1703) Previsões para o ano da graça de 2007: sempre otimista quanto à sua impossibilidade (2006)

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Previsões para o ano da graça de 2007: sempre otimista quanto à sua impossibilidade Paulo Roberto de Almeida ([email protected] ; www.pralmeida.org ) Como sabem todos aqueles que me lêem regularmente – e eles certamente são poucos –, todo final de ano eu me dedico, religiosamente se ouso dizer, à inglória tarefa de interrogar os astros para saber o que eles reservam ao País e ao povo brasileiro no ano que começa. Trata-se de uma tarefa totalmente fadada ao insucesso, deliberadamente, pois que minhas previsões têm isso de peculiar que elas são feitas, justamente, com vistas ao seu fracasso completo, sendo minha vitória, neste gênero particular de astrologia política, tanto mais retumbante quanto mais longe essas previsões se situarem de uma hipotética (e quanto mais longínqua melhor) realização. Mas que utilidade haveria, pode-se perguntar o ilustre – e solitário – leitor, em formular hipóteses totalmente impossíveis de serem efetivadas? Bem, minha escusa é a de que as previsões se situam, mesmo remotamente, dentro do plausível e do possível, sendo que sua materialidade efetiva não se concretiza, no Brasil, apenas em virtude daquela mesma visão conspiratória que faz com que certos agentes particulares sejam os autores de sua própria história: ou seja, é a pura falta de vontade política dos responsáveis pelo supremo comando da Nação que determina o insucesso total desse gênero peculiar de astrologia. Trata-se da mesma visão do mundo que transforma os arrogantes imperialistas 1

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Previsões para o ano da graça de 2007:sempre otimista quanto à sua impossibilidade

Paulo Roberto de Almeida([email protected]; www.pralmeida.org)

Como sabem todos aqueles que me lêem regularmente – e eles

certamente são poucos –, todo final de ano eu me dedico,

religiosamente se ouso dizer, à inglória tarefa de interrogar os

astros para saber o que eles reservam ao País e ao povo

brasileiro no ano que começa. Trata-se de uma tarefa totalmente

fadada ao insucesso, deliberadamente, pois que minhas previsões

têm isso de peculiar que elas são feitas, justamente, com vistas

ao seu fracasso completo, sendo minha vitória, neste gênero

particular de astrologia política, tanto mais retumbante quanto

mais longe essas previsões se situarem de uma hipotética (e

quanto mais longínqua melhor) realização.

Mas que utilidade haveria, pode-se perguntar o ilustre – e

solitário – leitor, em formular hipóteses totalmente impossíveis

de serem efetivadas? Bem, minha escusa é a de que as previsões se

situam, mesmo remotamente, dentro do plausível e do possível,

sendo que sua materialidade efetiva não se concretiza, no Brasil,

apenas em virtude daquela mesma visão conspiratória que faz com

que certos agentes particulares sejam os autores de sua própria

história: ou seja, é a pura falta de vontade política dos

responsáveis pelo supremo comando da Nação que determina o

insucesso total desse gênero peculiar de astrologia. Trata-se da

mesma visão do mundo que transforma os arrogantes imperialistas

1

americanos nos únicos responsáveis por todos os males da

globalização capitalista e também pelas desigualdades inerentes a

esse nefando sistema social que nos domina e oprime de maneira

exclusiva, desde a infausta derrocada do modo alternativo de

produção e de (baixo) consumo.

Como eu sou um incurável otimista, continuo formulando a

cada ano minhas previsões, independentemente de sua não-

realização – ou, talvez, por isso mesmo – certo de que, mais uma

vez, serei brindado, ao final do ano que se inicia, com um rol

completo de tarefas inacabadas, de derrotas previsíveis e de

missões impossíveis. Tanto melhor, pois estarei renovando assim

minha confiança no poder preditivo dos astros, já que este tipo

de astrologia só ganha título de nobreza e ares de credibilidade

quando suas apostas são deliberadamente inverossímeis e de

difícil, senão impossível, concretização. Apenas para provar como

tal prática de acertar no erro e no insucesso das previsões é uma

arte de difícil manipulação, apresento a seguir um sumário de

minhas duas últimas previsões, todas completamente estapafúrdias

nas condições que são as nossas – isto é, da política e da

economia no Brasil – e isto a despeito mesmo de seu caráter

plausível, como eu sempre me esforço por sublinhar.

Em dezembro de 2004, para não ir muito longe, eu redigia as

minhas “Sete previsões Imprevidentes: minha ‘caixa de surpresas’

para o novo ano”, que se constituíam, como seria de se esperar,

em antecipações impossíveis de ocorrer no novo ano (ver em Espaço

Acadêmico, nr. 44, janeiro de 2005; link:

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http://www.espacoacademico.com.br/044/44pra.htm). Em resumo,

minhas apostas provocadoras e visivelmente exageradas eram as

seguintes:

1. O governo decreta sua conversão ao capitalismo;2. O Estado decide retirar-se parcialmente de cena;3. Radical inversão das políticas sociais;4. Concentração de recursos na educação fundamental;5. Acaba a era Vargas: abolida a Justiça do Trabalho;6. Decretado o fim da reforma agrária; e7. Maior abertura e inserção econômica internacional.

Como eu tive a sorte de nenhuma delas ser confirmada na

prática, reincidi no “crime” um ano depois, quando elaborei novas

propostas desafiadoras, sob a forma de uma reflexão pessoal

dirigida ao nosso responsável máximo, mas que muitos leitores,

desatentos, interpretaram como sendo minhas próprias resoluções

para o ano de 2006. As “resoluções de Ano Novo” – publicadas

exatamente um ano depois, neste mesmo veículo (Espaço Acadêmico, nr.

56, janeiro de 2006; link:

http://www.espacoacademico.com.br/056/56almeida.htm) – consistiam

em uma nova série de tarefas impossíveis, sobretudo em vista do

fabuloso cenário de malversações em curso na política nacional:

1. Manter a contabilidade lá de casa em ordem e equilibrada;2. Gastar só o que estiver nas minhas possibilidades, sem entrar no cheque especial;3. Escolher bem os amigos, para não se sentir “traído”, depois;4. Selecionar melhor os auxiliares da minha quitanda, para o bem de todos;5. Falar sempre a verdade, doa a quem doer, por maior constrangimento que houver;6. Terminar de ler, sem falta, aquele livro do Celso Furtado.

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Mais uma vez fui coroado de pleno sucesso na derrota, ou

seja, nada do que eu predisse teve a mais remota chance de ser

realizado, o que me incita a renovar um conjunto de promessas,

certo de que o seu cumprimento, no ano que se inicia, está fadado

ao mesmo inglório destino. Alguns leitores poderão retrucar que

eu abuso da arte da adivinhação, pois que apostando numa

inviabilidade totalmente previsível, mormente quando se trata de

previsões aplicadas à realidade brasileira, sendo meu exercício,

portanto, um jogo de cartas marcadas, ou uma espécie de tarô

viciado. Alto lá, leitor incréu: poucas pessoas têm consciência

de quão difícil é fazer previsões completamente impossíveis de

serem confirmadas na prática, em especial num país como o Brasil

que cultiva no mais alto grau todos os gêneros de astrologias e

predições. Trata-se de um setor de atividade que deve mobilizar

algo em torno de 1 a 2% do PIB dos serviços – o que é,

reconheçamos, considerável –, dando empregos a profissionais do

ramo que não ficam nada a dever aos melhores ilusionistas e

trapaceiros da história. Todos os dias, nos mais sisudos jornais

conservadores, seções de astrologia realizam previsões completas

para todas as idades e gêneros, sendo que todo final de ano,

justamente, assiste-se a uma pletora de previsões impactantes,

cada uma mais espetacular do que a outra.

Eu mesmo fui “punido” por tomar como leviandade uma dessas

previsões feitas no final de 2005, envolvendo nada menos do que

os altos destinos do País. Vide, por exemplo, o meu texto

“Astrologia diplomática?”, redigido em 31 de dezembro de 2005, e

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comentando em estilo jocoso previsões astrológicas que cobriam a

área da política externa (postado no blog pessoal; link:

http://paulomre.blogspot.com/2005/12/102-astrologia-

diplomtica.html#links). O astrólogo em questão, cujo nome não vem

ao caso – era o presidente de algum sindicato da categoria –,

teve a petulância de prever fortes tensões do Brasil com os

países vizinhos (a expressão usada foi “conflitos intensos”),

inclusive com o risco de “rompimento de relações diplomáticas”.

Olhando para não sei qual mapa astral, ele predisse que os

momentos de maior tensão seriam em junho e julho, segundo ele

“dois meses de muitos perigos ao nível das relações exteriores do

Brasil”. Para quem achava que Evo Morales era “muy amigo” do

Brasil e de seu presidente, essa previsão não deixava de ter

sabor de chá de coca apimentada (mas talvez ele estivesse

pensando na Argentina). Vejam, caros leitores, como as mais

absurdas previsões correm o risco de se realizarem, uma razão a

mais para eu ser especialmente cauteloso na minha nova safra de

promessas impossíveis.

Feita esta digressão metodológica e histórica sobre a arte

da astrologia política, vejamos o que poderia ser afirmado com

respeito ao ano de 2007, que confronta o senso comum e apresenta

risco zero de realização (talvez por isso mesmo). Alerto, em

primeiro lugar, que, à diferença dos exercícios do gênero, que

mantêm, deliberadamente, uma linguagem suficientemente vaga para

acomodar toda e qualquer situação no domínio das possibilidades

humanas, as minhas previsões são altamente acuradas, baseando-se

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nas melhores estatísticas de institutos oficiais – como IBGE e

IPEA – e conectam-se diretamente à nossa realidade terrena,

deixando os astros em seu lugar. Cabe também notar, em segundo

lugar, que as minhas previsões não vêm com selo de garantia, não

me podendo, portanto, serem imputados os desacertos – isto é, os

acertos – de sua realização efetiva. Qualquer reclamação deve,

como seria de se esperar, ser dirigida às autoridades da área,

que não fizeram suficientes esforços para desmentir-me em meu

incurável otimismo.

Feitas estas digressões de simples resguardo metodológico,

vejamos quais seriam as minhas previsões para 2007:

1. O Brasil vai crescer pelo menos 5% a partir de 2007, com quedasensível no desemprego;2. As contas fiscais caminharão para o equilíbrio, com tendência ao superávit nominal;3. O Congresso vai conhecer um ano inédito de alta produtividade e baixos gastos correntes;4. O dólar vai se valorizar e a paridade do real satisfará aos exportadores e agricultores;5. O déficit da Previdência caminha para o desaparecimento, com um amplo choque de gestão;6. A infra-estrutura brasileira é totalmente renovada, com base em investimentos privados;7. A integração regional avança decisivamente, com a adesão de Cuba, Bolívia e Equador;8. O governo demonstra alto grau de coesão política e substancialeficiência administrativa;9. O ensino público dá salto de qualidade e as universidades não fazem greve por salários; 10. O MST reconhece que o agronegócio e a biotecnologia são benéficos ao Brasil.

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Caberia justificar, ainda que não em detalhe, cada uma

dessas previsões, com uma pequena digressão sobre as razões de

sua eleição para esta lista de realizações impossíveis. Não

transcreverei as estatísticas oficiais que sustentam meus

argumentos, bastando remeter às fontes de dados originais e às

observações de eminentes colunistas da imprensa econômica.

1. O Brasil vai crescer pelo menos 5% a partir de 2007, com quedasensível no desemprego

Em vista da média de 2,5% de crescimento do PIB, no último

quarto de século – de fato, menos de 1% de crescimento da renda

per capita – e da persistente taxa de investimentos situada ao

redor de 20% do PIB, a única certeza que poderíamos ter quanto a

isso seria esta: não há nenhum risco de que, persistindo o baixo

nível de investimentos produtivos, a taxa ultrapasse 3% na média.

Se o fizer, será um impulso após um ano de baixo crescimento,

como ocorreu em 2004, sucedendo ao medíocre, para não dizer

inacreditavelmente pífio, “crescimento” de 2003. Havendo

crescimento, haverá risco de aceleração inflacionária, de apagão

energético ou colapso em determinados serviços de infra-estrutura

(estradas e portos, sobretudo).

Como já tive a oportunidade de discutir de maneira um pouco

mais estruturada, alinhando números e correlações empíricas

testadas por economistas de renome – ver meu artigo “Uma verdade

inconveniente (ou: por que o Brasil não cresce 5% ao ano...)”,

Espaço Acadêmico (nr. 67, dezembro de 2006; link:

http://www.espacoacademico.com.br/067/67pra.htm) –, a chance de

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que o Brasil possa apresentar um crescimento superior a 3% é

próxima de zero, com base na experiência acumulada de algumas

dezenas de economias capitalistas nas últimas quatro décadas. Com

efeito, países com carga fiscal superior a 35% por cento do PIB,

como é o caso do Brasil, conheceram um crescimento médio inferior

a 3% do PIB. Acresce à carga nominal, no caso do Brasil, o

elemento “natureza da tributação”, especialmente incidente sobre

os lucros das empresas – o que diminui ipso facto os recursos para

investimentos produtivos – e sobre a folha salarial, o que é um

poderoso indutor de informalidade – e, portanto, de baixo

recolhimento previdenciário –, quando não de desemprego efetivo.

Seria, portanto, totalmente surpreendente que o Brasil

crescesse a taxas próximas às dos demais emergentes. Na verdade,

o PIB do Brasil está crescendo menos da metade da média mundial e

três vezes menos do que a média dos países emergentes. Como não

existe consenso – talvez sequer consciência – entre os políticos

e responsáveis governamentais de que a carga fiscal total é um

obstáculo absoluto ao crescimento, a única previsão possível,

nessa área, é a de que o Brasil continuará a patinar no baixo

crescimento pelos próximos anos. Em todo caso, eu aceito apostas

quanto a um crescimento sustentável superior a 3% nos próximos

três anos.

2. As contas fiscais caminharão para o equilíbrio, com tendência ao superávit nominal

No que se refere às contas públicas em 2007 e mais além, uma

das poucas evidências que temos é, justamente, a de sua

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deterioração, acompanhando, aliás, a tendência já detectada ao

baixo crescimento ou mesmo à estagnação. As despesas públicas vêm

crescendo, nos últimos dez anos, sistematicamente acima do

crescimento do PIB e da própria inflação, o que significa que o

setor estatal, em suas diversas vertentes, captura cada vez mais

recursos privados para seus gastos correntes. Tendo em vista as

generosas correções salariais concedidas ao funcionalismo, a

reposição do salário mínimo acima das taxas de produtividade e de

inflação e a expansão dos gastos correntes – com novas

contratações e mais despesas continuadas –, a previsão,

igualmente, é a de que o governo está armando, para si próprio,

uma bomba fiscal, a explodir em algum momento entre 2007 e 2008.

Existem apenas três “saídas” para o desequilíbrio

orçamentário, qualquer que seja a sua origem: inflação produzida

por emissões irresponsáveis, déficit público financiado com mais

impostos ou crescimento da dívida pública, empurrando o problema

para a próxima geração (na verdade para nós mesmos, tendo em

vista os prazos reduzidos dos títulos públicos). Como o espaço

para o emissionismo nefasto diminuiu relativamente a partir do

“insulamento” da conta do Tesouro – proibido de financiar o Banco

Central – e da Lei de Responsabilidade Fiscal e como a sociedade,

através do Congresso, parece pouco disposta a aprovar novos

impostos ou a elevação dos existentes, o mais provável é o

crescimento da dívida pública, o que dificulta a diminuição dos

juros e o aumento da taxa de investimento.

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A única aposta que eu estaria disposto a aceitar, nesta

frente, seria a permanência do status quo, isto é, a manutenção do

equilíbrio instável da situação fiscal, mas de forma nenhuma sua

melhora no horizonte imediato. Com a pressão do próprio partido

do governo por maiores gastos ditos “sociais”, não há tampouco

chance de que as contas públicas entrem numa trajetória virtuosa

de adequação a um perfil fiscalmente responsável. Na verdade, o

superávit primário – um conceito “jabuticaba”, pois que ele só

existe no Brasil – teria de crescer para algo próximo a 6% do

PIB, de maneira a zerar o déficit nominal. Alguém aposta nesse

desempenho?

3. O Congresso vai conhecer um ano inédito de alta produtividade e baixos gastos correntes

Se os parlamentares fossem pagos por comparecimento ao

trabalho ou até por legislação aprovada de maneira responsável,

eles se aproximariam da remuneração de um agente de portaria ou

de um ascensorista (não do Senado, obviamente, mas do setor

privado). Não se trata, aliás, de remuneração dos parlamentares

no sentido estrito do termo (pois eles até poderiam ganhar um

salário de balconista), mas do custo total dos diversos

legislativos em face da produtividade pífia que eles apresentam,

próxima de zero ou mesmo marginal. Qualquer pessoa que conheça o

modo de funcionamento do Congresso e o perfil típico dos atuais

parlamentares sabe que o poder legislativo tornou-se, no Brasil,

um corpo estranho à sociedade, uma instância totalmente isolada

das preocupações cotidianas da população, integrada por uma

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corporação auto-centrada na defesa dos seus privilégios. Basta,

por exemplo, comparar o nível de gastos totais dos legislativos

com a renda per capita média do Brasil ou com os gastos por

parlamentar de outros legislativos, mesmo de países ricos,

ostentando seis vezes, ou mais, a nossa renda per capita: precisa

mais?

Com a mesma precisão matemática daquela “lei” do crescimento

da capacidade e rapidez de processamento dos circuitos integrados

– que dobrariam a cada 18 meses –, pode-se prever, com alguma

probabilidade de acerto, que a qualidade do Legislativo piora a

cada legislatura. O pior não está apenas na “produtividade” dos

parlamentares, mas na sua inacreditável capacidade de aprovar,

continuamente, medidas que contribuem para “travar” – para usar

uma palavra do momento – o crescimento da economia, seja

aumentando despesas, seja onerando mais e mais o setor privado

com regulamentações bizarras, seja ainda concedendo “favores

fiscais” a categorias especiais de amigos do poder. No conjunto,

existem poucas chances de que os legislativos dos três níveis da

federação mudem para melhor no futuro previsível.

4. O dólar vai se valorizar e a paridade do real satisfará aos exportadores e agricultores

Todos os exportadores pedem a desvalorização do real, para

um patamar próximo de R$ 3,00 por dólar, ou se possível ainda

mais. Hoje, o dólar se encontra numa paridade inferior ao seu

valor real de dezembro de 1998, quando a então oposição acusava o

governo anterior de praticar “populismo cambial”. O que não se

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diz é que um dólar mais caro e um real mais barato tornariam

todos os brasileiros um pouco mais pobres, além de contribuir

para uma pressão inflacionária que se esperava terminada.

Controlar capitais ou acumular reservas não são soluções sem

custos.

O fato é que se o governo praticar uma política cambial mais

“ativa”, como pedem os incuráveis redistribuidores da renda

interna para um punhado de exportadores pouco propensos a obter

ganhos de produtividade – estou excluindo aqui os agricultores,

que de fato têm seus preços fixados nos mercados mundiais, para

quem a taxa de câmbio é uma variável crucial no processo de

formação de preços internos –, o resultado será, obviamente, uma

maior competitividade das exportações brasileiras e, portanto,

maior influxo de dólares, com o que se valorizará novamente a

moeda nacional.Ou seja, trata-se de uma questão circular que não

será resolvida apenas com “desvalorizações políticas”, e sim com

aumento das importações, maior abertura da economia e um

comportamento fiscal mais responsável (diminuindo o patamar dos

juros que continuam a atrair capitais financeiros em vista do

diferencial entre taxas internas e externas).

O que estou dizendo, em suma, é que não aposto um dólar

furado na desvalorização do real como solução aos problemas

cambiais brasileiros. Um real mais barato carrearia muito mais

dólares de exportações para o Brasil, renovando o problema,

qualquer que seja a política do BC. Como já disseram alguns

economistas famosos – talvez o próprio Mário Henrique Simonsen –,

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qualquer que seja a taxa do dólar, para os exportadores ele

sempre está defasado em 25%. De todas as previsões feitas pelos

economistas no final de 2005 quanto ao comportamento da economia

em 2006 – taxas de crescimento e de inflação, nível do dólar,

justamente –, a paridade cambial foi a mais distante da

realidade. Alguém estaria disposto a apostar sua poupança numa

desvalorização significativa do real face ao dólar?

5. O déficit da Previdência caminha para o desaparecimento, com um amplo choque de gestão

Parece incrível, mas existem aqueles que afirmam não haver,

na verdade, um déficit previdenciário no Brasil. Haveria, apenas

e tão somente, um problema “conceitual”, derivado da mistura das

despesas com assistência social no mesmo bolo das contas dos

recolhimentos feitos e dos pagamentos previdenciários. Para

estes, não é necessária nenhuma reforma previdenciária, bastando

um “choque de gestão” para eliminar “despesas indevidas” e

aperfeiçoar um sistema que seria “fundamentalmente justo”, do

ponto de vista dos “interesses dos trabalhadores”.

Deve-se lembrar, antes de mais nada, que um déficit

estritamente “contábil” já é uma realidade no setor público e,

ainda que o governo recolhesse os encargos previdenciários do

setor público, ele teria, de qualquer forma, de retirar dinheiro

de alguma parte para “contribuir” para um sistema que ele mesmo

administra ou para efetuar os pagamentos correntes. Isto se dá

porque o sistema previdenciário brasileiro funciona na base da

repartição, ou do pay-as-you-go, e não segundo um regime de

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capitalização. Pode-se ainda argumentar que a unificação das duas

contas foi determinada constitucionalmente e que, qualquer que

fosse a reorganização nas despesas assistenciais e

previdenciárias, o problema do financiamento em bases correntes

continuaria do mesmo tamanho, ou seja deficitário, em vista da

incorporação contínua de novos beneficiários – e que nunca

contribuíram para o sistema – e da expulsão de possíveis

contribuintes, em função da tremenda informalidade vigente na

economia brasileira. Na verdade, o sistema brasileiro induz o

jovem trabalhador de faixas salariais baixas a jamais contribuir

para o sistema, pois sua futura remuneração previdenciária seria

próxima do salário mínimo, algo que ele já tem assegurado sem

sequer contribuir com um único centavo ao longo de toda a sua

vida. O Brasil consegue produzir, desde muito cedo, um “exército

de assistidos” e um deserto de contribuintes.

Como toda e qualquer reforma previdenciária efetiva

precisaria passar pela diminuição dos benefícios correntes e pela

extensão das obrigações, e como os atuais dirigentes não parecem

propensos a iniciar uma nova briga contra os atuais e futuros

beneficiários, não tenho a mínima hesitação em “prever” a

continuidade do atual cenário de deterioração paulatina dos

regimes previdenciários. Também “prevejo” que os custos serão

pagos pela nossa própria geração, já que o problema tende a se

agravar nos próximos anos, gerando uma insuportável pressão

fiscal que vai se traduzir em maior nível de endividamento

público e, portanto, em juros mais elevados, menor crescimento e

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possivelmente maiores pressões inflacionárias. Alguém quer

apostar?

6. A infra-estrutura brasileira é totalmente renovada, com base em investimentos privados

Quem conhece, não apenas a realidade do orçamento público,

mas a capacidade gestora do Estado brasileiro, não deveria

apostar numa diminuição rápida do chamado “custo Brasil”. Ele é

derivado de uma logística deficiente, da insuficiência de oferta

energética e da deterioração sensível dos serviços públicos –

quando não explorados em regime de concessão –, tendo em vista o

péssimo ambiente regulatório hoje conhecido, com o

estrangulamento de diversas agências reguladoras instituídas na

lei enquanto “função de Estado” (não a serviço do governo).

Bastaria observar, por exemplo, o patético debate em torno do

regime de “parcerias público-privadas” (PPPs), apresentadas,

durante algum tempo no início do mandato 2003-2006, como a

“salvação da lavoura”: as grandes esperanças nelas depositadas ao

longo dos primeiros dois anos foram se esvaindo, a ponto de

ninguém mais delas cobrar, ou esperar, algo mais do que mero

paliativo aos graves problemas de investimento em infra-estrutura

no Brasil.

Existem os que acreditam que as PPPs são a solução “genial”

para a falta de recursos do Estado para investimentos em

empreendimentos que, de outra forma, seriam estatais, na visão

dos “planejadores com dinheiro alheio”. Eles parecem desconhecer

a história, esquecendo, por exemplo, que o Estado brasileiro

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“funcionou” à base de PPPs nos primeiros 130 anos de sua vida

administrativa. Com efeito, desde o segundo Império até a

terceira República, pelo menos, os serviços públicos foram todos

oferecidos no regime de PPP, geralmente com capitais estrangeiros

investidos em grandes obras de infra-estrutura, de transportes e

comunicações. Na verdade, o regime das PPPs consiste numa forma

disfarçada de privatização – na ausência de coragem para retomar

esse processo profundamente benéfico do ponto de vista da

eficiência da maior parte desses serviços públicos –, sendo que

nem de longe se trata de uma privatização bem-vinda, pois que

implicando a garantia do Estado de “retorno adequado” ao

investidor privado – como no velho esquema da “garantia de juros”

do Império e da velha República –, o que pode induzir a fraudes

contábeis e pagamentos indevidos por parte do Estado. Melhor

seria uma privatização pura e simples do serviço em questão, com

todos os riscos assumidos pelo investidor privado, em lugar da

“mão visível” (e geralmente induzida a errar) do Estado, ou então

um regime direto de concessão, sob adequada regulação estatal.

Neste capítulo, como nos demais, não aposto muito em ganhos

de eficiência ou em algum aumento significativo dos investimentos

em infra-estrutura, embora possa haver alguma oferta de recursos

privados em serviços tradicionalmente “estatais”, já que

investidores privados estão sempre dispostos a ganhar dinheiro

com garantias dadas pelo Estado de retorno “adequado”.

7. A integração regional avança decisivamente, com a adesão de Cuba, Bolívia e Equador

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O processo de integração na América Latina – ou na América

do Sul, como parece ser a ênfase atual – tem se afastado cada vez

mais de suas origens comercialistas ou mesmo claramente

econômicas, para estender a áreas cada vez mais extensas de

responsabilidade estatal: representação parlamentar, cooperação

cultural, interações “sociais” de diversas ordens, políticas

comuns nos terrenos tradicionalmente reservados ao arbítrio

governamental – como podem ser as políticas industrial,

tecnológica ou agrícola –, integração “educacional” e

“previdenciária”, para nada dizer dos projetos de “moeda comum”,

que questionam diretamente a soberania nacional, defendida de

maneira tão ferrenha em outras vertentes. Não se pode ser

contrário a todas essas formas novas de integração política,

social e cultural, mas pode-se argumentar que sem o cimento da

liberalização comercial e sem os alicerces da coordenação de

políticas macroeconômicas, todas essas formas de integração podem

ser construídas sobre um “castelo de areia”, suscetíveis,

portanto, de serem fragilizadas pela ausência de substrato

efetivo ao edifício integracionista.

Persiste, de qualquer forma, uma dificuldade insuperável na

concepção mesma do novo modelo de integração, “bolivariano”, que

vem sendo proposto como alternativa ao velho processo de

integração comercial e econômica: ele parece sustentar-se na

indução de comércio estatal, na elaboração de grandes projetos de

integração física – a serem conduzidos pela força exclusiva de

estatais energéticas – e na promoção de políticas ativas nos

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terrenos social e compensatório (de claro corte

redistributivista). Existem limites a esse tipo de ação induzida

do alto, que são aqueles colocados pela disponibilidade de

recursos públicos: poucos países, na América Latina, podem

dispor, como a Venezuela, de uma “vaca petrolífera” a ser

ordenhada de modo contínuo durante longos anos. Nenhum dos três

países mencionados em epígrafe, candidatos prováveis na nova onda

de ampliação do Mercosul, parece caracterizar-se por um comércio

exterior especialmente dinâmico, por indústrias competitivas ou

por políticas comerciais de corte nitidamente livre-cambista (que

é o mínimo que se espera, finalmente, de acordos de integração).

Se for para trocar chá de coca por charutos cubanos, ou pescado

equatoriano por programas de televisão da Telesur, com

financiamento venezuelano, pode-se antecipar que o ritmo da

integração “bolivariana” será necessariamente lento e limitado.

Pode-se, aliás, indagar qual dos países citados estaria disposto

a abrir-se, de verdade, aos produtos industriais brasileiros em

igualdade de condições e segundo padrões de competitividade que

não se encaixem no molde dos monopólios estatais. Alguma aposta a

ser feita nessa “outra integração possível”?

8. O governo demonstra alto grau de coesão política e substancialeficiência administrativa

Os argumentos neste capítulo seriam, não factuais e

mensuráveis, mas puramente de tipo subjetivo. Como não pretendo

parecer “abstrato” ou deliberadamente impressionista, eximo-me de

apresentar qualquer elemento opinativo que possa destoar do tom

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presumivelmente “objetivo” das demais previsões. Em todo caso, os

cientistas políticos que trabalham com políticas públicas sabem

como medir a coesão política de um governo particular –

construída à base de votações parlamentares, de uma clara agenda

congressual, de diretrizes claras por parte do Executivo e de

“correias de transmissão” nas diversas bancadas de apoio nos

movimentos políticos – e sabem como aferir a eficiência das

políticas setoriais – que se traduzem em resultados diferenciados

no tempo, após a aprovação de alguma medida específica.

Pode-se indagar, por exemplo, dos resultados das políticas

redistributivistas – não em termos de assistência imediata, que é

aferível, mas como “porta de saída” da situação de partida – ou

da eficácia de outras políticas setoriais, como o “primeiro

emprego”, a política industrial ou mesmo a reforma agrária (esta

do ponto de vista da inserção dos camponeses pobres no mercado

agrícola “normal”). Com exceção da política de microcrédito –

que, na verdade, estimulou uma expansão da demanda (afunilada

agora por um crescimento do endividamento privado), sem mencionar

o balanço negativo do “braço popular” do Banco do Brasil – o que

se pode constatar, de efetivo, é a extensão da cobertura

assistencial e das políticas de inclusão social. Meritórias em

seu espírito, elas podem criar, pelos procedimentos adotados (ou

seja, concessão de renda, mas não de um emprego), novas formas de

dependência estatal que engessarão ainda mais o quadro dos gastos

públicos e, em conseqüência, o combalido orçamento federal. O

problema, que tem imediatos reflexos no mercado de trabalho, não

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é trivial e pode traduzir-se em mais uma “bomba fiscal” a

atormentar os responsáveis econômicos pelos anos à frente.

Para ficar no terreno das apostas, pode-se “prever” grau

razoável de “coesão política” em torno desse tipo de proposta –

posto que emanando da classe que se beneficia diretamente de sua

implementação, com dividendos eleitorais bem visíveis – mas

caberia questionar a “eficiência” econômica desses expedientes

que se alimentam de seu próprio “sucesso”. Torna-se virtualmente

impossível a substituição dessas políticas por outras de corte

menos assistencialista ou dotadas de virtudes redistributivas

pela ação do próprio mercado, não mediante a canalização estatal

dos recursos produzidos a partir de tributos crescentes sobre o

setor produtivo, o único em condições de criar riqueza e emprego

em qualquer sistema econômico racionalmente concebível.

9. O ensino público dá salto de qualidade e as universidades não fazem greve por salários

As propostas tendentes a melhorar a qualidade do ensino

público parecem sempre passar pela mobilização de mais recursos

financeiros para o ensino como um todo: dos atuais 5% do PIB –

que coincide com a média dos países da OCDE – para algo próximo a

7% do PIB. Por certo que um maior volume de recursos direcionados

para a educação é sempre bem-vindo, uma vez que gastos nessa área

sempre apresentam algum retorno de médio prazo, com reflexos

diretos nas externalidades estatais em benefício do setor privado

e efeitos indiretos na melhor redistribuição de renda via mercado

de trabalho. Acontece que o Brasil apresenta uma pirâmide

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invertida – bem perversa, além do mais – na distribuição desses

recursos, com uma concentração exagerada no terceiro ciclo e na

pós-graduação e uma insuficiência de meios – e de atenção também

– nos dois ciclos anteriores e no ensino técnico-profissional.

Da forma como elas (não) funcionam atualmente, as

universidades públicas não deveriam receber recursos públicos

adicionais, ainda que elas os pudessem merecer, em vista da

notória insuficiência dos equipamentos e do conhecido

estrangulamento salarial dos professores. Como resultado do

corporativismo exacerbado e do sindicalismo falsamente

democratizante, o nível de gestão nelas praticado aproxima-se

mais dos clubes amadores de futebol (mais conhecidos como “de

várzea”) do que de empresas comprometidas com resultados

aferíveis.

De resto, o forte corporativismo nelas reinante também é

típico das demais categorias de professores do sistema público,

com preocupações “isonômicas” que passam ao largo de uma

remuneração por resultados. Os efeitos desse tipo de falso

igualitarismo é o desestímulo aos professores mais

empreendedores, que não podem ser remunerados pelo seu mérito

individual, o que contribui para a mediocrização de toda a

categoria dos profissionais do ensino. Ademais, a ênfase nos

equipamentos – one laptop per child, por exemplo – é uma forma de

escamotear o problema, pois parece evidente que o “soft”, ou

seja, a qualificação adequada do professor, será sempre mais

importante do que o “hard” das maquinetas distribuídas

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graciosamente à custa de mais impostos do conjunto da sociedade.

Os requerimentos essenciais de uma boa escola passam pelo domínio

adequado da língua nacional, das matemáticas elementares e das

ciências naturais e sociais em nível pouco superior ao básico. Se

a escola pública não é capaz de fornecer esses elementos da boa

educação, não serão os computadores a US$ 100 que o farão.

Quanto às greves dos universitários, eu não apostaria sequer

um computador de US$ 50 em sua descontinuidade. Alguma dúvida

nisso?

10. O MST reconhece que o agronegócio e a biotecnologia são benéficos ao Brasil

Quem é capaz de acreditar nesse tipo de transformação

radical, também deve acreditar em duendes, no saci e na mula-sem-

cabeça. Na verdade, o MST não está minimamente interessado no

sucesso econômico da pequena propriedade agrícola – uma vez que

isto destruiria sua base social enquanto partido político

“neobolchevique” – ou num debate científico sobre o papel dos

OGMs na viabilização da pequena propriedade em escala comercial.

Como diz o velho ditado, contra argumentos como os que são

brandidos pelo MST não há fatos que desacreditem sua ação

falsamente revolucionária (de fato, essencialmente reacionária).

Minha aposta, portanto, é pela continuidade do mesmo fetichismo

da “justiça” social, seguindo uma agenda de lutas que está

atrasada em pelo menos meio século, para não dizer que ela

pertence ao século XIX.

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Encerro minha série de previsões imprevisíveis, já que não

se poderia, a priori, excluir a possibilidade – ainda que remota –

de algum “estalo de Vieira” na cabeça de alguns dirigentes bem

posicionados na escala do processo decisório. Nunca se deve

subestimar o espírito racional dos homens de boa vontade, em

especial se cercados de uma burocracia pública de boa qualidade,

como parece ser a tecnocracia brasileira da área econômica. Pelo

menos eu “desejo” acreditar que alguma evolução positiva é

possível no Brasil atual. Estarei sonhando?

Como se vê, trata-se de apostas ousadas, pois elas correm o

risco de se realizarem, contra eventuais tendências negativas

acumuladas em função de uma conjunção desfavorável dos astros no

cenário externo. A ação dos homens, em especial os da estirpe dos

nossos políticos, representa um fator imponderável, pois que suas

iniciativas podem revelar-se decisivas para a consecução de todas

as, ou pelo menos parte das, previsões arriscadas aqui

realizadas. Esses fatores contingentes são, por vezes, mais

poderosos do que a lenta ação estrutural de elementos “pesados”

da história, que são aqueles dados pelas condições econômicas

subjacentes, pelas tradições políticas, pelo substrato cultural e

pelos comportamentos sociais.

Como parece que o homem brasileiro não desiste nunca, sendo

antes de tudo um forte – pelo menos em sua componente telúrica e

nativa –, é possível que cheguemos ao final de 2007 com algumas

das apostas total ou parcialmente realizadas, com o que terei de

aposentar minha (pouco) promissora carreira de astrólogo do

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impossível, dando cabo à minha série de previsões imprevidentes.

A sorte está lançada: a conferir em doze meses, aproximadamente.

Vale!

Brasília, 24 e 29 de dezembro de 2006.

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