Problemas e Perspectivas da Arquitectura Naval Portuguesa dos Séculos XV-XVII: a obra de João da...

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ACADEMIADE MARINHA SESSAO DE HOMENAGEM A MEMORIADE IoAO DA GAMAPIMENTEL BARATA 7 de Maio de 1986 Oradores NOCBNTO S. D'OLIVEIRA ocrAvro LIXA FILGUEIRAS FRANCIS CO CONTENTE DOMINGUES

Transcript of Problemas e Perspectivas da Arquitectura Naval Portuguesa dos Séculos XV-XVII: a obra de João da...

ACADEMIADE MARINHA

SESSAO DE HOMENAGEM

A MEMORIADEIoAO DA GAMAPIMENTEL BARATA

7 de Maio de 1986

Oradores

NOCBNTO S. D'OLIVEIRA

ocrAvro LIXA FILGUEIRAS

FRANCIS CO CONTENTE DOMINGUES

sos e de situag6es de verificagdo imediata, de factos objectivos de f6cilcompreensao.

O passo seguinte consistia na interpretagao dos sistemas de cons-trugdo codificados e da sua pr6pria essOncia.

Ora, com toda a carga da sua formagdo t6cnica profissional, essem6dico, estranhamente vocacionado para a matem6tica, teve a coragemde seguir uma brilhante intuigdo: a de devassar, neles se integrando osconceitos e mentalidade dominantes na 6poca de que provinham os nos-sos primeiros tratados de construgdo naval - ou seja, aceitando o pri-mado da geometria e procurando o entendimento do seu perfeitosignificado.

Estamos perante um exemplo de verdadeiro rumo dum cientista: nocaso, o daquele que tenta reconstruir o passado, <<vendo-o>> com os olhosdos <artistas>> da 6poca.

Essa disponibilidade intelectual, essa forga, ou esse poder criativo,essa juventude de espirito constituem a sua grande ligdo

- a que ndo an-da alheio o amor pela sua terra e pelas suas tradigOes.

Eu poderia acrescentar mais <mem6rias>, referir bibliografias,destacar os dados duma biografia que, no fundo se resume a um estudarcontinuo e persistente. Mas a ess6ncia da lig6o que nos fica foi a que ten-tei transmitir ao dar relevo aos aspectos essenciais da sua posigdo de in-vestigador.

Por isso, nada melhor do que ver nesta sessdo de homenagem, que oencargo da apresentagdo duma comunicagdo foi reservado a umjovem edestacado investigador

- o que d6 um significado bem especial a esteencontro. Cabelhe a ele, agora, a palavra.

Problemas e PerpectiYasda Arquitectura Naval Portuguesa dosS6culos XV-XV[: a obra de Jo6o da

Gama Pimentel Barata

Comunicagdo do Dr FrqnciscoContente Domingues

1. Com o desaparecimento de Jodo da Gama Pimentel Barata os es-

tudos de arqueologia naval em Portugal perderam um dos seus mais emi-nentes cultores, sabendo n6s que para al6m do que p6de rcalizar, omalogrado investigador tinha ainda planos de trabalho que a terem sidoconcluidos constituiriam preciosas achegas para a disciplina a que dedi-cou o melhor do seu esforEo e saber.

Nesta sessio de homenagem que muito justamente a Academia de

Marinha lhe consagra, e depois das palavras luminares com que o Prof.Arq. Oct6vio Lixa Filgueiras nos apresentou o Homem, cabe-me a pesa-

da responsabilidade de vos falar da Obra. Uma obra profundamente re-flectida, amadurecida na sua expressdo, mas que ndo receou a ousadiainterpretativa e o arrojo de apontar teses de maior polemicidade. Umaobra cuja riqueza e alcance n6o se pode vislumbrar em curto bosquejo de

balango (nem o poderia fazer quem profere estas palavras), e que merece,ou melhor, exige, a nossa mais atenta reflexdo.

2. Logo desde a primeira publicaEdo, em 1965, torna-se patente o pro-fundo trabalho pr6vio que imediatamente nos revela um elevado nivel de

conhecimento da matdria em causa. Nio 6, bem ao contr6rio do que fre-quentemente acontece, um primeiro ensaio falho de consistOncia, mas

sim o produto de um saber metodicamente adquirido e reflectido antes deganhar letra de forma. Algumas das teses fundamentais que afirmar6 sub-sequentemente s6o jd ai enunciadas, indiciando a presenQa de um histori-ador em plena maturidade, apoiado num s6lido conhecimento erudito -visivel no dominio da documentaEio conhecida e da bibliograha acessivel

- a par de uma adequada preparagSo t6cnica, na verdade imprescindivela quem quer que pretenda meter a foice em semelhante seara; porque a

uma aptidf,o natural para o desenho e para a pintura, acrescentou os estu-

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dos geom6tricos necess6rios para o desiderato fundamental a que se

abalangou: a reconstituigao da traqa das embarcaEdes portuguesas ir

vela dos s6culos XV a XVII, com especial Cnfase na caravela dos

Descobrimentos, na nau e no galedo, afinal as mais importantes de to-das elas.

O artigo a que nos temos vindo a referir tem por titulo <O 'LivroPrimeiro da Arquitectura Naval' de Jodo Baptista Lavanhu', e nele se ddi estampa pela primeira vez um documento de importAncia crucial, da au-

toria de uma das figuras dominantes da ci6ncia e da tdcnica peninsularesno riltimo quartel de Quinhentos e no primeiro de Seiscentos. Jo6o

Baptista Lavanha serviu como cosm6grafo, ge6grafo, top6grafo e profes-sor de matemdtica na corte dos Filipes; foi engenheiro do reino de

Portugal e cosm6grafo-mor; exerceu uma missdo diplomiitica ao serviEo

de Filipe III; foi um dos peritos ouvidos para ajuizar do m6todo propos-to por Luis da Fonseca Coutinho para determinar a longitude no mar -tendo concordado com ele a principio, ao contr6rio do que geralmente se

admite, como demonstrou recentemente o Comandante Max JustoGuedes, mas acabando por orientar as experiOncias que vieram a provara sua ineficdcia, como ali6s lhe competia no exercicio do cargo de que era

detentor; deixou uma obra cartogr6fica de relevo, da qual h6 a destacar amodelar carta do reino de Aragdo, com sucessivas edig6es at6 final dos6culo XVIII, e um notdvel atlas-cosmografia de 32 folhas, cuja auto-ria,com Lu(s Teixeira, lhe foi atribuida por Armando Cortesio e AvelinoTeixeira da Mota; e nos riltimos anos de vida sucedeu ainda a fr. Bernardode Brito como cronista-mor. A lista de trabalhos impressos e manuscritosque nos deixou 6 deveras impressionante, e directamente resultante desta

actividade polifacetada; mas Lavanha espera ainda o seu bi6grafo, que

ajude a situar conectamente um contributo fundamental do meio ib6rico,nos dominios ligados ao mar'.

O Livro Primeiro dd-nos conta da excelente preparagdo do autor naarquitectura naval (praticamente insuspeitada at6 esta altura), i seme-

lhanga, ali6s, do que acontece em relagdo d generalidade dos domfniostratados na sua obra.

N6o fora o texto ter ficado imcompleto, e, mais do que isso, desco-

nhecermos mesmo se Lavanha chegou a redigir a continuageo que o titu-lo claramente sugere, e ser-nos-ia hoje possivel reconstituir com toda aseguranga a traga portuguesa dos inicios do s6culo XVII, portanto da al-tura em que foi redigido. Deve-lo-iamos d <notdvel clareza de exposigdo>>

e i <<sistematizagio e pormenonzaglo das mat6rias>r, que nem cai na em-piria pura (caracteristica, por exemplo, do Livro das Tragas de

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AReuEoLocIA NAUAL aoRTUGUESA Dos sEc. xv-xwl

Carpintaria de Manuel Fernandes) nem se deixa enredar por generaliza-

g6es sem consequOncias prriticas, d imagem e semelhanga do que sucede

amiride a um Fernando Oliveira. Estas no essencial as conclus6es de

Pimentel Barata3, no rigoroso estudo t6cnico comparativo com que pre-

cedeu a publicagdo do manuscrito.

Na verdade, a obra de Lavanha ndo era completamente ignorada. <O

extraordinrlrio do caso, escrevia Pimentel Barata, n6o 6 termos descober-

to o paradeiro do manuscrito, ao cabo de trezentos anos de desconheci-

mento: o extraordinSrio 6 ele n6o ter sido descoberto hd mais tempo>n; a

pista estava no tomo Y das Disquisiciones Nauticas de Cesareo

Fernandez Duro (1880), obra bem conhecida em Portugal. A Pimentel

Barata cabe pois o m6rito de ter sabido averiguar exactamente da local-izagdo do textos, inserindo-o na s6rie a que pertence e revelando-o )r his-

O conferencista Dr. ConteDte Domingues

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toriografia portuguesa com o valioso estudo infodut6rio e os ap€ndicesque the agregou, um dos quais a merecerjusto realce: trata-se de um cur-to ensaio sobre as antigas medidas navais portuguesas dos s6culos XVI e

XVII e a sua corresponddncia no sistema m6trico decimal, questdo tlodecisiva quao at6 entAo controversa e confusa, de tal forma que nela se

enredaram erroneamente especialistas do calibre de Henrique Lopes deMendonga, Eug6nio Estanislau de Barros ou Henrique Quirino daFonseca.

Pelo menos tio importante como isso foi o esbogo de classificagdoda documentagdo t6cnica portuguesa relativa d arqueologia naval (serilretomada posterior e mais completamente, como veremos), que em con-traposigdo ds suas cong6neres lhe permite reivindicar para ela um lugarde primazia no cOmputo europeu, no decurso da centriria que medeia en-tre c.1550 e c. 1650 - porquanto entendia ndo ter havido diferenEa fun-damental na traga dos navios entre 1550 e 1570, data do mais antigodestes documentos, aArs Nautica de Femando Oliveira.

Por outro lado, a Lavanha caberia ainda o papel pioneiro no estudocientifico do navio, no dmbito do conjunto da documentagflo tdcnica eu-ropeia, ao prenunciar uma realidade verificdvel apenas nos finais dos6culo XVII, tanto pelo m6todo empregue como pelos resultados al-cangados6.

3. Tr6s anos volvidos sobre este primeiro trabalho seguiu-se-lhe a

andlise das <Relag6es entre as t6cnicas de construgdo naval portuguesados s6culos XVI e XVII e dos mestres constnrtores poveiros>>?. Propds--se ai demonstrar a sobreviv6ncia de algumas prdticas dos mestres daRibeira das Naus na tradigSo dos construtores de pequenas embarcagdesda P6voa de Varzim e do rio Douro. Enquanto a construgao dos naviosde grande porte na Ribeira veio a sotier not6ria influOncia inglesa (in-clusiv6 na pr6pria terminologia) atrav6s dos mestres contratados paradirigirem os nossos estaleiros. o que se nota com mais evidOncia a par-tir do surto que a construqdo naval portuguesa regista no reinado de D.Jodo V, a construgdo de pequenas embarcag6es para a navegagao fluviale de cabotagem manteve-se mais ligada d t6cnica tradicional portugue-sa. Por esta via adquirem-se elementos importantes para o estudo dast6cnicas de construgdo e de tragado das pequenas embarcaE6es doss6culos XVI e XVII, como os bat6is, esquifes, t'aluas e fragatass. E,acrescente-se, 6 tamb6m atrav6s de estudos desta natureza que a

hist6ria das t6cnicas pode elucidar algumas das caracteristicas essenci-ais da tecnologia antiga, pelo estudo da persist6ncia e resist6ncia dos

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ARQI,)EOLOGIA NAUAL PORTUGUESA DOS SEC. XV-XV]]

m6todos tradicionais face )r inovagdo, de que naturalmente encontramos

testemunhos com tanto mais facilidade quanto mais longe estamos dos

grandes p6los de desenvolvimento econ6mico.O m6todo, com os riscos e limites que evidentemente comporta, 6

tanto mais exequivel quanto menor 6 odesenvolvimento tecnol6gicoglobal e maiores sao as disparidades verificdveis dentro de uma mesma

regido, ao nivel a que nos reportamos. O caso concreto da arquitectura

naval 6 neste dominio um campo privilegiado: nele est6o suficientemente

bem documentadas persistOncias seculares na fiadiQeo dos m6todos e

processos de trabalho dos construtores de embarcag6es de pequeno porteem viirias zonas do globo'g, que sao em geral as que de uma forma mais

efectiva respondem continuadamente irs necessidades espec(ficas que

fundamentam a sua utilizagdo pelas populag6es ribeirinhas, sem as rup-turas tecnol6gicas decisivas que se verificar6o sobretudo com a emerg0n-

cia das sociedades industrializadas.No caso portuguOs isso tem vindo a verificar-se nas riltimas d6cadas,

e se 6 jr{ apreciiivel o trabalho desenvolvido no sentido de se preservar o

nosso conhecimento das embarcagdes tradicionais portuguesas, tamb6m

ndo seri4 menos verdade que h6 ainda muito por onde langar maos d obra.

E neste contexto que tem de ser entendida a relevAncia de um artigo que

noutras circunstdncias poderia parecer como de menor significado no

cdmputo geral da obra do seu autor. Que n6o nesta drea especifica, ondepontifica ilustrativamente o estudo de Octdvio Lixa Filgueiras e AlfredoBarroca sobre o caique do Algarve e a caravela portuguesa, alids

metodologicamente exemplar na demonstragdo do perigo que reside na

verificagdo de similitudes forgadas entre embarcagdes antigas e recentesr0.

E por isso se falou atrds de riscos e limites, em relagdo aos quais, importadizelo, Pimentel Barata se mostrou bem atento.

4. O seu primeiro estudo de sintese surgiu sob a forma de uma comu-

nicagio apresentada na I Reunilo Internacional de Hist6ria da Ndutica(Coimbra, 1968), e veio a ser publicado em 1970. De sintese, porque ao

inv6s de se deter num texto ou problema particular, tinha por objectivodefinir o tragado das naus e gale6es portugueses de 1550-80 a 1640, de

200 a 800 ton6is'r.O m6todo adoptado consistiu uma vez mais no estudo comparado da

documentagdo t6cnica, dividida previamente em tr6s categoriasr2, a saber:

a) os documentos te6ricos, como sejam a Ars Nautica e o Livro da

Fdbrica das Naus do Pe. Femando Oliveira;

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b,) os documentos te6ricos-prdticos, onde se inclui o Livro de JoaoBaptista Lavanha, o an6nimo Tratado do que rleve ,saber um bomsoldado para ser bom capitdo de mar e guerra, e as AtlvertOnciasde Navegantes de Marcos de Aguilar;

dois manuscritos devem ser considerados como um s6, por ter si_do meramente acidental o desmembramento do c6dice onde se en_contravam reunidos originalmenter3; a lista deste terceiro itemcompleta-se com as Curjosidades de Gongalo de Sousa,uma mis_celdnea, como as anteriores, da qual tamb6m s6 uma parte inte_ressa directamente i arqueologia naval, e o Livro das Tragas deCarpintaria, escrito em 1616 peio oficial da Ribeira ManuelFernandes, not6vel pelos 266 desenhos t6cnicos que inclui, embo_ra alguns deles como parte do pr6prio texto deixem a desejar peloseu rigor;

d) e por fim surgem os documentos isolados, naturalmente ndo des_criminados um a um dada a sua profusdo.

Esta proposta de classificagdo constitui un notdvel esforgo de sis_tematizagdo e inventariagio das fontes escritas, conseguido de forma a

nques-Sousao tipoXVI e

vantar com toda a teserva, mas que a ser verdadeira corrobora anecessidade de adiantar cerca de um quarto de s6curo d iniciativa dereunido destes materiaisra. Como d evidente, nada disto obsta d datagdoavangada para os textos relativos e construgdo naval, servindo up"nu,de alerta para os problemas que nos colocam estas misceldneas do_cumentais, em relagdo is quais 6 por vezes muito dificil propor uma da_ta uniforme gragas d diversidade temdtica e cronol6gica dos elementos

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AReUEoLoGIA NAUAL poRTUGUESA oos sEc. xv_xvn

reunidos. Um outro bom exemplo, em tudo similar a este, 6 o do jdreferido Livro Ndutico.

Mas quais sdo as ideias fundamentais com que deparamos aqui?Pensamos ndo errar ao destacar as seguintes:

a) os navios eram classificados em classes de tonelagem, indepen-dentemente do facto de existir uma ou mais f6rmulas de ar-queaEdo. As classes definiam-se pelo comprimento das quilhas,que variavam de meio em meio rumo, acrescendo 50 tondis porcada meia unidade. Isto admitindo algumas variantes, e fora as ex-cepEoes;

&) existia em Portugal uma nitida distingdo entre vasos de guena (ogaledo) e de com6rcio (a nau). Para tonelagens aproximadas, eramaior o comprimento da quilha do galedo, e as suas proporgdeseram de uma forma geral diferentes das da nau;

c) e depois do profundo estudo t6cnico que constitui a parte centraldesta comunicaEdo (do qual se dever6 destacar a comparagdo dostragados portugueses e estrangeiros no periodo de 1616 a 1630),Pimentel Barata enuncia a sua tese fundamental, emjeito de con-clusdo: <o ffagado dos navios portugueses do s6culo XVI ndo foiobra de mero empirismo, mas resultou do estudo cientifico dostraqados transmitidos pela tradigdo e que foram enquadrados den-tro de diagramas geom6tricos, com relag6es simples que permitema redugdo a um tipo rinico de tragado>>r5. Existiria assim um dia-grama geral a partir do qual se deduziriam as proporg6es de todasas embarcag6es em fungdo da sua classe de tonelagem.

5. Seguidamente, as Achegas para a Arqueologia Naval portuguesado sdculo XVI, colhidas em documentos respeitantes d ilha de S. Tom6t6,trazem novos elementos para o estudo do aparelho dos navios, e bem as-sim para a exacta definiEdo de alguns termos de significado at6 entdo im-preciso ou desconhecido. Ndo obstante o enorme interesse que os estudosde lexicologia ftazempara, esta especialidade, que ndo raro ftopeEa quaseinsanavelmente em obst6culos de monta (quer-se melhor exemplo que asdfvidas que apesar de tudo perrnanecem sobre o significado do termo<<espordo>>, na documentagdo quinhentista?), aqui €, talvez a parte relativaao aparelho das embarcagdes que assume maior relevdncia, at6 pelo de-senvolvimento merecido. Destaque que mais p6e em evidOncia o que 6quase uma pequena monografia sobre o enxertdrio da 6poca, sobretudopela an6lise exaustiva da respectiva guarnigdo.

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6. N6o 6 demais insistir na importAncia da comunicagio ao Centro deEstudos de Marinha que sucede ao estudo que acabdmos de referirrT,porquanto nela se analisou pela primeira vez, e fnica ate agora, a partetocante d construgao naval da Ars Nautica de Fernando Oliveira,8.

Do Pe. Femando Oliveira sabemos o essencial depois dos contribu-tos de Henrique Lopes de Mendonga, L6on Bourdon, Paul Teyssier, Luisde Matos e Pierre Vali6re, entre outros, muito embora subsistam certaszonas de penumbra no seu percurso biogrSfico, e muitas mais ainda emrelagdo d sua obra'e. Como quer que seja, este notevel gram6tico, histori-ador, navegador, te6rico de guerra, da marinharia, da arquitectura naval e

da cartografia (um <<homo universalis>, no dizer de Herndni Cidadero), foio primeiro ou dos primeiros a tratar v6rias das mat6rias sobre as quais se

debrugou. Figura impar no Renascimento portugu6s, na vida da qual se

cruzaram uma s6lida formagdo erudita e a experiOncia que ganhou comopiloto e homem do mar (um saber feito tamb6m da priitica que reclamacontinuadamente), chegou a ver os seus servigos disputados por france-ses e espanh6is em meandros diplom6ticos de alto nivel; mas carece ain-da e tamb6m de um estudo global que o situe adequadamente no s6culode Quinhentos.

A sua obra maior permanece in6dita: 6 justamente esta.Ars Nautica,escrita em latim c. 1570, e o primeiro texto conhecido do genero. Trata--se de uma verdadeira enciclop6dia maritima, que se det6m sobre prati-camente todos os aspectos respeitantes ir navegagdo (nio obstante terficado incompleta). E a sua importAncia decorre precisamente deste trata-mento sistem6tico e exaustivo -

que n6o tanto do ponto de vista doutri-nal, pois aqui e al6m 6 bem evidente que Oliveira ndo rompe com oquadro da sua formagdo cl6ssica, propondo solugdes que a pr6tica ndoconsente, por um lado, ou se afirma exclusivamente na mais pura das em-pirias, por outro, resultando disto que nao alcance por vezes o que sdojddados adquiridos no tempo2r.

O manuscrito tem uma hist6ria algo curiosa: conhecia-se a sua exis-t6ncia, ou pelo menos sabia-se que fora escrito por duas passagens doLivro da Fdbrica das Naus2z, que, como Pimentel Barata acertadamenteopinou, n6o 6 senflo a reescrita em portugu6s e mais desenvolvidamentedo que na segunda parte da Ars Nautica ficava dito sobre a construgaonaval4. Todavia foi s6 em 1960 que Luis de Matos revelou que se en-contrava na Biblioteca da Universidade de Leiden, e averbado no seu

catdlogo impresso desde 17l6ulF,, mais do que isso, fora jd usado em es-tudos sobre a higiene a bordo das naus do sdculo XVI, enquanto emPortugal se continuava a dar por ignorado o seu paradeiro.

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ARouEoLocrA NAUAL poRTUGUESA Dos sEc. xv-xwr

O mais espantoso 6 terem entretanto passado completamente de-

sapercebidas duas meng6es bem claras i Ars Nautica. Uma, em 1937,quando Marcus de Jong publica pela primeira vez Um roteiro in€dito dacircunnavegagdo de Femdo de Magalhdes25. Roteiro este que fora re-

escrito por Femando Oliveira a partir do relato de um dos sobreviventesda viagem, tendo sido localizado por aquele investigador nas folhas 239-254 do cdd. n.o 4l Cat. Voss. Lat. da Biblioteca da Universidade de

Leiden, <<onde se encontra lamblrn Fernandi Oliverii de Sancta ColumbaArs Nautica>>26. Nem Jong percebeu o que encontrara nem a indicagdodespertou a atengao de quem conheceu este trabalho.

Mas logo no ano seguinte viria o Visconde de Lagda a utilizar farta-mente este roteiro, na anotagao i edigao em portugues do relato de

Ant6nio Pigafetta sobre a viagem de Ferndo de Magalhdes. Causa es-

tranheza que mais uma vez a indicagdo clara e explfcita da localizaqSo daArs Nautica, i qual se encontrava apenso este relato, nao dvesse desper-tado a atengdo dos historiadores da Marinha'??. E qoe se se pode com-preender que o pequeno oplisculo de Marcus de Jong passasse

desapercebido a alguns deles, j6 o mesmo n6o se pode aceitar para os doisgrossos volumes dedicados d vida e d viagem de Ferndo de Magalhdes.Tanto mais que por esta altura tanto Henrique Quirino da Fonseca comoAbel Botelho de Sousa tinham acabado de se debrugar sobre FemandoOliveira, em coment6rios d, Arte da Guerra do Mar, reimpressa em 1937pelo Arquivo Hist6rico da Marinha. L6gico seria pois que tivesse havidona altura uma chamada de ateng6o para a importdncia da obra destetratadista de assuntos mar(timos.

Permanece desta forma in6dita, repetimo-lo, a mais importante dequantas obras se escreveram em Portugal no s6culo XVI relativas aomar e As navegag6es, embora esteja traduzida desde 1971. O projectode uma edigdo critica, anunciada por Teixeira da Mota no quadro dasactividades do actual Centro de Estudos de Hist6ria e CartografiaAntiga do Instituto de Investigagdo Cientifica Tropical, mant6m-se:mas n6o serd jd Pimentel Barata a anotar a parte relativa I arquitacturanaval. A falta de melhor fica-nos pois um breve estudo, muito aqu6mdo que o seu autor pensava fazer nessa ocasiAo, apesar das conclus6esj6 avangadas. Ficou tamb6m anunciado nesta altura um outro projecto detrabalho, bem mais vasto, que a ter sido realizado assumiria uma im-portAncia decisiva: consistia ele na ediglo da colecAdo dos documentost6cnicos da construgdo naval portuguesa dos s6culos XVI e XVII, emboa parte in6ditos e quase todos carentes de estudo sistem6tico e exaus-tivo.

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7. Por convite do Centro de Estudos de Arte e Museologia, PimentelBarata estudou depois os navios do poliptico de Santa Auta, agora no

Museu Nacional de Arte Antiga'zE. Independentemente da particular valiadeste testemunho, pode sem exagero dizer-se que o seu estudo abre ca-

minho para o trabalho qule as Mem6rias do Centro de Estudos de Marinhairdo albergar de seguida, que ombreia sem drivida e sem favor com o que

de melhor se escreveu nos fltimos anos sobre arqueologia naval: referi-mo-nos )r <IntrodugSo )r arqueologia naval>, subtitulada sugestivamente<A critica da documentaE6o pl6stica>".

Gravados em pedra ou madeira, pintados em tela, Ioiga ou outros ma-

teriais, desenhados t6cnica ou estilisticamente, ou ainda em modelo, a

representagdo pl6stica dos navios surge-nos analisada com uma exaus-

tividade e erudigdo exemplares.Pimentel Barata deu-se a um duplo trabalho. Defrniu em primeiro lugar

os crit6rios metodol6gicos que devem presidir d critica desta documentagdo,

que tanto pode induzir em erro crasso como prestar um sewigo insubsti-tuivel ao arque6logo naval. E nada, que ndo uma leitura muito atenta e

meditada pode dar ideia do rigor subjacente d elaboragdo desta grelha:

ponnenores (que sdo bem mais do que isso, como fica patente) como olocal de resid6ncia do artista ou o material e a t6cnica que utiliza reve-

lam-se fundamentais para a exacta compreensio da validade do seu labor,

enquanto veiculo informativo a este nivel. Olhar para uma pintura e dela

retirar elementos que justificadamente ajudem a entender algo mais sobre

as embarcagdes ai representadas deixa de significar uma atitude algo im-pressiva, como at6 agora, para passar doravante a significar o apuramen-

to do quem, quando e porquO a fez. Com e em que materiais, a partir de

que princ(pios, estilos artisticos, finalmente com que conhecimento de

causa dessa realidade pr6pria que 6 o navio.A critica cerrada a que a documentagdo 6 sujeita (indice seguro do

crit6rio cientifico que a norteava) vai-lhe permitir a apresentaEAo con-comitante de uma reportoriagio quase exaustiva dos testemunhospassiveis de nela serem obtidos, e aferir do seu real valor para o fim de-

sej6vel na 6ptica do arque6logo naval.Ao faz6lo, mostrava a cada passo essa erudigdo que transcendia o

conhecimento do documento escrito (que s6 6 o documento por excel6n-

cia numa concepgdo da Histdria cujo interesse 6 hoje meramente arque-

ol6gico, tamb6m ele), para abarcar simultaneamente o dominio tdcnicoe artistico da expressio gr6fica, entendida agora ndo apenas enquanto

instrumento de trabalho, mas igualmente como auxiliar fundamental na

interrogagdo das fontes. E se ndo indispens6vel, pelo menos muito poderosa-

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ARQUEOLOGIA NAUAL PORTUGUESA DOS SEC. XV XWI

mente contributivo para o bom 6xito de qualquer empresa a que se metaombros neste dominio.

Um dos principais 6bices que este tipo de fontes apresenta consistena dificuldade evidente de identihcar a representaqdo. E apenas a partirdos meados do s6culo XVII que com a seguranga se identifica uma dadarepresentaqAo como um navio cuja existOncia se conhece. Para o s6culoXVI, segundo Pimentel Barata, isso s6 acontece uma rinica vez eomouma nau portuguesa: trata-se da <S. Paulo>, que naufragou em 1561 nacosta de Samatra, e que o Pe. Manuel Alvares veio a desenhar no manus-crito em que descreveu o naufrdgio3o.

E todavia possivel que haja um outro caso susceptivel de ver prova-da semelhante identificagdo.

No Kunsthistorisches Museum de Viena de Austria existe uma tape-garia de grandes dimens6es figurando a conquista do porto de Tunes, em1535. Em primeiro plano, muito destacada dos restantes, estii uma em-barcaEdo que pelas arnas se v6 ser portuguesa, parecendo pelo aparelhoum gale6o3'.

O relevo que lhe 6 dado ndo deve atribuir-se apenas d diferenEa deperspectivas (as restantes embarcag6es representadas nesta tapegaria es-tdo noutro plano, ao fundo), mas sim ao destaque que, propositadamente,se quis imprimir d participagdo deste galedo na empresa que se glorifica.O que 6 natural, a nosso ver estas circunstdncias indicam que se trata dogale6o <S. Joio>, conhecido I 6poca por <Botafogo>, dado o seu excep-cional poder de fogo e enorrnes proporgdes, para o que era entdo usualver-se. De tal forma que Carlos V pediu a D. Jodo III que fosse o<Botafogo> integrado na armada que preparou para aquele efeito3'?. Ahip6tese aqui fica, pois: a confirmar-se seri4 dos poucos casos conhecidos,para a Marinha do s6culo XVI, em que se identifica claramente a repre-sentageo de uma embarcagdo; com o atractivo de neste caso se tratar deum dos maiores vasos de guerra do seu tempo. A tarefa nem 6 das maiscomplicadas, uma vez que como acabamos de ver est6o jri establecidos oscrit6rios que devem nortear a critica deste tipo de testemunho.

8. Anotada e prefaciada por Pimentel Barata, foi preparada em 1973a segunda edigdo da obra capital de Quirino da Fonseca sobre a caravelaportuguesa e a prioridade t6cnica das navegag5es henriquinas, ate agolcinultrapassada enquanto vis6o de conjunto33. Disso mesmo nos d6 conta oComentdrio Preliminar onde se aponta o progresso dos estudos de arque-ologia naval e a nova documentaEdo entretanto descoberta como respon-s6veis pela necessidade de corrigir pontual ou complementarmente o

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texto original. E na verdade mal seria que assim ndo fosse, 39 anos volvi-dos sobre a primeira edig6o.

O texto vem enriquecido com inrimeras notas, ap6ndices e adita-mento bibliogr6fico. Das notas a maioria limita-se a curtas observag6es,

embora algumas de entre elas constituam por si mesmas verdadeiros es-

tudos, ainda que sum6rios pela sua extengeo estar naturalmente condi-cionada: o problema da origem hist6rica do vociibulo carayela merecedesta forma 3 pdginasto que enfileiram sem esforgo entre as mais esclare-cidas das muitas que o assunto jii motivou.

Iddntico comentirio se pode fazer a prop6sito do Ap0ndice I", sobre

o aparelho das caravelas. Pimentel Barata alinha novos elementos e com-pleta os dados de Quirino da Fonseca e Gago Coutinho, que como 6 sobe-jamente conhecido se envolveram em virulenta pol6mica a esteprop6sito. E sem que em qualquer dos lados estivesse toda a razdo, comoseria de esperar.

Em resumo, e sem esquecer os contributos indispensdveis trazidosmais recentemente pelos especialistas (veja-se a prop6sito a comunicagdode Ant6nio Tengarrinha Pires apresentada a esta Academia)'u, os dois volu-mes dedicados ir caravela portuguesa por Quirino da Fonseca, nesta ver-s6o anotada, continuam a ser a melhor introdugAo ao estudo do navioemblem:itico dos Descobrimentos portugueses, numa perspectiva global.

9. A armada de FemSo de Magalhies foi de seguida o objecto dep6ginas cujo conterido tem tamb6m presente um not6vel esforgo de sin-tese". Para al6m do estudo dos navios que integraram a armada, surge-nos igualmente o <Diagrama geral Espanhol>>38, isto 6, o diagrama a partirdo qual se fazia o tragado geom6trico das embarcag5es espanholas antes

da sua construgio. E este um dos pontos fulcrais das conclus6es a quePimentel Barata p6de chegar: a afirmagdo da existdncia de um tragado de

natureza cient(fica, para os navios, ao inv6s da empiria a que ele 6 nor-malmente associado. <<Ao contr6rio do que muitos arque6logos navaispensam - e nZo citamos nomes porque os hd portugueses, espanh6is, in-gleses e franceses - o tragado dos antigos navios ndo era mem emp(riconem meramente a olho, feito por mesftes carpinteiros mais ou menosilustrados, e at6 alguns analfabetos. De resto, j6 os tratadistas dos s6culosXVI e XVII abundam na opinido de que a traga e construgSo das naus 6feita sem conta nem medidu3e. Argumento de peso em contr6rio 6 o daleitura de tratadistas como Fernando Oliveira, Escalante de Mendoza,Jodo Baptista Lavanha ou Tom6 Cano permitirem mais facilmente infir-mar que confirmar a tese avangada. E a resposta 6 de polemicidade evi-

22

AR2UE1L)GIA NAUAL 71RTUiIJESA Dos sEc xv-xwl

dente: <Na verdade, os autores antigos e modernos fazem confusdo entreo tragado fundamental e as variantes introduzidas por tais mestres calpin-teiros, as quais muitas vezes seriam erradas, mas ndo alteram o facto deque existiu um tragado de natureza cientifica, cujos principios eles des-conheciamrroo.

A questdo seria retomada na colaboraEdo prestada i, Hist1ria NavalBrasileiraat (obra que infelizmente n6o tem paralelo entre n6s), resultanteno mais extenso, sistemAtico e completo dos seus trabalhos.

E este o coroliirio l6gico da investigagdo cujo percurso temos vindoa acompanhar, tendo como prop6sito final a reconstituigao da traga dosnavios portugueses dos s6culos XV a XVII. Explicitamente, tomam ago-ra letra de forma algumas ideias ventiladas ou adiantadas anteriormente,mas entdo sem suporte justificativo. Retoma-se o mais importante: exis-tiria um diagrama geral que geometricamente serviu de padrdo d arqui-tectura naval portuguesa no periodo considerado (mais exactamentedesde os meados da centriria de Quatrocentos aos meados da deSeiscentos). Os navios construir-se-iam segundo um principio geral in-varidvel, o que permite compreender a manutengao da uniformidade dos

diversos tipos ao longo destes cerca de dois s6culos. Tal diagrama de-rivava dos principios biisicos da arquitectura grega, exactamente i ima-gem e semelhanga da construgdo naval noutros paises europeus.

Assim, a caravela desde 1441-1446 e as naus de Gama e Cabral de-viam ter obdecido j6 a este principio geral, cuja exist6ncia seria insofis-m6vel a partir do infcio do sdculo XVI.

Esta conclusdo pressup6e, por seu turxo, o funcionamento de um or-ganismo regulador no exercicio da orientagdo e direcAdo t6cnica na cons-trugio naval portuguesa. E em 1623 encontramos refer0ncia explicita iJunta das Fdbricas da Ribeira de Lisboa. Mas se o diagrama geral existee 6 aplicado desde os meados do s6culo XV entdo 6 porque esta Juntaj6funcionava antes, ou foi precedida por uma sua cong6nere. PimentelBarata deduz entAo, e conforme ao que atriis ficou dito, que pelo menosdesde o tempo do Infante D. Henrique existiria um Conselho T6cnicocom id6nticas fung6es.

A esta luz, o caso assume uma dimenslo completamente diferente. Aconstrugio naval portuguesa teria tido uma dimensdo te6rica que subal-temizava iniludivelmente a pr6tica. Por outras palavras, em seu entendera adequagio tdcnica das embarcagOes aos sucessivos desafios que a nave-gag6o ocednica impunha nf,o resultava meramente de um lento e pro-gressivo tactear no escuro, protagonizado por sucessivos ajustes daresponsabilidade dos mestres construtores, mas revelava tamb6m desde o

23

inicio um saber te6rico cujos ditames gerais fazem da empresa das nave-gagdes um resultado mais devedor do cdlculo te6rico que da empiria pu-

ra. Desta forma, estio estabelecidas as condiq6es para a afirmaEdo da

supremacia t6cnica da navegagdo portuguesa ao longo dos s6culos XV e

XVI, desde os tempos do Infante D. Henrique, particularmente no que

conceme ao seu instrumento fundamental - o navio.E claro que entramos directamente no que de mais controverso se

pode descortinar ao longo de tudo o que temos vindo a ver. Foi a ideia de

planificagdo que esteve subjacente e todos os esforgos de atribuir ao

Infante o m6rito essencial dos Descobrimentos, enquanto projecto deli-neado nas suas linhas gerais desde os prim6rdios. Nasceram por esta viaos mitos da Escola de Sagres ou do Plano das indias, que modernamente

foram decisivamente postos em causa. A lenda pertence tamb6m a Junta

dos Matemiiticos, que um escritor espanhol do s6cu1o XVII, Martinez laFuente, quis ter sido organizada por D. Joio II.

Da fi4bula para a realidade passou apenas o Plano das Indias (uma

designaqdo em si mesrna inconeta, diga-se de passagem), assacada sem

esforEo ao Principe Perf'eito; mas s6 a este. Depois de toda uma geraqdo

de histol'iadores qne de alguma forma legitima, lnas nem por isso menos

correctamente de um ponto de vista cientifico, como disse e bem VitorinoMagalhdes Godinhoa', ter empoiado excessivamente o fen6meno dos

Descobrimentos enquanto projecto nacional planificado, e logo pensado

e assumido como tal, tendemos a perspectivar as coisas dentr'o dos limi-tes do que foram as suas possibilidades efectivas - ou, pelo menos, a

tentar fazOlo.Naturalmente, sio de cariz distinto os problemas que temos de con-

siderar em relagdo a quest6es desta natureza. Por um lado, as fontes do-

cumentais remanescentes ndo permirem que apenas com base nelas se

suporte a exist6ncia de uma Escola de Sagres, por exemplo, ou entio s6

tardiamente garantem evid€ncias que, em rigor, n5o se podem antecipar

excessivamente - caso, em nosso entender, da Junta das F6bricas. Na es-

teira de Jaime Cortesdo, que ao assunto dedicou viirios trabalhos entre

1924 e 196001, alguns autores argumentaram com o silenciamento sis-

tem6tico que o Estado teria imposto sobre tudo quanto tinha a ver com as

viagens de descobrimento: a politica de sigilo ou de segredo. A tese re-

sistiu nal a algumas das criticas que desde logo mereceu, sobretudo da

parte de Duarte Leite, seu primeiro contraditof . Por outro lado importainsistir nos perigos de uma Hist6ria que projecta para o passado o que ndo

poderia 16 ter estado: uma an6lise ponderada da ambi€ncia de cada 6poca

e cada lugar (por exemplo nos dominios politico-institucioual ou s6cio-

24

AR?UEqLqGIA NAV L qIRT(/GUESA Dos s4c. xv-xwt

cultural) tem de preceder e fundamentar a arquitectura da hip6tese -sem o que esta deixa de se tornar m6todo e instrumento de trabalho vdli-do.

No caso paticular do traEado do diagr:ama geral, 6 evidente que se

fundamenta num rigoroso e profundo estudo geom6trico, cuja conclus[ose publica sob a forma das expressdes aritm6ticas e geom6tricas desse

mesmo diagrama, ao inv6s de se basear em meros indicios ou simpleshop6tese. A sua dedugao foi feita a partir da cornparagdo dos tragados do

Livro das Tragas de Carpintaria, do Livrc Ndutico e do Livro Primeirode Lavanha; mas o pr6prio car6cter do texto impediu que o seu autor ex-planasse todo o imenso caminho percorrido para lii chegaq ficando assimperdido (planeava fazO-lo em obra de que falaremos d fiente). Na ver-dade, sem a descriminaEdo exaustiva dos estudos pr6vios que o funda-mentam, o problema perrnanece parcialmente em aberto at6 que alguminvestigador munido de igual pertindcia o queira reconstituir. Fica comohip6tese de trabalho, seguramente a mais rica e sugestiva nio s6 da obrade Pimentel Barata, mas de quanto ultimamente se escreveu entre n6s no

dominio da arqueologia naval. Perceber o seu alcance significa aceitarque a sua confirmagdo nos obrigaria a rever muito do que temos como da-

do adquirido neste particular, e talvez mesmo enr parte da Hist6ria dos

Descobrimentos em sentido lato.Depois de uma breve introduqio, as quatro pdginas gastas na apre-

sentagdo dos principios geom6tricos do traEado portuguOs quase ofuscamo resto do capitulo, que consiste numa srimula dos conhecimentos actu-ais sobre as principais embarcagdes da 6poca, naturalmente enriquecidapelas investigagdes do pr6prio autor, e culn'rinando com a descrigdo da

t6cnica dos estaleiros.Um exemplo: o da lenda do espordo dos gale6es portugueses, de

acordo com a qual esta embarcagdo d vela disporia de uma arma ofensi-va caracteristica dos navios a relnos. O que foi aceite por Lopes de

Mendonga ou Quirino da Fonseca, entre tantos outros, e aqui desfeita empoucas linhas, onde se aliam o perfeito dominio das fontes ao simplesbom senso: <nIo l-rd um rinico documento t6cnico portugu6s que men-cione o espordo dos gale6es, no sentido de estrutura especial para o

ataque. Nem qualquer das representeE6es portuguesas, incluindo os de-

senhos do Livro das lraga.r, mostra tal estrutura, perfeitamente inrltil numnavio que levava por ante-a-proa um mastro inclinado a 35', o gurupds,que se partiria numa abordagem e assim comprometeria todo o aparelho.A confusdo resulta da jd citada analogia funcional com a gal6, que se quis

tamb6m arquitectdnica, e de facto concreto de que o termo aparece para

25

designar a estrutura de proa tamb6m denominada beque, como muitoclaramente 6 definido numa obra de 1625-1640"5.

10. Concluiremos esta breve panorAmica pelo conjunto da obra de

Pimentel Barata com os seus riltimos trabalhos, em que, curiosamente, e

ao contrilrio do que em regra fizera at6 ent6o, se dedica particularmentea tipos precisos de embarcagdes: o galedo e a caravelaou.

Quanto ao galedo, e para al6m do desenvolvimento de ideias j6avangadas anteriormente, temos agora como principal novidade a

hist6ria do termo (com vista a desfazer drjvidas que fatalmente ocorrempela similitude do mesmo com o espanhol gal4on ou o italiano galeone,

que designam embarcaEdes diferentes), e o estudo t6cnico aprofundadoda evolugdo da embarcagdo ao longo deste periodo, durante o qual ndo

se mantiveram uniformes as solug6es inicialmente adoptadas. Comoconclusdo e ponto de partida, a um tempo, a ideia (6 afirmada anterio-rmente) de que o galedo portugu€s foi especificamente concebido para a

guerra: <<This to lead warfare on the high sea, far away from their naval

bases, the portuguese conceived a square rigged ship exclusively to thatend, with proportions, dimensions and features distinct from those of the

merchant ship, the <nau>> (carrack). The new shiptype was called galleon

because of any morphological relationship between the two shiptypes>y''.

E mais i frente: <The Portuguese galleon mentioned as early as 1521

and represented already by 1519, is the first square rigged ship con-ceived and built exclusively for warfare on the high seas>>oE.

Uma vez mais, a conclusdo decorre de uma an6lise do tragado da

6poca, apenas. O galedo teria assim linhas mais finas: para a mesma

tonelagem, e em relaqdo i nau, era mais longo, mais baixo nas obras mor-tas, e melhor veleiro, por ter tamb6m aparelho diferente. Convenhamos

por isso que em relagdo d distingdo propriamente dita podemos contrapordois argumentos distintos:

a) 6 frequente, 6 mesmo muito frequente na documentagdo do s6cu-

lo XVI encontrar uma embarcagio dada indistintamente como nau ou

gale6o, o que pode significar que na altura essa distingdo nlo era clara;

b) hri que ver at6 que ponto a organizaEdo institucional da marinha

portuguesa, o desenvolvimento econ6mico, enfim, as pr6prias necessi-

dades ou possibilidades de indole estritamente militar nos autorizam a

aceitar esta radical especializagdo funcional entre as naus e galedes -porquanto l6gico serd pensar-se que a nau. navio mercante antes do mais,

fazia as vezes de vaso de guelTa sempre que necess6rio: e o necessdrio

26

AR^UEoL)GIA NAVAL poRatucllEsA Dos sEc. xv-xwl

ocorria quase quatidianamente. O galedo, por seu turno, servia amifdecomo navio de carrega. E este, pelo menos em nosso entender, ojuizo que

podemos fazer da documen[agao conhecida, de todos os relatos de via-gens ou que a elas se referem.

O que ndo anula, evidentemente, a demosntragdo operada porPimentel Barata quanto d diferenga de traga. Pode-se at6 invocar o Livroda Fdbrica das Naus do Pe. Fernando Oliveira, para como 6 sabido se

refere explicitamente e por mais de uma vez a essa distingdoa'; mas tam-b6m n6o anula a possibilidade da dupla funcionalidade, que deixdmos ex-pressa.

O estudo sobre a caravela datado de 1983 tem j6 um dmbito eprop6sitos que ndo encontramos antes, consubstanciados na saida do

dominio especffico do papel do navio como agente t6cnico de dominiodos mares.

A introdugdo insiste na importdncia da viragem tecnol6gica que deu

origem d expansdo europeia, ou, mais exactamente, da civilizagdo da ba-cia do Mediterrineo, e no que esta representou enquanto momento deci-

sivo na hist6ria do Mundo, reafirmando de seguida que os

Descobrimentos foram tamb6m o resultado de uma adequada preparagdo

cientifica e tecnol6gica. De seguida, tragam-se as origens, as principaiscaracterfsticas t6cnicas, os tipos, fungdes, annamentos, tripulagdo e

provimentos da caravela, para terminar com uma breve refer6ncia ao

aparecimento de embarcag6es aparentadas noutros pafses europeus.

No texto ressalta mais a sistematizagao que a novidade em relagdo

aos precedentes. Afirma principalmente que 6 a caravela latina de dois

mastros que corresponde )r caravela dos Descobrimentos, depois de a in-serir no que poderiamos chamar uma hist6ria geneal6gica da embar-cag5o, mas decisivamente ndo represenlando um processo evolutivo a

partir de formas mais arcaicas com as quais teria a semelhanga do nome

e pouco mais, tratando-se pelo contriirio de uma inovagio tecnol6gica

imposta pelo desafio langado com o surgimento de novas condig6es de

navegaqdo no Atldntico. Entende-se assim uma dinAmica de relaEdo entre

o Homem e a T6cnica que se filia na perpectiva de um historiador como

Arnold Toynbee (ou, se se preferir, na sua filosofia da hist6ria), da qual

Pimentel Barata 6 significativamente devedor. Em aspectos pontuais,

mormente na import6ncia outorgada ir viagem de Vasco da Gama, ou de

uma forma geral, no entendimento de um mecanismo regulador de umprocesso hist6rico que em parte se resolve numa relagao dial6ctica que

faz o Homem superar sucessivamente os desafios que o meio lhe coloca,

27

A mesa da presid€ncia e o conferencista Dr. Contente Domingues no uso da palavra

situando nesta relagao desafio-resposta a possibilidade e concretizagdoefectiva do seu desenvolvimento civilizacional. O navio foi assim a res-posta ao desafio do mar; a caravela dos Descobrimentos (a caravela lati-na de dois mastros) a resposta portuguesa ao desafio da navegagdoatlantica, desafio que uma vez vencido abriu as portas para uma epopeiaque marcou uma nova etapa na hist6ria do Ocidente, e por via deste na doMundo, tendo por ponto de partida a viagem de Vasco da Gama. Ndo 6

por acaso que nos escritos de Pimentel Barata se encontram com facili-dade as refer6ncias d <Era de Vasco da Gama)>, expressao utilizada por K.M. Pannikar na sua obra Asia and Westem Dominance para com eladefinir o per(odo da presenga colonial europeia no Oriente.

Ndo deixa por isso de ser algo surpreendente esta aparente dupla ati-tude. Pimentel Barata manteve-se por sistema arreigado ao testromunhodocumental, e a precauEao critica com que ele 6 encarado espelha-se bemno labor erudito com que se prop6s reconstituir a traga portuguesa; masao pretender penetrar no emago da questdo, ultrapassando a minrjcia dotrago geom6trico, dir-se-ia que abandona a precaugdo indutiva em favorde um quadro geral sobre a g6nese dos Descobrimentos na sua dimensdot6cnico-cientifica que claramente privilegia a 6ptica dedutiva. O longocaminho que vai desde a primeira publicagio (a edigdo critica do Livro deLavanha, recordemo-lo) atd ao estudo final sobre a caravela ndo se re-

28

ARQUEOLOGIA NAVAL PORTUGUESA DOS SEC. XV-XVN

sume por isso numa mera acumulagdo erudita de conhecimentos, de

novos dados; o que se toma evidente 6 pelo contrdrio o que prenuncia -de uma forma bem transparente - uma mudanga de atitude, uma certaforma de ver os mesmos problemas. Sem de maneira alguma abandonaros trilhos seguidos at6 entao, naturalmente, mas nao enjeitando a pers-pectiva de enveredar por ouftos caminhos.

Ndo se trata de uma contradigao, mas sim do assumir de um risco que

busca na hip6tese retrospectiva a compreensao do que ndo 6 imediata-mente perceptivel no testemunho directo dos documentos.

Sobretudo por isso, embora tamb6m no resultado dos seus estudos es-pecializados, a obra de JoSo da Gama Pimentel Barata 6 uma obra pol6mica; o que nos perrnite concluir que estii viva, tamb6m.

Irremediavelmente incompleta, embora. Muito, quase seguramente amaior parte, ficou nos apontamentos manuscritos. Ficaram por concluirdois grandes projectos, dos quais poderiamos legitimamente esperar que

elucidassem esta e tantas outras questdes, atrav6s de um desenvolvimentoexaustivo impossivel nos curtos textos que deu a lume. O primeiro consis-tia na publicagdo anotada da documentagEo t6cnica portuguesa dos s6culos

XVI eXVII, como vimos. O segundo seria o livro de sintese sobre as em-barcagdes portuguesas, onde tudo o que fora dito antes seria retomado sis-tem6tica e desenvolvidamente sob o titulo Os Navios da Cruz de Cristo.

11. Embora aparentemente fragmentiirios, os resultados alcangadospor Pimentel Barata formam um todo pr6prio e coerente que lhe garantelugar (mpar no panorama da arqueologia naval portuguesa.

Resumidamente, diriamos que:

a) renovou metodologicamente os estudos nesta 6rea, recorrendo )r

comparagdo critica da documentagdo portuguesa e europeia:D) sistematizou o conjunto das fontes conhecidas, dando a conhecer

novos materiais;c) precisou o significado de v6rios termos t6cnicos constantes na do-

cumentagdo, at6 entao imprecisos ou ignorados;d) pela primeira vez, empreendeu rigorosamente o estudo sistemdt!

co do traEado dos navios portugueses dos s6culos XV a XVII;e) prop6s uma explicageo global para os pressupostos te6ricos da ar-

quitectura naval portuguesa deste mesmo periodo.

Fica-nos, pois, pouco mais que uma escassa dezena de trabalhos. Oque est6 agora ao nosso alcance - e 6, de igual modo, uma obrigagdo -

29

6 ajungdo de todos eles num volume que permitia aos investigadores ousimples interessados na arqueologia naval portuguesa o acesso f6cil a tex-tos que se encontram dispersos, e at6 in6ditos.

Dar-se-ia assim a justa dimensdo i obra de Jodo da Gama PimentelBarata, cuja importdncia 6 sem dfvida decisiva no quadro do seu dominioespecifico. E, sem drivida tamb6m, demorar6 ainda algum tempo para quepossa ser aprecebida em toda a sua extensdo. Parajd cumpre-nos conti-nu5-la, prosseguindo este labor de devassar um dos mais fascinantes capi-tulos da hist6ria dos Descobrimentos portugueses e, num conspecto maisgeral, da pr6pria Expansdo europeia.

Margo de 1986

ARQUEOLOGIA NAUAL PORTUGUESA DOS SEC. W.XWI

NOTAS'Erhnos, vol. IV, 1965, pp 221-198z Sobre Jodo Baptista Lavmha hd que ver em primeiro lugu, e al6m do tabalho citado atr6s:

Armedo Conesdo, Canografa e cartdgrafos ponugueses dos sdculos W e WI (contribuigdo paraum estuda complen), vot. II, Lisboa, Sem Nova, 1935, pp. 294-361; Ammdo Cortesao e AyelinoTeixeira da Mota, Ponugaliae Monuwnta Cartographica, vol. IV, Lisboa, 1960, pp. 63-76; e depoisda bibliografia al citada, ainda Humberto kiIilo, IJw carto de Joao Boptista lLanha a respeito dosagulhu de ltis da Forceca Coutinho, Coimbra, J.l.U. - A.E,C.A (Seprata n,. XI), 1966Primordialmente, considera-se aqui o que na sua obra tem a ver com a Hist6ria da Muinha, em senti-do lato.

' J.G. Pimentel Buata, <O Liwo Primeiro.. >, a pp. 226-22't d^ edigto citada na n. l.'ld,, ibid., p.22t.

' Est6 no c6d. 63 da Colecado Salazu da Biblioteca da Real Academia de la Hist6ria (Madrid),fls 41-78

6 J. G. Pinentel Buata, op. cit. ,pp228-229.7 Publicado no boletim clltwal Pdvoa de Varzim, vol.Yll, n." l, 1968, pp. 3-20.'Cf. as pp. 5-6 do estudo citado na nota ilteriolo V. a este prop6sito a excelente obra de Basil Greenkill, Arcieo logy of ,he Boat. A new intrc-

ductory studJ,Intdres, Adm and Chules Btack, 19?6.r0 Oct6vio Lixa Filgueiras e Alfredo Bmoca, <<O ca(que do Algwe e a cuavela portuguesa>,

Revista da Universid.ade de Coinbra,vot.XXIY,1970, pp.405-441. Tmb6m saiu com o n. XLVIna S6rie Sepratro da J.I U.-A-E.C.A., em Coimbra e neste mesmo ano.

ll J G. Pimentel Buata, <O ftagado das naus e gale6€s portugueses de 1550-80 a 1640>>, Revistada Universidade de Coimbra, vol. XXry 1970, pp. 365-404. Tanto esto estudo como o de OctdvioLixa Filgueiras e Alfredo Buoca apuecem ainda inclusos no rar(ssimo (e por isso nunca citado) vo-lume em que se reuniram e parte as comunicag6es apresentadas ao col6quio a que estas foram tam-b6m presentes: 1 Rea nido Intemacional de Hiil\ria da Ndutica (23-26 de Outubro, 1968) Discursose Comunicagies,Universidade de Coimbra - Estudos de Cartografia Antiga, 1970

'1 Cf. pp. 6-9 da publicagio em sepaata.

'r A consulta dos c6dices em questeo revela-o de imediato NAo deixa de nos pdecer estranhoque vdrios autores de entre quantos se dedicuam a estas mat6rias ignorem liminme\te o Memorial(8.N., Res. c6d. 637), at6 porque no livro Ndrlico (b.N., Res. c6d. 2257) vem apensa uma indicagaoque remele dfuectm€nte pua aquele Deve a isto acrescentu-se q\e o MemorieL traz infomagoesmuito impofiantes pua a Hist6ria da Muiuha, como sejm por exenplo os orgameDlos de mad6da ddcada de 1580, cujo estudo sistem6tico empreendemos nesto momento, pimentel Buata con-becia-o, pois sabemos que o indicou aos Autores de uD esludo sobre as boticas de bordo (ci CulosSilveira e Muia Cristina Sitveira, Ar Boticas das Naus de euinhentos, Lisboa, Lisfma, 1967, p.l9), mas curiosmenb Dao o encontrmos citado nos ceus trabalhos,

301t

u D Antdnio de Ataide 6 uma das figuras mais destacadas da marinha Portuguesa do primeiroquartel do s6culo XVII (v a seu prop6sito Chules Ralph Boxer, <Um roteirista desconhecido do

s€culo XVII. D. Ant6njo de Ataide, capitdo geral da Amada de Portugal", Arquivo Hist6rico da

Murinha, voI I, 1933-6, pp 189-200; id , <<The naval and colonial papers of D, Ant6nio de Ataide>,Homard Library Bulletin,vol.Y,1951, pp.l4-50; Francisco Contente Domingues e ln6cio Gueneiro,<D Ant6nio de Ataide, capitAo-mor da amada da india de 1677>>,itA Abertura do Mundo Estudos

de Hist6ria dos Descobrimentos Eurcpeus em homenagen a Luls de Albuquerque, vol. II - no pre-

lo). Em contrapartida, desejuimos saber algo mais sobre N amadN da costa- e o que delas conhe-

cemos devemo-lo a uma comunicagdo de Artur Teodoro de Matos apresentada a esta Academia -, pelo

que se nos afigura ter algumc relevencia a confirmaEeo (ou neo) da hip6tese aqui levantada,

'r J G. Pimentel Buata, O traga.lo das naus e galedes de 1550-80 a 1640, p 42

'6 Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1971

'? Id, <A'Ars Nautica' do Pe. Femando Oliveira. Enciclopedia de conhecimentos mtritimos e

primeiro tratodo cientifico do construgdo nawl (1510)>, Memdrics do Centro de Estudos de M{inha,vol. lI, Lisboa, 1972, pp. 183-19?

r3 A obra em causa est6 dividida em trds piltes, e s6 a segunda diz respeito i construgao naval

O manuscrito, actualmente pertenEa da Biblioteca da Universidade de Leiden, enconka-se in6dito,agurdando-se pua breve a edigao critica da tradugao e do texto latino original.

D A obla fundamental sobre Fernando Oliveira, e ainda nao ultrapassada no seu conjunto, 6 a

de Henrique Lopes de Mendonga, O Padre Femando Oliyeira e a sua Obro Ndulica, Lisboa, Tlp da

Academia das Sciencias, 1898- Em opfsculo dado i estmpa em 1985 inserimos a bibliografia com-pleta de Oliveira, e bem assim uma lista dos tabalhos mais relevmtes pila o estudo deste autor (cf,

Francisco Coniente Domingues, Expeiqncia e conhccimento na conslru?do naval portuguesa do

siculo XVI: os tratados de Fernando Oliveira, Llsbot, I.I.C T.-C E.H.C.A , sepdata n o 172, 1985,pp.27-28itam&mnaRevktadaUniversidaded.eCoinbra,vol,XXXII, l986,pp 339-364) Paraairelnetemos o leitor, e depois pra os elementos que damos ji de seguida, completando a lista referi-

da atrfs.Obras de Fernando Oliyeira: A Ane do Cuerra do Mar,Lishoa, Ediqds Culturais da Mrinha,

1983 (trata-se de uma 4 " edigao, que segue a 2," e 3 n, agora acrescentando-lhes a reprodugdo fac-

s(mile da edigdo de 1555, e a tradugeo para fmncos e inglos dos comentirios preliminues de AbelBotelhodeSousaeHenriqueQuirinodaFonseca) Estudos:I.Muller,<DieSchiffschygieneineinemlateinischen Manuskript des 16, Jahrhunderts uber Sclriffahrtskunde (Ars Nautica)>, Forschung -Pruis - Ferbildung, n.' 6, 1966, pp 234-24O; Manuel Viluinho, (A Arte da Guena do Mr e oPadre Femando Oliveira>, comunicaEdo apresentada ao Instituto de Estudos Estrategicos e

Intemacionais, 1983 (dactilografado); Frmcisco Contente Domingues, <Fernando Oliveira, prineirote6rico da const uQlo naval em Portugal>>, Prelo, n." 6, 1985, pp. 2l -28; id., <A obra tdcnica do Pe

Fernando Oliveira (olguns aspectos)>, comunicagio apresentada ao III Encontro de Hist6riaDorninicma, 1986 (dactilografado; e mais rccentemente, Altino de Magclhaes Comes, (Acerca da

'Ars Nautica', Revir ta de Marinha, n" '7 52, 1986 pp 33-31?0 H6 que juntu as anteriores Hernini Cidade, (Fernando Oliveira'uomo universale', era tarn-

b6mfil6logo>t, Mem<irias do Centro de Estudos de Muinha, vol. V, 1975, pp 33-411r Sobre o pendor de Femando Oliveira pua a enunciagdo de regras te6ricas v. J G, Pimentel

Bilata, <O 'Livro Primeiro de Archit@tua Naval' de Joio Lurnha>>, pp 226-2271'Logo no pr6logo do Livro diz Oliveta: <Da qual [fribrica das naus] ninguern ercreveo alee-

gora, ern nossa lingua, nem grega, nem latina, nem outra alg0a que eu sayba: nE ha outra escripturaq trate desta materea, soomEte a segunda ptrte da minha uie da naueBagao, que escreui em lingualatina: porE essa tambem he minha, & naceo de meu trabalho, & diligencia, como esto', (Livro da

Fabrica das Naos>, in Heruique Lopes de Mendonga, op. cit., p. 150.

'?3 Cf. J.G Pimentel Burla, O lragado das naus e galedes portugueses de 1550-80 a 1640, p 62' V Luis de matos, <A 'Ars Nautica' de Fernando Oliveta>>, Boletim Inlenncional de

BibLiograJia Luso-Brasileira, vol. I, 1960, pp. 239-251.1r Coimbra, Faculdade de Letras, 1937.

'6 lbid , p. 5.

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AROUEOLOGIA NAUAL PORTUGUESA DOS SEC, XV.XWI

" Visconde de Lag6a, Femdo de Mogalhdes (A suavida e a vaviagem),2 vols ,Lisboa, Seara

Nova, 1938 Na p. 286 do yol II o autor cita o titulo comoleto do manuscrito, revelando que tal co-mo M de Jong n5o se apercebeu da imporl4ncia da refer€ncla i Ars Nautica

'3 J.G Pimentel Buata, <Estudo dos navios do Retdbulo de Sann Auta>.h Rekibulo de SantqAula - Estudo de Investigagdo,Lisboa, Centro de Estudos de Arte e Museologia,1912, pp.26-33(o livro foi lamb6m editado em ingles)

'?o J.G Pimentel Buara, <Intodugeo A uqueologia naval. A crftica da documentagao pldstica>,Memirias doCentro de Estudos de Milinha, 1913,pp 207-234

soId,ibid,p 213;orelatodeManuelAlvaesfoipublicadoporJosdAugustoFrazdodeVasconcelos

'r Pud6mos obserye a tapegaria no Museu Nacional de Arle Antiga, onde esteve exposta nodecurso da XVII Exposigao Europeia <Os Descobrimentos Portuguesss e a Europa doRenascimenlo",

I'O galeEo <S. Jodo> ou (Botafogo) foi langado ir 6gua en Lisboa, ern 1534 Artilhado com266 pegas de bronze em 5 baterias, era o maior navio que se conhecia na Europa do tempo (Ant6njoMaques Esparteiro, TrAs Siculos no Mar (1640-1910). Caravelas e Galedes / I Parte, Lisboa,Ministdrio da marinha, 1974 p. XXX).

r1 Herique Quirino da Fonsca, A caravelo porluguesa c a prioridade ticnica das embar-cagdes henriquinas,2." ed.,2 vols., Lisboa, Ministdrio da muinha, 1978; a I " edigdo saiu dos pre-los em 1934, na Imprensa da Universidade de Coimbra (a reediQao s6 vejo a ser publicada cinco anos

mais tilde que o previsto, figurando a data em que foi prepuada -

1973 - na nota explicativa que

abre o l.'volume)1' Op. cit ,2^ ed., I " vol., pp 48-51f ibid , pp,305-311.16 Ant6nio Tengminha Pies, Caravelas dos Descobrimentos, Lisboa, Centro de Estudos de

Muinha, 1980

'J.G. Pimentel Buata, (A armada de Ferndo de Magalhdes (Estudo de arqueologia naval)r,in A Vagem de Ferndo de Magalhaes e o Quest@ das Molucas, Lisboa, J I C U -C E.C A., 1975,

pp 107-134\8td., ibid,p 122!'ld.,ibid.,p ll1.^ ld., ibid , p ll1'' ld., .A navegagdo d vela no litoral brasileiro, Parte I: Os navios>, in Histdrid Nayal

Brasileira, I 'vol., tomo I, Rio de Janeiro, Ministdrio da Muinha, 1975, pp 55-l0l" Mtorino Magalhees Godinho, <Drividas e problemas acerca de algumas teses da hist6ria da

expansdo>, in Ensaior /, 2." ed., Lisboa, S5 da Costa, 1978, pp 81-124

" A sua express6o rnais acabada foi o livro publicado por ocasiAo das comemoraQdes do V cen-tendrio da morte do lnfanle D. Henrique: Jaime Corbsao,,4 politica de sigilo nos Descobrimentos,Lisboa, 1960

" A critica de I)uafte Leite pecou tamb€m, aqui e al6m, por um excessivo transporte de m6to-dos e crit6rios que o distinto matemdtico trazia da sua formaqao acaddmica de base. Mais do que oproblema em si, na rcalidade o que estava em causa eram duas formas distintas de entender a

Hist6ria. Como disse Mtorino Magalhdes Codinho: <Duas mentalidades, duas fornagdes se vioop6o. Ponderadamente, Dmieo Peres concluiu pela solugao que nos parece mais adequada: politi-ca de sigilo, em sentido lato, ndo houve, mas sim a necessidade de episodicamente resgurdar o co-nh4imento de um outro facto de maior importincia, posigao com a qual concorda Luis deAlbuquerque, no geral (v, Dilliao Peres, (Polltica de sigilo>, in flisrriria da Expansiio Portuguesano Mundo, vol. II. Lisboa, Atica, 1939, cap lI; Luis de Albuquerque, <Sigilo Politica de>, inDiciondriodaHistdriadePortugol,rol.Ill,Lisboa,IniciativasEditoriais,l9Tl,p 864;claposigdodeDuaneLeite,<OSrgilo>>,inHist6riadosDescobrinentos Colectdnead.eEsparsor,vol.l,Lisboa,Cosmos, 1959, pp. 4lI-449).

a5 J.G Pimentel B{ata, op. clt, p. 85 Convenharnos por6m que a questio esti longe de ser

simples. Atentemos por exemplo no seguinte passo de Femando Oliveira: <O modo de sobir a roda

It

i

[do proa] 6!e pou@ acima do cducs, he nos nauios commus qussi dercyts, m8s nos dc guetra

lsngam trDAlB pen fora, pan Q comre da gcyto m sporgo, qu€ lhe acostumlo amrccntar pemuistir G contsayM (<Livro da F6brica dc Naos<, in Lopcs de Mcndo.tgq op, cit,, p. 183). A flti-mfr8sdeDiltrquslqupossibilidade do artifllist!rcrcf€rir m bcque, m ndo cbcgsde fmalglm pm I ecitsr a navio iroqids no scu hago erquiiec-t6nico. f tm qucstlio I p8ss de Fcmmdo Olivein

{ Estd inldito o texto (The portugucse cmvel and thc disovcry of Ancricu, onfer€nciaprof€rida na Smilh$nian Institution (Wsshingtm) m Agoslo de 1977. <A canvela Brcvc cirdogsmb, ommicagdo aprcsentrda rc Col6quio Intcrnrcional sobrc u razds qre lcvm a Penlmula

Ib€rica a inicir no s6culo XV a qpuslo curopcia (Lisboa, 1993), vir6 a soir m rcvista Sndic, cmdatr pr6xim Fmdmatq enconlanos ru rctas dr 3.' Rilnieo lotemeioml de Hist6ris de Ndutica(Tbc portugu* gallon (15191625)>, Five Hundred Yuts d Nauticol Sclerce l4N-19N,Gmwicl\ Nationrl Maritimc Muecuor, 199, pp. l8l-191.

" J.G. Pimmtel Buat4 <The portuguee gallconr, p. t do texlo drctilografado a partir do qual

citilm.{ Id., iDid., p. l.' Cf. pp. 182 e 183 da cdifeo dc L.pcs dc Mmdonga citada m nota 19.

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Cotnpo6igEo, ihprcE.Eo o acabal.-nb:rNsTrruTo HrDRocRA,FrcoRua da3 .HDas,49

- 12@ LISBoA

Dep6sito Irgal n,. 35 155/90

ISBN 972-8370-76-8