Investigações Filosóficas-Sophia Umuarama: Filosofia, Educação e Autonomia - 2012

168
Investigações Φilosóficas-SOPHIA UMUARAMA FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E AUTONOMIA 2012 1ª EDIÇÃO ALAN RODRIGO PADILHA RAFAEL EGÍDIO LEAL E SILVA & JOSÉ PROVETTI JUNIOR (Orgs.) ASSIS CHATEAUBRIAND JPJ Editor 2015

Transcript of Investigações Filosóficas-Sophia Umuarama: Filosofia, Educação e Autonomia - 2012

Investigações

Φilosóficas-SOPHIA UMUARAMA

FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E AUTONOMIA 2012

1ª EDIÇÃO

ALAN RODRIGO PADILHA

RAFAEL EGÍDIO LEAL E SILVA

&

JOSÉ PROVETTI JUNIOR

(Orgs.)

ASSIS CHATEAUBRIAND

JPJ Editor

2015

IF-SOPHIA – UMUARAMA: FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E AUTONOMIA 2012

ORGANIZADORES

ALAN RODRIGO PADILHA

Mestrando em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual

do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Especialista em Educação Especial pela

UNIVALE, graduado em Filosofia pela Faculdade Bagozzi, Coordenador de

Pesquisa e Pesquisador-efetivo do Grupo de Pesquisas Filosofia, Ciência e

Tecnologias – IFPR, na Linha de Pesquisa Filosofia, Co-proponente,

Coordenador do Projeto de Extensão IF-Sophia. É docente efetivo da

disciplina de Filosofia do Instituto Federal do Paraná – IFPR, na cidade

de Umuarama.

RAFAEL EGÍDIO LEAL E SILVA

Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM,

Especialista em Teoria Histórico-Cultural e em História das Religiões

pela mesma universidade, graduado em Direito e em Ciências Sociais, sendo

nesta licenciado. É pesquisador-efetivo do Grupo de Pesquisas Filosofia,

Ciência e Tecnologias – IFPR, na Linha de Pesquisa Educação, Cognição e

Linguagem, participante como estudante-pesquisador do Grupo de Pesquisas

Psicologia Histórico-cultural e Educação, Linha de Pesquisa Psicologia do

Ensino e da Aprendizagem. Participa como estudante´pesquisador do Grupo

de Pesquisa Laboratório de estudos e pesquisas sobre a interação humana e

contemporaneidade. Co-proponente e Coordenador do Projeto de Extensão IF-

Sophia. É docente efetivo da disciplina de Sociologia do Instituto

Federal do Paraná – IFPR, na cidade de Umuarama.

JOSÉ PROVETTI JUNIOR

Mestre em Cognição e Linguagem, com ênfase em Filosofia da Mente e

Processos Cognitivos pela Universidade Estadual do Norte-Fluminense Prof.

Darcy Ribeiro – UENF, mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea, com

ênfase em Metafísica e Teoria do Conhecimento pela Universidade Estadual

do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Toledo, especialista em Saúde para

Professores dos Ensinos Fundamental e Médio pela Universidade Federal do

Paraná – UFPR – Cruzeiro do Oeste, especialista em História, Arte e

Cultura pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – Umuarama, graduado

e licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

– UERJ – RJ, graduando em Pedagogia pela Universidade Estadual de

Maringá – UEM – Umuarama, professor e pesquisador voluntário do Núcleo

de Estudos da Antiguidade – NEA – UERJ, pesquisador do Grupo de Estudos

Karl R. Popper – UNIOESTE – Toledo, pesquisador-efetivo e Coordenador

Geral do Grupo de Pesquisas Filosofia, Ciência e Tecnologias – IFPR,

autor dos livros “A alma na Hélade: a origem da subjetividade

Ocidental” (2011) e “Dualismo em Platão” (2014), servidor público

federal, docente de Sociologia no Instituto Federal do Paraná – IFPR –

Assis Chateaubriand, atuando nos Cursos Técnicos de Informática,

Eletromecânica, Agroecologia e Orientação Comunitária.

AUTORES

ROSALVO SCHUTZ

Doutor em Filosofia pela Universidade Kassel, mestre em Filosofia pela

Pontifícia Universidade Católica – PUC-RS, graduação em Filosofia pela

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –

UNIJUÍ. É líder do Grupo de Pesquisa Ética e Política da UNIOESTE –

Toledo, na Linha de Pesquisa Autonomia e heteronomia em ética e Poder,

política e legitimidade. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Filosofia,

Educação e Práxis Social, na linha de Pesquisa de mesmo nome. É servidor

público estadual, docente atuante na graduação em Filosofia na

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, na cidade de

Toledo, docente do programa de pós-graduação stricto sensu, no nível de

mestrado, em Filosofia Moderna e Contemporânea na UNIOESTE – Toledo. É

membro do corpo editorial dos periódicos Humanidades em Revista, Editora

e Distribuidora Tykhe, Revista Espaço Acadêmico (UEM) e Argumentos:

revista de filosofia. Autor dos livros “Die abstrahierende Dynamik der

modernen Gesellschaft - Konsequenzen für die Beziehung der Menschen

untereinander und mit der Natur” (2007) e “Capitalismo e religião: uma

reflexão a partir de Feuerbach e Marx” (2001). É co-autor da obra

“Práxis filosófica e movimentos sociais em questão” (2012) e

organizador dos livros “Crítica e utopia: perspectivas brasileira e

alemãs” (2012) e “Economia popular solidária: pesquisa/ação” (2000).

JOSÉ MATEUS BIDO

É mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual

do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Toledo, especialista em Docência em

Educação Profissional pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial –

SENAC – PR, especialista em Gestão Educacional pelo Centro Nacional de

Educação a Distância, especialista em Filosofia Clínica pela faculdade

Padre João Bagozzi, especialista em Filosofia e os valores fundantes da

civilização ocidental pela Faculdade de Filosofia pela Universidade

Estadual do Paraná – FECILCAM – Campo Mourão , é graduado e licenciado

em Filosofia pela Faculdade de Ciências Humanas Arnaldo Busato – Toledo.

É servidor público federal, docente das disciplinas de Filosofia e

Sociologia do Instituto Federal do Paraná, campus da cidade de Ivaiporã-

PR e autor do livro “A problemática da pós-modernidade” (2001).

MARCOS ANTÔNIO DE SOUZA BRITO

Graduado em Filosofia pela Universidade Metodista de São Paulo.

Desenvolve estudos em torno do pensamento de Arthur Schopenhauer.

ALAN RODRIGO PADILHA

Mestrando em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual

do Oeste do Paraná - UNIOESTE/ Toledo, especialista em Educação Especial

pelo Centro de Estudos Avançados e Pós-graduação das Faculdades

Integradas do Vale do Ivaí – UNIVALE, graduado e licenciado em Filosofia

pela Faculdade Padre João Bagozzi, é pesquisador-efetivo e Coordenador de

Pesquisa do Grupo de Pesquisa Filosofia, Ciência e Tecnologias – IFPR e

servidor público federal, docente de Filosofia do Instituto Federal do

Paraná – IFPR – Umuarama.

HERNESTINA DA SILVA FIAUX MENDES

Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná -

UNIOESTE, especialista em Educação e Saúde, com ênfase em Pedagogia

Hospitalar pelo Centro Técnico Educacional Superior do Oeste do Paraná,

especialista em Educação Especial pelas Faculdades Integradas do Vale do

Ivaí – UNIVALI, especialista em Orientação Educacional pela Universidade

Paranaense – UNIPAR, especialista Psicopedagogia pela Universidade

Paranaense – UNIPAR, graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Umuarama, docente do Instituto São Francisco de

Assis – ISFACES, da Faculdade Global de Umuarama, servidora pública

estadual, no Núcleo Regional de Educação – Umuarama – SEED – PR,

servidora pública federal, Pedagoga do Instituto Federal do Paraná –

IFPR – Umuarama e membro do Comitê da Secretaria Estadual de Saúde, 12ª

Regional de Saúde – Umuarama.

AMÍLCAR MACHADO PROFETA FILHO

Mestre em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB,

especialista em História Econômica pela Universidade Estadual de Maringá

– UEM, graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá – UEM

e é servidor público federal, docente de História no Instituto Federal do

Paraná – IFPR – Assis Chateaubriand.

DANIEL SALÉSIO VANDRESEN

Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná –

UNIOESTE – Toledo, especialista em História do Brasil pela Universidade

Paranaense – UNIPAR, graduado em Filosofia pelo Centro Universitário de

Brusque, pesquisador-efetivo e Coordenador Financeiro do Grupo de

Pesquisas Filosofia, Ciência e Tecnologias – IFPR, servidor público

federal, docente de Filosofia no Instituto Federal do Paraná – IFPR –

Assis Chateaubriand e Coordenador do Curso Técnico em Orientação

Comunitária.

SÍLVIA ELIANE DE OLIVEIRA BASSO

Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Maringá – UEM,

especialista em História do Mundo Contemporâneo pela Universidade

Paranaense – UNIPAR – Umuarama, graduada em Pedagogia pela Universidade

Estadual de Maringá – UEM, graduado em Estudos Sociais pela Universidade

Paranaense – UNIPAR – Umuarama, servidora pública federal, docente no

Instituto Federal do Paraná – IFPR – Umuarama.

1ª EDIÇÃO

ASSIS CHATEAUBRIAND/ PR

2015

JPJ Editor

Coordenação editorial: Claudia Dell'Agnolo Petry

Edição de texto: José Provetti Junior

Preparação do texto: José Provetti Junior

Projeto gráfico: José Provetti Junior

Capa: José Provetti Junior.

Coordenação de produção gráfica: Lidiane Cardoso Remde Provetti

Coordenação de revisão: José Provetti Junior

Revisão: Michelli Cristina Galli

Edição de arte: José Provetti Junior

Assistência de produção: José Provetti Junior

Coordenação de produção: José Provetti Junior

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Bibliotecária: Cler Rosane Coldebella Muraro CRB 9/ 1430

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Todos os direitos reservados

JPJ Editor

Av. dos Pioneiros, 225 – Jardim Europa

Assis Chateaubriand/ PR – Brasil – CEP.: 85.935-000

Tel.: (44) 8813-1127

www.grupodepesquisafilosofiacienciaetecnologiasifpr.com/#!jpj-editor/c1qjf

[email protected]

2015

Impresso em Assis Chateaubriand/ PR – Brasil.

123 ΙΦ-SOPHIA UMUARAMA: filosofia, educação e autonomia 2012./

Organizado por Alan Rodrigo Padilha; Rafael Egídio Leal

e Silva, José Provetti Junior. – 1. ed. – Assis

Chateaubriand : JPJ Editor, 2015. 168 p.; 21 x 29,7 cm.

ISBN 978-85-912927-3-8

1. Filosofia. 2. Educação. I. Padilha, Alan Rodrigo,

Org. II. Leal e Silva, Rafael Egídeo, Org. III.

Provetti Jr., José Org.

CDD: (22.ed.) 100

Dedicamos essa obra a todos os trabalhadores e trabalhadoras

em educação do Estado do Paraná, principalmente aos nossos

mestres que corajosamente enfrentaram o furor do aparelho de

estado naquele funesto dia 30 de agosto de 1988, em que a

passeata pacífica tornou-se um palco de violência pela força

policial do estado do Paraná. É importante não apagar da

memória aquele ato de violência real, que se tornou simbólico

e que ainda hoje faz ressonância nas novas gerações de

professores. A luta pela educação pública, gratuita e de

qualidade continua em todas as esferas, Municipal, Estadual e

Federal. Existem muitas coisas a serem conquistadas. Por isso

o tema da primeira edição do projeto IF-Sophia foi FILOSOFIA,

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA 2012.

Que é que fiz, não fiz, de mim?

Insciente, perplexo, inexplicado.

Só cheio de saudades de mim.

De tantos eus que fui. Sidos. Idos.

Somos descartáveis, sei, mas dói.

(Darcy Ribeiro)

No fim das contas, o conhecimento serve e só adquire sentido

para a humanidade à medida que contribui para melhorar sua

capacidade de fruir a vida e para diminuir o sofrimento

humano (…) Podemos, então, ver o conhecimento como fator de

liberdade, como elemento para a felicidade.” Gildo Magalhães

. Introdução à metodologia da ciência: caminhos da ciência e

da tecnologia, 2005.

ÍNDICE

Apresentação …......................................................... 11

Introdução …........................................................... 13

“Antigas” concepções de Homem: o Positivismo e o materialismo-

histórico. Por que o século XIX ainda nos explica? …...................

16

As bases epistemológicas para pensar a metodologia da pesquisa …....... 34

Educação para “produção da consciência verdadeira”: uma abertura de

diálogo educacional com a perspectiva crítica …........................

46

Iluminismo, Kant e Filosofia da História: uma reflexão para o IF-Sophia

como projeto educativo …...............................................

67

A razão instrumental e a razão crítica em Horkheimer …................. 77

Crítica ao sujeito e a razão governamental no domínio da biopolítica de

Michel Foucault …......................................................

97

O Homem desumanizado como limite do Esclarecimento …................... 125

Filosofia e Crítica Social …........................................... 148

APRESENTAÇÃO

O Grupo de Pesquisas Filosofia, Ciência e Tecnologias – IFPR tem a

satisfação de oferecer aos públicos acadêmico e geral o resultado primeiro da

iniciativa dos professores e pesquisadores-efetivos Alan Rodrigo Padilha e

Rafael Egídio Leal e Silva, servidores do Instituto Federal do Paraná, lotados

no campus da cidade de Umuarama, desde 2012, em parceria com filósofos e outros

profissionais da educação da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED/

PR, no Núcleo Regional de Educação – NRE – Umuarama, do SESC/ PR da APP –

Sindicato e de outras instituições que possibilitaram o lançamento das

atividades do IF-Sophia – Umuarama, no ano de 2012.

Essa importante ação veio ao encontro de uma necessidade dos

profissionais de educação como um todo, em especial dos campos dos saberes

filosófico e sociológico, devido à constante demande por atualização e

aperfeiçoamento profissional.

Nesse particular, o Instituto Federal do Paraná, com base na legislação

que lhe deu vida institucional, isto é, a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de

2008, que fixa a demanda dos Institutos se esforçarem por se tornar referências

regionais em Ciência e Tecnologia, principalmente para as Redes de Ensino

municipais, estaduais e privadas, possibilitando, assim, ações que ofertem o

estímulo aos profissionais de educação a se tornarem pesquisadores e agentes de

transformação social, em atendimento às demandas locais.

Foi nesse sentido que o IF-Sophia – Umuarama impulsionou a reunião de

professores, estudantes, cidadãos e representantes de instituições da sociedade

civil organizada em torno de temáticas filosóficas contemporâneas, provocando o

desafio da aprendizagem continuada, do debate crítico e a reflexão sobre o papel

dos saberes filosóficos na sociedade brasileira do século XXI.

Portanto, apresento ao leitor amigo o produto dessa primeira experiência

em solo umuaramense, de maneira a convidá-lo à reflexão e ao engajamento nos

debates sobre as temáticas aqui apresentadas, de modo que possamos atingir a

maturidade filosófica do “a cada dia que passa, apenas sabemos que nada

sabemos!

Boa leitura!

Assis Chateaubriand, 22 de janeiro de 2015.

O Editor.

INTRODUÇÃO

Filosofia, Educação e Autonomia.

O título da primeira edição da Coletânea Filosófica IF-Sophia é

sugestivo, pois estabelece um vínculo entre a autonomia, a educação e o

filosofar.

Não é um vínculo natural, pois nenhum dos três conceitos são naturais,

mas fruto de um processo social histórico e cultural específico, a saber: o

helênico, a partir do século VIII a. C. nas cidades-estado gregas da região da

Jônia, atual Turquia.

O fundador dessa tradição, o pensador Tales, da polis de Mileto, que era

a sede de uma liga informal de cidades helênicas com predominância étnica ática

e eólia, se tornou próspera a partir do século VI a. C., congregando em suas

ruas, elementos de diversas nacionalidades que traziam aos cidadãos, o resumo

das vivências culturais de seus povos.

É em Mileto que Tales, em parceria com seu genro e concidadão,

Anaximandro, iniciou uma inovação pedagógica nas relações ensino-aprendizagem

existentes à época.

O que se verifica na História de países como o Egito, Israel e Índia,

dentre outros, é que a sabedoria era patrimônio de indivíduos especiais, que

além de vivê-la a ensinavam em escolas, em geral vinculadas a alguma tradição

religiosa e/ ou mítica senão até mesmo revelada por alguma deidade.

Nessas escolas se observa que a relação mestre-iniciado se estabelece

como uma via de mão única, em que o neófito recebe a bênção do mestre através de

seu conhecimento excepcional, se esforça por compreendê-lo, vivê-lo e,

sobretudo, preservá-lo, transmitindo-o de geração em geração, da melhor maneira

possível.

Quando essas escolas estavam ligadas a algum tipo de sacerdócio

organizado, verifica-se que os registros feitos sobre essa sabedoria,

normalmente privilégio desse grupo, registra, por meio de livros sagrados,

revelados ou redigidos por esses mestres da Verdade, de maneira a estratificar

os ensinamentos do mestre como dogmas aos quais qualquer melhoria dos saberes ai

expressos, normalmente levados a efeito por algum avançado discípulo, não é

atribuído a este, mas a uma espécie de revelação interpretativa do texto

divinizado do mestre que até ao momento não havia sido percebido.

Isso se verifica com a tradição homérica na Grécia e, ainda, com a

tradição médica, tanto na Hélade quanto nos demais países orientais ou africanos

com os quais os helênicos travaram conhecimento.

Tales, ao contrário de seguir essa metodologia pedagógica, estabeleceu ao

genro e demais estudantes de seu grupo, a saber: Anaxímenes de Mileto e

Heráclito de Éfeso, as seguintes regras:

a) A única certeza inquestionável é a que o acesso irrestrito à realidade

é privilégio dos deuses;

b) Portanto, ao homem apenas é possível tecer teias de conjecturas sobre

a realidade;

c) Assim, faz-se necessária a constante revisão crítica dessas

conjecturas, para que se alcance algum conhecimento verossímil sobre a

realidade;

d) Se houver uma nova conjectura sobre qualquer fenômeno que seja

diferente da que propus, exponha-a e a discutamos, a fim de melhor

aperfeiçoarmos nossa compreensão sobre a realidade, o conhecimento e o mundo.

A postura inovadora de Tales rompeu com a tradição da sabedoria oriental

acima mencionada. Ao mesmo tempo, inaugurou o racionalismo crítico e

revisionista que iniciou a delimitar o campo e método de atuação do que no

futuro, após a conceituação de Pitágoras de Samos, veio a ser denominado de

“filósofo”, desenvolvendo uma análise crítica sistemática à tradição mítica,

teogônica e cosmogônica helênica.

Com essa atitude, Tales deu autonomia a seus discípulos e na posse delas,

os discípulos deram mérito ao mestre de impulsioná-los a propagarem a nova

didática que revolucionou a educação grega arcaica, atingindo a tradição

educacional Ocidental filosófica e científica de tal maneira que hoje se depara

com o desafio de vencer mais de mil anos em que o pensar filosófico esteve a

serviços da religião, se remitificando e retomando a visão inovadora e

desafiadora de ver a totalidade da vida e de suas relações cosmologicamente, à

maneira dos primeiros pensadores racionalistas, críticos e revisionistas.

Eis o novo e inquietante desafio da educação. Demover-nos da zona de

conforto da tradição filosófica e científica inducionista e reconectar-mos a uma

visão cosmológica da realidade. Romper com a perspectiva da exclusividade do

método indutivo como ferramenta de trabalho investigativo e as incomunicáveis

compartimentalizações positivistas ou neopositivistas da vida e dos saberes

sobre esta que a ciência e a sociedade implantaram e mantém por meio do processo

de escolarização formal, em qualquer nível.

Como reatar tal visão, abandonando o tradicional modelo de docente

“dador de aulas” que não foram totalmente elaboradas pelo profissional de

educação, estandartizados pelos medalhões das academias e de maneira

transdisciplinar se tornar um professor-investigador, criada não apenas de aulas

interessantes e motivadoras, mas dos conteúdos que nelas serão apresentados?

Eis os desafios que são ofertados a todos os profissionais da educação de

nossa época. Um inquietante questionamento que se dirige a cada um que cruza os

umbrais de uma instituição de ensino e de sua sala de aula: ao entrar e encarar

seus concidadãos, de maneira a bem orientá-los sobre os conteúdos de sua área,

tanto quanto realizar a ação pedagógica; ao sair, ficar tranquilo com sua

consciência, ao identificar nos noticiários diários, aqueles que passaram horas

a fio diante de nós, a escutar-nos e, talvez, nos questionar sobre a pertinência

ou não do que se tratava e felicitar-se ou não, conforme a qualidade do

interesse que didicara a eles.

O que temos feito para efetivamente transformar a realidade em que

estamos inseridos por meio de nossa área de atuação?

É disso que trata a coleção IF-Sophia, com o volume “Filosofia, educação

e autonomia”.

José Provetti Junior

Assis Chateaubriand, 22 de janeiro de 2015.

“Antigas” concepções de Homem: o Positivismo e o materialismo-histórico. Por

que o século XIX ainda nos explica?

Rafael Egidio Leal e Silva1

RESUMO

A discussão que será desenvolvida neste capítulo refere-se à

importância de dois pensadores do século XIX, cujas obras ainda

são alvo de debates por parte das Ciências Humanas. Transcendendo

a filosofia e a ciência, o Positivismo e o Materialismo-histórico

espraiam-se pela política, arte e chegam a ser considerados (em

tom depreciativo) como religiões, pelo comportamento demasiado

acentuado de alguns de seus adeptos, que acabam por tentar

vivenciar tais concepções, gerando uma espécie de modo de vida

capaz de transformar a dura realidade cotidiana.

Palavras chaves: Positivismo; Materialismo histórico; Homem;

Augusto Comte; Karl Marx.

Sendo assim, podemos considerar as obras de Augusto Comte (1798-1857) e

Karl Marx (1818-1883) como fundamentais para a compreensão do homem

contemporâneo? O que esses dois pensadores observaram (e refletiram) que faz de

seus pensamentos tão duradouros e tão debatidos? O objetivo deste capítulo é

investigar alguns aspectos de seus pensamentos a fim de compreendermos sua

historicidade, e o papel que o homem ocupa em suas concepções.

Tal discussão insere-se tanto como introdução à Sociologia Clássica, como

também nas histórias das ideias filosóficas do século XIX. Pretendemos não

apenas contribuir com um debate necessário sobre a influência de tais teorias,

como também colaborar com a formação de professores dessas disciplinas no ensino

1 Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, Especialista em Teoria

Histórico-Cultural e em História das Religiões pela mesma universidade, graduado em Direito e em

Ciências Sociais, sendo nesta licenciado. É pesquisador-efetivo do Grupo de Pesquisas Filosofia,

Ciência e Tecnologias – IFPR, na Linha de Pesquisa Educação, Cognição e Linguagem, participante

como estudante-pesquisador do Grupo de Pesquisas Psicologia Histórico-cultural e Educação, Linha

de Pesquisa Psicologia do Ensino e da Aprendizagem. Participa como estudante pesquisador do

Grupo de Pesquisa Laboratório de estudos e pesquisas sobre a interação humana e

contemporaneidade. Co-proponente e Coordenador do Projeto de Extensão IF-Sophia. É docente

efetivo da disciplina de Sociologia do Instituto Federal do Paraná – IFPR, na cidade de

Umuarama.

básico, que precisam expor de modo didático tais teorias.

É importante lembrarmos que a Europa viveu o século XIX estremecida por

graves crises políticas e sociais, com diversos golpes de Estado, tendo por

início a própria Revolução Francesa de 1789-1799. Esta revolução alterou de

forma radical e definitiva as bases da sociedade: se antes, a nobreza e o Clero

detinham o poder político, com a revolução esse poder passou às mãos da

burguesia, que já detinha o controle da economia e da produção de riquezas. Com

essa revolução a escolástica foi definitivamente substituída pela ciência como

modo de produzir conhecimentos para a nova sociedade (comandada pela burguesia).

A própria burguesia fundamentava-se no pensamento moderno e liberal, que

colocava no indivíduo (e não mais em Deus) a responsabilidade por seu próprio

destino. Esse indivíduo liberto, proprietário e natural, estaria destinado a

governar a sociedade, tendo o pensamento científico (e único racional) como seu

guia para bem exercer esse governo. Claro que por mais universalista que possa

parecer esse discurso, ele estava destinado a uma única classe: a própria

burguesia.

Se de um lado assistimos, durante o século XIX, que a Europa realizando

suas revoluções liberal-burguesas, de outro observamos um sem número de revoltas

populares, como, por exemplo, a já citada Revolução de 1848, na França e as

comunas instauradas (em 1848 e em 1870) além do movimento operário e comunista

que se espalhou, como um fantasma, por todo o Velho Continente. Entretanto, a

idéia de ciência permeou todos esses movimentos. Desde a ciência liberal, que

resultou na formulação de um método positivista, até a formulação, por parte de

Marx e Engels, de um socialismo científico, com metodologia e análise da

realidade destinadas a fundamentar a revolução proletária. Diante disso, a

Ciência e a indústria são, desta forma, palavras chaves para a compreensão do

século XIX. Como o homem foi retratado pelas lentes da filosofia desse século?

Comte, do método Positivista à Religião da Humanidade.

Comte nasceu em Montpellier, França, no dia 19 de Janeiro de 1798, e

faleceu em 1857. Estudou na Escola Politécnica e cursou medicina em sua cidade

natal, mas não concluiu nenhum desses cursos. Em 1817 tornou-se secretário do

pensador francês Saint-Simon (pensador socialista) e, tornou-se seu discípulo e

colaborador. Assim, Comte foi orientado para o estudo das ciências sociais com a

idéia de que tanto os fenômenos sociais, como os físicos poderiam ser reduzidos

e submetidos às leis naturais, e que todo o conhecimento científico deveria ter

por finalidade o aperfeiçoamento moral e político da humanidade. Entretanto,

Comte e Saint-Simon romperam em 1824, quando Comte passou a formular os

primórdios de seu sistema positivista, ao publicar o texto Plano de trabalhos

científicos necessários à reorganização da sociedade sob o título de Sistema de

política positiva. Simon, partidário do socialismo utópico, não concordou com os

pensamentos progressistas de Comte.

A partir daí, Comte passou a formular pensamento próprio e original. Em

1826 iniciou um curso em sua própria casa, que marcou o início do Positivismo: o

Curso de Filosofia Positiva, resultou em obra homônima, composta de 06 volumes,

iniciado em 1830, com a publicação do primeiro volume e terminado em 1842, com a

publicação do último volume. Dois fatos foram especialmente marcantes em sua

vida pessoal: ainda na terceira aula do curso de filosofia, teve uma grave crise

mental, que o levou a ficar internado por dois anos em estabelecimento

psiquiátrico. Recuperado, trabalhou intensamente na sistematização da filosofia

positiva. Dessa época, além de textos e fragmentos (não reconhecidos) publicou,

além dos volumes do Curso de filosofia positiva, o Tratado de Geometria

analítica (1843), Tratado de astronomia popular (1844) e Discurso sobre o

espírito positivo (1844). O segundo fato marcante em sua produção, foi também o

início de uma nova fase do pensamento e até mesmo de sua vida; em 1845-46,

segundo suas palavras, opera-se em seu espírito uma conversão, ressurreição,

regeneração sentimental: a relação platônica com Clotilde de Vaux. Após a morte

precoce de Clotilde, Comte mudou o foco de seu pensamento, e assim começa a

aparecer em seus textos a afirmação da supremacia na vida humana, do sentimento,

da subjetividade, do ponto de vista feminino e artístico, identificados com a

moralidade como fator de coesão social. Desse período, publicou, o Catecismo

Positivista ou exposição sumária da Religião Universal em 1852 e Sistema de

política positiva ou Tratado de Sociologia instituindo a Religião da Humanidade

iniciado em 1851 e finalizado em 1854. Na primeira fase de sua vida ele elaborou

o POSITIVISMO, a partir deste momento, surge o COMTISMO. Enquanto o primeiro

(que corresponde ao Curso de filosofia positiva) foi mais um movimento acadêmico

e político, o segundo momento corresponde à uma religião e reforma completa da

sociedade (a Igreja Positivista), onde cultua-se a Deusa Humanidade (culto ao

feminino), conforme passaremos a expor.

O pensamento de Comte, coadunou-se perfeitamente com sua época, não

obstante ele pretendesse desenvolver um método neutro e progressista, conforme

pode-se observar:

Comte, indubitavelmente, toma o partido da parcela mais

conservadora da burguesia, que, no seu caso, significa não apenas

conservadorismo (manter o poder), com sua defesa de um regime

ditatorial e não parlamentarista, mas, significa também, criar as

condições para fortalecer este poder e impedir quaisquer ameaças,

identificadas com todas as tentativas democratizantes ou

revolucionárias. Neste sentido, sua proposta de uma filosofia e de

reforma das ciências tem como objetivo sustentar esta ideologia.

(...). (Andery & Sério, 1988, p. 379).

Comte elaborou uma fórmula que sintetizasse sua proposta filosófica:

“saber para prever, prever para prover”. O conhecimento, assim, está voltado

para o aspecto prático, ou seja, a resolução dos problemas da sociedade, através

da elaboração de fórmulas que sintetizassem os fenômenos, para daí explicar e

antevê-los, “combinando a estabilidade e a atividade, às necessidades

simultâneas da ordem e progresso” (Quintaneiro et ali, 2003, p. 19). Podemos

notar que é uma concepção que nitidamente tem uma vinculação com os problemas

sociais de seu tempo, mas sob a ótica burguesa. “A chamada ‘filosofia

positiva’, segundo Comte, é fundamentalmente um sistema geral do conhecimento

humano que se antepõe à ‘filosofia negativa’ com a pretensão de organizar, e

não de destruir a sociedade” (Quintaneiro et ali, 2003, p. 19). Essa

“filosofia negativa” refere-se às tentativas de restaurações ao Antigo Regime

monárquico e absolutista na França, e a manutenção do poder da Igreja, e daí a

luta ferrenha de Comte aos sistemas metafísicos e teológicos, ou seja, tudo o

que se vinculasse ao passado feudal. Podemos observar que o próprio Comte, em

relação ao seu pensamento é um visionário:

O positivismo se compõe essencialmente duma filosofia e duma

política, necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a

outra a meta dum mesmo sistema universal, onde inteligência e

sociabilidade se encontram intimamente combinados. (...) na medida

que o curso natural dos acontecimentos caracteriza a grande crise

moderna, a reorganização política se apresenta cada vez mais como

necessariamente impossível, sem a reconstrução prévia das opiniões

e dos costumes. Uma sistematização real de todos os pensamentos

humanos constitui pois nossa primeira necessidade social,

igualmente quanto a ordem e ao progresso. (Comte, 1983A, p: 97).

Comte, tinha um plano para a sociedade de sua época. Contudo, ele mesmo

prevê que o positivismo necessita de indivíduos diferenciados, muito embora em

sua própria filosofia a sociedade deva se manter hierarquizada, entre aqueles

que mandam e os que obedecem. A preocupação educacional é assim, muito presente

em sua obra, pois acreditava que “somente através do processo educacional é que

ele conseguia vislumbrar alguma mudança substancial na sociedade, pois,

educados, os homens teriam os instrumentos necessários para conduzir suas

próprias vidas” (Rodrigues, 1997, p. 2). A educação positiva tem por finalidade

demonstrar a todos os homens as leis naturais que regem cada uma das ciências2.

Educar não objetiva a reflexão, ou uma visão mais crítica do mundo. A educação é

uma espécie de convencimento das massas, que o mundo (tanto natural, quanto o

humano e social) é regido por leis inflexíveis, cabendo ao homem adaptar-se a

elas, por uma simples questão de evolução. O homem civilizado é o homem que

conhece e vive de acordo com as leis da ciência. No entanto, a crise em sua

sociedade impede que a ordem ocorra. A filosofia deve, intervir para formar

esse novo homem:

A verdadeira filosofia se propõe a sistematizar, tanto quanto

possível, toda a existência humana, individual e sobretudo

coletiva, contemplada ao mesmo tempo nas três ordens de fenômenos

que a caracterizam, pensamentos, sentimentos e atos. Sob todos os

aspectos, a evolução fundamental da humanidade é necessariamente

2 As ciências também estão ordenadas de acordo com a complexidade do objeto. Segundo Comte,

trata-se de uma “classificação natural em seis categorias elementares: matemática, astronômica,

física, química, biológica e, enfim, sociológica; cada uma sofrendo antes da seguinte os

diferentes graus essenciais da evolução total” (Comte, 1983A, p: 113), sendo incompreensíveis

se tomadas fora desta classificação, segundo ele.

espontânea, e a exata apreciação de sua marcha natural é a única a

nos fornecer a base geral duma sábia intervenção. (Comte, 1983A,

p: 101).

No entanto, para Comte o progresso da sociedade significa a “incessante

especialização das funções, como todo desenvolvimento orgânico, para maior

aperfeiçoamento na evolução dos órgãos particulares” (Ribeiro Jr., 2003, p:

24). Embora Comte fale da necessidade da transformação do homem, é a

transformação para a adequação em uma sociedade progressista (em termos

científicos) e burguesa que ele objetiva. Essa transformação nada tem de

revolucionária e muito menos reformista, uma vez que ela já deverá estar

prevista no progressismo cientificista que ele preconizava: “Para Comte,

sociologia é a ciência abstrata que estuda os fenômenos dos agrupamentos

sociais. A ciência política é a aplicação prática da sociologia, estudando casos

particulares, tendo porém sempre em mira o ponto de vista moral” (Ribeiro Jr.,

2003, p: 25). A sociedade era vista, ainda, como um todo único, distinto do

indivíduo. Diferente da concepção liberal, que ele combateu, “Comte rejeitava a

concepção contratualista de que a sociedade é formada de indivíduos, afirmando

que tudo que é humano além do nível meramente fisiológico deriva da vida

social” (Quintaneiro et ali, 2003, p: 19), tese essa de grande importância

para a construção da ciência social, ainda no século XIX. Assim, se Comte, por

um lado, rejeita a teoria liberal, por outro sustenta que o positivismo é

corolário da modernidade de Descartes: “Esse novo princípio filosófico, depois

de ter por muito modificado cada vez mais o princípio teológico e metafísico3,

esforça-se evidentemente, desde Descartes e Bacon, por substituí-lo

irrevogavelmente” (Comte, 1983A, p: 102). No entanto, se o pensamento

cartesiano concentrava-se na Razão como forma de conferir certeza perante nossas

percepções do mundo, em Comte a função do espírito é o de servir às nossas

emoções: “o espírito só deve essencialmente tratar as questões propostas pelo

3 A história, para ele, passa a ser uma visão apropriada do mundo burguês, pois significa uma

evolução constante, materializada na lei dos três estados. Segundo esta lei, as ciências e o

espírito humano como um todo se desenvolvem por fases: o estado teológico, o metafísico e o

positivo.

coração para a justa satisfação final de nossas diversas necessidades” (Comte,

1983A, p: 106). Comte, vê o homem da mesma forma que o pensamento cartesiano,

como um ser dividido, e naturalmente propenso para uma determinada forma de

humanidade, positiva. Mas ao contrário de Descartes que sustentava que o método

deveria guiar a Razão para o conhecimento certo, afastando a emoção e os

sentimentos (as paixões da alma), Comte coloca em preponderância a emotividade,

o que pode ser sintetizada em sua fórmula: “Enfastia-se de pensar e até de

agir, mas nunca de amar” (Comte, 1983A, p: 97).

O pensamento de Comte, representante do mundo burguês do século XIX, ao

procurar organizá-lo socialmente, acabou por não ir contra os mandamentos de

organização livre baseada no mercado. Talvez em suas reformas ele pretendesse

uma nova visão do mundo, mas não uma realidade social que não fosse a aspiração

da burguesia de seu tempo. Devemos atentar que a burguesia francesa do século

XVIII foi aquela com a incumbência de estabelecer uma organização política nova

e, “aos ‘espíritos revolucionários’ do século XIX coube consolidar e

conservar essas mesmas instituições. A classe burguesa de revolucionária no

passado passa a ser a conservadora, e a classe operária, recolhendo a bandeira

abandonada pela burguesia, surge como a nova classe revolucionária” (Carrosi &

Toledo, 2002, p: 51). O proletariado transforma-se cada vez mais em um problema

a ser resolvido, não apenas com a violência, mas com uma nova educação, que não

mais ensinasse valores revolucionários, mas sim a estabilidade e a cidadania.

Seu pensamento subdividiu-se entre seus seguidores, em uma visão acadêmica que

reflete o mundo burguês, o positivismo, e na Religião Positivista, conforme

veremos.

Em determinado período de sua vida, Comte desviou-se de sua teoria

cientificista inicial e criou a Religião Positivista, conforme já nos referimos.

No entanto, muito embora pareça um rompimento com o positivismo, em que pese as

suas críticas à teologia e à metafísica conforme vimos, Comte manteve a

coerência de seu pensamento, o que demonstra que seu projeto inicial já continha

a abertura para a elaboração teológica e metafísica, assim como o projeto

liberal, sendo, portanto, uma tendência das teses que pregam o ideal capitalista

de desembocarem em uma espécie de religião, justamente por não serem

emancipatórias da humanidade. Dessa forma, em 1852 Comte publicou o Catecismo

positivista, texto “em que a Humanidade vem a substituir Deus, e o altruísmo

ocupa o lugar do egoísmo” (Quintaneiro et ali, 2003, p: 20). Desta forma,

Comte radicaliza o movimento que ele iniciou. O Catecismo é um diálogo entre um

Sacerdote da Humanidade e uma mulher. Para ele, tanto a religião quanto a mulher

tem o significado de que se há a necessidade de mudanças na humanidade, essa

mudança deve primeiro ocorrer nos corações dos homens, pelo apelo sentimental

para depois modificar-lhes as mentes. Vejamos, por exemplo, como ele define o

termo religião:

Ele é construído de maneira a caracterizar uma dupla ligação, cuja

noção exata basta para resumir toda a teoria abstrata de nossa

unidade. Com efeito, a fim de constituir uma harmonia completa e

duradoura, é preciso ligar o interior pelo amor e religar ao

exterior pela fé. Tais são, em geral, as participações necessárias

do coração e do espírito nesse estado sintético, individual ou

coletivo. (Comte, 1983, p: 141).

O positivismo pretendia ser um método, uma análise da realidade

extremamente cientificista que se apóia na descrição exata dos fatos, o comtismo

constitui um discurso que vai se apoiar nos sentimentos para formar o indivíduo,

sendo, entretanto, coerente com a teoria que ele desenvolveu, como vimos. A

mulher, considerada por ele como essencialmente sentimental, ganha papel central

em sua religião. A iniciar pela figura divina, a Deusa Humanidade. O homem, ser

racional, deve ficar submetido sentimentalmente à mulher. O homem, no entanto,

deve manter o seu papel de provedor e de racionalidade, porém, sentimentalmente

reformado, o que ele considera uma verdadeira revolução, da seguinte forma:

A revolução feminina deve agora completar a revolução proletária,

como esta consolidou a revolução burguesa, dimanada a principio da

revolução filosófica.

(...) O melhor resumo prático de todo o programa moderno breve

constituirá neste principio incontestável: O homem deve sustentar

a mulher, a fim de que ela possa preencher convenientemente seu

santo destino social.

(...) O conjunto desta construção episódica caracteriza, por sua

própria forma e marcha, todos os grandes atributos, intelectuais e

morais, da nova fé. Sempre há de sentir-se aqui uma digna

subordinação da razão masculina ao sentimento feminino, a fim de

que o coração aplique todas as forças do espírito ao ensino

difícil e importante. (Comte, 1983, p: 131-132).

A revolução que ele nos apresenta é um rearranjo da realidade. É a

purificação do ideal burguês, ao livrar a sociedade do ranço do Antigo Regime

(a restauração, a nobreza e a Igreja). Ele abre espaço para uma teologia dentro

do positivismo, e quem sabe, uma metafísica positivista. Comte faz um retorno

cíclico no seu pensamento, assumindo que a sua proposta sempre fora, no fundo,

teológica e metafísica, já que seu ideal de mudança ocorre apenas na cabeça dos

homens, e não na realidade em si. É interessante notarmos que Comte desenvolveu

às últimas consequências o pensamento moderno, mostrando que a revolução

cartesiana é, ainda, uma metafísica da natureza.

A base necessária para uma transformação social desse porte não se

encontraria em nenhuma vontade sobrenatural, em nenhum ente

divino, em nenhuma promessa de milagres, como outrora, mas na

própria Humanidade, a deusa da nova religião proposta por Comte: a

Religião Positivista. Para tanto, impõe-se aos homens a

necessidade de se render ao que existe, ao demonstrável, ao

comprovável, não mais se pode acreditar naquilo que não é passível

de comprovação. (Rodrigues, 1997, p: 2).

A proposta de Comte é revolucionária enquanto pensarmos na burguesia e

sua revolução. A teoria do positivismo pregava, portanto, uma hierarquia

social, e um governo da Ciência, e isso no estado máximo de evolução social, o

positivo, que coincide com a modernidade burguesa. O homem, em um estágio já

evoluído – o positivo –, tem por escopo a busca (já predeterminada) das leis

que regem a natureza, e a posterior internalização dessas leis. No entanto, a

racionalidade nesse momento é dispensável: o guia do homem, para o positivismo

comteano é o coração. Esse paradoxo resolve-se historicamente, pois Comte não

vislumbrava a emancipação humana da hierarquia imposta pela ordem burguesa. Não

havia a necessidade de transformar o mundo, mas de senti-lo e adaptar-se a ele,

naturalmente e socialmente.

Karl Marx e o materialismo histórico

O filósofo alemão Karl Marx viveu entre os anos de 1818 e 1883. Em 1835

iniciou seus estudos superiores em Bonn e os prossegue em Berlim, onde passa a

fazer parte do Circulo dos Jovens hegelianos. Em 1841, com uma tese sobre os

atomistas gregos Demócrito e Epicuro, doutorou-se em filosofia, e, no ano

seguinte, tornou-se jornalista de um jornal da burguesia liberal renana, no qual

passa a escrever em forte tom de esquerda. Em 1843 vai para Paris, tendo sido

expulso da França em 1845, devido às suas atividades como comunista. Refugiou-se

em Bruxelas, até 1848, quando foi para Londres. Produziu uma extensa obra,

situada entre a economia, a história, as ciências sociais e a filosofia. Entre

as principais obras, estão A ideologia alemã (1845) e Manifesto do partido

comunista (1848) (ambos com F. Engels), Miséria da filosofia (1847), O 18 de

Brumário de Luis Bonaparte (1852) e O capital (1867).

Marx foi um pensador que analisou e criticou a fundo a sociedade

burguesa, além de estabelecer um método de análise da realidade: o materialismo

histórico. Enquanto os idealistas de seu tempo, amparados na teoria de Hegel

faziam “história das idéias”, Marx tomou como ponto de partida a vida material

dos homens. O que isso significa?

Vimos anteriormente que Comte foi um visionário de uma revolução sem

precedentes na história. Segundo ele, o positivismo estaria destinado a mudar o

mundo, mas as relações sociais não seriam alteradas. Mudariam apenas a cabeça

dos homens. O idealismo alemão, a partir das teses de Hegel fazia algo parecido

com a realidade alemã. No entanto, os idealistas justificavam o Estado burguês

prussiano a partir da derivação dialética das leis do Espírito hegelianas.

Contudo, assim como Comte, os idealistas alemães consideravam-se partidários de

uma revolução, assim como Marx ironiza na “Ideologia alemã” ao opor as visões

idealista e materialista:

Foi uma Revolução diante da qual a Revolução Francesa não passou

de uma brincadeira de criança, foi uma luta mundial que faz

parecerem mesquinhos os combates dos Diádocos. Os valores foram

substituídos, os heróis do pensamento derrubaram-se uns aos outros

com um rapidez inaudita e, em três anos, de 1842 a 1845, arrasaram

a Alemanha mais do que se faria em qualquer outro lugar em três

séculos.

E tudo isso teria acontecido no domínio do pensamento puro (Marx,

2002a, p: 5)

A crítica que Marx faz ao idealismo inicia-se pela própria crítica ao

Espírito, ou melhor, à religião. Para ele, e os materialistas de sua época, o

idealismo derivado de Hegel não passava de uma teologia que não se assumia como

tal. A crítica do sistema de pensamento foi iniciada por ele pela crítica à

religião, conforme se observa na Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de

Hegel publicado em 1844, o texto que consta a célebre frase “A religião é o

ópio do povo” (Marx, 2005, p: 145). Vejamos este trecho:

A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para

que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que

lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da religião

liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a

sua realidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a

razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo, e, assim, em

volta do seu verdadeiro sol. A religião é o sol ilusório que gira

em volta do homem enquanto ele não circula em torno de si mesmo.

(Marx, 2005, p: 146).

Desse modo, se o projeto comteano teve como ponto de chegada a doutrina

religiosa, o ponto de partida de Marx foi a crítica à ela. A crítica à

propriedade e as relações burguesas, próximo passo de seu pensamento:

Na consciência burguesa, a maior parte dos problemas tende a ser

equacionada a partir do principio da mercantilização universal das

relações, pessoas e coisas. Por isso, a liberdade religiosa surge

de par com a constituição do mercado de trabalho, que supõe

direito de livre circulação das pessoas e mercadorias. (Ianni,

1984, p: 25)

A obra de Marx assume essa característica: uma crítica aos fundamentos da

sociedade burguesa e ao capitalismo:

Desde a crítica da dialética hegeliana à análise da dominação

inglesa na Índia, todos os trabalhos de Marx são,

fundamentalmente, de interpretação de como o modo capitalista de

produção mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas, em

âmbito nacional e mundial, ao mesmo tempo que desenvolve as suas

contradições. (Ianni, 1984, p: 8).

Entretanto, a crítica ao mundo burguês, para ser radical, não deveria

basear-se nas categorias científicas da ciência burguesa, desenvolvida até

então. Isso implicaria no retorno às conclusões que Marx estava disposto a

criticar. Dessa forma, Marx deveria fugir da concepção de homem livre,

proprietário e racional da filosofia moderna. Assim, como ele apreenderia o

homem? O homem não poderia mais ser um modelo, mas sim apreendido

historicamente, em sua realidade humana. O homem passa a ser visto a partir de

sua produção material, ou seja a produção dos meios necessários para sua

manutenção no mundo, e não mais como o produto do mundo.

A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete

exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua

produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a

maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto,

das condições materiais de sua produção. (Marx, 2002A, p: 11)

O pensamento marxiano conclui que cada época resulta na configuração de

um determinado tipo de homem. No entanto, a história é dinâmica, refletida nas

necessidades dos homens, que produzem os meios de satisfazê-las, e na formação

de classes sociais, que, pela divergência de interesses e pela oposição na forma

de produzir a realidade, estão em verdadeira luta – a luta de classes. Marx, no

Prefácio que escreveu ao seu texto Crítica da economia política, fez uma

espécie de resumo acerca de sua visão social:

Na produção social da própria existência, os homens, entram em

relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;

estas relações de produção correspondem a um grau determinado de

desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade

dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da

sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura

jurídica e política e à qual correspondem formas sociais

determinadas de consciência. O modo de produção da vida material

condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não

é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário,

é o seu ser social que determina a sua consciência (Marx, 1984, p:

233)

Em um processo dinâmico e histórico, em determinado momento, a estrutura

econômica desenvolvendo-se em outro sentido (por exemplo, a transformação do

modo feudal para o capitalista) passa a conflitar com a superestrutura jurídica

e política, comprometida com a manutenção da antiga ordem. Desses entraves,

surgem um momento de revolução social, de renovação da superestrutura, onde ela

passará a se adequar à nova realidade. Nesse sentido, ele caracteriza a

burguesia:

As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do

processo de produção social, antagônica não no sentido de um

antagonismo individual, mas de um antagonismo que nasce das

condições de existência sociais dos indivíduos; as forças

produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam,

ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver este

antagonismo. (Marx, 1984, p: 233).

A burguesia moderna é fruto de um longo processo de transformações e

desenvolvimento no modo de produção e de intercâmbio. A burguesia, com o

estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, tendo conquistado a

hegemonia econômica, tornou-se também detentora do mando político. Marx e Engels

afirmam que a ascensão social da burguesia destruiu todas as relações de poder

existentes, laços feudais que ligavam os homens, não tendo deixado nenhum outro

vínculo a não ser o dinheiro. Se os objetos eram pautados pelo seu valor de uso,

a burguesia introduziu o valor de troca da mercadoria no mercado, e a liberdade

única e natural, a do comércio, de vender e de comprar. A liberdade também ganha

seu valor, regida pelas leis do mercado. No entanto, a própria burguesia planta

a semente de sua destruição enquanto classe, assim como ocorreu com as relações

feudais, destruídas pelos burgueses, ao criar e manter o proletariado, conforme

podemos observar nesses trechos do Manifesto do partido comunista:

A moderna sociedade burguesa, surgida das ruínas da sociedade

feudal, não eliminou os antagonismos entre as classes. Apenas

estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas

formas de luta em lugar das antigas.

A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se, entretanto,

por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade

inteira vai-se dividindo cada vez mais em dois grandes campos

inimigos, em duas classes diretamente opostas entre si: burgueses

e proletariado. (Marx, 2002, p: 46).

(...)

A burguesia vive em luta contínua; no início, contra a

aristocracia; depois, contra as partes da própria burguesia cujos

interesses entram em conflito com os progressos da indústria; e

sempre conta a burguesia dos países estrangeiro. Em todas essas

lutas, vê-se obrigada a apelar para o proletariado, a solicitar

seu auxílio e arrastá-lo assim para o movimento político. A

burguesia mesma, portanto, fornece ao proletariado os elementos de

sua própria educação, isto é, armas contra si mesma. (Marx, 2002,

p: 55).

Notamos que Marx vê a história da burguesia como um processo

contraditório de superação dos antagonismos da sociedade feudal, e que implicam,

dialeticamente, na criação de novos antagonismos. A burguesia não é mais vista

como resultante da racionalidade natural do homem, mas como resultante da

historicidade, da construção social a partir de uma base material, base esta que

é a forma de produção e manutenção da vida humana.

A passagem para a modernidade, por ser uma alteração radical na base

material produtiva da sociedade foi, muitas vezes, um processo de grande

violência e exclusão das classes pobres, não tendo, portanto, vinculação com a

racionalidade e a liberdade pregada por esses pensadores. Na citação acima, Marx

faz referência à educação, há também um interessante excerto nas Teses sobre

Feuerbach, precisamente na terceira tese, onde Marx diz:

A teoria materialista que pretende que os homens sejam produtos

das circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens

transformados sejam produtos de outras circunstâncias e de uma

educação modificada, esquece que são precisamente os homens que

transformam as circunstâncias e que o próprio educador precisa ser

educado (...)

A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana

ou auto mudança só pode ser considerada e compreendida

racionalmente como práxis revolucionária. (Marx, 2002A, p: 100).

Se a educação em Comte insere-se como forma de manter a ordem e o

progresso do capitalismo, em Marx ela é tomada em seu movimento dialético,

sendo, inclusive, uma forma do antagonismo próprio da divisão em classes da

sociedade, a partir da divisão social do trabalho, e também como arma ao

proletariado em sua luta para substituir a própria burguesia. A educação tem uma

perspectiva transformadora, mas que somente será assim quando o proletariado

passar a tomar consciência de si enquanto classe social inserida nessa divisão

social e puder, assim, compreender o real significado das teses que sustentam a

burguesia. Vimos em Comte que a burguesia do século XIX abandonou seu viés

revolucionário para se tornar uma classe altamente conservadora, ficando para a

classe operária o caminho revolucionário. No entanto, o operariado encampou para

si o discurso universalista burguês, que, como vimos, tem apenas um

destinatário: a própria classe burguesa. O proletariado deveria, compreender-se

como classe não a partir dos velhos pressupostos, mas a partir da crítica de sua

constituição material, e a partir de suas características de classe, que os

distinguem do burguês.

A filosofia marxiana é uma filosofia da transformação do mundo e das

relações sociais, e por isso foi violentamente rechaçada pelos pensadores

comprometidos com o ideário liberal-burguês. Assim, de acordo com Berman a

burguesia está fadada ao desaparecimento:

A vida e a energia interiores do desenvolvimento burguês acabarão

por alijar do processo a classe que pioneiramente os trouxe à

vida. Podemos ver esse movimento dialético tanto na esfera do

desenvolvimento pessoal como na do econômico: em um sistema no

qual todas as relações são voláteis, como podem as formas

capitalistas de vida – propriedade privada, trabalho assalariado,

valor de troca, a insaciável busca de lucro – subsistir isolada?

(...) Quanto mais furiosamente a sociedade burguesa exortar seus

membros a crescer ou perecer de modo desmesurado, mais

furiosamente se voltarão contra ela como uma draga impetuosa, mais

implacavelmente lutarão contra ela, em nome de uma nova vida que

ela própria os forçou a buscar. (Berman, 1986, p: 95)

Marx critica, ainda, que o burguês afirmou que sua liberdade e sua forma

de ver o mundo é a “natural”. Claro, acompanhando o raciocínio de Berman, é

justamente para se assegurar que as formas essenciais da vida capitalista sejam

plenamente mantidas e defendidas pelos homens – justamente por serem

“naturais”. Se considerarmos a teoria lockiana do estado de natureza (cf.

Arnaut & Leal e Silva, 2003), o liberalismo nasceu de uma utopia ao contrário,

uma vez seu ponto de partida é a teoria do “homem natural” que Marx critica: o

homem é produto de sua época. A vida material determina a visão do espírito, e

não o contrário.

O pressuposto defendido por Marx e Engels, então, é que os homens devem

viver para produzir história e para viver é necessário suprir as suas

necessidades mais básicas, como comer, beber, morar, etc. Além dos aspectos das

relações naturais e sociais, o homem possui consciência. Até aqui falamos da

formação da classe burguesa e de sua consciência na modernidade, em Marx, no

entanto, o materialismo é dialético, o que significa que há a negação vigente e

concomitante dos aspectos da realidade. Conforme vimos, o homem produz a base

material de sua existência, mas também produz historicamente a negação dela,

assim como o capitalismo foi gerido nas entranhas do feudalismo. Dessa forma,

dialeticamente à consciência do homem, está a sua alienação. Vejamos o que nos

diz Fromm:

O conceito de homem ativo e produtivo, que compreende e controla o

mundo objetivo com suas próprias faculdades, não pode ser

plenamente entendido sem o conceito de negação da produtividade: a

alienação. Para Marx, a história do gênero humano é uma história

do crescente desenvolvimento do homem e, concomitantemente, da

crescente alienação. Seu conceito do socialismo é a emancipação da

alienação, a volta do homem para si mesmo, a realização de si

próprio.

A alienação (ou “alheamento”) significa, para Marx, que o homem

não se vivencia como agente ativo de seu controle sobre o mundo,

mas que o mundo (a natureza, os outros, e ele mesmo) permanece

alheio ou estranho a ele. Eles ficam acima e contra ele como

objetos, malgrado possam ser objetos por ele mesmo criados.

(Fromm, 1979, p: 50)

A realidade social compõe-se do movimento histórico e dialético em torno

do trabalho humano: “O motor da dialética materialista é a forma determinada

das condições de trabalho, isto é, das condições de produção e reprodução da

existência social dos homens, forma que é sempre determinada por uma contradição

interna” (Chauí, 2004, p: 53), que é a luta de classes. A produção de

mercadorias no capitalismo, que são produzidas e tem seu valor baseado no

trabalho humano, é uma produção alienada, pois o proletário não consegue ver que

na mercadoria está algo que é seu. A mercadoria passa a ser mera coisa no

comércio, quando, na verdade, é “trabalho humano concentrado e não pago”

(Chauí, 2004, p: 54). Marx coloca que a mercadoria, por ser fruto do trabalho

alienado, transforma-se em fetiche:

O primeiro momento do fetichismo é este: a mercadoria é um fetiche

(no sentido religioso da palavra), uma coisa que existe em si e

por si.

O segundo momento do fetichismo, mais importante, é o seguinte:

assim como o fetiche religioso (deuses, objetos, símbolos, gestos)

tem poder sobre seus crentes ou adoradores, domina-os como uma

força estranha, assim também age a mercadoria. O mundo transforma-

se numa imensa fantasmagoria. (Chauí, 2004, p: 55).

Podemos assim observar que Marx conseguiu identificar o sentido

metafísico, praticamente religioso que a modernidade assumiu como verdade.

Vemos, portanto, que se a modernidade nasceu como a negação da religiosidade

ínsita ao mundo feudal, ela pouco a pouco passa a assumir seu aspecto de

religiosidade, através do culto aos objetos e às mercadorias.

As obras de Augusto Comte e Karl Marx são, portanto, fundamentais para

compreendermos a contemporaneidade. Seus pensamentos tão díspares, produzidos no

século XIX captaram as engrenagens do motor da sociedade capitalista que o

século XX e XXI acabam por confirmar em suas monumentais façanhas. No entanto,

que diferenças o nosso homem tem do homem deles? E como um espaço de debate

filosófico pode nos auxiliar a desvendar tão intrigante mistério?

Referências Bibliográficas

ANDERY, M. et alii. Para compreender a ciência. 4. ed. Rio de janeiro: Espaço e

tempo, 1988.

ARNAUT & LEAL E SILVA. O tema da propriedade na filosofia política de John

Locke, na Revista Acta Scientiarum v. 23 n. 1 p. 197-205, 2001.

BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São

Paulo: Companhia das Letras, 1986.

CARROSSI, S. S. & TOLEDO, M. A. Da história ensinada aos seus fundamentos

teóricos: a concepção de história em Augusto Comte. Maringá: Revista Teoria e

Prática da Educação, vol. 5, n. 10, mar/2002.

CHAUÍ, M. O que é ideologia. 2. ed. 4. reimp. São Paulo: Brasiliense, 2004.

COMTE, A. Catecismo positivista. In: 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

Coleção Os pensadores.

__________. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. In: 2. ed. São

Paulo: Abril Cultural, 1983A. Coleção Os pensadores.

ENGELS, F. & MARX, K. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002A.

______________________. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin

Claret, 2002.

FROMM, E. Conceito marxista do homem. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979

IANNI, O. Introdução. In: MARX. Sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1984.

Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 10.

MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel - 1843. São Paulo: Boitempo,

2005.

MARX, K. K. Marx: teoria e processo histórico da revolução social. In: MARX &

ENGELS. História. 2. ed. São Paulo: Ática, 1984. Coleção Grandes Cientistas

Sociais, vol. 36.

QUINTANEIRO, T (et ali). Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed.

rev. amp. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

RIBEIRO JR, J. O que é positivismo? São Paulo: Brasiliense, 2003. Coleção

Primeiros Passos.

RODRIGUES, A. L. A concepção de ciência em Augusto Comte: gênese da religião

positivista. CADERNOS DE METODOLOGIA E TÉCNICA DE PESQUISA – Suplemento

Especial de Ciências Sociais. Maringá: Universidade Estadual de Maringá

(CCH/DCS), ano 9, n. 8, p. 01 a 27, 1997

AS BASES EPISTEMOLÓGICAS PARA PENSAR A METODOLOGIA DA PESQUISA

Alan Rodrigo Padilha4

IFPR/ UNIOESTE/ESCRILEITURAS/CAPES/INEP

[email protected]

Hernestina da Silvia Fiaux Mendes5

SEED-PR/ IFPR/ UNIOESTE

[email protected]

RESUMO

Este trabalho busca apresentar noções sobre as bases

epistemológicas elementares da teoria científica, tais, como o

Positivismo, a Fenomenologia e o Materialismo Histórico Dialético,

sendo elas as três principais correntes epistemológicas

ocidentais. Partindo do pressuposto de que o método científico e

orienta a pesquisa para seu fim, entretanto, mesmo sendo evidente

tal proposição, encontramos problemas ao desenvolver um projeto de

pesquisa, seja ela de cunho estritamente teórico ou de campo,

isto, porque não conhecemos as bases teóricas que fundamentam a

pesquisa, considerando essa necessidade, julgamos ser pertinente

aprestar algumas bases epistemológicas para orientar o caminho da

pesquisa em relação à necessidade do método que melhor contribua a

análise do objeto a ser pesquisado. Neste presente artigo não

temos a pretensão de esgotar o assunto devido a sua complexidade e

extensão, mas apenas fazer uma breve apresentação com fim de

realmente provocar quanto à necessidade de conhecer e eleger um

método efetivo para a pesquisa.

Palavras chaves: Epistemologia; Metodologia de pesquisa;

Positivismo; Fenomenologia; Materialismo histórico

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva discorrer sobre as três grandes matrizes

4 Professor do Ensino Básico Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Paraná, IFPR,Câmpus

Umuarama,Pesquisador do Observatório Nacional de Educação/Projeto Escrileituras/CAPES/INEP.

Mestrado em andamento em filosofia Moderna e Contemporânea Universidade Estadual do Oeste do

Paraná, UNIOESTE, Brasil e pesquisador efetivo do Grupo de pesquisas Filosofia, Ciência e

Tecnologias – IFPR, Linha de Pesquisa Filosofia.5 Professora do Ensino Superior e Pedagoga do Ensino Básico Técnico e Tecnológico do Instituto

Federal do Paraná, IFPR, Campus Umuarama. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa do Ensino de

Astronomia para Pessoas Cegas e com Baixa Visão e A Inclusão da Pessoa com Deficiência na

Educação Superior: Acesso, Permanência e Aprendizagem, IFPR/ UNIOESTE/. Mestranda em Educação.

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Brasil.

epistemológicas ocidentais, destacando: contexto histórico; concepção de

sociedade; concepção de conhecimento; concepção de sujeito (relação sujeito X

objeto) e características do método de pesquisa de cada uma dessas correntes.

Vale ressaltar, como ponto de partida para esta discussão, alguns

conceitos epistemológicos. Uma filosofia preocupada com os problemas da própria

filosofia ao analisar os fundamentos dos conhecimentos científicos. Segundo

Borges (2005, p.:2), “o termo vem do grego, episteme que significa ciência,

conhecimento e logia, estudo.” ; refere-se ao estudo da natureza e dos

fundamentos do saber, particularmente, de seus limites e de suas condições de

produção.

Isso posto, abordaremos o Positivismo, a Fenomenologia e o Materialismo

Histórico Dialético, sendo elas as três principais correntes epistemológicas

ocidentais.

Segundo estudos, apud Staub et al ( 2012 ), no século XVIII, o grande

desenvolvimento da ciência e da tecnologia resultou na Revolução Industrial e

capitalista, criando um ambiente propício para o surgimento do movimento

positivista no século XIX, pois, segundo Xavier (2009, p. 02), esse movimento

acreditava que a industrialização, associada à técnica e à ciência, traria

benefícios para a sociedade da época.

POSITIVISMO

O positivismo, portanto, surge na segunda metade do século XIX, tendo

como principal referência o Filósofo Augusto Comte, que se propõe a pesquisar

sobre a inteligência humana desde os antepassados, para propor um norte no

comportamento do homem diante do então progresso das ciências.

Para Triviños (1987), Comte acreditava que a pregação moral levaria os

capitalistas a serem mais humanizados, eliminando o conflito de classes com

vistas a uma nova sociedade. Abrindo, assim, horizonte para uma nova cultura e

nova visão, cujo lema é o de ordem e progresso, de maneira que um não existe sem

o outro. Em outras palavras, apenas há progresso, onde existe ordem e vice-

versa.

Com relação ao conhecimento científico, o Positivismo acredita que ele

proporciona tanto a mudança na realidade quanto o domínio do homem sobre a

natureza. Na perspectiva positivista, não pode haver qualquer tipo de

conhecimento a priori. Ou seja, ele não admite outra realidade que não se refira

a fatos que possam ser observados. Dessa forma, o positivismo aceita, como

legítimos, apenas dois tipos de conhecimentos: o empírico e o lógico. Aquele

reconhecido pelas ciências naturais é considerado o mais importante; este

constituído pela lógica e pela matemática.

Em relação à concepção de sujeito, o Positivismo o vê, simplesmente, como

um coletor de informações, que registra e analisa minuciosamente fatos presentes

em documentos, sem apreciação crítica ou julgamentos. Nesse sentido, em uma

pesquisa positivista, na relação sujeito e objeto, prima-se pela realidade,

exige-se a separação dos fatos (propriedades do mundo empírico) e de seus

significados (propriedade do observador); mantém-se um distanciamento objetivo

em que o observador apresenta os fatos através de linguagem descritiva,

objetiva.

O positivismo assume que existe, no mundo, uma verdade objetiva. Ele

[...] apresenta três pontos: 1) Todo conhecimento do mundo

material decorre dos dados ‘positivos’ da experiência, e é

somente a eles que o investigador deve ater-se; 2) existe um

âmbito puramente formal, no qual se relacionam as ideias, que é o

da lógica pura e o da matemática; e, 3) todo conhecimento dito

‘transcendente’ – metafísica, teologia e especulação acrítica

– que se situa além de qualquer possibilidade de verificação

prática, deve ser descartado. (BORGES, 2005:3)

Dessa forma, seu método visa à investigação das leis gerais que regem os

fenômenos naturais. Tal método se baseia, portanto, na observação,

experimentação e mensuração sistemática e estatística de relacionamentos entre

variáveis; procura testar teorias; formular e testar hipóteses; comprovar

proposições formais, medidas quantificáveis de variáveis. Enfim, o método

científico baseia-se nos dados e recusa qualquer discussão metafísica.

FENOMENOLOGIA

A Fenomenologia teve grande representatividade na segunda metade do

século XIX e início do século XX. Seu representante é Edmund Husserl, o qual

sofreu influências de grandes nomes como Platão, Descartes e Brentano e também

influenciou, na Europa, pensadores como Heidegger, Schutz, Sartre, Merleau-

Ponty. Além disso, teve repercussão nos Estados Unidos e, atualmente, existe em

todos os continentes.

Edmund Husserl opôs-se ao psicologismo, procurou introduzir uma visão

lógica às ciências humanas, dedicou-se à investigação do “mundo vivido” pelos

sujeitos, considerados isoladamente. A ideia base dessa corrente filosófica é a

noção de Intencionalidade. A qual se refere à consciência ligada a um objeto. Em

outras palavras, acredita-se no princípio de que não há objeto sem sujeito e que

só há possibilidade de conhecer o homem e o mundo a partir de suas ações.

Segundo Triviños (1987, p.43),

[...] A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os

problemas, segundo ela, tornam a definir essências: a essência da

percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas também a

fenomenologia é uma filosofia que substitui as essências nas

existências e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo

de outra forma senão a partir de sua “facticidade”. É uma

filosofia transcendental que coloca em “suspensa”, para

compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas também uma

filosofia segundo a qual o mundo está “aí”, antes da reflexão,

como uma presença inalienável, e cujo esforço está em reencontrar

esse contato ingênuo com o mundo para lhe dar enfim um status

filosófico. É ambição de uma filosofia que pretende ser uma

“ciência exata”, mas também uma exposição do espaço, do tempo e

do “ mundo vivido”.

Em outras palavras, Triviños (1987, p.43) define que a fenomenologia “é

o estudo das essências, buscando-se no mundo aquilo que está sempre, aí, antes

da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço repousa em encontrar

este, contato ingênuo com o mundo.” Portanto, podemos perceber que, ao promover

o isolamento do fenômeno em questão, no seu contexto, permite-se ao estudo do

fenômeno realizar questionamentos e discutir as hipóteses consideradas naturais,

evidentes, da intencionalidade do sujeito diante da realidade de sua ação.

Objetivo principal da fenomenologia é a compreensão do fenômeno, para

explicar como funciona e não para dizer seus motivos últimos e políticos. Assim,

apresenta como alvo a compreensão do mundo, do fenômeno por inteiro, ou seja,

como ele aparece para o pesquisador nas suas diversas formas. Seu ponto de

partida é a compreensão do viver. E essa compreensão está voltada para o

significado do perceber e, segundo Masini (1989, p.62), para o significado da

“[...] volta ao mundo da vida, no confronto com o mundo dos

valores, crenças, ações conjuntas, no qual o ser humano se

reconhece como aquele que pensa a partir desse fundo anônimo que

aí está e aí se visualiza como protagonista nesse mundo.”

O método toma como objeto de estudo de investigação e como principal

instrumento do conhecimento os fenômenos em si mesmos, ou melhor, sem levar em

conta fatores exteriores a eles. Esse método emprega a intuição, pela qual as

essências se consolidam. O objeto percebido, o fenômeno, é considerado tema, ao

qual o indivíduo atribui significado ao apresentar uma visão intelectual a ele.

Nas ideias de Husserl, pode-se perceber a volta às coisas mesmas, isto é, a

volta às essências (eidós), pelo enfoque fenomenológico, que possibilita surgir

a essência como construção decorrente de ação intencional da consciência. Pode-

se considerar que Husserl parte primeiramente do eu e depois das relações entre

as pessoas.

Para Guimarães (s. d.) In STAUB, T. et al,(2012, p. 7),

O método fenomenológico de Husserl consistiria em fazer reduções

das partes questionáveis ou sujeitas a deduções e contradições

(GUIMARÃES, s.d). Segundo Guimarães (s.d), desenvolve-se

gradualmente, submetendo-se a várias “epochés” (a "contemplação

desinteressada" de quaisquer interesses naturais na existência).

Haveriam três reduções fenomenológicas (ou epochés): 1) redução do

objeto à consciência - de um lado a realidade transcendente, que

corresponde às coisas enquanto existentes fora, ou para além da

consciência e, de outro lado a realidade transcendental, que se

aplica às coisas enquanto reduzidas à consciência. Ambos os mundos

são reais, porque nenhum deles é ilusório, porém, o primeiro é

real num sentido natural e meramente prático. O segundo é real num

sentido primordial; 2) redução psicológica do objeto -

“suspendemos” o juízo relativo à existência de tudo o que é

exterior ao sujeito. Considera-se apenas o próprio sujeito

cognoscente com seus atos conscientes; 3) redução transcendental

do objeto -através da redução transcendental, para atingir a

consciência transcendental, chamada de consciência pura.

De acordo com Triviños (1987 p. 46), Husserl aborda o conhecimento “como

uma realidade à margem do sujeito e não como um conhecimento próprio do

sujeito”. Sendo assim, entende-se que o pesquisador deixa em suspenso as

hipóteses do mundo natural, feitas por meio de uma consciência intencional

frente ao objeto. Suspende as suas concepções conceituais sobre o fenômeno,

esvaziando-se dos preconceitos particulares e inerentes ao ser humano. Significa

redução a suspensão ou a retirada de toda e qualquer crença, teoria ou

explicações existentes sobre o fenômeno; significa deixar de lado os pré-

conceitos estabelecidos a priori a fim de permitir o encontro do pesquisador com

o fenômeno.

Cabe destacar resumidamente as principais características da

fenomenologia hesserliana de acordo com Guimarães (s.d.) In STAUB, T. et al,

( 2012, p. 8):

a) o “a priori” (epoché) - temos de proceder com plena ausência

de pressupostos e com inteira liberdade, “reduzindo” (epoché)

todas as influências de opiniões científicas ou filosóficas, para

podermos nos orientar exclusivamente pelas coisas em si,

aprioristicamente; b) a evidência - os fatos devem excluir as

dúvidas de modo absoluto e imediato, tal como um reflexo, uma

auto-reflexão, plenamente esclarecedora do sentido da coisa; c) a

intencionalidade - a intencionalidade parte do eu e invade

temporariamente os dados materiais, unificando-os em ordem à

constituição e designação do objeto enquanto consciente e

significado; d) a lógica da contradição - é o ato que depende das

leis do conteúdo, para estar em conformidade com a matemática; e)

a intersubjetividade - quando a objetividade se fundamenta pela

relação a um objeto exterior, basta provar esta imposição como

necessária, para garantir sua validade. Mas se o objeto é

considerado como meramente significado, o único modo absolutamente

válido de garantir o seu caráter de existência é esclarecer que o

conhecimento dele não é meramente subjetivo, mas intersubjetivo.

Dessa forma, percebe-se que Husserl tentou mudar as ideias subjetivas em

ideias que pudessem ser cabíveis a todos, atribuindo o termo Intersubjetividade,

pois a Fenomenologia estuda o que pode ter validade a todos sem se preocupar ou

se interessar com a historicidade dos fenômenos. Busca entender os fenômenos,

sem querer aplicar transformações.

MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Em se tratando do Materialismo Histórico Dialético, vale ressaltar que

iniciou na primeira metade do século XIX, na Europa, em meio ao processo de

industrialização e de consolidação do capitalismo, um período em que se

estruturava uma sociedade com diferentes classes e consequentemente com

diferentes espaços de relações sociais. Segundo Triviños (1987), Karl Marx6 foi

quem fundou essa doutrina, revolucionando o pensamento filosófico da época. De

acordo com o mesmo autor, essa corrente contou com algumas fases. A primeira

representada por Marx , fundada em 1940; a segunda em que Marx e Engels

trabalharam juntos, com o objetivo de buscar a igualdade de classes; a terceira,

na qual ocorre, contribuições de Lênin e, por fim, a quarta, considerada

contemporânea e que se subdivide em várias tendências, sendo as principais: a

Chinesa e a Soviética, as quais retomam as ideias originais de Marx.

Triviños acentua que Marx tem uma visão materialista do mundo, para o

filósofo, a matéria é

o princípio primordial e que o espírito seria o aspecto

secundário. A consciência, que é um produto da matéria, permite

que o mundo se reflita nela, o que assegura a possibilidade que

tem o homem de conhecer o universo. A idéia materialista todo

mundo reconhece que a realidade existe independentemente da

consciência. (TRIVINOS, 1987, p. 49)

Ainda, conforme o autor, “o Marxismo compreende, precisamente, três

aspectos principais: o materialismo dialético, o materialismo histórico e a

economia política.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 49), sendo o materialismo dialético a

base filosófica do marxismo. Esse materialismo associa em seus princípios à

matéria, à dialética e à prática social; objetiva também discussões teóricas

6 Karl Marx, de origem alemã, filósofo, economista, jornalista e militante político, foi

considerado um dos pensadores que mais exerceu influência em relação a filosofia contemporânea.

Considerado amigo inseparável de Engels, os dois promoveram os ideais do marxismo, procurou

inteirar-se e compreender a história dos seres humanos a partir das condições materiais nas

quais eles vivem (COTRIM, 2010). Marx buscava meios epistemológicos, uma direção que

fundamentasse o conhecimento para pudesse fazer a interpretação das origens históricas e

sociais que o provocava, superou as posições de Hegel no que dizia respeito à dialética e

conferiu-lhe um caráter materialista e histórico (PIRES, 1997). (STAUB, T. et al, 2012, p. 6)

capazes de orientar ações de revolução da classe proletária.

O Materialismo Dialético é a base filosófica do Marxismo e procura

encontrar respostas coerentes para explicar não só a sociedade como também os

fenômenos da natureza e do pensamento. Conforme Triviños (1987, p. 51)

[...] o materialismo dialético tem uma longa tradição na filosofia

materialista e, por outro, que é também antiga concepção na

evolução das ideias, baseia-se numa interpretação dialética do

mundo. Ambas as raízes do pensar humano se unem para construir, o

materialismo dialético, uma concepção científica da realidade,

enriquecida com a prática social da humanidade.

O materialismo histórico é a ciência filosófica do Marxismo, que estuda

as leis sociológicas. Ele reflete sobre as leis que regem essa sociedade, sua

história e como a prática dos homens interfere no desenvolvimento da humanidade.

Antes do materialismo histórico, o homem possuía uma visão idealista sobre a

formação social. Nesse sentido, Marx criticava jovens, que, influenciados por

Hegel e por Ludwig Feuerbach, acreditavam que a sociedade era determinada por

“heróis”. A partir das contribuições de Marx, a constituição da sociedade

passou a ser vista como resultado das formações socioeconômicas e das relações

de produção.

Para Marx os seres humanos não podem ser pensados de forma

abstrata, nem de forma isolada. Marx defende que não existe o

indivíduo formado fora das relações sociais. Isso significa que as

formas como os indivíduos se comportam, agem, sentem e pensam,

vinculam-se a forma como se dão as relações sociais. Essas

relações sociais, por seu lado, são determinadas pela forma de

produção da vida material, ou seja, pela maneira como os seres

humanos trabalham e produzem os meios necessários para a

sustentação material das sociedades. (STAUB et al, 2012, p. 6)

Na perspectiva do Materialismo histórico dialético, só é possível

construir conhecimento científico a partir da distinção do que é primário e do

que é secundário. Além disso, para que o processo de conhecimento seja

dialético, é necessário considerar a historicidade, por isso, durante a

investigação, teorias devem ser revisitadas e categorias reconstituídas.

A teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento

efetivamente se dá na e pela práxis. A práxis expressa,

justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas,

diversas do processo de conhecimento: a teoria e a ação. A

reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante,

mas uma reflexão em função da ação para transformar. (FRIGOTTO,

2001, 81)

Na visão Marxista, o sujeito é constituído historicamente. Assim, como

ser histórico, é necessário que conheça a realidade, principalmente da classe

proletária, a fim de poder transformá-la. É igualmente necessário que tenha

consciência ampla da sociedade e da dialética que a movimenta. O Materialismo

Histórico Dialético não separa sujeito e objeto, visto que, ao mesmo tempo em

que o sujeito transforma esse objeto, é também transformado por ele. Essa e uma

relação dialética, dinâmica que define a ciência como um produto social e

histórico.

O método, no Materialismo Histórico Dialético, revela o desenvolvimento,

a estruturação e as transformações sociais. A principal condição para se

estabelecer um método de investigação nessa perspectiva, é romper com os

pensamentos e a ideologia dominante (FRIGOTO, 2001, 76).

Chasin (1995) pontua que se entende método como um conjunto de

procedimentos de base científica, com o qual o pesquisador deve operar seus

procedimentos para efetuar seu trabalho, sua pesquisa. Entretanto, para Marx,

método possui outra característica:

[...] é de outra natureza, de núcleo absolutamente original, se

considerarmos que em seu entender o método de interpretação

histórica apenas se resolve no fim da pesquisa. A pesquisa tem que

captar detalhadamente a matéria e analisar suas formas de

evolução, apensas posteriormente nos é facultado expor o movimento

real e indicar os caminhos ainda não tracejados. (PICOLLO; MENDES,

2013, p. 75)

Tal método consiste em um instrumento de mediação, embasado por

princípios científicos, entre o pesquisador e o objeto. É necessário entender

que o pesquisador não pode ir ao objeto imbuído de pré-conceitos, pois

[...] um dos fundamentos básicos de uma ontologia materialista

toma como pressuposto a existência do objeto/fenômeno de forma

independente ao processo de conhecimento, embora esse

indelevelmente influencie a relação e a forma como percebemos o

mesmo. (PICOLLO; MENDES, 2013, p. 75).

Entende-se que, para Marx, o que importa como ponto de partida, não são

as idéias, mas sim os fenômenos.

A natureza dos métodos e das técnicas para o estudo depende,

principalmente, das características do conteúdo do mesmo. No

enfoque marxista, diferentes tipos de teoria podem orientar a

atividade do investigador. Todas elas, porém, serão baseadas na

pesquisa social, no materialismo histórico. (TRIVINOS, 1987, p.

74)

Uma pesquisa na linha do Materialismo Histórico Dialético só é possível a

partir de uma ampla visão de mundo, ou melhor, é necessário que o pesquisador

conheça a realidade social e a materialidade dos fenômenos. Além disso, é

necessário entender que há uma realidade objetiva exterior à consciência, a qual

é um produto, um resultado do material.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste presente trabalho apresentamos um breve relato das principais

idéias epistemológicas ocidentais. Sendo elas de grande representatividade para

as pesquisas. É de fundamental importância para o pesquisador, ter conhecimento

da produção científica de um determinado período histórico, como também saber

qual a importância e o significado das produções para o desenvolvimento social.

Por meio de análise dessas matrizes, percebe-se para que os resultados

das pesquisas sejam de qualidade, é preciso que se tenha conhecimento da

realidade, para fazer uso de uma metodologia adequada ao objeto de estudo,

escolher a matriz epistemológica coerente à pesquisa científica. É importante

também, conhecer as diferentes correntes filosóficas que servem de bases para as

pesquisas, para garantir o aumento da eficácia da qualidade das investigações,

bem como garantir maior rigor e cientificidade. A escolha certa da matriz

epistemológica, contribui para justificar a necessidade da pesquisa, dá clareza

aos conceitos de homem, de educação, da história e elucida também os conceitos

de causalidade na explicação científica.

Este trabalho contribuiu para o entendimento das características das

matrizes epistemológicas, possibilitando a escolha da matriz mais conveniente

para ser aplicada na pesquisa. Para Triviños, a pesquisa de enfoque positivista

tem uma visão artificial e limitada do contexto, enquanto que, para as pesquisas

de concepção marxista assim como fenomenológica, elas estabelecem estruturas ao

assunto que se investiga. O que diferencia estas matrizes, é que a fenomenologia

é a-histórica e idealista e o marxismo dá importância à busca das relações dos

contextos, no desenvolvimento do fenômeno, vinculada a sua história com base em

uma visão materialista. Uma pesquisa de cunho fenomenológico, “analisa as

percepções dentro de uma realidade imediata, buscando o significado e os

pressupostos dos fenômenos sem avançar em suas raízes históricas para explicar

os significados”, (TRIVIÑOS, 1987, p. 92), enquanto que a pesquisa positivista

isola os problemas do pesquisador, os denuncia, os quantifica e os analisa, mas

esquece as bases teóricas e os significados.

Tais correntes epistemológicas são importantíssimas, para o auxílio do

pesquisador objetivando definir com clareza as dimensões e perspectivas que

apresenta o problema.

REFERÊNCIAS

BORGES, M. C., As correntes filosóficas que orientam as pesquisas em educação:

uma análise reflexiva, São Paulo, 2005. Disponível-

ttp://pt.scribd.com/doc/7320750/AS-Correntes-Filosoficas-Que-Orientam-as-

Pesquisas-Em-Educacao. Acesso: 24/07/2013

CHASIN, j. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. In: TEIXEIRA, F.

Pensando com Marx, São Paulo: Ensaio, 1995.

FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa

educacional. In: Metodologia da pesquisa educacional. – 6 ed. – São Paulo:

Cortez, 2000, p. 69-90.

MANSINI, Elsie F. S, O enfoque fenomenológico de pesquisa em educação. In:

FAZENDA, Ivani (organizador) Metodologia da pesquisa educacional. São

Paulo: Cortez, 1989, 1ª edição.

PICCOLI, G. M.; MENDES, E. G. Sobre o método de Marx. São Paulo, 1013.

Disponível em:

STAUB, T. et al, ( 2012, p. 8): Discutindo As Três Grandes Matrizes

Epistemológicas Ocidentais E A Formação Docente. Disponível em: http://cac-

php.unioeste.br/eventos/encontroletras/docs/anais/ensino_aprendizagem_de_lingua_

portuguesa_novo.pdf. Acesso: 31/07/2013

TRIVINOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciência social: a pesquisa

qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

EDUCAÇÃO PARA “PRODUÇÃO DA CONSCIÊNCIA VERDADEIRA”7:

Uma abertura de diálogo educacional com a perspectiva crítica.

José Mateus Bido8

Introdução

Os educadores têm a missão pessoal e profissional de pensar e instituir

um processo formador que garanta aos educandos, de diferentes classes sociais e

de distintas condições culturais, uma formação humana, social e profissional,

integradas a partir de um conjunto de saberes historicamente constituído. Essa

formação deve ser dada aos educandos, de sorte que cada um tenha condições de

desenvolver a consciência sobre o processo educacional em que está inserido.

Processo esse que propiciado aos educandos o despertar e o desenvolver de seu

potencial crítico e criativo em meio à volatilidade das convicções do mundo

contemporâneo. Como agentes do processo educativo, os docentes, discentes e

demais profissionais da educação devem lutar pela formação da autonomia

intelectual e da emancipação política da pessoa humana. Devem proporcionar

espaços formadores que orientem a comunidade educacional para o esclarecimento

constante de seu papel, enquanto sujeitos sociais e históricos.

A presente reflexão busca apresentar rapidamente uma proposta dialógica

entre a realidade formativa, vivida nos espaços educacionais, com a perspectiva

da reflexão da teoria crítica, especificamente defendida pela noção de

esclarecimento em Theodor W. Adorno e Max Horkheimer.

Nessa linha de pensamento, a compreensão do conceito de Esclarecimento em

7 A proposta do texto se inspira na definição dada por Theodor W. Adorno sobre educação no texto

“Educação para quê?” (In. ADORNO, Educação e Emancipação. 4ª Ed. São Paulo: Editora Paz e

Terra, 2006. P 141).8 É mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná –

UNIOESTE – Toledo, especialista em Docência em Educação Profissional pelo Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial – SENAC – PR, especialista em Gestão Educacional pelo Centro Nacional

de Educação a Distância, especialista em Filosofia Clínica pela faculdade Padre João Bagozzi,

especialista em Filosofia e os valores fundantes da civilização ocidental pela Faculdade de

Filosofia pela Universidade Estadual do Paraná – FECILCAM – Campo Mourão , é graduado e

licenciado em Filosofia pela Faculdade de Ciências Humanas Arnaldo Busato – Toledo. É servidor

público federal, docente das disciplinas de Filosofia e Sociologia do Instituto Federal do

Paraná, campus da cidade de Ivaiporã-PR e autor do livro “A problemática da pós-modernidade”

(2001).

Theodor W. Adorno9 está intimamente ligada ao conceito de formação do sujeito

para uma subjetividade mais segura de si, frente ao processo massificador do

sistema capitalista. A subjetividade, que nasce da disposição filosófica moderna

de conceder ao homem a condição de autoridade racional10, garante a instituição

da noção de sujeito a partir da legitimação de um eu11 centralizado no domínio

lógico, inspirado pela ciência positiva12. Essa concepção de sujeito se

apresenta como uma expressão de universalidade categórica, afastando-se de sua

condição histórica de contingência. A reflexão, nesse cenário, prioriza a

condição transcendente e transcendental, em detrimento da avaliação da realidade

imanente e contingente.

Um olhar crítico sobre esse modelo de raciocinar da cultura europeia

permite conceber outra vertente investigativa13. Esta racionalidade, concebida a

partir da leitura da tradição marxista, e, inspirada pelo pensamento de Adorno e

Horkheimer, garante um retorno ao sujeito histórico e, por isso, existente e

responsável pelo seu fazer-se no e do mundo. Garante também um pensamento a

partir do imanente, que está em processo de construção. A situação e a condição

humana, que se faz e se refaz na realidade histórica, passam a ser concebida

como a perspectiva material para a reflexão crítica.

Pensar o contingente passou a ser um foco da filosofia da teoria crítica,

exatamente para descrever a realidade que impera sobre a ação e a vontade do

homem, no sistema capitalista. Decorre, deste contexto, a necessidade de se

pensar a condição de ser e de formar um sujeito crítico. A concepção de sujeito

crítico está, neste cenário, necessariamente vinculada à materialidade de sua

existência, pois é com ela que este sujeito precisa manter diálogo de percepção,

de entendimento e de proposta de mudança, por sua postura reflexiva no meio

9 ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,

198510 BIDO, José Mateus. A Problemática da Pós-modernidade. Uma leitura sobre o viver do homem na

modernidade. Londrina, Ed. UEL, 2001. P. 61-72.11 Uma obra muito importante pode nos ajudar a refletir sobre subjetividade moderna. TOURAINE,

Alain. Crítica da Modernidade. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.12 HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. W. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In. Textos Escolhidos. 5ª

ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 31-68.13 Idem. ibidem.

social. Agir pensando e pensar agindo são elementos de um novo olhar

educacional.

Para conceber, na ótica da teoria crítica de Adorno, um sujeito histórico

e contingente, que tenha uma postura crítica frente à realidade em que está

imerso, faz-se necessário entendê-lo a partir do papel deste sujeito na

sociedade. A condição de ser um agente efetivamente envolvido, reflexivo e

ativamente no seu meio, é que inspira a base da formação da postura crítica. Não

há verdadeira crítica sem a efetiva concepção e ação política, presentes no

processo formador do cidadão pensante e produtivo. Se lida na perspectiva da

Dialética Negativa14, essa postura se desenvolve através do exercício da

liberdade do sujeito, por meio de um processo educacional que o introduza em

discussões eminentemente críticas acerca do seu papel em meio à dinâmica da

Indústria Cultural.

Neste horizonte de discussão, o propósito do texto é apresentar um breve

diagnóstico situacional e, a partir da perspectiva da teoria crítica, avaliar

possibilidades de encaminhamento filosófico para o entendimento de um processo

ensino-aprendizagem, com base na inspiração adorniana, que seja efetivamente

concreto. O texto será dividido em três momentos.

O primeiro se apresenta como um rápido diagnóstico da realidade

educacional e seus referenciais históricos e comerciais. O segundo passa a ser

uma apresentação da perspectiva de leitura que orienta-se nas ações educativas

em favor da formação de uma individualidade subjetiva de significado humano e

produtivo. O terceiro momento busca apresentar a prospectiva formadora, por meio

da compreensão do papel essencial da educação crítica, da educação para a

autonomia e para o empreender, referenciada nos horizontes do currículo do

Instituto Federal do Paraná.

Diagnóstico

Pensar um processo de educação com foco na autonomia racional do

educando, isto é, a capacidade de pensar por si, para que este adquira uma

14 ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

identidade própria em ler, interpretar e posicionar-se social e politicamente

frente aos eventos que terá que enfrentar, é pensar nos meios educacionais ou

formadores que são constituídos na contemporaneidade brasileira e que devem

contemplar todos os cidadãos. Contemplar em igualdade de direito e igualdade

condição.

Estabelecer um parâmetro de entendimento sobre a igualdade de direito nos

remete propriamente ao que está estabelecido na Constituição da República

Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. A Carta Maior assegura, ao falar

dos Direitos e Deveres Fundamentais, especificamente no Capítulo Primeiro, do

Título que trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no Artigo 5º15,

que:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Aprofundando e evidenciando as condições dos Direitos Sociais, dados

legalmente a todos os cidadãos brasileiros, o Artigo 20516 estabelece:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da

família, será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Já o Artigo 20617 ressalta:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes

princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Essa referência à Constituição permite focar a noção de igualdade legal,

ou igualdade de direito, razão óbvia pela qual foi citada. Essa noção deve ser

pensada pela perspectiva da realidade nacional, precisamente para referenciar a

noção de igualdade de fato, ou das condições reais de igualdade, asseguradas

pela Lei. A igualdade de direito deve ser perseguida constantemente para que se

instaure nas diferentes esferas em que os poderes Executivo, Legislativo e

15 SENADO FEDERAL. Constituição de República Federativa do Brasil. Brasília: Editoração Senado,

2010. p. 05.16 Op. cit. p. 34.17 Op. cit. p. 34.

Judiciário se manifestam. Entretanto não deve estar desassociada das condições

reais. A lei deve inspirar e assegurar a realidade a que se refere. Municípios,

Estados e a Federação devem contribuir para que este direito constitucional não

seja ferido ou esteja legado a um mero discurso situacional.

Ao observar a dinâmica da história da sociedade brasileira é possível

perceber nela a condição em que o processo educacional se encontra, assim como o

grau de importância que a ela foi dado. É na manifestação ou na estruturação do

processo educativo que a educação pode se manifestar de maneira objetivamente

desigual. As circunstâncias materiais, humanas e geográficas têm enfatizado a

difícil tarefa de construir a igualdade de condição, presente na Lei Maior. A

igualdade de condição de acesso e permanência de muitos cidadãos no processo

educacional é o desafio a ser vencido.

Vivenciando o processo educativo, especificamente no ambiente da escola,

algumas considerações precisam ser postas diante da reflexão e da ação, a partir

da perspectiva dos educadores. Como compreender o papel da escola em face do

processo da construção da identidade social da subjetividade contemporânea? Como

repensar o papel do educador e do educando frente às exigências do mundo

contemporâneo?

Considerações dessa natureza são feitas por muitos educadores anônimos,

as quais precisam ser refletidas constante e profundamente. Mas as propostas ou

possibilidades de respostas não se encerram em si mesmas. Ou seja, não devem ser

fechadas. Estas devem desafiar os educadores e profissionais da educação à

abertura de mente para que possam ser pensadas dinamicamente na compreensão do

processo educativo, em diálogo com a sociedade concreta e próxima, na análise

dos meios e nos resultados das ações educacionais.

Para melhor ajudar na abertura de diálogo educacional com a perspectiva

crítica e melhor compreender a leitura diagnóstica da realidade, tomamos por

base uma obra da antropóloga argentina Paula Sibilia18. A obra: “Redes ou

Paredes - A Escola em tempos de dispersão”, lançada no dia oito de outubro de

18 SIBILIA, Paula. Redes ou Paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2012.

2012, no Rio de Janeiro, pela Editora Contraponto, nos desafia na análise da

reinterpretação do papel da escola na sociedade do consumo. Partindo de uma

leitura antropológica do processo formativo, a obra centra sua reflexão na noção

de subjetividade que a sociedade capitalista estabelece e na noção que

necessariamente precisa ser formada para os desafios de ser no mundo. A leitura

do texto nos coloca, de início, frente aos limites históricos da instituição

escola, construído pela dinâmica de uma sociedade distinta da organização social

que lhe deu origem. Nascida num contexto moderno, a escola se apresenta

contemporaneamente em processo de necessária reestruturação em seus fundamentos,

em seus processos e em seu significado. Esses limites são reforçados ainda mais,

seja pela estrutura física, seja pela dinâmica no processo ou pela resposta dada

efetivamente à organização produtiva.

Para a autora, a escola sempre foi pensada e repensada, nos diferentes

momentos históricos, para responder aos interesses do modelo produtivo e de

Estado vigente19. Por esse mesmo motivo é que ela passou a ser questionada, em

sua intencionalidade e em seus resultados, pelos próprios resultados produzidos.

Em outras palavras, a escola forma a pessoa de acordo com a necessidade

instituída pelo seu contexto. A escola, contemporaneamente a nós, devido ao

surgimento de novas frentes de informações, como as apregoadas pelas redes

sociais virtuais e outros meios tecnologicamente pensados para a oferta da

instantaneidade, está sendo questionada tanto em sua eficiência, quanto em sua

eficácia.

Questões que se dirigem à sua estrutura, à sua dinâmica, à sua

organização e ao seu próprio conceito. O centro desta referência reflexiva, a

partir da postura antropológica, está no conceito e na formação da subjetividade

contemporânea. Este é o foco que a autora persegue na obra: identificar os meios

que formam a nova subjetividade, face aos desafios culturais e produtivos do

mundo contemporâneo.

A pergunta central feita pela antropóloga é dirigida para entendimento de

quais são os meios encontrados ou produzidos pela sociedade contemporânea para a

19 Op. Cit., p. 11.

formação da subjetividade humana. A realidade histórica, refletida por ela, dá a

evidência de que são muitos e variados estes meios formadores da subjetividade

humana na contemporaneidade20. Contudo, há algo de comum percebido no processo

de formação desta subjetividade: a plasticidade e a volatilidade com que o ser

humano encara o seu processo formativo. Para a pesquisadora, essa característica

assim se manifesta porque houve uma substituição ou inversão de focos na criação

e construção dos referidos meios. A insistente pressão mantida pelo processo

produtivo capitalista sobre cada subjetividade provocou, social e

historicamente, a passagem do cuidado da escola, que antes era regido pelo

modelo de Estado (especificamente do modelo de Estado moderno fomentado pelo

iluminismo), para o cuidado regido pelo modelo empresarial, que é modelo do

Estado contemporâneo21. A busca pela formação de um ser humano para os

conhecimentos gerais e a formação do caráter para a cidadania passa a ser

reorganizada e dirigida para formar um ser humano que responda ao processo

produtivo, com conhecimentos e habilidades técnicos.

Para Paula Sibilia, os meios formadores e educativos, mesmo assistidos

pelo modelo de Estado tradicional, vão sendo adaptados às necessidades ou

demandas empresariais. O conceito de formação para a emancipação, pensada pelo

modelo kantiano22 e pela perspectiva crítica de Adorno23, é redefinido pela

necessidade da formação para a produção. Os saberes se orientam para responder

aos desafios do mundo produtivo. Formam-se operadores para um processo

produtivo.

A lógica produtiva, instituída a partir da dinâmica do consumo, cria a

necessidade de novos sujeitos históricos, com atitudes que venham responder ao

modelo de pessoa procurado pelas empresas. Nesta lógica, o modelo de homem

buscado, que é formado pela ingerência direta das forças legais e

organizacionais do Estado, da família e das relações sociais, sofre uma

estagnação na reflexão e na postura críticas e na ação política. Enquanto o

20 Op. Cit. P. 97.21 Op. Cit. P. 17.22 Op. Cit. P. 18.23 ADORNO, Educação e Emancipação. 4ª Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2006. p. 169-185.

Estado moderno pensava um processo formativo para disciplinar, civilizar,

adestrar e moralizar24, o modelo de Estado contemporâneo exige resultados, no

menor prazo de tempo e com o menor custo possível, usando-se das mesmas pessoas.

Quem não se adapta, está fora do processo, sofrendo as mesmas condições de um

produto que pode ser substituído a qualquer momento. A pressão por resultados,

estimulada pela cadeia produtiva e pela criação de inúmeras ferramentas

informativas e de consumo, desencadeia uma espécie de desinteresse pelos meios

educacionais ou formadores tradicionais, responsáveis pela formação da

subjetividade das gerações anteriores. Destes meios, a escola é quem mais tem

sofrido com o “desapoderamento”25 de sua finalidade. O poder específico da

escola é questionado. Com ela, todas as subjetividades que a mantém para formar

outras subjetividades também padecem do desalento de significarem-se a si

mesmas. O papel dos educadores são postos em questionamento, mensurados a partir

da capacidade de respostas aos resultados esperados pelo meio produtivo.

Segundo a antropóloga, os meios formadores são constituídos para

estabelecer laços sociais e culturais das mais variadas espécies. Entretanto,

outros espaços e meios são apresentados a estes sujeitos contemporâneos em

formação, os quais são mais atrativos que os tradicionais26. As tecnologias,

postas a serviço do processo produtivo para o consumo, criam maior atratividade.

Celulares smartphone, tablete e outros aparelhos estabelecem conexões variadas e

diversas, dando informações em tempo real e permitindo que o sujeito selecione,

ao seu gosto, o que e com quem pretende manter conexão. Neste sentido, a

subjetividade contemporânea não constrói laços. Ela busca conectar-se não com a

subjetividade do outro, mas com o que a outra subjetividade pode despertar

interesse ou se interessar. O interesse pelo aparente é que estimula a relação.

Esta dinâmica está se inculturando de tal maneira nas novas gerações que tem

exigido do Estado ou de organizações educacionais um reposicionamento sobre a

concepção do processo formativo, seja em seus fundamentos, ou a partir dos seus

resultados estatisticamente comprovados. Ambientes que deveriam ser expressão de

24 Cf. KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. 3.ª Ed. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2002.25 SIBILIA, op. cit. p. 105.26 Op. Cit. P. 93-94.

“processo civilizatório” tornam-se espaços de barbárie. A escola, em muitos

ambientes geográficos, torna-se um espaço de desconstrução do eu subjetivo para

a construção do eu midiático.

A situação pode ser percebida por dois focos. De um lado, é possível ver

um programa educacional instituído, que recebe investimentos físicos e humanos.

Por outro, temos a visão de um contexto que impulsiona, pela inovação

tecnológica, as relações sociais e o consumo humano para a busca crescente e

constante pela novidade. Essa tendência pode conduzir ao obsoletismo as

estruturas e métodos educacionais, assim como pode também fazer com os agentes.

Temos, então, duas realidades que se chocam na dinâmica pela formação da

subjetividade contemporânea. O fato é que a subjetividade em formação se

apresenta como subjetividade midiática, ao passo que a proposta pela formação do

letramento ou do esclarecimento é ofuscada pela condição do interesse.

O entusiasmo (a excitação da subjetividade) está mais no princípio do

prazer do que no princípio do dever. A formação moderna orientava para o dever

do homem em relação às suas atitudes e ao convívio social. Já a contemporânea se

orienta pela satisfação pelo e no fazer. Neste aspecto, o que prende a atenção

desses sujeitos digitais é mais um mundo virtual que o mundo real. Por isto

mesmo é que esses novos sujeitos se entusiasmam mais pelo divertimento e se

desinteressam pelo processo que exige deles o esforço mental para compor os

caminhos de uma lógica racional, ainda apresentada e validada com verdade pelos

meios formadores. Para contrapor esta realidade inúmeras tendências pedagógicas

foram desenvolvidas para fazer com que o aluno aprenda se divertindo.

O fato é que a dinâmica de mercado foi obrigando, aos poucos, as

instituições geridas para a formação do cidadão a criarem uma identidade

peculiar. Especificamente no caso da escola, assiste-se a passagem da busca pela

formação do cidadão para a capacitação do cliente27. Isto significa dizer que os

encaminhamentos didáticos e pedagógicos da escola (fornecedor) vão sendo

centralizados mais no interesse dos alunos (clientes), como consumidor de

propostas de um processo formativo. Se a escola se torna atrativa, os educando

27 REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1993. p. 63-71.

consomem. Sendo desinteressante, recusam.

Perspectiva

Há uma tendência cultural, quase que naturalmente constituída na

concepção contemporânea, de projetar as análises ou avaliações (juízos de

valores) numa oscilação latente entre os contrários. Vivemos quase que imersos

na luta entre os opostos: bem ou mal, certo ou errado, direita ou esquerda, o

que atrai ou o que repele etc. Herdamos esta tendência formativa da clássica

tradição filosófica, composta exatamente para pensar a dinâmica das coisas. Tal

dinâmica é estruturada mais propriamente a partir de Heráclito28, na qual seu

propósito era o de apresentar que no mundo tudo segue um fluxo permanente e que

envolve todas as coisas. Nesse fluir, os opostos se apresentam num processo

permanente de confronto, no qual a oposição está para conciliar as diferenças

numa novidade que, pela divergência, faz brotar a unidade de uma nova realidade.

Essa realidade se compreende por um constante “devir” (vir-a-ser) exatamente

para superar a concepção da inércia que paira na compreensão do ser,

profundamente pensado pela filosofia da natureza clássica.

O estudo desta perspectiva dialética de Heráclito, que envolve a noção de

ser, ganha vulto e significância em diferentes momentos da reflexão filosófica.

Por isso mesmo é que a dinâmica de ser das coisas passa a ser retomada por

Hegel, na análise do movimento do “Espírito”29, no conhecer das coisas e no

caminho do próprio “Espírito”. Tudo faz parte de uma universalidade. Marx, ao

retomar a discussão sobre a dialética hegeliana, aproxima a sua leitura da

realidade histórica, concretamente vivida por uma humanidade que realiza a sua

condição pelo seu fazer no mundo.

A postura idealista hegeliana é realinhada pela postura materialista em

Marx. A perspectiva de Marx está em compreender uma dinâmica transformadora, não

somente na maneira de conceber, mas na condição existencial do ser. Não somente

quanto ao saber, mas quanto ao fazer. O homem que vive os problemas de uma

28 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Partes I e II. Petrópolis: Vozes, 1992.29 MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política. Vol. I a VI. 26ª. ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

sociedade que explora a sua condição de ser, pelo produzir, precisa responder

contrariamente, por meio de sua ação, com outra realidade30, que seja

significativamente expressão da condição do homem no mundo.

A perspectiva dialética também é retomada, a partir da tradição marxiana,

pelos teóricos da Escola de Frankfurt, na contemporaneidade31. Assumida pelo

viés negativo, a dialética se coloca como um esforço de compreensão e ação para

realizar, na realidade, aquilo que ainda não é, mas traz em si a possibilidade

de ser, a potencialidade que se coloca em construção.

Se aplicada esta condição de análise também no processo educativo, a

leitura dialética é de grande relevância e necessária. Assim se mostra como

relevante e necessária por migrar entre os opostos formativos que envolvem o

indivíduo concreto. A luta entre os divergentes, que deve projetar o novo, passa

a ter uma prerrogativa impar na compreensão da formação do sujeito para a

autonomia intelectual e emancipação política. Nesse processo, o que deve ser

evitado é a deficiência situacional e intelectual que criam ou forçam a condição

dos opostos para o rebatimento ou nulidade recíproca, tanto no planejamento,

quanto na implementação dos espaços formativos.

Avaliada historicamente a dimensão educacional brasileira é comum

perceber nela a constante busca da nulidade entre opostos. Como os espaços

educacionais nascem, fundamentam-se e são organizados a partir da intenção e do

planejamento de uma força superior à vontade particular, socialmente instituída

(Estado), a escola, como um desses espaços formadores, está sempre vinculada ao

propósito da organização social vigente. Ao mudar a perspectiva sócio-política,

pela tomada de poder pelos agentes do Estado, vê-se a necessidade de mudar

também a postura formadora dos cidadãos.

A instituição escola, submetida ao poder real e intencional do Estado

Moderno, desenvolveu um modelo de homem preocupado com um saber mais clássico e

30 HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. W. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In. Textos Escolhidos. 5ª

ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 31-68. Conferir também: ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M.

Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. Conferir ainda: ADORNO, T.

W. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.31 ADORNO, T.W. Mínima Moralia. Reflexão a partir da vida lesada. Rio de Janeiro: Azougue, 2008.

p. 150, aforismo, 99.

geral. Neste sentido, a escola do Estado Moderno, a partir do seu programa

formador, visa construir um saber voltado para a compreensão cultural do sujeito

formado. A escola contemporânea, por sua vez, segue a mesma lógica

organizacional. Mas como o Estado contemporâneo sofre a interferência

administrativa a partir do modelo empresarial herdado, o projeto formador desse

espaço cultural contempla um sujeito especializado, que dê respostas

operacionais com foco nos resultados. Um sujeito definido pela técnica. Neste

aspecto, a escola passa a ter por objetivo central a formação de um indivíduo

produtivo.

Este cenário pode levar a uma reflexão que se limita à avaliação do

processo formativo oscilante entre os dois polos: sujeito de formação geral e

sujeito de formação especializada. A coerência crítica deve fundamentar a

reflexão filosófica para dialogar significativamente com as duas esferas e, a

partir delas, criar novas possibilidades, principalmente pelo diálogo entre

estes dois focos. A organização de espaços formadores, que educam o sujeito para

uma visão de mundo, a fim de que compreenda o seu papel histórico e a sua

participação no processo produtivo, simultaneamente, passa a ser uma exigência

de uma nova formação humana na contemporaneidade. Entretanto, mesmo sendo

necessária, essa proposta educacional não pode encerrar-se em si mesma, como uma

vertente conciliadora em programas pedagógicos que visam formar ou para pensar

ou para produzir. Exatamente por ser necessária, essa proposta deve estimular

outras possibilidades de organização do processo educacional, tendo como

referência a busca pela autonomia e emancipação do sujeito frente ao processo

massificador do setor produtivo. Portanto, deve formar o educando para tornar-se

um ser que compreende o mundo em que se encontra e nele agir como agente que

pensa, sente, se relaciona e trabalha.

Se o processo educacional se volta para o aspecto da produtividade, isto

é, formar indivíduos para produzir, o risco de educar pessoas sem identidade

crítica é evidente. Carece, assim, esse processo educativo, de uma formação para

a compreensão do todo, na qual ressalta-se o papel do indivíduo como um ser de

significado. Em outras palavras, o sentido da realidade deve chocar ou afetar

cada sujeito sobre sua condição de ser e de fazer no mundo. É na descoberta da

identidade pessoal e da sua comunidade social que o sujeito adquire a noção de

pertença e se organiza histórica e politicamente em favor de mudanças que sejam

significativas para significar a sua existência, não somente como visão

ideológica, mas como condição real da contingência de ser.

Por outro lado, pensar um processo educativo que privilegie a formação

integral de um indivíduo, sem dar as habilidades necessárias ao processo

produtivo, também não é pertinente. Nesse aspecto, conhecer para ser e conhecer

para produzir são dois polos que se apresentam com a possibilidade necessária de

diálogo. Sentir-se parte do processo formativo, de maneira consciente, e

participar da construção de sua identidade cultural e produtiva é que dará

fundamento à subjetividade significativa de cada indivíduo em meio à sociedade

de consumo.

Frente à perspectiva contemporânea da formação da individualidade humana

chamamos ao diálogo o pensador da teoria crítica da escola de Frankfurt, Theodor

W. Adorno, para inspirar uma reflexão sobre a noção de individualidade do

sujeito com ser de significado.

Para Adorno (1985, p. 198),

[...] Atualmente, o declínio da individualidade não ensina

simplesmente a compreender sua categoria como algo de histórico,

mas também desperta dúvidas quanto à sua essência positiva. A

injustiça que sofre o indivíduo era o princípio de sua própria

existência na fase da concorrência. Mas isso não se aplica apenas

à função do indivíduo e de seus interesses particulares na

sociedade, mas também à complexidade interna da própria

individualidade. Foi sob o seu signo que se colocou a tendência à

emancipação do homem, mas ela é, ao mesmo tempo, o resultado

justamente dos mecanismos dos quais é preciso emancipar a

humanidade. É na autonomia e na incomparabilidade do indivíduo que

se cristaliza a resistência contra o poder cego e opressor do todo

racional. Mas essa resistência só foi possível historicamente

através da cegueira e irracionalidade daquele indivíduo autônomo e

incomparável.

Esse foco filosófico sobre o sujeito é determinante para dar-lhe uma

outra condição na contemporaneidade, distinta da apresentada pela mentalidade

burguesa. Esta condição é a da reflexibilidade. Segundo Adorno, “[...] No

trajeto da mitologia à logística, o pensamento perdeu o elemento da reflexão

sobre si mesmo, e hoje a maquinaria mutila os homens, mesmo quando os alimenta”

(idem., p.42).

Um processo educacional que fortaleça a dimensão da individualidade

provoca uma consciência da e para a diferença. Para a diversidade, consciência

para o não idêntico, ou seja, o distinto. Isto significa dizer que o indivíduo

possui uma “incomparabilidade”. Esta “incomparabilidade” deve ser pensada

como uma referência pela qual se busca a suplantação do processo massificador

imposto pela indústria cultural. Isto é, reduzir os diversos em iguais. Por

outro lado, ela deve ser pensada como um ponto central, pelo qual cada indivíduo

pensador e produtor possui uma identidade constitutiva em sua maneira de pensar,

ser e produzir. A maneira com que cada educando é preparado para enfrentar o

processo produtivo no sistema capitalista deve dar a ele a consciência para

fugir da reificação32 (coisificação), ou objeto da vontade produtiva

institucionalizada.

Adorno aborda especificamente um referencial significativo para a

formação do homem contemporâneo: a relação com o outro. A relação com a

diversidade. É preciso que o indivíduo esteja em relacionamento com outros

indivíduos de forma consciente e integrada. É essa relação que prepara o eu

objetivo na esfera social e política para superar a massificação do Eu

subjetivo, imposta pela sociedade do consumo. Segundo Adorno (2009, p.188),

[...] A introspecção não descobre em si nem a liberdade, nem a

não-liberdade como algo positivo. Ela concebe as duas coisas em

relação com algo extramental: a liberdade como a contraimagem

polêmica do sofrimento sob a compulsão social, a não-liberdade

como a própria imagem desse sofrimento. Assim como o sujeito não é

a “esfera das origens absolutas” pela qual ele se faz passar na

filosofia, as determinações graças às quais ele se atribui a seu

caráter soberano não pode jamais prescindir daquilo que, segundo a

sua própria autocompreensão, não pode existir sem elas. Só se pode

julgar aquilo que é decisivo no eu, sua independência e sua

autonomia, em relação à sua alteridade, em relação ao seu não-eu.

Parece evidente que esse argumento de Adorno está pontuando o fato de que

32 Estatuto do IFPR – missão institucional. In: http://reitoria.ifpr.edu.br/wp-

content/uploads/2012/07/estatuto.pdf

a subjetividade moderna se compreende a partir da conceituação que efetivamente

faz de si mesma. É a racionalidade moderna, utilizando-se dos seus argumentos,

para instituir uma subjetividade superior, para a qual se convergem as respostas

aos problemas por ela mesma formulados. Implícita a esta reflexão está o desejo

da sociedade burguesia de tornar-se a autêntica detentora de si mesma, por meio

da concepção de um eu autodeterminado a ser determinante. A crítica de Adorno se

dirige a esta postura, a postura de uma razão autoritária perante a condição do

saber e da perspectiva da noção de verdade.

Ao dar à subjetividade a real condição a que o sujeito se submete, o

pensador recoloca o problema filosófico. A condição de sujeito se realiza na sua

ligação com as condições históricas, as quais dão a ele a noção de existência e

permanência no mundo. Condições estas que o colocam como um ser contingente e

necessário à formação de si mesmo. A característica exclusiva do exercício do

pensamento não o torna sujeito de si mesmo. Isto apenas o descreve como tal. Ele

se torna sujeito na medida em que sua percepção, ação e reflexão se fazem pela

existência do “não-idêntico”33 a si, que se dá na sua relação com o outro que

é também indivíduo existente e contingente.

É na reflexão sobre suas condições históricas que o homem descobre-se a

si mesmo como possibilidade de dialogar com os elementos da sua cultura e

contribuir realmente para o desenvolvimento e para a mudança. Mas não o faz

isoladamente. Também não o faz por meio de um processo educacional que

privilegia a formação individualista, do eu, para o eu. Ela se faz na descoberta

recíproca do eu na relação com o não-eu. É na relação entre a diversidade de

sujeitos, distintos e significativos, que se instaura uma formação para a

autonomia intelectual e para a emancipação político-social. Caso contrário, como

absoluto o indivíduo não passa de forma de reflexão das relações de

propriedades.

Prospectiva

A realidade presente deve inspirar-nos por um esforço conjunto de

33 Cf. http://www.nre.seed.pr.gov.br/umuarama/modules/noticias/article.php?storyid=507.

construção do futuro, distinto significativamente do presente. Uma prospectiva

desse ideal educacional se instaura pelo viés didático, pedagógico e filosófico

presentes no currículo do Instituto Federal do Paraná, como projeto formador do

educando. Criado legalmente com o propósito de promover e valorizar a educação

profissional e tecnológica, com base na indissociabilidade do ensino, pesquisa e

extensão, contribuindo para a formação do cidadão e da sustentabilidade da

sociedade paranaense e brasileira, com amparo nos princípios da ética e da

responsabilidade social, o Instituto, especificamente no Estado do Paraná, nos

seus diversos campi, se coloca como um referencial para a formação humano-

profissional, tecnologicamente preparados para os desafios do mundo do trabalho.

Através de suas políticas para o ensino, pesquisa e extensão, o Instituto

Federal do Paraná se coloca como um espaço para a formação de uma pessoa para a

consciência cidadã voltada para a compreensão da realidade social em que vivem e

a importância da participação no processo de transformação dessa realidade, para

que se possa construir uma sociedade mais livre, igualitária, justa, fraterna,

solidária e soberana. Com a possibilidade de construir um caminho formativo para

o indivíduo, a partir da formação inicial e continuada, passando pela

capacitação técnica de nível médio, chegando à formação superior, o IFPR coloca-

se em um cenário significativo para visão sistêmica e dinâmica do processo

produtivo. A formação complementar pelos programas de especialização humana e

profissional, através da pesquisa lato sensu, fomenta o desenvolvimento de

tecnologias específicas para as demandas especializadas dos setores produtivos e

da formação de formadores.

Pela proposta do mestrado e doutorado, o IFPR visa a implantação de um

programa de pesquisa continuada que contribua para o estímulo, geração e

desenvolvimento da inovação tecnológica, e da compreensão de um ser humano

consciente de seu meio. Esta pesquisa Stricto Sensu, embasada em uma concepção

de educação, de ciência e de tecnologia, extrapola os horizontes meramente da

técnica pela técnica e visa contribuir para uma formação diferenciada e

integradora. A novidade institucional é combater a formação tecnicista,

apregoada pelo modelo de produção, presente na sociedade brasileira

contemporânea e estimulada por muitos centros e instituições formadores. Seu

referencial de educação crítica, visa possibilitar nos educandos um entendimento

do seu papel, enquanto cidadão pertencente a um meio social concreto. É a

condição crítica que permite ao aluno romper com os laços ideológicos que o

subjugam como massa produtiva. Pela proposta de uma formação para a autonomia, o

teor pedagógico e filosófico do IFPR prima pela condição política, histórica e

social do sujeito. A formação do sujeito para a autonomia e a emancipação é

aquela que garante a condição de liberdade da dependência de outra vontade que

não a sua.

Contudo, para que essa proposta curricular seja filosoficamente

fundamentada, os professores e demais profissionais da educação também precisam

se sentir sujeitos do processo. Por essa razão, o corpo docente, após passar por

um rigoroso processo de seleção institucional, deve ser assumido

institucionalmente, para que os docentes sejam integrados num processo de

formação educacional constante, contínua e permanentemente. Por propor uma

formação com foco na autonomia intelectual e na emancipação política dos

educandos, os docentes também devem receber estímulos para a produção

continuada, por meio da pesquisa. Por aproximar os alunos como sujeitos de sua

própria história de outros sujeitos, os docentes devem ser integrados e

estimulados aos projetos de extensão, pelos quais aproximam a academia da

sociedade e traz para a academia os problemas da sociedade (humanos e

produtivos) a fim de pensarem possibilidades de respostas.

Como espaço formador, o Instituto Federal do Paraná, pensado

especificamente sobre a formação de seus discentes, deve esforçar-se

continuadamente em seus métodos e em seus projetos pela formação de uma nova

subjetividade para o mundo contemporâneo. Ele tem a convicção, pelos seus

trabalhos desenvolvidos, de que é preciso que este sujeito dê respostas também

para os seus próprios anseios produtivos. Esta capacidade de ir em busca da

superação de suas dificuldades, por suas próprias condições, se dá por meio de

uma educação para o empreender. Empreender é constituir uma visão proativa, com

maior condição de assertividade. Empreender é ousar conhecer e produzir por meio

do domínio de tecnologias, que inovam a visão e a produção do sujeito numa

sociedade concreta.

As possibilidades formativas do Instituto Federal do Paraná se estendem

às diferentes esferas do setor produtivo. As especialidades do campo, da

indústria, do comércio, da prestação de serviços e da inovação tecnológica são

conjugadas para superar as carências de uma formação dissociada da cadeia

produtiva e impregnada pela ausência de um pensamento e atitudes críticos. Por

outro lado, conjuga também esforços didáticos, pedagógicos e técnicos para

convergir elementos de um processo formativo integrativo, não

departamentalizado, ou positivista.

Prospectar um processo educacional diferenciado é vislumbrar no IFPR uma

proposta educacional que garanta o diálogo do educando consigo mesmo, com os

outros, com a cultura construída, com o conhecimento científico desenvolvido e

com a sociedade produtiva. No diálogo consigo mesmo, a proposta está em

descobrir-se como sujeito histórico e responsável por seu meio. Na sua relação

com os outros, o foco é descobrir e construir o seu papel de agente, de um ser

político responsável pelo ideal comunitário. Na sua relação com a sociedade

produtiva, o que se espera desse humano em formação é a consciência e as

habilidades bem desenvolvidas para a competitividade profissional, pois produzir

é característica do ser humano. Portanto, trata-se de uma consciência da

importância de sua profissão e habilidades, as quais o tornam um profissional

diferenciado, mediante o domínio de tecnologias para a produção, com foco na

sustentabilidade e na responsabilidade socioambiental. Além disso, é estimulado

para se realizar pessoalmente na descoberta de si mesmo, pelo fazer-se crítico e

criativo, realizando a sua dimensão de diálogo com a cultura e o saber

científico.

O ideal de uma educação para a “produção da consciência verdadeira” não

se realiza apenas pela criação de uma escola. Sem dúvida que a instituição de um

espaço formativo é relevante para esse propósito. Entretanto, é na finalidade

pela qual essa escola é criada que se percebe realmente a sua condição. É obvio

que uma escola está sujeita aos desafios de seu contexto. Até os erros devem ser

vistos como um processo pedagógico. Contudo, a ousadia deve estimular seus

agentes formadores para o novo. Estes, não podem se reclusarem nas orientações

estritamente administrativas, bem características de uma sociedade administrada,

como a única medida da ação pedagógica e dos métodos de ensino. A dinâmica

formativa deve ter diante de si os sujeitos, pelos quais e para os quais a

escola existe, a sociedade em transformação e a postura reflexiva desse

contexto.

Uma escola, comprometida com seus agentes, aberta a métodos inovadores,

que motiva e valoriza a pesquisa, que vai até a comunidade e permite que a

comunidade seja inserida na produção do seu saber, dá um passo enorme para a

“produção de uma consciência verdadeira”. Este feito pode ser percebido em

diferentes projetos de extensão do IFPR, os quais se mostram como uma abertura

de diálogo educacional com a perspectiva crítica. Ressaltamos aqui, dentre

muitos já implantados nos diferentes campi, o projeto “IF-SOPHIA”, planejado e

executado pelo IFPR, Campus de Umuarama. Segundo seus idealizadores, o IF SOPHIA

é um projeto de pesquisa e extensão do Instituto Federal do Paraná - IFPR –

Campus Umuarama, que tem por finalidade promover formação continuada para

professores na área de Filosofia.

O objetivo do projeto prima pela aproximação entre diferentes agentes

formadores e estimula a reflexão crítica, ao enfocar a compreensão das questões:

ética, estética, política, trabalho, ciência e a tecnologia, mediante ciclo de

estudos, palestras e seminários. A sua primeira versão, realizada no ano de

2012, comprova a maturidade administrativa, didática e pedagógica do Instituto

Federal do Paraná.

Conclusão

Participar de um processo educacional, na qualidade de professor, é um

desafio enorme nos dias de hoje. É desafiador porque é um estímulo contínuo para

o diálogo com os diferentes, com a diversidade. É na percepção e formação dos

diferentes, para serem diferentes no meio social, que se ampliam

consideravelmente os horizontes de um projeto educacional. Ser diferente na

compreensão de mundo. Ser diferente no mundo do trabalho. Ser diferente na

participação política. Ser diferente na postura ética. Ser diferente nas

atitudes produtivas. Mas faz parte também desse projeto educacional o estímulo

permanente para que essas diferenças se convirjam para o sentido de pertença a

uma mesma sociedade.

A compreensão da condição de pertença é reveladora de uma “consciência

verdadeira”. Assim, a verdadeira consciência não se constrói instantaneamente,

ou exclusivamente dentro de horários pré-determinados de um espaço educacional.

É claro que estes momentos definidos são importantes no processo. Contudo,

trata-se de um processo que deve ser estimulado pela busca de uma vida toda. É

por isto que empregamos a expressão “construção”, elaborada pelo próprio

Adorno.

A “consciência verdadeira” se faz em meio ao movimento da história, na

aproximação dos opostos, no confronto promotor entre os gêneros, na criação do

novo, no processo produtivo, na busca pela reformulação desse processo, na busca

pelo significado do ser humano no mundo pelo que é e faz. Como o homem não é um

ser acabado, mas em constante fazer-se, a sua leitura de mundo também não pode

se fechar circunstancialmente. Ela deve ser formada para estar aberta

historicamente, para entender que o movimento do ser e do seu contexto no tempo

é produto do próprio homem. Estamos na história e fazemos a história, sendo

parte ativa e consciente dela.

Referências

ADORNO, Theodor W. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

________. Educação e Emancipação. 4ª Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2006.

________. Mínima Moralia. Reflexão a partir da vida lesada. Rio de Janeiro:

Azougue, 2008

________. Palavras e Sinais. Modelos Críticos 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

________. Teoria da Semicultura. Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira, Bruno

Pucci e Cláudia B. M. de Abreu. In: Revista Educação e Sociedade n. 56, ano

XVII, dezembro de 1996, pág. 388-411. In:

http://adorno.planetaclix.pt/tadorno.htm. Último acesso em 28/09/2013.

ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Ed., 1985.

BIDO, José Mateus. A Problemática da Pós-modernidade. Uma leitura sobre o viver

do homem na modernidade. Londrina, Ed. UEL, 2001.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Partes I e II. Petrópolis: Vozes,

1992.

HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. W. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In. Textos

Escolhidos. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política. Vol. I a VI. 26ª. ed. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1993.

SENADO FEDERAL. Constituição de República Federativa do Brasil. Brasília:

Editoração Senado, 2010.

SIBILIA, Paula. Redes ou Paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de

Janeiro: Contraponto, 2012.

TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

ILUMINISMO, KANT E FILOSOFIA DA HISTÓRIA – UMA REFLEXÃO PARA O IF-SOPHIA COMO

PROJETO EDUCATIVO

Silvia Eliane de Oliveira Basso34

Introdução

Na academia deve-se dar a discussão e preocupação com o ser humano no

século XXI e seu lugar, refletindo profundamente sobre os modelos que temos

adotado para viver.

Assim discutir o meio ambiente, por exemplo, tornou-se vital, e então nos

voltamos a ecologia e nela descobrimos a necessidade de cuidar da casa, oikos, e

descobrimos mais, a necessidade de cuidar desse oikos que é o próprio ser

humano.

Estudos indicam que há um princípio de integração, que devemos buscar,

presente desde a Grécia Antiga com Heráclito, passando por Francisco de Assis e

Dante Alighieri e chegando a Spinosa e Heidegger. Sem encontrar eco nas

prioridades de consumo, conforto, liberdade e educação que propalamos, tais

conceitos ficaram restritos às concepções privativas e secretas de cada um,

manifestando-se, quase que exclusivamente nas religiões.

Enxergamos o IF SOPHIA35 como uma das oportunidades de nos voltarmos a

nós mesmos, de nos reencontrarmos nesse processo de reintegração de nossa posse.

Percebam que essa fala em que usamos termos íntimos da política, da ecologia, da

história, só é possível por meio da filosofia – que ela esteja, portanto, na

nossa cultura acadêmica, nas escolas e em nossa jornada diária permitindo-nos

não nos perdermos de nós mesmos.

34 Professora de História no Instituto Federal do Paraná, campus Umuarama. Graduada em História,

Especialista em História do Mundo Contemporâneo, Mestre em Educação.

35 O IF Sophia é um projeto de pesquisa e extensão do Instituto Federal do Paraná - IFPR –

campus Umuarama, que tem por finalidade promover formação continuada para professores na área de

filosofia. E também abre seu espaço à comunidade interessada em participar dos ciclos de estudos

e dos seminários. Tem por objetivo aproximar a Filosofia do público por meio de ciclo de estudos

e dos seminários. Enfocando a compreensão das seguintes questões: ética, estética, política,

trabalho, ciência e a tecnologia. (ciclo de estudos, palestras e seminários). Este artigo é

resultado de nossa co-participação com o Professor Vicente Estevãm Sandeski no terceiro ciclo do

IF Sophia em sua edição de 2012.

Iluminismo - contexto

O objetivo deste texto é o de apresentação do Iluminismo e de um de seus

mais produtivos personagens, Immanuel Kant, o filósofo. No entanto, dadas as

aproximações de nossos objetos de estudo, nos propomos a apresentação não do

movimento filosófico em si, mas de seu contexto, e não do filósofo e suas

elucubrações, mas sim do personagem histórico e suas contribuições teóricas na

explicação de nossas formas ou possibilidade de viver e organizar a vida.

De acordo com Eric Hobsbawn36 o mundo no século XVIII, e ele o descreve a

partir da década de 1780, na ebulição das ideias e debates iluministas e às

vésperas da Revolução, “era menor e maior que o nosso”. As distâncias eram

longas e mais difíceis de se percorrer no interior dos territórios do que de um

continente a outro, já que as navegações e os portos encurtavam caminhos.

A maioria da Europa ainda vivia em regime de servidão – 4 em cada 5

habitantes eram camponeses. As poucas cidades provincianas mantinham o monopólio

do mercado local, e o domínio da terra por nobres, ainda mantinha privilégios

políticos e sociais.

Havia poucos jornais em circulação e a população era majoritariamente

analfabeta.

Apesar do avanço galopante do comércio nas cidades portuárias e das

riquezas possibilitadas pelo grande produção e trabalho escravo nas Américas, o

industrial era apenas um gerente de trabalho especializado nas mãos do mercador

que detinha o poder sobre a matéria-prima.

É no seio dessas categorias de homens enriquecidos, enriquecendo-se ou

buscando soluções para os entraves sobre a produção e o comércio, que as ideias

de pensadores como Adam Smith, John Locke, Voltaire, Montesquieu e Kant, entre

outros ganham repercussão. Em todos esses pensadores, com ênfase maior na

economia, na política ou na ética, há o consenso de crítica ao Antigo Regime em

36 A Era das Revoluções (1789-1848). Neste livro Hobsbawn mostra como a Revolução Francesa e a

Revolução Industrial inglesa abriram o caminho para a renascença das ciências, da filosofia, da

religião e das artes; mas não conseguiram resolver os impasses criados pelas fortes contradições

sociais, que transformaram este período numa conturbada fase de movimentos revolucionários

(apresentação da editora ).

todas as suas acepções. Ou seja, a forma de governo, relações sociais,

organização da sociedade e mentalidade, eram questionadas por restringirem o

desenvolvimento do homem em sua capacidade e liberdade.

De maneira geral as práticas mercantilistas e absolutistas, o poder e as

verdades estabelecidas pela Igreja eram objetos de estudos e dissertações de

todos esses pensadores.

[...] o "iluminismo", a convicção no progresso do conhecimento

humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a

natureza - de que estava profundamente imbuído o século XVIII -

derivou sua força primordialmente do evidente progresso da

produção, do comércio e da racionalidade econômica e científica

que se acreditava estar associada a ambos. E seus maiores campeões

eram as classes economicamente mais progressistas, as que mais

diretamente se envolviam nos avanços tangíveis da época: os

círculos mercantis e os financistas e proprietários economicamente

iluminados, os administradores sociais e econômicos de espírito

científico, a classe média instruída, os fabricantes e os

empresários (HOBSBAWN, 1996,p.36-37).

As ideias propagam-se, mas a História nos mostra que isso não é o

suficiente para o estabelecimento de uma revolução. Para além dos discursos,

desejo, e debates, a concreta realidade é essa a que cria as condições e o

estopim que deflagram a mudança. Embora muitos governantes, os chamados Déspotas

Esclarecidos, reconhecessem e estabelecessem em seus programas “iluminados” a

necessidade da abolição da servidão, por exemplo, nenhum deles efetivamente

passou do papel, das intenções e do discurso para a efetivação. Seria preciso

esperar que os reais interessados, os intimamente afetados pela mudança,

tivessem nela presença determinante.

O cenário seria a França, a mais poderosa monarquia da Europa, modelo de

absolutismo sob as mãos da Família dos Bourbons desde o século XVII, tendo tido

seu auge com Luís XIV, o Rei Sol. As constantes diferenças entre receita e

despesas foram fazendo dos cofres públicos franceses um buraco sem fundo que

carregava o histórico, desde de Luís XVI, de abrigar e manter centenas de nobres

no Palácio de Versalhes, regando-os a bebidas e requintes caros. Acrescida tal

situação, de guerras externas expansionistas desde meados do século XVIII, como

a Guerra dos Sete Anos e Independência dos EUA.

Iluminismo - significância

A sociedade, construindo sua capacidade de governar a si própria, por

meio da razão, sem a mediação de qualquer instituição ou poder estabelecido,

como era o caso da Igreja Católica, onde se verificou que a razão, preconizada

pelos renascentistas, é tornada lei pelos iluministas.

No processo histórico como no educacional a negação é uma forma de

construção. Ao negar a forma de organização medieval, a modernidade pode ser

construída, como o filho nega o pai, o aluno nega o professor. Embora ele negue,

ele se constrói daquela negação. Isso é necessário para reconhecer que as novas

formas de organização política e social surgem a partir de uma existente. Nada

surge do nada. É preciso fazer a negação do passado para a construção do novo,

mas a construção do novo pressupõe a existência de algo.

Assim a modernidade nasce da medievalidade e bebe de toda a sua produção,

o que desmistifica a Idade Média como Idade das Trevas, ou mil anos de escuridão

na Europa. Talvez isso se deva ao fato que o conhecimento produzido durante a

medievalidade não era disseminado, ou seja, não se acreditava, como se acredita

no iluminismo, que o conhecimento devesse chegar a todos.

Não é possível separar as várias áreas do conhecimento em que o

iluminismo vai demonstrando a eminência de uma nova forma de organização. Todo

assunto, todo tema, todas as áreas de atuação do ser humano são objetos de

estudo que precisam ser iluminados, esclarecidos, explicados a fim de que os

homens guiados pela razão sejam capazes de realizar suas potencialidades.

Se olharmos do ponto de vista da economia, é possível dizer que é nas

alterações do modo de produzir, nas relações sociais de produção e no choque das

classes antagônicas que as compõem, que se deram as modificações, que

refletiram-se então em mudanças na forma de governar e das relações sociais, e

esse é o viés marxista.

É possível ampliar essa abordagem e dizer que as transformações se dão

concomitantemente em várias áreas e que como humanos somos o emaranhado dessas

informações. Não somos o tempo todo política, ou economia, ou religião.

Dependendo da região e do contexto sócio-histórico apresentado, o

iluminismo ganhava caráter especial. As transformações na Inglaterra, por

exemplo, estão ligadas ao renascimento comercial e urbano, que ao lado do

renascimento científico e cultural, trazem junto com as mercadorias, ideias e

valores. O comércio, incipiente do período medieval, torna-se internacional na

conquista dos mares e das terras - África, Ásia e América, e a Inglaterra, que

acumula, inclusive pela atividade corsária, terá um Iluminismo econômico.

Os homens enriquecidos por esse comércio internacional, financiadores da

marinha britânica, exigirão voz no parlamento, embora não tenham nobreza de

berço. É o poderio econômico que abriria espaço para outras ideias e formas de

organização. E a Inglaterra pioneiramente reforma sua monarquia permitindo a

participação e a representatividade dessa nova categoria – a burguesia.

É dessa forma, que temos na Inglaterra o filósofo Adam Smith, que pensa

no valor das coisas, como elas valem, como as valoramos e valorizamos e como

isso muda a nossa forma de viver. Ao dizer, por exemplo, que o padeiro produz o

pão todos os dias pensando não em nós, mas em seu próprio benefício, e assim

estende o benefício até nós e provoca o progresso geral37, Smith enuncia uma

“crença” iluminista que se aplica também ao conhecimento, de que aquilo que é

pensado, defendido e propalado por uma determinada categoria, espalhará

benefícios a todos.

Se na Inglaterra o cunho é econômico, a França – referencial de

monarquia na Europa, como modelo absolutista imortalizado em Luís XVI – “O

estado sou eu”, o movimento iluminista, o pensar uma nova sociedade, terá um

cunho político. O questionamento da validade do poder acumulado na mão de um

monarca e de seu séquito. Se diante de um novo mundo, que não é mais retangular,

que conhece outras civilizações, que acresce outras culturas que disputa espaço

com outros mercados, a forma de governo que centraliza decisões é ou não a mais

adequada.

Nós sabemos que não é, mas nós somos os homens do mundo contemporâneo

gerado pela revolução, mas para os homens que viviam aquele contexto, isso

precisava ser pensado, discutido. Não é natural, é histórico. Daí a figura de

37 Esta passagem está no texto Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações

em seu livro I, capítulo I.

Montesquieu, ele não é burguês, é nobre, mas ao pensar a sociedade e as

transformações do mundo, ele diz que é preciso que o poder esteja dividido. É

preciso que existam aqueles que vão legislar, aqueles que executem a partir

dessa legislação e aqueles que julguem os problemas que vão surgir, também a

partir dessa legislação, dividindo o poder em legislativo, executivo e

judiciário.

Da França, esse movimento de pensar a política, chega à América e se

efetiva lá antes do que na Europa. Para os colonos o iluminismo é filosofia

libertária por conta do contexto vivido pelos americanos. Seu problema maior era

libertar-se do opressor e o opressor é a metrópole europeia.

Colonos ingleses radicados na América do Norte fazem a revolução e

escrevem sua Declaração de Independência pautados nessas ideias de divisão dos

poderes e de participação das pessoas, independente de sua condição de

nascimento, sendo o primeiro documento dessa nossa forma contemporânea de nos

organizarmos.

São documentos que representam a certidão de nascimento do Estado

Contemporâneo, pautado na ideia do progresso para todas as pessoas, entendido

esse como o esclarecimento, o uso da razão, o conforto, o progresso econômico. E

a promessa desse período será de que todos vão progredir e viver numa sociedade

em que o homem liberte-se, das amarras do trabalho forçado por exemplo, daí a

luta contra a escravidão ter origem nos mesmos movimentos do esclarecimento.

Na Alemanha, donde sai um outro grande expoente do movimento iluminista,

objeto de estudo neste ciclo (IF Sophia), a discussão, embora como já foi dito,

não possa separar-se das várias áreas, não está centralizada nem no campo da

economia como na Inglaterra, nem no campo da política como na França. Mas,

obedecendo ao contexto na Alemanha, a discussão está centralizada no campo da

moral, procurando fazer uma nova revolução, que já havia se iniciado também no

século XVI com a Reforma Protestante encabeçada por Martinho Lutero, a partir da

premissa de que os homens pudessem desenvolver sua fé por meio dos estudos, da

análise direta dos textos bíblicos traduzidos do latim para o alemão.

Immanuel Kant vai propor que a libertação tem que dar um passo além: que

não haja, no estabelecimento da moralidade humana, o viés da interpretação

religiosa. É preciso ir além da interpretação religiosa no contexto político da

Alemanha, que ainda não é Alemanha, é Prússia, dirigida por Frederico II38.

Embora o iluminismo seja esse amplo processo de discussão nas nossas

várias formas de atuação, nas relações econômicas, políticas, e sociais, Kant

foi proibido de escrever sobre religião, pelo próprio Frederico II da Prússia. O

monarca tentava separar a religião do Estado. Kant obedece o imperador e só

divulga seus textos sobre religião após sua morte. Apesar de defender a

liberdade, Kant, como outros filósofos não estão para a derrubada da monarquia.

Defendendo governos que sejam iluminados pela razão, eles entendem que o

governante deve-se deixar iluminar e o povo deve respeitar e obedecer o

governante. Kant, como a maioria dos iluministas, é um libertário, mas não um

revolucionário.

Não é propriamente correto chamarmos o "iluminismo" de uma

ideologia da classe média*, embora houvesse muitos iluministas - e

foram eles os politicamente decisivos – que assumiram como

verdadeira a proposição de que a sociedade livre seria uma

sociedade capitalista. Em teoria seu objetivo era libertar todos

os seres humanos. Todas as ideologias humanistas, racionalistas e

progressistas estão implícitas nele, e de fato surgiram dele.

Embora na prática os líderes da emancipação exigida pelo

iluminismo fossem provavelmente membros dos escalões médios da

sociedade, embora os novos homens racionais o fossem por

habilidade e mérito e não por nascimento, e embora a ordem social

que surgiria de suas atividades tenha sido uma ordem capitalista e

"burguesa". É mais correto chamarmos o "iluminismo" de ideologia

revolucionária, apesar da cautela e moderação política de muitos

de seus expoentes continentais, a maioria dos quais - até a década

de 1780 - depositava sua fé no despotismo esclarecido (HOBSBAWN,

1996, p.38).

Esclarecimento e fio da história

Em meio à tempestade de ideias, debates, transformações epistemológicas

nos vários campos do pensamento, um jornal alemão lança em uma edição de

dezembro de 1783 uma pergunta ao público: Was ist Aufklärung? - Que é

38 Déspota Esclarecido, como reflexo do movimento iluminista dentro da política, Frederico II era um desses monarcas que apreciam a discussão filosófica, que procuram trazer para dentro de

sua atuação política algumas das ideias iluministas. Frederico II trocava cartas com o

iluminista Voltaire, uma das almas dos conceitos políticas iluministas, acerca de todos os

assuntos, até que Voltaire rompeu as discussões por conta do expansionismo prussiano.

esclarecimento?

Das várias respostas recebidas uma nos é especialmente importante. É a

resposta dada por ninguém menos que Immanuel Kant. O jornal a publica no mesmo

dezembro e inicia-se assim:

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade,

da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de

fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O

homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se

encontra na falta de entendimento, mas na falta de coragem de

servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem a

coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do

esclarecimento [Aufklärung] (KANT, 1985, p.100).

Esclarecimento nos remete imediatamente à responsabilidade, talvez mais

marcante que Iluminação, termo que pode estar ligado a uma benesse espiritual.

Aquele que se esclarece tomou alguma atitude para isto, e é essa a conclamação

feita por Kant. Podemos dizer, portanto, que em Kant temos a responsabilidade de

aprender, o que nos remete à escola e a nossa identidade acadêmica.

Esclarecer leva à autonomia, à liberdade, ao fim da tutela e da

dependência, tarefas que cotidianamente tem sido imputadas à escola e seus

profissionais, que contraditoriamente (e não por acaso) carecem de condições

concretas e de acesso real ao esclarecimento para esclarecer-se e colaborar no

esclarecimento do outro.

Se na Alemanha Iluminismo é esclarecimento, e se para Kant, este

esclarecimento é autonomia, fim da tutela, por que ele defende o Estado? Por que

diz que é preciso que se obedeça ao monarca? Kant e muitos outros iluministas

escrevem aos governantes na expectativa de que os mesmos se esclareçam e assim

governem.

Ao buscar um fio condutor para a história Kant apresenta um plano oculto

em que as sociedades são levadas ao estabelecimento de uma perfeita constituição

política. Diz-nos que ainda não é possível enxergar-se esse fio condutor do

ponto onde se está, já que faltaria ainda muito para se completar esse ciclo,

mas que é possível saber que esse ciclo existe.

Kant aponta indícios desse plano, tais como: a fragilidade das relações

entre os Estados - o que os leva a respeitar a cultura interna de seus povos, o

constante avanço do respeito à liberdade civil - principalmente nas atividades

comerciais, que se não levada a efeito pode enfraquecer os Estados, e o próprio

Iluminismo (Aufklarüng) - que se bem entendido deverá ter influência sobre os

princípios de governo. Crê, que destarte a falta de investimentos dos governos

em ensino público, que as iniciativas particulares pelo mesmo, ajudarão e que

embora invistam em guerra, os abalos que a destruição de um país pode provocar

na indústria de todos os outros gera entre eles a necessidade de arbitrar,

evitando conflitos, e que isso levará, futuramente a um Estado cosmopolita

universal.

Pode-se considerar a história da espécie humana, em seu conjunto,

como a realização de um plano oculto da natureza para estabelecer

uma constituição política (Staatsverfassung) perfeita

interiormente e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita,

como o único estado no qual a natureza pode desenvolver plenamente

na humanidade, todas as suas disposições (KANT, 2001, p.17).

Vivendo no contexto dos estados germânicos, liderados pela Prússia que só

se tornariam a Alemanha no século XIX, com marcas bastante fortes da organização

feudalista no campo, com o modelo do estado francês absolutista estabelecido no

século XV, portanto há pouco mais de 200 anos antes de sua época, Kant talvez

enxergue um Estado que não realizou ainda sua culminância, mas ainda pode

realizar. O Estado moderno é recente e sob os auspícios das ideias

esclarecedoras e da razão, pode tornar-se o governo ideal, a concretização do

plano oculto.

Assim, a preocupação de Kant é libertar as pessoas principalmente do

domínio da religião, que as mantém na menoridade.

Equivocava-se Kant? Provavelmente, como se equivoca qualquer um que tente

vê-lo como um profeta da modernidade. Não lhe era possível prever os

acontecimentos, e talvez ele tenha sido tentado a isso quando buscou descobrir o

fio condutor da história.

Está no indivíduo a mudança, a melhora, o progresso, a realização, toda a

responsabilidade enfim. Mas e a sociedade? E as condições para que este

indivíduo que quer, que faz, mas que se vê limitado por amarras que por vezes

nem podem ser vistas e identificadas para serem abolidas, os poderes com os

quais terá que lutar? Kant não fala sobre isso. Há limites em suas elucubrações.

O sistema filosófico de Kant pertence à tradição racionalista da

burguesia alemã, que enfatiza a liberdade e o individualismo

(valores de pensamento burguês) e enfatiza a possibilidade de

existirem condições a priori do pensamento humano e da ação moral

(valores da filosofia alemã) uma tradição cujos limites a obra de

Kant começa a indicar (ANDERY,2007, p. 342).

Cremos que suas maiores contribuições não estão aí, mas em sua

insistência de que assumamos corajosamente nossa responsabilidade por sairmos da

minoridade e entrarmos na maioridade. Não imputemos a ele a responsabilidade de

conhecer nosso contexto, de enxergarmos e prepararmos nossa realidade concreta.

Se precisamos como educadores ouvir dele alguma coisa, e cremos que sim, basta

apurar um pouco os ouvidos e escutar: Iluminem-se! Esclareçam-se! Sapere aude!

REFERÊNCIAS

ANDERY, Maria Amália P. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva

histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

HOBSBAWN. Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. São Paulo: Paz e

Terra, 1996.

NODARI, Paulo Cesar; SAUGO, Fernando. Esclarecimento, educação e autonomia em

Kant. Disponível em

http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/viewFile/892/615.

Acesso em: 11 out 2012.

KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é Esclarecimento? In: Textos Seletos.

Petrópolis: Vozes, 1985.

_______. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. São

Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

SMITH, Adam. Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações.

São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores).

A razão instrumental e a razão crítica em Horkheimer

Por: José Provetti Junior39

Max Horkheimer nasceu na cidade de Estugarda, na Alemanha, em quatorze de

fevereiro de 1895. Descendente de judeus alemães que viviam da indústria teve

uma educação que objetivava dar continuidade aos negócios paternos; no entanto,

mostrou-se propenso aos estudos acadêmicos e graduou-se em filosofia e mais

tarde em sociologia.

Afirma-se que dentre sua formação eclética destaca-se a influência da

filosofia de Arthur Schopenhauer cuja admiração de Horkheimer o levava a ter um

retrato de Schopenhauer em seu escritório.

Outra importante influência, embora considerada de maneira diagonal, é a

proveniente do pensamento de Karl Marx, em especial do marxismo, embora pouco se

veja em suas obras, referência a Marx.

Em 1923 através da influência de Friedrich Pollock, sociólogo e

economista alemão especializado em marxismo, na época diretor do Instituto de

Pesquisa Social em Frankfurt, na Alemanha, Horkheimer associou-se à instituição,

sendo mais tarde seu diretor, em torno de 1931 (REALE & ANTISERI, 2003, p. 837).

Com a ascensão do nazismo na Alemanha, ideologia de fundamentação

política nacional-socialista, assimilada pelo então Partido Nazista, formulada

por Adolf Hitler e adotada pelo governo alemão a partir de 1933, é que

39 Mestre em Cognição e Linguagem pela UENF, mestrando em Filosofia Moderna e Contemporânea pela

UNIOESTE, especialista em História, Arte e Cultura pela UEPG, especialista em Saúde para

Professores dos Ensinos Fundamental e Médio pela UFPR, graduado e licenciado em Filosofia pela

UERJ, graduando em Pedagogia pela UEM, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos da

Antiguidade – NEA – UERJ, pesquisador do Grupo de Estudos Karl Popper – UNIOESTE, membro da

Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos – SBEC, parecerista da Revista Espaço Acadêmico –

UEM e Acta Scientiorum – Ciências Humanas e Sociais - UEM, autor de artigos em periódicos

nacionais, autor do livro “A alma na Hélade: a origem da subjetividade Ocidental” (2011), atua

como professor de Filosofia no Instituto Federal do Paraná – IFPR, campus de Assis

Chateaubriand, lecionando as disciplinas de Sociologia, Prática Profissional Orientada e Oficina

de Planejamento, Execução e Avaliação de Projetos para os cursos técnicos em Orientação

Comunitária e Informática, é membro da Comissão Permanente de Projetos – CPP, vinculado a Pró-

reitoria de Extensão, Pesquisa e Inovação – PROEPI, vice-coordenador do curso técnico de

Orientação Comunitária, no eixo tecnológico de Desenvolvimento Educacional e Social e Presidente

do Comitê de Pesquisa e Extensão – COPE – IFPR – Assis Chateaubriand. Contato através do e-

mail [email protected] ou sítio: http://pensamento.mentalidades.zip.net/

Hormkheimer toma uma perspectiva revolucionária e crítica. Segundo Reale &

Antiseri (Idem, p. 846), a partir de 1939 Horkheimer inicia sua atividade

reflexiva em torno da identificação do fascismo com o capitalismo.

Tão logo eclodiram as hostilidades entre a Alemanha e a Polônia em seis

de outubro de 1939, Horkheimer e os demais membros da Escola de Frankfurt

iniciaram uma emigração, inicialmente para Genebra, na Suíça, em seguida para

Paris, na França e finalmente para a cidade de Nova York, nos Estados Unidos da

América, de onde levaram a efeito as atividades durante o conflito.

Nesse texto tratar-se-á da questão da razão instrumental e da razão

crítica em Horkheimer, contudo, antes de mais nada, enquanto texto filosófico

desenvolver-se-á junto ao leitor o exercício reflexivo para que não se caia na

superficialidade jornalística em torno do tema.

Portando, a pergunta para que se inicie a discussão e se venha a

compreender exatamente do que trata Horkheimer é: que é a razão?

Ora, em um rápido apanhado, dado o supetão da proposta, pensa-se no uso

cotidiano concedido ao termo, a saber: “fulano ou beltrano está (ou tem)

razão!” Isto é, nesse sentido, quer-se dizer que a pessoa tem sobre alguma

coisa a verdade ou que está correta.

Outra aplicação do senso comum quanto ao termo “razão” diz respeito a

sua aplicação matemática, ou seja, quando alguém se preocupa em investigar a

“razão entre certos números” querendo através deste processo descobrir a

relação existente entre duas ou mais grandezas matemáticas.

No entanto, já que se trata de uma questão filosófica, faz-se necessária

uma investigação no campo e, portanto, segundo Japiassu & Marcondes (1993, p.

209-210) existem seis sentidos nos quais se pode compreender o termo “razão”.

Esclarecem que a palavra, isto é, “razão” não nos remete à cultura helênica,

criadora da razão enquanto λογοσ (logos) e que neste sentido, segundo Isidro

Pereira (1990, p. 350) significa:

(...) palavra, dito, revelação divina, resposta de um oráculo,

máxima, sentença, exemplo, decisão, resolução, condição, promessa,

pretexto, argumento, ordem, menção, notícia que corre,

conversação, relato, matéria de estudo ou de conversação, razão,

inteligência, senso, motivo, juízo, opinião, estima, valor que se

dá a alguma coisa, justificação, explicação, a razão divina

Como atestam Japiassu & Marcondes (1993, p. 209-210) a termo razão

utilizado por nós, contemporaneamente é de origem latina, isto é, vem do termo

ratio que por sua vez, em Latim, segundo Faria (1967, p. 843) significa:

(...) Sentido próprio: Cálculo, conta, objeto de cálculo, livro de

contas, registro (…) (César, Bellum Gallicum, 7, 71, 4); (Cícero,

Verrinas, 5, 71; 5, 147). Sentido figurado: cálculo, consideração,

interesse, empenho, causa, partido (Cícero, Verrinas, 5, 38). Dai:

faculdade de calcular, razão, inteligência, juízo, bom senso

(Cícero, De Finibus, 1, 32). Método, plano, disposição, sistema,

regra, ordem, doutrina, opinião, pensamento, ponto de vista

(Cícero, Pompei, 1). Argumentação, razão determinante, causa,

motivo, prova, (em sentido filosófico) (Cícero, De Natura Deorum,

2, 22). Modo, maneira, gênero, espécie, natureza (César, Bellum

Gallicum, 2, 19, 1). Relação, trato, comércio, negócios (sentido

genérico) (Cícero, Epistolae ad Atticum, 2, 5, 2).

Nos seis sentidos mencionados acima por Japiassu & Marcondes, vê-se: 1)

segundo Descartes; 2) formalismo lógico; 3) segundo Leibniz; 4) segundo o

determinismo; 5) segundo Kant, dividindo-se em razão teórica e 6) razão prática.

Antes, porém, de adentrar-se às alusões estabelecidas por Japiassu &

Marcondes, deve-se retornar às definições de Isidro Pereira (1990) e Faria

(1967) e refletir-se sobre elas, pois sugerem algumas considerações que de

futuro serão melhor exploradas neste texto.

Em se considerando as definições, pretende-se chamar a atenção do leitor

para a contextualização histórica e cultural relativas às sociedades helênica e

latina, pois os usos que o termo razão recebe são reveladores para os intentos

de Horkheimer em suas considerações.

Dado que os gregos são os criadores da filosofia cujos registros remontam

ao término do século VII, início do século VI a. C. (PROVETTI JR, 2011), em

especial com as reflexões de Tales de Mileto, na Jônia (KIRK; RAVEN & SCHOFIELD,

1994, p. 73-98; POPPER, 2002, p. 7-32), sobre a cosmologia e as bases de

funcionamento da phýsis (natureza) (Cornford, 1989), percebe-se que a razão teve

sua origem em processos sociais e culturais decorrentes da criação da polis

(cidade-estado), a partir do século VIII a. C. (VERNANT, 1998) e acentuadas,

mais tarde, com a reintrodução da escrita e as mudanças mentais decorrentes

dessa tecnologia (HAVELOCK, 1996; PROVETTI JR, 2011), de maneira que o

pensamento racional emerge dessas mudanças sobre a maneira tradicional dos

helênicos se expressarem, a saber: a oralidade, base do exercício poético

inspirado, levado a efeito pelos rapsodos, como se vê na Ilíada (2008) e

Odisseia (2006) de Homero.

Nesse sentido, os gregos se exercitaram na razão a partir de uma

experiência muito distinta da atual, passados mais de dois mil e quatrocentos

anos que em si, se relacionava, conforme se vê na definição do termo por Isidro

Pereira (1990, p. 350) numa relação significante muito próxima a do mito,

enquanto palavra de expressão sacralizada, indicando a relação cultural que era

vivenciada pelos helênicos na criação da razão, a saber: uma palavra eficiente,

sacralizada, instituída em práticas mentais decorrentes das tecnologias da

oralidade, isto é, fundadas na imagética reforçada pelo canto e dança poéticos e

no poder da Memória (Mnemosýne), a deusa mãe das Musas (Musai), divindades que

inspiravam os poetas a passarem e reeditarem as estórias da tribo, importantes a

sua sobrevivência. (PROVETTI JR, 2009).

O grego comum, o homem do povo tinha uma experiência de phýsis que se

distinguia da nossa por se tratar de uma vivência exclusivamente objetivista,

isto é, não possuíam o conhecimento nem a consciência de que neles havia algo

que mais tarde seria chamado de “subjetividade” ou “interioridade” (PROVETTI

JR, 2011; MONDOLFO, 1970) e, portanto, sua relação com a natureza era a de um

Eu aberto, um ser que tem a possibilidade de ser possuído pelas forças naturais

que em si e por si são divinas, pois os deuses gregos são forças naturais e

políticas simultaneamente.

Nesse sentido, a razão não era um atributo do homem, compreendida como

alguma espécie de instrumento, mas ao contrário, ela nem ao homem cabia, pois o

helênico não se via como um algo que pensa a si, seus estados mentais,

emocionais e alguma coisa como os outros e a natureza, enquanto instâncias

diferenciadas, individualizadas, quiçá personalizadas inexistiam.

Tanto é que o famoso dito de Sócrates: - “Homem, conhece-te a ti mesmo”

segundo Mondolfo (Ibidem) não se remetia a um processo de autoconhecimento,

enquanto exame de consciência e emoções inerentes às vivências experienciadas

pelo sujeito do conhecimento. Tudo isso era inexistente para os helênicos.

Portanto, quando se remetiam ao uso do (logos) falavam de algo que era inerente

à natureza e enquanto tal, a eles próprios, pois os homens eram seres

profundamente integrados aos movimentos da phýsis em sua ordem (kosmos).

Logo, a razão, na cultura helênica denunciava a necessidade de

“leitura” da natureza, por parte do homem, por sua vez, ser tão natural quanto

à natureza e enquanto tal, mesmo sem desconfiar de que em si essa natureza

abria-se de maneira infinitamente profunda e particularizante, pode-se afirmar

que a filosofia, nos inícios da criação e experimentação racional tinha como

finalidade apropriar-se do logos para em entendê-lo, compreender a necessidade

de seguir-lhes os divinos impulsos naturais.

Já em Faria (1967, p. 843), percebe-se uma mudança significativa do

sentido próprio do termo ratio em relação a logos, pois se trata de outra

cultura, de outra vivência, a saber, da romana, que através de suas

movimentações políticas, militares e sociais se apropriou da filosofia helênica

e de sua racionalidade de maneira particularmente distinta das motivações que

levaram os gregos a criarem e viverem a razão como acima descrita.

É interessante observar que Faria (Ibidem) inicia sua conceituação

citando César e Cícero, enquanto “sentido próprio” do termo ratio como “(...)

cálculo, conta, objeto de cálculo, livro de contas, registro (...)”.

Apenas nos sentidos figurado e genérico é que surge a razão conceituada

como “(...) consideração, interesse, faculdade de calcular, inteligência,

juízo, bom senso, opinião, argumentação (...)” dentre outros correlatos.

Ora, é notória a distinção de sentidos da ideia de razão, matéria e modo

operacional da filosofia e, após os séculos XIV-XV d. C. e, acentuadamente após

o século XIX d. C., o modo através do qual a Ciência viria a se estabelecer

enquanto projeto não apenas gnosiológico, mas psicológico, educacional, social e

político, em especial, no Ocidente.

Não é curioso tal direcionamento distinto do original grego, embora se

afirme uma linha de continuidade do exercício racional filosófico dos gregos aos

romanos, a despeito de algumas adaptações? Por enquanto fiquemos com esta

questão decorrente da análise lexical da razão e voltemos às definições

filosóficas do conceito.

Para Japiassu & Marcondes (1993, p. 209-210) a primeira acepção

filosófica aplicada ao termo remete-nos ao pensador francês René Descartes, que

afirmava que a razão é: “(...) Faculdade de julgar que caracteriza o ser

humano. 'A capacidade de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é o

que propriamente se denomina de bom senso ou razão, é naturalmente igual em

todos os homens' (Discurso do Método, 1)”.

Percebe-se que Descartes atribui à razão o status de “faculdade humana

natural”, isto é, inerente a qualquer humano e relaciona-se ao exercício do

juízo, isto é, à capacidade de distinguir o verdadeiro do falso; em outras

palavras, a razão cartesiana, parte integrante do processo científico iluminista

do século XVII d. C., que integrou o método científico utilizado até o presente,

vincula-se necessariamente a um afastamento do homem da visão original dos

helênicos e, interessante observar, embora se fundamentasse em parte sobre a

visão romana nela encontra-se duas diferenciações radicais sobre o projeto de

racionalidade grega original: a) a visão de relacionamento do homem com a

natureza e b) a predominância de uma auto percepção cognitiva em que se assinala

a existência de uma interioridade que em si consolida-se enquanto “substância

pensante” res cogitans em oposição à própria corporeidade humana e a partir

deste, do mundo exterior à alma, a saber, a res extensa.

Note-se que a questão do posicionamento do homem em relação à natureza

constitui influências culturais decorrentes ainda da Antiguidade, no período

romano, a saber, as influências judaico-cristã (GILSON, 1995, p. 1-203, 423-453

e 454-494; MANN, 2012; BÍBLIA, 2001) e, posteriormente, já na Idade Média, da

cultura muçulmana (MOHAMED, 2001) que em se apropriando da Filosofia helênica

por diversas fontes adaptou-a à fundamentação de suas tradições religiosas e

segundo essas, o homem é a imagem e semelhança de Jeová (Deus ou Halah) e

enquanto elas, toda a criação foi-lhe posta à disposição enquanto “coroa da

criação” para seu usufruto. Portanto, é em especial com o cristianismo em seus

inícios, que se instaura a percepção parcial da interioridade, na medida em que

os evangelhos apregoavam a existência do Reino de Deus no coração de cada crente

e nessa medida, indiferentemente de sua posição social, status financeiro, etc.,

a salvação se torna pessoal, individual conforme atesta Mondolfo (1970) e nesse

sentido, posteriormente, já Santo Agostinho (“Confissões”, 1980) instaura o

auto inquérito enquanto meio de conhecer-se e modificar-se para a glória do

Altíssimo.

Logo, o conceito de razão para Descartes enunciado por Japiassu &

Marcondes (1993, p. 209) parte de uma visão totalmente distinta da grega e mesmo

da romana, em certa medida, uma visão subjetivista e em oposição à natureza já

instaurado o afastamento entre o chamado “sujeito e objeto de conhecimento”.

Na segunda acepção, que Japiassu & Marcondes (Ibidem) assinalam como

“formal”, vê-se:

(...) a razão é a capacidade de, partindo de certos princípios a

priori, isto é, estabelecidos independentemente da experiência,

estabelecer determinadas relações constantes entre as coisas,

permitindo assim chegar à verdade, ou demonstrar, justificar, uma

hipótese ou uma afirmação qualquer. Nesse sentido, a razão é

discursiva, ou seja, articula conceitos e proposições para deles

extrair conclusões de acordo com princípios lógicos. (...).

Nessa conceituação de razão, observa-se novamente a razão no sentido de

instrumento linguístico humano que parte da análise lógico-conceitual das

essências apreensíveis pelo pensamento e logicamente avaliadas de maneira

indutiva, mesmo a despeito da experiência e tendo como consequência operacional

a elaboração de certa descrição conceitual que em si, nada mais é do que a

influência da noção aristotélico-baconiana sobre o método de se fazer Ciência, a

saber, através do método indutivo, conforme assinala Popper (2002, p. 1-5).

Portanto, mais uma vez, se demonstra o afastamento radical da vivência original

da razão tal qual fora projetada e vivenciada pelos helênicos, embora

Aristóteles fosse um participante do mundo grego, na verdade pelos atenienses

pelo menos era considerado “bárbaro helenizado” e enquanto tal, tinha uma

vivência já distinta da original, embora tenha vivido em imersão cultural em

Atenas durante muitos anos. Sua lógica trata de um projeto enciclopedista e

dicionarista através do qual imaginou através do método indutivo frenar os

problemas decorrentes da catástrofe da linguagem gerada pelos sofistas.

(PROVETTI JR, 2009).

A terceira acepção de razão para Japiassu & Marcondes (1993, p. 209)

remete-nos ao filósofo Leibniz em sua Teodicéia:

(...) identifica-se ainda com a luz natural, ou o conhecimento de

que o homem é capaz de naturalmente, por oposição à fé e à

revelação. 'A razão é o encadeamento de verdades; mais

particularmente, ao ser comparado com a fé, das verdades que podem

ser atingidas pelo espírito humano naturalmente sem o auxílio das

luzes da fé'.

Novamente se percebe nessa definição as questões já indicadas na

definição de Descartes, porém ressalta-se na definição de Leibniz a razão no

papel de “luz natural” numa evidente menção às teses Iluministas que apostaram

na razão enquanto capacidade inerente à Humanidade e que através de seu cultivo

afastar-se-iam as sombras da fé enquanto considerada superstição que travava o

avanço do homem, tornando-o sempre um projeto para a vida do além e não para o

fulgor da existência humana, demasiadamente humana do homem enquanto algo

natural.

Note-se que em Leibniz sob o aspecto filosófico do Iluminismo, atrelado a

este está o Humanismo, tão caro aos séculos XVI e XVII d. C. e que pela época

das Luzes instituiu-se enquanto processo liberador do homem das teias

supersticiosas da religião e seus conflitos pelas almas humanas no pós-morte,

assinalando ainda, o aspecto do ceticismo inerente ao período.

Portanto, à razão humana, através da luz natural, pode-se atingir o

conhecimento possível ao homem e enquanto tal, faz-se mister desprender-se das

luzes da fé para que se amadureça o entendimento. A razão, nesse caso, mantém-se

como instrumento inerente ao homem (alma humana) já então considerada

explicitamente como um elemento à parte da natureza e, sobretudo, que deve se

utilizar da razão para conhecê-la e dominá-la, seguindo o princípio judaico-

cirstão-muçulmano.

Outra definição de Japiassu & Marcondes (Ibidem) arrolada a Leibniz é a

que segue:

Razão suficiente. (…) o princípio da razão suficiente estabelece

que para todo o fato que ocorre há uma razão pela qual esse fato

ocorre, e ocorre de determinada maneira e não de outra. (...).

Ora, partindo-se das explicações acima descritas sobre a razão em Leibniz

acrescenta-se a questão da chamada “razão suficiente”, isto é, em última

análise, o princípio de funcionamento da razão.

Segundo tal princípio, qualquer coisa que ocorra está de certa forma

regido por alguma razão, no sentido de “motivo” e essa motivação é necessária,

isto é, não haveria de ser outra além da que foi. Portanto, segundo essa

definição a razão seria a descrição da causa inerente ao fenômeno dado de tal

maneira que seria sua causa motriz, possibilitando assim, por dedução, remontar

as particularidades dos efeitos para se identificar sua(s) causa(s). Vê-se nisso

uma forte influência do pensamento empirista e experimental da Ciência, pois se

infere que um fenômeno seja da ordem do empírico e não do mental ou lógico.

As duas últimas definições de razão citadas por Japiassu & Marcondes

(Idem, p. 209-210) se relacionam à filosofia de Kant, a saber:

Razão teórica ou especulativa: (…) trata-se da faculdade dos

princípios a priori, que em sua função crítica tem o papel de

estabelecer as condições de possibilidade do conhecimento.

'Distinguimos a razão do entendimento, definindo-a como a

faculdade dos princípios (…). Se o entendimento pode ser definido

como a faculdade de dar aos fenômenos unidade por meio de regras,

a razão é a faculdade de dar unidade às regras do entendimento sob

forma de princípios'. (Crítica da razão pura).

Razão prática: a razão tal qual aplicada no campo da ação humana,

permitindo que o homem tome suas decisões ao agir baseado em

princípios, para Kant, é a razão prática que responde à pergunta

'que devo fazer?', estabelecendo os princípios morais que regem a

ação humana. (...).

Para Kant, filósofo dos séculos XVIII-XIX d. C., se verifica que em sua

epistemologia, a razão assume a total formalidade no que se refere à razão

teórica ou especulativa, tornando-se uma função da mente humana com o objetivo

de estabelecer as relações e condições de possibilidade para o conhecimento.

Note-se ainda, que Kant distingue a razão teórica do entendimento, isto é, do

intelecto e de sua capacidade de compreender e pensar ideias gerais.

Nesse sentido, portanto, para Kant a razão teórica se constitui na

capacidade humana de “dar unidade às regras do entendimento sob a forma de

princípios” (JAPIASSU & MARCONTES, 1993, p. 209), ou seja, seria alguma espécie

de instrumento mental inerente ao ser humano através do qual, dado a existência

do entendimento enquanto capacidade mental de compreender e pensar ideias,

destas a razão teórica organizaria através da elaboração de princípios racionais

a realidade.

No outro sentido alegado por Kant, isto é, da razão prática, a razão se

caracteriza como uma “ação humana” vinculada, então, à capacidade de juízo

diante de situações, decisões em que o valor moral destas implica uma tomada de

decisão que segundo Kant necessita estar condizente com a moral que orienta as

ações dos homens segundo os princípios racionais, isto é, estabelecidos pela

razão teórica a priori, mas que encontram nos hábitos e costumes sociais certa

fundamentação que por dever orienta as práticas humanas em sociedade. Portanto,

a razão nesse sentido tornar-se uma capacidade de apreender as ideias inerentes

aos hábitos sociais considerados morais e a despeito da vontade do indivíduo,

por respeito ao princípio da razão teórica tornado um dever na razão prática, o

sujeito do conhecimento toma ações éticas com base nesses princípios da

moralidade aos quais a razão prática o conduz.

Nesse momento de reflexão em torno do significado do termo “razão”

chamo a atenção dos leitores para as seguintes características históricas em

torno desse conceito, a saber: a) A razão é criação grega decorrente do processo

de criação da polis grega e da reintrodução da escrita na sociedade helênica. Os

gregos não tinham conhecimento de qualquer menção de alguma interioridade e não

desconfiavam da existência em si de alguma subjetividade e suas consequências,

encarando a natureza enquanto Eu aberto às forças naturais, considerando-se,

eles próprios elementos inerentes à natureza dela um pouco distanciados devido à

vida políade, mas profundamente integrados nas dinâmicas cósmicas da natureza.

Portanto a natureza era considerada provida de um logos e enquanto tal, cabia ao

homem através de seu próprio logos compreender a phýsis de maneira a intuir as

motivações do comportamento da natureza do micro ao macro.

b) Na sociedade romana, após os contatos efetivados com os helênicos e,

em especial após o período alexandrino com a apropriação de traços culturais

gregos, dentre eles a apreciação pela filosofia e suas tecnologias, o espírito

latino adaptou o pensamento especulativo helênico e redirecionou-o a condições

culturais mais próprias aos romanos e nesse sentido, a razão ao invés de manter-

se como ponto de acesso ao conhecimento possível ao homem enquanto inerentemente

vinculado à natureza, tornou-se um elemento de cálculo, de quantificação na

natureza e, por assim dizer, a razão mutou de uma função interpretativa da

realidade natural para uma função quantificadora, calculadora para fins

pragmáticos, voltados às realizações grandiosas levadas a efeito pelos romanos.

c) Ainda no período romano, sob a influência das permutas culturais

levadas a efeito no mare nostrum (nosso mar), da comunidade judaica de

Alexandria, importante centro cultural e agrícola para o mundo romano, a

tradição judaica de Jeová compõe o fantástico mosaico religioso da grande

metrópole helênico-egípcia sob administração romana a ponto de a Torah ser

compilada pela primeira vez ainda sob a administração de Ptolomeu II entre 309-

246 a. C. e tornar-se acessível aos investigadores da Biblioteca. Séculos mais

tarde, após o fenômeno Jesus em Israel, percebe-se em Alexandria como em

diversos povoamentos de cunho judaico, o surgimento de núcleos comunitários

cristãos, ora integrados às sinagogas hebraicas, ora delas distintas, mas

perceba-se que nestes o estudo sistematizado mais ou menos intenso da Torah

fazia-se eivado de reflexões filosóficas de diversa procedência, a ponto de

surgir à época, a teoria de que a filosofia grega teve inspiração nos profetas

judeus, tanto quanto em outros núcleos mais ortodoxos, estabeleceu-se o conflito

entre a razão e a fé com a gradual expulsão das heresias helênico-romanas.

No entanto, conforme atesta Gilson (1998, p. 2-203), o pensamento

filosófico helênico e romano foi aos poucos sendo conjugado com as tradições da

Torah e dos evangelhos, à época em processo de constituição tradicional, sendo

posteriormente exportados para a sede imperial, em Roma, tornando-se objeto de

sincretismo por filósofos como Teodoreto, João Damasceno, Ambrósio, Boécio,

Gregório e Agostinho, pensadores cristãos que se preocuparam em fundir

conceitualmente a filosofia com a tradição judaico-cristã. Foi nesse momento que

ocorreu gradualmente certa mudança de paradigma da razão enquanto algo natural,

inerente aos elementos da natureza e por conseguinte, ao próprio homem para uma

função, que já era compreendida em certa medida, em especial pelo mundo latino,

como uma espécie de função do homem para quantificar a natureza de maneira

pragmática, isto é, objetivando atingir certos fins e não interagir de maneira

harmônica e equilibrada, como asseveravam as filosofias helênicas.

d) Dado a mudança de paradigma natural, uma vez que o homem passou de

elemento da e na natureza para filho de Jeová-Deus, dotado da razão enquanto

função da alma que desde que encarada com a humildade do filho em relação ao Pai

possibilitar-lhe-ia o conhecimento sobre a natureza, toda usufruto dedicado por

Jeová-Deus-Halah ao homem, por graça divina, o crente a teria iluminada a razão

para dela usufruir-lhe enquanto “coroa da criação”, imagem e semelhança de

Deus.

Da razão já cristianizada através de vários séculos, viu-se em Descartes

o reconhecimento da tese cristã da autonomia da vontade do Eu rumo à glória do

Altíssimo durante a sua existência, na interioridade de seu coração, de sua

consciência ser fundada pela clara oposição de fundamentação platônica entre a

res cogitas e a res extensa e, dessa maneira, a razão definitivamente tornar-se

uma propriedade dessa “coisa pensante”, capaz de conduzi-la à verdade a partir

de seu próprio conhecimento elementar, isto é, de que sabe que existe. Ainda

nessa vertente, porém de inspiração aristotélico-formal, percebe-se que a razão

é um atributo da alma para a emissão de juízos sobre proposições e essenciais e

não necessariamente sobre objetos do mundo natural.

e) Em Leibniz vê-se a razão conseguindo opor-se à fé enquanto “luz

natural” e como “razão suficiente” em nada se distinguindo da concepção

instrumentalista dela em relação ao homem como “sujeito do conhecimento”

diante do “objeto do conhecimento”, a saber, a natureza.

f) Com Kant, nota-se a percepção da razão enquanto justificação formal de

princípios inerentes à natureza enquanto objeto do conhecimento e na vida

social, ética, a razão se apresenta como uma função da alma para intuir as

ideias próprias aos costumes e estratificá-las em princípios universais e

necessários sobre os quais o homem deve pautar seu comportamento a despeito de

sua vontade.

Ora, de tudo isso se depreende que a razão tornou-se algo muito estranha

a seus criadores, os helênicos! Pois além de ser interiorizada, subjetivada,

regulada por leis linguísticas, instrumentalizada enquanto meio do homem, ser

oposto por sua dignidade religiosa aos demais elementos da natureza e devido a

isso, esta se tornou um outro diferente do homem e enquanto tal, um desafio a

ser esquadrinhado pela mente humana e sua luz natural, de maneira que possa ser

compreendida e como tal, submetida à vontade de poder do homem através de sua

nova ferramenta de trabalho, a saber, a Ciência, criando pela observação e

experiência indutivo-racionais a tecnologia com os fins claros e objetivos de

facilitar a vida humana, libertando-o do bruto trato para com a vida,

melhorando-lhe a qualidade de vida e libertando-o da ignorância inerente à fé e

aos conflitos político-religiosos em busca da Verdade.

Esses foram os princípios Iluministas que em busca de tornarem efetivos

os ideais Humanistas dos séculos XIV-XV d. C. proporcionaram aos europeus dos

séculos vindouros o arroubo cientificista e tecnológico instrumental capaz de

estudar, compreender, quantificar, dominar e subverter diversos aspectos

naturais para o usufruto da coroa da criação, isto é, o homem.

Para Horkheimer, no século XX d. C. observa-se o ápice do desenvolvimento

do que nomeia como “a civilização industrial”. Fruto do mercantilismo europeu

dos séculos XV-XVIII d. C., o capitalismo proporcionou aos estados europeus, a

partir do século XVI d. C. um sistema econômico baseado no comércio e acúmulo de

capitais que derivou e subverteu o antigo sistema, o feudalismo após a

reabertura das atividades comerciais continentais e intercontinentais por terra

e, posteriormente por mar, após as descobertas e sendo capitaneada inicialmente

por Portugal e Espanha, esses países rapidamente abriram espaço para que a

Inglaterra e França, mais tarde a Holanda e muito tardiamente a Alemanha

ingressassem na era industrial.

Em um pouco mais de quinhentos anos a civilização ocidental e,

posteriormente, o fenômeno se alastrou por todo o planeta, embora algumas

diferenciações, tornando-se um parâmetro existencial com características de

produção, racionalização, tecnologização mercadorização de todas as instâncias

da existência alterando o modo de vida do homem e sua relação com a natureza.

Muito criticado por filósofos e sociólogos como Henri de Saint Simon,

Robert Owen, Karl Marx, Friedrich Engels, dentre outros, por ser um sistema

econômico, ideológico, político e comportamental que tende a provocar êxodo

rural, inchamento das cidades, capitalização por parte dos proprietários dos

meios de produção, exacerbação do consumo e competitividade, individualismo,

alienação pessoal, política, educacional e financeira, e outros fenômenos

sociais que coisificam o homem em torno de uma lógica de mercado, o capitalismo

em si para Horkheimer não é o vilão exclusivo que caracteriza a civilização

industrial.

Segundo Horkheimer apud Reale e Antiseri (2003, p. 846), os problemas

inerentes ao “lucro” e ao “planejamento” como geradores de repressão não são

particularidades específicas do capitalismo, mas ao contrário, afirma que o

verdadeiro problema é “(...) o fascismo é a verdade da sociedade moderna (…)

quem não quer falar do capitalismo deve também calar sobre o fascismo”. Isso se

daria devido à crença de Horkheimer de que o fascismo é inerente às leis do

capitalismo, o que o filósofo chamou de “pura lei econômica” que segundo as

tradições liberais e neoliberais chama-se “lei do mercado e do lucro”, para

Horkheimer chama-se “pura lei do poder”.

Para o entendimento de todos faz-se necessário verificar do que se trata

quando Horkheimer indica o fascismo como inerente às leis do sistema econômico

capitalista. O fascismo foi uma doutrina totalitária, isto é, um sistema

político no qual o Estado se encontra normalmente sob o controle de uma pessoa,

sistema político, facção social ou classe social que não reconhece limites à sua

autoridade e que busca regulamentar todos os aspectos da vida pública e privada.

Além dessas características, o fascismo é uma doutrina radical de extrema

direita, desenvolvida na Itália por Benito Mussolini a partir de 1919, sendo o

nome da doutrina política decorrente do partido a que o criador estava vinculado

no final do século XIX início do século XX.

Portanto, para Horkheimer, o sistema econômico predominante na

civilização industrial, o capitalismo, mascara a realidade funcional de suas

teses através da ideia de “harmonia social” gerada pelas chamadas “leis do

mercado” de cunho liberal, na medida em que se consolida enquanto poder de uma

minoria que detém a propriedade privada das forças de produção.

Ainda sob a influência do que os economistas chamam de “segunda

revolução industrial”, Horkheimer analisa a civilização industrial desde o

início da influenciação do liberalismo clássico, que se baseia na concorrência

de mercado, até o capitalismo monopolista que tem como princípio a destruição da

economia de mercado para num momento posterior, progredir para uma abordagem

totalitária e excludente de uma de suas falácias iniciais, a saber: a livre

concorrência; já que a tendência da disputa mercadológica é suprimir os

oponentes através do aperfeiçoamento tecnológico a ponto de ser predominante ou

totalitário no nicho mercadológico em que se estabelece.

No âmbito da gestão do Estado sob o fascismo capitalista, Horkheimer

observa a necessidade de crescimento da burocracia em todos os setores da vida,

uma vez que se faz necessária a institucionalização do poder enquanto mediador

mais ou menos ativo no mercado para que seja manipulado pelos donos do capital,

na medida de seus interesses, embora com a desculpa de que sua função precípua é

a de representar o povo, o Estado acaba por se tornar inacessível aos

representantes populares e veicula-se em mais uma instância de apropriação

pública da iniciativa privada, defendendo-lhe os interesses e quando

conveniente, socorrendo-se dos recursos públicos em prejuízo ao Estado.

Por outro lado e curiosamente a despeito dos indícios que nossa

argumentação pode dar ao leitor, Horkheimer pouco se atém à defesa do comunismo,

enquanto sistema ideológico, político e econômico teoricamente assinalado por

Marx, Engels e os vários marxismos posteriores aos filósofos opostos ao

capitalismo-liberalismo.

Para Horkheimer o comunismo é “capitalismo de estado, constitui uma

variante do estado totalitário” e por conseguinte, fascista tanto quanto o

capitalismo. Isso se dá devido às organizações proletárias se tornarem

burocráticas, isto é, uma proposta organizacional que se caracteriza por regras

e procedimentos explícitos e regularizados cuja divisão das responsabilidades e

especialização do trabalho prioriza a hierarquização funcional e impessoaliza as

relações humanas. Como se percebe, ao burocratizarem-se as organizações

proletárias submetem-se a um dos princípios operacionais do capitalismo, a

saber, a divisão e especialização do trabalho que efetivam a alienação dos que

não são proprietários dos meios de produção. Portanto, o comunismo também é um

capitalismo de estado e enquanto tal, um regime fascista.

É nesse sentido que Horkheimer em sua Crítica da razão instrumental

(1973) leva a efeito o exame do conceito de racionalidade implícito a cultura

industrial e tenta identificar algum vício essencial.

Em a Crítica da razão instrumental (1973) Horkheimer conceitua razão

instrumental como sendo a operacionalização dos processos racionais, entendendo

estes no sentido investigado no início deste artigo, isto é, no sentido de algo

que não se relaciona mais com a natureza enquanto o humano é a própria parte

constitutiva da natureza e portanto, capaz de apreendê-la e nela e por ela

interagir de maneira harmoniosa e equilibrada; ao contrário, razão aqui se

entende nos desdobramentos que são decorrentes dos usos instituídos desde o

período romano, em franca oposição à vivência helênica. A razão instrumental é

uma “operacionalização” da razão que em si e por si já é instrumento do homem

coroa da criação, subjetivo, mas objetivamente tendo que lidar com a natureza

para dominá-la e submetê-la a seus interesses.

Nesse sentido, Horkheimer (1973, p. 184) afiança que a civilização

industrial está de início, podre, podendo-se inclusive, falar em “doença da

razão”, isto é:

(...) essa doença deveria ser entendida não como o mal que atacou

a razão em dado momento histórico, e sim como algo inseparável da

natureza da razão na civilização, assim como a conhecemos até

aqui. A doença da razão está no fato de que ela nasceu da

necessidade humana de dominar a natureza.

Nesse particular, discordo parcialmente de Horkheimer, na medida em que

sua fala abrange a totalidade do fenômeno razão, pois conforme visto

anteriormente, é a partir da civilização romana, após a apropriação do logos

helênico com a consequente adaptação a sua peculiar maneira de ver a natureza

que se iniciou certa deturpação do sentido de “razão”, passando de um elemento

natural cujo homem faz parte e por isso pode interpretá-la para certa faculdade

humana que após a judaico-cristianismo-islamização ocidental contrapôs homem-

natureza e privilegiou o homem e sua razão como usufrutuários incondicionais da

natureza.

Por outro lado, concordo com Horkheimer quanto ao adoecimento da razão em

nível genético, desde que se leva em consideração a História Psicológica

implícita a sua história da mentalidade racional.

Para Horkheimer essa ânsia de dominação da natureza por parte do homem só

se deu devido a uma organização burocrática e impessoal que possibilitou a auto

visão humana enquanto “instrumento”, isto é, para que o homem pudesse

racionalmente operar sobre a natureza e estudando-a dominá-la. A civilização

industrial necessitou coisificar o homem, torná-la desprovido de pessoalidade,

vê-lo enquanto número tão quantificável indistintamente quanto qualquer elemento

natural, embora na raiz de sua existencialidade, no âmbito da moral, da ética e

da política, a dignidade humana é tida como o que nos torna humanos, distintos

dos animais por naturalização decorrente de nossa filiação divina com Jeová-

Deus-Halah; nos âmbitos econômico e industrial, o homem é um número, um

consumidor, capaz de gerar certo número de bens, serviços e de consumi-los a

troco de certo valor atribuído a sua existencialidade e, até certo nível,

dispensável quando se opõe aos processos burocraticamente instituídos como

essenciais à produção industrial.

A partir disso, procede que a instrumentalização da razão contradiz

exatamente ao que a Ciência, a tecnologia e a industrialização se propuseram

fazer com a humanidade nos idos do Iluminismo, enquanto processo que:

(…) identifica-se ainda com a luz natural, ou o conhecimento de

que o homem é capaz de naturalmente, por oposição à fé e à

revelação. 'A razão é o encadeamento de verdades; mais

particularmente, ao ser comparada com a fé, das verdades que podem

ser atingidas pelo espírito humano naturalmente sem o auxílio das

luzes da fé'. (Leibniz apud JAPIASSU & MARCONDES, 1993, p. 209).

Dado as corrupções as quais a noção helênica original de razão e

racionalidade foram expostas ao longo da História da Filosofia e da Ciência, a

doença a qual Horkheimer indica enquanto “inseparável” da ideia de razão, se

caracteriza pela atitude do homem ver-se distinto da natureza e no direito e

poder de tomar uma decisão, de conhecê-la objetivando exercer domínio sobre ela,

coisificando-se e, como contrapartida, uma vez que desconhece as bases

históricas da razão, ao coisificar a natureza intentando dominá-la coisifica-se,

desumaniza-se, despersonaliza-se crendo ilusoriamente reforçar seu ato decisório

individual e personalisticamente na sociedade através da tecnologia, implicando

com isso a sua total, brutal e drástica desumanização.

A razão, elemento que no Iluminismo foi tomado como libertador das

supersticiosas clausuras da fé religiosa e da ignorância generalizada

consolidou-se através da Ciência e da Tecnologia, de heroína a vilã, pois dado o

descompromisso ético dos cientistas e industriais para com a humanidade,

incitados pelo aumento constante de poder por eliminação da concorrência a

tecnologia acabrunha o homem ao invés de torná-lo livre e feliz; nos dizeres de

Horkeimer (1973, p. 10): “(...) pesa sobre todos a sensação de medo, e

desilusão: hoje, as esperanças da humanidade parecem mais longe de se

concretizarem do que eram nas épocas bem mais obscuras em que foram formuladas

pela primeira vez”.

Isso se deu devido ao deslocamento do centro de gravidade da razão

helênica enquanto paradigma inicial na criação dessa linguagem adotada e

deturpada pela Filosofia, Ciência e Tecnologia contemporâneas como conjunto de

estratégias (meios) para se atingir um fim (pragmatismo). Portanto, a razão

instrumental tende a se engessar nos meios, não realizando a reflexão objetiva

dos fins e nesse sentido, a Filosofia, a Ciência e a Tecnologia deixam de se

preocupar com o conhecimento verdadeiro para deter-se e se tornar em instrumento

de dominação, poder e exploração do homem coisificado, desumanizado e tratado

como “sujeito” ou “consumidor” ao invés de “homem”, “pessoa” “Eu”.

A razão crítica a qual Horkheimer contrapõe à razão instrumental se

caracteriza por ser uma reflexão objetiva dos fins cujos meios são analisados

levando-se em consideração a ideia de “homem”, isto é, a emancipação que este

possui diante da sociedade, do respeito a seu poder de crítica e de criatividade

que estão em constante ameaça na civilização industrial, seja de cunho

capitalista ou comunista.

Na medida em que a civilização industrial valoriza os fins em detrimento

dos meios no paradigma de oposição entre homem e natureza, a razão tende a não

saber nada, o indivíduo repete unicamente que apenas existe um caminho no mundo,

a saber: o de renunciar a si mesmo, isto é, o de se coisificar, intensificando o

processo que o sistema econômico já prioriza, tornando-se assim, predeterminado

a cumprir o seu papel na engrenagem do sistema.

Apenas a não renúncia da razão ao exercício crítico que tende a observar

os meios para não supervalorizar os fins, descoisificando o homem e incentivando

seu desenvolvimento racional crítico é que a razão pode furtar-se à sua

aplicação pragmatista e irresponsável, tirando o homem à prateleira e

entregando-lhe o destino para que através de uma razão não calculadora, mas

integrada entre o homem e a natureza resgate-se a possibilidade ecológica de

interação complementar e não dominadora e destruidora, atenuando-se os efeitos

de uma lógica produtiva perversa, consumista, irresponsável, não sustentável,

criada e mantida ainda hoje pelos usuários da razão instrumental que

possibilitaram, por exemplo, o cúmulo da coisificação humana em prol de fins sem

consideração sobre os meios, com a pulverização, carbonização e múltiplas lesões

causadas a centenas de milhares de civis inocentes no desenvolvimento e término

da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com o ataque-experimento das bombas

nucleares de Hiroshima e Nagasaki.

Instrumentalmente pragmático, racional, isto é, finalizar a guerra sem

mais custos humanos e materiais; ao mesmo tempo porém, brutal, irresponsável,

desumano e acrítico racionalmente, portanto, uma pérola da razão instrumental.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO (Stº.) . As confissões . São Paulo: Abril, 1980.

BÍBLIA . O antigo e o novo testamento . São Paulo: Geográfica, 2001.

CORNFORD, F. M. . Principium sapientiae: a origem do pensamento filosófico

grego . Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

FARIA, E. . Dicionário escolar latino-Português . Rio de Janeiro: MEC, 1967.

GILSON, É. A filosofia na Idade Média . São Paulo: Martins Fontes, 1995.

HAVELOCK, E. . A revolução da escrita na Grécia: e suas consequências culturais

. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HOMERO . A ilíada . São Paulo: Bernardis & Vertechia, 2008.

__________ . A odisseia . São Paulo: Cultrix, 2006.

HORKHEIMER, M. . Crítica de la razón instrumental . Buenos Aires: SUR, 1973.

ISIDRO-PEREIRA, S. J. Dicionário Grego-Português e Português-Grego . Braga:

Livraria Apostolado da Imprensa, 1990.

JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia . Rio de Janeiro:

Zahar, 1993.

KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. . Os filósofos pré-socráticos . Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

MANN, T. W. . The book of the Torah: the native integrity of the Pentateuch .

Louisville: John Knox Press, 2012.

MOHAMED . Alcorão . Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran,

2001.

MONDOLFO, R. O homem na cultura antiga: a compreensão do sujeito humano na

cultura antiga . São Paulo: Mestre Jou, 1970.

POPPER, K. R. . The world of Parmenides: essays on the presocratic

enlightenment . London and New York, 2002.

PROVETTI JR, J. A alma na Hélade: a origem da subjetividade Ocidental .

Umuarama: JPJ Editor, 2011.

__________ . “O fenômeno sofística na Grécia Clássica e a educação do cidadão”

In CÂNDIDO, M. R.; GOMES, J. R. de P. (Eds.) . NEARCO: revista eletrônica de

Antiguidade . Rio de Janeiro: NEA – UERJ, 2009.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: do romantismo até nossos dias .

São Paulo: São Paulo: Paulus, v. III.

VERNANT, J.-P. . As origens do pensamento grego . Rio de Janeiro: Bertrand

Brasil, 1998.

CRÍTICA AO SUJEITO E A RAZÃO GOVERNAMENTAL NO DOMÍNIO DA BIOPOLÍTICA DE MICHEL

FOUCAULT

Amílcar Machado Profeta Filho

e

Daniel Salésio Vandresen

INTRODUÇÃO

O empreendimento filosófico de Michel Foucault pode ser situado na

tradição kantiana da filosofia crítica, embora não como a proposta de Kant de

uma crítica dos limites da razão ou na dimensão da política moderna de vigiar os

excessos do poder inerente a racionalidade política. Isso significa que não

adianta colocar a razão em um tribunal para ser julgada, porque não se trata de

analisar o processo de racionalização de uma sociedade como um todo. A

perspectiva adotada por Foucault visa investigar as racionalidades especificas

presentes nas relações de poderes locais, como: a forma de poder disciplinar

presente nas prisões, escolas, fábricas, hospitais e demais instituições, bem

como a forma de poder que preserva a vida (biopoder), inerente as políticas que

administram as populações.

Outra unidade na obra de Foucault pode ser situada no enfoque dado ao

sujeito. Em todo o seu pensamento o sujeito aparece como uma construção

histórica. Defende que ele se constitui a partir dos modos de subjetivação, ou

seja, a partir de um jogo de verdade e de poder que o submetem ao controle do

outro e, também, de si mesmo. No entanto, com enfoques diferentes na trajetória

de seu pensamento40, a saber: primeiro a abordagem da década de 60, uma análise

da produção dos saberes (descrição arqueológica do que pode ser dito e aceito

como verdadeiro, uma investigação do processo de objetivação do sujeito pelas

ciências humanas); segundo, a partir da década de 70, uma análise do poder

(descrição genealógica dos poderes disciplinares que produzem individuação e das

40 A produção intelectual de Michel Foucault (1926-1984) é frequentemente caracterizada pela

seguinte divisão: período arqueológico, período genealógico e, o período da ética e estética de

si. Adotou-se essa classificação unicamente por conveniência, a fim de situar o leitor nesta

proposta de trabalho. Deste modo, este estudo não pretende problematizar as polêmicas que

envolvem tal classificação.

estratégias de governamentalidade pela biopolítica) e, terceiro, década de 80,

uma estética da existência (por meio das técnicas de si ou cuidado de si,

resgata a construção de uma subjetividade emancipatória, em que o indivíduo

através de práticas que o relacionam a si mesmo, se produz e se transforma).

Nesta última fase, o autor encaminha seu trabalho em busca de uma solução ético-

política para o processo de sujeição.

Este trabalho prioriza a análise do sujeito e da razão governamental na

biopolítica de Foucault. Com isso, utilizou-se dos outras fases apenas para

situar o leitor na trajetória do seu pensamento. Desse modo, esta exposição

inicia-se com a sua concepção de sujeito e como ela aparece na análise do

discurso. Em seguida, apresenta-se sua abordagem do poder e biopoder, mostrando

como estes conceitos foram incorporados pela razão governamental moderna. Por

fim, analisa-se como a educação aparece como um instrumento que coloca em

movimento as forças da razão governamental, mas que, também, por meio dela é

possível produzir resistência.

O SUJEITO HISTÓRICO

Foucault declara (1995, 232) que o tema principal de seus estudos é o

sujeito e não o poder, sendo que o seu trabalho atual (última fase) visa

entender “[...] o modo pelo qual um ser humano torna-se um sujeito”.

(FOUCAULT, 1995, 232). Portanto, sua investigação trata principalmente da

constituição da subjetividade. Seu interesse em problematizar o discurso é o de

entender a forma como nos constituímos enquanto sujeitos do nosso saber e como

os indivíduos exercem e sofrem relações de poder. Daí sua preocupação, a partir

dos anos 80, gira em torno da “estética de si”, ou seja, os mecanismos que os

indivíduos utilizam na construção de si mesmos, tema da subjetividade.

A subjetividade, para Foucault, se refere às práticas por meio das quais

o indivíduo constrói uma verdade sobre si. Em suas palavras, define

subjetividade como: “a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si

mesmo num jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo”. (FOUCAULT,

1984 apud REVEL, 2005, 85). Abordar o tema da produção histórica da

subjetividade na perspectiva foucaultiana significa tratar dos modos de

subjetivação, ou seja, os modos – as práticas, as técnicas, os exercícios –

colocados em ação em um determinado espaço institucionalizado, no qual o sujeito

se constrói nas relações de saber-poder e na produção de uma verdade. O problema

da subjetividade em Foucault pode ser caracterizado por dois tipos de análise

dos modos de subjetivação (REVEL, 2005, p. 82): como processo de sujeição do

indivíduo, seja por meio dos saberes que o objetivam, seja por meio dos poderes

que o submetem a um governo e, de outro modo, por meio de técnicas de si, que

fazem com que o sujeito constitua sua própria existência.

No texto Subjetividade e Verdade (1980/81), Foucault descreve o que

pretende com o estudo deste tema:

O fio condutor que parece ser o mais útil, nesse caso, é

constituído por aquilo que poderia ser chamar de “técnicas de

si”, isto é, os procedimentos, que, sem dúvida, existem em toda

civilização, pressupostos ou prescritos aos indivíduos para fixar

sua identidade, mantê-la ou transformá-la em função de

determinados fins, e isso graças a relações de domínio de si sobre

si ou de conhecimento de si por si. (FOUCUALT, 1997, p. 109).

Para o pensador francês, o indivíduo se constrói por meio de práticas que

impõe uma verdade sobre si e que devemos reconhecer como tal. É o poder que

produz o sujeito e não o contrário. “É uma forma de poder que faz dos

indivíduos sujeitos” (FOUCAULT, 1995, p. 135). A formação do sujeito consiste

em um processo de sujeição que o faz estar preso a uma identidade construída. Em

cada momento histórico, existem práticas de si que visam a construção de

identidades para atender a determinados fins, segundo as relações de saber-poder

vigentes. Assim, quando trata do poder, o autor quer investigar as estratégias

utilizadas em uma sociedade para a subjetivação do indivíduo e como seria

possível através de forças de resistência buscar a libertação ou

desassujeitamento.

O SUJEITO DISCURSIVO: UM DEBATE EM CONSTRUÇÃO

O “sujeito” é dotado de contradições das quais esta breve apresentação

não pode dar conta de abordar sua amplitude. Concentram-se as energias em

analisar o sujeito em alguns aspectos filosóficos, interligando-o à análise do

discurso (AD), ao “sujeito discursivo”. O conceito de “sujeito”, por

exemplo, em Foucault é muito complexo de ser compreendido. Esse autor foi

considerado historiador, linguista, pensador, filósofo. Daí se observa seu grau

de erudição. Em seu ciclo de aulas entre 1981-1982, Foucault (1997)41 trouxe

indícios para responder: quem é este “sujeito”? O que são “cuidado de si”,

“técnicas de si”? Essas questões fizeram parte das preocupações do pensador.

Para respondê-las, ele retornou a Antiguidade.

Foucault afirma que, desde tempos antigos, o homem preocupou-se com o

“cuidado de si” com o objetivo de conhecer a si mesmo. O autor trouxe uma

abordagem filosófica do “sujeito”, porém essencial, porque partindo do

pressuposto de que o “sujeito” é fruto de um contexto social e histórico,

compreendendo-o, entende-se seu discurso.

Ao estudar Sócrates, Foucault afirma que o filósofo grego foi condenado a

tomar cicuta42 porque seu objetivo durante a vida foi reconhecer que a divindade

está sempre perto do homem até seu último suspiro. Sócrates também ajudou a

formar a juventude ateniense. Segundo Foucault, o filósofo grego se considerava

um “mestre” do cuidado de si mesmo. Interpelava as pessoas dizendo: “vos

ocupais de vossas riquezas, e de vossa reputação e de vossas honras, mas não vos

ocupais com vossa virtude e vossa alma”. (FOUCAULT, 1997, p. 119). Com essa

tarefa de autorreflexão, Sócrates as ensinava, desinteressadamente, não pedia

retribuição, não almejava condecoração, mas realizava por benevolência. O autor

salienta que os juízes de Sócrates não deveriam condená-lo, mas recompensá-lo

“por ter ensinado aos outros a cuidarem de si mesmos”. (FOUCAULT, 1997, p.

120). Com essa postura, Sócrates colaborou para a emancipação, para a busca da

consciência, da juventude ateniense, mas essa atitude ocasionou sua própria

morte.

Em Atenas, havia uma estrutura de poder em que apenas uma parcela da

população era beneficiada. Essa pequena parcela, composta por cidadãos

41 Em Foucault (1997), estudamos, especificamente, o curso intitulado A hermenêutica do sujeito.42 Planta venenosa que era encontrada na Antiguidade em regiões como o Oriente Médio e a Europa.

Foi utilizada para envenenar o filósofo grego Sócrates.

atenienses, era formada pela elite. A escravidão e as guerras traziam

enriquecimento para a cidade. Quem não fosse nascido em Atenas não poderia ser

cidadão, ou seja, não tinha voz na praça pública, na Ágora. Sócrates deveria

observar o privilégio desses poucos cidadãos, os abusos de poder, a corrupção

latente, por isso era seu dever, enquanto filósofo e preceptor, despertar a

juventude para a reflexão de seus próprios atos, para o cuidado de si, de seu

nível moral, de sua ética. Entretanto, no decorrer do processo histórico, sabe-

se qual é o desfecho daqueles que buscam o resgate da consciência. Sócrates

incomodava muitos “poderosos” e não restou alternativa senão a de silenciar

seu discurso. Aqui, tem-se uma prova de que o sujeito discursivo pode ser

silenciado.

Foucault leva a indagar questões contraditórias que podem ser

consideradas exemplos atuais. O problema da seleção e da “interdição” do

discurso (FOUCAULT, 2006a, p. 9) existente hoje nas instituições, na sociedade,

na família, vem de séculos. Comprova que o “sujeito” pode ser influenciado

pelo contexto que se insere e que, ao buscar um entendimento maior sobre os

discursos que o cerca, sobre a economia, a política, a ciência, as instituições

jurídicas, a sociedade, corre-se o risco de sua fala ser “excluída”, ser

“desqualificada”, ser considerada “louca”, porque pode abalar estruturas de

poder consolidadas, organizadas por indivíduos que não querem perder seus

privilégios econômicos, seu status social.

Retomando Sócrates, Gregório de Nícia e outros filósofos da Antiguidade,

Foucault (1997, p. 121-122) diz que o

[...] cuidado de si constituiu não somente um princípio, mas uma

prática constante. [...] Será preciso, então, compreender quando

os filósofos e moralistas recomendarão o cuidado de si

(epimeleïsthai heautô), não aconselhando simplesmente prestar

atenção em si mesmo, evitar as faltas ou os perigos ou se

proteger. Referem-se a um campo de atividades complexas e

reguladas. Pode-se dizer que, em toda filosofia antiga, o cuidado

de si foi considerado, ao mesmo tempo, como um dever e como uma

técnica, uma obrigação fundamental e um conjunto de procedimentos

cuidadosamente elaborados. (grifo nosso).

O sujeito tem a função de cuidar mais de seu “interior”, de suas ideias

e representações sobre o mundo, de sua alma, do que de sua

exterioridade/materialidade. Para atingir tal estado de introspecção, de

reflexão interior, de postura ética em ações diárias, o sujeito deve utilizar-se

de técnicas: “meditatio”, “exercitatio” (FOUCAULT, 1997, p. 132). Na

meditação, na reflexão profunda, na atenção aos pensamentos, nas representações

que a mente produz, devem-se observar esses pensamentos como um soldado em

estado de guerra, meditar sobre as atitudes. Isso leva à autorreflexão e à busca

de ações corretas. O sujeito não se deve deixar influenciar por acontecimentos

“exteriores”. Mas deve aprender a não se deixar afetar por problemas materiais

e emocionais, por acontecimentos que ocorrem no dia a dia, buscando transcendê-

los. Mas como conseguir atingir esse estágio de plenitude individual?

Foucault (1997, p. 127), na tentativa de entender os filósofos antigos,

conclui que “Precisamos de ‘discurso’: de logoï, entendidos como discursos

verdadeiros. [...] São eles que permitem afrontar o real”. Decifrar o que

Foucault entende como “discurso verdadeiro” não é tarefa para iniciantes.

Arriscamos a dizer que esses discursos poderiam ser a retomada íntima e profunda

da consciência humana, consciência que se perdeu devido um emaranhado de

teorias, de explicações sobre a vida e o mundo, entretidos em um ego

robustecido, cacarejado de autoimportância e autosapiência, de querer

transformar o mundo tendo como mola secreta da ação humana a inveja e a cobiça.

Mas Foucault (1997, p. 130) diz que esses “discursos verdadeiros” não ajudam a

decifrar os desejos e as representações: “Trata-se, ao contrário, de armar o

sujeito de uma verdade que não conhecia e que não residia nele; trata-se de

fazer dessa verdade aprendida, memorizada, progressivamente aplicada, um quase-

sujeito que reina soberano em nós mesmos”.

Como o texto A hermenêutica do sujeito é um dos mais difíceis que o

pensador francês escreveu, é relevante reportar-se à análise de Revel (2005).

Segundo a autora, o que Foucault intentava era um resgate a um “ideal ético”

do sujeito, por isso estudava a Antiguidade (REVEL, 2005, p. 33). Ou seja, ao

retomar a Antiguidade Clássica, Foucault relaciona o “cuidado de si” com o

cuidado dos outros. O “sujeito” deve saber se autogovernar primeiro para

depois governar a comunidade. O homem deve se preparar para governar sua casa,

sua mulher, seus filhos e, para uma “boa conduta” em sociedade, uma conduta

ética, buscar princípios que colaborem para o seu desenvolvimento pessoal e da

sociedade. A autora expõe que o “cuidado de si” é “igualmente uma arte de

governar os outros” (REVEL, 2005, p. 34).

Avançando em suas análises, salienta que, para Foucault, “se o sujeito

se constitui, não é sobre o fundo de uma identidade psicológica, mas por meio de

práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda por técnicas de

si”. (REVEL, 2005, p. 85). E conclui que o “sujeito” não é um indivíduo

livre, autoconstituído:

O pensamento de Foucault apresenta-se, desde o início, como uma

crítica radical do sujeito tal como ele é entendido pela filosofia

‘de Descartes a Sartre’, isto é, como consciência solipsista e

a-histórica, autoconstituída e absolutamente livre. [...] Trata-

se, portanto, de pensar o sujeito como um objeto historicamente

constituído sobre a base de determinações que lhe são exteriores.

(REVEL, 2005, p. 84, grifo nosso).

O sujeito é fruto de um processo histórico que o influencia, que o

constitui, que o determina. Esse debate fez com que surgissem inúmeras

polêmicas. Como não é o foco do presente estudo aprofundar somente os aspectos

filosóficos do “sujeito”, conduzir-se-á este debate para o “sujeito

discursivo”, que vai além do sujeito individual, único, do “indivíduo livre”

citado.

Segundo Fernandes (2008, p. 34-35), o “sujeito discursivo” é plural,

heterogêneo, fruto de um contexto sócio-histórico e ideológico formado por

diferentes vozes sociais. Os aspectos ideológicos influenciam diretamente na

formação do discurso e do sujeito, sendo a ideologia inerente ao “sujeito

discursivo”.

Em toda e qualquer formação discursiva, as contradições

representam uma coerência visto que desvelam elementos exteriores

à materialidade linguística, mas inerentes à constutividade dos

discursos e dos sujeitos. Os sujeitos são marcados por inscrições

ideológicas e são atravessados por discursos de outros sujeitos,

com os quais se unem, e dos quais se diferenciam. (FERNANDES,

2008, p. 56)

Neste momento, talvez se possa estabelecer uma convergência entre o

pensador Bakhtin43 e Michel Foucault. No primeiro, observa-se que o “sujeito”

se constitui em decorrência do dialogismo (o sujeito é constituído socialmente).

No segundo, observa-se a importância da história (o sujeito é formado por

determinações históricas). Parece que, para os dois pensadores, o sujeito sofre

a influência da “exterioridade”, onde é gerado o discurso. Nesse sentido, o

“sujeito discursivo” é influenciado por um contexto ideológico e social,

interligado às formações discursivas e aos discursos de outros sujeitos em um

processo de criação, recriação, deslocamento, aproximação, articulação e

desarticulação do discurso.

Eni Orlandi (2007) afirma que o sujeito é atravessado pela história e

pela língua. A autora analisa o “sujeito discursivo” e o considera um sujeito

assujeitado.

Devemos ainda lembrar que o sujeito discursivo é pensado como

‘posição’ entre outras. Não é uma forma de subjetividade, mas um

‘lugar’ que ocupa para ser sujeito do que diz (M.Foucault,

1969): é a posição que deve e pode ocupar todo indivíduo para ser

sujeito do que diz. O modo como o sujeito ocupa seu lugar,

enquanto posição, não lhe é acessível, ele não tem acesso direto a

exterioridade (interdiscurso) que o constitui. Da mesma maneira, a

língua também não é transparente nem o mundo diretamente

apreensível quando se trata da significação pois o vivido dos

sujeitos é informado, constituído pela estrutura da ideologia (M.

Pêcheux, 1975). (ORLANDI, 2007, p.49, grifo nosso).

Entretanto, Possenti (2009) traz problemáticas em relação ao “sujeito”

que, em abordagem fundamentada e crítica à Análise de Discurso (AD), observa

questões das quais uma parte dos analistas parecem não considerar:

A leitura de O uso dos prazeres (Foucault 1984) me mostrou que

Foucault também abandonara seu posto antigo, e visava agora a um

sujeito das práticas do cotidiano, cercado de circunstâncias que

certamente não o deixam livre, mas que não o subjugam. O sistema é

frouxo, digamos assim, e obriga a escolhas, a uma estética – um

estilo, por que não? – da existência. Estamos longe do sujeito

assujeitado. (POSSENTI, 2009, p. 87, grifo nosso).

43 BAKHTIN, Mikhail. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do

método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.

Essa colocação traz a dificuldade não só em conceituar o “sujeito”

(sujeito discursivo), mas também de relacioná-lo a outros conceitos, como o de

“ideologia”. Pode-se afirmar que esse movimento realizado pela AD, o de

relacionar sujeito/ideologia, dá base e fundamentação para suas pesquisas, no

entanto também poderia ser considerado um procedimento metodológico de cunho

ideológico.

Possenti concorda, em alguns aspectos, com a AD, com a importância da

história, da psicanálise e da linguística para os estudos e dentre essas três

áreas do conhecimento, parece tender mais para a última.

Em relação às problematizações que envolvem o “sujeito”, o autor

salienta que

A questão do sujeito é uma questão aberta. Para analistas do

discurso afetados de alguma forma pelo ‘ar do tempo’ da época

heroica da fundação da disciplina, só há um consenso absoluto: o

fim do sujeito cartesiano. [...] trata-se fundamentalmente de

aceitar que o sujeito é segundo em relação a seu entorno –

social, linguageiro, ideológico, cultural, até mesmo biológico. Ou

seja, nos termos mais ou menos correntes da AD: o sujeito é efeito

[...]. Dito de outra forma, também corrente, o sujeito não é

origem (do sentido, da história etc.). [...] Assinalaria, por

isso, que, se, em seguida, passei a não aceitar a tese corrente em

AD segundo a qual o sujeito é assujeitado, não foi por desconhecê-

la. Foi exatamente porque eu a conhecia bastante bem e a tinha

anteriormente aceito. (POSSENTI, 2009, p. 82-83, grifo nosso).

O autor primeiro critica o sujeito “uno e consciente” para, em seguida,

dizer que o sujeito é “efeito” e que não é a origem do sentido, da história

etc. Finaliza criticando a ideia de que o sujeito é assujeitado e que acreditava

nessa última, porém justifica que mudou de opinião por razões empíricas e

teóricas (POSSENTI, 2009, p. 83).

Diante de tantas polêmicas, interpretações e debates sobre o

sujeito/sujeito discursivo realizados nesta breve análise, não se arrisca fazer

definições. Há autores que entendem o sujeito discursivo como fruto de um

processo de determinações históricas. Outros pensadores afirmam que o sujeito é

uma construção ideológica e, por isso, tudo que diz é ideológico, constituindo-

se dialogicamente no contexto social. E outros ainda afirmam que o sujeito não

pode ser assujeitado, ou seja, o que o sujeito diz, suas atitudes, extrapola

talvez esse “assujeitamento”. Enfim, são polêmicas longe de serem resolvidas.

O DOMÍNIO DA BIOPOLÍTICA

O pensamento de Foucault busca analisar a constituição do sujeito em meio

a produção de verdade, de discursos, de saberes e de poderes. Neste tópico, será

abordado como o poder e o biopoder tornam-se forças que na razão governamental

permitem o governo do outro, a construção de um eu, uma subjetividade.

O PODER E O BIOPODER

Foucault faz duas abordagens em relação ao poder que se exerce na

sociedade moderna a partir do séc. XVIII: primeiro, uma sociedade disciplinar

(principalmente na obra Vigiar e Punir - 1975), onde analisa as instituições e

revela que o poder que se exerce sobre o corpo do indivíduo através de

dispositivos de vigilância e coerção, visa objetivar o indivíduo, para

normalizá-lo e adestrá-lo, tornando-o frágil e dócil aos interesses de uma

sociedade industrial. Segundo, uma sociedade governada pela biopolítica (Cursos

do Collège de France - 1975-1980), onde o poder através de dispositivos de

segurança age sobre a vida para preservá-la.

A noção de poder e a compreensão de como esse conceito evolui no

pensamento de Foucault é indispensável para compreender sua obra. Embora declare

que o tema principal de suas investigações seja a constituição do sujeito, a

compreensão do poder, além de provocar um novo olhar sobre o modo como o poder

funciona, também é essencial e está presente em suas obras a partir da década de

70. Essa investigação é caracterizada pelo autor como genealógica, para designar

o sentido de sua análise das condições do funcionamento do poder e, também, para

diferenciar de sua investigação anterior, da década de 60, em que privilegiou a

análise da epistemé ou constituição dos saberes, fase denominada de

arqueológica.

Foucault admite (2005c, p. 03 e 06), na obra Microfísica do Poder, que o

evento de maio de 1968 foi decisivo para que ele começasse abordar a questão do

poder. Esse evento diz respeito a uma série de greves estudantis que irrompem em

algumas universidades e escolas de ensino secundário em Paris e que rapidamente

assumiu um significado de proporção revolucionária (houve mobilizações operárias

na França e em outros países). Foi a partir desse momento que as questões

adquiriram para si uma significação política. Para o autor, ninguém nesse

momento (tanto da direita como da esquerda) se preocupava com a questão

de como o poder se exercia; foi a partir das lutas cotidianas realizadas com

aqueles que tinham que se debater, “[...] nas malhas mais finas da rede do

poder” (FOUCAULT, 2005c, p. 7), que apareceu a necessidade de se refletir sobre

o exercício do poder.

Foucault não teve a intenção de elaborar uma teoria do poder, antes

realizou uma analítica do poder, ou seja, seu objetivo era analisar como o poder

funcionava, operava e governava. “O poder não é uma substância. [...] O poder

não é senão um tipo particular de relações entre os indivíduos”. (FOUCAULT,

2006b, p. 384). No seu modo de ver, o poder não tem essência, o qual poderia ser

conquistado, nem pode ser reduzido a uma substância unitária (Estado, por

exemplo), onde pudesse ser localizado. Com isso, não quer negar o poder que o

Estado possui, antes quer deslocar a análise para os micro-poderes que estão em

jogo na constituição do sujeito. Sua principal ênfase é na compreensão do

sujeito assujeitado, ou seja, analisar os mecanismos de poder que estão em jogo

quando obedecemos. Que forças são ativadas quando obedecemos?

Além disso, seu problema não é o puro poder, mas as relações entre saber-

poder presente nos discursos que nos constitui. Seu objetivo é analisar os

efeitos positivos que o poder exerce sobre os indivíduos, ou seja, entender como

estes aceitam o seu exercício sem reagir. Sua hipótese é de que o poder se

exerce justamente porque constitui uma positividade (ligação com o saber).

Tratar o poder pela positividade significa não investigar em sua

instância negativa, como algo que reprime e diz não, mas como poder produtivo,

produz coisas, forma saberes, produz discurso e verdade. Pretende analisar seus

efeitos positivos sobre o indivíduo. Para Foucault, o poder é sempre uma ação

sobre ação (FOUCAULT, 1995, p. 243), isto é, o poder é uma ação que age sobre

corpos em ação. O poder constitui uma força que está em relação. Nesse sentido,

segundo Deleuze (2005, p.78): “[...] o poder é uma relação de forças, ou

melhor, toda relação de forças já é uma ‘relação de poder’”.

O autor francês trata da relação saber-poder principalmente na obra

Vigiar e Punir, de 1975. Em sua leitura, para entender esse liame é preciso

superar uma tradição que pensa esses dois conceitos separadamente. Desse modo

afirma:

Seria talvez preciso também renunciar a toda uma tradição que

deixa imaginar que só pode haver saber onde as relações de poder

estão suspensas e que o saber só pode desenvolver-se fora de suas

injunções, suas exigências e seus interesses. [...] Temos antes

que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente

favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que

poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de

poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber

que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.

(FOUCAULT, 2005d, p. 27).

Foucault defende a tese de que esse grande mito de que a verdade nunca

pertence ao poder se iniciou com a cultura grega. Ruptura que precisa ser

eliminada. Nietzsche deu o primeiro passo ao afirmar que o conhecimento não

passa de um jogo de forças, uma luta de e pelo poder. O caminho de Foucault se

dá pelo restabelecimento do liame entre saber e o poder. “E é somente nessas

relações de luta e de poder – na maneira como as coisas entre si, os homens

entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns

sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que consiste o

conhecimento”. (FOUCAULT, 2005a, p. 23). Declara ainda, que para realizar essa

tarefa é preciso se aproximar dos políticos e não dos filósofos.

Enfim, o poder e o saber não existem separadamente; embora cada um tenha

suas especificidades, ambos só podem ser compreendidos em relação. “O exercício

do poder cria perpetuamente saber e, inversamente, o saber acarreta efeitos de

poder. [...] Não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que

o saber não engendre poder”. (FOUCAULT, 2005c, p. 142). Saber não é poder, tem

efeitos de poder. O poder legitimado só se exerce positivamente por meio de um

saber e este, por sua vez, é uma forma de exercício de poder.

Toda essa análise do poder se realiza através da investigação do conceito

de disciplina colocada em ação pelas instituições modernas. Na obra de 1975,

Foucault define disciplina como: “Esses métodos que permitem o controle

minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas

forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade”. (FOUCAULT, 2005d, p.

118). Para exemplificar o exercício da disciplina, Foucault analisa o

Panóptico44 de Bentham como modelo do funcionamento do poder que coloca em ação

o disciplinamento dos corpos através controle do tempo, da organização do

espaço, do mecanismo da vigília constante e invisível e, dos registros como

produção de saberes. Ao descrever sobre o panoptismo o autor quer mostrar que

toda a sociedade é dominada por uma vigilância constante. “Uma forma de

arquitetura que permite um tipo de poder do espírito sobre o espírito”, diz

Foucault (2005d, p. 179). Ainda, segundo Foucault (2005d, p. 103), as relações

de poder em nossa sociedade se assemelham à tríplice característica do

panoptismo: ser vigilante, controlador e coercitivo.

Para Foucault, as instituições da nossa sociedade se organizam sob um

mesmo modelo, funcionam conforme a estrutura do panoptismo. Com isso, não se

quer dizer que existe analogia entre escolas, hospitais, fábricas, prisões,

etc., mas que há identidade morfológica do sistema de poder (FOUCAULT, 2006b, p.

75). Isso significa que é o mesmo tipo de poder que nelas se coloca em

exercício, com o objetivo de tornar o homem disciplinado, mas não como tipo

ideal de moralidade, antes como exercício de normalização dos corpos, para

atender a interesses locais: seja a aprendizagem escolar ou a produtividade de

um operário. Dentro do modelo do panoptismo pode ser colocado qualquer indivíduo

44 O Panóptico é um modelo de penitenciaria proposto por Bentham que Foucault se utiliza para

mostrar como modelo de funcionamento de toda a nossa sociedade disciplinar. O modo como Foucault

descreve o Panóptico é o seguinte: “na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre;

esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção

periférica é divida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm

duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o

exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na

torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um

escolar. Pelo efeito de contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a

claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos

teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente

visível”. (FOUCAULT, 2005d, p. 165-166).

que se queira vigiado. “Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o

objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário

trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura,

etc.”. (FOUCAULT, 2005a, p. 87).

Para o filósofo francês, a partir do fim do século XVIII e início do

século XIX, começa a se formar o que chama de sociedade disciplinar (2005d, p.

179), ou seja, uma sociedade em que o corpo torna-se objeto e algo do poder.

Esse poder não é um poder violento ou repressor, porque se o fosse as pessoas de

um modo ou de outro se revoltariam e procurariam meios de resistência. Antes,

este poder ligado ao saber age como agregador, pois as pessoas que se deixam

conduzir por um determinado saber o fazem porque esse os convence. “O poder,

longe de impedir o saber, o produz”, afirma Foucault (2005c, p. 148).

Segundo Deleuze (2005, p. 90) o poder não é violento por duas

características: por um lado, o poder exprime relações de forças (como incitar,

induzir, produz um afeto útil, etc.); por outro lado, está relacionado com o

saber, que produz verdade enquanto faz ver e falar. Ou ainda, nas palavras de

Foucault (2006b, p. 219-220): “como o poder seria leve e fácil, sem dúvida, de

desmantelar, se ele não fizesse senão vigiar, espreitar, surpreender, interditar

e punir; mas ele incita, suscita, produz; [...] ele faz agir e falar”.

Já a noção de biopoder, como um poder que se exerce sobre a vida dos

indivíduos e, de biopolítica, como forma de governo que age sobre a população,

constituem outro enfoque de análise de Foucault e estão presentes nos textos do

curso do Collège de France de 1975 a 1980, dentre alguns, destacam-se:

“Segurança, Território, População” (1977-78), “Nascimento da Biopolítica”

(1978-79) e “Do Governo dos Vivos” (1979-80). Obras que publicadas

recentemente estão possibilitando um novo olhar para as análises de Foucault.

Contudo, ainda que esses conceitos não apareçam, esse enfoque de análise já está

presente em sua obra já publicada: História da Sexualidade I: vontade de saber

(1984). Nesta obra, o sexo aparece como problema político e econômico que

precisa ser administrado. Ao estudar a sexualidade, Foucault revela um poder que

a produz, são vários os procedimentos que são colocados em ação para “gerir a

vida” (FOUCAULT, 1988, p. 128) dos indivíduos na sociedade moderna: é preciso

analisar a taxa de natalidade, a idade do casamento, as relações sexuais, a

incidência das práticas contraceptivas, entre outras. “O homem, durante

milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além disso,

capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua

vida de ser vivo está em questão”. (FOUCAULT, 1988, p. 134).

Com o texto “O que é a crítica?” [Crítica e Aufklärung] (1978), Foucault

resgata o desenvolvimento histórico do conceito de biopolítica no que ele chama

de “arte de governar” (FOUCAULT, 2010, p. 2). Sendo que entende por governo

uma: “[...] prática social de sujeitar os indivíduos por mecanismos de poder

que reclamam de uma verdade [...]”. (FOUCAULT, 2010, p. 5). Nesse texto,

defende que a origem da arte de governar remonta a pastoral cristã. Durante a

Idade Média desenvolveu-se uma forma de governo sobre os homens que tinham como

objetivo a direção de sua consciência para conduzi-los para a salvação, isto

implicava todo um jogo de saber e técnicas de poder.

Já no texto Omnes et singulatim: para uma crítica da razão política

(1979), publicado em Ditos & Escritos IV, Foucault aborda o poder

individualizante que o poder pastoral exerce sobre a vida dos indivíduos e,

também, como esta atitude foi incorporada pela arte de governar moderna. Este

segundo aspecto será abordado mais a diante. Segundo Foucault (2006b, p. 368) o

cristianismo está baseado em uma pastoral que se exerce por um conhecimento

particular de suas ovelhas, prática que se realizava pelas práticas da

confissão, do exame e da direção da consciência. Tais práticas permitem ao

pastor conhecer a necessidade de cada um, suas angústias, pecados, desejos,

segredos, etc. Fazendo com que o indivíduo mesmo professe a verdade sobre si.

Verdade que tem como parâmetro a obediência às regras e dogmas estabelecidos.

Retomando o texto de 1978, Foucault afirma (2010, p. 2) que a partir do

sec. XV houve uma verdadeira explosão da arte de governar os homens, ou seja, há

uma laicização de uma atitude que estava restrita à prática religiosa.

[...] multiplicação dessa arte de governar em domínios variados:

como governar as crianças, como governar os pobres e os mendigos,

como governar uma família, uma casa, como governar os exércitos,

como governar os diferentes grupos, as cidades, os Estados, como

governar seu próprio corpo, como governar seu próprio espírito.

Como governar, acredito que esta foi uma das questões fundamentais

do que se passou no século XV ou no XVI. (FOUCAULT, 2010, p. 2).

Como governar? Como se governar? Como governar os outros? Essas são

questões que estão em jogo na arte de governar que se multiplica. Dentre todas

essas formas de governo, o interesse de Foucault se direcionará para a análise

do governo político. Com o conceito de biopolítica, Foucault volta suas análises

para o Estado enquanto prática de governo baseada em uma racionalidade que visa

certas estratégias políticas com pretensões de administrar a vida e o corpo da

população.

Na obra “Segurança, Território, População” (1977-78), Foucault mostra

que a partir do séc. XVIII a questão do governo irá se desenvolver sob um novo

enfoque: a vida dos indivíduos considerados na dimensão da população. Esse poder

está presente nos diferentes meios e instrumentos que o Estado utiliza para con-

trolar os problemas que surgem em torno da cidade, tais como: as doenças epidê-

micas (como a varíola), a fome (escassez alimentar), a guerra (com feridos e

mortos), a distribuição demográfica, o controle da natalidade, entre outros.

Para Foucault o problema político moderno gira em torno da população. Assim,

afirma:

[...] noção capital do século XVIII, é a população considerada do

ponto de vista das suas opiniões, das suas maneiras de fazer,

comportamentos, dos seus hábitos, dos seus temores, dos seus

preconceitos, das suas exigências, é aquilo sobre o que se age por

meio da educação, das campanhas, dos convencimentos. (FOUCAULT,

2008b, p. 118).

Nesse sentido, trata-se de governar populações, educar, controlar sua mo-

bilidade territorial, medicalizar, favorecer o seu crescimento e bem-estar. A

população torna-se um objeto que importa conhecer para poder controlar. Somente

é possível agir sobre ela, quando se conhece seus desejos, comportamentos, an-

gústias, enfim, tudo que envolve a vida de um indivíduo em grupo. Para Foucault

(2008b, p. 17s), aparece neste momento a preocupação com a cidade ligada ao de-

senvolvimento de um Estado administrativo. A cidade é o espaço onde surge novos

saberes (estatística, economia e demografia e, em seguida, a preocupação com a

saúde pública e as ciências humanas da psicologia, psiquiatria e psicanálise)

indispensáveis para o governo biopolítico. Quanto mais conhecido, melhor para

modificá-lo, transformá-lo, manejá-lo. A produção de saberes é imprescindível ao

exercício do biopoder.

É a partir do séc. XVIII que diferentes questões que envolvem a vida da

população tomam a dimensão de um problema político.

É então que vemos as coisas aparecem, problemas como habitat, as

condições de vida em uma cidade, higiene pública, a mudança da

relação entre fecundidade e da mortalidade. Isso levanta a questão

de como fazer para que as pessoas tenham mais filhos, em qualquer

caso, como podemos regular o fluxo de pessoas, como também podemos

controlar a taxa de crescimento da população e da migração. E a

partir daí uma série de técnicas observacionais entre os quais

está, evidentemente, a estatística, mas também todos os grandes

organismos administrativos, econômicos e políticos, que são

responsáveis pela regulação da população (FOUCAULT, 2012, p. 246,

tradução nossa).

Embora não haja contradição entre as análises do poder disciplinar e da

biopolítica, pois ambas se complementam com o propósito de analisar o processo

de normalização, deve-se notar a relevância da mudança na pesquisa genealógica

para dar conta de explicar porque o biológico tornou-se algo de lutas políticas.

A diferença nas análises é evidente, pois enquanto o poder disciplinar busca

revelar como o indivíduo torna-se um sujeito dócil e útil, o biopoder pretende

mostrar que o indivíduo enquanto espécie humana (enquanto população) tornou-se

algo da gestão calculada da vida.

Nesse sentido, o trabalho de Michael Hardt e Antonio Negri, na obra

“Império”, expõe no mesmo horizonte da biopolítica de Foucault e do conceito

de Sociedade de Controle de Gilles Deleuze, como a gestão da vida tornou-se alvo

do governo político. Nessa obra, defendem que o “Império”, diferente do

Imperialismo cujo poder estava centralizado na força do soberano: o Estado

moderno, antes se constitui como um biopoder, que intensificado pelo processo de

globalização da informação e comunicação, governa o fluxo da vida por meio das

relações de produção. “As grandes potências industriais e financeiras produzem,

desse modo, não apenas mercadorias mas também subjetividades. Produzem

subjetividades agenciais dentro do contexto biopolítico: produzem necessidades,

relações sociais, corpos e mentes – ou seja, produzem produtores”. (HART;

NEGRI, 2002, p. 51). Para os autores, a vida tornou-se mercantilizada, somos

produzidos como produtores, nossa subjetividade precisa guiar-se pela

criatividade.

PARA UMA CRÍTICA DA RAZÃO GOVERNAMENTAL

No texto Omnes et singulatim: para uma crítica da razão política (1979),

Foucault associa a arte de governar o Estado com o poder individualizador do

governo pastoral da tradição cristã. O interesse de Foucault é resgatar a

evolução do pastorado como uma tecnologia de poder e o problema do poder

individualizante. “Aparentemente, essa evolução é oposta à evolução para um

Estado centralizado. Penso, de fato, no desenvolvimento das técnicas de poder

voltadas para os indivíduos e destinadas a dirigi-los de maneira contínua e

permanente”. (FOUCAULT, 2006b, p. 357).

Seu objetivo (FOUCAULT, 2006b, p. 372) não visa discutir sobre a formação

do Estado moderno, nem quer resgatar os processos econômicos, sociais e

políticos que possibilitaram sua origem. Antes, sua investigação pretende

analisar a organização política estatal como prática de uma racionalidade

presente no exercício do poder do Estado e que se constitui como um “[...]

governo dos indivíduos por sua própria verdade” (FOUCAULT, 2006b, p. 370).

O propósito de Foucault ao analisar o Estado é o de investigar, como o

próprio título da obra indica, uma crítica a racionalidade presente na forma de

governo, isto é, analisar a racionalidade que está em jogo no exercício do poder

do Estado. O autor mesmo admite que é um título pretencioso (FOUCAULT, 2006b, p.

355). Tal empreendimento será realizado através da investigação de “[...] dois

corpos de doutrina: a razão de Estado e a teoria da polícia”. (FOUCAULT, 2006b,

p. 372, grifo do autor).

A razão de Estado deve ser entendida como “[...] uma racionalidade

própria à arte de governar os Estados”. (FOUCAULT, 2006b, p. 374). E é

justamente nesta racionalidade que o governo do Estado tem sua especificidade em

relação às outras formas de governo. Em que consiste essa racionalidade?

Foucault diz ser algo “[...] simples: a arte de governar é racional se a

reflexão a conduz a observar a natureza daquilo que é governado – no caso, o

Estado”. (FOUCAULT, 2006b, p. 374, grifo do autor). Essa razão de Estado busca

constituir um governo autônomo, tendo uma identidade enquanto instituição e uma

forma de organização capaz de reger-se a si mesmo.

Para conquistar essa autonomia, essa razão de Estado precisa conhecer a

própria natureza daquilo que pretende governar: o Estado. Aí reside a

especificidade dessa racionalidade: precisa estar alicerçado em certo saber

capaz de aumentar e reforçar sua potência. Nisto consiste a razão de Estado:

“[...] um governo racional capaz de aumentar a potência do Estado de acordo com

ele próprio, passa pela constituição prévia de um certo tipo de saber”.

(FOUCAULT, 2006b, p. 376).

Essa razão de Estado se opõe a duas tradições. Primeiro, a tradição

cristã, para a qual o governo era justo em sua natureza porque tem como

referência todo um sistema de leis: humanas, natural e divina. Tal concepção não

se interessa pelo que é o Estado, mas pelo que ele deve ser. Segunda ruptura com

a tradição política de Maquiavel, para o qual o modelo de governo do príncipe

(Soberano) era critério para manter o Estado. A razão, ao contrário, a razão de

Estado busca justamente reforçar o Estado e não o Soberano.

A teoria da polícia diz respeito “[...] à doutrina da polícia, ela

define a natureza dos objetivos da atividade racional do Estado; ela definiu a

natureza dos objetivos que ele persegue, a forma geral dos instrumentos que ele

emprega”. (FOUCAULT, 2006b, p. 373). Assim, não se deve associar “polícia”

com a instituição que conhecemos, mas o que os autores do séc. XVII e XVIII se

referem com este termo é a uma técnica de governo própria ao Estado. Com esse

conceito Foucault quer se referir ao Estado enquanto governo que tem o homem em

todo o domínio de sua existência como alvo de sua administração.

A polícia engloba tudo, mas de um ponto de vista extremamente

particular. Homens e coisas são consideradas em suas relações: a

coexistência dos homens sobre um território; as relações de

propriedade; o que eles produzem; o que se troca no mercado. Ela

se interessa também pela maneira como eles vivem, pelas doenças e

pelos acidentes aos quais estão expostos. É o homem vivo, ativo e

produtivo que a polícia vigia. (FOUCAULT, 2006b, p. 378-379, grifo

nosso).

Para fundamentar essa ideia da ação da polícia sobre a vida do indivíduo,

Foucault (2006b, p. 377-382) resgata alguns teóricos da época, como: Turquet de

Mayerne, que em 1961 elaborou para a Holanda uma das “primeiras utopias-progra-

mas de Estado policiado”; O administrador De Lamare, que no início do séc. XVI-

II apresenta sua “compilação dos regulamentos de polícia” para o reino Fran-

cês. Para De Lamare, aponta Foucault, a polícia “vela por tudo o que diz res-

peito à felicidade dos homens” e “tudo o que regulamenta a sociedade (as rela-

ções sociais)”; já Von Justi, autor alemão, é para Foucault o melhor que refle-

te a evolução do problema da polícia como arte de governar os homens. Segundo

Foucault, Von Justi consegue expressar com maior clareza alguns elementos funda-

mentais na doutrina da polícia. Um primeiro, a finalidade da arte de governar é

fazer a associação entre a vida do indivíduo e a fortalecimento do Estado:

“[...] o objetivo da arte moderna de governar, ou da racionalidade estatal: de-

senvolver esses elementos constitutivos da vida dos indivíduos de tal forma que

seu desenvolvimento reforce também a potência do Estado”. (FOUCAULT, 2006b, p.

383). Outro elemento, se refere a população como objeto da polícia: “Ao longo

do século XVIII, e sobretudo na Alemanha, é a população – isto é, um grupo de

indivíduos vivendo em uma área dada – que é definida como o objeto da

polícia”. (FOUCAULT, 2006b, p. 383). Enfim, um terceiro elemento, diz respeito

a associação do saber da estatística (enquanto descrição do Estado) com a arte

de governar: o que permite, “[...] ao mesmo tempo, uma arte de governar e méto-

do para analisar uma população vivendo sobre um território. (FOUCAULT, 2006b, p.

384).

Segundo Rabinow e Dreyfus (1995, p. 154), Foucault mostra que a tarefa da

polícia é o controle do indivíduo e da população enquanto conquista de um Estado

administrativo de bem-estar. “A polícia cuida para que o homem esteja vivo,

ativo e produtivo”. (RABINOW; DREYFUS, 1995, p. 154). As necessidades humanas

tornam-se algo da polícia, da intervenção do Estado, para assegurar a força e a

vitalidade do mesmo.

O que Foucault quis mostrar, com a descrição dos autores acima, foi a

descrição do desenvolvimento de certa racionalidade política que tem como alvo a

gestão do corpo social: a população. Daí pode-se entender melhor o propósito

deste texto, como já exposto no início deste tópico, que o próprio título reve-

la: ser uma crítica do papel da razão na arte de governar.

O governo dos homens pelos homens [...] supõe uma certa forma de

racionalidade, e não uma violência instrumental. [...] Não basta

fazer o processo da razão em geral. O que é preciso recolocar em

questão é a forma de racionalidade com que se depara. [...] A

questão é: como são racionalizadas as relações de poder? Apresen-

tá-la é a única maneira de evitar que outras instituições, com os

mesmos objetivos e os mesmos efeitos, tomem seu lugar. (FOUCAULT,

2006b, p. 385, grifo nosso).

Nisto consiste a importância do termo “crítica” no título deste texto:

vigiar os abusos dos mecanismos de poder presente nas formas de racionalidade

política.

O texto acima mencionado O que é a crítica? [Crítica e Aufklärung] (1978)

também contribui para compreender o que Foucault entende pela noção de crítica. Nes-

se texto, o autor francês buscará em Kant um fundamento para a filosofia como

uma história crítica do pensamento em sua atualidade. Para Foucault, quando Kant

em 1784 publica um texto como resposta a questão “Was ist Aufklärung?” (FOU-

CAULT, 2005b, p. 335)45, surge o primeiro passo para fazer da filosofia uma

constante problematização do presente, postura esta que faz parte do mais íntimo

que procurou praticar em sua filosofia.

A simpatia de Foucault pelo escrito de Kant sobre a Aufklärung se deve ao

modo como este relaciona sua filosofia com a atualidade: uma análise das

condições do exercício da razão. A referência ao modelo kantiano não se deve ao

fato do que pretende Kant, ao exaltar a razão, mas, pelo contrário, refere-se à

postura crítica em relação ao presente. O que diferencia os projetos de Foucault

45 Para entender o contexto histórico do texto de Kant conferir Ditos & Escritos II (2005b, p.

335). Em relação ao conteúdo do escrito: para Foucault o pensador alemão ao tratar da

Aufklärung está discutindo a questão do Iluminismo (movimento pelo esclarecimento), sobre o

papel da razão na luta contra a “minoridade” (incapacidade dos homens se utilizarem de seu

próprio entendimento). Segundo Foucault (2005b, p. 340), Kant “[...] descreve de fato a

Aufklärung como o momento em que a humanidade fará uso de sua própria razão, sem se submeter a

nenhuma autoridade”. Portanto, a atitude de Kant busca libertar a razão no que a aprisiona em

sua atualidade.

e Kant, entre outras questões, é que enquanto este faz uma crítica do presente

procurando libertar a razão das formas de aprisionamento, aquele quer questionar

a própria forma como nos guiamos pela racionalidade. É isso que defende Michel

Senellart, em “A crítica da razão governamental em Michel Foucault” (1995),

onde afirma: “A atitude crítica consiste pois em repensar a Aufklärung, não

como a aurora do reino luminoso da razão, mas como esforço permanente para

interrogar as racionalidades, tagarelas ou mudas, que nos conduzem”.

(SENELLART, 1995, p. 5).

Enquanto, Kant desloca a crítica para as condições do saber (condições de

possibilidade do conhecimento), neutralizando seus efeitos políticos; Foucault

irá fazer da crítica uma atitude política. Essa atitude crítica é interpretada

como vontade de não ser governado, nas palavras de Foucault:

[...] uma sorte de forma cultural geral, ao mesmo tempo atitude

moral e política, maneira de pensar etc. e que eu chamaria

simplesmente arte de não ser governado ou ainda arte de não ser

governado assim e a esse preço. E eu proporia então, como uma

primeira definição da crítica, esta caracterização geral: a arte

de não ser de tal forma governado (FOUCAULT, 2010, p. 3-4).

A atitude de não ser governado, não no sentido de um desgoverno em

absoluto ou de um anarquismo fundamental, mas como vontade de “não ser

governado assim”, ou seja, não aceitar esse tipo de governo específico que age

com poder sobre mim. “Como não ser governado assim, por isso, em nome desses

princípios, em vista de tais objetivos e por meio de tais procedimentos, não

dessa forma, não para isso, não por eles”. (FOUCAULT, 2010, p.3, grifo do

autor).

Na atitude kantiana, Foucault vê nascer uma maneira de filosofar que pro-

blematiza a atualidade. Uma ontologia do presente, de nós mesmos. “’O que

acontece atualmente e o que somos nós, nós que talvez não sejamos nada mais e

nada além daquilo que acontece atualmente?’ A questão da filosofia é a questão

deste presente que é o que somos”. (FOUCAULT, 2005b, p. 239, grifo do autor).

Essa atitude visa fazer uma inquirição do presente, não apenas para fazer uma

descrição do que se passa, mas, porque só é sabendo como se formou o que nós so-

mos que é possível libertar-se do que nos constituiu.

Diante de um poder que produz indivíduos assujeitados, como pensar a li-

berdade? A liberdade constitui, em Foucault, uma atitude de resistência. “Não

há poder sem recusa ou revolta em potência”. (FOUCAULT, 2006b, p. 384). Onde

existe poder, existe também a possibilidade de resistência. Segundo Foucault

(2005c, p. 241) a resistência é coextensiva e contemporânea ao poder. “[...] a

partir do momento em que há relação de poder, há uma possibilidade de resistên-

cia. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua domina-

ção em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa”. (2005c, p.

241). Contudo, não se trata de produzir uma luta contra o poder, antes, deve-se

localizar seus pontos de apoio, as forças onde atua. “O que se pode é recusar o

tipo de saber e as práticas que excluem o diferente, que não deixam opção para o

que ele chamou de atos concretos de liberdade”. (ARAÚJO, 2009, p. 226).

A atitude crítica contribui para a construção da resistência, pois como

diz Foucault, ela se realiza como a “arte da inservidão voluntária” (FOUCAULT,

2010, p. 3), mas não no sentido de uma insubmissão anárquica, antes deve ser

compreendida como um desassujeitamento, nisso reside a função essencial da crí-

tica. A crítica é um ato criativo, pois o indivíduo livre das amarras que o

constitui, busca a construção de si. Postura que coloca em ação o “princípio de

uma crítica e de uma criação permanente de nós mesmos em nossa autonomia”.

(2005b, p. 346).

Nas obras dos anos 80, Foucault pensará a construção da liberdade através

do que chama estética da existência, ou seja, em oposição as práticas de

subjetivação, o indivíduo através da prática de si constrói sua subjetividade,

sua própria existência e das práticas sociais. O governo de si, como superação

ao governo dos outros (biopolítica), constitui uma solução ético-política, em

que a conquista da liberdade e da autonomia se dá pela recriação e reinvenção de

novas formas de existência. Uma ética do cuidado de si como prática da

liberdade.

EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE

Embora Foucault não tenha construído nenhuma teoria sobre a educação,

suas análises do poder disciplinar e do biopoder permitem investigar como ela é

utilizada e para que fins. Seu interesse pela educação está em perceber como uma

sociedade utiliza dela para colocar em ação os poderes que nela agem. “Todo

sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a

apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem

consigo”. (FOUCAULT, 2006a, p. 44).

Desse modo, a escola/educação no modelo disciplinar aparece como um

dispositivo estratégico para formar um indivíduo disciplinado. A organização do

tempo e a disposição do espaço, que nasce na modernidade com o processo de

industrialização, visam o controle das ações humanas com o objetivo de otimizar

seus movimentos para atender a demanda da produção burguesa. O poder disciplinar

age sobre o corpo do indivíduo, anulando sua capacidade intelectual, tornando-o

frágil e dócil ao modelo capitalista.

A disciplina é, em essência, o mecanismo de poder pelo qual

chegamos a controlar no corpo social até os elementos mais tênues

pelos quais chegamos a atingir os próprios átomos sociais, ou

seja, os indivíduos. Técnicas de individualização do poder. Como

cuidar de alguém, como controlar sua conduta, comportamento,

habilidades, como intensificar seu desempenho, como multiplicar

suas capacidades, como colocá-lo no lugar onde ele será mais útil,

isto é, do meu ponto de vista, a disciplina. (FOUCAULT, 2012, p.

243, tradução nossa).

O que Foucault entende por disciplina está diretamente ligado com certa

prática de domínio sobre si, dentro os quais a educação cumpre um papel

fundamental.

A partir da abordagem do biopoder, pode-se perceber a educação como um

mecanismo que intensifica seus poderes sobre o indivíduo, isto porque, além de

agir sobre o corpo através dos saberes médicos que visam preservar a vida e suas

energias, também exerce um poder sobre a mente, pois o que a sociedade espera

formar é um sujeito flexível e criativo. Essa ideia, Foucault defende na obra

Nascimento da Biopolítica (1978-1979), onde mostra como na sociedade neoliberal

o trabalho passa a ser analisado a partir das estratégias de conduta de quem

trabalha, ou seja, o trabalho será relacionado ao próprio comportamento humano.

“O que é trabalhar para quem trabalha?”, pergunta Foucault. O trabalhador

deixa de ser um objeto no processo do capital e passa a ser sujeito na

construção de si, contudo esse processo ainda constitui uma sujeição, pois sua

identidade é formada a partir de uma verdade que está fora de si.

Nessa obra, Foucault desenvolve o conceito de “capital humano”

(FOUCAULT, 2008a, p. 311)46, o qual diz respeito as competências que o

trabalhador possui e desenvolve no decorrer de sua vida. Assim, afirma:

[...] um capital humano no curso da vida dos indivíduos, que se

colocam todos os problemas e que novos tipos de análise são

apresentados pelos neoliberais. Formar capital humano, formar

portanto essas espécies de competência-máquina que vão produzir

renda, ou melhor, que vão ser remuneradas por renda, quer dizer o

quê? Quer dizer, é claro, fazer o que se chama de investimentos

educacionais. (FOUCAULT, 2008a, p. 315, grifo nosso).

Aqui defende a tese de que a economia neoliberal visa investir e formar

no indivíduo um capital humano para o mercado de trabalho. Ainda, segundo

Foucault (2008a, p. 315), os investimentos educacionais que produzem o capital

humano na economia neoliberal, vai além da prática do aprendizado escolar e

profissional. Ele passa também pelo tempo que os pais dedicam na formação dos

filhos, que não depende apenas do nível cultural dos pais, mas de suas condições

econômicas, famílias mais abastadas dedicam mais qualidade no cuidado e

vigilância para com seus filhos. Passa ainda, pelos problemas de higiene pública

e proteção à saúde. O cuidado médico com a saúde do indivíduo constitui um

investimento no capital humano, conservando e utilizando-o pelo maior tempo

possível. A educação, na governamentalidade neoliberal, passa a ser valorizada e

investida pelo indivíduo, por empresas e Estado, com vista a melhorar o capital

humano. A formação educacional aparece na racionalidade do governo neoliberal

como elemento estratégico para seu funcionamento.

Para se referir a biopolítica de Foucault, Gilles Deleuze usa o termo

“sociedade de controle” (texto “Post-Scriptum sobre as Sociedades de

Controle”). Nesse texto, a educação em uma sociedade de controle aparece sob o

modelo da empresa, ou seja, nessa realidade cria-se um ambiente de competição,

46 No curso Nascimento da Biopolítica (2008a, p. 312-314) Foucault aborda elementos inatos e

adquiridos que podem compor o capital humano. Os elementos inatos dizem respeito a utilização da

genética para a melhoria do capital humano. Já os elementos adquiridos é a constituição

voluntária de sua competência no curso de sua vida, sendo esse o alvo da razão neoliberal.

tendo como princípio o salário por mérito e a ênfase na formação permanente. O

autor aponta que na sociedade disciplinar era preciso sempre recomeçar, seja na

escola, na fábrica, etc., já na sociedade de controle nunca se termina nada. No

texto a seguir, Deleuze descreve o que marca a escola nessa sociedade de

controle: “No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação

contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono

correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da ‘empresa’

em todos os níveis de escolaridade” (DELEUZE, 1992, p. 226).

Nesse sentido, a ideia de formação permanente/continuada além de

constituir na sociedade de controle uma ferramenta capaz de instigar o indivíduo

a estar sempre investindo em seu capital humano, também funciona como um

poderoso elemento de construção de subjetividade, ou seja, um instrumento

político para direcionar as condutas individuais e coletivas sob o modelo das

competências e da criatividade. A educação permanente é uma exigência nestes

novos tempos do governo neoliberal. Embora seja ilusório pensar que por meio

dela haja transformação social, ao contrário, sua prática mantém os indivíduos

ocupados consigo e, por consequência, fechados aos problemas éticos e políticos.

Apesar de Foucault mostrar um olhar da educação enredado aos poderes vi-

gentes, torna-se imprescindível pensá-la como instrumento de libertação. É pre-

ciso superar a educação moderna como prática de poder sobre os outros e conduzir

a educação como no sentido grego do cuidado de si, ou seja, a educação deve le-

var o indivíduo a uma prática de si, que ao escolher a si mesmo, busca sua eman-

cipação. Para Foucault, os gregos inventaram a relação consigo, a subjetividade,

mas, sobretudo, a ideia de que primeiro é preciso governar-se a si mesmo para

depois cuidar dos outros.

Além disso, governar a si próprio também é um ato de resistência aos po-

deres dos outros. Daí, a necessidade de se fazer da educação um instrumento po-

lítico, isso significa, que por meio dela é possível opor resistência aos pode-

res constituídos. Segundo Deleuze e Guattari (1992, p. 140): “Falta-nos resis-

tência ao presente. [...] A europeização não constitui um devir, constitui so-

mente a história do capitalismo que impede o devir dos povos sujeitados”. É

preciso pensar a educação como resistência, como exercício da diferença, que

promove a transformação do presente, dos territórios estabelecidos.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, I. L. Foucault: um pensador da nossa época, para a nossa época. In:

MARÇAL, J. (Org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED/PR, 2009.

BAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas

fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec,

1979.

DELEUZE, G. Foucault. Tradução Claudia Martins. São Paulo: Brasiliense, 2005.

______. Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle. In: ______. Conversações:

1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 219-226.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

FERNANDES, C. A. Análise do discurso: reflexões introdutórias. São Carlos:

Claraluz, 2008.

FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France,

pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 13 ed. Tradução Laura F. A. Sampaio. São

Paulo: Loyola, 2006a.

______. A verdade e as formas jurídicas. 3 ed. Tradução Roberto C. M. Machado e

Eduardo J. Morais. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2005a.

______. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. 2 ed.

Manoel B. da Motta (Org.) e Tradução Elisa Monteiro. Rio de janeiro: Forense

Universitária, 2005b.

______. Estratégia, poder-saber. 2 ed. Manoel B. da Motta (Org.) e Tradução Vera

L. A. Ribeiro. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2006b.

______. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 16 ed. Tradução Maria T.

C. Alburquerque e J. A. Guilhon Alburquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

______. Las Mallas del Poder. Disponível em:

<http://historiasenconstruccion.wikispaces.com/Fou_Act>. Acesso em: 25 jul.

2012.

______. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979).

Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008a.

______. Microfísica do Poder. 21 ed. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro:

Graal, 2005c.

______. O que é a crítica? (1978). Disponível em:

<http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/biblio.html>. Acesso em: 12 mai.

2010.

______. O Sujeito e o Poder. In: RABINOW, P; DREYFUS, H. Michel Foucault, uma

trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica Tradução

Vera P. Carreto. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 231-249.

______. Segurança, Território, População: curso dado no Collège de France (1977-

1978). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.

______. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Ed, 1997.

______. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 30 ed. Tradução Raquel Ramalhete.

Petrópolis: Vozes, 2005d.

HARDT, M; NEGRI, A. Império. Trad. Berilo Vargas. 4ed. Rio de Janeiro: Record,

2002.

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7. ed. Campinas:

Pontes, 2007.

POSSENTI, S. Questões para analistas do discurso. São Paulo: Parábola

Editorial, 2009.

RABINOW, P; DREYFUS, H. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além

do estruturalismo e da hermenêutica Tradução Vera P. Carreto. Rio de janeiro:

Forense Universitária, 1995.

REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz,

2005.

O Homem desumanizado como limite do Esclarecimento

Marcos Antonio de Souza Brito47

RESUMO

O Esclarecimento, como processo de autoconhecimento e conhecimento

da natureza, contou com apologistas (a maioria dos pensadores) e

com apontamentos dos seus limites, feitos primeiramente por Jean

Jacques Rousseau; também Kant,apesar de ser grande entusiasta do

processo,admitiu limites à sua efetivação;o anti-semitismo foi

abordado como demonstração de limite para a razão, em sua tarefa

de proporcionar a tão exaltada emancipação humana.No século XX a

escola de Frankfurt retomou à crítica a idéia central deste

processo: a idéia de que o esclarecimento representa um grande

progresso para a humanidade, na medida em que permite ao homem

conhecer a verdade sobre a natureza, fator fundamental para sua

crescente conquista de autonomia.

Palavras-chave: Esclarecimento; Razão; Emancipação.

O chamado movimento iluminista, registrado na história do pensamento

enquanto um conjunto de idéias produzidas por diversos pensadores da época,

contava com uma característica básica: a idéia relativa ao desenvolvimento da

razão e da ciência, através do qual a humanidade seria esclarecida e com isso a

vida em sociedade seria melhor. Ninguém mais apropriado para ilustrar esse

posicionamento que o filósofo alemão Imanuel Kant; em toda sua obra o predomínio

da razão sobre qualquer outro móvel da ação humana é notório, sobretudo ao que

diz respeito aos instintos naturais. A questão central da obra kantiana é

estabelecer quais são os limites da razão pura, quando discorre sobre as

possibilidades do conhecimento teórico e da abstração, e da razão prática quando

trata da ação humana. Há uma aparente contradição se considerarmos, sem nenhum

cuidado, que o grande representante do esclarecimento foi quem, ele próprio,

apontou os limites da razão e o descuido está justamente em não perceber que

este limite não se deve a nenhum fator intrínseco a razão e sim, as condições

47 Graduado em filosofia pela Universidade Metodista de São Paulo, com ênfase na

obra de Arthur [email protected]

com as quais podemos conhecer. É na perspectiva de “movimento”, ou seja, algo

em processo de realização,que Kant concebe o estágio da ciência de sua

época,marcada por crescente autonomia em relação aos fundamentos epistemológicos

da antiguidade e da era medieval. Sendo movimento, deve partir de um ponto em

direção a outro;equivale dizer que para o homem o Iluminismo possui percurso pré

definido e se apresenta como processo de auto-conhecimento e conhecimento do

mundo, capaz de tirá-lo da minoridade rumo à maioridade. É processo na medida em

que, contando com princípios pré-estabelecidos, parte em direção àquilo sobre o

que pretende se realizar. Ao referir-se ao homem moderno devemos levar em

consideração sua inserção neste movimento de esclarecimento,não sendo mais que

um processo contínuo de conquista de autonomia. Falamos apenas em “processo”

quando nos referimos a este movimento.

Em definitivo, os limites da razão assumidos por Kant coincidem com os

limites da experiência possível. Conhecemos pelo tato até onde nossas mãos

alcançam, nossa visão nos apresentam apenas o que os olhos podem ver...

Alcançamos pela razão até onde pode ir o sujeito do conhecimento através da

experiência; além disso, é perfeitamente possível que haja opiniões, crenças,

hipóteses, mas não conhecimento, pois para isso é necessário conjugar as formas

a priori da intuição sensível, as categorias do entendimento de um lado, somados

aos dados da experiência. A vinculação de Kant à modernidade está,

principalmente, no fato de centralizar para o conhecimento, o foco na razão

enquanto propriedade do sujeito cognoscente e não tanto no objeto; essa

valorização da razão é uma das maiores características que se manifestam nas

ciências quando entramos na modernidade e, de certa forma, este é o critério que

se utiliza, com frequência, quando se quer referir a essa época. A forma como

Kant opera esta centralidade da razão é bastante peculiar,representando para a

História da filosofia uma “revolução copernicana”.

É no sujeito que se encontram as condições a priori da experiência; a

razão aparece como uma propriedade do sujeito que percebe o mundo através das

condições a priori de todas as experiências possíveis. As condições, a priori

concentradas no sujeito, são tão importantes quanto “os dados da

observação”,ou seja, sem a experiência essas condições permanecem vazias e não

podem sintetizar nenhum conhecimento. As citadas condições a priori na filosofia

de Kant, são pelo menos em número de dezessete: as doze categorias do

entendimento,exclusivamente pelas quais todas as formas de experiências do mundo

são possíveis, somam-se às duas intuições sensíveis (tempo e espaço) e mais, às

três ideias inatas de eu,mundo e liberdade.

Se o objeto presente, percebido pelo nosso aparelho sensorial, representa

o limite do que podemos conhecer é certo que nele, falando de termos

cognoscíveis, só há aquilo que lhe doamos. Após quadricular o mundo, dizemos que

cada parte é um quadrado; sendo assim, é conveniente para tal artifício a devida

ridicularização promovida por Nietzsche, no século XIX, ressalvando que longe de

se apresentar como prática enganosa, há um abismo infinito entre a mera

aparência das coisas e como de fato ela é. Sua realidade, conforme pode nos

proporcionar seu exame crítico,vale dizer,mesmo não estando de posse da coisa-

em-si a distância entre aquilo que a crítica da razão pode nos oferecer e a mera

aparência é muito grande.

Quando alguém esconde uma coisa atrás de um arbusto, vai procurá-

la ali mesmo e a encontra, não há muito que gabar nesse procurar e

encontrar: e é assim que passa com o procurar e encontrar da

“verdade” no interior do distrito da razão.

(Nietzsche,1974,p.50)

É nesse sentido que Kant faz “crítica”, não agregando ao objeto nenhum

elemento que não faça parte de sua constituição e teoricamente isso se expressa

em não dizer dele mais do que realmente se sabe.

É preciso retomar que sob certo parâmetro, o de contemporaneidade, toda

pessoa da época deve ser considerada Iluminista, porém há outro sentido e mais

importante qual deve ser tomado como predominante: Iluminista é toda pessoa que

incorporou seus princípios fundamentais, entre os quais, além daquele exposto

acima, destacamos a crença na emergência de um homem cada vez melhor

proporcionada pelo desenvolvimento da razão e da ciência.O homem cada vez mais

esclarecido, proporcionalmente, estaria cada vez mais próximo da perfeição.

O selo da contemporaneidade com o qual se pode atribuir a designação de

Iluminista a toda pessoa da época de seu surgimento e consolidação, tem o mesmo

rigor (melhor, falta deste) comparado à atribuição de nazista a toda pessoa

simplesmente por ter sido testemunha deste fenômeno político do século XX . Tão

frágil critério resulta em descrédito justamente por não dizer nada mais que o

fator cronológico prevaleceu. A identificação de Iluminista àquele que, talvez

de forma inconsciente, incorporou seus princípios e refletiu isso em sua vida e

obra contem notadamente um critério mais responsável;acatamos este

expediente,mais ainda por sermos compelidos a tratar da obra de um

pensador,referência a esta distinção,quando nos propomos a tornar claro quais

são realmente os limites do esclarecimento. Historicamente, seu início,apesar de

se tratar de um processo teórico,foi marcado por uma certa euforia cada vez mais

contagiosa à medida que se consolidava o método científico e novos conhecimentos

acerca dos fenômenos naturais eram anunciados. A postura teórica típica era

acreditar que a humanidade havia dado início a um acelerado processo de

desvencilhamento dos produtos da mitologia, do misticismo e, brevemente, as

nuvens que nos envolviam num mundo fantástico seriam dissipadas, não restando

nada mais que fenômenos físicos regidos por leis físicas. Esse processo entrou

para a História do pensamento como um corpo de ideias otimistas em relação ao

homem,um movimento intelectual basicamente,fato que não gerou nenhum

impedimento de sua assimilação e execução prática por parte de muitos

governantes da Europa. De certa forma, o conjunto de ideias trazidas à luz pelos

pensadores iluministas formavam, para estes “Déspotas Esclarecidos”, uma

teoria da administração pública, fazendo da incorporação dessas ideias no

interior do Estado a origem da introdução do racionalismo no negócios políticos.

A práxis do processo, ao promover a observação de suas ideias e sua

aplicação prática por estes governantes, demonstra desde o início o seu caráter

inexorável; mais tarde observou-se que o alto grau de racionalidade, ao ser

introduzido nos assuntos políticos, foi progressivamente envolvendo o Estado com

as amarras da burocracia.

O conjunto das três críticas kantianas (da razão prática, da razão pura e

do juízo), em comparação com esse clima, de nenhuma forma deve ser concebida

como contenção ao processo de esclarecimento, nessa época já estabelecido

teórica e praticamente. Contrariamente, a obra kantiana demonstra o vigor

irresistível,a força incalculável de um processo que transforma as iniciativas

de sua contestação em fontes eficientes de sua afirmação. A reforma religiosa

ocorrida no século XVI, poderia ser interpretada como demonstração de fraqueza e

princípio de falência do catolicismo; porém, a manutenção de sua estrutura nos

faz acreditar que serviu para mostrar o vigor dessa doutrina e principalmente da

instituição que a protege.A princípio sendo uma crítica, a reforma religiosa

logo se configurou em componente necessário a uma reestruturação e

fortalecimento daquilo que atacava; papel que, em época mais próxima, foi

relegada à indústria cultural cuja disseminação da ideologia do progresso

converte as manifestações da contracultura em significativa contribuição ao

status quo.

No século XVIII, em pleno auge do movimento Iluminista, encontramos um

pensador distinto devido a marca de sua subversão à grande onda otimista de sua

época;na obra de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) pode ser encontrada com

facilidade afirmações que o colocam do lado oposto a quase totalidade dos seus

pares,apologistas do processo. O referencial bibliográfico, nesse caso é,

principalmente, a obra Discurso sobre as Ciências e as Artes, na qual Rousseau

demonstra evidente desconfiança quanto à conclusão da promessa feita pelo

processo de esclarecimento. Em muitos momentos dessa obra (em outras também é

possível tal verificação) uma suspeita é lançada e, por vezes, declarações são

feitas no sentido de mostrar que o caminho do progresso, via original do

esclarecimento, responsável por fazer do homem um ser cada vez mais próximo da

perfeição, é inviável;uma ilusão para a qual tempo suficiente ainda não havia

transcorrido para demonstrá-la.

Onde não existe nenhum efeito, não há causa a procurar; mas aqui o

efeito é certo, a depravação real; e nossas almas se foram

corrompendo à medida que nossas ciências e nossas artes avançaram

para a perfeição. (Rousseau,1974, p.213)

Declaração como essa, e mais outras tantas que são feitas, não podem

conferir a seu autor a insígnia de partidário do esclarecimento; há aí uma clara

afirmação de pelo menos uma limitação e esta diz respeito ao efeito prometido de

emancipação pelo progressivo processo de esclarecimento. O processo comprometeu-

se muito mais do que de fato pode executar; as promessa são bem maiores

comparadas à capacidade de realização inerente ao processo,isto é, o que está na

base da contestação Rousseauniana sobre um exaltado poder ilimitado da Razão.

Melhor que apontar as debilidades de um processo e tentar antecipar sua

frustração a partir da Crítica do seu fundamento original, é fazê-lo partindo

dos resultados produzidos. Compromete-se, demasiada e gratuitamente, aquele que

propõe: desta causa tal efeito é necessário,sendo o contrário disso,o

pressuposto: os efeitos negativos presentes têm origem numa causa até então

insuspeita;um método muito mais seguro e difícil de se contestar.

Objetivamente podemos dizer, com base na concepção precedente, que o

progresso nas ciências e nas artes, portanto o progresso atribuído ao

esclarecimento, não está alinhado ao aprimoramento de caráter do homem, não

contribui para seu melhoramento e sim para sua corrupção tanto mais completa

quanto mais esclarecida a humanidade. Na moral situa-se o limite preocupante e

mais evidente do esclarecimento e a humanidade quando pensa estar usufruindo dos

benefícios gerados por sua habilidade distintiva, a razão, no fundo padece

vítima dos seus efeitos colaterais. A felicidade do homem pressupõe relação

consequente, mais com o sentimento,base da concepção da bondade natural

concernente a todo ser,em oposição ao propalado discurso da razão,instrumento de

emancipação humana,da forma como os contemporâneos de Rousseau faziam. À razão

deve-se o aperfeiçoamento dos vícios humanos e da infelicidade característica da

sociedade civil, formada pelos signatários de um “contrato social”,cujo

sentido está em cada um alienar todos os seus direitos pessoais, aderir a

coletividade e, desta forma, ampliar suas possibilidades.

Enfim,cada qual,dando-se a todos,não se dá a ninguém,e,como não

existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que

lhe foi cedido,ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e

maior força para conservar o que se tem. (Rousseau pp31)

Assim comentou Rousseau acerca da perpetuação do “conhecimento” tornada

possível pelo surgimento da imprensa e sua relação com as gerações futuras

Deus todo poderoso! Tu, que tens nas mãos os espíritos, livra-nos

das luzes e das artes funestas de nossos pais, e dai-nos a

ignorância,a inocência e a pobreza,os únicos bens que nos trarão a

felicidade e que serão preciosos a teus olhos! (Rousseau, p. 229).

Rousseau nunca se mostrou convencido desses benefícios; em todo campo

investigativo por ele explorado, o pessimismo lançado ao processo civilizatório

era patente. Na obra “Emílio”, dedicada à educação, está estabelecida a causa

da corrupção moral do homem no contato social, mais precisamente na civilização

originada por aquele modelo de sociedade germinada no solo fértil e promissor do

esclarecimento. Em suma, importa-nos inserir Rousseau entre aqueles pensadores

não contaminados pela onda otimista em relação ao futuro esclarecido do homem, à

parte ao contingente dotado de forte crença romântica no progresso,

especialmente no progresso caracterizado pela passagem do homem de uma situação

rude e primitiva à posição de homem esclarecido, cujos mistérios da natureza aos

poucos vão sendo desvendados e doravante ele pode pôr-se na condição de senhor

do mundo e de si mesmo.

De forma geral, este foi o ponto mais alto e comprometido do

esclarecimento: o domínio da natureza, com tudo o que isso significa, enquanto

categoria totalizante, logo foi percebida como a pretensão mais significativa;

um novo homem nascia, à medida que este princípio fundamental seguia seu

cumprimento e o homem, ao realizá-lo, é inegável que ia se refazendo. A

humanidade deve, obrigatoriamente, assumir como critério de sobrevivência a

exploração da natureza; nesse contato aparece a máxima da condição humana:

relacionar-se com a natureza no sentido de retirar-lhe o necessário para a

manutenção da vida, essa é a forma da exploração referida,em nada se

assemelhando à atividade predatória e altamente destrutiva praticada pelos

modernos esclarecidos. A irracionalidade desta violência auto infligida,na

medida que se volta contra a natureza, vai desde a atitude de poluir as águas

para depois despender enormes recursos com sua purificação, até o sério

comprometimento de todas as espécies de vida pelo esgotamento dos recursos

naturais. Não resta dúvida, quanto a essa relação, que ao fazê-la seu autor já

não é mais o mesmo:ao transformar a natureza o homem transforma-se, como

qualquer processo natural para o qual, neste caso,concorre apenas essa relação

dialética. Um novo modelo de homem é instaurado no instante em que deixa de

enxergar na natureza algo a ser contemplado,algo dotado de um mistério

divino,devendo por isso ser apenas vislumbrado, e quando muito apreciado, nas

formas artísticas e passa a enxergá-la como algo que deve ser dominado,como

objeto de conhecimento possível a partir do qual será racionalmente explorado.

Vai aí uma diferença muito grande entre estes antípodas (…) Mesmo com

exagero podemos falar em duas espécies,aquela que via na natureza simplesmente a

fonte dos recursos necessários a sua sobrevivência, cujo domínio total sobre a

natureza declara consolidado e se lança com mais audácia e cabeça mais

esclarecida ao espaço em busca de matéria viva. Sob o pretexto de que o

padecimento da espécie (o insistente problema da fome,por exemplo) sobre a Terra

deve-se a incipiência do processo está o objetivo de oferecer a cada um a

seguinte conclusão lógica: tão logo todo obscurantismo esteja ultrapassado,todo

desconhecido seja conquistado estaremos em condições de sanar todo infortúnio. O

fato é que há muito já reunimos as condições necessárias à supressão das

carências humanas e se, atualmente, ainda somos acompanhados de perto por velhas

“maldições”, sua razão deve ser buscada na segmentação social em classes com

interesses diametralmente opostos,cuja plenitude de uma implica no fim dos

privilégios infundados da outra. Domínio e exploração da natureza não se

traduzem exclusivamente em pesquisas científicas sobre as florestas,os

rios,espécies animais,etc. Da nova mentalidade que via na natureza algo possível

de ser conhecido, com vistas a exploração predatória, para uma postura que,

semelhantemente, concebia o homem também como algo a ser explorado friamente, a

distância é bem pouca. Auschwitz nos proporcionou uma demonstração da verdade

contida na sentença: “ciência neutra”. Da mesma forma, fez com que acordassem

do sono dogmático, os últimos perseverantes,com seus sonhos vívidos de alívio e

emancipação humana pela ciência.

Faz muito sentido pensar em uma “Educação após Auschwitz”,como também

seria apropriado pensar em Arte após Auschwitz, política, ciência, religião,etc.

Não restam dúvidas de que a existência desse campo obrigou a serem repensadas

todas as esferas de convívio social; obriga, ainda hoje, a que sejam repensados

os limites das crenças presentes na (in)consciência social. Um grande divisor de

águas,assim pode ser designado sem problema e não seria nada de mais depositar

as memórias dessa barbárie na fase pré-histórica da humanidade. Quando forem

definitivamente superadas as lacunas que um dia possibilitaram Auschwitz,

quando,inclusive, sua lembrança desaparecer por completo do imaginário popular e

não houver nenhum rastro, estaremos em condições de inscrever para a eternidade

a História do homem.

A busca pelas raízes promotoras de Auschwitz continha, em todo caso, este

pressuposto: impedir, a qualquer tempo, seu reaparecimento. As pesquisas de

maior sucesso buscaram na psicologia o fundamento para a formação da

personalidade autoritária,fonte política do totalitarismo; Theodor W. Adorno,

filósofo alemão do século XX, ligado à escola de Frankfurt e pesquisar da

formação desta personalidade,admitindo com propriedade a impossibilidade de

transformação dos pressupostos objetivos causadores daqueles eventos

funestos,depositou grande esperança em se trabalhar com os fatores

subjetivos,imprescindíveis a torná-los,na origem, frustrados. Vem daí sua

valorização da educação, cuja atribuição maior está em tornar inviável uma

reedição das desgraças havidas naquele campo, ou seja, anular qualquer chance de

reaparecimento dos horrores causados pelo homem contra sua própria espécie.

A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para

a educação. (Adorno-Educação após Auschwitz ).

Depois de um longo período de ruído estridente causado pelo

esclarecimento, tantos discursos exaltados, a emergência de um clima romântico

altamente otimista, defesas apaixonadas proferidas a toda altura, enfim caímos

no grande silêncio de Auschwitz...Silêncio profundo sob o qual paramos para

refletir sobre o sentido do Ser,o que é o homem e qual seu papel no mundo. Desde

os gregos clássicos nos isentamos arbitrariamente desta introspecção tão

importante;abandonamos a questão do Ser considerando tratar-se de problema já

resolvido mediante a entrada em cena do personagem divino, ou, lidamos com ela

como algo carente de razão e, portanto, sem ao menos necessidade de colocação.

Retornamos à questão da Ontologia como a mais premente de nossa época. O devido

tratamento teórico e prático referente às guerras mundiais e ao nazismo

principalmente, assumiu tal delicadeza que qualquer relativização insere

automaticamente seu proponente entre os defensores da barbárie;no auge dos

acontecimentos, o desconhecimento fazia da pessoa ignorante responsável por

aquilo em decurso: ou se é contra ou se é favorável ao nazismo,tal é o sentido

de lhe conferirmos a insígnia incontestável de divisor de águas e, igualmente, o

sentido dos versos de Brecht48 na poesia “aos que virão depois de nós”.

(...) Que tempos são esses, quando

Falar sobre flores é quase um crime.

Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?

Se alguma esperança ainda era possível de ser atribuída ao processo,

Auschwitz dissipou violentamente todas elas: as do passado, nostalgicamente

vistas como produto de uma felicidade inocente, e aquelas depositadas às

gerações sucessoras. O esclarecimento, sutilmente, leva a acreditar que a

idiossincrasia é uma questão de decodificação; cada gesto, cada detalhe da

manifestação de vida, cada iniciativa, por mais insondável, é passível de

reprodução em laboratório... Auschwitz, até o presente momento, foi nosso maior

laboratório. Entretanto, se algo ali pôde ser verificado foi apenas o quanto

podemos ser repugnantes e nocivos uns para os outros. Auschwitz é a Verdade

teleológica do processo.

Da impotência do processo inicialmente identificada com os limites da

razão em decorrência da finitude das experiências possíveis, passando pela

observação de aumento dos vícios humanos em proporção a autonomia da razão,

chegamos ao século XX, na escola de Frankfurt com Adorno e Horkheimer apontando

o anti-semitismo como símbolo maior dos limites do esclarecimento. Desta vez a

razão não será tratada como estrutura única e neutra, operando apenas com base

em sua aparelhagem, a priori somadas aos objetos como nos são dados; seu aspecto

48 Eugen Berthold Friedrich Brecht (1898-1956), Poeta, romancista, dramaturgo alemão, teórico

renovador do teatro moderno.

dual é posto à mostra, uma parte esforça-se de fato pela emancipação humana, a

outra, se encarrega dos infortúnios a que a humanidade é acometida. Independente

da verdadeira causa ser ou não identificada, é incontestável a falência do

processo em meados do século XX, especialmente ao que diz respeito às promessas

de liberdade, felicidade, fim da miséria, da corrupção moral. A alegação da

natureza dualística da razão tem como origem o apelo desesperado à identificação

de uma causa, de algo que pudesse preencher o grande vazio na mente de quem

procurava entender o porquê da barbárie representada pelas guerras mundiais e

pelo nazismo. É espontânea a reação da busca por respostas quando nos deparamos

em meio a uma situação de calamidade a qual julgamos não merecer; como também é

natural,quando não encontramos respostas cabíveis,criarmos nossas próprias

respostas ou, por fim,quando disso não somos capazes,creditar tudo a uma força

mágica, divina, provinda do além-mundo. Platão quando viu serem esgotadas todas

as respostas para a questão sobre a origem das virtudes nos homens, não hesitou

em declará-las provenientes de um ser divino

Sócrates: Assim, pois, meu excelente Mênon,segundo nosso

raciocínio,a virtude nos pareceu resultar,naqueles em que se

encontra,de um exclusivo favor divino. (Platão,1962,p.112)

Se, por ventura, ao inconsciente freudiano lhe falta uma demonstração

empírica irrefutável, é inegável que dá conta com eficiência de uma soma de

fenômenos para os quais até seu aparecimento eram incógnitas insolúveis.

Reconhecer a falência do processo implica na aceitação do claro paradoxo

tornado explícito pela dialética do esclarecimento entre o sucesso alcançado nas

pesquisas da física quântica no interior da matéria e o inatingível conhecimento

necessário à erradicação dos males como a miséria, a fome, doenças, etc.

Dialética nesse caso não significa apenas a conversão de uma potência –a razão-

inicialmente com seu discurso emancipador ao seu contrário, representado pelos

graves episódios históricos do século XX; está presente quando reclamamos mais

dos seus poderes para entender o que ela própria causou. É como situarmo-nos

num ponto e almejar obter, por nossos próprios olhos, a vista distante desse

ponto. O esclarecimento abriu espaço à metrificação do mundo, sua consolidação

produziu um tipo de homem sempre acompanhado por régua e esquadro,com os quais

mede,quantifica,classifica, tudo a sua volta,lançando descrédito a tudo que não

se reduza a meras equações. E mais: fez desse homem o modelo a ser seguido,

espécie autorizada a existir.

O que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade

torna-se suspeito para o esclarecimento.(Adorno,2006,p.19)

Por ironia e para nosso prejuízo, seguimos avançando apressadamente rumo

à realização plena da milenar tese pitagórica concernente a transformação de

todas as experiências de vida em números; reduzimos a símbolos numéricos desde

as coisas mais convenientes àquilo que em nenhuma outra época suspeitamos da

possibilidade de seu cálculo. Transformamos todo procedimento científico em

método de quantificação, a partir do qual o discurso da ciência edificou sua

identidade como pretensa fonte de verdades ao mesmo tempo que fez de todo

elemento dessa numerologia um signo sagrado digno de culto. O aspecto místico,

característico da escola fundada por Pitágoras, em consequência da atribuição de

poderes mágicos aos números e fórmulas matemáticas, tomou forma sob o

esclarecimento na medida em que a falta de clareza sobre a relação entre teoria

e prática faz pensar que os fenômenos da natureza, assim como os da sociedade,

seguem pressupostos teóricos rigorosamente. O moderno homem de ciência não

procura proceder de forma a extrair das experiências práticas o conteúdo de sua

teoria; contrariamente, em tudo vê submissão a leis naturais perfeitamente

cognoscíveis, o que lhe permite agregar em cada coisa um caráter de

previsibilidade. Ao prever o comportamento do tempo, os movimentos da economia,

o futuro da política, etc, o homem de ciência desfila, na passarela em que só a

razão importa, a moda do esclarecimento com os mesmos trajes de “mago dos

números” dos pitagóricos. Caso não seja verificado alinhamento do previsto com

sua teoria precedente, os fatos da natureza é que devem ser revistos; afinal o

mundo da prática,nesta perspectiva, caminha a reboque da teoria com suas

verdades cheias de luzes.

Ao tomar conhecimento das máximas regentes da escola

pitagórica,principalmente aquela referente ao governo do mundo,o homem

esclarecido tratou imediatamente de dominá-los; então chegamos ao ponto em que,

para cada coisa ou fenômeno existente, há invariavelmente um gráfico para sua

representação. Se não é possível assumir diretamente a direção da embarcação

resta conquistar seu condutor: comandar o comandante, além da eficiência, nos

isenta de incômodos.

As relações que os homens promovem entre si, ao serem todas elas

esquadrinhadas, classificadas, perderam seu elemento espontâneo, cada gesto está

previamente calculado, e toda graça que poderíamos sentir com a presença do

outro perdeu-se em meio a previsibilidade de tudo. Em relação à obra de Arte,

Walter Benjamim49, aludia, com base nos mesmos pressupostos, ao fim daquilo que

chamou de aura; com a técnica propiciada pela luzes cada obra tornou-se passível

de ser reproduzida: na verdade cada aparição sua está destinada a esse fim.

A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma

obra de arte criada para ser reproduzida. (Benjamim, 1985, p. 171)

No caso da arte foi possível encontrar um conceito que concentra a soma

de tudo o que se perdeu com a reprodução técnica, tudo o que é esvaziado de

valor, mesmo sob a cópia mais perfeita; e no caso da existência humana,haveria

algo capaz de concentrar tudo o que se perdeu com a técnica decorrente do

processo? O Existencialismo como movimento intelectual de idéias poderia ter

surgido em qualquer fase da História da filosofia, porém não se deve creditar ao

acaso seu aparecimento mediante as mesmas condições que permitiram falar em

“perda da aura” e com isso, fim da arte.

O encanto percebido na natureza, em seus fenômenos, na companhia dos

semelhantes e, consequentemente, a alegria de viver disso derivada, tudo isso

foi asfixiado com a chegada da maioridade kantiana. O total descrédito lançado à

arte pré-socrática, sua condenação a forma de conhecimento incapaz de acessar a

verdade e, por isso, incapaz de produzir algo de valor, ganhou impulso decisivo

com o processo: agora,toda a palavra emitida à margem da ciência pretendente a

49 Walter Benjamim nasceu em Berlim em 1892; com a ascensão do nazismo na Alemanha refugiou-se na

Dinamarca,onde escreveu A OBRA DE ARTE NA ÉPOCA DE SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA. Em 1940 quando

as tropas alemãs entram na cidade, Benjamim foge,mas quando descobre que é impossível atravessa

a fronteira franco-espanhola, suicida-se a 27 de Setembro em Port Bou na Catalunia.

ser conhecimento cai invariavelmente no ridículo e se houver insistência sua

cassação pode contar com métodos violentos. O que um dia foi destinado a arte,

doravante voltou-se contra tudo o que não se submete ao selo “testado

cientificamente”. Há dois sentidos para desencanto, ambos são interdependentes

e em todo o caso desanimadores para a vida ocidental cheia de luzes, porém sem

nenhum brilho. Falamos de desencanto para traduzir o fim dos segredos da

natureza, para aludir ao conjunto de conhecimento das leis físicas regentes do

universo, acessíveis a nós por meio do qual passamos a saber que os sons fortes

ouvidos num dia chuvoso, os raios intermitentes, não têm nada a ver com o estado

de humor dos deuses, tratando-se tão somente de fenômenos físicos perfeitamente

calculáveis, classificáveis, previsíveis, etc. Neste instante, é obvio que a

chuva já perdeu sua magia, perdeu a beleza que existe naquilo que nos agrada

tanto e, porém, não sabemos discorrer sobre nosso suposto merecimento, dado o

desconhecimento dos mecanismos que a provoca. Encantar-se com as gotas d’água

caindo gratuitamente passa a caracterizar o ignorante, aquele que devemos

ridicularizar, a fazer parte do típico comportamento da loucura, clara

manifestação de quem ainda não saiu da minoridade. Desencantar pode ser

traduzido por aquele procedimento de retirada do “véu de Maia”50, atitude

ousada que nos permite acessar as coisas diretamente e desta forma conhecer a

Verdade; também pode ser apontado como consequência do método cientifico, com o

qual passamos a conhecer a verdade acerca do mundo e do homem; típico

comportamento marcado pela aceitação destas verdades,tornando a vida destituída

de beleza, de arte, de magia;são estas as razões para desencantamento e, como

adiantado, ambas fomentam grande desestímulo à percepção do prazer de viver, a

contagiar-se mesmo com as banalidades a nossa volta, enfim a ser feliz num mundo

transbordante de razão e carente de emoção. Em face disso, compete-nos sentir

prazer com a presença do outro apenas pelo breve instante de duração da surpresa

de sua chegada, mais exatamente: nosso entusiasmo só dura enquanto nosso cérebro

não fez os “devidos cálculos”; tanto o prazer alcançado com a contemplação

estética quanto a alegria experimentada com a súbita percepção de alguém,

50 A expressão "Véu de Maia" ou "véu da ilusão" vem da filosofia indiana e significa esconder a

realidade das coisas em sua essência.

esvaem-se ao primeiro contato nos trazendo à ”realidade”, pois neste instante

(num curtíssimo espaço de tempo) fazemos toda contabilidade,as memórias mais

vantajosas são ativadas,destruindo aquele estado de graça e nos deixando apenas

na presença de um dos elos de uma cadeia utilitária.

Com permanente olhar calculador o homem esclarecido põe sob gráficos o

tamanho de nossos sonhos, o quanto de amor somos capazes de compartilhar, a

intensidade da saudade sentida, toma posse do que somos e sentimos agora e

igualmente daquilo que ainda não consumamos; diz saber mais sobre cada um de nós

comparado ao que nós mesmos sabemos. Quanta ousadia, quanta prepotência em

declarar antecipadamente conhecida e quantificada nossas pretensões, nossas

intenções de escolha, nossas sensações futuras, etc. Estampando seu selo em todo

objeto, cuja inscrição contem “decodificado” na face, passamos a procurar

pelos artifícios absolutamente humanos, pelas iniciativas notáveis por sua

exclusividade e fuga do previsível. Nosso espaço de atuação autônoma fica

esvaziado se para tudo que podemos há um cálculo precedente, dando-nos a certeza

sobre as possibilidades de sua execução e de seus efeitos.

O grande êxito do esclarecimento implicaria no fim dos fenômenos

exclusivamente humanos, a ninguém caberia imprimir no planeta uma marca de nossa

espécie e enfim assistiríamos a real conversão do mundo dos homens para o

mundo das máquinas. Se a massificação tornou-se um fenômeno moderno a isto não

se deve outra coisa a não ser a conclusão sobre a possibilidade de conhecimento

integral a cada singularidade, por mais diversos que sejamos. Por mais distintos

que possam ser os desejos algo de comum está presente em todos eles, fazendo da

contemplação de um a satisfação de todos. O esclarecimento, personificado na

figura do capitalista, sabe muito bem qual é este elemento comum: os homens

desejam mais o ato de desejar comparado ao próprio objeto desejado. Ao tomar

conhecimento deste aspecto da existência humana o capitalista, típico modelo das

luzes, entende que basta proceder alimentando a ilusão de satisfação definitiva

dos desejos alheios para ter sucesso. Cada objeto oferecido deve ser apresentado

como algo renovado, destinado a satisfação plena.

Aos ouvidos alienados, diariamente massacrados pela indústria cultural,

assume status de verdade indubitável a manchete: Amanhã irá chover tantos

milímetros, o frio será de tantos graus, mas as pessoas terão uma sensação

térmica de apenas tantos graus. Até chegar ao ponto de antecipar a intensidade

daquilo que sentiremos amanhã, o homem esclarecido contou com certo grau de

passividade dos ouvintes;agora, investido de tamanha autoridade,a verdade de

seu discurso parece depender dele exclusivamente,tornando a aprovação social

algo dispensável. Entre as atuais pregações deste homem está a superabundância

de alimentos para todos, em decorrência das pesquisas cientificas fornecedoras

de sementes transgênicas;sem dúvida a transgenia é o campo em que aparece mais

claramente o entrelaçamento do desenvolvimento da ciência (o processo) e a

indústria cultural. Os responsáveis pelas pesquisas com transgênicos,vestidos

com trajes de defensores do bem comum, exaltam na ciência a possibilidade da

produção de alimentos em dada magnitude capaz de sanar definitivamente o

problema da fome pelo mundo, e em consequência, pelo automático barateamento

dos produtos devido a alta quantidade, o alívio do fardo do trabalho. Como se

fosse um problema de produção e não de distribuição a indústria cultural se

encarrega de estampar os números que apontam uma produção maior a cada ano e

simultaneamente cala-se quanto aos mecanismos de distribuição de renda. É com a

tarefa de quebrar a resistência da sociedade e da comunidade cientifica sobre as

pesquisas com transgênicos que a indústria cultural assume seu papel,anunciando

para cada nova semente geneticamente modificada que se trata de “um pequeno

passo para o homem e um grande salto para a humanidade”. Este campo de

pesquisas, talvez o mais emblemático para mostrar a que e a quem de fato servem

o processo, caracteriza-se pela investida da ciência sobre a natureza na busca

por seus mecanismos de reprodução, com os quais a maximização da produção

agrícola seria alcançada. O homem do esclarecimento se porta diante da natureza

com os mesmos olhos que vê seus semelhantes: um olho para a eficiência, outro

para o utilitarismo; em seu vocabulário as palavras chaves são otimização,

maximização, exploração, utilidade.

As experiências atuais com o material genético das plantas e animais,

juntamente com o fundamento que as precedem, têm paralelo no auge do nazismo,

com as pesquisas diretamente feitas sobre o corpo de seres humanos em Auschwitz.

Buscar uma “raça pura” é idêntico a desenvolver novas espécies de plantas e

animais pela modificação genética. A pregação sobre os grandes benefícios da

transgenia encaminham-se para o mesmo arquivo aonde irá se juntar às promessas

do processo mais antigas; seus profetas autorizados, amparados pela indústria

cultural, em cada manifestação dão vida a máxima de que os discursos dominantes

de uma época são sempre os discursos da classe dominante. O grau de nocividade

para a saúde humana com o consumo de alimentos geneticamente modificados se não

são bem conhecidos, ao menos o são claramente as vantagens economicamente

percebidas pela venda destes alimentos. Quantas técnicas, invenções,

descobertas, não permaneceram ocultas até que se verificassem a existência de

condições que as tornassem economicamente viáveis? Faz pensar que para os males

em que a sociedade se envolve há sempre algo à espera de condições “ótimas”.

Pensamos em modificação genética com vistas a produzir mais com uma quantidade

fixa de insumos: sementes trabalhadas em laboratório podem reduzir os custos com

inseticidas, gerar plantas mais resistentes às intempéries da natureza e,

portanto produzir mais e melhores alimentos. Acontece que nada disso está ligado

a algum objetivo humanitário de socialização dos seus resultados, apesar dos

meios que compõem a indústria cultural insinuarem o contrário. Produz-se mais

para obter maior apropriação privada, ficando explicado, desta forma, o fato de

haver uma classe pequena com consumo acima do necessário, tornando este excesso

de consumo tão grande a ponto de se tornar motivo de preocupação para a saúde

pública, devido aos problemas da obesidade; e uma grande massa que mal consegue

o básico para sobreviver. Poderíamos pensar que mesmo sendo egoísta o móvel da

produtividade, importante é que seja alcançado para todos uma situação de

abundância de alimentos: não é o caso.

Quando se diz que o conhecimento é irresistível, pode-se estar fazendo

referência tanto a sua sedução quanto a natureza totalitária do processo;

irresistível, nesse caso, pode assumir a forma de sensação agradável quando

temos grandes enigmas decifrados (agrada-nos a simples contemplação da

curiosidade),ao mesmo tempo indica a impotência de qualquer barreira que se

possa levantar para conter o processo. A sociedade,abastecida pela ideologia

propagada pela indústria cultural sobre a dependência do progresso da humanidade

com o desenvolvimento da ciência, não repudia com a devida força as pesquisas

para modificação genética em plantas e animais,cujas razões não se tem bem ao

certo;com comportamento similar encara o andamento das pesquisas regidas pelos

mesmos fundamentos voltadas à exploração genética de sua própria espécie.

O projeto genoma humano teve início em 1990,não registrando, desde seu

início, nenhuma perturbação no sentido da contestação social; sua elaboração foi

consequência de um esforço de pelo menos quinze países com o objetivo de fazer o

mapeamento do código genético de plantas e animais, em sua previsão inicial isso

demandaria cerca de quinze anos.

À parte seu sentido mais amplo, anteriormente exposto, cujo risco maior

está na inserção da sociedade numa fase em que as formas da sensibilidade seriam

negadas, com todas as relações humanas sendo equacionadas pela numerologia e,

portanto tornadas frias e mecânicas, a dialética do esclarecimento desenvolve

seu aspecto mais restrito: o caso do racismo. Com relação a “sentido amplo”

designamos um estado de desumanização em decorrência do império dos elementos da

razão como única mediação autorizada das relações humanas. O que mais nos causa

dano é a cultura edificada em torno da existência da Verdade e seu acesso

exclusivo pelos processos racionais. Descartes partiu em busca do seu método

infalível, de um fundamento sólido para sua ciência revolucionária, situando o

homem num mar de incertezas, com as dúvidas cobrindo-lhe que mal conseguia tocar

os pés no chão tão envolto estava; mas agora a situação é quase inversa,porém

não tão confortável. Inventamos a Verdade! E ao fazê-lo reclamamos sua patente

exclusiva, mais ainda ao mecanismo de sua conquista, a razão. De posse destes

bens, entre os mais caros para nossa civilização ocidental, julgamos sermos

capazes de abrir caminho direto para a felicidade; para nossa grande lamentação

o feitiço virou: sentimo-nos cada vez mais longe de nossas mais altas aspirações

de felicidade, liberdade, e seguimos resignando-nos com as evidências de um

futuro incerto, da certeza de nossa capacidade de auto-destruição, das ilusões

que criamos a nós mesmos. Chegamos a maturidade kantiana com a sensação de uma

dolorida nostalgia nas memórias de nossa infância,nem tanto ingênua,mas

certamente feliz. Depois de muito tempo correndo apressadamente, alcançamos o

ponto de chegada; neste instante, subitamente, percebemos que já não sabemos

mais por que queríamos tanto chegar,muito menos que fazer dessa conquista. O

racismo,na versão específica do anti-semitismo, apareceu como a demonstração

pontual do limite do esclarecimento;para sua emergência concorreram fatores

objetivos,ligados a situação econômica dos judeus na Alemanha e fatores

subjetivos,na expressão de uma contrapartida à dominação e humilhação impostas

aos alemães após a II guerra, sobre um grupo eleito para isso.

O anti-semitismo, como símbolo de falência do processo, cumpre o papel de

declaração envergonhada de impotência de tudo aquilo que um dia se apresentou a

humanidade como seu apanágio. Fomos incapazes de notar, apesar da quantidade de

luzes, no semelhante algo distinto daquilo que na origem foi declarado passível

de domínio e exploração: a natureza. Enquanto determinado grupo era mantido onde

as luzes não alcançavam, vivendo seus dias mais escuros, simultaneamente

produzimos as condições para o extermínio de todas as formas de vida do planeta.

O anti-semitismo é um esquema profundamente arraigado, um ritual

da civilização, e os pogroms são os verdadeiros assassinatos

rituais. Neles fica demonstrada a impotência daquilo que poderia

refreá-los, a impotência da reflexão, da significação e, por fim,

da verdade.( Adorno,2006, p.141)

O esclarecimento é totalitário, fato que nos aparece mais evidente quando

analisamos dois aspectos principais: O tratamento do outro ( o não-idêntico de

Adorno) e a indústria cultural. Todas as manifestações artísticas por mais que

isso não transpareça claramente ou insinue algum grau de contestação já estão

desde a origem incluídas como mais um produto da indústria cultural; o

tratamento dado a diversidade (de métodos,estilos,ritmos,etc.) fortalece o poder

da ideologia contida em cada produto ao prolongar seu alcance,incluindo na mesma

seara desde os “ouvidos mais regredidos” aos apreciadores de música erudita. O

sucesso supostamente alcançado pelos novos métodos e produtos da contracultura

tem sempre destino certo: a vitrine onde são expostas as vitórias da indústria

cultural.

A natureza totalitária do esclarecimento torna-se explícita quando

percebemos que ao seu domínio só podemos escapar adaptando-se, o que se dá

depois das resistências serem todas vencidas. As formas de lazer possíveis são

um prolongamento do trabalho alienado, para cada uma de suas formas a indústria

cultural disponibiliza um produto especifico para nosso entretenimento,

deixando-nos em condições de continuar sua realização. Longe da fábrica nos

divertimos com os produtos de nosso próprio trabalho de forma a estarmos, a todo

momento, ou diretamente envolvidos na produção ou fazendo dos bens produzidos

fontes de relaxamento com vistas a uma produção futura. Na fábrica, o processo

de trabalho com sua linha de produção, segmentação hierárquica, ritmos

controlados e tantos outros mecanismos de perpetuação da alienação, é

continuamente abastecido por indivíduos sobre os quais esta indústria, com seu

efeito de resignação, dar-lhes o tratamento adequando.

Um novo grande sucesso é produzido cada vez que um grande contingente

compra os produtos de um artista iniciante e paga por suas apresentações;

falamos em “é produzido” e nada há de mais apropriado, pois sob o estopim de

um marketing calculado todos pagam pelas apresentações do principiante,

realizando seu sucesso a partir do qual, agora, dizem estar adquirindo os

produtos de um grande e genuíno mestre. No fundo a idolatria não é pelo artista

com seus talentos natos, mas por uma mercadoria enigmática ( o dinheiro) dotada

da capacidade de “descobrir” novos talentos. O fetiche se caracteriza pela

concessão de poderes mágicos aos produtos de nossas mãos: damos forma a uma

matéria para depois adorá-la e admiti-la como possuidora de poderes

transcendentes capazes, inclusive, de nos determinar o comportamento.

À industria cultural cabe a tarefa de manutenção das massas em

permanente estado de ignorância; é bastante comum a afirmação, em referência aos

produtos por ela oferecidos, de que se se tratam de cultura baixa é por que as

massas assim a querem;portanto,a excelência da indústria cultural está em

entregar ao grande público tão somente os conteúdos a ela reclamados e se, para

um observador externo, tudo não passa de quinta categoria é nas massas que se

deve procurar o culpado. Quando aparece um novo fenômeno artístico e fica

evidente sua desqualificação,inclusive para quem não tem a menor condição para a

elaboração de uma critica de arte coerente, diz-se: é isto o que o povo quer.

Este discurso faz da indústria cultural o mecanismo mais democrático presente na

sociedade, na medida em que efetiva os desejos das massas, entregando-lhes

numa bandeja seu pedido exatamente da forma como havia sido requerido;sendo

democrática precisa ser exaltada,aprimorada e nunca criticada. A homogeneidade

das aspirações e, com isso, daquilo que as satisfazem aparece como um

facilitador para o qual a indústria cultural nada tem a ver;quando a

massificação já estava posta,fato explícito pela igual satisfação proporcionada

pelos produtos da cultura em meio a indivíduos tão desiguais apareceu uma

indústria com a incumbência de gerar estes produtos. Nada disso condiz com os

fatos ao serem vistos mais detidamente por um observador isento,segundo as

análises de Adorno e Horkheimer sobre o tema. O crescente espaço conquistado

pela depravação cultural é consequência prevista do sucesso desta indústria,vale

dizer: o gosto cultural medíocre é uma decorrência do sistema encarregado da

manutenção de constante estado de obscuridade.

A atitude do público que, pretensamente e de fato, favorece o

sistema da indústria cultural é uma parte do sistema, não sua

desculpa. (Adorno, 2006, p.101)

Primeiramente promove-se, entre as massas, o gosto pelo desprezível

depois, colhe-se o fruto disso com a venda de supostos antídotos para o

desprezo. Não é pela força e sim pelo convencimento que as pessoas adquirem a

preferência por aquilo que não satisfaz suas reais necessidades, ou mesmo

tratam-lhes com explícito desrespeito; veja-se, por exemplo, o gosto por músicas

que denigrem o gênero humano,com maior evidencia a figura feminina. Derivado de

convencimento, este gosto pressupõe certa ideologia,à base da qual aceita-se

que isto é o máximo que a arte pode oferecer e no fundo as pessoas atingidas são

realmente baixas como a musica expõe.

Criar o problema pra vender a solução, tal é o procedimento planejado do

capitalista típico e do empresário encarregado do patrocínio de um “novo grande

sucesso”,ambos filhos legítimos das luzes, em cujos cálculos o que menos

interessa é o esclarecimento das massas. A indústria cultural,enquanto reduto do

ideal democrático e liberal, deixa cair sua máscara àqueles que perceberam no

estado de ignorância das massas um pressuposto necessário à manutenção

operacional da “roda do capitalismo”;enquanto ela estiver girando não faltarão

produtos disponíveis para a alienação e embrutecimento de quem os procuram.

Seguindo ao que já foi expresso, os homens preferem mais o desejo à coisa

desejada; ao que nos interessa, implica reconhecer que mesmo se mostrando

claramente como ilusão,para a humanidade, apegar-se ao processo é melhor que

nada ter a que se apegar. Quanto mais claro se torna a falência do

processo,quanto mais as promessas de emancipação transformam-se em ilusão

consciente,com mais força os homens se apegam a razão em busca da fuga deste

estado de coisas. À primeira vista a atitude natural seria abandonar o

processo,ao menos relativizar a razão como fonte infalível e única de acesso a

verdade;contrariamente naquilo que nos oprime buscamos liberdade. A civilização

ocidental, erigida ao som da máxima bíblica “conhecereis a Verdade...” não

demonstra preocupação sobre o método com o qual a ela se chega e com

razão,afinal não importa o caminho escolhido desde que se chegue ao destino

certo. Queremos a Verdade a todo custo,era o que estava inscrito em nosso

destino desde a época clássica;para consegui-la travamos luta com a mitologia e

todas as formas de crendices,porém atualmente sentimos que para isso há limites:

a superstição aparece para o homem como uma espécie de segunda natureza,de

forma a preferirmos nossa extinção a ter que conviver com sua superação pelos

conhecimentos conquistados nas questões tocantes ao sentido da vida humana.

Acontece que descendemos de uma tradição levantada sobre os pilares da lógica e

da razão: depois de milênios de predomínio desta via,é compreensível aceitarmos

passivamente seu império com sua concepção de Verdade. Comportamo-nos como seus

escravos pois para isso fomos educados. A certeza no caminho desta via reside em

que (no limite de nossa existência) iremos preferir o nada,a destruição total,a

nada ter a preferir. Quando esta via, a vitoriosa entre outras, estiver

absolutamente desacreditada e os demais caminhos de esperança forem

obstruídos,neste momento optaremos por não ter mais que depositar esperança em

nada,seguiremos à barbárie generalizada. A questão premente de nossa época

aponta neste sentido: podemos conviver admitindo a falência de qualquer

fundamento para a Verdade? Será possível haver humanidade quando todas as

crenças forem extintas, inclusive a mais decisiva delas, a crença na existência

da Verdade?

Referências

ADORNO,T.W; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos

filosóficos .Tradução: Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

ADORNO, T.W. Prismas: crítica cultural e sociedade. Tradução de Augustin Wernet,

Jorge Mattos Brito de Almeida. São Paulo: editora ática, 1998.

______.Educação após Auschwits. Disponível em

http://adorno.planetaclix.pt/tadorno10.htm. Acesso em julho/2012.

BENJAMIM,Walter.Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. 4.ed. São

Paulo: Brasiliense, 1985b

BRECTH, B. Aos que virão depois de nós. Tradução de Manuel Bandeira. Disponível

em http://www.releituras.com/bbrecht_aosquevierem.asp. Acesso em julho/2012.

PLATÃO. Mênon. Trad. de Maura Iglésias. Rio de Janeiro: PUC - Rio, Loyola, 2001.

NIETZSCHE, F. Obras incompletas. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São

Paulo:

Nova Cultural, 1996. (Os pensadores)

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da

desigualdade entre os homens, in O contrato social e outros escritos, tradução

de Rolando Roque da Silva, São Paulo: Editora Cultrix.

Filosofia e Crítica Social

Rosalvo Schütz51

Introdução

Nosso propósito neste texto é explicitar um potencial crítico da

filosofia. Da mesma forma pretendemos evidenciar que o pensamento crítico é

importante para o fortalecimento de uma cultura democrática. A crítica social

viabilizada pela filosofia é condição fundamental para resistirmos a pretensões

totalitárias, como foi o caso do stalinismo e do nazismo, mas também da atual

sociedade administrada na qual, como veremos, nossa liberdade geralmente não

passa de aparência. Para tanto, faremos primeiramente uma distinção entre Teoria

Crítica e Teoria Tradicional e em seguida iremos nos deter em dois exemplos de

pensamentos/questões em que filosofia e crítica social se encontram. Os

pensadores da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Herbert Marcuse, que contam

entre os principais expoentes da chamada Teoria Crítica, serão nossas principais

referências teóricas.

Teoria Tradicional e Teoria Crítica

A expressão “teoria crítica” é geralmente atribuída às teorias

desenvolvidas no contexto da Escola de Frankfurt. De fato foi aí que a questão

do que seja teoria crítica foi tematizada de forma mais explícita. Paradigmático

nesse sentido é o texto de Max Horkheimer intitulado “Teoria Tradicional e

Teoria Crítica”. Nesse texto, além de buscar definir a diferença entre ambas as

possibilidades de teorias, traçou-se uma espécie de perspectiva investigativa

assumida pela maioria dos autores dessa escola. Ao mesmo tempo, nesse trabalho o

autor faz questão de enfatizar que a perspectiva crítica aí explicitada teria

sido inaugurada por Karl Marx, de forma que a teoria que estava sendo

desenvolvida no momento era apenas uma expressão desse posicionamento teórico-

crítico. Vejamos, resumidamente, alguns aspectos do que viria a caracterizar uma

51 Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação (mestrado) em filosofia da (UNIOESTE)

Universidade Estadual do Oeste do Paraná e bolsista de produtividade do CNPq.

teoria crítica, na forma como ela teria sido desenvolvida por Marx, segundo

Horkheimer.

Em primeiro lugar, a teoria tradicional não é desprezada pela teoria

crítica. Ela não está errada! Marx, por exemplo, não costumava afirmar que as

teorias de A. Smith, D. Ricardo ou mesmo de Hegel estivessem erradas. Pelo

contrário, fazia a eles elogios no que diz respeito ao seu poder de descrição.

Sem os avanços feitos por esses autores Marx certamente teria tido dificuldades

enormes para desenvolver a sua teoria crítica. O reconhecimento da legitimidade

e do potencial da teoria tradicional na forma de diagnósticos de uma época (na

forma de autoconsciência de sua época, como diria Hegel), portanto, é um

ingrediente fundamental de uma teoria crítica. Sem esse diálogo com as diversas

áreas do conhecimento em suas expressões mais avançadas, a teoria crítica corre

o risco de simplesmente balbuciar intenções moralizantes na forma de críticas

externas. Isto, no entanto, não quer dizer que a teoria tradicional deva ser

aceita enquanto expressão mais adequada da realidade: ela é insuficiente na

medida em que quer domesticar o futuro determinando-o de forma prévia. A sua

insuficiência, e não o erro, portanto, é que constitui o seu caráter

tradicional. Segundo Horkheimer, o caráter tradicional de uma teoria pode ser

detectado na medida em que “naturaliza” a realidade descrita; em que busca

reduzir a realidade ao seu esquematismo supostamente a-histórico; na medida em

que tem pretensões de explicação absoluta, bloqueando as possibilidades de

transformação efetivamente existentes, “tal como seria possível em virtude dos

meios técnicos existentes” (1975, p. 145). A teoria tradicional seria,

portanto, duplamente insuficiente (apesar de não poder ser acusada de errada!):

ela não possibilita o evidenciamento da realidade como uma realidade

contraditória e, portanto, portadora de novas possibilidades; ao mesmo tempo ela

acomoda os sujeitos ao existente uma vez que o naturaliza. Essas insuficiências,

portanto, têm caráter ideologicamente conservador, pois, ao não evidenciar as

possibilidades objetivas imanentes à realidade (não redutíveis à sua teoria),

bloqueia a efetivação das mesmas. A insuficiência, portanto, não é de caráter

simplesmente quantitativo. É uma forma de teoria conivente com o existente e

esta é sua característica e função, função esta que os teóricos exercem de uma

ou outra forma, pois, inequivocamente, “[...] estão atrelados ao aparelho

social, suas realizações constituem um momento da autoprodução e da reprodução

contínua do existente, independentemente daquilo que imaginam a respeito disto”

(Idem, p. 131). O fato, por exemplo, de A. Smith não ter desenvolvido uma teoria

crítica ao estilo de Marx não deve ser atribuído a um déficit teórico, mas, sim,

ao comprometimento de A. Smith com a sociedade em questão. Nesse sentido, não se

pode afirmar que Marx foi apenas um economista melhorado. Os teóricos da

economia política da época jamais desenvolveriam tal teoria, simplesmente porque

aquele não era seu objetivo, pois o lugar social que ocupavam e “desde onde”

construíram suas teorias não os permitia. Ao mesmo tempo esse exemplo demonstra

que a teoria crítica pode e até mesmo deve apropriar-se de elementos da teoria

tradicional a fim de elaborar suas próprias teorias e diagnósticos da realidade.

A teoria crítica, portanto, apoiada nos mais diversos diagnósticos

fornecidos pela teoria tradicional, evidencia os limites dela ao apontar para as

possibilidades objetivas imanentes, mas bloqueadas, na realidade em questão. A

teoria crítica, portanto, não pode ser reduzida a uma “fabulação abstrata do

pensamento” (Nobre, 2008, p.12), mas também não pode se acomodar aos

diagnósticos da realidade apresentados pela teoria tradicional, uma vez que são

sempre insuficientes por não apontarem as possibilidades de libertação. Ou, como

afirma Horkheimer (1975, p. 143), a “simples descrição da consciência burguesa

não é suficiente para mostrar a verdade sobre sua classe” e, por isso, a teoria

crítica não pode estar “[...] nem ‘enraizada’ como a propaganda totalitária

nem é ‘livre-flutuante’ como a intelligentsia liberal” (Idem, p. 149).

Ocorre, no entanto, que a teoria crítica também apresenta e sugere um

diagnóstico do presente: este, porém, “tem de ser produzido em razão das

possibilidades de libertação da dominação do capital, à luz da emancipação

possível que o capitalismo carrega dentro de si” (Nobre, 2008, p. 13). Ao

apontar para a contradição existente entre promessa (descrita pela teoria

tradicional) e a realidade, a teoria crítica evidencia o que poderia ser e que

ainda não é por estar sendo bloqueado em vista da manutenção de um status quo. O

teórico crítico, portanto, deveria ter consciência de que sua teoria não é

apenas “[...] uma expressão da situação histórica concreta, mas também um fator

que estimula e que transforma” (Horkheimer, 1975, p. 144). É nesse sentido que

Adorno e Horkheimer puderam afirmar que a “[...] filosofia acredita na divisão

do trabalho e que ela exista para os homens, acredita no progresso e que ele

leva à liberdade. É por isso que entra facilmente em conflito com a divisão do

trabalho e com o progresso. Ela dá expressão à contradição entre crença e

realidade” (2006, p. 200).

As aparências e as promessas de uma realidade justa e livre, da sociedade

moderna, por exemplo, são desmascarados por Marx na medida em que evidencia a

exploração e a opressão como elementos constitutivos da sociedade capitalista.

Ao mesmo tempo, ao demonstrar o caráter histórico e social dessa sociedade, Marx

desconstrói a sua pretensa justificação natural, evidenciando, assim, que outra

realidade seria objetivamente possível, caso não estivesse bloqueada. Disso se

pode concluir com Horkheimer (1975, p. 140) que “[...] não existe teoria da

sociedade (...) que não inclua interesses políticos, e por cuja verdade, ao

invés de manter-se numa reflexão aparentemente neutra não tenha que se decidir

ao agir e pensar, ou seja, na própria atividade histórica concreta”. A teoria

passa, assim, a ser compreendida dentro de uma processualidade prática de

transformação.

Vejamos agora, exemplarmente, dois temas específicos a partir do olhar de

dois dos principais pensadores vinculados à Escola de Frankfurt, de como a

filosofia, numa perspectiva marcadamente crítica contribui para a crítica

social.

(Exemplo 01) Adorno: Pensamento Filosófico enquanto Crítica.

A clareza e a precisão dos conceitos é uma exigência que assola a

filosofia. Essa exigência é legítima e a filosofia não pode abrir mão do zelo

constante pela precisão e clareza conceitual. Esta, no entanto, é uma tarefa

ingrata: uma definição absoluta dos conceitos e do seu uso linguístico seria, de

certo modo, o fim da própria condição de possibilidade do filosofar. Quem

espera, em filosofia, chegar a conceitos absolutamente claros, precisos e

evidentes já está, de antemão, condenado a decepcionar-se. A redução do

pensamento filosófico a constructos lógico-causais de conceitos previamente

definidos certamente seria o próprio fim da filosofia. Alguém, com um olhar não

filosófico, tende, no entanto, a fazer a pergunta: “[...] por que vocês

simplesmente não definem os conceitos fundamentais?” (ADORNO, 1973, p. 09).

Ora, esta tentativa pode ser empreendida, porém, qualquer conceito que queiramos

definir precisa, necessariamente, ser explicado por outros conceitos, que não

ele mesmo (por vezes, inclusive, recorrendo ao seu contrário). O que nos leva a

evidenciar e aceitar o fato de que “[...] os conceitos somente podem ser

determinados por conceitos” (Idem, p. 11). Como cada conceito precisa,

evidentemente, ser esclarecido por outros, o propósito de trabalhar sempre com

conceitos claros e distintos não é uma tarefa fácil e, provavelmente,

interminável. Ou seja, uma determinação completa, definitiva e final de coisas

e pessoas não é possível. Isso seria o fim da possibilidade de pensamento.

Em último caso somos obrigados a apontar para algo (uma cor, por exemplo)

para poder indicar o que exatamente dizemos com determinados conceitos. Ou seja,

os conceitos mostram sua insuficiência. Adorno chega mesmo a afirmar, de forma

polêmica, que, embora seja um momento importante da filosofia, a questão da

definição dos conceitos individuais não é tarefa essencial da filosofia.

Entender os conceitos filosóficos nos remete, de certa forma, a toda a história

da filosofia, a entender o seu significado e função ou funções específicas que

assumiram em determinadas filosofias. Além disso, existem conceitos em filosofia

(espaço, tempo e ser, por exemplo) que simplesmente não podem ser definidos por

completo. É ilusão, portanto, pensar que o procedimento de definição possa ser

suficiente para adentrar progressivamente no pensamento filosófico.

Acrescente-se a isso que a definição diferenciada dos conceitos em

momentos diferenciados da história da filosofia aponta para as mudanças

subjacentes às construções filosóficas (que trazem à tona, inclusive, dimensões

sociais nas quais foram gestadas) sem que seu valor de verdade seja diminuído.

Mesmo que alguns conceitos se mantenham constantes na história da filosofia,

eles não podem se tornar imunes aos aspectos “qualitativamente novos” (Idem,

p. 16) que se manifestam e são gerados a partir dos novos usos que deles se

fazem. Essa vivacidade do pensamento não deixa que ele seja aprisionado por

qualquer forma de esquematismo prévio. Segundo Türcke (2004, p. 48), Adorno

estava convencido de que o “sistema é a prisão do espírito”. Conclui-se que,

em filosofia, esclarecimentos “[...] isolados de palavras não podem ser dados;

os esclarecimentos de palavras são apenas uma entrada e podem apenas ser

possibilitados pela relação explícita com a conexão em que estão” (ADORNO,

1973, p. 17). É justamente nessa “vida dos conceitos” que se dá a filosofia e

o pensamento filosófico52: “[...] que a vida dos conceitos [...] no fundo é o

mesmo que a filosofia [...] enquanto é uma filosofia e não apenas uma técnica

científica, é caracterizada sobremaneira por comportar-se de forma crítica

diante deste conceito da definição” (Idem, p 18). Pode-se afirmar (SEEL, 2006,

p. 77), que Adorno buscou superar a hipostasia dos conceitos sem, no entanto,

enfraquecer a força do pensamento conceitual: ele é vitalizado.

Mesmo assim, permanece um momento unificador na concepção defendida pelo

autor, mas este “[...] sobrevive sem a negação da negação e mesmo sem entregar-

se à abstração enquanto princípio supremo, de modo que não se progride a partir

de conceitos e por etapas até o conceito superior mais universal, mas esses

conceitos entram em uma constelação” (ADORNO, 2009, p. 140). Por isso, para

Adorno, pensar de forma filosófica significa configurar constelações

(conceituais) de tal forma que elas se esclareçam mutuamente, mas também e,

principalmente, para que, mesmo sendo produto da subjetividade humana, em seu

conjunto iluminem o objeto, mesmo que este objeto seja o próprio pensamento. Ao

mesmo tempo, dessa forma o próprio processo de vir-a-ser desses conceitos fica

preservado, não permitindo o seu enrijecimento ou a sua fetichização.

Constelação conceitual alguma pode, no entanto, se autoatribuir a pretensão de

ter iluminado por completo o objeto, mesmo porque as constelações não são algo

52 Segundo Souza (2004, p. 95), todas as obras de Adorno podem ser compreendidas dessa forma, ou

seja, elas mesmas significariam uma negação de uma discursividade linear, constituindo-se

antes em “[...] constelações de categorias e articulações de sentido extremamente sutis que

espelham também por sua estrutura [...] aquilo a que fazem referência”.

estático, mas estão em constante transformação. Adorno estabelece, inclusive,

uma analogia com as composições musicais: “Produzidas subjetivamente, essas

composições só dão bom resultado quando a produção subjetiva desaparece nelas. A

conexão que ela instaura – precisamente esta de 'constelação' – torna-se

legível como signo de verdade: do teor espiritual” (Idem, p. 143). Não se trata

de uma definição isolada de conceitos, mas sempre de um combinar dinâmico. A

metáfora é interessante: “Enquanto constelação, o pensamento teórico

circunscreve o conceito que ele gostaria de abrir, esperando que ele salte, mais

ou menos como os cadeados de cofres-fortes bem guardados: não apenas por meio de

uma única chave ou de um único número, mas de uma combinação numérica” (Idem,

p. 142).

Isso poderia nos levar a supor que Adorno abre mão da noção de verdade.

De fato ele próprio (1970, p.14) afirma que a contradição que resulta da

renúncia do absoluto e de, ao mesmo tempo, não abrir mão de um conceito de

verdade é o próprio elemento da filosofia, é nesse ínterim que ela se constitui.

Para Adorno, a própria verdade pode ser tida como constelação, no entanto, como

pode ser concluído do que foi dito acima, não uma constelação fixa e imutável,

mas uma constelação em devir: “Verdade é constelação em devir, não algo que se

percorre automaticamente, onde o sujeito seria talvez aliviado, mas

dispensável” (ADORNO, 1995b, p. 21). É no esforço subjetivo que as constelações

são reconstruídas, e isso acontece a cada vez que ao menos uma unidade dela se

transforma, pois assim “[...] a constelação de todas as categorias se altera,

e, com isso, uma vez mais cada uma delas” (ADORNO, 2009, p. 144). Sempre que

refletimos, ultrapassamos o pré-pensado e podemos implodir a realidade que se

sustenta nesses pressupostos, e o esforço subjetivo (a capacidade de fazer

experiências) para tal é indispensável. Ou, como sugere Türcke (2004, p. 51)

interpretando a questão: “O tema não existe sem variações. São elas que

revelam, por suas voltas e viradas grandiosas, cada vez mais o tema. Mas a

sequência das variações não obedece a uma lógica estrita; não está conduzida

pelos conceitos de fundamento e de consequência, pois o próprio tema questiona a

validade incondicional dos termos”. A concepção de verdade, portanto, deixa de

ser algo com contornos fixados, mas, pelo contrário, para poder continuar sendo

verdadeiro, o pensamento filosófico tem de se renovar constantemente, a partir

daquilo que ele não é, daquilo que lhe devolve a vivacidade: a experiência. Tal

experiência, só o sujeito pode realizar: “O pensar não deve reduzir-se ao

método, a verdade não é o resto que permanece após a eliminação do sujeito”

(1995b, p. 19). O pensamento que se enquadrar de forma a priori a regras tende a

se atrofiar. Ele precisa, por seu compromisso com a verdade, nutrir-se pela

admiração daquilo que ele ainda não é. Donde Adorno conclui que o “[...] pensar

filosófico só começa quando não se contenta com conhecimentos que se deixam

abstrair e dos quais nada mais se retira além daquilo que se colocou neles”

(Idem, p. 16). Evidentemente isso não deve levar ao menosprezo da tradição e dos

textos filosóficos: “Textos para interpretar e para criticar apoiam a

objetividade do pensamento” (Idem, p. 23). Pensar, portanto, significa estar em

constante construção de constelações buscando ‘iluminar’ mais, melhor e de

forma diferenciada alguma realidade (mesmo que sejam outras estrelas/conceitos).

O pensamento não pode permanecer ao que é dado: ao sugerir outras constelações

sugere também outras configurações da realidade. Conforme afirma Adorno em sua

Terminologia Filosófica I (1973, p.44), um caminho muito frutuoso na filosofia é

aquele que liga conceitos às terminologias recebidas/herdados pela história da

filosofia de modo a constituir com eles constelações de forma que estes termos,

pelas relações estabelecidas, se apresentem de maneira totalmente outra. Um dos

principais objetivos da filosofia seria, pois, fazer com que os conceitos percam

o seu “endurecimento” (Idem, p.55), quebrando o seu engessamento e situando-os

em outras constelações. O paralelo com configurações da realidade é evidente.

Também nela não percebemos certos aspectos se nosso pensamento for

demasiadamente estreitado, reduzido ao seu caráter classificatório em relação ao

“ser assim” do mundo. O pensamento assim concebido pode viabilizar o vir à

tona de coisas que a ideologia oculta.

Esse potencial crítico do pensamento filosófico seria, pois, uma

propriedade inerente e constitutiva do mesmo pensamento. Sem isso, a filosofia

tenderia a se degradar em sistema. Em vez de ser caracterizada pelo seu

potencial descritivo (a coruja de Minerva hegeliana), ela teria de estar, para

permanecer viva, em constante choque com o outro dela mesma: resistindo ao que é

apresentado como real. É uma concepção diretamente oposta àquela que sugere a

capacidade de domínio absoluto da razão, sem, no entanto, abrir mão do trabalho

do conceito e de uma noção de verdade.

Se, por um lado, pensar não é dominar, por outro lado, não existe

pensamento sem uma relação com o objeto. Sem uma relação produtiva que “resulta

do longo e paciente olhar” sobre ele. Ao tornar evidente o caráter constitutivo

do não-racional para a filosofia, Adorno questiona toda uma tradição filosófica

que simplesmente procurava negar essa dimensão e, ao mesmo tempo, reabilita o

thaumatzein grego como condição do filosofar. O amor implícito na noção de amor

à sabedoria (filosofia) não pode ser confundido com o domínio violento. Amor

requer a aproximação não violenta e que reconhece a alteridade enquanto legítima

não-identidade. Adorno insiste em afirmar que pensar é mais do que fazer uso da

racionalidade formal53 (apenas uma das capacidades da inteligência), chegando

mesmo a afirmar que pensar se aproxima antes da capacidade de fazer

experiências. Na Dialética do Esclarecimento, as consequências dessa redução já

haviam sido intuídas: “Reduzindo o objeto a uma lei ou a um número perde-se a

vida deste objeto” (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 16). Ou seja, pensar implica

fazer referência à realidade, a algum conteúdo sem deixar que a capacidade

autônoma e a espontaneidade do sujeito se atrofiem. Por isso também, para nosso

autor (1975, p.105 e ss.), a luta contra a indiferença é um dos principais

desafios de qualquer processo educativo que queira, de fato, evitar que

Auschwitz e seus pressupostos se repitam. É a superação da indiferença que

possibilita a experiência, que é a base para o pensamento autônomo que pode

gerar “[...] a força para a reflexão, para a autodeterminação, para o não-

participar” (ADORNO, 1975, p. 93).

A autonomia do pensamento, que já não mais é identificada com o domínio

53 A denúncia de uma racionalidade estreita é uma temática que pode ser tomada como um elemento

comum nos diversos integrantes da Escola de Frankfurt. Horkheimer (1974), por exemplo, em seu

texto Meios e Fins, alerta que uma razão reduzida à capacidade de classificar, deduzir e

inferir seria uma razão subjetiva, servil e incapaz de pensar sobre fins. Por estar reduzida

ao seu caráter instrumental, ela também é denominada de razão instrumental.

do eu e do pensar sobre o ser, passa a ser concebida enquanto capacidade de

pensar a contrapelo e em “nadar contra a correnteza” sem, no entanto, perder

de vista o objeto ou o problema em questão. Ou seja: “Pensar filosoficamente é,

assim, como que pensar intermitências, ser perturbado por aquilo que o

pensamento não é. [...] A força do pensamento de não nadar a favor da própria

corrente é a de resistir contra o previamente pensado. O pensamento enfático

exige coragem civil” (1995b, p. 21). Por isso, de certa forma,se pode dizer que

também a ingenuidade pertence à filosofia, pois o relacionar-se diretamente com

as coisas é, embora nunca uma verdade última, uma condição “[...] para que não

nos deixemos desencorajar, de ver num fenômeno, aquilo que ele nos sugere”.

Para Adorno (1973, p. 17), quando se deixa definhar a capacidade de perceber

algo nas coisas, então “[...] não se pode alcançar uma reflexão filosófica

efetiva”. Por outro lado, mesmo sem ser possível sem essa referência, o pensar

também é impossível de ser imaginado sem a ação de alguém que pensa: “Onde o

pensar é realmente produtivo, onde é criador, ali é sempre também um reagir. A

passividade está no âmago do ativo, é um constituir-se do Eu a partir do não-

Eu” (1995b, p. 18).

A proposta de Adorno, porém, não pode ser confundida com uma recaída no

irracionalismo. Como afirma acertadamente Perius (2008, p. 105): “Adorno fala

da insuficiência do conceito ou então do além-do-conceito, portanto, não fala de

uma filosofia não-conceitual”. O esforço do conceito é imprescindível, ele é o

esforço de, através dos conceitos, ir além dos próprios conceitos, mas também

precisa revelar as suas próprias condições e, por isso, exige concentração: “A

concentração do pensamento confere ao pensar produtivo uma propriedade que o

clichê lhe nega. Ele se deixa comandar, nisso não deixando de assemelhar-se à

assim chamada inspiração artística, na medida em que nada o distrai da coisa.

Ela se abre à paciência, virtude do pensamento” (ADORNO, 1995b, p. 18-19). Para

evitar mal-entendidos, Adorno sempre faz questão de enfatizar que, apesar dessa

explícita proximidade da filosofia com a arte – que não dever ser confundida

com a paródia do “sábio que contempla o próprio umbigo”! (Idem, p. 20) –, ela

também se diferencia dela: “Em contraposição à arte, a filosofia defende o não

conceitual sempre e apenas través do conceito, ou então ela representa aquilo

que não pode ser pensado através do pensamento” (1973, p. 87). O pensamento

filosófico, portanto, de certa forma, se constitui em meio a um campo tenso:

“Subjetivamente o pensamento filosófico é incessantemente confrontado com a

exigência de conduzir-se em si mesmo de acordo com as regras da lógica e de, não

obstante, receber em si aquilo que não é ele mesmo e que não se submete mais a

‘priori’ à sua própria lógica” (1995b, p. 18). Daí que a verdade não pode ser

posta, segundo Adorno, nem exclusivamente na conta do sujeito nem do objeto:

“Os pensamentos que são verdadeiros devem renovar-se incessantemente pela

experiência da coisa, a qual, não obstante, só neles recebe sua determinação”

(Idem, p. 21).

Pode-se afirmar que pensar para além da racionalidade estreita

(denominada também de a ratio burguesa e razão instrumental) significa renunciar

ao próprio impulso organizador do pensamento. O impulso organizador é expressão,

como vimos, da pretensão de domínio, e domínio que pretende se perpetuar. Na

medida em que isso é feito através de instrumentos conceituais, são os próprios

conceitos que são petrificados e apresentados como se traduzissem a própria

realidade. Eles escondem, portanto, a sua origem social e histórica. A

fetichização desses conceitos é, ela própria, um instrumento ideológico. Dessa

falta da capacidade de pensar, a filosofia pode ser afetada de diversas formas.

Segundo Adorno, isso não acontece apenas na filosofia da identidade, que teve

sua expressão máxima na tese da equivalência entre ser e pensar em Hegel. Também

em tendências positivistas, na fenomenologia e mesmo na filosofia marxista (a

versão que lhe foi impressa pelo materialismo dialético do Leste), essa

tendência pode ser verificada. Ambas seriam formas disfarçadas de idealismo,

reafirmações da primazia do sujeito. Quando, por exemplo, 1) em aproximação com

tendências positivistas da ciência, a filosofia absolutiza o método, que se

torna então uma instância de controle do próprio pensar, não aprovando mais nada

a não ser aquilo que o procedimento do método prescrito aceita. A absolutização

da objetividade dos conceitos camufla a função imprescindível da subjetividade

na constituição de todo e qualquer conceito. Ou quando, 2) numa perspectiva

fenomenológica, por uma espécie de “golpe de mágica [se] supõe alcançar o olhar

essencial” (1970, p. 22-23) das coisas mesmas na sua autenticidade fundamental,

ocorre uma absolutização de conceitos como se eles não estivessem sempre

mediados social e historicamente e constituídos por sujeitos. Essa pretensão de

verdade, segundo Adorno, não passa de sofisticada ideologia que também se serve

do fetiche dos conceitos, agourando-se de uma suposta profundidade e

autenticidade primordial para se justificar. Em ambas as posições, o que

acontece é a “[...] apresentação de fetiches, de conceitos propriamente

construídos” (Idem, p. 23), como se eles existissem sem a ação da subjetividade

humana. Mas também a 3) filosofia marxista do Leste, segundo Adorno, teria sido

convertida em um dogma estático (em contraposição ao próprio conteúdo do

pensamento de Marx) e se degradado em uma ideologia, em idealismo disfarçado. Na

medida em que, por exemplo, o desenvolvimento do capitalismo depois de Marx é

ignorado (com a integração do proletariado ao sistema) por essa visão, a própria

teoria de Marx é degradada a um fetiche: “Marx teria sido o último a cindir o

pensamento do andar real da história” (ADORNO, 1970, p. 24). A postura de Marx

teria sido testemunho de que à filosofia cabe “[...] pensar aquilo que é

diverso do pensamento e que o transforma pela primeira vez em pensamento”

(ADORNO, 2009, p. 165). A essas tendências, Adorno (1995b, p. 22) se contrapõe

afirmando que compreender “[...] filosoficamente significa certificar-se

daquela experiência na qual se reflete automaticamente54 (sic!) e, contudo, em

estreito contato com o problema traçado a cada vez”.

Diante desse horizonte filosófico, Adorno acredita que um dos grandes

desafios da filosofia é romper, através da força do pensamento, com o fetiche

dos conceitos, evidenciando seu caráter social, histórico, constelativo e

provisório e mesmo o que lhes é anterior. Quem pensa não sucumbe ao fetiche dos

conceitos (e sua função!) e subverte as referências ideológicas do status quo

estabelecido, podendo, assim, “revelar um vestígio de esperança de que não

liberdade, opressão e o mal [...] não têm a última palavra” (ADORNO, 1970, p.

18).

54 Há aqui um equivoco na tradução: “in der manautonom [...] reflektiert” deveria ser traduzido

por“na qual se reflete autonomamente” e não “na qual se reflete automaticamente”.

(Exemplo 02) Marcuse: em busca de novos sujeitos sociais emancipatórios

A suspeita, levantada por H. Marcuse em sua época é de que o horizonte de

transformação tradicional, baseado em uma perspectiva puramente imanente, acaba

aprisionando a práxis social (mesmo de muitas das assim chamadas esquerdas) ao

interior dos sistemas, ao dogma idealista do inevitável progresso da razão e da

história. Ações desenvolvidas dentro desse horizonte seriam facilmente

neutralizadas e catalisadas pela própria totalidade existente. Nesse sentido,

portanto, o autor busca apontar sempre para a necessidade de se compreender

possibilidades emancipatórias para além das contradições internas de uma

totalidade. Para tanto, seria necessário atentar para necessidades objetivas

simplesmente reprimidas pela totalidade antagônica existente. Essas necessidades

estariam baseadas em forças e em movimentos que ainda não teriam sido manietados

ou que já teriam se libertado do horizonte da produtividade agressiva e

repressiva da sociedade moderna: “O poder de negação surge fora dessa

totalidade repressiva, a partir de forças e movimentos que ainda não estão

manietados pela produtividade agressiva e repressiva da chamada ‘sociedade de

abundância’, ou que já se libertaram desse desenvolvimento” (1972, p. 165).

Devido à integração progressiva da tradicional classe trabalhadora

industrial ao sistema, para Marcuse, “[...] os catalizadores da mudança se

tornam atuantes ‘desde fora’” (1969, p. 84). Isso ocorre porque, numa “[...]

sociedade baseada no trabalho alienado [...] os homens só percebem as coisas nas

formas e funções em que lhes são dadas, feitas, usadas pela sociedade existente;

só percebem as possibilidades de transformação tal como são definidas e

limitadas na sociedade existente” (Marcuse, 1973, p. 74). A superação a ser

buscada não é do trabalho em si, uma vez que este é constitutivo do ser humano

na sua relação tanto com a natureza quanto com a sociedade e consigo mesmo.

Marcuse sugere uma nova forma de satisfação “[...] sem labuta – isto é, sem o

domínio do trabalho alienado sobre a existência humana” (1999, p. 141). A

superação das formas de trabalho alienado e, portanto, do indivíduo burguês e

suas exigências de desempenho, no entanto, não pode se dar de forma apenas

individual. A libertação individual só pode acontecer de fato na medida em que

vem acompanhada da libertação da sociedade e vice-versa. O grande desafio é

conseguir fazer a contraposição a uma sociedade funcional e crescente, o que

pode inclusive criar certo conflito com a “maioria trabalhadora bem integrada”

(1969, p. 81). A tendência seria a de que as práticas políticas mais radicais se

concentrem em grupos minoritários55. Marcuse, no entanto, está bem lúcido quanto

aos limites e às dificuldades a serem enfrentadas: “O que acontece é a formação

de grupos relativamente ainda pequenos muitas vezes com uma organização fraca

(muitas vezes desorganizada), mas que, devido à força de sua consciência e de

suas necessidades, atuam como catalizadores da rebelião em meio à maioria, à

qual pertencem conforme sua origem de classe” (1969, p. 80).

Percebe-se, portanto, que Marcuse busca superar uma ontologização dos

sujeitos revolucionários, atribuindo-lhes um caráter histórico e dinâmico: “As

forças revolucionárias surgem no próprio processo de transformação; a tradução

do potencial em atualidade é o trabalho da práxis política” (1969, p. 117). A

práxis política, portanto, não pode ser confinada a esquematismos e fabricações

prévias. Ela não pode mais se orientar em uma concepção de revolução formulada

no final do século XIX e início do século XX. Essa concepção está já determinada

no passado por um horizonte marcado pela “tomada do poder” por um levante das

massas dirigida por um partido revolucionário que pressupunha uma vanguarda da

classe revolucionária a qual iria introduzir as mudanças fundamentais da

sociedade. No atual capitalismo avançado, onde as massas foram integradas e se

tornaram, elas próprias, forças de conservação e estabilização, não se pode mais

esperar que efetivem essa sua função idealmente concebida. Por isso “[...] os

grupos minoritários de hoje, sobre os quais recairá a tarefa de organização,

serão muito diferentes da vanguarda leninista” (1973, p. 47). O seu potencial

estaria (coerente com a formulação original das condições de constituição do

lugar social da negação!) na sua consciência e objetivos que os tornam “[...]

55 Ao apontar esse potencial, Marcuse não nega objetivamente o proletariado enquanto potencial

classe revolucionária: “Evidentemente é algo sem sentido afirmar que a oposição civil

substitui o proletariado enquanto classe revolucionária e de que o lumpemproletariado adquire

uma força política radical” (1969, p. 80).

verdadeiros representantes dos interesses gerais dos oprimidos. [...] É a luta

pela vida – por uma vida não de senhores nem de servos, mas de homens e

mulheres” (1969, p. 81).

Essas posturas teóricas e políticas de Marcuse o levam a formular também

uma crítica à democracia liberal-parlamentar: “Nas novas esquerdas disseminou-

se uma significativa não aceitação das práticas políticas tradicionais [...] o

que aponta para uma nova reconsideração da democracia [...] e de sua função rumo

a uma sociedade livre” (1969, p. 97). Em vez de deixar que as aspirações da

chamada nova esquerda se diluam ou sejam represadas na esfera da legalidade

constituída, o que precisa ser evidenciado, segundo Marcuse, é uma contradição

entre promessa e realidade da democracia existente, de forma que, se “[...]

democracia significa o autogoverno de seres humanos livres e justiça para todos,

então a realização da democracia pressuporia a superação da pseudo-democracia

atualmente existente” (1969, p. 99). É evidente que uma luta contra essa

pseudodemocracia, do ponto de vista dela mesma, provavelmente será considerada

não democrática. O que teria de estar claro nesse caso, como afirma Marcuse no

calor dos debates dos protestos estudantis do final dos anos 1960, é que a

“[...] linguagem dominante de lei e ordem, que é declarada como válida pelos

tribunais e pela polícia, não é apenas a voz mas a própria ação de opressão”

(1969, p. 110). Nesse sentido se poderia dizer que a luta de classes se dá, de

fato, a partir dos “malditos desta terra” na medida em que estes se contrapõem

ao status estabelecido. Por isso é que a “[...] análise crítica desta sociedade

precisa de novas categorias: morais, políticas e estéticas” (Marcuse, 1969, p.

21).

Segundo Marcuse, a oposição pode se evidenciar em diversas formas e

organizações. Cita, como exemplos, as rebeliões difusas entre os jovens e as dos

intelectuais, bem como a luta cotidiana das minorias perseguidas: “O movimento

estudantil não é, apesar de revolucionário em sua teoria, revolucionário em suas

necessidades impulsivas e últimos objetivos [...] no entanto, ele é o fermento

da esperança nas sufocantes super-poderosas metrópoles: ela testemunha a verdade

da alternativa – a real necessidade e real possibilidade de uma sociedade

livre” (1969, p. 92). O movimento de mulheres representa o potencial de negação

de uma sociedade erigida a partir do princípio da produtividade destrutiva

própria da forma mental e física da dominação masculina, que gera uma estrutura

na qual “[...] nem homens nem mulheres são livres” (1973, p. 78). Por isto

“[...] uma sociedade livre seria a ‘negação definitiva’ desse princípio –

seria uma sociedade fêmea” (Idem, p. 77) e por isso a luta do movimento

feminino encontra sua radicalidade não na afirmação de uma sociedade matriarcal,

transformando valores biológicos em éticos e culturais, mas na possibilidade

“[...] ascendente de Eros sobre a agressão, em homens e mulheres; e isto

significa, numa civilização dominada pelo homem, a ‘feminilização’ do macho

[...] não só a igualdade dentro do emprego e da estrutura de valores da

sociedade estabelecida (o que seria uma igualdade de desumanização), mas, antes,

uma mudança na própria estrutura" (1973, p. 77). A superação da mais-agressão

masculina se daria simultaneamente com a superação da mais-passividade feminina:

“É da natureza das relações sexuais que ambos, macho e fêmea, sejam objeto e

sujeito ao mesmo tempo; a energia erótica e agressiva fundem-se em ambos. A

mais-agressão do macho está socialmente condicionada – assim como a mais-

passividade da fêmea” (1973, p. 79). As mulheres, no entanto, provavelmente

teriam um potencial de contribuição maior do que os homens nesse processo, uma

vez que o relativo “[...] isolamento (separação) do mundo do trabalho alienado

do capitalismo habilitou a mulher a permanecer menos brutalizada pelo Princípio

de Desempenho, a ficar mais fiel à sua sensibilidade: mais humana do que o

homem” (1973, p. 80).

Como consequência política mais ampla dessas suas observações aqui

apenas sintética e exemplarmente indicadas por meio do movimento estudantil e de

mulheres , Marcuse busca visualizar uma concepção política onde essas diversas

formas de manifestação política seriam possíveis. Seria preciso, para tanto,

reabilitar dimensões que, no processo de consolidação/instrumentalização da

democracia, foram reprimidos. Um desses desafios indicados é recuperação de

“[...] uma facunda realização da tradição revolucionária, os ‘conselhos’

(‘sovietes’, Räte) como organização de autodeterminação e autogoverno (ou,

melhor, de preparação para o autogoverno) nas assembleias populares locais”

(1973, p. 50). Embora consciente da ambivalência e fragilidade dessa concepção

(já que a “expressão imediata da opinião e vontade dos trabalhadores [...] não

é, per se, progressiva nem uma força de mudança social; pode ser o oposto”),

Marcuse insiste: “A democracia direta, a sujeição de toda a delegação de

autoridade ao controle efetivo ‘por baixo’, é uma exigência essencial da

estratégia da Esquerda” (Idem, p. 51). Ou seja, a nova sociedade não pode ser

resultado exclusivo de alguma teoria: deve antes acontecer enquanto obra livre

de homens libertos ou em processo de libertação. Trata-se de um processo que,

apesar de não ser a realização de ideais impostos de fora, é marcado, desde o

início, pelos seus objetivos.

Conclusão

Pelo que pudemos ver acima, a dimensão crítica pode ser

consideradaconstitutiva de um pensamento filosófico. Afinal, para que o

pensamento possa se manter vivo ele não pode nem se reduzir a uma simples

descrição da realidade nem se deixar reduzir a fantasia. É a partir da

interação, da capacidade de se deixar afetar pela realidade social e histórica

concreta que o pensamento filosófico adquire sua vigorosidade e atualidade. Se

visualizar e superar as armadilhas ideológicas das teorias tradicionais; se

subverter realidades opressoras apontando para novas possibilidades; se

democracia é mais do que um puro formalismo; se buscar visualizar e fundamentar

novas referências sociais emancipatórias são temas importantes na atualidade,

então a atualidade da filosofia enquanto crítica social também fica evidente.

Apesar de filosofia alguma poder oferecer receitas de como as coisas devem ser,

as críticas sociais certamente também requerem muito mais do que ativismo cego:

exigem o esforço do conceito.

Bibliografia

ADORNO, Theodor. A atualidade de filosofia. Tradução: Bruno Pucci. Disponível

em: <http:// adorno.planetaclix.pt/tadorno3.htm >. Acesso em: 21 jul. 2012.

ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Tradução: Marcos Antônio Casanova. Rio de

Janeiro: Zahar, 2009.

ADORNO, Theodor. ErziehungzurMündigkeit. Vorträge und Gespräche mit Hellmut

Becker 1959-1969.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1975.

ADORNO, Theodor. Negative Dialektik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003.

ADORNO, Theodor. Drei Studien zu Hegel.Frankfurt: Suhrkamp, 1963.

ADORNO, Theodor. Notas marginais sobre teoria e práxis. In: ADORNO, Theodor.

Palavras e sinais. Modelos críticos 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995a.

ADORNO, Theodor. Observações sobre o pensamento filosófico. In: ADORNO, Theodor.

Palavras e sinais. Modelos Críticos 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995b.

ADORNO, Theodor. Philosophische Teminologie zur Einleitung. Band I. Frankfurt am

Main: Suhrkamp, 1973.

ADORNO, Theodor. Philosophische Teminologie zur Einleitung. Band II. Frankfurt

am Main: Suhrkamp, 1974.

ADORNO, Theodor. Kritik. In: ADORNO, Theodor. Kritik. Kleine Schriften zur

Gesellschaft. Frankfut am Main: Suhrkamp, 1971a.

ADORNO, Theodor. Resignation. In: ADORNO, Theodor. Kritik. Kleine Schriften zur

Gesellschaft. Frankfut am Main: Suhrkamp, 1971b.

ADORNO, Theodor. Wozu noch Philosophie? In: ADORNO, Theodor. Eingriffe. Neue

kritische Modelle. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970.

ADORNO, Theodor. Zur Lehre von der Geschichte und von der Freiheit. Frankfurt am

Main: Suhrkamp, 2006.

ADORNO, Theodor. Sobre sujeito e objeto. In: Palavras e sinais. Modelos Críticos

2. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995c.

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento:fragmentos

filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

MARCUSE, Herbert. Cultura e psicanálise. Tradução Wolfgang Leo Mar, Robespierre

de Oliveira, Isabel Loureiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Tradução Álvaro Cabral. 8. ed. Rio de

Janeiro: LTC Editora, 1999.

MARCUSE, Herbert. VersuchüberBefreiung.Frankfurtam Main: Suhrkamp, 1969.

MARCUSE, Herbert. Contra-revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

MARCUSE, Herbert. IdeenzueinerkritischenTheorie der Gesellschaft. Frankfurt am

Main: Suhrkamp, 1969a.

MARCUSE, Herbert. Kultur und Gesellschft I. Frankfurt am Main: Surkamp, 1968.

MARCUSE, Herbert. Kultur und Gesellschft II. Frankfurt am Main: Surkamp, 1968a.

MARCUSE, Herbert. Vernunft und Revolution.Berlin: Luchterhand, 1970.

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional.

Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

MARCUSE, Herbert. A dimensão estética. São Paulo: Martins Fones, 1977.

MARCUSE, Herbert. Ideias sobre uma teoria crítica da sociedade. Tradução de

Fausto Guimarães. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

MARCUSE, Herbert. O fim da utopia. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1969a.

MARX, Carl. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1964.

MARX, Carl. O capital: crítica da economia política. v. 1. Rio de Janeiro:

Bertrant Brasil, 1988.

HORKHEIMER, M. Teoria tradicional e teoria crítica. São Paulo: Brasil, 1975.

NOBRE, Marcos (Org.) Curso livre de teoria crítica. Campinas, SP: Papirus, 2008.

PERIUS, Oneide. Esclarecimento e dialética negativa: sobre a negatividade do

conceito em Theodor W. Adorno. Passo Fundo, RS: IFIBE, 2008.

SOUZA, Ricardo Tim de. Adorno e a razão do não-idêntico. In: SOUZA, Ricardo Tim

de. Razões plurais. Itinerários da racionalidade ética no século XX. Porto

Alegre, RS: Edipucrs, 2004.

SEEL, Marin. Negative Dialektik.Begriff und Kategorien II.AdornosAnalyse des

Gebrauchs von Begriffen. In: HONNETH, Axel; MENKE, Christoph (Org.). Theodor

Adorno. Negative Dialektik.AkademieVerlag: Berlin, 2006.

REFERÊNCIA GERAL

MAGALHÃES, Gildo . Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e da

tecnologia . São Paulo: Ática, 2005.

FOLHA DE APONTAMENTOS PARA DISCUTIR COM OS AUTORES

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

- – : , IF SOPHIA UMUARAMA FILOSOFIA EDUCAÇÃO E AUTONOMIA é a

transcrição dos seminários realizados durante o primeiro ano de

- , realização do Projeto de extensão IF Sophia na cidade de

, Umuarama versando sobre questões relacionadas a Filosofia

enquanto processo de promoção da educação e autonomia

.humana

JPJ Editor

INFORMAÇÕES COMERCIAIS

Pedidos devem ser encaminhados pelo endereço eletrônico

[email protected]

Tel.: 44-8813-1127

É DISSO QUE TRATA esta obra: da análise crítica, por vários filósofos

brasileiros, do papel dos saberes filosóficos na promoção da autonomia cidadã,

através da educação, tendo como referência alguns dos importantes pensadores

contemporâneos da atualidade.