e adaptar-se. No entanto, isso não significa que a
jurisprudência possa ser alterada de forma livre e irresponsável. Compreender a
distinção entre evolução e simples alteração jurisprudencial é fundamental.
Semanticamente, a evolução é um processo de desenvolvimento
harmonioso. Não é uma simples mudança e não significa rompimento brusco com o
passado – característica esta própria da revolução. A evolução é a melhoria, o progresso
gradual e ponderado de algo que já existe.
53 Sobre o ato, v. CROSS, Rupert; J. W. Harris. Precedent in English Law. p. 104 e ss. 54 Practice Statement [1966] 3 All ER 77. No original: “Their Lordships regard the use of precedent as an indispensable foundation upon which to decide what is the law and its application to individual cases. It provides at least some degree of certainty upon which individuals can rely in the conduct of their affairs, as well as a basis for orderly development of legal rules. Their Lordships nevertheless recognize that too rigid adherence to precedent may lead to injustice in a particular case and also unduly restrict the proper development of the law. They propose therefore to modify their present practice and, while treating former decisions of this House as normally, to depart from a previous decision when It appears right to do so”. 55 Cf. CROSS, Rupert; J. W. Harris. Precedent in English Law. p. 135-143; DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. p. 128.
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Dificilmente a evolução jurisprudencial afrontará a segurança jurídica ou
surpreenderá negativamente o jurisdicionado, pois, como regra, ela é esperada e bem-
vinda. Não que ela seja necessariamente lenta. Essa evolução pode e muitas vezes deve
ser rápida. O que se exige é que ela seja equilibrada, não viole a confiança legítima nela
depositada pelo jurisdicionado e tenha como intuito adequar-se ao Direito e aos valores
sociais vigentes. Se a mudança na jurisprudência for motivada por mudança legislativa,
então ela será prospectiva como a lei. Se for motivada por novos valores sociais, então
ela apenas estará se adaptando a uma sociedade que já aguarda a adequação
jurisprudencial. Nas lições de Teresa Arruda Alvim Wambier, “A sociedade é um
organismo vivo, e, como acontece com os organismos vivos, as mudanças pelas quais
passa ocorrem lentamente. Não há alterações sociais bruscas. Portanto, já que o direito
muda quando precisa adaptar-se, nada justifica que as alterações ocorram da noite para
o dia, em situações de normal desenvolvimento”.56
Diversa é a mudança jurisprudencial pura e simples. Aquela que rompe
radicalmente com o passado sem que se atente aos efeitos e consequências daí
decorrentes. Aquela que decorre menos da necessidade de readequar a aplicação do
Direito ao sistema e mais do interesse do julgador de impor as suas próprias convicções
sociais ou jurídicas; como se aplicação do Direito fosse um poder dele, e não do Estado.
Essas mudanças bruscas, inesperadas, não são evolução; são simples e indesejadas
mudanças.
Quando se fala em limites à mudança jurisprudencial, portanto, não se
pretende uma jurisprudência estática e imutável. O que se quer é uma jurisprudência
estável, contínua,57 insuscetível a mudanças inesperadas de percurso; uma
jurisprudência que se adapte ao presente e ao futuro sem romper violentamente com o
passado.58
56 Ibidem. p. 15. Igualmente, DERZI, Misabel Abreu Machado. A imprevisibilidade da jurisprudência e os efeitos... p. 187. 57 Sobre a estabilidade como continuidade, v. CABRAL, Antonio do Passo. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas. p. 298 e ss. 58 É importante notar que a mudança jurisprudencial fundada em novas razões é restrita aos casos difíceis (hard cases), i.e., aqueles casos cuja solução jurídica não foi expressamente prevista pelo legislador. Os casos fáceis independem de perquirições a respeito da congruência social ou consistência sistêmica da decisão, uma vez que a consequência da hipótese fática já está definida previamente e de maneira vinculante, bastando ao juiz aplicá-la ao caso concreto. O reconhecimento de prescrição de dívida
21
10.1. Os “ambientes decisionais”
A compreensão da distinção entre evolução e simples alteração da
jurisprudência impõe compreender, igualmente, aquilo que Teresa Arruda Alvim
Wambier denominou, com muita felicidade, de “ambientes decisionais”.59
Ambiente decisional é a “área do direito material ou substancial, com seus
princípios e regras, em que o conflito deve ser resolvido”.60 Cada ambiente decisional
possui características próprias que determinam o grau de estabilidade esperado tanto do
Direito quanto da jurisprudência. Há ambientes decisionais “frouxos”, como o Direito
de Família ou o Direito do Consumidor, em que o Direito é mais fortemente afetado por
mudanças sociais e, como consequência, está mais suscetível a alterações legislativas e,
principalmente, jurisprudenciais. E há ambientes decisionais “rígidos”, geralmente
regidos pelo princípio da legalidade, onde deve prevalecer a estabilidade jurídica.61
Nesses ambientes decisionais rígidos, como o Direito Tributário, o Direito
Administrativo e o Direito Processual, a jurisprudência deve privilegiar a segurança
jurídica em detrimento de juízos de valor acerca da correção ou incorreção de
precedentes e entendimentos jurisprudenciais já firmados.
A categoria dos ambientes decisionais ajuda a sistematizar os casos em que
a jurisprudência deve participar mais ativamente na evolução do Direito para adequá-lo
aos valores sociais vigentes e aqueles em que a aplicação do Direito deve permanecer
uniforme ao longo do tempo, competindo ao legislador alterá-lo quando necessário.
constante de instrumento público vencida sete anos antes, p.ex., está imune a alterações jurisprudenciais, pois a consequência legal da falta de cobrança de débito por prazo superior a cinco anos implica a perda de sua exigibilidade (arts. 189 e 206, §5º, I, do Código Civil). Diversa é a aplicação de um conceito jurídico indeterminado ou de uma cláusula geral. Definir, p.ex., se a conduta do sócio está enquadrada na hipótese de falta grave autorizadora da exclusão societária (art. 1.030 do CC) depende do que se considera grave e de qual é a amplitude dada aos deveres de boa-fé e lealdade societária em determinado momento histórico.
59 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. p. 52-57. 60 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. p. 53. 61 Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. p. 54-55.
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11. Limites à mudança jurisprudencial
A jurisprudência não é uma fonte autônoma do Direito; é, porém, fonte
interpretativa primária do Direito. Isso significa que, cada vez mais, o jurisdicionado
pauta a sua conduta pela forma como o Judiciário aplica o Direito positivo,
independentemente da forma como ele próprio compreende esse Direito. Esse fenômeno
é potencializado pela democratização do acesso à justiça e pelo amplo acesso à
jurisprudência dos tribunais, inegavelmente facilitado pela divulgação eletrônica dos
julgados.
De forma bastante consciente, o STF assim se manifestou no julgamento do
MS 26603/DF: “Os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham
múltiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir
previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir
estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em decorrência deles,
gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com
esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança
dos cidadãos nas ações do Estado”.62
Diante desse importantíssimo papel desempenhado pelas decisões judiciais,
não é possível ignorar os danos causados pela instabilidade jurisprudencial. Da mesma
forma que a lei não pode ser alterada a todo instante e, quando alterada, deve respeitar
as situações jurídicas já consolidadas (p.ex., ato jurídico perfeito, direito adquirido e
coisa julgada) e projetar, como regra, seus efeitos para o futuro, também a
jurisprudência deve respeitar determinadas regras para que seja modificada.
Em síntese, a jurisprudência só pode ser alterada quando (i) houver novas
razões para tanto, normalmente pautadas pela incongruência social ou pela
inconsistência sistêmica do antigo precedente ou da jurisprudência a ser superada e (ii) a
mudança não abalar a segurança jurídica ou violar a confiança legítima do
jurisdicionado.
11.1. O princípio da inexistência de novas razões – a incongruência social e a
inconsistência sistêmica
62 MS 26603, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007
23
O STJ decidiu, em 14 de setembro de 2010, por unanimidade, que as
construtoras não poderiam cobrar juros do consumidor durante a construção do imóvel,
pois, nesse período, não haveria capital da construtora emprestado ao promitente
comprador.63 A decisão configurava rompimento com entendimento anterior que
aceitava a cobrança dos juros em situação fática idêntica. O novo precedente foi
reiterado várias vezes pelo STJ nos anos seguintes, transformando-se em verdadeira
jurisprudência.64 Muitas construtoras, inclusive, celebraram Termos de Ajustamento de
Conduta com o Ministério Público, comprometendo-se a cobrar juros apenas a partir do
“habite-se”. Em 13 de junho de 2012, porém, a 2ª Seção do STJ, por 6 votos a 3,
resolveu ignorar tudo o que vinha sendo produzido até então e, mais uma vez, mudou
radicalmente o entendimento prevalecente.65 Sem que houvesse nenhuma nova razão a
justificar a guinada jurisprudencial, a 2ª Seção do STJ reanalisou a questão e entendeu
ser possível, sim, a cobrança de juros durante a construção da obra. É interessante notar
que dos 6 ministros favoráveis à nova mudança jurisprudencial, 4 já tinham votado ao
menos uma vez de acordo com o precedente revogado. Diante desse quadro, nada
impede que o entendimento seja mais uma vez alterado por mudança de opinião ou
renovação dos membros do Tribunal.
Para impedir esse tipo de situação, extremamente nociva à fiabilidade do
jurisdicionado aos pronunciamentos dos tribunais brasileiros, a doutrina e a
jurisprudência do common law construíram o princípio da inexistência de novas
razões,66 o qual é igualmente respeitado pela Cour de Cassation da Bélgica, país de
indiscutível tradição romano-germânica.67
O princípio da inexistência de novas razões é o primeiro e mais basilar dos
limites à mudança jurisprudencial. Significa, de forma bastante singela, que a
63 REsp 670117/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 23/09/2010. 64 P. ex., AgRG no Ag 1.014.027/RJ e AgRg no AI nº. 1.402.399/RJ. 65 EREsp 670.117/PB, Rel. p/ Acórdão Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 13/06/2012, DJe 26/11/2012. 66 Cf. DUXBURY, Neil. The Nature and the Authority of Precedent. p. 128; SAMPFORD, Charles. Retrospectivty and the Rule of Law. p. 177; Cf. RORIVE, Isabelle. Diverging legal culture but similar jurisprudence of overruling: the case of the House of Lords and the Belgian Cour de Cassation. p. 335. 67 Cf. RORIVE, Isabelle. Diverging legal culture but similar jurisprudence of overruling: the case of the House of Lords and the Belgian Cour de Cassation. p. 343-344.
24
jurisprudência não pode ser alterada se não houver novas razões que justifiquem a
mudança; isto é, razões que tenham surgido após a formação do precedente. Ao arrolar
os princípios que norteavam a mudança jurisprudencial pela House of Lords, Charles
Sampford explica: “em prol da segurança, uma decisão não deve ser revogada apenas
porque os ‘Law Lords’ consideram-na equivocada. Devem existir razões adicionais que
justifiquem tal medida”.68
Desse modo, formado um precedente a partir de razões validamente
sustentáveis, esse precedente deve ser mantido independentemente de eventuais
“opiniões” divergentes. A segurança jurídica e a estabilidade jurisprudencial
proporcionadas pelo Estado-juiz prevalecem sobre a opinião pessoal do juiz-pessoa. Se
o Estado já se manifestou sobre uma situação fática de forma racional e razoável, então
o precedente deve ser respeitado por esse mesmo Estado em todos os casos análogos
que se apresentarem para julgamento.69
O objetivo do princípio da inexistência de novas razões é impedir a
alteração jurisprudencial por simples “divergência de entendimento” entre juízes ou,
como é muito comum no Brasil, por renovação da composição de um tribunal. A
revogação de precedentes pautada por “entendimentos distintos” do juiz-pessoa torna a
jurisprudência extremamente instável e permite que o novo “entendimento” seja
substituído por um terceiro “entendimento”, e assim sucessivamente.70 Como já foi
afirmado várias vezes neste trabalho, as decisões judiciais são atos do Estado e, como
tal, devem ser respeitadas por aqueles que o personificam.
68 SAMPFORD, Charles. Retrospectivty and the Rule of Law. p. 177: “6. In the interests of certainty, a decision ought not to be overruled merely because the Law Lords consider that it was wrongly decided. There must be some additional reasons to justify such a step”. 69 Como escreveu SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer. p. 177-180: “It is an important consequence of the generality of reasons that a person (or a court) who gives a reason for a decision is typically committed to that reason on future occasions. (…) Thus, when a court gives a reason for its decision, it creates a commitment for that court and an expectation on the part of those who seek to be guided by judicial opinions. 70 Nesse sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. p. 56: “Situação extremamente diversa é a que ocorre quando a alteração da jurisprudência tem lugar como decorrência de ‘mudança de opinião’ dos juízes. Esta alteração, via de regra brusca, não significa, em sentido algum, evolução do direito e inviabiliza de modo definitivo a uniformização, já que impossibilita a estabilização. Esta alteração de compreensão do direito decorrente de fatores pessoais é extremamente criticável e nociva (...)”.
25
Em 1973, no julgamento do caso R. v. Knuller pela House of Lords, Lord
Reid foi muito claro: “Eu divergi no caso Shaw. Analisando-o novamente, eu ainda
acredito que a decisão foi equivocada (...). Mas isso não significa que eu deva agora
apoiar uma moção para reconsiderar a decisão. Eu afirmei mais de uma vez em casos
recentes que a nossa mudança de prática em não mais considerar as prévias decisões
desta Casa como absolutamente vinculantes não significa que devamos revogá-las
sempre que as consideremos errada. No interesse geral da segurança jurídica, nós
devemos ter certeza de que há alguma razão muito boa antes de agirmos”.71
Em regra, as novas razões que justificam a mudança jurisprudencial estão
relacionadas à incapacidade do precedente (ou jurisprudência) a ser superado de atender
às exigências da congruência social e da consistência sistêmica.72 Há incongruência
social quando o precedente falha em traduzir os valores sociais vigentes e há
inconsistência sistêmica quando o precedente não encontra mais amparo sistemático no
ordenamento jurídico.
11.2. A proteção da confiança legítima
Existentes novas razões que justifiquem a mudança jurisprudencial, cabe
ao tribunal averiguar se os benefícios por ela trazidos não são suplantados pelos
malefícios dela decorrentes. Em outras palavras, o tribunal deve analisar se a mudança
jurisprudencial, ainda que fundada na incongruência social ou inconsistência sistêmica
do precedente, não trará insegurança jurídica ou, principalmente, não violará a
confiança legítima do jurisdicionado.
O princípio da proteção da confiança legítima, muito difundido tanto nos
países do common law quanto nos países da Europa ocidental, onde nasceu e se
71 Reg. v. Knuller (1973) A.C. 455. No original: “I dissented in Shaw's case. On reconsideration I still think that the decision was wrong and I see no reason to alter anything which I said in my speech. But it does not follow that I should now support a motion to reconsider the decision. I have said more than once in recent cases that our change of practice in no longer regarding previous decisions of this House as absolutely binding does not mean that whenever we think that a previous decision was wrong we should reverse it. In the general interest of certainty in the law we must be sure that there is some very good reason before we so act”. 72 EISENBERG, Melvin Aron. The Nature of the Common Law. p. 104-105: “A doctrine should be overruled if (i) it substantially fails to satisfy the standards of social congruence and systemic consistency”.
26
desenvolveu, estrutura-se sobre o pressuposto de que cada pessoa tem o direito, e até
mesmo o dever, de confiar no Estado e nos atos por ele praticados, proibindo-se
comportamentos estatais contraditórios e incompatíveis com a boa-fé objetiva.73 Trata-
se de uma necessária contraprestação ao poder conferido ao Estado para regular a
sociedade.74
O princípio da proteção da confiança legítima é a faceta subjetiva da
segurança jurídica. Ao contrário da segurança jurídica objetiva, que confere estabilidade
e previsibilidade ao Direito independentemente das consequências impostas ao
particular, o princípio da confiança legítima atua no caso concreto, protegendo o
indivíduo contra a quebra de expectativas decorrentes da confiança que legitimamente
depositou no Estado. Nas palavras de Sylvia Calmes, “a teoria da proteção da confiança
legítima exige que apenas o interesse da pessoa privada à fiabilidade das situações seja
levado em consideração”.75
Com efeito, muitos são os comportamentos adotados pelo jurisdicionado em
razão da jurisprudência dominante. Além do exemplo dado na introdução deste
trabalho, em que a ação de nulidade de doação inoficiosa fora proposta no momento
considerado adequado pelos tribunais, pode-se mencionar, p.ex., o contribuinte que
realiza determinada compensação tributária com amparo na jurisprudência ou o
73 V., dentre outros, CALMES, Sylvia. Du Príncipe de Protection de la Confiance Légitime... passim; ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. p. 360 e ss.; VALEMBOIS, Anne-Laure. La Constitutionnalisation... p. 231 e ss.; SCHNEIDER, Jens-Peter. Seguridad jurídica y protección de la confianza... passim; PIAZZON, Thomas. La Securité Juridique. passim; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 257 e ss; 74 Segundo Almiro do Couto e Silva, o princípio “(a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe consequências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos”. COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro... p. 4-5. 75 CALMES, Sylvia. Du Principe de Protection de la Confiance Légitime... p. 167. No original: "Dans cette logique, la théorie de la protection de la confiance légitime exige seul l’intérêt de la personne privée à la fiabilité des situations soit pris en considération". V. também CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 257 e ss.; ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. p. 362-363.
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importador pessoa física que importa veículo automotor para uso próprio porque sabe
que não será devido IPI sobre a operação.76
A jurisprudência é, portanto, fundamento da confiança do jurisdicionado
que se comporta, legitimamente, de acordo com o que ela diz que é o Direito.77
Vale notar que o respeito à confiança legítima depositada na jurisprudência
não é restrito aos países do common law. Em estudo sobre a Cour de Cassation da
Bélgica, Isabelle Rorive afirmou: “Ainda quando existam boas razões, uma mudança de
jurisprudência pode ser rejeitada seja porque pode afetar expectativas legítimas dos
indivíduos, seja porque a mudança trará mais benefícios se promovida pelo
Legislativo”.78
Utilizando mais uma vez o exemplo da doação inoficiosa dado nesse
trabalho, ainda que o STJ considerasse equivocada a contagem do prazo “prescricional”
(rectius: decadencial) a partir da abertura da sucessão, deveria ter levado em
consideração as expectativas legítimas dos jurisdicionados que confiaram na
jurisprudência e não pediram a invalidação judicial do ato durante a vida do doador.
12. A mudança jurisprudencial prospectiva
Sendo absolutamente necessária a mudança jurisprudencial, e havendo
expectativas legítimas geradas pelo entendimento superado, abre-se então o caminho da
mudança jurisprudencial prospectiva.
Da mesma forma que a nova lei não pode, como regra, retroagir para atingir
fatos pretéritos, respeitando-se os direitos adquiridos, os atos jurídicos perfeitos e a
coisa julgada, também a jurisprudência deve, em muitos casos, ser aplicada de acordo
com o entendimento que prevalecia na época em que os fatos ocorreram. Essa técnica 76 STF, RE 550170 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07/06/2011; STF, RE 255090 AgR, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 24/08/2010 etc. 77 Para mais detalhes sobre os requisitos para que os precedentes sirvam como fundamento da confiança, v. RAMINA DE LUCCA, Rodrigo. O dever de motivação das decisões judiciais. Capítulo Sexto, ponto 17; v. também ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. p. 462-496. 78 RORIVE, Isabelle. Diverging legal culture but similar jurisprudence of overruling: the case of the House of Lords and the Belgian Cour de Cassation. p. 344. No original: “Even where there are good reasons, a change through case law may be rejected either because the legitimate expectations of individuals are at stake or the reform in question will be better dealt with in parliament”.
28
de modulação dos efeitos da mudança jurisprudencial é bastante comum nos Estados
Unidos, onde recebe o nome de “prospective overruling”. A sua aplicação é variável de
acordo com o caso concreto. Na mais comum delas, o novo entendimento é aplicado
apenas ao caso em que está sendo julgado e aos fatos ocorridos após a modulação,
mantendo intactas as expectativas geradas pelo precedente ou jurisprudência anterior.
Quando o tribunal deixa de aplicar o novo entendimento inclusive ao caso em
julgamento, há uma revogação prospectiva pura, ou pure prospective overruling.
Também pode ser estipulado um marco para que o novo precedente produza efeitos,
como fez o Tribunal de Minnesota, no caso Spanel v. Mounds View School District nº.
621, ao definir que a aplicação do novo precedente deveria coincidir com o final da
sessão legislativa estadual. No caso Li v. Yellow Cab, a Suprema Corte da Califórnia
limitou os efeitos da mudança jurisprudencial a casos cujo julgamento ainda não tivesse
iniciado, independentemente da data dos fatos.79
Utiliza-se nos Estados Unidos, igualmente, a interessantíssima técnica da
“sinalização” (signaling), a qual complementa a mudança jurisprudencial prospectiva. A
sinalização é realizada quando a mudança jurisprudencial mostra-se necessária, mas o
precedente a ser revogado ainda é relevante na indução comportamental dos
jurisdicionados. Para que não haja surpresas indevidas, o tribunal sinaliza formalmente
à comunidade jurídica que o precedente não deve mais ser levado em consideração para
adoção de comportamentos, pois pode ser revogado ou alterado futuramente.80
A técnica da mudança jurisprudencial prospectiva já vem sendo aplicada no
Brasil, de forma louvável, pelo Supremo Tribunal Federal. Assim constou do
julgamento do Conflito de Competência nº. 7204/MG: “como imperativo de política
judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda
tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa --, o
Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça
trabalhista é o advento da EC 45/04. (...) 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor
da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir
eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos,
toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione
79 Cf. EISENBERG, Melvin Aron. The Nature of the Common Law. p. 127-128. 80 Cf. Ibidem. p. 121-122. Para uma explicação mais aprofundada da técnica da sinalização, v., na doutrina brasileira, MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. p. 335-343.
29
materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que
ocorram sem mudança formal do Magno Texto”.81 Vale citar também o julgamento do
Inquérito 687: “3. Questão de Ordem suscitada pelo Relator, propondo cancelamento da
Súmula 394 e o reconhecimento, no caso, da competência do Juízo de 1º grau para o
processo e julgamento de ação penal contra ex-Deputado Federal. Acolhimento de
ambas as propostas, por decisão unânime do Plenário. 4. Ressalva, também unânime, de
todos os atos praticados e decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com base
na Súmula 394, enquanto vigorou”.82
Poder-se-ia questionar a legitimidade do Poder Judiciário para estabelecer
marcos temporais para a aplicação de novos precedentes sem que haja previsão
legislativa para tanto. A resposta a essa crítica foi dada de maneira precisa pelo Min.
Herman Benjamin no julgamento do REsp 654.446/AL: “Não se trata exatamente de
aplicar por analogia a citada legislação federal aos julgamentos proferidos pelo STJ,
mas sim de tomar por empréstimo o fundamento que ensejou sua produção: o Princípio
da Segurança Jurídica. Inegável que os valores que levaram o legislador federal a
produzir as Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999, vão além do produto legislativo,
influindo necessariamente na aplicação do Direito por todos os Tribunais Superiores.
Tenho para mim que, também no âmbito do STJ, nas decisões que alterem
jurisprudência reiterada, abalando forte e inesperadamente expectativas dos
jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no tempo, buscando a
integridade do sistema e a valorização da segurança jurídica”.83
Ou seja, a atribuição de efeitos prospectivos à mudança jurisprudencial tem
indiscutível amparo nas garantias constitucionais da segurança jurídica84 e da proteção
da confiança legítima (por força do art. 5º. § 2º da CR)85.
81 CC 7204, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12-2005. 82 Inq 687 QO, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/1999, DJ 09-11-2001. 83 REsp 654.446/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/12/2007, DJe 11/11/2009. 84 Atribuindo natureza de garantia constitucional à segurança jurídica, ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil. p. 79; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. p. 121-124; COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro (...). p. 11; CARRAZZA, Roque Antonio. Segurança jurídica e
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12.1. Duas regras para a mudança jurisprudencial prospectiva
Em O Dever de Motivação das Decisões Judiciais propus duas regras
básicas para a mudança jurisprudencial prospectiva, as quais reitero neste trabalho: (a)
no confronto entre o particular e interesses secundários do Estado, a confiança legítima
depositada no precedente sempre deve prevalecer; e (b) no confronto entre particulares,
devem ser ponderados os interesses envolvidos, privilegiando a confiança legítima
quando a prospectividade não causar prejuízos juridicamente relevantes ao
beneficiado.86
(a) A confiança legítima do particular deve sempre prevalecer no confronto
com interesses secundários do Estado, pois o Estado não pode beneficiar-se de sua
própria torpeza. Partindo mais uma vez do pressuposto de que toda decisão é um ato
estatal, então toda mudança jurisprudencial revela um comportamento contraditório do
Estado que, como regra, não pode prejudicar o jurisdicionado em seu proveito próprio.
Não devem ser confundidos, porém, interesses secundários do Estado com
interesse público. Como explica Celso Antônio Bandeira de Mello, o Estado “pode ter,
tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que,
tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam
no Estado enquanto pessoa”.87 Nem tudo que proporciona um ganho ao Estado é
interesse público e, muitas vezes, é de interesse público que o Estado sofra uma
diminuição patrimonial em benefício do particular, como no caso de indenização por
danos causados pela má prestação de um serviço público.
Suponha-se que várias indústrias tenham feito investimentos elevados para
adotar um econômico procedimento de eliminação de dejetos. Apesar de ter sido objeto
eficácia temporal das alterações jurisprudenciais. p. 43; MENDES, Gilmar Ferreira. Direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada e segurança jurídica. p. 531-534; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica... p. 86. 85 Nesse sentido, ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. p. 362; NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica – eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior. p. 83 e ss. 86 RAMINA DE LUCCA, Rodrigo. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais. Capítulo Sexto, ponto 18.3. 87 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. p. 65.
31
de alguma polêmica no início, o procedimento foi validado pela jurisprudência em
reiteradas decisões ao longo dos anos. Novos estudos, porém, demonstraram que o
procedimento causava, sim, danos ambientais. Em prol do interesse público, é evidente
que a jurisprudência deve ser alterada e o procedimento proibido, independentemente de
investimentos realizados pelas indústrias ou da economia por ele proporcionada: o
interesse público na conservação do meio ambiente prevalece sobre o interesse privado.
No entanto, as indústrias não poderão ser autuadas e multadas pela Administração por
terem se comportado de acordo a jurisprudência: a confiança legítima do particular deve
prevalecer sobre o interesse secundário do Estado na arrecadação de multas. A mudança
jurisprudencial, portanto, deve ser prospectiva, atingindo apenas fatos futuros.
(b) Na hipótese de conflito entre particulares, a prospectividade da mudança
jurisprudencial deve ficar condicionada à ponderação dos interesses envolvidos. A
mudança jurisprudencial deverá ser sempre prospectiva quando a modulação não causar
prejuízos significativos à parte por ela beneficiada.
13. A responsabilidade civil do Estado
Configurada a violação da confiança legítima do jurisdicionado por
mudança abrupta da jurisprudência, cabe ainda responsabilização do Estado pelos danos
causados.
Com efeito, todos os elementos da responsabilidade civil estão presentes: há
um ato ilícito decorrente da violação da boa-fé objetiva pelo Estado ao comportar-se
contraditoriamente; há um dano injusto suportado pelo jurisdicionado; e há nexo de
causalidade entre o dano sofrido pelo jurisdicionado e a violação da boa-fé objetiva pelo
Estado. Trata-se de responsabilidade objetiva, cuja configuração depende unicamente da
antijuridicidade do comportamento estatal, independentemente de culpa ou dolo.88
88 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. p. 810-811: “O ponto fundamental reside, então, na disciplina jurídica da atividade estatal, para efeito de verificação de juridicidade e de antijuridicidade. (...) É mais apropriado aludir a uma objetivação da culpa. Aquele que é investido de competências estatais tem o dever objetivo de adotar as providências necessárias e adequadas a evitar danos às pessoas e ao patrimônio”. V. também BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. p. 994-995. De acordo com PEREZ, Jesus Gonzales. El Principio General de la Buena Fe em el Derecho Administrativo. p. 54: “No hace falta que exista dolo. No es necessario que se haya buscado deliberadamente el momento, a fin de evitar las reaciones del administrado. El principio
32
A responsabilidade do Estado por violação da confiança legítima do
jurisdicionado foi reconhecida pela Corte Europeia dos Direitos Humanos ao julgar o
caso “Pessino c. France” em outubro de 2006. O caso girava em torno do art. 7º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que dispõe que “Ninguém pode ser
condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não
constituía infração, segundo o direito nacional ou internacional”. Segundo o
demandante, ele havia sido condenado a pagar uma multa por uma infração que não era
considerada infração à época em que foi praticada. A CEDH acolheu a demanda sobre o
fundamento de que o art. 7º é violado pela falta de uma “interpretação jurisprudencial
acessível e razoavelmente previsível”. Também apontou que o “direito” a que o
dispositivo se refere “engloba o direito de origem tanto legislativa quanto
jurisprudencial e implica condições qualitativas, entre outras as de acessibilidade e
previsibilidade”. Constatada a alteração abrupta da jurisprudência francesa, a CEDH
condenou o Estado Francês a ressarcir ao demandante a multa de 228.673,53 euros que
lhe foi imposta judicialmente.89
14. Conclusão
Buscou-se demonstrar neste breve trabalho que a imprevisibilidade e a
erraticidade da jurisprudência não são características próprias do civil law. Embora o
civil law esteja fundado sobre o respeito de normas jurídicas positivadas, o seu objetivo
sempre foi promover a estabilidade e a previsibilidade do Direito. As normas positivas
de la buena fe resultará infringido por el simple hecho de no haber tenido em cuenta la lealtad y confianza debida a quien con nosotros se relaciona”. 89 V. CEDH, req. 40403/02. No original: "29. La notion de « droit » (« law ») utilisée à l’article 7 correspond à celle de « loi » qui figure dans d’autres articles de la Convention ; elle englobe le droit d’origine tant législative que jurisprudentielle et implique des conditions qualitatives, entre autres celles de l’accessibilité et de la prévisibilité. (...) Il en résulte que, faute au minimum d’une interprétation jurisprudentielle accessible et raisonnablement prévisible, les exigences de l’article 7 ne sauraient être regardées comme respectées à l’égard d’un accusé. Or le manque de jurisprudence préalable en ce qui concerne l’assimilation entre sursis à exécution du permis et interdiction de construire résulte en l’espèce de l’absence de précédents topiques fournis par le Gouvernement en ce sens. (...) 36. Il résulte ainsi de tout ce qui précède que, même en tant que professionnel qui pouvait s’entourer de conseils de juristes, il était difficile, voire impossible pour le requérant de prévoir le revirement de jurisprudence de la Cour de cassation et donc de savoir qu’au moment où il les a commis, ses actes pouvaient entraîner une sanction pénale (...). 37. Dans ces conditions, la Cour estime qu’en l’espèce il y a eu violation de l’article 7 de la Convention".
33
nada mais são do que instrumentos construídos ao longo da História para que os
mesmos fatos produzam as mesmas consequências jurídicas, seja no plano material, seja
no plano processual. O civil law, portanto, especialmente a partir da Revolução
Francesa, foi em boa parte construído para que casos análogos recebessem decisões
judiciais idênticas; a mera existência de tribunais com funções de homogeneização na
aplicação do Direito é prova disso.
Além disso, a natureza jurisdicional das decisões judiciais e a unidade da
jurisdição são características incompatíveis com a inconstância jurisprudencial, pois o
mesmo Estado-juiz não pode manifestar-se diversamente a cada momento.
A mudança jurisprudencial abrupta é extremamente nociva ao ordenamento
jurídico e à sociedade por ele regida, pois surpreende negativamente o jurisdicionado,
torna imprevisível o Direito e, em muitos casos, viola a confiança legítima depositada
no Estado. Como regra, a jurisprudência deve manter-se estável até que haja novas
razões que justifiquem a sua alteração, e desde que essa alteração não viole a segurança
jurídica e a confiança legítima do jurisdicionado.
Limitar a mudança jurisprudencial não significa, em hipótese nenhum,
engessar ou “esclerosar” o Direito. Significa, sim, exigir um comportamento probo,
coerente e leal do Estado no exercício da jurisdição.
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