Taxonomia do complexo Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) com

30
Taxonomia do complexo Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) com enfoque nas espécies do Rio de Janeiro

Transcript of Taxonomia do complexo Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) com

Taxonomia do complexo Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) com enfoque nas espécies do Rio de Janeiro

Fujii & Amado Filho (2002)

Taxonomia do complexo Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) com enfoque nas espécies do Rio de Janeiro

Curso ministrado na Escola Nacional de Botânica Tropical, RJ pela Dra. Mutue Toyota Fujii (Instituto de Botânica, SMA, SP) com a colaboração dos doutores Valéria L. Teixeira e Renato C. Pereira daUniversidade Federal Fluminense, RJPeríodo: 29 de julho a 02 de agosto de 2002

Organização: Sociedade Brasileira de FicologiaCoordenação: Dr. Gilberto M. Amado FilhoInstituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, MMA, RJ .

Participaram do curso como alunos: Beatriz Fleury (Profa. Visitante – Depto. Biologia Marinha – UFF), Cristina Falcão (doutoranda – UFRJ), Cristina Nassar (Profa. Adjunta- Depto. de Botânica – UFRJ), Joel de C. Paula (Biólogo – UERJ), José Marcos de C. Nunes (Prof. Assistente – UFBA), Márcia Figueiredo (Pesquisadora – JBRJ), Maria Beatriz B. Barreto (Profa. Assistente –Depto. de Botânica – UFRRJ), Maria Teresa Szechy (Profa. Adjunta – Depto. de Botânica – UFRJ) , Renata P. Reis (Pesquisadora – JBRJ), Valéria Cassano (Profa. Assistente, Depto. de Botânica –UERJ), Poliana S. Brasileiro (Bolsista PIBIC/JBRJ), Rita C. Manso (Bolsista PIBIC/JBRJ, e Bianca V. Marins (Mestranda JBRJ/Museu Nacional).

Introdução

O gênero Laurencia Lamouroux foi proposto em 1813, para agrupar espécies que apresentam talo polissifônico com extensa corticação, célula apical localizada no fundo de uma depressão de onde crescem os tricoblastos e cistocarpo parcial ou inteiramente proeminente nos ramos. Atualmente, as espécies encontram-se subdivididas em três gêneros distintos (Laurencia, ChondrophycusTokida et Saito) Garbary et Harper, Osmundea Stackhouse) com base na combinação de caracteres vegetativos e reprodutivos (Nam et al. 1994, Garbary et Harper 1998, Nam 1999). Apesar disso, neste trabalho as espécies serão designadas coletivamente de Laurencia sensu lato ou de complexo Laurencia para facilitar a compreensão.

A complexidade na delimitação específica do complexo Laurencia fica patente nos trabalhos taxonômicos deste grupo desde o início de sua criação e, como retrato dessa situação, cerca de 150 espécies têm sido descritas em todo o mundo. Laurencia tem ampla distribuição mundial, ocorrendo principalmente nos mares tropicais e subtropicais e também em regiões temperadas.

No litoral brasileiro, Laurencia constitui elemento importante na flora da região entremarés e do infralitoral, onde os seus talos se entrelaçam formando tufos, possibilitando abrigo a inúmeros animais, além de servir como substrato para variada flora de micro e macroalgas epífitas. Cerca de 20 espécies deLaurencia sensu lato foram descritas para o Brasil (Oliveira Filho 1977, com atualizações contidas no site www.ib.usp.br/algamare-br). Contudo, muitas destas citações correspondem a trabalhos de listagem de algas publicados nos finais do século 19 e início do 20 e podem não corresponder aos nomes atribuídos.

Fujii & Amado Filho (2002)

A delimitação das espécies de Laurencia é uma tarefa difícil, devido ao alto grau de variação inter e intra-específica. Assim, o emprego de substâncias produzidas como produtos de metabolismo secundário das espécies de Laurencia tem-se tornado prática cada vez mais freqüente.

Dentre as algas vermelhas, Laurencia destaca-se pela produção de uma variedade de metabólitos secundários, muitos dos quais exibem amplo espectro de bioatividade, incluindo o papel como mediador químico na defesa contra herbívoros e em atividades anti-incrustantes (Davyt et al. 2001, da Gama 2002). Sesquiterpenos, diterpenóides e os não-terpenóides acetilénicos, halogenados ou não, formam as principais classes dessas substâncias, cujo potencial para possível aproveitamento está sendo investigado.

Algumas espécies do complexo Laurencia são ainda utilizadas de diversas maneiras, incluindo aquelas que servem de alimento humano como condimentos e outras que são produtoras de gel tipo ágar, como é o caso deChondrophycus papillosa (C. Agardh) Garbary et Harper (como Laurencia papillosa), listada entre as algas com potencial de aproveitamento econômico no Brasil (Câmara Neto 1966).

Informações adicionais sobre o assunto no Brasil podem ser encontradas emOliveira Filho (1969, 1977), Yoneshigue (1985), Fujii (1990, 1998), Cordeiro-Marino et al. (1983, 1994), Cordeiro-Marino & Fujii (1985), Pereira (1995), Fujii & Cordeiro-Marino (1996), Fujii & Guimarães (1999), Yoneshigue-Valentin et al. (2002) e Fujii & Villaça (2002).

Fujii & Amado Filho (2002)

O curso teve como principais objetivos: a atualização sobre a taxonomia do complexo Laurencia e o reconhecimento das principais características morfológicas utilizadas na identificação das suas espécies e o treinamento na identificação das espécies de Laurencia sensu lato, com enfoque nas espécies que ocorrem no litoral do Estado do Rio de Janeiro.

Fujii & Amado Filho (2002)

Caracterização dos gêneros do complexo Laurencia

Laurencia: 4 células periaxiais por segmento axial vegetativo; ramos espermatangiais desenvolvidos a partir da base do tricoblasto; tetrasporângios produzidos a partir das células periaxiais (tipo tricoblasto); depressão espermatangial em forma de taça; tetrasporângios são formados a partir de uma determinada célula periaxial, mas a 1a sempre permanece estéril; presença de “corps en cerise” nas células corticais mais externas e nos tricoblastos. Geralmente, os tetrasporângiosestão distribuídos ao longo do râmulo fértil (tipo paralelo) e as ligações secundárias presentes entre as células corticais adjacentes.

Fujii & Amado Filho (2002)

Chondrophycus: 2 células periaxiais por segmento axial vegetativo; ramos espermatangiais desenvolvidos a partir da base do tricoblasto tetrasporângios produzidos a partir das células periaxiais (tipo tricoblasto); depressão espermatangialem forma de taça; tetrasporângios são formados a partir de determinada célula periaxial, que pode ser uma das células periaxiais normais além outras, adicionalmente formadas; a 1a periaxial sempre permanece estéril; ausência de “corps en cerise”. Geralmente, os tetrasporângios estão distribuídos somente nos ápices de ramos (tipo ângulo reto) e as ligações secundárias entre as células corticais adjacentes estão ausentes.

Fujii & Amado Filho (2002)

Osmundea: 2 células periaxiais por segmento axial vegetativo; ramos espermatangiais desenvolvidos a partir das células corticais (tipo filamento); depressão espermatangial em forma de taça ou de bolso; tetrasporângios também são formados, ao acaso, a partir de células corticais; Os tetrasporângios podem ser do tipo paralelo ou ângulo reto.

Chave para identificação das espécies de Laurencia coletadas em

Búzios, Arraial do Cabo e Angra dos Reis, RJ

1a. Plantas róseas nas porções apicais dos ramos e esverdeadas nas demais partes, apresentando células corticais próximas ao ápice com parede projetada além da superfície do talo ................................................................................... L. aff. majuscula

1b. Plantas inteiramente esverdeadas, róseas ou violáceas, apresentando células corticais próximas ao ápice com parede lisa ................................................................... 2

2a. Ramos de última ordem fusiformes com aspecto espinescente, inseridos em ângulo aberto; presença de cicatrizes de râmulos decíduos nas porções basais dos ramos, principalmente em plantas tetraspóricas ......................................................... L. scoparia

2b. Ramos de última ordem cilíndricos com diâmetro uniforme ou com a porção apical alargada e ausência de cicatrizes nos ramos basais de plantas tetraspóricas .................. 3

3a. Plantas inteiramente róseas, ramificação esparsa, ramos de última ordem cilíndricos a clavados com ápice truncado, crescendo geralmente como epífitas sobre outras macroalgas .................................................................................................. Laurencia sp.

3b. Plantas inteiramente esverdeadas, crescendo em ambientes calmo, batido ou no infralitoral ........................................................................................................................ 4

Fujii & Amado Filho (2002)

4a. Plantas grandes, com até 30 cm de altura, crescendo em ambiente calmo, com eixo principal diferenciado dos ramos e râmulos de última ordem finos e alongados ................................................................................................................. L. filiformis

4b. Plantas menores, de 12-15 cm de altura, formando tufos densos, crescendo em ambiente batido ou no infralitoral; râmulos de última ordem grossos e curtos ....... 5

5a. Plantas crescendo na zona entremarés, ramos laterais gradativamente menores em direção ao ápice, mas todos com o mesmo padrão de ramificação do eixo principal. Ramificação mais densa no terço superior do talo ................ L. arbuscula

5b. Plantas crescendo no infralitoral; eixo principal e alguns ramos laterais mais longos, dissecados por râmulos curtos densamente dispostos, conferindo à alga aspecto de pinheirinho ................................................................................ L. obtusa

Chave para identificação das espécies de Chondrophycuscoletadas em Búzios, Arraial do Cabo e Angra dos Reis, RJ

1a. Plantas de consistência flácida, quando vivas exalam cheiro adocicado, células corticais externas translúcidas (pouco pigmentadas) e tetrasporângiosparalelamente arranjados .............................................. Chondrophycus translucida

1b. Plantas de consistência rígida, células corticais externas pigmentadas e tetrasporângios radialmente arranjados .................................................................... 2

2a. Plantas com râmulos de última ordem curtos, papiliformes, densamente dispostos no talo; em corte transversal do talo, células corticais quadráticas a retangulares, não dispostas em paliçada ................................................. C. papillosa

2b. Plantas com râmulos de última ordem mais longos, não papiliformes; em corte transversal do talo, células corticais radialmente alongadas e dispostas em paliçada .............................................................................................................. C. flagellifera

Fujii & Amado Filho (2002)

Classificação das espécies do complexo Laurencia

Laurencia LamourouxSeção Laurencia

L. arbuscula SonderL. obtusa (Hudson) LamourouxL. aff. majuscula (Harvey) LucasLaurencia sp.

Seção ForsterianneL. filiformis (C. Agardh) MontagneL. scoparia J. Agardh

Chondrophycus (Tokida et Saito) Garbary et HarperSubgênero Palisada (Yamada) Nam

Seção Kangjaewonia NamC. translucida (Fujii et Cordeiro-Marino) Garbary et Harper

Seção Palisadae YamadaC. flagelligera (J. Agardh) Nam

Seção Papillosae J. Agardh C. papillosa (C. Agardh) Garbary et Harper

Fujii & Amado Filho (2002)

SsEstão representados a seguir, atravésde fotografias, o hábito dos principaistáxons reconhecidos.

L. arbuscula - P. Rasa, Búzios, 29/07/02

Fujii & Amado Filho (2002)

Fujii & Amado Filho (2002)

L. filiformis - Baía da Ribeira, Angra dos Reis, 04/05/02/02

Fujii & Amado Filho (2002)

L. aff. majuscula - Baía da Ribeira, Angra dos Reis, 04/05/02Fujii & Amado Filho (2002)

L. obtusa – Prainha, Arraial do Cabo, 29/07/02Fujii & Amado Filho (2002)

L. scoparia – P. Rasa, Búzios, 05/04/02

Fujii & Amado Filho (2002)

Laurencia sp. - Praia Rasa, Búzios, 29/07/02

Fujii & Amado Filho (2002)

Chondrophycus flagellifera - P. Rasa, Búzios, 29/07/02

Fujii & Amado Filho (2002)

C. papillosa - Baía da Ribeira, Angra dos Reis, 05/04/02

Fujii & Amado Filho (2002)

Fujii & Amado Filho (2002)Chondrophycus translucida - P. Rasa, Búzios, 29/07/02Fujii & Amado Filho (2002)

Perfil cromatográfico dosextratos de algumas espécies

estudadas

Lpr = Laurencia sp. Lar= Lfi = L. arbuscula;Lca=Lob = L. obtusa; Ctr= C. translucida;Cfl= C. flagellifera Fujii & Amado Filho (2002)

Fujii & Amado Filho (2002)

Etapas de processamento das amostras para cromatografia de camada delgada

Fujii & Amado Filho (2002)

Parte do grupo da Quimiossistemática daBioMar / UFF (falta a Bia).

Fujii & Amado Filho (2002)Grupo do curso

Fujii & Amado Filho (2002)

Considerações finais

•Dez espécies do complexo Laurencia foram identificadas, sendo que Laurencia sp. está sendo referida pela primeira vez para o Rio de Janeiro.

•As espécies de Laurencia estudadas, com exceção de Laurencia sp., formam um complexo do ponto de vista morfológico e, por conseguinte, o limite de cada espécie não é preciso. Sendo assim, nem todas as espécies identificadas no presente curso poderão ser mantidas. Futuramente, quando os dados moleculares para estas espécies estiverem disponíveis, as identificações poderão ser confirmadas.

•O perfil cromatográfico apresentado revelou diferença na composição entre L. obtusa e L. arbuscula, indicando ser uma ferramenta útil e rápida para comparação de espécies morfologicamente relacionadas.

•As espécies de Chondrophycus representadas no Brasil estão mais bem estabelecidas que as espécies pertencentes a Laurencia - cada espécie pertence a uma seção e não apresentam dificuldade para delimitação a nível específico.

Referências bibliográficas

Câmara Neto, C. 1966. Algumas algas de provável aproveitamento industrial no litoral do Rio Grande do Norte. Nota Prévia. Boletim do Instituto de Biologia Marinha 3: 53-57.

Cordeiro-Marino M. & Fujii M.T. 1985. Laurencia catarinensis (Rhodomelaceae, Rhodophyta), a new species from Ilha de Santa Catarina, Brazil. Revista Brasileira de Botânica 8: 47-53.

Cordeiro-Marino M., Fujii M.T. & Pinheiro-Joventino F. 1994. Morphological and cytological studies of Laurencia furcata Cordeiro-Marino and Fujii (Rhodophyta, Rhodomelaceae): a new species fromBrazil. Cryptogamic Botany 4: 373-380.

Cordeiro-Marino M.; Fujii M.T. & Yamaguishi-Tomita N. 1983. Morphological and cytological studies on Brazilian Laurencia. 1: L. arbuscula Sonder (Rhodomelaceae, Rhodophyta). Rickia 10: 29-39.

da Gama, B.A.P., Pereira, R.C., Carvalho, A.G.V., Coutinho, R. & Yoneshigue-Valentin, Y. 2002. The effects of seaweed secondary metabolites on biofouling. Biofouling 18: 13-20.

Davyt, D., Fernandez, R., Suescun, L., Mombrú, A.W., Saldaña, J., Dominguez, L. Coll, J., Fujii, M.T. & Manta, E. 2001. New sesquiterpene derivatives from the red alga Laurencia scoparia. Isolation, structure determination, and anthelmintic activity. Journal of Natural Products 2001: 1552-1555.

Fujii, M.T. 1990. Gênero Laurencia (Rhodomelaceae, Rhodophyta) no Estado de São Paulo: aspectos biológicos e taxonômicos. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual, Rio Claro, 145p.

Fujii M.T. 1998. Estudos morfológicos, quimiotaxonômicos e citogenéticos em quatro espécies selecionadas de Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) do litoral brasileiro. Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, Brazil. 176 pp.

Fujii & Amado Filho (2002)

re

Fujii & Cordeiro-Marino M. 1996. Laurencia translucida sp. nov. (Ceramiales, Rhodophyta) from Brazil. Phycologia 35: 542-549.

Fujii M.T. & Guimarães S.M.P.B. 1999. Morphological of the parasitic red alga Janczewskia morifornis(Rhodomelaceae, Ceramiales) from Brazil. Phycologia 38: 1-7.

Fujii M.T. & Villaça R. 2002. On the occurrence of Laurencia caraibica (Ceramiales, Rhodophyta) in Atol das Rocas, Brazil. Hydrobiologica (no prelo).

Garbary D.J. & Harper J.T. 1998. A phylogenetic analysis of the Laurencia complex (Rhodomelaceae) of the red algae. Cryptogamie, Algol. 19: 185-200.

Lamouroux J.V.F. 1813. Essai sur les genres de la famille des Thallassiophytes non articulées. Annalesdu Muséum d’Histoire Naturelle de Paris 20: 21-47, 115-139, 267-293, pls. 7-13.

Nam K.W. 1999. Morphology of Chondrophycus undulata and C. parvipapillata and its implications for the taxonomy of the Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta) complex. Eur. J. Phycol. 34: 455-468.

Nam K.W., Maggs C.A. & Garbary D.J. 1994. Resurrection of the genus Osmundea with an emendation of the generic delineation of Laurencia (Ceramiales, Rhodophyta). Phycologia 33: 384-395.

Oliveira Filho E.C. 1969. Algas marinhas do sul do Espírito Santo (Brasil) 1. Ceramiales. Boletim de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, Série Botânica, 26: 1-277.

Oliveira Filho E.C. 1977. Algas marinhas bentônicas do Brasil. Tese de Livre Docência, Universidade de São Paulo, São Paulo, 407 pp.

Fujii & Amado Filho (2002)

Yoneshigue Y. 1985. Taxonomie et ecologie des algues marines dans la region de Cabo Frio, (Rio de Janeiro), Brésil. Tese de Doutorado, Faculte des Sciences de Luminy, Uníverisité d' Aix-Marseille II, Marseille, France, 466 pp.

Yoneshigue-Valentin Y., Fujii M.T. & Gurgel C.F.D. 2002. Osmundea lata (Howe & Taylor) comb. nov. (Ceramiales, Rhodophyta) from Brazilian Southern continental shelf . Phycologia (no prelo).