Relato Técnico Área Temática: Estratégia nas Organizações

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1 Relato Técnico Área Temática: Estratégia nas Organizações O FAST FASHION NO BRASIL: UMA INOVAÇÃO DE PROCESSO EM BUSCA DA GERAÇÃO DE VALOR Resumo: O objetivo deste relato é descrever e comparar as estratégias organizacionais de cinco empresas do varejo de moda no Brasil que ofertam o fastfashion (moda rápida). As empresas investigadas são: C&A, Renner, Hering, Arezzo e Óticas Carol.O modelo de negócio fastfashion é uma inovação no processo de suprimento para o setor varejista de moda, o qual envolve vestuário, calçados e acessórios com design diferenciado. Na prática,o modelo consiste em maximizar a variedade de artigos ofertados,dar maior velocidade na reposição, e reduzir a quantidade de peças. O foco é dar uma resposta ágil à demanda, após capturar as tendências desejadas pelos clientes. O cenário da moda mundial e nacional dos últimos dez anos introduz o estudo. Em seguida, apresenta-se o diagnóstico de cada empresa investigada, a partir de dados secundários; e, por último fala-se da situação-problema de cada empresa evidenciando-se os resultados conquistados e os riscos/desafios do fastfashion a serem enfrentados por elas para expansão dos negócios, com vistas à geração de valor ao acionista/proprietário e ao consumidor (o foco do cenário varejista hoje). A contribuição do fastfashion, em sentido amplo,envolve a democratização da moda para uma parcela maior da população brasileira. Abstract: The objective of this report is to describe the organizational strategies of five fashion retail companies in Brazil that offer the “fastfashion”. The companies researched are: C&A, Renner, Hering, Arezzo and Óticas Carol. The fastfashion model is an innovation in the supply process for the fashion retail industry, which involves clothing, footwear and accessories with enhanced design. In practice, the model focus on maximize the variety of products offered, to increase the replacement speed, and to reduce the volume/quantity. It presents the diagnosis of each company investigated, based on secondary data; and finally there is a point about the problem situation of each company demonstrating the results achieved and the risks/challenges of the fastfashion that need to be faced by them for business expansion, in order to create shareholder/owner value and consumer value (which is the focus of the retail landscape nowadays). The contribution of fastfashion, in a broad sense, involves the democratization of fashion for a larger part of the Brazilian population. Palavras chave: FastFashion, Estratégia de Negócios, Geração de Valor Key words: Fast Fashion, Fashion Retail, Value Creating 1. INTRODUÇÃO O segmento varejista, a nível global, é extremamente dinâmico e fragmentado. Inúmeros players” (multinacionais, médias empresas, pequenas e familiares), em todos os países, concorrem aceleradamente em busca da melhor performance em vendas e de valor gerado ao cliente e ao empresário. Tradicionalmente pautada por uso intensivo de mão-de-obra, pela integração vertical do fluxo produtivo e de distribuição, a indústria da moda têm se destacado pelas crescentes pressões de demanda do consumidor. Há trinta anos, contudo, o cliente não era tão importante para o varejo. Slywotzky e Morrison (1998, p. 16) afirmam que:

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Relato Técnico

Área Temática: Estratégia nas Organizações

O FAST FASHION NO BRASIL:

UMA INOVAÇÃO DE PROCESSO EM BUSCA DA GERAÇÃO DE VALOR

Resumo: O objetivo deste relato é descrever e comparar as estratégias organizacionais de

cinco empresas do varejo de moda no Brasil que ofertam o fastfashion (moda rápida). As

empresas investigadas são: C&A, Renner, Hering, Arezzo e Óticas Carol.O modelo de

negócio fastfashion é uma inovação no processo de suprimento para o setor varejista de

moda, o qual envolve vestuário, calçados e acessórios com design diferenciado. Na prática,o

modelo consiste em maximizar a variedade de artigos ofertados,dar maior velocidade na

reposição, e reduzir a quantidade de peças. O foco é dar uma resposta ágil à demanda, após

capturar as tendências desejadas pelos clientes. O cenário da moda mundial e nacional dos

últimos dez anos introduz o estudo. Em seguida, apresenta-se o diagnóstico de cada empresa

investigada, a partir de dados secundários; e, por último fala-se da situação-problema de

cada empresa evidenciando-se os resultados conquistados e os riscos/desafios do fastfashion

a serem enfrentados por elas para expansão dos negócios, com vistas à geração de valor ao

acionista/proprietário e ao consumidor (o foco do cenário varejista hoje). A contribuição do

fastfashion, em sentido amplo,envolve a democratização da moda para uma parcela maior da

população brasileira.

Abstract: The objective of this report is to describe the organizational strategies of five

fashion retail companies in Brazil that offer the “fastfashion”. The companies researched

are: C&A, Renner, Hering, Arezzo and Óticas Carol. The fastfashion model is an innovation

in the supply process for the fashion retail industry, which involves clothing, footwear and

accessories with enhanced design. In practice, the model focus on maximize the variety of

products offered, to increase the replacement speed, and to reduce the volume/quantity. It

presents the diagnosis of each company investigated, based on secondary data; and finally

there is a point about the problem situation of each company demonstrating the results

achieved and the risks/challenges of the fastfashion that need to be faced by them for

business expansion, in order to create shareholder/owner value and consumer value (which

is the focus of the retail landscape nowadays). The contribution of fastfashion, in a broad

sense, involves the democratization of fashion for a larger part of the Brazilian population.

Palavras chave: FastFashion, Estratégia de Negócios, Geração de Valor

Key words: Fast Fashion, Fashion Retail, Value Creating

1. INTRODUÇÃO

O segmento varejista, a nível global, é extremamente dinâmico e fragmentado. Inúmeros

“players” (multinacionais, médias empresas, pequenas e familiares), em todos os países,

concorrem aceleradamente em busca da melhor performance em vendas e de valor gerado

ao cliente e ao empresário. Tradicionalmente pautada por uso intensivo de mão-de-obra, pela

integração vertical do fluxo produtivo e de distribuição, a indústria da moda têm se

destacado pelas crescentes pressões de demanda do consumidor.

Há trinta anos, contudo, o cliente não era tão importante para o varejo. Slywotzky e

Morrison (1998, p. 16) afirmam que:

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Hoje, ao contrário, o número de opções dos clientes só é superado pelo volume de

informações disponíveis sobre cada opção. Houve uma mudança secular de poder

do fornecedor para o cliente. Mercados altamente competitivos e informações

abundantes colocaram o cliente no centro do universo dos negócios. Nesse novo

ambiente, as empresas bem-sucedidas são as que concentram o pensamento no

cliente para identificar suas prioridades e desenvolver concepções do negócio

coerentes com essas prioridades.

Os autores apontam também que a abordagem centrada no cliente mudará

fundamentalmente a oferta e as atividades da cadeia de valor das empresas – ela passará de

produtos (abundantes) para soluções (difíceis de criar). A meta da empresa não será mais

“fazer tudo” e sim “fazer o que a empresa sabe fazer melhor” (SLYWOTZKY;

MORRISON, 1998, p. 32). As demais atividades serão terceirizadas e/ou desempenhas em

regime de cooperação com parceiros estratégicos, afirmam os autores.

Nos últimos vinte anos a quantidade de inovações de produtos, processos e tecnologias

lançadas para o mercado varejista superou qualquer outro segmento. O tempo entre uma

novidade e outra é cada vez mais curto, e as mudanças freqüentes nas tecnologias de

informação passaram a deixar o consumidor muito mais capacitado, informado e exigente

por velocidade em tudo. Mary Sammons (1995 apud LEVY; WEITZ, 2000, p. 291),

executiva de varejo norte-americana, declarou: “Existem apenas dois grupos de negócios de

varejo hoje: o rápido e o morto.”

No varejo de moda (vestuário, calçados e acessórios), a lucratividade das empresas deriva de

“combinações únicas entre pesquisas de alto valor, design, vendas, marketing, e serviços

financeiros, que permitem aos varejistas, representantes de marca e distribuidores agir como

corretores estratégicos para interligar fábricas ao redor do mundo” (GHEMAWAT et al.,

2006). O Brasil então, inserido nesse contexto global, passou a fazer parte da estratégia de

negócios de várias redes/marcas estrangeiras de moda, que entraram no país no início dos

anos 2000, visando o imenso mercado consumidor nacional e, elevando a concorrência

interna, ameaçam as marcas nacionais. Para ganhar competitividade, nesse novo cenário, as

redes locais precisaram inovar, reinventar seus processos organizacionais, seu mix de

produtos e suas estratégias competitivas.

Nesse sentido, as principais redes de moda brasileiras foram em busca da implantação de um

processo já bem conhecido pelos varejistas norte-americanos: o fastfashion. Explorado por

redes varejistas multinacionais como WalMart, Zara, H&M e outras, este modelo de negócio

inspirou empresas brasileiras a implantar uma estratégia de moda rápida que, adaptada à

realidade nacional, agrega bastante valor e competitividade, porém é plena de desafios.

Neste ambiente altamente competitivo e exigente por inovação, o fastfashion chega como

um novo processo no mundo da moda contemporânea. É um sistema de suprimento que

maximiza a variedade dos artigos ofertados, minimizando a quantidade. Com “resposta

rápida” à demanda, é um sistema “puxado” pelo desempenho das vendas e pelos sinais

dados pelo consumidor. Tecnicamente precisa-se planejamento intenso para um tempo de

espera (lead time) reduzido na cadeia inteira, que envolve o tempo de criação,

produção/compra, distribuição e venda. O objetivo maior é capturar as últimas tendências de

moda desejadas pelos clientes, ser assertivo na oferta e então reduzir estoques ao final das

coleções. Esse processo todo, para gerar valor, requer uma alta capacidade de gestão,

agilidade e estratégia focada.

Com base nesse cenário, a produção deste relato visa analisar a operação fastfashion adotada

por cinco empresas/marcas específicas de destaque nacional: C&A, Renner, Hering

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(vestuário), Arezzo (calçados) e Óticas Carol (ótica). Tais empresas inovaram, adaptando

suas estratégias, estruturas comerciais e logísticas para operar no modo fastfashion, com

vistas à inovação de processo para ganhos de competitividade. Foi realizada uma análise

comparativa dessas empresas (guardadas as peculiaridades e proporções), as boas práticas a

serem seguidas e desafios enfrentados, em um cenário macroeconômico desfavorável.

Este relato técnico é fruto de estudo descritivo obtido com dados de natureza secundária (de

mercado), e por observação empírica direta dos autores do artigo. Foi feita uma revisão na

literatura existente sobre o tema através de obras publicadas, artigos científicos e demais

trabalhos que somam como referência e dão embasamento teórico e analítico válidos para a

obtenção dos resultados e conclusões do relato.

O trabalho está organizado em seis seções, sendo esta introdução a primeira. Na segunda

apresenta-se uma breve contextualização teórica sobre o assunto. Na terceira é abordado o

contexto e a realidade atual das empresas investigadas; na quarta e quinta descreve-se o

diagnóstico da situação-problema e faz-se uma análise crítica da situação apresentada, com a

intervenção sugerida e mecanismos adotados para resolvê-la. Por fim, na sexta seção,

conclui-se com a contribuição técnica-social a que este estudo está vinculado.

2. Uma breve contextualização teórica

De forma geral, para competir no mercado varejista as empresas têm que basear suas

estratégias em atividades únicas. De acordo com Mintzberget al(2006, p. 36), as posições

estratégicas surgem de três fontes distintas não mutuamente excludentes, que são: a)

posicionamento baseado na variedade (de produto /serviços);b) posicionamento baseado nas

diferentes necessidades dos clientes;c) posicionamento baseado no meio de acesso ao

mercado-alvo. Essas três fontes de posicionamento de mercado são perfeitamente coerentes

com a indústria varejista de moda. A variedade qualitativa no mix de produtos de forma

freqüente é mandatória para se destacar perante o concorrente e atender a um consumidor

cada vez mais bem informado, atento às tendências, exigente por design diferenciado de

forma cíclica, e que tem acesso multicanal aos produtos. Já o posicionamento baseado nas

necessidades requer que todo o planejamento de uma coleção fastfashion seja feito com base

na demanda do consumidor, que é envolvido no processo e decide a coleção, muitas vezes

motivado por fatores emocionais fortes que envolvem a autoexpressão (NIELSEN, 2012).

O posicionamento baseado no acesso surge quando há grupos de clientes com necessidades

diferentes e quando um conjunto de atividades específico pode atender melhor essas

necessidades (MINTZBERG, 2006, p.36). Para as empresas do varejo de moda acessarem

seu público consumidor, elas têm algumas opções de canais de vendas para expor seu

produto ou serviço, como, por exemplo, por meio de lojas próprias, multimarcas,

representações comerciais, aquisição de outras redes (fusões) ou ainda pelo sistema de

franquia empresarial. Para Ribeiro (2013, p. 30-31), o grande ativo das empresas atualmente

é o acesso ao seu mercado consumidor, ofertando produtos com ampla capilaridade

geográfica e em curto espaço de tempo para se diferenciar dar maior visibilidade à marca.

O fenômeno do fastfashion, como falado anteriormente, envolve toda cadeia produtiva,

desde a criação/design dos artigos e planejamento da coleção, até a logística de distribuição

para os pontos de venda. Segundo Cachon e Swinney (2011), um sistema de fastfashion, na

prática, deve combinar no mínimo dois componentes para entregar valor superior às

empresas do ponto de vista operacional, os quais são: - tempos de preparação, produção e distribuição da coleção reduzidos, de forma

que permita uma combinação ajustada do suprimento da mercadoria com a

demanda, que por sua vez é incerta. É o que eles chamam de técnicas de “reação

rápida” (quick response);

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- produtos diferenciados com alto apelo de moda, que comuniquem as tendências

do momento desejadas pelos consumidores (enhanced design).

2.1 A indústria da moda no Brasil

Dentro do contexto global do mercado de vestuário, a indústria brasileira é a quarta maior

em produção (toneladas). Isso representa, porém, menos de 3% da produção mundial.

Atualmente a Ásia concentra 73% dos volumes de produção mundial de têxteis, com

destaque exponencial para a China, que é o líder com larga vantagem sobre os demais, e

domina as agendas nesse segmento (ABIT, 2012).

As empresas brasileiras de moda, tanto fabris quanto varejistas, estão importando cada vez

mais da Ásia. Os produtos importados são variados: roupas, cintos, sapatos, bijouterias,

óculos, bolsas, etc. O último saldo positivo da balança comercial do setor foi em 2005. A

projeção para final de 2015 é um déficit de U$6,13 bilhões nesta balança. Os principais

fornecedores do Brasil hoje são: China, Índia e Indonésia (ABIT). Há dez anos, a balança

comercial para este setor era superavitária.

E foi nos últimos dez anos que o varejo brasileiro, de forma geral, assumiu papel relevante

na economia do País, no lugar da indústria. Segundo dados do jornal O Diário do Comércio

(O poder do..., 2015), o setor é atualmente o maior empregador privado brasileiro: a cada

quadro empregos, um é gerado pelo varejo. Se nos últimos dez anos, o Produto Interno

Bruto (PIB) do Brasil cresceu 40%, o varejo cresceu três vezes mais. Dessa forma a

economia brasileira viveu uma transformação da matriz industrial para a de serviços com

base no varejo, já que os anos 80 e 90 os principais empregadores estavam na indústria, e

hoje deram lugar ao varejo.

Segundo reportagem do jornal O Globo (2014), é o varejo de moda setor com faturamento

de R$170 bilhões, no qual as maiores redes (Pernambucanas, C&A, Renner, Riachuelo,

Marisa, Hering) respondem juntas aproximadamente por 14% das vendas, o que evidencia

fragmentação e concorrência acirrada no setor.

Essas empresas ainda disputam fatias de mercado com as redes internacionais, que

interessadas no atraente mercado consumidor brasileiro, aportaram no país nos últimos dez

anos. Lojas como a Zara (espanhola), a Top Shop (inglesa), a Forever 21 e a GAP (norte-

americanas), vieram com informação de moda, reposição rápida, boa relação custo/benefício

e apelo “mais nobre” no estilo e ambientação das lojas, atraindo um público específico de

alta renda, que demanda novidade constantemente. Foi a inspiração que faltava para a

instalação definitiva do fastfashion no país.

O varejo de moda é um setor de baixas margens de lucro. Assim, é preciso sempre inovar,

achar novas estratégias de negócio para atrair e encantar o cliente, expandir, reformar lojas e

reformular processos para ganhar volume e mercado. A gestão da inovação no varejo é

complexa e desafiadora, tem diversas formas de ser atingida, tendo como objetivo final o

aumento das vendas, da participação de mercado e da fidelização de clientes. E como toda

inovação, precisa ser viável do ponto de vista econômico, social e estrutural, fazer sentindo e

gerar resultados para toda cadeia envolvida.

3. CONTEXTO INVESTIGADO

3.1 O FastFashion

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A rede Zara (espanhola) foi pioneira em adotar o fastfashion no mundo da moda, o que tem

resultado no crescimento da rede e seu reconhecimento mundial, sendo o caso mais citado

nas instituições de Pós Graduação em gestão como referência nesse modelo de negócio. O

processo fastfashion é uma quebra de paradigmas, caracterizando-se essencialmente pela

produção rápida e contínua de peças com design ampliado e apelo de moda, em pequenos

lotes, dando ao cliente a sensação de “escassez” e criando o clima de oportunidade única de

fazer a compra. O “giro” das peças deve ser rápido para que acabem logo, dando lugar a

novidades no mix de produtos das lojas, que chegam, no mínimo, de duas a três vezes por

semana. A ambientação, a iluminação, o conforto, a forma de exposição das peças, também

favorecem o ambiente do consumo rápido. Esse é o foco da estratégia competitiva da Zara.

Partindo dessa premissa, para que tudo ocorra dentro do planejado, é essencial entender o

que o cliente deseja e, então, ofertar o artigo adequado. Assim, o consumidor, é envolvido

no processo de criação, já que a coleção é elaborada a partir do produto já aceito (ou não)

por ele no primeiro lote, que são menores, com reposição, em períodos curtos, dos artigos

que foram bem aceitos. É um sistema definido pelo comprador (“buyer-driven”), o que

representa grande desafio logístico, estratégico, e de gestão operacional.

As empresas produtoras e/ou varejistas precisam ser flexíveis no seu processo de suprimento

para uma resposta rápida e eficiente ao consumidor, que avalia e dá seu veredicto

comprando ou não. A empresa que conseguir executar e sustentar essa estratégia ao longo de

toda cadeia ganhará competitividade no mercado, gerando valor superior ao cliente.

Cachon e Swinney (2011, p. 781) comparam e definem bem os quatro sistemas de produção

de moda existentes no mundo contemporâneo, conforme quadro abaixo:

Fonte: Management Science magazine 2011

No sistema de produção “tradicional” as empresas de moda ofertam artigos com baixa

diferenciação no design e tempos de produção/compra/distribuição mais lentos. Como

exemplo, menciona-se a linha de artigos básicos das redes varejistas (Zara, Gap, C&A,

Hering, Arezzo, etc). E também as marcas que vendem artigos de moda diferenciados, mas

são lentas (tradicionais) no processo de reposição lançando apenas duas coleções ao ano

(primavera/verão e outono/inverno) e liquidam com descontos o que não girar ao final da

temporada. Esse era o sistema vigente majoritariamente no mundo até a década de 90.

No sistema de “resposta rápida” os benefícios em teoria são: redução do tempo de espera

pelo produto no ponto de venda, reduzindo assim a necessidade de um estoque maior.

Quanto menor o tempo de espera pelo produto mais fácil será prever a demanda e satisfazê-

la, ao passo em que o estoque reduz, pois as vendas previstas são para um período de tempo

curto. A redução de despesas com logística integrada também é um benefício, uma vez que

os varejistas usam o modal “porta a porta” (crossdocking) para receber a mercadoria dos

fornecedores com maior agilidade (LEVY; WEITZ, 2000, p. 292).

Quadro 1 - Os quatro sistemas de produção de moda

Design Normal Design Aprimorado

Produção lenta

(Slow Production) Tradicional Design Aprimorado

Resposta Rápida

(Quick Response)

Resposta Rápida

(Quick Response) FastFashion

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Contudo, o quick response pode e geralmente é praticado em varejos de alimentos e outros

setores que não exijam design diferenciado no produto. Esse é o ponto que diferencia o

fastfashion: o design dos artigos ofertados nas lojas. Ao combinar design diferenciado com

reação rápida (velocidade de produção/suprimento), a empresa se habilita tanto a criar valor

superior ao cliente, quanto a reduzir divergências oriundas da relação oferta-demanda.

Assim, atinge o que se chama Efficient Consumer Response (ECR), com base em dados de

venda capturados por intermédio da tecnologia da informação (TI) das lojas.

O valor do sistema fastfashion em relação aos demais aumenta à medida que o consumidor

se torna mais paciente, e, portanto, mais estratégico no seu comportamento de compra, um

fato que justifica o uso desse sistema em mercados caracterizados por consumidores muito

bem informados e exigentes (CACHON; SWINNEY, 2011, p. 785- 793).

No Brasil, algumas redes de moda já adotaram o fastfashion. Este estudo irá caracterizar e

analisar cinco empresas: C&A, Renner e Hering (vestuário e acessórios), Arezzo

(calçados/acessórios), e Ótica Carol (óculos “presente”). Tais redes se inspiraram na

inovação do fastfashion e nas práticas européias para lançar pequenas coleções ocasionais,

algumas assinadas por estilistas famosos, artistas e celebridades com alto poder de

identificação pessoal e emocional com o público, essencialmente feminino.

3.2 C&A Modas

No Brasil, a rede de moda holandesa C&A fará 40 anos em 2016. O grupo tem mais de 170

anos e está presente em 23 países, com faturamento global estimado em €$9 bilhões (cerca

de R$27,4 bilhões). É uma empresa de capital fechado, com forte presença familiar, e

atualmente administrada pela Cofra Holding SA (desde 2001), com matriz na Suiça. A

operação brasileira do grupo é a segunda maior no mundo, só perdendo para a alemã em

faturamento e número de lojas. Nacionalmente, possui mais de 18 mil funcionários e

faturamento estimado em R$6 bilhões, por 260 lojas em todos os estados brasileiros.

Contudo, foi no Brasil que a rede deu início à prática que a diferenciou das concorrentes

locais e das demais filiais mundo afora: o fastfashion. Sendo pioneira em adotar o processo

“moda rápida” através de suas collections, a C&A inovou e revolucionou o mercado da

moda para baixa renda fazendo parcerias estratégicas com estilistas famosos nacionais e

internacionais (para lançamento de peças assinadas por eles em mini coleções temporárias),

e investindo fortemente em amplas campanhas publicitárias com artistas e celebridades

como modelo brasileira mundialmente conhecida Gisele Bundchen. A empresa tem

estratégia comercial fechada e de longo prazo. Analistas de mercado afirmam que os planos

de expansão no país para 2015 estão mantidos, porém, serão feitos alguns ajustes à idéia

inicial. Com lojas menores, ambientes diferenciados e oferta de serviços, como consultoria

de moda, provadores maiores com espaço “closet”, cafés, entre outras novidades, a rede se

consolida e concorre de forma acirrada com sua rival no Brasil, a Renner.

3.3 Lojas Renner

A Renner é naturalmente uma empresa brasileira da região sul do país, e conta com 93 anos

de história desde sua fundação. No período e 1998 a 2005 o controle da companhia

pertenceu ao grupo varejista norte-americano J.C. Penney. Com capital aberto e ações

negociadas na bolsa de valores de São Paulo desde 1967, hoje seu capital está pulverizado e

100% em circulação. Atualmente seu valor de mercado está estimado em R$14 bilhões. O

grupo tem aproximadamente 16 mil funcionários e está entre as grandes empresas nacionais

no ranking das melhores empresas para se trabalhar no Brasil.

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O desempenho nos resultados financeiros apurados nos últimos anos é surpreendente. Em

2015, de janeiro a março, a empresa apurou alta de 24% na receita e de 44% no lucro, e,

assim, a cotação das ações no mercado financeiro valorizou mais de 26% nos últimos três

meses. É um movimento totalmente oposto ao do mercado varejista de moda como um todo,

diante do atual cenário econômico de retenção de consumo e escassez de crédito.

A estratégia de negócios da Renner se destaca, segundo especialistas do setor, pela

capacidade de gestão da empresa. Medidas e decisões simples, assertivas, tomadas na hora

certa, de forma estratégica, e com continuidade, têm surtido resultado. O posicionamento e

gestão de compras/sortimento voltado para um público mais elitizado também a diferencia

nesse momento em que a classe C é a que mais sente a crise econômica. O planejamento do

fastfashion da empresa é separado por perfil de mulher (a que trabalha, a dona de casa, a

jovem estudante, a esportista, etc.) e mais de 80% da loja é abastecida com itens de moda,

com maximização de superfície e pouca profundidade. Para José Galló, CEO da Renner: “O

momento de baixa no varejo será de grande valia para o incremento da participação de

mercado da empresa, com consolidação e crescimento orgânico.”

3.4 Hering Store

A Cia Hering, conhecida por ser uma indústria têxtil nacional centenária (desde 1880)

fabricante de malhas básicas, entrou no varejo de moda para garantir sua sustentação no

mercado. Em meados da década de 1990 e início dos anos 2000 a concorrência no setor

têxtil começava a se aprofundar e competir deslealmente com os produtos asiáticos que

entravam com força no mercado brasileiro, muito mais competitivos.

Foi preciso então a indústria adotar também a posição varejista e se reposicionar, no que se

refere à marca, estratégia, estilo e gestão. Em 2007, a empresa abriu o capital na bolsa de

valores de São Paulo para captação de recursos para investimento,e iniciou agressivo plano

de expansão com foco em lojas franqueadas. Desde então, fortaleceu sua segmentação de

mercado com as marcas Hering Store (adulto classe média), Hering Kids (infantil público

C), PUC (infantil público A e B), Dzarm (premium), e recentemente a Hering ForYou, com

lojas menores e foco em peças homewear, lingerie, fitness e acessórios.

A Cia Hering tem atualmente mais de 830 lojas (entre próprias e franquias), em todos os

estados brasileiros, e mais de 18 mil pontos de venda multimarcas. Desse total a maioria

expressiva (mais de 80%) é de lojas operadas por franqueados ou varejistas independentes, o

que acaba por reduzir o controle da gestão e a proximidade de cada operação, elevando os

riscos para a marca e os custos de agência.

A estratégia de reestruturação vinha dando certo. De 2007 a 2012 o crescimento e a geração

de valor aos acionistas, executivos e clientes foi admirável, dando mais visibilidade à marca

e viabilizando a conquista de muitos prêmios por reconhecimento em diversas áreas, dentre

eles o de 15ª marca brasileira mais valiosa e mais bem lembrada na mente do consumidor

(top of mind), segundo a consultoria Interbrands (2014), e o prêmio de “empresa do ano” em

2012 pela publicação da revista Exame Maiores e Melhores. Contudo, nos últimos três anos

o processo de crescimento sofreu uma ruptura. O valor de mercado da companhia caiu de

R$8 bilhões em 2012 para os atuais R$2 bilhões. As ações desvalorizaram mais de 77% nos

últimos três anos e em torno de 50% nos últimos 12 meses. Ao final do primeiro trimestre de

2015, a Cia anunciou queda no lucro líquido na ordem de 35,7%.

Observa-se uma grande dispersão no desempenho entre canais de distribuição da empresa e

entre suas marcas, que se constitui um desafio de gestão considerável a ser enfrentado. Os

problemas e riscos a respeito dos canais de venda serão diagnosticados na seção quatro.

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3.5 Grupo Arezzo

O grupo Arezzo, indústria nacional familiar do sul do Brasil, com mais de 42 anos de

existência, é líder no ramo de calçados femininos de moda, e atualmente conta com forte

plano de internacionalização da marca. Adota posicionamento por segmentação de acordo

com suas quatro marcas e respectivo mix de artigos ofertados: Alexandre Birman

(posicionada para a exclusividade, com design diferenciado, produto e preço premium); a

marca Arezzo (é trendy – peças que atendem ao momento, é eclética e fácil de usar - para

mulheres de todas as faixas etárias); a marca Schutz (é fashion– para mulheres mais jovens,

com peças modernas e sensuais – público A/B); e, a marca Ana Capri, com foco em

sapatilhas coloridas, confortáveis e acessíveis, para público mais popular e jovem.

O grupo adotou o sistema de franquias majoritariamente para expansão e acesso ao mercado.

A marca Arezzo, responsável por 57% das vendas do grupo (2014), com 378 lojas no Brasil

(2014 - franquias e próprias) aderiu ao processo fastfashion nas suas linhas de artigos

diferenciados que contém maior design e apelo de moda por tendência do momento, e que

fazem a imagem da marca aos olhos dos consumidores (os itens de linha básica continuada

não entram na referida estratégia). É um fenômeno de vendas, com ampla presença em todos

os estados do país e com alta produtividade por m².

A estratégia do grupo para 2015 é expandir principalmente com lojas da marca Ana Capri

por meio do canal franquias. Assim como no caso da Cia Hering, também serão

considerados os riscos e diferenciais do canal franquias para o desempenho do grupo na

seção quatro deste relato.

3.6 Óticas Carol

A rede Óticas Carol tem apenas 18 anos de mercado e já conta com mais de 700 pontos de

venda em todos os estados brasileiros. Em 2009, a empresa, que tinha gestão familiar, deu

lugar à gestão profissional do fundo de private equity “3i”. Atualmente, a 18ª posição de

empresas franqueadoras (em número de lojas) no ranking da Associação Brasileira de

Franquias (ABF), sendo que de 2009 para 2015 o faturamento cresceu mais de 200%. Dessa

forma, a empresa é a maior rede de óticas do Brasil e seu contínuo crescimento está

sustentado em uma estratégia de negócios bem definida: uma inovação no modelo “ótica”. A

comunicação da marca saiu do apelo tradicional que atende a receituário médico, para um

conceito de “loja de presentes, de luxo acessível”.

A rede oferta em seu mix óculos (de sol e de grau) de marcas reconhecidas

internacionalmente, desejadas, com design diferenciado, vendidos como um presente, um

acessório de moda, e ainda com facilidade de crédito: o parcelamento do pagamento em até

dez vezes. Também trabalham com duas estratégias bem definidas no varejo: o fastfashion,

na qual oferta-se uma produção rápida e contínua de novidades, com coleções compactas de

alto giro; e o “luxo acessível”, a qual democratiza artigos de luxo, dando ao consumidor

acesso às grandes grifes mundiais. As duas estratégias se identificam com o público

brasileiro de várias classes, da A à C, o que amplia o mercado-alvo da rede. Com uma

comunicação publicitária agressiva e criativa, a empresa investe em artistas famosos,

anúncios na televisão aberta e no relacionamento com o consumidor no ponto de venda.

A sua rede de distribuição está concentrada em unidades franqueadas, contando com apenas

nove unidades próprias, o que traz benefícios, mas também riscos. Em 2015, a empresa

divulgou seu plano de expansão de 100 novas lojas próprias em doze meses, para que

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agregue um maior conhecimento do “modus operandi” do negócio, e desconcentre a

dependência do capital de terceiros (franqueados).

A empresa é pioneira no setor óptico a usar o sistema de identificação por rádio freqüência

(RFID). Esse sistema, já usado há mais de uma década pelo varejo norte-americano, está

implantado nas lojas próprias da rede e é usado para rastrear produtos, controlar estoques em

tempo real, realizar pagamentos pelo celular, verificar a autenticidade de produtos e até

automatizar o pagamento. Mas, por enquanto, os varejistas de moda usam a tecnologia para

melhorar a gestão de estoques, reduzir custos com furtos e o tempo de reposição de peças

(fundamental no processo fastfashion). Em 2015, a empresa começou a implantar as

etiquetas de RFID em suas lojas próprias, possibilitando a checagem semanal do inventário

das lojas (com as etiquetas de códigos de barras tradicionais, a verificação era mensal).

Importante destacar ainda que a companhia possui a menor taxa de royalties do mercado de

franquias. É a única rede de óticas a ter laboratório digital próprio que produz internamente

lentes de alta qualidade e com isso consegue uma redução de 30 a 50% no custo das

mesmas. É um grande diferencial competitivo.

O quadro 2 faz um resumo descritivo comparativo das cinco empresas descritas acima.

Quadro 2 – Dados comparativos entre as empresas do setor no fast fashion

Empresa /

marcas

Anos Lojas Faturamento

bruto aproximado

2014

Evolução

2013/2014

em $

Capital /

distribuição

Expansão

C&A Brasil 40 no

Brasil

260 R$ 5,7 bilhões

(estimativa de

analistas)

Mais 29

lojas novas

2014

Fechado, lojas

próprias

20 lojas novas e

e-commerce

Lojas Renner /

Camicado e

YouCom

92 332 R$ 5,2 bilhões 19% Aberto – lojas

próprias

25 lojas Renner,

10 Camicado e

10 YouCom

Cia Hering –

Hering Store,

PUC, Hering

For You, Hkids, Dzarm

136 825 R$ 2 bilhões -0,4% Aberto – Lojas

próprias,

Franquias e

Multimarcas

Marcas HFY e

Dzarm, sem

prognósticos

ArezzoCo –

Arezzo, Schutz,

Ana capri,

Alexandre

Birman

42 449 R$ 1 bilhão 9,3% Aberto – Lojas

próprias,

Franquias e

Multimarcas

62 lojas novas

para 2015,

sendo 40 da Ana

Capri franquias

Óticas Carol -

multimarcas

18 738 R$550 milhões –

cresceu mais de

200% entre 2009 e

2013

20% nos

últimos 3

anos

Fechado –

fundo private

equity 3i - lojas

próprias e

franquias

15% para 2015

com mais de

100 novas lojas.

Fonte: elaborado pelos autores.

4. DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA

Existem inúmeros e grandes desafios para as empresas de moda serem bem sucedidas

sustentavelmente na operação do sistema fastfashion – resposta rápida com design

diferenciado, que se apresentam como riscos potenciais e/ou realizados, principalmente para

aquelas empresas que são internacionalizadas e/ou que têm fornecedores no exterior.

10

A decisão de inovar traz consigo uma série de riscos [...]. Cabe analisar esses riscos que

podem ser estratégicos, técnicos, financeiros, operacionais e comerciais. Dentre esses, os

riscos estratégicos e comerciais são os que apresentam o maior peso e trazem as maiores

conseqüências caso as empresas falhem na execução das atividades (DE ANGELO et al,

2012, p. 63).

O quadro a seguir evidencia os principais riscos-problemas da operação fastfashion.

Quadro 3 – Riscos inerentes ao FastFashion no Brasil

Diagnóstico – problema Contexto

1. Planejamento adequado de sourcing Em resposta à demanda das lojas. Caso seja mal

planejado pode trazer significativos prejuízos à coleção

e à marca.

2. Operacionais/técnicos - na gestão da diária da loja, desde o recebimento, exposição

adequada da mercadoria, liderança das

equipes de vendas e controle dos resultados

Com atenção à cobertura de estoque adequado, de acordo com a demanda do consumidor e reporte fiel ao

fornecedor/fábrica. E ter uma equipe de vendas capaz

de colocar em prática o novo conceito/processo e dar

essa mesma leitura ao consumidor em cada

atendimento.

3. Gestão da logística integrada em todos os

níveis: tático, estratégico e operacional (DE

ANGELO, 2012, p. 245)

Com visão de toda cadeia de suprimento, desde o

planejamento até a venda, embalagens, nível de serviço

ao cliente.

4. Custos de agência e cultura empresarial

brasileira (não profissionalizada)

Interesses diferentes entre acionistas/proprietários X

franqueados/administradores, que priorizam agir de

acordo com seus próprios interesses, em detrimento da

empresa e da marca.

5. Comerciais A aceitação dos produtos/serviços pelos consumidores

e sua nova proposta de valor.

6. Gestão de canais de venda Entre lojas próprias, franquias, multimarcas

7. Concorrência desigual com mercado externo Custo Brasil – macroeconomia (carga tributária, encargos trabalhistas, infraestrutura logística deficiente,

grandes distâncias, mão-de-obra desqualificada, et.c)

8. Estratégicos Qual a estratégia competitiva da empresa? O que ela

quer comunicar ao mercado? Qual seu core business e

core competence? Deve ser muito bem definida.

9. Financeiros Ter novidades na loja o tempo todo encarece bastante o

processo

10. Tecnológicos – TI Ter softwares de gestão eficientes, que leiam e traduzam em tempo real as informações de venda para

os fornecedores/fábrica.

Fonte: De Angelo et al (2012) / Ribeiro et al (2013)

Na próxima seção, será feita uma análise integrada entre as cinco empresas investigadas por

este estudo, comparando-se os riscos envolvidos, as falhas e/ou acertos de cada uma delas

em relação às demais.

5. ANÁLISE DA SITUAÇÃO-PROBLEMA

O presente estudo faz uma intervenção teórica descritiva acerca das cinco empresas relatadas

- C&A, Renner e Hering, Arezzo e a Ótica Carol, fazendo-se uma análise crítica em cima do

diagnóstico apresentado, e a sugestão de alternativas possíveis para ele. O centro de todo

11

risco e desafio da operação fastfashion é gestão, em sentido amplo. A empresa Renner opta

por trabalhar em horizonte de longo prazo e define suas estratégias com esse objetivo. Com

metas claras, estabelece bem as competências centrais da empresa e sabe disseminar toda

essa mensagem aos investidores, aos seus funcionários e aos clientes (quem mais importa

em todo processo). A companhia é bem orientada ao consumidor, e uma prova disso é a

existência, há muitos anos, de um medidor chamado “encantômetro” na saída de cada loja da

rede - uma máquina bem colorida, visualmente atraente, na qual o cliente dá sua opinião

sobre o nível de atendimento, os produtos, a experiência de compra naquela loja como um

todo. A companhia foi pioneira em medir isso e é a única que o faz até hoje.

Em um momento de retração econômica, redução do consumo de massa e aumento do

desemprego, as classes A e B são as menos impactadas, a princípio, o que favorece a

estratégia adotada pela empresa, já que o público-alvo segmentado da Renner é justamente

uma faixa acima do público das suas concorrentes, ou seja, menos popular, com ticket médio

na casa dos R$180,00. Sua estratégia também contempla prioritariamente lojas de

shoppings, e não lojas de rua, o que favorece a adesão das classes mais altas, e constrói outra

imagem de marca aos olhos e na mente do consumidor.

No longo prazo, os resultados chegaram, conforme foi relatado acima na seção de

diagnóstico. A empresa planejou, se capitalizou, e hoje está em uma disputa acirrada com a

empresa líder de mercado, a C&A, pelo faturamento anual, e está crescendo a dois dígitos

em vendas e em lucro líquido agora em 2015, na contra mão do mercado.

A C&A notadamente é muito criativa e competente em suas práticas de marketing e estilo.

Tem uma expertise muito forte em planejamento de compras, boas negociações com

fornecedores e distribuição logística, conseguindo reabastecer suas lojas duas a três vezes

por semana. Com nome forte e ampla presença no Brasil e exterior, a rede é bem

reconhecida por estilistas internacionais, o que facilita muito o estabelecimento de alianças

estratégicas com outras marcas menores e celebridades da moda para o desenvolvimento das

collections (mini coleções rápidas específicas), participação em grandes eventos de moda,

desfiles, programas de televisão de massa, etc.

Acredita-se fortemente que é com esse tipo de inovação, por cooperação estratégica, da

C&A com outras marcas/estilistas, que a empresa vem conseguindo manter a liderança do

segmento de fastfashion no Brasil. Sem dúvida é um grande benchmarking (referência).

Os casos da Arezzo, Hering e Óticas Carol são mais específicos por atuarem no sistema de

franquias e com lojas menores. A Óticas Carol, já percebeu o risco e a fragilidade que é ter

mais de 90% da sua rede com capital de terceiros (franqueados), e hoje planeja crescer com

lojas próprias.

Em um momento de crise econômica, crise de confiança no ambiente institucional,

incertezas da classe empresária com o aumento de juros e retração do crédito no mercado, os

franqueados são os primeiros a reduzirem suas compras, seus investimentos nas lojas, na

capacitação das equipes, e até mesmo a fechar unidades dada a falta de controle

administrativo-financeiro no fluxo de caixa em momentos de queda nas vendas. Os

franqueados também são resistentes em aderir a novas tecnologias e novos modelos de

processo (em geral por contenção de custos), como, por exemplo, no caso do controle da

venda e do estoque por RFID, que a rede Óticas Carol implantou apenas em suas lojas

próprias. Com isso, a empresa franqueadora fica então com menor controle sobre a gestão no

ponto de venda, e sobre as decisões de investimento.

Como foi falado antes, é um conflito de agendas. O franqueador tem objetivos de expansão,

de ousadia, de investimento, de assumir riscos, enquanto o franqueado se retrai para proteger

12

o capital que investido. Há que se considerar ainda que o perfil do empresário brasileiro

eleva mais ainda o risco para uma franquia, uma vez que a maioria não é profissionalizado o

suficiente para gerir uma unidade de negócio.

A Arezzo é bem sucedida no mercado há muitos anos. Seu planejamento estratégico anual

contempla uma gestão eficiente das unidades franqueadas, na qual cada consultor de campo

(funcionário da fábrica Arezzo) tem sob sua responsabilidade um número médio de 6 lojas, e

recebem treinamento intenso e freqüente. A comunicação das lojas (a informação das

vendas) é 100% online com os servidores do sistema central da Arezzo. A qualidade e o

design diferenciado no produto, o sortimento eficiente no mix, e o layout das lojas também

contam positivamente para o sucesso. O posicionamento das marcas do grupo (Alexandre

Birman, Schutz, Arezzo e Ana Capri) também é muito claro aos olhos do consumidor. O

índice de satisfação dos franqueados está em 96%.

A Hering, mesmo com toda sua tradição e qualidade reconhecidos, está sendo mais atingida

pelo momento econômico atual, uma vez que a maior parte de seu público consumidor é da

classe B e C. Existe também certa indefinição no posicionamento da empresa aos olhos do

mercado: o que a marca vende? Artigos de moda ou básicos? Qual o foco? Qual sua

competência central? O que sempre foi o DNA da empresa, as malhas básicas, deu lugar a

artigos importados da China de forma massificada. A exposição dos produtos nas lojas ficou

confusa. As mini coleções rápidas, desenhadas e lançadas dentro do conceito fastfashion,

são prejudicadas pelos interesses diversos dos franqueados que não apostam na compra dos

produtos e pela logística que é complexa e atrasa a chegada das peças nas lojas em regiões

mais distantes.

Assim, a empresa, em um esforço por crescimento em tamanho e participação de mercado,

focou em inaugurar novas lojas pelo Brasil e acabou criando forte dependência dos canais de

venda sob controle de terceiros: as franquias e as multimarcas, que representam 86% das

lojas da companhia. A evidência mais clara do descolamento de resultados entre os canais de

venda é que no primeiro trimestre de 2015 as vendas nas lojas próprias, com controle e

gestão direta da companhia, cresceram 4,5%, enquanto nos demais canais recuaram 1,9%. A

estratégia agressiva deixava a desejar muitas vezes ao não observar peculiaridades essenciais

que diferenciam as regiões do país como o clima, as distâncias, a cultura, a infra-estrutura

logística e órgãos governamentais burocráticos, fazendo com que a mercadoria que deveria

estar nas lojas em determinado dia não chegasse, colocando a perder o sentindo central do

fastfashion, e prejudicando a imagem da marca. E, também, ao não observar estritamente o

perfil dos franqueados selecionados, cedendo à pressão por resultados de crescimento.

O atendimento à rede de franqueados também era prejudicado. Alguns consultores de campo

chegavam a ter até mais de 15 lojas sob sua responsabilidade em diversos estados diferentes,

e atuavam com o atendimento de todas as marcas da companhia, mesmo que fossem

completamente diferentes em público-alvo, mix de produtos, compras, exposição, etc.

Contudo, a empresa é bem capitalizada, tem boa geração de caixa livre e, principalmente,

por sofrer pressões dos investidores, já está revendo suas estratégias internas de gestão.

Cietta (2010, p. 42) diz: “Existe uma consciência da necessidade de diferenciar marcas e

ofertas com o objetivo de não enfraquecer a mensagem direta a targets específicos.” A

comunicação de marca da Hering transmite ao mercado a mensagem de quem atende

democraticamente a “todos” os públicos, do A ao D. Enquanto era novidade, após seu

reposicionamento no mercado em 2007, funcionou bem, a empresa cresceu, se capitalizou,

ganhou mercado e remunerou seus acionistas. Atualmente, após alguns anos, o modelo

fastfashion nas franquias mostra fadiga e falta de clareza. O público A não quer mais ser

notado com uma roupa massificada, e para o C/D o preço médio é alto.

13

Enfim, para uma empresa de moda inovar com sucesso e viabilizar a operação fastfashion

gerando valor, a gestão eficiente é o ponto chave do negócio, envolvendo a gestão entre os

canais de distribuição, gestão de compras/produção, gestão da logística integrada, gestão

financeira, gestão mercadológica (clientes), gestão da informação e gestão de pessoas.

A figura abaixo demonstra a solução para a operação do sistema fastfashion, sob o ponto de

vista das necessidades do cliente que, sendo monitoradas corretamente, puxam toda a cadeia

em uma lógica inversa à do sistema tradicional. É um sistema circular de consumo-

produção, que precisa ser adequadamente compreendido pelo corpo executivo das empresas.

Figura 1 – Sistema híbrido de suprimento “empurra-puxa”

Fonte: dados da pesquisa 2015

Assim, superando os desafios expostos na seção três deste relato, a tendência é que a

empresa praticante do fastfashion consiga ser mais assertiva nas previsões de vendas,

reduzindo os riscos de estoques parados nas lojas e evitando as grandes remarcações que

derrubam suas margens. Cietta (2010) declara: “As empresas que foram capazes de explorar

a natureza híbrida dos produtos de moda, mudando o modelo de negócio e a organização

criativa, produtiva e distributiva, tem tido grande sucesso. [...] para ser eficaz, porém, tem

que conhecer muito bem o consumidor.” Hoffman (2011 apud Cietta, 2010) completa: “[...]

deve haver um monitoramento contínuo das informações de vendas e interesses dos clientes.

A interpretação de tais informações de forma correta permite o ajustamento das ações do

fastfashion, o que diminui o risco e permite testar novas alternativas e buscar a diferenciação

e o atendimento pleno do consumidor.”

Nesta linha, entende-se então a teoria da agência, pela ótica do cliente. As empresas

varejistas de moda precisam capturar a “agenda” do consumidor para alcançar vantagem

competitiva sustentável, produzindo ou comprando o mais próximo do momento do

consumo e fazendo uma gestão eficiente da cadeia produtiva com ferramentas de gestão para

tratar adequadamente as informações de consumo e tendências desejadas.

Apostar no fastfashion é muito arriscado para empresas que não estejam com suas atividades

internas bem organizadas e definidas por toda a cadeia e por todos na organização. Caso não

tenham um bom nível de maturidade operacional não conseguem produzir/entregar/vender

no prazo devido e na qualidade exigida pelas lojas e pelos clientes.

Em um país como o Brasil, com cinco regiões muito distantes e diferentes entre si (Norte,

Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste) pelo clima, cultura, hábitos de consumo, com infra-

estrutura logística precária, um sistema tributário complexo, sistema de

14

telecomunicações/internet deficiente, baixo nível educacional da população e de capacitação

empresarial, com ambiente institucional confuso, entre outros, todos os desafios são

potencializados e, torna-se de fato desafiador para as empresas manter sustentabilidade de

resultados financeiros (retornos ao acionista) e de efetividade operacional no longo prazo,

dentro dos pressupostos do sistema fastfashion.

Porter (1996) enfatiza que uma companhia precisa mudar sua posição estratégica se

ocorrerem grandes mudanças estruturais na sua indústria de atuação. A opção da empresa

por novas posições deve ser guiada pela habilidade de fazer escolhas, os trade-offs. A

necessidade pelos trade-offs na estratégia de uma empresa ocorre por três fatores: primeiro

quando ocorrem inconsistências de imagem ou reputação; segundo derivam das próprias

atividades internas (produtos diferentes, equipamentos, habilidades, comportamentos dos

empregados, etc); e terceiro as “escolhas estratégicas” derivam de limitações na coordenação

e no controle interno da companhia (p. 9). Acredita-se, assim, que as cinco empresas

relatadas aqui estejam alinhadas com esses conceitos, mesmo aquelas que apresentam

resultados desfavoráveis em sua conjuntura atual, que buscam se realinhar.

6. CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA-SOCIAL

Assim, o sistema fastfashion, por dar acesso ao que é “aspiracional” ao consumidor tem

mostrado bons resultados no Brasil e no exterior de forma geral. Nesse sentido, é cada vez

mais comum empresas de outros segmentos, que não de vestuário, aderirem ao modelo,

como é o caso da Óticas Carol relatado neste estudo. A inovação no processo fastfashion é

tão atraente que as empresas passam a ser fornecedoras de indicações e tendências para

outras empresas tradicionais, já que estão sempre em busca de novidades do mundo da

moda. Dessa forma, é interessante que os executivos do varejo monitorem e avaliem a

possibilidade de sua implantação como uma estratégia de negócios de expansão e

sustentabilidade, tendo como foco a geração de valor superior ao consumidor.

Para a realidade brasileira, o processo tem ainda uma contribuição especial: a de inclusão

social das classes de baixa renda. As classes C e D tiveram acesso, através da oferta da

“moda rápida” a coleções de artigos de valor agregado, com preços acessíveis, boas

condições de pagamento e o design diferenciado de marcas renomadas. Se for considerado

que o consumo brasileiro de vestuário, calçados/acessórios e cosméticos só perde para

alimentação e moradia, na divisão do orçamento da população, a contribuição ganha ênfase.

Para as classes sociais com melhor poder aquisitivo, o fastfashion significa trazer para o

Brasil práticas, modelos e tendências de moda que são realidade no exterior, essencialmente

na Europa e nos Estados Unidos, promovendo então o engajamento da sociedade brasileira

aos movimentos tecnológicos e culturais que ocorrem lá fora.

As empresas que inovaram e se arriscaram e reformularam seus processos dentro do cenário

brasileiro de negócios, relatado neste estudo, obtiveram resultados significativos, no médio e

longo prazo, e assim devem continuar por um bom tempo se houver vigilância na gestão.

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