o programa bolsa familia no brasil

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1 F F O O M M E E , , C C A A P P I I T T A A L L I I S S M M O O , , E E P P R R O O G G R R A A M M A A S S S S O O C C I I A A I I S S C C O O M M P P E E N N S S A A T T Ó Ó R R I I O O S S Histórico e análise comparada da experiência brasileira Osvaldo Coggiola 1 Um fantasma percorre o mundo... o fantasma do Bolsa Família. Os programas sociais compensatórios brasileiros são citados urbi et orbi como exemplo a ser seguido, seja para remediar a praga do desemprego, que se abate sobre as economias mais desenvolvidas em virtude da crise econômica mundial, 2 seja para combater o “fantasma” (de carne e osso, mais osso do que carne) da fome mundial, nunca superado no período áureo da “economia da abundância”, e recrudescido com a alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade alimentar em 2007/2009: “A situação atual lembra mais o aumento lento e impiedoso de uma maré, gradualmente arrastando mais e mais pessoas para as fileiras dos desnutridos”, disse um editorial do Financial Times de abril de 2009, sem se perguntar, no entanto, sobre as causas e a origem dessa “maré”. Os chamados “programas sociais compensatórios” são mais que seculares, se incluída a histórica caridade pública e privada. A sua dimensão, funções e financiamento atuais, no entanto, são diferenciadas em relação a períodos históricos precedentes. A sua especificidade deve ser abordada, portanto, através da análise histórica e comparada, e da consideração de seu contexto mundial. Na teoria econômica, em parte convergiram (e em parte colidiram) com as teorias em defesa da “renda mínima universal”, defendidas pelo indiano Amartya K. Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998 (e responsável pelos programas de combate à fome da ONU) ou o belga Philippe Van Parijs, professor de Economia e Ética Social da Universidade Católica de Louvain (e um dos fundadores do BIEN, Basic Income European Network que, a partir de 2004, passou a se chamar Basic Income Earth Network, Rede Mundial da Renda Básica). Estas teorias foram popularizadas no Brasil pelo senador petista, também economista, Eduardo M. Suplicy. Para Amartya Sen, por exemplo, o desenvolvimento de um país estaria ligado às oportunidades que oferece à população de fazer escolhas e “exercer sua cidadania”. Isso incluiria a garantia dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, e também segurança, liberdade, habitação e cultura. A "economia do desenvolvimento", surgida nos anos 1950, segundo o economista indiano, preocupava-se só com os meios para promover o crescimento da renda per capita, estabelecendo uma relação causal direta entre renda, consumo e satisfação. A 1 Professor Titular de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). 2 Para Nancy Birdsall (presidente do “Centro para o Desenvolvimento Global”), por exemplo, com a crise da economia mundial, os EUA (e o mundo) deveriam olhar para o Brasil, isto é, para o “modelo Lula” (sic): “uma economia de mercado com programas sociais”, como única saída viável, diante das conseqüências da débâcle financeira e produtiva do capitalismo, iniciada com a crise do subprime nos EUA em 2007. Significativamente, definiu a proposta menos pela sua aptidão para combater a pobreza, e mais como um “modelo de governança”, isto é, como uma salvaguarda para um regime social em crise.

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FFOOMMEE,, CCAAPPIITTAALLIISSMMOO,, EE PPRROOGGRRAAMMAASS SSOOCCIIAAIISS

CCOOMMPPEENNSSAATTÓÓRRIIOOSS Histórico e análise comparada da experiência brasileira

Osvaldo Coggiola1 Um fantasma percorre o mundo... o fantasma do Bolsa Família. Os programas sociais compensatórios brasileiros são citados urbi et orbi como exemplo a ser seguido, seja para remediar a praga do desemprego, que se abate sobre as economias mais desenvolvidas em virtude da crise econômica mundial,2 seja para combater o “fantasma” (de carne e osso, mais osso do que carne) da fome mundial, nunca superado no período áureo da “economia da abundância”, e recrudescido com a alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade alimentar em 2007/2009: “A situação atual lembra mais o aumento lento e impiedoso de uma maré, gradualmente arrastando mais e mais pessoas para as fileiras dos desnutridos”, disse um editorial do Financial Times de abril de 2009, sem se perguntar, no entanto, sobre as causas e a origem dessa “maré”.

Os chamados “programas sociais compensatórios” são mais que seculares, se incluída a histórica caridade pública e privada. A sua dimensão, funções e financiamento atuais, no entanto, são diferenciadas em relação a períodos históricos precedentes. A sua especificidade deve ser abordada, portanto, através da análise histórica e comparada, e da consideração de seu contexto mundial.

Na teoria econômica, em parte convergiram (e em parte colidiram) com as teorias em defesa da “renda mínima universal”, defendidas pelo indiano Amartya K. Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998 (e responsável pelos programas de combate à fome da ONU) ou o belga Philippe Van Parijs, professor de Economia e Ética Social da Universidade Católica de Louvain (e um dos fundadores do BIEN, Basic Income European Network que, a partir de 2004, passou a se chamar Basic Income Earth Network, Rede Mundial da Renda Básica). Estas teorias foram popularizadas no Brasil pelo senador petista, também economista, Eduardo M. Suplicy. Para Amartya Sen, por exemplo, o desenvolvimento de um país estaria ligado às oportunidades que oferece à população de fazer escolhas e “exercer sua cidadania”. Isso incluiria a garantia dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, e também segurança, liberdade, habitação e cultura.

A "economia do desenvolvimento", surgida nos anos 1950, segundo o economista indiano, preocupava-se só com os meios para promover o crescimento da renda per capita, estabelecendo uma relação causal direta entre renda, consumo e satisfação. A

1 Professor Titular de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). 2 Para Nancy Birdsall (presidente do “Centro para o Desenvolvimento Global”), por exemplo, com a crise da economia mundial, os EUA (e o mundo) deveriam olhar para o Brasil, isto é, para o “modelo Lula” (sic): “uma economia de mercado com programas sociais”, como única saída viável, diante das conseqüências da débâcle financeira e produtiva do capitalismo, iniciada com a crise do subprime nos EUA em 2007. Significativamente, definiu a proposta menos pela sua aptidão para combater a pobreza, e mais como um “modelo de governança”, isto é, como uma salvaguarda para um regime social em crise.

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promoção do bem-estar, porém, deveria orientar-se também por estar livre de doenças evitáveis, escapar da morte prematura, estar bem alimentado, ser capaz de agir como membro de uma comunidade, agir livremente e não ser dominado pelas circunstâncias, ter oportunidade para desenvolver suas potencialidades. Os males sociais (pobreza extrema, fome coletiva, subnutrição, destituição e marginalização sociais, privação de direitos básicos, carência de oportunidades, opressão e insegurança) são variedades de privação de liberdade. O desenvolvimento deveria ser “um processo de expansão das liberdades reais”, mas a sua noção de “subdesenvolvimento” não está vinculada à exploração nacional (imperialismo), nem a pobreza à exploração de classe (capitalista).3

A “compensação social” foi sendo, nos últimos anos, associada à “transferência de renda”, uma espécie de tributo tardio pago ao igualitarismo socialista. Um relatório do Programa da ONU para o Desenvolvimento escandalizou o mundo quando afirmou que as três pessoas mais ricas do planeta, juntas, tinham ativos superiores ao PIB dos 48 países mais pobres, onde viviam 600 milhões de pessoas. E pouco mais de 250 pessoas, cada uma delas com ativos maiores que US$ 1 bilhão, detinham mais renda que 40% da humanidade abaixo da linha da pobreza, perto de 2,5 bilhões de pessoas.

Nesse escândalo, América Latina tinha (e continua tendo) um lugar privilegiado. Segundo a ONU, em relatório de 2005, o Brasil estava ainda entre os três países mais desiguais do mundo, detendo o recorde da região: os 10% mais abastados tinham uma renda equivalente a 32 vezes o que recebem os 40% mais pobres. Isto num quadro histórico em que a região também perdeu espaço na renda mundial. Em 1980, América Latina e o Caribe tinham uma renda per capita média de 18% dos rendimentos dos países mais ricos do mundo. Em 2001, os ganhos eram de só 12,8% dos obtidos nas nações centrais.

Os programas sociais do Brasil, pela sua dimensão, tiveram impacto alhures, sendo propostos como exemplo mundial. Os países líderes do grupo dos “emergentes”, o BRIC (Rússia, Índia, China, além do próprio Brasil), anunciaram sua intenção de adotar programas semelhantes, com vistas a resolver os graves problemas de miséria e pobreza suscitados em conseqüência de sua passagem para a “economia de mercado”, e correlatas às suas altas taxas de crescimento econômico (que o Brasil esteve longe de reproduzir).

Na conjuntura dramática em matéria alimentar, em especial nos países periféricos, os “programas focalizados” contra a pobreza tenderam a ser uma alternativa dos governos, encorajados pelos organismos financeiros internacionais. A ONU advertiu que o aumento contínuo dos preços dos alimentos poderia causar instabilidade política em todo o mundo: “Não se devem subestimar as conseqüências da crise alimentar para a segurança, em todo o mundo acontecem motins provocados pela falta de alimentos” (grifo nosso), disse o atual diretor-geral da FAO, Jacques Diouf.

3 Para José Martins, crítico marxista, a “contribuição” de Sen para o progresso da ciência econômica foi a afirmação de que a fome existente no mundo não seria devida à produção capitalista, incapaz de produzir alimentos suficientes para a população mundial, mas ao fato de que os famintos não conseguem ter acesso aos alimentos: “Para Amartya, não existe nenhum problema nas condições capitalistas de produção. Como se diz na linguagem vulgar da economia política, não existe o problema de 'escassez de alimentos'. Os problemas localizam-se apenas nas esferas da distribuição, quer dizer, na dificuldade de acesso dos famintos aos frutos da produção capitalista de alimentos. Enquanto se propagandeia que não existe problema com a produção do capital, mas apenas com a má distribuição dos seus frutos, algumas poucas poderosas nações capitalistas continuam aprofundando sua dominação sobre a produção e o mercado mundial. Do outro lado, a grande maioria das nações - onde se concentram de 80% do território, das matérias primas e da população mundial - continuam sendo cada vez mais dominadas e rebaixadas para a situação de meros territórios econômicos, de campo de caça daquelas poucas áreas e nações dominantes”.

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Capitalismo e Pobreza As “epidemias de fome” foram uma constante ao longo da história humana. Nos regimes pré-capitalistas, eram “crises de escassez” devidas a catástrofes naturais (estiagens, alagamentos, incêndios, etc.) ou humanas (guerras e deslocamentos populacionais). Elas poderiam indicar uma sobre-população em relação aos recursos produtivos existentes, ou o declínio histórico de uma formação econômico-social. No regime capitalista, um novo tipo de crise se fez presente, as “crises de abundância”, ou seja, a miséria (e sua decorrência, a fome) devida à sobre-produção de mercadorias. O setor agrícola foi, segundo Karl Kautsky, em trabalho clássico, o primeiro setor da economia capitalista a conhecer uma crise crônica de sobre-produção.

Nos primórdios históricos dos programas sociais de combate à miséria, no fim do século XVIII, surgiu na Inglaterra a “lei dos pobres”, uma ajuda às famílias mais necessitadas, proporcional ao número de filhos. O dinheiro vinha de uma taxa paga pelos contribuintes cujas posses ultrapassassem um determinado valor. Em 1795, uma legislação de proteção ao trabalhador agrícola foi estabelecida no Sul da Inglaterra. O Speenhamland System foi introduzido primeiramente na vila de Speen por juízes locais, ao perceberem que “o estado atual dos pobres necessita de mais assistência do que a lei geralmente tem dado a eles”. Tal estado se devia a uma série de más colheitas que reduziram a oferta de trigo, com o conseqüente aumento do preço do pão, ao aumento da população e às guerras napoleônicas, que impediam a importação de trigo da Europa. A “lei dos pobres” suplementava os salários então pagos, proporcionalmente ao preço do trigo e ao número de filhos da família. O dinheiro para o pagamento do subsídio vinha da “taxa dos pobres”, paga pelos contribuintes “de posses”.

O objetivo do Estado inglês era evitar as revoltas da população faminta; em 1795 o fantasma da Revolução Francesa de 1789-1793 rondava toda a Europa. Para os proprietários de terras, por sua vez, o sistema era vantajoso, pois transferia a todos os contribuintes os gastos com os trabalhadores na entressafra, quando o salário era cortado e os trabalhadores eram mantidos com a suplementação garantida pela lei dos pobres. Esta dupla vantagem fez com que o sistema se ampliasse a todo o Sul da Inglaterra, pouco industrializado. Assim, o auxílio aos pobres representava mais um “subsídio da sociedade” aos grandes proprietários, que reduziam seus gastos com salários, do que uma transferência de renda do Estado aos trabalhadores do campo.

Nos primórdios da indústria, num quadro ainda marcado pelas crises de escassez, o primeiro catedrático em economia da Inglaterra, Thomas Malthus, defendeu a idéia de que a produção crescente não criaria automaticamente sua própria demanda, sustentando que a classe trabalhadora seria sempre excessiva com relação aos meios de subsistência. Em An Essay on the Principle of Population, de 1798, Malthus postulou que a população tendia a crescer mais rapidamente que o suprimento de alimentos disponível para atender as necessidades sociais. Toda vez que ocorressem ganhos relativos na produção de alimentos, através do crescimento populacional, um alto crescimento proporcional da população seria estimulado; por outro lado, se a população crescesse mais rápido que a produção de alimentos, este crescimento resultaria em fome, dificuldades sociais e guerra. Malthus acentuou o lastro pessimista dos economistas clássicos, sustentando que a população crescia a uma progressão geométrica, e os meios de subsistência segundo uma progressão aritmética.

Os salários da classe trabalhadora não poderiam adquirir a produção adicional resultante de um processo de acumulação crescente. Os capitalistas, por causa da população sem meios para consumir, teriam de vender os produtos aos trabalhadores a preços que seriam apenas suficientes para sua própria sobrevivência, o que levaria a uma situação

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de desproporção entre a oferta e a demanda. A forma de se evitar esta desproporção, segundo Malthus, seria estimular o aumento do consumo dos segmentos localizados fora do processo produtivo industrial, como os senhores de terra, por exemplo, através da distribuição, por diversos meios, da riqueza dos capitalistas. Embora muito criticado (por não levar em conta, entre outros, o aumento da produtividade, ou seja, a redução do valor da força de trabalho), o malthusianismo reapareceu sistematicamente nos últimos dos séculos nos debates acerca dos “limites do crescimento”, do esgotamento dos recursos naturais, etc.

Em 1834, os custos crescentes do Speenhamland System levaram uma Comissão Real a proibir qualquer suplementação salarial aos pobres. A prática foi condenada como “o principal mal do atual sistema”, cujos efeitos maléficos eram tão convincentemente expostos pelos comissários de 1834 que “nenhuma doutrina econômica ganhou tanta vigência quanto que a assistência pública era um presente de auxílio aos salários e tendia a reduzi-los”.4

No lugar do antigo sistema, a Poor Law Amendment Act passou a vigorar, prevendo a construção de workhouses – casas de trabalho – para onde os desempregados eram levados e obrigados a trabalhar, às vezes até por 14 horas diárias. A nova lei levou a uma rápida redução dos custos assistenciais na maioria das áreas. A abolição do Speenhamland System, com a criação de um mercado de força de trabalho totalmente “livre”, foi considerada, por Karl Polanyi, a vitória definitiva do capital industrial sobre a aristocracia fundiária, garantindo a vitória do capitalismo na Inglaterra.

Exército Industrial de Reserva As casas de trabalho eram odiadas pelos trabalhadores e a luta contra sua implantação levou a várias revoltas no norte da Inglaterra, sendo uma das causas do surgimento do movimento cartista, e mereceram o seguinte comentário de Karl Marx: “É notório que na Inglaterra, onde o domínio da burguesia é o mais extenso, até a beneficência pública assumiu as formas mais nobres e ternas: as workhouses britânicas – hospícios nos quais o excedente da população trabalhadora vegeta às custas da sociedade civil – unem do modo mais refinado a filantropia com a vingança que a burguesia exerce sobre os desgraçados que se vêem na necessidade de recorrer a seu magnânimo bolso. Não só se nutre os pobres diabos com os alimentos mais miseráveis, escassos e insuficientes até para a reprodução física, mas também sua atividade fica limitada a uma aparência de trabalho, um trabalho improdutivo que obstrui a mente e encolhe o corpo”.

O papel que a lei dos pobres cumpria para os fazendeiros no Sul, as workhouses deveriam cumprir para a burguesia industrial no norte: criar um “exército industrial de reserva”, sustentado pelo Estado nas épocas de retração e desemprego em alta, e que estivesse apto ao trabalho quando a atividade econômica voltasse a um ciclo de expansão. N´O Capital, no sub-capítulo “produção progressiva de uma superpopulação ou de um exército industrial de reserva”,5 Marx explicou como o processo de acumulação de capital fazia surgir uma população excedente de trabalhadores à sua disposição, chamada por ele de “exército industrial de reserva”: “A população trabalhadora, ao produzir a acumulação de capital, produz, em proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma população supérflua”.

4 ROSE, Michael E. The allowance system under the new poor law. Economic History Review, vol. 19, n° 3, Londres, 1998. 5 No Livro I, capítulo XXIII, “A lei geral da acumulação capitalista”.

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O exército industrial de reserva é especificamente capitalista. Com a acumulação de capital e o aumento da sua composição orgânica, o capital variável (a remuneração da força de trabalho, na forma do salário ou em outras formas) cresce numa proporção cada vez menor como percentual da composição do capital global. Esta é uma lei específica deste modo de produção; a população trabalhadora excedente é necessária à acumulação capitalista, é a força de trabalho que estará disponível para ser explorada de acordo com as necessidades variáveis da expansão do capital: “o movimento da indústria moderna nasce da transformação constante de uma parte da população trabalhadora em desempregados ou parcialmente empregados”.

Marx testemunhou diretamente a crise econômica de 1846-1848: predominantemente agrária, seu epicentro se localizou nas dificuldades que a agricultura européia atravessou a partir de 1844, tendo início com a cultura de batatas na Irlanda e Inglaterra, arruinada pelas pragas, seguida de dois anos de péssimas colheitas de cereais, fazendo subir os preços dos gêneros de subsistência, e refletindo numa queda brutal dos preços dos tecidos. Os preços dos gêneros alimentícios se elevaram, o que fez com que as classes populares despendessem uma parte cada vez maior de sua renda com despesas de alimentação, o que causou convulsões sociais por toda a Europa, e esteve na base do processo revolucionário de 1848.

No “exército industrial de reserva”, além de sua forma aguda, verificada nas crises, e sua a forma crônica, Marx identificou também suas formas flutuante, latente, estagnada, e também o pauperismo. Encontram-se na forma flutuante aqueles trabalhadores da indústria que são excluídos em certos momentos, e em outros não. A dinâmica do capital produz um aumento de trabalhadores empregados, mas em proporção cada vez menor em relação à acumulação capitalista.

Na forma latente estão os trabalhadores rurais que foram expulsos do campo com a penetração do capitalismo. Isto obriga estes trabalhadores a se transferirem para os centros urbanos, onde recebem salários abaixo da média, mantendo um padrão de vida que beira o pauperismo. Na forma estagnada estão os trabalhadores ativos de maneira irregular ou informal, cuja condição de vida está abaixo do nível médio. Ela se reproduz com o aumento do número de trabalhadores supérfluos. O pauperismo inclui indivíduos aptos para o trabalho, e também os incapacitados. Constitui o peso morto do exército industrial de reserva, faz parte das despesas extras da produção capitalista, porém logo transferidas para a classe trabalhadora e para a classe média inferior. A produção do exército industrial de reserva é uma lei geral, absoluta, da acumulação capitalista.6

Numa das primeiras resenhas d´O Capital, Engels, sublinhou que “como para produzir a mesma quantidade de produtos, precisam-se cada vez menos operários, graças ao progresso do maquinismo, à modernização da agricultura, e como este aperfeiçoamento, isto é, este excedente de operários, aumenta mais rapidamente que o capital crescente, o que é que se faz com este sempre crescente de operários? Formam um exército industrial de reserva que, durante os momentos de maus ou medíocres negócios, é pago abaixo do valor do seu trabalho e ocupado irregularmente ou cai ainda na assistência pública, mas é absolutamente necessário à classe capitalista para os momentos de atividade particularmente viva dos negócios, como se viu de modo tangível na Inglaterra, mas que, de qualquer maneira, vale para desbaratar a resistência dos operários ocupados 6 "Quanto mais a riqueza social crescer, mais numerosa é a sobre-população comparativamente ao exército de reserva industrial. Quanto mais este exército de reserva aumenta comparativamente ao exército ativo do trabalho e mais massiva é a sobre-população permanente, mais estas camadas compartem a sorte de Lázaro e quando o exército de reserva é mais crescente, mais grande é o pauperismo oficial. Esta é a lei geral, absoluta da acumulação capitalista" (Marx).

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regularmente e manter os seus salários a baixo nível”. As relações entre o capital e os trabalhadores (os proletários que não têm outra mercadoria a vender para além da sua força de trabalho) são determinadas pelo grau em que estes últimos conseguem limitar a concorrência que o capital instaura entre eles.

Com a expansão mundial do capital, se produz o desenvolvimento à escala internacional da concorrência entre os trabalhadores em torno do preço de venda da sua força de trabalho. Marx já constatava a “concorrência cosmopolita na qual são lançados todos os trabalhadores do mundo pelo desenvolvimento da produção capitalista”: “não se trata somente de reduzir os salários ingleses ao nível dos do continente, mas de fazer descer, num futuro mais ou menos próximo, o nível europeu ao nível chinês”.

Para François Chesnais, essa possibilidade antevista por Marx só viria a se realizar em nossa etapa histórica, quando “as políticas de liberalização, desregulamentação e privatização que os Estados capitalistas adotaram um após o outro, desde o advento dos governos Thatcher em 1979 e Reagan em 1980, devolveram ao capital a liberdade, que havia perdido desde 1914, para mover-se à vontade no plano internacional, entre países e continentes”. A tendência para a “mundialização do exército industrial de reserva” se verifica em sua plenitude na convergência do neoliberalismo com a “queda do comunismo”. Com ela, se constata “um estado de não preparação dos assalariados dos países avançados para o processo que começou a atingi-los. Eles haviam conhecido um período relativamente longo durante o qual beneficiaram de relações políticas com o capital e de certas instituições (Código de Trabalho, sistema de aposentadoria de repartição, Segurança Social) que os protegeram das agressões mais graves. Hoje em dia, os assalariados destes países são confrontados com problemas gigantescos, dos quais nem os partidos que lhes pedem os votos, nem os sindicatos, lhes apresentam as causas ou o fundo das questões que estão em jogo”. A internacionalização do exército industrial de reserva seria favorecida pela deslocação do capital através do investimento direto, ou pela subcontratação (terceirização) internacional, e a oferta de mercadorias de baixo preço, permitidas pela liberalização das trocas, dos investimentos no estrangeiro, e dos fluxos de "capitais móveis".

A centralização de grandes montantes de dinheiro nas mãos dos bancos e dos fundos de pensão e de colocação financeira, bem como a re-emergência das Bolsas, reforçaram o papel central do capital financeiro. A liberalização e a desregulamentação das trocas, dos investimentos diretos no estrangeiro, dos fluxos de capital e de dinheiro líquido, conjuntamente com as privatizações e o processo de concentração, criaram novas exigências: “Liberto dos compromissos e das instituições que colocaram entraves ao seu desdobramento (em conseqüência da crise de 1929, da grande depressão e dos efeitos políticos da Segunda Guerra Mundial), o capital, sob a forma dos grupos industriais transnacionais, dos fundos financeiros e dos grandes bancos, passou a poder deslocar-se quase sem entraves à escala do planeta”. Uma “lei geral, absoluta da acumulação capitalista" – a produção e reprodução de um crescente exército industrial de reserva – passou a se expressar em escala mundial, mais do que em qualquer etapa histórica precedente.7

7 Segundo Chesnais, “em graus diversos, os proletários dos países da Europa ocidental conseguiram, por intermédio de fases sucessivas de avanços e recuos, entre o início do século XX e os anos 1967-68/1974-75, reduzir fortemente esta concorrência no interior das fronteiras de cada Estado. Mas não tendo conseguido "organizar-se em classe, logo em partido", no sentido posto pelo Manifesto, conseguiram apenas dar golpes muito limitados e temporários à propriedade privada dos meios de produção. Assim sendo, permitiram às burguesias "livrar-se de apuros" e reconstituir relações mais favoráveis ao capital, primeiro lentamente e depois, a partir da "revolução conservadora", a um ritmo cada vez mais rápido. Hoje em dia, os assalariados

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O crescimento do desemprego – e da miséria social decorrente – brasileiro e latino-americano, portanto, é um fenômeno só compreensível em termos globais. Os países do centro da acumulação capitalista, por concentrarem e centralizarem o capital financeiro, concentram também os segmentos superiores do exército industrial de reserva (flutuante), os trabalhadores que se reciclam e voltam ao mercado de trabalho. Os países periféricos concentram as frações mais profundas do exército industrial de reserva, a parte “latente”, a superpopulação estagnada que constitui parte do exército de trabalhadores em ação, mas com ocupação totalmente irregular. O setor mais profundo é o que mais se desenvolve, na periferia capitalista. Cresce em número de pessoas, e desenvolve o que Marx chamou de “o mais profundo segmento da superpopulação relativa [que] vegeta no inferno da indigência, do pauperismo. São os indivíduos que sucumbem em virtude de sua incapacidade de adaptação, decorrente da divisão do trabalho”.

Capitalismo, Monopólios e Fome A primeira grande crise de sobre-produção em escala mundial, a “Grande Depressão” de 1873-1896, produziu um exército de desempregados urbanos e camponeses arruinados em toda a Europa. A pletora de capitais deu lugar à exportação de capital em grande escala (imperialismo capitalista), o excedente de mão de obra (especialmente agrícola) deu lugar ao maior movimento migratório da história humana. Milhões de europeus migraram para os EUA, Austrália e América Latina (Ásia e África também receberam contingentes importantes, em conseqüência da colonização desses continentes). Esses processos evitaram, na insuspeita opinião do liberal John Hobson, uma “revolução social” na Inglaterra (na verdade, em toda a Europa). A expansão do capitalismo ao mundo inteiro só preparava as bases para uma crise ainda maior.

Durante a crise econômica da década de 1930, no país mais rico (e mais capitalista) do mundo, os EUA, surgiram verdadeiras favelas; as “sopas populares”, os abrigos para sem-teto se enchiam; em Chicago, o lixo era “revisado” e reaproveitado por uma enorme massa de pobres. Em 1932, estimava-se que um milhão e meio de jovens faziam parte de “bandos de errantes”, sem destino. Na Califórnia, no centro-norte dos EUA e no oeste do Canadá, grandes períodos de seca, invernos rigorosos e pestes agravaram a depressão econômica. Muitos dos jovens das áreas rurais abandonaram suas fazendas e suas famílias, buscando a sorte nas cidades: juntamente com os desempregados urbanos, viajavam de cidade a cidade, “pegando carona” em trens de carga, em busca de emprego.

A subalimentação produziu um surto de tuberculose; os matrimônios caíram 30%, os nascimentos, 17%, com 10 milhões de crianças deficientes. A ofensiva contra os salários foi mundial, os proventos dos trabalhadores experimentaram um retrocesso sem precedentes na história do capitalismo. Grupos étnicos minoritários, imigrantes, dos países mais atingidos passaram a ser discriminados por setores da população dos países mais afetados: eram discriminados porque, supostamente, competiam com a "população nativa" pelos empregos. A discriminação era alentada por grupos nacionalistas de direita. encontram-se confrontados com uma situação em que o capital possui, em um grau desconhecido desde os anos 1930, meios para obrigá-los a fazer concorrência entre si em torno de uma oferta de emprego limitada. Melhor ainda, pode colocá-los em concorrência de país para país”. Assim, “estamos numa situação em que se alarga incessantemente a concorrência criada pelo capital entre os assalariados por um número insuficiente de empregos. A concorrência insinua-se por mil e um canais, entre os quais o da imigração e da situação de profunda dependência dos trabalhadores imigrantes face ao capital, mas também o das condições que conhecem os precários e os desempregados. Ela alimenta permanentemente o racismo e suporta uma gama infinita de estratégias patronais. O único limite a estas estratégias é um limite político, uma estimativa sobre o que os assalariados, os explorados e a juventude poderão suportar sem se revoltar”. É exatamente ai que entram as “políticas sociais compensatórias”.

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Nos EUA, a renda total dos trabalhadores da indústria e da agricultura foi literalmente amputada pela metade entre 1929 e 1932. De dois milhões, o número de desempregados elevou-se para 18 ou 20 milhões.

Nos países “periféricos” a crise agrária capitalista combinou-se com a sobrevivência de relações pré-capitalistas no campo, com sua seqüela de baixo investimento tecnológico e baixa produtividade. Produziu-se então a pior combinação possível: a coexistência de “crises de escassez”, antigas, com crises modernas de sobre-produção. Assim, a constante elevação da produtividade agrária coexistiu com a criação de enormes bolsões de miséria e de fome no continente africano, na China (até a revolução de 1949), no SE asiático, em vastas regiões da América Latina.

Em plena Segunda Guerra Mundial, a primeira conferência das Nações Unidas reuniu, em maio e junho de 1943, em Hot Springs (EUA), delegados de 44 nações, para examinar as possibilidades de uma ação internacional conjunta para a melhoria dos sistemas de alimentação e da orientação da produção agrícola, e uma melhor distribuição dos produtos. Um dos eixos foi a política de alimentação e o comércio internacional. A conferência constatou a existência de grandes grupos em estado de subnutrição permanente: populações inteiras, principalmente na Ásia, e vastos grupos sociais nas próprias nações adiantadas, sendo aqui mais numerosos os grupos vulneráveis vítimas da má-nutrição: crianças, adolescentes, mulheres grávidas.

O auxílio a ser dado aos grupos subnutridos situou-se no âmbito do comércio internacional. A existência, no interior de cada nação, de grupos em estado de "subnutrição" ou de "má nutrição", ao contrário, colocou o problema de uma política nacional de alimentação. O historiador Marc Bloch observou a respeito, num dos seus últimos trabalhos (membro da resistência francesa, e judeu, ele seria fuzilado pelos nazistas) que “essa política supõe, antes de qualquer coisa, uma organização metódica da produção e da distribuição de alimentos, seguida de uma adaptação da agricultura às necessidades reais dos consumidores, mais que a seu poder de compra (...) É quase supérfluo observar que políticas semelhantes exigem uma grande margem de dirigismo na economia e que esta será, provavelmente, incompatível com uma grande liberdade do comércio internacional”.8

8 Bloch disse que “os países agrícolas pobres [China, as Índias ainda coloniais, Polônia etc.] são aqueles nos quais as condições alimentares são as piores. Sua situação, através de todo o período do capitalismo liberal, melhorou de maneira bastante tímida; a liberdade foi-lhes pouco proveitosa e hoje em dia parece certo que a simples abolição das tarifas aduaneiras teria pouco efeito em sua economia. Eles necessitam um auxílio concreto dos países industrializados e dos países agrícolas ricos. Os primeiros lhes forneceriam o capital de que necessitam para melhorar suas técnicas agrícolas e, principalmente, lhes permitir a criação de indústrias leves (transformação de produtos alimentícios, têxtil etc.), que reduziria sua população agrícola excedente. Os países agrícolas ricos lhes forneceriam durante o período de transição os gêneros alimentícios necessários para melhorar de imediato suas condições de vida. Por fim, os países industrializados e os países agrícolas ricos, os quais têm freqüentemente uma população pouco numerosa, abririam suas fronteiras para migrantes dos países agrícolas pobres. Os países agrícolas pobres apresentaram-se na Conferência de Hot Springs como pleiteantes. Mas não eram os únicos em tal posição. Os países agrícolas ricos apresentaram, eles mesmos, suas demandas. Sua principal queixa contra os países industrializados é que a relação de troca entre produtos industriais e agrícolas era, antes da guerra, desfavorável aos países agrícolas, situação causada essencialmente pela posição monopolista dos países industrializados. As regiões do mundo que, em conseqüência de vantagens naturais ou de casualidades históricas, foram as primeiras em condições de acumular o capital indispensável à produção industrial moderna e desenvolver uma indústria poderosa, podem desfrutar de uma posição favorável em relação aos países agrícolas, e estão em condições de ditar seus próprios termos para a venda de seus produtos. Os países agrícolas, ao contrário, viram seus mercados lhes escapar desde que quiseram elevar os preços de seus produtos. A agricultura depende de um capital muito mais frágil que o da indústria, e os países industrializados freqüentemente estão em condições de aumentar sua produção agrícola. Os países agrícolas se queixam, também, de uma elasticidade insuficiente na

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Constatando, a partir da experiência da depressão da década de 1930, que os preços agrícolas caiam mais rapidamente que os preços industriais, houve um esforço dos países agrícolas para obter garantias para a manutenção dos preços de seus produtos, criando organismos internacionais que velariam por isso, uma espécie de monopólio que seria a contrapartida do monopólio dos países industrializados, complementado pelo monopólio econômico dos trusts.

Os países industrializados, importadores de gêneros alimentícios, e os países agrícolas ricos, exportadores, se enfrentaram por causa do problema dos estoques reguladores. Havendo um acordo unânime sobre a necessidade de constituírem-se organismos encarregados de regulamentar o mercado e os preços dos principais produtos agrícolas, o desacordo surgiu no momento de determinar as atribuições de tais organismos.

Os países importadores de produtos agrícolas aceitaram lhes dar os poderes necessários para impedir as cotações despencarem em seguida a uma boa colheita ou de subirem rapidamente em caso de uma colheita ruim. Mas os países exportadores propuseram que os organismos gerentes dos estoques reguladores tivessem igualmente o poder de fazer aquisições a qualquer momento, quando as cotações dos produtos agrícolas fossem muito baixas em relação às dos produtos industrializados. Não se definiu qual deveria ser a relação entre preços industriais e preços agrícolas, mas os produtores agrícolas consideraram a relação existente antes da guerra como lhes sendo desfavorável.9 Não se chegou a nenhuma decisão.

Esses debates dominaram as primeiras reuniões do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, depois transformado na atual Organização Mundial do Comércio, OMC ou WTO, da sua sigla em inglês), criado depois da guerra, no âmbito da criação de órgãos de regulação da economia mundial, com vistas a evitar crises como a que havia precedido à guerra mundial. Nesse mesmo âmbito foi criada a FAO (Food and Agriculture Organization), dentro da ONU, presidida inicialmente por Josué de Castro, para combater situações de fome emergencial e, precipuamente, para dar uma solução estrutural aos problemas da fome mundial.

O boom econômico de pós-guerra mudou (parcialmente) os termos do debate iniciado na década de 1940. Produziu-se uma concentração da produção em alguns setores que determinaram a fixação do nível geral dos preços dos produtos alimentares: trigo, milho,

demanda de gêneros alimentícios. Um pequeno aumento de produção ou pequena redução da demanda ocasionam baixas de preços catastróficas. É isto que acontece, quando as colheitas são boas ou uma recessão, ainda que pequena, eclode nos países industrializados”. 9 Marc Bloch observou: “Os países que defenderam a tese do controle da produção são os exportadores de gêneros alimentícios e de matérias-primas, principalmente das Américas Central e do Sul, Cuba, Domínios Britânicos, à frente dos quais a Austrália. A Grã-Bretanha conduziu o combate contra as tendências restritivas. Inglaterra teme uma coalizão dos países produtores de gêneros alimentícios e de matérias-primas, que tivesse por resultado a elevação dos preços destas mercadorias, relativamente aos preços dos produtos industrializados, a um nível bastante superior ao que prevalecia antes da guerra. O resultado seria que a Inglaterra teria que despender, para obter a mesma quantidade de importações, um volume bastante maior de mercadorias nacionais... No seio da comissão que se ocupou dos estoques reguladores, os líderes de cada uma das tendências em conflito eram Inglaterra e Austrália. Os delegados americanos estavam naturalmente tentados a encabeçar os países exportadores de produtos alimentícios. As razões desta atitude são fáceis de compreender: em primeiro lugar, os EUA são um país exportador de gêneros alimentícios. Além disso, toda sua política sul-americana exige que eles tomem para si a defesa econômica dos países da América do Sul. Entretanto, em Hot Springs os norte-americanos cederam frente aos ingleses quase constantemente. Parece que foi selado um acordo, pelo menos tácito, entre a Inglaterra e os EUA, para que algumas questões delicadas, capazes de comprometer o futuro dos dois impérios, não fossem tocadas até o final da guerra”. Os EUA eram “americanos” pour la gallerie, mas “ingleses” (isto é, herdeiros-continuadores do velho Empire) nas questões decisivas.

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substâncias protéicas. Entre 1961 e 1971 a produção mundial de trigo cresceu de 228 para 353 milhões de toneladas, a um ritmo dos 5% anual, bem acima da taxa de crescimento demográfico dos países industrializados.

O aumento foi devido à intensificação da produção em terrenos já previamente cultivados de trigo, e foi acompanhado por uma concentração crescente das fontes mundiais de aprovisionamento. Europa ocidental, que em 1961 produzia 13% do total, passou para 16%. Os países da Europa oriental passaram de 35% para 37%; os EUA de 15,4% para 16,6%. Essas três grandes áreas, com 20% da população mundial, detinham 70% da produção de trigo. Enquanto nos países socialistas o aumento servia para estabilizar uma política de preços baixos no aprovisionamento interno, ficando disponível para a exportação apenas 6-8%, nos EUA a quota mais substancial era a destinada ao mercado externo, 40-50% da produção, e à formação de estoques.

Na Europa, a produção de trigo, entre 1961 e 1971 aumentou 50% (de 37 para 56 milhões de toneladas), a exportação para o resto do mundo duplicou, passando dos 3,19 milhões de toneladas anuais (1961) para 7,13 milhões de toneladas (1971). Coisa análoga aconteceu com o milho, cuja produção mundial passou dos 206 milhões (1961) para 306 milhões de toneladas (1971), com os EUA detendo uma preeminência absoluta, 45% da produção mundial, levando o país ao controle do comércio (a Europa Ocidental foi de 6,5% para 8,3%, a Europa oriental, ao contrário, caiu de 13,1% para 8%).

Consolidou-se também a posição monopolista dos EUA nos produtos necessários para a alimentação do gado, em primeiro lugar a soja, produto estratégico de que se serviram os EUA, decretando o embargo sobre a sua exportação para abrir uma autêntica guerra comercial com a Europa (na década de 1960, a produção dos EUA passou de 18 para 32 milhões de toneladas, isto é, de 60% para 70% da produção mundial).

Houve, portanto, um processo de concentração da produção alimentar de base; uma polarização das correntes comerciais; políticas públicas de sustentação de preços (1600 dólares per capita nos EUA, 700 dólares na Comunidade Econômica Européia), com formação de excedentes (entre 1961 e 1965, em média, 52,6 milhões de toneladas de trigo; 72,2 milhões de toneladas de cereais inferiores; 14,1 milhões de toneladas de açúcar; 550 mil toneladas anuais de manteiga - 430 mil na CEE) com a consolidação de grandes indústrias alimentares: Unilever, Nestlé, etc. Na década de 1960 se registrou uma expansão crescente do comércio mundial, a um ritmo de 4,5% ao ano; o incremento relativo dos países “em via de desenvolvimento”, no entanto, foi só de um terço desse crescimento; os beneficiários dos outros dois terços foram os países capitalistas centrais.

A “revolução verde” significava a abertura de novos mercados para a produção industrial, que vinha crescendo, entre 1960 e 1965, a um ritmo dos 5% na Europa e de 5,9% nos EUA. A estratégia da CEE era estimular o desenvolvimento da indústria, pagando com produtos industriais os bens alimentares de que necessitava, e obtendo a dupla vantagem de dar uma saída à produção industrial e de adquirir produtos agrícolas a preços mundiais, mais baixos que os internos.

Surgiu neste contexto o plano elaborado pela FAO para o desenvolvimento da agricultura (“Plano indicativo mundial provisório para o desenvolvimento da agricultura”): nele, pôs-se a hipótese de uma taxa de aumento da produção agrícola nos países “em via de desenvolvimento” (Médio Oriente, Extremo Oriente, América Latina, África e sul do Saara) de 3,5%, para uma taxa de crescimento demográfico de 2,6% anual.

A participação dos países capitalistas deveria realizar-se através do destino de 7 % do PIB anual para «ajudas públicas»; e também através da fixação de tarifas preferenciais, assim como da participação de capitais privados, sob forma de investimentos diretos e

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créditos para a exportação. Enquanto se esperava que a «revolução verde» produzisse seus frutos, haveria “ajudas de subsistência”, ajudas alimentares que escoariam os excessos de produção dos países centrais (mediante pagamento).

Mas o «plano» foi abalado pela crise do desenvolvimento capitalista, em finais da década de 1960 e, sobretudo, a partir do “choque do petróleo” de 1973, que destruiu o mito de um desenvolvimento levado ao infinito, e com ele, segundo Giuseppe Vitale, “toda e qualquer visão iluminista sobre os contatos de entendimento com o Terceiro Mundo; nos EUA, o déficit da balança de pagamento tornou-se assustador (são os anos culminantes da guerra do Vietnã), e advertiu-se a necessidade de não expandir, mas antes de reduzir, a liquidez no mercado internacional. O «Plano indicativo mundial» estava destinado a um fim miserável”. Ele seria só o primeiro de uma série de planos a serem jogados no lixo.

Segundo relatório da FAO, de 1973, sobre a situação alimentar mundial, em 1972 a ajuda oficial dos estados europeus aos países “em desenvolvimento” tinha caído a menos de 3% do PIB; a dos EUA a menos de 2%; ao mesmo tempo aumentara o montante dos investimentos das sociedades privadas: enquanto a parte pública, que representava inicialmente 60% da ajuda financeira aos países “em vias de desenvolvimento”, descia em 1972 a 45% do total, a parte privada aumentava de 34% para 50%, sob forma de investimentos diretos e créditos a breve prazo, com a conseqüente dependência dos países «beneficiários».

A inflexão das taxas de juro destes créditos depois da desvalorização do dólar em 1971 e a retirada de numerosos investimentos, no decurso dos anos sucessivos, agravaram a situação dos países subdesenvolvidos, somada à contínua deterioração nos termos de troca entre produtos agrícolas dos países metropolitanos e matérias-primas (incluindo as agrícolas) dos países atrasados; entre produtos agrícolas e meios técnicos industriais; e também às novas características dos processos de transformação, conservação e distribuição dos produtos alimentares, que abriram o caminho para as multinacionais da alimentação.

Com a crise econômica mundial se abriram as portas para a expansão das corporações agro-alimentares transnacionais. A pequena agricultura, dita “familiar”, entrou em crise em todo o mundo, para terminar dependendo da produção intensiva destinada à exportação. Nos EUA e na UE a sobre-produção agrícola se agravou. Os fluxos comerciais da produção agrícola mudaram: em 1980, mais de 50% das exportações de trigo se destinava aos países “subdesenvolvidos”, agora gravemente dependentes em virtude da especialização mundial, da política de preços, e também da padronização internacional de hábitos dietéticos.

Uma vez superada a crise agrícola da década de 1980, o grau de monopolização da produção atingiu níveis sem precedentes. Em 1994, 50% de Ia produção agrícola norte-americana provinha de 2% de suas propriedades agrícolas. Três grandes corporações produziam e processavam 80% da carne bovina; os EUA detinham 36% do comércio mundial de trigo, 64% do milho, cevada, aveia e sorgo; 40% da soja; e 50% das exportações norte-americanas de cereais estavam nas mãos de duas corporações (Cargill e Continental). A indústria alimentar se transformou num dos principais setores industriais dos EUA: 95% dos alimentos consumidos no país passaram a ser manufaturados, distribuídos e vendidos por poucas firmas (como ConAgra).

Capitalismo e Crise Alimentar No mundo inteiro, programas de combate à pobreza e à fome foram postos em prática, com resultados bastante menores à propaganda feita em torno deles. O número de pessoas que passam fome no mundo continuou crescendo. Em 2009, duas décadas

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depois, foram mais 40 milhões; desde 2007, mais 150 milhões, segundo a ONU.10 A linha da pobreza (renda de menos de US$ 1,25 por dia/ pessoa) continuou a crescer, chegando a 41,7% da população mundial (mais de 2,7 bilhões de pessoas): os Objetivos do Milênio previam baixar essa porcentagem para 20,9% (1,4 bilhão), até 2015 (previsão já abandonada). A chamada “concentração da renda” mundial continuou a crescer, com 1% da população detendo 40% da riqueza total. Entre os privilegiados, quase 65% concentram-se nos EUA e no Japão, 0,6% no Brasil.

Segundo cálculos da FAO, 854 milhões de pessoas sofriam de fome no mundo, no período 2001-2003, registrando um aumento de 26 milhões em relação ao período 1995-1997. Desse elenco, 820 milhões se encontravam nos países “subdesenvolvidos”, 25 milhões nos países “em transição” (ex “países socialistas”), e nove milhões nos países industrializados. E um bilhão de pessoas sofre de sobrepeso (obesidade), devido à má alimentação (incluídos os hábitos alimentares) com os riscos de saúde decorrentes. Segundo estudos da FAO,11 do PNUD, do Banco Mundial, da Cúpula Mundial da Alimentação e de outras organizações, a fome não tem diminuído, assim como não é causada pelo aumento da população nem pela falta de alimentos. Calcula-se que, anualmente, oito milhões de pessoas morram, no mundo, por causa da fome derivada da miséria. Para essas organizações, o problema da fome é um problema de “acesso”, de distribuição (ou seja, de má distribuição, devida à pobreza) de uma produção superabundante. O problema estaria na esfera da distribuição, não na estrutura (capitalista) da produção agrária.

A FAO calculou em 2500 calorias e 65 gramas de proteínas por dia o mínimo alimentar vital para um individuo adulto. Nos países “desenvolvidos”, a disponibilidade é de 3500 calorias por dia, em média. No restante do mundo, essa disponibilidade situa-se abaixo de 2400 calorias por dia. E a ração alimentar cotidiana dos países “subdesenvolvidos” contém só 56% das proteínas que se encontram na ração alimentar média dos países “desenvolvidos”.12 No Brasil, mais de dez milhões de famílias (40 milhões de pessoas) não dispõem de recursos suficientes para o acesso diário à quantidade de calorias necessárias à sua sobrevivência (1900 calorias/dia/pessoa).13

10 Como quem mede as condições de um rebanho de suínos prontos para o abate, divide-se a fome dessa multidão de miseráveis do exército industrial de reserva em diversas situações (categorias) abstratas: "insegurança alimentar leve", "insegurança alimentar moderada" e "insegurança alimentar grave" (quem quer que tenha passado fome alguma vez na vida, compreende que estas categorias beiram o ridículo). O social vira estatística, a pessoa vira número (e os números engordam uma vasta burocracia). 11 Em geral, da FAO só se podem citar seus estudos: sabidamente, seus padrões de eficiência são muito baixos. A insatisfação com a performance da agência levou os países participantes da Conferência Mundial de Alimentos, em 1974, a criar duas novas organizações para tentar fazer o trabalho “precípuo” da FAO: o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola e o Conselho Mundial de Alimentos (depois extinto, em parte substituído pelo Programa Alimentar Mundial da ONU). É consenso que a FAO é uma estrutura paquidérmica, cuja mediocridade técnica a tornou irrelevante em seu propósito de combater a fome. Defendeu a utilização de biotecnologia no combate à fome, ao lado das grandes corporações capitalistas. Em 1991, um alto dirigente da organização tomou um pseudônimo, e escreveu críticas demolidoras: a agência falhara "desastrosamente". Acusou-a de agir como propagandista de indústrias agro-alimentares. A pressão foi tanta que a própria FAO se curvou e, em 2005, aceitou submeter-se a uma avaliação externa independente (que não deu em nada). O orçamento da FAO (menos de US$ 1,5 bilhão) está longe daquele estimado necessário (quase US$ 7 bilhões), e vem sofrendo reduções devido à queda das contribuições dos países doadores, que vêm sofrendo quedas da sua arrecadação fiscal. 12 BESSIS, Sophie. La Faim dans le Monde. Paris, La Découverte, 1991. 13 Parte da imprensa brasileira explorou a informação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) segundo a qual a população adulta (95 milhões de pessoas) do Brasil, país do Fome Zero, é formada mais por pessoas acima do que abaixo do peso. São 10,5 milhões de obesos e 38,8 milhões com excesso de peso contra 3,8 milhões com déficit. Mas a obesidade também é um produto da péssima alimentação, baseada na

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A definição de fome obedece a critérios estabelecidos. A fome endêmica é resultante da baixa ingestão prolongada de calorias: “Tem como manifestações clínicas ou formas mais evidentes a desnutrição. A gravidade se expressa no déficit de peso e nas formas clássicas do Kuashiokor e Marasmo. A cronicidade, no déficit estatural chamado nanismo nutricional, que é irreversível. Os principais problemas que ela causa são a baixa resistência às infecções, atribuindo-se a ela 60% dos elevados índices de morbi-mortalidade, além de peso significante na incidência de acidentes de trabalho e internações hospitalares por causas mal definidas”.14

A tabela que segue, por sua vez, indica as regiões e países com déficit de suprimento alimentar:

Demanda e suprimento de cereais e outros cultivos em 1990 (milhões de toneladas)

Região Cereais Outros Cultivos

Demanda Suprimento Razão S/D Demanda Suprimento Razão S/D

África 95 75 0,79 301 268 0,89

Ásia Central 364 401 1,10 407 369 0,91

América Latina 104 100 0,96 681 678 1,00

Oriente Médio 21 25 1,18 41 39 0,94

Ásia de S. e de SE 325 303 0,93 651 649 1,00

Total dos Países Subdesenvolvidos

909 904 0,99 2082 2002 0,96

América do Norte 327 329 1,01 198 185 0,93

Europa Ocidental 213 228 1,07 367 348 0,95

Ex-URSS 156 199 1,28 230 235 1,02

Europa Oriental 72 75 1,03 107 106 1,00

Japão, Austrália e N. Zelândia 31 34 1,10 73 65 0,89

Total dos Países Desenvolvidos 799 866 1,08 976 939 0,96

Mundo 1709 1770 1,04 3057 2942 0,96

Notas: S/D= Suprimento/Demanda Fonte: DÖÖS, Bo R.; SHAW, Roderick. Can we predict the future food production? A sensitive analysis. Global Environmental Change nº 9, 1999.

No mercado mundial, nas décadas de 1980 e 1990, predominou a instabilidade de preços de alimentos e matérias primas, assim como continuou o processo de deterioração dos termos de troca entre produtos primários e produtos de alto valor agregado. Os recursos destinados à agricultura pela “cooperação internacional” caíram de 17% para 3% entre 1980 e 2006 (com uma queda de renda de 60%, de US$ 8 bilhões para US$ 3,4 bilhões anuais). E continuou a centralização e monopolização sem precedentes da produção carência de opções saudáveis: 43,4% da população adulta estão com excesso de peso, apenas 17,7% da população atendem às recomendações da OMS de comer cinco porções semanais de frutas e hortaliças, o consumo de carne com gorduras aparentes está no cotidiano de 32,8% da população e 29,2% dos adultos são sedentários. Já a carne vermelha gordurosa, ou frango com pele sem remover a gordura do alimento, está presente em 32,8% da população de todas as capitais. 14 QUIRINO ESCODA, Maria do Socorro. Entrevista sobre o Programa Fome Zero, Natal, novembro de 2002.

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agropecuária. Nos países atrasados, e inclusive nos que depois seriam chamados de “mercados emergentes”, a situação alimentar piorou. Quanto à “ajuda ao desenvolvimento”, depois de sofrer um inchaço artificial, devido à inclusão de inúmeros novos itens, ela oscila entre 6,6% (Holanda) e 3% (Japão), da parte dos 21 países considerados “desenvolvidos”. Os cinco percentuais maiores correspondem a economias de menor dimensão dentro desse universo (Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega e Nova Zelândia).15

Em 1996, os 186 países da FAO assinaram um documento propondo a redução da fome, até 2015, a 412 milhões de pessoas. O crescimento da fome coexistiu com altas taxas de crescimento econômico, fazendo falar numa “nova fome, que convive com a abundância, na era da máxima produtividade da agricultura mundial. A nova fome cresce em momentos em que as nações mais povoadas do planeta estão vencendo o desafio do desenvolvimento”.16 A generalização das relações capitalistas de produção, inclusive nos “países periféricos”, generalizou também as crises de sobre-produção. Elas foram agravadas, e não mitigadas, pelo desenvolvimento da produtividade agrária devida aos novos fertilizantes, agrotóxicos e, sobretudo, sementes transgênicas (sem falar nos danos ecológicos múltiplos provocados por estes), a chamada agroindústria.17 De acordo com a “Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação”, o problema da degradação de terras nas regiões áridas continuou a piorar durante as duas últimas décadas do século XX; 70% das terras áridas usadas para a agricultura no mundo já estão degradadas. Aumento dos lucros de algumas das principais empresas de fertilizantes do mundo

Companhia Benefícios 2007 (em US$ milhões) Aumento em relação a 2006

Potash Corp (Canadá) $1.100 72%

Yara (Noruega) $1.116 44%

Sinochem (China) $1.100 95%

Mosaic (EUA) $ 708 141%

ICL (Israel) $ 535 43%

K+ S (Alemanha) $ 420 2.8% Fonte: http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/40701

Foi a apoteose da “Revolução Verde”: grandes monoculturas em latifúndios, mecanização pesada, uso intensivo da química, controle total da produção por grandes empresas 15 Ranking the rich. Foreign Policy, Nova York, setembro-outubro 2006. No papel, existe a intenção de elevar a ajuda oficial dos “desenvolvidos” para a agricultura de 3% da assistência total para 17%, ou seja, de US$ 3,4 bilhões para US$ 17 bilhões anuais. 16 RAMPINI, Federico. Fame: complesso de culpa dell’Occidente. Diario di Repubblica. Roma, 3 de novembro de 2006. 17 Os abalos sociais provocados por ela nada tem de historicamente progressivo ou, como pontuou Holt-Giménez: “No existe nueva revolución industrial. No hay una nueva expansión del sector industrial que pudiera recibir comunidades indígenas, pequeños propietarios y trabajadores rurales desplazados. No existen avances en la producción esperando a inundar el mundo con comida barata. Esta vez, los combustibles no subsidiarán la agricultura con energía de bajo costo. Al contrario, los combustibles competirán con los alimentos por tierra, agua y recursos. Los agro-combustibles van a colapsar el vínculo entre alimentos y combustibles. La inherente entropía de la agricultura industrial ha sido invisible todo el tiempo que el petróleo ha sido abundante. Ahora, los sistemas alimentarios y de combustibles deben cambiar de una cuenta de ahorros a una de cuenta corriente. Los agro-combustibles nos dirigen hacia un sobre giro. Renovable no significa ilimitado. Mientras que los cultivos pueden ser re-plantados, la tierra, el agua y los nutrientes son limitados. Pretender lo contrario sirve a los intereses de aquellos que monopolizan dichos recursos”.

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integradoras (multinacionais), preponderância dos grãos, padronização industrial dos alimentos e redução da base genética. A soja ganhou um espaço muito grande, chamada de “grão de ouro”, sendo produzida basicamente nos EUA, Brasil, Argentina e China (nesta, para o mercado interno). A produção de grãos no Brasil pulou de 96,8 milhões de toneladas (em 2001/2002) para 151 milhões de toneladas (2008/2009). Os grãos tornaram-se commodities universais, padronizados e negociados internacionalmente, com um valor comercial (e estratégico) grande (o trigo passou de alimento para ser também, cada vez mais, base para tintas, cosméticos e biodiesel). Limpos e secos, podem ser armazenados e conservados por longos períodos, manipulando estoques e especulando com preços. O grão é o carro-chefe da hegemonia capitalista no campo, pois permite planos de longo prazo para monopolizar mercados e obter lucros extraordinários com a comercialização de alimentos.

A soja é extremamente polivalente, de múltiplos usos, industrial, na alimentação humana, na nutrição animal, em outros produtos, como bio-plásticos, e inclusive energia “líquida”, como o biodiesel. Mas os grãos sofrem a influência transgênica: uma hectare de cultura de milho, com os métodos tradicionais, produz, no sul mexicano, quatro toneladas; a mesma hectare “transgênica” produz, na Argentina, três vezes mais... Os transgênicos dominam 70% da produção da soja, 46% do algodão, 24% do milho, 20% da colza. Em hectares de produção transgênica, os EUA encabeçam a lista, com 62,5 milhões (contra 57,7 em 2007), seguidos pela Argentina, 21 milhões; Brasil, 15,8 milhões; Índia e Canadá, 7,6 milhões; China, 3,8 milhões. Nesse quadro, a produção agrícola passou a ser controlada pelas firmas produtoras de sementes e produtos químicos (Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer, Dow Chemical, e um curto etc.) num processo de monopolização capitalista sem precedentes da produção agrícola mundial.

Aumento dos lucros de alguns dos principais comerciantes mundiais de grãos

Companhia Benefícios 2007 (em US$ milhões) Aumento em relação a 2006

Cargill (Canadá) $ 2.340 36%

ADM (EUA) $ 2.200 67%

ConAgra (EUA) $ 764 30%

Bunge (EUA) $ 738 49%

Noble Group (Singapura) $ 258 92%

Marubeni (Japão) $ 90 43%

Fonte: http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/40701

A “ajuda ao desenvolvimento” se transformou em uma função dessa estrutura, ou seja, virou um subsídio dos Estados metropolitanos às exportações de seus monopólios de grãos, fertilizantes e agrotóxicos. Jeffrey Sachs calculou que a assistência oficial ao desenvolvimento, em 2002, compreendeu uma ajuda externa total bruta de todos os doadores a todos os países em desenvolvimento de US$ 76 bilhões (em dólares de 2003). Dessa quantia, US$ 6 bilhões foram doações para o alívio da dívida, não correspondendo a nenhum fluxo concreto de recursos.

Além disso, os países “em desenvolvimento” enviaram perto de US$ 11 bilhões aos países ricos em conceito de pagamento de empréstimos, deixando um fluxo líquido de ajuda externa de US$ 59 bilhões. Dessa quantia, US$ 16 bilhões foram para os “países de renda média”. Dos US$ 43 bilhões que foram para os “países de baixa renda”, US$ 12 bilhões foram destinados ao apoio direto aos governos (isto é, para ralos burocráticos). O resto foi assistência de emergência e cooperação técnica, pagando consultores

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estrangeiros caros, em vez de especialistas locais (a burocracia internacional da fome padece de obesidade salarial crônica), com o “mapa da fome” piorando.

Em 2002, para todos os países “em desenvolvimento”, só US$ 15 bilhões dos US$ 48 bilhões em fluxos líquidos “de ajuda” poderiam ser considerados de apoio para investimentos de financiamento em necessidades básicas. Os restantes US$ 33 bilhões financiaram outros custos, basicamente burocráticos. As agências bilaterais e multilaterais responderam por US$ 9 bilhões: os custos do funcionamento do sistema internacional de assistência quase equivalem à própria ajuda, sem contar quantias que “desaparecem”. Nas últimas décadas, a ONU inchou seus efetivos, com base nos “programas sociais de ajuda”, além do crescimento das ONGs (de um modo geral, do “terceiro setor” da economia), encarregadas de administrá-los. Isto fez crescer uma burocracia “humanitária”, hoje expandida em todos os países.

O boom dos “mercados emergentes” foi favorecido por uma alteração conjuntural na distribuição das exportações, favorecida, por sua vez, por um ciclo comercial expansivo na primeira década do século XXI (concluído em 2008). Rússia passou a ser um player global do mercado de grãos: em 2000, sua participação no comércio mundial foi de 1 %; em 2008, de quase 14%. A participação do trigo russo nas exportações mundiais subiu de 6% para 14%: em 2008/ 2009, o país exportou mais de 20 milhões de toneladas de grãos (um recorde), com valor superior a US$ 4 bilhões, e passou a ser o 3° maior exportador do mundo, depois dos EUA e da União Européia. A participação do Canadá neste período reduziu-se de 17% para 14%; a da Austrália caiu de 16% para 13%, enquanto a dos EUA reduziu-se de 28% para 20%.

Entre 2005 e 2008, o preço médio mundial dos alimentos aumentou um 85%. Em conseqüência, em 2008, começou uma situação de catástrofe no continente africano: os preços dos gêneros alimentícios de primeira necessidade aumentaram em poucos meses, com aumentos dos preços do trigo, do arroz e do óleo nos mercados mundiais; más

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colheitas locais; inexistência de qualquer controle dos preços. A explosão dos preços também afetou à Ásia, motivando motins da fome: o preço médio de uma refeição básica aumentou em 40% no espaço de um ano. Muitas pessoas passaram a não poder comer mais do que uma refeição por dia. O impacto da alta dos preços foi diferenciado: nos países “desenvolvidos” a cesta básica de alimentação representa 14% da renda média, na África subsaariana, ela representa 60%.

Com a supressão dos direitos alfandegários e uma redução das taxas sobre produtos e serviços, os governos “subdesenvolvidos” tentaram forçar uma redução dos preços, acionando as raras alavancas que o Estado ainda controlava. O governo egípcio chegou a proibir a exportação de arroz. Mas as medidas não produziram os efeitos esperados. As políticas preconizadas pelas instituições financeiras internacionais haviam incentivado as culturas de exportação (como algodão), em detrimento das culturas alimentícias, em momentos em que os preços dos alimentos no mercado internacional estavam baixos, além de favorecerem o desmantelamento das estruturas de controle dos preços.

O Banco Mundial reconheceu o “erro que havia cometido” (sic), e enfatizou que era preciso priorizar o renascimento das culturas alimentícias.18 Houve um vácuo de US$ 500 milhões no programa da ONU para satisfazer as necessidades de emergência, com 37 países em estado de emergência pela falta de alimentos. A ONU declarou estado de "calamidade mundial"; a situação se avizinhou da catástrofe, em especial na Ásia. De janeiro a março de 2008, a tonelada de arroz passou de US$ 380 no mercado internacional, para US$ 760, ultrapassando US$ 1000 em abril. Os estoques mundiais de reservas de cereais passaram de uma cobertura de quase 140 dias de consumo mundial, em meados da década de 1980, para menos de 60 dias, uma redução de mais de 100% em duas décadas, graças a políticas que favoreceram a produção de insumos industriais e de combustíveis. Os preços dos alimentos subiram 35% em 2007, mais de 70% em 2008. Só em 2007, o leite e seus derivados aumentaram 80%, os cereais em torno de 42%.

Fonte FAO- Food and Agriculture Organization of United Nations, Crop Prospects and Food Situation. Roma, abril de 2008.

18 O forte aumento da produção de biocombustíveis, nos EUA e na Europa, foi considerado também um fator da disparada mundial dos preços dos alimentos, pela redução da oferta de alimentos. O preço do milho, utilizado na produção de álcool, dobrou em dois anos devido à forte demanda. Lula, porém, afirmou que os aumentos indicavam ser necessário produzir mais alimentos, sem culpar o investimento nos biocombustíveis.

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O índice global dos preços alimentares passou, segundo a FAO, de 80 em 2000, para 210 (!) em 2008, caindo para 140 em 2009, depois do estouro da “bolha alimentar”. Em grande medida (talvez mais de 30%) os aumentos foram determinados pelo deslocamento da especulação financeira dos setores em crise para as commodities, levando a fome, em especial na África e na Ásia, para níveis emergenciais.19 Para Guilherme Dias (da FEA-USP), "a experiência de produtos agrícolas com tanto comércio internacional e estoques tão baixos, que acontece pela primeira vez", determinou “grande insegurança nos mercados”: "A instabilidade que se vive de 2007 para cá, essa enorme volatilidade de preços, se explica porque assim se criou um ambiente atrativo para o especulador, sempre à procura de liquidez”.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2008.

Crise é de sobre-produção: o suprimento mundial de grãos passou de 2,6 bilhões de toneladas (1999/2000) para 3,16 bilhões de toneladas (2007/2008), para um consumo de 1,95 e 2,34 bilhões de toneladas, respectivamente (o gap entre suprimento e consumo passou, no período, de 0,65 para 0,82 bilhões de toneladas). O preço da terra (que é a capitalização da renda agrária, absoluta ou diferencial), por sua vez, aumentou 1000% em menos de uma década, mas a propriedade do solo é secundária diante do capital financeiro aplicado à produção de fertilizantes e sementes, e também à comercialização agrícola e o trading. Os grandes vencedores da alta dos preços alimentares não foram os especuladores ocasionais, mas as grandes firmas fabricantes de insumos agrícolas, um pequeno grupo de empresas concentrado nos EUA, Canadá e Rússia. O uso de novas tecnologias explica só uma parte dos lucros extraordinários, pois estes proviriam menos dos ganhos de produtividade e mais da alta especulativa dos preços.

19 Cabe registrar a opinião que liga a inflação de commodities à baixa da taxa real de juros, produto da crise econômica mundial, sobretudo nos EUA. O argumento é que ao produzir e vender um barril de petróleo, os dólares auferidos passam a render a baixa taxa real de juros. Assim, seria mais vantajoso deixar o petróleo debaixo da terra, e esperar pelo preço mais alto no futuro. À medida que mais petróleo é deixado debaixo da terra, o preço à vista sobe. O mesmo valeria para as demais commodities que têm oferta limitada. No fundo, trata-se de duas caras da mesma moeda, ou de duas variantes da especulação financeira.

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Os ganhos em produtividade são decrescentes: Bob Zeigler, presidente do IRRI (International Rice Research Institute) informou que o rendimento das superfícies plantadas com os grandes cereais, que cresceu entre 3% e 6% anuais entre 1960 e 1980, cresce atualmente só entre 1% e 2%. O arroz IR8, variedade introduzida em 1966, rendia inicialmente 10 toneladas por hectare; atualmente rende só sete. As causas dos rendimentos agrícolas decrescentes são múltiplas, indo da erosão e destruição dos solos (devida à sua exploração irracional) até o esgotamento da produtividade marginal das ”novas tecnologias”.

A crise do mercado financeiro norte-americano, como resultado do estouro da bolha imobiliária, torceu o direcionamento da especulação para as commodities agrícolas e para as matérias primas em geral. Uma pesquisa do Comitê de Segurança Interna do Congresso dos EUA concluiu que a alta dos preços não obedeceu a uma "crise da oferta": entre 2003 e 2008 o investimento em índices vinculados ao comércio de commodities cresceu 20 vezes, de 13 para 260 bilhões de dólares anuais (o Comitê, porem, rejeitou intervir ou regular os mercados especulativos com o argumento de que, se assim o fizesse, as operações especulativas continuariam, mas no mercado paralelo).

A onda inflacionária alimentar acumulou uma alta de 85% em 36 meses, e reduziu os estoques mundiais de alimentos ao seu menor nível em décadas. A rápida expansão dos preços comprometeu as metas internacionais de erradicação da fome e da miséria. Em 2007, a conta com a importação de alimentos nos países “subdesenvolvidos” subiu 25%. A explosão de preços foi explicada por: 1) Aumento da produção de biocombustíveis e manutenção de subsídios nessa área entre os países ricos,20 como os EUA (o álcool combustível implica no uso do milho para a fabricação de etanol, nos EUA, sendo um dos principais responsáveis pela inflação alimentar, ao reduzir outros cultivos);21 2) Incremento nos custos no setor agropecuário com alta do petróleo e dos fertilizantes; 3) Enriquecimento e mudança na dieta em países “emergentes”, com os consumidores passando a comer mais proteína (carnes), cuja produção exige carboidratos (grãos); 4) Mau tempo e quebra de safra em vários países; 5) A crise nos mercados imobiliários e de ações levou a especulação capitalista para Bolsas de mercadorias que negociam contratos futuros, lastreados em preços de commodities, como alimentos e metais,

20 Para se obter um litro de bioetanol se necessitam 4 000 litros de água. A OCDE afirmou que, para substituir 10% da demanda atual de combustíveis na UE, teria que se usar 70 % da superfície agrícola européia. Alemanha é o maior produtor de agro-diesel na Europa, produzindo quase 2 bilhões de litros, cobrindo com eles apenas 2 % do consumo de diesel do país, mas usando para isso 10 % da área total cultivada. Segundo Holtz-Giménez: “Los combustibles renovables deberán proveer el 5,75% del combustible para transporte de Europa hasta el 2010; y el 10% hasta el 2020. El objetivo de los Estados Unidos es alcanzar los 35 billones de galones por año (aproximadamente 132 billones de litros por año). Estas metas sobrepasan significativamente la capacidad agrícola del Norte industrializado. Bajo este contexto, Europa requeriría destinar 70% de sus tierras agrícolas a la producción de cultivos para la producción de agro-combustibles. Toda la cosecha de maíz y soya de los Estados Unidos necesitaría ser procesada como etanol y biodiesel. Los países del Norte esperan que los países del Sur satisfagan sus requerimientos de combustibles, y sus gobiernos parecen estar ansiosos por obedecer” (os “bilhões” do espanhol correspondem aos “trilhões” do português). 21 O Brasil tem 357 usinas de açúcar e álcool em operação, 43 em construção e outras 244 em fase de planejamento. Os investidores externos dominam 35% do mercado. No Brasil, a indústria sucro-alcooleira foi um setor tradicionalmente familiar. A maior multinacional do agronegócio, a Cargill, comprou uma usina em 2006. Empresários norte-americanos e alemães criaram o maior grupo produtor e exportador de álcool combustível do país, com investimentos de US$ 8,4 bilhões na construção de 24 usinas de álcool, um consórcio encabeçado pela norte-americana Sempra Energy, uma das maiores empresas de gás natural, e pela alemã Manferrostal. Utilizariam 700 mil hectares de terra no Tocantins, outros 800 mil hectares no Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, se aproximando das áreas protegidas da Amazônia e do Pantanal. O grupo inglês Infinity Bio-Energy, por sua vez, gastou US$ 700 milhões em aquisição de usinas.

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inchando os preços. Essa enumeração indica fatores conjunturais, sem relacioná-los mutuamente.

Segundo a FAO, existem 82 países (o que, descontados os Estados minúsculos, perfaz metade dos países do planeta) com déficits alimentares associados à pobreza das suas populações. No agregado, esses países produzem um total de 906 milhões de toneladas de cereais, mas necessitam de outros 83 milhões para cobrir as suas necessidades. Uma parte da diferença é obtida com importações e outra com a ajuda internacional. Estima-se que esse déficit deverá custar para o conjunto desses países um total de US$ 38,6 bilhões sendo US$ 22 bilhões só para o trigo. A situação mais crítica é a da África cujo déficit alimentar em cereais chega a 25% do consumo, o que demandaria US$ 17,8 bilhões de importações.

Para Walter Belik (do Instituto de Economia da Unicamp), “pelas contas da ONU, seriam necessários "apenas" US$ 30 bilhões para promover esse New Deal alimentar a cada ano, o que parece pouco diante do que se está despejando para salvar o sistema financeiro. O tema entrou na pauta na Conferência de Cúpula de Roma, realizada com a participação de 180 países, mas não resultou em nada e nem consta na declaração final. Aparentemente faz falta uma instituição mundial que possa passar o chapéu e coordenar essa política” (grifo nosso). A expressão “passar o chapéu” (com todo seu humilhante conteúdo) não está aí por acaso, ela expressa uma ideologia para a qual um quinto da população mundial não passaria de pedintes (e precisaria de intermediários até para exercer essa função mendicante).

Segundo Ariovaldo de Oliveira (da Geografia-USP), a crise alimentar tem sua base nos processos monopolistas (capitalistas) que comandam a produção agrícola mundial: a territorialização dos monopólios da indústria da alimentação, que atuam simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária (o principal exemplo é o setor sucro-alcooleiro), e a monopolização do território pelas empresas de comercialização e processamento industrial da produção agropecuária, que controlam camponeses e capitalistas produtores agrários. As empresas monopolistas do setor de grãos atuam no mercado futuro das Bolsas de mercadorias do mundo, e têm também o controle monopolista da produção dos agrotóxicos e dos fertilizantes.

A crise, nessa visão, teria dois fundamentos. O primeiro, de reflexo mais limitado, refere-se à alta dos preços internacionais do petróleo e, conseqüentemente, à elevação dos custos dos fertilizantes e agrotóxicos (de fato, entre 2008 e 2009 o preço do barril caiu em 50%, contrariando essa tendência). O segundo é conseqüência do aumento do consumo, não do alimento, mas dos EUA para a produção do etanol a partir do milho. Esse caminho levou à redução dos estoques internacionais do cereal, e à elevação de seus preços e dos preços de outros grãos (trigo, arroz, soja). Assim, a "solução" norte-americana contra o aquecimento global se tornou o paraíso dos ganhos fáceis dos monopólios internacionais que sujeitam produtores e consumidores à sua lógica de acumulação.

Com a crise de outros setores (imobiliário e construção) o setor alimentar se transformou em campo privilegiado da especulação, com alta das commodities provocada pela especulação de fundos de investimento: o volume de transações de café no mercado de commodities, por exemplo, é de 20 vezes o total produzido. Depois do pico da alta, atingido em meados de 2008, porém, não se produziu um retorno aos níveis precedentes, mas uma “estabilização” em altos patamares.

O preço das matérias primas alimentares subiu 150% entre 2002 e 2008 (50% somente entre 2006 e 2008): os aumentos se aceleraram num ritmo crescente, desproporcional à

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incertezas ocasionadas por modificações globais são consideradas; uma adição de 10% no potencial de terras cultivadas em 2025 não pode aumentar significantemente as possibilidades de que a demanda por cereais seja atingida nas regiões dos países em desenvolvimento”.

Demanda estimada de cereais e outros cultivos em 2025 para dietas de Nível 1 e Nível 2 (milhões de toneladas)

Região Cereais Outros Cultivos

Nível 1 Nível 2 Nível 1 Nível 2

África 317 376 779 912

Ásia Central 527 596 610 687

América Latina 189 209 1125 1188

Oriente Médio 143 148 2003 2083

Ásia de S. e de SE 631 742 1189 1392

Total dos “Países Subdesenvolvidos” 1808 2071 3902 4387

América do Norte 307 308 256 256

Europa Ocidental 262 262 516 516

Ex-URSS 268 261 368 360

Europa Oriental 91 91 149 149

Japão, Austrália e Nova Zelândia 65 58 116 104

Total dos “Países Desenvolvidos” 991 980 1404 1385

Mundo 2799 3051 5306 5772

Nível 1 – Suficiente para manter o consumo per capita atual, com ingestão diária de alimentos é de cerca de 2500 kcal/pessoa nos países subdesenvolvidos, e de 3400 Kcal/pessoa nos desenvolvidos. Nível 2 – Suficiente para assegurar a segurança alimentar. Este nível de demanda por alimentos requer um aumento na produção de alimentos para permitir o aumento do consumo diário, nos países subdesenvolvidos, de 2500 para um mínimo de 3000 kcal/pessoa. Fonte: DÖÖS, Bo R.; SHAW, Roderick. Can we predict the future food production? A sensitivy analysis. Global Environmental Change nº 9, 1999.

A criação de estoques reguladores mundiais de alimentos voltou, como em 1943, à baila (o debate sobre a questão fez parte da agenda do G8+5 reunido em julho de 2009, na Itália). Mas a proposta encontra hoje muitas mais dificuldades que há seis décadas e meia, ou seja, pouco (ou nada) resolve no imediato, e abre mais frentes de crise entre países produtores (exportadores) e consumidores, ou entre países industrializados e países exportadores de matérias primas. Parte-se da constatação de que seria preciso dobrar a produção de cereais para alimentar a população global, que atingirá mais de dez bilhões de pessoas em 2050.

O Japão, maior importador mundial, é o maior defensor dos estoques reguladores. Alguns parlamentares nos EUA sugeriram até a localização regional de estoques. A proposta é defendida como ajuda no combate a especuladores nos mercados de commodities. Por trás dela, porém, esconde-se (mal) um aspecto da guerra alimentar (isto é, comercial) mundial, entre os países metropolitanos e os “subdesenvolvidos”, e entre os próprios países “desenvolvidos”, referida: a) ao controle dos estoques reguladores; b) à sua própria localização. O controle (econômico, político e até geográfico, ou geopolítico)

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desses estoques, daria ao país controlador uma arma de poder devastador na concorrência mundial.

Para uma demanda estimada entre 2,8 e 3,05 bilhões de toneladas, a produção mundial de grãos (milho, sorgo, cevada, aveia e centeio) foi de 2,12 bilhões de toneladas em 2007/2008, e de 2,21 bilhões de toneladas em 2008/2009, com um crescimento de 4,2% (ela era de 1,77 bilhões de toneladas em 1990). Os estoques finais mal ultrapassam 7% da produção total.

O governo do Brasil declarou sua desconfiança em relação aos estoques reguladores, pois os grandes produtores “pagariam a conta” (deixando de se beneficiar da alta dos preços agrícolas), e pôs em questão os subsídios agrícolas praticados pelos EUA e Europa. Não se trata só de uma disputa pela renda diferencial entre países “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”, mas também dos interesses dos monopólios produtores de fertilizantes, agrotóxicos e sementes transgênicas, ou seja, de uma disputa entre monopólios, onde a questão “antiimperialista” e, sobretudo, a das populações famintas, ocupa um lugar secundário. A fome só “aparece” quando ameaça se transformar num terremoto social, em especial na África, e numa crise internacional.

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Água, Biocombustíveis, Subsídios A água é a outra face do drama alimentar. 1,3 bilhão de pessoas no mundo (mais de um sexto da população mundial) não dispõe de água potável, e 2,6 bilhões não têm acesso ao saneamento básico. No entanto, em 2050, pela projeção do SIWI (Instituto Internacional da Água), a quantidade de água necessária para a fabricação de biocombustíveis (que consomem 100 milhões de toneladas de cereais, 5% da produção global) equivaleria à requerida pelo setor agrícola para alimentar o conjunto da população mundial. No Brasil, os defensores dos biocombustíveis se apóiam em estudos que afirmam que a cana de açúcar (para etanol) avança nas pastagens, sem reduzir a produção de alimentos.

Resta a estabelecer a correlação existente entre esse avanço e o fato de que os estoques públicos de alimentos caíram para níveis mínimos nos últimos anos, aumentando a vulnerabilidade em relação a qualquer problema climático. Há 20 anos, os estoques mensais de feijão eram de 113 mil toneladas (média, em 1987/88); em 1997/98, esses estoques médios mensais se reduziram para 28 mil toneladas; finalmente, em 2007/08 as médias mensais caíram para apenas 3 mil toneladas, representando apenas 8,4% da demanda. O preço do feijão carioca aumentou 109% em um ano (maio 2007-maio 2008).

A produção dos três alimentos básicos no país - arroz, feijão e mandioca - não cresceu desde a década de 1990, e o Brasil se tornou o maior país importador de trigo do mundo. É no interior desse gargalo que a questão dos agro-combustíveis e da produção de alimentos se vincularam diretamente. A área plantada de cana-de-açúcar na safra de 2007 chegou perto de 7 milhões de hectares e, em São Paulo, onde se concentra mais de 50% do total, ocupou a quase totalidade dos solos mais férteis existentes. As conseqüências, para a produção de alimentos no Brasil, da expansão da cultura da cana, ficaram claras: entre 1990 e 2006 houve redução da produção dos alimentos imposta pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu, nesse período, mais de 2,7 milhões de hectares.

Tomando-se os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana no período, verifica-se que, neles, ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz. Essa área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão (12% da produção nacional) e um milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-se nesses municípios a produção de 460 milhões de litros de leite e mais de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino. A expansão da cana foi mais concentrada em São Paulo, mas também no Paraná, em Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, em Goiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, reduziu-se a área de produção de alimentos agrícolas e se deslocou a pecuária na direção da Amazônia. A expansão dos agro-combustíveis gerou redução da produção de alimentos.24

A força do biocombustível, no entanto, parece inabalável: o país tem cerca de 350 milhões de hectares de terras aráveis, as lavouras ocupam área em torno de 63 milhões

24 Certamente, o problema é mundial. Disse Miguel A. Altieri: “La agricultura mundial está en una encrucijada. La economía global impone demandas conflictivas sobre las 1.500 millones de hectáreas cultivadas. No sólo se le pide a la tierra agrícola que produzca suficientes alimentos para una población creciente, sino también que produzca biocombustibles y que lo haga de una manera que sea ambientalmente sana, preservando la biodiversidad y disminuyendo la emisión de gases de invernadero, mientras aun represente una actividad económicamente viable para todos los agricultores”. O conflito só foi posto às claras através de uma crise econômica mundial, que remete não apenas para a questão do “uso” da terra fértil, mas para a natureza social do processo de produção.

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de hectares, sendo 7,8 milhões de cana de açúcar.25 A produção de etanol no Brasil na safra 2006/2007 foi de 21,30 bilhões de litros, 21,90% maior que a anterior. A área ocupada com cana-de-açúcar no Brasil na safra 2007/2008 foi de 6,92 milhões de hectares, superior em 12,30 % à safra anterior. Lula propôs o lançamento de uma campanha internacional em defesa do biocombustível, sem relacionar a onda inflacionária alimentar com as perspectivas dos programas sociais, nem com a falência do projeto de acabar com a fome do mundo, espalhando a produção de biocombustível nos países pobres.

Segundo o FMI, mais da metade do aumento da demanda por milho em todo o mundo, em 2004-2007, teve como causa o crescimento da produção de álcool nos EUA. Os países asiáticos com base na alimentação de arroz sofreram o seu aumento de quase 150% entre 2007 e 2008. Na Tailândia, com um excedente de 10 milhões de toneladas em relação à demanda interna, e maior exportador mundial do produto, os supermercados estipularam limites para a compra de arroz.

Em 33 países, mais da metade da renda das famílias é comprometida com alimentos. Com a desregulamentação dos mercados financeiros, houve uma redução nos estoques públicos voltados a mitigar desequilíbrios entre a oferta e a demanda. Os estoques globais de comida estão no menor patamar do último quarto de século: a sua disponibilidade é crucial para conter a alta de preços em um mercado sujeito aos efeitos das mudanças climáticas. A isso se soma a política de subsídios agrícolas praticada pelos países metropolitanos. Os elevados subsídios da Europa e dos EUA inibiram investimentos em novas plantações ou em tecnologia para tornar as terras aráveis, especialmente nos países periféricos. Nos EUA, novas leis agrícolas são aprovadas no Congresso, com mais subsídios aos agricultores. Em 2001, culturas de cereais, oleaginosas e algodão, além da produção de leite e açúcar, foram beneficiadas com recursos públicos da ordem de US$ 73,5 bilhões em dez anos, ou seja, US$ 7,5 bilhões de acréscimo anual aos subsídios de US$ 32 bilhões, já concedidos anualmente.26

A falta de água e saneamento afeta 15% e 40%, respectivamente, da população mundial. 1,8 milhão de crianças morre anualmente de diarréia. Até os países ricos já enfrentam

25 A tendência não é só brasileira, mas mundial, e afeta também o de pesquisa e inovação. Segundo Holt-Giménez: “En Brasil – donde los cultivos destinados a la producción de agro-combustibles ya ocupan una superficie similar a la extensión conjunta de los Países Bajos, Bélgica, Luxemburgo y Gran Bretaña – el gobierno está planeando incrementar en cinco veces la extensión dedicada a la producción de caña de azúcar con el fin de reemplazar el 10% de la gasolina del mundo hasta el 2025. La rápida capitalización y concentración del poder dentro de la industria de los agro-combustibles es asombrosa. Del 2004 al 2007, el capital invertido en agro-combustibles se ha incrementado ocho veces. La inversión privada está invadiendo las instituciones públicas de investigación, como evidencia está el medio billón de dólares que la compañía British Petroleum (BP) otorgó a la Universidad de California. En una abierto desafío a las leyes nacionales anti-monopolio, gigantes corporaciones de petróleo, granos, vehículos e ingeniería genética están formando poderosas alianzas: ADM con Monsanto; Chevron y Volkswagen; también BP con DuPont y Toyota. Estas corporaciones están consolidando la investigación, producción, procesamiento y canales de distribución de alimentos y sistemas de provisión de combustibles bajo un colosal techo industrial”. 26 Um trabalhador rural na Argentina, por exemplo, ganha US$ 300 por mês. O mesmo trabalhador ganha na Espanha US$ 2000: qualquer produto agropecuário custa bem menos para ser produzido na Argentina do que na Europa (fazendo abstração das diferenças de fertilidade natural do solo e de investimento tecnológico). Mas, devido aos subsídios, a produção européia pode ser vendida por preços tão competitivos como a dos países nos quais o salário é de US$ 300, ou menos. Além disso, os países ricos impõem barreiras tarifárias e não-tarifárias para impedir importação dos produtos agrícolas. Desde a criação do GATT, há 50 anos, as tarifas médias mundiais de importação de manufaturados caíram de 40% para 4%. Enquanto isso, as tarifas sobre produtos agrícolas mantiveram-se em 40%. A produção de milho, nos EUA, 25% destinado para etanol, se beneficia de dois tipos de subsídio, um na produção, e outro que barra as importações. O preço do bushel (25,4 quilos) de milho, no país, já superou US$ 5, contra uma média de US$ 2 das últimas décadas.

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graves problemas com os recursos hídricos. Métodos sofisticados de irrigação, que só aplicam água na quantidade exigida pelas plantas, são utilizados em apenas 1% da área irrigada mundial. O cultivo de arroz no Sudeste asiático, que concentra 90% dessa cultura, sofre com escassez de água. Para um índice 100 em 1950, a disponibilidade de água potável se situa atualmente entre pouco menos de 60 (para os países “desenvolvidos”) e pouco menos de 20 (para os países “subdesenvolvidos áridos”).

Em 20 anos, segundo a ONU, 48 países deverão enfrentar escassez ou falta extrema de água, o que afetaria uma população de 2,8 bilhões de pessoas. 25 % da população mundial está em países que se aproximam da condição de falta extrema de água (menos de 1.000 metros cúbicos por habitante/ano, considerado o mínimo necessário para a sobrevivência). O Brasil, com aproximadamente 12% de toda a água doce superficial do planeta, é um dos países mais ricos do mundo em disponibilidade de água, igualando-se a países como Suécia e Finlândia.27 Do mais de um bilhão de pessoas que sofre com a escassez de água, 660 milhões vivem abaixo da linha de pobreza, com um rendimento inferior a US$ 2 por dia.

Renda Universal e Renda Mínima Focada No século XX, o alcance geral da pobreza e da fome (não poupando às metrópoles capitalistas) fez sistematicamente surgirem teorias e propostas para combatê-la, inspiradas por preocupações humanitárias e, cada vez mais, como vimos, por “questões de segurança” (social e política). A idéia da “renda mínima social” é antiga: o “Princípio de Pigou-Dalton” (ideado pelo economista francês A.C. Pigou, em 1912) postulou que uma transferência de renda de um indivíduo mais rico para um indivíduo mais pobre, desde que essa transferência não invertesse a posição (social) entre os dois, resultaria em uma maior igualdade social. Dalton propôs a teoria de uma relação funcional positiva entre renda e bem estar social, concluindo que o bem estar social cresceria a uma razão exponencialmente decrescente em relação ao crescimento da concentração da renda, o que levaria à conclusão que o máximo bem estar social só seria atingido quando todas as rendas fossem iguais.

A idéia de renda universal básica foi defendida por Ernest Mabel e Dennis Milner, em 1919; pelo trabalhista inglês George D. H. Cole, em 1935; pelo Prêmio Nobel de Economia de 1977, o inglês James E. Meade (autor de Liberty, Equality and Efficiency); por Oskar Lange (marxista polonês), em 1936; por Joan Robinson (economista keynesiana), em 1937 e por Abba P. Lerner, em 1944. O liberal Friedrich A. Von Hayek, em 1944, defendeu "a salvaguarda contra graves privações físicas, a certeza de que um mínimo de meios de sustento será garantido a todos". George Stigler, em 1946, propôs que o imposto de renda negativo seria a melhor maneira de proteger a remuneração dos que, de outra forma, ganhariam muito pouco.

Milton Friedman popularizou a defesa do imposto de renda negativo, em 1962, como “o mais eficaz instrumento para combater a pobreza”. Em 1968, John K. Galbraith, James Tobin e Paul A. Samuelson (também Prêmio Nobel de Economia) lideraram um manifesto, assinado por 1.200 economistas, solicitando ao Congresso dos EUA que aprovasse um 27 No país, 91% da população urbana está ligada a redes de água, percentual que cai para 22,7 % nos domicílios rurais; 51,6 % dos domicílios urbanos dispõem de redes coletoras de esgotos; 23,3 %, de fossas sépticas; e 18,1 %, de fossas rudimentares (o PNUD considera 75 % da população atendida com "saneamento adequado"); nas zonas rurais, apenas 3,2 % dos domicílios se ligam a redes de esgotos; 32,9 % não dispõem delas nem de fossas. Nas cidades, mais de 12 milhões de pessoas não têm redes de água, 70 milhões não contam com redes de esgotos. Dos esgotos coletados, 65 %, ou quase 10 milhões de metros cúbicos por dia, não recebem tratamento, são despejados in natura, nos rios e no ar. A quase totalidade das pessoas desprovidas de redes de água e de esgoto está nas faixas mais pobres da população.

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sistema nacional de suplementação e de garantia de renda. Como se vê, trata-se de uma proposta que abrangeu o mais amplo leque ideológico.

A partir de 1983, Philippe Van Parijs e Robert Van der Veen, economistas belgas, começaram a defender um “subsídio universal”, apresentando-o explicitamente como alternativa ao socialismo marxista (na medida em que este preconiza uma transição socialista baseada na ditadura do proletariado), chamando-o até de “via capitalista ao comunismo” e, sobretudo, questionando que “a classe operária, inclusive quando definida amplamente, seja a força social com a qual a esquerda deveria identificar-se e se alinhar sistematicamente”. O fundamento político da proposta tomava base no fracasso (embora ainda não derrubada) do “socialismo real”, assim como nos fracassos (eleitorais ou políticos) da socialdemocracia na Europa ocidental (especialmente na Inglaterra e na França). Teoricamente, apontava que “o argumento teórico central em favor da superioridade do socialismo para o desenvolvimento produtivo é defeituoso. Ademais, as provas empíricas não são muito alentadoras”. Van Parijs e Van der Veen argumentavam também contra as “rendas sociais compensatórias”, portadoras do estigma social dos seus beneficiários e da “armadilha do desemprego”.

Como alternativa (ao socialismo e aos programas sociais compensatórios) propunham “uma renda garantida sob a forma de um subsídio universal, concedido incondicionalmente a todos os cidadãos... Uma vez que os cidadãos tenham um direito absoluto a esse subsídio, quaisquer que fossem seus ingressos de outras fontes, começariam a obter uma renda neta adicional tão logo quanto realizassem qualquer trabalho, por pequeno e mal pago que fosse. Combinado com algum tipo de desregulamentação do mercado de trabalho (ausência de obstáculos administrativos para o trabalho de meio período, ausência de salário mínimo obrigatório, ausência de idade de aposentadoria obrigatória, etc.), o subsídio universal permitiria que o emprego remunerado crescesse muito mais do que na atualidade. Por conseguinte, se a renda garantida adotasse esta forma, sua expansão não teria porque gerar fortes tensões entre os que trabalham em excesso e se sentem explorados, e os que carecem de trabalho e se sentem excluídos”.

Van Parijs e Van der Veen concluíam em que “se o objetivo é chegar ao comunismo desde uma sociedade capitalista, isto será feito aumentando todo o possível a renda garantida na forma de um subsídio universal, em termos absolutos o relativos... O comunismo se atinge quando o produto social total se distribui sem levar em conta as contribuições individuais, não quando a parte que recebe cada indivíduo, independentemente de sua contribuição, atinge um limiar absoluto”.

Não deixa de ser paradoxal que se argumentasse pela desregulamentação do mercado de trabalho, e até contra o piso (ou mínimo) salarial, em nome do comunismo, exatamente no momento em que o “neoliberalismo” iniciava sua arremetida em favor desses preceitos, certamente que não para “chegar ao comunismo”. Olin Wright criticou, nos autores citados, a separação dos princípios distributivos do comunismo (que seriam atingidos através do subsídio universal) da propriedade coletiva dos meios de produção e do planejamento associado da vida social e econômica, assim como o caráter, no mínimo duvidoso, dos critérios fiscais pelos quais o subsídio universal seria financiado.

Depois de argumentar, bastante solidamente, contra a viabilidade econômica e política de uma transição ao comunismo no quadro das relações institucionais e sociais do capitalismo, Olin Wright concluiu que “por uma combinação de razões econômicas e políticas, a via capitalista ao comunismo é inverossímil e, por razões políticas, é mais provável que uma via socialista tivesse mais sucesso que uma via mista. A via puramente capitalista é impossível porque a evasão de capital socavaria imediatamente a base

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econômica do modelo de subsídios universais indutores do comunismo, e inclusive no caso de que se resolvesse este problema, o uso político do desinvestimento tornaria não reprodutível o sistema. A via mista, que combina elementos das relações de propriedade capitalistas e socialistas, é economicamente viável, mas seria politicamente precária. Só em uma sociedade socialista seriam as condições políticas de um crescimento dos subsídios universais bastante estáveis como para tornar provável o avanço para o comunismo. Esta conclusão se baseia no suposto (de que) o socialismo é em si inequivocamente compatível com o surgimento e desenvolvimento do comunismo, e que a propriedade coletiva dos meios de produção pelos trabalhadores é compatível com um crescimento gradual do «reino da liberdade», do predomínio da distribuição segundo as necessidades”.

Ora, segundo o autor “o suposto de que o socialismo é compatível com o crescimento do comunismo descansa sobre dois enunciados mais básicos: que a eliminação das relações capitalistas de propriedade não produz necessariamente formas burocrático-autoritárias de Estado e da política; que no socialismo democrático a produtividade seguirá crescendo (sem esse crescimento da produtividade resulta problemática a expansão da distribuição segundo as necessidades)”.

Alec Nove, por sua vez, além de questionar a estrutura teórica dos economistas belgas, argumentou simplesmente a inviabilidade econômica (mantidas as relações capitalistas) do subsídio universal por eles proposto (ele implicaria em 75 bilhões de libras anuais de gastos sociais estatais na Inglaterra de 1987, por exemplo). Joseph Carens declarou, também, que “a lógica interna do capitalismo torna impossível a transformação que perseguem (os economistas belgas)”, chegando a questionar até a progressividade de um “subsídio universal” sob o capitalismo.

Segundo Carens: “Van der Veen e Van Parijs sublinham a diferença entre uma «renda compensatória garantida» e um «subsídio universal», mas há bastante menos controvérsia a respeito do que eles admitem. Quase todos consideram indesejável que os programas de assistência social criem desincentivos econômicos para que as pessoas trabalhem meio período, ou em empregos mal pagos. Por outro lado, os custos de uma renda garantida na forma de «subsídio universal» são muito maiores do que admitem Van der Veen y Van Parijs. Eles afirmam que um programa de subsídios universais seria mais barato que uma renda compensatória garantida, porque os subsídios universais eliminariam os desincentivos ao trabalho da renda compensatória garantida. Mas há diversos estudos teóricos e empíricos que não estão de acordo com isso (e) demonstram que os subsídios universais levam a uma redução significativa da renda de muitas famílias da classe operária”.

Por isso: “É possível usar a renda compensatória garantida para reduzir os desincentivos ao trabalho (e muitos dos programas existentes de proteção às rendas baixas assim o fazem). Assim, só pelos incentivos, os subsídios universais poderiam ser mais caros. Mais importante é que os subsídios universais ofereceriam benefícios netos (o subsídio menos os impostos pagos para financiar o programa) a muita mais gente da que receberia benefícios com um programa de renda compensatória garantida. Provavelmente, toda a classe operária ganharia com isso. Mas esse dinheiro tem que vir de alguma parte. Afirmar que estes gastos poderiam ser sufragados totalmente com os impostos sobre a renda das pessoas que não trabalhariam dentro do programa é pouco realista. Por conseguinte, para qualquer nível de ajuda aos membros mais necessitados da sociedade (os pobres sem trabalho) custaria muito mais um sistema de subsídios universais do que uma renda compensatória garantida (especialmente se ela proporciona algum incentivo ao trabalho). Ou seja, que para qualquer nível de gasto social em transferências de renda,

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podemos conseguir um grau maior de ajuda aos mais necessitados mediante uma renda compensatória garantida do que mediante subsídios universais”.

Para Adam Przeworski, a proposta de Van der Veen e Van Parijs expressaria “no máximo, um desejo piedoso”. Calculando a subsistência como equivalente a metade da renda média, concluiu que, nos países da OCDE, seria necessário elevar os impostos em perto de 20% do PIB para financiar o subsídio universal, o que seria incompatível com um “capitalismo democrático”. Jon Elster, por sua vez, declarou-se “completamente incrédulo”, chegando a acusar os belgas de “darwinismo social”: “As experimentações são úteis e inclusive necessárias se a idéia que as subjaz é considerada válida em geral (mas) são inúteis se o seu objetivo for simplesmente proporcionar argumentos para alguma analogia social da seleção natural. A sociedade não pode subscrever as idéias prediletas de cada entusiasta que ofereça uma panacéia para nossos problemas”.

O aluvião destas e outras críticas, levou Van der Veen e Van Parijs a uma resposta em que as questões econômicas e políticas postas pelo “subsídio universal” foram postas num terreno tão hipotético e fantasioso que toda conexão com a sociedade e economia reais tornou-se arbitrária, só apta para debates acadêmicos com um público restrito. O mais significativo foi que, diante da objeção da inviabilidade prática de um subsídio universal suficiente sob o capitalismo, Van der Veen e Van Parijs respondessem que “essas medidas implicariam algum grau de controle social sobre o capital e, pelo menos, um certo «socialismo». Por outro lado, não é em absoluto fantasioso imaginar que essas medidas deflagrariam um processo que só poderia acabar na nacionalização em grande escala dos meios de produção. Pois com restrições drásticas à exportação de capital é provável não só que cessasse o investimento estrangeiro, mas também que os investidores nacionais se unissem de forma concertada para conseguir a supressão dessas medidas. Supondo que seja realmente correto que uma economia capitalista aberta seria incapaz de proporcionar permanentemente um subsídio universal adequado sem introduzir essas medidas, só o socialismo poderia dar cabida de forma viável a esse subsídio”.

E os autores se perguntaram: “É tão evidente que a introdução de um subsídio universal adequado afugentaria o capital? Nada nos obriga a gravar todas as rendas igualmente, independentemente de sua procedência. Um subsídio universal adequado poderia financiar-se mediante um elevado imposto sobre os salários, sem gravar os lucros em absoluto. Ou, alternativamente, poderiam se taxar os lucros só na medida em que fossem consumidos, por exemplo substituindo o imposto de renda por um imposto sobre o gasto, o estabelecendo uma alta isenção fiscal para os novos investimentos”.

Em resumo, o “subsídio universal” poderia ser simplesmente uma transferência de renda dos assalariados (ou dos assalariados melhor remunerados) para os desempregados, eventualmente também para os assalariados super-explorados (de mais baixa remuneração) sem tocar nos lucros do capital (o imposto sobre o gasto, ou consumo, afeta todas as camadas sociais e, no caso brasileiro, afeta mais os assalariados de menor renda), até estimulando, mediante renúncia fiscal, o investimento capitalista. O que começara como uma “transição para o comunismo” por via capitalista, transformou-se (graças ao debate, que é sempre bom) numa proposta de capitalismo neoliberal selvagem, com liberdade de movimentos para o capital isento de taxação, e fortes taxas sobre o salário para manter vivo o exército industrial de reserva (condição da acumulação capitalista) e a segurança (dos negócios). Os produtos dos laboratórios da Université Catholique de Louvain são decididamente audaciosos.

A ênfase na luta “focalizada” contra desigualdade, criticando as políticas públicas universalistas, nasceu da consideração de que, em função da estrutura desigual da

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distribuição da renda, os recursos não chegariam até os mais pobres, devendo, portanto, serem distribuídos a partir de “políticas focadas”. Diversamente, a “Renda Básica de Cidadania”, ou renda mínima, seria uma quantia paga em dinheiro incondicionalmente a cada cidadão pertencente a uma determinada região ou país. O valor seria distribuído pelo poder público de forma igualitária, não importando o nível social ou disposição para o trabalho de quem recebe. A retribuição garantiria o direito inalienável de todos usufruírem de uma parte das riquezas produzidas.28 Os recursos poderiam ser captados de diversas formas: arrecadação de impostos, taxa sobre concessões de extração de recursos naturais, supressão de outros mecanismos de transferência de renda, loterias. A sua implantação visaria propiciar a todos a garantia de suas necessidades básicas.29

As políticas prevalecentes, no entanto, foram as “focadas”. Nos EUA foi implantado um Programa de Ajuda Alimentar, que opera por meio do fornecimento de cupons ou cartões eletrônicos que são utilizados para compras de alimentos em varejistas previamente cadastrados. Em 2001, por exemplo, atendeu 7,3 milhões de domicílios e 17,2 milhões de pessoas por mês, tendo custado US$ 1,25 bilhão/mês. Os cupons não podem ser usados para comprar bebidas alcoólicas, cigarros, vitaminas, remédios, alimentos prontos, alimentos para animais de estimação e itens não alimentares.30

Em 1969, o presidente Richard Nixon apresentou o Plano de Assistência à Família. Segundo esse Family Assistance Plan, toda família cuja renda não atingisse pelo menos US$ 3.900 por ano teria direito a um imposto de renda negativo equivalente a 50% da 28 Segundo seus defensores brasileiros, “a raiz de toda dificuldade de se encarar uma renda incondicional é muito mais moral e cultural do que de natureza econômica - seus desafios são meramente políticos. Parte-se de uma idéia amplamente discernida na sociedade que vê no trabalho uma obrigação do cidadão, que tem como única finalidade o sustento. A relação entre trabalho, acesso à renda e riqueza, deve ser analisada, para só então possamos desmitificar preceitos que se consolidaram em nossa herança histórica desde os tempos da escravidão”. 29 A primeira experiência prática de renda básica universal foi a do estado norte-americano do Alasca. Desde 1982, todos os residentes do Alasca recebem do governo uma parcela sobre a exploração do petróleo no estado. A experiência começou, no início dos anos 60 com o então prefeito de Bristol Bay (uma pequena vila de pescadores), Jay Hammond. Este observou que apesar da riqueza proveniente da pesca local, seus moradores continuavam pobres. Propôs um imposto de 3% sobre o valor da pesca para um fundo que pertenceria a todos da comunidade, que seria distribuído de forma igualitária. A medida foi bem-sucedida ao ponto de permitir a Hammond, em 1974, se tornar governador do Alasca. Nessa época o governo americano havia descoberto reservas de petróleo no estado do Alasca, cujo governo determinou uma taxa sobre o lucro da sua exploração: 50% dos royalties do petróleo foram destinados ao "Fundo Permanente do Alasca", instituindo-se um pagamento anual igual a todos os habitantes do estado. O Fundo faz aplicações em títulos de renda fixa, ações de empresas, além de investimentos imobiliários. O patrimônio do Fundo evoluiu de um bilhão de dólares, no início dos anos ´80, para US$ 32 bilhões em 2005. Cada pessoa recebeu um dividendo anual, igual para todos, que era de US$ 845, em 2005. O fato de Alasca ter distribuído 6% do seu PIB a todos os seus habitantes, 300 mil em 1976 (quando a população aprovou aquele sistema por referendo popular), e 700 mil em 2005, fez com que ele se tornasse o mais “igualitário” dos 50 estados norte-americanos. De 1989 a 1999, nos EUA, as famílias 20% mais ricas tiveram um crescimento da sua renda média de 26%. As famílias 20% mais pobres, de 12%. Já no Alasca, na mesma década, as famílias 20% mais ricas tiveram um crescimento da sua renda média de 7%, enquanto que as famílias 20% mais pobres, de 28% (quatro vezes mais). Pode-se considerar a economia do Alasca, com sua população reduzida, como uma amostra suficiente? O restante dos EUA, separados do Alasca pelo Oceano Pacífico e pelo imenso Canadá, não tomaram nota do “sucesso” do gélido estado, governado nos últimos anos pela pitorescamente direitista Sarah Palin, colega de chapa da mal sucedida tentativa presidencial do republicano John Mc Cain. 30 O ministro Graziano confirmou que o Cartão-Alimentação brasileiro se inspirou no Food Stamp, criado em 1964 nos EUA, que consome US$ 18 bilhões anuais. Nos EUA, como no Brasil, o dinheiro sacado por meio de cartão magnético só pode ser usado na compra de certos alimentos: “O Food Stamp foi um modelo analisado no desenvolvimento de uma das ações do Fome Zero, o Cartão-Alimentação. A proposta é vincular o dinheiro à alimentação. As transferências de recursos do governo federal hoje são quase todas vinculadas. No Bolsa-Escola, é preciso comprovar a freqüência escolar da criança. Os assentados da reforma agrária têm de mostrar onde usam recursos do crédito rural”.

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diferença entre aquele patamar e a sua renda. Por duas vezes o projeto foi rejeitado pelo Senado, após ter sido aprovado na Câmara dos Deputados. Finalmente, foi criado o Earned Income Tax Credit (Crédito Fiscal por Remuneração Recebida), uma forma de imposto de renda negativo para famílias com renda anual inferior a US$ 26.673, que se tornou lei em 1975, no governo de Gerald Ford.

O crédito foi aumentado por iniciativa dos presidentes Ronald Reagan, em 1986, George Bush, em 1990, e por Bill Clinton, em 1993. Finalmente, a Municipalidade de Nova York inaugurou, em 2007, um programa de transferência de renda com condicionalidades, inspirado no programa Oportunidades, do México, e no Bolsa Família brasileiro. Chamado de Opportunity NYC, o programa piloto atende cerca de cinco mil famílias de regiões de baixa renda de Nova York, como o Harlem e o Bronx. Da mesma maneira que o Bolsa-Família brasileiro, o programa nova-iorquino dá dinheiro para as famílias pobres que mantêm seus filhos na escola ou fazem exames de saúde.

A França instituiu a Renda Mínima de Inserção (RMI), em 1988. A iniciativa foi do presidente François Mitterrand (do Partido Socialista) e do primeiro ministro Michel Rocard, e beneficiou toda pessoa de 25 anos ou mais cuja renda mensal não atingisse 2600 francos (aproximadamente 500 dólares, à época). Ao mesmo tempo foi instituído o TUC (Trabalhos de Utilidade Comunitária), que deviam ser executados pelos beneficiários da renda. Em junho de 2009, o governo de Nicolas Sarkozy substituiu o RMI pelo RSA (Revenu de Solidarité Active), que também englobou outros programas, na mesma tendência “unificadora” observada no Brasil, prevendo inclusive a remuneração de trabalhadores de meio-período, o que permitiria tirar de baixo da linha de pobreza 700 mil pessoas, um “programa imaginado pela esquerda e posto em prática pela direita”.31 O “alto comissariado das solidariedades ativas”, exercido por Martin Hirsch, passou a ter praticamente um rango ministerial.

Um dos maiores programas sociais setoriais é o que leva a cabo a Índia, depois do retorno ao governo do Congresso Nacional Indiano (CNI) em 2004. O NREGP (National Rural Employment Guarantee Programme) cancelou uma série de dívidas da população rural e, segundo o governo do CNI, concedeu em média 48 dias de trabalho (em obras públicas, basicamente) a 44,6 milhões de pessoas, ao todo 2,16 bilhões de dias de trabalho anuais, dos quais 47% para mulheres. Foram postos em prática 2,7 milhões de projetos público-privados, dos quais 1,2 milhão foram completados. Em maio de 2009, o CNI obteve uma grande (e, para muitos, inesperada) vitória eleitoral, depois de quatro anos de governo, ganhando uma significativa quantidade de votos em relação à eleição precedente. Diversos observadores atribuíram ao NREGP o aumento do caudal de votos do partido governamental.

Fome e Pobreza no Brasil No Brasil, durante a transição da escravidão para as formas “modernas” (capitalistas) de trabalho, a classe média realizou uma política parlamentar de proteção do trabalho e da renda dos novos trabalhadores “livres”. Segundo Décio Saes, a luta parlamentar da classe média a favor da proteção ao trabalhador prenunciava a ruptura ideológica, ocorrida na década de 1920, de amplos contingentes da classe média com relação à "democracia oligárquica" da Primeira República; ruptura essa que se manifestaria do modo mais agudo no movimento tenentista.

31 Os sindicatos franceses denunciaram que o RSA encoraja o trabalho precário, pois os patrões podem justificar o baixo salário ou a precariedade trabalhista pela existência de uma ajuda estatal. Planejado, por outro lado, no meio de taxas altas de crescimento, o RSA tropeçou, logo de saída, com a recessão econômica e o aumento do desemprego, o que limitou drasticamente seus supostos efeitos.

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Todavia, a ação parlamentar da classe média em prol de um vasto leque de direitos sociais não poderia ser bem sucedida, dado o isolamento político dessa classe social. As massas do campo permaneciam desorganizadas e submetidas ao dever de lealdade pessoal para com o seu "senhor" (isto é, o proprietário de terras), orientação essa indicativa da vigência de formas econômicas pré-capitalistas na área rural. Os trabalhadores rurais não tinham condições de apoiar politicamente o compromisso dos parlamentares reformistas com a extensão de todas as leis sociais, eventualmente aprovadas, ao campo. Os trabalhadores industriais, com lideranças de orientação anarquista ou anarco-sindicalista, não se envolviam na luta pelo reconhecimento, por parte do Estado, de direitos sociais “universais”.

Os baixos salários (incluída a ausência de direitos e a presença constante do trabalho dito “informal”) - isto é,“ a queda do salário abaixo do valor da força de trabalho” - foram historicamente um fator de entrave ao desenvolvimento econômico brasileiro, não pela estreita noção sub-consumista do estreitamento do mercado interno, mas pela simples relação apontada por Marx: “Considerada exclusivamente como meio de baratear o produto, o limite para o uso da maquinaria está em que sua própria produção custe menos trabalho do que o trabalho que sua aplicação substitui. Para o capital, no entanto, esse limite se expressa de modo mais estreito. Como ele não paga o trabalho aplicado, mas o valor da força de trabalho aplicada, o uso da máquina lhe é delimitado pela diferença entre o valor da máquina e o valor da força de trabalho substituída por ela. (...). A própria máquina produz, por sua aplicação em alguns ramos de atividade, tal excesso de trabalho (redundancy of labour, diz Ricardo) em outros ramos, que aí a queda do salário abaixo do valor da força de trabalho impede o uso da maquinaria e torna-o supérfluo, freqüentemente impossível, do ponto de vista do capital, cujo lucro surge, de qualquer modo, da diminuição não do trabalho aplicado, mas do trabalho pago”.

O desemprego e subemprego urbanos, no Brasil, foi característica histórica de sua trajetória econômica, celebrizada nas favelas e na “marginalidade social” (da qual toda a cultura popular brasileira é testemunha). A fome agrária e urbana foram uma constante da trajetória histórica do país. O marco da primeira política de alimentação foi o Império. Consistia na obrigatoriedade do plantio consorciado em cultura intensiva; para cada cova plantada de cana de açúcar; uma de milho e outra de mandioca.

Nos anos trinta, Josué de Castro já denunciava a gravidade da situação nutricional das classes trabalhadoras. Nesta época foi criada a comissão de merenda escolar e em 1938 a definição da cesta básica com 13 alimentos, cujo peso no valor de compra não poderia ultrapassar 20% do salário mínimo do trabalhador. Essa cesta básica era, supostamente, adequada à realidade das necessidades nutricionais da força de trabalho da época. Jamais foi atualizada. Até 1958, o salário mínimo manteve o poder de compra fixado nesse percentual de comprometimento com a aquisição da cesta básica. Nessa década ainda, Josué de Castro produziu o mapa das regiões alimentares e de situação nutricional, o chamado Mapa da Fome, e criou o primeiro curso de nutrição na UNIRIO.32

32 A figura de Josué de Castro adquiriu projeção mundial. Embora nunca superasse um ponto de vista “humanista”, cabe dizer que a maioria das idéias expostas por Amartya Sen já se encontravam, e com maior fundamento científico, nos trabalhos de Josué de Castro. Em Geopolítica da Fome, Castro sustentava que “os enormes mercados potenciais de nossos dias esperam apenas, para entrarem em ação na economia mundial, que os seus habitantes, bem alimentados, possam produzir o suficiente para atingir um nível de vida coerente com as possibilidades técnicas do mundo moderno. Na melhoria das condições de vida dessas áreas, hoje de fome e de miséria, repousam, pois, a segurança econômica e a prosperidade do mundo inteiro. Dentro de uma economia de abundância, com os diferentes grupos humanos dispondo de recursos alimentares adequados, processar-se-á, certamente, uma radical transformação na estrutura social do mundo. Com a Geografia da Abundância, emergirão novas estruturas sociais, possuidoras de características gerais que

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No Brasil, a questão da fome vinculou-se historicamente também com a evolução da questão agrária. Em 1978, as grandes explorações, superiores a 1.000 hectares, representando 1,8% do total, ocupavam 57% da área total, com 3.200 propriedades gigantes que reuniam 102 milhões de hectares, três vezes más que a área de 2 milhões de minifúndios. Em 1989, 6.700 latifúndios tinham o mesmo número de hectares (mais de 127 milhões) que 4.166.000 pequenas propriedades. Enquanto a produção per capita de alimentos básicos diminuía, no período, em relação a 1964, aumentava a exportação de produtos agro-industriais, e também a pobreza nas áreas rurais (73% da população sob a linha de pobreza, em 1990).

Segundo o INCRA (Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária), os minifúndios representavam 72% das propriedades em 1972, mas ocupavam 12% da área total, e eram responsáveis por quase 50% da área plantada com produtos básicos de alimentação (arroz, feijão, favas, mandioca e milho). Enquanto o valor e volume da produção agrária cresciam, o salário real caia junto com o nível de vida. Em 1968, o consumo de arroz por habitante era de 49,5 quilos anuais, já em 1978 era de 47 quilos anuais.

No mesmo período, o feijão caiu de quase 27 quilos a 21 quilos anuais, chegando a 18,3 quilos anuais em 1979. Em 1971, o salário médio mensal adquiria 46 quilos de carne bovina, ou 69,3 quilos de carne de ave, ou 43 quilos de carne de porco; em 1979, 28,7; 50,2 y 28,6, respectivamente.33 Durante o período militar, em termos de disponibilidade para o consumo humano, houve uma queda de 20% por habitante-dia, sendo as piores quedas em feijão e mandioca.

Em 1965, a disponibilidade calórica por habitante-dia era de 3.148; em 1967 de 3.033; em 1979, de 2.986.34 Nesse quadro, surgiram as políticas nutricionais. Durante o governo militar, no período de 1970 a 1986, formulou-se uma política na área através dos programas contidos no PRONAN (Programa Nacional de Alimentação e Nutrição), em decorrência dos PNDs - Planos Nacionais de Desenvolvimento.

Neoliberalismo, Desemprego e Focalização Social Finda a ditadura militar, com o governo Collor (1989) assistiu-se a uma ruptura que impôs uma virada na trajetória “desenvolvimentista”, quando, além de uma política de estabilização, surgiu a proposta de um projeto de longo prazo, com a implementação de reformas estruturais na economia, no Estado e na relação do país com a economia mundial.35 Na década de 1990, no Brasil, deu-se uma inflexão ideológica, contrária ao

garantirão a conquista de uma nova etapa, na busca da felicidade e do bem-estar social. Há duas conquistas fundamentais a serem postas em destaque que poderão ser alcançadas através da política da boa alimentação para todos: a conquista da saúde e a conquista da segurança, expressões de vitórias coletivas contra a doença e contra o medo. Doença e medo que constituem os dois fatores de maior degradação, um físico e outro moral, de nossa civilização”. 33 PASSOS GUIMARÃES, Alberto. A estrutura produtiva da agricultura brasileira. Novos Rumos nº 6/7, São Paulo, 1988; e IBGE. Anuário Estatístico, 1980. 34 HOMEM DE MELO, Fernando. O Problema Alimentar no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. 35 O “programa” neoliberal nas metrópoles se resumia em: a) contrair a emissão monetária; b) elevar as taxas de juros; c) diminuir os impostos sobre rendimentos altos; d) abolir os controles sobre fluxos financeiros; e) criar desemprego massivo; e) acabar com as greves; f) elaborar legislação anti-social; g) cortar gastos públicos e finalmente; h) praticar um amplo programa de privatização. Para a América Latina, no encontro realizado em novembro de 1989 na capital dos EUA, conhecido como “Consenso de Washington”, se elaboraram diretrizes de política econômica baseadas no princípio da abertura à importação de bens e serviços e à entrada de capitais de risco.

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“desenvolvimentismo” precedente, apresentada como resposta ao “esgotamento do modelo de substituição de importações”.

Na verdade, tratou-se de uma resposta à crise mundial da economia capitalista, que criara um “capital excedente” (e, portanto, uma forte tendência para a desvalorização de todos os ativos), combatida com uma crescente desregulamentação dos mercados internacionais (com o grande capital indo à procura de “super-lucros periféricos”, basicamente através da agiotagem financeira, com transferências gigantescas de valores para os “credores externos”), e com a “racionalização produtiva”, em que se elevou a taxa de exploração através da produção de mais-valia relativa, graças ao aumento da composição orgânica do capital, impulsionada pelo aumento relativo dos investimentos em novas tecnologias.36

A reestruturação da economia brasileira foi parte desse processo mundial. A “abertura econômica” (presente desde os anos 1970) intensificou-se a partir de 1990, influenciada pela redução das tarifas de importação e eliminação de várias barreiras não-tarifárias. A tarifa nominal média de importação, que era de cerca de 40%, em 1990, foi reduzida gradualmente até atingir seu nível mais baixo em 1995, 13%. No governo Collor teve início um radical processo de abertura comercial. As alíquotas médias passaram de 32,2% em 1990 para 25,3% em 1991, e reduziram-se para 20,8% em 1992, último ano desse governo.

Com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso (FHC) à presidência, o processo de liberalização e privatização foi intensificado. A política econômica, com o Plano Real baseado na âncora cambial no seu aspecto monetário, e na âncora salarial (via desindexação) sua base produtiva, tornou a política econômica refém dos ingressos do capital financeiro internacional. A abertura comercial indiscriminada, a sobrevalorização do real e os elevados juros introduziram um freio ao crescimento da economia e uma desvantagem da produção doméstica diante da concorrência internacional.

A reação das empresas brasileiras, dada a sua menor competitividade, foi a terceirização de atividades, o abandono de linhas de produtos, o fechamento de unidades, a racionalização da produção (com a importação de máquinas e equipamentos), as “parcerias externas”, as fusões ou transferência de controle acionário, com o objetivo central da redução de custos, sobretudo da mão-de-obra.

O setor agrário, por sua vez, sofreu as conseqüências da apreciação cambial, que se somaram, como no restante do continente, à desvalorização crescente da produção primária, que levara, em toda a América Latina, à crise das culturas tradicionais, ao êxodo agrário (que incrementou o desemprego urbano),à crise social em todas suas manifestações. Por isso, na América Latina, as iniciativas de ajuda social de caráter setorial e emergencial remontam à década de 1990, quando o impacto da “globalização” capitalista somou-se às conseqüências da “década perdida” (1980-1990), gerando um panorama de desemprego e pobreza social generalizados.

Segundo cálculos aproximados, para uma população de 530 milhões de habitantes, América Latina contava com 200 milhões de pobres, e 80 milhões de pessoas padecendo fome.

36 O movimento do capital é informado permanentemente pelas respostas que é obrigado a encontrar para contrariar a queda da taxa de lucro. Os sucessos são transitórios e geralmente circunscritos a grupos capitalistas determinados. O poder do capital e dos gestores financeiros, as exigências dos acionistas e a pressão das Bolsas acentuam a pressão sobre o capital industrial em busca de respostas a essa queda.

36

% da população com renda inferior a US$ 1,08 por dia (em paridade de poder de compra de 1993)

1987 1990 1993 1996 1998 África Subsaariana

46,6

47,7 49,7 48,5 46,3

Ásia Meridional

44,9 44,0 42,4 42,3 40,0

América Latina

15,3 16,8 15,3 15,6 15,6

Ásia Oriental 26,6 27,6 25,2 14,9 15,3 Oriente Médio e Norte da África

11,5

8,3 8,4 7,8 7,3

Europa Oriental e Ásia Central

0,2 1,6 4,0 5,1 5,1

TOTAL 28,7 29,3 28,5 24,9 24,3

Fonte: Banco Mundial

A pobreza relativa no bloco latino-americano teve piora entre 1987 e 1998, com 0,3% a mais de sua população vivendo sob a linha de pobreza absoluta (o que significa, levado em conta o crescimento demográfico, o ingresso de milhões de pessoas na “zona de miséria”). Certamente, houve piora mais acentuada ainda, de quase 5%, na Europa do Leste e na Ásia central (ex URSS incluída), devido à passagem desses países para a “economia de mercado”, com uma violenta destruição dos elementos ainda remanescentes de igualdade e seguridade social do chamado “socialismo real”. O percentual geral, mundial, de pobreza absoluta, porém, caiu, mundialmente, 4,4% nos onze anos considerados, o que sublinha o péssimo desempenho latino-americano.

Nos dois blocos que apresentaram piora, houve aplicação do mesmo receituário de políticas de ajuste. Os blocos onde o nível de pobreza é o mais acentuado do mundo - África subsaariana e Ásia meridional - obtiveram evolução positiva em termos de redução da pobreza absoluta, no período da chamada “globalização neoliberal”. Dentro do quadro latino-americano, a situação brasileira era ainda pior, em termos percentuais, pois em 1995 o país tinha 23,6% da sua população vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta de menos de 1 dólar per capita/dia (em que pese o Brasil possuir uma das mais altas rendas per capita do subcontinente).

Dessa realidade surgiram iniciativas como o Plan Trabajar da Argentina,37 o Bonosol da Bolívia (desdobradas, no governo de Evo Morales, com o Bono Juancito Pinto, especificamente dirigido à infância) ou os célebres programas brasileiros, que foram adotadas por governos do mais diverso signo político. O irmão mais velho é o programa Progresa (atualmente Oportunidades), iniciado pelo governo mexicano de Ernesto Zedillo, em 1998 (que não impediu a derrota eleitoral do PRI, partido de Zedillo, dois anos depois). As origens e modalidades políticas desses programas foram muito diversas em cada país, mas é indubitável que se trata de um fenômeno geral. Esses programas têm sido tidos como responsáveis pela estabilidade dos regimes políticos da região.

37 Cujo governo (Cristina Kirchner) foi acusado, em 2008, de “apagar” estatisticamente três milhões de pobres, através de manipulações do INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos), que estimaram a população pobre de Argentina em 20,6% (na realidade, ela supera 30% de “pobreza absoluta”, atingindo 50% de pobreza em geral).

37

Durante o período “neoliberal” (a década de 1990), que precedeu a implantação do “modelo Lula”, o desemprego urbano no Brasil sofreu uma expansão qualitativa.38

Taxa de desemprego total Regiões Metropolitanas – 1989 – 1999 (em %)

Regiões Metropolitanas

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Belo Horizonte 12,9 13,4 15,9 17,9 Distrito Federal

15,5 15,1 14,5 15,7 16,8 18,1 19,4 21,6

Porto Alegre 12,2 11,3 10,7 13,1 13,4 15,9 19,0 Recife 21,6 22,1 Salvador 21,6 24,9 27,7 São Paulo 8,7 10,3 11,7 15,2 14,6 14,2 13,2 15,1 16,0 18,2 19,3 Fonte: GENNARI, Adilson Marques. Globalização, Neoliberalismo e Superpopulação Relativa no Brasil nos Anos 1990. Araraquara, Departamento de Economia da UNESP, 2005.

O desemprego percentual mais do que duplicou na principal região metropolitana e industrial (onde, em 1999, nada menos que 1.715.000 pessoas estavam sem emprego), e atingiu patamares vizinhos a 30% nas principais capitais do Nordeste. Levando-se em conta o crescimento demográfico, as cifras absolutas são maiores do que as que parecem indicadas pelos percentuais: o processo criou uma nova realidade social, em especial nas regiões urbanas. A distância entre o número de pessoas aptas ao trabalho e o número de trabalhadores que conseguiam emprego tendeu a crescer, criando um exército industrial de reserva de novas dimensões. O gap entre a PEA e os efetivamente ocupados cresceu na principal região metropolitana do Brasil ao longo da década de 1990.

Foi a essa nova realidade que se deu resposta através dos programas sociais setoriais (ou “focalizados”), no quadro das políticas “neoliberais”, e da sua crise, que determinou a ascensão dos governos “de esquerda”.39 Cabe frisar que a adoção dos programas sociais 38 Esse foi o conteúdo econômico da “democracia” brasileira, na verdade um regime bonapartista em que o executivo governa através da edição de medidas provisórias, que se tornam depois permanentes por força de manobras políticas, ou simplesmente porque não seria viável (do ponto de vista capitalista) voltar atrás após terem sido postas em prática, com a abrangência, por exemplo, do Plano Real. O “modelo Lula” não quebrou, mas acentuou, essa característica política do “neoliberalismo”. 39 A “onda” de esquerda na América Latina sucedeu ao fracasso econômico dos governos neoliberais, seguidores da cartilha do FMI, sendo a bancarrota argentina de finais de 2001 seu exemplo acabado. O processo combinou a crise econômica com a perda de base política dos partidos tradicionais, nacionalistas ou “liberais”. O neoliberalismo, com as privatizações maciças, a pressão pela abertura profunda dos mercados, em especial os do ex “bloco socialista”, a estratégia do "Consenso de Washington", foi expressão da procura de uma saída para a massa de capital financeiro internacional acumulado desde antes da crise dos anos 1970. Não era uma “ofensiva”, mas uma política de crise, o que explica privatizações absolutamente

38

compensatórios coincidiu com a deturpação dos recursos historicamente destinados à seguridade social, uma política neoliberal que a esquerda depois encampou. Em 1989, o Fundo de Investimento Social foi utilizado para financiar os encargos previdenciários. Esta disfunção se prolongou em 1990. A situação foi consolidada pela Lei 8212, que regulamentou o Plano de Organização e Custeio da Seguridade Social; os recursos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Pessoas Jurídicas foram usados para integrar o orçamento fiscal, com destinação aos encargos previdenciários da União.

O segundo ato ocorreu em 1993, quando foi descumprida a lei de diretrizes orçamentárias, que destinava o repasse de 15,5% da arrecadação das contribuições de empregados e empregadores para a área da saúde. A receita dessas contribuições destinou-se, exclusivamente, à área da previdência social com a promulgação da Emenda Constitucional - EC 20. O efeito foi a alteração da regra constitucional que determinava a não-vinculação de fontes às três diferentes áreas da seguridade social, tal como também ocorreu por meio da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a EC 29, a “Emenda da Saúde”. Em 1994, via Emenda Constitucional, criou-se o Fundo Social de Emergência - FSE, que reservou, no orçamento, 20% do produto da arrecadação de todos os impostos e contribuições. O FSE iria viger nos anos de 1994 e 1995; a partir da EC 10 ele passou a vigorar no ano de 1996 até 1997, passando a ser chamado de Fundo de Estabilização Fiscal - FEF, com o objetivo de saneamento financeiro. Com a EC 17, seu prazo foi dilatado até dezembro de 1999, mantendo-se seu objetivo. No ano 2000, com a EC 27, esse fundo passou a ser chamado de Desvinculação de Receitas da União - DRU, abarcando o período de 2000 a 2003. E foi mantido até o presente, em que pese a mudança de governo. O Estado só retomou a intervenção formal na questão nutricional com o Programa Leite é Saúde em 1996, e em 2000 formulou a Política Nacional de Alimentação e Nutrição com destaque para o PCCN (Programa de Combate a Carências Específicas), além das bolsas de complementação de renda. Em todos esses casos, não se assumia que se tratava de combate à fome, mas à desnutrição.

As políticas de combate à pobreza entraram na agenda nacional nos anos 1990, sobretudo pela influência da campanha nacional Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderada pelo sociólogo Betinho, e a ONG Ibase.40 Essa campanha foi um revelador do grau inédito atingido pela miséria social no Brasil. Partindo da afirmação de que “o direito à alimentação deve ser assegurado pelo Estado”, apresentou-se como principal objetivo a formulação de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional para aventureiras, como as dos serviços de água de Peru e Bolívia, que desencadearam rebeliões populares massivas. Foi o impasse histórico do capital a escala internacional o que deu a base para uma virada política de grande amplidão, com a emergência de processos de autonomia nacional, incluindo (em especial nos países andinos) o papel inédito das massas camponesas e indígenas. Na emergência desses processos confluiu a derrubada dos partidos políticos tradicionais, que foram garantia da estabilidade política durante décadas, com a crise mundial das relações econômicas capitalistas. A crise política dos governos neoliberais (identificados com a estabilização monetária baseada na âncora cambial, ou na dolarização) remonta a, pelo menos, uma década antes da ascensão da esquerda. As frágeis bases econômicas dos governos neoliberais, que sucederam às ditaduras militares (e que faziam da democracia reconquistada sua bandeira de sustentação política) não resistiram à turbulência econômica mundial da década de 1990, e à sua erosão provocada pelo aguçamento da luta de classes em cada país. 40 Josué de Castro foi um dos primeiros a “desnaturalizar” o problema da fome no Brasil, ainda na década de 1930. Foi deputado federal e presidente da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos (FAO). Para Castro, a origem do problema estaria nos grupos humanos que se apoderam dos recursos naturais e fazem uma divisão “injusta e ilegal”: “A miséria e a fome não são fenômenos naturais, são uma criação humana, um produto da injustiça social, o produto de uma estrutura sócio-econômica que jamais investiu no bem estar da coletividade”. Para Castro, hoje “quase canonizado” (a expressão é de Gilson Dantas) a erradicação da fome era possível nos marcos do capitalismo.

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a população brasileira. Inicialmente, a principal proposta (cupons de alimentação) previa um custo anual de R$ 19,9 bilhões, "um montante de recursos relativamente pequeno", conforme afirmava o projeto, para erradicar a fome, pois os gastos sociais (exceto a Previdência) eram da ordem de R$ 45 bilhões ao ano, mais do que o dobro dos recursos necessários à implantação do programa de cupons de alimentação proposto.

Nos anos 1980, a concessão de benefícios e ajuda era feita pontualmente e de forma indireta, geralmente com a distribuição de cestas básicas em áreas carentes, principalmente do norte e nordeste, algumas vezes seguidas de denúncias de corrupção devido a centralização das compras em Brasília, além do desvio de mercadorias pela falta de controle logístico. Durante o governo FHC os programas de distribuição de renda foram implantados, alguns em parceria com ONGs. Todos esses programas estavam agrupados na chamada Rede de Proteção Social, de abrangência nacional. Em 2002 havia no Brasil uma série de programas sociais que já beneficiava cinco milhões de famílias, cada um gerido por administrações diferentes.

Houve expansão dos programas na área de nutrição nos anos 1990, com o Consea (Conselho de Segurança Alimentar). A Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994, extinguiu o Consea e criou o Conselho do Comunidade Solidária. Acrescentou, ainda, o Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos, reativado com a seca do Nordeste, que teve distribuição recorde de cestas em 1998. Nos dois últimos anos do governo FHC, existia o Projeto Alvorada, um rearranjo dos programas anteriores, que incorporou recursos do Fundo de Erradicação da Pobreza, o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação (para crianças até seis anos e gestantes), substituindo o Leite é Saúde. No século XXI tivemos a primeira pesquisa sobre Segurança Alimentar feita pelo IBGE, como suplemento da PNAD 2004 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio). Criou-se também o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que até hoje atende quase cinco milhões de crianças de 4 a 6 anos em todo o país, o que corresponde a 13% do seu público total.

A Saga do Fome Zero No Brasil, os programas sociais atenderam às orientações do Banco Mundial (BIRD) acerca da "redução da pobreza eficaz em termos de custos", através de “programas sociais focados e compensatórios”.41 Estes programas requerem, segundo o modelo proposto pelo BIRD, cortes no orçamento social geral, inclusive em matéria de saúde e educação. No início do mandato de Lula, a influente revista internacional da “comunidade de negócios”, The Economist, afirmou que Lula deveria "cortar os direitos sociais adquiridos dos que melhor estão e concentrar o gasto estatal nos pobres", mencionando "as pensões (aposentadorias) dos empregados públicos", entre os que “estavam melhor”.

O programa Fome Zero foi o eixo do discurso de posse de Lula na presidência, em janeiro de 2003, definido como seu objetivo que todos os brasileiros pudessem "tomar café da manhã, almoçar e jantar". O programa “cativou o mundo”: consistia na entrega, às famílias pobres, de vales-alimentação de 50 até 250 reais por mês, segundo a quantidade de

41 Segundo o Banco Mundial: "Transferências condicionais de renda fornecem dinheiro diretamente aos pobres, via um "contrato social" com os beneficiários - por exemplo, manter as crianças na escola, ou levá-las com regularidade a centros de saúde. Para os extremamente pobres esse dinheiro provê uma ajuda de emergência, enquanto os condicionamentos promovem o investimento de longo prazo no capital humano". O presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, disse que "o Bolsa Família se tornou um modelo altamente elogiado de políticas sociais. Países, ao redor do mundo, estão aprendendo lições com a experiência brasileira e estão tentando reproduzir os mesmos resultados para suas populações". O Bolsa Família Project do Banco Mundial foi inaugurado em junho de 2005.

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filhos. Um casal pobre receberia 100 reais; o mesmo casal, com 3 ou 5 filhos, receberia 250 reais (ou 110 dólares, à época).

A entrega de vales, no lugar de dinheiro vivo, tinha a função de direcionar o subsídio para a compra de alimentos, que seriam listados. Em troca, as famílias beneficiadas deveriam cumprir algumas exigências, participar em programas para a comunidade local, como a construção de viadutos, ampliação da rede elétrica e coleta de lixo. Cada família se comprometeria a construir um banheiro em sua casa, enquanto em outros casos deveriam realizar tarefas agropecuárias, de turismo ou de serviços. Isto significava por à disposição do Estado, ou de empresas privadas, uma massa enorme de trabalho subsidiada pelo próprio Estado.

Com algo em torno de 50 milhões de pobres no Brasil, não faltavam candidatos ao benefício. Para receber a ajuda concedida no mês seguinte sucessivo, as famílias beneficiadas deveriam mostrar o ticket ou a fatura dos alimentos que compraram no mês precedente. O sociólogo Francisco de Oliveira chegou a falar em “funcionalização da miséria”: por ser extremamente focalizado em uma parcela da população, o Fome Zero se constituiria em uma espécie de "ajuda humanitária" para garantir a sobrevivência dos mais pobres sem alterar a condição social destes.42 O plano se implementaria de forma gradual, e ficava também condicionado a recortes nos benefícios previdenciários.43 Também se previu que as grandes empresas pudessem fazer doações para financiar o plano, para o qual seriam estimuladas através da criação de incentivos, como descontos no imposto de renda (o benefício empresarial era, portanto, duplo: trabalho subsidiado e isenção fiscal).

O número de pobres do Brasil varia conforme a metodologia adotada. O projeto Fome Zero, ao utilizar o critério de linha de pobreza do Banco Mundial (U$ 1,08 por dia),

42 Brasil de Fato, São Paulo, 15 de janeiro de 2004. Negando o caráter assistencialista dos programas focalizados, o ministro Patrus Ananias afirmou: "Estamos superando o assistencialismo, o clientelismo, os "pobres de cada um" ou o "quem indica", colocando a questão social no campo das políticas públicas. As pessoas entram e saem do programa segundo critérios legais. Cuidar das pessoas não é assistencialismo. Organismos internacionais reconhecem o direito humano à alimentação com regularidade e qualidade. Assegurar o direito à alimentação é assegurar o primeiro degrau do direito à vida. De barriga vazia ninguém pensa, ninguém aspira coisas melhores. Ninguém vive. As políticas sociais se integram - uma criança na escola não aprende se não tiver saúde; uma criança não tem saúde se não tiver assegurado o direito à alimentação, água potável, saneamento básico. Da mesma forma, a criança não vai aprender se não tiver as condições psicológicas e emocionais adequadas que a família e a comunidade asseguram. Se esses vínculos estão fragilizados, são necessárias as políticas públicas de assistência social para fortalecer esses laços sociais. Estamos colocando o Brasil em um novo patamar, ou seja, colocando a questão dos pobres junto às políticas públicas. 14 milhões de pessoas já saíram da miséria para melhores e mais dignas condições de vida. Foram gerados 7 milhões de empregos com carteira assinada. Damos um forte apoio à agricultura familiar. Os recursos do Pronaf saíram de R$ 2 bilhões para R$ 12 bilhões. Estamos agindo através da integração dessas políticas sociais exatamente nessa linha, que possibilite maior autonomia ao cidadão". 43 No final de 1994, no início do governo de Fernando Henrique Cardoso, que precedeu o governo Lula, o saldo de caixa da Previdência Social brasileira era de R$ 1,8 bilhões, quando, no Brasil, havia cerca de 62 milhões de trabalhadores ativos para 8 milhões de aposentados, 8 para 1, uma proporção confortável (na França, por exemplo, há 3 trabalhadores ativos para cada aposentado, nos EUA a proporção é de 4 para um). O número de beneficiários tinha crescido como conseqüência da inclusão no sistema previdenciário de novos setores, após a Constituição de 1988, a uma taxa situada entre 5% ou 6% ao ano, entre 1987 e 1994. Esse crescimento, depois, tendeu a acompanhar o crescimento vegetativo da população. Quanto à taxa de crescimento dos contribuintes, ela cresceu vagarosamente, 2,7% ao ano, para uma população economicamente ativa crescente em cerca de 4% ao ano. Isto se explica pelo crescimento do mercado ilegal (ou “informal”) de trabalho. A sonegação impositiva, a sonegação de contribuições previdenciárias em especial, assim como a grande quantidade de pessoas trabalhando “sem carteira assinada”, são enormes, no Brasil. Os gastos com a Previdência Social passaram, ainda assim, de 34% em 1995 para 31% em 2005, do total do orçamento público, apesar da inclusão de novos benefícios sociais para a área rural e doméstica.

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ajustando-o para os diferentes níveis regionais de custo de vida e pela existência ou não de auto-consumo, estimava a população pobre em 44,043 milhões de pessoas, o que envolveria 9,324 milhões de famílias. Já o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, ao analisar os dados do Censo Demográfico de 2000, e adotar o critério de R$ 60,00 per capita como definidor da linha de pobreza, concluía que 57,7 milhões de pessoas estariam vivendo abaixo da linha da pobreza. E outras metodologias chegaram a outros números, inclusive mais baixos dos que os considerados no projeto Fome Zero.No Brasil, segundo a PNAD, a formação histórica cunhou uma sociedade onde o tamanho da pobreza nunca foi residual; incluídos o processo de empobrecimento e de precarização de parcelas crescentes de seus trabalhadores. Em outras palavras, a ausência de pobreza residual desautorizaria o uso do termo "focalização".44

Num balanço geral de seu primeiro mandato, o governo Lula apontou que os níveis de distribuição de renda no país atingiram os melhores patamares desde 1992: os 50% mais pobres, hoje, possuiriam 14,1% da renda nacional. Em 2002, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) estimava que o Brasil tinha 50 milhões de pessoas miseráveis. Dois anos depois, esse número caíra para 48 milhões, a melhor marca da série histórica, equivalente a 25,1% da população do país. Dos 10 milhões de novos empregos prometidos, no entanto, foram criados só 4,8 milhões (embora o governo apresentasse cifras maiores), com carteira assinada, número, no entanto, cerca de seis vezes maior que o gerado no governo FHC em oito anos.

Os gastos sociais no Brasil cresceram de R$ 1,3 bilhões em 1995 (primeiro ano do governo FHC) para R$ 18,8 bilhões em 2005 (terceiro ano do governo Lula), um crescimento superior a... 1.400%, em termos nominais. A diminuição da pobreza absoluta foi acentuada: ela passou de 35,6%, em 2003, para 26,9%, em 2006. Os gastos sociais per capita apresentaram igualmente uma trajetória de crescimento em breve período de tempo, para as categorias mais pobres contabilizadas nas estatísticas sociais oficiais (renda familiar per capita igual ou inferior a 40% da renda mais comum brasileira; quem recebe 1/4 do salário mínimo; renda familiar per capita igual ou inferior a R$ 100). Paralelamente ao crescimento do gasto social governamental, houve um decréscimo acentuado dos investimentos sociais empresariais, que caíram de R$ 6,9 bilhões em 2000, para R$ 4,7 bilhões em 2004, bem que o percentual de empresas investidoras aumentasse de 59% para 69%.

Lula ainda havia prometido, também, dobrar o poder de compra do salário mínimo. Antes da sua posse, o salário mínimo comprava 1,4 cesta básica. Em 2007, ele já comprava 2,2 cestas básicas – um aumento real de 60%. Além disso, o governo federal também intensificou a fiscalização contra o trabalho informal. No entanto, a implantação do programa Primeiro Emprego fracassou (poucas empresas se interessaram). Lula tampouco elevou o gasto em educação para 7% do PIB: nos três primeiros anos de seu mandato, a proporção não saiu dos 4,2%.

E o Brasil cresceu abaixo da taxa média dos países da América Latina e do Caribe: 0,6% contra 2,0% em 2003, 4,5% contra 5,9% em 2004, 2,3% contra 4,5% em 2005, e 3,7% contra 4,6% em 2006. Mas o país foi aliviado das tensões financeiras (pelo menos até a crise do subprime) que marcavam historicamente a política econômica. O resultado mais notável disso foi a expansão das exportações, com a corrente de comércio (importações

44 Os cálculos de pobreza utilizados pelo Programa Fome Zero tiveram como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, que contabilizava a existência de 46 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza em 2001.

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mais exportações) alcançando no mês de novembro de 2006 o recorde de US$ 226,7 bilhões.

A proposta do programa Fome Zero fora apresentada ao debate público em outubro de 2001, antes da vitória eleitoral de Lula, em documento elaborado pelo Instituto de Cidadania, sob coordenação de José Graziano da Silva (designado depois titular do Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome), com a participação de representantes de ONGs, institutos de pesquisa, sindicatos, organizações populares, movimentos sociais. O Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome foi criado em 2003 por Medida Provisória, a partir do pressuposto de que os programas de transferência de renda existentes (Peti – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil -, Agente Jovem, BPC, Bolsa-Alimentação, Bolsa-Renda, Bolsa-Escola, Auxílio-Gás,45 etc.) deveriam ser unificados e expandidos, evitando a sua fragmentação e pulverização.

Em 2004, dois anos após sua criação, porém, no Nordeste do país, três milhões e novecentas mil famílias com insuficiência alimentar não receberam qualquer assistência.46 O Fome Zero teria, no entanto, tirado da fome milhões de pessoas,47 abrangendo diversas frentes, criando canais alternativos de comercialização de alimentos, convênios com supermercados e sacolões, criação de cooperativas de consumo, apoio à agricultura alimentar, incentivo à produção para auto-consumo e combate ao desperdício.

Em seu primeiro ano, o Fome Zero dobrou seus objetivos iniciais. Até janeiro de 2004 houve o atendimento de 1.900.000 famílias, totalizando 11 milhões de pessoas, em 2369 municípios, prioritariamente localizados nas regiões semi-áridas do Nordeste. O projeto-piloto fora iniciado nos municípios de Acauã e Guaribas, no Estado do Piauí (semi-árido nordestino), em interligação com a necessidade de água e da construção de cisternas para obtê-la. Essas ações foram desencadeadas pelo Programa Articulação do Semi-Árido, que construiu 22.040 cisternas.48

Foi criada também uma linha de crédito destinada à construção de pequenas obras hídricas dentro do Programa Nacional de Agricultura Familiar - Pronaf Semi-Árido, tendo sido concluídas 205 obras.49 Os programas se financiaram com recursos públicos: os

45 O Vale-Gás foi o último dos programas sociais criados pelo governo FHC, e repassava R$ 15 a cada dois meses a 8,5 milhões de pessoas. O Bolsa Renda dava R$ 30 por mês a 842 mil famílias que moravam em municípios atingidos pela seca. No mesmo governo FHC, a bolsa-alimentação, no valor de R$ 15 mensais, era dada a mulheres grávidas ou que estivessem amamentando, e a crianças de até seis anos de idade de famílias carentes. O programa bolsa-alimentação complementava o Bolsa Escola, programa do Ministério da Educação. 46 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Segurança Alimentar 2004. In: www.ibge.gov.br. 47 In: www.fomezero.gov.br: “Os benefícios financeiros estão classificados em dois tipos, de acordo com a composição familiar: - básico: no valor de R$ 50,00, concedido às famílias com renda mensal de até R$ 60,00 por pessoa, independentemente da composição familiar; - variável: no valor de R$ 15,00, para cada criança ou adolescente de até 15 anos, no limite financeiro de até R$ 45,00, equivalente a três filhos por família”. Além disso, o Benefício Variável de Caráter Extraordinário (BVCE) foi concedido às famílias dos programas remanescentes (Programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio-gás), cuja migração para outros programas implicasse em perdas financeiras para a família. O valor concedido foi calculado caso a caso, com prazo de prescrição. 48 Através de assinatura de Protocolo de Intenções entre o governo e a Articulação do Semi-Árido (ASA), se propiciou a construção de 21 mil cisternas na região de expansão do Cartão de Alimentação. Desse total, 10 mil cisternas seriam provenientes do convênio firmado com a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN). As outras 11 mil seriam construídas com recursos do governo. Estava previsto um investimento de R$ 32,5 milhões. A ASA é uma organização não-governamental que reúne mais de 700 entidades. 49 O Projeto Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural disponibiliza aos trabalhadores rurais financiamentos, que variam conforme a região, com tetos entre 12 e 18 mil reais, prazo de amortização de até

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contribuintes, através de impostos, subsidiaram a manutenção física dos trabalhadores carentes de emprego, ou com renda insuficiente para garantir sua subsistência. Uma sinopse do programa Fome Zero nos seus primeiros dois anos e meio demonstrou a preeminência absoluta do Programa Bolsa Família (PBF) dentro do mesmo (o PBF foi posto em prática desde 2004, a partir de junção de quatro programas já existentes):

Fome Zero – Janeiro de 2003 a Junho de 2005

Bolsa Família

R$ 13 bilhões

7 milhões de famílias

70% gastos com alimentação 5542 municípios

Programa de Aquisição de Alimentos

R$ 494 milhões

150 mil agricultores

222 mil toneladas de produtos diversos ao ano; 638 mil litros de leite por dia

Todos os estados

Restaurantes populares

R$ 20 milhões

2 mil por dia (cada um)

Dois em funcionamento 32 em construção, 78 em fase de pré- seleção

95 municípios e 5 estados

Cisternas

R$ 100 milhões

295 mil pessoas 71,2 mil unidades 872 municípios

Cestas Básicas

R$ 42 milhões

300 mil famílias 650 mil cestas

Comunidades indígenas, quilombolas e atingidos por barragens

Banco de Alimentos

R$ 5 milhões

2.500 pessoas por unidade

25 unidades 25 municípios

As “ações contra a fome” envolveram o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Integração Nacional, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, além do Ministério da Fazenda: foi uma política que subordinou todas as áreas do governo, como eixo da sua atividade.

A diminuição da taxa de crescimento demográfico, e o aumento da produtividade agrícola, haviam mitigado o problema alimentar no país. Isso coexistiu com um aumento na vulnerabilidade do setor. Houve uma produção, em 2005, de 113,507 milhões de toneladas de grãos, um pouco inferior à safra de 2004, que foi de 119,370 milhões de toneladas. O setor agrário apresentava um aumento na produção de grãos. As oscilações no mercado mundial, no entanto, assim como a política econômica, afetaram a oferta de alimentos. A safra 2006/2007 foi a segunda consecutiva de ajuste à política de juros elevados e taxa de câmbio apreciada. Mas, as variáveis internacionais mudaram rapidamente. Na safra 2005/2006 houve uma redução de 1812 mil hectares na área com grãos (-3,7%). Na safra 2006/2007, a redução foi um pouco maior, de 1873 mil hectares (-4,0%). O destaque foi a redução da área com soja, principalmente na região Centro-Oeste. No total, a redução foi de 2485 mil hectares. Milho e trigo também tiveram apreciáveis reduções. A rentabilidade do setor agrícola, entretanto, foi garantida por: a) menores custos de produção, resultado da apreciação cambial; b) elevação dos preços

20 anos, com três anos de carência, juros fixos de 6% ao ano, sem correção monetária e com rebate de 50% quando os pagamentos são feitos em dia. As famílias beneficiadas também recebem financiamento para a infra-estrutura básica.

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internacionais de grãos, milho, soja, trigo e arroz; c) drástica queda dos estoques mundiais, principalmente de milho e trigo; d) expansão dos programas de bioenergia, principalmente nos EUA. O aumento da rentabilidade do setor agrário pôde coexistir com uma queda da oferta alimentaria para a população.

O PT, partido de governo, apoiou oficialmente o Fome Zero: “O Partido dos Trabalhadores reconhece e apóia o esforço do Ministro José Graziano e de sua equipe para a implementação do programa tão inovador e se propõe em ser o articulador dessa mobilização, construindo um grande movimento nacional de luta contra a fome por inclusão social e conscientização. Uma campanha educativa que não transforme as famílias beneficiadas em dependentes de mendicância alimentar, mas que lhe garanta o acesso à educação popular, alfabetização, saúde, emprego e renda. Esta campanha deve incluir outros partidos, entidades assistenciais, de educação popular, ONGs, conselhos comunitários, sindicatos”.50

Bolsa Família e Assistencialismo A centralização crescente dos programas sociais coincidiu com seu incremento: os gastos do governo federal com programas e ações sociais cresceram a partir de 1995 (em algumas áreas, aumentaram dez vezes entre 1995 e 2005), uma tendência que precedeu o governo Lula. Foi o caso do conjunto de programas englobados na assistência social: o pagamento dos benefícios de prestação continuada (BPC), do PBF, dos serviços de ação continuada (SAC) e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Em 1995, destinava-se 0,08% do PIB para esses benefícios; em 2005, eles já representavam 0,83%, ou seja, os benefícios mais que decuplicaram (levado em conta o crescimento do PIB no mesmo período).

Os gastos sociais no Brasil se encorparam significativamente com a regulamentação de direitos previstos na Constituição de 1988. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é destinado a garantir uma renda aos indivíduos que, por velhice ou incapacidade, estão fora do mercado de trabalho, sem renda familiar nem acesso aos benefícios da Previdência Social. Pela Constituição, qualquer pessoa nessas condições, que demonstrasse ter renda inferior a 1/4 do salário mínimo, poderia requerer o benefício, passando a receber um salário mínimo por mês, quantia superior à do PBF. Em 1995, o número de atendidos pela BPC era de 1,2 milhão. Em 2005, chegou a 2,8 milhões. São pessoas localizadas no setor pobre da população idosa, a partir de 65 anos de idade.

Os cash transfer programs são chamados de “mecanismo condicional de transferência de recursos”, pois agiriam contra a pobreza através de “transferências condicionadas de renda”, visando a transmissão da miséria de geração a geração, buscando interromper o “ciclo inter-geracional”. A idéia desses programas começou a ganhar força em 1997, quando só existiam, limitadamente, em três países no mundo: Bangladesh, México e Brasil. Dentro do Fome Zero, o PBF se transformou no principal programa de “transferência de renda”. Destinado às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, o PBF unificou os procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda e do cadastramento único. Estima-se que com o PBF houve uma transferência média de recursos de R$ 73,00 por família. A sua origem esteve no Programa Cartão-Alimentação,51 que fez parte das políticas específicas do Fome Zero, sendo substituído pelo PBF. O intuito foi o de unir diversos programas de distribuição de 50 Declaração do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, São Paulo, 15 de março de 2003. 51 O Programa Cartão-Alimentação (PCA) foi regulamentado por decreto presidencial, definindo o valor e a duração do benefício: R$ 50,00 para cada família com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo, em até seis meses, prorrogáveis por mais dois períodos de seis meses.

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renda, com a unificação dos programas Bolsa-Alimentação (Ministério da Saúde), Auxílio-Gás (Ministério das Minas e Energias), Bolsa-Escola (Ministério da Educação) e o Cartão-Alimentação (MESA).52 O quadro que segue informa as características iniciais ndo programa:

Critério de Elegibilidade

Ocorrência de crianças / adolescentes 0-15 anos, gestantes e

nutrizes

Quantidade e Tipo de Benefícios

Valores do Benefício(R$)

Situação das Famílias Renda Mensal per capita

Situação de Pobreza De R$ 60,01 a R$ 120,00

1 Membro (1) Variável 15,00 2 Membros (2) Variável 30,00

3 ou + Membros (3) Variável 45,00

Situação de Extrema Pobreza Até R$ 60,00

Sem ocorrência Básico 50,00 1 Membro Básico + (1) Variável 65,00 2 Membros Básico + (2) Variável 80,00

3 ou + Membros Básico + (3) Variável 95,00

Ao entrar no PBF a família se compromete a manter suas crianças e adolescentes em idade escolar freqüentando a escola, e a cumprir os cuidados básicos em saúde. Em 2004, 6,5 milhões de famílias (59% das famílias pobres) foram beneficiadas pelo programa, os recursos destinados somaram R$ 5,7 bilhões. Já em 2005, presente em 5542 municípios do país, o PBF atendeu mais de 8,7 milhões de famílias. Em 2006, esse número cresceu para 10,9 milhões. Finalmente, no segundo semestre de 2007, o PBF atingiu suas metas, atendendo 11,1 milhões de famílias, beneficiando um em cada quatro brasileiros: um em cada dois nordestinos foi atendido pelo programa (no Nordeste, o PBF repassa benefícios a mais de 5,7 milhões de famílias, ou 25 milhões de pessoas).

Foi argumentado que o PBF não seria mais do que uma continuação dos planos do governo FHC: Lula simplesmente teria unificado planos precedentes - Bolsa Escola, Vale Gás, entre outros - em um único benefício. Os defensores do governo FHC afirmaram que, durante esse governo, entre os 10% mais pobres, ocorreu um aumento anual de renda de 8%; entre os 20% mais pobres, de 5,9%; e, enfim, entre os 30%, de 4,9%, em virtude de uma série de fatores (os avanços da educação, a diminuição da diferença de renda entre campo e cidade, a redução do preço dos alimentos e o aumento do salário mínimo).53

E é verdade que só uma parte dos programas sociais do governo Lula foi criação do mesmo, em especial o Fome Zero: os outros já existiam antes que Lula assumisse a presidência em 2003. Mas seria um consenso que os aproximadamente 75% dos votos recebidos por Lula no Nordeste, em 2006, tiveram por base a concessão de benefícios do Programa Fome Zero para cerca de 4 milhões de famílias em 2004, que ajudaram a movimentar a economia local, com a injeção de R$ 200 milhões anuais.

Os críticos dos programas afirmaram que o governo Lula fez demagogia social com os trabalhadores pauperizados, desorganizados e politicamente desinformados: “Esse novo

52 O ministro Graziano afirmou: “Já vimos que o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação apresentam resultados positivos. Já o Vale-Gás e o Bolsa-Renda têm cadastros ruins e acabaram tendo uso eleitoral”, o que foi, segundo o ministro, o motivo da sua unificação. 53 Segundo Augusto de Franco, funcionário do governo FHC no programa Comunidade Solidária: “Nos dois últimos anos do governo FHC, preparou-se um plano para unificar todos os programas de renda mínima, dispersos em diferentes ministérios, como o da Saúde, o da Educação e o da Assistência Social. Montava-se, então, um cadastro único; imaginava-se que essa junção seria badalada publicitariamente para dar uma marca social ao governo. Alguns ministros (José Serra, por exemplo) imaginaram que perderiam um patrimônio eleitoral. O plano não saiu do papel - aliás, saiu, só que no governo do PT”.

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populismo deve provocar deslocamentos na base social do próprio PT, cujas relações com os trabalhadores organizados estão se deteriorando. Fernando Henrique Cardoso multiplicou as bolsas e ajudas efêmeras, incertas e insuficientes, que vinham sendo implementadas desde o governo Sarney: auxílio gás, auxílio leite, bolsa escola, renda de emergência, etc. O governo Lula unificou tudo isso numa Bolsa Família e aumentou um pouco a dotação orçamentária para esse fim. Não são direitos, são sobras de caixa que dependem do humor do capital financeiro. O governo Lula está sabendo explorar simbolicamente essa iniciativa: faz solenidades para distribuir bolsas, faz publicidade na rádio e na TV. Os ministros da área social simulam resolver no varejo a desgraça que os ministros da área econômica promovem no atacado. Não se trata de uma proposta de organização política dos trabalhadores pauperizados pelo capitalismo neoliberal para fazer deles uma força pela mudança do modelo econômico”.54

Já segundo Cristóvam Buarque, ao retirar a palavra "escola" do programa, o governo tirou a ênfase dada a educação, princípio básico para o desenvolvimento econômico e social. A transferência da gerência do programa da pasta da Educação para a do MDS, segundo ele, foi uma evidência de assistencialismo: «Colaborou para isso o fato de o Lula ter tirado o nome ‘escola’ do Bolsa Escola. Quando criei esse nome, havia um objetivo: colocar na cabeça da população pobre que a escola era algo tão importante que ela ganharia dinheiro para o filho estudar. O Lula chegou e disse: ‘A pobreza é uma coisa tão preocupante que você vai ganhar um benefício por ser pobre’. Deixou de ser uma contrapartida para a ida do filho à escola. Essa contrapartida não é cobrada com a devida ênfase. A coisa amoleceu quando Lula tirou o programa do ministério da Educação, onde o Fernando Henrique tinha colocado, e levou para o Ministério do Desenvolvimento Social».

Finalmente, cabe assinalar o papel do PBF como amortecedor dos conflitos sociais. O programa foi um fator determinante para o esvaziamento dos movimentos sem terra durante o primeiro mandato do presidente Lula. O número de famílias que invadiram terras no Brasil caiu de 65.552, em 2003, para 44.364, em 2006; uma queda de 32,3%. Nesse mesmo período, a quantidade de famílias sem terra acampadas despencou de 59.082 para 10.259 - uma diminuição de 82,6%. O único número que se manteve estável foi o de invasões, que oscilou de 391 em 2003 para 384 em 2006.55

O BPC é o outro programa social de grande abrangência, destinado a manutenção de pessoas que não têm condições de prover o seu sustento por si ou por sua família, e não são cobertas pela Previdência Social. Possui valor de um salário mínimo (varia, portanto, com este, o que o diferencia dos outros programas de transferência de renda). Dos 2,4

54 BOITO, Armando. O Governo Lula e a reforma do neoliberalismo. Revista Adusp n° 34, São Paulo, maio de 2005. 55 Diante da inclusão de acampados no Bolsa Família, o MST assumiu a posição que segue, a 18 de maio de 2009: “1- Defendemos todas as políticas públicas que contribuam para resolver os problemas emergenciais das famílias de trabalhadores pobres do campo e da cidade, como a cesta básica e o programa Bolsa Família. 2- No entanto, consideramos insuficientes essas políticas assistencialistas, que são limitadas e não resolvem os problemas estruturais da sociedade brasileira, como a terra, educação, saúde e habitação. 3- Defendemos o assentamento imediato de todos os acampados e a atualização dos índices de produtividade como medidas emergenciais para resolver os problemas das famílias que vivem na beira de estradas em todo o país. 4- Somos contrários às políticas do governo para ajudar os bancos e grandes empresas diante da crise econômica mundial, que vai piorar as condições de vida de todos os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. 5- A solução para os trabalhadores rurais é a realização de uma Reforma Agrária Popular e um programa de agroindústrias em todas as cooperativas de assentamentos, para garantir a produção de alimentos para toda a população e a geração de renda para as famílias assentadas”. Vale notar que, dentre as famílias acampadas (a grande maioria pelo MST) da Reforma Agrária, aproximadamente 226 mil estão cadastradas no PBF.

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milhões de pessoas que recebem o benefício, 1,27 milhão são idosos, e 1,16 milhão pessoas com deficiência. Em 2006, foram incorporados 160 mil beneficiários ao programa, perfazendo um aumento de mais de 40% entre 2002 e 2006. Os programas referidos foram um dos principais temas da campanha de Lula à reeleição.56

Os partidos que sustentam o governo do PT e os partidos da oposição disputaram os direitos autorais desta política – os petistas teriam se inspirado na experiência do governo Cristóvam Buarque no Distrito Federal, então ainda no PT,57 e os “tucanos” no projeto da prefeitura do PSDB em Campinas no Estado de São Paulo.58 Mas as políticas sociais compensatórias “focadas” são um modelo defendido pelo Banco Mundial desde há, pelo menos, duas décadas.

A crítica a esses programas afirma que as políticas sociais compensatórias criaram um novo modelo de clientelismo político associado ao controle dos cadastros e à cooptação dos movimentos sociais: o modelo “assistencialista” perpetuaria a dependência dos beneficiados, e estabeleceria uma divisão na classe trabalhadora entre os que recebem e os que não recebem sem trabalhar: “Focalizadas apenas nos indigentes, seletivas e compensatórias, as políticas sociais vêm desenvolvendo estratégias fragmentadoras da pobreza e se colocando em um movimento contrário à universalização de direitos sociais. Sob esse ângulo de análise, o Fome Zero, apesar de seu grande apelo simbólico (tal como o Programa Comunidade Solidária), não apresenta inovações”.59 Chegou-se a afirmar que “a desproporção entre a Bolsa Família (R$ 10 bilhões) e o oceano de miséria que há no país, que impede que esta política compensatória garanta, mesmo que em uma longuíssima duração, uma redução significativa da desigualdade, ao contrário do que já foi demonstrado pelo aumento do salário mínimo e da garantia do pleno emprego”.60

Aldaíza Sposati, ao contrário, sustentou que haveria “uma dupla interpretação de mínimos sociais: uma que é restrita, minimalista, e outra que considero ampla e cidadã. A primeira se funda na pobreza e no limiar da sobrevivência e a segunda em um padrão básico de inclusão. Propor mínimos sociais é estabelecer o patamar de cobertura de riscos e de garantias que uma sociedade quer garantir a todos seus cidadãos. Trata-se de definir o padrão societário de civilidade. Neste sentido ele é universal e incompatível com a seletividade e o focalismo”.61 Para Frei Betto e Patrus Ananias, “as ações desenvolvidas no âmbito do Fome Zero não são assistencialistas. O objetivo desta política pública é a inclusão social, através da universalização dos direitos da cidadania, a começar pelos

56 Na campanha pela reeleição, afirmou-se que o PBF deveria receber mais recursos no segundo governo Lula, para aumentar os valores pagos, mesmo sem previsão orçamentária. 57 O governo do Distrito Federal implantou o programa Bolsa-Escola, que consistia no pagamento de um salário mínimo mensal a cada família carente que mantivesse todos seus filhos entre sete e 14 anos matriculados na rede escolar pública. A família requerente deveria residir cinco anos consecutivos no DF e ter renda per capita de meio salário mínimo ou menos. Com o cadastramento na Bolsa-Escola, as famílias eram automaticamente inscritas nos programas de emprego e renda da Secretaria de Trabalho/SINE. Com a assinatura do convênio entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Governo do Distrito Federal, em 2004, essas famílias passaram a receber também os repasses do PBF. 58 Em 1995, o prefeito José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB), em Campinas, iniciou um programa de renda mínima relacionado à educação. Projetos de natureza semelhante foram sancionados em outros municípios (Salvador, Ribeirão Preto, Sertãozinho, Londrina e Campo Grande). 59 YASBEK, Maria Carmelita. Fome Zero: uma política social em questão. Saúde e Sociedade, São Paulo, Faculdade de Saúde Pública da USP e Associação Paulista de Saúde Pública, vol. 12, n° 1, janeiro 2003. 60 ARCARY, Valério. Um argumento crítico sobre o Bolsa Família. Correio da Cidadania, São Paulo, 28 de outubro de 2006. 61 SPOSATI, Aldaiza. Mínimos sociais e seguridade social: uma revolução da consciência da cidadania. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n° 55, 1997.

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direitos sociais básicos (acesso a alimentação, saúde, educação, previdência e proteção do emprego) visando à redução do déficit social do nosso país”.62

O Banco Mundial propôs um modelo semelhante para toda a assistência e previdência social, propondo uma aposentadoria básica para os pobres, paga pelo Estado (quem desejasse receber mais, teria de colocar dinheiro em um fundo complementar, “fundo de pensão”, que seria aplicado no mercado financeiro, para render a aposentadoria no futuro). Existe uma tendência geral mundial para reduzir a seguridade social a um “benefício universal básico”:63 qualquer benefício acima desse valor seria coberto pelo trabalhador, com contribuições obrigatórias ou voluntárias para fundos privados.

A imprensa conservadora, de modo geral, avaliou negativamente o PBF, como assistencialista e clientelístico.64 Segundo O Globo: “O Bolsa Família precisa ser reestruturado para ganhar uma dimensão social mais efetiva, perdendo seu caráter assistencialista”. Outras avaliações assumiram suas dimensões “assistenciais” de maneira positiva: aceita a necessidade de certo grau de assistencialismo e, com dimensão “condicional”, se apostou em que seus beneficiários encontrariam saída no crescimento econômico.

No Brasil, a lei n° 10.835/2004, de autoria de Eduardo Suplicy, instituiu a Renda Básica de Cidadania, sendo sancionada no senado em 8 de janeiro de 2004 (em seu primeiro mandato como senador, Suplicy já apresentara o projeto de lei 80/91, instituindo um “Programa de Garantia de Renda Mínima”). A aplicação deveria ser feita de forma gradual, começando pelos mais necessitados, com a evolução de programas de transferência de renda. O PBF teria um papel distributivo de caráter emergencial, condicionado ao poder aquisitivo do beneficiário que constitui família. Foi dito que “por ser incondicional e universal, a Renda Básica supriria limitações e desvios dos programas de transferência de renda”.65

No momento da instauração (só no papel) da Renda Básica de Cidadania, no Brasil, o seu proponente Philippe Van Parijs saudou-a como complementar aos programas

62 Patrus Ananias foi ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Frei Betto foi assessor especial da Presidência da República, no primeiro governo Lula. 63 Segundo Eduardo Suplicy, “programas de renda mínima resultam em redistribuição de renda e na melhoria das condições de vida da população. Além disso, ajudam a enfraquecer práticas clientelistas”. O custo do programa seria de cerca de 3% do PIB. A diferença entre os programas de garantia de renda mínima e a renda básica de cidadania, seria que a segunda é “a melhor maneira de se contribuir para os objetivos de erradicação da pobreza absoluta, de melhoria da distribuição da renda, de garantia de real dignidade e liberdade às pessoas, é prover a todos o direito inalienável de participar da riqueza da através de uma renda básica que, na medida do possível, seja suficiente para atender às suas necessidades vitais. Ao longo da história foram sendo instituídos sistemas que guardam relação com as formas de garantia de renda mínima que nós mesmos introduzimos no Brasil, sobretudo nos anos 90, como o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o seguro-desemprego, até chegar ao Bolsa- Família”. Nessa argumentação, os dois tipos de programa seriam praticamente a mesma coisa. 64 No extremo oposto do leque político, Francisco de Oliveira afirmou que “o Bolsa Família é algo que se pode entender a partir da irrelevância da política. Não adianta dizer que é assistencialista. Isso é óbvio”. E acrescentou: “Da mesma forma que as cotas [para minorias nas universidades], as ações afirmativas [são] um dispositivo foucaultiano, uma clara regressão, uma anti-política na forma de uma política, uma biopolítica”. 65 Outra defesa da Renda Básica afirma que programas de renda condicional geram a "armadilha da pobreza e do desemprego". Quem recebe do governo com a justificativa de que é pobre, pode ser desestimulado a procurar um emprego e melhorar de vida, uma vez que ganhando mais, corre o risco de perder a garantia de suas necessidades básicas. A busca do emprego formal é afetada, podendo estimular a inserção no mercado informal e em “atividades ilícitas”. Também se aponta que o trabalhador é levado a aceitar condições humilhantes de trabalho porque depende do que recebe pela mão de obra para garantir sua integridade física e afastá-lo da mendicância, sendo a Renda Básica a forma de libertá-lo do emprego degradante e desumano.

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focalizados já em andamento.66 Deixando de lado a questão do oportunismo político, deixou claro que a diferença entre o assistencialismo focado e o universal é de grau, não de qualidade. Porém, a “focalização”, contraposta a “universalismo”, estaria associada à concepção de “justiça de mercado”: uma economia de mercado seria dotada de uma capacidade integradora irresistível, pois seus benefícios materiais se transmitiriam à quase totalidade da sociedade. As políticas sociais seriam residuais, incidindo sobre os segmentos à margem dos processos econômicos integradores.

O remédio seria o aprofundamento da lógica do mercado, com focalização das políticas sociais. A focalização seria um componente menor da racionalidade do sistema, de sua eficiência global. A verdadeira política social seria a política econômica, que promoveria as reformas de mercado (que no longo prazo seriam capazes de incluir todos). A concepção “focalizada” rejeita a consideração das desigualdades sócio-econômicas como motivadoras da intervenção pública: a política social seria a provisão de um seguro contra as “agruras imprevisíveis”.

A defesa liberal da focalização a apresenta como o estilo "racional" de política social, envolvendo uma escolha moral sobre o que deve e o que não deve ser objeto de responsabilidade pública. A pobreza “imerecida” (resultante não de escolhas "irresponsáveis", mas do acaso que ninguém poderia prever) seria a principal circunstância a justificar a intervenção pública na forma de um “seguro social contra o infortúnio”. De resto, a livre operação dos mercados promoveria a alocação ótima dos recursos.67 A proposta de uma aposentadoria mínima para todos os cidadãos não seria contrária a essa visão (a velhice seria uma “agrura universal”...).68

66 “No Brasil, mais do que em qualquer outro país, isso não é apenas um sonho nas mentes de um punhado de ativistas e visionários. Está construído nos inúmeros esquemas de manutenção de renda que foram integrados no PBF, nas lutas sociais que os tornaram possíveis e na experiência administrativa que eles geraram. A Renda de Cidadania procurará atingir diversos objetivos ao mesmo tempo, como diversos outros programas já o fizeram. Ela não é apenas um modo de atacar da forma mais direta a pobreza e a desigualdade. Elevará o capital humano ao estimular a freqüência à escola, ao expandir os cuidados com a saúde pública e ao encorajar a alfabetização dos adultos. Contribuirá para a distribuição mais equilibrada da população do Brasil em seu território, diminuindo o êxodo rural para as cidades super-populosas. Uma renda de cidadania não é uma alternativa de acesso ao emprego, mas um meio de permitir às pessoas realizar as coisas para si e para a sociedade... será também um símbolo de solidariedade da nação brasileira inserida na economia global. Devido aos seus recursos e à sua posição no mundo, o Brasil tem um imenso potencial para se beneficiar de uma globalização justa, através de um aumento massivo daquilo que pode vender no mercado mundial, atraindo investimentos diretos estrangeiros e também através de muitos outros efeitos multiplicadores. Mas nenhum mecanismo de mercado espontâneo irá garantir que esses benefícios atingirão todos os setores e todas as regiões do país. Alguns estão mesmo fadados a sofrer. Nesse contexto, uma renda de cidadania pode ser vista como um dividendo federal. É uma maneira de distribuir para todos os brasileiros uma retribuição por um esforço”, escreveu Van Parijs, no Valor Econômico. 67 KERSTENETZKY, Célia L. Políticas sociais: focalização ou universalização? Revista de Economia Política 26 (4), São Paulo, outubro/dezembro de 2006. 68 O Banco Mundial batizou sua proposta como a “previdência dos três patamares”. O primeiro seria estatal, daria lugar a um benefício básico definido fixo ou com um piso e um teto, equivalente a uma cesta básica de indigência, e. seria financiado com contribuições dos trabalhadores ou diretamente pelo Estado sobre a base dos impostos gerais. Um segundo patamar seria privado (fundos ou companhias de seguros) com contribuições obrigatórias dos trabalhadores acima do percentual de contribuição do primeiro. O terceiro também seria privado, com contribuições voluntárias dos trabalhadores. O que se quer é reduzir a aposentadoria estatal de modo a diminuir o gasto previdenciário. O Estado garantiria um “benefício universal”, e qualquer excedente sobre essa soma proveria de contribuições a um fundo, com o trabalhador assumindo o risco pelo investimento. A proposta consta do relatório Averting the old age: policies to protect the old and promote growth, produzido pelo Banco Mundial em 1994, que apresenta os três patamares: o obrigatório, com um sistema público de assistência, financiado por impostos, e encarregado de pagar uma quantia mínima pela velhice; o segundo, também obrigatório, gerenciado pelo setor privado e capitalizado para fins de poupança; o

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Bolsa Família e “Governança” Analistas políticos e econômicos apontaram a ampliação do PBF como a principal causa da alta na avaliação do governo Lula pela população: "Apenas o fato de que a economia está estável não bastaria para alçar o Lula, porque às vezes isso não se reflete no bolso. E aí entra o Bolsa Família, que aumenta diretamente a renda dos pobres. Essa combinação é que faz a diferença" (Maria D' Alva Kinzo, de Ciências Políticas-USP): "Nunca um programa atingiu tão fundo os estratos sociais mais pobres do país. Foi o diferencial de Lula" (Carlos R. Melo, da UFMG).

No PBF, inicialmente, as famílias beneficiadas ganhavam até R$ 120, ou +/- US$ 67, por mês: para receber a bolsa, os filhos precisavam manter freqüência de pelo menos 85% na escola (a exigência legal média é de 75% de freqüência escolar), estar com o calendário de vacinação em dia; as mães precisam seguir a agenda de exames pré e pós-natal (na propaganda governamental afirmou-se que “o beneficio é pago à mãe, para fortalecer a autoridade materna e os vínculos familiares”). O programa estabeleceu incentivos econômicos para tarefas cumpridas pelas famílias. A família que descumprisse o condicionamento por cinco vezes consecutivas teria seu benefício definitivamente cancelado.69

Para entrar no PBF, as famílias com renda mensal por pessoa de até R$120 deveriam procurar a prefeitura de seu município e se inscrever no Cadastro Único dos Programas Sociais, de forma que a inclusão no programa fosse feita via sistema, de forma impessoal, para minimizar influências políticas. Pesquisas indicaram que o dinheiro recebido é gasto, pela ordem, em comida, material escolar, roupas e sapatos. Um estudo realizado pela Universidade Federal de Pernambuco entre os beneficiários residentes na área rural, concluiu que 87% do dinheiro recebido era usado para comprar comida.

Diversos analistas do PBF viram nele apenas uma espécie de "bolsa eleitoral", do tipo das chamadas de pocket vote, que serviria para subornar as camadas mais vulneráveis da população com transferências de dinheiro para obter eleitores cativos, sem erradicação da pobreza pelo trabalho.70 Alguns críticos só se referem ao programa pelo seu apelido pejorativo de "Bolsa Miséria". Em julho de 2009, o poeta (e “comunista histórico”) Ferreira Gullar publicou, na Folha de S. Paulo, artigo afirmando que "governo populista enche a barriga até dos que não precisam, com a famosa e desestimulante Bolsa Família”, que provocou reprovação, mas também apoio, com diversas reações: “"O Bolsa Família vai muito além de um modo fácil de aumentar a renda familiar. Ter filhos no Brasil do Lula é garantir e perenizar os votos de cabresto que vão eleger os outros Lulas"; "Os planos assistencialistas, especialmente o Bolsa Família, são instrumentos emergenciais, que estão se tomando um fim em si mesmos. Ou seja, aqueles que menos têm condições de criar, educar e formar estão gerando mais filhos em busca de um benefício imediato. O terceiro, facultativo, a poupança individual como alternativa complementar aos níveis obrigatórios. O sistema recomendado é parcialmente de contribuições definidas, capitalizado e gerenciado pelo setor privado. 69 Em setembro de 2007, por falharem reiteradamente na exigência dos filhos em idade escolar não faltarem a mais do que 15% das aulas, 4.076 famílias tiveram cartões do PBF cancelados, e outras 81,2 mil tiveram o benefício bloqueado ou suspenso. Esse foi o primeiro corte e suspensão em massa de benefícios, por não cumprimento do programa. Em dezembro desse ano, o MDS advertiu 201.717 beneficiários que descumpriram as condições de educação. 70 É claro que há, por parte dos políticos governantes, uma imensa capacidade de transmutar os benefícios da política social promovida pelo Estado - paga por todos os contribuintes - em uma ajuda dada pelo governante de turno, o que retira a política social do âmbito das relações sociais na esfera pública, e abre as portas para seu uso clientelístico. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou, em novembro de 2008, a cassação dos mandatos do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), e de seu vice José Lacerda Neto (DEM), acusados de utilizar programas sociais para a distribuição irregular de dinheiro.

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Brasil arma uma bomba-relógio social e fiscal".71 Para Gláucio Soares, defensor do “privatismo”, “os recursos públicos no Brasil são escassos e objetos de pilhagem (o que é) agravado pelo assistencialismo e pelo nepotismo, que não consideram a responsabilidade individual e desprezam o mérito”.

O efeito político do PBF teria sido de permitir Lula vencer com folga (mais de 20 milhões de votos de vantagem) o segundo turno das eleições de 2006, abrindo-lhe o caminho para um segundo mandato (2007-2010).72 Os pobres, basicamente, o teriam reconduzido à presidência da República: só 11% de seus eleitores ganhavam mais de cinco salários mínimos por mês (aproximadamente 800 dólares). Dos cidadãos que recebem até dois salários mínimos, 56 % votaram nele em 2006. Desse contingente, em 1989 apenas 37 % deram seu voto ao candidato do PT. Em 2006, apenas 6% dos eleitores de Lula tinham curso superior; em 1989, eles somavam 11%, o mesmo índice dos que haviam atingido só a quarta série do ensino fundamental. Agora, estes somaram 35%. No final de 2007, Lula ditou Medida Provisória para garantir a expansão do beneficio para jovens de 16 e 17 anos. Diversas avaliações apontaram que a base eleitoral e política do PT deslocou-se da classe operária sindicalizada para os “pobres” (desempregados ou trabalhadores “informais”), especialmente da região Norte-Nordeste.

No ano imediato anterior à reeleição de Lula, o índice de pobreza do país caiu de 30,5% para 26,9%, uma redução de 3,5%, perfazendo o menor índice de pobreza desde 1997. O PBF foi dado como um dos responsáveis pela redução do índice de miséria no Brasil, que caiu 27,7% entre 2002 e 2006. Medido pelo nível de renda, a classe C passou de 33% para 54% da população, entre 2003 e 2008, enquanto as classes D/E, as mais baixas, passaram de 48% para 23%, no mesmo período. Mas os programas sociais foram vistos, sobretudo, pelos seus efeitos políticos, pela sua potencialidade para definir um novo “modelo de governança”. A estabilidade do governo, porém, em que pesem as repetidas crises políticas, deveu-se a razões econômicas de ordem mais geral.73

O crescimento do PIB foi maior do que informado inicialmente. Pelos dados revistos do IBGE, no primeiro governo Lula, ele foi de 3,3% ao ano (ao invés dos 2,6% ao ano da série de dados original), um ponto superior ao governo anterior, de FHC. Em 2006, o PIB cresceu 3,7%. Parte desse desempenho foi devido ao crescimento das exportações, que quase duplicaram no período, passando de US$ 73 bilhões para US$ 137,5 bilhões. 71 Essa “crítica” é bem semelhante ao argumento, de cunho racista, usado nos EUA contra as famílias negras beneficiadas pelo welfare. Nesse ponto, Lula recebeu apoio do Banco Mundial: «À luz de uma série de investigações no terreno, essa crítica revela ser amplamente infundada. A quantia média recebida por uma família pobre é três ou quatro vezes mais reduzida do que o salário mínimo. Portanto, de qualquer maneira, mais vale descolar um emprego, mesmo que este seja pouco qualificado. Longe de serem indolentes, as famílias interessadas trabalham muito mais do que as outras». Outra crítica afirmou a possível geração de um estado de dependência que o Bolsa Família criaria entre a população beneficiada: o programa não traria soluções a médio e longo prazo para eliminar a situação de pobreza; essa tese é defendida e divulgada inclusive pela Igreja Católica. Para esses críticos, o PBF não resolveria o problema da pobreza e não seria suficiente para transformar a vida dos pobres. O Banco Mundial, novamente, se opôs a essas críticas, afirmando que os efeitos de desincentivo na oferta de mão de obra parecem ser pequenos. A “Terceira Conferência Internacional de Transferências Condicionadas”, patrocinada pelo Banco Mundial, concluiu: "Existem provas de que em certos ambientes, a 'condicionalidade' transforma a 'assistência social' em 'investimento social'". 72 Versão contestada por: SHIKIDA, Cláudio; FRANCISCO, Ari; CARRARO, André. Desconstruindo mitos: não foi o Bolsa Família. Valor Econômico, São Paulo, 5 de junho de 2007. 73 Embora não se possa ignorar o uso eleitoral dos programas sociais. No projeto “Territórios de Cidadania”, o governo Lula destinou R$ 9,3 bilhões para 958 municípios (pouco menos de 20% da totalidade dos municípios do Brasil) para o repasse de verbas em crédito agrário e Bolsa Família. Os governos do PT concentram 2/3 das verbas, 75% dos municípios estão em mãos de partidos da base política governamental, 70,4% (675 municípios) em estados governados por aliados do governo Lula.

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Motivado pelo aquecimento da demanda mundial, esse boom exportador teve efeitos eleitorais (além de alimentar o caixa destinado a financiar os programas sociais).

O candidato Lula foi mais votado nos municípios menos desenvolvidos do Brasil. A análise sugere que sua votação esteve inversamente relacionada com a renda per capita do município e diretamente com a taxa de mortalidade infantil, analfabetismo e desigualdade. Essas características estão presentes nos municípios potencialmente mais favorecidos pelo PBF. Surgiu a hipótese de que os ganhos de bem-estar dos mais pobres teriam sido responsáveis pela reeleição de Lula. Tomando-se, por exemplo, a variação dos índices de preço, são notáveis as diferenças de acordo com as faixas de rendas. Observando o período entre a posse de Lula, em janeiro de 2003, e as eleições ocorridas em 2006, o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), que considera as rendas das famílias até 40 salários mínimos, aumentou 24%. No mesmo intervalo, o preço da cesta básica teve aumentos bem menores: nas capitais do Rio Grande do Sul e de São Paulo teve uma elevação de 8,5% e 10,4%. Em Recife e Fortaleza, a cesta básica só aumentou nesse período em 4% e 3% (no segundo turno de 2006, Lula recebeu em Pernambuco 82% dos votos, e no Ceará, 75%).

Concluiu-se disso que teve mais peso no eleitor a estabilização dos preços para o consumo de baixa renda (os eleitores optaram por votar no candidato que lhes pareceu mais comprometido com a sua continuação). As mudanças que supostamente amenizaram a concentração de renda já teriam estado em curso quando Lula chegou ao governo, sendo ampliadas graças à conjuntura favorável da economia mundial. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existiriam evidências de que a desigualdade de renda caiu, com a renda média dos pobres aumentando proporcionalmente mais do que a dos ricos. Isto explicaria a popularidade do governo Lula: “A queda da desigualdade é suficiente para que os mais pobres percebam um nível de desenvolvimento no país e um aquecimento da economia que outros grupos de renda não estão percebendo”. Analisando a curva de redução da desigualdade no ano de 2004, o Ipea observou que 75% do aumento da renda dos 20% mais pobres resultou da diminuição do grau de desigualdade: “O crescimento econômico (de 2004) foi responsável por menos de 1/3 da queda observada na extrema pobreza e, portanto, para os pobres, a redução no grau de desigualdade foi três vezes mais importante do que o crescimento econômico”.

Frei Betto, membro do governo Lula na sua fase inicial considerou que “graças ao Bolsa Família, há mais recursos circulando no interior do país e nas periferias, bem como maior freqüência de crianças à escola. Porém, lamento que o projeto original do Fome Zero tenha sido abandonado. Previa-se que cada família beneficiária ficaria, no máximo, um ano e meio com direito de receber a renda da União. Tempo suficiente para que ela se emancipasse do programa e passasse a gerar a própria renda. Previa-se ainda uma ampla participação da sociedade civil, sobretudo através dos Comitês Gestores. Estes foram erradicados pelo próprio governo e, por sua vez, o Fome Zero ficou praticamente reduzido a um dos seus 60 programas de políticas públicas: o Bolsa-Família”. A “emergência” se transformou em política permanente.74

Depois de quase seis anos de sua adoção, o PBF atendia (julho de 2009) 11.333.308 famílias (entre 45 e 50 milhões de pessoas), em 5.564 municípios (quase a totalidade do Brasil), concedendo benefícios de R$ 20 a R$ 182 a famílias miseráveis (com renda mensal até R$ 69), que recebiam o benefício básico de R$ 62, mais R$ 20 por filho (limite

74 O PSDB, principal oposição ao governo de Lula, já declarou que defenderia o PBF na sua campanha eleitoral presidencial de 2010.

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de três) e R$ 30 por adolescente (limite de dois); e pobres (com renda entre R$ 69 e R$ 182). No estado de São Paulo, quase 134 mil vagas para o PBF não foram preenchidas. Ao PBF deve-se somar as “bolsas família” estaduais, que atingem 805 mil benefícios, com R$ 828 milhões de gastos estaduais anuais (beneficiários parcialmente coincidem). Com o reajuste de 9,67% de setembro de 2009 (o benefício básico foi para R$ 68), o PBF teve três aumentos: em agosto de 2007 houve uma recomposição de 18,25%, referente às perdas entre outubro de 2003 (quando o programa foi criado) e maio de 2007; em junho de 2008 houve um reajuste médio de 8%.75

A Universidade Federal Fluminense realizou uma pesquisa sobre o PBF. Para 85,6% das famílias atendidas pelo programa, a qualidade da alimentação melhorou depois que passaram a receber a Bolsa. A quantidade de alimentos também aumentou na avaliação de 59,2% dos entrevistados.76 Os impactos dos programas “focalizados”, setoriais, no entanto, tendem a se reduzir em processos inflacionários, pela alta dos alimentos e dos produtos da cesta básica.77 Até o final de 2010, a meta do governo é atender 13 milhões de famílias.

Em julho de 2009, a FGV apresentou um estudo de nove estados nordestinos (Alagoas Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) entre os anos 2001 e 2007, com base em 36 micro-indicadores: saneamento básico, qualidade de moradia, educação, segurança pública, renda, emprego, desigualdade e pobreza. A renda da população do Nordeste teria crescido nesses anos, impulsionada pelo crescimento econômico e pelos programas de transferência de recursos, mas isso não refletiu em melhora na qualidade de vida dos mais pobres e nem contribuiu para um desenvolvimento local sustentável, segundo o coordenador do estudo, Fernando Blumenschein.78

75 Foi previsto um reajuste do valor do PBF em 2009, juntando a inflação acumulada desde 2008, mais a previsão de inflação para 2010. O valor médio do benefício, de R$ 85, foi reajustado para R$ 95. Outra possibilidade seria seu reajuste atrelado a outro indicador econômico, como o salário mínimo; o PBF não ficaria vinculado ao indicador de inflação, que tem apresentado tendência de queda (deflação). 76 Foram ouvidas na pesquisa 3.000 famílias beneficiadas pelo programa há pelo menos um ano. O levantamento foi realizado em março de 2006, nos 26 Estados e no Distrito Federal. 77 Segundo Lula, a elevação mundial do preço dos alimentos seria uma "inflação boa", que convocaria os países a produzir mais e atender à demanda por alimentos no mundo, contrariando os alertas de organismos como a FAO: "A inflação sobre os alimentos é decorrente do fato de que as pessoas estão comendo mais. Ora, na medida em que mais gente começa a comer carne, produtos de soja, trigo... se a produção de alimentos não aumentar, obviamente que nós vamos ter inflação. Os sinais de inflação nos alimentos, demonstrando que o povo está comendo mais, são uma boa provocação e ao mesmo tempo uma convocação ao mundo de que se precisa produzir mais alimentos", sendo possível, para ele, combater a alta com um aumento equivalente na produção de alimentos. Paul Krugman referiu-se à alta dos alimentos como ”a outra crise”. Com a inflação chinesa, a importação de produtos chineses teve elevação do custo, provocando inflação nos países que usam os produtos chineses para contê-la. Na China, o preço médio dos alimentos subiu 21% em 2008. 78 Marcos Costa Lima, da Universidade Federal de Pernambuco, perguntou-se: “Por que o incremento de renda proporcionado pelo Bolsa-Família não significou melhora na qualidade de vida dos nordestinos pobres? Muitos entraram no mercado de consumo, mas continuam a morarem em palafitas, sem saneamento básico”. Para ele, “bem-estar e desenvolvimento não estão associados apenas ao incremento da renda, mas também ao acesso a saneamento básico, saúde, educação, habitação. O Bolsa-Família é uma política nacional de combate à pobreza. Como há uma larga concentração de pobres no Nordeste, a região se beneficiou muito do programa. Mas ele é nacional. Falta ao governo Lula uma política de desenvolvimento regional”. Ainda assim, “O Bolsa-Família é fundamental em um País em que as elites sempre ignoraram as premências dos pobres. Mas não deve se perpetuar. Espero que mais para frente o Brasil não precise do Bolsa-Família. Neste momento, porém, ele cumpre bem um papel: faz com que a população desassistida tenha um excedente mínimo de dinheiro, impulsiona o consumo de bens industriais, movimenta a economia e sinaliza um futuro melhor. Não concordo que o programa anestesie as pessoas. Com o nível de informação que possui, a

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Em 2008, o PBF demandou R$ 11,1 bilhões do orçamento público, ou 0,4% do PIB (o pagamento dos juros da dívida pública equivaleu a 3,8% do PIB, quase dez vezes mais). Estudos do Banco Mundial avaliaram que já foram registrados resultados mensuráveis positivos no consumo de alimentos, na qualidade da dieta e no crescimento das crianças. Kathy Lindert, chefe do Bolsa Familia Project listou desafios: definição clara de objetivos, monitoramento e avaliação, para assegurar que o programa não se torne uma ilha isolada, mas seja complementado por investimentos na educação, saúde e na infra-estrutura, ajudando as famílias a saírem do programa, etc. Julia Sant´Anna definiu o PBF como um programa de “baixo custo fiscal e alto benefício político”: "um esquema anti-pobreza inventado na América Latina (que) está ganhando adeptos mundo afora", segundo The Economist. O PBF tem sido recomendado pela ONU para adoção em outros países “em desenvolvimento”. Um relatório da OIT ressaltou a importância da manutenção e da ampliação do PBF no contexto da crise econômica internacional: tratar-se-ia de uma medida anticíclica que promoveria benefícios para a economia como um todo, ao fomentar a demanda de alimentos e produtos de primeira necessidade.

Os problemas de administração e corrupção não foram nem são pequenos. Alguns estudos apontaram que o cumprimento dos condicionamentos não estaria sendo satisfatoriamente fiscalizado. Em 2006 não foram monitorados os condicionamentos de 68% das famílias beneficiadas. Tais falhas fizeram com que os índices de vacinação e de nutrição entre famílias beneficiadas e não beneficiadas fossem equivalentes.79 Existem também cálculos de que 195.330 famílias (quase 2% do total) teriam renda acima do limite; 299.832 beneficiários já teriam morrido (o que perfaz, somado à cifra anterior, quase 5% de benefícios irregulares); entre os políticos eleitos em 2004 e 2006 há 20.601 famílias que receberam ou recebem benefícios.80

Desde a criação do programa, só 60.165 famílias (pouco mais de 0,5% das beneficiárias) pediram voluntariamente seu desligamento. Há 2,2 milhões de famílias inscritas no cadastro-fila para o PBF (enquanto outras 5 milhões de pessoas podem estar excluídas... por falta de documentos de identidade!). Ao todo, 15.160.000 famílias brasileiras (60 milhões de pessoas, ou um terço da população do país) tem renda inferior a R$ 120: destas, 4,03 milhões de famílias não recebem o PBF, segundo o Ibase.

As críticas ao PBF misturam argumentos oriundos de diversos horizontes ideológicos e políticos: 1. Não ofereceria uma perspectiva real de um emprego e a independência gradativa do benefício;81 2. Não chegaria a muitos que precisam; e beneficiaria muitos que não precisam, por fiscalização ainda ineficiente e fraudes;82 3. Não garantiria a permanência das crianças e dos jovens nas escolas, por não existirem ferramentas de controle amplas o bastante; 4. Desestimularia pobres a buscar trabalho formal para população pobre tem dificuldade de perceber a complexidade do Brasil. Os pobres não estão pensando em investimentos em programas educacionais que poderão surtir efeito daqui a 20 anos. Suas demandas são imediatas: alimento, roupa. E nisso a vida do nordestino melhorou”. 79 O governo Lula assinou em junho de 2005 um “convênio de apoio analítico e de orientação técnica” com o Banco Mundial, que forneceu 572 milhões de dólares para sua implantação, para estabelecer “mecanismos de controle mais eficientes”. 80 A chamada “corrupção endêmica” cobra também aqui, portanto, seu tributo. No geral, o Brasil perderia o equivalente a 32% de sua arrecadação tributária com corrupção e ineficiência na administração da máquina pública. Considerando o valor total desembolsado pelos contribuintes em 2006, que atingiu quase R$ 733 bilhões, o desperdício com a corrupção chegou a R$ 234,5 bilhões, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). 81 O plano para qualificar profissionalmente beneficiários do PBF não decolou. 82 Contra a lenda que afirma que isto favoreceria o Nordeste “folgado”, já foi comprovado que é justamente o Nordeste quem melhor fiscaliza o PBF (Valor Econômico, 1º de setembro de 2008).

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receber o benefício; 5. Acostumaria uma massa de pobres a encarar o benefício como um “direito adquirido”. Não existem tampouco ainda avaliações sobre o impacto do PBF no chamado “ciclo inter-geracional de pobreza”, ou seja, estimações acerca de se os filhos das famílias beneficiadas estão melhor posicionados no mercado de trabalho que seus pais, ou que as famílias que não receberam os benefícios do PBF.83

Programas Compensatórios e Trabalho Comparados com o PIB e, sobretudo, com os lucros gerais do capital, os programas sociais constituem um percentual baixo. O PBF custou ao governo, em 2005, R$ 5,5 bilhões (aproximadamente US$ 2,3 bilhões), que pagaram benefícios a 8,7 milhões de famílias, ou seja, aproximadamente 35 milhões de pessoas. Mas, em 2006, o setor financeiro recebeu R$ 272 bilhões, em conceito de pagamento dos juros das dívidas, quase 50 vezes o que se gastou com o PBF. A dívida pública consome, por outro lado, 42% do orçamento federal:84 os serviços da dívida passaram de 16% do orçamento federal, em 1995, para 42%, em 2005, ou de R$ 26 bilhões para R$ 257 bilhões anuais.

Com isso, a dívida pública caiu de 57,2% do PIB, em 2003, para 49,5%, em 2007. Em 2005, o governo federal aplicou 26,49% do orçamento em áreas sociais, frente a 42,45% em serviços da dívida pública. A verba restante, 31,06%, foi destinada para a Previdência Social. A carga tributária teria crescido, portanto, no Brasil, basicamente para cobrir o aumento dos encargos da dívida pública. Se fosse extirpada essa rubrica do orçamento, a carga tributária cairia dos atuais 38% para 26% do PIB. A dívida contraída pelo governo com a emissão de títulos públicos cresceu R$ 470 bilhões no primeiro mandato do governo Lula, chegando a R$ 1,094 trilhão no final de 2006. O aumento de 75% se explica pelos elevados juros praticados no país, e pela estratégia de substituir o endividamento externo por dívida interna.85

Com relação à situação dos assalariados “formais”, o reajuste do salário mínimo, em 2006, atingiu 13%, o que significou um gasto a mais de R$ 5,6 bilhões, quase o mesmo montante do PBF. Para assegurar o salário mínimo de 1536 reais, definido pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), seriam necessários R$ 132 bilhões anuais a mais. A defasagem do poder de compra do salário mínimo para garantir a cesta básica oficial da família era de 227% em novembro de 2002.86

A renda média mensal dos trabalhadores caiu de R$ 850 mensais (1996), para pouco menos de R$ 700 (2003). A Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2003 mostrou que entre os anos 2002 e 2003 (último ano do governo FHC) ocorreu a maior

83 Em setembro de 2007, um pesquisa encomendada pelo MDS revelou que o incentivo do Bolsa Família não significou melhora no aproveitamento escolar de dez milhões de alunos de famílias beneficiadas. As faltas às aulas foram reduzidas em 37%, mas sem impacto no desempenho geral dos alunos. Para especialistas em educação, o problema estaria “na alfabetização deficiente, ocasionada pela má formação dos professores e por materiais didáticos de má qualidade". 84 A concentração de renda provocada pela política econômica de juros altos faz com que cerca de 20 mil famílias brasileiras fiquem com 4,25% do PIB só por emprestar dinheiro ao governo, segundo estudo do economista Marcio Pochmann, da Unicamp. Com o projeto de déficit nominal zero esse percentual subiria até 7% do PIB. 85 Durante o governo FHC (1995-2002), os títulos públicos em circulação no mercado interno representavam 42% do PIB. Entre janeiro de 2000 e dezembro de 2002, a dívida cresceu R$ 182 bilhões. Só em 2006, a carga de juros que incidiu sobre os títulos públicos em circulação no mercado foi de R$ 142 bilhões, 17 vezes mais do que o valor destinado, no mesmo período, aos beneficiários do Bolsa Família. 86 Entre os beneficiários dos programas sociais com emprego formal, 896.247 estão no Programa Bolsa Família. Deles, 609.448 se incluem no critério de renda de até R$ 100 per capita por família.

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redução no rendimento médio mensal, com uma queda de 7,4%. Em 2003, os 10% com os maiores salários ficaram com 45,3% do total dos rendimentos no país, enquanto que os 10% com menores salários ficaram com apenas 1%: quase um terço da população, em torno de 60 milhões de pessoas, sobrevivia com dois salários mínimos.

Em 2006, pesquisa do Dieese mostrou que crescia o número de trabalhadores que ganhava até 1,5 salário mínimo: 68,7% dos pisos salariais pagos pelas empresas aos trabalhadores correspondiam a até 1,5 salário mínimo. Também crescia o percentual de trabalhadores que ganhavam até 1,25 mínimo (de 23,4% para 43,6%) e até um mínimo (de 1,7% para 2,8%). Por outro lado, os pisos salariais acima de três salários caíram de 4,6% em 2005 para 3,8% em 2006. Na média, os pisos salariais pagos pelas empresas caíram de 1,69 salário mínimo em 2005 para 1,52 mínimo. Em 2005, o mínimo subiu de R$ 260 para R$ 300 e, em abril de 2006, a alta foi de R$ 300 para R$ 350. O reajuste real (descontada a inflação) do mínimo, nesses dois anos, alcançou 22%.

Durante o governo Lula, no entanto, não regrediu a regressão tributária. As pessoas com renda até dois salários mínimos (R$ 930, e lembremos que se trata de quase 33% da PEA) levam mais dois meses que os demais - um total de 197 dias - para quitar as obrigações tributárias. Os que ganham mais de 30 salários mínimos mensais (R$13.950) trabalham três meses a menos - um total de 106 dias - do que os de renda até dois salários mínimos para quitar tributos. A carga tributária bruta para as pessoas que ganham até dois salários é de em 53,9%, enquanto que para os que ganham mais de 30 mínimos é de 29%. A carga impositiva para quem recebe até dois salários mínimos é, portanto, 85,8% maior do que para quem recebe acima de R$ 13.950 mensais, o que contraria, obviamente, o princípio de capacidade contributiva.

O PBF, no entanto, foi usado como argumento contra a elevação do salário mínimo. Durante o debate sobre o valor do salário mínimo, o Ipea elaborou um estudo defendendo o valor menor. Argumentou que só 29% da elevação da renda das famílias proporcionada pelos R$ 15 a mais no mínimo iria para famílias efetivamente pobres. A soma da renda anual das famílias subiria R$ 2,4 bilhões com o mínimo maior. Disso, R$ 1,8 bilhão viria de benefícios previdenciários, e R$ 600 milhões, de aumento de salários. Mas só R$ 700 milhões do total iriam para as famílias mais pobres. O mesmo efeito, dizia o Ipea, poderia ser conseguido com a elevação do valor do benefício básico do PBF em R$ 10,90 por mês. O custo seria de R$ 700 milhões, supondo que todo o dinheiro destinado à elevação do benefício chegasse até os pobres.

A questão do desemprego, provocado por mudanças na estrutura produtiva e na posição mundial do país no comércio internacional, vincula-se com a questão da fome e da miséria. Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência com o desemprego em 6,7% da população economicamente ativa. Entregou-o a Lula com 9,9%. Sob o governo Lula, o desemprego elevou-se um pouco acima dos 10%. Entre os jovens de 15 a 24 anos o desemprego pulou de 35% para 40% a partir de 2001, ficando estável desde então. Mais da metade dos trabalhadores brasileiros não tem emprego formal (51,2% em 2004): "O setor informal gera empregos de baixa qualidade e remuneração, constituindo um atraso, uma distorção a ser combatida. Tem efeitos deletérios no longo prazo, na medida em que cerceia a expansão de companhias mais eficientes e que respeitam a legislação".87 Segundo o Ipea, quase 80% dos trabalhadores carece de proteção social. A urgência para conquistar o sustento individual, faz com que muitos desistam de buscar empregos com carteira assinada. Associada ao “mercado informal” está a baixa escolaridade e profissionalização.

87 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasil: Estado de uma Nação. São Paulo, 2006.

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Os dados do IBGE mostram que o “setor informal” gira riquezas equivalentes a R$ 248 bilhões anuais; segundo o Banco Mundial, essa parcela da economia brasileira chegaria a 3,8% do PIB. Para cerca de 32 milhões de trabalhadores no mercado formal, há 48 milhões no “informal”, incluindo empregados e quem trabalha por conta própria, mas sem declarar rendimentos: “A existência de uma grande parcela de cidadãos que não possuem trabalho fixo ou que trabalham no setor informal da economia, sinônimo de exclusão dos direitos trabalhistas, não permite ao Estado tomar conhecimento preciso da situação real e do montante de famílias em situação de fome e pobreza. Tentativas de identificação dos pobres através de critérios técnicos dificilmente são capazes de diferenciar os pobres do restante da população de baixa renda”.88

Para o período 2003-2006 (primeiro mandato), o governo Lula deu a conhecer um balanço econômico que lhe era favorável. A “transferência de renda” foi apresentada de modo demasiadamente geral como para ser analisada. Outros índices (como o aumento da carga tributária, inclusive sobre os salários) foram simplesmente ignorados.89 No entanto, a questão tributária e fiscal não é alheia à questão da alimentação.90

O Brasil tem um dos mais altos tributos do mundo para a comida. A camada de renda mais baixa da população brasileira paga, proporcionalmente, a maior carga tributária sobre alimentos, em relação às classes mais abastadas. Os que recebem até R$ 350 pagam tributo na comida quatro vezes maior (3,94%) do que os com renda superior a 20 salários mínimos (1,05%). A carga tributária sobre a comida é de 15,29% no país, mais do que o dobro da média dos países (7,11%) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento a Econômico (OCDE). A diferença é maior quando os números são comparados com os dos EUA: dos 50 estados norte-americanos, 34 têm alíquota zero sobre os produtos alimentícios. O tributo médio sobre a venda de alimentos naquele país é de 0,66%.

O argumento liberal afirma que, se fosse feita uma desoneração total (federal e estadual) sobre os alimentos, seria possível reduzir em 2,5 milhões o número de pobres, e em 960 mil o de indigentes existentes no país. Caso a isenção fosse realizada em apenas dez estados (Pernambuco, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Bahia) haveria redução de 6,6% da pobreza e de 18,08% da indigência (respectivamente 1,75 milhão e 684 mil indivíduos).91

Claro que essa desoneração provocaria queda na arrecadação fiscal, afetando os programas sociais. Mas os impostos indiretos (os que incidem sobre os produtos alimentícios) incidem em um percentual muito maior no orçamento da população trabalhadora e pobre, do que no orçamento das classes abastadas. E o grosso da arrecadação fiscal não é destinado a programas sociais, mas ao pagamento da dívida pública. Ainda que este fosse um dado conjuntural, é evidente que a única solução seria a 88 Um primeiro olhar sobre o Programa Fome Zero. Valor Econômico, São Paulo, 26 de junho de 2006. 89 As contas do setor público (União, Estados, municípios e estatais), excluindo despesas financeiras, registraram saldo positivo, superávit primário, durante quase todo o governo Lula. Ao incluir a fatura com os juros da dívida estatal, desse resultado primário positivo se chega a um déficit, dito nominal, do PIB. Apesar da poupança que vem fazendo desde 1998, o setor público ainda não conseguiu baixar substancialmente a sua dívida líquida. A carga tributária já ultrapassa, no entanto, 37% do PIB. Em 1995, os gastos públicos em investimentos representavam 2,54% do PIB, relação que caiu para 1,9%, em 2000, e para 0,9%, em 2005, ou seja, em 2005, o Estado absorveu 37,4% de toda a riqueza produzida, mas investiu apenas 0,9% dela. 90 No Brasil, historicamente, o crescimento da carga fiscal coincidiu com a acentuação das desigualdades regionais e, principalmente, das desigualdades sociais. Entre 1920 e 1958, a carga passou de 7% a 19% do PIB. Entre essa última data e hoje, ela subiu para 37%. 91 CAVALCANTI, Simone. Pobre paga o maior imposto em alimentos. Gazeta Mercantil. São Paulo, 15 de janeiro de 2007.

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de reduzir os impostos indiretos, ou eliminá-los (no caso dos gêneros de primeira necessidade), substituindo-os por uma taxação progressiva sobre o grande capital e seus lucros.

Desde a adoção do Plano Real, vem se verificando uma tendência para a queda da pobreza absoluta.92 Em relatório conjunto da ONU e do governo, estabeleceu-se uma redução pela metade da extrema pobreza no país, entre 1990 e 2005: nesse período, 4,7 milhões de pessoas deixaram essa condição, o que fez cair o índice respectivo de 9,5%, em 1992, para 4,2%, em 2005.93 O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, caiu de 0,595 para 0,566. Na última divulgação do índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, pela primeira vez, o Brasil entrou no rol de países considerados de alto IDH. O índice do Brasil de 2005 subiu de 0,792 para 0,800, marco do PNUD para o alto desenvolvimento. Mas o país caiu do 69º para o 70º, último lugar entre os países com IDH alto, sendo ultrapassado por Albânia e Arábia Saudita. A entrada no grupo do alto IDH foi estimulada pelo crescimento econômico e pelos programas sociais, segundo o PNUD.

A isenção fiscal, durante o governo Lula, criou também problemas para programas sociais de antiga data, gerenciados pelo setor privado, com o fim da contribuição das micro e pequenas empresas para o Sistema S: Sesc, Senac, Sesi, Senai e Sebrae. Essas entidades privadas desenvolvem “políticas sociais” voltadas para a “aprendizagem e cultura dos trabalhadores”. Os recursos são obtidos a partir de um percentual recolhido sobre a folha de pagamento de todas as empresas que atuam no “mercado formal”. Uma

92 Mas essas tendências verificaram-se paralelas a outra queda: a do rendimento médio das famílias. E algumas coisas permanecem basicamente inalteradas: os 10% mais ricos da população são donos de 46% do total da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres, ou seja, 87 milhões de pessoas ficam com apenas 13,3% do total da renda nacional. O Brasil tem 14,6 milhões de analfabetos, e pelo menos 30 milhões de analfabetos funcionais. Da população de 7 a 14 anos que freqüenta a escola, menos de 70% concluem o ensino fundamental. Na faixa entre 18 e 25 anos, apenas 22% terminaram o ensino médio. Os negros são 47,3% da população, mas correspondem a 66% do total de pobres. A renda das mulheres corresponde a 60% da renda dos homens. A tendência histórica de concentração de renda e de propriedade no Brasil é enorme: países com renda per capita similar à brasileira têm 10% de pobres em sua população, enquanto o Brasil se situa na casa dos 30%: ainda hoje, cerca de 55 milhões de brasileiros vivem em situação de pobreza. Destes, cerca de 22 milhões em indigência. No Brasil, a renda dos 20% mais ricos é quase 22 vezes maior que a dos 20% mais pobres (na China, 12,2 vezes, na Rússia, 7,6, na Índia, 5,6), e os 10% mais ricos ostentam renda 51,3 vezes maior que os 10% mais pobres (5 mil famílias se apropriam de 45% da renda nacional). 93 Cabe questionar também os índices que se usam para estabelecer a “pobreza absoluta”, tanto quanto a pobreza em geral. Segundo Pablo Rieznik, economista da Universidade de Buenos Aires: “La pobreza ha caído vertiginosamente en el último cuarto de siglo en todo el mundo y en China en particular, de acuerdo con las cifras del Banco Mundial. No se aclara, sin embargo, que bajo la lupa del capital, para situarse por arriba de la pobreza hay que ganar más de un dólar por día. En China alcanzaría para obtener el status de afluente con ganar 0,20 dólares, no uno entero, porque ése sería su poder adquisitivo en el país... Si el piso de la pobreza fuera ubicado no en un dólar sino en algo más de dos dólares diarios, la cosa cambiaría radicalmente: de 2549 millones de personas "pobres" en 1987, se pasa a 2812 millones en 1998. Excluyendo a China del cómputo, el crecimiento de la pobreza sería aún mayor - de 1797 millones de personas en 1987 a 2178 millones en 1998. Pero en China, la mayor parte de la reducción de la pobreza se produjo antes de que se iniciara la apertura comercial y financiera, con lo que no puede ser esta última el principal motor de la caída de los niveles de pobreza de ingreso en este país. El progreso económico del capital supone el incremento de la explotación del trabajo y la miseria social - que no se reduce a la pobreza en términos de ingresos sino que tiene que ver con el envilecimiento de la existencia social. Una reciente encuesta revela que en Estados Unidos el ingreso disponible de los hogares aumentó, desde mediados de los '70, como consecuencia de la incorporación de la mujer al "mundo del trabajo" (doble explotación y reducción del salario por persona en las familias) y de la prolongación de la jornada laboral, que creció en dos semanas por año. A esto hay que sumar el endeudamiento para el consumo, que por un lado compele a aceptar una mayor explotación y por el otro lado prepara la bancarrota de la economía familiar”.

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nova lei promoveu renúncia fiscal, isentando as micro e pequenas empresas. O Sesc estimou que a mudança implicou perda de 20% de sua receita.94

Para a burguesia industrial, com a promoção de novos programas sociais “focados”, estaríamos assistindo, no Brasil, a uma substituição dos eixos dos programas sociais vigentes, deslocando-os da capacitação profissional para o trabalho, em direção da assistência à fome e à penúria material em geral. Caberia pensar, no entanto, que o que preocupa este setor é que os programas sociais fixariam um patamar de remuneração mínimo da força de trabalho assalariada, do que não faltam, como veremos, exemplos históricos.

As estatísticas oficiais confirmam que a renda que vem do trabalho é uma proporção cada vez menor dos rendimentos das famílias brasileiras, em especial nas muito pobres. Em 2006, a fatia de "outras fontes" de renda que não as do trabalho ou de aposentadorias e pensões subiu. Nas famílias do “fundo do poço social”, as 10% mais pobres, o trabalho era 54% do rendimento total, contra 65% em 2004 e 76% em 2001. "Outras fontes" passaram de 18% em 2001 para 37% em 2006 (números calculados a partir de dados da PNAD de 2006). De 2001 a 2006, a renda dos 10% mais pobres foi a que mais cresceu: 56% em termos reais. A renda média dessas famílias era de R$ 131,38 mensais em 2006, ou R$ 34,77 per capita. Exatamente 1.468.142 famílias, ou 3.485.305 pessoas, declararam renda zero.

A renda média declarada de "outras fontes" cresceu para todas as faixas de renda até 80% das famílias. No caso dos 20% ou 30% mais pobres, é possível atribuir tal incremento a "rendas mínimas", entre elas o PBF. Há disparidade entre o crescimento da renda do trabalho e a de "outras fontes" entre as famílias mais pobres. No décimo mais pobre, o trabalho rendeu mais 18% entre 2001 e 2006; a renda de "outras fontes" subiu 226%. No Nordeste, a renda do trabalho subiu 7,7%; "outras fontes", 245%. O trabalho constituiu 74% da renda em 2001 e 48,9% em 2006; "outras fontes", 23% e 49,2%, respectivamente. No Sudeste, a rubrica "outras fontes" também cresceu, de 6,3% para 13,8%, da renda familiar. Falha, portanto, a inclusão dos “excluídos”,95 isto é, cresce o exército industrial de reserva.

ONGs e “Populismo” Cabe também mencionar a atuação das ONGs, central, no Brasil, nos últimos anos.96 A CGU (Controladoria Geral da União) estima que as parcerias do governo federal com entidades não-governamentais tenham consumido R$ 33,8 bilhões desde 1999. Em valores corrigidos pela inflação, os anos de mais intensa parceria da União com entidades foram 2000 e 2001. Não existe, no orçamento brasileiro, uma classificação exclusiva para os repasses feitos a ONGs (Organizações Não Governamentais) e Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Eles aparecem em meio a pagamentos feitos a “entidades privadas sem fins lucrativos”. Não há estimativa nem de quantas entidades desse tipo prestam serviços ao Estado. Existem apenas estimativas, que revelam grande crescimento desses repasses durante o governo Lula. As ONGs foram especialmente ativas na administração do PETI e na questão do trabalho infantil, desde bem antes do governo Lula.

94 O chamado Super Simples, além de diminuir a carga de impostos das micro-empresas, flexibilizou os direitos trabalhistas de seus empregados. 95 TORRES FREIRE, Vinícius. Renda zero. Folha de S. Paulo, 2 de dezembro de 2007. 96 Para o Programa Fome Zero, foi criada a “Ação Fome Zero”, ONG formada “por empresas comprometidas com o desenvolvimento humano e social do país com a missão de apoiar técnica e financeiramente ações que pretendam reduzir os níveis de pobreza do Brasil”.

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No Brasil, a aproximação entre ONGs e o governo começou nos anos 1980. Era o momento em que questões sociais, de direitos humanos, e ambientais, passaram a fazer parte da agenda política oficial. Na década de 1990, a denominação passou a ser usada por várias entidades. As Oscips, diferentemente das ONGs comuns, podem remunerar a diretoria. Em outros países, as entidades não-governamentais não recebem recursos públicos e vivem de doações. Por outro lado, um estudo do Ipea apontou que o montante investido todo ano pelo setor privado em “projetos sociais” atinge cerca de R$ 4,7 bilhões, destinados a “ações sociais” por empresas (dedutíveis, em geral do Imposto de Renda, o que provoca queda da arrecadação fiscal).97

O campo das entidades de “assistência social”, o segmento mais antigo do "terceiro setor", carece de legislação, o que se vincula à força dos lobbies articulados em relação à questão da assistência social. O segmento goza de imunidade tributária, com base no art. 50 da Constituição. Nele estão não só entidades sem fins lucrativos que atuam na área da assistência social, mas também muitas que atuam na área da saúde e da educação, que não deveriam ser consideradas como entidades privadas sem fins lucrativos. É o caso, por exemplo, de escolas e hospitais particulares que, muitas vezes, só secundariamente realizam ações gratuitas no campo da saúde e da educação, e que, no entanto são entidades contempladas com o estatuto filantrópico (ou “pilantrópico”, na piada popular).

Muitas entidades têm o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) e estão se beneficiando de imunidade tributária. O debate aponta para a atuação das

97 A Fundação Bradesco, por exemplo, movimentou em 2005 um orçamento de R$ 167 milhões para manter funcionando seus projetos. No mesmo ano, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, gastou pouco mais de R$ 46 milhões; a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, R$ 14 milhões.

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empresas propriamente ditas e das fundações empresariais que têm finalidades específicas nesse campo.98

A legislação existente é uma colcha de retalhos, amparada sob a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social). Um núcleo de interesses enorme, que ultrapassa a conjuntura do governo Lula, se constituiu em torno de ONGs,99 cujo número ultrapassa a casa dos milhares. O valor dos repasses do Estado às ONGs (que atingiu 1,3% do PIB em 2006, depois de um forte crescimento) se estabilizou a partir de 2007.

98 As fundações mereceriam um capitulo à parte. Freqüentemente não encaminham dados de sua atuação ao ministério público. O volume de dinheiro público repassado a essas entidades é grande: pelo menos, 113 fundações brasileiras foram beneficiadas com recursos federais, cujos fins vão desde bolsas de pesquisa a promoção de eventos. Promotores públicos lutam pela extinção dessas entidades. 99 Sobre o papel internacional das ONGs já foi dito que: “O mercado da expertise (consulta e avaliação) internacional é elitista e protegido. Para aceder a ele, é necessário possuir competências lingüísticas e culturais… As organizações não-governamentais recrutam entre os melhor diplomados dentre os profissionais jovens dos campi… Porém, o acesso para esta elite educacional está reservado, no essencial, para os herdeiros de um establishment liberal que sempre cultivou certa forma de idealismo e universalismo. Graças a tal recrutamento, algumas organizações ‘militantes’, algumas ONGs, têm um viveiro constantemente renovado de competências. Tão incentivado quanto reconhecido, eles se transformam em sócios ‘críticos’ das multinacionais e dos Estados. Estas colaborações, mal remuneradas, mas ricas de experiência, não excluem, ou até mesmo encorajam, carreiras ulteriores nas instituições de Estado, nos grandes estudos de consulting ou de avaliação, até nas multinacionais. Os profissionais da ‘combatividade’ re-encontrarão os velhos colegas de escola, e muitas vezes os ultrapassarão. Os treinamentos ‘militantes’ deste tipo permitem adquirir algumas das chaves da "internacionalização", realmente essenciais: um carnê de endereços, mas também uma experiência política que combina a visibilidade da mídia e a discrição da intriga, do lobbying, sem esquecer de uma reputação muito útil no caso de reconversão ulterior como "empresário moral"” (DEZALAY, Yves; GARTH, Bryant. Connivence des élites internationalisées. Le Monde Diplomatique, Paris, junho 2005).

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Conseguindo fazer um governo que agradasse ao capital em geral, especialmente o setor financeiro, e que mantivesse, ao mesmo tempo, o apóio das camadas mais pobres da população, a experiência brasileira 2003-2010 propõe de fato um novo “modelo de governabilidade” (ou “governança”), de alcance universal? Ou estaríamos diante da reedição das clássicas políticas clientelistas do populismo (nacionalismo) latino-americano? A oposição é simplista. Por um lado, as “políticas sociais focalizadas” levam visivelmente a marca da crise social das décadas de 1980-1990 na sua ata de nascimento (ou seja, são políticas de crise).

Por outro lado, as diferenças com o populismo “histórico” (peronismo ou varguismo, por exemplo) são gritantes: a marca principal dos regimes nacionalistas de meados do século XX na América Latina foram as concessões feitas em matéria salarial e de cobertura social (incluídos o salário mínimo, e o salário diferido na forma de legislação social e previdenciária) e também sindical, com vistas a criar estruturas sindicais atreladas ao Estado (a chamada “integração da classe operária”). A “assistência social” aos pobres não trabalhadores, ou trabalhadores informais e/ou ocasionais (“biscateiros” no Brasil, ou “changuistas”, na Argentina) ocupou, nesses regimes, um lugar secundário, quando não simplesmente inexistente. A sua função histórica foi, portanto, diversa.

O governo do PT buscou, por sua vez, evitar a acusação de “reedição do populismo”. Os programas sociais atuais se encontrariam "no fio da navalha, essa estreita fronteira entre direitos e carências na qual transitam programas como esse (e que) diz respeito às mediações políticas entre o mundo social e o universo público dos direitos e da cidadania. Essas mediações, a serem construídas e reinventadas, circunscrevem um campo de conflito que é também de disputa pelos sentidos de modernidade, cidadania e democracia. Disputa que diz respeito também ao sentido político e desdobramentos possíveis de programas de enfrentamento à pobreza. Pois, no fio da navalha em que transitam, suas promessas de cidadania dependem grandemente da refundação da política como espaço de criação e generalização de direitos".100

No segundo mandato de Lula, a “segunda geração” da reforma da previdência propôs um programa de Renda Básica do Idoso, em substituição da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (de dezembro de 1993, que regulamentou os artigos 203 e 204 da Constituição federal de 1988) que estabelece, em seu artigo primeiro: "A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas". A lei vem sendo gradativamente substituída pelo “programa”, a garantia do direito pela precariedade da concessão, subordinada à vigilância do condicionamento (é isto que é proposto como “modelo mundial”, nos chamados behavior-based income transfers).

Conclusões Os programas sociais compensatórios foram classificados dentro dos “estabilizadores automáticos” da economia capitalista, com vistas a evitar que as políticas anticíclicas viessem a depender de ações aleatórias, dependentes dos humores políticos. Segundo Paulo Haddad, “desde a crise de 1929 se vem buscando implantar mecanismos legais, constitucionais (seguro desemprego, Previdência Social) ou infraconstitucionais (programas sociais compensatórios) que possam defender o nível de renda da economia, 100 TELLES, Vera Silva. No fio da navalha: entre carências e direitos. Notas a propósito dos programas de Renda Mínima no Brasil. Programas de Renda Mínima no Brasil. Impactos e potencialidades. São Paulo, Polis, 1998.

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atenuando os impactos da insuficiência de demanda agregada (mas) se a atual crise econômico - financeira mundial se prolongar e se aprofundar haverá uma perda de eficácia relativa desses estabilizadores, que estão totalmente ancorados na receita federal e na sua expansão”.

A unificação e ampliação dos programas sociais compensatórios, efetuada pelo governo Lula, teve essa função econômica como eixo essencial. Significou também uma mudança na orientação política do Estado, fazendo da política de assistência social um dos eixos principais da estabilidade política (nos governos precedentes, aquela ocupava um lugar econômica e politicamente secundário). O orçamento do MDS aumentou 150% entre 2003 e 2008 (passando de R$ 11,4 bilhões para R$ 28,6 bilhões). A unificação não foi, portanto, meramente administrativa, mas (macro) econômica e política. O debate acerca da “renda básica” que o precedeu foi seu solo ideológico.

A mudança afetou os métodos de governo (ou “governança”). Na etapa política precedente, os direitos sociais eram postos como universais; em 1988 implantou-se uma "Constituição Cidadã", em momentos em que, como aponta Julia Sant´Anna, muitos dos países vizinhos do Brasil “já se adaptavam às restrições das reformas de mercado”. Aquela Constituição implantou o Sistema Único de Saúde, assim como um benefício assistencial a adultos maiores de baixa renda.

A mesma autora nota que “seis anos de governo de um partido diretamente envolvido nessas conquistas permitem ver que sua principal estratégia social é a concessão de benefícios que não são direitos garantidos por lei”, supostamente porque a suspensão do benefício funcionaria como castigo aos que não cumprem com as regras estabelecidas, no que é caracterizado como “contradição histórica entre o que perseguia o PT nos anos 1980, e o que pôs em prática já no governo”, pois o PBF “não substituiu os direitos ainda inacessíveis para os que no estão cobertos pelo sistema de proteção social”.

O próprio tratamento da “questão social” mudou de eixo. Os programas sociais “focalizados” permitiram uma diminuição significativa da pobreza absoluta, coexistente, no entanto, com uma trajetória pouco alterada da concentração de renda e, ao mesmo tempo, com uma diminuição da renda média das famílias, uma diminuição significativa da remuneração média do trabalho assalariado, e um grande incremento das fontes de renda não vinculadas ao trabalho, nas camadas mais pobres. Isto indicaria que os programas sociais foram financiados, basicamente, com uma transferência de renda dos assalariados para os setores mais pobres.

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Cabe, portanto, questionar a própria noção de “transferência de renda”, que provoca a impressão de um imposto pago pelos setores mais abastados para financiar a sobrevivência dos mais pobres, e que classifica as classes sociais, não pela sua relação com os meios de produção e de troca, mas pelo seu “nível de renda”. Os programas sociais compensatórios são financiados, basicamente, não pela taxação do capital, mas pela taxação do salário, na forma de impostos ou contribuições, por isso a diminuição da pobreza absoluta coexiste com a diminuição real da média do piso salarial (e da própria massa salarial, quando medida em relação ao PIB).

Pois, do lado oposto da estrutura social, o faturamento real (descontada a inflação) das empresas brasileiras cresceu 41% de 2000 para 2007. As empresas da Bolsa de Valores dobraram seu lucro desde 2003: o lucro total das 257 companhias que fazem parte da Bolsa de São Paulo dobrou do início do governo Lula até o final de 2007, passando de R$ 61,6 bilhões para R$ 123,7 bilhões (um aumento de 100,76%).

A Petrobrás e a Vale do Rio Doce juntas lucraram R$ 41,5 bilhões, o que corresponde a metade da soma dos ganhos de todas as outras 255 empresas listadas. Mas o capital financeiro foi o grande beneficiário da política econômica: os bancos lideraram, em lucratividade, em todos os anos do governo Lula. O lucro total do setor passou de R$ 12,7 bilhões em 2003 para R$ 28,7 bilhões em 2006, um aumento de 225%. Em 2007, o setor bancário teve um lucro de R$ 45,4 bilhões, batendo os recordes precedentes.

Os assalariados, ao serem os principais financiadores do caixa do Estado (em um país em que a sonegação fiscal do empresariado é a regra) e, portanto, dos programas sociais compensatórios, financiam: a) A estabilidade econômica, ou seja, a própria reprodução capitalista, que se beneficia dos programas sociais como “estabilizadores automáticos”, via consumo das camadas sociais beneficiadas; b) A estabilidade social, ao financiar uma renda paliativa da miséria social; c) A estabilidade política, ao dotar o governo de uma base político/eleitoral refém do pocket vote, ou seja, de subsídios precários que dependem da renovação de seu mandato político; d) A recuperação do capital, ao estabelecer um mecanismo de financiamento do exército industrial de reserva na “entressafra” da recessão ou da crise, criando uma massa de força de trabalho disponível. Sua plena disposição depende, no entanto, da supressão ou redução (por qualquer mecanismo) dos subsídios compensatórios.

Os recursos consagrados aos “direitos universais” estabelecidos constitucionalmente experimentaram, ao contrário dos programas sociais, um retrocesso relativo durante o governo Lula: os gastos com saúde e educação, embora crescessem em termos absolutos, decresceram em termos percentuais, passando de 1,79% para 1,59% do PIB, e de 0,95% para 0,77% do PIB, respectivamente (de 1995 até 2005). Uma diferença de 0,4% do PIB, enquanto os “gastos sociais” foram incrementados, em prazo semelhante, em 0,7% do PIB. A diferença de 0,3% foi coberta, em principio, pela maior taxação (direta e indireta) dos salários.

Desde os primórdios da sua formulação, ainda sob os governos “neoliberais”, os programas sociais compensatórios coexistiram com a redução dos gastos sociais nas áreas prioritárias que atingem a maioria da população - saúde, educação, transporte urbano e moradia - em função do ajuste dos gastos públicos para a “modernização” do parque produtivo como necessidade da nova “agenda internacional competitiva”, ou simplesmente para atender às necessidades de remuneração do capital financeiro, como na recomendação explicita do FMI.

A política geral do governo Lula não provocou uma inflexão na tendência histórica de queda relativa do rendimento do trabalho, considerando tanto o salário direto quanto o

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indireto (saúde, previdência e educação pública): a remuneração do trabalho tem um peso na renda nacional, em 2008, de 39,1%; em inícios da década de 1980, ela superava 50%. As condições criadas, de retrocesso relativo da pobreza mais acentuada, se encontram vinculadas ao desempenho econômico da conjuntura prevalecente até 2008, sem mudanças de natureza estrutural na produção de renda (e na sua distribuição, que é conseqüência daquela).

Os “programas sociais focalizados” se revelaram complemento necessário do “neoliberalismo”, que assim se revela como não contraditório com o “Estado interventor” (ou “desenvolvimentista”), mas como seu desdobramento necessário em condições de crise do capital, e da ampliação – como via de saída para essa mesma crise, pelo incremento da taxa de mais-valia e da taxa de exploração – do exército industrial de reserva.

Na medida em que esses programas são financiados por fundos estatais, as ações do Estado se ampliam, no sentido da regulação do mercado de trabalho com a transferência do fundo público, em proporção crescente, para o financiamento do setor privado, assumindo os custos da reprodução da força de trabalho: o Estado (como “depositário” do fundo público) transforma-se, mais do que nunca, em pressuposto geral da acumulação de capital.

A questão da pobreza no Brasil continua em trajetória precária. O quadro da porcentagem de pobres nas grandes cidades é de mais de 40%, no Recife e em Fortaleza, mais de 30% em Belém e Salvador, mais de 20% em Belo Horizonte, mais de 15% em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, mais de 10% em Curitiba. Na média das metrópoles brasileiras, 21,01%, ou 4,9% a mais do que em 2000, 2,4% a mais do que em 2006.

O papel das ONGs na execução dos programas sociais as caracteriza como a principal articulação entre o governo e a sua base social-eleitoral. O “modelo Lula” de governabilidade consistiu, basicamente, na estruturação, como base política (e organizadora da base social) de seu governo, as ONGs e os funcionários públicos encarregados de gerenciar os “programas sociais” (em especial o PBF), cuja extensão propõe ampliar, precisamente no mesmo momento em que a redução dos ingressos fiscais mina suas bases econômicas.

A constituição de uma população cuja sobrevivência depende de programas de ajuda social, não incorporados à estrutura institucional do país, se configurou como um paliativo dependente de fatores principalmente externos e conjunturais. A partir de 2002, a retomada do comercio externo e da produção local, junto com o crescimento dos recursos fiscais (graças ao ciclo comercial mundial, favorável às matérias primas latino-americanas) serviu ao conjunto dos governos da região (inclusive os neoliberais) para lubrificar os antagonismos sociais, ou para a promoção das camadas mais desfavorecidas: Venezuela e Bolívia impulsionaram importantes campanhas de saúde e de educação (que nunca seriam feitas pelas velhas oligarquias desses países), mas não avançaram em sentar as bases econômicas de uma autonomia nacional que sustentasse a longo prazo os programas sociais.

América Latina viveu cinco anos com altas taxas de crescimento, inflação reduzida aos menores patamares históricos e orçamentos equilibrados ou até com superávits. Ao mesmo tempo, 40 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza (pelo menos estatisticamente) durante esses anos. O retrocesso relativo da pobreza mais acentuada esteve vinculado ao desempenho econômico da conjuntura, não a mudanças de natureza estrutural.

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A crise econômica mundial afeta as economias latino-americanas, muito dependentes da venda de matérias-primas (que representam mais de 60% das exportações do subcontinente); todos os países se vêem afetados negativamente pelas baixas do petróleo, do cobre ou da soja. As contas nacionais paulatinamente se ressentem de arrecadações menores. A situação do mercado mundial consente cada vez menos uma saída baseada num novo ciclo de endividamento. Os fluxos de remessas, aplicações e investimentos diretos estão em queda. No Brasil, em 2009, a arrecadação fiscal experimentou sua primeira queda desde 2003, que questiona a expansão (no entanto anunciada) dos programas sociais compensatórios.

O “modelo Lula” terá sido o de dotar, temporariamente, de certa estabilidade, e até de certa identidade política (via ONGs e uma parte da esquerda) ao financiamento da “reserva de mão de obra”, e do próprio consumo, pela população assalariada, com programas condicionados que não tocam o lucro capitalista. Valorizado internacionalmente pela crise em que mergulhou a economia mundial a partir de meados de 2007, o “modelo”, no entanto, leva a marca da precariedade e da condicionalidade que ele próprio imprimiu ao seu principal instrumento, devido à sua dependência umbilical de uma situação econômica conjuntural.

Os programas sociais, por outro lado, parecem estar atingindo seu limite em termos de erradicação da miséria absoluta. A natureza capitalista (governada pela extração de mais-valia e pela anarquia da produção, a “cegueira“ do mercado) da produção alimentar, e a própria crise do capital, impõem um limite intransponível à ação anti-cíclica e paliativa do Estado.

A sua implantação, no entanto, abalou completamente as estruturas políticas precedentes, ao ponto destas não poderem ser re-implantadas simplesmente como no passado, em caso de crise do “modelo”. Política de crise, ela amplia as bases da crise que a originou, mas pode (como fez a aparentemente “inocente” Comissão de Luxemburgo, durante a revolução parisiense de 1848, que, nas palavras de Marx, “revelou o segredo da revolução social do século XIX”) aproximar as mais amplas camadas de trabalhadores do debate acerca dos meios para erradicar definitiva e estruturalmente a miséria social (com métodos anti-capitalistas e socialistas) que foi a marca da formação social brasileira desde seu nascedouro. Caso isso aconteça, o impacto internacional da questão social do Brasil será mais profundo ainda, mas por razões diversas e até opostas às que motivaram os “programas sociais compensatórios”.

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