TECNOLOGIAS SOCIAIS E PRODUÇÃO ARTESÃ: ESTUDO INTERDISCIPLINAR DE INCLUSÃO NO MERCADO
O currículo interdisciplinar e o aluno do ensino fundamental
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PROGRAMA 1
O CURRÍCULO INTERDISCIPLINAR E O ALUNO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Egon de Oliveira Rangel
1
1. “Gavetinhas do saber”
Durante boa parte da primeira metade do século passado, a primeira revista infantil
brasileira, O Tico-Tico, manteve em suas páginas a “Gavetinha do Saber”. Cantada em
prosa e verso por muitos de nossos melhores escritores e intelectuais, pode-se dizer que
a “Gavetinha” era uma coluna dedicada à divulgação científica, se entendermos por
“ciência” o conhecimento consolidado e sistematizado sobre os mais diferentes aspectos
da realidade natural ou humana. E as “lições de coisas” que a “Gavetinha” trazia
fizeram a delícia de nossos avós, informando-os, em linguagem coloquial, — mas
criteriosa, para os padrões da época, — sobre assuntos de interesse não só para a vida
social e escolar, mas para a imaginação das próprias crianças. Já pelo nome que
recebeu, a “Gavetinha” tinha a intenção explícita de ajudar seus jovens leitores a dar
respostas satisfatórias a duas das mais inquietantes interpelações escolares: o que se
deve saber, dentre os conhecimentos socialmente consolidados? Como organizar e onde
guardar esses conhecimentos? Cada seção era, assim, uma gavetinha com informações
pré-selecionadas, para o uso imediato e futuro da criança curiosa.
Guardadas as mais que devidas diferenças de objetivos e de contexto social, a
escolarização do conhecimento socialmente consolidado busca algo de semelhante.
Afinal, parte significativa do trabalho didático-pedagógico consiste em:
selecionar conteúdos, informações, conhecimentos, saberes etc. considerados
pertinentes para os sujeitos visados pela ação educativa;
submeter esses conteúdos a um tratamento capaz de despertar interesse e, assim,
favorecer sua assimilação;
organizá-los de forma a facilitar sua recuperação, sempre que necessário.
Na perspectiva do ensino tradicional, esta era uma tarefa assumida diretamente pelos
educadores: selecionar o que um determinado tipo de aluno deveria aprender, e
organizar tudo em gavetas adequadas, do ponto de vista do volume de informação
envolvido e do nível em que esse aluno se encontrasse. Instruído pela escola a respeito
da relevância desses conhecimentos e dos tipos de arquivos em que estavam guardados,
cabia a ele reconhecê-los por meio do constante e renovado exercício da busca,
utilizando-os sempre que oportuno. Num contexto como esse, a “Gavetinha do Saber”
era, então, uma alternativa mais “amigável”, oferecida pela incipiente indústria cultural
brasileira, à sisudez asséptica dos padrões de escolarização da época.
Já numa perspectiva mais recente, o ensino procura promover um contato o mais direto
possível do aprendiz com esses saberes, por meio de experiências cuidadosamente
organizadas pela escola, com o objetivo de levá-lo a desenvolver competências e
habilidades que lhe permitam decidir com alguma autonomia o quê merece ser guardado
— e em que “gavetas”. Nesse sentido, a sistematização do conhecimento pretendida
pela escola contemporânea não é apenas reconhecida pelo aluno, como antes, mas deve
ser assumida e promovida por ele, sob a orientação do professor e de toda a escola. Por
outro lado, as “gavetinhas” oferecidas aos jovens aprendizes pela indústria cultural
contemporânea são muitas e variadas, também demandando, por sua vez, seleção e
apreciação crítica, tanto por parte dos educadores e demais mediadores do ensino-
aprendizagem quanto da própria criança.
Seja como for, em algum momento do ensino e/ou da aprendizagem, as “gavetinhas” —
ou qualquer outro dispositivo de mesma função — se impõem, como forma de
sistematizar e dar sentido ao que “já foi aprendido”. Situando-se no âmbito do Ensino
Fundamental, as reflexões que se seguem procuram argumentar em favor de um
princípio organizador dos conteúdos curriculares — o das “áreas de conhecimento” —
que pode contribuir de forma bastante eficaz tanto para o planejamento do ensino
quanto para a sistematização da aprendizagem, substituindo com vantagem as antigas ou
atuais “gavetinhas do saber”, mas preservando seu interesse e sua motivação cultural.
Vejamos por quê.
2. A produção social de conhecimentos e a escolarização
Seja para reproduzir as condições em que funcionam, seja para questionarem-se e
procurarem superar-se, as sociedades produzem, reproduzem, modificam e processam
conhecimentos. Muitos deles revelam-se fundamentais: por um lado, para a
compreensão da natureza, do homem, das sociedades e das relações do homem com a
natureza; por outro lado, para fundamentar interferências conscientes e responsáveis do
homem, seja na natureza, seja na vida em sociedade.
Assim, as sociedades acabam por estabelecer, a cada momento de sua história, dois
campos distintos, mas articulados entre si, de construção de conhecimentos: de um lado,
o campo da investigação e da pesquisa — que procura elaborar respostas plausíveis para
questões que traduzem interesses, inquietações e mesmo perplexidades coletivas; de
outro lado, o campo da divulgação e do ensino-aprendizagem — que pretende
estabelecer um determinado conjunto de saberes relativamente consolidados pela
experiência (geral ou de grupos específicos) e passíveis de uma ampla assimilação
social. E na medida em que esses conhecimentos revelem-se capazes de responder a
demandas coletivas, sua (re)produção, seu questionamento e sua superação tornam-se
essenciais para a própria sobrevivência da sociedade.
A (re)produção e a transmissão dos saberes socialmente consolidados envolvem,
necessariamente, diferentes modos e processos de divulgação e de ensino-
aprendizagem. Há coisas que se aprendem “na vida”, em experiências únicas; outras,
“em serviço”, junto a parceiros de diferentes profissões e/ou funções; outras, ainda, na
escola, com educadores e colegas. No entanto, em sociedades complexas como a nossa,
a escola se constitui como um espaço institucional especializado no ensino-
aprendizagem desses saberes; e como tal, também procura dotar o aluno que a sociedade
lhe confia de conhecimentos essenciais “para a vida”, “para o trabalho” e para a
continuidade nos estudos.
Mas há um “porém” — como sempre nos lembrava Plínio Marcos. Na vida, aprende-se
o que se quer ou o que se pode, às próprias custas, do jeito que der, informalmente. No
trabalho, aprende-se o que é necessário para o exercício de uma determinada função: às
vezes, informalmente; outras vezes, em atividades especialmente dirigidas para os
objetivos imediatos em jogo. Em ambos os casos, aprende-se na prática, nas situações
em que o conhecimento é requerido, no calor da hora. E, portanto, com o sabor da
pertinência e o senso da oportunidade, ou mesmo da emergência. Já na escola, que
pretende articular e antecipar, em relação ao momento “oportuno”, os conteúdos desses
dois tipos de saberes, a aprendizagem se dá antes que eles se revelem necessários para o
aluno, e fora das situações em que normalmente são requeridos. E implicando, portanto,
um processo de escolarização:
Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o
surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de “saberes
escolares”, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e
disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável
pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem.
A diferença fundamental entre o aprendizado corporativo medieval e o aprendizado
escolar que se difundiu no mundo ocidental, a partir, sobretudo, do século XVI, foi
uma revolução do espaço de ensino: locais dispersos mantidos por professores
isolados e independentes foram substituídos por um prédio único abrigando várias
salas de aula; como conseqüência e exigência dessa “invenção” surge um tempo de
ensino: reunidos os aluno num mesmo espaço, a idéia de sistematizar o seu tempo
se impunha, idéia que se materializou numa organização e planejamento das
atividades, numa divisão e gradação do conhecimento, numa definição de modos de
ensinar coletivamente. É assim que surgem os graus escolares, as séries, as classes,
os currículos, as matérias e disciplinas, os programas, as metodologias, os manuais
e os textos — enfim, aquilo que constitui até hoje a essência da escola (SOARES,
2000).
No entanto, ainda que em seu âmbito próprio, o saber escolar deve fazer sentido
também para a vida, para o trabalho e... para o momento e o contexto em que se
encontra o aprendiz, posto “à margem” da lida dos adultos, exatamente para que se
prepare para ela da melhor forma possível. E mais ainda: na medida em que a produção
de conhecimentos socialmente consolidados é cada vez mais uma tarefa a cargo de
especialistas, em universidades e em outras instituições voltadas para a pesquisa, os
saberes escolares devem legitimar-se também do ponto de vista dessa pesquisa
especializada. Caso contrário, rapidamente estarão obsoletos.
Assim, cabe ao que se convencionou chamar de transposição didática o desafio de, num
único processo de ensino-aprendizagem escolar, equacionar a (re)produção de
conhecimentos não só relacionados à vida, ao trabalho e à pesquisa, mas ainda
pertinentes e oportunos para o momento e o contexto do próprio aprendiz. De certa
forma, esta é a equação a ser resolvida, em diferentes instâncias, pelos currículos,
disciplinas, metodologias, manuais e textos ainda há pouco referidos por Soares (2000).
Sem esquecer, evidentemente, do empenho do professor, em suas práticas de sala de
aula.
Quando define o que é relevante para um determinado aprendiz, a escola procura, entre
outras coisas, discriminar e caracterizar o que chamamos de conteúdos, provenientes da
vida em sociedade, do mundo do trabalho e da pesquisa especializada. Assim,
informações de tipos diversos, modos de pensar, formas de investigar, atitudes a serem
desenvolvidas, conceitos e noções tendem a ser organizados, no espaço-tempo escolar,
de acordo com a sua natureza e com os modos mais ou menos consagrados de abordá-
los didaticamente, constituindo-se, então, como objetos de ensino-aprendizagem de uma
mesma disciplina.
Leitura, produção de textos, escuta crítica, produção oral e análise e reflexão sobre a
linguagem, por exemplo, são objetos de ensino-aprendizagem que se associam à
“Língua Portuguesa” porque estão necessariamente em jogo, quando se trata de ensinar
português. Por outro lado, paisagens naturais, espaços e dinâmicas urbanas, relação
homem/natureza, atitudes em relação ao meio ambiente, movimentos migratórios etc.
constituem objetos de “Geografia”, na medida em que o trabalho com essa disciplina
aborda esses tipos de conteúdos.
Entretanto, nem sempre os objetos de ensino-aprendizagem abrigados em uma
disciplina têm a mesma origem, do ponto de vista da pesquisa. No caso de “Língua
Portuguesa”, por exemplo, muito do que se ensina-aprende na escola veio de áreas de
investigação como a Lingüística, a Filosofia da Linguagem, a Teoria Literária, a
Semiologia, a Psicologia, a Pedagogia e muitas outras. Por outro lado, com freqüência
os objetos “de uma disciplina” não são exclusivos dela. Para ficar em um único
exemplo: ler e escrever estão em toda parte; e todos os conhecimentos que um
leitor/escritor adquire, na escola e fora dela, são decisivos para o desenvolvimento de
sua proficiência em leitura e produção de textos.
O grande desafio da escolarização dos saberes está, então, em atender simultaneamente
a essas diferentes esferas de (re) produção de conhecimentos, ao mesmo tempo em que
se constitui como uma esfera própria, capaz de atribuir sentidos... pedagógicos aos
conteúdos que veicula.
3. Áreas do conhecimento, currículo e relação pessoal com o saber
Considerando-se o papel estratégico que os currículos desempenham para uma
transposição didática adequada a um determinado contexto escolar, a organização em
áreas pode constituir-se num instrumento bastante pertinente. Isso, porque as áreas do
conhecimento são delimitadas por critérios que cruzam, necessariamente, princípios
próprios da pesquisa especializada, das demandas sociais e da organização do ensino-
aprendizagem escolar.
Quando a escola reconhece, em seu próprio âmbito, uma área como a das Ciências
Exatas, por exemplo, está, ao mesmo tempo, reconhecendo que um grande grupo de
atividades de pesquisa tem objetos e métodos parcial ou totalmente afins, ao mesmo
tempo em que esse denominador comum denuncia um mesmo tipo de inquietação,
curiosidade e demanda social. E é bastante produtivo, do ponto de vista pedagógico,
reconhecer que aprender tabuada, resolver equações, fazer recenseamentos e
levantamentos estatísticos, viabilizar projetos de edificações, projetar e construir
máquinas, por exemplo,
relacionam-se entre si de formas previsíveis,
são abordados numa só perspectiva,
organizam-se em diferentes níveis de complexidade,
exigem procedimentos de mesma natureza,
pressupõem, para os que desejam dominá-los, competências e habilidades
semelhantes.
Por isso mesmo, quanto mais percebemos o que diferentes tipos de conhecimentos têm
em comum, mais sabemos sobre cada um deles, mais percebemos sua pertinência social
e melhor podemos organizá-los do ponto de vista da eficácia do ensino-aprendizagem
escolar.
Uma das vantagens mais evidentes desse reconhecimento é a abordagem
interdisciplinar dos conteúdos de cada matéria ou disciplina. Sem eliminar o ponto de
vista que evidencia a especialidade de cada objeto do conhecimento, essa perspectiva
evita a especialização precoce e artificial: o planejamento do ensino de disciplinas afins
é, então, estimulado a articular-se no interior de uma mesma área e até entre as
diferentes áreas, propiciando a criação de espaços comuns de ensino-aprendizagem. É o
que acontece, por exemplo, com os projetos temáticos por área ou inter-áreas.
Motivados por preocupações sociais associadas à curiosidade e às inquietações do
próprio aluno, temas como a escassez mundial de água potável, o desemprego endêmico
de uma determinada região, a contribuição do negro para a formação da cultura
brasileira etc. propiciam a alunos e professores espaços de interlocução, reflexão e
análise em que preocupações da vida social cotidiana são tomadas em perspectivas
teóricas diferentes mas articuladas.
Nesse sentido, a organização curricular em áreas do conhecimento é uma excelente
oportunidade para a escola organizar suas atividades de forma a privilegiar o
desenvolvimento daquelas capacidades, ferramentas e procedimentos que, por se
revelarem implicados em conhecimentos disciplinares os mais variados e diversos,
colaboram para o desenvolvimento da autonomia relativa do aluno no processo de
aprendizagem. É o que acontece com a leitura e a escrita, a capacidade de traduzir dados
da experiência em quantidades, volumes e proporções, a consciência das determinações
histórico-sociais da experiência humana, a percepção de relações as mais diversas
(contigüidade, causa/efeito, implicação...) entre diferentes tipos de fatos etc.
Se tomarmos como referência a proposta já feita, no âmbito dos PCN, para o Ensino
Médio, podemos nos interrogar, então, se as áreas propostas para aquele nível — 1.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; 2. Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias; 3. Ciências Humanas e suas Tecnologias — não seriam, também,
produtivas para a organização curricular das disciplinas do Ensino Fundamental.
Evidentemente, não cabe defender essa posição num texto como este. Mas nada impede
que a questão seja levantada para o debate.
4. A relação com o saber e a organização curricular dos conhecimentos escolares
Seja como for, convém não esquecer que nenhum processo de escolarização de
conhecimentos será eficaz se todo o aparato que o constitui não considerar o que há de
particular no aprendiz a que se destina. É para ele, no momento e nas situações por ele
vivenciadas, que os objetos propostos pela escola precisam fazer sentido. Assim, a
transposição didática envolve um processo de re-significação dos saberes, ou seja, um
constante diálogo entre pesquisa especializada, vida, trabalho e demandas escolares. É
nesse diálogo, podemos dizer, que se estabelece o que Charlot (2000) denomina como
“relação pessoal com o saber”:
A relação com o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com
os outros. É relação com o mundo como conjunto de significados, mas, também,
como espaço de atividades, e se inscreve no tempo. [...] Analisar a relação com o
saber é estudar o sujeito confrontado à obrigação de aprender, em um mundo que
ele partilha com outros [...] Essa análise concerne à relação com o saber que um
sujeito singular inscreve num espaço social. (p. 78-79)
Baseando-nos no autor acima citado, podemos dizer que a relação com o saber é o
vínculo que o indivíduo estabelece com os conhecimentos socialmente solidificados em
função de sua trajetória pessoal de aprendizagem, tanto formal quanto informal. Grosso
modo, esse vínculo se manifesta em atitudes positivas ou negativas, ou seja, no desejo
ou na resistência em aprender algo novo, assim como na atitude pessoal manifesta em
relação aos diferentes tipos de saber, aos agentes e às instâncias relacionadas à
aprendizagem.
Inspirado pelas possibilidades abertas por essa perspectiva, na reflexão sobre o ensino-
aprendizagem escolar, um grupo de pesquisadores e educadores relacionados a duas
ONGs paulistanas, o CENPEC e o Litteris, realizou, em 1998, uma pesquisa com alunos
de 12 a 17 anos do segundo segmento do Ensino Fundamental público, em bairros
populares da cidade. O objetivo era verificar como esses adolescentes viam a si mesmos
como sujeitos de alguns saberes, e o que, segundo eles, teriam aprendido de relevante
até aquele momento, com quem e em que espaços sociais.
Coincidindo com resultados de pesquisas semelhantes em outros países, nossos alunos
reconheceram, como conhecimentos escolares fundamentais, ler, escrever e contar. Mas
eles viram, nos demais conteúdos escolares, “coisas que a gente aprende pra passar de
ano”; ou seja: conhecimentos pouco ou nada significativos para a vida ou para o
trabalho. Por outro lado, consideraram os “ensinamentos da vida”, e, em particular, as
lições de respeito ao próximo aprendidas na família, em especial com a mãe, como os
conhecimentos essenciais. Nas entrelinhas desses discursos, surgia então a dificuldade
de a escola tornar significativos e relevantes, para os seus alunos, os conteúdos
disciplinares com que tanto se preocupam.
Outro diferencial dessa pesquisa foi o rumo inesperado que as oficinas acabaram
tomando. Pensadas, originalmente, como instrumentos para levar os adolescentes a
produzir discursos sobre os temas investigados, essas oficinas levavam os alunos a:
fotografar o meio em que viviam e organizar exposições/documentários que o
descrevessem e/ou explicassem;
vivenciar situações em que tivessem que pensar como estariam e quem seriam,
dali a 10 anos, registrando essa experiência por escrito;
fazer colagens, modelagens etc. que retratassem uma cena importante de suas
vidas, em que tivessem aprendido algo de fundamental;
escrever uma carta para a pessoa que escolhessem, contando a cena retratada na
atividade anterior e comentando sua importância.
Mas a forma como foram concebidas e, em especial, a dinâmica que as caracterizou,
deu às oficinas um caráter pedagógico imediato. Sem exceção, os alunos pesquisados
sentiram-se aprendendo. E aprendendo coisas significativas para a vida, o trabalho e... a
própria escola.
Revistas 10 anos depois, mas encaradas tais como foram recebidas pelos alunos, à
época, essas oficinas revelam um caráter interdisciplinar. Pode-se dizer que se
encontravam, ali, objetos de ensino-aprendizagem da área de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias. Nos textos lidos e produzidos pelos alunos, a leitura e a escrita eram
reconhecidas como “redações”, mas eram valorizadas pelo que significavam para eles.
Nas dramatizações, nos jogos, nas colagens, nas fotos, eram as artes e a Educação Física
que se manifestavam; e havia ali um aprender a fazer que todos legitimavam. Já nas
descrições que fizeram do ambiente em que moravam, os alunos identificavam, ainda,
elementos de estudo do meio, de História e de Geografia (Ciências Humanas) que
gostariam de ver tratados na escola.
Portanto, podemos imaginar que o trabalho integrado entre docentes de disciplinas
diferentes, cada um deles ocupando-se do que há de específico em seus objetos, mas
toda a equipe atuando num espaço e num projeto comuns, como o das oficinas citadas,
pode constituir-se numa referência interessante para a organização de um ensino-
aprendizagem escolar que, sem desconhecer as disciplinas e sua relevância pedagógica,
beneficie-se da perspectiva articuladora das grandes áreas do conhecimento. E o mais
importante: que permita ao aluno estabelecer uma relação pessoal positiva com o saber,
capaz de estimulá-lo a desejar continuar aprendendo.
Numa perspectiva como esta, as “gavetinhas do saber” podem ser feitas sob medida por
alunos e professores; que podem até superá-las, como formas de organização
intelectual.
BRASIL. MEC. SEMTEC. Parâmetros curriculares nacionais; ensino médio. Brasília:
MEC/SEMTEC, 2002.
CENPEC & LITTERIS. Escutar: um ponto de encontro. 2ª ed. São Paulo:
CENPEC/Litteris, 2007. (Coleção Jovens e Escola Pública, vol. 1)
CENPEC & LITTERIS. Olhar: histórias de lugares e vínculos. 2ª ed. São Paulo,
CENPEC/Litteris, 2007. (Coleção Jovens e Escola Pública, vol. 2)
CENPEC & LITTERIS. Pertencer: um ponto de encontro. 2ª ed. São Paulo:
CENPEC/Litteris, 2007. (Coleção Jovens e Escola Pública, vol. 3)
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber; elementos para uma teoria. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 2000.
CHARLOT, Bernard (org.). Os jovens e o saber; perspectivas mundiais. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
SOARES, Magda Becker. “A escolarização da literatura infantil e juvenil”. In:
EVANGELISTA. Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO,
Maria Zélia Versiani (orgs.). A escolarização da leitura literária; o jogo do livro
infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica/CEALE, 1999.
Nota:
1 Professor da PUC – SP.