Um estudo sobre a inserção de elementos da cultura popular na divulgação turística...
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05 Um estudo sobre a inserção de elementos dacultura popular na divulgação turísticagovernamental na web: o caso do site oficial doestado da Bahia
Rosana Eduardo S. LealMestranda em Comunicação pela UFPE, Bacharel e Técnica em Turismo e Docente em
Turismo e Hotelaria da UNIVERSO/Recife.
RESUMOO presente estudo tem como finalidade buscar compreender como vem ocorrendo ainserção dos repertórios da cultura popular como elementos constitutivos de identidadelocal em divulgações turísticas governamentais na internet, tendo como objeto deestudo o site turístico do governo da Bahia, através de uma análise preliminar deimagem e discurso.Palavras-chave: cultura-popular, internet, turismo.
ABSTRACTThe present study has the purpose to search and understand how occurs the insertionof the repertoires of the popular culture as constituent elements of local identity, ingovernmental tourist spreadings in the Internet, having as study object the touristsite of the government of the Bahia, through a preliminary analysis of image andspeech.Key Words: popular culture, Internet, tourism
RESUMENEl presente estudio tiene como finalidad comprender como viene ocurriendo la inserciónde los repertorios de la cultura popular, como elementos constitutivos de identidadlocal, en divulgaciones turísticas gubernamentales en internet, teniendo como objetode estudio la web turística del gobierno de Bahia, a través de un análisis preliminarde imagen y discurso.Palabras-clave: cultura-popular, internet, turismo
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Nos dias atuais, a relação da cultura popular com a promoção de destinos turísticos é
cada vez mais constante, sobretudo pela importância que a cultura exerce no processo
de representação identitária das regiões. Ao se utilizar o ciberespaço como mais um
mecanismo comunicacional de divulgação de produtos turísticos, tem-se um processo de
redefinição de significados, conteúdos e leituras da produção popular quando inseridas
em espaços virtuais.
A motivação da pesquisa se deu pela necessidade de ampliar o estudo relativo à
relação da cultura popular com a atividade turística, iniciado durante o curso de especi-
alização no Ensino das Artes e das Religiões, concluída em 2004, na Universidade Federal
Rural de Pernambuco, em que se buscou compreender a influência do turismo na produ-
ção do artesanato produzido em Caruaru. No presente estudo, esta relação entre o popu-
lar e o turismo se mantém, porém através de uma nova ótica - agregando às novas
tecnologias. O que se busca discutir é a difusão da cultura popular em escala mundial,
através da apresentação das tradições, hábitos e costumes de uma determinada locali-
dade turística. Neste artigo, a cultura popular é percebida sob influência gramsciana,
que a vê como produto da interação, embate e influência de setores hegemônicos –
neste caso representados pelo governo, meios de comunicação e turismo.
A pesquisa tem três dimensões: comunicacional, antropológica e turística. Na
comunicacional, há uma preocupação com o discurso e a imagem disponibilizada no
ciberespaço como elementos informativo e publicitário dos recursos culturais da região.
No caso da Antropologia, o estudo busca compreender como o Estado se apropria da
memória coletiva para representar a identidade cultural local, a partir dos elementos
simbólicos contidos nas páginas pesquisadas, buscando perceber se a representação
encontrada está no campo do tradicional ou do moderno. A contribuição do trabalho para
o turismo se dá pelo fato da internet ser hoje mais um fator de motivação de viagens
turísticas, possibilitando a aproximação das experiências reais e virtuais, bem como
através das informações disponibilizadas em portais que facilitam o planejamento da
viagem. Hoje, a atividade turística vem sendo cada vez mais influenciada pelas novas
tecnologias, sobretudo a internet, que permite a qualquer indivíduo antecipar-se diante
da oferta e dos serviços turísticos da localidade que pretende conhecer.
A cultura popular apresentada no site da BAHIATURSA – Empresa de Turismo da Bahia
S/A-é percebida como um discurso que comunica aspectos políticos, ideológicos,
identitários e de significação simbólica. Nesse sentido, a imagem e o discurso serão
utilizados como interessantes ferramentas de compreensão e tradução do discurso go-
vernamental em questão.
O trabalho segue a crescente importância dos estudos que abordam a cultura popular,
Rosana Eduardo S. Leal
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o consumo e a mundialização cultural – três pilares que sustentam a contemporaneidade,
trilhando as tendências metodológicas de pesquisa que surgem a partir da década de 80
– época em que se iniciam os estudos sobre as novas tecnologias, a transnacionalização
da cultura e a comunicação popular – desembocando no novo século com a emergência
dos estudos culturais.
Os resultados desta pesquisa pretendem contribuir para expandir a compreensão
sobre o assunto. Espera-se também que a reflexão presente possa ser uma contribuição
introdutória ao tema, através da possibilidade de novas intervenções e abordagens que
darão continuidade ao objeto de estudo permitindo, assim, novos olhares dos diversos
campos científicos que poderão colaborar consideravelmente para a ampliação da temática.
O papel do Estado na construção da divulgação turística a partir da cultura
popular
A comunicação governamental vem sofrendo várias mudanças nos últimos anos.
Isso vem ocorrendo, sobretudo, pela necessidade identificada pelos governos em se
adequar à nova realidade social, política, econômica e tecnológica. Para isso, as insti-
tuições governamentais vêm utilizando modernos processos comunicativos, através de
técnicas de marketing e de publicidade que servem para planejar o formato e o conteúdo
das informações que serão apresentadas aos cidadãos.
Na promoção do produto turístico, o que se percebe é um processo competitivo,
em que os governos buscam uma fusão com o mercado na tentativa de promover a
atividade turística em sua localidade, utilizando-se dos meios de comunicação tradicio-
nais e não tradicionais, como ocorre com a internet. Os portais governamentais são
utilizados não só para disponibilizar serviços aos cidadãos, mas servem também como
um mecanismo de divulgação dos recursos naturais e culturais de cada localidade, pelo
qual o turista pode navegar e até ser persuadido a visitar o destino. As páginas virtuais
são cada vez mais adequadas ao consumo turístico, servindo como verdadeiras campa-
nhas publicitárias de localidades turísticas, em que se pode identificar eventos festivos,
manifestações populares, gastronomia, produção artesanal, destinos ligados aos mais
variados tipos de turismo, entre outros aspectos.
Segundo Sodré (2001), a nova organização das sociedades modernas busca inte-
grar a produção e o consumo de bens culturais – incluindo a cultura popular – no movi-
mento de acumulação do capital em escala transnacional, em que os bens culturais pas-
sam a servir cada vez mais à reprodução das relações capitalistas modernas. Canclini
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(1983) complementa ainda que, nesse processo, há uma desestruturação das culturas
étnicas, nacionais e de classe, na busca de um sistema de unificação de produção sim-
bólica.
Para Ortiz (1986), a relação entre a cultura popular e o Estado pode ser explicada
através de termos como memória coletiva e memória nacional. A memória coletiva é
particularizada, sendo originada de grupos sociais determinados, que a mantêm através
da vivência e da definição de funções de que cada ator social terá o seu papel na manu-
tenção dos rituais, e que, havendo a dispersão destes atores, poderá gerar o desapare-
cimento da manifestação cultural.
A memória nacional é universal, não tendo o teor particularizado da memória coleti-
va. É produto de um período histórico determinado e de necessidades que sobrepõem o
ritual, o sagrado e o tradicional, pois é resultado de um discurso de segunda ordem,
construído pelos setores hegemônicos. No caso da representação da cultura popular nos
sites turísticos, tem-se uma construção de uma identidade local, em que é construída
uma imagem de acordo com as necessidades dos governos divulgadores, havendo uma
seleção de manifestações e características populares locais que poderão ser interessan-
tes turisticamente. O autor defende que é a ação política que constrói a identidade de
uma determinada localidade.
Conforme Ortiz (1986), a construção da identidade cultural se dá através das medi-
ações simbólicas de intelectuais, que transferem as manifestações populares – do âmbi-
to da memória coletiva, particularizada – para um âmbito universal, que transcende os
atores mantenedores da memória ritualística e mitológica. Trata-se de uma interpreta-
ção que está condicionada à visão particular de cada intelectual, na busca do desloca-
mento do local para o universal. A internet é um veículo exemplar nesta mediação, pois
os governos necessitam construir web sites turísticos que devam traduzir, de forma
simplificada, atrativa e criativa as potencialidades culturais de cada local necessitando,
assim, da intervenção dos intelectuais que buscarão a essência popular de cada cidade,
estado ou região. Isso ocorre através da identificação dos elementos que deverão ser
mais relevantes na construção da identidade, através de aspectos como manifestações
populares, festividades, culinária, artesanato, entre outros.
De acordo com Ortiz (1986), a construção da identidade cultural busca unificar as
partes, já que as manifestações populares são heterogêneas e fragmentadas, sendo um
fundamento para uma ação política. Neste caso, o Estado se apropria de determinadas
manifestações da cultura popular, reinterpreta através dos intelectuais e as apresenta
como representação simbólica para a divulgação turística.
Marilena Chauí (1986) compreende que a tradição, através das manifestações
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populares, pode ser utilizada para legitimar o Estado, servindo como uma percepção
democratizadora do governo, através da promoção regional.
Bahia: terra da negritude e da festividade
A imagem construída da cultura popular baiana no portal pesquisado está intrinseca-
mente ligada à cultura afro-brasileira. Mesmo identificando a contribuição da cultura
indígena e da portuguesa, há uma valorização mais intensa diante da contribuição ne-
gra, identificada como fundamental na constituição da cultura baiana. Esta influência
pode ser identificada na culinária, na religiosidade e nas manifestações folclóricas em
que os negros são apresentados como principais produtores da cultura do estado, como
se percebe no texto abaixo analisado:
São as cores e os diversos sabores que explicam a comida baiana.
Herdando o dendê africano, a mandioca indígena e o coco, de
origem asiática ou africana, mas introduzido no Brasil pelos portu-
gueses, os baianos vão tornando seu cardápio cada vez mais atra-
ente. Falar sobre a comida baiana é valorizar nossa história, a
culinária surgida dos escravos, que foram colocando sabor nos
peixes, crustáceos e camarões que encontravam.
Através dos textos inseridos no portal, percebe-se que a influência africana conse-
guiu se inserir no cotidiano dos baianos, em que costumes como “usar roupas brancas
nas sextas-feiras” já se tornaram comuns no local servindo, inclusive, para a promoção
turística do estado. Esse aspecto permite transmitir uma personalidade cultural e turís-
tica diferenciada, que se desprende da visão regional unificada do Nordeste, tornando a
Bahia um estado singular diante dos outros estados.
Imagem 1: Culinária baiana – intensa influência africana1
1 Site www.bahia.com.br - Acesso em 20.07.2005
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A baiana é, sem dúvida, o símbolo popular mais representativo da Bahia, inclusive
ultrapassando o aspecto estético da vendedora de acarajés com vestimentas tradicio-
nais. Passa a ser uma representação simbólica do estado e sinônimo de religiosidade,
culinária, simpatia e receptividade local.
Imagem 2 - Baiana em festa de Iemanjá2
A população baiana é representada no portal com adjetivos diversos, figurando como
povo alegre, criativo, com intensa musicalidade e bastante receptivo, herdeiro do fol-
clore, da diversidade cultural, dos ritos e crenças populares. O estado é identificado
como festivo por natureza, em que se pode encontrar comemorações o ano todo, sendo
uma característica bastante atraente para o fluxo turístico, como se percebe:
A Bahia está sempre em festa! São dezenas de festas aconte-
cendo em todo o estado durante o ano inteiro. Festas tradicio-
nais, folclóricas, religiosas, esportivas, todas com a alegria carac-
terística do povo baiano!
2 Site www.bahia.com.br - Acesso em 22.07.2005
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O ciclo festivo mais divulgado do estado é, sem dúvida, o ciclo carnavalesco. O
carnaval baiano vem despontando no Nordeste e no Brasil como evento massivo, que
agrega características capitalistas, modernas e tradicionais ao mesmo tempo. O tradi-
cional pode ser encontrado nos grupos de cultura afro-brasileira que, ao lado dos trios
elétricos, se apresentam no centro do carnaval de Salvador em perfeita harmonia, como
ocorre com os grupos de afoxés. O moderno está representado pelo princípio capitalis-
ta, tecnológico e massivo que vem sendo dado ao evento, em que empresas dos mais
variados setores se inserem na festividade para divulgar e vender seus produtos e ser-
viços.
Hoje, o carnaval da Bahia consegue estender mecanismos de consumo durante o ano
todo, através de bandas musicais, carnavais fora de época, venda de kit’s de trios
elétricos, shows e campanhas publicitárias dos artistas baianos pertencentes a este
cenário. Trata-se de um carnaval de rua que agregou características da indústria cultu-
ral, movimentando grandes recursos e ajustando-se à realidade atual, criando modis-
mos e tornando-se referência da relação do moderno com o tradicional. Tal festividade
conseguiu ultrapassar os limites do Nordeste e do Brasil, chegando a atingir a Europa
através de apresentações que vêm sendo feitas com as características do carnaval baiano,
a pedido dos órgãos governamentais locais.
Imagem 3 - Carnaval baiano3
3 Site www.bahia.com.br - Acesso em 23.07.2005
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No site baiano, a culinária representa um aspecto relevante na constituição da iden-
tidade cultural local, e a influência histórica é determinante na construção dos doces,
salgados e bebidas típicas, sendo comum a relação com um período histórico dos enge-
nhos – de suma importância para a produção da variedade culinária existente no local.
Numa cultura e história como a nossa, em que o cultivo do
açúcar trouxe a primeira tecnologia industrial, os doces ficaram
gravados em nossas infâncias, em que as mesas repletas de sobre-
mesas – para honrar o nome – enchiam de alegria e doçura as
festas das famílias .
Na apresentação dos doces baianos, percebe-se o saudosismo de uma época de farto
desenvolvimento econômico nordestino, que remete ao retorno à infância vivida na
região, demonstrando a necessidade de ter o passado sempre inserido no discurso atual.
Doces como ambrosia de coco, baba de moça, beiju de tapioca e cocada possibilitam
retratar esta realidade lúdica, infantil e saudosista identificada no portal.
Durante a análise discursiva do portal, percebeu-se a forte necessidade e preocupa-
ção em apresentar o estado pela suas singularidades diante do Nordeste e do país, sendo
comum a frase “só a Bahia tem” e o termo afro-baiana.
Os temperos exercem um papel relevante na diferenciação da culinária baiana para a
culinária nordestina, sendo percebidos elementos indispensáveis na construção dos
pratos – fortemente identificados nas imagens. Nos textos, os temperos são apresenta-
dos como elementos que realçam o sabor, representados pelo cominho, pimenta, azeite
de dendê, gengibre e coentro.
Imagem 4 – Dendê4
4 Site www.bahia.com.br - Acesso em 24.07.2005
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Na relação da culinária regional com a internacional, há uma predominância da pri-
meira. A cozinha internacional só aparece no item referente às opções de restaurantes,
não sendo encontrada na área destinada à gastronomia. É o tradicional que prevalece na
constituição e representação imagético-discursiva da culinária encontrada no site.
Na representação das bebidas, percebe-se uma forte presença da aguardente – ca-
racterística da região Nordeste que, através de uma estética moderna, traduz a riqueza
de frutas que podem ser utilizadas no preparo das bebidas. Na imagem, as cores são
fundamentais na representação da alegria, do calor dos trópicos e dos sabores proveni-
entes da variedade de frutas da região Nordeste, utilizando-se também de um toque de
sofisticação tão comum nas imagens turísticas. É o popular se adequando às exigências
turísticas modernas, em que se produz uma imagem que atrai a curiosidade turística.
Imagem 5 - Bebidas
A principal representação da cultura erudita não está na música, em festividades ou
personalidades locais, mas sim no patrimônio histórico – representado, sobretudo, pe-
las igrejas, que estão espalhas em grande parte do estado. Para o erudito é dada menos
ênfase, talvez pelo caráter estético do popular que, na Bahia, é visto como lúdico, es-
pontâneo, democrático e hospitaleiro. O negro é percebido como símbolo da baianidade,
sendo referência primordial da riqueza cultural no estado. Hoje é retratado como agente
da produção e manutenção baiana popular.
A cultura popular baiana, fortemente influenciada pela cultura africana, está repre-
sentada não só nas regiões interioranas, mas também no espaço urbano, principalmen-
te no centro histórico-cultural da cidade de Salvador, onde as manifestações de rua são
apresentadas como atividades freqüentes. O que se percebe é que, na cidade, há uma
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intensa representação de símbolos tradicionais do estado, que não necessariamente
deveria estar no campo, sendo ritualizados na própria área metropolitana.
A cultura africana consegue ter, na divulgação do estado, maior importância que a
cultura branca e erudita, através da intrínseca relação da Bahia com a África. É um
elemento primordial na representação da cultura do estado, em que se desenvolve um
processo de consumo cultural das crenças, como se vê:
A religiosidade é uma característica muito presente na cultura
baiana. Na tentativa de não perder suas raízes religiosas, os ne-
gros escravos criaram o sincretismo religioso como uma forma de
manter vivos seus costumes e tradições. Dessa manifestação nas-
ceram características peculiares que tornaram a Bahia um pólo
de convergência religiosa e cultural.
Algumas imagens e textos contidos no site revelam o intenso sincretismo religioso
encontrado na localidade, onde o catolicismo e o candomblé andam lado a lado, sendo
este último, inclusive, bastante divulgado turisticamente. Segundo Carvalho (2000),
devido à secularização crescente das sociedades, que coloca à disposição dos indivíduos
uma ampla gama de opções no campo religioso, há um rompimento da hegemonia do
catolicismo no campo simbólico e estético, que é dominante, muitas vezes, em algumas
manifestações culturais. No portal do governo baiano, este aspecto está bastante claro,
na medida em que se percebe que não é o catolicismo, e sim o candomblé – que se
sobrepõe em termos de importância religiosa. O portal diariamente apresenta o orixá do
dia, onde são encontradas explicações em termos de importância e característica, dan-
do as informações do santo católico correspondente. Pode-se perceber que o catolicismo
fica à mercê do candomblé, como segue nesta citação capturada: “Terça-feira saudamos
Ogum, senhor da guerra e da agricultura. No sincretismo é Santo Antônio. Ogunhê!”.
Os terreiros são divulgados com a mesma importância que as igrejas, sobretudo por
ser uma referência na manutenção da religião negra. O candomblé, que por muito tempo
foi perseguido pela igreja e pelo Estado, hoje é reconhecido como crença e divulgado
pelo governo da Bahia como forte atrativo turístico de visitação. Os terreiros são apre-
sentados como espaços culturais populares para serem apreciados e visitados turistica-
mente tendo, inclusive, a localização e o endereço divulgados para as visitas turísticas.
Segundo Carvalho (2000), deve-se, ao estudar a cultura popular no momento presen-
te, levar em conta fatores complexos e dinâmicos que influenciam na área tradicional,
tais como os meios de comunicação de massa, a atividade turística e o processo migra-
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tório de cada região. No caso da Bahia, não há uma perda de referencial tradicional, de
crença e de ritualidade, mas há um intrínseco contato com o consumo, com o urbano,
com a atividade turística e com as mudanças por que o estado vem passando nestes
últimos anos, que faz da localidade uma referência no turismo nordestino e brasileiro.
As referências tradicionais estão representadas pelas manifestações populares
(identificadas como folclore), na religiosidade, nos costumes e na gastronomia. Os ele-
mentos modernos estão inseridos na apropriação do discurso governamental para divul-
gar turisticamente o estado, através de uma estética moderna competitiva na busca e
manutenção do mercado turístico.
Considerações Finais
Ao analisar o portal governamental da Bahia, identificou-se a intensa necessidade de
resgatar a memória coletiva como mecanismo de utilização governamental no campo do
turismo. O Estado, através dos bens culturais populares, cria uma identidade cultural
assentada na tradição, mas em constante diálogo com o moderno. Isso ocorre através
da inserção da cultura popular num universo de consumo simbólico turístico, em que a
divulgação de manifestações tradicionais segue os princípios modernos capitalistas,
agregando valor à localidade. Na Bahia, a cultura popular é publicizada e consumida a
partir de uma leitura moderna pois, além das manifestações populares não serem vistas
de maneira fossilizante e engessada, são sinônimo de dinamismo e continuidade, sendo
representada em boa parte no espaço urbano, convivendo e agregando elementos
modernizadores atuais.
A partir da análise da imagem e do discurso apresentado, percebeu-se que a Bahia é
divulgada como um local em constante “estado de graça”, em que a atmosfera de férias
permanece durante todo o ano, local em que a cultura negra floresce em sua plenitude
para ser consumida pela demanda turística. É curioso identificar o paradoxo existente
na divulgação turística da região, pois o sentido de novidade divulgado sobre a cultura
local está associado à memória e ao passado e não ao presente e ao futuro. Mesmo
sendo um estado que possui uma visão moderna de divulgação da cultura popular, é a
tradição que aparece como pano de fundo para o discurso e as imagens apresentadas.
O popular da Bahia está sendo apresentado pelo governo numa perspectiva ro-
mântica, como algo pitoresco e exótico, como manifestações que podem seduzir o
turista pelo contraste que há com a vida cotidiana moderna, comum aos grandes centros
urbanos. Na Bahia, não se descarta a visão de um estado em processo de modernização,
porém trata-se de uma modernização em comum acordo com o popular tradicional, onde
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os costumes, as crenças, os ritos e as manifestações podem ser envolvidos por ações
modernizadoras, sem perder a sua essência e historicidade. É, neste caso, a modernidade
que deve se adequar às singularidades da Bahia e não o sentido inverso.
Os elementos da cultura popular são um dos aspectos mais relevantes na divulgação
turística do estado, pois o papel do popular, neste estudo, é dar uma identidade própria
ao destino turístico, é tornar a localidade singular aos olhos do turista. Como a atividade
turística passa por um processo de homogeneização globalizada de serviços, a cultura
popular é uma importante fonte de diferenciação do local.
Percebeu-se que, segundo a seletividade feita a partir de princípios ideológicos do
governo, alguns aspectos são mais enfatizados do que outros. O artesanato, por exem-
plo, é um aspecto pouco trabalhado no site, algo que diferencia sobremaneira de outros
estados nordestinos, que colocam a arte popular como um dos principais elementos de
identificação local, demonstrando a descentralização de um elemento tão peculiar da
região nordestina.
A partir da leitura imagético-discursiva do portal, conclui-se que a cultura popular é
um elemento prioritário do governo baiano que, através de uma ação ideológica, cons-
trói um “estado de espírito local” voltado principalmente para favorecer e agradar o
turista, através da evidência do exótico, do festivo, do pitoresco, sem perder as amar-
ras modernizadoras.
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