A repercussão do Curso Técnico Florestal na perspectiva de egressos da Turma 2009/2010 da Escola...

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1 A repercussão do Curso Técnico Florestal na perspectiva de egressos da Turma 2009/2010 da Escola da Floresta Gilmar Ramom dos Santos Gomes 1 Orientadora: Msc. Patrícia Nakayama Miranda 2 Resumo O Centro de Educação Profissional Escola da Floresta Roberval Cardoso, Rio Branco-AC, oferta a Formação Profissional em Técnico Florestal para jovens e adultos de comunidades campesinas para que atuem na produção florestal considerando os princípios da sustentabilidade. O presente trabalho procurou identificar e analisar as repercussões dessa formação na perspectiva de egressos do curso ofertado no período de 2009-2010. Para obtenção dos dados, foi realizada a abordagem qualitativa com os técnicos utilizando questionários e entrevistas. A repercussão mais citada pelos entrevistados foi a mudança de perspectiva da dimensão ambiental sobre sua vivência pessoal e profissional, pois deve-se a transversalidade da competência de sustentabilidade no curso. Sobre a relação dos conhecimentos populares prévios com os técnico-científicos da área florestal, foram comentados que temas estudados como sustentabilidade e manejo florestal são assuntos aplicáveis a sua realidade. Quanto o diálogo desses conhecimentos, foi diagnosticado que são adaptáveis conforme a ocasião e que a escola propiciou pela sua metodologia a valoração de saberes tradicionais. Em relação as futuras repercussões, os entrevistados visualizam com otimismo as possíveis contribuições que o curso ainda pode oferecer como crescimento pessoal e profissional, ingresso e permanência em um curso superior e ajuda profissional para as comunidades tradicionais da Amazônia. Diante do exposto, ressalta-se a importância de aprimorar a formação de técnicos 1 Biólogo e licenciado pela Universidade do Estado de Mato Grosso; atuou como assistente técnico, mediador de aprendizagem e coordenador pedagógico em cursos profissionalizantes (inclusive o Técnico Florestal) ofertados pelo Centro de Educação Profissional Escola da Floresta Roberval Cardoso, Rio Branco/Acre; E-mail: [email protected] ? Bióloga e licenciada pela Universidade Estadual de Londrina, Esp. em Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA e M.Sc. em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais pela Universidade Federal do Acre; trabalhou como mediadora de aprendizagem do Curso Técnico Florestal da Escola da Floresta e atua como professora de Educação Básica em Rio Branco pela Secretaria de Estado de Educação; E-mail: [email protected] 2

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A repercussão do Curso Técnico Florestal na

perspectiva de egressos da Turma 2009/2010 da Escola

da Floresta

Gilmar Ramom dos Santos Gomes1

Orientadora: Msc. Patrícia Nakayama Miranda2

ResumoO Centro de Educação Profissional Escola da Floresta Roberval

Cardoso, Rio Branco-AC, oferta a Formação Profissional em Técnico Florestalpara jovens e adultos de comunidades campesinas para que atuem na produçãoflorestal considerando os princípios da sustentabilidade. O presentetrabalho procurou identificar e analisar as repercussões dessa formação naperspectiva de egressos do curso ofertado no período de 2009-2010. Paraobtenção dos dados, foi realizada a abordagem qualitativa com os técnicosutilizando questionários e entrevistas. A repercussão mais citada pelosentrevistados foi a mudança de perspectiva da dimensão ambiental sobre suavivência pessoal e profissional, pois deve-se a transversalidade dacompetência de sustentabilidade no curso. Sobre a relação dos conhecimentospopulares prévios com os técnico-científicos da área florestal, foramcomentados que temas estudados como sustentabilidade e manejo florestal sãoassuntos aplicáveis a sua realidade. Quanto o diálogo desses conhecimentos,foi diagnosticado que são adaptáveis conforme a ocasião e que a escolapropiciou pela sua metodologia a valoração de saberes tradicionais. Emrelação as futuras repercussões, os entrevistados visualizam com otimismoas possíveis contribuições que o curso ainda pode oferecer como crescimentopessoal e profissional, ingresso e permanência em um curso superior e ajudaprofissional para as comunidades tradicionais da Amazônia. Diante doexposto, ressalta-se a importância de aprimorar a formação de técnicos

1 Biólogo e licenciado pela Universidade do Estado de Mato Grosso; atuou como assistentetécnico, mediador de aprendizagem e coordenador pedagógico em cursos profissionalizantes(inclusive o Técnico Florestal) ofertados pelo Centro de Educação Profissional Escola daFloresta Roberval Cardoso, Rio Branco/Acre; E-mail: [email protected]

? Bióloga e licenciada pela Universidade Estadual de Londrina, Esp. em Educação ProfissionalIntegrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA e M.Sc. emEcologia e Manejo de Recursos Naturais pela Universidade Federal do Acre; trabalhou comomediadora de aprendizagem do Curso Técnico Florestal da Escola da Floresta e atua comoprofessora de Educação Básica em Rio Branco pela Secretaria de Estado de Educação; E-mail:[email protected]

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conforme as necessidades e potencialidades das comunidades campesinas paraassim o egresso realizar o retorno profissional esperado a sua comunidade.

Palavras-chaves: técnico florestal, repercussão, egressos

AbstractThe Center of Professional Education Escola da Floresta Roberval

Cardoso, Rio Branco-AC, offer professional training for forest communitiesto act in forest production considering the principles of sustainability.The objective of the present study was identify and analyze theimplications of such training in the perspective of graduates of the courseoffered in the period 2009-2010. To obtain the data, was realized aqualitative research with technicians using questionnaires and interviews.The consequences most commonly cited by graduates was the change inperspective of environmental about their personal and professionalexperience, because the competence of sustainability is in the course. Onthe relationship of inicial popular knowledge and scientific knowledge inforest area, sustainability issues and forest management are part of thereality of graduates. Was also diagnosed the occurrence of adaptation ofknowledge based on the need of graduates and the school values thetraditional knowledge through of the methodology. About the futurerepercussions of the course, the graduates have optimism about thecontributions like personal and professional growth, entry and stay inuniversity and professional assistance to communities in the Amazonia.Therefore was conclused about the importance of improving the training oftechnicians according to the needs and potential of communities to ensuregraduates return to their community.

Keywords: forest technician, repercussion, graduates

1 INTRODUÇÃO

A educação é um direito garantido pela constituição

brasileira (BRASIL, 1988) a todas as pessoas, sendo a família

e o Estado as instituições responsáveis para sua efetividade.

Porém, a educação formal que é estabelecida pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação de 1996, cuja oferta deve ser

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realizada pelo Estado não está disponível na sua plenitude a

alguns segmentos sociais, como as comunidades

campesinas/rurais.

O Estado do Acre possui a zona rural de seus municípios

caracterizada por comunidades que desenvolvem a produção

rural/florestal com práticas e conhecimentos nas áreas do

extrativismo, agrofloresta, agricultura e pecuária. Diante do

contexto amazônico, estas comunidades possuem conhecimentos e

práticas de grande valoração que permitem a articulação de

diversos saberes. Verifica-se, assim, a importância de

realizar educação formal contextualizada com a cultura das

populações rurais/campesinas.

A formação profissional na área florestal tem sido

oferecida no Acre na forma de cursos técnicos para jovens e

adultos que atuam como extrativistas e/ou agricultores

familiares. Dessa forma, Acre (2004) informa que a Escola da

Floresta, como unidade estadual desse tipo de ensino, objetiva

realizar a formação de profissionais com perfil de trabalhar

com a valorização dos recursos naturais e conhecimentos locais

para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Para o desenvolvimento de tal objetivo é necessário que a

Escola analise a atuação dos técnicos florestais através do

acompanhamento dos egressos. Com esses resultados, os

profissionais da escola poderão avaliar sua proposta

pedagógica, suas atividades de ensino-aprendizagem, currículo

e missão institucional.

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O presente estudo tem como objetivo identificar e

analisar as repercussões da Formação Profissional em Técnico

Florestal na perspectiva de jovens e adultos egressos do curso

ofertado no período de 2009-2010 pela Escola da Floresta,

Acre. Neste contexto, este trabalho visa: descrever os

aspectos em que a formação profissional repercutiu na

realidade dos egressos; analisar as convergências e

divergências dos saberes trabalhados no curso com os

considerados tradicionais (os que são presentes na cultura do

egresso) e identificar as possíveis mudanças que a formação

ainda poderá provocar.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 A EDUCAÇÃO FLORESTAL NO ACRE

O Estado do Acre está situado no extremo sudoeste da

Amazônia brasileira possuindo cerca de 650 mil habitantes,

cuja maioria está na capital Rio Branco. Politicamente está

dividido em quatro regionais de desenvolvimento: Alto Acre,

Baixo Acre, Purus, Tarauacá / Envira e Juruá.

Existe no Estado a oferta da educação profissional

através de instituições como o Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC) e o Instituto de

Desenvolvimento da Educação Profissional Dom Moacyr (IDM) que

são governamentais, além de outras como o Sistema “S”: Serviço

Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de

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Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) etc.

O IDM é uma autarquia do Governo Estadual que possui uma

política de expansão da Educação Profissional e Tecnológica

através de cursos de formação básica e de habilitação técnica

em diversas áreas profissionais (ACRE, 2009). Gerencia Centros

de Educação Profissional em diversas áreas (saúde, serviços e

meio ambiente), sendo a Escola da Floresta responsável pela

oferta de cursos na área rural.

Conforme seu Projeto Político Pedagógico (ACRE, 2008), o

Centro de Educação Profissional Escola da Floresta, antigo

Colégio Agrícola, atua no desenvolvimento da formação

profissional de jovens e adultos trabalhadores oriundos de

comunidades rurais/florestais. A formação baseia-se em cursos

referente às áreas profissionais de agropecuária, turismo,

indústria e meio ambiente.

Dentro da área de agropecuária está incluso o curso

Técnico Florestal, cuja oferta se fundamenta, segundo Acre

(2010), no fato do Estado possuir uma extensa área de

cobertura vegetal (88%) com potencial para atividades

econômicas na área florestal, especialmente a madeireira.

De acordo com o Plano de Curso (ACRE, 2004), a

habilitação profissional do Técnico Florestal está a nível

pós-médio, sendo sua carga horária de 1.500 horas. Em seu

perfil profissional, o Técnico Florestal pode atuar no manejo

florestal, implantação de unidades florestais, produção de

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mudas em viveiros, recuperação de áreas degradadas,

beneficiamento de produtos florestais, gestão de empresa

florestal e orientação comunitária. As competências

profissionais a serem desenvolvidas no itinerário do curso

compreendem os eixos temáticos em sustentabilidade, manejo

florestal e neoextrativismo, beneficiamento e comercialização,

projetos e documentos técnicos, organização comunitária e

gestão, e por fim a educação florestal. De acordo com

Oliveira, Gomes & Roth (2011), já foram formados 136 técnicos

florestais no período de 2005 a 2010 pela Escola da Floresta.

2.2 EDUCAÇÃO - CAMPO, SUSTENTABILIDADE E TRABALHO

Será utilizado o termo “campo” no presente artigo para

retratar a localidade de origem dos técnicos formados, pois o

Parecer CEB 36/2001 indica que a educação do campo abrange a

floresta, pecuária, agricultura, ribeirinhos, extrativistas

entre outros.

Sobral (2005) coloca que com a implantação da Revolução

Verde a partir de 1960 no Brasil, as escolas que trabalhavam

com o ensino agrícola proporam fundamentação téorico-prática

que possibilitasse os alunos aplicar na realidade da área de

agropecuária. Os programas educacionais objetivavam superar o

“atraso” dos pequenos produtores rurais para inserí-los na

modernização da agricultura.

É questionada por Soares (2001) a formação do técnico

agrícola diante dos problemas socioambientais ocasionados pela

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Revolução Verde. Ela propõe que seja realizada uma reflexão

sobre as consequências da agricultura moderna e sobre os

conceitos de caráter mais ambiental e humanístico como

agricultura familiar, agroecologia, desenvolvimento

sustentável etc. Primack & Rodrigues (2001) informa que o

conceito de desenvolvimento sustentável tem sido proposto como

essencial nas ações humanas.

Apesar de não existir ainda bibliografias suficientes que

discutam e indiquem especificamente a Educação Florestal,

Barros-Ahrens, Ahrens & Ahrens (2009) situa a Educação

agroecológica como alternativa possível de proporcionar a

construção da dignidade de vida ao agricultor familiar, já que

ela deve promover o conhecimento e desenvolver a criticidade.

Este público necessita de uma educação mais adequada ao seu

contexto rural para assim exercer a sua cidadania.

O trabalho no campo no Brasil, de acordo com Vendramini

(2007), corresponde um conjunto diversificado de atividades

(agricultura, pecuária, extrativismo etc) em diferentes

ocupações de espaço o que evidencia desigualdade social.

Assim:

Constitui espaço de trabalho, de vida, de relações

sociais e de cultura de pequenos agricultores; espaço de

grande exploração de trabalhadores, especialmente o

trabalho temporário, sem relações contratuais, de

pessoas que vagueiam pelo país para acompanhar os

períodos de colheitas [...]; espaço de terras para

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reserva de valor; espaço de produção para o agronegócio;

espaço de difusão de tecnologias e de modificação

genética [...]; e espaço para o descanso, [...], o lazer

e o contato com a natureza. (p. 124-125)

Quando se comenta sobre as relações de trabalho da

agricultura familiar, é importante destacar sobre o processo

de sucessão. É importante identificar quais perspectivas e

condições os jovens possuem para fazer permanecer o exercício

profissional como trabalhadores rurais de seus pais. Segundo

Weidg, Wizniewsky & Rambo (2007), a juventude rural é

imprescindível para manter a agricultura familiar, porém o

“ficar” e o ”sair” depende de vários fatores. Os autores

destacam que há uma leitura urbana sobre tal jovem, o que

influencia no desejo deste em estabelecer-se na cidade, assim

como no direcionamento de políticas públicas.

3 METODOLOGIA

A pesquisa proposta é de caráter básico, pois segundo

Castilho, Borges & Pereira (2011) esse tipo de pesquisa

procura obter conhecimentos com possibilidade de serem

aplicados a um determinado contexto, mas sem finalidade

imediata e limitação temporal. Assim, os resultados obtidos

poderão ser utilizados tanto no monitoramento sobre a atuação

dos técnicos no mundo do trabalho quanto na reflexão da

proposta educacional da Escola da Floresta. Quanto a

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abordagem, esta foi de forma qualitativa, pois considerou-se

as perspectivas (subjetividades) dos sujeitos. Esta abordagem

possibilita que os entrevistados exponham suas diversas idéias

sem a influência demasiada do pesquisador.

Realizou-se um estudo de caso com egressos do Curso

Técnico Florestal. As perguntas realizadas abordaram aspectos

como: (1) experiência como estudante; (2) mudanças durante a

formação; (3) expectativas ao finalizar o curso; (4)

repercussão; (5) relação dos conhecimentos prévios com o

conhecimento técnico; (6) mudanças que a formação

proporcionará futuramente e (7) atuação profissional atual.

Para a coleta de dados, foram entrevistados 05 jovens e

adultos que obtiveram a formação profissional em técnico

florestal pela Escola da Floresta da turma 2009-2010. Os

sujeitos de pesquisa foram selecionados por adesão voluntária,

conforme sua disponibilidade para a pesquisa. Como ferramentas

de coleta de dados foram utilizados questionários e

entrevistas semi-estruturadas sendo aplicadas com a presença

do pesquisador ou de comunicação com trocas de mensagens por

internet (via e-mail). Além disso, foi realizada a leitura de

documentos oficiais como relatório de execução e plano de

curso.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

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O período de atividades de ensino-aprendizagem dos

técnicos entrevistados foi de outubro de 2009 a dezembro de

2010 (Oliveira, Gomes & Roth, 2011). Os estudantes da turma

eram provenientes de comunidades rurais/florestais com

potencial para manejo florestal comunitário de todas as

regionais do Estado. Ficavam na escola em condição de

residência mantida pelo governo estadual. Entre os requisitos

de acesso, deveriam ter idade igual ou superior a 18 anos e

Ensino Médio completo.

Nesse contexto, o curso sugere que os técnicos retornem a

sua própria comunidade para realizar sua atuação profissional.

Supõem-se que ocorra a oferta de educação profissional para

comunidades do campo voltada as potencialidades produtivas do

local aliada com o desenvolvimento socioambiental.

Quando foi perguntado aos técnicos florestais sobre a

oportunidade de ter feito o curso, foram citados comentários

como: contribuições na formação humana e profissional;

processo desafiante por estar distante da família; ótima

experiência por ter atividades de ensino-aprendizagem como

visitas e atividades teóricas; vontade inicial de apenas um

emprego no futuro transformada em interesse por contribuir com

a sustentabilidade de sua comunidade.

É verificável que no decorrer do curso os estudantes

tendem a se socializar mais, devido as estratégias de ensino-

aprendizagem incluírem muitos trabalhos em equipe e a

convivência propiciada pelo regime de residência na escola. De

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forma mais geral, identifica-se a contribuição do estudo no

desenvolvimento interpessoal e na sociabilidade. Assim, é

importante que a unidade de ensino trabalhe além dos

conhecimentos sistematizados inerentes a natureza do curso

(florestas), a formação geral da pessoa (o que inclui a

cidadania), pois para Freire (1983) o homem é um ser relações,

pois está no mundo e com o mundo.

No que se refere a natureza da formação, foi

diagnosticado na fala dos entrevistados a satisfação pessoal

de estudar o curso e o entendimento da proposta ideológica da

habilitação técnica. Conforme o Manual do Técnico Florestal da

Escola da Floresta (ROTH et al, 2009), o projeto do curso visa

trabalhar com manejo florestal e vivências comunitárias na

perspectiva dos técnicos atuarem nas comunidades e

instituições difundindo conhecimentos do manejo.

Foi perguntado aos técnicos que mudanças ocorreram

enquanto estavam na condição de estudante. Houve respostas

como: obtinha continuamente um desempenho maior no

aprendizado; aprendia a ter mais respeito pelas pessoas;

percebia que poderia trabalhar em equipe; exercitava a

tolerância em sua prática social; desenvolvia a capacidade de

compartilhar conhecimento; permitia conhecer as diferentes

realidades dos colegas.

O fato de terem estudado em regime de internato na Escola

propiciou o aprimoramento de sua sociabilidade. Os jovens e

adultos tinham que exercitar sua prática social de alcance a

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um convívio mais harmonioso para assim conseguir se

estabelecer no local e por fim ter capacidade psicológica de

finalizar o curso. Em seu estudo sobre a experiência de vida

em internato de estudantes de ensino técnico, Morais et al

(2004) destaca o aspecto positivo do internato considerando

como um espaço:

No qual o convívio com pessoas diferentes e com

situações que exigem a resolução de problemas

(administração de horários, tarefas, conflitos

interpessoais, a separação da família) pode levar ao

desenvolvimento dos sentimentos de cooperação,

solidariedade e identidade grupal, além da intimidade e

da autonomia em administrar a própria vida.” (p. 9)

Outra mudança citada foi a valorização maior dos recursos

naturais. A sustentabilidade na dimensão ambiental está muito

presente na mudança de perspectiva dos entrevistados enquanto

eram estudantes. Um dos fatores para essa particularidade se

deve a natureza do curso, pois durante a formação os educandos

puderam comparar técnicas de manejo consideradas menos

impactantes com práticas convencionais. Além disso, foi

contextualizado sobre princípios gerais da educação ambiental

como atitudes cotidianas “mais sustentáveis” (preservação da

biodiversidade, uso do lixo, respeito as diferenças pessoais

etc.). Miranda (2010) indica que tal formação, apesar da

necessidade de ajustes, propicia que os técnicos apliquem

métodos e técnicas que consideram a dimensão ambiental da

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sustentabilidade confrontando com a formação embasada na

exploração florestal convencional.

Questionou-se aos entrevistados qual era sua visão de

futuro diante da formação técnica recém finalizada. A maioria

das respostas indicou que tinham como principal perspectiva a

oportunidade de ter um emprego formal. Um entrevistado disse

que após a formatura achou que seria um diferencial na sua

comunidade, pois poderia ajudar as pessoas a se

conscientizarem. Um técnico disse que geralmente após terminar

o curso espera-se retornar para a comunidade para desenvolver

algum trabalho, porém nem sempre se realiza os desejos

pessoais devido a dominância do capitalismo.

A proposta dos técnicos retornarem à comunidade de origem

é compreensível e fundamentada, pois além de ser uma política

do curso, esse retorno possibilita que a comunidade campesina

busque a melhoria de suas condições com a ajuda profissional

definindo estratégias que permitam o desenvolvimento local

conforme a potencialidade ecológica-econômica. Roth et al

(2009) justifica que o técnico florestal deve trabalhar

práticas de manejo florestal e vivência comunitária pautada na

sustentabilidade, assim espera-se que tal profissional atue

tanto nas comunidades como em instituições como agentes de

transformação.

É importante salientar que alguns técnicos não têm

vontade de voltar ao campo, pois consideram que este

geralmente não propicia uma melhoria na qualidade de sua vida.

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Caldart (2009) alerta que as escolas agrotécnicas não atendem

as necessidades do campo, pois foram fundamentadas para

expandir o capital, o que explica o porquê um camponês que

estuda em uma escola considerada agrícola, geralmente deixa de

ser trabalhador rural e abandona a vida do campo.

Um fator que explica, em partes, sobre a “dominância do

capitalismo” citado por um dos entrevistados, é o fato que a

educação profissional de forma generalizada é muito vinculada

aos sistemas de produção definidos pela tendência

mercadológica mundial. Oliveira (2003) ressalta que a

racionalidade neoliberal propõe que a escola se sujeita como

formadora de mão-de-obra qualificada ao mundo do trabalho.

Pensar a escola sob a ótica da empresarial pode provocar

implementações negativas para a realidade escolar.

Outro aspecto perguntado foi sobre a repercussão do curso

em sua vida depois de finalizada a formação. De acordo com os

técnicos o fator de maior impacto foi a mudança de perspectiva

sobre o aspecto ambiental do meio. Um dos entrevistados

afirmou que realizava atividades bastante impactantes e que

discordava das ações dos órgãos fiscalizadores sobre o uso da

terra. Agora possui uma sensibilidade maior em relação ao meio

ambiente e pôde em sua comunidade orientar sobre o manejo das

áreas de terra de forma menos impactante. Outro técnico

colocou que mesmo não trabalhando na área, o curso repercutiu

para si na forma de fortalecer a consciência da importância da

preservação do meio ambiente.

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Neste contexto, a sensibilização ambiental deve-se a

aplicabilidade da missão didático-pedagógica da Escola em

Floresta que consiste em desenvolver cursos de educação

profissional com a transversalidade da competência

profissional em sustentabilidade. A concepção desta

competência se aproxima do paradigma definido por Carvalho

(2007) em que alia desenvolvimento rural com preservação da

biodiversidade propondo a valoração do saber popular, cultivo

e criações combinadas que respeitem a biodiversidade,

autonomia no seu manejo pelos camponeses entre outras

sugestões.

Ainda sobre a repercussão do curso, foi comentado por

outros entrevistados que o mesmo possibilitou seu ingresso no

mercado de trabalho e que pela profissão pode ajudar as

pessoas em suas propriedades rurais. Alguns dos entrevistados

possuem trabalho relacionado a área florestal, mas não atuam

diretamente nas propriedades de seus familiares. Assim, o

curso proporcionou a empregabilidade para alguns técnicos

visto que a oferta de tal formação busca atender a demanda

produtiva, porém geralmente essa atuação profissional não

ocorre na comunidade do técnico. Nisso, Weidg, Wizniewsky &

Rambo (2007) ajudam a justificar tal processo pelo estudo que

realizaram sobre sucessão hereditária da agricultura familiar

em um assentamento gaúcho. Na pesquisa, eles concluem que os

jovens não permanecem no campo pela ausência de recursos

financeiros e do “dinheiro garantido” mensal, além da falta de

16

políticas promotoras de permanência no campo com qualidade de

vida.

Perguntou-se aos técnicos sobre como é a relação dos

conhecimentos técnico-científicos obtidos no curso com os

saberes populares provenientes de sua realidade

rural/florestal. Foi citado como mais importante neste

processo o estudo da sustentabilidade que se tornou aplicável

em sua realidade. Além disso, temáticas comuns a realidade

campesina dos entrevistados como manejo florestal, floresta e

seus produtos, biodiversidade e cooperativismo foram

trabalhadas no curso.

A contextualização dos temas citados acima referentes à

produção agroextrativista foi promovida devido ao

desenvolvendo de atividades de ensino-aprendizagem que

envolvia assuntos relacionados à sustentabilidade

socioambiental e manejo florestal madeireiro e não-madeireiro.

Miranda (2010) analisou o Plano de curso do Técnico Florestal

e considera sua organização curricular adequada visto que as

competências descritas estão pautadas em princípios ecológicos

que habilitam para o manejo florestal sustentável de uso

múltiplo.

Sobre a forma como tais saberes se dialogam, um dos

técnicos comenta que procura fazer a junção dos dois tipos de

conhecimentos e que adapta sua utilização conforme a

necessidade ou ocasião. Já outro entrevistado coloca que

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adquiriu e compartilhou conhecimentos que antes possuía sobre

a realidade agroextrativista, mas que não valorizava.

Destacam-se nestes relatos as estratégias de ensino-

aprendizagem do Plano de Curso (ACRE, 2004) que incluem o

diálogo e a valoração de conhecimentos que para alguns eram

considerados irrelevantes. Assim, a educação relacionada ao

campo, principalmente para o público de jovens e adultos,

deve-se priorizar nas suas estratégias pedagógicas o diálogo

dos saberes, com a valorização do conhecimento popular dos

educandos sem o desmerecimento do saber sistematizado

(conhecimento técnico-científico). Freire (1987b) coloca que

sem o diálogo não há comunicação e sem esta não há a

verdadeira educação.

Quanto às possíveis repercussões futuras com a formação

técnica foi citado pelos entrevistados: ter avanços tanto

profissional como pessoal; obter contribuições na sua formação

acadêmica; conseguir cursar uma faculdade na área que está

atuando; ajudar profissionalmente as populações tradicionais

da Amazônia.

De forma geral, os entrevistados possuem uma visão

otimista sobre as futuras repercussões de sua formação. É

considerado que seu aprimoramento técnico será conduzido com a

mudança pessoal, pois Freire (1987) indica que seres humanos

são inconclusos e históricos, sempre em permanência de “ser

mais”.

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Os saberes apreendidos são relevantes, mesmo que não leve

para uma prática profissional imediata, como por exemplo, os

conhecimentos ajudarem no ingresso e desenvolvimento de uma

faculdade. Identifica-se também o anseio de contribuir

tecnicamente para comunidades do campo, o que Freire (1983)

enfatiza sobre o compromisso do profissional com a sociedade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aspecto da formação técnica florestal que mais

repercutiu para os egressos refere-se à compreensão dos

princípios da sustentabilidade, visto que os entrevistados se

apresentam sensibilizados ao tema, havendo relatos de técnicos

que trabalham com tal proposta em sua prática cotidiana e/ou

sua vivência profissional. Outras repercussões foram a

oportunidade de emprego e a contribuição que realiza para sua

comunidade de origem.

Sobre a relação dos saberes tradicionais com os técnicos-

científicos, destaca-se a correlação dos temas estudados no

curso (exemplos: sustentabilidade ambiental e manejo

florestal) com a realidade das comunidades de origem dos

egressos e a estratégia pedagógica que possibilitava o diálogo

dos conhecimentos.

Sobre as repercussões que a formação ainda poderá

propiciar, os técnicos relatam que esperam obter crescimento

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profissional e pessoal, desempenhar ações de melhoria em suas

comunidades e utilizar os saberes na universidade.

Os técnicos reconhecem a proposta pedagógica da Escola da

Floresta por argumentar que exercitaram sua sociabilidade na

condição de educando e por se apresentar mais sensíveis sobre

a sustentabilidade.

Diante da pesquisa, propõe-se que a Escola da Floresta

implante um mecanismo padrão de acompanhamento que analise a

atuação profissional dos técnicos formados. Além disso, é

importante o aprimoramento contínuo dos currículos com a

finalidade de desenvolver uma educação do campo que ajude no

desenvolvimento socioambiental das comunidades campesinas da

Amazônia (agricultura familiar e extrativismo) e que os

técnicos, jovens e adultos do campo, atuem em tais

comunidades.

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