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MARIA CLARA CAMAPUM FERNANDES RIBEIRO
O FEMINISMO E OS DIREITOS HUMANOS: breve histórico e sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro
CURSO DE DIREITO – UniEVANGÉLICA
1
2021
MARIA CLARA CAMAPUM FERNANDES RIBEIRO
O FEMINISMO E OS DIREITOS HUMANOS: breve histórico e sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro
Projeto de monografia apresentado ao Núcleo de Trabalho Científico do curso de Direito da UniEvangélica, como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob orientação da professora Priscilla Santana Silva.
ANÁPOLIS – 2021
2
MARIA CLARA CAMAPUM FERNANDES RIBEIRO
O FEMINISMO E OS DIREITOS HUMANOS: breve histórico e sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro
Anápolis, 02 de junho de 2021
Banca Examinadora
___________________________________
____________________________________
3
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................01
INTRODUÇÃO..........................................................................................................02
CAPÍTULO I – HISTÓRIA DO FEMINISMO.............................................................04
1.1 – Origem do feminismo no mundo.............................................................05 1.1.1 Pré história ................................................................................06 1.1.2 Idade Média ...............................................................................07
1.1.2.1 Renascimento.......................................................08 1.1.2.2 Christine de Pizan.................................................08
1.1.3 Idade Moderna...........................................................................09 1.1.4 Idade Contemporânea................................................................10
1.2 Origem do feminismo no Brasil .................................................................12 1.2.1 Sufrágio no Brasil.......................................................................13 1.2.2 Feminismo Moderno...................................................................14
CAPÍTULO II – DIREITOS HUMANOS.....................................................................16
2.1– Construção histórica.........................................................................17 2.2.1- Sistemas Globais........................................................................19
2.2 –Direitos Humanos e o Feminismo.....................................................20 2.3 - Aplicabilidade no Brasil.....................................................................22
CAPÍTULO III – PRÁTICA JURÍDICA BRASILEIRA...............................................25
3.1– Caso Maria da Penha.......................................................................25 3.1.1- História.......................................................................................26 3.1.2- Lei Maria da Penha (11.340) .....................................................28 3.2 - Caso Malala.....................................................................................30 3.3– Pandemia COVID-19........................................................................34
CONCLUSÃO...........................................................................................................37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................39
1
RESUMO
O presente trabalho tem por tema o feminismo correlacionado com os Direitos
Humanos de forma a questionar a efetividade da atual pratica jurídica em prol
das mulheres contra a violência de gênero. O objetivo principal é o de
apresentar um paralelo entre os Direitos Humanos e o Feminismo, uma vez
que apesar da desenvoltura do movimento ainda há uma discrepância entre os
gêneros Justifica-se diante da importância na proteção de direitos humanos das
mulheres que por tanto tempo vem sendo marginalizados. Para lograr êxito está
dividido em três capítulos. No primeiro deles aborda a construção do
feminismo; no segundo é retratado a história dos direitos humanos pré e pós
Primeira Guerra Mundial; no terceiro apresenta-se dois casos de extrema
relevância (Malala e Maria da Penha) e o aumento da violência na pandemia do
COVID-19. Por fim, adota-se a pesquisa bibliográfica utilizando-se de autores
renomados, artigos atualizados e estatísticas dos últimos dois anos.
Palavras chaves.: feminismo; direitos humanos; pratica jurídica
2
INTRODUÇÃO
O trabalho monográfico visa discorrer acerca do feminismo, correlacionando-o
com os direitos humanos, registrando momentos históricos que marcaram seu
desenvolvimento, e ainda, questionando a prática jurídica em prol da proteção das
mulheres contra a violência de gênero.
Dessa forma a preocupação com o tema é motivada pela realidade da exclusão
das mulheres em relação a seus direitos garantidos, a tanto tempo, pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Se justifica diante da importância na proteção de
direitos humanos das mulheres que por tanto tempo vem sendo marginalizados. A
opressão de gênero resultante da estruturação patriarcal e arcaica da sociedade
como um todo é causa para tal marginalização.
O projeto a ser executado será de natureza básica em razão de acúmulo de
conhecimento e informação. Dessa forma, se dá por meio de estudo de caráter
exploratório e investigativo com abordagem qualitativa a fim de compreender o
assunto, baseado em procedimento de revisão bibliográfica e legal, a partir do
levantamento de referências teóricas com o objetivo de proporcionar maior
familiaridade com o assunto.
Ao longo da história, o feminismo vem tomando espaço em todos os aspectos
da sociedade, e o jurídico, quanto à sua sistematização, não poderia ser excluído.
Na teoria, a igualdade entre os gêneros existe desde a criação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH), mas a realidade é clara em mostrar o
contraste com a prática.
Primeiramente, para uma melhor compreensão dos direitos humanos das
mulheres, faz-se necessário uma retomada ao panorama histórico do feminismo que
3
torne possível a construção de um cenário das constantes batalhas e as pequenas
vitórias contra a opressão patriarcal para as mulheres até a atualidade.
Em continuidade, construiu-se um panorama históricos dos direitos humanos
percorrendo desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão até a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, em tese, abarca todos os seres
humanos e os trata com dignidade e equidade. Partindo deste panorama foi possível
apontar os direitos humanos vistos pela ótica do feminismo.
A finalização da monografia se dá com a apresentação de dois casos de
destaque: Maria da Penha e Malala, mulheres que marcaram o cenário mundial com
suas histórias. Além disso, apresenta os dados alarmantes sobre o aumento dos
casos de violência intrafamiliar durante a pandemia do COVID-19.
A conclusão apresenta o que a autora definiu como cerne do problema a
partir das pesquisas realizadas. Outrossim, apresenta uma solução que, mesmo
lenta, é a única que pode ter eficácia.
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CAPÍTULO I – A HISTÓRIA DO FEMINISMO
A mulher é colocada como como pária desde os primórdios, por essa razão, os
Direitos Humanos, que deveriam incluir a todos, são violados diante da constatação
de exclusão social das mulheres e dos inúmeros casos de abusos e violência de
gênero. Portanto, a luta feminista é em busca de igualdade, justiça e paz social, nos
termos do que preceitua os Direitos Humanos.
Outrossim, faz-se necessário, em primeiro lugar entender o que é feminismo. É
inegável que ao longo da história da sociedade ocidental discursos, como o da
mitologia, da religião, da ciência e da filosofia, foram criados para legitimar a
desigualdade entre os gêneros. Isto pois, naqueles a mulher é colocada como
desgraça do homem, já que através da sua curiosidade o fez ser expulso do paraíso,
nestes as mulheres eram colocadas como naturalmente inferiores aos homens e,
portanto, seus trabalhos não eram dignos de destaque (GARCIA, 2015).
A terminologia “feminismo” apareceu, primeiramente, nos Estados Unidos em
1911, através de escritores que passaram a usá-lo para descrever “um novo
movimento na longa história das lutas pelos direitos e liberdades das mulheres”, e
tinha como objetivo a busca pela determinação política, sexual e intelectual
(GARCIA, 2015). A partir desse entendimento, pode-se definir o feminismo como:
A tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que foram e são objeto por parte do coletivo de homens no seio do patriarcado sob suas diferentes fases históricas, que as move em busca da liberdade de seu sexo e de todas as transformações necessárias para esse fim. Partindo desse princípio, o feminismo se articula como filosofia política e, ao mesmo tempo, como movimento social (GARCIA, 2015, p.13).
O feminismo é construído pelo pensar de várias mulheres espalhadas pelo
mundo, ou seja, com suas demandas e realidades diferentes, por esta razão é
possível afirmar que ele é composto por várias correntes de pensamento que se
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unem em uma ética de se fazer presente visto que, a vida das mulheres que se
aproximam do feminismo é transformada, pois estas serão conscientes da
discriminação que sofrem e dos artifícios usados pelos homens para manutenção do
seu poder sobre elas (GARCIA, 2015).
Para a análise das sociedades a teoria feminista desenvolveu quatro conceitos
(androcentrismo, patriarcado, gênero, sexismo) relacionados de forma intrínseca que
tem como função conhecer e estudar os mecanismos de exclusão de forma a
conhecer suas causas e construir soluções modificadoras (GARCIA, 2015).
O androcentrismo consiste em considerar o homem como medida perfeita de
todas as coisas, de forma a distorcer a realidade em focar apenas na perspectiva do
masculino (GARCIA, 2015)
O patriarcado, nas palavras de Dolores Reguant, é uma forma de organização
política, econômica, religiosa e social, baseada na ideia de autoridade e liderança do
homem, no qual se dá o predomínio dos homens sobre as mulheres (1996, p.20).
Analisar o patriarcado sob essa ótica mostrou até onde se estende o controle e o
domínio sobre as mulheres, de forma a unir as mulheres que entenderam que os
problemas, até então pensados como individuais, são resultados de um sistema
opressor, que atinge a todas. As formas de patriarcado, assim como as correntes
feministas, se diferenciam entre as sociedades, no entanto o objetivo do feminismo
como um todo é derrubar o patriarcado como organização política.
O sexismo é o conjunto de métodos usados pelo patriarcado para manutenção
da subordinação, exploração e dominação do feminino. Faz-se necessário distingui-
lo do machismo, já que enquanto o machismo é o discurso da desigualdade o
sexismo é a ideologia que defende a supremacia do masculino (GARCIA, 2015).
Em se tratando de gênero é de extrema importância entender que este é uma
construção social e sócio-histórica, ou seja, as obrigações, normas
comportamentais, pensamentos, capacidades que foram exigidas das mulheres
apenas por pertencerem ao sexo feminino. Destaca-se que as diferenças biológicas
(sexo) são determinadas pela natureza, mas que estas não determinam nosso
comportamento, visto que somos seres culturais (GARCIA, 2015).
1.1 Origem do feminismo no mundo
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A partir do estudo da história humana podemos afirmar que somos seres
sociais, organizados por nossas tradições e culturas. De acordo com o site mundo da
educação, o feminismo pode ser definido como:
Feminismo é um movimento social por direitos civis, protagonizado por mulheres, que desde sua origem reivindica a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres. Sua atuação não é sexista, isto é, não busca impor algum tipo de superioridade feminina, mas a igualdade entre os sexos (O que é feminismo? 2020, online).
As relações devem ser transformadas pois foram construídas desde a pré
história de modo a favorecer e colocar em posição de superioridade o masculino. De
uma forma metafórica para Carla Cristina Garcia “feminismo é um motor que vai
transformando as relações entre homens e mulheres e seu impacto é sentido em
todas as áreas do conhecimento (2015, p.14).
Partindo dos conceitos definidos nos tópicos acima e para que se possa
entender melhor o feminismo e sua história é necessário abordar sobre a
diferenciação dos gêneros na linha do tempo.
1.1.1 Pré História
Desde a pré-história já eram identificadas diferenças entre homens e mulheres,
elas eram consideradas como objetos sexuais e acompanhantes e possuíam a
função de reproduzir e cuidar do lugar onde viviam, enquanto aos homens eram
dados os direitos de mandar baseados em uma superioridade biológica e social. A
partir disso, Jean Claude Frappant (2008) conclui que a organização dessa
sociedade era formada por um homem dominante que governava o clã.
A arqueóloga Margarita Sánchez Romero (2007) concluiu em suas pesquisas
que as atividades realizadas pelas mulheres na pré história estavam ligadas às
chamadas “atividades de mantimento”, ou seja, atividades como cozinhar, limpar,
costurar, cuidar dos demais membros do grupo e educar as crianças. Além disso, as
pesquisas da arqueóloga também concluíram que além de cuidarem das atividades
de mantimento, as mulheres também realizavam atividades de caça, pesca, cultivo e
coleta. Apesar da essencialidade das tarefas realizadas por elas, seu valor era
desconsiderado, já que estas eram consideradas irrelevantes e fáceis, como
resultado dessa realidade a arqueóloga Begoña Soler (2006) afirma que a presença
da mulher nos textos e imagens expostas desse período, é quase inexistente.
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A partir do momento em que os seres humanos deixaram de ser nômades, foi
desenvolvida a agricultura e as famílias passaram a acumular bens, construiu-se
uma sociedade patriarcal em que os trabalhos eram de fato divididos em critérios de
gênero, de forma que os homens realizavam atividades de produção e as mulheres
as atividades domésticas (FONTANELLA, 2008).
Dessa forma, o pressuposto de tal divisão era que as mulheres eram frágeis
biologicamente; seguia-se a lógica de que o homem era o provedor e protetor da
casa, fazendo com que a maioria das sociedades implantassem, um sistema de
dominação física, sexual e social sob as mulheres (FONTANELLA, 2008).
1.1.2 Idade Média (Séculos V – XV)
As mulheres tiveram grande influência na economia medieval, no entanto, este
período foi completamente controlado pela igreja que se recusou a descrever sobre
as conquistas das mulheres em seus textos religiosos, no intuito de, através de Eva
e Maria, construir um ideal feminino que perpetua até a atualidade, constituído por
elementos como a castidade, prudência, honra, obediência, subserviência, fertilidade
e beleza (KNAPP; ZELL, 2007).
Durante a idade média existiram três tipos de mulheres: as nobres que se
encarregavam dos filhos e da organização dos empregados, além de exercerem um
papel de importância na ausência dos maridos, uma vez que eram usadas como
moedas de trocas entre os casamentos que visavam selar pactos políticos e
estratégicos; As camponesas, responsáveis por todas as tarefas domésticas, criação
dos filhos, do plantio e do gado, estas viviam em baixas condições sociais e quando
não se casavam ou ficavam viúvas eram abandonadas; e, por fim, as freiras que
ajudavam aos pobres e aos doentes (CRUZ; GARCÍA-HORTA, 2016).
É necessário entender que a categoria acima descrita referia-se àquelas que
seguiam aos padrões do feminino da igreja, às que descordavam eram
estigmatizadas, tidas por bruxas, prostitutas, entre outras categorias pejorativas;
outras características que as marcavam era que estudavam anatomia, botânica,
sexualidade, amor e reprodução: o que para a igreja católica era inaceitável visto
que, ter algum desses conhecimentos, sendo mulher, significava ter um acordo com
o diabo (CRUZ; GARCÍA-HORTA, 2016).
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De forma mais assertiva, conhecer sobre o corpo e a sexualidade colocava em
risco a dominação masculina, já que tais conhecimentos geravam controle na
reprodução, tornando a sexualidade feminina mais livre, dando às mulheres mais
domínio sobre o próprio corpo, razão pela qual, estas foram queimadas em
fogueiras. (BLAZQUEZ, 2011).
1.1.2.1 Renascimento:
Durante a idade média abriram-se as portas para o Renascimento que, apesar
de trazer um novo paradigma sobre o ser humano, manteve a estrutura do feminino,
obedecendo aos mesmos padrões traçados pela igreja.
Nesse período ser mãe era sua profissão e sua identidade. No entanto, existia
uma diferenciação clara da situação entre as mulheres da plebe e as mulheres da
nobreza: aquelas passavam toda sua vida não alfabetizadas, apenas gerando
crianças e amamentando as suas e as das mulheres nobres, enquanto estas,
mesmo tendo o mesmo dever de gerar crianças, recebiam a mesma educação que
os homens, porém não poderiam usar publicamente o que sabiam (CRUZ; GARCÍA-
HORTA, 2016).
A partir da educação que as mulheres nobres recebiam surgiu a Querelle de
femmes nome dado às discussões sobre a natureza e aos deveres dos gêneros, que
observavam três elementos base: a oposição dialética à misoginia, o embasamento
dessa oposição na ideia de gênero e a possibilidade de universalizar a questão e
transcender o sistema de valores do seu tempo. Segundo Carla Cristina Garcia,
estas características são definidas por algumas autoras como a célula tronco do
feminismo (p.26, 2015).
Em 1405, a escritora Christine de Pizan se destacou com suas obras que
expunham a sociedade patriarcal e as condições das mulheres no século XIV. Faz-
se necessário entender que o feminismo ainda não havia se consolidado como
movimento, no entanto, as obras da autora eram carregadas da ideologia da
libertação das mulheres. (GARCIA, 2015).
1.1.2.2 Christine de Pizan
A partir da consciência das mulheres estudiosas de que mesmo tendo a
mesma educação que os homens não seriam aceitas no mundo intelectual, criou-se
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uma consciência moderna e feminista de lutar por seus direitos. A escritora Christine
de Pizan destacou-se em meio a elas.
Christine de Pizan nasceu em 1363 e faleceu em 1431; ela é considerada a
primeira escritora profissional; escreveu 37 obras, a mais conhecida foi A cidade das
mulheres (1405). Nesta obra ela usa das acusações feitas contra as mulheres para
questionar a autoridade masculina dos poetas e pensadores que influenciaram a
criação da tradição misógina; a partir de tal perspectiva criou em sua obra um
espaço utópico de discussão pública onde reivindica uma genealogia de mulheres
com capacidades e qualidades de destaque ao longo da história (GARCIA, 2015).
A autora escreve o livro em primeira pessoa em que debate sobre a natureza
das mulheres, usando de argumentos para debater a ideologia sexista. As
personagens do livro são três damas: Razão, Retidão e Justiça e delas parte a ideia
de construir um ambiente de acolhimento apenas para mulheres merecendo
destacar “Uma cidade levantada e edificada para todas as mulheres de mérito, as de
ontem, as de hoje e as de amanhã” (PIZAN, 2001, p. 63).
Outrossim, a autora traça um enredo que a permite incorporar figuras
mitológicas e princesas francesas, criando uma alegoria da autoridade feminina, em
uma cidade que além de um espaço seguro para as mulheres é um espaço de
cidadania.
1.1.3 Idade Moderna (Séculos XV – XVIII)
O período que se compreende a idade moderna foi, sem dúvidas, um dos
mais recheados de acontecimentos da humanidade. Ele se inicia com a criação do
capitalismo e a abertura das rotas oceânicas, que desencadeou as revoluções
científica, burguesa, liberal e industrial, responsáveis pelo estopim que iniciou a
revolução francesa visto que, o absolutismo já não representava a sociedade, por
tanto a revolução exigia a democracia. e as lutas pela independência das Américas.
Além disso, foi em Veneza, no século XVII, que surgiu ideia feminista visto
que, desde o renascimento a cidade havia dado às mulheres acesso à cultura o que
as permitiu criar novas ideias, abrindo espaço para batalhas intelectuais (GARCIA,
2015).
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É necessário ressaltar que nem todas as mulheres tinham liberdade para
participar da vida política, artística e cultural, e essa reclusão gerou um debate com
fulcro na condição da superioridade dos homens em relação às mulheres, algumas
escritoras expuseram figuras históricas femininas que lograram êxito em se impor
pois geraram resultados de excelência em todos os campos das ações humanas.
Além disso, usavam de suas obras para questionar a superioridade masculina que
esta(va) cristalizada de forma histórico-cultural na sociedade (GARCIA, 2015).
A autora Carla Cristina Garcia (2015) destaca três escritoras que foram
consideradas precursoras do feminismo: Lucréia Marinelli, Moderata Fonte e
Arcângela Tarabontti.
Lucrécia Marinelli escreveu, em 1601, a obra “A nobreza e a excelência das
mulheres” na qual destacou a importância das mulheres na construção da
civilização, ressaltando a igualdade entre os dois gêneros.
Moderata Fonte, em 1601, publicou o livro “Valor das mulheres” que através
de uma personagem retratou o sentimento das mulheres donas de casa que sentiam
enjauladas dentro de suas casas e de seus casamentos, já que não tinham outra
opção a não ser obedecerem a seus maridos.
Arcângela Tarabotti publicou três obras e escreveu cartas e textos durante 32
anos, a temática de seus textos era sua vida dentro do convento em que foi obrigada
a viver, chamava-o de “cárcere privado”, estes relatos apontavam a inferioridade da
mulher no ambiente em que vivia. Com relação as suas obras, Antissátira, Defesa
das mulheres contra Horácio Plata e La tirania paterna, mostrou a falta de liberdade
feminina e os falsos moralismos masculinos.
Outrossim, durante esse século surgiu a primeira onda feminista, que tomou
espaço durante a revolução francesa, reivindicando a igualdade social,
principalmente, através da educação. A obra “sobre a igualdade entre os sexos” -
Paulin de la Barre é um marco na literatura feminista, como primeira obra
fundamentada na igualdade sexual.
1.1.4 Idade Contemporânea
O desenvolvimento científico e técnico que aconteceu nos últimos anos do
século XVIII marcaram a transição entre a Idade Moderna e a Contemporânea, esta
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se estende desde o referido período até a atualidade. A partir desse momento é que
se fala de um feminismo realmente configurado como movimento (GARCIA, 2015).
Durante esse período, o absolutismo foi derrubado e a democracia tomou
conta. Em 1789 a França proclama a Declaração dos direitos do homem e do
cidadão; em contraposição, a escritora francesa Olimpia de Gouges apresenta, no
mesmo ano, a declaração dos direitos das mulheres e cidadãs, já que aquela se
referia apenas aos pertencentes do sexo masculino, o que, a partir de então, a
autora discute a falsa universalização da terminologia “homem”.
Segundo Carla Cristina Garcia (2015) a partir do século XIX o feminismo saiu
da França e se expandiu internacionalmente, possuindo caráter de organização e
identidade autônoma. Foi aberto, então, a segunda onda feminista, enquanto a
primeira onda se preocupava em dar a mulher o direito de existir em sociedade; a
segunda onda queria a emancipação jurídica e econômica das mulheres. Além
disso, as causas sociais, como liberdade de pensamento e a abolição da
escravatura eram pautas das feministas da época.
Durante a segunda onda os movimentos sufragistas tomaram conta dos
Estados Unidos e da Europa, a tão almejada emancipação política e econômica
existiria a partir do voto. Nesse período surgiu o movimento feminista socialista visto
que, as mulheres burguesas e as proletárias possuíam demandas diferentes. As
mulheres operárias eram um problema para o sexismo pois o trabalho,
fundamentalmente masculino, que segundo o preceito bíblico era responsável por
dignifica-lo, agora era exercido por mulheres. Dessa forma, parte das reivindicações
das proletariadas era a diferença salarial e as alterações feitas entre os gêneros pelo
capitalismo (GARCIA, 2015).
A terceira onda feminista, de acordo com a autora teve início após a primeira
guerra mundial, encontrando um cenário mundial destruído, mas com reformas
progressistas, as mulheres conseguiram o tão desejado direito de voto. No entanto o
período entreguerras marcou a decadência do movimento feminista, o “medo
vermelho” fez com que as feministas fossem acusadas de subversivas.
Nos anos sessenta o feminismo se dividiu em dois: o liberal e o feminismo
radical. O feminismo liberal foi representado pela NOW (Organização Nacional para
as Mulheres), e se caracteriza na crença de que a situação entre os gêneros não é
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de exploração, mas apenas de desigualdade, devendo ser corrigida pela reforma do
sistema (GARCIA, 2015).
Para o feminismo radical, “o pessoal é político”, ou seja, as mulheres eram
oprimidas e subjugadas tanto na esfera pública quando na esfera privada, portanto,
para corrigir a sociedade as mulheres deveriam reconfigurar a raiz da opressão.
Dessa forma, considerava-se o gênero masculino como responsável por exercer o
domínio, independente da classe, isso se justificava, principalmente, pelos
benefícios psicológicos que pertencer a esse gênero gerava (FIRESTONE, 1970)
Outrossim, diferentemente de todas as vertentes e de toda a história do
movimento feminista, as feministas radicais se preocupavam com a sexualidade da
mulher, abordando os direitos sexuais e reprodutivos. É possível observar uma
grande semelhança entre as feministas radicais e as “bruxas” da idade média.
A partir dos anos setenta passou-se a entender o movimento feminista como
na atualidade, ou seja, ele se dividiu em várias correntes, adaptando-se à realidade
de todas as mulheres, de forma que cada particularidade se uniu criando um coletivo
de defesa do gênero feminino.
Hodiernamente, a terceira onda feminista ainda acontece; entende-se que o
feminismo busca equidade, marcado pelo “desaparecimento” das fronteiras através
da tecnologia e da informação, geradoras da necessidade de reconhecimento e
respeito das diferenças, razão essa, que a igualdade se tornou equidade.
Segundo Alicia H. Puleo (2000) “o feminismo contemporâneo é um projeto
pluralista e diverso em que posições ideológicas coexistem, materializadas nas
diferentes correntes do feminismo: reformista, radical, revolucionário, socialista,
marxista, de igualdade, da diferença, eco feminismo, feminismo negro, feminismo
psicológico, feminismo lésbico.”
1.2 Feminismo no Brasil
Ao falar de feminismo no Brasil é necessário destacar que, diferentemente da
situação de revolução politica em que se encontrava a Europa e os Estados Unidos
no início do século XIX, o Brasil ainda era uma sociedade agrária, escravocrata e
colonial na qual, ainda era permitido aos maridos castigar fisicamente suas esposas
(FIGUEIREDO, 2008).
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Dessa forma, as primeiras manifestações do feminismo no Brasil se dão
através das obras “Conselhos à minha filha” (1842), “Ópusculo Humanitário” (1853)
e “A Mulher” (1856) de Nísia Floresta Brasileira Augusta, juntamente com a imprensa
feminina, através das publicações “Jornal das Senhoras” (1852), “Jornal: O Sexo
feminino”, “Revista: A família” (1880), “Revista: A mensageira” (1889). O enfoque
dessas obras e publicações era a luta pelo direito a educação e a profissionalização
da mulher. Em 1880, após proclamada a república, a reivindicação das feministas
brasileiras se iguala com o restante do mundo e passa a ser o voto feminino
(FIGUEIREDO, 2008).
1.2.1 Sufrágio no Brasil
Inspiradas no sentimento de patriotismo que levou a proclamação da república
em 1880, as feministas brasileiras passam a lutar pelo voto feminino, o jornal “o sexo
feminino” passa a se chamar “O quinze de novembro do Sexo feminino” e sua
temática se volta totalmente para o movimento sufragista, sendo tomado como
inspiração, em 1901 surge o jornal “A Voz Feminina” e, após ele, diversos outros
(FIGUEIREDO, 2008).
A partir da atenção chamada através dos jornais, segundo Maysa Athayde
Figueiredo, o movimento saiu do papel e começou a se estruturar. Em 1910 surge o
Partido Republicano Feminino, que chegou a organizar um protesto de mulheres
1917, no Rio de Janeiro. A luta pelo sufrágio feminino chegou em seu ápice em 1922
após a transformação da Liga para emancipação intelectual da mulher, criada em
1919, em Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).
A FBPF foi primeira entidade de mulheres de caráter nacional, se tornando a
principal responsável pela luta das mulheres pelo voto, ela foi, também, ponto de
partida para a criação de diversas associações de mulheres no Brasil. Segundo Ana
Alice Costa Pinheiro (1981), a primeira conquista, concreta, aconteceu no Rio
Grande do Norte, quando o governador do estado, através da Assembleia
Legislativa, concede o direito do voto as mulheres por uma resolução mas, ela foi
rechaçada pelo Senado Nacional.
A luta sufragista durou até 1932, quando Getúlio Vargas acatou a reivindicação
das feministas e na Constituição Federal de 1934 o voto feminino tomou força de lei.
Em 1937 então deputada suplente, Bertha Lutz, apresenta um projeto de lei que
14
apresentava reivindicações essenciais para a libertação da mulher, chamado
“Estatuto da Mulher” (FIGUEIREDO, 2008).
É necessário destacar que a luta sufragista partiu das mulheres ilustradas da
época e que a FBPF não via o capitalismo como sistema responsável pela opressão
feminina, de forma que o contexto no qual estava inserida pertencia a burguesia
(FIGUEIREDO, 2008).
Concomitantemente a luta sufragista surge, através do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), a mobilização de mulheres advindas das camadas populares, esse
era o chamado feminismo de esquerda. Esse feminismo não teve grande destaque
na época pois não conseguiu ter demandas próprias, ficando vinculado apenas ao
feminismo socialista mundial (FIGUEIREDO, 2008).
De acordo com Figueiredo (2008) a ditadura militar, a partir de 1964, tira de
pauta o movimento feminista que ressurge nos anos 70, juntamente com outros
movimentos sociais. Em 1975 acontece um seminário, no Rio de Janeiro, que reúne
mulheres de todo o Brasil, o foco da discussão das feministas desse momento é a
divisão sexual do trabalho e o lugar da mulher na família, pautado no “feminismo
moderno” que veio da Europa e dos Estados Unidos.
1.2.2 Feminismo Moderno
O seminário serve como inspiração para mulheres do Brasil inteiro que passam
a montar grupos para estudar e refletir sobre a realidade da mulher na sociedade,
são criados também os chamados “grupos de ação”. A organização feminista se
aproxima ideologicamente da esquerda, no entanto, nesse momento, o que rege o
movimento é o principio da autonomia. Dessa forma, a luta feminista é autônoma e
não recebe ordens de outras organizações e movimentos sociais e políticos
(FIGUEIREDO, 2008).
O III Encontro Feminista Latino-Americano e Caribe, realizado em Bertioga
(SP) (1984) é um marco na luta feminista brasileira visto que, foi a partir deste que
os encontros feministas deixaram de ser para o grupo das feministas autônomas e
passaram a ser para todo o movimento. Dessa forma, a conscientização das
mulheres brasileiras da luta feminista e do seu lugar na sociedade deixou de ser
apenas “do gueto, dos pequenos grupos, das camadas médias urbanas para
mobilizar outros setores da sociedade.” (FIGUEIREDO, 2008, p.44).
15
A Constituição Federal de 1988, é de enorme importância na luta feminista. Isto
pois, foi a partir dela que as mulheres passaram a ser, legalmente, segundo Mariza
de Athayde Figueiredo (2008):
Seres responsáveis e socialmente produtivos, tendo por respaldo uma legislação mais progressista, menos discriminatória que leva em consideração a especificidade da condição feminina (2008, p.45).
O marco legal foi delineado pela Constituição, mas as conquistas teóricas
ainda estão muito longe de serem conquistas praticas, a sociedade como um todo,
ainda possui a visão paleolítica de que a mulher deve ser subjugada porque é mais
fraca que o homem, que seu único dever é gerar filhos e que ser mulher é ser um
objeto manipulável e destinado a agradar o gênero masculino (FIGUEIREDO, 2008)
Enquanto não houver uma distorção dessa visão, e todas as mulheres
passarem a se entender como seres dotados de direitos e deveres, responsáveis e
donas de seus próprios corpos e com o direito de escolher o que será feito com eles,
a luta feminista não terá chegado ao fim.
16
CAPÍTULO II – DIREITOS HUMANOS
Segundo Hanna Arendt, ‘os direitos humanos não são um dado, mas sim um
construído, em constante processo de construção e reconstrução.’ Isso posto, a
hermenêutica dos direitos humanos deve sempre levar em consideração a época em
que a sociedade se encontra e a necessidade dos indivíduos inseridos no contexto
histórico, explica Marissol Barbosa de Souza Pinheiro (2021).
Entretanto é necessário ressaltar que hodiernamente os direitos humanos,
apesar de possuírem como característica fundamental a universalidade, não atingem
países do oriente pois, foram criados a partir da visão ocidental do que é ser livre e
digno, necessitando, portanto, de uma conceituação multicultural, para que seja
formado um conceito de dignidade humana condizente a diversas realidades
(SANTOS, 1997).
O autor Eduardo Ramalho Rabenhorst (2001, p.16) afirma que “os direitos
humanos são aqueles que possuímos apenas pelo simples fato de que somos
humanos”, de forma que não são dados pelo Estado ou por acordos, são naturais e
inerentes ao ser humano, relacionados a interesses e valores fundamentais
insubstituíveis mesmo que por outros valores ou interesses secundários. Trata-se de
uma visão da corrente do Direito Natural.
Dessa forma, conforme Marconi José Pimentel Pequeno (2001) os direitos
humanos estão fundamentados na necessidade de proteção dos indivíduos de toda
violência, conforme defendido por Rudolf Von Ihering, em sua obra A Luta pelo
Direito, fazendo com que estes não sejam minimizados a coisas, reificados, visto que
a pessoa possui um fim em si mesma e não deve ser considerada como um meio
para atingir algo (KANT, 1980). Tal fundamento se baseia na ideia de dignidade que
17
deve garantir a liberdade e autonomia do sujeito, sendo um valor incomensurável,
incondicional, insubstituível e sem equivalência.
Em um conceito reduzido os direitos humanos servem como limitadores do
poder Estatal evitando atos que violam a liberdade individual ou a vida (SHELTON,
2014).
Nada obstante, destaca-se como objeto dos direitos humanos, a partir da
leitura dos preâmbulos dos Pactos Internacionais de 1966, manutenção e construção
dos pressupostos que dão base à dignidade humana, à promoção do bem comum de
todos os indivíduos sem discriminação e o funcionamento dos postulados basilares de
liberdade, igualdade e fraternidade, influência da Revolução Francesa na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 (LEITE, 2014).
Em conclusão, é importante ponderar que mesmo sendo fundamentais os
direitos não são absolutos, ou seja, nenhuma pessoa possui mais direitos do que
outra, de forma a serem compatíveis ao direito coletivo, não infringindo a barreira
imaginaria que difere o particular do social (RABENHORST, 2001).
2.1 Construção histórica
A trajetória dos direitos humanos é desenvolvida de forma a contemplar cada
período social, abarcando as transformações naturais que ocorreram através da
humanidade fazendo com que seja necessário tracejar uma linha histórica para
entender a origem e desenvoltura destes, apontando o que são e a partir de quais
princípios foram criados. Visto que, segundo o celebre autor Norberto Bobbio:
Os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem — que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens (p. 9, 1988).
Lynn Hunt, em sua obra “A invenção dos direitos humanos – uma história”,
publicada em 2009, aponta que os direitos humanos foram citados primeiramente na
Constituição Americana de 1776, seguida pela Declaração do Homem e do Cidadão
de 1789, na Declaração dos direitos naturais e sagrados dos homens, como a base
de todo e qualquer governo, postulada durante a Revolução Francesa, culminando
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
18
Segundo Giuseppe Tosi (2004), os direitos dos homens, nos termos da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, resultaram das
transformações no pensamento e na forma de organização da vida em sociedade
derivadas do Iluminismo, movimento intelectual e cultural iniciado na Europa entre os
séculos XVII e XVIII, que colocou o homem como figura historicamente importante,
passando a ser o centro do pensamento social, substituindo a sociedade teocêntrica,
de forma a possuir deveres e privilégios em sua relação com o mundo. A partir da
referida centralização, passaram a existir direitos naturais essenciais e inalienáveis ao
homem; isso porque na época, a visão patriarcal indicava ser o homem o responsável
pela manutenção, não só de sua família, mas também da sociedade (TOSI, 2004).
Resultante do pensamento iluminista, a Revolução Francesa universalizou os
princípios basilares dos direitos humanos, sendo eles Igualdade, Liberdade e
Fraternidade, portanto, aquela é considerada de extrema importância para a
construção e entendimento do que é direito humano. No entanto, os princípios da
igualdade e da fraternidade não foram implementados de forma material devido ao
caráter individualista da declaração, denominada Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, que, como a própria nomenclatura esclarece, apenas beneficiou
homens de cor branca e proprietários de terras, gerando desigualdades econômicas e
sociais de forma exponencial entre aqueles considerados cidadãos e os demais
indivíduos (LEITE, 2014).
Os direitos humanos passaram a ser revisitados, necessitando de um novo
paradigma, após o genocídio nazista, através da criação da Organização das Nações
Unidas (ONU) em 1945 (PINHEIRO, 2021), o que levou aos Estados a reverem a fim
de se fundamentarem na constitucionalização dos direitos sociais, através das
primeiras Constituições com características sociais e socialistas no período da
Primeira Guerra Mundial (LEITE, 2014).
Segundo Marissol Barbosa de Souza Pinheiro (2021), a DUDH foi concebida
para evitar que a história se repetisse em se tratando dos horrores praticados durante
as duas grandes guerras mundiais, de maneira a regular a forma como o Estado trata
seus federados.
A criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 visa
à consolidação do direito humano (LEITE, 2014); em contraposição a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, a DUDH preconiza em seu artigo primeiro que
“todos os indivíduos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, pois são dotados
19
de razão e consciência, devendo agir em relação uns aos outros com espirito de
fraternidade”.
Seguindo a linha de raciocínio de André Ramos (2014), a Declaração pode ser
entendida como um compilado mínimo de direitos para que se possa viver de forma
digna, independente das diferenciações sociais impostas, garantindo à pessoa
humana os direitos naturais, iguais e universais, devendo ajustar-se a fim de abarcar
as necessidades de cada época, por isso, trata-se de um conjunto de normas
principiológicas, e não de leis.
A DUDH, em seu processo de origem, se dividiu em quatro “gerações”,
segundo Giuseppe Tosi (2006). A primeira geração inclui os direitos civis e políticos,
enquanto a segunda trata sobre direitos econômicos, sociais e culturais; já a terceira
abarca os direitos de uma nova ordem internacional; a quarta, e mais recente
geração, ainda está em discussão, referindo-se a direitos das gerações futuras, de
forma a firmar uma obrigação com a atual geração para a criação de um mundo igual
ou melhor ao que nos foi deixado pelas relações anteriores, necessitando de uma
nova ordem econômica, política e jurídica internacional.
As gerações estão ligadas aos princípios basilares da DUDH, declarados em
seus artigos primeiro e segundo: dignidade, liberdade, igualdade e fraternidade
(LEITE, 2014).
Ademais destaca-se que a DUDH, mesmo sendo o documento mais importante
sobre Direitos Humanos, não possui força de lei pois não é um pacto internacional.
Entretanto, a teoria moderna a aponta como exigências básicas de respeito à
dignidade humana (LEITE, 2014).
2.1.1 Sistemas Globais
Após a criação das Nações Unidas foram criados sistemas para dividir de
forma regional o processamento das lides que infringirem a dignidade da pessoa
humana. O primeiro foi o sistema europeu, depois o interamericano e por fim o
africano. (OLIVEIRA, 2016).
O sistema Europeu possui apenas corte e foi criado pela Convenção Europeia
de Direitos Humanos, tendo como objetivo garantir os direitos civis e políticos dos
cidadãos europeus; é composto 46 países-membros e é o mais antigo sistema,
portanto, o mais estruturado, explica Fabiano Melo Gonçalves de Oliveira (2016).
20
O sistema africano é o mais recente, possui uma comissão guiada pela Carta
Africana de Direitos Humanos e dos Povos, que enuncia direitos civis, políticos,
econômicos sociais e culturais. Além disso, a Carta ainda apresenta deveres
exclusivos dos homens africanos para com a sociedade e a família (OLIVEIRA,
2016).
O sistema interamericano é dividido em corte e comissão. Segundo Hector Fix-
Zamudio, ‘a comissão é o primeiro órgão efetivo para a proteção dos direitos
humanos, sendo responsável por fomentar a proteção dos direitos humanos nas
Américas’. A corte possui uma função litigiosa, ou seja, é responsável por resolver
lides entre Estado-membro e cidadão que teve seu direito humano lesionado
(GONÇALVES, 2013).
Com relação aos direitos humanos das mulheres está atrelada à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a “Relatoría sobre los Derechos de las
Mujeres” que possui a função de sistematizar e organizar as informações sobre a
situação de vida das mulheres nas Américas, fazendo com que os Estados sejam
informados sobre os problemas relacionados às mulheres de determinada região.
Além disso, a relatoria também é responsável por criar soluções para tais problemas
que deverão ser transformadas em politicas publicas dos países. (GONÇALVES,
2013).
2.2 Feminismo na ótica dos direitos humanos
Retomando as características normativas da DUDH, merece frisar que, como
norma principiológica, visa ajustar-se à realidade cultural e ao tempo na qual deve
servir como bússola orientadora do respeito à dignidade humana, eixo axiológico de
seu fundamento jurídico.
Nesse paradigma, há duas correntes que explicam a sua aplicabilidade, quais
sejam: a do relativismo cultural e a do universalismo.
O relativismo cultural tem suporte na ideia de que não há uma verdade
absoluta, propondo entender cada cultura através de suas próprias crenças
(Relativismo Cultural, 2021, online). Dessa forma, os direitos fundamentais variam
entre culturas que se baseiam na construção histórica de cada povo, impedindo a
formação de uma moral universal. (GONÇALVES, 2013)
21
O universalismo apresenta a definição de um núcleo mínimo de direitos que
servem para sustentar a dignidade humana e abarcam todas as culturas. Tamara
Amoroso Gonçalves pontua que:
A ideia de universalidade é menos determinar uma suposta “essência” humana dos sujeitos imutável e perene ao longo da história e mais afirmar a possibilidade de que a humanidade possa construir valores mínimos a serem respeitados por todos, em todos os tempos, construindo-se acúmulos valorativos que vão se somando ao longo da história. (2013, p. 79).
Segundo Tamara Amoroso Gonçalves (2013), é possível que as duas
correntes se misturem, para isso a cultura deverá ser respeitada, mas não poderá
infringir um núcleo de direitos essenciais a vida. A Convenção de Viena em 1993
demonstra essa união, apresentando um forte universalismo e um relativismo
cultural fraco, estabelecendo em seu artigo 5º que:
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e religiosas devem ser consideradas, mas é obrigação dos Estados, independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. (GONÇALVES, p.81,2013).
Os tratados internacionais de Direitos Humanos, em sua maioria, possuem
uma perspectiva universalista, No entanto, o respeito à cultura é colocado como um
direito humano fundamental (GONÇALVES, 2013).
É através do universalismo que se explica porque a mutilação genital em
meninas, ainda realizada em algumas regiões da América do Sul, Asia e África, é
uma violação aos direitos humanos.
A autora Jacqueline Pitanguy (2017) afirma que as mulheres têm sido
privadas de seus direitos e submetidas a situações de violência e abuso ao longo
dos séculos e que apenas a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos
essas têm conseguido direitos, mas que ainda estão muito longe de serem
colocados plenamente em prática.
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite (2014) a entrada no mercado de
trabalho foi um dos fatores que se destacou na reivindicação de melhores condições
de vida pelas mulheres, levando a consolidação da Convenção sobre a Eliminação
22
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979 que reconhece a
mulher como sujeito digno de proteção e preconiza em seu artigo primeiro:
Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos: político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (CONVENÇÃO, 2021, ONLINE).
Inobstante, a evolução jurídica com relação aos direitos das mulheres, ainda
ocorrem, diariamente, casos de constrangimento, desrespeito e violência à
dignidade humana das mulheres (GONÇALVES, 2013).
Na obra, “O livro negro da condição das mulheres”, organizada por Christine
Ockrent, publicada em 2011, são descritas inúmeras atrocidades praticadas com
mulheres ao redor do globo; atentados contra a segurança, a integridade física,
psíquica, patrimonial e sexual, a liberdade, a dignidade e a igualdade permeiam a
sociedade global e são ignoradas por, muitas vezes, serem consideradas culturais,
ou pelo simples fato de que ser mulher é ter seu valor reduzido a um objeto que se
pode usufruir, gozar e descartar. Segundo a autora “em todos os lugares, ou quase,
a lei garante à mulher a liberdade de controlar sua procriação, em todos os lugares,
ela proclama igualdade” (p.15, 2011).
2.3 Brasil
No direito brasileiro a Constituição Federal de 1988 mudou radicalmente o
paradigma da identidade de gênero, consagrando a igualdade entre homens e
mulheres como direito fundamental preconizado em seu artigo 5º, inciso I “homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;”
(PITANGUY, 2017).
Em 1983, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher foi ratificada pelo Brasil e em 1984 foi promulgada
através de um decreto presidencial, no entanto, havia ressalvas quanto ao ambiente
familiar, visto que o Código Civil regente da época designava o homem como chefe
do lar; apenas em 1988, com a Constituição Federal é que a mulher passou a ser
igual ao homem em todos os direitos e obrigações (art. 5º, I) com destaque na
sociedade conjugal dado pelo artigo 226, §5, segundo o qual: “Os direitos e deveres
23
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher”, explica Jacqueline Pitanguy (2017).
Além disso, a Constituição Federal de 1988 delega ao Estado o dever de coibir
a violência contra as mulheres no ambiente familiar; apenas em 2006 este passou a
cumprir seu papel de defender o interesse da coletividade ao criar a Lei Maria da
Penha, que por sua vez é resultado de tratado internacional sobre o tema do qual o
Brasil foi signatário, cujo conteúdo versa exclusivamente sobre violência doméstica;
tal lei apenas foi criada por decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e
tem a função de punir na intenção de erradicar a violência doméstica (PITANGUY,
2017).
Atualmente, segundo Jacqueline Pitanguy (2017), a legislação brasileira não é
mais discriminatória, de forma a ampliar o marco legal dos direitos humanos das
mulheres. No entanto, existe uma distância significante entre a vida real e o âmbito
legal, um exemplo claro está em no mercado de trabalho onde as mulheres recebem
menos que os homens para exercerem o mesmo cargo tendo a mesma formação.
Segundo Renata Abreu (2021, online), mesmo com a evolução da lei penal
brasileira, através da lei Maria da Penha (2006), o recrudescimento da legislação do
estupro (2015), a tipificação do feminicídio como qualificadora do homicídio (2015) e
a criação do artigo que define a importunação sexual (2018), o número de mulheres
violentadas no país ainda é crescente.
O instituto Patrícia Galvão apresenta dados alarmantes em relação à violência
contra a mulher nos últimos anos. Na pesquisa realizada no ano de 2020, 76% das
mulheres afirmaram já terem passado por situações de assédio e violência no
ambiente de trabalho; 71% das mulheres já sofreram assédio sexual no transporte
público. Além disso, a pesquisa aponta que a cada 9 minutos uma mulher é vítima
de estupro, em um dia três mulheres são vítimas de feminicídio e a cada dois
minutos uma mulher é vítima de agressão intrafamiliar.
Em conclusão, observando os dizeres de Jacqueline Pitanguy (2017), para que
se atinja a igualdade material entre os gêneros são necessárias ações políticas, para
que a sociedade civil dê continuidade no desenvolvimento de ações de
fortalecimento das mulheres, para que estas entendam a necessidade da denúncia e
que não estão sozinhas. Além disso, é necessário capacitar os profissionais de
25
CAPÍTULO III – REALIDADE JURÍDICA
A presente monografia tem como objetivo final demonstrar de forma prática os
Direitos Humanos aplicados às mulheres. Dessa forma, após traçado o panorama
histórico do feminismo e dos Direitos Humanos, este capitulo apresentará casos
julgados de grande repercussão e suas consequências, tanto para o sistema jurídico
brasileiro quanto para o panorama mundial.
Serão apresentados os casos: Maria da Penha e Malala Yousafizai. Além
disso, a pandemia dos anos de 2020 e 2021 contribuiu de forma significante para o
aumento no número de casos de violência intrafamiliar, tópico que será abordado no
presente capítulo a fim de entender e explicitar o quão longe as mulheres se
encontram de terem seus direitos, já postulados, aplicados de fato.
3.1 Caso Maria da Penha
O caso Maria da Penha se destacou no Brasil por chegar até a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos visto que, a demora da justiça brasileira em
proferir uma decisão efetiva no processo criminal contra o ex marido e agressor de
Maria da Penha demorou 19 anos e 6 meses, até que foi encaminhado para CIDH
para que o Brasil fosse penalizado por tal demora (INSTITUTO MARIA DA PENHA,
2021, online).
Devido a recomendações feitas pela Comissão Interamericana a Federação
Brasileira decidiu, além de apresentar a resolução do processo e indenizar
civilmente a vítima, criar a lei 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da
Penha (REVISTA INCLUSIONES, 2021).
Destaca-se que o Direito Humano violado no caso Maria da Penha está
descrito no artigo 3º da Declaração Universal de Direitos Humanos: “Todo ser
humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 2021,
26
ONLINE) e ratificado pela Constituição Federal do Brasil de 1988 em seu artigo 5º
caput (BRASIL, 2021, ONLINE).
3.1.1 História
Maria da Penha se casou em 1976 com Marco Antônio Heredia Viveros,
colombiano que conheceu durante seu mestrado na Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP); logo após a finalização de seu
mestrado e o nascimento de sua primeira filha mudaram-se para Fortaleza e tiveram
mais duas filhas. Nesse momento seu marido que era amável, solidário e educado
se transformou em seu pior pesadelo. (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2021,
ONLINE).
A partir do momento que Marco Antônio conseguiu sua cidadania brasileira e
a estabilização profissional o ciclo de violência teve início; esse ciclo se consistia em
aumento da tensão, ato de violência, arrependimento e comportamento carinhoso; o
estágio final desse ciclo fez com que Maria da Penha criasse a esperança de ter ao
seu lado, novamente, aquele companheiro amável que havia conhecido (INSTITUTO
MARIA DA PENHA, 2021, ONLINE).
Após anos de agressão, em 1983, o ex marido de Maria da Penha atirou em
suas costas enquanto ela dormia – essa foi a primeira tentativa de homicídio que
sofreu; como resultado ela ficou paraplégica; após duas cirurgias e outros
tratamentos ela retornou a sua casa onde foi mantida em cárcere privado por 15
dias, culminando na tentativa de seu agressor de assina-la, eletrocutando-a durante
o banho (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2021, ONLINE).
Essa segunda tentativa de homicídio fez com que Maria da Penha
conseguisse apoio jurídico através de amigos e família para conseguir sair de sua
casa e manter a guarda das filhas. O primeiro julgamento de Marco Antônio
aconteceu após 8 anos do crime, em 1991, onde o agressor foi sentenciado a 15
anos de prisão, mas devido a recursos interpostos pela defesa ele saiu do fórum
livre (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2021, ONLINE).
O segundo julgamento foi realizado em 1996 e o agressor foi condenado há
10 anos e 6 meses de prisão. No entanto, seus advogados alegaram irregularidades
processuais e parte do processo se tornou nulo (INSTITUTO MARIA DA PENHA,
2021, ONLINE).
Em 1998 Maria da Penha em conjunto com o Centro pela Justiça e pelo
Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos
27
das Mulheres (CLADEM), ofereceu denúncia contra a República Federativa do Brasil
acusando o país de tolerar as violências praticadas por seu ex marido contra ela
(SCHNEIDER, 2021).
A CIDH recebeu a denúncia em 1998 e solicitou ao Estado Brasileiro
informações a respeito do processo, esse quedou-se inerte. Diante dessa situação
os denunciantes solicitaram a presunção da veracidade dos fatos segundo o artigo
2º do Regulamento da Comissão, explica a Dra. Anne Michelle Schneider (2021).
O Brasil não se pronunciou em nenhum momento e teve sua falha
reconhecida no exercício dos três poderes. Diante disso a CIDH recomendou à
Federação Brasileira:
1º Completar, rápida e efetivamente, o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes.
2º Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes.
3º Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2021, online).
A partir das recomendações citadas o Brasil julgou e condenou o ex marido
de Maria da Penha e pagou por sua violação aos Direitos Humanos de forma
material. No entanto, a quantidade de mulheres que vive situações semelhantes as
vividas por Maria da Penha é estarrecedora, resultando em outras recomendações
da CIDH para atenuar a violência doméstica. São elas:
4º Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda particularmente o seguinte:
a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica.
28
b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo.
c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera.
d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.
e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2021, ONLINE).
A revolta causada pela lentidão dos poderes brasileiros e a falta de medidas
legais efetivas para parar a violência intrafamiliar fez com que, em 2002, ONGs
feministas se juntassem para elaborar uma lei de combate. O projeto de lei foi
aprovado nas duas câmaras por unanimidade e em agosto de 2006 a lei 11.340,
mais conhecida como lei Maria da Penha, foi sancionada (INSTITUTO MARIA DA
PENHA, 2021, ONLINE).
3.1.2 Lei Maria da Penha (11.340)
Os índices de violência contra a mulher no Brasil são altíssimos, a partir deles
pode-se notar um sistema padronizado da violência que impede às mulheres que
exerçam sua cidadania, explica Carmen Hein de Campos (2011). Dessa forma, a lei
Maria da Penha tem como objetivo “coibir e prevenir a violência de gênero no âmbito
familiar ou de uma relação intima de afeto” segundo seu artigo 1º (BRASIL, 2021,
ONLINE).
Faz-se necessário ressaltar que a lei Maria da Penha restringe-se apenas à
violência intrafamiliar baseada no gênero, isto é, a violência fundamentada na
relação de dominação masculina e submissão feminina, advinda dos papéis
designados às mulheres e cristalizados pelo patriarcado (BIANCHINI, 2018).
29
Em contrário ao pensamento da maioria dos cidadãos brasileiros violência de
gênero não é apenas física. Segundo o artigo 7º da lei 11.340/06 existem cinco
classificações de violência de gênero. São elas:
Violência psicológica que consiste em condutas responsáveis por danos emocionais e diminuidores de autoestima ou que visem controlar os comportamentos, ações, crenças e religiões ou, até mesmo, prejudicar o desenvolvimento; a violência física entendida como qualquer ação que prejudique a saúde corporal ou integridade física da mulher; violência sexual definida como ações que constranjam a vitima a participar, presenciar ou manter relação sexual não desejada; a violência patrimonial que versa em qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total do patrimônio da mulher; e, por fim, a violência moral onde ocorre calunia, difamação ou injuria (BRASIL, 2021, ONLINE).
Anteriormente a lei Maria da Penha a violência intrafamiliar era considerada
como crime de menor potencial ofensivo e julgado nos moldes da lei 9,099/95, a
partir daquela o Estado passou a ser responsabilizado pela violência de gênero,
deixando de ser uma questão apenas familiar.
Vale reforçar que o artigo 6º da referida lei afirma: “a violência doméstica e
familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”
(BRASIL, 2021, ONLINE) Tal texto reforça a natureza constitucional dos tratados
que versam sobre os Direitos Humanos no Brasil, assinados após a aprovação nas
duas casas do Congresso Nacional por 2/3 de seus membros (INSTITUTO MARIA
DA PENHA, 2021, ONLINE). Nesse sentido Aline Bianchini, afirma que:
Os direitos das mulheres são indissociáveis dos direitos humanos: não há que se falar em garantia universal de direitos sem que as mulheres, enquanto humanas e cidadãs, tenham seus direitos específicos respeitados. Tal afirmação é corolário do princípio da igualdade, que determina não poder a Lei fazer qualquer distinção entre indivíduos, o que inclui a distinção entre os sexos ou entre os gêneros. (p.138, 2018).
É inegável que a lei Maria da Penha foi um grande avanço nos direitos das
mulheres brasileiras, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) a lei Maria
da Penha é uma das mais avançadas do mundo (INSTITUTO MARIA DA PENHA,
2021, ONLINE). No entanto a violência de gênero ainda está presente no Brasil e no
mundo de forma avassaladora como já demonstrado nos capítulos anteriores.
Dessa forma, faz-se necessário reforçar que a lei não é o problema, mas sim
a sistemática da sociedade que se baseia em um patriarcado que designa papeis de
30
dominação do homem, de forma que esse entenda a mulher como objeto de sua
posse, podendo usar, gozar, reaver e dispor. Além disso, a conscientização feminina
de que é um ser dotado de capacidade e dona de si própria ainda é muito lenta.
3.2 Caso Malala Youzafzai
A realidade de crianças fora da escola, em especial meninas, é pertencente
do mundo todo, possuindo maior indicie em países menos desenvolvidos; Malala é
um nome de destaque para o feminismo contemporâneo pois, foi baleada no
Paquistão voltando da escola. (SILVA; GEQUELIN, 2017).
Em sua obra “Eu sou Malala” (2013), Yousafzai afirma que desde seu
nascimento seu pai dizia que havia algo diferente nela, nomeando-a em homenagem
a maior heroína do Paquistão, Malalai de Maiwand.
Malala nasceu em 12 de julho de 1997, na vila de Mingonra, localizada no
Vale do Swat, no Paquistão (FUND MALALA, 2021, ONLINE). Desde criança os
ideais de sua família já eram diferentes daqueles compartilhados pela maioria dos
paquistaneses, visto que ter uma filha é considerado mau presságio e aquele dia
passa a ser sombrio. No entanto o pai de Malala queria que sua filha tivesse todas
as oportunidades de um menino; para isso, ele que era professor, dirigia uma escola
apenas para meninas (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
A primeira aparição do Talibã no Vale aconteceu em 2007 comandada por
Fazlluah que demonstrava, inicialmente, ser razoável, fazendo com que vários
cidadãos o apoiassem. Com o passar do tempo passou a referir suas falas para as
mulheres anunciando que estas deveriam ficar em casa e cumprir suas obrigações
para com o lar, no entanto, o Corão não estabelece que as mulheres não devem sair
de casa (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
As pregações de Fazlluah contra a saída das mulheres de casa se tornaram
mais frequentes e as meninas que deixavam a escola eram parabenizadas no rádio,
a partir de então alguns professores passaram a se recusar ensinar alunas. A
primeira proibição para as mulheres foi ir ao mercado, as lojas de filmes foram
fechadas, e as pregações contra as meninas irem à escola se intensificaram,
passando a ser considerado motivo de caminhar até o inferno (LAMB; YOUSAFZAI,
2013).
Mesmo com as pregações contra meninas frequentarem a escola, Malala
continuou a ir; o saber para ela era uma forma de refúgio, como afirma em sua obra:
31
Foi a escola que me fez seguir em frente naqueles dias sombrios. Quando andava na rua, parecia-me que cada homem com quem eu cruzava podia ser um talibã. Escondíamos nossas bolsas e nossos livros sob o xale. Meu pai sempre dizia que a coisa mais bonita nas aldeias, toda manhã, era ver as crianças usando uniformes escolares. Mas agora tínhamos medo de usá-los (LAMB; YOUSAFZAI, 2013, p.103).
Nesse contexto, o pai de Malala, Ziauddin, recebeu um telefonema de um
amigo e jornalista da BBC de Peshwar, Abdul Hai Kakar, interessado em encontrar
alguém que tivesse coragem de falar sobre os horrores da vida sob o regime do
Talibã, Malala prontamente se ofereceu, afirmando que a educação é um direito e
que queria que as pessoas soubessem o que estava acontecendo.
Hai Kakar passou a telefonar todas as noites para Malala e ela contava seu
dia em uma espécie de “diário”, e suas falas eram gravadas e transcritas para serem
publicadas semanalmente em um portal da BBC. Preocupado com a segurança de
Malala os textos eram publicados pelo pseudônimo “Gul Makai”, nome de uma
heroína do folclore pachtun. O diário de Gul Makai chamou atenção de muitos,
Malala ouvia comentários ótimos em relação a ele, meninas e suas mães se
inspirando no que ela escrevia.
Escrevi muito sobre a escola, pois ela era o centro de nossas vidas. Adorava meu uniforme azul-real, mas nos proibiram de usá-lo. Fomos aconselhadas a vestir roupas normais e a esconder os livros sob o véu. Uma parte se chamava “Não use roupas coloridas”. Nesse texto escrevi: “Um dia, eu me arrumava para ir à escola e quase vesti meu uniforme. Então me lembrei do aviso de nossa diretora e resolvi usar meu vestido rosa favorito” (LAMB; YOUSAFZAI, 2013, p. 118).
A partir do diário Malala se destacou politicamente, deu muitas entrevistas
para televisão, gravou um documentário sobre seus últimos dias na escola onde
conta que tinha medo de ir à escola de uniforme e os talibãs jogarem ácido em seu
rosto (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
No último dia de aula, quando pararam de gravar o documentário, Malala
correu para dentro da escola e passou horas brincando com suas amigas, elas
estavam determinadas a fazer aquele dia durar o máximo possível, ao final Malala
diz aos documentaristas: “Eles não podem me deter. Vou estudar nem que seja em
casa, em outra escola ou em qualquer outro lugar. É esse o nosso pedido ao mundo:
salvem nossas escolas, salvem nosso Paquistão, salvem nosso Swat” (LAMB;
YOUSAFZAI, 2013, p.121).
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O envolvimento politico de Malala e os fatos que ela narrava para o blog se
tornaram de conhecimento global, chamando atenção de outros países para o que
acontecia no Paquistão (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
Fazlullah, fechou as escolas e inúmeros protestos começaram a acontecer, a
pressão social foi tamanha que ele cedeu e reabriu as escolas apenas para meninas
de até 10 anos, mas Malala e algumas outras mais velhas passaram a ir escondidas.
Algum tempo depois o Talibã concordou com um cessar fogo indefinido e as
meninas puderam voltar a escola, desde que cobertas pelo véu (LAMB;
YOUSAFZAI, 2013).
O acordo de paz não durou por muito tempo e o Talibã voltou ainda mais
violento, mas dessa vez possuíam legitimação estatal, então a família de Malala e a
maioria das outras famílias do Vale deixaram suas casas, retornaram após três
meses quando o primeiro-ministro declarou que o Talibã havia sido expulso do Vale
(LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
Em agosto de 2009 as aulas retornaram e no verão Shiza Shahid, formada
em Stanford, convidou 27 alunas da escola de Malala para conhecer a capital,
Islamabad, como forma de ajuda-las a superar o trauma que sofreram durante o
regime Talibã. Durante a visita conheceram mulheres médicas, ativistas, advogadas,
que lhes mostraram que não é preciso deixar suas tradições para serem grandes e
influentes mulheres (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
Em 2011, Malala foi convidada pelo ministro do Punjab para falar em uma
cerimonia sobre a educação, durante seu discurso falou sobre desafiar o Talibã e ir
à escola em segredo. “Conheço a importância da educação, porque me tiraram à
força meus livros e canetas. Mas as meninas do Swat não têm medo de ninguém.
Continuamos com a nossa educação” (LAMB; YOUSAFZAI, 2013. p.158).
Após seu discurso, Malala ganhou o primeiro Prêmio Nacional da Paz do
Paquistão, que posteriormente foi denominado Prêmio Malala em sua homenagem.
Decorrente de suas premiações e entrevistas Malala ganhou uma quantidade
grande de dinheiro e usou parte dela para criar uma fundação educacional, que
possuía como primeiro objetivo educar as meninas do Swat, em especial as crianças
de rua e do trabalho infantil (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
As entrevistas, palestras e prêmios de Malala foram crescendo e ela se
destacou como ativista da educação. O destaque da pequena ativista na mídia
chamou atenção do Talibã que emitiu duas ameaças, uma contra Shah Begum,
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ativista em Dir e a outra contra Malala, seu pai pediu a Malala que parasse a
campanha por um tempo, mas ela negou e decidiu não silenciar seu propósito e
continuou a discursar em eventos e promover a defesa do direito à educação das
meninas (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
Em outubro de 2012, no caminho de volta para sua residência após um dia
letivo, o ônibus que Malala estava foi invadido por dois rapazes com os rostos
cobertos que perguntaram “Quem é Malala?” e antes mesmo que ela pudesse
responder lhe desferiram três tiros, um deles acertou sua cabeça (LAMB;
YOUSAFZAI, 2013).
Após o atentado, Malala foi socorrida e levada por um helicóptero das Forças
Armadas para o hospital militar de Penshawar, o quadro clinico de Malala piorava
com o passar do tempo e foi necessária uma cirurgia para retirar a bala que se
encontrava alojada próximo a massa cerebral da menina, a cirurgia deu certo e
Malala foi colocada em coma induzido para que pudesse se recuperar (LAMB;
YOUSAFZAI, 2013).
Durante esse período de tempo o Talibã soltou um comunicado assumindo a
responsabilidade pelo atentado:
Executamos o ataque e toda pessoa que fale contra nós será atacada da mesma maneira”, disse Ehsanulla Ehsan, um porta-voz da organização. “Malala foi nosso alvo por seu papel pioneiro em pregar o secularismo. Era jovem, mas promovia a cultura ocidental em áreas pachtum. Era pró-Ocidente; falava contra o Talibã; chamava o presidente Obama de ídolo (LAMB; YOUSAFZAI, 2013, p.188).
O pós operatório de Malala obteve muitas intercorrências que agravaram seu
caso e ela foi transferida para o hospital em Birmingham no Reino Unido, onde
apresentou significativa melhora, foi tirada do coma e saiu da unidade intensiva de
saúde. Após a saída de Malala do hospital ela e sua família passaram a morar na
Inglaterra (LAMB; YOUSAFZAI, 2013).
Após o atentado, Malala se destacou ainda mais na mídia mundial e passou a
ser vista como “Malala, a ativista dos direitos das meninas”, os prêmios aumentaram
e passaram a ser entregues por países do mundo inteiro, foi a pessoa mais jovem a
ser indicada pelo prêmio Nobel da Paz, em seu discurso na ONU Malala clama aos
líderes mundiais para prover educação gratuita para todas as crianças do mundo.
“Que possamos pegar nossos livros e canetas”, eu disse. “São as nossas armas
34
mais poderosas. Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o
mundo” (LAMB; YOUSAFZAI, 2013, p.227).
O Fundo Malala, criado em 2012, é uma organização que luta para que todas
as meninas no mundo possam estudar de forma gratuita, segura e de qualidade,
priorizando regiões onde a maioria das meninas não possuem ensino médio,
principalmente no Brasil, Afeganistão, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão e a
Turquia (MALALA FUND, 2021, ONLINE).
O Fundo Malala acredita que cada menina e menino tem a capacidade de mudar o mundo, e tudo de que precisam é uma chance. Para dar às meninas essa chance, o Fundo aspira a investir esforços para dar poder às comunidades locais, no sentido de que elas desenvolvam soluções inovadoras, construídas a partir das abordagens tradicionais, e que forneçam não apenas alfabetização básica, mas ferramentas, ideias e redes que possam ajudar as meninas a encontrar suas vozes e a criar uma comunidade melhor. (LAMB; YOUSAFZAI, 2013, p.235).
3.3 Pandemia COVID-19
O ano de 2020 assolou o mundo com a pandemia do COVID-19, que para ser
contida necessitou de um isolamento social, no qual as pessoas passaram a ficar
restritas às suas casas, criando um aumento nos casos de violência doméstica
(FORNARI, 2021).
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020) a comparação dos
indicies de feminicídio em março/abril de 2019 para os mesmos meses de 2020,
quando se iniciou a pandemia, apresentou um crescimento de 22,2%, registrando
143 mulheres mortas em doze estados da Federação e os índices de chamados no
ligue-180 cresceram em 37,6%.
No entanto, é necessário destacar que devido ao isolamento e o contato
ininterrupto com o agressor a dificuldade de denunciar aumentou. Dessa forma, os
índices de registro dos crimes de lesão corporal decorrente de violência doméstica e
violência sexual diminuíram, aquele em 25,5% e esse em 39,3% isto pois, para
comprovação desses crimes é necessário que a vítima compareça à delegacia
(FBSP, 2020).
A partir da lei Maria da Penha as mulheres vítimas de violência doméstica
passaram a ter direitos a algumas medidas protetivas de urgência com o intuito de
garantir sua proteção física, psicológica, moral e sexual; essas medidas devem ser
concedidas por um juiz e independem de inquérito policial. Durante o mês de abril de
35
2020, segundo os dados disponibilizados pelo Tribunal de Justiça dos estados de
São Paulo, Rio de Janeiro, Acre e Pará houve uma queda no numero de concessões
de tais medidas, sendo 14,4%, 28,7%, 31,2% e 8,2% respectivamente (FBSP,
2020).
Além disso, o relatório disponibilizado pelo Ministério Público do Estado de
São Paulo mostra que o numero de autos de prisão em flagrante por
descumprimento de medida protetiva cresceu em 51,4% durante os primeiros meses
da pandemia (FBSP, 2020).
3.3.1 Formas de Denúncia
Em decorrência do isolamento social a dificuldade para que as mulheres
consigam denunciar aumentou, fazendo com que fossem necessárias novas
estratégias para facilitar a denúncia.
As estratégias se dividiram em cinco canais, linhas telefônicas para denuncia,
aplicativos, página eletrônica, inteligência artificial e mapeamento. Segundo Luciana
Fabiana Fornari (2020) também foram criadas novas medidas para os serviços de
atendimento às mulheres em situação de violência como a extensão dos horários de
atendimento presencial e remoto e a criação de grupos de trabalho no combate a tal
violência. Além disso, para que essas estratégias fossem disseminadas para a
população passaram a existir campanhas, cartilhas e lives em redes sociais e,
também, houve um incentivo para que os vizinhos se tornassem mais atentos afim
de denunciarem os casos.
36
CONCLUSÃO
A partir dos estudos realizados para a construção da presente monografia foi
possível concluir que a violência contra a mulher não se limita a questões no âmbito
de sua regulação jurídica, ou não, com o fim de punir o agressor. Muito além da
inciativa do Judiciário em aplicar a lei em defesa da mulher, há no fundo, questões
culturais, que envolvem a educação de um povo, sem a qual não será possível
mudar a triste realidade em que vivemos, em especial, no nosso país, quanto ao
aumento do número de casos de vítimas de violência de gênero. A DUDH preconiza
em seu artigo 1º que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e direitos”.
Além disso, em seu artigo 2º, §1º, assegura a todo ser humano “a capacidade
de gozar dos direitos e as liberdades estabelecidas na Declaração, sem distinção de
qualquer espécie seja de raça, cor, sexo [...]”. Dessa forma, a igualdade de gêneros
não é nada mais que medida de justiça.
Como já apresentado no decorrer da pesquisa, a Constituição Federal
Brasileira de 1988 apresenta a mesma igualdade assegurada na DUDH e ainda se
completa pela lei 11.340/06, que tipifica e penaliza a violência de gênero
intrafamiliar.
Dessa forma, a problemática está permeada em uma filosofia misógina,
perpetuada socialmente e culturalmente, entre homens e mulheres, marcado pela
dominação histórica do patriarcado.
Outrossim, a falta de empatia e informação que existe entre os servidores
públicos responsáveis por receberem as mulheres em suas situações mais
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vulneráveis, dificulta a iniciativa destas em denunciar seus agressores contribuindo
para a perpetuação do ciclo da violência.
Em última instância, a má administração do país que prega uma política de
dúvida e descrédito das mulheres é um dos maiores responsáveis pelo
silenciamento das vítimas. Exemplo claro dessa situação está no aumento dos
casos na pandemia contrapondo a diminuição das denúncias. Isso pois, apesar do
momento de extrema delicadeza, as leis não deixaram de existir, mas o medo de
denunciar e retornar ao ambiente de seu agressor sem o mínimo amparo, para um
destino ainda pior se tornou maior.
Dessa forma, para que as leis passem a ser efetivas e as políticas públicas
sejam eficientes é necessária uma conscientização em massa da violência e um
treinamento de qualidade para àqueles que possuem a função de acolher as
mulheres vítimas daquela. Além de um apoio psicológico e, em alguns casos, até
mesmo financeiro, a fim de encerrar o ciclo da violência.
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