Pensamentos na extensão
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PENSAMENTOS NA EXTENSÃO
Prezado amigo ou amiga:
Longe de mim está em cansar-te a visão e o intelecto, mas o objetivo ao que me
proponho é apenas um exercício filosófico na sua forma mais atraente, ou seja: a
especulativa. Não venho carregado de fórmulas complicadas nem de teorias cheias de
mistérios. Tampouco quero aqui deixar-te uma impressão poética, nem muito menos o simples
ato de sonhar... Se, por um lado,
não há objetivo ímpar a ser colocado ao centro do alvo de mira, as observações que
descreverei não serão levianamente aleatórias que não te possam prender a atenção.
Gostaria, portanto, que este pequeno ensaio não te pegasse num bocejo, ou numa sonolência,
ou ainda que teu cérebro já cansado de tantas frases de aparência teatral, não me
descarregasse a maior descompostura crítica a que um leitor é permitido tecer.
Filosofar é, acima de tudo, tatear por caminhos tortuosos, obscuros e, na maior
parte do tempo, dar passos bem rápidos em direção ao erro...
Pudera! Em nossa razão pequenina, de uma condição tão humana, como assim não haveria
de ser? Andamos normalmente no erro. E qualquer exercício filosófico, certamente não
fugirá à regra, mas eventualmente... Eventualmente poderemos caminhar no acerto, se por
uma pequena réstia de luz que porventura Deus, por Sua infinita bondade, resolva por acaso
nos conceder, iluminando nosso espírito por meio de uma acertada intuição.
Se, e somente se...
Acima de tudo, aqueles que se atrevem a passear no terreno do abstrato, deveriam ter
sempre em mente a seguinte oração:
“Deus Pai: concedei-me uma boa redução, tanto na fantasia, como na soberba dos
raciocínios da mente. Exerça a Tua divina pressão, para que me curve tanto e a tal ponto,
e assim seja reduzido a um simples e único grão de areia, posto que seja justo e
precisamente neste grão, onde se localizam, encaixam e amoldam as razões do homem”.
E assim vamos nós, tu e eu, passearmos como dois viajantes despreocupados, por este
vasto jardim que é o do pensamento, colhendo ora aqui, ora acolá, os frutos de um
exercício mental, bom para nossos cérebros. Muito embora, ao entrarmos por este caminho
cativante, que é a filosofia especulativa, não bem apreciaria, nem interessante para ti
seria, que na especulação, colhêssemos frutos da árvore do abstrato ao acaso, cujo sabor
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nem sempre nos seria doce. Esta particular árvore do pomar do pensamento, de extrema
beleza em seus intrincados e variados ramos, costuma trazer em suas sementes tantos
motivos de polêmica e confusão, que é já que te despachas, e eu fico aqui, neste jardim
bonito, só e abandonado. Afinal, que seria eu sem ti? É preciso que me acompanhes!
Então...
Regra número um: Garanto-te que partiremos só de fatos interessantes, palpáveis a
pleno por nossos sentidos. Nada de raciocínios hiperbólicos, daqueles que se fazem após
várias rodadas de cerveja junto aos amigos, e aí... E aí, todos são doutores Honoris
Causae em suas lucubrações oriundas do vapor etílico! Bem, vejas tu que não te quero
impedir que bebas enquanto me acompanhas. Se te apeteces, ao menos faças um brinde por
mim!
Regra número dois: À medida que vou tecendo alguns raciocínios, estarei extremamente
alerta para que estes te sejam fáceis de digestão. Nada de tédio insinuante. Lembra-te que
não te quero com as pálpebras pesadas, como se te ocorresse ler às altas da madrugada, a
lista telefônica.
Regra número três: Chega de regras...
Hegel, em suas conduções filosóficas sobre a Estética, dizia muito apropriadamente:
“São as ciências filosóficas as que mais solicitam uma introdução, visto que nas outras
ciências se conhecem o objeto e o método: deste modo, as ciências naturais têm o objeto na
planta ou no animal e a geometria, no espaço”. Em outra maneira de dizer-te, afianço-te
que qualquer ciência humana, ao descrever o assunto que a domina, parte, sem outro
cerimonial do que ao raciocínio e à lógica sobre o objeto que lhe pertence. Já a
filosofia, por ter sua base de apoio no abstrato, é de um caminhar vacilante, algo como
andar numa estreita e tortuosa trilha à noite, à beira do mais profundo e insondável
precipício, sem se dar ao luxo do brilho ocasional de uma estrela, que poderia te iluminar
um pouquinho o trajeto a percorrer. Só tenho, portanto, a ti, caro companheiro ou
companheira de viagem. E olhes que não nos descuidemos para não nos desgarrar! Um passo em
falso e já estamos separados. Temos apenas como iluminação, uma pequena e trêmula luz de
vela, que é a razão humana.
Para melhor te exemplificar e testemunhar a assertiva de Hegel, paremos um instante
junto à Medicina, cuja arte e ciência exerço há 23 anos.
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A Medicina, no decorrer do tempo de sua existência, acabou, como toda boa árvore, em
dividir-se em seus inúmeros ramos... Deste modo, Cardiologia, Urologia, Ginecologia,
Neurologia, e demais figurantes, desfilam orgulhosamente. Filhas irrequietas que são:
temperamentais de gênio e conduta; adolescentes que são: mais ou menos disciplinadas no
seu caminhar; românticas que são: sonhadoras de seu próprio destino.
Vou, portanto, chamar duas dessas mocinhas, que revelam com extrema limpidez a
diferença de caráter que lhes é inerente, e que servem a boas medidas como exemplo entre a
pedra e o vento, entre o concreto e o abstrato, entre o mais palpável e o filosófico.
Eis que convoco junto a teus olhos, uma muito bem polida e comportada criança, que
pode ser a Cardiologia, e uma das mais sutis e travessas de suas irmãs, que atende pelo
nome de Psiquiatria.
Durante todo o período de sua evolução, a Cardiologia teve como pedra fundamental e
como princípio básico, a observação científica e cifrada num órgão chamado coração. Esse
precioso e vital instrumento que impulsiona todo nosso organismo foi, minuciosa,
escrupulosa, e vagarosamente examinado pelo correr dos tempos. Ao que se saiba, e isto é
um fato rigorosamente correto, durante todo esse período, o coração não mudou nem sua
forma, nem seu ritmo, permanecendo como pedra angular e capital através dos tempos para
sua análise e, permitindo assim, o seu estudo de uma maneira cômoda e ortodoxa. Estas
afirmações inquestionáveis autorizam e posicionam a Cardiologia como ciência.
E se tu, que acredito gostares de viajar, de te colocares num horizonte para além do
cotidiano, tivesses tido a oportunidade de estares num destes congressos médicos, no qual
tanto se fala dessa tal de Cardiologia, observarias com extremo rigor, que o que é dito
doutamente por um, bem costuma a vir ser reverenciado pelos demais. E, desta maneira,
todos curvam-se entre si, por estarem concordes quanto às inovações e predicados que
porventura são adicionados a esta menina-ciência.
Mas, caluda! Muita atenção! Observas, por favor!... Eis que no nevoeiro do labirinto
em que nos encontramos, aparece uma bruxuleante luz de outra vela! Veja!... Consegues vê-
la também tu? Porventura já consegues reconhecer quem por ali vai? Eu já identifiquei
aquela pequena chama, e vou, sem maiores delongas, mostrá-la para ti: Aquela luz é a da
procissão dos enamorados seguidores da inquieta menina, chamada Psiquiatria. E olhes que
não são poucos os admiradores que seguem por aquele pálido brilho! Reparas como vão todos
ali bem circunspectos e concentrados em seu séqüito!
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A Psiquiatria, preciso confessar a ti, tem o caminhar tão tortuoso quanto à
filosofia. Afianço-te que ambas são iluminadas por pequenas luzes, oriundas de velas de
qualidade questionável, precisamente porque ambas exploram o mesmo campo nebuloso do
abstrato, as mesmas profundezas da mente humana e, provavelmente, o mesmo labirinto do
espírito que nos habita. Pressupondo que concordes comigo em tal ponto, necessário se faz,
te oferecer razão plausível para que sigamos tal linha de pensamento.
Qual o pretexto, ou o motivo desta falta de uma densidade, ou mais ainda,
dessa imponderabilidade de um campo que apreciaríamos mais sólido, para que essas duas
crianças pudessem ter em seus passos a serenidade necessária para um belo passeio?
A resposta a essa intrigante questão não é nada simples. O levantamento de tal
problema não se pode responder por argumentos frágeis, e frágeis a tal ponto, que só o
fato de serem transcritos para uma folha de papel, já os fragmentam em mil pedaços, e
teríamos assim por resposta, a visão ilusória de um caleidoscópio. Trata-se do abstrato!
O abstrato dispensa maiores predicados. A palavra por si só se basta. Desta maneira,
continuemos nosso trajeto pitoresco, acompanhando temporariamente estes senhores, para
vermos aonde vão desembocar, iluminados pela escassa luz de suas velas... E da nossa, é
claro!
Essas duas meninas, a Filosofia e a Psiquiatria, torno a repetir-te: por terem como
base algo tão instável e insólito que é o abstrato, mantém as suas respectivas
ingenuidades de maneira cativante. E é por esse andar incerto das duas, a maneira pela
qual a mente humana, em cada passo que dá, percorre ágil e eternamente, rumo ao seu
afundamento em terreno viscoso. E os que por este caminho se aventuram, pela coragem e
determinismo que os acompanham, pela própria semente do progredir, que se encontra cravada
em seus espíritos, deveriam ser chamados como autênticos desbravadores.
Tateiam e titubeiam os psiquiatras, de uma maneira como só os filósofos conseguem...
Lá vão eles, como vacilantes senhores idosos, com suas bengalinhas miúdas, esgaravatando
seus próximos passos. Aproximam de seus olhos cansados as luzes mortiças daquelas pequenas
velas, numa frustrada tentativa de antever o que se apresenta adiante sob aquele negrume,
e o efeito de tal gesto, serve apenas para realçar as expressões interrogativas e infantis
de seus próprios rostos. Mas, para adiante: nada... Ou muito pouco...
E assim, meu caro ou cara acompanhante, a conclusão que se chega, salvo melhor
juízo, é a de que lá, no terreno do abstrato, no terreno da “Torre de Babel” maravilhosa
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onde confabula o espírito humano, enquanto um destes destemidos senhores, fala a seus
pares em bom e fluente alemão, seu colega ao lado, com certeza absoluta replicará em ótimo
inglês, cuja tréplica será dada por um brioso terceiro colega, num erudito e
irrepreensível tcheco, que num bom falar e num tom que não admite dúvidas, bem conseguirá
que seus confrades franceses, portugueses, sul-africanos, coreanos e russos, todos em suas
respectivas línguas, evidentemente iluminados pela parca luz daquela vela, falem,
discordem, discutam e cheguem pateticamente à conclusão final e um denominador comum
quanto ao abstrato: Que será a de que nada sabem ou, mais precisamente, se algo sabem, é
de uma maneira ingênua e cativante...
Claro está, que o exemplo acima, colocado desta maneira, é apenas um hipotético
exemplo. E se o que te disse é, por um lado, coberto com doce hilaridade, de outro lado,
tampouco não deixa de ser de um ponto de vista apimentado e interessante. E então, na
filosofia especulativa em que nos encontramos, te foi prometido que pisaríamos em terreno
mais sólido e assim será. Mas era preciso de uma introdução, de um cerimonial
razoavelmente decente. Era preciso te criar um clima que te motivasse a estares com
interesse. E é imperativo que não te vás embora. Fiques comigo mais um pouquinho, nem que
seja por tua boa criação!
Gostaria de te falar dos limites e das proporções...
Deus é único.
Sua equação é simples.
Seu traçado é perfeito.
Três frases soberanas, três afirmações insofismáveis, três verdades imutáveis...
Claro e aceite está, que tu, ao te encontrares ao meu lado, levas como predicado,
seja pela formação de teu caráter, seja por tua postura religiosa, ou pela tradição de
teus antepassados, a magia da fé.
Ah! A fé! Esta tão preciosa pedra, que te dá um brilho invisível para os sentidos,
muito mais poderosa que qualquer instinto que nos habita, e que poderia ser definida como
uma espécie de magnetismo, o qual também não se pode explicar por expressão exata, mas
que, no entanto, é lido e cifrado pela bússola, que assim orienta o navegador, para que
não se perca em sua jornada. E então: se possuíres a
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fé, tens a proa mas não a explicação; tens o norte mas não o sentido; tens a orientação
mas não o entendimento...Entretanto, se porventura és um ateu, ou melhor ainda, se no
acaso perdido dos casos, és tu um agnóstico, participas então com a curiosidade. E esta
certamente te impelirá mais para adiante, pois ateu ou agnóstico, pouco se me dá, sempre
quererás estar num velho sótão e abrir esta ou aquela tampa de baú empoeirado, para que
teu rosto estampe a linha patética da surpresa. E isto tu não poderás me negar.
E para que precisamos dela; da fé neste ensaio? Qual seria o motivo de acenarmos à
mesma, para que venha acercar-se junto a nós? O que porventura têm em comum a fé com os
limites e as proporções? O que ligaria a fé a laços tão estreitos neste passeio que damos
no abstrato?
Já percebo que me olhas pelo lado. Pressinto que já te preocupas sobre o que fazes
aqui junto a mim. E que bem poderias estar noutro lugar, te ocupando com outros afazeres,
onde teu precioso tempo, de melhor proveito seria... Ora! Atendas por favor, ao meu
pedido, e que me acompanhes neste raciocínio: Mesmo num processo de estudo filosófico, e
talvez até mais do que em outros estudos, temos que, em alguns momentos, nos situar em
determinado marco arbitrário, apesar de que, como já te disse logo ao princípio, talvez
possamos estar localizados num atalho completamente errado de uma estrada também errada!
Mas precisamos partir de um princípio como este para que continuemos nosso passeio.
Afinal, em algum lugar haveríamos de estar!
Deus não se prova. Deus tampouco atende a curiosidade dos filósofos. E aqui, a
estrada da intuição é mais reta que a lógica do raciocínio. E é preciso também te dizer
uma pequenina verdade: Não há atalhos para o conhecimento, ou para o saber, sejam eles
quais forem. Sejam apenas curtos ensaios como este, ou profundos exercícios da mente. E,
certamente o pequeno brilho de nossa vela não fugirá à regra. Dá-me, pois, a tua mão e
caminhemos. Apenas andemos sem nos ater à lógica dos detalhes. Se um atalho aqui fosse
essencial, há muito que ele já seria chamado de caminho. O fato necessário é que tenhas
como absolutas as três assertivas que nos acompanham o texto acima. Eis a razão da fé...
Quando te digo que a equação divina é simples, deveria melhor dizer-te que aqui,
tudo já está determinado. Em si, em sua singela equação, todos os demais postulados, sejam
eles pretéritos ou futuros, já se resolveram; todas as perguntas feitas e ainda por fazer
no tocante à criação, já possuem as suas respostas; e toda a pesada e complicada
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maquinaria que rege o universo, até a graça do pequeno gesto poético do bater de asas de
um pássaro, já foram regidas e definidas pelas equações que ao Seu domínio pertencem.
O mesmo não se pode dizer do resplendor desta simples equação. Não há magnitude que
o meça. Aqui, os números falham... Aqui a linguagem do homem não exprime... Pelo inefável
chegamos ao belo absoluto...
E então, por falta de uma melhor expressão, temos que incorrer novamente na situação
incômoda de tentar pela intuição, explicar o inexplicável, exprimir o inexprimível, conter
o continente, o que já é em Si o absoluto. Será que tu e eu conseguiríamos nos alojar numa
definição, num exemplo qualquer, apenas para podermos nos situar no raciocínio que vem
adiante?... Tenhas paciência. Afinal, nossa vela é miúda, e em nosso passeio temos de
cometer o maior dos arbítrios! Imagines tu! Tentar achar algo de concreto que nos
demonstre o abstrato, uma parte que explique o todo, um conteúdo que represente o
continente! Tentar, na obscuridade de nosso espírito, dar uma vaga idéia desta simples
equação...
Está bem difícil, não? Poderíamos, talvez, por intermédio de metáfora e analogia
comparar e descrever o que seria indescritível em si. Pois muito bem: confesso a ti que,
aqui teremos que nos adentrar na poesia; e que, se precisamos de um conceito para definir
a simples equação, o faremos sob a forma de um trêmulo pensamento poético...
Vamos tentar então, num
espaço virtualmente intelectualizado e, por romantismo e alegoria, afigurar a simples
equação na forma da beleza de um pequenino e ingênuo cometa... Repares tu que poderíamos,
em vez de nosso humilde e simples cometa, tomar como exemplo a maior das estrelas que
porventura houvesse. Entretanto, para sensibilizar a razão humana, precisamos de algo mais
singelo, algo onde nossos sentimentos e expressões sejam mais bem acalentados e embalados
sem maiores constrangimentos por um raciocínio que, acima de tudo, não nos intimide... Que
venha, pois o cometa!
Imaginemos, por conseguinte, esta simples equação como um pequenino cometa que se
arrasta neste espaço intelectualizado... Um cometa que por aonde passe, vai deixando todo
o fulgor e inexprimível beleza em sua brilhante cauda, que seria assim, a expressão de sua
glória. Imaginemos, pois, que é precisamente nesta região de glória em que reside a lógica
pura que emana da equação original, e que se destina a toda a criação.
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Vejas tu, como claro fica então: da simples equação original, serão alavancadas, por
intermédio de lógica pura, todas as demais infinitas equações, desde as mais complicadas
já descobertas, até as mais pequeninas e as que ainda estão por avistar.
E o homem que vê ao longe, que vê ao largo toda esta arte de raciocinar desfilando
diante de si, aproveita, quando necessita ou lhe apetece, colher uma pequena fatia de luz
desta cauda, que assim vai cifrando em linguagem humana, por caracteres, que explicam as
questões que tanto lhe incomodam o espírito. E então, esse nosso homem brilhante, sob a
sedução da beleza desse hipotético rasto divino, e pela simples lógica pura, vai separando
as leis atinentes ao caso particular de seu interesse, e as define sob equações curtas ou
complicadíssimas que, longe de explicarem o total, explicam apenas o particular...
Trocando em miúdos: uma equação parcial assim o é, apenas porque se traduz num
pequeno detalhe da totalidade, e, se possui o predicado de resolver meramente uma situação
particular, assim o faz, porque irá de encontro apenas aos interesses ou carências do
momento humano.
Os exemplos aqui se multiplicam: Newton, por aqui passa e pede emprestado um pouco
desta lógica imutável para resolver o seu problema da gravidade. Einstein, não deixa por
menos e apanha o seu quinhão para resolver sua teoria da relatividade. E assim
sucessivamente: Alexandre Bell, Tomas Édson, Blériot, Santos Dumont, Venturi e outras
milhares de luzes humanas que por ali caminham, vão colhendo em suas respectivas áreas, as
equações que saciam finalmente a sede que tanto lhes agita o espírito. Desta maneira, e
repetindo-te novamente: graças às cifras legíveis oriundas das palavras humanas, todas as
interrogações que aqui incomodam o pensamento, são convertidas em exclamações de júbilo
quando o homem pensa... Pensa e soluciona os seus obstáculos, tornando-os soluções
permanentes da humanidade.
Nem por isso as contradições aqui se chocam ou se digladiam. Vejas tu... Newton,
longe de infirmar Einstein, e vice-versa, completam-se mais adiante. Por onde terminam os
limites de permissão de uma parte da lei, do particular para o todo, e por onde começam as
afirmações de um, distantes mil de uma colisão com os pensamentos do outro, aqui se
sublimam. Portanto, neste campo, cada lei, cada equação, cada postulado, são tomados de
empréstimo da simples equação original, para resolver as situações que se apresentam na
temporalidade. E então, todos, em suas respectivas épocas, “descobrem”, ou melhor, tomam
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de empréstimo um particular do todo, uma interrogação parcial daquilo que por toda
eternidade já estava resolvido, e explicam assim as suas questões.
Aqui, meu amigo ou minha amiga, somente por estes singelos exemplos, tu e eu já
conseguimos vislumbrar um pouco do brilho e glória da equação inicial. E, se por um lado,
a maneira do homem apresentar uma determinada equação pode ser bastante complicada, por
outro lado é a codificação desses caracteres humanos, repassados ao papel, que simplifica
e acomoda a mente perante o cotidiano. E se este “criar”, esta iluminação ou inspiração se
traduzem por fórmulas complicadas ou não, pouco se nos dá. O que aqui importa é que nos
colocamos frente a frente a uma apaixonante e intrigante questão: É nosso homem inventor
ou descobridor das leis criadoras?
Repares tu a que interessante ponto que chegamos! Vamos, neste momento, parar e
refletir um pouco mais vagarosamente, para melhor digestão da interrogação acima: Afinal,
com qual das duas assertivas ficaremos tu e eu? Para que lado iremos pender? Ou mais
ainda: seremos conduzidos pela lógica do classicismo ou pela intuição do romantismo? E
vamos assim, em nossa indecisão, apontando nossos dedos ora para um, ora para outro destes
dois caminhos que aqui se cruzam: Direciona-se o facho de luz de nossa vela para um lado,
diremos: “Ora! Se o homem inventa, então cria...” Ou então, se jogamos o facho na outra
direção, concluiremos: “Ora! Se o homem descobre, então percebe...”.
Deste modo, pelas duas afirmações que se cruzam acima, levo minha escolha para a
última. E esta preferência se dá, não pelo mero capricho do acaso, mas sim por uma
intuição bem refletida que poderia ser definida como: Talvez, se o homem se intitulasse
como o “inventor” de determinadas leis, o título que melhor lhe conviria seria a de...
“Aquele que foi mais adiante em suas observações e enxergou mais longe o que já existia e
sempre existiu”.
Vamos a um exemplo que, de certa maneira é estereoscópico: Se Cristóvão Colombo
descobriu a América, claro está que a América já existia. E muito absurdo seria, dizermos
aqui, que Colombo teria “inventado” a América. Ora; acredito eu, que o que nestes termos
agora foi dito, tu acharás de uma lógica inquestionável. Então, conseguintemente, assim
como Colombo, tomou de empréstimo uma coisa que já existia, já estabelecida, e pouco
importa aqui o nome com que vai batizá-la, ou que vai transmiti-la ao seu semelhante, e a
doou ao patrimônio da humanidade. E assim outros navegadores, navegadores do intelecto da
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ciência e da moral, todos em seus respectivos tempos foram acrescentando a esse legado, o
que de antemão já estava resolvido por Deus.
E assim será no tocante ao futuro próximo. Tudo o que se “inventar”, na verdade se
poderá melhor dizer: “tudo o que se foi procurar, e que ali sempre esteve à espera de quem
o encontrasse”.
Mais uma vez, não se pode aqui confundir a glória da criação, dos sinais que serão
colocados pela humanidade para serem codificados e lidos pelo intelecto. E é preciso
lembrar aqui, que existe, pela dinâmica dos fenômenos divinos o que se chama de
transitoriedade, e que na temporalidade, existem leis também temporais e que, portanto
seguem também equações temporais. Ora, longe de serem estas equações esguias sujeitas ao
desaparecimento, uma vez cessada a sua transitoriedade, elas continuam tão rigorosas,
perfeitas e eternas, simplesmente porque definem a temporalidade. E o fato de se
extinguirem com a finitude da transição, não deixam de ser inflexíveis em sua efemeridade.
Apreciaria muito, que não confundisses tu, o ato humano de criar seus artefatos, com
o traçado imutável das leis e equações.
É certo que o homem concebe em todos os estilos e modalidades os artefatos que lhe
são inerentes, multiplicados ad infinitum até onde as suas necessidades, imaginações, ou
vaidades alcançam. Um artefato humano, o qual sempre tem por finalidade resolver o momento
humano e suas respectivas metas, é constituído em si das inúmeras peças que o compõem.
Seja ele, por exemplo, um maquinismo de simples utilidade, como um relógio que nos dá o
ritmo do tempo. Seja ele um mecanismo de estilo, que nos conduz à arte da música, ou da
dança, ou da escultura, e que assim nos faz vibrar, como as cordas de um violino,
despertando e sensibilizando nossos sentidos e emoções, e produzindo, desta maneira,
grande magia à nossa alma. Seja ele um mero e simples capricho de vaidade das linhas de um
automóvel, ou das vestimentas que nos cobrem, e que assim sensibilizam e geram a moda ou
os costumes temporais.
Ora, não é preciso de muita percepção, para observares tu, que em cada minúscula
peça que compõe qualquer artefato humano; em cada pequena nuança de cor que impressiona a
tela de uma pintura, ou qualquer estilo das linhas que direcionam as curvas graciosas das
formas de um avião, carregam em seu bojo, por seus predicados naturais, ou pela
interioridade de seus próprios mecanismos, as equações e princípios imutáveis que já eram
pretéritas antes dos primeiros passos que a humanidade deu, em seu vagaroso caminhar por
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este mundo. E assim, o nosso homem criador, ao inventar seus úteis e agradáveis artefatos,
antes convencionou. Tomou de toda uma química de leis existentes e simplesmente
combinou...
De outra maneira: Imagines tu, qualquer tipo de modalidade destes instrumentos que
te aliviam, ou às vezes complicam o teu dia a dia. Coloques-te à frente de um deles.
Relaxe agora teus pensamentos, e comeces a meditar sob um ponto de vista cartesiano e
analítico frente ao artefato que tens adiante de ti. Na certa teu intelecto já se
adentrou, por pensamento direcionado, ao interior de suas engrenagens. Penses neste
momento, em isolar uma singela peça que compõe junto às outras, o artefato em questão.
Faças de conta, que tu, neste momento, reténs em tuas mãos esta minúscula peça e que, ao
senti-la entre teus dedos, ordenes ao teu intelecto funcionar. Percebas as qualidades
estruturais íntimas que a compõem. Percebas também dos princípios de sua forma. Chegarás
tu também, às mesmas conclusões que o criador do artefato chegou: esta peça, adicionada
junto com as outras, que por sua vez também têm a posse dos respectivos predicados
naturais, realizam no conjunto total, pelas relações que mantém entre si, à finalidade a
que se destinam: dar a graça ou a utilidade ao momento humano. E aí sim, temos a invenção
criadora de nosso homem. Desta maneira sim, o espírito do homem é soberano em imaginação:
Usa a alquimia das leis...
É preciso sonhar para entrever...
Foi preciso o homem sonhar enamoradamente com a lua para entrever condições que o
levassem a possuí-la. Foi preciso a dádiva do sonho para que a centelha divina percorresse
a mente humana e assim brilhasse, de um brilho tão forte como só nós, os humanos, somos
capazes de assim o perceber. E foi neste fechar de olhos e por um sorriso sereno, que o
homem colocou, coloca e colocará no papel, a poesia da criação que até então, lhe foi
intuída. Compreendes-me tu?
Há pouco, chamei-te a atenção para a dificuldade de apreensão sobre o abstrato.
Digo-te o mesmo quanto ao infinito. Estas duas indóceis palavras, que não aceitam a
catividade, permanecem tão selvagens e misteriosas o quanto podem. A palavra ”abstrato”
escapou-nos por entre os dedos, como areia que se perde junto ao mar. Mas, e quanto ao
infinito? Ele nos é intuído e... Pronto? E qual seria a verdadeira intuição do infinito?
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Os dicionários são práticos em sua definição: Infinito é o não finito; o inumerável;
o infindo. Pois muito bem: dentro de nosso caminhar entre os limites e as proporções,
teremos de nos ocupar com o infinito. A noção do sem fim aqui nos incomoda e necessita de
atenção.
Uma expressão que seria aceitável: Imaginemos uma reta em ato, que se estenda
eternamente, sem qualquer tipo de interrupção, e que ignore ser particularizada sobre
qualquer de seus pontos. Aqui temos uma noção bem calma e pacífica do infinito.
Outra expressão que seria aceite: Imaginemos um ponto de onde partem intermináveis e
sucessivas retas em ato, e que ao partirem deste nosso ponto central, em suas trajetórias
eternas, indistintas entre si, estas retas, que seguem no espaço sem obstáculos, e dariam
forma a uma esfera em ato, cujos múltiplos raios se prolongariam sem cessar nesta
circunferência que nunca é em si estabelecida ou delimitada. Obteríamos assim um círculo
em eterna expansão. Assim também está bem: uma boa definição do sem fim.
Notes tu, que as duas expressões acima têm em comum o particular da não interrupção
no espaço. E esta não interrupção no espaço é essencial na concepção do infinito. É como
se as palavras com que formássemos as definições acima, constituíssem um castelo de cartas
cuidadosamente empilhadas e que, ao retirarmos a pequena carta da não interrupção deste
hipotético castelo, toda a estrutura desabaria e, as expressões em si não teriam mais
sentido.
Então, temos o que se segue: Se, a partir de meu ser, traço todas as retas. Se
partir do meu eu original, ou seja, dos limites de meu corpo, dirijo-me ao infinito com
estas minhas incontáveis e presunçosas retas, num gesto que tu julgarás egoísta ou
egocêntrico, ou seja lá que juízo farás de mim. Terei então, em questão de pequenos passos
de distância percorrida e num átimo de segundo, caminhado alegremente até ter a ti como
obstáculo.
De outra maneira: Minhas retas serão infinitas até que vão ao teu encontro, onde me
lembrarás, com muito bom juízo, que julguei mal na relação entre os seres, e que, talvez,
deverias avocar para ti o direito de partida de todas estas retas, e de terem como escopo
original o teu estimado e caro corpo. Ora, dei-me como centro do universo e logo esbarro
em ti. Assim vai mal. Não funciona...
O mesmo se diria em relação a ti e a teu centro, ou a qualquer objeto que estivesse
longe ou perto de nosso alcance, onde poderíamos traçar novamente: retas partindo de seus
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respectivos centros, e aí tudo e todos poderiam reclamar para si o predicado de serem o
escopo do universo. O que nos deixa como legado um temível ponto de interrogação: Afinal,
se no plano objetivo ou espacial, todo e qualquer objeto possui o predicado de ser o
centro de tudo, como haveria razão de ser da infinitude espacial?...
É aí que nosso castelo de cartas anterior desmorona...
A não interrupção cai por terra em termos de espaço. Eis uma afirmação que como
resposta é muito ousada e difícil, e que precisamos de grande coragem para exprimi-la, ou
seja: que o universo espacial, por mais que os seus bilhões de anos luz possam
sensibilizar nossos sentidos em noção de distância, esbarrará na definição da infinitude a
apenas escassos e humildes metros de nós, tão logo nos deparemos com um segundo centro que
não seja o nosso. E esta noção da não interrupção nos incomoda a tal ponto que é
impossível que não lhe dediquemos atenção.
Torna-se, de uma intensidade crescente e perturbadora, que a noção do universo
espacial não infinito tenha aqui, sua razão de ser. A noção do sem fim não suporta a
presença de qualquer obstáculo, pelo simples motivo que o sem fim não pode pretender
capturar-se ou ligar-se ao espacial, ou ao concreto, ou ao objeto. Enfim: A infinitude
espacial, da maneira que se nos apresenta, poderá não existir...
Claro está que, a não ser por uma forte e profunda intuição, não tenho meios, nem
cultura, nem ciência para levar junto a ti qualquer tipo de provas do que acima te disse.
E a intuição, bem sabes tu, é uma das pedras fundamentais onde se alicerçam, de uma
maneira geral, os estudos filosóficos. Deixemos que os físicos, ou os geômetras, ou os
matemáticos se ocupem do problema que aqui se levanta. Nossa meta é filosófica e teremos
que direcionar as nossas infinitas retas para outra região. Ora, se o infinito tem de ser
não espacial e atemporal, estamos então, muito perto de uma definição mais completa.
Estamos próximos, mas tão próximos desta definição, que quase não nos apercebemos
disso. Esborrachamos nossos olhares frente à figura e não vimos o que estava tão perto.
Vimos e estudamos, mas não enxergamos. E o que foi que não conseguimos vislumbrar? O que
foi que não conseguimos descobrir? Na verdade: O infinito, enquanto definição puríssima e
elementar, só se dá quando direcionamos nossas retas em direção ao nosso interior, ao
nosso espírito, ao campo do abstrato. Teremos assim, de traçarmos nossas retas para
dentro, e não para fora de nós. É aí que o infinito reside...
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Moral da história A: Se já dois pontos existirem, o infinito desaparece junto a
ti...
Moral da história B: A complexa noção das dimensões de um infinito inteligível pelo
homem clarifica-se em Deus Pai Todo-Poderoso: O infinito de Deus vai até às dimensões
justas e suficientes da Criação...
E tu, revelas cansaço em tuas feições? Certo estou que a fadiga é comum por estes
caminhos...
Tomes lugar, pois, nesta solitária pedra e acomode-te para um merecido descanso. E
para refletires melhor ao que te digo. É da maior importância...
Quando tu és, e quando o homem é, e quando esta pedra onde te sentas também assim o
é, dois predicativos também o são: Tempo e espaço.
Quando tu és, enches-te de tempo. Quando tu és, acumulas-te de espaço.
Medites desta maneira comigo: Espaço é um predicativo daqueles que possuem
consistência, por mais sutil que esta última o seja. Tempo é um atributo da matéria, quer
esta seja densa ou leve, por mais delicadas que sejam as vestimentas que lhe dão a forma.
Isto é transcendente? Pode ser, mas é um fato.
Tempo e espaço: As leituras que o homem cifra para lhes dar medida não são de
importância neste assunto. Metros ou minutos, milhas ou séculos, fartos serão os sistemas
de aferição. O fato relevante, é que quando tu és, quando te encastelas na matéria,
carregas-te de tempo e de espaço. E assim para os viventes. E assim para os inertes...
Tomemos, finalmente, nosso caminho rumo aos limites e às proporções.
Nossos limites. Sabes tu quais são?
São muitos. Depende do tipo de perspectiva em que os fitamos.
Se indagarmos ao infinitamente pequeno que há em nós, entraremos fatalmente numa
linha de raciocínio e de aventuras a que poucos ousariam. Estaríamos então, no campo do
microcosmo, onde o sistema cartesiano não costuma ser bem visto, tal como um idoso
conviva, que se adentra numa festa de jovens. Temos então aqui, o campo de batalha da
filosofia ultra-racionalista de Bachelard e de seus pares. Eu diria, e não me estranhes
tu, que é aqui que reside a barreira intransponível, o muro indevassável que é a raiz das
derivações do espaço, do tempo e do movimento universal. E é por aqui, onde reside todo o
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sistema matricial, dinâmico e pluridimensional das leis criadoras. Mas não é neste campo
que me refiro...
Se indagarmos ao infinitamente grande, ao que antes nos esmaga e amedronta,
voltaremos nossos olhos então junto ao macrocosmo, à moradia serena de todo o sistema
universal criado. Aqui habitam os devaneios e raciocínios dos geômetras. Aqui os nossos
clássicos e gloriosos pensadores fixaram moradia e puseram seus olhares ao infinito. E
assim, em suas indagações mescladas de ciência, poesia e dialética, projetaram junto aos
astros e aos grandes espaços o que tanto lhes incomodava em seus espíritos e nas suas
mentes... E assim foram formulados, desde o sistema reto e bidimensional da filosofia
cartesiana, até as teorias de Copérnico, Kepler e inumeráveis outros. E cá entre nós: os
descobridores destes sistemas retêm em mãos serenas a direção intelectiva da humanidade.
Seus estilos foram seguindo pelas verdades intuitivas encerradas no cerne de seus
pensamentos, ora muito bem instalados no mais sólido, ora ilusoriamente fixos ao mais
palpável. Mas não é neste campo que me refiro...
Os limites que a ti menciono, são antes as linhas perceptíveis e cognoscíveis por
nossos sentidos.
Antes, ao tracejar infinito das leis criadoras... Ao que me diferencia do que te
diferencia.
Antes, à confluência fantástica do espaço e do tempo, que como um par de enamorados,
de uma maneira intensa se fitam e entrelaçam suas mãos. E pedem licença um ao outro para
uma dança!
E assim unidos bailam! Dançam abraçados, em mil rodopios sem fim ao grande balé do
movimento. E giram e rodam sem parar!
E enquanto o fôlego divino mantiver a cadência deste mágico rodopio; enquanto o
hálito divino mantiver-nos no ritmo desta fantástica sinfonia, obteremos como dádiva
final: A vida!...
Desculpa-me tu, a inflexão da linguagem e a afetação do estilo, mas é que é tão
maravilhoso! E afinal: como não haveria eu de me expressar desta maneira? São movimentos
interiores aos quais eu não poderia deixar de transportá-los junto a ti.
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Eu me refiro, portanto, à razão de ser, ou seja: aos formatos de teu corpo, aos de
meu corpo, a aos de todos os seres viventes, orientados e tecidos desde as origens pela
imaginação criativa do Grande Poeta.
E assim, como todo o bom poema chama para devaneios sem fim; como toda bela poesia
apela para a necessidade de mil entrelaçamentos evolutivos, a tenda de nosso Grande
Artífice nunca para! Sua roca jamais cansa de tecer os infinitos fios que se adaptam às
formas de evolução da majestosa sinfonia da vida, que o Exigente Maestro, com Sua batuta
enérgica às mãos, sempre pede: "Mais!... Mais!...”.
Nossas proporções: Sabes tu quais são?
São as justas medidas de cada ser. Ou seja: a correta magnitude dos objetos, assim
ordenados em suas devidas dimensões na natureza. Antes, assim me refiro à harmonia,
obediente ao infinito pelas leis criadoras...
Repares bem: O tema nem é assim tão complicado! Afinal, tenho tamanha precisão no
que te digo, que tu me concederás razão, e que não precisaremos sequer de um simples
silogismo, para que observes o quadro que se segue: Imagines tu, que não há discrepância
alguma entre um hipotético homem, que descansa junto à sombra repousante de uma árvore,
retendo casualmente em suas mãos uma pequena folha desgarrada, e que, preguiçosamente,
observa o pesado passar de um lento elefante sobre a relva humilde, e que neste seu
passar, por muito pouco é que não lhe faltou, que esmagasse uma minúscula e apressada
formiga.
Temos então o que se segue: Um homem pensativo, uma folha casual retida por mãos
ociosas, um tapete verde de relva amassada, triturada pelo nosso possante elefante em seu
despreocupado passeio e, como um arremate final, nossa simples e atarefada formiga que,
obteve a graça e a mercê de não ser pisoteada.
"Muito bem! Muito engraçado!” - tu me dirás - "E o que faremos com essa imagem? Qual
é o patético deste quadro? Mostrar que existe apenas uma mera proporção ao que obviamente
os seres viventes guardam entre si?”.
Queres ver? Queres saber? Acompanhes-me então.
Antes de qualquer coisa, quero mostrar-te que, em relação às leis criadoras, os
seres acima mencionados - homem, árvore, folha de árvore, etc. - têm por predicativo, o de
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serem exatos em suas desigualdades. Isto é: possuírem os dons de proporção e simetria. E
pela convenção e mesclagem destas, toda uma harmonia de formas.
Repares tu, que no reino mineral não há esta dádiva. E que, quaisquer materiais
pertencentes a esta hierarquia, por mais graciosos que sejam, não acharão, no primitivo e
relativo estado de repouso onde se encontram, outros traços que não sejam os da
assimetria. Desta maneira, desde uma pedra em seu bruto estado, até a formação dos
cristais que mimetizam casualmente uma postura simétrica, têm como regra geral, uma
composição de formas oriundas de equações das forças do caos ou da matemática fractária.
Aqui prevalecem sempre o maior vetor, ou o maior momento de força.
Exceções? Sempre as há. Mas não o são para o alcance de nossa visão. Queres tu um
lembrete? Existe, colocado nas origens da natureza, um belíssimo e deslumbrante arquétipo:
A poesia do milagre dos flocos de neve...
Não haverá surpresa mais delicada do que ao nascimento da neve. Quando estes
cristais deslizam das mãos de Deus e caem como bênção aos nossos olhos, eis que outra
maravilha sobrevém: as moléculas de neve arranjam-se em formas definidas e belíssimas de
simetria e geometria. E são sempre simétricas em arranjos que provavelmente nunca se
repetem! Mas, não o são para nossa visão. Nosso alcance natural de percepção não foi feito
alcançar tal efeito. Faz-me lembrar a impressão de magia de uma linda melodia que cai
sobre a alma, mas ultrapassa sutilmente aos órgãos da audição.
Claro está, que o que te digo, é tão evidente e tão perto aos olhos, que acabamos
por não enxergar mais do que sob a ótica de uma conclusão manifesta. Esquecemos então, que
o mero para a visão esconde em si uma maravilhosa diferença existente entre as coisas
vivas e as pertencentes ao inerte. (Não tomes a palavra "inerte" ao pé da letra.)
Relegamos ao trivial o que deveríamos vestir de majestade. Mas tais fatos tudo podem ser,
a tudo podem assemelhar-se, menos pertencer ao trivial.
Neste momento, sinto que me olhas de viés, e no triunfo me dirás: "Mas a árvore que
me indicas neste teu quimérico jardim pode não ser totalmente simétrica em seu conjunto!
Nunca vi árvores assim tão eqüitativas, que distribuíssem a sua galhada tão regularmente
como pretendes tu, na proporção de dúzia de ramos para um lado, e dúzia de ramos para
outro! Para onde foi a tua citada simetria?”
Ao que te respondo: "Eu também. Nunca as vi da maneira de tua argumentação. Contudo,
a simetria em si persiste”.
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Chamo-te aqui, a atenção para os problemas que se levantam quando a vida se propõe.
E das suas soluções. O obstáculo para a implantação de uma simples semente, que dará sua
expressão de vida à sombra gloriosa da árvore, poderá ser colocado na maneira do casual.
Suponhas tu, que a semente em questão, vá depositar-se numa obscura ravina, tendo como
pressão constante, o fantasma de uma minaz rocha, que lhe cerceia o dom de viver, ou que
lhe turve a sensibilidade para a luz vivificante do Sol.
Muito bem. Sabe o que faz a nossa semente? Uma vez abraçada ao seio dos sais de
terra, seu objetivo constante é o buscar dessa luz vivificante. E o contornar dessa rocha
ameaçadora que antes, lhe serve de mil impedimentos. Tomará, pois, a quase totalidade do
tempo de seu desenvolvimento para a luta contínua contra os elementos oponentes. Pesará e
sopesará no instinto, a maneira pela qual a nossa opressora rocha seja contornada: ora
pela esquerda ou pela direita, ora descendo no objetivo de subir. E aqui claro fica, que o
seu caminho será assimétrico. Será antes como o corcovear indeciso de um pássaro que
inicia seu primeiro vôo. E o seu rasto será sua glória. E assim temos a simetria em si de
um ser, que percorre a assimetria de um caminho...
E a jornada que fazem os vegetais e animais no instinto, faz o homem na razão. Já
reparaste tu, que os artefatos humanos sempre tendem para a simetria de formas? Ou que, o
que os homens fabricam, é de certa maneira, mimetizado por leis que habitam o interior de
seus corações? Atentes ao teu redor, e os exemplos se farão por multiplicados.
Tomemos um pouco da geometria:
Ponto... Um simples ponto... Um ponto perdido ao acaso. E no acaso perdido dos
casos, quem não deixa de ser um ponto?
Eu sou um ponto, um pequeno ponto branco: Um ponto das pontes escuras, do ponto
boêmio dos ônibus, do ponto final das palavras. Ponto e pronto: um simples ponto não gera
relações...
Dois pontos... Dois simples pontos. E no momento do embate destes dois singelos
pontos que por si se relacionam, já nasce a relação metafísica. Dois simples pontos
desencadeiam uma certa origem das relações e das equações entre si. Eis os nossos dois
simples pontos vestirem-se de um majestoso relacionamento entre si. Eis que se obrigam e
abrigam e brigam entre si. Constrangem-se entre si. Nasce a metafísica da lógica.
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Primeiro exemplo e postulado: O menor caminho entre dois pontos é uma reta. Temos
então uma reta que liga dois pontos por uma única direção, porém com sentidos voltados um
para o outro. Eis uma lei prosaica: a lei do menor caminho. Ou então: O maior caminho
entre dois pontos é uma reta: quando se afastam entre si. Ou seja, um ponto diz ao outro:
“Olha, segues tu pela esquerda, que eu, por mim, vou pela direita. Mas no final teremos
nosso encontro”. Aqui temos uma mesma direção, continuamos a ter dois sentidos diferentes,
porém que se repelem, o que nos dá um certo e estranho postulado de se dirigirem ao
infinito, pelo menos até uma melhor definição ao termo "infinito". Eis uma relação
sutil... Muito sutil...
Passemos a três pontos, e o nosso pequenino problema torna-se mais interessante. Mas
muito mais interessante. Apresentamos estes três singelos pontos pela lógica das relações
de um triângulo! Por favor, não me tomes por um tedioso que tolamente chega ao triângulo.
Sei que tu tens o conhecimento da ciência a que todos entendem por um triângulo. Mas
apreendas por outro lado, o que de certa maneira é inefável...
Quando tens na tua mente um triângulo, lembra-te que esta figura trivial em si se
ressalta nas retas que ligam os três pontos. Nada te impressiona nos três pontos. Estes
três pontinhos passam pela circunspeção de não o serem vistos: são discretos. E de o terem
por destino serem atropelados pelas retas que os unem. Assim, o que salta aos olhos são as
retas. O que se evidencia é o sintetismo das retas. O homem coloca no papel menos o
essencial que lhe passa quase que oculto, do que um artifício das relações da geometria.
Assim, tu vês toda uma equação de relação no sintetismo destas retas. São estas retas
severas, porém rigorosamente artificiais. E o essencial atravessou-se sutilmente, quase
que invisível para os olhos. E assim para o quadrado, e assim para o polígono, e assim
para todos os ligandos que se constrangem das relações entre si.
Retornemos mais uma vez à figura do triângulo.
Nesta figura geométrica triangular e nas relações de seus três pontos, podemos
inferir duas hipóteses que não estão habituadas a serem percebidas pelo nosso intelecto.
A primeira possibilidade é a de estarmos nela presentes, como que fazendo parte da
figura triangular de geometria. Então: tu és um ponto, eu sou um segundo ponto, e o
remanescente terceiro e hipotético ponto, será arrumado num determinado lugar referencial
para projeção espacial. Desta maneira, estaremos eu, tu, e o referido ponto participando
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ativamente das relações triangulares. Pode-se deduzir que estamos interagindo e
vivenciando uma certa relação espacial de uma maneira relativa.
A segunda delas, é que ao nos depararmos com um determinado triângulo esboçado num
papel, a inferência é outra. A representação ocasional triangular delineada numa
superfície mostra-nos um fato surpreendente. Fixemos, pois, a atenção dos nossos olhos a
esta figura de geometria, e ficaremos deslumbrados ao ver que o triângulo cativo da
atenção de nosso olhar, poderia obter muitas definições, mas nenhuma tão sutil como te
descreverei. Atentes, por favor, ao que se segue, com a máxima agudeza de espírito. A
definição seria mais ou menos desta maneira:
O triângulo em questão, ao delinear-se numa folha de papel, mostra-nos, em primeiro
plano, que já não estamos participando da triangulação, mas sim, que somos singelos
observadores de uma inferência lógica que partiu da mente do criador desta figura
geométrica. E o que observamos em si é deslumbrante:
Este triângulo determina, num rigor absoluto, que estamos muito próximos da pista do
abstracionismo mental do artífice do esboço de tal figura. O triângulo, que assim se
reflete numa folha de papel, é como se o fosse a projeção espacial da mente de seu
criador. Seria como que se nos fosse permitido adentrar na dedução e inferência de seu
intelecto, seguindo assim e a cada passo, ao sinal de raciocínio que o desenhista se
propunha. E assim que suas mãos relacionaram os três pontos, e que tracejaram as retas que
foram delimitadas para ligá-los, nasce apenas o rasto lógico de seu intelecto que se
evidencia, delineado por aquelas retas que atropelaram suas marcas de relação. Eis aí os
pontos vislumbrados na mente de nosso fecundo criador. E as retas que mostraram a lógica
de sua dedução.
Então, tu poderás perguntar: “Assim, não vês tu, a figura de um triângulo no papel?”
Então eu to respondo: “Não. No papel, eu entrevejo a mente de seu criador”...
Já pensaste tu num Universo que, em vez da poesia da Criação, fosse povoado de
triângulos, quadrados, ou quaisquer outros polímeros? Nada penses quanto a isto, mas
apenas que o universo sintético do homem é que assim se pronuncia, e isto lá é uma verdade
das grandes: O homem sintético. Encosta-se num canto escondido aos grandes poetas dos
pontos discretos para que se dê passagem ao homem sintético. Reverencia-se a este último e
deixam a magia dos sublimes e poéticos pontos na penumbra.
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Compreendo muito melhor agora a frase maravilhosa de Antoine de Saint-Exupéry que
escrevia na maneira de Deus: “O essencial permanece invisível para os olhos”. Ah! Está bom
assim. É muito bom que assim o seja. Perfeito e fantástico!...
Afianço-te então, que estes pontos de relação,
discretos em si, graciosos por si, carregam o feitiço da sombra inefável de uma poesia que
delicadamente se evidencia...
Mas e o nosso homem sintético? Suas verdades geométricas são por demais evidentes
por um estilo que confirma e realça o sintetismo. Eis que ele passeia orgulhosamente por
suas retas... E toma em seus braços a lógica por companheira neste rigoroso passeio
formal. Mas é claro que o trajeto deverá ser triangular ou quadrangular consoante ao ritmo
dos passos da lógica. Mas, e esta lógica? Em qual das roupagens de definição iremos
vesti-la? Neste caso, iremos adorná-la em trajes de gala. Temos de tomar uma vestimenta
formal para definir esta inferência do homem sintético. E então, a solene pergunta acima
respondeu-se por si própria.
A lógica é um certo caminhar nos possíveis. E a ética é seu espelho: varia conforme
a lógica dos caminhos.
Mas e os poetas? Mas e os escultores? E os pintores e os que avançam em
profundidade?
Estes são os herdeiros e donos do verdadeiro tesouro. Impregnam por si e por sua
presença a luz extraordinária da intuição criadora... Seria indescritível vestir por
sentido esta luz, amante sutil que segue e persegue aquele que cria!
Moral da história A: O triângulo, ou o quadrado, ou um polímero qualquer, que é
esboçado na folha de um papel, é antes, apenas a reflexão mental do seu criador: É a mente
do homem que se projeta numa determinada superfície.
Moral da história B: A geometria é de efeito divino, pois a mesma se encontra
fincada em profundidade no raciocínio do homem. Sendo este último apenas o fiel
depositário do Criador.
Moral da história C: A equação divina é simples, e é por esta maneira que ela é
infinitamente complicada aos olhos do homem.
Moral da história D: Quanto mais o homem avança nos ramais da
lógica habitual do materialismo, mais difícil será a leitura da simplicidade.
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Dá-me mais uma vez, a tua mão, e marchemos para aquele lado de jardim que te parece
mais verde... Caminhemos por algumas jardas adiante que te farei um presente. E a dádiva
que te dou, é numa certa visão do abandono de uma velha carroça que se esqueceu na
paisagem do campo. E é nesta bucólica vastidão de olhar, que apreenderás as flores que se
depositaram por cachos na idosa carroça. E o tapete entrelaçado das ramagens cobrindo um
artefato que já se esqueceu. E é certo que a poesia campesina do lugar habitará teu
coração. Ora, isto se dá, porque este esvaído instrumento de trabalho, doravante inútil
para as mãos do homem, quase que se confunde com a natureza em si. Suas rudes formas quase
que não destoam com a marcha natural das coisas.
Tomemos passo um pouco mais adiante, para que te possa mostrar uma paisagem que
sinaliza por uma certa tristeza de olhar, ou por uma certa negação de expressão. Eis que
neste pouco mais adiante e no mesmo verde da natureza, deparamo-nos com as linhas de um
comum automóvel, daqueles cuja estamparia monótona se faz por série. E eis que também o
temos na expressão de abandono. Adornemo-lo com algumas latinhas amarrotadas de uma certa
bebida que já se esvaiu no consumo. E a absorção de tal imagem melhor se fixa pela
expressão do velho e enferrujado carro, que se adorna com um colar de desprezíveis
latinhas. Ora, isto se dá, porque o sintetismo do homem é que fica tão patente aos teus
olhos. É que a natureza se esquece, e o que permanece para ti é uma certa sensação da
torpeza de um avanço geométrico embrutecido e repetitivo, e que o artefato que se faz
presente, quase que sussurra para ti um empobrecimento do espírito humano.
Voltes agora teu olhar para outro lado, para que te possa mostrar a magia de um
efeito paradoxal: Observes tu, com muita atenção, aquela vasta montanha que se faz
presente para tua visão. E repares também naquela alta torre que o homem construiu ao
lado. Agora eu te pergunto: Qual das duas te presenteia com uma certa apreensão? Qual
delas te causa maior espanto e, finalmente, qual te parece a mais bela: A majestosa
montanha com sua cabeleira embranquecida pela neve eterna, ou aquela sintética estrutura
monumental, cujo último patamar parece acenar ao infinito dos ares?
Eis um grande paradigma das imagens que se apresentam. Eis a antinomia das
expressões...
Claro está que, muito embora a nossa orgulhosa torre seja menor que a montanha, as
suas linhas de estrutura intensamente te impressionam pela altura da projeção. E te causam
mais medo e temor do que o sentimento do belo propriamente dito. Ora, isto se dá, porque
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quando tu observas a extensão da enorme torre metálica, sinalizada por seu derradeiro
terraço, onde as suas últimas traves e seteiras se confluem e curvam-se sutilmente por um
sintético ponto final, o que te salta aos olhos é antes, um certo medo ou espanto causado
pelo efeito de expressão, esboçado no abraço de um mergulho geométrico, que avança rumo ao
infinito, pois a obra é grande, e é tão grande que o enorme parece pequenino. E o
sentimento do belo quase que fica encoberto pelo temor. E então, tu serás vigiado, e
sofrerás pressão pela estrutura metálica que te aprisiona no temor, na justa medida em que
a seguires por teus olhos... Ou seja: O homem constrói sua criação, e esta, o seguirá
sorrateiramente. Bem ou mal esta ação persecutória permanecerá, e a obra e o obreiro serão
atados por sentinelas mútuas. E é provável que aquela diga a este: “Ora: Tu me crias, mas
eu te sigo”.
Agora, quando tu observas mais para o alto, e a montanha soberana e altaneira te
enche os olhos do infinito de Deus, o evento é outro. A montanha, muito embora que te
chame para o temor, lembra-te mais o belo que toca ao sublime, por te evocar, que pode
sutilmente chamar aos ventos que a percorrem, e mandá-los sussurrar às estrelas que se
derramam nas alturas as seguintes palavras: “Olá, vós que brilhais e cintilais aí por
cima. Saibais bem todas vós, que a majestade do olhar de nosso pequenino observador lá
embaixo é de efeito divino...”
Moral da história A: A natureza reina. A criatividade sintética obedece. Porém, se
esta assim o faz, de duas uma: Ou obedece ao homem na vassalagem da lógica, ou reverencia
ao reino natural no milagre da poesia.
Moral da história B: quanto mais o homem sintético, ao produzir seus artefatos, se
distancia da natureza, quanto maior será o seu temor, que varia na razão direta deste
afastamento. Não percas teu tempo em questionar tal assertiva. Cedo ou tarde, esbarrarás
na evidência do que te digo...
Existe um idoso provérbio oriental, que usa algum traçado semelhante a este, mas não
necessariamente nestes termos: “A suave brisa das asas de uma borboleta no Oriente prepara
a ventania ou a tempestade no Ocidente”.
Claro está, que isto pode ser muito poético e profundo, mas nada pragmático. O autor
de tal ditado tinha como finalidade uma certa poesia, e uma comovente poesia de fundo
moral. Entretanto, deixando a Ética e a Moral um pouco de lado, vamos imaginar que numa
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alegre e inusitada loucura, apresentasse-te um convite para um esboço deste provérbio numa
seqüência lógica, se é que exista algum raciocínio lógico de equação nas palavras deste
ditado. Vamos então ponderar tal seqüência de palavras como a fórmula que abaixo se
expressa:
Asa de borboleta + brisa oriental = tempestade ocidental
Imagines tu, que inferências teríamos que alimentar a este ligando de palavras.
Quantos milhares de elementos, partindo das asas de uma borboleta oriental, prosseguindo
pela agitação do ar gerido em pequena brisa, e que numa seqüência lógica provavelmente
ininteligível, resultaria na tal tempestade Ocidental.
É lógico que se tiveres tempo ocioso para alimentares esta equação, onde tu
dedicarás toda a tua vida – e não contarás comigo nesta empreitada - desde a seqüência
biológica interna da borboleta oriental, influência das cores deste lindo inseto, passando
pelas leis das camadas gasosas, atrito das asas com o ar que as sustente, temperatura
ambiente, e etc. e etc. E, até que finalmente chegue a ti a nossa perigosíssima e
trovejante tempestade ocidental, os inferentes destes raciocínios pirotécnicos seriam
miríades de milhares, e as hipóteses hiperbólicas chegariam até a um incerto ou
determinado efeito final.
Moral da história A: Toda equação humana é pragmática. A especulação é apenas um
ensaio filosófico que caminha para o pragmatismo.
Moral da história B: Nem toda equação humana segue os ditames da Moral, da Ética e
da Estética. Mas estas são a idealidade das relações. Ou seja: Por determinada
alternativa, o homem reflete, mescla e convenciona bem ou mal os fundamentos das leis
criadoras.
Moral da história C: A Lógica é um certo caminhar nos possíveis.
Moral da história D: A Ética varia conforme a Lógica dos caminhos.
Moral da história E: Quanto mais numerosos os ligandos de uma equação, o resultado
final desta última será matematicamente mais improvável de ocorrer periodicamente nos
ditames da Lógica. Adentra-se, por estas disposições, nas leis da probabilidade.
Imaginemos outra equação pirotécnica:
Um quadrado azul + um círculo vermelho + miríades de acontecimentos variáveis =
pentágono amarelo.
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Temos então um quadrado azul e um círculo vermelho já estipulados, em que temos o
desejo que se transformem num rigoroso pentágono amarelo.
Já que temos o desejo de que tal formulação aconteça, e temos já a justeza de
medidas e tonalidades do quadrado e do círculo, o único caminho que nos resta é de
descobrir e decifrar os milhares de acontecimentos variáveis para dar precisão ao
pentágono amarelo.
Espero que as lucubrações que faremos para que tal quimérica equação sobrevenha,
escape aos olhos e às luzes mortiças dos psiquiatras que encontramos anteriormente em
nosso passeio. É que eles possuem o costume de carregarem consigo camisas de força, e
talvez, por medidas de segurança, teriam desejo que vestíssemos tais apetrechos.
E então: é possível que tal equação obtenha êxito?
Possível sim. Provável não: Para o homem, só são equacionados os ligandos que se
relacionam no aspecto prático.
Einstein só relacionou E=MC2 porque havia pragmatismo nesta equação. Mas jamais o
veríamos debruçado em sua escrivaninha, com os olhos esbugalhados pelas relações das asas
de nossa borboleta oriental. Repares que a razão de tal assertiva assim se dá, é porque o
homem, ao nascer, depara-se com os ditames da natureza já em si estabelecidos. E os
objetos já o estão por si multiplicados naturalmente em sua essência ou transformados
sinteticamente em artefatos. E Einstein, sabedor desta verdade na intuição ou na lógica,
escolheu alguns dados que eram os ingredientes necessários e os relacionou para a
formulação de sua famosa equação.
Voltemos agora nossos olhos a um aparelhinho de aviação chamado VSI (Vertical Speed
Indicator) ou variômetro: Por ele, um piloto observa a razão de subida ou de descida de
seu avião. Ora, este comandante não precisa e nem quer saber no momento de uma determinada
manobra, que a densidade do ar é menor na altitude mais alta, e não precisa tomar ciência
que as moléculas de oxigênio estão mais raras por lá, nem que o fluxo de ar que flui pelas
suas asas encontra-se mais ou menos intenso, etc... Ele quer apenas pilotar seguramente.
Para subir ou descer confortavelmente ele dá apenas uma rápida consulta neste variômetro,
e todas as leis que por lá estão multiplicadas e imbricadas naquele artefato já estão
aceitas em sua intelectualidade. O variômetro é apenas uma espécie concentrada de fator
multiplicador ou de lançamento de dados já estudados e em si agrupados, captados e
aferidos num breve momento de consciência, e relegados com ligeireza ao subconsciente de
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nosso intrépido aeronauta. E então, aquele lindo avião voa seguramente pelas tantas e
quantas leis da necessidade por equações que mal suspeitamos... Mas que por lá
definitivamente se encontram.
Pergunto-te então: A famosa equação v=e/t é verdadeira na exatidão? Ou seja: A
velocidade com que um objeto se desloca num determinado espaço dividido pelo tempo é
verídica na perfeição?
E se tu me respondesses que sim, eu to diria que não! Esta é apenas uma “meia
verdade”.
Camisas de força à parte, dou-te como verdade plena à de que, a equação acima
formulada é empiricamente correta. Mas não estaremos totalmente corretos na exatidão
porque deixamos de lado o atrito do ar que flui neste objeto em sua trajetória, ao
caminhar do vento, a temperatura, pressão e etc..., afora os outros mil eferentes
influenciáveis que mal imaginamos.
Outra pergunta paranóica: Qual a possibilidade de casardes com um homem ou mulher
esquimó?
Mas é claro que tu me concederás que isto se dará na maneira do ocasional. E por
esta maneira, adentramo-nos novamente no território das probabilidades.
E se isto acontecer, e ao fato de viajares para as geleiras em determinada época, no
tempo certo e no preciso lugar. E se o homem ou mulher esquimó te for atraente para os
olhos, e se sua voz soar doce para teus ouvidos e o corpo agradável para tocar-te o
coração, então tal ato nupcial será efetivo. E então, tu me convidarás para um delicioso
bolo de enlace. Possível mas improvável, mas estaremos presentes e contentes para
saudarmos aos nubentes e as leis do eventual.
Esqueçamos tais bodas, e voltemos agora nossos olhos ao verde das plantas, à dureza
das pedras, à delicadeza das areias e a dos atributos indecomponíveis da natureza. Cores,
textura, delineamento de imagens, etc... Eles estão lá porque estão. O verde é verde
porque assim o é; um objeto é suave ao tato porque a impressão que causa ao toque de mãos
também assim o é, e as formas dos limites dos corpos assim se apresentam porque assim
consistem. Ora, se já se encontravam desta maneira na primeira vez que nos deparávamos com
tais elementos, é lógico de que os fatores multiplicadores destas leis não nos dizem
26
respeito, e a causa em si já tinha seus próprios ditames, independente de gostarmos ou
não.
Não pertence ao homem o discernimento de tais questões metafísicas. Não haverá
lucubração filosófica suficiente que poderá explicar a razão dos objetos no mundo em sua
natureza. A razão humana não explicará tais motivos. Os motivos lá estão pelos fatores do
“simplesmente”... E que as equações que te foram acima descritas, se não existirem em si
pelo aspecto pragmático, estético ou moral, seriam meras tolices.
Moral da história: Deus não joga dados coisa nenhuma...
Poderia, finalmente, falar-te das Leis da lógica de relações?
Quando caminhas pela lógica dos caminhos, teu andar é seguro e a expressão de teu
rosto se faz na tranqüilidade de olhar. E os teus passos se fazem iluminados por uma luz
interior que se estampa num sorriso sereno. Lembras-te quando te falei, no começo de nosso
passeio, que a intuição da poesia de criação se fazia por um determinado esboço de sereno
sorriso?
Porque um sorriso, em sua forma serena, é a aceitação dos ditames de uma certa
lógica. Ou então concedo-te que sequer um único músculo da face se mova perante ao
racional. Obteríamos assim, um rosto sério que estaria concorde com o mesmo. Um rosto
firme ou um sorriso sereno é a aceitação da coerência. E então, esta última se faz, ou por
um certo sorriso que aceita, ou uma seriedade que acena pela afirmação.
Apeteceu-me agora, em falar-te sobre o sentido da risada...
A risada seria, em termos gerais, a negação da lógica.
A risada tem por predicativo, o de ser a expressão da não coerência de qualquer
frase ou acontecimento. Seria então, uma certa negação de um sentido verdadeiro que
deveria existir numa expressão ou acontecimento. Rimos ou gargalhamos pelo inusitado.
Exemplo corriqueiro: Uma anedota freqüentemente carrega a pleno, os sentidos das
palavras com uma essência que não seria o usual ou o racional das mesmas. Ora, isto se dá
pela analogia que se segue:
Uma palavra, numa frase normal, é tomada por semelhança, como o molde de um vagão de
um trem expresso. O vagão seria a palavra, e a frase seria o trem. E o que se segue, é que
poderíamos carregar esta composição de vagões com diferentes cargas, mas que dariam um
27
certo sentido seqüencial correto. E assim, este nosso trem-frase seria o conjunto racional
dos vagões-palavras, que dariam a real expressão da composição em si.
Exemplo ferroviário: O vagão-palavra “segundo” poderia ser carregado com uma carga
numeral, descrevendo o algarismo “dois”. Ou então o fardo poderia ser temporal, se
quantificasse uma fração de minuto. Ou finalmente, nossa mercadoria poderia ser
condicional, indicando o seguimento de uma regra.
Ora, a anedota, costuma trazer uma carga diferente do que haveria de se esperar num
determinado vagão-palavra, destoando, desta maneira da seqüência esperada numa composição
normal. E a frase em questão, destoaria da expectativa geral na seqüência usual de seus
termos. E o efeito final desta incongruência de palavras, ardilosamente carregadas por
sentidos dúbios seria a risada.
De outra maneira: Possuímos então, um delimitado trilho que seria de um certo
caminhar racional, e que se expressaria num determinado acontecimento ou numa descrição de
frase qualquer. Cada vagão-palavra desta composição seria um seqüencial lógico de uma
totalidade de frase ou efeito, e a correta narração dos mesmos. Ora, quando um destes
pequenos vagões, possui em seu interior um carregamento de conteúdo que não seja o rigor
de uma uniformidade seqüencial coerente, estaríamos então, na intimidade de uma certa
disposição de arranjos destoantes e desafinados, cuja inferência seria a de um trem
desorganizado em sua seqüência, e o efeito de tal gesto, seria a quebra de um dos vagões-
palavra, e finalmente, o conseqüente descarrilamento e desmoronamento do nosso trem-frase.
E assim teríamos como resultado, o tombamento de tal composição.
Por uma mera definição intelectiva, vamos classificar que o seu tombamento para o
lado esquerdo supostamente resultaria na risada, e o descarrilamento para a direita
causaria um certo espanto de medo ou temor. Tememos o que não é lógico ou fora da previsão
habitual. O efeito do temor é um certo receio do indefinível. Rimos quando o sentido
deste descarrilamento não nos permite uma coerência certeira, e o efeito seria apenas o
que se segue: mostrar uma engraçada incongruência, que nada tinha que ver com um
seqüencial racional deste trem-frase.
Damos risada de algo que vá de encontro irregular à seriedade do que deveria ser
esperado. O riso é uma determinada expressão de espanto e negação da coerência. E quanto
mais destoante da evidência natural das palavras ou situações, teríamos então as diversas
graduações e nuances de risada, que teriam por ápice de grandeza uma bela e sonora
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gargalhada, e por sua forma menor ou atenuada, ao nascimento de um sorriso irônico ou
sarcástico.
Então, a risada ou gargalhada se faz pela não aceitação lógica de um fato.
Todavia, tu podes perguntar: “Mas não ficamos alegres e contentes, quando
encontramos uma determinada pessoa conhecida e querida, e demonstramos em si toda a nossa
alegria?”.
Ao que respondo a ti: “Sim, mas ao encontrarmos com certa pessoa que nos dá este
prazer, não manifestamos a nossa satisfação dando risadas de quem nos apraz, mas sim, pela
expressão de um certo sorriso, que poderá ter gradações sutis, conforme nosso prazer seja
maior ou menor”.
Quanto ao temor, ou medo do descarrilamento intelectivo de nosso trem-frase ou de um
fator para a direita, significamos que tal espanto se dá por um certo acontecimento ou
ditame do qual se esperaria por racional, e que não tenha acontecido consoante ao
previsto, mas na maneira que, o resultado final traria em si o trágico ou o penoso.
Ou então, de outra maneira: Se, por uma ocasião de efetuarmos ou exprimirmos algo
inusitado e não previsto no racional físico ou moral, e que tal gesto ou discurso mereça
uma certa punição que já esteja ou estará a caminho, tal temor nos seria por companhia.
Se fizermos ou dissermos algo ilógico de certa gravidade ou densidade, o que já é
por si um caminho frustro pelo erro, poderemos então esperar o desencadear de alguma
punição racional, por tocarmos de engano na estrutura criativa de uma maneira profunda e
absurda. O exemplo disto se faz pelo ladrão que te espera numa determinada curva em teu
percurso. E o que ele efetua: Na verdade, ele está vendendo-te um susto, e à vista. E tu,
ao comprares este susto com todos os teus pertences, pagas este espanto a prazo, por um
determinado tempo de lembrança desta não lógica de caminho nos possíveis.
Ora, a punição em andamento é o efeito de coerência pelo não racional criativo que
efetuamos. Tal medo se dá pelo pretérito, pelo que já foi feito, ou pela apreensão futura
do que se fará ou falará. Dostoievski bem o representa em “Crime e Castigo”.
Por outro lado, a risada se nos dá como um efeito final, pela projeção de um fato
que consideramos errado, mas que mesmo assim o colocaremos pelo simples fato da jocosidade
que nos causará prazer. Normalmente, a risada é apenas projetiva, ou o que é efetuado é de
natureza leve. O temor, ao contrário, demonstra-se regularmente por algo mais
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desagradável: Ele pode apresentar-se pelo nosso exemplar ladrão, ou pelo que se foi dito
ou efetuado no pretérito. Ou então obteremos tal medo pelo futuro do desconhecido. O
terror de um destino desconhecido, apenas prova que ignoramos a coerência do que
acontecerá. E o não conhecimento do que se apresenta, assim se dá, meramente pela falta de
alcance de uma visão não delineada.
Na verdade, rimos ou tememos pela negação do racional, ou pela aceitação do
insólito projetado na realidade. E sorrimos ao dizer sim para a lógica...
Moral da história: A fixidez de feições na bondosa seriedade, ou a expressão de um
sorriso sereno acenam afirmativamente pela coerência. E sua negação é a risada, ou o temor
de uma ruptura do lógico pelo não racional.
A compreensão desta passagem escrita é de difícil alcance e aceitação, e o
julgamento que me será dado por ti será imprevisível. Mas tenho tamanha precisão de dizer-
te estas palavras, que poderão te ser classificadas como ousadas na intenção. Mas, já que
inúmeras pessoas te disseram tantas e tamanhas tolices, acho que uma a mais não afetará o
rumo natural das coisas...
Esperes tu. Terminemos com a pressa de nossos pés. Passos ligeiros por estas sutis
paragens seriam uma grande tolice. Em nosso caminho, distraídos à luz de nossas velas, não
percebemos que fomos muito distraídos. Não refletimos de maneira duradoura sobre alguma
coisa de muito bela. Deixamos em nosso trajeto algo de um brilho maravilhoso. Voltemos
rápidos para trás, e logo veremos do fruto que não colhemos e que insiste em nos chamar.
Refiro-me às leis da lógica criadora, e que por serem estas tão sutis, eis que
ficaram sussurrando aos nossos ouvidos: “Voltem! Vós não nos compreendestes firmemente.
Temos algo de precioso a vos dizer...”
Sabes tu o que esquecemos? Algumas das idéias do sentido divino que nos foram
fortemente intuídas. Ouças então tu, uma leve canção. A suave melodia que nos toca aos
ouvidos e o sopro da representação do espírito do mundo. Algumas expressões mágicas da
lógica criativa...
O caos inicial é ao mesmo tempo uma lei sutil e brutal, mas é uma lei. Serve de
alicerce e embasamento para as diretrizes mais palpáveis pela coerência humana.
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Assim sendo, o caos inicial e a lógica habitual são
de mesma essência, pois são leis. Mas variam na previsão, e diferem temporalmente apenas
por serem mais ou menos rápidos e caprichosos nas normas. Ou seja: A matemática fractária
e a ortodoxa variam nas regras simplesmente pelo “acaso” da primeira, ou pelo “determinado
caso” na segunda. As
duas, na gradação da pressa consistem. Aquela prepara o terreno para esta. A primeira sai
correndo, muito rápida e desajeitada, indecisa como uma criança que atira para o alto um
chapéu oscilando alegremente ao vento das manhãs, anunciando que a última veste-se
lentamente para o seu elegante e romântico passeio vespertino.
Eis o devir do Universo...
Mas a razão formal dos objetos regidos
pelas leis criadoras é uma mescla das naturezas espacial e temporal. E por assim ser, um
sentido objetivo será mais bem apreendido pelo homem aos limites de distância que este
enxerga ou vislumbra. A visão humana foi efetuada para ser eficaz nos limites do “nem para
muito longe, e nem intensamente perto”. E o que te digo é encantadoramente mais bem
exemplificado na forma de uma comovente história.
Era uma vez... Pois todas elas começam por uma vez, uma brilhante noite de estrelas,
e de um homem que bem enxergava no corpo e na alma. E que amava uma bela mulher...
Era um pescador. E que nesta singela noite clara de verão, pegou do seu barco e de
sua amada, e rumou para um lindo lago no sentido do passeio dos amantes.
Eis que aproou rumo ao centro das águas, e assim o fazendo, descansou com os remos,
e fixou em sua amante os olhos ternos e eternos. Pequenas ondas batiam de mansidão junto à
quilha do frágil barquinho, até que este, ainda por instantes, deslizou e repousou na
serenidade. E assim feito: o homem apaixonado olhou docemente para a amante, e a seguir
espreitou na direção das estrelas e da lua. Ali, o seu olhar se fixou. Seu coração estava
aflito de amor e poesia. E assim sendo, pegou da cítara e cantou, e dirigiu os seguintes
versos para emocionar a sua amada: “Oi Lua, hoje estás tão bonita, tão cheia de si, tão lá
no alto, que de tão alto ficastes sozinha, e que de sozinha ficastes tão triste, e que de
tristeza passastes a te chamar Lua.”.
E a amante, emocionada que estava, assim lhe falou: “Querido noivo, como tu te
emocionas, e falas por belas palavras!”.
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“Se assim falo, é porque vejo esta querida companheira da Terra de uma determinada
distância... Mas não me aproximo muito da mesma, pois a poesia se esvai. O mesmo se dá com
as estrelas. Repares tu, que se me aproximo demasiado delas, queimo meus dedos, e assim me
destruo. Porém, cuida-te que lua e estrelas não fujam, pois se assim o fazem, tornar-se-ão
uma simples mancha, turva e borrada. E se assim ocorre, nosso poema se desvanece, e por
final, lançaremos nossos olhos para algo mais romântico e que nos sensibilize.”
“Mas querido – retorquiu a amante – como podes tu falar, de maneira tão linda e
suave para meus ouvidos? Deixa-me aproximar-me um pouco mais de ti, para calar-te com
beijos”.
E assim foi. A amante aproximou-se dos olhos de seu amado e pousou um beijo em seu
rosto, mas ao assim fazer, espantou-se: “Mas meu amado! Aproximei-me tanto de ti que agora
me apercebo que tens teu rosto marcado por uma espinha, e que tua barba está um pouco
irritada e que assim foges da minha poesia. Na verdade, tu já não tens tantos cachos por
cabeleira, e que também, tua pele é vermelha e descamada junto aos poros. Sendo assim, já
não estás tão belo enquanto eu ficava numa extremidade do barco e tu na outra. Porém, se
te afastas um pouco para mais longe dos limites desta quilha, confundes-te com o
espaço”...
“Assim é, respondeu-lhe o poeta pescador. A beleza e o amor se fazem por uma
determinada distância, que não é bom ultrapassar: Muito perto, muito feio. Muito longe não
se distingue”.
“Explica-me melhor, o que significa estas tuas palavras”...
“Nada mais explico, pois teus lábios responderam-se por si mesmos. E já que não sou
mais belo para ti, tomemos do barco e voltemos para a terra”...
E assim termina nossa história. E quem quiser que conte outra.
Moral da história A: O caos inicial, se observado de uma certa distância e não mais
do que esta, seria apreciado como lógica.
Moral da história B: Quanto mais perto nos aproximarmos do caos, mais este parecerá
confuso.
Moral da história C: É preciso também de uma certa distância, para que o estilo e a
quantificação de uma lógica formal se iniciem.
Moral da história D: A coerência fractária é por demais sutil, e não foi feita para
ser apreciada por nossos sentidos.
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Moral da história E: Sempre à “meia distância”. Eis a regra de estabilidade das
observações humanas.
Tomemos do imprevisível...
A imprevisibilidade é uma lei, fonte de uma determinada lógica aleatória. Esta
última, que lhe segue e persegue como obediente filha, descreve apenas até aonde o
imprevisível ousa. Observemos como exemplo: Uma indeterminação dos elétrons na matemática
fractária na teoria dos quanta, ou seja, em que direção estes tomarão no seu percurso, não
é ilógica, mas sim uma lei: a lei de escolha de um caminho vetorial potencializado. A
indeterminação sempre será a base para a ordem. E o momento de força desta “não previsão
dos caminhos” será também uma lei eterna, e sobre ela se assentará a previsão das
formuláveis. Finalmente: No caos, a imprevisão do momento de maior força, será a futura
precisão ortodoxa de um caminho escolhido. No devir universal, na confusão dos elementos,
o trajeto de maior rigor ou vetor de força é o que prevalece. E este último poderá ser
formulado pela desordem externa inicial dos elementos, que nos apercebemos ao fazermos as
aferições e leituras sintéticas pelos nossos sentidos.
Ser imprevisível é, de certa maneira, um estado caótico e não bem organizado, como
um caminho delicado que ainda por si, não se delineou. O imprevisível é de uma certa
indecisão de passos, mas de um rigoroso trajeto. E a belíssima espiral do caos inicial é o
devir do Universo. E sua história é a de um canto pungente e monótono por este devir.
Sabias tu que existe um som
universal? Sabias que o silêncio possui um som? A tomada de ciência de nossos geômetras
quanto a isto já é inquestionável.
Então tu me perguntas: “Mas afinal, como é que saberás que uma determinada lei
tornou-se uma lógica ortodoxa”?
“Viajante e colega das velas miúdas: Ouso responder-te que ela assim se tornará,
quando seus momentos de força estabilizarem-se no tempo. E tornarem-se repetitivos. E
fazerem ecos de si próprios. Assim sim: Eis uma lei ortodoxa”.
A base da vida organizada repousa nos alicerces do caos. Na lógica ortodoxa, a
estabilidade das leis tornar-se-á mais antecipadamente fixada e calculada quando o
aleatório decidiu-se por onde ir. E assim feito, o que se assentar após certo tempo do
caminhar imprevisível, será a matéria regular. Digamos
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então, que o caos inicial se encarregaria do trabalho não claro e difícil para nossos
olhos, e a lógica habitual se encarregaria das coisas harmoniosas. Quanto mais nos
aprofundamos de perto na sua essência, mais sentimos isso.
E na matéria inerte isto também se dá, agarrando-se esta por uma lógica mais
singela, dócil e obediente apenas ao que seja estabilizado no tempo. Assim, o aleatório
“ou” achará sua vassalagem mais para adiante. E as cifras de coerência serão lidas por um
determinado sentido sintético do homem pensante, ou sentidas pelos animaizinhos que a
utilizam no instinto, ou então, habitarão na inércia, pelos mais diversos mecanismos das
forças externas transmitidas de um objeto para outro, no sentido de se acomodarem...
“E a ti, viandante da luz das velas, peço-te desculpas por esta difícil passagem,
mas o imprevisível do homem continuará uma lei. Sei que disse no começo que não iríamos
usar de palavras difíceis, mas elas não o são. Apenas que são convivas de um texto cheio
de etiquetas, e como tais, deverão vestir-se com um certo estilo para o momento deste
passeio. Portanto, continuemos nossa difícil escalada nas escarpas”.
E o que te parece a espiral de uma grande galáxia em seu caminho ou devir?
Se te fosse possível observares de uma longa distância nos espaços a inefável beleza
da exuberante Via-Láctea em sua forma espiralada, deixando a misteriosa pista da grande
expansão inicial, as observações humanas do macrocosmo teriam se cumprido e tu poderias
afirmar: Eis a meta ou escopo das leis do caos.
Eis aquele que toca de leve e brutalmente na estrutura e na essência. O que são
cores, formas de consistência, e os sons que são cânticos próprios do universo? Nada mais
são do que a Verdade Suprema da Simples Equação, que se repartiu em infinitos fragmentos
para a lógica criativa. Eis o comportamento do mais sutil pequenino. E da mais poderosa e
indecisa matéria.
O caos não foi feito para nossos olhos, mas ele por si, lá se encontra. Não
distinguimos o movimento dos elétrons, nem das partículas, nem das formações minúsculas.
Nossos sentidos não foram feitos para isso, apenas para o mundo trivial.
Todavia, o caos e lógica habitual pertencem e partem de uma mesma lei divina, que é
simples em si. Mas é a simplicidade divina que é infinitamente complexa aos homens. Ora,
isto se dá porque a leitura dos ditames divinos de uma matemática fractária e fragmentária
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é sempre confusa para nossas mentes. Seu grau de compreensão não nos pertence. Eis o
abismo e o muro indevassável que não nos diz respeito em nada. Para que
estendermos nossos braços, pescoços e luz das pequenas velas ao que nunca iremos
compreender? Sempre seremos deficientes, nada mais...
Este é o muro, que nos impede da compreensão e apenas nos diz: “Olhai: Nada mais
tendes de haver adiante. Não adianta serdes bisbilhoteiros. Nada de interesse para vós do
outro lado. Portanto, não ouseis. De nada adiantará estenderdes vosso monóculo para o
outro lado. Por lá, nada achareis”.
Moral da história: É melhor ficarmos pescando à noitinha num rio, observando se a
isca se transforma num peixe lógico, do que responder às perguntas informuláveis.
Mas, muito queremos mexer com uma estrutura que não nos diz respeito. Eis a razão de
habitarmos a palavra “Metafísica”. Esta última estudaria os mistérios do insondável: Por
que o “ente” é, ou o “não ente” nada é, e este “nada é” já que “é” no indicativo do
presente, onde ele mora? Especulação de endereço?...
Reflexões metafísicas que no excesso habitam a “terra do nunca” ou no “pote de ouro
do fim do arco-íris”, costumam não darem a mínima compreensão aos nossos anseios. E,
quando usamos o parapeito de uma linda janela para olharmos o horizonte. Bem lá, por onde
o sol se põe, e por onde puxa pelo manto de estrelas que irão cobri-te na noite para os
teus sonhos. É bem por lá, por onde esta metafísica descomedida sempre te engana, e te faz
pensar na essência do que não nos toca ao entendimento, simplesmente porque trocamos a
beleza deste inefável espetáculo por perguntas que ousam, e que por nada concluem se assim
indagarmos aos anjos:
“Por que”?...
O termo “metafísico”, entre outras definições, ainda significa que nada saberemos a
partir de um determinado ponto. E, além disso, é um sinal de limites, indicando que nada
nos diz respeito quanto ao seu território. Apenas o cotidiano é que nos interessa.
Salientemos novamente, que a lógica habitual e o caos inicial pertencem à mesma lei
criadora.
Saibamos também, que toda a criação se destina à concórdia das formas, Ou seja: Toda
a harmonia e simetria carregam sutilmente o caos em seu interior. E este “caos” original,
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obediente ao Criador, embora não nos pertença quanto à compreensão, encontra-se lá, além
do muro da apreciação.
Poderíamos talvez, dizer, que a metafísica excessiva significaria assim: “Atentai: O
que é compreensível pelo sentido espacial e temporal cognoscível por lógica habitual é o
vosso limite. Meu campo seria uma quimera para vós. Não chegareis ao meu porto”.
É isto: Metafísica é um termo abstrato que tende e tange ao infinito, e que não
define o concreto. É muito cômodo de se alojar ou albergar nossa ignorância e noção do
desconhecido por este conceito. Assim, esta palavrinha, misteriosa que é, deveria tomar de
sua vastidão, e desaparecer para a imensidão da noite, deixando-nos confortavelmente
estabelecidos onde estamos. E de resto, as perguntas informuláveis em si, que fujam com a
gigantesca insônia da lucubração metafísica no excesso.
E pronto! O pescador estará preocupado com seu estômago, e pela noitada feliz junto
à sua amada e às curvas das areias. Amará o Senhor Deus Pai Criador na maior profundidade
do seu coração. Mas não ficará tentando discernir a essência das coisas que não lhe
competem.
O grande caos da abertura do Universo existe, mas não nos diz respeito quanto ao
discernimento. E por assim ser, comamos do peixe, e esqueçamos essas pretensões
metafísicas e dela própria. Não há aferição correta para a distinguirmos de uma lógica
evidente. A Simples Equação não se evidencia espacial e temporalmente por sermos velados
para isso. E basta!...
Mas não basta...
Se quiséssemos tomar, numa intuição sutil e metafísica da evolução universal e por
um sentido que não nos diz respeito, poderíamos cochichar:
“Olhes tu: se observarmos atentamente ao conceito metafísico que se vai, eis que
também o seguimos refletivamente na transcendência interior existente em cada um de nós, e
que também possuímos a esta última, particularmente bem ou mal. Quer saber a minha?”
“Entramos num sistema filosófico, começando por coisas palpáveis aos nossos
sentidos. Ou seja: pegamos o bonde andando de uma maneira ou de outra.”
“Vamos lá: Será que em toda a evolução da Terra, o maior produto que nasce é o
homem? É o final de tudo?”
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“Não parece. Acredito que a finalidade ou escopo da evolução do Universo, caminha
para um sentido Moral, Justo, e Ético e Estético absolutos, e que são degraus para o Amor
Supremo. E que por assim pressentir, há uma Luz inefável de um brilho de extrema magnitude
que nos aguarda.”
“A leitura e aferição humana das cifras de toda a matéria que se nos apresenta aqui
na Terra, faz com que pensemos profundamente. E ao despirmo-nos de nosso caos interior, ao
recebermos delas a trilha de percurso intelectivo em passos vagarosos, é que poderemos
caminhar neste devir, para o fim último do Mundo maravilhoso que nos aguarda.”
“Nem olho algum viu, nem ouvido algum ouviu, nem passou pelo coração do homem aquilo
que Deus preparou para os que o amam” (1 Cor 2,9).
Agora basta...
Existe, nos mosteiros onde o silêncio impera, um claro exemplo do que eu te disse:
Nestes conventos, por onde suas janelas se abrem e desabrocham para a
noite da contemplação das estrelas de Deus, é que as verdades criativas se revelam...
E é na maneira por onde os capuzes
monásticos abrigados por tais janelas se transformam em sombras, e assim se debruçam e
ocultam toda uma serenidade das feições de alguns rostos escondidos e escolhidos...
E por
onde bastariam, simplesmente, que os singelos braços de tais monges se estendessem rumo ao
infinito...
E que pela delicadeza e mansidão de um determinado gesto, suas mãos tomassem a
postura das conchas do mar na expressão de uma prece...
E que o sentido de seus dedos ficasse repleto de estrelas e do
brilho de tais jóias... E que então, tomassem de beber para si da poesia da Criação...
E que assim mantivessem cativa a
viva luz na imensidão de todo o Universo...
E porque assim o fazem, capturam e recolhem para si um punhado delas...
E a intuição da verdade se lhes é então por revelada.
Para estes eleitos, despojados de toda afetação, onde o hábito de seus hábitos
recolhe, esconde e recebe a sinceridade de Deus em toda sua plenitude, é que o Universo se
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revela. É para eles o silêncio monástico de um sorriso não afetado que se evidencia na
essência. E, tenhas por certo, que este silencioso sorriso residirá e se expressará na
sinalização da Lógica Criativa...
E então: A árvore o é pelo seu caminho, o pássaro o é pelo seu ninho e, o homem o é
pelo seu destino. E o que são?... Ora! Submissos nas leis da criação!
Queres ver como o homem é obediente? Como respeita as leis criadoras?
Chegamos, tu e eu, ao ocaso de nosso passeio. Minha vela já se esgota, senão que a
tua também. Temos aqui que nos dividir na proporção de tu para um lado, e eu para outro.
Portanto, apressemo-nos!
Onde é que estávamos? Sim... Na obediência.
Vou mostrar-te, que o homem é, na exatidão deste presente momento, um ser muito
dócil nas leis criadoras. Que, no tocante a elas, foi extremamente submisso no pretérito.
E que, num futuro bem remoto, flexível permanecerá.
Queres ver como o homem é obediente? Como respeita as leis da criação?
Atentai ao que te digo:
Desde que foi dado ao nosso mundo à graça dos poderes de seus complicados
movimentos e giros, originando destarte, à imantação de seus pólos. E ao início da
sinfonia...
Desde que tivemos a dádiva desta companheira, que poetas e geômetras de há muito a
chamam por Lua - metrônomo da terra, coração do mundo - que marcando o fluxo e refluxo dos
mares, serve de compasso ao ritmo da vida...
Desde então - saibas bem tu - que no tocante aos decretos criadores: Todos muito bem
os seguem. Sábios ou tolos das mais variadas matizes, ricos ou pobres das posses ou do
espírito, sinceros no divino ou hipócritas na miséria, caminham todos, lado a lado,
condescendentes ao mínimo ou reticentes ao extremo.
Enfim, satisfeitos ou não com estas leis: Todos os que por aqui passam, as provam.
Todos os que as recebem, por verdadeira dádiva aqui nascem. Todos os que por aqui estão,
na fidelidade às seguem, seja por displicência nas regras ou disciplina nas exceções e,
portanto, vivem pela magia da vida. E, finalmente, numa total observância de seus últimos
ditames e parágrafos: Todos obedientemente... Morrem!
E morrem bem direitinho...
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