TRANSPORTE URBANO E INCLUSÃO SOCIAL: ELEMENTOS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS
TECNOLOGIAS SOCIAIS E PRODUÇÃO ARTESÃ: ESTUDO INTERDISCIPLINAR DE INCLUSÃO NO MERCADO
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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
TECNOLOGIAS SOCIAIS E PRODUÇÃO ARTESÃ: ESTUDO INTERDISCIPLINAR DE INCLUSÃO NO MERCADO
DOMINGOS, BIANCA S. M. (1); MELLO, ADILSON S. (2); RIBEIRO, R. B. (3)
1. Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Instituto de Engenharia de Produção e Gestão – IEPG.
Av. BPS, 1003 – Bairro Pinheirinho, Itajubá/MG [email protected]
2. Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Instituto de Engenharia de Produção e Gestão – IEPG.
Av. BPS, 1003 – Bairro Pinheirinho, Itajubá/MG [email protected]
3. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Tecnologia - UERJ. Departamento de
Engenharia de Produção - DENP Rodovia Presidente Dutra km 298 – Pólo Industrial, Resende/RJ
RESUMO
Esta proposta tem seu foco no estudo da aplicação de Tecnologias Sociais em Movimentos Sociais Organizados, incorporando Design de Produto e Engenharia de Materiais enquanto instrumentos otimizadores dos produtos e processos artesanais com finalidade de inserção dos artesãos na lógica produtiva vigente. Têm-se, de um lado, os artesãos e o contexto socioeconômico no qual se encontram, e, de outro a fibra da banana e o papel feito com esta mesma fibra, enquanto matérias-primas dos produtos produzidos pelos mesmos. O projeto interdisciplinar visa à inclusão dos artesãos membros da Associação Casa do Artesão Mariense, situada no município de Maria da Fé, MG, no mercado econômico formal por meio da profissionalização destes e dos seus produtos e processos. Neste contexto, realizar-se-á a análise das fibras de banana utilizadas na produção artesanal, em intersecção com as tecnologias sociais, propondo a otimização do processo de produção e sua matéria-prima e o design de produto como elementos fundamentais para inclusão destes artesãos no mercado competitivo. Tem-se, para tanto, que equilibrar as forças entre as agências dos humanos, no caso proposto os artesãos e o contexto socioprodutivo no qual estão inseridos, e dos não-humanos, híbridos, no caso o artesanato e o processo de produção deste.
Palavras-chave: Tecnologias Sociais. Interdisciplinaridade. Design de Produto. Engenharia de Materiais. Produção Artesã.
1. INTRODUÇÃO1
O presente artigo tem seu foco no estudo da aplicação de Tecnologias Sociais em Movimentos
Sociais Organizados, descrevendo processos de integração entre campos disciplinares na
aplicação de Tecnologias Sociais, perpassando por conceitos de Design de Produto no estudo das
peças artesanais e de Engenharia de Materiais no estudo das Fibras de Banana utilizadas na
produção na Associação de Artesãos e na Cooperativa Mariense de Artesanato, no município de
Maria da Fé, Minas Gerais.
No decorrer do projeto, ocorrerá a integração interdisciplinar das diferentes propostas disciplinares,
por meio da relação entre Tecnologias Sociais, Design de Produto e Engenharia de Materiais
enquanto instrumentos otimizadores dos produtos e processos artesanais com finalidade de
inserção dos artesãos no mercado, retirando da precarização a atividade artesã com a qual se
estabelece a relação.
A pesquisa pressupõe a combinação entre as dimensões cultural e ambiental, possibilitada pelas
investigações acerca das formações sócio-técnicas, no âmbito dos agenciamentos identitários que
grupos, comunidades e segmentos sociais produzem. Objetiva-se traçar dois caminhos
complementares que tenham um único objetivo: a inclusão dos artesãos, enquanto representantes
da precarização de produtos e processos, no mercado competitivo. Tem-se, para tanto, que
equilibrar as forças entre as agências dos humanos, no caso proposto os artesãos e o contexto
socioprodutivo no qual estão inseridos, e dos não-humanos, híbridos, no caso o artesanato e o
processo de produção deste.
Neste sentido, o artigo pretende avaliar a cadeia produtiva das fibras e, imbricados neste processo,
as peças produzidas pelos artesãos de Maria da Fé/MG; realizar levantamento da precarização de
processo produtivos e inserção sócio-técnica; analisar as peças produzidas pelos artesãos sob o
enfoque do Design de Produto; determinar a classificação, forma e a distribuição das fibras via
Microscopia Óptica e Eletrônica de Varredura; oferecer capacitação técnica para os artesãos por
meio de workshops; formação de rede interdisciplinar para produção de conhecimentos nas áreas
de Tecnologias Sociais, Engenharia de Materiais, Design e a dimensão Societária implicada.
2. EMBASAMENTO TEÓRICO
O foco deste projeto centra-se em torno da definição de “coletividades sócio-técnicas” apresentada
por Latour (1994), na qual é sustentada uma simetria entre as agências de humanos entre si e
não-humanos. Ou seja, propõe-se a reflexão acerca dos limites da definição da agência
exclusivamente pela ação e relação dos “humanos-entre-eles”, trazendo a necessidade da
incorporação das ações de não humanos, híbridos, considerando que estes se expressam como
coletividades sócio-técnicas que produzem efeitos no curso da ação.
1 Pesquisa apresentada com o apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG
Tem-se, para tanto, que equilibrar as forças entre as agências dos humanos, no caso proposto os
artesãos e o contexto socioprodutivo no qual estão inseridos, e dos não-humanos, híbridos, no caso
o artesanato e o processo de produção deste. Ou seja, ambas as agências pertencem a um mesmo
mundo, não sendo composta apenas de natureza objetiva, social ou discursiva, pois é
concomitantemente real, coletiva e discursiva. Nesse sentido, desequilibrar os polos humano e não
humano significaria reduzir os fatos ao social. Para Latour (2005):
Os fatos científicos são construídos, mas não podem ser reduzidos ao social porque
ele está povoado por objetos mobilizados para construí-lo. O agente desta
construção provém de um conjunto de práticas que a noção de desconstrução capta
da pior maneira possível (LATOUR, 2005: p.12).
Nesse sentido, a inclusão dos artesãos no mercado formal só é possível se implicada da
importância que o híbrido possui neste mesmo mercado, ou seja, o produto em si é ou não
competitivo? A fim de buscar um entendimento sobre a questão posta e os argumentos acima,
Johann (2010) discorre sobre o artesanato enquanto gerador de renda, mas ressalta que a sua
eficácia nesse papel é reduzida devido a não capacitação, ou organização, voltada para venda,
produção, linhas e produtos, essenciais para o funcionamento de uma unidade produtiva geradora
de renda.
Nesse sentido, dimensiona-se a questão proposta neste projeto: a relação entre profissionalização
e a qualidade do produto final. A incorporação do Design no processo de produção artesanal é
relevante ao considerarmos hoje a inserção de novos atores na cadeia produtiva em questão. Se
antes o artesanato era vendido diretamente ao consumidor, agora foram agregados à cadeia
agentes intermediários, como lojistas, gestores, exportadores, entre outros, e, consequentemente a
relação oferta/demanda foi acrescida dos fatores como qualidade, valor agregado, marketing etc.
Resumindo, no que concerne à relação entre artesanato e Design, “com a colaboração de designers
experientes que possam preservar as características técnicas, sociais e culturais que os produtos
artesanais possuem através de seus vínculos à cultura local. Inovar sem descaracterizar” (Barroso,
2002, p. 20).
Os artesãos envolvidos por esta pesquisa utilizam a fibra de banana como material principal na
confecção das peças. O município de Maria da Fé/MG, onde será realizada a pesquisa, localiza-se
na região do Sul de Minas, e a bananicultura projeta-se como uma importante atividade agrícola, na
geração de emprego e renda. A área de cultivo da banana na região é de, aproximadamente, 9.600
hectares, e a produção estimada é de 86.859 toneladas/ano, e “movimenta anualmente R$30
milhões e cada hectare gera três postos de trabalho. Entre as cidades produtoras, as principais são
Brasópolis com 2.276 hectares, Pedralva com 1.500 e Cristina com 1.135 hectares”. (EMATER,
2013)
Porém, a bananicultura gera uma grande quantidade de resíduos provenientes do seu cultivo.
Dados fornecidos pela EMBRAPA (2013) mostram que de cada 100 kg de frutas colhidas no ano de
2006, 46 kg não foram aproveitados. Neste sentido, o artesanato com fibras de banana, além de
promover a geração de renda para os artesãos, promove a utilização destes resíduos, evitando o
despejo indiscriminado e a consequente contaminação do meio-ambiente. (PEREIRA, 2010)
As vantagens do uso das fibras naturais são inúmeras, e dentre elas, pode-se considerar que são
renováveis e a sua degradabilidade, aliado ao conceito de sustentabilidade e consciência
ambiental. Em muitos trabalhos tem-se observado o desenvolvimento de produtos a partir das fibras
celulósicas (resíduos vegetais) de juta, sisal, linho, banana, bambu, madeira, palmeira, coco em
reforço em polímeros termorrígidos ou termoplásticos, conforme a característica do produto e da
região (FUNG et al., 2003; MATTOSO, 1999; HERRERA-FRANCO e VALADEZ-GONZÁLEZ,
2004).
A questão da precarização é sustentada por meio da não legitimação pelos órgãos governamentais
do trabalho e das atividades desenvolvidas pelos artesãos, o que tem desdobramentos práticos,
como o não enquadramento nos benefícios previstos na legislação vigente, e subjetivos, ao que
concerne o reconhecimento destes pela sociedade.
As Tecnologias Sociais (TS) aparecem no referido contexto enquanto uma via de ruptura para o
ciclo de exclusão dos artesãos da economia convencional. Essas são definidas enquanto produtos,
técnicas ou metodologias replicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que
representem efetivas soluções de transformação social (DAGNINO, 2008). Compreendemos por
Tecnologias Sociais: produtos, técnicas ou metodologias replicáveis, desenvolvidas na interação
com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social. Considera-se que
geração de conhecimento para a inclusão, base sobre a qual o projeto foi fundado, demanda uma
mudança na configuração das relações entre os diferentes sujeitos implicados, configurando uma
estrutura não mais hierárquica, vertical, mas sim horizontal, de trocas e benefício mútuo, em outras
palavras, interdisciplinar.
Os conceitos e Tecnologia Social, Economia Solidária, inclusão, mediação e desenvolvimento
ganham, através deste projeto, uma dimensão prática originada no movimento exógeno da
Universidade através de suas relações com os diferentes segmentos sociais. Como ponto de
partida temos geração de conhecimento para a inclusão, sob a ótica da educação tecnológica
voltada à integração entre produção de conhecimento e sua adequação à "realidade social".
Analisando as características da trajetória histórica do enfoque CTS (Ciência, Tecnologia e
Sociedade) e o que ele apresenta para transformações significantes no ensino dentro da
Universidade.
Von Linsingen (2004) afirma que a consolidação de uma educação tecnológica que leve em conta a
CTS ao nível do conhecimento tecnocientífico, pode ser favorecida por meio de três ações
sintonizadas: (a) introdução da interdisciplinaridade nos projetos como necessidade para o
tratamento dos assuntos científicos, tecnológicos, sociais e ecológicos; (b) introdução da
transversalidade da CTS na abordagem disciplinar das áreas técnicas; (c) transposição didática que
permita a explicitação das imbricações sociotécnicas do conhecimento tecnocientífico.
Segundo Dagnino (2008) não se trata de aproveitar conhecimento gerado com dinâmica funcional
para desenvolver tecnologias que satisfaçam outras demandas socioeconômicas e políticas. O que
se deseja é gerar uma nova dinâmica, que proporcione a construção social de um conhecimento
voltado às necessidades e aos interesses dos atores pertencentes, no caso, à associação e a
cooperativa. Assim, se por um lado os horizontes universitários serão ampliados no sentido da
abertura da instituição aos movimentos sociais organizados, a estes serão levados os instrumentos
necessários para que adquiram autonomia jurídico -legal, econômica, política e sustentável.
3. METODOLOGIA
A pesquisa abarca pesquisadores e profissionais com formação em distintas áreas do
conhecimento e atuação profissional nos múltiplos campos relacionados ao Desenvolvimento, às
Tecnologias e à Sociedade, bem como no campo de reflexões ou atuação da gestão social (UNIFEI,
2013). Portanto, a equipe, assim como o PPG, é multidisciplinar e multi institucional, integrando
pesquisadores e alunos nas áreas de Administração, Ciências Sociais, Engenharia de Materiais e
Desenho Industrial, membros do PPG DTecS, do Mestrado Profissional em Engenharia de
Materiais e da graduação em Desenho Industrial da Faculdades Integradas Teresa D’Ávila -
FATEA.
A metodologia da pesquisa foi construída de modo a conciliar os instrumentos metodológicos
correspondentes a cada uma das disciplinas abrangidas, ao mesmo tempo em que se procurou dar
espaço ao surgimento de instrumentos trazidos pelas necessidades do campo e que não
pertencessem a nenhuma área em específico.
No primeiro semestre da pesquisa, a coleta de dados do município de Maria da Fé/MG, por meio de
fontes como o IBGE, Fundação João Pinheiro e a Prefeitura Municipal sobre a situação econômica,
a influência do artesanato na economia local, o cadastro dos artesãos e o turismo local. Quanto aos
artesãos inseridos na associação e cooperativa, serão levantados o histórico, a história de vida dos
artesãos e suas relações com os híbridos (Cadeia produtiva, processo produtivo e criativo –
Design). Será averiguada a existência de parcerias público/privada, o reconhecimento social dos
artesãos, as demandas e a coleta de materiais para a produção artesanal. Ainda na etapa de coleta
de dados, será realizado o levantamento estrutural dos Movimentos Sociais Organizados, no caso
deste estudo, da Cooperativa e Associação de Artesãos quanto à estrutura econômica,
organizacional, jurídico e legal.
Todo o processo de coleta de dados é sustentado por instrumentos como a observação
participante, busca documental e entrevistas individuais e em grupo. Esses fazem parte do rol do
que nas ciências sociais é denominada pesquisa qualitativa, considerada um “conjunto de técnicas
para coletar dados sobre valores, hábitos, crenças, linguagem, significados e comportamentos
sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 73). Acrescido a isso, pensa-se essa relação levando em conta o
coletivo (humano/não-humano), leitura da realidade sociotécnica, buscando relações simétricas no
mesmo. Ainda conforme Oliveira (2010), a importância de se realizar pesquisa por meio de
metodologia qualitativa é clara uma vez que esta:
Realiza-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado a
fim de obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seu próprio
contexto [...] as observações visam buscar os fundamentos na análise no meio onde
vivem os atores sociais. (OLIVEIRA, 2010, p. 80)
Neste sentido, pensando na Teoria Ator-Rede (ANT) de Latour (2012), o contexto não será tomado
como um “justificador” das particularidades observadas em campo, mas sim como mais um dos
fatores de igual peso a ser considerado dentro da Rede formada. Ou seja, conforme prevê o autor,
procuraremos nos manter entre a interação local e o contexto global.
Na etapa de Sistematização dos Dados Coletados serão executadas as análises da dimensão
socioeconômica dos atores, elaboração de um workshop junto aos artesãos, e com o objetivo de
auxiliar na aplicação deste, será desenvolvido um material didático, voltado para as demandas
locais. Posterior à coleta de dados e análise, serão incorporados aos estudos a Engenharia de
Materiais e o Design de Produto nas análises de produto e processos da Cooperativa e Associação
de Artesanato.
Os estudos envolvendo Engenharia de Materiais abordará o acompanhamento do processo de
preparação das fibras de banana, mapeando desde o processo de corte do pseudocaule até a
produção das fibras, a caracterização das fibras por Microscopia Eletrônica e Óptica. Os produtos,
embalagens e estética dos produtos artesanais serão aprimorados sob a égide do Design de
Produto, com estudos e análises executados por profissional-pesquisador da área.
A terceira etapa da pesquisa denominada “devolutiva”, cujo movimento é de retorno ao campo após
os estudos realizados na Universidade. Pretende-se implantar as alterações de produtos e
processos resultantes da etapa 2 em conjunto com os membros da Associação e da Cooperativa
sujeitos da pesquisa. Essa etapa também pressupõe a realização de cursos de capacitação, ou
workshops, destinados a suprir as possíveis carências estruturais constatadas na primeira etapa,
Por exemplo: profissionalização na gestão e administração de recursos; novas técnicas de
produção e escoamento do produto; captação de recursos advindos da parceria público/privada etc.
Observa-se nesse ponto a importância da interdisciplinaridade posto que as múltiplas dimensões do
conhecimento são somadas sob um único objetivo, e cada qual mantém ao mesmo tempo suas
particularidades e o diálogo fundamental à formação de uma rede. Nota-se também que na 3ª etapa
a Administração e o Direito, enquanto áreas disciplinares, são chamados ao projeto a fim de agregar
possibilidades.
A quarta e última etapa sustenta-se em campo acompanhando como as mudanças trazidas pela
terceira influenciarão ou não transformações locais, e se essas serão, caso ocorram, positivas ou
negativas. Para tanto, resgata-se a metodologia qualitativa explicitada na primeira etapa, buscando
assim coletar novos dados que viabilizem a contraposição aos primeiros e, consequentemente, uma
análise do impacto que as Tecnologias Sociais podem causar nas diversas faces do local.
4. RESULTADOS PRELIMINARES
A pesquisa está em fase de desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI. O projeto
atende uma das premissas do Programa, que seja a produção de conhecimentos, informações,
estratégias e ações sobre desenvolvimento, tecnologias, tecnologias sociais, cultura, trabalho,
educação e identidade em diferentes campos do conhecimento, integrando-os em função de uma
visão multidisciplinar.
Destacada a dimensão interdisciplinar da pesquisa, desenvolvida de modo a conciliar as
particularidades de cada uma das disciplinas abrangidas concomitantemente à procura de dar
espaço ao surgimento de instrumentos trazidos pelas necessidades do campo e que não
pertencessem a nenhuma área em específico, é relevante a tomada do objeto de pesquisa
enquanto um “assunto híbrido”, ou seja, que abrange a realidade como algo que vai além do recorte
instituído pelas disciplinas.
É necessário destacar a característica elástica do conceito de Tecnologias Sociais e que o projeto
em questão implica na formação de uma rede interdisciplinar entre a Administração, Ciências
Sociais, Engenharia de Materiais e Design de Produtos que forneça os instrumentos necessários
para que elas próprias atuem enquanto um meio para que o local possa ser deslocado ao centro,
possibilitando a consolidação de uma cultura democrática pela participação dos atores implicados
na busca de resolução de seus próprios conflitos e demandas. Admite-se que o projeto em questão
ainda não consegue atingir plenamente a proposta de Latour (2012) no que concerne à leitura
simétrica entre os actantes na formação de uma Rede. Entretento, elementos da Teoria Ator-Rede
permearam todas as etapas propostas, na busca de uma nova concepção do híbrido que supere
uma visão antropocêntrica.
As etapas de coleta e sistematização dos dados contam com dois bolsistas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC – CNPq, sendo que um bolsista executará a
pesquisa na Cooperativa de Artesãos, e o outro na Associação de Artesanato do município de Maria
da Fé - MG. Serão considerados os artesãos e o contexto socioeconômico no qual se encontram,
com a finalidade de compreender a inclusão dos artesãos no mercado local, enquanto
representantes da precarização de produtos e processos. Portanto, pretende-se, por meio da
observação participante e descrição densa (GEERTZ, 2008), apreender esses artesãos e seus
produtos. Procedimento que faz parte da Etapa 1 da pesquisa “Design, Engenharia de Materiais e
Tecnologias Sociais: Produção Artesã e Inclusão no Mercado”. As análises da fibra de banana e
design de produto serão realizadas em paralelo com a etapa inicial do projeto, de coleta e
sistematização dos dados.
Destaca-se a participação das artesãs membros da Cooperativa Gente de Fibra na XIV FENEART –
Feira Nacional de Negócios do Artesanato, realizada de 04 a 14 de julho de 2013 no Centro de
Convenções em Olinda, Pernambuco. O evento é considerado o maior do segmento na América
Latina, com investimento de R$ 4,8 milhões, a estimativa é movimentar acima de R$ 40 milhões em
negócios e receber um público superior a 300 mil pessoas durante os seus onze dias de realização
(FENEART, 2013).
As peças artesanais foram expostas em uma área reservada ao TOP 100 SEBRAE, visto que a
Cooperativa é apoiada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE
e integra o ranking das unidades produtivas artesanais mais competitivas do Brasil, Figura 1.
Figura 1 – Peças artesanais da Cooperativa Mariense de Artesanato – Gente de Fibra – expostas na
XIV FENEART, Olinda/PE
Fonte: Os autores
Análise de Produtos e Processos – Fibras de Banana – Engenharia de Materiais
Essa etapa contempla a área disciplinar de Engenharia de Materiais, em que as fibras de banana
utilizadas na produção artesanal serão analisadas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV),
na Escola de Engenharia de Lorena – EEL – USP, e a microscopia óptica das fibras de banana
serão realizadas no Laboratório de Materiais, Texturas e Modelagem Prof. Wilson Kindlein, nas
Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – FATEA, Figura 2.
Figura 2 – Microscópio Eletrônico de Varredura da EEL-USP
Fonte: Os autores
O MEV, segundo Dedavid (2007) é um aparelho que pode fornecer rapidamente informações sobre
a morfologia e identificação de elementos químicos de uma amostra sólida, sendo um dos mais
versáteis instrumentos disponíveis para a observação e análise de características microestruturais
de objetos sólidos. Outra característica importante do MEV consiste na:
Aparência tridimensional da imagem das amostras, resultado direto da grande
profundidade de campo. Permite, também, o exame em pequenos aumentos e com
grande profundidade de foco, o que é extremamente útil, pois a imagem eletrônica
complementa a informação dada pela imagem óptica (DEDAVID, 2007: p.10).
Os parâmetros estatísticos serão avaliados num microscópio óptico. Na aquisição das imagens
serão capturados e digitalizados 40 campos de medida por amostra numa câmera profissional com
resolução 640x480x8bites em campo claro com auxilio da luz de xenônio, visando à determinação
da distribuição, tamanho, classificação das fibras, conforme a norma ASTM 1382-1997, Figura 3.
Figura 3 – Microscópio Óptico do Lab. de Materiais, Texturas e Modelagem da FATEA
Fonte: Os autores
O processo de análise da fibra acompanhará desde a extração do pseudocaule, lavagem das fibras,
separação e obtenção dos fios, até a secagem. Concomitantemente a este acompanhamento,
serão preparadas as amostras para análise. O acompanhamento do processo extrativo será
comparativo, abrangendo a Cooperativa e Associação de Artesãos. Deste modo, será possível
observar as técnicas e instrumentos/utensílios utilizados, espécie de bananeira e outros dados
relevantes.
Análise de Produtos e Processos – Peças Produzidas pelos Artesãos – Design de
Produto
Posterior a análise das fibras por meio da Engenharia de Materiais, será executado o detalhamento
2D e 3D das peças produzidas pelos artesãos por meio dos softwares AutoCAD e SolidWorks,
promovendo um estudo pormenorizado, visando agregar valores tecnológicos, funcionais e
estéticos. Ressalta-se que a incorporação do Design no processo de produção artesanal se dá ao
considerarmos hoje a inserção de novos atores na cadeia produtiva em questão. Se antes o
artesanato era vendido diretamente ao consumidor, agora fazem parte da cadeia agentes
intermediários, como lojistas, gestores, exportadores, entre outros, e, consequentemente a relação
oferta/demanda foi acrescida de fatores como qualidade, valor agregado, marketing etc.
O processo de detalhamento 3D, segundo Hayward e Weare (2002), parte de documentos de
desenhos preliminares. A segunda etapa consiste no modelo 3D detalhado, com a: Análise
estrutural e dimensionamento dos elementos, listas de materiais de todos os acessórios, projeto
estrutural e diagrama de montagem das peças artesanais. O software AutoCAD auxilia na
modelagem geométrica, com desenhos bi e tridimensionais. De acordo com Guarnier (2009), o CAD
permite criar três tipos de modelos: o modelo em estrutura de arame (wireframe), que utiliza linhas
conectadas para representar o objeto; o modelo de superfície (representa a peça pelas superfícies
internas e externas); e o modelo sólido, que é a representação fiel do objeto real (sólido 3D).
REFERÊNCIAS
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DEDAVID, Berenice Anina. Microscopia eletrônica de varredura: aplicações e preparação de amostras:
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<http://www.emater.mg.gov.br/portal.cgi?flagweb=site_tpl_paginas_internas&id=10418>. Acesso em: 17
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<http://www.jornalentreposto.com.br/anteriores/janeiro_2006/transporte.htm>. Acesso em: 17 maio 2013.
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von LINSINGEN, Irlan . O enfoque CTS e a Educação Tecnológica: origens, razões e convergências
curriculares. In: XI Congreso Chileo de Ingeniería Mecânica - COCIM 2004, Antofagasta. Anais do COCIM
2004, 2004. v. 1. p. 1-11.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais – FAPEMIG
pelo apoio no desenvolvimento da pesquisa.