Estratégia e Tácticas desenvolvidas nas Cruzadas

27
Trabalho anual subordinado ao tema: “Estratégia e tácticas desenvolvidas nas Cruzadas” 1- Introdução 2- Breve historial das Cruzadas. 3- Estratégia e tácticas desenvolvidas 3.1- pelos cruzados. 3.2- pelos árabes. 4- Conclusão 5- Bibliografia 6- Índice

Transcript of Estratégia e Tácticas desenvolvidas nas Cruzadas

Trabalho anual subordinado ao tema:“Estratégia e tácticas desenvolvidas nas Cruzadas”

1- Introdução

2- Breve historial das Cruzadas.

3- Estratégia e tácticas desenvolvidas

3.1- pelos cruzados.

3.2- pelos árabes.

4- Conclusão

5- Bibliografia

6- Índice

1- INTRODUÇÃO

Quer sejam consideradas as mais arrojadas e românticas das

aventuras cristãs ou a última das invasões bárbaras, as

Cruzadas são um facto incontornável e central da história

medieval. Antes do seu início, no sec. XI, o centro da

civilização encontrava-se em Bizâncio e nas terras do califado

árabe; pouco antes do seu término, no sec. XIV, tinha-se

deslocado para a Europa ocidental.

Do ponto de vista estritamente militar, tratou-se da primeira

acção de projecção de tropas à distância da História,

utilizando meios nunca vistos para a época, algo que só teria

paralelo nas guerras do sec. XX.

Embora se mantivesse uma estrutura de base, houve necessidade

de adaptar técnicas e tácticas a diferentes circunstâncias

como a morfologia do terreno ou a acção do inimigo. Porém, em

última análise, a campanha estava condenada ao fracasso dadas

as enormes distâncias a vencer pelo apoio logístico, pois não

bastava conquistar o território, havia que mantê-lo, e os 4000

Km de permeio entre os reinos cristãos ocidentais e orientais

constituíam um obstáculo difícil de transpor. Somando o facto

de os cruzados serem estranhos numa terra estranha, dependendo

de aliados – para o reconhecimento do terreno, transporte das

tropas ou protecção da retaguarda –, os quais tinham os seus

próprios interesses, não necessariamente coincidentes, estavam

reunidas as condições para a derrota, a prazo, das hostes

ocidentais.

2

É precisamente o aspecto militar das Cruzadas que se pretende

aqui desenvolver, comparando as tropas ocidentais com as suas

congéneres árabes.

2- BREVE HISTORIAL DAS CRUZADAS1

1ª Cruzada (1096-1099)

Líderes: Godofredo de Bulhão, duque da Baixa Lorena (1082-

1095) e defensor do Santo Sepulcro (1099-1100); Hugo I, conde

de Vermandois (U 1101); Ademar de Monteil, bispo de Puy (U

1098); Raimundo IV de Saint-Gilles, conde de Toulouse (1093-

1105) e de Tripoli (1102-1105); Roberto Courtheuse, duque da

Normandia (1087-1106); Estêvão, conde de Blois; Roberto II,

conde da Flandres (1093-1111); Boemundo I de Tarento, príncipe

de Antioquia (1098-1111).

Através do apelo que dirigiu à Cristandade no final do

Concílio de Clermont, a 27 de Novembro de 1095, o papa Urbano

II tinha dois objectivos: ajudar Bizâncio e os cristãos do

Oriente contra os Turcos e galvanizar os cavaleiros para

efectuarem uma peregrinação a Jerusalém, formando uma

expedição militar dirigida por ele. Porém a resposta

ultrapassou todas as expectativas.

O apelo do papa alcançou não apenas os cavaleiros do Sul de

França, com os quais não se contava à partida, mas também

muitos outros de várias regiões de França, bem como os

Normandos do Sul de Itália. Todos eles tinham o desejo de

penitência e redenção, mas as riquezas do Oriente e o gosto

pela aventura também lhes conferiram grande entusiasmo.

1 Cfr. AA.VV., As Cruzadas (1096-1270), pp. 20-28.

3

Por outro lado, ao contrário do que seria habitual, os

pregadores populares espalham o apelo do papa imprimindo-lhe o

seu cunho pessoal, o que leva a partidas maciças entre os

camponeses, por vezes de aldeias inteiras. Pregadores como

Pedro o Eremita proclamam que está próximo o fim dos tempos e

o reino do Anticristo, que a Jerusalém celeste irá descer em

lugar da terrestre e que quem aí se encontrar, vivo ou morto,

sentar-se-á à direita de Cristo no Dia do Juízo Final.

Partindo em Abril de 1096, a cruzada popular de Pedro o

Eremita ficará responsável por numerosos massacres de judeus

na Renânia, aos quais viam não como descendentes dos

“assassinos” de Cristo, mas os seus próprios assassinos.

Indisciplinados chegam a Constantinopla pilhando as regiões

que atravessam. Aí, no inicio de Agosto de 1096, exigem ser

transportados para a outra margem do Bósforo sem esperar pelos

cavaleiros, acabando por ficar à mercê dos Turcos, que os

massacram quase todos. Desta vez, os sobreviventes irão

esperar pelos cavaleiros.

Estes, agrupados em quatro exércitos, chegam entre Outubro de

1096 e Abril de 1097. O imperador bizantino obriga-os a

jurarem-lhe fidelidade e a prometer a restituição ao Império

de Bizâncio os territórios que lhe pertenciam antes da invasão

turca, oferecendo em contrapartida a sua aliança.

Após derrotar os Turcos em Dorileia em Julho de 1097, os

cruzados atravessam a Anatólia em direcção à Síria e, antes

ainda de chegar a Antioquia, Balduíno de Bolonha faz um desvio

por Edessa, cidade que conquista após uma insurreição popular,

formando o condado de Edessa, primeiro Estado latino do

4

Oriente, em Março de 1098. O restante dos cruzados pára em

frente a Antioquia em Outubro de 1097, por falta de material

de cerco, conseguindo conquistar a cidade em Junho de 1098,

aproveitando uma traição, e afugentar um exército muçulmano

que vinha em socorro.

A partir da conquista de Antioquia, deixam de contar com a

assistência bizantina, chegando a Jerusalém em 7 de Junho de

1099. Jejuam e fazem procissões em redor da cidade, esperando

deitar abaixo as muralhas com as orações, assim como, na

Bíblia, as trombetas de Josué haviam derrubado as de Jericó.

Valeu a chegada ao porto de Jafa de navios genoveses, pisanos

e venezianos que lhes forneceram carpinteiros e madeira para

construir material de cerco. Jerusalém é finalmente tomada a

15 de Julho de 1099, seguindo-se a pilhagem e o massacre

sistemático de toda a população.

Tendo-se tornado precária a posse da cidade após o regresso

dos cruzados, o novo papa, Pascoal II, faz um novo apelo à

Cruzada com um sucesso tão grande como o anterior. Porém, esta

expedição fracassa sendo dizimada pelos Turcos em 1101.

Seguem-se outras mais modestas, entre 1101 e 1110, que apenas

conseguem o reforço dos domínios francos no Oriente.

2ª Cruzada (1147-1149)

Líderes: Luís VII, rei de França (1137-1180); Conrado III de

Hohenstaufen, imperador da Alemanha (1138-1152).

A conquista de Edessa pelo aio do príncipe de Mossul em 1144,

teve grande efeito no Ocidente, pois se o Islão vence isso

quer dizer que os cristãos deixaram de merecer a protecção

5

divina. Assim, o papa Eugénio III decide-se por uma nova

Cruzada e promulga uma Bula que dirige à nobreza francesa e a

Luís VII, especificando os objectivos da Cruzada e os

privilégios de que os cruzados poderão beneficiar. Não se

trata apenas de retomar Edessa, mas também de realizar uma

obra de penitência através da Cruzada, pois os fracassos de

algumas expedições dever-se-ão mais à falta de fé que a uma

insuficiente capacidade militar. A pregação desta nova Cruzada

é levada a cabo por S. Bernardo e tem enorme aceitação em

todas as classes da sociedade, mas o pregador restringe a

participação aos grandes da época. Assim, formam-se dois

exércitos sob o comando do imperador Conrado III e do rei Luís

VII, os quais irão percorrer um itinerário terrestre para

chegar à Terra Santa, o que se revelará uma opção desgastante,

pois o exército do imperador alemão é derrotado pelos Turcos

na Anatólia, sofrendo pesadas baixas, e, embora Luís VII siga

junto à costa do Mar Egeu, ambos os exércitos que chegam à

Terra Santa em 1148, foram bastante enfraquecidos.

Por fim, uma vez no seu destino, os franceses dividem-se

quanto aos objectivos a alcançar. O príncipe de Antioquia

aconselha o ataque à cidade de Alepo e depois a Edessa; o rei

de França prefere seguir directamente para Jerusalém. Chega-se

a uma difícil solução de compromisso: a Cruzada irá cercar

Damasco, aliada dos Francos. O ataque falha e os Francos do

Oriente e os cruzados culpam-se mutuamente pela derrota.

3ª Cruzada (1189-1192)

6

Líderes: Frederico I Barba-Ruiva, imperador da Alemanha (1152-

1190) e o seu filho Frederico da Suábia; Filipe II Augusto,

rei de França (1180-1223); Ricardo I Coração de Leão, rei de

Inglaterra (1189-1199).

Após a derrota de Haittin em Julho de 1187, os Estados latinos

são quase completamente recuperados pelos exércitos de

Saladino; Jerusalém e o Santo sepulcro estão perdidos.

Relativamente aos vastos territórios na sua posse no principio

do sec. XII, os Francos apenas conservam Tiro, Tripoli,

Antioquia, e algumas fortalezas isoladas como o Krak dos

Cavaleiros. A derrota produz escândalo e indignação, pelo que

o papa Gregório VIII decide uma nova Cruzada, ao mesmo tempo

que incita os cristãos ao arrependimento.

Mais uma vez tropas tomam a direcção do Oriente. Dos três

exércitos enviados, o primeiro, liderado por Frederico I,

dispersa-se depois de se afogar numa torrente de água junto

das portas cilicianas. Os outros dois, comandados por Ricardo

I e Filipe Augusto, chegam à Terra Santa por mar na Primavera

de 1191. Porém, o rei de França volta a embarcar alguns meses

mais tarde e é apenas Ricardo que fica a dirigir a Cruzada.

Consegue mediar com sucesso os conflitos políticos entre os

Francos da Síria/Palestina, ao reconhecer Henrique de

Champagne como rei de Jerusalém e dar em compensação Chipre ao

pretendente vencido Guy de Lusignan. Os seus sucessos

militares, porém, são limitados, conseguindo reconquistar

quase todo o litoral mas sendo forçado a ceder Jerusalém. É

assinada uma trégua com Saladino, mas a notícia causa maior

escândalo no Ocidente que a perda da Cidade Santa, alimentando

7

um movimento de crítica à Cruzada iniciado após o fracasso da

anterior.

4ª Cruzada (1202-1204)

Líderes: Luís, conde de Blois e duque de Niceia; Balduíno IX,

conde da Flandres (1194-1206) e imperador latino do Oriente

(1204-1206); Bonifácio I, marquês de Monferrat (1192-1207) e

rei de Tessalonica (1204-1207); Enrico Dándolo, doge de Veneza

(1192-1205).

O papa Inocêncio III lança novo apelo à Cruzada, em 1198, para

a libertação de Jerusalém, convidando os príncipes do Ocidente

a unirem-se. Pede aos barões, aos condes e às cidades para

fornecerem tropas e ao clero para contribuir com o dinheiro.

Embora nenhum grande rei ou imperador responda, o apelo

encontra grande eco junto dos cavaleiros e do povo. A Cruzada

terá por objectivo o Egipto e será por mar via Veneza, que se

compromete a fornecer os navios necessários para o embarque de

um total de 33 500 homens (entre cavaleiros, escudeiros e

soldados) pela soma de 85 000 marcos de prata. A verdade,

porém, é que os cruzados apenas dispunham de cerca de 11 000

homens, faltando-lhes ainda uma grande parte da verba

prometida a Veneza. Então o doge propõe-lhes ajudar Veneza a

conquistar Zara, cidade rebelde mas cristã da Dalmácia, para

saldar a dívida e, apesar da oposição do clero, é invadida e

pilhada. No entanto, a falta de fundos continua.

Então, Aleixo Ange, filho de Isaac II, imperador destronado de

Constantinopla, pede aos cruzados para intervir a fim de repor

o seu pai no trono, pela soma de 200 000 marcos de prata mais

8

a promessa de um exército bizantino de 10 000 homens para

ajudar na recuperação de Jerusalém. Assim, Constantinopla é

tomada uma primeira vez a 17 de Julho de 1203: Isaac II é

reposto no trono, mas não pode cumprir os compromissos

assumidos pelo seu filho. Os dois são novamente vencidos pelo

seu rival Aleixo Doukas, que obriga a cidade a pegar em armas

contra os cruzados. A cidade é tomada pela segunda vez, por

mar, a 12 de Abril de 1204, e desta vez os cruzados pilham-na

e massacram a população.

E é assim que, escândalo dos escândalos, a maior cidade cristã

do mundo é destruída por uma Cruzada.

5ª Cruzada (1217-1221)

Líderes: Pelágio, cardeal embaixador; André II, rei da Hungria

(1205-1235); Leopoldo VI de Babenberg, duque da Áustria; João

de Brienne, rei de Jerusalém (1210-1225) e imperador do

Oriente (1231-1237).

De novo o papa Inocêncio III lança um apelo à Cruzada para

libertar Jerusalém, no sermão de abertura do 4º Concílio de

Latrão em 1215. Desta vez a expedição será comandada por um

embaixador representante do Sumo Pontífice e serão concedidos

privilégios aos que participarem nas operações de guerra ou no

seu financiamento, o qual será, parcialmente, assegurado pela

Igreja graças a um imposto criado sobre os seus ganhos. O

apelo do papa é ouvido em toda a cristandade, mas

particularmente nas regiões que não participaram nas

expedições anteriores.

9

Quando os cruzados chegam a S. João de Acre no Outono de 1217,

estão em desacordo com o rei de Jerusalém. Este prevê a

conquista do Egipto para obter, por meio de negociação, a

devolução da cidade de Jerusalém e dos territórios do antigo

reino. Por seu lado, os cruzados preferem provocar os

muçulmanos da Síria/Palestina, que não respondem, aderindo ao

partido do rei, o qual desembarca em Damieta e apodera-se da

Torre da Cadeia que defende a entrada do Nilo. Isolado, o

sultão do Egipto oferece a restituição do antigo reino de

Jerusalém, a troco da evacuação do delta do rio. João de

Brienne é a favor do acordo, mas o cardeal embaixador opõe-se,

tencionando conquistar o Egipto com o auxílio de reforços que

estariam para chegar.

Em Novembro de 1219, Damieta é ocupada e os muçulmanos dão a

Palestina como perdida, desmantelando as fortificações,

incluindo a de Jerusalém. Os Francos aguardam a chegada do

imperador Frederico II da Alemanha, antevendo uma conquista

fácil do Egipto. Todavia, de novo surge a divisão entre eles,

com João de Brienne, cansado da arrogância do cardeal

embaixador, a abandonar Damieta em Março de 1220.

Em Junho de 1221, o cardeal Pelágio ordena o ataque à cidade

do Cairo mas, detidos pela fortaleza de Mansurá, os Francos

são cercados em Agosto do mesmo ano, capitulando e saindo de

Damieta no fim do mês.

Assim acabou, com uma importante derrota, uma guerra levada a

cabo com importantes meios e de prometedores princípios.

6ª Cruzada (1228-1229)

10

Líder: Frederico II de Hohenstaufen, imperador da Alemanha

(1212-1250) e rei de Jerusalém (1225-1250).

Forçado pelo Papa a cumprir o voto de Cruzada e já excomungado

em 1227 por a ter adiado por mais de dez anos, o imperador

Frederico II dirige-se, por mar, à Terra Santa e desembarca

em Acre em Setembro de 1227 com 1000 cavaleiros. Por causa da

excomunhão que pesa sobre ele, não pode contar com o auxílio

das instituições religiosas e das ordens militares da

Síria/Palestina. Por outro lado, conhece a língua árabe e a

cultura islâmica e toma conhecimento das divisões entre os

Aiúbidas do Cairo, de Damasco e de Jezirah. Por meio de

negociações, obtém do sultão do Egipto, sobrinho de Saladino,

a restituição de Jerusalém e um vasto território entre o

litoral e o rio Jordão, excepto a esplanada de suporte da

mesquita al-Aqsa e a Cúpula do Rochedo (mesquita de Omar),

lugares santos para o Islão. É ainda assinada uma trégua de

dez anos e o imperador faz-se coroar rei de Jerusalém e do

Santo Sepulcro em Março de 1229.

Se bem que inesperado, o sucesso desta Cruzada também causa

escândalo no Ocidente, por ter sido conseguido por um

excomungado e através da negociação com um infiel. Toda a

ideia de Cruzada sofre um profundo golpe, além de que a

grandeza do sucesso obtido não dá lugar a grandes ilusões. Os

Francos não conseguem utilizar em seu proveito as divisões do

Islão e o território obtido é dificilmente defensável, por não

estar protegido por qualquer fortaleza.

Assim, em Agosto de 1244, os árabes, convocados pelo sultão do

Egipto, apoderam-se de Jerusalém e pilham o Santo Sepulcro.

11

7ª (1248-1254) e 8ª Cruzadas (1270)

Líder: Luís IX, rei de França (1226-1270).

Comparativamente à maioria dos seus contemporâneos, Luís IX

adere ao espírito de Cruzada com o mesmo fervor dos primeiros

cruzados. Para ele não se trata apenas de reconquistar os

lugares santos, é também necessário combater os infiéis; daí a

sua recusa de massacres. Muito depois os Francos compreenderam

ser impossível apoderarem-se de Jerusalém directamente pela

força, considerando a cidade do Cairo como um melhor

objectivo, por ser a capital de um Estado rico e poderoso onde

se encontra a verdadeira força do Islão.

O rei de França parte assim numa Cruzada em que é o chefe e em

que nada é deixado ao acaso no financiamento, abastecimento,

equipamento e armamento. Essencialmente francês, este exército

conta com um total de 25 000 homens embarcados em navios

genoveses.

Em Junho de 1249, o desembarque em Damieta é um sucesso e o

rei francês recusa qualquer negociação. Contudo, o exército é

detido em Dezembro defronte da fortaleza de Mansurá, que já

tinha parado a 5ª Cruzada, guardando o acesso ao Cairo.

Fragilizado por permanentes dificuldades, o rei é forçado a

uma retirada difícil, acabando por ser capturado junto com os

seus próximos. Serão libertados ao fim de um mês, mediante o

pagamento de pesado resgate e o abandono de Damieta. É

assinada uma trégua com os Mamelucos que acabam de tomar o

poder.

Apesar da dimensão do desastre, Luís IX prolonga a Cruzada por

mais quatro anos na Síria e na Palestina. Repara as fortalezas

12

dos Francos e constrói outras. Não se conforma com a derrota e

volta a empunhar a cruz reagindo ao ataque vitorioso do sultão

mameluco. Em 1270, dirige-se para o Norte de África, sem um

propósito definido, possivelmente para efectuar um vasto

movimento de cerco, acabando por morrer de peste diante de

Tunes.

3 – ESTRATÉGIA E TÁCTICAS DESENVOLVIDAS

De um modo geral, tanto os cruzados como os árabes utilizavam

basicamente a mesma estratégia de guerra: o cerco às cidades.

Montava-se um exército tão numeroso quanto possível e tentava-

se isolar uma cidade para que esta capitulasse pela fome.

Naturalmente, isto não era exactamente fácil. Não apenas havia

que contar com a guarnição do castelo ou da fortificação, como

também tinha de haver precaução contra um possível exército de

socorro à cidade sitiada que surgisse na retaguarda do

exército sitiante.

Era sempre mais difícil ao exército atacante promover um

assalto bem sucedido ou isolar a cidade, pois embora qualquer

fortificação pudesse ser bloqueada da ajuda exterior e

acabasse por capitular pela fome, os sitiantes também não

podiam suportar um cerco prolongado sem terem meios de

subsistência, além de que estavam mais expostos ao mau tempo e

à doença e ao provável ataque de um exército de socorro.

Foi assim que, no cerco à cidade de Acre, na 5ª Cruzada,

Ricardo I “Coração de Leão” argumentou contra um ataque a

Jerusalém em 1192, por receio que Saladino lhe cortasse a

comunicação com a costa, deixando-o isolado de reforços.

13

Por outro lado, todos estes problemas eram agravados pela

falta de disciplina nos exércitos medievais, compostos por

elementos das mais diversas proveniências. No cerco a Ascalon,

em 1153, os Templários comseguiram abrir uma brecha nas

muralhas da cidade, mas recusaram que outros pudessem tirar

proveito dela, o que teve resultados desastrosos.

Além disso, outro problema em impor um cerco a uma grande

cidade era a capacidade de resistência desta. O combate rua a

rua era tão penoso e dispendioso em vidas na Idade Média como

o foi na Segunda Guerra Mundial e mesmo uma pequena guarnição

tinha vantagem, atrás das muralhas, contra um exército

atacante muito mais numeroso.

Era também necessário, para impor o cerco, um comando forte e

competente, equipamento e pessoal especializado, persistência

e, acima de tudo, organização para manter as tropas unidas,

qualidades que nem sempre surgiam combinadas nos exércitos

medievais, pelo que, na verdade, muitos cercos eram mal

sucedidos.

O cerco era assim um teste de vontade política e de recursos

para ambos os lados. Os defensores precisavam de arranjar

comida e manter a esperança de sucesso, tarefa idêntica à dos

atacantes, mas complicada pela necessidade de montar abrigos e

uma infraestrura de apoio.

3.1 – Pelos cruzados2 3 4

2 Cfr. John France, Western Warfare In The Age Of The Crusades 1000-1300.3 Cfr. AA.VV., O Tempo Dos Cavaleiros.4 Cfr. Amin Maalouf, The Crusades Trough Arab Eyes.

14

A 1ª Cruzada, assim como as posteriores, teve aliados. O Papa

Urbano II, impulsionador da Cruzada, orientou os cruzados para

se encontrarem em Constantinopla, capital do Império

Bizantino. Aí foi-lhes oferecido um tipo de auxílio que se

revelaria de vital importância. As tropas imperiais tomariam a

seu cargo o território capturado, libertando os cruzados da

necessidade de deixar guarnições, e o império providenciaria

guias e apoio diplomático para lidar com grupos como os

Arménios, e, sobretudo, apoio logístico durante o longo cerco

a Antioquia. No entanto, apesar de os Estados cristãos na

Terra Santa terem desenvolvido estreitas relações com

Bizâncio, por altura da 3ª Cruzada um abismo havia sido cavado

entre os bizantinos e os ocidentais devido à luta pela

supremacia religiosa e política entre o Papa e o Patriarca de

Constantinopla. Assim, Bizâncio aliar-se-ia a Saladino e faria

tudo ao seu alcance para frustrar o ataque de Frederico I

“Barbaruiva” na sequência da queda de Jerusalém em 1187.

Falharia, o que conduziria a um mais profundo distanciamento

com o Ocidente, resultando em graves consequências

estratégicas, pois impediu Bizâncio de reconquistar a Ásia

Menor e assim proporcionar uma ligação terrestre com a Terra

Santa, que traria peregrinos em massa, os quais poderiam ter

fornecido reforços para os cruzados no Oriente, além do que,

os Estados cristãos aí criados passaram a depender

inteiramente das comunicações por mar.

Aliás, desde o princípio que as Cruzadas estiveram dependentes

do poder marítimo. Urbano II apelaria pessoalmente aos

Genoveses para providenciarem uma frota para transportar a 1ª

15

Cruzada, o que, juntamente com navios italianos, ingleses e –

sobretudo – bizantinos, foi indispensável para o seu sucesso.

Depois, as frotas foram vitais para as comunicações com o

Ocidente; a 2ª Cruzada ficou depauperada porque a sua frota

ficou absorvida no cerco a Lisboa. O exército de Barbaruiva,

na 3ª Cruzada, foi o último a forçar a sua passagem por terra;

as tropas de Ricardo I de Inglaterra e de Filipe de França

chegaram por mar, tal como todas as das Cruzadas posteriores.

Os marinheiros e o material que traziam, tiveram papel

importante nos cercos da 1ª Cruzada e foi com a sua ajuda que

as cidades do litoral da Palestina – sem as quais as testas-

de-ponte estabelecidas pelos cruzados em 1099 não teriam sido

viáveis – foram capturadas. Foi também a chegada inesperada de

uma frota de peregrinos que salvou Balduíno I de Jerusalém

após a sua derrota em Ramla em 1102; as frotas de peregrinos

que chegavam duas vezes por ano eram a linha vital do reino,

pois traziam peregrinos que podiam ser recrutados em alturas

de emergência, assim como os artigos de luxo cujo comércio era

vital para os rendimentos dos reis.

As Cruzadas tornaram-se uma instituição no Ocidente Medieval,

na sequência do triunfo da Primeira. Porém, para a manutenção

do domínio Latino na Terra Santa, este era um instrumento

demasiado imperfeito, sofrendo de longos intervalos entre cada

uma que proporcionavam às potências islâmicas a recuperação

dos ataques. Todos os que empunhavam a cruz faziam-no como

indivíduos e eram, teoricamente, iguais, mas a verdade é que a

estrutura social da Europa persistia nos exércitos dos

cruzados, agravando o já de si delicado problema do comando. A

16

1ª Cruzada era liderada por um comité de príncipes e somente

em circunstâncias extremas é que os líderes concordavam na

nomeação de um único comandante e apenas por um curto período

de tempo. Sérias divergências surgiram após a queda de

Antioquia em 1098 e tomaram tal proporção que o cerco a

Jerusalém foi levado a cabo por aquilo que eram, na prática,

dois exércitos antagónicos. A Cruzada de 1101, proclamada pelo

Papa Pascoal II após o sucesso da Primeira, envolveu grande

número de tropas que lutaram em contingentes separados,

acabando por ser derrotadas por um pequeno número de Turcos na

Ásia Menor. Semelhante destino teve a Segunda Cruzada, porque

Luís VII de França e Conrado III da Alemanha não conseguiram

actuar em conjunto. As questões entre Ricardo I de Inglaterra

e Filipe Augusto atrasaram a sua partida para a 3ª Cruzada e,

uma vez lá chegados, não conseguiram cooperar; depois da

partida de Filipe, Ricardo foi um brilhante comandante, mas

teve de enfrentar graves tensões entre Ingleses, Franceses e

Alemães e as opiniões prevalecentes no exército levaram-no a

enveredar pelo ataque a Jerusalém, quando teria preferido

atacar o Egipto. No fim, foi forçado a retirar de Jerusalém

devido ao risco de levar a cabo um cerco na vizinhança de um

exército hostil e às dificuldades de o aguentar depois que os

cruzados tivessem partido.

Na 4ª Cruzada, os nobres elegeram Bonifácio de Montferrat como

seu líder, mas ele teve que repartir a autoridade com Balduíno

da Flandres e com os Venezianos, que controlavam a frota; como

resultado, a Cruzada foi dirigida mais por acidente e

circunstância que por decisão. Na 5ª Cruzada, a sucessão de

17

líderes e contingentes foi tal que a liderança ficou investida

em Pelagio, o enviado do Papa. Embora na 1ª Cruzada o enviado

do Papa, Adhemar, tenha exercido grande influência até sobre

as decisões militares, ele tinha, contrariamente ao habitual,

experiência militar; Pelagio, por seu lado, subiu a uma

posição de comando por acaso e tomou uma série de decisões

erradas que contribuíram para o fracasso da expedição.

Frederico II tinha apenas um pequeno exército, sendo

desprezado pelas forças em Jerusalém por ter sido excomungado,

mas libertou Jerusalém através de uma hábil diplomacia,

mostrando o que uma pequena força, cuidadosamente aplicada,

poderia fazer. Outras Cruzadas redundaram em completos

desastres devido à falta de liderança ou liderança

militarmente incompetente.

Além dos problemas de comando, as Cruzadas, dado o seu apelo

internacional, juntavam diversificados e pobremente

organizados exércitos, podendo até recrutar contingentes de

povos mutuamente hostis, não apresentando qualquer clara

vantagem técnica ou táctica sobre o inimigo. Assim, a

diversidade, o largo espectro do apelo papal e os diferentes

tipos de contingentes recrutados, adicionados à ausência de um

comando central unificado, tornavam estas tropas ainda mais

ocasionais que a maioria dos exércitos medievais.

A guerra no Médio Oriente, era grandemente condicionada por

factores geográficos e climáticos; a água era vital nestas

terras áridas e qualquer exército sem ela pereceria. De um

modo geral, a paisagem era muito mais vazia que no Ocidente,

existindo grandes porções de deserto e semi-deserto, o que

18

colocava grande ênfase na guerra montada, por ser necessário

cobrir grandes distâncias entre os principais centros

populacionais. Nas terras abertas do Norte da Síria, nos

montes Golan, na Galileia e no deserto entre Gaza e o Egipto,

a infantaria estava em enorme desvantagem.

É aqui que entra o contributo das ordens religiosas militares,

como os Templários e os Hospitalários – inicialmente criadas

para proteger os peregrinos – pois rapidamente a sua função

foi reajustada para o combate directo aos muçulmanos.

Extremamente disciplinados, estes corpos de tropas eram

temíveis pela sua competência e empenho em combate, sendo por

isso muito utilizados, fornecendo frequentemente, no seu

conjunto, metade ou mais de metade das forças combatentes.

Templários e Hospitalários, eram quase sempre colocados na

vanguarda e na retaguarda do exército, precisamente as zonas

que sofriam todo o impacto do ataque inimigo ou o aguentavam e

repeliam. Conta-se que, na 5ª Cruzada, no acampamento dos

cruzados frente a Damieta, uma incursão nocturna dos

muçulmanos foi repelida pelos Templários que na altura rezavam

as matinas na tenda-capela da Ordem. Pela sua ferocidade e

dedicação em destruir o inimigo, eram por este particularmente

odiados5.

O pesado equipamento dos cavaleiros – armadura 25 kg, elmo 5

kg, armas 5 kg –, tornava-os praticamente invencíveis no

combate próximo, em que formavam um bloco compacto de lanças.

Porém, se o cavalo fosse morto, o cavaleiro atirado ao chão

ficava indefeso, pois teria muita dificuldade em levantar-se

sozinho, pelo que o escudeiro o seguia de perto, pronto para o5 Amin Maalouf, The Crusades Trough Arab Eyes, pp. 193, 194.

19

auxiliar. Isto era um problema nos amplos espaços abertos do

Médio Oriente, em que os cruzados podiam ser facilmente

flanqueados pela cavalaria ligeira muçulmana especializada em

disparar o arco a galope e em que a importância da cavalaria

provinha da obrigatoriedade do combate em amplos espaços

abertos; a táctica da carga em massa era a resposta necessária

à maior variedade de expedientes tácticos à disposição dos

muçulmanos. No entanto, os arqueiros montados acabariam por

infligir pesadas baixas até na mais unida das formações de

cavalaria se esta não fosse protegida, sendo necessária a

infantaria composta de frecheiros, para aguentarem o inimigo a

uma distância segura, e de homens de espada, para protegerem

os frecheiros e evitar que a sua relativamente baixa cadência

de disparo os colocasse à mercê da cavalaria inimiga. Isto

exigia um elevado grau de disciplina da parte de todos, mas,

em particular, dos cavaleiros que tinham de calcular a sua

carga para o momento em que o inimigo oferecesse um bom alvo,

ao mesmo tempo que deviam ser capazes de efectuar pequenos

ataques para contrariar a movimentação inimiga, sem alterar a

sua formação base. Uma condição fundamental deste tipo de

guerra era que os exércitos Francos deviam manter-se unidos

mesmo quando cercados e uma adaptação às condições de batalha

das Cruzadas, foi a utilização dos Turcópolos, uma força de

cavalaria ligeira baseada em cristãos-turcos ou nativos

recrutados, apelidados pelos muçulmanos de “archeiros dos

Francos”

Esta guerra de rápidas movimentações era muito diferente das

guerras europeias e representou um impressionante

20

desenvolvimento das tácticas ocidentais, em que a tradição de

ordem unida e ataque em massa conjugando cavalaria e

infantaria, dependia de disciplina e coordenação a níveis

verdadeiramente excepcionais, de tal forma que a agressividade

dos exércitos ocidentais granjeou o respeito dos seus

oponentes, os quais, mesmo em número superior – como em 1182

com Saladino –, hesitavam em arriscar a confrontação, temendo

o combate corpo-a-corpo.

3.2 – Pelos árabes6 7

Os exércitos islâmicos, tal como os Ocidentais, eram

maioritariamente corpos ocasionais. O governante de uma

determinada região mantinha uma pequena força e formava o

exército à volta deste núcleo quando tinha necessidade. No

coração do sistema islâmico, estava o Diwan, o ministro

responsável pelas tropas e pelo seu financiamento, o que, no

Egipto dos Fatimidas, englobava arsenais, quartéis e um

exército pago baseado em 4000 a 5000 cavaleiros e a infantaria

pesada africana. Isto poderia ser aumentado com forças

recrutadas em povos especializados em determinados tipos de

guerra, como, por exemplo, a cavalaria ligeira Berber, Beduína

e Norte Africana. Nas terras dominadas pela dinastia Seljuk, o

núcleo podia ser acrescentado com cavalaria pesada assim como

cavalaria ligeira e archeiros do Irão, archeiros da Arménia e

da Síria e infantaria da região do mar Cáspio. O núcleo,

porém, era composto de Mamelucos, soldados escravos,

cavaleiros turcos especializados em disparar o arco a cavalo.

6 Cfr. John France, Western Warfare In The Age Of The Crusades 1000-1300.7 Cfr. Amin Maalouf, The Crusades Trough Arab Eyes.

21

A composição dos exércitos islâmicos era substancialmente

diferente daquela dos ocidentais. A infantaria tinha um papel

limitado e eram predominantes cavaleiros de todos os tipos

sempre pesadamente equipados: agulani cujos cavalos eram

protegidos com placas de ferro foram vistos na 1ª Cruzada,

sendo também o núcleo do exército Fatimida. A tendência dos

muçulmanos era de usar cada vez mais cavalaria pesada: um

ghulãm do sec. XII não era muito diferente de um cavaleiro

ocidental. Porém, a diferença mais marcante era que os

exércitos islâmicos usavam enxames de cavalaria ligeira e de

arqueiros a cavalo, o que levava à implementação de tácticas

diferentes.

Havia muito maior insistência na emboscada, em parte por ser

uma táctica óbvia da cavalaria ligeira, em parte tirando

partido do melhor conhecimento do terreno. Todavia, o maior

contraste entre Oriente e Ocidente era no engajamento na

batalha. Em todo o lado, o combate próximo, corpo-a-corpo, era

decisivo e a tradição ocidental era provocá-lo tão rápido

quanto possível; no Oriente, a cavalaria ligeira podia

flanquear e confundir as formações graças à rápida

movimentação.

Mas, ainda mais determinante, era o uso táctico de grandes

grupos de arqueiros-cavaleiros que disparavam da sela; os seus

arcos tinham um alcance de 50 a 80 metros, o que lhes permitia

abater cavalos e homens a uma certa distância. Podiam decidir

uma batalha se a moral do inimigo quebrasse ou enervar as

formações inimigas – pois era necessária uma grande disciplina

para aguentar uma chuva de flechas sem debandar –, obrigando-

22

as a abrir brechas nas quais as cavalarias ligeira e pesada

podiam penetrar. Estes enxames de arqueiros a cavalo tiveram

um enorme impacto psicológico nos cavaleiros da 1ª Cruzada,

que não tinham meios de responder a este tipo de

bombardeamento.

A defesa contra este tipo de ataque traduziu-se na

intensificação da tradição ocidental da ordem unida, na qual

os cavaleiros em formação cerrada podiam proteger-se uns aos

outros da nuvem de flechas e, simultaneamente, ameaçar uma

carga que iria dispersar os arqueiros levemente armados que se

haviam aproximado para obterem um bom disparo.

Outra diferença substancial residia nas comunicações.8 Cada

exército muçulmano em marcha trazia consigo pombos que haviam

sido criados em várias cidades e fortificações e treinados

para regressar aos seus ninhos de origem. Era assim suficiente

escrever uma mensagem, enrolá-la e atá-la à perna de um pombo

e libertar a ave que voaria muito mais depressa que o mais

rápido cavaleiro, para anunciar a morte de um príncipe, a

vitória ou a derrota, pedir auxílio ou encorajar a resistência

de uma guarnição cercada. À medida que a mobilização árabe

contra os cruzados se organizava melhor, um serviço regular de

pombos-correio era estabelecido entre as cidades de Damasco,

Cairo, Aleppo e outras, chegando o Estado a pagar salários às

pessoas encarregues de criar e treinar estas aves. Quando em

Junho de 1137 o rei de Jerusalém, ido em auxílio dos

cavaleiros de Tripoli, acabou com o seu exército dizimado e

cercado pelas tropas de Zangï – o líder muçulmano –, teve

apenas tempo de enviar uma mensagem a Jerusalém pedindo8 Amin Maalouf, The Crusades Trough Arab Eyes, pp. 123, 124.

23

reforços, antes de as comunicações serem completamente

cortadas. O rei cercado deixou de receber notícias sobre o que

se passava no seu reino, tal era o controle apertado nas

estradas. O chefe muçulmano tirou o melhor proveito da

situação, aumentando a pressão sobre os ocidentais, prometendo

poupar-lhes a vida em troca da rendição; estes não tiveram

alternativa senão aceitar, porém, quando galopavam dali para

fora, encontraram, a poucos quilómetros, os reforços vindos em

seu auxílio, mas então já era tarde. Foi efectivamente durante

a sua permanência no Médio Oriente que os ocidentais seriam

iniciados na arte de criar e treinar pombos-correio, o que,

mais tarde, se tornaria uma moda nos seus países de origem.

Por fim, uma diferença fundamental existia entre os dois

campos: o facto de os muçulmanos lutarem na sua terra. Em

Agosto de 1192, Ricardo I de Inglaterra estava numa situação

desesperada e desmoralizante. Seriamente doente, abandonado

por muitos cavaleiros que o acusavam de não ter tentado

reconquistar Jerusalém e alertado pelos seus amigos para os

problemas em manter o trono de Inglaterra, não consegue

desalojar Saladino da cidade de Ascalon. Envia mensagens ao

seu inimigo, praticamente implorando-lhe que deixe a cidade,

pedindo um acordo de paz a curto prazo para que não seja

forçado a passar ali o Inverno. Saladino responde que não

deixará a cidade e que, por outro lado, não vê outra solução

que não seja o rei inglês ali passar o Inverno, lembrando-lhe

que o território conquistado lhe será retirado assim que ele o

abandone. Pergunta-lhe ainda se realmente deseja ali passar o

Inverno, mais dois meses longe da sua família e da sua terra,

24

enquanto ainda é novo e forte para gozar os prazeres da vida;

quanto a ele, Saladino, poderá passar o Inverno, o Verão,

outros Invernos e outros Verões, pois está na sua terra entre

a sua família e amigos, podendo dispor de um exército para o

Verão e outro para o Inverno. Bastar-lhe-á apenas esperar até

que a vitória lhe venha cair nas mãos.9

4 – CONCLUSÃO

Em última análise, como anteriormente referido, os cruzados

eram estranhos numa terra estranha. As Cruzadas foram uma

experiência horrível: a distância, a fome, a doença e combates

brutais cobraram uma pesada factura em vidas. Ir em Cruzada

era sofrer uma particularmente intensa experiência de guerra;

viver na Terra Santa, era estar constantemente em guerra e

entendê-la como um modo de vida.

Se numa primeira fase os cruzados conseguiram vitórias

fulgurantes e estrondosas frente a um inimigo desorganizado –

preso em infindáveis rivalidades internas e com líderes

prontos a cedências que preservassem os seus privilégios e a

manutenção de uma vida faustosa –, a médio prazo os custos de

manter territórios tão longínquos tornaram-se avassaladores.

Enquanto os muçulmanos, apanhados de surpresa pela

agressividade e tácticas de guerra diferentes dos cruzados, se

foram submetendo e deixando o tempo passar à sombra das

glórias passadas, optando por tirar o melhor proveito desta

nova força político-militar na região para resolver as suas

disputas internas, os ocidentais foram expandindo o seu

território, impondo as suas condições, acumulando riqueza.9 Amin Maalouf, The Crusades Trough Arab Eyes, p. 214.

25

Quando finalmente a sua presença se tornou por demais

opressiva, a vantagem militar de lutar na sua terra dos

árabes, sobrepôs-se aos cruzados; enquanto os primeiros

conheciam o território, estavam habituados ao clima e podiam

recompor-se com relativa facilidade das baixas, os segundos

estavam longe da sua pátria, davam-se mal com o clima agreste

e, nas grandes batalhas que marcaram o princípio do fim dos

Estados Cristãos do Oriente, foram completamente esmagados,

sofrendo pesadíssimas baixas impossíveis de colmatar.

A condição básica que permitiu o sucesso da 1ª Cruzada – a

desunião entre as forças árabes – deixou progressivamente de

se verificar e uma aliança de potências islâmicas derrotou a

Cruzada de 1101, intermédia entre a 1ª e a 2ª Cruzadas, após o

que líderes carismáticos foram emergindo: Zangï, em Mosul e

Aleppo, Nur-ad-Din, que conquistou Damasco, e Saladino, que

unificou a Síria e o Egipto.

Ironicamente, nenhum deles era árabe: Zangï e Nur-ad-Din eram

Turcos e Saladino era Curdo.

5 – BIBLIOGRAFIA

AA.VV., As Cruzadas (1096-1270), Cascais, Editora Pergaminho, 2001.

AA.VV., O Tempo dos Cavaleiros, Cascais, Editora Pergaminho, 2001.

FRANCE, John, Western Warfare in the Age of the Crusades - 1000-1300, New

York, Cornell University Press, 1999.

MAALOUF, Amin, The Crusades Trough Arab Eyes, trad. Jon Rothschild,

New York, Shocken Books, 1985.

RUNCIMAN, Steven, História das Cruzadas, Lisboa, Livros Horizonte,

1992, vol. I.

26

6 – ÍNDICE

1 – Introduçãopág.

02

2 – Breve historial das Cruzadaspág.

02

3 – Estratégia e tácticas desenvolvidaspág.

08

3.1 – Pelos cruzadospág.

09

3.2 – Pelos árabespág.

13

4 – Conclusãopág.

15

5 – Bibliografiapág.

16

27