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Relato Técnico
Área Temática: Estratégia nas Organizações
O FAST FASHION NO BRASIL:
UMA INOVAÇÃO DE PROCESSO EM BUSCA DA GERAÇÃO DE VALOR
Resumo: O objetivo deste relato é descrever e comparar as estratégias organizacionais de
cinco empresas do varejo de moda no Brasil que ofertam o fastfashion (moda rápida). As
empresas investigadas são: C&A, Renner, Hering, Arezzo e Óticas Carol.O modelo de
negócio fastfashion é uma inovação no processo de suprimento para o setor varejista de
moda, o qual envolve vestuário, calçados e acessórios com design diferenciado. Na prática,o
modelo consiste em maximizar a variedade de artigos ofertados,dar maior velocidade na
reposição, e reduzir a quantidade de peças. O foco é dar uma resposta ágil à demanda, após
capturar as tendências desejadas pelos clientes. O cenário da moda mundial e nacional dos
últimos dez anos introduz o estudo. Em seguida, apresenta-se o diagnóstico de cada empresa
investigada, a partir de dados secundários; e, por último fala-se da situação-problema de
cada empresa evidenciando-se os resultados conquistados e os riscos/desafios do fastfashion
a serem enfrentados por elas para expansão dos negócios, com vistas à geração de valor ao
acionista/proprietário e ao consumidor (o foco do cenário varejista hoje). A contribuição do
fastfashion, em sentido amplo,envolve a democratização da moda para uma parcela maior da
população brasileira.
Abstract: The objective of this report is to describe the organizational strategies of five
fashion retail companies in Brazil that offer the “fastfashion”. The companies researched
are: C&A, Renner, Hering, Arezzo and Óticas Carol. The fastfashion model is an innovation
in the supply process for the fashion retail industry, which involves clothing, footwear and
accessories with enhanced design. In practice, the model focus on maximize the variety of
products offered, to increase the replacement speed, and to reduce the volume/quantity. It
presents the diagnosis of each company investigated, based on secondary data; and finally
there is a point about the problem situation of each company demonstrating the results
achieved and the risks/challenges of the fastfashion that need to be faced by them for
business expansion, in order to create shareholder/owner value and consumer value (which
is the focus of the retail landscape nowadays). The contribution of fastfashion, in a broad
sense, involves the democratization of fashion for a larger part of the Brazilian population.
Palavras chave: FastFashion, Estratégia de Negócios, Geração de Valor
Key words: Fast Fashion, Fashion Retail, Value Creating
1. INTRODUÇÃO
O segmento varejista, a nível global, é extremamente dinâmico e fragmentado. Inúmeros
“players” (multinacionais, médias empresas, pequenas e familiares), em todos os países,
concorrem aceleradamente em busca da melhor performance em vendas e de valor gerado
ao cliente e ao empresário. Tradicionalmente pautada por uso intensivo de mão-de-obra, pela
integração vertical do fluxo produtivo e de distribuição, a indústria da moda têm se
destacado pelas crescentes pressões de demanda do consumidor.
Há trinta anos, contudo, o cliente não era tão importante para o varejo. Slywotzky e
Morrison (1998, p. 16) afirmam que:
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Hoje, ao contrário, o número de opções dos clientes só é superado pelo volume de
informações disponíveis sobre cada opção. Houve uma mudança secular de poder
do fornecedor para o cliente. Mercados altamente competitivos e informações
abundantes colocaram o cliente no centro do universo dos negócios. Nesse novo
ambiente, as empresas bem-sucedidas são as que concentram o pensamento no
cliente para identificar suas prioridades e desenvolver concepções do negócio
coerentes com essas prioridades.
Os autores apontam também que a abordagem centrada no cliente mudará
fundamentalmente a oferta e as atividades da cadeia de valor das empresas – ela passará de
produtos (abundantes) para soluções (difíceis de criar). A meta da empresa não será mais
“fazer tudo” e sim “fazer o que a empresa sabe fazer melhor” (SLYWOTZKY;
MORRISON, 1998, p. 32). As demais atividades serão terceirizadas e/ou desempenhas em
regime de cooperação com parceiros estratégicos, afirmam os autores.
Nos últimos vinte anos a quantidade de inovações de produtos, processos e tecnologias
lançadas para o mercado varejista superou qualquer outro segmento. O tempo entre uma
novidade e outra é cada vez mais curto, e as mudanças freqüentes nas tecnologias de
informação passaram a deixar o consumidor muito mais capacitado, informado e exigente
por velocidade em tudo. Mary Sammons (1995 apud LEVY; WEITZ, 2000, p. 291),
executiva de varejo norte-americana, declarou: “Existem apenas dois grupos de negócios de
varejo hoje: o rápido e o morto.”
No varejo de moda (vestuário, calçados e acessórios), a lucratividade das empresas deriva de
“combinações únicas entre pesquisas de alto valor, design, vendas, marketing, e serviços
financeiros, que permitem aos varejistas, representantes de marca e distribuidores agir como
corretores estratégicos para interligar fábricas ao redor do mundo” (GHEMAWAT et al.,
2006). O Brasil então, inserido nesse contexto global, passou a fazer parte da estratégia de
negócios de várias redes/marcas estrangeiras de moda, que entraram no país no início dos
anos 2000, visando o imenso mercado consumidor nacional e, elevando a concorrência
interna, ameaçam as marcas nacionais. Para ganhar competitividade, nesse novo cenário, as
redes locais precisaram inovar, reinventar seus processos organizacionais, seu mix de
produtos e suas estratégias competitivas.
Nesse sentido, as principais redes de moda brasileiras foram em busca da implantação de um
processo já bem conhecido pelos varejistas norte-americanos: o fastfashion. Explorado por
redes varejistas multinacionais como WalMart, Zara, H&M e outras, este modelo de negócio
inspirou empresas brasileiras a implantar uma estratégia de moda rápida que, adaptada à
realidade nacional, agrega bastante valor e competitividade, porém é plena de desafios.
Neste ambiente altamente competitivo e exigente por inovação, o fastfashion chega como
um novo processo no mundo da moda contemporânea. É um sistema de suprimento que
maximiza a variedade dos artigos ofertados, minimizando a quantidade. Com “resposta
rápida” à demanda, é um sistema “puxado” pelo desempenho das vendas e pelos sinais
dados pelo consumidor. Tecnicamente precisa-se planejamento intenso para um tempo de
espera (lead time) reduzido na cadeia inteira, que envolve o tempo de criação,
produção/compra, distribuição e venda. O objetivo maior é capturar as últimas tendências de
moda desejadas pelos clientes, ser assertivo na oferta e então reduzir estoques ao final das
coleções. Esse processo todo, para gerar valor, requer uma alta capacidade de gestão,
agilidade e estratégia focada.
Com base nesse cenário, a produção deste relato visa analisar a operação fastfashion adotada
por cinco empresas/marcas específicas de destaque nacional: C&A, Renner, Hering
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(vestuário), Arezzo (calçados) e Óticas Carol (ótica). Tais empresas inovaram, adaptando
suas estratégias, estruturas comerciais e logísticas para operar no modo fastfashion, com
vistas à inovação de processo para ganhos de competitividade. Foi realizada uma análise
comparativa dessas empresas (guardadas as peculiaridades e proporções), as boas práticas a
serem seguidas e desafios enfrentados, em um cenário macroeconômico desfavorável.
Este relato técnico é fruto de estudo descritivo obtido com dados de natureza secundária (de
mercado), e por observação empírica direta dos autores do artigo. Foi feita uma revisão na
literatura existente sobre o tema através de obras publicadas, artigos científicos e demais
trabalhos que somam como referência e dão embasamento teórico e analítico válidos para a
obtenção dos resultados e conclusões do relato.
O trabalho está organizado em seis seções, sendo esta introdução a primeira. Na segunda
apresenta-se uma breve contextualização teórica sobre o assunto. Na terceira é abordado o
contexto e a realidade atual das empresas investigadas; na quarta e quinta descreve-se o
diagnóstico da situação-problema e faz-se uma análise crítica da situação apresentada, com a
intervenção sugerida e mecanismos adotados para resolvê-la. Por fim, na sexta seção,
conclui-se com a contribuição técnica-social a que este estudo está vinculado.
2. Uma breve contextualização teórica
De forma geral, para competir no mercado varejista as empresas têm que basear suas
estratégias em atividades únicas. De acordo com Mintzberget al(2006, p. 36), as posições
estratégicas surgem de três fontes distintas não mutuamente excludentes, que são: a)
posicionamento baseado na variedade (de produto /serviços);b) posicionamento baseado nas
diferentes necessidades dos clientes;c) posicionamento baseado no meio de acesso ao
mercado-alvo. Essas três fontes de posicionamento de mercado são perfeitamente coerentes
com a indústria varejista de moda. A variedade qualitativa no mix de produtos de forma
freqüente é mandatória para se destacar perante o concorrente e atender a um consumidor
cada vez mais bem informado, atento às tendências, exigente por design diferenciado de
forma cíclica, e que tem acesso multicanal aos produtos. Já o posicionamento baseado nas
necessidades requer que todo o planejamento de uma coleção fastfashion seja feito com base
na demanda do consumidor, que é envolvido no processo e decide a coleção, muitas vezes
motivado por fatores emocionais fortes que envolvem a autoexpressão (NIELSEN, 2012).
O posicionamento baseado no acesso surge quando há grupos de clientes com necessidades
diferentes e quando um conjunto de atividades específico pode atender melhor essas
necessidades (MINTZBERG, 2006, p.36). Para as empresas do varejo de moda acessarem
seu público consumidor, elas têm algumas opções de canais de vendas para expor seu
produto ou serviço, como, por exemplo, por meio de lojas próprias, multimarcas,
representações comerciais, aquisição de outras redes (fusões) ou ainda pelo sistema de
franquia empresarial. Para Ribeiro (2013, p. 30-31), o grande ativo das empresas atualmente
é o acesso ao seu mercado consumidor, ofertando produtos com ampla capilaridade
geográfica e em curto espaço de tempo para se diferenciar dar maior visibilidade à marca.
O fenômeno do fastfashion, como falado anteriormente, envolve toda cadeia produtiva,
desde a criação/design dos artigos e planejamento da coleção, até a logística de distribuição
para os pontos de venda. Segundo Cachon e Swinney (2011), um sistema de fastfashion, na
prática, deve combinar no mínimo dois componentes para entregar valor superior às
empresas do ponto de vista operacional, os quais são: - tempos de preparação, produção e distribuição da coleção reduzidos, de forma
que permita uma combinação ajustada do suprimento da mercadoria com a
demanda, que por sua vez é incerta. É o que eles chamam de técnicas de “reação
rápida” (quick response);
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- produtos diferenciados com alto apelo de moda, que comuniquem as tendências
do momento desejadas pelos consumidores (enhanced design).
2.1 A indústria da moda no Brasil
Dentro do contexto global do mercado de vestuário, a indústria brasileira é a quarta maior
em produção (toneladas). Isso representa, porém, menos de 3% da produção mundial.
Atualmente a Ásia concentra 73% dos volumes de produção mundial de têxteis, com
destaque exponencial para a China, que é o líder com larga vantagem sobre os demais, e
domina as agendas nesse segmento (ABIT, 2012).
As empresas brasileiras de moda, tanto fabris quanto varejistas, estão importando cada vez
mais da Ásia. Os produtos importados são variados: roupas, cintos, sapatos, bijouterias,
óculos, bolsas, etc. O último saldo positivo da balança comercial do setor foi em 2005. A
projeção para final de 2015 é um déficit de U$6,13 bilhões nesta balança. Os principais
fornecedores do Brasil hoje são: China, Índia e Indonésia (ABIT). Há dez anos, a balança
comercial para este setor era superavitária.
E foi nos últimos dez anos que o varejo brasileiro, de forma geral, assumiu papel relevante
na economia do País, no lugar da indústria. Segundo dados do jornal O Diário do Comércio
(O poder do..., 2015), o setor é atualmente o maior empregador privado brasileiro: a cada
quadro empregos, um é gerado pelo varejo. Se nos últimos dez anos, o Produto Interno
Bruto (PIB) do Brasil cresceu 40%, o varejo cresceu três vezes mais. Dessa forma a
economia brasileira viveu uma transformação da matriz industrial para a de serviços com
base no varejo, já que os anos 80 e 90 os principais empregadores estavam na indústria, e
hoje deram lugar ao varejo.
Segundo reportagem do jornal O Globo (2014), é o varejo de moda setor com faturamento
de R$170 bilhões, no qual as maiores redes (Pernambucanas, C&A, Renner, Riachuelo,
Marisa, Hering) respondem juntas aproximadamente por 14% das vendas, o que evidencia
fragmentação e concorrência acirrada no setor.
Essas empresas ainda disputam fatias de mercado com as redes internacionais, que
interessadas no atraente mercado consumidor brasileiro, aportaram no país nos últimos dez
anos. Lojas como a Zara (espanhola), a Top Shop (inglesa), a Forever 21 e a GAP (norte-
americanas), vieram com informação de moda, reposição rápida, boa relação custo/benefício
e apelo “mais nobre” no estilo e ambientação das lojas, atraindo um público específico de
alta renda, que demanda novidade constantemente. Foi a inspiração que faltava para a
instalação definitiva do fastfashion no país.
O varejo de moda é um setor de baixas margens de lucro. Assim, é preciso sempre inovar,
achar novas estratégias de negócio para atrair e encantar o cliente, expandir, reformar lojas e
reformular processos para ganhar volume e mercado. A gestão da inovação no varejo é
complexa e desafiadora, tem diversas formas de ser atingida, tendo como objetivo final o
aumento das vendas, da participação de mercado e da fidelização de clientes. E como toda
inovação, precisa ser viável do ponto de vista econômico, social e estrutural, fazer sentindo e
gerar resultados para toda cadeia envolvida.
3. CONTEXTO INVESTIGADO
3.1 O FastFashion
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A rede Zara (espanhola) foi pioneira em adotar o fastfashion no mundo da moda, o que tem
resultado no crescimento da rede e seu reconhecimento mundial, sendo o caso mais citado
nas instituições de Pós Graduação em gestão como referência nesse modelo de negócio. O
processo fastfashion é uma quebra de paradigmas, caracterizando-se essencialmente pela
produção rápida e contínua de peças com design ampliado e apelo de moda, em pequenos
lotes, dando ao cliente a sensação de “escassez” e criando o clima de oportunidade única de
fazer a compra. O “giro” das peças deve ser rápido para que acabem logo, dando lugar a
novidades no mix de produtos das lojas, que chegam, no mínimo, de duas a três vezes por
semana. A ambientação, a iluminação, o conforto, a forma de exposição das peças, também
favorecem o ambiente do consumo rápido. Esse é o foco da estratégia competitiva da Zara.
Partindo dessa premissa, para que tudo ocorra dentro do planejado, é essencial entender o
que o cliente deseja e, então, ofertar o artigo adequado. Assim, o consumidor, é envolvido
no processo de criação, já que a coleção é elaborada a partir do produto já aceito (ou não)
por ele no primeiro lote, que são menores, com reposição, em períodos curtos, dos artigos
que foram bem aceitos. É um sistema definido pelo comprador (“buyer-driven”), o que
representa grande desafio logístico, estratégico, e de gestão operacional.
As empresas produtoras e/ou varejistas precisam ser flexíveis no seu processo de suprimento
para uma resposta rápida e eficiente ao consumidor, que avalia e dá seu veredicto
comprando ou não. A empresa que conseguir executar e sustentar essa estratégia ao longo de
toda cadeia ganhará competitividade no mercado, gerando valor superior ao cliente.
Cachon e Swinney (2011, p. 781) comparam e definem bem os quatro sistemas de produção
de moda existentes no mundo contemporâneo, conforme quadro abaixo:
Fonte: Management Science magazine 2011
No sistema de produção “tradicional” as empresas de moda ofertam artigos com baixa
diferenciação no design e tempos de produção/compra/distribuição mais lentos. Como
exemplo, menciona-se a linha de artigos básicos das redes varejistas (Zara, Gap, C&A,
Hering, Arezzo, etc). E também as marcas que vendem artigos de moda diferenciados, mas
são lentas (tradicionais) no processo de reposição lançando apenas duas coleções ao ano
(primavera/verão e outono/inverno) e liquidam com descontos o que não girar ao final da
temporada. Esse era o sistema vigente majoritariamente no mundo até a década de 90.
No sistema de “resposta rápida” os benefícios em teoria são: redução do tempo de espera
pelo produto no ponto de venda, reduzindo assim a necessidade de um estoque maior.
Quanto menor o tempo de espera pelo produto mais fácil será prever a demanda e satisfazê-
la, ao passo em que o estoque reduz, pois as vendas previstas são para um período de tempo
curto. A redução de despesas com logística integrada também é um benefício, uma vez que
os varejistas usam o modal “porta a porta” (crossdocking) para receber a mercadoria dos
fornecedores com maior agilidade (LEVY; WEITZ, 2000, p. 292).
Quadro 1 - Os quatro sistemas de produção de moda
Design Normal Design Aprimorado
Produção lenta
(Slow Production) Tradicional Design Aprimorado
Resposta Rápida
(Quick Response)
Resposta Rápida
(Quick Response) FastFashion
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Contudo, o quick response pode e geralmente é praticado em varejos de alimentos e outros
setores que não exijam design diferenciado no produto. Esse é o ponto que diferencia o
fastfashion: o design dos artigos ofertados nas lojas. Ao combinar design diferenciado com
reação rápida (velocidade de produção/suprimento), a empresa se habilita tanto a criar valor
superior ao cliente, quanto a reduzir divergências oriundas da relação oferta-demanda.
Assim, atinge o que se chama Efficient Consumer Response (ECR), com base em dados de
venda capturados por intermédio da tecnologia da informação (TI) das lojas.
O valor do sistema fastfashion em relação aos demais aumenta à medida que o consumidor
se torna mais paciente, e, portanto, mais estratégico no seu comportamento de compra, um
fato que justifica o uso desse sistema em mercados caracterizados por consumidores muito
bem informados e exigentes (CACHON; SWINNEY, 2011, p. 785- 793).
No Brasil, algumas redes de moda já adotaram o fastfashion. Este estudo irá caracterizar e
analisar cinco empresas: C&A, Renner e Hering (vestuário e acessórios), Arezzo
(calçados/acessórios), e Ótica Carol (óculos “presente”). Tais redes se inspiraram na
inovação do fastfashion e nas práticas européias para lançar pequenas coleções ocasionais,
algumas assinadas por estilistas famosos, artistas e celebridades com alto poder de
identificação pessoal e emocional com o público, essencialmente feminino.
3.2 C&A Modas
No Brasil, a rede de moda holandesa C&A fará 40 anos em 2016. O grupo tem mais de 170
anos e está presente em 23 países, com faturamento global estimado em €$9 bilhões (cerca
de R$27,4 bilhões). É uma empresa de capital fechado, com forte presença familiar, e
atualmente administrada pela Cofra Holding SA (desde 2001), com matriz na Suiça. A
operação brasileira do grupo é a segunda maior no mundo, só perdendo para a alemã em
faturamento e número de lojas. Nacionalmente, possui mais de 18 mil funcionários e
faturamento estimado em R$6 bilhões, por 260 lojas em todos os estados brasileiros.
Contudo, foi no Brasil que a rede deu início à prática que a diferenciou das concorrentes
locais e das demais filiais mundo afora: o fastfashion. Sendo pioneira em adotar o processo
“moda rápida” através de suas collections, a C&A inovou e revolucionou o mercado da
moda para baixa renda fazendo parcerias estratégicas com estilistas famosos nacionais e
internacionais (para lançamento de peças assinadas por eles em mini coleções temporárias),
e investindo fortemente em amplas campanhas publicitárias com artistas e celebridades
como modelo brasileira mundialmente conhecida Gisele Bundchen. A empresa tem
estratégia comercial fechada e de longo prazo. Analistas de mercado afirmam que os planos
de expansão no país para 2015 estão mantidos, porém, serão feitos alguns ajustes à idéia
inicial. Com lojas menores, ambientes diferenciados e oferta de serviços, como consultoria
de moda, provadores maiores com espaço “closet”, cafés, entre outras novidades, a rede se
consolida e concorre de forma acirrada com sua rival no Brasil, a Renner.
3.3 Lojas Renner
A Renner é naturalmente uma empresa brasileira da região sul do país, e conta com 93 anos
de história desde sua fundação. No período e 1998 a 2005 o controle da companhia
pertenceu ao grupo varejista norte-americano J.C. Penney. Com capital aberto e ações
negociadas na bolsa de valores de São Paulo desde 1967, hoje seu capital está pulverizado e
100% em circulação. Atualmente seu valor de mercado está estimado em R$14 bilhões. O
grupo tem aproximadamente 16 mil funcionários e está entre as grandes empresas nacionais
no ranking das melhores empresas para se trabalhar no Brasil.
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O desempenho nos resultados financeiros apurados nos últimos anos é surpreendente. Em
2015, de janeiro a março, a empresa apurou alta de 24% na receita e de 44% no lucro, e,
assim, a cotação das ações no mercado financeiro valorizou mais de 26% nos últimos três
meses. É um movimento totalmente oposto ao do mercado varejista de moda como um todo,
diante do atual cenário econômico de retenção de consumo e escassez de crédito.
A estratégia de negócios da Renner se destaca, segundo especialistas do setor, pela
capacidade de gestão da empresa. Medidas e decisões simples, assertivas, tomadas na hora
certa, de forma estratégica, e com continuidade, têm surtido resultado. O posicionamento e
gestão de compras/sortimento voltado para um público mais elitizado também a diferencia
nesse momento em que a classe C é a que mais sente a crise econômica. O planejamento do
fastfashion da empresa é separado por perfil de mulher (a que trabalha, a dona de casa, a
jovem estudante, a esportista, etc.) e mais de 80% da loja é abastecida com itens de moda,
com maximização de superfície e pouca profundidade. Para José Galló, CEO da Renner: “O
momento de baixa no varejo será de grande valia para o incremento da participação de
mercado da empresa, com consolidação e crescimento orgânico.”
3.4 Hering Store
A Cia Hering, conhecida por ser uma indústria têxtil nacional centenária (desde 1880)
fabricante de malhas básicas, entrou no varejo de moda para garantir sua sustentação no
mercado. Em meados da década de 1990 e início dos anos 2000 a concorrência no setor
têxtil começava a se aprofundar e competir deslealmente com os produtos asiáticos que
entravam com força no mercado brasileiro, muito mais competitivos.
Foi preciso então a indústria adotar também a posição varejista e se reposicionar, no que se
refere à marca, estratégia, estilo e gestão. Em 2007, a empresa abriu o capital na bolsa de
valores de São Paulo para captação de recursos para investimento,e iniciou agressivo plano
de expansão com foco em lojas franqueadas. Desde então, fortaleceu sua segmentação de
mercado com as marcas Hering Store (adulto classe média), Hering Kids (infantil público
C), PUC (infantil público A e B), Dzarm (premium), e recentemente a Hering ForYou, com
lojas menores e foco em peças homewear, lingerie, fitness e acessórios.
A Cia Hering tem atualmente mais de 830 lojas (entre próprias e franquias), em todos os
estados brasileiros, e mais de 18 mil pontos de venda multimarcas. Desse total a maioria
expressiva (mais de 80%) é de lojas operadas por franqueados ou varejistas independentes, o
que acaba por reduzir o controle da gestão e a proximidade de cada operação, elevando os
riscos para a marca e os custos de agência.
A estratégia de reestruturação vinha dando certo. De 2007 a 2012 o crescimento e a geração
de valor aos acionistas, executivos e clientes foi admirável, dando mais visibilidade à marca
e viabilizando a conquista de muitos prêmios por reconhecimento em diversas áreas, dentre
eles o de 15ª marca brasileira mais valiosa e mais bem lembrada na mente do consumidor
(top of mind), segundo a consultoria Interbrands (2014), e o prêmio de “empresa do ano” em
2012 pela publicação da revista Exame Maiores e Melhores. Contudo, nos últimos três anos
o processo de crescimento sofreu uma ruptura. O valor de mercado da companhia caiu de
R$8 bilhões em 2012 para os atuais R$2 bilhões. As ações desvalorizaram mais de 77% nos
últimos três anos e em torno de 50% nos últimos 12 meses. Ao final do primeiro trimestre de
2015, a Cia anunciou queda no lucro líquido na ordem de 35,7%.
Observa-se uma grande dispersão no desempenho entre canais de distribuição da empresa e
entre suas marcas, que se constitui um desafio de gestão considerável a ser enfrentado. Os
problemas e riscos a respeito dos canais de venda serão diagnosticados na seção quatro.
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3.5 Grupo Arezzo
O grupo Arezzo, indústria nacional familiar do sul do Brasil, com mais de 42 anos de
existência, é líder no ramo de calçados femininos de moda, e atualmente conta com forte
plano de internacionalização da marca. Adota posicionamento por segmentação de acordo
com suas quatro marcas e respectivo mix de artigos ofertados: Alexandre Birman
(posicionada para a exclusividade, com design diferenciado, produto e preço premium); a
marca Arezzo (é trendy – peças que atendem ao momento, é eclética e fácil de usar - para
mulheres de todas as faixas etárias); a marca Schutz (é fashion– para mulheres mais jovens,
com peças modernas e sensuais – público A/B); e, a marca Ana Capri, com foco em
sapatilhas coloridas, confortáveis e acessíveis, para público mais popular e jovem.
O grupo adotou o sistema de franquias majoritariamente para expansão e acesso ao mercado.
A marca Arezzo, responsável por 57% das vendas do grupo (2014), com 378 lojas no Brasil
(2014 - franquias e próprias) aderiu ao processo fastfashion nas suas linhas de artigos
diferenciados que contém maior design e apelo de moda por tendência do momento, e que
fazem a imagem da marca aos olhos dos consumidores (os itens de linha básica continuada
não entram na referida estratégia). É um fenômeno de vendas, com ampla presença em todos
os estados do país e com alta produtividade por m².
A estratégia do grupo para 2015 é expandir principalmente com lojas da marca Ana Capri
por meio do canal franquias. Assim como no caso da Cia Hering, também serão
considerados os riscos e diferenciais do canal franquias para o desempenho do grupo na
seção quatro deste relato.
3.6 Óticas Carol
A rede Óticas Carol tem apenas 18 anos de mercado e já conta com mais de 700 pontos de
venda em todos os estados brasileiros. Em 2009, a empresa, que tinha gestão familiar, deu
lugar à gestão profissional do fundo de private equity “3i”. Atualmente, a 18ª posição de
empresas franqueadoras (em número de lojas) no ranking da Associação Brasileira de
Franquias (ABF), sendo que de 2009 para 2015 o faturamento cresceu mais de 200%. Dessa
forma, a empresa é a maior rede de óticas do Brasil e seu contínuo crescimento está
sustentado em uma estratégia de negócios bem definida: uma inovação no modelo “ótica”. A
comunicação da marca saiu do apelo tradicional que atende a receituário médico, para um
conceito de “loja de presentes, de luxo acessível”.
A rede oferta em seu mix óculos (de sol e de grau) de marcas reconhecidas
internacionalmente, desejadas, com design diferenciado, vendidos como um presente, um
acessório de moda, e ainda com facilidade de crédito: o parcelamento do pagamento em até
dez vezes. Também trabalham com duas estratégias bem definidas no varejo: o fastfashion,
na qual oferta-se uma produção rápida e contínua de novidades, com coleções compactas de
alto giro; e o “luxo acessível”, a qual democratiza artigos de luxo, dando ao consumidor
acesso às grandes grifes mundiais. As duas estratégias se identificam com o público
brasileiro de várias classes, da A à C, o que amplia o mercado-alvo da rede. Com uma
comunicação publicitária agressiva e criativa, a empresa investe em artistas famosos,
anúncios na televisão aberta e no relacionamento com o consumidor no ponto de venda.
A sua rede de distribuição está concentrada em unidades franqueadas, contando com apenas
nove unidades próprias, o que traz benefícios, mas também riscos. Em 2015, a empresa
divulgou seu plano de expansão de 100 novas lojas próprias em doze meses, para que
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agregue um maior conhecimento do “modus operandi” do negócio, e desconcentre a
dependência do capital de terceiros (franqueados).
A empresa é pioneira no setor óptico a usar o sistema de identificação por rádio freqüência
(RFID). Esse sistema, já usado há mais de uma década pelo varejo norte-americano, está
implantado nas lojas próprias da rede e é usado para rastrear produtos, controlar estoques em
tempo real, realizar pagamentos pelo celular, verificar a autenticidade de produtos e até
automatizar o pagamento. Mas, por enquanto, os varejistas de moda usam a tecnologia para
melhorar a gestão de estoques, reduzir custos com furtos e o tempo de reposição de peças
(fundamental no processo fastfashion). Em 2015, a empresa começou a implantar as
etiquetas de RFID em suas lojas próprias, possibilitando a checagem semanal do inventário
das lojas (com as etiquetas de códigos de barras tradicionais, a verificação era mensal).
Importante destacar ainda que a companhia possui a menor taxa de royalties do mercado de
franquias. É a única rede de óticas a ter laboratório digital próprio que produz internamente
lentes de alta qualidade e com isso consegue uma redução de 30 a 50% no custo das
mesmas. É um grande diferencial competitivo.
O quadro 2 faz um resumo descritivo comparativo das cinco empresas descritas acima.
Quadro 2 – Dados comparativos entre as empresas do setor no fast fashion
Empresa /
marcas
Anos Lojas Faturamento
bruto aproximado
2014
Evolução
2013/2014
em $
Capital /
distribuição
Expansão
C&A Brasil 40 no
Brasil
260 R$ 5,7 bilhões
(estimativa de
analistas)
Mais 29
lojas novas
2014
Fechado, lojas
próprias
20 lojas novas e
e-commerce
Lojas Renner /
Camicado e
YouCom
92 332 R$ 5,2 bilhões 19% Aberto – lojas
próprias
25 lojas Renner,
10 Camicado e
10 YouCom
Cia Hering –
Hering Store,
PUC, Hering
For You, Hkids, Dzarm
136 825 R$ 2 bilhões -0,4% Aberto – Lojas
próprias,
Franquias e
Multimarcas
Marcas HFY e
Dzarm, sem
prognósticos
ArezzoCo –
Arezzo, Schutz,
Ana capri,
Alexandre
Birman
42 449 R$ 1 bilhão 9,3% Aberto – Lojas
próprias,
Franquias e
Multimarcas
62 lojas novas
para 2015,
sendo 40 da Ana
Capri franquias
Óticas Carol -
multimarcas
18 738 R$550 milhões –
cresceu mais de
200% entre 2009 e
2013
20% nos
últimos 3
anos
Fechado –
fundo private
equity 3i - lojas
próprias e
franquias
15% para 2015
com mais de
100 novas lojas.
Fonte: elaborado pelos autores.
4. DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA
Existem inúmeros e grandes desafios para as empresas de moda serem bem sucedidas
sustentavelmente na operação do sistema fastfashion – resposta rápida com design
diferenciado, que se apresentam como riscos potenciais e/ou realizados, principalmente para
aquelas empresas que são internacionalizadas e/ou que têm fornecedores no exterior.
10
A decisão de inovar traz consigo uma série de riscos [...]. Cabe analisar esses riscos que
podem ser estratégicos, técnicos, financeiros, operacionais e comerciais. Dentre esses, os
riscos estratégicos e comerciais são os que apresentam o maior peso e trazem as maiores
conseqüências caso as empresas falhem na execução das atividades (DE ANGELO et al,
2012, p. 63).
O quadro a seguir evidencia os principais riscos-problemas da operação fastfashion.
Quadro 3 – Riscos inerentes ao FastFashion no Brasil
Diagnóstico – problema Contexto
1. Planejamento adequado de sourcing Em resposta à demanda das lojas. Caso seja mal
planejado pode trazer significativos prejuízos à coleção
e à marca.
2. Operacionais/técnicos - na gestão da diária da loja, desde o recebimento, exposição
adequada da mercadoria, liderança das
equipes de vendas e controle dos resultados
Com atenção à cobertura de estoque adequado, de acordo com a demanda do consumidor e reporte fiel ao
fornecedor/fábrica. E ter uma equipe de vendas capaz
de colocar em prática o novo conceito/processo e dar
essa mesma leitura ao consumidor em cada
atendimento.
3. Gestão da logística integrada em todos os
níveis: tático, estratégico e operacional (DE
ANGELO, 2012, p. 245)
Com visão de toda cadeia de suprimento, desde o
planejamento até a venda, embalagens, nível de serviço
ao cliente.
4. Custos de agência e cultura empresarial
brasileira (não profissionalizada)
Interesses diferentes entre acionistas/proprietários X
franqueados/administradores, que priorizam agir de
acordo com seus próprios interesses, em detrimento da
empresa e da marca.
5. Comerciais A aceitação dos produtos/serviços pelos consumidores
e sua nova proposta de valor.
6. Gestão de canais de venda Entre lojas próprias, franquias, multimarcas
7. Concorrência desigual com mercado externo Custo Brasil – macroeconomia (carga tributária, encargos trabalhistas, infraestrutura logística deficiente,
grandes distâncias, mão-de-obra desqualificada, et.c)
8. Estratégicos Qual a estratégia competitiva da empresa? O que ela
quer comunicar ao mercado? Qual seu core business e
core competence? Deve ser muito bem definida.
9. Financeiros Ter novidades na loja o tempo todo encarece bastante o
processo
10. Tecnológicos – TI Ter softwares de gestão eficientes, que leiam e traduzam em tempo real as informações de venda para
os fornecedores/fábrica.
Fonte: De Angelo et al (2012) / Ribeiro et al (2013)
Na próxima seção, será feita uma análise integrada entre as cinco empresas investigadas por
este estudo, comparando-se os riscos envolvidos, as falhas e/ou acertos de cada uma delas
em relação às demais.
5. ANÁLISE DA SITUAÇÃO-PROBLEMA
O presente estudo faz uma intervenção teórica descritiva acerca das cinco empresas relatadas
- C&A, Renner e Hering, Arezzo e a Ótica Carol, fazendo-se uma análise crítica em cima do
diagnóstico apresentado, e a sugestão de alternativas possíveis para ele. O centro de todo
11
risco e desafio da operação fastfashion é gestão, em sentido amplo. A empresa Renner opta
por trabalhar em horizonte de longo prazo e define suas estratégias com esse objetivo. Com
metas claras, estabelece bem as competências centrais da empresa e sabe disseminar toda
essa mensagem aos investidores, aos seus funcionários e aos clientes (quem mais importa
em todo processo). A companhia é bem orientada ao consumidor, e uma prova disso é a
existência, há muitos anos, de um medidor chamado “encantômetro” na saída de cada loja da
rede - uma máquina bem colorida, visualmente atraente, na qual o cliente dá sua opinião
sobre o nível de atendimento, os produtos, a experiência de compra naquela loja como um
todo. A companhia foi pioneira em medir isso e é a única que o faz até hoje.
Em um momento de retração econômica, redução do consumo de massa e aumento do
desemprego, as classes A e B são as menos impactadas, a princípio, o que favorece a
estratégia adotada pela empresa, já que o público-alvo segmentado da Renner é justamente
uma faixa acima do público das suas concorrentes, ou seja, menos popular, com ticket médio
na casa dos R$180,00. Sua estratégia também contempla prioritariamente lojas de
shoppings, e não lojas de rua, o que favorece a adesão das classes mais altas, e constrói outra
imagem de marca aos olhos e na mente do consumidor.
No longo prazo, os resultados chegaram, conforme foi relatado acima na seção de
diagnóstico. A empresa planejou, se capitalizou, e hoje está em uma disputa acirrada com a
empresa líder de mercado, a C&A, pelo faturamento anual, e está crescendo a dois dígitos
em vendas e em lucro líquido agora em 2015, na contra mão do mercado.
A C&A notadamente é muito criativa e competente em suas práticas de marketing e estilo.
Tem uma expertise muito forte em planejamento de compras, boas negociações com
fornecedores e distribuição logística, conseguindo reabastecer suas lojas duas a três vezes
por semana. Com nome forte e ampla presença no Brasil e exterior, a rede é bem
reconhecida por estilistas internacionais, o que facilita muito o estabelecimento de alianças
estratégicas com outras marcas menores e celebridades da moda para o desenvolvimento das
collections (mini coleções rápidas específicas), participação em grandes eventos de moda,
desfiles, programas de televisão de massa, etc.
Acredita-se fortemente que é com esse tipo de inovação, por cooperação estratégica, da
C&A com outras marcas/estilistas, que a empresa vem conseguindo manter a liderança do
segmento de fastfashion no Brasil. Sem dúvida é um grande benchmarking (referência).
Os casos da Arezzo, Hering e Óticas Carol são mais específicos por atuarem no sistema de
franquias e com lojas menores. A Óticas Carol, já percebeu o risco e a fragilidade que é ter
mais de 90% da sua rede com capital de terceiros (franqueados), e hoje planeja crescer com
lojas próprias.
Em um momento de crise econômica, crise de confiança no ambiente institucional,
incertezas da classe empresária com o aumento de juros e retração do crédito no mercado, os
franqueados são os primeiros a reduzirem suas compras, seus investimentos nas lojas, na
capacitação das equipes, e até mesmo a fechar unidades dada a falta de controle
administrativo-financeiro no fluxo de caixa em momentos de queda nas vendas. Os
franqueados também são resistentes em aderir a novas tecnologias e novos modelos de
processo (em geral por contenção de custos), como, por exemplo, no caso do controle da
venda e do estoque por RFID, que a rede Óticas Carol implantou apenas em suas lojas
próprias. Com isso, a empresa franqueadora fica então com menor controle sobre a gestão no
ponto de venda, e sobre as decisões de investimento.
Como foi falado antes, é um conflito de agendas. O franqueador tem objetivos de expansão,
de ousadia, de investimento, de assumir riscos, enquanto o franqueado se retrai para proteger
12
o capital que investido. Há que se considerar ainda que o perfil do empresário brasileiro
eleva mais ainda o risco para uma franquia, uma vez que a maioria não é profissionalizado o
suficiente para gerir uma unidade de negócio.
A Arezzo é bem sucedida no mercado há muitos anos. Seu planejamento estratégico anual
contempla uma gestão eficiente das unidades franqueadas, na qual cada consultor de campo
(funcionário da fábrica Arezzo) tem sob sua responsabilidade um número médio de 6 lojas, e
recebem treinamento intenso e freqüente. A comunicação das lojas (a informação das
vendas) é 100% online com os servidores do sistema central da Arezzo. A qualidade e o
design diferenciado no produto, o sortimento eficiente no mix, e o layout das lojas também
contam positivamente para o sucesso. O posicionamento das marcas do grupo (Alexandre
Birman, Schutz, Arezzo e Ana Capri) também é muito claro aos olhos do consumidor. O
índice de satisfação dos franqueados está em 96%.
A Hering, mesmo com toda sua tradição e qualidade reconhecidos, está sendo mais atingida
pelo momento econômico atual, uma vez que a maior parte de seu público consumidor é da
classe B e C. Existe também certa indefinição no posicionamento da empresa aos olhos do
mercado: o que a marca vende? Artigos de moda ou básicos? Qual o foco? Qual sua
competência central? O que sempre foi o DNA da empresa, as malhas básicas, deu lugar a
artigos importados da China de forma massificada. A exposição dos produtos nas lojas ficou
confusa. As mini coleções rápidas, desenhadas e lançadas dentro do conceito fastfashion,
são prejudicadas pelos interesses diversos dos franqueados que não apostam na compra dos
produtos e pela logística que é complexa e atrasa a chegada das peças nas lojas em regiões
mais distantes.
Assim, a empresa, em um esforço por crescimento em tamanho e participação de mercado,
focou em inaugurar novas lojas pelo Brasil e acabou criando forte dependência dos canais de
venda sob controle de terceiros: as franquias e as multimarcas, que representam 86% das
lojas da companhia. A evidência mais clara do descolamento de resultados entre os canais de
venda é que no primeiro trimestre de 2015 as vendas nas lojas próprias, com controle e
gestão direta da companhia, cresceram 4,5%, enquanto nos demais canais recuaram 1,9%. A
estratégia agressiva deixava a desejar muitas vezes ao não observar peculiaridades essenciais
que diferenciam as regiões do país como o clima, as distâncias, a cultura, a infra-estrutura
logística e órgãos governamentais burocráticos, fazendo com que a mercadoria que deveria
estar nas lojas em determinado dia não chegasse, colocando a perder o sentindo central do
fastfashion, e prejudicando a imagem da marca. E, também, ao não observar estritamente o
perfil dos franqueados selecionados, cedendo à pressão por resultados de crescimento.
O atendimento à rede de franqueados também era prejudicado. Alguns consultores de campo
chegavam a ter até mais de 15 lojas sob sua responsabilidade em diversos estados diferentes,
e atuavam com o atendimento de todas as marcas da companhia, mesmo que fossem
completamente diferentes em público-alvo, mix de produtos, compras, exposição, etc.
Contudo, a empresa é bem capitalizada, tem boa geração de caixa livre e, principalmente,
por sofrer pressões dos investidores, já está revendo suas estratégias internas de gestão.
Cietta (2010, p. 42) diz: “Existe uma consciência da necessidade de diferenciar marcas e
ofertas com o objetivo de não enfraquecer a mensagem direta a targets específicos.” A
comunicação de marca da Hering transmite ao mercado a mensagem de quem atende
democraticamente a “todos” os públicos, do A ao D. Enquanto era novidade, após seu
reposicionamento no mercado em 2007, funcionou bem, a empresa cresceu, se capitalizou,
ganhou mercado e remunerou seus acionistas. Atualmente, após alguns anos, o modelo
fastfashion nas franquias mostra fadiga e falta de clareza. O público A não quer mais ser
notado com uma roupa massificada, e para o C/D o preço médio é alto.
13
Enfim, para uma empresa de moda inovar com sucesso e viabilizar a operação fastfashion
gerando valor, a gestão eficiente é o ponto chave do negócio, envolvendo a gestão entre os
canais de distribuição, gestão de compras/produção, gestão da logística integrada, gestão
financeira, gestão mercadológica (clientes), gestão da informação e gestão de pessoas.
A figura abaixo demonstra a solução para a operação do sistema fastfashion, sob o ponto de
vista das necessidades do cliente que, sendo monitoradas corretamente, puxam toda a cadeia
em uma lógica inversa à do sistema tradicional. É um sistema circular de consumo-
produção, que precisa ser adequadamente compreendido pelo corpo executivo das empresas.
Figura 1 – Sistema híbrido de suprimento “empurra-puxa”
Fonte: dados da pesquisa 2015
Assim, superando os desafios expostos na seção três deste relato, a tendência é que a
empresa praticante do fastfashion consiga ser mais assertiva nas previsões de vendas,
reduzindo os riscos de estoques parados nas lojas e evitando as grandes remarcações que
derrubam suas margens. Cietta (2010) declara: “As empresas que foram capazes de explorar
a natureza híbrida dos produtos de moda, mudando o modelo de negócio e a organização
criativa, produtiva e distributiva, tem tido grande sucesso. [...] para ser eficaz, porém, tem
que conhecer muito bem o consumidor.” Hoffman (2011 apud Cietta, 2010) completa: “[...]
deve haver um monitoramento contínuo das informações de vendas e interesses dos clientes.
A interpretação de tais informações de forma correta permite o ajustamento das ações do
fastfashion, o que diminui o risco e permite testar novas alternativas e buscar a diferenciação
e o atendimento pleno do consumidor.”
Nesta linha, entende-se então a teoria da agência, pela ótica do cliente. As empresas
varejistas de moda precisam capturar a “agenda” do consumidor para alcançar vantagem
competitiva sustentável, produzindo ou comprando o mais próximo do momento do
consumo e fazendo uma gestão eficiente da cadeia produtiva com ferramentas de gestão para
tratar adequadamente as informações de consumo e tendências desejadas.
Apostar no fastfashion é muito arriscado para empresas que não estejam com suas atividades
internas bem organizadas e definidas por toda a cadeia e por todos na organização. Caso não
tenham um bom nível de maturidade operacional não conseguem produzir/entregar/vender
no prazo devido e na qualidade exigida pelas lojas e pelos clientes.
Em um país como o Brasil, com cinco regiões muito distantes e diferentes entre si (Norte,
Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste) pelo clima, cultura, hábitos de consumo, com infra-
estrutura logística precária, um sistema tributário complexo, sistema de
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telecomunicações/internet deficiente, baixo nível educacional da população e de capacitação
empresarial, com ambiente institucional confuso, entre outros, todos os desafios são
potencializados e, torna-se de fato desafiador para as empresas manter sustentabilidade de
resultados financeiros (retornos ao acionista) e de efetividade operacional no longo prazo,
dentro dos pressupostos do sistema fastfashion.
Porter (1996) enfatiza que uma companhia precisa mudar sua posição estratégica se
ocorrerem grandes mudanças estruturais na sua indústria de atuação. A opção da empresa
por novas posições deve ser guiada pela habilidade de fazer escolhas, os trade-offs. A
necessidade pelos trade-offs na estratégia de uma empresa ocorre por três fatores: primeiro
quando ocorrem inconsistências de imagem ou reputação; segundo derivam das próprias
atividades internas (produtos diferentes, equipamentos, habilidades, comportamentos dos
empregados, etc); e terceiro as “escolhas estratégicas” derivam de limitações na coordenação
e no controle interno da companhia (p. 9). Acredita-se, assim, que as cinco empresas
relatadas aqui estejam alinhadas com esses conceitos, mesmo aquelas que apresentam
resultados desfavoráveis em sua conjuntura atual, que buscam se realinhar.
6. CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA-SOCIAL
Assim, o sistema fastfashion, por dar acesso ao que é “aspiracional” ao consumidor tem
mostrado bons resultados no Brasil e no exterior de forma geral. Nesse sentido, é cada vez
mais comum empresas de outros segmentos, que não de vestuário, aderirem ao modelo,
como é o caso da Óticas Carol relatado neste estudo. A inovação no processo fastfashion é
tão atraente que as empresas passam a ser fornecedoras de indicações e tendências para
outras empresas tradicionais, já que estão sempre em busca de novidades do mundo da
moda. Dessa forma, é interessante que os executivos do varejo monitorem e avaliem a
possibilidade de sua implantação como uma estratégia de negócios de expansão e
sustentabilidade, tendo como foco a geração de valor superior ao consumidor.
Para a realidade brasileira, o processo tem ainda uma contribuição especial: a de inclusão
social das classes de baixa renda. As classes C e D tiveram acesso, através da oferta da
“moda rápida” a coleções de artigos de valor agregado, com preços acessíveis, boas
condições de pagamento e o design diferenciado de marcas renomadas. Se for considerado
que o consumo brasileiro de vestuário, calçados/acessórios e cosméticos só perde para
alimentação e moradia, na divisão do orçamento da população, a contribuição ganha ênfase.
Para as classes sociais com melhor poder aquisitivo, o fastfashion significa trazer para o
Brasil práticas, modelos e tendências de moda que são realidade no exterior, essencialmente
na Europa e nos Estados Unidos, promovendo então o engajamento da sociedade brasileira
aos movimentos tecnológicos e culturais que ocorrem lá fora.
As empresas que inovaram e se arriscaram e reformularam seus processos dentro do cenário
brasileiro de negócios, relatado neste estudo, obtiveram resultados significativos, no médio e
longo prazo, e assim devem continuar por um bom tempo se houver vigilância na gestão.
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