Conflito Distributivo Em Sociedades Pretorianas: Uma Interpretação Teórica Da Inflação...

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Publicado em Nova Economia, 4 (1): 107-29. Belo Horizonte: Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, novembro de 1994. O CONFLITO DISTRIBUTIVO EM SOCIEDADES PRETORIANAS: uma interpretação teórica da inflação brasileira 1 Bruno Pinheiro W. Reis 2 Vem tornando-se moeda corrente na literatura especializada européia e norte-americana a afirmação da tese de que democracia – mesmo que institucionalmente estável, e organizada no que toca à administração do conflito distributivo – causa inflação. O presente trabalho pretende investigar até que ponto se pode também afirmar que democracia “desorganizada” (ou seja, institucionalmente frágil e portanto com um conflito distributivo sem regras consensualmente estabelecidas) propicia processos inflacionários particularmente descontrolados e violentos. Artigo recente de Gustavo Franco lista os casos observados de hiperinflação neste século, e salta aos olhos o 1 O presente trabalho é uma adaptação do projeto de minha tese de doutorado, defendido no Iuperj em 19 de dezembro de 1991, sob a orientação da Profª Maria Regina Soares de Lima. Durante o primeiro semestre daquele ano contei com a orientação do Prof. Luiz Werneck Vianna, e ao longo de todo o processo de elaboração do projeto pude contar com o Prof. Fábio Wanderley Reis, da UFMG, como um interlocutor freqüente, e, em algumas ocasiões importantes, também com a Profª Elisa P. Reis, do Iuperj. Uma conversa com meu colega no Iuperj, Prof. Fabiano Guilherme Mendes Santos, da UFF, num momento crucial da elaboração do projeto, forneceu-me novas e valiosas referências na literatura pertinente. Um outro colega, Prof. Alberto Carlos Melo de Almeida, também da UFF, leu o projeto depois de defendido, fazendo sugestões úteis e chamando minha atenção para alguns deslizes que me haviam escapado. A todos o meu agradecimento. A responsabilidade, porém, pelo resultado final deve, como de praxe, ser imputada a mim exclusivamente. 2 Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

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Publicado em Nova Economia, 4 (1): 107-29. Belo Horizonte: Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, novembro de 1994.

O CONFLITO DISTRIBUTIVO EM SOCIEDADES PRETORIANAS:uma interpretação teórica da inflação brasileira1

Bruno Pinheiro W. Reis2

Vem tornando-se moeda corrente na literaturaespecializada européia e norte-americana a afirmação da tesede que democracia – mesmo que institucionalmente estável, eorganizada no que toca à administração do conflitodistributivo – causa inflação. O presente trabalho pretendeinvestigar até que ponto se pode também afirmar quedemocracia “desorganizada” (ou seja, institucionalmentefrágil e portanto com um conflito distributivo sem regrasconsensualmente estabelecidas) propicia processosinflacionários particularmente descontrolados e violentos.

Artigo recente de Gustavo Franco lista os casosobservados de hiperinflação neste século, e salta aos olhos o1 O presente trabalho é uma adaptação do projeto de minha tese dedoutorado, defendido no Iuperj em 19 de dezembro de 1991, sob aorientação da Profª Maria Regina Soares de Lima. Durante o primeirosemestre daquele ano contei com a orientação do Prof. Luiz WerneckVianna, e ao longo de todo o processo de elaboração do projeto pudecontar com o Prof. Fábio Wanderley Reis, da UFMG, como um interlocutorfreqüente, e, em algumas ocasiões importantes, também com a Profª ElisaP. Reis, do Iuperj. Uma conversa com meu colega no Iuperj, Prof. FabianoGuilherme Mendes Santos, da UFF, num momento crucial da elaboração doprojeto, forneceu-me novas e valiosas referências na literaturapertinente. Um outro colega, Prof. Alberto Carlos Melo de Almeida,também da UFF, leu o projeto depois de defendido, fazendo sugestõesúteis e chamando minha atenção para alguns deslizes que me haviamescapado. A todos o meu agradecimento. A responsabilidade, porém, peloresultado final deve, como de praxe, ser imputada a mim exclusivamente.

2 Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

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fato de que todos os países considerados enfrentavam naocasião graves crises políticas, seja a derrota numa guerra,com perda de territórios (Áustria, Alemanha), sejam problemasrelacionados com a fundação do estado (Hungria, Polônia),seja a agitação pré ou pós revolucionária (China e UniãoSoviética).3 Franco observa que outros lugares enfrentaramdificuldades econômicas semelhantes àquelas enfrentadas porestes países, sem que se repetisse o processohiperinflacionário; de fato, nunca houve sequer um processoinflacionário crônico e de taxas mensais persistentementeacima dos 10% em democracias politicamente estáveis.4 Torna-se intuitivamente evidente o papel da política como elementodesencadeador da hiperinflação (parece mesmo que ainstabilidade institucional seria uma condição necessária dahíper), mas este nexo tem sido explorado – inclusive porFranco – de forma impressionista e pouco rigorosa. Cabe,portanto, o esforço de investigar mais cuidadosamente ovínculo entre a política e processos inflacionários crônicos,de taxas persistentemente elevadas e especialmenteresistentes a terapias convencionais, como os que se observamem várias democracias recentes do Terceiro Mundo, entre elaso Brasil.

1. Democracia e Inflação em Países Desenvolvidos:A Teoria dos Ciclos Econômico-Eleitorais

A década de 70 produziu abundante literatura sobre onexo entre democracia política institucionalizada e inflação

3 FRANCO (1991, pp. 67-70). Para os propósitos de seu artigo, Francodefine hiperinflação como a inflação que supera a taxa de 50% ao mês (p.67).

4 Posta a questão nestes termos, é possível que exista quem queiraconsiderar o caso da inflação israelense na década de 80 como umaexceção a esta regra. Creio, todavia, que embora se possa falar deestabilidade governamental em Israel, os dramáticos conflitos internos eexternos a que o país está sujeito desde a sua fundação nos permitem nãoconsiderá-lo um caso de democracia institucionalmente estável.

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moderada – diversos autores ligados à corrente da “escolhapública” (“public choice”) estiveram explorando o problema, com ofoco das análises voltado sobretudo para os casos da EuropaOcidental e dos Estados Unidos. Esta literatura veio a setornar conhecida sob o rótulo de “teoria dos cicloseconômico-eleitorais”.5

Um dos fulcros da tese consiste na percepção – a meuver, acertada – de que as escolhas dos formuladores depolítica macroeconômica não se pautam prioritariamente peloobjetivo da otimização da eficiência da economia, sendo asdecisões de política econômica antes o resultado de umconflito político entre interesses coletivos divergentes(LINDBERG, 1985, pp. 27-8). O outro pilar da teoria – condiçãosuficiente, embora não necessária, do primeiro – consistenuma modelagem dos atores envolvidos (basicamente, governo,de um lado, e eleitores, do outro) calcada em seus traçosbásicos no modelo já clássico de Anthony DOWNS (1957) para ademocracia contemporânea: grosso modo, uma espécie demicroeconomia da política, onde as firmas são substituídaspelos partidos políticos e os consumidores, pelos eleitores.

Muito resumidamente, o argumento funciona, portanto, daseguinte maneira: como os políticos são, acima de tudo,“empresários eleitorais” cujo objetivo é maximizar seus votosna próxima eleição, eles são extremamente suscetíveis às maisvariadas pressões, e procuram atender às demandas do maiornúmero possível de grupos, evitando assim incompatibilizarem-se com qualquer um deles. O resultado são gastos excessivos emuitas vezes inúteis, e uma política macroeconômicainconsistente, que produz uma perda na eficiência da economiae propicia, entre outras coisas, o surgimento da inflação. Aidéia do ciclo emerge a partir da constatação de que esteprocesso se intensifica à medida que se aproxima a próximaeleição: o governo eleva seus gastos, a economia se aquece,cai o desemprego e eleva-se a inflação. Após a eleição, o5 Uma abundante bibliografia sobre o tema pode ser encontrada emWanderley Guilherme dos SANTOS (1983, esp. pp. 153-5, nn. 41-65).

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governo vê-se obrigado a implementar uma política deestabilização (ao mesmo tempo que se vê mais livre paraimplementá-la, dada a distância das próximas eleições),passando a adotar uma política relativamente mais “dura”,desaquecendo a economia e segurando a inflação. Isto até queo governo sinta novamente a necessidade de cuidar da suapopularidade com vistas à próxima eleição, e o ciclorecomeça.

É necessário ter em mente, porém, algo que muitosautores parecem preferir ignorar. O fenômeno dasuscetibilidade dos governos a grupos de pressão não pode sertratado como uma excrescência que se tenha instalado nasdemocracias contemporâneas por descuido dos “bons cidadãos”ou má fé de alguns aproveitadores, e que possa portanto sereventualmente removida sem deixar seqüelas. É antes umfenômeno inseparável da própria natureza da democraciamoderna, com o qual estamos condenados a conviver sequisermos viver em regimes democráticos.6 Mancur Olson,apesar dos enormes méritos de sua obra, é um dos que parecemimaginar o contrário. Parece-me contudo pouco plausível aesperança por ele manifestada do advento de uma sociedadelivre dos danos causados por grupos de interesse (OLSON, 1982,pp. 236-7). A condenação social das facções é compreensívelnuma sociedade como a democracia ateniense do século V a.C.,que politicamente se resumia a no máximo trinta ou quarentamil cidadãos adultos do sexo masculino, e onde virtualmenteninguém era completamente anônimo, sendo a identificaçãoindividual de cada cidadão com a polis quase inimaginável paraos padrões dos dias de hoje.7 Hoje, em rota batida rumo6 “Políticas de gastos respondem a um largo espectro de pressõespluralísticas que são a essência do processo democrático.” (LINDBERG,1985, p. 47, tradução minha.)

7 Há no grego uma palavra – “stasis” – cuja gama de significadospolíticos, segundo M.I. Finley, engloba “partido”, “partido formado comfins sediciosos”, “facção”, “sedição”, “discórdia”, “divisão”,“dissenção”, além de “guerra civil” ou “revolução”. Abundante naliteratura da época, “sua conotação geralmente é pejorativa” (FINLEY,1985, pp. 60-1). Para uma estimação da população ateniense de então, ver

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àquilo que Karl Popper chamou de “sociedade abstrata”,8 estahipótese simplesmente não faz muito sentido.

Um outro ponto relevante a considerar em conexão comeste é o de que, dentro de determinados limites, deve-seadmitir a hipótese de que as pessoas podem simplesmentepreferir a persistência de alguma inflação a pagar os custosde uma política de estabilidade monetária.

Albert HIRSCHMAN (1985, p. 70), por exemplo, menciona umargumento de Mário Henrique SIMONSEN (1967, pp. 272-3) arespeito da inflação, baseado no axioma de DUESENBERRY (1949,p. 89) segundo o qual as pessoas querem sempre recuperar amelhor situação que já experimentaram. Uma peculiaridade dainflação, segundo Simonsen, é que diferentes gruposexperimentam sua melhor situação em pontos diferentes notempo (no caso hipotético de existirem apenas dois grupos, amelhor situação de um grupo coincidirá sempre com a pior dooutro). Como somente a inflação pode permitir estaalternância periódica nas rendas relativas dos diversosgrupos na sociedade, as pessoas podem preferir a persistênciade uma inflação moderada a uma estabilidade que as afasteindefinidamente de uma renda temporariamente maior – desdeque o “vale” da oscilação não seja intoleravelmente baixo.9

Também do ponto de vista do governo, especialmente emcasos de transições democráticas, uma inflação moderada podetornar-se desejável na medida em que ameniza conflitos

FINLEY (1985, pp. 29-30).8 Para Popper, uma sociedade é tanto mais “abstrata” (não confundircom sua célebre “sociedade aberta”), quanto menores forem os contatospessoais entre os integrantes desta sociedade. O crescimentopopulacional e o avanço tecnológico contribuem nesta direção, emboraPopper afirme que sociedade alguma será jamais totalmente abstrata(POPPER, 1944, pp. 189-91). Em minha opinião, este processo, aoenfraquecer os vínculos afetivos das pessoas em relação à sociedade,exacerba o seu impulso para a adesão a grupos particulares dentro destamesma sociedade, em busca de uma identidade grupal, sectária, que elasnão encontram na sociedade como um todo. A “sociedade abstrata”tenderia, assim, a meu ver, a estimular a stasis.

9 Em corroboração a este ponto, Hirschman cita também a Tibor SCITOVSKY(1976).

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distributivos cuja radicalização costuma ser inevitáveldurante processos de democratização. O problema é que, sepersistir durante muito tempo ou agravar-se excessivamente, ainflação pode também ajudar a derrubar esta mesma democracianascente cuja administração ela a princípio haviafacilitado.10

O reconhecimento da existência de circunstânciasplausíveis onde a inflação pode ser desejável corrobora aatitude de Brian BARRY (1985), que chega a desqualificar ainflação como problema relevante. Em uma crítica minuciosadas teses do ciclo econômico-eleitoral, Barry mostra o que háde excessivamente simplificador nas suposições do modelo.Além de compartilhar a tese de que a inflação pode ser menosindesejável do que parece ser aos olhos de alguns autores,11

Barry chama atenção para o caráter um tanto óbvio dosresultados da teoria dadas as suas suposições. Em linhas gerais,Barry acusa a teoria do ciclo econômico-eleitoral de postularpolíticos que são exclusivamente caçadores de poder,dispostos a impor qualquer dano à nação desde que isto possaaumentar sua votação, além de hábeis manipuladores dosinstrumentos da política econômica em busca da reeleição; poroutro lado, os eleitores comportam-se como perfeitos idiotas,sem memória ou capacidade prospectiva. Com premissas comoestas, afirma Barry, não é surpresa alguma que a democraciase revele um sistema vicioso.12 Lindberg corrobora o ceticismode Barry a respeito das conclusões da teoria do cicloeconômico-eleitoral quando menciona o fato de que não parece10 Cf. HIRSCHMAN (1985, p. 72), onde se ilustra a tese com o caso dainflação espanhola em 1977. Em Brian BARRY (1985, p. 288) encontra-se umatese semelhante.

11 BARRY (1985, pp. 291-7).12 BARRY (1985, p. 300). Para qualificações ao retrato simplificador dospolíticos freqüentemente traçado, BARRY (1985, p. 301, n. 41) mencionaRobert PUTNAM (1973), um minucioso estudo empírico sobre as atitudesbásicas dos políticos de dois países bastante diferentes um do outro(Grã-Bretanha e Itália). Um traço saliente do comportamento dospolíticos, segundo Barry e também Putnam, é a preocupação com areputação e com seu “lugar na História”, ainda que esta preocupação sejamotivada apenas por vaidade. Ver também, a respeito, PUTNAM (1971).

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haver correlação entre, de um lado, altas taxas de inflação,tendências a déficits e produtividade declinante e, de outro,alto grau de taxação ou de gasto público – “often quite theopposite”: quando o estado falha na regulação, o conflitotransfere-se para o mercado, onde pode alimentar o cabo-de-guerra inflacionário.13

Ao final de seu artigo, porém, Barry concede que ademocracia do welfare state tal como existe hoje, e que seestabeleceu sob o manto da hegemonia keynesiana na ciênciaeconômica, possui efetivamente características propícias aosurgimento da inflação. Só que ele simplesmente descarta estefato como um problema importante: a inflação moderada quecomumente se observa na Europa e nos Estados Unidos éperfeitamente útil à administração do conflito distributivo,e não haveria razão, segundo Barry, para nenhuma histeriaantiinflacionária. A única razão pela qual a inflação éimportante, para Barry, é que ela permite uma certamobilização em torno de propostas que em tempos mais calmosseriam largamente reconhecidas como reacionárias.14

2. Inflação Acelerada e Fragilidade Institucional

Apesar de minha simpatia à posição que Brian Barryassume em relação às teses do ciclo econômico-eleitoral, épreciso estar atento ao fato de que ele se reporta sempre apaíses que estão lidando com inflações que atingiram nomáximo a casa dos 10% ao ano. Quando passamos a tratar deinflações com taxas percentuais anuais que gravitam na casa13 LINDBERG (1985, pp. 47-8). Ele cita, a respeito (p. 48, n. 37), M. PANIC(1978).

14 Cf. BARRY (1985, pp. 315-7). Barry (p. 317) ironiza aqueles que,comprometidos primariamente com a idéia do livre funcionamento domercado, se vêem diante do problema de obter uma aprovação democráticada população para que se mantenham perpetuamente de mãos atadas governoseleitos também democraticamente. Não é à toa, segundo ele, que paísesautoritários como Hong Kong, Taiwan e Coréia do Sul se tornamfreqüentemente as “meninas dos olhos” de tais economistas.

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das centenas, a situação muda completamente. Passa a haver umefeito concentrador de renda que não depende mais de mudançasnos preços relativos, mas simplesmente do fato de que algumaspessoas (as mais ricas) têm acesso privilegiado a diversosmeios de proteger seus ativos financeiros da corrosãoinflacionária, em detrimento dos mais pobres.15 Além disso háum forte desincentivo ao investimento produtivo, pois torna-se impossível qualquer cálculo seguro das taxas de retorno.

Conforme foi visto acima, este tipo de inflação nuncafoi observado em democracias institucionalmente estáveis, eesta determinação política de processos inflacionárioscrônicos com taxas elevadas vem sendo crescentementeventilada na literatura. Resta ver, portanto, por que afinala taxa de inflação escapa ao controle do governo nesses casose não em países política e institucionalmente estáveis.

2.1. Huntington e o “grau” de governoPelo menos desde que Max Weber escreveu “Parlamento e

Governo numa Alemanha Reconstruída” (WEBER, 1918), osproblemas relacionados à baixa institucionalização da vidapolítica de um país se converteram em um dos temas clássicosda Ciência Política. O próprio Weber já apontava, no estudocitado, alguns dos principais efeitos deste quadro de baixainstitucionalização: “política negativa” da parte doparlamento, ingerência da burocracia sobre a esfera dasdecisões políticas do governo etc.

Sem querer questionar a acuidade e o valor dos insights deWeber em seu ensaio, creio porém que foi Samuel Huntingtonquem mais longe levou a análise dos problemas associados àbaixa institucionalização política. Adotando uma posturarealista, HUNTINGTON (1968) estabelece como seu problema não otipo de governo – e nisso difere não só de Weber, mas também de

15 Em frase recente do ex-ministro e atual deputado federal Delfim Netto:“O que financia o déficit público é a queda dos salários reais.”(Entrevista à TV Cultura de São Paulo, dia 11 de novembro de 1991.)

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um Robert Dahl, por exemplo – mas o “grau” de governo.16

Associando o problema do grau de governo ao nível deinstitucionalização da vida política de uma sociedade,Huntington faz uma contribuição valiosa ao estudo dascondições de governabilidade, especialmente daqueles paísesque atravessaram recentemente processos de modernizaçãoacelerada, nos quais via de regra se observou grandeinstabilidade política, que freqüentemente resultou em golpesmilitares. Rejeitando a possibilidade de explicação dofenômeno dos freqüentes golpes militares por meio daimputação de supostas características peculiares aosmilitares deste ou daquele país, Huntington concentrou suaatenção na fragilidade institucional dos países em processode modernização. Ele estendeu o conceito de “pretorianismo”(usualmente referido estritamente à intervenção dos militaresna política) à caracterização da sociedade como um todo,pretendendo, com o conceito de “sociedade pretoriana”,caracterizar sociedades onde não existem “instituiçõespolíticas efetivas, capazes de mediar, refinar e moderar aação política dos grupos” (HUNTINGTON, 1968, p. 208). Comoconseqüência, tem-se uma sociedade onde aparentementeobserva-se um alto grau de politização de todos os grupossociais, reflexo da intervenção conflituosa e desastrada dosmais diversos grupos sociais na arena política, mas que éfruto, porém, não propriamente daquilo que no Brasil secostuma chamar de “politização” dos grupos (alto grau deinformação política, ou orientação político-ideológica mais16 É importante ter em mente que a idéia a que Huntington se refere quandofala em grau de governo não necessariamente coincide com grau deautoritarismo, refletindo, sim, a eficácia das ações de um governo emseu propósito de governar um país. Para Huntington, “as diferenças entredemocracia e ditadura são menores que as existentes entre os países cujapolítica compreende consenso, comunidade, legitimidade, organização,eficiência, estabilidade e os países cuja política é deficiente nessasqualidades” (HUNTINGTON, 1968, p. 13). Ou seja, o grau de governo é altoquando o governo governa. Já Dahl, por seu turno, está ocupadoeminentemente com problemas relacionados ao tipo de governo:basicamente, os países se dividem entre democráticos ou não, e o esforçose dirige para investigar as condições de possibilidade da emergência deuma democracia (ver por exemplo DAHL, 1971).

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ou menos nítida ou sofisticada), mas da inexistência pura esimples de “acordo entre os grupos quanto aos métodoslegítimos e conclusivos de dirimir os conflitos” (idem,ibidem).17

Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, opretorianismo de Huntington, com sua ênfase sobre ainstabilidade institucional, não encontra correspondênciaexata no modelo “bidimensional” da poliarquia de Dahl. Digobidimensional porque Dahl define seu conceito de poliarquiapor meio de dois vetores: a contestação pública(“liberalização”) e o direito à participação (“inclusão”).Ele chega a representar seu esquema por meio de um diagramabidimensional onde a poliarquia está situada no extremo quecorresponde à máxima liberalização e à máxima inclusão. Noextremo oposto estariam as hegemonias fechadas, com nenhumaliberalização e nenhuma inclusão das massas. As “trajetórias”por meio das quais diferentes países tenham logrado alcançarum estado poliárquico ou quase-poliárquico a partir de umestado original de hegemonia fechada condicionarão aspossibilidades de sucesso de cada poliarquia (DAHL, 1971,esp. pp. 5-9). Assim, o problema em Dahl não é tanto aestabilidade/instabilidade (em suma, a famosa17 Há um trecho famoso e freqüentemente citado que é sem dúvida a maiseloqüente descrição que HUNTINGTON (1968, pp. 208-9) faz da sociedadepretoriana:

“Numa sociedade pretoriana [...] cada grupo utiliza os meios querefletem sua natureza peculiar e suas capacidades. Os ricossubornam; os estudantes se amotinam; os operários fazem greve; asmassas promovem manifestações e os militares efetuam golpes. Naausência de procedimentos reconhecidos, todas essas formas de açãodireta são encontradas no cenário político. As técnicas deintervenção militar são apenas mais dramáticas e eficientes que asoutras porque, como diz Hobbes: ‘Quando nada mais se apresenta, otrunfo é paus’.“A ausência de instituições políticas efetivas numa sociedadepretoriana significa que o poder é fragmentado: manifesta-se demuitas formas e em pequenas quantidades. A autoridade sobre osistema em seu todo é transitória e a fraqueza das instituiçõespolíticas significa que a autoridade e o cargo com facilidade seadquirem e se perdem. Por conseguinte, não há incentivo para que umlíder ou um grupo faça concessões importantes em busca deautoridade.”

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“governabilidade”), mas antes os processos de democratização.Com vistas à compatibilização das duas abordagens, aindapode-se afirmar que o vetor da “liberalização”, por medir aexistência de contestação e competição política, supõe aexistência de regras políticas acatadas de forma mais oumenos consensual e portanto algum grau de institucionalizaçãodo sistema político nos termos de Huntington. Não obstante,parece-me claro que os dois autores trabalham com problemasdiferentes, estando o esforço de Dahl voltado sobretudo parao problema do tipo de governo, contrariamente a Huntington,atento para o “grau de governo” dos diversos países. Para osfins do presente trabalho, interessaria fundamentalmenteaquilo que em Dahl está representado no vetor da“liberalização”, e que é mais amplamente desenvolvido emHuntington.

Na verdade, porém, o problema institucional tem históriamuito mais longa na teoria política do que faria supor amenção exclusiva a autores do século XX, como Weber,Huntington e Dahl. Ele constitui, por exemplo, o objetocentral da obra de um gigante como Hobbes, e penso quevaleria a pena tecer algumas considerações em torno desteponto. Menciono Hobbes aqui porque entendo que suacaracterização do “estado de natureza” levada a cabo no Leviatã(HOBBES, 1651) pode ser considerada o extremo negativo de umcontinuum hipotético que comportasse variados graus deinstitucionalização: o estado de natureza hobbesianocorresponderia a um caso ideal de sociedade “não-institucional”, enquanto que no outro extremo do continuumestaria a sociedade “perfeitamente institucionalizada”(igualmente imaginária), onde todos os conflitos encontrassemencaminhamento institucional, ao ponto de a própria mudançainstitucional se dar por meios institucionais.

No Leviatã, o traço básico do estado de natureza consistena percepção de que, na ausência de regras que os obriguem àcooperação e à preservação da ordem, os homens vêem-se diantede uma situação idêntica àquela que na teoria dos jogos ficou

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conhecida como o “dilema do prisioneiro”: mesmo que prefirama cooperação universal, todos são obrigados a agiregoisticamente, uma vez que não têm como se certificar de queo outro pretende cooperar; e – uma vez que não há sanções –mesmo se todos os demais cooperarem, cada um pode sebeneficiar ao adotar sozinho uma estratégia egoísta.18 No casodo estado de natureza hobbesiano, este cálculo redunda nafamosa “guerra de todos contra todos”, pois todos osindivíduos se vêem diante do imperativo de “atacar primeiro”,uma vez que cada um deles sabe que nada há que possa impediro outro de tentar o mesmo contra ele.

Numa sociedade pretoriana eu diria que temos uma proxymoderna do estado de natureza hobbesiano, e que os dilemascom que se defrontam os homens podem ser consideradossemelhantes em ambas as situações, embora seja evidente que oconceito de sociedade pretoriana já se refere a sociedadesonde existe um razoável grau de institucionalização.

18 Na teoria dos jogos, cada ator se depara com uma situação em que tem deescolher entre cooperar (“C”) ou não (“D”), e cada jogo é definido pelaestrutura de preferências dos atores pelos quatro resultados possíveis.O “dilema do prisioneiro” é um jogo no qual a estrutura de preferênciasdos atores é a seguinte:1) a situação preferida por cada um dos jogadores é conhecida por“carona” (“free-rider”), pois é aquela em que todos cooperam menos “eu” (DC);2) em segundo lugar os atores desejam a cooperação universal (CC);3) em terceiro lugar, o egoísmo universal (DD);4) e, por último, a situação em que só “eu” adoto uma condutacooperativa enquanto todos os demais adotam condutas egoístas (CD).Dada esta estrutura de preferências, o resultado de equilíbrio do dilemado prisioneiro é o egoísmo universal (DD), pois a estratégia “D” é a“minha” melhor independentemente do que os outros façam. É um equilíbriosub-ótimo, pois existe um estado alternativo – a cooperação universal(CC) – que melhoraria o resultado de todos, sem piorar o de ninguém.Apesar disso, a cooperação universal é um estado inalcançável pelaagregação de estratégias individuais racionais: pois, partindo-se de umasituação de egoísmo universal (DD), ninguém estará estimulado a mudarunilateralmente sua estratégia para “C”, sob pena de ver-se diante dopior resultado possível (CD). Pior ainda, mesmo que a cooperaçãouniversal seja eventualmente atingida, ela se revelará uma situaçãoindividualmente instável, pois cada um poderá melhorar individualmentesua situação se mudar sua estratégia para “D”, tentando pegar “carona”na cooperação dos demais. Um eventual estado de cooperação universal,portanto, tende naturalmente a se degenerar no egoísmo universal, dadasas preferências dos atores envolvidos em um dilema do prisioneiro.

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Exatamente por isso é que – sendo a sociedade pretoriana umcaso de institucionalização incipiente, e portanto um casointermediário entre a plena institucionalização e o estado denatureza – se pode utilizar o estado de natureza como umparâmetro extremo das características da sociedadepretoriana. Assim, pode-se esperar que na sociedadepretoriana os diversos grupos sejam compelidos a secomportarem mais agressivamente uns em relação aos outros doque numa sociedade mais institucionalizada, pois têm menosmotivos para esperar que seus adversários se mostremcooperativos. Numa sociedade institucionalizada, o estado éeficaz em constranger os cidadãos a manterem a ordem, aindaque através de uma solução diferente daquela imaginada porHobbes. Os próprios grupos, em sociedades pretorianas, serãoprovavelmente mais instáveis, pois os atores das diversascoalizões estarão agindo sobre cenários mais fluidos eincertos do que seria o caso em outra circunstância. Torna-seclaro, com este pequeno esboço, que aquilo que Huntingtonchama de grau de governo é um dos problemas mais antigos datradição da teoria política moderna, e que a relevância destavariável não pode ser posta em dúvida.19

2.2. Pretorianismo e inflação:o conflito distributivo não-reguladoO ponto de partida fundamental da minha tentativa de

buscar as afinidades básicas entre sociedades pretorianas eprocessos inflacionários crônicos consiste na afirmação deque o conflito distributivo, em qualquer país, configura umexemplo de dilema do prisioneiro.20 Para qualquer grupo

19 Observe-se que o diagnóstico da “guerra de todos contra todos” nãosupõe que os homens sejam “maus”, contrariamente ao que está implícitoem muitas análises superficiais, tanto da teoria de Hobbes, quanto dainflação brasileira.

20 Talvez seja oportuno esclarecer que quando me refiro a “conflitodistributivo” não penso exclusivamente no conflito entre capital etrabalho em torno da determinação de lucros e salários, como espero quejá tenha ficado claro. “Conflito distributivo”, no sentido em que oconceito é usado no presente trabalho, engloba qualquer disputa entre

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envolvido em disputa pela apropriação da maior parcelapossível da renda nacional, o melhor seria que os demaisgrupos se mostrassem cooperativos e generosos enquanto elepróprio atuasse de maneira reivindicante e agressiva. A piorsituação, ao contrário, seria aquela em que todos semostrassem agressivos na luta pela apropriação da maiorparcela possível do produto, ao passo que ele se mantivessetímido e cooperativo. O conflito distributivo só não descambapara a animosidade aberta, sendo possível ainda se ouviremexortações de parte a parte pela cooperação, porque não setrata de um jogo de soma zero (o que faz com que a cooperaçãouniversal seja preferível ao egoísmo universal), uma vez queo comportamento generalizadamente agressivo pode ter efeitosnegativos sobre o “tamanho do bolo”, comprometendo no limitea “fatia” de cada um.

Na verdade, esta caracterização do conflito distributivocomo um dilema do prisioneiro é a principal tese subjacenteao livro de Mancur Olson, The Rise and Decline of Nations (OLSON,1982). Tendo quase duas décadas antes diagnosticado o dilemado prisioneiro com que se defronta o potencial integrante deum grupo de interesse,21 Olson estende ali sua análise sobre aprópria conduta dos grupos (“coalizões distributivas”) umavez constituídos, e configura de maneira parecida a interaçãoentre eles. Também para os integrantes das coalizõesdistributivas existe uma meta que é compartilhada por todos:

grupos ou setores da economia em torno da apropriação da maior parcelapossível da renda nacional. Entre estes setores deve-se incluir também oestado, de modo que, quando relaciono a inflação ao conflitodistributivo, não excluo de saída as teorias mais ortodoxas da inflação,baseadas no déficit público e nas diversas formas de seu financiamento.

21 Muito rapidamente, o argumento pode ser exposto como se segue. A todosos membros de um “grupo latente” interessa que o grupo seja constituídopara atuar em defesa de seus interesses. Contudo, cada um destes membrospreferiria que outros membros que não ele próprio assumissem os encargosrelativos à constituição e atuação do grupo, de modo que ele própriopudesse pegar carona no trabalho dos outros e se beneficiar da atuaçãodo grupo sem ter que ele próprio se mobilizar. O resultado, segundoOlson, é que via de regra esses grupos de interesse não serão formados anão ser que sejam oferecidos “incentivos seletivos” aos membrosparticipantes. (OLSON, 1965, esp. pp. 48-52.)

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o contínuo crescimento do “bolo” da renda nacional, quedependeria da manutenção da concorrência e portanto de umcomportamento cooperativo das coalizões distributivas, quedeveriam deixar de pleitear a proteção de suas “fatias” dobolo pela legislação.22 Não obstante, esta meta éindividualmente inatingível e individualmente instável: setodas as organizações estiverem atuando predatoriamente,pretender atuar isoladamente de maneira cooperativa seriasuicídio; se, por outro lado, todas estiverem cooperando, aorganização que resolvesse ser agressiva poderia auferirlucros extraordinários. Assim, entre aumentar o bolo ouaumentar a sua fatia do bolo (mesmo que para isto tenha dediminuir o tamanho do próprio bolo), as organizações tendem aadotar a segunda alternativa. Pois, para aumentar o bolo (arenda nacional), a organização enfrenta, perante toda asociedade, o mesmo dilema da ação coletiva que um indivíduoperante a própria organização. Assim, uma organização

22 Está admitida explicitamente na análise de OLSON (1982, p. 216) asuposição de que uma economia sem grupos de interesse se comportaria demaneira muito parecida com o que está descrito nos manuais monetaristasde macroeconomia. Esta está longe de ser, contudo, uma posiçãoconsensual entre os estudiosos do assunto. Leon LINDBERG (1985, p. 30),por exemplo, associa a transformação do mercado liberal num mercadoorganizado e politizado a uma reação defensiva dos agentes à instabilidadedo mercado. Para Olson, provavelmente, a organização de grupos deinteresse e lobbies tenderia a emergir independentemente da percepção dequalquer instabilidade no mercado, bastando para tanto a constatação deque determinados interesses coletivos privados poderiam ser melhoratendidos através de uma atuação organizada, e que incentivos seletivosgarantissem a transformação de grupos latentes em coalizõesdistributivas, abrindo assim a cada membro de grupo de interesse apossibilidade de apropriação de uma fatia maior do produto global daeconomia. De qualquer maneira, esta mesma hipótese demonstra airrealidade e o caráter um tanto estéril em termos práticos da posiçãode Olson de que um mercado sem grupos de pressão funcionaria maiseficientemente: um mercado assim simplesmente não existirá jamais, umavez que o poder coercitivo exclusivo do estado tem de continuarexistindo – até para a garantia do processo de trocas sob a égide domercado – e sua mera existência estimula a formação de lobbies. E quantomais lobbies houver, mais grupos serão obrigados a formar o seu própriolobby, para não se tornarem as principais vítimas do processo. Como jáfoi visto, trata-se de um dilema do prisioneiro, onde todos estariammelhor sem lobbies, mas ao mesmo tempo todos são obrigados a se defenderdos lobbies dos outros com o seu próprio lobby.

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escolherá sempre um comportamento que aumente a fatia de seusclientes, mesmo que às expensas do próprio produto global dasociedade, até o ponto no qual a perda em que cada um dosseus clientes incorre como membro da sociedade em virtudeexclusivamente da atuação da organização seja maior que o ganhooferecido a eles pela mesma organização (OLSON, 1982, pp. 42-4). Em termos empíricos, somente em circunstâncias muitoespeciais, em que um só grupo ou coalizão possua o monopólioda representação de um setor de importância central naeconomia. Mesmo no caso, porém, de se considerar a hipótesede que as lideranças nacionais operárias e patronais – emvista dos riscos envolvidos (que, no caso de sociedadespretorianas, podem chegar ao risco de uma rupturainstitucional) – adotem uma postura cautelosa e moderada,deve-se ter em mente que estas organizações nacionais sãocompostas por um sem número de organizações locais eregionais, e que está aberta a estas bases – especialmente aslocais – a possibilidade de atuarem como “caronas”: sabendoque sozinho ele não influirá na estabilidade econômica dopaís, um sindicato local (assim como o dono de uma fábricaisolada) pode se permitir ser intransigente, deixando paraterceiros o ônus da moderação. Neste caso, a variável crucialseria a capacidade das lideranças de fazer cumprir nas baseso que se acertou na cúpula (capacidade esta que, não porcoincidência, tende a ser relativamente reduzida emsociedades como as que nos interessam, com precáriainstitucionalização da vida política). Portanto – emcircunstâncias normais – podemos supor que nenhumaorganização sozinha tem capacidade de influir tãonegativamente na renda nacional quanto de influirpositivamente na renda de seus clientes.

O ponto a que quero chegar, ao cabo, é a afirmação de que o processoinflacionário crônico comumente observado em sociedades pretorianascorresponde precisamente ao equilíbrio sub-ótimo resultante do dilema doprisioneiro com que se defrontam os grupos participantes do conflito distributivo.A inflação é mais violenta e perversa em sociedades pretorianas simplesmente

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porque estas sociedades, por definição, possuem reduzido “grau de governo”, istoé, a precariedade de suas instituições políticas não permite que o poder públicoseja plenamente bem-sucedido em sua tarefa de forçar os atores à cooperação.

Uma das principais demonstrações em favor dacaracterização da inflação como o resultado de um dilema doprisioneiro é dado pelas dificuldades que Albert Hirschmanenfrenta por recusar precipitadamente esta caracterização, sobuma argumentação rápida que dá a entender que ele não se dáconta da correspondência entre, por exemplo, a obra de umOlson e o dilema do prisioneiro. Inicialmente, ele sepergunta por que os agentes desencadeiam um processo deresultado incerto, já que a inflação só assegura um ganhotransitório, que será rapidamente anulado quando os demaisatores do conflito distributivo reajustarem seus preços(HIRSCHMAN, 1985, p. 67). Em seguida, tendo descartadosumariamente o recurso ao dilema do prisioneiro (p. 69),Hirschman se vê às voltas com uma série de explicaçõesesdrúxulas para o fenômeno, como por exemplo a imputação deingenuidade ou de prazer no conflito em si mesmo aos agentesdo processo (p. 71). Para o próprio Hirschman, a suposição deingenuidade só pode ser uma explicação plausível quando nãotem havido inflação séria há algum tempo. Mas este apenasraramente é o caso, pelo menos na América Latina – o que odeixa sozinho com a hipótese pouco convincente da má vontadedos atores. O fato é que a decisão de Hirschman – de nãolevar em consideração o dilema do prisioneiro – acaba seconstituindo numa sugestiva corroboração de sua utilidade nacompreensão da inflação: sem ele a inflação fica simplesmenteincompreensível do ponto de vista do comportamento dosatores, levando Hirschman a forçar explicações implausíveis,como amor ao conflito per se, demonstrações de força etc.,que, mesmo que eventualmente procedentes, não podem terpretensão teórica, pois não são em hipótese algumageneralizáveis. Se a inflação se reduzisse a traços comoestes, a política da exortação à qual Brian BARRY (1985, p.297) ironicamente se refere teria mais chance de funcionar, e

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os pactos sociais seriam bem mais simples – bastando, paraseu sucesso, contar com a boa fé dos participantes.23

Se a inflação, portanto, pode ser interpretada como oresultado de um dilema do prisioneiro no qual se encontraimersa a sociedade no que diz respeito à repartição da renda,então cumpre contemplar as possibilidades teóricas que aliteratura oferece para a superação do dilema do prisioneiroe a emergência espontânea de soluções cooperativas. Nessesentido, as contribuições cruciais são as obras de MichaelTAYLOR (1976; 1987) e, especialmente, de Robert AXELROD (1984).Infelizmente, é preciso reconhecer que as soluções por elesdescobertas supõem algumas condições um tanto restritivas, doponto de vista das sociedades pretorianas.

Para começar, ambas são baseadas na reiteraçãoindefinida do jogo, que pode fazer com que os atores sejaminduzidos à cooperação por medo da retaliação de seuadversário: se tenho motivos para esperar que meu oponente secomporte da mesma maneira que eu, então pode ser racionalcooperar, se eu valorizar suficientemente meus resultadosfuturos. Numa sociedade pretoriana, porém, as regras não sãoestáveis, o que abre espaço à expectativa de que o jogo sejainterrompido a qualquer momento. Se os atores consideraremplausível esta possibilidade, todos serão induzidos aabandonar a estratégia cooperativa antes que seu oponente ofaça, já que existe a possibilidade de a retaliação serimpossibilitada pela interrupção abrupta do jogo.

Uma segunda condição necessária à possibilidade deemergência de soluções cooperativas para o dilema doprisioneiro é uma taxa de desconto suficientemente baixa napreferência temporal dos atores, de forma a permitir que elesabram mão da possibilidade de um ganho imediato que seriapropiciado pelo abandono da estratégia cooperativa, em nome23 Esta opinião é abertamente confirmada por uma frase do próprio HIRSCHMAN(1985, p. 73, tradução minha): “Os dois tipos aparentemente opostos decomportamento inflacionário convergem assim em um – a extremadaresistência a encontros e acordos cooperativos por parte dos grupossociais.”

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de se evitar um equilíbrio pior no futuro. Também no que dizrespeito a este ponto a sociedade pretoriana se sai pior doque uma sociedade institucionalizada: pois quanto maior for afragilidade institucional de um país, maior será a taxa dedesconto nas preferências temporais dos atores, pelo simplesmotivo de que estes estarão imersos em um maior grau deincerteza quanto ao futuro. Numa sociedade pretoriana,portanto, há uma tendência relativamente alta a seprivilegiarem os ganhos de curto prazo.

Além disso, quaisquer que sejam as circunstâncias (ouseja, independentemente da taxa de desconto na preferênciatemporal dos atores e do número de reiterações do jogo), ageneralização da estratégia da não-cooperação incondicionalpermanece sempre como uma possibilidade de comportamentoestável a longo prazo, uma vez alcançada. Isto porque assoluções cooperativas dependem sempre de que o estado inicialseja cooperativo, ou então da possibilidade remota de que umapopulação em equilíbrio não-cooperativo seja “invadida” (nostermos de Axelrod) por um cluster internamente cooperativo, quemantenha pouco contato com a população majoritária (não-cooperativa), e que nestes poucos contatos se disponha aadotar uma política de retaliação (“tit-for-tat”) em relação aosnão-cooperativos.24

Tendo os resultados de Axelrod e de Taylor em vista,pode-se dizer que Hirschman novamente corroborainadvertidamente minha interpretação da inflação –relacionada a um dilema do prisioneiro – ao afirmar a tese deque uma alta taxa de desconto nas preferências temporais dosagentes (somada a um certo grau de amor ao risco) éinflacionária (HIRSCHMAN, 1985, pp. 69-70). Ele porém afirmaque são raras as pessoas ao mesmo tempo risk-lovers e maisatentas ao curto prazo: pessoas de baixa renda teriamhorizontes de curto prazo, mas seriam avessas ao risco; já aselites poderiam estar dispostas a assumir riscos, mas teriam24 Para uma exposição sucinta dos resultados de Taylor e de Axelrod, verFrank ZAGARE (1984, pp. 58-62).

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largo horizonte temporal. Discordo de Hirschman aqui quanto adois pontos.

Em primeiro lugar, uma pessoa não tem de ser propensa acorrer riscos para adotar um comportamento que contribua coma inflação, muito pelo contrário: Hirschman faz estaassociação indevida porque descartou equivocadamente acaracterização da inflação como o resultado de um dilema doprisioneiro, deixando assim de perceber que a estratégiainflacionária, longe de estar associada com a propensão acorrer riscos, é fruto de uma opção dos agentes pela própriasegurança individual.

Em segundo lugar, minha hipótese – de que, numasociedade pretoriana, a taxa de desconto das preferênciastemporais é especialmente elevada – vale para todos osagentes, inclusive (e, talvez, particularmente, por seremmelhor informadas) as elites. Afirmo, portanto, que apostulação usual de que as elites, mais do que outras camadassociais, tendem a levar em consideração ponderações de longoprazo em suas decisões não se aplica a sociedades pretorianas, de vidapolítica precariamente institucionalizada.25 Isto porque –conforme já foi dito – nestas sociedades a mudança das regrasé uma possibilidade sempre aberta (com ou sem golpes deestado), o que torna racional a opção de acumular tantoquanto for possível agora, e tentar impedir seu oponente derecuperar suas perdas depois. Até porque, se não toma ainiciativa, cada agente corre o risco de se tornar a vítimapassiva do processo – este sim, um risco ponderável. Assimsendo, mesmo os grupos avessos ao risco serão compelidos a umcomportamento agressivo.

Caracterizada, portanto, a inflação como o equilíbriosub-ótimo resultante do dilema do prisioneiro configuradopelo conflito distributivo, e constatada a implausibilidade –25 Em corroboração a este ponto, evoco as constantes reclamações naliteratura – tanto a acadêmica quanto a jornalística – acerca docomportamento “predatório” das elites brasileiras. A caracterização doBrasil como um caso de sociedade pretoriana é um dos assuntos da próximaseção.

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nas circunstâncias que caracterizam as sociedades pretorianas– das condições requeridas pela literatura para a emergênciade uma solução cooperativa espontânea para o dilema doprisioneiro, então a inflação nas sociedades pretorianaspassa a ser um problema cuja solução duradoura passainevitavelmente pelo “problema constitucional” daconsolidação das instituições políticas nacionais.26 Aalternativa – necessariamente de curto prazo, e de efeitosaltamente nefastos – ou é o instrumento coercitivo docongelamento de preços (que faz aumentar ainda mais o grau deincerteza em que opera o sistema), ou uma recessão de efeitosavassaladores sobre a economia e os planos de vida daspessoas,27 ou então – numa perspectiva temporal um tanto maislonga, mas também certamente temporária – a repressão pura esimples à atuação de alguns ou todos os grupos atuantes noconflito distributivo.28

26 A distinção entre os níveis constitucional e operacional da vidapolítica é elaborada em BUCHANAN e TULLOCK (1962). Uma utilização destascategorias com vistas ao caso brasileiro encontra-se em Fábio WanderleyREIS (1976). Em outro trabalho do mesmo autor (REIS, 1989, pp. 162-7)encontra-se uma exposição acerca do problema constitucional acarretadopela penetração do capitalismo em sociedades tradicionais: a progressivaexpansão do princípio igualitário das relações mercantis em umasociedade hierarquicamente segmentada traz consigo para a agenda públicanão apenas o tema da democracia política mas também o tema da democraciasocial, muito embora o próprio capitalismo esteja apoiado sobredesigualdades de classes que lhe são inerentes (o que torna certamenteconflituosa e instável a convivência entre capitalismo e democracia).Este argumento é tremendamente sugestivo para os propósitos do presentetrabalho, uma vez que relaciona diretamente a dinâmica mercantil doconflito distributivo ao processo de construção e transformaçãopolítico-institucional das sociedades, bem como às vicissitudes desteprocesso. O “pretorianismo” de Huntington consiste justamente nas idas evindas típicas da vida política de sociedades que se vêem às voltas comum problema constitucional não resolvido (REIS, 1989, p. 165).

27 Falo de “planos de vida” pensando em James FISHKIN (1979), e portantopensando na opção recessiva, dependendo da intensidade da recessãonecessária, como altamente “tirânica”, eventualmente mais tirânica que ocongelamento de preços. Isto porque Fishkin define uma política comotirânica a partir dos efeitos nefastos que ela venha a ter sobre os“planos de vida” da população.

28 Brian BARRY (1985, p. 297) enumera, com sarcasmo, as três alternativasdisponíveis a um governo que queira acabar com a inflação: recessão,corporativismo ou exortação. Ele é cético quanto à eficácia de qualquer

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Portanto, uma vez instalado um processo inflacionáriocrônico em uma sociedade pretoriana, ele somente serárevertido politicamente – isto é, mediante a percepção pelosatores cruciais de que estão todos perdendo com apersistência da inflação e sua conseqüente decisão decolaborar para a sua superação (analiticamente, esta situaçãoequivale à transformação das preferências dos atores de modotal que o dilema do prisioneiro em que estavam imersos setransforme num “jogo da garantia”;29 isto só é possívelmediante alguma alteração objetiva do contexto). Uma hipóteseplausível para a emergência desta propensão supõe que ela sóemerge após a “catástrofe” – guerras, sublevações sangrentas,ruína econômica, a própria hiperinflação etc., diante dasquais os atores podem ver-se dispostos a colaborar com oprocesso de construção institucional estável para evitar arepetição do trauma do “mal maior”. Esta hipótese encontracorroboração, por exemplo, no fato de que somente depois dotrauma da II Guerra Mundial os países da Europa Continentalencontraram o caminho da estabilidade democrática. A mesmahipótese subjaz o raciocínio dos muitos que já pensam que só

uma delas, e observa que a exortação é a que com maior freqüência éadotada pelos governos. Para ele, soluções neocorporativas têm produzidobons resultados em países como Holanda e Áustria, o que está longe deassegurar sua viabilidade em países como os Estados Unidos ou mesmo aGrã-Bretanha (BARRY, 1985, pp. 296-7). Já LINDBERG (1985, p. 30), poroutro lado, parece menos pessimista quanto às possibilidades de que um“sistema de relações industriais corporativas”, além de uma política derendas, possa ter sucesso em deter a inflação. O otimismo de Lindbergcom relação às chances de sucesso de um sistema corporativo deorganização e representação das relações industriais corrobora minhaconclusão de que a solução para a inflação é um problema de naturezapolítico-institucional. O problema com a posição de Barry é que elesimplesmente renuncia à solução da inflação, atitude que é possibilitadapelo fato de que ele não reconhece nela um problema grave – opiniãotalvez aceitável hoje em alguns países da Europa e nos Estados Unidos,mas seguramente não no Brasil, por exemplo.

29 O “jogo da garantia” (“assurance game”) difere do dilema do prisioneiroapenas no que se refere à ordem das duas situações preferidas pelosatores. (Assim, enquanto no dilema do prisioneiro DC>CC>DD>CD, no jogoda garantia CC>DC>DD>CD.) O resultado é que o jogo da garantia apresentadois pontos de equilíbrio (DD e CC), mas apenas um deles estável – acooperação universal (CC).

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depois que a hiperinflação realmente chegar é que serápossível ao Brasil estabilizar sua economia.

E assim chegamos ao Brasil.

2.3. O caso da inflação brasileira desde 1980Escudados no fato de que não há, no momento, “tanques na

rua”, e tampouco, aparentemente, disposição para quarteladasno interior das Forças Armadas, alguns talvez queiram negaracuidade à caracterização da sociedade brasileira como“pretoriana”. Entendo, todavia, que tal negação seriaprematura num contexto como o brasileiro, independentementeda atual disposição dos militares para interviremviolentamente no processo político. Afinal, temos em vigoruma constituição que mal completou meia década, e, nãoobstante, hoje há poucos assuntos tão insistentementeinseridos na agenda política brasileira quanto a necessidadede reformas na constituição. Praticamente não existem noBrasil instituições decisórias ou administrativas cujosprocedimentos ou atribuições não sejam objeto de disputa.Assim, pode-se afirmar com segurança que nossa famosa “crisede governabilidade” – tão freqüentemente propalada naimprensa e lamentada pelos sucessivos governos federais –reside muito menos no teor da legislação em vigor que em suainstabilidade intrínseca, que faz com que o sistema legalseja, em boa medida, inócuo, incapaz de afetar, para o bem oupara o mal, a dinâmica viciosa da vida política brasileira. Eeste é o traço fundamental do pretorianismo tal como definidopor Huntington. É este o principal sintoma daquilo que elechama de baixo “grau de governo” (que, diga-se de passagem,não tem nada a ver com o tamanho do estado).

A propósito desta caracterização do Brasil como um casode sociedade pretoriana à la Huntington, talvez seja sugestivoum breve exercício de reflexão sobre o caso brasileiro à luzde uma tipologia elaborada por LINDBERG (1985, pp. 38-9) detrês diferentes configurações de respostas à inflação. Ostrês grupos de países são:

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1) países de “confrontação aberta e desestruturada”(Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália,Itália);

2) países de “confrontação suave e barganha estruturada”(Alemanha Ocidental, Áustria, Suécia, Noruega,Dinamarca, Holanda);

3) países de “gerenciamento estatal ou controlado” (Françaaté 1979, Japão).Antes de mais nada, impressiona – aos olhos do Terceiro

Mundo em geral, e mesmo do Brasil somente – que EstadosUnidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Itália sejam casosde confronto distributivo aberto e desestruturado. Vê-se que atipologia não contempla a hipótese de inclusão dos paísessubdesenvolvidos, que só podem, portanto, formar um grupo àparte. Além disso, um caso como o do Brasil – talvez o “piordos mundos” – mistura características deste grupo com as dogrupo estatista (na classificação de Lindberg, casos daFrança e do Japão): temos um estado que tenta regularpraticamente tudo na economia, mas que simplesmente nãoconsegue regular, não consegue fazer com que suasdeterminações sejam sequer cumpridas, que dirá fazer com quesejam eficazes. O interesse desta observação aqui é que elase casa esplendidamente com a caracterização que Huntingtonfaz das sociedades pretorianas como sociedades com baixo“grau de governo”.

Uma objeção mais forte, contudo, pode ser formulada: acaracterização do Brasil como pretoriano tem de se aplicar aépocas em que a inflação, embora existisse, esteve sempreabaixo dos índices apresentados na década de 80. Por queteria ela escapado ao controle agora e não antes?

Para tentar responder a essa questão cabe, em primeirolugar, uma ressalva: a interpretação aqui esboçada em tornodas afinidades entre precariedade institucional e inflaçãocrônica não pretende, absolutamente, elaborar uma nova“teoria da inflação”, em substituição às teorias econômicasexistentes sobre o tema. Embora encontre também determinações

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políticas, a inflação continua sendo um fenômeno acima detudo econômico, e até, mais especificamente, monetário.Assim, o conhecimento disponível acerca do assunto naliteratura econômica contemporânea deverá constituir-se nãono “inimigo” a ser refutado, mas na principal fonte e campode testes da tese, que terá de ser necessariamente compatívelcom a literatura econômica se quiser atingir seus objetivos.Assim, a taxa de inflação encontra também determinaçõesoutras que escapam ao âmbito da investigação aqui proposta. Oque, sim, se afirma aqui é que, uma vez instalado um processoinflacionário crônico numa sociedade pretoriana, este processo se mostraráparticularmente resistente a terapias antiinflacionárias convencionais, e suasolução duradoura estará vinculada ao processo de institucionalização da vidapolítica do país.

Feita a ressalva, porém, cabe reconhecer – sem contudoter de abandonar a caracterização da sociedade brasileiracomo pretoriana – que o Brasil já conheceu momentos de maiorinstitucionalização de sua vida política, o que,conseqüentemente, propiciava um maior “grau de governo”. Paramencionar apenas um traço que diz respeito mais diretamenteao conflito distributivo, o arranjo corporativista dasrelações trabalhistas implantado na década de 1930seguramente permitia ao governo maior controle sobre aeconomia nacional do que ele dispõe hoje, ao mesmo tempo emque era objeto de razoável consenso na população em torno desua legitimidade.30 Embora continuasse legalmente em vigor, apartir de 1964 ele foi virtualmente substituído pelarepressão aos sindicatos e a arbitragem dos salários pelogoverno federal. Com a abertura, a contestação aberta aosistema corporativista ganhou força a partir dos últimos dezanos – especialmente nas plataformas do “novo sindicalismo”,que engendrou o PT e a CUT. O resultado é que, de dez anospara cá, temos vivido um estado de perfeita anomia no que diz

30 A respeito da concordância dos trabalhadores brasileiros com o espírito“organicista” da legislação trabalhista em vigor durante o período quevai de 1946 a 1964, ver Kenneth Paul ERICKSON (1975, pp. 57-8).

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respeito ao conflito distributivo, com uma legislaçãotrabalhista e uma lei de greve ultrapassadas e que caíram emdesuso, sem que se tenha obtido nenhum consenso em torno deum novo arranjo institucional para a administração dasrelações entre capital e trabalho no Brasil.

O desenvolvimento institucional, vê-se portanto, não éum caminho de mão única, mas comporta idas e vindas. Algunsanos de estabilidade institucional significam um avanço noprocesso de institucionalização que pode ser praticamente“zerado” por um eventual rompimento das regras do jogo. Oprincipal fermento da institucionalização é o tempo. Poristo, quanto mais tempo durar um determinado arranjoinstitucional, mais difícil se tornará sua remoção (o quetalvez ajude a explicar a particular violência com que foiefetuado o golpe militar no Chile em 1973).

Assim, defendida a plausibilidade da caracterização doBrasil como um caso de sociedade pretoriana, torna-sepossível utilizar a teoria aqui proposta para estudar aexperiência inflacionária brasileira, especialmente na últimadécada, quando a inflação ultrapassou a marca dos 100%anuais. A experiência de 1980 para cá é particularmenteinteressante por tratar-se de uma época em que, num prazorelativamente curto, praticamente se tentou “de tudo” emmatéria de política econômica antiinflacionária, sem que noentanto qualquer das políticas experimentadas lograssereduzir a inflação de maneira duradoura. Talvez nenhum outroexperimento em ciências sociais aproxime-se tanto dascondições de um laboratório quanto o estudo da inflaçãobrasileira nos últimos dez anos. Começamos a décadaatravessando a recessão decorrente de uma política ortodoxade redução da inflação, passamos depois à época dossucessivos choques de congelamento de preços e salários, evoltamos agora à política recessiva sem que a inflação securvasse em nenhum momento, a não ser enquanto duravam osperíodos de congelamento de preços, mas ainda assim apenaspara explodir com violência cada vez maior tão logo era

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iniciada a liberação dos preços. Pagamos e deixamos de pagara dívida externa em diversos momentos, sempre com resultadosdecepcionantes. Desindexamos e reindexamos a economiasucessivas vezes, e nada. Por quê? Qual foi o parâmetro quese manteve constante ao longo de todos estes anos, e quetodos os governos ameaçaram encarar, mas no qualinvariavelmente fracassaram?

A hipótese aqui defendida é que a variável crucial queimpediu o governo não só de derrotar a inflação, maspraticamente de governar nesse período foi o vácuoinstitucional que se abriu a partir da aceleração da aberturano governo do General Figueiredo. De lá para cá, nenhumaforça política conseguiu construir uma hegemonia quepossibilitasse a formação de um consenso mínimo em torno deum novo formato institucional internamente consistente para opaís. A Constituição de 1988, elaborada no interior dessafragmentação política, é uma colcha de retalhosexcessivamente detalhista e carente de articulação interna,fruto dos inúmeros lobbies em torno de pequenos problemas quese formaram durante o trabalho constituinte, ocupando o vaziodeixado pela ausência de uma condução política hegemônica.31

31 Naturalmente, nada disso quer dizer que durante o regime militar oproblema institucional estivesse “resolvido”; apenas chamo atenção parao vácuo político que se foi instalando no Brasil a partir do fenecimentoda ditadura, e do aumento do grau de incerteza – inclusive institucional– da economia a partir deste fenômeno. Se a teoria aqui esboçada estivercorreta, isto terá trazido efeitos danosos sobre a administração doconflito distributivo, com conseqüente crescimento da inflação. HIRSCHMAN(1985, pp. 62-4), por exemplo – reportando-se a um argumento de JoséSERRA (1979) –, nos lembra que, devido à persistência do conflito inter-capitalistas, a inflação no Brasil, mesmo durante o regime militar,nunca foi inferior a 15% ao ano. Assim, a função precípua da indexaçãobrasileira era evitar os impactos intersetoriais danosos da inflação. Umpouco adiante (p. 73) Hirschman lembra que, além do conflito, também ograu de permeabilidade do governo a demandas colabora diretamente com ainflação, e nada assegura que regimes militares sejam maisintransigentes nesse ponto. Pelo contrário, a experiência mostra que nosregimes militares os favores se multiplicam e a inflação se mantém adespeito da repressão ao movimento sindical. Acerca do acesso (aindamais) privilegiado de determinados setores da burguesia ao processo detomada de decisões governamentais sob os regimes autoritários recentesna América Latina, são referências úteis Guillermo O'DONNELL (1975) eFernando Henrique CARDOSO (1979), entre outros.

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E, finalmente, as intervenções crescentemente violentas dogoverno na economia com vistas a controlar a inflação(principalmente os sucessivos congelamentos de preçosefetuados a partir de 1986), ao aumentarem enormemente aincerteza na economia, colaboraram decisivamente para aexplosão inflacionária que se observou desde então. (Oparadoxo fatal aos choques heterodoxos consiste em que elesintervêm brutalmente no mercado e esperam que as pessoasignorem este fato ao formarem suas expectativas.)32

3. Conclusão: Linhas de Pesquisa Possíveis

O enfoque aqui apresentado baseia-se na hipótese de quea estrutura de preferências dos atores envolvidos no conflitodistributivo pode ser adequadamente descrita pelaconfiguração que na teoria dos jogos recebe o nome de “dilemado prisioneiro”, e que, na ausência de instituições sólidas(ou seja, nas “sociedades pretorianas” de Huntington, combaixo “grau” de governo), o poder público fracassa na tarefaprimária que lhe foi atribuída por Hobbes, isto é, torna-seincapaz de constranger eficazmente os diversos atoresenvolvidos a adotarem estratégias cooperativas, criandocondições favoráveis à generalização de uma opçãomaximizadora egoísta, o que leva a um resultado sub-ótimo,porém racional, a inflação. Pretende-se que estainterpretação ajude a explicar a aceleração da inflaçãobrasileira que se observou concomitantemente ao fim do regimemilitar, e a resistência desta mesma inflação às maisdiversas terapias antiinflacionárias a que a economia do paísfoi submetida durante os últimos dez anos.

Vários objetos de pesquisa mais detalhada podem-seenumerar desde já, com vistas a se testar a acuidade e32 Este argumento acerca da influência dos sucessivos choques econômicossobre as expectativas dos empresários e seus efeitos nefastos sobre ainflação está presente, por exemplo, em José Márcio CAMARGO (1990, esp.pp. 19-21).

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avaliar a fecundidade da teoria aqui proposta. Diversas“arenas” do conflito distributivo podem ser tomadas comoobjeto de estudo, como possíveis focos do processoinflacionário, e suas conexões com o subdesenvolvimentoinstitucional brasileiro investigadas, inclusive mediantecomparações com outros países.

No que diz respeito ao setor governamental, por exemplo,uma institucionalidade frágil traria efeitos inflacionáriosespecialmente no que tange à forma de financiamento dodéficit público, que – na falta de controles legais adequados– tenderia a ser feito através do mecanismo mais cômodo, queé a emissão de moeda.33 No caso do Brasil, a última décadasomou indefinição política a um estado de absoluta penúrianas contas do governo, pressionado por uma dívida externa emelevação e um sistema fiscal ineficiente. Uma investigaçãosobre as formas de financiamento do déficit brasileiro naúltima década, comparada com a experiência de outros países,de preferência institucionalmente estáveis, seria certamenteproveitosa para uma avaliação da fecundidade do enfoque aquiproposto.

Outra arena crucial do conflito distributivo é,naturalmente, a do conflito entre capital e trabalho em tornoda determinação dos lucros e salários na economia. Aquiseguramente a ausência de instituições mediadorasconsensualmente reconhecidas tem implicações da maiorrelevância sobre o acirramento do conflito, com possibilidadede implicações particularmente graves sobre o andamento daeconomia como um todo. Também neste aspecto o país vemvivendo uma penosa experiência de vácuo institucional, devidaao fato já mencionado de a legislação trabalhista em vigordesde a década de 30 ter sido quase que unanimemente33 O pior é que já se percebe que, uma vez incorporada a inflação àexpectativa dos agentes, nem um déficit zerado será necessariamentesuficiente para derrubar a inflação, pois os agentes tratam de seproteger antecipadamente. Este argumento acerca das implicaçõesinflacionárias do aprendizado da população em conviver com a inflação,bem como da possibilidade de inflação com oferta de moeda estacionáriapode ser encontrado, por exemplo, em Mário Henrique SIMONSEN (1991).

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contestada na última década, sem que nenhum acordo tenha sidoalcançado para a formulação de uma nova legislação que asubstituísse com o assentimento dos principais atoresinteressados.

Ainda relativamente ao conflito entre capital etrabalho, creio que merece consideração atenta a já abundantecontribuição de Edward Amadeo e José Márcio Camargo ao estudoda inflação brasileira, vinculando-a ao conflito distributivoatravés da espiral salários/preços deflagrada pelo mecanismopor eles descrito da “filosofia do repasse”.34 Partindo daconstatação de que, ceteris paribus, qualquer variação de preçosignifica transferência de renda na economia, Amadeo eCamargo têm, em seus trabalhos recentes sobre a inflaçãobrasileira, caracterizado o processo inflacionário comodecorrência da possibilidade de que desfrutam determinadossetores da indústria de repassarem parte substancial – oumesmo a totalidade – dos aumentos de seus custos (notadamentesalários) aos preços de seus produtos. Segundo José MárcioCAMARGO e Carlos Alberto RAMOS (1988, pp. 8-9), a partir domomento em que a inflação decorrente desses repasses engendraa necessidade de uma reposição salarial, indexando a evoluçãodos salários nominais a uma inflação passada, aí entãoinstala-se inevitavelmente um processo inflacionário crônico,que tende a perpetuar indefinidamente uma determinada taxainicial de aumento de preços.

Embora os economistas nem sempre se mostrem de acordoquanto aos efeitos inflacionários da espiral salários/preços,hesitando em imputar a existência da inflação ao conflitodistributivo, parece haver convergência em reconhecer que aforma de administração do conflito distributivo produz um

34 Sobre a “filosofia do repasse”, ver AMADEO e CAMARGO (1990, pp. 86-9). Oscapítulos 4 e 5 desse trabalho (pp. 77-108) foram posteriormentetransformados num artigo e republicados duas vezes (AMADEO e CAMARGO,1991a e 1991b). Para uma formalização do problema, incluindo comdestaque os efeitos dos congelamentos de preços sobre a dinâmica daformação de rendas na economia, ver CAMARGO (1991).

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forte impacto sobre a inflação.35 Assim, se por um lado éverdade que a magnitude da inflação não será determinada pornada que se possa chamar de “intensidade” do conflitodistributivo, por outro lado deve-se admitir que ageneralização da prática do repasse de aumentos salariais aospreços, acompanhada da indexação dos salários a uma inflaçãopassada, constitui condição suficiente – ainda que nãonecessária – para que se instaure um processo inflacionáriocrônico de difícil reversão.

Há um segundo aspecto pelo qual a contribuição de Amadeoe Camargo reveste-se de especial interesse para os meuspropósitos, que é o fato de eles insistirem na importância de“variáveis institucionais” no processo inflacionário (AMADEO eCAMARGO, 1989a e 1989b). Sua abordagem do tema, contudo, ébastante diferente da minha. Em primeiro lugar, seu “vetor devariáveis institucionais” diz respeito exclusivamente àestrutura sindical e à atuação dos sindicatos, e ainda assimpara desempenhar um papel apenas residual na determinação do“grau de ativismo sindical” (AMADEO e CAMARGO, 1989b, p. 8).Mais importante que isto, porém, é observar que não estamostratando da mesma coisa quando nos referimos ao temainstitucional. Enquanto Amadeo e Camargo incorporam“variáveis institucionais” a um modelo que pretende explicara inflação (distinguindo assim entre instituições específicasque em diferentes contextos facilitam ou dificultam aadministração do conflito distributivo), o que eu pretendofazer aqui é demonstrar a equivalência lógica entre, de umlado, o problema da administração do conflito distributivocom o objetivo de controlar a inflação e, do outro, oclássico problema hobbesiano da instauração da ordem políticaem sociedades em “estado de natureza”. Se meu argumentoestiver correto, esta afinidade nos impediria de solucionar oprimeiro problema sem um adequado encaminhamento do segundo.35 Para um texto que recusa a definição da inflação como resultado doconflito distributivo, mas que reconhece a importância do impacto que aadministração do conflito produz sobre a inflação, ver, por exemplo,Mário Henrique SIMONSEN (1988).

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Ou seja, se o poder público não dispõe de canaisinstitucionais consensualmente reconhecidos como legítimospara dirimir conflitos políticos de diversas naturezas,tampouco estará apto a administrar o conflito distributivo deforma a evitar eventuais explosões hiperinflacionárias ou areduzir eficientemente inflações cronicamente elevadas.Amadeo e Camargo, diferentemente, procuram avaliar osdiferentes impactos que estruturas institucionais diversas –tais como variados graus de sincronização ou de centralizaçãoda negociação (AMADEO, 1991) – terão sobre o conflitodistributivo e a inflação. Não acredito, todavia, que estadiferença de enfoque traduza qualquer incompatibilidadenecessária entre a minha abordagem do problema e a de Amadeoe Camargo. Pelo contrário, julgo-as antes complementares,embora se possa afirmar – simplificando ao extremo nossosargumentos – que enquanto a minha abordagem dá ênfase aoproblema geral da “falta de instituições” e seus efeitosdanosos sobre o processo inflacionário brasileiro, odiagnóstico de Amadeo e Camargo redunda, de certo modo, naafirmação de que temos as “instituições erradas”.36

Os trabalhos de Amadeo e Camargo procuram mostrar,portanto, que a estrutura oligopolizada e protegida daeconomia brasileira e a forte segmentação do mercado detrabalho no Brasil permitem aos setores mais organizados daeconomia (oligopólios industriais e trabalhadoressindicalizados) protegerem-se da inflação e repassarem seuscustos para os setores ditos concorrenciais da indústria epara os trabalhadores não organizados. De fato, segundo eles,ao longo da década de 80 a dispersão dos salários aumentouconsideravelmente no Brasil, a despeito da política salarialque procurou sistematicamente garantir reajustes mais altospara as faixas salariais mais baixas, e tanto os lucros reaisquanto os salários reais aumentaram na indústria paulista (a

36 Agradeço à Prof.a Maria Regina Soares de Lima por ter chamado minhaatenção para este último ponto.

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mais moderna e mais organizada do país) entre 1976 e 1988.37 Éimportante assinalar, porém, que estes resultados –especialmente no que dizem respeito à evolução dos saláriosreais – são fortemente contestados por Bernardo GouthierMACEDO e Luiz Guilherme PIVA (1992, pp. 21-5), com base emdados do Dieese, da Fundação Seade e do IBGE.38 Para MACEDO ePIVA (1992, p. 22), “a transferência de renda que possaocorrer do segmento concorrencial para o oligopolizado não éapropriada da mesma forma por empresários e trabalhadores quecompõem este último”. De acordo com os dados utilizados porMACEDO e PIVA (1992, pp. 21-2), os salários reais médios dosetor privado da Grande São Paulo perderam algo em torno de40% de seu valor entre 1985 e 1991, o mesmo acontecendo entreos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema entre 1980e 1989. Mesmo levando em conta o fato de que Amadeo e Camargocobrem um período diferente (1976-1988) e usam dados quetomam por base o Estado de São Paulo como um todo, osresultados não parecem compatíveis. Não cabe aqui procurarfazer esta compatibilização (até porque não disponho dosdados necessários, e tampouco seria eu a pessoa maishabilitada a fazê-la), mas a discrepância entre os resultadosde Amadeo e Camargo e os de Macedo e Piva é tão grande que medeixa cético quanto à possibilidade de se dissiparem asdúvidas sem que se recorra à discussão das metodologiasempregadas na obtenção de cada um dos dados utilizados.

De qualquer forma, minha hipótese consiste em afirmarque o estado de virtual anomia em que se acham imersas asrelações trabalhistas no Brasil desde o fim do regime militardificultou enormemente ao governo a administração do conflitodistributivo, impedindo um combate eficaz à inflação e –independentemente de estarem corretos Amadeo e Camargo ou37 Para dados relativos ao aumento da dispersão salarial, bem como doslucros e salários reais na indústria paulista, ver AMADEO e CAMARGO (1990,pp. 89-100).

38 Amadeo e Camargo não revelam a fonte de seus dados, mas afirmam quetodos os dados se referem às empresas da Fiesp, dando a entender queseria esta a sua fonte (AMADEO e CAMARGO, 1990, p. 92).

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Macedo e Piva – permitindo o aguçamento das desigualdadessociais no Brasil. Pode-se mostrar que as iniciativasgovernamentais na política econômica – especialmente no quetange às relações trabalhistas, como a política salarial, porexemplo – têm sido em grande medida inócuas, e cabeinvestigar se o recente processo de desmantelamento dalegislação trabalhista vigente não terá potencializado aindamais as dificuldades do governo na administração do conflitodistributivo.39

Seria útil, portanto, acompanhar a elaboração e aexecução (ou não) das políticas salariais do governo ao longoda década de 80 e investigar suas relações com o processoinflacionário brasileiro de então, procurando explicitar atéque ponto a alegada incapacidade governamental de fazercumprir suas políticas terá contribuído para a persistênciada inflação. Assim sendo, um importante objeto de pesquisaseria o comportamento das centrais sindicais e dasassociações patronais no período, sem deixar de considerar ofato de que elas próprias enfrentavam problema semelhante aodo governo no que toca à dificuldade de liderar seusrepresentados.

Também as sucessivas tentativas de pacto social podemser analisadas, além dos vários – e diferentes – planos deestabilização aos quais recorreu o governo ao longo dadécada. Pois, estando correta minha abordagem do problema,não é de se admirar que as sucessivas tentativas de pactotenham dado em nada, pois nenhuma delas trazia o temainstitucional em sua pauta. O Congresso Nacional sequercostumava ser convidado a participar, e assim empresários,governo e sindicatos sentavam-se uns diante dos outros semterem nada que pudessem realmente negociar. Dado o dilema doprisioneiro em que estão todos inseridos, nenhum pode decidirunilateralmente pela colaboração. E mesmo se todos39 A ineficácia das políticas salariais recentes no Brasil é um dosresultados da análise de AMADEO e CAMARGO (1989c). João SABOIA (1991, pp.181-5), porém, qualifica a afirmação, com base principalmente nocrescimento relativo dos salários mais baixos entre 1979 e 1982.

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concordarem em cooperar, todos terão um incentivo para secomportarem como “caronas”, na falta de alguma sanção quepossa ser aplicada contra o transgressor. O pacto só serápossível quando sua agenda incluir arranjos institucionais(“neocorporativos”?) que produzam uma alteração naspreferências dos atores de forma a configurar um “jogo dagarantia”, ou então – mais plausivelmente, mantido o dilemado prisioneiro – que possam pelo menos obrigar os atores (como consentimento destes) à cooperação. A alternativa é esperarpela catástrofe – que viria na forma de hiperinflação aguda –ou então assistir a uma lenta e prolongada decadênciaeconômica e política.

Assim, uma linha de pesquisa que se impõe é oacompanhamento da atividade sindical do período, bem como dapolítica salarial e das diversas tentativas de pacto social.No que concerne aos pactos, é possível ainda recorrer acomparações com experiências de outros países, especialmentedaqueles onde houve arranjos bem-sucedidos, para analisar ascircunstâncias nas quais ocorreram aqueles sucessos.

Finalmente – levando-se em conta o fato de que nosúltimos anos o Brasil tem sido um dos países latino-americanos de pior desempenho econômico –, seria desejávelanalisar alguns casos recentes de estabilização econômicaaparentemente bem-sucedida em países teoricamente semelhantesem alguns aspectos ao Brasil, tais como Bolívia, Chile,México e Argentina. Esta comparação pode mesmo se constituirnum teste decisivo do enfoque aqui proposto, em que seavaliará se as circunstâncias da aparente recuperaçãoeconômica daqueles países são ou não compatíveis com ashipóteses aqui defendidas.

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