Estresse ocupacional em mulheres policiais

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ARTIGO ARTICLE 657 1 Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Avenida Brasil 4036/700, Manguinhos. 21040-361 Rio de Janeiro RJ. [email protected] Estresse ocupacional em mulheres policiais Occupational stress among female police officers Resumo Aborda-se o estresse ocupacional em mulheres policiais militares do Rio de Janeiro. Parte-se de uma abordagem qualitativa (entre- vistas, grupos focais e observação) das percepções dessas mulheres sobre diferenças de gênero no tra- balho policial, relação entre estresse ocupacional e problemas de saúde e estratégias para amenizar o estresse. Participaram 42 mulheres: oficiais e praças, profissionais operacionais e de saúde. Os resultados revelam que as policiais relacionam o cotidiano do trabalho ao estresse, citam diversos sintomas e mostram como o relacionamento fa- miliar é afetado. Seu estresse tem origem basica- mente na questão organizacional e gerencial do trabalho. Discriminação de gênero e assédio são percebidos como importantes fatores estressantes. O sofrimento psíquico aparece mais fortemente entre as oficiais com cargos de chefia; e as ativida- des operacionais são percebidas como mais estres- santes pelo risco que oferecem. O exercício físico é a estratégia considerada mais eficaz para preve- nir as consequências do estresse. Conclui-se que, embora as mulheres estejam presentes na PM há muitos anos, a organização e o gerenciamento praticamente continuam sob a ótica masculina e são necessários investimentos em ações preventi- vas do estresse sob a perspectiva de gênero. Palavras-chave Polícia Militar, Mulheres Poli- ciais, Estresse Ocupacional, Gênero e Trabalho Abstract The scope of this study is occupational stress among female police officers in Rio de Jan- eiro. A qualitative approach was initially used (in- terviews, focal groups and observations) to estab- lish their perceptions regarding gender differences in the performance of police work, the relation- ship between occupational stress and health issues and the strategies used to mitigate this type of stress. A total of 42 participants including female officers and staff and operational and health professionals were involved. The participants link stress to their daily work, cite a number of symptoms and show how family relationships are affected. Stress orig- inates primarily from work management and or- ganizational issues. Gender discrimination and harassment are also perceived as stressors. Psychic suffering is greater among officers in commanding roles, and operational activities are perceived as more stressful due to the risks involved. Physical exercise is seen as the most effective strategy to mitigate the consequences of stress. The conclu- sions drawn are that, there is a need for organiza- tional and managerial change from the perspec- tive of gender and investment in preventive mea- sures that can reduce the consequences of stress within the Rio de Janeiro police force. Key words Military police, Female police officers, Occupational stress, Gender and work Claudia de Magalhães Bezerra 1 Maria Cecília de Souza Minayo 1 Patrícia Constantino 1

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1 Centro Latino Americanode Estudos de Violência eSaúde Jorge Careli, EscolaNacional de Saúde PúblicaSergio Arouca, FundaçãoOswaldo Cruz. AvenidaBrasil 4036/700,Manguinhos. 21040-361Rio de Janeiro [email protected]

Estresse ocupacional em mulheres policiais

Occupational stress among female police officers

Resumo Aborda-se o estresse ocupacional emmulheres policiais militares do Rio de Janeiro.Parte-se de uma abordagem qualitativa (entre-vistas, grupos focais e observação) das percepçõesdessas mulheres sobre diferenças de gênero no tra-balho policial, relação entre estresse ocupacionale problemas de saúde e estratégias para amenizaro estresse. Participaram 42 mulheres: oficiais epraças, profissionais operacionais e de saúde. Osresultados revelam que as policiais relacionam ocotidiano do trabalho ao estresse, citam diversossintomas e mostram como o relacionamento fa-miliar é afetado. Seu estresse tem origem basica-mente na questão organizacional e gerencial dotrabalho. Discriminação de gênero e assédio sãopercebidos como importantes fatores estressantes.O sofrimento psíquico aparece mais fortementeentre as oficiais com cargos de chefia; e as ativida-des operacionais são percebidas como mais estres-santes pelo risco que oferecem. O exercício físico éa estratégia considerada mais eficaz para preve-nir as consequências do estresse. Conclui-se que,embora as mulheres estejam presentes na PM hámuitos anos, a organização e o gerenciamentopraticamente continuam sob a ótica masculina esão necessários investimentos em ações preventi-vas do estresse sob a perspectiva de gênero.Palavras-chave Polícia Militar, Mulheres Poli-ciais, Estresse Ocupacional, Gênero e Trabalho

Abstract The scope of this study is occupationalstress among female police officers in Rio de Jan-eiro. A qualitative approach was initially used (in-terviews, focal groups and observations) to estab-lish their perceptions regarding gender differencesin the performance of police work, the relation-ship between occupational stress and health issuesand the strategies used to mitigate this type of stress.A total of 42 participants including female officersand staff and operational and health professionalswere involved. The participants link stress to theirdaily work, cite a number of symptoms and showhow family relationships are affected. Stress orig-inates primarily from work management and or-ganizational issues. Gender discrimination andharassment are also perceived as stressors. Psychicsuffering is greater among officers in commandingroles, and operational activities are perceived asmore stressful due to the risks involved. Physicalexercise is seen as the most effective strategy tomitigate the consequences of stress. The conclu-sions drawn are that, there is a need for organiza-tional and managerial change from the perspec-tive of gender and investment in preventive mea-sures that can reduce the consequences of stresswithin the Rio de Janeiro police force.Key words Military police, Female police officers,Occupational stress, Gender and work

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Introdução

Esse artigo tem como objetivo apresentar e dis-cutir o estresse ocupacional vivenciado por mu-lheres policiais militares, a partir de um estudorealizado nessa corporação no Estado do Rio deJaneiro. Embora ainda seja escasso no país o co-nhecimento sobre esse tema, algumas referênci-as podem ser encontradas em estudos nacionaise internacionais recentes1-6. Elas indicam o estres-se como um dos principais problemas de saúdeentre os policiais, de ambos os sexos, sendo asmulheres mais afetadas que os homens2,7-9. Vi-sando à sua saúde enquanto profissionais, é im-portante compreender a partir da própria lógicadessas profissionais, como e o quanto esse pro-blema traz consequências para sua vida laboral efamiliar.

Segundo documento da Organização Mun-dial de Saúde10, o trabalho em determinadas ati-vidades policiais está vinculado a fatores causa-dores de estresse como o trabalho monótonoque exige concentração constante, em turnos, iso-lado e sob ameaça constante de violência. O mes-mo documento afirma que há também evidênci-as epidemiológicas sobre o tema: elevado riscode doenças cardiovasculares, particularmente ascoronarianas e a hipertensão para profissionaisda segurança pública de ambos os sexos e emmais elevadas proporções que na população emgeral, o que denota, em grande medida efeitos doestresse; os policiais são um dos segmentos maisvulneráveis a acidentes e mortes no exercício desua profissão8; e configuram uma das profissõesmais expostas ao perigo e à agressão, uma vezque intervêm, quase sempre, em situações cotidia-nas de conflito e tensão11.

Nesse sentido, este artigo contribui, apresen-tando resultados de uma investigação com mu-lheres policiais, mostrando a forma como elascompreendem e interpretam o estresse ocupaci-onal e suas consequências no trabalho e na vidadoméstica. Buscou-se aprofundar suas percep-ções sobre as diferenças de gênero no exercícioda profissão, a relação entre estresse ocupacio-nal e problemas de saúde e as estratégias utiliza-das para amenizar esse tipo de problema.

Condições de trabalho,saúde e estresse ocupacional

No Brasil, as mulheres passaram a integrarefetivamente a Polícia Militar nos anos 1980, nãopor uma demanda social, mas por motivação daprópria polícia. A intenção em incluí-las era hu-

manizar a imagem corporativa, na época de rede-mocratização do país. Embora a intenção tenhasido louvável, nunca houve, por parte da bicente-nária instituição culturalmente masculina, a in-tenção de mexer na sua estrutura para adequá-laa uma visão de gênero. No caso do Rio de Janeiro,essa falha foi apontada por Soares e Musumeci12,mostrando como isso gera o subaproveitamentoe o ressentimento das policiais.

Desta maneira, permanece como esteio, a es-trutura militar tendo como bases culturais a hi-erarquia, a disciplina e o machismo. SegundoMinayo et al.1, a antiguidade nos postos e as pro-moções por mérito são os princípios básicos dereprodução da hierarquia. São posições almeja-das e concorridas entre os profissionais e, porcontemplarem poucos deles, geram ansiedade efrustrações. Segundo Soares e Musumeci12, napolícia do Rio de Janeiro a maioria das mulheresestá na base da pirâmide hierárquica, executafunções internas nos quartéis ou está cedida aoutros órgãos públicos desenvolvendo ativida-des de natureza burocrática e administrativa, sen-do os setores que mais as contemplam as unida-des de educação, de saúde, operacionais especi-ais, de serviço social e de correição. Algumas, aospoucos, vão galgando postos hierárquicos, masnas funções citadas.

Não foi assim quando elas ingressaram. Numprimeiro momento elas trabalharam nos bata-lhões de trânsito com um desempenho conside-rado exitoso e que trazia para a corporação umdiferencial importante: as mulheres policiais eramconsideradas menos corruptíveis, mais rígidas emrelação aos desvios e desobediências. Essa expe-riência se desenvolveu durante quase 10 anos efoi muito bem avaliada, inclusive pela popula-ção, pelos resultados que apresentou12. Porémelas sentiam que o trabalho restrito ao trânsitogerava muitos desgastes físicos e era realizadoem condições muito desfavoráveis: trabalho re-alizado em pé, durante muitas horas, sob sol for-te, com ausência de banheiros adequados, ge-rando desconforto físico, particularmente nosperíodos menstruais, o que facilitava o agrava-mento dos sintomas de estresse.

Não se pode dizer que as mulheres estejaminsatisfeitas em sua profissão como policial, sejaem relação aos salários, seja em relação ao lugarque ocupam. Luz3 mostra que, embora no Riode Janeiro, os salários sejam considerados bai-xos quando comparados às polícias de outrosestados, mais de 75% das mulheres afirmam quesua vida melhorou após ingressar na corpora-ção. No entanto, há um grupo em que a insatis-

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fação está presente, em sua maioria, em policiaisque atuam em unidades operacionais, atividadesadministrativas e unidades de saúde. Essa insa-tisfação quase sempre está vinculada a questõesorganizacionais e de reconhecimento.

Recente pesquisa sobre dados institucionaisa respeito dos agravos e mortes de mulheres po-liciais da cidade do Rio de Janeiro13 mostra que amaioria dos atendimentos à saúde desse grupoprofissional está relacionada a problemas osteo-musculares, do aparelho digestivo e transtornosmentais e comportamentais. Conceição13 pesqui-sou também sobre os afastamentos para trata-mento de saúde dessas profissionais e mostrouque as clínicas responsáveis pelo maior númerodeles no ano de 2007 foram as de ortopedia, trau-matologia e psiquiatria.

Por ser a questão do estresse o objeto específi-co deste artigo, é sobre esse conceito que se busca-rá maior aprofundamento. Seyle14 foi precursordas pesquisas sobre estresse, analisando as res-postas fisiológicas apresentadas por animaisquando expostos a situações adversas ou amea-çadoras. Nos últimos anos, vários pesquisadorestêm se debruçado sobre a relação entre estresse etrabalho, utilizando o construto “estresse ocupa-cional”1,15. Pascoal e Tamayo15 consideram o es-tresse ocupacional como um processo em queatuam estressores-respostas. Esse é um enfoqueabrangente que enfatiza tanto os fatores organi-zacionais que contribuem para o problema, quan-to suas respostas fisiológicas, psicológicas e com-portamentais aos eventos avaliados como estres-santes. Essa abordagem acentua o caráter relaci-onal do conceito que envolve ambiente de traba-lho e sujeito e atribui importância às percepçõesindividuais como mediadoras entre o ambientede trabalho e as respostas do individuo16. Nessesentido, vários autores vêm se debruçando sobreo que denominam “eustresse” e “distresse, ou es-tresse negativo”. Por exemplo, para Rossi et al.17, oestresse provém de fatores advindos da carga detrabalho, relações interpessoais e condições de tra-balho, mas a eles os indivíduos reagem de formadiferente. Alguns respondem com robustez, oti-mismo, autoconfiança, senso de coerência e ca-pacidade de resiliência, ou seja, com eustresse.Outros respondem com raiva, rancor, frustra-ção, excesso de fadiga, alienação no trabalho equeda de produtividade: é o distresse ou estressenegativo, para o qual contribui sobremaneira aforma de gestão. Essa distinção teórica, é funda-mental, responde à questão de porque nem todomundo adoece frente às adversidades e riscos,sobretudo numa profissão como a policial.

Estudo de Lipp2, que examina estressores re-lacionados ao trabalho e estratégias de enfrenta-mento entre oficiais da polícia militar de São Pau-lo revela que oficiais percebem sua profissãocomo muito estressante e mostra clara associa-ção entre altos níveis de estresse ocupacional ebaixa qualidade de vida. O fator de estresse maisfrequentemente mencionado é a interação comoutros departamentos dentro da polícia. A au-tora destaca que as mulheres oficiais mostram-se mais estressadas que os homens.

Alguns estudos têm privilegiado a questão doestresse entre as mulheres policiais. Conceição13,por exemplo, revela que na clínica de psiquiatriado Hospital da PMERJ, em 2007, houve preva-lência para as seguintes categorias: outros trans-tornos ansiosos, reações ao estresse grave, trans-tornos de adaptação, transtornos de humor (afe-tivo) persistentes, episódios depressivos e trans-tornos de humor (afetivos) não especificados.Também em 2008 as reações ao estresse graveestiveram entre os problemas de saúde prevalen-tes na especialidade psiquiátrica. A pesquisa deLuz3 encontrou 28,6% de estresse ocupacionalentre as policiais militares do Rio de Janeiro.

Como observam vários autores, no caso dasmulheres1-3,13,14, aos problemas do trabalho sesomam os da chamada dupla jornada. O em-prego feminino que historicamente era conside-rado complementar ao emprego masculino, hojeconstitui sua profissão com todos os ônus queisso implica, sem liberá-las de seus papéis famili-ares. Ainda hoje e, em geral, além do trabalhofora de casa, as mulheres continuam a assumir otrabalho doméstico e a se responsabilizar peloscuidados da família.

Metodologia e procedimentos

Para abordar as percepções sobre estresse ocu-pacional por parte das mulheres policiais do Riode Janeiro utilizou-se a abordagem qualitativa,privilegiando-se as narrativas das experiênciaspessoais.

A técnica utilizada para a coleta de dados foia de grupos focais. Foram realizados oito gru-pos de discussão sobre o tema, com roteiro se-miestruturado elaborado previamente. A pesqui-sa de campo ocorreu entre agosto e outubro de2011. Foram ouvidas policiais lotadas em Unida-des situadas na capital. Participaram 42 mulhe-res, sendo 17 oficiais e 25 praças.

Como mostra o Quadro 1, o critério de seleçãodas entrevistadas respeitou o pertencimento a dife-

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rentes cargos (oficiais e praças), a diversidade defunções (operacionais e técnico profissionais/qua-dro de saúde) e a pluralidade de áreas de atuação(áreas com diferentes índices de violência).

As unidades estudadas foram selecionadas deacordo com os seguintes critérios: ter efetivo fe-minino; ser unidade de saúde ou batalhão ope-racional; estar em área de risco e não estar emárea de risco (o conceito de área de rico foi apresença do batalhão em regiões com altas taxasde violência).

O roteiro para os grupos focais contemplouas seguintes questões: percepção do estresse ocu-pacional; prazer no trabalho; dificuldades e van-tagens de ser uma mulher policial; relação comchefes ou superiores hierárquicos; diferenças dotipo de estresse de quem atua em área operacio-nal ou em unidade de saúde; de quem é praça ouoficial; consequências do estresse na saúde, nocotidiano de trabalho e dia a dia em família; eestratégias para amenizar as consequências doestresse.

A pesquisa foi autorizada pela PMERJ e peloComitê de Ética da ENSP. As mulheres policiaisparticipantes dos grupos focais assinaram umtermo, com seu livre consentimento à participa-ção da pesquisa.

A análise e a interpretação dos dados quali-tativos foram efetuadas destacando-se as rele-vâncias evidenciadas pelas próprias interlocuto-ras18 e contextualizando suas falas em diálogocom a literatura pertinente, seguindo-se as se-

guintes etapas: (a) os dados recolhidos em cam-po como resultado da discussão em grupos fo-cais e gravados, foram transcritos e digitados;(b) para preservar o anonimato das participan-tes e das pessoas citadas por elas, foram atribuí-das denominações em código; (c) foram realiza-das várias sessões de leitura dos textos transcri-tos, tentando entendê-los em sua especificidade ede forma transversal; (d) a estrutura de análiseinicialmente foi organizada segundo cada ques-tão do roteiro e dentro das classificações citadas,criando-se focos de análise separados segundoas repostas das praças e das oficiais. A forma deorganização do material permitiu sua compre-ensão peculiar a cada grupo e posterior compa-ração entre as duas principais categorias: praçase oficiais. E por fim, realizou-se uma análise con-textualizada do material empírico, fazendo-o di-alogar com o conhecimento já existente.

Resultados

Os resultados das discussões em grupos focaismostram que as mulheres policiais militares re-lacionam seu cotidiano de trabalho ao estresse,percebem a influência dele na sua saúde, descre-vem vários sintomas e identificam consequênci-as negativas no relacionamento familiar.

O estresse ocupacional, eu vejo que surgem doistipos de sintoma: o sintoma físico mesmo do des-gaste e o emocional, porque a gente acaba tendo

Quadro 1. Distribuição dos grupos focais.

Área de trabalho

Áreas de risco(4 grupos focais)

Áreas não consideradas de risco(4 grupos focais)

Unidade

Saúde

Operacional

Saúde

Operacional

8 grupos42 participantes

Oficiais – 06 participantes

Praças – 04 participantes

Oficiais – 02 participantesEntrevista em dupla

Praças – 08 participantes

Oficiais – 07 participantes

Praças – 05 participantes

Oficiais – 02 participantesEntrevista em dupla

Praças – 08 participantes

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desvio de atenção. [...] Eu não tenho nenhumamanifestação de cansaço físico, mas o meu cansaçomental me deixa extremamente irritada (Oficiaisoperacionais)

Como se observa no Quadro 2, os sintomaspsicológicos são mais ressaltados que os físicos,o que também tem sido evidenciado em outraspesquisas2,7,9,19.

Como fatores de estresse negativo as polici-ais destacam: problemas com a hierarquia, gran-de demanda de trabalho e preconceito de gênero.

Em relação à estrutura hierárquica as parti-cipantes ressaltam dificuldades de aceitar ordensde pessoas que consideram pouco qualificadas eque estão em postos de mando por questões hi-erárquicas próprias da instituição. Ressentem-setambém da falta de autonomia, o que atribuemao problema antes citado. As praças ressaltamhumilhações sofridas, quanto às diferenciaçõesna alimentação servida a elas e aos oficiais, o medodas punições por pequenos deslizes e a falta deregras claras e objetivas para ascensão profissio-nal. Esse último ponto, frequentemente, dá lugara preferências pessoais das autoridades. Em to-dos os pontos assinalados está o pilar, hoje es-truturante da polícia, que é a rígida hierarquia.

Eu acho que o que mais causa estresse é a ques-tão militar hierárquica. A hierarquia não é feitapor capacidade e sim por antiguidade no posto

(Oficial/saúde). [...] Essa questão de prejudicar éuma coisa que a gente vive muito, a gente ficasempre muito estressada, se sente pressionada commedo de ser punida (Oficial/operacional). [...] Sãotrês tipos de refeição: tomate [na comida] dos ca-bos e soldados. Sargento tem legumes. E oficiaistem tudo e mais alguma coisa. A gente passa e vêtrês refeitórios diferentes e isso realmente me cha-teia. (Praça/saúde).

Para as policiais, a grande demanda de tra-balho, assim como a falta de infraestrutura ade-quada, de pessoal e de material também gera es-tresse. No caso das que trabalham nas ativida-des operacionais nas ruas, a questão é a exigênciade força física. Para elas os fuzis são pesados etêm dificuldades em segurá-los durante muitotempo. Várias se referiram às condições adver-sas do trabalho ao sol, sem água, com sede, semlocal adequado para ir ao banheiro, o que se com-plica no período menstrual.

O acúmulo de funções, com certeza, a gentetem que fazer muita coisa ao mesmo tempo. (Ofi-cial/operacional). [...] Falta de gente para atendere é um corre-corre do caramba! (Oficial/saúde).[...] Eu já fiquei mais de 12 horas sem ir ao ba-nheiro. Isso é comum. (Praça/operacional).

O preconceito e a discriminação de gênerotambém são apontados como fatores estresso-res. Elas comentam que se sentem avaliadas não

Quadro 2. Sintomas de estresse percebidos pelas mulheres policiais e sintomas de estresse citados pela literatura.

Patente

OficiaisOperacionais

Oficiais Saúde

PraçasOperacionais

Praças Saúde

Sintomas de estressepercebidos pelas policiais

Gastrite emocional, cansaço físico e mental,dificuldade para dormir, muito sono,problemas de pele (crise alérgica e espinhas),problema de concentração, falha de memória,irritabilidade, impaciência.

Insônia, dor de cabeça, dor de estômago, dormuscular, dor nas costas, baixa de imunidade,resfriado, mau humor, agitação, depressão,irritabilidade, fadiga, impaciência, taquicardia.

Hipertensão, crise de ansiedade, taquicardia,dor de cabeça/enxaqueca, queda de cabelo,problemas na pele (psoríase, herpes),menstruação desregulada e inchaço no corpo.

Sentimentos de ansiedade e compulsões comocomer muito, ter atitudes repetitivas, tomarmuito café, necessidade de isolamento emcasa.

Sintomas de estresse citados pelaliteratura (Lipp2 e Minayo et al.19)

Tensão muscular; dores de cabeça;dores de estômago ou gastrite;hipertensão; herpes; taquicardia;problemas dermatológicos; aftas,retração das gengivas; resfriados;tonturas; infecções; aumento dasudorese, tensão muscular, apertoda mandíbula, ranger de dentes,hiperatividade, náuseas, mãos epés frios. Queda de produtividade;confusão mental; apatia;dificuldade de concentração;sensação de desgaste ao acordar;autoestima baixa; dificuldade dememória; depressão eirritabilidade acima do justificável,ansiedade, tensão, angústia,insônia, alienação, dificuldade derelaxar, ira e hipersensibilidadeemotiva.

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só pela patente, mas também pelo sexo. Perce-bem diferenças na distribuição das atividadesentre homens e mulheres e grande desconfiançados homens em relação à sua capacidade. Paraelas o comando da corporação em geral preferecolocar homens em funções operacionais e deconfronto. Por isso, quando são chamadas a atu-ar em tais situações, sentem-se testadas a provarsua capacidade e desafiadas a conquistar espaço.

A gente tem que lidar com essa questão da se-xualidade [de gênero] o tempo todo mostrandopara eles que a gente está do lado deles, não temdiferença. (Oficial/operacional). [...] Eles dizem:eu heim! Eu vou ter que cuidar do bandido e damulher, pois ao invés dela dar tiro vai ficar pas-sando batom. (Praças/operacionais).

As diferenças nas percepções sobre o estresseocupacional entre praças e oficiais (Quadro 3)mostram que há mais relatos de sofrimento en-tre as oficiais, pois elas trabalham com quadroreduzido de profissionais, acumulam funções eresponsabilidades pela tomada de decisão. Comoa maioria das mulheres está em funções inter-nas, administrativas e de saúde, seu estresse temorigem basicamente na questão gerencial e orga-nizacional.

Eu acho muito mais fácil obedecer a ordens doque mandar, porque o peso de mandar, o peso da-quela decisão [é difícil]! (Oficial/operacional).

As profissionais de saúde que são oficiais erespondem por cargo de chefia são enfáticasquando falam do estresse que sentem. Em geral,essas são mulheres com idade acima de 45 anos ecom mais de 10 anos na polícia. No entanto,muitas quando perguntadas se referem tambémao prazer no trabalho e na profissão.

Para mim o estresse é imenso: são poucas ofici-ais na parte administrativa e o excesso de setoressob a minha responsabilidade [é enorme]. Apesarde tudo, é cansativo, mas eu faço com prazer. Euacordo de manhã com prazer de me preparar pratrabalhar. (Oficial/saúde).

Quando comparam o trabalho operacionale o que exercem nas unidades de saúde (Quadro4), elas comentam as diferenças e mostram quenem sempre é óbvia a distinção. Dizem que exis-tem seções administrativas com trabalhos mui-to difíceis, especializados e detalhados e traba-lhos operacionais menos cansativos e perigosos,em que a policial faz seu plantão de seis horas evai para casa, tranquila. Porém, quando a ativi-dade é exercida na rua todas falam do risco demorte ou de outros agravos que correm, o quelhes aumenta o sofrimento. Por isso, as ativida-des operacionais de rua são percebidas como asmais estressantes.

Eu já trabalhei em Batalhão, tenho as duasvisões. Já passei na corporação pelo estresse lá defora e pelo daqui de dentro. O estresse lá fora é milvezes maior do que o daqui de dentro. Aqui é umparaíso... Fiquei sete anos na tropa tive uma visãomuito diferenciada. (Oficial/saúde).

Além dos principais estressores já citados, asmulheres, principalmente entre as praças que exer-cem atividades operacionais, incluem o assédio se-xual. Relatam sua dificuldade em construir estra-tégias para escapar dele, nesse ambiente predo-minantemente masculino e dominado por fortehierarquia. Entre as oficiais, o assédio não aparecediretamente como causador de estresse, mas comouma dificuldade peculiar em que não há reconhe-cimento de que estão em tal posto por seu mérito.

Quadro 3. Especificidades do trabalho da praça e da oficial em relação ao estresse ocupacional.

Praças

Escalas extras à época de eleições ou grandes eventos;

Menos acesso à direção ou ao comando;

Mais dificuldades que as oficiais para se expressareme reivindicarem direitos;

Mais sujeitas às ordens, regulamentos, punições e sentemmais medo;

Mais expostas ao assédio, pois atuam em um nível maisbaixo da hierarquia.

Oficiais

A carga horária de trabalho é maior;

Mais responsabilidades;

Precisam decidir e arcar com asconsequências de suas decisões;

Contam com um quadro de servidoresreduzido;

Acumulam muitas funções.

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Comparando os locais onde exercem suas ativi-dades, as profissionais concordam que nas uni-dades de saúde existe menos assédio, e onde elemais se presentifica é nas áreas operacionais.

Eu acho que a mulher é vista como um objetofácil dentro da corporação. (Oficial/saúde). [...] Aquestão sexual também aqui dentro é muito forte.Às vezes você está num cargo bom, ou numa fun-ção boa, numa escala boa. Talvez as pessoas nãopensem que foi mérito seu. (Praça/operacional).[...] Quando a patente é menor você ouve muitagracinha. E conforme a minha patente foi crescen-do esse tipo de piadinha, brincadeirinha parou.(Oficial/saúde).

Também gera estresse portar a carteira deidentificação de policial militar e correr o risco deser identificada e maltratada na rua, apenas porcausa de sua profissão, o que ocorre certamentetambém com os homens. As praças também in-cluem as diferenças salariais, escalas extras e gran-des deslocamentos de casa para o trabalho comogeradores de estresse.

Sobre os efeitos do estresse ocupacional norelacionamento familiar, algumas mulheres re-latam que não conseguem se desligar dos pro-blemas do serviço quando chegam em casa, des-sa forma acabam se isolando dos assuntos fa-miliares. Também elas se preocupam com a se-gurança da família e a família com a delas.

É a falta de paciência, não conseguir dar aten-ção à família, aos filhos e tenho que optar peloisolamento. [...] Por que até eu chegar em casa, euainda estou pensando no que eu fiz, se deu tempode fazer tudo, o que falta ainda para o próximoplantão. Eu às vezes não me aproximo de ninguém,eu não consigo. (Praças/saúde).

Perguntas sobre prazer no trabalho ou sobreo que os teóricos chamam de “eustresse” e sobrevantagens de ser mulher na Policia Militar foramrespondidas com dificuldades e certa lentidão emtodos os grupos focais. O que surgiu como maisrelevante é que as mulheres policiais sentem pra-zer quando conseguem ajudar um cidadão, quan-do consideram sua realização como profissionale nas interações com colegas de trabalho. Sobre aimportância de estar integrada na corporação,comenta uma das entrevistadas:

Meu Deus, eu realizei o meu sonho, eu estouaqui, meu olho enche de água! Apesar das dificul-dades e do estresse que o trabalho ocasiona, ainda égratificante para mim, estar aqui. (Praça/opera-cional).

Muitas comentam, no entanto que o prazernão compensa o estresse. O que compensa é aestabilidade no emprego. Várias ressaltaram quea vantagem de ser mulher na Polícia Militar serestringe à licença maternidade, que pode chegara nove meses.

Mas o que faz mesmo a gente suportar esse ní-vel de estresse, eu creio que é a estabilidade. [...]Não vou falar segurança porque a gente não temsegurança sendo policial militar, claro que não. Éestabilidade do emprego (Oficiais/operacionais).

O exercício físico foi citado em todos os gru-pos como uma eficaz estratégia para amenizar ouprevenir as consequências do estresse. Outras es-tratégias também foram mencionadas como: aimportância da convivência familiar, com amigose várias formas de lazer como viajar, dançar, dor-mir, ouvir música, comer e até frequentar shop-pings e consumir. Em todos os grupos, as poli-ciais incluíram a atividade religiosa como impor-

Quadro 4. Especificidades do trabalho operacional e do trabalho nas unidades de saúde em relação aoestresse ocupacional.

Unidades Operacionais

Atividades mais pesadas (maior sofrimento): trabalhona rua, atuação direta com a população, risco de vida,medo, falta de infraestrutura;

Nenhuma policial declarou-se sem estresse negativo,seja no trabalho ostensivo, seja no administrativo;

Relatam sintomas mais graves de estresse.

Unidades de Saúde

Quem tem cargo de chefia, mesmo estando emunidade de saúde tem uma grande carga detrabalho e se mostra mais estressada;

Maiores proporções de mulheres que sepercebem e se declaram sem estresse;

Dificuldade de se perceberem enquanto policiais,principalmente entre as que trabalham emserviços internos, técnicos e de saúde.

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tante suporte a sua qualidade de vida. Tambémforam mencionados hábitos não tão saudáveiscomo consumir remédios e bebidas alcoólicas.

Academia, que eu acho que é a melhor coisaque existe para esse tipo de estresse, para quemgosta. (Oficial/saúde) [...] Eu acho que a estraté-gia é sair daqui e fazer algo que você gosta, se vocêgosta de ler, se gosta de cozinhar, de ter um tempopara você fazer o que gosta. (Oficial/saúde). [...]Para controlar a questão externa, que eu sei queincomoda as outras pessoas, eu tomo a medicaçãopara tentar pelo menos ficar, por dentro, mais tran-quila e poder não ficar mais doente, porque doenteeu já sou. (Oficial/saúde).

Discussão e recomendações

Durante o trabalho de campo ficou evidente quea discussão em grupos, proporcionada pela pes-quisa, teve grande aceitação. As mulheres consi-deraram os grupos focais realizados como ummomento único de encontro entre elas, promo-vendo uma identidade de experiências e emoções.Comentaram que lhes faltam espaços institucio-nais para discutirem seus problemas, darem opi-niões, desabafarem, compartilharem experiênci-as e sofrimentos. Parece que a carência de mo-mentos de discussão é comum com outras Cor-porações, pois em Minas Gerais, as mulherespoliciais também se queixaram da falta de espa-ços para livre expressão de suas necessidades18.

Na lógica das policiais militares sobre os es-tressores identificados em seu trabalho, o fato deser mulher é um detonador. O grande númerode sintomas de estresse percebido e as influênciasno relacionamento familiar indicam a necessida-de de se aprofundarem estudos sobre o tema ede se utilizar tais conhecimentos para gerar efei-tos práticos.

Uma das mais importantes constatações é quea Corporação, apesar dos 30 anos da presençafeminina, ainda não tem uma perspectiva de gêne-ro e de acolhimento real das diferenças. É claroque olhar a Corporação sob a perspectiva de gêne-ro não significa eliminar as diferenças entre ho-mens e mulheres e sim, as desigualdades que ad-vêm daí. Soares e Musumeci12 também constata-ram a falta de política de aproveitamento do efe-tivo feminino, o que gera dificuldade de constru-ção da sua identidade enquanto policial militar.

Apesar da metade das participantes estaremlotadas em batalhões operacionais, apenas 19%delas trabalhavam diretamente na rua, no polici-amento ostensivo ou no policiamento de insti-

tuições. Isso demonstra e corrobora o que temsido encontrado em várias outras pesquisas se-gundo as quais, mesmo em batalhões operacio-nais, as mulheres são direcionadas para traba-lhos administrativos3,12,13.

Tanto oficiais quanto praças percebem em si,sintomas de estresse ocupacional negativo. É di-fícil comparar o grau em que isso ocorre, pois ostrabalhos têm especificidades marcantes. Nessapesquisa, os relatos de estresse ocupacional mos-tram que as oficiais são as mais afetadas, porcausa dos cargos de chefia ou funções gerenciais,tanto por parte das que trabalham operacional-mente, quanto das que atuam nas unidades desaúde. A articulação de maior estresse com fun-ções de comando também foi observada em tra-balhos internacionais como o de Brown et al.20 enos estudos de Minayo et al.1,19. Para essas auto-ras, a hipótese é de que no círculo dos oficiaisexistem policiais com mais idade e com maioresníveis de responsabilidade, o que leva a um tipode estresse cumulativo, tal como descrito porGershon et al.6.

A questão da hierarquia enquanto fator gera-dor de estresse sobressai, sem sombra de dúvida,tanto em praças, quanto em oficiais, em policiaisdo quadro de saúde ou de unidades operacionais,o que corrobora resultados referentes às ques-tões organizacionais dentro da polícia de outraspesquisas nacionais e internacionais1,4,20-23. Umponto a ser ressaltado é que entre as oficiais afalta de autonomia incomoda mais do que entreas praças. As oficiais têm maior poder de decisãoe por esse motivo, as restrições de seu posto asafetam mais intensamente.

Em pesquisas com homens policiais o temadas tarefas domésticas, não é citado, porém en-tre as mulheres são preocupações constantes. Amaioria delas, principalmente as praças, não temajuda em casa, por isso, as responsabilidades deesposas e mães pesam-lhes muito mais, nummundo em que a ideologia feminista ainda nãose concretiza em ações práticas no cotidiano damaioria das famílias.

Já entre as mulheres policiais não se fala nofamoso “bico”, comum nas pesquisas que tratamdos policiais homens1. A maioria delas (60%) nãotem outro trabalho remunerado além da ativida-de policial. E as que possuem algum outro tipo decompromisso, não desenvolvem tarefas que en-volvem riscos. As mulheres que atuam na área dasaúde são as que mais relatam duplo vínculocomo enfermeiras, psicólogas, médicas e fisiote-rapeutas. As poucas do quadro administrativo eoperacional que disseram exercer outra atividade

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oletiva, 18(3):657-666, 2013

Colaboradores

CM Bezerra, MCS Minayo e P Constantino par-ticiparam igualmente de todas as etapas de ela-boração do artigo.

trabalham no comércio ou na organização deeventos. Isso diminui sua possibilidade de acu-mular estresse, em comparação com os homensque, geralmente, atuam no setor de segurança equase nunca descansam profissionalmente24.

As policiais entrevistadas, em seu conjunto,percebem seu trabalho como sendo reconhecidosocialmente, não se queixam da distorção de suaimagem, como relataram os homens policiais emestudos de Minayo et al.1. Consideram, ao con-trário, ser mais difícil o relacionamento com opúblico interno (colegas e chefes) do que com oexterno (população). Há aqui um diferencialpositivo de gênero para as mulheres, pois, a soci-edade as vê como mais receptivas, honestas e aco-lhedoras que os homens.

Nos grupos focais, as entrevistadas tambémrelataram a influência negativa do estresse ocu-pacional em sua vida familiar. Para elas, a grandedemanda profissional induz que levem “para den-tro de casa os problemas do serviço”. Quem échefe tem que ficar à disposição e pode ser conta-tada a qualquer hora. Nesse sentido, elas nuncase desligam do trabalho e das tarefas pendentes,o que afeta diretamente seu relacionamento coma família e, particularmente, com os filhos. Mui-tas consideram que não conseguem lhes dar aatenção devida, o que gera sentimentos de culpae de ansiedade. Referem que ao chegar em casa,em alguns períodos de maior tensão no traba-lho, sentem-se sem energia para as trocas famili-ares, preferem dormir ou ficar sozinhas. O isola-mento na própria casa funciona como uma es-tratégia para se acalmar e para não descontar nafamília os problemas da corporação. No entan-to, ressaltam que perdem muito em termos afe-tivos quando assumem tal atitude.

Para vários estudiosos do estresse o suportee o apoio social são fatores importantes para asuperação e enfrentamento de situações difíceis.A literatura internacional4 e nacional25 apontama interface entre o trabalho e a casa como uma

das mais importantes, pois pode afetar positivaou adversamente o bem estar dos profissionais,inclusive no ambiente de trabalho. No caso dasmulheres, a família é o suporte social mais fortee importante.

A indicação, pelas próprias mulheres, de exer-cícios físicos como uma eficaz estratégia de pre-venção ao estresse ocupacional corrobora estu-dos de Monteiro et al.26 que apontam a manu-tenção de atividades regulares de importânciacrucial para a qualidade da saúde física e mentalde policiais. Também o uso de álcool e remédiosaparece como recurso para aliviar o estresse. Esseproblema tem sido referido em vários outros tra-balhos. Entre eles Minayo et al.1 afirmam que: “oconsumo de tranquilizantes para aliviar a ansie-dade é a principal forma de ingestão de drogaentre os dois grupos [oficiais e praças]”.

Para a Corporação ficam recomendações nosentido da implantação de programas com me-todologia participativa, que possam viabilizar atroca de informações sobre como enfrentar po-sitivamente o estresse, os fatores estressores e ossintomas mais recorrentes. Os programas parti-cipativos desde seu planejamento possibilitari-am às mulheres serem ouvidas sobre os temasde interesse a serem encaminhados para decisão.Há outras sugestões importantes como: incenti-vo a exercícios físicos, à prática de esportes, àioga, a outras modalidades de relaxamento emeditação; investimento na qualidade da alimen-tação e incentivo as consultas médicas regularese preventivas, sugestões essas que surgiram noâmago das discussões sobre como preservaremsua qualidade de vida e sua saúde mental.

Finalizando, a recomendação mais importan-te que aqui se faz à corporação da polícia militardo Rio de Janeiro é que se proponha a rever suaorganização e suas práticas sob a perspectiva degênero. Essa abertura provocaria uma transfor-mação que teria transcendência para todas aspolícias militares dos Estados brasileiros.

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Artigo apresentado em 29/05/2012Aprovado em 16/06/2012Versão final apresentada em 09/07/2012

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