NOTAS SOBRE A ESTRUTURA DA DIALÉTICA HEGELIANA

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NOTAS SOBRE A ESTRUTURA DA DIALÉTICA HEGELIANA Primeiras considerações A filosofia hegeliana concebe três determinações de uma mesma unidade: o pensamento; o conceito; a idéia ou razão. Hegel concebe estas determinações, como os momentos individuais do desenvolvimento concreto de pensamento. Estas determinações de desenvolvimento não representam apenas o movimento do pensamento enquanto um fenômeno subjetivo e individual, mas designam o desenvolvimento do pensamento filosófico enquanto pensamento universal. Deste modo a filosofia de Hegel nos faz compreender o pensamento como uma realidade de existência em si e para si, isto é, o pensamento é considerado como o mais íntimo de tudo, o egemonikon. O termo grego egemonikon traduz para a filosofia hegeliana o verdadeiro sentido do que é o pensamento. O pensamento sendo o desenvolvimento do pensar universal é em si o desdobramento do próprio pensar humano que se traduz no sentido de cultura. No objetivo de compreendermos este sentido da filosofia de Hegel, buscaremos explicitar nesta primeira parte, as determinações individuais de pensamento que se desdobram durante o percurso de auto definição de pensamento:

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NOTAS SOBRE A ESTRUTURA DA DIALÉTICA HEGELIANA

Primeiras considerações

A filosofia hegeliana concebe três determinações de uma mesma unidade: o

pensamento; o conceito; a idéia ou razão. Hegel concebe estas determinações, como os

momentos individuais do desenvolvimento concreto de pensamento. Estas determinações

de desenvolvimento não representam apenas o movimento do pensamento enquanto um

fenômeno subjetivo e individual, mas designam o desenvolvimento do pensamento

filosófico enquanto pensamento universal.

Deste modo a filosofia de Hegel nos faz compreender o pensamento como uma

realidade de existência em si e para si, isto é, o pensamento é considerado como o mais

íntimo de tudo, o egemonikon. O termo grego egemonikon traduz para a filosofia hegeliana

o verdadeiro sentido do que é o pensamento. O pensamento sendo o desenvolvimento do

pensar universal é em si o desdobramento do próprio pensar humano que se traduz no

sentido de cultura. No objetivo de compreendermos este sentido da filosofia de Hegel,

buscaremos explicitar nesta primeira parte, as determinações individuais de pensamento

que se desdobram durante o percurso de auto definição de pensamento:

A história da filosofia é a história do pensamento livre, concreto, ou da razão. O

pensamento livre, concreto, ocupa-se somente de si mesmo. Nada, que não seja

resultado do pensar, é razão – não do pensar abstracto, pois este é o pensar

intelectualista, mas do pensar concreto; tal é a razão. (HEGEL, 1991, p. 78).

1. O pensamento como conceito e idéia

1.1. O pensamento

O pensamento, o conceito e a idéia aparecem para Hegel como determinações

progressivas do próprio pensar. O pensar se mostra como o mais íntimo de tudo, como a

única realidade possível, pois tudo é o pensar e tudo subsiste no pensar enquanto espírito. O

pensamento é considerado por Hegel como o produto do pensar em sua realidade universal,

abstrata e não particular. Nesta perspectiva sobre o pensar enquanto espírito, o pensamento

se mostra como uma primeira determinação deste, uma determinação abstrata e formal, e

por isso mesma, a forma mais incipiente do pensamento filosófico, pois a filosofia é a idéia.

A filosofia enquanto idéia se manifesta como um pensamento universal que possui em si o

conceito.

O pensamento tomado como uma determinação única se opõe ao conceito. O conceito

por sua vez possui a forma da particularidade ao mesmo tempo em que tem seu conteúdo

enquanto conceito, limitado por esta forma. De modo oposto ao conceito, o pensamento

representa o estado mais abstrato do conteúdo do pensar. O pensamento é concebido como

um universal abstrato, que ainda não significa um particular enquanto conteúdo concreto,

mas que permanece em si mesmo como indefinição. Ser puro pensamento significa ser um

abstrato, uma forma genérica do pensar que apenas pode significar uma generalidade

abstrata e não concreta, como o próprio sentido filosófico de existência: O Ser.

A concretude da determinação posterior ao pensamento, o conceito, já está em si no

pensamento. O pensamento como uma realidade formal e abstrata apenas pode apontar para

generalidades e tem seu exemplo nítido, nas determinações de pensar da antiga metafísica,

o Ser parmenídico. Dizer que o ser é, significa apenas dizer que a existência existe, mas

ainda não se pode dizer nada de concreto, particular. Para Hegel a explicação desta

dificuldade metafísica se concentra sobre o status ontológico do pensamento como um

universal abstrato. Do mesmo modo que o ser parmenídico, o nous de Anaxágoras, a

essência e o uno, como categorias metafísicas, pretendem descrever o real, dar subsídios a

esta realidade, mas fazem isto abstratamente, sendo incapazes de dizer o particular: o

particular X existe.

1.2. O conceito

O pensamento analisado como uma primeira determinação do pensar, representa em

si mesmo uma determinação abstrata, vazia de conteúdo particular, no sentido que aponte

para um particular concreto. Apesar de o pensamento ser tomado como um abstrato formal,

insuficiente para ser visto como particular concreto, ele, o pensamento, tem em si uma

necessidade interna de ainda ser um particular concreto. Ser um particular concreto

significa que o pensamento deva ser um conceito ainda que se afigure como abstrato.

(HEGEL, 1991, p. 80). Em sua determinação unilateral, o pensamento será tomado como

algo aparentemente oposto ao conceito. Tal oposição é estabelecida pela diferença formal

entre pensamento e conceito.

Entretanto, a diferença entre determinações somente existe no aspecto formal destas,

não permanecendo esta diferença no aspecto conteudístico das determinações. O

pensamento deve ser um conceito, pois o conceito como um particular concreto está no

próprio pensamento e representa uma determinação posterior deste. “O conceito é o

pensamento que se tornou cativo e consegue determinar-se, criar-se e produzir-se; não é,

pois simples forma para um conteúdo, mas forma-se a si mesmo [...]”.(HEGEL, 1991, p.80).

Neste momento da dialética hegeliana, o filósofo nos faz ver a oposição ou

contradição interna estabelecida entre determinações, contradição esta, apenas formal e que

deve ser superada. A razão tem uma necessidade intrínseca de superar a diferença entre

identidades, diferença entre o abstrato universal e o concreto particular. Para Hegel, falar do

pensamento, o considerando apenas em sua perspectiva abstrata, é cair em uma postura

analítica do pensar. Quando consideramos uma determinação do pensar como única e

determinantemente oposta a qualquer outra, caímos em equívoco em uma unilateralidade e

em um dogmatismo do pensar.

Para Hegel, o conceito na vida comum aparece determinado como um simples

pensamento. (1991, p. 80). Entretanto, o conceito se mostra como um verdadeiro saber, na

medida em que a si se determina, isto é, o conceito determina para si mesmo seu conteúdo e

sua forma. O pensamento como um universal abstrato que ainda não possui sua concretude,

aparece apenas como uma primeira determinação; o conceito é um universal que em si

particularizou-se e está contido no próprio pensamento que se determina, se particulariza e

proporciona si um conteúdo: torna-se um concreto.

1.3. A idéia

O conceito é o pensamento em sua concretude, enquanto este se define como algo. A

idéia representa uma terceira determinação do pensar, enquanto um estado de efetivação do

abstrato ao concreto; tal efetivação demonstra a realização do conceito em idéia, isto é, a

idéia não apenas representa o real, mas torna-se o real em sua presentificação concreta. O

pensamento concreto é o que determinamos como conceito e este já não é um abstrato, mas

um conteúdo particular. O que nos importa saber aqui é a determinação de que a idéia é

livre, rica e plena de conteúdo e a si mesmo proporciona uma realidade. (HEGEL, 1991,

p.81).

O pensamento concreto, numa expressão mais precisa, é o conceito e, em termos

ainda mais definidos, é a idéia. A idéia é o conceito, enquanto ele se realiza. Para

realizar-se tem de a si mesmo se determinar, e tal determinação nada mais é do

que ele próprio. O seu comportamento infinito é determinar-se somente a parir de

si mesmo. (HEGEL, 1991, p. 81).

Deste modo, a idéia aparece como um conceito em sua realidade externa, isto é, o

conteúdo próprio do conceito não difere em si da idéia, esta apenas aparece em sua

manifestação exterior como idéia realizada. A filosofia hegeliana nos faz ver a

impossibilidade de uma concepção ambígua da natureza daquilo que definimos como

realidade. O conceito enquanto uma realidade particular caminha a partir de si mesmo para

a concreção. Este conceito em via de tornar-se um concreto, aparece em sua forma exterior

como idéia realizada.

As determinações do pensar ou do espírito representam as manifestações do próprio

conteúdo do pensar em sua diversidade. A possibilidade do pensar ser em si um diverso

representa para este próprio pensar o seu desenvolvimento concreto. Hegel concebe que o

objeto da filosofia vem a ser o próprio pensamento concreto que em sua última

determinação é justamente a idéia ou a verdade. (1991, p. 82). Esta verdade não deve ser

compreendida em si como algo de estático e limitado, pois deve ser entendida como pleno

desenvolvimento, em que este desenvolvimento é a auto compreensão da idéia. Conhecer a

verdade e o que é o verdadeiro não significa aqui conhecer a idéia, mas significa conhecer a

idéia enquanto desenvolvimento e tomar este desenvolvimento como o interior da própria

idéia.

2. A idéia como desenvolvimento

Hegel concebe a primeira determinação do pensamento como o livre pensar. O livre

pensar é o pensamento que em si mesmo, tem a liberdade para determinar, para si, seus

próprios conteúdos, para mover-se em si mesmo e ser essencialmente concreto. A natureza

do espírito entendido como pensamento é ser livre para sua própria auto determinação.

Quando falamos em determinação, falamos dos conteúdos da razão como conceitos, que

determinam a realidade concreta sob a forma sensível. A idéia como desenvolvimento

representa uma gênese constante de conteúdo ou de espírito que se objetiva como concreto

sensível:

A natureza infinita do espírito é o seu processo, não de em si repousar, mas de se

produzir e existir essencialmente graças à sua produção. Podemos com maior

precisão, conceber este movimento como desdobramento; o conceito enquanto

activo existe essencialmente como desenvolvendo-se. (HEGEL, 1991, p. 82).

Se quisermos encontrar uma noção de essência para o concreto, devemos buscar esta

essência enquanto movimento ou desenvolvimento concreto.

O conhecimento da verdade concentra-se no entendimento de que o pensamento, o

conceito e a idéia são desenvolvimento. Procurar entender um conceito em sua

unilateralidade demonstra o desconhecer da verdadeira natureza do conhecimento

conceitual. A verdadeira natureza do conceito está em seu vir a ser, em sua capacidade de

tomar conteúdo, de ser um concreto e ainda ser a expressão do pensamento.

Hegel tentará mostrar no desenvolvimento das determinações do pensar os pontos

individuais que ocorrem neste desenvolvimento. O pensamento deve ser tomado em seu vir

a ser e deve transformar-se no que realmente é e isto, representa que ele deve aparecer

como desenvolvimento concreto.

Quando se toma o pensamento em seu vir a ser, compreende-se que as diferentes

manifestações de pensamento, apesar de diversas, representam um conteúdo em potencia

do pensamento. Entretanto, para a exemplificação das diferenças existentes dentro do

próprio pensamento, Hegel quer fazer ver a disposição subjacente do pensamento entre ser

em si, tomado como potencia, em convívio comum com a realidade que se mostra efetiva

para si (para o pensamento), tomado como ato. (1991, p. 83).

2.1. O ser-em-si

No desenvolvimento do pensamento, deve existir algo que se desdobra neste

desenvolvimento, determinado por Hegel como um conteúdo em potencia, isto é, a dynamis.

Hegel toma o sentido do termo dynamis e sua significação de Aristóteles, para demonstrar o

primeiro momento do pensamento como um em-si. A dynamis representa um conteúdo em

potencia, uma realidade que está momentaneamente em si mesma e necessita realizar-se,

efetivar-se como um conteúdo concreto e não apenas permanecer m si como um universal

abstrato.

O conteúdo do pensamento como um em si, representa uma possibilidade real e não

superficial de realização. O em-si passa a ser concebido como um abstrato que ainda não

possui uma realidade efetiva. Este conteúdo enquanto uma realidade em potencia, ainda não

está determinado como conceito, isto é, como efetivação concreta; esta realidade ao

desenvolver-se se determina como conceito e mostra-se como verdadeiramente é, opondo-

se a realidade anteriormente já determinada.

O ser-em-si representa um momento da gênese de um novo conceito, quando este

intenta surgir e se determinar como um conteúdo também para si. O sentido de conteúdo

verdadeiro para Hegel está vinculado ao conceito que é, que está realizado e determinado

sob a forma da particularidade, pois este já representa algo para si mesmo. O conteúdo que

ainda é em si, não é ainda, o verdadeiro neste sentido, mas é o abstrato sob a forma do

simples universal. O ser-em-si é algo de simples, que contem certamente em si as

qualidades do muito, do diverso, sob a forma da simplicidade, isto é, um conteúdo que

ainda encontra-se encapsulado.

Hegel exemplifica estas considerações através da diferença sensível existente entre o

germe e a árvore:

O germe é simples, quase um ponto; mesmo pelo microscópio pouco nele se

descobre. Mas este simples está prenhe de todas as qualidades da árvore. No

germe, está contido toda a árvore, o seu tronco, os ramos e folhas, a sua cor, o seu

odor e gosto, etc. E, no entanto, este simples, o germe não é a própria árvore; o

diverso ainda não existe. É essencial saber que existe algo de inteiramente

simples, que em si contém uma diversidade, mas que ainda não existe para si.

(1991, p. 84).

O conteúdo conceitual enquanto particularidade se encontra antes, na própria

disposição do estado em-si. Do mesmo modo que em Aristóteles, Hegel concebe que nesta

disposição está contido tudo o que se desdobra, de modo que nada pode vir a ser que já não

seja em si.

2.2. Ser determinado

O ser-em-si representa uma simplicidade, um conceito que ainda carece de

determinação concreta e por isso, aparece como um abstrato simples, mas que possui em si

o diverso. Este conceito tem em si a necessidade interna de desenvolver-se, tornar-se algo

de particular, concreto. Hegel concebe o desenvolvimento do pensamento como um pôr-se

à existência, aparecer como algo de diverso, isto é, diferente em relação a outras

identidades conceituais particulares. (1991, p. 84).

Entre o conteúdo em si do pensamento e a sua própria particularização como um ser

já determinado, se estabelece uma diferença do modo como o pensamento aparece. Esta

diferença de como este conteúdo aparece é concebida por Hegel como uma diferença

exterior, isto é, uma diferença da forma deste conteúdo aparecer: “[...] ele obtém ser

determinado em relação a outras coisas. É uma e mesma coisa ou, antes, um mesmo

conteúdo, quer esteja em si ,encapsulado, quer se desdobre e exista como desdobrado. É

somente uma diferença de forma; mas tudo depende desta diferença.” (1991, p.85). Esta

diferença formal somente pode existir viabilizada pelo vir-a-ser da idéia, isto é, pelo

movimento da idéia ou do racional.

A particularização de um conteúdo presente na simplicidade de um abstrato

representa a definição e a assunção de um conteúdo interno do pensamento. Hegel

compreende que o movimento entre pensamento, conceito e idéia, é o movimento do

racional e é a atividade essencial do espírito. A razão se esforça por reter em uma unidade

as representações que se encontram como conteúdos em si no pensamento, ainda não

particularizadas como conteúdo concreto. Tais representações encontram-se no eu, no

pensamento como possibilidades do diverso ou definição concreta.

A particularização dos conteúdos em si do pensamento ou a sua conceitualização

demonstra a necessidade que estas representações possuem de auto determinação. Esta

necessidade interna do pensamento revela-se no fato de que o conceito não seja apenas uma

representação do pensamento como um conceito absoluto e abstrato. Parece evidente para o

racional de que o pensamento necessite lidar com conceitos enquanto idéias.

A determinação do racional é o conceito. O conceito aparece para a razão como

objeto próprio do pensamento. Este conceito deve ser concebido e desenvolvido a partir da

representação em-si do pensamento, manifestando-se de diversos modos. Na natureza os

conceitos aparecem como existências particulares, expostas como coisas determinadas; ao

ser apresentado um conceito ao pensamento como um objeto do pensar, este é antes, uma

concretização própria do pensamento que chamamos saber ou conceito pensante. O

pensamento extrái de si mesmo o que o objeto é.

Hegel concebe como ser determinado a própria noção de desenvolvimento. Este

desenvolvimento representa os seres determinados, que do mesmo modo representa o

desdobramento, o meio entre o ponto inicial e o ponto terminal deste percurso. O eu é o

ponto inicial do desenvolvimento. As representações do pensamento se desdobram a partir

deste eu e de novo retornam à ele. O ponto terminal deste desdobramento é a unidade

concreta da idéia, onde o pensamento pode reconhecer a si mesmo.

O pensamento se desdobra de sua internalidade à razão própria de seu saber, isto é,

ele possui uma necessidade interna de ser para si mesmo e de compreender-se. Este

pensamento em si representa um desenvolvimento que permite o desdobramento de

conteúdos abstratos do pensar, a conceitos específicos, até encontrar sua definição na

efetivação da idéia. Este desenvolvimento que se expressa como movimento, faz promanar

toda a diversidade de determinações que se encontram na própria história da filosofia.

Na filosofia hegeliana, encontraremos a natureza do pensamento e do próprio

desenvolvimento, fundamentada na noção de liberdade. A razão produz o real racional e o

pensar produz o pensamento, mas isto apenas demonstra que em si o homem é livre. O

pensamento é livre e este faz de si mesmo o objeto de seu próprio pensar. O pensamento é

em si livre e tal liberdade proporciona a realização do conceito como realidade. Entretanto,

ser livre em si, não torna o pensamento livre, mas é preciso saber-se como livre.

O homem em si é livre e racional, mas tal liberdade da razão somente existe em sua

efetividade quando o pensamento sabe-se como livre. No saber-se a si mesmo, o

pensamento olha para si e faz-se objeto de sua própria reflexão. Esta liberdade do

pensamento é alcançada no momento em que há uma efetivação do ser-em-si como idéia.

Esta realização ou efetivação do pensamento representa o movimento existente entre as

formas do pensamento enquanto determinações diversas.

2.3. Ser-para-si

O conceito de desenvolvimento é parte fundamental para a compreensão da idéia

como efetivação concreta. Este desenvolvimento também pode ser compreendido como o

movimento existente entre um conteúdo que existe como em-si, potencia, e um outro como

diverso, enquanto este está para-si. O que este desenvolvimento faz compreender, é que a

diferença entre ser-em-si ou ser-para-si não existe enquanto diferença de conteúdo, pois a

diferença está apenas na forma como estas representações do pensamento são concebidas.

O diverso enquanto um diferente não representa para o próprio pensamento um outro,

mas aparece como um outro, apenas se consideramos o seu aspecto formal, de um modo

isolado, unilateral como um outro conteúdo do desenvolvimento. No desenvolvimento, a

alteração somente existe enquanto diferença de formal, enquanto expressão exterior de um

mesmo conteúdo. O conteúdo que pode aparecer como diferente se tomado unilateralmente,

representa diante de seu outro uma única identidade.

A representação do ser-para-si demonstra uma identidade, uma unidade, estabelecida

de um mesmo conteúdo, do ser-em-si para seu saber de si. Pensamento, conceito e idéia,

são apenas formas, expressões diferentes de uma unidade, o desenvolvimento.

O desenvolvimento enquanto movimento é concebido por Hegel como a unidade

existente entre o que em-si é e o que existe e é para-si. Esta unidade da qual menciona

Hegel, representa a natureza única dos conteúdos do pensar, isto é, entre o que em-si é e o

que para-si existe não há um outro ser. Deste modo, a unidade existente neste

desenvolvimento é a própria essência deste desenvolvimento. Entretanto, para que Hegel

pudesse conceber a noção de desenvolvimento, necessariamente o desenvolvimento deve

ocorrer de algo para algo, e este algo representa as determinações diversas de uma unidade,

o pensamento.

O desenvolvimento somente é possível enquanto existe a diferença. A possibilidade

de ser da diferença não reside na diferença enquanto pensamento, pois este é apenas um só

e o mesmo conteúdo; deste modo Hegel concebe o diverso como a forma em que o

pensamento pode aparecer como um diverso de determinações.

Podemos enumerar assim uma primeira característica da idéia: esta representa em si o

desenvolvimento como efetivação concreta do conteúdo abstrato do pensamento; uma

segunda característica própria da idéia e que também caracteriza o desenvolvimento é a

realização do subjetivo em objetivo concreto. “O movimento que constitui a realidade

efetiva, é a tradução do subjetivo em objetivo”.(HEGEL, 1991, p. 88).

A concretude do pensamento se expressa na realidade, fundamentada no movimento

presente no pensar, demonstrando a unidade existente entre o subjetivo e o objetivo. Esta

unidade existente entre a subjetividade e a objetividade representa a não existência, na

filosofia hegeliana, de uma diferenciação de natureza ontológica entre ser e pensar. Já entre

o abstrato e o concreto, a única diferença reside na forma como um mesmo conteúdo

aparece, se um pensamento genérico e abstrato ou efetivado como objeto concreto.

A razão produz o real e o racional. O desenvolvimento em si do pensar produz a si

mesmo e a realidade concreta e tal desenvolvimento representa o movimento de efetivação

do abstrato ao concreto. A efetivação do abstrato ao concreto é o caminho do próprio

desenvolvimento, que compreende uma sucessão de identidades particulares, uma difere da

outra, mas se tomadas na totalidade, traduzem a unidade de uma identidade, um

desenvolvimento. Hegel exemplifica este entendimento com uma analogia a um certo tipo

de desenvolvimento sensível:

Raiz, tronco, ramos, folhas e flores, todos estes estádios são entre si diversos.

Nenhuma destas existências é em si a verdadeira existência da planta (mas elas

são simplesmente percorridas), porque são estados interinos, sempre interativos,

dos quais um contradiz o outro. Deve-se notar aqui a contradição, o

comportamento negativo, dos momentos entre si; mas ao mesmo tempo, devemos

insistir na vitalidade única da planta. (1991, p. 88).

Hegel utiliza este exemplo de desenvolvimento como analogia para o pensamento. A

simplicidade da unidade percorre todos os estados do desenvolvimento. Do mesmo modo

que na planta, todas as determinações do desenvolvimento se desdobram a fim de expor a

realidade do pensamento como um concreto.

O concreto do desenvolvimento é o resultado deste percurso. Este resultado é para

Hegel o que ele concebe de ser-para-si e significa a identidade do próprio desenvolvimento.

Este ser-para-si é determinado como um terceiro momento do desenvolvimento que resolve

uma aparente tensão entre dois momentos anteriores: o primeiro é o ser-em-si da realização,

o germe que avança para sua definição; e o segundo momento da diversidade das

determinações. O terceiro momento é o ser-para-si, este aparece como o término do

percurso de desenvolvimento e representa a identidade do próprio conteúdo em

desenvolvimento.

Assim como o germe na planta, o pensamento em seu estado inicial é um abstrato,

simples, informe e nele pouco se pode ver. Entretanto, este possui em si mesmo o impulso

para o desenvolvimento. Este impulso do desenvolvimento é definido pela contradição

interna do próprio pensamento enquanto um abstrato, isto é, de ser em si algo, mas de ainda

não ser uma determinação concreta. Tomando por comparação o desenvolvimento da planta,

Hegel menciona que aquilo que agora é múltiplo e diverso, já estava em si na simplicidade

do germe.

O germe desenvolve-se, expõe a si mesmo e determina-se como um concreto, isto é,

define-se naquilo que poderia ser. “O que é embrulhado, o que é em-si está, pois, em si

plenamente determinado, se dispersa, em seguida, reúne-se novamente na primeira

unidade”.(HEGEL, 1991, p. 89).

O germe desenvolve-se e em seu ultimo estado, determina para si aquilo que ele ainda

pode ser, o fruto, onde ele encontra a si mesmo e seu outro. “No fruto, o essencial é tornar-

se de novo germe”.(HEGEL, 1991, p. 89). No espírito o pensamento desenvolve-se de seu

ser-em-si e transforma-se em objeto para-si, de modo que faz de si mesmo o seu objeto,

tendo a si mesmo quando encontra o seu outro.

A idéia é o elemento central deste desenvolvimento. Ela representa a determinação

que possui a si mesma. Esta determinação, a idéia, possui a si mesma quando reconhece na

multiplicidade anterior, a sua própria identidade, isto é, ela reconhece a si no outro. Deste

modo, é no pensar que o espírito está em si mesmo e se põe como objeto:

Eis o estar em si da idéia, a capacidade de a si retornar, de se amalgamar com o

outro e de a si mesmo se ter no outro. Esta capacidade, esta força, de estar em si

no negativo de si mesmo é também liberdade do homem. (HEGEL, 1991, p. 90).

3. O desenvolvimento como concreção

O sentido de desenvolvimento para a filosofia hegeliana apresenta-se pelo conceito de

um movimento universal. Este movimento universal aparece como uma série de

determinações ou configurações do pensamento. Hegel faz a advertência de que este

desenvolvimento ou movimento universal, não deve ser entendido como uma progressão

que segue um sentido retilíneo, um percurso reto, mas deve ser compreendido como um

desenvolvimento de retorno a si. (1991, p. 91).

O desenvolvimento do pensamento não é algo outro que si mesmo. Este

desenvolvimento, como um movimento que o pensamento determina para si, apresenta uma

noção de desenvolvimento circular como retorno à si, isto é, de uma progressão através de

variados estádios de desenvolvimento. Hegel concebe que esta característica de retorno à si,

cumpre uma exigência particular ao pensamento: de que o pensamento como espírito deve

saber-se a si próprio como existente, para mergulhar ao mais profundo de si e tornar-se

integralmente objeto. “A meta do espírito ao falarmos nesta aplicação, é que ele se aprenda

a si próprio, que já não esteja de si oculto”.(HEGEL, 1991, p. 91).

O retorno a si é o caminho que o pensar realiza em direção a si mesmo. A medida em

que o pensamento avança neste percurso através de suas múltiplas determinações, o

pensamento se torna cada vez mais concreto, por definir-se a si mesmo. A atividade do

pensamento é a ação das determinações de pensamento que constituem um caminho para a

definição concreta. A natureza do conteúdo do desenvolvimento é definida como o diverso,

isto é, que concebe o em-si e o para-si. A determinação de um em outro é o movimento

enquanto concreção. Deste modo, podemos compreender que as determinações múltiplas de

pensamento, o diverso, são uma e mesma coisa. A idéia aparece como um terceiro

momento de síntese do diverso e de unificação do diverso do pensamento. “Este tem o

significado de que o único está em si no outro, por conseguinte, não tem o outro fora de si,

mas nele retornou a si”.(HEGEL, 1991, p. 93).

O aprofundamento em si mesmo do pensar, se mostra como a progressão que

determina a concretude de pensamento. “A filosofia move-se nas regiões do puro pensar,

mas seu conteúdo deve conceber-se como o mais concreto”.(HEGEL, 1991, p. 93). A noção

de desenvolvimento como concreção representa o gradual avançar do pensamento para sua

verdadeira realidade. O concreto no desenvolvimento representa a auto produção entre o

ser-em-si em um ser-para-si.

A concepção do diverso ou do múltiplo, significa aquilo que já existe como velado e

em si mesmo. O que faz o diverso sair de sua disposição íntima é uma necessidade

intrínseca de vir-a-ser para si. Esta necessidade é a própria contradição em que está imerso

o conteúdo. A contradição deste conteúdo mostra que em si ele é algo de simples, abstrato,

ao mesmo tempo em que aparece como múltiplas possibilidades em seu vir-a-ser.

A necessidade de auto definição do pensamento como diverso, isto é, o conceito, faz

surgir a dualidade entre ele e um outro conteúdo. Entretanto, o diverso apenas se constitui

oposto, diverso, enquanto determinados à existência particular. Não obstante a dualidade

entre as determinações, estas devem representar as determinações de um conteúdo unitário.

A necessidade de compreender o diverso em sua totalidade representa entendê-lo em sua

unidade, isto é, fazer com que a verdade do diverso seja a verdade do uno:

Devemos orientar nossa observação de modo que a diferença, porquanto é tal,

seja uma diferença evanescente, ideal, ab-rogada, mas somente para que a plena e

concreta unidade, não a unidade vazia do entendimento, chegue ao ser para si.

(HEGEL, 1991, p. 94).

O desenvolvimento do espírito enquanto desenvolvimento de pensamento demonstra

o emergir deste, para uma dualidade em potencial, que possui em si a necessidade de vir-a-

ser. Tal necessidade é a contradição interna ao pensamento de conter em si o diverso em

uma unidade. O desenvolvimento se completa quando a dualidade efetiva já como um

particular (conceito), é superada e unificada diante da noção de idéia. O pensamento realiza

seu retorno à si enquanto idéia. Este movimento de desenvolvimento é determinado por

Hegel como a vitalidade do espírito (1991, p. 94), em que a idéia nada é de morta ou

abstrato.

PARTE II

CONSIDERAÇÕES HEGELIANAS À OBJETIVIDADE DO PENSAR

DA ANTIGA METAFÍSICA

1. Primeira posição do pensamento: a objetividade metafísica

A racionalidade metafísica tem como principal característica de seu entendimento, o

imediatismo epistemico que se estabelece entre a episteme do homem e o real objeto do

pensamento, o ente metafísico. O ente metafísico se apresenta como uma realidade objetiva,

ao mesmo tempo em que também se mostra como metafísica, se constituindo como uma

realidade externa, uma verdade da qual a episteme deve ser afetada.

A partir deste modelo de entendimento, os objetos do entendimento se apresentariam

como verdadeiramente são, isto é, quando o homem pensa sobre a existência, esta (a

existência) não significa uma categoria do pensar que subsidia um objeto particular, mas o

existir ou o ser é ele mesmo um objeto independente e é (existe) como objeto metafísico.

Nessa crença, o pensar vai direto aos objetos, reproduz de si mesmo o conteúdo

das sensações e intuições, fazendo-o conteúdo do pensamento, e nele se satisfaz

como na verdade. Toda a filosofia em seus começos, todas as ciências e mesmo o

agir cotidiano da consciência vivem nessa crença. (HEGEL, 1995, p.89).

Quando analisamos a racionalidade metafísica a partir do projeto hegeliano de

desenvolvimento, isto é, de auto superação (aufheben) das determinações do pensar, vemos

que as determinações do pensar da antiga metafísica, não eram determinações em si, mas

realidades existentes apenas para si: o pensamento colocava a si o que era sua verdade.

2. Problemas referentes às determinações epistêmicas da antiga metafísica

2.1. A unilateralidade das determinações de entendimento

Em Hegel a antiga metafísica aparece como uma forma, uma determinação do pensar

que ao determinar o modo de suas operações epistêmicas, representa um procedimento

ingênuo do pensamento; a razão, sem ter consciência das contradições internas do

pensamento toma a verdade com o resultado de uma operação simples do pensamento. A

episteme é capaz de, por si, conhecer os entes metafísicos e aí se encerra a sua verdade.

(HEGEL, 1995, p. 89).

O procedimento ingênuo da razão da qual acusa Hegel à metafísica, está em resolver

o procedimento da determinação dos objetos epistêmicos e seu conhecimento de um modo

muito simplista. Este modo simplista é concebido como incapaz de reconhecer para si, o

fundamento da razão epistêmica: o processo dialético da razão em que a determinação dos

objetos da razão surgem a partir da superação de contradições internas ao pensamento. “A

pressuposição da antiga metafísica era a crença ingênua, em geral, de que o pensar captava

o Em-si das coisas, de que as coisas só são o que são verdadeiramente enquanto

pensadas”.(HEGEL, 1995, p. 90).

Naturalmente, a racionalidade metafísica se limitava a uma única determinação do

pensar, caindo em uma unilateralidade do pensamento dialético. Deste modo, passa a ser

natural que a racionalidade metafísica se mantenha por muito tempo no que Hegel chama

de ingenuidade do pensamento unilateral e imediato.

Ora, no que toca mais precisamente ao procedimento daquela antiga metafísica,

deve-se notar a esse respeito que ela não ultrapassa o pensar meramente do

entendimento. Ela acolhia de modo imediato as determinações-de-pensamento

abstratas, e lhes dava o valor de serem predicados do verdadeiro. Quando se trata

do pensar, deve-se distinguir o pensar finito meramente do entendimento, do

pensar infinito, racional. (HEGEL, 1995, p. 91).

Este modo de pensar os objetos do conhecer, como entidades prontas, faz com que a

metafísica seja concebida pelo idealista como um dogmatismo. Este dogmatismo deve

admitir, conforme a natureza das determinações finitas, que de duas proposições uma seja

determinada como verdadeira e a outra falsa. (HEGEL, 1995, p. 94).

A ingenuidade do pensar passa a existir na medida em que a razão metafísica

desconsidera a possibilidade de ela mesma determinar para si a realidade de suas

determinações absolutas. Entre este desconhecer sobre a auto determinação de conteúdos

do pensar e o que se acredita conhecer objetivamente, se instala no interior do pensamento

a contradição entre formas do pensamento.

A contradição entre as formas do pensar existente na razão perpassa as formas do

conhecer e do refletir na história do pensamento humano. Na antiga metafísica, tal

contradição se manifesta no ente metafísico. No momento em que a razão metafísica

determina o ente como uma realidade metafísica, objetiva existente em si e por si e que

deve afetar a episteme, ela (a razão) coloca para si a determinação da diferença, como algo

existente em si.

Para a metafísica, a diferença é algo em si, existente e real e que apresenta a

necessidade de afecção entre o ente e a episteme. Tal diferença passa a ser, nesse contexto,

uma idéia de reconhecimento de identidades distintas, isto é, entre a razão e o ser (ente). A

diferença já existente demonstra a necessidade de que esta diferença seja suprassumida pela

imediatidade do conhecimento, entre ser e razão.

A diferença existente entre um ser e outro somente existe para a metafísica enquanto

ela mesma coloca para si a existência do ser como uma realidade independente, um outro

que necessita ser em si. Podemos dizer que as determinações acerca do ser, proferidas pela

metafísica, são determinações secundárias, isto é, são determinações que produzem

diferença onde somente há a igualdade enquanto identidade.

Para Hegel quando o pensamento vai aos objetos, ele, o pensamento, reproduz de si o

próprio conteúdo do real, isto é, as sensações e as intuições, concretizando no objeto o

conteúdo do pensamento. O que chamamos de determinações secundárias da antiga

metafísica, representam as formas do pensar, aceitas como algo externo e diferente do

próprio pensamento. O pensar ingênuo atribuído por Hegel à metafísica, não se restringe a

uma determinação dos verdadeiros objetos do pensar, mas se direciona ao processo de

como estes objetos são gerados.

O pensar metafísico, do ponto de vista de seu conteúdo, ignora o fato de ser em si

uma determinação unilateral, isto é, finita, circunscrita em determinada significação. Este

pensar eleva as formas finitas do entendimento, a conceitos tem o propósito da

universalidade. As formas finitas do pensar ou determinações do entendimento representam

momentos do pensar dialético, que quando tomadas de modo isolado por determinada

filosofia, não podem compreender a unidade existente entre o que o pensamento coloca

para si e sua finitude real.1 “Essa metafísica não era um pensar livre e objetivo, pois não

deixava o objeto determinar-se livremente a partir de si mesmo, mas o pressupunha como já

pronto”.(HEGEL, 1995, p. 94).

1 Hegel conceitua que em si o pensamento é infinito. O seu oposto, a finitude ou o finito, significa o expresso

formalmente, aquilo que possui um fim determinado. O finito somente existe como ser limitado enquanto está

em conexão com seu outro. (1995, p. 91).

Hegel conceitua esta forma de filosofar da antiga metafísica, como um pensar

especulativo. Este pensar especulativo representa um discurso sobre os objetos da razão

metafísica tomados como conceitos universais em si. A universalidade do conceito somente

existe para o pensamento em sua limitação unilateral, pois a razão não ultrapassa a fronteira

do conteúdo do entendimento, considerando este produto da finitude como conceitos

universais do pensar. Estes conceitos universais se mostram como categorias, outrora

pensadas como universais, mas que em si, tem o seu limite determinado pela

unilateralidade que o próprio entendimento especulativo gera.

Para a antiga metafísica, no saber que ela mesma coloca para si, não existe a

possibilidade de diferença real entre o ser e o pensamento sobre o ser. A não existência de

diferença significa a não existência de mediação no processo epistemico de afecção, entre

ser e pensar. A inexistência de mediação pressupõe o oposto, isto é, a imediatidade

existente entre ser e pensar, pois o próprio pensar representa uma continuidade ontológica

do ser, em que pensar sobre o ser representa o próprio ser. As determinações do pensar são

as determinações do existente, das coisas.

2.2 A linguagem durante as determinações epistêmicas do entendimento unilateral

O problema das determinações do pensar da metafísica está no limite da própria

determinação gerada, de serem elas produtos do entendimento. Hegel faz uma diferença de

conteúdo entre uma determinação advinda do entendimento e outra da razão. O

entendimento se refere às determinações finitas, unilaterais, que possuem em si um limite

posto pela predicação.

A razão se ocupa daquilo que em si é infinito, isto é, a predicação de um ser não pode

esgotar a tentativa de definição deste ser. Hegel compreende as determinações da

metafísica entre as determinações do entendimento, que definidas como finitas e unilaterais

tem em si estabelecidas a mediação entre ser e pensamento.

O engano mais escandaloso da antiga metafísica era a certeza de que definir por

predicação o ser era definir a totalidade do ser. Este pensar, nada mais fazia do que atingir

uma determinação finita sobre o ser, isto é, do ser a metafísica nada falava mais do que uma

simples representação dele; conseqüentemente a representação sobre o ser gerava uma

mediação interna entre a representação do ser e a predicação que à ele deve ser atribuída.

Tal mediação se apresenta na predicação: O ser é X; o ser é Y. O que podemos identificar

no modo de proceder da metafísica é que a conceitualização do absoluto desta

racionalidade acontecia por meio da atribuição de predicados:

Tais predicados são, por exemplo, ser-aí, como na proposição “Deus tem ser-aí”,

finitude e infinitude, como na questão se o mundo é finito ou infinito, simples ou

composto, como na proposição: “a alma é simples”; além disso, “a coisa é uno,

um todo” etc. não se examinava se tais predicados eram em si e para si algo de

verdadeiro, nem se a forma do juízo podia ser a forma da verdade. (HEGEL, G.

W. F., 1995, p. 90).

Hegel também evidencia de que os objetos de análise da antiga metafísica, aquilo

que ela determina como o que é, isto é, como o que existe, nada mais são do que predicados;

tais predicados são definidos como abstrações da consciência, mediados em relação ao

conceito do verdadeiro. O problema encontrado no modo de predicação do ser está em não

examinar se a predicação efetuada representa a forma do verdadeiro e se os predicados são

em si, também algo de verdadeiro. A natureza imediata do pensar metafísico somente pode

existir com a crença ingênua de que o pensar capta o em si das coisas, enquanto pensadas.

(HEGEL, 1995, p. 90).

O problema gerado pela antiga metafísica se concentra no ser tomado como o objeto

do pensar; este objeto representa uma universalização de formas finitas do pensar, isto é,

são representações mediatizadas do entendimento que o pensamento atribuí à uma outra

representação, também sua. O objeto do pensamento para Hegel se mostra finito porque

pode ser determinado, circunscrito pelo próprio predicado.

O predicado como uma representação é atribuída à outra representação, ambas finitas,

pois o limite o ser mostra-se na proposição: X é Y. Para Hegel estas proposições são finitas

não apenas pela possibilidade de se poder limitar seu conteúdo, mas porque querem

mostrar-se como absolutas e não como possibilidades que admitem proposições opostas. O

pensamento admite a contradição de determinações, pois a diferença se mostra como posta

pelo próprio pensar.

Ao contrário das determinações do entendimento, o pensar é em si infinito, uma vez

que sempre está junto a si. Estar junto a si representa para o pensamento admitir a diferença

do outro ou oposto, como si mesmo, em que a diferença é aparente e existente apenas para

o pensamento, mas não em si mesmo. Deste modo a determinação unilateral do pensar é

apenas do entendimento, que considera apenas um lado do pensar, um único sentido que a

proposição aponta.

3. A suprassumção da unilateralidade do entendimento: o emergir do conceito como

o verdadeiro

O entendimento se ocupa com a unilateralidade do pensar, isto é, o limite da

proposição e sua oposição com a diferença, de modo que a razão é o pensar do todo do

outro como si mesmo, como uma possibilidade posta como diferença. Para o pensamento

hegeliano, que considera a superação das contradições, a diferença das determinações deve

ser suprassumida por serem de mesma natureza. Diz Hegel sobre a finitude e infinitude do

pensamento:

Ora de fato, segundo sua essência, o pensar é em si infinito. Finito significa,

expresso formalmente, aquilo que tem um fim; o que é, mas que deixa de ser

onde está em conexão com seu Outro, e, por conseguinte é limitado por ele.

Assim o finito consiste em uma relação ao seu Outro, que é sua negação e se

apresenta como seu limite. Mas o pensar está junto de si mesmo, consigo mesmo

se relaciona, e tem a si mesmo por objeto. (HEGEL, G. W. F., 1995, p. 91).

O objeto do pensamento é ele mesmo, o próprio pensamento. A alteridade do

pensamento somente pode existir como uma tensão dentro do próprio pensamento. O objeto

do pensamento é ele mesmo que se põe como objeto e logo suprassume em si a aparente

alteridade.

Enquanto tenho um pensamento por objeto, eu estou junto a mim mesmo. O eu, o

pensar, é infinito, pelo motivo de que se refere no pensar a um objeto que é ele

mesmo. Objeto em geral é um outro, um negativo em relação a mim. Se o pensar

pensa a si mesmo, então tem um objeto que ao mesmo tempo não é um objeto;

isto é, [tem] um objeto suprassumido, ideal. (HEGEL, 1995, p. 91).

A partir das considerações anteriores, podemos dizer que a finitude do pensamento se

expressa em uma formalização do entendimento, quando a diferença é concebida como

existente e real. A diferença se evidencia pela predicação como uma caracterização da

existência do ser metafísico. Tal modo de proceder metafísico se mostra como uma

tentativa exterior de apreensão da verdade.

A exterioridade da verdade como característica desse proceder metafísico se refere ao

modo de definição do ser: define-se o ser por predicados e não por ele mesmo. O erro

metafísico é não se atentar para esta peculiaridade do ser, onde dizer o que o ser é por

predicação é uma tentativa externa e finita.

Hegel demonstra que a metafísica pressupõe como ponto de partida para sua reflexão

o conceito de ser. O ser é o apoio fixo do pensamento, para onde as demais representações

do pensamento convergem. As representações do pensar convergem para a idéia de ser,

pois o ser necessita da predicação para ser pensado e posto em uma proposição: o ser é X. o

ser pode ser a alma, o Deus, a essência ou substância. Entretanto, até mesmo as definições

sobre o ser, isto é, a conceitualização sobre o ser, aparecem de modo interno como

representações deste mesmo pensamento, determinadas como ser.

O ser, uma vez definida sua espécie (Deus, alma, essência), necessita agora de

definição para o pensamento. A predicação, por exemplo, Deus é eterno, estabelece uma

definição sobre o ser em uma proposição, que aparentemente demonstra um ser em

diferença com o pensamento. No entanto, a predicação quer referir-se a algo que se mostra

como diferente do pensamento, mas que necessariamente é ele mesmo; o ser determinado

como o objetivo não deixa de ser uma representação definida por outra representação, o

predicado.

No que diz respeito às determinações sobre o ser, podemos dizer o seguinte: a partir

do momento em que as diferentes determinações do pensamento eram colocadas como uma

oposição de consequência paradoxal, o pensamento metafísico ainda não poderia conceber

estas determinações como formas possíveis do pensar tendo que, necessariamente, conceber

uma como verdadeira e outra como falsa. Então, nega-se a oposição em vista da aceitação

de uma unilateralidade.

A metafísica buscava a verdade sobre o que o ser é, na unilateralidade da proposição

e não no conceito em si:

O dogmatismo da metafísica-de-entendimento consiste em fixar em seu

isolamento as determinações unilaterais de pensamento, quando, ao contrário, o

idealismo da filosofia especulativa possui o princípio da totalidade, e se mostra

como dominando a unilateralidade das determinações abstratas do entendimento.

(HEGEL, 1995, p. 95).

Hegel considera o conceito como uma unidade de múltiplas determinações, que

compreende em si a diferença e a oposição. Determinar a verdade como existente na

proposição é desconsiderar a realidade do que é o conceito, na filosofia hegeliana. O

conceito aparece como superior a proposição, por esta estar no interior daquilo que o

conceito é, a compreensão da oposição e do paradoxo em si mesmo, como possibilidade de

múltiplas determinações.

REFERÊNCIAS

FLÓREZ, Ramiro. La Dialéctica de la História en Hegel. Madrid: Editorial Gredos, 1983.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das Ciências Filosóficas – A Ciência da

Lógica. (1830). São Paulo: Loyola, 1995.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à História da Filosofia. Lisboa: Edições 70,

1991.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones Sobre la Filosofia de la História Universal.

Madrid: Alianza Editorial, 1982.

HYPPOLITE, J. Gênese e estrutura da Fenomenologia do espírito de Hegel. Trad.

de Sílvio Rosa Filho (Coord.). São Paulo: Discurso Editorial, 1999.

NÓBREGA, Francisco P. Compreender Hegel. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.