O DIREITO NATURAL EM JOHN FINNIS: UMA RESPOSTA JUSNATURALISTA A FALÁCIA NATURALISTA DE DAVID HUME

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INSTITUTO FILOSÓFICO E TEOLÓGICO DO SEMINÁRIO SÃO JOSÉ CURSO DE FILOSOFIA O DIREITO NATURAL EM JOHN FINNIS: UMA RESPOSTA JUSNATURALISTA A FALÁCIA NATURALISTA DE DAVID HUME JOÃO GABRIEL CAMILLO DE CAMARGO Niterói 2013

Transcript of O DIREITO NATURAL EM JOHN FINNIS: UMA RESPOSTA JUSNATURALISTA A FALÁCIA NATURALISTA DE DAVID HUME

INSTITUTO FILOSÓFICO E TEOLÓGICO DO SEMINÁRIO SÃO JOSÉ

CURSO DE FILOSOFIA

O DIREITO NATURAL EM JOHN FINNIS: UMA RESPOSTA JUSNATURALISTA A

FALÁCIA NATURALISTA DE DAVID HUME

JOÃO GABRIEL CAMILLO DE CAMARGO

Niterói

2013

JOÃO GABRIEL CAMILLO DE CAMARGO

O DIREITO NATURAL EM JOHN FINNIS: UMA RESPOSTA JUSNATURALISTA A

FALÁCIA NATURALISTA DE DAVID HUME

Monografia do curso de Filosofia apresentado

ao Instituto Filosófico e Teológico São José,

sob a orientação da Professora Renata Ramos

da Silva para a conclusão do curso de

Filosofia.

Niterói

2013

JOÃO GABRIEL CAMILLO DE CAMARGO

Camargo, João Gabriel Camillo.

O Direito Natural em John Finnis: Uma resposta

Jusnaturalista a falácia naturalista de David Hume / João

Gabriel Camillo de Camargo. - Niterói: IFTSSJ, 2013.

36f.

Monografia(graduação)–Instituto Filosófico e Teológico do

Seminário São José, Niterói, 2013.

Biografia: f.34

1.Lei Natural. 2. Falácia Naturalista. 3. John Finnis. 4.

David Hume. I. Título

O DIREITO NATURAL EM JOHN FINNIS: UMA RESPOSTA JUSNATURALISTA A

FALÁCIA NATURALISTA DE DAVID HUME

Monografia do curso de Filosofia apresentado

ao Instituto Filosófico e Teológico São José,

sob a orientação da Professora Renata Ramos

da Silva para a conclusão do curso de

Filosofia.

Banca examinadora

__________________________________________________________________

Orientadora: Professora Renata R. da Silva – Mestre em Filosofia pela PUC-RJ

______________________________________________________________

Professor: Guilherme Cecílio – Mestre em Filosofia pela UFRJ

Niterói, ___de________________de2013

A DEUS princípio de toda vida.

À Virgem MARIA Rainha do Céu e da Terra.

Agradeço primeiramente a DEUS pelo dom da minha vida,

Aos meus pais pelo exemplo de vida, que levarei comigo eternamente.

Ao Padre Demétrio pela amizade e exemplo de sacerdócio.

A professora Renata por emprestar a sua sabedoria e me orientar pacientemente.

A minha turma de seminário pela paciência e exemplo de determinação.

E por fim todos formadores do Seminário São José de Niterói, atuais, Padres Douglas, José

Otácio e Pedro Paulo, e por todos outros que passaram na minha formação e que ainda

continuem me formando Padres Alan, Anderson e Sérgio.

“Todos os homens da história que

fizeram algo pelo futuro tinham os

olhos fixos no passado”

(G.K. Chesterton, em O que há de

errado com o mundo)

RESUMO

O conceito de Lei Natural na filosofia do direito e na ética contemporânea encontra-se

em situação de descrédito por parte das teorias juspositivistas, as quais predominam

hodiernamente. Esse descrédito inicia-se na modernidade, devido também, a conceitos

empiristas, como o de David Hume, que colocam em cheque o direito natural, ao desenvolver

o que, posteriormente, foi chamado a falácia naturalista, ou problema do é-deve. Entretanto há

autores contemporâneos que se esforçam em reafirmar a Lei Natural, procurando basear-se

em autores clássicos. John Michel Finnis é um desses filósofos que busca na filosofia clássica

e medieval, mais precisamente em Santo Tomás de Aquino, respostas para solucionar o

problema da falácia naturalista. Destarte, analisaremos a resposta de Finnis à falácia

naturalista de David Hume, e como busca o restabelecimento do conceito de Lei Natural.

Veremos que Finnis busca elementos na razão prática para justificar bens básicos, que por

serem antecedentes a qualquer juízo moral, escapariam da falácia naturalista humeiana.

Palavras-chave: Lei Natural. Falácia naturalista. Razão prática. Bens básicos.

RESUMEN

El concepto de Ley Naturalen la Filosofia del Derecho y em le Ética contemporánea se

encuentran em situación de descrédito por parte de las teorias iuspositivistas, las cuales

predominan hoy em dia. Ese descrédito empieza em la modernidad, debido tambien, el

conceptos empiristas como el de David Hume, que ponen em jaque el derecho natural, al

desenvolver, que, posteriormente, fue llamado al falácia naturalista, o problema del ser y

deber. Sin embargo, hay altores contemporáneos que se esfuerzan em reafirmar la Ley

Natural, buscando basarse en altores clássicos. John Michel Finnis es uno de esos filósofos

que se apoya em la Filosofia Clássica y Medieval, sobre todo em Santo Tomás de Aquino,

respuestas para el problema de la falácia naturalista. Sem embargo, analisaremos las

respuestas de Finnis a la falacia naturalista de David Hume, y como busca el restablecimento

los conceptos de Ley Natural. Veremos que Finnis busca elementos em la razon prática que

justificar bienes básicos, que por seren antecedentes a cualquier juicio moral escapan de la

falácia naturalista de Hume.

Palabras clave: Ley Natural. Falacia naturalista. Razón prática. Bienes básicos.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................9

1 LEI EM SANTO TOMÁS ....................................................................................................11

1.1 Lei em John Finnis ...........................................................................................................14

2 FALÁCIA NATURALISTA POR DAVID HUME..............................................................18

3 A RESPÓSTA DE JOHN FINNIS........................................................................................23

3.1 Razoabilidade Prática.......................................................................................................23

3.2 Bens Básicos.......................................................................................................................26

3.2.1 Vida .................................................................................................................................26

3.2.2 O conhecimento ..............................................................................................................27

3.2.3 Jogo..................................................................................................................................28

3.2.5 Sociabilidade (amizade) ..................................................................................................28

3.2.6 Razoabilidade Prática.......................................................................................................29

3.2.7 Religião............................................................................................................................30

CONCLUSÃO..........................................................................................................................32

REFÊRENCIA..........................................................................................................................34

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INTRODUÇÃO

A lei para Santo Tomás “é uma ordenação da razão visando um bem comum, partindo

daquele que é responsável por legislar” (Tomás de Aquino, STh., I-II, Q.90, a.1). Temos para

a lei uma ordem racional provinda de uma lei eterna que se encontra em DEUS. Mas

conhecemos essa lei através da participação da natureza na lei divina, a qual a razão pode,

através da ordem imposta no cosmo pelo ordenado da lei, conhecer essa lei. Esta lei conhecida

pela razão chama-se Lei Natural.

Esse conceito de Lei Natural foi aprofundado por Santo Tomás na Idade Média. Mas

com o advento da filosofia moderna, na qual o homem se encontra no centro do

conhecimento, a ética e a moral tomam um novo rumo. David Hume (1711-1776) no seu

Tratado da Natureza Humana acusa o pensamento ético clássico de cometer um erro lógico

de extrair um “dever” do “ser”. Esse erro pode ser explicado a partir do seguinte exemplo: se

todos os animais procriam, e os seres humanos são animais, portanto, os seres humanos

devem procriar. Aparentemente temos um erro lógico, já que das premissas apenas

poderíamos extrair a conclusão de que “os seres humanos procriam”. Assim, pois, afirma

Hume, do ser não se pode concluir um dever-ser, de modo que o ser não determina em nada a

moral. Hume, como seus sucessores, exclui toda racionalidade no conhecimento dos bens

morais, afirmando o conhecimento da moralidade através dos sentidos, excluindo assim

qualquer universalidade das leis. Eliminando A Lei Natural da ética, ela fica a mercê das

convenções que podem variar conforme os legisladores e seus interesses, visto que nada

existiria na natureza que possa exigir finalidade. Cria-se posteriormente o juspositivismo, não

diretamente de Hume, mas com as diversas evoluções de filósofos posteriores, teoria que

baseia as leis, não na Lei Natural, mas no que podem ser positivado, conceitos empíricos

convencionados.

Por outro lado, na contemporaneidade, surge uma vertente que começa a resgatar o

conceito de Lei Natural, denominada de,

Nova escola de lei natural que embora inspirada na tradicional teoria da Lei Natural

a qual remonta a célebre autores como Platão, Aristóteles, Cícero e Tomás de

Aquino, diferenciam-se dela, per estar contextualizada às críticas vindas do

positivismo jurídico (ROHLING, 2013).

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Um desses filósofos contemporâneos que atualmente tentou dar uma explicação à falácia

naturalista de David Hume é John Finnis. Formula suas teorias, tendo por base o conceito de

Lei Natural tomista. Ao analisar a falácia naturalista, concorda com o erro lógico identificado

por Hume, também afirmando que não se pode afirmar um “dever” de um “ser”. A tese

proposta pelo filósofo que a Lei Natural e a Ética devem ser feitas com outras bases, a fim de

não passar ilicitamente do plano do ser para o plano do dever. Através da racionalidade

prática propõe sete formas de desenvolvimento humano, a saber: a vida, o conhecimento, o

jogo, a experiência estética, a sociabilidade, a razoabilidade e a religião. Essas formas básicas,

segundo Finnis, são auto-evidentes, incomensuráveis e universais. Dessa auto-evidência,

Finnis defende sua validade irrestrita sem ter que fazer uso da dedução do ser para passar ao

dever, assim sem recair na falácia naturalista.

Portanto, pode-se perceber que Finnis apresenta uma solução à acusação de D.Hume.

A partir da razão prática John Finnis parte para explicação dos bens básicos, nos quais podem

ser conhecidos e definidos como essenciais para o ser humano. Mas esses bens básicos não

exigem qualquer valor moral para se explicar. São anteriores a todo juízo moral, portanto

passa pela tangente da falácia naturalista, pois não é de um ser que se descreve algum dever,

mas de conceitos da razoabilidade prática que identificam como agir na prática. Como afirma

Alejandro Alvarez: “a razão prática busca critérios para agir, a partir do conhecimento prático,

e o conhecimento prático tem seu ponto de partida nos primeiros princípios práticos, que não

são deduzidos do conhecimento (especulativo) da natureza” (2007, pg. 11). Mas essa

razoabilidade só pode ser explicar se existir uma ordem na natureza humana, por isso a

necessidade de se resgatar o conceito de Lei Natural. .

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1 LEI EM SANTO TOMÁS

Primeiramente será descrito Lei Natural em Santo Tomás de Aquino, pois, essa é a

base da filosofia moral de John Finnis, no qual formula sua posição, baseado na visão de Lei

Natural tomista, dialogando com as diversas visões positivistas e pragmáticas que

predominam na ética contemporânea. Desse modo, será explicitada a visão do Aquinate

contida nas partes I-II da Suma Teológica, sobre a Lei Natural, mais precisamente entre as

questões noventa e noventa e cinco, partindo da sua visão de lei, até chegar à definição de Lei

Eterna, Lei Natural e Lei Positiva.

Para São Tomas “lei é o ordenamento da razão visando um bem comum, promulgado

por aquele que é responsável pela comunidade" (S.Th., I-II, Q.90ª, a.2). Aparentemente um

conceito simples, mas trás consigo detalhes de extrema importância. A lei se baseia em uma

ordem que pode ser conhecida pela razão humana e pode ser positivada analisando a

regularidade de algum evento natural, no qual se pode universalizar cada evento em

particular. Assim na natureza (Não de forma absoluta, usado aqui apenas como exemplo), a

lei da gravidade, por experiência apreende-se que todos os corpos seguem uma ordem, não

voam ou flutuam, eles caem para o chão, seguem um padrão. Dadas as condições especificas,

de tal forma que essa repetição de dados ao ser analisado chega ao ponto de repeti-lo, por fim,

demostrado por equações matemáticas. De forma análoga pode-se aplicar a outros aspectos

como para relações humanas, pois pela razão se pode chegar ao conhecimento da

razoabilidade de conceitos que determinam a melhor forma do ser humano agir visando um

bem comunitário.

Toda lei segue para um fim, ou seja, tem uma finalidade, e também as leis seguem um

ordenamento no qual a razão prática pode conhecer através da experiência. A partir dessa

apreensão do particular tirar conclusões universais e promulgar uma lei, essa lei

primeiramente busca um bem comum, e só secundariamente o bem do indivíduo. Santo

Tomás, seguindo Aristóteles, indica que a lei pode ser conhecida pela razão devido a seu

ordenamento natural. Buscar o bem comum, visando seu fim último, que para Tomás e

Aristóteles é a felicidade. Determinam-se assim três tipos de Lei: a Lei Eterna, a Lei Natural e

a Lei Positiva.

Por primeiro falar-se-á sobre a Lei Eterna, principio de toda lei, pois, por mais

longínquo que pareça uma Lei de algo divino, a Lei da natureza das coisas tem seu início em

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Deus. E como dito anteriormente a lei segue uma ordem, e essa não pode acontecer por si só,

tem de haver algo fora dela para ser o seu princípio ordenador, princípio e fim de tudo que

esteja fora desse princípio. Nada pode ser ordenado desde o infinito, tem-se um início

ordenador das coisas, e esse princípio que gera toda ordem é um princípio transcendente, que

provêm da providência divina. Nessa divindade há uma lei eterna ordenadora de todo

universo e dela partem todas outras leis, princípio também de todas as coisas e o primeiro

governador da natureza. Essa lei não a conhecemos diretamente pela inteligência humana, ela

é somente inferida.

Poderia essa lei eterna reger ela mesma, viver intrinsicamente nela mesma e

eternamente, não haveria a necessidade de nada fora dela. Mas o seu Fundamento dessa lei

Criou a natureza e imprimindo nessa mesma natureza uma lei, um ordenamento. Explica

Tomás que a “lei natural é a participação da lei eterna pela criatura racional” (S.Th., I-II,

Q.91ª, a.2). Portanto, a lei natural é a impressão divina no coração do homem, na qual

somente a criatura racional participa e pode conhecer, ou seja, os animais irracionais não a

conhecem. E pela razão humana, o homem chega ao primeiro e principal princípio da Lei

Natural: fazer o bem e evitar o mal; da qual deriva todos os outros conceitos da Lei Natural e

nela contem todos os bens e fins necessários para o homem conseguir alcançar a sua

finalidade última, a felicidade. Este primeiro conceito da lei natural, a razão humana pode

chegar independente da cultura, ou local geográfico, com ou sem tecnologia, por simples

apreensão o homem chega a esse conhecimento básico da natureza humana, a partir desse

descobrir os outros elementos da lei natural.

Para o doutor angélico, a lei natural pode ser conhecida através da razão prática.

Pode-se dizer que os conceitos básicos são evidentes, que por certa “inclinação” apreendemos

esses conceitos, chamado por ele de sindérese: um hábito natural, que procede de princípios

básicos da natureza na alma humana, e a razão humana raciocina sobre ela para tirar alguma

ação, é uma primeira apreensão realizada pela razão. Um processo que se inicia apreendendo

o bem nas coisas, um princípio prático, um hábito operativo e natural do intelecto, e através

dessa disposição natural é que julgamos a ação. Portanto, o homem, com toda a sua

capacidade racional, é capaz de conhecer a lei natural, por consequência conhecer seu

primeiro princípio, buscar o bem e evitar o mal.

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Outra característica da lei natural é a imutabilidade em si mesma e sua universalidade.

Em seus princípios ela não muda, pois procede da lei divina que é imutável. Então, não pode

ser mudar em sua essência. Os fatos históricos sociais não mudam a Lei Natural, muito menos

a opinião de um grupo, ou mesmo da maioria a muda, ela depende unicamente da autoridade

divina. Mas a lei natural em seus processos secundários admite certo acréscimo ou subtração,

dependendo da vida de certa comunidade, por exemplo, o direito à propriedade privada

(acréscimo), pena de morte (subtração), sempre visando o bem comum.

A Lei Natural descreve os casos universalmente, trabalha com os casos gerais da Lei.

Mas há as aplicações dessa Lei Natural em casos particulares. Um autor que tratou na Idade

Média dessa lei mais particular foi Tomás de Aquino, chamando-a também de lei humana,

que são as positivações da Lei Natural. Por exemplo, a partir dos conceitos encontrados na Lei

Natural (como fazer o bem e evitar o mal), um legislador a aplicará nos casos específicos e

particulares.

O homem munido da razão pode aplicar a casos particulares a universalidade da Lei

Natural, assim como de uma equação matemática geral sobre equações pode-se aplicar a cada

equação em particular sem se perder as características da equação geral, e tem-se cada

equação particular um resultado. A esse processo de positivação da Lei Natural chama-se lei

positiva. Cada comunidade tem a capacidade de julgar segundo a razão, como aplicar

particularmente os casos da Lei Natural. Mas ensina o Aquinate que a lei positiva tem que

partir da Lei Natural, ou teremos não uma lei e sim uma corrupção dela. Deve, a lei positiva,

atentar para seu fim último, a utilidade do homem, ou seja, atender as disposições humanas,

em todos os casos, sem exceção. Ela está ligada a comunidade, ao bem comum de cada lugar,

na qual o legislador local tem autonomia dentro da racionalidade de normatizar leis

específicas para o bem daquela comunidade, baseando e partindo da Lei Natural, constitui-se

assim uma lei humana ou positiva.

Esse pensamento é o ponto de vista da escolástica, baseado também na filosofia

clássica que sobreviveu até a modernidade. Com o abandono das bases metafísicas na ética e

do direito. Esse abandono trouxe consequências seriíssimas que mudaram a ética

definitivamente, como por exemplo, na decisão do certo e errado, que não mais acontece pela

razão prática, por uma especulação metafísica, mas sim por uma decisão da maioria, por

convenções, que são por muitas vezes subjetivas, baseadas nas paixões humanas. Perde-se o

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valor racional, real e universal da lei e do direito e vive-se em uma sociedade que não mais

busca o bem comum, pois, a cada passo, a cada cultura, a cada momento histórico muda-se a

lei para abarcar interesse não mais comum, mas muitas vezes de grupelhos. É fato que

excluindo a metafisica da ética, automaticamente a visão tomista de Lei Natural perde seu

lugar e sua importância. Por isso deve-se se retomar a visão clássica e escolástica da ética,

mais precisamente da Lei Natural, talvez não puramente como Tomás de Aquino, mas

adaptado e dialogando com o mundo contemporâneo.

1.1 Lei em John Finnis

John Finnis é um dos autores contemporâneos, que mais produz na área da filosofia do

direito e da ética, tentando utilizar da filosofia tomista para recolocar o conceito de Lei

Natural na ética e no direito atual. Descreve os requisitos da razoabilidade prática, que são

evidentes por si mesmo. Essa é uma novidade de Finnis, em descrever alguns princípios

práticos da razoabilidade prática que são anteriores a moral.

Partindo do pensamento de Finnis, a lei:

É sempre um plano para coordenação através da cooperação livre. Em

razão da estrutura das coisas ser o que é, os princípios da razão pratica

e moralidade (lei natural moral e direito natural) podem ser

entendidos, aceitos e vividos por, como uma diretiva plena na

consciência, sem a necessidade de serem considerados como (o que

eles realmente são) um apelo do entendimento ao entendimento, um

plano – livremente feito para ser livremente adotado – para realização

humana integral. Como um criador divino não foi em sentido algum

constrangido a escolher criar este universo distintamente de qualquer

outro bom possível, assim, os legisladores humanos têm a ampla

liberdade moral para escolher entre arranjos legais alternativos e

possíveis, elaborando um conjunto de provisões legalmente e

(presumidamente) moralmente obrigatórias pelo simples fato de adota-

las – isto é, pelo que Tomás de Aquino chama de determinatio dos

legisladores: II, q. 95, a.2; q.99, a.3, ad.2; q.104, a.1 (FINNIS, 2007,

pg.72).

Assim, a lei está subjugada ao bem comum, faz um apelo à razão de seus legisladores que dá

razões para serem aceitas e promulgadas, procurando um elemento em comum, que é esse a

essência da lei, dado pelo Criador divino que providenciou toda lei.

As características da lei se equivalem ao conceito de império do direito, ou seja, a lei

deve subordinar os juízes a legislar conforme elas obedecendo-a mesmo que parecer contrária

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a evidência. E as leis devem proceder através da determinatio, de uma determinação, e para

ser justa tem que estar de acordo com a razoabilidade prática. Por um lado cuida das coisas

essenciais deixando em aberto coisas acidentais, como explica o próprio Finnis: um arquiteto

que cuida das dimensões para construir um hospital, para projetar uma maternidade e não uma

jaula de leão, e mesmo assim deixa uma porção de coisas em aberto, por exemplo: a cor

seleções de matérias entre outras qualidades (FINNIS, 2007, p.74).

Por outro lado a lei tem que ser coercitiva, tendo como monopólio da força o

responsável pelo governo. Essa força dá direito ao governo e uma imposição da pena capital,

pois, aqueles que decidiram agir contra a normalidade da lei podem sofrem a força coercitiva

da correção estipulado pelo governante. Finnis afirma ainda que Tomás não só admite como

fundamento da guerra a defesa da própria comunidade, mas também a correção e punição de

algum erro de alguma comunidade.

Primeiramente Finnis, na sua obra Lei Natural e direitos naturais, para não falar

diretamente de Deus, usa a letra “D” para denominar a causa que “causa todos os estados

causados” (FINNIS, 2006, p.368), que pode ser descrita como um ato, “e pode ser pensada

como pressupondo algo como nosso conhecimento das possibilidades alternativas disponíveis

para serem levadas a se realizarem por escolha e criação” (FINNIS, 2006, p.368). Assim ao

“generalizar” Deus, Finnis abarca todos os pensamentos sobre alguma divindade, e as

diversas expressões religiosas. A intensão do autor é demostra que os valores da Lei Natural

são universais que podem estar contido nas diversas interpretações de Deus. Então, Finnis

referindo-se a Tomás afirma que a Lei Eterna provinda de D, a conhecemos imperfeitamente,

não somente por desconhecer a totalidade do globo, mas também pelos limites entre a lei que

vem de D e a particular interpretação, entretanto, conhecesse-se parte dela através da razão.

Inicialmente ele explica que o uso da palavra “natural” se dá à “razão”, é como uma lei

racional o mesmo que dizer o predicado de algo, aquilo que esta de acordo com a razão

prática. As coisas naturais são aquelas que podem ser conhecidas racionalmente. Portanto,

aquilo que é naturalmente bom pode ser conhecido pela razão, e fica-se sim obrigado pela

razão a fazer escolhas boas, já que a razão pode conhecê-lo.

Todo ser racional, dotado da saúde de suas faculdades mentais, pode reconhecer que

alguns aspectos básicos da existência humana são um bem, ou seja, coisas a qual o individuo

pode buscar porque é um bem, na qual é bom tê-las. Porém, alguns aspectos da moral só

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podem ser percebidos e identificados por aqueles aprofundam nas questões em pauta. E o

presente filósofo contemporâneo definiu Lei Natural como: “o conjunto de princípios da

razoabilidade prática no ordenamento da vida humana e da comunidade humana” (FINNIS,

2006, p.273). Portanto, a Lei Natural pode ser identificada pela razão prática, por isso comum

a todos os seres racionais, que busca o ordenamento da vida humana, visando o bem comum.

Finnis, baseando no Aquinate, que Lei Natural é a participação do homem na lei eterna,

explicita que há no homem um poder de insight: “a ativação de nossas próprias inteligências

individuais [...] é a partir de Deus que a mente humana participa da luz intelectual” (FINNIS,

2006, p.?). O homem diferente dos animais irracionais, que penas são sujeitos à providência

divina, além disso, o homem é participante da Lei Eterna. Temos uma inclinação, explica

Finnis que pela razão somos inclinados a agir conforme a razão, essa inclinação, nos leva a

compreender racionalmente elementos básicos contidos na razão humana, a inclinar-se a agir

conforme elas, ou seja, todas as coisas para as quais o homem tem uma inclinação natural, a

razão entende como boa e seu oposto como ruim (serem evitadas), conclui-se assim que pela

inclinatio o homem conhece o primeiro conteúdo básico da Lei Natural: fazer o bem e evitar o

mal.

Finnis ao tratar sobre a positivação da Lei Natural recorre a Tomás para explicar que

leis positivas são as implicações particulares partindo dos “princípios morais mais elevados e

gerais” (FINNIS, 2007, p.95). São princípios aplicados racionalmente, considerando o bem de

uma comunidade, não algo que se aplica sozinho, mas “partindo de”, sempre de algo mais

geral, e sempre visando um bem coletivo. Aqui pode ter leis diferentes em cada comunidade,

pois, cada uma aplica da melhor forma sobre as particularidades de cada grupo. Mas sempre

há algo em comum, por partirem de algo comum, buscar o bem e evitar o mal, por exemplo.

Sendo assim tem força apenas nesse particular sistema positivado. Está relacionado com a

liberdade do legislador de aplicar sempre um princípio geral na particularização racional da

lei positiva (FINNIS, 2007, p. 97), ele deve escolher sempre tendo em vista o bem de todos,

podendo conter elementos de arbitrariedade, devido à dependência do legislador.

Na visão de Finnis é necessária a lei positiva, pois, primeiramente, o conteúdo da Lei

Natural não é suficiente para abranger todas as necessidades particulares da vida comunitária,

e depois, para obrigar as pessoas egoístas a agirem conforme a razão (FINNIS, 2006, p.255).

Como de forma análoga, em um carro que leva nele além das partes mecânicas essenciais,

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diversos acidentes variando conforme o gosto do cliente, que são indiferentes ao bom ou mau

funcionamento como carro, como por exemplo a cor do carro.

A dificuldade que encontramos nas leis injustas ou corruptas, aquelas que não levam

por pressupostos uma Lei Natural derivada de uma lei eterna, é que muitas vezes buscando o

bem comum encontram e socorrem apenas um grupo e os interesses do próprio legislador.

Pois, se baseiam em convenções, podendo aplicar qualquer coisa, aplicando assim em muitos

casos uma lei irracional, injusta. Isso será mais bem explicado na última parte do trabalho, na

qual tratará das soluções de John Finnis, retomando o pensamento clássico e medieval sobre a

moralidade e sua aplicação nas leis.

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2 FALÁCIA NATURALISTA POR DAVID HUME

Grande parte da dificuldade, na contemporaneidade, em conceber os conceitos de uma

Lei Natural como fundamento do direito e da moral provém dos filósofos modernos, também

nas ideias do empirista de David Hume. Nesta parte será tratado o como sua filosofia

descartou a Lei Natural, ou de qualquer influência racional na filosofia moral, inclusive as de

princípios clássicos e escolásticos.

David Hume foi um crítico do racionalismo, filosofia que predominava em sua época.

Combateu-a fortemente, principalmente em seu Tratado da Natureza Humana, defendeu que

o empirismo constitui a base de todo conhecimento. Afirmou que nada mais há além das

percepções, na qual a raiz do conhecimento não se dá a priori (racionalistas), mas a posteriori

(empiristas). O conhecimento para Hume se dá pelas paixões, passa pela percepção, que para

ele é: “como faculdades dos sentidos nos leva a ter a compreensão daquilo que se observa

uma forma mais vivencial do que a mera elucubração racional [...] se aplica tanto aos juízos

pelos quais são distinguidos o bem e o mal morais quanto qualquer outra operação da mente”

(NETO,n°136/ ano 35, p.210). Portanto, o conhecimento e a distinção entre o bem e o mal

não se dá racionalmente, mas através dos sentidos. Concluindo nas palavras de Hume: “o que

conduz a vida não é a razão, mas o hábito” (HUME, 2009, p.71).

Para Hume não há uma causalidade, na natureza nada pode ser provado por causa e

efeito e sim através da experiência. Diz ele:

Nenhuma questão de fato pode ser provada senão a partir de sua causa ou de seu

efeito. Nada pode ser conhecido como sendo causa de outra coisa senão pela

experiência. Não podemos apresentar razão alguma para estender ao futuro nossa

experiência do passado; mas somos inteiramente determinados pelo costume quando

concebemos um efeito seguindo-se a sua causa habitual. Mas também cremos que

um efeito se segue, ao mesmo tempo em que o concebemos.- Tal crença não

acrescenta nenhuma ideia nova à concepção. Apenas modifica a maneira de

conceber e produz uma diferença para a sensibilidade ou sentimento. A crença,

portanto, em todas as questões de fato, brota apenas do costume, e é uma ideia

concebida de um modo peculiar.” (HUME, 2009, p.81-82).

Aqui nota-se uma passagem importante na sua filosofia, na medida em que se afasta dos

filósofos anteriores a ele, pois, defende que o costume é a “razão” das leis e não algo prévio a

própria lei que a legisla, não há para ele uma lei eterna que rege todo o cosmos em uma ordem

que se possa, por experiência, verificar um padrão e extrair pela razão uma lei da natureza.

19

Mas, por outro lado, se busca no costume e na experiência empírica basear e formular as leis.

Para ele o conhecimento das propostas morais acontece pelos sentidos, e essas são costumes

produzidos por valores e hábitos que não tem nenhum valor racional.

Hume nega como já dito acima que a razão não pode distinguir entre o bem e o mal,

afirma ele: “é impossível que a distinção entre o bem e o mal morais possa ser feita pela

razão, já que essa distinção influência nossas ações, coisa de que a razão por si só é incapaz.”

(HUME, 2009, p. 501). E o que distingue ente um e outro, são as sensações de dor e prazer e

as impressões que temos mediante as percepções, se são prazerosas são boas, mas se as

sensações são dolorosas, más. A moral então está relacionada às sensações e não a razão

prática.

Uma dúvida pode aparecer como consequência desses pensamentos. Como identificar

algum padrão moral nos atos humanos? Pois, se o bem ou mal morais estão ligados aos

sentidos, mais especificamente as paixões, como universalizar o julgamento dos fatos, o que é

bom para um individuo seria bom para outro? Seria subjetivo esse julgamento? Explica Hume

nesse sentido que as leis surgem pela necessidade de mecanismos de contenção para as

paixões, assim as regras orientam e conduzem para o bem estar da sociedade. E como para ele

não há uma lei provinda da razão (Lei Natural), o artifício usado para estabelecer as leis é a

convenção, que se estabelece entres os integrantes da sociedade.

A partir de suas ideias empiristas sobre a moral decorrem grandes criticas ao direito

natural e a concepção de Lei Natural clássica. Ele trabalha sua crítica, principalmente no

seguinte trecho de seu tratado, que se tornou conhecido como o problema do é-deve:

Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue

durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de

Deus, ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos, quando, de repente,

surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proporcionais usuais, como é, não

encontra uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve. Essa

mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois, como esse deve

expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao

mesmo tempo, seria preciso que se desse uma razão para algo que parece

inteiramente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de

outras inteiramente diferentes. Mas já que os autores não costumam usar essa

precaução, tomarei a liberdade de recomendá-la aos leitores; estou persuadido de

que essa pequena atenção seria suficiente para subverter todos os sistemas correntes

de moralidade, e nos faria ver que a distinção entre vício e virtude não está fundada

meramente nas relações dos objetos, nem é percebida pela razão. (HUME,

2009,p.509)

20

Portanto, não é possível segundo Hume, admitir um dever moral do ser, ou seja, de

premissas que decorrem sobre o que é não pode concluir algum dever. Por exemplo: o homem

é racional, todo ser racional busca sua auto coonservação, portanto o homem deve matar para

se manter vivo. Seria então um erro lógico, pois, defende David Hume “de que nenhum

conjunto de premissas não-morais (ou, mais geralmente, não-valorativas) pode acarretar uma

conclusão moral (ou valorativas)” (FINNIS, 2007, p.48). Dessa opinião admite ainda que de

alguma percepção racional da moral não se pode deduzir alguma ação moral (FINNIS, 2007,

p.48). A moral para Hume é puramente normativa, ignorando qualquer ato que a razão possa

conhecer, pois, o que implica a moral são as paixões, anterior a razão. As paixões dirão o

justo e o injusto, não algo natural, ou da especulação prática da razão, que para ele nada pode

conhecer realmente.

A falácia naturalista é um divisor de águas, pois até aquele momento, não havia dúvida

do alcance da razão em conhecer o certo e o errado. Determinar as leis e a aplica-las conforme

conceitos racionais era um caminho natural. Devido também à influência do Cristianismo até

então, mas com a perda desta, não haveria problema algum em por em dúvida esse tipo de

ética, buscando então uma nova visão antropológica completamente imanente, visando apenas

suas sensações. Como entender elas e aplicar na ética e na moral, ignorando o conceito

clássico de finalidade, a qual ele entende apenas como uma descrição, e não de conceitos de

coisas que são inerentes à natureza humana. Partindo disso para Hume a virtude é uma

adequação com a razão e o vicio uma inadequação com ela. Hume coloca uma “obrigação” a

natureza humana, separando moral da razão. David Hume contradiz os filósofos precedentes

que defendiam a visão de Direito Natural e coloca a lei sobre as paixões e não sobre razão.

Outro ponto defendido por Hume para justificar e tentar explicar sua teoria é a defesa

de um interesse pessoal. Segundo ele as convenções existentes, o dever de cumprir uma

promessa feita, derivam do próprio interesse de se cumprir as próprias promessas, não teria

algo transcendente ao sujeito, que o “obrigaria” a cumprir suas promessas que não estão fora

do sujeito, mas dele mesmo provém todos os sentimentos pessoais. Portanto, o sujeito

buscaria adquirir a virtude de cumprir suas promessas no interesse de ser bem visto pelos

outros. E assim aplicáveis em todos os casos particulares, uma obrigação, não deriva de um

raciocínio prático, mas daquilo que é de interesse para o sujeito.

21

Para Finnis, Tomás (juntamente com Aristóteles) admitiria com Hume, que um dever

não pode ser deduzido de é, e ainda na questão de adequação à natureza humana do intelecto

deixa em aberto de como poderia alguém regular suas ações segundo essa natureza. Assim,

afirma Finnis, Tomás e Aristóteles jamais cairiam no erro lógico, mesmo Hume tentando

mostrar a supremacia das paixões sobre a razão, e mesmo a filosofia realista cairia nesse erro.

Tomás, ainda rejeitaria em sintonia com Hume, que uma vontade superior daria conta das

obrigações e ainda que essa fosse uma questão de evitar diversidades do intelecto. Porém,

Tomás discordaria de Hume que o discernimento das virtudes ou vícios seria uma questão de

sentimento (FINNIS, 2007, p.57). Para Hume a razão pode conhecer o que é, mas os atos

morais são de outra natureza, as paixões que podem determinar esse aspecto, ou seja, ele

acredita que a razão pode definir algo, dizer o que é, mas não que ela possa alcançar algum

conhecimento prático e definir quais são os atos morais. Diferentemente de Tomás (Finnis o

acompanha), que defendia o conhecimento dos atos éticos pela razão, não somente o que algo

é, mas como agir, partindo da razoabilidade prática. Seriam atos identificados pela razão, mas

isso não obriga que um esteja relacionado com o outro, como acusa Hume na falácia

naturalista.

Assim podemos concluir do trabalho de David Hume que não acredita em uma ideia

de ordem na natureza a qual se pode verificar, analisar racionalmente e extrair regras

provindas dessa ordem. Para ele a “Natureza é cega impregnada por um grande princípio

verificador, e que verte de seu colo, sem discernimento ou cuidado parental, de seus filhos

aleijados e malogrados” (HUME, in FINNIS, 2007, p.362), então da natureza nada pode ser

retirado, pois demostra certa ordem, mas de forma ambígua e indefinida, incapaz de qualquer

verificação, ou explicação mais especifica.

Esse pensamento humeano influenciou sua época e inclusive influência hoje.

Admitindo-se que não há um principio ordenador, provindo do ser criador dessa ordem na

qual a razão pode conhecer. Então, as Leis já não se baseiam mais em valores universais

alcançados pela razão e interpretada e aplicada buscando um bem comum. Agora tudo

depende do meio em que se vive e da sociedade, e dos legisladores, que aplicarão a lei

buscando convenções do que é um bem através daquilo que é empírico. A lei, portanto é a

busca de interesse, em certo ponto subjetivo e reducionista, pois abandona qualquer outro tipo

de conhecimento da natureza.

22

Portanto, há certa razão na falácia naturalista de David Hume, como detecta Finnis.

Extrair do é um dever aparentemente é contra a razão, pois, suas premissas e suas conclusões

são também um erro lógico. Mas, caberia saber se essa solução de Hume seria a única. Uma

abordagem empirista da natureza, extrair valores comuns apenas de costumes ou de

convenções baseados no sentimento e na paixão, sabendo previamente da diversidade de seres

humanos que são cada um independente e diferente em receber pelos sentidos. Esse

pensamento influenciou todo direito posterior a ele, e será mostrada no próximo capítulo uma

visão contemporânea, buscando dar uma resposta a Hume, e não resolver a falácia naturalista,

pois, Finnis a aceita da forma apresentada por Hume. Mas uma resposta que anteceda ao

problema do é-deve.

23

3 A RESPÓSTA DE JOHN FINNIS

3.1 Razoabilidade Prática

Frente à acusação empirista de David Hume sobre a falácia naturalista, confronta hoje

a visão de John Finnis. Não é um caminho simples tentar justificar que existe um caminho

naturalista no direito, pois é quase consolidado o descarte de qualquer visão naturalista devido

aos argumentos modernos. Entretanto, Finnis tem uma saída plausível, que soluciona os

problemas da falácia naturalista.

Partindo da afirmação de Santo Tomás que as leis são: “proposições universais da

razão prática” (S.Th., q. 90, a.1), Finnis assume que as leis devem ser oriundas da razão

prática. Nesse sentido o que faz John Finnis é: sem nenhum juízo moral, descreve alguns bens

básicos que “dizem respeito aos atos do entendimento prático nos quais apreendemos os

valores básicos da existência humana e assim, também princípios básicos de todo raciocínio

prático” (FINNIS, 2006, p.67).

O ponto importante do pensamento de Finnis é que ele dá, antes de mais nada, uma

explicação a falácia naturalista. Primeiramente admite o erro lógico demostrado por Hume, de

concluir um dever do ser, o erro do é-deve. Mas por outro lado, tenta mostrar esses valores

básicos provindo da razão prática, que são anteriores a qualquer julgamento moral. Portanto,

poderiam ser universalizados esses conceitos, pois são racionais e anteriores a moral. Não

enfrenta problema é-deve, apenas faz uma constatação de valores básicos dos seres-humanos

que devem ser seguidos independentes da intenção valorativa da lei. Ela é anterior a qualquer

julgamento moral. É a conformação da razão com a realidade, é da razão prática, dos insights

que se abstraem valores básicos sem qualquer hierarquia entre eles.

A razão prática busca “critérios para agir, a partir do conhecimento prático, e o

conhecimento prático tem seu ponto de partida nos primeiros princípios práticos, que não são

deduzidos do conhecimento teórico (especulativo) da natureza”. (Alvarez, 2009, p. 11),

portanto elementos partidos da razão que buscam fundamento para o bem agir. Assim, a ação

humana age independe de algo provindo do ser

Dessa forma, o dever não passa pelo erro lógico do é-deve, fica limitado à razão

prática que pode dizer que “tem um caráter diretivo; orienta a conduta na direção de um fim e,

no ato da razão prática” (Alvarez, 2009, p. 13). Portanto, a razão prática determina vontade

24

para um fim independente da razão especulativa e tal determinação é anterior a conclusão

dessa. Assim, o intelecto consegue apreender através da razoabilidade prática conceitos para

uma boa ação, buscando também o fim da ação.

Finnis, assim como Santo Tomás, considera que o primeiro princípio da razão prática

é fazer o bem evitar o mal, e seu significado é: “trata-se de um principio prático básico que

orienta toda ação a um fim ou objeto, sem implicar que é moralmente bom o mal” (Alvarez,

2009, p.13). Assim a razão prática delimita bem os fins da ação humana, partindo de algo que

não é em si bom ou mal.

A razão prática é assim anterior ao juízo moral. Mas o fato de partir de uma

especulação pré-moral, não significa que posteriormente não seja possível realizar distinções

morais. Finnis explica como sair dos conceitos pré-morais para chegar a alguma afirmação

sobre o certo e o errado, partindo dos bens básicos Como mesmo ele diz:

Movemos da compreensão, em si mesma, pré-moral1, dos bens humanos básicos,

das razões práticas básicas, para as distinções e razões morais – a parir, por exemplo,

dos bens da vida com saúde, e integridade emocional-racional, com seus correlativos

males ou danos corporais ou perdas psicossomáticas, desarmonia e sofrimento, para

a distinção moral entre a crueldade e a inflição beneficente de sofrimento como

efeito colateral, por exemplo, de cura ou recuperação (FINNIS, 2010, p. 218)

Finnis apresenta sete valores básicos, a saber: o conhecimento, a vida, o jogo, a

experiência estética, a amizade ou sociabilidade, a razoabilidade prática e a religião. Esses são

valores que qualquer homem fazendo uso de sua razão pode chegar. São assim universais,

evidentes por si mesmo e fundamentais, justamente por serem pré-morais, pré-políticos e pré-

jurídicos.

Contemporaneamente o conceito “evidente por si mesmo” pode causar ceto

estranhamento por estar relacionado com algum sentido de certeza. Mas realmente princípio

de autoevidência, segundo Finnis:

não são validos por impressões, sensações ou sentimentos. Pelo contrário, eles

próprios são critérios por meio dos quais discriminamos entre impressões e

desprezam algumas de nossas impressões (inclusive impressão de certeza), por mais

intensas que sejam, por serem irracionais ou injustificadas, enganadoras ou ilusórias.

(FINNIS, 2006, p.76).

1 Pré-moral não significa não moral

25

Então, a característica “evidente por si mesmo” desses valores básicos não se baseia na

certeza, tampouco em sentimentos, mas na razão prática. Por consequência, podemos dizer

que esses valores fundamentais e evidentes por si mesmos são assim universais. E assim

Finnis afirma:

A universalidade de uns poucos valores básicos em uma vasta diversidade de

realizações enfatiza tanto a conexão entre o ímpeto/impulso/inclinação/tendência

humano básico e a correspondente forma básica de bem humano quanto, ao mesmo

tempo, a grande diferença entre seguir um ímpeto e buscar com inteligência uma

realização em particular de uma forma de bem humano que nunca é completamente

realizada e exaurida por uma única ação, vida instituição ou cultura qualquer (nem

por qualquer número finito delas) (FINNIS, 2006, p. 90).

Portanto, há bens básicos que são acessíveis a qualquer lugar ou cultura, e não

somente hoje, mas sempre, uma vez que são intrínsecos à natureza humana. Assim, todo ser

humano pela razão prática pode conhecer esses bens práticos e admiti-los universas e

evidentes por si mesmo, independe da cultura.

Para reforçar a razoabilidade prática dos bens básicos e agrupa-los, Finnis desenvolve

e descreve oito condições para determinar uma decisão razoável na prática, que são: possuir

um plano coerente de vida (1°), não ter preferência arbitrárias por valores (2°), sem

preferências arbitrárias por pessoas (3°), desprendimento e compromisso (4°), a relevância

limitada das consequências (5°), respeito por cada valor básico em cada ato (6°), os requisitos

do bem comum (7°) e seguir os ditames da própria consciência (8°).

A primeira condição de razoabilidade prática implica diretamente na vida, pois não é

racional viver de momento a momento, mas exige certa retidão expressa pela responsabilidade

com suas ações, responsabilidades com os compromissos, ações que qualquer pessoa pode

almejar.

A segunda condição seria de como as escolhas devem ser bem selecionadas, na

medida em que se fazem escolhas razoáveis, a que trará um maior benefício para cada

situação em particular, na qual coloca como prioridades aqueles valores que representam

realmente um bem, não somente aqueles que estão relacionados com o prazer, mas os que

realmente trarão um bem.

26

A condição seguinte mostra que deve buscar por primeiro o próprio bem-estar, o que é

razoável, não pelo fato do bem-estar alheio ser inferior, mas simplesmente por ser do interesse

do próprio indivíduo.

O desprendimento relaciona-se com a primeira condição, na medida em que ter um

plano coerente de vida necessita de uma vida equilibrada para realizar boas escolhas e garantir

uma vida coerente, pra que o individuo consiga ampliar seus horizontes de vida e realizar

sábias escolhas. Também uma condição razoável para realizar e identificar um bem é o

comprimento dos compromissos, que cada indivíduo possa colocar todas as suas potências

para assumir os compromissos e realiza-los bem.

A quinta condição exige de cada um a eficácia em todas as ações, buscando realiza-las

para extrair o máximo de proveito com o método adequado a cada ação, buscando evitar o

desperdício de tempo por métodos ineficientes.

A sexta condição exige de todos, um respeito por cada bem básico, que compromete

cada individuo a tomar suas atitudes buscando adequar-se a os valores básicos da

razoabilidade prática.

A condição seguinte exige um comprometimento com a coletividade, com a

comunidade, que é sempre a busca pelo bem comum, exigente e extraído o conceito de lei

natural de Santo Tomás.

E por fim, a última condição, coloca cada pessoa frente a sua liberdade, de cada um

agir segundo a sua consciência, agir em última análise conforme a sua razão.

Portanto, essas condições tem que ser entendidas e vividas harmonicamente, sabendo-

se que elas estão em sintonia com a liberdade e razão humana.

3.2 Bens Básicos

3.2.1 Vida

O primeiro valor básico de bem comum, apresentado por John Finnis, é primeiro por

ser o mais elementar. Tratado em sentido mais amplo possível é entendido como o bem mais

básico por corresponder a autopreservação. Carrega consigo também um sentido de

vitalidade, e, assim inclui os aspectos da saúde, de sua manutenção e preservação da vida. O

27

alcance aqui é bem largo, pois discute como pode levar uma vida boa, livre de dores ou

doenças. Pode-se ver nitidamente na história da humanidade aspectos intrínsecos na história

da humanidade, por exemplo, na evolução da medicina, o homem busca como preservar a sua

vida cada vez mais, nesse sentido afirma Finnis:

A busca e a realização desse propósito humano básico (ou grupo de propósitos

intrinsicamente relacionados) são tão variados quanto o esforço e a prece do homem

que caiu no mar e está tentando ficar a tona até que seu navio volte para recolhê-lo;

o trabalho de equipe dos cirurgiões e de toda rede de apoio, serviços auxiliares,

faculdades de medicina etc.; leis e propagandas de segurança nas estradas;

campanhas de erradicação da fome; agricultura, criação e pesca; comercialização de

alimentos; reanimação de suicidas; tomar cuidado ao atravessar a rua... (FINNIS,

2006, p.91)

Esses são alguns dos exemplos que poderia citar para demostrar como a vida foi e é

um valor básico. Finnis não chega a falar de questões polemicas e decorrentes desse, como

por exemplo, os casos de aborto ou de eutanásia. Portanto, como explicado no início à

intenção do filósofo em questão não é partir para algum juízo moral, mas apenas mostrar

como há valores básicos pré-morais. Podemos estender e fazer juízos morais a partir desses

elementos básicos, mas antes de qualquer juízo deve-se aceitar como básico esse valor, ou um

dos outros, e os elementos elementares que o compõe.

3.2.2 O conhecimento

Em seu livro, Lei Natural e direitos naturais, John Finnis dedica um capítulo apenas

para esse bem básico, Para a partir da explicação de autoevidência para esse bem básico,

deixar claro que também são explicações para os outros valores básicos.

Conhecimento aqui, explica Finnis, “é o conhecimento da verdade. Então, poderíamos

dizer que a verdade é o bem básico no qual estamos interessados.” (FINNIS, 2006, p.67).

Portanto, busca-se a verdade, provar ou negar certas proposições. Assim, por um puro desejo

de saber a verdade e obter o verdadeiro conhecimento, tal desejo é: “a atividade de tentar

descobrir, entender e julgar as coisas corretamente” (FINNIS, 2006, p.68) que impulsiona o

ser humano ao conhecimento. Finnis aponta vários exemplos de busca da verdade, como um

simples desejo de saber se um boato é verdadeiro até um rebuscado conhecimento científico.

São exemplos simples, mas que mostram o desejo do homem de uma busca por

conhecimento. Então, o conhecimento é um bem “na medida em que é buscado por si mesmo

28

e não por instrumento para atingir objetivos ou resultados” (ALVARES, 2009, p. 15). Ou

seja, é um bem buscar a verdade pela própria verdade, ao passo que ao conhecer a verdade

foge-se da ignorância, como afirma Finnis; “o conhecimento é um bem a ser buscado e a

ignorância deve ser evitada” (2006, p.71). Também é nítido que um “homem bem informado

etc. simplesmente está em melhor situação (as outras coisas sendo iguais) do que um homem

que é confuso, iludido e ignorante” (FINNIS, 2006, p.78).

Importante ressaltar que ao falar de conhecimento não se deve confundir com nível

acadêmico, pode-se converter um acadêmico que seja conhecedor de muitas coisas, mas pode

haver não-acadêmicos que possuem conhecimentos em diversas áreas. Mas independendo do

conhecimento sempre é melhor conhecer que ficar na absoluta ignorância. Outro aspecto que

deve ser levado em consideração é que Finnis não faz nenhum juízo moral dos tipos de

conhecimentos que podem ser buscados, mas mostra como no primeiro bem básico, que há

elementos pré-morais que demonstram a importância de buscar o conhecimento da verdade

por si mesmo, “goste eu ou não disso” (FINNIS, 2006, p.78).

3.2.3 Jogo

O terceiro elemento básico do bem-estar humano pode passar despercebido, pois

aparentemente é algo irrelevante, mas não se pode deixar de “observar como um grande e

irredutível elemento da cultura humana” (FINNIS, 2006, p.92). Para Finnis, “cada um de nós

pode ver do que se trata engajar-se em atividades que não têm qualquer propósito, além de seu

próprio desempenho, e que são desfrutadas por si mesmas” (FINNIS, 2006, p.92). Dessa

forma, entende-se que o jogo é um bem básico na medida em que se torna um objeto de

distração para o homem, seu fim estaria na própria atividade. Essa “atividade pode ser

solitária ou social, intelectual ou física, tenso ou relaxado, altamente estruturado ou

relativamente informal, convencional ou de padrão ad hoc”. (FINNIS, 2006, p.92). Portanto,

pode-se entender jogo no sentido mais amplo possível. Atividades que tem seu fim em si

mesmo, distrações lúdicas, jogos esportivos, etc. nos mais diversos tipos e formas de

“distração”.

3.2.4 Experiência Estética

Essa quarta forma de bem básico, a experiência estética, está interligada com o jogo,

pois é um elemento indispensável do jogo. Mas aqui não é um bem que necessite da ação

29

humana, “o que é buscado e valorizado por si mesmo pode ser simplesmente a forma bela

“exterior” à pessoa, e a experiência “interior” da apreciação de sua beleza.” (FINNIS, 2006,

p.93). Portanto, podemos ter uma experiência com o belo independe da nossa ação, apenas

por ver a beleza em alguma obra de arte ou mesmo na natureza que de alguma maneira leve a

uma experiência significativa e satisfatória2, tanto exteriormente como interiormente.

3.2.5 Sociabilidade (amizade)

John Finnis, assim como Aristóteles, defende a amizade, a relação entre seres

humanos de se relacionar e criar laços, como algo essencial ao ser humano. Finnis ao

descrever esse bem básico abrange todas as formas de relação entre os seres humanos: assim o

“valor da sociabilidade, que em sua forma mais fraca é realizada por um mínimo de paz e

harmonia entre os homens, passa por todas as formas de comunidade humana e vai até sua

forma mais forte, no desabrochar da amizade plena.” (FINNIS, 2006, p.93).

O autor descreve o sentido pleno da amizade quando entre dois amigos quando um

age, ou pensa em agir, em benefício alheio, isto é, promove um esquecimento de si próprio

visando o bem do amigo. Assim seria uma comunidade harmoniosa. Nesse sentido aponta que

“a amizade é o pensamento mais comunal, embora não a forma mais estendida e elaborada de

comunidade humana” (FINNIS, 2006, p.145). Portanto, uma comunidade perfeita é quando

um indivíduo age visando o bem estar alheio, e não simplesmente o bem próprio. É preciso

para uma amizade harmoniosa o esquecimento do bem de si, de certa forma sacrificar-se pelo

bem do outro. Com isso, Finnis aprofunda o sentido de bem comum como sendo um bem

“para os seres humanos na medida em que a vida o conhecimento, o jogo, a experiência

estética, a amizade, a religião e a liberdade na razoabilidade prática são bons para quaisquer e

todas as pessoas.” (FINNIS, 2006, p.155).

Portanto, a amizade, ou também chamada por Finnis de Sociabilidade, pode ser visto

no sentido mais amplo possível, na medida em que é um bem, traz benefícios individuais e

comunitários (bem comum).

3.2.6 Razoabilidade Prática

2 FINNIS, 2006, p.93

30

Esse é o “bem básico de ser capaz de utilizar com eficiência a inteligência (no

raciocínio prático que resulta em ação) nos problemas de escolher as ações, o estilo de vida e

dar forma ao caráter.” (FINNIS, 2006, p.93). Isso implica na autonomia do indivíduo de usar

a razão e com liberdade fazer suas escolhas acertadamente, impor às ações uma ordem

razoável que convém à própria ação.

Essa ordem realiza-se de duas formas: internamente e externamente. A primeira está

relacionada com os afetos e sentimentos internos, na qual o individuo trabalha para colocar

em “harmonia de uma paz de espírito interna” (FINNIS, 2006, p.94) os seus sentimentos

internos. Por outro lado, a segunda está relacionada às ações exteriores do sujeito que são

resultados de suas reflexões “livremente ordenadas” (FINNIS, 2006, p.94). Esse bem prático

envolve razão e liberdade o que o torna muito complexo.

Finnis explica ainda que essa ordem que a razoabilidade prática busca, relaciona-se

com a busca de uma coerência de vida do indivíduo. Viver sem preferência arbitrária tanto de

valor quanto de pessoa, buscando sempre encontrar a sintonia entre os atos humanos e a razão

prática, pois essa busca sempre discernir e direcionar os atos humanos para o bem (próprio ou

da comunidade). Esse bem prático está diretamente relacionado com os outros bens, por que

para o bom andamento de cada bem prático é necessário o uso da razoabilidade prática no

discernimento para um bem.

3.2.7 Religião

Finnis ao comentar sobre esse bem básico faz algumas indagações sobre os

ordenamentos naturais, que direcionam para um fim todos os bens básicos, afirma Finnis:

A busca da vida, da verdade, do jogo e da experiência estética em uma ordem de

prioridades e padrão de especialização individualmente selecionados, e a ordem que

pode ser imposta às relações humanas por meio da colaboração, comunidade e

amizade, e a ordem que deve ser imposta ao caráter e à atividade por meio da

integridade interna e da autenticidade externa (FINNIS, 2006, p.94)

Esses questionamentos apontam para um ordenador transcendente. Nesse aspecto

Finnis aponta para uma razoabilidade do intelecto de conceber a ideia do transcendente e da

necessidade do homem estar ligado a Deus. Afirma ele que “um dos valores humanos básicos

é o estabelecimento e a manutenção das relações apropriadas entre a própria pessoa (e as

ordens que a pessoa pode criar e manter) e a divindade.” (FINNIS, 2006, p.94).

31

Assim, fica clara a ideia de um ordenador transcendente, que implica a necessidade de

nos relacionarmos com a divindade. Essa relação, por sua vez, exige um comprometimento da

parte do ser humano em se conformar ao princípio ordenador. Nessa linha de pensamento

questiona Finnis:

se existe uma origem transcendente da ordem universal das coisas, da liberdade

humana e da razão, então a vida e as ações da pessoa estão em desordem

fundamental e se não são postas, da melhor maneira possível, em algum tipo de

harmonia com o que pode ser conhecido ou conjecturado a respeito desse outro

transcendente e sua ordem duradoura? (FINNIS, 2006, p.94)

Ou seja, Finnis aponta para uma responsabilidade do individuo em responder a esse

ser transcendente, em todos os outros bem básicos, e colocar neles e entre eles uma ordem

baseada nessa ordem transcendente.

32

CONCLUSÃO

No decorrer dessa explanação buscou-se explicar primeiramente a visão Tomista sobre

Lei Natural, demostrando basicamente sua visão sobre o assunto dentro da Suma Teológica.

Em seguida foi apresentada a falácia naturalista descrita por David Hume bem como suas

falhas. Por fim, demostrou-se a inovação de John Finnis em dialogar o jusnaturalismo com o

juspositivismo, contrapondo-se à falácia de Hume.

No primeiro capítulo ficou claro como a visão naturalista da escolástica de lei depende

de uma explicação metafisica, pois, para o Aquinate “é da Lei Natural na mente humana que

procede a lei civil, na qual deve manifestar a inclinação natural à lei eterna [...] da lei natural

que é representação da lei divina humana é que emerge a lei moral”. (FAITANIN, 2010,

p.32). Portanto, para Santo Tomás, em última análise a lei humana provem da Lei Eterna que

está em Deus, completamente transcendente. Finnis, apesar desse viés metafísico da lei

natural de Santo Tomás, a descreve bem e a usa como base de sua teoria, mostrando que não

foi superada a teoria de Lei Natural clássica, e que ao invés de ignora-la, deve-se partir dela,

pois, tem condições de corresponder às problemáticas atuais no direito, e superar as noções

simplistas do juspositivismo.

No capítulo seguinte foi mostrado como David Hume através do empirismo, coloca a

moral no nível dos sentidos e das paixões. Exclui qualquer racionalidade no conhecimento da

moral, reduz a lei à mera convenção entre os membros da sociedade. Vincula a virtude ao

prazer e o vício a dor. Ignora qualquer fato ou ação transcendente e elimina toda causa e

efeito, toda causalidade e as finalidades existentes na natureza. Era o que afirma todo

empirista. Então, não haveria outro caminho a não ser o de excluir a razão da moralidade e

acusar os clássicos de falaciosos, por descrever erroneamente algum dever de um ser. Mas,

como vimos, Finnis mesmo concordando primeiramente com Hume consegue uma solução

que não passa pela acusação da falácia naturalista ao colocar os bens básicos como anteriores

a qualquer julgamento moral.

A última parte descreve a teoria finisiana, e como restabelece a Lei Natural no direito.

John Finnis a princípio não se distância essencialmente de Santo Tomás, no que diz respeito à

razão prática. Mas coloca em consonância o pensamento do Aquinate com o juspositivismo,

“o objetivo de Finnis é de realizar a contemplação, por assim dizer, do positivismo pelo

jusnaturalismo, resultado daí a noção do direito positivo como caso central do direito”.

33

(ROHLING, 2013). Finnis então, para desviar da falácia naturalista e se contrapor a David

Hume, se coloca no nível do juspositivismo, na medida em que se utiliza de sua metodologia,

e conduz “ao reconhecimento por parte da Lei Natural como critério da descrição do direito”

(ROHLING, 2013). Por isso se torna importante à razoabilidade prática, para a elevação do

direito, mas sempre em concordância com as teses clássicas de Lei Natural. Pode parecer a

princípio um reducionismo, pois coloca a lei no nível da razão. Mas acontece o contrário: ao

elencar os bens da razoabilidade prática Finnis valoriza a razão, porém apenas a coloca no

lugar devido, buscando também uma consonância com a realidade e com o mundo

contemporâneo, não excluindo a Lei Natural, antes a incluindo no direito.

Assim, Finnis ao inserir os bens práticos da razoabilidade prática, consegue

contradizer o empirismo de David Hume que reduz a natureza à pura abstração de fatos, pois

demostra como a razão pode chegar a partir dos insights e tirar conclusões práticas que a

razão consegue identificar universalizar, independente de algum julgamento moral. Pois, a

razão prática identifica os bens práticos como pré-morais, ou seja, anterior a qualquer

julgamento moral. Dessa forma, consegue resolver a acusação da falácia naturalista, pois, sua

teoria não passa pelo erro lógico do é-deve.

Portanto, Finnis consegue reestabelecer a Lei Natural no direito, contrapondo as

teorias dominantes do juspositivismo que gerou um grande ceticismo nas teorias naturalistas,

e conseguiu incluir valores universais ditados pela razão prática e não apenas por costumes ou

interesses que muitas vezes são subjetivos. Com isso abre-se com Finnis a porta do direito

natural como discussão filosófica no direito, com conclusões racionais e bem dispostas,

dialogando com o pensamento positivista contemporâneo. Mesmo que não se admita tal coisa,

pelo menos são concluídos pensamentos plausíveis acerca do direito natural, que, ao mesmo

tempo, tem por base a filosofia clássica.

34

REFERÊNCIAS

ALVARES, Alejandro Bugallo. A Reabilitação Da Teoria Do Direito Natural Em John M.

Finnis: Pressupostos e Implicações. In: I.ALVEZ, Francisco. II SALLES, Sérgio de Souza.

(Organizadores). Justiça, Processo e Direitos Humanos–Coletânea de Estudos

Multidisciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v.3, p. 1-34.

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