El perfil y anímico y existencial de la mujer en la obra de Maria Luisa Bombal
TEMPORALIDADE E VELHICE: UM ESTUDO DE CASO SOB O OLHAR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
JULIANA VIEIRA DOS SANTOS
TEMPORALIDADE E VELHICE: UM ESTUDO DE CASO SOB O
OLHAR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
São Paulo
2013
JULIANA VIEIRA DOS SANTOS
TEMPORALIDADE E VELHICE: UM ESTUDO DE CASO SOB O
OLHAR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso como exigência parcial do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Sodelli. .
São Paulo
2013
Agradecimentos
Aos meus avós, Sebastião (in memoriam) e Olga, pelo exemplo de amor,
criatividade, inteligência e honestidade que me ajudaram a ser quem sou.
Aos meus pais, por nunca me impedirem de seguir meus sonhos.
Ao meu irmão, Lincoln, por sempre me fazer refletir sobre as coisas mais
absurdas.
Ao André, meu querido amor, por sempre rir da minha cara independente de
quão mal eu esteja. (Isso sempre faz eu me sentir melhor.)
Ao orientador deste trabalho, Prof. Dr, Marcelo Sodelli, por ter sido mais que um
professor, um amigo. E por todas as vezes que disse: “Vai Ju, eu SEI que você
consegue!”
Ao parecerista deste trabalho, Prof. Hélio Roberto Deliberador, pelo carinho,
atenção e por ter aceitado este trabalho de bom grado.
Agradeço todas as pessoas com mais de 60 anos que passaram por minha vida,
seja em seus lares, em uma instituição ou em uma conversa no metrô. Obrigada por
dividirem comigo algumas de suas histórias.
Agradeço principalmente à incrível e memorável senhora que aceitou fazer parte
deste trabalho. Eu não vou esquecê-la.
RESUMO
Para a fenomenologia existencial, principalmente em Heidegger, a reflexão a respeito do tempo é essencial para a compreensão do Homem. Para um melhor entendimento sobre o Homem, é necessário olhar para o momento histórico em que se encontra, para como se deu seu passado e para as possibilidades de futuro presentes no agora. Para compreender a temporalidade de uma pessoa, é necessário olhar para o momento em que se está vivendo sua vida, neste caso, é necessário compreender como se dá a velhice para o sujeito desta pesquisa. Neste contexto de reflexões, a pesquisa aqui proposta pretendeu apreender o modo que se dá a temporalidade para um sujeito na velhice por meio de um estudo de caso. Para isso, adotamos uma abordagem fenomenológica para a escuta e compreensão das falas de uma mulher com idade acima de oitenta anos, sobre os sentidos atribuídos ao tempo e a velhice, estando atento aos cuidados éticos na pesquisa. A conclusão apreendida neste estudo foi que a velhice é vivida de um jeito único para cada individuo, assim como a sua temporalidade, e que para compreender como essa temporalidade é vivida, é necessário olhar para cada pessoa individualmente e para a fase de vida que ela se encontra.
Palavras-chave: tempo, velhice, Fenomenologia Existencial.
ABSTRACT
For existential phenomenology, especially in Heidegger, a reflection on time is essential to understanding the man. For a better understanding of the man, it is necessary to look at the historical moment in which it is, how it came to its past and the future opportunities present in the now. To understand the temporality of a person, it is necessary to look at the moment you are living your life, in this case, it is necessary to understand how the old age to the bloke of this research. In this context of reflections, the proposed research sought to grasp the way that gives the temporality to a bloke in old age through a case study. For this, we adopt a phenomenological approach to listening and understanding the speech of a woman over the age of eighty, on the meanings attributed to the time and old age, being attentive to ethical care in research. The conclusion of this study was apprehended that old age is experienced in a way unique to each individual, as well as its temporality, and to understand how this temporality is lived, it is necessary to look at each person individually and to the stage of life she lies.
keywords: time, old age, Existential Phenomenology.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................8
1 MÉTODO.....................................................................................................................11 1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ANÁLISE ....................................12 1.2 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ...................................................................................13
2 SOBRE A VELHICE ...................................................................................................16
3 SOBRE O HOMEM, O TEMPO E A FENOMENOLOGIA ..........................................23 3.1 CRONOS E KAIRÓS ..............................................................................................31
4 DESCRIÇAO DOS RESULTADOS ...........................................................................33 4.1 TEMA: SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO TEMPO........................................................34 4.2 TEMA: SENTIDOS ATRIBUÍDOS À VELHICE .......................................................39
5 ANÁLISE DA ENTREVISTA ......................................................................................45
6 DISCUSSÃO ..............................................................................................................52
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................60
ANEXOS .......................................................................................................................62
Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E Selvagem! Selvagem!
Selvagem!
Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens
Tão Jovens! Tão Jovens
“Tempo Perdido”
Renato Russo
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INTRODUÇÃO
Quando pesquisamos sobre o tempo, por exemplo, em sites de busca,
encontramos sobre o termo tempo, diversos sentidos e significados. Entre tantos outros,
encontramos textos e documentos sobre o clima meteorológico, sobre reflexões
históricas ou filosóficas, sobre “tempo-cronológico” e “tempo-psicológico”. Nesta
diversidade de enfoques, sentidos e significados, encontramos uma questão importante:
Quais são os sentidos atribuídos ao tempo pelo Homem? Todos atribuem sentidos ao
tempo da mesma forma? Todos percebem a passagem do tempo do mesmo modo?
Será que esses sentidos dados ao tempo individualmente se alteram ao longo da vida
de uma pessoa?
Minhas inquietações sobre o tempo surgiram com o passar do mesmo, através
de leituras sobre reflexões filosóficas, através de poemas, músicas e falas populares:
Como o tempo vai passando mais depressa quando se envelhece; ou como o tempo
passa “voando” quando está se divertindo; ou como o tempo passa devagar quando se
espera; ou ainda como passa diferente quando se ama.
Quando voltamos o olhar da Psicologia para o Homem, temos sempre que
atentar para o momento histórico que ele se encontra, pelo que passou até ali, como
está naquele instante, e, por vezes, até mesmo o que será dele a partir dali. Isso quer
dizer que para compreender o Homem, é necessário compreender o tempo em que
vive, o lugar no tempo em que se encontra e a sua relação com o tempo. Não é por
acaso que para Heidegger, é a relação com o tempo “... que sustenta nossa morada no
mundo” (2001, p. 93).
Para Reis (2005), Heidegger compreende o passado e o futuro como algo
simultâneo ao presente em que se encontra:
...assim como o passado é um «ser-sido» (Gewesenheit)- o que ainda aí está apesar de passado-, assim também o futuro é o puro possivel, a «possibilidade enquanto possibilidade», não o presente futuro. (p. 371)
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Ou seja, o presente é, simultaneamente, tudo aquilo que já passou, pois é necessário
todo o passado para haver presente do modo em que está, e também é o futuro, pois
há no presente todas as possibilidades de futuro. Isto é, o presente é também as
possibilidades desse futuro, porém possibilidades de futuro não é o mesmo que
presente futuro.
Sendo assim, pergunto-me sobre essa relação do Homem com o tempo: será
que essa relação de fato se altera ao longo da vida, como falam os poemas, as
canções e os ditos populares? E quais são os sentidos atribuídos à relação com o
tempo pelo Homem? E será que também esses sentidos se modificam enquanto
envelhecemos? E, por fim, será que aqueles que já estiveram na relação com o tempo
por mais tempo que outros tantos, atribuem sentidos diferentes de quando eram mais
jovens, e assim poderiam dizer quais são os sentidos que possuem sobre o tempo
agora?
O objetivo desta pesquisa foi compreender a relação de pessoas na terceira
idade com o tempo e quais os sentidos que atribuem a essa relação. Assim sendo, foi
preciso antes compreender como é vivenciada a velhice, para depois compreender
como se dá a experiência do tempo nesta fase.
Para compreender como um homem vivencia sua própria velhice, é necessário
compreender as experiências e vivencias que teve até ali, é necessário olhar não
apenas para sua velhice, mas para o modo como ele a vivencia e também como
vivenciou as experiências da juventude. É necessário olhar como foi sua vida até ali,
quais foram os momentos mais significativos e quais os sentidos atribuídos a sua
juventude para compreender quais os sentidos que serão atribuídos a sua velhice.
A partir dessa compreensão sobre os sentidos da velhice para esse sujeito,
pode-se compreender como ocorre a temporalidade para ele nessa fase da vida.
E para compreender como se dá a velhice e sua temporalidade para um sujeito,
foi realizado um estudo de caso por meio de uma entrevista com uma mulher com
idade acima de oitenta anos de idade. Esta entrevista foi analisada e discutida através
da abordagem fenomenológica existencial, por entender que essa abordagem é a que
melhor se encaixa na proposta desta pesquisa.
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Há seguir, há uma explicação sobre p método utilizado nesta pesquisa, assim
como também as considerações éticas deste estudo. No primeiro capítulo teórico, há
uma breve discussão sobre o modo de compreensão do Homem e de sua
temporalidade para a fenomenologia existencial. No segundo capítulo teórico, há uma
breve compreensão sobre a velhice sob várias facetas. Ambos os capítulos teóricos
foram necessários para uma melhor compreensão do fenômeno estudado e para
explicitar quais seriam os focos de análise da entrevista mais significativos.
Após os capítulos teóricos, há uma descrição dos resultados obtidos na
entrevista, em seguida há uma análise mais aprofundada desses resultados. No fim
deste trabalho, há uma compreensão de todo o estudo realizado, unificando a análise
com as reflexões teóricas deste estudo.
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1 MÉTODO
Para atingir o objetivo desta pesquisa, foi utilizado o procedimento da pesquisa
qualitativa, pois se trata de um modo de trabalho que abre espaços para a expressão
de diversos significados que poderão surgir e que não impõe, aos sujeitos, o fenômeno
estudado.
Na realização deste trabalho com uma mulher, com idade acima de oitenta anos,
foi utilizada, metodologicamente, a entrevista reflexiva.
Sobre a entrevista, explica Szymanski:
Ao considerarmos o caráter de interação social da entrevista, passamos a vê-la submetida às condições comuns de toda interação face a face, na qual a natureza das relações entre entrevistador/entrevistado influencia tanto o seu
curso como o tipo de informação que aparece. (2004, p. 11)
E ainda conclui: Por outro lado, a entrevista também se torna um momento de organização de ideias e de construção de um discurso para um interlocutor, o que já caracteriza o caráter de recorte da experiência e reafirma a situação de interação como geradora de um discurso particularizado. Esse processo interativo complexo tem um caráter reflexivo, num intercâmbio contínuo entre significados e o sistema de crenças e valores, perpassando pelas emoções e sentimentos dos protagonistas. (2004, p. 14)
Foi escolhida como procedimento a entrevista reflexiva, por ser compatível com
o pensamento fenomenológico existencial e por estar de acordo com os objetivos desta
pesquisa.
Para Szymanski (2004, p. 18), um ponto importante dessa modalidade de
entrevista, é que não há um roteiro fechado a ser seguido. O ponto norteador da
entrevista é a clareza que o entrevistador possui sobre os objetivos da pesquisa, sobre
quais os temas se pretende investigar, ou seja, é a ampla percepção do problema de
pesquisa a ser investigado.
Por se tratar de um procedimento metodológico que busca rigor, na realização
da entrevista reflexiva, alguns cuidados deverão ser considerados. Para Batista (2010,
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p. 18), a postura do pesquisador é um aspecto relevante nessa modalidade de
entrevista, pois tanto possui um papel de agente facilitador, cuidando em prover um
clima favorável, no qual as respostas possam aparecer, como também o papel de
cuidar para que as falas do entrevistado ocorram, de certo modo, dentro dos limites do
tema pesquisado.
Outro aspecto importante da entrevista reflexiva é a elaboração da questão
desencadeadora, dada como ponto de partida da entrevista para trazer o entrevistado
para o ciclo de interesse desejado.
Para formular essa questão, Amoras explica:
Como exemplos de critérios para a formulação desta questão, temos: a) a consideração dos objetivos da pesquisa; b) a amplitude da questão; c) o cuidado de evitar indução de respostas; d) a escolha dos termos das perguntas; e) a escolha do termo interrogativo: “como”, “por que”, “para que”.
Szymanski (2004) aponta que a questão desencadeadora é o ponto de partida
para a fala do entrevistado, que foca a questão que se deseja estudar e, ao mesmo
tempo, é ampla o suficiente para que ele inicie a fala por onde desejar.
Através desse referencial metodológico, será realizada uma entrevista, com um
sujeito, homem e mulher, com idade acima de oitenta anos. Essa faixa etária foi
escolhida por ser mais compatível com os objetivos desta pesquisa, que uma faixa
etária inferior, como sessenta e cinco anos por exemplo. O participante será
selecionado da seguinte forma: deverá ser voluntário, não possuir doenças cognitivas
ou degenerativas e residir na cidade de São Paulo. O encontro será gravado com a
autorização do entrevistado.
1.1 Considerações sobre o processo de análise
A análise da entrevista baseou-se no modelo adotado por Sodelli (2011),
fundamentado no método desconstrutivo-construtivo da abordagem fenomenológica
existencial, e inspirado no que Critelli (2006) nomeia como Analítica do Sentido. De
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modo geral, a análise da entrevista foi feita da seguinte forma: Em um primeiro
momento a entrevista foi transcrita integralmente; em seguida o material transcrito foi
lido exaustivamente por uma leitura flutuante/reflexiva; pois foram criados focos de
análise a partir das falas que tinham um tema em comum; foram selecionados os focos
de análise mais relevantes aos objetivos desta pesquisa; em seguida os focos foram
agrupados em dois grandes grupos.
A partir de cada foco de análise selecionado, uma primeira compreensão foi
descrita. Surgindo destas primeiras compreensões e das impressões, percepções e
sentidos absorvidos pelo entrevistador na entrevista, foi elaborado um texto
descritivo/interpretativo que busca compreender o modo de ser do entrevistado.
Em suma, o processo de análise deste trabalho pode ser representado em três
momentos: apresentação e compreensão dos focos de análise, a elaboração de um
texto descritivo/interpretativo e a elaboração de uma discussão analítica sobre como se
dá a temporalidade na velhice para o sujeito entrevistado.
1.2 Considerações éticas
Para a realização e análise das entrevistas, nesta pesquisa, se esteve atento
aos cuidados éticos e, entre outros aspectos, foi solicitado um termo de consentimento
livre e esclarecido.
Para Schmidt (2008), o saber adquirido pelas e nas pesquisas permite identificar,
princípios norteadores que auxiliam o pesquisador no desenvolvimento de sua
pesquisa e no exame de suas atitudes ante os colaboradores e interlocutores. Ela
ainda firma que, o teor desses princípios permite, talvez, visualizar o modo como
método e ética estão imbricados, solicitando a atividade e a autonomia do pesquisador.
Princípios como a busca de interlocução e diálogo, visando compreender o sentido e os significados da experiência de outros próximos ou distantes; distribuição democrática de lugares de escuta, fala e decisão entre pesquisadores e interlocutores; disposição para negociar e refazer pactos ou
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contratos de trabalho entre pesquisadores e interlocutores; empenho no esclarecimento, fidelidade, respeito e solidariedade às formas de viver dos colaboradores e cuidado em suas transposições para texto ou outros modos de inscrição; antevisão e preocupação com eventuais efeitos políticos e ideológicos nocivos à imagem pessoal e social de interlocutores individuais ou coletivos; abertura para, sempre que possível, revisar com colaboradores transcrições de relatos orais e de observações, bem como de textos interpretativos; atribuição de créditos aos interlocutores; discussão sobre a pertinência do sigilo e sobre as formas de divulgação de resultados, são exemplos de orientações advindas da
prática da pesquisa participante. (SCHMIDT, 2008, p. 52)
A pesquisa realizada utilizou os princípios acima como orientadores para
desenvolver uma investigação ética para todos os envolvidos no estudo, e também
assegurar o sigilo e o anonimato dos colaboradores.
As questões éticas receberam especial atenção, pois as informações obtidas na
entrevista puderam envolver certa exposição da intimidade do participante. Foram
consideradas as normas previstas pelo Conselho Nacional de Saúde (Resolução
196/96): o sigilo profissional garantido pela não revelação da identidade do entrevistado
e das pessoas por eles mencionadas. Os resultados serão utilizados apenas no âmbito
acadêmico. O cuidado com os participantes foi fundamental, através de uma postura
acolhedora e respeitosa, garantindo assim a beneficência da pesquisa.
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“Contei meus anos e descobri
Que terei menos tempo para viver do que já tive até agora....
Tenho muito mais passado do que futuro...
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de jabuticabas...
As primeiras, ele chupou displicentemente..............
Mas, percebendo que faltam poucas, rói o caroço...
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades...
Inquieto-me com os invejosos tentando destruir quem eles admiram.
Cobiçando seus lugares, talento e sorte.....
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas
As pessoas não debatem conteúdo, apenas rótulos...
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos...
Quero a essência.... Minha alma tem pressa....
Sem muitas jabuticabas na bacia
Quero viver ao lado de gente humana...muito humana...
Que não foge de sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade....”
Rubem Alves
Rubem Alves
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2 SOBRE A VELHICE
Esta pesquisa teve como objetivo compreender como é vivenciado o tempo na
velhice, como se dá a temporalidade nessa fase da vida. Para tanto, foi necessário
compreender o que é velhice e/ou, como se dá o envelhecimento. Para Calderoni
(2006):
Todos entendemos que envelhecer é um processo intrínseco, natural e inexorável, que começa desde o nosso nascimento, ou até mesmo antes, já na vida uterina, ao sermos concebidos. No entanto, tendemos a nos assustar quando o espelho nos revela as marcar da idade. Como se pudéssemos querer apenas as benesses de uma vida longa sem os ônus que o passar dos anos pode trazer. (p. 35)
E ainda completa:
A sociedade contemporânea enaltece a juventude e associa o processo de envelhecer a inúmeras conotações pejorativas: inatividade, decrepitude, dependência, feiura, e outras tantas mais, reforçando a ideia de que todos querem viver muito, mas ninguém quer ser velho. (p. 35)
As citações acima auxiliam na compreensão de como o processo de
envelhecimento, ou de como estar velho, pode ser entendido pelo indivíduo que
envelhece, como algo de conotação negativa, como se a velhice tirasse do sujeito,
suas características, suas perspectivas, sua juventude e lhe sobrasse apenas o
desgaste físico e mental. E por essa razão é importante atentar para como um sujeito
na velhice vivencia o passar do tempo, pois será que é o tempo que o torna velho? É o
tempo que lhe tira a juventude? E é seu modo de colocar-se no mundo que lhe tira as
perspectivas e possibilidades de futuro?
O processo de envelhecimento é algo natural a tudo, aos objetos, aos animais,
mas será que é natural ao ser humano? E por que aos humanos parece ser tão difícil
envelhecer? Por que é tão difícil para o homem se ver como velho? Para Calderoni
(2006), "A posição depreciativa é reforçada quando se pensa velhice numa relação de
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alteridade com a juventude, a qual é enaltecida, vinculada à ideia de beleza,
produtividade e consumo." (p. 39)
É possível observar nos meios de comunicação e publicidade, como imagens
veiculadas em canais de televisão, na internet, em revistas, etc, expressam o desejo
contemporâneo pela eterna juventude. Deseja-se ser jovem, forte e belo para sempre,
e despreza-se a ideia de um dia envelhecer e a vida chegar ao fim, pois a ideia de
velhice está associada à ideia de fim e finitude.
Silva e Boemer (2009), na pesquisa que realizaram sobre a vivência do
envelhecer, perceberam que a experiência do envelhecimento é diferente para cada
sujeito e que esses não percebem o processo de envelhecimento. Porém sabem que
estão vivendo outra fase em suas vidas. Os sujeitos relatam que não sentem o
envelhecimento, que não se percebem fracos, decrépitos ou inúteis como a imagem
social sugere, mas que se percebem saudáveis e independentes e entendem a
importância da saúde para a qualidade de vida.
Pagenotto (2011) afirma:
As diversas situações da vida real no mundo contemporâneo nos mostra que há certo modelo social de velho, generalizado, que não corresponde à ideia, muitas vezes, construída pelos próprios velhos. (p. 21)
Esta afirmação ajuda na compreensão de que nem sempre a imagem social
relacionada aos mais velhos corresponde ao modo como eles se percebem.
Calderoni (2006) afirma:
A velhice não pode ser entendida como uma etapa da vida na qual simplesmente os anos se passaram. Ao ter envelhecido, o indivíduo guarda em si toda a sua história, com vivências específicas, conscientes e inconscientes, um corpo biológico que sofreu transformações funcionais e estéticas. (p. 37)
Pegenotto (2011) nos traz a ideia de que é necessário ouvir as pessoas da
terceira idade para compreender a experiência de se envelhecer, já que nem sempre
essa vivência corresponde à preconcepção social do que é ser velho.
E em sua afirmação, Calderoni (2006) explica que, para compreender o Homem
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na terceira idade como ele é agora, é necessário olhar para a sua história de vida, para
o seu passado, ou seja, é necessário compreender o modo como foi construído seu
jeito de ser no mundo, compreender que este Ser passou por várias experiências, por
várias vivencias que ele, e apenas ele, vivenciou. E compreender como essas
vivências passadas configuram seu modo de ser no presente. Sendo assim, é
necessário olhar para a sua relação com o tempo, seja no presente que vive hoje, seja
no passado que possibilitou ele vivenciar o presente de seu determinado modo ou seja
em seu modo de lidar com suas expectativas de futuro.
Para o autor, compreender a velhice e o envelhecimento exige uma junção de
diversos olhares, pois se trata de fenômenos complexos: “A velhice e o processo de
envelhecimento devem ser compreendidos a partir de uma visão biopsicossocial, na
qual o biológico, o social e o psicológico determinam a vivência humana.”(p.37). Isso
quer dizer que o que caracteriza o envelhecimento e a velhice não é apenas o biológico,
ou o social, ou o psicológico, mas uma junção dos três fatores.
A velhice não é apenas determinada pela passagem do tempo cronológico no
corpo biológico, mas se trata, também, de um fenômeno social, pois em cada
sociedade o Homem vivencia o envelhecimento de um modo diferente, e a forma como
a sociedade percebe o envelhecer relaciona-se, diretamente, porém não
exclusivamente, ao modo como o indivíduo significa o próprio envelhecimento.
Esse indivíduo se forma através de suas vivências únicas e pessoais, e também
constrói uma significação única para essas experiências. Isso faz com que os sentidos
dados ao seu próprio envelhecimento não sejam apenas definidos pelo biológico e pelo
social, mas também pela sua subjetividade, o que o torna um ser também psicológico.
Calderoni (2006) diz:
Algumas pessoas idosas vivem a falta de perspectiva para o seu presente e futuro se apegando à noção de que "meu tempo já passou", e se vêem sem objetivos, deixando que o sentimento de iminência da morte, com sua força assustadora e demolidora, se imponha à perspectiva da vida. (p. 42)
E ainda completa:
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Outros conseguem continuar a utilizar o potencial para o desenvolvimento pessoal, e realizam intervenções expressivas em sua vidas. Elaboram perdas e adaptam-se às dificuldades mantendo acesa a chama do desejo, olhando para si mesmas e descobrindo "do que eu gosto", "o que eu quero para mim". De uma maneira criativa ampliam fronteira. Perseguem sonhos aproveitando o tempo livre, tempo outrora tão concebido, tão escasso e precioso, e agora disponível, impregnando-o com o sentido da liberdade e não com o de cárcere, tédio e vazio. (p. 42)
O fenômeno velhice é visto, compreendido e experienciado de modo diferente
por cada sujeito. Este fenômeno pode ser vivenciado de modo negativo, como algo que
tira do sujeito suas expectativas, sua produtividade, sua criatividade e seu modo de
“levar a vida”. E este mesmo fenômeno pode ser vivenciado de modo positivo, como
uma fase da vida que lhe “sobra tempo” para experienciar momentos que antes eram
impossíveis, uma fase da qual se encontra toda a sabedoria e experiência de uma vida
inteira. A velhice pode ser experienciada como uma fase próxima do fim, como um
momento em que se reduz possibilidades, mas também pode ser vivida como uma fase
de desfecho, um momento em que algumas possibilidades se fecham, mas que,
através desse fechamento, outras possibilidades se abrem. Vamos falar um pouco
sobre o desfecho.
O desfecho é sempre fim de algo e início de outro. Como a própria palavra já diz,
“des-fecho”, é um fechar e desfechar ao mesmo tempo, é um processo que encerra e
começa ao mesmo tempo, que finda e reinicia. Um desfecho não é apenas o fim, como
o fechamento de uma possibilidade, mas também é uma abertura a novas
possibilidades, a novos modos de vivencia. Não é um simples fechamento, mas um
movimento de fechamento e de abertura, enquanto se fecha uma possibilidade, há uma
nova abertura para outras.
Para Pompéia (2004), a palavra desfecho é interessante por ter vários
significados, “O primeiro significado é o de final, mas não como qualquer um. É uma
espécie de final marcante, acompanhada de uma certa força.”(Pompéia, 2004, p.51).
Nesse primeiro significado, desfecho quer dizer um fim importante, algo esperado pela
totalidade do processo, é quando tudo chega ao fim, e esse fim é que traz a
completude do processo. Sem o desfecho, não há uma totalidade do vivido, pois ainda
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não se chegou ao fim. Quanto maior o envolvimento do sujeito com o processo, maior é
sua expectativa pelo desfecho, para que esse processo se complete e se encerre.
O segundo significa da palavra apontado por Pompéia 2004, é “...quando
ouvimos ou dizemos, por exemplo:... e então “ele desfechou o golpe”. Nesse caso,
desfecho é ação, é o momento em que alguma coisa se realiza.” Nesse significado, a
palavra desfecho trata-se de tornar realidade algo que já estava preparado para
acontecer, também como um fim de um processo.
O terceiro significado proposto por Pompéia é o que já tratamos no inicio.
Desfecho não apenas como um encerramento, mas como um “des-fecho”, algo que
traz também uma abertura. Não apenas o fim, mas também o inicio de algo novo.
Quando ocorre um desfecho, tira-se algo e coloca-se outra no lugar. “Essa nova coisa
pode ser um jeito novo de ser.” (Pompéia, 2004).
Quando se fala de velhice, o sujeito pode encontrar em sua própria velhice um
des-fecho, ele pode vivenciar essa fase como um fechamento de possibilidades que
pode lhe trazer uma abertura para novas possibilidades, possibilidades estas que não
pareciam existir em uma fase anterior, como por exemplo, morar em uma cidade
litorânea ou interiorana para alguém que sempre teve seu emprego estabelecido no
centro da cidade de São Paulo.
No entanto, a velhice não se apresenta para todos como um des-fecho, e sim,
como apenas um fechamento de possibilidades que lhe delimita todo o existir. Sobre
esse modo de vivenciar a velhice, Castro (2010) diz:
Estudos específicos desse momento da existência, segundo alguns autores estudados, apontam que nesse processo há uma etapa de perdas dos antigos referenciais de vida, principalmente perda da juventude, gerando como consequência uma crise da identidade. "E agora quem sou eu"? Não me reconheço. Para compreender essa expressão viva de desmaterialização do próprio Ser, é necessário procurar penetrar no existir de quem o vivencia, para descobrir, além das palavras e dos gestos, o sentido que se encontra oculto no que não foi dito, mas sim, sentido. (p. 269)
Sobre os conceitos de fases “naturais” da vida, Castro (2010) diz:
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...pode-se refletir sobre essa temática, em atitude fenomenológica, colocando em suspenso todos esses conceitos pré-determinados, deixando de abordar esse fenômeno do ponto de vista explicativo, classificatório ou interpretativo, pois se acredita que em termos de existência, o que podemos é compreender o Ser e ao compreender, refletir sobre a experiência variada da vivência de quem esta em desenvolvimento. (p. 268)
E completa:
Sabemos que o processo de envelheSer, embora comum a todos, não ocorre da maneira uniforme, nem entre pessoas oriundas de diferentes culturas, nem entre pessoas de um mesmo grupo ou núcleo familiar. O envelhecimento é iniciado com o nascimento e vai progredindo com a existência do Ser. (p. 269)
Nessas citações, o autor revela algo de muita importância, em primeiro lugar,
que se deve deixar de lado concepções pré-estabelecidas quando vamos tentar
compreender um fenômeno, e segundo lugar, que cada sujeito vivencia o fenômeno de
modo próprio e exclusivo, mesmo que seja um fenômeno comum à todos, como no
caso da velhice.
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Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: Às vezes apenas um segundo.
”Alice no País das Maravilhas” Lewis Carroll
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3 SOBRE O HOMEM, O TEMPO E A FENOMENOLOGIA
Etimologicamente, fenomenologia significa o estudo ou ciência do fenômeno, já
que a palavra fenomenologia tem sua origem em duas palavras gregas: phainomenon,
que significa o que se manifesta o que se mostra, e logos, que significa ciência,
discurso.
O que se mostra é revelado à consciência, logo existe uma relação humana com aquilo que aparece, uma relação eu-mundo. O mundo vai se despindo para a consciência que por sua vez vai atribuindo, por meio da percepção, seu próprio sentido. (CASTRO, 2011. p. 268)
Fenomenologia é o estudo do fenômeno, daquilo que surge, que se mostra à
consciência. A consciência, por sua vez, dá sentido àquilo que se revela em sua
relação com o mundo. O objetivo da fenomenologia é a compreensão da relação do
Homem com o mundo que o cerca, sendo assim, todos os pensamentos humanos,
todas as expressões, se iniciaram em algum modo de aparecer, em algum fenômeno
manifestado.
Nesta pesquisa, utilizaram-se algumas reflexões feitas por Heidegger1, um dos
principais autores da fenomenologia-existencial, como respaldo na compreensão do
Homem e sua relação com o tempo. Também se utilizou outros autores que
compartilham desta compreensão de Homem e mundo.
No pensamento fenomenológico, podem-se encontrar duas condições
fundamentais que diferenciam o Dasein2 de outros entes. Para Sodelli (2006, p. 68), “a
primeira condição fundamental é que o Dasein é o único ser que sabe da sua finitude,
de que um dia sua vida vai terminar, de que ele é mortal”
1 Martin Heidegger, filósofo alemão, 1889/1976.
2 HEIDEGGER, M; NOTAS EXPLICATIVAS; Ser e Tempo; 2° ed.; Petrópolis; Vozes, 1988.
“(N1) PRESENÇA = DASEIN – Presença não é sinonimo de existência e nem de homem. A palavra Dasein é comumente traduzida por existência. Em Ser e Tempo, traduz-se, em geral, para as línguas neolatinas pela expressão “ser-aí”, “être-là”, “esser-ci” etc.” (p. 309; NE).
24
E completa:
A segunda condição fundamental é que o homem nasce com o seu ser livre. O Dasein é essencialmente livre, no sentido de ser capaz de realizar opções e de tomar decisões das quais resultam os significados de sua existência. Os outros animais já nascem destinados a serem eles mesmos, pois não têm a possibilidade de ser outra coisa. Por exemplo, uma abelha já nasce uma abelha, não há oura possibilidade, a não ser, existir como abelha. Por outro lado, o Homem nasce possibilidade e não determinação. (Sodelli, 2006, p. 68)
Sendo assim, compreendemos que o Ser-aí é possibilidade, o homem não é um
ser delimitado ontologicamente, ele é pura possibilidade, e por isso não pode ser
compreendido por generalizações ou concepções pré-determinadas. Dasein não “é”,
Dasein é sempre sendo, é sempre possibilidade, é sempre vir-a-ser. Dizer que Dasein
“é”, seria limitar essa possibilidades ontológicas do ser. O Homem não é um ser
simplesmente definido, mas um ser que está sempre em mudança, está sempre em
movimento de vir-a-ser, o Dasein só encontra sua completude na morte, é apenas na
morte que Dasein deixa de vir-a-ser para se tornar algo que é.
O dasein é o único ser que se dá conta de sua existência, e por isso, é o único
ser que se dá conta de sua própria finitude. O Ser-aí compreende que está vivo, que
existe, e que não existe de qualquer modo, mas existe em um mundo. Dasein é sempre
ser-no-mundo. Ao compreender sua existência, Dasein percebe sua finitude, pois tudo
aquilo que está vivo terá seu fim, e o Homem não escapa dessa condição de ter um fim.
Para Heidegger (1989):
O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e cada vez meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um ente deste ser, a pre-sença se entrega à responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser é o que neste ente está sempre em jogo. (p. 77)
E Kirchner (2007), explica e complementa esta afirmação:
Existência é uma determinação ontológica exclusiva do modo de ser do homem. De um lado, a “essência” da presença consiste em sua existência; existindo, está sempre já em jogo o seu próprio ser, isto é, a presença tem de
25
ser (zusein) de algum modo para poder ser; de outro lado, o ser, que está sempre já em jogo neste ente, revela-se como ser sempre minha (jemeinnigkeit). Isso quer dizer: o ser que já sempre está em jogo é primordialmente experimentado pelo próprio este que está em jogo. (p. 97)
As duas citações acima auxiliam na compreender de que este ente do qual
falamos somo nós mesmos, não há um distanciamento, falamos de nós não dele, ou
dela, mas da nossa condição ontológica de Ser-aí. E também nos revela a ideia de que
para o Dasein não há uma essência, a única essência que existe para o Dasein é a
existência, é o existir, é o ter de ser, sempre ser.
A expressão composta „ser-no-mundo, já na sua cunhagem, mostra que pretende referir-se a uma fenômeno de unidade. Deve-se considerar este primeiro achado em seu todo. A impossibilidade de dissolvê-la em elementos, que podem ser posteriormente compostos, não exclui a multiplicidade de momentos estruturais que compõem esta constituição. (Heidegger, 1989, p. 90)
Na citação acima, Heidegger fala sobre ser-no-mundo como uma unidade, ou
seja, Dasein é sempre ser-no-mundo, Dasein nunca está separado do mundo, não há
existência para o Dasein que não seja no mundo, este nunca está fora do mundo, é
sempre, e sempre será, ser-no-mundo. Do mesmo modo, que não há mundo sem o
Dasein, não há um mundo anterior ao Dasein, ser-no-mundo é sempre uma unidade.
Para Sodelli (2006):
Esta expressão deve ser entendida como uma estrutura de realização, visto que a existência do homem como “ser-no-mundo” se desenvolve num mundo de realizações, interesses e explorações, de lutas e fracassos. É importante perceber que, na visão heideggeriana, o homem não está dentro de um mundo, quer dizer, não existe um mundo anterior no qual o homem foi colocado, tampouco o homem existe para depois criar o mundo. (p. 69)
Heidegger (1989) completa a ideia de ser-no-mundo como uma constituição necessária
a priori do Dasein, mas esta constituição de maneira alguma seria suficiente para
determinar seu ser. (p. 91)
Somente partindo do enraizamento da presença na temporalidade é que se pode penetrar na possibilidade existencial do fenômeno, ser-no-mundo, que, no começo da analítica da presença, fez-se conhecer como constituição fundamental. (heidegger, 1989, p. 150)
26
Sem o enraizamento do Dasein na temporalidade, não se pode penetrar na
possibilidade existencial ser-no-mundo, é necessário contato com a temporalidade para
poder ser-no-mundo.
A fenomenologia desenvolveu uma altamente articulada teoria do tempo e da experiência temporal. A temporalidade que ela descreve desempenha um importante papel no estabelecimento da identidade pessoal. Além do mais, é no domínio da temporalidade que a fenomenologia aborda o que seria chamado de primeiros princípios das coisas que ela examina. O tempo penetra todas as coisas, tanto noemáticas como noéticas, que são debatidas na fenomenologia, e a descrição da “origem” fenomenológica do tempo conquista uma espécie
de centro filosófico. (SOKOLOWSKI 2004, p. 141)
Para Sokolowski (2004), é possível distinguir três níveis de estrutura
temporal, o primeiro é o tempo do mundo, o tempo cronológico, o tempo dos
relógios e marcado pelo calendário. “Tal tempo pode ser comparado à
espacialidade do mundo, à extensão geométrica que as coisas possuem e às
ligações locais que elas tem umas com as outras” (p. 141). O autor denomina este
tempo como tempo transcendente ou objetivo e ainda completa dizendo que o
tempo objetivo é público, possível de medir e verificável.
O segundo tempo que o autor coloca é o tempo interno, ele também
denomina este tempo como imanente ou subjetivo. “Esse tipo de tempo pertence à
duração e às sequências de atos e experiências mentais, os eventos da vida da
consciência.” (p. 142).
Esta pesquisa aspirou compreender como se dá a Temporalidade na velhice em
uma perspectiva heideggeriana, para tanto, foi necessário compreender como o tempo
é compreendido por Heidegger.
Heidegger (2001), em suas reflexões sobre o tempo, afirma que não é apenas
difícil encontrar respostas à questão do que é o tempo, “...mas que mais difícil do que a
resposta é o desdobramento da questão do tempo” (p. 92).
Esses desdobramentos vão além das possíveis respostas sobre o que é o tempo,
e chegam a uma reflexão mais profunda sobre como se dá a relação entre o Homem e
o tempo, como o Homem vivencia a dimensão tempo e quais são os sentidos
atribuídos ao tempo nessa relação.
27
O fundamento ontológico originário da existencialidade da presença é a temporalidade. A totalidade das estruturas do ser da presença articuladas na cura
3 só se tornará existencialmente compreensível a partir da temporalidade.
(Heidegger, 1988; p. 13, § 45)
E o autor ainda completa:
Se a temporalidade constitui um sentido ontológico originário da presença, onde está em jogo o seu próprio ser, então a cura deve precisar de “tempo” e, assim, contar com o “tempo”. A temporalidade da presença constrói a “contagem do tempo”. O “tempo” nela experimentado é o aspecto fenomenal mais imediato da temporalidade. Dela brota a compreensão cotidiana e vulgar do tempo. E essa se desdobra, formando o conceito tradicional de tempo. (p. 13, §45)
Na citação acima, o autor afirma que é a temporalidade que constrói a
“contagem do tempo”, e é essa temporalidade a responsável pela compreensão
cotidiana e vulgar do tempo, ou seja, é através da temporalidade que o Dasein
compreende o tempo em seu conceito mais tradicional, o tempo como um tempo
cronológico. Heidegger também coloca a temporalidade como algo primordial na
compreensão da cura.
Sobre a temporalidade, Kirchner (2007) afirma:
Para Heidegger, o que fundamenta a temporalidade, enquanto sentido ontológico da cura, não é o tempo “natural”, isto é, o modo pelo qual grande parte de tradição metafísica compreendeu e interpretou o tempo. Está em jogo “desenvolver” o tempo ao próprio ser humano. (p. 84)
E ainda completa:
A preocupação da Heidegger, portanto, ao tratar do problema do tempo, é compreender em que sentido o tempo é tempo da presença ou, mais
3 HEIDEGGER, M; NOTAS EXPLICATIVAS; Ser e Tempo; 2° ed.; Petrópolis; Vozes, 1988.
“(N12) CURA = SORGE – Quando se pretende remeter para o nível de estruturação da pre-sença em qualquer relação, usa-se sempre o termo latino cura, pois indica a constituição ontológica. Quando porém se quer acentuar as realizações concretas do exercício da pre-sença, utiliza-se a palavra cuidado e derivados” (p. 313, NE)
28
especificamente, em que sentido é ela mesma quem se temporaliza, já sempre, desse ou daquele modo. (p. 85)
Segundo o autor citado acima, para Heidegger, a importância da compreensão
do tempo não está focada nos conceitos tradicionais, mas sim, como o homem vivencia
e desenvolve seu próprio tempo. Nas citações, o tempo é colocado como sentido
ontológico da cura, sendo assim, procuramos a compreensão do conceito de cura para
a Fenomenologia Existencial.
A unidade dos momentos constitutivos da cura, existencialidade, facticidade e de-cadência, possibilitou uma primeira delimitação ontológica da totalidade do todo estrutural da presença. A estrutura da cura chegou à seguinte fórmula existencial: preceder-a-si-mesmo-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (um ente intra-mundano que vem ao encontro). Embora articulada, a totalidade da estrutura da cura não resulta de um ajuntamento. (...) Também esclarecemos que, no clamor da consciência, a cura conclama a pre-sença para o seu poder-ser mais próprio. (...) A estrutura da cura não fala contra um possível ser-todo mas é a condição de possibilidade desse poder-ser existenciário. (Heidegger, 1988, p. 110, § 64)
A estrutura da cura é o que possibilita a condição de poder-ser, porém não se
trata apenas de um poder-ser, mas sim, do poder-ser mais próprio do Dasein. A cura
possibilita uma compreensão da delimitação da totalidade do Dasein, ou seja, para que
seja possível uma primeira compreensão de uma possível totalidade do Dasein, é
necessário essa delimitação dada pela estrutura cura4.
Para Kirchner (2007), “..., a cura é a estrutura ontológica fundamental da
presença, a cura constituí o próprio ser da presença e, a temporalidade –[...]- estrutura-
se como sentido ontológico da cura.” (p. 132). A partir dessa afirmação, pode-se
perceber a importância da compreensão da temporalidade para compreensão do
Dasein, pois a temporalidade é o sentido ontológico da cura, e a cura constituí o ser
próprio do Dasein.
Entre os fenômenos imprescindíveis na tematização da temporalidade, destaca-
se o fenômeno Morte, em seu sentido existenciário.
4 vide n.2.
29
O “fim” do ser-no-mundo é a morte. Esse fim, que pertence ao poder-ser, isto é, à existência, limita e determina a totalidade cada vez mais possível da presença. [...] De acordo com o modo de ser da presença, a morte só é num ser-para-a-morte existenciário. A estrutura existencial desse ser se evidencia
na constituição ontológica de seu poder-ser todo. (p. 12 § 45)
Para ser ser-no-mundo, é necessário à existência um fim, é essa fim que
delimita e define o modo de como o Dasein irá vivenciar e existir no mundo. Dasein é
sempre ser-no-mundo, não há dasein separado do mundo, assim como não há vida
separada de seu fim, no caso, a morte. E também não há Dasein sem poder-ser,
Dasein é sempre poder-ser, e a morte pertence a esse poder-ser do Dasein. A
estrutura existecial do ser-para-a-morte torna evidente a constituição ontológica do
poder-ser todo, pois só se chega ao todo, já que Dasein é sempre sendo poder-ser,
quando se chega ao fim. Por este motivo, Dasein também é ser-para-a-morte, pois ser-
para-a-morte é ser-para-o-todo.
O fenômeno da morte revela, existencialmente falando, ser ela intransferível, inalienável, incerta e, no entanto, a presença já está sempre na iminência de sua própria morte. A morte é, pois, uma possibilidade privilegiada da presença. Aceitar este fato é, fundamentalmente, não fugir de si mesmo, podendo abrir-se, através dela, a possibilidade para uma apropriação positiva da própria presença. (Kirchner, 2007, p.145)
E ainda diz:
Vê-se, assim, que a morte é constituída, enquanto existencial, como cada vez meu e ser sempre minha. De fato, manter-se na iminência da morte é conservar-lhe o caráter de pura possibilidade de ser. (KIRCHNER, 2007, p.145)
A morte é intransferível, apenas eu posso vivenciar minha própria morte. Não há
nada mais próprio que a morte, pois ela é sempre e cada vez mais minha, e somente
minha. Não se pode dividir a morte com o outro, assim como também não se pode
vivenciar a morte do outro, podemos apenas vivenciar a nossa própria morte. A morte é
a possibilidade mais própria do Dasein, sendo assim, é este fenômeno que torna
possível uma abertura de possibilidade para uma apropriação do próprio Dasein. O
30
Dasein sempre já está na iminência de sua própria morte, assim sendo, quando o
Dasein aceita e reconhece este fato possibilita um contato mais sincero e mais puro
consigo, e o que leva à conservação da pura possibilidade de ser.
Dasein é sempre ser-com, sendo assim, ele percebe o fenômeno morte através
do impessoal. Segundo Heidegger (1988), o fenômeno morte é próprio e único para
cada um, não se pode morrer a morte do outro, pode-se morrer pelo outro como um
sacrifício, mas nada é capaz de tirar do outro a sua própria morte, ou vivenciar essa
morte por ele. A morte do outro vem como um lembrete de que toda vida tem um fim,
Dasein é sempre ser-com-os-outros e isso faz com o que a morte do outro seja muito
mais penetrante e real do que apenas um falar sobre a morte. A morte do outro torna
para o Dasein, o fenômeno mais próximo e mais acessível.
Para Heidegger (1988), o impessoal traz a ideia de morte como “morre-se”.
Ouve-se que ele morre, que aquele morre, que aquilo morre, todos morrem. A morte
nesse sentido entra no impessoal, pois se todos morrem, ninguém morre. O impessoal
torna a morte um fenômeno distante que, por atingir a todos, não atinge ninguém.
Então se todos morrem, eu não morro, você não morre, pois não morre ninguém.
O impessoal se traduz quando alguém diz: “Me disseram..”, “ as pessoas fazem
isso...”, “todos querem...”, “todo mundo diz que...”, “não se faz isso”. Essas frases que
dizem que “todos”, “as pessoas”, “todo mundo”, “se”, sem nunca definir “quem” de fato
fez ou falou algo e sem nunca personificar alguém, faz com que esse “todo mundo”
seja ninguém, pois não é alguém de fato. O impessoal é esse todo que não é ninguém
específico, mas todos juntos um com o outro e onde ninguém é si mesmo. Sobre o
impessoal, Inwood (2002) diz que “Nós não começamos como sujeitos individuais,
cada um com seu mundo particular, que então deve juntar seus diferentes mundos por
um tipo de acordo e arranjo para um mundo comum.” (p. 97). O autor ainda completa
dizendo que através do impessoal, o Dasein se desresponsabiliza pelo que faz e
acredita, que o impessoal leva embora as escolhas do Dasein. O que o impessoal
pensa e faz todos e ninguém são responsáveis, não é alguém particular que faz ou
decide tudo e não há algo superior que toma as decisões que todos devem seguir, é
apenas o que se faz ou o que se pensa. São todos e não é ninguém.
31
3.1 Cronos e Kairós
Segunda a mitologia grega, Cronos era um titã filho de Gáia (Terra) com Urano
(Céu). Por temor de perder o poder para um de seus filhos, toda vez que Gáia gerava
uma criança, Urano o devolvia ao útero da mãe. Cansada desta condição Gáia
esconde os dos filhos e mais tarde lhe entrega uma foice. Este filho é Cronos.
Cronos utiliza a foice, entregue por sua mãe, para castrar o pai, separando
assim o Céu e a Terra. Urano, por raiva, profetiza ao filho que esse também será traído
e terá o trono roubado por um de seus filhos. Com a destituição de Urano, Cronos
liberta seus irmãos e esses o aclamam como rei. Cronos desposa sua irmã Réia5.
Cronos, por temer que a profecia do pai se realize e assim ser traído por um de
seus filhos, devora sua prole a cada nascimento. Devido a sua dor por perder seus
filhos, Réia engana Cronos e lhe entrega uma pedra ao invéz de seu filho Zeus. Zeus,
quando cresce, luta contra Cronos e o faz vomitar seus irmãos. Com a ajuda do irmão,
Zeus destrona Cronos, e assim assume o olimpo.
Cronos é considerado o Deus da colheita e do tempo. Cronos devora os próprios
filhos por medo que um dia esses lhe tirem o trono. Cronos é aquele que tudo devora,
que tudo destrói, e sendo o deus do tempo, essa ilustração lhe cabe muito bem.
Assim como o deus, o tempo Cronos também é aquele que traz coisas boas,
como na colheita, mas que também a tudo devora e destrói. É o tempo que tudo engole,
engole as horas, engole os dias e, assim, engole a vida aos poucos. O tempo Cronos é
aquele que passa e tudo devora, é o tempo das horas, dos dias e dos meses e anos, e
assim também os engole. Assim como no mito, Cronos parece castrar primeiro os mais
velhos, como fez com o pai, e depois engole os mais novos à medida que esses
aparecem. Cronos não perdoa, ele simplesmente passa e devora o que estiver pela
frente, assim como o tempo cronológico.
5 http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/MGCronos.html. Capturado em 15/05/13
32
Kairós, em algumas lendas é irmão de Cronos e em outras é filho caçula de
Zeus. Enquanto Cronos representa o tempo quantitativo, Kairós representa o tempo
qualitativo, que não pode ser medido, o tempo interno e imensurável.
Kairós significa “o momento oportuno”, o tempo certo, o tempo eterno e não
linear, o tempo em potencial. Kairós é representado como um jovem atlético e muito
belo, que se movia com rapidez, pois possuía asas nos ombros e nos pés. Usava a
cabeça raspada, mantendo apenas uma bela mecha de cabelo na testa, o que explica
que as pessoas só podiam pega-lo pela frente agarrando seu tufo de cabelo. O jovem
era tão rápido que ninguém era capaz de pega-lo depois que tivesse passado6.
Kairós é o tempo propício, é preciso pega-lo pela frente, senão ele escapa.
Kairós representa o tempo interno, o tempo próprio, o tempo que não é medido ou
quantificado, ele é apenas um momento, o momento certo, o momento oportuno e se
não for pego, ou percebido, ele passa e não volta mais.
Kairós é o modo que o tempo é percebido internamente, não depende do tempo
cronológico para passar, ele passa de acordo com o momento, de acordo com o como
se percebe o tempo passar. É o tempo das possibilidades, tudo que é frustrado no
tempo Cronos, pode ser realizado no tempo Kairós, pois no Kairós, um segundo pode
tornar-se um ano e uma hora pode passar como um minuto. O tempo Kairós não limita
como o cronos, ele abre possibilidades de modos de vivência.
6 http://viveredevanear.blogspot.com.br/2012/09/duas-dimensoes-do-tempo-chronos-e-kairos.html. Capturado
em 15/05/2013
33
4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS
Serão apresentados a seguir os focos de análise da entrevista realizada. Os
quatorze focos foram organizados em dois grandes temas: Sentidos atribuídos ao
Tempo e sentidos atribuídos à Velhice.
Sentidos atribuídos ao Tempo:
- O futuro é agora
- Expectativas de futuro
- Expectativa de futuro – família
- Expectativa de futuro na Juventude
- O tempo na juventude
- O tempo hoje
- O tempo no mundo
- O tempo na velhice
Sentidos atribuídos à velhice:
- Vivências na velhice
- Desvalorização na velhice
- Importância da família na velhice
- Importância da Saúde na velhice
- visão sobre a juventude atual
- O trabalho na velhice
34
4.1 Tema: Sentidos Atribuídos ao Tempo
FOCO: O futuro é agora!
“O meu futuro já tá sendo agora,...”
“Bom, já plantei, já to colhendo, como é que eu vou plantar mais?”
A primeira fala é a primeira resposta à pergunta desencadeadora. Quando
perguntada quais são sua expectativas de futuro, a entrevistada responde que o seu
futuro é que está vivendo agora, ela afirma que já trabalhou muito e que agora é o
tempo de colher os frutos cultivados em uma vida inteira. A entrevistada diz nesses
momentos que não há mais o que se planejar, que não há mais planos para o futuro,
há apenas a vivência do agora.
FOCO: Expectativas de futuro
“No meu futuro, é que eu fique mais velhinha, é isso que você quer saber? Meu futuro
é esse como é assim mesmo, fico velhinha, com o pessoal me visitando, quem quiser
ficar comigo venha, quem não quiser não venha. Se eu não puder trabalhar, eu chamo
uma pessoa para, que minha família é grande, mas se ninguém quiser vir, eu pago
uma pessoa para vir e ficar comigo. Eu não quero ir para o asilo, não quero que me
botem em um asilo.”
“Meu futuro já está planejado. Tenho fé em Deus que eu não vou sofrer mais do que eu
já sofri.”
“que eu vou ter minha saúde, vou ficar velhinha, deixam eu velinha aqui, vão me ajudar
coisa e tal, só uma coisa é que eu não quero que me internem.”
35
“Só uma coisa eu peço, só peço para não ser internada, assim, no asilo”
“só não quero ir pro asilo, eu acho muito devoroso.”
Nas falas acima a entrevistada coloca quais são as suas expectativas de futuro.
Quando se trata de seu futuro a entrevistada coloca principalmente que não quer ser
internada, que pensa em envelhecer com saúde e ser independente na sua
dependência, pois diz que se não houver alguém da família para cuidar dela, ela
pagará alguém para isso. Talvez esse desejo de independência mesmo quando for
dependente seja resultado da vontade de permanecer em sua casa ao invés de uma
casa de repouso para idosos. Essa principal expectativa de futuro, não ir para o asilo, é
a motivação para as demais expectativas.
FOCO: Expectativa de futuro - família
“o que penso do futuro é que eu quero ver tudo unido, não quero
briga, discussão quero que tudo seja educado, assim como eu fui” (fala da família)
“queria que meus netos...fossem educados mas, aproveitassem a educação, que elas
tem, todas, meus filhos, mas infelizmente, não é como a gente quer. Mas a gente sente
no coração da gente. Ai eu fico pensando assim, eu vou fazer o que?”
“E eu, passo tudo que sei para minha família, agora, se quiser pegar bem, se não
quiser...paciência. não vou desprezar ninguém, gosto de todos.”
Ainda falando de expectativas de futuro, a entrevistada traz a sua expectativa
em relação ao futuro de sua família, como se o futuro da família fosse o seu próprio
futuro. A família é tida como uma continuação de sua vida, por isso ela traz muitos
36
valores que gostaria que houvesse em seus familiares, como a importância da
educação por exemplo.
FOCO: Expectativa de futuro na juventude
“só pensava em ir pra frente, meu negócio era ter as coisas. Eu queria ter, mas
trabalhando. Assim, eu gostava muito de vaidade, em ter as coisa, mas eu pensava em
ter as coisa, não era..., não gosto de estragar as coisa, gosto de tudo certo. Meu
sentido era ter as coisa, mas, e outra coisa assim amar de verdade uma pessoa, amar
de verdade não por...mentira”
“Não queria estudar, só queria namorar, se eu soubesse que é tão bom assim na vida,
tinha estudado.”
“e eu pequena, mocinha, eu andava muito chique. Eu só queria ser grã-fina.”
“eu pensei que eu ia viver com meu marido e tudo bem, que ia ser tudo certo, mas era
assim, ter muita coisa, mas sendo humilde, mas sendo..., como é que se diz? Mulher
correta, não assim, tão cheia de altos e baixos. Eu pensava que fosse assim, mas não
me arrependo, foi melhor do que eu esperava, eu acho, entende?”
Na juventude, quando a entrevistada fala sobre as expectativas de futuro que
tinha no passado, ela fala sobre planejamentos em longo prazo, sobre como sua vida
era pautada no trabalho para ser bem sucedida financeiramente, como imaginava sua
vida e sua velhice, não “tão cheia de altos e baixos” como foi na realidade. Nessas
falas ela também traz valores como honestidade e humildade.
FOCO: O tempo na juventude
37
“Eu acho que demorava mais, porque a gente lutava para ter as coisas, demorava....,
que hoje em dia é só você dar um jeitinho que....consegue.”
“a gente plantava e esperava, que cresce na hora certa né, e quando dava a gente
colhia, vendia, vivia disso..., das coisas que dava na roça”
“antigamente, tinha que machucar pimenta, machucar o alho, junta tudo os temperos...
hoje em dia já vem tudo pronto.”
Quando se fala de como o tempo parecia passar quando a entrevistada era mais
jovem, ela faz referencias de como o mundo era naquela época, de como sua vida era,
e essas referências a ajudam explicar como ela percebia o tempo passando. A
entrevistada também faz comparações de como percebia o tempo no passado como
percebe no presente, ela fala que hoje as coisas são mais fáceis e mais rápidas, “já
vem tudo pronto”, e que quando era jovem havia um tempo certo para tudo, havia um
tempo para plantar e para colher.
FOCO: O tempo hoje
“Eu acho que o tempo tá passando muito rápido, e cada vez mais, é muita coisa
avança, avança muita coisa, muita”
“acho que tá tudo passando mais rápido, tá, porque antigamente era difícil as coisa, e
hoje em dia tudo aparece rápido de maneira tão rápido que a pessoa...,”
“e a gente tem que andar conforme o tempo, que se não a gente fica.”
“E sobre o tempo, eu acho muito corrido o tempo, muito depressa”
38
“É as coisas é tão rápido que hoje em dia você faz uma comida, você tempera hoje
para amanhã já..., já ta prontinho amanha e, antigamente não, a gente tinha que fazer
tudo com sacrifício, fazer... e hoje não, hoje tá fácil”
“É como eu falei, que hoje em dia a cidade, ta muito avançado a vida, as coisa, e
antigamente não era assim, era muito devagar, hoje em dia parece que a tecnologia ta
bem avançada, né, quanto a pessoa mais estuda, mais tem experiência nas coisa.”
“eu acho muito avançado, ta tudo muito depressa, muito, ta acontecendo muito rápido,
e é como eu te falei.”
Nas falas acima, a entrevistada compara o modo como percebe o mundo hoje com a
forma que percebia o mundo quando era mais jovem. A entrevistada percebe o tempo
passando cada vez mais rápido, diferente de como percebia na juventude, e diz que é
preciso acompanhar o tempo, “que se não a gente fica”. Também associa a velocidade
do tempo com os avanços tecnológicos e com o modo de vida atual.
FOCO: O tempo-mundo
“se você for fazer uma comida, antigamente, tinha que machucar pimenta, machucar o
alho, junta tudo os temperos... hoje em dia já vem tudo pronto”
“Então, hoje em dia não botam um negócio nas planta? E os bicho também, dão ração,
com três meses... era seis meses para um frango crescer. A galinha tinha pintinho, com
seis meses já tava bom de comer. Agora com três já ta comendo é tudo, pessoal dá um
remédio para..., tudo é rápido agora, tudo...”
39
“tá muito evoluído o tempo que a gente tá. Com pressa, eu só não..., se não for de
acordo com o tempo você fica, perde a hora, perde emprego, perde estudo, perde
médico.”
“se você não cuida, não acorda na hora certa. Você perde e o tempo passa, e você não
faz aquilo.”
A entrevistada associa a sua percepção do passar do tempo com o modo que
percebe o mundo. Para explicar como percebe o tempo, a entrevistada traz relatos do
tempo cronológico, “perde a hora, perde emprego”, e assim conta como o tempo está
passando rápido para ela, e que há um esforço para acompanhar esse tempo veloz.
FOCO: O tempo na velhice
“E eu acho que já to tão velha com esse tempo agora que passa, tanta coisa que ta
passando, mas tem que meter os pés e braços.”
“As vezes eu penso que eu tenho mais de oitenta anos, pelo que eu já vi na vida.”
Nas falas acima, a entrevistada traz o tempo Kairóz, o tempo vivido, pois relata
sentir-se mais velha do que é cronologicamente, quando leva em consideração as
experiências vividas ao longo de sua história. Ela sente o tempo passar por ela em sua
velhice, sente-se velha em relação ao tempo, mas percebe que não pode desistir, que
“tem que meter os pés e braços”.
4.2. Tema: Sentidos Atribuídos à Velhice
FOCO: A vivência da velhice
“até que eu to bem graças a deus, quero continuar assim, levando minha vida assim,
até quando deus quiser.”
40
“Sou feliz graças a deus, com a minha velhice, ..., com que deus me deu, com o que eu
sou. Com o que eu aprendi, com que não aprendi.”
“ eu tenho oitenta anos, já sou vivida né...”
“não to aborrecendo ninguém, pelo meu jeito que eu sou, pelo que eu tenho, dá para
eu não incomodar ninguém”
“Divido o meu conhecimento que eu tenho, e o que eu fiz na vida, para ter isso, precisa
a pessoa passar por muitas coisa.”
“As vezes eu penso que eu tenho mais de oitenta anos, pelo que eu já vi na vida.”
“(...), gosto de me pitar, de maquiar, de brinco de ouro, mas raramente, não é toda vez
não.”
“Quer saber mais de...gosto de teatro, muito, cinema.”
“Eu tenho muita amiga aqui, na rua, de uma ponta a outra, aqui tem tudo, eu moro aqui
a mais de cinquenta anos.”
“quando eu saio para passear eu vou pro cinema, vou pro teatro, vou pro centro da
cidade, shopping, para feira, pro supermercado, vejo televisão, pronto. Telefono, essas
coisa, falo com minhas família, viajo...”
“Hoje em dia to velha, cansada mas to feliz, to feliz graças a Deus. Eu não pensei nem
de ficar assim, com o que eu tenho, graças a Deus né.”
41
“Isso, isso, muitos colhem o que plantou e eu to colhendo o que eu plantei. Com muita
honra.”
Neste foco de análise, pode-se olhar para modo como a entrevistada vive sua
velhice, a religiosidade aparece sempre como algo positivo e ela conta sobre as suas
atividades de lazer como cinema, teatro e viagens. A entrevistada percebe sua velhice
de maneira positiva e que, apesar de cansada, conta que está feliz do modo que vive e
com as experiências que teve ao longo da vida. Relata ainda que conquistou o
suficiente para não “incomodar ninguém” e que passa o que aprendeu durante a vida
para a sua família.
FOCO: Desvalorização na velhice
“ certas pessoas que num, que num quer ouvir, acha que a pessoa tá velha, não sei o
que...”
“Eu não posso falar por que sou velha, “ah porque você é velha, porque cê...”, aí eu fico
calada.”
“É assim porque a pessoa, porque é preta, é pobre, é feia, é velha, é... “
A entrevistada conta algumas situações em que se sente desvalorizada por
causa da velhice, ela conta que prefere não expressar sua opinião por acreditar que
não será ouvida, ou será desacreditada ou desvalorizada devido à idade.
FOCO: Importância da família na velhice
“Filho, filha é tudo preocupação, tudo espalhado, mas tudo formado, educado, me
respeitam até hoje, dou graças a Deus, porque eu tenho uma família muito...e muita
gente não tem a família que eu tenho.”
42
“To feliz, com meus filhos, com minha família,”
“E eu, passo tudo que sei para minha família, agora, se quiser pegar bem, se não
quiser...paciência.”
“Sou viúva, graças a deus vivo muito bem, meus filhos, me ajudam. Quer dizer, não é,
em tudo que eu precisar que eles ajuda, eles ajuda”
“ Faço festa de aniversário, toda vez que eu faço a casa é cheia de gente, muito cheia.”
Nas falas acima é possível perceber a importância da família para a entrevistada
nessa fase da vida. Ela traz relatos de que está satisfeita na velhice por ter uma família
grande que a ajuda quando precisa. Também é possível perceber a importância que
ela dá para os conselhos e os valores que passa para a família, pois é como se a
família fosse uma possibilidade para a continuação de sua vida.
FOCO: Importância da saúde na velhice
“Gosto dos meus médicos, das minhas doutoras, que me ajuda...”
“Sou operada, tenho cinco operações”
“Médico bom, hospitais, tudo”
“que eu penso assim, que eu vou ter minha saúde, vou ficar velhinha...”
A saúde aparece como algo importante para a entrevistada, tanto quando fala
sobre sua vida atual, quanto quando fala sobre suas expectativas de futuro. Ela conta
43
sobre as cirurgias já realizadas e como é importante ter condições de ser bem cuidada
por bons médicos e bons hospitais. Ela também espera ter saúde quando for mais
velha, para continuar não depender dos filhos ou de estranhos.
FOCO: Visão sobre a juventude atual
“e os pessoal de hoje não..., pensa que a vida é só assim, esse auê todo, vamo que
vamo, é tcha-tcha-tcha, não sei o que, e segura o tchan e assim vai..., mas não é
assim.”
“Mas hoje em dia, se não...se não tiver junto acho que não..., acha que a pessoa que tá
errada, e já era, “hoje em dia não existe isso mais não!” ,existe sim, para quem tem
vergonha existe .”
“tem gente que não tá nem aí, só quer ficar sentado conversado, se pintando, porque
acha que é bonita, é não sei o que...., não pensa no futuro.”
“hoje em dia é assim né, já a pessoa já vai e se entrega achando que o cara é uma
coisa, quando vai ver é outra coisa, o cara usa e abusa e daqui a pouco não quer
mais.”
“Já se entregou? Casa logo. Se não der certo, deixa...”
A entrevistada percebe o modo de vida da juventude atual de forma negativa,
como se a juventude atual não possuísse a seriedade necessária e os valores
necessários em sua opinião, que os jovens querem apenas se divertir sem pensar no
futuro. Ela ainda relata sobre as relações amorosas dos jovens, que para ela acontece
muito rápido e não se leva a serio.
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FOCO: O trabalho na velhice
“Eu trabalho muito, cozinho muito, graças a Deus. Deus me deu força, coragem, e peço
a deus que me dê força mais pra eu cozinhar, eu cozinho muito.”
“não trabalho assim pra ter as coisa, eu trabalho muito porque preciso trabalhar.”
“não preciso mais, assim de, trabalhar para viver, entendeu? Preciso trabalhar, mas se
eu não quisesse eu não trabalhava.”
“Eu gosto de plantar, de criar, de ter as coisa por causa da minha família, para ajudar
minha família”
A entrevistada salienta a importância do trabalho em sua vida, não o trabalho
como vínculo empregatício, mas o trabalho como os afazeres domésticos, suas
criações e cultivação de plantas. Ela também relata que não precisa do trabalho para
sua sobrevivência, e sim, necessita como algo que reafirma sua vida, reafirma que,
apesar da idade, ainda está viva e forte o suficiente para ser independente e ajudar sua
família.
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5 ANÁLISE DA ENTREVISTA
Os sentidos que se evidenciaram na narrativa da entrevistada a partir da
pergunta desencadeadora, “Como a senhora lida com a expectativa de futuro?”,
originaram após as leituras e ao processo de análise, quatorze focos de análise. Esses
focos de análise foram compreendidos enquanto parte da percepção da temporalidade
na velhice, assim como a vivência da própria velhice para a entrevistada. Os sentidos
apresentados a seguir foram analisados a partir dos focos de análise que se seguem:
(O futuro é agora); (Expectativas de futuro); (Expectativa de futuro – família);
(Expectativa de futuro na Juventude); (O tempo na juventude); (O tempo hoje); (O
tempo no mundo); (O tempo na velhice); (Vivências na velhice); (Desvalorização na
velhice); (Importância da família na velhice); (Importância da Saúde na velhice); (Visão
sobre a juventude atual); e (O trabalho na velhice).
Pode-se apontar nos focos de análise (O futuro é agora), (Expectativas de
futuro), (Expectativa de futuro – família), (Expectativa de futuro na Juventude), (O
tempo na juventude), (O tempo hoje), (O tempo no mundo) e (O tempo na velhice), os
sentidos do tempo na velhice vividos pela entrevistada, nestes focos é possível
perceber como se dá a temporalidade para ela.
Ao responder à pergunta desencadeadora, a entrevistada conta que seu futuro
está sendo vivido agora, em seu presente, que os seus planejamentos já se realizaram
de alguma forma, que ela está apenas vivendo o que planejou para si durante a vida,
que neste momento está colhendo os frutos de uma vida inteira.
No inicio da entrevista, e ao longo dela, foi possível perceber que a entrevistada
entende seu presente como o futuro planejado ao longo da vida, claro que ela faz
menções a altos e baixos e diz que nada foi exatamente como o sonhado, mas que ela
está satisfeita com o que conquistou e não se arrepende do que viveu para chegar a
esta fase, deste modo. Relata ainda que não há planos para o futuro, que já planejou o
suficiente e que não há mais nada que possa desejar.
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Esse modo de lidar com a expectativa de futuro é uma forma de olhar para sua
velhice como algo próximo à finitude, como se não houvesse um futuro à longo prazo,
há apenas um futuro à curto prazo, por isso, mais à para frente, ela cita expectativas
mais próximas ao presente, sem ir muito longe temporalmente, como uma preocupação
com os valores passados à família.
A entrevistada prende-se a vivência do agora, sem muitas preocupações com o
futuro, relata que seu futuro já está planejado e que agora resta-lhe apenas vive-lo.
A principal expectativa de futuro apresentada ao longo da entrevista, foi a
expectativa de não ser internada em uma casa de repouso, asilo, por acreditar ser um
destino injusto e sofrido para alguém que trabalhou a vida inteira. Ela imagina em seu
futuro ficar mais velha e ainda ser independente, ou se dependente, deseja continuar
em sua própria casa sem necessidade de uma internação, ela ainda conta que
trabalhou muito durante a vida e que por isso, hoje tem condições financeiras que
permitem que ela não precise depender dos filhos ou de terceiros financeiramente.
A entrevistada conta que imagina ainda ter saúde e conseguir trabalhar por um
longo tempo, apesar de dizer que não há mais nada para se planejar, não há relatos na
entrevista que possibilitem perceber que a entrevistada vê seu fim como algo próximo,
pelo contrário, ela traz relatos de que imagina que ainda viverá por muito tempo, claro
que não tanto quanto alguém mais jovem, apenas que viverá mais do que terceiros
imaginam.
O desejo de não ir para o asilo pode ser o que reafirma todas as outras
expectativas, como ter saúde e capacidade para trabalhar. Enquanto a entrevistada for
independente, cuidar de si e de sua própria casa, poder realizar seus afazeres e poder
passar algo de valor para a sua família, ela acredita que não irá para uma casa de
repouso, que ela poderá continuar levando sua vida como fez até agora, “dá para eu
não incomodar ninguém”.
Ainda sobre as expectativas de futuro, outras expectativas apontadas durante a
entrevista pela participante é em relação a sua família. Ela deseja que sua família, seus
filhos e netos, permaneçam vivendo pelos valores ensinados por ela, como a
importância da educação e da humildade. Deseja que a família continue unida e sem
desavenças.
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Quando a entrevistada coloca o futuro da família como sua própria expectativa
de futuro, nota-se que ela percebe sua família como uma continuação sua, como um
modo de prolongar sua própria vida. Se a família continuar viver através dos valores
ensinados por ela, parte de sua vida se perpetuará e assim seu fim realmente não está
próximo, e sim, tão longínquo quanto as próximas gerações.
Na juventude, a participante conta que tinha muitos planos e sonhos, que havia
desejos materiais e que desejava encontrar um amor para toda a vida. Quando jovem,
a entrevistada se importava mais com a aparência e com as coisas materiais, conta
que desejava “ter”, e que trabalhava para isso. Ela relata também que imaginava que
sua vida seria mais fácil, mais estável do que foi de fato.
Nesses relatos é possível perceber como as expectativas de futuro da juventude
eram pensados para um futuro a longo prazo, havia tempo para pensar sobre os
detalhes, e se imagina um futuro belo e sem complicações. Já nas expectativas de
futuro atuais, é pensado um futuro muito próximo do agora, já não há sonhos ou planos
a longo prazo, apenas um desejo de continuar sua vida deste modo até chegar ao fim,
apenas um desejo de não ter desgostos ou decepções, como ser internada em uma
casa de repouso por exemplo.
Ao falar do modo como percebia o tempo na juventude, a entrevistada traz
relatos de como era o mundo na época, para assim poder explicar como o tempo
passava. A participante conta que havia um tempo para tudo, que era preciso esperar e
lutar por algo que se desejasse. Ao longo da entrevista, há varias comparações com o
mundo atual e como o tempo passa agora, pois, para ela, graças aos avanços
tecnológicos e descobertas científicas, as questões do cotidiano passam de modo mais
rápido. O tempo passa mais rápido hoje, segundo a entrevistada, devido ao modo de
vida atual, pois, ao contrario do que ocorria em sua juventude, ela relata que as
“coisas” estão mais fáceis e mais rápidas, que atualmente não é preciso esperar, pois
se consegue tudo sem grandes esforços ou sacrifícios, “já vem tudo pronto.”.
Ao contar como percebe o tempo atualmente, a entrevistada faz o mesmo
caminho de comparações que fez para falar de como percebia o tempo na juventude. A
partir dessas comparações, é possível notar que para a entrevistada o tempo passa
cada vez mais rápido, e que acredita que é preciso fazer um esforço para acompanhar
48
o tempo, “que se não a gente fica”. A participante também traz a ideia de que o tempo
passa mais rápido porque o mundo e o modo de vida atual está mais avançado. Ela
faz referencias aos avanços tecnológicos e descobertas cientificas para explicar porque
acredita que o tempo está passando mais rápido. A entrevistada não faz associações
de sua temporalidade com a idade em que se encontra, mas sim com o mundo externo
e com o modo de vida atual.
A entrevistada traz o tempo Kairóz quando faz referencias ao seu cansaço e a
como se sente em relação ao tempo. Ela conta que por vezes se sente mais velha do
que os seus oitenta anos quando leva em consideração as experiências que já passou
em sua vida, ou seja, ela percebe o tempo diferente do que ela passa
cronologicamente, ela sente o passar do tempo de acordo com suas experiências e
não de acordo com o tempo do relógio. Ela também percebe o tempo passando por ela
em sua velhice, como se tudo avançasse de modo muito rápido e ela continuasse
vivendo a vida em seu próprio ritmo, talvez por isso ela associa a sua percepção do
tempo com os avanços do mundo externo, pois este passa rápido, e sua vida não.
Durante a entrevista, quando se refere a velocidade do tempo que percebe
atualmente, a participante ainda relata que não se pode desistir, que é necessário
“meter os pés e braço”, pois entende que não se deve ficar parada, que precisa
continuar trabalhando e seguindo a vida apesar das mudanças, que deve-se manter
sua saúde, seu modo de ser e adaptar-se ao mundo atual.
Já nos focos de análise (Vivências na velhice), (Desvalorização na velhice),
(Importância da família na velhice), (Importância da Saúde na velhice), (Visão sobre a
juventude atual) e (O trabalho na velhice), é possível apontar os sentidos e as vivencias
da velhice para a participante da pesquisa.
A partir dos relatos sobre o modo como percebe a própria velhice, nota-se que
alguns valores são muito importante para o seu modo de ser, como a religiosidade, a
educação, a humildade, o trabalho e a discrição.
A religiosidade aparece sempre em seus relatos como algo positivo e necessário
para a sua vida. Ela conta sobre suas atividades de lazer e como vive sua vida, sempre
positiva quando fala de sua velhice. A entrevistada faz referencia a estar cansada pela
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sua idade, pois já viveu muito, mas ainda assim está feliz e satisfeita com sua velhice e
pelo modo que levou a sua vida.
Algo que chama atenção em seus relatos, é a importância de sua independência
financeira, pois, para ela, graças a esta estabilidade ela não precisa “incomodar
ninguém”, ou seja, ela não precisa depender da familiar financeiramente, ela pode levar
o restante de sua vida a sua própria maneira e tomar as decisões sobre o seu futuro,
como não ir para o asilo por exemplo.
Outra questão que parece ser importante para a entrevistada, é a passagem de
sua experiência e de seus valores para as próximas gerações. Ela faz varias
referencias sobre como gostaria que sua família fosse no futuro e como ela gostaria
que seus filhos e netos fundamentassem sua vidas nos valores que ela aprendeu com
a vida e tenta lhes ensinar.
Além das questões positivas em sua velhice, a participante também faz
referencias à desvalorização sentida por ser idosa. A entrevistada faz algumas
referencias sobre situações em que não é ouvida, ou em que prefere se calar por
perceber que não será ouvida ou que será julgada negativamente pela sua idade. Ela
acredita que não será levada a serio, que será desacreditada por causa da sua velhice,
e por isso prefere guardar sua opiniões e, por vezes, até conselhos para si. Ela relata
ainda que isso a entristece, mas que não vê como poderia ser diferente, ou o que
poderia fazer para mudar tal situação.
A família entre varias vezes em seus relatos ao longo da entrevista. Seus relatos
de satisfação e felicidade na velhice sempre vem seguidos por referencias a sua familia,
ela conta que possui uma família muito grande, e que sempre há pessoas a visitando,
ela conta que nunca está sozinha, que sempre há alguém para lhe fazer companhia e
que sua casa é sempre cheia. Também faz varias referencias sobre os valores que
ensina para os seus filhos e netos e sobre como se entristece quando percebe que
alguém não seguiu seus conselhos.
Como já dito acima, a família surge como uma possibilidade de continuação de
sua vida, por isso a importância de que sigam seus conselhos e aprendam seus
valores, para que assim ela sinta que fez algo maior do que si mesma e que parte de si
50
mesma ira continuar com as próximas gerações, já que ela leva o futuro da família
como uma expectativa de futuro própria.
A questão da saúde na velhice também aparece ao longo da entrevista. A
entrevistada deseja continuar saudável e capaz pelo restante de sua vida, faz
referencia a importância de ser bem cuidada por bons médicos e em bons hospitais,
mas acima de tudo, conta que deseja ter saúde em sua velhice para que não precise
depender de terceiros e assim continuar vivendo como está agora, em sua própria casa
sem necessidade de ser internada em uma casa de repouso.
Sobre o modo como percebe a juventude atual e seu modo de vida, a
entrevistada faz referencias negativas dizendo que os jovens não vivem com seriedade
e que acham que a vida é uma festa. A participante conta que os pais não educam
como se deve no mundo de hoje, que a nova geração é irresponsável e não valoriza
conceitos que para ela são sagrados, como a religião, os pais e a educação.
A entrevistada percebe a diferenças entre gerações negativamente e não faz
referencias positivas aos jovens atuais. Ela faz comparações com a sua juventude e
com sua experiência de vida e diz que não é assim que deve-se viver. O mundo atual
surge como algo perigoso e desonesto para a entrevistada, e por isso ela acredita que
os jovens devam levar a vida de modo mais sério e mais cuidadoso.
O trabalho surge como algo importante para o modo como vivencia sua velhice,
pois ele reafirma o fato de que ainda está viva e que ainda pode contribuir de alguma
forma para si mesma e para sua família. Ela conta que não trabalha por necessidade
financeira ou por sobrevivência, mas sim por gostar de trabalhar e de seu util. O
trabalho é uma reafirmação de vida e prova de que apesar da idade, a participante
ainda tem força e capacidade para ser independente e ajudar a sua família.
51
O meu tempo não é o seu tempo.
O meu tempo é só meu.
O seu tempo é seu e de qualquer pessoa, até eu.
O seu tempo é o tempo que voa.
O meu tempo só vai onde eu vou.
O seu tempo está fora, regendo.
O meu dentro, sem lua e sem sol.
O seu tempo comanda os eventos.
O seu tempo é o tempo, o meu sou.
O seu tempo é só um para todos,
O meu tempo é mais um entre muitos.
O seu tempo se mede em minutos,
O meu muda e se perde entre outros.
O meu tempo faz parte de mim,
não do que eu sigo.
O meu tempo acabará comigo
no meu fim.
“O meu tempo”
Arnaldo Antunes
52
6 DISCUSSÃO
A pergunta inicial desta pesquisa foi “como se dá a temporalidade na velhice?”.
Ao decorrer dos capítulos teóricos, percebemos como a velhice pode ser percebida de
modos negativos e positivos, e como ela ocorre de maneira singular para cada
indivíduo. Para Calderoni (2006):
Existem várias formas de se viver a velhice: experiência singular, cada um a vive do seu modo, de acordo com sua trajetória de vida. A subjetividade se apoia, se sustenta, nos grupos de pertinência, no corpo biológico, na cultura, formando o psiquismo de cada um, a partir da vivência da sua história. (p. 43)
A velhice é experienciada de modo único para cada sujeito, pois cada sujeito
vivencia sua própria vida, cada sujeito vivencia ser quem é, cada sujeito possui suas
próprias experiências e vivencia a sociedade de um modo diferente. A velhice deve ser
compreendida de modo a ir muito além da imagem social, pois a velhice de cada um é
construída por ele mesmo e não pode ser completamente compreendida a partir de
uma imagem universal.
A autora ainda completa:
O estudo da idade adulta, na sociedade contemporânea, é ainda recente e inexplorado. Não se pode dizer que exista uma teoria de aceitação geral que a explique, e pouco se sabe sobre a fase, comparativamente ao conhecimento que se tem sobre a infância e adolescência. (CALDERONI, 2006. p 55)
Percebe-se também que a temporalidade não é algo tão simples de ser
compreendido, é necessário notar que o tempo vivido não é algo linear e mensurável,
como o tempo Cronos, e sim que o tempo vivido é o tempo dos sonhos, o tempo dos
pensamentos, o tempo das lembranças e dos devaneios. Kairós é o momento, e este
momento é que define a percepção do passar do tempo, não o badalar do sino nem do
relógio, e sim o modo como é vivenciado aquele momento.
53
Quando se fala sobre expectativas de futuro, o que foi importante para entender
quais os significados do tempo e da velhice para o sujeito desta pesquisa, observou-se
que para a entrevistada o futuro era algo muito próximo, quase presente no agora. Para
ela o futuro estava sendo vivenciado no presente, ela já estava vivendo seu próprio
futuro, pois estava vivendo o que planejou e esperou a vida inteira para conseguir.
A temporalidade heideggeriana passa-se no domínio da consciência e quer o passado quer o futuro, embora referidos no presente. A estes dados há que acrescentar o primado do futuro quer sobre o passado quer, em ultimo lugar, sobre o presente, tal como há que pensar a morte no lugar do futuro. (REIS, 2005. p. 371)
Diferente de como se dá no agora, as expectativas de futuro de quando estava
na juventude eram à longo prazo, sempre pensados para um futuro distante dali, pois
ainda havia muito tempo para se pensar e conquistar tudo o que desejava. Suas ideias
eram românticas, como ter alguém para amar e envelhecer ao lado de seu marido,
porém com o tempo, a realidade foi se aproximando e hoje ela percebe que a vida não
foi tão romântica com ela, porém foi alegre o suficiente para não sobrar
arrependimentos.
Quando se olha para as suas respostas, percebe-se que ela acredita que não há
pelo que esperar nesta fase da vida, que lhe resta apenas colher os frutos plantados e
esperar por não ter mais sofrimentos. No entanto, quando se imagina no futuro, ela não
pensa que terá um fim próximo, e sim, que ainda irá viver bem por mais alguns anos.
Também pontua que quando estiver “bem velhinha”, ela deseja continuar com saúde e
independente da família, pois já conquistou uma estabilidade financeira durante a vida,
e assim sendo, apenas deseja uma única coisa de toda a família, ela deseja não ser
internada em uma casa de repouso para idosos.
Calderoni (2006) diz:
Algumas pessoas idosas vivem a falta de perspectiva para o seu presente e futuro se apegando à noção de que “meu tempo já passou”, e se veem sem objetivos, deixando que o sentimento se iminência da morte, com sua força assustadora e demolidora, se imponha à perspectiva de vida. (p. 42)
54
Essa diferença entre expectativas de futuro no passado longínquo e no presente
pode ser compreendida por uma ideia de aproximação do fim, pela ideia de finitude,
pois é na velhice que nos damos conta de que temos mais “ontens” do que “amanhãns”.
A ideia que a entrevistada traz de que já viveu tudo e que não espera mais nada da
vida, pode ser explicada pela noção de que seu fim está mais próximo do que estava
quando era jovem. Ela conta que quando era jovem, pensava em conquistas materiais
e românticas, que queria namorar e não dava valor aos estudos, e ao mesmo tempo,
gostaria de vivenciar momentos prazerosos rapidamente, namorar é um exemplo,
como se não houvesse todo o tempo do mundo pela frente, ela imaginava seu futuro
como algo distante, como algo que demoraria muito e muito tempo para chegar. Por fim
esse futuro tão distante chegou para ela na velhice e ela percebe isso como o fim de
suas conquistas.
O que mais chama a atenção durante a entrevista, é a sua persistência em dizer
que não deseja ir para o asilo, essa é a principal expectativa de futuro que ela
apresenta-nos em sua fala. A importância que ela dá ao trabalho e a sua
independência financeira, tanto explicitadas na entrevista, podem ser explicadas por
este desejo de manter-se ativa e capaz para que não seja necessário uma casa de
repouso. Pode-se dizer que é este desejo que a mantém forte, lucida e capaz, mesmo
com esta idade, e o desejo de manter-se assim, mesmo que em um futuro um pouco
mais distante.
Para compreender melhor como a senhora que participou deste trabalho
vivencia sua temporalidade, pode-se imaginar uma linha do tempo, onde coloca-se a
infância no inicio desta linha e a classifica como passado. Depois coloca-se a juventude
no centro desta linha e a classifica como presente, neste presente são feitos os planos
e são sonhados os sonhos. Por fim, coloca-se no fim da linha a velhice, e a classifica
como futuro, onde tudo já terá sido feito e conquistado. Assim sendo, é simples
imaginar o motivo pelo qual a entrevistada acredita estar vivendo seu futuro, ela não
possui mais planos em longo prazo, apenas em curto prazo, com receio que esta linha
chegue ao fim antes que se possa cumprir os novos planos.
A entrevistada percebe que está vivendo sua velhice atualmente, e por isso diz
que está vivendo seu futuro, quando na verdade, ela está vivendo o futuro do seu
55
passado, do seu Eu jovem, e não se dá conta de que este futuro é seu presente agora
e o futuro não é mais distante como era no passado.
Outra questão que se apresenta na entrevista com certa frequência é o futuro de
sua família. A entrevistada deixa clara a sua preocupação com a família, diz que deseja
que no futuro estejam todos unidos e sem desavenças, afirma que gostaria que todos
fossem educados e seguissem os valores que ela acredita serem corretos. Pode-se
dizer que a entrevistada percebe o futuro de sua família como uma continuação de seu
próprio futuro, como uma continuação sua vida, como algo que possui um futuro a
longo prazo e que não depende de seu corpo já envelhecido para sobreviver. Ela
poderá viver para sempre pela sua família e pelos valores que ela deseja que não
sejam esquecidos.
A persistência de sua recusa de ir para o asilo pode ser compreendido por um
receio de uma imagem social do que e ser velho. Se ser velho, para a sociedade
contemporânea, é não ser mais ativo, não ser mais capaz de cuidar de si mesmo, é ser
dependente e quase um “peso” para os familiares. E se a imagem da juventude, nesta
mesma sociedade, é de um ser ativo, moderno, independente e criativo, então ela
prefere parecer-se mais com a imagem social da juventude e por isso tanto esforço
para provar que ainda é capaz, por isso ainda trabalha em casa mesmo sem
necessidade. Para não ser comparada com a imagem social da velhice atual, ela tenta
provar arduamente que ainda é capaz, que ainda pode pensar por si mesma e tomar as
decisões referentes a sua vida e não depender que alguém decida algo por ela ou a
torne um peso nas costas de alguém querido.
Esta vontade de ser ativa, de ser capaz, é o que a mantém saudável e livre para
escolher o que bem entende, é o que a mantém livre do asilo. É essa vontade que a
move, que a mantém lúcida, que mantém forte e capaz para cuidar de si mesma e não
deixar-se ser completamente dependente de alguém. Essa vontade que a iguala a
imagem social de juventude a mantém, de algum modo, viva.
Outra questão apontada pela entrevistada, e que é o foco inicial de nosso
trabalho, é a questão do tempo. Para falar como percebe o tempo, a entrevistada
sempre traz questões relacionadas ao mundo e a sociedade em períodos diferentes.
Para explicar como passava o tempo em sua juventude, a entrevistada conta como era
56
a sua vida na época, e como era o mundo ao seu redor, e assim traz relatos de que o
tempo passava mais lento quando era jovem, que havia um tempo certo para tudo e
que era preciso esforço para conquistar o que desejava. Quando conta como percebe o
tempo atualmente, ela também traz referências do mundo ao seu redor, conta que o
tempo está cada vez mais rápido e o mundo cada vez mais avançado, que tudo já vem
pronto sem esforço e que é preciso acompanhar o tempo para não ficar para traz.
Até mesmo essa tentativa de acompanhar o tempo para não ficar para traz, nos
mostra uma tentativa de seguir com o mundo, de continuar ativa, e negar a imagem
social do ser idoso.
É compreensível que a entrevistada traga referências do mundo para explicar o
tempo, pois Dasein é sempre ser-no-mundo, é sempre ser-com, não existe Dasein sem
o mundo, assim como não existe mundo sem Dasein. A entrevistada se segura em
seus referenciais de mundo para explicar o tempo, ela percebe a mudança do passar
do tempo em relação à mudança do mundo, para ela, o mundo muda mais rápido e por
isso o tempo passa mais rápido. O passar do tempo, para ela, não tem haver com sua
idade ou com o modo como vive sua vida, mas sim, tem haver diretamente com o
modo que o mundo se apresenta para ela.
A análise temática da constituição temporal do ser-no-mundo leva a seguintes questões: Se que modo algo como mundo é possível? Em que sentido mundo é? O que o mundo transcende e como transcende? A exposição ontológica I destas questões ainda não é a sua resposta. (HEIDEGGER, 1988. p.151, §69)
Quando se fala de tempo interno, fala-se de um tempo do momento, que o
momento define o passar do tempo, e apenas aquele momento pode explicar como o
tempo passou ali, mas nos esquecemos de que Dasein é sempre ser-no-mundo, e que
este mundo pode influenciar no tempo interno. Como pensar a temporalidade na
velhice, sem se dar conta de que essa velhice viu o mundo se alterar tantas vezes?
Como pensar que a temporalidade tem a ver com a fase em que se encontra na vida,
sem se atentar para as mudanças no mundo vista pelo sujeito?
A temporalidade é única para cada individuo, nenhuma pessoa sente o tempo do
mesmo modo que outra. Claro que no mundo utiliza-se o tempo Cronos para guiar-se
57
na sociedade, mas internamente esse Cronos é resignificado, e se torna Kairós, pois
um segundo pode ser uma eternidade, e um ano pode passar tão rápido como se fosse
levado pelas asas de Kairós.
Sendo assim deve-se atentar, não apenas para a idade de uma pessoa para
compreender sua temporalidade, mas também para todos os momentos significativos
em sua vida e para o modo como vivencia o mundo ao seu redor e como o vivenciava
em outros tempos.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No inicio desta investigação, os objetivos eram compreender se a temporalidade
na velhice se manifestava de modo diferente que em outras fases da vida de uma
pessoa e como se dava essa temporalidade nesta fase.
Através do estudo teórico, foi possível perceber que a velhice deve ser olhada
de modo diferente que as demais fases da vida, pois, entre outras características, o
sujeito não se percebe envelhecendo, para ele, esta fase não se difere muito da fase
anterior e as mudanças ocorrem sem que o indivíduo perceba. Ao contrario do que
ocorre em outras mudanças de fases, como o passar da infância para a adolescência,
por exemplo, pois os sinais de mudança são mais evidentes nessa transformação e
ocorrem em um curto prazo de tempo, o que torna mais fácil notar a diferença entre as
fases e perceber-se na fase seguinte, com a velhice as mudanças ocorrem gradativa e
lentamente, e há um longo período de tempo até que a pessoa perceba que se
encontra em uma nova fase da vida.
Através das pesquisas consultadas durante este trabalho, é possível notar que
para alguns indivíduos, é como se a velhice ocorresse apenas para o outro, pois a
pessoa dificilmente vivencia a velhice como a imagem social sugere, como uma fase
próxima da finitude e associada a adjetivos negativos, como inutilidade, feiura e
decrepitude; o sujeito não se percebe velho, apenas compreende que está em outro
período da vida. A velhice pode ser vivida de inúmeras formas, pois cada indivíduo
vivencia a velhice de modo único e próprio, a imagem social pode trazer uma ideia de
como o outro pode vivenciar sua velhice, mas não é tratada como um norte para que
cada indivíduo experimente e veja sua própria velhice de determinada forma. Cada
sujeito experiencia as fases de sua vida de modo particular, pois não é possível viver a
vida de outra pessoa que não a sua própria.
No decorrer deste estudo, pôde-se apreender que a temporalidade é vivenciada
de modo único para cada sujeito, pois cada ser Dasein é único em suas possibilidades
de ser, e assim, é capaz de vivenciar sua vida e as experiências que nela encontra de
modo próprio e particular. O passado, o presente e as possibilidades de futuros estão
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unidos no Dasein em um mesmo instante, e esse modo de experienciar o tempo não
leva em consideração as horas, os dias ou os anos. O tempo interno para o individuo,
nada tem de semelhante com o tempo cronológico instituído socialmente, o tempo
interno não pode ser comandado, nem medido, não é linear e possui uma lógica muito
diferente do tempo cronológico.
Este trabalho não pôde concluir como se dá a temporalidade na velhice de modo
generalizado, mas pôde perceber como se dá a temporalidade para o sujeito desta
pesquisa em sua velhice, pois cada indivíduo vive sua temporalidade a sua própria
maneira.
A senhora que participou desta pesquisa trouxe para a pesquisadora um novo
olhar sobre a velhice e sobre o vivenciar do tempo, pois graças a entrevista, pode-se
perceber como a velhice pode ser vivida de modo tão diferente quanto a imagem social
sugere, assim como também a temporalidade pode ser vivida de modo tão próprio,
contradizendo até alguns estudos lidos inicialmente para esta pesquisa.
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SZYMANSKI, H. (org.); ALMEIDA, L.; BRANDINI, R. A Entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva. 1° ed. Brasília: Liber Livro Editora, 2004
ANEXO: Entrevista Entrevistadora: Como a senhora lida com a expectativa de futuro? Entrevistada: Meu futuro? O meu futuro já ta sendo agora, entendeu? Me sinto bem graças a deus, que minha família é grande, é...eu desejo que fico tudo, ainda, o que eu mais penso no futuro é que eu quero ver tudo unido, não quero briga, discussão quero que tudo seja educado,assim como eu fui, quer dizer, fui criada pelas pessoas dos outros, mas sei de muita coisa. e muitas vez a gente vê umas coisas erradas, a gente vei dar um conselho, a pessoa não quer, não aceita... aí, a gente, eu fico com pena, e isso me incomoda, certas pessoas que num, que num quer ouvir, acha que a pessoa tá velha, não sei o que. cê sente, eu sinto muito, sinto muito de verdade, pelo o que eu já passei e sei, agora no futuro...eu vejo assim, que esse pessoal mais novo, é tudo sofrido. eles estuda, faz curso, mas não entende a coisa, pensa que ....................., mas não é assim a vida. não respeita pai nem mãe assim, mas devia respeitar porque pai, mãe, padrinho, madrinha, semana santa, tudo isso é coisa sagrada, mas o pessoal leva como uma brincadeira, um deboche um deboche não, uma festa, e....e isso me revolta mas o que é que eu vou fazer? eu tenho sabe quantos netos, eu tenho trinta. é muito neto né?! bisneto eu tenho seis, parece que é seis, num é seis... se não for sete, bisneto. filho, filha é tudo preocupação, tudo espalhado, mas tudo tudo formado, educado, me respeitam até hoje, dou graças a Deus, porque eu tenho uma família muito...e muita gente não tem a família que eu tenho. Sou assim do jeito que eu sou, limpo quintal hoje, vou, limpo quintal, trabalhando, tenho oitenta anos, é...mas não me troco com certas pessoas, não gosto de ficar pela casas dos outros, não gosto de conversa, assim..., conversa que não me interessa eu despisto e caio fora, mas não procuro confusão...deixa a pessoa. O destino resolve, não eu, né. Não posso dar jeito, mas que eu tenho pena eu tenho, agora, não gosto que a pessoa confunda pena com amor, ixi, porque tem gente que confunde, ......................................, as vezes confunde as coisas de besteira, mas não é, é tudo errado, queria que meus netos...fossem educados mas, aproveitassem a educação, que elas tem, todas, meus filhos, mas
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infelizmente, não é como a gente quer. Mas a gente sente no coração da gente. Ai eu fico pensando assim, eu vou fazer o que? Se agente falar, é ruim, não quer vir aqui, mas ó.............................................., não vai gostar né, aí eu fico calada, mas eu sofro, com isso. E assim, muitas mães querem dizer as coisas pros filhos, mas não fala, tem que falam tem que dizer, mas não é brigando, não é batendo, é ensinando, ensinando, botando para trabalhar, ajudar, dizer que a vida é assim, que tem hoje tem as coisas, mas não sabe se tem, e quando tem, não estragar, não desperdiçar. Por exemplo, cê tem, cê compra um roupa. Você usa aquele momento, você guarda, se tiver outra oportunidade você veste de novo, ou vende, mas não dá porque, “ah me dá mãe, me dá pai”, não, tá errado, eu acho. Entrevistadora: E como é que a senhora planeja assim, o seu futuro? Entrevistada: Como que eu planejo meu futuro? Entrevistadora: É, não precisa contar seus planos, mas assim, como a senhora pensa no seu futuro? Entrevistada: No meu futuro, é que eu fique mais velhinha, é isso que você quer saber? Meu futuro é esse como é assim mesmo, fico velhinha, com o pessoal me visitando, quem quiser ficar comigo venha, quem não quiser não venha. Se eu não puder trabalhar, eu chamo uma pessoa para, que minha família é grande, mas se ninguém quiser vir, eu pago uma pessoa para vir e ficar comigo. Eu não quero ir pro asilo, não quero que me botem em um asilo. Tenho muita terra graças a, bom. Entrevistadora: Fale o que a senhora quiser falar... Entrevistada: om, eu não, até que eu to bem graças a deus, quero continuar assim, levando minha vida assim, até quando deus quiser. Gosto dos meus médicos, das minhas doutoras, que me ajuda, agora, de eu ser assim, é meu jeito, eu não sei andar.................., se eu quisesse eu andava, mas que eu não, eu nasci na roça.... é como é que se...sou feliz graças a deus, com a minha velhice. To feliz, com meus filhos, com minha família, com que deus me deu, com o que eu sou. Com o que eu aprendi, com que não aprendi, não gosto, não quero fazer mal a ninguém, não quero, não desejo mal, quem perdoa é Deus, as coisa errada que acontece, não sou eu que vou perdoar. Eu perdoo minha parte, mas quem sabe se vai ser perdoado ou não é Deus, não sou, só ele. Que eu tenho pena das pessoas, porque as vezes faz coisa errada, e a gente vai dizer as coisa, a pessoa não entende, mas...eu perdoo porque as pessoa, a cabeça não é como a ente assim, eu tenho oitenta anos, já sou vivida né, e os pessoal de hoje não..., pensa que a vida é só assim, esse auê todo, vamo que vamo, é thathatha, não sei o que, e segura o than e assim vai..., mas não é assim. Tem que se divertir também, mas saber se divertir, saber com quem, saber onde está, saber respeitar. E eu, passo tudo que sei para minha família, agora, se quiser pegar bem, se não quiser...paciência. não vou desprezar ninguém, gosto de tudo, todos eles eu gosto, todas elas eu gosto. E vejo coisa certa, coisa errada, respeito tudo, que eu não posso dar jeito em tudo, tem gente na Bolívia, gente em Amparo, gente no Rio de Janeiro,
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gente em todo canto que tem, minha família é grande, muito grande, e eu estou aqui.........................e vou levando, até quando deus quiser. Só uma coisa eu peço, só peço para não ser internada, assim no asilo, asilo não, no lugar de velhinho. Pelo que eu vi na vida já, pelo meu conhecimento, muito grande, mas graças a deus, não to aborrecendo ninguém, pelo meu jeito que eu sou, pelo que eu tenho, dá para eu não incomodar ninguém, mas se eu quisesse incomodar alguém, eu tinha muito....................., fala no meu ouvido, quem me conhece sabe. Mas eu já pedi a todos eles, só não quero ir pro asilo, eu acho muito devoroso. A pessoa luta tanto pela vida, sofre pra ter as coisas e depois de velho, interna. Que é que é isso. Esse pessoal tudo mais novo, esses povo que vive na rua fazendo e acontecendo. Porque o governo em vez de...porque não educa, não bota pra limpar rua, trabalhar. Porque fica preso fica gastando, e quando sai fica, tudo a mesma coisa. Botava ele pra trabalhar, educava né. Sei lá... Meu futuro é assim, tenho pena dessas pessoas que não, que não pensa no futuro. Pensei muito para chegar aqui viu?! Muito mesmo eu pensei. Entrevistadora: E quando a senhora era mais jovem, quando a senhora era mais nova. A senhora pesava no futuro de forma diferente do que pensa agora? Entrevistada: Não, não pensava não, só pensava em ir pra frente, meu negócio era ter as coisa. Eu queria ter, mas trabalhando. Assim, eu gostava muito de vaidade, em ter as coisa, mas eu pensava em ter as coisa, não era, não gosto de estragar as coisa, gosto de tudo certo. Meu sentido era ter as coisa, mas, e outra coisa assim amar de verdade uma pessoa, amar de verdade não por...mentira, já fui enganada muito...muito, a gente pensa uma coisa e é outra né, quer dizer, nem todo mundo, mas hoje em dia tá assim, ......................, você é casada? Entrevistadora: Não. Entrevistada: É ...., qual idade cê tem? Entrevistadora: Tenho 22. Entrevistada: Muito novinha, mas já tem namorado? Entrevistadora: Tenho. Entrevistada: Eu sei mas não..., mas nem sei. A pessoa começou uma coisa, mas acha que tá, mas acha que “isso já era.” “Ochente, que idade, mas não existe mais isso não”. Oh, eu fui no teatro, eu nem sei se foi no teatro ou cinema, nem sei onde fui. Peguei meu, minha máquina de sair retrato, fotográfica né? Daquelas que bota, que aperta assim e fica assim chuuuuuu, e os meus filhos, meus netos “mas vó, pelo amor de deus, mas esconda isso, pelo amor...”, tudo com vergonha de mim. Agora hoje em dia é celular né, tudo é com câmera tem pra todo lado, e eu com a, mas oh, tirei e as minhas ficou melhor que as dele que fizeram com celular, e ta aí minha máquina,
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depois tiro o filme e mando, é revelar e pronto. E sou feliz assim, agora o negocio é que eu trabalho muito, eu pudia trabalhar menos, mas eu não consigo. Sou operada, tenho cinco operações, e agora operei de um olho, tá inchado ainda, depois vou fazer do outro. Eu trabalho muito, cozinho muito, graças a deus. Deus me dei força, coragem, e peço a deus que me de força mais pra eu cozinhar, eu cozinho muito. Se ele me deu, eu não...., quer dizer, não vou dizer que não faço, faço, aqui é muita gente, não para gente na minha casa, dou graças a deus, porque tem gente que tem, pessoas na minha idade não vai ninguém na casa né. E eu to com a casa cheia, quando não vem um, vem outro, vem outro, vem outro, vem outro..., não fico só. Agradeço muito a deus, porque tem gente que casa e quer ter filho e nem tem né, eu não, tenho oito. E outra coisa, tenho o prazer de falara que formei tudo, tudo formado. Só tem um que não se formou porque casou cedo, ficou gravida, mas o normal, completo. Agora só não se formou, só não fez faculdade. E eu sou, não sou muito boa para ler não, eu leio muito pouco. Entrevistadora: É..., a senhora falou que quando a senhora era mais jovem , quando a senhora pensava em ter tudo, a senhora planejava para ter as coisas, trabalhava para ter as coisas. Hoje em dia, isso mudou? Entrevistada: Não mudou não né, mudou mas eu não, eu não, não trabalho assim pra ter as coisa, eu trabalho muito porque preciso trabalhar. Eu gosto de plantar, de criar, de ter as coisa por acusa da minha família, para ajudar minha família, que eu...., graças a deus não preciso mais, assim de, trabalhar para viver, entendeu? Preciso trabalhar, mas se eu não quisesse eu não trabalhava, muita gente pensa que... assim, “coitada”, coitada nada. Eu não vou contar minha vida para as pessoas, o que eu tenho, o que não tenho, entendeu?! Sou viúva, graças a deus vivo muito bem, meus filhos, me ajudam. Quer dizer, não é, em tudo que eu precisar que eles ajuda, eles ajuda. Médico bom, hospitais, tudo. Faço festa de aniversário, toda vez que eu faço a casa é cheia de gente, muito cheia. Divido o meu conhecimento que eu tenho, e o que eu fiz na vida, para ter isso, precisa a pessoa passar por muitas coisa. Não por tudo que você vem, abrir a boca e falar, ou mandar ou desfazer, censurar. Pessoa que só quer vazio, ....... , aí deve aproveitar dali, se você não ta gostando você sai, ou não, não se mede. Se você vê uma pessoa lá comendo na rua, você não vai avançar e pegar para você. Caladinho você saia, porque, com pena, dó, mas...entendeu?, não é que você vai ver ninguém matando assim, vai fazer você, se for o caso você pensar em você. Tem muita coisa que a gente vê, vê que tá errado, mas que a gente não pode fazer nada, sai né. Tenho pena mas...e minha família eu falo, ............., porque depois, é..., eu tenho que acudir, de uma maneira ou de outra eu tenho que acudir, fico com muita dó. Que a gente fala... Eu tenho uma filha que ela mora na Bolívia, ela é psicóloga. As vezes eu peço conselho para ela, de tão boa que ela é, graças a deus, muito boa. E o marido, e o marido dela é cardiologista, que me operou do coração. Entrevistadora: Ele que operou?
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Entrevistada: Quer dizer, ela não me operou, ele que tava, na Bolívia ele telefonou pro chefe da, do hospital das beneficência portuguesa, e o moço fez minha operação, meu médico. E é, pois é, eu dessa idade tá vendo. E a muita coisa para gente ver, a vida assim, vê tanta coisa errada mulhé, oh, menina, né é Ju? Entrevistadora: É Ju. Entrevistada: Eu vejo tanta coisa errada Ju, que eu tenho pena, mas eu digo “meu deus, por que a vida é assim? meu Jesus..., será que eu to certa mesmo? Será que eu to errada”, não quero me meter na vida dos outros, chegar e falar as coisas as pessoas não entende..., sofrem, as vezes sofre calado porque não quer dizer, “bem que minha avó falou, a minha mãe, ou...”,. mas é que, eu perdoo, mas que, e Deus? Se eu não falasse, mas eu to falando, o que sei, o que aprendi. Eu vou falar para você uma coisa, Ju quando eu era pequena, eu corri com medo, de Lampião, no mato. A minha vó dizia, “hoje a gente vai dormir na roça, porque o Lampião está em tão canto.” Aí fazia as trouxinha e tinha que dormir lá na roça, com medo do Lampião. Via as cabeças que ele colocava assim nas calçadas, fui olhar, pensei que sou muito...velha, as vezes eu penso que eu tenho mais de oitenta anos, pelo que eu já vi na vida. Entrevistadora: E assim, a senhora falou que tem muita experiência né, que já viveu bastante... Entrevistada: Pois é, sei cozinhar, sei lavar, é...passo muito tempo................................., graças a deus, sem, não tenho muito estudo. Não queria estudar, só queria namorar, se eu soubesse que é tão bom assim na vida tinha estudado. Mas não tive tempo também, e, to bem raças a deus. Tenho meus filhos, to satisfeita, Entrevistadora: E aí a senhora fala que quando a senhora era jovem, se soubesse como era a vida, teria estudado... Entrevistada: Tinha estudado. Entrevistadora: Né, se a senhora pensasse no... Entrevistada: Estudado, e aproveitado o estudo. Porque quem não estuda e não aproveita o estudo, eu chamo isso de burrice. Porque tem gente que estuda e não aproveita o estudo, pensa que é só ler e escrever e saber das coisa e não aproveitar. Você não acha que eu to certa? Entrevistadora: Acho, Entrevistada: Porque tem muitas coisa que eu só em vê, oh, um doutor, um lugar que eu sei que não me cabe, eu não vou dizer “vou sair porque não me cabe.”, não, eu saio caladinha coisa e tal, “ah eu já vou e coisa e tal”, sai numa boa, não to bem, não
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demonstro, porque eu não sei conversar, ta naquele meio, pessoal que tem muita gente que...., é ignorante, é....pessoa que porque é preto, pessoal não respeita muito... . como é que se chama isso, eu esqueci o nome? Entrevistadora: Racismo? Entrevistada: É racismo, tem muito. Aí eu já sei que não me cabe eu saio antes de...fico só com dó de coitada dessas pessoas..., falo mesmo, dentro de mim. Sou preta, mas tenho pena de quem é branco e é burro. Branco e burro é a pior coisa, tem gente que é.............., que estuda e sabe das coisa, e faz as coisa errada. Eu é que não me dou com essas pessoas, as vezes chega em casa e não tem nem o que comer, e não faz as coisas direito, aí o filho, o filho ta doente, ou ela mesma ta doente, ou pega uma pessoa que não serve para ela e fica esnobando. Cofie na tua cabeça, tem que ter cabeça, cheguei onde eu cheguei por que eu, a minha cabeça oh...muita cuca. Sabe? Já tomei conta de filho dos outro, gente rica, já criei..., eu me casei quando era moça, a minha avó me levou para uma rua e eu, me entregou, para empregada. Depois fugi.................., me casei na casa de uma deputado, meu casamento foi assim oh, gente rica tudo “mas que neguinha bonitinha coisa e tal” , e eu...não tava nem aí, com dente de ouro..., sabe? Depois eu......., ai pediu para tirar porque ele era, era intelectual, era, era da administração de empresa , e era amigo do meu patrão, e eu casei com ele...., e foi muito bom a festa, e também fui aprendendo as ..... na casa desse deputado. E....to aqui. Só deus sabe que com esse modo que eu tenho de ter medo. Tem uma moça que disse assim, que “queria que ela entrasse aqui na minha casa”, não esqueço quando eu conto, vou nada, lugar quente e eu tenho pressão alta, eu tive que olhar, e ele ia ver com o dr. Paulo, e eu empregada, ele não tinha dinheiro da passagem, me pedia e eu dava, a passagem dele do trem...para o México. É doutor no México, eu escuto que assim, diz que ele tá velhinho...ele já era doutor e eu pequena, mocinha, eu andava muito chique. Eu só queria ser grã-fina, a....a "A". me entrevistou uma vez, e veio uma turma lá me entrevistar. Eu, eu gosto muito de ................, gosto de me pitar, de maquiar, de brinco de ouro, mas raramente, não é toda vez não. Hoje mesmo, eu tomo banho e do banho eu vou assistir ao Faustão já já. Quer saber mais de...gosto de teatro, muito, cinema. Que que a senhora....., toda vez que peço uma musica tá no thathatha e vai que vai. Ta certo quando na parte de divertir, e para voltar? Do jeito que tá o munto hoje? Faça uma festa na sua casa, ou na casa de uma amiga sua, mas .......tenha a hora certa, depende com anda e com quem sai, que se você saber...as pessoa que assim, um namorado assim, que tem muitos que namora para tirar sarro, eu sei que, eu já fui moça né, a gente não sabe caí. Eu que, que é, o cara decente não bota a pessoa pro caminho mau, não bota, o rapaz certo que tá com ela tudo né. Mas hoje em dia, se não...se não tiver junto acho que não, acha que a pessoa que tá errada, e já era, “hoje em dia não existe isso mais não!” ,existe sim, para quem tem vergonha existe . (...) terminou? Entrevistadora: Não, ainda não. Entrevistada: Nossa...
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Entrevistadora: É...como a senhora percebe o tempo passando? Entrevistada: Como o que? Entrevistadora: A senhora percebe como o tempo passa? Entrevistada: Eu acho que o tempo tá passando muito rápido, e cada vez mais, é muita coisa avança, avança muita coisa, muita. Porque aparece muita esperança das coisa, as pessoa vai descobrindo muitas coisa, e cada vez mais vai ficando mais...mais coisa pra aparecer. Pensa no ........, que descobre assim quando chove, quando vai fazer sol, quando a temperatura sobe. Por que quando os médicos, a ciência não descobre muita coisa?! Então agora tá tudo mais avançado ainda. É dos estudo, pessoal estuda, então. Porque não estuda para pessoa ser feliz, não fazer besteira, isso que doi, queria tanto que a pessoa fosse feliz, dormir feliz, sabendo que cê, que sua mãe ta feliz, sem você dá problema, porque quando a pessoa tem pai e mãe vai saber. Porque se fosse para uma mãe e um pai, com sofrimento, que não adianta você estudar e não ter educação, aqui mesmo, aqui em casa, já teve pessoas da minha família, que não vou dizer quem foi quem não, que..., quando não, até na comida não senta direito, não, chega que chega no prato e se dá para outro, se não dá, bota tudo no prato e comi, e outra hora não quer mais. Isso tudo é falta de pai e mãe ensinar, entendeu, porque eu não faço isso não. Que no meu tempo eu só leva assim, que já, já sabia que tava fazendo coisa errada, tava conversando assim, a pessoa passa correndo assim, ó o dedinho (sinal de “não”). Entendeu, por que as vezes a gente tá conversando assim, aí um passa um correndo, outro passa com conversa, outro..., aí a mãe e o pai “não meu filho, cuidado, não sei o que...”, não. Eu não posso falar por que sou velha, “ah porque você é velha, porque cê...”, aí eu fico calada. Mas vou fazer o que? Se fala, sou ruim, quer consertar o mundo, eu não...mas eu sinto muito, com essas coisa. Entrevistadora: A senhora falou que percebe o tempo passando muito rápido né?! E quando a senhora era mais nova, o tempo passava de outra forma? Entrevistada: Eu acho que demorava mais, porque a gente lutava para ter as coisa, demorava...., que hoje em dia é só você dar um jeitinho que....consegue. e trabalhando só, só que consegue. Né?! Entrevistadora: Mas a senhora acha assim que o tempo ta passando mais rápido agora pelo tempo de vida que a senhora tem, ou pelo mundo que ta mudando.? Porque a senhora ta falando muito do mundo como tá hoje em dia, e que era diferente antes. Mas para você, o tempo ta passando mais rápido? Entrevistada: Ta, porque ta tudo, tá , acho que tá tudo passando mais rápido, tá, porque antigamente era difícil as coisa, e hoje em dia tudo aparece rápido de maneira tão rápido que a pessoa..., pois é, se você for fazer uma comida, antigamente, tinha que machucar pimenta, machucar o alho, junta tudo os temperos... hoje em dia já vem tudo pronto. É as coisa é tão rápido que hoje em dia você faz uma comida, você
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tempera hoje para amanhã já..., já ta prontinho amanha e, antigamente não, a gente tinha que fazer tudo com sacrifício, fazer... e hoje não, hoje tá fácil cê vai costurar, tem tudo ali, para você costurar rápido. E antigamente não, então tu compra a linha, compra a agulha, não sei o que..., e hoje em dia tá tudo fácil. Que é assim, a pessoa trabalhando, fazendo por onde ter, não assim que cai do céu, e o tempo parece que passa rápido né?! É que quem não faz nada o tempo demora, aí pronto. Porque o pessoal fala que cabeça....parada, ...a pessoa que tem cabeça parada é oficina do diabo. A pessoa pensa coisa errada. Por que n]ao pensa o bem, e faz, e procura fazer? Não é você faz bem assim, chega lá pro .................. e “pepepepepepe”, não é. É fazer as coisa certa, eu acho assim. Pense o que quiser pensar que o que você ta fazendo é errado, você sabendo que ta certa , tá certa. Eu acho assim. Se eu tiver errada, Deus que me perdoe, mas é meu pensamento. É que eu to muito..., muito diferente, é que quando acontece uma coisa, eu já penso uma coisa tudo, depois acontece difícil, não tem nada certo. To virando o que meu Deus? Ixi, tem coisa que eu tenho até medo de pensar. Eu chamei uma moça para limpar aqui, ela chegou assim “mas como assim? Como é que eu vou limpar?”, “se eu de o tanto por dia,........................., você marcar o quanto você faz, e diz “Aí eu passo na terça, se eu não vier num dia, venho no outro,”. Sabe o que ela fez? Não veio mais. Coitada, aí eu tenho até pena porque...., essa pessoa precisava, vinha, conversava comigo direitinho, diz como é que ia ser a ........................, vinha hoje, vinha amanhã, até limpar. Quando acabasse de limpar, recebia. Porque num dia não dá pra fazer isso aqui, e eu ia pagar tanto também, eu não posso pagar porque fazer...., pois é, errado eu não quero. Por que? Porque era a pessoa...., por exemplo, eu sou preta, pobre, não, não faço de qualquer jeito, vai lá fazer na casa de um rico para ver. Só para você ter um ideia, outro dia chegou um moço aqui, eu não tava com esse brinco não..., tava com um outro, com uma argola que é de ouro, minha filha mandou da Bolívia pra mim. E eu tava com ela, fiquei..., bateu palma, vi quem foi, e a moça falou assim “moça”, digo “Oi, quem é?”, ela disse “venha cá, por favor, a patroa está?”, “ah moça, você quer falar com a patroa?”, “É, com a patroa”, digo “pera aí que eu vou chamar.”. cheguei aqui dentro, “um momentinho”, fiquei aqui, fechei a porta, fiquei olhando ela daqui de cima dizendo “coitada, que judiação.”, precisava ela fazer isso? Pra você ver que ela pensava que eu era a empregada, né? Bom, não pode fazer isso com ninguém, aí depois de uns tempo eu voltei, chego lá e disse “moça, a patroa não pode vir agora não, que ela tá lá em cima, tá ocupada, você deseja alguma coisa?”, “Você com esses brincão aí de ouro, em vez de atender a gente direito, deixa a gente aqui.” , eu disse “ta moça, ta bom moça”, entrei, e fiquei “Meu Jesus, como tem gente no mundo, ignorante.”. aí pronto, fiquei mal triste com isso, mas vamo fazer o que? Eu que to pobre, não sou mais bonita, eu to vivendo, e ela ta batendo palme aí oh, para poder ter seu dinheirinho, seu emprego. Em vez de falar com as pessoa, respeitar, chamar direitinho..., pra que estudou? Aí é o tal, ta vendo? Meu Jesus, mas tem muita coisa errada aí, tem. E assim é minha vida. Eu tenho muita amiga aqui, na rua de uma ponta a outra, aqui tem tudo, eu moro aqui a mais de cinquenta anos, não tem embrigado, não é bom? Mas eu me dou com todo mundo, você na sua casa e eu na minha, não trago todo mundo aqui para casa também, não sei quem é, se eu trago, e depois chega lá e vem outra, vem outra e vem
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outra, não gosto muito, falei, nós precisando, uma coisa assim, tudo bem, mas...., quando eu sair sair para passear eu vou pro cinema, vou pro teatro, vou pro centro da cidade, shopping, para feira, pro supermercado, vejo televisão, pronto. Telefono, essas coisa, falo com minhas família, viajo, mas quando eu vejo que a conversa não ta bom...., eu tenho pena da pessoa que...., coitada dessa pessoa né?! E outra coisa, esperou um pouco lá, mas porque, porque que eu fiz isso? Por que eu não disse logo a verdade a ela? Depois fiquei pensando, mandar chamar a patroa? Oche. Talvez se fosse minha empregada que é branquinha, minha empregada não, Deus me perdoe, eu to dizendo assim, minha moça que me ajuda, branquinha, bonitinha, é...uma senhora, talvez se ela fosse a moça ia dizer “dona,....” né. Ta vendo como é a coisa? Por isso que eu digo, estude, faça a sua entrevista, respeite as pessoa, saiba viver. Você onde vê que lhe cabe, você fica, onde você vê que não lhe cabe, você já tira seu corpo quietinha. Se chamarem você disso ou daquilo, você...., eu tenho um filho que aprendeu a dirigir. Quando ele ia dirigir o moço falava assim “vai para lá seu filho disso, seu filho daquilo”, olhava para ele e falava “brigado”, (risos), “brigado”, pronto, nunca aconteceu nada, ele aprendeu a dirigir e ta aí, é um dos diretor da Sabesp, ta aí, hoje tem dois diplomas, e tá tudo bem, outro parece que é..., o mais velho, mora lá na granja, e só de olhar vê se concorda com as coisa. Sabe falar com as pessoa do jeito que ela são, entendeu? Mas não desfaz das pessoa, eu tenho filho claro, tenho filho loiro, meu marido era claro, então gente de todo jeito, na minha família tem gente até de olho azul. Misturou tudo, eu preta, meu marido era claro, os filho saiu tudo misturado, tudo bonito, quer dizer, eu acho né. Meus netos se você vê, tenho uns neto assim feito você,...genro. Hoje em dia to velha, cansada mas to feliz, to feliz graças a Deus. Eu não pensei nem de ficar assim, com o que eu tenho, graças a Deus né. Ai você vai fazer o que agora? E isso tudo é o que você vai perguntar? Entrevistadora: Mais ou menos, é só para eu me guiar no que a gente ta conversando. A senhora falou de quando a senhora era criança, que morava na roça, e ali na roça a senhora percebia..., porque a gente está falando sobre o tempo né, e aí a senhora percebia o tempo diferente do que a senhora percebe hoje? Assim, passando diferente? Se está passando mais rápido ou mais devagar? Ou apenas passando de modo diferente? Entrevistada: Não, sobre a roça, a gente plantava e esperava, que cresce na hora certa né, e quando dava a gente colhia, vendia, vivia disso..., das coisa que dava na roça, e eu aprendia assim, muita coisa, muita coisa aprendi na roça com a minha avó. Aí, graças a Deus, eu agradeço a ela, que minha avó ficou bem velhinha, acho que morreu com cento e tantos anos na roça. E por isso eu não deixo de plantar, tem tanta coisa plantada ai no meu quintal é grande nossa, tem quase tudo ai no meu quintal, quase que eu não aproveito, porque, ta a jaca, tem pé de acerola, depois tem banana, tem jabuticaba, tem abacate, é muito maracujá, banana, tudo que dá, o quintal é pequeno mas eu tenho, eu crio muita galinha, pata e...., cágado, tudo aí. Eu não preciso mas tem, quer dizer, preciso, desculpa falar, pensei que tava... Entrevistadora: Não, tudo bem...
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Entrevistada: Mas..., tem gente que não tá nem aí, só quer ficar sentado conversado, se pintando, porque acha que é bonita, é não sei o que...., não pensa no futuro. Pense no futuro! Que no futuro é que vai ser......., internada aí pela casa dos outro, ninguém...., o genro não gosta, o a sogra, sei lá, eu pensava muito nisso. Porque minha avó quando ia passar na rua, tinha uma rua que a gente passava, tinha uma sanguessuga que pegava nas perna, tirava assim com nojo, eu pegava um pau, uma filepinha de pau, e fazia assim, fazia na perna assim (pxou), ela caia lá fora, eu tinha até essa coragem, eu dando comida pra os porco, cortando abóbora, sabe o que é abóbora? Então, cortava assim pros porco, cortava assim e aí a faca fez (shiu), aí eu botei a mão na lata de café, amarrei com o pano, mas disseram, “mas vixe como tu como é fogo, você é inteligente....”, sem ninguém me ensinar oh, a natureza. Hoje em dia corta, da um pontinho e corre pro pronto socorro, ta certo né, agora tudo é diferente, até as comida tudo, ta tudo cheio de química né, o mundo que...., na minha idade, eu acho que é por isso que eu sou forte, eu comi muito, tudo fresco, plantada, assim na hora, milho verde, hoje em dia não, é tudo com agrotóxico né. Entrevistadora: Entendi, quando a senhora era criança na roça, tinha um tempo para as coisas né, e aí vocês plantavam, esperavam crescer, então o tempo passava de uma forma mais devagar. Pelo que eu entendi que a senhora disse... Entrevistada: É, mais devagar. Entrevistadora: E aí hoje em dia, parece que passa mais rápido... por não ter esse tempo de esperar crescer? Entrevistada: Então, hoje em dia não botam um negócio nas planta? E os bicho também, dão ração, com três meses... era seis meses para um frango crescer. A galinha tinha pintinho, com seis meses já tava bom de comer. Agora com três já ta comendo é tudo, pessoal da um remédio para..., tudo é rápido agora, tudo...e a gente tem que andar conforme o tempo, que se não a gente fica. Quantos dias a mais? Se você só perde uma coisa na vida, você perde o horário, perde o ônibus, perde...né, ou você vai ou fica. Entrevistadora: E é difícil acompanhar? Entrevistada: É, não é difícil, é como eu te falei fia, porque já tem, devido a sua carreira, pessoal já tem coisa avançada..., por exemplo, eu vou lá para cima cuidar, eu já tenho tudo que eu quero lá cima pra..., é ração, é milho, é comida, é machado, é foice, é enxada, martelo, serrote.... ovo quando dá. Tudo, ta tudo assim, não tem que já procurar para remar, né, hoje em dia tá tudo pronto, eu faço aqui, já desci, já ta tudo pronto lá em cima, se eu não fizer, não vou lá mais hoje. Eu já arrumei lá tudo, quer dizer, o que eu tinha de fazer já fiz. Agora só vou descansar para dormi para amanhã acordar e fazer de novo, se eu for passear amanhã, eu já arrumo hoje, para amanhã já estar tudo pronto e não precisar de eu ir lá. Mas tem a hora certa de eu ir, porque senão a hora passa, e se passa daquela hora as coisa já..., não é como a gente planejou. E assim vai, eu tenho, eu conversei outra vez assim e me fizeram um. A "A"
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mesmo, fez com um...., eu conversei com ela, eu não sei que que foi que eu conversei com ela, não me lembro. E ela fez um..., eu passando um disco, eu tenho um ........, da minha família. E aí depois eu fiquei na televisão assim falando, não sei como ela fez aquilo. Isso que eu to falando assim para você, ela copiou tudo e eu fiquei na televisão, e todo mundo sentou na sala assim, e ligou a televisão e passou eu lá, eu conversando... Entrevistadora: Então ela filmou a senhora. Entrevistada: Ahã! Entrevistadora: Ah, entendi. Entrevistada: Meu Deus, que menina, muito inteligente a "A", quer dizer, todos eles mais velhos sabiam que o que ela fazia, e no dia de ano me deu esse presente. Aí, conversei...., aí é o que eu digo, tem gente que não aproveita o que estudou..., pensa que a vida é assim, porque tem e...., é mais burro do que quem não sabe de nada. Porque tem gente que faz as coisa, mas é burro, porque não aproveita. Não merece o que tem as vezes porque..., tem gente que tem as coisa fácil, porque é bonito, porque é branco que nem diz a história. Tu acha que todo mundo acha que sabe..., vale nada. Né não? Entrevistadora: E pelo que eu entendi, do que a senhora estava me dizendo, hoje em dia a senhora tá aproveitando o que plantou pela vida inteira... Entrevistada: Isso, isso, muitos colhem o que plantou e eu to colhendo o que eu plantei. Com muita honra. Entrevistadora: Isso, hoje a senhora ta colhendo, a senhora está planejando, está plantando alguma coisa para colher no futuro? Entrevistada: Bom, já plantei, já to colhendo, como é que eu vou plantar mais? To com essa idade já, eu acho assim, agora eu to, eu to, o que eu planto agora é só conselho que eu dou para minha família e digo o que..., o que deve fazer, o que não deve fazer, na vida, é só.... mas tudo, tem gente que acha que tu não é nada, eu tenho pena e fico calada. Meu futuro já está planejado. Tenho ´fé em Deus que eu não vou sofrer mais do que eu já sofri, eu já sofri também, to muito velha, mas já sofri muito. Minha vida não foi de mão beijada para mim não. Planejava tudo, porque a pessoa tem que planejar enquanto pode, quando não pode não tem mais jeito, vai viver dos outro ajudando, né, as vezes morre e não sabe nem de que.... Entrevistadora: E quando a senhora diz, planejar enquanto pode...., até quando se pode planejar?
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Entrevistada: Planejar enquanto puder, tem, o corpo te saúde, você pode, você procura planejar. Que se você quer fazer as coisa, tem vontade, você consegue. Eu acho assim, porque tem coisa que eu quero fazer e penso “Será que é possível meu Deus?”. Quando eu penso que não, eu consigo, e digo “mas meu pai do céu, não é que eu consegui!”. Eu penso assim. Entrevistadora: Quando a senhora fala de conseguir, a senhora fala de conseguir fazer ou de conseguir chegar aquele ponto... Entrevistada: Chegar ao ponto que eu queria, porque tem gente que cospe, as vezes consegue mas..., fica meio assim.... você planejando, você planejando e vem me entrevistar, depois você vai para a casa, cê vai pensando “mas que mulher para falar muito, mas...”, mas você não sabe da minha vida, deixe que eu já passei. To aqui contando uma história, mas tem muita gente que olhava assim para mim, como se eu fosse uma doença, só porque eu era uma pobre, uma coitada, morreu, num estado de...eu nã vou nem falar. Ta entendendo? E eu to aqui. Tem que planejar a vida entendeu? Muito a gente tem que sabe e não conta, nem o que tem , nem o que vai fazer. Fica quieta só querendo fazer o bem, faça o bem, seja humilde, respeita as pessoas, principalmente pai e mão, e a irmã. Tem que saber levar a vida, porque senão..., acaba logo, as vezes pensa que não, o melhor amigo manda te matar, matar a pessoa e a pessoa não sabe nem quem foi. Entrou na sua casa, num..., se bate na criança desconfiando. Entrevistadora: E ..., um tempo atrás a gente estava falando de como o tempo passa rápido hoje e como as coisas passavam mais devagar..., a senhora se lembra de alguma situação específica, assim, onde a senhora sentiu que, onde a senhora percebeu que o tempo estava passando diferente? Entrevistada: Que que tava diferente? Entrevistadora: Tem alguma situação específica, ou algum momento em que a senhora percebeu que o tempo estava passando diferente do que passava antes? Entrevistada: É como eu falei, que hoje em dia a cidade, ta muito avançado a vida, as coisa, e antigamente não era assim, era muito devagar, hoje em dia parece que a tecnologia ta bem avançada, né, quanto a pessoa mais estuda, mais tem experiência nas coisa, mais...., e tem que aproveitar essa coisa que a gente ta aprendendo, que tá vendo, que tá...né, não é pesar só em voar, assim, vai dar ..........., e não aproveitar o que..., o que aprendeu. Eu aproveito o que e aprendi, aproveito e passo para a minha família. Agora..., fica se quiser, se não quiser...não posso ajudar, cada um tem sua cabeça, né. Entrevistadora: Entendi, é como se as coisas foram passando..., e progressivamente foram aumentando... Entrevistada: É,
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Entrevistadora: Como o tempo passa rapidamente... Entrevistada: O estudo, muito estudo né, você já tem quase estudo, agora tu aproveita a oportunidade, falo para as pessoa estudar, mas oh, tem que aproveitar o estudo que estudar, coisa que estudou, de maneira certa. Essa minha filha que saiu, essa minha filha estudou fora, aprendeu tudo, mas ela faz tanta coisa, tanta coisa, tudo junto. Cuida da casa, cuida do visto, e trabalha, tem essa filha muito..., graças a deus, que deus abençoa ela, que ela aproveitou a vida dela. Quer dizer, todos aproveitaram, mas tem uns que..., não aproveita a vida, acha que já sabe muito..., sei o que...., jogou fora o que aprendeu..., eu acho que você aprende alguma coisa, você fica assim calada, você, na sua cama, você diz “é assim, assim, fulano fez isso, isso comigo, ou então, eu vou fazer isso assim, para amanhã ou depois eu ter isso e isso, não precisar pedir a ninguém. É melhor você dá do que pedir, não é? Eu acho assim, eu acho assim, agora, eu não sei se eu to certa. Porque pedir, você recebe, mas a pessoa da hoje e amanhã não, então por que não trabalhar, né. Por que não trabalhou, por que não bota o filho para estudar? Não tem o que fazer, vai fazer qualquer coisa, dá mas faz, né. Feito o pessoal que fica me pedindo romã aí, sabe o que é romã né? Desses que tem aí na frente. Meu ta cheio não tá? E o pessoal vem pedir, eu dou um pouco, o pessoal não que o pé, quer a romã, na hora de tirar, não querem tirar, querem que eu tire. É muita coisa minha fia. Minha avó era índia viu, índia, índia mesmo. A minha mãe cabocla, aí mistura, meu pai era negro, e assim vai..., olha a muriçoca. Entrevistadora: O que? Entrevistada: O mosquitinho que morde a gente, te mordeu? Entrevistadora: Não... Entrevistada: Um já me mordeu já., .... e a gente pensa assim nas coisa, tá muito evoluído o tempo que a gente tá. Com pressa, eu só não..., se não for de acordo com o tempo você fica, perde a hora, perde emprego, perde estudo, perde médico. E até o seu padre trabalha e estuda. Ai ai, meu ta lá andando sozinho, se fosse mais cedo dava para ajudar, mas essa hora não dá mais. To brincando, mas....mas é assim. Entrevistadora: O tempo cronológico né, esse tempo cronológico passa, parece que passa muito rápido hoje em dia... Entrevistada: Parece que é, não o que tá acontecendo. Entrevistadora: Mas, tem algumas situações que a senhora percebe o tempo passando mais devagar? Entrevistada: Não, ta muito, ta depressa.
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Entrevistadora: E a senhora falou no começo que a senhora tem oitenta anos e que a senhora se sente como se tivesse mais de oitenta anos... Entrevistada: Eu, o porque eu acho isso da vida, tem tanta coisa que eu aprendi, sei, que eu acho que tenho mais de oitenta, e outra coisa... Entrevistadora: Então parece que o tempo passou mais do que ele passou? Parece que o tempo para a senhora passou muito mais do que passou de fato... Entrevistada: Uhum, Entrevistadora: E a senhora se sente mais velha do que é realmente? Entrevistada: É, eu me sinto mais, que eu tenho mais de oitenta, pelo o qe eu já passei, o que eu vivi, pelo que eu sei, que aprendi. E abriram meu corpo, temei meu remédio, minhas costas.... . pessoa que ve meu retrato, você não diz que sou eu, diferente. Oh a" I", "I"..! deus te garante, traz lá meu álbum, por favor, pra eu mostrar quem era eu, me traga aqui meu álbum Eu já fiz tanta coisa nessa casa, mulher do céu, graças a deus. Entrevistadora: Então assim, você passou sua vida muito pautada no trabalho... Entrevistada: Hum? Entrevistadora: A senhora passou a vida inteira trabalhando... Entrevistada: Passei a vida inteira... Entrevistadora: Para poder ter as coisas que hoje em dia a senhora ta colhendo... Entrevistada: Vou mostrar quem, como é que eu era quando, porque você vê assim, essa senhora tem mais de oitenta anos..., “vai fazer oitenta e um né mãe... oi? Filha da entrevistada: Vai fazer oitenta e um né mãe.... Entrevistada: Foi a "A" que fez. Entrevistadora: Bonito né. Essa é a senhora? Entrevistada: Uhum, Entrevistadora: A senhora era bonita...
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Entrevistada: Hoje em dia não parece nada né, mas eu já fui muito bonita. Para mim já ta passando tudo desde ............., Entrevistadora: Esse era sue esposo? Entrevistada: Era, ta morto. Entrevistadora: Família grande né. Entrevistada: É, esse aqui não, cade, esse aqui é musico. Entrevistadora: Seu filho também? Entrevistada: Não, meu neto. Esse tava aqui ontem foi embora, ele foi ontem as cinco horas. Entrevistadora: Neto da senhora? Entrevistada: É, aqui tudo é neto também, neto casado, neto com filho. Esse é meu filho, esse é meu neto, esse é meu neto. E essa aqui, toda essa família é de um filho só. Aqui é outra família, todos esses que você ta vendo é tudo neto. Esse é meu filho e a mulher dele, o filho dele, esse aqui é bisneto. Esse é o pai da Angélica. Entrevistadora: Ah ta, aqui a "A" e a irmã dela. Entrevistada: “C”, você já foi lá? Entrevistadora: Não, conheço só a "A". Entrevistada: E, essa é minha vida fia. Porque...se você tem cabeça, estudar e não saber se aquela meninada vai aproveitar o que tem, do jeito que anda as coisa hoje em dia, tá tudo depressa hoje, não tá devagar, a gente tem que ir de acordo com o tempo, não tem jeito né, o que não pode é a pessoa não tá de acordo e fica. E eu acho que já to tão velha com esse tempo agora que passa, tanta coisa que ta passando, mas tem que meter os pés e braços. Se ficar de corpo mole e fazer que não sabe “ah eu não sei, eu não faço.”, estamos percebendo as coisa né, e vai para frente, chegar onde você quiser chegar. Que tem força de vontade de fazer você chega. Agora to aqui pensando, as vezes a gente pensa uma coisa e tem gente ruim, que pode ta mal, que pode ta errado, né, as vezes se perde por isso porque, muitas vez a gente pensa que é uma coisa e é outra. Entrevistadora: E a senhora falou assim que passou a vida inteira trabalhando para conseguir as coisas, para chegar onde chegou. Então, quando a senhora era jovem, a senhora planejava seu futuro de uma certa forma, e aí hoje a senhora está vendo o futuro que planejou quando era jovem.
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Entrevistada: É, quer dizer, planejei, mas não assim. Entrevistadora: Então, o que eu ia te perguntar é que, o que eu percebi, o modo como a senhora ve o futuro hoje em dia, daqui para frente, é diferente do modo como a senhora via o futuro como era jovem, não é? Entrevistada: É. Entrevistadora: E a senhora pode explicar como é essa diferença? Entrevistada: A diferença é que eu pensei que era, assim, eu tenho minhas casa tudo, mas eu pensei que eu ia viver com meu marido e tudo bem, que ia ser tuco certo, mas era assim, ter muita coisa, mas sendo humilde, mas sendo..., como é que se diz? Mulher correta, não assim, tão cheia de altos e baixos. Eu pensava que fosse assim, mas não me arrependo, foi melhor do que eu esperava, eu acho, entende? Entrevistadora: Entendo. Entrevistada: Porque além de eu ser preta e..., como é que se diz? Semianalfabeta, não esperava a vida que tenho hoje em dia. E isso eu agradeço primeiramente a Deus, a casa onde eu vivi, o ambiente em que eu vivi, as pessoas com quem eu convivi, e o marido com que casei e a minha experiência de vida. Eu agradeço. Entrevistadora: O que da para perceber é que quando a senhora era mais jovem, a senhora planejava mais a longo prazo né, e como são seus planos hoje em dia, são a longo prazo, a curto prazo? Entrevistada: Meus planos? Eu já to te falando, eu não planejo mais nada, o que eu planejo é..., que eu penso assim, que eu vou ter minha saúde, vou ficar velhinha, deixam eu velinha aqui, vão me ajudar coisa e tal, só uma coisa é que eu não quero que me internem, só, porque, to bem graças a deus. Espero ficar bem, que ninguém sabe da vida como é que acontece, as vezes acontece as coisa, terremoto, é doença, ou desastre, sempre acontece e tudo. A gente nunca pensa assim, eu vou ter isso, vou ser aquilo, vou fazer assim. Nunca se sabe das coisa, acontece com todo mundo as assim, e por a gente ter as coisa, não vamo pensar que tem toda a vida sem, .............., em vez de manter as coisa, as vezes eles, como é que se diz? É de um jeito, e os planejamento é outro, sei lá, por isso eu digo eu não sei, eu não tenho coisa para planejar. Eu só quero ter saúde agora, e compreensão muita, quero ainda ter mais compreensão ainda para ajudar quem precisa. Na maneira que eu posso, não é financeiramente não, da maneira que eu posso, dando conselho, eu dizendo as coisa que eu aprendi, que sei. Assim, não é porque a gente sabe das coisa que vai dizer que é melhor que todo mundo, que sabe das coisa, não, as vezes a gente precisa de uns conselhos também né. A casa aqui atrás eu to alugando, aí a moça fala “ah, mas eu gosto tanto da senhora não sei o que...” , eu falo assim “ta certo, brigado!” “mas a senhora é daqui mesmo?”, aí eu já fiquei meio assim, a moça tava fazendo muitas pergunta, digo “so não moça.” “ta bom, mas eu gostei muito que a senhora veio,
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brigadu”. Mas já em assim, eu digo “oh Jesus, essa já veio conversar muito”, a mulher não veio mais, eu digo “oxente, mas ta bom”, assim que chega já vai..., mas meu jeito é assim mesmo. Mas é vida né, vai fazer o que? Mas que eu tenho pea de quem sabe das coisa, estudou..., pense no futuro, pelo amor de deus, que hoje tá tudo bem, cê ta num lugar bonitinho assim, namora esse moço que você quer hoje, o cara daqui a pouco já ta aproveitando de você, não pensa no futuro, não se providencia, quer izer, eu não sei, é tudo assim, hoje em dia é assim né, já a pessoa já vai e se entrega achando que o cara é uma coisa, quando vai ver é outra coisa, o cara usa e abusa e daqui a pouco não quer mais, aí andamos devagar, eu acho assim né, não sei se você pensa como eu. Já se entregou, casa logo, se não der certo deixa..., não confundi amor com amizade. Você, se pensar bem, eu to satisfeita com a minha vida, eu to cansada assim de velhice, que o coração ta fraco né, mas das coisa da vida eu tenho muita. Você conhece as pessoa, conversa com as pessoa , já encontra um..., percebe as pessoa quem é quem onde..., de conversar, só assim nas conversa, “que burra, meu jesus...” ou então “que inteligente...”, mas fica para você, cê não pode dizer “ai que mulher velha mais chata”, você pense com você só, o que você percebe em mim, o que não pensou, não é não? Já falamos bastante, não acabou ainda não? Por exemplo, quando alguém me elogia, eu fico quieta e penso “coitada, ela quer agradar.”, mas entendeu? Não é? Ela quis me agradar não foi? Mas para me agradar não precisa dizer, eu se eu gosto da pessoa, basta ser simpática, depois a pessoa fala “você é muito simpática”, tudo bem né. É assim porque a pessoa, porque é preta, é pobre, é feia, é velha,é... . o que eu penso no futuro é muita coisa ainda graças a deus, se eu um dia planto um vaso de planta no meu quintal, tenho fé que ainda vou ver, que eu ainda vou comer, fruta-pão. Fruta-pão, isso faz muito tempo, eu trouxe no avião escondido, embrulhei direitinho e trouxe, é a planta maior que eu tenho a fruta-pão, é um pé bem alto. Que assim, eu peguei de uma senhora que, já estava velha, com as filhas velhas, aí..., a moça disse assim “a senhora pensa que vai comer desse pé de fruta-pão?”, eu digo “vou”, ainda pensei “vou comer antes de morrer e ainda vou dar pra essa pessoa também”, a fruta-pão, tem que cozinhar muito, tem que botar pra cozinhar... Entrevistadora: Demora para crescer esse pé? Quanto tempo? Entrevistada: Demora, dez anos. Mas já faz cinco que está aí, só falta mais cinco (risos). Cinco anos, que ele tem já, que a moça já tinha noventa tá com noventa e cinco. E eu trouxe de avião, quer dizer que faz..., tava lá já o pezinho né, que demora para crescer para caramba, e avelha ta mais do que eu. A mulher, a dona "O" falou, ah, a filha dela mora aqui em São Paulo, e a outra irmã dela é juíza, vai depois eu mostro o lugar para ti. Quem sabe uma dia você não vem aqui, aí eu falo “angélica, cadê aquela moça para eu mostrar a fruta-pão para ela”, ta vendo meu futuro, é assim que eu planejo as coisas. É uma fruta desse tamanho assim oh, tens uns que fica redondo aí cê passa ela , cozinha e come com café e manteiga. Entrevistadora: Eu não conheço... Entrevistada: Ah não? Oxe, mas você é daqui de são Paulo mesmo?
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Entrevistadora: Sou. Entrevistada: Nasceu aqui? Então não conhece mesmo não, que aqui é difícil, fruta-pão é difícil ter aqui. Tem em perto de beira de praia, essas coisa, é feito um copo, é mais ou menos feito um copo, mas a gente cozinha. Entrevistadora: A senhora quer contar mais alguma coisa? Entrevistada: Se eu me lembro? Pode perguntar. Entrevistadora: Acho que conseguimos por hoje, porque o que a gente tinha que conversar era sobre o tempo né, sobre como a senhora vê o futuro, Entrevistada: É sobre o futuro né, que cê quer saber... Entrevistadora: Sobre como o tempo passa em geral né. Entrevistada: Bom, eu acho muito avançado, ta tudo muito depressa, muito, ta acontecendo muito rápido, e é como eu te falei, se você não cuida, não acorda na hora certa. Você perde e o tempo passa, e você não faz aquilo. Porque se você pensar em uma coisa e fazer, faça com vontade que sabemos que você consegue, o negócio é querer, em vez de “ah eu não consigo, não posso...”, oxe, eu acho muita moleza, porque tem gente que pode fazer e, não ta com saúde? Não tem duas pernas, dois braços e uma vista boa? E se perder, faça, faça um jeito de..., que isso, é só ter vontade de fazer, que consegue. E sobre o tempo, eu acho muito corrido o tempo, muito depressa, muito evo, como é que se diz? A tecnologia ta muita avançada, tá muito..., que nem eu falei, a gente matar um frango, para fazer qualquer coisa, precisava matar, depenar e hoje já tem o frango pronto, a gente se quiser faz, se quiser não faz. É tudo rápido. O gosto fica se você temperar hoje para comer amanhã, você pode fazer para comer hoje, mas não fica saboroso como se você faz hoje para comer amanhã. Entendeu? Por isso mesmo assim é a vida, se preparar para acontecer, mas não acontecer antes de você se preparar, aí é que tá, aí que a cobra fuma como se diz na cidade. Aí quando da errado e cê vai “ah, eu não pensei, não sei o que...” , hoje você pensa um pouco para poder fazer. E por hoje é só, ou ainda tem? Entrevistadora: Bem, por hoje é só. Muito obrigada por me ajudar, nossa a senhora me ajudou muito...