El periodismo gráfico argentino: Entre la argumentación y el ultraje
Uma leitura geopolítica do conflito brasileiro-argentino Itaipu-Corpus
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ISSN 1677 – 8049
ANO 7 – NÚMERO 25 Janeiro 2009
GEOGRAFIA
PUBLICAÇÕES AVULSAS
UMA LEITURA GEOPOLÍTICA DO
CONFLITO BRASILEIRO-ARGENTINO
ITAIPU-CORPUS (1974-79) Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos
Publicação de textos no formato de pré – impressão do Departamento de Geografia e História da Universidade Federal do Piauí – UFPI
GEOGRAFIA Publicações Avulsas, Ano 7, nº 25, p. 1-21, janeiro 2009
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Reitor da Universidade Federal do Piauí
Prof. Dr. Luís dos Santos Júnior Diretor do Centro de Ciências Humanas e Letras
Prof. Ms. Antônio Fonseca dos Santos Neto Chefe do Departamento de Geografia e História
Prof. Ms. Mário Ângelo de Meneses Sousa Coordenador do Curso de Licenciatura em Geografia
Prof. Ms. José Ferreira Mota Júnior
Expediente GEOGRAFIA Publicações Avulsas Ano 7 – nº 25 – Janeiro 2009 Coordenação: Prof. Dr. Francisco de Assis Veloso Filho [email protected]
Conselho Editorial: Prof. Dr. Agostinho Paula Brito Cavalcanti (UFPI) Prof. Dr. Edson Vicente da Silva (UFC) Prof. Dr. José Luís Lopes de Araújo (UFPI) Prof. Dr. José Carlos Godoy Camargo (UNESP – Rio Claro) Prof. Ms. José Ferreira Mota Júnior (UFPI) Prof. Dr. Ricardo Wagner ad-Víncula Veado (UDESC)
Endereço para correspondência: Universidade Federal do Piauí Departamento de Geografia e História Campus da Ininga – Teresina – PI 64.049-550 Tel. 0XX 86 3215-5778
Geografia/Universidade Federal do Piauí, Departamento de Geografia e História, Coordenação de Geografia – nº 25 (Janeiro 2009). Teresina: UFPI, 2008. 1. Geografia Publicações Avulsas. I. Universidade Federal do Piauí – Coordenação de Geografia
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UMA LEITURA GEOPOLÍTICA DO CONFLITO BRASILEIRO-ARGENTINO
ITAIPU-CORPUS (1974-79)
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos1
Resumo
O presente artigo tem como objetivos: a) demonstrar uma leitura geopolítica das relações Brasil-
Argentina no contexto 1974-79; b) argumentar como a construção da hidrelétrica de Itaipu foi o
principal aspecto de uma política externa entendida como política de poder ao projetar a influência do
Brasil sobre o Paraguai, configurando uma preponderância regional junto com várias outras dimensões
de poder.
Palavras chave: Brasil, Geisel, política externa brasileira, geopolítica, Itaipu.
Abstract
The present article has the following aims: a) demonstrate a geopolitical reading on Brasil-Argentina
relations in the 1974-79 context; b) argue toward the way how Itaipu construction was the main aspect
of a foreign policy defined as a power politics in order to make a larger influence of Brazil on
Paraguay and create a regional preponderancy with the addition of several power dimensions.
Key words: Brazil, Geisel, Brazilian foreign policy, geopolitics, Itaipu.
1 INTRODUÇÃO
Como seria possível efetuar uma leitura de uma frente da política externa brasileira –
aquela referente às relações com a Argentina - do governo de Ernesto Geisel (1974-79) com a
perspectiva de um forte determinismo geográfico sob a ótica de que o Brasil buscava alçar à
condição de potência média? Como entender parte da nossa política exterior à época sob a
perspectiva de uma política de poder – uma projeção de poder no além-fronteiras entendida
sob diferentes dimensões: econômica, militar etc. - que visava o objetivo mencionado com
uma forte dose de influência da perspectiva geopolítica clássica? Esboçar respostas a essas
perguntas é objetivo desse texto.
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No texto que se segue, o argumento central a ser exposto toma a política externa
brasileira em questão como importante decorrência da projeção de poder do Brasil no âmbito
do cone sul-americano. Tal ponto remete ás influências do geógrafo britânico Halford
Mackinder (1861-1947) sobre o então capitão do exército brasileiro Mário Travassos.
Travassos, em meados dos anos 30 do século XX, identificou uma área-pivô na América do
Sul para o desequilíbrio da balança de poder em favor ou de Brasil ou de Argentina,
raciocínio análogo àquele desenvolvido pelo geógrafo britânico. Far-se-á uso de uma
literatura que, senão na totalidade, em alguma medida converge para esse entendimento.
A posição do Brasil neste contexto foi a de preponderância em relação a seus vizinhos.
A categoria preponderância aparece de modo pouco desenvolvido em obra de Raymond Aron
(1986: 221) como um subtipo intermediário entre hegemonia e equilíbrio. As formulações
abaixo do professor Leonel Itaussu Mello explicam em que situação há a preponderância –
nos termos aronianos - de uma unidade política sobre outra:
Entendemos que a situação típica de preponderância configura-se quando, no âmbito de
um determinada grupo de unidades políticas, a ruptura do equilíbrio de poder não
engendra para a unidade beneficiária uma posição de supremacia incontestável, nem
reduz as demais a um estado de impotência, que são característicos da hegemonia. Por
outras palavras, o que tipifica a preponderância é que o peso ou a influência superiores de
uma certa unidade não lhe conferem, necessária ou automaticamente, uma posição de
supremacia ou de comando nas suas relações com as unidades mais fracas que integram a
constelação política. Ocorre que o conjunto formada por unidades de poder desigual
insere-se geralmente num contexto mais amplo e constitui apenas o subsistema de um
sistema maior que relativiza a superioridade de peso da unidade preponderante. Assim, a
preponderância exercida pela unidade de maior peso dentro daquele subsistema encontra-
se subordinada, por sua vez, à hegemonia de outra unidade mais poderosa, que ocupa o
vértice do sistema mais abrangente. (Mello, 1996: 49)
Ao aplicar-se esta tipologia às unidades políticas ao entendimento do subsistema
americano onde temos o choque da política de poder brasileira com a norte-americana,
pondera-se o seguinte:
1) Aron identifica que por razões histórico-geográficas, há uma hegemonia norte-americana
no Novo Mundo; (Aron, 1986: 222)
2) A afirmação anterior é reforçada pelo fato que desde o fim dos antigos impérios coloniais
nas Américas, quais sejam, o português e o espanhol, não houve nenhum Estado que
impusesse uma paz do tipo imperial, que detivesse o monopólio da violência legítima, "nem
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unidades subalternas totalmente destituídas de autonomia como centros de decisão política"
(Mello, 1996: 50). Este ponto também se adeqüa ao objeto estudado, uma vez que não há, no
período referente a esta política externa, uma supremacia norte-americana no extremo lógico
de uma dominação por império. O próprio afastamento e choque da política de poder
brasileira com a política de poder norte-americana é ilustrativo desta perspectiva.
Ressalve-se que o conceito de geopolítica aqui usado escapa àquele amplamente
difundido no âmbito das relações internacionais, vagamente associado às questões de cunho
local ou regional incidentes sobre algum tema das relações internacionais. Define-se a
geopolítica como o campo que lida com a ligação dos eventos políticos e indica as diretrizes
da vida política dos Estados, a partir de uma dedução de um estudo geográfico-histórico dos
fatos políticos, econômicos, sociais e sua interrelação. Em outras palavras, um verdadeiro
determinismo do meio físico sobre a conduta política estatal (Bobbio et alii, 1992: 544-5).
A linha de argumento a ser desenvolvida passa pelos antecedentes ligados ao governo
Geisel no que refere a Itaipu no contexto da Bacia do Prata. Posteriormente, avaliarei
brevemente as influências das formulações geopolíticas de Golbery e Travassos com as ações
da política externa de Geisel junto à Bolívia e o Paraguai. Por fim, elencarei vários
argumentos que configuraram a preponderância brasileira no contexto da Bacia do Prata no
período referido.
2 ANTECEDENTES
No pós-1964, o início do contencioso mais aberto entre Brasil e Argentina se dá em
1973 com a assinatura por Brasil e Paraguai do Tratado de Itaipu. Este estabeleceu a
construção em regime de parceria da hidrelétrica homônima no trecho conjunto do rio Paraná
de Brasil e Paraguai compreendido entre a Foz do Rio Iguaçu e o Salto Grande de Sete
Quedas. Itaipu está localizada a 17 Km da fronteira argentina seria construída a jusante do rio
Paraná (ver Mapa 1). A construção daquela que seria até então a maior hidrelétrica do mundo
viria acompanhada de iniciativa brasileira de construir uma ferrovia que ligasse o Paraguai à
costa atlântica brasileira e complementasse a ligação ao sistema rodoviário, além de conceder
depósitos francos nos portos de Santos e Paranaguá. Essas medidas possibilitariam diminuir o
enclausuramento paraguaio e diminuir sua dependência da ligação fluvial, e mais longa,
através da Argentina e do porto de Buenos Aires, principal via de acesso ao exterior.
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Mapa 1 – A localização de Itaipu e Corpus
Fonte: Pereira, 1974: 230.
A manobra brasileira baseou-se nas teses de Mário Travassos. Conforme está
exposto em Projeção Continental do Brasil, o curso dos rios da Bacia do Prata em direção ao
estuário platino de Buenos Aires torna os países mediterrâneos da região, Bolívia e Paraguai,
dependentes do eixo de comunicações fluvial e ferroviário num eixo Norte-Sul em relação ao
porto argentino citado para que pudessem ter acesso ao Oceano Atlântico. A ação brasileira,
partindo desta constatação, para conseguir uma posição mais favorável em relação à
Argentina na América do Sul, seria a construção de uma malha viária transversal no sentido
Leste-Oeste. Essa rede de comunicações possuiria a vantagem de uma menor distância entre
os países mencionados e o oceano. Isto se daria através dos portos de Santos e Paranaguá
(Travassos, 1935: 27-37 e 119-126).
Acrescente-se a isto a situação de cerco em que se encontrava a Argentina pelas
alianças informais entre Brasil e demais países contíguos. A Bolívia possuía governo que
ascendera ao poder com apoio logístico, militar e ideológico do regime militar brasileiro, além
de possuir com este afinidade ideológica. Um governo uruguaio autoritário que emergiu ao
poder com um golpe impetrado pelo presidente Bordaberry e cujas Forças Armadas também
mantinham afinidade com o regime brasileiro. Por fim, o governo chileno que emergiu após a
ruptura institucional liderada por Pinochet teve no Brasil, em 1973, o primeiro país a
reconhecê-lo. Além disso, a ajuda econômica brasileira, da ordem de US$ 150 milhões, no
primeiro ano do novo governo do Chile superou o montante americano no mesmo período.
Considerando a existência de um litígio entre Chile e Argentina pelas demarcações territoriais
na área do Canal de Beagle que levou à diminuição do comércio entre os dois países na ordem
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de US$ 400 milhões anuais, o Brasil ocupou este espaço com uma postura na ótica da
realpolitik de neutralidade neste conflito. Assim, o Brasil incrementou as suas exportações
para o Chile em 125%, segundo dados de 1978, ocupando o espaço deixado pela Argentina.
Por fim, havia a Argentina, passando de um regime autoritário para uma democracia
encabeçada por Peron (Mello, 1996: 127-133).
A passagem a seguir expressa sinteticamente o quadro com o qual o governo Geisel
se defronta no âmbito regional já no seu início em 1974:
Alteravam-se também os termos da equação geopolítica regional à medida que, com o
processo de regressão autoritária nos países do Cone Sul, o cerco do autoritarismo
brasileiro ia sendo gradativamente substituído pelo isolamento da democracia argentina.
Nesse quadro, enquanto o Brasil cultivava uma parceria especial com os Estados Unidos
e ampliava sua influência sobre o subsistemaplatino, fazendo pender para o seu lado os
pratos da balança de poder, a Argentina se distanciava da potência hegemônica do
continente e se isolava de seu contexto contíguo sul-americano”. (Mello, 1996:133)
3 O ACORDO DE COOPERAÇÃO E COMPLEMENTAÇÃO INDUSTRIAL COM A
BOLÍVIA NO CONTEXTO DA BACIA DO PRATA
O então governo de Hugo Banzer na Bolívia tinha relações próximas com o regime
militar brasileiro. Este proporcionou em anos anteriores, condições e apoio logístico para o
golpe de Estado que lhe levara ao poder em 1971, como parte de toda a ação brasileira no
Cone Sul de apoiar a ascensão de governos não hostis aos EUA (Mello, 1987: 183-188).
Havia, portanto, condições favoráveis ao Brasil na relação com o referido país. Contudo, há a
ressalva de que a Bolívia assumia uma posição diplomática pendular em relação aos maiores
países da Bacia do Prata, Brasil e Argentina. O referido país mediterrâneo buscava tirar
proveito da disputa entre os dois países. Nesta perspectiva é que a Argentina possuiu um
acordo com a Bolívia onde esta forneceria gás natural ao vizinho platino na ordem de 150
milhões de pés cúbicos diários, totalizando 1,1 trilhão de metros cúbicos ao fim de 20 anos.
Com a assinatura de acordos de maior amplitude com o Brasil no início do governo Geisel, a
Bolívia parecia estar mais inclinada para o lado brasileiro do que para o argentino.
Há de se destacar já em meados de 1974 o Acordo de Cooperação e
Complementação Industrial firmado pelos presidentes do Brasil e da Bolívia, Ernesto Geisel e
Hugo Banzer. Os chamados Convênios de Cochabamba tiveram como principais pontos:
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a) A Bolívia se comprometia a fornecer anualmente 240 milhões de pés cúbicos diários de gás
natural durante 20 anos por um preço a ser reajustado semestralmente com base nas
flutuações internacionais dos preços de hidrocarbonetos. O montante deste fornecimento em
duas décadas corresponderia a 1,7 trilhões de metros cúbicos, sendo que as reservas
bolivianas corresponderiam a 3,7 trilhões de metros cúbicos. Isto significaria uma economia
de 45.000 barris de petróleo importados por dia, ou o equivalente à economia para o Brasil de
US$ 300 milhões por ano em 1978 (Nazario, 1983: 52).
b) O Brasil financiaria econômica e tecnologicamente a instalação de um pólo de
desenvolvimento siderúrgico e petroquímico na região sudoeste da Bolívia. Dotaria a Bolívia
inicialmente de um empréstimo de US$ 10 milhões e financiaria os equipamentos e
instalações fabricados em solo brasileiro e avalizaria os demais adquiridos no exterior pelos
bolivianos, totalizando US$ 650 milhões. Comporiam o complexo industrial um gasoduto,
uma siderúrgica, uma petroquímica e uma fábrica de cimento. O gasoduto abasteceria o Brasil
com gás boliviano a partir de Santa Cruz de la Sierra até Paulínia, onde há uma refinaria de
petróleo da Petrobrás desde 1972. O complexo industrial seria localizado na província de
Santa Cruz de la Sierra, região fronteiriça de influência brasileira e de tendência inclusive
separatista. Mais especificamente, o pólo siderurgico-petroquímico seria localizado na área de
Mutum. A indústria petroquímica produziria com base no gás de petróleo mil toneladas
diárias de fertilizantes, enquanto que outra fábrica produziria idêntica quantidade de cimento.
A usina siderúrgica processaria os minérios da jazida de Mutum, localizada a 30 Km da
fronteira com o Brasil, com reservas estimadas em 30 a 40 bilhões de toneladas, suficientes
para abastecer as necessidades mundiais por 200 anos. A região em questão possuía reservas
minerais de ferro, manganês e gás natural. A produção prevista seria de 900 mil toneladas de
ferro e 500 mil toneladas de aço, 40% das quais seriam compradas pelo Brasil. Além disso, o
Brasil cederia 4 “zonas francas” à Bolívia (Corumbá, Porto Velho, Belém e Santos)
destinadas à exportação e comercialização de produtos bolivianos e financiaria a construção
de uma ferrovia de 300 km de extensão ligando Santa Cruz de la Sierra a Cochabamba.
Na perspectiva de uma política externa entendida enquanto política de poder e,
portanto, na perspectiva de relações econômicas interestatais vinculadas à mesma política de
poder, estes acordos tiveram importante significado. Por um lado, representaram o corolorário
de um antigo anseio de formulações geopolíticas de Mário Travassos e Golbery do Couto e
Silva na medida em que o controle e expansão brasileiras sobre o coração continental,
localizado na Bolívia seriam de vital importância para desequilibrar a balança de poder em
favor do Brasil e minimizar a posição argentina no cone sul e na Bacia do Prata em particular.
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Conforme esta tese, o Brasil deveria neutralizar o eixo vertical de comunicações Norte-Sul
proporcionado pelos rios da Bacia do Prata. As comunicações naturais de Paraguai e Bolívia
com o Oceano Atlântico, através dos cursos fluviais, bem como toda uma malha ferroviária
verticalizada, convergindo para Buenos Aires. Para neutralizar este eixo de comunicações
Norte-Sul favorável aos argentinos, impunha-se ao Brasil tirar proveito das menores
distâncias para a ligação de Bolívia e Paraguai com o oceano criando uma malha de ferrovias
e rodovias horizontal, no eixo Leste-Oeste. Neste mesmo raciocínio, caberia também ao Brasil
projetar-se sobre um triângulo situado na Bolívia, tido como o heartland ou coração
continental sul-americano. Este triângulo simbolizaria a intersecção dos principais sistemas
naturais (Andes, Amazônia e Bacia do Prata) no Cone Sul e suas respectivas influências.
Assim, Cochabamba seria o vértice de influência andina, Sucre o de influência platina e Santa
Cruz de la Sierra sofreria a influência amazônica2 (ver Mapa 2).
Ademais, isto traria importantes conseqüências para as relações Brasil-Bolívia na
medida em que vincularia em termos de dependência e subordinação um setor vital da
economia boliviana à economia brasileira. Este vínculo poderia levar a uma consolidação
irreversível no sentido colocar este país mediterrâneo na órbita de influência do Brasil.
Por outro lado, potencializariam a transformação da referida região numa reserva
estratégica para a economia brasileira pelo menos no que tange ao ferro da região boliviana de
Mutum. As jazidas de ferro ali localizadas correspondem a cerca de 12% das reservas
mundiais. Do ponto de vista econômico, o Brasil não tinha necessidade de ferro. Com o
acréscimo do ferro oriundo dali, as reservas brasileiras do referido minério seriam da ordem
de 60 bilhões de toneladas e constituiriam 60% das reservas mundiais. As reservas bolivianas
em questão teriam um significado no acordo brasileiro-boliviano plausível somente nesta
perspectiva da política de poder brasileira e na disputa por uma preponderância brasileira em
relação à vizinha Argentina.
Tal atitude se insere numa estratégia assemelhada àquela usada nas relações
bilaterais com o Paraguai a fim de estabelecer uma sociedade binacional para a exploração
dos recursos hídricos do rio Paraná, que abordaremos mais adiante. A exportação deste
minério para o Brasil significaria dificultar a venda do mesmo para a Argentina e traria como
desdobramento o retardamento do desenvolvimento de sua indústria siderúrgica, perpetuando
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o caráter primário-exportador da economia argentina. Isto complicaria a posição argentina,
uma vez que não dispunha de jazidas de ferro e estava mal situada na bacia platina no acesso
aos recursos minerais e energéticos. Isso tornaria muito difícil um desenvolvimento auto-
sustentado para a Argentina.
Mapa 2 - O triângulo geopolítico de Mário Travassos
Fonte: Mello, 1987: 83.
Por fim, a construção da ferrovia ligando Santa Cruz de la Sierra a Cochabamba
possibilitaria o controle do coração continental e o triângulo geopolítico de Travassos,
possibilitando a comunicação transversal oeste-leste. Isto abriria a possibilidade de abrir as
portas do Oceano Pacífico, caso fossem construídos trechos complementares de uma ferrovia
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transcontinental, ligando Santos a Arica, no Chile, como já sugerira anteriormente Mário
Travassos (Mello, 1987: 188-193).
Também no caso dos suprimentos de gás natural, também havia a auto-suficiência
brasileira deste recurso mineral. O acordo com o governo boliviano neste caso também não
perdeu de vista a amplitude de uma política de poder, uma vez que isto poderia proporcionar
futuramente uma reserva estratégica para o Brasil, com a possibilidade deixar as reservas
internas intocadas (Nazario, 1983: 52). Tal quadro criaria uma situação mais confortável para
o Brasil diante das dificuldades existentes em relação ao abastecimento de petróleo no cenário
internacional, caso o fornecimento de gás fosse concretizado e perdurasse o quadro de
encarecimento de tal recurso.
4 A CONTROVÉRSIA ITAIPU-CORPUS
O conflito argentino-brasileiro envolvendo Itaipu, hidrelétrica brasileiro-paraguaia e
Corpus, uma hidrelétrica que seria erguida conjuntamente por Argentina e Paraguai,
constituiu o pólo de maior tensão e principal ponto da agenda de política externa envolvendo
Brasil e Argentina no período aqui tratado.
Na visão da diplomacia argentina, o andamento da implementação do empreendimento
de parceria brasileiro-paraguaia deveria ser executado mediante um sistema prévio de
consultas às partes interessadas de modo a não prejudicar o projeto de uma futura hidrelétrica
de parceria argentino-paraguaia, a de Corpus. Propunha também um estudo multilateral. A
diplomacia brasileira, conforme já foi visto anteriormente, rejeitava a consulta prévia pois
entendia que a decisão era de competência de Brasil e Paraguai, rejeitando qualquer decisão
de ordem multilateral. Entendia ainda ser tal mecanismo contrário à soberania do país, além
de defender o pleno direito de explorar recursos naturais não-estáticos existentes em seu
próprio território. Apenas concordava no fornecimento de informações e na perspectiva de
não causar prejuízos ao território vizinho, uma vez que se tratava de recursos não-estáticos
que fluíam para outro país. Durante o decorrer de todo o governo Geisel, a postura brasileira
foi a de executar as obras sem qualquer consulta prévia.
Em 1974, por trás dos aparentes indícios diplomáticos de que o governo argentino
buscava mudar o caráter das relações com o Brasil, o então presidente Perón buscava romper
o isolamento argentino com os países da Bacia do Prata e reverter este quadro favoravelmente
à Argentina através de uma ofensiva política visando a retomada dos projetos abandonados de
represas e hidrelétricas. Ilustrativo disto foi a resolução dos litígios fluviais e territoriais com
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o Uruguai, melhorando as relações entre os países. Daí nasceu o Convênio de Cooperação
Econômica, assinado entre os dois países em agosto daquele ano, quando Perón já havia
falecido. Não é demais lembrar que em novembro de 1973 os mesmos países assinaram o
Tratado dos Limites do Rio da Prata (Souto Maior: 1996: 346). Em 1973, Perón já houvera
visitado o Paraguai, tendo firmado o Tratado de Yaciretá visando construir a barragem
homônima, além de impulsionar as negociações para a construção das hidrelétricas de Corpus
e Salto Grande em parceria com o Paraguai, até então projetos estancados.
A Argentina também lançou-se a iniciativas no âmbito multilateral com o mesmo
objetivo de opor-se às iniciativas brasileiras e romper seu isolamento. Aos poucos, o epicentro
do litígio foi concentrando-se principalmente em Itaipu.
A posição argentina era a de que o empreendimento brasileiro-argentino inviabilizaria
a hidrelétrica argentina-paraguaia se o projeto de Itaipu não permitisse a elevação de Corpus
entre 105 e 115 metros acima do nível do mar. Fora destes parâmetros, o projeto de Corpus
conforme os especialistas, seria economicamente inviável. Ademais, outro perigo constante à
Argentina seria gerado para as regiões fronteiriças que poderiam ser inundadas a partir da
abertura das comportas da represa ou de acidente envolvendo a quebra da barragem. Por sua
vez, o Brasil pleiteava uma cota máxima de 100 metros acima do nível do mar para Corpus.
No aspecto geoestratégico, havia preocupações colocadas a público pelo influente
General Guglialmelli, porta-voz de setores civis e militares argentinos alarmados com a
perspectiva de crescente ligação não só da Bolívia, Paraguai e Uruguai do ponto de vista
viário e portuário com o sul do Brasil, como também das províncias argentinas de Corrientes
e Misiones. Além do abandono a que estavam relegadas, a distância das mesmas províncias
do porto de Buenos Aires e a maior distância proporcionada pelo eixo ferroviário e fluvial no
sentido Norte-Sul de comunicações constituiria mais um atrativo para a tendência centrípeta
em relação às rodovias, pontes e portos brasileiros no sentido Leste-Oeste (ver Mapa 3). O
eixo horizontal brasileiro de ligação com o Oceano Atlântico tinha a seu favor a menor
distância em relação a Buenos Aires. Novamente, o “fantasma” da projeção continental
brasileira preconizada por Mário Travassos e posteriormente por Golbery do Couto e Silva
acirrava os ânimos da rivalidade entre brasileiros e argentinos, principalmente na percepção
do establishment militar argentino. Conforme esta ótica, a construção de Itaipu seria o
corolário da “satelitização” daquelas províncias, assim como ocorrera com Bolívia e Paraguai,
e possibilitaria a instalação de um pólo brasileiro de desenvolvimento na região que pioraria
esta situação. Tal manobra era chamada pelo General Guglialmelli de “Operativo Misiones”.
Haveria, portanto uma irradiação da influência brasileira à região argentina de Misiones, bem
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menos povoada que outras, à semelhança da ocupação de departamentos paraguaios na
fronteira com o Brasil como ocorrera no caso dos “brasiguaios”.
Mapa 3: Eixo de Comunicação Leste-Oeste com o Oceano Atlântico
Fonte: Mello, 1987: 262.
Reforçariam este quadro alguns fatores importantes. Seriam eles a estagnação
econômica da Argentina que remontava os anos 50, o seu pequeno crescimento demográfico
(1,6% de crescimento anual), além do caráter concêntrico de sua economia e população, com
os principais focos localizados em sua região portuária, próxima a Buenos Aires, e nos
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pampas. Enquanto a área metropolitana da província de Buenos Aires e o litoral
representariam respectivamente 64,4% e 14,4% do Produto Interno Bruto argentino, o
Nordeste geraria apenas 3%, o menor percentual de todo o país.
Também a região metropolitana concentraria 45,7% de toda a população do país. Dos
30 milhões de habitantes argentinos, somente cerca de 2% estaria em Misiones, cerca de 520
mil pessoas. Haveria, portanto, um caráter centrípeto da população e economia argentinas em
relação à região de Buenos Aires e dos pampas. Em contraposição, o Brasil possuía um
crescimento demográfico anual de 2,4%, além de um movimento migratório centrífugo que
partia do litoral para as direções oeste-sudeste-sul, além de expressiva população na região
setentrional correspondente aos estados fronteiriços do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, detentores do equivalente de dois terços da população argentina, aproximadamente 20
milhões de habitantes (14% da população do Brasil à época) (Mello, 1996:143-149 e 1987:
261 e 263). Outro aspecto de destaque é a participação de toda esta região no centro
nevrálgico da economia brasileira, o eixo sul-sudeste.
Portanto, a percepção da Argentina teria sido de que o empreendimento brasileiro
tinha uma vocação “imperialista” e de cerco da Argentina (ver Mapa 4). De modo sintético, o
temor da Argentina era de que
... a compatibilização com Itaipu resultasse em prejuízos insanáveis à rentabilidade
econômica de Corpus, que com isso perderia seu poder compensador como uma das
peças-chave do tabuleiro platino. O valor estratégico de Corpus estava exatamente em seu
papel de contrapeso à presença de Itaipu: o projeto binacional argentino-paraguaio
poderia reequilibrar parcialmente a balança de poder platina e neutralizar relativamente a
preponderância brasileira no Paraguai por meio do incremento da parceria argentina com
o país guarani, que retomaria a pendularidade política em relação aos poderosos vizinhos”
(Mello, 1996:148)
A inviabilidade econômica de Corpus tinha como questão fundamental as cotas de
construção acima do nível do mar. A perspectiva de um entendimento ficou mais difícil no
período 75-78, quando ambos endureceram posições.
A próxima passagem aborda bem o problema:
Com efeito, em uma reunião da equipe técnica e do ministro Azeredo da Silveira com
Geisel, este informou que a posição brasileira se deveria caracterizar, daí por diante, pelo
endurecimento. Se a Argentina tinha o direito, segundo as normas internacionais, de
construir uma barragem a uma cota de 98 metros e o Brasil já aceitara 100, que este fosse
o limite definitivo. Nenhuma concessão a mais seria feita.
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Essa atitude de maior rigidez do governo brasileiro era uma resposta a modificações que a
Argentina teria feito referentes a entendimentos anteriores (setembro e dezembro de
1978) sobre Itaipu e Corpus. Neles, o Brasil e o Paraguai se haviam comprometido a
aceitar uma cota de 105 metros - o que implicava uma redução de potência instalada em
Itaipu de 12.600 MW para 11.720 MW/ Em troca o Brasil teria autorização para que a
usina de Itaipu operasse em ponta, isto é, para que fosse permitido que as comportas
fossem fechadas de forma a armazenar o máximo de água no lago e estas só serem
turbinadas em horas de maior consumo de energia. Essa operação, na medida em que
incidia sobre o nível do Rio Paraná, um rio internacional, só poderia ser realizada com o
consentimento dos outros dois países. Se esse não fosse dado, a capacidade de geração de
energia em Itaipu diminuiria cerca de 3 milhões de quilowatts”. (Camargo e Ocampo,
1988: 75-6)
Mapa 4: Visão argentina dos objetivos geopolíticos brasileiros
Fonte: Mello, 1996: 149.
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Além disso, o Brasil resolveu aumentar a cota de turbinas a ser construída de 18 para
20 com o aceite paraguaio. Este quadro tornou a situação entre os dois países ainda mais
tensa.
5 A PREPONDERÂNCIA BRASILEIRA NA BACIA DO PRATA
O comportamento pendular da diplomacia do Paraguai, Uruguai e Bolívia foi uma
tendência histórica que se constituiu num fator de equilíbrio de poder na região rivalizada por
Brasil e Argentina. As implicações de um empreendimento da natureza de Itaipu teriam um
significado de alterar este equilíbrio, conforme já foi abordado. Seria, portanto,
...um acordo bilateral firmado entre unidades soberanas sobejamente desiguais - uma
potência média e um Estado tampão - era suscetível de produzir sensíveis modificações
no xadrez geopolítico platino e afetar a segurança, os interesses, e as relações dos países
limítrofes envolvidos com o Brasil, seja diretamente, no caso do Paraguai, seja
indiretamente no caso da Argentina.No caso do Paraguai, a associação ao projeto
energético e o reforço da rede viária apresentavam o risco de transformarem-se em
instrumentos de ampliação da influência político-econômica brasileira sobre um enclave
amortizador cuja tradicional diplomacia pendular, similar à praticada pelo Uruguai, havia
sido, historicamente, um fator de preservação do equilíbrio regional e, ao mesmo tempo,
uma garantia da própria independência frente aos dois vizinhos maiores. (Mello, 1996:
136).
A dependência e o vínculo paraguaios com o Brasil a partir da construção da usina de
Itaipu tomaram nítidos traços no período aqui estudado. Com a construção do
empreendimento citado, o país guarani viveu um surto de crescimento, com média de 8,7% ao
ano, tendo seu Produto Interno Bruto passado de US$ 769 milhões em 1972 para US$ 2.860
milhões em 1980. Incrementou-se a agricultura com o fluxo de capitais e colonos brasileiros
para as fronteiras com o Brasil, estes chamados de “brasiguaios”. Seu número estimado seria
entre 500 mil e 700 mil pessoas. Eles ocupavam uma faixa fronteiriça de 700 km de extensão,
por 10 km de profundidade. Com 70 mil km², a área equivaleria a 17% de todo o território
paraguaio ou os territórios de Bélgica e Holanda somados (ver Mapa 5). Por outro lado, a face
perversa deste boom econômico mostrava uma dívida externa de US$ 2 bilhões, um
contigente de 220 mil desempregados e cerca de 1,8 milhão de exilados políticos e
econômicos, sendo 300 mil no Brasil e 800 mil na Argentina. O índice de desemprego beirava
16% e o Banco do Brasil tornou-se o maior credor do país com a quantia de US$ 374 milhões.
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O comércio paraguaio também exemplifica esta tendência. Concomitante à
emergência de seu “milagre econômico”, houve um aumento da ordem de 373% do comércio
brasileiro-paraguaio, passando de US$ 134 milhões em 1974 para US$ 500 milhões em 1980.
De modo mais detalhado, pôde-se avaliar que US$ 409,2 milhões corresponderam às
exportações brasileiras e US$ 91, 5 milhões às exportações paraguaias em 1980, contra
respectivamente, US$ 98 e US$ 36 milhões em 1974.
Mapa 5: Penetração e ocupação dos brasiguaios
Fonte: Mello, 1996: 140.
A participação em termos absolutos no comércio bilateral aumentou mas a
participação paraguaia diminuiu de 27% em 1974 para 18% em 1980, enquanto a participação
brasileira subiu de 73% para 81%. O perfil assimétrico da pauta de exportações seria o pano
de fundo de tais alterações. No lado paraguaio, as exportações caracterizaram-se
principalmente por produtos primários (algodão, menta, soja e carne). Diversamente, o Brasil
primava por exportar manufaturados, dentre os quais eletrodomésticos, ônibus, caminhões,
automóveis, cimento, armas, munições etc. Por outro lado, a maior influência brasileira sobre
o país guarani impunha seus reflexos no comércio argentino-paraguaio. Em 1974, o comércio
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envolvendo Argentina e Paraguai equivalia a 71% do intercâmbio paraguaio-brasileiro. Em
1980, o percentual do movimento comercial entre Argentina e Paraguai havia diminuído
proporcionalmente, representado somente 47% do comércio brasileiro paraguaio. Ainda na
perspectiva de percentagens, o comércio brasileiro-paraguaio. Ainda na perspectiva de
percentagens, o comércio brasileiro-paraguaio cresceu nominalmente 373% no período 1974-
1980, enquanto que o montante argentino-paraguaio aumentou 245%.
Outro aspecto de fundamental relevância para avaliação da preponderância brasileira
no Paraguai foi aquela envolvendo o consumo da energia elétrica produzida em Itaipu.
Conforme o acordo de 1973, cada país teria direito a metade dos 12,6 milhões de kw a serem
gerados na usina binacional. O Brasil também teria prioridade na compra do excedente
energético paraguaio. Afinal, o consumo deste país era inferior aos 715 mil kw produzidos
por apenas uma das 18 turbinas da referida usina. Um aspecto técnico atinente ao vizinho
guarani era aquele que dava conta do seu sistema de freqüência elétrica. Ele é idêntico ao dos
demais países da América Latina, ou seja, de 50 ciclos. O Brasil, diferentemente, adotava um
sistema de 60 ciclos, como fazem os Estados Unidos (Mello, 1996: 133-142).
A construção do empreendimento paraguaio-brasileiro não concretizou a posição
brasileira de reconversão do sistema paraguaio de distribuição de energia elétrica de 50 para
60 ciclos, cujas implicações para o Brasil seriam a de facilitar a compra do excedente
energético paraguaio e abrir o mercado paraguaio aos eletrodomésticos brasileiros e, ao
mesmo tempo, fechar esse mercado à concorrência dos similares argentinos. Portanto, se esta
possibilidade se concretizasse, haveria uma grande redução de influência argentina no
Paraguai, minimizando a função de país tampão e subvertendo por completo as relações de
poder nesta região, com a hegemonização do país guarani pelo Brasil. No entanto, manteve-se
o sistema paraguaio de 50 ciclos. A pressão brasileira durou até 1977, quando, após longas e
difíceis conversações, o Brasil concordou em adotar um sistema de dupla freqüência em
Itaipu. Este fato se insere na perspectiva mais ampla da existência de uma preponderância
brasileira e não uma hegemonia sobre o Paraguai, a despeito da convergência de fatores
econômicos e demográficos (o caso dos “brasiguaios”) amplamente favoráveis ao Brasil:
A resistência paraguaia ao assédio brasileiro e sua recusa em aceitar as conseqüências
técnicas e políticas da mudança da ciclagem prolongou-se até 1977 quando após árduas e
prolongadas negociações, o Brasil finalmente concordou com a instalação de um sistema
de dupla freqüência em Itaipu. Essa solução de compromisso fixou limites à
preponderância brasileira, manteve uma porta aberta à influência argentina e assegurou
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com isso um espaço de pendularidade imprescindível à preservação da soberania
paraguaia.
Assim, tanto a recusa paraguaia em alterar seus sistemas de freqüência quanto a aceitação
brasileira de dupla ciclagem constituem fortes indícios de que, mesmo nas relações
interestatais mais assimétricas, há que se considerar o papel desempenhado pela instância
política, uma vez que a economia e a demografia não são, por si mesmas, suficientes para
transformar em hegemonia a preponderância exercida pelo país mais forte sobre o mais
fraco”(Mello, 1996: 142).
Já no que diz respeito à preponderância brasileira sobre a Argentina, indicadores de
diversos tipos devem ser considerados. Isto estaria em conformidade com o conceito de
política de poder multifacetado aqui empregado, como foi demonstrado em relação ao
Paraguai. A preponderância brasileira sobre seus vizinhos na Bacia do Prata emergiu nos anos
70. Já foi abordado a perspectiva da influência brasileira sobre o Paraguai e a Bolívia sob um
corte do desequilíbrio de poder por trás das manobras brasileiras no contexto da Bacia do
Prata. Serão agora arrolados os vários elementos de poder que permitiram configurar a
situação de preponderância brasileira.
No que concerne a questões geográficas, o Brasil possui uma massa territorial três
vezes maior que a Argentina. Isto permitiria uma maior amplitude fronteiriça, além de melhor
posicionamento de seus portos em relação à rota do Cabo no Atlântico Sul, bem como uma
melhor localização em relação ao “coração continental” situado na Bolívia, conforme já
abordado. Uma vulnerabilidade brasileira seria sua dependência de petróleo, onde a produção
endógena abasteceria, então, somente 20% da demanda interna. Uma outra desvantagem diria
respeito aos problemas acarretados por sua equatorialidade à sua economia agrária de tipo
tropical, uma vez que apenas 8% do país está em áreas temperadas.
Quanto ao aspecto demográfico, é conhecida a disparidade populacional entre os dois
países em 1975. O Brasil beirava 100 milhões de habitantes ao passo que a vizinha platina
restringia-se a 26 milhões. A população economicamente ativa era de 34,7 milhões de
brasileiros contra os 10 milhões de argentinos.
Tomando alguns indicativos econômicos, tem-se em 1975 um PIB (Produto Interno
Bruto) brasileiro da ordem de US$ 177 bilhões enquanto na Argentina, tinha-se o
correspondente a US$ 74 bilhões, pouco mais que dois quintos brasileiros. Na produção de
importantes minérios, o Brasil perderia na produção de petróleo em 1975: 10 mil metros
cúbicos brasileiros contrastavam com os 32 mil metros cúbicos argentinos. Contudo, em
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outros minérios a superioridade brasileira se impunha. No caso do carvão: 2,8 mil toneladas
brasileiras contra 0,5 mil toneladas argentinas. No caso do ferro, fundamental para a indústria
siderúrgica, o contraste é flagrante: 88,5 mil toneladas brasileiras contra 0,3 mil toneladas
argentinas. Em relação ao aço houve a produção de 2,2 milhares de toneladas na Argentina e
8,3 milhares no Brasil. Em termos de produção de energia elétrica, o Brasil produziu, em
1975, 79 milhões de quilowatts-hora, enquanto a Argentina ficou restrita a 30 milhões. As
exportações brasileiras atingiram, em 1975, US$ 13,9 bilhões, ao passo que as argentinas US$
4,7 bilhões. Por sua vez, as importações argentinas constituíam o montante de US$ 5,5
bilhões e as importações brasileiras US$ 23,3 bilhões. Se forem consideradas as exportações
intra-regionais, houve novamente a superioridade brasileira com a cifra de US$ 710 milhões
perante os US$ 355 milhões argentinos. Já nas importações intra-regionais a superioridade
brasileira foi de US$ 79 milhões contra 30 milhões. Todos estes dados relativos a exportação
e importação têm como base preços de 1980 (Mello, 1996: 168-185).
Todo este diferencial percebido em quase todos os quesitos favoravelmente ao Brasil,
são uma pequena amostra da situação que configuraria uma preponderância brasileira também
sobre a Argentina.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou apresentar uma leitura em que as várias dimensões que
compõem uma política externa entendida enquanto política de poder levou a um quadro de
preponderância brasileira no contexto das relações brasileiras com seus vizinhos da Bacia do
Prata no período de 74 a 79 sob o governo de Ernesto Geisel. Tal leitura colocou em
evidência uma grande importância dos elementos geográficos, mostrando a consecução das
formulações de Travassos. De acordo com ele, o desequilíbrio da balança de poder em favor
de Brasil ou Argentina dependeria da projeção de poder desses Estados no Cone Sul sobre as
unidades políticas mediterrâneas dessa região, a saber, Bolívia e Paraguai. Quem
influenciasse tais países, teria uma melhor perspectiva de poder regional. Nessa direção,
vários empreendimentos da diplomacia desse período efetivaram tal perspectiva. Destaque
para o conjunto de ações que se relacionou à parceria paraguaio-brasileira no tocante à
construção da hidrelétrica de Itaipu, caracterizando não somente um aumento da influência
econômica sobre o vizinho país guarani, como também um concomitante aumento dos
diferentes elementos de poder de ordem econômica, energética etc. para configurar uma
posição de poder privilegiada do Brasil no contexto regional.
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