Variação geográfica em Corydoras paleatus (Jenyns)(Siluriformes, Callichthyidae) do sul do Brasil

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Revista Brasileira de Zoologia 22 (2): 366–371, junho 2005 Corydoras Lacépède, 1803 é composto por 143 espécies (REIS 2003) amplamente distribuídas na América do Sul. Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) foi coletada pela primeira vez por Charles Darwin em localidade não indicada. A distribuição geográfica compreende a bacia do rio Paraná e rios costeiros do Brasil e Uruguai (REIS 2003). No sul do Brasil, região com fortes interfe- rências antrópicas, está presente nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (FOWLER 1954, GARAVELLO et al. 1997). É um peixe facilmente diferenciado de seus congêneres pelo padrão de colorido de três manchas castanho escuras nas regiões lateral e dorsal do tronco, e nadadeira caudal estriada. Além disso, machos têm a nadadeira dorsal alongada, com os Var ar ar ar ariação geográf iação geográf iação geográf iação geográf iação geográfica em ica em ica em ica em ica em Corydor Corydor Corydor Corydor Corydoras as as as as paleatus paleatus paleatus paleatus paleatus (J (J (J (J (Jen en en en enyns) (Silur yns) (Silur yns) (Silur yns) (Silur yns) (Silurif if if if ifor or or or ormes, mes, mes, mes, mes, Callichth Callichth Callichth Callichth Callichthyidae) do sul do Br yidae) do sul do Br yidae) do sul do Br yidae) do sul do Br yidae) do sul do Brasil asil asil asil asil Oscar A. Shibatta & Ana C. Hoffmann Museu de Zoologia, Departamento de Biologia Animal e Vegetal, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Londrina. 86051-970 Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] ABSTRACT. Geogr Geogr Geogr Geogr Geographic phic phic phic phic var ar ar ar ariation iation iation iation iation in in in in in Corydor Corydor Corydor Corydor Corydoras as as as as paleatus paleatus paleatus paleatus paleatus (J (J (J (J (Jen en en en enyns) yns) yns) yns) yns) (Silur (Silur (Silur (Silur (Silurif if if if ifor or or or ormes mes mes mes mes, Callichth Callichth Callichth Callichth Callichthyidae) yidae) yidae) yidae) yidae) fr fr fr fr from om om om om south- south- south- south- south- er er er er ern Br Br Br Br Brazil. azil. azil. azil. azil. The species Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) is widely distributed in Southern Brazil, occurring from Rio Grande do Sul to the north of Paraná State. Studies related to this species populations are considered important once this fish is distributed in a region with great anthropogenic interference and also because its economic importance, given that this species is commercialised as ornamental fish. In the present study sixteen morphometric characters and six meristic characters were used for morphological evaluation in populations of Tibagi and Iguaçu river basins (Paraná) and Lagoa dos Quadros (Rio Grande do Sul). In spite of the number of lateral plates being more variable in specimens from Iguaçu river, the overlap of plates and fin rays counts did not allow a safe discrimination of populations. However, principal components analysis allowed to differentiate populations by the allometric growth of the morphometric characters. Besides, the sample from rio Iguaçu was morphometrically discriminated of those from Tibagi river and Lagoa dos Quadros in the first canonical axis, while these two populations were separated in the second axis. The intraspecific variation, observed in this species, clearly shows that population morphometric analysis can be useful in the analysis of biological diversity of a given region. The morphometric differences and the geographical isolation are indicating that those popu- lations are subject to different selective processes. KEY WORDS. Allometry, biological diversity, multivariate morphometric, Neotropical fishes, small catfishes. RESUMO. A espécie Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) está amplamente distribuída na região Sul do Brasil, ocor- rendo desde o Rio Grande do Sul até o norte do Paraná. Estudos populacionais nessa espécie são considerados importantes devido à sua distribuição em uma região com forte interferência ambiental humana e pelo interes- se comercial, uma vez que é vendida como peixe ornamental. Dezesseis caracteres morfométricos e seis caracteres merísticos foram utilizados para avaliação morfológica das populações das bacias dos rios Tibagi e Iguaçu (Paraná) e Lagoa dos Quadros (Rio Grande do Sul). Apesar do número de placas laterais ser mais variável nos exemplares do rio Iguaçu, a sobreposição das contagens tanto das placas quanto dos raios das nadadeiras não permitiu a discriminação segura das populações. Entretanto, foi observado com a análise dos componentes principais, que essas podem ser diferenciadas pelo crescimento alométrico dos caracteres morfométricos. Além disso, a amostra do rio Iguaçu ficou discriminada morfometricamente do rio Tibagi e Lagoa dos Quadros no primeiro eixo canônico, enquanto estas ficaram separadas no segundo eixo. A variação intraespecífica, observa- da nessa espécie, evidencia que análises morfométricas populacionais podem ser úteis na análise da diversidade biológica de determinada região. As diferenças morfométricas, aliadas ao isolamento geográfico, são indícios de que essas populações estão sujeitas a diferentes processos seletivos. PALAVRAS CHAVE. Alometria, diversidade biológica, morfometria multivariada, peixes neotropicais, pequenos bagres.

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Corydoras Lacépède, 1803 é composto por 143 espécies (REIS

2003) amplamente distribuídas na América do Sul. Corydoraspaleatus (Jenyns, 1842) foi coletada pela primeira vez por CharlesDarwin em localidade não indicada. A distribuição geográficacompreende a bacia do rio Paraná e rios costeiros do Brasil eUruguai (REIS 2003). No sul do Brasil, região com fortes interfe-

rências antrópicas, está presente nos Estados do Paraná, SantaCatarina e Rio Grande do Sul (FOWLER 1954, GARAVELLO et al.1997). É um peixe facilmente diferenciado de seus congênerespelo padrão de colorido de três manchas castanho escuras nasregiões lateral e dorsal do tronco, e nadadeira caudal estriada.Além disso, machos têm a nadadeira dorsal alongada, com os

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Oscar A. Shibatta & Ana C. Hoffmann

Museu de Zoologia, Departamento de Biologia Animal e Vegetal, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Estadual deLondrina. 86051-970 Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]

ABSTRACT. GeogrGeogrGeogrGeogrGeograaaaaphicphicphicphicphic vvvvvararararariationiationiationiationiation ininininin CorydorCorydorCorydorCorydorCorydorasasasasas paleatuspaleatuspaleatuspaleatuspaleatus (J(J(J(J(Jenenenenenyns)yns)yns)yns)yns) (Silur(Silur(Silur(Silur(Silurifififififororororormesmesmesmesmes, CallichthCallichthCallichthCallichthCallichthyidae)yidae)yidae)yidae)yidae) frfrfrfrfromomomomom south-south-south-south-south-ererererernnnnn BrBrBrBrBrazil.azil.azil.azil.azil. The species Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) is widely distributed in Southern Brazil, occurring fromRio Grande do Sul to the north of Paraná State. Studies related to this species populations are consideredimportant once this fish is distributed in a region with great anthropogenic interference and also because itseconomic importance, given that this species is commercialised as ornamental fish. In the present study sixteenmorphometric characters and six meristic characters were used for morphological evaluation in populations ofTibagi and Iguaçu river basins (Paraná) and Lagoa dos Quadros (Rio Grande do Sul). In spite of the number oflateral plates being more variable in specimens from Iguaçu river, the overlap of plates and fin rays counts didnot allow a safe discrimination of populations. However, principal components analysis allowed to differentiatepopulations by the allometric growth of the morphometric characters. Besides, the sample from rio Iguaçu wasmorphometrically discriminated of those from Tibagi river and Lagoa dos Quadros in the first canonical axis,while these two populations were separated in the second axis. The intraspecific variation, observed in thisspecies, clearly shows that population morphometric analysis can be useful in the analysis of biological diversityof a given region. The morphometric differences and the geographical isolation are indicating that those popu-lations are subject to different selective processes.KEY WORDS. Allometry, biological diversity, multivariate morphometric, Neotropical fishes, small catfishes.

RESUMO. A espécie Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) está amplamente distribuída na região Sul do Brasil, ocor-rendo desde o Rio Grande do Sul até o norte do Paraná. Estudos populacionais nessa espécie são consideradosimportantes devido à sua distribuição em uma região com forte interferência ambiental humana e pelo interes-se comercial, uma vez que é vendida como peixe ornamental. Dezesseis caracteres morfométricos e seis caracteresmerísticos foram utilizados para avaliação morfológica das populações das bacias dos rios Tibagi e Iguaçu(Paraná) e Lagoa dos Quadros (Rio Grande do Sul). Apesar do número de placas laterais ser mais variável nosexemplares do rio Iguaçu, a sobreposição das contagens tanto das placas quanto dos raios das nadadeiras nãopermitiu a discriminação segura das populações. Entretanto, foi observado com a análise dos componentesprincipais, que essas podem ser diferenciadas pelo crescimento alométrico dos caracteres morfométricos. Alémdisso, a amostra do rio Iguaçu ficou discriminada morfometricamente do rio Tibagi e Lagoa dos Quadros noprimeiro eixo canônico, enquanto estas ficaram separadas no segundo eixo. A variação intraespecífica, observa-da nessa espécie, evidencia que análises morfométricas populacionais podem ser úteis na análise da diversidadebiológica de determinada região. As diferenças morfométricas, aliadas ao isolamento geográfico, são indícios deque essas populações estão sujeitas a diferentes processos seletivos.PALAVRAS CHAVE. Alometria, diversidade biológica, morfometria multivariada, peixes neotropicais, pequenos bagres.

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dois primeiros raios divididos maiores que o acúleo (Fig. 1). Aespécie é de interesse comercial, sendo vendida como peixeornamental (BURGESS 1989).

Várias amostras foram obtidas nas bacias dos rios parana-enses Tibagi e Iguaçu e outra na Lagoa dos Quadros, extremosul do Brasil, na porção leste do estado do Rio Grande do Sul.Este estudo foi realizado para avaliar a ocorrência de diferen-ças morfológicas diagnósticas nessas populações de C. paleatusem distintos sistemas de drenagens.

MATERIAL E MÉTODOS

As amostras analisadas de C. paleatus estão depositadas noLaboratório de Biologia de Peixes do Instituto de Biociências daUniversidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo (LBP), Mu-seu de História Natural do Capão da Imbuia, Curitiba, Paraná(MCI), Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universi-dade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grandedo Sul (MCP), Museu de Zoologia da Universidade Estadual deLondrina, Londrina, Paraná (MZUEL) e Núcleo de Pesquisa emLimnologia, Ictiologia e Aqüicultura da Universidade Estadualde Maringá, Maringá, Paraná (NUPÉLIA). O seguinte materialfoi examinado: Brasil. Paraná: MZUEL 612, rio Lambari,Sapopema, 13/09/96 (Equipe de coleta de peixes da Universida-de Estadual de Londrina (ECPUEL)), 6 de 7 exs. (35,95-46,80mm CP); MZUEL 702, rio Tibagi, Telêmaco Borba, 14/04/95(ECPUEL), 2 exs. (42,10-49,35 mm CP); MZUEL 820, rio Tibagi,Sapopema, 21/05/95 (ECPUEL), 6 exs. (36,45-53,40 mm CP);MZUEL 822, rio Tibagi, Telêmaco Borba, 08/08/90 (ECPUEL), 1ex. (47,30 mm CP); MZUEL 825, rio Lambari, Sapopema, 25/08/94 (ECPUEL), 6 exs. (35,60-44,20 mm CP); MZUEL 1436, rioTibagi, Limoeiro, 09/10/97 (ECPUEL), 2 exs. (49,05-51,00 mmCP); MZUEL 1476, rio Tibagi, 28/11/97 (ECPUEL), 1 ex. (43,45mm CP); MZUEL 1541, rib. Água da Floresta, Jataizinho, 09/06/98 (ECPUEL), 1 ex. (35,37 mm CP); MZUEL 1562, rib. Barra Fun-da, 21/08/98 (ECPUEL), 1 ex. (37,60 mm CP); LBP 380, rio Iguaçu,reservatório de Caxias, estação de amostragem de Porto Vará,divisa entre os municípios de Três Barbas do Paraná e Nova Pra-ta do Iguaçu, 13/12/1998, 19 de 27 exs. (24,75-45,55 mm CP);rio Iguaçu, 08/88 (M. Takase), 4 de 5 exs. (46,15-59,10 mm CP);Pq. Municipal do Iguaçu, 20/07/95 (S. Sasaoka, V.S. Abilhoa eM. Cordeiro), lote 71, 8 exs., (29,60-30,85 mm CP). Rio Grandedo Sul: MCP 13633, Sanga afluente da Lagoa dos Quadros, 01/10/89 (S. O Kullander), 10 de 11 exs. (32,40-39,15 mm CP); LBP323, Rio Grande, 5 exs. (33,35-45,00 mm CP) (Fig. 2).

Um total de 65 espécimes foi medido e utilizado para acontagem de número de placas e raios (10 de 16 exemplares daLagoa dos Quadros, 18 de 36 de Tibagi e 31 exemplares deIguaçu). As medidas foram tomadas ponto a ponto com umpaquímetro com precisão de 0,05 mm sob um microscópioestereoscópico. Machos e fêmeas adultas foram identificadospelo comprimento da nadadeira dorsal, mas este caráter nãofoi mensurado devido aos danos nos raios moles ou por estesnão estarem completamente desenvolvidos. Os seguintes

caracteres foram obtidos: Comprimento padrão (CP, da pontado focinho em seu vértice até o último par de placas nopedúnculo caudal); comprimento da cabeça (CC, da ponta dofocinho até a borda do opérculo em linha horizontal); distân-cia pré-dorsal (DPD, da ponta do focinho até a base anterior danadadeira dorsal); comprimento da base da dorsal (CBD, damargem anterior à posterior da base da nadadeira dorsal); dis-tância pré-ventral (DPV, da ponta do focinho à base da nada-deira ventral); comprimento da base da anal (CBA, da margemanterior à posterior da base da nadadeira anal); altura do corpo(AC, em linha vertical em frente à nadadeira dorsal); altura dopedúnculo caudal (APC, a menor altura do pedúnculo); diâme-tro do olho (DO, distância tomada horizontalmente entre asbordas dos olhos); distância interorbital (DIO, a menor distân-cia dorsal entre os olhos); comprimento do focinho (CF, daponta do focinho à borda anterior do olho esquerdo); compri-mento do barbilhão maxilar (CBM, do meio da boca à extremi-dade do barbilhão maxilar); altura da cabeça (Acb, tomada emlinha vertical à borda posterior do olho esquerdo); largura dacintura escapular (LCE, a maior distância entre um lado e ou-tro do cleitro); distância entre a dorsal e adiposa (DDAD, toma-da da base posterior da nadadeira dorsal até o início da nada-deira adiposa); altura do espinho da dorsal (AED, da base à ex-tremidade do espinho da nadadeira dorsal).

Os seguintes caracteres merísticos (contagens) foramobtidos: Placas em linha longitudinal (total de placas); raios dadorsal (número total de raios menos o do mecanismo de tra-va); raios da peitoral (número total); raios da ventral (númerototal); raios da anal (número total); raios da caudal (somenteos raios principais).

Os coeficientes de alometria multivariados de cada amos-tra foram calculados com a metodologia proposta por JOLICOUER

(1963), a partir do primeiro autovetor da análise de compo-nentes principais (ACP). Este eixo representa o tamanho quan-do todos os valores do autovetor são positivos (NEFF & MARCUS

1980). O caráter com coeficiente maior que 1 foi consideradoalometricamente positivo, menor que 1 alometricamente ne-gativo e isométrico quando igual a 1.

Os grupos foram analisados segundo protocolo de REIS etal. (1990) para Análise das Variáveis Canônicas independentesde tamanho (AVC). Os programas “Shear” (MACLEOD 1990) eSAS (SAS 1985) foram usados para calcular a ACP e AVC, respec-tivamente.

RESULTADOS

A tabela I mostra sobreposição em todos os caracteresmerísticos. Mesmo assim, o número de placas laterais foi o ca-ráter que indicou diferença entre as amostras. A amostra do rioIguaçu apresentou de 20 a 23 placas e número modal 22, en-quanto o número de placas alcançou de 22 a 23, número modal23, nas amostras do rio Tibagi e Lagoa dos Quadros (Tab. I). Aamostra do rio Iguaçu também teve a maior variação em nú-mero de raios das nadadeiras. (Tab. I).

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O dimorfismo sexual não foi evidenciado com os carac-teres analisados. O tamanho do acúleo da nadadeira dorsal ésemelhante em ambos os sexos, apesar de ocorrer prolonga-mento da porção flexível do acúleo e do primeiro raio ramifi-cado nos machos.

A ACP em cada amostra resultou em diferentes graus derepresentação da matriz original pelo primeiro eixo do compo-nente principal, que pode ser interpretado como tamanho, poistodos os valores do autovetor foram positivos. O primeiro com-ponente principal da população de Lagoa dos Quadros teveum baixo valor (59,7%) significando que as medidas não fo-ram proporcionais entre os indivíduos. A população do rioTibagi teve um valor intermediário para o primeiro compo-nente principal (65,2%) e a população do rio Iguaçu o maisalto (86,1%). Todas as populações apresentaram um crescimentoalométrico negativo do comprimento da cabeça, distância pré-dorsal e distância pré-ventral. A população do rio Iguaçu apre-sentou quatro caracteres compartilhados com a população deLagoa dos Quadros (três coeficientes alométricos positivos eum negativo) e cinco com a população de rio Tibagi (três coe-ficientes alométricos negativos e dois positivos). Tibagi por suavez apresentou quatro caracteres compartilhados com Lagoa

Figura 1. Exemplar macho de Corydoras paleatus da bacia do rio Tibagi (MZUEL 1718, 48,40 mm CP).

Figura 2. Mapa da América do Sul, com detalhe da região sul doBrasil apresentando as três bacias hidrográficas amostradas e ospontos de coleta.

Tabela I. Freqüência (porcentagem) dos caracteres merísticos em Corydoras paleatus do rio Tibagi (n = 17), rio Iguaçu (n = 32) e Lagoados Quadros (n = 16).

Placas Raios da dorsal Raios da peitoral Raios da ventral Raios da anal Raios da caudal

Merística 20 21 22 23 I+7 I+8 I+7 I+8 i+5 i+6 i+5 i+6 i+12+I i+13+i

Tibagi 0 0 17,60 82,40 0 100 0 100 11,76 88,24 0 100 100 0

Iguaçu 6,25 18,75 56,25 18,75 6,25 93,75 18,75 81,25 6,25 93,75 18,75 81,25 96,88 3,12

L. Quadros 0 0 43,75 56,25 0 100 31,25 68,75 12,50 87,50 0 100 100 0

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-4

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Variável canônica IV

ariá

vel c

anô

nic

a II

Rio Tibagi

Rio Iguaçu

Lagoa dos Quadros

dos Quadros (três coeficientes alométricos negativos e um po-sitivo). A população do rio Tibagi apresentou alometria negati-va para o comprimento padrão, comprimento da base da na-dadeira dorsal e distância entre as nadadeiras dorsal e anal ealometria positiva para o comprimento do barbilhão maxilar.A população do rio Iguaçu apresentou crescimento isométricona altura do corpo, alometria positiva no diâmetro do olho elargura da cintura escapular, e alometria negativa no compri-mento do focinho. A população de Lagoa dos Quadros diferedas demais pela alometria positiva no comprimento da base naanal e distância interorbital, crescimento isométrico na alturado pedúnculo caudal, e alométrico negativo na altura da cabe-ça e comprimento do espinho da dorsal (Tab. II).

interorbital. Em Lagoa dos Quadros o comprimento dobarbilhão maxilar e a largura da cintura escapular foram maio-res que nas outras populações (Tab. III).

DISCUSSÃO

As populações de Corydoras paleatus analisadas apresen-taram variações morfométricas importantes para a sua identi-ficação. Estas diferenças foram observadas com as análisesmultivariadas, que são mais recomendadas do que as análisesunidimencionais, tais como as de índices ou de proporçõescorporais, pois permitem a interpretação da forma indepen-dente do tamanho (REIS et al. 1987). Entretanto, estas técnicasque simplesmente removem as informações sobre o tamanhosão úteis para classificar grupos de organismos, mas não paradeterminar o fenômeno biológico que leva a esta diferenciação(BOOKSTEIN et al. 1985). STRAUSS (1985) recomendava estudosontogenéticos, como o exame da alometria para se conheceros padrões de variação intra e interespecíficas em populaçõesde Corydoras geograficamente isoladas. A variação ontogenéticados caracteres em C. paleatus deste estudo evidenciou um pa-drão de crescimento particular em cada população.

A discriminação da população do Iguaçu pelo primeiroeixo da variável canônica e pelo maior número de placas late-rais pode ser interpretada como forte evidência do isolamentogeográfico dessa população. Provavelmente a presença de C.

Tabela II. Peso dos caracteres e coeficientes de alometria (CA) doprimeiro componente principal (PC1) das populações analisadasde Corydoras paleatus.

Tibagi Iguaçu Lagoa dos Quadros

PC1 CA PC1 CA PC1 CA

CP 0,20 0,80 0,27 1,08 0,26 1,04

CC 0,20 0,80 0,21 0,84 0,21 0,84

DPD 0,23 0,92 0,24 0,96 0,20 0,80

CBD 0,22 0,88 0,29 1,16 0,43 1,72

DPV 0,21 0,84 0,22 0,88 0,24 0,96

CBA 0,12 0,48 0,16 0,64 0,30 1,20

AC 0,22 0,88 0,25 1,00 0,19 0,76

APC 0,20 0,80 0,22 0,88 0,25 1,00

DO 0,16 0,64 0,28 1,12 0,21 0,84

DIO 0,22 0,88 0,21 0,84 0,30 1,20

CF 0,26 1,04 0,16 0,64 0,31 1,24

CBM 0,43 1,72 0,06 0,24 0,05 0,20

ACb 0,42 1,68 0,32 1,28 0,17 0,68

LCE 0,23 0,92 0,28 1,12 0,21 0,84

DDAd 0,21 0,84 0,38 1,52 0,29 1,16

AED 0,26 1,04 0,29 1,16 0,15 0,60

Foram obtidos dois eixos canônicos com a AVC: o pri-meiro representou 57,4% da matriz original e o segundo 42,6%.No primeiro eixo foi possível notar a discriminação da popula-ção do rio Iguaçu das populações do Tibagi e Lagoa dos Qua-dros, enquanto que estas se separaram no segundo eixo (Fig.3). A população do Iguaçu ficou em posição intermediária àsoutras populações neste eixo. A população do Iguaçu apresen-tou como caracteres diagnósticos os maiores comprimentos dabase da nadadeira dorsal, do focinho, da cabeça e menores aaltura do pedúnculo caudal, diâmetro do olho e comprimentoda base da nadadeira anal. A população do rio Tibagi foidistinguida de Lagoa dos Quadros pelos maiores valores da dis-tância pré-ventral, do comprimento do focinho e da distância

Figura 3. Gráfico de dispersão dos escores individuais das amos-tras combinadas de Corydoras paleatus do rio Tibagi (círculos es-curos), rio Iguaçu (quadrados claros) e Lagoa dos Quadros (triân-gulos escuros) nos primeiro e segundo eixos canônicos.

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paleatus no rio Iguaçu seja natural e não uma introdução pelohomem, como se supunha (GARAVELLO et al. 1997), pois a regiãoestá incluída nos limites de distribuição da espécie. É possívelque a espécie não tenha sido coletada por Haseman em dezem-bro de 1908 e dezembro de 1909, pois não foi mencionada nosprimeiros trabalhos com peixes do rio Iguaçu realizados a partirdaquela coleção (HASEMAN 1911a, b, ELLIS 1911, EIGENMANN 1911,1921, 1927). Ela foi registrada 70 anos depois, por GODOY (1979),como ocorreu com outras espécies (como pode ser verificadoem GARAVELLO et al. 1997). Se a presença desta espécie é naturalna bacia, seu isolamento ocorreu, no máximo, há 22 m.a. quan-do as cataratas foram formadas (SEVERI & CORDEIRO 1994). O altonúmero de espécies endêmicas no rio Iguaçu certamente é con-seqüência do evento de separação das populações deste rio dasdo rio Paraná, mas prováveis intercâmbios de ictiofauna entreas cabeceiras dos rios Iguaçu, Tibagi e também do Ribeira deIguape, talvez possam ser demonstrados após um completo in-ventário das espécies e de suas análises filogenéticas.

Outra espécie de peixe suspeita de ter sido introduzidano rio Iguaçu é Hoplias malabaricus (Bloch, 1794). DERGAM et al.(1998), demonstraram similaridade genética entre a popula-ção do rio Iguaçu com a população de cabeceira do rio Tibagiusando a técnica de estudo do polimorfismo do DNA amplifi-cado ao acaso (RAPD). Esta técnica seria extremamente reco-mendável em complementação aos estudos da população deC. paleatus do rio Iguaçu. Entretanto, a análise das variáveiscanônicas (AVC) foi suficiente para diferenciar a população deC. paleatus do rio Tibagi da bacia do Iguaçu.

Este é o primeiro registro desta espécie na bacia do rioTibagi, a qual se destaca por ser o extremo norte de sua distri-buição. É importante ressaltar que o rio Tibagi deságua no rioParanapanema, mas nenhum exemplar foi coletado neste rio(CASTRO et al. 2003, O.A. Shibatta, obs. pessoal).

A terceira população, Lagoa dos Quadros, também pôdeser distinguida pela AVC. De acordo com BEURLEN (1970), aslagoas costeiras do Rio Grande do Sul, das quais a Lagoa dosQuadros faz parte, foram formadas no Quaternário e é prová-vel que a população analisada foi isolada neste período dasbacias adjacentes.

A hipótese da existência de várias espécies crípticas sob onome C. paleatus não pode ser descartada. Esta possibilidadepoderia ser refutada se um padrão morfométrico clinal fossedemonstrado com a inclusão de mais amostras representativase de distribuição intermediária. Além disso, a união de análisesmorfométricas e genéticas nas amostras de diferentes localida-des irá certamente permitir um panorama mais detalhado davariação geográfica desta espécie.

Evidências citogenéticas apresentadas por OLIVEIRA et al.(1993) são corroboradas neste trabalho. Esses autores demons-traram diferenças citogenéticas nos números de pares de Regi-ões Organizadoras de Nucléolos entre as populações do Iguaçue Rio Grande do Sul (São Leopoldo, bacia do Jacuí e Rio Gran-de, bacia da Lagoa dos Patos) apesar do número diplóide tersido o mesmo.

As diferenças morfométricas e citogenéticas, aliadas ao iso-lamento geográfico, são suficientes para considerar que cadapopulação já está sujeita a diferentes pressões seletivas. As vari-ações intraespecíficas observadas evidenciam que análisesmorfométricas populacionais podem ser úteis no estudo da di-versidade biológica de determinada região. Segundo GASTON &SPICER (1998), a população é um dos elementos da biodiversi-dade que reflete tanto a diversidade de organismos, quanto agenética e a ecológica.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Claudio de Oliveira (UNESP-Botucatu),Marcelo R. Britto (MNRJ) e Roberto E. Reis (MCP/PUCRS) pelaleitura do manuscrito e valiosas sugestões. A Claudio de Olivei-ra, Roberto E. Reis (MCP/PUCRS), Harumi Suzuki (NUPELIA) eVinicius Abilhoa (MCI), pelo empréstimo de material. À CláudiaB. R. Martinez pela correção do abstract. À UEL pelo suportelogístico e à FINEP pelo suporte financeiro ao projeto “Aspectosda Fauna e Flora da Bacia do rio Tibagi” (Proc. 1832/95).

REFERÊNCIAS

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Tabela III. Autovalores e probabilidades associadas (P) aos primeiroe segundo eixos da análise das variáveis canônicas das amostrascombinadas de Corydoras paleatus do rio Tibagi, rio Iguaçu e Lagoados Quadros.

CAN1 P CAN2 P

CP 0,22049 0,0933 0,26288 0,0443

CC 0,48385 0,0001 0,07792 0,5575

DPD 0,27425 0,0356 -0,03165 0,8119

CBD 0,51009 0,0001 0,14423 0,2758

DPV 0,22859 0,0816 0,71010 0,0001

CBA -0,37636 0,0033 0,03365 0,8002

AC 0,25454 0,0517 -0,00579 0,9653

APC -0,54825 0,0001 -0,13366 0,3129

DO -0,48354 0,0001 0,11570 0,3829

DIO 0,21126 0,1082 0,58461 0,0001

CF 0,49913 0,0001 0,57275 0,0001

CBM 0,13926 0,2928 -0,55172 0,0001

ACb -0,21073 0,1091 -0,06072 0,6478

LCE 0,20244 0,1241 -0,37902 0,0031

DDAd -0,04976 0,7082 -0,30680 0,0181

AAED 0,14756 0,2647 -0,07380 0,5785

371Variação geográfica em Corydoras paleatus...

Revista Brasileira de Zoologia 22 (2): 366–371, junho 2005

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Recebido em 05.VIII.2004; aceito em 13.V.2005.