SEMINÁRIO - FINAL

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AS CARTAS NÃO MENTEM JAMAIS ANA CRISTINA CESAR CAIO FERNANDO ABREU PAULO LEMINSKI GRUPO: CAROLINA MENEZES, JULIANA MOULIN, PAMELA CAMPELLO, RICARDO SILVA

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AS CARTAS NÃO MENTEM JAMAIS

ANA CRISTINA CESARCAIO FERNANDO ABREU

PAULO LEMINSKI

GRUPO: CAROLINA MENEZES, JULIANA MOULIN, PAMELA CAMPELLO, RICARDO SILVA

O SURGIMENTO DAS CARTAS

O gênero epistolar é tão antigo quanto o aparecimento das primeiras sociedades com domínio da escrita. Antes do surgimento da imprensa jornalística, as cartas exerciam a função de informar sobre os fatos que ocorriam no mundo.Um grande exemplo de carta é a bíblia, com as epístolas destinadas às comunidades cristãs.

ARTE EPISTOLAREm um contexto geral, o fazer epistolar, é uma escrita criativa, plural que nasce das variadas formas textuais e diferentes maneiras de dizer ao mundo. Segundo Brigitte Diaz, “a carta segue um caminho que se crê retilíneo, mas que se perde em uma rede complicada de travessias e de bifurcações de si para si e de si para o outro”.

CARTAS E SUAS CRIAÇÕES

Se observarmos os diferentes correspondentes, veremos que, o discurso é moldado de acordo com a expectativa de seu interlocutor. O remetente personaliza sua mensagem, imagina qual o tom e qual expectativa que o texto gera no destinatário. Exemplo bem comum é: • Um casal se correspondendo à distância, será assumido uma escrita galanteadora e carismática.

• Uma pessoa que escreve a um amigo de longa data, provavelmente usará uma escrita amigável, composta de humor e confissões, livre de formalidades na produção epistolar.

• Ou até mesmo pode-se assumir um tom de formalismo em sua escrita quando destinatário assume um nível de superioridade em um cargo.

Uma carta pode carregar em um momento único, tipos de sentimentos visíveis e ocultos,

chamando o destinatário a mergulhar na mais profunda imaginação, a fim de resgatar toda

mensagem proposta na carta.

“As pessoas, em geral, são muito melhores por carta que em

carne e osso.”

Charles Bukowski

ANA CRISTINA CESAR

“As pessoas não ficavam amigas

da Ana. As pessoas

simplesmente se apaixonavam por ela.” (Mario Prata)

Ela se chamava Ana Cristina Cesar.

Algumas vezes, Ana C. , outras, ainda que raramente,

Ana Cesar. Nasceu em 2 de junho de 1952,

Morreu em 29 de outubro de 1983.

Linda. Escritora. Uma vaga

sensação de irrealidade.

Ana veio com um pensamento

totalmente diferente dos

escritores da época.Assim ela entra na “poesia marginal”,

foi uma prática poética

marcada por poetas que queriam se expressar livremente

em época de ditadura.

A autora atualiza dois gêneros

usualmente considerados

literatura menor: a carta e o diário.

Acompanhemos Ana Cristina:“A entrelinha quer dizer: tem aqui escrito uma coisa, tem aqui escrito outra, e o autor está insinuando uma terceira. Não tem insinuação nenhuma, não. (...) Eu acho que, no meu texto e acho que em poesia, em geral, não existe entrelinha. (...) Existe a linha mesmo, o verso mesmo. O que é uma entrelinha? Você está buscando o quê? O que não está ali?”.

Ana queria fazer a ficção e a autobiografia uma única e indivisível composição. Para confundir o leitor e, assim, arrancar a literatura da vida e o leitor da vida para ficção.

Noite de Natal. Estou bonita que é um desperdício. Não sinto nada Não sinto nada, mamãe Esqueci Menti de dia Antigamente eu sabia escrever Hoje beijo os pacientes na entrada e na saída com desvelo técnico. Freud e eu brigamos muito. Irene no céu desmente: deixou de trepar aos 45 anos Entretanto sou moça estreando um bico fino que anda feio, pisa mais que deve, me leva indesejável para perto das botas pretas pudera

my dear,

(...)

Penso pouco no Thomas. Passou o frio dos primeiros dias. Depois, desgosto: dele,

do pau dele, da políticadele, do violão dele. Mas não

tenho mexido noassunto. Entrei de férias.

(...)

(...)

Fica difícil fazer literatura tendo Gil como leitor. Ele lê para

desvendar mistérios e faz perguntas capciosas, pensando que

cada verso oculta sintomas, segredos

biográficos. Não perdoao hermetismo. Não se confessa os

próprios sentimentos. JáMary me lê toda como literatura

pura, e não entende as referências diretas.

(...)

“Cartas e biografias são mais arrepiantes que a

literatura”(Ana Cristina Cesar)

“Acho que eu tenho curiosidade de saber se todas essas coisas

minhas são tão públicas assim. Até que ponto todo mundo percebe.”

Ana Cristina Cesar, Correspondência Incompleta

Carta a Heloísa Buarque de Hollanda:

“Prometo que a próxima carta

será sem estilo. Às vezesacho que estou louca

mansa, mas não, éapenas um brinquedo”(CESAR:1999, p.15)

Definição

Poeta é ondaOnda é cantoCanto é esperaEspera é adeusAdeus é morteMorte é nódoaNódoa é ostraOstra é ensaioEnsaio é buscaBusca é poeiraPoeira é poeta

Ana C.

CAIO FERNANDO ABREUNascido em Porto Alegre, no dia 12 de setembro de 1948, Caio Fernando Loureiro de Abreu foi um marco para a literatura brasileira. Contista, Romancista, Dramaturgo e Jornalista. Abordando com naturalidade assuntos que, na época, eram completamente “inaceitáveis” pela sociedade. Bons exemplos disso eram seus contos homossexuais, que, chocavam a massa hipócrita e lhes rendiam prêmios, principalmente fora do país.

- MUITO MAIS QUE CARTAS:

PRECIOSIDADES Naturalmente, somos movidos por uma causa, um amor, necessidades... Caio era movido pela escrita. Como diria a autora Martha Medeiros: “não era amor, era melhor”. De todos os seus casos afetivos, o amor pela Literatura e pelo simples fato da criação era o que não o abandonava. Estando produzindo ou não, as cartas nunca estavam fora de seu cotidiano. Ele precisava demonstrar a importância que cada um tinha em sua vida: não era sua intenção escrever lindamente, mas esse era seu dom: ter o coração na ponta dos dedos.

- A PRECARIDADE DE VIDA PARA ESCRITORES

Era comum encontrar reclamações de Caio em suas cartas. Atrasavam pagamentos, não pagavam e o pior: não davam valor ao seu trabalho e ainda criticavam. Nas décadas de 70, 80, os escritores sofriam ainda mais que hoje. Eram talentos perdidos... E quando conhecidos, alvos de muita crítica, chegando ao ponto de fazer, talvez, o escritor parar de produzir. Na carta a seguir, Caio tenta ajudar Bruna Lombardi, que tinha acabado de lançar o livro Caia (Ed. Codecri, 1980).

“(...) Por favor, não se abale com as maldades (...) Não deixe que esse tipo de comentário mesquinho e destrutivo, bloqueie a sua criatividade. Está tudo muito ruim, e nós precisamos mais do que nunca ser solidários uns com os outros. Trocar estímulos. Assim: olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também. Tá me entendendo? Eu sei que sim.” Sampa, 16 de janeiro de 1981.

- SUA IMPORTÂNCIA PARA A LITERATURA BRASILEIRA

Sem medo de escrever o que pensava, Caio colocava “o dedo na garganta” e tirava de si tudo o que podia. A Literatura o consumia. Ele queria sempre mais do leitor, porque o coração muito pouco. Suas obras começaram a ganhar mais repercussão, infelizmente, apenas na década de 90, que foi quando adoeceu. Suas obras, como “Onde andará Dulce Veiga?” e “Bem longe de Marienbad” tiveram lançamento no Salão de Livros de Paris. Caio encantava, arrancava suspiros e mexia com a imaginação dos que cativava. No Prefácio do livro de suas cartas, isso é falado por quem o conheceu: “(...) Há, já, uma geração que não o conheceu, mas que o lê avidamente, e se identifica completamente com suas perguntas e procuras. Uma das razões é que, como muito poucos dos nossos autores, Caio conseguiu chegar ao nervo do coração urbano brasileiro. Para esse coração, felicidade é artigo raro, e amor é sentimento em extinção. Prisioneiros da inteligência contemporânea, habitantes de um país sempre à beira do abismo, eternamente aturdidos, sentimos (muita) gratidão por aqueles que, como Caio, nos fazem ainda acreditar que não podemos entregar os pontos antes do final da partida.” Luciano Alabarse

- RELACIONAMENTOS, VIAGENS E OBRAS

Caio era raridade, em todos os sentidos. Apesar dos tropeços e dificuldades da vida, acreditava em amor e se entregava sem medo. Em suas cartas, deixava evidente o quanto sofria a cada vez que “aventuras românticas” não dava certo. Por onde quer que estivesse, sempre arrumava um jeito de amar. Distante ou não, ele precisava de ALGUÉM (nem que fosse para se corresponder). Mas nada disso o fazia parar. Suas criações dependiam de seu estado: se não se sentisse bem em um lugar, arrumava as malas e ia embora. Sua inconstância era marcante: ia do amor ao ódio em questão de dias. Se São Paulo fosse uma pessoa, com certeza, Caio viveria entre tapas e beijos com a cidade. O amor e as mudanças eram como combustível para suas obras. Fossem eles o assunto ou o motivo pelo qual ele se refugiava numa máquina de escrever, buscando exprimir tudo o que sentia e compactar em palavras.

- LADO CÔMICO, FÉ E MISTICISMO

Quem o via e o lia, jamais imaginaria seu jeito brincalhão de ser. Ao contrário do que muitos pensam, Caio também tinha um lado muito cômico, principalmente em suas cartas para Jacqueline Cantore, a quem chamava dos mais diversos apelidos — Marilene, Anthea, entre outros. Nestes mesmos tipos de carta, ele se duplicava e assumia codinomes femininos, sendo o principal deles, Marilene. Então, acabava sendo "Marilene escrevendo para Marilene", o que se encaixava numa espécie de "humor bicha". Na maioria de suas correspondências era fácil achar seus desejos de “Axé” aos seus. Filho de Oxalá, Oxum e Ogum, sempre se agarrava em sua fé para continuar a caminhada pela vida. “(...) Vou levando da melhor maneira possível (não fosse Oxalá e Oxum não sei o que seria...).” Caio in carta A Sonia Coutinho, Sampa, 18.05.82

Um Virginiano completamente fissurado por Astrologia e coisas místicas, era do tipo que não se permitia conhecer uma pessoa sem fazer todo o seu Mapa Astral. Carregava consigo seus materiais astrológicos e isso se tornou quase uma obsessão para o mesmo.

- HOMOSSEXUALIDADE E AIDS

Homossexual assumido, teve inúmeros relacionamentos. Inclusive, com mulheres (o que o tornaria bissexual). Porém, aproximadamente na década de 80, surgiu a Epidemia da Aids, que afetava muitos gays. Em meio à isso, Caio viu amigos morrerem, o que o assustava muito... Até descobrir que também havia se contaminado. Em 1994, em pleno ápice de sua carreira, não só nacional, a Epidemia o derruba. Ainda assim, entre todo o sofrimento, as internações e os efeitos da doença, Caio tentava manter sua rotina, mas se tornava muito difícil. O autor tinha medo da morte, como mostra o trecho a seguir:

“Há quase dois meses, menos, vi a morte de perto — e isso mudou muita coisa em mim. Está mudado. (...) Eu descobri que a gente morre. Eu sei agora que a gente morre. E achei feio, achei tristésimo, achei o corpo humano frágil, tão perecível. Fiquei doente, estou fraco, frágil, choro pelos cantos. Voltei à terapia, estou remexendo coisas fundas, dolorosas, meio perdido, com uns problemas difíceis, materiais, de grana, de saúde, de solidão. E escolhendo não morrer, escolhendo continuar, de uma forma ainda meio cega, tortuosa, não-racional.” Carta para Adelaide Amaral, Sampa, 29 de outubro de 1984.

Em 25 de fevereiro de 1996, após ter passado seus últimos meses de vida regando plantas do jardim de seus pais e escrevendo cartas incessantemente, Caio falece, em decorrer de complicações causadas pela Aids. Mas sua obra continua, encantando gerações e gerações, e espero que assim se perdure.

“Que seja doce o seu cheiro. Que seja doce o seu jeito, seus olhares, seu receio. Que seja doce o seu modo de andar, de sentir, de demonstrar afeto. Que sejam doces suas expressões faciais, até o levantar de sobrancelha. Que seja doce a leveza que eu sentirei ao seu lado. Que seja doce a ausência do meu medo. Que seja doce o seu abraço. Que seja doce o modo como você irá segurar na minha mão. Que seja doce… Quem quer que seja, mas esteja!” Caio Fernando Abreu

PAULO LEMINSKILeminski (1944 — Curitiba, 1989) trouxe, de modo radical, a ideia de dissolução e limite na metade do século. Nas suas prosas e poesias ele trazia fragmentos da cultura, o erudito e o popular e as áreas de conhecimento como a filosofia e a história.

Tratava-se de um “poeta sem fronteiras”. Notamos sua ideia de dissolução quando diz: “Não quero uma fora pura, quero um híbrido e um mutante.”• INTENSIDADE

• DISPONIBILIDADE• CONJUNÇÃO ENTRE EXISTÊNCIA E POESIA

CARTA 56“ Eu me entrego muito fácil ao 1º impulsoExatamente porqueEU VIVO PARA FAZER POESIA(Meu trabalho é secundárioNão quero ficar rico, nem consumirMontei minha vida para me sobrar todo tempo do mundoPara ficar olhando o sol se pôrE pensar o que bem entender

Se passo uma semana sem ter uma boa idéiaJá começo a ficar preocupadoWhat is happening, man?

Beijos, abraços. ”

“Dois loucos num bairroUm passa os dias

Chutando postes para ver se acendemOutro noites

Apagando palavrasContra um papel branco

Todo bairro tem um loucoQue o bairro trata bemSó falta mais um pouco

Para eu ser tratado também.”

(Caprichos & Relaxos)

• “NORMA LEMINSKIANA”• BUSCA DE VITALIDADE

CARTA 26“ Viva a vida

FalaA segunda vida dos signosSigno do signoSímbolo do símboloA vida é melhorPra que tanta literatura?

• REFLEXÃO • EXÍLIO DE POETAS E PROIBIÇÃO DE PUBLICAÇÕES EM JORNAIS

• RIGOR

TROP DE LITERATURE!TROP DE SIGNES!É preciso ser molequeSer bem relaxado com o rigorQue tal barbarizar?!!!!! ”

“Nossa poesia deve estar a serviço de uma UTOPIA

Ou como você disse, de uma ESPERANÇA

É isso que eu quero dizer quando falo

Que o poeta para ser poeta Tem que ser mais que poeta

É preciso deixar que a História chegue em você

Dê choque em vocêTe chame, te eleja, te corteje

Te envolva e te engaje

(...)Talvez não haja mais tempo Para grandes e claros GESTOS

INAUGURAISComo a poesia foiA antropofagia foiA tropicália foi

Agora é tudo assimNinguém sabeAs certezas evaporaram

Que a estátua da liberdadeE a estátua do rigor Velem por todos nós

Amor, abraços.”

CARTA 9

“ A linguagem está a serviço da vidaNão a vida a serviço da linguagem

(...)Uma década pode esperar um bom poema. ”

CARTA 10

“Voltei disposto a só produzirO mais radical que eu pudesseSó o meu melhorSó aquilo que só eu sou capaz de fazerSe é que há issoMas se houver, eu vou fazer (...)

• CRÍTICAS• O BELO E O NOVO

CARTA 1Só me dou com cartunistas, fotógrafos, cineastas, desenhistasTudo menos escritoresDos quais acabei por ter grande horror. “

CARTA 42“(...) Uma coisa é certa: A poesia (como tudo o mais) não tem solução dentro do capitalismo. Quanto mais capitalismo, menos poesia.Quer dizer: A gente fica naquela de intelectual pequeno-burguês querendo resolver as coisas dentro da nossa cabeça....Só uma poesia que estenda a mão e o coração para um contexto mais justo, vai ser nova. Porque dialoga com um futuro geral, uma coisa maior do que essa jângal implosiva em que vivemos ...

Estou interessado nos signos explícitos das coisas!Chega de falar de estrelas como metáfora de amor entre o homem. PUTA MERDA! Que medo é esse de dizer o nome das coisas, chamar sapato de sapato, caminhão de caminhão ???!!!

PAZ SÓ VIRÁ COM A COMUNICAÇÃO

Que seja pelo menos um milésimoDa que existe entre nós. “

O QUE É SER POETA E O QUE É A POESIA

“Ser poeta é esculhambar maisPintar mais por fora das molduras, dar alteraçãoRejeitar o projeto de felicidade que a sociedade

propõe (...)

Ser mais irregular e inconvenienteÉ a linguagem que está a serviço da vida.“

“POESIA: ação sem reaçãoEscrevemos hoje, mas não escrevemos para hoje

Precisamos recarregar nossa poesia da única coisa que temos:O HOJE

Densa de hoje, ela tem chances de ficar, significar

Se multiplicar e frutificar em inúmeras leituras.”

“ Produzo muito (meu projeto é de desrepressão), desovo, quero atingir algo,

Ergo, erro muito... Mas sei que quando acerto é de foder...

Eu já sei que várias vezes eu disse coisas nunca ditas, vitais, carne gorda e forte.Para cada dez poemas, um mais

ou menos... Para cada cinquenta, um definitivo...Não dá para parar e ficar esperando o carnaval ou a

revolução chegarem...Ou a musa...

Jogador que não treina todo dia, atrofia. “

DESCRIÇÃO DE SEU MÉTODO

Razão de Ser“Escrevo. E pronto.

Escrevo porque preciso,preciso porque estou tonto.Ninguém tem nada com isso.Escrevo porque amanhece,E as estrelas lá no céuLembram letras no papel,

Quando o poema me anoitece.A aranha tece teias.

O peixe beija e morde o que vê.Eu escrevo apenas.

Tem que ter por quê?”Paulo Leminski