A descoberta do nada, do vazio e do silêncio

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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA A DESCOBERTA DO NADA, DO VAZIO E DO SILÊNCIO... LUIS PEDRO RIBEIRO CASTELA MASTER OF MUSIC (FLUC UNIVERSITY)

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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

A DESCOBERTA DO NADA,

DO VAZIO

E DO SILÊNCIO...

LUIS PEDRO RIBEIRO CASTELA MASTER OF MUSIC (FLUC UNIVERSITY)

Questões Teóricas da Arte Contemporânea

Mestrado de Estudos Musicais - 2º ciclo

LUIS PEDRO RIBEIRO CASTELA 1

A DESCOBERTA DO NADA, DO VAZIO E DO SILÊNCIO... de Luis Castela

Este trabalho, como o próprio nome indica, pode ser entendido como a tentativa da

descoberta do Nada, do Vazio e do Silêncio nas artes e em especial a forma como ela

se manifesta na música. Assim, após apresentar breves considerações, sob uma

perspectiva analítica, de como a arte se pode manifestar acerca de algo tão complexo,

abstracto e subjectivo, irei numa segunda fase abordar o tema proposto, a partir da

peça 4’33’’, no âmbito de demonstrar como este assunto pode de igual modo ser

entendido, através da análise pormenorizada do vasto universo repleto de novas

ideologias e pensamentos desenvolvidos no cérebro de um pensador, John Cage. As

questões que ele coloca, assim como as suas respostas, são revolucionárias, mesmo

nos dias de hoje. Os silêncios ou os ruídos que ele impõe nas suas obras musicais, são

apenas alguns aspectos que deixam qualquer pessoa a reflectir acerca do sentido que

a música pode ter, enquanto forma de artística. A Arte pode ser considerada uma das

formas de como as Sociedades se podem manifestar, e assim, por analogia à Arte ela

alterca as mesmas questões. Este trabalho, tem o âmbito de replicar essas

interrogações e como tal, pode ser visto como um começo à reflexão do fim dos

conceitos artísticos, das disciplinas convencionais artísticas e de toda a arte em geral.

Enquanto a Arte não for capaz de alcançar as soluções das questões levantadas sobre

si própria, como poderá a sociedade encontrar a resposta da sua natureza identitária?

Existe uma eminente necessidade de reflexão, por parte de todos os artistas e

pensadores relacionados à Arte em geral, sobre determinados aspectos na Arte, como

o nada, o vazio ou o silêncio.

“I have nothing to say. I am saying it, and

that is poetry.”

John Cage

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I

A Arte é arte porque existe uma forte necessidade de respostas, íntrinsecas à própria

natureza humana, que apenas as mentes mais iluminadas conseguem alcançar ou

apenas sobre elas reflectir. Penso existir uma forte necessidade de abordar algumas

questões que alguns autores têm vindo a colocar e que exigem uma urgente resposta,

sob pena de que a própria Arte não faça sentido ou reflicta a sociedade da qual advém

a sua própria existência. As questões metafísicas que o Homem, ao longo dos tempos,

tem vindo a colocar acerca da sua própria existência, dos seus medos ou receios, e de

todas as questões que a Ciência ainda não consegue responder, têm sido de igual

modo colocadas na Arte. Entre a Arte e a Sociedade, sempre existiu uma relação

profunda que, permitiu quase sempre ao Homem superar as suas dúvidas. Porém, a

partir da segunda metade do século vinte, estas questões essenciais têm vindo a ser

reformuladas, permitindo novas respostas nunca antes atingidas.

Quando olhamos directamente para o abismo do vazio, encontramos o nada e o

silêncio, que podem ser entendidos como respostas da escuridão perturbante que

reside dentro de cada um, ou simplesmente como algo que possibilita encontrar a

solução da equação que antes parecia “impossível”. A subjectividade existente nas

reflexões sobre questões que começam a entrar no campo metafísico da existência,

muitas vezes, devida ao facto de olharmos para algo que não espelha qualquer

significado, pois não possui signos cognitivos identificáveis. Porém, quando olhamos

concentradamente para o abismo, ele por vezes, devolve esse olhar demonstrando

todo o seu esplendor infinito. Assim, ao tentarmos identificar o silêncio e o nada

absoluto, enquanto signos, podemos encontrar uma solução explicativa da existência

do vazio e do que ele significa, pois são esses os dois aspectos que sabemos à partida

pertencerem ao seu campo semântico.

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II

Existem pelo menos três formas de demonstrar a relação que a Arte tem com o nada,

com o silêncio e consequentemente com o vazio. Sendo a primeira, a ideia de que esta

nasce do nada, isto é, ela própria provém de matérias brutas, como a tinta, a tela, a

pedra ou o som. Através desta perspectiva entende-se que a obra aparece como uma

acção, de um espírito criativo mais ou menos dotado, de transformar a materialidade

inerte. Esta ideia rejeita por completo, a teoria defendida por diversos artistas de que

uma pedra já continha em si, desde o início, a escultura final, ou no caso da pintura, a

tela conteria o quadro, pois entre o nada da matéria-prima utilizada e o processo que

envolve a complexidade da construção da obra artística, existe sempre o esforço

humano, quer seja ele proveniente da sua genialidade intelectual, ou da sua

perfectibilidade natural. A segunda forma demonstrativa desta relação entre o Vazio e

a Arte, é a própria ideia de a expressar. É neste sentido que o nada que antes era

moldado, passa agora a ocupar o lugar principal na formulação da obra de arte e de

representar a necessidade de encontrar um sentido da vida ou apenas a ideia de que

esse sentido não existe. A terceira relação, é aquela a que diz respeito à forma

significativa estética do nada e do vazio. Ou seja, é a realização de uma obra de arte

utilizando o mínimo de materialidade possível, não existindo à partida um principio

nem um fim, tornando o vazio a ser o seu próprio conteúdo, o que torna desde logo

difícil a dissociação entre a obra em si e o nada. Esta é a ideia que irei explorar e que,

no meu entender, reflecte a crise generalizada existente na arte. Existem vários

exemplos desta estética artística, como o famoso “Carré blanc sur fond blanc”, de

Kazimir Malevitch, ou ainda os quadros monocoloridos todos brancos ou pretos, de

Robert Rauschenberg. Outro exemplo que, no meu entender, reflecte esta tendência

de relacionar o vazio com a Arte, é a célebre “La fontaine”, de Marcel Duchamp. Penso

que o “nada” está igualmente aqui representado, pois o facto de ele colocar um

objecto banal e quotidiano num espaço público e digno de representação num museu,

não passa de um simples gesto de transposição, não existindo de forma alguma uma

acção sobre a materialidade da obra. Também na Literatura existem vários casos de

escritores que conseguem escrever sobre nada, e pelo simples facto de caírem na

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repetição ou de terem um discurso propositadamente incoerente, perdem o seu total

sentido, tornando os seus textos insignificantes, exaltando assim o vazio e o nada.

Estas obras têm um grau de dificuldade de avaliação estética elevado, pelo simples

facto de não a terem, pois é esse o próprio ponto de partida do artista quando as

realiza. Este facto, faz com que estas obras sejam apenas reconhecidas consoante a

crítica que posteriormente é feita, validando ou não a obra como Arte, pois por si só

esta forma de arte passaria despercebida e quase indetectável no meio artístico. Esta

forma de representar o vazio, demonstra a crise existente no mundo da Arte e a

preocupação de procurar critérios capazes de avaliar um objecto, pois ela torna esse

problema como o seu próprio ponto de partida e de exploração artística, conseguindo

demonstrar que a própria arte está em sintonia com a crítica nessa procura. De alguma

forma parece que a arte está a tentar reagir a esta problemática situação, através da

modificação dos seus conceitos semióticos (exemplo: quando tocar uma peça de

Mozart imperfeitamente, não mais pode ser visto como um mau intérprete, mas como

produzir a imperfeição). De facto, a música é um dos campos artísticos que se

encontra privilegiada perante as outras formas de manifestação artística, pois no

campo da superprodução de signos e mensagens, o problema agrava-se de tal forma

que seria incorrecto da minha parte desenvolver neste pequeno ensaio, tal assunto.

No entanto, pode-se facilmente entender que são os ruídos e os sons, que

protagonizam o campo semiótico da disciplina musical. Porém é ao lermos o prefácio

de Frederic Jameson em “Noise:the political economy of music”, de Attali, que

entendemos que a música para além de ser um meio de atingir a sociedade, possui de

igual forma o poder de antecipar aspectos políticos e económicos, o que torna a peça

4’33’’, de John Cage, aparentemente desinteressante, numa obra de grande relevância

no contexto social, político, económico mas acima de tudo cultural.

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III

John Cage é um autor difícil, mais encoberto de que revelado em tal ou tais fórmulas

retumbantes de que sobressaltam devido a um imenso reportório. A sua primeira fase

da vida foi essencial para que o autor tenha descoberto, para além das fórmulas que

foi alcançando, um ser vivo. A segunda fase irá contribuir para levantar o véu que nos

esconde, sob as fórmulas do pensador, para além das vicissitudes do ser vivo, o

significado de uma das aventuras mais singulares e mais heróicas que foram tentadas

ao sector da música.

"Quando eu era jovem, um de meus professores costumava queixar-se de que assim

que eu começava uma música, já a encaminhava para o final. (...) Eu introduzi o

silêncio. Eu era um solo, no qual o vazio podia crescer."

John Cage

Outro passo bastante importante da sua vida, foi quando ele se relacionou com o

Budismo Zen. Foi nesta fase, que um novo John, ganha um novo sentido e que

acabaria por modificar-nos a todos, com as suas novas teorias no campo musical e no

que elas representavam. De facto, a inspiração foi de tal forma imediata que irá

compor “Music of Changes”, uma obra em todas as notas e os tempos musicais são

obtidos através do I Ching, onde ele se inspira para criar um hexagrama aleatório para

determinar a combinação da forma musical a realizar pelo intérprete. Este novo

género musical, a que comummente chamaram nos dias de hoje de "música

aleatória", foi explorado ao extremo por John Cage. Foi, portanto, uma resposta por

parte do compositor, às técnicas musicais composicionais da vanguarda, que na época

eram trivialmente regidas pelo serialismo integral. Assim, esta nova liberdade de

improvisação que o intérprete passa a possuir, pode ser entendida, através das

performances imprevisíveis, como uma oportunidade infinitésima de destinos sonoros

que cada intérprete passaria a ter face a uma orientação pré-estabelecida pelo

compositor.

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Os novos caminhos abertos pelo génio musical de J.Cage, abriram novos horizontes

nos vários campos artísticos. De facto, a importância de Cage numa parceria com

Merce Cunningham, deflagraram na dança uma série de mudanças que abririam novas

possibilidades na segunda metade do século XX. A esta “sociedade, deve-se a alteração

de que o movimento na dança deva estar estritamente vinculado ao encadeamento

com a narrativa, repertório, tema ou motivo, adquirindo, portanto, a sua aguardada

autonomia, inclusive em relação à música tocada contigua à coreografia. “A relação

entre a dança e a música é de coexistência, quer dizer, estão relacionadas

simplesmente porque existem ao mesmo tempo”, é através desta observação do

coreógrafo Merce Cunningham, que podemos entender, essa mesma desvinculação da

dança perante a música e que a ideia de ritmo, não responde mais perante a função do

espaço ou do tempo, no desenrolar de uma composição ou bailado. A parceria Cage e

Cunningham, desenvolveu outros aspectos peculiares como a reinvenção do “found

object” de M.Duchamp, criando uma ligação a este através do chamado “found sound”

e do “found movement”. Este último foi introduzido, nos anos 50 do século XX, com a

implantação do “caminhar” na dança, que trouxe repercussões essenciais imediatas a

este género artístico, relativamente à metafísica do expressionismo abstracto, que

procurava sublimar a monotonia urbana.

Da mesma forma que Cage envolveu o silêncio na música, também Cunningham irá

comprometer a inacção do corpo às suas performances. Esta ideia resulta, da

constatação de não existir, na realidade, uma diferença entre estar parado ou estar em

movimento. De facto, em tempo algum conseguimos estar absolutamente inertes, pois

o zero é algo que não existe, segundo as leis de Newton. Será a partir desse princípio

nuclear das leis da física, que Cage irá valorizar a relação dos “espaços” entre os

movimentos e os tempos entre cada fracção sonora, nas suas composições musicais.

Assim, ele irá passar a considerar o tempo como algo que engloba tudo e não como

algo que simplesmente exclui.

A partir desta constatação de que o silêncio absoluto e que a estática total não existe,

eles irão abordar a arte de uma perspectiva diferente, criando performances onde a

narrativa e os movimentos são autónomos e independentes. “Nestas danças e

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músicas, nós não estamos a dizer alguma coisa. Nós somos suficientemente sinceros

para pensarmos que se estivéssemos a dizer alguma coisa usaríamos palavras. Ao invés

disso, nós estamos a fazer alguma coisa. (...) Não existem histórias ou problemas

psicológicos. Há simplesmente uma actividade de movimento, som e luz. (...) O

movimento é o movimento do corpo”. Acerca desta observação que J.Cage faz acerca

dos seus trabalhos em conjunto com M.Cunningham, pode-se deduzir que no trabalho

realizado por ambos existe, na verdade, um certo afastamento em relação à realidade

social, à qual eles advertem ser uma sociedade entroncada de pensamentos e

preocupações demasiado particulares, em perjúrio da aproximação da natureza real e

da integração da relação entre uma determinada parte específica e do todo integral.

No meu entender, o silêncio de Cage, não pode ser perspectivado da mesma forma

que os silêncios de Schoenberg, seu mestre e professor. Esta forma de considerar o

silêncio na música vai opor-se à teoria neoplástica da música de Mondrian, que

considerava apenas os sons, excluindo e não ponderando a importância que ele

poderia ter na música. Enquanto o silêncio no dodecafonismo se contrapõe ao som, de

modo a criar um determinado contraste na forma musical, em Cage essa dualidade

desaparece, pois todos os sons, instantes e movimentos, têm a mesma importância

numa composição musical. Este aspecto pode ser observado quando ele descreve a

“Experimental Music” (texto de 1955, publicado em Silence): “Nesta música, apenas o

som possui lugar: os que são ‘anotados’ e os que não são. Os que não são ‘anotados’

aparecem nas músicas escritas como silêncio, abrindo as portas das músicas para os

sons que estão no ambiente. Esta abertura existe no campo da escultura moderna e da

arquitectura. As casas de vidro de Mies Van der Rohe reflectem o seu ambiente [...]

Não existe algo como um espaço vazio ou um tempo vazio. Há sempre algo para ser

visto, para ser ouvido. De facto, por mais que tentemos fazer silêncio, não o

conseguimos”.

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Como melhorar o mundo: só tornará piores as coisas.

Seguindo o fluxo.

Nem bom, nem mau.

Nenhuma intenção.

Tudo processo.

Universo como permanente mudança.

Humano como dinâmica parte da mudança.

O tamanho certo para um ser humano.

Zero.

Nenhum tempo, nenhum espaço.

Tudo é possível tomando-se o zero como partida.

Liberdade.

Mas, o indivíduo na sua mais profunda expressão.

Pontos de areia na eterna trança dourada.

(...)

Ele foi uma das pessoas mais simples que eu conheci na minha vida.

Ele sabia que era nada.

À frente das estrelas.

À frente do tempo.

Maya.

Carinhoso e subtil.

Ilusão.

Nunca preocupado com isto ou com aquilo.

Nenhum julgamento de valores.

Nenhuma ordem de valores.

Apenas fazendo coisas.

Nenhuma permanência.

Nenhuma posteridade.

Vida.

Caminhando.

Pimenta, Emanuel Dimas de Melo - JOHN CAGE, OS SONS HUMANOS DA CIDADE.

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“My work became an exploration of non-intention”

John Cage

Cage compôs a obra silenciosa 4'33'', que é o tempo exacto em que os artistas ficam

em silêncio no palco segurando os seus instrumentos, e cuja reação da plateia vai da

surpresa à indignação. Esta é sem dúvida uma das suas mais famosas obras, e

certamente a mais ousada e debatida ao longo dos tempos por diversos nomes da

história da música. É possivelmente a mais conhecida das obras sobre o nada e uma

das mais polémicas de todas elas. A peça foi composta em 1952, para ser executada

por qualquer grupo de instrumentos e é dividida em três movimentos. O primeiro

movimento tem a duração de trinta segundos, o segundo de dois minutos e vinte e

três segundos e o último movimento é composto de um minuto e quarenta segundos.

Durante os três movimentos os intérpretes não tocam nada, a único acção que

acontece numa interpretação desta peça é o facto de dever ser assinalado os vários

movimentos, como por exemplo através do fechamento e abertura do tampo de um

piano. Não deverá existir qualquer tipo de dança ou outra forma artística adjacente a

esta composição, sob causa de esta perder o seu interesse estético. A audiência de um

espectáculo com esta magnitude, por mais desejável que seja, não é possível existir o

silêncio. Na realidade, o silêncio absoluto é algo ímpossível de alcançar, daí a obra ser

apelidada de “silence pice”, à partida engana o público,pois quanto mais se procura o

silêncio, mais os ruídos de fundo e ambientais se elevam.

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Esta peça pode ser inserida no contexto de uma corrente da arte moderna

caracterizada essencialmente pela indeterminação, em contrate com a tendência

dominante do Alto Modernismo proveniente do simbolismo, do qual se poderiam

inserir nomes como Baudelaire, Stevens , T. S. Eliot, ou ainda Frost. A tradição dos seus

vários experimentalismos, emergem nesta obra sobre um vazio, que é possível

identificar com nomes como Beckett, Gertrude Stein ou Rimbaud.

A temática em que se insere 4’33’’, remete-nos para os inícios do século XX, onde se

debatiam, entre os críticos e filósofos da música, as direcções e os caminhos que esta

deveria levar. Relembro que o aparecimento do serialismo dodecafónico(1), e

posteriormente o serialismo integral(2), vieram pôr em causa os caminhos que a música

poderia tomar, daí o aparecimento de diversas performances e partituras musicais

experimentalistas na 2ªmetade do século XX. É precisamente neste aspecto que esta

peça, remonta a uma reflexão do próprio serialismo. E ele faz-lo de uma forma

perversa e provocatória, ao colocar em questão estas séries dodecafónicas ou

integrais, pois elas não continham o zero, a ausência ou o nada, e este 4’33’’ de J.Cage

é feito inteiramente deste nada. Será a partir deste nada composto por Cage, que

permite aos sons da sala de concerto possam ser entendidos como música. O simples

facto de que os sons realizados pela audiência durante o espectáculo, não poderem

ser previstos, tornam a intencionalidade musical desta obra fora de questão. No

entanto, uma outra intencionalidade é possível ser constatada nesta obra, que em

grande parte está ligada aos príncipios de teorias filosóficas como o Zen Budismo, que

consiste na aceitação das coisas como elas são e da negação da tentiva de possessão.

"Eu aprendi que os intervalos possuem significados, que eles não são propriamente

sons, mas implicam suas progressões um som não realmente apresentado aos

ouvidos, mas à mente. Toda questão aqui é muito intelectual: fazer pensar em sons

que não estão propriamente presentes nos ouvidos. A separação entre ouvido e

mente estragou os sons. É preciso liberar os sons das ideias abstractas sobre eles”.

John Cage

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Este ensaio significou um começo de um novo universo, de um novo modo de ver o

mundo e pensar sobre ele. De facto, à medida que se ouve Cage, descobre-se novas

coisas, constantemente, em cada peça que se escuta, está uma nova ideologia. A

reflexão sobre a obra integral de Cage dava para falar de inúmeras assuntos, páginas

sem fim de puro constatar de pensamentos quase filosóficos. Para se entender as suas

doutrinas e a forma que o levou a compôr de tal maneira, seria era imprescindível

recuar à sua infância, aos acontecimentos que o marcaram enquanto músico onde

reside toda a base da estrutura psíquica e emocional. São aspectos de como era a sua

família, onde morava, qual a relação que tinha com os que o rodeavam, qual o seu

percurso académico, os amigos que teve, as pessoas que conheceu, os ensinamentos

que recebeu e a altura em que os recebeu. Estes são pormenores, que para mim,

fazem a diferença. Como podemos falar de alguém, neste caso, falar sobre algo que

esse alguém compôs, sem saber o mínimo da vida dessa pessoa? Não podemos

separar o eu profissional, do eu pessoal, uma coisa implica a outra, fazem parte do

mesmo, formam um todo. As experiências ou a falta delas, levam o ser humano a

pensar de uma certa forma subjacente ao próprio. Os sentimentos e sensações,

controlados, pensados, trabalhados, julgados, resolvidos, ou então a negação de

todos. Todo este processo forma o homem naquilo que ele é, diz, actua, defende e

acredita.

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Referências Bibliográficas Livros pesquisados: CAGE, John. Silence: Lectures and Writings, Wesleyan Paperback, 1973 ATTALI, Jacques. Noise:the political economy of music.Trad. Brian Massumi.

Minneapolis: Minnesota U.P., 1985. A arte da performance, Orfeu Negro, 2007 REVILL, David. The Roaring Silence: John Cage – a Life. Arcade Publishing, 1993 CARLSON, Marvin. Performance: a critical introduction. 2.ed., Nova York: Routledge, 2004. HOPKINS, David. Dada and Surrealism: A very short introduction. Nova York: Oxford University Press, 2004. SOLOMON, Larry J. The sounds of silence. 2001. TERRA, Vera. Acaso e Aleatório na Música; um estudo da indeterminação na poéticas de Cage e Boulez: EDUC/FAPESP, 2000. Sites pesquisados da Internet: http://epc.buffalo.edu/authors/perloff/cage.html http://www.music.princeton.edu/~jwp/texts/slouch.html http://www.newalbion.com/artists/cagej/autobiog.html http://www.andante.com/article/article.cfm?id=16636 http://www.johncage.info/workscage/radiomusic.html

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