TRABALHO DAS JORNADAS

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ÍNDICE INTRUDUÇÃO....................................................... 1 1. AS VIRTUDES TEOLOGAIS E CARDEAIS COMO CAMINHO PARA A AUTENTICIDADE E LIBERDADE HUMANA.................................2 1.1 A Idolatria em Tempos Líquidos..............................3 1.1.1 A Idolatria do Ter e o Vício da Avareza..............................3 1.1.2 O Vício do Poder..............................................5 1.1.3 A Idolatria do Prazer...........................................6 1.2 As Virtudes................................................8 1.3 Jesus Cristo: Homem Livre e Libertador.....................10 1.4 O Projecto Ético: A Realização do Homem como Pessoa........16 1.4.1 Fenomenologia do Valor Ético: Um Caminho para a Liberdade...........16 1.4.2 A Vocação Humana: sua Rejeição e sua Necessidade...................17 1.4.3 Fé e Ética: Vínculos Mútuos.....................................17 CONCLUSÃO....................................................... 19 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.......................................20 0

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ÍNDICEINTRUDUÇÃO.......................................................1

1. AS VIRTUDES TEOLOGAIS E CARDEAIS COMO CAMINHO PARA A AUTENTICIDADE E LIBERDADE HUMANA.................................2

1.1 A Idolatria em Tempos Líquidos..............................3

1.1.1 A Idolatria do Ter e o Vício da Avareza..............................3

1.1.2 O Vício do Poder..............................................5

1.1.3 A Idolatria do Prazer...........................................6

1.2 As Virtudes................................................8

1.3 Jesus Cristo: Homem Livre e Libertador.....................10

1.4 O Projecto Ético: A Realização do Homem como Pessoa........16

1.4.1 Fenomenologia do Valor Ético: Um Caminho para a Liberdade...........16

1.4.2 A Vocação Humana: sua Rejeição e sua Necessidade...................17

1.4.3 Fé e Ética: Vínculos Mútuos.....................................17

CONCLUSÃO.......................................................19

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.......................................20

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INTRUDUÇÃO

O presente trabalho é feito no âmbito das jornadas científicas do

ano 2014 cujo tema do ano é “Autenticidade e Liberdade em Tempos Líquidos”,

em cuja abordagem em questão desdobra-se no tema de “Virtudes Teologais

e Cardeais como Caminho para a Autenticidade e Liberdade Humana em temos

Líquidos”. Porém, importa referir que a reflexão do presente trabalho

centra-se na concepção da Sagrada Escritura e na Tradição

apostólica, mas também na visão geral dos factos da actualidade.

O trabalho aparece para apresentar a forma como o cenário actual é

concebido e interpretado no mundo cristocêntrico, como também na

realidade a que nos encontramos inserido, uma vez que não se pode

falar de realidades do alto sem falar da nossa órbita. É desta

forma que se traz a tona a reflexão presente de modo a se

sublinhar os aspectos mais chaves do tema em extrapolação.

O trabalho tem como objectivo geral analisar em que medida as

virtudes teologais e cardeais nos conduzem a autenticidade e

liberdade humana em tempos líquidos. E como objectivo específico

compreender de forma as virtudes teologais e cardeais conduzem a

autenticidade e a liberdade humana em tempos líquidos.

Para a concretização deste trabalho usou-se o seguinte tipo de

pesquisa: pesquisa bibliográfica que consistiu na leitura de obras

já publicadas; a natureza de pesquisa é qualitativa, porque trata

de dados incomensuráveis. O método usado é dedutivo porque

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compreendeu-se o conteúdo a partir de factos gerais para o

particular.

O trabalho obedece a seguinte estrutura: introdução,

desenvolvimento, conclusão e referências bibliográficas. Porém, no

desenvolvimento encontramos os seguintes tópicos: As virtudes

teologais e cardeais como caminho para a autenticidade e liberdade

humana; a idolatria em tempos líquidos; as principais virtudes;

Jesus Cristo: homem livre e libertador; o projecto ético: a

realização do homem como pessoa.

1. AS VIRTUDES TEOLOGAIS E CARDEAIS COMO CAMINHO PARA A

AUTENTICIDADE E LIBERDADE HUMANA

No início de "Tempos Líquidos", Bauman (1983) apresenta cinco

elementos de mudanças, os quais, no dizer dele, criam um ambiente

novo e de factos sem precedentes para as actividades na vida

individual, levantando uma série de desafios inéditos. São estes

os cinco desafios que Bauman apresenta:

a) As instituições não podem mais manter a sua forma por muito

tempo, pois, se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo

que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se

estabeleçam.

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b) Já a separação e o divórcio é inevitável entre o poder e a

política.

c) A retracção ou redução gradual, embora consistente, da

segurança comunal, endossada pelo Estado, contra o fracasso e o

infortúnio individuais, retira da acção colectiva grande parte da

atracção que esta exercia no passado e solapa os alicerces da

solidariedade social.

d) O colapso do pensamento, do planejamento e da acção a longo

prazo, e o desaparecimento ou enfraquecimento das estruturas

sociais.

e) A responsabilidade em resolver os dilemas gerados por

circunstâncias voláteis e constantemente instáveis, é jogada sobre

os ombros dos indivíduos (Bauman, 1983).

Depois de ter apresentado estes cinco pontos de crise, aborda a

questão das virtudes de referência, discurso que interessa de

perto a reflexão que se segue:

“A virtude que se proclama servir melhor aosinteresses do indivíduo não é a conformidade às

regras (as quais, em todo caso, são poucas e

contraditórias), mas a flexibilidade: a prontidão

em mudar repentinamente de táticas e de estilo,

abandonar compromissos e lealdades sem

arrependimento - e buscar oportunidades mais de

acordo com sua disponibilidade atual do que com as

próprias preferências” (Bauman 1983:10).

No último parágrafo da introdução, Bauman faz uma afirmação

desafiadora, sobretudo para quem tem um coração voltado para a

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causa do evangelho com um compromisso cristocêntrico. Afirma: "É o

momento de perguntar como essas mudanças modificam o espectro de desafios que

homens e mulheres encontram em seus objetivos individuais e portanto, obliquamente,

como influenciam a maneira como estes tendem a viver suas vidas" (idem).

Provavelmente, nestes Tempos Líquidos, o Cristão que fez a sua

decisão por Cristo, sob os fundamentos da fé, continua com suas

convicções sobre a realidade da revelação e da salvação. Todavia,

isto não altera em nada a realidade do fenómeno dos Tempos

Líquidos e as suas consequências em todos os sentidos (a nível de

relações familiares e comunitárias, no contexto do trabalho, da

igreja local entre outros), pois a nossa condição de homens e

mulheres de fé, não nos transforma em deuses ou anjos. Continuamos

humanos vivendo num contexto humano, que com Bauman chamamos de

“Tempos Líquidos”, e continuamos também Cristãos, homens e

mulheres que Deus libertou da escravidão do pecado e da morte pela

Páscoa do seu Filho Jesus Cristo e pelo dom do Espírito Santo.

A pergunta de pesquisa é a seguinte: é possivel e ainda realístico

falar de autenticidade cristã nestes tempos líquidos? Antes de

falarmos da autenticidade cristã, vale a pena perceber algo a mais

do nosso horizonte de vida, destes tempos, das suas

características, dos seus desafios.

1.1 A Idolatria em Tempos Líquidos

Vivemos num mundo onde os valores do poder, do ter e do prazer são

objectos de adoração e de idolatria. A luta pelo poder torna as

pessoas desumanas. As guerras, o ódio e as tensões, ameaçam o

mundo que já se encontra dividido entre ricos e pobres: temos cada

vez mais grupos ou partidos antagónicos e inimigos que lutam para

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aniquilar o adversário. A sexualidade tornou-se presa fácil e

objecto de prazer despojando o ser humano de sua dignidade e

intimidade. A vida em seu conjunto perde a dimensão fraternal e

comunitária e torna-se uma guerra onde os homens se desumanizam a

serviço de valores-objectos como o poder, o ter e o prazer.

(Citaçao)

A secularização se expande cada vez mais e vai tomando conta das

pessoas. O ser humano vai perdendo o sentido profundo de sua vida,

sua razão de ser no mundo e torna-se escravo de si mesmo, das leis

criadas por ele mesmo e da máquina que deveria estar ao seu

serviço. É dentro dessa realidade toda que nos encontramos como

pessoas cristãs, chamadas a transformá-la, vivendo o compromisso

que assumimos no Baptismo, de sermos pessoas autênticas, livres e

libertadoras de toda forma de escravidão presente na nossa vida e

sociedade. Dentre as formas de escravidão, frisamos três que

parecem afectar fortemente a nossa sociedade: A idolatria do ter,

do poder e do prazer. () citação?

1.1.1 A Idolatria do Ter e o Vício da Avareza

A Sagrada Escritura e a tradição espiritual cristã conhecem muito

bem a escravidão que vem da idolatria do ter ou possuir, que torna

o homem não verdadeiro, não autêntico e lhe faz perder o alto

perfil da sua vocação. Esta forma de idolatria é chamada de

Avareza e desde os primeiros séculos entrou na lista dos vícios

capitais. Em poucas palavras, querendo defini-la, a avareza é um

desejo desordenado por coisas materiais, uma forma exagerada de

cobiça. Vemos e queremos, não importa como. A avareza é um

comportamento pecaminoso advertido com muito rigor nas Escrituras

(Cf., 1Cor 5,10-11). A avareza tem palavras correlatas como:5

ganância, cobiça e idolatria, e está colocada ao lado de pecados

como: injustiça, malícia, maldade, homicídio, adultério, roubo e

mentira (Cf., 1Cor 6,9-10).

Na perspectiva de Galimberti (2003), o avarento faz confusão entre

meio e fim: antes de considerar o dinheiro como um “meio” para

alcançar aqueles “fins” tais como a compra de bens ou a satisfação

de necessidades, ele considera o mesmo dinheiro como seu “fim”.

Para o possuir até sacrifica a satisfação das necessidades e

desejos. Este é o raciocínio do avarento é também do capitalismo,

segundo Karl Marx citado por Galimberti (2003), o ter é o

fundamento do ser, a garantia da identidade pessoal, ser pelo que

tem.

Possuir é o seu imperativo categórico e para isso está também

disposto a conduzir uma vida ascética até a sua morte: uma morte

desesperada, porque na morte, ele é costrangido não só, a separar-

se do seu dinheiro, mas também daquele futuro para o qual ele

amontoava e guardava. Portanto o avarento tem medo da morte, não

aceita a condição mortal que é própria da natureza humana

A avareza se manifesta da seguinte forma:

a) Coisas materiais tornam-se mais importante para nós do que o

Senhor, motivo pelo qual a avareza é chamada de idolatria (Cf.,

Ef 5,5). O Novo Testamento coloca as riquezas materiais como um

poder que pretende a adoração (Cf., Mt 6,24).

b) O emprego, meio para facturar mais e melhor o negócio,

interfere na nossa dimensão vertical e esgota o tempo e as

energias para as relações com Deus e com os demais (Cf., Mt

13,22). Com o propósito de ganhar mais e mais, não temos tempo

6

para dialogar, estudar, rezar e adorar. A raiz do problema é que

queremos mais e o nosso trabalho se transforma num ídolo/deus para

conseguir isto.

O autor da Carta aos Hebreus ensina: “Seja a vossa vida isenta de ganância”

(Heb 13,5). O homem as vezes acha que se sentiria bem se tivesse

apenas mais um pouco daquilo que o outro tem, e quando o consegue,

quer mais alguma coisa, ou seja, a avareza é insaciável. Mas já o

Rei Salomão com a sua sabedoria advertia: “Quem ama o dinheiro não se

fartará de dinheiro” (Ec 5,10). Também o Apóstolo Paulo dizia que o

líder cristão não pode ser avarento (1Tim 3,1-3).

Esta advertência é necessária porque alguns poderiam ser tentados

a aceitar cargos pela promessa de dupla honra (Cf., 1Tim 5,17),

como alguns que imaginavam que a santidade era um meio de ganho

certo (Cf., 1Tim 6,5).

1.1.2 O Vício do Poder

Em relação o vício do poder, Galimberti (2003), afirma que num

mundo cada vez mais globalizado, com instituições aniquiladoras da

vontade própria e da consciência dos povos, produtoras de sistemas

económicos, políticos, sociais ou religiosos, de valores

subvertidos, hipócritas e despojados de valores verdadeiros,

sacrifica-se o ser em prol da sobrevivência do sistema, usando a

autoridade e o poder.

O vício do poder cria e mantém hierarquias com regras e leis que

trabalham para manter sujeitado o mais fraco à vontade do mais

forte, o mais pobre à exploração do mais rico. O vício do poder

faz do abuso de poder sua regra de vida, é uma sede insaciável e

sem escrúpulos de poder: é isso que cria as guerras, as grandes7

injustiças locais e planetárias. Desconhece o respeito da

dignidade de cada pessoa e não lhe interessam os direitos de cada

ser humano.

Pela Sagrada Escritura e pela Tradição cristã se conhece o vício

do poder, isto é, a idolatria da própria imagem. O poder, ou seja,

a autoridade, a capacidade de influenciar pessoas, de afectar seus

destinos, faz parte da liderança mas, a Sagrada Escritura afirma

que: 1) A Deus pertence todo o poder, em todas as suas esferas; 2)

Deus dá e Deus tira o poder; 3) O poder e a autoridade são

delegados por Deus com o propósito do serviço. Todavia, muitos

líderes políticos ou religiosos não sabem lidar com o poder:

cargos, funções e ministérios estão inseparavelmente ligados ao

poder, e consequentemente expostos aos vícios do poder.

Jesus também foi tentado neste sentido. “Então Satanás levou-o a um alto

sítio e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo: Dou-te todos estes reinos e a

sua glória, porque, como me pertencem, posso dá-los a quem eu quiser. Somente, terás

de me adorar. Ao que Jesus retorquiu: 'Adorarás o Senhor teu Deus. Só a Ele servirás’”

(Lc 4,5-8).

Esta é a terrível tentação do poder que poderia anular aquele que

será o revolucionário ensinamento de Jesus: “Eu vim não para ser servido,

mas para servir e dar a vida por resgate de muitos” (Mc 10,45). O Senhor vence

essa tentação citando novamente a Escritura que diz: “Adorarás ao

Senhor teu Deus e somente a Ele, servirás”.

A tentação e o vício do poder ronda os homens em todas as

dimensões da vida social. O abuso do poder acarreta os maiores

danos para o bem comum. O poder, para o cristão só tem sentido

quando se torna serviço. Ele se desfigura quando se torna busca8

apenas de interesses pessoais ou de grupos. “Diviniza-se o poder

quando na prática ele é tido como absoluto. Por isso o uso

totalitário do poder é uma forma de idolatria”, afirmava o

Documento de Puebla (1979)1.

Também Papa Francisco, já várias vezes chamou a atenção a esta

tentação e ao vício. Lembrar a sua mensagem para a quaresma 2014:

“O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem

no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os

abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o

poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor

à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é

necessário que as consciências se convertam à justiça, à

igualdade, à sobriedade e à partilha”2)

1.1.3 A Idolatria do Prazer

A geração actual é chamada com muitos nomes. Um deles é “ geração

BIP que significa Busca Insaciável de Prazer””, não se sabendo se

é possivel viver sem troca constante de BIP, isto é de impulsos

eléctricos pelos quais toda tecnologia funciona. A maioria das

pessoas na nossa sociedade consciênte ou inconscietimente sofre de

um vício, (cigarro, comida, sexo, bebidas, drogas, consumismo,

diversões e mais), que funcionam como uma fuga dos problemas dos

medos e das angústias diárias. Falta citação

1 CONCLUSÕES DA IIIª CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO Texto

Oficial - Puebla de los Angeles, México, 27-1 a 13-2 de 1979 Edições Paulinas -

DOCUMENTO DE PUEBLA

2 http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/lent/documents/papa-francesco_20131226_messaggio-quaresima2014.html

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Não se trata de negar o prazer, nem de evitá-lo. O prazer faz

parte da nossa vida e é perfeitamente saudável, desde que não

funcione como uma fuga de problemas, porque, neste caso, ele passa

a funcionar como uma droga.

Em todas as culturas ao redor do mundo, encontramos ideias e

regras bem definidas sobre isso, como: “o prazer deve ser buscado

com moderação”, “o prazer é transitório” ou “o prazer deve ser

conseguido naturalmente”. Mas todas essas regras pouco ou nada

conseguem porque o mundo dos prazeres é também o mundo do negócio,

faz circular um monte de dinheiro.

Palavras como moderação, austeridade, jejum, castidade, silêncio,

meditação, ascese, pudor já não estão no dicionário da BIP

generação, e também a linguagem da pregação cristã mudou de

registo, deixando andar toda uma série de recomendações que sempre

tinham acompanhado o sermão.

A idolatria é globalizada, pois, encontra-se por todos os lados. A

BIP generação já trabalhou bem a sua ética, um molho de saberes

que acompanham e fazem constante manutenção do hedonismo:

“importante é não fazer mal a ninguem”, confundindo-se com a ética

minimalista que confunde o bem comum com o não fazer mal a

ninguém.

Esta geração BIP está a transformar a sociedade em hedonista e

consumista, cada vez mais vazia de valores, vazio este que é

preenchido pela “droga”, entendida aqui como um objecto ou um

comportamento/actividade. O comportamento adicto numa pessoa é

caracterizado pelo excesso e descontrolo das suas acções, onde o

investimento é apenas direccionado a algo ou alguém.

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Constatou-se que a doença das adicções é entendida como uma doença

das relações: a relação consigo próprio, com os outros e com o

tempo. O descontrolo é que dá a indicação de uma doença. A

compulsão e a falta de controlo caracterizam a doença da adicção,

assim como a diminuição do investimento em tudo o que é saudável.

Quando há um decréscimo do que é saudável, dá-se o aumento do que

é doente e consequentemente a perda de valores e da

espiritualidade.

Diariamente experimentamos diferentes formas e intensidades do

sentimento de prazer, o que não significa que soframos de alguma

psicopatologia. Quando podemos saber se esta relação/objecto está

a tornar-se numa doença?

As relações (família, profissão, etc.) são prejudicadas em

detrimento do objecto/comportamento;

Quando gastos compulsivos e comportamentos de risco (consumos

consecutivos de substâncias lícitas ou ilícitas, sexo pelo sexo,

etc.) persistem;

Quando o isolamento emocional, a vergonha e o desespero, estão

demasiado presentes para o indivíduo conseguir pedir ajuda.

Tendo considerado a força devastadora destes vícios que

caracterizam nossa vida e sociedade, surge espontânea a pergunta:

é possivel ainda ser verdadeiro cristão neste mundo?

Lembramos as palavras de Jesus: “ Se o Filho vos libertar, sereis

verdadeiramente livres” (Jo 8,36). Esta é portanto a tese: não é

possível conduzir a própria vida na autenticidade e verdadeira

liberade sem Cristo e fora da sua acção libertadora.

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1.2 As Virtudes

Importa-nos antes de tudo entender o sentido da própria palavra

virtude. Virtude, etnologicamente deriva do latim “virtus, virtute,

virtutis”, de vir, viril, força, vigor; e do grego “ρετή, arèté, arete”,

que quer dizer eficácia ou aptidão real para agir que pertence

como propriedade a um objecto.“Virtude define-se como o hábito ou qualidade

permanente da alma que lhe dá inclinação, felicidade e prontidão para conhecer e

praticar o bem e evitar o mal” (Trese, 1987:94).

De acordo com CCC (1993), Virtude é uma disposição habitual e

firme para fazer o bem, permite a pessoa não somente praticar

actos bons, mas dar o melhor de si mesma. Uma pessoa virtuosa

tende para o bem com todas as suas forças sensíveis e espirituais,

prossegue pelo bem e opta por ele em actos concretos.

Virtudes Humanas são atitudes firmes, disposições estáveis,

perfeições actuais da inteligência e de vontade que regulam os

nossos actos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso

procedimento segundo a razão e a fé. Conferem felicidade, domínio

e alegria para se levar uma vida boa.

Virtudes morais são humanamente adquiridas, e são frutos de actos

moralmente bons e dispõem de todas as potencialidades do ser

humano para comungar o amor divino. A realização última do

projecto de Deus para o homem, nao é possível, quando não se tomam

diversos campos da moral. A atitude moral pode se definir como a

encarnação concreta da opção fundamental, que é Deus. A entrega a

Deus como um valor absoluto ou o sincero compromisso de viver como

homem, requer um estilo característico que define pela aceitação

de determinados valores. Como tradução da ética como forma de vida

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e da moral como conjunto de hábitos, costumes, modos de

comportamento, que por sua vez se manifestam, e se explicam na

opção anterior.

Os cristãos têm as três grandes virtudes teologais e quatro sábias

virtudes cardeais que se opõem e lutam contra toda forma de vício

e idolatria: Fé, Esperança e Caridade são as virtudes teologais;

Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança são as assim chamadas

virtudes cardeais. Estas virtudes nos identificam como homens

novos, como cristãos.

A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir em

qualquer circunstância o verdadeiro bem e a escolher os justos

meios a alcançar. O homem prudente vigia os seus passos, guia

imediatamente o juízo da consciência e ordena a sua conduta.

Graças a essa virtude o homem aplica sem erros os princípios

morais a casos particulares, ultrapassando as dúvidas sobre o bem

a fazer e o mal a evitar.

Na perspectiva da CCC (1983), a justiça é virtude moral que

consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o

que lhes é devido. Para com Deus a justiça chama-se virtude da

religião. Para com os homens a justiça leva respeitar os direitos

de cada qual e estabelecer relações humanas, harmonia que promove

equidade em relação as pessoas e o bem comum. O homem justo,

distingue-se pelos seus hábitos e pensamentos e da sua conduta

para com o próximo.

Sobre a fortaleza, Trese (1987) afirma que seja a virtude moral

que, no meio das dificuldades, assegura a firmeza na constância da

presunção do bem, torna firme na decisão de resistir as tentações

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e de superar os obstáculos da vida moral. Esta virtude dá

capacidade para vencer o medo, a morte, e de enfrentar provações e

perseguições.

Dispõe-se a ir até a renúncia e ao sacrifício da própria vida na

defesa de uma justa causa. “ O Senhor e a minha fortaleza e a minha glória”

(Sl 118,14). “No mundo havereis de sofrer tribulações, tereis aflição, mas tende

coragem. Eu venci o mundo” (Jo16,33).

De acordo com o CCC (1983) a temperança é a virtude moral que

modera a atração dos prazeres, estabelece equilíbrio no uso dos

bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e

mantém os desejos nos limites da honestidade. “ Devemos viver com

temperança, justiça e piedade no mundo presente” (Tit 2,12).

Feita a descrição sobre as virtudes Cardeais, segue-se para as

virtudes Teologais iniciando com a Fé:

A fé é tida como uma das virtudes fundamentais, sendo que não é

possível esperar nem amar um Deus que não cremos. A fé divina

define-se como uma das virtudes pela qual cremos firmemente em

todas virtudes reveladas por Deus na sua autoridade. Neste

aspecto, Trese (1987) afirma que crer significa admitir algo como

verdadeiro, cremos quando damos nosso assentimento definitivo e

inquestionável a determinada afirmação ou seja, fé implica

certeza.

Pela fé, o homem entrega-se total e livremente a Deus, e por ela o

crente procura conhecer e fazer a sua vontade. “Justo viverá pela fé”. “A fé

viva actua pela caridade” (Gal. 5, 6).

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A esperança é uma virtude sobrenatural pela qual confiamos que

Deus que é Todo-Poderoso e fiel as suas promessas nos concede a

vida eterna e os meios necessários para alcançá-las. A virtude da

esperança é implantada na alma no baptismo juntamente com a graça

santificante, o acto de esperança é uma forma de agradecer a Deus.

Esta, ajuda o homem a esperar mudanças ou glória, a não viver no

desespero, a nutrir dúvidas sobre a felicidade.

Nesta ordem de ideias, a esperança ajuda o homem a preservar a sua

fé, caridade, os seus actos bons, a sua felicidade, as suas

acções, boas condutas, as suas propriedades, potencialidades,

capacidades, para não afundar nesses tempos líquidos. É necessário

acreditar, e ter esperança nos outros, aceitando que o outro é

capaz de mudar uma certa atitude, aceitar que o mundo não está a

afundar, que um dia o homem gozará de sossego eterno, amor divino.

A esperança Cristã manifesta-se desde o princípio da pregação de

Jesus no anúncio das bem-aventuranças e elevam a nossa esperança

para o céu, como nova terra prometida e traça-lhes o caminho

através das provações que esperam os discípulos de Jesus.

Referente a caridade Trese (1987), diz que é uma virtude teologal

pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a

nós mesmos, por amor Dele. A caridade é o mandamento novo (cf. Jo

13, 1; 15, 9; 15, 12): “Permanecei no meu amor se guardardes os meus

mandamentos, permanecerei no meu amor”.

“As obras de caridade que o homem faz e que relevam a caridade que ele tem, espelham o

tipo de pessoa que a pessoa é, cultiva e mostra a intensidade do amor que a pessoa sente.

O amor não é teórico mas prático, daí que é através da prática das obras de cada dia,

atitudes em relação aos outros” (CCC; 1983: 204).

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“A caridade é paciente, a caridade é benigna, não é invejosa, não é altiva nem

orgulhosa, não é inconveniente, não procura próprios interesses, não se irrita, não

guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com verdade, tudo

desculpa, tudo acredita, tudo espera, tudo suporta” (1Co 13, 4-7).

Diz ainda são Paulo, que maior de todas as virtudes é a caridade,

porque o exercício de todas as virtudes é animada pala caridade,

“vínculo da perfeição” e a forma das virtudes, articula-se e

ordena-se entre si, o princípio e o fim da prática Cristã, a

caridade assegura e purifica o nosso poder humano de amar e leva-

nos a perfeição sobrenatural do amor divino.

Trese (1987) afirma que, os frutos da caridade são: alegria, paz e

misericórdia. A caridade exige a generosidade, o bem-fazer,

correcção fraterna e benevolente.

1.3 Jesus Cristo: Homem Livre e Libertador

Pela fé o cristão sabe que Jesus Cristo é o seu maior paradigma na

temática da liberdade para uma vida autêntica. A liberdade é

cristã, porque remonta Jesus como inspirador da práxis libertária.

A vida e ministério de Jesus não são apenas inspiradores de uma

actividade libertador-libertária, mas consistem na própria

encarnação da manifestação da liberdade proveniente de Deus. O

Cristo encarnado encarna o projecto de Deus de fazer manifestar ao

mundo sua vontade: a liberdade do ser humano e as manifestações

destes como respostas à sua acção.

A base pela qual Jesus avança em sua proposta de libertação

encontra-se no judaísmo. Significa dizer que a missão de Jesus foi

a encarnação da compaixão de Deus que buscava e busca a libertação

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dos homens. O fundamento ou referência neotestamentária sobre a

liberdade é Jesus Cristo.

Todos os escritores neotestamentários que tratam sobre a temática

da liberdade partem não de meras abstracções teóricas, mas do

paradigma histórico, Jesus Cristo. A novidade da liberdade

mostrou-se plena “em” e “por” Jesus Cristo. Dessa forma, Jesus

Cristo como manifestação da vocação de Deus no homem, exerce seu

ministério a partir da história de Israel. Ele assumiu o

verdadeiro modelo messiânico, sendo o libertador esperado, não com

a força da espada, mas com a força de si mesmo, de sua mensagem e

do poder do Espírito Santo. A missão de Jesus, como se depreende

dos evangelhos, gira em torno de dois eixos fundamentais e

mutuamente relacionados:

a) A Revelação, que nos faz Jesus deste Deus que se manifestou a

Israel, Deus do qual Jesus nos apresenta um perfil mais

detalhado, novo e original (diferente de todo conceito de que

Deus existe). Em relação a este Deus, Jesus vive e transmite uma

surpreendente experiência, filial e profunda (Mt 11,25-27; Lc

10,20-22).

b) O restabelecimento em nós da possibilidade de uma real e

profunda Comunhão. Ou seja, é a refontização de nossa liberdade,

para que ela se possa abrir plenamente a Deus e aos nossos

irmãos. Isso se chama processo de salvação, de redenção, de

libertação integral e de uma verdadeira humanização [...]. Ele

no-la confia ao enviar-nos a todas as nações, para nelas fazer-

lhes discípulos (Mt 28,18- 20). Somos por isso credenciados por

Ele, pelo dom e pela força de seu Espírito, no seio da comunidade17

que Ele quis e que o acolhe na fé, ena comunidade que chamamos

Igreja.

Por outro lado, devemos compreender que a revelação de Deus, em

Jesus Cristo, não expressou a totalidade de Deus, mas que a

Palavra encarnada “abre acesso às sendas abissais do Silêncio,

crise de toda presunçosa construção ideológica fechada” (Forte, p.

55).

São João da Cruz diz que “uma palavra disse o Pai, que foi seu

Filho; e sempre no eterno silêncio e em silêncio ela há-de ser

ouvida pela alma”. (Cruz, 2002).

Diante de tais afirmações, colocamos em causa todo tipo de

religiosidade moderna ou pós-moderna que nutra a pretensão da

manipulação do sagrado. Por isso que, sabiamente Forte (sem ano)

afirma o seguinte: O Deus da vinda não é o Deus das respostas

prontas a todas as perguntas, nem o Deus das certezas baratas, mas

o Deus exigente que, amando e dando-se a si mesmo, esconde-se e

chama a sair de si mesmos em um êxodo, sem retorno que conduza aos

abismos do seu “Silêncio”, último e primeiro.

Assim, a liberdade cristã nasce concretamente da gratuidade que

Deus faz de si mesmo através de Jesus Cristo que historicamente,

acontece na sua vocação. Significa dizer, em outras palavras, que

a liberdade cristã chega até aos homens de fora, pois é

proveniente de um apelo, de um chamado. Portanto, a verdadeira

liberdade nasce no coração de Deus. A oferta de Deus ao homem está

exactamente no dom de participar de sua liberdade.

18

O Evangelho vivido e anunciado por Jesus Cristo é o evangelho que

busca o homem concreto, promovendo sua inteira libertação. Na

força e na acção do Espírito Santo “todos sistemas devem mudar”

(Comblin, s/ a 316), abrindo caminho para a libertação do homem, a

fim de que pudesse viver a liberdade do evangelho. A mensagem do

evangelho é o núcleo central de todo chamamento para a liberdade

humana, ponto inicial para formação de uma nova humanidade e,

consequentemente para uma nova sociedade.

Portanto, “liberdade é assumir a libertação do povo, sair de si próprio movido pela

compaixão, como Yahweh, e arriscar a vida no serviço ao próximo” (Ibidem, p.

35).

Foi assim que Jesus viveu e agiu no cumprimento de seu ministério.

Saiu de si, encarnou-se viveu a compaixão do Pai. “Veio para chamar,

comunicar a vocação a fim de que cada um dos chamados conquistasse sua libertação”.

(Ibidem, p. 40).

Através da senda do amor ao Pai, da obediência incondicional à

vocação do Pai, da humilhação, do sofrimento, da doação, do amor-

serviço, do próprio esvaziamento, Jesus Cristo não apenas

contrapôs-se ao primeiro Adão no seu estado de ruptura de Deus,

mas também abre o novo caminho de volta à comunhão com Deus, o

caminho de volta para casa e ainda a exaltação que recebe da parte

do Pai. O clímax da existência histórica de Jesus foi a

ressurreição, o evento pascal, sendo o acontecimento que

concretiza seu Senhorio absoluto, o faz único e universal mediador

salvífico

19

entre Deus e os homens, tornando real e presente a experiência

histórica da salvação e a sua futura e total planificação3.

A mensagem de Jesus tem por objectivo final a formação de uma nova

sociedade, mas para que tal aconteça, é imprescindível a formação

de um novo homem. Jamais existirá uma sociedade nova sem a

existência de um homem novo.

Enquanto isso não acontece, o homem continuará despersonalizado e

a sociedade destinada à falência. Nenhuma sociedade nova triunfará

pela imposição da Lei, visto ser incapaz de mudar o interior do

homem. Jesus é, e traz a mensagem de um Deus libertador, e não

dominador, que coloca o homem numa relação de graça, tendo Deus

como Pai e o homem como Filho. Assim, livre da imposição externa

como meta de vida, o homem torna-se livre para viver a liberdade

do Evangelho, no vínculo do amor, em sua relação com Deus e com o

próximo. (Goppelt, op. cit., p. 366).

A mensagem de Jesus traz a semente da liberdade, sendo um chamado,

um convite à ruptura com todo tipo de sistema opressor e injusto,

desafiando o homem a criar novas relações humanas, resultado de

sua nova relação com Deus. Com isso, Jesus evidencia

inexoravelmente que Deus, o seu Pai, era contrário à opressão, à

injustiça e à sujeição4.

O teólogo Bruno Forte, em sua obra A Essência do Cristianismo, trata com

mestria a questão da manifestação do Reino em três dimensões: o

3 Ver mais em WRIGHT, N. T. (1992). Christian Origins and the Question of God, vol. 2: The New Testament and the People of God. London: SPCK; Minneapolis: Fortress, pp. 189-99.4 SCHELKLE, Karl Hermann, v. II, op. cit., p. 139.

20

êxodo de Jesus do Pai; o êxodo de Jesus de si; e o êxodo de Jesus

para o Pai (Forte, op. cit., pp. 49, 57 e 68).

A liberdade para a qual Jesus Cristo nos chamou é a liberdade para

viver e agir como construtores do Reino de Deus. Qualquer tipo de

liberdade cuja práxis caminhe apenas na direcção de uma vida de

contemplação, por exemplo, há-de ser, na verdade, uma liberdade

negativa, visto que carece da outra dimensão, qual seja, a

liberdade para agir na história como discípulo de Jesus Cristo. “Ao

fugir da sociedade, tornava-se – o monge – incapaz de agir nela e sobre ela”.

(Comblin, op. cit., p. 307).

A vocação de Deus, em Jesus Cristo, não apenas liberta o homem,

resgatando-o de um mundo opressor, mas a vocação de Deus o devolve

ao mundo, à sociedade, para ali promover a sua libertação também.

Em 1989, o Papa João Paulo II fazia um apelo aos jovens e aos

cristãos de todas as épocas:

“… não tenhais medo de ser santos! Tende a coragemde buscar e encontrar a verdade, para além do

relativismo e da indiferença daqueles que tendem a

edificar o nosso mundo como se Deus não existisse.

Jamais sereis desiludidos se conservardes como

ponto de referência na vossa busca, Cristo, verdade

do homem. A revelar o mistério do Pai e do seu

Amor, Ele ‘manifesta perfeitamente o homem ao

próprio homem e descobre-lhe a sublimidade de sua

vocação” (GS 22).

Ide também vós, por todos os lugares, sempre conscientes do desejo

de Jesus Cristo: ‘Vim lançar fogo sobre a terra; e que quero eu senão que ele se

tenha ateado?’ (Lc 12,49). Fazei com que arda este fogo que Jesus21

trouxe, o fogo do Espírito Santo, que queima toda a miséria

humana, todo o mesquinho egoísmo, todo o mau pensamento. Deixai

este fogo que se propague em seu coração”. (L’Osservatore Romano,

nº 39/09/1991).

Em Março de 1991, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude,

entre outras, o Papa dirige estas palavras à juventude em cadeia

de rádio: “É tarefa dos jovens lembrar à humanidade, por palavras e pelo

testemunho, que Deus é Pai de todos. (…) Exorto-vos a colocarem Cristo no centro de

vossas vidas e a darem testemunho de Cristo, para construírem um mundo mais justo e

mais fraterno”.

O desafio está lançado, transformar este mundo que está se

estruturando como se Deus não existisse, de tal forma que as

pessoas estão caindo na solidão, no vazio: drogas, alcoolismo,

depressão, prostituição, ganância, corrupção, abortos, violência e

aumenta cada vez mais o número dos suicídios. O homem vai se

afastando cada vez mais de Deus e atraindo para si a morte, pois

está esquecer que Deus é o princípio, o fim e a presença da vida.

Ele é a Vida. O homem está esquecer que é imagem e semelhança de

Deus. Que Deus lhe preparou todo um universo, o ambiente da vida,

e que é a presença de Deus, a união, a intimidade com Ele que

mantém a vida.

Estamos esquecendo que Deus se fez um de nós, encarnou-se, veio

recuperar, resgatar em nós esta imagem e semelhança sua maculada

pelo pecado. Que Ele veio resgatar e nos mostrar pessoalmente a

dignidade da vida.

Esta perda da consciência daquilo que somos é visível. Basta nos

perguntar sobre a postura que temos diante da vida. Basta ver a

22

realidade do matrimónio e da família como centro de formação da

vida. Olhar para o número de abortos praticados a cada ano. E

tantas outras realidades onde as cenas de morte parece ser normais

nos dias de hoje. A proposta de Jesus vem ao encontro de todas

essas realidades como uma proposta de VIDA e de amor.

Jesus Cristo nos revela que o Pai é AMOR, que ele quer a vida de

seus filhos, pecadores, e não a morte. Já o Livro de Ezequiel nos

aponta para esta vontade do Senhor quando diz: “Certamente não tenho

prazer na morte do ímpio; mas antes na sua conversão, em que ele se converta do seu

caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos. Por que haveis de

morrer, ó casa de Israel” (Ez 33,11). Já Lucas nos apresenta as seguintes

palavras de Jesus: “Os sãos não têm necessidade de médico e sim os doentes; não

vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5,31).

Cristo tem uma proposta concreta, baseada no mandamento do amor.

Esta proposta se concretiza em várias dimensões:

Perdão – Deus nos perdoa e vem fazer-se presente no meio de nós.

Ele mostra que o perdão é essencial como caminho, como condição

para voltar à verdadeira vida. Cristo é a união de Deus com os

homens e disse: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10).

Anúncio da Boa Nova – Cristo ensina ao mundo qual é a Vontade de

Deus, ou seja, o que é essencial para a vida do ser humano.

Testemunho – Cristo dá a sua vida pela nossa vida. Testemunha,

vive tudo o que fala, e finalmente morre na cruz para nos

reconciliar plenamente com Deus.

Vida Eterna – Ressurreição. Nos dá a razão, o sentido da fé.

Garante-nos a eternidade.

23

Cristo mostra que todos são filhos de Deus têm os mesmos direitos

diante de Deus. Sua proposta é de fraternidade, de encontro e

união entre todos. Para que isto aconteça, Ele propõe o AMOR: amor

a tal ponto de amar os inimigos. Sua proposta é radical. Vai

contra os valores individualistas do mundo.

A fim de que mude a situação de pecado é necessário que haja a

conversão. A conversão é um “parto doído”, um sair das estruturas

de pecado (do individualismo), para entrar numa nova estrutura: a

comunidade do amor.

Nós já fomos perdoados por Cristo, através do seu mistério Pascal.

Pelo Batismo assumimos o compromisso com Cristo: tornamo-nos

cristãos. Somos herdeiros de Deus, elevados por Cristo à condição

de filhos (cf. Gal 4, 1-7).

Ser cristão é reproduzir hoje a imagem de Cristo em nós. É perdoar

a ponto de amar o inimigo. É anunciar ao mundo a Boa Nova que

assumimos, testemunhando-a com a vida. Fazer do Evangelho, dos

valores do reino a nossa conduta de vida. Viver o Evangelho no

mundo de hoje como viveram as primeiras comunidades cristãs em seu

tempo e em seu mundo (cf. At 2, 42 ss). Encontrar formas de

mostrar ao mundo de hoje os valores nos quais nós acreditamos. Ter

uma postura de vida coerente: traduzir a fé em gestos concretos,

em atitude permanente. Tantas vezes temos medo de ser diferentes.

Esquecemos que se é necessária conversão, temos que ser o

testemunho vivo daquilo que diferencia a situação.

Ser cristão hoje, significa ser pessoa autêntica e livre, mas para

isso é necessário “nadar contra a correnteza” que o mundo nestes

24

“Tempos Líquidos” apresenta. E o próprio Cristo nos alerta que o

mundo nos odiará.

De acordo com Durozoi e Roussel (2000), autenticidade é o sinónimo

de sinceridade, designa “ relação estática” da essência do homem

com a verdade do ser, relação esta que pode ser apreendida fora do

anonimato do “ agente”, ela conduz a consciência do ser para a

morte.

1.4 O Projecto Ético: A Realização do Homem como Pessoa

1.4.1 Fenomenologia do Valor Ético: Um Caminho para a Liberdade

Todos os valores interessam a pessoa e constituem um bem. O ponto

mais característico do valor moral, embora não aperfeiçoe o homem

numa só dimensão, ou seja, no campo de sua técnica, cultura, seu

bem-estar, mas sim o promove na totalidade de sua existência.

Porém, esses valores representam a sua liberdade enquanto pessoa

responsável.

A estima e o êxito social, não tornam o homem honrado e bom, pelo

simples facto de obtê-los. Um homem que tenha grande conhecimento

de moral não está livre, apesar deste conhecimento valorativo,

decair numa conduta má. Valor moral é a qualidade inerente à

conduta que se manifesta como autenticamente humano, em

conformidade com a dignidade da pessoa e portanto, de acordo com o

sentido mais profundo da sua existência.

Assim, Orduña e Bartres (1983), salientam que o valor moral

encontra-se em toda parte, como uma urgência. Os valores éticos

despertam sentimentos sedutores e de admiração e os valores

amorosos, despertam uma atitude de encantamento a resposta

25

específica, provocada pelo valor ético que é a experiência

obrigatória. A moral revela-se despida de toda coação externa, sem

nenhum sentido mutilante da própria liberdade. A moral não é a

fronteira que encara e escraviza a liberdade. Ela é o caminho que

orienta o exercício da liberdade para que o homem consiga ser

aquilo que deve ser em perfeição.

É a ciência dos valores que dirige e ilumina a realização humana

livre e responsável, rumo ao seu destino. O valor ético constitui

uma defesa contra os possíveis enganos, é um ponto de referência

básico para que não haja desvios de orientação fundamental.

O carácter autónomo da obrigação e cumplicidade por parte do

homem, nasce quando encontra uma resposta espontânea no mais

profundo da própria natureza humana. A autonomia do homem

constitui o melhor caminho para a busca do bem, que se anseia como

uma exigência incontida.

Aquilo que se encontra em última análise, que o homem deseja no

mais íntimo de seu ser é o mandato da moral que não é mais do que

um eco da palavra que brota do interior e o impele a viver de tal

forma que a conduta corresponda às exigências da vocação humana.

1.4.2 A Vocação Humana: sua Rejeição e sua Necessidade

A vocação humana no sentido inverso, a sua experiência, pode se

revelar através do sentimento da culpa. Portanto, a sua explicação

nem sempre é completa, recorrendo a mecanismos inconscientes ou a

certas patologias do psiquismo humano. A culpabilidade verdadeira

26

é o reconhecimento sincero, humilde e doloroso de não termos agido

de acordo com a nossa vocação humana.

A motivação última que o homem tem para agir reside no sentido que

ele próprio queira dar à sua vida, na leitura dos dados com os

quais terá necessariamente que se defrontar. É um significado que,

sem dúvida, o crente encontra explicitado na mensagem da

revelação.

À margem da fé todos nós poderíamos estar de acordo quanto à

necessidade que o homem tem de se realizar como pessoa, se

aceitarmos o projecto ético como ponto de partida. Os valores

morais passarão a iluminar nossa conduta, para encaminhá-la a meta

que nós mesmo nos colocamos (Orduña e Bartres, 1983).

1.4.3 Fé e Ética: Vínculos Mútuos

Existe uma mútua reciprocidade entre fé e ética, onde naturalmente

a moral não se revela enquanto não encontrar a fé, neste contexto,

a religião joga extrema importância na vida social pois que, ela

ajuda os homens a chegar e a viver uma vida honesta e honrada,

embora por caminhos e colocações diferentes. “Sem esta fé, os que

alcançaram o uso da razão não poderiam salvar-se. A virtude da fé, salva a criança

baptizada, mas quando se adquire o uso da razão, deve haver também o acto da fé”

(Trese, 1987: 67).

O conhecimento moral, é possível sem o conhecimento prévio e

explícito de Deus, no entanto, a fé, intervêm a cada dia, para a

realização verdadeira e em conformidade com Deus, a revelação com

o sobrenatural. Neste contexto, de acordo com Orduña e Bartres

(1983), a razão humana seria como que um testemunho vigário de

Deus, gozando da sua própria vontade, ou autonomia, sem que suas27

funções mútuas reduzissem ou eliminassem as suas próprias funções.

Daí, que embora seja o homem a se defrontar com o sentido último

da sua vida, os cristãos, também encontram em Deus uma afirmação

desse projecto.

28

CONCLUSÃO

Findo o trabalho, infere-se que as virtudes teologais e cardeais

como caminho da autenticidade e liberdade nos tempos líquidos

ajudam o homem a optar pelo bem em detrimento do mal. Ajudam o

homem a preservar-se na fé, na caridade, nas boas práticas para

não se afundar nas ameaças actuais. Apoia o homem a crer na

autoridade de Deus.

Purifica-nos e leva-nos á perfeição sobrenatural do amor Divino

amando o próximo. As virtudes teologais e cardeais ajudam no

discernimento, na escolha e na tomada de decisões positivas e

honrosas, como também promovem o respeito de cada pessoa. Auxiliam

e estabelecem o equilíbrio das nossas acções fase a realidade

presente e futura.

Salientar que hoje, a autenticidade e liberdade espelham-se na

degradação dos valores éticos, morais e religiosos, sendo que o

homem autêntico e livre nessas modalidades é aquele que se

encontra totalmente mergulhado nas actuais ameaças que degradam os

valores humanos e espirituais.

Portanto, ser autêntico significa viver segundo a lei, isto é,

gozar da liberdade de escolha, mas deve se ter em conta os seus

limites. Todavia, nos tempos actuais os sociólogos, os filósofos e

os teólogos têm a visão de que o homem hodierno está vivendo fora

daquilo que deveria ser a conduta humana como criatura de Deus,

criando para si, normas que vão contra a sua dignidade.

29

Assim, para os teólogos a liberdade cristã nasce concretamente da

gratuidade que Deus faz de si mesmo através de Jesus Cristo que

historicamente, acontece na sua vocação. Significa dizer, em

outras palavras, que a liberdade cristã chega até aos homens de

fora, pois é proveniente de um apelo, de um chamado. Portanto, a

verdadeira liberdade nasce no coração de Deus. A oferta de Deus ao

homem está exactamente no dom de participar de sua liberdade.

Desta forma, as virtudes teologais (fé, esperança e caridade) são

sobrenaturais. Elas ajudam ao homem a acreditar em Deus e nos

outros, assim como garantem uma vida autêntica adaptando-se ao

tempo e as mudanças do mesmo. Enquanto as virtudes cardeais

(prudência, justiça, fortaleza e temperança) são virtudes para

toda e qualquer acção humana. Contudo, as virtudes teologais como

as cardeais, ajudam ao homem a viver uma plena autenticidade e

liberdade nos tempos líquidos, onde tudo escorre.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

Durozoi. J. e Roussel.M. (2000). Dicionário Filosófico. São Paulo.

Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa. (1999).

Enciclopédia Lus-Brasileira de Filosofia. 1ª Edição. Lisboa São Paulo.

__________. (1997). Enciclopédia Lus-Brasileira de Filosofia. 1ª Edição.

Lisboa São Paulo.

Trese.J.L. (1987). A fé explicada. 4ª Edição. Quadrante. São Paulo.

Orduna, R, R, F. (1983). Praxis, Ensino Moral Fundamental. Volume

1.

30

CCC. (1999). 2ª Edição. Gráfica de Coimbra. Lda.

Cruz, São João. Ditos de Luz e Amor. Número 98. In: Obras

completas. Petrópolis: Vozes. 2002, p. 2).

Cf. RIDDERBOS, Herman Nicolaas. El Pensamiento del Apostol Pablo.

Grand Rapids, Michigan: Libros Desafio, 2000, pp. 80-81).

Certificar a bibliografia

31