Fatores que influem na variação dos valores e dos preços: Elementos para uma teoria da inflação...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA ERIC GIL DANTAS FATORES QUE INFLUEM NA VARIAÇÃO DOS VALORES E DOS PREÇOS: ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DA INFLAÇÃO EM MARX João Pessoa 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

ERIC GIL DANTAS

FATORES QUE INFLUEM NA VARIAÇÃO DOS VALORES E DOS PREÇOS:

ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DA INFLAÇÃO EM MARX

João Pessoa

2011

ERIC GIL DANTAS

FATORES QUE INFLUEM NA VARIAÇÃO DOS VALORES E DOS PREÇOS:

ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DA INFLAÇÃO EM MARX

Monografia apresentada ao Departamento de

Economia da Universidade Federal da Paraíba,

para obtenção do grau de bacharel em Ciências

Econômicas.

Orientador: Prof. Msc. Lucas Milanez de Lima

Almeida

João Pessoa

2011

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA

Departamento de Economia

Curso de Graduação em Ciências Econômicas

FICHA DE AVALIAÇÃO DA MONOGRAFIA

Comunicamos à Coordenação de Monografia do Curso de Graduação em Ciências

Econômicas (Bacharelado) que a monografia do aluno Eric Gil Dantas, matrícula 10816511,

intitulada , “FATORES QUE INFLUEM NA VARIAÇÃO DOS VALORES E DOS

PREÇOS: ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DA INFLAÇÃO EM MARX”. foi

submetida à apreciação da comissão examinadora, composta pelos seguintes professores: Elivan

Gonçalves Rosas Ribeiro e Nelson Rosas Ribeiro, no dia 20/12/2011, às 16 horas, no período letivo de 2011.2.

A monografia foi ________________ pela Comissão Examinadora e obteve nota (_____) (___________________________).

Reformulações sugeridas: Sim ( ) Não ( ).

Atenciosamente,

____________________________________________

Prof. Msc. Lucas Milanez de Lima Almeida

(Orientador)

____________________________________________

Prof. Dr. Nelson Rosas Ribeiro

(Examinador)

___________________________________________

Profª. Drª. Elivan Gonçalves Rosas Ribeiro (Examinadora)

Cientes,

____________________________________________

Prof. Ms. Ademário Félix Coordenador de Monografia

___________________________________________

Prof. Dr. Ivan Targino Chefe do Departamento de Economia

___________________________________________

Eric Gil Dantas

Dedico este trabalho à classe operária

internacional, por ser a única

responsável pela criação de todo o valor

material do qual a humanidade se

sustenta para comer, beber, estudar e

praticar o ócio.

AGRADECIMENTOS

O processo de formação intelectual de um ser humano começa a partir do

momento que se depara com o restante da sociedade. Como primeiras pessoas, e de

extrema importância, agradeço às pessoas que compartilharam o meu cotidiano e

crescimento de mais perto, seja geograficamente, seja temporalmente, no nome de João

Carlos Dantas, Maria de Fátima Gil Dantas, Sheldon Miriel Gil Dantas e Yuri Gil

Dantas.

Dando continuidade, outra pessoa que, apesar de geograficamente a maior parte

de minha vida estar longe, mas influenciou constantemente o meu caráter e ceticismo,

agradeço ao Prof. Dr. Wellington Gomes Dantas, que sempre me instigou o intelecto e

compartilhou meus tempos de morbidade e de felicidade, me ensinando a apreciar de

Nietzsche ao Pink Floyd.

Na Universidade, tive além do Departamento de Economia, mais outras duas

escolas. A primeira, que devo quase toda minha formação na Ciência Econômica, é o

Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (PROGEB), onde pude crescer no

exercício da teoria marxista e na análise da realidade econômica. Mas como toda

instituição, esta é formada por pessoas, agradeço ao Professor Nelson Rosas Ribeiro,

que sacrificou quase toda a sua vida em prol do desenvolvimento da teoria marxista e

ainda sempre investiu na base, formando novos pesquisadores, possibilitando a

existência deste grupo. Agradeço a Professora Elivan Gonçalves, que me orientou em

monitorias e artigos, sempre acreditando na minha capacidade. Agradeço ao Professor

Lucas Milanez, que aceitou com bastante nobreza a tarefa de me orientar no

desenvolvimento deste trabalho. Agradeço ao Professor Diego Lyra, o primeiro a me

apresentar a teoria econômica marxista, na disciplina de Economia Política I. E também

os demais pesquisadores que me ajudaram a formar este alicerce teórico, como Tatiana

Losano, Rosângela Palhano, Kaio Glauber, Antonio Almeida e Roberta Pereira. A

segunda escola é a do movimento estudantil, que sem este, talvez minha percepção dos

enormes problemas que rondam a nossa sociedade não tivesse chegado ao nível

presente, principalmente aos que compuseram o Centro Acadêmico de Economia gestão

“Amanhã há de ser outro dia” e a Assembleia Nacional de Estudantes – Livre (ANEL),

especialmente à Nathalya Ribeiro, que como prova do companheirismo militante,

traduziu-me o Resumo deste trabalho para a bela língua francesa. E aos colegas e

amigos que também propiciaram uma maior maciez em um caminho tão árduo como os

quatro anos de formação, que extrapolaram a turma de 2008.1 para um conjunto muito

maior.

“O marxismo – que é logicamente uma

ciência objetiva e isenta de juízos de

valor – tornou-se, assim, histórica e

necessariamente o patrimônio dos

representantes daquela classe à qual eles

prometem a vitória como resultado de

suas conclusões científicas. Só nesse

sentido é que o marxismo se revela uma

ciência do proletariado, oposta à

economia burguesa, enquanto, ao mesmo

tempo, se apresente fiel à pretensão de

toda e qualquer ciência: de poder chegar

a resultados de validade universal e

objetiva.” (Rudolf Hilferding)

RESUMO

Por conta da escassez de trabalhos na área de teoria da inflação, no marxismo, este

trabalho tem por finalidade contribuir para o estudo do tema, com a análise dos fatores

responsáveis pela variação dos valores e dos preços, em Marx. Este trabalho analisa os

conceitos e os mecanismos de variação que foram estudados em “O Capital”, de Marx.

Para isto, foram elencadas duas hipóteses, com base nos conceitos gerais de inflação,

como (i) aumento generalizado de preços, e (ii) mudança relativa nos preços. A análise

do desenvolvimento das formas de valor e preço tem por objetivo chegar a conclusão se

é válida, ou não, estas duas hipóteses. Sobre a (i) vimos que esta apenas tem a

consequência de mudança no padrão de preços, não modificando em nada a distribuição

de valor na sociedade; enquanto que na (ii), por algum motivo que faça com que o

mecanismo de taxa média de lucro não funcione, como um setor que seja monopolista,

deverá manter uma redistribuição do valor produzido na sociedade, pois um setor que

tenha entraves a entrada de novos capitais, poderá, por exemplo, manter o nível de

produção abaixo do que a sociedade demanda, para que o preço de mercado desta

mercadoria esteja acima do preço de produção de mercado, sustentando uma

apropriação de um lucro maior do que o dos outros setores, momentaneamente.

Palavras-chave: Teoria Marxista, Inflação, Valor e Preço.

RÉSUMÉ

En raison de la rareté des travaux sur la théorie de l'inflation, dans le marxisme, ce

travail a par finalité contribuer à l'étude du sujet, avec l'analyse des

facteurs responsables de la variation des prix et des valeurs chez Marx. Ce travail

analyse les conceptes et les mécanismes de variation qui ont été étudiés dans « Le

Capital », du Marx. Pour ça, ont été énumérés deux hipotèses, basée sur des

concepts généraux de l'inflation, comme (i) l’augmentation général des prix, e (ii)

variation relative des prix. L'analyse des formes de la valeur et le prix vise à parvenir à

la conclusion que ce soit valide ou non, ces deux hypothèses. Sur la (i) nous avons vu

que ce n'est que la conséquence du changement dans la structure des prix, ne change

rien à la répartition de la valeur dans la société ; alors que dans (ii), pour une raison qui

rend le mécanisme du taux de profit moyen ne fonctionne pas, comme un secteur qui

est monopoliste doit conserver une redistribution de la valeur produite dans la société,

comme un secteur qui a barrières à l'entrée de nouveaux capitaux pourra, par

exemple, maintenir le niveau de production est inférieure à ce que la société exige, que

le prix du marché de ce produit est supérieur au prix du marché de la production,

maintien d'un crédit pour un profit plus élevé que les autres secteurs,momentanément.

Mots-clés: Théorie Marxiste, L’infation, Valeur et Prix.

Sumário

1. Introdução ..................................................................................................... 11

1.1 Problema de Pesquisa .................................................................................................... 14

1.2 Objetivos ....................................................................................................................... 14

1.2.1 Objetivo Geral ................................................................................................... 14

1.2.2 Objetivos Específicos ......................................................................................... 14

2. Metodologia........................................................................................................16

3. A Teoria Marxista ......................................................................................... 18

3.1 O Dinheiro e suas Funções..............................................................................................22

3.2 A Sociedade Capitalista .............................................................................................. 29

3.2.1 O Movimento Cíclico do Capital e o Ciclo do Capital-Dinheiro.......................... 30

3.2.2 A Forma do Valor no Capitalismo.........................................................................31

4. Conclusões ..................................................................................................... 37

5. Referências..................................................................................................... 38

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Formação do TTSN.....................................................................................20

Quadro 02 - Formação de um novo TTSN......................................................................21

Quadro 03 - Formação do PP e da Taxa de Lucro...........................................................35

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1. Introdução

Marx não elaborou uma teoria sobre o fenômeno da inflação, ao longo de suas

obras. Uma explicação é a de que este não era um problema contemporâneo a Marx, só

havendo relevância no século XX. No entanto, existem alguns trabalhos de marxistas

sobre o assunto, como Brunhoff (1973 & 1976) e Barbosa (2010).

A inflação é entendida, normalmente, como um aumento generalizado dos

preços. Este fenômeno já aterrorizou várias economias ao longo da história, no entanto,

sempre é diagnosticada de formas diversas, como “inflação de demanda”, que é definida

como uma pressão do lado da demanda agregada, enquanto a produção permanece

constante, acarretando aumento do nível de preço; “inflação de custos”, que tem sua

definição como o aumento do custo de pelo menos um fator, apesar da demanda

permanecer constante, encarecendo a oferta final; “inflação inercial”, que é conceituada

como o fato de a inflação presente ser resultado da inflação passada, tendo a indexação

dos preços uma forma de manifestação, etc. Além de diagnósticos, também existem

várias formas de classificação, como “estagflação”, que se caracteriza como baixo nível

de crescimento da economia, aliada com altas taxas de inflação; a “hiperinflação”, que

se caracteriza por um período que predomina taxas de inflação muito acima do normal1;

etc.

O Brasil teve uma experiência única, em relação à inflação, pois “não existe

registro de país na história econômica mundial que tenha tido 15 anos de inflação acima

de 100% e seis desses anos com inflação em torno de 1000%” (Giambiagi & Barros,

2008, p. 257). O Índice Geral de Preços ao Consumidor (IPCA), calculado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chegou a atingir 82,39% no mês de março

de 1990. Segundo um estudo do IBGE, chamado de “Estatísticas do Século XX”, o

Brasil teve uma taxa média de inflação anual de 45,2% a.a. Ainda segundo o estudo,

entre 1901 e 2000, o preço dos produtos aumentou 1016

vezes.

1 Considerando os dados e o conceito publicados por Hegedus (1986), o qual “Costuma-se definir

hiperinflação como o processo inflacionário que resulta em aumentos do índice geral de preços em níveis

superiores a cinquenta por cento ao mês.”, alguns exemplos deste tipo de inflação aconteceram em países

como Alemanha (1914-1923), Áustria (1914-1922), Polônia (1914-1924), China (1937-1949), Hungria

(1914-1924; 1945-1946) e Brasil (1989-1990).

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Por outro lado, nos últimos anos, a taxa de inflação tem girado em torno de

7,25%2. Mas nem por isto o governo deixou de se preocupar com ela. Desde a década

de 1990, as principais medidas econômicas têm se preocupado com a estabilidade dos

preços. Porém, a utilização do diagnóstico genérico da inflação dada pelo mainstream

econômico, a teoria neoclássica, adotadas pelos governos país afora, causam grandes

mazelas às economias. A “causa” que mais se atribui à inflação é a de inflação de

demanda. Este diagnóstico vem da chamada Curva de Phillips, que tem uma de suas

versões (a Friedman-Phelps, ou aceleracionista) explicada da seguinte forma.

Esta versão foi modificada por Friedman (1968) e Phelps (1970) de forma a

gerar-se uma curva de Phillips neoclássica monetarista. Uma política

econômica buscando o pleno emprego, com uma maior oferta de moeda,

realmente poderia aumentar a renda nominal (o nível de preços e/ou a produção) no curto prazo. No entanto, se esta política exceder as

necessidades monetárias da taxa de crescimento da renda real de equilíbrio de

longo prazo, a inflação eliminará qualquer estímulo adicional à produção.

Entretanto, no curto prazo, os estímulos à produção com menores taxas de

juros e maiores preços elevam a demanda por mão-de-obra, o que permitiria

um aumento de salários nominais. A teoria pressupõe a existência de ilusão

monetária por parte dos trabalhadores, de forma que estes perceberiam o

aumento nominal como um aumento real de salários, e com isto elevariam a

oferta de mão-de-obra. Os empresários só aumentariam o emprego com

salários reais menores, os quais os trabalhadores não percebem, visto que a

oferta de trabalho dependeria não do salário real efetivo, mas do salário real

esperado (segundo Friedman) ou do salário nominal relativo (segundo Phelps). Como resultado do aumento da oferta e da demanda de mão-de-obra,

a curva de Phillips de curto prazo se deslocaria para a esquerda (de CP1 para

CP2, no gráfico 2). No entanto, quando os trabalhadores se desfazem de sua

ilusão monetária e percebem que os preços também se elevaram e que, apesar

dos aumentos nominais, os salários reais não cresceram, diminuem

novamente sua oferta de mão-de-obra, o que faz a curva de Phillips se

deslocar de volta para a direita. Dessa forma, depois de algum tempo, os

impactos reais sobre a produção e a renda e sobre o emprego revelam-se

nulos. O aumento do estoque de moeda levaria somente a maiores salários

nominais e a um nível de preços acrescido, mas com salários reais constantes.

Desta forma, no longo prazo, ou seja, quando não existe frustração de expectativas, não ocorre o tradeoff inflação-desemprego e a taxa de

desemprego não pode ser rebaixada de um certo patamar, fazendo com que a

curva de Phillips se torne vertical. (Dathein, 2002)

O Banco Central do Brasil (BCB) adotou, a partir do ano de 2011, um novo

modelo matemático para fazer previsões sobre a economia brasileira, sendo a inflação

uma de suas principais variáveis, o Stochastic Analytical Model with a Bayesian

Approach (SAMBA). Além deste, o BCB vinha adotando outros modelos: os de

Vetores Autoregressivos – VARs, que são modelos com maior fundamentação

2 Com base no cálculo da média do IPCA divulgado entre 2000 e 2010.

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estatística; modelos semiestruturais de pequeno porte; e modelos semiestruturais de

médio porte3.

Diversos efeitos danosos à economia brasileira podem ser constatados, em

decorrência da adoção de políticas baseadas na teoria neoclássica, para controle da

inflação. Estas políticas acarretam um nível elevado de taxa básica de juros, a maior

taxa básica de juros reais do mundo4; (i) aumento da dívida pública, através do aumento

dos juros pagos pelo Tesouro Nacional aos possuidores dos títulos da dívida, (ii) a

diminuição de investimentos produtivos, pois aplicar no mercado especulativo torna-se

mais atrativo à encarar pesadas taxas de juros para produzir no setor industrial, e (iii) a

apreciação do Real, pois com a grande diferença da taxa de juros pagas nos títulos

brasileiros, relativamente aos de outros países, principalmente os desenvolvidos, que

atualmente flutuam próximos a uma taxa real de juros igual a zero, muitos dólares

entram no país para especulação e se reduz a taxa de câmbio, com isto torna-se mais

barato importar, prejudicando a indústria nacional.

O grande problema econômico causado por isto – mais especificamente pelos

pontos (ii) e (iii) – é a desindustrialização. Entendendo este fenômeno como sendo a

substituição do consumo dos produtos nacionais necessários à reprodução interna, por

consumo de produtos produzidos no exterior. Este processo leva a indústria nacional a

ter um espaço cada vez menor na produção, transferindo a demanda do país por bens de

consumo e meios de produção para outros países, no caso atual, uma crescente parcela

para a China5.

Mas será que as medidas utilizadas, hoje, para a estabilização da inflação são

realmente necessárias? Estas medidas, baseadas nos diagnósticos adotados, estão

servindo para eliminar a doença, ou está causando a morte do paciente? Apenas com o

estudo de como diagnosticar tal fenômeno é que poderemos entender qual dos dois

processos estamos a contemplar.

3 Informações divulgadas pelo próprio BCB, em seu Relatório da Inflação de Junho de 2011. 4 Atualmente, segundo Fagnani (2011), o Brasil tem 6,8% de taxa básica de juros reais. O Chile, que

ocupa a segunda colocação, pratica uma taxa real de juros de 1,5%. 5 “O coeficiente de penetração das importações (importações / consumo aparente) aumenta, de forma

praticamente contínua, de 11,0% em 2002 para 11,5% em 2003 e 16,4% em 2010 [no Brasil].”

(Gonçalves, 2010, p. 8)

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Tendo em vista a relevância deste tema, e que as sequelas dessas políticas

podem trazer graves problemas à produção, na renda e no emprego, o presente trabalho

propõe-se a estudar, sob a ótica de uma teoria alternativa, os fatores que influem no

processo de formação dos valores e dos preços, com a finalidade de identificar possíveis

efeitos e causas do fenômeno da inflação.

1.1 Problema de Pesquisa

Tradicionalmente, tem-se dito que o “aumento geral nos preços é chamado

inflação” (Mankiw, 2008, p. 57). No entanto, a teoria do valor trabalho desenvolvida

por Marx nos dá indícios de que este é um diagnóstico que não perpassa o mistificador

mundo das aparências. Diante disto, duas hipóteses se apresentam para nós: a de que a

inflação é causada por (i) uma mudança no padrão de preços, que corresponde a uma

mudança generalizada e proporcional em todos os preços; e de que ela é causada por (ii)

uma mudança generalizada nos preços relativos, ou seja, alteração na proporção em que

se trocam as diferentes mercadorias. Ao longo do trabalho estas duas hipóteses serão

analisadas, com base na teoria marxiana, com a pretensão de investigar qual delas pode

contribuir, de fato, para o fenômeno da inflação.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo Geral

- Encontrar elementos dentro da obra O Capital que possam contribuir para a

formulação de uma teoria marxiana sobre o fenômeno da inflação.

1.2.2 Objetivos Específicos

- Buscar referências, dentro d’O Capital, sobre o tema;

- Apresentar o conceito de valor, segundo Marx;

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- Analisar o processo de desenvolvimento das formas do valor e a teoria da

gênese do dinheiro, em Marx;

- Investigar, do ponto de vista teórico, se a inflação é causada por uma

mudança generalizada de preços ou se uma mudança relativa.

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2. Metodologia da Pesquisa

Este trabalho tem como essência a busca e sistematização de formulações

teóricas. Por este motivo, será organizado de forma distinta do que os manuais de

Metodologia recomendam, com um ponto de “desenvolvimento” (ou de resultados)

separado da “fundamentação teórica”. Por a fundamentação teórica estar intimamente

ligada ao debate no qual pretendemos entrar, seria metodologicamente ineficiente a

separação de ambos em dois pontos.

Assim, faremos a discussão simultaneamente com a apresentação dos conceitos

marxianos.

Para o presente trabalho foram lidos, principalmente, os três livros de “O

Capital”, Livro I: O Processo de Produção do Capital, Livro II: O Processo de

Circulação do Capital, e o Livro III: O Processo Global de Produção Capitalista. Destes

foram utilizados diretamente os capítulos: (I) A Mercadoria; (II) O Processo de Troca;

(III) O Dinheiro ou a Circulação das Mercadorias; (IV) Como o Dinheiro se Transforma

em Capital; todos do livro I; e (I) Preço de Custo e Lucro; (II) A Taxa de Lucro; (III)

Relação Entre a Taxa de Lucro e a de Mais-Valia; (IV) A Rotação da Taxa de Lucro;

(VIII) Diferentes Composições do Capital nos Diversos Ramos e Consequentes

Diferenças na Taxa de Lucro; (IX) Formação de Taxa Geral de Lucro (Taxa Média de

Lucro) e Conversão dos Valores em Preços de Produção; (X) Nivelamento, Pela

Concorrência, da Taxa Geral de Lucro. Preços e Valores de Mercado. Superlucro;

ambos do Livro III. Já sobre o que Marx trata no Livro II, preferimos utilizar a obra de

Ribeiro (2009), O Capital em Movimento: Ciclos, Rotação, Reprodução. Esta escolha

foi feita por entendermos que esta obra possui um caráter mais didático dos conceitos

apresentados, no Livro II d’O Capital.

Além destes, ainda foram lidos outros autores que explanaram sobre o tema,

como nos referimos no ponto de introdução, a Suzanne de Brunhoff (1973 & 1976),

com A Política Monetária: Um Ensaio de Interpretação Marxista, e A Moeda em Marx,

respectivamente; e o Gabriel Oliveira Barbosa (2010) com sua dissertação intitulada de

Marx e a Inflação – Uma Interpretação do Fenômeno com Base na Teoria do Valor

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Trabalho. No entanto, visto que ambos os trabalhos não encerraram o debate sobre este

tema, vimos necessários nossos esforços para esta colaboração à teoria marxista.

Para que o leitor não confunda os conceitos marxianos com as conclusões por

nós tiradas, acerca da teoria de Marx, sempre que as conclusões chegadas neste trabalho

forem as do próprio Marx, serão explicitadas que foram conclusões dele, enquanto que

forem nossas conclusões, serão especificadas como nossas. Apesar de uma análise

estática, para que este estudo seja melhor compreendido, devemos lembrar que o

método marxista é dialético, que “o método dialético entende que fenômeno algum da

natureza pode ser compreendido, se o focalizamos isoladamente” (Rosental, 1951, p.

47). Então devemos entender que uma mudança em dado momento terá como

conseqüência uma série de eventos, não se encerrando nas primeiras reações por nós

demonstradas.

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3. A Teoria Marxista

Para Marx, a forma elementar da riqueza, no modo de produção capitalista

(MPC), é a mercadoria. A mercadoria se apresenta como o produto do trabalho humano,

na sociedade.

Esta, por sua vez, é formada pelo par, valor (V) e valor-de-uso (VU). O trabalho

contido na mercadoria, como todo trabalho humano, possui um duplo aspecto, o

primeiro é de ser trabalho concreto, ou seja, o trabalho que dá forma e utilidade a uma

determinada mercadoria, produção de novos VU para as mercadorias, dando o caráter

qualitativo, seja seu aspecto, cor, sabor, consistência, cheiro, etc., enfim, sua forma

material. O segundo é de ser trabalho abstrato, a “massa pura e simples do trabalho

humano em geral, do dispêndio de força de trabalho humana, sem consideração pela

forma como foi despendida.” (Marx, 2006, p. 60), o qual constitui o V. A quantidade de

trabalho abstrato é medida pelo seu tempo de duração (hora, dia, etc.), intensidade e

complexidade. O fruto do trabalho concreto é o VU, enquanto que do trabalho abstrato é

o V.

Mas se nas mercadorias, o V e o VU formarem apenas uma unidade, estes serão

um produto para o auto-consumo, e não serão mercadorias. Vejamos como uma

contradição interna a mercadoria se desenvolve, pelo fato de estarem o valor e o valor-

de-uso em constante oposição. Se o produtor P1 produz uma mercadoria A, será um

não-VU para ele, pois não há auto-consumo, com isto V está apenas na sua forma ideal.

Para o produtor, sua mercadoria contém seu trabalho, o esforço deste indivíduo nela

corporificada, mas que não é riqueza para este justamente por não poder ser consumida

pelo próprio produtor. Como esta mercadoria é um não-VU para P1, este produtor

deverá se encaminhar ao mercado, para procurar um P2, que possuirá outra mercadoria

que também será um não-VU para P2, e assim poderá haver uma troca entre os

produtores, com as duas mercadorias, a qual resolverá a contradição, pois cada produtor

poderá consumir o VU da nova mercadoria. Por o V de uma mercadoria não poder se

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manifestar em seu próprio corpo, não ser riqueza para seu próprio produtor e por não ser

VU para ele, como foi dito, há necessidade da troca, haverá a necessidade do V assumir

a forma de VT.

O valor-de-troca revela-se, de início, na relação quantitativa entre valores-de-

uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam, relação que muda constantemente no tempo e no espaço. [...] Os valores-de-troca vigentes da

mesma mercadoria expressam, todos, um significado igual; segundo: o valor-

de-troca só pode ser a maneira de expressar-se, a forma de manifestação de

uma substância que dele se pode distinguir. (Marx, 2006, 58-59)

As mercadorias deverão ter alguma forma de se quantificarem, pois a troca

deverá ser entre iguais, e não entre desiguais. Mas, como coisas distintas podem ser

equiparadas? Não pode ser por suas qualidades, já que, sob este aspecto, são

heterogêneas. A única coisa que elas têm em comum é o fato de serem fruto do trabalho

abstrato. Para isto, o V deverá se manifestar, para assim deixar de ser algo abstrato, e ser

algo mensurável. A manifestação do V chamamos de valor-de-troca (VT). Esta

manifestação se dá no mercado, pois a manifestação deste V não pode se dá no seu

próprio corpo, e sim em um externo a ele.

Como já vimos, o V contido em uma determinada mercadoria é dado pela

quantidade de trabalho despendido para a sua produção. No entanto, dada a

heterogeneidade dos produtos, isto pode dar a falsa impressão de que quanto mais

preguiçoso ou inábil um produtor, mais V sua mercadoria terá, e assim, maior será sua

recompensa, ao ser vendida. No entanto, o valor individual (VI) – dado pelo tempo,

intensidade e complexidade do trabalho individual – da mercadoria não é a reconhecida

pela sociedade. Para este controle, a sociedade cria espontaneamente um parâmetro

geral, o que Marx denominou de tempo de trabalho socialmente necessário (TTSN).

Definindo mais precisamente, tempo de trabalho socialmente necessário é o

tempo de trabalho requerido para produzir-se um valor-de-uso qualquer, nas

condições de produção socialmente normais existentes e com o grau social

médio de destreza e intensidade do trabalho. (Marx, 2006, p. 61)

Com isto, o V a ser considerado na sociedade será o valor de mercado (VM).

“Revela considerar como valor de mercado o valor médio das mercadorias produzidas

num ramo, ou o valor individual das mercadorias produzidas em condições médias do

ramo e que constituem a grande massa de seus produtos.” (Marx, 1983, p. 202).

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Consideremos, a título de exemplificação, cinco produtores de sapatos, com

condições de produção diferentes, supondo que cada um deles possui uma destreza

distinta para a produção desta mercadoria. O tempo de trabalho de cada um representará

o quanto foi gasto para produzir um par de sapatos. Para esta sociedade a submeteremos

a três hipóteses: (i) só há uma classe, a de produtores de mercadorias (chamemo-los de

Pi); (ii) os produtores são iguais e independentes; e (iii) não há entraves às trocas de

mercadorias. Com isto, decorre-se que toda a produção será para o mercado, que não

existirá auto-consumo e que haverá certa divisão do trabalho.

Quadro 01 – Formação do TTSN

Produtores

Tempo de

trabalho individual

em horas TTSN

P1 1 3

P2 2 3

P3 3 3

P4 4 3

P5 5 3

Vejamos que o produtor médio é P3, que produz exatamente o equivalente ao

TTSN. Os produtores P1 e P2 são produtores com maiores níveis de destrezas, sendo

premiados por se apropriarem de valor que eles não produziram. Este valor será

apropriado dos produtores menos eficientes, neste caso P4 e P5.

Com isto, podemos analisar a primeira forma transmutada do valor, o processo

de transmutação de valor individual em valor de mercado. Isto ocorre por causa de um

mercado que redistribui a massa de valor, punindo os menos ineficientes e beneficiando

os mais.

Podemos concluir, aqui, que há incentivos para que os produtores sejam

eficientes, para apropriarem-se do valor criado por outros produtores ineficientes. Esta

matriz de incentivos pode ser explicada por este movimento de busca por a apropriação

de um valor maior do que o criado pelo próprio produtor.

Sabendo que, do ponto de vista estatístico, os tempos de trabalho individuais

de um ramo de produção formam uma população, podemos dizer que temos

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também uma média e uma mediana desses tempos. A média seria equivalente

ao tempo de trabalho socialmente necessário à produção da mercadoria, ou

seja, ao seu VM. Já a mediana equivale ao tempo de trabalho que divide

exatamente à meio esta população. Quando a média está acima da mediana

significa que o VM está sendo determinado pelas mercadorias produzidas nas

piores condições, as quais tem maior peso no total. [...] Já quando a média

está abaixo da mediana significa que o VM está sendo determinado pelas

mercadorias produzidas nas melhores condições. [...] Por sua vez, quando a

média for igual à mediana, os dois extremos se compensam. (Ribeiro & Almeida, 2011, p. 10-11)

Mas o VI de uma mercadoria não é eterno, ele muda de acordo com a

produtividade do trabalho, que consideraremos com base em Marx (2006), como sendo

a relação entre a quantidade de mercadorias produzidas, e a quantidade de trabalho

despendido para a sua produção. Marx explica que “a grandeza do valor de uma

mercadoria permaneceria, portanto, invariável, se fosse constante o tempo de trabalho

requerido para sua produção. Mas este muda com qualquer variação na produtividade

(força produtiva) do trabalho.” (Marx, 2006, p. 62). Ela está associada a fatores como:

(i) desenvolvimento da ciência e sua aplicação tecnológica; (ii) a destreza média dos

trabalhadores; (iii) a organização do processo produtivo; (iv) o volume e a eficácia dos

meios de produção; e, em alguns casos, (v) as condições naturais.

Vejamos um exemplo da variação do VI consequente de uma variação da

produtividade do trabalho de P4, que passou de um tempo de trabalho individual de 4

horas, para o de 2 horas, mantendo o restante dos produtores com as suas respectivas

produtividades constantes, e como esta influenciará na formação do VM.

Quadro 02 – Formação de um novo TTSN

Produtores

Tempo de

trabalho

individual

em horas TTSN

P1 1 2.6

P2 2 2.6

P3 3 2.6

P4 2 2.6

P5 5 2.6

Com o aumento da produtividade do P4, o TTSN passou de 3 horas para 2,6

horas, fazendo com que o P4 agora se aproprie de valor não produzido por ele mesmo,

22

deixando apenas os produtores 3 e 5, como produtores ineficientes, que transferem valor

gerado por eles, para os mais eficientes, que agora são P1, P2 e P4.

Esta é a primeira forma, por nós constatada, da variação do valor de mercado,

através da mudança dos valores individuais, fazendo com que certos produtores variem

os valores, por conta do incentivo de apropriar-se de valor não gerado por eles próprios,

como demonstrado mais acima. Este movimento acarretará na mudança no VM, pois

como o TTSN é calculado pela média dos valores individuais, a mudança em um deles,

poderá modificar também esta média.

3.1 O Dinheiro e suas Funções

Diante da necessidade do valor assumir a forma de valor-de-troca, Marx, no

Livro I, Capítulo 1, Ponto 3, demonstra, de maneira lógica, como se desenvolveram as

formas do valor, partindo da forma fortuita do valor até a forma dinheiro do valor.

Em uma sociedade de trocas desenvolvida, há a necessidade do surgimento de

um equivalente geral, uma mercadoria que sirva de base para ser forma do V de todas as

mercadorias produzidas. Ao longo da história, foram observadas diversas mercadorias

que se tornaram equivalente geral, como o sal, o gado, açúcar, etc.

Quando a função de equivalente geral se limita a apenas uma mercadoria,

reconhecida por toda a sociedade - por sua forma natural ser bastante desejável pela

maioria e se identificar com as características necessárias para uma equivalente geral,

tendo alto TTSN, durabilidade, divisibilidade, etc. -, torna-se mercadoria-dinheiro, uma

mercadoria especial, exercendo a função de dinheiro, em um monopólio social no

mundo das mercadorias.

Marx considera, em “O Capital”, o ouro como o equivalente geral que se torna

dinheiro.

O ouro se confronta com outras mercadorias, exercendo a função de dinheiro,

apenas por se ter, antes, a elas anteposto nas condições de mercadoria. Igual a

outras mercadorias, funcionou também como equivalente particular junto a

outros menos vastos o papel de equivalente geral. Ao conquistar o monopólio

desse papel de expressar o valor do mundo das mercadorias, torna-se

mercadoria-dinheiro, distingue-se a forma D [Forma Dinheiro do Valor] da

23

forma C [Forma Extensiva do Valor], ou a forma geral do valor transforma-

se em forma dinheiro do valor. (Marx, 2006, p. 92, colchetes nossos)

Vejamos, agora, as funções identificadas por Marx do dinheiro. As funções são

cinco: (i) medida de valor; (ii) meio de circulação; (iii) entesouramento; (iv) meio de

pagamento; e (v) dinheiro universal.

A função primeira é a de medida de valor, que tem por objetivo estabelecer um

meio pelo qual as mercadorias possam ter seus valores representados. O ouro, por meio

desta função, tornou-se dinheiro. Não que seja por conta do dinheiro que as mercadorias

podem ser mensuradas, como se pode aparentar, mas pelo fato de serem frutos de

trabalho humano, consequentemente mercadorias.

À esta manifestação do V no corpo do dinheiro chamamos de preço, sendo este

uma forma puramente ideal ou mental, inicialmente, hipótese que será quebrada,

posteriormente.

Como forma do valor, o preço ou a forma dinheiro das mercadorias se

distingue da sua forma corpórea, real e tangível. O preço é uma forma

puramente ideal ou mental. O valor do ferro, do linho, do trigo etc., existe

nessas coisas, embora invisível; é representado por meio da equiparação

delas ao ouro, da relação delas com o ouro, relação que só existe, por assim

dizer, nas suas cabeças. (Marx, 2006, p. 122)

Com isto,

Uma vez que é puramente ideal a expressão dos valores das mercadorias em

ouro, só se pode empregar, para esse fim, ouro ideal ou imaginário. Todo

dono de mercadoria sabe que não transformou sua mercadoria em ouro,

quando dá a seu valor a forma de preço ou a forma idealizada de ouro e que

não precisa de nenhuma quantidade de ouro real para estimar em ouro

milhões de valores de mercadorias. Em sua função de medida do valor tem,

por isso, o dinheiro apenas a serventia de dinheiro ideal ou figurado. [...]

Embora apenas o dinheiro idealizado sirva para medir o valor, depende o

preço, inteiramente, da sua substância real do dinheiro. (Marx, 2006, p. 122-

123)

Como função de medida do valor, o dinheiro deve ter um padrão de preços. Por

ser uma categoria abstrata, tal como a distância, a massa, a temperatura, etc. O valor

precisa de um padrão material para ser medido (no caso da distância é o metro, da

massa a grama, da temperatura o grau Celsius). Ele exercerá um bom papel de medida

de valor o quanto menos ele oscilar seu próprio padrão, quanto mais estável, melhor.

24

“Como medida de valor, serve para converter os valores das diferentes mercadorias em

preços, em quantidades imaginárias de ouro [...] mensura as mercadorias como

valores.” (Marx, 2006, p. 125).

No entanto, sobre a hipótese (ii), levantada no problema de pesquisa, Marx trata-

o como simples variação do padrão de preços dizendo que,

A variação do valor do ouro também não impede sua função de medida de

valor. Ela atinge simultaneamente todas as mercadorias e, não se

modificando as demais circunstâncias, deixa inalterados seus valores relativos recíprocos, embora se expressem todos em preços-ouro, mais altos

ou mais baixos que os anteriores. [...] Só pode haver subida geral dos preços

das mercadorias, permanecendo inalterável o valor do dinheiro, quando os

valores das mercadorias sobem; não se modificando os valores das

mercadorias quando cai o valor do dinheiro. E, ao contrário, só pode suceder

queda geral dos preços das mercadorias, mantendo-se inalterável o valor do

dinheiro, quando os valores das mercadorias caem; não se alterando os

valores das mercadorias quando o valor do dinheiro sobe. Não se conclua daí

que a ascensão do valor do dinheiro determine queda proporcional dos preços

das mercadorias, e a descensão, subida proporcional nesses preços. (Marx,

2006, p. 125-126)

Com isto, não haverá mudança relativa alguma na apropriação de valor. Todos

os produtores que possuíam certa quantidade de valor continuarão a possuir a mesma

quantidade, pois só houve mudança no padrão de preço, apenas o quanto ele necessitava

para simbolizar sua riqueza.

Mesmo tratando da variação do valor de mercado, este é fundamental para

explicar a variação do preço, pois apesar de não necessariamente coincidir com o valor

de mercado, o preço flutua com base neste. O preço expressa o seu valor de mercado, no

entanto, uma deformação pode fazê-lo não corresponder quantitativamente ao seu

conteúdo.

A segunda função do dinheiro surge quando ele assume a função de meio de

circulação, assumindo o valor de mercado uma forma preço material, o preço de

mercado. Esta forma é determinada pelas forças da oferta e demanda, na circulação.

“Esta determinação do valor de mercado, vista de maneira abstrata, realiza-se no

mercado real pela concorrência entre os compradores, desde que a procura seja

bastante para absorver a massa de mercadorias ao valor fixado.” (Marx, 1983, p. 209)

Apesar do mercado causar interferência na determinação do preço de mercado (o mais

visível na aparência) este gravita com base no valor de mercado.

25

Se a oferta e a procura regulam o preço de mercado, ou antes os desvios que

os preços de mercado têm do valor de mercado, por outro lado, o valor de

mercado rege a relação entre a oferta e a procura ou constitui o centro em

torno do qual as flutuações da oferta e da procura fazem girar os preços de

mercado. (Marx, 1983, p. 205)

O mercado é o redistribuidor dos valores produzidos. Se em um determinado

setor, a produção não estiver suprindo as necessidades sociais, a demanda da sociedade,

o preço de mercado poderá se elevar, com este setor absorvendo valor gerado pelos

outros setores. Isto pode se manifestar, por exemplo, no caso de um setor que seja

dominado por um capital monopolista, gerado por entraves a entrada de novos capitais

para a produção deste setor, restringindo a concorrência, e possibilitando a não

produção da quantidade demandada pela sociedade. Este setor se beneficiará de um

preço de mercado mais elevado do que deveria reger a sua lucratividade, em condições

normais (com concorrência).

O dinheiro passa a intermediar a circulação das mercadorias, rompendo com as

limitações de espaço, tempo e indivíduos. Neste nível de desenvolvimento de trocas

ninguém mais desejará trocar sua M sem ser pelo D.

O ciclo completo do processo de troca (M – D – M) é realizado através de duas

metamorfoses opostas e recíprocas, a conversão de mercadoria em dinheiro, e de

dinheiro em mercadoria. Marx denomina a passagem de M para D, como “salto mortal

da mercadoria”, pois a mercadoria produzida terá, finalmente, seu valor-de-uso

reconhecido. Caso contrário, a mercadoria terá seu fim como trabalho não reconhecido

socialmente, pois de nada serviu aquele trabalho para a sociedade.

Como meio de circulação, a quantidade de dinheiro deve obedecer a uma lei de

proporção entre quantidade e velocidade da moeda.

O montante de dinheiro lançado no processo de circulação, num momento

dado, é naturalmente determinado pela soma dos preços das mercadorias que

circulam, simultâneas e paralelas. Mas, uma vez em curso, as peças

monetárias se tornam, por assim dizer, solidárias entre si. Se uma aumenta a

velocidade do seu curso, a outra a reduz ou sai inteiramente da circulação, uma vez que esta só pode absorver um montante de dinheiro que,

multiplicado pelo número médio de movimentos de sua unidade monetária,

seja igual à soma dos preços a realizar. Se aumenta o número total dessas

peças. Dada a velocidade média, fica determinado o montante de dinheiro

que pode servir de meio de circulação.” (Marx, 2006, p. 147)

26

Pi – Preço das mercadorias

NMP – Número de movimento das peças de dinheiro do mesmo nome

MMC – Montante do dinheiro que funciona como meio de circulação

A análise de Marx acerca do dinheiro tem o rigor necessário para não considerar

que as mercadorias entram na circulação sem um preço e o dinheiro sem valor, caindo

em uma conclusão vulgar de que os preços das mercadorias apenas variam pela

quantidade de dinheiro na economia. Esta poderá ser uma forma de variação, mas não

será sua determinante, como pode ser observada na equação acima, que demonstra que

com o aumento do montante de dinheiro em circulação, os preços das mercadorias

também terão de subir.

No curso do dinheiro, ao ter a sua existência metálica separada de sua existência

funcional, o fato de que uma pessoa não quer mais o ouro para consumir o seu VU

material, e sim para servir de intermediário de troca, possibilita o dinheiro, na forma de

metal, ser substituído por algum mero símbolo de valor. Na chamada desmaterialização

do dinheiro, Marx diz que “coisas relativamente sem valor, pedaços de papel, podem

substituí-lo no exercício da função moeda. O caráter simbólico está de algum modo

dissimulado nas peças de dinheiro metálicas. Revela-se plenamente no dinheiro papel”

(Marx, 2006, p.153). Sendo assim, “basta a existência apenas simbólica do dinheiro

num processo em que ele passa ininterruptamente de mão em mão. Sua existência

funcional absorve por assim dizer a material.” (Marx, 2006, p. 156)

No entanto, o papel-moeda não pode desprender-se das leis inerentes do mundo

das mercadorias, a qual representa. Por exemplo, se no primeiro momento um Dólar

representa X gramas de ouro, a duplicação desta quantidade de papel-moeda fará com

que um Dólar represente apenas ½ X gramas de ouro. A única função do papel-moeda é

simbolizar a quantidade de ouro necessária para materializar o V de cada mercadoria.

Esta é a relação existente entre papel-moeda e as mercadorias.

27

A terceira função do dinheiro é o entesouramento. Ele é tirado da circulação

antes de realizar sua metamorfose. Esta função se traduz no ato de o produtor

permanecer com o dinheiro mesmo depois do salto mortal da mercadoria. Como foi

vista, a quantidade de dinheiro varia pela sua velocidade e pelos preços das

mercadorias, na sociedade. A característica de entesourar permite que haja este controle

na economia, pois operando, naturalmente, com excedente de moedas, sempre que for

requisitada, parte das moedas entesouradas serão jogadas novamente na circulação. Se a

quantidade de mercadorias na sociedade aumenta, e a velocidade do dinheiro não se

acelera, parte do dinheiro antes entesourado será lançada na economia para que a

quantidade de dinheiro e a velocidade se adequem à necessidade da massa total de

dinheiro.

Vimos como a quantidade de dinheiro em curso diminui e aumenta incessantemente com as contínuas flutuações na amplitude e na velocidade da

circulação das mercadorias e nos seus preços. É necessário, portanto, que seja

capaz de contrair-se e expandir-se. Ora tem o dinheiro de ser atraído para

servir de moeda, ora a moeda tem de ser repelida para servir de dinheiro

acumulado. Para a quantidade de moeda em curso corresponder sempre às

necessidades da esfera da circulação, é mister que a quantidade de ouro ou de

prata existente num país exceda a absorvida na função de moeda. O dinheiro

sob a forma de tesouro preenche essa condição. (Marx, 2006, p. 160-161)

A quarta função, a de meio de pagamento, impõe uma separação entre a

alienação da mercadoria e a realização de seu valor. Esta função permite que algum

produtor que ainda não materializou o V de sua mercadoria possa consumir outra

mercadoria. A segunda metamorfose, a D-M, acontece antes da primeira, a M-D, ou

seja, a compra se realizou antes de realizar a venda. Esta necessidade se dá pelos

diferentes tempos de produção e de circulação. Algumas mercadorias demandam um

tempo de produção e de circulação menor do que outras, por exemplo, um casaco é

produzido e alienado em muito menor tempo do que a produção e venda de uma casa.

Vejamos de uma forma sistematizada em uma equação criada pelo Professor

Nelson Rosas Ribeiro, que ao tratar do dinheiro como o padrão de preços define a

quantidade necessária de dinheiro em circulação como:

28

D – Massa de dinheiro necessária para fazer circular as mercadorias;

M – Massa total das M em circulação;

P – Preço médio das mercadorias;

c – Velocidade de rotação das mercadorias;

V – Soma dos desperdícios das mercadorias vendidas a crédito;

k – Soma dos preços das mercadorias vendidas a crédito em períodos anteriores

e pagas neste período;

t – Dinheiro para pagamentos não mercantis;

C – Pagamentos compensatórios;

r – velocidade de rotação de D.

Se houver uma elevação do nível quantitativo de dinheiro em circulação na

sociedade, sem que haja o crescimento da necessidade objetiva, como o aumento de

mercadorias em circulação, ou a da velocidade de rotação destas mercadorias, ou de

outro(s) fator(es) que possa(m) influenciar – estes representados na equação acima – se

todos os outros se mantiverem constantes, menos o preço médio das mercadorias, o

aumento de dinheiro será compensado com a elevação deste preço médio.

Teremos uma diferença significativa, se compararmos a mudança dos preços

pela variação de dinheiro em circulação (hipótese (i) do nosso trabalho) com a mudança

pela oferta e demanda (uma das possíveis manifestações da hipótese (ii)). Em (i)

teremos apenas uma mudança geral de padrões de preço, já a variação nos preços de

mercado (ii), esta sim, tem poder de retirar valor de um setor, para distribuir para outro.

Logo, para nós, a variação mais importante está nos preços relativos, e não na mudança

de padrão de preços. Tendo em vista que a hipótese (i) não modifica a distribuição de

riquezas pode eliminar a primeira hipótese de nosso trabalho, como causa do fenômeno

da inflação.

29

Por fim, a quinta função do dinheiro é a de dinheiro universal. Quando a divisão

social do trabalho atinge e integra a maior parte do planeta, existindo a necessidade do

comércio internacional, logo o dinheiro deve ter uma expressão de V mundial. Marx,

n’O Capital, ainda considera o ouro e a prata como as mercadorias que representam este

dinheiro universal. As funções do dinheiro, além de se manifestarem em uma nação,

com esta função, também poderá se manifestar no restante do mundo.

3.2 A Sociedade Capitalista

Até agora a forma de circulação estudada foi a simples, M – D – M. No entanto,

esta não é a forma que deve ser utilizada para estudar o fenômeno que este trabalho se

propõe. Para entender a valoração das mercadorias e o processo completo que tem seu

fim nos preços de mercado, deve-se estudar a circulação de mercadorias tal como ela se

apresenta no MPC, como circulação de capital.

Inicialmente Marx apresenta o ciclo do capital como D – M – D. Não faria

sentido se neste ciclo o dinheiro que retornasse na segunda fase fosse igual ao que foi

colocado na circulação, na primeira fase, o que será explicado mais a frente. Se a

circulação simples tem como objetivo final a satisfação do produtor com seu VU, isto

não ocorre no circuito D – M – D, que tem como fim o VT. No MPC o VU para nada

mais serve além de ser veículo de V, apenas algo que permita o processo de obtenção do

lucro.

A fórmula completa, então, deve ser D – M – D’, ou seja, o dinheiro entra na

circulação em uma determinada quantidade, e sai com uma quantidade maior ainda.

Este acréscimo de V, na mercadoria, Marx denomina de mais-valia (valor excedente).

Se pusermos de lado o conteúdo material da circulação de mercadorias, a

troca dos diferentes valores-de-uso, para considerar apenas as formas

econômicas engendradas por esse processo de circulação, encontraremos o

dinheiro como produto final. Esse produto final da circulação das

mercadorias é a primeira forma em que aparece o capital. (Marx, 2006, p.

177)

O fenômeno capital tem sua finalidade nele mesmo, a valoração do V, em um

movimento continuado, sem limites.

30

O D’ aparece com o surgimento do capital. Como na circulação a troca sempre

será de uma mercadoria por outra equivalente ao seu V, algo fora da circulação explica

o surgimento desta mais-valia. Para esta explicação, Marx recorreu a outra esfera, além

da circulação, a da produção.

Na esfera da produção uma nova mercadoria é responsável pelo acréscimo desta

mais-valia, a força de trabalho. Para que a força de trabalho possa ser vendida como

mercadoria, os meios de produção deverão ser propriedade única de uma classe, a

capitalista. Consequentemente haverá uma classe expropriada destes meios de

produção, que apenas terão sua própria força de trabalho para venderem, serão livres

para vendê-la. Esta é a única mercadoria produzida fora do sistema capitalista, pois o

próprio organismo do trabalhador que a produz. “A força de trabalho só pode aparecer

como mercadoria no mercado enquanto for ser oferecida ou vendida como mercadoria

pelo seu próprio possuidor, pela pessoa da qual ela é força de trabalho.” (Marx, 2006, p.

1983). Com a sociedade agora dividida em duas classes, a que possui o capital e a que

nada mais possui além de sua própria força de trabalho para ser vendida, a classe

capitalista deve comprar a mercadoria especial força de trabalho para atuar nos meios de

produção, os quais este possui, para gerar mercadorias com maior valor do que tinha.

Como Marx explica:

Para extrair valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de

dinheiro deve ter a felicidade de descobrir, dentro da circulação, no mercado,

uma mercadoria cujo valor-de-uso possua a propriedade peculiar de ser fonte

de valor, de modo que consumi-la seja realmente encarnar trabalho, criar

valor, portanto. E o possuidor do dinheiro encontra no mercado essa mercadoria especial: é a capacidade de trabalho ou a força de trabalho.

(Marx, 2006, p. 197)

3.2.1 O Movimento Cíclico do Capital e o Ciclo do Capital-Dinheiro

Nesta parte do trabalho, utilizaremos a sistematização do processo de circulação

do capital contida em Ribeiro (2009), por entendermos o aspecto mais didático de sua

explicação.

Para a produção de mais-valia, o capital necessita circular, na sociedade,

mudando sua forma. Apesar de o conteúdo ser o mesmo, o capital, ele assume diversas

formas, sendo necessária a utilização da categoria dialética forma-conteúdo. Para

31

explicarmos os ciclos do capital utilizaremos as seguintes hipóteses simplificadoras: i)

existe apenas capital industrial, excluindo, aqui, o capital comercial e bancário; ii) as

mercadorias vendem-se pelo seu valor (valor = preço de mercado); iii) não há entraves

nas vendas das mercadorias; iv) não há variação no V, em meio ao processo do ciclo do

capital; v) D é apenas dinheiro metálico, será eliminada o meio de pagamento e

entesouramento; vi) no processo de produção o capital constante transfere-se

integralmente para o produto em cada ciclo.

Marx apresenta três formas do ciclo do capital, o ciclo do capital-dinheiro, o

ciclo do capital-mercadoria e o ciclo do capital produtivo. No entanto, para nós será

importante apenas o estudo do primeiro.

A representação do ciclo do capital-dinheiro é feita pela seguinte forma:

FT

D – M ... P ... M’ – D’

MP

No primeiro momento, o capitalista vai com dinheiro para o mercado de meios

de produção (MP) comprar os meios e objetos de trabalho, maquinaria, matérias-primas

e outras partes constituintes dos fatores objetivos para a produção, sendo este dinheiro

adiantado para compra de meios de produção, denominado de capital constante, e,

posteriormente, para o mercado de força de trabalho (FT), para obter a FT necessária,

sendo o valor variável o dinheiro gasto para isto. Estes dois atos de compras se

traduzem em D - M. Isto é necessário para que suas novas mercadorias sejam

consumidas produtivamente, surgindo uma nova mercadoria com mais valor do que

antes. Com isto, o capitalista volta para o mercado, agora para ele poder vender sua

nova mercadoria, e se apropriar do novo valor gerado, exercendo o ato M’ – D’.

M’ – D’ é o momento onde há a materialização do valor na sociedade capitalista.

Nesta forma de circulação há uma diferença qualitativa importante: não só o VU de M

deve ser reconhecido socialmente, mas, principalmente, o V, que surge como custo de

32

produção e valor novo criado pago e não pago. No entanto, como toda forma do valor, c

+ v + m estão sujeitos às oscilações da oferta e da procura.

3.2.2 A Forma do Valor no Capitalismo

Agora que já estudamos o processo de formação do valor e as funções do

dinheiro, devemos analisar a manifestação do valor e da mais-valia em custo, preço e

lucro.

O custo social da produção é formado pelo capital constante, capital variável e a

mais-valia. O capital constante é o dinheiro despendido na compra de meios de

produção, este valor não é recriado, e sim transferido para a mercadoria, é trabalho

morto por ser apenas transferido. Ao contrário disto, o capital variável, que é o dinheiro

despendido na compra de força de trabalho, gera novo valor, neste é reposto o valor

original da força de trabalho, em forma de salário, além do seu excedente, a mais-valia.

Esta parte também é denominada de trabalho vivo.

Mas para o capitalista existe apenas um custo de produção da mercadoria, que é

diferente do custo social, pois o capitalista se apropria de trabalho não pago, e assim

tem um custo menor do que o social, ou seja, o tempo de trabalho por ele apropriado

não é custo, logo ele apenas considerará o que por ele foi adiantado, capital constante e

capital variável. Para o capitalista, o custo da mercadoria se explica da seguinte forma,

O valor de toda mercadoria M da produção capitalista se expressa na

fórmula: M = c + v + m. Descontando do valor do produto a mais-valia m,

obteremos mero equivalente, isto é, valor que repõe em mercadoria o valor-

capital c + v empregado nos elementos da produção [...] repõe apenas o que a mercadoria custa ao próprio capitalista, constituindo para ele o preço de custo

da mercadoria. [...] O custo capitalista da mercadoria mede-se pelo dispêndio

de k [c + v] e o custo real pelo dispêndio de trabalho. O custo do capitalista

da mercadoria é, portanto, quantitativamente diverso do valor ou verdadeiro

custo dela. (Marx, 1983, p. 30-31)

Com isto, percebemos que para o capitalista apenas interessa a forma que

assume o valor, e não conteúdo. A produção apenas tem sentido para que ele tenha um

lucro, sem distinguir de onde vem este lucro, se é dos meios de produção, ou se é da

força de trabalho. Como na citação de Malthus, feita por Marx: “O capitalista espera

obter o mesmo lucro de todas as partes do capital que adianta” (apud Marx, 1983, p.

33

39). Como o lucro é uma manifestação da mais-valia, a condição individual de um

produtor capitalista não o impede de lucrar mais do que foi gerado na produção de sua

mercadoria.

Para o capitalista tanto faz considerar que adianta capital constante, para tirar

lucro do variável, ou que adianta o variável para valorizar o constante; que despende dinheiro em salário, para valorizar o constante; que despende

dinheiro em salário, para valorizar máquinas e matérias-primas, para explorar

trabalho. Embora unicamente a parte variável do capital gere mais-valia, só a

gera se forem adiantadas as outras partes, as condições de produção

requeridas pelo trabalho. Não podendo o capitalista explorar o trabalho, sem

adiantar capital constante, e não podendo valorizar este sem adiantar o

variável, parece-lhe que ambos são iguais. Reforça seu ponto de vista a

circunstância de a proporção real de seu ganho ser determinada não pela

relação deste com o capital variável, mas com o capital todo, não pela taxa de

mais-valia, mas pela taxa de lucro, que, conforme veremos, pode permanecer

a mesma e, apesar disso, corresponder a taxas de mais-valia diferentes. (Marx, 1983, p. 45)

O lucro vem do excedente que o capitalista se apropria depois da venda de sua

mercadoria, que é a diferença entre o preço da mercadoria e o seu custo privado. Como

categoria forma, a taxa de lucro é calculada pelo que o capitalista percebe. Esta taxa é

calculada pelo total da mais-valia (M) sobre o custo total (k), M/k, diferentemente do

cálculo da taxa de mais-valia, que é M/v, sendo v = capital variável. A taxa de mais-

valia é a essência do fenômeno, enquanto a taxa de lucro é o visível, o que transborda na

superfície da sociedade. Esta forma de cálculo da taxa de lucro faz com que haja um

efeito mascarador, pois,

A taxa de lucro está para a taxa de mais-valia como o capital variável está

para todo o capital.

Dessa proporção segue-se que l’, a taxa de lucro, é sempre menor que a m’, a

taxa de mais-valia, pois v, o capital variável, é sempre menor que C, a soma

de v + c, de capital variável e capital constante. (Marx, 1983, p. 54)

Apesar do excedente que compõe o lucro formar-se diretamente na esfera da

produção, a sua realização está na esfera da circulação. A taxa de lucro não

necessariamente será igual à taxa de mais-valia (na verdade, nunca será), no entanto,

uma apropriação de uma mais-valia maior do que a que de fato está contida em uma

mercadoria X, só quer dizer que outro capitalista, com uma mercadoria Y, se apropriou

de uma quantidade de mais-valia menor do que esta mercadoria Y realmente contém.

No entanto, devemos lembrar que, segundo as hipóteses simplificadoras aqui

34

apresentadas, “a taxa de lucro difere quantitativamente da taxa de mais-valia, embora

mais-valia e lucro sejam de fato idênticos e quantitativamente iguais” (Marx, 1983, p.

51). Como o valor é obtido na produção, e, encerrada fase de criação da mercadoria,

este valor não pode mais diferir, qualquer alteração nos preços será mera redistribuição

do valor preexistente. O que quer dizer que, se tratamos o fenômeno da mudança

relativa de preços (nossa hipótese (ii)) por este pressuposto, teremos que a subida do

preço de um setor, será em dado momento perda de lucro para outro.

Para que haja a produção, deve haver uma combinação técnica entre o capital

constante e o capital variável, a esta proporção Marx denomina de “composição

orgânica do capital”, que trataremos como θ. Seu cálculo se dá pela equação θ = C/V. A

composição orgânica “em qualquer momento, depende de duas circunstâncias: da

relação técnica entre a força de trabalho empregada e a quantidade dos meios de

produção utilizadas, e do preço desses meios de produção” (Marx, 1983, p. 175). Por

estas diferentes composições orgânicas, gerando quantidades de valores diversos, surge

a taxa média de lucro.

Em virtude da diversa composição orgânica dos capitais investidos em

diferentes ramos de produção, em virtude de capitais de igual magnitude

mobilizarem quantidades muito diferentes de trabalho, de conformidade com

a diversa percentagem que o capital variável representa num capital global de

grandeza dada, apropriam-se esses capitais de quantidades muito diversas de

trabalho excedente, ou seja, produzem quantidades muito diferentes de mais-

valia. Por isso, originalmente diferem muito as taxas de lucro reinantes nos

diferentes ramos de produção. As taxas diferentes de lucro, por força da concorrência, igualam-se numa taxa geral de lucro, que é a média de todas

elas. (Marx, 1983, p. 179)

Em uma sociedade capitalista, onde o V está materializado idealmente no corpo

do dinheiro, o valor-de-troca das mercadorias aparece como preço. Com isto, assim

como no valor, existe o VI e o VM, para o preço também teremos estas duas categorias,

agora preço de produção individual (PPI) e o preço de produção de mercado (PPM).

Como no VI, o PPI, não será o reconhecido pela sociedade, já que sua produção é

composta por capitais com diversos níveis de composições orgânicas. O preço médio de

um dado setor que será o eleito, o PPM.

Na sociedade como um todo, o que rege a rentabilidade do capital é a taxa média

de lucro, e não o cálculo do lucro individual. Como foi explicado na citação de Marx,

acima, a concorrência gera esta taxa média, mas como? Se um determinado setor passa

35

a ser mais lucrativo do que o restante, haverá migração de capitais para este setor mais

lucrativo, até que a concorrência faça com que se restabeleça a taxa média de lucro.

Para o cálculo desta taxa suporemos duas hipóteses: (i) a taxa de mais-valia é

constante; e (ii) o capital constante por inteiro é transferido para o produto anual dos

capitais. Agora, para calcular a taxa média devemos expandir a forma que calculávamos

um capital individual para todos eles, logo a taxa média de lucro será a massa de mais-

valia produzida por todos eles dividida pelo investimento total.

Com isto, façamos um exemplo para entendermos tanto o funcionamento da taxa

média de lucro, quanto a formação do custo, do lucro e do preço. Neste exemplo

teremos cinco setores, com investimento homogêneo, no entanto, com θ diversas.

Quadro 03 – Formação do PP e da Taxa de Lucro

Capitais Mais-Valia Valor Custo Preço de Produção Taxa de Lucro Desvio

I 80c + 20v 20 120 100 122 0,22 2

II 70c + 30v 30 130 100 122 0,22 -8

III 60c + 40v 40 140 100 122 0,22 -18

IV 85c + 15v 15 115 100 122 0,22 7

V 95c + 5v 5 105 100 122 0,22 17

Total 500 110 610

610

0

Esta tabela demonstra, numericamente, preceitos citados anteriormente. Como

pode ser visto, o lucro é igual a mais-valia, pois a massa de valor é igual a massa de

preço de produção. Também é possível observar que os setores que se apropriam de

maior parte da mais-valia são os setores com θ mais elevadas, sendo o setor V o que

apresenta maior apropriação.

Ainda utilizando-se da categoria forma e conteúdo, Marx faz referência a uma

possível variação de preços, ao capitalista tentar deslocar sua apropriação do lucro à

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massa de mais-valia, causando, com isto, inflação, via aumento de preços no capital

variável, capital constante ou nas próprias mercadorias produzidas, no seguinte trecho.

O lucro médio que determina os preços de produção tende sempre

necessariamente a igualar-se à quantidade de mais-valia, correspondente a

dado capital como parte alíquota de todo o capital da sociedade. Admitamos

que a taxa geral de lucro, e portanto o lucro médio, se expresse em valor-

dinheiro maior do que a mais-valia média real estimada pelo valor monetário.

Quanto aos capitalistas não importa que se atribuam, reciprocamente, lucro

de 10 ou de 15%. Uma percentagem não abrange mais valor-mercadoria real

que a outra, enquanto é recíproco o exagero na expressão monetária.

Supusemos que os trabalhadores recebem salários normais, e por isso o

acréscimo do lucro médio não expressa redução efetiva dos salários, ou seja, algo inteiramente diverso da mais-valia normal do capitalista. Assim, para os

trabalhadores, o aumento dos preços das mercadorias, oriundo do acréscimo

do lucro médio, tem de ser anulado por aumento na expressão monetária do

capital variável. Na realidade, essa alta nominal e geral da taxa de lucro e do

lucro médio acima da percentagem estabelecida pela relação entre a mais-

valia real e o capital adiantado, não é possível sem acarretar alta dos salários

e também dos preços das mercadorias que formam o capital constante. Dá-se

o contrário, quando há baixa. (Marx, 1983, p. 203-204)

Observa-se, então, que se pela atitude de um dos produtores, este quiser

aumentar a taxa de lucro dele, em detrimento do restante dos produtores, haverá uma

tendência ao retorno à taxa média de lucro, pois como foi explicado na citação de Marx,

esta atitude, que negaria a taxa média de lucro, faria com que os salários e os preços das

mercadorias voltassem ao ponto em que se restabeleceria a lei da taxa média de lucro.

Vejamos, agora, como poderemos demonstrar a hipótese (ii). Os preços de

mercado são compostos pelo custo de produção mais o lucro médio. No entanto, se

houver uma mudança no lucro recebido por um dos capitais, em detrimento do restante,

considerando que a massa de mais-valia é igual a massa de lucros, este aumento do

lucro de um setor, necessariamente deverá apropriar este novo montante de lucro de

outros setores. O aumento do preço de mercado de um setor deverá, necessariamente,

constituir perda lucro de outro.

Como há a tendência a se equilizar pela taxa média de lucro, se não houver

entraves a entrada de novos capitais, ou qualquer outro fator que impeça a retomada

desta taxa, voltaremos ao patamar inicial, onde todos recebem a taxa média de lucro. No

entanto, se isto não ocorrer, teremos uma redistribuição do lucro permanente

(permanente até que volte ao normal), com o produtor que recebe uma taxa de lucro

maior, apropriando-se deste maior lucro, inferindo em aumento do preço de produção da

sua mercadoria. Como foi explicado na citação acima, o aumento da taxa de lucro de

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um capitalista, em condições normais, acarretará em aumento dos salários, e logo, das

mercadorias que compõe o capital constante, generalizando o aumento dos preços, e

tendo a taxa de lucro média de volta, para todos os capitalistas. No entanto, em uma

economia cada vez mais monopolizada, este movimento de aumento da taxa de lucro

particular, se tornará cada vez mais fácil e constante.

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4. Conclusões

Como este trabalho tem por objetivo encontrar elementos para uma teoria

inflacionária marxista, a análise dos valores e dos preços foram necessárias, pois a

variação destes é que compõe a inflação. Mas o que nos importa, aqui, é que tipo de

variação pode ser tida como inflação. As duas hipóteses são: (i) mudança no padrão de

preços, ou (ii) uma mudança relativa dos preços.

Na primeira, a mudança no padrão de preços, ou generalizada de preços, não

causará nenhuma redistribuição de valor gerado na sociedade. Se, por exemplo,

duplicasse a quantidade de dinheiro em circulação, sem haver mudança alguma na

quantidade de valor produzido na sociedade, um Dólar deixaria de representar X gramas

de ouro, e passaria a representar ½ X grama de ouro. Não haveria um processo de

redistribuição de riqueza.

No entanto, sobre a segunda hipótese, a mudança relativa nos preços haveria

uma redistribuição. Esta poderia acontecer se houvesse algum entrave a entrada de

novos capitais em um determinado setor. Se a demanda social não for atendida, ou seja,

a demanda estiver maior do que a oferta, e novos capitais não puderem entrar neste

setor, haverá a possibilidade deste setor continuar a não produzir o suficiente, mantendo

uma taxa de lucro maior do que a taxa média de lucro. Caso não houvesse entraves a

entrada de novos capitais, se um setor que tivesse uma maior taxa média de lucro,

causada por um aumento da demanda pelas mercadorias produzidas neste setor, sofresse

entrada de novos capitais, migrando para este setor por haver incentivo, por conta da

maior taxa de lucro relativamente à taxa média, haveria este processo até que a

economia voltasse à situação inicial, onde todos os capitais seriam remunerados pela

taxa média de lucro da sociedade. Mas mesmo com a possibilidade de entrada de novos

capitais neste setor, os preços de mercado serão mais elevados do que os preços de

produção. Enquanto não houver a entrada, o setor sofrerá de preços mais elevados.

Consideraremos, então, inflação como sendo uma redistribuição do valor criado

por meio do mercado, alterando, assim, momentaneamente, os preços relativos, sendo

momentâneo por sempre haver a tendência para a equalização da taxa de lucro.

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5. Referências

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