Pensamentos na extensão

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PENSAMENTOS NA EXTENSÃO Prezado amigo ou amiga: Longe de mim está em cansar-te a visão e o intelecto, mas o objetivo ao que me proponho é apenas um exercício filosófico na sua forma mais atraente, ou seja: a especulativa. Não venho carregado de fórmulas complicadas nem de teorias cheias de mistérios. Tampouco quero aqui deixar-te uma impressão poética, nem muito menos o simples ato de sonhar... Se, por um lado, não há objetivo ímpar a ser colocado ao centro do alvo de mira, as observações que descreverei não serão levianamente aleatórias que não te possam prender a atenção. Gostaria, portanto, que este pequeno ensaio não te pegasse num bocejo, ou numa sonolência, ou ainda que teu cérebro já cansado de tantas frases de aparência teatral, não me descarregasse a maior descompostura crítica a que um leitor é permitido tecer. Filosofar é, acima de tudo, tatear por caminhos tortuosos, obscuros e, na maior parte do tempo, dar passos bem rápidos em direção ao erro... Pudera! Em nossa razão pequenina, de uma condição tão humana, como assim não haveria de ser? Andamos normalmente no erro. E qualquer exercício filosófico, certamente não fugirá à regra, mas eventualmente... Eventualmente poderemos caminhar no acerto, se por uma pequena réstia de luz que porventura Deus, por Sua infinita bondade, resolva por acaso nos conceder, iluminando nosso espírito por meio de uma acertada intuição. Se , e somente se ... Acima de tudo, aqueles que se atrevem a passear no terreno do abstrato, deveriam ter sempre em mente a seguinte oração: “Deus Pai: concedei-me uma boa redução, tanto na fantasia, como na soberba dos raciocínios da mente. Exerça a Tua divina pressão, para que me curve tanto e a tal ponto, e assim seja reduzido a um simples e único grão de areia, posto que seja justo e precisamente neste grão, onde se localizam, encaixam e amoldam as razões do homem”. E assim vamos nós, tu e eu, passearmos como dois viajantes despreocupados, por este vasto jardim que é o do pensamento, colhendo ora aqui, ora acolá, os frutos de um exercício mental, bom para nossos cérebros. Muito embora, ao entrarmos por este caminho cativante, que é a filosofia especulativa, não bem apreciaria, nem interessante para ti seria, que na especulação, colhêssemos frutos da árvore do abstrato ao acaso, cujo sabor 1

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PENSAMENTOS NA EXTENSÃO

Prezado amigo ou amiga:

Longe de mim está em cansar-te a visão e o intelecto, mas o objetivo ao que me

proponho é apenas um exercício filosófico na sua forma mais atraente, ou seja: a

especulativa. Não venho carregado de fórmulas complicadas nem de teorias cheias de

mistérios. Tampouco quero aqui deixar-te uma impressão poética, nem muito menos o simples

ato de sonhar... Se, por um lado,

não há objetivo ímpar a ser colocado ao centro do alvo de mira, as observações que

descreverei não serão levianamente aleatórias que não te possam prender a atenção.

Gostaria, portanto, que este pequeno ensaio não te pegasse num bocejo, ou numa sonolência,

ou ainda que teu cérebro já cansado de tantas frases de aparência teatral, não me

descarregasse a maior descompostura crítica a que um leitor é permitido tecer.

Filosofar é, acima de tudo, tatear por caminhos tortuosos, obscuros e, na maior

parte do tempo, dar passos bem rápidos em direção ao erro...

Pudera! Em nossa razão pequenina, de uma condição tão humana, como assim não haveria

de ser? Andamos normalmente no erro. E qualquer exercício filosófico, certamente não

fugirá à regra, mas eventualmente... Eventualmente poderemos caminhar no acerto, se por

uma pequena réstia de luz que porventura Deus, por Sua infinita bondade, resolva por acaso

nos conceder, iluminando nosso espírito por meio de uma acertada intuição.

Se, e somente se...

Acima de tudo, aqueles que se atrevem a passear no terreno do abstrato, deveriam ter

sempre em mente a seguinte oração:

“Deus Pai: concedei-me uma boa redução, tanto na fantasia, como na soberba dos

raciocínios da mente. Exerça a Tua divina pressão, para que me curve tanto e a tal ponto,

e assim seja reduzido a um simples e único grão de areia, posto que seja justo e

precisamente neste grão, onde se localizam, encaixam e amoldam as razões do homem”.

E assim vamos nós, tu e eu, passearmos como dois viajantes despreocupados, por este

vasto jardim que é o do pensamento, colhendo ora aqui, ora acolá, os frutos de um

exercício mental, bom para nossos cérebros. Muito embora, ao entrarmos por este caminho

cativante, que é a filosofia especulativa, não bem apreciaria, nem interessante para ti

seria, que na especulação, colhêssemos frutos da árvore do abstrato ao acaso, cujo sabor

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nem sempre nos seria doce. Esta particular árvore do pomar do pensamento, de extrema

beleza em seus intrincados e variados ramos, costuma trazer em suas sementes tantos

motivos de polêmica e confusão, que é já que te despachas, e eu fico aqui, neste jardim

bonito, só e abandonado. Afinal, que seria eu sem ti? É preciso que me acompanhes!

Então...

Regra número um: Garanto-te que partiremos só de fatos interessantes, palpáveis a

pleno por nossos sentidos. Nada de raciocínios hiperbólicos, daqueles que se fazem após

várias rodadas de cerveja junto aos amigos, e aí... E aí, todos são doutores Honoris

Causae em suas lucubrações oriundas do vapor etílico! Bem, vejas tu que não te quero

impedir que bebas enquanto me acompanhas. Se te apeteces, ao menos faças um brinde por

mim!

Regra número dois: À medida que vou tecendo alguns raciocínios, estarei extremamente

alerta para que estes te sejam fáceis de digestão. Nada de tédio insinuante. Lembra-te que

não te quero com as pálpebras pesadas, como se te ocorresse ler às altas da madrugada, a

lista telefônica.

Regra número três: Chega de regras...

Hegel, em suas conduções filosóficas sobre a Estética, dizia muito apropriadamente:

“São as ciências filosóficas as que mais solicitam uma introdução, visto que nas outras

ciências se conhecem o objeto e o método: deste modo, as ciências naturais têm o objeto na

planta ou no animal e a geometria, no espaço”. Em outra maneira de dizer-te, afianço-te

que qualquer ciência humana, ao descrever o assunto que a domina, parte, sem outro

cerimonial do que ao raciocínio e à lógica sobre o objeto que lhe pertence. Já a

filosofia, por ter sua base de apoio no abstrato, é de um caminhar vacilante, algo como

andar numa estreita e tortuosa trilha à noite, à beira do mais profundo e insondável

precipício, sem se dar ao luxo do brilho ocasional de uma estrela, que poderia te iluminar

um pouquinho o trajeto a percorrer. Só tenho, portanto, a ti, caro companheiro ou

companheira de viagem. E olhes que não nos descuidemos para não nos desgarrar! Um passo em

falso e já estamos separados. Temos apenas como iluminação, uma pequena e trêmula luz de

vela, que é a razão humana.

Para melhor te exemplificar e testemunhar a assertiva de Hegel, paremos um instante

junto à Medicina, cuja arte e ciência exerço há 23 anos.

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A Medicina, no decorrer do tempo de sua existência, acabou, como toda boa árvore, em

dividir-se em seus inúmeros ramos... Deste modo, Cardiologia, Urologia, Ginecologia,

Neurologia, e demais figurantes, desfilam orgulhosamente. Filhas irrequietas que são:

temperamentais de gênio e conduta; adolescentes que são: mais ou menos disciplinadas no

seu caminhar; românticas que são: sonhadoras de seu próprio destino.

Vou, portanto, chamar duas dessas mocinhas, que revelam com extrema limpidez a

diferença de caráter que lhes é inerente, e que servem a boas medidas como exemplo entre a

pedra e o vento, entre o concreto e o abstrato, entre o mais palpável e o filosófico.

Eis que convoco junto a teus olhos, uma muito bem polida e comportada criança, que

pode ser a Cardiologia, e uma das mais sutis e travessas de suas irmãs, que atende pelo

nome de Psiquiatria.

Durante todo o período de sua evolução, a Cardiologia teve como pedra fundamental e

como princípio básico, a observação científica e cifrada num órgão chamado coração. Esse

precioso e vital instrumento que impulsiona todo nosso organismo foi, minuciosa,

escrupulosa, e vagarosamente examinado pelo correr dos tempos. Ao que se saiba, e isto é

um fato rigorosamente correto, durante todo esse período, o coração não mudou nem sua

forma, nem seu ritmo, permanecendo como pedra angular e capital através dos tempos para

sua análise e, permitindo assim, o seu estudo de uma maneira cômoda e ortodoxa. Estas

afirmações inquestionáveis autorizam e posicionam a Cardiologia como ciência.

E se tu, que acredito gostares de viajar, de te colocares num horizonte para além do

cotidiano, tivesses tido a oportunidade de estares num destes congressos médicos, no qual

tanto se fala dessa tal de Cardiologia, observarias com extremo rigor, que o que é dito

doutamente por um, bem costuma a vir ser reverenciado pelos demais. E, desta maneira,

todos curvam-se entre si, por estarem concordes quanto às inovações e predicados que

porventura são adicionados a esta menina-ciência.

Mas, caluda! Muita atenção! Observas, por favor!... Eis que no nevoeiro do labirinto

em que nos encontramos, aparece uma bruxuleante luz de outra vela! Veja!... Consegues vê-

la também tu? Porventura já consegues reconhecer quem por ali vai? Eu já identifiquei

aquela pequena chama, e vou, sem maiores delongas, mostrá-la para ti: Aquela luz é a da

procissão dos enamorados seguidores da inquieta menina, chamada Psiquiatria. E olhes que

não são poucos os admiradores que seguem por aquele pálido brilho! Reparas como vão todos

ali bem circunspectos e concentrados em seu séqüito!

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A Psiquiatria, preciso confessar a ti, tem o caminhar tão tortuoso quanto à

filosofia. Afianço-te que ambas são iluminadas por pequenas luzes, oriundas de velas de

qualidade questionável, precisamente porque ambas exploram o mesmo campo nebuloso do

abstrato, as mesmas profundezas da mente humana e, provavelmente, o mesmo labirinto do

espírito que nos habita. Pressupondo que concordes comigo em tal ponto, necessário se faz,

te oferecer razão plausível para que sigamos tal linha de pensamento.

Qual o pretexto, ou o motivo desta falta de uma densidade, ou mais ainda,

dessa imponderabilidade de um campo que apreciaríamos mais sólido, para que essas duas

crianças pudessem ter em seus passos a serenidade necessária para um belo passeio?

A resposta a essa intrigante questão não é nada simples. O levantamento de tal

problema não se pode responder por argumentos frágeis, e frágeis a tal ponto, que só o

fato de serem transcritos para uma folha de papel, já os fragmentam em mil pedaços, e

teríamos assim por resposta, a visão ilusória de um caleidoscópio. Trata-se do abstrato!

O abstrato dispensa maiores predicados. A palavra por si só se basta. Desta maneira,

continuemos nosso trajeto pitoresco, acompanhando temporariamente estes senhores, para

vermos aonde vão desembocar, iluminados pela escassa luz de suas velas... E da nossa, é

claro!

Essas duas meninas, a Filosofia e a Psiquiatria, torno a repetir-te: por terem como

base algo tão instável e insólito que é o abstrato, mantém as suas respectivas

ingenuidades de maneira cativante. E é por esse andar incerto das duas, a maneira pela

qual a mente humana, em cada passo que dá, percorre ágil e eternamente, rumo ao seu

afundamento em terreno viscoso. E os que por este caminho se aventuram, pela coragem e

determinismo que os acompanham, pela própria semente do progredir, que se encontra cravada

em seus espíritos, deveriam ser chamados como autênticos desbravadores.

Tateiam e titubeiam os psiquiatras, de uma maneira como só os filósofos conseguem...

Lá vão eles, como vacilantes senhores idosos, com suas bengalinhas miúdas, esgaravatando

seus próximos passos. Aproximam de seus olhos cansados as luzes mortiças daquelas pequenas

velas, numa frustrada tentativa de antever o que se apresenta adiante sob aquele negrume,

e o efeito de tal gesto, serve apenas para realçar as expressões interrogativas e infantis

de seus próprios rostos. Mas, para adiante: nada... Ou muito pouco...

E assim, meu caro ou cara acompanhante, a conclusão que se chega, salvo melhor

juízo, é a de que lá, no terreno do abstrato, no terreno da “Torre de Babel” maravilhosa

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onde confabula o espírito humano, enquanto um destes destemidos senhores, fala a seus

pares em bom e fluente alemão, seu colega ao lado, com certeza absoluta replicará em ótimo

inglês, cuja tréplica será dada por um brioso terceiro colega, num erudito e

irrepreensível tcheco, que num bom falar e num tom que não admite dúvidas, bem conseguirá

que seus confrades franceses, portugueses, sul-africanos, coreanos e russos, todos em suas

respectivas línguas, evidentemente iluminados pela parca luz daquela vela, falem,

discordem, discutam e cheguem pateticamente à conclusão final e um denominador comum

quanto ao abstrato: Que será a de que nada sabem ou, mais precisamente, se algo sabem, é

de uma maneira ingênua e cativante...

Claro está, que o exemplo acima, colocado desta maneira, é apenas um hipotético

exemplo. E se o que te disse é, por um lado, coberto com doce hilaridade, de outro lado,

tampouco não deixa de ser de um ponto de vista apimentado e interessante. E então, na

filosofia especulativa em que nos encontramos, te foi prometido que pisaríamos em terreno

mais sólido e assim será. Mas era preciso de uma introdução, de um cerimonial

razoavelmente decente. Era preciso te criar um clima que te motivasse a estares com

interesse. E é imperativo que não te vás embora. Fiques comigo mais um pouquinho, nem que

seja por tua boa criação!

Gostaria de te falar dos limites e das proporções...

Deus é único.

Sua equação é simples.

Seu traçado é perfeito.

Três frases soberanas, três afirmações insofismáveis, três verdades imutáveis...

Claro e aceite está, que tu, ao te encontrares ao meu lado, levas como predicado,

seja pela formação de teu caráter, seja por tua postura religiosa, ou pela tradição de

teus antepassados, a magia da fé.

Ah! A fé! Esta tão preciosa pedra, que te dá um brilho invisível para os sentidos,

muito mais poderosa que qualquer instinto que nos habita, e que poderia ser definida como

uma espécie de magnetismo, o qual também não se pode explicar por expressão exata, mas

que, no entanto, é lido e cifrado pela bússola, que assim orienta o navegador, para que

não se perca em sua jornada. E então: se possuíres a

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fé, tens a proa mas não a explicação; tens o norte mas não o sentido; tens a orientação

mas não o entendimento...Entretanto, se porventura és um ateu, ou melhor ainda, se no

acaso perdido dos casos, és tu um agnóstico, participas então com a curiosidade. E esta

certamente te impelirá mais para adiante, pois ateu ou agnóstico, pouco se me dá, sempre

quererás estar num velho sótão e abrir esta ou aquela tampa de baú empoeirado, para que

teu rosto estampe a linha patética da surpresa. E isto tu não poderás me negar.

E para que precisamos dela; da fé neste ensaio? Qual seria o motivo de acenarmos à

mesma, para que venha acercar-se junto a nós? O que porventura têm em comum a fé com os

limites e as proporções? O que ligaria a fé a laços tão estreitos neste passeio que damos

no abstrato?

Já percebo que me olhas pelo lado. Pressinto que já te preocupas sobre o que fazes

aqui junto a mim. E que bem poderias estar noutro lugar, te ocupando com outros afazeres,

onde teu precioso tempo, de melhor proveito seria... Ora! Atendas por favor, ao meu

pedido, e que me acompanhes neste raciocínio: Mesmo num processo de estudo filosófico, e

talvez até mais do que em outros estudos, temos que, em alguns momentos, nos situar em

determinado marco arbitrário, apesar de que, como já te disse logo ao princípio, talvez

possamos estar localizados num atalho completamente errado de uma estrada também errada!

Mas precisamos partir de um princípio como este para que continuemos nosso passeio.

Afinal, em algum lugar haveríamos de estar!

Deus não se prova. Deus tampouco atende a curiosidade dos filósofos. E aqui, a

estrada da intuição é mais reta que a lógica do raciocínio. E é preciso também te dizer

uma pequenina verdade: Não há atalhos para o conhecimento, ou para o saber, sejam eles

quais forem. Sejam apenas curtos ensaios como este, ou profundos exercícios da mente. E,

certamente o pequeno brilho de nossa vela não fugirá à regra. Dá-me, pois, a tua mão e

caminhemos. Apenas andemos sem nos ater à lógica dos detalhes. Se um atalho aqui fosse

essencial, há muito que ele já seria chamado de caminho. O fato necessário é que tenhas

como absolutas as três assertivas que nos acompanham o texto acima. Eis a razão da fé...

Quando te digo que a equação divina é simples, deveria melhor dizer-te que aqui,

tudo já está determinado. Em si, em sua singela equação, todos os demais postulados, sejam

eles pretéritos ou futuros, já se resolveram; todas as perguntas feitas e ainda por fazer

no tocante à criação, já possuem as suas respostas; e toda a pesada e complicada

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maquinaria que rege o universo, até a graça do pequeno gesto poético do bater de asas de

um pássaro, já foram regidas e definidas pelas equações que ao Seu domínio pertencem.

O mesmo não se pode dizer do resplendor desta simples equação. Não há magnitude que

o meça. Aqui, os números falham... Aqui a linguagem do homem não exprime... Pelo inefável

chegamos ao belo absoluto...

E então, por falta de uma melhor expressão, temos que incorrer novamente na situação

incômoda de tentar pela intuição, explicar o inexplicável, exprimir o inexprimível, conter

o continente, o que já é em Si o absoluto. Será que tu e eu conseguiríamos nos alojar numa

definição, num exemplo qualquer, apenas para podermos nos situar no raciocínio que vem

adiante?... Tenhas paciência. Afinal, nossa vela é miúda, e em nosso passeio temos de

cometer o maior dos arbítrios! Imagines tu! Tentar achar algo de concreto que nos

demonstre o abstrato, uma parte que explique o todo, um conteúdo que represente o

continente! Tentar, na obscuridade de nosso espírito, dar uma vaga idéia desta simples

equação...

Está bem difícil, não? Poderíamos, talvez, por intermédio de metáfora e analogia

comparar e descrever o que seria indescritível em si. Pois muito bem: confesso a ti que,

aqui teremos que nos adentrar na poesia; e que, se precisamos de um conceito para definir

a simples equação, o faremos sob a forma de um trêmulo pensamento poético...

Vamos tentar então, num

espaço virtualmente intelectualizado e, por romantismo e alegoria, afigurar a simples

equação na forma da beleza de um pequenino e ingênuo cometa... Repares tu que poderíamos,

em vez de nosso humilde e simples cometa, tomar como exemplo a maior das estrelas que

porventura houvesse. Entretanto, para sensibilizar a razão humana, precisamos de algo mais

singelo, algo onde nossos sentimentos e expressões sejam mais bem acalentados e embalados

sem maiores constrangimentos por um raciocínio que, acima de tudo, não nos intimide... Que

venha, pois o cometa!

Imaginemos, por conseguinte, esta simples equação como um pequenino cometa que se

arrasta neste espaço intelectualizado... Um cometa que por aonde passe, vai deixando todo

o fulgor e inexprimível beleza em sua brilhante cauda, que seria assim, a expressão de sua

glória. Imaginemos, pois, que é precisamente nesta região de glória em que reside a lógica

pura que emana da equação original, e que se destina a toda a criação.

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Vejas tu, como claro fica então: da simples equação original, serão alavancadas, por

intermédio de lógica pura, todas as demais infinitas equações, desde as mais complicadas

já descobertas, até as mais pequeninas e as que ainda estão por avistar.

E o homem que vê ao longe, que vê ao largo toda esta arte de raciocinar desfilando

diante de si, aproveita, quando necessita ou lhe apetece, colher uma pequena fatia de luz

desta cauda, que assim vai cifrando em linguagem humana, por caracteres, que explicam as

questões que tanto lhe incomodam o espírito. E então, esse nosso homem brilhante, sob a

sedução da beleza desse hipotético rasto divino, e pela simples lógica pura, vai separando

as leis atinentes ao caso particular de seu interesse, e as define sob equações curtas ou

complicadíssimas que, longe de explicarem o total, explicam apenas o particular...

Trocando em miúdos: uma equação parcial assim o é, apenas porque se traduz num

pequeno detalhe da totalidade, e, se possui o predicado de resolver meramente uma situação

particular, assim o faz, porque irá de encontro apenas aos interesses ou carências do

momento humano.

Os exemplos aqui se multiplicam: Newton, por aqui passa e pede emprestado um pouco

desta lógica imutável para resolver o seu problema da gravidade. Einstein, não deixa por

menos e apanha o seu quinhão para resolver sua teoria da relatividade. E assim

sucessivamente: Alexandre Bell, Tomas Édson, Blériot, Santos Dumont, Venturi e outras

milhares de luzes humanas que por ali caminham, vão colhendo em suas respectivas áreas, as

equações que saciam finalmente a sede que tanto lhes agita o espírito. Desta maneira, e

repetindo-te novamente: graças às cifras legíveis oriundas das palavras humanas, todas as

interrogações que aqui incomodam o pensamento, são convertidas em exclamações de júbilo

quando o homem pensa... Pensa e soluciona os seus obstáculos, tornando-os soluções

permanentes da humanidade.

Nem por isso as contradições aqui se chocam ou se digladiam. Vejas tu... Newton,

longe de infirmar Einstein, e vice-versa, completam-se mais adiante. Por onde terminam os

limites de permissão de uma parte da lei, do particular para o todo, e por onde começam as

afirmações de um, distantes mil de uma colisão com os pensamentos do outro, aqui se

sublimam. Portanto, neste campo, cada lei, cada equação, cada postulado, são tomados de

empréstimo da simples equação original, para resolver as situações que se apresentam na

temporalidade. E então, todos, em suas respectivas épocas, “descobrem”, ou melhor, tomam

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de empréstimo um particular do todo, uma interrogação parcial daquilo que por toda

eternidade já estava resolvido, e explicam assim as suas questões.

Aqui, meu amigo ou minha amiga, somente por estes singelos exemplos, tu e eu já

conseguimos vislumbrar um pouco do brilho e glória da equação inicial. E, se por um lado,

a maneira do homem apresentar uma determinada equação pode ser bastante complicada, por

outro lado é a codificação desses caracteres humanos, repassados ao papel, que simplifica

e acomoda a mente perante o cotidiano. E se este “criar”, esta iluminação ou inspiração se

traduzem por fórmulas complicadas ou não, pouco se nos dá. O que aqui importa é que nos

colocamos frente a frente a uma apaixonante e intrigante questão: É nosso homem inventor

ou descobridor das leis criadoras?

Repares tu a que interessante ponto que chegamos! Vamos, neste momento, parar e

refletir um pouco mais vagarosamente, para melhor digestão da interrogação acima: Afinal,

com qual das duas assertivas ficaremos tu e eu? Para que lado iremos pender? Ou mais

ainda: seremos conduzidos pela lógica do classicismo ou pela intuição do romantismo? E

vamos assim, em nossa indecisão, apontando nossos dedos ora para um, ora para outro destes

dois caminhos que aqui se cruzam: Direciona-se o facho de luz de nossa vela para um lado,

diremos: “Ora! Se o homem inventa, então cria...” Ou então, se jogamos o facho na outra

direção, concluiremos: “Ora! Se o homem descobre, então percebe...”.

Deste modo, pelas duas afirmações que se cruzam acima, levo minha escolha para a

última. E esta preferência se dá, não pelo mero capricho do acaso, mas sim por uma

intuição bem refletida que poderia ser definida como: Talvez, se o homem se intitulasse

como o “inventor” de determinadas leis, o título que melhor lhe conviria seria a de...

“Aquele que foi mais adiante em suas observações e enxergou mais longe o que já existia e

sempre existiu”.

Vamos a um exemplo que, de certa maneira é estereoscópico: Se Cristóvão Colombo

descobriu a América, claro está que a América já existia. E muito absurdo seria, dizermos

aqui, que Colombo teria “inventado” a América. Ora; acredito eu, que o que nestes termos

agora foi dito, tu acharás de uma lógica inquestionável. Então, conseguintemente, assim

como Colombo, tomou de empréstimo uma coisa que já existia, já estabelecida, e pouco

importa aqui o nome com que vai batizá-la, ou que vai transmiti-la ao seu semelhante, e a

doou ao patrimônio da humanidade. E assim outros navegadores, navegadores do intelecto da

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ciência e da moral, todos em seus respectivos tempos foram acrescentando a esse legado, o

que de antemão já estava resolvido por Deus.

E assim será no tocante ao futuro próximo. Tudo o que se “inventar”, na verdade se

poderá melhor dizer: “tudo o que se foi procurar, e que ali sempre esteve à espera de quem

o encontrasse”.

Mais uma vez, não se pode aqui confundir a glória da criação, dos sinais que serão

colocados pela humanidade para serem codificados e lidos pelo intelecto. E é preciso

lembrar aqui, que existe, pela dinâmica dos fenômenos divinos o que se chama de

transitoriedade, e que na temporalidade, existem leis também temporais e que, portanto

seguem também equações temporais. Ora, longe de serem estas equações esguias sujeitas ao

desaparecimento, uma vez cessada a sua transitoriedade, elas continuam tão rigorosas,

perfeitas e eternas, simplesmente porque definem a temporalidade. E o fato de se

extinguirem com a finitude da transição, não deixam de ser inflexíveis em sua efemeridade.

Apreciaria muito, que não confundisses tu, o ato humano de criar seus artefatos, com

o traçado imutável das leis e equações.

É certo que o homem concebe em todos os estilos e modalidades os artefatos que lhe

são inerentes, multiplicados ad infinitum até onde as suas necessidades, imaginações, ou

vaidades alcançam. Um artefato humano, o qual sempre tem por finalidade resolver o momento

humano e suas respectivas metas, é constituído em si das inúmeras peças que o compõem.

Seja ele, por exemplo, um maquinismo de simples utilidade, como um relógio que nos dá o

ritmo do tempo. Seja ele um mecanismo de estilo, que nos conduz à arte da música, ou da

dança, ou da escultura, e que assim nos faz vibrar, como as cordas de um violino,

despertando e sensibilizando nossos sentidos e emoções, e produzindo, desta maneira,

grande magia à nossa alma. Seja ele um mero e simples capricho de vaidade das linhas de um

automóvel, ou das vestimentas que nos cobrem, e que assim sensibilizam e geram a moda ou

os costumes temporais.

Ora, não é preciso de muita percepção, para observares tu, que em cada minúscula

peça que compõe qualquer artefato humano; em cada pequena nuança de cor que impressiona a

tela de uma pintura, ou qualquer estilo das linhas que direcionam as curvas graciosas das

formas de um avião, carregam em seu bojo, por seus predicados naturais, ou pela

interioridade de seus próprios mecanismos, as equações e princípios imutáveis que já eram

pretéritas antes dos primeiros passos que a humanidade deu, em seu vagaroso caminhar por

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este mundo. E assim, o nosso homem criador, ao inventar seus úteis e agradáveis artefatos,

antes convencionou. Tomou de toda uma química de leis existentes e simplesmente

combinou...

De outra maneira: Imagines tu, qualquer tipo de modalidade destes instrumentos que

te aliviam, ou às vezes complicam o teu dia a dia. Coloques-te à frente de um deles.

Relaxe agora teus pensamentos, e comeces a meditar sob um ponto de vista cartesiano e

analítico frente ao artefato que tens adiante de ti. Na certa teu intelecto já se

adentrou, por pensamento direcionado, ao interior de suas engrenagens. Penses neste

momento, em isolar uma singela peça que compõe junto às outras, o artefato em questão.

Faças de conta, que tu, neste momento, reténs em tuas mãos esta minúscula peça e que, ao

senti-la entre teus dedos, ordenes ao teu intelecto funcionar. Percebas as qualidades

estruturais íntimas que a compõem. Percebas também dos princípios de sua forma. Chegarás

tu também, às mesmas conclusões que o criador do artefato chegou: esta peça, adicionada

junto com as outras, que por sua vez também têm a posse dos respectivos predicados

naturais, realizam no conjunto total, pelas relações que mantém entre si, à finalidade a

que se destinam: dar a graça ou a utilidade ao momento humano. E aí sim, temos a invenção

criadora de nosso homem. Desta maneira sim, o espírito do homem é soberano em imaginação:

Usa a alquimia das leis...

É preciso sonhar para entrever...

Foi preciso o homem sonhar enamoradamente com a lua para entrever condições que o

levassem a possuí-la. Foi preciso a dádiva do sonho para que a centelha divina percorresse

a mente humana e assim brilhasse, de um brilho tão forte como só nós, os humanos, somos

capazes de assim o perceber. E foi neste fechar de olhos e por um sorriso sereno, que o

homem colocou, coloca e colocará no papel, a poesia da criação que até então, lhe foi

intuída. Compreendes-me tu?

Há pouco, chamei-te a atenção para a dificuldade de apreensão sobre o abstrato.

Digo-te o mesmo quanto ao infinito. Estas duas indóceis palavras, que não aceitam a

catividade, permanecem tão selvagens e misteriosas o quanto podem. A palavra ”abstrato”

escapou-nos por entre os dedos, como areia que se perde junto ao mar. Mas, e quanto ao

infinito? Ele nos é intuído e... Pronto? E qual seria a verdadeira intuição do infinito?

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Os dicionários são práticos em sua definição: Infinito é o não finito; o inumerável;

o infindo. Pois muito bem: dentro de nosso caminhar entre os limites e as proporções,

teremos de nos ocupar com o infinito. A noção do sem fim aqui nos incomoda e necessita de

atenção.

Uma expressão que seria aceitável: Imaginemos uma reta em ato, que se estenda

eternamente, sem qualquer tipo de interrupção, e que ignore ser particularizada sobre

qualquer de seus pontos. Aqui temos uma noção bem calma e pacífica do infinito.

Outra expressão que seria aceite: Imaginemos um ponto de onde partem intermináveis e

sucessivas retas em ato, e que ao partirem deste nosso ponto central, em suas trajetórias

eternas, indistintas entre si, estas retas, que seguem no espaço sem obstáculos, e dariam

forma a uma esfera em ato, cujos múltiplos raios se prolongariam sem cessar nesta

circunferência que nunca é em si estabelecida ou delimitada. Obteríamos assim um círculo

em eterna expansão. Assim também está bem: uma boa definição do sem fim.

Notes tu, que as duas expressões acima têm em comum o particular da não interrupção

no espaço. E esta não interrupção no espaço é essencial na concepção do infinito. É como

se as palavras com que formássemos as definições acima, constituíssem um castelo de cartas

cuidadosamente empilhadas e que, ao retirarmos a pequena carta da não interrupção deste

hipotético castelo, toda a estrutura desabaria e, as expressões em si não teriam mais

sentido.

Então, temos o que se segue: Se, a partir de meu ser, traço todas as retas. Se

partir do meu eu original, ou seja, dos limites de meu corpo, dirijo-me ao infinito com

estas minhas incontáveis e presunçosas retas, num gesto que tu julgarás egoísta ou

egocêntrico, ou seja lá que juízo farás de mim. Terei então, em questão de pequenos passos

de distância percorrida e num átimo de segundo, caminhado alegremente até ter a ti como

obstáculo.

De outra maneira: Minhas retas serão infinitas até que vão ao teu encontro, onde me

lembrarás, com muito bom juízo, que julguei mal na relação entre os seres, e que, talvez,

deverias avocar para ti o direito de partida de todas estas retas, e de terem como escopo

original o teu estimado e caro corpo. Ora, dei-me como centro do universo e logo esbarro

em ti. Assim vai mal. Não funciona...

O mesmo se diria em relação a ti e a teu centro, ou a qualquer objeto que estivesse

longe ou perto de nosso alcance, onde poderíamos traçar novamente: retas partindo de seus

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respectivos centros, e aí tudo e todos poderiam reclamar para si o predicado de serem o

escopo do universo. O que nos deixa como legado um temível ponto de interrogação: Afinal,

se no plano objetivo ou espacial, todo e qualquer objeto possui o predicado de ser o

centro de tudo, como haveria razão de ser da infinitude espacial?...

É aí que nosso castelo de cartas anterior desmorona...

A não interrupção cai por terra em termos de espaço. Eis uma afirmação que como

resposta é muito ousada e difícil, e que precisamos de grande coragem para exprimi-la, ou

seja: que o universo espacial, por mais que os seus bilhões de anos luz possam

sensibilizar nossos sentidos em noção de distância, esbarrará na definição da infinitude a

apenas escassos e humildes metros de nós, tão logo nos deparemos com um segundo centro que

não seja o nosso. E esta noção da não interrupção nos incomoda a tal ponto que é

impossível que não lhe dediquemos atenção.

Torna-se, de uma intensidade crescente e perturbadora, que a noção do universo

espacial não infinito tenha aqui, sua razão de ser. A noção do sem fim não suporta a

presença de qualquer obstáculo, pelo simples motivo que o sem fim não pode pretender

capturar-se ou ligar-se ao espacial, ou ao concreto, ou ao objeto. Enfim: A infinitude

espacial, da maneira que se nos apresenta, poderá não existir...

Claro está que, a não ser por uma forte e profunda intuição, não tenho meios, nem

cultura, nem ciência para levar junto a ti qualquer tipo de provas do que acima te disse.

E a intuição, bem sabes tu, é uma das pedras fundamentais onde se alicerçam, de uma

maneira geral, os estudos filosóficos. Deixemos que os físicos, ou os geômetras, ou os

matemáticos se ocupem do problema que aqui se levanta. Nossa meta é filosófica e teremos

que direcionar as nossas infinitas retas para outra região. Ora, se o infinito tem de ser

não espacial e atemporal, estamos então, muito perto de uma definição mais completa.

Estamos próximos, mas tão próximos desta definição, que quase não nos apercebemos

disso. Esborrachamos nossos olhares frente à figura e não vimos o que estava tão perto.

Vimos e estudamos, mas não enxergamos. E o que foi que não conseguimos vislumbrar? O que

foi que não conseguimos descobrir? Na verdade: O infinito, enquanto definição puríssima e

elementar, só se dá quando direcionamos nossas retas em direção ao nosso interior, ao

nosso espírito, ao campo do abstrato. Teremos assim, de traçarmos nossas retas para

dentro, e não para fora de nós. É aí que o infinito reside...

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Moral da história A: Se já dois pontos existirem, o infinito desaparece junto a

ti...

Moral da história B: A complexa noção das dimensões de um infinito inteligível pelo

homem clarifica-se em Deus Pai Todo-Poderoso: O infinito de Deus vai até às dimensões

justas e suficientes da Criação...

E tu, revelas cansaço em tuas feições? Certo estou que a fadiga é comum por estes

caminhos...

Tomes lugar, pois, nesta solitária pedra e acomode-te para um merecido descanso. E

para refletires melhor ao que te digo. É da maior importância...

Quando tu és, e quando o homem é, e quando esta pedra onde te sentas também assim o

é, dois predicativos também o são: Tempo e espaço.

Quando tu és, enches-te de tempo. Quando tu és, acumulas-te de espaço.

Medites desta maneira comigo: Espaço é um predicativo daqueles que possuem

consistência, por mais sutil que esta última o seja. Tempo é um atributo da matéria, quer

esta seja densa ou leve, por mais delicadas que sejam as vestimentas que lhe dão a forma.

Isto é transcendente? Pode ser, mas é um fato.

Tempo e espaço: As leituras que o homem cifra para lhes dar medida não são de

importância neste assunto. Metros ou minutos, milhas ou séculos, fartos serão os sistemas

de aferição. O fato relevante, é que quando tu és, quando te encastelas na matéria,

carregas-te de tempo e de espaço. E assim para os viventes. E assim para os inertes...

Tomemos, finalmente, nosso caminho rumo aos limites e às proporções.

Nossos limites. Sabes tu quais são?

São muitos. Depende do tipo de perspectiva em que os fitamos.

Se indagarmos ao infinitamente pequeno que há em nós, entraremos fatalmente numa

linha de raciocínio e de aventuras a que poucos ousariam. Estaríamos então, no campo do

microcosmo, onde o sistema cartesiano não costuma ser bem visto, tal como um idoso

conviva, que se adentra numa festa de jovens. Temos então aqui, o campo de batalha da

filosofia ultra-racionalista de Bachelard e de seus pares. Eu diria, e não me estranhes

tu, que é aqui que reside a barreira intransponível, o muro indevassável que é a raiz das

derivações do espaço, do tempo e do movimento universal. E é por aqui, onde reside todo o

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sistema matricial, dinâmico e pluridimensional das leis criadoras. Mas não é neste campo

que me refiro...

Se indagarmos ao infinitamente grande, ao que antes nos esmaga e amedronta,

voltaremos nossos olhos então junto ao macrocosmo, à moradia serena de todo o sistema

universal criado. Aqui habitam os devaneios e raciocínios dos geômetras. Aqui os nossos

clássicos e gloriosos pensadores fixaram moradia e puseram seus olhares ao infinito. E

assim, em suas indagações mescladas de ciência, poesia e dialética, projetaram junto aos

astros e aos grandes espaços o que tanto lhes incomodava em seus espíritos e nas suas

mentes... E assim foram formulados, desde o sistema reto e bidimensional da filosofia

cartesiana, até as teorias de Copérnico, Kepler e inumeráveis outros. E cá entre nós: os

descobridores destes sistemas retêm em mãos serenas a direção intelectiva da humanidade.

Seus estilos foram seguindo pelas verdades intuitivas encerradas no cerne de seus

pensamentos, ora muito bem instalados no mais sólido, ora ilusoriamente fixos ao mais

palpável. Mas não é neste campo que me refiro...

Os limites que a ti menciono, são antes as linhas perceptíveis e cognoscíveis por

nossos sentidos.

Antes, ao tracejar infinito das leis criadoras... Ao que me diferencia do que te

diferencia.

Antes, à confluência fantástica do espaço e do tempo, que como um par de enamorados,

de uma maneira intensa se fitam e entrelaçam suas mãos. E pedem licença um ao outro para

uma dança!

E assim unidos bailam! Dançam abraçados, em mil rodopios sem fim ao grande balé do

movimento. E giram e rodam sem parar!

E enquanto o fôlego divino mantiver a cadência deste mágico rodopio; enquanto o

hálito divino mantiver-nos no ritmo desta fantástica sinfonia, obteremos como dádiva

final: A vida!...

Desculpa-me tu, a inflexão da linguagem e a afetação do estilo, mas é que é tão

maravilhoso! E afinal: como não haveria eu de me expressar desta maneira? São movimentos

interiores aos quais eu não poderia deixar de transportá-los junto a ti.

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Eu me refiro, portanto, à razão de ser, ou seja: aos formatos de teu corpo, aos de

meu corpo, a aos de todos os seres viventes, orientados e tecidos desde as origens pela

imaginação criativa do Grande Poeta.

E assim, como todo o bom poema chama para devaneios sem fim; como toda bela poesia

apela para a necessidade de mil entrelaçamentos evolutivos, a tenda de nosso Grande

Artífice nunca para! Sua roca jamais cansa de tecer os infinitos fios que se adaptam às

formas de evolução da majestosa sinfonia da vida, que o Exigente Maestro, com Sua batuta

enérgica às mãos, sempre pede: "Mais!... Mais!...”.

Nossas proporções: Sabes tu quais são?

São as justas medidas de cada ser. Ou seja: a correta magnitude dos objetos, assim

ordenados em suas devidas dimensões na natureza. Antes, assim me refiro à harmonia,

obediente ao infinito pelas leis criadoras...

Repares bem: O tema nem é assim tão complicado! Afinal, tenho tamanha precisão no

que te digo, que tu me concederás razão, e que não precisaremos sequer de um simples

silogismo, para que observes o quadro que se segue: Imagines tu, que não há discrepância

alguma entre um hipotético homem, que descansa junto à sombra repousante de uma árvore,

retendo casualmente em suas mãos uma pequena folha desgarrada, e que, preguiçosamente,

observa o pesado passar de um lento elefante sobre a relva humilde, e que neste seu

passar, por muito pouco é que não lhe faltou, que esmagasse uma minúscula e apressada

formiga.

Temos então o que se segue: Um homem pensativo, uma folha casual retida por mãos

ociosas, um tapete verde de relva amassada, triturada pelo nosso possante elefante em seu

despreocupado passeio e, como um arremate final, nossa simples e atarefada formiga que,

obteve a graça e a mercê de não ser pisoteada.

"Muito bem! Muito engraçado!” - tu me dirás - "E o que faremos com essa imagem? Qual

é o patético deste quadro? Mostrar que existe apenas uma mera proporção ao que obviamente

os seres viventes guardam entre si?”.

Queres ver? Queres saber? Acompanhes-me então.

Antes de qualquer coisa, quero mostrar-te que, em relação às leis criadoras, os

seres acima mencionados - homem, árvore, folha de árvore, etc. - têm por predicativo, o de

16

serem exatos em suas desigualdades. Isto é: possuírem os dons de proporção e simetria. E

pela convenção e mesclagem destas, toda uma harmonia de formas.

Repares tu, que no reino mineral não há esta dádiva. E que, quaisquer materiais

pertencentes a esta hierarquia, por mais graciosos que sejam, não acharão, no primitivo e

relativo estado de repouso onde se encontram, outros traços que não sejam os da

assimetria. Desta maneira, desde uma pedra em seu bruto estado, até a formação dos

cristais que mimetizam casualmente uma postura simétrica, têm como regra geral, uma

composição de formas oriundas de equações das forças do caos ou da matemática fractária.

Aqui prevalecem sempre o maior vetor, ou o maior momento de força.

Exceções? Sempre as há. Mas não o são para o alcance de nossa visão. Queres tu um

lembrete? Existe, colocado nas origens da natureza, um belíssimo e deslumbrante arquétipo:

A poesia do milagre dos flocos de neve...

Não haverá surpresa mais delicada do que ao nascimento da neve. Quando estes

cristais deslizam das mãos de Deus e caem como bênção aos nossos olhos, eis que outra

maravilha sobrevém: as moléculas de neve arranjam-se em formas definidas e belíssimas de

simetria e geometria. E são sempre simétricas em arranjos que provavelmente nunca se

repetem! Mas, não o são para nossa visão. Nosso alcance natural de percepção não foi feito

alcançar tal efeito. Faz-me lembrar a impressão de magia de uma linda melodia que cai

sobre a alma, mas ultrapassa sutilmente aos órgãos da audição.

Claro está, que o que te digo, é tão evidente e tão perto aos olhos, que acabamos

por não enxergar mais do que sob a ótica de uma conclusão manifesta. Esquecemos então, que

o mero para a visão esconde em si uma maravilhosa diferença existente entre as coisas

vivas e as pertencentes ao inerte. (Não tomes a palavra "inerte" ao pé da letra.)

Relegamos ao trivial o que deveríamos vestir de majestade. Mas tais fatos tudo podem ser,

a tudo podem assemelhar-se, menos pertencer ao trivial.

Neste momento, sinto que me olhas de viés, e no triunfo me dirás: "Mas a árvore que

me indicas neste teu quimérico jardim pode não ser totalmente simétrica em seu conjunto!

Nunca vi árvores assim tão eqüitativas, que distribuíssem a sua galhada tão regularmente

como pretendes tu, na proporção de dúzia de ramos para um lado, e dúzia de ramos para

outro! Para onde foi a tua citada simetria?”

Ao que te respondo: "Eu também. Nunca as vi da maneira de tua argumentação. Contudo,

a simetria em si persiste”.

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Chamo-te aqui, a atenção para os problemas que se levantam quando a vida se propõe.

E das suas soluções. O obstáculo para a implantação de uma simples semente, que dará sua

expressão de vida à sombra gloriosa da árvore, poderá ser colocado na maneira do casual.

Suponhas tu, que a semente em questão, vá depositar-se numa obscura ravina, tendo como

pressão constante, o fantasma de uma minaz rocha, que lhe cerceia o dom de viver, ou que

lhe turve a sensibilidade para a luz vivificante do Sol.

Muito bem. Sabe o que faz a nossa semente? Uma vez abraçada ao seio dos sais de

terra, seu objetivo constante é o buscar dessa luz vivificante. E o contornar dessa rocha

ameaçadora que antes, lhe serve de mil impedimentos. Tomará, pois, a quase totalidade do

tempo de seu desenvolvimento para a luta contínua contra os elementos oponentes. Pesará e

sopesará no instinto, a maneira pela qual a nossa opressora rocha seja contornada: ora

pela esquerda ou pela direita, ora descendo no objetivo de subir. E aqui claro fica, que o

seu caminho será assimétrico. Será antes como o corcovear indeciso de um pássaro que

inicia seu primeiro vôo. E o seu rasto será sua glória. E assim temos a simetria em si de

um ser, que percorre a assimetria de um caminho...

E a jornada que fazem os vegetais e animais no instinto, faz o homem na razão. Já

reparaste tu, que os artefatos humanos sempre tendem para a simetria de formas? Ou que, o

que os homens fabricam, é de certa maneira, mimetizado por leis que habitam o interior de

seus corações? Atentes ao teu redor, e os exemplos se farão por multiplicados.

Tomemos um pouco da geometria:

Ponto... Um simples ponto... Um ponto perdido ao acaso. E no acaso perdido dos

casos, quem não deixa de ser um ponto?

Eu sou um ponto, um pequeno ponto branco: Um ponto das pontes escuras, do ponto

boêmio dos ônibus, do ponto final das palavras. Ponto e pronto: um simples ponto não gera

relações...

Dois pontos... Dois simples pontos. E no momento do embate destes dois singelos

pontos que por si se relacionam, já nasce a relação metafísica. Dois simples pontos

desencadeiam uma certa origem das relações e das equações entre si. Eis os nossos dois

simples pontos vestirem-se de um majestoso relacionamento entre si. Eis que se obrigam e

abrigam e brigam entre si. Constrangem-se entre si. Nasce a metafísica da lógica.

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Primeiro exemplo e postulado: O menor caminho entre dois pontos é uma reta. Temos

então uma reta que liga dois pontos por uma única direção, porém com sentidos voltados um

para o outro. Eis uma lei prosaica: a lei do menor caminho. Ou então: O maior caminho

entre dois pontos é uma reta: quando se afastam entre si. Ou seja, um ponto diz ao outro:

“Olha, segues tu pela esquerda, que eu, por mim, vou pela direita. Mas no final teremos

nosso encontro”. Aqui temos uma mesma direção, continuamos a ter dois sentidos diferentes,

porém que se repelem, o que nos dá um certo e estranho postulado de se dirigirem ao

infinito, pelo menos até uma melhor definição ao termo "infinito". Eis uma relação

sutil... Muito sutil...

Passemos a três pontos, e o nosso pequenino problema torna-se mais interessante. Mas

muito mais interessante. Apresentamos estes três singelos pontos pela lógica das relações

de um triângulo! Por favor, não me tomes por um tedioso que tolamente chega ao triângulo.

Sei que tu tens o conhecimento da ciência a que todos entendem por um triângulo. Mas

apreendas por outro lado, o que de certa maneira é inefável...

Quando tens na tua mente um triângulo, lembra-te que esta figura trivial em si se

ressalta nas retas que ligam os três pontos. Nada te impressiona nos três pontos. Estes

três pontinhos passam pela circunspeção de não o serem vistos: são discretos. E de o terem

por destino serem atropelados pelas retas que os unem. Assim, o que salta aos olhos são as

retas. O que se evidencia é o sintetismo das retas. O homem coloca no papel menos o

essencial que lhe passa quase que oculto, do que um artifício das relações da geometria.

Assim, tu vês toda uma equação de relação no sintetismo destas retas. São estas retas

severas, porém rigorosamente artificiais. E o essencial atravessou-se sutilmente, quase

que invisível para os olhos. E assim para o quadrado, e assim para o polígono, e assim

para todos os ligandos que se constrangem das relações entre si.

Retornemos mais uma vez à figura do triângulo.

Nesta figura geométrica triangular e nas relações de seus três pontos, podemos

inferir duas hipóteses que não estão habituadas a serem percebidas pelo nosso intelecto.

A primeira possibilidade é a de estarmos nela presentes, como que fazendo parte da

figura triangular de geometria. Então: tu és um ponto, eu sou um segundo ponto, e o

remanescente terceiro e hipotético ponto, será arrumado num determinado lugar referencial

para projeção espacial. Desta maneira, estaremos eu, tu, e o referido ponto participando

19

ativamente das relações triangulares. Pode-se deduzir que estamos interagindo e

vivenciando uma certa relação espacial de uma maneira relativa.

A segunda delas, é que ao nos depararmos com um determinado triângulo esboçado num

papel, a inferência é outra. A representação ocasional triangular delineada numa

superfície mostra-nos um fato surpreendente. Fixemos, pois, a atenção dos nossos olhos a

esta figura de geometria, e ficaremos deslumbrados ao ver que o triângulo cativo da

atenção de nosso olhar, poderia obter muitas definições, mas nenhuma tão sutil como te

descreverei. Atentes, por favor, ao que se segue, com a máxima agudeza de espírito. A

definição seria mais ou menos desta maneira:

O triângulo em questão, ao delinear-se numa folha de papel, mostra-nos, em primeiro

plano, que já não estamos participando da triangulação, mas sim, que somos singelos

observadores de uma inferência lógica que partiu da mente do criador desta figura

geométrica. E o que observamos em si é deslumbrante:

Este triângulo determina, num rigor absoluto, que estamos muito próximos da pista do

abstracionismo mental do artífice do esboço de tal figura. O triângulo, que assim se

reflete numa folha de papel, é como se o fosse a projeção espacial da mente de seu

criador. Seria como que se nos fosse permitido adentrar na dedução e inferência de seu

intelecto, seguindo assim e a cada passo, ao sinal de raciocínio que o desenhista se

propunha. E assim que suas mãos relacionaram os três pontos, e que tracejaram as retas que

foram delimitadas para ligá-los, nasce apenas o rasto lógico de seu intelecto que se

evidencia, delineado por aquelas retas que atropelaram suas marcas de relação. Eis aí os

pontos vislumbrados na mente de nosso fecundo criador. E as retas que mostraram a lógica

de sua dedução.

Então, tu poderás perguntar: “Assim, não vês tu, a figura de um triângulo no papel?”

Então eu to respondo: “Não. No papel, eu entrevejo a mente de seu criador”...

Já pensaste tu num Universo que, em vez da poesia da Criação, fosse povoado de

triângulos, quadrados, ou quaisquer outros polímeros? Nada penses quanto a isto, mas

apenas que o universo sintético do homem é que assim se pronuncia, e isto lá é uma verdade

das grandes: O homem sintético. Encosta-se num canto escondido aos grandes poetas dos

pontos discretos para que se dê passagem ao homem sintético. Reverencia-se a este último e

deixam a magia dos sublimes e poéticos pontos na penumbra.

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Compreendo muito melhor agora a frase maravilhosa de Antoine de Saint-Exupéry que

escrevia na maneira de Deus: “O essencial permanece invisível para os olhos”. Ah! Está bom

assim. É muito bom que assim o seja. Perfeito e fantástico!...

Afianço-te então, que estes pontos de relação,

discretos em si, graciosos por si, carregam o feitiço da sombra inefável de uma poesia que

delicadamente se evidencia...

Mas e o nosso homem sintético? Suas verdades geométricas são por demais evidentes

por um estilo que confirma e realça o sintetismo. Eis que ele passeia orgulhosamente por

suas retas... E toma em seus braços a lógica por companheira neste rigoroso passeio

formal. Mas é claro que o trajeto deverá ser triangular ou quadrangular consoante ao ritmo

dos passos da lógica. Mas, e esta lógica? Em qual das roupagens de definição iremos

vesti-la? Neste caso, iremos adorná-la em trajes de gala. Temos de tomar uma vestimenta

formal para definir esta inferência do homem sintético. E então, a solene pergunta acima

respondeu-se por si própria.

A lógica é um certo caminhar nos possíveis. E a ética é seu espelho: varia conforme

a lógica dos caminhos.

Mas e os poetas? Mas e os escultores? E os pintores e os que avançam em

profundidade?

Estes são os herdeiros e donos do verdadeiro tesouro. Impregnam por si e por sua

presença a luz extraordinária da intuição criadora... Seria indescritível vestir por

sentido esta luz, amante sutil que segue e persegue aquele que cria!

Moral da história A: O triângulo, ou o quadrado, ou um polímero qualquer, que é

esboçado na folha de um papel, é antes, apenas a reflexão mental do seu criador: É a mente

do homem que se projeta numa determinada superfície.

Moral da história B: A geometria é de efeito divino, pois a mesma se encontra

fincada em profundidade no raciocínio do homem. Sendo este último apenas o fiel

depositário do Criador.

Moral da história C: A equação divina é simples, e é por esta maneira que ela é

infinitamente complicada aos olhos do homem.

Moral da história D: Quanto mais o homem avança nos ramais da

lógica habitual do materialismo, mais difícil será a leitura da simplicidade.

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Dá-me mais uma vez, a tua mão, e marchemos para aquele lado de jardim que te parece

mais verde... Caminhemos por algumas jardas adiante que te farei um presente. E a dádiva

que te dou, é numa certa visão do abandono de uma velha carroça que se esqueceu na

paisagem do campo. E é nesta bucólica vastidão de olhar, que apreenderás as flores que se

depositaram por cachos na idosa carroça. E o tapete entrelaçado das ramagens cobrindo um

artefato que já se esqueceu. E é certo que a poesia campesina do lugar habitará teu

coração. Ora, isto se dá, porque este esvaído instrumento de trabalho, doravante inútil

para as mãos do homem, quase que se confunde com a natureza em si. Suas rudes formas quase

que não destoam com a marcha natural das coisas.

Tomemos passo um pouco mais adiante, para que te possa mostrar uma paisagem que

sinaliza por uma certa tristeza de olhar, ou por uma certa negação de expressão. Eis que

neste pouco mais adiante e no mesmo verde da natureza, deparamo-nos com as linhas de um

comum automóvel, daqueles cuja estamparia monótona se faz por série. E eis que também o

temos na expressão de abandono. Adornemo-lo com algumas latinhas amarrotadas de uma certa

bebida que já se esvaiu no consumo. E a absorção de tal imagem melhor se fixa pela

expressão do velho e enferrujado carro, que se adorna com um colar de desprezíveis

latinhas. Ora, isto se dá, porque o sintetismo do homem é que fica tão patente aos teus

olhos. É que a natureza se esquece, e o que permanece para ti é uma certa sensação da

torpeza de um avanço geométrico embrutecido e repetitivo, e que o artefato que se faz

presente, quase que sussurra para ti um empobrecimento do espírito humano.

Voltes agora teu olhar para outro lado, para que te possa mostrar a magia de um

efeito paradoxal: Observes tu, com muita atenção, aquela vasta montanha que se faz

presente para tua visão. E repares também naquela alta torre que o homem construiu ao

lado. Agora eu te pergunto: Qual das duas te presenteia com uma certa apreensão? Qual

delas te causa maior espanto e, finalmente, qual te parece a mais bela: A majestosa

montanha com sua cabeleira embranquecida pela neve eterna, ou aquela sintética estrutura

monumental, cujo último patamar parece acenar ao infinito dos ares?

Eis um grande paradigma das imagens que se apresentam. Eis a antinomia das

expressões...

Claro está que, muito embora a nossa orgulhosa torre seja menor que a montanha, as

suas linhas de estrutura intensamente te impressionam pela altura da projeção. E te causam

mais medo e temor do que o sentimento do belo propriamente dito. Ora, isto se dá, porque

22

quando tu observas a extensão da enorme torre metálica, sinalizada por seu derradeiro

terraço, onde as suas últimas traves e seteiras se confluem e curvam-se sutilmente por um

sintético ponto final, o que te salta aos olhos é antes, um certo medo ou espanto causado

pelo efeito de expressão, esboçado no abraço de um mergulho geométrico, que avança rumo ao

infinito, pois a obra é grande, e é tão grande que o enorme parece pequenino. E o

sentimento do belo quase que fica encoberto pelo temor. E então, tu serás vigiado, e

sofrerás pressão pela estrutura metálica que te aprisiona no temor, na justa medida em que

a seguires por teus olhos... Ou seja: O homem constrói sua criação, e esta, o seguirá

sorrateiramente. Bem ou mal esta ação persecutória permanecerá, e a obra e o obreiro serão

atados por sentinelas mútuas. E é provável que aquela diga a este: “Ora: Tu me crias, mas

eu te sigo”.

Agora, quando tu observas mais para o alto, e a montanha soberana e altaneira te

enche os olhos do infinito de Deus, o evento é outro. A montanha, muito embora que te

chame para o temor, lembra-te mais o belo que toca ao sublime, por te evocar, que pode

sutilmente chamar aos ventos que a percorrem, e mandá-los sussurrar às estrelas que se

derramam nas alturas as seguintes palavras: “Olá, vós que brilhais e cintilais aí por

cima. Saibais bem todas vós, que a majestade do olhar de nosso pequenino observador lá

embaixo é de efeito divino...”

Moral da história A: A natureza reina. A criatividade sintética obedece. Porém, se

esta assim o faz, de duas uma: Ou obedece ao homem na vassalagem da lógica, ou reverencia

ao reino natural no milagre da poesia.

Moral da história B: quanto mais o homem sintético, ao produzir seus artefatos, se

distancia da natureza, quanto maior será o seu temor, que varia na razão direta deste

afastamento. Não percas teu tempo em questionar tal assertiva. Cedo ou tarde, esbarrarás

na evidência do que te digo...

Existe um idoso provérbio oriental, que usa algum traçado semelhante a este, mas não

necessariamente nestes termos: “A suave brisa das asas de uma borboleta no Oriente prepara

a ventania ou a tempestade no Ocidente”.

Claro está, que isto pode ser muito poético e profundo, mas nada pragmático. O autor

de tal ditado tinha como finalidade uma certa poesia, e uma comovente poesia de fundo

moral. Entretanto, deixando a Ética e a Moral um pouco de lado, vamos imaginar que numa

23

alegre e inusitada loucura, apresentasse-te um convite para um esboço deste provérbio numa

seqüência lógica, se é que exista algum raciocínio lógico de equação nas palavras deste

ditado. Vamos então ponderar tal seqüência de palavras como a fórmula que abaixo se

expressa:

Asa de borboleta + brisa oriental = tempestade ocidental

Imagines tu, que inferências teríamos que alimentar a este ligando de palavras.

Quantos milhares de elementos, partindo das asas de uma borboleta oriental, prosseguindo

pela agitação do ar gerido em pequena brisa, e que numa seqüência lógica provavelmente

ininteligível, resultaria na tal tempestade Ocidental.

É lógico que se tiveres tempo ocioso para alimentares esta equação, onde tu

dedicarás toda a tua vida – e não contarás comigo nesta empreitada - desde a seqüência

biológica interna da borboleta oriental, influência das cores deste lindo inseto, passando

pelas leis das camadas gasosas, atrito das asas com o ar que as sustente, temperatura

ambiente, e etc. e etc. E, até que finalmente chegue a ti a nossa perigosíssima e

trovejante tempestade ocidental, os inferentes destes raciocínios pirotécnicos seriam

miríades de milhares, e as hipóteses hiperbólicas chegariam até a um incerto ou

determinado efeito final.

Moral da história A: Toda equação humana é pragmática. A especulação é apenas um

ensaio filosófico que caminha para o pragmatismo.

Moral da história B: Nem toda equação humana segue os ditames da Moral, da Ética e

da Estética. Mas estas são a idealidade das relações. Ou seja: Por determinada

alternativa, o homem reflete, mescla e convenciona bem ou mal os fundamentos das leis

criadoras.

Moral da história C: A Lógica é um certo caminhar nos possíveis.

Moral da história D: A Ética varia conforme a Lógica dos caminhos.

Moral da história E: Quanto mais numerosos os ligandos de uma equação, o resultado

final desta última será matematicamente mais improvável de ocorrer periodicamente nos

ditames da Lógica. Adentra-se, por estas disposições, nas leis da probabilidade.

Imaginemos outra equação pirotécnica:

Um quadrado azul + um círculo vermelho + miríades de acontecimentos variáveis =

pentágono amarelo.

24

Temos então um quadrado azul e um círculo vermelho já estipulados, em que temos o

desejo que se transformem num rigoroso pentágono amarelo.

Já que temos o desejo de que tal formulação aconteça, e temos já a justeza de

medidas e tonalidades do quadrado e do círculo, o único caminho que nos resta é de

descobrir e decifrar os milhares de acontecimentos variáveis para dar precisão ao

pentágono amarelo.

Espero que as lucubrações que faremos para que tal quimérica equação sobrevenha,

escape aos olhos e às luzes mortiças dos psiquiatras que encontramos anteriormente em

nosso passeio. É que eles possuem o costume de carregarem consigo camisas de força, e

talvez, por medidas de segurança, teriam desejo que vestíssemos tais apetrechos.

E então: é possível que tal equação obtenha êxito?

Possível sim. Provável não: Para o homem, só são equacionados os ligandos que se

relacionam no aspecto prático.

Einstein só relacionou E=MC2 porque havia pragmatismo nesta equação. Mas jamais o

veríamos debruçado em sua escrivaninha, com os olhos esbugalhados pelas relações das asas

de nossa borboleta oriental. Repares que a razão de tal assertiva assim se dá, é porque o

homem, ao nascer, depara-se com os ditames da natureza já em si estabelecidos. E os

objetos já o estão por si multiplicados naturalmente em sua essência ou transformados

sinteticamente em artefatos. E Einstein, sabedor desta verdade na intuição ou na lógica,

escolheu alguns dados que eram os ingredientes necessários e os relacionou para a

formulação de sua famosa equação.

Voltemos agora nossos olhos a um aparelhinho de aviação chamado VSI (Vertical Speed

Indicator) ou variômetro: Por ele, um piloto observa a razão de subida ou de descida de

seu avião. Ora, este comandante não precisa e nem quer saber no momento de uma determinada

manobra, que a densidade do ar é menor na altitude mais alta, e não precisa tomar ciência

que as moléculas de oxigênio estão mais raras por lá, nem que o fluxo de ar que flui pelas

suas asas encontra-se mais ou menos intenso, etc... Ele quer apenas pilotar seguramente.

Para subir ou descer confortavelmente ele dá apenas uma rápida consulta neste variômetro,

e todas as leis que por lá estão multiplicadas e imbricadas naquele artefato já estão

aceitas em sua intelectualidade. O variômetro é apenas uma espécie concentrada de fator

multiplicador ou de lançamento de dados já estudados e em si agrupados, captados e

aferidos num breve momento de consciência, e relegados com ligeireza ao subconsciente de

25

nosso intrépido aeronauta. E então, aquele lindo avião voa seguramente pelas tantas e

quantas leis da necessidade por equações que mal suspeitamos... Mas que por lá

definitivamente se encontram.

Pergunto-te então: A famosa equação v=e/t é verdadeira na exatidão? Ou seja: A

velocidade com que um objeto se desloca num determinado espaço dividido pelo tempo é

verídica na perfeição?

E se tu me respondesses que sim, eu to diria que não! Esta é apenas uma “meia

verdade”.

Camisas de força à parte, dou-te como verdade plena à de que, a equação acima

formulada é empiricamente correta. Mas não estaremos totalmente corretos na exatidão

porque deixamos de lado o atrito do ar que flui neste objeto em sua trajetória, ao

caminhar do vento, a temperatura, pressão e etc..., afora os outros mil eferentes

influenciáveis que mal imaginamos.

Outra pergunta paranóica: Qual a possibilidade de casardes com um homem ou mulher

esquimó?

Mas é claro que tu me concederás que isto se dará na maneira do ocasional. E por

esta maneira, adentramo-nos novamente no território das probabilidades.

E se isto acontecer, e ao fato de viajares para as geleiras em determinada época, no

tempo certo e no preciso lugar. E se o homem ou mulher esquimó te for atraente para os

olhos, e se sua voz soar doce para teus ouvidos e o corpo agradável para tocar-te o

coração, então tal ato nupcial será efetivo. E então, tu me convidarás para um delicioso

bolo de enlace. Possível mas improvável, mas estaremos presentes e contentes para

saudarmos aos nubentes e as leis do eventual.

Esqueçamos tais bodas, e voltemos agora nossos olhos ao verde das plantas, à dureza

das pedras, à delicadeza das areias e a dos atributos indecomponíveis da natureza. Cores,

textura, delineamento de imagens, etc... Eles estão lá porque estão. O verde é verde

porque assim o é; um objeto é suave ao tato porque a impressão que causa ao toque de mãos

também assim o é, e as formas dos limites dos corpos assim se apresentam porque assim

consistem. Ora, se já se encontravam desta maneira na primeira vez que nos deparávamos com

tais elementos, é lógico de que os fatores multiplicadores destas leis não nos dizem

26

respeito, e a causa em si já tinha seus próprios ditames, independente de gostarmos ou

não.

Não pertence ao homem o discernimento de tais questões metafísicas. Não haverá

lucubração filosófica suficiente que poderá explicar a razão dos objetos no mundo em sua

natureza. A razão humana não explicará tais motivos. Os motivos lá estão pelos fatores do

“simplesmente”... E que as equações que te foram acima descritas, se não existirem em si

pelo aspecto pragmático, estético ou moral, seriam meras tolices.

Moral da história: Deus não joga dados coisa nenhuma...

Poderia, finalmente, falar-te das Leis da lógica de relações?

Quando caminhas pela lógica dos caminhos, teu andar é seguro e a expressão de teu

rosto se faz na tranqüilidade de olhar. E os teus passos se fazem iluminados por uma luz

interior que se estampa num sorriso sereno. Lembras-te quando te falei, no começo de nosso

passeio, que a intuição da poesia de criação se fazia por um determinado esboço de sereno

sorriso?

Porque um sorriso, em sua forma serena, é a aceitação dos ditames de uma certa

lógica. Ou então concedo-te que sequer um único músculo da face se mova perante ao

racional. Obteríamos assim, um rosto sério que estaria concorde com o mesmo. Um rosto

firme ou um sorriso sereno é a aceitação da coerência. E então, esta última se faz, ou por

um certo sorriso que aceita, ou uma seriedade que acena pela afirmação.

Apeteceu-me agora, em falar-te sobre o sentido da risada...

A risada seria, em termos gerais, a negação da lógica.

A risada tem por predicativo, o de ser a expressão da não coerência de qualquer

frase ou acontecimento. Seria então, uma certa negação de um sentido verdadeiro que

deveria existir numa expressão ou acontecimento. Rimos ou gargalhamos pelo inusitado.

Exemplo corriqueiro: Uma anedota freqüentemente carrega a pleno, os sentidos das

palavras com uma essência que não seria o usual ou o racional das mesmas. Ora, isto se dá

pela analogia que se segue:

Uma palavra, numa frase normal, é tomada por semelhança, como o molde de um vagão de

um trem expresso. O vagão seria a palavra, e a frase seria o trem. E o que se segue, é que

poderíamos carregar esta composição de vagões com diferentes cargas, mas que dariam um

27

certo sentido seqüencial correto. E assim, este nosso trem-frase seria o conjunto racional

dos vagões-palavras, que dariam a real expressão da composição em si.

Exemplo ferroviário: O vagão-palavra “segundo” poderia ser carregado com uma carga

numeral, descrevendo o algarismo “dois”. Ou então o fardo poderia ser temporal, se

quantificasse uma fração de minuto. Ou finalmente, nossa mercadoria poderia ser

condicional, indicando o seguimento de uma regra.

Ora, a anedota, costuma trazer uma carga diferente do que haveria de se esperar num

determinado vagão-palavra, destoando, desta maneira da seqüência esperada numa composição

normal. E a frase em questão, destoaria da expectativa geral na seqüência usual de seus

termos. E o efeito final desta incongruência de palavras, ardilosamente carregadas por

sentidos dúbios seria a risada.

De outra maneira: Possuímos então, um delimitado trilho que seria de um certo

caminhar racional, e que se expressaria num determinado acontecimento ou numa descrição de

frase qualquer. Cada vagão-palavra desta composição seria um seqüencial lógico de uma

totalidade de frase ou efeito, e a correta narração dos mesmos. Ora, quando um destes

pequenos vagões, possui em seu interior um carregamento de conteúdo que não seja o rigor

de uma uniformidade seqüencial coerente, estaríamos então, na intimidade de uma certa

disposição de arranjos destoantes e desafinados, cuja inferência seria a de um trem

desorganizado em sua seqüência, e o efeito de tal gesto, seria a quebra de um dos vagões-

palavra, e finalmente, o conseqüente descarrilamento e desmoronamento do nosso trem-frase.

E assim teríamos como resultado, o tombamento de tal composição.

Por uma mera definição intelectiva, vamos classificar que o seu tombamento para o

lado esquerdo supostamente resultaria na risada, e o descarrilamento para a direita

causaria um certo espanto de medo ou temor. Tememos o que não é lógico ou fora da previsão

habitual. O efeito do temor é um certo receio do indefinível. Rimos quando o sentido

deste descarrilamento não nos permite uma coerência certeira, e o efeito seria apenas o

que se segue: mostrar uma engraçada incongruência, que nada tinha que ver com um

seqüencial racional deste trem-frase.

Damos risada de algo que vá de encontro irregular à seriedade do que deveria ser

esperado. O riso é uma determinada expressão de espanto e negação da coerência. E quanto

mais destoante da evidência natural das palavras ou situações, teríamos então as diversas

graduações e nuances de risada, que teriam por ápice de grandeza uma bela e sonora

28

gargalhada, e por sua forma menor ou atenuada, ao nascimento de um sorriso irônico ou

sarcástico.

Então, a risada ou gargalhada se faz pela não aceitação lógica de um fato.

Todavia, tu podes perguntar: “Mas não ficamos alegres e contentes, quando

encontramos uma determinada pessoa conhecida e querida, e demonstramos em si toda a nossa

alegria?”.

Ao que respondo a ti: “Sim, mas ao encontrarmos com certa pessoa que nos dá este

prazer, não manifestamos a nossa satisfação dando risadas de quem nos apraz, mas sim, pela

expressão de um certo sorriso, que poderá ter gradações sutis, conforme nosso prazer seja

maior ou menor”.

Quanto ao temor, ou medo do descarrilamento intelectivo de nosso trem-frase ou de um

fator para a direita, significamos que tal espanto se dá por um certo acontecimento ou

ditame do qual se esperaria por racional, e que não tenha acontecido consoante ao

previsto, mas na maneira que, o resultado final traria em si o trágico ou o penoso.

Ou então, de outra maneira: Se, por uma ocasião de efetuarmos ou exprimirmos algo

inusitado e não previsto no racional físico ou moral, e que tal gesto ou discurso mereça

uma certa punição que já esteja ou estará a caminho, tal temor nos seria por companhia.

Se fizermos ou dissermos algo ilógico de certa gravidade ou densidade, o que já é

por si um caminho frustro pelo erro, poderemos então esperar o desencadear de alguma

punição racional, por tocarmos de engano na estrutura criativa de uma maneira profunda e

absurda. O exemplo disto se faz pelo ladrão que te espera numa determinada curva em teu

percurso. E o que ele efetua: Na verdade, ele está vendendo-te um susto, e à vista. E tu,

ao comprares este susto com todos os teus pertences, pagas este espanto a prazo, por um

determinado tempo de lembrança desta não lógica de caminho nos possíveis.

Ora, a punição em andamento é o efeito de coerência pelo não racional criativo que

efetuamos. Tal medo se dá pelo pretérito, pelo que já foi feito, ou pela apreensão futura

do que se fará ou falará. Dostoievski bem o representa em “Crime e Castigo”.

Por outro lado, a risada se nos dá como um efeito final, pela projeção de um fato

que consideramos errado, mas que mesmo assim o colocaremos pelo simples fato da jocosidade

que nos causará prazer. Normalmente, a risada é apenas projetiva, ou o que é efetuado é de

natureza leve. O temor, ao contrário, demonstra-se regularmente por algo mais

29

desagradável: Ele pode apresentar-se pelo nosso exemplar ladrão, ou pelo que se foi dito

ou efetuado no pretérito. Ou então obteremos tal medo pelo futuro do desconhecido. O

terror de um destino desconhecido, apenas prova que ignoramos a coerência do que

acontecerá. E o não conhecimento do que se apresenta, assim se dá, meramente pela falta de

alcance de uma visão não delineada.

Na verdade, rimos ou tememos pela negação do racional, ou pela aceitação do

insólito projetado na realidade. E sorrimos ao dizer sim para a lógica...

Moral da história: A fixidez de feições na bondosa seriedade, ou a expressão de um

sorriso sereno acenam afirmativamente pela coerência. E sua negação é a risada, ou o temor

de uma ruptura do lógico pelo não racional.

A compreensão desta passagem escrita é de difícil alcance e aceitação, e o

julgamento que me será dado por ti será imprevisível. Mas tenho tamanha precisão de dizer-

te estas palavras, que poderão te ser classificadas como ousadas na intenção. Mas, já que

inúmeras pessoas te disseram tantas e tamanhas tolices, acho que uma a mais não afetará o

rumo natural das coisas...

Esperes tu. Terminemos com a pressa de nossos pés. Passos ligeiros por estas sutis

paragens seriam uma grande tolice. Em nosso caminho, distraídos à luz de nossas velas, não

percebemos que fomos muito distraídos. Não refletimos de maneira duradoura sobre alguma

coisa de muito bela. Deixamos em nosso trajeto algo de um brilho maravilhoso. Voltemos

rápidos para trás, e logo veremos do fruto que não colhemos e que insiste em nos chamar.

Refiro-me às leis da lógica criadora, e que por serem estas tão sutis, eis que

ficaram sussurrando aos nossos ouvidos: “Voltem! Vós não nos compreendestes firmemente.

Temos algo de precioso a vos dizer...”

Sabes tu o que esquecemos? Algumas das idéias do sentido divino que nos foram

fortemente intuídas. Ouças então tu, uma leve canção. A suave melodia que nos toca aos

ouvidos e o sopro da representação do espírito do mundo. Algumas expressões mágicas da

lógica criativa...

O caos inicial é ao mesmo tempo uma lei sutil e brutal, mas é uma lei. Serve de

alicerce e embasamento para as diretrizes mais palpáveis pela coerência humana.

30

Assim sendo, o caos inicial e a lógica habitual são

de mesma essência, pois são leis. Mas variam na previsão, e diferem temporalmente apenas

por serem mais ou menos rápidos e caprichosos nas normas. Ou seja: A matemática fractária

e a ortodoxa variam nas regras simplesmente pelo “acaso” da primeira, ou pelo “determinado

caso” na segunda. As

duas, na gradação da pressa consistem. Aquela prepara o terreno para esta. A primeira sai

correndo, muito rápida e desajeitada, indecisa como uma criança que atira para o alto um

chapéu oscilando alegremente ao vento das manhãs, anunciando que a última veste-se

lentamente para o seu elegante e romântico passeio vespertino.

Eis o devir do Universo...

Mas a razão formal dos objetos regidos

pelas leis criadoras é uma mescla das naturezas espacial e temporal. E por assim ser, um

sentido objetivo será mais bem apreendido pelo homem aos limites de distância que este

enxerga ou vislumbra. A visão humana foi efetuada para ser eficaz nos limites do “nem para

muito longe, e nem intensamente perto”. E o que te digo é encantadoramente mais bem

exemplificado na forma de uma comovente história.

Era uma vez... Pois todas elas começam por uma vez, uma brilhante noite de estrelas,

e de um homem que bem enxergava no corpo e na alma. E que amava uma bela mulher...

Era um pescador. E que nesta singela noite clara de verão, pegou do seu barco e de

sua amada, e rumou para um lindo lago no sentido do passeio dos amantes.

Eis que aproou rumo ao centro das águas, e assim o fazendo, descansou com os remos,

e fixou em sua amante os olhos ternos e eternos. Pequenas ondas batiam de mansidão junto à

quilha do frágil barquinho, até que este, ainda por instantes, deslizou e repousou na

serenidade. E assim feito: o homem apaixonado olhou docemente para a amante, e a seguir

espreitou na direção das estrelas e da lua. Ali, o seu olhar se fixou. Seu coração estava

aflito de amor e poesia. E assim sendo, pegou da cítara e cantou, e dirigiu os seguintes

versos para emocionar a sua amada: “Oi Lua, hoje estás tão bonita, tão cheia de si, tão lá

no alto, que de tão alto ficastes sozinha, e que de sozinha ficastes tão triste, e que de

tristeza passastes a te chamar Lua.”.

E a amante, emocionada que estava, assim lhe falou: “Querido noivo, como tu te

emocionas, e falas por belas palavras!”.

31

“Se assim falo, é porque vejo esta querida companheira da Terra de uma determinada

distância... Mas não me aproximo muito da mesma, pois a poesia se esvai. O mesmo se dá com

as estrelas. Repares tu, que se me aproximo demasiado delas, queimo meus dedos, e assim me

destruo. Porém, cuida-te que lua e estrelas não fujam, pois se assim o fazem, tornar-se-ão

uma simples mancha, turva e borrada. E se assim ocorre, nosso poema se desvanece, e por

final, lançaremos nossos olhos para algo mais romântico e que nos sensibilize.”

“Mas querido – retorquiu a amante – como podes tu falar, de maneira tão linda e

suave para meus ouvidos? Deixa-me aproximar-me um pouco mais de ti, para calar-te com

beijos”.

E assim foi. A amante aproximou-se dos olhos de seu amado e pousou um beijo em seu

rosto, mas ao assim fazer, espantou-se: “Mas meu amado! Aproximei-me tanto de ti que agora

me apercebo que tens teu rosto marcado por uma espinha, e que tua barba está um pouco

irritada e que assim foges da minha poesia. Na verdade, tu já não tens tantos cachos por

cabeleira, e que também, tua pele é vermelha e descamada junto aos poros. Sendo assim, já

não estás tão belo enquanto eu ficava numa extremidade do barco e tu na outra. Porém, se

te afastas um pouco para mais longe dos limites desta quilha, confundes-te com o

espaço”...

“Assim é, respondeu-lhe o poeta pescador. A beleza e o amor se fazem por uma

determinada distância, que não é bom ultrapassar: Muito perto, muito feio. Muito longe não

se distingue”.

“Explica-me melhor, o que significa estas tuas palavras”...

“Nada mais explico, pois teus lábios responderam-se por si mesmos. E já que não sou

mais belo para ti, tomemos do barco e voltemos para a terra”...

E assim termina nossa história. E quem quiser que conte outra.

Moral da história A: O caos inicial, se observado de uma certa distância e não mais

do que esta, seria apreciado como lógica.

Moral da história B: Quanto mais perto nos aproximarmos do caos, mais este parecerá

confuso.

Moral da história C: É preciso também de uma certa distância, para que o estilo e a

quantificação de uma lógica formal se iniciem.

Moral da história D: A coerência fractária é por demais sutil, e não foi feita para

ser apreciada por nossos sentidos.

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Moral da história E: Sempre à “meia distância”. Eis a regra de estabilidade das

observações humanas.

Tomemos do imprevisível...

A imprevisibilidade é uma lei, fonte de uma determinada lógica aleatória. Esta

última, que lhe segue e persegue como obediente filha, descreve apenas até aonde o

imprevisível ousa. Observemos como exemplo: Uma indeterminação dos elétrons na matemática

fractária na teoria dos quanta, ou seja, em que direção estes tomarão no seu percurso, não

é ilógica, mas sim uma lei: a lei de escolha de um caminho vetorial potencializado. A

indeterminação sempre será a base para a ordem. E o momento de força desta “não previsão

dos caminhos” será também uma lei eterna, e sobre ela se assentará a previsão das

formuláveis. Finalmente: No caos, a imprevisão do momento de maior força, será a futura

precisão ortodoxa de um caminho escolhido. No devir universal, na confusão dos elementos,

o trajeto de maior rigor ou vetor de força é o que prevalece. E este último poderá ser

formulado pela desordem externa inicial dos elementos, que nos apercebemos ao fazermos as

aferições e leituras sintéticas pelos nossos sentidos.

Ser imprevisível é, de certa maneira, um estado caótico e não bem organizado, como

um caminho delicado que ainda por si, não se delineou. O imprevisível é de uma certa

indecisão de passos, mas de um rigoroso trajeto. E a belíssima espiral do caos inicial é o

devir do Universo. E sua história é a de um canto pungente e monótono por este devir.

Sabias tu que existe um som

universal? Sabias que o silêncio possui um som? A tomada de ciência de nossos geômetras

quanto a isto já é inquestionável.

Então tu me perguntas: “Mas afinal, como é que saberás que uma determinada lei

tornou-se uma lógica ortodoxa”?

“Viajante e colega das velas miúdas: Ouso responder-te que ela assim se tornará,

quando seus momentos de força estabilizarem-se no tempo. E tornarem-se repetitivos. E

fazerem ecos de si próprios. Assim sim: Eis uma lei ortodoxa”.

A base da vida organizada repousa nos alicerces do caos. Na lógica ortodoxa, a

estabilidade das leis tornar-se-á mais antecipadamente fixada e calculada quando o

aleatório decidiu-se por onde ir. E assim feito, o que se assentar após certo tempo do

caminhar imprevisível, será a matéria regular. Digamos

33

então, que o caos inicial se encarregaria do trabalho não claro e difícil para nossos

olhos, e a lógica habitual se encarregaria das coisas harmoniosas. Quanto mais nos

aprofundamos de perto na sua essência, mais sentimos isso.

E na matéria inerte isto também se dá, agarrando-se esta por uma lógica mais

singela, dócil e obediente apenas ao que seja estabilizado no tempo. Assim, o aleatório

“ou” achará sua vassalagem mais para adiante. E as cifras de coerência serão lidas por um

determinado sentido sintético do homem pensante, ou sentidas pelos animaizinhos que a

utilizam no instinto, ou então, habitarão na inércia, pelos mais diversos mecanismos das

forças externas transmitidas de um objeto para outro, no sentido de se acomodarem...

“E a ti, viandante da luz das velas, peço-te desculpas por esta difícil passagem,

mas o imprevisível do homem continuará uma lei. Sei que disse no começo que não iríamos

usar de palavras difíceis, mas elas não o são. Apenas que são convivas de um texto cheio

de etiquetas, e como tais, deverão vestir-se com um certo estilo para o momento deste

passeio. Portanto, continuemos nossa difícil escalada nas escarpas”.

E o que te parece a espiral de uma grande galáxia em seu caminho ou devir?

Se te fosse possível observares de uma longa distância nos espaços a inefável beleza

da exuberante Via-Láctea em sua forma espiralada, deixando a misteriosa pista da grande

expansão inicial, as observações humanas do macrocosmo teriam se cumprido e tu poderias

afirmar: Eis a meta ou escopo das leis do caos.

Eis aquele que toca de leve e brutalmente na estrutura e na essência. O que são

cores, formas de consistência, e os sons que são cânticos próprios do universo? Nada mais

são do que a Verdade Suprema da Simples Equação, que se repartiu em infinitos fragmentos

para a lógica criativa. Eis o comportamento do mais sutil pequenino. E da mais poderosa e

indecisa matéria.

O caos não foi feito para nossos olhos, mas ele por si, lá se encontra. Não

distinguimos o movimento dos elétrons, nem das partículas, nem das formações minúsculas.

Nossos sentidos não foram feitos para isso, apenas para o mundo trivial.

Todavia, o caos e lógica habitual pertencem e partem de uma mesma lei divina, que é

simples em si. Mas é a simplicidade divina que é infinitamente complexa aos homens. Ora,

isto se dá porque a leitura dos ditames divinos de uma matemática fractária e fragmentária

34

é sempre confusa para nossas mentes. Seu grau de compreensão não nos pertence. Eis o

abismo e o muro indevassável que não nos diz respeito em nada. Para que

estendermos nossos braços, pescoços e luz das pequenas velas ao que nunca iremos

compreender? Sempre seremos deficientes, nada mais...

Este é o muro, que nos impede da compreensão e apenas nos diz: “Olhai: Nada mais

tendes de haver adiante. Não adianta serdes bisbilhoteiros. Nada de interesse para vós do

outro lado. Portanto, não ouseis. De nada adiantará estenderdes vosso monóculo para o

outro lado. Por lá, nada achareis”.

Moral da história: É melhor ficarmos pescando à noitinha num rio, observando se a

isca se transforma num peixe lógico, do que responder às perguntas informuláveis.

Mas, muito queremos mexer com uma estrutura que não nos diz respeito. Eis a razão de

habitarmos a palavra “Metafísica”. Esta última estudaria os mistérios do insondável: Por

que o “ente” é, ou o “não ente” nada é, e este “nada é” já que “é” no indicativo do

presente, onde ele mora? Especulação de endereço?...

Reflexões metafísicas que no excesso habitam a “terra do nunca” ou no “pote de ouro

do fim do arco-íris”, costumam não darem a mínima compreensão aos nossos anseios. E,

quando usamos o parapeito de uma linda janela para olharmos o horizonte. Bem lá, por onde

o sol se põe, e por onde puxa pelo manto de estrelas que irão cobri-te na noite para os

teus sonhos. É bem por lá, por onde esta metafísica descomedida sempre te engana, e te faz

pensar na essência do que não nos toca ao entendimento, simplesmente porque trocamos a

beleza deste inefável espetáculo por perguntas que ousam, e que por nada concluem se assim

indagarmos aos anjos:

“Por que”?...

O termo “metafísico”, entre outras definições, ainda significa que nada saberemos a

partir de um determinado ponto. E, além disso, é um sinal de limites, indicando que nada

nos diz respeito quanto ao seu território. Apenas o cotidiano é que nos interessa.

Salientemos novamente, que a lógica habitual e o caos inicial pertencem à mesma lei

criadora.

Saibamos também, que toda a criação se destina à concórdia das formas, Ou seja: Toda

a harmonia e simetria carregam sutilmente o caos em seu interior. E este “caos” original,

35

obediente ao Criador, embora não nos pertença quanto à compreensão, encontra-se lá, além

do muro da apreciação.

Poderíamos talvez, dizer, que a metafísica excessiva significaria assim: “Atentai: O

que é compreensível pelo sentido espacial e temporal cognoscível por lógica habitual é o

vosso limite. Meu campo seria uma quimera para vós. Não chegareis ao meu porto”.

É isto: Metafísica é um termo abstrato que tende e tange ao infinito, e que não

define o concreto. É muito cômodo de se alojar ou albergar nossa ignorância e noção do

desconhecido por este conceito. Assim, esta palavrinha, misteriosa que é, deveria tomar de

sua vastidão, e desaparecer para a imensidão da noite, deixando-nos confortavelmente

estabelecidos onde estamos. E de resto, as perguntas informuláveis em si, que fujam com a

gigantesca insônia da lucubração metafísica no excesso.

E pronto! O pescador estará preocupado com seu estômago, e pela noitada feliz junto

à sua amada e às curvas das areias. Amará o Senhor Deus Pai Criador na maior profundidade

do seu coração. Mas não ficará tentando discernir a essência das coisas que não lhe

competem.

O grande caos da abertura do Universo existe, mas não nos diz respeito quanto ao

discernimento. E por assim ser, comamos do peixe, e esqueçamos essas pretensões

metafísicas e dela própria. Não há aferição correta para a distinguirmos de uma lógica

evidente. A Simples Equação não se evidencia espacial e temporalmente por sermos velados

para isso. E basta!...

Mas não basta...

Se quiséssemos tomar, numa intuição sutil e metafísica da evolução universal e por

um sentido que não nos diz respeito, poderíamos cochichar:

“Olhes tu: se observarmos atentamente ao conceito metafísico que se vai, eis que

também o seguimos refletivamente na transcendência interior existente em cada um de nós, e

que também possuímos a esta última, particularmente bem ou mal. Quer saber a minha?”

“Entramos num sistema filosófico, começando por coisas palpáveis aos nossos

sentidos. Ou seja: pegamos o bonde andando de uma maneira ou de outra.”

“Vamos lá: Será que em toda a evolução da Terra, o maior produto que nasce é o

homem? É o final de tudo?”

36

“Não parece. Acredito que a finalidade ou escopo da evolução do Universo, caminha

para um sentido Moral, Justo, e Ético e Estético absolutos, e que são degraus para o Amor

Supremo. E que por assim pressentir, há uma Luz inefável de um brilho de extrema magnitude

que nos aguarda.”

“A leitura e aferição humana das cifras de toda a matéria que se nos apresenta aqui

na Terra, faz com que pensemos profundamente. E ao despirmo-nos de nosso caos interior, ao

recebermos delas a trilha de percurso intelectivo em passos vagarosos, é que poderemos

caminhar neste devir, para o fim último do Mundo maravilhoso que nos aguarda.”

“Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem passou pelo coração do homem aquilo

que Deus preparou para os que o amam” (1 Cor 2,9).

Agora basta...

Existe, nos mosteiros onde o silêncio impera, um claro exemplo do que eu te disse:

Nestes conventos, por onde suas janelas se abrem e desabrocham para a

noite da contemplação das estrelas de Deus, é que as verdades criativas se revelam...

E é na maneira por onde os capuzes

monásticos abrigados por tais janelas se transformam em sombras, e assim se debruçam e

ocultam toda uma serenidade das feições de alguns rostos escondidos e escolhidos...

E por

onde bastariam, simplesmente, que os singelos braços de tais monges se estendessem rumo ao

infinito...

E que pela delicadeza e mansidão de um determinado gesto, suas mãos tomassem a

postura das conchas do mar na expressão de uma prece...

E que o sentido de seus dedos ficasse repleto de estrelas e do

brilho de tais jóias... E que então, tomassem de beber para si da poesia da Criação...

E que assim mantivessem cativa a

viva luz na imensidão de todo o Universo...

E porque assim o fazem, capturam e recolhem para si um punhado delas...

E a intuição da verdade se lhes é então por revelada.

Para estes eleitos, despojados de toda afetação, onde o hábito de seus hábitos

recolhe, esconde e recebe a sinceridade de Deus em toda sua plenitude, é que o Universo se

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revela. É para eles o silêncio monástico de um sorriso não afetado que se evidencia na

essência. E, tenhas por certo, que este silencioso sorriso residirá e se expressará na

sinalização da Lógica Criativa...

E então: A árvore o é pelo seu caminho, o pássaro o é pelo seu ninho e, o homem o é

pelo seu destino. E o que são?... Ora! Submissos nas leis da criação!

Queres ver como o homem é obediente? Como respeita as leis criadoras?

Chegamos, tu e eu, ao ocaso de nosso passeio. Minha vela já se esgota, senão que a

tua também. Temos aqui que nos dividir na proporção de tu para um lado, e eu para outro.

Portanto, apressemo-nos!

Onde é que estávamos? Sim... Na obediência.

Vou mostrar-te, que o homem é, na exatidão deste presente momento, um ser muito

dócil nas leis criadoras. Que, no tocante a elas, foi extremamente submisso no pretérito.

E que, num futuro bem remoto, flexível permanecerá.

Queres ver como o homem é obediente? Como respeita as leis da criação?

Atentai ao que te digo:

Desde que foi dado ao nosso mundo à graça dos poderes de seus complicados

movimentos e giros, originando destarte, à imantação de seus pólos. E ao início da

sinfonia...

Desde que tivemos a dádiva desta companheira, que poetas e geômetras de há muito a

chamam por Lua - metrônomo da terra, coração do mundo - que marcando o fluxo e refluxo dos

mares, serve de compasso ao ritmo da vida...

Desde então - saibas bem tu - que no tocante aos decretos criadores: Todos muito bem

os seguem. Sábios ou tolos das mais variadas matizes, ricos ou pobres das posses ou do

espírito, sinceros no divino ou hipócritas na miséria, caminham todos, lado a lado,

condescendentes ao mínimo ou reticentes ao extremo.

Enfim, satisfeitos ou não com estas leis: Todos os que por aqui passam, as provam.

Todos os que as recebem, por verdadeira dádiva aqui nascem. Todos os que por aqui estão,

na fidelidade às seguem, seja por displicência nas regras ou disciplina nas exceções e,

portanto, vivem pela magia da vida. E, finalmente, numa total observância de seus últimos

ditames e parágrafos: Todos obedientemente... Morrem!

E morrem bem direitinho...

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Que me conteste o maior filósofo da Terra ou o maior canastrão que por aqui se

conservou!

Heitor

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