Módulo 4 – O homem como ser social

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Módulo 4 O homem como ser social Em pleno outono brotou a primavera! Acostumados a assistir pela televisão o levante de povos contra governos autoritários, policiais enfileirados impedindo o avanço de colunas de populares e o estouro de bombas de efeito “moral” – muitas vezes físico, também -, eis que em 2012 os brasileiros ofereceram as mesmas imagens ao mundo. O grande historiador Eric Hobsbawm afirmou que a história é feita mais de coisas inesperadas que esperadas. Há pouco tempo, se alguém fosse perguntado sobre a possibilidade de acontecer o que temos acompanhado nas ruas das capitais do país, a resposta viria carregada de ceticismo, quando não com a velha afirmação de que o brasileiro é passivo e acomodado. É raro que os acontecimentos acompanhem nossos prognósticos. Nesse sentido, quem pensaria que o aumento da tarifa dos transportes públicos em São Paulo em R$ 0,20 desencadearia tamanha agitação? Este, na verdade, foi apenas a ponta de um iceberg mais complexo que carece de análise. Não se trata, também, de rebeldia sem causa, como afirmou um conhecido comentarista de jornal televisivo. Aliás, houve várias causas presentes em todo esse movimento. Há conceitos, também, que precisam ser mais bem conhecidos. Aqui, me detenho em dois: democracia e política. Para tanto, temos de recorrer à Grécia, não a contemporânea, vítima da crise econômica e também acometida por protestos diários devido ao desemprego, à miséria e à injustiça, esta, sentida pela ajuda que é oferecida a banqueiros em detrimento de aposentados, estudantes e trabalhadores, abandonados e convidados a pagar mais e maiores impostos. Refiro-me à Grécia Antiga. Democracia é a junção de dois vocábulos demos e kratos -, que significam literalmente “governo do povo”. Aqui temos outro conceito agregado: o que nos diz a palavra “povo”? Ao contrário do que entendemos hoje, essa palavra representava uma parcela pequena da população: homens, nascidos na cidade-Estado e livres. Em sua maioria, estes homens nativos e livres eram também proprietários de terras e de escravos. Em Atenas, por exemplo, isso representava cerca de 10% da população. Política, por sua vez, deriva de pólis, que era a cidade-Estado. Política são os assuntos próprios da

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Módulo 4 – O homem como ser social

Em pleno outono brotou a primavera! Acostumados a assistir pela

televisão o levante de povos contra governos autoritários, policiais enfileirados

impedindo o avanço de colunas de populares e o estouro de bombas de efeito

“moral” – muitas vezes físico, também -, eis que em 2012 os brasileiros

ofereceram as mesmas imagens ao mundo. O grande historiador Eric

Hobsbawm afirmou que a história é feita mais de coisas inesperadas que

esperadas. Há pouco tempo, se alguém fosse perguntado sobre a possibilidade

de acontecer o que temos acompanhado nas ruas das capitais do país, a

resposta viria carregada de ceticismo, quando não com a velha afirmação de

que o brasileiro é passivo e acomodado.

É raro que os acontecimentos acompanhem nossos prognósticos.

Nesse sentido, quem pensaria que o aumento da tarifa dos transportes

públicos em São Paulo em R$ 0,20 desencadearia tamanha agitação? Este, na

verdade, foi apenas a ponta de um iceberg mais complexo que carece de

análise. Não se trata, também, de rebeldia sem causa, como afirmou um

conhecido comentarista de jornal televisivo. Aliás, houve várias causas

presentes em todo esse movimento. Há conceitos, também, que precisam ser

mais bem conhecidos. Aqui, me detenho em dois: democracia e política. Para

tanto, temos de recorrer à Grécia, não a contemporânea, vítima da crise

econômica e também acometida por protestos diários devido ao desemprego, à

miséria e à injustiça, esta, sentida pela ajuda que é oferecida a banqueiros em

detrimento de aposentados, estudantes e trabalhadores, abandonados e

convidados a pagar mais e maiores impostos. Refiro-me à Grécia Antiga.

Democracia é a junção de dois vocábulos – demos e kratos -, que

significam literalmente “governo do povo”. Aqui temos outro conceito

agregado: o que nos diz a palavra “povo”? Ao contrário do que entendemos

hoje, essa palavra representava uma parcela pequena da população: homens,

nascidos na cidade-Estado e livres. Em sua maioria, estes homens nativos e

livres eram também proprietários de terras e de escravos. Em Atenas, por

exemplo, isso representava cerca de 10% da população. Política, por sua vez,

deriva de pólis, que era a cidade-Estado. Política são os assuntos próprios da

cidade-Estado e político todo aquele que se envolve nesses assuntos. Pólis é a

palavra grega para cidade, enquanto que os romanos empregavam em latim a

palavra civitas, de onde deriva cidadão.

Então, vemos a proximidade das palavras “política”, derivada de

pólis e cidadão ou cidadania, derivadas de civitas. Nesse sentido, ser cidadão é

também envolver-se nos assuntos políticos de sua cidade, porém, dado que

nosso país não é uma cidade-Estado, como na Grécia antiga, a cidadania se

liga aos temas mais candentes do país. Ocorre que em nossa democracia

ocidental e contemporânea, perdeu-se uma característica fundamental

existente nesse regime na Antiguidade: antes, era direta, hoje, representativa.

Assim, muito mais do que R$ 0,20 na tarifa do transporte público, o pano de

fundo das manifestações foi exatamente o resgate da cidadania, da política e

da democracia como antes, uma vez que nossos representantes não têm

cumprido sequer de longe com os compromissos que assumem e com as

demandas requeridas por grandes contingentes da população.

No momento em que escrevo este texto, a Presidente da

República acena para a necessidade de se fazer uma reforma política. Discute-

se, por enquanto, se esta viria por meio de plebiscito, de convocação de

Assembleia Constituinte ou por ação dos três poderes. Creio que essa reforma

contribuiria para aperfeiçoar os mecanismos de participação por que reclamam

os brasileiros, além de criar entraves – não impedi-los – aos desmandos e aos

favorecimentos característicos de muitos membros do Judiciário, do Legislativo

e do Executivo nas três esferas (municipal, estadual e federal). Não deve ser

tomada, no entanto, como panaceia que resolveria todos os males que nos

acometem. Nesse sentido, a continuidade das manifestações é fundamental

para que as conquistas possam seguir além da redução das tarifas. E seguem!

Acaba de ser rejeitada e arquivada a Proposta de Emenda Constitucional

número 37 (PEC 37), também conhecida como “PEC da Impunidade”. O

Congresso Nacional também retirou impostos do setor de transportes, no

intuito de contribuir para a manutenção das tarifas, em alguns casos, e em sua

diminuição, em outros. Há também neste momento, no Legislativo Federal, a

discussão para tornar a corrupção crime hediondo.

Isso tudo confirma cientificamente o que o cientista social da

Universidade de Binghamton, em Nova Iorque, James Petras, afirma há tempo:

sempre que contou apenas com as instituições para ter suas demandas

atendidas, a classe trabalhadora colecionou derrotas. É preciso ditar-lhes a

agenda, ou, pelo menos, influenciar a sua confecção e consecução. Por meio

do voto, apenas, isso não se efetiva. Daí a importância das redes sociais e das

ruas.

Hoje, as ferramentas contemporâneas incentivam a ação política

dos cidadãos, e, com isso, qualificam nossa democracia, à medida que

influenciam o debate em torno da formulação, da implementação, do

acompanhamento e da avaliação das políticas públicas, além de forjarem uma

política para além dos muros das instituições – parlamento, palácios etc. As

Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC´s) ampliam esses espaços

institucionais de debate e os canais de expressão, ajudando no

desenvolvimento de outra forma de sociabilidade.

No começo dos anos 1990, o Exército Zapatista de Libertação

Nacional (EZLN) utilizou as redes sociais da época para angariar mais apoio a

suas causas, ganhando visibilidade mundial. Na Espanha, em 2004, a tentativa

de reeleição desesperada pelo ultradireitista José Maria Aznar, imputando a

responsabilidade pelos ataques à Estação Atocha ao partido adversário, foi

vencida graças ao uso das redes, que permitiram desmascarar a tempo a ação

golpista e eleger o opositor ao seu governo. Em 2008, Barack Obama fez uso

das mesmas redes e conseguiu tornar-se o primeiro presidente negro na

história dos EUA. As mesmas redes estão presentes agora, desvendando a

vigilância que a Casa Branca exerce sobre os cidadãos, por meio de gravações

de telefonemas e acompanhamento de mensagens eletrônicas. Com esses

canais de comunicação, os brasileiros conseguem se reunir rapidamente em

grandes manifestações e colocar em xeque a modorrenta rotina de eleger seus

representantes a cada quatro anos e aguardar o próximo período para

manifestar sua avaliação.

Uma característica dos atuais movimentos é que não possuem

direção. Não há um partido político, de direita ou esquerda, na condução dos

manifestantes. Isso também significa que não há um horizonte para onde se

encaminhar. Em meio a isso, oportunistas tentam tirar proveito e suscitar uma

liderança. Sabiamente, isso tem sido refutado em cada encontro público de

manifestantes. Como Eça de Queirós, escritor português do século XIX, as

faixas poderiam comunicar: “Não sabemos para onde ir; sabemos, no entanto,

onde não devemos ficar”. Para quem preferir o rock, ao invés da literatura,

fique com a origem do nome da famosa banda inglesa Rolling Stones, que o

explicou: “pedras que rolam não criam musgo”.

O inverno é marcado pela queda das folhas mortas, permitindo

que as árvores se renovem na estação seguinte. Temos muitas folhas mortas e

moribundas no país que precisam dar lugar ao novo. O novo não significa,

necessariamente, o desconhecido, apenas o novo, o que ainda não tomou

lugar. Não significa, também, necessariamente e exclusivamente pessoas e/ou

governos. Há de se atentar para o Estado. É preciso, no entanto, olhar para

além dele, refletindo sobre suas origens, estruturas, interesses e vínculos.

O que a primavera nos reserva? Se buscarmos no passado a

renovação, teremos apenas mais do mesmo. Recorrendo a uma formulação

clássica, transformaremos o Brasil, e, talvez o mundo, “recolhendo a poesia do

próprio futuro”.

O que escrevi acima pode nos auxiliar a entender o que tem

tomado conta das ruas do país nos últimos meses. Pode também nos introduzir

ao tema deste módulo, que é guardado para dimensão social do homem.

Somos seres sociais, o que significa que somente em sociedade, em conjunto

com o outro, nos completamos humanamente. Há também, em sociedade, a

exploração de uns sobre outros. Este foi o tema de alguns autores. Em

sociedade, vivemos também com a organização e a centralização de uma

forma de poder, que é o Estado. Este é outro tema que tem sido estudado, no

âmbito da filosofia e das ciências humanas, em geral. Neste módulo, vamos

refletir um pouco mais sobre estes conceitos a partir de autores clássicos.

Um autor – entre tantos – que refletiu sobre esses temas foi Jean-

Jacques Rousseau. Nascido em 1712 em Genebra e falecido em 1778 em

paris, viveu boa parte de sua vida na França, e, em 1753, escreveu uma obra

cujo título é bastante sugestivo: “Discurso sobre a origem e os fundamentos da

desigualdade entre os homens”. O título já nos revela algo importante: se há

uma origem, a desigualdade não é natural, não é dada pelo Criador. Para ele,

temos dois tipos de desigualdade: a natural e a política. A primeira é física, ou

seja, a diferença natural entre as pessoas no que se refere à altura, saúde,

disposição física etc. A segunda, no entanto, é provocada pelas relações

sociais, tendo sua origem na propriedade.

Para Rousseau, antes de viver em sociedade, o homem viveu

num estado de natureza, onde todos eram livres e sem regras, porém:

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém !". Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa ideia de propriedade, dependendo muito de ideias anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza. Retomemos, pois, as coisas de mais alto, e tratemos de reunir, sob um só ponto-de-vista, essa lenta sucessão de acontecimentos e de conhecimentos na sua ordem mais natural.

Para Rousseau, a desigualdade foi, a partir daí, “progredindo”,

tendo sido o primeiro marco desse “progresso” o estabelecimento da lei e do

direito de propriedade, havendo uma primeira distinção entre os homens: ricos

e pobres. O segundo é caracterizado pela instituição da magistratura, e aqui, a

existência de poderosos e fracos; por fim, o último grau da desigualdade é

marcado pela transformação do poder legítimo em poder arbitrário, havendo

senhores e escravos. Neste último estágio, o círculo se fecha, e um novo

estado de natureza aparece, porém, não como fruto da pureza (como no

estado de natureza original), mas sim da corrupção. Assim, todos os súditos

ficam em estado de natureza em relação à vontade do senhor.

No início, a forma original de governo não teria sido o despotismo,

pois o homem, segundo Rousseau, não tende à servidão, contrariando os

filósofos políticos. Inicialmente, a sociedade possuía apenas algumas

convenções gerais que todos se comprometiam a observar, e a comunidade se

responsabilizava por cada um dos seus membros. Foi necessário que a lei

fosse burlada e que a desordem se multiplicasse para que se pensasse em

confiar a particulares a custódia da autoridade pública. Assim, os chefes e os

legisladores só teriam aparecido após a associação dos homens em sociedade

e após o aparecimento das leis.

A criação da sociedade e do Estado, portanto, transformaram o

homem. Para Rousseau, o transformou para pior, uma vez que no estado de

natureza o homem é livre e vive conforme a criação. Em sociedade e sob o

jugo do Estado, não somos naturais: somos o que podemos ser, mas somos

artificiais e distantes do plano original da criação.

Se a propriedade é a base de todos os males existentes desde a

criação da sociedade, Rousseau não pressupõe a sua destruição, mas uma

sociedade em que todos sejam proprietários privados de meios de produção.

Ou seja, uma sociedade em que não haja patrões e empregados, mas onde

todos sejam donos de um pequeno negócio sem exploração da força de

trabalho de outrem. Somente assim teríamos uma democracia de verdade.

Trata-se de uma utopia. Independente de qualquer divergência que posamos

ter com sua obra, trata-se de um sintoma de insatisfação dele mesmo – e de

todos aqueles que ele possa ter representado – com a sociedade de seu

tempo. Toda utopia tem um caráter não só de proposta, mas também de

denúncia.

Leia o texto na íntegra por meio do link

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf Caso tenha

escolher uma parte apenas, dê prioridade para as páginas 12 a 14 e 29 a 33.

Boa leitura!

Se Rousseau foi um filósofo que marcou o século XVIII, no século

seguinte Karl Marx foi quem fez diferença na Filosofia. Seu doutorado,

inclusive, é nesse campo do conhecimento. Entre muitas questões sobre as

quais se debruçou, Marx estudou profundamente a sociedade capitalista e o

homem, como ser social, nesse ambiente. Uma obra que escreveu em parceria

com seu amigo e interlocutor, Friedrich Engels, que você leu no módulo 2, tem

um título sugestivo: Manifesto do Partido Comunista. Na verdade, não havia

partido político com essa denominação no século XIX. O título se refere à

exposição do que significa ser comunista num contexto em que a burguesia

europeia procurava desqualificar esse movimento, que não foi criado pelos

autores, mas pelos trabalhadores urbanos – o proletariado. Nessa obra, para

além de uma exposição do que consiste ser comunista no início do século XIX,

os autores explicitam a origem da exploração dos homens sobre os homens na

sociedade capitalista. Servem-se, portanto, de autores como Rousseau, mas

vão além dele e trazem importantes reflexões sobre esse tema.

A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.

Para Marx e Engels, as transformações que ocorrem na História

são provocadas pelos homens, porém, são os homens que vivem em

sociedade e se enfrentam em lutas sociais. Enquanto alguns homens lutam

para manter e, se puderem, aumentar a exploração sobre os outros, os

explorados lutam para diminuir e, no limite, acabar com a exploração que lhes

pesa sobre os ombros. Nesse embate conflituoso, a sociedade como um todo

sofre algum tipo de mudança, mesmo que pequena. Quando as lutas de

classes atingem um grau de envolvimento e participação social radical, as

transformações são equivalentes e proporcionais a essa radicalidade, daí as

grandes mudanças, como por exemplo, fim da escravidão, troca de regime

político, queda de governos etc.

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado. Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.

Como afirmado na página anterior, na sociedade contemporânea,

capitalista, as classes fundamentais são a burguesia e o proletariado, ou, em

outras palavras, a classe proprietária dos meios de produção e que explora a

força de trabalho dos trabalhadores é a burguesia, e o conjunto dos

trabalhadores é conhecido como proletariado.

Para que você tenha condições de refletir com mais profundidade

sobre esse tema e essas teses, leia o texto na íntegra no link

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000042.pdf Se tiver que

selecionar uma parte apenas para leitura, dê preferência às páginas 1 a 8.

Outro texto de Karl Marx sobre esse tema, tem um título que

merece esclarecimento: A Questão Judaica. Como sabemos, os judeus foram

perseguidos, estigmatizados e marginalizados em muitos países e em muitos

momentos da história. Na primeira metade do século XIX, na Alemanha,

quando essa discussão foi levantada – a libertação dos judeus de todos esses

estigmas -, Marx escreveu esse texto na tentativa de mostrar que no Estado

capitalista, mesmo se não fossem perseguidos, os judeus ainda assim não

estariam livres, como, aliás, todas as outras minorias, uma vez que há uma

dominação maior que paira sobre todos.

Dentre os autores que temos estudado, Marx certamente é o que

rompe com a tradição de pensar-se a liberdade humana dentro dos limites do

Estado e das instituições. Ou seja: a liberdade humana não se efetiva por meio

de leis.

A Política, como forma específica de ideologia, é dirigida a toda a

sociedade, e tem como função, em última instância, a manutenção ou a

destruição da ordem existente. A ideologia, em Marx, é o conjunto das

respostas que o homem deu até hoje às questões por ele próprio colocadas; é

toda a bagagem cultural humana que em dado momento exerceu uma função

social, que, no extremo, serviu para conservar ou para transformar o real.

Com relação à Política, ainda, em Marx ela possui uma

determinação negativa. Não é raro encontrarmos afirmações a respeito de

Marx como defensor do Estado e da prática política, o que contraria, em nossa

perspectiva, a sua obra.

Diferentemente de outros autores, como Hobbes, Locke e Hegel,

entre outros, Marx tem uma visão crítica do Estado, e tanto este como a política

são para ele fenômenos histórico-sociais, ou seja, são criações humanas, e

que, assim, podem e devem – de acordo com a vontade humana –

desaparecer. Dessa forma, Estado e política não são eternos, sagrados ou

inerentes à condição humana.

Marx, no século XIX, rompe com a tradição que vinha desde os

gregos de ter uma concepção positiva de política. Aristóteles (384 – 322 a.C.)

diz:

“Ora, como a política utiliza as demais ciências

e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não

devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as

das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano.

Com efeito, ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o

indivíduo como para o Estado, o deste último parece ser algo

maior e mais completo, quer a atingir, quer a preservar.

Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo

só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para uma nação ou

para as cidades-Estados. Tais são, por conseguinte, os fins

visados pela nossa investigação, pois que isso pertence à

ciência política numa das acepções do termo.”1

A política, assim, é vista como um alto grau de humanidade, onde

o máximo de consciência possível é a consciência política.

Na primeira metade do século XIX, Marx dialoga – criticando –

com autores que, a exemplo de Aristóteles e dos filósofos modernos, tinham

uma concepção positiva da política e, assim, propunham a modernização do

Estado prussiano – alemão - a partir do seu afastamento da religião. Entendia-

se que se Estado e religião fossem separados, os judeus seriam mais livres,

pois não haveria mais a perseguição que sofriam. Em Hegel, talvez o maior

pensador do Estado burguês e dessa concepção de política, o Estado é

racional e universal, dirimindo os interesses divergentes no seio da sociedade

civil através da emancipação política, ou seja, tornando o homem um cidadão,

o que vale dizer, estendendo-lhe a igualdade política e jurídica. Assim, o

Estado hegeliano abole as diferenças de um homem abstrato (o cidadão),

porém, no seio da sociedade civil, as diferenças e os conflitos permanecem.

A concepção positiva da política visa, tão somente, o

aperfeiçoamento do Estado e de suas instituições, porém, a emancipação

política que defende para o homem não é senão uma emancipação parcial,

1 ARISTÓTELES. “Ética a Nicômaco”, in Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, pp. 249

e 250.

diferente da emancipação humana. Para Hegel, o Estado funda a forma social,

daí o Estado realizar o homem.

Em Marx, o Estado é produto da forma social, e a superação do

homem se dá por ação do próprio homem. O Estado – e a política – é uma

representação do homem; não é possível entender o homem pelas suas

representações, mas pelo que o homem é.

Finalizando, na obra em referência, A Questão Judaica, Marx

amplia a reflexão feita acerca da emancipação dos judeus na Alemanha,

mostrando que a religião, seja judaica, cristã ou qualquer outra, representa

uma mediação, assim como o Estado, a propriedade ou mesmo a política,

outras mediações para a liberdade humana. Assim, dentro desses limites –

religião, Estado, política e propriedade -, o que o homem consegue não é a

liberdade, mas liberdade religiosa, liberdade de propriedade e assim por diante.

A essa liberdade burguesa, opõe-se a emancipação humana, que requer a

destruição da religião, do Estado, da política e da propriedade. Sem isso,

mesmo a emancipação judaica é frágil e burguesa, portanto, limitada.

Reparou que podemos falar em liberdade segundo várias

dimensões? O que os autores aqui propõem, principalmente Marx, é que a

liberdade não seja buscada apenas em uma ou outra dimensão, mas na sua

inteireza, pois seremos, assim, livres por completo. Utopia? Talvez, mas, como

vimos antes, a utopia é uma forma de nos rebelarmos com a incompletude do

mundo.

Módulo 5 – Ética, ecologia e direitos humanos

De alguma forma, os três temas deste módulo encontram-se

imbricados. É relativamente fácil estabelecer relações entre ética, ecologia e

direitos humanos. Para começar, vejamos em que consiste a ética. O homem é

o único animal que possui ética, ou seja, consegue discernir entre o certo e o

errado. A moral, por sua vez, está relacionada aos costumes que possuímos,

podendo ser alterada de época em época e de sociedade em sociedade.

Exemplo: até o século XIX, no Brasil, não era considerado imoral alguém que

tivesse escravos. Hoje, no mesmo lugar, mas em outra época, temos que

nossa moral condena essa prática. Na mesma época, por outro lado, podemos

uma moral numa sociedade que se contrapõe a outra em outro lugar. Exemplo:

compare os costumes em nossa sociedade ocidental e numa sociedade

oriental. Pense, por exemplo, no papel das mulheres em ambas. Você verá que

há uma moral por aqui que condena o papel destinado às mulheres por lá, e

vice-versa. Não há, nesse sentido, uma moral superior à outra, como também

não há uma sociedade inferior à outra.

A ética, nesse sentido, é uma reflexão que podemos – e devemos

– fazer sobre a moral, refletindo sobre o que é certo e o que é errado. É com

base nesse tipo de pensamento e de reflexão que é possível colocar em xeque

nossos valores e mudá-los com o tempo e com as nossas necessidades. Ainda

bem, não é mesmo?

Um autor que refletiu sobre essas questões foi Friedrich

Nietzsche. Alemão do século XIX, esse autor pensou dialeticamente a ética e a

moral, nos colocando algumas provocações intelectuais. Não se preocupe que

não vou me estender muito. Apresentarei brevemente algumas de suas teses

sobre esse assunto. Quando quiser e puder, leia mais desse autor e sobre ele

também. Citarei algumas obras que não serão indicadas para leitura, mas

apenas apontadas, como disse, visando um interesse futuro de sua parte.

A principal preocupação do autor, poderíamos afirmar, não

apenas nesta, mas em toda a sua obra, refere-se aos valores morais. Em Para

Além de Bem e Mal, de 1886, e Para a Genealogia da Moral, de 1887,

Nietzsche estuda como surgem os valores, e, em especial, os valores morais.

Os valores não são eternos, não foram dados por Deus ao homem, mas, antes,

são “humanos, demasiado humanos”. Foram criados pelos homens a partir de

avaliações, e elas próprias merecem ser avaliadas, a fim de que haja a

“transvaloração de todos os valores”.

Estudando antigas sociedades, o autor chega à conclusão de que

existem dois tipos fundamentais de moral: “Há moral de senhores e moral de

escravos”, afirma Nietzsche no parágrafo 260 de Para Além de Bem e Mal.

Quem concebe primeiro a ideia de “mau” é o fraco, o ressentido, o escravo,

que atribui essa ideia aos fortes, corajosos, nobres. Dessa forma, a antítese o

leva ao “bom”, que é ele mesmo. Por sua vez, o forte concebe o princípio

“bom”, que atribui primeiro a si, e, por contraste, a ideia de “ruim”, que

endereça ao fraco e pobre. Essa ideia de “ruim’, para o forte, é uma ideia

secundária, ao passo que para o fraco, a ideia original, primeira, criadora de

sua moral, é a de “mau”“.

Depreende-se que o valor “bom” para nobres e escravos é

diferente, porque fundado em perspectivas distintas. Para o autor, o ressentido

quer transformar sua fraqueza em força. Daí exaltá-la como virtude. A

impotência vira bondade, a fraqueza, humildade, a submissão, obediência, a

covardia, paciência, o não poder vingar-se vira perdão e assim por diante. O

fraco cria até outro mundo para justificar a sua impotência diante deste. Deus

surge como fruto do ódio e desejo de vingança. Esse ressentimento nem pode

ser confundido com reação, pois é justamente a não possibilidade de reação

que engendra o ressentimento.

Os valores morais, assim, não existem desde sempre, mas são

históricos, possuem uma origem, e ela é humana. Para Nietzsche, há uma

relação estreita entre costumes e moralidade. A tradição ajuda a consolidar

ideias, maneiras de agir e pensar, e, no limite, não aceitará questionamentos,

tornando-se imoral aquele que não se submeter a esses valores. Daí que

decorreria a ideia de homem respeitável aquele que tem residência fixa,

trabalho estável, opiniões perenes etc.

Se, paralelo a esse questionamento acerca dos valores,

agregarmos outra concepção do filósofo, a ideia de luta, tomaríamos mais

espaço, mas entenderíamos porque sua obra foi apropriada por pessoas tão

díspares, como anarquistas e nazistas. Como em Heráclito, onde os opostos

estão em guerra permanente, num movimento de construção e destruição, em

Nietzsche o forte desafia o outro, porém não para exterminar, mas para

dominar. Este último ponto foi abolido pelos nazistas. Os anarquistas vão usá-

lo, na medida em que Nietzsche recusa a ideia de que os valores sejam

oriundos de alguma divindade, fora do mundo. Assim, o questionamento da

sociedade burguesa fica facilitado, entendendo-se as diferenças sociais e a

opressão como criadas pelo próprio homem, sem fundamentação divina,

portanto. Já os nazistas, apropriando-se da ideia de luta, farão com que o

extermínio dos judeus pareça uma coisa natural, uma vez que o próprio autor

vê na força uma ausência de intencionalidade: a ela não é facultado não se

exercer, é natural que seja exercida, mesmo sem objetivos a atingir, ela se

exerce como vontade de potência. Afirma Nietzsche no parágrafo 259 de Para

Além de Bem e Mal :

“Viver é essencialmente apropriação, violação,

dominação do que é estrangeiro e mais fraco,

opressão, dureza, imposição da própria forma,

incorporação e, pelo menos, no mais clemente

dos casos, exploração.”

Para Nietzsche, tudo que há no mundo deve ser questionado, e o

homem que, questionando, afasta-se dos valores, crenças e certezas, conjuga

sua condição humana com a liberdade. Em A Gaia Ciência, parágrafo 347, ele

afirma:

“(...) seria pensável um prazer e força da autodeterminação, uma liberdade da vontade, em

que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele

está, em poder manter-se sobre leves cordas e possibilidades, e mesmo diante de abismos

dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito livre par excellence.

Em nossa época ganha amplitude e cada vez mais importância a

questão do meio ambiente. Ecologia não é mais somente um campo de estudo

de aficionados pela natureza. É em meio à sociedade capitalista, marcada pelo

consumo desvairado e pela produção em grande escala de objetos supérfluos

que o meio ambiente, nosso habitat, encontra-se ameaçado, uma vez que

consumimos desvairadamente recursos naturais que podem nos faltar – em

algumas partes do planeta já escassos e extintos – num futuro próximo.

Leonardo Boff é um frei católico que se doutorou em filosofia.

Além de muitos livros, esse autor produziu artigos que estão disponíveis para

consulta pública. Dentre eles, destaca-se o que vamos abordar agora,

relacionando a ecologia e a sociedade humana, uma vez que é necessário,

para ele, colocar o ser humano no centro desse debate. Vejamos um extrato de

seu texto:

O grande desafio vem da pobreza e da miséria. Esses são nossos principais problemas ecológicos e não o mico-leão dourado, o urso panda da China e as baleias do Atlântico Norte.

Digamos logo de saída: pobreza e miséria são questões sociais e não naturais e fatais. Elas são produzidas pela forma como se organiza a sociedade. Hoje temos consciência de que o social é parte do ecológico no seu sentido amplo e verdadeiro. Ecologia tem a ver com as relações de tudo com tudo em todas as dimensões. Tudo está interligado. Não há compartimentos fechados, o ambiental de um lado, o social de outro etc. A ecologia social pretende estudar as conexões que as sociedades estabelecem entre seus membros e as instituições e todos eles para com a natureza envolvente.

Antes de mais nada cumpre enfatizar:

- Não basta, em ecologia, o conservacionismo: conservar as espécies em extinção, como se a ecologia se restringisse somente a um setor da natureza, aquele biótico ameaçado. Hoje todo o planeta deve ser conservado, porque todo ele está ameaçado.

- Não basta o preservacionismo: preservar, por reservas ou parques naturais, regiões onde se conserva o equilíbrio ambiental. Isso propicia apenas o turismo ecológico e induziria a um comportamento reducionista; somente nestas reservas o ser humano teria um comportamento de respeito e veneração, em outros lugares obedeceria a lógica da devastação.

- Não basta o ambientalismo, como se a ecologia tivesse apenas a ver com ambiente natural, com o verde, as águas e o ar. Esta perspectiva pode ser até anti-humanista, segundo a qual, o ambiente é melhor sem o homem/mulher. Estes seriam antes o satã da terra do que o anjo bom e protetor. Diz-se: onde o ser humano anuncia sua presença revela agressão e apropriação egoísta dos bens da terra. Essa visão ambientalista é encontrada em muitos países no hemisfério norte. Depois de haverem dominado política e economicamente o mundo, o querem, purificado, somente para si. A realidade é que o ser humano faz parte do meio-ambiente. Ele é um ser da natureza com capacidade de modificar a natureza e a si mesmo e assim fazer cultura; ele pode agir com a natureza expandindo-a, bem como contra a natureza agredindo-a. Devemos estar atentos a um ambientalismo político que esconde por detrás de seus projetos, uma atitude de permanente violação ecológica. Este ambientalismo político quer uma harmonia entre sociedade e ambiente. Mas esta harmonia visa desenvolver técnicas para saquear o ambiente natural com a menor alteração possível do habitat humano. Perdura nesta visão a ideia de saquear a terra, de que o ser humano deve dominar a natureza; então mais que uma harmonia permanente, se quer, na verdade, uma trégua, para a natureza se

refazer das chagas, para em seguida continuar a ser devastada. O que importa, hoje, é ultrapassar o paradigma da modernidade, devastador e energívoro e desenvolver uma nova aliança ser humano-natureza, aliança que os faz a ambos aliados no equilíbrio, na conservação, no desenvolvimento e na garantia de um destino e futuro comum.

- Não basta a ecologia humana que se ocupa com as ações e reações do ser humano universal, relacionado com o meio-ambiente. Ela é importante, porque trabalha as categorias mentais (ecologia mental) que faz com que o ser humano singular seja mais ou menos benevolente ou mais ou menos agressivo. Mas é ainda uma visão idealista, pois o ser humano não vive no geral mas nas malhas de relações sociais. As próprias predisposições mentais e psíquicas possuem uma característica eminentemente social. Por isso precisamos de uma adequada ecologia social que saiba articular a justiça social com a justiça ecológica. É dentro da ecologia social que os temas da pobreza e da miséria devem ser discutidos. Pobreza e miséria são questões eco-sociais que devem encontrar uma solução eco-social.

Repare que o autor faz afirmações importantes. Para além da

ecologia ambiental, há a ecologia social, que é tão ou mais importante que a

primeira. Em sociedade, temos um ser que padece pela desigualdade social

que se aprofunda e conforma-se como um abismo, separando dois mundos:

um, com uma parte seleta da humanidade que dispõe e usufrui do que o

planeta oferece em termos de recursos e conforto; outra, imensa, que trabalha

e vive precariamente sem o suficiente para potencializar sua humanidade no

ambiente social. Ecologia e miséria, portanto, se relacionam e precisam ser

enfrentadas, debatidas, a fim de que possamos dar resposta também a essa

questão.

O texto em questão de Leonardo Boff tem poucas páginas e pode

ser acessado no link http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/ecologia-

social.htm

Leia-o e relacione com os conceitos de ética e de moral que

trabalhamos anteriormente. Aproveite e estabeleça elos, também, com os

direitos humanos, cuja declaração universal encontra-se logo abaixo, retirada

do link http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)

da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão, Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mis alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembleia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo VI

Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer retrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito n escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido

reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Lendo atentamente o texto da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, é perceptível que alguns direitos são flagrantemente desrespeitados.

Você saberia indicar quais? Pense e anote em seu caderno. Outra coisa: para

além desses, qual(is) direito(s) você entende que deva(m) ser adicionado(s) à

essa carta? Por que?

Agora, juntando a ética, a ecologia e os direitos humanos, leia a

entrevista concedida pelo filósofo Renato Janine Ribeiro. São poucas páginas e

está disponível no link http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-

32832003000100015&script=sci_arttext

Gostou da leitura? Procure responder a questão abaixo, como

forma a exercitar essa reflexão.

Interessante a relação entre ética, ecologia e direitos humanos,

não? Aos poucos, vá relacionando os outros temas que estudamos em

módulos anteriores. Como disse Edgar Morin, você verá que todos eles estão

presentes em conjunto. Nós só os separamos por uma questão didática, para

facilitar o entendimento. Não podemos, no entanto, esquecer de pensá-los

como integrantes de um todo, que somos nós mesmos e o mundo.

Parabéns pela conclusão de mais uma etapa! Vamos ao sexto e

último módulo.

Módulo 6 – Estética: o belo e o humano

Neste sexto e último módulo da disciplina de Filosofia, vamos

tratar de um tema sobre o qual os filósofos mais antigos devotaram atenção, e

que até hoje marca nossa sociedade. Um dos temas estudados pelos filósofos,

desde os antigos até os contemporâneos é a estética, a ideia de beleza que

temos das coisas, dos lugares e das pessoas.

Estamos numa sociedade em que a beleza é responsável por

uma variedade de programas de televisão, de seções em jornais, de

publicações especializadas e, como não podia deixar de ser, um dos setores

da economia que não conhece crise econômica é exatamente o que lida com

produtos de beleza. Observe em sua paisagem cotidiana: temos mais livrarias,

bibliotecas, escolas ou casas – salões – de beleza?

A beleza, como também a moral – estudada em módulo anterior –

é mutável, construída social e historicamente. Muda de época para época e de

lugar para lugar. Não há um padrão estético em todo o globo.

Houve regimes que tentaram fundar o belo no meio social. O

nazismo, por exemplo, tinha um ideal de beleza. Infelizmente, o conceito

levantado e defendido excluía parcelas consideráveis da sociedade alemã, o

que levou, junto a outras razões de ordem política, social e econômica, aos

campos de concentração e ao extermínio de milhões.

Há de se atentar, no entanto, para esse tema como algo implícito

na natureza humana. A beleza é uma dimensão essencialmente humana.

Na Grécia Antiga, a beleza tinha uma importância grande, daí,

inclusive, ainda hoje apreciarmos as obras, físicas e literárias, que os gregos

nos legaram. Um dos autores que abordaram essa questão foi Platão. Este

autor escreveu em forma de diálogos, daí que o conjunto das suas obras é

conhecido, exatamente com esse nome, Diálogos. Num deles, intitulado

Banquete, Platão descreve vários temas em um só. Eu explico. Apesar do título

se aparentar mais com uma obra gastronômica, os pensadores na Grécia

costumavam se reunir para filosofar, ou seja, para especular sobre o mundo e

sobre os homens – quem somos, de onde viemos, para onde vamos etc – em

jantares regados a muita comida e vinho. Enquanto se deliciavam com as

iguarias e com os debates, a escravaria trabalhava pesado para que eles

tivessem tudo à mão para satisfazer a gula. Foi num desses encontros que,

segundo Platão, os filósofos decidiram refletir e responder de onde vem o

amor. Abordando questões como a paixão, o amor, os deuses, a natureza

humana e a beleza, os filósofos responderam à questão colocada de forma a

tentar dar sentido a esse sentimento tão nobre. Dentre todas as especulações

feitas, destaco a de Aristófanes, filósofo grego que explicou de forma peculiar

porque as pessoas se atraem. Reproduzo abaixo a parte do livro em que

Aristófanes responde à questão daquele Banquete, e deixo entre aspas e com

a letra diminuta a longa e bela citação retirada do livro de Platão:

“- Não começarás primeiro o teu discurso, disse Aristófanes; que eu por mim é

o que farei. Disse então Erixímaco: “Parece-me em verdade ser necessário, uma vez que

Pausânias, apesar de se ter lançado bem ao seu discurso, não o rematou convenientemente,

que eu deva tentar pôr-lhe um remate. Com efeito, quanto a ser duplo o Amor, parece-me que

foi uma bela distinção; que, porém, não está ele apenas nas almas dos homens, e para com os

belos jovens, mas também nas outras partes, e para com muitos outros objetos, nos corpos de

todos os outros animais, nas plantas da terra e por assim dizer em todos os seres é o que creio

ter constatado pela prática da medicina, a nossa arte; grande e admirável é o deus, e a tudo se

estende ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas. Ora, eu começarei

pela medicina a minha fala, a fim de que também homenageemos a arte. A natureza dos

corpos, com efeito, comporta esse duplo Amor; o sadio e o mórbido são cada um

reconhecidamente um estado diverso e dessemelhante, e o dessemelhante deseja e ama o

dessemelhante. Um portanto é o amor no que é sadio, e outro no que é mórbido. E então,

assim como há pouco Pausânias dizia que aos homens bons é belo aquiescer, e aos

intemperantes é feio, também nos próprios corpos, aos elementos bons de cada corpo e sadios

é belo o aquiescer e se deve, e a isso é que se o nome de medicina, enquanto que aos maus e

mórbidos é feio e se deve contrariar, se se vai ser um técnico. É com efeito a medicina, para

falar em resumo, a ciência dos fenômenos de amor, próprios ao corpo, no que se refere à

repleção e à evacuação, e o que nestes fenômenos reconhece o belo amor e o feio é o melhor

médico; igualmente, aquele que faz com que eles se transformem, de modo a que se adquira

um em vez do outro, e que sabe tanto suscitar amor onde não há mas deve haver, como

eliminar quando há, seria um bom profissional. É de fato preciso ser capaz de fazer com que os

elementos mais hostis no corpo fiquem amigos e se amem mutuamente. Ora, os mais hostis

são os mais opostos, como o frio ao quente, o amargo ao doce, o seco ao úmido, e todas as

coisas desse tipo; foi por ter entre elas suscitado amor e concórdia que o nosso ancestral

Asclépio, como dizem estes poetas aqui e eu acredito, constituiu a nossa arte. A medicina

portanto, como estou dizendo, é toda ela dirigida nos traços deste deus, assim como também a

ginástica e a agricultura; e quanto à música, é a todos evidente, por pouco que se lhe preste

atenção, que ela se comporta segundo esses mesmos princípios, como provavelmente parece

querer dizer Heráclito, que aliás em sua expressão não é feliz. O um, diz ele com efeito,

“discordando em si mesmo, consigo mesmo concorda, como numa harmonia de arco e lira”.

Ora, é grande absurdo dizer que uma harmonia está discordando ou resulta do que ainda está

discordando. Mas talvez o que ele queria dizer era o seguinte, que do agudo e do grave, antes

discordantes e posteriormente combinados, ela resultou, graças à arte musical. Pois não é sem

dúvida do agudo e do grave ainda em discordância que pode resultar a harmonia; a harmonia é

consonância, consonância é uma certa combinação — e combinação de discordantes,

enquanto discordam, é impossível, e inversamente o que discorda e não combina é impossível

harmonizar —assim como também o ritmo, que resulta do rápido e do certo, antes dissociados

e depois combinados. A combinação em todos esses casos, assim como lá foi a medicina, aqui

é a música que estabelece, suscitando amor e concórdia entre uns e outros; e assim, também

a música, no tocante à harmonia e ao ritmo, é ciência dos fenômenos amorosos. Aliás, na

própria constituição de uma harmonia e de um ritmo não é nada difícil reconhecer os sinais do

amor, nem de algum modo há então o duplo amor; quando porém for preciso utilizar para o

homem uma harmonia ou um ritmo, ou fazendo-os, o que chamam composição, ou usando

corretamente da melodia e dos metros já constituídos, o que se chamou educação, então é que

é difícil e que se requer um bom profissional. Pois de novo revém a mesma idéia, que aos

homens moderados, e para que mais moderados se tornem os que ainda não sejam, deve-se

aquiescer e conservar o seu amor, que é o belo, o celestial, o Amor da musa Urânia; o outro, o

de Polímnia, é o popular, que com precaução se deve trazer àqueles a quem se traz, a fim de

que se colha o seu prazer sem que nenhuma intemperança ele suscite, tal como em nossa arte

é uma importante tarefa o servir-se convenientemente dos apetites da arte culinária, de modo a

que sem doença se colha o seu prazer. Tanto na música então, como na medicina e em todas

as outras artes, humanas e divinas, na medida do possível, deve-se conservar um e outro

amor; ambos com efeito nelas se encontram. De fato, até a constituição das estações do ano

está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um moderado amor um pelo outro os

contrários de que há pouco eu falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma

harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e saúde aos homens, aos outros

animais e às plantas, e nenhuma ofensa fazem; quando porém é o Amor casado com a

violência que se torna mais forte nas estações do ano, muitos estragos ele faz, e ofensas.

Tanto as pestes, com efeito, costumam resultar de tais causas, como também muitas e várias

doenças nos animais como nas plantas; geadas, granizos e alforras resultam, com efeito, do

excesso e da intemperança mútua de tais manifestações do amor, cujo conhecimento nas

translações dos astros e nas estações do ano chama-se astronomia. E ainda mais, não só

todos os sacrifícios, como também os casos a que preside a arte divinatória — e estes são os

que constituem o comércio recíproco dos deuses e dos homens — sobre nada mais versam

senão sobre a conservação e a cura do Amor. Toda impiedade, com efeito, costuma advir, se

ao Amor moderado não se aquiesce nem se lhe tributa honra e respeito em toda ação, e sim

ao outro, tanto no tocante aos pais, vivos e mortos, quanto aos deuses; e foi nisso que se

assinou à arte divinatória o exame dos amores e sua cura, e assim é que por sua vez é a arte

divinatória produtora de amizade entre deuses e homens, graças ao conhecimento de todas as

manifestações de amor que, entre os homens, se orientam para a justiça divina e a piedade.

Assim, múltiplo e grande, ou melhor, universal é o poder que em geral tem todo

o Amor, mas aquele que em torno do que é bom se consuma com sabedoria e justiça, entre

nós como entre os deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos prepara, pondo-

nos em condições de não só entre nós mantermos convívio e amizade, como também com os

que são mais poderosos que nós, os deuses. Em conclusão, talvez também eu, louvando o

Amor, muita coisa estou deixando de lado, não todavia por minha vontade.

Mas se algo omiti, é tua tarefa, ó Aristófanes, completar; ou se um outro modo

tens em mente de elogiar o deus, elogia-o, uma vez que o teu soluço já o fizeste cessar.”

Tendo então tomado a palavra, continuou Aristodemo, disse Aristófanes: - Bem

que cessou! Não todavia, é verdade, antes de lhe ter eu aplicado o espirro, a ponto de me

admirar que a boa ordem do corpo requeira tais ruídos e comichões como é o espirro; pois logo

o soluço parou, quando lhe apliquei o espirro.

E Erixímaco lhe disse: - Meu bom Aristófanes, vê o que fazes. Estás a fazer

graça, quando vais falar, e me forças a vigiar o teu discurso, se porventura vais dizer algo

risível, quando te é permitido falar em paz.

Aristófanes riu e retomou: - Tens razão, Erixímaco! Fique-me o dito pelo não

dito. Mas não me vigies, que eu receio, a respeito do que vai ser dito, que seja não engraçado

o que vou dizer - pois isso seria proveitoso e próprio da nossa musa - mas ridículo.

- Pois sim! - disse o outro - lançada a tua seta, Aristófanes, pensas em fugir;

mas toma cuidado e fala como se fosses prestar contas. Talvez todavia, se bem me parecer,

eu te largarei.

“Na verdade, Erixímaco, disse Aristófanes, é de outro modo que tenho a

intenção de falar, diferente do teu e do de Pausânias. Com efeito, parece-me os homens

absolutamente não terem percebido o poder do amor, que se o percebessem, os maiores

templos e altares lhe preparariam, e os maiores sacrifícios lhe fariam, não como agora que

nada disso há em sua honra, quando mais que tudo deve haver. É ele com efeito o deus mais

amigo do homem, protetor e médico desses males, de cuja cura dependeria sem dúvida a

maior felicidade para o gênero humano. Tentarei eu portanto iniciar-vos em seu poder, e vós o

ensinareis aos outros. Mas é preciso primeiro aprenderdes a natureza humana e as suas

vicissitudes. Com efeito, nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas

diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não dois como agora, o

masculino e o feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual

resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na

forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, enquanto agora nada mais

é que um nome posto em desonra. Depois, inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso

redondo, os flancos em círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos,

dois rostos sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a cabeça sobre os dois

rostos opostos um ao outro era uma só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o mais como

desses exemplos se poderia supor. E quanto ao seu andar, era também ereto como agora, em

qualquer das duas direções que quisesse; mas quando se lançavam a uma rápida corrida,

como os que cambalhotando e virando as pernas para cima fazem uma roda, do mesmo modo,

apoiando-se nos seus oito membros de então, rapidamente eles se locomoviam em círculo. Eis

por que eram três os gêneros, e tal a sua constituição, porque o masculino de início era

descendente do sol, o feminino da terra, e o que tinha de ambos era da lua, pois também a lua

tem de ambos; e eram assim circulares, tanto eles próprios como a sua locomoção, por terem

semelhantes genitores. Eram por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma

grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses, e o que diz Homero de

Efialtes e de Otes é a eles que se refere, a tentativa de fazer uma escalada ao céu, para

investir contra os deuses. Zeus então e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que

se devia fazer com eles, e embaraçavam-se; não podiam nem matá-los e, após fulminá-los

como aos gigantes, fazer desaparecer-lhes a raça - pois as honras e os templos que lhes

vinham dos homens desapareceriam — nem permitir-lhes que continuassem na impiedade.

Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: “Acho que tenho um meio de fazer com que os homens

possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora com efeito,

continuou, eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e

também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tomado mais numerosos; e andarão eretos,

sobre duas pernas. Se ainda pensarem em arrogância e não quiserem acomodar-se, de novo,

disse ele, eu os cortarei em dois, e assim sobre uma só perna eles andarão, saltitando.” Logo

que o disse pôs-se a contar os homens em dois, como os que cortam as sorvas para a

conserva, ou como os que cortam ovos com cabelo; a cada um que cortava mandava Apolo

voltar-lhe o rosto e a banda do pescoço para o lado do corte, a fim de que, contemplando a

própria mutilação, fosse mais moderado o homem, e quanto ao mais ele também mandava

curar. Apolo torcia-lhes o rosto, e repuxando a pele de todos os lados para o que agora se

chama o ventre, como as bolsas que se entrouxam, ele fazia uma só abertura e ligava-a

firmemente no meio do ventre, que é o que chamam umbigo. As outras pregas, numerosas, ele

se pôs a polir, e a articular os peitos, com um instrumento semelhante ao dos sapateiros

quando estão polindo na forma as pregas dos sapatos; umas poucas ele deixou, as que estão

à volta do próprio ventre e do umbigo, para lembrança da antiga condição. Por conseguinte,

desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a

ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se

confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do

outro. E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e

com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher - o que agora

chamamos mulher — quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo. Tomado de

compaixão, Zeus consegue outro expediente, e lhes muda o sexo para a frente - pois até então

eles o tinham para fora, e geravam e reproduziam não um no outro, mas na terra, como as

cigarras; pondo assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a

geração um no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um

homem a encontrar uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a

raça, mas se fosse um homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade em seu

convívio e pudessem repousar, voltar ao trabalho e ocupar- se do resto da vida. E então de há

tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa

antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada

um de nós portanto é uma téssera complementar de um homem, porque cortado como os

linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento. Por

conseguinte, todos os homens que são um corte do tipo comum, o que então se chamava

andrógino, gostam de mulheres, e a maioria dos adultérios provém deste tipo, assim como

também todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras, é deste tipo que provêm.

Todas as mulheres que são o corte de uma mulher não dirige muito sua atenção aos homens,

mas antes estão voltadas para as mulheres e as amiguinhas provêm deste tipo. E todos os que

são corte de um macho perseguem o macho, e enquanto são crianças, como cortículos do

macho, gostam dos homens e se comprazem em deitar-se com os homens e a eles se enlaçar,

e são estes os melhores meninos e adolescentes, os de natural mais corajoso. Dizem alguns, é

verdade, que eles são despudorados, mas estão mentindo; pois não é por despudor que fazem

isso, mas por audácia, coragem e masculinidade, porque acolhem o que lhes é semelhante.

Uma prova disso é que, uma vez amadurecidos, são os únicos que chegam a ser homens para

a política, os que são desse tipo. E quando se tornam homens, são os jovens que eles amam,

e a casamentos e procriação naturalmente eles não lhes dão atenção, embora por lei a isso

sejam forçados, mas se contentam em passar a vida um com o outro, solteiros. Assim é que,

em geral, tal tipo torna-se amante e amigo do amante, porque está sempre acolhendo o que

lhe é aparentado.

Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade,

tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que

sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se

um do outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida

afora são estes, os quais nem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao

outro. A ninguém com efeito pareceria que se trata de união sexual, e que é porventura em

vista disso que um gosta da companhia do outro assim com tanto interesse; ao contrário, que

uma coisa quer a alma de cada um, é evidente, a qual coisa ela não pode dizer, mas adivinha o

que quer e o indica por enigmas. Se diante deles, deitados no mesmo leito, surgisse Hefesto e

com seus instrumentos lhes perguntasse: Que é que quereis, ó homens, ter um do outro?, e

se, diante do seu embaraço, de novo lhes perguntasse: Porventura é isso que desejais,

ficardes no mesmo lugar o mais possível um para o outro, de modo que nem de noite nem de

dia vos separeis um do outro? Pois se é isso que desejais, quero fundir-vos e forjar-vos numa

mesma pessoa, de modo que de dois vos tomeis um só e, enquanto viverdes, como uma só

pessoa, possais viver ambos em comum, e depois que morrerdes, lá no Hades, em vez de dois

ser um só, mortos os dois numa morte comum; mas vede se é isso o vosso amor, e se vos

contentais se conseguirdes isso. Depois de ouvir essas palavras, sabemos que nem um só

diria que não, ou demonstraria querer outra coisa, mas simplesmente pensaria ter ouvido o que

há muito estava desejando, sim, unir-se e confundir-se com o amado e de dois ficarem um só.

O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós éramos um todo; é portanto ao

desejo e procura do todo que se dá o nome de amor. Anteriormente, como estou dizendo, nós

éramos um só, e agora é que, por causa da nossa injustiça, fomos separados pelo deus, e

como o foram os árcades pelos lacedemônios; é de temer então, se não formos moderados

para com os deuses, que de novo sejamos fendidos em dois, e perambulemos tais quais os

que nas estelas estão talhados de perfil, serrados na linha do nariz, como os ossos que se

fendem. Pois bem, em vista dessas eventualidades todo homem deve a todos exortar à

piedade para com os deuses, a fim de que evitemos uma e alcancemos a outra, na medida em

que o Amor nos dirige e comanda. Que ninguém em sua ação se lhe oponha - e se opõe todo

aquele que aos deuses se torna odioso - pois amigos do deus e com ele reconciliados

descobriremos e conseguiremos o nosso próprio amado, o que agora poucos fazem. E que não

me suspeite Erixímaco, fazendo comédia de meu discurso, que é a Pausânias e Agatão que

me estou referindo talvez também estes se encontrem no número desses e são ambos de

natureza máscula mas eu no entanto estou dizendo a respeito de todos, homens e mulheres,

que é assim que nossa raça se tornaria feliz, se plenamente realizássemos o amor, e o seu

próprio amado cada um encontrasse, tornado à sua primitiva natureza. E se isso é o melhor, é

forçoso que dos casos atuais o que mais se lhe avizinha é o melhor, e é este o conseguir um

bem amado de natureza conforme ao seu gosto; e se disso fôssemos glorificar o deus

responsável, merecidamente glorificaríamos o Amor, que agora nos é de máxima utilidade,

levando-nos ao que nos é familiar, e que para o futuro nos dá as maiores esperanças, se

formos piedosos para com os deuses, de restabelecer-nos em nossa primitiva natureza e,

depois de nos curar, fazer-nos bem aventurados e felizes.

Eis, Erixímaco, disse ele, o meu discurso sobre o Amor, diferente do teu.”

Se você leu atentamente, deve ter gostado. Repare que a obra de

Platão, escrita no século 5 a.C., serviu de inspiração para outras histórias

presentes em outras culturas. Ou então, estas tiveram uma mesma inspiração

que não a de Platão, por exemplo, a que está presente no texto do Antigo

Testamento, cuja metáfora da criação dá conta que a mulher foi retirada de

uma parte do homem. Semelhante, não?

Se gostou e pretende ler a obra na íntegra, acesse o link abaixo:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000048.pdf Caso queira

apenas a parte inicial, leia as páginas 1 a 16.

Para nos encaminharmos à outra parte deste módulo e deste

tema aqui tratado, vejamos como outro autor, desta vez contemporâneo,

aborda a questão da arte e da estética na educação.

Do ponto de vista da produção de significações, três são os modos de relacionamento entre o indivíduo e o mundo. O primeiro é o modo de relacionamento através do sensível e do qualitativo. É o modo das sensações, emoções, qualidades. (...) O segundo modo de relacionamento entre um indivíduo e o mundo se dá através das coisas e eventos. É o modo da ação física do homem sobre o mundo e do mundo sobre o homem, o modo da experiência e da experimentação. (...) Num terceiro modo, o indivíduo relaciona-se com o mundo através de um sistema de convenções. (...) A escola concentra todos seus esforços neste terceiro, ensaiando uma tímida aproximação pelos domínios do segundo. Quanto ao primeiro, pouco ou nada. Isto equivale a dizer que a escola, a rigor, adota este procedimento sui generis que consiste em construir casas a partir do telhado.

O autor do texto “O imaginário e a pedagogia do telhado”, Teixeira

Coelho, critica a educação contemporânea ao não privilegiar o relacionamento

dos estudantes com o mundo por meio da arte. Ensina, a escola, as

convenções sociais e coletivas, daí a metáfora do título, pois as convenções

são representações do que produzimos nesse primeiro tipo de relação que

estabelecemos com o mundo. Numa explicação um pouco mais didática e

correndo o risco de ser também simplista, a escola nos ensina o que é o

mundo a partir do que está estabelecido socialmente, mas não estimula a

percepção e os sentidos do estudante com relação a como vê e sente o

mundo.

O texto de Teixeira Coelho, de cinco páginas, está disponível no link

http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/916/822

Vejamos a letra da música abaixo:

Beleza pura

Caetano Veloso

Não me amarra dinheiro não! Mas formosura Dinheiro não! A pele escura Dinheiro não! A carne dura

Dinheiro não!...

Moça preta do Curuzu Beleza Pura! Federação

Beleza Pura! Boca do rio

Beleza Pura! Dinheiro não!...

Quando essa preta Começa a tratar do cabelo

É de se olhar Toda trama da trança

Transa do cabelo Conchas do mar

Ela manda buscar Prá botar no cabelo

Toda minúcia, toda delícia...

Não me amarra dinheiro não! Mas elegância...

Não me amarra dinheiro não! Mas a cultura Dinheiro não! A pele escura Dinheiro não! A carne dura

Dinheiro não!...

Moço lindo do Badauê Beleza Pura!

Do Ilê-Aiê Beleza Pura! Dinheiro hié!

Beleza Pura! Dinheiro não!...

Dentro daquele turbante Do filho de Gandhi

É o que há Tudo é chique demais Tudo é muito elegante

Manda botar! Fina palha da costa E que tudo se trance

Todos os búzios Todos os ócios...

Não me amarra dinheiro não! Mas os mistérios...

Não me amarra dinheiro não! Beleza Pura! Dinheiro não! Beleza Pura! Dinheiro não! Beleza Pura! Dinheiro Hié!

Beleza Pura! Ah!