RECLAMAÇÃO NA REPERCUSSÃO GERAL

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FOLHA DE IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA JUNIOR Advogado Consultor Jurídico do Estado de Santa Catarina Professor do Centro Universitário Barriga Verde (UNIBAVE) Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro de Ensino Superior Sul Brasileiro (CESULBRA).

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FOLHA DE IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR

ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA JUNIOR

Advogado

Consultor Jurídico do Estado de Santa Catarina

Professor do Centro Universitário Barriga Verde (UNIBAVE)

Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro de Ensino Superior Sul

Brasileiro (CESULBRA).

RECLAMAÇÃO NA REPERCUSSÃO GERAL

1. Enfoque inicial; 2. Supremacia Constitucional; 3. Recurso Extraordinário

e a Jurisdição Constitucional; 4. Repercussão geral e

inconstitucionalidades; 5. Reclamação como Garantia da Competência e da

Função Nomofilática do Supremo; 6. Enfoque final.

1. Enfoque Inicial.

Por uma mirídade de razões, que não nos cabe aqui inventariar, a jurisdição

constitucional brasileira assumiu relevância sobranceira, ostentando o Supremo Tribunal

Federal posição de destaque no Poder Judiciário brasileiro, mormente considerado o

inconsciente coletivo. A preeminência já era assegurada formalmente pela Constituição

(artigo 92).

A voz corrente, repetida em cantilena, “vou até o Supremo Tribunal Federal”,

posteriormente transformada em ato pela interposição do recurso extraordinário, abarrotou

os escaninhos e congestionou a pauta do Supremo Tribunal Federal.

Pois bem, esse arquétipo incrementou sobremaneira, de forma exponencial, as

funções do Supremo Tribunal Federal, inviabilizando rapidamente, em menos de uma

década, a possibilidade de cumprir seu mister constitucional e, principalmente, dar vazão

aos anseios da população.

Entrementes, fazia-se indispensável represar tal volume de trabalho,

emprestando novel racionalidade ao tema, direcionando o recurso extraordinário ao leito

natural transposto pela enxurrada de recursos que aportavam diuturnamente na Suprema

Corte.

A Emenda Constitucional no 45, de 30 de dezembro de 2004 (EC 45), ao inserir

o § 3o no artigo 102 da Constituição da República Federariva do Brasil de 1988 (CRFB),

objetivou levar a cabo tal objetivo.

Ao propósito, a EC 45 perpetrou uma clivagem na matéria constitucional

submetida ao Supremo Tribunal Federal pela via do recurso extraordinário, separando-a

em dois grupos, quais sejam, as dotadas de repercusão geral1 e aquelas não reverberativas.

Como se verá, a escolha tem um preço, permitindo que inconstitucionalidades

transitem em julgado, mas cujo valor não pode ultrapassar o limite prudencial estatuído,

donde exsurge o potencial da reclamação como forma de controle na aplicação do instituto

da repercussão geral.

2. Supremacia constitucional

Nos Estados Constitucionais, as Constituições assumem um caráter

fundacional da ordem jurídica, pelo que alocadas no próprio vértice da dita pirâmide

normativa.

Em qualquer Estado, em qualquer época e lugar, encontra-se sempre um conjunto de normas fundamentais, respeitantes à sua estrututa, à sua organização e à sua actividade – escritas ou não escritas, em maior ou menos número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-se sempre uma Constituição como expressão jurídica do enlace entre o poder e a comunidade política ou entre governantes e governado.2

É a primazia normativa do corpo constitucional.

Deveras, nosso ordenamento jurídico pode ser comparado ao cosmos. Cosmos

onde se verifica o brilho que apresentam determinadas normas jurídicas quando

comparadas com outras normas do mesmo ordenamento.

Por óbvio, estrela maior desse cosmos, a irradiar fulgurante luminosidade em

todas as direções — mesmos nos mais recônditos rincões —, bem como a calcinar objetos

celestes que lhe contrastem, é a Constituição.

                                                                                                                         1 “A repercussão geral constitui conceito jurídico indeterminado, exata e objetivamente seu significado absoluto a partir de sua constituição semântica, esta formada por expressões de significados vários, amplos e/ou imprecisos, devendo a integração interpretativa do citado conceito ser feita caso a caso e com o passar do tempo pelo STF, considerando as variantes de tempo e espaço de uma sociedade em constante mutação, mas sempre de forma jurídica, razoável e pretensiosamente objetiva, a se evitar alegação de discricionariedade onde inexista.” (SILVA, Ticiano Alves. Apreciação pelo juízo a quo da existência de alegação da repercussão geral. Revista de processo. vol. 161. p. 165. São Paulo: RT, jul. 2008). 2 MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 161.

É o ensinamento de festejado constitucionalista português:

A constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho autônomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-la de outros actos com valor legislativo presentes na ordem jurídica. Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hierárquico-normativo superior relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. Ressalvado algumas particularidades do direito comunitário, a superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (1) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum) afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos); (3) superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os actos do poder público com a Constituição.3

Portanto, a Constituição possui força heterodeterminante:

Uma das conseqüências mais relevantes da natureza das normas constitucionais concebidas como heterodeterminações positivas e negativas das normas hierarquicamente inferiores é a conversão do direito ordinário em direito constitucional concretizado. Como determinantes negativas, as normas constitucionais desempenham uma função de limite relativamente às normas de hierarquia inferior; como determinantes positivas, as normas constitucionais regulam parcialmente o próprio conteúdo das normas inferiores, de forma a poder obter-se não apenas uma compatibilidade formal entre o direito supra-ordenado (normas constitucionais) e infra-ordenado (normas ordinárias, legais, regulamentares), mas também uma verdadeira conformidade material.4

Assim, pela própria ordem de subordinação nomológica, as leis de hierarquia

inferior não devem ser ofensivas às de hierarquia superior, mormente as de hierarquia

incontrastável (Constituição), pois destas extraem seus fundamentos de validade.

Sobre o escalonamento do ordenamento jurídico, precisa a observação de

KELSEN:

Devido ao caráter dinâmico do direito, uma norma vale porque e até ser produzida através de outra norma, isto é, através de outra determinada norma, representando está fundamento de validade para aquela. A relação entre a norma determinante da produção de outra e a norma produzida de maneira determinada pode ser representada com a imagem espacial do ordenamento superior e inferior. A que determina a produção é mais alta, e a produzida de modo determinado é mais baixa. O ordenamento jurídico não é,

                                                                                                                         3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional: e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1111-1112. 4 CANOTILHO, op. cit., p. 1114.

portanto, um sistema jurídico de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de várias camadas de normas jurídicas. Sua unidade se deve à conexão, que acontece porque a produção e, desta forma, a validade de uma reverte para a outra, cuja produção novamente determinada pela outra; um regresso que desemboca, finalmente na norma fundamental, na regra fundamental hipotética e, conseqüentemente, no fundamento de validade mais alto, aquele que cria a unidade desta conexão de produções.5

Neste pensar:

A idéia básica do princípio da hierarquia é esta: os actos normativos (leis, decretos-leis, tratados, decretos legislativos regionais, regulamentos) não têm todos a mesma hierarquia, isto é, não se situam num plano de horizontalidade uns em relação aos outros, mas sim num plano de verticalidade, à semelhança de uma pirâmide jurídica.6

Verdade seja, a Constituição tem uma força própria, que motiva e ordena a

vida do Estado, sendo ela própria uma garantia para execução dos seus preceitos, pelo que

dotada de pretensão de eficácia.

Ensina HESSE:

“A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar

essa pretensão de eficácia”7.

Tenha-se presente, em si, tal compreensão do tema ficaria esvaziada acaso essa

superioridade nomológica da Constituição não se retratasse na prática.

No ponto, avulta a importância do Poder Judiciário. Poder dotado de vontade

de constituição (Wille zur Verfassung), razão porque, existindo pressupostos realizáveis

(realizierbare voraussetzungen), deve primar por calibre exegético que otimize as normas

constitucionais — princípio da ótima concretização da norma.

Mais uma vez, transcreve-se o ensinamento de HESSE:

Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservar provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar

                                                                                                                         5 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. São Paulo: RT, 2001. 6 CANOTILHO, op. cit., p. 680. 7 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: (Die normative Kraft der Verfassung). Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 16.

essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).8

Notadamente sobre a importância da hermenêutica constitucional, estatui mais

uma vez HESSE:

b) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominado vontade de Constituição (Wiile zur Verfassung). Ela é fundamental, considerada global ou singularmente. Todos os interesses momentâneos — ainda quando realizados — não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que sua observância revela-se incômoda.9

Desenganadamente, a par da supremacia constitucional, decorrente do maior

estalão da Constituição, somada à necessidade de sua efetivação, surge a jurisdição

constitucional.

justiça constitucional como o complexo de actividades jurídicas desenvolvidas por um ou vários órgãos jurisdicionais, destinadas à fiscalização da observância e cumprimento das normas e princípios constitucionais vigentes.10

Dito às claras e às secas, a supremacia constitucional seria apenas nominal

não fosse o controle jurisdicional predestinado a manter os atos inferiores nos

binários da Constituição.

3. Recurso Extraordinário e a Jurisdição Constitucional

Como é de conhecimento comezinho, o Brasil adotou um sistema misto de

controle de constitucionalidade das leis, englobando tanto o difuso, tributário do judicial

review norte-americano, quanto o concentrado austríaco, modelado por KELSEN

(abstrakte normenkontrolle — abstract review).

Alías, atualmente, verifica-se uma aproximação de tais modelos, verdadeiro

amálgama dos instrumentos de controle de constitucionalidade, justificando inclusive falar

em objetivação do recurso extraordinário.

                                                                                                                         8 HESSE, op. cit., p. 19. 9 HESSE, op. cit., p. 22. 10 CANOTILHO, op. cit., p. 864.

Mesmo porque, tanto o modelo concentrato, quanto o difuso visam, em última

análise, aferir a conformidade constitucional, isto é, o cotejo do conteúdo dos atos estatais,

em sentido amplo, para verificar se conformes à substância da Constituição — norma mais

resistente.

Esclarecedora a alegoria realizada por CALAMANDREI:

Aqui se estabelece entre as diversas categorias de normas jurídicas (quase se diria, a semelhança da escala de durezas que os físicos têm estabelecido para os minerais) uma gradação de resistência: quando batem entre si normas jurídicas resistentes em diversos graus, a mais resistente, mesmo que seja mais antiga, prevalece sempre, o mesmo que na batida entre a panela de ferro e uma de cerâmica, sobre a mais recente mas muito mais frágil.11

Nessa ampla moldura, o recurso extraordinário surge como instrumento

destinado à preservação da Constituição, seja no controle de constitucionaldiade de atos

normativos (difuso ou concentrado12), seja frente aos provimentos jurisdicionais.

O recurso extraordinário é a chave recursal, por excelência, que abre as portas

de entrada da jurisdição constitucional da Corte Suprema, permitindo o joeiramento de

ditas (in)juridicidades constitucionais.

Daí porque, qualquer obstáculo ao recurso extraordinário exsurge como

limitador à jurisdição constitucional e, por consequência, permite que

inconstitucionalidades eventualmente perseverem.

4. Repercussão geral e inconstitucionalidades.

O instituto da repercussão estigmatiza, por assim dizer, os recursos

extraordinários, separando-os em admissíveis ou inadmissíveis, não pela (in)existência de

inconstitucionalidade, mas por sua (ir)relevância.

Noutras palavras, a repercussão geral filtra os recursos passíveis de submissão

ao Supremo Tribunal, absolvendo de instância os demais, ligada, em regra, em questões

alheias à pretensão recursal — não transcedente e despida de repercussão jurídica, política,

social e econômica.

Registre-se, embora não se possa traçar uma linha de continuidade nos

institutos, uma primeira13 tentativa de limitar o acesso ao Supremo Tribunal Federal se deu                                                                                                                          11 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil: estudos sobre o processo civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. vol. 3, p. 38. 12 Pense-se no recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido em ação declaratória proposta contra atos normativos estaduais ou municipais nos Tribunais Estaduais (CRFB/88, artigo 125, § 2o).

pela arguição de relevância. A Constituição de 1967, emendada em 1969, conferiu ao

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (artigo 119, § 3o) o status de lei ordinária,

o qual, por sua vez, estatuiu o filtro da arguição de relevância no artigo 30814. Este regime

persistiu até o advento da nova ordem constitucional.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 13 “Durante toda a trajetória histórica do recurso extraordinário observa-se que os seus requisitos de admissibilidade sofreram inúmeras alterações, visando sempre a diminuir o número de casos que alcançam o Supremo Tribunal Federal” (TUCCI, José Rogério Cruz e Tucci. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (lei 11.418/2006). Revista de processo. vol. 145. p. 151. São Paulo: RT. mar. 2007). 14 “Art. 308 — Salvo nos casos de ofensa à Constituição ou relevância da questão federal, não caberá o recurso extraordinário, a que alude o seu art. 119, parágrafo único, das decisões proferidas: (…). § 2° — Caberá ao Presidente do Tribunal de origem, com agravo do despacho denegatório para o Supremo Tribunal Federal (art. 294), o exame da ocorrência das hipóteses ressalvadas nos incisos II, III, IV, letra d e VII, bem como de argüição razoável de ofensa à Constituição. § 3° — Caberá privativamente ao Supremo Tribunal Federal o exame da argüição de relevância da questão federal. § 4° — A argüição de relevância da questão federal processar-se-á por instrumento, da seguinte forma: I — na petição de recurso extraordinário (arts. 304 e 305), o recorrente deduzirá, sucinta mas fundamentadamente, em capítulo específico e destacado, a demonstração da relevância da questão suscitada, pedirá a formação do instrumento e indicará, além das enumeradas no inciso seguinte, outras peças essenciais cuja reprodução deva integrá-lo; II — juntada aos autos a petição, o Presidente do Tribunal de origem mandará formar instrumento do qual constarão, por fotocópia ou processo equivalente de reprodução, a sentença de primeira instância, o acórdão recorrido, a petição de recurso extraordinário e, no caso do § 5°, o despacho que o houver admitido ou inadmitido, bem como as peças indicadas na forma do inciso anterior; III — o recorrido será intimado para responder à argüição no prazo de cinco dias; IV — formado o instrumento, com a resposta do recorrido ou sem ela, intimar-se-á o recorrente para, em quinze dias, promover sua reprodução, por fotocópia ou processo equivalente, em mais um exemplar, e pagar as custas devidas ao Supremo Tribunal Federal (art. 111 e §§ 1°, 2° e 3°), iguais às taxadas para o caso de agravo de instrumento; V — correrão à conta do recorrente, no Tribunal de origem, as despesas com a formação, reprodução e remessa do instrumento; VI — formado, reproduzido e preparado o instrumento, o Presidente do Tribunal mandará remetê-lo, em dois exemplares, ao Supremo Tribunal Federal; VII — no Supremo Tribunal Federal, o instrumento será registrado como Argüição de Relevância (art. 60, VI), que prescindirá de relator, processando-se pela seguinte forma: a) preparar-se-á extrato para reprodução em cópias e distribuição a todos os Ministros, com indicação da sessão de Conselho, designada para sua apreciação; b) um dos exemplares do instrumento permanecerá à disposição dos Ministros; c) ao Presidente caberá apresentar a argüição à apreciação do Conselho; VIII — da ata da sessão do Conselho, que se publicará para ciência dos interessados, constará apenas a relação das argüições acolhidas e rejeitadas; IX — a apreciação em Conselho não comportará pedido de vista, dispensará motivação e será irrecorrível; X — o acolhimento da argüição de relevância será comunicado ao Presidente do Tribunal de origem, para que faça processar o recurso extraordinário, mas não implicará o ulterior Conhecimento deste, pela Turma ou pelo Plenário. § 5° — Quando o recorrente suscitar, além da relevância da questão federal, outras hipóteses de exclusão da inadmissibilidade do recurso extraordinário, reguladas neste artigo, observar-se-á o seguinte: I — se o recurso for admitido, poderá o recorrente, ainda assim, no prazo de cinco dias, requerer ao Presidente do Tribunal de origem o processamento da argüição de relevância, cujo instrumento subirá apensado aos autos originais; II — se o recurso for inadmitido e o recorrente, além de interpor agravo, também requerer o processamento da argüição de relevância, os dois instrumentos subirão apensados; III — a argüição de relevância será apreciada antes do julgamento do recurso ou do agravo; IV — no caso do inciso I, se a argüição for acolhida, a Turma ou o Plenário considerará tal decisão ao julgar o recurso; se rejeitada, limitar-se-á ao exame dos demais motivos pelos quais o recurso houver sido interposto; V — no caso do inciso II, se a argüição for acolhida, processar-se-á o recurso extraordinário (§ 4°, X), e ficará prejudicado o agravo; se rejeitado, julgar-se-á este, limitadamente aos motivos pelos quais houver sido interposto; VI — se o recurso for inadmitido e o recorrente não agravar do despacho de inadmissão, o processamento da argüição de relevância atenderá ao disposto no § 4°.” (Disponível em:

Do direito comparado, citam-se como expressivos da mesma tendência, entre

outros, o writ of certiorari, exposto na Regra 10 da Suprema Corte dos Estados Unidos15,

as disposições relativas à inadimissibilidade do recurso de cassação italiano (artigo 360-

bis16) e o certiorari “argentino”17.

Justamente, ainda que não se possa encadear os diferentes institutos na mesma

matriz genética, indiscutivelmente objetivam idêntica finalidade, pelo que, podemos dizer,

têm ligação finalística (teleológica).

A pedra angular desses institutos é o joeiramento dos recursos augustos e

angustos, só permitindo o acesso aos Tribunais de Superposição daquelas questões

importantes, por assim dizer, ao próprio ordenamento jurídico.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaRI/anexo/RegimentoInterno1970ConsolidadoAtualizado.pdf Acesso em: 26-ago-2013). 15 “Rule 10. Considerations Governing Review on Certiorari Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons. The following, al- though neither controlling nor fully measuring the Court’s discretion, indicate the character of the reasons the Court considers: (a) a United States court of appeals has entered a decision in conflict with the decision of another United States court of appeals on the same important matter; has decided an important federal question in a way that conflicts with a decision by a state court of last resort; or has so far departed from the accepted and usual course of judicial proceedings, or sanctioned such a de- parture by a lower court, as to call for an exercise of this Court’s supervisory power; (b) a state court of last resort has decided an impor- tant federal question in a way that conflicts with the decision of another state court of last resort or of a United States court of appeals; (c) a state court or a United States court of appeals has decided an important question of federal law that has not been, but should be, settled by this Court, or has decided an important federal question in a way that conflicts with relevant decisions of this Court. A petition for a writ of certiorari is rarely granted when the asserted error consists of erroneous factual findings or the misapplication of a properly stated rule of law.” (Disponível em: http://www.supremecourt.gov/ctrules/2013RulesoftheCourt.pdf Acesso em: 26-ago-2013). 16 ““Art. 360-bis. (Inammissibilità del ricorso) Il ricorso è inammissibile: 1) quando il provvedimento impugnato ha deciso le questioni di diritto in modo conforme alla giurisprudenza della Corte e l’esame dei motivi non offre elementi per confermare o mutare l’orientamento della stessa; 2) quando è manifestamente infondata la censura relativa alla violazione dei princìpi regolatori del giusto processo.” (Disponível em: http://www.altalex.com/index.php?idnot=33738 Acesso em: 26-ago-2013). 17 “ Art. 280. - LLamamiento de autos. Rechazo del recurso extraordinario. Memoriales en el recurso ordinario. Cuando la Corte Suprema conociere por recurso extraordinario, la recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su sana discreción, y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso extraordinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren insustanciales o carentes de trascendencia. Si se tratare del recurso ordinario del artículo 254, recibido el expediente será puesto en secretaría, notificándose la providencia que así lo ordene personalmente o por cédula. El apelante deberá presentar memorial dentro del término de DIEZ (10) días, del que se dará traslado a la otra parte por el mismo plazo. La falta de presentación del memorial o su insuficiencia traerá aparejada la deserción del recurso. Contestado el traslado o transcurrido el plazo para hacerlo se llamará autos. En ningún caso se admitirá la apertura a prueba ni la alegación de hechos nuevos.” (Disponível: http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16547/texact.htm#5 Acesso em: 26-ago-2013).

O recurso não deixa de ser conhecido por ausência de boas razões, mas sim

porque não transcendentes as questões aviadas, o que pode encobrir manifestas

inconstitucionalidades, com potencial comprometimento ou dano marginal ao

ordenamento, à sua eficácia normativa, à pretensão de ordenação do que desordenado está.

Porém, permitam-nos dizer, a perpetuação dessas inconstitucionalidades não é

suficiente a comprometer a unidade do direito, uma vez que não são suficientes para sua

fragmentação, par da não transcedência e ausência de relevância.

Como observou alhures o professor Fernando da Fonseca Gajardoni, o sistema

acomoda essas divergências intestinais, mormente quando não passíveis de reprodução

num sem número de casos.

Deveras, conquanto a incidência da norma não dependa da vontade dos

indivíduos — os fatos ingressam a todo momento no mundo jurídico (PONTES DE

MIRANDA18) —, diversas são as vezes em que a norma não adapta ou molda a realidade

ao que pretende, não realiza a tese predisposta como consequência à hipótese prevista e

realizada (CARNELUTTI19).

Numa sentença simples — que peca pela imprecisão, cuja utilização é

justificada pela força da persuasiva —, nem sempre a coincidência entre o fato específico

real e o fato específico legal (CALAMANDREI20) faz prevalecer a vontade concreta da lei

(CHIOVENDA21).

Isso porque, normalmente a chave de ignição para atuar a lei está nas mãos do

interessado, ao qual se permite, e acontece, não girá-la, deixando, entre outros, o Poder

Judiciário na sua inércia conatural e o direito paralisado.

Demais disso, poucas não são as decisões inconstitucionais ou ilegais a

prevalecer pelo manuseio infeliz, por exemplo, dos recursos de sobreposição (v.g. ausência

de prequestionamento).

                                                                                                                         18 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado: parte geral. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2000. Tomo I. 19 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil: introdução e função do processo civil. v. 1. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: Classic Book, 2000. 20 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil: estudos sobre processo civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. v. 1. 21 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução: Paolo Capitanio. Anotações: Enrico Tullio Liebman. Campinas: Bookseller, 1998. vol. 1.

Justamente, em todas essas situações o ordenamento se alheia à incorreção

episódica, mercê da existência de meios para sua retificação, ainda que não alcançados,

virtualidades que legitimam, só por si, a decisão (LUHMANN22).

Nesta linha de inteligência, a repercussão geral, como pressuposto de

admissibilidade recursal, não enverga e muito menos quebra a unidade do direito, pois as

decisões colocadas à margem de revisão não repercutem significativamente sobre a

aplicação do mesmo.

É que esses erros de direito, essas inconstitucionalidades, seriam bacilos da

doença não transmissíveis, ficam no hospedeiro inicial, razão porque insuscetíveis de

animar surto epidêmico com risco ao tecido conjuntivo da sociedade.

Ainda, nem visualizamos um perigo à força normativa da Constituição, já que a

decisão sobre a ausência de repercussão geral recai sobre os ombros da Corte predestinada

constitucionalmente a estabelecer o sentido e alcance da norma normarum.

À Corte Suprema, alçada à condição de interlocutora oficial da Carta Magna

(CRFB/88, artigo 102), boca da Constituição, compete a função de guarda do texto magno,

precisando seu sentido e alcance23.

À obviedade, boca da Constituição não no sentido propugnado e superado de

MONTESQUIEU (bouche de la loi), mas sim naquele resultante do novo concerto entre os

poderes constituídos, na conhecida fórmula do Juiz HUGHES: “We are under a

Constitution but the Constitution is what the judges say it is”.

Posta assim a questão, integra o espectro de análise do Supremo Tribunal

Federal, ao analisar as questões consitucionais que lhe são submetidas, as potencialidades

destas questões fraturarem a ordem constitucional, isto é, apresentarem os pressupostos da

repercussão geral.

O não conhecimento do recurso extraordinário, pela ausência de repercussão

geral, longe de representar um alijmento de competência constitucional, é propriamente o

exercício do mister constitucional pela Suprema Corte, no que aponta a inexistência de

relevância de uma dada questão frente à Constituição. O órgão que verbaliza, dimensiona e

                                                                                                                         22 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UNB, 1980. 23 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1997. p. 1.

imposta a vox constitucional — atribui-lhe frequência, intensidade, timbre e, por que não,

sotaque —, diz que o tema não merece uma palavra.

Portanto, como o não conhecimento, pela inexistência de repercussão, é

realizado pelo órgão competente constitucionalmente para a defesa da ordem

constitucional, descabe suscitar querela quanto à constitucionalidade do filtro da

repercussão geral.

5. Reclamação como garantia da competência e da função nomofilática24 do

Supremo

Noutra perspectiva, a repercussão geral, além de importante filtro recursal,

igualmente serve ao Supremo na sua função nomofilática, notadamente naquela destinada a

imprimir uma dicção uniforme sobre matérias constitucionais.

Reconhecida a repercussão geral e julgado o caso paradigma, o provimento

jurisdicional do Supremo Tribunal Federal será extendido aos demais casos similares, na

forma dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil — eficácia positiva.

De igual sorte, negada a repercussão geral, o provimento jurisdicional também

produzirá eficácia, agora negativa, nos demais processos na origem, eis que obstabulizará o

seguimento do recurso extraordinário, assentando a ausência de sua relevância

constitucional.

Tenha-se presente, o instituto da repercussão geral assegura uma uniformização

da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tanto no concernente à correta dicção de

determinadas normas constitucionais (aspecto positivo), quanto na impossibilidade de

determinados temas serem passíveis de debate na Corte Constitucional (dimensão

negativa).

TARUFFO, enfocando situação símile, agudamente observou:

Voltando, para concluir, dentro dos territórios da própria pátria, vale também a pena aludir a um problema de notável relevo. Em páginas claríssimas da Cassação Civil, já em 1920, Piero Calamandrei sublinhava que a função de nomofilaquia da Corte de Cassação teria tido que se desenvolver, em conexão com a função de garantir a uniformidade da jurisprudência, através da prolação de sentenças capazes não apenas de assegurar a exata interpretação do direito, mas também de impor esta interpretação como cânone de decisão dos casos sucessivos. Calamandrei apresentava a ideia que a

                                                                                                                         24 CALAMANDREI, Piero. La cassazione civile. Milano: Fratelli Bocca, 1920. vol. 2, p. 104.

Corte de Cassação, uma vez unificada, torna-se aquilo que em termos modernos se chama “corte do precedente” e assim desenvolveria as suas funções, e em particular aquela de nomofilaquia, através de decisões capazes de orientar a jurisprudência sucessiva. Ele antecipava, em verdade, aquela que é hoje a função principal das cortes superiores em muitos ordenamentos, de common law e de civil law, que é a de assegurar o controle de legitimidade através da fixação de precedentes destinados a projetar-se como pontos de referência sobre decisões dos outros juízes. Com fórmula sintética se pode falar de “nomofilaquia através do precedente”, justamente para indicar que a função típica de uma corte superior é de assegurar o uniforme respeito à lei através de decisões “universalizáveis” e projetáveis para o futuro.25

Decotada a temática nesses termos, surge a hipótese do indevido

enquadramento pelo Tribunal de origem de determinada questão sobre o paradigma de

outro submetido ao regime da repercussão geral.

Especificamente, um caso estaria sobrestado, mas versaria sobre situação

distinta daquela colhida pela eficácia da repercussão.

A bem da verdade, ocorreria aí um indevido represamento e contigenciamento

da questão na origem, que mal se acomodaria nas bitolas da hipótese paradigma, donde a

rigor a letargia do recurso extraordinário não se imporia.

Assim, exsurge a importância da reclamação para impedir que um recurso

sobrestado, sob a rubrica de determinada matéria — esta sim submetida à repercussão geral

—, não resistir bem à pressão de enquadramento, na exata medida em que trabalha com

especificidade constitucional suficiente que permita sua distinção daquele tema carimbado

com o dístico da repercussão.

O recorrente teria seu extraordinário submetido ao julgamento em série, a

espera de um rótulo, que não faz jus ao contéudo, uma vez que a matéria objeto do seu

recurso é diversa da constante e que será enfrentada na repercussão geral reconhecida.

O colorido recebe tintas ainda mais fortes quando cogitamos que, não fosse a

própria incorreção na decisão sobre o enquadramento, a situação embainha a usurpação da

competência do Supremo Tribunal Federal.

                                                                                                                         25 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo. vol. 199. p. 146. São Paulo: RT, set. 2011.

É que ao Supremo Tribunal Federal compete com exclusividade apreciar a

existência da repercussão geral de determinada matéria (CPC, artigo 543-A), o que

decorre, como já visto, da sua condição de guardião da Constituição.

Ponto está, evidentemente usurpa a competência do Supremo Tribunal Federal

decisão que coloque incorretamente sobre a guarida da repercussão geral tema

absolutamente distinto daquele conhecido e reconhecido pela Corte Suprema.

Mesmo porque, esse tema diverso, não fosse a retenção incorreta, mereceria

ascender ao Supremo Tribunal Federal para ter ou não reconhecida sua repercussão geral e,

enventualmente, ser julgado (CPC, artigo 543-A).

A par disso, empacado indevidamente um recurso extraordinário, por incorreta

submissão à tarja da repercussão de hipótese dessemelhante, abre-se a via da reclamação

pela usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

A despeito da natureza jurídica da reclamação26, é indiscutível que o aludido

remédio constitucional é predestinado, entre outros objetivos, à preservação da

competência do Supremo Tribunal Federal.

Colhe-se da Carta Magna:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...). l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; (...).

Ora bem, como compete ao Supremo Tribunal Federal analisar, com

exclusividade, a existência de repercussão geral em dada matéria, por imperativo lógico

tem idêntica competência para aferir se outro caso está nas balizas daquela — competência

sobre a competência.

Demais disso, a possibilidade do manuseio da reclamação é justificada também

pela segunda parte do enunciado linguístico normativo em apreço, no que adjudica ao

Tribunal Supremo a responsabilidade para “garantia da autoridade de suas decisões”.

                                                                                                                         26 Não seria esta a sede, e nem se tem aqui tal objetivo — tarefa que reivindica uma monografia específica —, basta dizer que existe divergência sobre o caráter da reclamação, isto é, se seria medida administrativa, ação ou recurso. Entendemos ser a reclamação uma ação.

Garantir a autoridade da decisão que consiste não só em determinar sua

observância nos casos idênticos, mas igualmente em não permirir sua estensão a situações

não abrangidas no espectro e horizonte decisório.

A reclamação assumiria a condição de pendor da função nomofilática do

Supremo Tribunal Federal, possibilitando o controle, por parte deste, da fiel observância da

decisão que reconheceu a repercusão geral em determinada hipótese, a fim de evitar sua

indevida ampliação para situações não iguais.

Porém, inevitável consignar, o Supremo Tribunal Federal vem negando o

manuseio da reclamação para discussão do sobrestamento na origem, remetendo a

problemática à resolução intestina dos Tribunais inferiores.

A posição abstencionista do Supremo principiou no julgamento da questão de

ordem na ação cautelar no 2177-PE, relatora Ministra Ellen Gracie, quando assentada que

as pretensões cautelares envoldendo processos sobrestados devem ser analisadas pelos

Tribunais de origem.

Conquanto existam decisões vacilantes (v.g. Rcl no 7.523-SP, relator Ministro

Menezes Direito), o fato é que o Supremo Tribunal Federal, a partir da questão de ordem

no agravo de instrumento no 760.358-SE, entendeu que o represamento indevido de

recurso extraordinário é matéria afeta aos tribunais anteriores.

A razão da decisão está ligada à funcionalidade do próprio Tribunal que

novamente veria o assoberbamento dos trabalhos pelas reclamações, as quais substituiriam

os recursos extraordinários represados. Por assim dizer, a cada represamento uma potencial

reclamação seria proposta.

O voto da sempre Ministra Ellen Gracie na reclamação no 7.569-SP é

expressivo:

Penso não ser adequada a ampliação da utilização da reclamação para correção de equívocos na aplicação da jurisprudência desta Corte aos processos sobrestados na origem. (…). A análise individualizada da aplicação da jurisprudência firmada por esta Corte no âmbito da repercussão geral acarretará um drástico aumento do número de reclamações a serem apreciadas neste Supremo Tribunal, o que certamente não estará em harmonia com o objetivo pretendido com a criação do requisito da repercussão geral.

O argumento seduz.

A racionalização implementada pela repercusão geral seria esvaziada pela via

da reclamação. A expansão objetiva e exponencial das decisões do Supremo pela

repercusão seria restringida pela análise, caso a caso, das reclamações aviadas nos

processos sobrestados.

Todavia, no tema, o Supremo Tribunal Federal alia a autoridade do argumento

ao argumento de autoridade27, pois, certo ou errado, uniformiza o entendimento sobre o

sentido e alcance dos preceptivos constitucionais, o mito de poder de errar por último.

Portanto, a diminuição da carga de trabalho da Corte Suprema não deve passar

pelo comprometimento de sua função nomofilática, porquanto a força normativa da

Constituição depende inclusive do seu perfeito funcionamento.

Fechar as portas do Supremo às questões relativas ao extravasamento pelos

Tribunais de origem da decisão de repercussão geral poderá implicar em preservar

inconstitucionalidade em temas não considerados irrelevantes (sem repercussão).

O represamento indevido de determinado recurso extraordinário, veiculando

questão constitucional distinta daquela representativa e submetida ao Supremo, implica,

sem dúvida ou esforço hermenêutico, em usurpação da competência desta Corte para

análise de matéria constitucional, enfraquecimento de função nomofilática, propriamente

de potencial violação da Constituição, com o subsequente esmaecimento de sua força

normativa, tudo a justificar e impor o conhecimento da reclamação.

6. Enfoque final.

O Supremo Tribunal Federal é predestinado constitucionalmente à salvaguarda

do texto constitucional, a fim de assegurar a força normativa, não apenas nominal, da Carta

Magna.

O recurso extraordinário é uma das vias de acesso ao Supremo Tribunal

Federal, permitindo e vitalizando as funções deste, sendo importante instrumento também

de controle de constitucionalidade.

A repercussão geral limita o conhecimento do recurso extraordinário por

irrelevância e/ou não transcendência das questões objeto do recurso, mediante decisão da

                                                                                                                         27 Lembremos de ARISTÓTELES: “Amicos Platos, sed magis amica veritas”.

Corte Suprema, o que, a um só tempo, preserva a posição desta como guardiã do texto

magno e racionaliza seus trabalhos.

Nesse compasso, o controle de adequação do caso sobrestado na origem nas

bitolas da hipótese submetida ao regime da repercussão pode e deve ser realizado através

da reclamação, instrumento vocacionado tanto ao respeito da competência do Supremo

Tribunal Federal quanto à autoridade de suas decisões.