As Implicações Filosóficas da Teoria da Relatividade
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MARCO PAULO VIANNA FRANCO
DEN SCHRITT:
As Implicações Filosóficas da Teoria da Relatividade
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Belo Horizonte, dezembro de 2003.
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MARCO PAULO VIANNA FRANCO
DEN SCHRITT:
As Implicações Filosóficas da Teoria da Relatividade
Trabalho científico apresentado ao
final do Programa de
Aprimoramento Discente em
História da Ciência e da Técnica.
Orientador: Prof. Dr. Mauro Lúcio
Leitão Condé.
Área de concentração: História da
Ciência.
Coordenador do PAD: Prof. Dr.
Mauro Lúcio Leitão Condé.
Belo Horizonte, dezembro de 2003.
3
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................05
INTRODUÇÃO.............................................................................................................06
CAPÍTULO 1 – A TEORIA DA RELATIVIDADE
1.1 O cenário científico anterior a 1905..............................................................10
1.2 A teoria da relatividade restrita ou Especial..................................................13
1.2.1 Relatividade temporal e espacial.................................................... 14
1.2..2 A transformação de Lorentz...........................................................17
1.2.3 A dinâmica relativística..................................................................19
1.3 A teoria da relatividade geral.........................................................................22
1.3.1 O princípio da equivalência............................................................25
1.3.2 Desvio para o vermelho, energia gravitacional e deflexão da luz..25
1.3.3 Confirmação experimental..............................................................26
1.3.4 Observações finais..........................................................................27
CAPÍTULO 2 – AS BASES FILOSÓFICAS DA TEORIA DA RELATIVIDADE
2.1 Considerações iniciais....................................................................................29
2.2 As bases lógicas.............................................................................................31
2.3 Conceitos.......................................................................................................32
2.3.1 Espaço e tempo...............................................................................33
2.3.2 Massa..............................................................................................35
2.4 Formalidade e propriedades não-intuitivas....................................................39
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CAPÍTULO 3 – A CONTRIBUIÇÃO DA RELATIVIDADE PARA A CIÊNCIA
MODERNA
3.1 Do século XIX ao XX....................................................................................41
3.2 Transição ordenada........................................................................................44
3.3 Aspectos inovadores......................................................................................45
3.4 Crise e transformação....................................................................................47
3.5 A relatividade e a física moderna..................................................................49
CONCLUSÃO...............................................................................................................52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................55
5
RESUMO
O trabalho busca inserir a teoria da relatividade de Albert Einstein no cenário científico
da virada do século XIX para o século XX. A parte inicial consiste na exposição da
teoria, levando-se em conta suas causas, origens, conseqüências e importância. Por
conseguinte, discutem-se e situam-se as bases filosóficas que a mesma encerra, dando
ênfase aos novos conceitos físicos propostos e determinando-se até que ponto pode-se
considera-la inovadora. Finalmente, examina-se a contribuição da teoria para o processo
de transição ocorrido neste período, no qual conceitos clássicos dão lugar a uma nova
forma de se fazer ciência, posto em destaque a física moderna e a filosofia da ciência
contemporânea.
ABSTRACT
This study inserts the Albert Einstein’s theory of relativity in the scientific scenery of
the nineteenth and early twentieth centuries. The initial part exposes the theory, keeping
in mind its causes, origins, consequences and importance. Moreover, its philosophical
bases are discussed and put into order, emphasizing new physical concepts and
determining the character of the theory’s innovations. Finally, the contribution of
relativity to the transition process of this period is closely analyzed, in which classical
concepts give in to a new way of scientific method, mainly in regard to the modern
physics and contemporary philosophy of science.
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INTRODUÇÃO
O início do século XX foi um período de extrema importância para a História da
Física. Em especial, os anos de 1895 a 1905 foram marcados por uma profunda
transição no desenvolvimento da Física. Nesta época, as experiências abrangiam uma
crescente gama de fenômenos, que iam da escala estelar à molecular, e os dados
experimentais gozavam de grande precisão. Porém, o que ficou constatado foi a
incompatibilidade dos conceitos e teorias físicas vigentes com o que era observado.
Conseqüentemente, surgiram várias linhas de pesquisa que tentavam suprimir a
discordância entre teoria e fatos. Sobressaiu-se neste cenário a Física estatística de
Boltzmann, que vinha conseguindo descrever vários fenômenos no mundo molecular.
Um pouco mais tarde, viria à tona a teoria quântica, primeiramente com Max Planck.
Entre os vários desafios que emergiam das incongruências entre fato e teoria,
destacou-se um sério problema que ia de encontro aos alicerces básicos da Física da
época. A mecânica de Newton, cuja validade vinha sendo posta à prova com sucesso
por cerca de 200 anos, não era capaz de apresentar resultados satisfatórios para alguns
novos experimentos. Em particular, destacou-se uma forte e inegável incoerência entre a
Mecânica Clássica e o então recém proposto Eletromagnetismo de Maxwell.
O que se tentou fazer, de imediato, foi propor a reestruturação do
Eletromagnetismo, de forma que este se enquadrasse às leis newtonianas. Estas,
acreditava-se, não poderiam ser alteradas, uma vez que todo conhecimento disponível
até então fora construído tendo-as como base. Muitos cientistas renomados nunca
chegaram a reconhecer as idéias de Maxwell. Não obstante, todas as tentativas se
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mostraram malogradas frente à experimentação. Foi em 1905 que Albert Einstein, até
então um físico sem expressão, mostrou toda sua racionalidade e visão crítica ao
contestar os pilares da Física de Newton em favor da recente teoria Eletromagnética.
Coube a ele a solução da incongruência Newton-Maxwell, propondo sua Teoria da
Relatividade Restrita e expondo ao mundo os limites da Mecânica que todos
acreditavam ser de validade absoluta.
Dez anos mais tarde, Einstein apresentou uma versão mais abrangente de sua
teoria, a Teoria da Relatividade Geral, que inclui a gravitação aos conceitos propostos
anteriormente, dando origem ao que se chama de Dinâmica Relativística.
Einstein nasceu em 1879, em Ulm, na Alemanha, e logo depois se mudou para
Munique, onde morou até os 15 anos. Estava sempre entre os primeiros de sua turma de
escola, ao contrário do que se pensa. Era calmo e solitário, preferindo jogos de
paciência a esportes ou encontros sociais. Mudou-se para Milão aos 16 anos, sem
terminar o curso colegial, para rever sua família. Desde muito novo sabia de suas
aptidões e habilidades para com as ciências naturais, o que o levou a se candidatar ao
curso de física da Politécnica de Zurique. Ingressou na Universidade em 1896, e apesar
de obter boas notas, revelou toda sua aversão à autoridade, tendo problemas com alguns
dos professores. Não comparecia às aulas, se interessando pela leitura das obras de
Maxwell, Michael Faraday, Kirchhof, Hertz, Ernst Mach e H. Lorentz. Graduou-se em
1900, e por dois anos não obteve propostas de trabalho, a não ser como professor
colegial temporário. Devido à ajuda de seu amigo universitário Marcel Grossmann, em
1902 Einstein conseguiu um emprego no Escritório de Patentes de Berna. Foram
durante estes anos em que teve o tempo e a paz necessários para que sua ciência
florescesse. Publicou vários artigos, incluindo o seu estudo sobre o efeito fotoelétrico
8
que lhe renderia em 1922 um Prêmio Nobel. Foi em 1905 que Einstein apresentou sua
Teoria da Relatividade Restrita, a qual não chamou a atenção dos físicos da época, com
exceção de Planck, que lhe respondera com uma carta pedindo mais explicações. Após
muitas outras publicações, e com uma carta de recomendação de Planck, Einstein se
tornou professor na Universidade de Praga. Pouco depois foi nomeado professor na
Politécnica de Zurique. A convite de Planck e Nernst, foi nomeado membro da
Academia Prussiana de Ciências, mudando-se para Berlim em 1914. Foi então que
apresentou sua Teoria da Relatividade Geral, com a colaboração do seu amigo
Grossmann. As confirmações experimentais da Teoria da Relatividade, em 1919,
tornaram Einstein uma figura pública. Em 1933, mudou-se para os Estados Unidos,
fugindo da Alemanha nazista, e passou a trabalhar no Instituto de Estudos Avançados
de Princeton. Receando que a Alemanha desenvolvesse tecnologia atômica, Einstein
sugeriu ao presidente americano a construção da bomba atômica. Pacifista, nunca se
recuperou ao ver seu trabalho ser transformado em armas de guerra. Passou o resto de
sua vida em busca de uma teoria mais abrangente, a qual uniria as forças
eletromagnética e gravitacional. Sem sucesso, faleceu em 1955.
O presente trabalho busca formular e discutir os mais variados aspectos
concernentes à Teoria da Relatividade. Ele foi dividido em três capítulos principais, que
serão brevemente descritos aqui.
O primeiro capítulo consiste em uma apresentação da Teoria da Relatividade.
Optou-se por adotar um tratamento mais conceitual do tema. As idéias e a forma de
raciocínio empregados são postas em destaque, não visando propriamente os aspectos
matemáticos da teoria. Trataremos também das causas e conseqüências desta teoria, tão
significativas na avaliação de seus méritos; da sua adequação aos novos fatos
9
experimentais; e da sua importância para a História da Física. Procurar-se-á sempre que
possível traçar paralelos entre a Física newtoniana e a einsteiniana.
A partir dos conceitos abordados no capítulo anterior, serão discutidas as
implicações filosóficas da Teoria da Relatividade. Antes de qualquer coisa, objetiva-se
clarear as noções contemporâneas do que representa esta teoria num contexto mais geral
de ciência. Estas questões a correlacionarão às idéias clássicas e modernas, situando-a
epistemologicamente. Conceitos de simultaneidade, espaço e tempo e todas as
propriedades não intuitivas da Mecânica Relativística entremeiam a discussão, dada sua
pertinência ao tipo de filosofia da ciência que encerraria a Teoria da Relatividade. O
modo como esta trata questões a respeito do mundo físico é tratado extensamente.
Citam-se alguns filósofos cuja obra tenha contribuído para o desenvolvimento filosófico
da teoria, como Mach e Poincaré.
O terceiro e último capítulo trata do papel da Teoria da Relatividade na ruptura
científica ocorrida por volta do fim do século XIX e começo do XX. Será analisado
como esta teoria contribuiu para o declínio de uma forma de pensamento há muito
tempo cultivada e para o florescer de uma nova linha de racionalidade científica.
Fechamos a discussão com uma conclusão acerca dos pontos relevantes, de
forma a dar um perfil revelador à Teoria da Relatividade e ao seu autor.
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CAPÍTULO 1
A TEORIA DA RELATIVIDADE
1.1 O cenário científico anterior a 1905
A teoria da relatividade, assim como qualquer importante avanço científico, só
foi possível devido ao quadro científico que a precedeu. A partir de uma visão mais
ampla, remonta-se ao século XVII, com a Mecânica de Newton. Mais especificamente
foi de central importância o esforço de inúmeros cientistas na solução de impasses
surgidos no fim do século XIX. Mesmo que, segundo o próprio Einstein, tal teoria tenha
sido fruto de profundas reflexões e inspiração individual, há de se delegar grande parte
do mérito a alguns dos físicos predecessores à teoria. Portanto, devemos entender qual o
cenário que serviu de preâmbulo à formulação da teoria da relatividade, em 1905.
Ainda no século XVII, Newton formulou as leis da Mecânica e da Gravitação,
sobre as quais se assentam as teorias da relatividade especial e geral, respectivamente.
Einstein sempre reconheceu que sua teoria não jogava os princípios newtonianos por
terra, mas apenas expandia seus limites. A cinemática einsteiniana não procura se
sobrepor à newtoniana, mas apenas a corrige, de maneira que os resultados se
enquadrem melhor às observações.
Dois grandes nomes no meio acadêmico do século XIX, os ingleses Michael
Faraday e James Clerk Maxwell foram por muito tempo uma inesgotável fonte de
estudos do ainda jovem universitário Albert Einstein. Faraday desenvolveu vários
11
trabalhos acerca de fenômenos eletromagnéticos, e se destacou como pioneiro nos
ramos da teoria de campo e física atômica. Maxwell foi um talentoso físico matemático,
e seu mais proeminente trabalho foi a formulação das denominadas equações de
Maxwell. Seu trabalho culminou com a descoberta de que as forças elétricas e as
magnéticas eram na verdade uma única força, que se propagava em um meio
denominado éter, sendo a luz também uma manifestação dela. Suas teorias foram
confirmadas anos depois pelo físico experimental Heinrich Hertz. A influência de
Maxwell sobre Einstein é de suma importância no desenvolvimento da teoria da
relatividade. Os fenômenos eletromagnéticos, tal como descritos por Faraday e
Maxwell, se revelariam excludentes com a mecânica de Newton. A lealdade de Einstein
para com o recente eletromagnetismo levou-o então adiante com sua teoria da
relatividade. A confirmação da teoria de Maxwell em detrimento da teoria de Newton
veio com perplexidade aos olhos dos cientistas da época, defensores da mecânica
clássica, e posteriormente iria coroar os esforços de Einstein com êxito. Pode-se dizer,
sem sombra de erro, que o trabalho de Maxwell foi a contribuição prévia mais
importante à concepção da teoria da relatividade.
Restam ainda dois grandes físicos que desempenharam papéis cruciais na
elaboração da teoria da relatividade, Hendrik Lorentz e Henri Poincaré. Estes dois
nomes estiveram eles mesmos na iminência de chegar aos resultados obtidos por
Einstein, e foram considerados os precursores da nova cinemática. Lorentz desenvolveu
uma teoria eletromagnética atomística, incluindo o que chamou de elétron. Além disso,
estabeleceu a relação entre sistemas de coordenadas de espaço-tempo que se movem
com velocidade constante entre si, o que foi designado por transformação de Lorentz e
caracteriza um dos pontos chave na relatividade especial. Ele foi o primeiro a chegar na
12
contração espacial, por muitos chamada de contração de Lorentz. Um erro matemático o
impediu de chegar também à dilatação temporal.
Nesta época, Poincaré discutia questões acerca da simultaneidade e seu
significado objetivo, a existência do éter e a velocidade da luz como velocidade limite.
Concomitantemente com Einstein, Poincaré desenvolveu as propriedades corretas de
transformação de velocidades, questionou as leis de Newton e até mesmo chegou a
dizer que as ondas gravitacionais deveriam se propagar com a velocidade da luz.
As observações executadas à época também foram decisivas na elaboração da
teoria da relatividade, principalmente o experimento de Michelson-Morley, o qual tinha
o intuito de detectar o arrasto do éter, e por conseguinte sua existência. Foram feitas
inúmeras tentativas, todas com resultados negativos, o que era extremamente positivo
para as idéias de Einstein, que a esta altura defendia ser o éter dispensável na
compreensão dos fenômenos físicos.
Anteriormente a 1905, Einstein já havia feito vários experimentos sobre
fenômenos eletromagnéticos, e tinha conhecimentos das observações de Hertz. Apesar
de não ter tido a oportunidade de estudar os escritos de Maxwell na universidade,
Einstein o fez independentemente. Durante algum período ficou obcecado pela questão
da confirmação experimental da existência do éter, e por volta de 1901 mudou de
opinião, acreditando o mesmo não existir. Conhecia alguns discursos de Lorentz acerca
dos experimentos de Michelson-Morley, porém não teve conhecimento das
transformações de Lorentz, formulando-as independentemente. Havia lido algumas
conferências de Poincaré que tratavam da intuição sobre a igualdade entre dois
intervalos de tempo e da impossibilidade de haver qualquer evidência de movimento
relativo ao éter.
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Estes eram basicamente os conhecimentos de Einstein sobre eletrodinâmica.
Apesar de que grande parte do que iria compor a teoria da relatividade restrita já
estivesse sendo discutido e concebido naquela época, ele só teve acesso a poucos
discursos e artigos, e sendo assim foi necessário que desenvolvesse a teoria de forma
um tanto isolada. Na quietude de que desfrutava em Berna, foi possível mergulhar em
pensamentos para então ir além na concepção final de sua teoria da relatividade
especial.
1.2 A teoria da relatividade restrita ou especial
Nesta secção será apresentada a Teoria da Relatividade Restrita, primeiramente
publicada em Junho de 1905 por Albert Einstein no periódico científico alemão Annalen
der Physik e intitulado “Sobre a eletrodinâmica dos corpos móveis” (“Zur
Elektrodynamik bewegter Körper”). Ele é composto por uma introdução, cinco seções
sobre cinemática (que contêm os cinco princípios da Relatividade Especial), cinco
seções sobre eletrodinâmica, nenhuma referência bibliográfica e um agradecimento.
Este trabalho trouxe novas definições a muitos conceitos físicos, o que gerou
conseqüências surpreendentes. Ele começa expondo assimetrias observadas no
movimento de cargas elétricas quando explicadas pelas teorias eletromagnética e
mecânica, e já então condena o conceito de repouso e espaço absoluto. É então que seus
dois postulados são oferecidos como suficientes na elucidação do problema
eletrodinâmico:
1 As leis físicas são iguais para todos os referenciais inerciais.
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2 A luz sempre se propaga no espaço vazio com uma velocidade constante “c”,
independentemente do estado de movimento do observador ou fonte.
Todo o resto da teoria é baseado na cinemática de corpos rígidos, envolvendo
sistemas de coordenadas, relógios e fenômenos eletromagnéticos. Os dois postulados
acima constituem o ponto central da Teoria da Relatividade, que a partir de então trata
de questões físicas sobre espaço e tempo, experimentalmente verificáveis. Esta primeira
parte da teoria tem validade apenas ao tratar-se de referenciais inerciais. Esta restrição
realmente restringe o seu campo de atuação, e será ultrapassada apenas com a
relatividade geral. Destaca-se agora a abolição dos conceitos a priori metafísicos
sempre existentes na física clássica de Galileu e Newton. Seguindo-se o artigo, são
colocadas as novas definições de simultaneidade, evento, relatividade temporal e
espacial e transformações de velocidades, e a partir daí desenvolvem-se questões
eletrodinâmicas conseqüentes da teoria.
1.2.1 Relatividade temporal e espacial
Os sistemas de coordenadas cartesianas, tão difundidos em ciência, são
compostos por pontos, cada um especificado em relação a três eixos ortogonais entre si,
(x, y, z). O análogo relativístico a ao ponto denomina-se evento. Um evento é composto
pelas mesmas três coordenadas espaciais mais um complemento; uma quarta
coordenada ou dimensão temporal imaginária, (x, y, z, ict), com c=1. Logo, um evento
pode ser definido como uma ocorrência puntual de duração instantânea. Um intervalo
de tempo entre dois eventos com coordenadas espaciais iguais é chamado intervalo de
tempo próprio. Da mesma maneira, ao medir-se o comprimento de um corpo levando-se
15
em conta que ele está parado em relação ao referencial adotado, mede-se seu
comprimento próprio.
São dados dois referenciais, R e R’. R’ se move com uma velocidade v na
direção x em relação a R. Um raio de luz no referencial R percorre uma distância d e,
após refletir-se em um espelho, faz o caminho de volta ao ponto de partida. Assim,
chama-se o intervalo de tempo próprio gasto no percurso de ∆tp. Como a velocidade do
raio é c, tem-se c = 2d / ∆tp. Analogamente, no referencial R’, o mesmo raio irá
percorrer uma distância h, refletir-se-á no mesmo espelho e percorrerá na volta também
h, gastando um tempo ∆t, porém agora se localizando em um ponto distinto em relação
ao seu referencial (R’ se move na direção x). Sua velocidade, c, é dada por c = 2h / ∆t.
Se o referencial R’ percorreu uma distância no eixo x igual a v.∆t, temos a seguinte
relação: ( )222
2tvdh ∆+= . Igualando-se as duas equações para c e substituindo-se h,
tem-se finalmente:
22
1c
v
ptt
−
∆=∆
Esta última equação nos diz que o intervalo de tempo em um referencial no qual
dois eventos ocorrem em pontos distintos é maior do que o intervalo de tempo no
referencial em que ocorrem no mesmo ponto (intervalo de tempo próprio). Este
princípio é chamado de dilatação do tempo. Em conseqüência disto, o tempo deve agora
ser especificado, havendo tantos tempos “locais” quantos sejam os referenciais.
Ainda considerando os referenciais R, parado, e R’, em movimento uniforme na
direção x, tem-se agora que o comprimento próprio de um corpo no referencial R é ∆Lp.
Este mesmo corpo é medido no referencial R’, quando um certo ponto passa sobre a
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primeira de suas extremidades e, após um certo tempo próprio ∆tp, passa sobre a
segunda. Como R’ possui velocidade v, tira-se a expressão do comprimento do corpo,
ptvL ∆= . Já em R, o tempo entre as duas medidas será vLt p∆=∆ . Unindo estas
duas últimas equações, chega-se à relação:
2
2
1c
vLL p −∆=∆
A igualdade acima é conhecida como contração espacial ou contração de
Lorentz, e significa que, para um observador em um referencial em movimento, o
comprimento de um corpo na direção do seu movimento é sempre menor do que o
comprimento do mesmo visto por um observador em um referencial parado em relação
a ele.
As duas equações apresentadas acima traduzem dois princípios básicos da
relatividade restrita. Ao contrário do que se pode pensar, não há cálculos matemáticos
complexos envolvidos, estando sua compreensão ligada mais intimamente ao raciocínio
e à intuição do que a habilidades matemáticas específicas.
Há algumas observações históricas interessantes com relação às equações
apresentadas. O fenômeno da contração espacial foi primeiramente descrito por Hendrik
A. Lorentz, que por um erro matemático não chegou também à dilatação temporal.
Lorentz nunca se sentiu à vontade com os novos conceitos relativistas, e se dizia
confortável apenas com problemas clássicos (Pais, 1982:194). Essa é uma das razões
pelas quais atribui-se seu fracasso em determinar a equação da dilatação do tempo. Por
toda sua vida, Lorentz viu com alguma restrição o rumo seguido pela física moderna, e
nunca conseguiu deixar de crer na existência do éter. Com relação à contração espacial,
Poincaré acreditava na necessidade de coloca-la como um terceiro postulado, ao lado da
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constância da velocidade da luz e da validade das leis físicas em qualquer referencial.
Não entendia como se poderia obtê-la como conseqüência interna à teoria. Por essa
razão surge o fato de que Poincaré nunca compreendeu a fundo a relatividade restrita,
mesmo tendo contribuído imensamente para o avanço da teoria (Pais, 1982:195).
1.2.2 A transformação de Lorentz
Admitindo-se que a velocidade da luz é uma constante em qualquer referencial,
depara-se com um problema. Este postulado vai de encontro com uma das idéias
centrais da cinemática clássica, a transformação de Galileu, que estabelece a
uniformidade das leis da mecânica para dois sistemas de coordenadas quaisquer. Para
dois sistemas (x, y, z, t) e (x’, y’, z’, t’), a transformação de Galileu para um movimento
na direção x com velocidade v é dado por vtxx −=' . Assim, buscou-se uma nova
forma de transformação de coordenadas que fosse compatível com um valor c
constante.
Dado um pulso de luz partindo da origem dos referenciais R e R’, tem-se a
seguinte relação:
2'22'2'2'
22222
tczyx
tczyx
=++
=++
E lançando-se uma hipótese tal que c permaneça constante:
zz
yy
xc
vtt
vtxx
=
=
−=
−=
'
'
)('
)('
2γ
γ
18
onde γ é uma função de v, o valor encontrado unindo os dois sistemas de equações
acima para a função é
2
21
1
cv−
=γ .
Conhecido o fator γ , a dilatação do tempo se resume a ptt ∆=∆ γ , e a contração
espacial a γpLL ∆=∆ .
Conseqüentemente a nova transformação, chamada transformação de Lorentz,
fica definida como:
zz
yy
cv
c
vxt
t
cv
vtxx
=
=
−
−
=
−
−=
'
'
1'
1'
2
2
2
2
2
É importante observar que agora se inclui o tempo como coordenada atuante na
transformação de referenciais. Portanto, o tempo entra como uma quarta dimensão e
define-se o espaço-tempo. Esta estrutura quadridimensional rege a cinemática dos
corpos e parte do princípio que a única invariante é o intervalo de tempo entre dois
eventos:
212
212
212
212
2 )()()()( zzyyxxttcs −−−−−−−=∆
Este intervalo é análogo à distância no espaço tridimensional. A partir de então
surge a geometria do espaço-tempo, que recebe o nome de espaço de Minkowski. Neste
espaço, os vetores têm quatro componentes e são denominados quadrivetores.
Uma das conseqüências da transformação de Lorentz é a mudança do significado
de simultaneidade. Ao aplicar tal transformação na mudança de referenciais, o que se
19
conclui é que dois eventos simultâneos em pontos distintos não o são em outro
referencial. É então impossível sincronizar dois relógios em dois sistemas diferentes.
Cada sistema tem seu padrão de tempo, e apenas dentro deste pode-se ter quantos
relógios sincronizados quanto se queira. Posto isso, deixa-se de lado a idéia de tempo
absoluto.
A teoria prevê também uma nova maneira de se calcular velocidades em
referenciais diferentes. Se um corpo possui uma velocidade xv no seu referencial, sua
velocidade na direção x em um outro referencial será dada por
)'1()'( 2cvvvvv xxx ++= , onde v é a velocidade entre referenciais. É curioso
observar que esta equação limita o valor de xv a c, seja qual forem os valores de xv' e de
v ( menores que c). Dessa forma, assegura-se a validade de c como limite máximo de
velocidade.
1.2.3 A dinâmica relativística
Em setembro de 1905, Einstein publicou um segundo artigo dando continuidade
às idéias da teoria da relatividade. Neste momento, foi atribuída atenção às questões de
dinâmica e energia, culminando com resultados surpreendentes e reveladores. As leis da
mecânica clássica são agora modificadas e enquadradas sob a perspectiva relativística.
O primeiro passo para se chegar a uma nova mecânica é provar que todas as
grandezas envolvidas são invariantes mediante uma transformação de Lorentz. Esta
tarefa contém álgebra de extrema complexidade e chegou a levar o próprio Lorentz ao
erro, ao declarar que as equações de Maxwell eram invariantes apenas na ausência de
20
cargas e correntes elétricas. Poincaré corrigiu o erro de seu contemporâneo holandês, e
Einstein alcançou este mesmo objetivo utilizando diferentes ferramentas matemáticas.
A invariância das leis físicas sob uma transformação de Lorentz ficou conhecida
como o princípio da covariância. As grandezas, agora quadridimensionais, são
representadas por quadrivetores, como a quadrivelocidade e o quadrimomento.
A quadrivelocidade é definida como ),( vcV γγ . Enquanto a coordenada c está
relacionada com o tempo, v o está com o espaço. Assim, uma partícula parada tem v=0,
mas sua velocidade no tempo ainda é c. Da mesma forma, o análogo ao momento linear
clássico, p, é agora definido como o quadrimomento ),(00 vcmVmP γγ== . Vale
ressaltar que m0 tem o mesmo significado da massa na mecânica clássica. A
representação da quadriforça é ),( 0 FFF γ , obtida derivando-se o quadrimomento em
relação ao tempo próprio. Através da igualdade dtvmdF )( 0γ= , que é a forma
relativística da segunda lei de Newton, percebe-se que temos uma massa diferente de
m0, uma grandeza ligada à velocidade do referido corpo pela relação
)(1 220 cvmm −= . Designa-se m por massa relativística, assim como o momento
então dado por vmp 0γ= . Por outro lado, a componente F0 equivale a cvF /γ .
Buscando-se na física newtoniana a equivalência entre o produto da força pela
velocidade e a derivada primeira da energia, substitui-se F e v pelos seus análogos
relativísticos para se obter 20cmE γ= , o que equivale à célebre equação
2mcE = .
Deve-se observar que, segundo a teoria relativística, a massa de um corpo cresce
diretamente com sua velocidade, sendo m0 a sua massa em repouso. Esta previsão já foi
confirmada experimentalmente, através da aceleração de partículas atômicas à
21
velocidades próximas a c. A inércia destas partículas aumenta com a razão c
v ,
podendo ser centenas de milhares de vezes maior.
A partir da equação para a energia E, pode-se determinar a energia cinética de
um corpo, simplesmente subtraindo a energia de repouso da total. Assim, tem-se:
200 )1( cmEE −=−=Κ γ .
O fator γ pode ser representado por uma série, cujos termos significantes são os
dois primeiros, como segue:
...2
11
2
2
++=c
vγ
Portanto, pode obter a energia cinética (para v<< c) também pela equação
20
202
2
2
1)1
21( cmcm
cv ≈−+≈Κ .
O resultado da relação acima revela o valor para K na física newtoniana.
Comparando-se as duas teorias, a nova mecânica se enquadra à clássica no limite v<< c,
não só para K, mas para todas grandezas envolvidas. Esta observação se mostra
plausível ao atentarmos para a validade da teoria newtoniana à evidência empírica por
cerca de dois séculos.
Contudo, detectam-se diferenças significativas. Na teoria da relatividade, todo
corpo possui, além de sua energia cinética, uma energia potencial associada ao seu
estado estacionário (E = E0 + K). Esta última não possui análogo na mecânica clássica.
Outro fato importante que a equação para energia ( 20cmE γ= ) traz é a impossibilidade
de haver v = c. Neste caso a energia vai a infinito e, para que esta incongruência não se
efetive, a massa m0 dever ser zero. Logo, qualquer corpo à velocidade da luz seria
desprovido de massa. A própria luz, ou os fótons de luz (partículas componentes dos
22
raios luminosos), não poderiam ter massa alguma. A explicação é que seria impossível
coloca-se um fóton em repouso para que então pudesse ser medida a sua massa m0.
Finalmente, como a luz possui momento, este foi estabelecido como E / c. A teoria da
relatividade resolve os problemas criados por ela própria.
1.3 A teoria da relatividade geral
Nos anos posteriores à publicação da teoria da relatividade restrita, Einstein se
dedicou ao desenvolvimento da teoria quântica do que a qualquer outra coisa. Com
exceção de um trabalho de 1907 sobre gravitação, apenas em 1911 é que suas
habilidades se voltam para a teoria da relatividade. Desta vez, buscava a generalização
dos trabalhos de 1905, que considerava serem muito limitados. Deveria haver uma
versão relativística para situações em que campos gravitacionais e acelerações
estivessem presentes. Com isso, as leis clássicas para a gravitação tinham que mudar.
Desde o início encontrou dificuldades nesta tarefa, fazendo várias tentativas no período
de 1907 a 1916. Especificamente, teve problemas ao atribuir significado à
simultaneidade para sistemas uniformemente acelerados. Mesmo já gozando de certa
fama, este novo empreendimento foi desacreditado pela maioria da comunidade
científica da época. Mais do que em 1905, Einstein dependia de sua crença em si
mesmo.
O primeiro trabalho em que aparecem as equações da relatividade geral em sua
primeira forma foi executado em parceria com o matemático Marcel Grossmann e
publicado em 1913. As dificuldades encontradas em conciliar a gravitação à
relatividade restrita requeriam um conhecimento matemático profundo nas deduções das
23
equações e explicações dos princípios físicos. Precisava-se de uma nova descrição
geométrica do espaço-tempo. Einstein estava ciente de que a estrutura dos covariantes
deveria ser modificada, criando uma nova covariância geral. Deduziu isto observando
que a contração de Lorentz corresponde a uma rotação em relação a um sistema inercial,
e portanto corpos rígidos não se submeteriam à geometria euclidiana. Uma nova
geometria colocaria os referenciais em igualdade. Primeiramente, Einstein utilizou-se da
teoria de Gauss das superfícies. Depois, teve contato com trabalhos de Gregório Ricci-
Curbastro e Tullio Levi-Civita. Após muita procura, é a geometria de Georg F.B.
Riemann que veio solucionar os problemas enfrentados durante o desabrochar da teoria
e pôr em palavras as idéias ali contidas. As equações diferenciais não-lineares de
Riemann e o tensor de Ricci foram de fundamental importância na representação dos
campos gravitacionais, uma vez que estes se relacionam intimamente com suas fontes
(passou-se então a considerar esta fonte como densidade de matéria pesada acrescentada
da densidade de energia local). O artigo Einstein-Grossmann estava ainda longe de uma
estrutura lógica e conceitual satisfatória, mas constituiu o avanço mais significativo na
evolução da teoria da relatividade geral.
As expressões desenvolvidas para os campos gravitacionais não se enquadravam
aos princípios da relatividade restrita. Foi necessário ir além dos seus limites, tornando-
a o mais geral possível. O movimento relativo uniforme não poderia mais ser
privilegiado, para que assim se chegasse à covariância do movimento geral. Einstein
teve que retraçar seus planos e, ao invés de alterar a gravitação clássica, se afastar da
relatividade restrita. Isto não implica absolutamente na perda da validade desta teoria,
que continua a descrever com perfeição os fenômenos a que se propõe fazê-lo.
24
Uma vez apresentada a relação entre energia e inércia, Einstein se propôs então a
determinar uma relação entre inércia e peso. Apenas em 1912 tomou conhecimento dos
resultados de Eötvös, que igualava as massas inerciais e gravitacionais com elevado
grau de precisão. A partir daí, passou a considerá-las uma única identidade física, o que
foi uma das importantes mudanças conceituais trazidas pela física relativística. Quanto à
experiência de Eötvös, pode ser considerada uma das grandes evidências experimentais
da relatividade geral.
Em 1911, Einstein havia atingido os limites da cinemática gravitacional,
partindo para a descomunal tarefa de descrever a dinâmica gravitacional. A partir deste
momento seus artigos deixam de considerar o espaço plano, tornando-o curvo como o
tempo. Também percebe que o postulado da constância da velocidade da luz não se
aplicaria da mesma maneira, excluindo a possibilidade de se aplicar geralmente a
transformação de Lorentz.
A relatividade geral tomou sua forma final em 25 de novembro de 1915, após
quatro anos de pesado esforço intelectual. Erros conceituais cometidos no artigo de
1913 foram percebidos por Einstein apenas no período de junho a outubro de 1915 e,
uma vez corrigidos, levou apenas um mês para que a teoria fosse apresentada à
Academia Prussiana de Ciências. O maior deles foi restringir a covariância geral em
prol da lei da causalidade, tão estimada por ele, e partir disto crer que as equações dos
campos gravitacionais eram covariantes apenas sob transformações lineares. Superou
este equívoco ao perceber que não há realidade física ligada a um sistema de referência.
A teoria da relatividade geral surgiu a partir da idéia de que um campo
gravitacional é sempre relativo. Uma pessoa em queda livre não sente seu peso, ou seja,
para esta pessoa não há campo algum, estando ela em estado de repouso. Somando-se a
25
isso, a evidência experimental mostra que a aceleração da gravidade independe da
quantidade de matéria. Portanto a gravitação está atrelada a sistemas de coordenadas
com movimento uniforme uns em relação aos outros. Esta é a base para o princípio da
equivalência. Os outros pontos principais da teoria são o efeito gravitacional da energia,
o desvio da radiação para o vermelho e a deflexão da luz.
1.3.1 O princípio da equivalência
A fim de verificar a validade da teoria da relatividade para sistemas de referência
acelerados entre si, são dados dois sistemas, Σ1 e Σ2. O primeiro está acelerado na
direção x, e sua aceleração é γ. O segundo se encontra em um potencial gravitacional
homogêneo, que imprime uma aceleração -γ aos corpos ali presentes na direção x. A
equivalência física entre estes dois sistemas generaliza a teoria da relatividade a
sistemas acelerados entre si e define o princípio de equivalência. Não se pode falar em
acelerações absolutas, assim como não havia velocidades absolutas na teoria restrita.
Este princípio vale para todos os fen6omenos físicos, especialmente para a mecânica do
ponto.
1.3.2 Desvio para o vermelho, energia gravitacional e deflexão da luz
Einstein chegou ao desvio para o vermelho através do efeito Doppler de um raio
de luz que se desloca de cima para baixo em um elevador que sobe aceleradamente. Isto
em muito contribuiu para o entendimento da existência de referenciais de Lorentz locais
26
e a constância da velocidade da luz para trajetos infinitamente pequenos. Esta última
descoberta serviu de base para a definição de simultaneidade.
Uma dedução detalhada no artigo de 1911 explica a atuação dos geradores de
raias espectrais a partir de relógios locais com potenciais gravitacionais diferentes e
freqüências controladas. Einstein concluiu então que a luz proveniente do Sol tem aqui
um comprimento de onda maior do que a luz gerada na Terra pelo mesmo material. Na
verdade, o desvio para o vermelho pode ser alcançado partindo-se apenas da
relatividade restrita e do princípio da equivalência.
Einstein define E como a energia de um corpo fora de qualquer campo
gravitacional. A energia total deste mesmo corpo depende da sua posição, e é
determinada por E / c2. A igualdade deste termo para massas inerciais e gravitacionais
revela a validade da equação E = mc2 para ambas.
Finalmente, Einstein previu o encurvamento de um raio luminoso em um campo
gravitacional. Juntamente com o desvio para o vermelho, este fato faria parte da
fenomenologia da teoria da relatividade.
1.3.3 Confirmação experimental
O sucesso da teoria geral se deu em três eventos diferentes. Primeiramente,
Einstein conseguiu explicar uma anomalia na órbita de Mercúrio que há décadas
desafiavam os físicos e astrônomos. Descoberta por Le Verrier, a precessão do periélio
deste planeta constava de um avanço de 43 segundos por século. A relatividade geral
pôde explicar pela primeira vez este fenômeno sem hipóteses específicas.
27
A segunda prova empírica ocorreu em 1919, durante um eclipse solar, e causou
sensação no meio científico ao confirmar a previsão feita por Einstein anos antes. Este
fato lhe rendeu grande fama mundialmente.
O desvio da radiação para o vermelho só foi testado em 1921, e acabou por selar
em definitivo a validade da teoria da relatividade geral. Durante todo o século XX
experimentos cada vez mais precisos foram conduzidos, e a teoria resistiu a todos eles.
1.3.4 Observações finais
Enfim, a teoria geral de Einstein transformou toda a teoria da gravitação e
adotou a relatividade de todo o movimento de Mach; lançou o fundamento lógico do
universo em expansão de Hubble, em que a velocidade de afastamento entre as galáxias
é diretamente proporcional à distância entre as mesmas; teve inúmeras conseqüências
cosmológicas, marcando o começo da mecânica celeste pós-newtoniana; proveu a
inércia de significado; é composta por uma estrutura lógica, não havendo critérios de
admissibilidade à teoria; e embora todo o desenvolvimento físico seja atribuído a
Einstein, deve-se ressaltar que a equação fundamental da teoria foi alcançada
independentemente por Hilbert.
Finalmente, esta teoria faz parte da história aberta, uma vez que seus
desdobramentos ainda não foram completamente explorados, e não se acredita que
ainda hoje sejam muitos os que dominem toda a dinâmica não-linear de que é composta.
Einstein seguiu ainda na sua busca de um universo simples e inteligível, e seu
último objetivo foi unir a gravitação e o eletromagnetismo em uma teoria ainda mais
28
geral, onde a realidade seria composta por um campo unificado contínuo, cujas soluções
seriam as partículas, livres de singularidades. Não obteve sucesso.
29
CAPÍTULO 2
AS BASES FILOSÓFICAS DA TEORIA DA
RELATIVIDADE
2.1 Considerações iniciais
Uma vez apresentada a teoria em questão, pretende-se agora analisar seus
aspectos filosóficos. Para tanto, é necessário discutir de que modo a relatividade se
sustenta enquanto paradigma científico, o quão válidas são suas proposições e quais os
aspectos filosoficamente inovadores.
A teoria da relatividade foi resultado do acúmulo de contribuições de físicos do
final do século XIX, como foi exposto no capítulo anterior. A análise a ser feita aqui
busca tanto quanto possível ser independente das convicções filosóficas dos cientistas
envolvidos no processo, atendo-se aos princípios e implicações da teoria em si.
Portanto, as questões discutidas aqui se referem mais propriamente à filosofia da ciência
contida na teoria da relatividade e o que esta representou ante a filosofia em voga na
época. Não obstante, há nomes indubitavelmente essenciais na formação da estrutura
epistemológica da teoria, como Mach, Poincaré e Einstein.
O significado filosófico da teoria da relatividade é pauta de interessantes
discussões entre grupos de cientistas e filósofos. Alguns destes sugerem que a teoria da
relatividade não contém significado filosófico algum, compondo-se apenas de
30
desenvolvimentos físicos. Os contrários a esta posição a atribuem a uma interpretação
errônea da teoria, que poderia levar também a uma equivocada representação da
filosofia a ela concernente. Como exemplo, houve tentativas de extrapolar a idéia do
termo “relativo” a áreas tão díspares quanto a ética e a moral. Deve-se reconhecer que a
validade da teoria da relatividade como fonte de raciocínio filosófico se restringe ao
campo cognitivo, e suas conseqüências se inserem no domínio de uma teoria do
conhecimento.
Pensar o espaço e o tempo através da razão leva, por necessidade, a um padrão
de concepções filosóficas do conhecimento. A análise destes fundamentos foi executada
por Platão, através da teorização da geometria, e por Kant, na filosofia transcendental.
Por conseguinte, fica claro que também a relatividade carece da análise lógica dos seus
métodos, o que implica na existência de uma filosofia cognitiva como fruto de seus
resultados.
Do ponto de vista estritamente metodológico, Einstein punha em prática o
positivismo de físicos anteriores, como Hertz e Mach. Apesar de não promover a
filosofia científica presente nos seu trabalho, Einstein os interpretava de maneira muito
similar à forma com que os verdadeiros filósofos do conhecimento (não se pode dizer
que Einstein tenha perpetrado significativamente as funções de um filósofo, pois seu
interesse sempre foi a busca e a compreensão dos fenômenos, e não o embasamento dos
métodos científicos ou a procura de relações lógicas), demonstrando ter a teoria da
relatividade coerência lógica durante todo o processo da sua descoberta.
Finalmente, a teoria é estabelecida como uma teoria de princípio. Os postulados
da constância da velocidade da luz e da constância da validade das leis físicas, que são o
ponto de partida da mesma, não representam meras hipóteses, mas propriedades
31
universais derivadas da observação dos fenômenos. Particularmente, são os
experimentos de Michelson que agregam à relatividade a evidência experimental.
Conseqüentemente, percebe-se uma sólida fundamentação da teoria, que a partir de
então goza de um alto grau de perfeição lógica. Assim, refere-se à teoria da relatividade
como a teoria do princípio cinemático.
2.2 As bases lógicas
A formulação lógica da teoria da relatividade traz a idéia de que um enunciado,
demonstravelmente verdadeiro ou não, está ligado ao estabelecimento de definições.
Estas constituem as condições iniciais necessárias à avaliação apropriada de uma
afirmação qualquer. Dois enunciados podem partir de diferentes definições e ainda
assim serem equivalentes; daí fala-se em pluralidade de definições arbitrárias.
No caso específico da teoria da relatividade, sistemas de referência diferentes
podem estar ligados a definições diferentes, porém passíveis de uma transformação que
os torne equivalentes. Um movimento é então descrito de formas alternativas, cada uma
remetendo ao seu respectivo sistema. Geralmente, a idéia de uma pluralidade de
descrições do movimento contida na relatividade especial é tratada como a existência de
observadores em diversos referenciais. Este fato, tendo em vista o embasamento lógico
da teoria, deve ser substituído pela percepção de que são as definições que mudam nos
diferentes sistemas; o observador pode ser eliminado ao fazer-se uma exposição dos
seus fundamentos.
O aparecimento de várias geometrias como meios potenciais de representação do
espaço físico exemplifica bem a noção de pluralidade de descrições equivalentes. Cada
32
geometria pode descrever um mesmo universo físico partindo de diferentes definições
de congruência, segundo Helmholtz, que analisou as bases filosóficas para as
geometrias (um exemplo de congruência pré-definida seria a utilização de corpos
rígidos para se medir distâncias). Rompendo com as considerações apriorísticas
kantianas acerca do espaço, Helmholtz propõe um olhar distinto em relação à
geometria, agora não mais um produto da mente humana, mas sim uma concepção
físico-matemática do espaço, cujo significado empírico se dá através da inserção de uma
definição. Não obstante, composições geométricas diferentes não pressupõem que uma
esteja mais acertada do que outra; elas são correspondentes, a menos de uma questão de
simplicidade descritiva. Para o espaço-tempo relativístico, são as geometrias não-
euclidianas, consideradas mais simples. Susceptíveis de uma transformação que as
tornem equivalentes, deve-se também atentar para a manutenção da causalidade: a
presença de pontos de singularidade tornaria uma geometria inadequada à descrição do
espaço físico. Esta observação foi denominada anomalia causal. De acordo com a
hipótese de Einstein de um universo fechado, a geometria incompatível com o universo
seria a euclidiana. Einstein também foi inovador ao associar uma distribuição de massa
com a conformação geométrica do espaço, na parte geral da teoria da relatividade.
2.3 Conceitos
Dentre os aspectos da teoria da relatividade que podem ser considerados
histórico e filosoficamente inovadores, estão os conceitos de entidades e grandezas
subjacentes à teoria, alguns deles já há muito discutidos em épocas pré-relatividade,
alguns completamente sem precedentes na história da ciência.
33
Há de se analisar separadamente cada novidade conceitual presente na teoria,
uma vez que cada uma dessas traz consigo novos significados, percepções e definições.
Uma característica que salta aos olhos é a especificação detalhada das definições que
estabelecem cada conceito, sempre se optando pela utilização de objetos e condições
reais em lugar de suposições a priori.
2.3.1 Espaço e tempo
O modo como o espaço e tempo são definidos em relatividade implica em não
somente uma conotação diferente dada a estes termos, mas sim constitui o ponto de
partida de toda a teoria. Primeiramente, o espaço e o tempo absolutos são abandonados
na física relativística. Esta nova visão engloba a relatividade de todo o movimento de
Mach. Assim, não há mais um espaço primordial, imóvel, arcabouço do universo em
relação ao qual os movimentos se dão; ou tampouco um tempo fixo, único,
unidirecional e igual em todos os pontos do espaço, perante o qual pode-se detectar
acontecimentos.
O espaço agora é pensado como uma infinidade de sistemas de referência, todos
comutáveis, equivalentes e bem definidos. O tempo está atrelado a um sistema de
referência específico, por conseguinte existem incontáveis “tempos”, também estes
interligados a menos de uma transformação. Todo este esquema foi introduzido através
de objetos reais, como corpos rígidos, raios de luz e relógios que, colocados
convenientemente em um ou mais sistemas de referência cuja velocidade relativa seja
uniforme, se relacionam de maneira simples para originar os princípios cinemáticos da
teoria. Entenda-se por “de maneira simples” que, uma vez construída a estrutura de
34
referenciais e objetos componentes, tornam-se bastante claras as conclusões alcançadas
por Einstein. É interessante verificar que este desenvolvimento teórico a partir da
inserção de objetos reais não perde sua generalidade ao interpretar todo o universo
físico.
As relações espaciais e temporais também são caracterizadas, e seu aspecto
essencial é a manutenção do princípio da causalidade, sendo aquelas redutíveis a
relações causais. Isto é possível a partir do postulado do limite máximo da velocidade
da luz, que torna seus raios a mais rápida forma relacional. Assim surge uma definição
de simultaneidade: certos eventos não guardam relação de causa e efeito, não podendo
ser atribuído respectivamente um “antes” e um “depois”. Quanto à causalidade espacial
é evidente ponderar que, sendo três pontos A, B e C, com B intermediário na reta que
liga A a C, um raio luminoso partindo de A deve passar por B antes de finalmente
atingir C.
Uma outra abordagem das novas idéias contidas nos conceitos de espaço e
tempo refere-se ao afastamento da metafísica kantiana e à percepção da realidade dos
conceitos. O aparecimento das variadas geometrias descritivas do universo físico levou
e seu conseqüente êxito experimental levou à ruptura com a idéia de que a geometria,
enquanto produto da mente humana, não poderia representar apropriadamente as
características físicas do espaço. Assim, caberia à observação decidir em favor de uma
geometria. Esta descreveria o espaço assim como a massa ou a temperatura descreveria
um objeto físico. Voltando aos conceitos apriorísticos kantianos, revoga-se agora a
supremacia das leis da razão em prol das leis empíricas. Isto significa uma alteração em
dogmas que perduraram por dois milênios. Mas é apenas diante de novos
conhecimentos em escalas astronômicas que se pôde perceber que, o que parecia
35
verdadeiro pela experiência humana comum (em uma escala terrestre conveniente) e
estabeleceu-se como um produto da razão, teve de ser abandonado pela observação, e os
conceitos a priori descartados.
A teoria da relatividade e a ciência moderna em geral adotam então uma
matemática empírica como meio de investigação, contribuindo no processo tanto a
evidência experimental quanto operações dedutivas e princípios analíticos.
2.3.2 Massa
O conceito de massa envolve um tema central em se tratando de teoria do
conhecimento. Foi discutido a fundo por pensadores como Leibniz, Kant, Newton e
Mach. A visão newtoniana conecta massa com a definição de peso. Portanto,
classicamente entende-se por massa a razão entre força e aceleração, relação esta
simbolizada na famosa segunda lei de Newton. Além disso, mantêm-se certas
propriedades da matéria, como a impenetrabilidade e a indivisibilidade. A inércia de um
corpo por sua vez guarda estreita ligação com a massa do mesmo, e é estabelecida como
uma resistência à ação de uma força.
Opondo-se à inércia enquanto uma força ou ação (o repouso não poderia se opor
ao movimento), Kant sugere que esta interpretação é uma tanto desnecessária, fazendo-
se útil estritamente no estudo do movimento. Em substituição propõe a lei da inércia,
segundo a qual mudanças no movimento de um corpo dever-se-iam unicamente a
causas externas.
Seguindo a linha clássica, os objetos materiais ou substanciais proveriam toda a
realidade física. Esta substância seria absoluta e passível de observação. Suas
36
qualidades são mutáveis, porém preserva-se a identidade física dos corpos.
Considerações metafísicas acerca do significado de massa embasavam-se à época
clássica no seu já bem conhecido princípio de conservação como fundamento científico
básico.
Em meados do século XIX e mais uma vez com o advento de geometrias não-
euclidianas logicamente legitimadas, a ciência (agora dita moderna) adota uma postura
positivista e passa a criticar o conceito clássico de força. Kirchhoff, Mach, Hertz e
Poincaré, entre outros, defendem os princípios cinemáticos como elo entre a geometria
e o tempo, relegando a dinâmica a um subproduto lógico e metodológico daqueles. Esta
posição contrasta com o conceito clássico de massa gravitacional, em que o
comportamento dinâmico da matéria é central e acentua-se a relação entre força
gravitacional e massa atraída (dada pela lei da gravitação de Newton).
O francês Barré de Saint-Venant, em seu Príncipes de mécanique fondés sur la
cinématique, define o significado físico da massa como cinemático. Assim, partículas
colidindo com corpos arbitrários e com velocidades impressas um ao outro opostas e de
mesmo módulo constituem massas iguais. Ernst Mach, em 1867, reafirma suas
convicções antimetafísicas e metodológicas ao definir massa como uma quantidade
matemática que satisfaz equações físicas teóricas. Para Hertz (Principles of mechanics),
comparam-se quantidades de partículas existentes em um espaço definido com outra em
algum espaço arbitrário em um instante fixado; daí surge a igualdade entre as massas.
Finalmente, Wilhelm Ostwald trouxe a noção da interdependência entre energia e
massa, em que a energia desempenharia o papel central na ciência física. Ele chegou a
estes resultados utilizando experimentos simples com objetos mais ou menos densos e a
percepção de que um corpo mais denso, tal como uma pedra, deveria carregar uma
37
maior carga energética. A relação entre estas duas entidades volta com todo o vigor com
o aparecimento da teoria da relatividade.
Principalmente na segunda metade do século XIX, sobressai o conceito
eletromagnético de massa. A inércia é reconhecida como um fenômeno
eletromagnético, e a massa inercial deve-se ao efeito indutivo de cargas em movimento,
constatação esta proveniente dos estudos de eletrodinâmica da época. Em 1881, Joseph
John Thomson reduz a inércia ao eletromagnetismo em seu trabalho “On the electric
and magnetic effects produced by the motion of electrified bodies”.
A relatividade especial, por não incluir a gravitação em seus princípios, introduz
unicamente a massa inercial em seu esquema. Tal como discutido no primeiro capítulo
deste trabalho, a massa relativística é dependente da velocidade, ainda que sua massa de
repouso ou própria se conserve (apesar de Einstein ter chegado a este resultado com a
ajuda de princípios não-mecânicos, Lewis e Tolman em 1909, no artigo “The principle
of relativity and non-Newtonian mechanics”, alcançam o mesmo feito partindo da
conservação do momento e das transformações de Lorentz, confirmando a dependência
massa-velocidade). Este resultado origina-se de considerações eletrodinâmicas já
apresentadas (teoria eletromagnética de Maxwell-Hertz). A ruptura aqui observada se
refere à constância da massa newtoniana, invariável sob a transformação de Galileu.
Mas esta discussão será adiada para o capítulo seguinte. Segundo o próprio Einstein, em
“Zur Elektrodynamik bewegter Körper”, “com uma definição diferente de força e
aceleração obtemos naturalmente outros valores para as massas”, não se vê na teoria
novas propriedades da matéria; a massa relativística é o resultado de definições ou
especificações que se enquadram a novas condições espaciais e temporais.
38
Conseqüentemente, dissocia-se massa de matéria, pois do contrário seria necessário
aceitar que o movimento cria matéria.
O trabalho de Minkowski de 1908 trouxe a base matemática quadrivetorial
necessária à caracterização das propriedades dinâmicas de uma partícula através do
quadrivetor energia-momento, paralelo à velocidade. Maxwell, em sua teoria
eletromagnética (que é considerada a primeira teoria de campo com consistência
lógica), mostrou que o trabalho realizado por um campo eletromagnético é equivalente à
energia produzida no espaço; partindo deste trabalho, John Henry Poynting demonstrou
que o transporte de energia poderia se dar no espaço vazio. Estes resultados
favoreceram a idéia de que a energia seria uma entidade física de importância
ontológica primária, deixando de executar apenas um papel de conseqüência em
sistemas mecânicos; a energia existe independentemente. Em contrapartida, a matéria
não é mais considerada indispensável. A massa é agora uma forma de energia contida
em um corpo e dá a medida de sua carga energética. A equação 2mcE = deixa clara a
relação; o quadrado da velocidade da luz é a constante multiplicativa que encerra a
proporcionalidade entre a massa e a energia de um corpo. Portanto, o princípio de
conservação da massa torna-se um caso particular de um princípio mais amplo, o da
conservação da energia (estas leis da conservação constituem em última análise
expressões de invariância, de presença marcante na teoria da relatividade, em relação a
operações simétricas, tal como a conservação da energia resulta da invariância sob uma
translação no tempo).
39
2.4 Formalidade e propriedades não-intuitivas
A mecânica clássica apresenta como um de seus aspectos mais reconhecíveis o
apelo à racionalidade humana. Toda a teoria se assenta em conceitos claramente
inteligíveis e a sua estrutura está em pleno acordo com os sentidos e percepções
humanos. Já a ciência moderna, portanto também a teoria da relatividade, apresenta um
quadro notavelmente diferente. Desenvolvimentos matemáticos rigorosos e definições
físicas abstratas delineiam as teorias e lhe conferem suas bases lógicas.
Conseqüentemente, isola-se o saber científico do senso-comum ou ainda, separa-o de
uma verdadeira e direta compreensão dos fenômenos. Este quadro já pode ser detectado
no desenvolvimento da teoria eletromagnética, com a introdução de um conceito de
suma importância na ciência física: o conceito de campo. Os campos magnético e
elétrico, por exemplo, não constituem entidades intuitivas traduzidas por suas
respectivas expressões matemáticas, como haveria de ser ao analisarmos entidades
clássicas; um campo somente é explicitado através de sua forma matemática. E suas
relações (também matemáticas) com outras grandezas levam à sua dinâmica. São
modificados os fundamentos do exercício da intuição, porém não se pode afirmar que
esta esteja perdida, e tampouco o está a noção de realidade. Pelo contrário, a realidade
física vai ser mais e mais elucidada por essa nova abordagem, e os resultados são
exultantes. Mudam-se as condições e prerrogativas do entendimento científico, e resta
analisá-las heuristicamente. A teoria do conhecimento tem assim de substituir em
embasamento em representações intuitivas e se voltar à formulação matemática.
Em relação à relatividade, o espaço-tempo, figura central da teoria, caracteriza-
se como estritamente não-intuitivo. Curvo e quadridimensional, ele modela o
40
movimento de tal modo que se torna inteligível apenas sob a luz do cálculo tensorial.
Para velocidades bastante inferiores à da luz, a relatividade se torna coincidente com a
mecânica newtoniana e a representação intuitiva volta a desempenhar seu papel;
contudo, nos limites das altas velocidades comparáveis à da luz, o formalismo
matemático é necessário para uma descrição suficientemente precisa das observações.
Similarmente, o espaço-tempo, assim como foi exposto na teoria da relatividade geral, é
descrito por geometrias não-euclidianas que recorrem a intrincadas expressões
matemáticas como meio de elucidação não-intuitivo. Houve uma substituição do
conceito clássico de força, de visualização plena, pelas geodésicas (deformações do
espaço) formadas por uma distribuição de massas ou equivalentemente de energia, de
descrição puramente abstrata e formal.
41
CAPÍTULO 3
A CONTRIBUIÇÃO DA RELATIVIDADE PARA A
CIÊNCIA MODERNA
3.1 Do século XIX ao XX
O período em que se deu a passagem do século XIX para o século XX apresenta
características bastante peculiares no que se refere à estrutura do conhecimento
científico. Estes anos são testemunhas de uma profunda transformação na forma de
entendimento do mundo físico pelos cientistas. Esta mudança não foi produto de
descobertas isoladas ou de quaisquer influências externas. O que se via precedendo esta
época era um grande acúmulo de evidências experimentais e um paradigma científico
largamente implementado; não obstante, as teorias eram insuficientes ou fracassadas em
explicar os novos fenômenos.
Na busca de soluções que levassem a novas teorias, mais coerentes com a
realidade observacional e que permitissem assim o avanço da ciência, reconsiderou-se
toda a estrutura lógica, matemática e física em que se baseava o processo científico
realizado.
Estes novos fenômenos eram constituídos basicamente de duas naturezas:
aqueles que se relacionavam à essência da matéria e revelavam uma infinidade de
42
possibilidades quanto à composição última dos elementos; e aqueles que necessitavam
de uma síntese entre a mecânica e o eletromagnetismo, ou seja, devia-se eliminar as
contradições apontadas ao se analisar cargas em movimento. Para os fenômenos do
primeiro tipo, foi necessária uma mudança de postura mais radical do que se poderia
imaginar então. O resultado disto foi o aparecimento da Mecânica Quântica, portadora
da nova linguagem científica necessária à compreensão do mundo dos elementos
básicos (o que significou também novas definições ontológicas para as partículas objeto
de estudo). Quanto aos fenômenos do segundo tipo, coube à teoria da relatividade
resolver os impasses cinemáticos que se interpunham entre a mecânica de Newton e o
eletromagnetismo de Maxwell. Para isso, Einstein utilizou-se de um método que pouco
ou nada tinha a ver com a metodologia empregada por seus predecessores.
As características da ciência “emergente”, praticada pioneiramente por físicos
como Niels Bohr (que teve papel fundamental ao construir uma estrutura
epistemológica que tinha como objetivo enquadrar a mecânica quântica a princípios
filosóficos como inteligibilidade, causalidade e localidade e evitar assim que esta
carecesse de uma base teórica cognitiva), Planck, Hertz, Mach, Einstein, Poincaré e
outros tantos são claramente distintas do modo clássico vigente desde o século XVII.
Além de requerer novas definições, nova linguagem e nova metodologia, que serão
detalhadas adiante, há uma transformação central neste processo digna de discussão: a
substituição do caráter intuitivo da razão clássica pelo formalismo da recém-formada
ciência moderna.
Na medida em que o conhecimento avançava em direção ao estudo de
fenômenos cuja escala difere suficientemente da escala humana, como o mundo
subatômico e propriedades do cosmos, a única forma de representação destes novos
43
descobrimentos que se mostrou compatível foi a representação matemática. No caso da
teoria quântica, as partículas eram por si sós entidades matemáticas, e todo resto assim
como elas era expresso conforme expressões apenas matematicamente significativas.
Na teoria da relatividade, e a partir de agora vamos nos ater a ela, os movimentos são
pensados em termos mais gerais, desprendo-se da tendência intuitiva clássica do
intelecto humano de conceber a cinemática com base em objetos terrestres e assim
generalizar as observações obtidas. O limite em que se observa a ruptura entre a
cinemática clássica e a relativística é explicitado pelas altas velocidades, comparáveis à
da luz.
A partir do momento em que se debruça sobre a questão da velocidade, recai-se
sobre uma reflexão básica, mas jamais feita através de uma abordagem estritamente
newtoniana (esta última inferia das observações que a velocidade de um corpo poderia
ser tão grande quanto sua energia lhe permitisse). O que ocorreria se um objeto viajasse
a uma velocidade igual ou superior à da luz? Foi a partir deste questionamento bastante
trivial que Einstein chegou à conclusão de que isto seria impossível. Seu argumento
defende que o sinal de informação (cuja velocidade é a da luz) proveniente deste objeto
viajante atingiria um observador posicionado em sua trajetória em um instante T
posterior à passagem do mesmo pelo ponto em que está o observador. Isto contraria
claramente o princípio da causalidade, e não pode ser possível. Portanto, há um limite
superior para a velocidade de um corpo, que seria igual à de um feixe de luz. Partindo
deste ponto, pôde-se desenvolver toda uma nova cinemática, diferente em vários
aspectos da sua antecessora e indispensável ao se considerar corpos a altas velocidades.
44
3.2 Transição ordenada
A análise epistemológica da teoria da relatividade como origem de uma
“revolução científica” necessita de cuidado. Primeiramente, deve estar claro onde a
teoria se revela inovadora e onde esta constitui mais uma peça necessária ao progresso
científico. Inserida dentro do quadro formado por todo conhecimento produzido no
mesmo período em que foi concebida (o último quarto de século do XIX e o primeiro
do XX), a relatividade pode ser considerada como pedra angular na construção do que
passaria a se chamar física moderna. Sua metodologia traz grandes novidades e reflete
bem o modelo científico seguido naqueles anos; seu conteúdo, mesmo não rompendo
com importantes teorias clássicas, serviu de base para grandes saltos na evolução do
saber científico e propiciou várias confirmações experimentais comprovantes da
validade da nova ciência contemporânea.
A nova cinemática que surgiu a partir da teoria da relatividade não significou a
queda da sua antecessora newtoniana. Seus princípios são bastante diferentes, pois a
teoria de Einstein, com o objetivo de enquadrar a teoria de Newton ao eletromagnetismo
de Maxwell, traz uma nova carga conceitual. A constância da velocidade da luz e a
renúncia às transformações de Galileu, ao espaço e ao tempo absolutos já constituem
diferenças significativas que situam em posições epistemologicamente diferentes as
teorias clássica e moderna. Entretanto, as equações que exprimem matematicamente a
cinemática einsteiniana são redutíveis à newtoniana no limite de baixas velocidades,
como já foi dito na secção anterior. Isto implica que a teoria clássica, válida desde o
século XVII, não pode ser descartada. Ela vale, contudo descreve apenas fenômenos de
ordem razoavelmente próxima da humana. Estabelecido seu limite, não há novas
descobertas ou fenômenos que contrariem suas equações. Por conseguinte, pode-se
45
pensar a teoria da relatividade como uma extensão da cinemática clássica aos limites da
velocidade da luz, somando-se ainda novos conceitos, definições, métodos e os seus
dois postulados, já apresentados no primeiro capítulo.
Ao se analisar a evolução de um conhecimento científico específico, deve-se
atentar para as transformações temporais às quais as teorias se submetem em ordem de
se observar uma continuidade no processo ou a falta dela. No caso da relatividade, não
houve uma descontinuidade no sentido puramente cognitivo ou técnico. Houve assim
uma transição ordenada de um saber prévio, clássico, para um outro que engloba
situações muito mais gerais, o que não constitui nem justifica o emprego do termo
“revolução científica”.
3.3 Aspectos inovadores
Destacado o aspecto não tão inovador da relatividade, que por uma certa óptica é
mérito da teoria clássica por sua resistência aos avanços científicos, passa-se ao que de
fato o é. Primeiramente, o espaço e o tempo relativísticos carecem de definição, que é
dada na teoria através de relógios, réguas e feixes luminosos. Eles também são relativos,
ou seja, cada sistema referencial possui um tempo e um espaço que são comutáveis
entre si sob uma transformação de Lorentz (e não de Galileu) e que não guardam
relação alguma com um espaço e um tempo absolutos, e estes últimos são assim
rejeitados. Justifica-se esta atitude com o argumento de que não há entidades físicas que
necessitem de determinação a priori. Qualquer entidade passa a existir apenas a partir
do momento em que relaciona eventos de forma direta e unívoca, com base em
observação experimental. Citando Einstein (“On the method of theoretical physics”,
conferência Herbert Spencer dada em Oxford em 10 de junho de 1933, p. 6):
46
“O pensamento lógico puro não nos pode dar nenhum conhecimento do mundo
da experiência; todo o conhecimento da realidade começa com a experiência e
termina com ela... As conclusões obtidas por meio de procedimentos puramente
racionais são, no que concerne a realidade, completamente vazias.”
Os postulados da teoria da relatividade são também aspectos diferenciais na
teoria relativística. Estes dois enunciados (constância da velocidade da luz e validade
das leis físicas em cada referencial) constituem as duas únicas definições a priori em
toda a teoria e toda esta pode ser desenvolvida a partir daqueles. Diferentemente das
definições apriorísticas kantianas, estes dois enunciados podem ser postos à prova
empiricamente e não apresentam caráter metafísico.
A teoria da relatividade rompeu de forma definitiva com os princípios
baconianos acerca do processo científico. O indutivismo de Francis Bacon serviu de
referência metodológica durante séculos e conferia legitimidade às teorias que se
enquadravam aos seus pressupostos. Estes consistiam em inferir leis naturais gerais a
partir de evidência experimental. A relatividade alterou este padrão, seguindo os ideais
racionalistas de conhecimento. A resistência da teoria aos testes e sua aplicação a
diferentes descrições de fenômenos fariam com que a relatividade assumisse seu posto
de sucesso.
Também se percebe o pioneirismo da teoria relativística quanto à maneira com
que foi formulada. A desvinculação quanto aos princípios apriorísticos propiciou um
grau mais elevado de atividade intelectual, elevando o status da imaginação e da
liberdade científica. Agora, as teorias deveriam se haver apenas com as experiências
físicas. Einstein e Mach incluíram fatores não racionais como válidos na aquisição de
conhecimento científico, e assim estenderam as relações entre observação e dedução
axiomática a domínios fora da lógica, entretanto intuitivos, psicológicos e pragmáticos.
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Este novo modelo de racionalidade estaria assim livre das amarras clássicas, porém
intimamente dependente das faculdades intelectuais, que poderiam ser levadas ao seu
limite racional máximo (e terem assim infinitas possibilidades) e teriam como
controladora apenas a evidência empírica. Mesmo este tipo de controle experimental
poderia ser suprimido em algumas etapas do desenvolvimento teórico do conhecimento,
conquanto sirvam à explicação física a que se destinam. Os requisitos lógicos que
deveriam ser aceitos tornam-se mais flexíveis, dando ao cientista uma extrema liberdade
intelectual.
A questão da irrupção do formalismo matemático, já descrita aqui, representou
um fator preponderante na atividade intelectual necessária ao advento da relatividade.
Pensar um universo geométrico e abstrato, fisicamente determinado apenas pela
densidade média da massa que contém pode se tornar uma tarefa incompatível com a
intuição e a habilidade intelectual humanas. Daí a perda do caráter visível, concreto e
palpável que sempre marcaram a ciência clássica. As geometrias não-euclidianas
passam então a desempenhar o papel de representantes da realidade em substituição ao
senso-comum.
3.4 Crise e transformação
Na história da ciência, o período em que se deu a concepção da teoria da
relatividade é visto também como uma época em que se instalou uma crise científica.
Tais crises exercem um importante papel epistemológico na medida que dão origem a
novos métodos e geralmente a uma nova ciência. Uma vez que a “nova ciência” em que
a relatividade se insere já foi caracteristicamente definida, podemos discutir algumas
percepções acerca processo de transformação percebido por volta de 1900.
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O aparecimento da física moderna elevou a descrição do real a um grau superior
de universalidade. A ciência clássica foi sacrificada em nome de princípios mais gerais,
e conseqüentemente passou a compor uma particularidade em vista destes. Porém, este
fato não pode ser considerado razão para se estabelecer a crença em uma “revolução
científica”. Os aspectos essencialmente responsáveis pela transformação são a irrupção
do formal e o avanço da coerência, ou da universalidade. Ao analisar estas duas causas,
não se observa qualquer ruptura violenta ou revolucionária, mas sim uma tendência
natural do conhecimento científico tal como se apresentava na época.
A transição do clássico ao moderno, e agora restringindo-se à física, pode ser
traduzida como uma transformação realmente essencial, que se liga aos princípios e foi
exposta acima, seguida de três outras de caráter mais concreto: a teoria da relatividade
restrita e geral e a teoria quântica.
No célebre trabalho A estrutura das revoluções científicas de 1962, Thomas
Kuhn enfatiza o papel dos paradigmas científicos (cada ciência deve seguir um modelo
ou padrão, e é este paradigma que a define enquanto ciência), e relega a um segundo
plano a importância dos princípios. Contudo, Kuhn não alude ao formal ou à coerência
como causa maior do nascer da ciência moderna, nem os justifica a partir de reflexões
sobre os princípios. Não parece razoável atribuir a um novo paradigma a formalidade
embutida na relatividade ou na teoria quântica; há antes de tudo a necessidade do
formal, sendo esta reconhecível no momento em que o conhecimento científico se
mostra favorável à sua aplicação. A assimilação do formal faz-se gradual e
evolutivamente, não cabendo então o termo “revolução”, e tampouco é aceitável o papel
primordial dos paradigmas.
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Volta-se aqui à discussão sobre princípios gerais. Parece um tanto aceitável
inferir a partir dos fatos que há uma tendência da ciência como conjunto de repousar-se
sobre estruturas crescentemente universais. Em particular na física se destaca esta
tendência, uma vez que esta universalidade de princípios é intensamente acreditada.
Cada nova ciência se sobrepõe à antiga, estendendo seus domínios, e variavelmente os
conteúdos não diferem em sua essência. As leis científicas, contrariamente aos
princípios, possuem uma abrangência bem definida por suas hipóteses que as fazem
dedutíveis. Quando um princípio é sobreposto por outro de uma nova ciência, o antigo
acha seu domínio de atuação, tornando-se uma lei (a mecânica clássica encontrou seu
limite nos movimentos cuja velocidade é pequena em comparação com a da luz). Resta
a questão: como proceder para concluir que os princípios científicos atuais são os
últimos desta longa cadeia? Em outras palavras, como saber que foram encontrados
princípios completamente universais?
3.5 A relatividade e a física moderna
Inicialmente, deve-se situar a teoria da relatividade e sua importância sob um
aspecto interno à história da física. Para tanto, a ilustração a seguir (figura 1) revela de
forma bastante elucidativa o alcance da teoria:
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Figura 1: A abrangência da teoria da relatividade.
Como se pode ver a partir da figura, a relatividade não apenas veio acrescentar à
ciência física, mas também lhe impingir maior grau de universalidade. O primeiro êxito
atingido pela teoria foi unir a mecânica clássica ao eletromagnetismo. Desta união
surgiu a cinemática relativística que, para se ajustar à gravitação (e assim explicar
também movimentos acelerados) fez uso das geometrias não euclidianas para
finalmente chegar à mecânica relativística, ou relatividade geral. Fica óbvio perceber a
magnitude do alcance desta teoria, que desempenha papel proeminente na física
moderna, juntamente com a teoria quântica.
Einstein, quando questionado sobre a relevância da teoria da relatividade,
designava-a por “Den Schritt”, do alemão “o degrau” (Pais, 1982:190). Ao fazê-lo,
estava devidamente atribuindo ao seu trabalho um caráter de necessidade, porém de
insuficiência. A relatividade, de acordo com as experiências já efetuadas por todo o
século XX, é válida e precisa ser aplicada à explicação dos fenômenos. Contudo a
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mesma não basta na elucidação de outros fenômenos, e novos conhecimentos devem se
somar a ela na construção da física moderna, destaque para a mecânica quântica.
Para melhor se entender a composição da ciência física moderna, é válido
também estender-se aqui para além da relatividade. Esta teve a tarefa árdua porém
decisiva de relativizar os fenômenos quânticos e assim dar mais um passo em direção ao
que seria o maior dos vôos em termos de universalidade de princípios físicos (figura 2):
o campo unificado. A partir deste objetivo, a realidade seria em última análise feita de
energia e um campo único, que descreveria toda e qualquer interação entre eventos, seja
ela eletromagnética, gravitacional ou de natureza nuclear (sabe-se da existência de pelo
menos duas delas, a nuclear forte e a nuclear fraca). Entretanto, a teoria do campo
unificado faz parte da história aberta, pois ainda não se verificou sua veracidade e
portanto não há porquê favorecê-la ante a qualquer outra teoria alternativa.
Figura 2: A física moderna e uma tentativa de teoria universal.
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CONCLUSÃO
Este trabalho procurou estabelecer as implicações filosóficas da teoria da
relatividade. Para tanto, foi necessária uma exposição prévia à sua análise
epistemológica. Os princípios e o conteúdo científico da relatividade foram detalhados
para sua melhor compreensão, de caráter menos técnico e mais conceitual. Ainda no
primeiro capítulo, foi possível abordar os conceitos que compõem a teoria e
principalmente apontar as diferenças que a contrapõem com a mecânica newtoniana.
Constatamos a partir de considerações acerca do limite da velocidade da luz e de um
minucioso estudo de como referenciais inerciais se relacionam que a cinemática clássica
havia de ser corrigida para domínios de velocidades comparáveis à da luz (ou seja, a
relatividade expandiu a sua teoria antecessora a novos limites). A resposta positiva das
observações experimentais à nova teoria comprovaria sua veracidade.
Mais do que isso, o advento desta nova teoria do movimento pôs em harmonia o
eletromagnetismo e a cinemática; alterou o significado de conceitos como espaço,
tempo e massa, já epistemologicamente falando; revelou que o éter, meio que permearia
todo espaço e pelo qual a luz se propagaria, é supérfluo (o experimento de Michelson
pôs fim às dúvidas ainda existentes e assim corroborou com a validade da relatividade).
Partindo para a teoria geral, a visão do meio físico alterou-se profundamente ao aplicar-
se as ferramentas matemáticas das geometrias não-euclidianas na descrição do espaço-
tempo. Campos gravitacionais e eletromagnéticos e distribuições de massa passam a
exercer um papel central e relegam assim o conceito de força a um segundo plano. A
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diferença entre inércia e força gravitacional não mais se justifica, de acordo com o
princípio da equivalência. A relação entre massa e energia é claramente estabelecida, o
que as torna comutáveis e, favorecendo uma concepção mais simplista e estética, coloca
a massa como uma forma particular de energia. As propriedades não-intuitivas da teoria
da relatividade significam uma mudança maior em termos de metodologia científica. A
ascensão da formalidade é verificada, e a partir de então o mundo físico passa mais
perto das matemáticas do que da compreensão humana. Perde-se o senso comum em
troca da descrição exata dos fenômenos.
Abordando a relatividade como teoria científica, há certos apontamentos
necessários: a ruptura com o ideal baconiano de metodologia científica e a adoção do
ideal racionalista; a colocação de definições concretas ante conceitos básicos, o que
implica o abandono dos conceitos apriorísticos metafísicos kantianos; a adoção de uma
nova linguagem, característica da filosofia da ciência contemporânea, adotada também
largamente na física moderna; a universalidade como característica. Não obstante, a
relatividade se revela uma transição ordenada em relação à teoria clássica (e não uma
revolução científica) devido a seu conteúdo cognitivo.
Há de se ter cuidado ao analisar seus aspectos inovadores, pois mesmo existindo,
eles se inserem em um período em que vários outros trabalhos trazem também uma
grande carga de novidade. Em especial está o aparecimento da teoria quântica. A
constituição da racionalidade científica própria da física moderna provém de vários
campos do conhecimento, como os estudos moleculares, atômicos, quânticos,
estatísticos, eletromagnéticos e mecânicos. Em meio a um período de tamanha profusão
de idéias, a proeminência da teoria da relatividade sugere seu caráter pioneiro sob vários
aspectos e sua importância e aplicação em incontáveis áreas do conhecimento. Mais
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especificamente, pode-se lhe atribuir a difícil tarefa de se unir à mecânica quântica para
assim galgar mais um degrau em direção à elucidação dos fenômenos e à
universalidade.
Finalmente, há de se fazer jus à comunidade científica responsável pelo
surgimento da teoria. Não apenas a Albert Einstein, mas também todo o mérito a
Lorentz, Poincaré, Mach, Hertz, Fitzgerald, Grossmann, Michelson e tantos outros.
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