Hegel, FIchamento Giovane Reale Dario Antiseri, História da filosofia

95
Romário Luiz Moreira Unicentro-Guarapuava PR Departamento de história [email protected] r

Transcript of Hegel, FIchamento Giovane Reale Dario Antiseri, História da filosofia

Romário Luiz MoreiraUnicentro-Guarapuava PRDepartamento de história

[email protected]

[p.100]

1Os fundamentos do pensamento

hegeliano

O mapa completo das idéias fundamentais do hegelianismo é bastante amplo, dado que se trata de uma das filosofias mais ricas e complexas [e, podemos dizer também, uma das mais dificeis], mas os pontos básicos aos quais tudo pode ser reconduzido são três:

1. A realidade enquanto tal é espírito infinito [onde, por espírito, entende-se algo que, ao mesmo tempo, assume e supera tudo o que os seus antecessores haviam dito a esse respeito, especialmente Fichte e Schelling, como veremos:

2. A estrutura, ou melhor, a própria vida do espírito e, portanto, também o procedimento segundo o qual se desenvolve o saber filosófico, é a dialética [poder-se-ia dizer também que a espiritualidade é dialeticidade];

3. A peculiaridade dessa dialética, que a diferencia claramente de todas as formas anteriores de dialética, é aquilo que hegel chamou [em terminologia técnica] de elemento especulativo, que como veremos, constrói a verdadeira marca do pensamento do filosófo.

[p.101]

• A clarificação desses três pontos indicará o objetivo ou o ponto terminal que Hegel se propôs a alcançar no seu filosofar, e o caminho por ele seguido para alcança-lo• zEntretanto, é evidente que sua plena compreensão- como disse justamente hegel- só poderá ocorrer seguindo concretamente o desenvolvimento do sistema até sua conclusão, ou seja, percorrendo todo o caminho até seu ponto final [com efeito, como diz hegel, em filosofia não existem atalhos].

2 A realidade como espirito

determinaçao preliminar da noçao hegeliana de espirito

2.1- A realidade não e substancia mas sujeito ou

espirito

A substancia e o sujeito•A afirmaçao fundamental da qual devemos partir para entender Hegel é que a realidade e o verdadeiro não são “substancia” [ou seja, um ser mais ou menos enrijecido, como tradicionalmente era considerado no mais das vezes], e sim “sujeito”, ou seja, “pensamento”, “espirito”.

• Hegel acrescenta ainda que essa e apenas uma aquisiçao recente, que constitui peculiaridade propria dos tempos modernos.• Trata se, com efeito, de aquisiçao que so se tornou possivel com a descoberta kantiana do “eu penso” e dos diversos repensamentos do criticismo, particularmente das contribuiçoes do idealismo de fichte e de schelling [que, alias, hegel tente estranhamente a diminuir ou a subestimar em beneficio proprio]

2.2- A critica a fichte

Dizer que a realidade não e substancia, mas sujeito e espirito significa dizer que e atividade, que e processo, que e movimento, ou melhor ainda, que e automovimentoAte ai porem fichte já havia avançado, como já vimos.Mas hegel vai mais alem

Para fichte o eu poe se a si mesmo enquanto e precisamente pura atividade autoponente e [inconscientemente] opõe a si o não eu, ou seja, um limite, que depois procura superar dinamicamente.Todavia, nesse processo, o eu de fichte não alcança seu termo, visto que o limite e removido e afastado ao infinito, mas nunca inteiramente “superado

Esse infinito, que se pode representar como uma reta que se estende sem limites, constitui, para Hegel, “mau infinito” ou “falso infinito”, permanecendo processo irresoluto, visto que nunca alcança plenamente seu proprio fim ou objetivo, e visto que o ser e o dever ser permanecem perenementeConsequentemente diz hegel, fichte não consegue mais restaurar a situaçao de eu e não eu, sujeito e objeto, infinito e finito.

Portanto, permanece em fichte uma oposiçao ou antitese estrutural não superada, que, porem, deve ser superada.

[p.102]

2.3- A critica a Schelling

Uma tentativa de superar essas cisoes já fora feita por schelling com sua filosofia da identidade, que num primeiro momento, hegel considerou como ponto de vista mais elevado que o de fichte.Mas a concepçao da realidade como identidade originaria de eu e não eu, sujeito e objeto, infinito e finito, como schelling defendia, logo pareceu para hegel vazia e artificiosa, porque na realidade não deduzia nem justificava seus conteudos, que já pressupunha como dados, e depois os reduzia sob o manto da indiferença ou da identidade abstrata e extrinseca

Essa concepçao pareceu a hegel a dissoluçao de tudo o que e diferenciado e determinado, a precipitaçao de todas as diferenças no abismo da vacuidade, porque não se tratava de consequencia de desenvolvimento coerente e portanto não se justificava a si mesmaAssim compreendemos a celebre afirmaçao da fenomenologia [que provocou o rompimento da amizade entre hegel e schelling], segundo a qual o absoluto de schelling e como a noite em que todas as vacas são negras, bem como de que a filosofia da identidade de schelling e ingenua e fátua

2.4- A nova concepção hegeliana de espírito como infinito

21/12/12

•Por conseguinte a posição de hegel é clara. •O espirito se autogera, gerando ao mesmo tempo sua propria determinação, e superando a plenamente.•O espirito e infinito, não de modo puramente exigencial, como queria Fichte, mas de modo a sempre atuar e se realizar, como continua colocação do finito e, ao mesmo tempo, como superação do próprio finito

21/12/12

•Enquanto movimento o espirito produz pouco a pouco os conteudos determinados e, portanto, negativos [omnis determinatio est negatio, já dizia espinosa]•O infinito e o positivo que se realiza mediante a negação daquela negaçao que e propria de todo o finito; e a retirada e a superaçao do finito sempre a se realizar.

21/12/12

•Tomado em si mesmo, o finito tem existencia puramente ideal ou abstrata, no sentido de que não existe por si so, contra o infinito ou fora dele- e isso diz hegel, constitui a proposiçao principal de toda filosofia.•O espirito infinito hegeliano e, entao, como o circulo, no qual principio e fim coincidem de modo dinamico, ou seja, como movimento em espiral no qual o particular é sempre posto e sempre resumido dinamicamente no universal;

[p.103]

•o ser é sempre resumido no dever ser e o real é sempre resumido dinamicamente no universal o ser é sempre resumido no dever ser real e o real é sempre resumido no racionalEssa e a novidade que hegel conqista permitindo lhe superar claramente fichteAnalogamente também é compreensível a novidade que permitiu a hegel superar igualmente schellingO espirito não e unum ataque idem como algo que subrepticia e extrinsecamente se impõe a um material diferente e sim unum atque idem que se plasma em figuras diversas e não a repetição de alguma coisa identica privada de diversificação real

O espirito hegeliano portanto é igualdade que se reconstitui continuamente ou seja unidade que se faz precisamente através do múltiploNessa concepção a quietude e somente o inteiro do movimentoSem movimento a queitude seria a quietude da morte não da vidaA permanencia não é a fixidez, que é sempre inércia, e sim a verdade do dispersar.

2.5- O espírito como processo que se autocria

em sentido global

Estamos agora em condições de entender que, para Hegel, tudo o que dissemos vale para o absoluto e também para cada momento em particular da realidade [ou seja, vale para o real, tanto em seu todo como em suas partes] porque o absoluto hegeliano é de tal forma “compacto” que exige necessariamente a totalidade das partes, sem nenhuma exclusãoCada momento do real é momento indispensavel do absoluto porque este se faz e se realiza em cada um e em todos esses momentos, de modo que cada momento torna-se absoltamente necessário

Vejamos um exemplo tomando um botão a relativa flor e o fruto qe dai derivaNo desenvolvimento da planta, o botão é determinação e, portanto, negação.Mas essa determinação é tirada [ou seja, superada] pelo florescimento, o qual, porém, enquanto nega essa determinação, também a verifica, enquanto a flor é a positividade do botão.Por seu turno, porém a flor é determinação, o que, portanto, implica negatividade, que por sua vez é tirada e superada pelo fruto

E nesse processo, todo momento é essencial para o outro e a vida da planta é esse próprio processo que pouco a pouco põe os vários conteúdos, ou seja, os vários momentos, e pouco a pouco os superaO real portanto, é um processo que se autocria enquanto percorre seus momentos sucessivos, que é auto-enriquecimento progressivo [de planta a botão, de botão a flor, de flor a fruto]

2.6- O espírito como processo que se autocria

em sentido global

Todavia, ainda há outro ponto muito importante a destacarHegel salienta que o movimento próprio do espirito é o movimento do refletir se em si mesmoTrata se do sentido de circularidade de que já falamos

E hegel distingue esses três momentos nessa reflexão circu-lar:1.Primeiro momento, que ele chama o do ser “em si”;2.Segundo momento, que constitui o “ser outro” ou “fora de si”3.Terceiro momento, que constitui o “retorno a si” ou o “ser em si e para si”

O “movimento” ou o “processo” autoprodutivo do absoluto tem portanto ritmo triádico, que se expressa em um “em si”, em um “fora de si” e em um “para si” [ou “em si e para si”]Vejamos um exemplo particular apresentado pelo próprio hegel: “Se […] o embrião é em si o homem, ele, entretanto, não o é para si; para si só o é como razão desdobrada” […], e somente essa é sua realidade efetiva.

A semente é em si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto sair fora de si, a fim de poder se tornar, desdobrando-se, a planta para si [ou em si e para si]E os exemplos poderiam se multiplicar à vontade, visto que esse processo se verifica em todo o momento do real, como dissemos

Todavia em nivel elevado, isso também se verifica no caso do real visto como “inteiro'Assim fica claro por que Hegel fala do absoluto também como de círculo de círculos.

Visto como inteiro, o “círculo” do absoluto também marca seu ritmo pelos três momentos já especificados [o em-se, o fora-de-se e o retorno-a-si], momentos que são respectivamente denominados “idéia”, “natureza” e “espírito” [em sentido forte]

E como no processo que leva do germe ao homem, através do desdobrar-se do primeiro, é sempre a mesma realidade que se desenvolve, concretizando-se e então voltando a si mesma, e o mesmo ocorre também com o absoluto: a idéia [que é o logos, a racionalidade pura e a subjetividade em sentido idealista, como veremos mais amplamente adiante] tem em si o principio do seu próprio desenvolvimento e, em função dele,

[p.104]

3Significado e finalidade da “fenomenologia do espírito”

3.1- O método que torna possível o conhecimento do

absoluto

• Muito se discutiu sobre as relações entre hegel e o romantismo

• A concepção hegeliana da realidad e do espirito nasce da visao romantica, mas hegel leva a seu termo e, assim, a conclui e então a supera

[p.105]

• O streben infinito [ou seja, o “tender”] romantico, por meio do conceito hegeliano do espírito como “movimento-do-refletir-se-sobre-si-mesmo”, resolve-se e identifica-se em sentido positivo, porqe é resgatado de sua indeterminação, vindo a coincidir com o auto-realizar-se e o autoconhecer-se do próprio espírito.

• Mas hegel supera o romantismo principalmente no que se refere ao aspecto metodológico

• Hegel polemiza vivamente contra a pretensão romântica de captar imediatamente o absoluto

• Paradigmática é sua polêmica contra a “fé”, que,como já vimos, para Jacobi era a via de acesso imediata para o absolto

• Para hegel, ao contrário, a captação da verdade é “absolutamente condicionada pela mediação” e é “falso que exista um saber imediato, um saber desprovido de mediação”

• Os românticos tem razão ao afirmarem a necessidade de ir além dos limites próprios da atividade do “intelecto”, que, com seus procedimentos analíticos ou com suas técnicas dedutivas, não sabe ir além do finito e, portanto, não pode captar a realidade e o verdadeiro, que são o infinito.

• Todavia, o infinito não se capta com o sentimento, com a intuição ou com a fé, que são algo de não-científico.

• É preciso portanto, ir além da “ametodicidade” do sentimento e do entusiasmo e encontrar um “método” que torne possível o conhecimento do absoluto, precisamente de modo “cientifico”

• A função que Hegel atribui a si próprio em relação aos românticos ou aos idealistas anteriores, portanto, é a de “operar a elevação da filosofia a ciência”, através da descoberta e da aplicação de um “novo método”

• Esse método capaz de levar além dos limites do “intelecto”, a ponto de garantir o conhecimento “cientifico” do infinito [do real em sua totalidade], hegel o encontra na dialética

• A dialética, portanto, torna-se o instrumento com o qual o filosófo dá forma aos lemas românticos informes e com o qual considera poder apresentar o verdadeiro na forma rigorosa que cabe ao verdadeiro, ou seja, no sistema da cientificadade

3.2- Diferenças entre a dialética hegeliana e a clássica dos gregos

• A dialética como sabemos, é descoberta dos antigos

• Nascida no âmbito da escola eleática [sobretudo com Zenão], alcançara seu ponto culminantes com Platão

• Na época moderna, Kant retomou-a em sua crítica da razão pra, mas reduzira-a a desenvolvimento sistemático de antinomias destinadas a permanecer insolúveis, privando-a, portanto, de valor cognoscitivo.

[p.106]

• A redescoberta dos gregos permitiu o relançamento da dialética como forma suprema de conhecimento, como platão já fizera (e, entre outras coisas, cabe precisamente a hegel, o mérito de ter reconhecido os diálogos chamados “dialéticos” de Platão, ou seja, o Parmênides, o Sofista e o Filebo, que antes dele eram deixados de lado, mas que depois dele, em consequência, passaram a ser reconhecidos como fundamentais.)

• Entretanto, embora existam pontos de contato muito notáveis entre a dialética clássica e a hegeliana, existe também, ao mesmo tempo, uma diferença essencial.

• Os antigos diz Hegel, deram grande passo no caminho da cientificidade, enquanto souberam se elevar do particular ao universal

• Platão mostrara a deficiência do conhecimento sensível como mera “opinião” e se elevara ao mundo das idéias

• Aristóteles acrescentou o caminho para relacionar cada coisa particular ao conceito universal

• Entretanto, para Hegel, as idéias platônicas e os conceitos aristótelicos ficaram, por assim dizer, bloqueados em rígida quietude e quase solidificados.

• Como, porém, a realidade é devir, é movimento e dinamismo, é evidente que, para ser instrumento adequado, a dialética deveria ser reformada nesse sentido.

• É preciso, portanto imprimir movimento ás essências e ao pensamento universal já descoberto pelos antigos

• Escreve Hegel: “Por meio desse movimento, os puros pensamentos tornam-se conceitos, e só então são o que verdadeiramente são: automovimentos, círculos [...], essências espirituais. Esse movimento das essências puras constitui em geral a natureza da cientificidade”.

3.3- Diferenças entre a dialética hegeliana e a clássica dos gregos

• O coração da dialética torna-se, assim, o movimento.

• E o motivo já está claro para nós, pois sabemos que o movimento é a própria natureza do espírito, é o “permanecer do dispersar”, é o cerne do real.

• Considerando as razões já exemplificadas quando falamos do espírito, esse movimento dialético nada mais poderá ser senão uma espécie de movimento circular ou movimento espiral com ritmo triádico.

• A compreensão dos “três lados” ou momentos do movimento dialético nos levará a compreender o ponto mais íntimo, o verdadeiro fundamento de Hegel

• Esses três momentos são geralmente indicados com os termos tese, antítese e síntese, mas de modo simplificado, pois Hegel os usa poucas vezes, preferindo linguagem muito mais complexa e articulada:

1. O primeiro momento Hegel chama de “o lado abstrato ou intelectivo”;

2. O segundo momento, por seu turno, denominava-se “o lado dialético (em sentido escrito) ou negativamente racional”.

3. O terceiro momento é chamado de “o lado especulativo ou positivamente racional”.

3.4- O primeiro momento da dialética (tese)

• O intelecto é substancialmente a faculdade que abstrai conceitos determinados e que se detêm na determinação dos mesmo.

[p.107]

• Ele distingue, separa e de-fine, cristalizando-se nessas separações e de-finições, que considera de certa forma definitivas

• Escreve Hegel na Grande Enciclopédia: “A atividade do intelecto, em geral, consiste em conferir ao seu conteúdo a forma da universalidade: mais precisamente, o universal posto pelo intelecto é universal abstrato, que, como tal, é mantido solidamente contraposto ao particular.

• À medida que opera em relação a seus objetos separando e abstraindo, o intelecto é o contrário da intuição imediata e da sensação, que, como tal, relaciona-se inteiramente com o concreto e nele permanece parada”.

• A potência abstrativa do intelecto é grande e admirável, e Hegel não poupa elogios em relação ao intelecto, no sentido de que ele é a potência que destaca e afasta do particular, elevando ao universal.

• Assim, a filosofia não pode prescindir do intelecto e de sua obra, devendo, ao contrário, começar exatamente pelo trabalho do intelecto.

• Entretanto, o intelecto como tal apresenta conhecimento inadequado, que permanece encerrado no finito (ou, no máximo, vai até o “falso infinito”), no abstrato cristalizado, e, por conseguinte, torna-se vítima das oposições que ele próprio cria, distinguindo e separando.

• O pensamento filosófico, portanto, deve ir além dos limites do intelecto.

3.5- O segundo momento da dialética (antítese)

• O ir além dos limites do intelecto é peculiaridade da “razão”, que tem um momento “negativo” e um “positivo”.

• O momento negativo, que Hegel chama de “dialético” em sentido estrito (dado que, em sentido lato, “dialética” é o conjunto dos três momentos que descrevemos”), consiste em remover a rigidez do intelecto e de seus produtos.

• Mas fluidificar os conceitos do intelecto comporta o esclarecimento de uma série de contradições e oposições de vários tipos, sufocadas no enrijecimento do intelecto.

• Desse modo, toda determinação do intelecto transforma-se na determinação contrária (e vice-versa).

• O conceito de “uno”, tão logo é extraído de sua rigidez abstrata, requer o conceito de “muitos”, mostrando estreita ligação com ele (não podemos pensar o uno de modo rigoroso e adequado sem a relação que o liga com os muitos), podendo-se dizer o mesmo para os conceitos de “semelhante” e “dessemelhante”, “igual” e “desigual”, “particular” e “universal”, “finito” e “infinito”, e assim por diante

• Aliás, cada um desses conceitos dialeticamente considerados parece inclusive “transformar-se” no próprio oposto e como que “dissolver-se” nele.

• Por isso, escreve Hegel: a dialética “é esse ultrapassar imanente no qual a unilateralidade e a limitação das determinações do intelecto se expressam por aquilo que são, isto é, como sua negação. Todo finito é superação de si mesmo. A dialética, portanto, é a alma motriz do procedimento científico, sendo o único princípio pelo qual o conteúdo da ciência adquire um nexo imanente ou uma necessidade; assim, em geral, é nele que se encontra a verdadeira elevação, não extrínseca, para além do finito (isto é, para além de cada simples determinação do finito)”.

• Hegel tem o cuidado de salientar que o movimento dialético não é absolutamente prerrogativa do pensamento filosófico, mas esta presente em todo o momento da realidade: “Ora, por mais que o intelecto comumente solicite a dialética, não se deve pensar de modo algum que a dialética seja algo presente somente na consciência filosófica; ao contrário, o procedimento dialético pode-se encontrar em toda outra forma de consciência e na experiência geral. Tudo aquilo que nos circunda pode ser pensado como exemplo da dialética.

• Nós sabemos que todo finito, ao invés de ser termo fixo e último, é mutável e transeunte; isso nada mais é do que a dialética do finito, mediante a qual o finito, enquanto em si, é diferente de si, sendo impelido também para além daquilo que é imediatamente e transformando-se no seu oposto”

• (A semente deve transformar-se no seu oposto para tornar-se broto, ou seja, deve morrer como tal e transformar-se no seu oposto para tornar-se adulto, e assim por diante.)

• O negativo que emerge do momento dialético, em geral, consiste na “falta” que cada um dos opostos revela quando se defronta com o outro.

• Mas é exatamente essa “falta” que se revela como a mola que impele, para além da oposição, para uma síntese superior, que é o momento especulativo, ou seja, o momento culminante do processo dialético.

[p.108]

3.5- O segundo momento da dialética (antítese)

• O momento “especulativo” ou “positivamente racional” é o que capta a unidade das determinações contrapostas, ou seja, o positivo emergente da resolução dos opostos (a síntese dos opostos).

• Escreve Hegel: “Em seu verdadeiro sentido, o elemento especulativo é aquilo que contém em si como superadas aquelas oposições nas quais se detém o intelecto (e, portanto, também a oposição entre subjetivo e objetivo), e justamente dessa forma mostra-se como concreto e como totalidade.”

• A dialética, assim como a realidade em geral e, portanto, o verdadeiro, é esse movimento circular que descrevemos e que jamais tem repouso.

• Hegel chega até a compará-lo a uma espécie de “triunfo báquico”, em uma passagem que vale a pena ler como conclusão: “Desse modo, o verdadeiro é o triunfo báquico, onde não há membro que não esteja ébrio; e, como cada membro, enquanto se isola, imediatamente também se resolve, o triunfo é também a quietude transparente e simples”.

4A dimensão do “especulativo”, o significado do “aufheben” e a “proposição especulativa”

4.1- O momento “especulativo” como

novidade da dialética hegeliana.

• Como já dissemos, o pensamento antigo já adquirira o momento primeiro, ou seja, o nível do intelecto e, em ampla medida, também o segundo momento, ou seja, o racional-negativo ou dialético, como, por exemplo, nos célebres argumentos de Zenão de Eléia, mas ignorara o momento “especulativo”, e os próprios idealistas anteriores a Hegel não o identificaram bem.

• {Ele} portanto, constitui descoberta tipicamente hegeliana.

• O momento do “especulativo” é a reafirmação do positivo que se realiza mediante a negação do negativo próprio das antíteses dialéticas e, portanto, é a elevação do positivo das teses a um plano mais elevado.

• .

• Se, por exemplo, tomarmos o puro estado de inocência, este representa um momento (tese) que o intelecto cristaliza em si e ao qual contrapõe, como antítese, o conhecimento e a consciência do mal, que é a negação do estado de inocência (a sua antítese); ora, a virtude é exatamente a negação do negativo da antítese (o mal) e a recuperação do positivo da inocência em nível mais elevado, que se tornou possível passando-se através da negação da rigidez que lhe era própria e, portanto passando através da antítese, que desse modo adquire valor positivo, à medida que leva a tirar aquela rigidez

• O momento especulativo, portanto é o “superar” no sentido de que é ao mesmo tempo o “tirar-e-conservar”.

4.2- O momento especulativo como

superaçao no sentido de retirada conservaçao dos

momentos precedentes

• Hegel usa os termos que se tornaram muito famosos e ate tecnicos, aufheben [superar] e aufbung [superaçao] para expressar o momento “especulativo”• Eis suas proprias explicaçoes a respeito, qe podem ser lidas na grande enciclopedia: aqui e o lugar oportuno para recordar o duplo significado de nossa expressao alema aufheben [superar]

• Por um lado aufheben quer dizer tirar, negar, nesse sentido, por exemplo, dizemos que uma lei, uma instituiçao etc, são suprimidas superadas [aufgehoben]

• Por outro lado porem aufheben significa tambem conservar; e, nesse sentido dizemos que algo esta bem conservado atraves da expressao wohl aufgehoben

• Essa ambivalencia do uso linguistico do termo, pelo qual a mesma palavra tem sentido negativo e positivo, não deve ser considerada casual, nem devemos fazer disso motivo de acusaçao contra a linguagem, como se ela fosse causa de confusao; pelo contrario, nessa ambivalencia se reconhece o espirito especulativo da nossa lingua, que vai alem da simples alternativa “ou-ou” propria do intelecto”.

• O especulativo constitui o ponto culminante que chega a razão, a dimensão do absoluto.

• Na Grande Enciclopédia, Hegel vai até o ponto de comparar o “especulativo” (que é o “racional” em seu mais alto nível”) àquilo que no passado era chamado “místico”, ou seja, aquilo que capta o absoluto indo além dos limites do intelecto que raciocina.

4.3- A “proposição” ou “juízo” no sentido

tradicional e no novo sentido especulativo

• Depois disso tudo não será difícil compreender também as afirmações de Hegel segundo as quais as proposições filosóficas devem ser “proposições especulativas” e não juízos formados por um sujeito ao qual se atribui um predicado, no sentido da lógica tradicional.

• A proposição que expressa o juízo em sentido tradicional, com efeito, expressa um tipo de juízo operado pel intelecto e, portanto, pressupões um sujeito pronto ao qual são atribuídos ab extrinseco predicados {como propriedades e acidentes, predicados que também estão prontos e acabados em nossa representação (com base nos esquemas com que o intelecto procede)

• Essa operação de conjugar um predicado a um sujeito, portanto, é “exterior”.

• A “proposição especulativa”, ao contrário, deve ser tal de modo a não pressupor a distinção rígida entre sujeito e predicado e, portanto, por assim dizer, deve ser plástica.

• O “é” da conjunção, então, expressará o movimento dialético com que o sujeito se translada ao predicado (em certo sentido, na proposição especulativa, tira-se e supera-se a diferença entre sujeito e predicado).

• “Esse movimento [...] é o movimento dialético da própria proposição”, diz Hegel.

• E ainda: “Só a enunciação do próprio movimento é a representação especulativa”.

• Vejamos um exemplo. Quando dizemos que “o real é racional” em sentido hegeliano (especulativo), não entendemos (como na velha lógica) que o real é o sujeito estável consolidado (substância) e que o racional é o predicado (ou seja, o acidente daquela substância), mas, ao contrário, que “o universal expressa o sentido do real”.

• Portanto, o sujeito passa o próprio predicado (e vice-versa)

• A proposição em sentido especulativo diria que o real se resume no racional e, desse modo, o predicado torna-se elemento tão essencial da proposição quanto o sujeito.

• Aliás, na proposição especulativa sujeito e predicado permutam-se as partes de modo a constituir justamente uma identidade da dinâmica

• De fato, Hegel, assim formla a proposição mencionada acima: “Aquilo que é real é racional; aquilo que é racional é real”, de sorte que aquilo que antes era sujeito torna-se predicado, e vice-versa (a proposição reduplica-se dialeticamente).

• Em suma, a proposição da velha lógica permanece encerrada nos limites da rigidez e da finitude do intelecto.

• A “proposição especulativa”, ao contrário, é própria da razão que supera aquela rigidez, é uma proposição que deve expressar o movimento dialético e, portanto, é estruturalmente dinâmica, como também dinâmicos são a realidade que ela expressa e o pensamento que a formula.