1703) Previsões para o ano da graça de 2007: sempre otimista quanto à sua impossibilidade (2006)
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Previsões para o ano da graça de 2007:sempre otimista quanto à sua impossibilidade
Paulo Roberto de Almeida([email protected]; www.pralmeida.org)
Como sabem todos aqueles que me lêem regularmente – e eles
certamente são poucos –, todo final de ano eu me dedico,
religiosamente se ouso dizer, à inglória tarefa de interrogar os
astros para saber o que eles reservam ao País e ao povo
brasileiro no ano que começa. Trata-se de uma tarefa totalmente
fadada ao insucesso, deliberadamente, pois que minhas previsões
têm isso de peculiar que elas são feitas, justamente, com vistas
ao seu fracasso completo, sendo minha vitória, neste gênero
particular de astrologia política, tanto mais retumbante quanto
mais longe essas previsões se situarem de uma hipotética (e
quanto mais longínqua melhor) realização.
Mas que utilidade haveria, pode-se perguntar o ilustre – e
solitário – leitor, em formular hipóteses totalmente impossíveis
de serem efetivadas? Bem, minha escusa é a de que as previsões se
situam, mesmo remotamente, dentro do plausível e do possível,
sendo que sua materialidade efetiva não se concretiza, no Brasil,
apenas em virtude daquela mesma visão conspiratória que faz com
que certos agentes particulares sejam os autores de sua própria
história: ou seja, é a pura falta de vontade política dos
responsáveis pelo supremo comando da Nação que determina o
insucesso total desse gênero peculiar de astrologia. Trata-se da
mesma visão do mundo que transforma os arrogantes imperialistas
1
americanos nos únicos responsáveis por todos os males da
globalização capitalista e também pelas desigualdades inerentes a
esse nefando sistema social que nos domina e oprime de maneira
exclusiva, desde a infausta derrocada do modo alternativo de
produção e de (baixo) consumo.
Como eu sou um incurável otimista, continuo formulando a
cada ano minhas previsões, independentemente de sua não-
realização – ou, talvez, por isso mesmo – certo de que, mais uma
vez, serei brindado, ao final do ano que se inicia, com um rol
completo de tarefas inacabadas, de derrotas previsíveis e de
missões impossíveis. Tanto melhor, pois estarei renovando assim
minha confiança no poder preditivo dos astros, já que este tipo
de astrologia só ganha título de nobreza e ares de credibilidade
quando suas apostas são deliberadamente inverossímeis e de
difícil, senão impossível, concretização. Apenas para provar como
tal prática de acertar no erro e no insucesso das previsões é uma
arte de difícil manipulação, apresento a seguir um sumário de
minhas duas últimas previsões, todas completamente estapafúrdias
nas condições que são as nossas – isto é, da política e da
economia no Brasil – e isto a despeito mesmo de seu caráter
plausível, como eu sempre me esforço por sublinhar.
Em dezembro de 2004, para não ir muito longe, eu redigia as
minhas “Sete previsões Imprevidentes: minha ‘caixa de surpresas’
para o novo ano”, que se constituíam, como seria de se esperar,
em antecipações impossíveis de ocorrer no novo ano (ver em Espaço
Acadêmico, nr. 44, janeiro de 2005; link:
2
http://www.espacoacademico.com.br/044/44pra.htm). Em resumo,
minhas apostas provocadoras e visivelmente exageradas eram as
seguintes:
1. O governo decreta sua conversão ao capitalismo;2. O Estado decide retirar-se parcialmente de cena;3. Radical inversão das políticas sociais;4. Concentração de recursos na educação fundamental;5. Acaba a era Vargas: abolida a Justiça do Trabalho;6. Decretado o fim da reforma agrária; e7. Maior abertura e inserção econômica internacional.
Como eu tive a sorte de nenhuma delas ser confirmada na
prática, reincidi no “crime” um ano depois, quando elaborei novas
propostas desafiadoras, sob a forma de uma reflexão pessoal
dirigida ao nosso responsável máximo, mas que muitos leitores,
desatentos, interpretaram como sendo minhas próprias resoluções
para o ano de 2006. As “resoluções de Ano Novo” – publicadas
exatamente um ano depois, neste mesmo veículo (Espaço Acadêmico, nr.
56, janeiro de 2006; link:
http://www.espacoacademico.com.br/056/56almeida.htm) – consistiam
em uma nova série de tarefas impossíveis, sobretudo em vista do
fabuloso cenário de malversações em curso na política nacional:
1. Manter a contabilidade lá de casa em ordem e equilibrada;2. Gastar só o que estiver nas minhas possibilidades, sem entrar no cheque especial;3. Escolher bem os amigos, para não se sentir “traído”, depois;4. Selecionar melhor os auxiliares da minha quitanda, para o bem de todos;5. Falar sempre a verdade, doa a quem doer, por maior constrangimento que houver;6. Terminar de ler, sem falta, aquele livro do Celso Furtado.
3
Mais uma vez fui coroado de pleno sucesso na derrota, ou
seja, nada do que eu predisse teve a mais remota chance de ser
realizado, o que me incita a renovar um conjunto de promessas,
certo de que o seu cumprimento, no ano que se inicia, está fadado
ao mesmo inglório destino. Alguns leitores poderão retrucar que
eu abuso da arte da adivinhação, pois que apostando numa
inviabilidade totalmente previsível, mormente quando se trata de
previsões aplicadas à realidade brasileira, sendo meu exercício,
portanto, um jogo de cartas marcadas, ou uma espécie de tarô
viciado. Alto lá, leitor incréu: poucas pessoas têm consciência
de quão difícil é fazer previsões completamente impossíveis de
serem confirmadas na prática, em especial num país como o Brasil
que cultiva no mais alto grau todos os gêneros de astrologias e
predições. Trata-se de um setor de atividade que deve mobilizar
algo em torno de 1 a 2% do PIB dos serviços – o que é,
reconheçamos, considerável –, dando empregos a profissionais do
ramo que não ficam nada a dever aos melhores ilusionistas e
trapaceiros da história. Todos os dias, nos mais sisudos jornais
conservadores, seções de astrologia realizam previsões completas
para todas as idades e gêneros, sendo que todo final de ano,
justamente, assiste-se a uma pletora de previsões impactantes,
cada uma mais espetacular do que a outra.
Eu mesmo fui “punido” por tomar como leviandade uma dessas
previsões feitas no final de 2005, envolvendo nada menos do que
os altos destinos do País. Vide, por exemplo, o meu texto
“Astrologia diplomática?”, redigido em 31 de dezembro de 2005, e
4
comentando em estilo jocoso previsões astrológicas que cobriam a
área da política externa (postado no blog pessoal; link:
http://paulomre.blogspot.com/2005/12/102-astrologia-
diplomtica.html#links). O astrólogo em questão, cujo nome não vem
ao caso – era o presidente de algum sindicato da categoria –,
teve a petulância de prever fortes tensões do Brasil com os
países vizinhos (a expressão usada foi “conflitos intensos”),
inclusive com o risco de “rompimento de relações diplomáticas”.
Olhando para não sei qual mapa astral, ele predisse que os
momentos de maior tensão seriam em junho e julho, segundo ele
“dois meses de muitos perigos ao nível das relações exteriores do
Brasil”. Para quem achava que Evo Morales era “muy amigo” do
Brasil e de seu presidente, essa previsão não deixava de ter
sabor de chá de coca apimentada (mas talvez ele estivesse
pensando na Argentina). Vejam, caros leitores, como as mais
absurdas previsões correm o risco de se realizarem, uma razão a
mais para eu ser especialmente cauteloso na minha nova safra de
promessas impossíveis.
Feita esta digressão metodológica e histórica sobre a arte
da astrologia política, vejamos o que poderia ser afirmado com
respeito ao ano de 2007, que confronta o senso comum e apresenta
risco zero de realização (talvez por isso mesmo). Alerto, em
primeiro lugar, que, à diferença dos exercícios do gênero, que
mantêm, deliberadamente, uma linguagem suficientemente vaga para
acomodar toda e qualquer situação no domínio das possibilidades
humanas, as minhas previsões são altamente acuradas, baseando-se
5
nas melhores estatísticas de institutos oficiais – como IBGE e
IPEA – e conectam-se diretamente à nossa realidade terrena,
deixando os astros em seu lugar. Cabe também notar, em segundo
lugar, que as minhas previsões não vêm com selo de garantia, não
me podendo, portanto, serem imputados os desacertos – isto é, os
acertos – de sua realização efetiva. Qualquer reclamação deve,
como seria de se esperar, ser dirigida às autoridades da área,
que não fizeram suficientes esforços para desmentir-me em meu
incurável otimismo.
Feitas estas digressões de simples resguardo metodológico,
vejamos quais seriam as minhas previsões para 2007:
1. O Brasil vai crescer pelo menos 5% a partir de 2007, com quedasensível no desemprego;2. As contas fiscais caminharão para o equilíbrio, com tendência ao superávit nominal;3. O Congresso vai conhecer um ano inédito de alta produtividade e baixos gastos correntes;4. O dólar vai se valorizar e a paridade do real satisfará aos exportadores e agricultores;5. O déficit da Previdência caminha para o desaparecimento, com um amplo choque de gestão;6. A infra-estrutura brasileira é totalmente renovada, com base em investimentos privados;7. A integração regional avança decisivamente, com a adesão de Cuba, Bolívia e Equador;8. O governo demonstra alto grau de coesão política e substancialeficiência administrativa;9. O ensino público dá salto de qualidade e as universidades não fazem greve por salários; 10. O MST reconhece que o agronegócio e a biotecnologia são benéficos ao Brasil.
6
Caberia justificar, ainda que não em detalhe, cada uma
dessas previsões, com uma pequena digressão sobre as razões de
sua eleição para esta lista de realizações impossíveis. Não
transcreverei as estatísticas oficiais que sustentam meus
argumentos, bastando remeter às fontes de dados originais e às
observações de eminentes colunistas da imprensa econômica.
1. O Brasil vai crescer pelo menos 5% a partir de 2007, com quedasensível no desemprego
Em vista da média de 2,5% de crescimento do PIB, no último
quarto de século – de fato, menos de 1% de crescimento da renda
per capita – e da persistente taxa de investimentos situada ao
redor de 20% do PIB, a única certeza que poderíamos ter quanto a
isso seria esta: não há nenhum risco de que, persistindo o baixo
nível de investimentos produtivos, a taxa ultrapasse 3% na média.
Se o fizer, será um impulso após um ano de baixo crescimento,
como ocorreu em 2004, sucedendo ao medíocre, para não dizer
inacreditavelmente pífio, “crescimento” de 2003. Havendo
crescimento, haverá risco de aceleração inflacionária, de apagão
energético ou colapso em determinados serviços de infra-estrutura
(estradas e portos, sobretudo).
Como já tive a oportunidade de discutir de maneira um pouco
mais estruturada, alinhando números e correlações empíricas
testadas por economistas de renome – ver meu artigo “Uma verdade
inconveniente (ou: por que o Brasil não cresce 5% ao ano...)”,
Espaço Acadêmico (nr. 67, dezembro de 2006; link:
http://www.espacoacademico.com.br/067/67pra.htm) –, a chance de
7
que o Brasil possa apresentar um crescimento superior a 3% é
próxima de zero, com base na experiência acumulada de algumas
dezenas de economias capitalistas nas últimas quatro décadas. Com
efeito, países com carga fiscal superior a 35% por cento do PIB,
como é o caso do Brasil, conheceram um crescimento médio inferior
a 3% do PIB. Acresce à carga nominal, no caso do Brasil, o
elemento “natureza da tributação”, especialmente incidente sobre
os lucros das empresas – o que diminui ipso facto os recursos para
investimentos produtivos – e sobre a folha salarial, o que é um
poderoso indutor de informalidade – e, portanto, de baixo
recolhimento previdenciário –, quando não de desemprego efetivo.
Seria, portanto, totalmente surpreendente que o Brasil
crescesse a taxas próximas às dos demais emergentes. Na verdade,
o PIB do Brasil está crescendo menos da metade da média mundial e
três vezes menos do que a média dos países emergentes. Como não
existe consenso – talvez sequer consciência – entre os políticos
e responsáveis governamentais de que a carga fiscal total é um
obstáculo absoluto ao crescimento, a única previsão possível,
nessa área, é a de que o Brasil continuará a patinar no baixo
crescimento pelos próximos anos. Em todo caso, eu aceito apostas
quanto a um crescimento sustentável superior a 3% nos próximos
três anos.
2. As contas fiscais caminharão para o equilíbrio, com tendência ao superávit nominal
No que se refere às contas públicas em 2007 e mais além, uma
das poucas evidências que temos é, justamente, a de sua
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deterioração, acompanhando, aliás, a tendência já detectada ao
baixo crescimento ou mesmo à estagnação. As despesas públicas vêm
crescendo, nos últimos dez anos, sistematicamente acima do
crescimento do PIB e da própria inflação, o que significa que o
setor estatal, em suas diversas vertentes, captura cada vez mais
recursos privados para seus gastos correntes. Tendo em vista as
generosas correções salariais concedidas ao funcionalismo, a
reposição do salário mínimo acima das taxas de produtividade e de
inflação e a expansão dos gastos correntes – com novas
contratações e mais despesas continuadas –, a previsão,
igualmente, é a de que o governo está armando, para si próprio,
uma bomba fiscal, a explodir em algum momento entre 2007 e 2008.
Existem apenas três “saídas” para o desequilíbrio
orçamentário, qualquer que seja a sua origem: inflação produzida
por emissões irresponsáveis, déficit público financiado com mais
impostos ou crescimento da dívida pública, empurrando o problema
para a próxima geração (na verdade para nós mesmos, tendo em
vista os prazos reduzidos dos títulos públicos). Como o espaço
para o emissionismo nefasto diminuiu relativamente a partir do
“insulamento” da conta do Tesouro – proibido de financiar o Banco
Central – e da Lei de Responsabilidade Fiscal e como a sociedade,
através do Congresso, parece pouco disposta a aprovar novos
impostos ou a elevação dos existentes, o mais provável é o
crescimento da dívida pública, o que dificulta a diminuição dos
juros e o aumento da taxa de investimento.
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A única aposta que eu estaria disposto a aceitar, nesta
frente, seria a permanência do status quo, isto é, a manutenção do
equilíbrio instável da situação fiscal, mas de forma nenhuma sua
melhora no horizonte imediato. Com a pressão do próprio partido
do governo por maiores gastos ditos “sociais”, não há tampouco
chance de que as contas públicas entrem numa trajetória virtuosa
de adequação a um perfil fiscalmente responsável. Na verdade, o
superávit primário – um conceito “jabuticaba”, pois que ele só
existe no Brasil – teria de crescer para algo próximo a 6% do
PIB, de maneira a zerar o déficit nominal. Alguém aposta nesse
desempenho?
3. O Congresso vai conhecer um ano inédito de alta produtividade e baixos gastos correntes
Se os parlamentares fossem pagos por comparecimento ao
trabalho ou até por legislação aprovada de maneira responsável,
eles se aproximariam da remuneração de um agente de portaria ou
de um ascensorista (não do Senado, obviamente, mas do setor
privado). Não se trata, aliás, de remuneração dos parlamentares
no sentido estrito do termo (pois eles até poderiam ganhar um
salário de balconista), mas do custo total dos diversos
legislativos em face da produtividade pífia que eles apresentam,
próxima de zero ou mesmo marginal. Qualquer pessoa que conheça o
modo de funcionamento do Congresso e o perfil típico dos atuais
parlamentares sabe que o poder legislativo tornou-se, no Brasil,
um corpo estranho à sociedade, uma instância totalmente isolada
das preocupações cotidianas da população, integrada por uma
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corporação auto-centrada na defesa dos seus privilégios. Basta,
por exemplo, comparar o nível de gastos totais dos legislativos
com a renda per capita média do Brasil ou com os gastos por
parlamentar de outros legislativos, mesmo de países ricos,
ostentando seis vezes, ou mais, a nossa renda per capita: precisa
mais?
Com a mesma precisão matemática daquela “lei” do crescimento
da capacidade e rapidez de processamento dos circuitos integrados
– que dobrariam a cada 18 meses –, pode-se prever, com alguma
probabilidade de acerto, que a qualidade do Legislativo piora a
cada legislatura. O pior não está apenas na “produtividade” dos
parlamentares, mas na sua inacreditável capacidade de aprovar,
continuamente, medidas que contribuem para “travar” – para usar
uma palavra do momento – o crescimento da economia, seja
aumentando despesas, seja onerando mais e mais o setor privado
com regulamentações bizarras, seja ainda concedendo “favores
fiscais” a categorias especiais de amigos do poder. No conjunto,
existem poucas chances de que os legislativos dos três níveis da
federação mudem para melhor no futuro previsível.
4. O dólar vai se valorizar e a paridade do real satisfará aos exportadores e agricultores
Todos os exportadores pedem a desvalorização do real, para
um patamar próximo de R$ 3,00 por dólar, ou se possível ainda
mais. Hoje, o dólar se encontra numa paridade inferior ao seu
valor real de dezembro de 1998, quando a então oposição acusava o
governo anterior de praticar “populismo cambial”. O que não se
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diz é que um dólar mais caro e um real mais barato tornariam
todos os brasileiros um pouco mais pobres, além de contribuir
para uma pressão inflacionária que se esperava terminada.
Controlar capitais ou acumular reservas não são soluções sem
custos.
O fato é que se o governo praticar uma política cambial mais
“ativa”, como pedem os incuráveis redistribuidores da renda
interna para um punhado de exportadores pouco propensos a obter
ganhos de produtividade – estou excluindo aqui os agricultores,
que de fato têm seus preços fixados nos mercados mundiais, para
quem a taxa de câmbio é uma variável crucial no processo de
formação de preços internos –, o resultado será, obviamente, uma
maior competitividade das exportações brasileiras e, portanto,
maior influxo de dólares, com o que se valorizará novamente a
moeda nacional.Ou seja, trata-se de uma questão circular que não
será resolvida apenas com “desvalorizações políticas”, e sim com
aumento das importações, maior abertura da economia e um
comportamento fiscal mais responsável (diminuindo o patamar dos
juros que continuam a atrair capitais financeiros em vista do
diferencial entre taxas internas e externas).
O que estou dizendo, em suma, é que não aposto um dólar
furado na desvalorização do real como solução aos problemas
cambiais brasileiros. Um real mais barato carrearia muito mais
dólares de exportações para o Brasil, renovando o problema,
qualquer que seja a política do BC. Como já disseram alguns
economistas famosos – talvez o próprio Mário Henrique Simonsen –,
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qualquer que seja a taxa do dólar, para os exportadores ele
sempre está defasado em 25%. De todas as previsões feitas pelos
economistas no final de 2005 quanto ao comportamento da economia
em 2006 – taxas de crescimento e de inflação, nível do dólar,
justamente –, a paridade cambial foi a mais distante da
realidade. Alguém estaria disposto a apostar sua poupança numa
desvalorização significativa do real face ao dólar?
5. O déficit da Previdência caminha para o desaparecimento, com um amplo choque de gestão
Parece incrível, mas existem aqueles que afirmam não haver,
na verdade, um déficit previdenciário no Brasil. Haveria, apenas
e tão somente, um problema “conceitual”, derivado da mistura das
despesas com assistência social no mesmo bolo das contas dos
recolhimentos feitos e dos pagamentos previdenciários. Para
estes, não é necessária nenhuma reforma previdenciária, bastando
um “choque de gestão” para eliminar “despesas indevidas” e
aperfeiçoar um sistema que seria “fundamentalmente justo”, do
ponto de vista dos “interesses dos trabalhadores”.
Deve-se lembrar, antes de mais nada, que um déficit
estritamente “contábil” já é uma realidade no setor público e,
ainda que o governo recolhesse os encargos previdenciários do
setor público, ele teria, de qualquer forma, de retirar dinheiro
de alguma parte para “contribuir” para um sistema que ele mesmo
administra ou para efetuar os pagamentos correntes. Isto se dá
porque o sistema previdenciário brasileiro funciona na base da
repartição, ou do pay-as-you-go, e não segundo um regime de
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capitalização. Pode-se ainda argumentar que a unificação das duas
contas foi determinada constitucionalmente e que, qualquer que
fosse a reorganização nas despesas assistenciais e
previdenciárias, o problema do financiamento em bases correntes
continuaria do mesmo tamanho, ou seja deficitário, em vista da
incorporação contínua de novos beneficiários – e que nunca
contribuíram para o sistema – e da expulsão de possíveis
contribuintes, em função da tremenda informalidade vigente na
economia brasileira. Na verdade, o sistema brasileiro induz o
jovem trabalhador de faixas salariais baixas a jamais contribuir
para o sistema, pois sua futura remuneração previdenciária seria
próxima do salário mínimo, algo que ele já tem assegurado sem
sequer contribuir com um único centavo ao longo de toda a sua
vida. O Brasil consegue produzir, desde muito cedo, um “exército
de assistidos” e um deserto de contribuintes.
Como toda e qualquer reforma previdenciária efetiva
precisaria passar pela diminuição dos benefícios correntes e pela
extensão das obrigações, e como os atuais dirigentes não parecem
propensos a iniciar uma nova briga contra os atuais e futuros
beneficiários, não tenho a mínima hesitação em “prever” a
continuidade do atual cenário de deterioração paulatina dos
regimes previdenciários. Também “prevejo” que os custos serão
pagos pela nossa própria geração, já que o problema tende a se
agravar nos próximos anos, gerando uma insuportável pressão
fiscal que vai se traduzir em maior nível de endividamento
público e, portanto, em juros mais elevados, menor crescimento e
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possivelmente maiores pressões inflacionárias. Alguém quer
apostar?
6. A infra-estrutura brasileira é totalmente renovada, com base em investimentos privados
Quem conhece, não apenas a realidade do orçamento público,
mas a capacidade gestora do Estado brasileiro, não deveria
apostar numa diminuição rápida do chamado “custo Brasil”. Ele é
derivado de uma logística deficiente, da insuficiência de oferta
energética e da deterioração sensível dos serviços públicos –
quando não explorados em regime de concessão –, tendo em vista o
péssimo ambiente regulatório hoje conhecido, com o
estrangulamento de diversas agências reguladoras instituídas na
lei enquanto “função de Estado” (não a serviço do governo).
Bastaria observar, por exemplo, o patético debate em torno do
regime de “parcerias público-privadas” (PPPs), apresentadas,
durante algum tempo no início do mandato 2003-2006, como a
“salvação da lavoura”: as grandes esperanças nelas depositadas ao
longo dos primeiros dois anos foram se esvaindo, a ponto de
ninguém mais delas cobrar, ou esperar, algo mais do que mero
paliativo aos graves problemas de investimento em infra-estrutura
no Brasil.
Existem os que acreditam que as PPPs são a solução “genial”
para a falta de recursos do Estado para investimentos em
empreendimentos que, de outra forma, seriam estatais, na visão
dos “planejadores com dinheiro alheio”. Eles parecem desconhecer
a história, esquecendo, por exemplo, que o Estado brasileiro
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“funcionou” à base de PPPs nos primeiros 130 anos de sua vida
administrativa. Com efeito, desde o segundo Império até a
terceira República, pelo menos, os serviços públicos foram todos
oferecidos no regime de PPP, geralmente com capitais estrangeiros
investidos em grandes obras de infra-estrutura, de transportes e
comunicações. Na verdade, o regime das PPPs consiste numa forma
disfarçada de privatização – na ausência de coragem para retomar
esse processo profundamente benéfico do ponto de vista da
eficiência da maior parte desses serviços públicos –, sendo que
nem de longe se trata de uma privatização bem-vinda, pois que
implicando a garantia do Estado de “retorno adequado” ao
investidor privado – como no velho esquema da “garantia de juros”
do Império e da velha República –, o que pode induzir a fraudes
contábeis e pagamentos indevidos por parte do Estado. Melhor
seria uma privatização pura e simples do serviço em questão, com
todos os riscos assumidos pelo investidor privado, em lugar da
“mão visível” (e geralmente induzida a errar) do Estado, ou então
um regime direto de concessão, sob adequada regulação estatal.
Neste capítulo, como nos demais, não aposto muito em ganhos
de eficiência ou em algum aumento significativo dos investimentos
em infra-estrutura, embora possa haver alguma oferta de recursos
privados em serviços tradicionalmente “estatais”, já que
investidores privados estão sempre dispostos a ganhar dinheiro
com garantias dadas pelo Estado de retorno “adequado”.
7. A integração regional avança decisivamente, com a adesão de Cuba, Bolívia e Equador
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O processo de integração na América Latina – ou na América
do Sul, como parece ser a ênfase atual – tem se afastado cada vez
mais de suas origens comercialistas ou mesmo claramente
econômicas, para estender a áreas cada vez mais extensas de
responsabilidade estatal: representação parlamentar, cooperação
cultural, interações “sociais” de diversas ordens, políticas
comuns nos terrenos tradicionalmente reservados ao arbítrio
governamental – como podem ser as políticas industrial,
tecnológica ou agrícola –, integração “educacional” e
“previdenciária”, para nada dizer dos projetos de “moeda comum”,
que questionam diretamente a soberania nacional, defendida de
maneira tão ferrenha em outras vertentes. Não se pode ser
contrário a todas essas formas novas de integração política,
social e cultural, mas pode-se argumentar que sem o cimento da
liberalização comercial e sem os alicerces da coordenação de
políticas macroeconômicas, todas essas formas de integração podem
ser construídas sobre um “castelo de areia”, suscetíveis,
portanto, de serem fragilizadas pela ausência de substrato
efetivo ao edifício integracionista.
Persiste, de qualquer forma, uma dificuldade insuperável na
concepção mesma do novo modelo de integração, “bolivariano”, que
vem sendo proposto como alternativa ao velho processo de
integração comercial e econômica: ele parece sustentar-se na
indução de comércio estatal, na elaboração de grandes projetos de
integração física – a serem conduzidos pela força exclusiva de
estatais energéticas – e na promoção de políticas ativas nos
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terrenos social e compensatório (de claro corte
redistributivista). Existem limites a esse tipo de ação induzida
do alto, que são aqueles colocados pela disponibilidade de
recursos públicos: poucos países, na América Latina, podem
dispor, como a Venezuela, de uma “vaca petrolífera” a ser
ordenhada de modo contínuo durante longos anos. Nenhum dos três
países mencionados em epígrafe, candidatos prováveis na nova onda
de ampliação do Mercosul, parece caracterizar-se por um comércio
exterior especialmente dinâmico, por indústrias competitivas ou
por políticas comerciais de corte nitidamente livre-cambista (que
é o mínimo que se espera, finalmente, de acordos de integração).
Se for para trocar chá de coca por charutos cubanos, ou pescado
equatoriano por programas de televisão da Telesur, com
financiamento venezuelano, pode-se antecipar que o ritmo da
integração “bolivariana” será necessariamente lento e limitado.
Pode-se, aliás, indagar qual dos países citados estaria disposto
a abrir-se, de verdade, aos produtos industriais brasileiros em
igualdade de condições e segundo padrões de competitividade que
não se encaixem no molde dos monopólios estatais. Alguma aposta a
ser feita nessa “outra integração possível”?
8. O governo demonstra alto grau de coesão política e substancialeficiência administrativa
Os argumentos neste capítulo seriam, não factuais e
mensuráveis, mas puramente de tipo subjetivo. Como não pretendo
parecer “abstrato” ou deliberadamente impressionista, eximo-me de
apresentar qualquer elemento opinativo que possa destoar do tom
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presumivelmente “objetivo” das demais previsões. Em todo caso, os
cientistas políticos que trabalham com políticas públicas sabem
como medir a coesão política de um governo particular –
construída à base de votações parlamentares, de uma clara agenda
congressual, de diretrizes claras por parte do Executivo e de
“correias de transmissão” nas diversas bancadas de apoio nos
movimentos políticos – e sabem como aferir a eficiência das
políticas setoriais – que se traduzem em resultados diferenciados
no tempo, após a aprovação de alguma medida específica.
Pode-se indagar, por exemplo, dos resultados das políticas
redistributivistas – não em termos de assistência imediata, que é
aferível, mas como “porta de saída” da situação de partida – ou
da eficácia de outras políticas setoriais, como o “primeiro
emprego”, a política industrial ou mesmo a reforma agrária (esta
do ponto de vista da inserção dos camponeses pobres no mercado
agrícola “normal”). Com exceção da política de microcrédito –
que, na verdade, estimulou uma expansão da demanda (afunilada
agora por um crescimento do endividamento privado), sem mencionar
o balanço negativo do “braço popular” do Banco do Brasil – o que
se pode constatar, de efetivo, é a extensão da cobertura
assistencial e das políticas de inclusão social. Meritórias em
seu espírito, elas podem criar, pelos procedimentos adotados (ou
seja, concessão de renda, mas não de um emprego), novas formas de
dependência estatal que engessarão ainda mais o quadro dos gastos
públicos e, em conseqüência, o combalido orçamento federal. O
problema, que tem imediatos reflexos no mercado de trabalho, não
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é trivial e pode traduzir-se em mais uma “bomba fiscal” a
atormentar os responsáveis econômicos pelos anos à frente.
Para ficar no terreno das apostas, pode-se “prever” grau
razoável de “coesão política” em torno desse tipo de proposta –
posto que emanando da classe que se beneficia diretamente de sua
implementação, com dividendos eleitorais bem visíveis – mas
caberia questionar a “eficiência” econômica desses expedientes
que se alimentam de seu próprio “sucesso”. Torna-se virtualmente
impossível a substituição dessas políticas por outras de corte
menos assistencialista ou dotadas de virtudes redistributivas
pela ação do próprio mercado, não mediante a canalização estatal
dos recursos produzidos a partir de tributos crescentes sobre o
setor produtivo, o único em condições de criar riqueza e emprego
em qualquer sistema econômico racionalmente concebível.
9. O ensino público dá salto de qualidade e as universidades não fazem greve por salários
As propostas tendentes a melhorar a qualidade do ensino
público parecem sempre passar pela mobilização de mais recursos
financeiros para o ensino como um todo: dos atuais 5% do PIB –
que coincide com a média dos países da OCDE – para algo próximo a
7% do PIB. Por certo que um maior volume de recursos direcionados
para a educação é sempre bem-vindo, uma vez que gastos nessa área
sempre apresentam algum retorno de médio prazo, com reflexos
diretos nas externalidades estatais em benefício do setor privado
e efeitos indiretos na melhor redistribuição de renda via mercado
de trabalho. Acontece que o Brasil apresenta uma pirâmide
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invertida – bem perversa, além do mais – na distribuição desses
recursos, com uma concentração exagerada no terceiro ciclo e na
pós-graduação e uma insuficiência de meios – e de atenção também
– nos dois ciclos anteriores e no ensino técnico-profissional.
Da forma como elas (não) funcionam atualmente, as
universidades públicas não deveriam receber recursos públicos
adicionais, ainda que elas os pudessem merecer, em vista da
notória insuficiência dos equipamentos e do conhecido
estrangulamento salarial dos professores. Como resultado do
corporativismo exacerbado e do sindicalismo falsamente
democratizante, o nível de gestão nelas praticado aproxima-se
mais dos clubes amadores de futebol (mais conhecidos como “de
várzea”) do que de empresas comprometidas com resultados
aferíveis.
De resto, o forte corporativismo nelas reinante também é
típico das demais categorias de professores do sistema público,
com preocupações “isonômicas” que passam ao largo de uma
remuneração por resultados. Os efeitos desse tipo de falso
igualitarismo é o desestímulo aos professores mais
empreendedores, que não podem ser remunerados pelo seu mérito
individual, o que contribui para a mediocrização de toda a
categoria dos profissionais do ensino. Ademais, a ênfase nos
equipamentos – one laptop per child, por exemplo – é uma forma de
escamotear o problema, pois parece evidente que o “soft”, ou
seja, a qualificação adequada do professor, será sempre mais
importante do que o “hard” das maquinetas distribuídas
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graciosamente à custa de mais impostos do conjunto da sociedade.
Os requerimentos essenciais de uma boa escola passam pelo domínio
adequado da língua nacional, das matemáticas elementares e das
ciências naturais e sociais em nível pouco superior ao básico. Se
a escola pública não é capaz de fornecer esses elementos da boa
educação, não serão os computadores a US$ 100 que o farão.
Quanto às greves dos universitários, eu não apostaria sequer
um computador de US$ 50 em sua descontinuidade. Alguma dúvida
nisso?
10. O MST reconhece que o agronegócio e a biotecnologia são benéficos ao Brasil
Quem é capaz de acreditar nesse tipo de transformação
radical, também deve acreditar em duendes, no saci e na mula-sem-
cabeça. Na verdade, o MST não está minimamente interessado no
sucesso econômico da pequena propriedade agrícola – uma vez que
isto destruiria sua base social enquanto partido político
“neobolchevique” – ou num debate científico sobre o papel dos
OGMs na viabilização da pequena propriedade em escala comercial.
Como diz o velho ditado, contra argumentos como os que são
brandidos pelo MST não há fatos que desacreditem sua ação
falsamente revolucionária (de fato, essencialmente reacionária).
Minha aposta, portanto, é pela continuidade do mesmo fetichismo
da “justiça” social, seguindo uma agenda de lutas que está
atrasada em pelo menos meio século, para não dizer que ela
pertence ao século XIX.
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Encerro minha série de previsões imprevisíveis, já que não
se poderia, a priori, excluir a possibilidade – ainda que remota –
de algum “estalo de Vieira” na cabeça de alguns dirigentes bem
posicionados na escala do processo decisório. Nunca se deve
subestimar o espírito racional dos homens de boa vontade, em
especial se cercados de uma burocracia pública de boa qualidade,
como parece ser a tecnocracia brasileira da área econômica. Pelo
menos eu “desejo” acreditar que alguma evolução positiva é
possível no Brasil atual. Estarei sonhando?
Como se vê, trata-se de apostas ousadas, pois elas correm o
risco de se realizarem, contra eventuais tendências negativas
acumuladas em função de uma conjunção desfavorável dos astros no
cenário externo. A ação dos homens, em especial os da estirpe dos
nossos políticos, representa um fator imponderável, pois que suas
iniciativas podem revelar-se decisivas para a consecução de todas
as, ou pelo menos parte das, previsões arriscadas aqui
realizadas. Esses fatores contingentes são, por vezes, mais
poderosos do que a lenta ação estrutural de elementos “pesados”
da história, que são aqueles dados pelas condições econômicas
subjacentes, pelas tradições políticas, pelo substrato cultural e
pelos comportamentos sociais.
Como parece que o homem brasileiro não desiste nunca, sendo
antes de tudo um forte – pelo menos em sua componente telúrica e
nativa –, é possível que cheguemos ao final de 2007 com algumas
das apostas total ou parcialmente realizadas, com o que terei de
aposentar minha (pouco) promissora carreira de astrólogo do
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