Malcolm X - Uma Vida de Reinvenções

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Numerosas personagens compõem as metamorfoses sofridas por Malcolm Little, o franzino filho de uma família de negros pobres nascido numa pequena cidade do Centro-Oeste americano, até sua conversão decisiva em Malcolm X, o religioso muçulmano e incendiário combatente da revolução mundial que morreu como apóstolo da paz entre os povos.

Antes de se tornar um interlocutor de guerrilheiros, intelectuais, teólogos e primeiros-ministros ao redor do planeta, o mártir pioneiro dos direitos civis nos Estados Unidos foi sucessivamente Homeboy, Jack Carlton, Detroit Red, Big Red e Satan; Malachi Shabazz, Malik Shabazz e El-Hajj Malik El-Shabazz. Esses nomes de sonoridades e sentidos tão contrastantes entre si indicam os rumos contraditórios assumidos pela vida de Malcolm até o encontro definitivo com o Islã, que o levaria ao ativismo político. Ladrão, agenciador de prostitutas e viciado em drogas na década de 1940, quando também conheceu os horrores da prisão, ele abandonou o crime para abraçar com sua oratória brilhante, amparada em leituras autodidatas e nos ensinamentos do Corão, uma luta sem quartel contra o racismo e a injustiça social.

Entretanto, como demonstra Manning Marable, a mesma personalidade profundamente contestadora sempre esteve por trás das diversas máscaras sociais usadas por Malcolm. Numa narrativa minuciosa, o autor acompanha os passos desse gigante afro-americano ao longo de dezenas de cidades dos Estados Unidos, além das viagens à África, à Europa e ao Oriente Médio como porta-voz da revolta dos descendentes de escravos e dos direitos dos oprimidos.

PrólogoAvidaalémdalenda

Nos primeiros anos do século passado, o bairro logo ao norte do Harlem,maistardeconhecidocomoWashingtonHeights,eraumsubúrbioescassamentepovoado. Só a visão de um homem de negócios como a deWilliam Fox seriacapaz de levar à construção de um opulento centro de entretenimento naBroadway, entre as ruas 165 e 166Oeste. Fox instruiu o arquitetoThomasW.Lamb a projetar um prédio mais esplêndido do que qualquer outro teatro daBroadway.Quandoficoupronto,em1912,umadispendiosafachadadeterracotaenfeitava as paredes frontais, colunas de mármore protegiam a entrada, eentalhes de pássaros exóticos decoravam o saguão: esses motivos coloridos,inspiradosnograndeartistadoséculoxix, JamesAudubon,deramaFoxaideiadechamaraquelepaláciodoprazerdeAudubon.Noprimeiroandardoprédio,Lamb projetou um enorme cinema, grande o suficiente para acomodar 2300pessoas.Emanosposteriores,osegundopisofoireservadoparadoisespaçosossalõesdebaile:oRoseBallroom,quepodiaacomodaroitocentos fregueses,eoGrandBallroom,ondecabiamaté1500convidados.1

Em poucas décadas, o bairro que ficava em volta do Audubon começou amudar, tornando-se cadavezmaisnegro eoperário.A administração atendia anova clientela trazendo as mais renomadas orquestras dançantes da época,incluindoDuke Ellington, Count Basie e ChickWebb.O Audubon também setornou a casa de muitos sindicalistas militantes da cidade, e de 1934 a 1937 orecém-fundado Sindicato dos Trabalhadores de Transporte realizava ali suasreuniões—comosconfrontosviolentosocasionais.2Numanoitedesetembrode

1919, por exemplo, uma reunião de quatrocentas pessoas, patrocinada peloLantern Athletic Club, foi interrompida por quatro disparos de arma de fogo.Duaspessoasficaramgravementeferidas.3

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Audubon era alugado paracasamentos, bar mitsvás, reuniões políticas e festas de formatura. Depois de1945,porém,obairromudoumaisumavez,quandomuitosmoradoresbrancosdeclassemédiavenderamsuaspropriedadesefugiramdaperiferia.AdecisãodaUniversidade Columbia de expandir seu hospital na esquina da rua 168 Oestecom a Broadway, para transformá-lo num importante campus de ciências dasaúde, gerou centenas de novos empregos para o influxo negro, enquanto oAudubonadaptava-seàsrealidadeseconômicasfechandoseucinemaedividindooespaçoparaalugar.Masosdoissalõesdebaile,oRoseeoGrand,resistiram.Em meados dos anos 1960, o prédio já tinha perdido a maior parte da

grandiosidade original. A entrada principal dos salões de baile era pequena eapagada. Os fregueses tinham de subir um inclinado lance de escadas para osaguão do segundo piso, depois passar pela gerência e seguir para o Rose, doladoesquerdodoprédio,ouparaoGrand,quedavaparaaBroadway.Osalãomaior tinha cerca de 55 metros por dezoito, com 65 cabines separadas nasparedes norte, leste e oeste, cada uma capaz de abrigar doze pessoas. Maisdistante da entrada principal do prédio, ao longo da parede sul, havia ummodesto palco de madeira, atrás do qual numa antecâmara apertada e maliluminadamúsicoseoradoressereuniamantesdasapresentações.Natardedeinvernodedomingo,21defevereirode1965,oGrandBallroom

tinha sido reservado para a controvertida Organização para a Unidade Afro-Americana (Organization of Afro-American Unity,oaau), grupo político doHarlem.Porquaseumano,aadministraçãodoAudubonvinhaalugandoosalãoparaeles,masnuncadeixoudepreocupar-secomseulíder,MalcolmX.Cercadedez anos antes, ele chegara, comoministrodoTemplonº 7, sede local deumaseita islâmica militante, a Nação do Islã Perdida e Reencontrada (Lost-FoundNation of Islam,noi). Os membros da seita, que passou a ser chamada pelaimprensade“muçulmanosnegros”,diziamqueosbrancoseramdemôniosequeos negros americanos eram a tribo asiática perdida de Shabazz, escravizada naselva racial da América. A rota para a salvação exigia que os convertidosrejeitassem seus sobrenomesde escravos, substituindo-os pela letraX, símboloquerepresentavaodesconhecido.Prometia-seaosmembrosque,depoisdeanos

dededicaçãopessoal e crescimentoespiritual, eles receberiamseus sobrenomes“originais”,emconsonânciacomsuaverdadeiraidentidadeasiática.Comoporta-vozmais ativo publicamente,Malcolm X tornou-se conhecido por suas críticasdesafiadorasaoslíderesdedireitosciviseaospolíticosbrancos.Emmarçodoanoanterior,MalcolmXtinhaanunciadosuaindependênciada

noi. Ele rapidamente estabeleceu seu próprio grupo espiritual, MesquitaMuçulmana (Muslim Mosque, Inc.,mmi), em grande parte para abrigar osmembros danoique tinhamdeixado a seita por solidariedade a ele.Apesar dorompimento, ele continuou a fazer declarações altamente polêmicas. “Haverámaisviolênciadoquenuncaesteano”,previueleparaumrepórterdoNewYorkTimes em março de 1964, por exemplo. “É melhor que os brancos entendamisso, enquanto há tempo. Os negros, no âmbito damassa, estão prontos paraagir.”4 O chefe de polícia de Nova York reagiu a essa previsão rotulandoMalcolmde“outroquesediz‘líder’equedefendeabertamenteoderramamentode sangue e a revolta armada e faz pouco dos sinceros esforços de homensrazoáveis para resolver o problema da igualdade de direitos por meiosapropriados,pacíficoselegítimos”.Malcolmnãosedeixouintimidarpeloataque.“Amaiorhomenagemquealguémpodeme fazer”, respondeuele, “édizerquesouirresponsável,porqueresponsáveis,paraeles,sãoosnegrossubservientesàsautoridadesbrancas—negros‘PaiTomás’.”5

Semanas depois, Malcolm X pareceu ter tido uma revelação espiritual. Emabril, visitoua cidade sagradadeMeca,numhajj espiritual, e aovoltarparaosEstadosUnidos declarou que se convertera ao Islã sunita ortodoxo. RejeitandovínculoscomaNaçãodo Islãecomseu líder,ElijahMuhammad,anunciousuaoposição a qualquer forma de fanatismo e intolerância. Dizia-se ansioso paracooperar comosgruposdedireitos civis e trabalhar comqualquerbrancoque,genuinamente, apoiasse a causa dos negros americanos. Mas, apesar dessereconhecimento, continuou a fazer declarações polêmicas — por exemplo,convocando os negros a formar grupos de tiro para proteger suas famílias deataquesracistas,econdenandooscandidatosàpresidênciadosgrandespartidos,LyndonJohnsoneBarryGoldwater,pornãoofereceremescolhaaosnegros.Os programas daoaau eram, em suamaioria, coreografados como fóruns

educacionais para a comunidade local, encorajando a participação da plateia.Oorador da reunião de 21 de fevereiro foi Milton Galamison, destacado pastorpresbiterianoquetinhaorganizadoprotestoscontraescolasdequalidadeinferior

embairrosnegroselatinosdeNovaYork.Aoaaunãoteveparticipaçãodireta,masMalcolmelogioupublicamenteainiciativadopastor,eseusvicesdevemterdesejadoumaaliançainformal.Apesar de o início do programa da tarde ter sido anunciado para as duas

horas, até aquelemomentonãomais de quarenta pessoas tinhampassadopelaentrada principal. O fraco comparecimento inicial talvez refletisse o medo depossívelviolência.Durantemeses,aNaçãodo Islã travaraumadisputanotóriacomseuantigoporta-voznacional,eosseguidoresdeMalcolmnoHarlemeemoutrascidadestinhamsidofisicamenteatacados.Umasemanaantes,acasadele,localizadanotranquilobairrodeElmhurst,Queens,tinhasidoatingidaporumabomba nomeio da noite. Para evitar confrontos públicos, o Departamento dePolíciadeNovaYorkcostumavaenviarumgrupodeatédozepoliciaisparaoscomícios daoaau, sempre que realizados no Audubon. Um oumais policiais,geralmente incluindo o comandante do dia, ficavam a postos no segundo piso,dentro do escritório, de onde tinham ampla visão de todas as pessoas queentravamnosalãoprincipal.Muitosoutrosficavamostensivamenteposicionadosnaentradaprincipal,ounafrentedoprédio,dooutroladodarua,numapequenapraça que osmoradores chamavam de Pigeon Park. Naquela tarde particular,porém,nãohaviaumúnicopolicialnaentradadoAudubon;apenasumestevenapraça, e por pouco tempo.6 Nenhum foi visto no escritório comercial. A rigor,apenasdoispatrulheirosuniformizadosforammandadosparadentrodoprédio,comordensparapermanecernoRoseBallroom—omenordosdois salõesdebaile,desertoanãoserpelapresençadeles—aconsideráveldistânciadareuniãoanunciada.7

A ausência substantiva de policiais seria crítica, porque mais cedo, naquelamanhã, cinco homens que hámeses planejavam assassinarMalcolm X fizeramuma última reunião. Embora o lugar desse encontro fosse Paterson, emNovaJersey, os cinco homens eram membros da mesquita da Nação do Islã deNewark. Apenas um conspirador era funcionário damesquita; os outros erammilitantes danoie pressupunham que suas ações tinham sido aprovadas pelacúpula da Nação. Depois da reunião na casa de um dos conspiradores, onderepassaram as atribuições de cada umpela última vez, os cinco entraramnumCadillac e seguiram para a ponte George Washington. Saíram no norte deManhattan e acharam uma vaga de estacionamento perto do Audubon, quetambémlhesdariaacessorápidoàpontequandoterminassem,facilitandoafuga

paraNovaJersey.8

Aúnicaforçadesegurançadentrodograndesalãoenaentradaprincipaleraconstituída por cerca de vinte seguidores de Malcolm. O chefe da equipe desegurança de Malcolm era seu guarda-costas pessoal, Reuben X Francis, quepoucoantes,naquelatarde,tinhaditoaWilliam64XGeorgequeaequipedodiaestaria desfalcada, e que precisaria de sua ajuda. Geralmente, o fiel Williamficavapertodatribunadosoradores(bemnomeiodapartefronteiradopalco),deondepodiavertodaaplateia.Nessedia,porém,Reubenoinstruiuaficarnaentrada,omaislongepossíveldopalco.9

Reuben tambémdelegou algumasdecisões ao coordenador de segurança dareunião, John D. X, cujo trabalho consistia em supervisionar guardas noperímetro do Grand Ballroom. O protocolo normal exigia que as equipes desegurança ficassemempéaté trintaminutos—tarefadura,especialmenteparaaqueles que não tinham experiência em fazer o policiamento de multidões.Geralmenteasposiçõesmaisimportanteseramatribuídasaex-membrosdanoi,que tinham experiência com segurança e eram treinados em artesmarciais. Seum conhecido simpatizante da organização tentasse entrar na reunião, erainterrogado, calmamente, mas com firmeza. Membros que tinham históriapessoal de violência, ou eram conhecidos pela hostilidade a Malcolm, eramescoltadosparaforadoprédio.UmdesseshomenseraLinwoodXCathcart,antigomembrodoTemplonº7,

deMalcolm,querecentementeingressaranamesquitadeJerseyCity.Eleentrarano Audubon à 1h45, indo sentar-se na primeira fila de cadeiras arrumadas nosalãodedança.A equipedeMalcolmo identificoude imediato, concluindoquesua presença podia ser um problema. Cathcart usava desaforadamente umbroche danoina lapela do paletó. Reuben o convenceu a ir até os fundos dosalão,onde,depoisdeuma trocadepalavras, insistiuparaque tirasseobrocheofensivo, se quisesse permanecer. Cathcart cedeu, e voltou para seu lugar.10

Posteriormente, o pessoal da segurança de Malcolm diria que ele foi o únicosimpatizantedanoiquehaviamidentificado.OresponsávelpelasmedidasdesegurançaaquelatardeeraAnasM.Luqman

(LangstonHughesSavage),outromembrodanoiquetinharompidolaçoscomaNação por lealdade a Malcolm. Em seu depoimento posterior ao júri deinstrução,Luqmansituouseuhoráriodechegadaaproximadamenteà1h20.Elefalourapidamentecomalgumaspessoase,comotinhafeitotantasoutrasvezes,

arranjouascadeirasnopalco,posicionouatribunadooradoreremoveualgumequipamentoqueestavasobrando.Emseguida,“foiparaaplateiaeficouporali,atéareuniãocomeçar”.Poucodepoisdasduas,resolveuverificarasportasmaisuma vez, à direita do palco, perto do tablado do orador. Por uma razãoqualquer,estavamdestrancadas,oqueodeixouintrigado,masemvezdealertaropessoaldasegurança,voltouparasuacadeira.11

Apesar do recente ataque a bomba e das crescentes ameaças de violência,Malcolmtinha insistidoemqueninguémdasuaequipedesegurança,àexceçãode Reuben, portasse armas naquele domingo. Numa reunião daoaau noitesantes,suasordenstinhamsidovigorosamentecontestadas.OchefedopessoaldeMalcolm, James 67X Warden, estava convencido de que não intensificar asegurança aquela tarde quase certamente traria problemas. Posteriormente, aoexplicarsuasações,disseele:“Queríamosaveriguar[setraziamarmas].Maserauma reunião [pública] daoaau. Malcolm disse: ‘Esse pessoal não estáacostumado a ser revistado por ninguém’. Estamos lidando com um grupototalmente diferente”.12 Consequentemente, quando as pessoas entravam noAudubon,muitasdelas trajandovolumosossobretudosde inverno,ninguémfoiparado.SeReubenestavapreocupado,nãoaparentava,eaté saiudo salãoparapagaraogerenteataxade150dólaresdaquelatarde.13

Àquelaaltura,todososfuturosassassinosjáestavamdentrodoprédio.Comotinham previsto, ninguém os deteve para ver se estavam armados. O grupodividiu-se.Os três pistoleiros acharam cadeiras na primeira fila, na frente ou àesquerdadatribunadoorador.Umatirador,homematarracado,decorescura,nacasadosvinteanos,deveriadarosprimeiros tiros.Doisoutros carregavamrevólveres.AfunçãodeleseraacabarcomMalcolmdepoisdosdisparos iniciais.Osdoisúltimosconspiradoressentaram-se ladoa lado,nascadeirasdemadeiradasétimafila.Elesdeveriamdistrairaatençãodopúblico.Sepossível,umdelesacenderiaumabombadefumaça.14

Por volta das duas da tarde, a plateia aumentara para mais de duzentaspessoas, que começavam a demonstrar impaciência. Benjamin 2X Goodman,ministro assistente deMalcolm daMesquitaMuçulmana, Inc., subiu ao palco ecomeçoua falarpormeiahora,paraaquecer.ComoBenjaminnãoestavaentreosoradoresdoprograma,amaioriadaspessoascontinuoua falareaandardeum lado para outro, falando com amigos. Cerca de dez minutos depois, oscomentáriosdeBenjamincomeçaramadespertaraatençãodosouvintes,quando

ele rememorou temas recentes dos comícios de Malcolm, como a oposição àGuerradoVietnã.TodossabiamqueMalcolmquasesempresubiaàtribunalogodepoisdasapresentaçõesdeBenjamin.15

Minutos antes das três, Benjamin ainda proferia a audiência quando, semaviso,umhomemalto,decabelo louroescuro,caminhoubruscamenteatéumacadeiraapoucospassosdatribuna.Surpreendidopelaentradadolíder,Benjaminterminoudefalarapressadamente,depoissevirouparasentarnumadascadeirasno palco.De regra, por razões de segurança,Malcolm não tinha permissão deficar ali sozinho.Nessa ocasião, entretanto, ele impediu que o colega sentasse,murmurando-lhe instruções ao ouvido. Com ar perplexo, Benjamin desceu evoltouparaasalaatrásdopalco.16

“As-salaam alaikum”, proclamou Malcolm, fazendo a tradicional saudaçãoárabe.“Walaikumsalaam”, responderam centenas de vozes.Mas antes que elepudessedizerqualqueroutracoisa,houveumaconfusão inesperadanasextaousétima fila de cadeiras. “Tire a mão do meu bolso!”, gritou um homem paraalguém perto dele. Ambos se levantaram e começaram a discutir, desviando aatençãodetodos.Dopalco,Malcolmgritou:“Parem!Parem!”.17

Os dois principais guardas da tribuna, Charles X Blackwell e Robert 35XSmith,lutaramparasepararoshomens.Amaioriadosseuscolegastambémsaiudesuasposiçõesparaacabarcomainterrupção,deixandoMalcolminteiramentesó no palco. Foi então que o conspirador da primeira fila levantou-se e andouabruptamenteemdireçãoàtribuna.Sobosobretudodeinverno,eleacomodavaumaescopetadecanoserrado.Acercadequinzepassosdopalco,parou,puxouosobretudoparatráselevantouaarma.

Paramuitosafro-americanos,21defevereirode1965estátãoprofundamente

gravado na memória quanto o assassinato de John F. Kennedy e o de MartinLutherKing Jr.paraoutrosamericanos.Na turbulentaesteirade suamorte,osdiscípulos de Malcolm X adotaram o slogan “Black Power” e o elevaram àcondiçãodesantidadelaica.Nofimdosanos1960,MalcolmXencarnavaoidealdenegritudeparaumageraçãointeira.ComoW.E.B.DuBois,RichardWrighte James Baldwin, ele tinha denunciado os custos psicológicos e sociais que oracismoimpuseraàsuagente;tambémeralargamenteadmiradocomohomemde ação intransigente, o oposto dos líderes negros não violentos e de

pensamentovoltadoparaaclassemédia,quetinhamdominadoomovimentodedireitoscivisantesdele.O líder mais estreitamente ligado aMalcolm na vida e na morte era, sem

dúvida, King. No entanto, apesar de ter passado amaior parte do começo davida na área urbana de Atlanta, King raramente era identificado comorepresentante dos negros do gueto. Nas décadas que se seguiram ao seuassassinato, ele foi associado a imagens do Sul predominantemente rural einteriorano.Malcolm, diferentemente, era produto do guetomoderno. A raivaqueexpressavaeraumareaçãoaoracismodecontextourbano:escolasurbanassegregadas, moradias de baixa qualidade, altas taxas de mortalidade infantil,drogasecrime.Comonosanos1960amaioriaesmagadoradosafro-americanosviviaemcidadesgrandes,ascondiçõesquedefiniamsuaexistênciaestavammaisestreitamente ligadas àquilo de que Malcolm falava do que àquilo que Kingrepresentava. Consequentemente, ele foi capaz de formar um grande públicoentre os negros das cidades, que viam na resistência passiva uma ferramentainsuficienteparadesmantelaroracismoinstitucional.A metamorfose tardia de Malcolm, de raivoso militante negro para ícone

multiculturalamericano,foiprodutodoêxitoextraordináriodaAutobiografiadeMalcolmX, redigida a quatromãos como escritorAlexHaley, e lançada novemesesantesdoseuassassinato.Best-sellernosprimeirosanosdesuapublicação,olivrologoseimpôscomotexto-padrãonocurrículodecentenasdefaculdadeseuniversidades.No fim dos anos 1960, toda uma geração de poetas e escritoresafro-americanos produzia um conjunto de obras aparentemente interminávelprestando homenagem ao ídolo caído. Na imaginação deles, a imagem deMalcolmficoupermanentementecongelada,comoadohomemdesorrisolargoemalicioso,imaculadamentebemvestido,ededicadoàpromoçãodosinteresseseaspiraçõesdasuagente.Do momento em que foi morto, grupos muito diferentes, incluindo

trotskistas,nacionalistasculturaisnegrosemuçulmanossunitas,oreivindicavamparasi.Centenasde instituiçõeseclubesdebairro foramrebatizadosemhonradohomemqueo atorOssieDavies saudara como“nossamasculinidade,nossaviva, negramasculinidade”.18 UmaAssociaçãoMalcolmX foi fundada por afro-americanos nas Forças Armadas. No Harlem, ativistas formaram um ClubeDemocráticoMalcolmX.19Em1968,oprodutordecinemaindependenteMarvinWorth contratou James Baldwin para escrever um roteiro baseado na

autobiografia, projeto que o romancista qualificou de “minha confissão... é ahistória de qualquer gato negro neste lugar e neste tempo curiosos”.20 Nocomeçodosanos1970,BettyShabazz,mulherdeMalcolmX,foichamada,comoconvidada de honra, para uma festa em Washington, D.C., dedicada àarrecadaçãodefundosparareelegerRichardNixon.21

OrenascimentodapopularidadedeMalcolmnocomeçodosanos1990deveu-se em grande parte ao surgimento da “nação hip-hop”. No clipe de “Shut ’emDown”, do grupo Public Enemy, por exemplo, a imagem de Malcolm ésobrepostaàfacedeGeorgeWashingtonnacéduladeumdólar;outrogrupodehip-hop, o Gang Starr, pôs um retrato de Malcolm na capa de um lp.22

Conservadores políticos também continuam tentando incluí-lo em seu panteão.Na esteira dos tumultos raciais de 1992 em Los Angeles, por exemplo, o vice-presidenteDanQuayle declarouque, ao ler a autobiografia deMalcolm, tiveraimportantespercepçõesquelhepermitiamcompreenderasrazõesdosdistúrbios—revelaçãoquemuitosafro-americanosconsideraramabsurda.OcineastaSpikeLee gracejou: “Toda vez que Malcolm X se refere a ‘diabos de olhos azuis’,Quayledeveacharqueestáfalandodele”.23

Com o lançamento do filmeX, de Spike Lee, de três horas de duração,naquelemesmo ano,Malcolm alcançavaumanova geração.Numapesquisa deopinião de 1992, 84% dos afro-americanos com idades de quinze a 24 anos odescreveramcomo“umheróiparaos americanosnegrosdehoje”.24Depois deanosrelegadoàperiferiadahistórianegramoderna,oshistoriadorescomeçarama vê-lo como figura central. Ele se tornara “parte integrante dos andaimes quesuportam a identidade afro-americana contemporânea”, nas palavras dohistoriador Gerald Horne. “Seu fascínio pela música, pela dança e pelas casasnoturnas fortaleceu seus laços com os negros.”25 Para muitos brancos, porém,seu apelo estava na conversão do separatismo negro militante para o que sepoderia chamar de universalismomulticultural. A assimilação deMalcolm X àcorrentedominantedavidaintelectualamericanaocorreu—ironicamente—noTeatro Apollo, noHarlem, em 20 de janeiro de 1999, quando o Serviço Postaldos EstadosUnidos ali comemorou o lançamento de um selo comMalcolmX.Numadeclaraçãoà imprensaqueacompanhouo lançamentodo selo,oServiçoPostal afirmava que, nos anos que antecederam ao seu assassinato,MalcolmXtornara-se defensor de “uma solução mais integracionista dos problemasraciais”.26

Uma leituramaisatentadaAutobiografia,bemcomoosdetalhesdavidadeMalcolm, revela uma história bem mais complicada. Poucos críticos literárioslevaramemcontaqueaobraera,narealidade,produtodeumesforçoconjunto—eque,particularmente,AlexHaley,veteranoaposentadodaGuardaCosteiradosEstadosUnidos, tinha suasprópriasprioridades.Republicano liberal,HaleydesprezavaoseparatismoracialeoextremismoreligiosodaNaçãodoIslã,masera fascinado pelo atormentado relato da vida pessoal de Malcolm. Em 1963,começo da colaboração entre esses dois homens tão diferentes, Malcolmesforçou-separaapresentarumcontodeelevaçãomoral,paralouvaropoderdolíderdaNação,ElijahMuhammad.Depoisdeabandonaraseita,Malcolmusouaautobiografiaparaexplicarorompimentocomoseparatismonegro.OobjetivodeHaley eramuitodiferente; para ele, a autobiografia serviade alerta sobreodesperdício humano e sobre as tragédias resultantes da segregação racial. Emmuitos sentidos, o livro publicado é mais de Haley do que do autor: por termorrido em fevereiro de 1965, Malcolm não teve oportunidade de revisartrechosimportantesdoquesetornariaconhecidocomoseutestamentopolítico.Minha curiosidade sobre aAutobiografia começou mais de duas décadas

atrás,quandoeudavaaulasaseurespeitocomopartedeumsemináriosobreopensamento político afro-americano, naUniversidade deOhio. Entre os líderesafro-americanos no decorrer da história, Malcolm foi inquestionavelmente oativista“político”maisconsumado,umhomemquedavaênfaseàpolíticalocaleparticipativa comandada por negros operários e pobres. Apesar disso, aAutobiografiapraticamentesecalaarespeitodesuaorganizaçãobásica,aoaau.Empartealgumado texto seuprogramae seusobjetivosaparecem.Apósanosde pesquisa, descobri que vários capítulos tinham sido apagados antes dapublicação—capítulosquevislumbravama construçãodeuma frenteunidadenegros,formadaapartirdeumaamplavariedadedegrupospolíticosesociais,echefiadapelosmuçulmanosnegros.SegundoHaley,asupressãofoifeitaapedidodoautor,depoisdasuaviagemaMeca.Provavelmenteéverdade;masMalcolmnão teveabsolutamenteparticipaçãoalgumanadecisãodeHaleydeprefaciaraAutobiografiacomumensaio introdutóriodo jornalistaM.S.Handler,doNewYorkTimes,quetinhacobertolongamenteMalcolmnosanosanteriores,nemnaincoerente conclusão do próprio Haley, que enquadra seu assunto firmementedentrodarespeitabilidadedomovimentodedireitoscivispredominanteno fimdesuavida.

Uma leitura mais aprofundada do texto também revela numerosasinconsistênciasnotocanteanomes,datasefatos.Comohistoriadorecomoafro-americano,fiqueifascinado.Quantodoqueestáalinãoéverdade,equantonãofoicontado?Abuscadeprovashistóricasedaverdade factualeracomplicadaaindamais

pelas complexas e variadas camadas da vida do biografado.Mestre da retóricapública, ele era capaz de contar com habilidade histórias da própria vida queeram parcialmente fictícias, mas que soavam verdadeiras para a maioria dosnegrosquedepararamcomoracismo.Desdemuitonovo,MalcolmLittle(nomeoriginal) construiu múltiplas máscaras que distanciavam seu eu interior domundo ao redor.Anos depois, fosse numa cela de prisão emMassachusetts ounuma viagem solitária pelo continente africano durante as revoluçõesanticoloniais,elemantinhaaduplacapacidadedepreveraçõesalheiasedetiraromáximo efeito de si mesmo. Adquiriu as sutis ferramentas de um etnógrafo,trabalhando sua linguagem para adaptá-la aos contextos culturais de públicosdiversos. Como resultado, diferentes grupos viam sua personalidade e suamensagem em evolução através de lentes particulares. Em qualquer contexto,Malcolmtranspiravacharmeeumsaudávelsensodehumor,quelhepermitiamdesarmar adversários ideológicos e apresentar argumentos provocadores e atéofensivos.Malcolm sempre assumia uma atitude acessível e íntima, apesar de ser ao

mesmotempomaisreservado.Essascamadasdepersonalidadechegavamaserexpressas por uma série de nomes diferentes, alguns criados por ele, algunscolocadosporoutros:MalcolmLittle,Homeboy, JackCarlton,DetroitRed,BigRed,Satan,MalachiShabazz,MalikShabazz,El-HajjMalikEl-Shabazz.Nenhumapersonalidade isolada seria capaz de capturá-lo plenamente.Nesse sentido, suanarrativaéumabrilhantesériedereinvenções,dasquais“MalcolmX”éapenasamaisconhecida.Como um grande ator stanilavskiano,Malcolm aproveitava generosamente

suas experiências anteriores, demodoque, comopassar do tempo, a distânciaentre os acontecimentos verdadeiros e a versão contada para consumo públicoficoumaior.Depoisdesuamorte,outrasdistorções—enfeitesacrescentadosporfiéis seguidores, amigos, parentes e adversários— transformaram sua vida emlenda. Malcolm era fascinante para muitos brancos num sentido sensual,animalesco, e para os jornalistas que rotineiramente cobriam seus discursos,

havianeleumsubtextosexualcontrolado,masinegável.M.S.Handler,emcujacasaMalcolmesteveparaumaentrevistanocomeçodemarçode1964,atribuiuaauradevalentiafísicaàsuaatividadepolítica:“Emnossaépoca,homemnenhumfoi capaz de provocar tanto medo e ódio no homem branco como Malcolm,porque nele o branco percebia um inimigo implacável, que não poderia sercomprado — um homem irrestritamente comprometido com a causa daliberação do homem negro”.27 Até mesmo Malcolm, nos primeiros anos,costumava usar metáforas sugestivas para descrever sua personalidade. Porexemplo, descrevendo a época que passou numa prisão emMassachusetts, em1946, ele comparou seu confinamento ao de um animal apanhado numaarmadilha: “Eu andava horas de um lado para o outro, como um leopardoenjaulado,praguejandoviolentamenteemvozalta...Como tempo,oshomensdas outras celas me deram um apelido: ‘Satã’”.28 A mulher de Handler, queestavapresentequandoMalcolmvisitousuacasa,admitiuparaomarido:“Sabe,foicomotomarchácomumapanteranegra”.29

Paraosnegrosamericanos,porém,oapelodeMalcolmestavaenraizadoemimagens culturais inteiramente diversas. O que o tornava verdadeiramenteoriginalerao fatodeapresentar-secomoaencarnaçãodasduas figurascentraisdaculturapopularafro-americana, simultaneamenteoespertalhão/vigaristaeopregador/ministro.Homemdeduas caras, o vigarista é imprevisível, capazdeafrontosas transgressões; o pregador salva almas, repara vidas partidas epromete um novo mundo. Malcolm era um dedicado estudioso da culturapopularnegra,eparaapresentarumargumentopolíticoconvincentecostumavamisturar histórias de animais,metáforas da vida rural e contos de vigarista—por exemplo, contando a fábula do lobo e da raposa com Johnson eGoldwatercomopersonagens.Seusdiscursoshipnotizavamasplateiasporqueeleeracapazde orquestrar seus temas numa narrativa que prometia a salvação final.Apresentava-se como um homem intransigente, inteiramente dedicado aofortalecimentodosnegros,semtemerpelaprópriasegurançapessoal.Atéosquerejeitavamsuapolíticalhereconheciamasinceridade.Obviamente,aanalogiaentreoatorcomointérpreteeo líderpolíticocomo

intérprete tem suas limitações, mas a arte da reinvenção na política exige umrearranjo seletivo das vidas passadas de uma figura pública (e a eliminação deepisódiosconstrangedores,comoBillClintonnosensinou).NocasodeMalcolm,as memórias escritas por amigos e parentes mostraram que o notório

personagemforadalei,DetroitRed,apresentadoporMalcolmnaautobiografia,éaltamenteexagerado.30OsantecedentescriminaisdeMalcolmLittle, relativosaos anos 1941-6, provam que ele deliberadamente fabricou a história de seuscrimes, tecendo elementos do passado numa alegoria que documentava osefeitos destrutivos do racismo dentro do sistema judicial e penal dos EstadosUnidos.Aautoinvençãofoiumamaneiraeficazqueeleencontroudealcançarossetoresmaismarginalizadosdacomunidadenegra,oferecendouma justificativaparasuasesperanças.Meuprincipalobjetivoneste livroé iralémda lenda: recontaroquede fato

ocorreu na vida de Malcolm. Também apresento os fatos de que o próprioMalcolmnãopoderiatertidoconhecimento,comoaextensãodavigilânciailegaledostranstornosperpetradoscontraelepelofbiepeloDepartamentodePolíciade Nova York, a verdade sobre os seguidores que o traíram política epessoal mente,eaidentificaçãodosresponsáveispeloassassinatodeMalcolm.UmdosmaioresdesafiosqueencontreiaoreconstruiravidadeMalcolmfoia

tentativa de examinar suas atividades dentro da Nação do Islã. Amaioria dastentativas populares concentra-se pesadamente em sua carreira pública duranteosdoisúltimosanos.Partedoproblemadedesenterrarseusprimeirosdiscursosecartas,dosanos1950,estánofatodequeosatuaislíderesdanoi,encabeçadospelo ex-Louis X Walcott, hoje conhecido como Louis Farrakhan, nuncapermitiramqueestudiososexaminassemosarquivosdaseita.Depoisdeanosdeesforços, consegui iniciar um diálogo com a Nação do Islã; emmaio de 2005,sentei-me com Farrakhan para uma extraordinária conversa que durou novehoras. A Nação, posteriormente, pôs à minha disposição fitas de áudio decinquentaanosdeidade,comsermõesepalestrasfeitosporMalcolmquandoeleainda era o líder do Templo nº 7, o queme deu importantes pistas sobre suaevoluçãoespiritualepolítica.Veteranosmembrostambémseapresentaramparaentrevistas, o mais importante dos quais foi Larry 4X Prescott, mais tardeconhecido como Akbar Muhammad, que foi ministro assistente de Malcolm etomou o partido de ElijahMuhammad quando a seita se dividiu emmarço de1964. Essas fontes me ofereceram uma perspectiva que nunca tinha sidodevidamenterepresentada:ospontosdevistadaNaçãodoIslãeseussectários.AjornadadereinvençãodeMalcolmcentralizou-se,emmuitossentidos,num

esforço,quedurouavida inteira,paradistinguiro significadoea substânciadafé.Comopreso,eleabraçouumaseitahostilaosbrancos,equaseislâmica,que,

apesar de tudo, confirmou seu fragmentário senso de humanidade e identidadeétnica.MasviajandopelomundoMalcolmaprendeuqueoIslãortodoxoestava,emmuitos sentidos, em desacordo com a estigmatização e intolerância raciaisqueocupavamonúcleodocredodaNaçãodoIslã.Malcolmacabouadotandooverdadeirouniversalismoislâmico,esuacrençaemquetodosencontramagraçade Alá, seja qual for a raça.O Islã foi também a plataforma espiritual sobre aqual ele construiu uma política de revolução do Terceiro Mundo, que tinhanotáveissemelhançascomadeCheGuevara,guerrilheiroargentinoecoautordarevolução cubana de 1959. Foi também a ponte política que pôs Malcolm emcontato com a Irmandade Muçulmana no Líbano, assim como no Egito e emGaza com a Organização para a Libertação da Palestina. Pedir o apoio dogovernodeGamalAbdelNasserparasuasatividadesemfavordoIslãortodoxonosEstadosUnidos talvez tenha tornadonecessárioadotarasposiçõespolíticasdeNasser,comoaferozoposiçãoaIsrael.Restam, também, muitas perguntas não respondidas sobre a morte de

Malcolm, e sobre quais grupos foram responsáveis pela ordem de matá-lo. Ahistória não é uma investigação de casos ainda pendentes; tive de sopesarprobabilidades médico-legais, e não certezas. Apesar de três membros danoiteremsidocondenadosem1966porassassinato,muitosindíciossugeremquedois eram completamente inocentes do crime, que tanto ofbi como oDepartamento de Polícia deNovaYork tiveram conhecimento prévio, e que oescritório do Promotor Público do Condado de Nova York talvez tenha sepreocupadomaisemprotegera identidadedepoliciaise informantes infiltradosdo que em prender os verdadeiros assassinos. O fato de o caso não ter sidosolucionado depois de mais de quarenta anos contribui para situá-lo numacategoria especial nos anais da história dos afro-americanos e dos EstadosUnidos. Diferentemente dos assassinatos deMedgar Evers e deMartin LutherKingJr.,abatidosporcriminosossolitáriosqueacreditavamnasupremaciaracialdos brancos, ou da morte de George Jackson, de autoria de policiais daCalifórnia, Malcolm foi morto perante uma grande plateia, no coração dosEstadosUnidosnegros.Napressadojulgamento,suamortefoiatribuídaapenasàNaçãodo Islã.A imagemqueamídiaconstruiudeMalcolmcomodemagogoperigosotornouimpossívelarealizaçãodeumainvestigaçãoaprofundadadesuamorte,esódentrodascomunidadesnegrasamericanaselefoivistocomomártirpolítico. Amaior parte dos Estados Unidos brancos levaria quase três décadas

paramudardeopinião.A grande tentação que ronda o biógrafo de uma figura icônica é retratá-lo

comoumquase santo, semas contradições emáculas comuns a todosos sereshumanos. Dediquei tantos anos ao esforço de compreender a personalidadeinterior e amentedeMalcolmque essa tentaçãodesapareceuhámuito tempo.Ele foi verdadeiramente uma figura histórica, no sentido de que, mais do quequalquer de seus contemporâneos, encarnou o espírito, a vitalidade e adisposição política de toda uma população — negros urbanos de meados doséculoxxnosEstadosUnidos.Faloucomclareza,humoreurgência,eopúbliconegro, tanto nos Estados Unidos como na África, respondeu com entusiasmo.Mesmo quando fazia declarações polêmicas, das quais a maioria dos afro-americanos discordava com veemência, poucos punham em dúvida suasinceridade e seu engajamento.De outro lado, qualquer revisão abrangente desuatrajetóriapúblicarevelagrandeserrosdejulgamento, incluindonegociaçõescom a Ku Klux Klan. Mas, diferentemente de muitos outros líderes, Malcolmteveacoragemdereconhecerseuserrosedeprocuraraquelesaquemofenderapara pedir desculpas. Mesmo quando discordava dele, eu admiravaprofundamente a integridade do seu caráter e o amor que obviamente sentiapelosafro-americanosesuacultura.ParacompreendercomosedeuaressurreiçãodeMalcolm,primeiroentreos

afro-americanosedepoisnorestodosEstadosUnidos,precisamosreconstruiroscontornosdesuavidanotável—históriaquecomeçanumapequenacomunidadenegranoladonortedeOmaha,emNebraska.

1.“Depé,raçapoderosa!”1925-1941

OpaideMalcolmX,EarlLittle,Sr.,nasceuemReynolds,Geórgia,em29dejulhode1890.1EssefilhodefazendeiroquecostumavaserchamadodeEarlymaltevetrêsanosdeestudosformais,muitoemboratenhaaprendidocarpintarianaadolescência,oque lhegarantiuummeiodevida.Em1909, casou-se comumaafro-americana local, DaisyMason, e teve três filhos, um atrás do outro: Ella,MaryeEarlJr.Reynolds, pequena cidade no canto sudoeste da Geórgia, tinha uma

populaçãodeapenas1200pessoasporvoltade1910,maseraumimpressionantecentromanufatureirocomumagrandefábricadealgodão,queproduziade7a8mil fardos por ano.2 Como a maior parte do Sul nas décadas seguintes àReconstrução, era tambémum lugar violento e perigoso para afro-americanos.Entre1882e1927,osracistasbrancosdaGeórgia lincharammaisdequinhentosnegros, colocando o estado atrás apenas doMississippi em número demortespor linchamento.3 A depressão dos anos 1890 atingira a Geórgia de formaespecialmente dura, provocando uma onda de falências comerciais, numa taxaduas vezes superior à do resto do país. Com a escassez de empregos, ostrabalhadoresbrancosqualificadospassaramaenfrentaraconcorrênciacrescentedos negros, especialmente como pedreiros, carpinteiros e em trabalhosmecânicos.4 O fato de Earl ser um carpinteiro qualificado provavelmenteprovocavatensãocomosbrancos,eospaiseamigostemiamporsuasegurança.Com bem mais de 1,80 metro de altura, musculoso, de pele escura, Little

costumava discutir com os brancos, a quem seu ar de independência

incomodava.Reynoldseascidadesvizinhastinhamvistomuitoslinchamentoseincontáveisatosdeviolênciacontranegros.Suavidadomésticaerapoucomenostumultuosa:osparentesdeDaisynãogostavamdesuasbrigas,nemdamaneiracomo tratavaamulher.Em1917, cansadode lutar comosparentesdeDaisyedas ameaças de violência dos brancos, Earl abandonou a jovem mulher e osfilhos, tomando parte na grande migração de negros sulistas para o Norte,iniciada durante a Primeira Guerra Mundial. Seguindo a trilha da ferroviaSeaboardAirLine,rotacomumparaosnegrosquesedirigiamdaGeórgiaedasCarolinasparaoNorte,eleparouprimeironaFiladélfia,depoisemNovaYork,antesdeestabelecer-se,finalmente,emMontreal.5Nãosepreocupousequeremdivorciar-selegalmente.6

FoinapequenaemajoritariamentecaribenhacomunidadenegradeMontrealqueEarlseapaixonouporumabelagranadina,LouisaLandonNorton.NascidaemSt.Andrews,Grenada,em1897,elaforacriadapelaavómaterna,MaryJaneLandon.Louise,comoeraconhecida,tinhapeleclaraecabelospretos,soltos;nosencontrosdiários eraquase sempre tomadaporbranca.Corria entreosnegroslocais o boato de que ela era produto do estupro da mãe por um escocês.Diferentemente de Earl, recebera excelente instrução anglicana de nívelfundamental, tornando-se competente na escrita, além de fluente em francês.Amáveleambiciosa,emigraraparaoCanadácomdezenoveanos,embuscadasoportunidadesquesuapequenailhanatalnãotinhacondiçõesdeoferecer.7

TalveztenhasidoaatraçãodosopostosquejuntouLouiseeEarl—apesardeser mais provável, como explicação, que ambos tivessem interesse por justiçasocial, pelo bem-estar da sua raça e, com isso, por política. Em 1917,montrealensesnegrosabriramumaseçãoinformaldaAssociaçãoUniversalparaoProgressoNegro (UniversalNegro ImprovementAssociation, unia), fundadapelo carismático ativista jamaicano Marcus Garvey. Apesar de só ter sidoestabelecida oficialmente como filial em junho de 1919, a unia de Montrealexerceu tremenda influência sobre os negros em toda a cidade. Patrocinavafóruns sobre educação, atividades recreativas e eventos sociais para negros,chegando a mandar delegações para convenções internacionais.8 Os doismilitantesgarveyistasseapaixonaramecasaramemMontreal,em10demaiode1919. Decidiram dedicar a vida e o futuro à formação de um movimentogarveyistanosEstadosUnidos.Garveydesempenhariapapelcentralemsuavidae,nageraçãoseguinte,navidadofilhoMalcolm.

Na véspera da entrada dos Estados Unidos na Primeira GuerraMundial, acultura política negra americana estava basicamente dividida em dois camposideológicos: os acomodacionistas e os reformistas liberais. Divergências emtática, teoria e objetivos derradeiros a respeito das relações raciais persistiriamdurante todo o século. Comandados pelo educador conservador Booker T.Washington, os acomodacionistas aceitavam a realidade da segregação de JimCrow e não contestavam abertamente a usurpação de direitos dos negros,promovendo, emvez disso, o desenvolvimento de negócios de propriedade denegros, escolas técnicas e agrícolas e o direito à propriedade da terra. Osreformistas, entre os quais se destacavam o estudioso W. E. B. Du Bois e ojornalistamilitanteWilliamMonroeTrotter,exigiamplenosdireitospolíticosejurídicos para os negros americanos e, em última instância, o fim da própriasegregação racial. Como o abolicionista do século xix, Frederick Douglass,acreditavam em desmontar as barreiras que separavam negros e brancos nasociedade. O restabelecimento da Associação Nacional para o Progresso dePessoas de Cor (National Association for the Advancement of Colored People,naacp) em 1910, sob o comando de Du Bois, e a morte deWashington, em1915, deramà cúpulanacional dos reformistasumavantagem sobre seus rivaisconservadores.9

Foi nesse momento de intensos debates políticos entre negros que ocarismático Marcus Garvey chegou a Nova York, em 24 de março de 1916.NascidonaJamaicaem1887,GarveytinhasidotipógrafoejornalistanoCaribe,naAméricaCentral ena Inglaterra.Fora aosEstadosUnidospor insistênciadeBookerT.Washington,embuscadeapoioparaumcolégiona Jamaica,projetoque deu em nada,mas que lançou o audacioso jovem numa novamissão, umnovoeambiciosomovimentopolíticoesocialparanegros.InspiradopelasideiasconservadorasdeWashington,Garveynãoseopunhaàsleisdesegregaçãoracialou às escolas separadas, mas astutamente equiparava essas ideias a um ferozataque polêmico ao racismo e ao domínio colonial branco. Diferentemente danaacp,cujoapelosedirigiaaumaclassemédiaemergente,Garveyrecrutavaosnegrospobres,aclasseoperáriaeostrabalhadoresrurais.DepoisdeestabelecerumapequenabasedeseguidoresnoHarlem, iniciouumaturnênacionaldeumano de duração, na qual fez apelos aos negros para que se vissem como “raçapoderosa”,vinculandoseusesforçosnãoapenasapessoasdeascendênciaafricanado Caribe, mas à própria África. Sem fazer concessões, pregava o respeito

próprio,anecessidadedeosnegrosestabeleceremorganizaçõeseducacionaiseocultivode instituiçõesreligiosaseculturaisqueeducavamfamíliasnegras.10 Emjaneiro de 1918, a filial da unia emNova York foi formalmente estabelecida, emais tarde, naquele mesmo ano, Garvey lançou seu próprio jornal, oNegroWorld;noanoseguinte,auniafundousuasedeinternacionalnoHarlem,dandoaoprédioonomedeLibertyHall.11

FundamentalparaoapeloexercidoporGarveyerasuaadoçãoentusiásticadocapitalismo, e seu evangelho do sucesso; autodomínio, força de vontade etrabalhoárduodariamascondiçõesparaerguerosnegrosamericanos.“Nãoseenganem”,diziaeleaos seguidores,“riquezaé força, riquezaépoder, riquezaéinfluência, riqueza é justiça, é liberdade, é direitos humanos de verdade”.12 OobjetivodaLigadasComunidadesAfricanaseraabrir,emsuaspalavras,“casascomerciais, casas de distribuição, e também participar de negócios de todos ostipos, por atacado e a varejo”. A partir do Harlem, a liga abriu mercearias erestaurantes, e até financiou a compra de uma lavanderia a vapor. Em 1920,Garvey constituiu em entidade jurídica a Corporação de Fábricas Negras parasupervisionar a crescente lista de negócios do movimento.13 Seu projetocomercialmaisconhecido,emaiscontrovertido,entretanto,foiaBlackStarLine,empresa de navios a vapor apoiada por dezenas de milhares de negros quecompraram ações de cinco e dez dólares. Ironicamente, toda essa atividadedependia da existência de uma segregação racial de fato, que limitava aconcorrência dos negociantes brancos, que se recusavam a investir em guetosurbanos.A separação racial, pregava Garvey, era essencial para o progresso de sua

gente,nãoapenasnosEstadosUnidos,masnomundointeiro.Seuprogramaeraumamistura informal de ideias tiradas de fontes tãodíspares quantoFrederickDouglass,AndrewCarnegie,RalphWaldoEmerson,HoratioAlgereBenjaminFranklin, adaptadas a um contexto de realizações que ocupava uma esferaseparadadadosbrancos.Negrosjamaisserespeitariamasimesmoscomopovoenquantodependessemdeoutrosparaemprego,negóciosequestõesfinanceiras.ComoBookerT.Washington,GarveysentiaqueasegregaçãodeJimCrownãodesapareceriarapidamente.Eralógico,portanto,transformaromalinevitávelnapedra angular do progresso do grupo. Os negros precisavam rejeitar asdistinçõesdeclasse,religião,nacionalidadeeetniaquetradicionalmentedividiamsuas comunidades. Os descendentes de africanos faziam parte de uma “nação”

transnacional, uma raça global comumdestino comum.Omanifesto inicial dauniaem1914convocavapessoasdeascendêncianegraouafricana“aestabelecerumaconfraternidadeuniversaldentrodaraça,parapromoveroespíritoderaça,deorgulhoedeamor...[e]ajudarnoprocessocivilizatóriodetribosatrasadasdaÁfrica”.14 Posteriormente, muitos negros de classe média refutaram ogarveyismocomoummovimento irremediavelmenteutópicodevoltaàÁfrica,oquesubestimavasuavisãoglobalradical.OqueGarveyreconheceu foiqueoVelhoeoNovoMundoestavam inextricavelmente ligados:negrosnoCaribeenos Estados Unidos jamais seriam verdadeiramente livres enquanto a própriaÁfricanão fosse libertada.Opan-africanismo—acrençana total independênciapolítica da África, e de todas as colônias onde os negros viviam — era umobjetivoessencial.Garveytambémreconheciaquecriarummovimentodemassarequeriauma

revolução cultural. Gerações de negros tinham padecido com a escravidão, asegregaçãoeocolonialismo,produzindoumsensogeneralizadodesubmissãoàautoridade branca. O poder negro dependia de atividades que pudessemrestaurar tanto o respeito próprio como o senso de comunidade —essencialmente, o desenvolvimento de uma cultura negra unida. Por essasrazões, o “nacionalismo cultural” ocupava papel central em seu projeto. Osgarveyistas patrocinavam eventos literários e publicavam escritos dosseguidores; organizavam debates, realizavam concertos e desfilavam sobberrantes estandartespretos, vermelhos everdes.Eramencorajados a escreverhinosnacionalistas,dosquaisomaispopularerao“HinoUniversaldaEtiópia”,queapresentavaopoderoso,sebemquedesajeitado,coro:Avante,avanteparaavitória,

QueaÁfricasejalivre;

Avanterumoaoinimigo

Comopoder

Dovermelho,donegroedoverde.15

Garvey usava o luxo com grande eficácia para construir a cultura de seu

movimento. Títulos apoteóticos e uniformes coloridos criavam um senso de

relevância histórica e de seriedade, e davam aos afro-americanos pobres umsentimentodeorgulhoeentusiasmo.NumareuniãonoHarlemem1921,6milgarveyistas lançaram a “investidura do Império daÁfrica”.Garvey foi coroadopresidentegeraldauniaepresidenteprovisóriodaÁfrica,que juntamentecomum potentado e um supremo vice-potentado constituía a realeza do império.Líderes garveyistas receberam títulos como “Cavaleiros doNilo,Cavaleiros daOrdemdeDistinçãoemServiçodaEtiópiaeDuquesdoNígeredeUganda”.16Ofato de o movimento de Garvey não controlar território nenhum na Áfricacolonial ou no Caribe não tinha importância. Negros identificavam-se a simesmos como nobres no exílio, trabalhando para chegar o dia em que oseuropeusseriamexpulsosdapátria-mãeeelesreivindicariamsuaherança.A unia assimilava temas de vários rituais religiosos africanos. Apesar de

católico,Garvey achavaquepessoas de ascendência africanadeviamadotarumdeuseumateologiadelibertaçãonegros.Issonãosignificavarepúdiodeclaradoaocristianismo,apesardeumdiaeleterditonumcomício:“Temoscultuadoumdeus falso... Criemos um deus próprio e ofereçamos esta nova religião aosnegros do mundo”.17 Em 1929, Garvey chegou a dizer que “a AssociaçãoUniversal para o Progresso do Negro é, fundamentalmente, uma instituiçãoreligiosa”.18

O garveyismo criou um ambiente social positivo para fortalecer famíliasnegras e famílias que enfrentavam preconceito racial na vida diária. Como emqualquer movimento social abrangente, membros entusiásticos geralmenteencontravamdentrodogrupoomelhor climade companheirismo.Oquequerque tenha inicialmente servido para juntar Earl Little e LouiseNorton, o casaltinha a mesma dedicação aos ideais de Garvey, que levariam pela vida fora.Construíram sua primeira casa na comunidade negra da Filadélfia, ondemorariamquasedois anos.Em1918, aFiladélfia tornara-seo centrode amplasatividadesdaunia,e logoaseção localcresceu imensamente;entre1919e1920,mais de 10 mil pessoas, na maioria operários e pobres, ingressaram naorganização, colocandoaFiladélfiaatrásapenasdeNovaYorknonúmero totalde membros.19 Ali, o lado religioso do garveyismo cresceu em popularidadegraças, principalmente, à presença imponente do carismático líder da seção, oreverendo James Walker Hood Eason. Em 1918, Eason e seus seguidoresespirituais tinham formado a Igreja Popular Metropolitana Africana MetodistaEpiscopal Zion. Desiludido com a falta de militância dentro danaacp, Eason

somou forças comGarvey, e depois disso sua ascensão foi imediata. Em 1919,sem consultar a congregação, o pastor vendeu o prédio da igreja para a BlackStar Line deGarvey por 25mil dólares, e no ano seguinteGarvey o designou“LíderdosNegrosAmericanos”naPrimeiraConvenção InternacionaldePovosNegros realizada pela unia. Conhecido como “Eason língua de prata”, foiescolhido pelo Liberty Party do Harlem como seu candidato à presidente naseleiçõesde1920.20

Naconvençãodopartidoaqueleano,peranteumamultidãode21milpessoasno Madison Square Garden, Eason enfatizou as dimensões internacionais damissão da unia. “Agora falamos de um ponto de vista mundial”, proclamou.“Não representamos o negro inglês ou o negro francês... representamos osnegros.”21 Em 1920, a unia tinha pelo menos 100 mil membros em mais deoitocentasorganizaçõesseccionaisoufiliais.22Osgarveyistas,entusiasticamente,diziam ao mundo que seus seguidores eram milhões. Uma avaliação maisobjetiva,apesardisso,estimariaototaldenovosmembrosnosanos1920e1930em1milhãooumais,oquefaziadelaumdosmaioresmovimentosdemassadahistóriadosnegros.23

Aunia jamaisseafiliouformalmenteaqualquerconfissãoreligiosa,mas,emrazãodolongoenvolvimentoanteriordeEarlLittlecomaIgrejaBatistanegra,ograveyismo religioso tinha para ele um apelo especial, e ninguém no paísencarnava esse apelo melhor do que Eason. Com Louise ao seu lado, EarlcompareceuamuitasconferênciasepalestrasdaunianacidadedaFiladélfiaenobairrodeHarlem,ondeEasongeralmente era a atraçãoprincipal, e comquemEarlaprenderialiçõespráticassobrecomofalarempúblico.Enquantoelecresciadentrodomovimento, sua família tambémcrescia;em12de fevereirode1920,Louise deu à luz o primeiro filho do casal,Wilfred, mas eles não demorarammuitonaFiladélfia.Aunia, rotineiramente, selecionava ativistas jovens e aptospara tarefas de organização e, emmeados de 1921, os Little concordaram emmudar-separaooutroladodocontinenteafimdeabrirumpostoavançadoemOmaha,Nebraska.SuaindicaçãocoincidiucomoexplosivorenascimentodaKuKluxKlan(kkk)

no interiordosEstadosUnidos.Criadano rescaldodaGuerraCivil, aprimeiraKlantinhasidoumaorganizaçãodejusticeirosbrancoscrentesnasuperioridadede sua raça, que utilizava a violência e o terror, principalmente contra afro-americanos recém-libertos. A segundakkk, surgida na onda de xenofobia que

tomou conta de milhões de americanos brancos depois da Primeira GuerraMundial, ampliou seus alvos para incluir judeus, católicos, asiáticos e“estrangeiros”nãoeuropeus.AseçãolocaldeNebraska,aKlavernNumberOne,foi criada em 1921. Antes do fim daquele ano,mais 24 grupos tinham surgido,atraindo, de início, umamédia de oitocentos novos membros por semana emtodooestado.Seusfórunserambemdivulgados,epelaalturade1923onúmerode membros chegara a 45 mil.24 Dentro de um ano, manifestações, desfiles equeimas da cruz já eram comuns em todo o estado. Segundo Michael W.Schuyler,importantehistoriadorlocal,naconvençãoestadualdakkkem1924nocentro de Lincoln “havia 1100 homens da Klan vestidos de bata branca.Dignitários da Klan desfilavam em carros abertos; cavaleiros encapuzadosmarchavam a pé, geralmente carregando a bandeira americana; outros iam acavalo”.25 Não era bem o grupo que em décadas posteriores seria obrigado avivernaclandestinidade.Apequena comunidadenegradeOmaha sentia-se sitiada.Poucosmilitantes

tinham ingressado nanaacp e usavam seu jornal, oMonitor, para pedir aosbrancoscompassivosqueseunissemaelescontraakkk.Emsetembrode1921,o Monitor declarou que com “os esforços combinados de judeus, católicos epessoasnascidasnoexterior,aKlandeveriapreparar-separaamaiorbatalhadesua vida. Se o que se quer é derramar sangue, os aliados estão prontos para aluta.Seaguerraésocialeindustrial,osaliadosestãoprontosparaqualquertipode combate. O inimigo comum unirá os aliados comuns”.26 Apesar disso, eradifícil para eles cumprir na prática o que ameaçavam retoricamente dentro dacorruptamaquinariapolíticadointeriordosEstadosUnidos.Emjaneirode1923,a coalizão anti-kkk pediu ao legislativo estadual de Nebraska que proibissecidadãos de comparecerem a reuniões públicas “sob disfarce para ocultar aidentidade”, e exigisse que a polícia local protegesse os acusados de crimesenquantodetidos.27O projeto de lei foi aprovado com facilidade na câmara doestado,por65votosa34,masnãoobteveanecessáriamaioriadedoisterçosnosenadoestadual,ondepartidáriosdaKlanasseguraramseufracasso.Até 1923, de 2 milhões a 3 milhões de brancos americanos — incluindo

políticos em ascensão como Hugo Black, do Alabama, e, mais tarde, RobertByrd, daVirgíniaOcidental— tinham ingressadonaKlan, que se tornara umaforça na política nacional.28 A organização secreta tinha membros tanto noPartidoDemocrata como noRepublicano,mantendo o equilíbrio de poder em

muitoslegislativosestaduaiseemcentenasdecâmarasmunicipais.Suapresençasignificativa levou Garvey a extrapolar, afirmando que akkk era o rosto e aalma dos Estados Unidos brancos. “A Ku Klux Klan é o governo invisível dosEstados Unidos”, disse ele a seus partidários em Liberty Hall, em 1922, e“representa, em grande parte, os sentimentos de todo americano brancoverdadeiro”.29 Diante disso, concluiu, era questão de bom senso negociar comeles, e foioque fez,num infameencontrocomo líderdaKlan,EdwardYoungClarke.Dopontodevistaprático,osgrupostinhamconsideráveiselementosemcomum:tantoakkkcomoauniaseopunham,porexemplo,acasamentosinter-raciais e ao convívio social entre raças. No entanto, importantes garveyistascontestaram diretamente a iniciativa de Garvey, ou simplesmente romperamcom a unia, revoltados. Um número ainda maior de membros criticava aspráticascomerciaiscaóticasdaorganização,comoaBlackStarLine,condenandoa forma autoritária como era dirigida. Muitos ex-membros da uniaconcentraram-seemtornodaliderançadoreverendoEason,quetinhacriadoseuprópriogrupo,aAliançaNegraUniversal,ecujapopularidadeemalgunssetoressuperava a de Garvey. Garveyistas leais responderam isolando ou, em algunscasos, eliminando seus detratores. No fim de 1922, Easton foi a New Orleansmobilizar seus adeptos. Depois de um discurso na Igreja Batista St. John’s,cercadodecentenasdeadmiradores,elefoiatacadoportrêspistoleirosebaleadonascostasenatesta.Lutoupelavidadurantedias,morrendo, finalmente,em4de janeiro de 1923. Não há provas que liguem Garvey diretamente aoassassinato;váriosseguidoresleaisimportantes,entreelesAmyJacquesGarvey,aeloquenteeambiciosamulhercomquemelesecasoupelasegundavez,erammuitomais implacáveisdoqueopróprio líder,30 e podem ter tido participaçãonoassassinatodeEason.Nem as desavenças dentro da cúpula nacional da unia nem as erráticas

mudanças ideológicas de seus líderes desencorajaram Louise e Earl. A vida dojovemcasaleradura;elesdispunhamdepoucosrecursos,eLouisetinhadadoàluzmais duas crianças—Hilda, em 1922, e Philbert, em 1923. Earl atendia àsnecessidades suplementares da família fazendo trabalhos de carpintaria; caçavaavescomrifleecriavacoelhosegalinhasnoquintal.MassuaconstanteagitaçãoemnomedacausadeGarveyprovocouentreosnegrosomedoderepresáliasdakkkcontraacomunidade.31AsresponsabilidadesdeEarlnauniaexigiamqueàsvezes viajasse centenas de quilômetros; numa dessas viagens, no inverno de

1925, homens encapuzados da Klan foram à casa dos Little no meio da noite.Louise,grávidadenovo,saiucorajosamenteatéavarandaparaenfrentá-los.Elesexigiram que Earl saísse imediatamente. Louise disse-lhes que estava sozinhacom três filhos pequenos e que o marido viajara para pregar em Milwaukee.Frustrados, os justiceiros da Klan avisaram a Louise que ela e toda a famíliadeviam deixar a cidade, e que os “problemas provocados” por Earl nacomunidade negra de Omaha não seriam tolerados. Para reforçar o recado,quebraram todas as janelas. “Depois entraram no carro e foram embora”,escreveu Malcolm, rememorando o que ouvira sobre o incidente, “as tochasbrilhando,tãoderepentecomoquandochegaram.”32

O ápice da atividade da Klan em Nebraska ocorreu em meados dos anos1920.EntãoaKlantinhadezenasdemilharesdemembros,recrutadosemtodasas classes sociais. Em 1923, uma seção feminina foi criada, e logo mulherescantavam,ouviampalestrasdasporta-vozesnacionaisejuntavam-seaoshomensnos desfiles. Milhares de crianças brancas foram mobilizadas, meninosingressaram na Junior Klan,meninas em clubes Tri-K. Sua influência tanto emOmaha como em Nebraska era generalizada, algumas igrejas brancas atéacediamquandoaKlan interrompiaosserviçosreligiosos.Naqueleano,1925,aconvenção anual dakkk no estado foi programada para coincidir com a FeiraEstadual deNebraska, ambas realizadas emLincoln.Cruzes foram queimadas,enquanto 1500 pessoas se apresentaram num desfile dakkk com carrosalegóricoseumpiqueniqueabertoaopúblicoqueatraiu25milseguidores.33

Foi nessa época terrível que, em 19 de maio de 1925, no hospital daUniversidadedeOmaha,Louisedeuàluzoquartofilho.Omenino,sétimofilhodeEarl,foibatizadocomonomedeMalcolm.34

Apesar das contínuas ameaças, os Little lutaram para formar uma

organizaçãodaunia.Nodomingo,8demaiode1926,aseçãolocalrealizouumencontroemque“Mr.E.Little”eraoprincipalpregador.Nopapeldesecretária,Louise escreveu: “Esta divisão é pequena, mas muito viva na sua função deexecutar uma grande obra”.35 No outono de 1926, porém, eles concluíram quesuacomunidade,molestadapelasdepredaçõesdaKlan,nãopodiasustentarumaorganização militante. Os problemas nacionais da unia agravavam suasdificuldades. O Departamento de Justiça vinha, havia anos, perseguindo

agressivamente líderesdaunia,eem1923Garvey forapresopor fraudepostal,em conexão com negócios da Black Star Line e condenado a cinco anos deprisão.36Elepassouosdoisanosseguintesusandotodososrecursosjudiciais,atéque, finalmente, ingressou na prisão federal em Atlanta em fevereiro de 1925.Em muitas áreas urbanas, especialmente no nordeste, sua prisão provocougrandes cismas e deserções, mas no sul rural e no centroeste milharescontinuarama ingressarnomovimento.Garveyistas fiéismandavamdinheiroecartas de encorajamento para seções locais e escritórios nacionais, e faziamapelosparaqueacondenaçãodeGarveyfosserevista.37

Louise,Earleosquatro filhos logo semudaramparaMilwaukee,noestadode Wisconsin, centro urbano com uma crescente comunidade afro-americana.Entre 1923 e 1928, indústrias da cidade empregavam centenas de novostrabalhadores,enegrosmigravampara láembandos.Em1923,apopulaçãodemoradores negros foi estimada em 5 mil; no fim da década, aumentara 50%.Empregoscomunspagavamatésetedólarespordia,valormaisaltodoqueemmuitas outras cidades.38 Os Little também foram atraídos pelo robustoempreendedorismo e pela solidariedade racial da Milwaukee negra. Haviamuitos restaurantes, funerárias, pensões e hotéis de propriedade de negros;muitosproprietáriosviamemseusesforçosempresariaisarealização“dosonhodeumacidadenegradentrodacidade”.39

EmboraasrelaçõesentreGarveyeacúpulanacionaldanaacp fossemfrias,às vezes antagônicas, no nível local as seções dos dois grupos geralmenteficavamdomesmoladodasquestõeseestavamabertasàcolaboração.Apesardesuas visões divergentes sobre o futuro das relações raciais, estavam de acordoquanto à necessidade imediata de diminuir a violência racial e aumentar onúmerodeempregosparanegros.Em1922,porexemplo,auniadeMilwaukeepreparou uma resolução, endossada pelanaacp, opondo-se ao emprego denegros como furadores de greves em ferrovias, a fim de evitar brigas raciaisentre trabalhadores em greve.40 Naquele ano, a seção da unia dizia ter cemmembros;nocomeçodosanos1930,maisdequatrocentosjátinhamaderido.Osucesso foi emgrandeparte resultadodos esforços do reverendoErnestBland,pastor sob cuja liderança a unia local adotou uma estratégia para atrairtrabalhadoresnegros, realizandodesfileseeventosculturais,e inaugurandoseupróprioLibertyHall.MuitoslíderesdauniadeMilwaukeetambémsetornaramativistasdoPartidoSocialista;diferentementedoqueocorriaemnívelnacional,

eles frequentemente participavam de protestos e campanhas de direitos civispara elevar afro-americanos a cargos eletivos.41 Earl Little estava envolvidocomoempregadonoClubeIndustrialInternacional,organizaçãooperárianegra,e foi nessa condição, mais do que na de líder da unia, que ele e dois outrosfuncionáriosdoclubeescreveramaopresidenteCalvinCoolidgeem8de junhode1927pedindoalibertaçãodeGarvey.42OsLittledeixaramacidadedepoisdedespacharapetiçãopelocorreio,e suapartida tinhasidoretardadaapenaspelonascimento de outro filho, Reginald.43 (Logo depois de nascer, Reginald foidiagnosticado comproblemas de hérnia; problemas de saúde o afligiriam até aidadeadulta.)A próxima parada da família foi East Chicago, Indiana, onde sua estada foi

aindamaisbreve,poisoestadoserevelououtroviveirodakkk.Em1929, elessemudaramnovamente,comprandoumacasadefazendadedoisandaresnumapequena propriedade de três terrenos nos arredores de Lansing, Michigan.Curiosamente, era uma região onde havia poucos negros. Os Little nãoperceberamque a escritura da propriedade tinha uma cláusula especial—umacláusuladeexclusão racialque impediaavendaparanegros.Emalgunsmeses,seus vizinhos brancos, cientes dessa cláusula, pediram que eles fossemdespejados,eumjuizlocalatendeu.Earlcontratouosserviçosdeumadvogado,queentroucomrecurso.44

Osracistaslocaisnãosecontentaramemesperarodevidoprocessolegal.Nocomeço da manhã de 8 de novembro, a casa dos Little foi abalada por umaexplosão que Earl atribuiria a vários homens brancos, nenhum dos quais elereconheceu,quejogaramgasolinanacasaeatearamfogo.Empoucossegundos,aschamaseumadensafumaçatragaramacasadefazenda.Malcolm,dequatroanos,eosirmãosrelembrariamesseepisódiopelorestodavida.“Ouvimosumagrandeexplosão”,recordouWilfred.

Quandoacordamos,havia fogopor todaparte,e todomundocorriaparaasparedes,esbarrando-seuns

nos outros, tentando sair. Ouvi minha mãe gritar, meu pai gritar — queriam ter certeza de que

estávamos todos juntosparanos tirarde lá.O fogoespalhava-secomtal rapidezquepraticamentenão

conseguiramsalvarmaisnada.Minhamãepôs-seacorrerdevoltaparapegarroupasdecama,qualquer

coisaque conseguisse, deixavanavaranda edepois levavaparao jardim.Ela cometeuo errodedeitar

minha irmãzinha, ainda bebê, em cima de uns edredons, para voltar e pegar mais coisas. Quando

retornou,nãoviuoneném—aconteceque tinhamcolocadooutrascoisasporcimadacriança.Minha

mãequaseenlouqueceu.Querdizer,tiveramdesegurá-laparaquenãovoltasseàcasa.Atéqueoneném

chorou,edescobriramondeestava.45

Afamíliaaterrorizadaamontoou-senoarfriodanoite.Furioso,Earl“deuum

tiro em alguém que segundo ele se afastava da casa correndo”,46 lembrava-seWilfred. Nenhum carro de bombeiros apareceu para resgatá-los, e a casaqueimouaténãorestarmaisnada.A polícia designou o detetive George W. Waterman para investigar o

incêndio na casa da família Little. Moradores brancos do bairro disseram aodetetive que o proprietário de um posto de gasolina, Joseph Nicholson, tinhaligado para os bombeiros, e que eles se recusaram a socorrer. Mas quase deimediatocircularamrumoresnobairrodequeEarltinha,elemesmo,provocadoo incêndio, e Waterman resolveu seguir essa linha de investigaçãovigorosamente. Suas suspeitas foram reforçadas quando soube que Earl tinhaumaapólicedesegurode2mildólaresdaWestchesterFireInsuranceCompany,além de uma apólice de quinhentos dólares emitida pela Rouse InsuranceCompany, que cobria tudo que havia dentro da casa. Waterman e outrofuncionário entrevistaram Nicholson, que alegou que Earl Little lhe dera umrevólver na noite anterior. Nicholson mostrou a arma, que tinha cinco balasrestantes e um cilindro vazio. Enquanto isso, sem ter onde morar, os Littletinham ido para Lansing, alojar-se temporariamente com a família de umhomemchamadoHerbWalker.Naqueleiníciodenoite,WatermanfoidecarroatéacasadeWalker,quandoEarlestavaausente,econversoucomLouise,quelheexplicouquesótinhatomadoconhecimentodoincêndioquandofoiacordadapelo marido. Em seguida, a polícia conversou com Wilfred, então com noveanos. Já estava escuro quando Earl finalmente voltou à casa de Walker, eWaterman e outro policial levaram-no para fora e o interrogaram. Comoalgumas respostas de Earl não coincidiram exatamente com as de Louise e deWilfred,Waterman disse, posteriormente: “Decidimos prenderMr. Little parafazernovasinvestigações”.ApolíciaestavaconvencidadequeLittleatearafogoàprópriacasaparareceberodinheirodoseguro.Oproblemaéqueopromotorpúblico concluiu que as provas eram insuficientes para processar Earl. Ele foiacusadoapenasdeposse ilegaldearmadefogo;declarou-se inocente,ea fiançafoifixadaemquinhentosdólares.Apromotoriaprorrogourepetidamenteapífiaacusação,até26defevereirode1930,quandofoirapidamenterejeitada.47

O relatório final de Waterman não dizia que a investigação do possível

incêndiocriminosoprovocadoporLittleestavaencerrada.Naépocadoincêndio,oadvogadodosLittleentraracomrecursocontraodespejodafamíliaperanteaSupremaCortedoEstadodeMichigan.Alémdisso,Earl tinhapermitidoqueasapólices de seguroda casa caducassem.Namanhã seguinte ao incêndio, estevenoescritóriodeumaseguradora localparapagarosatrasadosdevelhaapólice,sem declarar que as chamas tinham acabado de destruir a casa. Essas açõesprecipitadasindicavamqueele,muitoprovavelmente,nãoprovocaraoincêndio:setivessetidoaintençãodefazê-lo,certamenteteriapagoosatrasadosantes.48

Adestruiçãodacasadeuma famílianegraporbrancos racistasnãoeracasoisoladonocentro-oestedaquelaépoca.Em1923,aSupremaCortedoEstadodeMichigan confirmara a legalidadedas cláusulas racialmente restritivasnavendadecasasparticulares.AmaioriadosbrancosdeMichiganachavaquenegrosnãotinham o direito de comprar moradias em comunidades predominantementebrancas.QuatroanosantesdoincêndiodacasadosLittle,emjunhode1925,umcasalnegro,odr.OssianSweetesuamulher,Gladys,compraramumacasaemEastDetroit,bairrobranco,fugindodomaiorguetodeDetroit,conhecidocomoBlack Bottom, tendo de pagar 18 500 dólares, muito embora o valor justo demercadodomodestobangalôfosseinferiora13mildólares.NanoiteemqueosSweet semudaram, apesar da presença de um inspetor de polícia, centenas debrancos enfurecidos cercaram a casa e puseram-se a quebrar as janelas compedras e tijolos. Amigos dos Sweet dispararam contra a turba, matando umhomem e ferindo outro. Ossian e Gladys Sweet, e mais nove pessoas, foramsubsequentemente acusados de homicídio. Anaacp entrou vigorosamente nocaso,contratandoocélebreadvogadodedefesaClarenceDarrow.Apesardojúriformadointeiramenteporbrancos,oitodosonzeacusadosforamabsolvidos;osjuradosdividiram-secomrelaçãoaosoutrostrês.Ojuizanulouojulgamentoe,nofimdascontas,osSweetforamsoltos.49

Esses últimos reveses não afetaram a determinação de Earl Little. A essaaltura ele eraumexperientemestre carpinteiro, comashabilidadesnecessáriaspara construir uma nova casa. Em poucos meses, no extremo sul de Lansing,pertodocampuseducacionalquese tornariapartedaUniversidadeEstadualdeMichigan,osLittlecompraramumterrenobaratode2,5hectares,pertodeumaextensafloresta.Aproprietária,umaviúvabranca,concordouemvender.Mesesdepois os Little descobriram que uma ação para penhorar metade dapropriedadeforamovidacontraela,pelonãopagamentodeimpostosatrasados.

Maisumavez frustradospela lei,não lhes restououtro recurso senãoperderodireitoàterradisputada.50

AraivadeEarlesuacontínuafaltadesorteforamcanalizadasparaotrabalhonaunia.Enquantoisso,Malcolm,entãocomcincoanos,tornava-serapidamenteo filho de sua predileção, e os dois viajavam juntos para reuniões da unia,geralmente realizadas na casa de um membro. Esses encontros raramenteatraíammaisde25pessoas,maseramcheiosdaenergiaedoentusiasmoquealiderança de Earl lhe incutia. Malcolm lembrava-se vividamente disso, eescreveu:“Asreuniõessempreterminavamcommeupaidizendováriasvezes,easpessoascantandocomele: ‘Depé,raçapoderosa,vocêpodeconseguiroquequiser’”.51

Como ocorrera em Omaha, porém, Earl achou difícil recrutar gente emLansing. Apesar de, já em 1850, várias famílias negras viverem na região, em1910osnegros totalizavamapenas 354—cercade 1,1%da cidade—dosquaisumquintotinhamigradodoCanadá;amaiorianasceranapartesetentrionaldosul,emestadoscomoKentucky,VirgíniaOcidentaleTennessee.Amigraçãodemilhões de afro-americanos do extremo sul (a partir de 1919) conduziu umaconstante torrente de negros pobres para a capital deMichigan, e em 1930 aliviviam1409.Nãodemoroumuitoparaqueasdivisõesdeclasseemergissem.Aprimeira onda de migrantes teve níveis razoavelmente altos de instrução etreinamento profissional.Nos anos 1890, amaioria era dona de casas e algunstinham seu próprio negócio, quase sempre embairros racialmentemistos.Umpequeno número trabalhava como pedreiro de pedra e tijolo, caminhoneiro,pintor, carpinteiro e emboçador.Na virada do século, apenas 10%dos homensforam classificados como “não qualificados ou semiqualificados”. Emcomparação, a maioria dos que chegaram depois de 1915 não tinha qualquerocupação, e o senso de invasão trazido pela quantidade desses recém-chegadoslevou à aprovação de novas leis que estabeleciam linhas divisórias aindamaisnítidasentreasraças.Comosurgimentodasleisdesegregação,nofimdoséculoxixecomeçodoséculoxx,contratosracialmenterestritivosparaofinanciamentodecasasparticulares foramamplamenteadotadosemmuitosestados, incluindoMichigan. Esses códigos tiveram como efeito forçar uma segunda onda deemigrantes negros, para ocupar um bairro pobre no centro de Lansing.52

Embora negros tivessem permissão de votar, seus direitos civis e legais eramrestritosemoutrossentidos.Exagerandoapenasumpouco,WilfredLittlemais

tarde descreveria a vida dos negros emMichigan nos anos 1920 e 1930 como“igualàvidanoMississippi...Quandoseiaaotribunal,ouprecisavalidarcomapolícia,eracomoestarnosul”.53

Quando negros locais resistiam à discriminação racial, os brancos osrejeitavam.Comopersistia em tentar convencernegros a seorganizarem,EarlLittle era visto como um desses criadores de caso.54 Mas Earl atribuía suasdificuldades para conseguir emprego regular à classemédia negra de Lansing,que via com desdém os garveyistas. Ele costumava fazer sermões, comoconvidado, em igrejas negras, e a oferenda irrisória que recebia significava asobrevivência da família.Malcolm foi ensinado a não ter senão desprezo peloscidadãos que se sentavam para ouvir seu pai. Estava convencido de que oslíderes negros de Lansing iludiam-se a simesmos, no que dizia respeito a seuverdadeirolugarnasociedade.“Nãoconheçocidadecompercentagemmaisaltade negros ditos de ‘classe média’, tão satisfeitos consigo mesmos e tãoequivocados—tiposvoltadosparasímbolosdestatuseansiososporintegração—,doqueLansing.”Masaessesburguesesnegrosfaltavamosrecursosdeumaverdadeira classe alta. “Averdadeira elite”, escreveuMalcolmnaAutobiografia,“‘pessoas importantes’, ‘vozes da raça’ eram os garçons do Country Club deLansingeosmeninosengraxatesdocapitólioestatal.”55Nãoerasarcasmo:esseshomenstinhamsido,realmente,seusiguais.Pelo fim dos anos 1920, o movimento de Garvey, que fora um grande

movimento de massa, desintegrara-se em muitas das maiores cidades dosEstadosUnidos.Em1927,oLibertyHall, sededaunianoHarlem, foi vendidoem leilão. Naquele novembro, o presidente Coolidge comutou a sentença deGarvey, com a condição de que ele fosse deportado, e impedido,permanentemente, de voltar. Garvey chegou à Jamaica em 10 de dezembro, eimediatamentepôs-sea trabalharparaconsolidaroquerestavadaorganização.No ano seguinte, ele e AmyGarvey embarcaram numa turnê internacional depalestras, falando para milhares de pessoas na Inglaterra, na Alemanha, naFrança,naBélgica enoCanadá.Na Jamaica,os garveyistas lançaramoPartidodo Povo e um jornal diário, oBlackman.56 No Caribe, na África e emcomunidadesnegrasruraiseisoladaseempequenascidadesdosEstadosUnidos,ogarveyismoaindaprosperava.Talvezporquemilharesdemigrantessulistaspobresconstituíssemamaioria

daclasseoperárianegradeDetroit, a cidadecontinuavaa seraMecadacausa.

Em 1924, os garveyistas tinham, por suas estimativas, 7 mil membros nacidade.57 Sua populaçãomigrante afro-americana tinha, predominantemente, devinte a 24 anos, na maioria homens solteiros, semiqualificados ou nãoqualificados.CentenastinhamconseguidoempregonafábricadeHenryFordemRiverRouge,masoutrossóeramcontratadosrotineiramenteparaempregosdealto risco, em fundições.58 Esses jovens trabalhadoresmigrantes continuavamaformaronúcleodomovimentogarveyista.Mesmonocomeçodosanos1930, filiaisgarveyistas floresciamnaspequenas

cidades de Michigan, apesar— ou talvez por causa— do advento da GrandeDepressão.De1921a1933,quinzedivisões,ouorganizaçõesseccionais,dauniaali se estabeleceram.59 Earl organizava frotas de carros de garveyistas paraparticiparemdereuniõesdaunia(geralmenterealizadasemDetroit)eimpunhaos princípios do movimento na própria casa. Jornais afro-americanos, e atécaribenhos,eram lidosemcasa, lembrava-seWilfredLittle, eosmeninoseramregularmenteinstruídossobre“oqueacontecianaáreadoCaribeeempartesdaÁfrica”, bem como sobre as notícias domovimento no resto do país.60 Dessesesforçoseducativosnasceuaperspectivapan-africana,tãoimportantenavidadeMalcolmmaisadiante.61

Os meninos Little eram constantemente treinados nos princípios dogarveyismo, a ponto de chegarem a expressar seus valores nacionalistas naescola. Por exemplo, certa manhã, depois de recitarem o Voto de Lealdade ecantaremohinonacional,Wilfredinformouaoprofessorqueosnegrostambémtinhamseuprópriohino. Instadoa cantar,Wilfred concordou: “Começava comas palavras... ‘Etiópia, a terra dos livres...’ Isso criava problemas”, lembrava-seele, “porquealiestavaaquelenegrinhoque se sentia iguala todomundo, tinhaseuprópriohinonacional,sabiacantá-loeorgulhava-sedele...Nãoeracomoelesgostariamquefosse”.62

Enquanto a família continuava a crescer, Louise fazia o possível para cuidarbemde todos,comumarendapífia.Paraaprenderosprincípiosgarveyistasdeautossuficiência e responsabilidade pessoal, cada um dos mais velhos ficoupessoalmente encarregado de tomar conta de um pedaço do jardim.Continuavamacriarcoelhosegalinhas,masaspressõesdiáriasdapobrezaeareputação de garveyistas excêntricos tinham um preço.63 Earl era inclinado àviolênciafísicacomamulhereamaioriadosfilhos.MasMalcolm,queidolatravao pai, sempre conseguia escapar dos castigos. De alguma forma o menino

percebeuquesuacormaisclara funcionavacomoumaespéciedeescudocontraas surras de Earl.64 Já adulto, Malcolm lembrava-se de incidentes violentos,reconhecendoqueospaisbrigavammuito;noentanto,quasetodasassurrasquelevouquandomeninoforamdadaspelamãe.65

Àmedida que a Grande Depressão se agravava, brancos empobrecidos nocentro-oeste sentiam-se atraídos por umanova formação de justiceiros, aBlackLegion. Inicialmente chamada de Klan Guard, a formação, quando foi fundadaem 1924, ou no começo de 1925, em Bellaire, Ohio, utilizava uma misturaretórica contra negros e católicos. Em vez de batas brancas, seus membrosusavam batas negras; “queimar cruzes nas encostas à meia-noite, tudo bem;desfiles ao meio-dia na rua principal estavam fora de cogitação”.66 A LegiãoNegra fez sucesso com o pessoal encarregado de aplicar a lei e algunssindicalistas do setor de transporte público. Pelo começo dos anos 1930, seusmembros faziam cavalgadas noturnas rotineiras e policiavam os padrões deconduta das cidades, submetendo suas vítimas a inúmeras humilhações, comoseremaçoitadas,lambuzadasdealcatrãoeadornadasdepenas,ousimplesmenteexpulsasdacidade.67

Nocomeçodanoitede8de setembrode1931,poucodepoisdo jantar,Earlfoi limpar o quarto de casal, antes de ir ao lado norte de Lansing receber o“dinheirodasgalinhas”,defamíliasquetinhamcompradosuasaves.Louiseteveum mau pressentimento sobre a viagem e implorou-lhe que não fosse. Earlignorouostemoresdamulheresaiu.Poucashorasdepois,Louiseeosmeninosforamparaacama.Maistarde,elafoiacordadaporumafortepancadanaportadafrenteepuloudacamaaterrorizada.Quandoabriuaporta,cuidadosamente,deparoucomumjovempolicialdoestadodeMichigan,LawrenceG.Baril,quelhe deu a terrível e temida notícia: seu marido fora gravemente ferido numacidenteeestavanohospital.Horasantes,Bariltinhasidochamadoàcenadeumacidenteenvolvendoum

bonde. Era o primeiro acidente grave que o jovem oficial investigava; a forteimpressãoque teve, comoposteriormente relatou suamulher, Florentina, foi adeque“ohomemtinhasidocortadoemdois...oacidentefoimuitoviolento”.68

Apolícia levantou imediatamenteahipótesedequeEarl escorregarae caíra aosubir de noite num bonde andando. Talvez tivesse errado o passo e sidoarrastado para perto das rodas traseiras do bonde. A possibilidade de Earl tersidovítimadeviolênciaracistajamaisfoilevadaemconta.69

Earlsofreudoresterríveisdurantehorasapóstersidolevadoparaohospital.O braço esquerdo tinha sido esmagado, a perna direita quase separada dotronco.QuandoLouisechegou,estavamorto.70Omédicolegistadeclarouqueamorte de Earl foi acidental, e assim contaram os jornais de Lansing. Mas aslembranças de negros de Lansing, passadas adiante de boca em boca, contamuma história bem diferente, que sugere crime, e o envolvimento da LegiãoNegra.Wilfred recordou-sede ter ido ao funeral e vistoo corpodopai. “Enquanto

minhamãefalava,esgueirei-meatéosfundos,ondetinhampostoocorponumamesa”, disse ele. “O bonde o cortara logo abaixo do tronco, separandocompletamenteapernaesquerdaeesmagandoadireita,porqueobonde...tinhapassadobemporcimadele.Elesangrouatémorrer.”71Alembrançamaisvívidaque Malcolm guardava do funeral do pai era a de ver a mãe histérica, e dadificuldadequeela tevepara aceitaro acontecido.Malcolmachavaqueele eosirmãos “se ajustaram”melhor à intratável realidadedamortedeEarlLittle doque Louise.72 Mas, apesar disso, os meninos ficaram profundamente abaladoscomos rumores que circulavam sobre a violentamorte do pai. Philbert, entãocomoito anos, ouviu dizer que “alguém tinha atingidomeu pai comum carropelas costas, jogando-o debaixo do bonde. Depois eu soube que alguém oempurraraparabaixodaquelebonde”.73

Uma reconstituição pericial da morte de Earl Little sugere que a históriaouvidaporPhilberttalvezsejaverdadeira.Antesdesairdecasananoitedasuamorte, Earl disse à mulher que ia à parte norte de Lansing. No entanto, deacordocomjornaislocais,seucorpofoiencontradonaintersecçãodaruaDetroitcom a avenidaMichigan, um quarteirão a leste da linha que delimita a cidade.Poucosnegrosmoravamnessaárea.74Aestranha localizaçãodocorpo sugereapossibilidade de que Earl tenha sido atingido por um carro, ou quem sabeatacadoacacetadasnumlugar,e levadoparadebaixodeumbondeemoutro,afim de criar a impressão de que houve um terrível acidente. O provávelassassinatodeEarlpodetertidoomesmoobjetivodoslinchamentospraticadosnosul—odeaterrorizarosnegrosesuprimiratosderesistência.Louise nunca teve dúvida de que omarido fora assassinado, possivelmente

pelaLegiãoNegra.ApesardeteridentificadoocorpodeEarl,elanãoparecetercontestadoorelatóriodapolícia,outentadodescobriraverdade.Durantetodaavida, Malcolm foi obcecado com o fim trágico do pai e ambivalente quanto à

forma comoesse fimocorreu.Em1963, emvisita àUniversidadedeMichigan,descreveu amorte de Earl como acidental,mas, no ano seguinte, pintou o paicomoummártirdalibertaçãodosnegros.Com amorte súbita do patriarca, a família Littlemergulhou no abismo da

pobreza.Earl deixouum segurodevidademil dólares, que foi pago aLouise,maselanãoconseguiuficarcomodinheiropormuitotempo.Anotíciadamortedo marido levou uma multidão de peticionários ao tribunal de sucessões,exigindopagamentodeserviçosprestados.OmédicoU.S.Bagley,porexemplo,apareceupara cobrar 99 dólares, alegando ter assistidoonascimentodos filhosmais novos de Louise e Earl — Yvonne e Wesley —, além das visitasdomiciliaresque fezpara tratardapneumoniadePhilbert.Contasdedentistas,aluguéis,consertosdetelhado—tudoissoseacumulou;atéaempresafuneráriatinha cerca de quatrocentos dólares a receber, incluindo despesas desepultamento na Geórgia. Quase nenhum dos peticionários recebeu coisaalguma,porqueapropriedadevaliaapenasmildólares—oequivalenteacercade 15 mil dólares em 2010. Louise tinha pedido ao tribunal uma “pensão deviúva”,dedezoitodólaresmensais“paraminhamanutençãoedaminhafamília”.Quase 750 dólares do pagamento do seguro foram separados para cobrir apensãodeviúva.Depoisdepagarosgastos como tribunal eoshonoráriosdoadministradordesucessões,odinheirodoseguropraticamenteacabou.75

De início, Louise lutou desesperadamente para preservar a estabilidade.“Minhamãe tinhamuito orgulho”, disse Yvonne LittleWoodward, irmãmaisnovadeMalcolm.“Elafazialuvasdecrochêparaaspessoas...Alugavaespaçonojardim, trabalhando emparceria como inquilino.Tínhamos umdepósito atrásdacasa—elaalugouissotambém.”76Hilda,quetinhaquasedezanos,tornou-seuma segundamãe, cuidando dos irmãosmais novos e trabalhando de vez emquandocomobabá.Wilfredusavaorifledopaiparacaçaregarantirojantardafamília. Os únicos que aparentemente não participavam do mutirão eramPhilberteMalcolm,quenãoajudavamnasobrigaçõesdiárias.Depoisdaescola,naPleasantGroveElementarySchooldeLansing,osdoismeninosse juntavamaos brancos “para fazer travessuras”, como Philbert admitiria mais tarde.77

Numadessasocasiões,mudaramdelugarobanheiroexternodeumvizinhoque“osmaltratava”,segundoumdosamigosdeinfânciadeMalcolm,CyrilMcGuine.“Quandosaiuatrásdeles, sumiude repente,dandoumgrito,aocairnoburacoquetinhampreparado.”78

Mesmo aos sete anos, Malcolm tinha um jeito de evitar trabalho duro.Yvonne lembraqueamãemandouumgrupodemeninos trabalharno jardim.Quaseimediatamente,“Malcolmcomeçouafalar,enóscomeçamosatrabalhar...Lembro-me de Malcolm deitado debaixo de uma árvore, com um talinho naboca.Elecontavaaquelashistórias,masgostávamostantodeestarcomelequenãonosimportávamosdetrabalhar”.79Wilfredpercebeuqueoirmãomaisnovotinhaumaautoconfiançaincomum.“Quandoumgrupo[decrianças]começavaabrincar, [Malcolm] acabava sempre comandando a brincadeira.” Quando osmeninosbrancosiambrincarnomatoatrásdapropriedadedosLittle,“Malcolmdizia: ‘Vamos brincar de Robin Hood’. Íamos para lá, e Robin Hood eraMalcolm.Eosmeninosbrancostopavam—umRobinHoodnegro!”.80

Ascoisas,que jáeramdifíceis, ficaramaindamais frustrantesporqueLouiseera obrigada a lutar contra as aporrinhações da burocracia previdenciária deMichigan. O estado tinha aprovado sua primeira lei abrangente sobre pensõesem1913, oferecendo apoio financeiro a crianças pobres commães consideradasboas tutoras. Isso estabelecia umpadrão estadual de três dólares semanais porcriança,mas,na realidade—emconsequênciadeuma lei estadual de 1931queseparava “assistência a pobres” da administração de “pensões de mães” —, opagamentomédiosemanalnãopassavade1,75dólar.Emalgunscasos,mulheresque sustentavam famílias commais de seis filhos recebiam pagamento apenaspor três. As beneficiárias tinham poucos direitos.Diferentemente daquelas queviviam do plano de assistência a pobres, que eram obrigadas a morar numdeterminadocondadoduranteumanoantesdeteremdireitoareceber,asmãespodiam mudar-se dentro do estado sem prejuízo dos benefícios. No entanto,como as pensões eram administradas pelos condados, administradores e juízesdesucessões locaistinhamconsiderávelpoderdedecisão.Emboraa leiestadualdeterminasse quemães afro-americanas tivessem acesso igual, a discriminaçãocombaseemestadocivil, raçaeoutros fatoreserageneralizada.81ApensãodeLouise jamais cobriu sequer as necessidades básicas. “Os cheques ajudavam”,reconheciaMalcolm,“masnãoeramsuficientes,poiséramosmuitos.”82

Oanode1934foiespecialmentedifícil.Odepartamentodeprevidênciasocialde Michigan investigava constantemente a casa dos Little, e Louise, tambémconstantemente,enfrentavaos funcionáriosdogovernocomprotestoscontra“aintromissãoemnossavida”.Afomeeracompanheiraregulardafamília,edevezemquandoMalcolmeos irmãos sentiam-se tontosdedesnutrição.Nooutono,

uma súbita mudança psicológica ocorreu; o senso garveyista de orgulho eautossuficiência começou amurchar. Os Little passaram a sentir-se vítimas daburocraciadoestado.83

Louise continuou tentando desesperadamente encontrarmeios demanter afamília.Tinhaocuidadodeseguirumarotinadacasaqueincentivasseaordemeum sentimento de família. No fim do dia, todos “se juntavam em redor dofogão”, disseWilfred, “e minha mãe nos contava histórias. Ou recitávamos oalfabeto, ou a tabuada, e ela ensinava francês... Depois contava história dosnossosantepassados”.84ParaLouise,afamíliatornava-se,cadavezmais,oúnicopontodeapoioduradouro.Opequenogrupodegarveyistas comquemela eomarido tinham trabalhado desfizera-se durante a GrandeDepressão. Ela pediuajuda aosmembros de uma Igreja Adventista do SétimoDia,mas o preço daassistência oferecida era a assimilação. Com Wilfred, ela lia vários panfletosadventistas, mudando a dieta alimentar da família para conformar-se aosensinamentos da Igreja. Isso incluía não comer porco e coelho, dois alimentosbásicosdesuadieta.Na escola, o estigma de ser uma criança vivendo de assistência afetou

profundamenteMalcolm;asescolasdeMichiganeramintegradas,e jáeradifícilser negro, mais ainda um negro vivendo de assistência. Não demorou muitopara que começasse a roubar alimento nas lojas, tanto para fazer alguma coisacomoparamatarafome.Mesmoassim,aindaestavalongedesersuficiente.Pordias seguidos, quando os Little não tinham o que comer,Malcolm começou aaparecernacasadosvizinhosThorntoneMabelGohannanahoradojantar.OsGohannaeram“legais,pessoasdeidade,egrandesfrequentadoresdeigreja.Euosviracontrolarossaltoseberrosquandomeupaipregava”,disseMalcolm.Emsua casa havia sempre lugar para preguiçosos interessantes, e para indigentesqueprecisavamdecuidados.OsGohannalogopassaramacumularomeninodeatenções. Depois que Malcolm foi apanhado furtando várias vezes, seuspequenos furtos se tornaram questão controvertida entre os funcionários daprevidência do condado, que abordaram a família Gohanna para saber se elaestava disposta a adotá-lo.85OsGohanna aceitaram. “Masminhamãe teve umataque”,contouMalcolm.86

Otecidodavidapareciacadavezmaissurradopelosacontecimentosdiários,grandes e pequenos. Yvonne lembrava-se de um incidente ocorrido quando amãe conseguiu juntar dinheiro suficiente para comprar móveis para o quarto.

Umdia,umcaminhãoparounafrentedacasa,eomotoristaexplicouquetinhaordemde levar as comprasdevoltapara a loja. “Minhamãedizia: ‘Eupaguei,tenhoorecibo’”.Masomotoristanãoquisouvir.Nodiaseguinte,Louisefoiaocentro da cidade resolver o problema, e eles lhe devolveram a mobília. Masainda assim o incidente a aturdiu, acentuando as pressões da pobreza aoprejudicar seusesforçosparamanterasaparênciasdiantedosvizinhosbrancos.“Quantos viram [amobília] voltar?”, perguntava Yvonne. “Não sabiam que elatinhasidopaga.Alojapediudesculpas,maspensemnoquefizeramminhamãepassar.”87 Noutro incidente, alguém matou o cachorro da família. SegundocontouWilfred,“elesomataramparatercertezadequenãoteríamoscachorro.Acho que só para dificultar as coisas”. Os brancos, com poucas exceções,tratavamLouiseeosfilhoscomdesprezo.“Quandoiamànossacasa”,lembrava-seWilfred, “falavam comminhamãe como se quisessem deixá-la de joelhos...porqueelaeramuitoindependente.”88

Louise não tinha quarenta anos e, apesar das dificuldades, ainda era umamulherextraordinariamenteatraente.Em1935ou1936,emalgummomento,elacomeçou a namorar um afro-americano. Malcolm descreve o homem comofisicamenteparecidocomopai,notandoqueLouiseficavaradiantesemprequeopretendenteaparecia.Ohomem—queMalcolmnunca identificaemseu relato—eraautônomoetinhamodestosrecursos.Suapresençanavidadelesofereciaum vislumbre de promessa: só a segurança do casamento poderia manter osfuncionáriosdaprevidêncialongedavidadafamíliaLittle.Duranteumtempo,aproposta parecia provável; então, no fim de 1937, Louise engravidou. Aodescobrir que minha mãe estava grávida, contou Malcolm, ele “abandonouminhamãederepente”.89

Foi antes oudurante a gravidez, quandoMalcolm tinhaonzeoudoze anos,queosfuncionáriosdaprevidênciaopuseramnacasadosGohanna.Eleresistiuàmudança,mas Louise já não tinha condições de tomar conta de toda a família.“Nósmeninos”, refletiaMalcolm,“vimosnossaâncoraceder.”90De início, ficouinfeliz,masmelhorou de humor quando a transferência para a casa da famíliaadotiva foi oficializada: o novo arranjo aliviou o fardo financeiro damãe, e eleestavapertoosuficienteparavisitá-lasempre.AfamíliaGohanna,porconvicçãoreligiosa,tambémeraconhecidaporabrigarex-prisioneiros.91Foialitalvezqueafutura estratégia deMalcolm, de “pescar” convertidos religiosos entre os sem-tetoeosex-prisioneiros,tevesuagênese.

Nofimdoinvernode1938,aspoucasesperançasdosLittledesintegraram-se.Física e psicologicamente, Louise enfraquecia. Naquele verão, ela deu à luz ooitavo filho, Robert. Semanas depois, no outono, Malcolm foi matriculado naWest Grove Junior High School em Lansing. Tudo indica que teve bomdesempenhoescolar,efaziaamizadesfacilmentecommeninosnegrosebrancos.Emcasa,porém,onovobebêexigiadeLouisemaisdoqueelapoderiaaguentar.DiasantesdoNatal,policiaisaencontraramandandodescalçanaestradacobertade neve, a criança apertada contra o peito. Parecia traumatizada, e não sabiaquemeranemondeestava.92Nocomeçodejaneirode1939,ummédicoatestouque ela era “pessoa insana cuja condição exige cuidados e tratamento numainstituição”.93 Em 31 de janeiro de 1939, Louise ingressou no hospital deKalamazoo, acompanhada do delegado Frank Clone, do subdelegado RayPinchet e de Wilfred Little. Ficaria confinada nos limites do hospital estadualpelospróximos24anos.94

As instituições de saúdemental deMichigan eram primitivas pelos padrõesdaépoca,emalgunscasosnãomelhoresdoqueosantiquadosmanicômios,ondeos doentes mentais eram abandonados. Suas alas viviam superlotadas, e osíndices de recuperação eram baixos: o Hospital Estadual de Kalamazoo forafundado em 1859 comoAsilo deMichigan para os Insanos, e quando Louise láchegou parecia ter a idade que tinha; ao longo dos anos 1930, seusadministradoresqueixavam-sedecrônica faltadepessoal,oquecontribuíaparaodescasoeparaerrosdediagnóstico.95UmaleiaprovadaporMichiganem1903sobre insanidade exigia que os manicômios “utilizassem todos os meiosnecessários para dar emprego aos pacientes que possam ser beneficiados pelotrabalho regular, adequado à sua capacidade e à sua força”. A partir dos anos1920, pacientes mulheres eram designadas rotineiramente para tecer tapetes efabricarcolchões,passarecerzir roupasecuidardacasa.Esperava-sedeLouiseque desempenhasse essas tarefas. Devido ao seu diagnóstico de depressãosevera, o tratamento a que foi submetida parece ter incluído terapiaeletroconvulsiva.96 Fosse qual fosse o tratamento, deu-lhe pouco alívio, e elaviveu anos num estado de atordoamento, que às vezes melhorava, às vezespiorava.Malcolm raramente visitava a mãe, e quase nunca falava nela: tinha muita

vergonhade suadoença.Aexperiênciadeixounelea convicçãodeque todasasmulheres eram, por natureza, fracas e pouco confiáveis. Também pode ter

achado que o namoro da mãe e a subsequente gravidez fora dos laçosmatrimoniaisforam,decertaforma,umatraiçãoaopai.Funcionários da previdência determinaram que Wilfred, de vinte anos, e

Hilda, de dezoito, tinham idade suficiente para assumir a responsabilidade dacasa.Naqueleverão,porém,umfuncionárioestadualdecidiuqueosGohannajánão podiam sustentarMalcolm, agora com catorze anos, e recomendaram queelefossetransferidoparaaCountyJuvenileHome,centrodereabilitaçãojuvenilemMason,dezesseisquilômetrosaosuldeLansing.97Acidadeerapraticamentehabitadaapenasporbrancos,comoaescolaparaondeMalcolmseriatransferido.NoperíodoemqueviveucomosGohanna,Malcolmfrequentementepassavaosfins de semana com a família, mas a reinstalação limitava severamente esseacesso.De início, ele se adaptou com facilidade ao colégio de Mason — foi eleito

presidente da classe durante o segundo semestre e, academicamente, terminouquasenotopodaturma.Obelomeninonegrocomeçouaprovocarpaixõesemcoleguinhasbrancas.Altoemuitomagro,era,visivelmente,dotiponãoatlético;suas duas tentativas de aprender boxe foram desastres cômicos, e era maujogador de basquete.Mas seu charme e suas habilidades verbais e intelectuaisconquistavamadmiradores.Lídernato,osoutrosgostavamdeestarpertodele.Adolescentesbrancosoapelidaramde“Harpy”[Avarento],porquetinhaohábitode“repisar”seustemaspreferidos,oudefalaraltaerapidamentedeoutros.NacomunidadenegradeLansing,porém,elerecebeuumapelidodiferente—“Red”[Vermelho],porcausadocabeloruivo.98

Com a separação de Malcolm da família, e Wilfred e Hilda lutando parasustentar o resto dos irmãos depois que a mãe foi internada, a ajuda veio deBoston,nofimde1939,oucomeçode1940,naformadeEllaLittle,ameio-irmãmaisvelha.ProdutodoprimeirocasamentodeEarl,Ellamudara-sedaGeórgiacomoutraspessoasdafamílianosanos1930.ApesardenãoconhecerasegundafamíliadeEarl,oupelomenosdenuncaterseenvolvidomuitocomela,quandosoubedesuasdificuldadesemLansingresolveutomarparteativanasupervisãodos meninos. Para o jovem de quinze anos que era Malcolm, Ella era umamulherfirmeesensata.DuranteavisitadeElla,osmeninosaacompanharamaKalamazoo para ver amãe.Malcolm ficou particularmente impressionado comas diferenças físicas entre as duas mulheres; a pele cor de azeviche e o físicorobustodeEllacontrastavamnitidamentecoma tezbemmaisclaradeLouise.

Maistarde,poucoantesdevoltarparacasa,Ella insistiucomMalcolmparaquelheescrevesseregularmente.Talvez,arriscou,atépudessepassarpartedoverãocomelaemBoston.“Agarreiaoportunidade”,99lembrava-seMalcolm.QuandoMalcolmfezaviagemnoverãode1940, ficouimpressionadocomo

queviunacidade.Ellatinhaapenas26anos,maspareciavividaeindependente.Morava com o segundomarido numa casa confortável na ruaWaumbeck, noracialmentemistodistritodeHill, emBoston.O irmãomaisnovo,Earl Jr., e atímida irmãmenor,Mary,moravamcomela.Nos finsde semana,milharesdenegros saíam pelas movimentadas ruas de Boston— para fazer compras, ir arestaurantes ou ao cinema. Pela primeira vez na vida, Malcolm viu casais denegros e brancos andarem juntos, tranquilos, sem aparentar medo. Ficoufascinadocomossonseritmosdojazz,quejorravamdeclubescomooWally’sParadiseeoSavoyCafé,naavenidaMassachusetts,entreasavenidasColumbuseHuntington.100Eraummundoeletrizante,umanimadoambienteurbano,esuamágicaimpregnou-lheaimaginaçãodeformaduradoura.Aovoltarparacasanooutono,Malcolmseesforçouparareadaptar-seàvida

decidadepequena.Apesardainépciafísica,tentoueconseguiuentrarnotimedefutebol deMason.Mais de duas décadas depois, um jornal local publicou umafoto do time do Mason em 1940, que incluía Malcolm; o jornal dizia que ele“preferiaenfrentarjogadoresquetinhamapossedabola...emvezdeenfrentararaçabranca,comofazhoje”.101“QuandoMalcolmfoiparaMason,deuparanotarmudanças”, recordou-seWilfred. “Algumasparamelhor,outrasparapior...Elereclamava do que os professores tentavam fazer— tentavam desencorajá-lo afazer cursos que não se esperava que negros fizessem; em outras palavras,tentavammantê-loemseulugar”.102Nãooincomodara,noanoanterior,queosalunos brancos de quem se tornara amigo o chamassem de negro.Mas agoraMalcolm tinha aguda consciência da distância social queo separavadosoutros.Umprofessordeinglês,RichardKaminska,argumentouduramentecomeleparaque não se tornasse advogado. “Você precisa ser realista sobre a condição denegro...Porquenão sedecideporcarpintaria?”103As notas deMalcolm caíramdrasticamente,esuatruculênciaaumentou.Mesesdepois,foiexpulso.Já sobrecarregados pelas exigências de uma família numerosa, Wilfred e

Hilda logo descobriram que não teriam como controlar o voluntarioso irmãomaisjovem.DenovoEllasentiu-senaobrigaçãodeintervir.Mesesantes,numacartaparaMalcolm,elaescrevera:

Sentimos tanto a sua falta. Não fique se achando o tal, mas honestamente tudo aqui parece morto.

Muitos rapazes perguntam por você... Eu gostaria que você voltasse, com uma condição. Que esteja

decidido.Seeumandarapassagemvocêpagatodasassuascontas?Respondalogo.104

EllaachavaqueMalcolmestariamelhorsobseuscuidados,eosirmãosmais

velhosdeMalcolmconcordaram.Nocomeçodefevereirode1941, faltandotrêsmesespara completardezesseis anos, comquase1,80metroe ainda crescendo,Malcolm pegou um ônibus na rodoviária de Lansing. Esforçara-se para usar omelhor terno, um verde-escuro; asmangas terminavam bem antes dos pulsos.Trajava um sobretudo verde-claro, de gola estreita. Vinte horas depois, suaprimeiragrandereinvençãoteriainício.

2.AlendadeDetroitRed1941-janeirode1946

Mesmo antes de o ônibus emque viajavaMalcolmLittle parar no principalterminal rodoviário deBoston, Ella resolvera que seumeio-irmão não tomariamais decisões sobre estudos. Sem lhe perguntar, ela o matriculou numaacademiasóparameninosnocentrodeBoston.Malcolmfezumatentativa,semgrandeentusiasmo.Naprimeiramanhã,quandochegouàescolaedescobriuquenãohaviameninas,deumeia-voltaenuncamaisnavidapôsospésnumasaladeaula.1

Foi o primeiro confronto de vontades entre os dois irmãos. Tão teimosaquanto o jovem de quem tomava conta, Ella não costumava permitirdesobediência.Nascidaem13dedezembrode1913,naGeórgia,ela semudarapara o norte na adolescência, no início da Grande Depressão. Morou brevetemporadaemNovaYork,trabalhandocomochefedeseçãodeumagrandelojadedepartamento.Comquase1,80metroe 65quilos,pele corde azeviche,Ellaera figura imponente; os patrões “decidiram que ela tinha uma aparênciasuficientemente má para assustar prováveis ladrões de loja”. Depois de seismeses, suspeitando que o emprego não a levaria longe, ela pediu as contas.Mudando-separaEverett,subúrbiodeBoston,conheceuLloydOxley,médicodohospital deBoston, comquem se casou.Oxley, jamaicano, era firmepartidáriodeGarvey,oqueelaachavaadmirável,masquestõesdedinheiroearecusadeEllaaserdominadalevaramaodivórcioem1934.2

Tempos depois do fim do casamento, Ella começou a sair com um homemcasado, de nome Johnson, mas seus problemas de dinheiro continuaram.

Segundoofilho,RodnellP.Collins,Ellaaproveitaraotempoquepassoucaçandoladrões de loja para aprender seus truques, e acabou ingressando em suasfileiras.Roubarroupasealimentostornou-sequaserotina,enquantoElla lutavaparaajudarosparentes.3Suastransgressõesrapidamenteevoluíramparacrimesmais sérios, eemagostode1936 foi acusadadeagressãoeespancamento, comarma perigosa, e “coabitação obscena e lasciva”. Recebeu pena de um ano deliberdade condicional pela última acusação, e, declarando-se culpada, recebeumaistempodeliberdadecondicionalporassaltoeespancamento.Nostrêsanosseguintes, Ella foi presa em três ocasiões distintas, incluindo mais uma poracusaçãode assalto e espancamento em1939.QuandoMalcolm semudouparaBoston,Ella jápensavaemterminarosegundocasamento,eem31de julhode1941entroucomumaaçãopor“tratamentocrueleabusivo”.ProvavelmenteMalcolmnão levoumuito tempo,depoisdechegaraBoston

em fevereiro de 1941, para perceber que a idílica existência de classemédia dameio-irmã ocultava um estilo de vida errático, baseado em pequenos crimes.Quanto ao temperamento, Ella mostrou que não era nem uma estável figuramaterna, nem uma companheira de casa particularmente agradável. Seusrepetidos arranca-rabos com a lei testemunhavam um comportamentobeligeranteeparanoico,umatemeridadequesópioroucomopassardosanos.Duas décadas depois desses acontecimentos, ela ingressou no Centro paraTratamentodeSaúdeMentaldeMassachusetts,apósseracusadadeportararmaperigosa. Foi entrevistada pelo diretor de psiquiatria do centro, dr. ElvinSemrad.Muitoemboratenhaditoemseurelatoquesetratavade“umapacientemodelo, inteiramente razoável, demonstrandohumor, inteligência e graça”, elenão se deixou convencer. Ella também tinha “um caráter paranoico”, que “pelanaturezamilitantedoseucaráter...podeserconsideradapessoaperigosa”.4

Na viagem a Lansing para ver os irmãos, Ella tinha conhecido KennethCollins,jovemde24anos,dotadodeótimaaparênciaeumjeitosuavededançar,e os dois começaram a namorar.5 No início de 1941, Collins tinha se mudadopara Boston, e quase imediatamente deixou Ella furiosa por sair com o irmãodela,Earl Jr.,para iremadanceteriasecasasnoturnas.Mesmoassim,em20dejunhode1942,elasecasoucomele.Nosanos1940,EllaCollinseafamíliaviviamnomeiodeumcrescentegrupo

denegrosproprietárioseinquilinosdecasasnaáreadaavenidaWaumbeckedaavenidaHumboldtemBoston,conhecida informalmentecomoHill.Essebairro

era uma de várias comunidades negras declaradamente diferentes, que sedesenvolveram na cidade durante a primeira metade do século xx. A maisimportante, emaior, era South End, onde viviam negros operários e de baixarenda,ecujomiolosesituavaaolongodasavenidasColumbuseMassachusetts.Outraera Intown, localizadaemLowerBoxburyenosquarteirões logodepoisde South End.Mas essas áreas de cinturão de pobreza não tinham se tornadoguetosinteiramentenegros—ainda.Milharesdeimigrantesbrancos—lituanos,gregos, armênios, sírios e outros— que chegaram no começo do século aindaviviamjuntos,emestreitaproximidadecomseusnovosvizinhosnegros.Comooutros centros urbanos do nordeste naquela época, Boston era uma cidademultiétnica,emfasedeexpansão.6

Hilleraumbairroemtransição.Agradávelcomunidadedefamíliasoperáriase de classe média, vivendo em sua maior parte em casas não geminadas epequenos prédios de apartamentos, o bairro tinha sido predominantementejudaico na virada do século, mas teve sua composição racial alterada com aascensão de negros nos anos imediatamente anteriores à Segunda GuerraMundial. Mesmo antes de Pearl Harbor, os índices de emprego em Bostoncomeçaram a subir. Indústrias e empresas locais, que anteriormenteempregavampoucosnegros, levantaramabarreiradacor, incluindooestaleiroda Marinha, o estaleiro Quincy e empresas ferroviárias de transporte depassageiros. Mais uma nova era de migração negra teve início. Nos anosimediatamenteanterioresàSegundaGuerraMundial,quase2milhõesdenegrossulistas mudaram-se para outras partes dos Estados Unidos; primeiro dois outrês membros de uma família eram mandados para determinada cidade, embusca de emprego e moradia; depois o resto ia atrás. Numerosos Mason,parentesdeElladoladomaterno,mudaram-separaBoston.SegundocálculosdeRodnellCollins, emmeados dos anos 1940 cerca de cinquenta parentes de EllamoravamnaáreametropolitanadeBoston.7

O influxopopulacional, combinadocomnovasoportunidadesdeganhoparaafro-americanos, provocou uma grande mudança demográfica nos bairros deBoston.Pelofimdosanos1930,centenasdenegrosdeBostontinhamsetornadopoliciais, escriturários, professores e profissionais de colarinho-branco, e seuêxitoos levouaprocurarmoradiasmelhoresemlugarescomoHill.8Eraaessetipodevida,umaboavidaburguesadeclassemédia,queEllaaspirava.Masparagalgar a hierarquia de classe da Boston negra, Ella precisava de dinheiro, e o

crime, infelizmente, foi a única maneira que encontrou de consegui-lo. Aomesmo tempo, ela ainda era a filha do pai garveyista. Tinha uma simpatiaespecialpelasnoçõesgarveyistasdeempreendedorismoemobilidadesocialdosnegros, e defendia com firmeza tanto o capitalismo como uma espécie denacionalismo protonegro. Não era integracionista, opondo-se apaixonadamenteaonamoroeaocasamentointer-raciais.Malcolmdeve ter pensadomuito sobre o queos pais teriam achado do seu

novo bairro. Mais tarde ele se recordaria de que, no início, achava que osvizinhosdeEllafossemclassealta,instruídos,e,reproduzindoaantipatiadopaipela burguesia negra, observou que “o que eu via era apenas uma versão decidade grande daqueles engraxates e porteiros negros ‘bem-sucedidos’ deLansing”. Olhando para trás, dizia ter percebido de imediato os abismos denacionalidade, etnicidade e classe que subdividiam a Boston negra. As famíliasnegrasburguesasmaisantigas,cujosparentesremontavamamúltiplasgeraçõesdeNewEngland,julgavam-sesocialmentesuperioresaosimigrantesdosuledoCaribe; mas os recém-chegados adotavam um espírito empresarial agressivo.Malcolm observou, como algo positivo, que eram os sulistas e os antilhanos,maisfrequentementedoqueosnegrosdonorte,queapareciamparaabrirlojaserestaurantes.Malcolm também tinha aguda consciência de ser ummatuto quenão sabia quase nada da cidade grande: “Eu nunca tinha provado um gole debebida, nunca tinha fumadoumcigarro, e ali vi criançasnegras pequenas, comdezedozeanos,jogandodadosecartas”.Comquinzeanos,Malcolmentravanocomeçodaidadeadultasemter ideia

decomoseconduzirnomundo.Sentia-seligadoàmemóriadopai,e lembrava-sedasnoitesquepassaramjuntostrabalhandopelagrandecausadeGarvey,masdiferentemente de Earl ele não recebera uma profissão, e parecia não seradequadamente constituído para o trabalho duro. O convívio com Ella talveztenha reforçado para ele a importância da política e da identidade racial, tãoprezadas pelos pais, mas o exemplo dela também lhe inspirou um conjuntodiferente de ideias sobre como se dar bem nomundo. Num período de vinteanos,Ellafoipresaoespantosonúmerode21vezes,apesardecondenadaapenasuma vez. Sua conduta criminosa e seu talento para fugir das responsabilidadesrepresentaramparaeleumavívidamensagem.Nãolimitadopornenhumaforçamoral contrária, ele foi lançado numa trajetória instável, que definiria a faseseguinte de sua juventude. Anos depois, descreveria aquela época como “um

desviodestrutivo”numavidaque,emtudoomais,tinhaumobjetivopreciso.9

Sem guia oumentor,Malcolm criou sua própria versão de comportamentoadulto,aprendendoaapresentar-secomomaisvelho,maissóbrio,maischeiodesabedoria mundana do que realmente era. Estudava com o maior cuidado osdiferentestiposqueconhecia.Seusolhossevoltaramdeinícioparaomeio-irmãoEarl Little Jr. Escuro de pele, bonito e vistoso (como o companheiro de armasKanneth Collins), Earl, naquela época, tentava entrar no show business,apresentando-se como cantor em danceterias e casas noturnas, com o nomeartístico de JimmyCarlton.Meses depois damudança do irmão para a cidade,entretanto,elecontraiutuberculoseeantesdofimdoanoestavamorto.Poressaépoca,uma influênciamasculinamuitomaisduradouraentrou tambémnavidadeMalcolm.Umanoite,numsalãodebilhar,segundoselembrava,“umsujeitoescuro, de cabelo esticado”, aproximou-se dele e se apresentou como “Shorty”[Baixinho]. Os dois adolescentes ficaram felizes de saber que ambos eram deLansing, e Shorty imediatamente apelidou o novo amigo de “Homeboy”[Mano].10

EraMalcolm “Shorty” Jarvis, que logo se tornaria, nas palavras de RodnellCollins, “o guia e companheiro de Malcolm na vida das ruas e dos clubesnoturnosdeBoston”.11Dois anosmais velho do que o amigo ruivo (apesar deMalcolm dizer dez naAutobiografia), Shorty já era uma figuramenor na vidanoturnanegradeBoston.Talentoso trompetista, apesardapouca idade, tocavaregularmente nas grandes orquestras, incluindo a de Count Basie e a deDukeEllington. À vontade no ostentoso mundo dos bares e clubes, Shorty tinhagrandegostoporaventurassexuais,eofereceuaojovemamigoumpasseiopelavidanoturnadacidade,igualmentebeminformadosobrejogadoresougigolôs.12

Malcolm mostrou-se estudante aplicado. Aprendeu rápido tudo que diziarespeitoafumar“reefer”—cigarrodemaconha—,trapacear,cometerpequenosfurtos e seduzirmulheres fáceis.Dominava até os fundamentos econômicos dojogodosnúmeros.Todososdias,milharesde apostadores faziam suas apostasem números, geralmente de 001 a 999, “operadores”, por sua vez, recolhiam“apólices”—apostasempedaçosdepapel—eas levavamparaum“banco”decoleta central.Osvigaristas queoperavamo embuste geralmente ficavamcompelo menos 40% da renda bruta, redistribuindo o que restava como prêmiosdiários.13

A óbvia atração deMalcolm pelo submundo do gueto provocou tensão em

suanovacasa,eele,emparteparaacalmarElla,encontrouempregode tempoparcial, como engraxate, no salão Roseland. Foi no Roseland que nasceu ofascínio que ele sentiria a vida inteira por celebridades negras — homens emulheres talentosos e capazes que superavam a barreira da raça para obterreconhecimentopúblico.ComonosalãoSavoydoHarlem,noRoselandnegrosebrancos semisturavam, dançavam e bebiam,mostrando ao adolescente que osucessotinhaumladodecelebridade.Nahumildebancadeengraxate,elepediagorjetas aos afro-americanos que se apresentavam no salão. Décadas depois,lembrava-se de figuras lendárias do jazz, cujos sapatos polira com orgulho.“Duke Ellington, Count Basie, Lionel Hampton, Cootie Williams, JimmieLuceford, foram apenas alguns.” Para causar boa impressão, o corajosoadolescente logo aprendeu a “fazer o pano de engraxate soar como se alguémtivesse soltado fogos de artifício chineses”. Durante as pausas, ele seembasbacavacomosritmosdamúsicae,maisespecialmente,comobrilhoeasdemonstrações atléticas dos dançarinos, que dançavam Lind Hop,14 a dançapadrão, ao som sincopado das grandes orquestras de jazz.De vez emquando,Malcolm largavao trabalho e esgueirava-se para ver os dançarinos executaremseuspassos.15

Umjovemnegroimpressionável,embuscadepapéiseimagensnosfilmesena mídia, porém, deparava com um melancólico repertório de modelos. Nosanos 1940, os afro-americanos eram representados predominantemente comomenestréis cômicos, personificados pelo programa nacional de rádioAmos ‘n’Andy. (Ironicamente, é claro, os atores originais da série eram brancos quefaziam imitações do dialeto negro.) Nos filmes, os negros geralmente erampalhaços ou deficientes mentais. ...E o vento levou, o vistoso espetáculohollywoodianode1939quefestejavaosulescravistadeantesdaguerra,ofereciaapersonagemMammy,dócilmasleal,obesaetrabalhadeira.16UmadaspoucasproduçõesdeHollywoodaafastar-se,naquelaépoca,dosgrosseirosestereótiposfoi o filmeBullets or Ballots, da Warner Brothers, com a atriz negra LouiseBeavers no papel da notóriaNellie LaFleur, rainha dos jogos de números.17 Éprovável que Malcolm tenha visto esse filme, além de dezenas de outros quetratavam de temas raciais; décadas depois, ele incluiria as distorções depersonagens negros cometidas porHollywood em suas acusações genéricas deracismobranco.AtéotítulodofilmedaWarnerBrotherspodetersidorecicladono discurso pronunciado por Malcolm em 1964, “The Ballot or the Bullet” [O

votoouabala].Fora da tela, entretanto, havia muitos modelos de militância e resistência.

Algumasdas figurasquecomandariamomovimentodedireitoscivisdepoisdaguerra ganhavam destaque salientando as oportunidades e os obstáculos que aguerraapresentaraparaosafro-americanos.UmdosantigoscríticosdeGarveynaesquerdasocialista,olídersindicalA.PhilipRandolph,insistiucomogovernoRoosevelt para adotar reformas que aumentassem a disponibilidade deempregos para negros e enfraquecessem a segregação de Jim Crow.Audaciosamente, Randolph fez um apelo a milhares de negros para quelançassemumacampanhadedesobediênciacivil,conhecidacomoMovimentodaMarchaNegraparaWashington. Uma de suas exigências era o fim da segregação nas ForçasArmadasamericanas.Paraimpediramarcha,Rooseveltconcordouemassinarodecreto8802em25dejunhode1941;essadiretriztornouilegaltodaequalquerpolítica de discriminação racial nas indústrias de defesa, e criou oComitê paraPráticas Justas de Emprego.18 Três décadas depois, o decreto 8802 serviria dealicerce legal para leis que dispunham sobre oportunidades iguais e açãoafirmativa, mas a campanha de Randolph e a resposta de Roosevelt teriamprofundasconsequênciasparaavidadojovemMalcolmLittle.Apesar de apresentar-se ao mundo como urbano e sofisticado, o ansioso

adolescente despachava um fluxo contínuo de cartas para a família, e,ocasionalmente,paraamigosdeescola.Umaanimadacorrespondênciaestendeu-se por 1941 e começo de 1942. Um velho colegamantinhaMalcolm atualizadosobre as fofocas da Mason High School.19 Outro descrevia em linhas gerais atemporadadebasqueteemMason,eatéantigasnamoradaslheescreviam.20Porsuaparte,elecumpriraaobrigaçãodeescreverparacasapoucosdiasdepoisdechegar a Boston, mas a letra garranchenta levou Philbert a lhe pedir queescrevesse commais clarezano futuro.21 Reginald, o irmão comquem se davamelhor,perguntou-lhe se tinha feitomatrículanaescola secundária—e contoucom detalhes suas incipientes relações com as garotas de Lansing.22 Malcolmnadadissesobreadecisãodeabandonardevezosestudosformais.Estava decidido a transformar a própria aparência para adaptar-se àquele

mundo novo e legal. Embora não fosse naturalmente atlético, aprendeupacientemente a dançar observando os outros nas festas do bairro eexperimentando depois suas próprias técnicas na mitológica pista de dança do

salãoRoseland.PorinsistênciadeShorty,comprouoprimeiro“zootsuit”[ternozoot]nocrediário.23Shortycoordenouumritodepassagemcultural“esticando”seu cabelo, comuma “pasta gelatinosa, uma espécie de goma”, produzida comlixívia, batatas e dois ovos. Amistura queimava intensamente,mas o produtofinal, visto no espelho, foi mais do que satisfatório. “Eu tinha visto muitoscabelosesticados,masquandoéaprimeiravez,enacabeçadagente”,escreveuMalcolm, “a transformação, depois de uma vida inteira de carapinha, éincrível.”24

Estilosdecabelonacomunidadeafro-americana,naquelaépoca,comoagora,tinham certo significado, e alisar ou não o cabelo— esticando-o com produtosquímicos—eraumaquestãopolêmica.Atéserpresocincoanosdepois,Malcolmcontinuou a alisar o cabelo, apesar de, no fim das contas, acabar achando aprática desprezível. Como líder da Nação do Islã, ele costumava contar esseepisódio do começo da vida como exemplo do maior gesto possível deaviltamento pessoal.25 Mas a estética do alisamento, nos anos 1940, era muitomais complicada do queMalcolm reconheceria em suamaturidade. Amaioriados homens negros de classe média, assim como muitos jazzistas populares,raramentesubmetiaocabeloaessetipodetortura,preferindousá-locurto,numestilomaisnatural.Oestiramentodocabeloeraemblemadosnegrosmais“namoda”,maischeiosdaquelaespertezaquesóseadquirenas ruas,eeraoestilopreferido por vigaristas, gigolôs, jogadores profissionais e criminosos. Foiadotado por influência direta dos latinos de cabelos ondulados, que os negrostentavamcopiar.26

Damesmaforma,oternozooteraumgestodedesafioaospadrõesbrancosde comportamento.Naonda de patriotismoque se seguiu a PearlHarbor, e àentrada dos Estados Unidos na guerra, o terno zoot passou a ser amplamenteidentificado com deserção. Por essemotivo, em 1942 oWar Production Board[Conselho de Produção de Guerra] proibiu sua produção e venda. Em 1943,centenas demexicanos-americanos e de negros que usavam esse tipo de ternoforamespancadospormarinheirosdeuniformenasruasdeLosAngeles,levandoa câmara municipal a declarar contravenção o uso do terno zoot.27 Pequenostumultos semelhantes ocorreram em Baltimore, Detroit, San Diego e NovaYork.28AobsessãodeMalcolmpelojazz,porLindyHopping,pelosternoszootepelaviolênciadas ruas abrangiadiversos símbolosdaguerra cultural travadaentrejovensnegrosoprimidoseaburguesianegra.

Pelooutonode1941,Malcolm,aessaalturaconhecidocomo“Red”,adquiriraconfiançacomodançarinohabilidoso.TambémcomeçaraanamorarumanegradeRoxbury,GloriaStroher.Comoelapertenciaauma famíliadeclassemédia,Ella aprovou o relacionamento, talvez na esperança de que o namoro pudesseconteraatraçãoqueMalcolmsentiapelosubmundo.Maseletinhamuitasoutrasmulheres em vista, e apesar das suplicantes cartas de Gloria, não quis secomprometer.Aavódamoça,suatutora, ficoutão frustradaqueescreveuumacarta perguntando-lhe quais eram suas intenções, mas foi inútil.29 Gloria,também, continuou escrevendo,mesmo depois queMalcolm semudou para oHarlemnocomeçode1942,maseleaparentementenãorespondeu.30

Das muitas mulheres que desviaram a atenção de Malcolm, nenhuma oencantou mais do que uma armênia loura chamada Bea Caragulian.31 Ésurpreendentementepoucooquesesabearespeitodessamulherbrancaque,àexceção de Betty Shabazz, manteve o mais longo relacionamento íntimo comMalcolm. Muitos anos mais velha, Bea tinha sido dançarina profissional emclubes inexpressivos. Era de aparência agradável, sem chegar a serdeslumbrante. É difícil saber que motivos a levaram a manter umrelacionamento sexual explícito com um adolescente negro, eMalcolm não fezquestãodeajudaraesclarecer;naAutobiografia,dedicoumuitomaisatençãoaosapuros deGloria do que a discutir Bea, a quem chama de “Sophia”.32 Situou oprimeiroencontrodosdoisnoRoseland,comsexoapenasquatrohorasdepois,mas tanto essa história como a do pseudônimo de Bea eram invenções— narealidade, os dois se conheceram no bemmenos glamuroso Tick Tock Club.33

Em semanas, Bea cumulava Malcolm de presentes e pequenas somas emdinheiro,enquantoeledesfilavasuaconquistalouranascasasnoturnasdaBostonnegra, para inveja dos amigos.Aquele relacionamento sexual foimais um tabuquebradonumasociedadeaindadefinidaporraçaeclasse,masoóbviointeressede Bea deu a Malcolm um senso de autoridade e orgulho masculinos. Para omundodosgarotosdeprograma,eleeraumconcorrenteperigoso.O caso amoroso enfureceu Ella, que se irritava com o fato de o irmão

namorarumamulherbranca. SegundoRodnellCollins, ela viaBea como“umacaçadoradeemoçõesparaquemjovensnegroscomoMalcolmeramapenasmaisuma aventura”. Um dia, tarde da noite, Malcolm tentou levar Bea sub-repticiamentepara seuquartonosegundopiso.Ellaouviuocasale,num lancetragicômico, empurrou uma estante de livros escada abaixo em cima deles.

Malcolmaindanãoera legalmenteadulto,entretanto,enãotinharecursosparaviveremoutrolugar.Porora,tevedeficarquieto.Ele conseguiu trabalho como vendedor de refrigerantes na Townsend

Drugstore de Roxbury, mas com o novo emprego vieram novas frustrações.Obrigado a servir a seus superiores de classe média, irritou-se mais uma vezcom“aqueles sujeitosquadrados, insignificantesquesedãoaresdemilionários,tantoos jovenscomoosvelhos”.34Nãopermaneceupormuitotempo;comsuapersonadeguetoreforçadapelonamoro,muitopúblico,comBea,oempregoderelesvendedorderefrigerantes logoperdeuseuapelo.Comajuda financeiradeBea, ele finalmente se mudou da casa de Ella para o apartamento de Shorty.Durantequatromesesperambulouporumasériedeempregos subalternos:noarmazémdeumaempresadepapeldeparedenosuldeBoston; lavandopratosnumrestaurante;35depois,porpoucotempo,noParkerHouse,luxuosohoteldeBoston,comogarçomnorestaurante.Apesar de Bea ser agora sua namorada oficial, Malcolm continuou a se

encontrar com outras mulheres. Do fim de 1941 a meados de 1942, manteveanimada correspondência com muitas mulheres em Boston e Michigan, ealimentourelaçõesíntimascommuitasdelas.Numacartadenovembrode1941aZolmaHolman,de Jackson,Michigan,porexemplo,Malcolmgabava-sede játer passado por 23 estados em suas andanças. Escrevendo aparentemente numtrem, disse que ia para a Flórida, e que esperava muito em breve fazer umaviagem à Califórnia.36 E havia Roberta Jo de Kalamazoo, Edyth Robertson deBoston,umaCharlottedeJackson,eCatherineHaines,queenviouumacartadoresort onde passava o verão em Martha’s Vineyard, contando do seu tédio.37

Esses vários contatos podem ter reforçado em Malcolm a crença de que amaioriadasmulhereseradesonestaenãomereciaconfiança.Maistarde,elefezuma áspera advertência: “Nunca faça a uma mulher perguntas sobre outroshomens.Ela vaimentir, e você continuaránamesma, ou, se contar a verdade,vocêtalvezpreferissenãosaber”.38

A entrada formal dos EstadosUnidos na SegundaGuerraMundial em 9 de

dezembrode1941levoumilhõesdejovenseadultosaseofereceremparaservir.OHarlem tinha uma tradição demandar seus filhos para a guerra.OHarlemHellfighters,369ºRegimentodeInfantaria,todoformadopornegros,combatera

comdistinçãoaoladodoexércitofrancêsnaPrimeiraGuerraMundial.Emjunhode1945,o369ºcombateunovamenteemOkinawa,eduranteoconflitocercade60milnegrosdeNovaYorkserviramaopaís.39

O impacto imediato damobilização para a guerra foi a abertura de vagas,quasedodiaparaanoite,emmilharesdeempregosque,atéaquelemomento,apenas os brancos ocupavam. Muitos empregadores viram-se forçados acontratarnegrosemulheres.Emindústriasvitais,comoaferroviária—nosanos1940, o principalmeio de transporte nacional—, a demanda por trabalhadorestornou-seaguda.NãofoidifícilparaMalcolm,entãocomdezesseisanos,apesarde seus terríveis antecedentes funcionais, conseguir emprego numa linhaferroviáriacomocozinheiro.40

Seu primeiro serviço foi noColonial, que fazia o trajeto entre Boston eWashington,elhedeuaoportunidadedevisitargrandescidadesquehaviaanosqueria ver. Durante a parada rotineira do trem em Washington, Malcolm,trajandoseuternozoot,passeoupelosvastosbairrosnegrosdacidade.Nãoteveboa impressão. “Fiquei espantando de ver na capital do país, a poucosquarteirões doCapitólio,milhares de negros vivendo em condições piores quenos setores mais pobres de Roxbury.” Uma fonte daquela terrível pobreza,suspeitavaele,eraoatrasodaclassemédianegradacidade,queemsuaopiniãotinha inteligência e instrução para conquistar melhor situação na vida do queaquela com a qual se contentava. Mais tarde, Malcolm declarou que osempregadosnegrosmais antigosdoColonial falavamem tomdepreciativodos“negrosdeclassemédia[deWashington],quetinhamdiplomasdaUniversidadeHowardetrabalhavamcomooperários,zeladores,guardas,motoristasdetáxi,ecoisasdogênero”.41

Pela primeira vez em sua vida, Malcolm esforçou-se para manter umemprego por mais de alguns meses. Adorava viajar, e o trabalho na ferroviatornava isso possível e acessível, muito embora tivesse com frequência deexecutar serviços aviltantes. Transferido para oYankee Clipper, o trem queviajava na rota Nova York-Boston, sua tarefa era arrastar pelos corredores dotremuma caixade sanduíches, doces e sorvetes, junto comumbulede café dealumínio, com capacidade para vinte litros, para vender.Comoocorria quandoeraengraxate,osfreguesesdavamgenerosasgorjetasaempregadosqueexibiamentusiasmo e um rosto alegre, e Malcolm logo aprendeu a imitar os garçonsjoviaisdovagão-restauranteparaconseguirgorjetas.Tornou-setãoeficienteque

oscolegasoalcunharamde“SandwichRed”[SanduícheVermelho].42

SuasfrequentesparadasemNovaYorksignificavamqueelefinalmentepodiavisitar a mitológica Meca negra, o Harlem. Louise e Earl tinham regalado osfilhos com histórias sobre as lendárias instituições da cidade, seus largosbulevares, sua vida política e cultural vibrante. Mas nada, nem mesmo oglamoureaagitaçãodeBoston,tinhapreparadooadolescenteparaseuprimeiroencontrocomobairrocomoqualseidentificariaumdia.“NovaYorkeraocéuparamim”,recordava-seele.“EoHarlem,oSétimoCéu!”43

Comoumturistafrenéticoquedispõedepoucotempo,elecorriadeumlugarfamosoparaoutro.SuaprimeiraparadafoioSmall’sParadise,popularbarecasanoturna. Inaugurado em outubro de 1925, no auge da Lei Seca, o Small’s jánasceu racialmente integrado.Comcapacidadepara acomodar até 1500pessoassentadas,rapidamentesetornouolugarpreferidodosmaioresartistasdaeradojazz, um dos “três grandes” pontos de encontro do Harlem, juntamente comCotton Club e Connie’s Inn.44 “Nenhuma casa noturna para negros jamaismeimpressionou tanto”, disseMalcolm, recordando sua primeira visita. “Emvoltadogrande,luxuosobalcãocircularhaviadetrintaaquarentanegros,namaioriahomens,bebendoeconversando.”45

Em seguida, no seu itinerário, veio o Apollo Theater, na rua 125 Oeste.Construído trinta anos antes, como um cabaré só para brancos, tornou-senacionalmenteconhecidocomocentrodeentretenimentoondeartistasnegrosseapresentavam.46 Poucos quarteirões a leste ficava o célebre Hotel Theresa.Projetadonoestiloneorrenascentista,ohotelfoiinauguradoem1913.Atéofimdosanos1930,sóaceitavahóspedesbrancos,mas,sobnovadireção,começouahospedarafro-americanos.Muitascelebridadesnegras,incluindoDukeEllington,SugarRayRobinson, JosephineBaker eLenaHorne, fizeramdohotel suabasenacidade.ComoosgrandeshotéisdocentrodeNovaYorkrecusavamhóspedesnegrosduranteosanos1940ecomeçodosanos1950,oTheresatornou-secentrode todas as elites negras— de entretenimento, comércio, associações cívicas epolítica. Quando Malcolm viu o hotel pela primeira vez no começo de 1942,talvez ele já o conhecesse por ter sido o lugar onde se realizou a grandecomemoração do pugilista Joe Louis, à qual estiveram presentes milhares denegros,quandoeleganhouocampeonatodospesospesados.47Noiníciodaquelanoite,Malcolmjátinhatomadoumadecisãoqueseriacrucial:“EutinhadeixadoBostoneRoxburyparasempre”.48

Emmuitos sentidos, ele já tinha deixado. Passava amaioria das noites emtrânsito, fosse trabalhando ou dormindo, e quando estava em Nova York àsvezes ficava na rede de albergues ymca do Harlem, na rua 135 Oeste.Acostumou-se a visitar regularmente o Small’s, assim como o bar ao lado, doHotel Braddock, na rua 126 Oeste, lugar muito frequentado por artistas doApollo.49 Não demorou muito para que levasse vida dupla. No trabalho, noYankee Clipper, brilhava como “Sandwich Red”, divertindo fregueses brancoscom suas palhaçadas inofensivas. No Harlem, era simplesmente “Red”, ummenino rebelde, petulante, que aprendia a linguagem das ruas. Começou acomplementar a renda vendendo maconha, de início esporadicamente, depoiscom mais agressividade. Bea de vez em quando vinha de Boston visitá-lo, eMalcolmmostrava-lheseuslugaresnoturnosfavoritos.Paraumrapazqueem19demaio de 1942 acabara de completar dezessete anos, poucomais de um anodepoisdefixar-senonordeste,suareinvençãofoinotável.Para um jovem irresponsável e teimoso, administrar duas personas tão

diferentes mostrar-se-ia impossível. O comportamento de Malcolm noYankeeClipper logo se tornou errático e contestador, agravado pelo hábito de fumarmaconha.Ele provocava discussões com fregueses, especialmente commilitares.50 Em

outubrode 1942, foi demitido,mas a escassezde trabalhadores experientesnasferroviaseratãoseveraqueelevoltouasercontratado,emmaisduasocasiões,eusava taisempregos temporáriospara transportarevendermaconhapelopaís.Malcolm retornava de longas viagens “com duas das maiores malas já vistas,cheias de coisas... maconha prensada em forma de tijolos, sabe como é... masaquilo lhe rendia mil dólares por viagem”,51 afirmou o irmão Wilfred. Éaltamente improvável que o tráfico fosse tão substancial e lucrativo, mas abarreiraentreasatividades legaise ilegais jánão tinha importância,eMalcolmestava mais do que disposto a arriscar o emprego para obter lucro de suasatividades ilegais.Suacarreiranasdrogas foi relativamente trivial—elevendiacigarros de maconha enfiados nas meias ou na camisa —, mas ainda assimcruzouumafronteira.A vida nas ferrovias influenciou Malcolm em outros sentidos. Os sons dos

trens entranharam-sena tessiturado jazz, doblues e atédo rhythmandblues.ComoobservouoescritorAlbertMurray,asferroviaseram,haviamuitotempo,metáfora central no folclore afro-americano, por causa da Underground

Railroaddosabolicionistasdoséculoxix,queconduziuparaaliberdademilharesde negros escravizados. O estilo Harlem de Malcolm o ajudou a conhecermúsicosde jazzqueeramseus freguesesdemaconha—eaaprendercomeles.E, o que era mais importante, suas experiências na estrada de ferro foram ocomeçodeumapaixãopelasviagens,pelaemoçãoepela aventurade conhecernovas cidades e pessoas diferentes. Essas viagens lhe deram um conhecimentoessencial sobreaamplidão físicaea tremendadiversidadedopaís; também lheofereceramliçõessobreascondiçõesdevidaetrabalhodosnegros.52Viunegrosprivados de qualquer esperança, e outros que desperdiçavam seus privilégios,suasoportunidades,seusdons.AoandarporWashington,BostoneNovaYork,assementesdesuasfuturasatitudesantiburguesasforamsemeadas.Os irmãos continuaram a escrever-lhe, mas suas respostas tornaram-se

esporádicas. Reginald e Hilda mandavam cartas pedindo dinheiro, apesar desaberem que Malcolmmal conseguia ganhar o suficiente para se sustentar. Odinheiro que Bea lhe dava de vez em quando aumentava os magrosrendimentos, mas não ia longe. Muitas alfaiatarias lhe mandavam contascobrandoroupasquecompraraacrédito,queelenãotinha intençãodepagar.53

MaisdeumcredorrecorreuàagênciadecobrançaBoyleBrothers,queameaçoulevá-loàjustiça.54Antesdeserdemitido,MalcolmdeviaatrasadosatémesmoaoSindicatodeEmpregadosdeVagões-Restaurantes.55

No fimde 1942, ele voltou aLansingpara exibir anova aparência, e teveoagradávelefeitodechocara família. “Meucabeloe todaavestimentaeram tãoextravagantes que eu podia ser confundido com um marciano”,56 lembrava-seele.NumafestaaquecompareceuemLincolnHighSchool,exibiuseuspassosdedançaperantemultidõesembevecidas,umaverdadeiracelebridade.Semvestígiode constrangimento, até deu autógrafos para adolescentes, assinandoaudaciosamente“HarlemRed”.57

AautobiografiadeMalcolmdáaentenderqueavisitaasuacasafoirápida—oHarlem,afinal,tornara-seocentrodasuanovavida—,mas,narealidade,eleficou em Lansing pelo menos dois meses. Passava as noites atrás de diversasmulheres.58Duranteodia,virava-seatrásdedinheiro—parasieparaafamília,que continuara a enfrentar dificuldades financeiras em sua ausência. Durantealgumassemanas,ele trabalhouna joalheriaShaw’s,depoisnaempresadeveladeigniçãoacdeFlint.Massuavoltavisavatambémobterencorajamentoeapoioda família. Malcolm, ainda adolescente, dependia do amor dos irmãos. Não

esperava que compreendessem a cultura jazzística do Harlem, ou seus ternoszoot, mas era importante reconhecerem que tinha feito sucesso. FinalmentevoltouparaoHarlemnofimdefevereirode1943.Maisumavezfoicontratadopela New Haven Railroad, e demitido dezessete dias depois, porinsubordinação.59

Malcolmescreveunaautobiografiaque tinhaparadodeprocurarempregoasériodepoisde1942,dedicando-se,emvezdisso,acometercrimescadavezmaisviolentos.EledatouseuempregoemSmall’sParadisedemeadosde1942, logodepoisdecompletardezesseteanos,atéoiníciode1943.Masamemóriaotraiu,ou ele já trabalhava na construção de sua lenda pessoal, porque nessa épocaaindaestavaemLansing.Naverdade,sócomeçouatrabalharemSmall’snofimdemarçode1943,e saiumenosdedoismesesdepois,quandoperguntouaumdetetive militar disfarçado de freguês se “queria mulher” — o que lhe valeuprisãoporaliciamento,eoutrademissão.60

De 1942 a 1944, trabalhou esporadicamente num lugar muito menosglamouroso, o Jimmy’s Chicken Shack, ponto de encontro de artistas eapresentadores negros doHarlem no fim da noite.Mesmo lavando pratos, eleestavaemcompanhiarespeitável:CharlesParker tinha feitoomesmonosanos1930, quando Art Tatum reinava ao piano. Clarence Atkins, amigo íntimo deMalcolm naquela época, recordava que Malcolm “fazia qualquer coisa paraJimmy... lavar pratos, esfregar o chão, qualquer coisa... porque podia comer, eJimmy tinha um lugar em cima da loja, onde ele podia dormir”.61 Um doscolegaseraumlavadordepratosnegro, JohnElroySanford,cujosonhoerasercomediante profissional. Malcolm e Sanford tinham cabelos ruivos, e, paradistinguirumdooutro,Sanforderachamadode“ChicagoRed”,emreferênciaàsuacidadenatal.Comoninguémouvira falardeLansing,Malcolmqueriaqueochamassem de “Detroit Red”. Anos depois, Sanford ficaria famoso como ocomedianteReddFoxx.62

O Detroit Red daAutobiografia é um jovem negro quase totalmentedesinteressado por política — até mesmo um alienado. Mas as lições quereceberanainfânciasobreorgulhoeautossuficiênciadosnegrosnãotinhamsidointeiramente relegadas. Malcolm discorria com frequência sobre nacionalismonegro no Jimmy’s Chicken Shack. “Ele costumava contar”, explicou Atkins,“comoopaieratorturadoeespancadoporvenderojornaldeMarcusGarvey,efalava muito dos conceitos garveyistas, no sentido de como poderiam nos

beneficiar,comopovo.”63

Durante seu períodonoHarlem,Malcolmnão se envolveu diretamente ematividadesquepudessemserdescritascomopolíticas—grevescontraospreçosaltos dos aluguéis, piquetes à entrada de lojas que não empregavam negros,registro de eleitores negros, e assimpor diante.Mas, para seu crédito,mesmonessafasedavidaelejáeraumextraordinárioobservador.Nadescriçãoquefezde uma de suas primeiras incursões no Harlem, ele menciona a presença deorganizadores comunistas: “Propagandistas negros e brancos andavam ao ladoda gente, falando rápido, tentando convencer-nos a comprar um exemplar doDaily Worker: ‘Este jornal está tentando manter seu aluguel sob controle...Obrigar aquele ganancioso senhorio a matar os ratos em seu apartamento...Quem você acha que lutoumais para libertar os Scottsboro Boys?’”.64 AntigosmoradoresdoHarlemtinhamposto“DetroitRed”apardademografiaracialdobairroedatransformaçãourbanaqueele,posteriormente,caracterizariacomoa“dança das cadeiras dos imigrantes”. Seu próprio relato dessa mudança é umexemplo da franqueza e das amplas pinceladas do seu estilo. Os primeirosbairrosnegrosdeNovaYork,explicou,estavamconfinadosaosuldeManhattan.“Então, em 1910, um corretor imobiliário negro conseguiu, de alguma forma,levarduasoutrêsfamíliasnegrasparaumedifíciodeapartamentosdejudeusnoHarlem.Os judeus fugiramdo prédio, no quarteirão seguinte, e outros negrosvieramocupar seus apartamentos.Depois, os judeus abandonaramquarteirõesinteiros... até que, em pouco tempo, o Harlem era o que continua sendo —praticamentetodonegro.”65

As impressões de Malcolm sobre as origens e evolução do Harlem negro

eramapenasparcialmenteexatas.Eleregistrou,corretamente,omovimentodosnegros para o norte da ilha deManhattan,mas nãomencionou as forçasmaisamplas que o deflagraram.66 No coração de toda comunidade estão suasinstituições sociais;oHarlemnegro foi formado,primariamente,pelamigraçãode veneráveis igrejas e organizações negras do sul de Manhattan, localizadasacima da rua 110. A Igreja Episcopal St. Philip, fundada em 1809, e instituiçãocentralparaavidadaclassemédiaafro-americana,saiudodistritoTenderloindeManhattan,narua34Oeste,econstruiuumbelo templo—emestilogótico—narua34Oesteem1909.AIgrejaBatistaAbissínia,tambémfundadanocomeço

doséculoxix,mudou-separaarua138Oesteem1923,ondefoi,durantedécadas,a maior congregação protestante dos Estados Unidos. A Igreja MetodistaEpiscopal Africana Betel existia havia séculos, antes de ser transferida para onúmero 60 da rua 132 Oeste. Muitas dessas igrejas tiveram grandes lucros aovender seus terrenos no centro da cidade, e as terras relativamente baratas doHarlem lhes permitiram não apenas comprar lotes para novas igrejas, comotambém grandes quarteirões de imóveis, que eram alugados aos negros quetambémhaviamsemudadoparalá.Complexos de apartamentos de propriedade pública ou privada também

eram centros de interação social e de atividade cultural no bairro. Um beloexemplo eram os Dunbar Apartments, construídos em 1926-7 por John D.Rockefeller Jr. Inaugurados em 1928, e situados entre as avenidas Seventh eEighth,nasruas149e150Oeste,osDunbarApartmentsforamprojetadoscomoa primeira cooperativa habitacional para negros. As residências gabavam-se deinquilinos famosos, comoBill “Bojangles”Robinson,Paul eEslandaRobeson, eW.E.B.eNinaDuBois.AfamosaredehabitacionalymcadoHarlem,centrodepalestras públicas e eventos culturais, ficava na rua 135Oeste e foi inauguradaem 1933. Essas e centenas de outras instituições faziam parte dos alicercesculturaisdoHarlemnegro.67

Igualmente importante para o Harlem foi a transformação racial de NovaYork. Em 1910, apenas 91700 negros viviam na área metropolitana da cidade;60500afro-americanosmoravamemManhattan,dosquaisapenas14300 tinhamnascidonoestadodeNovaYork.Osnegros,nagrandemaioria,eramoriundosdo sul. Com o início, em 1915, da Grande Migração da zona rural do Sul,centenasdemilharesdenegroscomeçaramarumarparaGotham.Apopulaçãonegradacidadesofreuumaumentoconstante:152500em1920;327700em1930.O Departamento de Recenseamento calculou que, em 1930, 54724 dos nova-iorquinos negros tinham nascido em outro lugar. Grande parte dessecrescimento limitou-se ao gueto do Harlem. Em 1910, a população total doHarlem,independentementederaça,erade49600.Em1920,erade73mil,comdoisterçosdenegros.Pelosanos1920,oHarlemtornara-seacapitaldadiásporanegra, animado centro de um florescimento extraordinário da literatura, doteatro, da dança e das artes, período que ficaria conhecido comoRenascimentodoHarlem.AmúsicadoHarlem,o jazz, atravessouoAtlântico, encontrouumlaramorosoemParisetornou-seexpressãoglobaldaculturajovem.68

Malcolm não poderia ter vivido no Harlem durante a Segunda GuerraMundial sem ser profundamente afetado pela história turbulenta e pelasatividadesculturaisdaquelelugar.Sejaqualforopadrãoqueseuse,porvoltade1940 o bairro se tornara o centro cosmopolita da atividade política negra, nãoapenasnosEstadosUnidos,masnomundotodo.69Maisoumenosumquartodesua população negra consistia de imigrantes caribenhos, e quase todos tinhamestabelecido associações políticas, partidos e clubes de todos os tipos. Um dosmais influentespolíticosantilhanos,HulanJack,originariamentedeSantaLucia,foraescolhidopararepresentarobairronaAssembleiadoEstadodeNovaYorkem1940.OHarlemeratambémocentronacionaldoativismotrabalhistanegro,chefiado porAsa PhilipRandolph, que começou sua carreira de orador públicobemantesdachegadadeGarveyaosEstadosUnidos.MilharesdemoradoresdoHarlemerammembrosepartidáriosativosdoPartidoComunista;figurascomoClaudia Jones e Benjamin Davis Jr. eram líderes amplamente respeitados epopulares.Apesardamortedomovimentogarveyista,amilitânciadoHarlemtornara-

semais intensa,especialmenteduranteosanos1930daeradaDepressão,eemgrandepartecomorespostaadesigualdadessociaisqueacomunidadenegranãoestava mais disposta a tolerar. Por exemplo, os empregados negros daslavanderias públicas recebiam três dólares a menos por semana do que osbrancosqueexecutavamomesmotrabalho.Adiscriminaçãonoempregocorriasolta. Uma pesquisa feita em 1920-8 com 258 empresários do Harlem, queempregavammaisde2mil trabalhadores, revelouqueapenas 163empregadoseramnegros,etodosexercendofunçõesmalpagas.70Àmedidaqueadepressãose agravava, o desemprego disparou. O índice de desemprego entre jovensnegros no período foi estimado emmais de 50%.71 Em 1935, a Administraçãopara o Progresso dos Trabalhos (Works Progress Administration, wpa), quedeterminara que o custo de vida para uma família de Nova York, no “quesito‘manutenção’”,erade1375dólaresporano,calculouquearendamédiadeumafamílianegraerade1025dólares.72

A pressão econômica exercida por essas condições encontrou alívio quandocidadãos negros começaram a se organizar em protesto. Em 1931, a Liga deDonasdeCasadoHarlemlançouumacampanhajuntoàscadeiasdelojaslocais,insistindo para que empregassem afro-americanos. Muitos antigos garveyistasaderiramaomovimento,apelandoparaqueosnegrosapoiassemumacampanha

de “Contrate negros”. Em 1932, foi criado o Sindicado Trabalhista doHarlem,que passou a fazer piquetes à entrada de lojas de brancos que se recusavam aempregar negros. Um ano depois, a recém-formada Liga dos Cidadãos pelaEquidade, popular coalizão que incluía grupos de mulheres e organizaçõesreligiosas e fraternais, exigiu mais empregos para negros no comércio. Emmarço de 1935, esses protestos provocaram tumulto na rua 125 Oeste,envolvendomilharesdepessoas.Dezenasde lojasdebrancos foramsaqueadas;57 civis e setepoliciais foram feridos, e75pessoas,namaioria afro-americanas,forampresaseacusadasdedelitosqueiamdeincitaçãoaomotimadestruiçãodepropriedade, assalto criminoso e arrombamento.73 O brutal tratamento dosmanifestantespeloDepartamentodePolíciadeNovaYorkfoisubsequentementedocumentado pela Comissão sobre Condições no Harlem, do prefeito FiorelloLaGuardia. Do relatório constou que a polícia tinha feito “comentáriosdepreciativoseameaçadores”;umpolicialbaleouematouumjovemnegro,semmandado, e outro, “chamado para prender um bêbado desarmado, golpeou ohomemcomtantaforçaqueelemorreu”.74

O relatório da comissão recomendou providências para melhorar ascondiçõesdevida,eogovernoliberaldeLaGuardia,numatentativadedesativara crescente tensão racial, adotoumuitas delas.De 1936 a 1940, a administraçãodoprefeitoapoiouaconstruçãodeduasescolas,doconjuntohabitacionalpopularHarlemRiverHouses,edoPavilhãodasMulheresnoHospitaldoHarlem.MasasconcessõesdeLaGuardiapoucofizeramparaalterarasegregaçãoresidencial,a pobreza e o descontentamento generalizados na classe operária do Harlem.Quando a Suprema Corte declarou, em 1938, que os piquetes públicos emestabelecimentos comerciais privados, em razão de “queixas de fundo racial”,eram constitucionais, seguiu-se uma nova onda de protestos. Uma coalizãochamada “Não compre onde você não pode trabalhar” logo obteve grandesconcessões;empoucosanos,cercadeumterçodosempregadosdeescritóriodoHarlem era de afro-americanos. Em campanhas paralelas, negros obtiveramconcessões para trabalhar como técnicos de empresa telefônica e telefonistas,comomotoristasdeônibusnasempresasFifthAvenueeNewYorkOmnibus,ecomoempregadosdeescritórionaConsolidatedEdison.75

Nessaslutas,oHarlemestabeleceuummodelodinâmicodereformasocialede protestos urbanos que se repetiria por todo o país. A agitação social, feitaprincipalmente por associações locais, culminou numa série de manifestações

bem divulgadas, seguidas de insurreição urbana. Um governo liberal, apoiadopor elites brancas e negras, subsequentemente obteve grandes concessões, naforma de hospitais, moradias públicas emaiores oportunidades tanto no setorpúblico como no privado. Isso, por sua vez, deu origem a novas vitórias dosafro-americanos no processo eleitoral, nos tribunais e no governo. Táticascruciais,quesetornariamaestratégiadosprotestosduranteomovimentopelosdireitoscivis,foramdesenvolvidasnoHarlem,umageraçãoantes.Omaiorbeneficiáriodessas lutas e reformas foio reverendoAdamClayton

PowellJr.,quemaistardeseriaaliadodeMalcolm,e,ocasionalmente,seurival.Nascidoem1908,eraobelofilhodopoderosopastordaIgrejaBatistaAbissíniadoHarlem,AdamClaytonPowell.OjovemPowellseguiuospassosdopai,masseusinteressesnãoeramdetodoespirituais.Em1931,comandouumprotestonaComissãodeAvaliaçãoqueimpediuaexclusãodecincomédicosafro-americanosdo hospital do Harlem. Sete anos depois, ajudou a fundar o Comitê paraCoordenação de Emprego na grande Nova York, que organizava piquetes eprotestosnãoviolentosparagarantirempregos.Substituindoopaicomopastorabissínio em 1937, Powell contava comnumerosos adeptos religiosos, além deumexércitoemexpansãodepartidáriospolíticos.Ideológicaepoliticamente,eraumliberalpragmático,queemnívelnacionalapoiavaaNewDealdeRoosevelt,e, no Harlem, trabalhava com o Partido Comunista e fazia campanha pelareeleiçãodeLaGuardia em1941.Naquele ano,Powell criouoComitêPopular,organização com sede no Harlem e formada por 1800 empregados e oitoescritórios, que tinha como objetivo elegê-lo para a câmara municipal. OsadversáriosdePowellàesquerdaeàdireita,ocandidatodoPartidoTrabalhistaAmericano, dr. Max Yergan, e o candidato republicano, Channing Tobias,desistiramdeconcorrerparaapoiá-lo.LaGuardiaendossousuacandidaturaeosdoisliberaisfizeramcampanhajuntos—eganharam.76

Na câmara municipal, Powell batalhou consistentemente em defesa dosinteressesdoHarlem.QuandoYergan,instrutordehistóriadoquasetotalmentebranco City College, situado em West Harlem, não foi renomeado, Powellapresentou uma resolução que tornava ilegal a discriminação racial emnomeações acadêmicas. Em maio de 1942, sua organização patrocinou umaenorme concentração popular no salão Golden Gate, para protestar contra oDepartamento de Polícia de Nova York, que espancou e matou um negro,WallaceArmstrong.Noanoseguinte,quandoaadministraçãodeLaGuardiadeu

permissão à Marinha para estabelecer um campo de treinamento para aracialmente segregada divisão de mulheres da reserva (waves), no HunterCollegeenaWaltonHighSchool,emManhattan,Powelldenunciouamedida.77

A posição ousada de Powell foi adotada por organizações de direitos civis,por trabalhadores negros e pelo Partido Comunista. Além disso, sua ferozoposiçãoaJimCrowestavaemharmoniacomacampanha“Vduplo”,feitapelaimprensa negra em 1942-3, que exigia vitória contra o fascismo no exterior econtra a discriminação racial nos Estados Unidos.78 Em reação aos modestossalários dos negros no mercado de trabalho, milhares de operários brancosfizeram as chamadas “greves de ódio” durante os anos de guerra, exigindo aexclusão de negros, especialmente de posições qualificadas. Em julho de 1943,por exemplo, racistas brancos paralisaram parte dos estaleiros Bethlehem, emBaltimore. Em agosto do ano seguinte, motorneiros brancos da Filadélfia,revoltados coma contrataçãodeoitonegros, entraramemgrevepor seisdias.Em resposta, Roosevelt despachou 5 mil soldados e publicou um decretocolocandoaempresadebondessobcontroledoexército.79

Os afro-americanos não deixaram de compreender o significado de nenhumdesses episódios, e muitos começaram a questionar seu apoio ao esforço deguerra dos Estados Unidos. Anos depois, James Baldwin rememorou: “Otratamento dispensado aos negros durante a SegundaGuerraMundial assinala,para mim, um momento decisivo nas relações dos negros com os EstadosUnidos... Certa esperança morreu, certo respeito pelos americanos brancosdesvaneceu-se”.80 Muito embora a vasta maioria dos negros ainda apoiasse aguerra, uma minoria militante de jovens afro-americanos resistia aorecrutamento; outros tentavam desqualificar-se, por razões de saúde ou outrasdeficiências.Depois de um período relativamente calmo nas relações entre negros e

brancos— ou,melhor dizendo, de um períodomenos agressivo de insistênciadosnegrosporigualdade—abriu-seumanovaera,caracterizadapelaresistênciae pela militância negra. A Marcha Negra sobre Washington e os comícios emanifestações em defesa dos direitos civis liderados por Powell no Harlemprovocaramtemoresereaçõesentreosbrancos.Autoridadestentaramsabotaromovimento florescente impondorestriçõesàs liberdadesouatividadesdosafro-americanoseasleisdeJimCrowmesmoemcidadeseestadosondenãoexistiamleis de segregação racial. Alguns alvos situavam-se auspiciosamente fora da

política — mais notavelmente, no Harlem, no mundialmente conhecido salãoSavoy.Desde sua grandiosa inauguração em 1926, o salão Savoy, localizado na

avenida Lenox, entre as ruas 140 e 141, rapidamente se tornara a instituiçãocultural de maior significado do Harlem. O salão continha dois enormespalanques para orquestra, salas de espera ricamente atapetadas e espelhos nasparedes. No seu apogeu, recebia cerca de 700mil fregueses por ano. Entre osclientes brancos habituais estavamOrsonWelles,GretaGarbo, LanaTurner eatéoastro republicanoemascensãoThomasE.Dewey.81Numaépocaemquehotéisesalõesdocentrodacidadeaindapraticavamasegregação,oSavoyeraocentrodedançasedeentretenimentointer-raciais.Em 22 de abril de 1943, o Savoy foi lacrado pela polícia deNova York sob

alegação de que soldados tinham sido abordados por prostitutas em suasdependências.ODepartamentodeHigieneSocialdeNovaYorkcitouprovasdeque, numperíododenovemeses, 164 indivíduos tinham“conhecido a fontedesuadoença[venérea]nosalãoSavoy”.Essessupostoscasoseramtodosoriundosdo pessoal das Forças Armadas ou da Guarda Costeira. Funcionários dodepartamento não deram explicação alguma sobre como tinham conseguidodeterminarqueossoldadoshaviamcontraídodoençasdeprostitutasdoSavoy.Adivisão de apelação da Suprema Corte do Estado de Nova York decidiu, porunanimidade, confirmar a ação da polícia, e o prefeito LaGuardia declarou quenãotinhapoderparaimpedirqueosalãofossefechado.82

O Savoy permaneceu fechado durante todo o verão de 1943. Em 15 deoutubro, a polícia anunciou que o alvará do estabelecimento fora renovado, e“uma grandiosa reabertura” realizou-se na semana seguinte. Para Malcolm, oepisódio foi uma demonstração clara das limitações da tolerância racial doliberalismo branco. “A prefeitura manteve o Savoy fechado por um longoperíodo.Foiapenasmaisumadasaçõesdo‘Norteliberal’quenãoajudavam,deformaalguma,oHarlemagostardohomembranco.”83

Enquanto isso, ainda em fase de preparação, havia planos para um grandeprojeto urbano que excluiria inteiramente os nova-iorquinos negros. Poucassemanas depois do fechamento do Savoy, a administração LaGuardia tornoupúblico um acordo firmado com aMetropolitan Life Insurance Company paraconstruir o StuyvesantTown, complexohabitacional semipúblico, localizado aoleste de Manhattan, perto do Gramercy. A Metropolitan Life conseguiu

generosas isenções fiscais, eminente domínio e controle autorizado sobre aseleção de moradores. Quando a empresa reconheceu a intenção de excluirmoradoresnegros,negrosemuitos liberaisbrancos ficaramindignados.PowellacusouLaGuardiademaisumavezrender-seaoracismo.Osjornaispublicarameditoriais ousados: “Hitler obteve uma vitória em Nova York”. Num comícioque atraiu 20milmanifestantes, Powell exigiu o impeachment de LaGuardia.84

Só em 1944 LaGuardia encontrou uma solução de meio-termo. O StuyvesantTownfoiconstruídodeacordocomostermosoriginais;masoprefeitoassinouaLeiLocalnº20,proibindoqualquerdiscriminaçãoracialnaseleçãodemoradoresemfuturosprojetoshabitacionaisderesponsabilidadedaprefeitura.85

EmDetroit, centro de atividade da família de Malcolm, a crescente tensãoracial explodiu num espetacular motim em 20 de junho de 1943. Nas seisprimeirashorasiniciais,osmanifestosdeDetroitdeixaram34mortos,setecentosferidose2milhõesdedólaresemdanosmateriais.Ogoverno federal enviou5mil soldados para patrulhar as ruas; veículos militares foram designados paraescoltarbondeselétricoseônibus.86AsautoridadesdeNovaYorkdeveriamterreconhecidoquehaviacondiçõesparaumainsurreiçãosemelhantenoHarlem.Avez do bairro chegou em 1º de agosto, quando um policial atirou nummilitarnegro uniformizado. Em questão de minutos, a violência explodiu; lojas decomerciantes brancos foram atacadas em todo o bairro — na rua 125 e nosprincipais bulevares que atravessavam o Harlem no sentido norte-sul, asavenidasLenox,SeventheEighth,aonortedoCentralPark,atéarua145.Atéameia-noite, 1450 lojas foramdestruídas, seis pessoasmortas, 189 feridas emaisde seiscentos negros presos. Significativamente, em contraste comos protestosde1935, testemunhasdescreveramosmanifestantes comode classemédiaedebaixa renda. Até mesmo um informe policial reconheceu que: “Aqueles querealmente cometeram atos de violência foram indivíduos irresponsáveis,ignorantes. [Mas] a probabilidade é que havia muitos cidadãos decentes emváriosgrupos,cidadãosque,emmuitoscasos,sãointeligentes,respeitadoresdalei,e,apesardenãoparticiparempessoalmentedasdesordensfísicas,ajudaramecooperaramindiretamente”.87

Natardedarevolta,MalcolmcaminhavaparaosulpelaavenidaSt.Nicholasquando encontrou negros correndo em direção às áreas residenciais,“sobrecarregados, comosbraços cheios de coisas”.Ao longoda rua 125Oeste,viu que “negros quebravam janelas de lojas e pegavam tudo o que podiam—

móveis,alimentos,joias,roupas,uísque”.Dentrodeumahora,oDepartamentode Polícia de Nova York mandou para o Harlem, ao que parecia, “todos ospoliciais da Cidade de Nova York”. Malcolm ainda descreveu uma cena meiocômica, em que o líder danaacp, Walter White, acompanhava o prefeitoLaGuardia, dirigindo um carro vermelho dos bombeiros, pela rua 125, esuplicandoaosnegros:“Porfavor,vãoembora,enãosaiamdecasa”.88

Omundo real finalmenteentrounavidadeMalcolmnaprimaverade1943:

elefoiconvocadoparaservirnoExércitodosEstadosUnidos.Enquantoamaioriadosafro-americanostinhapatrioticamenteoferecidoseus

serviços desde os primeiros dias da guerra, sempre houve uma minoriareivindicante que não via muita razão para entrar nas Forças Armadassegregadas e lutar numa guerra de brancos. Por volta de 1943-4, a dissidênciaentre negros nas ForçasArmadas intensificara-se. Centenas de soldados negrossimplesmente tiravam licença sempermissão.89Quando o aviso da convocaçãomilitarendereçadaaMalcolmchegouàcasadeEllaemBoston,ela informouàsautoridades que seu meio-irmão não morava mais ali. Malcolm acabourecebendo o aviso, mas decidiu que evitaria servir lançando mão de todos osmeiosnecessários.Naautobiografia,elerecorda,comaprovação,aatitudedeShorty Jarvis:“O

brancoédonode tudo.Querqueagentevá láe sangreemseu lugar?Poiseleque lute”.90 Malcolm deve ter ouvido falar no caso, bastante comentado, deWinfredW.Lynn,afro-americanoquerejeitouaconvocaçãoporqueseopunhaàsegregaçãoracialemunidadesmilitares.Lynnperderaocaso,masseuprotestoprovocousimpatiageneralizada.Escrevendo sobre o dia marcado para sua apresentação na 56ª- Comissão

LocaldeRecrutamentoem1ºdejunhode1943,Malcolmrememorou:“Vesti-mecomo um ator... Frisei o penteado para o alto, como umamecha vermelha decabeloesticado”.Dirigiu-seaumsoldadobranco,sentadonobalcãodarecepção,chamando-ode“Crazy-o”.Tiradodafiladeapresentação,odelinquentedeternozoot foi interrogado por um psiquiatra militar, para ver se estava apto paraservir. Malcolm divagou por algum tempo antes de sussurrar ao ouvido dopsiquiatra: “Quero ser mandado lá pro sul. Organizar os soldados negros,entende? Roubar umas armas, e matar uns malucos!”. O médico, espantado,

disse: “Isso é tudo”, classificando-o depois como “4-F”, incapaz para o serviçomilitar. “Umcartão ‘4-F’ chegoupelo correio”, concluiuMalcolm, triunfante, “enuncamaistivenotíciasdoexército.”91

Um relatório divulgado pelofbi, em janeiro de 1955, apresentou a versãooficial para o Exército rejeitar Malcolm: “O indivíduo foi consideradomentalmente desqualificado para o serviço militar pelas seguintes razões:personalidadepsicopatainadequada,perversãosexual,rejeiçãopsiquiátrica”.92

Os ressentimentos raciais do Harlem — discriminação no emprego, faltageneralizadadeemprego,ainterdiçãodoSavoy,oacordodoStuyvesantTowneos distúrbios raciais de agosto de 1943 — influenciaram todas as ações deMalcolm no tocante à convocação para o serviço militar. Ele foi praticamenteempurrado emnovas direções por acontecimentos externos.OdesempenhodeMalcolm,comseuternozoot,nocentroderecrutamentofoioutraversãodesuaatitude, como “Sandwich Red”, na estrada de ferro. Eram exemplos depalhaçadas destinadas a obter, respectivamente, recompensa financeira e oadiamento permanente do serviço militar; ambos repudiavam frontalmente omodelo impertinente,militante e confiadodopai.Muitoembora, emprincípio,Malcolmseopusesseairàguerra,ométodoqueescolheuparafugirdoserviçomilitarnãorepresentou,nemdelonge,apersonificaçãodesseprincípio.Malcolmespecializara-seemse fazerdepalhaçoede fanfarrão,mas talpose

começavaa sabotaranovaatitudepolíticaquenele, aospoucos, se formava.AliderançadeAdamClaytonPowellJr.duranteaquelesanoscausara-lheprofundaimpressão, lembrando-lhe o legado mais direto do engajamento ativo outrorapraticadoporseuspais.OquediferenciavaEarlLittleePowellde“DetroitRed”e outros malandros era o senso de responsabilidade para com os demaismembrosdacomunidade,eparacomosafro-americanosemgeral.Ovigaristaoudelinquenteque“contornavaoproblema”eraapersonificaçãodooportunistaque se aproveitavadosoutrospara alcançar seusobjetivos.Malcolm logo seriaobrigadoaescolherqualdessesmodelosdemasculinidadenegraadotaria.

A narrativa daAutobiografia sugere que, em 1944-5, Malcolm deixara de

procurar emprego legítimo e foraumpasso alémdos pequenos crimes de rua,cometendo arrombamento, assalto àmão armada e prostituição, para financiar

um consumo de drogas que já se tornava vício. O principal personagem danarrativaduranteessafaseéchamado,apropriadamente,de“SammythePimp”[Sammy,oCafetão],maistardeidentificadocomoSammyMcKnight.NaversãodeMalcolm,numperíododeseisaoitomeseselepraticouumasériedeassaltosearrombamentosforadeNovaYork.93Duranteumassalto,houve“certogolpede azar. Uma bala atingiu Sammy de raspão. Mal conseguimos escapar”.94

Posteriormente, Malcolm descreveu seu envolvimento com o jogo de azar.“Minha função era pegar um ônibus e atravessar a ponteGeorgeWashington,onde um sujeito me esperava para receber uma bolsa com tiras de apostas.Nunca trocávamos uma palavra... Em negociatas desse tipo, a gente nunca fazperguntas.”Também alegava ter atuado como “agenciador” emTimes Square,fazendocontatos compossíveis clientes e conduzindo-os aprostitutasbrancas enegras que trabalhavam em apartamentos do Harlem. Nessas atividadescriminosas, Detroit Red testemunhava aquilo que ele via como imundície ehipocrisiadohomembranco.95

Não há dúvida de que alguns elementos da história de gângster deDetroitRed são verdadeiros. Mas se, em 1944, Malcolm evoluíra da maconha para acocaína, como parece possível, ele provavelmente não teria condição deengendrar uma série de bem executados arrombamentos sem ser descoberto.Uma investigaçãoda fichadeMalcolmLittlenosarquivosdoDepartamentodePolícia de Nova York anos depois não revelou qualquer acusação de crime oupassagempelacadeia.96

Clarence Atkins, amigo de Malcolm, afirmou: “Ele jamais foi um grandechantagista ou criminoso”.97 Uma avaliação mais realista das atividadescriminosasdeMalcolmlevaacrerqueeleeSammytalvezarrombassem,devezquando, “casas noturnas populares no Harlem, como o La Famille”, e depois“dividissem o butim”.98 Crimes dessa natureza, durante os anos 1940, quandoimperava a segregação racial, muito dificilmente eram levados a sério pelospoliciais, quase todos brancos, e os possíveis arrombamentos praticados porMalcolm podem muito bem ter passado despercebidos pela polícia. Mas apolíticaracialquesublinhatodaanarrativadaAutobiografiatomacuidadoparasituaros aspectosmais niilistas e destrutivos dahistória criminosa deMalcolmforadoHarlem.Issotalvezporqueadescriçãodasériedearrombamentosbem-sucedidos praticados por Malcolm em 1944 ocorreu nos subúrbiospredominantemente brancos de Nova York.99 A atividade de agenciador de

prostitutastambémocorriageralmentenaTimesSquare,enãonarua125.O que parece claro é que de 1944 a 1946 Malcolm Little lutava para

sobreviver. Após ser dispensado do emprego esporádico na Jimmy’s ChickenShack, Malcolm foi obrigado a encontrar outra maneira de seguir em frente.ReginaldLittle,quevisitouoirmãodiversasvezesem1942-3,deixaraaMarinhae àquela altura estabelecera-se no Harlem, onde Malcolm lhe arranjou umaforma“legal”detrapacear.“Porumapequenataxa,Reginaldobteve‘umalvarácomum de vendedor ambulante’”, escreveu Malcolm. “Depois fomos a umapontadeestoque,ondecompramosummontedeartigosbaratoscomdefeito—camisas, roupas de baixo, anéis vagabundos, relógios, coisas fáceis de vender.”Reginald vendia amercadoria dando aos compradores a impressão de que eraproduto de roubo. Se fosse abordado pela polícia, Reginald simplesmenteapresentava o alvará de vendedor ambulante e os recibos da aquisição dosbens.100Esseestratagemaeraoclássicocontodovigárioempequenaescala,emque o golpista manipulava as expectativas da vítima de ganhar dinheiro comuma transaçãoperfeitamente legítima.OsesforçosdeMalcolmparaprotegeroirmão da criminalidade séria mostram a responsabilidade que continuavasentindo com relação aos irmãos.Mas também sugeremque elemesmonuncafoiumcriminosoinsensível.Enquantosearrastavaalém-mar,aguerrateveumefeitoimprevistosobrea

cultura negra nas cidades americanas— particularmente namúsica. A enormepopularidade das grandes orquestras de jazz e do suingue entre os americanosbrancosdeclassemédiaduranteosanosdeguerratirouamúsicadaperiferiadomundo do entretenimento e deu-lhe grande destaque na cultura popularpredominante.Aproximadamenteem1943,porém,houveumaquedabruscanapopularidade das orquestras de jazz e dos espetáculos que elas promoviam,como resultado de preocupações tanto práticas como estéticas. GrandesorquestrasperderamosmelhoresmúsicosparaasForçasArmadas.Alémdisso,oracionamentodegasolinadificultavaasviagenscomtrintamúsicos.Então,em1942,oSindicatodosMúsicosentrouemgreve,porqueosmúsicosnãorecebiamroyalties quando seus discos eram tocados nas rádios. Em solidariedade,membrosdosindicatoboicotaramaproduçãodediscosatésetembrode1943,ea falta de novos compactos fez cair a popularidade do gênero.Mas a greve deproduçãodeuaosartistasespaçoparaoexperimentalismoea inovação.Foramos músicos negros mais jovens, jazzistas, que mais se afastaram do suingue,

desenvolvendo um som de inspiração negra, àmargem do gostomusical e docomercialismo.101

Umnovosomdesenvolveu-senaManhattannegra,emesfumaçadas sessõesde fim de noite. Os músicos já não se apresentavam como animadores deespetáculo. Limitaram a duração das músicas, reduzindo a forma melódica aoessencial,enfatizandoo improviso,bemcomocomplexasmudançasdecordasebatidascomplicadas.Quandoessamúsica,queveioaserchamadadebebop,foireproduzida em gravações depois da greve, o som pareceu esquisito, quaseestrangeiro, para alguns entusiastas do jazz. Os principais artistas do novomovimento, como Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Thelonious Monk,construíam uma forma experimental num ambiente radicalmente diverso daGrande Depressão dos anos 1930, que havia fomentado o suingue. O beboprefletia a raiva dos negros de terno zoot e o espírito de aventura de artistasnegrosqueseopunhamàculturabrancapredominante.Essesmúsicosqueriamcriar um som de protesto que não pudesse ser facilmente explorado etransformadoemmercadoria.102

Muita gente que preferia o novo jazz proveniente das casas noturnas doHarlemdescrevia a insurreição de 1943 comooutra “revolta do terno zoot”.Otermo tornara-se metáfora comum para as atividades negras que pareciamsubversivas à ordem branca. Um dos envolvidos na revolta do terno zoot noHarlem equiparou a resistência negra ao esforço de guerra americano ainsurreiçãourbana:“Nãosouespiãonemsabotador,masnãogostodeirlálutarpelo homem branco — portanto, paciência”. Até o psicólogo social afro-americano Kenneth Clark caracterizou a nova militância que tinha visto noHarlem como “o efeito zoot”.103 Como disse o crítico Frank Kokfsky sobre omovimento bebop: “O jazz, inevitavelmente, funcionava não apenas comomúsica,mastambémcomoveículoparaaexpressãodeprotestosindignados”.104

Malcolm estava totalmentemergulhado nessemundo, e bem consciente donovo som e de suas implicações—o frisson de forasteiros sacudindo a culturadominante.Comoosamotinadosdeternozoot,osadeptosdobeboprejeitavamimplicitamente a assimilação a padrões estabelecidos pelos brancos, e sentiamdesdém pela polícia e pelo poder que o governo americano tinha sobre a vidados negros. Ambos tentavam forjar identidades que os negros pudessemreivindicar para si. Jazzistas reconheceramosparalelos enão é de admirar quetenhamsetornadoávidosseguidoresdeMalcolmnosanos1960.Essaversãodo

nacionalismonegromilitante tinha forteapeloparao seuespíritode rebeliãoeparaoseunãoconformismoartístico.105

Uma das grandes lições que Malcolm aprendeu com as apresentações dosjazzistas nos anos 1940 foi o poder que tinha a artenegra de conferir status decelebridade. O jovem Malcolm sonhou ansiosamente com a adoração dasmultidões. No Harlem, ele levava Reginald aos bastidores para juntar-se aartistas emúsicos noRoxy ou no Paramount, sugerindo que sabiam quem eleera.“Depoisdevendermaconhacomasorquestrasquandoelasviajavam,fiqueiconhecidodequase todomúsiconegropopular emNovaYorkem1944, 1945”,gabava-se. Em julho de 1944, até arranjou emprego na casa noturna LobsterPond, na rua 142. O proprietário, Abe Goldstein, é chamado de “Hymie” naAutobiografia.

“Red,soujudeuevocêénegro”,diziaele.“Essesgentiosnãogostamdagente”.

Hymiepagou-mebomdinheiroenquantoestivecomele,àsvezesduzentosetrezentosporsemana.Eu

fariaqualquercoisaporHymie.Efizcoisasàbeça.Masminhatarefaprincipaleratransportarasbebidas

contrabandeadas queHymie fornecia, geralmente para aqueles bares arrumados que ele tinha vendido

paraalguém.106

OqueaAutobiografianãorevelaéqueDetroitRed,comonomeartísticode

Jack Carlton, tinha permissão para atuar como animador de bar. Finalmente,numpalco iluminadodecasanoturna,Malcolmpodiaexibirsuashabilidadesdedançarino; às vezes chegava a tocar tambor.O nome artístico era um jeito dehomenagear omeio-irmãomorto, Earl Jr., que atuara como JackCarlton.Nãoestá claro se Goldstein pagava Malcolm basicamente para animar ou paratransportar álcool ilegal (se o relato é verdadeiro). Mas em outubro de 1944Malcolm foi demitido. Poucos anos depois, por ocasião de outra prisão,Goldstein descreveu seu ex-empregado como “um tanto instável e neurótico,mas,adequadamenteorientado,umbommenino”.107

Desempregadoeemdesespero,eprovavelmentetendoquesustentarovíciodadroga,Malcolm logo foipararnovamenteemBoston,nacasadeElla.Deveter imaginado que, em vista das contínuas atividades ilegais da irmã, eladificilmente lhe daria as costas, e tentou convencê-la de que viraria uma novapágina e voltaria à vida de ascensão social que ela ainda julgava ser o destinodela. Para demonstrar sua austeridade, no fim de outubro arranjou emprego

num armazém da Sears Roebuck. O salário era de míseros vinte dólares porsemana, e o trabalho árduo. Malcolm nunca fora forte, fisicamente; anos dedependência alcoólica e uso de cocaína não ajudaram. Num período de seissemanas,faltouaotrabalhoseisvezes.NoDiadeAçãodeGraças,nãoaguentoumais e largouoemprego.Emdesespero, roubouumcasacodepeleda casadeElla,penhorando-opor cincodólares.Ocasacoerada irmãdeElla,Grace;Ellaficou tão indignada que chamou a polícia. Malcolm foi detido e levado para acadeia.OtribunaldeRoxburycondenou-oatrêsmeses,comsuspensãodepena,e umanode liberdade condicional. Foi o primeiro delito cometido porDetroitRedaresultaremprisãoecondenação.Eletinhaapenasdezenoveanos.108

A semanas doNatal, Goldstein consentiu em deixar Red trabalhar para eleem Nova York, por algumas semanas. Em janeiro de 1945, com centenas dedólares no bolso,Malcolm partiu para Lansing. Tinha feito pequenas remessasdedinheiroparacasadesde1941,eachouqueafamíliaestavaemdívidacomele.Por meio de Ella ou Reginald, os irmãos Little certamente sabiam do ladonegativo do irmão e de sua dependência química. Ele já contava com algumaresistência, especialmente de Wilfred, Hilda e Philbert, e chegou usando umterno de aparência conservadora. Disse que seus dias no crime eram coisa dopassado. Durante semanas, aparentemente honrando a palavra, trabalhouprimeironobarCoralGables,deEastLansing,depoiscomoajudantedegarçomno salão Mayfair. Mas via nesses trabalhos oportunidades para cometerpequenos furtos. Numa viagem para Detroit, roubou descaradamente umconhecido, um negro chamado Douglas Haynes, à mão armada. HaynesapresentouqueixaàpolíciadeDetroit,queentrouemcontatocomapolíciadeLansing. Em 17 de março de 1945, Malcolm foi preso e entregue aoDepartamento de Polícia de Detroit, acusado de roubo significativo. Wilfredpagou fiança de mil dólares, e por breve período Malcolm trabalhou numafábrica de colchões e numa fábrica de caminhões de Lansing. Quando ojulgamentofoiadiado,eledecidiuqueomelhorafazererasairdacidade.Numdia qualquer de agosto de 1945, fugiu da jurisdição; uma ordem de prisão foidecretadacontraele.109

A Autobiografia cala-se por completo sobre esses acontecimentos. Não hádúvida que Malcolm tinha muita vergonha dessa fase do seu passado.Provavelmenteachavaqueomaisgravedosseusdelitostinhasidoahumilhaçãoqueinfligiraàfamíliacomsuacarreiradepequenocriminoso.Mastambémpode

serquetenhaeliminadoessesincidentesdorelatodasuahistóriacomopartedatentativa de construir uma lenda. Seus esforços amadorísticos no gangsterismodeBostonedeLansing—odesastradoroubodocasacodatia,oridículoassaltode um conhecido à mão armada— abalaram a credibilidade de suas supostasfaçanhascriminosasemNovaYork,eatéeledeveterpercebidoqueaordemdeprisão em Michigan, combinada com a violação da liberdade condicional emMassachusetts,oseguiriampelopaístodo.Sevoltasseaserpreso,aindaqueporumcrimemenor,todasessasinfraçõesseriamlançadascontraele.Malcolm primeiro voltou para Nova York, depois para Boston, tentando

desesperadamentesobrevivermediantediversosesquemasdesonestos.Foinessaépoca que encontrouumhomem chamadoWilliamPaul Lennon, e os incertosdetalhessobresuarelação íntimaprovocariamcontrovérsiaseespeculaçõesnosanosseguintesàmortedeMalcolm.110

Lennonnasceuem25demarçode1888,emPawtecket,RhodeIsland,filhodeBernardeNellieF.Lennon.111Opaieraumbem-sucedidocomercianteeeditordejornal,muitoativonapolíticalocaldoPartidoDemocrata.112Omaisvelhodeoitofilhos,Lennonmatriculou-senaUniversidadeBrownem1906,como“alunoespecial”, que era descrito no catálogo da escola como categoria para “pessoasmaduras, de bom caráter, que queiram dedicar-se a algum assunto especial etenhama formaçãopreliminar exigida”.113Depois de frequentar a universidadeporvários anos,Lennon levouumavidaerrante, tentandoestabelecer-senumaprofissão qualquer que lhe parecesse apropriada. Durante a Primeira GuerraMundial,serviucomosuboficialdaMarinha,nabasedeNewport,RhodeIsland,e, ao ser dispensado, viveu brevemente com os pais, antes de ser contratadocomogerentedehotelemPawtucket.114Dentrodecincoanos,tornou-segerentedoHotelDorset,deManhattan,pertodaQuintaAvenida,nocentroda cidade.Aoquetudoindica,teveumacarreirabem-sucedidacomogerentedehotéis,mas—diferentemente da afirmação posterior deMalcolm de que seu benfeitor eramultimilionário—nãoháregistrodequeLennontenhaficadoverdadeiramenterico. Em algum momento, nos anos 1930 ou começo dos anos 1940, Lennontransferiu-separaBoston,ondecomeçouaempregarmordomosemsuacasa.115

O contato inicial de Malcolm com Lennon pode ter se dado por meio deanúncios classificados nos jornais de Nova York. O certo é que, em 1944,Malcolm começou a trabalhar para Lennon como “mordomo e fazendoocasionalmente trabalhos domésticos”,116 na casa de Lennon em Boston, numa

árearicadaruaArlingtoncomvistaparaoPublicGarden.117Logo,desenvolveu-se algo mais profundo do que uma relação entre empregador e empregado.(Quando foipresoposteriormente,em1946,Malcolmdeuàpolíciaonomeeoendereço deLennon, como seu antigo empregador, convencido de queLennonusaria seus recursos financeiros e outros contatos para ajudá-lo durante seuperíododeprisão.)AAutobiografiadescrevecontatossexuaiscomLennon,masMalcolmfalsamenteosatribuiaumpersonagemchamadoRudy:

[Rudy] tinha um outro acordo, um negócio pessoal que me levou de volta aos velhos tempos de

agenciadornoHarlem.Umavezporsemanas,Rudyiaàcasadessevelhoericoaristocratadesangue-azul

deBoston,pilardasociedade.OvelhopagavaaRudyparatirararoupadosdois,depoispegá-locomose

fosseumbebê,deitá-lonacama,ficarempéemcimadeleepolvilhá-lodetalco.Rudydissequecomisso

ovelhoatingiaoclímax.118

Com base em provas circunstanciais, mas fortes, o mais provável é que

Malcolmdescreveu seuspróprios encontroshomossexuais comPaulLennon.Arevelação sobre esse envolvimento produziu muita especulação sobre aorientaçãosexualdeMalcolm,masaexperiênciaparecetersidolimitada.Nãoháprovas,nos seus registrosprisionaisemMassachusetts,ouemsuavidapessoaldepois de 1952, de que fosse, ativamente, homossexual.Mais plausível, talvez,sejaopalpitedeRodnellCollinssobreotio:“Malcolmlevavabasicamenteumavida dupla”. Quando estava perto de Ella, “participava com entusiasmo depiqueniques e jantares de família... Economizava dinheiro para mandar aosirmãose irmãsemLansing”.119Mas,nacondiçãodeDetroitRed, tomavaparteem prostituição, venda demaconha, sessões de cocaína, jogos de azar, roubosocasionais e, aparentemente, encontros homossexuais pagos. Manter as duasvidas separadas nunca foi fácil, devido a suas instáveis circunstânciasmateriais.Mas Malcolm tinha inteligência e inventividade suficientes para esconder dafamíliaedosamigossuasatividadesmaisilegais,epotencialmentedanosas.Homens brancos ricos eramuma coisa,mulheres brancas, outra.Durante a

guerra, sua antiga amante Bea Caragulian casara-se com um homem branco,Mehan Bazarian, mas ele servia nas Forças Armadas e passava muito tempoausente. O relacionamento sexual de Malcolm com Bea continuara depois docasamento, apesar de, com o tempo, ter se tornado caótico, com frequênciaviolento. No começo de dezembro de 1945, ele voltou a Boston, sem ter para

onde iranãoseracasadeElla.Maisumavez,a indignadameia-irmãnãoteveescolha senão deixá-lo ficar; afinal, sangue era sangue. Malcolm rapidamenteencontrouShortyJarvis,quereclamoudamulheredeproblemascomdinheiro.Dentro de alguns dias, Malcolm organizou uma quadrilha, com a intenção deroubar casas nos bairros ricos de Boston. Seu grupo heterogêneo consistia deoutroafro-americano,FrancisE.“Sonny”Brown;Bea;airmãmaisnovadeBea,JoyceCaragulian; uma terceiramulher, a armêniaKoraMarderosian; e Shorty.No começo da noite de 14 de dezembro de 1945,Malcolm e Sonny roubaramuma casa em Brookline, escapando com 2400 dólares em casacos de pele,pratarias, joiaseoutrosartigos.Nanoiteseguinte,atacaramumasegundacasa,roubando tapetesepratariasavaliadosemquasequatrocentosdólares, alémdebebidas, joias e roupas de cama. Nesses arrombamentos, a gangue seguia umpadrão geral. Sonny forçava a porta dos fundos, depois abria a da frente paraMalcolmeShorty.Rapidamenteeleslimpavamasdependências,sobretudoatrásde artigos que pudessem ser vendidos com facilidade no mercado negro. Asmulheres ficavam no automóvel, de sentinela. Em 16 de novembro, elesviajaramde carro aNovaYork, para vender parte damercadoria.Artigos queninguémquis comprar foramdescartados,masamaiorpartedoque restou foidistribuídaentreosmembrosdaquadrilha,erroqueumladrãoveteranojamaiscometeria.120

Um dos roubos mais lucrativos da quadrilha ocorreu um dia depois daviagemaNovaYork.NumacasaqueinvadiramemNewton,Massachusetts,osjovens criminosos conseguiram pegar joias, um relógio, um aspirador de pó,roupasdecama,castiçaisdeprata,brincos,umpingenteeumacorrentedeouro,e outras mercadorias, num total estimado pela polícia em 6275 dólares.121 Noperíodo de um mês, roubaram oito casas. Quando foram finalmente pegos,Malcolm foi o responsável por revelar o segredo. Deu um relógio para umparente comopresentedeNatal;oparentevendeuo relógioparaum joalheirodeBoston,que,suspeitandoqueorelógiotinhasidoroubado,procurouapolícia.Asautoridadesderamumtempo.Nocomeçodejaneirode1946,Malcolmlevououtro relógio roubado para consertar.Quando voltou para apanhá-lo, a políciaestavaàsuaespera.Malcolmportavanaépocaumapistolacalibre32carregada.Durante o interrogatório, os detetives prometeram, capciosamente, não oprocessar pelo porte de arma se concordasse em denunciar os cúmplices. Eleconcordou, dando o nome do grupo todo. À exceção de Sonny Brown, que

conseguiuescapardasautoridades,todosforamimediatamentepresos.122

MalcolmfoiacusadodeposseilegaldearmadefogonotribunaldeRoxbury,em15 de janeiro.Nodia seguinte, no tribunal deQuincy, foramacrescentadasacusaçõesdefurtoearrombamento.Otribunalestabeleceuumafiançade10mildólares. Como os arrombamentos tinham ocorrido em dois condados deMassachusetts,NorfolkeMiddlesex,foramrealizadosdoisjulgamentos.OrelatodeShortyJarvisofereceumavívidadescriçãodastribulaçõesdeleedeMalcolm:“O promotor público e nossos advogados brancos insistiram para que nosdeclarássemos culpados, nos termos da acusação; disseram também que se ofizéssemos as coisas seriam facilitadas e favoráveis para nós (quer dizer, assentenças)”.Osdoishomensforam“idiotas”pornãopreveremumatraição.Beafoi intimadae testemunhoucontraMalcolm,basicamente lendoo roteiroqueopromotor escreveu para ela. Jarvis alegou que o promotor público tinha atétentado, sem sucesso, “testemunhar que nós as tínhamos estuprado; isso paraque pudesse pedir ao juiz uma sentença de quinze a vinte anos, ou prisãoperpétua”.123 Para Malcolm e Shorty, e também para Ella, pareceu que aprincipalmotivaçãodoprocesso foi racial. “Enquantoeuviver”, refletiuShorty,“nuncavoumeesquecerdojuizdizendoqueeunãotinhanadaquemeassociarcom mulheres brancas.”124 O filho de Ella, Rodnell, comentou: “No tribunal,[Ella] disse que os homens foram descritos por um advogado como ‘schvartze[negros, em iídiche] filhos da puta’ e por outro como ‘Al Caponezinhos’. Osencarregados da detenção, enquanto isso, referiam-se às [duasmulheres] como‘pobresmoças,infelizes,semamigos,assustadas,perdidas’”.125

Malcolm Little e Shorty Jarvis declararam-se culpados e foram condenadospelo tribunal deMiddlesex a quatro penas concomitantes de oito a dez anos, aserem cumpridas na prisão. Durante a leitura da sentença, ficaram confinadosatrás das grades de aço de uma cela no tribunal. Shorty desabou, sacudindo asgrades e gritando para o juiz: “Por que você não me mata? Por que não memata?Prefiromorreracumprirdezanos”.126NoTribunalSuperiordoCondadodeNorfolk,oito semanasdepois,Malcolmrecebeu trêspenasconcomitantesdeseis a oito anos. Dificilmente o tribunal poderia ter imposto penas maiores.QuandoMalcolm comentou comumadvogadode defesa: “parece que estamossendocondenadosporcausadaquelasmeninas”,oadvogadorespondeu,furioso:“Vocês não tinham que se meter com mulheres brancas!”. Bea alegou nostribunais que ela e as outrasmulheres brancas eramvítimas inocentes da cruel

operaçãocriminosadeMalcolm.Eleas coagira. “Vivíamos semprecommedo”,declarounotribunal,comvozemocionada.127Nofim,Malcolmcumpriuapenassetemeses,deumapenadecincoanos.128

AsaçõesegoístasdeBeadeixaramprofunda impressãoemMalcolm.“Todasas mulheres são, por natureza, frágeis e fracas”, comentou. “São atraídas pelohomem,emquemenxergamaforça.”Suamisoginiatinhasidoreforçadadurantea época em que foi agenciador de prostitutas no Harlem.129 Refletindo sobreessasexperiências,Malcolmescreveu:“Recebiminhasprimeirasinstruçõessobreamoraldeesgotodohomembrancodamelhorfontepossível,desuasprópriasmulheres”.130AsaçõesdeBearessaltaramoqueeleviacomotendênciasfalazese oportunistas das mulheres. Malcolm raramente examinava o própriocomportamento—sua relaçãoarruinada comGloria Strother,os abusos físicoscometidoscontraBeaGaragulian—e,muitomenos,atraiçãoaosseusparceiros.

3.Elesetorna“X”Janeirode1946-agostode1952

Em 8 de março de 1946, um psiquiatra do estado de Massachusettsentrevistou o preso número 22843. “Foi chamado de tudo quando é nome sujoque me ocorreu”, lembrava-se Malcolm. Ele descreveu-se como “fisicamentemiserável, e tão mal-humorado como uma cobra”.1 Mas o “RelatórioPsicométrico”, escrito quase dois meses depois, o descreveu como atento eaparentemente cooperativo. Malcolm informou ao entrevistador,despreocupadamente, que seus pais tinham sido missionários e sua mãe uma“escocesa branca”, cujo casamento com um negro fez com que Malcolm fossevítima de abuso racial durante toda a infância. Deu várias outras informaçõesfalsas. O psiquiatra, aparentemente perturbado com o que tinha ouvido,observouqueopreso“temopiniõesfatalistas,émal-humorado,cínicoetemumrisosarcásticoquepareceafetadoporcausadesuasensibilidadeàcor”.2

Seuadvogadodedefesaoimpediradefalaremseupróprionomeduranteosjulgamentos, e Malcolm estava convencido de que a longa sentença devia-seunicamente ao seu envolvimento com Bea e outras mulheres brancas. Temiatambém, por ainda não ter 21 anos, as dificuldades da vida na cadeia, mundoperigoso do qual só conhecia histórias de horror. Nas semanas em que foimantido na cadeia do condado, antes de ser transferido para a penitenciáriaestadual, Malcolm decidiu exagerar suas experiências no crime, para parecermais duro e violento do que realmente era. Apresentou também uma históriainventada sobrea família, tornandoquase impossívelparaas autoridades saberquais eram seus verdadeiros antecedentes. Já se sentia indignado com os

funcionáriosdaprisão,quesóreconheciamonúmerodopreso,emvezdonome.Naprisão,“nuncaouvimosnossonome,sónossonúmero”,recordariaele,anosdepois.“Emtodasasroupas,todasaspeçastrazemumnúmerogravado.Acabagravadononossocérebro.”3

Dois meses depois, outro assistente social apresentou um relatório sobreMalcolm.“Oindivíduoéumnegroaltodetezclara”,dizia,“solteiro,filhodeumlar desfeito, que cresceu indiferentemente, adotandoumpadrãode vida do seuagrado, colorido, cínico, amoral, fatalista.” O relatório indicava que asautoridades do presídio o viam como o líder do bando de ladrões. TalvezMalcolm mais uma vez tenha disparado uma saraivada de palavrões, pois oassistente social julgou seu prognóstico “fraco. A atitude ‘dura’ de agora semdúvida vai crescer em amargura... O indivíduo pode se mostrar de riscointermediárioparaasegurança,poisvaiachardifícil fazeraadaptaçãodoritmoacelerado dos lugares noturnos para o passo lento da vida institucional emCharlestown[naprisão]”.4

Malcolm e Shorty Jarvis tinham sido mandados para a Charlestown StatePrison, naquela época as instalações penais em uso contínuo mais antigas domundo. A penitenciária foi construída em 1804-5, nas margens ocidentais dapenínsula deCharlestown, ao longodoBostonHarbor, e suas condições físicaseramlamentáveis:ascélulas,infestadasderatos,eramminúsculas—2,10por2,4metros — sem instalações sanitárias e água corrente. Os presos faziam suasnecessidades embaldes, esvaziadosumavez em24horas.Nãohavia refeitóriocomum,eospresoseramforçadosacomeremsuascelas.5Emnadacontribuíapara melhorar a atmosfera seu grotesco histórico de execuções, sendo a maisnotória a morte na cadeira elétrica, em 1927, dos anarquistas Nicola Sacco eBartolomeoVanzetti,quetinhamsidoinjustamentecondenadosporumassaltoeum duplo homicídio ocorridos em 1920.6 O lugar era tão animalesco que emmaiode1952,poucoantesdeMalcolmsersolto,ogovernadordoestado,PaulA.Dever, o descreveu como “uma Bastilha que supera, em má fama, qualquerprisãohojeexistentenosEstadosUnidos”.7

De início, Malcolm teve grande dificuldade para aceitar a sentença, eespecialmente o que interpretava como traição de Bea durante o julgamento.Seus acessos de raiva e alienação eram óbvios. Shorty, ainda magoado porMalcolmo terdenunciado,começouachamá-lode“monstrodeolhosverdes”.8

Nos primeiros meses, Malcolm insultava guardas e presos. Nunca tinha sido

particularmente religioso, mas concentrava seus xingamentos contra Deus e areligião em geral. Outros presos, de tanto ouvirem as tiradas de Malcolm,deram-lheoutroapelido:“Satã”.9NacadeiadeMiddlesex,duranteojulgamento,Malcolmforaobrigadoaabster-se,masemCharlestownretomouovelhovíciodadroga,usando,de início,noz-moscadamoídapara ficar “alto”.Empequenasquantidades — de quatro a oito colheres de chá, mais ou menos — a noz-moscada é um alucinógeno suave, produzindo euforia e distorções visuais; emgrandesquantidades,comoMalcolmtalvezusasse, temefeitosparecidoscomodoecstasy.Usuáriosdenoz-moscadapodem ficar “altos”poraté72horas,maspodem, também, sofrer descontrole mental.10 Alguns sintomas descritos porMalcolm nos seus primeiros meses em Charlestown parecem efeito deintoxicação por noz-moscada, especialmente os episódios de depressão eparanoia. Quando Ella começou a mandar-lhe pequenas quantias, ele usava odinheiroparacomprardrogasdeguardascorruptos, felizescomaoportunidadedefazernegócio.Ospresospodiamobterquasequalquerdrogaquequisessem,dehaxixeaheroína.Malcolmviveraduranteanosnumaestreitarede familiar,mantendocontato

relativamenteconstantepelocorreioou fazendovisitas semprequesemudava,mas agora, cheio de raiva e vergonha pelo que lhe acontecera, hesitava emprocurarosirmãos,especialmenteElla.Emseuprimeiroanodeprisão,escreveupoucascartas,incluindoumaoumaisparaWilliamPaulLennon.Aprimeiraquerecebeu era de Philbert, dizendo que ingressara numa igreja evangélica emDetroit.A informaçãodePhilbert deque toda a congregação rezavapela almado irmãomais jovem enfureceuMalcolm. “Rabisquei-lhe uma resposta da qualhoje tenho vergonha”, reconheceu ele, mais tarde. As coisas não funcionavammelhorquandoEllaovisitava.Numaocasião,cercadecinquentapessoas,entrepresosevisitantes,amontoavam-senocentrodevisitação,cercadasporguardasarmados. Ella tentou dizer amabilidades, mas ficou tão aborrecida que malconseguiu falar. Malcolm estava tão na defensiva que “gostaria que ela nãotivessevindo”.11

Suaatitudelogoolevouaoisolamento,maselenãodeixouderecebervisitas.Avisitamaisregular,provavelmenteamaissolidária,eraadeumaadolescente,EvelynLoreneWilliams.AmãeadotivadeEvelyn,DorothyYoung,eraamigaíntima de Ella. Na verdade, as duasmulheres eram tão amigas que o filho deElla, Rodnell, chamava Young de tiaDot.Ocasionalmente,Malcolm saíra com

Evelyn durante os anos que passou em Boston, e Ella encorajara o namoro.Malcolm tinha pouco interesse sexual porEvelyn— em comparação, digamos,comaforteatraçãoquesentiaporBea.Mas,aoqueparece,EvelynseapaixonaraporMalcolm.12

OutravisitanteassíduaeraJackieMason,mulherdeBostonquetinhatidoumenvolvimento sexual com Malcolm antes da sua prisão. Ella rejeitava Masonabertamente,descrevendo-acomo“mulherderuacomum”,inadequadaparaseuirmão.Suaatitude,deacordocomRodnellCollins,eraadequem“sabiamuitobem da devastação que umamulher predatória,mais velha e experiente, podecausarnumadolescenteaventurosoealtamenteimpressionável”.13

Aovisitá-lo,Ellanãoficounemumpoucofelizcomoqueviu—queelenãoaproveitavapararefletir,deformaséria,sobreasrazõesqueolevaramàcadeia,ou sobre as consequências que isso teria para ele.Aborreceu-se por elemantercontato com Paul Lennon e ficou escandalizada ao saber que voltara a usardrogas. Depois de várias visitas frustrantes, Ella decidiu não voltar a ver oirmão.Quandosoube,Malcolmparecetersearrependido.Numaqueixosacartade10desetembro,agradeceuaEllaoenviode fotosdepessoasda famíliaeaspequenasremessasdedinheiro.Masacabouenfurecendo-anovamenteaopedir-lhe que entrasse em contato comPaul Lennon. “A pessoa que você diz termeprocurado é um ótimo amigo”, explicou Malcolm. “Ele tem uma fortuna deapenas 14milhões dedólares. Se você ler as colunas sociais dos jornais, saberáquemeleé.Elesabeondeestou,porquelheescrevicontando,masnãolhedissepor que estou aqui.” Semmencionar o nome de Lennon, pediu que Ella fossecordial.“Elepodeprocurá-laeperguntar.Arespostaquevocêderteráavercomtodoomeufuturo,masaindacontocomvocê.”Aparentemente,Malcolmestavaconvencido de que Lennon poderia usar seu dinheiro e seus contatos políticosparareduzirapena.SegundoCollins,LennonjamaisprocurouElla.Maselaficou“indignada”porqueomeio-irmãoderaonúmerodoseutelefoneaLennonelhepedira que agisse como mensageira. Para ela, Lennon era, obviamente, “umdessesbrancosdecadentes,comquemeleseprostituía”.14

Malcolmviu-seobrigadoaenfrentar,sozinho,osdesafiosdavidanaprisão.Enãoajudouemnadaofatodesuaatitudecomrelaçãoaotrabalhonaprisãoserade recusar-se a cooperar. Nos primeiros sete meses em Charlestown, foidesignado para a oficinamecânica; depois, naquele outubro, para trabalhar nopátio. No mês seguinte, foi transferido novamente, dessa vez para cerzir na

oficinaderoupasíntimas.Logocriouproblemas,sendoacusadodenãocumprirsuas obrigações; por isso, teve de cumprir três dias de detenção. Seudesempenho no trabalho melhorou um pouco quando foi designado para afundição,ondeoconsideraram“cooperativo,fracoemhabilidades,edemedianoa fraco em esforço”.15 Foi ali que conheceu um ex-ladrão alto, de tez clara,chamadoJohnEltonBembry:ohomemquemudariasuavida.Bembry, cerca de vinte anos mais velho do que Malcolm, deslumbrou o

jovemcomsuahabilidadeintelectual.FoioprimeirohomemnegroqueMalcolmconheceu na prisão (e possivelmente fora da prisão também) que pareciaconhecer quase todos os assuntos, e tinha habilidade verbal para manterpraticamente qualquer tipo de conversa. Intelectualmente, Bembry tinhainteresses espantosamente diversos, sendo capaz de falar sobre a obra deThoreau a qualquermomento, e, em seguida, sobre a história institucional daprisão de Concord, Massachusetts. Malcolm sentiu-se particularmente atraídopelacapacidadedaquelehomemde“colocarafilosofiaateístanumcontexto”.Os pensamentos de Malcolm ganharam vida sob a tutela de Bembry. Ali,

finalmente,estavaumhomemmaisvelho,comcuriosidadeintelectualesensodedisciplinaparapartilharcomumseguidormaisjovem.Ambosforamdesignadosparaaoficinadeplacasdecarro,onde,depoisdotrabalho,detentoseatémesmoguardassejuntavamparaouvirosdiscursosdeBembrysobrequalquerassunto.Durante semanas, Bembry observou cuidadosamente o comportamentoindisciplinado do jovem colega de oficina. Finalmente, puxando Malcolm paraumcanto,eleodesafiouausaro intelectoparamelhorar sua situação.Bembryinsistiu para que fizesse cursos por correspondência e usasse a biblioteca,recordava-seMalcolm.Hildajálhederaconselhoparecido,implorandoaoirmãopara “estudar inglês e caligrafia”.16Malcolm consentiu: “Sentindo que dispunhadetempodesobra,foioquefiz”.17

É possível que detalhes contados por Bembry (“Bimbi”, naAutobiografia) aoutros detentos sobre sua bem-sucedida história de roubos tenham sidoincorporadosporMalcolmnosrelatossobresuaspróprias façanhas,mas,acimade tudo, Malcolm invejava a reputação de Bembry como intelectual. Haviatambémumforteelementodeegoísmo: seurecém-descobertoentusiasmopeloestudo e pelo autoaperfeiçoamento talvez lhe valesse uma transferência para apenitenciária mais branda de todo o sistema, a Colônia Penal de Norfolk, emMassachusetts.Aiscacadavezmaiordaliberdadebastavaparainstilardisciplina

em Malcolm, de tal maneira que isso o levou a realizar um curso de estudoformal autodirigido. Ao longo de 1946-7, dedicou-se a um programa rigoroso,preenchendorequisitosparacursosdeextensãouniversitáriaqueincluíaminglês,alémde latimealemãoelementares.18Devorouos livrosexistentesnapequenabiblioteca de Charlestown, particularmente os de linguística e etimologia.Seguindo o conselho de Bembry, começou a estudar um dicionário,memorizando as definições de palavras, tanto as de uso corrente como as designificadoobscuro.19 A instrução tornara-se umameta clara e prática: ofereciaumasaídaparaumaprisãocommelhorescondições,etalvezatéumareduçãodapena. Ironicamente, também teve o efeito colateral de fazer de Malcolm umvigaristamaisconvincente.Aorefinarsuashabilidadesoratórias,eleobtevemaisêxitoemtrapaçasdevariadostipos,comoapostasebeisebol.20

Malcolm foi transferido em janeiro de 1947—mas para o Reformatório deMassachusetts em Concord, apenas um pouco melhor do que Charlestown.Concordadotavaumsistemadenotasemdisciplina,estabelecendoumaconfusaagendadepenalidadeseperdadeliberdadesporatosdemáconduta.Nãohaviaconselhodedetentosparanegociar as condiçõesde trabalhoe supervisão.21 Osnovos regulamentos e a falta de direitos provavelmente contribuíram para oscontínuosatosdedesobediênciadeMalcolm.DuranteotempodeprisãoemConcord,elerecebeu34visitas.Dessas,cinco

foramdeElla,trêsdeReginaldedezenovede“amigos”(deacordocomarquivoseditados) — sem dúvida Jackie Mason, Evelyn Williams e, possivelmente,WilliamPaulLennon.22

O trabalho duro e declarações de que queria tornar-se um homemmelhorparecem ter convencido Ella de que ele finalmente resolveramudar de vida, eela,consequentemente,lançouumacampanhadecartasafuncionários,nasquaispedia que Malcolm fosse transferido para a Colônia Penal de Norfolk. EllaencorajouMalcolmaescreverdiretamenteparaoadministradorencarregadodetransferências. Em 28 de julho, numa dessas cartas, Malcolm empregou suasreforçadas habilidades linguísticas, com bons resultados: “Desde que fuiconfinado, já obtiveumdiploma em InglêsElementar, pormeio de cursos porcorrespondênciadoEstado.Estoubastanteinsatisfeito,porém.Hámuitascoisasque eu gostaria de aprender e que me seriam úteis, quando eu recuperar aliberdade”.23Apesardisso,comprometiaseusesforçoscausandomaisproblemas.Ao longo de 1947, designado para trabalhar na loja de móveis da prisão, foi

avaliado como um “trabalhador fraco e sem espírito de equipe”. Em abril,suspeitara-se que estivesse de posse de “contrabando”— nesse caso, uma faca.Emsetembro, foi acusadodeconduta inconveniente,eemduasoutrasocasiõespunidopornãotrabalhardireito.MasMalcolmtinhaamesmatendênciadeEllaa evitar punições. Depois de cada infração, melhorava seu desempenho notrabalhoosuficienteparaevitarcastigomaissevero.24

No começo de 1948, ele recebeu uma curiosa carta do irmão Philbert queteriaenormesconsequências.Philbertexplicou-lhequeeleeoutrosmembrosdafamília haviam se convertido ao islamismo.Malcolmnão ficou surpreso comoentusiasmosúbito, enão levoua sérioaquelamudançade rumoemparticular.Philbert “estava sempre aderindo a alguma coisa”, lembrava-se ele. Philbertagorapediaao irmãoque“rezasseparaAlápedindoa libertação”.Malcolmnãose impressionou. Sua resposta, escrita num inglês condigno, foi totalmentedesdenhosa.25

AcartadePhilbertfoi,naverdade,aprimeiratentativadeumacampanhadafamíliaparaconverterMalcolmaummovimento incipientechamadoNaçãodoIslã. “Era um programa para ajudar negros, e o programa deles era omelhorque existia”, explicou posteriormente Wilfred.26 Estavam decididos a fazerMalcolm embarcar também. Quando ficou claro que a carta de Philbert nãoproduziu resultado, a família decidiu que uma sondagem feita por Reginaldtalvez fossemais eficaz. Reginald escreveu uma carta “noticiosa” que não fazianenhuma referência explícita aNaçãodo Islã,mas concluía comumapromessacríptica: “Pare de comer carne de porco, e pare de fumar cigarros. Vou lhemostrar como sair da prisão”.27 Malcolm ficou dias impressionado. Seria umnovo jeitode trapacear?Ainda cheiodedúvidas, resolveu,noentanto, seguiroconselho,eparoudefumar.Adecisãodenãocomercarnedeporcofoirecebidacomsurpresaentreosdetentosnorefeitório.Enquanto isso, os apelos de Ella e as cartas que escreveu finalmente deram

resultado:nofimdemarçode1948,MalcolmfoitransferidoparaaColôniaPenalde Norfolk. Estabelecido em 1927, como modelo de reforma correcional, opresídioficavaa37quilômetrosdeBoston,pertodeWalpole,numapropriedadedecatorzehectares,deformatooval,quemaispareciaumcampusuniversitáriodo que uma prisão tradicional. Contudo, tinha fortes obstáculos a fugas,destacando-se entre eles um muro de 1525 metros de comprimento, por 5,80metrosdealtura,quecercavatodooterrenoetinhanotoposetecentímetrosde

aramefarpadoeletrificado.Afilosofiadaprisãoeraorientadaparaareabilitaçãoe a ressocialização. Os presos viviam em conjuntos de 24 casas, divididas emcômodosindividuaisecoletivos,todosdotadosdejanelaseportas.28

Em comparação com Charlestown, a vida de Malcolm era tão livre de

restrições quanto poderia ser dentro de uma penitenciária estadual. Antes eacima de tudo, ele era tratado como ser humano. Não ficava trancado numquarto a noite inteira. Tinha dois armários, um em seu quarto, para guardarroupas e objetos de higiene pessoal, outro no subsolo de sua unidadehabitacional, para o uniformede trabalho.Dois detentos em cada casa ficavamencarregadosdeserviracomida, limparosalãodorefeitórioeasdependênciascomuns,efazerpequenosreparos.Todosábadoànoitehaviareunião,naqualaspreocupações dos detentos eram discutidas. Os presos podiam eleger seusrepresentantesnoscomitêsdemoradia,eumdetentoeraencarregadodedirigi-la. Norfolk encorajava os presos a participarem de todo o tipo de atividadeseducacionais,comooclubededebateseojornaldaprisão,oColony.Sessõesdeentretenimento, que consistiam de apresentações de grupos externos e dedetentos,eramorganizadasnasnoitesdedomingo.Osserviçosreligiososeramrealizados semanalmente por católicos, protestantes, cientistas cristãos, eteosofistas, e aos “hebreus” permitiam-se reuniões mensais de grupos e aobservânciadeferiadosreligiosos.29

Essa nova vida convinha ao recém-disciplinado Malcolm, que deuprosseguimento a seu plano de instruir-se o mais amplamente possível.Participava,comempenho,dasatividadesdopresídio,alargandosuaagendadeleituras para nela incluir obras sobre o budismo.30 Infelizmente, o novocompromisso de aperfeiçoar-se não implicavamelhorar os hábitos de trabalho.Na lavanderia da prisão e na cozinha, seu desempenho mais uma vez foiclassificado abaixo dos padrões; segundo os supervisores, Malcolm era“preguiçoso, detestava qualquer tipo de trabalho, e aceitava e executava astarefasquelheeramimpostascomcaladarepugnância”.Tinha,porém,ocuidadode trabalhar o suficiente paranão incorrer emgrandes infrações quepudessempôremriscoseulugaremNorfolk.Tambémparoudebrigarcomosguardasecolegasdetentos.31

Reginald foi o primeiro parente a visitar Malcolm em seu novo endereço.

Primeiro o pôs a par das fofocas de família e contou-lhe da recente visita quefizeraaoHarlem,masacabouencaminhandoaconversaparaumnovoassunto:oIslã,ou“oenigmasobrenãocomerporconemfumarcigarros”,comodissenaAutobiografia.“Se um homem soubesse tudo o que se pode saber, quem seria esse

homem?”,perguntouReginald.“Umaespéciededeus”,respondeuMalcolm.Reginaldexplicouqueessehomemexistia—“seuverdadeironomeéAlá”—

e se revelara anos antes a um afro-americano chamado Elijah — “um negro,exatamente como nós”. Alá identificara todos os brancos, sem exceção, comodemônios.Deinício,Malcolmachouextremamentedifícilaceitar.Nemmesmoogarveyismo o preparara para mensagem tão extrema contra os brancos. Masdepois, ao relembrar cuidadosamente cada relação significativa que tinha tidocom pessoas brancas, concluiu que todo branco que conhecera na vidaalimentavaprofundaanimosidadecontraosnegros.32

A semente estava lançada. Não muito tempo depois dessa conversa, Hildafez-lheumavisita e terminoude contar como foi a conversãoda família.Tinhacomeçadotranquilamente,poracaso.Umdia,em1947,enquantoesperavanumaparada de ônibus,Wilfred começou uma conversa com um jovem negro bemvestido, que lhe falou de religião e de nacionalismo negro e o convidou paravisitar o Templo nº 1 daNação do Islã emDetroit. Ao fazer a visita,Wilfredencontrou umamodesta igreja na frente de uma loja. Era um espaço alugadocomumsalãoqueprovavelmentepodia acomodarduzentaspessoas, apesardehaver, aparentemente, menos de cem membros. O que ouviu ali pareceu aWilfred reconfortantemente familiar: uma mensagem de separatismo negro,autoconfiança negra, e uma divindade negra que lhe fez lembrar,instantaneamente,ossermõesgarveyistasdopai,EarlLittle.Em poucosmesesHilda, Philbert,Wesley e Reginald também se tornaram

membros.33 Wilfred explicaria posteriormente: “Já tínhamos sido doutrinadospelafilosofiadeMarcusGarvey,demodoqueeraumbomlugarparanós.Nãoprecisaramnosconvencerdequeéramosnegrosedeveríamossentirorgulho,oucoisaparecida”.34Havialigaçõespessoaiscomaprimeirafamíliadanoi,ClaraeElijah Poole — ligações essas que tornavam natural a atração da família pelogruporeligioso.QuandoEarlmoravanaGeórgia,tinha,vezporoutra,pregadoemPerry,cidadedospaisdeClaraPoole.EllachegaraàidadeadultanaGeórgia,

antesdemudar-separaonorte,econheceraClaraeElijahPooleanosantesdeocasalterqualquervínculocomaNação.Duranteavisita,Hilda tambémexplicouaMalcolmoprincípio fundamental

dateologiadaNaçãodoIslã,ahistóriadeYacub,quecontavacomoumperversocientistanegroengendrarageneticamenteacriaçãodetodaaraçabranca.Alá,napessoa de um negro asiático, viera ao mundo para revelar essa históriaextraordinária epara explicaro legadodosmonstruosos crimes cometidospelaraçabrancacontraosnegros.Sócomaseparaçãoracialcompleta,explicouHilda,osnegrosseriamcapazesdesobreviver.ElainsistiucomMalcolmparaescreverdiretamente ao líder supremo da Nação do Islã, Elijah Muhammad — novonomequeElijahPoolederaasimesmo—,quemoravaemChicago.Eletirariaqualquer dúvida que Malcolm tivesse. Malcolm ficou impressionado com aevidentedevoçãoda irmã,edepoisescreveu: “Não seinemseconsegui abrir abocaparadizeratélogo”.35

Nas semanas seguintes, lutou interiormente com o que tinha escutado. Amensagem nacionalista negra de orgulho racial, repúdio à integração eautossuficiência reacendeu fortes vínculos com a fé que movera seus pais. Acondenação de todas as instituições brancas pelanoi, especialmente ocristianismo, também combinava com sua experiência.Mas o jovem e amargodescrente jamais demonstrara o mínimo interesse pela religião organizada oupela vida espiritual. ParaMalcolm, a atração eramais secular: aNação do Islãoferecia a oportunidade de sentir autorrespeito e até mesmo dignidade comohomemnegro.Aquelaféafirmavaqueosnegrosnãotinhammotivoalgumparaseenvergonharemousedesculparem.Mas,acimadequaisquerobjetivosespirituaisoupolíticos,haviaumobjetivo

pessoal: a conversão era uma forma de manter a família Little unida. Comotodososirmãostinhamchegadoàidadeadulta,apossibilidadededesintegraçãoda família tornara-se novamente um problema. Pela altura de 1948,Wilfred ePhilbert estavam casados havia anos.36 Em 1949, Yvonne Little casou-se comRobertJones,eocasalmudou-separaGrandRapids.37Enquantoafamíliacresciae espalhava-se por novas comunidades, a Nação do Islã ofereceria uma basecomum.Malcolm foi o último a aderir, mas seu compromisso era total, e eleaproveitou a oportunidade para fazer uma mudança geral em seu futuro.Malcolm—DetroitRed,Satã,trapaceiro,gigolô,viciadoemdrogasetraficante,amante homossexual, sedutor de mulheres, vigarista do jogo, arrombador de

casaseladrãocondenado—estavaconvencidodanecessidadedeumarevoluçãoem sua identidade e em suas crenças. Depois de rascunhar uma carta de umapágina para ElijahMohammad “pelomenos vinte vezes”, finalmente a pôs nocorreio.NãodemorouareceberarespostadeMuhammad,juntocomumanotadecincodólares.38TinhadadooprimeiropassodecisivonadireçãodeAlá.

Malcolmnãopercebeuentão,masaosetornaremmembrosdaNaçãodoIslã

seus irmãos e irmãs tinham entrado na heterodoxa comunidade do Islã global.Extremamente sectáriapelospadrõesdo Islãortodoxo,aNaçãodo Islã tornou-se, não obstante, o ponto de partida de uma viagem espiritual que consumiriatodaavidadeMalcolmdaliemdiante.OIslã foiestabelecidoondeéhojeaArábiaSauditanocomeçodoséculovii

daeracristã,porumhomemconhecidocomoprofetaMaomé.Aolongodemaisdeduasdécadas, de 610 a 632 a.C., centenasdebelosversos foram revelados aMaoméeretransmitidos,porrecitaçãopoética,exatamentecomoashistóriasdeHomero ou as canções amorosas dos trovadores. Esses versos ficaramconhecidoscomoQur’an,eoduradouropoderdoIslãcomoreligiãorepousa,emparte,emsuaelegânciaesimplicidade.Emseunúcleoestáametáforadoscincopilares. O primeiro pilar é a profissão de fé, oushahada: “Só há um Deus, eMaomé é seu profeta”.Os outros pilares são as obrigações de ummuçulmanodevoto: fazer as orações diárias (salat); dar esmola aos menos afortunados(zakat); jejuar durante o mês do Ramadã; e fazer uma peregrinação a Meca(hajj). Muitos muçulmanos caracterizam a jihad, que significa “empenho” ou“luta”, como o sexto pilar, separando-a em dois tipos: a “grande jihad”, que serefereàlutainternadocrenteparaaderiraocredodoIslã,ea“pequenajihad”,alutacontraaquelesqueseopõemàmensagemdeMaomé.39

No tempodoprofeta, o Islã erauma religião abrangente, enão excludente,que se baseava nas práticas de outros contemporâneos.Maomé tinha ensinadoquetantojudeuscomocristãoseramahlal-Kitab(Povosdolivro),equeaTorá,os Evangelhos e o Sagrado Alcorão eram todos uma só escritura divina. Osprimeiros rituais islâmicos baseavam-se diretamente nas tradições judaicas.Deinício,osmuçulmanosoravamvoltadosnadireçãodeJerusalém,nãodeMeca.Ojejum compulsório do profeta começava no décimo dia (Ashura) do primeiromês do calendário judaico, diamais comumente conhecido como YomKippur.

Maomé tambémadotoumuitas leisdietéticase requisitosdepureza judaicos,eencorajava seus seguidores a se casarem com judeus, como ele próprio tinhafeito.40 Abaixo apenas do Alcorão, e também essencial ao Islã, está aSunna,conjunto de tradições coletivas associadas a Maomé, que incluem milhares dehistórias, ouhadith, todasmais oumenos baseadas nos atos e nas palavras doprofeta,oudeseusdiscípulosmaispróximos.O que havia de verdadeiramente revolucionário no conceito islâmico era o

caráter transétnico,não racial.O Islãédefinido,basicamente,porumasériedeaçõeseobrigaçõesquetodososseguidoresobservam.Emtese,asdiferençasdeidioma nativo, raça, etnia, geografia e classe social tornam-se irrelevantes. Arigor, desde o início, os indivíduos de ascendência africana tornaram-semuçulmanos (literalmente, “aqueles que se submetem” a Deus). Maoméencorajou a emancipação dos escravos mantidos por árabes; seu primeiromuezzin (indivíduo que convoca os crentes à oração) foi um ex-escravo etíopechamadoBilal.41

Com o tempo, o pluralismo religioso daummah— a comunidade islâmicatransnacional—foisubstituídoporummonoteísmoexclusivo.Depoisdamortedo profeta, entendeu-se que judeus e cristãos deveriam ser expulsos dacomunidade; séculos depois, estudiosos da lei islâmica dividiriam o mundointeiroemdois,odaral-Islam (Casado Islã) eodaral-Harb (Casa daGuerra),ouaquelesqueseopõemaoscrentes.Peloséculoviii,oIslãdominavaonortedaÁfrica,logopenetrandonoSudão

e nas regiões subsaarianas da África Ocidental. A elite árabe desse crescentemundomuçulmano tinha longa tradição de escravidão, e ao longo dos séculosmilhõesdeafricanosnegrosforamsubjugadosetransportadosparaondeéhojeoOrienteMédio,onortedaÁfricaeapenínsulaibérica.Há,porém,destacadosexemplos de negros convertidos ao Islã que ocuparam o poder no mundomuçulmano — como Yaqub al-Mansur, o governante negro que no século xiimandou no Marrocos e em parte do que é hoje Portugal e Espanha. Váriosgrandes impérios islâmicos dominaram a África Ocidental, do século xiv aoséculoxvi.Aocolonizar asAméricas eoCaribe,no séculoxvi, países europeustransportaram cerca de 15 milhões de escravos, como propriedade particular,para suas respectivas colônias. Uma minoria significativa era muçulmana: doscerca de 650mil levados involuntariamente para o que se tornaria os EstadosUnidos,entre7%e8%erammuçulmanos.42

Durante o século xix, muitos intelectuais negros do Caribe e dos EstadosUnidos foramatraídospelo Islã.Eraumaépocadecristianismoevangélicoededarwinismo social, que desenvolvia justificativas religiosas e científicas para asupremaciadaraçabranca.Pessoasdeascendênciaafricanasentiram-secadavezmaisatraídaspeloIslã,comoalternativaparaocristianismo.Ointelectualnegromais influentedesseperíodo foi, de longe,EdwardWilmotBlyden (1832-1912),quechegouaosEstadosUnidosprovenientedasAntilhasDinamarquesas,comocandidatoaocleroprotestante.DepoisdaaprovaçãodaLeidoEscravoFugitivo,permitindoquenegrosfossempresosedeportadosparaoSulescravista,Blydenpartiu para a Libéria em 1851. Nos dezesseis anos seguintes, teve umaextraordináriacarreiradeestudioso,viajanteediplomata.As contribuições de Blyden para a jornada espiritual e política de Malcolm

Littleforamtriplas.Primeiro,bemantesdeTheSoulsofBlackFolk[Asalmasdagente negra] (1930), deW. E. B. Du Bois, Blyden sustentou que a raça negratinhacertospontosfortesespirituaiseculturais,umapersonalidadecoletiva,queunia ahumanidadenegranomundo inteiro.43Duranteos anos 1960, essa ideiaserviria de alicerce para o chamado “nacionalismo cultural negro” — umprofundoorgulhoda antiguidade,dahistória eda cultura africanas, juntamentecom a celebração de rituais e da estética com base na África e na diásporanegra.44

Segundo, bem antes de Garvey, Blyden visualizara um programa de “pan-africanismo”—aunidadepolíticaesocialdospovosnegrosdomundointeiro—que resultou numa estratégia de migração de grupos de volta para a África.Blydenestavaconvencidodequeascondiçõesdevidaparaosnegrosamericanossetornariam,nofuturo,tãoopressivasquemilhõesretornariamparaaterradosancestrais. Seus escritos sobre pan-africanismo prepararam terreno para omovimento de volta para a África entre negros sulistas nos anos 1890 eforneceramargumentosintelectuaisparaosgarveyistasnageraçãoseguinte.Sua contribuiçãomais original, entretanto, foi vincular o pan-africanismo ao

IslãdaÁfricaOcidental.Emseuclássicotratadode1888,Christianity, Islamandthe Negro Race [O cristianismo, o Islã e a raça negra], ele afirmava que ocristianismo,apesardetersuasorigensnoOrienteMédio,transformara-senumareligiãodistintamenteeuropeia,queeradiscriminatóriaeopressiva. Insistiaemdizer que, entre as grandes religiões domundo, apenas o Islã permitia que osafricanospreservassemsuastradiçõescomintegridade.

No começo do século xx, a primeira organização religiosa significativa dosEstadosUnidos a identificar-se como islâmica foi oMoorish Science Temple ofAmerica[TemploAmericanodaCiênciaMoura].Ofundadordogrupo,umafro-americanonascidonaCarolinadoNortechamadoTimothyDrew,estabeleceuoculto em Newark, Nova Jersey, em 1913, como Cannanite Temple.Proclamando-se Noble Drew Ali, ele dizia aos seguidores que era o segundoprofeta do Islã, Mahdi, ou redentor. No Islã ortodoxo, Maomé é amplamentedescrito como o “selo dos profetas”, último de uma linhagem de profetascorânicosquecomeçacomAdão.Qualquer reivindicaçãodo statusdeprofeta éinerentemente blasfema, mas a divergência de Ali com os cinco pilares nãoparava aí. O texto sagrado do seu culto era oHoly Koran, também conhecidocomoCircleSevenKoran,umasíntesede64páginasextraídadequatrofontes:oAlcorão, aBíblia,Oevangelhoaquarianode Jesus,oCristo (versãoocultistadoNovoTestamento) eAvósconfio(publicaçãodaFraternidadeRosacruz,ordemmaçônicainfluenciadapelasescolasegípciasdemistérios).OgrandeapelodeNobleDrewAliparaosamericanosnegroserasimilaraos

argumentos de Blyden. Ali pregava que o Islã era o lar espiritual de todos osasiáticos,termoqueenglobavaárabes,egípcios,chineses,japoneses,americanosnegros, assim como várias outras etnias e nacionalidades. Os afro-americanosnão eram,de forma alguma,negros, insistiaAli,mas “umpovodepele cor deazeitona, descendente de marroquinos”. Consequentemente, os membrosadotavam nomes “islâmicos”, além de uma nova identidade, como negros“asiáticos” oumarroquinos. OMoorish Science Temple pregava que a religiãoautênticadosnegroserao Islã; sua identidadenacionalnãoeraamericana,masmoura;esuagenealogiaremontavaaCristo.45Oestranhocredoquasemaçônicode Ali atraiu centenas de seguidores em Newark, principalmente entre osmeeirosanalfabetoseosoperáriossemterraquepartiramapédazonaruraldosulnaondainicialdaGrandeMigração.Nofimdosanos1920,oMoorishScienceTempleafirmavater33milmembros,comtemplosnaFiladélfia,emBaltimore,Richmond, Petersburg (Virgínia), Cleveland, Youngstown (Ohio), Lansing,ChicagoeMilwaukee,entreoutros.OconhecimentodeAlisobreosprincípiosfundamentaisdoIslãortodoxoera

incompleto,paradizeromínimo.Eleexigiaqueosseguidoresadotassemmuitasleis dietéticas do Islã; comer carne de porco era proibido. O Moorish ScienceTemple e o Garveyismo se sobrepunham em alguns pontos, mas os dois

movimentos divergiam fundamentalmente. O Moorish Science Temple eraessencialmenteumculto, aopassoque aunia eraummovimentopopular commuitos líderes locais. No entanto, enquanto a unia se fragmentava, alguns ex-membros ingressaramnoMoorishScienceTemple,ou começarama influenciá-lo. Em março de 1929, Ali foi preso sob suspeita de assassinar um líder deoposição,SheikhClaudeGreene.Libertado sob fiança,morreumisteriosamentemesesdepois.Seumovimentoquasedeimediatosedividiuemfacções.Osdoismaiores grupos eram liderados, respectivamente, pelo ex-motoristadeAli JohnGivens-El, que dizia ser a reencarnação de Ali, e por Kirkman Bey, “GrandeSheikh”epresidentedaMoorishScienceTempleCorporation.Nosanos1940,osseguidores de Kirkman foram submetidos à intensa vigilância dofbi, e umnúmerosignificativodetemplosfoiinvestigadoporsedição.46OMoorishScienceTemple desintegrou-se em grande parte, depois da Segunda Guerra Mundial,restando-lhemenosde10milmembrosemtodoopaís;masfoielequepreparouterreno para expressões mais ortodoxas do Islã dentro dos Estados Unidosnegros.De um ponto de vista teológico, a seita mais bem-sucedida dos Estados

UnidosfoiomovimentoAhmadiyya,fundadoporHazratMirzaGhulamAhmad(c. 1835-1908) no Punjab. De início, ela aderia aos princípios fundamentais doIslã,masem1891Ahmaddeclarou-seMahdidoIslã,comoumavatardeKrishnaparaoshindusouummessiasparaoscristãos.Anosdepois,afirmou,alémdisso,que Cristo não morreu na cruz, mas sobreviveu, e foi para a Índia, ondefinalmente morreu e ascendeu, fisicamente, aos céus. Essas pretensõesindignaramosmuçulmanos,quedeclararamaseitablasfemaeherética.DepoisdamortedeAhmad,em1908,acausaAhmadiyyadividiu-seentreosQadianis,afacção mais conservadora, ligada às classes de proprietários de terras ecomerciantes,quedefendiaarigorosaobservânciadaversãodoIslãpregadaporGhulam Ahmad, e o grupo mais liberal, os Lahoris, que apoiavam areaproximaçãoaoIslãortodoxo.47

Entre1921e 1925, a causaAhmadiyya fez suaprimeiragrande incursãonosEstados Unidos, quando o primeiro missionário Qadiani, Mufti MuhammadSadiq, convenceumais demil americanos brancos e negros a se converterem.Muitos muçulmanos Ahmadiyya afro-americanos aderiram à fé em Chicago eDetroit, cidades onde a unia também tinha forte presença. Em julho de 1921,Sadiq lançou a primeira revistamuçulmana nosEstadosUnidos, aTheMuslim

Sunrise, por meio da qual estendeu a mão aos Garveyistas, encorajando-os aligarem o Islã à sua defesa do nacionalismo negro e do pan-africanismo. Nonúmerodejaneirode1923,eledeclarou:

Meuqueridonegroamericano...Osoportunistascristãostrouxeram-nodesuasterrasnativasnaÁfricae,

aocristianizá-lo, fizeram-noabandonarareligiãoea línguadeseusantepassados—queeramoIslãeo

árabe.Vocêviveaexperiênciadocristianismohá tantosanos,e ficouprovadoqueelanão lhe serve.É

umfracasso.Ocristianismonãopodetrazeraverdadeirafraternidadeentreasnações.Éhoradeesquecê-

lo.Venhajuntar-seaoIslã,averdadeirafédaFraternidadeUniversal,queacabadeumavezcomtodasas

distinçõesderaça,corecrença.48

Apesardoseuproselitismo,noentanto,Sadiqnãoeraumlídernato.Nofim

dos anos 1920, omovimento definhava;mas nãomorreu por completo. Sob aorientaçãodeumnovolíder,SufiBengalee,omovimentoAhmadiyyaressurgiu.Em1929-30,BengaleefezmaisdesetentapalestraspúblicasnosEstadosUnidos,atingindomilhares de pessoas.O intuito demuitos desses encontros era atrairgruposnegrose inter-raciais.Porexemplo,emnovembrode1931,oprograma“Como Derrotar o Preconceito de Cor e de Raça?”, patrocinado por Ahmadi,atraiumaisde2milpessoasemChicago.Em1940,porintermédiodesuaamplarede missionária, os Ahmadis diziam ter convertido entre 5 mil e 10 milamericanos, metade deles afro-americanos. Os principais centros missionáriosdos Ahmadis ficavam em Washington, d.c., Pittsburgh, Cleveland, Chicago eKansas City (Missouri).49 O movimento foi em grande parte responsável porapresentaroAlcorãoealiteraturaislâmicaaumgrandepúblicoafro-americano.Como muitos dos pregadores escolhidos por Sadiq eram negros, algunsgarveyistasforamatraídospelomovimento,muitoemboraocarátermultirracialdo Ahmadiyya dificultasse a conversão para amaioria dos garveyistas negros.NaépocadaGrandeDepressão,seunúmeroaindaerasignificativamentemenordoqueodosadeptosdoMoorishScienceTemple.50

Foi nesse contexto social em rápida transformação que um vendedorambulante de pele cor de azeitona, que dizia chamar-se Wallace D. Fard,apareceu no gueto negro de Detroit. Ele regalava seus ouvintes pobres comhistórias exóticas do Oriente, misturadas com as ideias militantes, hostis aosbrancos, do garveyista leal e sólido.51 Anos depois, quando ele já contava comnumerososadeptos,correuoboatodequetinhanascidoemMeca, filhodepais

ricos da tribo Koreish, ligada, pelos ancestrais, ao próprio Maomé.52 Outrosachavam que Fard tinha sido líder local do Moorish Science Temple na CostaOestedosEstadosUnidos.Fard (pronuncia-seFA-rod) pregava no estilo emocional dos pastores

pentecostais,conclamandoosouvintesaevitaremoálcooleotabaco,elouvandoas virtudes da fidelidade matrimonial e da vida em família. Os negrosprecisavam trabalhar muito, poupar seus parcos recursos e, se possível, serdonos da própria casa e de umnegócio.Meses depois, quando já tinha atraídoadeptos solidários, sua mensagem deu um giro apocalíptico, quando ele“revelou” que, na realidade, era um profetamandado por Deus para pregar amensagemdasalvação.Osafro-americanosnãoeramnegrosde formaalguma,anunciou,“masmembrosdatriboperdidadeShabazz,quetraficantesraptaramna cidade sagrada deMeca 379 anos atrás...O povo original tem de recuperarsua religião, que é o Islã, sua língua, que é o árabe, e sua cultura, que é aastronomiaeamatemáticaavançada,especialmenteocálculo”.53

FardusavaafísicaelementarparadesafiaracrençanaBíbliaqueosouvintesjamaistinhamquestionado.Posteriormente,explicouumdosseusprosélitos:

Aprimeiravezque fuiaumareuniãoouvideleoseguinte:“ABíblia lhesdizqueoSolnasceesepõe.

Não é bem assim. O Sol fica parado. Toda a vida vocês acreditaram que a Terra nunca se move.

Levantem-se,olhemparaoSolesaibamqueéaTerra,ondeestãoempé,quesemove”.Atéaqueledia,

euiasempreàIgrejaBatista.Depoisqueouviosermãodoprofeta,mudeicompletamente.54

Fard não afirmava que era divino: dizia-se profeta, como Maomé, e

acrescentou a seu nome o nome Muhammad [Maomé]. Em 1931, a notícia deseuspolêmicos sermões atraiumilhares denegros,muitos dosquais buscavamdesesperadamente uma mensagem de esperança enquanto o país afundava nadepressão.Fardescreveudoistextosbásicos:“TheSecretRitualoftheNationofIslam” [Oritual secretodaNaçãodo Islã],panfletoquegeralmenteera lidoemvozaltaequeosadeptosdeveriamsaberdecor,eomanual “Teaching for theLost-FoundNationofIslaminaMathematicalWay”[EnsinamentosmatemáticosparaaNaçãodoIslãPerdidaeReencontrada].Afiliaçãoà“Lost-FoundNationofIslam”[NaçãodoIslãPerdidaeReencontrada]exigiadosconvertidos“oretornoà sagrada Nação original”. Os membros eram obrigados a abandonar seussobrenomes, que Fard ridicularizava, identificando-os com a escravidão. Em

troca, prometia conceder a cada novomembro “um nomeOriginal”, impressonuma carteira nacional de identidade, mostrando que o portador era ummuçulmano honrado. Os membros recebiam um conjunto de perguntas erespostas,paraseremdecoradas:

P:“Porque[Fard]Muhammadequalquermuçulmanodevemmatarodemônio?Qualéodeverdetodo

muçulmanocomrelaçãoaosquatrodemônios?Querecompensarecebeomuçulmanoporapresentaros

quatrodemôniosaomesmotempo?”

R:“Porqueeleé1%mauenãopreservaráeobservaráasleisdoIslã.Seusmodoseaçõessãocomouma

serpentedotipoenxertado.ComoMaoméaprendeuquenãopodiareformarosdemônios,elestiveram

de ser mortos. Todo muçulmano matará o demônio, porque sabe que ele é uma serpente e que, se

continuarvivo,picaráoutrapessoa.Decadamuçulmanoexige-sequetragaquatrodemônios,eaotrazer

e apresentar os quatro ao mesmo tempo, sua recompensa é um botão para ser usado na lapela do

sobretudo,quetambémcorrespondeaotransportegratuitoparaacidadesagradadeMeca.”55

A dimensão mais polêmica da pregação de Fard dizia respeito aos euro-

americanos.SeosamericanosnegroseramaomesmotempoasiáticoseopovooriginaldaTerra,oque seriamosbrancos?Omotivoque levara tantoMarcusGarveycomoNobleDrewAliaofracasso,ensinavaFard,eraofatodenenhumdeles tercompreendidoperfeitamenteaverdadeiranaturezadosbrancos:comoMalcolm Little aprenderia depois, os brancos eram “demônios”. Para explicarisso, Fard apresentou sua parábola, a história de Yacub, que tinha como pontocentralocomplôgenéticodeum“arrogante”cientistachamadoYacub,quetinhavividomilharesdeanosatrás.MembrodaelevadatribodeShabazz,Yacub,nãoobstante,usousuashabilidadescientíficasparaproduzirmutaçõesgenéticas,queculminaram na criação da raça branca. Apesar de banidos para as cavernas doCáucaso, os naturalmente habilidosos e astutos homens brancos acabaramassumindo o controle de toda a terra.Depois, o povo original, de acordo comFard,“foidormir”mentaleespiritualmente.AtarefadaNaçãodoIslãeratiraro“perdidoereencontrado”homemnegroasiáticodoseusonosecularetrazê-lodevoltaàvidaconsciente.56

A satanização da raça branca, a glorificação dos negros e a misturabombásticade Islãortodoxo, ciênciamourisca enumerologia compunhamumasedutora mensagem para afro-americanos desempregados e desiludidos, queestavam à procura de uma nova causa unificadora, depois da desintegração do

garveyismo e das inadequações do Moorish Science Temple. Certa noite deagosto de 1931, Fard proferiu um sermão para uma plateia de centenas depessoas,noantigosalãodaunianaWestLakeStreet,emDetroit.Umjovememparticular,ummigrantedaGeórgiaquetinha33anosesechamavaElijahPoole,ficou impressionado com o sermão. Ao recordar o episódio, ele disse que seaproximoudeFardefaloucombrandura:“Seiqueméosenhor—osenhoréopróprioDeus”.“Issomesmo”,respondeuFardtranquilamente.“Masnãodigaaninguémpor

ora.Aindanãoéhoradesaberemquemsou.”57

Nascido em Sandersville, Geórgia, em 1897, Poole foi durante anos umoperário qualificado e trabalhou no estado natal como capataz numa olaria.Magro, forte, de estatura abaixodamédia, aos 22 anosmudou-separaDetroit,junto com a mulher, Clara, e rapidamente se tornou membro ativo da unia.QuandoGarvey foipresoeexiladoem1927,Poolepassouaprocurarumnovomovimentodedicadoaoorgulhoracialnegro.EmFard,elesentiuapresençadeum líder messiânico capaz de concretizar os sonhos estilhaçados dosgarveyistas.58

O grande número de convertidos à Nação do Islã exigiu de Fard queinstituísse rudimentaresunidadesadministrativas, criandoumnívelde tenentesecapitãeslocais,eumpequenonúmerodeministrosassistentes.Elecomeçouapromover os seguidores mais dedicados. Em 1932, a seita estabeleceu umapequena escola paroquial emDetroit, seguida por outra emChicago dois anosdepois.Paraosmembrosdosexomasculino,estabeleceu-seoFrutodoIslã(FruitofIslam,foi),corpodepolíciaparamilitarqueempoucotemposetornouaforçadesegurançadaorganização.MulheresemeninaseramorganizadaspormeiodeaulasdoTreinamentodeMoças Islâmicas (MuslimGirlsTraining,mgt),queasinstruíanopapeldeesposasmuçulmanas.59

Nos desesperadosmeses de 1932, quando o índice de desemprego entre osnegros em Detroit chegou a 50%, o grupo que cercava Fard expandiu-seexponencialmente, e, com sua sorte ascendente, ascendeu também a sorte deElijah Poole. Apesar de Poole ser um orador público fraco, sem carisma, oumesmosemos requisitosbásicosdedomínioda língua,Fardviunelequalquercoisa, concedendo-lhe um nome original, Elijah Karriem, e um título de “altoobreiro”.LogopassouarepresentarFardemdiversasfunções,masnenhumdosdoistinhaprevistoavigilânciaeaintimidaçãodapolíciadeDetroit.Nanoitede

20denovembrode1932,RobertHarris,membrodaNaçãodoIslã,foipresoporumassassinatoritualístico;eletinhapenduradoavítimanumacruzdemadeira,deixando-a morrer crucificada. Sob interrogatório, Harris disse que o ato eranecessárioparaquesuavítima“voluntária”pudesse tornar-seum“salvador”.Ahistóriaganhouasmanchetes, e aNaçãodo Islã foi imediatamente rotuladade“cultovodu”.Apolícia invadiuasededogrupo,prendendoFardeumdosseustenenteslocais.Harrisfoi,subsequentemente,enviadoparaummanicômio,masaNaçãodoIslãcontinuousobintensavigilânciapolicial;Fardfoipresoemduasoutras ocasiões. Finalmente, em 26 de maio de 1933, fugiu de Detroit paraChicago, onde seus recentes esforçosmissionários tinham sido particularmentebemrecebidos.60

FardnomeouKarriem“ministrosupremo”.Seguiu-seumaferozdisputaentreaqueles que se julgavam preteridos, na maioria gente mais instruída do queKarriem,emaiseloquente.MasadiscórdiaserviuapenasparareforçaremFardaconvicçãodequeElijaheraomelhorcandidato.Erebatizoumaisumavezseutenente,dessavezdando-lheonomedeElijahMuhammad.Então,em1934,Fardsimplesmenteevaporou-se.61Aúltimanotíciapúblicade

qualquer tipo amencioná-lo emChicago éum registro policial, datadode 2 desetembrode1933,citandosuaprisãoporcondutaimprópria.62

Mesmo antes dessemisterioso desaparecimento, seus seguidores haviam sedivididonitidamentenabrigapelasucessão.UmaexpressivamaioriaemDetroitse opôs, comveemência, à ascensão deElijah, que não teve outra opção senãolevaramulher,osfilhoseumpunhadodeseguidoresparaoexílioemChicago.Mesmo ali, sua liderança foi logo contestada pelo irmão mais novo, KallatMuhammad, que tinha sido nomeado “capitão supremo” por Fard. Um dosministros assistentes em Chicago, Augustus Muhammad, desertou e foi paraDetroit,ajudando,maistarde,alançaraorganizaçãonegraamericanapró-Japão,Development of Our Own [Desenvolvimento por conta própria].63 Na décadaseguinte,amaioriadosmembrosdaNaçãodoIslãabandonouoculto,indoparaseitas cristãs ou tornando-se muçulmanos Ahmadiyyas. Elijah Muhammadrecusou-seadesistirepercorreuasestradasduranteanos,comoumevangelistaitinerante,pedindodoaçõesparaseussermõesafimdegarantirasobrevivência.Anos depois, tradicionalistas danoiveriamparalelos entre a fuga deMeca peloprofetaMaoméem622a.C.easandançasdeElijahMuhammad.64EmboraElijahnãofosseumoradorcarismático,suapersistêncialherendeuseguidores.

Aindasobestritavigilânciadofbi,em8demaiode1942ElijahfoipresoemWashington,sobaacusaçãodenãocomparecerparaalistar-seeaconselharseusadeptos a resistirem ao serviço militar.65 Condenado, foi libertado apenas emagosto de 1946. De alguma forma, a Nação do Islã conseguiu sobreviver, emgrande parte graças aos talentos administrativos de suamulher, Clara, que setornouespecialmenteativanadireçãodotemplodeChicago,correspondendo-seregularmente com omarido e visitando-o na prisão.66 Mas os árduos anos devida clandestina e as demandas da vida na prisão o desgastaram. A asma deMuhammad e outros problemas crônicos de saúde se agravaram, seu corpotornou-sefrágilemagro,masaexperiênciadeisolamentoforçadolhedeutempode sobrapara reformulara inexpressiva seita à suaprópria imagem.Passaria ausarseu“martírio”paraconvencerantigosmembrosavoltaremparaaNação.Anos antes da prisão, Elijah Muhammad revelara a seus seguidores mais

próximos que Fard tinha lhe dito, em caráter privado, que ele, Fard, eraDeusem pessoa. A elevação de Fard da condição de profeta à de salvador tambémimpulsionouElijahparaopapeldeúnico“MensageirodeAlá”.Posteriormente,Elijahexplicouqueumanjo tinhadescidodos céus comumamensagemparaaraçanegra.“EsseanjonãopodeseroutrosenãomestreW.D.FardMuhammad,que veio da cidade sagrada de Meca, Arábia, em 1930.”67 Dessa maneira, orecipiente de uma mensagem tornou-se, ele próprio, a mensagem para o seupovo.Malcolm soube de tudo isso — os ensinamentos, a perseguição, o

desaparecimento de Fard e o triunfo final de Elijah Karriem — em Norfolk.Lendoas cartasdos irmãos e as cartasocasionais dopróprioElijah, comqueminiciara uma correspondência,Malcolm envolveu-semais ainda nomundo e navisão daNação do Islã. Logo se convenceu da divindade de Fard. “Omaior emaispoderosoDeusqueapareceuna terra foimestreW.D.Fard”, apregoariaMalcolm,mais tarde. “Ele veio doOriente para oOcidente, aparecendo numaépocaemqueahistóriaeaprofeciaqueestãoescritaserampostasemprática,quando os povos não brancos do mundo inteiro começaram a levantar-se, equando a demoníaca civilização branca, condenada por Alá, por sua próprianaturezadiabólicasedestruíaasimesma.”68

Sob a liderança de Fard, os pregadores da Nação tinham, desde sempre,mencionadoa inevitabilidadecósmicadodeclíniodaraçabranca,associando-aauma visão apocalíptica dos últimos dias. Tanto Fard como Elijah Muhammad

usarama“RodadeEzequiel”,umahistóriadaTorá,paraexplicaraexistênciadeum dispositivo mecânico celeste que poderia salvar os fiéis. Em seu trabalhomais lido,Message to the Blackman in America [Mensagem ao homem negronosEstadosUnidos],Elijahdeua issoênfaseaindamaiordoqueFard,alémdeapresentardetalhesespecíficossobreoiminenteapocalipse:

Háumarodasemelhantenocéu,hoje,quecorrespondemuitobemàdescriçãodavisãodeEzequiel...A

Grande Roda, quemuitos de nós vemos hoje no céu é... um avião projetado como uma roda. Nada

parecidocomesseaviãosemelhanteaumaroda jamais foivisto...Esteaviãodehoje,conhecidocomo

NaveMãe,medemetadedemeiamilhaeéomaiorobjetomecânicofabricadopelohomemnocéu.É

umpequeno planeta humano que tem o objetivo de destruir omundo atual dos inimigos deAlá... É

capazdepermanecerdeseisadozemesesnoespaço,sementrarnagravidadedaterra.Transporta1500

aviõesbombardeiros,comosexplosivosmais letais—dotipousadoparaproduzirmontanhasnaterra.

Omesmométodoseráusadonadestruiçãodomundo.69

ParaElijahMuhammad,omundoestavadivididoemdois:acomunidadede

crentes devotos, que incluía “asiáticos” e “negros asiáticos”, como os negrosamericanosquepodiamserconvertidos;e,nos termosdo Islãortodoxo,aDar-al-Harb [Casa da Guerra], todos os europeus ou povos brancos, os demônios.Nenhuma reconciliaçãoou integraçãoerapossívelou concebível. Seosmilhõesdeamericanosnegrosnãopodiamvoltar, fisicamente,paraaÁfrica,entãoumapartição dos Estados Unidos, ao longo de divisórias raciais, tinha de serinstituída.Afro-americanosdemeia-idadeemaisvelhos,quetinhampertencidoàunia, reconheceram de imediato o programa deMuhammad como semelhanteaodeGarvey,mascomumaespéciedefúriaapocalípticadefundamentodivino,e tal programa acendeu emMalcolm uma faísca revolucionária de uma formaqueogarveyismojamaisfizera.Umavezquenemaemigraçãoemmassanema secessãodeváriosestados

sulistas dos Estados Unidos sob autoridade negra eram prováveis num futuropróximo,Muhammad aconselhou seus seguidores a se retiraremda vida cívicaativa.Asinstituiçõespolíticasamericanasjamaisassegurariamaigualdadeparaopovo original. Muhammad pregava que registrar-se para votar, ou mobilizarnegros para enviar petições aos tribunais, como fazia anaacp, era perda detempo. Nos anos imediatamente anteriores aBrown v. Board of Education[BrowncontraaSecretariadeEducação],adecisãodemaiode1954quebaniua

segregação racial nas escolas públicas do país, os argumentos de Muhammadpoderiam ser, razoavelmente, defendidos, mas seu “público” entre os negroscontinuavapequeno.Até1947,elesóconsolidaraocontrolesobreosseguidoresde Fard em quatro cidades—Washington,Detroit,Milwaukee e sua sede emChicago.70 O número combinado de membros da Nação era de quatrocentos,quantidade insignificante se comparada com os milhares de afro-americanosfiliados ao crescentemovimentoAhmadiyya,oumesmocomos remanescentesemdeclíniodoMoorishScienceTemple.Apesardisso,haviatambémumgrupoemexpansãodepresosnegrosquese

convertiamàNaçãodoIslãaindanopresídio,ondeadepressãodoconfinamentotornava os detentos particularmente vulneráveis. A experiência de prisão dopróprioMuhammad lhe ensinara a canalizar seus esforços de recrutamento emcriminososcondenados,alcoólatras,viciadosemdrogasesexo.Malcolmeraumdesses,e,enquanto,sentadonoisolamentodaprisão,escreviacartasparaElijahquase todos os dias, a intensidade do seu compromisso cresceu até chegar àaceitaçãototal.

A vida na prisão despedaça a alma e a vontade de qualquer um que a

experimente. “Destrói absolutamente o pensamento”, observou AntonioGramsci, em seus cadernosdeprisão. “Elaopera comoummestre artesãoquerecebe um belo tronco de oliveira madura para esculpir uma estátua de sãoPedro; ele tira um pedaço aqui, outro pedaço ali, dá forma aproximada àmadeira, modifica-a, corrige-a — e acaba fazendo um cabo para a sovela dosapateiro.” Confinado nas prisões de Mussolini mais de uma década, Gramscilutouferozmenteparapreservarseusobjetivos,ecomotemposedeucontadeque sópormeiodeumdedicadoprogramadeengajamento intelectualpoderiasuportarosofrimentofísico.Escreveu:“Desejo,seguindoumplanofixo,dedicar-me intensa e sistematicamente a algum assunto que me absorva e dê foco àminhavida interior”.71Diantededilema semelhante,Malcolmdedicou-se aumrigorosoprogramadeestudos.Aofazerisso,reconstruiu-seconscientementenosmoldes do agora famoso “intelectual orgânico” deGramsci, criando os hábitosque, anos depois, se tornariam lendários. Seus poderes de dedicação eautodisciplina eram extraordinários, e diretamente opostos ao comportamentoinstável dos primeiros anos. O trapaceiro desapareceu, o lado palhaço de

desobediência,deixandoemseulugarovoluntariosoprovocadordaautoridade.EmNorfolk,ospresosnoclubededebatestravavamdisputassemanaissobre

assuntos variados. Malcolm e Shorty, que também tinha sido transferido paraNorfolk, encontraramum fórumpara as novas crenças e os novos argumentosde Malcolm. “Ali mesmo na prisão, debater, falar para uma multidão, foi tãoestimulante como a descoberta do conhecimento por intermédio da leitura”,escreveuMalcolm.“Alidepé,aquelesrostosvoltadosparamim,palavrassaindoda minha cabeça para a boca, enquanto o cérebro procurava o que havia demelhor para dizer em seguida, e se pudesse trazê-los para omeu lado fazendotudo corretamente, então eu ganhava o debate — quando senti o gostinhodaquilo, continuei debatendo.”72 Logo o assunto formal deixou de terimportância. Malcolm tornara-se debatedor experiente, pesquisandoexaustivamenteseusassuntosnabibliotecadaprisãoeplanejandoaapresentaçãodos argumentos. O tema comum de seus discursos públicos, entretanto, era adenúnciadaideiadesupremaciabranca.Malcolm começou a aperfeiçoar o que se tornaria seu estilo oratório

inconfundível. Tinha excelente voz de tenor, que o ajudava a atrair ouvintes.73

Porém, mais raro ainda era o modo de usar a voz para transmitir seuspensamentos.Tendoatingidoamaturidadenaépocadasgrandesorquestras,elerapidamentecaptouacadênciaeossonsdepercussãodojazz,einevitavelmenteseuestilodeoradoremdesenvolvimentoincorporoutalcadência.74

Uma vez que ele começou a reeducar-se, não havia limite para a busca defatos e inspiração. Na biblioteca de Norfolk, Malcolm devorou os escritos deestudiososinfluentes,comoW.E.B.DuBois,CarterG.WoodsoneJ.A.Rogers.Estudouahistóriadocomérciotransatlânticodeescravos,oimpactoda“peculiarinstituição” da escravidão de propriedade privada nos Estados Unidos e asrevoltas afro-americanas. Informou-se, com satisfação, sobre o levante de NatTurner naVirgínia em 1831, que lhe ofereceu um exemplo claro de resistêncianegra:“Turnernãoandavaporaípregandoquimerase liberdade ‘nãoviolenta’paraohomemnegro”.Malcolm tambémnão restringiu seus estudos àhistóriados negros. Percorreu Heródoto, Kant, Nietzsche e outros historiadores efilósofos da civilização ocidental. Impressionou-se com o relato do MahatmaGandhi sobrea lutaparaexpulsaros inglesesda Índia; ficouhorrorizadocomahistóriadasguerrasdoópionaChinaecomasupressãoeuropeiaeamericanadarebelião Boxer. “Eu seria capaz de passar o resto da vida lendo”, refletiu ele.

“Achoqueninguémjamaisganhoutantoindoparaaprisãocomoeu.”75Malcolminiciara seus estudos com a ideia de tornar-se, como Bembry, um respeitadosábioatrásdosmurosdaprisão.Mas,pertodofimde1948,aamplitudedasuacompreensãofizeradeleumcríticopenetrantedosvaloreseinstituiçõesbrancosdo Ocidente. Havia algo de passivo em ensinar, e Malcolm nada tinha depassivo.Sua rotina emNorfolk lhe proporcionava tempo livre para corresponder-se

amplamente com parentes e amigos, e ele se tornou um missivista dedicado.NumbilhetesemdataparaPhilbert,provavelmenteescritoemmeadosde1948,mostrava-sepreocupadocomfofocasdefamília.“Phil,amomeusirmãoseirmãs.A rigor, são as únicas pessoas que tenho e amo no mundo. No entanto”,ressaltou,“nuncadiga‘estamoscontentesdetê-locomoirmão’.”Essalinguagemlhecheiravamaisatolerânciadoqueaamor.“Emcircunstânciaalguma, jamaisme faça sermões”,76 advertiu. Malcolm continuou também a corresponder-secom Elijah Muhammad, e no fim de novembro o tom de suas cartas paraPhilbertmudara.Agora começava suas cartas com a declaração: “Emnome deAlá,obeneficente,omisericordioso,ograndedeusdoUniverso...eemnomedeseu santo servo e apóstolo, o nobre Elijah Muhammad...”. Agradecia aosparentes por o terem conduzido à graça da orientação de Elijah Muhammad.Agora adepto devoto danoi, dizia acreditar que “as coisas estão fervendo poraqui...Não sei direitooque acontece,mas sei que é algodirigidopelamãodeAlá, e que livrará o planeta desses demônios desgraçados”.77 O novocomprometimentodeMalcolmsemdúvidalhedavaoutromotivoparadescobrirumjeitodesairdaprisão.Suas cartas eram repletas de versos. Explicava: “Soumesmo obcecado com

poesia.Quandopensamosemnossavidapassada,sóapoesiaseajustaaograndevaziocriadopeloshomens”.78Maistarde,aindanaquelemês,eleescreveu:“Voucompletar três anos [de prisão] no dia 27 deste mês. Querosair este ano, sepuder”.Masreconheciaquealiberdadecondicionaleraaltamenteimprovável.“Épor minha culpa que estou aqui”, admitiu. “Toda essa provação, porém, mebeneficiou imensamente, porque acordei para aquilo queme cerca.Certamentefuidespertadodamaneiramaisrude,humm?”79

Emoutra cartaparaPhilbert, seuspensamentos sevoltavampara apolíticaracial. “Sim, estou ciente de que muitos irmãos foram postos em instituiçõesfederaispornãotomaremparteativanaguerra.Vocêdevelembrarmuitobem

que eu também teria preferido ir para a cadeia.” Apesar de não ter ouvido osensinamentos de Elijah durante a Segunda Guerra Mundial, Malcolm afirmouque“naépocaeu tinhaconsciênciadodemônioe sabiaqueera tolicearriscaropescoçolutandoporalgoquenãoexistia”.Manifesta,também,umanovaestimapelamãe.80

Reginald visitou-o no fim de 1949, mas nem tudo ia bem. Malcolm ficouespantadoquandooirmãocomeçouafalarmaldeElijahMuhammad.Elesoube,depois, que Reginald fora expulso da Nação do Islã por ter mantido relaçõessexuaiscomasecretáriadotemplodeNovaYork.Reginalderaoirmãodequemse sentiamais próximo, e seu descontentamento provocou uma crise de fé emMalcolm, que só seria revelada, parcialmente, naAutobiografia. Como erapossívelqueumareligiãoquesededicavaaredimir todososnegrosexpulsasseReginald?Frustradoeconfuso,escreveu,de imediato,umacartaparaElijahemdefesado irmão.Nanoiteseguinte,nasolidãodacela, julgoutersidoacordadopelavisãodealguémquelheeramuitopróximo:

Trajavaternoescuro.Euoviclaramente,comovejoalguémqueestejadiantedemim.Nãoeranegroe

nãoerabranco.Tinhapeleclara,semblantedefeiçõesasiáticasecabelosnegrosoleosos.Mirei-onorosto.

Não tive medo. Sabia que não estava sonhando. Não consegui me mexer, não falei nada, nem ele...

Limitou-seaficaralisentado.Derepente,assimcomoentrou,saiu.81

Com o tempo, passou a acreditar que tinha visto “mestre W. D. Fard, o

Messias”.82 Dias depois, Elijah Muhammad enviou-lhe uma resposta severa,repreendendoonovodiscípuloporsuaspreces.“Sevocêjáacreditounaverdade,eagoracomeçaa terdúvidas,éporquenuncaacreditounaverdade”,83 acusavaElijah.Essa carta recriminadora, combinada com a visão crepuscular de “mestre

Fard”, convenceu Malcolm de que a censura a Reginald era não apenasjustificada,masabsolutamentenecessária.Seusatosnãopoderiamsertoleradosdentro da pequena comunidade danoi.Meses depois, quandoReginald lhe fezoutra visita,Malcolm percebeu sua deterioração física emental, e concluiu queera prova do “castigo de Alá”. Anos depois, o completo colapso mental levouReginald a ser internado num manicômio. Para Malcolm, que lutava paracompreenderodestinodo irmão, sóhaviaumaexplicação:Reginald forausadoporAlá“comoisca,comochamarizparaalcançarooceanodeescuridãoondeeu

meachavaesalvar-me”.84

Nocomeçodos anos1950,Malcolm tinha convertidováriosoutrosdetentosnegros, incluindo Shorty. O pequeno grupo começou a exigir concessões dosadministradores, alegando que exerciam o direito de liberdade religiosa.Pediram que o menu de Norfolk fosse mudado, para incorporar as restriçõesdietéticasdosmuçulmanos,erecusaram-seasubmeter-seàsvacinaçõesmédicasde praxe. Funcionários de Norfolk viram nesses pedidos uma perturbação daordem,eemmarçode1950MalcolmeShortyforaminformadosdequeseriamtransferidos de volta paraCharlestown, junto comoutrosmuçulmanos negros.Os funcionários de Norfolk também registraram que as cartas de Malcolmforneciamprovasirrefutáveisda“suaantipatiapelaraçabranca”.85

Malcolmtentouexplicaratransferênciaparasimesmodamelhorformaquepôde. “Norfolk estavame irritando demuitasmaneiras, e eu não tinha toda asolidão que queria ter”, queixou-se ele a Philbert. “Aqui permanecemos emnossascelasdezessetedas24horasdodia...”Tambémrelatouumabrevevisitada irmã: “Ella queria tentar tirar-meda prisão.Quedevo fazer?Antes, quandomeperguntavaseeuqueriasair,eurespondia‘nãofaçoquestão’.Massábadoeulhedisseparafazeroquepudesse”.86

Malcolm começou a agitar para obter concessões ainda maiores, impelidopelos requisitos da sua fé. Ele e outrosmuçulmanos não apenas insistiram emmudanças na alimentação, mas também nas regras que governavam asvacinaçõescontraafebretifoide;pediramtransferênciaparacelasvoltadasparaoleste,a fimdepoderemfazer suasoraçõesmais facilmentenadireçãodeMeca.Quando o diretor da prisão negou os pedidos, Malcolm ameaçou levar suasreclamações ao consulado egípcio nos Estados Unidos, e com isso o diretorrecuou.Amídialocalfoiinformadadacontrovérsia,eváriosartigosapareceram,osprimeirosaapresentaremMalcolmaumaplateiapública.Em20deabrilde1950, oBoston Herald noticiou o incidente sob o título “Quatro detentos setornammuçulmanos e conseguem celas voltadas paraMeca”.Mais pitoresco edescritivofoioartigodoSpringfieldUnion:“Criminososlocais,naprisão,juramprofessar agora a fé muçulmana: deixam crescer a barba, recusam-se a comercarne de porco e exigem celas voltadas para o leste, para facilitar as ‘preces aAlá’”.87

Nomeiodacontrovérsia,Malcolmenviouumacartasóbriaeminuciosaparao comissário do Departamento Penal de Massachusetts. Sua intenção era

apresentarexemplosdediscriminaçãocontramuçulmanos,fazendoumapeloemdefesademaiorliberdadereligiosa.DestacouocasodeummuçulmanoqueforapostoemconfinamentosolitárioemNorfolkdurantequatromeses.“EleabraçouoIslãcomtodoocoração”,escreveuMalcolm.“E,comisso,incorreunaira[dasautoridades da prisão]. O irmão, por querer sernegro (em vez de ‘preto’ ou‘mulato’),porseudesejodeserumbommuçulmano...estásendomaldosamenteperseguido.”Numa segunda carta para o comissário, e em sua correspondência

subsequente,elemudoudeargumento,acusandoasautoridadesdeCharlestownde restringirem severamente os livros de autores negros disponíveis nabiblioteca da prisão. O tom era intelectual, mas cada vez mais intenso econtencioso.“Arigorécontraa‘lei’umhomemnegroleraseuprópriorespeito?(não me faça rir!)”, queixou-se. Lamentava o cerceamento sofrido pelosmuçulmanosque, segundoele, nada fizeramde errado, e comparavao casodeummuçulmano negro impedido de ingressar numa oficina de alfabetização dopresídiocomo“doshomossexuaispervertidos”,que“mudamdeserviçosempreque querem mudar, ou conseguem novos ‘maridos’”. Em linguagem maisexplícitadoqueantes,advertiuocomissáriodequeosmuçulmanosprefeririammanter-seafastadosdosoutrospresos,mas,se lhesnegassemtratamento justo,seriam forçados a perturbar a ordem. “Se for desejo de Alá que a paz acabe”,previu Malcolm, “a paz acabará.”88 Era um passo além da autoinvenção:Malcolm, na verdade, desenvolvia seus poderes de protesto. Ensinava-se a simesmoaserumgrandeorador.Emjunhode1950,osEstadosUnidosiniciaramaçõesmilitaresnaCoreia,sob

os auspícios dasNaçõesUnidas, para suprimir a insurgência comunista. Em20de junho, Malcolm escreveu uma carta para o presidente Truman, declarandoinsolentemente sua oposição ao conflito: “Sempre fui comunista”, escreveu.“Tentei alistar-menoExército japonês,naúltimaguerra, agoranuncamaismeconvocarão ou me aceitarão no Exército dos Estados Unidos. Todos sempredisseramquemalcolmélouco,portantonãoédifícilconvenceraspessoasdequesoulouco.”89

Foi essa carta que atraiu as atenções dofbi, que abriu um arquivo sobreMalcolm que jamais foi fechado. Também assinalou o início de uma vigilânciapolicialquecontinuariaatésuamorte.Malcolm sustentou sua campanha de cartas ao longo de 1950 e começo de

1951, dirigindo-se até a pessoas que o conheceram como delinquente juvenil.Uma dessas cartas, datada de 14 de novembro de 1950, foi endereçada aoreverendo Samuel L. Laviscount, de Roxbury. Ao que tudo indica, Malcolmassistira vez por outra a reuniões na Igreja Congregacional de SãoMarcos, deLaviscount, em 1941. “Caro irmão Samuel”, começava a carta. “Quando eu eracriança agia como criança, mas desde que me tornei adulto esforço-me paradeixar de lado as coisas de menino... Quando eu era um jovem indomável, osenhor sempre me deu conselhos oportunos; agora que amadureci, queroretribuir-lheo favor.”Narrou seuenvolvimentocomocrime, suadetençãoeosubsequente encarceramento. Mas essa “temporada na prisão revelou-se umabênção disfarçada, pois me trouxe a solidão e concedeu muitas noites demeditação”. As experiências de prisão tinham validado as denúncias de ElijahMuhammad.Malcolmproclamavater“revistominhaatitudeparacomosirmãosnegros”, e “em minha culpa e vergonha, comecei a aproveitar todas asoportunidadesquesurgiampararecrutaradeptosparaMuhammad”.Atarefadeemancipar os negros dos efeitos da opressão racial, explicava ele, exigia arejeiçãofundamentaldosvaloresbrancos:“Aarmamaispoderosadodemônioésuacapacidadedetornarnossopensamentoemalgoconvencional...continuamosa ser deliberadamente servos humildes das ideias alheias, exceto das nossas...fizemos de nós mesmos os escravos desvalidos do desgraçado mundoacidental”.90

Meses depois de voltar para Charlestown, porém, as terríveis condições dolugarcomeçaramapesar.NumacartaaPhilbertemdezembrode1950,Malcolmreclamou: “Tenho úlceras ou coisa parecida, mas já estou cansado de ir aohospital desde que cheguei.Meu velho, acho que estou um caco.Nada destróimais um homem fisicamente do que uma dieta constante da prisão”. Explicouqueestava“lendoaBíbliaaplicadamente”,mastinhadúvidasesuainterpretaçãodas escrituras era “sólida, oumesmo se estou no caminho certo”, e não via ahora de poder escutar os últimos ensinamentos de Elijah Muhammad. Pelaprimeira vez, assinou, “Malcolm X (surpreso?)”.91 Revelou também que um“homemmuito rico, para quem trabalhei,me fez uma visita hoje, e vai tentarobter uma recomendação na Comissão de Liberdade Condicional (Oxalá) avontade de Alá será feita”. O “homem muito rico” era, seguramente, PaulLennon.OquehaviademaissurpreendentenofatodeMalcolmmantercontatocomLennoneraqueseuricobenfeitorerabranco;emvistadodeclaradoódiode

Malcolma todosos “demôniosbrancos” (ede seus comentários sobredetentoshomossexuais),acontinuaçãodoscontatoscomLennontalvezindicassequesuadeterminação de sair do presídio era mais forte do que a história de Yacub.Tambémépossívelqueaintimidadefísicatenhacriadoumvínculoentreosdoishomens.Malcolmtropeçouumpoucoaoexplicar-se:“Apropósito,elenãoéumoriginal” — ou seja, não era negro. “Apesar disso, pode me dar casa eemprego...”92

A palavra escolhida por Malcolm — “casa” — implica mais do que umarelaçãodenegócios.O fatodeLennon ter idovisitarMalcolmatrásdasgradessugere certo grau de amizade. Mas o compromisso deMalcolm com a NaçãoacaboutornandoimpossívelmanterqualquertipodecontatocomLennon.Nãose conhece nenhuma correspondência entre ele e Lennon depois que Malcolmterminou de cumprir sua sentença de prisão, em 1952. Malcolm deixoufirmemente para trás os episódios com Lennon, juntamente com outrosacontecimentosdavidadeDetroitRednomundodasdrogasedacriminalidade.MalcolmLittle,pequenocriminosoetrapaceiro,transformara-seemMalcolmX,intelectualpolíticoemuçulmanonegrodamaiorseriedade.Ametamorfosenãodeixavaespaçoparaumamigogay,brancoerico.A ficha deMalcolm nofbi cita uma carta reveladora, escrita em janeiro de

1951,paraalguémcujonomefoicensuradoemseusregistros,masque,pelotomdacorrespondênciapodemuitobemtersidoElijahMuhammad.“Vocêmedisseumavezqueeutinhacomplexodeperseguição”,dizacarta.“Naturalmente,nãoconcordei...Minha ignorânciamecegava.”Acartanarra avisita aCharlestownde váriosmembros da família, que puxaramo assunto dos erros que ele tinhacometido:

Comgranderemorso,pensonoódioenavingançaquepregueinopassado.Masdeagoraemdiante,em

minhaspalavrastudoseráamorejustiça...Agoraqueocaminhoficouclaroparamimmeuúnicodesejo

ésubstituirassementesdoódioedavingançaquesemeeinocoraçãodeoutrospelassementesdoamor

edajustiça...eserjustoemtudoquepenso,faloefaço.93

Malcolmpedeainda“desculpaspelosproblemasepeladistorçãodaverdade”,

provavelmente porque Elijah reprovou a publicidade em torno da campanhapelos direitos dos presosmuçulmanos. Durantemeses,Malcolm tinha tentado“causar constrangimento”paraas autoridadespenais enviandouma torrentede

cartasafuncionárioslocaiseestaduais.EmvistadasprovaçõesqueMuhammadsofrera na prisão, o líder danoiachava que qualquer publicidade negativapoderiaameaçarasobrevivênciadaseita.TambémtemiaquepresosconvertidosàNaçãodoIslãemoutrasinstituiçõesfossemperseguidospelosguardas.94

O próprio Malcolm tinha sido vítima de perseguições em Charlestown.Quando souberam de sua recusa a comer carne de porco, os cozinheiros dopresídio lhe serviam comida em utensílios utilizados no preparo da carne, efaziam questão de que Malcolm e seus colegas muçulmanos soubessem. Emresposta, nos últimos dois anos de prisão, Malcolm subsistiu com base numadietacompostabasicamentedepãoequeijo.95Essasprivações,combinadascoma falta de assistência médica adequada, causaram problemas de saúde que oafligiriam pelo resto da vida. Depois de voltar para Charlestown, ele foidiagnosticadocomastigmatismo,erecebeuseuprimeiropardeóculos.PassouaacharqueodefeitodevisãotinhasidocausadoemNorfolk,porque“liademais,comasluzesapagadasemmeuquarto”.96

Nofimde1950,MalcolmenviouumapetiçãoaocomissáriopenalsolicitandoabsolviçãoaogovernadordeMassachusetts,PaulA.Dever.Em13dedezembroo promotor público do Distrito Setentrional do Estado de Massachusettsrecomendou que a petição fosse indeferida.97 Como era de esperar, Deverconcordou.Naquelemesmomês,asautoridadesdeCharlestownrecusaram-seapermitir

queospresosmuçulmanosdeixassemsuascamasquandoasluzesseapagassemdurante o toque de recolher, a fim de ficarem de frente para o leste em precesolene.Na carta de protesto que escreveu,Malcolm condenou a proibição, queacusoudeviolaçãodosdireitosreligiosos,eadvertiuqueissotalvezoobrigasseadirigirumpedidodereparaçãoao“CorpoSagradodoIslã”—ouseja,apaísesislâmicosdomundointeiro.98HaviadiferençasentreosrituaisdaNaçãodoIslãeoIslãortodoxo,masMalcolmsevianumacomunidadeglobal.Seupróximopedidodeliberdadecondicionalfoiexaminadoem4dejunhode

1952. Depois de uma análise dos seus registros prisionais, Malcolm obteveliberdade, com a condição de ir morar com Wilfred em Detroit.99 Em 4 deagosto, o supervisor de liberdade condicional deMassachusetts,Philip J. Flynn,informou à Comissão de Liberdade Condicional que Malcolm conseguiraemprego em tempo integral numa loja dedepartamentoda redeCutRate, emDetroit. A data de soltura foi marcada para 7 de agosto.100 A disposição de

WilfreddecustearMalcolmemcasaedelheconseguirempregofoiresultadodeumadecisão coletivademembrosda famíliaLittle, incluindoElla.Emvista dopassadocaóticodoirmãoemRoxburyenoHarlem,afamíliaachoumelhorqueele ficasse em Detroit. Naquela época, Wilfred trabalhava na Cut Rate econvenceuochefeacontrataroirmãomaisnovocomovendedor.101

Mas, semanas antes da data da soltura de Malcolm, várias rebeliõesestouraramnospresídiosdoestado.Em1ºdejulhode1952,41doscercade680detentos de Concord se amotinaram— o que pode ter inspirado detentos deCharlestown a prepararem sua própria revolta. Em 22 de julho, cerca dequarenta presos organizaram um motim ainda mais destruidor. Dois guardasforam tomados como reféns. Quando a polícia estadual finalmente retomou oedifício, todos os participantes foram postos em confinamento solitário; algunsforam processados. Os dois funcionários tomados como reféns foramaposentados, e a segurança foi reforçada comcatorzeguardas.Umconselhodedetentos foi criado, com membros eleitos pelos presos, que se reuniamregularmente com a direção para resolver reclamações.102 Malcolm não seenvolvera, e o motim não prejudicou sua soltura. Na verdade, ele não sentiasolidariedadeparacomdetentosbrancosamotinados.Malcolm foi finalmente solto em 7 de agosto daquele ano. Mais tarde, ele

descreveria a ocasião como mais uma humilhação sofrida: “Passaram-me umsermão, deram-meum ternobarato eumpoucode dinheiro, e saí pelo portãosem olhar para trás...”. Hilda o aguardava do lado de fora. Depois de seabraçarem,seguiramparaBoston,ondepassaramanoitenacasadeElla.Aquelanoite,Malcolmfoiaumbanhoturco,paratirar“demimumpoucodasensaçãofísica que as marcas da prisão haviam deixado”. Para começar vida nova,comprouumpar deóculos, umamala eum relógio de pulso.Refletindo sobreessas aquisições, escreveu: “Eu me preparava para aquilo que em minha vidaestavaprestesasetransformar”.103Veriamelhor,viajaria,aproveitariaotempo.

4.“Elesnãosãocomooministro”Agostode1952-maiode1957

Wilfred, irmão mais velho de Malcolm, e sua mulher, Ruth, viviam notranquilo e suburbano bairro negro de Inkster, nos arredores de Detroit, nonúmero4336daruaWilliams.EsseendereçoseriaabasedeMalcolmduranteossetemesesqueseseguiramàsuasaídadaprisão.Emsuaautobiografia,MalcolmnarraarotinamatinalsupervisionadaporWilfred.“‘EmnomedeAlá,eufaçoaablução’, dizia ele, antes de lavar primeiro a mão direita, depois a esquerda.”Apóstomarbanho,completando“apurificaçãodetodoocorpo”,afamíliaestavaprontaparaasprecesdamanhã.1Partedesseritualassemelhava-seàspráticasdoIslã ortodoxo; no entanto, como muitos métodos danoi, esse ritual tambémtinha elementos especiais. Primeiro, os membros da Nação do Islã, como osadeptos doMoorish Science Temple, viravam-se para o leste e levantavam asmãos durante as preces, mas não se prostravam. Também não recitavam oshahada,nempraticavamnenhumoutrodoscincopilares.Acertaaltura,quandose sentiumenosprezado pelosmuçulmanos árabes, ElijahMuhammad ordenoubrevementeaosmembrosdanoiquesevoltassemnadireçãodeChicago,enãodeMeca,parafazeremsuaspreces.2

Logo depois de mudar-se de volta para Michigan, Malcolm começou atrabalhar na Cut Rate, para atender às condições do regime de liberdadecondicional.Estavagratoporterumemprego,masnãotardouadescreversuasexperiênciascomcertaamargura:

Anúnciosde “Sementrada”atraíamparaaquela lojaosnegrospobres como [moscas]parapapelmata-

moscas.Eravergonhoso, elespagavamde três aquatrovezesopreçodosmóveis,porqueconseguiam

créditocomaquelesjudeus.Eraomesmotipodelixobaratoecafonaàvendahojeemqualquerlojade

móveis para negros... Eu via mãos desajeitadas, endurecidas no trabalho, calejadas, rabiscando e

arranhando assinaturas no contrato, concordando com juros escorchantes nas letrasmiúdas que jamais

eramlidas.3

Foi sua primeira experiência de trabalho no mundo exterior depois da

conversão,eoepisódioteveprofundoimpactoemMalcolm.Foiaprimeiravezquefezfortesgeneralizaçõesdecaráternegativosobreosjudeus,categorizando-oscomogrupo.Estabelecidoem1932,oTemplonº1deDetroiteraomaisantigodaNação

doIslã,masdepoisdevinteanosonúmerodemembrosformaismalchegavaacem. Seuministro, Lemuel (Anderson)Hassan, como todoo clero danoi, foraselecionadopessoalmenteporElijahnMuhammad,aquemprestavacontastodasemana.Apesardotamanhomodesto,otemplotinhaumavidareligiosaesocialativa. “Os homens vestiam-se com serenidade e bom gosto”, lembrava-seMalcolm. Os assentos eram distribuídos por sexo, os homens à direita, asmulheres à esquerda. Diferentemente de umamasjid (mesquita) muçulmanaortodoxa, que não tinha móveis, os membros se sentavam em cadeiras, emposição ereta, durante todo o serviço, que consistia, em grande parte, depalestrassobreosensinamentosdeElijah.Malcolmnãolevoumuitotempoparaindagarporque,depoisdeduasdécadasdeexistência,onúmerodemembrosdoTemplonº 1 era tãominúsculo, e ficou surpreso ao saber queHassan eoutrosmembros importantes não se esforçavam para conquistar prosélitos. Malcolmmanifestousuafrustraçãoparaafamília,masWilfredrecomendoupaciência.4

Naquele mês de agosto, Malcolm perguntou ao agente da condicional sepodia ir a Chicago visitar Elijah Muhammad, explicando que estariaacompanhado de três irmãos seus.5 Obtida a autorização, Malcolm entrou nacarreata do Templo nº 1, composta de dez carros, para fazer a viagem. Aochegar ao disperso South Side, emChicago,Malcolm esperou com impaciênciaqueoprograma formal começasseno templo.FinalmenteoMensageirodeAláentrou, cercado de guardas do Fruto do Islã vestidos de terno escuro, camisabranca e gravata borboleta. Com voz suave,Muhammad— que usava um fezbordadoaouro—lembrouàplateiaossacrifíciospessoaisqueelevinhafazendohá mais de duas décadas. Os afro-americanos eram, verdadeiramente, o povo

original, disse ele, injustamente raptados para a América do Norte. Só osensinamentos da Nação do Islã poderiam devolver os negros ao seu devidolugar.Malcolm “sentou-se fascinado”— e então, para sua incredulidade, Elijahchamouseunome.Perplexo,eleselevantouperantecentenasdefiéis,enquantoMuhammadexplicavaqueMalcolmserevelaratãodevotonaprisãoqueele lheescreviadiariamente;exemplotãoraroofezlembrarJacó.6

Depois do culto, Malcolm e seu grupo foram convidados para jantar. Afamília de Muhammad tinha se mudado recentemente para uma mansão dedezoitocômodosnonúmero4847daavenidaWoodlawnSul,naseçãonobredoHyde Park, localizada no South Side de Chicago, comprada com fundos dosdízimospagospelocrescentenúmerodemembrosdaNaçãodoIslã.Duranteojantar,MalcolmreuniucoragemparaperguntarcomoaNaçãodoIslãdeDetroitpoderia conseguir novos membros. Muhammad aconselhou-o a concentrar-senosjovens—“Osmaisvelhosvirãoatrás,porvergonha”,explicou.Orecadofoicompreendido.7

NoIslãortodoxo,otrabalhoevangélicoéconhecidocomoda’wa.Nospaísesocidentais, ele tem dois objetivos: promover práticas e valores muçulmanosentre os infiéis, e reforçar o que o estudioso Ismail al-Faruqi chamou de“islamicidade”.8 Na Nação do Islã, oda’wa era conhecido como “pesca deconvertidos”. Quase imediatamente depois de voltar para casa, Malcolmmergulhou nos bares, salões de bilhar, casas noturnas e becos de Detroit,“pescando” agressivamente. Noite após noite, tentava despertar o interesse deseus“irmãosnegrospobres, ignorantes,quetinhamsidosubmetidosà lavagemcerebral” pela mensagem de Muhammad. De início, só alguns gatos pingadostiveram a curiosidade de aparecer nas reuniões do templo, mas a persistêncialogo começou a dar resultado. Em poucos meses, o número de membros dotemploquasetriplicou.Nessaépoca,omaisnotávelconvertidoporMalcolmfoiumjovemchamado

Joseph Gravitt, que durante algum tempo seria um dos seus amigos maisíntimos, e importante figura naNação do Islã nos dez anos seguintes.NascidoemDetroit em 1927,Gravitt serviu no exército em 1946-7, ganhando, segundoseuprópriorelato,a“MedalhadavitóriadaSegundaGuerraMundial”;suafichaoficialnoexércitocontémavaliaçõesquevãode“desconhecido”a“excelente”.Aovoltar à vida civil, teve dificuldade para encontrar emprego, viciando-se emdrogas e álcool e desenvolvendo uma reputação de violência contramulheres.

Emnovembro de 1949, a polícia o acusoude “conduta indecente e obscena emlocalpúblico”.Quando Malcolm o conheceu, Gravitt dormia nos becos de Detroit, mas

Malcolmpercebeuseupotencial,e supervisionoupessoalmentesuareabilitação.Habituado à disciplina militar, Gravitt reagiu bem à severa autoridade deMalcolm. Em poucos dias, a Nação do Islã ocupava-lhe a vida: durante o dia,trabalhavacomocozinheiroegarçomnorestaurantedotemplo;ànoite,instruíamembrosdoFrutodoIslãemartesmarciais,edepoisiadormirnorestaurante.Dentrode algunsmeses, tornou-sededicado—atémesmo fanático— líder doFrutodoIslã,metamorfosequeaumentouareputaçãodeMalcolm.9

Enquanto dedicava cada vez mais tempo à Nação do Islã, Malcolm lutavaparaencontrarumempregoquepudesse tolerar.Em janeirode1953, foiaceitona nova fábrica de montagem da Ford emWayne, como “montador final” nalinha de produção. Embora tenha ficado no emprego apenas uma semana, foitemposuficienteparasefiliaraosindicatochamadoUnitedAutoWorkersLocal900 [União dos Operários da Indústria Automobilística].10 Pouco depois, foicontratado pela GarWood Industries, empresa famosa por suas inovações emequipamento para caminhões, guindastes e maquinaria de estrada.11 Nos anos1950,aGarWooderaumadasprincipaisempregadorasdeDetroit,masmuitostrabalhosacessíveisaosnegroseramsujoseperigosos.Tecnicamente,Malcolmexerciaafunçãodeamolador,definidacomo“operárioquepulverizamaterialoulixa objetos de superfície”.12 Pagava um pouco melhor do que o empregoanterior, mas era um trabalho miserável, monótono, e Malcolm sentia-seencurralado.Wilfred,emquemconfiava,pode ter falado sobrea insatisfaçãodeMalcolm

ao ministro Hassan; ou, talvez, com seu olho para descobrir talentos, Elijahtenha sugerido uma novamissão para o jovem discípulo.No começo de 1953,consultadosobreapossibilidadedetornar-seministrodanoi,Malcolmdevetersentidoprofundoalívio,alémdejustificadoorgulho,muitoemborareconhecessequeocomitêinternoemtornodeElijahexigiahumildade.Respondeu,comoerade esperar, que “estava muito feliz e pronto para servir Muhammad na maishumilde posição”,13 concordando, relutantemente, em pronunciar uma brevepalestra no Templo nº 1 sobre “o que os ensinamentos de Muhammadsignificaram paramim”. Saiu-se bem e, para complementar, fez outra palestradedicadaa“meuassuntopredileto...ocristianismoeoshorroresdaescravidão”.

Mais tarde, recordaria nostalgicamente esses primeiros esforços, no começo desuavidadeministro.14

AComissãodeLiberdadeCondicionaldeMassachusettsconcedeudispensaaMalcolm em 4 de maio de 1953; a dispensa de Michigan veio logo depois.15

MalcolmX—comoera conhecidonaNaçãodo Islã—estava livre para viajarpelos Estados Unidos. Um dia, ainda naquele mês, durante seu plantão notrabalho,ele foi tiradoda linhadeproduçãopelosupervisor.Umagentedofbiqueria falar com ele e ordenou que o acompanhasse até o escritório dosupervisor.O homem lhe perguntou por que não se alistara para aGuerra daCoreia. Malcolm estava ciente de que Elijah Muhammad encorajara seusmembros a não atenderem à convocação durante a Segunda Guerra Mundial,mas,emvezdecitaroexemplodeMuhammad,disseaoagentequeacabavadesair da prisão e achava que ex-presos não tinham permissão para se alistar.Liberado, registrou-se dias depois no escritório local do Serviço Seletivo,alegandoacondiçãodeobjetordeconsciência.16Deacordocomosarquivosdofbi,MalcolmescreveuqueopaísdesuacidadaniaeraaÁsia.Tambémafirmouqueporsua“atitudementalesuavisãodemundoemgeral,noquedizrespeitoa guerra e religião”,merecia “exclusão do serviçomilitar”. Em25 demaio, fezexame físico e foi reprovado: “O indivíduo tem personalidade antissocial comtendênciasparanoicas”.17

Naquele verão, Malcolm tornou-se ministro assistente do Templo nº 1 deDetroit.18 Já fazia regularmente o percurso entre Detroit e Chicago, onde sepreparavaparaoministério,19eseutreinamentoerarealizadoparcialmentesobsupervisão direta de Elijah Muhammad. “Fui tratado como um dos filhos deMuhammadesuaboamulher,irmãClara”,recordava-seMalcolm,comcarinho.“Nacombinaçãodemerceariaedrogariadepropriedademuçulmanaque ficavanaesquinadaWentworthcomarua31,Mr.Muhammadvarriaochão,oucoisadogênero...paraservirdeexemploaseusadeptos.”Malcolmvalorizavamuitoaoportunidade de fazer perguntas ao homem que para ele era a perfeiçãoencarnada.“Oqueéramosumparaooutro”,lembravaele,“fazia-mepensaremSócrates nas escadas domercado de Atenas, difundindo sua sabedoria entre osalunos.”20

Em junho,Malcolm saiu do emprego emGarWood e começou a trabalharem tempo integral para a Nação do Islã. Tecnicamente, os membros doministério danoinão eram empregados; o dinheiro que recebiam das ofertas

feitasaotemploeraconsideradocontribuição informalporserviçosvoluntários.Atéofimdoano,MalcolmcontinuouaencaminhardezenasdeconvertidosparaotemplodeDetroit.Adquiriuconfiançaporsuacapacidadedefalarempúblico,abordando em suas palestras assuntos diversos. No fim de 1953, ElijahMuhammad decidiu promover seu protegido a ministro e encarregá-lo deestabelecerumtemploondeaNaçãodoIslãtinhapoucosadeptos.Bostoneraaescolhalógica:Malcolmviveramuitosanosnacidadeetinhaalimuitosparentese amigos.UmmembrodanoiquemoravaemBoston,LloydX, concordouemhospedá-lo e convidar pequenos grupos para ouvirem o jovemministro. Anosdepois,Malcolmaindaselembravadoapeloquefizeranumadessasreuniõesnocomeço de janeiro de 1954.21 O que ele não poderia saber era que entre osouvintes havia um informante dofbi.O fato de o escritório dofbi em Bostonjulgar prudentemanter sob vigilância atémesmoosmais triviais encontros danoinacasadeseusmembrosrevelaoquantoaseitaeratidacomoperigosa.22

DentrodaNaçãodoIslã,cadatemplobem-sucedidotinhaquatrofuncionáriosquetomavamdecisõesecontrolavamatividadesrotineiras,emborasempresoba autocrática orientação de Muhammad: o ministro, o secretário-tesoureiro, acapitãdasmulheresdomgteocapitãodoshomens,chefedoFrutodoIslã.Essepessoal costumava ser selecionado diretamente pelo secretariado nacional emChicago, que, a rigor, incluíaMuhammad, o capitão nacional do Fruto do Islã,Raymond Sharrieff, a mulher de Sharrieff e a filha de Muhammad, a capitãnacional domgt, Ethel Sharrieff, e o secretário-tesoureiro nacional;indiretamente, Elijah Muhammad Jr., Herbert Muhammad e outros parentesparticipavam do processo. Em nível local, o ministro era a face pública dotemplo, o principal representante da Nação do Islã no mundo exterior.Internamente, sua função era pastoral. Mas no tocante ao funcionamento dotemplo como organização social, como uma espécie de sociedade secreta cujasfronteiras precisavam ser constantemente policiadas, ninguém era maisimportante do que o capitão do Fruto do Islã. Sempre atento a atos dedesobediência ou deslealdade, seu bastão disciplinar era essencial para amanutençãodeumtemplobemdirigido.Embora as atividades iniciais deMalcolm se concentrassem em Boston, ele

viajava pelaCosta Leste acima e abaixo, indo atéChicago.Nesse seu primeirojaneirono leste, compareceuadiversosencontrosnopequenoTemplonº7emNovaYork,noHarlem.Emfevereiro,serviudeguiaaperegrinosquechegavam

deChicagopara assistir aogrande evento anual daNaçãodo Islã, a convençãodo Dia do Salvador, em comemoração do nascimento e da divindade dofundador,W.D.Fard.Foiaprimeiravezqueo jovemaprendiz subiuaopalcocomo orador de destaque perante uma plateia nacional. A espionagem dofbidizia que ele “falou contra os ‘demônios brancos’” e estimulou “mais ódio departedaseitacontraaraçabranca”.23

No fim de fevereiro, a campanha de recrutamento de Malcolm tinha tidotanto êxito que havia convertidos em número suficiente para fundar um novotemploemBoston,onº11.Numde seusmaiores encontrospúblicos, ele ficoufeliz de ver Ella, mas ela continuava resistindo teimosamente ao chamado daNação do Islã. Concentrado em seu objetivo de recrutar presos e pobres, aNaçãonãocorrespondiaasuasnoçõesderespeitabilidadedeclassemédia,eelatinha dúvidas sobre a pretensão de Muhammad em ser Mensageiro de Alá.ConhecendocomoconheciaotemperamentoteimosodeElla,Malcolmduvidavaque suas palavras um dia pudessemmudar as opiniões negativas dela sobre aNação. “Eunãoesperavaqueninguém,anão seropróprioAlá, fosse capazdeconverterElla.”24Nessaépoca,épossívelqueMalcolmtambémtenharetomadoo namoro com Evelyn Williams, que continuava a alimentar profundossentimentos com relação a ele. Evelyn ingressou nanoi, e quandoMalcolm semudouparaNovaYork,aindanaqueleano,elaoacompanhou.Suamissãoseguinte,comoministrodotemplodaFiladélfia,exigiaaomesmo

tempo diplomacia e pulso firme de administrador. O templo era dirigido porWillie Sharrieff (que não era parente de Raymond). Malcolm falou numa dasreuniões do templo, informando, à surpresaplateia, que tinha autorizaçãopara“fazerumaboamudança”. JuntocomIsaiahXEdwards,ministrodo templodeBaltimore, fizera uma investigação preliminar dos negócios do templo. Navésperadareunião,5demarço,WillieSharrieffforatiradodocargo.EEugeneXBee,nomeadoporSharrieffcapitãodoFrutodoIslã,alémdeministroassistente,também foi demitido. Malcolm adotou os títulos de “professor” e “ministrointerino”.Para consolidar suaposição, dirigiu—ouparticipoude—uma sériedeoitoreuniõesdotemplonastrêsúltimassemanasdemarço.25

O progresso de Malcolm era cuidadosamente monitorado pelo capitãosupremodofoi,RaymondSharrieff.Em1949,Sharrieffcasara-secomasegundafilhamaisvelhadeMuhammad,Ethel,eempoucotempopassouaexercerumaautoridade administrativa que extrapolava a esfera do Fruto do Islã,

supervisandoascadavezmaisnumerosasempreitadascomerciaiseimobiliáriasda Nação em Chicago.26 Durante anos, a Nação do Islã teve escassa presençainstitucional em muitas cidades-chave, mas agora ficara provado que suaincapacidade de expandir-se nada tinha a ver com desinteresse pelamensagemque pregava, mas com a falta de boa liderança em nível local. Em Detroit,Malcolm demonstrara que Lemuel Hassan era, na melhor das hipóteses, umministromedíocre. Em1957,Hassan foi transferido para um templo demenorprestígio em Cincinnati, Ohio, e Wilfred, irmão de Malcolm, promovido aministrodoTemplonº1deDetroit,quesóperdiaemstatusparaChicago.27 Aascensão de Malcolm e o declínio de Hassan provocaram a ira do irmão deHassan,JamesX,ministroassistentedoTemplonº2deChicago,alémdediretorassistente da Universidade do Islã. A animosidade de James contra Malcolmseria,dentrodealgunsanos,partilhadapelamaiorpartedaelitegovernantedaNaçãodoIslãemChicago.ÉprovávelquetantoMuhammadcomoSharriefftenhamsepreocupadocom

o fatodequeMalcolm, comapenas 29 anos, talvez estivesse andandodepressademais. Um deles deu ordem, no começo de 1954, para que Joseph X GravittfosseprimeiroaotemplodeBoston,depoisaotemplodaFiladélfia,paraajudarna reconsolidaçãodoFrutodo Islãnosdois lugares, como seunovo capitão.OsupervisorimediatodeJoseph,noentanto,nãoseriaMalcolm,masSharrieff.ApresençadeJosephnaFiladélfiapermitiuaMalcolmoraroluxodeteruma

manhã ou uma tarde livre, e ele sempre que podia explorava lugares como omuseude arte e as bibliotecas da cidade.Amaior parte do seu tempo, porém,era tomada pelas obrigações administrativas no nordeste, que o mantinhamconstantementeemtrânsito.SuaausênciaobrigavaJosephafalarcomfrequêncianoTemplonº12,daFiladélfia.Oassuntodeumsermãodemaiode1954foi“aobrigaçãoquetemomuçulmanodepegarascabeçasdequatrodemônios,peloque ganhará uma viagem de graça aMeca”. Segundo explicou, isso significava“trazer ummuçulmano perdido para aNação do Islã e, com isso, degolar umdemônio”.28EraumaretóricadedanaçãopoucosofisticadamesmoparaojovemMalcolm,masemumaorganizaçãoqueviviadadisciplina,essaspráticastinhamsuasvantagens.Ladoalado,morandonaFiladélfia(Malcolmemumapartamentoalugadono

número 1522 da rua 26 Norte), os dois homens pareciam formar um duetoimprovável,mas ao longo daquelesmeses desenvolveram laços de confiança e

dependência recíproca. Malcolm tinha 1,92metro de altura e pesava nãomaisque 77 quilos; era jovial, apaixonado, estava constantemente fazendo algumacoisa, empenhado em aprimorar sua linguagem. Joseph, com 1,70 metro, eramusculosoepequeno,masrijo,com65quilos;eratranquiloecauteloso,emborainconstante.ComoemBoston,Malcolmficoucomamaiorpartedocréditoporcolocar o templo da Filadélfia emordem, e em junho, em reconhecimento porseusesforçosexcepcionais,Muhammadnomeou-oonovoministrodoTemplonº7,noHarlem.MasduranteosdoismesesemeioqueseseguiramàchegadadeJoseph na Filadélfia, Malcolm participara apenas de quatro encontros locais:Joseph tinhaestadonocomando,absolutamente, comochefedoFrutodo Islãecomo ministro substituto.29 NaAutobiografia, Malcolm nada diz sobre acontribuiçãodeJoseph.Emmenosdeumano,Malcolmpassaradeoperárioda linhademontagem

emGarWoodaministrodaNaçãodo Islã,numdosmais importantes centrosnegros dos EstadosUnidos. Estava consciente do desafio que tinha pela frente.Mais tarde, recordaria: “Em nenhum outro lugar dos Estados Unidos, haviapotencialparaumúnicotemplotãodisponívelcomonoscincodistritosdeNovaYork.Elescontinhammaisde1milhãodenegros”.30

Em algum momento de junho de 1954, Malcolm foi mandado para Nova

York.Pormaistrêsmeses,continuouaservircomoministroprincipal tantonoHarlem como na Filadélfia, mas dedicava a maior parte do tempo a tentarentender a situação em Nova York. Sua primeira providência foi nomear umhomemchamadoJames7Xparaministroassistente,massóemagostoJosephXfoi transferido paraNova York a fim de juntar-se a ele noTemplo nº 7, comocapitãodofoi.31

Malcolm se viu com um quadro demembros que não passava de algumasdezenas. Até esse número é uma especulação informal: nem ele nem nenhumoutro ministro danoirevelaram publicamente o número verdadeiro, em parteporqueeraumnúmeromuitobaixo.De1952aocomeçode1953,provavelmentehaviamenosdemilmembrosemtodoopaís.Malcolmdescobriu,parasuaconsternação,queoTemplonº7doHarlemera

aindamaisdesorganizadodoqueodaFiladélfia.Duranteseismeses, trabalhoucom afinco para reproduzir o crescimento que obtivera emBoston e Filadélfia,

mas em vão. AAutobiografia dá várias explicações. Em primeiro lugar, oHarlem ainda estava repleto de antigos garveyistas e de grupos nacionalistasagressivos,cadaumtentandoavançarseusprogramas.“Éramosapenasumadasmuitas vozes da insatisfação negra”, observou Malcolm. “Eu não tinha nadacontra as pessoas que tentavam promover a independência e a união entre osnegros,masporcausadelaseradifícilfazerouviravozdeMr.Muhammad.”Elemencionou também a apatia social e a falta de consciência política, às quais osnegrosdoHarlemtinhamsucumbido.“Semprequeeuacabavadefalardofundodocoração,epediaàquelesquedesejassemseguirMr.Muhammadqueficassemdepé,apenasumoudoisrespondiam...àsvezesnemisso.”32

Osdesafioserammaiscomplicadosdoqueeleestavadispostoareconhecer.O súbito crescimento econômico do pós-guerra tinha deixado muitos afro-americanos para trás.As condições dos prédios de apartamentos doHarlem sedeterioraramsignificativamente,emrelaçãoaostemposmaisgloriososdobairronos anos 1920.Muitos prédios viviam infestadosdeparasitas e ratos; não raro,mesmo nas ruas principais, inquilinos insatisfeitos despejavam lixo nas ruas.33

Asma, drogas, doenças venéreas e tuberculose alastravam-sedescontroladamente. Em 1952, por exemplo, a taxa de mortalidade datuberculose no centro do Harlem era quase quinze vezes maior do que a doquaseexclusivamentebrancoFlushing,noQueens.34

Apesar desses problemas, na década seguinte à SegundaGuerraMundial, oHarlem também desenvolvera uma pequena classe média negra, muitopreocupadacomostatus,emais ricaepoliticamente influentedoquenaépocada Depressão. Os subúrbios mais distantes de Nova York ainda eramsegregados,masaospoucosnegrosdeclassemédiacomeçaramasemudarparaos distritos externos do Bronx, do Queens e do Brooklyn.35 O número deprofissionaisnegrosaumentou,masmuitosaindaestavamapenascomeçandoaescapardosguetosdoHarlemedoBrooklyn.AforteconcentraçãodeeleitoresnegrosemManhattantambémrepresentou

umpoder político emexpansão.A eleição em1953deHulan Jack,morador doHarlem, como primeiro presidente negro do distrito deManhattan simbolizouessa influência crescente.36 Pressionando constantemente a agenda política doHarlem,éclaro,haviaAdamClaytonPowell Jr.,que,naépocada libertaçãodeMalcolm, estava no Congresso havia dez anos. Em março de 1955, PowellconvocouumboicotecontraosbancosdepoupançadoHarlemque“praticamo

‘jim-crowismo’ e o ‘linchamento econômico’”. Ele insistiu com os 15 milmembros da Igreja Batista Abissínia que retirassem seu dinheiro dos bancospertencentes a brancos e o transferissem para o Carver Federal Savings doHarlem, que pertencia a negros, ou para o Tri-State Bank, em Memphis, noTennessee, também de propriedade de negros.37 Em nível nacional, eletumultuoua campanhapresidencialdeAdlaiStevenson,doPartidoDemocrata,com seu inesperado apoio aDwight Eisenhower, que na eleição de novembrodaquele ano recebeu quase 40% dos votos afro-americanos. A justificativa dePowell era o domínio dos “Dixiecratas” sulistas, que controlavam o PartidoDemocrata no Congresso. Explicou: “Isso não significa, necessariamente, umamudançaparaoPartidoRepublicano.Significaqueosnegrosestãoselevantandocomo homens e mulheres americanos, pensando por conta própria e votandocomo independentes”.38 Malcolm provavelmente admirou a independênciaarrojada do congressista negro em relação à máquina de Tammany Hall doPartidoDemocrata.OmodelodeindependênciapolíticadePowell,comonegroqueosbrancosnãoconseguiamsubjugar,influenciariaMalcolmemsuadefiniçãodepolíticaindependente,quandodeixouaNaçãodoIslã.OHarlemtambémera lugarcostumeirodeprotestospordireitoscivis.Um

dosmaiores,logodepoisdachegadadeMalcolm,ocorreuem25desetembrode1955. Mais de 10 mil pessoas se reuniram na Igreja InstitucionalWilliams, naesquina da Sétima Avenida com a rua 132Oeste, para denunciar a absolvição,por um júri branco, de dois homens brancos acusados de assassinar, noMississippi, Emmett Till, jovem negro de catorze anos. Os manifestantesexigiram do presidente Eisenhower que “convocasse uma sessão especial doCongressoe... recomendasseaaprovação imediatadeumprojetode lei federalcontrao linchamento”.OpastorassociadodaIgrejaAbissínia,reverendoDavidN.Licorish,que representavaPowell, convocouosnegros a iremprotestar emWashington. O líder danaacp, Roy Wilkins, insistiu com os nova-iorquinosnegrosparaqueenfrentassemadiscriminaçãoracialnacidade.39

Longedeserumacomunidadeesmagadae silenciadapelopesodaopressãoracial, oHarlemcontinuava sendoumambientepolítico cheiodevida.Oníveldeparticipaçãoeraaltoeplenamentevisível:manifestaçõespúblicas,boicotesereuniõespara arrecadaçãode fundos eramcomuns.Filósofos eoradoresde ruasubiam em escadas nas principais vias públicas, principalmente na rua 125, edeclamavam suas ideias para os pedestres. A Nação teve dificuldade para

avançar,emgrandeparteporqueseuapeloeraapolíptico;aresistênciadeElijahMuhammad a envolver-se emquestões políticas que afetavamosnegros, e suaobjeção ao registro de membros danoipara votar e engajar-se civicamente,eramvistas,pormuitosmoradoresdoHarlem,comocontraproducentes.MuitagentenobairrojátinhasidoapresentadaaumIslãmaisortodoxopor

meio das amplas atividadesmissionárias dosmuçulmanos Ahmadiyya. A seitatinha conquistado o respeito de muitos negros por sua vigorosa oposição àsegregação legal e suas críticas adenominações cristãsque aceitavamaLei JimCrow. Em 1943, por exemplo, aMoslim Sunrise, dos Ahmadis, caracterizou arevoltaracialdeDetroitcomouma“manchanegranobomnomedestepaís”.Omundomulatoreconhecia“quepessoasdepeleescuraestãomatandopessoasdepelebranca, e sendomortasporelas,naAmérica livre”.40Cinco anosdepois, arevista publicou um levantamento de quase 13600 igrejas presbiterianas,unitárias, luteranas e congregacionais, mostrando que apenas 1331 tinhammembros não brancos.41 O racismo nas igrejas cristãs fez muitos artistas,escritores e intelectuais afro-americanos nos anos 1940 e 1950 pensarem em seconverter a alguma modalidade do Islã. O recrutamento foi particularmentebem-sucedido no mundo do bebop. Uma figura-chave foi o antiguano AlfonsoNelson Rainey (Talib Dawud), que chegou a tocar na orquestra de DizzyGillespie.AconversãodopróprioDawudconvenceuosax-tenoristaBillEvansatornar-semuçulmano, com o nome de Yusef Lateef; sua conversão foi imitadapor Lynn Hope (Hajj Rashid) e pelo baterista Kanny Clarke (Liaqat AliSalaam).42 InstaladonaFiladélfia,Dawuddesenvolveuuma relaçãode trabalhocom a irmandademuçulmana internacional doHarlem, pormeio da qual umarede de proteção foi criada entre váriasmasjids negras em Providence,Washington e Boston. Dezenas de outros jazzistas populares associaram-se aoIslãAhmadi,incluindoArtBlakey,AhmadJamal,McCoyTyner,SahibShihabeamulherdeTalibDawud,avocalistaDakotaStaton (quemudouseunomeparaAliyah Rabia depois da conversão). Mesmo os que não se converteramformalmente, como John Coltrane, foram fortemente influenciados pelosAhmadiyya.Em Cleveland, uma mesquita Ahmadiyya tinha sido fundada durante a

GrandeDepressão; nos anos 1950, tinhamais de cem fiéis afro-americanos.Naverdade, o líder da mesquita Ahmadi de Cleveland, Wali Akram, tornou-se,talvez,oprimeiroamericanonegroaobtervistoparaumaperegrinaçãoaMeca,

em 1957.43 Essas atividades deram a muitos afro-americanos uma consciênciageraldosdiferentestiposdeIslã,alémdaquelerepresentadopelaNaçãodoIslã.IssoeraparticularmenteverdadeironoHarlem,oquetornavadifícilconquistaradeptos.Sóemsetembrode1954Malcolmconseguiualojamentopermanentenaárea

deNovaYork:nonúmero25-35daruaHumphrey,no tranquilobairrodeEastElmhurst, no Queens. A propriedade pertencia ao casal negro Curtis e SusieKenner, que a compartilhavam com Malcolm.44 Apesar da principalresponsabilidade deMalcolm ser, agora, o Templo nº 7, ele foi informalmentepromovidoaprincipalagentepacificadordeElijahMuhammadnaCostaLeste,eaté no centro-oeste. Continuou a fazer palestras regularmente no templo daFiladélfia durante os meses de outono e inverno de 1954-5, e fez viagens deautomóvelaSpringfield,Massachusetts,eCincinnati,emOhio,paradarapoioainiciativaslocais.45

Mais aindadoqueno templodaFiladélfia, ele passou a recorrer à ajudadocapitão Joseph,dando rotineiramente instruções a seu tenente, quepor suavezretransmitia as ordens, aos berros, para os subordinados. Certo domingo,quando Malcolm estava ausente, o ministro do templo de Baltimore fez osermão de convidado.O encontro, no entanto, pertencia a Joseph, que abriu oculto repreendendo todos os homens que tinham faltado às reuniões, ou seatrasado, exigindo “explicações sobre essa negligência no comparecimento”.JosephlouvouoministrodeBaltimorecomo“homemdepaz”,maslembrouaosfiéis,severamente,queele(Joseph)“nãoera”.46

Apesar do trabalho duro de Joseph, quase todos os elogios pelos êxitos emNovaYorkacumulavam-se, cadavezmais,napessoadeMalcolm.NessaépocaJosephmorava num pequeno apartamento de subsolo na parte setentrional doWest Harlem. Não recebia salário por suas atividades como chefe do foi etrabalhavacomocozinheironumrestaurantedeummembrodanoi,oShabazz,naQuintaAvenida.47Durante suamissãonaFiladélfia, ele começou a sair comumamulherdotemplo,e,nocomeçode1956,ela foimorarcomele.Se Josephplanejava teruma família,Malcolmdeve terpercebido, aNação lhedeviaumarendamaisconfiável.Talvezporessarazão,MalcolmcomeçouafazerelogiosaJosephemseussermõesnotemplo,ouemcomentáriosparaoFrutodoIslã.Osadministradores da Nação do Islã em Chicago também reconheciam acontribuiçãodeJosephedecidiramelevá-loaumcargodemaiorprestígio.Duas

semanasantesdaconvençãodoDiadoSalvadoremfevereirode1955,JosephfoiconvocadoaChicago,provavelmenteporRaymondSharrieff,einformadosobreum novo programa nacional, no qual sua tarefa seria supervisionar orecrutamento e o treinamento de mil voluntários. Durante semanas, suatransferênciapareciacerta,e,nareuniãodoFrutodoIslãdoTemplonº7em21defevereiro,osmembrosficaramsabendoqueeleiriadeixá-los.Mas,porrazõesaté hoje não esclarecidas, no começo de março anunciou-se que JosephpermaneceriaemNovaYork.48

Os esforços de Joseph emBoston, Filadélfia eNova York, combinados comoutras campanhas evangélicas de Malcolm em várias cidades, tinhamconquistado talvez mil novos adeptos para anoi. Esse crescimento inédito foiinterpretado pelofbi, que havia décadas seguia de perto as atividades danoi,comosinaldequehaviaqualquercoisaemfermentação,algoqueasautoridadesdeviam levar a sério. Durante anos, a Polícia Federal tinhamonitorado aquiloque ainda descrevia depreciativamente em documentos internos como “CultoMuçulmanodo Islã” (MuslimCultof Islam,mci).Avigilância exercidapelofbiagora indicava que um ex-preso, chamado Malcolm K. Little, era em grandeparteresponsávelpelonovofervorevangélicodaseita.Malcolmestavanoradardapolícia,esobobservação,desdeaépocaemqueescreviacartasemNorfolkeCharlestown, e, em 10 de janeiro de 1955, dois agentes dofbi resolveramprocurá-lo emNova York. Posteriormente, eles informaram que o investigadofoi “muito pouco cooperativo”. “Recusou-se a dar qualquer informação sobrefuncionários, nomes de membros, a revelar doutrinas e crenças do mci oufornecerdadosdeantecedentesfamiliaresaseuprópriorespeito.”Masoex-presoexpressou opiniões teológicas e políticas, descrevendoElijahMuhammad como“omaiorde todososprofetas,oúltimoeomelhordos apóstolos”.Quandoosagentes o provocaram com relação às “supostas pregações [de] ódio racial” danoi, ele respondeu: “Eles não ensinam o ódio, mas a verdade, ou seja, que o‘negro’ tem sido escravizado nos Estados Unidos pelo ‘branco’”. Quando lheperguntaram se serviria nas Forças Armadas, Malcolm nada respondeu. “Oinvestigado admitiu, no entanto, que durante a Segunda Guerra Mundialadmirara o povo e os soldados japoneses, e que gostaria de ter ingressado noExércitojaponês.”Malcolmnegou,também,quetivessepertencidoalgumdiaaoPartido Comunista.49 Suas respostas forammuito mais antagônicas do que naentrevista que tivera anos antes com outro agente dofbi. Não tevemedo de

identificar-se totalmente com o credo e a organização de Elijah Muhammad,fossem quais fossem as consequências políticas. Depois disso,Malcolm fez umalertaamembrosdoTemplonº7,instruindo-osanãocolaboraremcomagentesdofbisefossemabordados.50

AconvençãodoDiadoSalvadorde fevereirode1955 foi, simbolicamente,afesta de debutante deMalcolm comopríncipe sem coroadaNaçãodo Islã.Emmenosdedoisanos,eletriplicaraotamanhodotemplodeDetroit,estabeleceraprósperos templos em Boston e na Filadélfia, e, com a ajuda de Joseph,finalmente começara a recrutar membros para o Templo nº 7, do Harlem.Tornara-se o ministro convidado predileto em Cincinnati, Cleveland, Detroit,Springfieldeoutrascidades.Aespionagemdofbinaconvençãodanoidiziaquedurante as atividades “o investigado parecia desfrutar da confiança de ElijahMuhammad e gozar de inteira liberdade”. Malcolm encontrou tempo até paraescoltarmembrosdanoinumpasseioaoMuseudeHistóriaNaturaldeChicagoe “deu suas várias interpretações das exposições, que via como exemplos dacriaçãodohomembrancopelo‘homemnegro’”.51

Estavapresentena convençãoum jovemde 21 anos, cantor e artistaque seapresentava em casas noturnas, chamado Louis Eugene Walcott. Nascido emNovaYork, em11demaiode 1933,Walcott foi criado comoepiscopalianoemRoxbury.52 Ele lembrava que os pais eram, como os deMalcolm, nacionalistasnegros militantes. “Meu pai era garveyista”, explicava, “portanto não pudedesenvolver-me nesta sociedade sem um toque de Mr. Garvey na alma, namente,noespírito.”53OspaisdeWalcott tinhamemigradodoCaribe, e, comona casa dos Little, desde amais tenra idade ele foi estimulado pelamãe a lerlivros e revistas que tratavam de assuntos de interesse dos negros. Astro daspistas de atletismona escola secundária, também se destacou comodebatedor,violinista e cantor.Depois de formar-se naWinston-SalemStateUniversity, naCarolinadoNorte,começouacarreiranoshowbusinesscomocantordecalipso,comoapelidode“TheCharmer”[OSedutor].ComoMalcolm,elemaistardeserenomearia,primeirocomoLouisX,edepoiscomoLouisFarrakhan.54

Foi em Boston, em 1954, que “o Sedutor” conheceu Malcolm. Walcott e amulherviviamnumpequenoapartamentonaavenidaMassachusetts—apoucasportas de distância do apartamento de Martin Luther King Jr., que fazia pós-graduação para obter diploma de doutor.Não longe dali ficava a casa noturnaondeWalcottseapresentava,eentreosnúmerosmusicaiseledevezemquando

jantava às pressas num restaurante próximo, noChickenLane.Nesse lugar foiapresentado a Malcolm, que “usava boina escocesa, sobretudo, terno e luvasmarrons”. O ministro causou forte impressão. “Era um homem imponente”,recordavaFarrakhan,“falandotãomaldosbrancosquetivemedodele.”55

O primeiro contato real de Walcott com a Nação do Islã ocorreu naconvençãodoDiadoSalvador,em1955.Eleeraaprincipalatraçãodeumshow,“CalypsoFollies”,naboateBlueAngel,nonortedeChicago,quandoumamigooconvidou para assistir ao festival da Nação. O ministro supremo tinha sidoinformadodequeWalcott,queeraumacelebridademenornosmeiosmusicaisenoturnos,estarianaplateia.DepoisassessoresmostraramaMuhammadolugarexatoondeojovemestavasentado.Jánomeiodapalestra,Muhammadvoltou-seepassoua falardiretamenteparaele.Posteriormente,Farrakhandescreveriao momento como de “amor instantâneo”. Sua mulher ingressouentusiasticamente na Nação naquela noite, e, apesar das restrições que aindafazia, ele também concordou em aderir. O jovem casal escreveu a cartaregulamentardeadesãoeadespachoupelocorreioparaoescritóriodeChicago.Nãorecebeurespostaporcincomeses.56Em julhodaqueleano,Walcott estavaemNovaYork apresentando-se emGreenwichVillage e resolveu assistir a umcultonoTemplonº7,doHarlem,basicamenteparaouvirMalcolm,cujaoratóriaocativaraeoconvenceraadedicaravidaàNação.“Eununcatinhaouvidoumnegrofalarcomoaqueleirmãofalava”,disseFarrakhan.57

Em meados dos anos 1950, o número de jazzistas e músicos popularesconhecidosqueaderiramàNaçãodoIslãcausoucertaconsternaçãonacúpuladeChicago, que temia que sua posição os tornassemais independentes do que osdemaismembros.ANaçãoexigiaumaconduta conservadora, sóbria,que iadeencontroao jeitodeviverdamaioriadosmúsicos.No fimde1955,os templosforaminformadosdequenenhummembroteriamaispermissãoparatrabalharnoramodoentretenimento.Walcottficousabendododecretoquandovisitavaorestaurante daNação na esquina da rua 116Oeste com a avenida Lenox. Paraele, que tinha mulher e filho pequeno, foi um duro golpe. Walcott caminhouvários quarteirões, confuso, sem ter ideia do que deveria fazer. De algumaforma,parou,deumeia-voltaeretornouaorestaurantecomaforte intençãodepermanecer fiel à Nação. Foi recebido pelo capitão Joseph, que estava furiosoporque a informação havia vazado prematuramente. Mais tarde, Malcolm foiincumbido de informar a Louis que ele teriamais quatro semanas,mas depois

dissoseriaobrigadoaabandonaravidademúsico.Louisestavamatriculadonaauladofoiàssegundas-feiras,eJosephlhepediu

quefizesseumapalestra.Suabrevefala,explicandoasrazõesqueolevaramaseconverter, fascinou a todos. Décadas depois, veteranos danoique assistiram àpalestra ainda eram capazes de recitar as palavras de Louis: “Levarei amensagemdoHonradoElijahMuhammadatodososcantosdosEstadosUnidosdaAmérica”.58OtalentooratóriodeLouisconvenceuMalcolmaincluirojovemaprendizemsuapequenaturmadealunosdocursodeministrosassistentes.Foiali,duranteosprimeirosseismesesde1956,queLouisdesabrochou,guiando-secuidadosamente pelo modelo de Malcolm em suas apresentações, a ponto deestudar os maneirismos e hábitos alimentares do mentor. Era óbvio que elelevara para a vida de clérigo certas habilidades aprendidas nas casas noturnas.Malcolmnão ligava;maisdoque isso, tinhagenuínoorgulhodasconquistasdeLouis, e entre eles formou-se um vínculo. Posteriormente, Louis diria queMalcolmfoi“opaiquenãotive”.59

Em junho ou julho, Louis foi nomeado capitão do foi no Templo nº 11, deBoston.Depoisdosesforços iniciaisdadoutrinaçãodeMalcolm,otemplovinhaperdendomembros e precisava de uma injeção de ânimo. Dentro de um ano,Louis foi promovido aministro.60 A cúpula de Chicago estava animada com onovoconvertido.Atélhepermitiuretomaracarreiradecantor,masaserviçodoHonradoElijahMuhammad;Louisescreveue interpretouváriascançõesgospel“de inspiração islâmica”, que se tornaram imensamente populares entre osmembrosdotemplo.61

Louis tornou-se o primeiro protegido de Malcolm. Muitos outros jovensviriam,preparando seus sermõese suasatividadesno templodeacordocomodinâmicomodelodeMalcolm.NãodemorouparaqueficassemamplaeàsvezesdepreciativamenteconhecidosdentrodaNaçãocomo“osministrosdeMalcolm”.

Malcolm achava que o ministério muçulmano podia ser dividido em duas

categorias— evangelizadores e pastores. Poucos evangelizadores consideradosexcepcionais sobressaíam como pastores, que deviam ter talento para darconfortoeapoioaosfiéis,enquantopoucospastoreseramcapazesdeconvenceros fiéis a adotarem uma visão espiritual como um grande evangelizador. “Eusemprequisserbomnasduascoisas”,disseele.62Anosdepois,elesecompararia

comomaiorevangelizadorcristãodaépoca,BillyGraham.Ele via cada sermão como uma oportunidade de evangelizar, porque

geralmente havia na congregação um pequeno número de pessoas quecompareciamàigrejapelaprimeiravez.Umcultotípicodanoierabemdiferenteda maioria dos cultos cristãos. O secretário do templo, ou os capitães, podiaabrir a sessão comanúncios; depoisoministro falava,usando, frequentemente,quadros-negros e pôsteres para reforçar suamensagem.Malcolm incentivava aplateiaafazerperguntas,eatégostavadebaterpapo,gracejarediscutircomosvisitantes.NumatípicareuniãonaFiladélfia,MalcolmdeclarouqueaNaçãoera“o único lugar no ‘deserto daAmérica doNorte’ em que ‘o homemnegro e amulhernegra’[ouvem]averdadesobresimesmos”.Osermãopersistiuemdoistemas. Primeiro, Malcolm enfatizou que os negros estavam espiritualmentemortos, como grupo, e que seu despertar dependia somente da aceitação daverdade, representada por Elijah Muhammad. Depois, Malcolm falou dasexpectativas da Nação sobre o relacionamento entre homens e mulheres.Fazendoumapeloparaqueoshomens “respeitassem suasmulheres”, advertiutambém àsmulheres que se vestissem commodéstia.Mulheres que atraem asatençõesamorosasdoshomens“exibindoocorpo”,declarouMalcolm,“eramtãocomunscomooscãesquevemosperseguiroutroscãespelasruas”.63

Emoutrosermão,pronunciadoem1955notemplodaFiladélfia,eleusouasexperiências de opressão racial para explicar por que os brancos não tinham odireitodechamaraNaçãodoIslãdesubversiva:

Eisaquiumhomemqueestuprouamãeeenforcouopainaárvore.Seriaumsubversivo?Eisaquium

homemque roubou todooconhecimentodanossanaçãoedanossa religião.Seriaumsubversivo?Eis

aquiumhomemquenosmentiuenosenganousobretodasascoisas.Seriaumsubversivo?...Éparaeste

homemqueAlátodo-poderosoésubversivo.Homensnegrosnoplanetainteirosãosubversivosparaesse

demônio,evindesaquievosenfureceisconosco.Émelhorescutardes,pois,docontrário,sereisexpulsos

doplaneta juntocomodiabo.Estegovernomaléficoprecisa serdestruído,assimcomoaquelesdevós

quequiserdes seguir a serpentee também fazeromal. Istoéumavisopara saberdesqueviveisvossos

últimosdias,eprecisaisdecidirestanoitesequereissobreviveràguerradoArmagedom...64

Durante todo o sermão na Filadélfia, Malcolm pintou em cores vivas um

quadro de danação para aqueles que continuavam sua aliança com os valoresbrancos, apesar de, como orador, ter aprendido a modular o tom. Com

frequênciaempregavaohumor,edevezemquandoatéfaziareferênciasàgíriadobebop.“AAméricadoNortejásufocanofogo”,advertiu.“Vocêachaqueestátãopordentroe,Jack,vocênãoconseguesequersentirocheirodafumaça.”Atétiravasarro,fazendoreferênciasnegativasàsmãesnegras:“Suamãeéprostitutaquandovocênãorespeitaasmulheres—melhordizerissodeumavezporqueéoquedemonstramsuasações”.Declarounão temeraespionagemdogoverno:“Ofbimeseguepelopaísinteiroenadapodefazercontraessesensinamentos,anão ser que seja a vontade de Alá. Os demônios perderam seus poderes, e sólhesrestatentarintimidarosnegrosqueaindaestãomortos”.65

Findo o sermão, ele observou que, apesar de ter havido, recentemente,grande número de conversões do sexomasculino, “ainda há qualquer coisa demuito errado com as irmãs que não aparecem”.66 Em vez de questionar aspráticassexistasdaNação,quedesencorajavamaadesãodenovosmembrosdosexo feminino, Malcolm condenou o excesso de fofocas entre as mulheres dotemplo. “Prefiro pôr para fora todas as irmãs que vivem brigando e ir lá forabuscarummontedeprostitutas.Parecedurooquedigo,masnãoaguentoessadesunião.”AfirmaçõescomoessasrenderamaMalcolmareputaçãodeserhostilem relação às mulheres negras, e suspeitoso da instituição do matrimônio.Aproveitandoadeixa,muitosmembrosdoFrutodoIslãaplaudiame imitavamasatitudesearetóricasexistasdoministro.Malcolm costumava citar episódios da história americana, ressaltando o

legado do comércio de escravos, para condenar tanto o cristianismo como ogovernodosEstadosUnidos.Emoutrosermão,comentouquetodososnegroseram “cidadãos americanos, mas não conseguem provar, porque lutam pelosdireitos civis desde que foram trazidos pelo inimigo para Jamestown, naVirgínia,noanode1555.VocêsnãosãodonosdenenhumestadonaAméricadoNorte,mas hoje se dizem americanos”.Os negros não podiam esperar que osbrancosredimissemsuavida.“Hojeohomembrancojánãotempoderalgum,esóohomemnegrotemqualquerpossibilidadedesalvar-se.”67Emoutraocasião,lembrou aos ouvintes que as pessoas de ascendência europeia estavam emirremediável desvantagem numérica, globalmente, em relação a africanos,asiáticoseoutrospovosnãobrancos.“Sóhádoistiposdegente,osbrancoseosnegros, portanto, se você não é branco só pode ser negro.”68 Insistiu com osmembros danoipara só frequentarem lojas administradas ou pertencentes amuçulmanos.SemmencionarWilfredpelonome,dissequeemDetroit“umdos

irmãos é gerente de uma grande loja de departamentos e contrata todos osmembros...quepodecontratar”.69

Em1955, apopularidadedeMalcolm tornara-se tão intensaque a cúpuladanoilhe pediu que passasse três semanas em Chicago, para promover umacampanhade recrutamentonoTemplonº2.Osesforçosparaconquistarnovosadeptos continuavam, e emmeados dos anos 1950 parece que aNação do Islãexaminoucommais cuidadoomodelodeproselitismo islâmicopraticadopeloscontrovertidos muçulmanos Ahmadis. Apesar da recusa dos Ahmadis aconsiderarem o profeta Maomé como o “selo dos profetas”, o que perturbavaprofundamente aquase totalidadedosmuçulmanosortodoxos,numaépoca emqueogovernopaquistanêssepreparavaparadeclararaseitaumgruporeligiosonãomuçulmano,emigrantesAhmadistinhamconseguidoformarbem-sucedidascoalizõespolíticasedesenvolverboas relaçõesde trabalhocomosmuçulmanossunitasnosEstadosUnidos.CultuavamfrequentementeaDeusladoaladocomeles. Pelo fim dos anos 1950, um número significativo de Ahmadis afro-americanos tinha aderido àNação do Islã, em parte devido à sua identificaçãoexplicitamentenegra.Comisso, introduziramuma interpretaçãomaisortodoxado Islã clássico, bem comoum compromisso de longa data com a comunidadeislâmica internacional. Por mais sectários e heréticos que fossem os princípiosfundamentais danoi,ElijahMuhammad sempre insistiu comosministros paraapresentarem seu credo como parte de uma comunidade global demuçulmanos.70Essesfatoresajudaramamoldaraversãododa’wadeMalcolm,seus deveres pastorais. Foi essa a principal razão que o levou, no começo dosanos 1960, a criticar tão vigorosamente a frase “muçulmanos negros” paradescreveraNaçãodoIslã.71

Enquantocrescia,aNaçãocomeçouainteragircommuçulmanostradicionaisou ortodoxos de diferentes maneiras. E apesar da fidelidade do grupo aosprincípios teologicamente bizarros da história de Yacub, o terreno espiritualbásicoquedefiniaos contornosdo Islã teveuma influênciadireta e inescapávelna evolução danoi. Dentro do Islã ortodoxo, há duas grandes divisões: ossunitas, que representam a maioria esmagadora dos muçulmanos, e os xiitas,grupoparaoqualAli, sobrinhoegenrodoprofeta, e seusdescendentes sãoosúnicossucessoresdeMaomé.Paraossunitas,oministérioordenadonãoexiste.O líder da observância dosalat, ou das orações, pode ser qualquer pessoaversada. Esse líder, oimam [imã], esforça-se para tornar-se “ummodelo a ser

seguido pelo resto, de modo a preservar a necessária precisão e ordem dosserviços”.72 No Islã, o imã pode ser também um teólogo ou acadêmico dedestaque. Os xiitas, em contrapartida, veem os imãs como divinamenteinspirados. Os dois principais ramos do xiismo, os ismaelitas e os imanis,escolhem os imãs por hereditariedade e acreditam que seus líderes têm umacompreensãodoIslãdadaporDeus,primeirorepresentadaporAli.Osimãstêmos poderes do “ciclo da profecia” (nubuwwa) e, como bem diz um eruditoislâmico,“servemcomointercessoresentreoshomenseDeus”.73

Ao longo dos séculos, o pensamento político islâmico evoluiu em duasdireções notavelmente diversas. Para a maioria dos sunitas, o fundamento detodo ensinamento religioso é asharia, a lei, que por sua vez está ancorada nahaqiqat,ainterpretaçãoliteraldoAlcorão.OmuçulmanoxiitaprocuraoAlcorãonão para construir leis,mas em busca do conhecimento que revela a verdade.Por terem funcionado como minorias perseguidas em sociedadespredominantemente sunitas, os xiitas se retiraram da política e da sociedadecivil.Osxiitasveemamaioriados líderespolíticoscomoilegítima,eexcetoempaíses como o Irã, onde controlam o governo, geralmente não participam davidapolítica.74

Apesar de dificilmente poder ser considerado ortodoxo, a Nação do Islãapresentanotáveissemelhançascomoxiismo.Ambosveemsua fédopontodevista das minorias perseguidas; ambos estão convencidos de que todas asautoridades e toda a política são corruptas; ambos adotam o que em árabe sechamahikmat’At-tadrij,acomunicaçãogradualdoconhecimentoreligiosoedaverdadeao longodo tempo.75QuandoElijahMuhammadelevouW.D.FardàcondiçãodeAlá,Muhammadtornou-sedeimediatooúnicocanaldeligaçãocomDeus.Muhammadadquiriutambémopoderautorizadodaprofeciae,comonocasodosmuçulmanos xiitas, uma infalibilidadequenãopoderia ser contestada.Também como amaioria dos xiitas, ElijahMuhammad acreditava firmementequeposições-chavedentrodacúpuladotemplodeveriamestarinterligadas,fossepor ligações genéticas (por exemplo, Ethel Muhammad Sharrieff, HerbertMuhammad, Elijah Muhammad Jr., Wallace Muhammad) ou pelo casamento(por exemplo, Raymond Sharrieff). Por essa razão, apesar da relação filial deMalcolm com Muhammad, a maioria dos membros da família do patriarca orejeitava veementemente como potencial herdeiro, porque não era parentesanguíneo. Num nível inferior, líderes locais não raro eram parentes entre si.

Pelo fim dos anos 1950, por exemplo, três irmãos Little eram ministros deimportantestemplos—WilfredemDetroit,PhilbertemLansingeMalcolmnoHarlem.Apesardaheterodoxiadanoi,ElijahMuhammadviasuaseitacomopartede

uma irmandade global, aummah, que transcendia as distinções de etnia,nacionalidade, classe e até raça. Os ministros danoieram treinados para severem como guerreiros numa luta espiritual contra os inimigos deDeus. Essetipodeimãpodeserdescritocomomujahid,aquelequededicaavidaaoserviçodeAlá,masquetambémpraticaaautodisciplinaespiritual.76

MembrosdaNaçãodoIslãquetinhamumconhecimentomaissofisticadodoIslã ortodoxo viam razões alegóricas para acreditar que a seita acabaria seafastando de suas raízes heréticas para aderir novamente ao Islã maisconvencional. Comparavam a fuga de Elijah de Detroit para Chicago com ahégira do profeta Maomé deMeca para Medina. A perseguição dos primeirosmuçulmanos foi subsequentemente vivida por Elijah e seus primeirosseguidores, que resistiram à convocação para o serviço militar nos EstadosUnidos. Mais convincentemente talvez, todos os muçulmanos sabiam que oSagradoAlcorãoeraum livrode recitaçõesdeMaomécompiladonumperíodode 22 anos. Os muçulmanos acreditam que a obra contém uma mensagemunificada; apesar disso, o foco e o conteúdo dossurahs, ou capítulos,mudaramcomopassardotempo.Deformasemelhante,Elijahdistribuía“lições”aseremestudadas e decoradas pelos seguidores. Cada uma dessas lições refletia uma“verdadedivina”,mas,juntas,eramincompletas,edeveriamsersubstituídasporrevelaçõesulteriores.ÀmedidaquesemultiplicavamasconexõesdeElijahcomo mundo islâmico, aumentava também a probabilidade de uma evoluçãoteológica, ou “islamização”. A rigor, foi exatamente o que aconteceu depois damortedeElijahem1975,quandoseu rebelde filhoWallaceassumiua liderançadaNação; ele impôs a rejeição total do dogma religioso dissidente e aceitou oIslãortodoxo.Um passo decisivo foi tomado, curiosamente, no nível da política global. A

Nação do Islã sempre vira os afro-americanos como “asiáticos negros”, e noreino dos redimidos não havia distinção entre asiáticos e africanos.Consequentemente, anoificou muito atenta quando em abril de 1955representantes de 29 países africanos e asiáticos se reuniram em Bandung, naIndonésia,paraplanejarmecanismosdecooperaçãopolítica.Birmânia,Camboja,

República Popular da China, Índia, Tailândia, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul,Etiópia eCosta doOuro participaram;mas, de longe, omaior contingente eraformadoporpaísesdemaioriamuçulmana:Afeganistão, Indonésia, Irã, Iraque,Egito, Líbia, Jordânia, Líbano, Paquistão, Arábia Saudita, Sudão, Turquia eIêmen. Nos discursos de abertura, o presidente indonésio, Achmed Sukarno,declarouqueoencontroeraaprimeiraconferênciatransnacionaldepovosdecordahistória.77

Arevoluçãocontraodomíniocolonialestavanoar.Aconferênciarealizava-seapenasseisanosdepoisdotriunfodoPartidoComunistasobreoKuomintangnaChina. No Vietnã em 1952, as forças populares de Ho Chi Minh tinhamderrotado o exército colonial francês em Dien Bien Phu, o que resultou naretiradafrancesadoisanosdepois.NoSudão,umarevoltaprincipiouemagostode1955, forçandoosbritânicosa resgataremdeaviãomilharesde soldadosnasáreasrebeldes.Mas foi naummahmuçulmana que as lutas de independênciamanifestaram

seu maior poder de inspiração. No Marrocos, a decisão francesa de depor osultão Mohammed v em 1953 provocara protestos gigantescos. Recém-derrotadosnoVietnã,osfrancesespermitiramavoltadosultãoeconcederamaindependência ao país emmarço de 1956.NaTunísia, a autonomia interna emrelação aos franceses foi alcançada em1955, e a independência plena emmarçodoanoseguinte.Emnovembrode1954,alutanaArgéliaevoluiuparaguerra.Omais significativo foi o fato de que os nacionalistas argelinos, emboramuçulmanos, não viam o conflito como jihad, mas como luta nacionalista. Osguerrilheiros, cerca de 20 mil, enfrentaram mais de 1 milhão de colonos e oExército francês. Quando a guerra terminou, 250 mil argelinos tinham sidomortos, e 2 milhões forçados a sair de casa, muitos para acampamentos. Oconfronto mais dramático entre o mundo árabe e o Ocidente talvez tenhaocorrido noEgito, com a crise de Suez. Em julho de 1956, o presidenteGamalAbdel Nasser nacionalizou o canal de Suez. Em resposta, os israelensesinvadiram o Egito em 30 de outubro, e os britânicos vieram em seguida. OsEstados Unidos do presidente Eisenhower opuseram-se à invasão, obrigandoisraelensesebritânicosaseretirarem.Emtodoomundomuçulmano,Nasserfoifestejado como líder do sentimento antiocidental e do nacionalismo árabe.Malcolm seguiu com atenção o desenrolar dos acontecimentos, que, para ele,cumpriamaprofeciadivinasobreodeclínioeaquedadopoderdaEuropaedos

EstadosUnidos.78Deu a seguinte explicação para os ouvintes doTemplo nº 7:“Os‘negros’estãounidosnomundointeiroparalugarcontraos‘demônios’”.79

AConferênciadeBandungrepresentouoiníciodeumaépocaecristalizounasideiasdeMalcolmaspossibilidadesdeunificação,internacionalenacionalmente,comoutrosafro-americanoseseguidoresdoIslã.Eleagorainsistiaemdizerqueoslíderesnegrosamericanosprecisavam“realizarumaConferênciadeBandungno Harlem”. Os princípios de não agressão e de cooperação que tinhamcaracterizadoaConferênciadeveriamnortearaestratégiados“negrosasiáticos”dentrodosEstadosUnidos.“Precisamosnosreunireouviroquecadaumtemadizer, antes de chegarmos a um acordo...”, dizia. “E o inimigo tem de serreconhecido por todos [como] inimigo comum... antes de prepararmos umesforçounido contra ele.”Ditasnuma reuniãodo comíciodoDiadaLiberdadeAfricana, as palavras de Malcolm faziam eco às de Blyden, quase um séculoantes, ilustrando as conexões que se formavam entre pan-africanismo, pan-islamismoelibertaçãodoTerceiroMundo.80Maisdoquequalqueroutrolíderdanoi, ele reconheceuo significado religiosoepolíticodeBandung.Seus sermõestraziamreferênciascadavezmaisfrequentesaacontecimentosnaÁsia,naÁfricae em outras regiões do Terceiro Mundo, e ressaltavam a proximidade dosamericanos negros com a humanidade não ocidental de pele escura, mas eletinha também o cuidado de integrar essa nova ênfase gradualmente em suasapresentações, sem parecer que rompia com o roteiro tradicional exigido porElijahMuhammad.

Já em 1956, o capitão Joseph começou a usar expressões como “ei, não sou

comoMalcolm”,ou“elesnãosãocomooministro”.Tinhaocuidadodefalaremtomdebrincadeira,quasezombando,mas reconheciaumaverdade inegável—que Malcolm se sobressaía. Ele adquirira a reputação de ser o mais radicalcontramestredaNação,umfanáticocujavidaeraconsumidanoserviçodeAláena dedicação inquestionável a Elijah Muhammad. Malcolm cobrava de cadamembrodoseutemploumacondutaguiadapelospadrõesmaisestritos; jamaishesitava em impor sanções contra seus assessoresmais próximos, ou em alijardo templo, durante semanas, mesmo os membros leais que cometessem asmenores infrações, como fumar cigarros, por exemplo.Podia sedar ao luxodeser tãoexigente, comodisse seuprincipal assessor, James67XWarden,porque

erasevero,acimadetudo,consigomesmo.81LouisFarrakhanconfirmou:

Ninguém seria capaz de controlarMalcolm. Tinha umamente brilhante. Era disciplinado... Nunca vi

Malcolm fumar. Nunca ouvi Malcolm xingar. Nunca vi Malcolm piscar para uma mulher. Nunca vi

Malcolmcomerentreasrefeições.Faziaumarefeiçãopordia.Levantava-seàscincodamanhãparafazer

suaspreces.NuncaviMalcolmchegaratrasadoaumcompromisso.Malcolmeracomoumrelógio.82

Elijah Muhammad pregava que a Bíblia era um livro de profecia, não de

história.“PorissoMalcolmvia-seasiprópriobiblicamente”,relatouJames67X,“nãocomoalguémquetinhasido,mascomoalguémquesetornava,tinhasidodescrito profeticamente. Via-se como pobre e como pescador de homens.”Malcolm não buscava recompensa monetária; o orgulho que sentia por trazermilharesde“perdidosereencontrados”erasuficiente.83MasJamescompreendeutambém que boa parte do sucesso deMalcolm, especialmente emNova York,“baseava-senoqueaconteciaforadamesquita”84—ouseja,nascondiçõesqueamaioriadosnegrosenfrentavanavidadiária.Essencial para o funcionamento da Nação do Islã era a disciplina — e o

castigo imediato por qualquer infração. Membros eram constantementeestimulados a informarem os funcionários sobre qualquer coisa que pudesseindicar comportamento suspeito. No regime imposto por Elijah Muhammaddepois da guerra, a Nação desenvolveu um procedimento disciplinar rigoroso,no qual, por exemplo, esperava-se que os membros fizessem apenas umarefeiçãopordia,emgeralnofimdatardeoucomeçodanoite.Tecnicamente,osmuçulmanos obesos infringiam as normas dietéticas danoi. Quase sempre oscastigos impostoseramuma“suspensão”,períododuranteoqualo infratoreraimpedidodecompareceraosserviçosdotemplo.Maisseveraeraaimposiçãodo“silêncio”,quandooinfratoreraimpedidonãoapenasdeentrarnotemplo,mastambém de comunicar-se com outros membros. Numa palestra em 1955 notemplo da Filadélfia, Malcolm ordenou aos líderes locais que comprassembalanças para “pesar os membros” às segundas e quintas. “Os que estiveremacimadopeso”, advertiu, “terãoduas semanasparaperder4,5quilos,ou serãosuspensos.” Previu que esse decreto draconiano seria impopular: “Émelhor eunão ouvir ninguémmencionarmeu nome em tom de crítica, caso contrário osuspendereiportempoindeterminado,ou,atémesmo,parasempre.Alguémaíquermeperguntaralgumacoisa,ouachaquenãoestousendo justo?Levantea

mão.Quebomqueninguém levantou,porquequemo fizesse seria expulsodotemplo”.A reputação de severidade de Malcolm, especialmente com aqueles que

punhamemdúvidaa infalibilidadedeElijahMuhammad, foidemonstradanumepisódio ocorrido provavelmente em maio de 1955. Ele e seu assessor deconfiança, Jeremiah X (posteriormente Shabazz), iam de carro pelas ruas deDetroit quando reconheceram o irmão mais novo de Malcolm, Reginald, queanosantesforaexpulsodaNação.Malcolmparouocarroefezumsinalparaqueele se aproximasse; o irmão parecia louco e desgrenhado. Segundo Jeremiah,Malcolmseafastou,deixandoReginaldperdidonascalçadas.MalcolmexplicouaJeremiahXqueoirmãotinharecebido“castigodivino”porsuaoposiçãosuicidaaElijahMuhammad.85

Malcolm reduziu suas viagens pelo resto de 1955 e por todoo anode 1956,masaindamantinhaumaintensaprogramação.SuasviagensderecrutamentoaLansingeDetroitemmaiode1955consumiram-lhepelomenosduas semanas.Naqueleverão,problemasadministrativosnotemplodaFiladélfiaoobrigaram,novamente,adividir seusesforçosprincipalmentecomNovaYork.SuaenergiapararecrutarnovosmembroseampliarabasedaNaçãonãoseabateu,porém.Sóem1955,ele foidevital importânciaparaoestabelecimentode três templosbem-sucedidos: nº 13, em Springfield, Massachusetts; nº 14, em Hartford,Connecticut; e nº 15, emAtlanta. Para construir a organização em Springfield,recorreu à capacidade de liderança de um velho conhecido, Osborne Thaxton,queelemesmoconverteraao Islãenquantoamboscumpriampenadeprisão.86

OTemplonº14 foierguidopraticamenteapartirdozero,quandoumamulherdeHartfordassistiuaumserviçoreligiosoemSpringfieldepediuaMalcolmquefosse a sua casa na quinta-feira seguinte, tradicionalmente dia de folga deempregados domésticos. Malcolm fez a visita, e no conjunto habitacional damulher entraram quinze empregadas domésticas, cozinheiros, motoristas eempregados domésticos da área de Hartford. Em poucos meses, mais dequarentaestavamconvertidos.87

Esses esforços evangélicos tiveram profundo impacto na cultura interna daNaçãodoIslã.Centenasdeconvertidosaderiamacadamês.Centenasdecartassolicitando ingresso tinham de ser analisadas e processadas toda semana. Osencargos administrativos multiplicaram-se proporcionalmente. Secretários dostemploslocaisprecisavamserinstruídossobrenovospedidosenovosmembros.

Novasequipesadministrativas—ministros,secretários,capitãesdofoiedamgt— tiveram de ser selecionadas, ou, em muitos casos, transferidas de cidade.Entre 1953 e 1955, a Nação do Islã mais do que quadruplicou em tamanho,passandodecercade1200paraquase6milmembros.De1956a1961,cresceriamaisdedezvezes,paraalgoentre50mile75milmembros.Apesardemuitoscontinuaremaserrecrutadosnasprisões,nasfilasdedesempregoenosguetos,aNaçãocomeçoua conquistarumpúblicomais amplo.Milhares agoravinhamdaclassemédia,oueramoperáriosaltamentequalificadosesindicalistas.88

Parte do novo apelo da Nação tinha a ver com a reação dos negros à“resistência maciça” dos brancos sulistas à dessegregação a partir de 1955. Ocrescimento dosWhiteCitizen’sCouncils [Conselhos deCidadãos Brancos] emtodo o sul e o assassinato de trabalhadores locais danaacp e do movimentopelos direitos civis no fim dos anos 1950 convenceram uma minoria de afro-americanos de que anoiestava certa: os brancos jamais concederiam plenaigualdade aos negros. Se aLei JimCrowera inescapável, então a estratégia daNação de construir comunidades e instituições sociais inteiramente negras emfacedaimplacávelhostilidadebrancatinhasentidoparamuitos.A atividade em defesa dos direitos civis intensificou-se em todo o país, em

múltiplasfrentes.Alutaduranteoboicotedeônibusem1955-6emMontgomery,no Alabama, pôs o movimento e seu jovem e radiante (e praticamentedesconhecido) líder nas manchetes. Os negros não entendiam por que, anosdepois de a Suprema Corte ter proibido a segregação racial em ônibusinterestaduais,as leisnãoeramaplicadas.EmMontgomery,milharesdenegrosoperários e de classemédia arriscaram o emprego e a segurança pessoal paraapoiaremumprotestonãoviolento,encabeçadopelopastorMartinLutherKingJr.,de26anos.OobjetivodeKingedamaioriadosativistasdedireitosciviseraaintegração

— estavam cansados da separação que tão drasticamente condenava afro-americanosàpobrezaeàdesigualdade.MalcolmteveasensatezdenãocriticarosobjetivosintegracionistasdoboicotequandosolicitadoacomentarosesforçosdeKing.Emvezdisso,concentrousuascríticasaogovernodosEstadosUnidos,“sededetodotipodemaldade...OsEstadosUnidossãooequivalentemodernodaBabilônia,ondehámaiscrimes,maisperseguiçãoemaisinjustiçadoqueemqualqueroutrolugardomundo”.89Numareferênciaaomodelodesolidariedadeafro-asiática de Bandung, declarou em outro discurso que os “‘homens negros’

emtodooplanetaTerraseunem,comumsóobjetivoemmente—adestruiçãodo‘demônio’”.90

Os milhares de recrutas que Malcolm e outros levavam para a Naçãorepresentavam centenas de milhares de dólares de renda adicional, graças àsrigorosas exigências do grupo no tocante ao dízimo. Esperava-se que todos osmembrosdoassemnomínimoumdécimodarendafamiliarparaotemplo,masmuitosdavambemmais.SobasupervisãodeSharrieff,anoicomeçouacomprarimóveis na região sul de Chicago. Os filhos adultos de Muhammad, porinsistência de Malcolm, foram incluídos na folha de pagamento danoi. ElijahMuhammadnãopôdedeixardeperceberocrescentepoderdeseumaisbrilhanteprotegido. Novos templos requeriam a preparação e a supervisão de novosministros, e como Malcolm estava pessoalmente incumbido de estabelecer osquatronovostemplosedereorganizarosdaFiladélfiaedeNovaYork,eletinhao poder de controlar ou influenciar diretamente a seleção do pessoal.Nenhumoutroministro jamais tivera essa autoridade.Provavelmente foipor essa razãoque, em 1956, os ministros dos templos receberam ordens de Chicago paragravar em fita seus sermões semanais e enviá-los pelo correio para a sede danoi. Elijah ou seus assessores revisavam as palestras, para impedir quaisquerdesvios de dogma.A ordem coincidiu com a nova atitude deMuhammad paracom Malcolm, e talvez se destinasse a moderar o crescimento do jovemministro. Agora, quando visitava Muhammad em sua propriedade de HydePark,Malcolmerasemprecriticadoporumarazãoouporoutra.91

Essas críticas produziram efeito. O frenético programa de viagens deMalcolm foi, de alguma maneira, reduzido. No entanto, mesmo com aprogramaçãorelativamente reduzida,eleestevenaestradadurantepelomenosquatromeses,dosdozetranscorridosemmeadosde1956ameadosde1957.Suamensagem básica não se desviava muito dos ensinamentos de Elijah, mastranscriçõesdeinformantesdofbitambémrevelamcertograudeênfasepolíticanas polêmicas deMalcolm contra o racismo branco, em grande parte ausentesdaslamentaçõesdeElijahMuhammad.Pelo fim de 1955, o templo do Harlem crescera de algumas dezenas de

seguidores para 227 “membros registrados” — fossem convertidos oficiais ouindivíduos que tinham submetido cartas pedindo para ingressar. Os membrosregistrados geralmente iam aos serviços religiosos no domingo, masparticipavam de forma irregular de outras atividades do templo.Dentro desse

grupo, apenas cinco indivíduos eram considerados “membros ativos”:participavamdetodasasreuniõesdofoiedamgt,assistiamatodasaspalestrase a todos os serviços, ofereciam-se como voluntários para executar tarefasespeciais e contribuíam regularmente com o dízimo. A rotina administrativatinha sido bem estabelecida. Embora continuasse a ausentar-se da cidade, porvezes durante semanas, Malcolm tentava manter-se envolvido em todas asdecisões importantesdenegócios,confiandoemJosephparamanteradisciplinae para desenvolver e expandir o templo. De vez em quando, porém, os doisviajavam juntosacidadespróximas,ondenovos templos tinhamsido iniciados,parasupervisionarotreinamentoeaseleçãodecapitães.DevidoaolendáriorigordeMalcolm,àculturaaltamentepunitivadanoieà

tensãoque talvezexistisseabaixoda superfíciede suas relações com Josephemquestões de crédito e de controle, é surpreendente que os dois levassem tantotempo para se desentender.Osmotivos específicos do rompimento continuamdiscutíveis.Alguns achamqueMalcolm tinha cerceadoo crescimentode Josephcomo capitão supremo da Nação.92 Outros responsabilizam Joseph pelorompimento,acusando-odenãoterinformadoMalcolmarespeitodeumnocivoboato que corria sobre Elijah Muhammad.93 Mas, dentro de poucos meses, aassociaçãofraternaazedou,eJosephpassouaodiarMalcolmpeloquetranspirouemseguida.Em setembro de 1956, Joseph foi acusado de bater na mulher e Malcolm,

comojuizejúri,conduziuojulgamentodiantedetodososmembrosdotemplo.Antes de apresentar esse caso, Malcolm tinha tratado de vários outros. IrmãoAdam e irmã Naomi, que tinham admitido praticar o pecado da fornicação,foram banidos por cinco anos. Irmã Eunice, que ingressara na Nação do Islãquando criança, foi acusada de adultério. Malcolm observou que o marido deEunice eramuçulmano “registrado”, um homem “que esteve na prisão. Comoachaqueelesesente?”.Depoisdeouvirasrespostas,Malcolmimpôsfriamentesua versão de justiça: “Irmã, não tenho escolha senão lhe dar cinco anos desuspensãodaNaçãodoIslã,períododuranteoqualeuaaconselhariaa jejuareorar a Alá, pedir-lhe perdão, pedir perdão a seu marido... De forma algumapossomanifestarqualquertipodesimpatia,piedade,ousejaláoquefor,porqueasenhoradeveriaterpensadoduasvezes”.94

QuandoJosephseapresentou,Malcolmanunciousolenemente:“Hojeéodiadamanifestação de defeitos”. Então, voltou-se para Joseph: “Você é acusado de

levantar asmãos contra suamulher. Culpado ou inocente?”. Joseph respondeusecamente: “Culpado”. Malcolm decidiu que Joseph tinha sido condenado numjulgamento“classeF”,querendodizerque jánãogozavadeboareputação.Pornoventa dias, ele foi destituído de seu posto no foi e banido das funções dotemploeatédefalarcomoutrosmembros,àexceçãodosfuncionários.MalcolmaproveitouovexamedeJosephcomopretextoparainstruiracongregaçãosobreospadrõesquedelaseesperavam:

Você conhece as leis do Islã, irmão. Você as ensina. Você as ensinou. Você foi capitão do Fruto em

Boston,e foicapitãodoFrutonaFiladélfia,e foicapitãodoFrutoaquimesmo...Sabe tãobemquanto

eu, talvez melhor, que a maioria dos irmãos aqui, que qualquer irmão que levante a mão contra a

mulher... se isso chega aomeu conhecimento, está automaticamente suspenso doTemplo do Islã por

noventadias...EsperoemAláeoroaAláparaqueeleoabençoe,equevocêcontinue forteevolteao

TemplodoIslãpararealizaraboaobraemnomedeAláeseuMensageironaNação.95

PerguntouaJosephsetinhaalgoadizeremsuadefesa;Josephnãoquisfalar,

eMalcolmlhepediuquesaíssedasala.Depois,explicouaosmembrosdotemploqueaacusaçãooriginal,deabusodamulher,tinhasidofeitaoitomesesantes—dandoaentenderqueocasoforaexaminadopelopróprioMensageiro,queassimretardou a decisão final. Em seguida, fez uma vigorosa defesa do caráter deJoseph:“Muitosdevocêstalveznãogostemdele.Muitosdevocêstalveztenhamressentimentoscontraele...Mastambémmuitosdevocêsnãofariamosacrifícioque ele faria”. Sem dúvida, Joseph era um “bom irmão”,mas pelos trêsmesesseguintesseriatratadocomoproscrito.“Etodososmuçulmanosqueoseguiremsãoproscritos.”96

Ofbi acompanhou esses conflitos internos comgrande interesse. Em 23 deoutubro, seu escritório emNova York informou ao diretor que JosephGravittfora afastado como capitão do Templo nº 7, mas recebera permissão paratrabalhar como cozinheiro noturno no restaurante do templo.97 Um segundorelatório,datadode12dedezembro,indicavaqueGravittaindaestavasuspenso;seainformaçãoeraexata, issoocorreudepoisdoprazoimpostoporMalcolm.98

NacomemoraçãodoDiadoSalvadoremChicago,no fimde fevereirode1957,Joseph estava de volta ao posto.Mas a experiência de tornar-se um “proscrito”dotemplomuitoprovavelmentelhedeixouumprofundosensodehumilhaçãoeperda de status. Já não era, pelo menos nos limites do templo, parceiro de

Malcolm e seu igual; era um subordinado, um tenente trabalhador, masimperfeito, que se mostrara incapaz de se ater aos altos padrões morais deMalcolm.Enquanto Joseph se enraivecia,Malcolm continuava insatisfeito como lento

crescimento do Templo nº 7 do Harlem. Ele começara a fazer acenos para aIgrejaBatistaAbissínia, e recrutara váriosmembros da poderosa IgrejaBatistadePowell.Aáreadepescamaisprodutivatinhasido,delonge,adasminúsculasigrejas pentecostais, cujos membros eram negros da classe operária.99 MasMalcolm deve ter visto que as instituições mais bem frequentadas do Harlemeramasqueseenvolviamemcampanhaspelosdireitoscivis,políticaeleitoralereformasocial.Aculturadanoiestavaprontaaolharparadentro,pararejeitaro“demônio” e todas as suas obras. No entanto, se nem o céu nem o infernoexistiam, como ensinavaElijahMuhammad, e o inferno dos “negros” era aqui,nosEstadosUnidos,nãoseriaobrigaçãodosmuçulmanostravaremumajihad?ApesardaausênciadaLeiJimCrow,acidadedeNovaYork,emmeadosdos

anos 1950, continuava altamente segregada. Como bem observou oNew YorkTimes: “Há grave discriminação contra os negros aqui, e, emmuitos sentidos,eles são a classe oprimida da cidade”. De regra, os negros eram barrados namaioriados lançamentos imobiliáriosprivadoseempurradosparaguetoscomooHarlem.Ozoneamentodasescolaspúblicasconfinavaamaioriadeseusfilhosa uma educação inferior, e havia frequentes exemplos de brutalidade policialcontranegros.100Paraqueanoiatingisseumpúblicodemassa,Malcolmteriadeabordardiretamenteessasquestões.ComoPowell,eoutrosministrospolíticos,ele teria de sair do santuário e concentrar-se em algo mais do que o simplesrecrutamentodenovosfiéisparaaNação.Teriadetratardascondiçõesdosafro-americanosnomundoreal.Embora Malcolm não se desse conta na época, sua carreira como líder

nacional da campanha pelos direitos civis começou na tarde de 26 de abril de1957,pertodaesquinadaavenidaLenoxcomarua125,nocoraçãodoHarlem.Doispoliciaistentavamprenderumhomemnegro,ReeseV.Poe,no120darua126Oeste, depois deumadiscussãode rua.Eles batiammuito emPoequandotrês homens negros tentaram intervir: Frankie Lee Potts, de 23 anos, e doismembros do Templo nº 7, Lypsie Tall, de 28, e Johnson Hinton, de 32. Oshomens gritavam: “Vocês não estão noAlabama. Isto aqui éNova York”.Umdos policiais, interpretando isso como provocação, tentou prender Hinton,

supostamente por ter se recusado a deixar o lugar e resistir à prisão.DesferiuváriosgolpesnorostoenocrâniodeHinton,que,posteriormente,oscirurgiõesdiagnosticaramcomocausadoresdelaceraçõesnocourocabeludo,umacontusãocerebral e hemorragia subdural.Os trêsmuçulmanos foram presos comPoe elevadosparaa28ª-Delegacia.Umamulher que assistira ao ataque correu ao restaurante danoi, a vários

quarteirões de distância, para dar a notícia.101 O capitão Joseph prontamentemobilizoumembrospelo telefone.Aoescurecer,Malcolmeumpequenogrupodemuçulmanos foram à delegacia dispostos a ver o irmão Johnson a qualquercusto. De início, o oficial negou que houvesse ali qualquer muçulmano; mas,quandoumamultidão furiosa de cerca de quinhentosmoradores doHarlem sejuntou, o policialmudou de ideia e permitiu queMalcolm falasse rapidamentecomele.Apesardasdoresedaconfusãoquesentia,Hintonexplicouque,quandochegaramàdelegacia,eeletentouajoelhar-separarezar,umpolicialogolpeouna boca e nas canelas com o cassetete. Malcolm rapidamente examinou ascondições físicas de Hinton e exigiu que ele fosse tratado adequadamente. Apolícia cedeu;Hinton foi levadodeambulânciaparaohospitaldoHarlem102—seguido por uma centena demuçulmanos, quemarcharam pela avenida Lenoxemdireçãonorte.Malcolm sabia exatamente que efeito teria aquelamarchanamais movimentada via pública do bairro.103 Enquanto Hinton era atendido, amultidão do lado de fora se multiplicou para 2 mil pessoas. Assustado, oDepartamentodePolíciadeNovaYorkconvocou“todosospoliciaisdisponíveis”para dar respaldo. Então, incrivelmente, eles liberaram Johnson X Hinton dohospital—eolevaramdevoltaparaacadeia.Osmanifestantesmarcharamparaadelegacia,maisfuriososdoquenunca,dessavezfazendootrajetopelarua125Oeste, o corredor central do comércio do Harlem. Dentro de uma hora, pelomenos4milpessoasseacotovelavamnafrentedadelegacia.Oconfrontopareciainevitável.104

QuandoMalcolm finalmente entrou na delegacia, já passava dameia-noite.Escoltado pelo advogado Charles J. Beavers, do Harlem, negociaram a fiançaparaPotts eTall e pedirampara verHinton.Apolícia permitiu,masnegou-secategoricamente a devolverHinton para o hospital, insistindo que ele tinha depassaranoitenacadeiaparacompareceràpresençadeum juizdemanhã.Porvoltadasduasemeiadamadrugada,commilharesdemoradoresfuriososaindado ladode fora,Malcolmpercebeuquehaveriaum impasse.Para enfatizar sua

autoridade perante a polícia, foi lá fora e fez um sinal para sua falange do foi.Silenciosaeimediatamente,ofoisaiu,comordensparasereunirnovamentenorestaurante danoiàsquatrodamanhã.Seguindoseuexemplo,osmanifestantestambémsedispersaramempoucosminutos.A polícia nunca vira nada parecido. Perplexo, um policial que buscava uma

explicação admitiu para o editor James Hicks, do AmsterdamNews de NovaYork:“Homemnenhumdeveriatertantopoder”.105

Na manhã seguinte, uma fiança de 2500 dólares foi paga pelanoi, mas apolíciaaindaserecusavaaentregarHintonparaseuadvogadoouparaMalcolm.Sangrandoedesorientado,ele foi jogadona rua,em frentedo tribunal criminalda cidade. A pedido deMalcolm, homens o levaram de carro para o HospitalSydenham,doHarlem,ondeosmédicoscalcularamqueeleteria50%dechancede sobreviver. No dia seguinte, uma multidão de mais de quatrocentosmuçulmanos emoradores doHarlem reuniu-se para uma vigília numpequenoparque diante do hospital; membros danoitinham vindo de Boston,Washington, Baltimore, Hartford e outras cidades para participar. Malcolmdeixouclaraaposiçãodanoi: “Nãoprocuramosencrenca...nãoportamos facasouarmasde fogo.Mas aprendemos tambémque, quandoalguémacha algumacoisapelaqualvaleapenasemeteremencrenca,deveestarprontoparamorrer,ali mesmo, naquele momento, por aquela coisa em particular”. Como bemobservou James Hicks: “Apesar de seríssimos em seu protesto, eles secomportaramcomadisciplinadeumbatalhãodefuzileirosnavais”.106

Os três homens presos foram subsequentemente absolvidos. Johnson XHinton e os muçulmanos moveram uma ação bem-sucedida contra oDepartamento de Polícia de Nova York, recebendo mais de 70 mil dólares, amaior indenização por brutalidade policial que um júri de Nova York jamaisconcedera.107 Mas o incidente também pôs em andamento as forças queculminaram na inevitável ruptura de Malcolm com a Nação do Islã. ElijahMuhammad só conseguiamanter sua autoridade pessoalmantendo os adeptoslonge do mundo exterior; Malcolm sabia que o futuro crescimento da Naçãodependiadesuaimersãonaslutasdiáriasdacomunidadenegra.Seuevangelismoampliaraonúmerodemembrosdanoi,dando-lhemaiorimpacto,mastambémo forçaraaencarar,denovas formas,osproblemasdosamericanosnegrosnãomuçulmanos. Com o tempo, ele teria de escolher: ou semantinha fiel a ElijahMuhammad,ou“ficariadoladodomeupovo”.108

5.“Irmão,oministroprecisacasar”Maiode1957-marçode1959

A controvérsia em torno de Johnson Hinton apresentou a Nação do Islã acentenas demilhares de negros, eMalcolm soube tirar vantagem disso. Ele jácomeçara a publicar regularmente uma coluna em que mostrava, em linhasgerais, os pontos de vista danoi, “God’s Angry Men” [Raivosos homens deDeus], naAmsterdam News, e agora se empenhava em ampliar o apelo dogrupo. ElijahMuhammad, afirmouMalcolmnuma coluna, era um “Moisés dostemposmodernos que... pediria aDeus... para destruir esta raçamaldita e seuimpério escravista com as pragas do câncer, da pólio [e] das doenças docoração”.1

Centenas de novos negros, fossem inspirados pelo episódio de Hinton, oumovidos apenas pela curiosidade, começaram a comparecer às palestras dotemplo. Em vez de pregar para os já convertidos,Malcolm passou a darmaisatençãoàelaboraçãodeumamensagempopular,eraramentedeixavadecausarforteimpressão.2Aospoucos, incorporouàspalestrasumaconsciência,cadavezmaisaguda,dosacontecimentosmundiais,fundindoasituaçãoeosobjetivosdospovosoprimidoscoma situaçãoeosobjetivosdosnegrosdosEstadosUnidos.Numsermãode21dejunhonoTemplonº7,porexemplo,elejuntouotemadasolidariedade do Terceiro Mundo, apresentado em Bandung, com a visãoapocalípticadeElijahMuhammad:

Queméohomemoriginal?...Éohomemnegroasiático...Oshomensmorenos,vermelhosouamarelos,

juntocomonegro,superamnumericamenteohomembrancoàbasedeonzeparaum.Esabemdisso.

Se algumdia se juntarempara exigir de volta o que os brancos lhes tomaram, os brancos não terão a

menorchance.Quecegueiranosimpededeverquenossopovo,todoonossopovo,precisaseunir.Mas

oHonrado ElijahMuhammad está aqui para nos unir. O dia está próximo. Naonu há um pacto de

paíseschamadoblocoafro-asiático.Éumbloco formadoporalgunspaísesnegrosdestemundo.Elesse

tornammais fortes, e isso é apenas uma pequena prova amais de que os homens negros começam a

perceberqueháumaforçanosnúmeros.3

Overãode1957foidetremendocrescimentoparaMalcolm,quecontinuavaa

abrir caminhos para dar mais legitimidade à Nação, enquanto mantinha umabsorventeeexaustivoprogramadepalestras.Em julho,oTemplonº7 sediouumeventoextravagante,oFestivaldosSeguidoresdoMensageiroMuhammad,na danceteria Park Palace, no Harlem. Mais de 2 mil pessoas compareceram,incluindo Rafik Asha, líder da missão síria naonu, e Ahmad Zaki el-Barail, oadidoegípcio.4Apresençadediplomatasmuçulmanoseraumaindicaçãodequeos esforços de Elijah Muhammad para obter maior legitimidade no mundoislâmicoproduziamresultados.OprincipaloradornãofoiMalcolm,masWallaceMuhammad, de 24 anos, que tinha nascido em 30 de outubro de 1933 e era osétimo filho de Clara e Elijah. Wallace era ministro assistente no templo deChicago, e sua participação emNovaYork era significativa. Ele recebera liçõesdeárabequandoadolescente,e,emmeadosdosanos1950, incomodadocomasincompatibilidades entre os ensinamentos de seu pai e os princípiosfundamentais do Islã, aproveitou a oportunidade para tentar aproximar-se deautoridadesdepaísesmuçulmanos.ÉpossívelquetenhaconfiadosuasdúvidasaMalcolm; o certo é que esse evento marcou o início do estreitamento dasrelaçõesentreosdoisjovens.Em agosto,Malcolm deu um grande passo para abrigar uma geraçãomais

velhademoradores doHarlem sobomantodanoi.Naquelemês, um festivalemhomenagemaMarcusGarvey foiorganizadonoHarlemporumcomitêdeativistas locais, que incluíam o Movimento Nacionalista Africano, de JamesLawson,eoMovimentoNacionalistaAfricanoUnido.Umgrandepalanqueaoarlivrefoiconstruídoparaacomodarosconvidados,eumimpressionantetimedeoradores foi escalado.5 Não há dúvida, entretanto, de que Malcolm roubou oshow.“Oradormuçulmanoarrebatamultidãodegarveyistas”,informouojornaldoHarlem, notando que “o entusiasmadoMr. X... atacou a raça branca como‘responsávelpelasdifíceiscondiçõesdoschamadosnegrosnosEstadosUnidos’e

censurouos líderespolíticosereligiososnegrospornãopassaremde ‘fantochesdohomembranco’.”6Suaousadaatuaçãona frentedadelegaciadepolícia tinhainspirado respeito,mas foi esse discurso no festival que converteu centenas degarveyistasdavelhaguardaparasuacausa.O perfil ascendente de Malcolm e da Nação ajudou a aumentar

significativamente o número demembros,mas também serviu para colocá-losem maior evidência no campo de visão das autoridades locais e federais. EmseguidaaoepisódiodoespancamentodeHinton,aunidadedeoperaçõessecretasdoDepartamentodePolíciadeNovaYork,aAgênciadeServiçosEspeciaisedeInvestigação (Bureau of Special Services and Investigation,boss oubossi),passou a demonstrar um interesse especial.boss era uma unidade de elite,composta de detetives e encarregada de dar segurança a dignitários e líderespúblicos em visita à cidade. Também realizava atividades secretas, comogrampear telefones e infiltrar-se em organizações que considerava subversivas.Em15 demaio de 1957, o inspetor-chefe doDepartamento dePolícia deNovaYork,ThomasA.Nielson, enviou uma série de telegramas e cartas urgentes avárias agências de aplicação da lei em todo o país, pedindo informações sobreMalcolm.EscreveuparaoDepartamentodePolíciadeDetroit;paraaComissãode Liberdade Condicional de Michigan; para chefes de polícia de Dedham eMilton, Massachusetts, e de Lansing, Michigan; e para o superintendente doReformatório de Massachusetts, em Concord. A cada um, Nielson pedia“informações completas sobre antecedentes criminais, com fotos, mostrandodescrição total”.7 ODepartamento de Polícia de Nova York também começou(ouintensificou)omonitoramentodeMalcolmnasreuniõespúblicasdanoi.No fim daquele verão, Elijah Muhammad deu a Malcolm permissão para

fazer uma série de quatro semanas de palestras no Templo nº 1, em Detroit,agora instalado numa sede bemmaior na rua JohnC. Lodge, número 5401.Ointeresse despertado pela série de palestras foi tão amplo que oPittsburghCourier, um dos mais importantes jornais negros do país, publicou umaentrevista com Malcolm na qual ele denunciava o governo Eisenhower, emespecialpornãoterapoiadoadessegregaçãodasescolaspúblicasnosul.“Araizdo problema, e o centro da arena, está em Washington, d. c.”, declarou ele,“onde os ‘magos do Faraó’ de hoje apresentam um grande espetáculo, eenganamamaioriadoschamadosnegrosfingindoqueestãodivididosentresi.”O maior criminoso era Eisenhower, “o ‘mago mestre’” que “está ocupado

demais jogandogolfepara falarpublicamenteoquepensa—ecomo sensodeoportunidade de um grande general, quando fala, sempre é tarde demais”.8

Diferentemente de Elijah Muhammad, que depois de cumprir pena de prisãoraramente criticava o governo e quase nunca citava autoridades pelo nome,Malcolmfoifrancoecitounomes.Aspalestras públicas deDetroit significavamumaalmejadavolta ao lar eo

prenúncio do que o futuro reservava para a militância negra. Divulgada porparentes e amigos, a notável trajetória deMalcolm da criminalidade para umaposiçãodeliderançapúblicaerabemconhecidanaDetroitnegra.OrepórterdoLosAngelesDispatchquecobriuapalestradeMalcolmem10deagostode1957comentou:“Maisde4milmuçulmanosenãomuçulmanoslotaramoTemplodoIslã de Muhammad em Detroit para ouvir o jovem Malcolm X”. O jornalreproduziu a descrição feita porMalcolmdaposiçãodos americanosnegrosnosistemapolíticodosEstadosUnidos,como

estratégicaeúnica.Pois,muitoemboraosnegrossejamprivadosdamaioriadospodereseleitorais,seus

diluídos votos vão influenciar o equilíbrio de poder na eleição presidencial ou em quaisquer outras

eleições neste país. Quais seriam o papel e a posição do negro se ele tivesse plena voz no processo

eleitoral?...Não admira, portanto, que se tenha tantomedo da luta pela liberdade e pela igualdade de

direitosdopovonegro...Seoslíderesatuaisdoschamadosnegrosamericanosnãoseuniremlogo,enão

tomarem posição firme, adotandomedidas positivas para eliminar de imediato as brutais atrocidades

cometidas diariamente contra nossa gente, e, se a chamada intelligentsia negra, os intelectuais e

educadoresnão seunirempara alterar esta situação indecente edegradante, entãoohomemda ruade

agoraemdiantecuidarádoassuntocomsuasprópriasmãos.9

Essa passagem é extraordinária em diversos níveis. Primeiro, ela prevê a

eleiçãopresidencial de 1960, naqualKennedyganhouporpouco, com72%dosvotosdoeleitoradonegro.Anosantesdaaprovaçãodaleidosdireitoseleitoraisde1965,Malcolmpareceassociarofortalecimentogeraldosafro-americanoscoma lutapelo registroepelaeducaçãodoseleitores.AnosantesdeKing,Malcolmcompreendeaforçapotencialdovotonegroembloco.Segundo,elapropõeumaamplacoalizãodeorganizaçõesdedireitosciviseoutrosgrupos—incluindo,aoquetudoindica,anoi—paraatacarosproblemascoletivosdosnegros.Terceiro,a frase final do trecho citado implica uma dura advertência à intelligentsia e àclassemédianegras,nosentidodequeossetoresmaisdesamparadosdasmassas

negraspodem,por impaciênciaoudesespero,rebelar-seviolentamente.Otemaserá abordado por Malcolm em seu mais famoso discurso, a “Message to theGrassroots”[Mensagemàsbases],pronunciadoemDetroit,em10denovembrode1963.Odiscursotambémprenuncia“Ovotoouabala”,de3deabrilde1964,queprevêumarevoluçãosemderramamentodesangue,comandadapornegrosqueexercemodireitodemocráticodevotar.O que havia de verdadeiramente paradoxal no discurso de 10 de agosto de

1957 era que anoi, naquelemomento, seopunha rigorosamente àparticipaçãode seus membros na política eleitoral, não querendo nem mesmo que seregistrassem para votar. O que continuava paradoxal a respeito da Nação eraque, apesardeestarorganizadoparaalcançaropoder, seunúcleo filosóficoeraapolítico. Membros dos templos jamais eram encorajados a participarem demanifestações pelos direitos civis, ou a perturbarem lugares públicosenvolvendo-seematosdedesobediênciacivil.Dificilmentesepoderiadizerqueeram“revolucionários”.10 Talvez uma explicação fosse a crescente influência docongressista Powell sobre Malcolm. O bloco eleitoral da Igreja Abissínia,formadopor1500eleitores,mostravaquantoumaúnica instituiçãonegrapodiaserpoderosa,nocontextodapolíticaturbulentadeNovaYork.Malcolmpodeterproposto a ideia como parte de uma tentativa de mudar a rígida posição dehostilidadedeElijahMuhammaddiantedapolítica.Finalmente,a fluidaconstruçãododiscursomostravaaconfiança retóricade

Malcolm.Muitoemboraa conferência tenha sido formalmentepatrocinadapelaNaçãodo Islã, seu foco e seu estilo eramprofundamente seculares:Malcolm jánão se via exclusivamente comoministro danoi,mas como alguémque podiajuntarsuavozàpolíticanegra.Ofbi,éclaro,acompanhoudepertoessaeoutraspalestrasfuturas.Umdos

seus espiões avisouque em setembroMalcolm foranomeadoministro interinodo templo deDetroit.O informante acrescentou que “Little émuito apreciadoemDetroit e a reunião em que falou foi bem concorrida”.Doismeses depois,WilfredXLittle iria se tornarministrodoTemplonº1.11 OAmsterdamNewstambémacompanhouaturnêdeMalcolmpelocentro-oeste,informandoqueele“fezgrande sucessocomopúblicodeDetroit emgeral”.Os lugaresonde falounaquela cidade “ficaram lotados”,12 e sua ação evangélica, observou o jornal,produziragrandesdividendosparaaNação.13

Aprogramaçãodediscursosdealto impactodeMalcolmatraiuum fluxode

ouvintes emanteve o interesse damídia,mas tambémmaltratou seu corpo jáenfraquecido.Porummêsdepois das palestras deDetroit, ele sobreviveu comapenasduasouquatrohorasdesonopornoite,alimentando-seumavezpordia,eencharcando-sedecaféparaficaracordado.Diasdepoisdeumapalestraem23de outubro, ele começou a sentir fortes dores no peito e no estômago. Commedo de que pudesse ter uma doença coronária, fez um check-up noHospitalSydenham,doHarlem.Osmédicosdiagnosticarampalpitaçõesdocoraçãoeumainflamação nas costelas, mas atribuíram esses problemas a cansaço e estresse.Insistiramparaquetirasseumafolga,masele,inflexível,rejeitouosconselhos.14

Aosairdohospitalapósumaestadadedoisdias,foiaBostonparapresidirainauguraçãodeumnovo temploedarapoioa seuprotegidoLouisX,ministrodaquele templo.15 Apresentado como “o fundador do templo de Boston”,Malcolm lembrou aos ouvintes as desigualdades que existiam nos EstadosUnidos. Negros “morreram por este país e apesar disso não somos cidadãos[plenos]”. Até mesmo outros grupos discriminados, como os judeus, recebiamtratamento melhor. “Um judeu está na Casa Branca, há judeus na Câmaraestadual,osjudeusgovernamopaís.Vocêseeunãopodemosiraumhotellánosul”,afirmou,“masumjudeupode”.16

Malcolm continuou a criticar publicamente o Departamento de Polícia deNova York, escrevendo um telegrama ao comissário no qual exigia que ospoliciaisdiretamenteenvolvidosnoincidentecomHintonfossemsuspensos.Emoutubro, quandoum júri de instrução deNovaYork optou por não indiciar osresponsáveis,Malcolmcondenouadecisão.“OHarlemjáéumbarrildepólvoraem potencial”, advertiu. “Se esses policiais brancos tiverem permissão parapermanecer na área do Harlem, sua presença não será apenas uma ameaça àsociedade, mas à paz mundial.”17 Oboss interpretou as palavras de Malcolmcomo ameaça à polícia e intensificou a espionagem, colocando policiais negrosclandestinamente naNação. Em 7 de novembro, o detetiveWalterA.Upshur,d oboss, fez uma visita a William Traynham, o administrador do HospitalSydenhamnoHarlem,para indagar sobrea recentehospitalizaçãodeMalcolm.O detetive descobriu que o “diagnóstico reconhecido [de Malcolm] era doençacoronária”econseguiuonomeeoendereçodeseumédicoparticular.18

Em10denovembro,Malcolmestavade volta aDetroit, e logodepois saiupara uma turnê de quase três semanas pela Costa Oeste,19 com o objetivo deestabelecerumtemploque tivesse fortepresençaemLosAngeles.Emseguida,

fezumaparadanãoprogramadaemDetroitparadizeraumaplateialotadaqueo Islã “espalha-se como um incêndio, despertando e unindo negros onde querque se faça ouvir”.20 Embora Malcolm costumasse falar em templosmuçulmanos,seupúblicocompunha-se,cadavezmais,denegrosmuçulmanosenãomuçulmanos.Comsualinguagemeseuestilo,Malcolmestendeuamãoparaconvertercristãosnegrosàsuacausa.Seu progresso como conferencista nacional gerou lucro para a Nação. De

quinhentosamilafro-americanosingressavampormês.Anecessidadedenovostemplos deve ter sido interminável. Boa parte da nova renda ia paraempreendimentoscomerciais,supervisionadosporRaymondSharrieff,amaioriaemChicago:umrestaurante,umalavanderia,umapadaria,umabarbearia,umaboamercearia.ANaçãotambémcomprouumprédiodeapartamentosnosuldeChicago, assim como uma fazenda e uma casa em White Cloud, Michigan,avaliadaem16mildólares.Osucessoeconômicodessasiniciativaspodetersidoresponsávelpeladecisão tomadaporElijahMuhammaddeparardemencionaros princípios fundamentais do Islã deW.D. Fard— em particular, a estranhahistóriadeYacub—eadarmaisênfaseàtesegarveyistadequeumaeconomiaautossustentável,sódenegros,eraumaestratégiaviável.ApopularidadedeMalcolmlhedeuumainfluênciainéditasobreMuhammad,

garantindo-lheimportantesconcessões,comoapermissãoparaqueministrosdanoiusassemosobrenomeShabazz,emvezdoXhabitual.Umavezque,segundoa teologia danoi, Shabazz era a identidade tribal de origem dos perdidos eachados, o nome poderia muito bem ser usado como sobrenome legítimo.Diferentemente da noção de que “Malcolm Shabazz” só surgiu depois queMalcolmrompeucomaNaçãoem1964,elejáusavaonomeem1957.21

Oorgulhoque sentiaMuhammaddodiscernimento estratégico deMalcolmpermitiuao jovemministroprepararcampanhas regionaisde recrutamentoemáreasondeanoinuncaseaventurara.Oexemplomelhor,eemmuitossentidosomaisproblemático,foiosul.ApesardeMalcolmterestabelecidootemploemAtlanta em 1955, anoipraticamentenão tinha presença abaixo da linhaMason-Dixon.Apesardisso,nosanosrecentesdegrandecrescimentodaNação,aregiãotornara-se um barril de pólvora racial. EmMontgomery, no Alabama, o bem-sucedido boicote dos ônibus em 1955-6, deflagrado pela recusa de Rosa Park acederolugarnumônibussegregado,chamaraaatençãonacionalparaalutapelaabolição da Lei Jim Crow. Como a posição da Nação do Islã era favorável à

separação racial, Malcolm achava importante não permitir que reformadoresintegracionistas, comoMartin Luther King Jr., tivessem grande influência— amensagemdesolidariedadenegra,decapitalismonegroedeseparatismoracialpregada por ElijahMuhammad precisava ser levada à cidade de Dixie, ao sul.EssesargumentostinhamsentidoparaMuhammad,quelhedeupermissãoparalançar uma campanha sulista. Apesar de ansioso, Malcolm agiu com cautela:quando a imprensa pedia sua opinião sobre o boicote em Montgomery, eleelogiava a coragem de Rosa Park, descrevendo-a como “uma mulher negracristã, boa e trabalhadeira”.22 Raras vezes ele criticou diretamente os protestosdefendidosporKing.Malcolm já tinhaalgumaexperiênciaem fazer campanhapelaNaçãodo Islã

nosul.Emagostode1956,umanodepoisdeestabelecero temploemAtlanta,foioprincipaloradornaprimeiraTurnêdeBoaVontadedaIrmandadedoIslã.Aconvenção atraíra centenas de pessoas da região, mas, para assegurar umcomparecimento espetacular, templos danoide lugares tão distantes comoAtlantic City e Lansing enviaram seusmembros. Quando a turnê terminou, otemplo deAtlanta tinha dobrado o número de adeptos.23 Em fevereiro do anoseguinte, Malcolm foi novamente chamado ao sul, dessa vez ao Alabama.DuranteaviagemparaaconvençãodoDiadoSalvadoremChicago,umgrupodemembrosdanoienredou-secomapolícianumaestaçãodetrem,napequenacidade de Flomaton. Duas mulheres muçulmanas tinham violado umregulamentosentando-senumbancodestinadoaousoexclusivodebrancos,eapolícia foi chamada para confrontá-las. Quando dois jovens muçulmanos, JoeAlleneGeorgeR.White,tentaramprotegerasmulheres,ochefedepolícialocal,“Red” Hemby, puxou seu revólver. Na luta, Allen e White desarmaram esurraramviolentamenteopolicial.Minutosdepois, forampresos e acusadosdetentativadehomicídio.ChegandoaFlomaton,Malcolmusousuainfluênciaparalibertá-losdepoisdepagarempequenasmultas.24

Sua segunda grande turnê sulista, peça principal da campanha queMuhammadtinhaaprovado,realizou-seemsetembroeoutubrode1958,apartirde Atlanta, que, com seu próspero templo, ainda era um dos poucos centrosurbanosda regiãoa terumapresença significativadanoi.Em29de setembro,ele estava na Flórida, e nas próximas duas semanasmembros danoino estadocoordenaram palestras públicas para ele em Miami, Tampa e Jacksonville.Aparentemente, Malcolm não alterou suas palestras para tratar de assuntos

regionais de particular relevância no sul. Apesar disso, seus discursos atraírammodesta cobertura da mídia, e a turnê fortaleceu o perfil da Nação,especialmenteemMiami.Anoinunca conquistou no sul o grupo de simpatizantes com que contava

principalmente no urbano e industrial centro-oeste, na Costa Leste e naCalifórnia.Suafraquezaorganizacionalnaregiãodevia-seavárioserroscruciaiscometidos em resposta a recentes campanhas de dessegregação. Seguindo oexemplo de Muhammad, os líderes danoiacreditavam que os sulistas brancoserampelomenos honestos em seuódio contra os negros.Anoiera incapaz deimaginar um futuro em que a segregação de Jim Crow pudesse ser banida.Consequentemente, concluiu Malcolm, “a vantagem disso é que os negrossulistas jamais alimentaram ilusões sobre a oposição que enfrentam”.Umavezqueasupremaciabrancasempreseriarealidade,omelhorqueosnegrostinhama fazer era manter uma relação possível com brancos racistas, em vez de sealiaremcomos liberaisnortistas.Erauma trágica reprisedadesastrosa tesedeGarveyqueculminaraemtentativasdeaproximar-sedeorganizaçõesfavoráveisà supremacia branca. “Pode-se dizer a muitos brancos sulistas que eles,individualmente, foram paternalisticamente úteis a muitos negros”, afirmariaMalcolm naAutobiografia. “Nada sei a respeito do sul. Sou cria do branconortista.”25

Muito embora a campanha sulista de Malcolm tenha produzido modestosresultados,esseesforçoempalideciadiantedo seunotávelêxitonaexpansãodaNação do Islã em todo o país.Dosmilhares de novos convertidos que fez em1956-7, dois desempenhariam papéis em sua vida que ele jamais poderiaimaginar. Um deles era James Warden, natural de Nova York e filho de umorganizador sindical que em dado momento talvez tenha sido membro doPartido Comunista. Depois de formar-se naHigh School of Science, do Bronx,WardenestudounaUniversidadedeLincoln,naPensilvânia,epassoudoisanosnoserviçomilitar;devoltaàsuacasa,matriculou-senomestradodoEastAsianInstitute, da Universidade Columbia.26 Em 1957, quando tinha 25 anos, umamigo o convenceu a ir ao templo danoipara ouvirMalcolm. Ele resistiu umpouco:Wardentinhaantipatiaportudoquejáouvirafalararespeitodessecultoestranho e racista. “Nomeu entendimento, essas pessoas estavam dizendo: ‘ohomem branco é o demônio’”, lembrava-se ele. “Pensei comigo, deve ser umbando de malucos, [mas] os Estados Unidos estão cheios de gente assim.” Ao

entrar no templo, na esquina da rua 116Oeste com a avenidaLenox, sentiu-seofendido por ter de submeter-se a uma inspeção física. Quando o programacomeçou,mais frustração;ooradoraquelanoitenãoeraMalcolm,masLouisXWalcott.QuandoLouisdisparouseuentusiasmadosermão,Wardenperguntou-se, perplexo: “Será que esse homem perdeu o juízo?”. O conceito de que osbrancos eram, literalmente, demônios parecia absurdo. Warden jurou para simesmo:“Seeuconseguirsairdestelugarsemserpreso,nuncamaisvolto”.27

Masacuriosidadevenceu.Cinconoitesdepois,elevoltou,mas,denovo,teveuma decepção quando outro ministro falou para a congregação. Ainda assim,persistiu,eduasnoitesdepois finalmenteouviuMalcolmfalar.Aexperiência foiumarevelação.Aliestavadiantedele,emexposição,agrandeforçadeMalcolmnãoapenascomoorador,mascomoprofessor.Nessesermão,comoemmuitos,ele usou um quadro-negro, como parte da apresentação, e recorreu a fontesacadêmicasparareforçarseusargumentos.Tambémnãoseincomodavacomascontestações. Quando saiu do templo aquela noite,Warden sentiu que queriavoltar.Nosnovemesesseguintes,continuouaassistiràsreuniões,emborasemingressar formalmente.Oque, finalmente,o levouadecidir-se foio fatode seralvo de insultos racistas de colegas seus naUniversidadeColumbia.Quando oridicularizavam, chamando-o de “crioulo”, ele ficava furioso. “Eu pensei quefrequentasse aulas com pessoas que, devido a nossos interesses comuns, medessem algum valor ou me respeitassem como pessoa”, disse. “Não era ocaso.”28Entregando-seaNação,Wardendesabrochou,e,em1960, foinomeadotenente do foi. Nessa condição, sua amizade com Malcolm evoluiu paradedicação. Baixo, belicoso, fluente em três línguas, incluindo o japonês, odeterminadoWarden—comonovonomedeJames67X—iriasetornarcomotempoumdosmaisfiéisconselheirosdeMalcolm.Outra aquisição importante foi Betty Sanders. Nascida em 28 de maio de

1934, ela foi, como Malcolm, criada numa casa onde questões de raça tinhampapel de destaque. Seus pais adotivos, Lorenzo eHelenMalloy, tiraram-na deumlardesfeitoquandomeninaeofereceram-lheumaexistênciaestáveldeclassemédia. Lorenzo Malloy formara-se no Tuskegee Institute e era dono de umaoficinadeconsertodesapatosemDetroit.HelenMalloyeraativanomovimentopelos direitos civis, servindo como funcionária da LigaNacional dasDonas deCasa, grupo que fazia boicotes contra lojas pertencentes a brancos que nãocontratavamnegrosouquenãovendiamprodutosdenegros.Pertenciatambém

ànaacpeaoConselhoNacionaldeMulheresNegrasdeMaryMcLeodBethune,dois pilares da burguesia negra. Betty frequentou a Northern High School deDetroit e, quando recebeu o diploma em 1952, matriculou-se no TuskegeeInstitute, para estudar pedagogia. Dois anos depois, mudou para o curso deenfermagem; contrariando os conselhos dos pais, transferiu-se para a escolaestadualdeenfermagemdoBrooklyn,ondeobteveodiplomadegraduaçãoem1956,elogoemseguidaprincipiouseusestudosclínicosnoHospitalMontefiore,doBronx.29

Bettydescobriu anoiinteiramenteporacaso,comoWarden.Numanoitedesexta-feira,emmeadosde1956,umaenfermeiramaisvelhaconvidou-aparaumjantar patrocinado pelanoi, seguido de um sermão no templo. Betty achou oprincipalorador“desconcertante”.Apesardefazersériasrestrições,consentiuemir uma segunda vez e, nessa ocasião, Malcolm falou. Ao perceber-lhe o físicoesguio, a primeira impressãoque tevedeixou-apreocupada: “Essehomemestátotalmente desnutrido!”,30 pensou. Depois da palestra, Betty foi apresentada aele, e, enquanto os dois conversavam, ficou impressionada com o jeitodescontraído de Malcolm. No palco, ele lhe parecera valente e austero; emparticular,eraagradável,atémesmogracioso.Intrigada,passouafrequentarossermõesdoTemplonº7,de inícioescondendodospais seuencantamentocomosmuçulmanos.Naqueleoutono,BettySanders aderiu formalmente, tornando-seBettyX,eservindocomoinstrutoradesaúdenocursodecivilizaçãogeraldamgt. Os amigos fora do templo achavam que aquela recém-descoberta paixãopelaNaçãotinhaavercomseussentimentospeloministroMalcolm.

No fimde1958,um informante afro-americanodofbi fezuma avaliaçãodo

caráteredoprestígiodeMalcolmdentrodanoi:

Irmãomalcolmdeveseroterceiromaisinfluente.Temilimitadaliberdadedeaçãoemtodososestados,eforadafamíliadoMensageiroéoseguidormaisconfiável.Éexcelenteorador,enérgicoeconvincente.É hábil organizador e trabalhador incansável...malcolm tem grande ódio dos “demônios de olhosazuis”,mas é improvável que esse ódio rebente emviolência, pois é esperto e inteligente demais paraisso... É destemido e não se consegue intimidá-lo com palavras ou ameaças de agressão pessoal. Temquasetodasasrespostasnapontadalíngua,edevesertratadocomomaiorcuidado.Éimprovávelqueviolequalquerregulamentooulei.Nãofuma,nãobebeetemelevadocarátermoral.31

Essa avaliação realçava o problema dofbi. Apesar de a Polícia Federal ver

emMalcolm uma possível ameaça à segurança nacional, seu rígido código decondutaesuagrandecapacidadedeliderançatornavamdifícildifamá-lo.Elenãotinha vulnerabilidades óbvias, nem era provável que pudesse ser induzido acometer um erro. Mas o que a avaliação deduzia era que a autoridade deMalcolm dentro da seita emanava diretamente de sua proximidade com ElijahMuhammad.Ofbinãodemoroumuitoadar-se contadequequalquer conflitoentreMuhammadeMalcolmenfraqueceriaaNação.Nofimde1957,Malcolmtornara-seaversãodeAdamClaytonPowellJr.da

noi—umministro-celebridade,combaseemNovaYork,mascujopapelmaioro obrigava a passar semanas na estrada. Acumulando cada vez maisresponsabilidades, ele levava uma vida corrida, numa confusa maratona deaviões, trens, palestras e sermões. Em certo nível, devia sentir o peso de umgrande fardode solidãoe frustração, especialmentequandooencantodenovasiniciativasdava lugarà inevitabilidadedarotina.Aaclamaçãoquede início foratão embriagadora tambémo cumuloude fardos significativos: as dificuldades ehumilhações que os negros enfrentavam ao viajar pelo país naqueles anos; osdesafios da obra pastoral — ir visitar membros nos hospitais, supervisionarfunerais, preparar sermões e preces. Quando emNova York, esperava-se delequefossepresençaconstantenasnoitesdotemplo,enquantosuaagendasemanaleraestritamenteorganizada.Asegunda-feiraeraanoitedofoi,quandotodososhomens eram instruídos em artes marciais, assim como “nas obrigações demaridoepai”,comodiziaMalcolm.Aterça-feiraeraa“Noitedaunião,quandoirmãos e irmãos desfrutavamda companhia uns dos outros para conversar”.Aquarta-feira era a matrícula de estudantes, com palestras que explicavam ateologia danoi. A quinta-feira era reservada para amgt e para o curso decivilizaçãogeral,ondeMalcolmcostumavadarpalestras.Asexta-feiraeraanoiteda civilização, com aulas “para irmãos e irmãs na área de relações domésticas,dandoênfaseà formacomomaridoemulherdevemcompreendererespeitaraverdadeiranaturezaumdooutro”.Nosábado,osmembroseramlivresparasevisitarem reciprocamente em suas casas; e o domingo era reservado para oprincipalserviçoreligiosodasemana.32

Provocado por um corrosivo senso de vazio na vida, ou por algo menosemocional, o fato é que Malcolm começou a pensar em casamento. Uma

mudançanessesentidolhetrariavantagenspráticas;Malcolmcalculouqueseriaum representante mais eficaz de Elijah Muhammad se fosse casado. Ouviramuitos rumores sobre seus envolvimentos românticos, e tentara dissipá-los.Todos no Templo nº 7 sem dúvida sabiam da longa relação doministro comEvelynWilliams.É impossível saber se foram as renovadas intimidades do ministro com aamante,ouseforamassançõesislâmicascontraosexopré-maritalqueafetaramseu comportamento. Em 1956, Malcolm propôs casamento, e Evelyn aceitou,maspoucosdiasdepoiseleretirouaproposta.Detodasasmulherescomquemse envolveu, escreveria depois para ElijahMuhammad, “irmãEvelyn é a únicaquetemqueixaslegítimascontramim...esoutestemunhadequeseelareclamaéporquetemrazão”.33

Mas Evelyn não foi a única a quem Malcolm propôs casamento em 1956.Naquele ano, ele propôs a outramulher danoi, Betty SueWilliams. Pouco sesabearespeitodela,emborafosse,provavelmente, irmãdeRobertXWilliams,ministrodotemplodeBuffalo.Ambasasmulheres,emdiferentessentidos,eramescolhas inadequadas. Malcolm sentia que formara laços de confiança eparentesco espiritual com seus seguidores religiosos e, cada vez mais, com acomunidade do Harlem. A mulher que escolhesse para casar afetaria essasrelações.Oamorromânticoeaatraçãosexual,pensavaele,tinhampoucoavercomseupapelfundamentaldeministroemodelodeconduta.Evelynoconheciae o amava desde que era Detroit Red, e embora ele tivesse mudadodrasticamente, o direito que ela julgava ter sobre ele em virtude do passadocomumestariasempreemconflitocomseucompromissocomaNação.Poressemotivo, Malcolm achava necessário que sua mulher não tivesse conhecimentoalgum,ligaçãoalguma,comsuavidapregressa.EBettySue,queprovavelmentemorava em Buffalo, a 650 quilômetros do Harlem, não fazia parte dacomunidadedoTemplonº7.Malcolmorgulhava-sedoslaçosquecriaracomosmembrosdaqueletemploecomacomunidadedoHarlememgeral.Achavaquea mulher do ministro era uma extensão dele mesmo; que às vezes ela orepresentaria em eventos públicos, e precisava ter amesma dedicação que eletinha a Muhammad e ànoi. As fracassadas propostas de Malcolm em 1956certamente contribuíram para aumentar seu senso de isolamento pessoal esolidãoprivada.Se razõespráticas acabarampordominar seuspensamentos sobre a escolha

deumamulher,issotalveztivessemuitoavercomosentimentodetraiçãoquehaviamuitoalimentava,emconsequênciadosmaus-tratossofridosnasmãosdeparceirasdopassado,especialmenteBea.Eleacabaracommedodequelhefosseimpossível amar outra mulher, ou confiar novamente. “Eu tinha tido muitasexperiências que mostravam que as mulheres eram apenas carne manhosa,enganadoraseindignasdeconfiança”,queixava-se.“PediraumamulherquenãofalassedemaiseracomopediraJesseJamesquenãoandassearmado,oupedirauma galinha que não cacarejasse.”34 E saber quando não falar era um talentocrucialparaqualquerumaqueviesseasetornarasra.MalcolmShabazz.Malcolm também tinha ideias firmes sobre o papel damulher. “O Islã tem

leis e ensinamentosmuito rígidos sobre asmulheres”,observou. “Averdadeiranaturezadohomeméserforte,eaverdadeiranaturezadamulheréserfraca...[o homem] precisa controlá-la, se quiser ser respeitado por ela.”35 Por ver asmulheres como inerentemente inferiores e subordinadas aos homens, ele nãoprocuravaumamulher comquempudesse compartilhar seus sentimentosmaisíntimos.Esperavaque suamulher fosseobediente e casta, gerasse seus filhos emantivesseumacasamuçulmana.Esses sentimentos eram bastante compatíveis com os da Nação em geral,

que, por sua vez, estavam afinados com os do Islã ortodoxo. Na tradiçãocorânica,osobjetivosprimordiaisdocasamento(nikah)sãoareproduçãosexualeatransferênciaeherançadapropriedadeprivadadeumageraçãoparaoutra.Onikah também controla a tentação da promiscuidade. A relação carnal podefacilmente levar ao caos social, oufitna, se não for rigorosamente controlada.36

Para a maioria dos muçulmanos, o sexo pré-marital, o homossexualismo, aprostituição e as relações sexuais fora do casamento são absolutamenteproibidos.Em todo o mundo islâmico, o casamento é visto como a união de duas

famíliasoulinhasdeparentesco,maisdoqueumatoditadopordoisindivíduos.Nas negociações com os parentes do futuro marido, a noiva geralmente érepresentadaporumwali,ouguardião,quasesempreopaiouumparentemaisvelho do sexomasculino. Encontros pré-maritais entre homens emulheres sãoestritamente supervisionados. Considera-se a base do casamento o respeitorecíproco, a amizade e um compromisso comum com um modo de viverislâmico.37Oqueocorreaolongodosséculoséquetaisprocessos,infelizmente,tendem a reforçar estruturas islâmicas do patriarcado e da violência doméstica

contraasmulheres.O Alcorão é bem específico no que diz respeito às expectativas islâmicas

quanto às obrigações das mulheres.Surah XXIV, versículo 33, instrui as“mulherescrentes”:

A baixarem os olhos e serem modestas, a mostrarem apenas aqueles atrativos que estão à vista, acobriremocolocomvéusenãomostraremseusatrativos,anãoseraosmaridos,aospais,aospaisdosmaridos,aosfilhos,aosfilhosdosmaridos,aseusirmãos,aosfilhosdosirmãosefilhosdasirmãs,àssuasmulheres,ouàssuasservas,ouaosseuscriadosdosexomasculinoquenãotenhamvigor,ouàscriançasque nada saibam da nudez damulher. E que não pisem com força para não revelarem seus atrativosocultos.38

ANação tentou incorporar algunsdessesvalores em seupróprio catecismo.

As opiniões de Elijah Muhammad sobre as relações entre os sexos seriamestabelecidas em seu manifesto de 1965,Message to the Blackman in America[MensagemaohomemnegronosEstadosUnidos].ParaMuhammad,machosefêmeas ocupavam esferas distintas. As mulheres negras tinham sido mães dacivilização e desempenhariam papel central na construção do mundo futuro.Metaforicamente, eramo campoondeumapoderosaNaçãohaveriade crescer;era, portanto, essencial que os homens negros mantivessem o demônio, ohomem branco, longe desse “campo”, porque a mulher negra era muito maisvaliosadoquequalquercolheitadecultivocomercial.Nãohaviadúvidadequetodas as mulheres precisavam ser controladas; a questão era decidir quemexerceria esse controle, se o homem branco ou o homem negro. Ele advertiatambémcontrao controledanatalidade, tramadiabólicadestinada apraticarogenocídio contra bebês negros. Era precisamente essa capacidade feminina deproduzirfilhosquedavaaosexomaisfracoseuvalor.“Quemquerumamulherestéril?”,39perguntavaele,retoricamente.O que atraía tantas mulheres afro-americanas inteligentes e independentes

para uma seita tão patriarcal? Omundo sexista e racista dos anos 1940 e 1950fornecepartedaresposta.Muitasmulheresafro-americanasqueparticipavamdaforçadetrabalhoremuneradaeramempregadasdomésticasque,rotineiramente,sofriamassédiosexualdospatrõesbrancos.Anoi,porcontraste,oferecia-lhesaproteção de um patriarcado privado. Como ocorria com suas equivalentesbrancas de classe média, não se esperava que as mulheres afro-americanas daNação tivessem empregos em tempo integral, e ainda que as frequentes

declaraçõesmisóginas deMalcolm, especialmente nos sermões, fossem radicaisatéparaospadrõessexistasdanoi,aseitaofereciaproteção,estabilidadeeumaespécie de liderança. A ênfase deMalcolm na santidade do lar negro prometiaexplicitamente “que as famílias não serão abandonadas, que asmulheres serãoestimadaseprotegidas,[e]quehaveráestabilidadeeconômica”.40

As mulheres do templo durante aqueles anos raramente se sentiamsubjugadas. Amgt era seu próprio centro de atividades, onde muitas delasparticipavam de iniciativas no bairro e eram encorajadas a monitorar oprogressodos filhosnaescola.No templodeNewark,quenão ficava longedoTemplo nº 7, as mulheres envolviam-se na criação de pequenas empresas.Também desempenhavam papel ativo no trabalho do conselho local deeducação, assim como em outros interesses comunitários.41 É provável que asmulheresdoHarlemexercessematividadessemelhantes.Comoasmulheresquetrabalhavam no movimento pelos direitos civis, as danoitinham emmente ofuturodacomunidadenegra.OqueasatraíaparaaNaçãoeraapossibilidadedeterfamíliasfortesesaudáveis,relaçõesdeapoiocomumeenvolvimentopessoalna construção de bairros negros livres de crimes e, emúltima análise, de umanaçãonegraindependente.N aAutobiografia, Malcolm conta como suas relações com Betty Sanders

evoluíram dentro dos parâmetros definidos tanto pelo Islã como pelanoi. Noinício de 1957, ele estava ciente de queBetty ingressara noTemplonº 7. LogosoubequeelaeradeDetroit,tinhaestudadonoTuskegeeInstituteefrequentavaa escola de enfermagem da cidade. Era uma mulher fisicamente atraente —morena clara, cabelos escuros, olhos castanhos e um belo sorriso. A instruçãoquereceberalhedavaconfiançaeexperiênciaparachegardiantedeumgrupoefalar,eparadirigirotrabalhodeoutros.MalcolmcomeçouapassarpelasaulasdeBettynasnoitesdequinta-feira.Suaatitudeeraformal,masamistosa.Comotempo, ele superou suas reservas e convidou-a para sair— visitar oMuseu deHistóriaNaturaldeNovaYork.AintençãodeMalcolm,segundoele,eraapenasver exposições que pudessem ajudá-la em suas palestras. Betty concordou emarcaramumadata.Horasantesdoencontro,porém,Malcolmhesitou,edisseaelaqueprecisavacancelaravisita;surgiraumassuntoinesperado.AréplicadeBetty foi surpreendentemente franca: “Ora, você certamente esperou demaisparamedizer, irmãoministro,eujáestavaprontaparasair”.Constrangido,elevoltouatrás,econcordou,àspressas,emmanteroencontro.Atardedeucerto,e

paraele foiumaagradável surpresa ficar“impressionadocomsua inteligênciaetambém com sua cultura”. Os dois continuaram a se encontrar e a trabalharjuntos,masMalcolm ficou paralisado com a ideia de demonstrar que se sentiaatraídoeelatalvezrejeitá-lo.42

Anoiàquelaalturatinharecursos financeirosparamandarMalcolmdeaviãoaChicagotodososmesesparaconsultar-secomElijahMuhammad.Numdessesencontros,MalcolmadmitiuquetalvezpedisseBettyemcasamento.Comoseuspais adotivos discordavam de sua filiação a Nação, Muhammad decidiuinvestigar se ela era uma parceira adequada para seu discípulo. A pretexto defazerumtreinamentonasedenacional,eleconvidouBettyparapassarunsdiasem Chicago. Durante sua estada, ela ficou hospedada com Elijah e ClaraMuhammad. Depois, Muhammad disse a Malcolm que achava Betty X “umaótimairmã”.43

Na versão de Malcolm (e no filme de Spike Lee), a atração sexual era aprincipal força que os aproximava,mas algumas pessoas que trabalharam comMalcolm viam as coisas de outra maneira. James 67X lembrava-se de que oministroviaocasamentocomoocumprimentodeumdeverparacomaNação.Sentimentospessoaiseramsecundários.“Irmão,oministroprecisacasar”,disse-lheMalcolm, referindo-seapreceitos islâmicos.Paraevitarfitna, as ameaçasdeescândalo e pecado, mesmo um casamento sem amor poderia tornar-se oparaíso. Outro confidente, Charles 37X Morris, convenceu-se de que Malcolm“não tem nenhum sentimento por mulheres”, declaração ambígua que sugere,não obstante, que seuministro não tinha entusiasmo pelo casamento. Charlesachava que Elijah, e não Malcolm, era o principal instigador daquelecasamento.44 Anos depois da morte de Malcolm, Louis Farrakhan insistia emdizer que Malcolm continuava profundamente apaixonado por EvelynWilliams.45 Mas a própria Betty — ou dra. Betty Shabazz, como se tornouconhecida — sustentaria sempre que Malcolm a perseguira “persistente ecorretamente”.46

Ainda assim, o jeito inusitado comqueMalcolmpediuBetty em casamentosugerequeseusantigosassessorestalveztivessemalgumarazão.Nocomeçodamanhãde12de janeirode1958,umdomingo,eleparouao ladodeumacabinetelefônicanumpostodegasolinaemDetroit,depoisdedirigiranoitetodadesdeNova York. Conseguiu falar com ela no dormitório do hospital e dissebruscamente: “Olha, você quer casar?”. Betty, emocionada, deixou cair o fone,

mas quando conseguiu segurá-lo novamente respondeu: “Quero”. DepoisarrumouasmalaseimediatamentepegouumaviãoparaDetroit.47

Logo que Betty chegou a Detroit, o jovem casal foi ver os Malloy, queficaramespantados.Bettylembrava-sedeterdeixadoMalcolmnasaladevisitase levadoospais paraos fundos a fimdedar anotícia.Elesnão reagirambem.Hellen Malloy soluçou descontroladamente, queixando-se de que Malcolm eravelho demais e “nem sequer era cristão”. O pai foi aindamais direto: “O quefizemos para que você nos odeie tanto?”. Betty também se pôs a chorar, masestavadecididaaimporsuavontade.48ÉdifícilsaberoqueMalcolmpensoudasvozesalteradasedas tempestadesdesoluços.Sóse lembravadequeosMalloy“forammuitoamistosos,eficaramagradavelmentesurpresos”.49

Anotícia foimaisbemrecebidapelosLittle.Os irmãosdeMalcolmnaáreadeDetroitficarammuitofelizes,etalvezextremamentealiviados,deveremqueo irmão de 32 anos ia finalmente estabelecer-se na vida. Em 14 de janeiro,Malcolm e Betty foram de carro até o norte da Indiana, onde leis liberaistornavamocasamentofácilerápido.Noentanto,oestadoacabavadeimporumperíodo de espera compulsória, e os dois seguiram para a casa de Philbert emLansing, onde descobriram que seria possível casar-se dentro de dois dias.Fizeramosexamesdesangue,compraramumpardealiançasepreencheramumcertificadodecasamento.Depois,em4de janeiro,ahoradacerimôniachegou.OrelatodeMalcolmémeiocômicoeagridoce,porquedemonstrapoucaalegria.“Um velho branco corcunda”, o juiz de paz, realizou a cerimônia. Wilfred ePhilbert estavam presentes, apesar de na versão de Malcolm todas astestemunhasserembrancas.Malcolmficoumuitoofendidoquandoojuizdepazoinstruiua“beijaranoiva”.Malcolmprotestou:“Tirei-adali.Todaaquelacoisade Hollywood!”. Ele ridicularizava “essas mulheres viciadas em cinema etelevisão, que ficam esperando buquês, beijos e abraços... como aCinderela”.50

Os recém-casados passaramanoitenumhotel, eBetty pegouumaviãonodiaseguinteparaNovaYork,afimdeassistiràsaulasdocurso.Quando anotícia dasnúpcias doministroMalcolmchegou aoTemplonº 7,

houve tumulto, e nem tanto para comemorar. Anoiera predominantementeuma organização na qual homens confraternizavam facilmente entre si,abraçando-seempúblico.Enquantoocontatofísicoentreossexoseraproibido,ocontato de homemcomhomem, especialmente no contexto das artesmarciais,era rotineiro. Não foi surpresa paraMalcolm, portanto, que alguns irmãos do

Templo nº 7 “olhassem para mim como se eu os tivesse traído”. Malcolm foivisto como um novo Abelardo, o sacerdote que sucumbira a paixões terrenas,abandonandosuaverdadeiravocação.Masele ficouaindamais intrigadocomareaçãodasirmãsdotemplodiantedeBetty.“Nuncaperdoareiaexclamaçãoqueouvideumadelas:‘Vocêopegou!’.Eraaquiloqueeulhesdizia,quandofaleidanaturezadasmulheres.Éemparteporcausadissoquenuncaconsegui tirardacabeçaa ideiadequeela sabiadealgo—o tempotodo.Vaiver,elamepegoumesmo!”51

Evelyn,queestavanotemploquandoanotíciadocasamentodeMalcolmfoianunciada,saiudoprédiocorrendo,aosgritos.52Malcolm,semdúvida,sentiu-seculpado; se, como sugeriu Farrakhan, ele ainda tinha sentimentos por ela, otérmino formal do relacionamento dos dois deve ter sido quase tão difícil paraMalcolm como para ela. Mas, assim como considerações práticas tinhamdespertado seu desejo de casar, elas agora o levaram a tomar a decisão derestaurar aordemno templo.Aconselhou-se comMuhammad, e ficoudecididoque Evelyn seria transferida para Chicago, onde o escritório nacional acontrataria como secretária de Muhammad. Essa deve ter parecido a melhorsolução paraMalcolm, porque, mesmo que tivesse ouvido os rumores que devez emquandovinhamà tonano templo sobreoMensageiro, ele nãopoderiaimaginarquantoamudançacomplicariasuavida.O desconforto queMalcolmmostrara com relação ao casamento comBetty

manifestou-sequasede imediatoem suavida comum,demaridoemulher.Osdesafiosqueenfrentaramrelacionavam-se,emparte,aosproblemasgenéricosdetodos os americanos negros que adotavamos padrões corânicos de casamento.Muitas crenças básicas dosmuçulmanos sobre seus objetivos e deveres não secoadunamcomvalorescristãosocidentais.Outroproblemasérioéoconceitodemachismo que alguns homens afro-americanos levam consigo para o Islã. ANação haviamuito recrutava seus adeptos nos degraus inferiores da sociedadenegra,emuitosmembrosdoseurebanhotinhamantecedentesfamiliaresdifíceisou autodestrutivos. Aqueles que, como Malcolm, se converteram na prisãocontinuavam a carregar dolorosas cicatrizes, tanto físicas como psicológicas,dessa experiência. O trauma pode durar a vida inteira, e a Nação não tinhaprogramas de autoajuda para auxiliar esses homens na superação de seusproblemasemocionais.OpassadosexualdeMalcolmtinhasidoemgrandepartedefinidoporencontroscomprostitutasemulherescomoBeaCaragulian.Agora

ele teria a obrigação não só de sustentar Betty financeiramente,mas de cuidardasnecessidadesemocionaisesexuaisdamulher.Ele pelomenos tentou. No começo de 1958, os recém-casadosmudaram-se

paraumsobrado,narua95,número25-26,emEastElmhurst,noQueens.BettyeMalcolmdividiamoscômodossuperiorescomosecretáriodotemplo, JohnXSimmons,suamulher,Minnie,eofilhodequatromesesdocasal;tambémviviaali um tal deEdward 3XRobinson, comamulher.Moradores do subsolo e dotérreo incluíam JohnX e Yvonne XMolette,MildredCrosby, Alice Rice, e suafilha, Zinina. Todos eram membros danoi, ou estavam ligados ao grupo porlaçosdefamília.Bettylogoengravidou,abandonandoacarreiradeenfermagem.Durantemeses,Malcolmparou de fazer grandes viagens e tentou parecer felizcom a gravidez. Desde o início, entretanto, o comportamento de Betty lhedesagradou.Assimcomotinhadesafiadoavontadedospaistransferindo-separaa escola de enfermagem e casando-se comMalcolm, elamanteve uma veia deindependência que o marido dominador achava inaceitável. Até o fato de elacontinuar assistindo às aulas damgt o incomodava. De sua parte, Bettyconfidenciou auma amigaque, enquanto a palavradeMalcolmeradecisivanotemplo,naprivacidadedesuacasa“essaatitudesimplesmentenão funcionava”.Mais tarde, James 67X caracterizaria a combativa oposição de Betty à atitudepatriarcaldomaridoedahierarquiadanoicomo“contínua”,explicando,comumsorriso,que“mulhernenhumaquetenhasidocriadasobodemôniopodeaceitarisso”.53 Apesar de os pais adotivos de Betty serem negros, seus arraigadosvalorescristãosenormasdeclassemédia,tantoquantoJames67Xpodiajulgar,eramiguaisaosdosbrancos.Anos depois do assassinato de Malcolm, Betty descreveria seu casamento

como“agitado,beloeinesquecível—acoisamaisimportantedeminhavida”.54

Narealidade,amulherde23anosestavamalpreparadaparaavidadecasada.Nunca aprendeu a cozinhar. Mesmo depois de ingressar na Nação, mal sabiapreparar um feijão e algumas receitas de carne e frango. Malcolm nuncacozinhou,portantoficavaporcontadelaplanejarrefeiçõesnutritivasevariadas,comumorçamentoapertado.Fossemquais fossemas fantasias românticasqueBettypudesseteralimentadosobresuavidafutura,elasestavamextintasnofimdo primeiro ano de casada. Malcolm raramente lhe manifestava afeição. Elesquase nunca passavam a noite na companhia um do outro— em sete anos decasamento,elesóalevouaocinemaumavez,em1963.Osmomentosdemaior

atençãoocorrerampertodonascimentodosfilhos.Porexemplo,Malcolmdirigiapessoalmente para levar Betty a suas consultas regulares com a obstetra, dra.JosephineEnglish(eletinhadeixadoclaroquenenhummédicodosexomasculinotocariaemsuamulher).EmatençãoàmovimentadaagendadeMalcolm,adra.Englishmarcava as consultas de Betty para as sete damanhã em seu hospital.Malcolmestavaconvencidodequeoprimogênitoseriaummenino;naverdade,chegaraadizera seuscolegasqueoúniconomeemqueconseguirapensarerade homem.55 Então, em 16 de novembro de 1958, nasceu umamenina que foichamada de Attallah. Por ter ficado desapontado, ou por achar que seria depouca serventia no período de pós-parto, o fato é que Malcolm praticamentedesapareceu depois do nascimento.56 No dia seguinte, seguiu de carro paraAlbany,nonorte,parafalarnumencontrodanoi.57Doisdiasdepois,estavaemHartford, Connecticut, antes de seguir para Newark, Nova Jersey.58 Voltara àestrada,comosequasenadativessemudado.Betty ficou consternada com sua reação. Logo depois do nascimento de

Attallah,ela juntoualgumasroupas,pegoua filhae tomouometrôparaacasadeRuthSummerfort,umaprimadistante.QuandoMalcolmvoltoupara casa enão viu a mulher e a filha adivinhou para onde tinham ido. Sentiu que Bettyestava magoada com seu comportamento, mas não tinha intenção de pedirdesculpas. Em vez disso, esperou quase dois dias antes de ir à casa deSummerford e ordenar àmulher que pegasse a filha e entrasse no carro. Bettyobedeceu.Assurpresasdocasamentonãopararam.Duranteseusanosdesolteira,Betty

tinhaincorridoemalgumasdívidas.59Malcolmnãosabiadenadadissoantesdocasamento,masagoraachavamelhornãodeixar sua jovemmulherpensarque“se casara com um bom partido”, e permitiu que ela continuasse trabalhandopara pagar as dívidas. Ainda assim, não lhe facilitou a vida. Quando Betty lhepediu que a levasse de carro ao trabalho, ele simplesmente se recusou.Exercendo firme controle sobre as finanças da família, e negando a Betty aoportunidade de ganhar mais do que precisava para quitar as dívidas, elemanteveamulher“naprisãofinanceira”,comodizia.SeoslongosdiasnaestradatinhamlevadoMalcolmapensaremcasamentoe

estabilidade, asdificuldadesdocasamentoagora renovaramoapelodaestrada,oferecendo-lhe uma oportunidade de buscar consolo e distância dos seusproblemas.Suaprimeiraviagemimportantedepoisdocasamentofoiumavisita

de um mês a Los Angeles na primavera de 1958, em muitos sentidos tãoimportante quanto a longa série de discursos que pronunciou em Detroit noverão de 1957.Malcolm estava disposto a estabelecer uma forte base danoinaCosta Oeste. Também queria estabelecer as credenciais islâmicas da Naçãoenvolvendo-seematividadespúblicascomrepresentantesdoOrienteMédioedaÁsiamuçulmanana região.No fimdemarçoe começodeabril,Malcolm faloupara membros danoinum encontro realizado no Normandie Hall em LosAngeles.60 Enquanto estava na cidade, também assistiu a uma recepção soleneem homenagem à República do Paquistão,61 e deu uma entrevista coletiva noHotel Roosevelt, em Hollywood, coordenada por Mohammad T. Mendi, deKarbala, no Iraque, usando aoportunidadepara dizer que achava “absurdo”osárabes esperarem receber tratamento justo e imparcial damídia “uma vez queela é controlada pelos sionistas”.62 Em 20 de abril, ele foi, mais uma vez, oprincipal orador numa reunião pública destinada a servir de diálogo inter-religioso entre muçulmanos e cristãos. Três pregadores saíram da sala emprotestoquandoMalcolmcriticouariquezadealgumasigrejasafro-americanasea pobreza de seus fiéis.63 Ele também combinou com Louis X para fazer umsermão no templo de Boston em maio. Na conclusão, Malcolm perguntou àplateia se alguém desejava converter-se ànoi. Ficou espantado aover entreosqueselevantaramsuairmãElla;64dealgumaforma,avidadelesderaumavoltacompleta.Malcolm ficava cada diamais incomodado como comportamento de Betty.

Numa carta que escreveu para Elijah emmarço de 1959, confessou que “nossamaiorfontedeproblemastemavercomsexo”:

Eladámuitomaisimportânciaaissodoquesoufisicamentecapazderealizar.Porfavorperdoe-metocarno assunto,masme sinto forçado a falar-lhe a respeito, e não falaria a nenhuma outra pessoa. Numaépocaemqueeufaziatudoparasatisfazê-la(sexualmente),umdiaelamedissequeéramossexualmenteincompatíveis,porqueeununcaasatisfizerarealmente.Apartirdeentão,pormaisquetentasse,comeceiametornarmuitofrioparacomela.Nuncamaismesenticorreto(livre)comelaaesserespeito,pois,por mais que se mostrasse satisfeita, eu sempre achava que era apenas fingimento... Ela sentiu-semiserável durante a gravidez, e aqueles foram os nove meses mais miseráveis da minha vida...Costumavaamaldiçoarodiaemquesecasara,eofatodeestargrávida,emeamaldiçoavatambém.65

Do ponto de vista de Betty, estar casada com o ministro do Templo nº 7

significava partilhar constantemente o marido com outros, sobrando pouco

tempo para ela. Também sentia que se tornara alvo de boatos maldosos.Malcolmtornara-sepoderosodemaispara sercriticadoabertamente,masBettyerapresa fácil.Alguns rumoresque circulavama seu respeito eramcruéis.Porexemplo,quandoeladeuàluzaumasériedemeninas,osfofoqueirosdotemplosugeriramqueAláapunirapor seusconstantesdesafiosàhierarquiadominadapor homens. Ela não seria capaz de ter filhos homens, sussurravam eles,enquanto não mudasse de atitude. Quanto mais Betty era criticada, maisirredutível ficava. Ela também começou a formar um círculo de amizade commulheres do templo, o que lhe dava certo grau de apoio. Mas, para osdetratores, o grupo demonstrava arrogância e um desejo de dividir amgt emfacções rivais. “Ela faziaquestãoquepercebêssemosadistânciaquehaviaentreela e nós”, observou James 67X sarcasticamente. “Por causa da relação comMalcolm,nãoéramosmaisiguaisaela.”66

Em fevereiro de 1959, Bettymais uma vez foimandada à sede emChicagopara participar de um programa de treinamento, que se estendeu por váriassemanas.Aovoltar,informouMalcolmaMuhammad,“elamedisseque,senãomecuidasse,elaiacausarconstrangimentosparamimeparaela(depois,quandoa interroguei,disseque iaprocurarsatisfazer-secomoutros)”.Paraumhomemmuçulmano,sertraídopelamulhereraintolerável.ParaMalcolm,representariao fim do casamento e um risco para sua posição deministro. Ele talvez tenhaconcluídoqueaúnicamaneiradecontrolarBetty,oudetorná-lamenosdesejávelsexualmenteporoutroshomens,seriamantê-laperpetuamentegrávida,porisso,depois de seis meses de abstinência, voltou a fazer sexo com a mulher. Bettyreagiu ridicularizando o marido. Ela “me chamou deimpotente... e disse que,apesardepoderengendrarumfilho,eueracomoumvelho (incapazde fazeroatodurarosuficienteparasatisfazê-la)”.67Paracomplicar,todootemplosabiadesuadesarmonia;osoutrosmuçulmanosquemoravamno sobrado junto comocasalbrigãomantinhamocapitãoJosephsemprebeminformado.Depois da ruptura entre os dois, os sentimentos de Joseph em relação a

Malcolm tornaram-se cada vez mais hostis, e ele pode ter aproveitado asconfusõesmaritais doministro para fazer a balança do poder dentro daNaçãovoltar a inclinar-se para seu lado. Não há dúvida de que ele relatava osproblemas matrimoniais de Malcolm para seu superior, o capitão RaymondSharrieff.PorintermédiodeSharrieff,outrosmembrosdafamíliadeMuhammadprovavelmente ficaram sabendo das dificuldades deMalcolm.No fim dos anos

1950,a sededeChicagoestendeuaautoridadede Josephpara todosos templosnonordestedosEstadosUnidos,oque lhedavaautoridadesobreadistribuiçãode milhares de membros do foi. Joseph agora podia influenciar a seleção decapitães em todo o país. ParaMalcolm, o único jeito de contestar tudo isso, eminimizar o estigma de seus infortúnios maritais, foi atirar-se com maissofreguidãoaindanosassuntosdanoi.

Em 14 demaio de 1958, enquantoMalcolm dava palestras emBoston, dois

detetives da delegacia deAstoria, JosephKiernan eMichael Bonura, bateram àportade sua casa emEastElmhurst.TinhamordemparaprenderumamulherchamadaMargaretDorsey, cuja residência oficial era rua 165 Leste, no Bronx,mas que supostamente vivia no térreo do sobrado dos Little.68 (Malcolm diriadepois aos detetives doboss que os policiais não tinham perguntado porDorsey,masporAlvinCrosby,de24anos,quemoravacomoutrasfamíliasnoscômodosdotérreooudosubsolo.)69OsdetetivesforamatendidosporYvonneXMolette,de27anos,quepolidamentelhesexplicouquenãopermitiriaaentradasenãoapresentassemummandadodebusca.Apolícia tentou forçar a entrada.OutrasmulheresdacasaouviramecorreramemsocorrodeYvonne.Juntas,elasconseguiram trancar a porta. Os detetives juraram voltar, dessa vez com omandado.Voltaramàsoitoemeiadanoite,acompanhadosdoinspetordoscorreiosdos

EstadosUnidos,HerbertHalls.Hallsbateuàportadafrente,enquantoKiernaneBonutaderamavoltaatéaentradalateraldacasa.AliforamatendidosporJohnXMolette,quevieraparacasadepoisdesaberpelamulherdaprimeiratentativadospoliciais.OspoliciaisdisseramaMolettequeprocuravamMargaretDorsey,eMolettesaiu,batendoaportaporfora.Impaciente,Kiernanreclamouqueelesnão“tinhamtempoaperdercomaquelasbobagens”.EmpurrouMolettedelado,tentando abrir a porta e forçar a entrada. Enquanto os dois homens lutavam,Molette foi empurrado para dentro da casa, mas, com a ajuda da sogra,conseguiubotarospoliciaisparaforaefecharaporta.Semseintimidar,Kiernanarrebentouospainéisdevidrodaportaetentouabri-lapordentro.Enquantoaluta continuava,odetetiveBonura foi atingidoporumagarrafa jogadadeumajanela.Comisso,Kiernanpuxouorevólveredisparoudoistirospelaporta.O tiro teve um efeito dramático. Os moradores dispersaram-se e a polícia

entrou na casa, seguindo os moradores escada acima. Quando chegaram noandardecima,viramqueaportadoapartamentodosLittleestavatrancada.Ospoliciaisameaçaramatirarseosocupantesnãoabrissem,easmulheres—BettyShabazzeMinnieSimmons—abriram.Depoisderevistaremacasa,ospoliciaislevaram as duas mulheres, mais Yvonne e JohnMolette, para fora e puseramtodo mundo em fila contra a parede perto do acesso à garagem. Quando oveículodepatrulhadapolíciachegou,elesforamconduzidosàdelegaciado114ºdistrito. Mais duas pessoas foram presas, e depois todos foram soltos sobfiança.70

QuandoMalcolmrecebeuanotíciaemBoston,resolveuagirprontamente,talcomoo fizeranoconfrontoemtornode JohnsonXHintonnoanoanterior.FoideaviãoparaNovaYorke lançouumataquepelamídiaàpolícia, traçandoumparaleloentre“astáticasdaGestapodapolíciabrancaquecontrolaoscinturõesnegros”dosguetosamericanoseasforçasdeocupaçãoquecontrolamterritórioinimigo. “Onde mais e em que circunstâncias”, perguntou ele, “se veriamsituaçõesemqueapolíciapodeinvadirlivrementecasasparticulares,arrebentarportas,ameaçarbateremmulheresgrávidas,eatémesmotentaratingiratirosuma menina de treze anos... senão nos bairros negros americanos, onde o‘inimigoocupante’estádisfarçadodepolicial?”Anoiimediatamenteformouumpiquetedemanifestantes silenciososna frentedadelegacia, atodeousadiaque,de acordo comum relato de imprensa, causou perplexidade à polícia.71 O casoHinton ensinaraMalcolm a pôr as autoridades na defensiva commanifestaçõesdesse tipo,manobraque tambémsinalizavaaosnegrosnãomuçulmanosqueoconflitoeraumaquestãodedireitoscivis.Embora provavelmente nem Malcolm nem Betty soubessem, o casamento

dela com um ministro danoilevara ofbi a espioná-la. Já em junho de 1958,informantes dofbi avisavam ao escritório em Nova York que Betty tinhaassistido à Exposição de Educação e Ofícios Afro-Asiáticos patrocinada peloTemplo nº 7, realizada no Park Palace em 8 de fevereiro de 1958; tambémregistraram sua participação nos festejos do Dia do Salvador em 1958 emChicago.72 O indiciamento de Betty por ter agredido um policial e por“conspiração”fezofbicavarmaisfundo.Suafichadecréditofoiexaustivamenteinvestigada, e ofbi descobriu que Betty já tinha uma série de problemasfinanceiros antes de se casar comMalcolm. Por exemplo, no fim de 1957, doisprocessosseparadosforamabertoscontraBettyemWinchester,NovaYork,um

por uma dívida de 546,57 dólares com a Budget Charge Account, Inc., e outropor 742,24 dólares devidos à Sacks Quality Stores, Inc.73 O que indicam osresultadosdaespionagemdofbiéqueelaeraumanacionalistanegraconfianteeindependente que sabia se expressar. Um informante dofbi, comentando umapalestra feita por Betty em Chicago no começo de 1959, disse que ela elogiouElijahMuhammad“poroferecerempregoseoportunidadesatodosnós”.Emseudiscurso,BettyesboçouumavisãopessoaldocrescimentoeconômicodaNação:Vamos ter umbanconosso aqui emChicago e emprestar dinheiro.A documentação desse banco está

sendo organizada. Sempre que houvermembros em número suficiente para um templo, teremos um

restaurante, uma loja de roupas e uma padaria, como os que temos aqui em Chicago. Vamos abrir

tambémum centro de saúde aqui.Queremos quemembros comdiplomauniversitário nos ajudem, e

comissoajudemseuprópriopovo.74

ApalestradeBettymostraqueelatinhaumavisãoclaraeampladofuturoda

noi, baseada numa classe média negra instruída — pessoas iguais a ela. Oimportanteaquiéverqueelanãoeramanipuladapelosacontecimentos;eraumadedicadaeresolutaseguidoradeElijahMuhammadporseusprópriosméritos.O caso levou quase um ano para ser julgado, e nos meses de intervalo

Malcolm fez constantes referências ao que tinha acontecido. Ele tambémpronunciouváriosdiscursosbaseadosnoepisódio.75Quandoemmarçode1959ocaso foi a julgamento, apenas quatro das seis pessoas originariamente presasforamprocessadas,entreelasBettyShabazz.Aaudiênciaduroutrêssemanas,eatéaquelaépocatinhasidoojulgamentodeagressãomaislongojáregistradonoQueens. Dezesseis testemunhas depuseram, enquanto os réus denunciavam aaçãodapolíciacomoflagranteviolaçãododireitodepropriedadeedosdireitosconstitucionais.ANação estava decidida a dominar o ambiente do julgamento.Levou seus próprios estenógrafos e colocou guardas do foi nas portas dotribunal;quementrassenocorredorquelevavaàsaladotribunalerafotografadoporumdostrêsfotógrafositinerantesdanoi.Depoisqueadefesa falou,o júri,que incluía trêsafro-americanos,deliberou

durante treze horas. Às três da tarde de 18 demarço, o júri informou ao juizPeter T. Farrell que chegara a um veredicto,mas o juiz estava tão intimidadocom a presença de centenas demuçulmanos furiosos no tribunal que adotou ainusitadamedidademandartodososespectadoressaíremantesdeojúrirevelar

suadecisão.Duasacusadas,BettyShabazzeMinnieSimmons,foramabsolvidas.OjúrichegaraaumimpassecomrelaçãoaIvonneeJohnMolette,semalcançardecisãounânime, libertando-os,massujeitosaumsegundoprocesso.Depoisdaleituradoveredicto,o júri foiescoltadoatéometrôsobtensaproteçãopolicial,cercadodecentenasdemuçulmanosaosberros.Empédiantedeseusseguidoresna escadaria do tribunal, Malcolm instruiu: “O lugar de qualquer policial queabusar de vocês é o cemitério. Sejampacíficos, firmes e agressivos,mas seumdelestocarodedoemvocês,morre”.Aincapacidadedojúrideabsolvertodososacusados, segundo Malcolm, foi culpa do juiz Farrell, que utilizara “táticas decanguru” para proteger a polícia. Ele criticou duramente Farrell por suas“interpretações ambíguas da lei, e por não cobrar adequadamente do júri nospontosessenciais,oquelevouosjuradosaoimpasse”.76

MuitoemboraMalcolmraramentesereferisseaeledepoisde1960,ocasofoitãosignificativoquantooincidentedeJohnsonHinton.Adecisãodedefenderosacusados, e de identificar o episódio coma terminologia dos direitos humanos,gerou simpatia e solidariedadenamaioriadosnegros,mesmoaquelesquenãoconcordavam com as propostas separatistas danoi. Malcolm tirou do caóticoepisódio a seguinte lição: quando anoimanifestava solidariedade a grupos dedireitoseliberdadescivisenfrentandoproblemascomoabrutalidadepolicialqueafetava quase todos os negros, era recompensado com cobertura favorável damídia e a conquista de novos adeptos. Enquanto isso, o escritório dofbi emNova York informava a seu diretor que “continuaria a seguir de perto asatividades de little”, e passou a emitir relatórios de espionagem atualizados acadaseismeses.77

Ofbitinharecursosparacontratardúziasdeinformantesnegroseinfiltrar-senaNação,masnãoconseguiacompreenderanaturezada seitaqueconsideravatãoperigosa.Estavaconvencidodequeanoierasubversivaporquefomentavao“ódionegro”.Ofbinuncaentendeuqueanoinãoqueriaadestruiçãodasinstituiçõeslegais

e socioeconômicas dos Estados Unidos; os muçulmanos negros não eramradicais, mas profundos conservadores sob a liderança de Muhammad.Louvavam o capitalismo, desde que o capitalismo servisse àquilo queconsideravam de interesse dos negros. Seu erro fundamental foi a inabalávelcrença em que os brancos, como grupo, jamais superariam seu ódio contra osnegros. Como resultado, ofbi não compreendeu as preocupações subjacentes

que motivavam Malcolm e Elijah Muhammad, nem viu que os dois homenstinham construído uma organização dinâmica capaz de atrair como sóciosdezenasdemilharesdeafro-americanos,edespertaraadmiraçãodemilhões.Ateologia danoicertamente “satanizava” os brancos, mas seu programa, emmuitos sentidos, simplesmente canalizavaoprofundo sensode alienaçãoque jáexistia entre os negros da classe operária, nascido da realidade da segregaçãosulistadaLeiJimCrowedadiscriminaçãonortista.78

Malcolm eMuhammad não esperavam que o sistema político americano seredimisse, ou que resolvesse os problemas dos “negros asiáticos” nos EstadosUnidos.SópelagraçadeAlá,epelaconstruçãode fortes instituiçõesnegras,osnegros poderiam redescobrir seus poderes. Malcolm, naquela altura, nãoconsiderava seus discursos públicos “politicamente”, mas sim espiritualmenteinspirados, com base nos ensinamentos proféticos do Alcorão e da Bíblia, naexpectativa dos derradeiros dias. Logo viria uma época, porém, em que aseparaçãoentreespiritualidadeepolíticajánãoseriaumaposiçãosustentável.

6.“Oódioproduzidopeloódio”Marçode1959-janeirode1961

AsquestõesenfrentadasporMalcolmno fimde1959sobreanecessidadedeuma ação políticamais ousada não diziam respeito somente a ele. Durante osanos 1950, o movimento pelos direitos civis, enquanto ganhava força, teve delidarcompoderosas lutas internasparaseguiremfrente.Nãohaviaumacordogeralsobreadireçãoqueoativismonegrodeveriatomar,ounemmesmosobreos objetivos que precisavam ser atingidos. Enquanto a Nação do Islã estavapraticamente sozinha em seu repúdio à ação direta, muitos líderes negros,incluindoMalcolm, eram seduzidos pelos ideais e êxitos de revolucionários doTerceiroMundo. Alguns viam na lutamarxista amelhormaneira de definir eresolver o conflito racial. Na era domacarthismo, essa identificação ideológicapunhamaispressãosobreosgruposdedireitoscivis,poisoslíderesnegroseramcada vezmais vigiados pelas agências do governo.Malcolmnão era, de formaalguma,oúnicoaservistocomoameaçaàsegurançanacionalpelofbi.Apesar da pressão, e da guinada política geral para o conservadorismo nos

anos do pós-guerra, ativistas negros continuaram a conseguir importantesavanços.Emdezembrode1952,quandoocasodeBrowncontraaSecretariadeEducação chegou à Suprema Corte, o mundo político ainda era rigidamentecodificadoempretoebranco.“Separados,masiguais”,segundooprecedentedadecisãodaSupremaCortesobreocasodePlessycontraFergusonem1896,aindaera a lei em vigor no país. Apesar disso, os anos anteriores à decisão de 1954sobre Brown testemunharam mudanças de circunstância que pressagiavam oresultado. Com o banimento das eleições primárias só para brancos pela

SupremaCorteem1944,muitosnegros,amaioriadosul,votarampelaprimeiravez.Entre1944e1952,onúmerodeeleitoresnegrosregistradosnaquelaregiãodisparou,passandodecercade250milparaquase1,25milhão.Em1946,emsuadecisão sobre o caso de Morgan contra a Virgínia, a Suprema Corte declarouinconstitucionalqualquerleiestadualqueimpusesseseçõesdaLeiJimCrowemônibusinterestaduais,decisãoquelevouumanovaorganizaçãodedireitoscivis,o Congresso de Igualdade Racial (Congress of Racial Equality,core), a lançaruma série de protestos não violentos contestando leis de segregação emtransporte público interestadual. No fim de 1955, Martin Luther King Jr. foipromovidoparaumaposiçãodedestaqueinternacionalporseupapelnoboicotecontraosônibusdeMontgomery, enquantonavizinhaTuskegee, noAlabama,negrosrealizaramumboicoteeconômicocontracomerciantesbrancoslocaisqueduraria três anos, em resposta à divisão arbitrária de zonas eleitorais pelolegislativo estadual excluindo dos limites da cidade quase todos os eleitoresnegros. Em 1960, a Suprema Corte deu razão aos manifestantes negros deTuskegee,declarandoilegaladivisãodezonaseleitoraisporraça.1

Esses êxitos eram fruto dos esforços conjuntos de uma nova geração delíderes afro-americanos favoráveis à contestação frontal. Em Nova York, EllaBakerfoieleitapresidentedafilialdanaacpnacidadedeNovaYorkem1952,eformou coalizões inter-raciais em torno de duas questões que afetavam quasetodos os negros — a brutalidade policial e a segregação nas escolas públicas.Enquanto isso, no Mississippi, o secretário danaacp, Medgar Evers, trocou aabordagemnãoviolentaporumaatitudedeautodefesaarmada,dedicando-seainvestigar e publicar crimes racistas.2 Em 1957, Baker, Mayard Rustin e oadvogado/ativista liberalStanleyLevisonprepararamumasériededissertaçõespara desenvolver o que viria a ser o programa de ação da nova ConferênciaSulista de Liderança Cristã (Southern Christian Leadership Conference,sclc.).3

O que essas pessoas tinham em comum era a disposição de arriscar a vida.Todascriticavamopassolentodasreformascomandadasporlíderesdedireitoscivis mais velhos; boicotes econômicos, desobediência civil e organização dajuventude,acreditavameles,deveriamencabeçarosprotestos.O fantasmaassustadordomacarthismoedoanticomunismovirulento tinha

custado caro aos liberais negros. O mais destacado sociólogo americano, E.FranklinFrazier,porexemplo,forainvestigadopelofbiporpertenceraoComitêde Povos Negros para Auxílio da Democracia Espanhola nos anos 1930. A

educadora e amiga íntima de Eleanor Roosevelt, Mary McLeod Bethune, foiinterrogadapelasautoridadesporpertenceraoComitêAmericanoparaProteçãodosNascidosnoEstrangeiro.4Masovíruspolíticoencerraraseuciclo,e,quandoos demagogos anticomunistas recuaram, houve um renascimento de certaesquerda negra, cuja maré de boa sorte era simbolizada pela situação dopolêmicocantoreatorPaulRobeson.Banidodopalcoedateladuranteosanosde repressão macarthista, Robeson tivera o passaporte confiscado peloDepartamento de Estado, mas sua turnê de regresso em 1958 pelos EstadosUnidos recebeu forte apoio da comunidade negra. Esses concertos coincidiramcom a publicação do seu manifestoHere I Stand [Aqui estou], parte memória,parte comentário político, que dava destaque às lutas pela independência naÁfrica,assimcomoàlutapelosdireitoscivisdentrodosEstadosUnidos.Olivrofoi amplamente aplaudido na imprensa afro-americana, mas pouco contribuiuparatornarRobesonpopularentreasautoridadesbrancas.5Quandooprimeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, propôs uma comemoração nacional dosexagésimo aniversário do cantor, os Estados Unidos tentaram em vãopressionarseugovernoacancelaroevento.6

Talvez nenhuma pessoa individualmente simbolizasse melhor a tendênciaparaamilitânciadoqueRobertF.Williams.Depoisdefazeroserviçomilitaretrabalhar como operário,Williams voltou para casa na Carolina do Norte em1955,ondenãotardouaparticipardecampanhaspelosdireitoscivis.Seucarismaesuamilitânciaatraíramseguidores,elogofoieleitochefedafilialdanaacpemMonroe, na Carolina do Norte. Ele se viu no meio de uma controvérsia pelaprimeira vez em1959quando, depois da absolviçãodeumhomembrancoqueatacaraumamulherafro-americana,Williamsdisseaosjornalistasquetalvezosnegros devessem “reagir à violência com a violência, para se protegerem”. Olídernacional danaacp,RoyWilkins, suspendeu-o.Por suavez,os seguidoresdeWilliams condenaram a ação deWilkins, provocando um debate que haviamuitotempovinhasendosuprimidodentrodacomunidadededireitoscivis.Em seguida, Williams envolveu-se num caso amplamente divulgado pela

imprensa,defendendodoismeninosnegros—deoitoedezanos—presosemMonroepelocrimedebeijarumameninabranca.Emmeadosde1961,atensãoprovocadaemMonroepeloincidenteestavaapontodeexplodir.Durantevisitaàcidade,oativistadedireitoscivis JamesForman foiatacadoepostonacadeiapelosimples fatode ter ligaçõescomWilliams.Ganguesbrancaspercorriamas

ruas depois do anoitecer à procura denegros para aterrorizar, e a comunidadenegra reagiupegando emarmas.Quandoumcasal debrancos entroude carroporenganonumdistritonegro isoladoporcordas,Williamsordenouque fossedetido para garantir sua segurança. As autoridades locais, no entanto, oacusaramdesequestro.7

O impacto coletivo de Baker, Williams e outros militantes forçouorganizações como anaacp a agirem, pressionandoos dois principais partidospolíticos a adotaremnovas leis.Em1957, oCongresso aprovouuma tímida leide direitos civis estabelecendo um grupo consultivo, a Comissão de DireitosCivis. Asclc. respondeu lançandoa campanhadaCruzadapelaCidadania,queampliou seu programa estratégico, passando a incluir o registro de eleitores eeducaçãocívica.OrganizadaporEllaBaker,acampanhadeuentrevistascoletivaserealizoucomíciosemmaisdevintecidades.8

Achamadessenovoativismobrilhavacommaisintensidadenosul,masteveprofundo efeito nas comunidades negras do norte, onde é bem verdade que asegregação não existia,mas os padrões de exclusão eram antigos e arraigados.Emsetembrode1957,inspiradospelalutadocomeçodoanoparadessegregaraArkansa’sCentralHigh School emLittleRock, ativistas deNovaYork fizerampiquetes na prefeitura em protesto contra a discriminação racial em escolaspúblicas.Alguns ativistas concluíram que seria melhor se candidatarem a cargos

públicos, imaginando, talvez, que criar leis seria mais eficaz do quesimplesmente exigi-las por meio de agitação. Seu modelo era o advogadoBenjaminDavisJr.,comunistaquerepresentaraoHarlemnaCâmaraMunicipalde Nova York de 1943 a 1949. Mesmo depois que suas opiniões políticas olevarama ser condenadopor violar aLei deRegistro deEstrangeiros de 1940,conhecida como Lei Smith, numa tentativa fracassada de reeleger-se, em 1949,Davisobtevemais votosnoHarlemdoque em suas eleições anteriores.9 Comumprograma igualmenteprogressista,EllaBakerconcorreu, semsucesso,paraaCâmaraMunicipal deNovaYork em 1951 e 1953.O advogadoPaulMurray,que posteriormente defenderia Robert Williams numa audiência nacional danaacp,tambémconcorreuàCâmara.10MasapesardeHulanJackeleger-secomooprimeiropresidentedistritalafro-americanodeManhattanem1953,osnegrosde Nova York continuavam a ser sub-representados. Em 1954, por exemplo,maisde1milhãodos14milhõesdemoradoresdoestadoeramafro-americanos,

mas, apesar disso, tinham apenas um representante entre os 43 membros deNovaYorknoCongresso;umentreosseus58senadoresestaduais;apenascincoentreos150membrosdaassembleiaestadual;edezentreosseus189juízes.11

NoHarlem, o ativismo ganhouum toque cultural.De 1951 a 1955, radicaispublicaram um jornal chamadoFreedom.Nacionalistas negros anticomunistas,comooescritorHaroldCruse, criticaramaorientaçãodo jornal, descrevendo-acomo“nadamaisdoqueintegração,embaladaemfraseologiadeesquerda”.12Ojornallogofechou,mas,nocomeçode1961,muitosdosseusantigosfuncionárioslançaram uma revista trimestral,Freedomways, para ser um elo entre oscomunistasnegros,osradicais independenteseaalaesquerdistadomovimentopelos direitos civis. Para nacionalistas como Cruse, entretanto, mesmo a novarevistaestavacomprometida,porsuaassociaçãocomaesquerdamarxista.13

Apesar dessas apreensões ideológicas, a maior parte da nova geração deradicais sofria crescente influência da esquerda negra, que se manifestava nofascínioafro-americanocomCuba.Emjaneirode1959,umimprovávelbandodeguerrilheiros comandados por Fidel Castro tinha arrancado o controle do paísdasmãosdoditadorFulgencioBatista.EmboraFideltenhaidoaWashingtonemabril para tranquilizar a administração de Eisenhower sobre suas intenções, ogovernoamericanonãotardouaperceberqueonovoregimeeraantiamericanoe pôs-se a trabalhar em sua desestabilização. Radicais americanos quesimpatizavamcomajovemrevoluçãoresponderamaelacriandooFairPlayforCuba Committee [Comitê Pró-Tratamento Justo para Cuba], que atraiuintelectuaisnotáveiscomoAllenGinsberg,C.WrightsMillse I.F.Stone.14 Umnúmerosignificativodeartistaseativistaspolíticosafro-americanosingressounocomitê, ou pelo menos endossou publicamente a revolução de Fidel Castro.Entre eles estavam os jornalistas William Worthy e Richard Gibson, osescritores JamesBaldwin, JohnOliverKillese JulianMayfield—e,comoeradeesperar,RobertWilliams.Em junho de 1960, o comitê patrocinou a primeira viagem de Williams a

Cuba, e no mês seguinte organizou uma delegação afro-americana, por elechefiada.15 Seusmembros incluíamMayfield, o teatrólogo e poeta LeRoi Jones(mais tarde, Amiri Baraka), o historiador JohnHenrik Clarke eHarold Cruse.MesmoparaanticomunistasferrenhoscomoCruse,aexperiênciafoiinspiradora.“Aideologiadeumanovaondarevolucionárianomundo”,observouele,“tirou-nos do anonimatodanossa luta solitária nosEstadosUnidos paranos elevar à

destacada posição de dignitários visitantes.” Mas Cruse se esforçou parapreservar a objetividade—mais oumenos comoMalcolmo faria anos depois,emcircunstânciassimilares,aovisitaraÁfrica.ParaCruseasprincipaisquestõesaseremrespondidaseram:“Oquesignificatudoisso,equerelaçãoissotemcomosnegrosnosEstadosUnidos?”.Umaliçãosignificativa,escreveuele,refletindoossentimentoscadavezmaismilitantesdosativistasnegros,foi“arelevânciadaforçaedaviolênciaparaoêxitodasrevoluções”.16

Enquanto o movimento pelos direitos civis fortalecia sua postura deconfronto direto, envolvendo umamistura de protesto e política,Malcolm e anoiobservavam de longe. Apegada à sua doutrina de separatismo rigoroso, aNação tinha pouca contribuição a dar no diálogo sobre a melhor maneira demudar a ordem vigente. Muitos líderes da Nação não compreendiamverdadeiramente a luta pelos direitos civis; ainda estavam convencidos de quedeveriam manter distância de qualquer coisa que fosse controversa ousubversiva.Mas,nadisputapelasimpatiadosamericanosnegros,osprogramasbaseados em questões relevantes e as vigorosas personalidades existentes noMovimento de Liberdade Negra representavam um desafio frontal ànoi. Afavorávelcoberturade imprensaqueMartinLutherKing Jr.eoutros líderesdomovimentopelosdireitoscivisrecebiamlhesdavaumaimportâncianocontextodasrealidadespolíticasqueanoinãotinha.Numa carta escrita em abril de 1959 para James 3X Shabazz, o recém-

nomeado ministro do Templo nº 25 em Newark, Muhammad manifestoupreocupação diante dos “frequentes choques com os Law Enforcement Agents[Agentes Aplicadores da Lei], em que nós, fiéis do Islã, nos envolvemos”.Incomodava-ooconfrontonacasadeMalcolmentreoDepartamentodePolíciade Nova York e os membros danoi, assim como a publicidade que cercou ojulgamento subsequente. “Sempre que aparecer um policial com ordem deprisão, vocês não devem resistir, sejam inocentes ou culpados”, instruía ele.“Precisamoslembrar que não estamos no poder em Washington, nem ondemoramos,paradarordensàsautoridades...Advogados,fiançasemultascustamcaro, e surras e hematomas doem demais para que os suportemos a troco denada.” No fim das contas, Alá castigaria aqueles que maltratassem seusseguidores.“Mas,lembrem-sedenão seremacausaque lhesdêaoportunidadede maltratá-los, pois sabem muito bem que a justiça do demônio não é paravocês.”17

Em particular, Malcolm discordava. A ampla cobertura jornalística dojulgamento dos Molette, de Minnie Simmons e Betty, em sua opinião,apresentara a Nação, em geral, de forma favorável.18 “Se aAmsterdam Newsnão tivesse informado diretamente sobre o caso desde o início”, escreveu ele,numacartaabertaaopúblico,“essesinocentesestariamagoraatrásdasgrades.”Astutamente,associouoconfrontodanoicomapolíciaà lutamaisamplapelosdireitos civis e à necessidade de uma imprensa afro-americana empenhar-senuma cruzada.19 Alguns “ministros de Malcolm” dentro danoiseguramentepensavamdamesmaforma.Ele olhava para além da Nação, para os americanos negros não islâmicos,

tentandoaproximar-sedenegrosforadomovimentoreligioso—como,arigor,vinha fazendo havia anos. Nessa época, foi procurado por um jovemrepresentante afro-americano de uma emissora local de tv, a wnta (Canal 13),Louis Lomax, que preparava uma série de programas sobre anoi. Lomaxtrabalhavanoprojetocomoutro jornalista,MikeWallace,queno fimdosanos1950jáerapresençafamiliarnacoberturatelevisivadeNovaYork.20

Osdoishomens tinhamrazõesdiferentespara abordar anoi.Wallace, comquase quarenta anos, tinha ampla experiência jornalística, mas ainda estava àprocura de um grande furo. Diante da ascensão de Malcolm e da Nação, elesentiu a possibilidade de provocar controvérsia ao expor as ideias raciaisdesagregadorasdanoiparaumagrandeaudiência.OsinteressesdeLomaxerammais complicados. Nascido em 1922 em Baldosta, na Geórgia, obtivera umdiploma de bacharel no College Paine, assim como mestrados na AmericanUniversityeemYale(em1944e1947,respectivamente).21QuandoestudavaemYale, Lomax desabrochara, apresentando um programa de rádio semanal que“marcou a primeira vez em que um negro escreveu e apresentou seu próprioprograma dramático pelo rádio no distrito de Columbia”.22 Mas em 1949 eleatravessava tempos difíceis. Depois de mudar-se para o sul de Chicago,envolveu-senumfraudulentonegóciocomautomóveis,quealugavaemIndianae vendia em Chicago. A polícia seguiu facilmente os carros roubados e oprendeu;Lomaxfoicondenadoporumasériederouboseficouatrásdasgradesaté conseguir a liberdadecondicional emnovembrode1954,períododuranteoqualsuamulherpediudivórcio.23

Em 1956, sua sorte mudou inesperadamente. Em fevereiro, o agente dacondicionallhedeupermissãoparatrabalharparaaAssociatedNegroPress,em

Washington.24 A oportunidade encheu-o de novas energias; nos três anosseguintes, ele publicou artigos em jornais comoNewYorkDailyNews eNewYorkDailyMirror, além de comentários analíticos em revistas comoPageant,Coronet eTheNation.25PormeiodessesartigosseunomechegouaosouvidosdeWallace, que lheofereceuo emprego. Seu trabalho era fazer pré-entrevistascom convidados, antes de aparecerem no programa de Wallace.26 Foi Lomaxquemsugeriua ideiadeumasériededicadaanoi, tendoobtidoaaprovaçãodeMuhammadpor intermédiodeMalcolm.27LomaxmuitoprovavelmentecontouaMalcolmsuahistórianaprisão,oqueteriafortalecidosuasrelações.Ideologicamente,Lomaxeraumintegracionista,mas,apesardisso,descobriu

muitos motivos para admirar a autossuficiência e o orgulho racial que osmembrosdaNação transpiravam.Anoilhedeu licençapara filmarMuhammadnum comício em Washington, em 31 de maio.28 Depois de semanas defilmagens, Lomax entregou os rolos aWallace, que editou e narrou a série demodoacausaromaiorimpactopossível.OtítuloprovocadordeTheHateThatHateProduced[Oódioqueoódioengendrou]eraumapeloveladoaos liberaisbrancos, que refletia a atitude política de Wallace. Afinal, os Estados Unidosbrancos tinhamtoleradoaescravidãoeasegregaçãoracialduranteséculos.Erade surpreender, portanto, que uma minoria de negros tivesse se tornado tãoracistaquantoosbrancos?A sérieWallace/Lomax apareceu nawnta deNova York em segmentos de

meia hora de duração, de 13 a 17 de julho. Uma semana depois, o canaltransmitiu um documentário de uma hora apresentado por Wallace sobre omovimento de supremacia negra, contendo partes das transmissões anteriores.Porsorte,talvez,Malcolmestavaforadopaísquandoosprogramasforamaoar,porqueelesprovocaramumatempestade.Líderesdedireitoscivis,percebendoapossibilidade de desastre, procuraram distanciar-se omáximo possível. ArnoldForster,chefedadivisãodedireitoscivisdaLigaAntidifamação,acusouWallacedeterexageradoaofalardopoderdanoi,dando-lheuma“importânciaquenãosejustifica”.Outroscríticosdiscordaramdaprópriasérie.NoNewYorkTimes,Jack Gould declarou: “A tendência periódica de Mike Wallace a buscar osensacionalismopelosensacionalismoteveefeitocontraproducente...Divulgarasdeclaraçõesdescabidasdedemagogossemapresentaraomenosfatospertinentesque as refutem não é jornalismo consciente ou construtivo”.29 O próprioMalcolm achava que o programa tinha demonizado a Nação, e comparou seu

impacto com “o que aconteceu nos anos 1930, quando OrsonWelles assustoutodoopaíscomumprogramaradiofônicoquenarrava,comoseestivessedefatoocorrendo, uma invasão de ‘marcianos’”.30 Mas, por outro lado, uma parte deMalcolm sempre achouque apublicidade,mesmonegativa, eramelhordoquenenhumapublicidade.Adespeitodagrita,o fato équeoprograma tinha apresentadoanoia uma

audiência muito mais ampla. Houve uma “avalanche instantânea de reaçãopública”, como recordava Malcolm. “Centenas de milhares de nova-iorquinos,negros ou brancos, exclamavam: “Você ouviu? Você viu? Pregar oódio aosbrancos!”.Acontrovérsiaespalhou-serapidamente.DepoisdarespostanegativadaimprensadeNovaYork,veioadossemanáriosnacionais,quecaracterizarama noicomo “negros racistas”, “negros fascistas” e até “possivelmente deinspiração comunista”. Diante das veementes críticas da comunidade afro-americana, Malcolm fez pouco caso dos seus opositores de classe média,chamando-osde“negrosPaiTomás”.Aintensaexposiçãomudouavidadequasetodasaspessoasenvolvidascom

a série. Deu a Mike Wallace a oportunidade de que ele precisava; devido àtransmissão nacional, um grupo de emissoras pertencentes à Westinghousepropôs-lhequecobrissea campanhapresidencialde1960, edentrode três anoseleapresentavaoprogramadenotíciasdacbsdemanhã.Maisadiante,recusariao convite do candidato republicano à presidência, Richard Nixon, para ser seuassessordeimprensa,aceitando,emvezdisso,umnovotrabalhocomorepórterdo60Minutesdacbs,oprogramadenotíciasquepermaneceumaistemponoarem toda a história da televisão.31 Lomax também fez sucesso, publicando em1960 seu primeiro livro,The Reluctant African [O africano relutante], querecebeuoprêmioAnisfield-Wolf.Reportagensdesuaautoriasobrequestõesdedireitos civis eram apresentadas regularmente nas redes de televisão. TantoLomaxcomoWallacecontinuaramaexplorarsuasrelaçõescomanoi.32Em26de julho de 1959, porém, anoiimpediu o acesso deWallace a um gigantescocomícionaSt.NicholasArenadeNovaYork,quetinhaElijahMuhammadcomoprincipalorador.Nesseevento,MuhammadacusouWallaceeoutrosjornalistasbrancos de tentarem dividir anoiem facções. “Será que verdade para ele éódio?”, perguntou. “Nenhum inimigo quer ver o negro americano livre eunido.”33

Dentro da Nação, os detratores de Malcolm o responsabilizaram pela

publicidade negativa em torno do documentário. Ministros que se opunham aconceder entrevistas à imprensa agora sentiam que estavam certos ao proibirmembrosdefalaremcomjornalistas.AopiniãodasedeemChicago,entretanto,era bemmenos severa.Quando um jovem doutorando, C. Eric Lincoln, pediuajuda para sua dissertação sobre anoi, Muhammad, Malcolm e outrosmuçulmanosconsentiram.OestudodeLincoln,publicadoem1961comotítulodeTheBlackMusliminAmerica [OsnegrosmuçulmanosnosEstadosUnidos],tornou-se a obra de referência sobre o assunto durante décadas.34 Quando apoeira baixou, até Lomax conseguiu voltar às graças da Nação. Ao abordar anoiparaescreverseupróprio livrosobrea seita,acúpula foigenerosacomele.O estudo de LomaxWhen theWord is Given [Quando a palavra é dada], de1963, é talvez amelhor fonte individual sobre o funcionamento danoiantes deMalcolm romper com a seita. Apesar de seu próprio compromisso com aintegraçãoracial,Lomaxtentouapresentarumaavaliaçãoequilibradaeobjetivadas forças e fraquezas danoi. Identificou, acertadamente, o mal-estar entrenegrosdaclasseoperáriaqueanosdepoisalimentariaaraivaimpulsionadoradomovimentoBlackPower.LomaxcitouoeloquenteJamesBaldwin:“Nofundodocoração asmassas negras não acreditammais nos brancos. Não acreditam emMalcolm,também,anãoserquandoeleexpressaadescrençadelasnosbrancos...As massas negras nem abraçam nem denunciam os muçulmanos negros.Simplesmente se sentamemcasa,nogueto,nomeiodocalor,dasbaratas,dosratos,dovício,dadesgraça,elamentamofatodeque,quandoodiaclarear,vãoacabar se encontrando com o homem—o homem branco— e trabalhar numempregoqueoslevaapenasaumbecosemsaída”.35

NaprópriaNação,o impactomaisduradouroda série foio reconhecimentodequeaseitaprecisavaexercermaiorcontrolesobresuaimagem.Issoexigia,nomínimo, a publicação regular de um jornal ou revista. No outono de 1959,Malcolm fez uma primeira tentativa, aMessenger Magazine; talvez tenha sebaseadonumatradiçãomaisantigadoHarlem,poisumjornalanteriorchamadoMessenger, editadoporA.PhilipRandolp eChandlerOwen, fora publicadode1917a1928.OsanúnciosdaAmsterdamNewspromovendoojornalprometiamque ele apresentaria “os objetivos e as conquistas de Mr. Muhammad” e “averdadesobreosincríveisêxitoseconômicoseeducativosesobreocrescimentoespiritualdosmuçulmanosentreosnegrosdosEstadosUnidos”.36Arevistanãoconseguiu formar um público, entretanto, como acontecera com várias outras

iniciativas do gênero, até que Malcolm começou a editar um jornal mensal,chamadoMuhammad Speaks. Templos começaram a receber centenas deexemplares, e a publicação logo atraiu milhares de leitores fiéis, na grandemaiorianãomuçulmanos.Achavedoseuêxito tinhaduasrazões.Aprimeiraéque foram contratados legítimos e qualificados jornalistas, a quem foi dadaamplamargemparacobrirseus interesses.Comotempo,o jornaldesenvolveuum caráter esquizofrênico, com alguns artigos louvando Muhammad epromovendo anoi, e outros oferecendo cobertura minuciosa de questões dosnegros americanos, da África e do TerceiroMundo.Mas a outra razão foi quetodosostemplosrecebiamordensparavendercertonúmerodeexemplaresporsemana; os jornais eram entregues a obreiros individuais do foi, que tinham aobrigaçãodedistribuiroMuhammadSpeaksemtodaparte.Malcolmaproveitouoabaloprovocadopelodocumentáriopara recomendar

o secretário do Templo nº 7, John X Simmons, para o cargo de secretárionacional.Emumano,SimmonsiriasemudarparaChicagoereceberiadeElijahMuhammadumnomeoriginal:JohnAli.ApromoçãodeixouMalcolmsatisfeito,pois achava que teria outro forte aliado emChicago.37 Não imaginava que Aliseriaumdosseuscríticosmaisseverosnasedenacional.

DepoisdojulgamentodeBetty,Malcolmdecidiuqueelaeafilhaprecisavam

passarumtemponacasadosMalloyemDetroit.Bettyopôs-seàmudança,mascedeu à vontade de Malcolm. Seus sentimentos não mudaram depois deestabelecer-se lá, porém, e no fim de março de 1959 reclamou do arranjo aomarido, embora ele demonstrasse pouca simpatia. Malcolm incentivou-a aencararsuaausênciadeNovaYorkcomoumperíododeférias.ApesardeBettypreocupar-seporestarausentedecasa,ele lhegarantiuquesobreviveria.Sentiafalta da comida que ela preparava, e escreveu-lhe que comia regularmente norestaurante do templo. Tinha dificuldade para expressar amor, oumesmo umelogio a Betty sem qualificá-lo com uma declaração relacionada anoi. Porexemplo,elogiouaculináriadeBetty,mas logoacrescentou:“Queseriadenós,irmãos,semnossasmaravilhosasirmãsdamgt?(riso)”.38

As“férias”involuntáriasdeBettytalveztenhamdadoaMalcolmespaçopararespirar, mas sobrecarregaram suas finanças. Em 1º de abril ele lhe mandououtra carta, acompanhada de vinte dólares. Pedia-lhe que gastasse o mínimo

possível, lembrando-lhe que ele carregava um “grande fardo financeiro”.Comentou que a passagem aérea para Chicago tinha sido cara e que ficar emDetroit também custaria um bom dinheiro. E fez uma declaração quaseparadoxal.Incentivou-aa“divertir-se,massemcomprarnada”,anãoserquandofossem coisas absolutamente essenciais. Para economizar, instruiu-a a escrevercartasemvezdetelefonar.Chegouacolocarselosnoenvelopequelheenviou.39

Sentindo-se relegada e presa, Betty voltou a entrar em depressão e chegou apensaremfugirdocasamento.Naquelaaltura,Malcolmviaamulhercomoumincômodo — alguém que era obrigado a aguentar — e não como parceiraamorosa.As feridasdeixadaspelasprovocações sexuaisdeBettyaindaestavammuitovivas.EleconcentrousuasenergiasnosassuntosdaNaçãoenosgrandeseventosquepreparavapara1959.OmaioracontecimentopúblicodequeMalcolmparticipouaqueleanofoium

importantecomíciocomdiscursodeElijahMuhammademjulho,naSt.NicholasArena emNovaYork.Muhammaddeclarouque ele e aNação eram“apoiadospor500milhõesdepessoas,queelevamsuavozparaAlácincovezesaodia”.40

Na verdade, ele reivindicava plena aceitação na comunidade global islâmica,noção que seria vigorosamente rejeitada pela vasta maioria dos muçulmanosortodoxos nos Estados Unidos. Nas pequenas e majoritariamente sunitascomunidadesemigrantes,cujalinhagemremontavaaoOrienteMédio,aosuldaÁsiaeaonortedaÁfrica,osmuçulmanosviampoucospontosemcomumentreanoiea féqueprofessavam.“Rezemos fervorosamenteparaqueos leitoresdeThe Courier não confundam a seita de Mr. Muhammad com a do verdadeiroIslã”, escreveu Yasuf Ibrahim, um algeriano, em carta para o jornal dePittsburgh.“CrentesemAlánãoreconhecemraça.”41

Talvez pensando em calar os críticos de fora, aNação tomoumedidas paraafirmarsuasconexõescomacomunidadeislâmicaglobal.Muhammadiniciaseulivro,MessagetotheBlackmaninAmerica[MensagemparaohomemnegronosEstadosUnidos], de 1960, como seguinte versículo tirado doAlcorão: “Foi ElequemdespachouSeuMensageirocomaorientaçãoeaverdadeirareligião,paraque possa vencer as religiões, todas elas, embora as politeístas possam seradversas”.42 Uma coluna regular emMuhammad Speaks, chamada “MuslimCookbook” [Caderno de culinária muçulmana], oferecia receitas segundo oscritérioshalal.Instrutoresdoidiomaárabeforamcontratadosparaasescolasdanoi, e ministros eram estimulados a fazer referências ao Alcorão durante os

sermões.AmulherdemaiordestaquenoTemplonº7,TynettaDeanar,passouaescreverumacolunasobreasconquistasglobaisdasmulheresislâmicas.Foi nesse espírito de confraternidade que anoipassou um telegrama de

congratulaçãoparaaConferênciadaSolidariedadeAfro-Asiática, realizadade26de dezembro de 1957 a 1º de janeiro de 1958, no Cairo, sob os auspícios dopresidentedoEgito,GamalAbdelNasser.43Aseitatinhamuitoaganharcomoreconhecimento, ou mesmo o agradecimento, dos estados muçulmanos maisimportantes,principalmentedoEgito.Nasserretribuiuogestonoanoseguinte,enviandosaudaçõesaElijahMuhammadnaconvençãodoDiadoSalvador.Emseguida, convidou Muhammad a visitar o Egito e fazer ohajj até Meca.Muhammad planejava visitar o Oriente Médio, mas deparou com certasdificuldades,dapartedogovernoamericano,paraviajaraoexterior.Foidecididoque Malcolm iria primeiro, como representante de Muhammad. Ele faria oscontatosnecessáriosparaqueolídereseusparentespudessemirdepois.Malcolmficou,semdúvida,animadocomamissão,mas,seguindofielmente

atradiçãodanoi,nãomanifestouentusiasmo.Preencheudevidamenteopedidode passaporte, declarando que seu itinerário incluía visitas ao Reino Unido,Alemanha, Itália,Grécia,Egito,Líbano,Turquia,ArábiaSauditaeSudão,equepretendia partir em 5 de junho para participar dos “Rituais anuais sagrados dePeregrinaçãoMuçulmanaàCidadeSantadeMeca”,marcadosparaoperíodode9a16dejunho.44Porváriasrazões,noentanto,suaviagemfoipostergada,eelecontinuouacumprirsuasobrigaçõesdurantetodoomêsdejunho.45

QuandofinalmentechegouaoCairoem4dejulho,essadatamarcouoiníciode uma experiência transformadora. Malcolm era agora um viajanteinternacional, o convidado bem-vindo de chefes de Estado e um peregrino nasterras da fé que o salvara do desespero. No Egito, o vice-primeiro-ministroAnwar el-Sadat encontrou-se comMalcolmvárias vezes, e ele foi bem recebidopor líderes religiosos na Universidade Al-Azhar.46 Nasser propôs um encontropessoal, mas Malcolm recusou polidamente o convite, explicando que “eraapenas o precursor e humilde servidor de Elijah Muhammad”. Seu plano erapermanecer pouco tempo no Egito, antes de visitarMeca e percorrer a ArábiaSaudita, mas, logo após a chegada, contraiu uma disenteria e acaboupermanecendolápordezdias.Durantesuaestada, foiconvidadoporumasériedeegípcios influentesparadormir em suas casas.Mesmocom longapráticanaversão peculiar do Islã exercida pelanoi, Malcolm às vezes se sentia

constrangido por sua falta de conhecimento formal da religiãomuçulmana.NoEgito,esperava-sequeelesejuntasseaoutraspessoasparafazerasprecescincovezes por dia, mas confessou a um conhecido que não compreendia a línguaárabe,etinha“umconhecimentomuitosuperficialdoritual[deorações]”.Quandofinalmentemelhorou,MalcolmseguiuparaaArábiaSaudita,ondea

escravizaçãodepessoasdeascendência africana tinhaexistidopormaisde1500anos.Dopontodevistadamaioriadosamericanosnegros,aArábiaSauditaerauma sociedade não branca, com os negros relegados à base da pirâmide. NoHotel Kandara Palace em Jedá, Malcolm descreveu a aparência física dapopulação saudita como “do preto real a ummoreno intenso,mas ninguém ébranco”.Amaioriadosárabes,observou,“estariaemcasanoHarlem.Etodossereferem calidamente a nossa gente nos Estados Unidos como seus ‘irmãos decor’”.Suaprópriaraça,hátantotempooprismadesuaprópriadefinição,perdeuimportância.“Muitosegípciosnãooidentificavamcomonegro,porcausadasuacor, até que o vissem de perto”, observou um companheiro de viagem. Oepisódiomostrou aMalcolm que identidades raciais não eram fixas: o “negro”numpaíspodiaserbrancooumulatoemoutro.Aausênciadeumarígida linhadivisória de cor, ao que tudo indica, sugeriu a Malcolm que “não existepreconceito de cor entremuçulmanos, pois o Islã ensina que todos osmortaissãoiguaiseirmãos”.47

Três semanas depois de misturar-se com o povo e com os poderosos noOrienteMédio o compromisso deMalcolm como pan-africanismo também foireforçado. “A África é a terra do futuro”, escreveu ele numa carta que depoisseriapublicadapeloPittsburghCourier.

AindaontemaAméricaeraoNovoMundo,ummundocomfuturo—masagora,derepentenosdamos

contadequeaÁfricaéoNovoMundo—omundocomofuturomaisbrilhante—umfuturonoqualos

chamadosnegrosamericanosestãodestinadosadesempenharpapeldedestaque.48

Em toda a viagem,Malcolm extasiava os ouvintes com declarações sobre a

importância danoie sobre a cruel opressão que os negros americanos sofriamnasmãos dos brancos. Escrevendo sobre a reação indignada de quemo ouvia,eleexplicouque“hordascadavezmaioresdeafricanosinteligentesachamdifícilentender” por que os negros americanos continuavam oprimidos, “semverdadeiraliberdade,semdireitosaescolaspúblicase,acimadetudo,relegados

a favelas... O principal instrumento que separa leste e oeste, dia e noite, é oressentimentonaÁfricaenaÁsiacontraadiscriminaçãoadministrativa[deafro-americanos] nosEstadosUnidos”.49 Essa compreensão ressaltava a necessidadede ampliar a perspectiva internacional dentro do Black Freedom Movement[Movimento de Liberdade Negra]. Cultivando alianças com países do TerceiroMundo, os afro-americanos ganhariampoder e influência para o fortalecimentoracial.Haviadiversasrazõesparaacreditarquetalestratégiatalvezdesseresultado.

Primeiro,umnúmerosignificativodelíderesafricanos,comoKwameNkrumah,do Gana, visitou e frequentou universidades nos Estados Unidos e estavafamiliarizado com seu sistema de opressão racial. Igrejas, faculdades eassociaçõescívicasnegras,desdemeadosdo séculoxix,mantinhamcontatosoufaziampermutas com instituições africanas.Esse erao caso, principalmente, daÁfrica do Sul, onde os paralelos entre o apartheid e a segregação legal eramóbvios. Finalmente, um bom número de movimentos revolucionáriosanticolonialistas, como a Frente de Libertação Nacional da Argélia, era nãocomunista. Americanos negros podiam trabalhar com representantes dessesmovimentossemseremacusadosdecomunistas.A carta de Malcolm, repleta de novas ideias sobre o Islã e a solidariedade

afro-asiática, o pôs numa encruzilhada filosófica. A atitude para com a raçaexpressa por muçulmanos que ele conheceu em sua viagem lhe reveloucontradições internas fundamentais na teologia danoi. O Islã, em teoria, nãodistinguia cores; membros daummah podiam pertencer a qualquernacionalidadeouraça,desdequeobservassemoscincopilareseoutrastradiçõesessenciais.Osbrancosnãopoderiamserdemonizadoscomocategoria.Malcolmpercebeu, durante a viagem, que para continuar crescendo anoiprecisavaabandonar conceitos e práticas sectários, como a história de Yacub, além deacelerar a assimilação do Islã ortodoxo. O pan-africanismo representava umproblema diferente. Usar a solidariedade do Terceiro Mundo para alavancarmudanças nos Estados Unidos começou a parecer viável, mas essa premissacontradizia o dogma danoide que seria impossível conseguir reformas sobdomíniodosbrancos,equeapazexigiaumestadonegroseparado.Oquehaviade mais perturbador era a questão da liderança. Ashahada confirma que sóMaomééoprofetafinaldeDeus;aproximar-sedoIslãsignificava,portanto,quea pretensão de Elijah de ser “Mensageiro de Alá” seria, inevitavelmente,

questionada.Talvez a viagem tenha sido o início de suas preocupações íntimas com a

organizaçãodanoi,eporisso,naAutobiografia,Malcolmpraticamentenãotocano assunto. Percebia, obviamente, as discrepâncias entre o que ElijahMuhammadlheensinaraeasvariadasculturasqueobservara.Osmuçulmanos,isso estava claro, não eram todos “negros”. A carta deMalcolm aoPittsburghCourier,porém,assimcomohistórias relativas a suasexperiênciasdasquais selembrava, diziam da vívida impressão que a viagem lhe deixara gravada namemória.Suasliçõescontinuaramaserouvidasnafilosofiaqueeleexpressavaepassavaadesenvolveremseusdiscursospúblicos.A visita de Malcolm em 1959 foi amplamente divulgada tanto dentro da

noicomo pelos jornais afro-americanos.50 Mas, depois de retornar, em 22 dejulho, falou pouco da viagem, preferindo manifestar-se sobre a controvérsiacriada pelo documentárioThe Hate That Hate Produced. Tentou transmitir oqueaprendera sobreomundo islâmicoparaosmembrosdoTemplonº7,masmesmo assim falava com cautela, evitando, talvez, apresentar ideias quepudessem ir de encontro aos princípios danoi. “Os muçulmanos do ExtremoOriente”, disse, “queriam saber como é que ele podia se declarar muçulmanosem saber falar árabe.” Malcolm lhes explicara que tinha sido “sequestradoquatrocentosanosatrás,privadodesua língua,desuareligiãoeprivadodeseunomeedesuasabedoria”.51

Elijah Muhammad levou adiante os planos para sua própria viagem. Naprimeira metade de novembro de 1959, Muhammad partiu com dois filhos,Herbert e Akbar. Posteriormente, ele diria que fez umhajj, mas, como suaviagem aMeca ocorreu fora da estação oficial da peregrinação, tecnicamente oqueele fez foiumaumrah,umavisitaespiritualmentemotivada,muitoemboraaumrah seja amplamente aceita em todo omundomuçulmano como legítimaperegrinação.52 Mais importante foi a aceitação oficial de Muhammad e suapequena delegação pelas autoridades sauditas, que controlavam o acesso doscrentesàcidade.Muhammadvoltouem6dejaneirode1960.53ComoMalcolm,eletinhasido

profundamente afetado, e começou a introduzir mudanças para dar anoiumcaráterislâmicomaisforte.NaconvençãodoDiadoSalvador,nomêsseguinte,ordenouqueos templosdanoifossem,daliemdiante,chamadosdemesquitas,em consonância com o Islã ortodoxo.54 O ritmo de islamização foi

significativamenteacelerado.Asaulasdeárabemultiplicaram-se,eelemandouofilho Akbar estudar na Universidade de Al-Azar, no Cairo; mas deve terpercebido, como Malcolm, que sua própria posição representava um desafioespecial no que dizia respeito à reconciliação danoicom o Islã ortodoxo. Suaautoridade, e, a rigor, grande parte da riqueza e das propriedades queacumulara,vinhamdostatusespecial (embora fictício)deMensageirodeAlá—statusaoqualnãotinhaintençãoderenunciar.Mantersuasupremacia,enquantorecompunhaafacedanoi,seriaumdifícilexercíciodeequilíbrio.

***“Oanode1960podeserumanodedecisãoparaonegroamericano.”Quem

assim falou foi o advogado radicalWilliamKunstler, ao abrir umdebate entreMalcolm e o reverendo William M. James na rádio wmca de Nova York nocomeço do ano. Em todo o sul, protestos se multiplicavam, com estudantesnegrosrecusando-seaselevantardascadeirasemlanchonetesqueserecusavama lhes servir comida.AexperiênciamistadeMalcolmcomodocumentárioTheHate That Hate Produced demonstrou como era importante apresentar asopiniões danoisob uma luz favorável, por isso, no começo de 1960, quando awmca de Nova York propôs um debate entre ele e James, o pastor liberal daIgrejaMetodistaUnidadaComunidadeMetropolitana,noHarlem,eleaceitouoconvite.Kunstler pressionouMalcolm já de saída. “RoyWilkins, o diretor-executivo

danaacp,descreveuoTemplodoIslãcomoumaorganizaçãoemnadamelhordoqueaKuKluxKlan.Vocêachaqueéumcomentáriopertinente?”Malcolm,deimediato,qualificouo comentáriodeWilkinsde ignorante: “DuvidomuitoqueMr.WilkinsfariaestaacusaçãoseestivessefamiliarizadocomMr.Muhammadeseu programa”.55 Quando Kunstler ficou inquieto, citando reportagens em quemembros danoichamavam os brancos de “demônios desumanos”, Malcolmdefendeuacausado“extremismoracial”contextualizando-acomoumaformadeexcepcionalidade comum a grupos religiosos. Católicos e protestantes afirmamqueaúnicamaneiradealcançaroparaísoépertencerasuasrespectivasigrejas,lembrouMalcolm.“Eosjudeus,durantemilharesdeanos,têmaprendidoquesóeles são o povo eleito por Deus... Para mim é difícil aceitar que católicos ecristãosnos acusemdeensinarouproporqualquer tipode supremaciaouódio

racial, porque a história deles, assim como seus ensinamentos, está repletadisso.”56

Tenhaounãosidooanodonegroamericano,ofatoéque1960viuMalcolmencontrarumpúblicoalémdacomunidadenegra,eissofezsuafamacrescer.Eleesforçou-se para comparecer regularmente à Mesquita nº 7, mas seuscompromissos de orador continuaram em ritmo acelerado. Em março, fezpalestraparaestudantesdeHarvard,Bostonemit,numsemináriorealizadonaUniversidadedeBoston.Seuscomentáriosformaisduraramapenasdezminutos;aseçãodeperguntaserespostasestendeu-sepormaisdeduashoras.57Tambémfezumapalestranumeventocopatrocinadopelanaacp,noQueensCollege,emmaio,muitosignificativoporquefoiaprimeiravezqueaorganizaçãodedireitoscivisofereceuumatribunaparaumlídernegroqueseopunhacomveemênciaasuapolítica.58

Noentanto,odiscursomais importantequeelepronunciouaqueleanofoiode 28 demaio no Comício da Liberdade doHarlem, que anoiorganizou commaisumadezenadegrupos locais.Ocomíciofoirealizadona interseçãodarua125 Oeste com a Sétima Avenida, onde as 4 mil pessoas que assistiram aoprogramadecincohorasdeduraçãoseamontoavamnasruasecalçadas.59Antesde começar, alto-falantes trombeteavam amúsica de Louis X, “AWhiteMan’sHeaven is a Black Man’s Hell” [O paraíso do homem branco é o inferno dohomemnegro].Quandosubiuaopalco,Malcolmpronunciouumdiscursoqueseafastava dos comentários típicos que fazia naquela época. Fez um apeloconscientemente amplo, com foco não apenas nanoimas no “povo negro doHarlem, no povo negro da América e no povo negro de toda esta terra”. Àsvezes, sua fala assemelhava-se à de King: “Não estamos aqui neste comícioporque jáconquistamosa liberdade.Não!Estamosreunidosaquipela liberdadeque hámuito nos prometeram,mas que ainda não recebemos”.60 Em todos oscomentários usou a linguagem inclusiva da causa pelos direitos civis —“liberdade”,“igualdade”e“justiça”—comomolduraparaconstruirumacoalizãonegramilitantebaseadanoguetodoHarlem.Negros aliados comanaacp e aLigaUrbanaNacionalteriamdificuldadedeargumentarcontraessaretórica,queclaramenteseapropriaradasua.Um objetivo central do comício, disse Malcolm à plateia, era ouvir uma

variedade de líderes afro-americanos, incluindo alguns “que têm agido comonossosporta-vozes,enosrepresentadonocentrodacidadedohomembranco”.

Não fez críticas aosmoderados, ressaltando, emvezdisso, anecessidadedeosnegros do Harlem superarem as divisões na comunidade. Sua ênfase nanecessidade de uma frente unida projetou uma imagem de pragmatismo emoderação,mudançaderumonotávelparaumhomemquepoucosmesesantestinhaatacadooslíderesintegracionistas,chamando-osde“negrosPaiTomás”.Odiscursofeztremendosucessoefoiamplamenteresponsávelpelatransformaçãode Malcolm num respeitado líder político da vida cívica do Harlem. Se oDepartamentodePolíciadeNovaYork soubedeantemãode suas intenções,ofato é que designou seis policiais para assistirem ao comício. Um deles, umpolicial negro chamado Ernert B. Latty, ficou, aparentemente, tão perturbadocomacanção“AWhiteMan’sHeaven”quecomprouodiscoeoanexouaoseurelatório. As reações entre os detetives em geral provocaram preocupaçãosuficiente para resultar num significativo aumento da espionagempor parte doboss.61

Enquanto Malcolm cada vez mais aparecia na mídia, fazia palestras emfaculdades e pronunciava discursos durante o ano de 1960, as críticas a eleintensificavam-sedentrodanoi.Parademonstrarsualealdade,elecompareceuamuitasfalaspúblicasdeMuhammad,enquantoacompanhavadepertootrabalhodasmesquitas locaise sededicavadecorpoealmaàMesquitanº7.62 Tambémfomentou um culto em torno deMuhammad, sugerindo que o “apóstolo” nãopodia cometer pecados ou erros de julgamento. “Se observarmos odesenvolvimento da Nação do Islã”, explicou Louis Farrakhan, “foi irmãoMalcolmquecomeçouachamarElijahde‘Honrado’Elijah,equenosfaziadizer— repetidamente — ‘o Mensageiro Elijah Muhammad ensinou-me’ ou ‘oMensageiro Elijah Muhammad nos ensina’. Queria deixar claro que ElijahMuhammaderaumMensageirodeDeus.”63

AgrandevisibilidadedeMalcolmcontinuou a render-lhe convites para falarnas universidades mais importantes, que o apresentaram a um públicosignificativamentemaior—emaisbranco—doqueodequalquerumde seuscolegas da Nação. Informantes dofbi chegaram a afirmar queMalcolm talvezconcorresseaumcargoeletivo.64Em20deoutubro,noauditóriodaFaculdadede Direito de Yale, ele falou junto com outro convidado, Herbert Wright,secretáriodajuventudenacionaldanaacp.Peranteumamultidãoondesóhavialugar para ficar em pé, Wright, como era de esperar, defendeu a causa daintegraçãoracial,sugerindoousode“litígio,instruçãoelegislação”paraalcançar

reformas.Malcolm rejeitou essa tese em favor da total separação de raças.Nofim do debate,membros danoicircularamentre hordas de estudantes brancos,vendendo discos com a canção “A White Man’s Heaven...”.65 O debate comWright representou, no fim das contas, um recuo das posições favoráveis aosdireitoscivisqueMalcolmdefenderanocomíciodoHarlempoucosmesesantes.A ênfase na rigorosa separação racial provavelmente foi provocada pelo desejodeMalcolmdeestabelecerumadistinçãoclaraentreasuaposiçãoeadanaacpperanteumaplateiamajoritariamentebranca.O ritmo brutal de viagens continuou durante o segundo semestre de 1960.

Apesardeosassuntosrelativosànoilheconsumiremamaiorpartedasenergias,Malcolm continuou a buscar maneiras de atingir um público maior. Asentrevistas radiofônicas e os debates alcançavam uma audiência basicamenteintelectual e de classe média. O que ele queria era um jeito de estabelecer-secomolíderdomesmonível,deoutroslíderesnacionaiseinternacionais.Comose fosseobradodestino,umaoportunidadeparaproduzirmanchetes

internacionais veio como um presente da Revolução Cubana. Em setembro de1960, o primeiro-ministro de Cuba, Fidel Castro, viajou a Nova York paraparticipar da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (onu). NoHarlem,anotíciadasuachegadaprovocougrandecomoçãoentreos líderesdaesquerdanegra local.Elesrapidamenteorganizaramumcomitêdeboas-vindas,do qual Malcolm fazia parte. A delegação cubana hospedou-se no confortávelHotelShelburne,naavenidaLexingtoncoma rua37.A tensão logoaumentou:oscubanosjásesentiaminsultadospeloDepartamentodeEstado,quelimitaraaliberdade de locomoção dos 85 membros da delegação à Ilha de Manhattan.Depois surgiu uma disputa em torno da conta do Hotel Shelburne, que levouFidel a acusarohotel de fazer “inaceitáveis demandaspordinheiro”.De início,ameaçou mudar seu local de estadia para o Central Park. “Somos gente damontanha”, explicou, com orgulho. “Estamos acostumados a dormir ao arlivre.”66Osecretário-geraldaonu,DagHammarskjöld,apressou-seaconseguiracomodaçõesparaelesnoHotelCommodore,nocentrodacidade,maschegoutarde: Malcolm e o comitê de boas-vindas do Harlem foram mais rápidos econvidaram os cubanos a ficarem no Hotel Theresa, na esquina da SétimaAvenida com a rua 125. O hotel, de onze andares, tinha trezentos quartos; osnovoshóspedesreservaramquarenta,alémdeduassuítes,umadelasparaFidel.Um jornalista doWashingtonPost sugeriuque“Castro,que fezacenospara

líderes negros americanos em busca de apoio para sua revolução de esquerda,aparentemente tentou conseguir o máximo de propaganda possível com essamudança”.67O primeiro-ministro soviético,NikitaKhrushchev, que participavada mesma sessão daonu, percebeu imediatamente uma oportunidade, e empoucas horas foi de carro até o norte da cidade para se encontrar com FidelCastro pela primeira vez. Enquanto isso, milhares de moradores do Harlemafluíramaohotelparaverasdelegaçõeseosdignitáriosinternacionaisentrareme saírem.Logogrupospolíticos semisturaramcomamultidãoparapromoverseusprópriosprogramas:nacionalistasnegrosdefendendoa causadoprimeiro-ministro deposto do Congo, Patrice Lumumba, ativistas de direitos humanosexigindo a dessegregação,manifestantes pró-Fidel Castro e até alguns beatniksdeGreenwichVillage.Umcartaz dizia: “Cara, Fidel, quenema gente, é quemmanjamais.Elesabeoqueélegaleoqueincomodaoscaretas”.68

A adesão de Malcolm ao comitê de boas-vindas o colocou em excelenteposiçãopara transformaravisitanumaoportunidade.Nofimdanoitede19desetembro,eleealgunsassessoresdanoiconseguiramumencontrodeumahoracomFidel.Detalhesdesuaconversa são,nomáximo, superficiais;Benjamin2XdiriadepoisqueMalcolm tentou“pescar”Fidel, convidando-opara ingressarnanoi.69MasMalcolmcertamentepercebeuquequalquerrelaçãooficial,apesardeútil, poderia criar-lhe grandes dores de cabeça com as autoridades. Um relatosugereque,depoisdoencontro,MalcolmfoiinsistentementeconvidadoparairaCuba,mas não assumiu nenhum compromisso.70 Em tudo o que transpirou, éinegávelqueele ficoumuito impressionadocomFidelevianessanovaconexãoumrecursodiplomáticoqueanoipoderiaexplorar.Em21desetembro,falandonaMesquitanº7,Malcolminstruiuosmembrosdofoia ficarem“emestadodealerta 24 horas por dia” enquanto Fidel permanecesse noHarlem. AcrescentouqueFidelera“amistoso”comosmuçulmanos.Uminformantedofbirelatouque“o foi estava sendo alertado para proteger Castro no caso de qualquermanifestaçãoanti-Castro”.71

Apesar doMuhammadSpeaks vir a tornar-se, no futuro, um firmedefensorda Revolução Cubana, naquela época Elijah Muhammad ficou extremamenteinsatisfeito com o encontro entre Malcolm e Fidel.72 Desde que voltara doOrienteMédio, a crônicadoençapulmonardequepadecia piorara, e apesar detodososesforçosdeMalcolmparavenerarMuhammad,naNaçãoespeculava-sesobre quem deveria assumir, dentro em breve, o papel de líder nacional— se

Malcolm ou Wallace Muhammad. Desde que falaram juntos no Festival dosSeguidores em 1957, Malcolm e Wallace tinham se aproximado, apesar deWallace, cada vezmais, rejeitar a teologia do pai e repudiar o que lhe pareciasuborno da parte de conselheiros comoRaymond e Ethel Sharrieff.73 A atitudemilitante de Malcolm contaminara Wallace a tal ponto que alguns líderes danoitemiam a potência de uma provável aliança. Oministro daMesquita nº 4,Lucius X Brown, queixava-se de que a dupla pudesse “convencer ElijahMuhammad a marchar para a Casa Branca”. Mesmo que Muhammad nãoquisesse, sugeria Lucius, “Malcolm e Wallace estavam atrás da posição deMuhammadeMuhammadpodiafazê-loparasalvarasaparências”.74

A possibilidade dessa união de poder parecia acabada em 23 de março de1960, quando Wallace Muhammad foi condenado num tribunal federal porrecusar-seaservirnasForçasArmadas.Emjunhodaqueleano,foisentenciadoatrês anosdeprisão.OadvogadodeWallace recorreudadecisão, alegandoqueeleeraumobjetordeconsciência.Enquantoorecursoarrastava-sepelosistema,Wallace prosseguiu suas atividades, construindo amesquita da Filadélfia, e erapresençaconstantenaMesquitanº7,noHarlem.Porexemplo,em29dejaneirode1961,quandoMalcolmestavaausentenumalongaturnêdepalestras,WallacefoianunciadocomoprincipaloradordaMesquitanº7naAmsterdamNews.Naaudiênciadeoutubrode1961,orecursodeWallacefinalmentefoinegado,eelerecebeuordemparaapresentar-seafimdeserencarceradonumaprisãofederal.Em30deoutubro,WallacecomeçouacumprirapenadetrêsanosnoInstitutoFederal de Correções em Sandstone,Minnesota.WallaceMuhammad foi soltoem regime de liberdade condicional em 10 de janeiro de 1963 e voltouimediatamente a reassumir seus compromissos deministro naMesquita nº 12,naFiladélfia.AausênciadeWallacedavidaorganizacionaldanoiatiçouboatosetemores

paranoicos sobre Malcolm, especialmente entre os outros filhos de ElijahMuhammad. Parte da hostilidade contra Malcolm vinha de suas funçõesorganizacionais. Como supervisor nacional, suas responsabilidades incluíam asolução de brigas locais entre membros de várias mesquitas. O papel depacificador não era nada invejável, porque Malcolm, com frequência, eraobrigadoaimporaautoridadedasedeemChicagosobreadoslídereslocaisquedesejavamterasemiautonomiaeaflexibilidadedequeelegozava.75

Emfacedocrescenteantagonismo,Malcolmpreocupava-seemdefenderseus

aliados dentro danoi. Ninguém eramais importante para ele do que Louis XWalcott.LouisforasubordinadodeMalcolmemNovaYorkdeoutubrode1955ajulhode1956,temposuficienteparaincorporaroestilooratóriodeMalcolmaoseu próprio. Mas quando se tornou ministro em Boston em 1957, teveconsiderável dificuldade para desincumbir-se das tarefas. Temia não estarqualificado, com a mesquita tendo atraído um número de profissionais commuito mais experiência do que ele em questões comerciais e cívicas. ComorecordouFarrakhan: “[Malcolm] vinha e cuidava de seu irmãomais novo emedavapistas.EMalcolmsaíaàrua,cara,eouviaaspessoas,iaàsbarbearias—‘Oquevocês achamdamesquita?’.Edesaparecia.Depois voltava enos contavaoqueopovodiziaemecorrigia”.76

Malcolm resolveuque seu protegido devia tornar-se figura nacional por suaprópria conta, e o encorajou a escrever duas peças,Orgena eThe Trial [Ojulgamento], que se tornaram imensamente populares quando representadasparaplateiasmuçulmanas.MasnãodemorouparaqueLouisprecisassedeumaajudadeoutrotipo.EllaCollins,recém-convertidaànoi,rapidamentesetornouum daqueles líderes que queriam ver Louis deposto. Anos depois, ele adescreveria como “uma mulher de gênio”, acrescentando, “mas ela percebeuminha fraquezaemquestõesadministrativase formouumgrupodeoposiçãoamim”. Com a mesma energia com que estabelecera programas educacionaisdentrodo templo,EllaCollins se lançounabatalha.Enquanto a tensão crescia,houve um incêndio na casa de Louis; ninguém se feriu, mas a maioria dosmembrosdanoiachouqueEllaeraculpada.Osdois ladosapelaramparaElijahMuhammad.LouisargumentouqueElla

continuava a enfraquecer sua autoridade e deveria ser castigada, ou mesmoexpulsa.Ella insistiucomMuhammadparanomeá-lacapitãdaMesquitanº11edemitir Louis. Muhammad propôs, primeiro, um acordo: Louis continuariaministro, mas nenhum dos programas lançados por Ella seria cancelado. Ellatentou ajustar-se ao plano,mas sua antipatia por Louis era forte demais, e elalogoparoude frequentar amesquita.Mas a questãonão terminou aí.MalcolmfoichamadoaBostonparaatuarcomomediador,eexplicouaLouisqueEllaeraumapessoa extremamenteperigosa. “Ela éo tipodamulherque— irmão, elavai matá-lo.” Malcolm não teve escolha senão apoiar a decisão de Louis deexpulsá-la, fazendodelao segundode seus irmãos, depois deReginald, que elesacrificariaporlealdadeàNação.77

Em 1960, o ativista negro Bayard Rustin já tinha quase cinquenta anos de

idade.Emboraseutrabalhopelosdireitoscivisotenhalevadoaassociar-secomhomensmais jovens, comoMartin Luther King Jr., sua agitação em favor dosafro-americanoscomeçarahaviadécadas.RustinpertenceraporbreveperíodoaoPartidoComunistanofimdosanos1930,eem1941trabalhounoMovimentodaMarcha Negra para Washington, de A. Philip Randolph, que obrigou opresidente Roosevelt a proibir a discriminação racial na indústria de defesa.Como Malcolm, ele se opusera ao envolvimento negro na Segunda GuerraMundial, e sua recusa a fazer o serviçomilitar lhe valeu uma sentença de trêsanos de prisão. Depois de solto, participou de manifestações não violentas,desafiandoas leisdeJimCrownosônibuspúblicosdapartesetentrionaldosul;emmeadosdosanos1950, tornara-seumconselheirodevalor inestimávelparaKing,alémdearrecadadordefundos.Entretanto, após a virada da década, quando o macarthismo deixava um

gosto amargo na boca da esquerda, Rustin viu-se, de repente, marginalizado.Nãoeraapenasemrazãode suabrevepassagempeloPartidoComunista,mastambémporsuasexualidade.Rustineragay,eforapresoem1953naCalifórniaporatividadesexualempúblico.Emabrilde1960,envolvera-secomumanovaorganização lançada por Ella Baker, o Comitê Não Violento de CoordenaçãoEstudantil(StudentNonviolentCoordinatingCommittee,sncc),quesetornariaa ala radical da luta pela dessegregação. Durante todo o verão, ele tinhaassessoradoonovopresidentedosncc,MarionBarry,noplanejamentodaquiloque deveria ser uma grande conferência sobre não violência em outubro. Onome de Rustin chegou a ser incluído no programa. Mas quando o conselhoexecutivodaFederaçãoAmericanadoTrabalhoeoCongressodeOrganizaçõesIndustriais (American Federation of Labor and Congress of IndustrialOrganizations,afl-cio), que financiava a conferência,manifestou-se contra suaparticipação, devido àorientação sexual e aobrevepassado comunista,Barry eoutroscoordenadorescederameo“desconvidaram”.78OvetopúblicoaRustin,no entanto, não era incomum para esquerdistas afro-americanos. No anoacadêmico de 1961-2, o comunista Benjamin Davis Jr. foi proibido de falar emmuitasuniversidades,provocandoprotestosestudantisnacidadeuniversitáriadeNovaYork.79

Seu afastamento do Movimento de Liberdade Negra e o desejo de usar apublicidade em torno de Malcolm para restabelecer suas próprias credenciaistalvezajudemaexplicarocrescenteinteressedeRustinpelaNaçãodoIslã.Em7denovembrode1960,osdoishomensresolveramdebaterentresinarádiowbaideNovaYork,oquemarcouoiníciodeumaamizadequeperdurariaadespeitodeseusprogramasdivergentes.Malcolm,quefalouprimeiro,começouporfazerumadistinçãoentreaabordagemdaNaçãoeadonacionalismonegro.“Éumadiferença demétodo.Dizemos que a única solução é a abordagem religiosa; épor isso que ressaltamos a importância da reforma moral.” Negou qualquercompromisso com a política prática, afirmando que ElijahMuhammad era um“apolítico”.80

Malcolmtinhaàquelaalturaacumuladograndeexperiênciacomodebatedor,masRustinacumularamais,eatacouo jovemoponente;nãoajudouemnadaofato de identificar facilmente os furos na argumentação de Malcolm. Rustinatacou a posição separatista de Malcolm como conservadora, mesmo passiva.Em sua amplamaioria, os negros procuravam “tornar-se cidadãos de primeiraclasse”, e o objetivo dos protestos pelos direitos civis era fazer avançar aquelacausa. Malcolm negou a possibilidade de alcançar-se a cidadania “plena”.“Achamosque,secemanosdepoisdachamadaProclamaçãodeEmancipação,ohomem negro ainda não é livre, então não acreditamos que o que Lincoln fezlhes deu liberdade, para começo de conversa.” Rustin rapidamente acusouMalcolmdefugirdoassunto.Ashabilidadesdedebatedordohomemmaisvelhomantiveramoadversário

nadefensiva.Acertaaltura,Malcolmnegouqueaintegraçãoalgumdiapudesserealizar-se, mas admitiu que “se o homem branco nos aceitasse, sem anecessidade de aprovação de leis, então nós nos esforçaríamos”. Isso, por si, jáeraumaimportanteconcessão,seointuitodeRustinnãofosseobrigarMalcolma chegar à conclusão lógica desse argumento: que se fosse impossível realizarmudanças nos Estados Unidos, os negros teriam de estabelecer um Estadoseparadonoutrolugar.QuandoMalcolmfinalmentereconheceuquesim,Rustinfechouocerco.Foirelativamentefácilparaelerepassarasgrandesreformasquetinham ocorrido e mostrar a impossibilidade prática de um Estado negro. “Agrandemaioria dos negros sente que as coisas podemmelhorar aqui. Até quehajaumlugarparaondepossamir,vãoquererficar.”81

Emquestãodeminutos, a fraqueza essencial daNaçãodo Islã fora exposta.

Eleseapresentavacomomovimentoreligioso,seminteressediretopelapolítica.Mas, como King havia demonstrado, quando se tratava de pressionar pormudanças, a religião e a política não precisavam ser excludentes. Centenas desacerdotes cristãos já usavam suas igrejas como centros de mobilização dedesobediência civil e de campanhas para registro de eleitores. A Nação via ogoverno branco como inimigo; ElijahMuhammad costumava afirmar, em seusdiscursos,queogoverno tinhadecepcionadoos americanosnegros.Mas comaeleiçãodeJohnF.Kennedyemnovembrode1960,emgrandepartenasasasdesignificativoapoiodosnegros, as reformaspareciamdespontarnohorizonte.Eainda que tais reformas fossem limitadas, a noção garveyista de um ou maisestadosnegrosseparadosjamaistinhasidoumaalternativafactível.OmaisdevastadorparaMalcolmerasaberqueRustintinharazão.Apesarde

todos os passos dados pela Nação para promover o progresso na vida dosadeptos, seu isolamento político o tornara impotente paramudar as condiçõesexternas que limitavam a liberdade dos negros. Malcolm já abraçara anecessidade da ação política direta quandomarchou pelas mais movimentadasvias públicas do Harlem e bloqueou uma delegacia de polícia para garantir asegurança de Johnson X Hinton. E os movimentos do Terceiro Mundo queabraçara — das lutas pós-coloniais inspiradas pelo pan-africanismo a suaidentificação com Fidel Castro— foram impulsionados fundamentalmente porumengajamento político.Rustinmostrou queMalcolmdefendia umprogramaconservador,apolítico,emqueelemesmonãoendossavasuasprópriasações.Se tivesse sidomais rápidopara apreender as implicações práticas da lógica

de Rustin, Malcolm poderia ter evitado um dos maiores desastres de suacarreira. Logodepois do debate, ele foi acusadode encabeçar amobilização danoiemDixie.Nofimdosanos1950,amaioriadasorganizaçõesdedireitoscivisusavaseusrecursosparaapoiarcampanhasnosul,eanoinãoquisficardefora.Em1960 em Jackson, noMississippi,milhares denegros tinhamparticipadodeum boicote econômico contra comerciantes brancos segregacionistas, que semostrara de 90% a 95% eficaz. Em agosto daquele ano, o secretário danaacp,MedgarEvers,investigouepublicoucasosdebrutalidadepolicialnoestado.82Ocore também estava prestes a crescer, quando, em dezembro de 1960, aSuprema Corte decidiu, no processo de Boynton contra a Virgínia, que asegregação racial estava proibida em todos os terminais de transporteinterestadual,decisãobemparecidacomadocasodeMorgancontraaVirgínia,

comrelaçãoàsviagensdeônibusinterestaduais.Nocomeçode1961,sobonovodiretor James Farmer, ocore lançaria os “Freedom Rides” [Caminhadas pelaLiberdade] de manifestantes dessegregacionistas pelas áreas mais distantes dosul.83

Diferentemente dos grupos de direitos civis, entretanto, a estratégia sulistada Nação estaria ancorada no seu programa de separatismo negro. ElijahMuhammad e Malcolm tinham preparado juntos uma estratégia anti-integracionista, esperando contar com a receptividade dos negros sulistas. Umelemento-chave dessa abordagem consistia em estigmatizar os sacerdotescristãos afro-americanos envolvidos em protestos não violentos com o apelidodepreciativo de “Pai Tomás” — muito embora um ataque tão cruelcontradissesse diretamente o compromisso público deMalcolmde formar umafrenteunida.Oplanotambémpreviaaconstruçãodenovasmesquitasdanoiemtodaaregião.Em dezembro, Malcolm foi a Atlanta, anunciando sua presença na cidade

duranteumaentrevistaconcedidaà rádio localwerd.ParticipoudeencontrosefezpalestrasnaMesquitanº15deAtlantaempelomenoscincoocasiões, antesdeseguirparaumaconferênciainterdenominacionaldesacerdotesnoAlabamaeoutrasreuniõesemTampa,MiamieJacksonville.84

Malcolm voltou para casa a tempo de assistir ao nascimento, no Natal, dasegunda filha, Qubilah, que recebeu esse nome em homenagem ao imperadormongol Kublai Khan; mas no fim de janeiro estava novamente em Atlanta,ostensivamenteparaparticipardeencontroslocaisdanoi.85Oprincipalobjetivodaviagem,porém,eraestabelecerumentendimentocomaKuKluxKlan.Nenhum incidente isolado em toda a carreira de Malcolm provocou mais

polêmicadoquesuaconvençãoprivadacomakkkemjaneirode1961.Aindasesabe muito pouco sobre os pormenores do planejamento e da logística desseencontro.Oquejásesabeaocertoéque,apesardeumatrocaanteriordecartashostis entre J. B. Stoner, líder dokkk, e ElijahMuhammad, tanto um como ooutro viam vantagens na formação de uma aliança secreta. Em 28 de janeiro,Malcolme JeremiahX, líderdanoiemAtlanta,reuniram-secomrepresentantesdakkk.Aparentemente, aNaçãoestava interessada emcomprar terrenosparaagriculturaeoutraspropriedadesnosule,comoexplicouMalcolm,queriapedir“a ajuda dakkk para conseguir a terra”.De acordo com a espionagemdofbi,Malcolmassegurouaosracistasbrancosque“seupovodesejavatotalsegregação

da raça branca”. Se fosse possível obter território suficientemente amplo, osnegrosestabeleceriamnegócios,oumesmoumgoverno, separadosracialmentedos brancos. Explicando que a Nação exercia estrita disciplina sobre seusmembros, ele insistiu combrancos racistasnaGeórgiapara fazeremomesmo:eliminarosbrancos“traidoresqueajudamoslíderesintegracionistas”.86

Malcolm, pessoalmente, parece ter visto todo o episódio com aversão, poisqueixou-se em seguida a Elijah Muhammad e só anos mais tarde admitiriapublicamentesuaparticipação.87Mesmoentão,procuroudistanciar-se,alegandoquenãotinhaconhecimentodecontatosentreanoieakkkdepoisdejaneirode1961, muito embora isso seja improvável. Jeremiah X, que se envolveuativamentenasnegociaçõescomaKlan,participou,àluzdodia,deumcomíciod akkk em Atlanta em 1964, recebendo elogios públicos do “bruxo imperial”,RobertM.Shelton.88

Sentar-se com racistas brancos para negociar assuntos de interesse comum,num momento da história negra em que akkk intimidava, vitimava e atématavaobreirosdosdireitoscivisecidadãosnegroscomuns,foidesprezível.Osargumentos deMalcolm em defesa das negociações com racistas brancos eraminsuficientes. Ele chegara a dizer aos homens dakkk que “os judeus estão portrásdomovimentodeintegração,usandoosnegroscomoinstrumento”.89Deviasaberqueessatentativadeseaproximarseriausadaparaenfraqueceralutapordireitos iguais para os negros, que os homens da Klan e os racistas brancosestavamdecididosamatarlíderesdomovimentopelosdireitoscivisnaregião.Aadoção acrítica das políticas separatistas e conservadoras de ElijahMuhammadtinhalevadoMalcolmaumbecosemsaída.

7.“TãocertocomoDeusfezasmaçãsverdes”Janeirode1961-maiode1962

Betty sofria. Nas três semanas antes do nascimento de Qubilah, Malcolmestivera viajando. No dia do nascimento, ele dedicara a maior parte do seutempoao julgamentodemembrosdaMesquitanº7.Agoraomaridoestavadenovo ausente.Dentro de algumas semanas, ela arrumariaAttallah eQubilah eviajariaemdireçãosul,paraonortedaFiladélfia,dessavezembuscaderefúgiotemporárionacasadopaibiológico,ShalmanSandlin.1

EnquantoaguardavaemAtlantaparanegociarcomaKuKluxKlan,MalcolmtemiaquesuasrelaçõescomBettytivessematingidoumpontocríticodefinitivo.Em 25 de janeiro de 1961, os dois conversaram por telefone, mas a conversaserviuapenasparadeixá-lomaispreocupado.Nofimdodiadecidiuescrever-lhe.Malcolm notou que amulher tinha passado por uma significativamudança decaráter nas últimas semanas. Talvez em sinal de reconhecimento pela força deBetty e pelos sacrifícios que ela fizera, especialmente durante a gravidez e nonascimento de Qubillah, Malcolm manifestou-lhe seu carinho. Num atoincaracterístico de generosidade — para ele — colocou quarenta dólares noenvelopecomacartadeamor.2

Essas manifestações de afeto provavelmente foram insuficientes paraconvencer Betty de seus sentimentos. Ela ressentia-se do fato de que paraMalcolm o trabalho na Nação sempre vinha em primeiro lugar— a carta atétraziaumpedidoparaqueBettyresolvessedetalhessobreapossibilidadedeumshow danoino Carnegie Hall. Com quase nenhuma ligação emocional quepudesse servir de alicerce para a relação, convidar amulher para compartilhar

suas tarefas nanoipode ter sido uma maneira de tentar diminuir a distânciaentreeles.Se as grandes dificuldades com Betty alguma vez fizeram Malcolm se

perguntar se tinha escolhido a parceira certa, ele deve ter ficado surpreso aosaber, no fim de 1959, que Evelyn Williams, a mulher que rejeitara, estavagrávida.Solteira,elatrabalhavahaviapoucotemponumescritóriodesecretáriasnasededaNaçãoemChicago,esuaescandalosacondiçãoatraiusobreelatodoopesodarígidapolíticadanoi,depuniçãoedesprezo.Masoqueninguémsabia—nemMalcolm—,equesóseviriaasaberem1963,eraqueopaidofilhodeEvelynnãoeraoutrosenãoopróprioMensageiro,ElijahMuhammad.Com sua rede de informantes dentro danoi,Muhammad estava ciente dos

problemas que Malcolm e Betty enfrentavam, e certamente sabia dossentimentos queEvelyn ainda alimentava porMalcolm.Não obstante, decidiu,egoisticamente, tê-laassimmesmo.Masareaçãoemcadeiaprovocadaporessadecisãorapidamentepôsemxequeoslimitesdocontrolequeeleexercia.Evelynengravidou emmeados de 1959, e em outubro começou a ligar para a casa deMuhammad, exigindo dinheiro. Ela dava a entender, firmemente, que lhecausaria muitos problemas se revelasse que estava grávida de um filho seu.Muhammad ficou indignado, convencendo-sedeque estava sendo chantageado.“Você deve achar que sou bobo, ou o Papai Noel”, disse-lhe. Depois de outrotelefonema, Muhammad virou-se para umministro que escutara a conversa edisse,friamente:“Parecequeelavaiterquesereliminada”.3Numaorganizaçãoemque os seguidores eram rotineiramente surrados por transgressões inócuascomo fumarum cigarro, essa declaraçãonãopoderia ser tida apenas comoumjeitodurode falar.MasMuhammadnada fezparacausardanosaEvelyn,eeladeu à luz sua filha, Eva Marie, no Hospital St. Francis, em Lynwood, naCalifórnia,em30demarçode1960.4

Seria fácil atribuir os encontros amorosos deMuhammad eEvelyn a algumciúme secreto que ele sentia do perfil cada vezmais destacado deMalcolm namídia,mas o caso de Evelyn não foi o único. Trêsmeses antes de a filha delanascer, outra secretária solteira danoi, LucilleXRosary, tambémdeu à luz; emais outras duas secretárias danoitiveram filhos aquele ano, em abril edezembro. Todos eram da progênie de ElijahMuhammad, que se aproveitavados cursos damgt emChicago,deuma semanadeduração—comoo curso aque Betty assistira — para escolher jovens atraentes e talentosas para

trabalharem na equipe de secretárias da sede nacional. Quando chegavam, elenãotinhadificuldadealgumaparaconseguiroquequeria.5

Externamente, Muhammad não era homem que impressionasse pelaaparência.Erabaixo,bastantecalvo, semgraça,e seucorpo franzino tinha sidoseriamente prejudicado pela bronquite. Mas essas características externasocultavamo poder de atração que exercia sobre seus seguidores. Eles estavamconvencidosdequeelerealmentefalaracomDeusedequesuamissãonaterraera redimir a raça negra. Muhammad irradiava poder e autoridade. Quandoexigia sexodeumamulher em suaorganização, seria inconcebívelpara eleversuaspropostasrejeitadas,oumesmoquestionadas.Ofatodeseusatosviolaremfrontalmenteasregrasdesuaprópriaseitanoquediziarespeitoatransgressõessexuaiseamoralidadeera,paraele,irrelevante.Durante algum tempo, a mulher de Muhammad, Clara, fingia nada saber

sobre a conduta lasciva domarido, limitando-se a comentar com a filha, EthelSharrieff, e com outras mulheres da sua intimidade e confiança. Queixou-seamargamenteaEthel,porexemplo,aodescobrirumacartadeamordeumadasamantes de Muhammad. Quando Clara se recusou a devolver-lhe a carta, eleficoufuriosoeparoudefalarcomela.ClaraMuhammaddisseàfilha:“Nãoseideque ele acha quemeu coração é feito, se de carne e osso ou de um pedaço depau”.PertodoDiado Salvadorde fevereirode 1960,Clara sentiu-se esmagadaaosaberdenovoscasosdomarido.Em13defevereirode1960,depoisdeumabriga feia,Elijah saiuabruptamentede casa.Chorosa,Claraqueixou-se aEthel:“Estoufartadesertratadacomocachorro”.6

Graças a escutas telefônicas e informantes, ofbi estava bem a par dasinfidelidades de Muhammad. Frustrados em suas tentativas de descobrir asfraquezasdeMalcolm,policiaisdofbiagoraprocuravamdescobrirmaneirasdetirar proveito dos atos de Muhammad. Em 22 de maio de 1960, o diretor-assistente dofbi, Cartha De Loach, aprovou o texto de uma carta anônimafictíciaque seria enviadaparaClaraMuhammadeaváriosministrosdanoi. Acartadizia,provocadoramente,que“uma jovemsecretáriasolteiraque trabalhana casa de Elijah Muhammad corre tremendo risco de sofrer acidentes detrabalho”.Ele tinha “pregado contra as relações extramatrimoniais,mas pareceincapaz demanter as coisas sob controle em sua própria casa”.7 Para garantirmaior privacidade com suas amantes, quando estava emChicago,MuhammadtinhaumapartamentoalugadonaSouthVernonqueserviade“ninhodeamor”,

mas ofbi estavaumpasso à frentedele:o agentedeChicago teve autorizaçãoparagrampeartelefoneseinstalaraparelhosdeescutanoapartamento.Oagenteexplicou:“Muhammad,sentindo-seseguroemseu ‘esconderijo’,podeconversarcommais liberdadecomaltos funcionáriosdanoiecomseuscontatospessoais.Comisso,espera-seobterosfuturosplanospolíticosdeMuhammad”.8

Em 1961, Muhammad comprou uma segunda e luxuosa casa em 2118 EastVioletDrive,naensolaradaPhoenix;membrosdanoiforaminformadosdeque,devido à deterioração do estado de saúde deMuhammad, em consequência desevera bronquite, seria benéfico para ele passar amaior parte do ano no áridosudoeste. A casa da família em Chicago, no entanto, foi mantida. A novapropriedade também oferecia a Muhammad mais uma camada de privacidadepara suas aventuras sexuais. No começo de outubro, ofbi contou pelomenoscinco mulheres diferentes que mantinham relações sexuais com Muhammad,sendoqueduasdelaseramirmãs.Comoumjovemgigolô,Elijah tentava jogarumamulhercontraasoutras,enquantoelasdisputavamsuaafeição.Logo havia tantos filhos ilegítimos para serem criados que novos arranjos

domésticos precisaram ser feitos. Em outubro de 1961, Muhammad telefonouparaEvelynWilliams emChicago e lhe perguntou se estaria disposta a criar esupervisionarseus filhos ilegítimosnumaamplacasa localizadanaCostaOeste.Abordou-a com elogios, dizendo-lhe que precisava que sua querida e adoradaviesse e ficasse com ele por dois ou três meses... ou anos. Com dificuldadesfinanceiras e uma filha, Evelyn concordou,mas o novo arranjo não demorou aazedar.9 Em julho de 1962, ela telefonou para Muhammad exigindo maisdinheiro,eacusando-odetratarseusfilhosilegítimoscomo“cãesvadios”.“Vocênãodeixaseusoutros filhosviveremcomtrezentosdólarespormês”,disseela.“Sóquerodinheiroparapagaroaluguelecompraralgumacomidaeroupas.”Muhammadmais uma vez queixou-se de chantagem. “Não quero conversa

com você”, disse-lhe ele, “não vou lhe dar um centavo!” Frustradas, Evelyn eLucille Rosary levaram seus filhos para a casa de Muhammad em Phoenix, ecomoninguématendiaaporta,deixaramosfilhosnaentrada.RaymondSharriefffinalmente apareceu e pediu às mulheres que levassem seus filhos de volta.Evelyn e Lucille deram as costas e saíram. Sharrieff ligou para a polícia,informando que várias crianças tinham sido abandonadas à porta da casa. Ascrianças foram, subsequentemente, entregues a assistentes sociais, parainvestigação. No dia seguinte, Muhammad ligou furioso para Evelyn, mas ela

não voltou atrás. “De agora em diante, não voumais proteger você de formaalguma, em nada, nunca”, avisou ele. “Se quer encrenca, vai ter.” Ela disse aMuhammadquechamarapolíciaporcausadosseusprópriosfilhostinhasido“acoisamaisimunda”queelepoderiaterfeito.Apesardisso,fossepormedo,amoroupor sentimentode lealdade, quando apolícia interrogouEvelyn sobreopaide sua filha, ela não revelou o nome. Tanto Lucille como Evelyn foramadvertidas por “abandono de criança”, mas nenhuma das duas foi acusadaformalmente.10Essesconflitosemocionaise legaisnãopodiamser inteiramenteeliminadosoucontidospelosecretárionacionalJohnAli,porRaymondSharrieff,ou por outros funcionários de Chicago. Emmeados de 1962, rumores sobre aconfusa vida sexual de Muhammad circulavam amplamente em Chicago.Malcolmsemdúvidaouviuessesrumores,mascontinuousemquererinvestigarseeramverdadeiros,enuncaimaginouqueEvelynpudesseestarenvolvida.AntesdedeixarAtlanta,durantesuaviagemaosulemjaneiroefevereirode

1961, Malcolm assistiu a uma palestra de uma hora de duração feita pelohistoriador Arthur Schlesinger Jr., agraciado com o Prêmio Pulitzer, naUniversidade de Atlanta, em 17 de janeiro. Naquela época, Schlesinger eratambémimportanteconselheirodopresidenteeleitoJohnF.Kennedy.AfaladeSchlesinger,“OfuturodosEstadosUnidos,seusperigosesuasperspectivas”,foiproferidaparaumaplateialotadaeincluiuumarápidareferênciaaNaçãodoIslã:“Nadapodeobstruir...oreconhecimentodafraternidadedecomunidadehumanamaisdoqueasdoutrinasraciaispregadaspeloConselhodeCidadãosBrancos,aKu Klux Klan e pelos muçulmanos negros”. Schlesinger elogiou ThurgoodMarshall e Roy Wilkins por proporem “maneiras eficazes de [conseguir]igualdadeporintermédiodostribunais”11eaplaudiuMartinLutherKingJr.,porpromover a não violência como “a melhor maneira de atacar o preconceito”.Depoisdapalestra,SchlesingerpassouparaopequenoauditórioDeanSage,nocampus do Clark College, para responder às perguntas; Malcolm estava lá,esperando.Identificando-seapenascomo“muçulmano”,eleperguntou:“Emqueosenhor

baseia sua acusaçãode queosmuçulmanosnegros são racistas e defensores dasupremacia negra?”. Schlesinger citou artigo recente de autoria do jornalistanegro William Worthy. “Mas, senhor, como pode um homem da suainteligência,umprofessordehistória,queconheceovalordapesquisaexaustiva,deHarvard, vir aqui e atacar osmuçulmanosnegros baseando suas conclusões

numpequeno artigo?” Schlesinger perguntou seMalcolm tinha lidoo artigodeWorthy.Malcolmadmitiuque sim,masobservouqueoartigoqueSchlesingertinhacitadonãoacusavaanoideracista, focalizandoascondiçõesnegativasquetodososnegrossofriamequeconstruíramaNação.Aplateia,majoritariamentenegra,foifavorávelaosargumentosdeMalcolm,masSchlesingerinsistiuemqueosracistasbrancoseos“muçulmanosnegrossãodois ladosdamesmamoeda”.Elenãotinhacomosaberoquantoestavacerto,emvistadorecentecontatodeMalcolm com a Klan. Mas a imprensa negra considerou o confronto entre oconselheiro de Kennedy e o ministro danoiuma nítida vitória deMalcolm. OPittsburghCourierdeclarouque“oferozMr.Xcruzouespadasvitoriosamente”comSchlesinger,forçandoohistoriadordeHarvard“aum‘recuodiplomático’desua declaração anterior”. A edição de 4 de fevereiro de 1961 doNew JerseyHerald também cobriu o debate com a manchete “Muçulmanos assustamhomem de jfk”.12 O debate informal com Schlesinger reforçou em Malcolm acrençadequeaNaçãoprecisavaenfrentarseuscríticos.Enãohavialugarmelhorparaessesconfrontosdoqueasuniversidadesamericanas.Nos cincomeses seguintes, ele planejou aparecer em várias faculdades. Na

Nação, explicou que seu objetivo era apresentar as opiniões de ElijahMuhammad e contestar distorções sobre sua religião.A rigor, seu objetivo eravirar a dialética racial comum de subordinação negra e supremacia branca decabeça para baixo, exibindo seus talentos oratórios à custa das autoridadesbrancas e dos integracionistas negros. Estava convencido de que os líderes daNaçãocometiamumgrandeerroaoevitarconfrontospúblicos.Asobrevivênciadanoidependiadesuacapacidadederesponderaoscríticos,dedividiraopiniãobrancasobreogrupoedeconquistaradeptos.EmpartealgumadomundoacadêmicoocaráterdesagregadordeMalcolme

danoidentrodacomunidadenegra ficoumaisevidentedoquenaUniversidadeHoward,afaculdadehistoricamentenegradeWashington.Aseçãodanaacpnocampus de Howard convidouMalcolm para falar em 14 de fevereiro de 1961,comopartedaSemanadeHistóriaNegra,uma tradiçãocriadapelohistoriadorCarterG.Woodson e quemais tarde evoluiria para oMês daHistóriaNegra.Embora a organização nacional ainda achasse Malcolm esquentado demais, eapesar das hesitações da velha guarda, sua crescente reputação de militanteatraíaosmembrosmaisjovensdanaacp,queoprocuravamcadavezmaisparaparticipardedebatesefazerpalestras.OconvitedosalunosdeHowardassustou

a administraçãoda faculdade, quase toda compostade firmes integracionistas eque não podia correr o risco de parar de receber a verba federal por dar aimpressãodeabrirosbraçosparaomaisdestacadoporta-vozdaNaçãodoIslã.Quando o grupo de estudantes teve o pedido negado pelo escritório deatividades estudantis, a palestra foi cancelada. Impávida, a seção danaacpconseguiu licençaparausara IgrejaBatistaNewBethel,mas—provavelmentesob pressão da universidade — a igreja também resolveu cancelar, com adesculpa de que o santuário era pequeno demais para acomodar o públicoprevisto.13Emcarta aElijahMuhammad,Malcolmexplicouqueo resultadodoepisódio era muito favorável: “Realmente atiramos uma ‘pedra no sapato’ daUniversidadeHoward, porque agora estão todos divididos e discutindo, e issonos coloca numa posição aindamelhor para derramar ‘água fervendo’ quandochegarmoslá”.14

Mas foi só em 30 de outubro de 1961 queMalcolm finalmente apareceu emHoward,egraças,emgrandeparte,aosesforçosdeE.FranklinFrazier.AutordeBlackBourgeoisie [Burguesianegra],FrazierestiveraassociadoaHowarddesde1934. Esquerdista nos primeiros anos, Frazier criticava havia muito a falta deresponsabilidadesocialdaclassemédianegraparacomospobres.FoielequemconvenceuaadministraçãodafaculdadeaautorizaraapariçãodeMalcolm,mas,comoconcessão,o formato teriade serdedebate,paragarantiraapresentaçãodeumcontrapontoàsopiniõesdeMalcolm.Paraofereceroutropontodevista,afaculdade conseguira a participação de um homem que frustrara e enganaraMalcolmnodebateradiofônicoumanoantes,BayardRustin.OdebateemHowardentrariaparaahistóriacomoummomentoimportante

navidadeBayardRustineMalcolmX.Aquelanoite,1500pessoasapinharam-seno recém-inaugurado auditório Camton, e mais quinhentas amontoaram-se naentradadoprédio, na esperança de poderementrar.Malcolmnão se esquecerada surra que tinha levado de Rustin em seu primeiro encontro e preparoucuidadosamente sua fala.Diferentemente do primeiro debate, que fora travadono isolamento de uma emissora de rádio, essa apresentação dava aMalcolm avantagem de falar para uma grande multidão negra e de lançar mão de seugrandepoderdeoradorpúblico.Partiuparaoataquejánaprimeiradeclaração,dizendo à plateia que não estava ali como seguidor de nenhumgrande partidopolítico,nemporcausadereligiãoounacionalidade:Malcolmanunciouquesuaúnicacredencialparafalaraverdadeeraacondiçãode“homemnegro!”.15

Duranteodiscurso,eleinsistiunatesedeFrazieremBlackBourgeoisie—dequeaprivilegiadaclassemédiaafro-americananãotinhadesempenhadoopapeldeliderançaquedeveriaassumirparamelhorarascondiçõesdevidadasmassasnegras.NocentrodoataquedeMalcolmestavasuaimplacávelcríticaaos“assimchamadoslíderesnegros...OhomemnegronosEstadosUnidosnuncaseráigualaohomembranco,enquantotentarforçaraentradanacasadobranco”.Malcolmsugeriu que toda a filosofia de integração racial estava condenada ao fracasso,porque a grandemaioria dos brancos jamais aceitaria a assimilação racial. Emconsequênciadisso, formara-seumgrupofraudulentode líderesnegrosquenãodefendiaefetivamenteos interesseseassuntosdosafro-americanos.“Oanêmicolíder negro”, escarneceuMalcolm, “que sobrevive e prospera graças a dádivasdos brancos, depende do branco a quem fornece informações sobre as massasnegras.” Recorrendo com frequência ao humor em sua apresentação, Malcolmelogiou o método de ElijahMuhammad de “nos isolarmos do homem brancoparatermostempodeanalisarestagrandehipocrisiaecomeçara‘pensarnegro’,eagoranós‘falamosnegro’”.Exortouosestudantesanãobuscaremo“amor”dohomembranco,masa“exigiremoseurespeito”.Não era do feitio de Rustin fugir da luta, e ele contestou Malcolm

vigorosamente. A certa altura, um repórter doChicago Defender notou queRustin“recebeu fortesaplausos”quandosedirigiuaMalcolm:“VocêdizqueosEstadosUnidos,talcomoestãoconstituídos,sãoumbarcoqueacumulaágua,eque os negros deveriam abandonar este barco, em troca de outro chamado‘Separação’,oudeoutroEstado.Seestebarcoafundar”,perguntouRustin,“quechance você acha que seu Estado ‘separado’ poderia ter?”.Mas, diante de umaplateiadejovensnegros,aadvertênciadeRustinpareciacansadaegasta.Comoobservou o repórter, foi Malcolm que, de fato, tirou partido de “referências àhistória e suas agudas críticas a práticas atuais convenceram a maioria dosestudantes”.Outro aspecto do discurso deMalcolm especialmente eficaz em seu apelo a

organizadores de direitos civis e esquerdistas foi a nota proletária. Ele alegouque Muhammad e a Nação representavam os negros desempregados,empobrecidos e revoltados. Amaioria dos negros urbanos estava confinada aogueto, onde era sujeita à brutalidade policial; a rigor, as autoridadesencarregadas de aplicar a lei funcionavam como um exército de ocupação, emcondiçõesdedomíniocolonial.Naverdade,MalcolmusavaaanalogiadaÁfrica

pós-colonial para definir o conflito político entre líderes negros nos EstadosUnidos. Apesar de os escritos de Frantz Fanon só virem a ser divulgados etraduzidos nos Estados Unidos no fim dos anos 1960, a análise de Malcolmantecipava-seàfamosatesedeFanonsobre“oscondenadosdaterra”.Nofimdodebate,apesardostentoslavradospelomaisvelho,eraMalcolmque,emgrandeparte, agora estabelecia a agenda, conquistando a militância da maioria dosestudantes universitários, negros e brancos. Como admitiu um perplexoprofessor presente ao debate: “Howard nuncamais será a mesma. Estou comreceiodeencararmeusalunosamanhã”.16

A oratória de Malcolm não o elevou apenas aos ápices de respeitadasinstituições negras, mas também a locais de referência na camada superior domundo dos brancos. Em 24 de março do ano seguinte, foi convidado paradebatercomoadvogadonegroWalterC.CarringtonnoFórumdaFaculdadedeDireito de Harvard. A agitação provocada pela presença de Malcolm foi tãointensaquenoúltimominuto a apresentação tevede ser transferidadoLowellHallparaoSandersTheatre,omaiorauditóriodeHarvard.Ali,nopalcoquejátinharecebidopresidentesamericanosechefesdeEstadoestrangeiros,Malcolmapresentou o programa danoipara uma multidão sem precedentes. “Alá estádando aos Estados Unidos a oportunidade de arrepender-se e transformar-se,antes de destruir este amaldiçoado mundo caucasiano”, declarou. Em seguida,afirmou que instalações públicas dessegregadas e escolas integradas nãobastavam.Os20milhõesdenegrosdosEstadosUnidos “constituem,por si só,umpaís”.Paraqueessepaísfossebem-sucedido,[“nós”],osnegros,“precisamosteralgumaterraquenospertença”.17LouisX,quesaíradamesquitadeBostonparaassistiraodebate, lembrava-sedapoderosapresençadeMalcolmnopalco.A plateia branca de Harvard, segundo ele, estava enamorada daquele homemnegrocapazderesponderàssuasperguntascomamaiorfacilidade.SeaabruptamudançadeMalcolmdetemaspolíticoseinternacionaisparalamentaçõessobrea iminente destruição da civilização branca parecia incongruente, era porqueaquelaconstruçãoconfusanãoforaprojetadaporele;ElijahMuhammad,semprevigilante sobre a plataforma de Malcolm, geralmente ditava trechos dos seusdiscursos;18 o debate de Harvard, muito provavelmente, não fugiu à regra. AsedeemChicagotambéminsistiaqueaspalestrasdeMalcolmfossemgravadasem fitas de áudio, para que Muhammad e John Ali pudessem monitorar seusdiscursos.19

Durante a primavera de 1961, o programa de palestras de Malcolm nasuniversidades o obrigou a viajar muito, quase sempre provocando polêmica eacaloradosdebates sobrea liberdadedeexpressão.NaCalifórnia,porexemplo,alunos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, iam ouvir Malcolm falar,mas a administração da universidade proibiu a palestra, que teve de sertransferidapara a redede albergues ymca.20 Em 19 de abril,Malcolm voltou àIvy League, em Yale, para debater com Louis Lomax,21 e quatro dias depoisapareceunoprogramadetelevisãodaabcOpenMind,comopartedeumpainelqueincluíaoconservadorGeorgeSchuylereoescritorJamesBaldwin.Quandooapresentador Eric Goldman o apresentou como o “segundo homem” danoi,Malcolm aproveitou a primeira oportunidade para negar a existência dessaposição hierárquica.22 Mais importante, a gravação do programa assinalou oiníciodeumaamizadeentreMalcolmeBaldwinquedurariapelorestodavida.ApesardeàquelaalturaaspalestraspúblicasdeMalcolmteremcomoalvoo

públicouniversitário,eletambémtentouestabelecerumdiálogoentreaNaçãoeoscristãosafro-americanos.EnquantoaNaçãocontinuavaanegaranecessidadeda política, tornava-se para ele ainda mais importante estabelecer sualegitimidade dentro da comunidade negra como verdadeira organizaçãoreligiosa;oreconhecimentodeimportantesgruposcristãosajudavaaaproximá-lo desse objetivo. Para isso, Malcolm organizou eventos levando grupos demuçulmanos para uma igreja negra, onde ele proferia um sermão sobre asconexõesentreocristianismoeoIslã.Provavelmenteoprimeirodesseseventosrealizou-se em 16 de junho de 1961, na Igreja de Deus de Elder SolomonLightfootMichaux,emNovaYork.Emseusermão,Malcolmdesmanchou-seemlouvoresa“AláporcolocarnocoraçãodeElderaideiadenosconvidaranósquesomosmuçulmanosparavirmosaquiestanoiteexplicaroqueoHonradoElijahMuhammad ensina”. Explicou que anoinão acreditava em política, porque“nenhumpresidentequepassoupelaCasaBranca”jamaiscumpriuaspromessasfeitas aos negros. Em vez disso, aconselhou ele, o que precisamos fazer é“voltarmo-nos para o Deus de nossos antepassados” e imitar o que “Moisésensinouseupovoafazernacasadesuaservidãohá4milanos”.23Seessesgestosentre crenças religiosas resultaram emmais respeito pela Nação, os discursosinternosdeMalcolmgeralmentelhessolapavamasinceridade.Falandoem14dejulho,apenasquatrosemanasdepoisdeseueloquenteapeloàIgrejadeDeusdeElder Michaux, ele disse francamente a seus seguidores na mesquita que “o

cristianismo é mau e os Estados Unidos também são maus”. E continuou achamarde“PaiTomás”osmaisimportanteslíderesdalutapelosdireitosciviseosintegracionistas,muitosdosquaisprofessavamafécristã.Cada vez mais Malcolm precisava tratar de uma grande variedade de

questões e demandas díspares, que exigiam sua atenção: problemas dentro danoi,manifestaçõesde rua,debates com líderes eorganizaçõesdedireitos civis.Mas continuava a estabelecer um equilíbrio entre essas novas obrigações e seucompromisso coma construçãodaMesquitanº 7.Ainda reservava significativaparceladetempoaNação,mesmoquandoseuintensoprogramadeviagens,nocomeçodosanos1960,quasenãolhepermitiadedicar-seàmesquita.Oprimeirosermão que pronunciou depois do encontro de janeiro de 1961 com a Ku KluxKlanfoiode6defevereiro,quandoafirmou,emtommelodramático,queseumhomem branco fizessemal a ummuçulmano no sul, poderiamuito bem estardando “início a uma guerra santa”.24Mas a próxima controvérsia a envolver anoinãocomeçouemDixie,esimnolestedeManhattan.Naalvoradada independêncianaÁfricapós-colonial,oprimeiro-ministrodo

Congo, Patrice Lumumba, tornou-se símbolo das aspirações africanas pós-coloniais. Ele não reconhecia qualquer dívida com as potências coloniais doOcidenteou comosEstadosUnidos.Em17de janeiro de 1961, foi assassinadopormercenáriosbelgasnaprovínciacongolesadeKatanga.Anotíciaatrasadadamorte de Lumumba foi finalmente anunciada em 13 de fevereiro, provocandomanifestaçõesdemilitantesnomundo inteiro.Os soviéticosacusaramsoldadosd aonu alocados no Congo de não terem protegido Lumumba e exigiram ademissão do secretário-geral Dag Hammarskjöld.25 Em 15 de fevereiro, umacoalizãodegruposamplamentedivergentesfezumpiqueteàentradadoedifíciodaonu emNova York. Uma organização que fazia parte do ato, a AssociaçãoCultural deMulheres de TradiçãoAfricana, incluía alguém que posteriormenteinfluenciaria a vida de Malcolm: a escritora Maya Angelou, diretora daassociação.Enquantoamultidãocrescia,estourarambrigasentremanifestanteseseguranças. Na confusão, quarenta pessoas foram feridas, entre elas dezoitofuncionários daonu. Repórteres e fotógrafos diziam ter sido atacados pormanifestantes armados de socos-ingleses e facas. Diplomatas americanosacusaram os manifestantes de serem “inspirados pelos comunistas, ligados àviolência cometida contra embaixadas belgas em Moscou, no Cairo e emVarsóvia por causa damorte” de Lumumba.O comissário de polícia deNova

York, Stephen P. Kennedy, culpou a “IrmandadeMuçulmana, uma seita negranacional de fanáticos, uma dasmais perigosas gangues da cidade”. Por algumarazão, a polícia e o embaixador dos Estados Unidos naonu, Adlai Stevenson,achavam que a “gangue” da Irmandade Muçulmana estava associada anoie aMalcolm X. “Não fomos nós”, respondeu Malcolm. “Não nos metemos empolítica, seja local, nacional ou internacional”. Mas não resistiu à tentação demanifestar sua solidariedade pan-africana com os manifestantes: “Recuso-me acondenar as manifestações... porque não sou Moïse Tshombe, e não deixareininguémmeusarcontraosnacionalistas”.26

Dias depois do motim na porta daonu, Maya Angelou e uma colegacontataram anoipara combinar um encontro comMalcolm. As duas foram aorestaurantedamesquitanonortedacidadeeconversaramcomoministronumasala dos fundos. “Sua aura brilhava demais e sua força masculina me afetoufisicamente”, disse Maya Angelou anos depois.27 “Uma tempestade do desertogiroucomoumredemoinhoemvoltadeleeavançouparamim,fazendominhapele contrair-se emeus poros se fecharem... Seus cabelos eram cor de brasa eseus olhos perfuravam.” Como representantes da Associação Cultural deMulheres deTradiçãoAfricana, elas participaramdamanifestaçãonaonu,masnão tinham previsto a afluência de milhares de manifestantes. Malcolmrespondeuqueosmuçulmanosnãotinhamparticipado.“Vocêsestãonadireçãoerrada”, disse Malcolm, repreendendo as visitantes. Manifestações naonu “esegurarcartazesnãodãoliberdadeaninguém,nemimpedirãoqueosdemôniosbrancos matem outros líderes africanos”. Angelou contava com o apoio deMalcolmparaoprotestoe esforçou-separa esconder seudesapontamento.Masentão,surpreendentemente,avozdeMalcolmsuavizou-se,“eporummomentoo pregador islâmico desapareceu”. Malcolm advertiu as mulheres que líderesconservadores afro-americanos seriam usados pela estrutura de poder dosbrancos para denunciá-los como “perigosos e provavelmente comunistas”.Prometeu fazer uma declaração à imprensa chamando os manifestantes de“reflexos da raiva que existe neste país”. Apesar de sair sentindo “a névoa daderrota”, o encontro de Angelou com Malcolm afetou-a profundamente. Elaretomariaansiosamenteseuscontatosanosdepois,quandosemudouparaGana.Em meados de 1961, Malcolm dedicou mais tempo a suas obrigações

pastorais naMesquita nº 7. Ao falar namesquita em 9 de julho, por exemplo,discorreusobrea interpretaçãooficialdaNaçãosobreoquesedesenrolarianos

últimos dias. “A próxima guerra, a Guerra do Armagedom”, previu ele, “seráumaguerraderaças,enãouma‘guerrafantasmagórica’.”28Usandoumquadro-negro,explicouqueos ideaisde liberdade, justiçae igualdadeeramimpossíveisdealcançarsoba“bandeiraamericana”.29

Também se envolveu ativamente com muitos aspectos relacionados anegóciosdanoi.Porexemplo,ElijahMuhammadescreveuaMalcolmemmarçoperguntando se o livro de C. Eric Lincoln,The BlackMuslims in America [Osmuçulmanos negros na América], deveria ser adotado pela Nação apesar dascríticasà seita.Oeditordo livroconcordaraemvender5milexemplares“comumbomdesconto para osmuçulmanos”.MasElijah ressaltara na carta: “não épara sermencionado em público”. Astutamente, ele percebera que a transaçãoera bom negócio, mesmo que não fosse boa propaganda. Aparentemente, ocontrato de venda foi fechado e anoivendeu exemplares do livro comdesconto.30

Em 11 de agosto, Malcolm recebeu um telegrama inesperado do lídertrabalhista A. Philip Randolph: “Estou nomeando-o para o Comitê Ad Hoc deTrabalhodeUnidadeparaaAção.Primeirareuniãomarcadaparasegunda-feira,às três da tarde de 14 de agosto, na rua 125 Oeste, número 217”.31 Nada nocomunicadodeRandolph indicava qual era a agenda do comitê, ou quemmaistinhasidoconvidado.Naquela época, Randolph era um dos mais ativos representantes da

campanhapelosdireitoscivise,mesmoaos72anosdeidade,perderapoucodoseuvelhoentusiasmoporcomandarataques;aindaerao lídertrabalhistanegromaispoderosodosEstadosUnidos.BaseadonoHarlem,tinhavistoalutamudarnos últimos anos, da exigência demais empregos para negros nas lojas da rua125 para a busca de plena representação dos negros no sistema político. EsseesforçorequeriaumafrenteunidadacomunidadenegradoHarlem,eRandolphsabiaqueMalcolmrepresentavaumaparcelacadavezmais significativa.Masébem provável que sua admiração por Malcolm tivesse um componenteideológico.Quasecinquentaanosantes,Randolphapresentaraorecém-chegadoMarcusGarveyparaumaplateiadoHarlem,eapesardenuncaterendossadoonacionalismo negro, manteve durante toda a carreira um sentimento deadmiração por sua defesa fundamental do orgulho e do autorrespeito negros.Randolphviveraosuficienteparaterumavisãohistóricadelongoalcance,eviaem Malcolm uma voz legítima na tradição militante de Garvey e Martin R.

Delaney.O respeito era recíproco; Malcolm deixou de lado suas reservas e foi à

reunião.Descobriuqueoobjetivodocomitêera formarumaamplacoalizão—denacionalistasnegrosaintegracionistasmoderados—pararesolverproblemassociais e políticos no Harlem. Malcolm percebeu que aderir oficialmentesignificaria ir além do que já fora em suas limitadas investidas na política atéaquele momento. Apesar de interessado, ele sabia que precisava justificar suaparticipaçãoparaanoi.Felizmente, Elijah Muhammad lhe ofereceu uma brecha involuntária.

Duranteamaiorpartedeagosto,MalcolmeaMesquitanº7trabalharamparaaapresentação de um importante discurso de Muhammad, previsto para 23 deagostonoDepósitodeArmasda369ª- Infantaria.Peranteumpúblicoestimadoentre5mile8milpessoas,oMensageirodeAláapresentouumavisãosombriaecalamitosa:

Nãoédanaturezadohomembrancochamaronegrodeirmão.Osministrosnegrosaprendemapregarensinadosporbrancos.Elesrecebemlicençadosbrancosesenãoensinaremcomoosbrancosqueremsãoinsultados...OHarlemdeveriaeleger seuspróprios líderesenãoaceitar líderes impostospelosbrancos.Precisamos eleger nossos líderes e se não fizerem como devem fazer deveríamos cortar-lhes a cabeça.Nãopodemosnosintegrar,precisamosnosseparar.32

NaexortaçãoparaqueoHarlemelegesseseuspróprioslíderes,Malcolmviu

umaoportunidade.Apesar de a visãodeMuhammadancorar-senumapartiçãoseparatista, ele encorajava membros danoia apoiar negócios pertencentes anegrosearespaldarlíderesnegros,efoinessabasetênuequeMalcolmconsentiuemtrabalharnocomitêdeRandolph.Descobriuqueseusmembrosprovinhambasicamente do Conselho Trabalhista dos Negros Americanos; muitos eramrepresentantes de instituições comerciais, cívicas e religiosas. Um dessesmembroseraPercySutton,conhecidoadvogadodoHarlem,quetambémserviacomo presidente da filial danaacp emNovaYork.Malcolm e Sutton viriam atermuito respeito umpelo outro, e dentro de alguns anosMalcolmbuscaria aassistênciajurídicadeSuttonemdiversasquestõesdelicadas.BayardRustin,quejátrabalhavacomRandolphhaviamaisdevinteanos,tambémestavanocomitê,e sua presença deve ter intrigado Malcolm ainda mais sobre o potencial dogrupo.

OprimeiroeventopúblicoorganizadopeloqueentãosechamavaComitêdeEmergênciafoiumcomícioemfrenteaoHotelTheresanocomeçodesetembro.Randolphpreparoucuidadosamentealistadeoradores,paraquerefletissetodaadiversidade política doHarlem. Pelos nacionalistas, havia o proprietário negrode livraria Lewis Michaux e James Lawson, chefe do Movimento NacionalistaAfricano Unido; pelo trabalhismo negro, o militante Cleveland Robinson,secretário-tesoureirodo65ºDistritodoSindicatodeLojasdeDepartamento,deVarejo e de Atacado, assim como Richard Parrish, tesoureiro nacional doConselho Trabalhista dos Negros Americanos. Cerca de mil pessoascompareceram. OPittsburgh Courier, que cobriu o evento, observou que o“oradormais emocionante foiMalcolmX,quemuitosnaplateia jamais tinhamouvido falar”. Malcolm recebeu elogios por sua incisiva condenação doDepartamento de Polícia de Nova York, a quem culpou pelo aumento doconsumode drogas, da prostituição e da violência nos bairros negros deNovaYork. O curioso, porém, foi que ele se mostrou reverente com a polícia,assegurandoaopúblicoqueencorajava“suagente”aobedeceràlei,negandoquemembros danoitivessem participado de qualquer “insurreição recente noHarlem”,edenunciandoaconvocaçãoparauma“marchaatéa28ª-DelegaciadePolícia”, descrita em linhas gerais num folheto distribuído para a multidão.“Achamosqueissonãodaráresultado”,33declarou.Odiscursoseguiuasregras.Foi vigoroso, mas conservador no que dizia respeito à ação. Ativistas comoRustinobservaramqueMalcolmtinhapraticamentereproduzidooparadoxodanoi:identificaraecondenaraoproblema,masserecusaraairemfrenteeadotaruma solução factível. Para osmoradores doHarlem, era tão difícil escapar deumainteraçãocomapolícialocalcomofundarumEstadopróprio.Aindaassim,aimportânciadopapeldeMalcolmnoComitêdeEmergênciaé

fundamentalparaa interpretaçãodoquelheaconteceudepoisderompercomanoiem1964.Ocomitêfoiaúnicaorganizaçãonegradotipofrenteunidadaqualparticipou durante seus anos de Nação do Islã, e embora apresentasse umadiversidade de opiniões ideológicas, foi Randolph que decidiu quem seriaconvidado para participar do comitê, quem falaria nos comícios e qual seria oprogramadeação.SeumodelodeliderançaverticalseriaadotadocegamenteporMalcolmnodesenvolvimentodaoaau.No começo de outubro, o Comitê de Emergência produziu um plano

detalhado para combater a “deterioração social e econômica” das comunidades

negras de Nova York. Propunha uma série de reformas, incluindo oestabelecimentodeumsaláriomínimonacidade,fixadoem1,50dólar;acriaçãodeumComitêdePráticasdeEmpregoJustas,cujospoderesincluiriampenasdeprisão para quem desobedecesse; a investigação de todos os contratos, com oobjetivo de eliminar práticas discriminatórias; e obrigar um dos principaisempregadores da cidade, a Consolidated Edison, amelhorar suas normas paracontratação e promoção de empregados negros. O plano identificavaMalcolmcomomembro do comitê,mas ao lado do seu nome, entre parênteses, estavaescrito“Malikel-Shabazz”.34No fimdos anos1950,ElijahMuhammadpermitiuque os ministros ainda não rebatizados com seus nomes originais adotassemShabazzcomosobrenome.ParaMalcolm,onomedeMalikel-Shabazzeraumaidentidade que o enraizava na história imaginária danoi, garantindo-lhe, aomesmotempo,liberdadeparaagircomoindivíduonomundoseculardapolítica.Devido aos seus compromissos de palestrante, a presença de Malcolm na

mesquitaficouaindamaislimitadapelorestode1961.Elepassouapedirajudaaseus ministros assistentes, especialmente Benjamin 2X Goodman. Além disso,suas ausências deram a Joseph Gravitt irrestrita autoridade sobre as decisõestomadas, incluindomedidasdisciplinares.Talvezfosseemparteporcausadissoque Malcolm, ao falar na Mesquita nº 7, preferisse quase sempre ater-se àsposições conservadoras e hostis aos brancos de Elijah Muhammad. Em 1º dedezembro, por exemplo, ele falou sobre a natureza do demônio. Para aquelesqueassistiamauma reuniãodanoipelaprimeiravez,eledissequenão“falavadealgoqueestádebaixodaterra...Odemônionãoéumespírito,eletemolhosazuis,cabeloslourosepelebranca”.35

Nocomeçodedezembro,ocapitãodofoi,RaymondSharrieff,acompanhadopela mulher Ethel, passou vários dias em visita à mesquita. Uma visita deSharrieff só perdia em importância para a do próprioMensageiro, e o casal foitratado como uma família real.Malcolm fez considerável esforço para que suaestada fosse memorável, convocando o pessoal do foi da Filadélfia e de NovaJerseyepreparandoumaapresentaçãodecaratêemhomenagemaocasal.Numasessão em 4 de dezembro namesquita, Sharrieff fez suas tropas saberem que:“Todasasorganizaçõesseguemseuslíderes.Acapacidadedereceberordenséoprincipaldeverdomuçulmano.Nãodevehaver, jamais,nenhumadivergência”.Apesardefalarduro,ede,emvirtudedoseutítulo,serochefedaalaparamilitarda Nação, Sharrieff não era um criminoso, como alguns capitães locais do foi.

Aqueleshomens,decarátergeralmenteviolentoeinstável,faziamamaiorpartedotrabalhosujodaNação,organizandogruposparainfligircastigosqueiamdesurrasacoisapior,eSharrieffsabiamuitobemcomoeraimportantereforçarsuaposiçãonotopodaestruturadecomando.36

Antes que o casal deixasse o Harlem, a mesquita ofereceu um grandiosojantar. Sharrieff já tinha pedido aos membros que doassem dinheiro para afamíliadeMuhammad,emhonrado iminenteDiadoSalvador,masalémdissolhes pediu dinheiro para a aquisição de um novo automóvel de luxo para opróprio Sharrieff. James 67X ficou indignado: “Aquilo foi a gota d’água. Penseicomigo, euviajonoônibusnº 7, e vou ter de contribuir para a comprado seuLincolnContinental?”.ANaçãotinhamudado;pareciaqueacúpulanacionalviaossubordinadoscomocaixasregistradoras,ecomeçouainstalar-seumclimaderessentimento.37 Durante o jantar, entretanto, a raiva provocada pela extorsãocedeu lugar à confusão, quando Sharrieff proferiu algunsmonólogos bizarros einapropriados.Ethel falouprimeiro, e, de acordo com James, “começou a dizerpublicamente que alguns homens não eram capazes de atender às exigênciassexuaisde suasmulheres”.Aindamais surpreendente foiodiscursodomarido.Osériolíderdofoisubiuaopódioepôs-seaimprovisaremcimadodiscursodamulher,“fazendopiadassobreafaltadedesempenhosexual”.38

Oshowdeteorsexualgrosseirodestinava-seahumilharumaúnicapessoa—Malcolm.OsSharrieff,evidentemente, tinhamlidoacartaqueMalcolmenviaraemmarçode1959aElijahMuhammad sobreosproblemasemseucasamento.Eles queriam que Malcolm soubesse que não havia comunicação privilegiadacom o Mensageiro. Ao que tudo indica, queriam também manifestar seudesprezo total, e ridicularizá-lo como homem. Para Malcolm, aquelaapresentaçãodevetercontribuídoparaaumentarsuasdúvidassobreopapelqueexerciadentrodanoi.A certa altura de 1961, Elijah Muhammad talvez tenha diminuído, por um

período, a autoridade de Sharrieff sobre o foi ao ordenar que os capitães locaisrespondessem diretamente a Malcolm.39 Se for verdade, isso pode explicar ocomportamentodeSharrieff.Noentanto,Malcolmnãotinhaambiçãodedirigiro foi; seus interesses erampastorais e políticos.Na reuniãode rotinado foi daMesquitanº7em18dedezembro,elepareceuconfirmaropapeldeJosephcomochefe nacional de todos os capitães danoi; não se sabe com clareza o que issopoderia significarparaa autoridadedeSharrieff.40 Possivelmente, o endosso foi

baseadosimplesmentenaadministraçãoeficazdeJoseph.Ocertoéque,em1962,avidainternadaNaçãojásemudaraparaumnovoe

incerto lugar. ElijahMuhammad passava amaior parte do tempo no Arizona;quandoiaaChicago,ocupava-seprincipalmentedeumaoumaisamantesemseurefúgioamorosonoSouthSide,cadavezmaisdistantedosnumerososnegóciosda Nação. Livres de sua supervisão, Sharrieff e John tornaram-se ali os chefesadministrativos danoi, reinvestindo o dinheiro dos dízimos em comércios eimóveis.OsfilhosdeMuhammadtambémassumiramumpapelmaisamplonosnegócios daNação. Elijah Jr., apesar de ser umministromedíocre e não saberfalar direito, viajava pelo país como autoridade, pressionando mesquitas aproduzirem mais renda para a sede em Chicago. Malcolm foi solicitado atransmitir o cargo de editor doMuhammad Speaks paraHerbertMuhammad,que rapidamente deixou claro a todas as mesquitas que aumentassem suasquotas de jornais e enviassem toda a renda para Chicago. O êxito e ocrescimento danoi, ironicamente, criaram problemas com velhos parceiroscomerciais,quepassaramaverogrupocomoconcorrente. JornaisqueduranteanoscobriramgenerosamenteasatividadesdaNação,comooChicagoDefendere oAmsterdamNews, reduziramdrasticamentea cobertura comaapariçãodoMuhammad Speaks. Em 1963, oCleveland Call and Post, jornal negrorepublicano, declarou que anoideparava com “crescente desencanto entre asmassasquedeveriaconduziraumautopianegra”.41

A Mesquita nº 7 não conheceu a sublevação que caracterizou muitasmesquitas durante aqueles anos. Apesar de seus sentimentos pessoais dehostilidade,MalcolmeocapitãoJosephpareciamtrabalharestreitamenteunidosem público, e em geral estavam de acordo em todas as questões relativas àmesquita. Em 1962, apenas uma minoria de adeptos ainda se lembrava dojulgamento e da humilhação de Joseph. E enquanto centenas de novosconvertidoscontinuavamachegaràmesquita,aslembrançasdeantigosconflitosdesapareciam.Em1959,oTemplonº7tinha1125membros,dosquais569eramativos. Em 1961, com o novo nome de Mesquita nº 7, tinha 2369 membrosregistrados, dos quais 737 eram descritos como ativos.42 Que tipo de genteaderianaqueletempo?Numaépocaemqueaamplamaioriados líderesnegrosestimulavaa integraçãoracial,anoiestavapraticamentesozinha.Apropostadeconstruir umpaís autoconfiante, que os negros controlassem, começou a atrairafro-americanosdediferentesníveisderendaeinstrução.Cadanovoconvertido

parecia ter uma única explicação para aderir. James 67X suspeitava que areputação dosmuçulmanos negros, de estarem àmargem da sociedade e forados limites da “normalidade”, era o que atraía negros que também se sentiamfrustradoseamargurados.“Anormalidadenãoéalgoquetenhamuitovalornogueto”,diziaJames.“Todomundotemsuahistóriaparacontar.”43

Um portador de muitas histórias diferentes, que dentro de alguns anos setornaria extremamente íntimo de Malcolm, era Charles Morris. Nascido emBoston em 1921, quando adolescente fizera um curso de técnico dentário,masassimcomoDetroitRedfoiatraídoparaomundodosespetáculos,participandodo show Brown Skin Models numa casa noturna da Sétima Avenida.44 Emsetembro de 1942, foi convocado para o serviçomilitar emandado paraCampShelby, noMississippi. Para um negro orgulhoso criado no norte, ser enviadoparao sul eraumdesastre anunciado.Em25denovembrode 1944,Morris foicondenadopelacortemarcialgeralpororganizarummotim,brigar comoutrorecrutaedesrespeitarumoficialsuperior.Foicondenadoaseisanosdetrabalhosforçados, e depois de cumprir parte da pena teve baixa em 13 de setembro de1946.45

Posteriormente,MorrisdiriaaofbiquetinhaconhecidoMalcolmemDetroit,onde Malcolm era ministro assistente.46 Morris ficou impressionado com ojovempregador,masnãocomamensagemdanoi.DepoisqueMalcolmsaiudeBoston,eleresolveunãoaderiràseita.Em1960,Morrismudou-separaoBronxe voltou a assistir às reuniões danoi. Finalmente, converteu-se, recebendo onomedeCharles27X,masemboratenhasetornadofigurafamiliarnamesquita,alguns dos outros membros achavam que havia qualquer coisa de não muitocertocomele.Onovorecrutavestia-secomextravagância, riaaltoeusava seucharme e sua personalidade para conseguir favores. Mais tarde, James 67Xobservaria com frieza: “Eleachavaqueeramuitomaisdoqueera, eeramuitoperigoso”. A partir de agosto de 1961, Charles passou meses internado noRockland State Hospital, em Orangeburg, Nova York, diagnosticado com“psiconeurose—tipomisto,ligeiramentedeprimido,masdispostoacooperar”.47

Apesardisso, de 1962 até suademissãodamesquita em1964, ele cultivouumarede de amizades, principalmente com Malcolm. Charles estava disposto aoferecer segurançaparaMalcolm,aquempareciamuitodedicado.EapesardasprofundasapreensõesdeJames67X,Malcolmcrioulaçosdeconfiançaerespeitopelo colega ex-presidiário — o homem a quemmais tarde chamaria de “meu

melhoramigo”.Outros entravam naNação em busca de estabilidade ou da recuperação da

saúde—acabar comadependênciaquímica, por exemplo.A complexa jornadadeThomasArthurJohnsonJr.eratípica.NascidonaPensilvânia,emmeadosdosanos 1930, e criado pelos avós perto de Atlantic City, Johnson teve o que elemesmochamavade“umainfânciarealmentebela”.48Herdouoamorpelamúsicado avô, que tinha tocado tuba e trombone no circoBarnum&Bailey.Quandoadolescente,passavaamaiorpartedotempovadiandopelosclubesdejazz.Comquinzeanos, foiexpulsodecasaporcausadovíciodaheroína.Em1958,depoisdepassarváriasvezespelacadeia,foicondenadoadozemesesdeprisão.49

Nacrençaislâmica,apalavraárabe“ingadh”significa“salvar,resgatar,trazeralívio ou salvação”.50 Os fiéis têm o dever de salvar os aflitos. No caso deThomas, o chamadopara “ingadh” tinhavindoprimeiropara seu companheirode cela, um batedor de carteiras de Times Square, que lhe explicou osfundamentos danoi, incluindo a história de Yacub e o papel de Elijah comoMensageirodeAlá.TudoissofaziaomaiorsentidoparaJohnson.Umavezsolto,ele foi imediatamente à Mesquita nº 7. Dentro de pouco tempo, os avós seespantavamcomasmudançaspositivasemseucomportamento: tendodeixadopermanentementeasdrogas,vestia-secomapuro,sempredeterno,eobservavarigidamenteasleisdietéticasmuçulmanas.51

Para Johnson, anoiera como uma organização de combate. “Eu não vianinguém tomar uma posição, representar-nos de um modo que aliviasse umbocado de opressão e de abuso, e as coisas que aconteciamno sul... a onda deassassinatosdeafro-americanos”,explicariaelemaistarde.DepoisdereceberseuX—etornar-seThomas15X—elechamouaatençãodocapitãoJosephpeloqueeste considerava amostras excepcionais de devoção. “Era uma atmosferamuitohostil,naquelaépoca,enãoengolíamosdesaforodeninguém...porisso,elesmechamavam de ‘Reator’, porque eu estava sempre pulando em cima de algumacoisa”, disse ele. “[Se] alguém ameaçasse um muçulmano, ou batesse nummuçulmano,eueraoprimeiroachegar.”52

Joseph decidiu que Thomas deveria ser destacado para dar segurança aMalcolm, e isso incluíaprestarpequenos serviços à sua família.Naquela época,ThomasachavaqueMalcolmera“amaiorcoisaqueandavasobreaterra...nãosei de ninguém, de nenhum comentarista, de nenhum jornalista, que pudessesegurá-lo”.AsobrigaçõesdiáriasdeThomascomeçavamquandoMalcolmfaziao

percurso de sua residência noQueens para amesquita doHarlem. Fosse qualfosseotempoquefizesse,Thomasdeveriaesperá-lodoladodefora,reservandouma vaga no estacionamento para o carro do clérigo. Ele também conduziaMalcolmdecarroaseuscompromissos.Umavezpormês,Betty lheentregavauma lista de artigos para comprar no supermercado Shabazz no Brooklyn, etrazerdevoltaedescarregar.ElepercebeuqueMalcolmevitavairparacasa“sepudesse”. Malcolm lhe confidenciou: “‘Cara, se vou [pra casa], todas asmulheres...’semsaberoqueiadizer,comoiaresponder.Aíeledizia: ‘VamosaFoleySquare’.Eagenteia”.ÀsvezesMalcolmficavaabsortonaleituradealgumlivromuito obscuro para Thomas. Um autor de que ele se lembra bem era ofilósofo G. W. F. Hegel. “Hegel era o seu homem”, lembrava-se Thomas,referindo-se talvez às mesmas passagens sobre “propriedade e servidão” quetambémfascinaramFrantzFanon.53

Apesar disso, havia qualquer coisa em Thomas que incomodava Malcolm.Certaocasião, ele faloude suapreocupação com Joseph,dizendoqueo simplesfatodeThomasquasenuncafalarjáoincomodava.Thomas,porsuavez,disseaJoseph:“Euachavaquenãotinhacapacidadeparainterrompereconversarmuitocomele.Eusóqueriafazermeuserviço”.Ascoisascontinuaramcomoeram.Num número cada vez maior de mesquitas — principalmente na de

Newark, Nova Jersey — uma tempestade de críticas a Malcolm começou aformar-se.AsprincipaisacusaçõeseramqueelecobiçavaolugardoMensageiro,que tinha um forte desejo de bens materiais e que usava a Nação para sepromover politicamente e na mídia. Malcolm costumava responder a essasfarpasfortalecendoocultoemtornodeElijah,oquelhepareciaamaneiramaiseficazdedissipardúvidas.Muhammadgostavadessesesforçosemseubenefício,e,maisoumenosnessaépoca,disseaMalcolmquequeriaqueele“se tornassemuito conhecido”, porque erapor intermédiode sua famaque amensagemdeElijahseriaouvida.MasMalcolmprecisavaentender,acrescentou,que“vocêseráodiado,quandosetornarfamoso”.54

TalvezGeorgeLincolnRockwellpudessedararespostadosEstadosUnidos

brancosaMalcolmX.Queixoquadrado,constituiçãosubstancial,eraumafiguranotável quando subia ao palco nos comícios do grupo que fundara e dirigia, oPartido Nazista Americano. O extremo conservadorismo de Rockwell

manifestara-se de início demaneira convencional; reservista daMarinha, ele seopunha à integração racial e desprezava o comunismo, e por algum tempo foifuncionário deWilliamF. Buckley Jr., editor daNationalReview. Só depois delerMeinKampf [Minha luta] eTheProtocols of the Elders of Zion [ProtocolosdosSábiosdeSião] foique suas crençasna supremaciabranca se fundiramcomum profundo ódio aos judeus. Emmarço de 1959, fundou aUniãoMundial daLivreEmpresaNacionalSocialista,que logo se transformounoPartidoNazistaAmericano.Apesardesuaspolíticasdesprezíveis,Rockell tinhaumtalentoparamanipularamídiaquedeuaopartidoumaatençãodesmedida.Em3deabrilde1960,pronunciouumdiscursodeduashorasnoNationalMall emWashington,queatraiumais jornalistasdoqueseguidores;apesardisso,mesmonaperiferiada extrema direita, conseguia manter uma cobertura de mídia sólida, criandoumaimageminfladadoseupartido.55

Nosprimeirosanos,aliteraturadoPartidoNazistaAmericanoreferia-seaosafro-americanos como “niggers”, moral e mentalmente inferiores aos brancos.MasquandoRockwellseinteiroudasposiçõesanti-integracionistasdaNaçãodoIslã, ficou fascinado com a ideia de uma frente unida formada por brancos“supremacistas” e nacionalistas negros. Até elogiava a Nação para seusseguidores,afirmandoqueElijahMuhammadtinha“reunidomilhõesdepessoassujas, imorais, bêbadas, sem educação, preguiçosas e repulsivas do tipo quechamamos desdenhosamente de ‘niggers’, inspirando-as a tal ponto que setornaram seres humanos limpos, sóbrios, honestos, trabalhadores, dignos,dedicadoseadmiráveis,apesardacor”.56

A certa altura de 1961, o grupo de Rockwell reuniu-se com Muhammad ediversosassessoresemChicago;éprovávelqueRockwelleMuhammadtiveramalgunsencontrosprivadosparaprepararum“acordodeassistênciarecíproca”.AprincipalconcessãoqueRockwellarrancoudeMuhammad foiapermissãoparalevar soldados nazistas aos comícios danoi, o que certamente atrairia acoberturadamídia.ParaMuhammad,essaatençãorepresentavaumriscomaior,mas ele achou que o risco era compensado pela oportunidade de expor averdadeira natureza do homem branco. O grupo de Rockwell podia serperiférico, mas Muhammad via em seu ódio racial e antissemitismo umarepresentação honesta das crenças fundamentais dos Estados Unidos brancos.Haviaoutra razãopara a aliança:o autoritarismodanoiharmonizava-se comoautoritarismoracistados“supremacistas”brancos.Ambososgrupos,nofimdas

contas,sonhavamcomummundosegregado,noqualoscasamentosinter-raciaiseramproibidoseasraçasviviamempaísesseparados.57

Em 25 de junho de 1961, a Nação do Islã realizou um grande comício emWashington. Perante um público de 8 mil pessoas, Rockwell e dez soldadosnazistas — todos elegantemente trajando uniformes marrom-claros, combraçadeirasostentandobrilhantessuásticas—foramconduzidosacadeiraspertodo palco, no centro da arena. Representantes da imprensa afro-americana,espantados com a presença de nazistas, berravam perguntas a Rockwell, queanunciou:“Estouperfeitamentedeacordocomoprograma[danoi]e tenhoporElijahMuhammadomaiorrespeito”.ApesardeMuhammadtersidoanunciadocomooprincipalorador,naquelediaeleaindaestavamuitodoente,eodiscursoficou por conta de Malcolm. Depois do seu discurso, pediu-se ao público quecontribuísse, e quando Rockwell ofereceu vinte dólares, Malcolm perguntouquem tinha sido o doador. Um soldado nazista gritou: “George LincolnRockwell”,eosmuçulmanosaplaudirampolidamente.Rockwellfoiconvidadoalevantar-se;mais uma vez, o líder nazista recebeu aplausos discretos.Malcolmnão resistiu à vontade de fazer um comentário: “O senhor acaba de receber omaioraplausodesuavida”.58

O gracejo de Malcolm contradizia seus sentimentos mais profundos sobreaquelaaliança,quetinhasidointeiramentearquitetadaporElijahMuhammadeasede emChicago.Anódoadonazismonãopodia ser comparada à daKuKluxKlan,masaquelas reuniões tinhamsido realizadasemsegredo.AgoraMalcolmrecebia dinheiro doado pelo líder de grupo de fomento do ódio perante umpúblicodemilharesdepessoas.Fossequal fossea suaopiniãosobreautilidadede Rockwell para a Nação, ele sabia que aquela aparição serviria apenas paraprejudicá-lo perante os líderes negros que recentemente haviam demonstradointeresseporumaaproximação.De sua parte, Rockwell saiu das reuniões com anoiimpressionado por sua

organizaçãoedisciplina. “Muhammadcompreendeacruel fraudedaexploraçãodos negros pelos judeus”, comentou, posteriormente. “[Os] muçulmanos são achaveparaasoluçãodoproblemadonegro,tantononortecomonosul.Eessesujeito, o Malcolm X, não é um fresco de fala mansa, como tantos líderes‘integracionistas’nojentos,negrosebrancos.Eleéhomem,eéimpossívelnãooadmirar,mesmoquando investecontraa raçabrancapornão ter sabidocuidardohomemnegro.”59Emfevereirodoanoseguinte,RockwellcompareceuaoDia

do Salvador organizado pelanoiem Chicago, perante um público de 12 milmuçulmanos. Quando Elijah Muhammad terminou o sermão, Rockwell foiconvidado a falar, e dirigiu-se ao palco, flanqueado por dois guarda-costas.“Vocêssabemquenósoschamamosde‘niggers’”,começou.“Masnãopreferemlidar com homens brancos que lhes dizem na cara o que outros só dizem portrás?”Eprometeu“fazertudoqueestiveraomeualcanceparaajudaroHonradoElihahMuhammadarealizaroseuinspiradoplanodeconseguirterraparavocêsnaÁfrica.ElijahMuhammadestácerto—éseparaçãooumorte!”.60

AmaioriadosestudosdedicadosaMalcolmXignoraoudeixadeexaminarasligaçõesentreanoieoPartidoNazistaAmericano.MesmooacadêmicoClaudeAndrewClegg,quecriticaduramenteadecisãodeMuhammaddepermitirqueRockwell falasseem1962,afirmaqueo lídernazista“eraumaespéciedebicho-papãousadoporMuhammadparaamedrontarosnegroseforçá-losaprocuraranoi”.61Essaafirmaçãosubestimaoterrenocomumexistente.Naediçãodeabrilde 1962 doMuhammad Speaks, Muhammad elogiou Rockwell por ser umhomemque“endossaparasiaposiçãoquevocêseeuestamostomando.Porquenãodevemosaplaudi-lo?”.Osnazistas“adotaramumaposiçãoparaquevocêsseseparemeconsigam justiçae liberdade”.62Durante anos,Rockwell continuouaapoiaroprogramadanoi.Numdiscursoemoutubrode1962,porexemplo,eledeclarou: “[Elijah Muhammad] é um ‘supremacista’ negro e eu sou um‘supremacista’ branco: isso não quer dizer que um de nós precise matar ooutro”.63

Jantarcomodemônioexigemaisdoqueumacolhercomprida.Comootête-à-têtecomakkk,aidentificaçãopúblicadanoicomosnazistascomprometeuosesforçosdeMalcolmparaatingirumpúblicodemoderados,pessoasque talvezconcordassem com suas críticas ao racismo americano, mas rejeitassem suassoluções. Foi esse o desafio que ele enfrentou quando voltou a debater comBayard Rustin em 23 de janeiro de 1962. O debate foi realizado na IgrejaComunitáriadeManhattan,umacongregaçãoliberaldapartelestedacidade.Otópico—“Separaçãoou integração?”—deveria tersido favorávelaRustin.64 Opúblicoconsistia,basicamente,de liberaisbrancos,queapoiavamfortementeosdireitos civis. No entanto, Malcolm evitou astutamente chamar os brancos de“demônios”;emvezdisso,ressaltouosefeitosnegativosdoracismoinstitucionalsobreacomunidadenegra.Seusargumentospareciamconvincentesparamuitosbrancos da plateia. Rustin foi obrigado a queixar-se de que um númeromuito

grandedebrancosdagaleria,incluindoalgunsamigosseus,estavamaplaudindoas declarações de Malcolm com mais vigor do que os negros: “Deixem-meexplicaroprocesso...Onegócio,meusamigos,équemuitosbrancosgostamdeouvirosdasuaespéciesofreremenquantoelesassistemsentadosdizendo:‘Nãoé maravilhoso que esse negro simpático façaesses brancos passarem ummaubocado?Elenãopodeestarsereferindoamim—eusouliberal”.65

As palestras e os sermões de Malcolm no começo de 1962 raramentemencionavamos valores centrais da teologia daNação, e cada vezmais ele seaventurava em debates amplos sobre o futuro político dos Estados Unidosnegros. Provavelmente para silenciar os detratores dentro danoi, ele tentavadar mais atenção a assuntos organizacionais. Em janeiro, ele e Joseph fizeramumavisitaàMesquitanº23emBuffalo,nocondadodeNovaYork.66E,no fimdo mês, supervisionou o custeio, pelanoi, de um bazar afro-americano emRockland Palace, no Harlem.67 Também continuou a usar seus discursos parafomentarocultoemtornodeElijahMuhammad.OMensageirogostavadessesesforços em seu benefício; mas não demorou muito para que Muhammadcomeçasseamudardeopinião.Ele leuas transcriçõeseouviuasgravaçõesdosdiscursos de Malcolm e percebeu o rumo político tomado pela mente do seuministrocadadiamaisfamoso.Decidiuapertarasrédeas.Em14defevereiro,MuhammadescreveuformalmenteaMalcolmsobresua

programação. “Quando for a essas faculdades e universidades representar osensinamentosqueAlámerevelouparanossopovo,nãoentremuitoemdetalhespolíticos;nemnoassuntodoEstadoseparadoparanósaquidentro.”MuhammadinstruiuMalcolma“dizerapenasaquiloqueeles jámeouviramfalar,ouaquiloque você mesmo já me ouviu falar”. Malcolm foi proibido de manifestar suasopiniões independentes, mesmo em assuntos não relacionados ànoi. O velhopatriarca tentava reaver o direito de ser o único intérprete dos ensinamentosislâmicos. “Faça com que o público venha a mim em busca de respostas”,escreveu.“Nãovêcomorejeitoosdemôniosnessesassuntos,contando-lhesquedireiondequandoogovernodemonstrarinteresse?”68 Anoieraummovimentoreligioso, não uma causa política; Malcolm a partir de então não tinha maisautoridade para abordar assuntos como o do Estado negro separado ou parafalar de tópicos domomento de natureza política, a não ser compermissão deMuhammad.Mas é claro que, apesar disso, qualquer discussão sobre assuntosrelativos aos afro-americanos inevitavelmente giraria em torno da questão dos

direitoscivis;MuhammadtornavaaposiçãodeMalcolminsustentável.Logo surgiu a oportunidade de testar os limites impostos porMuhammad.

Em 7 de março, a Universidade de Cornell convidou Malcolm e o diretor-executivo docore James Farmer para debaterem o tema “Segregação ouintegração?”.No ano anterior, osmilitantes dasCaminhadaspelaLiberdadedeFarmer tinhamaparecidonasmanchetesde todoopaís aodesafiaremsistemasdeônibussegregadosnosul,eapromessadeganhosreaisaseremobtidoscomoativismoconjuntodavaaFarmerumacarta fortepara jogar contraMalcolm.Nos comentários de abertura, Malcolm ressaltou o fato de que os negrosamericanos eramparte do “mundonão branco”. E assim como “nossos irmãosafricanoseasiáticosqueriamtersuaprópriaterra,queriamterseuprópriopaís,queriamtercontrole sobresipróprios”,era razoávelqueosnegrosamericanosquisessem o mesmo. “Não é integração que os negros dos Estados Unidosquerem, é dignidade humana.” Mais uma vez, atacou a integração como umarranjoquesóbeneficiavaaburguesianegra:

Nós que somos negros no cinturão negro, ou na comunidade negra, ou no bairro negro, vemos com

facilidadequeaquelesdenósqueconcordamcoma integraçãogeralmente sãoos chamadosnegrosde

classemédia,umaminoria.Porquê?Porquetêmconfiançanohomembranco...acreditamqueaindahá

esperançanosonhoamericano.Masoqueparaelesésonhoamericanoparanósépesadeloamericano,e

nãoachamosque sejapossível, sinceramente,paraohomembranco tomarasmedidasnecessáriaspara

corrigirascondiçõesinjustasque20milhõesdenegrossãoobrigadosasofrer,demanhã,aomeio-diaeà

noite.69

MasFarmer,comoRustin,nãosedeixou intimidar,epartiuagressivamente

para o ataque contra o conservadorismo e as fraquezas do programa danoi.“Buscamos uma sociedade aberta... onde as pessoas sejam aceitas pelo quevalem,epossamcontribuirplenamenteparaaculturadetodos,eparaavidadetodoopaís”,declarou.“Conhecemosadoença,doutor,qualéseuremédio?Qualé seu programa e como espera concretizá-lo?”Malcolm tinha sido generoso naretórica e parco nos detalhes. “Precisamos que tudo seja dito com clareza”,pressionouFarmer.“Éumasociedadenegraemcadacidade?ComoumHarlemouumSouthSidedeChicago?”Tambémcontestoucomeficácia a afirmaçãodeMalcolmdeque só a classemédianegra era favorável à integração,mostrandoqueamaioriadosestudantesqueparticipavamdasCaminhadaspelaLiberdade

vinhadaclasseoperáriaoude famíliasdebaixarenda.Arigor,disseFarmer,ocontrário é que era verdade: empresários capitalistas negros apoiam as leis deJim Crow, porque elas criam ummercado consumidor autossegregado, sem aconcorrência branca; a classe média negra é que costumava se opor àdessegregação.70 Malcolm percebeu que ia perder o debate e, para marcarpontos,mencionouofatodeFarmersercasadocomumamulherbranca.71

Diferentemente dos representantes danaacp com quem Malcolm já tinhadebatido, Farmer era capaz de explicar as táticas doMovimento de LiberdadeNegraemlinguagemclara,usandopalavrascomuns.ÀafirmaçãodeMalcolmdeque lanchonetes dessegregadasnão eram importantes, por exemplo, respondeudemaneirasensata:“Nãodevemosviajar,então?PiqueteseboicotespuseramaWoolworth’sdejoelhos”.OsmilitantesdasCaminhadaspelaLiberdadedocoretinham “ajudado a levar a dessegregação a cidades de todo o sul”. O queMalcolmsemdúvidapercebeuaquelanoitefoiqueaatitudedocoreparacomadessegregação era fundamentalmente diferente da do establishment de direitoscivis anteriores, que se concentravam em leis e litígios. Ocore estavaativamentecomprometidocomaorganizaçãodeprotestosemmassanasruas—nas palavras de Farmer, “os piquetes e asmanifestações em todo o país são acausa da derrubada dos muros no sul, porque as pessoas estavam emmovimento,comseuspróprioscorposemmarchasegurandocartazes,sentando-se em protesto, boicotando, deixando de ser clientes”.72 Ironicamente, oresultado líquido do debate entre Farmer e Malcolm, objeto de amplasdiscussões entre os ativistas do movimento, daria mais legitimidade ao lídermuçulmano negro. Até mesmo os integracionistas, que rejeitavam comveemência o nacionalismo negro, acharam os argumentos de Malcolmconvincentes. Dentro de dois anos, organizações subsidiárias inteiras docore,especialmente em Cleveland, Detroit, Brooklyn e Harlem, iriam se voltar nadireçãodeMalcolmX.TalvezomaisimportantediscursopúblicodeMalcolmnoprimeirosemestre

de1962tenhasidooquepronunciounaIgrejaBatistaAbissíniadoHarlem,ondeocongressistaPowelloconvidaraparaparticipardeumasériedepalestrassobreo tema: “Para onde vai o negro?”. Administradores da igreja informaram àimprensaqueaavassaladorarespostaquetinhamrecebidoeramaior“doqueade todos os ‘líderes’ anteriores do Harlem juntos”. Para um público de 2 milpessoas, Malcolm repetiu a tese. “Não achamos que esteja na natureza do

homem branco mudar sua atitude em relação ao homem negro”, afirmou, aomesmo tempoque respondia à acusaçãodeque anoi, emboradefendesse compalavrasuma linhamilitante,não seenvolvianapolíticada comunidadenegra.“Nãoéporqueosujeitonãodáumsocoqueelenãoécapazdebatersemprequeesteja disposto, por isso não façam pouco caso dos muçulmanos e dosnacionalistas [negros].” Sensatamente, elogiou Powell como modelo de líderindependente. “AdamClaytonPowell éoúnicopolíticonegroque foi capazdesairdaplantationdohomembranco,enfrentaramáquinapolíticadobranconocentro da cidade, e ainda assim garantir a sua cadeira no Congresso.” Oscomentários de Malcolm prepararam terreno para aquilo que viria a ser umaforteparceriaentreosdoishomensnoanoseguinte.73

Apesar disso, a divergência entre suas próprias opiniões e as opiniões donúcleo danoicontinuava a aborrecê-lo, e, cada vez mais, Malcolm pediaconselhos àqueles em quem confiava, embora as circunstâncias às vezesdificultassemascoisas.EmBoston,umconfidentenaturalteriasidoLouisX.Noentanto, durante quase todoo ano de 1962, Louis esteve engajadona luta pelopoder com Clarence 2X Gill, causada pela exigência de vender um grandevolume de exemplares doMuhammad Speaks.74 Apesar de Ella não pertencermais à mesquita de Boston, Malcolm continuava a manter contato com ela, etalvez lhe tenhaestendidoamão.Ela tambémse interessarapelo Islãortodoxoduranteaquelesanos,oqueajudouareaproximá-losdepoisdorompimentoporocasiãodaseleiçõesemBoston.Apesar da tensão que persistia em seu casamento, Malcolm de vez em

quando também consultava Betty, que se preocupava com a estabilidade docasal.Comopassardosanos,elaseacostumouàsmuitasregaliasquelheeramconferidas na qualidade de mulher do ministro da mesquita. As compras demercearia, feitas por outros, eram encaixotadas e entregues em sua cozinha;Thomas 15X Johnson e outros membros do foi eram os motoristas que aconduziam a eventos danoi.Emocasiõesoficiais,Betty tinhadireito a lugaresnaprimeirafila,eaoaplausodamultidãocarinhosa.E,vezporoutra,quandooMensageirovisitavaNovaYork,eranacasadeBettyeMalcolmqueconcediaahonra de hospedar-se. James 67X observou, posteriormente: “Qualquermulhergostariade[estar]nolugardela”.75

DiferentementedeMalcolm,entretanto,Bettydesconfiavacadavezmaisdoslíderes danoi. Devido à alta posição do marido na hierarquia, ela tinha

oportunidadedeobservarocomportamentogananciosodafamíliaedoentornodeMuhammad.Emcomparação,BettyeMalcolmviviamquasenapobreza,nãotendopraticamentenadaalémdeumapequenaquantidadedemóveis,roupaseartigospessoais.OcarrodeMalcolmpertenciaanoi;damesmaforma,otítuloda propriedade não estava em seu nome, mas no da mesquita. No início dosanos1960,Malcolmrecebiacercade3mildólarespormês,paracobrirdespesasde transporte, hospedagem e refeições durante as viagens. Ele mantinharegistros rigorosos, juntando recibos para justificar todas as despesas. Anoiproibiaosministrosdecompraremsegurodevida, segundoBettyparaqueseusrepresentantesdependessemtotalmentedaseita.Comserenidadenoinício,depois com mais energia, ela insistia com o marido que protegesse a famíliafinanceiramente e que tomasse asmedidas apropriadas.Usou até o argumentogarveyista de que as famílias negras deveriam pelo menos ter suas própriascasas.AausterarespostadeMalcolmeraque,sealgumacoisalheacontecesse,aNaçãocertamentecuidariadeBettyedascrianças.76

Malcolmtalveztenhaordenadoseusseguidoresaobedeceràlei,masissonão

chegou a dissipar as desconfianças que tinham dos muçulmanos responsáveispelaaplicaçãoda leinasgrandescidades.Emnenhumaoutraparteatensãoeratão grande como em Los Angeles, onde Malcolm estabelecera, em 1957, oTemplo nº 27. Para amaioria dos brancos quemigrarampara lá, LosAngeleseraa cidadedos sonhos.Paraosmigrantesnegros, a cidademantinhaalgumasdasrestriçõessegregacionistasdeJimCrowdequetentavamescaparmudando-se para o oeste. Já em 1915, moradores negros de Los Angeles protestavamcontra convênios habitacionais racialmente restritivos;77 esses convêniossegregacionistas, assim como a aberta discriminação praticada por empresasimobiliárias, continuaram a ser um grave problema até os anos 1960.78 OcrescimentorealdacomunidadenegranosuldaCalifórniaseintensificouapenasdurante as duas décadas que se seguiram a 1945.Nesse período de vinte anos,quando a população negra da cidade de Nova York aumentou quase 250%, apopulaçãonegradeLosAngelesdeuumsaltode800%.Osnegroseramcadavezmais importantes também nos sindicatos trabalhistas locais e na economia emgeral.Porexemplo,de1940a1960,apercentagemdenegrosdosexomasculinoquetrabalhavamcomoempregadosdefábricaemLosAngelesaumentoude15%

para 24%; a proporção de homens afro-americanos empregados durante omesmo período subiu de 7% para 14%. Em 1960, 468mil negrosmoravam nocondadodeLosAngeles,aproximadamente20%dapopulaçãodocondado.79

Foi por essas e outras razões que Malcolm investiu tanta energia, tantoesforço,paraassegurarapresençadanoinosuldaCalifórnia,eespecialmenteodesenvolvimentodaMesquitanº27.Tendorecrutadooslíderesdamesquita,foiimediatamenteaté lá resolverumadisputaentre facçõesemoutubrode1961.80

EssasatividadeseramnotadasemonitoradaspeloComitêdeApuraçãodeFatossobre Atividades Anti-Americanas, que temia que anoitivesse “conexõescomunistas”. O comitê estadual concluiu que havia um “interessante paraleloentreomovimentomuçulmanonegroeoPartidoComunista,eesseparaleloéadefesadaderrubadadeumregimeodiadopelousodaforça,daviolência,oudequaisqueroutrosmeios”.81Em2desetembrode1961,muçulmanosquevendiamoMuhammadSpeaksnoestacionamentodeumamercearianocentro-suldeLosAngeles foram intimidados por dois seguranças brancos da loja.Os segurançasalegaramdepoisque,aotentaremimpediravendadojornal,foram“pisoteadosesurrados”.AversãodoincidentedescritanoMuhammadSpeakseratotalmentediferente; o jornal dizia que “os dois ‘seguranças’ portavam armas e tentaramaplicar uma ‘prisão como cidadãos’. Empregados da mercearia correram paraajudarosseguranças...emoradoresnegrosdaregião,quetambémsereuniram,acabaram envolvidos. Durante 45 minutos, reinou a confusão”. Cerca dequarenta policiais foram enviados para restaurar a ordem. Cinco muçulmanosforam presos. Durante o julgamento, o dono e o gerente da loja confirmaramqueanoitinharecebidoautorizaçãoparavenderseusjornaisnoestacionamento.Umjúriformadosódebrancosabsolveuosmuçulmanosdetodasasacusações.82

Depois do entreverono estacionamento, oDepartamento dePolícia deLosAngeles estava pronto para uma retaliação contra anoilocal. O comissário depolícia da cidade, William H. Parker, já tinha lidoThe Black Muslims inAmerica, deLincoln, e achava a seita subversiva e perigosa, capazdeprovocartumulto generalizado. Ele instruiu seus policiais a acompanharem de perto asatividadesdamesquita, sendopor issoque, logodepoisdameia-noitede27deabrilde1962,quandodoispoliciaisviramdoishomens tirando roupasdapartedetrásdeumcarronaportadamesquita,aproximaram-sedesconfiados.83Oqueaconteceu em seguida é objeto de discussão, mas, tenham os policiais sidoatacadosdesúbito,comoalegaram,outenhamosmuçulmanossidoempurrados

e surrados semprovocação, comopareceprovável, o fato é que a comoção fezumatorrentedemuçulmanosfuriosossairdamesquita.Apolíciaameaçoureagircomforçaletal,masumpolicialquetentouintimidaramultidãodeespectadoresfoi desarmado pela multidão. De alguma forma, o revólver de um policialdisparou,atingindoseuparceironocotovelo.Veículosdereforçologochegaramtrazendomaisdesetentapoliciais,eseguiu-seumabatalhaemlargaescala.Emquestãodeminutos,dezenasdepoliciaisestavamdentrodamesquita,golpeandomembrosdanoialeatoriamente.Quandoabrigaacabou,quinzeminutosdepois,setemuçulmanosestavambaleados, incluindoWilliamXRogers,quelevouumtironascostase ficouparalíticopelorestodavida.O funcionáriodanoiRonaldStokes,veteranodaGuerradaCoreia,aindatentaraentregar-seàpolíciapondoas mãos sobre a cabeça. Mas a polícia respondeu atirando por trás: uma balapenetrou seu coração,matando-o na hora.Uma investigação domédico legistadeterminouqueamortedeStokesera“justificável”.84Numerososmuçulmanosforamindiciados.AnotíciadainvasãoarrasouMalcolm;elechoroupelamortedofielStokes,a

quem conhecia bem, de suas muitas viagens à Costa Oeste. A profanação damesquita e a violência contra seus membros empurraram Malcolm para umlugarsombrio.EleestavafinalmentepreparadoparaqueaNaçãodesferisseumsococomoresposta.MalcolmdisseaofoidaMesquitanº7quechegaraahoradavingança,olhoporolho,ecomeçouarecrutarmembrosparaformarumaequipecomamissãodeassassinarpoliciaisdoDepartamentodePolíciadeLosAngeles.Charles37X,queassistiuaumadessasreuniões, lembrava-sedeleemestadodefúria, berrando para o grupo reunido: “O que estão fazendo aqui? Quediabosestão fazendo aqui?”.85 Segundo o relato de Louis Farrakhan, “irmão Malcolmtinhaumpassadonocrime.E,chegandoàNação,eespecialmenteaNovaYork,exerceu tremenda influência sobrehomensvindosda ruaque tinham tendênciapara serem criminosos também”.86 Foi principalmente desses homens maisendurecidos que Malcolm cobrou ação, e eles atenderam ao seu chamado. AMesquita nº 7 tinha intenção de “mandar alguém a Los Angeles paramatar [apolícia] tão seguramente quanto Deus fez as maçãs verdes”, disse James 67X.“Váriosirmãosseapresentaramcomovoluntários.”87

Enquanto fazia planos para levar seus assassinos a Los Angeles, Malcolmbuscou a aprovação de Elijah Muhammad, no que supunha ser apenas umaformalidade.Chegaraahoradeagir,ecertamenteMuhammadcompreenderiaa

necessidade de convocar as forças daNação para a batalha.Mas oMensageironegou-lhepermissão.“Irmão,nãosevaiàguerraporcausadeumaprovocação”,disse ele aMalcolm. “Eles podemmatar alguns seguidoresmeus,masnãovousairporaífazendobesteira.”Emandoutodoofoidesistir.Malcolmficoupasmo;cedeu, mas amargamente desapontado. Farrakhan acha que Malcolm concluiuque Muhammad preferia “proteger a riqueza que acumulara, em vez deconti nuarcomalutadenossagente”.88Poucosdiasdepois,MalcolmfoiparaLosAngeles,eem4demaio,noStatler

Hilton, deu uma entrevista coletiva sobre os tiros.No dia seguinte, presidiu acerimônia de sepultamento de Stokes.Mais de 2mil pessoas compareceram, ecerca de mil participaram do cortejo fúnebre até o cemitério. Mas a questãoestava longe de ser resolvida. Se Malcolm não podia matar os policiaisenvolvidos, estava, no entanto, decidido a obrigar tanto a polícia como oestablishmentpolíticodeLosAngelesareconheceremsuaresponsabilidade.Paraconseguir isso, ele acreditava que anoideveria trabalhar com organizações dedireitos civis, políticos negros locais e grupos religiosos. Em 20 de maio,Malcolm participou de um grande comício contra a brutalidade policial queconquistou o apoio de muitos liberais brancos, assim como de comunistas.“Vocês são vítimas de brutalidade porque são negros”, declarou ele namanifestação.“Quandodesferemgolpesdecassetetenacabeçadevocês,elesnãoperguntamqualésuareligião.Vocêssãonegros,eissobasta.”89

Pôsmãos à obra paraorganizaruma frentenegraunida contra a polícia nosuldaCalifórnia,masnovamenteElijahMuhammadinterveio,ordenandoaseutenente que suspendesse todos os esforços. “Irmão, fique no lugar onde eu ocoloquei”, dizia o decreto, “porque eles [as organizações de direitos civis] nãotêmparaondeir.Mantenhasuaposição.”Muhammadestavaconvencidodequeseriaimpossívelconseguiraintegração;nofimdascontas,osgruposdedireitoscivis gravitariam em torno da Nação do Islã. Explicou a Malcolm (e depois aFarrakhan)quequandoadessegregaçãofracassasse,“elesnãoterãoparaondeir,anão serparaaquiloquevocêeeu representamos”.Consequentemente,vetouqualquer colaboração com grupos de direitos civis, mesmo numa questão tãocontenciosacomooassassinatodeStokes.LouisXviunissoumpontocrucialnadeterioração das relações entre Malcolm e Muhammad. Pela altura de 1962,Malcolm“falavacadavezmenossobreosensinamentos[deMuhammad]”,disseFarrakhan. “E estava encantado coma luta pelos direitos civis, coma açãodos

participantes domovimento e com a falta de ação dos seguidores doHonradoElijah.”90

No fundo, a divergência entre Malcolm X e Elijah Muhammad ia além daquestão prática sobre como responder ao ataque policial em Los Angeles. Apartir do momento em que foi informado da invasão e da morte de Stokes,Malcolm viu a tragédia como efeito da falta de coragem dos membros daMesquita nº 7: “Todos os muçulmanos deveriam ter morrido”, teria dito ele,“antesdepermitirqueumagressorentrassenamesquita.”91Muhammadachavaque Stokes tinha morrido por fraqueza, porque tentara entregar-se à polícia.Malcolm achava quase impossível engolir essa ideia, mas, submetendo-se àautoridadedeMuhammad,repetiuoargumentonaMesquitanº7comosefossede sua autoria. James 67X ouviu Malcolm dizer à congregação: “Não somoscristãos.Nãosomosdedaraoutraface,masosobreiros[membrosdanoi]estãotão satisfeitos de si que ao lidarem com o demônio a ele se submetem... Sealguémdesfereumgolpecontravocês,revidem”.OsirmãosdamesquitadeLosAngelesquereagiramestavamvivos.RolandStokessubmeteu-seefoimorto.92

Alguns dos assessores mais próximos de Malcolm estavam convencidos deque Elijah Muhammad tomara a decisão correta, pelo menos no que diziarespeito à retaliação. Benjamin 2X Goodman, por exemplo, declarariaposteriormente:“Mr.Muhammaddisse, ‘tudotemsuahora’...eestavacerto.Apolícia estava preparada. Teria sido uma arapuca”.93 Mas Malcolm sentia-sehumilhado pelo fato de que anoifora incapaz de defender seus própriosmembros. Toda a experiência que adquirira nos anos anteriores — comomobilizarmilhares de pessoas nas ruas por causa do espancamento deHintonem 1957 e trabalhar comPhilipRandolph para formar uma frente negra unidaem1961-2—lhediziaqueaNaçãosóseriacapazdeprotegerseusmembrossese juntasseaomovimentodedireitosciviseoutrosgruposreligiososparaumaaçãoconjunta.NãosepodiasimplesmentedeixartudoporcontadeAlá.Oassassinatode Stokes assinalouo términodaprimeira faseda carreira de

Malcolm dentro danoi. Ele se convencera de que a posição passiva de ElijahMuhammad era injustificável.Malcolm passara quase uma década naNação e,apesardetodososseusdiscursos,nãoseriacapazdeindicarqualquerprogressona criação de um Estado negro separado. Enquanto isso, no Estado existente,mulheres e homens negros que se voltavam para ele em busca de liderançasofriamemorriam.Agitaçãopolíticaeprotestospúblicos,nalinhadocoreedo

sncc, eramessenciais para contestaro racismo institucional.Malcolmesperavaque, pelo menos dentro dos limites da Mesquita nº 7, tivesse permissão paraadotar uma estratégia mais agressiva, em consonância com líderes negrosindependentescomoPowelleRandolph.Aofazerisso,eleimaginavaqueassimaNaçãodoIslãpudesserenascer.

8.DaoraçãoaoprotestoMaiode1962-marçode1963

Dias depois de voltar deLosAngeles,Malcolm começou, tranquilamente, aadotar uma estratégia de engajamento político limitado. A mordaça que lheimpuseraElijahMuhammadcontinuavaaincomodar,assimcomoadepreciativateoria sobre amorte de Ronald X Stokes como resultado de sua submissão àsautoridades.AntesdedeixarLosAngeles em22demaio,Malcolm tinhadito aumamultidãoqueStokes“demonstraraamaisaltaelevaçãomoraldequalquerpessoanegra emqualquer lugar destemundo”,1 e chegou aNovaYorkpoucosdiasdepoissesentindocheiodeenergiaedevontade.ApesardeMuhammadoter impedidodeformarumacoalizãocommoderadosnãomuçulmanosemLosAngeles, em seu território ele tinha muito mais liberdade de ação. Em 26 demaio, a Mesquita nº 7 organizou um comício na frente do Hotel Theresa.2 Oanúncio do evento estabelecia umvínculo entre o “assassinato a sangue frio deRonald T. Stokes e a morte a tiros de outros sete negros inocentes edesarmados”emLosAngeles,osmilitantesdasCaminhadaspelaLiberdadenoAlabamaeasespetacularescampanhasdedessegregaçãoqueMartinLutherKingJr. lideravanaGeórgia.MalcolmconvidoudoiscandidatosquedisputavamumacadeiranoCongressopeloHarlem,Powell eoadvogadoPaulZuber, e fezumapelo a todos os líderes doHarlem para que apoiassemuma coalizão contra abrutalidade policial. Assim, desafiava Elijah Muhammad e seus superiores emChicago adotando emNova York a abordagem de direitos civis que planejaraadotarnosuldaCalifórnia.OscríticosdeMalcolmnaNaçãodoIslãviramnissoumaprovadequeelese

deixarahipnotizarpelas atençõesdamídia, desviando sua atençãodasquestõesreligiosasparaoperigosoreinodapolítica.AtémesmooministroJohnShabazz,deLosAngeles,cujamesquitaocuparaocentrodo torvelinhopolíticoeque foiréu no processomovido peloDepartamento de Polícia contra osmuçulmanos,aderiu à política oficial. Numa carta de junho de 1962 endereçada ao “irmãoministro”comcópiaparaMalcolm,Shabazzafirmouquenãosepoderiapôrfimao uso de excessiva força policial basicamente pela ação política. A cartadeclarava que “uma solução religiosa resolverá o problema da brutalidadepolicial”.3

Impávido,Malcolm seguiuem frente levadopela frustração,quenoentantologoo fezdarumpassoemfalsoequeocolocounadefensiva.Em3de junho,umaviãocaiuemParis,matando121ricoscidadãosbrancosdeAtlanta;dadaaoportunidade que oferecia, Malcolm viu na tragédia uma tentação difícil deresistir. Perante um público de 1500 pessoas em Los Angeles, ele descreveu odesastrecomo“umacoisamuitobela”,umaprovadequeDeusatendiaapreces.“Pedimos ao nosso Deus— e Ele se livra de 120 deles.”4 No mês seguinte, aimprensa pinçou a declaração, e muitas personalidades negras não perderamtempo em denunciar tanto Malcolm como anoi. O dr. Rufus Clement,presidente do Centro Universitário de Atlanta, qualificou os comentários deMalcolmde“anticristãosedesumanos”,eRoyWilkins, líderdanaacp, referiu-se ao desastre como “uma tragédia em massa”, acrescentando, espantado:“Mesmo quando seus mais violentos inimigos [brancos] estão contra eles, osnegros não se rebaixam a ponto de sentirem alegria por sua morte”. Mas adeclaraçãomaiseloquente—econdenatória—veiodeMartinLutherKing Jr.,que tentou tranquilizar os americanos brancos, dizendo “que o ódio contra osbrancosmanifestado porMalcolmX [não é] compartilhado pela amplamaioriados negros nos Estados Unidos. Embora haja uma grande dose de legítimodesgosto e justa indignação na comunidade negra, ela nunca evoluiu para umódioaosbrancosemlargaescala”.5Acimade tudo,adeclaraçãodeMalcolmfoiumdesastrenasrelaçõespúblicas.Ficoumaisfácilparaosmoderadosnegrosdegrupos como anaacp e a LigaUrbanaNacional recusarem cooperação com anoi, e é quase certo que ela aumentou o nível de infiltração dofbi. É atéprovável que ela tenha levado ofbi a desacreditá-lo na França; logo depois, J.EdgarHoover entrou em contato como adido jurídico do governo francês emParis para advertir que um cineasta francês, Pierre-Dominique Gaisseau, tinha

recentementeprocuradoMalcolm,líderdeuma“organizaçãohostilaosbrancos”e“fanática”.6

MaisatédoqueasériedetelevisãoTheHateThatHateProduced,de1959,ocomentário de Malcolm sobre o desastre aéreo reforçou sua reputação dedemagogo.Ele pode ter achadoqueo comentário fazia parte deumapolêmicajihad de palavras, destinada a colocar os cristãos brancos na defensiva, mas adeclaração reforçou a tese de Lomax-Wallace de que anoiera produto do ódiodos negros. Para os críticos de Malcolm no movimento pelos direitos civis, ocomentárioeoutrosparecidosodefiniamcomosímbolodofracassodasociedadebranca em integrar os negros. Apesar disso, num exame retrospectivo,muitasdasdeclaraçõesmaisafrontosasdeMalcolmsobreanecessidadedeextremismopara alcançar a liberdade política não diferiam em nada das opiniões docandidatorepublicanoàpresidênciaem1964,BarryGoldwater,quedeclarouque“o extremismo emdefesa da liberdade não é vício, e amoderação na busca dejustiça não é virtude”. Quase dois anos antes, em 1962, Malcolm afirmou: “Amorte é o preço da liberdade. Se não estamos dispostos a morrer por ela,devemosdeixarapalavra‘liberdade’foradonossovocabulário”.7

Durante algumas semanas,Malcolm evitou falar com a imprensa, enquantotentava acalmar as coisas dentro danoi. Em 9 de junho, compareceu a umcomíciocomapresençadeElijahMuhammadnoOlympiadeDetroit.Depoisdeterminado o segundo evento público, todos os membros danoireceberamordemparaficar.MalcolmficoucomadesagradávelresponsabilidadedelerparaamultidãoumacartaenviadaporRaymondSharrieffatodososcapitãesdofoi,ordenando a “todos os muçulmanos que consigam não menos de duas novasassinaturas doMuhammad Speaks por dia”. A campanha de assinaturas seestenderiapor trêsmeses.A carta terminavadizendoque “quemnãoobedecerserá expulso da mesquita”.8 O novo decreto mostrava a determinação deChicago em transformar o florescente sucesso de seu jornal numa mina dedinheiro.Osmembrosjátiravamodízimodesuarendaparadaràsmesquitas,alémdevoluntariamentedoaremfundosparaMuhammadesuafamília;agoraseesperavaquegerassemmaisdinheiroainda.O covarde arrocho financeiro da Nação começou a causar mal-estar em

mesquitasdetodoopaís,eatensãoemBostonaturdiuaorganização.Em1962,LouisX ganhava cerca de 110 dólares por semana na função deministro,mas,comooex-funcionáriodanoiemBostonAubreyBarnettediriamaistarde,“cada

membrodeveriadoar2,95dólaresporsemanaparamanterLouis,oquesignificaque se cem membros contribuíssem regularmente ele receberia mais 15 mildólares por ano para suas despesas”. Tecnicamente, nenhum dos outrosfuncionários das mesquitas recebia salário, mas na prática o capitão do foiganhava 85 dólares semanais, e o secretário daMesquita outros 35 dólares porsemana, além das “frequentes contribuições de todos osmembros”.Durante operíododetrêsanosemquepertenceramàmesquita,Barnetteeamulher,Ruth,doarammildólares,cercadeumquintodarendadeBarnette,umpoucoacimadamédiadarendadosmembrosdanoinaquelaépoca.Alémdisso,umcultodeviolência e intimidação começou a propagar-se em torno do capitão do foi,Clarence 2XGill. Barnette lembrava-se do capitãoClarence como “umhomemtroncudo,deestaturamédia”,queparecia“umex-lutadordeboxepesomédio...eeraarrogante,desconfiado,ditatorial”.Osmembrosnãotinhampermissãodefalar diretamente com Clarence, e eram obrigados a se comunicarem porintermediários. Nas sessões do foi na segunda-feira à noite, ele submetia ossubordinados a uma “salada de treinos, palestras sobre higiene, resumos deatualidades,discursosdeencorajamento,exercíciosfísicoseinstruçõesdiversas”,que durava duas horas. Sua paranoia infectava os subordinados, que eramconstantementeinstruídosatomaremcuidadocompossíveisinformantesdofbi.Quando Barnett insistiu com ele para abrandar o sensacionalismo, Clarence oacusoudeser“espiãodofbi”.ApressãoparaaumentarasvendasdoMuhammadSpeaksincitouosadeptos

da seita emBoston, já contrariados, à revolta explícita.Cerca de cinco homensnegros — pequenos comerciantes e empresários, na maioria — tinhamingressado na mesquita em parte por entusiasmo de Louis X. Não seimportavam com os pagamentos semanais para sustentar os salários defuncionários e cobrir custos administrativos. Mas relutaram quando souberamque cada um teria de vender duzentos exemplares doMuhammad Speaks, aquinze centavos a unidade, e seria responsável por uma conta financeira,vendesseounãoosjornais.ElijahMuhammadJr.,entãocapitãoassistentedofoi,foiparaBostonafimdesufocarapossíveldesavença,advertindoosmembrosdofoi:“Senãoquiseremvenderojornal,nãosedeemaoincômododeviraqui.Estanoiteojuizsoueu,evocêssãoculpados”.Chegoualembraraosmembros“quenostemposantigosirmãosrecalcitranteserammortos”.As ameaças e a intimidação física foram contraproducentes. Em questão de

dias, 42 homens, todos empresários, desligaram-se da mesquita. Diante doencolhimento do número de adeptos e da correspondente redução da renda,LouisXanunciouuma“anistiageral”econvidoutodosaquelesquetinhamsaídoaparticiparemdeumareunião.Prometeu-lhesqueascotasdojornalnãoseriammaiscobradas,equeClarenceestavafora.MasquandoasedeemChicagosoubedaleniênciadeLouis,suadecisãofoianulada.Doisdiasdepois,Louisfalouparatodaamesquita:“Parecequealgunsdevocêsme interpretarammal”.Aosaberquenadamudara,Barnette levantou-see saiu,enuncamaisvoltouàmesquita.Mas aquestãonãoestava encerrada,noquedizia respeito ao capitãoClarence.Meses depois, quando Barnette e outro ex-muçulmano passavam em frente àmesquita, pelamovimentada ruaRoxbury, umCadillac rosa saiu domeio-fio eparounafrentedocarrodeBarnette.SeisoumaismuçulmanoscorreramparaoautomóveldeBarnette e arrancaramosdoishomensdedentro.À luzdodia eem público, Barnette e o outro homem, John Thomas, foram esmurrados,chutadosepisoteados.Barnettesofreufraturasnocalcanhar,numavértebra,nascostelas, teve os rins arruinados e hemorragia interna, e teve que ficar umasemana internado no hospital. “Acho que apanhamos como castigo por termossaído,etambémcomoumaadvertênciaparacalarmosaboca”,disseele.EmNovaYork,ondeMalcolme Josephexerciamcontrolemais firme sobre

os adeptos, esses problemas foram em grande parte evitados. Em vez disso, oaumento das vendas doMuhammad Speaks criou aborrecimentos com ospoliciaislocais.Em2dejulho,numafalaàMesquitanº7,Malcolmadvertiuqueseapolíciaincomodasseanoiporvenderojornal,osmembrosdeveriamfazeroqueospoliciaismandassem.Mastambémsugeriuqueosmuçulmanostinhamodireitodevenderapublicação,garantidopelaConstituição.Previuque“chegaráahoraemqueosmuçulmanosnãopoderãosairdecasa”.Membrosdanoijamaisdeveriam portar armas, explicou, mas “se forem atacados, a legítima defesa égarantidanomundotodo”.9

Umasemanadepois,foiparaChicagoafimdeparticipardeumcomíciocomapresençadeElijahMuhammad,noqualaNaçãorevelariaduaspeçasdeteatroque,mais tarde, o definiriam. Apesar de o número de adeptos ter aumentadorapidamente, anoinão participava das lutas pela dessegregação no sul, queconquistaram o respeito e a admiração de pessoas no mundo inteiro. Para osnegros, estava bem claro o que grupos como anaacp e ocore desejavam; anoi,emcontrasteeemgrandepartedeliberadamente,não tinhaumprograma

socialesclarecido,quepudesseserimplantadodefato.Comoeraimprovávelqueos negros um dia pudessem capturar um território para si dentro dos EstadosUnidos, o que anoise propunha a fazer? Por mais que Muhammad tivesseantipatiapelatendênciadeMalcolmaoativismo,eadesencorajasse,ofatoéqueele não era um tolo quando se tratava de avaliar o cenário da política negra ecalibrarolugardanoidentrodele.Em meados de 1962, ocore tinha adquirido projeção nacional por suas

CaminhadaspelaLiberdade,eMartinLutherKing Jr. estavadevoltaaAlbany,naGeórgia,ondecomandavaumacampanhadedessegregaçãoque lhe renderarápida passagem pela cadeia, até que o delegado o soltasse para evitar maiscoberturanegativadamídia.Osêxitosdomovimentopelosdireitoscivistinhamdado ousadia às comunidades negras dos Estados Unidos e feito a plataformaantiativista e não intervencionista danoiparecer defasada, ou, pior ainda,atrasada. Para reforçar o seu programa no tribunal da opinião pública,Muhammade seus tenentes deChicagoprepararamumadeclaraçãopolítica dedez pontos, que ele revelou em seu discurso no comício. Perante uma grandemultidão no Arie Crown Theater, em Lake Shore Drive, ele apresentou umalista de demandas que preservavam a posição anti-integracionista daNação—depois codificada sob o título “Em que osmuçulmanos acreditam”— e incluíaliberdade religiosa, o fim da brutalidade policial e a libertação de “todos oscrentes no Islã mantidos em prisões federais”. Mas, astutamente, a declaraçãotambém fazia importantes concessões ao movimento pelos direitos civis.“Enquanto não nos permitirem estabelecer um estado ou território nosso,exigimos não apenas justiça igual sob as leis dos Estados Unidos, mas iguaisoportunidades de emprego,já!” Muhammad completou essa declaração com alista“Oqueosmuçulmanosquerem”,emdozepontos,docredobásicodaNaçãodo Islã. Nos treze anos seguintes, até a morte deMuhammad em 1975, essasduasdeclaraçõessetornaramosmanifestosdemaisampladisseminaçãodanoi.Para Malcolm, que insistira num envolvimento maior com o movimento, foiumarevelaçãoagridoce:eleabraçaraessasideiasbemantesdeChicago.10

Sua própria insistência na ação ganhou vida novamente, por um breveperíodo,emNovaYork,ondeaMesquitanº7organizavacomíciossemanasim,semana não, concentrando-se principalmente em melhorar a vida dos negrospobres e acuados do Harlem. O envolvimento de Malcolm com o Comitê deEmergênciadeA.PhilipRandolphcontinuoua canalizar seusesforços, e em21

de julho ele falou para uma multidão de 2 mil pessoas na frente do HotelTheresa.Oprogramadecincohorastinhaumshowdesaxofoneetambor,queajudouaatrairespectadores.MembrosdoFrutodoIslãcirculavamnamultidão,vendendoMuhammadSpeaks,alémdediscosproduzidospelanoiapresentandoLouis X. Malcolm concentrou-se principalmente nas condições sociais eeconômicasdoHarlem.“Odesemprego,adelinquênciajuvenil,aprostituição,ojogo, o tráfico de drogas e outras formas de crime organizado estãoaumentando”,explicou:

Mesmo nossas mulheres, os meninos e as meninas, tornam-se vítimas dos males organizados quedestroem a fibra moral da comunidade negra. O estopim já está aceso... se não fizermos algo,imediatamente,haveráumasituaçãoexplosivanacomunidadenegra,maisperigosaedestrutivadoquebombasdecemmegatons.

A intensidadedodiscurso refletiaumcompromisso cadavezmais profundo

de abarcar uma comunidade negra unida. Em sua cobertura do evento, oChicago Defender observou que as palavras de Malcolm continham tanto“sentimento e ímpeto emocional” que os gritos da plateia “tornavam-se, emcertos momentos, quase um canto, nas pausas cadenciadas de sua oratória”.11

Masacaracterísticamaissignificativadessecomícioemgrandepartepatrocinadopelanoifoi a lista de oradores convidados, que incluía figuras muito maismoderadas, entre elas ninguémmenos do que o velho parceiro de debates deMalcolm,BayardRustin.12

Nodiaseguinte,Bettydeuàluzaterceirafilhadocasal.AmeninarecebeuonomedeIlyasah,versãofemininadeElijah,emárabe.13Aessaaltura,asrápidaspartidas deMalcolm depois do nascimento das filhas era quase rotina; naquelemesmodia,eledesapareceupara juntar-seaos integrantesdofoieassistiraumcomício trabalhista de negros e latinos realizado no norte do East Side deManhattan e organizado pelo Comitê para Justiça dos Trabalhadores deHospitais. Apesar de proibidos de participarem demanifestações ao estilo doseventosdedireitoscivis,osmuçulmanosmanifestaramseuapoiodiscretamente.Malcolm chegou a falar rapidamente com os grevistas14 — tecnicamente umaviolação das ordens de Muhammad, mas mais uma vez ele provavelmentepensou que em seu território, desde que fizesse louvores a Muhammad, nemRaymondSharrieff,nemqualqueroutrapessoa,tinhaopoderdedetê-lo.

Questões legais relacionadas aos eventos de Los Angeles continuaram aconsumi-lodurantetodooverão.NodiaseguinteaonascimentodeIlyasah,eleestava em Connecticut, levantando fundos para a família do falecido RonaldStokes.Em28de julho,voltouparaNovaYork,aosaberqueoprefeitodeLosAngeles, Sam Yorty, falaria num simpósio no Hotel Waldorf-Astoria sobre acrise urbana. Logo depois do ataque, Yorty tinha dado ao comissário doDepartamentodePolíciadeLosAngeles,WilliamParker, apoio total aos tirosnamesquita,echegaraaopontodeencontrar-secomoprocurador-geral,RobertKennedy,na esperançadeprovocaruma investigação federal danoi.15 QuandoMalcolm, tendo conseguido chegar à plateia, levantou-se e falou, Yorty ficoufurioso. “Não peguei o avião até aqui para ser interrogado por Malcolm X”,retorquiu.“Consideroomovimentomuçulmanonegrocomoummovimentodetipo nazista que prega o ódio.” Malcolm respondeu declarando aoNew YorkTimes:“PrefirosernazistaaseroqueMr.Yortyé,sejaláoqueissofor”.16

No mês seguinte, junto com um grande grupo de muçulmanos, Malcolmlotouuma sala de audiências noTribunal Superior do condado deLosAngelesparadarapoioaosmembrosdanoiquetinhamsidoindiciadosporagressãoem27deabril.Apósrepetidassúplicas,MalcolmconvenceraEarlBroady,advogadocriminaleex-policialdeLosAngeles,adefenderostrezemuçulmanosacusados.Broadyprometeufazeropossívelparainfluenciarorumodocaso.17Oagentedofbi quemonitorava o processo anotou: “Entende-se que esses réus vão alegarquehaviaumjúriinadequadamenteselecionadodevidoàausênciadenegrosemnúmerosuficiente”.18

Durante dias, em meados de agosto, Malcolm visitou St. Louis para umcomíciodanoi.Apesardeter falado,amaiorpartedaatençãodospresentesseconcentrou emMuhammad, que foi promovido a orador principal. Em algummomentoduranteavisita,MuhammaddisseaMalcolmqueestavapreocupadocom o recente dano à imagem danoi. Perturbavam-no, particularmente, aspalestras de Malcolm em universidades, que, segundo ele, “não conquistavamadeptos e só serviam de pretexto para que anoifosse detonada em público”.Malcolm não teve escolha senão cancelar todas as palestras universitárias quetinha programado.19 Documentos internos dofbi mostram que oboss soubequaseimediatamentedessescancelamentos;alguém,comacessodiretoaosmaisaltosníveis danoi,passava informaçõesàagência.Omaisprováveléqueessapessoa fosse o secretário nacional JohnAli; toda a correspondência de natureza

comercial e todosos relatórios semanais dosministros passavampelamesa deAli.Eleconheciapessoalmenteepodiaexigirademissãodetodosossecretáriosdas mesquitas. Ofbi teria reconhecido facilmente o valor de sua posiçãoestratégicadentrodahierarquiadaNação.Em St. Louis, Malcolm manteve uma entrevista programada com um

jornalista branco que pouco tempo antes tinha chamado sua atenção graças auma série de matérias sobre a mesquita da cidade. Peter Goldman era umredatordoSt.LouisGlobe-Democrat, jornalconservadorquetambémtinhaemsua equipe editorial o jovem Patrick Buchanan. O interesse de Goldman pelanoisurgira dois anos antes, quando era bolsista de pós-graduação emHarvardem 1960, onde começara a lerThe Black Muslims in America, de Lincoln, eassistira ao notável debate de Malcolm com Walter Carrington no SandersTheatre. Apesar de Goldman ter se tornado um liberal integracionista nafaculdade,apontodeingressarnocoreeparticiparnosanos1950deprotestos,o desempenho deMalcolm no debate o afetara profundamente.Goldman ficouimpressionadocomaquelehomemecomsuamensagem,eespecialmentecomaposturadeMalcolm,quedescreveriadepoiscomo“soldadescae sacerdotal.Seuporteeraumacoisaincrível”.Ficouimpressionadotambémcomosmembrosdanoique acompanhavam Malcolm: “Havia membros do foi no corredor, umapresença protetora, e ao sair pude vê-los espalhados pelo campus. Havia umsujeitoempédebaixodeumaárvoredeternoegravata(ecabeçacalva)àmodaIvyLeague”.20

Quando voltou para St. Louis e aterrissou noGlobe-Democrat, Goldmancomeçou a escrever imediatamente sobre a mesquita local, e apesar de oprincipal efeito das reportagens ter sido, provavelmente, o de submeter anoiaumainvestigaçãoaindamaisatentadasautoridades,elastambémdespertaramaatenção de Malcolm.21 Semanas depois de sua publicação, Malcolm telefonoupara explicar a Goldman que ia visitar a cidade. “Que acha de nosencontrarmos”,perguntou,paraqueelepudessemelhor“compreenderaNaçãodoIslã?”22

Umaentrevistafoimarcadaporintermédiodamesquitalocal,aserrealizadanaShabazzFrostiKreem,umalanchoneteafiliadadanoinoguetodoNorthSide.Goldmanestava extremamentenervoso: “Na época eu eraprisioneirode todasas opiniões brancas liberais sobre o mundo, sobre raça nos Estados Unidos,incluindoaopiniãodequeofocodatragédiaeraosuldosEstadosUnidos,eque

Jim Crow era a luta essencial”. Helen Dudar, mulher de Goldman e tambémjornalista, foi com ele ao encontro, e os dois juntos aguardaram na frente dalanchonete pela chegada do entrevistado.Depois de algunsminutos, um carroparou, comMalcolm sentado“meioespremidonobanco traseiro”.Goldman selembrava de que, “no instante em que a gente o via, [dava para sentir] suaincrível presença”.23 Os três, mais o ministro local, Clyde X, entraram esentaram-se a umamesa.Malcolm rapidamente foi até a juke-box. Enfiou umamoedaeescolheu“AWhiteMan’sHeavenIsaBlackMan’sHell”,deLouisX.24

Para surpresa de Goldman, a entrevista durou quase três horas. Malcolm“nos disse, de modo perfeitamente agradável, que os brancos eraminerentemente inimigos dos negros; que a integração, impossível de alcançarsemoderramamentode sangue, era, de qualquer forma, indesejável; [e] que anão violência— “esse tipo de ação evasiva, de implorar, esperar para tomar aliderança” — era apenas um artifício para desarmar os negros e, pior, castrá-los”.25ApesardeMalcolmlhecausarforteimpressão,Goldmancontinuousendoum liberal convicto, que lutava para superar seus preconceitos ideológicos eescrevercomimparcialidadesobreaNação.Nos três anos seguintes, Goldman fez pelo menos cinco longas entrevistas

com Malcolm. Eles conversavam pelo telefone com frequência, contandohistórias pessoais. Às vezes tudo que Goldman queria era uma declaraçãopublicável;maselesentiaque,poralgumarazão,tinhasetornadopartede“umgrupo-alvo relativamente pequeno de pessoas da mídia que [Malcolm queria]seduzir”.EramjornalistasemquemMalcolmconfiavapara“darsériosrecados”.Para a maioria das pessoas, porém, sua atitude normal era ficar sempre de“punho levantado... eramuito fácil assustar amaioria dos repórteres brancos...Elesestavamatrásdeumafraseparacitar—adeclaraçãomaisinflamatóriaquepudesse ser levada ao ar, e Malcolm gostava de fornecê-las”. Mas Goldmantambém percebeu que Malcolm sabia que, no fundo, “quando se cria umaatmosferadeameaças,umasensaçãodeameaça...nuncadesfiraogolpe,porque,quando o golpe se desfere, as pessoas vão sair à rua e morrer”. Por isso, elenunca foium“defensordaatividadesuicida”,masacreditavaque“aameaçaeraútil”.26

OutrojornalistaqueteriaprofundoimpactonavidaenolegadodeMalcolm

foiAlexHaley.Nascidoem1921,Haleytinhaacabadodeseaposentardepoisdevinte anos de serviço na Guarda Costeira dos Estados Unidos. Republicanoliberal,Haleyrejeitavacompletamenteo separatismoea intolerância raciaisdanoi.Achava que aNação era consequência do fracasso da sociedade americanana assimilação dos negros dentro do sistema existente. Mas na esteira dapublicidadeprovocadapelasérieTheHateThatHateProduced,em1959,Haleyesboçou um breve artigo sobre o grupo, “O sr. Muhammad fala”, que foipublicadona ediçãodemarçode 1960 daReader’sDigest.Apesar deHaley tercaracterizado aNação comoum “culto potente e racista”, os líderes danoi, demodo geral, elogiaram a objetividade do artigo. O ensaio concentrava-sebasicamente na história de Elijah Muhammad, e em seu perfil como líder daseita;Malcolmfoimencionadocomofigurasecundária.Em1962,Haleyvoltouaprocuraranoi,pedindosuacolaboraçãoparaumareportagemmaislonga,aserpublicada noSaturday Evening Post, que era muito lido. Seria escrita emparceriacomumjornalistabranco,AlfredBalk,quetinhasidoconvidado,aoquetudoindica,paraconvencerosleitoresbrancosdequeareportagemrefletiaumponto de vista integracionista, não obstante o fato de Haley ser umintegracionistadeclaradoereconhecido.GraçasaoartigoanteriordeHaley,eleeBalktiveramacessosubstancialàsatividadesdanoiemtodoopaís.MalcolmatéconcordouemdaraHaleyumaentrevistacomdetalhessobresuavidaantesdeele ter se tornado seguidor deMuhammad.Oqueosmuçulmanos não tinhamcomo saber era que Balk conversava simultaneamente com ofbi, tendo seencontradoem9deoutubrocomumagentedaSeçãodeInvestigaçãodeCrimesem Chicago. Balk explicou que sua reportagem precisava “apresentar umaavaliaçãoprecisaerealistadaNaçãodoIslã”,ilustrando,aomesmotempo,“quemuitasdeclarações sobreoêxitodaorganizaçãoentreosnegroseram tambémexageradas”.Ofbiconcordouemlhesrepassarinformaçõesselecionadossobreanoi,combaseemanosdeespionagem,masafontenãopoderiasercitada.27

A Nação enfrentava desafios imprevistos como resultado de sua rápidaexpansão.Osinvestimentosimobiliáriosea“taxação”impostaaosmembrosdanoipara que conseguissem milhares de assinaturas doMuhammad Speaks —apesardaresistênciademuitosadeptos—produziramsomasexpressivasparaasedeemChicagoeparaa famíliadeMuhammad.RaymondSharrieffe JohnAliconsolidaramocontrolequeexerciamsobreasoperaçõesdiáriasdaorganização,

enenhumdosdoistinhaaafeiçãopaternalqueoMensageirotinhaporMalcolm,assimcomoos filhosdeMuhammadtambémnãoaprovavamosestreitos laçosdesenvolvidos pelo pai com seu principal protegido. Isso tornava as relaçõestensasecomplicadasentreamaiorfilialdaNação,emNovaYork,eChicago.AsincansáveisdiscussõesdeMalcolmsobreosanosanterioresesuapersonalidademagnética tinham impulsionadoemgrandeparteocrescimentodaNação—e,consequentemente, o enriquecimento de seus cofres — mas as contínuasespeculações da imprensa sobre o fato de ele ser o herdeiro de Muhammadtirava o sossego de todos, apesar dos constantes esforços de Malcolm paramanterElijahsobaluzdosrefletores.Em1962,assecretariasdetodasasmesquitasrespondiamdiretamenteaJohn

Ali,quesealiaradecididamenteaosdetratoresdeMalcolm.Farrakhanlembra-sede que “os capitães estavam sob as ordens de Raymond Sharrieff e Elijah,Junior...eas irmãscapitãsestavamsobocomandodeEthelSharrieffouLottie,filha do Mensageiro... Eles queriam preservar seus cargos, [de modo que]começaram a perseguir o irmão Malcolm a partir da sede”. OMuhammadSpeaks decidiu reduzir a cobertura de seus discursos. “Ele falava nos lugares,fazendo um grande trabalho”, disse Farrakhan, “mas nosso jornal quase nãomencionava.”DevezemquandoMalcolmmanifestavaseudesapontamentoemconversa com os amigos em Boston. “Ele me dizia coisas — dizia: ‘Sabe, eutrabalho duro para aNação e não tenho reconhecimento’. E aquilo começou aincomodar [meu] irmão.”28 Malcolm nada falou sobre essa insatisfação com ossubordinados; emvezdisso, seguindo as instruçõesdeMuhammad, começou arecusar convites para falar em universidades— cancelando, por exemplo, umapalestra na Universidade de Bridgeport por causa de “um problema nagarganta”.29

Para combater essa animosidade que se avolumava contra ele emChicago,Malcolm aproximou-se dos aliados que o cercavam em Nova York,principalmentedeBenjamin2XGoodman,ministroassistentedaMesquitanº7.Comomuitagentedanoi,Goodmantinhaingressadonaorganizaçãodepoisdeuma insatisfatória passagem pelas Forças Armadas durante a Segunda GuerraMundial. Alistando-se na força aérea em 1949, ele foi citado para “punição pelacompanhia”, antes de ser submetido a corte marcial em agosto de 1951 e serdispensado no fim de 1952. A experiência não contribuiu em nada para fazê-loamar as autoridadesbrancas, e em1957, poucodepois de chegar aNovaYork,

tornou-semembrodotemplodeHarlem.Deimediato,mostrou-sepromissor,edois anos depois, com quase trinta anos, foi nomeado instrutor do curso deHistóriadoHomemNegronoprogramadeeducaçãodeadultosdaMesquitanº7. Para sustentar-se, abriu umnegócio de venda de livros, arranjando tambémempregocomofiscaldeobra.30Em1961, relatóriosdanoidescreviamBenjamincomo gerente da Crescent Book Sales, “especialista em literatura e históriaislâmica”.31

Apesar de Benjamin 2X ter começado a servir comoministro assistente em1958, só no começo dos anos 1960Malcolm passou a recorrer a ele para umaampla variedade de tarefas. EmboraHenryX continuasse sendooficialmente oprincipalministroassistentedaMesquitanº7,todossabiamqueBenjamintinhamais intimidade com Malcolm. Os laços espirituais que os uniam só perdiampara os laços espirituais entre Malcolm e Louis X. Em 1961-2, o papel deBenjamin dentro da mesquita mudou significativamente, e, em consequência,mudoutambémsuarelaçãocomMalcolm.OfbiobservouqueBenjaminrecebiacadavezmaisnovastarefas.Porexemplo,desetembrode1961aagostode1962,eleparticipoudereuniõesparaestabelecerumamesquitadanoiemBridgeport,Connecticut.32 Emmaio e junhode 1962, ele foi umdos principais oradores daMesquita nº 12 na Filadélfia, e emmeados de julho daquele ano foi nomeado“principalorador”damesquita.33Cadavezmais,BenjaminpassouaacompanharMalcolmemcompromissosforadacidade.Seumaiorvalor,noquediziarespeitoaMalcolm,eraaatitudedehumildade

com que desempenhava seu cargo. Segundo consta, sua predisposição erapastoral e espiritual; eleprocuravadar sentidoà sua fépor intermédiodeboasações. Ao longo dos anos, ele desfrutou de refeições e outras formas decamaradagemnacasadeMalcolm.Eleconhecia,eadmiravadetodoocoração,oministro superior, o que fazia dele o contrapeso pastoral de James 67X, doishomensquerepresentavamdoisaspectosdistintosdapersonalidadedeMalcolm.Mas,diferentementedeJames,oúnicohomemcapazdediscutirvigorosamentecom Malcolm, havia sempre uma distância, uma ausência de verdadeiraintimidade,entreBenjamineMalcolm.“Elecostumavamemandarparaforadacidade,eeuvoltavaeiaasuacasatalvezàumadamanhãparaconversar”,diziaBenjamin. “Mas não nos tornamos íntimos. Não no sentido de camarada. Erasempreelequecomandava.”34

Depois dos sermões de domingo na Mesquita nº 7, Malcolm costumava

convidar seus assistentes para jantar em sua casa. Os jovens ministros viamessas ocasiões como aulas interativas. Cada vez mais, porém, elestestemunhavamdiscussõesentreBettyeMalcolm.AraivaeaansiedadedeBettytornavam-se tão intensas que, no começo de 1963, ela fugiu novamente paraDetroit.Quandovoltouparacasacertanoite,depoisdeumperíododeausência,Malcolmdescobriu que amulher e as filhas tinham ido embora.Dessa vez elenão foi procurá-las. Depois de alguns dias, Betty ficou muito preocupada,achando que talvez tivesse ido longe demais com o marido. Malcolm acaboudescobrindo onde ela estava e disse-lhe: “Não tenho um emprego que mepermita sairnahoraqueeuquiser...Você sabiadissoquandosecasoucomigo.Se sair de casa de novo, eu não voumais buscá-la”.35Às vezes, quandoo casalpassavapordificuldades,elemandavaBettyeasmeninaspassaremunsdiasemBostoncomLouisFarrakhaneamulher.“Elesabiaqueeugostavamuitodele”,explicou Farrakhan. “E sabia que eu o defenderia... Era um bom lugar paraBetty.”36

No começo do outono de 1962, Malcolm estava decidido a não confrontarabertamente seus detratores na Nação. Diminuiu bastante o número deentrevistaseapariçõesna tv,paradesfazera impressãodequeele seviacomosucessordeMuhammad.Apesardisso,aindaaparecianorádioenatelevisão.Nanoite de 30 de setembro, quando milhares de tropas federais ocupavam aUniversidade de Mississippi para garantir a matrícula de James Meredith, eleesteve no programa de rádio de Barry Gray, denunciando o casamento inter-racial.NoquediziarespeitoaMeredith,Malcolmfezumbrevecomentário:“Ofato de um homenzinho negro ir para a escola no Mississippi nem de longecompensaofatodeque1milhãodenegrosnãochegasequeraoníveldaescolaprimárianoMississippi”.37 Ele não perdia uma só oportunidade de demonstrarsua ilimitada crença na perfeição de Elijah Muhammad. Numa reunião daMesquitanº7em19deoutubro,elechamouaatençãoparaumartigodejornaldesfavorávelaoMensageiro.Ninguém,pregouele,tempermissão“paradifamaronomedeElijahMuhammad”,acrescentandoquesevisseoautordoartigonarualhedariaumsoco“naboca”.38

Parte da estratégia de Malcolm para promover o culto em torno deMuhammad envolvia a adoção de um papel mais agressivo em defesa dalegitimidade islâmica das opiniões religiosas danoi, especialmente quandocriticadas por muçulmanos ortodoxos, que costumavam ficar muito ofendidos

comaalegaçãodeMuhammaddesuasconexõescomodivino.Pertodofimdoverão, um estudante universitáriomuçulmano sudanês, YahyaHayari, criticoupublicamente anoi, levando Malcolm a escrever uma carta de protesto, nãotanto para contestar o mérito da crítica de Hayari, mas para repreendê-lo edivulgar sua denúncia publicamente. “Acho difícil acreditar que você seja ummuçulmanodoSudão”,começavaMalcolm.“Nenhummuçulmanoatacariaoutromuçulmano só para conquistar a amizade dos cristãos.” As diferenças, sugeriuele,deveriamserresolvidas“emparticular...masnuncaparaodeleitepúblicodejudeusecristãos”.Malcolmrecorreuaosconflitosinternacionaisparaexplicarosperigos da desunião dos muçulmanos: “Os europeus só continuam no Congoporqueoscongolesesestãomuitoocupadoslutandoentresi...Seriamuitatolicedos estudantes muçulmanos virem do Sudão ou de qualquer outra parte daÁfrica e se deixarem usar em ataques contra nós num país cristão, num paísbranco, num país no qual 20milhões de seus ‘irmãosmais escuros’ ainda sãoconsiderados cidadãos de segunda classe, que é apenas uma forma alterada docolonialismodoséculoxx”.39AscríticasdeHayaricontraaNaçãoprosseguiram,o que fez Malcolm mandar uma carta de protesto para oPittsburgh Courier.Hayari “está há tempo demais naAmérica cristã”, disseMalcolm, porque “falacomo [um] negro americano que sofreu lavagem cerebral”.Malcolm reduzia aimportância das diferenças teológicas entre sua seita e o Islã global, afirmandoque as táticas da “polícia dos inimigos do Islã sempre foi ‘dividir paraconquistar’”. Hayari era, sem dúvida, um daqueles que “sofriam” de uma“mentalidade colonial”. A resposta de Hayari apareceu na edição de 27 deoutubro de 1962 doPittsburghCourier. “O sr. Elijah não acredita no Islã nemensinao Islã”, insistiu. “Oqueele ensinaemnomedo Islã é suaprópria teoriasocial.”Comoconsequências dasheresias deMuhammad, “todos aqueles queoseguemprecisamsaberqueestãosendoconduzidosdiretoparaoinferno”.40

Em 24 de novembro, uma carta em queMalcolm criticava uma declaraçãocontrária ànoipor ummuçulmano afegane foi publicada naAmsterdamNews.Parademonstrarsuafidelidadeàortodoxiaislâmica,Malcolmrespondeucitandoversos do Alcorão. “Os seguidores doMensageiro ElijahMuhammad aqui nosEstados Unidos obedecem a um código moral e praticam uma forma dedisciplina religiosamais estritadoqueosmuçulmanosdequalqueroutrapartedomundo”, insistiuMalcolm. “Óvósque acreditais, não tomeisos judeus eoscristãosporamigos...Equemquerqueos tomeporamigosé,naverdade,um

deles.” Malcolm louvou Elijah Muhammad como “último Mensageiro de Aláhoje, e aceitando sua mensagem divina recebemos dele uma robusta forçaespiritual,detalmaneiraquesomoscapazesdenosredimirdosmalesdomundocristãodanoiteparaodia”.41

Aindaem1962,outromuçulmanosudanês,AhmedOsman,queestudavanoDartmouth College, participou dos serviços na Mesquita nº 7 e contestouMalcolm diretamente durante uma sessão de perguntas e respostas. Osmanincomodava-se particularmente com as alegações danoide que ElijahMuhammad era o “Mensageiro de Deus”, e de que os brancos eram,literalmente, “demônios”. Osman terminou “muito impressionado comMalcolm”,mas“insatisfeito”comasrespostas.ComeçouatrazerbibliografiasdoCentro Islâmico em Genebra, Suíça, e a escrever sobre o “verdadeiro Islã”.MalcolmgostoudoqueleuepediumaisaOsman.42Mas,apesardessaexposiçãoao Islã ortodoxo, a verdade é que ele aindanão estava preparadopara rompercomaNação.Porém, quantomais ele discutia com contestadores a questão do Islã,mais

contestadores apareciam. Em março de 1963, Malcolm debateu com LouisLomax e outros, como parte de um programa do Canal 11 de Los Angeles,duranteoqualdeuaimpressãodeafastar-sedeMuhammad.Explicou:“Agentesó se tornamuçulmano quando aceita a religião do Islã, que significa acreditarem um Deus único, Alá. Os cristãos o chamam Cristo, os judeus o chamamJeová”.43 Essa declaração era um repúdio tático à história de Yacub e àdemonologia dos brancos apregoada pelanoi. Apesar dessa modificação,Malcolmaderiaaoutrosaspectosdaortodoxiadanoi,declarando,acertaalturadodebate:“OHonradoElijahMuhammadnosensinaqueDeuslheensinouquea raça branca é uma raça de demônios, e que se não fossem demônios, osbrancos deveriam prová-lo.No queme diz respeito, a história da raça branca,comonosensinouoHonradoElijahMuhammad,depõe fortementecontraessaraçaemparticular”.Odebateestendeu-seatétarde,eeleeLomaxsósaíramdoestúdio de televisão à uma e meia da madrugada. Quando chegaram aoestacionamento, foram abordados por um grupo de furiosos estudantes árabesda Universidade da Califórnia (ucla). Eles tinham assistido horrorizados àsdeclaraçõesdeMalcolmsobreos“demôniosbrancos”,contradizendoaortodoxiaabstratadoIslãquenãoenxergadiferençasdecor.Malcolmexplicouqueafrase“demônios brancos” era essencial “para despertar o surdo,mudo e cego negro

americano”,masosestudantesnãoseconvenceram.Aborrecido,Malcolmentrounumautomóvelqueoesperavaefoiembora.44Elecomeçavaacompreenderquenão poderia mais alegar que fazia parte daummah do Islã enquanto denegriatodososbrancoscomoumaraçaparaaqualnãopoderiahaverredenção.Teriadefazerumaescolha.

Em 15 de novembro de 1962, ArchieMoore, uma lenda do boxe, subiu ao

ringueemLosAngelesparaumalutadefimdecarreiracomumadversárioquetinhaquasemetadeda sua idade.Noquarto round ele estava liquidado, dandomais uma vitória a seu impetuoso desafiante, invicto depois de dezesseis lutascomo profissional. Em Nova York, Malcolm, que deveria estar na cidade nasemana seguinte, ficouatentoàsnotíciasda luta.EmboraaNaçãovisseoboxecomo algo negativo, e embora o próprioMalcolm nunca tivesse demonstradomuito interesse pelo esporte, esse jovem lutador em particular era um caso àparte. No começo do ano, em Detroit, Malcolm relaxava na lanchonete dosalunos ao lado daMesquita nº 1 quando foi abordado por um negro bonito eforte,que lheestendeuamão,animadamente,para seapresentar. “SouCassiusClay.” Com apenas dezenove anos, ele e o irmão Rudy tinham dirigido deLouisvilleatéChicagosóparaouvirElijahMuhammadfalar.45

Poucos homens desempenhariam papel tão relevante na vida de Malcolmcomoessafiguraenigmáticaeirreprimível,quesetornarialendáriocomonomede Muhammad Ali. Os dois compartilhavam importantes ligações de infância:emborao pai deClay,Cassius Sr., tivessemorrido bemmais tardena vida dofilho, assim como Earl Little ele também fora profundamente influenciado porMarcusGarvey e transmitira ao filho as lições de orgulho e autossuficiência daraça negra.Nascido em 17 de janeiro de 1942, Cassius Clay Jr., entrara para oboxe aos doze anos, orientado por um policial, destacando-se de imediato.Entretanto,deiníciorecebeumaisaplausospelocharmedoquepelashabilidadesde pugilista, tornando-se conhecido pelos versinhos cômicos que declamavacelebrandosuadestreza.Elecomeçouaterêxitoem1960,aoganharamedalhadeouronadivisãodepesomeio-pesadonasOlimpíadasdeRoma.Tornando-seimediatamenteprofissional,ClayfoiapoiadoporumgrupodebrancosricosqueseidentificavacomoLouisvilleSponsoringGroup.O individualismo agressivo de Clay e o senso de orgulho inspirado em

MarcusGarveyfaziamdeleumadeptonaturaldaNaçãodoIslã,equandoviuogrupo pela primeira vez em 1959 ficou interessado. Tinha ido a Chicago paralutarnumtorneioevoltouparaLouisvillecomumlpquetraziaosdiscursosdeElijah Muhammad. Ainda na escola secundária, ele importunou um dosprofessores,inutilmente,paraqueodeixasseescreverumtextosobreaseita.Emmarço de 1961, já treinando como profissional em Miami, Clay conheceu ocapitão Sam X Saxon (mais tarde Abdul Rahman), que vendia exemplares deMuhammadSpeaksnarua.ComeçaramaconversareSaxonconvidou-oparairàpequena mesquita da cidade. Já nessa primeira visita o jovem boxeador ficoufascinado. “O ministro pôs-se a ensinar, e as coisas que ele disse realmentemexeramcomigo”,disseeleaAlexHaley.Quenósos20milhõesdenegrosdosEstadosUnidosnãoconhecíamosnossa

verdadeira identidade, ou mesmo nossos verdadeiros nomes de família. Eéramososdescendentesdiretosdehomensemulheresnegrosroubadosdoricocontinentenegro e trazidos para cá e destituídos de todoo conhecimentode simesmos,eensinadosaseodiaremasimesmoseaosdesuaespécie.Efoiassimquenós,oschamados“negroes”,nostornamosaúnicaraçadahumanidadequeama seus inimigos. Agora, sou desses que pegam as coisas de estalo. Disse amimmesmo,escute,essehomemestádizendoalgumacoisa!46

Elediria,posteriormente:“Aquela foiaprimeiravezquemesentiespiritual

navida”.47LogocomeçoualerregularmenteoMuhammadSpeaksefezamizadecommembrosdanoi,atéchamaraatençãodeJeremiahX,ministrodeAtlantaechefe regional danoi, que esteve em Miami várias vezes para vê-lo. PorintermédiodeSaxon,Claycontratouosserviçosdeumacozinheiramuçulmana,queoajudouaobservarosrequisitosdietéticosmuçulmanos.Para Malcolm, Clay era um “jovem bem apessoado, prático” e jovial.48

ConseguiaveroquehaviaatravésdaposturabrincalhonadeClay,naqualtalvezreconhecessesuasprópriaspalhaçadascomoSandwichRed,enquantoserviaaosbrancosemtrensduranteaguerra.Depoisdeseapresentaremnalanchonetenocomeçode1962,osdoishomensmantiveramcontatopelo restodoano,e logoMalcolmpediuaseuamigoArchieRichardson(maistardeOsmanKarriem)quetomasse conta de Clay emMiami.Malcolm percebeu que Clay tinha potencialcomo lutador; sua conversão ànoipodia permitir a seita a atingir um público

inteiramentenovo.FerdiePacheco,treinadordeClay,observouposteriormente:“Malcolm X e Ali eram como irmãos, muito amigos. Era quase como seestivessem apaixonados”. ParaClay,Malcolm “era o negromais inteligente daface da Terra”. Até Pacheco ficou impressionado. “Malcolm X era brilhante,convincente, carismático, assim como os grandes líderes e santos sãocarismáticos.IssocertamentecontagiouAli.”49

Quatrodiasdepoisda lutadeClay comMoore,MalcolmaterrissouemLosAngeles, onde, de acordo com oLos Angeles Herald-Dispatch, participaria deuma campanhapara arrecadar fundos e dar aulas duranteduas semanas.50Masisso era apenas parte do novo plano de Malcolm. Ele tinha decididotranquilamenterevogaraproibiçãodeElijahdecooperarcomgruposdedireitoscivis e nãomuçulmanos. Para tanto, de 19 a 24 denovembro ele participoudeum fórum sobre “Separação ou integração” e “Militantes na Liderança dosNegros”, este último organizado em grande parte pela Associação Afro-Americana. Fundada no começo de 1962 pelo ativista Donald Warden, aassociação era uma rede progressista de estudantes negros militantes. Algunsdos ativistas que surgiram desse grupo logo teriam grande impacto noMovimentodeLiberdadeNegra.A seçãoda associaçãona região costeiradiziaqueo futuro fundadordoPartidodosPanterasNegras,HueyP.Newton, tinhasido membro, e em Los Angeles o líder local era Ron Everett, quesubsequentemente se tornaria grande representante do nacionalismo culturalnegro,conhecidopelonomedeMaulanaKarenga.51

Apesar de a conferência e o comício terem conseguido atrair apenasquatrocentas pessoas — bem menos do que os milhares de moradores doHarlemque aMesquita nº 7 regularmente atraía—, os eventos despertaramaatenção doNew York Times, assim como da imprensa negra nacional. Oprograma,quedurouodiainteiro,constavadeumasériedeoficinassobotema“A mente do gueto”. Na sessão plenária,Wilfred Ussery, da Associação Afro-Americana, propôs vigorosamente a abordagem não violenta docore, mas amultidãomostrou-semajoritariamentefavorávelaMalcolm.ONewYorkTimesobservou: “Parecia haver um número considerável de seguidores dosmuçulmanos negros, a julgar pelos gritos de aprovação que interrompiam asdeclaraçõesdeMalcolmX”.52

A torcida refletia a cada vez mais complexa relação deMalcolm com a alamais à esquerda do movimento de direitos civis. Diferentemente danaacp,

cujas discretas unidades andavam quase sempre em rigorosa sintonia, graças àhierarquiarígidaeemváriosníveis,ocoretinhaumaestruturamaislivre,commenos supervisão da sede nacional. As filiais geralmente assumiam caráterdiferente, mais militante, que partilhava mais interesses comuns com onacionalismo negro danoi. Enquanto Malcolm e James Farmer divergiam arespeitodefilosofiaetáticas,nospostosavançadosdocoreeramcadavezmaisnumerosososativistasquesealinhavamcomasideiasdeMalcolm.Na conferência,Malcolm não tentou ocultar suas diferenças políticas com o

core, criticandoasCaminhadaspelaLiberdade,que consideravaumaperdaderecursos, e repisando as diferenças fundamentais que separavam liberaisintegracionistasdenacionalistasnegros:osprimeirosacreditavamqueosistemapolíticopredominantementebrancotinhacapacidadedereformar-seemquestõesde raça, aopassoqueosúltimosachavam impossível. “Nossoproblema jamaisseráresolvidopelosbrancos”,disseMalcolm.“Precisamosresolvê-losporcontaprópria.”53 Quando voltou da visita a Los Angeles, tinha chegado a algumasconclusõessobreseufuturo.ApesardasadvertênciasdeMuhammad,elevoltariaao circuito de palestras.Tambémera favorável ao envolvimentodiretona lutapelos direitos civis, participando de diálogos frequentemente críticos commilitantes dosncc, docore e de grupos locais como a Associação Afro-Americana. Ocore pode ter se aproximado deMalcolm,mas elemesmo nãopermaneceuimóvel.A estratégia logo seria testada. No Natal de 1962, doismuçulmanos foram

presos quando vendiam oMuhammad Speaks na Times Square.54 Três diasdepois, numa reunião da Mesquita nº 7, Malcolm disse a seus seguidores quesofriamuito sempreque anoitinhade ir ao tribunal,masnãopodiaperdoar acovardia.55 Em 2 de janeiro, mandou um telegrama para o prefeito de NovaYork, Robert Wagner, com cópias para o promotor público, Frank Hogan, epara o comissário de políciaMichaelMurphy, contestando as prisões.Malcolmdenunciavaasprisõescomoumatentadoàliberdadedeimprensa,e“àliberdadedeexpressãoreligiosa”.56

Mas os problemas jurídicos da Nação continuaram a aumentar. EmRochester, em 6 de janeiro, a polícia invadiu a mesquita da cidade durante oserviço religioso,depoisde receberuma ligaçãoalegandoqueumhomemcomumaarmaestavadentrodoprédio.Doispoliciaisdisseramque foramsurradosdurante a incursão, e mais de uma dezena de muçulmanos foram presos.

Malcolm pegou um avião para lá imediatamente. “Não permitimos qualquerintromissãoemnossosserviçosreligiososedaremosavida,seforpreciso,paraproteger sua santidade”, disse ele aos repórteres, antes de formalizar umaqueixa.57 De volta a Nova York, comandou uma manifestação não violentadiante do Tribunal Criminal de Manhattan. Os panfletos que circularam noprotestopoderiamtersidoescritosporradicaisdosncc.“OsEstadosUnidossetransformaram num Estado policial para 20milhões de negros”, declarava umdeles. “Precisamos informar [aos membros danoiem Rochester] que eles nãoestão sozinhos. Precisamos deixar claro quetodo o mundo negro está comeles.”58Aindaaquelanoite,MalcolmdisseàmultidãonareuniãodaMesquitanº7 que estava “cansado de ouvir que muçulmanos foram espancados compistola”.59 Em 25 de janeiro os dois vendedores de jornais muçulmanos foramcondenadosasessentadiasdeprisão.60

Naquela semana, a nova militância de Malcolm foi exibida para quemquisesse ver na Universidade Michigan. Perante uma plateia de mais de milpessoas,elesondoutemasconhecidos,mascomumnovotoque:

Então há dois tipos de negro... A maioria conhece o velho tipo... nos tempos da escravidão ele erachamadode“PaiTomás”.Eraonegrodacasa.Enostemposdaescravidãohaviadoisnegros.Haviaonegrodacasaeonegrodocampo.Onegrodacasageralmenteviviapertodosenhor.Vestia-secomoosenhor.Usavaasroupasvelhasdosenhor.Comiaacomidaqueosenhordeixavanamesa.Emoravanacasa do senhor... ele sempre se identificava com as mesmas opiniões que seu senhor se identificava.Quandoosenhordizia:“Temoscomidaboa”,onegrodacasadizia:“Sim,temosbastantecomidaboa”...Quando o senhor adoecia, o negro da casa identificava-se tanto com o senhor que dizia: “Qual é oproblema,patrão,estamosdoentes?”...Mashaviaooutronegronocampo.Onegrodacasaeraminoria.As massas — os negros do campo eram as massas. Eram a maioria. Quando o senhor adoecia, elesrezavamparaqueelemorresse.Seacasapegassefogo,elesrezavamparaqueoventoatiçasseabrisa.61

O discurso tambémmostrou o desenvolvimento de suas ideias sobre raça.

Durante décadas, anoitinha pregado que a identidade étnica dos americanosnegroseraasiática,queeramdescendentesdatriboperdidadeShabazzquetinhasuasorigensnoOrienteMédio.MasagoraMalcolmatestavaaherança culturalcomumqueuniaafricanoseafro-americanos.“Ohomemquevocêschamamdenegronãoénadamaisdoqueumafricano”,explicou.“Aunidadedeafricanosnoexterioreaunidadedeafricanosaquinestepaíspoderesultarpraticamenteemqualquertipodeconquistaourealizaçãoqueosnegrosdesejem.”62Nasessãode

perguntas e respostas, Malcolm denunciou também o apartheid sul-africano,fazendoumanítidadistinçãoentreaquelesistemaeoseparatismodefendidoporMuhammad.Mais uma vez, criticou James Farmer, docore, por casar-se commulher branca, gracejando que “isso quase faz dele um homem branco”.Finalmente, ele se voltou para os judeus como ummodelo apropriado para ofortalecimento dos negros. “Sempre que foram segregados, os judeus não sesentaram em sinal de protesto”, insistiu. “Eles geralmente usam a armaeconômica.”63

O ataque à mesquita em Rochester animou Malcolm, fornecendo-lhe umcontraponto e um complemento para o processo jurídico que se desenrolavacontra os muçulmanos em Los Angeles. Audiências preliminares tinhamcomeçadonofimde1962,eojulgamentoestavamarcadoparaaprimavera.Masagrandevisibilidadedo casodeLosAngeles significavaqueMalcolmdispunhade pequena margem de manobra ou de espaço para seus planos de protesto;Muhammad e seus tenentes deChicago estariamobservando-o. EmRochester,noentanto,aonortedoestadodeNovaYork,elepoderiasermaisfranco.Em28dejaneiro,falouparaumpúblicodequatrocentaspessoasnauniversidadelocal,ecomseudiscursochegoumaispertoaindadepromovera igualdadeemlugarda separação racial. “Os americanos perceberam que o negro é capaz de fazercoisas iguais a eles”, disse para a plateia constituída principalmente porestudantes. “Mas não estão totalmente preparados para aceitar o fato de que onegro possa desempenhar um papel na sociedade política e econômica.” Semreconhecerquemudara,MalcolmtinhaseaproximadotantodeRustincomodeFarmer. Se os afro-americanos tomassem posse de seus plenos direitosconstitucionais e tivessem oportunidades iguais em tudo, será que o racismoseria abolido? Na palestra de Rochester, Malcolm respondeu: não haveriaproblema racial nos Estados Unidos “se o negro pudesse ‘falar como umamericano’”.64

Maisdoquenuncaelepareciadivididoentre sua lealdadeaMuhammadeanecessidadedeparticipardaluta.Tendoacabadodediscutiropapeldonegronasociedade, Malcolm acelerou o passo. Em 3 de fevereiro, durante entrevistatransmitidapelorádioepelatelevisão,elevoltouapressionaroplanodeElijahMuhammaddeumEstadonegroseparadodentrodosEstadosUnidos.65 Então,recorrendonovamenteaoprotestodezdiasdepois,comandouumamanifestaçãode rua em Manhattan, com cerca de 230 membros do Fruto do Islã, para

denunciarintimidaçãopolicial.Apolíciaadvertiraquecomíciosdeprotestoeramilegais na Times Square, e que ele e seus homens estariam sujeitos a prisão.MalcolmrespondeuqueiapassarpelaTimesSquarecomoindivíduo,umdireitoque a Constituição lhe garantia. Se outros andassem voluntariamente em filaatrásdele,aresponsabilidadenãoerasua.Ninguémfoipreso.66

Ele soube que doze dos muçulmanos presos depois da incursão policial namesquita de Rochester planejavam uma greve de fome, e ele rapidamente semanifestou em seu apoio. Informou à imprensa que osmuçulmanos em greveestavamdispostos apassar fome“atémorrer”.NumaalusãoaoMovimentodeLiberdadeNegra, ele se gabou de que logo “Rochester serámais conhecida doqueOxford, noMississippi”, a cidade sulista ondemilhares de brancos furiosostentaram impedir violentamente a dessegregação do Mississippi. No diaseguinte,16defevereiro,oRochesterTimesinformouquedozedostrezepresostinham sido soltos, com acusações pendentes. Os fundos para sua libertaçãotinham sido enviados por ElijahMuhammad.67 No mesmo dia, Malcolm falounoutro comício no Harlem, organizado em torno da ideia de que “os EstadosUnidossetornaramumestadopolicialpara20milhõesdenegros”.Terminadaamanifestação, elemais uma vez conduziu centenas demanifestantes pelas ruasdocentronobredeManhattan.68

OSaturdayEveningPostpublicou“Osmercadoresnegrosdoódio”,deAlex

Haley e Alfred Balk, em 26 de janeiro de 1963, em seis páginas inteiras, comnumerosas ilustrações. O artigo pôs em nítido relevo a tensão que fervialentamenteentreMalcolmea sededanoiemChicago,eparaqualquerumqueprestasse atenção, assinalouamudançada imagempública tantoda seita comodeMalcolmnosdoisanosanteriores.Oartigojátraziaimportantesdiferençasde“Osr.Muhammadfala”,começandocomadramáticahistóriadoespancamentode JohnsonXHintonedaprovocativa resposta comandadaporMalcolm.FaziaumresumodabiografiadeElijahMuhammadeseupapelnaseita,cujonúmerode adeptos era absurdamente calculado em apenas 5mil ou 6mil, com 50milsimpatizantes.HaleyeBalkressaltavamqueaNaçãodoIslãnuncafoipartedomundo muçulmano em geral: “O próprio Muhammad, que se saiba, não temnenhumvínculocomoIslãortodoxo”.MasondeoartigomaissedistanciavadoprimeiroeranoespaçodedicadoaMalcolm,queos autorespuseramnocentro

dopalco,mapeandosucintamentea terrívelmortedopai,osvíciosecrimesdeDetroitRednoHarlem— incorretamente situando suaprisão“coma idadededezenoveanos”—esuasalvaçãocomofanáticodanoi:

Eloquente,decidido,achamadaamarguraaindaacesanaalma,MalcolmXviajapelopaísorganizando,encorajando,resolvendoproblemas...EnquantoMuhammadpareceprepararofilhoWallaceparasucedê-lo, quando se aposentar oumorrer,muitosmuçulmanos achamqueMalcolm é poderoso demais paraquelheneguemaposiçãodelíder,seelequiser.69

Ao descrever o papel de Malcolm à custa de Muhammad e sugerir um

possívelconflitointerno,“Osmercadoresnegrosdoódio”fomentoumaisciúmeediscórdianasfileirasdanoi:exatamenteoqueofbiqueriaquandoconcordouem fornecer informações a Balk. Apesar disso, o artigo fez tanto sucesso queHaley,quecomeçaraafazerentrevistasparaarevistaPlayboy,propôsMalcolmcomoseupróximoassunto,eosdoisseencontraramaolongodeváriosdiasnoinvernode1963norestaurantedanoinoHarlemparaproduziromaterial.À medida que se aproximava o Dia do Salvador em 1963, Malcolm se viu

mais e mais em desacordo com os filhos de Muhammad e com John Ali.Temerososdequeaminadeourogarantidapelofluxodedinheirodosdízimospara Chicago pudesse ser interrompida se Muhammad morresse, eles nãoficaram muito tranquilos com o tom do artigo de Haley. No fim de 1962, ashistórias das aventuras sexuais do pai tinham chegado aNova York e à CostaOeste, complicando ainda mais as coisas e reforçando suas suspeitas sobreMalcolm. De sua parte, Malcolm fingia nada saber sobre os rumores, naesperançadeque, de alguma forma, eles desaparecessem.Nos anos anteriores,ele viajava para Chicago uma semana oumais antes do Dia do Salvador parapreparar-se para a comemoração,mas agora a campanha contra a intimidaçãopolicialemNovaYorkomantevemisericordiosamenteocupado.Enquantoisso,funcionários danoianunciaram que a doença crônica de Elijah Muhammadobrigava o patriarca a cancelar suas próprias aparições; a sede em Chicagoreduziuaprogramaçãoparaapenasumdia (26de fevereiro)epôsMalcolmnocomando. A ausência de Muhammad e a programação reduzida fizeram ocomparecimento cair para 3mil adeptos danoi,mas amultidão, apesar disso,ainda murmurava sobre atos impróprios.70 Seu estado de saúde sem dúvidatornavadesaconselhávelumvoodePhoenix,massuadecisãodefaltaraoDiado

Salvador também foi parcialmentemotivada por um desejo de desencorajar asmesquitas a enviarem grandes delegações e de limitar as discussões sobre osrumores. Ele talvez reagisse também à presença em Chicago de várias mãessolteiras de seus filhos ilegítimos. Em seu diário, Malcolm observouposteriormentequeOlhaHughes,mãedeKamal,filhoilegítimodeMuhammad,dedois anosde idade, “contavapara todomundo” sobreo amante e que tinhauma“atitudemuitodesagradável”.71

Naconvenção,afamíliadeMuhammadtransformouseuconstrangimentoemtiradasagressivascontraMalcolm.Membrosdafamíliatinhamenviadobilhetesexigindo que Muhammad Wallace, recentemente libertado da prisão, tivessepermissão para falar durante o principal discurso de Malcolm no Dia doSalvador.MasWallace,quesetornaraaindamaiscéticoquantoaodogmadopaiduranteaprisão,nãoqueriaparticipar,eeleeMalcolmtinhamcombinadoqueMalcolmdescobririaumjeitodecontornarasexigênciasdafamília.72Datribuna,Malcolmanunciouque,devidoaoatrasodaprogramação,nãohaviatempoparaWallacefalar;mas,numgestodeapreço,eleassinalouapresençadeparentesdeMuhammad no salão e pediu uma salva de palmas. Não adiantou: comoobservaram informantes dofbi, “a famíliaestavaespecialmente ressentida comastentativas[deMalcolm]dedarconselhosedizeroqueelesdeviamfazer”.73

Apesar de haver assuntos urgentes em casa, Malcolm ficou várias semanasem Chicago, esperando poder investigar por sua conta os rumores sobreMuhammad. A família achava que ao encurtar a programação do Dia doSalvador tinha resolvido o problema, mas, depois de conversar comWallace,que confirmou a veracidade dos rumores,Malcolm sabia que era preciso fazermais. Nas semanas seguintes, ele se encontrou com três ex-secretárias deMuhammad, incluindo Evelyn, e descobriu que todas contavam históriasparecidas. Quando sua gravidez era descoberta, elas eram convocadas paracomparecer perante tribunais secretos danoie condenadas ao isolamento.Muhammaddavapoucoounenhumapoiofinanceiroparaacriaçãodosfilhosdesuasligaçõesextraconjugais.As revelações não devem ter sido uma total surpresa para Malcolm, que

ouvira insinuações sobre amá conduta deMuhammad já emmeados dos anos1950.74 Apesar disso, durante anosMalcolm achara impossível imaginar que olíderda seitausasse sua elevadaposiçãoparamolestar sexualmente sua equipedesecretárias.Sóquando faloucomasmulheresMalcolmviuaverdade—não

apenas sobre os casos amorosos, mas sobre a maneira como Muhammadfrequentemente o denegria em conversas comoutros. “Da boca dessas pessoasouviqueElijahMuhammaddiziaqueeueraomelhor,omaiorministroqueelejátinhatido”,lembrava-seMalcolm,“masqueumdiaeuhaveriadeabandoná-lo,e deme voltar contra ele— porque eu eramuito ‘perigoso’... Enquanto faziaelogiosnaminhafrente,eleacabavacomigopelascostas.”75

Ouvir isso deixou Malcolm arrasado, mas sua maior angústia veio com orelato de Evelyn, apesar de ela lhe dizer que achava que sua gravidez “eraprofética” e guardava sua hostilidade para o entorno doMensageiro. MalcolmsabiahaviaanosdagravidezdeEvelynedonascimentodafilha,masimaginavaque o pai era alguém da Mesquita nº 2. Evelyn nunca esteve longe de seupensamento. Às vezes, sua infelicidade com Betty era tão profunda que elepensavaemretomarseucasocomEvelyn.ChegouadesabafarcomLouisX,queorepreendeuseveramente,dizendo:“Vocêéumhomemcasado!”.76Louistemiaque Malcolm “realmente magoasse Betty”.77 Malcolm concordara em evitarenvolver-se comEvelyn, pelomenos por enquanto.Mas agora, ao saber queopai da filha de Evelyn eraMuhammad,Malcolm deve ter vivido um profundosentimento de traição. Duas décadas antes, Malcolm posara de gigolô,agenciando prostitutas no Harlem. Agora, inadvertidamente, ele tinha sidolevadoa agir comogigolôparaElijahMuhammad, a pontode trazer amulherqueamaraparaserviolentada.Muitosobservadoresdanoiquenãosabiamdotrabalhodedetetiverealizado

por Malcolm interpretaram sua demorada presença em Chicago como umaafronta pessoal; para alguns, parecia que ele tinha feito aquilo apenas paraaparecer na mídia. Incentivado pelos filhos, Muhammad pode ter instruídoMalcolm a voltar para Nova York, o que ele fez em 10 de março, cancelandovárias aparições já programadas, com a desculpa de que Betty tinha caído equebrado a perna.Chegando em casa, refletiu sobre qual rumo tomaria.Ele jáconseguia veros contornosda jornada espiritual emoral que tinhapela frente,mas decidiu tentar descobrir uma maneira de permanecer nanoi. Escreveu aMuhammad pedindo um encontro, e no começo de abril seguiu de avião paraPhoenix,paratentardesvendarseufuturo.78

9.“Elesedesenvolviarápidodemais”Abril-novembrode1963

MalcolmchegouàresidênciadeMuhammadporvoltade1ºdeabril.Osdoisseabraçaram,eElijahoconduziuaosfundosdacasa,ondeandaramemvoltadapiscina. Malcolm contou o que se dizia sobre as aventuras extraconjugais deMuhammad e, sem esperar uma resposta, sugeriu uma saída. “Pode-se ensinaraosmuçulmanosleaisqueasrealizaçõeseconquistasdeumhomememsuavidacompensam qualquer fraqueza pessoal, humana...WallaceMuhammad ajudou-meaexaminaradocumentaçãodoAlcorãoedaBíblia.OadultériodeDavicomBetsabá tem menos peso na balança da história, por exemplo, do que o fatopositivodequeDavimatouGolias.”1

Muhammad agarrou de imediato a solução de Malcolm. “Filho, não estousurpreso.Você sempre teveuma compreensão tãoboadaprofecia e das coisasespirituais.”Elenãosedeteveemsuasrelaçõessexuaiscommulheresespecíficas,epreferiuolharopassadobíblicopara justificarsuaconduta.“Quandose lêqueDavi tomou a mulher de outro homem, eu sou esse Davi”, disse ele.2 Muitoembora os dois homens tenham se despedido como amigos, é claro que, seolharmos para trás, eles já tinham caminhos extraordinariamente diferentes.Muhammad queria abafar os rumores. Se Malcolm usasse os ensinamentoscorânicosebíblicosemseussermõespara justificarsuaconduta,seriaaceitável.Malcolm,porém, saiudoencontro se sentindomaisperturbadodoquequandochegou.EnquantotentavalidarcomofatodequeoMensageiroconfirmarasuaspiores suspeitas, ele se dava conta também de que precisaria trabalhar comcuidadoparaprotegeroprogressodaNação.Viaosrumorescomoumvírusque

poderia provocar uma epidemia, e seu objetivo era “inocular” os obreiros daNação.3

Começou a trabalhar quase imediatamente, falando primeiro na Filadélfia edepois várias vezes num período de quatro dias na Mesquita nº 7, tentandodesenvolveremcadaeventoumalinguagemquesuavizasseastransgressõesdeMuhammad.4 James 67X rapidamente percebeu amudança nos argumentos doministro. “Malcolm sempre ensinara que a cada 2mil anos,mais oumenos, asescrituras mudam. E é preciso que venha um novo Mensageiro, porque oprecedentesetornoucorrupto.”ElesupunhaqueessaeraamaneiradeMalcolmestabelecerasuperioridadedoIslãsobreocristianismo,etambémdeafirmarostatusdivinodeFard.“Atéque,umdia,Malcolm...dissealgoquemechocou.‘Oprofetaestánumabalança.Se fizermaisbemdoquemal,éconsideradobom...Umprofeta,comoqualquerumdenós,épesadonabalança.’Penseicomigo:‘Eoqueaconteceucomahistóriadeeles sempreagiremcerto?’.” JamespercebeuqueMalcolmsópodiaestar se referindoaElijahMuhammad,mas relutavaempuxaroassuntocomele.5

O crescente interesse deMalcolm em discutir questões práticas oferecia-lheagora uma alternativa atraente para falar mais sobre o Mensageiro e suateologia. Ao longo de 1963, escreveu ele naAutobiografia: “Eu falava cada vezmenos de religião. Ensinava doutrina social para os muçulmanos, temas daatualidade e política”.6 Diminuiu significativamente suas referências aMuhammad,enquantocontinuavaamanifestarsualealdadepública.Muhammadreconheceu isso no fim de abril, ampliando bastante as responsabilidades deMalcolm.Em25de abril,mandouuma carta endereçada a “MalcolmShabazz”,confirmando sua designação para ministro interino da Mesquita nº 4, deWashington. O ministro anterior, Lucius X Brown, tinha sido “demitido doministério”.Oqueprecisavamnaquelemomento,escreveueleaMalcolm,eradeumministro “que não tenha apenas o amor de Alá e do Islã no coração, masinteligência e treinamento suficientes para ganhar o respeito dos membros naMesquitanº4,etambémdosdemôniosdaquelacidade”.7Nãoeraumamanobrapara tirarMalcolmdeNovaYork: esperava-seque elemantivesse suas funçõesclericais na Mesquita nº 7, enquanto fazia a supervisão em Washington. Adesignação, na verdade, confirmava a confiança deMuhammadnele, apesar doconfrontorecente.MalcolmdisseaofoidaMesquitanº7quefariaaponteaéreaentre Washington e Nova York toda semana. Também reconheceu que o

ministro Brown fora demitido devido a sua “atitude negativa” para com oMuhammadSpeaks.8NãosesabeseasqueixasdeLuciustinhamrelaçãocomoconteúdodojornaloucomapolíticaagressivadevendaimpostaaosmembros.MasseMuhammadaindaconfiavaemMalcolm,asedeemChicagoviuuma

oportunidade nas constantes ausências de Malcolm em Nova York, e John AlicomeçouafalardiretamentecomJosephsobreassuntosdamesquita.9Em25deabril, Chicago tinha feito circular amplamente uma carta com a assinatura deMuhammad, incentivando“todososministros,secretáriosecapitães...acolocaroMuhammadSpeaksnasmãosdenossospobres,cegos,surdosemudosirmãoseirmãs...”.Ojornal,afirmavaacarta,“chegaráapessoasquenãofalamconoscoempúblico;converteránosbastidorescentenasdosnossosparaaquelequeestánopalanquedoorador!”.10Eraumataque inegávelaMalcolm.Enquanto isso,aausênciadeinformaçõessobreMalcolmnojornaltornou-sepraticamentetotal.OWashington Post noticiou a designação de Malcolm para a mesquita de

Washington, descrevendo-o como o “número dois da seita dos muçulmanosnegros”.11 Para Malcolm, as novas responsabilidades abriram mais portas; aliestava uma oportunidade de transplantar boa parte da construção comunitáriasobre aqual tinha insistidoemNovaYorkparaoutra cidade.ANação já tinhafeito grande sucesso no Harlem com diversos programas de melhoramento,principalmente no combate à delinquência juvenil. Os desolados guetos deWashington, em condições nem um pouco melhores do que as que Malcolmconhecera em seus anos de Detroit Red, ofereciam um atraente campo deprovas. Além disso, ele agora estaria operando na capital do país, perto docentro do poder. Numa entrevista coletiva no aeroporto nacional deWashington,Malcolm fezquestãodedizerquenãoerao segundonacadeiadecomando,queaNaçãonão“pregaoódiocontraosbrancos”,equesuaintençãoerarealizarumasériedereuniõessódenegrosnumperíododequatrosemanasparaexaminarascausaseascurasdoscrimescometidospornegrosnasruasdacapitaldopaís.12

Nomesmo dia em queMalcolm voltara de Phoenix para começar a cuidardos rumores em torno de Elijah Muhammad, o cenário do Movimento deLiberdadeNegra entrou numa fase tumultuosa, provocando tremores de terraemtodoopaís.Em3deabril,MartinLutherKingJr.eaConferênciaSulistadeLiderança Cristã começaram a longa e arrasadora campanha de protestos nãoviolentosque acabou coma segregaçãoemBirmingham,noAlabama.Mais do

que qualquer protesto anterior, este atraiu os olhares do país para a luta pelosdireitos civis, enquanto ao longo de cinco semanas mais de setecentosmanifestantes, muitos deles crianças, correram o risco de serem detidos emandados para a prisão. Jornais negros como oPittsburgh Courier e oLosAngelesHerald-Dispatch reagiram com cauteloso otimismo; a grita do públicocontra o brutal tratamento dosmanifestantes nas mãos do chefe de polícia deBirmingham, Bull Connor, e seus homens pusera em funcionamento asengrenagensdeWashington,difundindoconversassobreumanovalegislaçãodedireitoscivisparaalémdacapital.Maisdoquenunca,pareciaterchegadoahoradeagir,mas,apesardisso,Malcolmsabiaque,comatensãoentreeleeChicagoainda não resolvida, suas opções continuavam limitadas. Repórteres tinhamouvidorumoresdequeMalcolmplanejava iraBirminghton,muitoemboraeletivesseditoquesó iriaserecebesseordensdiretasdeMuhammad,ouaconvitedo líder regional danoi, o ministro Jeremiah X.13 A uma pergunta sobre osprotestos,Malcolmpreferiurespondersobreas táticasdeKingacomentarseusobjetivos:“Eudiriaque,sealguémsoltaumcachorrocontraumnegro,onegrodevematarocachorro—sejaeleumcachorrodequatropernasoudeduas”.14

Apesar de suas viagens constantes, Malcolm acompanhava de perto a lutajurídicadamesquitadeLosAngeles.O julgamentodecatorzemuçulmanosemconsequência da invasão damesquita começou em 8 de abril de 1963.15 Trezeforam julgados por delito grave e por resistir à prisão com a força. OLosAngelesTimesinformou que “membros do culto, os homens que trajavam elegantes ternosescuros,easmulheresdevestidolongoesolto,edecachecolbrancoouemtompastel, rapidamente ocuparam... duzentos lugares. Foram designados quatrooficiaisde justiça extrasparamanter aordemna salado tribunal, enumerosospoliciais e subdelegados, à paisana e de uniforme, circulavam pelo meio damultidãodo ladodefora”.16Osprováveis juradossentadosnasaladeaudiênciareceberam panfletos de membros danoi, com exemplos detalhados debrutalidadepolicial.O juizDavidColeman instruiuospossíveis juradosdequeelesdeveriamignoraroconteúdodospanfletos,explicando:“Nãosouumcríticomuito severoem relaçãoaospanfletos... poisperceboqueháumagrandedosedeinteresseneste julgamentoehámuitaemoçãoenvolvida”.Em25deabrilde1963, um júri formado de onze mulheres e um homem brancos fez ojuramento.17

Quando o julgamento começou, as mulheres muçulmanas pediram aosoficiais de justiça que lhes arranjassem uma área onde pudessem sentarseparadasdosespectadoresbrancos.Osoficiaisdejustiçaacederameumaseçãoseparadafoiprovidenciadaparaasmulheres.18Ojuiz,entretanto,deuumbastana designação de cadeiras por raça, ordenando que todos os assentos fossemdestinadosàsquechegassemprimeiro.19MalcolmvoltouaLosAngeleseassistiuaojulgamentoem3demaio,insistindoemque“osréusnãoestãorecebendoumjulgamento imparcial”. O promotor público tinha “eliminado cientificamente”todos os negros do júri, declarou Malcolm. Durante um recesso, MalcolmprocurouDonaldL.Weese,opolicialquetinhamatadoStokese,paraprovocar,tirouvárias fotografiasdele.20Davaaentenderquecom issoas fotospoderiamserusadaspormembrosdoFrutodo Islãpara identificá-lona ruae revidarem.Umdia, entre as centenas de pessoas que assistiam ao processo estavaGeorgeLincolnRockwell,quedisseaos jornalistasqueamaioriadosnegros“concordatotalmentecomosmuçulmanoseseusideais,assimcomoamaioriadosbrancosdopaísconcordacomosnazistas”.21

No decorrer do julgamento, a acusação apresentou vigorosos argumentoscontra osmuçulmanos. O advogado de defesa Earl Broady ficou tão frustradocomos constantes indeferimentos do juizColeman a suas objeções que a certaalturasimplesmenteficoucincominutossentadocomacabeçaapoiadanasmãos.Quando indagadopelosrepórteres,Broadyrespondeu:“Não,nãoestoudoente.Sóacheiquepodiaperderasestribeiras”.22Malcolmfoinotíciadenovoaoalegarqueeleeoutromuçulmanotinhamsidoameaçadoscomarmasaochegar:“Eles[a polícia] tentaram, de todas as maneiras, provocar-nos a cometer um ato deagressão...assimteriamummotivoparaatirar”.23Em4demaio,Malcolmfalouperanteumaplateia de cercadeduzentas pessoasnoElksLodge, no centro-sulde Los Angeles. Fora do prédio, dois homens negros, um deles o ator CalebPeterson, chefe do escritório de Relações Raciais de Hollywood, fizeram umpiquete contra os muçulmanos. Houve um tenso confronto no qual outromanifestante integracionista, Phil Waddell, foi esmurrado no rosto por ummuçulmano.Apolíciafoichamada,mas,quandoospoliciaischegaram,Malcolmadvertiu: “Se vocês não tirarem esses piqueteiros daqui, eu não meresponsabilizarei por nada que lhes venha a acontecer”. Os manifestantesacharamquetinhamdadoorecado,ebateramemrápidaretirada.24

Asarengasfinais foramfeitasnaquinta-feira,25demaio,eo júricomeçoua

deliberar na segunda-feira seguinte.Depois de estabeleceremumnovo recordenostribunaisdeLosAngelespelasdeliberaçõesmaislongasdahistória,nasexta-feira, 14 de junho, o júri considerou nove dos acusados culpados por agressão;doishomensforamabsolvidos,eojúrinãochegouaumveredictounânimecomrelação a outros dois.25 Em 31 de julho, quatro dos muçulmanos culpadosreceberam penas de um a cinco anos de prisão. Aos outros o juiz concedeuliberdade condicional, com um deles condenado a cumprir pena na cadeia docondado. No dia seguinte à leitura das sentenças, três juradas e três suplentesdisseramàmídiaquenãoacreditavamqueajustiçatinhasidofeita.Asmulherestinham se reunido secretamente com o juiz em 6 de julho para pedir leniênciacomosmuçulmanoscondenados.Umajuradaanunciouquepretendiadeporemfavordospresosnaaudiênciadeliberdadecondicional.26Apesardecondenados,osmuçulmanostinhamapresentadoalegaçõesconvincentessobreousodeforçaexcessiva pelo Departamento de Polícia de Los Angeles no incidente namesquita,conquistandosimpatiamesmoentreosbrancos.Bem antes do desfecho do julgamento em Los Angeles,Malcolm estava de

volta à Costa Leste. Ele retornou a Washington para sua primeira apariçãoperante um comitê do Congresso. Várias reportagens sobre o êxito dosprogramas de combate à delinquência juvenil mantidos pela Nação acabaramchegandoàmesadacongressistaEdithGreen,doOregon,eelatinhaconvidadoMalcolmparaexplicaressasiniciativasaoSubcomitêdeEducaçãoeTrabalhodaCâmara dos Representantes, que ela presidia, na manhã de 16 de maio. Porrazõesatéhojenãoesclarecidas,aapariçãofoicancelada.Emvezdisso,eleteveum encontro privado de duas horas com Green.27 Quando a assessoria doCapitólio descobriu a sua presença, uma entrevista coletiva foi organizada àspressas na frente do gabinete de Green logo depois do meio-dia. Malcolmatribuiuocancelamentodaaudiênciaa“algumsegmentodaestruturadepoder”,mastambémaproveitouaoportunidadeparacriticarKennedypelojeitocomoopresidente lidara com a crise de Birmingham. “O presidente Kennedy nãomandou tropas para o Alabama quando os cães atacavam bebês negros”,observou. “Esperou três semanas, até que a situação explodiu.Mandou tropasdepoisqueosnegrosmostraramqueeramcapazesdesedefender.”28

Acadaano,ascríticasdeMalcolmaKennedysetornavammaisdurasemaisfrequentes, apesar de Elijah Muhammad lhe pedir que poupasse o presidente.MalcolmfrequentementeatacavaKennedymencionandosuareligião,comoseus

adversários costumavam fazer durante a campanha eleitoral. Para a Nação, ocatolicismodeKennedyeraumaformasimplificadadereferir-seaocristianismoantagônicoeracistadosbrancos,quedeveriaserembrevesuplantadopeloIslã.Malcolm também via Kennedy como um liberal, e atribuía-lhe toda a falta desinceridade que percebia naquela gente. Durante os anos 1950, Malcolm nãohesitou em denunciar o conservador Eisenhower, mas jamais com a mesmaintensidade ou com o mesmo tom genérico de desaprovação. Kennedy eratambémpopularentreosnegros,apesardeaNaçãovernesse sentimentoalgoequivocado, e Malcolm achava que poderia fortalecer a posição separatista daNaçãoesforçando-separaaumentarasdúvidassobreasinceridadedeKennedy.Em 12 de maio ele esteve numa reunião danoi, para quatrocentas pessoas,realizada no wust Radio Music Hall, usando a ocasião para expor ao ridículotanto Kennedy como o governador segregacionista do Alabama, GeorgeWallace, como “a raposa contra o lobo”. “Nenhum dos dois ama vocês”,advertiu.“Aúnicadiferençaéquearaposacomerávocêscomumsorriso,enãocomumacarranca.”29

DesuanovaposiçãoemWashington,Malcolminsistiaparaampliaroacessodanoiàs prisões dos EstadosUnidos. A questão não era nova para ele. Afinal,sua primeira ação política foi tomada quando cumpria sentença de prisão; essaexperiência,eacompreensãodequeosnegrospobresnasprisõeseramosalvospreferidosdanoiparaconversão, levaram-noadarmaisatençãoaseusesforçosnessaárea.Umanoantes,eleseenvolveranocasodecincoafro-americanosnapenitenciáriaestadualdeAttica,nonortedoestadodeNovaYork.Convertidosatrásdasgrades,oshomensexigiamodireitoderealizar serviços religiosos.Ocomissário estadual de correções rejeitou o pedido, alegando que anoiera umgrupo que pregava o ódio. Os presos moveram uma ação civil e durante asaudiênciasforamacorrentadosdentrodasaladotribunal—exemplodecoerçãodesmedida que levou o congressista Adam Clayton Powell Jr. a contestar aprática contra criminosos. Malcolm depôs como perito para a Nação.“Muhammad nunca nos ensinou a odiar ninguém”, informou ao tribunal.Quando o juiz perguntou se podia assistir a um serviço religioso danoi,Malcolm respondeu: “Brancos nunca vão a nossos serviços religiosos. Muitosbrancostêmcomplexodeculpaarespeitodaquestãoracialeachamquequandoos negros se juntam é para falar de ódio. O muçulmano que recebe otreinamento e a orientação religiosa adequada convivemelhor comos brancos

do que os negros cristãos”.30 Em seu testemunho, raras vezes ele mencionouElijahMuhammadpelonome, ressaltando, emvez disso, os deveres de sua fé:“A única maneira de sermos reconhecidos como pessoas corretas é nosabstermosdeálcool,nicotina, tabaco,narcóticos, xingamentos, jogos,mentiras,fraudes,roubos...todasasformasdevício”.31

Naquele ano, um juiz federal tinha decidido que William T. X Fulwood,membro danoi, tinha o direito constitucional de frequentar os serviçosreligiosos noReformatórioLorton, naVirgínia.32 Presos negros de todo o paísingressavam ansiosamente nanoie exigiam os mesmos direitos. Malcolm eQuintonXRooseveltEdwards,daMesquitanº4,tinhamrealizadoumapalestraem Lorton em maio.33 Em junho, porém, carcereiros rejeitaram o pedido deMalcolmde continuar a realizar serviços religiosos ali, dizendoque ele era umcriminosocondenadoeum“incendiário”queperturbavaavidanaprisão.Afilialda União Americana pelas Liberdades Civis no Distrito de Columbia resolveutratardoassunto.34

ArealidadeopressivadaprisãoteveumefeitoclaronaretóricadeMalcolm,aponto de ele começar a usá-la como metáfora para a condição do negro nosEstadosUnidos.NumaentrevistacomopsicólogoKennethClarkem4dejunho,Malcolm afirmou que anoinão era uma religião muçulmana negra, dizendo:“Somos negros que nos tornamosmuçulmanos porque aceitamos a religião doIslã”. Depois afirmou que todos os americanos negros, independentemente desuacrençareligiosa,eram,naverdade,prisioneirosdeumsistemaracista.Cadavezmais,umacrescentemaioriadenegrosseviacomo“detentos”;opresidenteamericano,acrescentouMalcolm,era“apenasoutrodiretor[deprisão]”.35

Com o início do verão, os americanos negros viveram a experiênciainconstante da alegria e da devastação. Primeiro, o presidente Kennedy,ignorando seus conselheiros, foi à televisão para anunciar ao país os amploscontornos de sua nova legislação sobre direitos civis. Poucas horas depois, umfranco-atiradorassassinouosecretáriodanaacp,MedgarEvers,nafrentedasuacasa em Jackson, no Mississippi. A cada nova notícia, a tensão aumentava,alimentandoasesperançasdosnegrose,emmuitos lugares,aanimosidadedosbrancos.A dedicação de Malcolm ao movimento de direitos civis, e os protestos

públicos da Mesquita nº 7, que receberam ampla cobertura, tinham inspiradomuçulmanos de outras cidades a participarem de protestos, mas a sede em

Chicago tratou de acalmar esse novo estado de ânimo. Em 21 de junho,Raymond Sharrieff advertiu umamultidão emChicago: “Os brancos observamos muçulmanos para ver que posição eles vão assumir nas manifestações... Anoimantém-se totalmente separada”. Portanto, “manifestações pacíficas” nãopoderiam dar resultado algum. Sharrieff informou àMesquita nº 7 que estava“chocado e surpreso por saber que o foi queria participar das chamadasmanifestações pacíficas dos chamados negros”, prevendo que depois que osirmãosnegrossofressemmaus-tratosnasmãosdapolíciaeouvissem“mentiras”deMartinLutherKing,seria“fácilparaoIslãconquistaroschamadosnegros”.Eameaçou:“Se issonãoestiversuficientementeclaro,sereimaisclaroainda.Nãoparticipem de forma alguma dessas manifestações. Se forem apanhados, vãopreferirtermorrido”.36

No começo dos anos 1960, era quase impossível controlar alguns irmãos

dentrodaNação.Eramentusiasmados, leaisedevotados,mas suapropensãoàviolênciaeàrígidaobediênciaaocomandodaseitasóostornavaferramentaútilenquantopudessemsermantidosnocabresto.Dispostosasacrificaravidapelacausadanoi,esseshomenstornaram-serostosfamiliaresparaostranseuntesnoHarlem,emDetroit,MiamieChicago,vendendoagressivamenteoMuhammadSpeaks nas esquinas, na chuva ou na neve. Capitães veteranos como Josephestudavam-nosatentamenteecanalizavamsuasenergiasparaasartesmarciais.Osmais agressivos eram selecionados para a tarefa de disciplinarmembros danoiquecometessemuma infração sujeitaapenitência.O irmãodeLouisX,emNovaYork, logo foi recrutadoparao“esquadrãodo fumo”dentrodaMesquitanº 7, apesar de Louis achar suas ações disciplinares excessivas. “Se um irmãocometeu adultério, será suspenso, mas os irmãos lhe faziam uma visita e osurravam.Eissoerasancionado”,lembrava-seele.Comopassardosanos,uma“espécie de comportamento brutal” foi institucionalizado sob a liderança doscapitãesmaisinfluentesdanoi,comonocasodeJosephemNovaYork,ClarenceemBostoneJeremiahnaFiladélfia.Comfrequênciaascoisasfugiamdecontrole.“Umdescuidonoquesediziaaalguém”,explicouFarrakhan,“podiaresultaremdanose ferimentosparapessoasquenãogostavamdeElijahMuhammad, fossequal fosse a razão.” Como tenente, Thomas 15X Johnson era encarregado deexercer seus deveres disciplinares. “Digamos que um irmão era pego fumando

um cigarro. [O tenente] o empurrava escada abaixo”, explicou ele. Se alguém“desrespeitasseocapitão [Joseph]ao sair [damesquita], sofreriaum ‘acidente’ecairia na escada”. Joseph quase sempre dava suas ordens disciplinares para umprimeiro tenente, que comunicavaoque tinhade ser feito aogrupode colegastenentes, ou a outros “aplicadores da lei” no foi.37 Membros danoique fossemvítimas de ataques “não mereciam apanhar”, confessou Farrakhan. “Nãomereciamsercegados.Nãomereciamnemmesmosermortos.”38

Osministrosocupavamumaposiçãodifícilnoquediziarespeitoàdisciplina.Como chefe de fato damesquita, oministro precisava saber o que se passavacomseusmembros,masdadaanaturezadesagradável,porvezescriminosa,daviolênciapunitiva,era sensatomantercertograude recusa.Nagrandemaioriados casos, ministros como Malcolm eram mantidos deliberadamentedesinformados sobre as atividades dos disciplinadores. “O que quer queacontecesse, tínhamos uma política: não contar ao ministro”, contou Thomas15X. “Nãoo envolva nisto... porque isso o coloca numaposição difícil.”39 Anosdepois,FarrakhandeuaentenderqueMalcolmseprotegeracuidadosamentedequalquer envolvimento direto,mas estava ciente dos crimes cometidos. Ele selembravadeterditoaMalcolm:“Olhe,vocêpercebeque,quandoumhomeméensinado que aquele negro é seu irmão, e estamos praticando uma lei para oretirar do grupo, a cada golpe que você dá na cabeça desse homem estamosmatando o amor que sentimos por esse irmão?”. Malcolm ouviu, depois orepreendeu, dizendo: “Irmão, você émuito espiritual”.40 Louis interpretou issocomo um modo de dizer que a Nação precisava de homens voltados para areligião,mastambémdehomenscapazesdeusaraviolênciasemremorsoparamanter a disciplina. Se fosse necessário matar para dar o exemplo, que sematasse.A maioria dos membros do foi jamais contestaria a autoridade. “Ninguém

sequerpensariaemfazeralgosenãofosseporordemdiretadeumtenentequeviessedecimaparabaixo”,explicouThomas15XJohnson.Nocomeçodosanos1960, Joseph tinha plena consciência de que sua mesquita fora infiltrada porinformantes dofbi, por isso,quandodavaumaordemparadisciplinar alguém,limitava aomáximo seus contatos com os homens encarregados de executá-la.“Ocapitão Josephnunca falavadiretamenteconosco”,disse Johnson.“Ele falavacomoprimeirotenente”,queporsuaveztransmitiaaordemparaumoumaistenentes, que escolhiam seu próprio grupo do foi para executar a tarefa em

particular.41

Aspunições iamdesimplessurrasportransgressõescomunsacoisasmuito,muitopiores.Ograve lembretedeElijahMuhammadJr.aoFrutodeque,“nostemposantigos”,irmãosquesaíramdalinhatinhamsidomortosconfirmavaqueessetipodecastigonãoerasócoisadopassado. Johnsonparticipoudealgumasações disciplinares extremas, pelo menos uma das quais cobrou o preço maisalto.“UmirmãofoimortonoBronx,certo?”,disseele,referindo-seaocasocomindiferença.“Elemereciaamorte.Querodizer,nãohaviaamenordúvidasobreisso, mas ele acabou morto.” Noutro incidente, descobriram maconha noapartamento de umministro danoi. “Eles foram lá e quase arrebentaram seubaço”, disse Johnson. Apesar disso, como muitos que adotavam a rigidez dasregras da Nação, ele achava que as surras se justificavam: “Eles o expulsaramporque,comoeudigo,quemjáviuisso,violardessejeito?”.42

Umincidenteenvolveuummembroque,segundoconstava, tinhaameaçadoMuhammaddemorte.“Elijahia[falarno]369ºArsenal...[essehomem]dissequeiamatá-lo.Entãoeueminhaequipeficamosnosaguão,porquesabíamosquemeraosujeito.”Finalmente,ohomemfoi localizadonamultidão,noaltodeumaescadaria.SegundoJohnson,eleeseushomens,

nósopegamoseentregamosàstropas,porquetodosnaescadariaeramsoldados...Nóso levamospara

baixo e o pusemos num círculo. Chutamos ele bastante. Fazer uma ameaça como essa contra Elijah

Muhammad— ei, se dependesse de nós, cara, ele deveria ter sido morto ali mesmo. A polícia ficou

parada esperando... Eles disseram: “o.k., vocês já provaram o que queriam”. Eu disse: “Nós vamos

decidirseprovamosoquequeríamosounão”.E,quandoestávamossatisfeitos,nosdispersamos,eeles

chamaramaambulânciaeolevaram.Masnãosemeteram...Sabiamquesetocassememalgumdenós

iamterdetocaremtodomundo.Todossabiamdisso.Eraalei.Eraintocável.43

Advertirumministrodanoieraespecialmente sério. Johnsonexplicou: “Um

tenentenãopodecastigarumministro.Oúnicoquepodefazerissoéocapitão,etem de ser feito por intermédio do capitão supremo [Raymond Sharrieff] emChicago”.Amesquita tambémcontinuava a atrair jovensque eramdedicados aElijah

Muhammad e não contestavam a cadeia de comando. Exemplo notável eraLawrence (Larry) Prescott Jr.Nascido no começo dos anos 1940 emHampton,na Virgínia, elemudou-se paraNova York quando criança. Como adolescente,

aindanaescola secundária,Larry foiouvirMalcolm falarpelaprimeiravez em13de fevereiro de 1960,mas descobriu queMalcolm tinha sido substituído porWallaceMuhammad.Sentado,ansiosamente,naprimeirafila,Larrylembrava-sevividamentedadeclaraçãoprovocadoradeWallacedeque“osnegrostêmmedode tudo”, ao mesmo tempo que, num gesto dramático, atirava uma Bíblia nochão.“Todomundo,especialmentenasprimeirasfilasondeestávamos...deuumpulo para trás”, lembrava-se Larry. Wallace, então, deixou o públicoconstrangido ao dizer: “Olhem só para vocês. Acham que um raio vai cair emcimademim?”.Larrycomeçoua frequentaras sessõesdaMesquitanº7,eaosdezoitoanos

estava pronto para dedicar-se inteiramente anoi. Mas havia duas paixões nocaminho:ojazzeamaconha.Numacertasexta-feiraànoite,depoisdeouvirumcontundente discurso de Malcolm pelo rádio, Larry pegou suas reservas demaconha — cerca de meio quilo — foi até a casa de um amigo e, depois deanunciar a decisão de tornar-semuçulmano, entregou-a. Larry riu, explicando:“Depois disso meu amigo disse pra todo mundo em South Jamaica [Queens]:‘Larryficoumaluco,estásemisturandocomosmuçulmanos’”.44

Em 1962, Larry 4X era ministro assistente na Mesquita nº 7, orgulhosonovatonoentornodeMalcolm.Diferentementedemuitosoutrosdamesquita,ele percebeu a tensão aumentar entre seu mentor e a sede, em Chicago.“Malcolm tinha mais visibilidade do que qualquer outro ministro da Nação”,disse em 2006. “E seu carisma ajudava— as pessoas escutavam com a maioratençãoapalavradeMalcolm.”Depoisda invasãodamesquitadeLosAngelespela polícia em 1962, “Malcolm reagiu à sua maneira bastante estridente...dizendoqueaquelesdemôniostinhammatadoumdenossosirmãosequeElijahia obrigá-los a pagar. E quando o avião caiu com todos aqueles passageirosbrancosdaGeórgia,eledisse:‘Elijahrespondeuàsnossaspreces’”.45

Larry estreitou amizade como secretário damesquita,MaceoX, depois desaberqueeletinhasidopianistadejazz,etambémpassouaalimentarprofundorespeitopelocapitão Joseph,partidáriodamaisestritadisciplina,mas,paraele,Malcolmerao“chefedoschefes”.46OqueLarrymaisgostavaemMalcolmerasuaatitudenasaulas interativascomos jovensministros.“Eraumaviademãoúnica.Ele falavaenósouvíamos.”Malcolmsempre insistiaemque seusalunosestivessem totalmente preparados antes de dar uma palestra. Nunca falem aesmo,sempensarnasconsequências,advertia;sempredefinaotemadapalestra

comclareza jáno início.“Elesemprenos lembravadeprepararbemo laçoqueprenderiaaspessoas.”Em1963,Larryàsvezesrecebiaatarefadeapresentarseumentor emeventos. “Havia umapiadano curso de formaçãodeministros quedizia que, quando Malcolm caminhava para a tribuna — digamos que euestivessepreparandosuachegada—eledizia:‘Faleclaramente’.Elesesentava,eficavalásentadoumminuto,esperandoquedissesseoquetinhaadizer;sorriaeatépodia aplaudir.Depoisdizia: ‘Fale claramente’.Era a senhapara encerrar eceder-lheavez.”47

Emmaio, a entrevista de AlexMailey comMalcolm naPlayboy chegou àsbancas, dando-lhe ainda maior visibilidade nacional. De um lado, a entrevistaganhara com o fato de ter sido feita antes do confronto de Malcolm comMuhammad,masomomentodapublicaçãonemdelongeajudouatorná-lomaisqueridonasedeemChicago.Naintrodução,HaleyapresentouMalcolmsentado“à mão direita do Mensageiro de Deus” nanoi, exercendo “autoridade quaseabsoluta sobre omovimento e seus adeptos, como administrador dos negóciosde Muhammad, pacificador, primeiro-ministro e provável sucessor”. Durantetodaaentrevista,porém,MalcolmtentouexpressartotaldevoçãoaMuhammad,explicando:“ServireseguirfielmenteoHonradoElijahMuhammadéoprincípiocondutorde todomuçulmano.Osr.Muhammadnosensinaoconhecimentodenós mesmos e de nosso povo”. Um argumento inovador apresentado porMalcolm era o de que anoicontava com “a simpatia de 90% dos negros” nosEstadosUnidos. “Ummuçulmano,paranós, é alguéma favordonegro;poucoimporta que ele vá à Igreja Batista sete dias por semana.” Essa fusão deidentidadesreligiosa,políticaeétnicadavaaMalcolmopoderdefalaremnomedemilhõesdeafro-americanosnãoislâmicos.48

Malcolm usou a entrevista para apresentar alguns argumentos que comcerteza ofenderiam a classe média americana. À pergunta sobre o comentárioque fizera a respeito do acidente aéreo, respondeu: “Senhor, paramim a lei dajustiçadizque se colheoque seplanta...Nós,muçulmanos, acreditamosquearaça branca, culpada de oprimir, explorar e escravizar nosso povo aqui nosEstados Unidos, deverá e será vítima da ira divina”. A entrevista tambémcontinha calúnias antissemíticas. “O judeu grita mais alto do que os outros sealguém o critica.” Malcolm queixou-se: “O judeu está sempre ansioso paraaconselhar o negro. Mas nunca o aconselha a resolver seu problema como osjudeus resolveram o deles”. Com sua influência econômica, observou ele, os

judeuseramdonosdeAtlanticCityedeMiamiBeach,enão sódesses lugares.“Quem é dono de Hollywood? Quemmanda na indústria de roupas, a maiorindústriadacidadedeNovaYork?...Quandoaparecealgumacoisadaqualvaleapenaserdono,os judeusvão láe tomamconta.”Afirmouaindaqueodinheirodos judeus controlava grupos de direitos civis como anaacp, pressionando osnegros a adotarem uma estratégia de integração condenada ao fracasso.49 Seuscomentários seriam considerados tão polêmicos, disse ele, que a revista jamaisospublicarianaíntegra.Haleyficoumuitosatisfeito,porém,quandoaentrevistafoi finalmente publicada, na íntegra, contou: “[Malcolm] ficou muito surpresoquandoaPlayboymanteveapalavra”.50

Ainda aquele mês, depois da publicação da entrevista, Haley procurouMalcolmparalhefazeroutraproposta—contarahistóriadesuavidanumlivro.“Foi uma das poucas vezes em que o vi hesitar”, lembrava-seHaley.Malcolmpediu tempoparapensar,masdoisdiasdepois telefonouparadizerqueestavadisposto a fazer a autobiografia, comduas condições.Todos os royalties a quetivesse direito seriam destinados ànoi. A segunda condição era que Haleydeveriapedirpermissão,pessoalmente,aElijahMuhammad.HaleyfoifalarcomMuhammademPhoenix, semsaberqueapenasduas semanas antesMalcolmeElijah tinham discutido as acusações de adultério. Muhammad achou que oescândalo o colocava em desvantagem ao considerar o pedido de Haley.Interpretou o projeto do livro como prova da vaidade deMalcolm,mas achouqueseriadoseuinteresse,pelomenostemporariamente,atender.“Aláaprova”,conseguiu dizerMuhammad, entre acessos de tosse. “Malcolm é um dosmeusministrosmaisnotáveis.”Querendoounão,eleseenganousobreasintençõesdeMalcolm em relação ao projeto, que eram praticamente o oposto do queMuhammadpensava.Preocupadocomasrelaçõescadavezmaistensascomseumentor, Malcolm esperava usar o livro como tática de reconciliação,apresentandosuavidacomoumtributoaogênioeàsboasobrasdoMensageiro.LogodepoisqueHaleyvoltouparaNovaYorke firmouumcontratocoma

editora Doubleday por 20 mil dólares, Malcolm lhe apresentou uma folha depapel com uma declaração escrita à mão. Disse a Haley: “É a dedicatória dolivro”.Estavaescrito:“DedicoestelivroaoHonradoElijahMuhammad,quemeencontrou no esterco e na lama da mais imunda civilização e sociedade destemundo,eme tiroudali, limpando-me,mecolocandoempé, fazendodemimohomemquesouhoje”.51Esseestilodelinguagem,éclaro,nãoapareceunotexto

final daAutobiografia,vítimada transformaçãoespiritualepolíticanosanosdevidaqueaindalherestavam.Em 27 de maio de 1963, um “Memorando de Entendimento” foi assinado

entre Malcolm X — também descrito como “por vezes chamado de MalikShabazz”—,AlexHaley eum representanteda editoraDoubleday.Aobra eradescritacomo“umlivrodenãoficçãosemtítulo”,comextensãode80mila100mil palavras. O adiantamento dos royalties de 20 mil dólares deveria serdividido igualmente entre Haley e Malcolm. Ao assinar o contrato, cada umrecebeu2500dólares.Num segundodocumento enviado aMalcolmporHaley,osprincipaistermosdocontratoforamreforçados,esclarecendoqueosoriginaisteriam 224 páginas.Haley reconhecia o pedido deMalcolm para que sua partenos royalties fossedoadadiretamentepara aMesquitanº 2 danoiemChicago.Foi fixado o prazo de outubro de 1963 para a conclusão do livro.52 Com ocontrato firmado, a equipe da Doubleday começou a calcular quanto deveriaganhar,financeiramente,comapublicaçãodaautobiografiadeMalcolm.Em6dejunho de 1963, a Doubleday estimou que aAutobiografia, ao preço de 3,95dólares na edição em brochura e de 4,95 dólares em capa dura com tecido,deveria vender 15 mil exemplares no primeiro ano, com um total de vendasprojetadopara20mil.53

Haley preparou regras claras para o trabalho de colaboração. “Ficaentendido”,declarava,“quenadapodeconstardomanuscrito,sejaumasentença,umparágrafoouumcapítulooumais,quevocênãoaprovecompletamente.Ficaentendido,também,quetudoquevocêquiserqueentrenomanuscritoconstenomanuscrito.”54Apesar dessa garantia,Malcolm levoupelomenosummês pararelaxarosuficienteefalarcomfranquezadesuavidapessoal.Osdoisformavamum par difícil: o ex-funcionário da Guarda Costeira, um integracionista e umpregador do separatismo; um desconfiado das ideias do outro, mas amboscapazesdeveroquetinhamaganharcomsuacolaboração.Dejunhoaocomeçode outubro, eles costumavam encontrar-se no apartamento de Haley emGreenwichVillage,ondeMalcolmchegavaporvoltadasnovedanoite e ficavaaté a meia-noite. Haley anotava minuciosamente, mas Malcolm tambémrabiscava suas próprias notas enquanto falavam. Depois que ele saía, Haleytentavadecifrarosrabiscos.Emmeadosdoverão,oprojetoavançava,apesardaatitude reservada que os dois homens ainda mantinham. “Eu o ouvi atacarduramente outros escritores negros, chamando-os de ‘Pai Tomás’”, reclamou

Haley no epílogo daAutobiografia.EMalcolmdeixava claroo tempo todoqueHaley personificava o negro preguiçoso e pequeno-burguês que ele adoravaridicularizar.55

Enquanto o trabalho naAutobiografia prosseguia,Haley enchia seu agente,PaulReynolds, eos editoresdaDoubledaydepedidos.Em5de agosto,Haleyinformou ao assistente de Reynolds que era para substituir a designação“CoautoriadeAlexHaley”pelafrase“ComofoinarradaparaAlexHaley”.56Eleexplicou numa carta que “às vezes [ficava] espantado com as habilidadesdemagógicas[deMalcolm]”,masqueriaestabelecerumadistinçãoclaraentreasperspectivas políticas de Malcolm e as suas. “Escrever em coautoria comMalcolm X, para mim, implicaria compartilhar suas opiniões — quando asminhas são quase a antítese das suas.”57 Ummês depois, após uma sessão de“dezoito horas” com Malcolm, Haley pediu a Reynolds um adiantamento dequinhentosdólaresparairaChicagoentrevistarElijahMuhammad.58Apesardosmuitospedidos,aobraavançavadevagar,eem22de setembroHaleymandouparaReynoldsosdoisprimeiroscapítulosdolivro.Tinhaesperançadeterminaro livro pelo fim de outubro de 1963.59 Apesar disso, tinha dificuldade com asprimeiras fases da vida de Malcolm, e perto do fim de setembro pressionouMalcolm, tentando romper as reservas e a desconfiança do ministro. Haleyinsistiucomeleparaque“tornassemaisemocionantesuacatarsedadecisãoqueenvolvia Reginald. Preciso desenvolver a consideração e o respeito que vocêtinha por [ele] quando vocês dois estavamnoHarlem”. Ele implorou para queMalcolm reservasse três dias consecutivos naquela semana para colaborar nolivro, argumentando que “sessões noturnas como essas serão muitoprodutivas”.60

Malcolm também tentouapresentar asopiniõesdeElijahMuhammad sobreasmulheresnegras sobuma luzpositiva. Isso talvezexpliquea reportagemdoNew YorkHerald Tribune sobre Betty Shabazz, publicada em 30 de junho de1963.Parasuaprimeiraentrevistaàimprensa,afiguradeBettyimpressionava:

Ela nos recebeu de forma impressionante, como uma rainha que saúda um súdito. Usava luvas e véu

brancossobreoscabelos,bemalisadosnatesta.Seuvestidodealgodãocinzadeduaspeças,abotoadono

pescoço, estendia-se até o chão. Seusmodos eram formais, como o vestido, tão elegantes e atraentes

comoosdomarido.61

O repórter foi informado de que as mulheres muçulmanas fugiam dapublicidade.Osprincipaisdeveresdasmulheresdanoieramcuidarda famíliae“obedecer aos princípios morais que lhes são ditados por Elijah Muhammad”.Betty declarou que a líder damgt,Ethel Sharrieff, representavaomodelopeloqual as mulheres muçulmanas se julgavam. “Todas nós tentamos, de algumaforma,copiá-la”,explicouBettyaojornalista.Elahesitouemrevelarfatosbásicosde sua própria vida, como informar em que hospital de Nova York tinhatrabalhado como enfermeira. Reconheceu que não “conhecia muito bem oAlcorão”,masdissequetinhalido“ahistóriadosnegros”parasuasfilhas.TantoBetty como Malcolm se apresentaram como seguidores leais de Muhammad.MasMalcolmacrescentou: “Elijahensina-nosquenenhumcasaldeve ficar juntosenãosederbem”.62

A ideiadeorganizarumamarchasobreWashingtonnasceunoescritóriode

A. Philip Randolph no Harlem, em algum momento de dezembro de 1962,quando Bayard Rustin fez uma visita a Randolph. Os dois velhos amigoscomeçaram a falar sobre oMovimento daMarchaNegra paraWashington, de1941,quepressionaraogovernoRoosevelteosórgãosdedefesaabaixaremumdecreto tornando ilegal a discriminação na contratação de empregados. Aquelamobilização de massa jamais culminara numa marcha real, mas Rustinimaginavaagoraumanovamarchaemescalaaindamaisambiciosa,cujoclímaxincluiria dois dias de atividades públicas.63 Esse primeiro rascunho ressaltava aaceleraçãoda“integraçãonoscamposdaeducação,damoradia,dotransporteedasacomodaçõespúblicas”e“amplaaçãonacionaldogoverno...pararesolveroproblemado desemprego, especialmente com relação a gruposminoritários”.64

De início, Norman Hill, docore, foi nomeado diretor da equipe de campo,viajandopelopaísparaconseguirapoioemnívellocal,enquantoosnccenviariaJohnLewis,seudiretornacional,pararepresentaraorganização.65

NaesteiradavitóriadadessegregaçãoemBirmingham,MartinLutherKingJr.tambémeraafavordeexercermaiorpressãosobreogovernoKennedy.Pormaisdeano,eleeasclc.tinhaminsistidonumdecretopresidencialquetornassea segregação ilegal. A princípio, King apoiou as táticas das manifestaçõessimultâneasaseremrealizadasemtodoopaís,masacabousendoconvencidoa

apoiar a marcha.66 A ala mais conservadora da luta pela liberdade negra, anaacp e a LigaUrbanaNacional,manteve-se, namelhor hipótese, indiferente.RoyWilkinsexigiuqueRustinfossedemitidodafunçãodecoordenador,devidoàsuahomossexualidadeeàssuaspassagenspelaprisão.Chegou-seaumacordo,pelo qual Randolph aceitou o papel público de diretor damarcha, com Rustincomovice-diretor,atuandoapenascomodiretor-executivo.OgovernoKennedytambém ficou profundamente insatisfeito, temendo que a presença de centenasde milhares de manifestantes no National Mall pudesse facilitar a violênciageneralizada. Mas Rustin recrutou centenas de policiais não uniformizados, aseremdispostoscomobarreiraentreosmanifestantes,apolíciaeosfuncionáriosdoServiçoNacionaldeParques,majoritariamentebrancos.Enquantooprojetoganhava impulso, algumas das exigências mais radicais da mobilização eramdescartadasparaacomodaroapoiodegrupostrabalhistasedegruposreligiososliberais brancos. A presença maior de brancos foi suficiente para convencer orelutantegovernoKennedyaoferecerseuendosso.67

ApesardeaNaçãodoIslãopor-se firmementeaosobjetivos integracionistasdamarcha, teria sido impossívelparaMalcolmnãoserafetadopormobilizaçãotãoinédita.Deumlado,asededeRustineranoHarlem—narua130Oeste.68

Durantetodooverão,aimprensanegradiscutiusobreseamarchateriaounãoêxito, tanto em termosde comparecimento comoem sua capacidadede alteraras prioridades de Washington. Apesar de anoiproibir a participação naqueletipo de manifestação, a Mesquita nº 7 continuou a envolver-se em atividadessimilares.Em29dejunhopatrocinououtrograndecomícioderua,naesquinadaavenidaLenox coma rua 115Oeste.O relatóriode imprensadanoiatacou “oslíderesnegrosPaiTomás”pornadafazeremparaimpedir“otráficodedrogas,oalcoolismo, o jogo, a prostituição e outras formas de crime organizado...destruindoafibramoraldacomunidadenegra”.Apesardessesataques,Malcolmconvidou para falar o chefe danaacp, RoyWilkins, o diretor da Liga UrbanaNacional, Whitney Young, James Farmer docore, Martin Luther King Jr. eAdam Clayton Powell Jr.69 Aparentemente, Powell foi o único a responder,indicandoqueoutroscompromissosoimpossibilitavamdefalarnocomício.70Oprogramaatraiu2milpessoas.A atitudedoDepartamentodePolíciadeNovaYork foi a de leve intimidação, e membros do foi foram distribuídos pelostelhadosparaobservartantoamultidãocomotambémospoliciais.71

Em 13 de julho, a Mesquita nº 7 ofereceu um grande banquete para

comemorar a visita formal do filho caçula de Elijah Muhammad, AkbarMuhammad,edesuamulher,Harriet.Ocasalvoltavaparacasadepoisdeumatemporada de dois anos no Cairo, onde Akbar, de 25 anos, estudarajurisprudência islâmica. Sua chegada agradou a Malcolm. Depois de Wallace,Akbar era o principal aliado deMalcolmna família deMuhammad. FilhomaisjovemdoMensageiro,eleachavaqueosanosvividosnoOrienteMédiotinhamfeitoporeleoqueaprisãohaviafeitoporWallace:odissuadiraporcompletodeacreditar no ramo peculiar do Islã pregado pelo pai. Dois dias depois que elechegou a Nova York, anoirealizou outro comício, atraindo 4 mil pessoas, eAkbarfoiconvidadoparafalar.Suafalatinhasidoanunciadacomoum“RelatórioEspecial sobreaÁfricaparaoPovodoHarlem”,masele logo fezumapeloemnomedeumafrenteampladeafro-americanos.72“Precisamosteruniãoentreosnegros”,disseeleàmultidão.“Éhoradenós todos—core,naacp,dr.MartinLuther King,sncc e os muçulmanos negros — nos sentarmos juntos...PrecisamosparardedifamarKing,eeleprecisaparardefalardenósnafrentedoinimigo.” Para Akbar, a distinção entre o separatismo negro, simbolizada porseu pai, e a integração racial era menos importante do que a necessidade decoalizões de forças. Se essa unidade pudesse ser alcançada, líderes de paísesafricanos independentes estavam “prontos para nos ajudar a conquistarmosnossaliberdade”.73

Akbar então fez um comentário incomum, que provocou murmúrios namultidão e com certeza atraiu a atençãodeMalcolm. “Nãoodeio ninguémporcausadacordesuapele”,declarou.“Buscoolharocoraçãodohomem,observosuasações,e tirominhasconclusõescombasenoqueele faz,maisdoquecombasenasuaaparência.”Aoouvirodiscurso,LouisLomaxlembrouqueMalcolmtinha pregado amesma atitude anos antes, mas que ele também continuara adenegrirKingeoutros líderesdomovimentopelosdireitoscivis.OdiscursodeAkbar Muhammad apontava para um provável cisma. Ali estava o filho doMensageiro, aquele que mais mergulhara no mundo do Islã ortodoxo,apresentandoumaclararefutaçãodosprópriosalicercesdateologiadaNação.AposiçãodeAkbar,disseLomax,“refleteoenvolvimentodosárabescomauniãonegraemtodoomundo...MalcolmXestámaispróximodeElijahMuhammad,em termos do que o negro americano deveria fazer, do que o próprio filho deElijah”.AemergênciadeAkbar significavaqueosmuçulmanosnegros iriamsetornarmais“islâmicos”emais“políticos”nofuturopróximo.74

Apesar de o discurso deAkbar ter contestado a ortodoxia daNação do IslãmuitomaisdoqueMalcolmtinhaousadofazê-lo,Malcolmestavabemcientedeque o ritmo de islamização danoideveria ser acelerado. Ele fora obrigado acontinuardefendendopublicamentea legitimidadereligiosadaNação,àmedidaquemuçulmanos,cadavezemmaiornúmero,contestavamaexclusividaderacialdaseita.Em15dejulho,oChicagoDefenderpublicouumareportagemsobreapoderosa LigaMuçulmana do Egito, que “discorda francamente das pregaçõesantibrancos,anticristãs,antijudeuseanti-integraçãodosmuçulmanosnegrosdosEstados Unidos”. A reportagem também se referia a queixas da FundaçãoHumanitária Jami’at al-Islã dos Estados Unidos, cujo diretor, Ahmad Kamal,caracterizou as opiniões deElijahMuhammad como “antimuçulmanas”.A isso,ElijahMuhammad respondeu pessoalmente, com vigor: “Nem Jedá nemMecamemandaram!SouenviadodeAláenãodosecretário-geraldaLigaMuçulmana.NãohámuçulmanonaArábiaquetenhaautoridadeparameimpedirdedivulgaramensagemquemefoiconfiada”.75

Enquanto o verão avançava, Malcolm acelerou seu envolvimento com asmanifestaçõesemfavordosdireitoscivis.Em22dejulhoeleestevepresenteaopiquetedocanteirodeobrasdeumhospitaldoBrooklyn,realizadopormaisdemiltrabalhadoresqueacusavamaindústriadaconstruçãocivildediscriminaçãoracial. Centenas de manifestantes bloquearam os caminhões a partir das setehoras da manhã e a manifestação se estendeu por nove horas; apesar deadotaremtáticasdenãoviolência,trezentosmanifestantesforamarrastadospelapolícia.Malcolmmanteve-se cautelosamente do outro lado da rua,mas trocouapertos de mão e manifestou seu apoio ao piquete. Quando os jornalistas lheperguntaram por que não se envolvia diretamente, ele fugiu do assunto: “Nãoseria justo.Vocêsteriamaquiumasituaçãodiferente.Nuncapermitiríamosqueesses policiais nos pusessem nesses camburões”.76 Juntou-se a ele na segundamanifestação o teatrólogo e ator Ossie Davis, que por instantes bloqueou oacesso de um caminhão das obras. Malcolm levou consigo uma câmera de 35milímetrosetiroumuitasfotos.“Senãohouvesselegenda,agenteeracapazdeachar que essas fotos eramdoMississippi oudaAlemanhanazista”, disse ele aumrepórterdoNewYorkTimes.“AúnicadiferençaentreaGestapoeapolíciadeNovaYork é que estamos em1963.”77Cinco dias depois,Malcolm apareceunum comício por direitos civis no Brooklyn que atraiu mais de trezentaspessoas.78 Falando para amultidão, enfatizou a necessidade de “união” e disse

quenãohavia“diferençasreais”entreosdiversosgruposdedireitoscivis.79

AMarchasobreWashingtonfoimarcadapara28deagosto,eàmedidaqueadata seaproximavaoenvolvimentocadavezmaiordeMalcolmnospiqueteseprotestoscomeçouaexporoutrafraquezadaideologiadaNação.Duranteanos,Malcolm advertira que o público não devia subestimar os muçulmanos; dizia,consistentemente,aqualquerpessoaquequisesseouvir,que, seseupovodeviacolaborar com a polícia, se um muçulmano fosse atacado fisicamente, issoprovocaria uma chuva de violência punitiva.Numa reunião da seita no fim dejulho naquele verão, abordou o problema da brutalidade policial. “Quando anoise manifesta, se manifesta até o fim.” Disse ele ao foi que, embora não odissesse publicamente, acreditava na violência como forma de defender seusdireitos,chegandoaafirmarqueestavampreparadospara“usarseusdentes”seprecisassem se defender.80 Mas, apesar de estarem prontos para recorrer àviolência,oúnicodanoqueaNaçãotinhainfligidonameiadécadaanteriortinhasidosevoltarcontraseusprópriosmembrosquesecomportavammal.EraumacontradiçãoqueincomodavaMalcolm.81

Apesardisso,elepodiamostraralgumprogresso,certamenteemtermosdeseu reconhecimento cada vezmaior. Suas aparições frequentes namídia e suasatividades públicas na área do distrito deColumbia tinham chamado a atençãodopresidenteKennedy,que,referindo-seaumacontrovérsiaemtornodoaviãode combate tfx no começo de junho, gracejara: “Tivemos seis meses muitointeressantes...comotfxeagoravamosterseu irmãoMalcolmpelospróximosseismeses”.82Muhammad continuou amonitorar os discursos públicos de seucélebretenente.Mas,depoisdodiscursodeAkbar,quereceberaamplacoberturamidiática, era muito difícil impedir Malcolm de tratar de questões políticas.MesmoassimMuhammadcontinuou incomodado comas frequentes críticasdeMalcolmaKennedy,que,apesardo lentohistóriconaquestãodosdireitosciviscontinuavapopularentreosnegros.NumacartaparaMalcolmcomdatade1ºdeagosto,Muhammadaconselhou:“TenhacuidadoaomencionarKennedyemsuasfalaseemdocumentosassinados;digaEstadosUnidosougovernoamericano”.83

Enquanto crescia a expectativa a respeito da Marcha sobre Washington,MalcolmdecidiuintensificarosesforçosdeaproximaçãodamesquitadoHarlem.Em10deagosto,Malcolmdisseaumamultidãodecercadeoitocentaspessoasque aNaçãonão participaria damarcha,mas queElijahMuhammadplanejavaestar em Washington durante aquela semana para garantir que não haveria

“enganação, trapaça, deslealdade”.Malcolm também testou, pela primeira vez,seu argumento contra a marcha, dando a entender que ela tinha sido tomadapelogovernoKennedy.Essaestratégiacaracterizouaprincipalpunhaladadoseuataque contra Kennedy e King ao mesmo tempo. Ao mirar contra o topo daestruturadepodereadotandoumtompopulista,Malcolmesperavaprovocaroafastamento da população negra de seus líderes, e com isso levá-los commaisfacilidadeparaaposiçãodaNação.Elecomeçouaretrataramarchacomomaisumexemplodasbasesquesãocooptadaspeloestablishment,que,éclaro,tinhasuas prioridades individualizantes. “Quando o branco descobriu que não podiaimpedir[amarcha]resolveujuntar-seaela”,disseMalcolmàmultidão.84Quatrodias depois, Raymond Sharrieff fez uma palestra naMesquita nº 7, e tambémdesencorajouaparticipaçãodeadeptosdanoi. “Algunsassimchamadosnegrosacreditam em Martin Luther King, e isso está bom e é certo”, declarou ele,diplomaticamente. Elijah eKing “deveriam ser julgados como líderes”,mas nofimMuhammad ficaria “no topo, porque suas obras sãomelhores”.E advertiu:“Hoje, no Islã, realiza-se um teste para a fémuçulmana.Os senhores precisamdemonstrarsabedorianomomentodeescolher”.85

Em 18 de agosto, Malcolm estava em Washington, falando numa reuniãolocal danoi.86No discurso, ele descreveu a atual situação como “amais gravecrise desde a Guerra Civil”. A amplamaioria de negros tinha “perdido toda aconfiançanasfalsaspromessasdoshipócritaspolíticosbrancos”.Suaanimosidademaior, porém, visava aos “liberais brancos, que fazem o maior alvoroço arespeitodosul,sóparaquenãopossamosveroquesepassaaquinonorte”.Ascausas do racismo americano estavam na história do país. “A Guerra deIndependênciaeaGuerraCivilforamduasguerrastravadasemsoloamericano,supostamente em nome da liberdade e da democracia — mas se essas duasguerras forammesmopela liberdadeepeladignidadede todososhomens,porque20milhõesdepessoasdonossopovoaindaestãoconfinadaseescravizadas?”A maioria dos “pais fundadores”, os homens que assinaram a Declaração daIndependência,eramdonosdeescravos.Nomanuscrito datilografado desse discurso, Malcolm fez correções à mão,

atacando diretamente o governoKennedy, apesar do conselho deMuhammad.Riscando as palavras “o governo americano”, escreveu, “a atual administraçãocatólica”.87Elepreviu,corretamente,areaçãobrancacontraaspolíticasdeaçãoafirmativa e oportunidades iguais, que dentro de poucos anos empurrariam

milhões de democratas e operários brancos do sul para oPartidoRepublicano,mas apesar disso não conseguia imaginar a aprovação da legislação de direitoscivis,menosaindasobcomandodeumdemocratadosul,edentrodeumano.88

Em 23 de agosto, Malcolm respondeu a perguntas dos ouvintes na rádiownor,emNorfolk,Virgínia,dizendoqueoadventodeWallaceD.Fardnosanos1930 representoua concretizaçãodeprofecias judaicas, assimcomoa realizaçãodeexpectativas islâmicas.DescreveuFardcomo“ofilhodoHomem”,fazendo-odivino— condição que Fard jamais reivindicou, pelo menos em público.89 Navéspera, Malcolm tinha explicado para uma multidão as bases da estranhacosmologia daNação, incluindo a história de Yacub e dos demônios brancos.90

Aquilo parecia incongruente com o resto de sua retórica, mas, ou ele aindaaceitava os princípios do mundo de Elijah Muhammad ou achava convenienteparecer ao público que os aceitava. Politicamente, ele foi mais claro: “OsmuçulmanosqueseguemoHonradoElijahMuhammadnãoterãocoisaalgumaa ver com a Marcha”, insistiu.91 Não seria vantajoso para os negros “ir até aestátua de um morto — o monumento de um presidente morto — quesupostamenteemitiuumaDeclaraçãodaEmancipaçãocemanosatrás”.92

Bastaram poucos dias para que seus comentários negativos sobre amarchaiminente começassem a circular na imprensa nacional. Enquanto isso,milharesde pessoas começaram a chegar emWashington: os líderes considerados “PaiTomás”, como Rustin, Randolph e King, tinham mobilizado 250 mil pessoas,muitoalémdoalcancedanoi.Emtodoopaís,dezenasdemilharesdeoperáriosnegros também realizavam protestos menores. Quando compreendeu otremendopoderdeatraçãodamarcha,Malcolmdeveterpensadoduasvezes.Ocomparecimento lhe permitiu tomar o pulso da comunidade negra do país; aespetacularmobilizaçãomostrou que as conquistas deKing e de outros líderesde direitos civis em Birmingham eMontgomery tinham tido efeito alastrante.Ele dificilmente poderia negar a eficácia na mobilização de negros em largaescala. Mas ele também acreditava que anoiprecisava deslegitimar a marcha,repeliraideiadequeaqueladramáticaexibiçãodenúmerospudesseateralgumefeito real na vida dos americanos negros. De acordo com Larry 4X Prescott,diasantesdamarchaMalcolmreuniu-secommembrosdaMesquitanº7paraosinstruir, mais uma vez, sobre a decisão de ElijahMuhammad de proibi-los departicipar, apesar de ter informado a Larry e a outras pessoas que ele,pessoalmente, estaria presente, pois tinha recebido autorização doMensageiro.

Na véspera da marcha, à noite, centenas de ônibus estavam estacionados empontosdepartidaemtodaacidadedeNovaYork.ObreirosdanoiestiveramempraticamentetodososônibusparadistribuirexemplaresdoMuhammadSpeaks.Malcolmdizia,segundoexplicouLarry,queaquelaera“umapartedahistóriadaqualdeveríamosparticipar”.93

Mas apesar disso, publicamente, ele dizia o contrário. Num comício danoipouco antes damarcha,Malcolm ridicularizou o evento, chamando-o de “aFarsasobreWashington”,depreciandosuaeficáciaecontestandoaideiadequeamarcha, tal como planejada, representasse a vontade da maioria dos negros.Afirmouqueamobilização“começoucomoumaespontâneaeagressivaaçãodeprotesto das massas negras insatisfeitas”. Isso tinha ocorrido, reconhecia ele,porqueosnegrosemsuaesmagadoramaioria seopunhamà segregação racial.Malcolmdissequea intençãooriginalera levargruposnegrosa interditaremoCapitólio com protestos não violentos e outros tipos de perturbação cívica.Inevitavelmente, porém, brancos poderosos começaram a influenciar osacontecimentos. Supostamente Wilkins, Randolph, King e outros líderes dedireitos civis tinham recebido ordens para cancelar a marcha. Informaram aogovernoKennedyquenãoeramresponsáveispelamobilização—queasmassasnegras tinham assumido o controle.Malcolm afirmou que o governoKennedydecidira “cooptar” a manifestação. O presidente não apenas endossoupublicamente os objetivos damarcha,mas encorajou negros a participarem. Atese deMalcolm era a de que os líderes de direitos civis eram tãomedrosos efalidosqueforamenganadospelosbrancosqueocupavamopoder.94

Essaversãodosacontecimentoseraumadistorçãogrosseiradosfatos—masapesardissocontinhaum fundodeverdade suficienteparacapturarumpúblicodemilitantes negros insatisfeitos, que queriam que amarcha encabeçasse umaondadegreveseatosdedesobediênciacivilgeneralizados.ApesardoschamadosdeMalcolmpor união, e fosse o que fosse que amarcha representasse em suaespetacularefusãodeapoio,oMovimentodeLiberdadeNegracontinuousendoempurrado em diferentes direções.Muitos à esquerda, incluindo amaior partedosncc, inclinavam-seaconcordarcomaposiçãodeMalcolmsobreaineficáciadamarcha. Viam o evento como representativo de estratégias excessivamentecautelosas de líderes negros de classe média, e achavam que seria necessárioadotar ações mais vigorosas para conquistar ganhos reais. Tais discórdiasmanifestaram-seemacordosdebastidoresqueocorreramantesdamarcha,mais

notavelmentequandoJohnLewis,dosncc,seviunomeiodeumacontrovérsiapor causa do discurso que planejava fazer, dizendo, emessência, que amarchaera irrisória e tardia; no último minuto, líderes mais conservadores oconvenceram a eliminar os trechos mais exaltados. A retórica de Malcolm,sobrecarregada por fatores de diplomacia, não se furtou a levantar essesargumentos.Na noite anterior àmarcha, PeterGoldman esbarrou comLouis Lomax no

saguãodoHotelHiltonemWashington.GoldmanlembrouqueLomaxolevouatéumasuíteocupadaporcercadecinquentaafro-americanosdeclassemédia:

Elá[nocentro]estavaMalcolm.EantesdeovereunãotinhaamenorideiasobreparaondeLomaxmelevava.Suaatitude,suaatitudepúblicaparacomamarchaeraadequesetratavadeumpiquenique,deumcirco, e que era inútil... Ele fazia umaversãobastante calada disso.Não falava comeles.Eramaiscomoacenadeumcoquetel.Defato,haviamuitouísqueescorrendo,aténomeucopo...Hásempreumcentro de poder num coquetel, e ali era ele... Ele sabia que ali era a capital... o epicentro dos EstadosUnidosnegrosnaqueledia.95

Malcolmera de fatoo centro das atenções onde quer que fosse, geralmente

seguidoporumbandodejornalistas.OadvogadoFloydMcKissick,queem1965se tornaria chefe docore, esbarrou com ele no hotel.Os dois se abraçaram ecomeçaram a conversar antes que o apavorado pessoal docore tirasseMcKissick dali, com medo de que qualquer associação com Malcolm pudesseprejudicarsuaimagem.96Rustinencontrou-secomMalcolmempelomenostrêsocasiões naquela noite e no dia seguinte. A primeira vez, Rustin saía de umasessãodeestratégiacomosprincipaisoradoresdamarchaquandoviuMalcolmentretendoumgrupode repórteres.Emvezde ficar comraiva, ele já conheciaseu velho parceiro de debates o suficiente para desarmá-lo com humor.“Cuidado, Malcolm”, avisou. “Amanhã haverá meiomilhão de pessoas aqui, evocênãovaiquererdizeraelesqueissonãopassadeumpiquenique.”Malcolmrespondeu:“Oquedigoaeleséumacoisa.Oquedigoàimprensaéoutra”.Maistarde, Malcolm estava com um grupo de participantes da marcha. Ao passar,Rustin gritou: “Por que não diz a eles que isto não passa de um piquenique?”.Desta vez, Malcolm limitou-se a sorrir. No dia seguinte, terminada amanifestação,Rustinoviumaisumavez.Malcolmdisse,asério:“Sabedeumacoisa, este sonho do King vai virar pesadelo antes de terminar”. “Você talvez

tenharazão”,respondeuRustin.97

AMarcha sobreWashington é hoje lembrada principalmente pelo discurso“Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King, em grande parte baseado empronunciamentos públicos que ele tinha feito em Birmingham, em abril, e emDetroitdoismesesantes.Avisãodemocráticaque invocou—“queumdia,nasmontanhasrubrasdaGeórgia,osfilhosdeantigosescravoseosfilhosdeantigossenhoresdeescravospoderãosentar-se juntosàmesadafraternidade”—falavadapossibilidadede transformara culturapolíticadopaís e torná-laplenamenteinclusivapelaprimeiraveznahistória.98OdiscursodeKing foimuitomais doqueumaconquistaretórica:foiumdesafioaosEstadosUnidosbrancosparaquerompessemcomseupassadoracistaeabraçassemumfuturomultirracial.OquenemtodossabeméqueosmaismemoráveiscomentáriosfeitosporKingaquelediaeramtotalmenteinoportunos.Entretanto,pormaiscentralquefosseopapelde King, o que Rustin fez em seguida ao discurso teve quase a mesmaimportância. Na tribuna ele repassou os objetivos da marcha, que incluíam aaprovação do projeto de lei de direitos civis de Kennedy, iniciativa federaldestinadaaatacarosproblemasdodesemprego,dadessegregaçãodasescolasedoaumentodosaláriomínimofederalparadoisdólaresahora.Ovastopúblicodeuseuconsentimentoparacadaumadessasdemandas.99

Delonge,Malcolmassistiuatudo.RogerWilkins,sobrinhodeRoyWilkins,entãojovemadvogadoquetrabalhavanoDepartamentodeJustiça,identificouoinconfundívelperfil deMalcolmà sombradeumaárvore,olhandopor cimadamultidão.100 É provável que centenas de adeptos danoitenham participado damarcha,desafiandoMuhammadeacúpulanacional.EntreseusmembrosestavaHerbertMuhammad,queusousuasligaçõescomoMuhammadSpeaksparateracesso como “fotógrafo oficial” à tribuna principal, onde ficavam os oradores.Quando voltava para Nova York, Malcolm deve ter percebido que precisavaapresentarumprogramadedemandasvoltadoparaaação,quepusesseaNaçãodoIslãdoladodoprotestonegro.Os líderes nacionais danoifinalmente acharam que os rumores sobre as

infidelidades sexuais deMuhammad estavam sob controle e programaram umimportante discurso do Mensageiro para 29 de setembro na Filadélfia. Nessecomício,MuhammadmanifestousuaoposiçãodiretaaoespíritodaMarcha,quecontinuava a dominar as discussões ummês depois. Em sua opinião, foi “umaperda de tempo para os líderes negros irem aWashington pedir justiça”. Os

brancos americanos tinham a “natureza da serpente” e “foram criados com afinalidade de assassinar os negros”. Os negros tinham de optar pela completaseparaçãoracial,docontrárioiriammorrer.101Ocomíciode1963naFiladélfiafoisignificativo tambémpor ter sido a última vez emqueMuhammad eMalcolmapareceramjuntosnumpalanquepúblico.De1961a1963,Malcolmapresentara-separaamídiacomorepresentantenacionaldeMuhammad.MasnocomíciodaFiladélfia,MuhammadanunciouqueMalcolmforanomeadoministronacional.Anovadesignação,que seguramenteprovocouoposiçãono círculomais íntimoeentreosmembrosda famíliadeMuhammad,colocavaMalcolmacimade todosos clérigos danoi. “Este é o meu ministro mais leal e trabalhador”, disseMuhammadàplateia.“Elemeseguiráatémorrer.”102

Durante aquelas semanas de outono, Malcolm continuou suas sessões comAlexHaley, que talvez passasse a considerar comouma espécie de terapia.Noescritório do escritor, contando sua história, Malcolm descobriu que podiarelaxar um pouco, e um ladomais solto, mais informal, de sua personalidadeemergiu.Haleylembrava-sedajocosidadedeMalcolmcertavezemquenarravasuas proezas no Harlem: “Incrivelmente, o destemido demagogo negroimprovisavauma letrademúsicaestalandoosdedos, ‘re-bop-de-bop-blap-blam’—esegurandoumcanoverticalnumadasmãos(comoaparceira)eledançavaesaltitavaalegrementeoLindyHop...”.103Nofimdesetembro,HaleyescreveuaMalcolmumacartacompalavrasdeelogio:“Nuncaouvi,quandosepensanelapor inteiro, uma história de vida mais dramática”. Prometeu a Malcolm que“todasas técnicasprofissionais”dequedispusesseseriam“investidasnoesforçopara fazer plena justiça ao material que você me passou”. Pediu ajuda para“preencherlacunas”,emaisumavezcitoucomoexemploascomplexasrelaçõesentreMalcolm e Reginald. Para tornar o rompimento com o irmão “tocante”,explicouHaley,“precisodiscorrersobresuaconsideraçãoerespeitoporReginaldquandovocêsdoisestavaminicialmentenoHarlem—e,atéomomento,nãohánada ali a respeito disso”. Finalmente, Haley insistiu para ter acesso a todo otempo de que Malcolm pudesse dispor. “Preciso muito disso. A justiça que olivropodefazerpelosmuçulmanosexigeisso.”104

Quandooutubrochegou,ReynoldseaDoubleday ficarampreocupadoscoma lenta produtividade de Haley na autobiografia. No dia primeiro, Wolcott(Tony)GibbsJr.,editorassistentedaDoubleday,sugeriuqueHaleyapresentasseuma “data mais realista para a entrega dos originais”, lembrando-lhe que era

crucial para aAutobiografia “terumadatadepublicação antes que a eleiçãode1964 estivesse a todo vapor”.105 Inspirados pelos editores, e ajudado peladisponibilidade de Malcolm, Haley rapidamente produziu uma série derascunhosdecapítulos.Em11deoutubro,Haleydespachouononocapítulo,“Onegro”, e prometeuoutros embreve.Esse novomaterial, comodisse aGibbs,“apresentaráoestilodeMalcolm,odemagogo,àsvezesáspero,àsvezesdoce,àsvezesretumbante...seminterferênciasóbviasdoescritor‘queoentrevistou’”.106

SecomparadaàversãofinaldaAutobiografiadeMalcolmX,publicadanofimde 1965, a versão de outubro de 1963 apresenta semelhanças, mas notáveisdiferenças também.Tantoos originais de 1963 comoo livropublicado incluemos capítulos “Pesadelo”, “Mascote”, “Mano”, “DetroitRed”, “Apanhado”, “Satã”,“Salvo”,“Salvador”e“MinistroMalcolmX”.Aversãode1965trazainda“Laura”,“Harlemita”, “Vigarista” e “Muçulmanos negros”. Esses capítulos formavam onúcleo da narrativa autobiográfica e ocupavam a maior parte do livro. Oobjetivo de Malcolm era apresentar aos leitores o poder transformador doapóstoloElijahMuhammad,queotiraradeumavidadecriminalidadeedrogase o conduzira à sobriedade e dedicação. Nas longas conversas com Haley,Malcolm exagerou deliberadamente suas proezas de gângster— o número dearrombamentos que praticou, a quantidade de maconha que vendeu paramúsicos e coisas do gênero — a fim de ilustrar o grau de depravação a quechegara.MalcolmcontouaHaleyhistóriassobresimesmoqueeram,emgrandeparte, verdadeiras, mas muitas vezes se apresentou como mais analfabeto eretrógrado do que realmente era. A missão predominante de Malcolm eramostrar-se à luz mais desfavorável possível, para assim demonstrar o podertransformador da mensagem de Muhammad na vida das pessoas. Tambémesperava que a narrativa ficasse como testamento de sua contínua devoção eadoração ao Mensageiro. E talvez até conseguisse calar o coro cada vez maisfortedecríticosdentrodafamíliadeMuhammad.Na versão de 1963, Haley tinha planejado um capítulo, “O advogado do

Mensageiro”, por ele descrito como“ohomemquehoje... falanaFaculdadedeDireito de Harvard”.107 Esse capítulo deveria ser seguido de três ensaiosexpondoas ideias religiosas e a filosofia social deMalcolm.Até certoponto,ostrês ensaiosdescreviama reaçãodeMalcolmaonotável êxitodaMarcha sobreWashington.Comumprojetode leidedireitos civis emdebatenoSenadodosEstadosUnidos,Malcolmnãosóprecisavaapresentarbonsargumentosemfavor

da separação dos negros; precisava também traçar uma estratégia afirmativapara a resistência afro-americana que fosse tão dinâmica como as Caminhadaspela Liberdade e os protestos não violentos. Baseando-se nas experiências queadquiriu quando trabalhou com Randolph no Harlem, Malcolm propôs umafrente unida que envolvesse praticamente todos os negros num programa deautorrespeito, desenvolvimento econômico e fortalecimento de grupo. Achavaque anoipudesse desempenhar um papel de vanguarda na formação dessacoalizão, trabalhando com políticos negros, comerciantes, líderes trabalhistas,intelectuais e outros.Malcolm aproveitava assim as experiências adquiridas noHarlemcomaMesquitanº7naorganizaçãodecomíciosderuaepropunhaumaalternativaparaasmanifestaçõespacíficasenãoviolentasdeKing.Pelofimdeoutubro,pareciaqueaAutobiografiajátomavaforma.Em27de

outubro,Haley informou aGibbs que o livro seria um poucomaior do que oplanejado, com aproximadamente 120 mil palavras. O texto constaria de dezcapítulos,trêsensaioseumposfácio.Osprimeirosdezcapítulosdestinavam-seacontar“odramadavidadestehomem,quesedesenvolveecrescecomoboladeneve”.Osensaiosfinais—“Onegro”,“Ofimdocristianismo”e“Vintemilhõesdemuçulmanosnegros”— foramconcebidos comoo somatório dos pontos devista religiosos e políticos de Malcolm. No posfácio, Haley pretendia escrever“como um negro cristão”, descrevendo “o demagogo como eu o vejo”. Haleyqueriaexplicar“oquesinto,criticamente,sobresuavida,eoqueelesignifica,erepresenta, para os negros, para os brancos, para os Estados Unidos”.108

Mencionou também a Gibbs que Malcolm lhe dera de trinta a quarenta fotosparausarno livro, incluindoumanaqual,ainda jovem,apareciacomacantoraBillieHoliday.109Quasetrêssemanasdepois,Haleyescreveuaseuagente,aseuseditores e a Malcolm. Para o editor executivo Kenneth McCormick, Gibbs eReynolds,HaleyrevelouquechegaraaumpontoemqueoprocessodeescreveraAutobiografiacomeçaraatransformá-lo:“[...]quandoomaterialcomeçaanosdirigir e a nos ordenar o que devemos fazer com ele”.110 Em carta aMalcolm,escritanomesmodia,Haleyexplicou:“Estousendocuidadoso,muitocuidadosono desenvolvimento das nuances à medida que a história se desenrola, cadaestágio, porque, vista em sua totalidade, sua vida inteira é tão incrível que emnenhumestágio, especialmentenas primeiras etapas dedesenvolvimento, podehaver lacunas para o leitor, pois isso comprometeria a plausibilidade, acredibilidade do fantástico ‘Detroit Red’ — e, então, a conversão galvânica,

absoluta”.111

Enquanto Haley trabalhava para concluir o manuscrito, Malcolm fez o queseria sua última turnê pela Costa Oeste como líder danoi. Ele começouconcedendo uma entrevista coletiva em São Francisco, em 10 de outubro, eparticipando de um debate no dia seguinte na Universidade da Califórnia emBerkeley.112 Seu discurso durou menos de trinta minutos, mas continha quasevinte referências específicas ao “Honrado Elijah Muhammad”.113 Apesar disso,emoutrosmomentos,otomfoiprofundamentemundanoepolítico.“Nãotenhointenção de falar hoje sobre os grupos religiosos muçulmanos, nem sobre areligião muçulmana”, explicou. A natureza da crise que os Estados Unidosenfrentavam era “o aumento da hostilidade racial, e o aumento do puro esimplesódioracial.Vemosmassasdenegrosqueperderamtodaaconfiançanasfalsaspromessasdospolíticosbrancoshipócritas”.Adiscriminaçãoqueosnegrossofriam no norte liberal “ainda é mais cruel e selvagem” do que o racismosulista.Commais nitidez ainda do que anteriormente,Malcolm opôs a elite negra

aos interesses das massas negras. “A rica e instruída burguesia negra, essesnegrospresunçososqueescapam,nuncaestendeamãoparaajudare levarcomelao restodonossopovo.Osnegros continuampresosnas favelas.”A soluçãonãoera“integraçãosimbólica”.Quandonegrostentavamdessegregarosetordehabitação, os brancos fugiam dessas áreas residenciais. “Depois da decisão daSupremaCorte em1954”, explicouMalcolm, “amesma coisa aconteceuquandonosso povo tentou integrar as escolas. Todos os estudantes brancosdesapareceram, indoparaos subúrbios.”Agoraos líderesnegros “exigemcertacota, uma percentagem, de empregos dos brancos”. Essa exigência provocaria“violência e derramamento de sangue”. Foi outro exemplo no qual o futuroimaginadoporMalcolmolevouatirarconclusõesequivocadas:apenasseisanosdepois,umpresidenterepublicano,RichardM.Nixon,comaoposiçãofrontaldemilhõesdebrancos,pôsempráticaaaçãoafirmativaeprogramascomofundosde reservaparaminorias.Essas reformas foramrealizadas sema“violênciaeoderramamentodesangue”queMalcolmtinhaprevisto.114

Nafasedeperguntaserespostas,depoisdesuabrevepalestra,MalcolmtevederespondersobreadiscriminaçãoemCuba.Eleobservouque“Castrodeuumgrande passo e uma grande contribuição” para a conquista demaior igualdadepara os negros.Mas os cubanos, demodo geral, “não se referem a simesmos

comobrancosnemcomonegros”,apenascomopessoas.Omesmoeraverdadecom relação aosmuçulmanos. “Quando alguém se tornamuçulmano, não olhaparaumhomemeovê comonegro,moreno,vermelhooubranco,ovê comohomem.”115 Essa interpretação contradizia diretamente a teologia danoi. Arespeito deoutra questão, perguntaramaMalcolm: “Por queumnegronão seinfiltra na máquina política e usa o poder político em benefício próprio?”. Suaresposta, mais uma vez, estava em desacordo com a posição danoi: “Se eleestudasseaciênciadapolítica,provavelmenteofaria”.Haviaafro-americanosemcargoseletivosquede fato representariam“asmassasnegras...AdamPowell éumdosmelhoresexemplos”.116

Durante uma semana, ele viajou pela Califórnia. Em Los Angeles, noEmbassy Auditorium, uma plateia de 2 mil pessoas ouviu-o pronunciar odiscurso acalorado que ficou conhecido como “A farsa sobre Washington”.Malcolm acusou a manifestação de ser “instigada pelos brancos liberais paradeter a revolução verdadeira, a revolução negra”. Em 18 de outubro,MalcolmretornouaNovaYork,ondefezumapalestranaMesquitanº7sobre“acondiçãodosnegrosnaCostaOeste”.117Emmeadosdeoutubro,LonnieXCross,queforacolegadeJames67XnaUniversidadeLincoln, foidesignadoonovoministrodaMesquita nº 4 em Washington, possibilitando a Malcolm abandonar suasresponsabilidadesali.LonnieingressaranaNaçãoapenasumanoemeioantes,eemsetembrodemitira-sedocargodediretordodepartamentodematemáticanaUniversidade de Atlanta para se dedicar em “tempo integral à verdade do sr.ElijahMuhammad”.118

Em29deoutubro,MalcolmfoiaHartford,emConnecticut,ondegruposdeestudantesdaUniversidadedeHartfordohaviamconvidadoafalar.Ointeressepela visita foi tão grande que sua palestra, originariamente marcada para oAuerbachAuditorium,deduzentoslugares,foitransferidaparaumaarenaacéuaberto com capacidade para setecentas pessoas. Açoitado por ventos frios,Malcolmdisseparaaplateia:“Talvezalgumacoisadoquevoudizerosaqueça”.Muito do que disse foi repetição da palestra emBerkeley. Em 5 de novembro,viajou à Filadélfia para falar na mesquita local danoi.119 Quatro dias depois,MalcolmparticipoudeumdiálogopúblicocomJamesBaldwin.120Raramentesepassava uma semana sem que Malcolm aparecesse pelo menos três vezes empúblico,geralmentemais.

Talvez previsivelmente, o êxito da Marcha sobre Washington provocou

grande discussão dentro doMovimento de Liberdade Negra. A eliminação docontroverso discurso de John Lewis sublinhou as questõesmais profundas quedividiam os ativistas negros, e já perto do fim de 1963 o racha entre a velhaguardaconservadoraeosmilitantesveioàtona.EntreosmaisinfluenciadospelonacionalismonegrodeMalcolmestavamseçõesdocore,progressistasdeváriasdenominações cristãs, e ativistas seculares de faculdades, de sindicatostrabalhistasedecomunidadespobresdoscentrosurbanos.QuandooConselhode Direitos Humanos de Detroit começou a planejar uma Conferência deLiderançaNegradoNorte,muitosrepresentantesdessesgruposindependentes,radicais e nacionalistas negros foram excluídos do programa. Em resposta, ocarismático ministro e reverendo Albert B. Cleage Jr. saiu da Conferência eanunciouarealizaçãodeumasegundaemaismilitantereuniãonaquelemesmofim de semana em Detroit. Esse encontro insurgente foi, em grande parte,organizado por uma organização de Detroit, o Grupo de Liderança Avançada(Group on Advanced Leadership, goal), que incluía dois marxistasindependentes, James e Grace Lee Boggs. Ex-trotskista, Grace Lee Boggsestivera,duranteanos,associadaaocélebremarxistatobaguianoC.L.R.James,e era, ela própria, uma astuta teórica do marxismo. O marido, James Boggs,tinha longa experiência na organização de trabalhadores, e logo se tornou umdosmaisinfluentesescritoreseteóricossociaisdomovimentoBlackPower.OutrogrupodeDetroitque se interessava intensamenteporMalcolmerao

Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party, swp). Suaprincipalfigura,quesubsequentementeajudariaamoldarolegadointelectualdeMalcolm com a publicação de vários livros a respeito dele, era GeorgeBreitman.121Editordojornaldoswp,TheMilitant,Breitmantambémfundaraobem-sucedido Fórum Socialista de Sexta-Feira à Noite, na Universidade deWayne, nos anos 1960. Além disso, o swp apoiava os esforços para oestabelecimento do Liberdade Já, terceiro partido negro independente formadoem Michigan. Consequentemente, quando aceitou um convite para falar naConferênciadeBasedoreverendoCleage,Malcolmtalveznãosedessecontadequemilhares de adeptos seus que estavamali se consideravammaismilitantesdo que ele.122 Rejeitavam também o gradualismo danaacp e dasclc. e oativismo não violento de Rustin e Farmer, e eram críticos veementes da

burguesianegra.Comocolapsodomacarthismoeas formasmaisextremasdeperseguição governamental, os esquerdistas e socialistas americanos estavamansiosos para participar da luta nacional pelos direitos dos negros. Viam emMalcolmXumpossívellíderdessenovomovimento.Ao subir ao púlpito da Igreja Batista Rei Salomão, na noite de 10 de

novembro, Malcolm viu um mar de 2 mil faces, na maioria negras.Provavelmentenão tinha intençãode iniciarnadadenovoemtermospolíticos.Certamente não planejara repudiar sua lealdade ànoi.Mas, quando proferiu odiscurso de “Mensagem às bases”, sua vida mudou profundamente — de ummodo nãomuito diferente do que ocorrera comKing depois de “Eu tenho umsonho”. Em seu discurso, Malcolm incorporou seções de discursos recentes,especialmente de “A farsa sobre Washington”, mas também traçou paralelosentre a luta pela liberdade dos negros nos Estados Unidos, a Conferência deBandung e movimentos anticolonialistas da Ásia e da África. Fez uma claradistinção entre o que chamava de “revolução dos negros” e revolução negra.Umarevoluçãoverdadeira,segundodeclarou,erarepresentadapeloscomunistaschineses — “Não existem mais homens considerados ‘Pai Tomás’” na China,disse—epelarevoluçãoargelinacontraodomíniocolonialfrancês.A“revoluçãodos negros”, baseada na ação não violenta direta, não era revolução de formaalguma.123

A revolução é sangrenta, a revolução é hostil, a revolução não faz concessões, a revolução derruba edestrói tudo que apareça no caminho. E vocês, sentados aqui comouma saliência na parede, dizendo:“Vamos amar essas pessoas, e pouco importa o quanto nos odeiem”. Não, vocês precisam de umarevolução.Quemjáouviufalarderevoluçãoemqueaspessoassedãoosbraços,comodissebelamenteoreverendo Cleage, cantando “We Shall Overcome” [Venceremos]? Não é assim que se faz numarevolução. A gente não canta nada; a gente só tem tempo para gingar. A base é a terra. O que orevolucionárioqueré terraondepossaestabelecersuapróprianação,umanação independente...Quemtemmedodonacionalismonegronaverdadetemmedoédarevolução.Equemamaarevoluçãoamaonacionalismonegro.124

Nasegundametadedodiscurso,adicotomiadonegroescravodomésticoeo

escravo do campo veio à tona. Malcolm ridicularizou os “modernos escravosnegros domésticos”, como King eWilkins, apresentando-se a si mesmo comoum escravo rebelde moderno. Denunciou a Marcha sobre Washington como“traição”. “E todos os ‘Pais Tomás’ foram expulsos da cidade ao pôr do sol”,

acrescentou,provocandoumvendavaldegargalhadas.Osprincipaisapoiadoresdamarchadeveriam receberoOscar de “melhor ator coadjuvante”.125 Quandoterminou, a reação foi eletrizante: as pessoas aplaudiam e acenavam com asmãos. A palestra teve as obrigatórias referências a Muhammad, mas essasreferências forameliminadas da gravaçãomeses depois, quando “MensagemàsBases”foilançadoemdisco.Oentusiasmofoiprovocadopeloreconhecimentodamultidão de que Malcolm parecia ter se libertado politicamente. Grace LeeBoggs, que estava sentada perto do reverendo Cleage no palanque, achou o“discurso [deMalcolm]muito analítico, bemmenos nacionalista [negro] emaisinternacionalista” do que suas palestras anteriores. Agitada, Boggs sussurrouparaCleage:“MalcolmvairompercomElijahMuhammad”.126

Em meados de novembro, ele revelou a Haley que durante sua visita aMichigan, emoutubro, tinha idode carro comPhilbert aKalamazooe tiradoamãedohospitalparadoentesmentais.“Talvezvocêfiquechocadoaosaberqueduassemanasatrás”,escreveu,“janteicomminhamãe,pelaprimeiravezem25anos, e que agora ela está em casa, morando com meu irmão Philbert emLansing.”127 Nesse meio-tempo, Haley tinha seguido em frente. Acabara demudar-sedo sul deManhattanparaumapequena casana zona rural deRome,Nova York. Explicou aMalcolm: “Não quero [um telefone] nemmesmo aqui”,até que a maior parte daAutobiografia estivesse escrita.128 Quando soube queLouise tivera alta, respondeu: “Chocado? Não, amigo, fiquei sinceramente —muitocomovido...profissionalmente, fiqueimuito felizporacrescentar ao livroque,paramilhõesde leitores,ele teráessavívidahistóriade interessehumano,essecaráterde‘finalfeliz’”.129

WallaceMuhammadconvidaraLouisXasuacasaemChicagodepoisdoDia

doSalvadorem1963.Enquanto tomavamumchocolatequente,pediu: “Queriaque você dissesse ao irmãoMalcolm que eu gostariamuito de conversar comvocêsdois juntos.Háumacoisaquequero falarcomvocês”.130Durantemeses,ele tinha sido incapaz de marcar uma reunião com Louis e Malcolm. NumencontrocomMalcolmemoutubro,elelhecontaraqueaatividadeextraconjugaldopaiestava“piordoquenunca”.131

Malcolm agora podia escolher. Podia permanecer calado, continuando aoferecer analogias bíblicas e corânicas para explicar os erros de julgamento de

Muhammad. Mas achava que era preciso adotar uma atitude mais agressiva,tantoparaprotegerMuhammadcomoparaestancarahemorragiademembrosdesiludidos.Consultou seisou seteministrosde suaconfiança.Umdeles, claro,eraLouisXFarrakhan—quesabiabemmaisdoqueMalcolmimaginava.A conversa inicial de Malcolm com Louis sobre as transgressões do

Mensageiro tinha ocorrido emNova York; como era seu hábito depois dessesencontros, Malcolm levou Louis de carro para o aeroporto. De acordo comFarrakhan, enquanto Malcolm dirigia para o aeroporto LaGuardia, Louis lhedisse, casualmente, que teria de contar a Muhammad que Malcolm haviaconversado sobre as infidelidades com outros ministros. Houve um brevesilêncio. EntãoMalcolm, olhando para a frente, disse: “Dê-me duas semanas”.Malcolm queria ser o primeiro a explicar seus contatos com os ministros danoisobreoescândalo.LouisconcordoucomopedidodeMalcolm.132E,emboranenhumdosdois soubesse ainda,naquelemomentoopapel eo futurode cadaum dentro da Nação sofreriam uma profundamudança. Quando Louis contousua versão desses fatos a ElijahMuhammad, o apóstolo perdeu para sempre aconfiança em Malcolm e começou a ver em Louis o possível sucessor deMalcolm.SeriamuitofácilafirmarqueaprincipalrazãodeMalcolmterseafastadode

ElijahMuhammadfoiofatodeelesaberqueEvelyn,mulhercomquemestiveraenvolvido romanticamente durante anos, fora engravidada pelo Mensageiro.FarrakhanéoúnicodosamigosíntimosajurarqueMalcolmpensavaemdeixarBetty por Evelyn; ninguém mais — nem mesmo James 67X — fez essaafirmação. Farrakhan talvez tivesse interesse pessoal em exagerar ao contar daraivadeMalcolmcomrelaçãoaEvelyn,tentandocriarummotivonãoteológicoparaorompimentodelecomanoi—rompimentoestequeabriucaminhoparaosurgimentodopróprioFarrakhancomofiguradedestaque.NãohádúvidadequeMalcolm ficou extremamente magoado com essa informação, mas pareciaimprovávelquedeixasseanoicombaseapenasnoincidentecomEvelyn.Malcolmcontinuousuacaminhadafrenéticapelorestodomêsdenovembro.

Em 20 de novembro, falou para uma turma de estudantes de jornalismo daUniversidade Columbia. A curta palestra, seguida de uma longa seção dedebates,foiumadançahabilidosa,queincorporavapolítica,odogmatradicionaldanoieosprincípiosclássicosdoIslãsunita.133

Essa discussão em sala de aula representa umas mais reveladoras sessões

realizadas com a presença de Malcolm, pela ampla diversidade de assuntostratados. Por exemplo, num dos seus raros comentários sobre a comunidadeislâmica não negra,Malcolm acusou tal grupo constituído em grande parte deimigrantesdaÁsia edoOrienteMédiodenão seguirosverdadeirosprincípiosdaféislâmica.EssesmuçulmanosdeveriamdarcréditoaElijahMuhammadporrecrutar milhares de pessoas para o Islã, em vez de “duvidarem de suaautenticidadereligiosa”,disse.QuandoumdosestudanteslevantouaquestãodointeressedoPartidoNazistaAmericanopelanoi,Malcolmrespondeu:“Hámaisbrancos no condado que simpatizam com o nazismo do que com a prática dademocracia... Acho que nenhum branco tem autoridade moral para meperguntaroqueachodosnazistas,diantedofatodequevivemosnumpaísqueem 1963 permitiu ataques a bomba contra igrejas negras e o assassinato decriançasnegrasinocenteseindefesas”.Semexplicarporqueanoipermitiaqueosnazistasassistissemàssuasreuniões,eleafirmouque“Rockwellnãofariaoquefaz... se não fosse por causa de um grande segmento de brancos do país quepensam exatamente como ele”. Quando lhe perguntaram sobre a política dedireitos civis do governo federal, Malcolm gaguejou: “Que há a fazer?”. Maisuma vez,manifestou seu desdém por Kennedy: “Quando um homem se tornapresidente,edepoisdetrêsanosfaztãopoucopelosnegroscomoelefez,apesarde contar como apoiode 80%dosnegros... souobrigadoadizerqueé amaisastutadetodasasraposas”.134

MesmoaliMalcolmcontinuouapintaranoicomoumaserpenteprontaparadar o bote, apesar de todas as oportunidades perdidas; gabou-se de queMuhammad ensinou os muçulmanos a respeitarem a lei, “mas sempre quealguém pusesse as mãos em um de nós devíamos mandá-lo direto para ocemitério”. Alguém perguntou sua opinião sobre o recém-criado partidoLiberdadeJá;dandomuitasvoltas,elesófaltoudarseuendosso.Umavezqueaposição danoiera a de desencorajar seus membros a votarem, ele não podiaapoiarnenhumpartidooficialmente,masnotou,cominteresse,aexistênciade8milhõesdeeleitoresnegrosnãoregistradosnopaís.Imaginemoque“candidatosa presidente e outros” não seriam obrigados a fazer se esse grupo se tornasseativo.“Elesalterariamtodooquadropolítico.”135

Apesar de, àquela altura, as responsabilidades de Malcolm terem âmbitoverdadeiramentenacional,elefaziaopossívelparanãonegligenciarasquestõesraciaisnacidadedeNovaYork.Numcasonotável,elecompareceuedeuapoioa

uma série de manifestações pelos direitos civis que se realizavam em toda acidade.Herman Ferguson, diretor assistente de escola pública, de 39 anos, queparticipavaativamentedasgrandesmanifestaçõesemfavordosdireitoscivisnoQueens, teve uma surpresa agradável quandooministro assistenteLarry 4X eoutros muçulmanos ofereceram apoio. “Lecionei para muitos deles[muçulmanos] na escola”, explicou Ferguson. “Não podiam se envolver[diretamente] porque não tinham permissão.”136 Chegou-se a um acordo peloqual os muçulmanos apareceriam em manifestações pelos direitos civis paravender oMuhammad Speaks, mas também para distribuir os folhetos dacoalizão pelos direitos civis.Malcolmmandou dizer, por intermédio de Larry,queapoiavaasmanifestações,econvidouFergusoneoutrosativistasdoQueenspara visitarem aMesquita nº 7. Ferguson e os ativistas começaram a assistir apalestras namesquita, e ficaram profundamente impressionados. Foi FergusonquesugeriuqueseorganizasseumgrandeeventoparaMalcolmfalarnoQueens,convite queMalcolm aceitou. ANação imprimiu numa gráfica deNova Jerseypôsteres atraentes, que foram distribuídos no South Jamaica, seçãomajoritariamentenegradoQueens.A fala de Malcolm foi marcada para a noite do Dia de Ação de Graças.

Centenasdepessoascompareceram,eoDepartamentodePolíciadeNovaYorktambém estava lá, maciçamente. “Era como se naquele dia metade da forçapolicial de Nova York tivesse sido destacada para o lugar”, afirmou Ferguson,posteriormente.“NãonosdemoscontadopoderdeatraçãoqueMalcolmexercianaspessoas”,mesmonumferiadodeAçãodeGraças.137

Naquele dia houve um incidente envolvendoMalcolm que Ferguson jamaisesqueceria. Pouco antes de subir à tribuna para falar, Malcolm estavaconcentrado rabiscando um caderno amarelo, e Ferguson simplesmenteimaginou que ele estivesse tomando as últimas notas para o discurso. Por issoficou muito surpreso quando Malcolm, olhando para a plateia, disse: “Aquelesujeito está ali com aquela moça branca”, contou Ferguson. “Agora, há umagrandedistância,hámuitoespaçoentreeles...Nãohavianenhumsinal,ninguémsabia ou suspeitava que algo estivesse acontecendo.”138 Mas Malcolm estavaabsolutamentecerto.Quasetodososgrandesoradores,comoMalcolm,precisamsaberanalisarpessoaseculturas.“Eleobservavaaspessoas,ascoisasàsuavolta,e de vez em quando fazia breves comentários, para que todos soubessem quealgoaconteciaali.”

Apesardisso,amaior ironiadacarreiradeMalcolmeraque suas faculdadescríticas de observação, tão importantes na hora de moldar seus discursospúblicos, praticamente desapareciam quando se tratava de avaliar aqueles quefaziam parte do seu dia a dia. Especialmente nos últimos anos de vida, quasetodos aqueles em quem confiava o traíram. No fim de novembro de 1963,Malcolm aindanão tinha reconhecido que a trilha política que deliberadamenteescolheralevariaàsuaexpulsãodaNação.Issoeraóbvio,mesmoparaFerguson,em 1963: “Eu achava que... ele ia acabar tendo que sair da Nação do Islã. Erapolíticodemais...Evoluíarápidodemais”.139

10.“Asgalinhasvoltamparaogalinheiro”1º-dedezembrode1963-12demarçode1964

John F. Kennedy foi assassinado no começo da tarde de sexta-feira, 22 denovembro de 1963. Elijah Muhammad ficou chocado quando soube. Viviaaconselhando Malcolm a não criticar Kennedy, ciente de que o presidentedesfrutava de considerável popularidade entre os americanos negros, e tomouprovidências para impedir que anoifosse tomada pela tempestade de raiva edescrençaqueabalavaopaís.Divulgouumabrevedeclaraçãoparamanifestaroseu pesar “com a perda do nosso presidente” e ordenou que sua coluna em oMuhammadSpeaks fossepublicadanaprimeirapágina,ao ladodeuma fotodeKennedy.1Instruiutodososministrosdanoianadadizeremempúblico,tendoocuidado de pedir a um dos filhos que ligasse paraMalcolm a fim de lhe ditar,pelotelefone,oquequeriaqueseuministronacionaldissesse,casolhepedissemalguma declaração sobre o assassinato.2 Com tanta coisa em jogo, e comMalcolm já ressentido com as tentativas de Chicago para controlá-lo,Muhammadnãoqueriacorrerriscos.Mas o destino intercedeu quando oMensageiro foi obrigado a cancelar um

compromisso,assumidomuitotempoantes,parafalarnoManhattanCenter,napartecentraldeNovaYork,em1ºdedezembro.ANaçãonãopôdelivrar-sedocontratodealuguel,eMalcolmfoiescolhidocomooradorsubstituto,paraoqueseriaoprimeirodiscursoimportantedeumlíderdanoidepoisdoassassinato.3Afim de garantir o cumprimento adequado do programa, John Ali voou deChicagoatéláparaajudar,eficoudecididoquetodososrepórteres,incluindoosbrancos, teriam permissão para cobrir o discurso. O título anunciado por

Malcolm, “O julgamento da América branca por Deus”, era deliberadamenteprovocador.MasMalcolm,Alie todososdemais funcionáriosdanoienvolvidosestavamcientesdasinstruçõesdeMuhammadparaevitarreferênciasaKennedy.ApalestraeramuitoimportanteparaMalcolm,eeleapreparoucomcuidado,

traçandoprimeiroumresumodostópicosprincipaisquedesejavaabordar,eemseguida datilografando a palestra já na forma em que pretendia proferi-la. Odiscurso refletia os dois reinos divergentes da consciência negra que Malcolmocupava: o terreno espiritual da Nação do Islã e os mundos políticos donacionalismonegro,dopan-africanismoeda revoluçãodoTerceiroMundo.FoiastutoobastanteparafazerosobrigatórioscomentáriosdehomenagemaElijahMuhammad, mas também era visível a linguagem política do “Mensagem àsbases”, aliadoaexortações sobreuma revoluçãonegraglobal e àdestruiçãodopoderbranco.ElesabiaqueJohnAliestarianaplateiaeinformariaaMuhammadde imediato, fazendo uma avaliação negativa do discurso. Ao decidir-se pelaprovocação,Malcolmforçavaanoiaadotarumaposturamaismilitante.Um público de cerca de setecentas pessoas compareceu, constituído na

maioria por frequentadores da Mesquita nº 7, mas havia uma significativaminoriadenegrosnãomuçulmanos.4OcapitãoJosephordenaraaLarry4XqueparticipassedasegurançadeMalcolm; seguindo instruções,ele foiatéacasadoministro noQueens e seguiu o carro deMalcolm no trajeto para oManhattanCenter. ComMalcolm em segurança dentro do prédio, Larry orientou outrosmembrosdoFrutodoIslãanãodeixarementrarbrancos,excetorepórteres.“O julgamento da América branca por Deus” começou com um sofisticado

argumentodeeconomiapolítica.“OHonradoElijahMuhammadnosensina...foio mal da escravidão que causou a queda e a destruição do Egito antigo e daBabilônia, e da Grécia antiga, assim como de Roma antiga”, disse Malcolm àplateia. De forma semelhante, o colonialismo contribuiu para “o colapso dospaísesbrancosdaEuropaatualcomopotênciasmundiais”.Aexploraçãodeafro-americanos, por sua vez, “levará a América branca à hora do juízo, trará suaqueda como país respeitado”. O principal argumento de Malcolm era que osEstadosUnidos, comoasantigas civilizaçõesdaGréciaedeRoma, sofriamumdeclíniomoral. Omaior exemplo dessa falênciamoral, disseMalcolm, era suahipocrisia.“AAméricabrancafingeperguntar-se‘oquequeremessesnegros?’.AAméricabrancasabequequatrocentosanosdecruelservidãotornaramesses22milhões de ex-escravos cegos demais (mentalmente) [parênteses de Malcolm]

paraenxergaremoquerealmentequerem.”“Ojulgamento”fezumesforçoparacolocaraspráticasreligiosasecrençasda

noidentrodomaisamplocontextodomundomuçulmano.Malcolmexplicouquea “missão divina” de Elijah Muhammad era essencialmente a de um profetamoderno,emnadadiferentede“Noé,MoiséseDaniel.Eleéumguerreiroparaonossoopressorbranco,masumsalvadorparaosoprimidos”.Essaalegaçãodeque Muhammad merecia o status de profeta contradizia diretamente ainterpretação do Islã ortodoxo de que Maomé do Alcorão era o “selo dosprofetas”. Apesar desse desvio, Malcolm insistiu em que “o Honrado ElijahMuhammadnos ensinanão apenasos princípios da crençamuçulmana,masosprincípios da prática muçulmana”. Membros da Nação do Islã, afirmou ele,observavam os cinco pilares do Islã, incluindo orar cinco vezes por dia, dar odízimo, jejuar e fazer “a peregrinação à cidade santa, Meca, pelo menos [umavez] na vida”.ObservouqueElijah e dois filhos seus tinhamvisitadoMeca em1959, acrescentandoque “outros seguidores seus fazem [aperegrinaçãoaMeca]desdeentão”.5 Evitou, deliberadamente, apresentar o Islã como religião negra,descrevendo-a comouma fé comumamensagemde emancipaçãoparaos afro-americanos.Havia uma ênfase no apocalipse iminente, a qual, apesar de fazer parte da

teologia da Nação do Islã, foimisturada a uma lamúria política de destruição.Um mundo muçulmano não poderia existir sem que Deus destruísse “esteamaldiçoado mundo ocidental, o mundo branco, mundo perverso, governadoporumaraçadedemônios,queprega falsidades,praticaaescravidãoe florescena indecência e na imoralidade”. Os Estados Unidos tinham chegado “a essegrandeDiadoJuízo,àhorafinal”,quandotodososmauspereceriamesóquemacreditavaemAlácomoDeuseprofessavaaféislâmicaseriasalvo.6

Na metade dessa visão apocalíptica, porém, Malcolm deu meia-volta,passando da escatologia para a política racial. Acusou o governo de “tentarenganar seus 22 milhões de ex-escravos com promessas que não pretendiacumprir”. Para preservar o poder, liberais e conservadores manipulamcinicamentequestõesdedireitosciviselíderesnegrosquesejuntamcomliberaisbrancos“traindonossopovoporapenasalgumasmigalhasdereconhecimentoeganhossimbólicos”.Equiparouoscercade3milhõesdenegrosregistradosparavotar em 1960 com a “burguesia negra”, “que foi instruída a pensar como‘individualistas’ patrióticos, sem orgulho racial, e que portanto aguarda com

esperançaasociedadeintegradaecasadaentresi[ênfasedeMalcolm]prometidapelos liberais brancos e pelos ‘líderes’ negros”. Mas nenhum progresso racialseria possível enquanto os que detinham o poder dessem atenção a essa“minoria”delídereseeleitoresnegros“dementalidadebranca”.“Obrancodeviatentarentenderoqueasmassasnegrasquerem...prestandoatençãoaoquedizohomemque fala emnomedasmassasnegras dosEstadosUnidos”7—ou seja,ElijahMuhammad. A tentativa deMalcolm de transformar oMensageiro numheróidaclasseoperárianegraedeequipararostatusburguêscomoregistrodeeleitor era engenhosa,mas fraudulenta. Ele devia estar ciente de que em 1963milhões de afro-americanos que desejavam votar eram impedidos de fazê-lo,fosseporintimidação,repressãoouassassinato,comonocasodeMedgarEvers.A maioria esmagadora exigia acesso a instalações públicas e pleno direito aovoto,questõesquenadatinhamavercommobilidadeverticaldeclasse,oucomausência de “orgulho racial”. Aquilo foi um jeito fácil encontrado porMalcolmparaatacarosnegrosdeclassemédia.Finalmente,eleafirmouqueeramogovernodosEstadosUnidoseosliberais

brancosquecontrolavamarevoluçãonegra.Masmuitomaioreraa“revoluçãonegra... a luta dos não brancos desta terra contra seus opressores brancos”.Revolucionários negros já tinham “varrido a supremacia branca” da Ásia e daÁfrica, e estavam prestes a fazer o mesmo na América Latina. “Revoluções”,explicou,“têmcomobaseaterra[ênfasedeMalcolm].Osrevolucionáriossãoossem-terra contraoproprietário.”Numa referênciaóbvia aMartinLutherKing,elefezecoàsualinguagemem“Mensagemàsbases”:“Asrevoluçõesnuncasãopacíficas,nuncasãoamorosas,nunca sãonãoviolentas.Nemfazemconcessões.As revoluções são destrutivas e sangrentas”.8O apocalipse virá com asmassasnegraseosmiseráveisdomundotomandoascidadesdopoder.Eraumavisãopoderosa,masnãoaqueElijahMuhammadtinhaemmente.Em todo o discurso Malcolm tinha tido o cuidado de evitar referências ao

presidente morto, mas na sessão de perguntas e respostas que se seguiu àpalestra seu senso de humor e sua tendência a gracejar com representantes daimprensaforammaisfortes.Quandolheperguntaramsobreoassassinato,eledeinícioacusouamídiade tentar induziraNaçãodo Islãa fazeruma“declaraçãofanática,inflexivelmentedogmática”.Oqueaimprensaqueriadosmuçulmanos,afirmou,eraumadeclaraçãodotipo“Hurra,hurra!Aindabemqueaconteceu!”.Ouvintes riram e aplaudiram, e o estímulo da plateia empurrou Malcolm

justamente na direção que Elijah Muhammad não queria. Agora ele estavaagitado,finalmentesemmordaça,eascríticascomeçaramafluir.Recentemente,Kennedy tinha “cruzadoosbraços”quandoopresidentedoVietnãdoSul,NgoDinhDiem, e seu irmãoNgoDinhNhu foramassassinados.O assassinato emDallas,disseMalcolm,eraumcasode“galinhasvoltandoparaogalinheiro”.*OsEstadosUnidos tinham fomentado a violência, e não era de surpreender que opresidentetivessesidoumavítimadisso.Se estivesse satisfeito com aquilo, Malcolm talvez escapasse ileso, ou pelo

menosprovocariamenosproblemasdoqueprovocou.Taiscomentários,apesardesemdúvidaofensivos,poderiam,pelomenos,sercompreendidosnocontextodosdiscursosanterioresedasopiniõesdaNaçãodoIslãcomoeramgeralmenteentendidas. Mas acrescentou, com um floreio retórico: “Sendo, como fui, umantigomenino de fazenda, quando as galinhas voltavam para o galinheiro, eunãoficavatriste;sempremedeixaramfeliz”.9Houvemaisrisadaseaplausosnaplateia, mas essa frase extra condenou-o por mostrar-se feliz com a morte dopresidente. Num relatório posterior sobre o discurso, ofbi interpretou oscomentários sobre “galinhas” como uma sugestão de que o assassinato tinhadeixadoMalcolm satisfeito—oque, senão erabemo sentidode sua frase tãocitada, foi, certamente, o sentimento transmitido pelo gracejo sobre “antigomeninodefazenda”queveiodepois.ApesardeoscomentáriosteremcausadofurorinstantâneoforadoManhattan

Center, lá dentro a reação foi totalmente oposta. “A multidão começou aaplaudir”, contou Larry 4X. “Quando ele fez a declaração, não achei que fossenada.”10 Herman Ferguson, o diretor assistente que tinha organizado a fala deMalcolmnoQueensnoDiadeAçãodeGraçasnomêsanterior,tambémestavapresente, e não ouviu nada que fosse motivo de preocupação: “Foi umcomentárioinócuo,eninguémprestoumuitaatenção”.11

Ninguém,talvez,anãoserJohnAlieocapitãoJoseph,queestavamempéapoucospassosdeMalcolmquandoelefezoscomentários.Alificoulívido,esaiuà procura de um telefone para falar com Elijah Muhammad. Malcolm tinhaviolado uma ordem expressa, pondo em risco os interesses da Nação. Oscomentários certamente intensificariam a vigilância dofbi e dos agentes da leilocais, tornando mais difícil para a Nação exercer suas atividades sem serincomodada, e a reaçãoaos comentários ameaçava interromperos avançosdosúltimos cinco anos no recrutamento de novos membros. A sede em Chicago

tinha outras preocupações. Àquela altura, havia centenas de muçulmanos emprisõesfederaiseestaduais,queficavamexpostosàintimidaçãoeviolênciafísica.Se as autoridades penitenciárias achassem que osmuçulmanos negros estavamcomemorandooassassinatodeKennedy,osprisioneirosmuçulmanospoderiamsofrerretaliação.Finalmente,AliprovavelmentediscutiucomElijahMuhammado que tinha sido, para ele, a perturbadora segunda metade do discurso deMalcolm.AnotíciadodiscursodeMalcolm foiumgolpeparaoMensageiro.Oministroemquemmaisconfiavadesobedecera-ofrontalmente;desafiado,sólherestavarespondercomfirmeza.Averdadeéqueoincidentedeixouos inimigosde Malcolm dentro da Nação muito satisfeitos: era uma oportunidade paraSharrieff, Ali, Elijah Jr.,HerbertMuhammad e outros se livrarem deMalcolm.Suadeclaraçãoincendiárialhesderaumaferramentacomaqualtalvezpudessemexpulsá-lodaNaçãodoIslã.AconselharamMuhammadaestabelecerdeimediatouma distância pública entre Malcolm e a Nação. Se disciplinasse o porta-voznacionaldaNação,ElijahMuhammadreafirmariasuaautoridadepessoalsobreaseita.E,casoresolvessedesafiá-lo,MalcolmdariaaAlieaosdemaisummotivosuficienteparaexigiremsuaexpulsão.Nodiaseguinte,segunda-feira,2dedezembro,Malcolmtomouoaviãopara

Chicago, para seu encontro mensal com Muhammad. Aquela manhã, oNewYorkTimesdeuàsuareportagemotítulo“MalcolmXatacaosEstadosUnidoseKennedyecomparaassassinatoa‘galinhasvoltandoparaogalinheiro’”.Quandoelechegou,osdoishomensseabraçaram,comodehábito,masMalcolmsentiude imediato que havia algo errado. “Aquela declaração foi muito ruim”, disseMuhammad. “O presidente do país é nosso presidente também.” Era um jeitoestranho de falar, levando em conta que os membros danoitinham sidodesencorajadosavotar emeleições.MuhammaddisseentãoaMalcolmqueeleseria suspenso por noventa dias, durante os quais ficaria afastado do cargo deministrodaMesquitanº7.Mas,apesardenãoterpermissãodepregarousequerdeentrarnamesquita,deveriacontinuardesempenhandoastarefasdeministro—aprovarfaturas,responderacartasemanterregistrosearquivos.MarilynE.C.,suasecretária,continuariatrabalhandoparaele.12

Amáquinaencarregou-sedeespalharrapidamenteanotíciadapunição.Maispara o fim da tarde, enquantoMalcolm voltava ao aeroporto deChicago ondetomariaoaviãoparaNovaYork,Alieseusassessoresentraramemcontatocomorganizações jornalísticas de todo o país para informar sobre o “silêncio”

imposto a Malcolm. Num telegrama de ampla circulação entre os veículos decomunicação, anoideclarava: “O Ministro Malcolm não falou em nome deMuhammad ou daNação do Islã, ou de qualquer seguidor deMuhammad... Adeclaraçãocorretasobreamortedopresidenteéaseguinte:‘Nós,comoorestodomundo,estamoschocadoscomoassassinatodopresidenteKennedy’”.13UmrepórterdoAmsterdamNewsconseguiufalarcomMalcolmemcasaelhepediuque fizesseumcomentário.Tecnicamente, seu“silêncio” significavaqueelenãoterianenhumcontatodireto comamídia,mas,numpequenogestodedesafio,elerespondeu:“Sim,estouerrado.DesobedeciàordemdeMuhammad.Eleestá100% certo. Concordo que preciso evitar aparecer em público”.14 A notícia dasuspensão deMalcolm daNação do Islã recebeu ampla cobertura na imprensabranca. OLos Angeles Times, por exemplo, deu à sua reportagem o título de“MalcolmPunido por Júbilo comMorte deKennedy”.ANewsweek conjeturouque a suspensão deixara Malcolm “apenas com suas tarefas intramuros deministromuçulmanodeNovaYork—masconstaqueatéissoéduvidoso”.15

Quando aMesquita nº 7 soube da suspensão deMalcolm por noventa dias,houve incerteza,mas não pânico.Colocar pessoas “para fora damesquita” porrazões disciplinares era rotina. Os veteranos lembravam que o capitão JosephforaafastadodeseuprivilegiadocargodechefedoFrutodoIslãem1956.Quasetodosentendiamqueoministrosimplesmenteacatariaadecisãoparatrêsmesesdepoisreassumirocargo.Muitacoisacontinuoucomoantes.Larry4Xcontinuoua cuidar para que Malcolm recebesse sua correspondência oficial. “Ele ia aorestaurante, conversava com funcionários”, contou Larry, “mas não faziadiscursospúblicos.”16

Mas, nos primeiros dias de suspensão, muitos membros da mesquita nãotinham certeza sobre os limites impostos ao ministro. James 67X estava nopúlpitoabrindoumareuniãonamesquitaquandoMalcolmpassoupelaentradade duas portas no fundo da sala e o capitão Joseph rapidamente avançou parabloquearocaminho.“Malcolmtevequedarmeia-voltaesair”,contouJames,“eeupensei:‘Ah,ah,algumacoisamuitointeressanteestáacontecendo’.”17

Naquela época, James era o gerente de circulação doMuhammadSpeaks namesquita,responsávelpelaadministraçãodarendademilharesdedólaresacadasemana. Suas íntimas relações de trabalho comMalcolm lhe permitiram ver otamanho do estrago causado pelo tumulto interno. No outono de 1963, eleperceberaqueMalcolmestava físicaementalmenteexausto,edecidiraescrever

uma carta aMuhammad pedindo uma licença para oministro. Escreveu outracarta para o capitão Joseph, que ridicularizou o pedido. Agora lhe era difícildescobrir mais detalhes sobre o que acontecia com Malcolm. Ele e outrosfuncionários foram informados de que o ministro fora afastado apenas pornoventadias;nenhummembrodamesquitatinhapermissãoparafalarcomele.“Deinício”,disseJames,“imaginei,ora,essadevesermaisumamanobrapolíticado Mensageiro Mohammad.” Mas semanas depois James começou a ouvirqueixas contra Malcolm. Alguns diziam: “Grande Red, claro, ele nunca estevecom o Mensageiro”. Outros o culpavam pelos fiascos públicos com o PartidoNazistaAmericano.18

AsituaçãotambémeraextremamentedifícilparaBetty.Emjaneirode1964,ela estava grávida de trêsmeses, do quarto filho.Omarido era cada vezmaisobjeto de zombarias e de franca condenação,mas apesar disso esperava-se queela,comoboamuçulmana,comparecesseàsfunçõesdamesquita,oquetornavadifícil evitar situações embaraçosas. Todas as advertências que ela fizera aMalcolm sobre a necessidade de pensar no futuro além da Nação pareciamproféticas, e qualquer hesitação que ele possa ter demonstrado quanto adistanciar-se,financeiramenteoudeoutraforma,certamenteaumentouatensãoentreeles.19MasnãohaviacomoMalcolmprotegeramulherdatempestadequeseavizinhava,oudasconsequênciasseeleficassesemsalário.Em6dedezembro,oNewYorkTimespublicouumareportagem,“Malcolm

deve ser substituído”. A notícia, que certamente teve origem num vazamentofeito por alguémmuito próximo deMuhammad, foi surpresa não apenas paraMalcolm e a família, mas também para seus seguidores. O jornal sugeria quefontes próximas aos muçulmanos negros tinham confirmado que ElijahMuhammadjáhaviaescolhidoumsucessorparaaMesquitanº7.Oscandidatosmais prováveis eram o filho mais novo de Muhammad, Akbar Muhammad;Jeremiah X, ministro das mesquitas de Atlanta e Birmingham; e o ministroLonnie X, deWashington. Fontes doTimes também indicaram que “Malcolmficou tão ‘poderoso’ que se tornou uma ‘celebridade’ e não servia mais comoporta-voz do movimento”. A reportagem era muito rica em detalhes, o quedenunciava que as informações tinham vindo de um lugar perto do poder: acitaçãodonomedeministrosespecíficos,emposições-chave,sópoderiatersidoautorizada pelo secretariado da Nação em Chicago ou pelo capitão Joseph.Procurado para comentar, Malcolm negou os rumores. “Sou o ministro da

mesquita”,insistiu,“ecumprireiminhasresponsabilidadesparacomamesquita,quaisquer que sejam as implicações. Apenas evitarei falar em público.”20

Tecnicamente,suadeclaraçãoviolavaosilêncioimpostoporElijahMuhammad.Maspelomenosporenquantonenhumanovamedidafoitomadacontraele.Para seus críticos dentro da Nação, Malcolm estava apenas cumprindo as

formalidades,esópareciaarrependido.EletinhaditoafuncionáriosdaMesquitanº7quecomeçaraa redigirummanuscritocombasenasabedoriamanifestadaporElijahMuhammaddurantesuasmuitasconversasàmesadojantaraolongodos anos,mas, apesar de ter feito um rascunho geral,Malcolmnunca voltou atrabalharnesseprojeto.21 Emvezdisso, continuou amanifestar-sena imprensanacional, contrariando as ordens de Muhammad. NoChicago Defender, porexemplo, atacou o republicano negro Jackie Robinson, que fizera comentáriosnegativossobreAdamClaytonPowellJr.eaNaçãodoIslã.Respingandosátira,suapolêmica ridicularizavao antigo astro dobeisebol comoalguémquenuncasabe“oque sepassanacomunidadenegra, enquantoobranconão lhecontar”.Ele acusou Robinson de tentar influenciar negros para que apoiassem ogovernador deNovaYork,NelsonRockefeller, e perguntou: “Sóme diga paraquemvocêestájogandohoje,meubomamigo?”.TambémavisouRobinsonqueseelealgumdiaousassemostraracoragemmilitantecomoMedgarEvers, “osmesmos brancos que você considera como amigos serão os primeiros a enfiaruma bala ou um punhal em suas costas, assim como enfiaram nas costas deEvers”.22 Além disso, Elijah Muhammad não deve ter ficado muito satisfeitoquando oAmsterdam News informou que a Doubleday planejava publicar aautobiografia de Malcolm. Muhammad reiterou à imprensa que seu assessorencrenqueiro ainda retinha o título deministro, “mas não terá permissão parafalarempúblico”.23

Malcolmsentia-secompletamenteperdido.DepoisdeanosviajandopelopaísparafazerdiscursoseorganizarosnegóciosdaNação,eleagoraseviaàsvoltascom um novo e desagradável fardo: tempo de sobra. Para fazer alguma coisa,respondiaacartas.Aumestudanteafro-americanodaUniversidadeColgate,quedemonstrarainteresseemabrirumasociedadeislâmicanocampus,eleexplicouque, embora a aquisição de conhecimento fosse louvável, a instrução, para terutilidade, precisava ser culturalmente relevante. “Nossas raízes culturaisprecisam ser restauradas, paraque a vida (estímulo) possa fluir paradentrodenós; porque, assim como uma árvore sem raízes estámorta, uma pessoa sem

raízesculturaisestáautomaticamentemortatambém.”24

Amelhor provado estadode espírito deMalcolméuma entrevista que eleconcedeuaLouisLomax,naqualnegouvigorosamenteterdadoaentender“quea morte de Kennedy era motivo de júbilo”. Seu argumento central era que oassassinato do presidente “tinha sido o resultado de uma longa série de atosviolentos,aculminaçãodoódio,dasuspeitaedadúvidanestepaís”.Muhammad“mealertaraanãodizernadasobreamortedopresidente,eomitireferênciasaessa tragédia em meu discurso principal”. Embora aceitasse a suspensão,Malcolmdisse: “Achoquenão será algo permanente”.QuandoLomax indagousobre “diferenças” que, segundo rumores, existiriam entre ele e Muhammad,Malcolm retrucou: “Émentira... Como poderia haver diferença entremim e oMensageiro?Souseuescravo,seuservo,seufilho.Eleéolíder,oúnicoporta-vozdosmuçulmanosnegros”.25

De início,ElijahMuhammad ficou satisfeito coma reaçãogeral à suspensãodeMalcolm.Emconversastelefônicasgravadaspelofbi,eledescreveuocastigodeMalcolmcomoumatodeautoridadepaterna:“Papai”precisaimpordisciplinaao filho, que receberiamais censuras ainda “se fizesse bico e começasse a falaralto”.26 Mas, quando a controvérsia em torno de Kennedy desapareceu dasmanchetes,Elijahseviudiantedeoutraspreocupações.Oafastamentocontínuodo menino de ouro da Nação levou muita gente a acreditar que a declaraçãosobre Kennedy foi apenas um pretexto para a punição, e que aquilo era oconfronto, havia muito esperado, entre Malcolm e o secretariado danoiemChicagoarespeitoda futuradireçãoaserseguidapelaNaçãodoIslã.Agrandequestão,porém,eramospersistentes rumores sobreas infidelidades sexuaisdeMuhammad, cada vez mais difundidos. Muhammad agora sabia que MalcolmtinhacontadoaLouisXeaoutrosministros,explicandosualinhadeaçãocomoumatentativadecontrolarsentimentosentreosobreiros.MasJohnAli,SharrieffeoutrosdisseramaMuhammadqueMalcolmtinhaespalhadoessasinformaçõesde casopensado,paraenfraquecê-lo, e argumentaramqueas açõesdeMalcolmdestruíam a confiança emMuhammad e naNação.Nisso foram ajudados pelofbi,queacompanhavaadiscórdiacom interesseeplanejavaumanova sériedecartas plantadas com o objetivo de comprovar a suposta divulgação de boatosporMalcolm.27

Essa tempestade de desmoralizações teve o efeito desejado. Emmeados dedezembrode1963,Muhammaddecidiunão reconduzirMalcolma seucargona

Mesquita nº 7. Malcolm tinha se tornado poderoso demais. Humilhando-opublicamente,asupremaciadeMohammadsobreaseitaseriarecuperadadetalmaneira que nenhum outro ministro teria a audácia de desafiá-lo. Embora osfuncionários de Chicago quisessem expulsar de imediato Malcolm e seusseguidores, é improvável que Elijah pensasse da mesma forma, pelo menosnaquelaépoca.ManterMalcolmdentroda seita,masamordaçadoeprivadodocargo,pareciaummodomaiseficazdedemonstraropoderdoMensageiro.Eleeliminariaabase institucionaldeMalcolm,masodeixariaondeestava, comooministro nacional, para trabalhar numa posição administrativa mais discreta.Malcolm,porsuavez,aindaseagarravaàesperançadequeMuhammadviesseareintegrá-lo.Pelofimde1963,osdoishomensestavamàbeiradoprecipício,masnenhumdelesachavaqueaseparaçãototalfosseinevitável.28

O novo ano, entretanto, viu a situação piorar. Em 2 de janeiro de 1964,MuhammadtelefonouparaconversarcomMalcolmsobreasuspensão;Sharrieffe Ali provavelmente ouviram tudo. Malcolm, disse ele, tinha discutido suaconduta com ministros danoide modo altamente irresponsável. Acusações decasos extraconjugais e de filhos fora do casamento eram equivalentes a um“incêndio” capaz de destruir aNação.Outra preocupação deMuhammad era acontínua rivalidade entre sua família e Malcolm. Malcolm não fez objeções.Mesmo quando Muhammad insinuou que a suspensão poderia continuarindefinidamente, Malcolm respondeu, calmamente, que tinha lucrado com oconselhoeas açõesdo seumentor, acrescentandoque rezavaparaexpirar seuserros.29

TalvezMalcolmnãotenhaexpressadoseuremorsocomsuficienteconvicção,pois foi depois desse telefonema que Muhammad decidiu que era chegado omomentodetirar-lhetodaautoridade.Nodiaseguinte,Josephfoi informadodequeumnovoministrosubstituiriaMalcolmnaMesquitanº7;masaautoridadepara tomar decisões sobre como dirigir a mesquita seria de Joseph. Em 5 dejaneiro, Muhammad promoveu James 3X (McGregor) Shabazz, chefe damesquita deMewark, a novoministro.Malcolm recebeu ordem para tomar oaviãoeiraPhoenixparaumaaudiênciajudicial,àqualElijahMuhammad,AlieSharrieff estavam presentes.30 Provavelmente foi nessa sessão formal queMalcolm finalmente compreendeu o que estava acontecendo. Confessou ao“tribunal”quetinhareveladodetalhessobreavidaprivadadeMuhammadparaocapitãoJosepheparaalgunsministrosdanoi,esuplicouque lhefossedadaa

oportunidadedecontinuaraservirMuhammad.Masinsistiuparaterodireitodeuma audiência judicial com os membros de sua própria mesquita, direito hámuito assegurado aos acusados de violações naNação.Muhammad respondeu:“Volteeapagueofogoquevocêacendeu”.31Apartirdeentão,nenhummembroqueestavaemdiacomsuasobrigaçõesteriapermissãodefalarouinteragircomele, de forma alguma. Como observou astutamente Peter Goldman: “Para ummuçulmanofiel,essaordemequivaliaaserempurradoparaabeiradasepulturaque nós chamamos mundo. Logo se acumularam provas de que alguém naNaçãotinhaemmenteoutrasepultura,menosmetafórica”.32

Passaram-se semanas, e a Nação fervia de inimizade contra Malcolm,espicaçadaporJohnAlieRaymondSharrieff,queusavamseuscargosnotopodahierarquia danoipara deflagraruma cascata deofensas através de suas fileiras.Boatos sobre a deslealdade de Malcolm com Muhammad tomaram conta daNação, de início sussurrados em reuniões domgt ou discutidos entre osmembrosdofoi,edepoisdifundidosabertamenteporministros,atémesmoporJames 3X Shabazz, domesmopúlpito que fora deMalcolm.33 Logo depois quevoltou de Phoenix, Malcolm e o membro danoiCharles 37XMorris andavampela avenidaAmsterdamnoHarlem quando depararam comum jovem irmãomuçulmanonacalçadaolhandofixamenteparaeles.Tinhaospunhoscerradoseparecia pronto para atacá-los. Funcionários da Mesquita nº 7 tinham dito aoraivoso membro do Fruto: “Se você soubesse o que Malcolm disse sobre oquerido apóstolo sagrado, você mesmo o mataria”. Charles dissedesafiadoramenteaojovemqueprocurassedenovoofuncionáriodamesquitaelhe perguntasse por que ele mesmo não cometia seus próprios assassinatos.Aquilo passou, sem mais incidentes, mas o episódio deixou bem claro quecentenas de membros da Nação do Islã estavam sendo induzidos a ver emMalcolm um inimigo da seita. A raiva e o ódio gerados pela campanha contraMalcolmtornavamquaseimpossívelavoltadoministro,mesmocompermissãode Muhammad. Malcolm tentou desesperadamente seguir uma rotina, umpadrão de trabalho e responsabilidade, para não perder o rumo. Em 14 dejaneiro,encontrou-secomAlexHaleypara trabalharnaAutobiografia.A sessãoduroumais de sete horas, até bem tarde da noite.34 Enquanto trabalhava comHaleyparadarformaàhistóriadoseupassado,eledescobriuqueaformadoseupresentemudavarápidodemaisparaserapreendida.

***DesdequeCassiusClayentrounalanchonetedosEstudantesemDetroitena

vidadeMalcolm,suareputaçãocontinuavaacrescer;depoisdenocautearArchieMooreemjulhode1962,derruboumaistrês lutadores,permanecendoinvictoeconquistando o direito de desafiar pelo título o campeão favorito de pesospesados, SonnyListon.Enquanto treinavapara a luta emMiamino invernode1963, Clay convidou Malcolm e sua família para passarem as férias em seuacampamento em Miami Beach. Feliz pela oportunidade de escapar de NovaYork,Malcolmaceitou,eem15dejaneiroele,Bettyeastrêsfilhasvoaramparaosul.Aviagemea lutamerecerampoucaatençãodeMuhammad.ApesardeasedeemChicagoapreciaro interessedo jovemboxeadorpelaNaçãodo Islã,oMensageiro deixou claro que não aprovava o esporte como profissão. Alémdisso, os líderes danoiestavam convencidos de que o falastrão Clay não tinhachance de derrotar Liston, que acabara de aniquilar o ex-campeão de pesospesados,FloydPatterson.Endossá-lopublicamente,achavameles,só lhestrariaconstrangimentodepoisdaderrotaquasecerta.MasMalcolm,queformaraumasólida amizade com Clay, tinha um senso mais seguro das habilidades doboxeador.TambémpercebiaqueClayera inteligentee tinhaumcarismacapazdeatrair jovensnegrosparaoIslã.Emuitoprovavelmente lheocorreuque,nocasodeumconfrontocomos líderesdeChicago, terClaydo seu ladoeraumavantagem.35

AexcursãoaMiamiBeachfoiaprimeiraeúnicavezemqueBettyeMalcolmtirariam férias juntos. A família de Malcolm provavelmente ficou surpresaquandoviuqueojovemboxeadorestavanoaeroportodeMiamipararecebê-la.Esseencontroinesperadofoitransmitidoaoescritóriodofbiporuminformante.Ao que tudo indica, ofbi ainda não tinha estabelecido nenhuma ligação entreClayeosseparatistasnegros,eoescritórioemMiamificoutãoconstrangidoquesórepassouainformaçãoparaWashingtonem21dejaneiro.36Porváriosdias,afamília fez programas turísticos, relaxando na praia, tirando fotos, comprandocartões-postais.MalcolmpôdeficarumtempocomClay,fortalecendoaconfiançado jovem boxeador. Também tentou aproveitar a viagem para refazer suaimagem, talvez percebendo, finalmente, que precisava apresentar-se por contaprópria, independentemente da Nação. Num caderno de anotações sobre aviagem, ele esboçou vários parágrafos sobre a visita da família ao lugar de

treinamento de Clay, destinados a servirem de base para uma reportagemintitulada“MalcolmX,homemdefamília”.Amaioriadasnotaseradelegendaspreparadasparaacompanharfotosquetirara.UmanotaindicavaqueeleeBettycomemoravam o sexto aniversário de casamento durante a viagem, que erampais de três meninas e esperavam o quarto filho para junho. Tal tentativa demoderar sua imagempública deu certo.OChicagoDefender publicouumbeloretrato da família, com Clay à direita, segurando a filhamais jovem do casal,Ilyasah.37UmafotosemelhanteapareceunoAmsterdamNews;38e,comasduasfotos, Malcolm apresentou a família ao público pela primeira vez. Elasrepresentaram o começo do que seria a última reinvenção de Malcolm, queculminariapoucosmesesdepois,durantesuaviagemaMeca,paraohajj.Bettyeascriançasretornaramparacasaem19dejaneiro,masMalcolmficou

parapassarmaistempocomCassiusClay.Poucosdiasdepois,quandoMalcolmpegouoaviãodevoltaparaNovaYork,Clayfoijunto.Nemsedeuaotrabalhodepedirpermissãoaotreinador,AngeloDundee,eemborafosseinusitadoparaumlutadorinterromperotreinoummêsantesdeumalutapelotítulo,Dundeenão tentou impedir. Quando chegou a Nova York em 21 de janeiro, Clayfinalmente descobriu uma cidade grande o suficiente para abrigar suapersonalidadehipertrofiada.EleeMalcolmsaíramapasseiopeloHarlemeporoutros pontos turísticos da cidade, e Clay assistiu a um encontro danoinoRocklandPalace,apesardeMalcolmnãoterparticipado,porestarsuspenso.Emseguida,ClayvoltouparaMiamieretomouotreinamento.39

Notícias do relacionamento deClay eMalcolm não tardaram a aparecer naimprensa.Em25de janeiro,oAmsterdamNewsregistrouas fériasdeMalcolmnaFlóridacomafamília“comohóspedesdolutadorpesopesadoCassiusClay”.40

Apublicidade causou grandes incômodos no acampamento deClay emMiami.Enquanto sua fama crescia nomundo do boxe, a questão de seu envolvimentocom a Nação passou a persegui-lo. Pelo fato de a seita estar identificadabasicamente com sentimentos de antagonismo aos brancos, esse vínculoameaçavaprejudicá-loprofissionalmente,eissoolevavaadarmuitasvoltaspararespondersemprequejornalistaslevantavamoassunto.Masagora,nosdiasqueantecediamalutacontraListon,ainfluênciadeMalcolmquaseolevouadeclararseuapoioabertamente.OAmsterdamNewsinformouqueClayfezcomentáriosdurantevinteminutosnoRocklandPalace:“Souumhomemcomconsciênciaderaça,esemprequevouaumareuniãodemuçulmanosmesintoinspirado”.41Em

3 de fevereiro, oCourier-Journal de Louisville publicou uma entrevista na qualClay só faltou admitir que eramembro daNação. “É claro que já falei comosmuçulmanos e vou voltar a falar”, declarou. “Integração é um equívoco. Osbrancosnãoquerem integração, eunãoquero integração.Nãoacreditoque elapossaserimposta,eosmuçulmanostambémnãoacreditam.Então,oquehádeerradocomosmuçulmanos?”42

Durante todo o mês de fevereiro Malcolm continuou insistindo comMuhammadpara queo reconduzisse,mas foi inútil. Ele agora se via diante danecessidadedebuscarumasoluçãoparaurgentesproblemasdefamília.ANaçãopagavaumaquantiafixaaseusministros,paradespesasdealimentação,roupase produtos domésticos. ParaMalcolm, isso representava 150 dólares por mês.Eleaindaeraconsideradoministroetecnicamentepodiarequereroauxílio,masseperdesseotítuloficariasemrendamensal,esemdireitoàcasaondeafamíliamoravaemEastElmhurst.Segundoestimativade James67X,de1960a1963,aNaçãopôstambémàdisposiçãodeMalcolmumacontaparadespesasdeserviçodecercade3mildólarespormês,dinheiroquecobriaviagens,acomodaçõesdehotel, refeições e gastos extras.43 ParaqueMalcolm tivesseo impactoque tevenamídianacionalnocomeçodosanos1960,aNaçãoprecisoufazerconsiderávelinvestimento. Por exemplo, sempre que ia a uma cidade onde houvesse umamesquita da Nação, líderes locais deixavam o trabalho e colocavam à suadisposiçãoautomóveis,motoristaseseguranças.Seseuitinerárioenvolvesseumlugar onde anoinão tivesse presença, ele frequentemente viajava com um oumais seguranças do foi. Uma secretária da mesquita cuidava de suacorrespondência de rotina. Era essa elaborada infraestrutura que ajudava a darprojeçãonacionalalídereslocais.AquestãoqueMalcolmagoratinhadiantedesiera saber o que aconteceria se tudo isso lhe fosse tirado. Que assistênciafinanceirapoderiadaraBettyeàsmeninas?Elenãotinhapraticamentenenhumapoupança, nem seguro. Até tomara providências para que os futuros royaltiesque receberia do livro fossem destinados à Nação. Sua fé na seita tinha sidocompletaeincondicional,nãolhedeixandoalternativa,ourotadefuga,seelasemostrasseequivocada.Foi essa posição de vulnerabilidade que obrigou Malcolm a suplicar a

Muhammadquepermitisse sua reintegração, qualquerque fosseo cargo.Numcadernoquemantevenasduasúltimassemanasdejaneiro,eletentouorganizaras ideiasdamelhormaneirapossívelparaapresentaro seucasoaMuhammad.

“Nãotinhamausmotivos.Tinhaboaintenção”,escreveu.Sentindo-me inocente, acho-me extraordinariamente perseguido. Acho que me enganaram. Injusta edesnecessariamente... forçado a encontrarum jeito demedefender, de retaliar contra aqueles inimigossemosofender...Seestouerradonoquedizrespeitoaessessentimentoseconclusões,pelomenosestousendoverdadeiroenãohipócrita,umaoportunidadeparaserviraAláeaosenhor...Como minha carta declarava: 1. Acredito em Nosso Salvador, no senhor e em seu programa. 2. Seiapenasoqueosenhormeensinou.3.Esouapenasaquiloqueosenhorfezdemim.4.Nuncameexalteiacima do senhor. 5. Nunca agi independentemente. Cometi um erro grave ao não o procurardiretamente—eesseerromefezcometeroutros.LamentosinceramenteerezoparaqueAlámeperdoe,e lhepeçoquerezeparaqueAlámeperdoe.Eunãopoderiaser inimigodosenhorsemser inimigodemimmesmo.Nãopoderiafalarcontraosenhorsemfalarcontramimmesmo.44

Dejaneiroaofimdefevereiro,eleescreveuaMuhammadumasériedecartas

pedindo reintegração, apelandopara suas relaçõespessoais e pintando a cúpuladeChicago como ciumenta e empenhada em separá-los.Os “outros”, escreveuele, semdeixardúvidas sobreaquemse referia,queriamo fimda suaparceria“porque sabem que Alá me abençoou para que eu fosse seu melhorrepresentante, assim como seu melhor defensor... Os únicos que podem lhequerer mal são os que não estão realmente com o senhor. É uma posiçãoperigosa,porqueserveapenasparadividir”.45Poucascartassobreviveram;existetambém a possibilidade de que Muhammad jamais as tenha lido, porque seuacesso à correspondência com funcionários da Nação era controlado por Ali eassessores.Mas, como sua suspensão persistia, e Muhammad parecia pouco

compreensivo,Malcolm acabou achando que tinha interpretadomal a situação.ApesardetodasasdificuldadescomChicago,elefinalmentecomeçouaperceberque o verdadeiro problema não era com John Ali ou Raymond Sharrieff, mascom o próprio Muhammad. Em seu diário, Malcolm esboçou uma crítica deElijah Muhammad que continha quatro itens e fora sugerida porWallace: “1.Não culpar John[,]o senhorpor trásde todas as atitudesde John”, escreveunocaderno. “2. O senhor usa John. 3. O senhor não está interessado nosmuçulmanos,masemsimesmo.464.Osenhorusadinheiroparacontrolartodosàsuavolta”.MalcolmnotouqueeleeWallacetinhammuitospontosemcomumem suas queixas à cúpula da Nação. Sob o título de “Análise de Wallace da[Mesquita] nº 2”, Malcolm anotou: “1. Funcionários de Chi[cago] ficaramamedrontados emudaram (de acordo). 2. Frio, impessoal, sem consideração e

durocommembros(deacordo).3.Forçaeautoridadeemvezdeinstruções(deacordo). 4. Protege a si mesmo, não a gente ou a Nação (de acordo)”. Elequeixou-seaWallacedeque,porinfluênciadeJoseph,ofoitransformara-senumsistema interno de espionagem. “Joseph tornara-se ummilitar, e deixou de serum irmão (dois terços tira) a mesma situação em toda parte.47 Capitãestornaram-seantiministros.”Essesfragmentosdeanotaçõesemcadernossãoimportantesparaexplicaras

diferençasque levaramMalcolmarompercomaseitae, subsequentemente,aoseu assassinato. Amaior parte da família deMuhammad e do secretariado deChicago se opunha a Malcolm por duas razões básicas. Em primeiro lugar,estavamconvencidosdequeelecobiçavaaposiçãodeMuhammad:que,quandoElijahnãopudessemais,oumorresse,Malcolmfacilmenteassumiriaocomando.Os benefícios materiais de que gozavam por constituírem a “família real”acabariam abruptamente. Mas igualmente importante era a segunda razão: apolítica militante de Malcolm em 1962-3 representava um rompimento radicalcom o nacionalismo negro apolítico da Nação do Islã. Herbert Muhammad játinha proibido qualquer publicidade relativa aMalcolm noMuhammad Speaksumanoantesdaordemoficialdesilêncio.ParagarantirqueChicagocontinuassemantendo rígido controle, funcionários usavam o Fruto do Islã cada vez maiscomo uma unidade de espionagem e intimidação. Como observou Malcolm,Joseph “tornara-se um militar”, não um irmão, referência nada sutil aosespancamentos que ele infligia. Mas a família de Muhammad entendeutotalmenteerradoosmotivosdeMalcolm.Ele jamais seviucomoherdeiro;nasua opinião, se havia alguém que podia ser preparado para o papel doMensageiro, esse alguém era Wallace. Malcolm preferia a vida itinerante deevangelizador.RespeitavaeamavaWallaceeoteriaapoiadoparasucessorseoMensageiromorresse.OtrágicoerrodeMalcolmfoiacharqueseusobjetivosdemilitânciapolítica—acriaçãodeumafrenteunidaqueincluíssetodososnegroscontra o racismo nos Estados Unidos — poderia ser formada com a plenaparticipação da Nação do Islã. A seita estava pronta para se submeter àislamização,masnãoaparticipardemanifestaçõespelosdireitoscivis,revoluçãono Terceiro Mundo ou pan-africanismo. Foram questões políticas, e não depersonalidades,queromperamasrelaçõesdeMalcolmcomaNaçãodoIslã.Só em fevereiro de 1964 Malcolm estava emocionalmente preparado para

contemplarapossibilidadedevidaalémdaNaçãodoIslã.Emtermospolíticos,

eleteriaderelacionar-secomváriasorganizaçõesativistas,danaacpàesquerdasocialista, deummodo totalmentenovo.Comomuitosmoradores doHarlem,elerespeitavaotrabalhopolíticoantirracistaqueoPartidoComunistarealizavahaviaquatrodécadas.Masodiálogocomoscomunistaseradifícil:tratava-sedeateístas e, pior ainda, integracionistas acérrimos. Seus principais teóricos emquestões de raça, notavelmente James E. Jackson e Claude Lightfoot, tinhamexaminadoo fenômenodosmuçulmanosnegros, caracterizandoonacionalismoafro-americano como “reflexo condicionado do chauvinismo branco”: umarespostaàsleisdeJimCrow,àdiscriminaçãonotrabalhoeaoisolamentosocialdo gueto. No entanto, a ênfase dos muçulmanos negros no ensinamento dahistória e da cultura negras, e sua oposição a drogas, alcoolismo e crimescometidos por negros contra negros, eram contribuições positivas para acomunidade afro-americana. Assim, no balanço geral, apesar de os comunistasdiscordaremvigorosamente dos princípios fundamentais da seita, eram a favordoqueLightfootchamavadecoalizõesde“frenteunida”,mascasoacaso.48 HásinaisdequeMalcolmtalveztenhaseencontradocomlíderesdafilialdoPartidoComunista noHarlememmeados de fevereiro.Entretanto, nãohouve sessõessubsequentes, mesmo depois que Malcolm estabeleceu a Organização daUnidadeAfro-Americana.Parte da turbulência íntima de Malcolm durante aqueles meses vinha de

dúvidas sobre sua fé. Deixar a Nação do Islã significava muito mais do quedeixar um culto religioso; seria abandonar toda uma geografia espiritual. Emmuitas palestras danoi, uma demonstração do futuro da identidade negra erarepresentada num quadro negro. Num lado havia um desenho da bandeiraamericana, acompanhada de uma cruz cristã e dos dizeres “Escravidão”,“Sofrimento” e “Morte”. Do outro, via-se o crescente muçulmano, com aspalavras“Islã”,“Liberdade”,“Justiça”e“Igualdade”.Debaixodosdoisconjuntosde símbolos e palavras, uma pergunta: “Qual deles sobreviverá à Guerra doArmagedom?”.49OobjetivodaNaçãodo Islã era duplo.Primeiro,Muhammadpregavaquenão sóo Islã era a “religiãonatural” de todososnegros,masqueapenas pormeio do conhecimento do Islã os afro-americanos alcançariam suasmetas.Segundo,aNaçãodo Islãafirmavaqueoamericanismoeocristianismosó tinham trazido escravidão emorte social para os negros. Por isso, aNaçãoapresentavaaseusconvertidosumsistemaglobalderaçaabrangente,“lançandooIslãnegrocontraocristianismobranconumalutaplanetáriaehistórica”.50Os

princípiosessenciaisdoremapeamentonegroreligiosodomundoassentavam-sena história deYacub—que os brancos eramo demônio, queWallaceD. FardMuhammaderaDeusempessoa,equeElijahMuhammaddefatoforaescolhidopor esse Deus para representar seus interesses na Terra. Apesar do apoio deMalcolm aomovimento daNação rumo à islamização, ainda em dezembro de1963 ele concordava com a história de Yacub e abraçava a noção de que oscontatos de Muhammad com Fard eram com Alá em forma humana. Em suaentrevistacomLomaxno fimdedezembrode1963, insistiuvigorosamenteemqueElijahtinhafaladocomDeus.51QuandoWallaceMuhammad,nocomeçode1964, manifestou sua crença de que Fard não era Alá nem Deus, Malcolmdiscordou.52

Noentanto,seomaiorpecadodeElijahMuhammadnãoeraengravidarsuassubordinadas, mas apresentar-se fraudulentamente como Mensageiro de Alá,entãoanarrativadeFarderaummito.E,seahistóriadeYacuberafalsa,entãoos povos de origem europeia não eram demônios a serem combatidos, masindivíduos que poderiam se opor ao racismo. Mesmo no nível das aulas deinstruçãodanoi,umnovoremapeamentoreligiosodomundocombasenoIslãortodoxonãoestigmatizariaou isolarianecessariamenteosEstadosUnidosporcausadesuahistóriadeescravidãoediscriminaçãoracial.Emvezdeumajihadsangrenta, de um Armagedom sagrado, talvez os Estados Unidos pudessemrealizar uma revolução não violenta, sem derramamento de sangue. A certaaltura, Malcolm deve ter refletido sobre o impensável: que era possível sernegro,muçulmanoeamericano.HaviatambémasimplicaçõespráticasemdeixaraNação.Semseurespaldo,

Malcolmnãoteriarecursosfinanceirosparaviajarpelopaís,concederentrevistascoletivas ou pronunciar discursos públicos. Ele reconhecia que, se fossecontinuar sendo uma figura pública, teria de criar uma organização secular,consagradaa seuspróprios ideaispolíticose compostadeassessoresdedicados.Com um grupo assim, poderia negociar novas relações com organizações dedireitosciviseseuslíderes.

Quando Malcolm retornou a Miami Beach poucos dias antes da luta de

Cassius Clay, boatos começaram a circular. A publicidade sobre as ligações deClay com anoitinha tomado conta de Miami, desagradando a todos, exceto

Malcolm. O organizador da luta, Bill MacDonald, precisava arrecadar 800 mildólaresparazerarascontas,eashistóriasafastavamosfãsbrancosereduziamarendadebilheteria.Diasantesda luta,marcadapara25de fevereiro,menosdemetadedos15744lugaresdoMiamiConventionHalltinhasidovendida.QuandoMalcolm voltou a Miami para juntar-se a Clay, MacDonald ameaçou cancelar.UmacordofoifeitoeMalcolmconcordouemsermaisdiscreto,pelomenosatéanoitedaluta.Emtroca,oministromuçulmanoteriatratamentodecelebridadeeumlugarnaprimeirafileira—cadeirasete,seunúmerofavorito.53

Malcolm via seu papel basicamente como o de mentor espiritual de Clay.Ninguémachavaqueoimpetuosodesafiantetivessequalquerchancedeganhar.Mas Malcolm garantiu a Clay que sua iminente vitória tinha sido profetizadaséculos antes.AvitóriadeClay,previuele,não seria apenasum triunfoparaaNação do Islã, mas para 700 milhões de muçulmanos no mundo inteiro. Noentanto, o fascínio deMalcolm por Clay e o resultado daquele dia foram pelomenosemparteinfluenciadosporsuaproblemáticasituaçãodentrodaNação.AlutaseriarealizadaapenasumdiaantesdaconvençãoanualdoDiadoSalvador,e Malcolm viu nisso uma oportunidade. Entrou em contato com a sede emChicago e propôs uma negociação: se Clay vencesse Liston,Malcolm o levariadiretamente a Chicago para a convenção, em troca de sua plena reintegração.Chicagorecusouaoferta,emparteporqueosfuncionáriosaindatinhamdúvidassobre a capacidade de Clay como boxeador, mas também porque no fim defevereiro já não tinham mais nenhuma intenção de permitir a volta deMalcolm.54

Nanoitedaluta,Malcolmandoupelomeiodamultidão,àvontade,certodeque ele eClay logo seriamvingados coma vitória. Pouco antes da luta, foi aovestiário juntar-se aClay, cujo entornomuçulmano— formado principalmenteporbajuladoresmandadosdeChicago—atiçavaaparanoiadolutador,falandoarespeitodosboatoseameaçasdeviolênciacontraelequehaviamcirculadonasúltimas 24 horas.Malcolm encurtou o assunto e chamouClay e o irmãoRudynumcanto,conduzindo-osnumaoração.55Depoisvoltouparaaarenaeinstalou-senaprimeira fileira,nãomuito longeda lendária figurado futebolamericano,JimBrown,edocantorSamCooke.Logoospugilistasapareceram,eavozdoapresentadorFrankWymanencheuosalãoquandoeleosanunciou,começandocomClay.Finalmente,ogongotocou.A estratégia de Clay na luta era partir para cima de Liston nos primeiros

rounds, locomover-se sem esforço no terceiro, no quarto e no quinto, e entãolutar “a todo vapor” do sexto ao nono, e, com sorte, conseguir um nocaute.Liston, grande porém lento, cansaria logo, ficando vulnerável pela altura doquinto round.OsplanosdeClayeAngeloDundee teriamdadocertonão fosseporumpequenocontratempo.Nummomentodedesespero,umdostreinadoresde Liston esfregou uma pomada nas luvas do pugilista, cegando Clay durantetodo o round. Com os olhos queimando, Clay dançou pelo ringue, apenas osuficiente para ficar fora do desajeitado alcance de Liston. No sexto round,quandoosolhoscomeçaramaclarear,ClaydestruiuListoncommúltiplosjabesecombinaçõestáticas.Aofimdostrêsminutos,Listonestavaexausto,incapazdelevantarosbraçosparasedefender.Nocomeçodosétimoroundeleagachou-setristemente em seu banco, recusando-se a sair. Atônito, Clay deu voltas peloringue gritando histericamente: “Sou o maior que já existiu! Não tenho umamarcanorosto,ederroteiSonnyListon,eacabeidefazer22anos.Sópossoseromaior!Mostreiparaomundo!FalocomDeustododia!Souoreidomundo!”.56

Aplaudindo de seu lugar na primeira fileira, Malcolm sentiu uma doçuradiferentede tudo aquiloque jáhavia sentido antes.Tinhapreparadouma festadavitóriaemseuquartonoHotelHamptonHouse,numdosbairrosnegrosdeMiami, e logo depois da meia-noite, Clay chegou para participar dascomemorações. Em respeito à sobriedade dos muçulmanos, os participantesreceberam tigelas de sorvete.57 No dia seguinte, Clay confirmou sua filiação àNação do Islã, e apesar de proibido de falar,Malcolm explicou à imprensa porque o triunfo do novo membro tinha significado político, além de religioso,fazendo uma avaliação sábia do legado deClay, ainda em formação: “Clay é omelhoratletanegroqueconheço,ohomemquevaisignificarmaisparaseupovodoquequalqueratletaatéagora.Eleémaisdoquefoi JackieRobinson,porqueRobinson é o herói dos brancos. A imprensa branca queria que ele perdesse.Queriaqueperdesseporqueémuçulmano.Vejamqueninguémseimportacoma religião de outros atletas. Mas o preconceito deles contra Clay osimpossibilitoudeversuahabilidade”.58

A vitória de Clay pegou os líderes da Nação de surpresa. Nunca tinhampensadoqueelepudesseganhar, e comoex-ministroaparecendoorgulhosoaoseu ladoperante todoopaís,Clayhaviase tornado,de imediato,outro focodeinfluência do qualMalcolmprecisava ser afastado.Nodia seguinte à luta,Clayfoi para Chicago a fim de assistir à convenção do Dia do Salvador, onde

finalmente deixoude lado a ambiguidade de declarações anteriores e anunciou,oficialmente,suafiliaçãoàNaçãodoIslã.Semperdertempo,ElijahMuhammadabraçouseunovoadepto,afirmandoqueotriunfodeClayeraobratantodeAlácomo do Mensageiro. Apesar dessa declaração pública, Clay continuou a verMalcolmcomoseuprincipalmentor.Em1ºdemarço,viajoudecarroparaNovaYork, alugou duas suítes de três quartos no Hotel Theresa e imediatamenteentrouemcontatocomMalcolm.Acompanhavam-noo irmãoRudyemais seispessoas.59 Malcolm saboreou o momento de Clay sob os refletores e jogouastutamentecomamídiaparatiraromáximoproveito.Em4demarço,osdoishomens fizeram uma visita de duas horas às Nações Unidas. Num encontroimprovisado com a imprensa, Clay surpreendeu os jornalistas anunciando quepretendia “viver para sempre” emNova York. “Soumuito popular, preciso deumacidadegrandeparaque todospossammever”,explicouClay.Quando lheperguntaram se tinha tido alguma influência na decisão do campeão de pesospesadosde ir paraNovaYork,Malcolm respondeu: “Ele sabepensarpor contaprópria”.60 Na verdade, durante dias ele e Clay tinham conversado sobre asvantagensdeumamudançaparaNovaYork.MalcolmatélevouClaydecarroaoQueens,àprocuradeumacasapertodasua,emEastElmhurst.61

AperspectivadequeClaypudessesemudarparaNovaYork,emparteporinfluênciadeMalcolm,enfureceuasededaNaçãoemChicago.Masmuitomaisameaçadoras foram duas notícias surgidas na imprensa. Em 2 de março, oChicagoTribuneinformouque“Clay,recentementecoroadocampeãodomundodos pesos pesados, chegou ontem ao Harlem inesperadamente para umaconferência secreta com Malcolm X”.62 No mesmo dia, oChicago Defendernoticiouqueosdoishomensplanejavam lançarumanovaorganização, rivaldaNação do Islã. Essa série de eventos e notícias finalmente destruiu qualquerpossibilidade de readmissão de Malcolm nanoi. A sede em Chicago járeconheceraquetinhacometidoumerrograveao lidarcomClay.Permitirqueele viajasse a Nova York e continuasse sua ligação pública com MalcolmenfraqueciaaautoridadedaNaçãodo Islã.OqueassustavamaisMuhammadeseus assessores era que Clay e Malcolm eram populares, cada qual com seuprópriopúblicoemnívelnacional;aduplapoderiafacilmentedividiraNaçãoemfacçõesrivais.63SeriaessaaintençãodeMalcolm—usarsuaestreitarelaçãocomClay para reformar aNação a partir de dentro, ou criar um novomovimentomuçulmano fora dela? Durante aqueles dias de caos, Malcolm estava bastante

inseguro de simesmo.Mas do ponto de vista da sede emChicago, não haviadúvida: Clay era propriedade valiosa da Nação do Islã e precisava serpreservado.MalcolmXeraoinimigo.Malcolm levou mais tempo do que imaginava para perceber que Chicago

estava realmente decidido, e que faria qualquer coisa para atacá-lo. Em 22 defevereiro, um artigo foi publicado noAmsterdam News, citando fontes daconfiançadeMalcolmsegundoasquaisafirmavamqueeleesperava“voltarcomtudo” para a Nação em 1º demarço.Mas à sua volta, a raiva alimentada porChicago espalhava-se entre todos os membros da mesquita, envenenandoqualquer ideia de que seus esforços futuros pudessem estar relacionados ànoi,oudeque a vidadepois da expulsão seria fácil. James 67XeReubenXFrancis,outrotenentedofoilealaMalcolm,trabalhavamcomogarçonsnalanchonetedaMesquitanº7,enoiníciodefevereiro,seuchefe,Charles24X,passouadifamarMalcolmpublicamente. “Começou esse negócio”, contou James, “de dizer: ‘Oh,não o chame de Malcolm, chame-o de Red; oh, vamos matar Malcolm’... Euestavasentadonorestaurantenaquelaépoca,e imagineiqueJosephfaziaaquilopara tentardescobrirqual seriaomelhorcaminho.” Jamesaindaseconsideravaseguidor leal de Elijah Muhammad. “Eu estava 100% com o sr. Muhammad”,explicou. “Mas, quando começaram a falar em matar Malcolm, eu disse: ‘SemataremMalcolm,vãomematartambém’.”64

Um momento decisivo ocorreu quando John Ali visitou a mesquita eanunciouqueChicagoestava“recebendocartasdaCostaLestecomameaçasdetirar a vida do Pequeno Cordeiro”. James ligou novamente para a casa deMalcolme avisouBetty para “queo irmão tomasse cuidado”.Mais tarde, ele eMalcolmconversarampor telefone, e James lhedisse: “Estão falandoemmatarvocê”.Malcolmriu.“Ouça,irmão”,disseele,“nãosoumuçulmanodedomingo.Dediquei doze anos da minha vida a isto aqui... Se tentaremme fazer mal, aNação se voltará contra eles.”65 Malcolm simplesmente não compreendia queJohn Ali e outros funcionários danoiestavam lançando os alicerces para suaexpulsão permanente, ou para seu assassinato. Mas pediu a James para vê-loaquelanoite.“Fiqueipensandoqueeunãodeviaestarfalandocomessesujeito”,resmungou James,mas acabouconcordando.Paraevitarqualquerpossibilidadedeseremdescobertos,marcaramencontronaesquinadarua116comaSegundaAvenida“nomeiodanoite”.66

Malcolm pegou James e seguiu em direção oeste para oMorningside Park,

parandoseuOldsmobileNinety-Eightazuljuntoaomeio-fio,entreasruas113e114Oeste.No carro escuro,Malcolm finalmente começou a falar, desabafando:“Não discuti com ele”, contou James. “Fiquei só ouvindo... Ele falou sobrecorrupção naNação emuita coisa sobre outro assunto.” James já tinha ouvidofalar das relações extraconjugais deMuhammad, e não ficou chocado. QuandoMalcolm mencionou os filhos de Muhammad com outras mulheres, Jamesexplicou:“Semquerersergrosseiro,eudisse: ‘Querdizerqueosr.Muhammadestádando suas trepadinhas’.Ou seja, issoépartedopoder,nãoé?...Por isso,aquilo me deixou meio confuso. Aí eu falei: ‘Líder islâmico, há um conceitofilosóficodepoligamia’”.MasMalcolmcontinuouafalar,justificandosuasaçõeseexplicando como poderia ser readmitido na Nação. James estava perplexo.“Minhaposiçãoeramuitosimples.Eudisse:‘Elesestãofalandoemmatarvocê’.”Dessa vez, ele fez questão de não deixar nenhuma dúvida, repetindo: “Veja,irmão, você era bem-visto pelo sr. Muhammad. E espero que volte a cair emsuas graças. [Mas] não, você não vai voltar para a Nação. As pessoas estãofalandoemmatarvocê”.67

Malcolm finalmente calou. James percebeu que teria de decidir, ali, naquelemomento, se deixaria aNaçãodo Islã comMalcolm.Contrariando seuprópriodiscernimento, disse: “Ouça, não sei quais são seus planos. Mas eu o ajudareiduranteumano”.Sóhaviaumacondição:“Nãomesacaneie.Nãomediganadaquenão seja verdade,ounãomedigaque é verdadeuma coisaquenão seja...Nãoestouperguntandooquevaifazer,comovaifazer,sóqueroquenãomintaparamim”.68MalcolmlevouJamesdevoltaparaseuapartamentoedesapareceunanoite.Nofimde fevereiro,ocapitão Josephprocurouumhomemdofoi chamado

Anas Luqman, colega de quarto de James 67X, para combinar um encontro.Luqmantinha ingressadonaNaçãopoucosanosantes,mas seu treinamentonaMarinha e suas habilidades nas artes marciais lhe garantiram um papelimportante no Fruto do Islã. Em parceria com Thomas 15X Johnson e váriosoutros, ele fazia parte domais alto pelotão de segurança, cujo objetivo, comoexplicaria posteriormente, era descobrir “um jeito discreto de acabar umasituaçãoruim”.Osmembrosdopelotãoevitavamandararmadosebuscavamamáximadiscrição.“Eraprecisosaberagirdeoutramaneira”,contouele,“porquenão queríamos perturbar o públicomais do que o necessário.” Luqman achavaMalcolmimpressionante,etinhaporJosephgrandeaversãoedesconfiança.Um

encontro como capitão Josephnãoeraumaperspectiva atraente,masLuqmanconcordou em vê-lo perto do restaurante danoi. Durante a conversa, Josephdeixouclarasuaintenção.ElesabiadotreinamentodeLuqmannaMarinhaeporalgumarazãoachavaquetivesseexperiênciaembalística,oquenãoeraocaso.Deu uma ordem expressa a Luqman: “Coloque no carro [de Malcolm] umabombaqueacabecomele”.Aordemeraaltamente inusitada,porqueviolavaoprotocolo de rotina para a execução de tarefas disciplinares. Luqman sabia queJosephnuncadavaordensdiretasparamembrosdofoi;ditavasuasordensparaos tenentes,que serviamcomobarreiradeproteçãoentre Josepheaquelesquecumpriamamissão.“Nãohaviatestemunhas.Josephnãoeraestúpido.Euestavaalisozinhocomele,efoiissoqueaconteceu.”69

Quando os dois se separaram, Luqman sentiu-se incomodado. Tinhaingressado na Nação não por causa do seu programa espiritual, mas por suasposições de princípio sobre raça — a ênfase na posse da terra, nodesenvolvimento do comércio e na solidariedade negra. Tinha aplaudido adecisãodeMalcolmdeprotestar contraa intimidaçãoeaprisãodevendedoresdoMuhammadSpeaks,tendoatéparticipadodamanifestaçãodejaneirode1963naTimesSquare.Nofimdaqueleanoelesentia-secadavezmaisimpacientecomo gradualismo daNação do Islã, e agora lhe pediam que executassem o únicohomem da organização capaz de fazer a política negra avançar. Era demais,pensou.“Eutinhaderompercomelestodos”.70PorlealdadeaMalcolm,Luqmanoprocurouparacontarsobreaordemdadapor Joseph.Emretrospecto,pareceprovável que o capitão do foi não tivesse intenção dematarMalcolm naquelaépocaequisesseapenasprepararumaarmadilhaparaeleeLuqman.“Josepheramuito escorregadio, cara”, contou James 67X. “Não era bobo.Uma vez Josephmedisse:‘Generaisvêmegeneraisvão,masJ.EdgarHoover—estáláotempotodo. Não vai ser removido’.”71 Joseph já sentia quais eram as lealdades deLuqmanecalculouqueelecertamentecontariaaMalcolmsobreocarro-bomba.SeMalcolm ainda pretendesse permanecer naNação, o protocolo de segurançaexigiaqueinformasseaChicagosobreosupostocomplô.Senãoinformasse,eraporquepretendiasair.Maisoumenosnamesmaépoca,Malcolmencontrou-secomseuvelhoamigo

eprotegidoLouisXpelaúltimavez.Àquelaaltura,depoisqueLouisinformouaMuhammaddasdiscussõesdeMalcolmsobreseuscasosamorosos,estavaclaroque a lealdade de Louis a Elijah Muhammad era mais forte. Mas, apesar da

amizade seriamente abalada, os sentimentos entre eles ainda persistiam. Louisfoi chamado para falar no lugar de Malcolm em vários domingos, durante asuspensão,equandoLouisvoltoudeBostonfoiconversarcomMalcolm,apesardeserproibidoqualquercontatocommembrosadvertidos.Malcolmchegouatéalevá-lodecarroàmesquitaparaqueelepronunciasseseussermõesdominicais.Tempos depois Farrakhan interpretaria o rompimento de Malcolm com a

Nação do Islã em termos um tanto inusitados: achava que Elijah MuhammadvinhatestandoMalcolmparaassumiraliderança,equeMalcolmnãopassounoteste.Masporocasiãodoseuúltimoencontro,LouisjátinhasidoescolhidoporMuhammadcomooradorsubstitutodeMalcolmnoDiadoSalvadorde1964,eoministro de Boston estava claramente sendo preparado para assumir umimportantepapeldeliderança,provavelmenteodeMalcolm.Seseumentornãopassara num teste, seria no teste em que ele logo passaria. Farrakhan achavatambémqueofatodeMuhammadterengravidadoEvelynWilliamseraumdosgrandesmotivosde raivaparaMalcolm.Quando soubequeelaestavagrávida,contouFarrakhan,“Malcolmcomeçoua falarcadavezmenosnosensinamentos[deElijahMuhammade]tornou-secadavezmaispolítico”.72

Naúltimavezemquesaíramjuntos,contouFarrakhan,elescircularampelacidadeatétardedanoitenoautomóveldeMalcolm.

ElemefaloudoseuamorporEvelynedissequeiatrazê-laparaNovaYork.Eudisse:“Irmão,porfavor,nãofaçaisso,Bettyficariarealmentemagoadasevocêfizesseisso”.Edissemais:“ÉmelhorvocêdeixarBetty onde ela está”. Tivemos esse tipo de conversa. E ele sentou-se comigo e disse: “Irmão, meusinimigos um dia serão seus inimigos”. Citou nomes de pessoas com quem eu deveria ter cuidado naNação.Eentãomedisseestaspalavras:“Euqueriaquevocêfosseumexemploparamim,emvezdeeuserumexemploparavocê”.Foiessaaúltimaconversaquetivecommeuirmão.73

MalcolmnãoapenaspreviuqueLouis tomariao seu lugar comooprincipal

porta-voznacionaldaNação;previutambémoódiodocapitãoJoseph,RaymondSharrieff e outros líderes danoicontra ele. Mas o que Farrakhan não poderiaimaginareraque,empoucomenosdedezanos,eletambémseriaexpulso.

Tardedanoitede6demarço,umdiscursogravadoporElijahMuhammadfoi

levadoaoarpela rádiowwrldeNovaYork,assimcomoporumaemissorade

rádiodeChicago.OobjetivoimediatodeMuhammaderagarantiralealdadedeCassiusClay.Com isso, ele tomaria deMalcolm sua última ficha. “Esse nome,Clay, não tem nenhum significado divino”, anunciouMuhammad. “Espero queeleaceiteserchamadoporumnomemelhor.MuhammadAliéonomequelhedareiseeleacreditaremAláemeseguir.”74MalcolmouviuodiscursodeElijahMuhammadnorádiodocarroe ficouestupefato.Suareação foi:“Éuma jogadapolítica. Fez issopara impedir que ele venha comigo”.Representantes danoijáestavamreunidoscomClaynoHotelTheresa.Umdosartigosmaisvaliososquelheprometeram foi uma esposa, que, se desejasse, podia ser umadas netas doMensageiro.Malcolm,naverdade, tinha tentadoconvencerClayanãodeixar aNação, talvez achando que o jovem pugilista pudesse juntar-se a ele maisfacilmente se não fosse pressionado. Dentro de poucos dias, Clay, agora Ali,preferiuficardoladodeMuhammad.NumaentrevistaaAlexHaley,eleadmitiuque um dos fatores que levou em conta foi omedo. “Ninguém se opõe ao sr.Muhammadeficaporissomesmo”,disseeleaHaley;e,arespeitodeMalcolm:“Não quero mais falar sobre ele”.75 Em 10 de março, oNew York Timesinformouque“ocampeãomundialdepesospesados,de22anos,indicouquevaificarao ladodaseitademuçulmanosnegros,chefiadaporElijahMuhammad,enãose juntaráaMalcolmX”.76Em21demarço,oPittsburghCourier anunciouque“osupremoesforçodeMalcolmX...para ‘vender’asimesmoeaumnovoprograma, o ‘Mesquita Negra’, para o campeão mundial de pesos pesadosCassiusXClayfracassouporcompleto”.77

Avida inteiradeMalcolmparecia fugirdoseucontrole.Em6demarço,elefoi paradopela polícia por dirigir em alta velocidadena ponteTriborough, emNova York, e levou uma multa.78 Um dia antes, tinha recebido uma carta deMohammad informandoqueeleestava suspenso indefinidamente.79 Isso, aliadoao fato de Muhammad Ali tomar o partido de Muhammad, deixou Malcolmnuma enrascada. Seu saláriomensal para despesas domésticas seria cortado.Odinheiro que ganhava comoorador em faculdades e palestras públicas garantiaumarendamodesta,e seprecisasse tirariaumpoucomaisdaDoubledaycomoadiantamento pelo livro, mas não podia mais se dar ao luxo de adiar orompimentocomaorganização.Em 8 demarço, ele foi de carro à casa do repórterM. S.Handler, doNew

YorkTimes,enapresençadamulherdeHandleranunciousuadecisãodedeixaraNação. A reportagem deHandler, “MalcolmX rompe comMuhammad”, foi

publicadanodiaseguinte.Deinício,elefezopossívelparaevitarumconfrontocom a Nação do Islã. “Quero deixar bem claro que meu conselho a todos osmuçulmanos é que fiquem na Nação do Islã, sob a orientação espiritual doHonrado Elijah Muhammad”, declarou. “Não quero encorajar ninguém a meseguir.” Malcolm sugeriu que sua saída da seita foi inspirada pelo desejo deajudar a promover o programa da Nação. “Cheguei à conclusão de que possodifundirmelhoramensagemdosr.MuhammadseficarlongedaNaçãodoIslãecontinuar a trabalhar por conta própria entre os 22 milhões de negros nãomuçulmanosdosEstadosUnidos.”Tentandoinstaurarapazcomseuscríticosdomovimento pelos direitos civis, ressaltou o compromisso “de cooperar comações locaispelosdireitoscivisnosuleemoutraspartes”.Paraosnacionalistasnegros seculares e ativistas independentes, declarou seu apoio à construção de“umpartidonacionalistanegropoliticamenteorientado”que“buscariaconverterapopulaçãonegradanãoviolênciaparaa autodefesaativa contraosmilitantesda supremacia branca em todas as partes do país”. Ciente da necessidade defundos, anunciou também: “Aceitarei todos os compromissos importantes parafalaremfaculdadeseuniversidades”.80

SeMalcolm ficasse apenas nisso,Muhammad e os funcionários danoitalveznão tivessem retaliado com a crueldade que retaliaram.Mas, comono caso docomentário sobre as “galinhas”, elenão conseguiu se segurar.QuandoHandlerlheperguntou sobreosmotivosda saída,oministro respondeu: “A inveja cegaos homens, impossibilitando-os de pensar com clareza. Foi o que aconteceu”.Malcolm acusou aNação do Islã de restringir sua independência política e suaparticipação no movimento pelos direitos civis. “Agora vai ser diferente”,prometeu.“Vouentrarnalutasemprequeosnegrosmepediremajuda.”81Essescomentários certamente garantiram a escalada dos ataques polêmicos, epossivelmentefísicos,contraele.Talvezemparte,MalcolmtenhadesencorajadomembrosadeixaremaNação

paraatenuaroníveldascríticascontraele.Masdopontodevistapráticoestavaclaro que ele não havia refletido bem, pois muitos membros já estavam emprocesso de desligamento. Primeiro, havia umgrupode tenentes e confidentes— James 67XWarden, Charles 37X Morris (também conhecido como CharlesKenyatta), Anas Luqman, Reuben X Francis e muitos outros — que estavamsaindo da Nação basicamente por lealdade pessoal a Malcolm. Devido a seuvastoenvolvimentonopassadocomaseita—porexemplo,oconhecimentodas

atividades brutais do “esquadrão do fumo” —, eles também corriam risco demorte. Outro grupo incluía membros desgostosos com as críticas a MalcolmproferidasnaMesquitanº7enorestaurantehaviameses,equeachavamqueoministro deveria ter tido o direito de defender-se perante toda a congregação.Depois da expulsão deMalcolm, um grupo de fiéis também saiu em defesa deseuantigoministrodentrodamesquita.Éimpossívelsaberexatamentequantosmuçulmanos deixaram a Mesquita nº 7 entre março e abril, durante acontrovérsia acerca de Malcolm, mas é provável que não mais de duzentosmembrosemsituação regular abandonarama seita:menosde5%dos fiéisquefrequentavamamesquita.AlgunsdosquesaíramparasejuntaraMalcolmerammembrosantigos.Mas

havia um número surpreendente de recém-convertidos, que não sabiam quasenadasobreafontedetensãoentreasfacçõesrivaisdanoi.UmdelesfoiWilliam64X George. William era detento em Rikers Island quando outro preso orecrutoupara aNação.Em junhode 1963, ingressou formalmentenaMesquitanº7.DeixouaNaçãoporduasrazõesbásicas.Noiníciode1964,anoicomeçouaexigir quemembros do foi vendessemmilhares de exemplares doMuhammadSpeaks. William recebeu ordem para vender pelo menos 150 exemplares porsemana, que representavam centenas de dólares. Além disso, ele estavaassustado com as ameaças verbais feitas pelo capitão Joseph e pelo ministrointerinodaMesquitanº 7, James 3XShabazz, que se referiamaMalcolmcomo“umhipócritaquedeveriasermorto”.82Emabril,Williamdeixouaseitae logosejuntouaogrupodeMalcolm,tornando-seumdosseusprincipaisseguranças.Em9demarço,Malcolmeumpequenogrupodeadeptosreuniram-senarua

97,número23-11,noQueens.DecidiramformarumasociedadecomonomedeMuslimMosque,Incorporated(mmi)—MesquitaMuçulmana—,comMalcolm,ojornalistaEarlGranteJames67X,eleitoscomoadministradoresparaserviratéo primeiro domingo de março de 1965, quando uma segunda eleição seriarealizada.83Ammidestinava-seaofereceraosmuçulmanosafro-americanosumaalternativa espiritual para aNaçãodo Islã. James, designado vice-presidente dammi, tinha aconselhadoMalcolm a encorajar “aqueles que estão namesquita aficaremnamesquita”naprimeiraentrevistacoletivadammi,aserdadaem12demarço. Jamescalculariadepoisqueonúcleodeativistasdedicadosàmmi nuncaultrapassou os cinquenta, todos eles ex-membros danoi.84 Contudo, o ato deformar uma nova sociedade legalmente foi considerado provocação pelanoi.

Ainda naquele dia, Malcolm concedeu várias entrevistas, incluindo uma aorepórter Joe Durso, da wndt, Canal 13, de Nova York.85 Em 10 de março,recebeuumacartaregistradadaNação,solicitandoqueeleeafamíliadeixassema casa de East Elmhurst, no Queens. Ummês depois, Maceo X, secretário daMesquitanº7,entroucomumaaçãodedespejocontraMalcolmnoTribunaldeJustiçadoQueens.Em 11 demarço,Malcolmmandou um telegrama para ElijahMuhammad,

delineando algumas razões da sua saída. O conteúdo foi publicado noAmsterdam News, junto com uma entrevista.86 Ele também concedeu umacoletivanoHotelParkSheraton,emManhattan,namanhãseguinte.Ali,peranteumgrupo de repórteres e seguidores, leu seu telegrama, explicandomais umavezporquesaíradaNação.MalcolminformouquesuanovasedeserianoHotelTheresa e revelou a intenção de abrir uma mesquita. Simpatizantes brancospoderiamdoar fundos para ajudá-lo nesse novomovimento,mas nunca teriampermissãoparaingressar“porqueosbrancos,quandoentramnumaorganização,geralmente assumem o controle”. Apesar de ter se comprometido a cooperarcom grupos de direitos civis, boa parte da sua linguagem na coletiva pareciaregozijar-senaviolênciaapocalíptica.“Amassanegra”,previuele,estavaprontaparainiciaresforçosde“autodefesa”,rejeitandoanãoviolênciacomoestratégia.“Haverá mais violência do que nunca este ano... Os brancos ficarão chocadosquandodescobriremqueo ‘negrinho passivo’ que conheciamna verdade é umleãoqueruge.Émelhorqueosbrancoscompreendamistoenquantoétempo.”87

A entrevista coletiva foi um desastre em quase todos os níveis.De algumaforma,MalcolmconseguiralevantardinheiroparaalugarachiqueTapestrySuiteno Sheraton, mas ommi ficou privado de recursos financeiros. Em seu artigoseguintenoTimes,HandlerdissequeapesardadeclaraçãoanteriordeMalcolmde que “não procuraria tirar membros do movimento de Elijah Muhammad”,tudo indicavaqueele tinha intençãode lançarumaorganizaçãorival.Eparaoslíderes de direitos civis empenhados na integração racial e na não violência, asprevisões de violência nas ruas confirmavam sua reputação de niilismo eopressão. Em vez de ampliar uma possível base, as ações que ele tomouimediatamentedepoisderompercomMuhammadoisolaramaindamais.88

É altamente improvável que Malcolm tenha consultado Betty sobre suadecisão de deixar a Nação; ele ainda a via, basicamente, como observadorapassiva. “Nunca duvidei um momento de que Betty, depois do susto inicial,

mudaria de ideia para se juntar a mim”, explicaria Malcolm mais tarde.89

Enquanto ele fazia grandes pronunciamentos sobre suas intenções, a mulherpreocupava-se com problemas práticos. Um quarto filho estava a caminho.Comosobreviveriamfinanceiramente?Bettytemia,comrazão,quelogofossemdespejadosdacasa.TambémidentificouaambivalênciadomaridocomrelaçãoaMuhammadeàNação—aolongodomêsdemarçoelecontinuavaelogiandooprograma daNação do Islã. “Oúltimo laço”, observaria Betty posteriormente,“aindaestavaporromper.”90

*Eminglês:“Thechickenscominghometoroost”,expressãoidiomáticausadacomoreferênciaaumcastigoaplicadoporerroscometidosnopassado.(N.T.)

11.Umarevelaçãonohajj12demarço-21demaiode1964

A saída deMalcolm daNação do Islã coincidiu com um dos períodosmaisintensos da luta pelos direitos civis, época emque a frágil unidadeque tornarapossíveis os esforços emMontgomery eBirminghamdava sinais de tensão.Asdisputas entre radicais, como John Lewis, e líderes negrosmais convencionais,comoMartinLutherKingeRalphAbernathy,nãotinhamdiminuído,easmetas,àmedidaque finalmentepareciamaoalcancedamão, tiveramopeculiarefeitode fragmentar aindamais omovimento.O êxito daMarcha sobreWashingtonem 1963 deveria ter consolidado o poder de King, mas quase imediatamentedepois do eventomuitos líderes negros procuraram distanciar-se demarchas eprotestos públicos, passando a trabalhar para exercer influência direta sobre aorientação política do Partido Democrata. A legislação da esperada Lei dosDireitosCivistinhachegadoaoSenadonofimde1963,masdoismesesdepoisoimpasse forçadoporrecalcitrantessenadoressulistasnãodavaomenorsinalderesolver-se. Com o passar das semanas, e dos meses, a frustração crescia,exacerbadapelafortereaçãoadversaàaçãomilitaramericananoVietnã.ForadaNação,masnãocompletamenteliberto,Malcolmfoiobrigadoalutar

corpo a corpo com o passado e com o futuro aomesmo tempo. A decisão deromper laços fez dele uma espécie de agente livre, e alguns grupos e líderesperceberam a vantagem potencial de atraí-lo para a comunidade dos direitoscivis.MasMalcolmaindatrabalhavaparaconsolidarsuaspróprias ideias,acercado Islã e da atividade política, e as feridas deixadas pelo rompimento com aNação do Islã ainda eram recentes demais para que ele pudesse, de fato,

recomeçar a vida. Naquelas primeiras semanas, oscilou entre reafirmar sualealdade às ideias de Elijah Muhammad e denunciar publicamente suamoralidade frágil, às vezes em discursos pronunciados apenas poucos dias unsdos outros. Ao mesmo tempo lutava para demarcar território para ammi, àpartedaNação,enissoocaminhomaispromissoreraoqueElijahMuhammadtinha restringido: os direitos civis. Em certo sentido, deve ter sido umalibertação;semavigilânciaconstantedeJohnAlieRaymundSharrieff,elepôdese livrardosúltimosvestígiosdecomedimento.Umadasprimeirasdeclaraçõesdammi à imprensadizia: “A respeitodanãoviolência: é criminoso ensinarumhomem a não se defender quando se é vítima constante de ataques brutais. Élegítimo e legal ter espingarda ou fuzil... Quando nosso povo é mordido porcães, é seudireitomataresses cães”.1Quandoo comissário de polícia deNovaYork, Michael Murphy, condenou esses comentários, classificando-os de“irresponsáveis”,Malcolmrespondeuqueacondenaçãoeraum“cumprimento”.2

Em seus esforços para estabelecer-se como uma força individual, ele lançouumaamplarede intelectualdecaptação, indodepoderososargumentossobreaimportância do nacionalismo negro a expressões ocasionais de apoio àdessegregação. Em 14 de março, ele compareceu a uma reunião em Chester,Pensilvânia, de líderes de direitos civis da Costa Leste, incluindo o maisdestacadodefensordadessegregaçãoemescolaspúblicasnaáreametropolitanade Nova York, o reverendo Milton Galamison; o comediante e ativista socialDick Gregory; e a ativista de Cambridge, Gloria Richardson. Poucas semanasantes, ele ainda estava na Nação do Islã denunciando, rotineiramente, aintegração,masagoraendossavaosesforçosparapromoveradessegregaçãonasescolaseamelhorianaqualidadedainstruçãopúblicadosnegros.3Foiomarcode uma concessão inicial e tentativa à ideia de que talvez os afro-americanospudessemalgumdia se fortalecerdentrodo sistemaexistente.Naquelemesmodia,MalcolmtinhadadoumaentrevistaaoAmsterdamNewsnaqualacusaraaNação de tentar assassiná-lo, uma referência ao complô tramado pelo capitãoJosephqueAnasLuqmantinhadivulgado.Apesardacertezadequeprovocariamuma resposta furiosa da Nação, esses comentários também davam a Malcolmespaço para respirar. Com a ameaça tornada pública, ficavamais difícil para aNação tomar qualquer medida contra ele. Ainda assim, as afirmativas deMalcolmprovavelmentenãoeramlevadasasériopelamaioriadosobservadoresdanoi. Até 1964, a violência e as surras que praticavam contra seusmembros

tinham em grande parte escapado ao exame público. Também era deconhecimento geral que os integrantes do Fruto jamais andavam armados, e oconhecido gosto deMalcolm pela hipérbole e pelo extremismo provavelmentelevouapolíciaeamaioriadosnegrosaignoraremsuasdeclarações.4

Em 16 de março, a Mesquita Muçulmana tornou-se uma entidade legal,preenchendoumcertificadodeincorporaçãoaocondadodeNovaYork,edandocomoendereçooHotelTheresa,suíte128,2090,SétimaAvenida—narealidade,um grande salão localizado no mezanino.5 Dois dias depois, na UniversidadeHarvard, Malcolm pôs-se a trabalhar para definir as metas da organização. Ohomem negro, dizia ele, tinha que “controlar a política em sua própria árearesidencial votando... e investindo em comércio dentro das áreas negras”. Osafro-americanos tinham se “desiludido com a não violência” e agora estavam“prontos para qualquer ação que trouxesse resultados imediatos”. Essescomentários continham as sementes daquilo que, poucos anos depois,desabrocharianomovimentoBlackPower.Segundodadosdavigilânciadofbi,duranteasessãodeperguntaserespostasemHarvardlheperguntaramseeraafavordeumarevolução sangrenta.Malcolmdissequenão, ressaltando,porém,que o afro-americano “tem sangrado o tempo todo,mas o homembranco nãoreconheceissocomoderramamentodesangue,enãooreconheceráatéqueele,homembranco,sangreumpouco”.6Não foiumendossodaviolência,masessadeclaraçãoeoutrasdogênerotornavammaisdifícilparaoscríticosavaliarsesuamilitância diminuía. No dia seguinte, ele concedeu uma longa entrevista aoescritor afro-americano A. B. Spellman, que apareceu no periódico marxistaindependenteMonthlyReviewnaquelemêsdemaio,emaisumaveznegouquedefendesseaviolência.Mas,seMalcolmprocuravaevitarcontrovérsiasobreesseassunto, os comentários que fez sobre os judeus durante a entrevista em nadacontribuírampara atrair as simpatias dos progressistas. “Não somos, de formaalguma, racistas”, declarou ele, mas em seguida acrescentou: “Os judeus têmsidooscomercianteseempresáriosda‘comunidadenegra’hátantotempoqueénormalsesentiremculpadosquandoalguémdizqueosexploradoresdosnegrossão os judeus. Isso não quer dizer que sejamos antissemitas. Somos apenascontraaexploração”.7

Além de preparar o programa dammi, Malcolm esperava estabelecer alegitimidade da organização. Na Nação, ele tinha representado um grupo quesomava de 77 mil a 100 mil pessoas, mas nammi começou praticamente da

estaca zero. Foi provavelmente por essa razão que ele exagerou em suasdeclaraçõessobreotamanhodogrupoquando,poucosdiasdepois,apareceunoprogramaListening Post, apresentado por Joe Rainey na wdas, da Filadélfia.Respondendo à pergunta de Rainey sobre se ammi era uma organizaçãonacional, Malcolm proclamou, pomposamente, que “grupos de estudantes decosta a costa” pediram informações sobre como poderiam se associar.8 Mas,emboraogrupolutasse,deinício,paraconquistaradeptos,Malcolmcontinuavaa atrair consideráveismultidões. Em 22 demarço ele foi o principal orador deum comício patrocinado pelammi no Rockland Palace, que atraiumil pessoas,público surpreendente levando em conta as recentes acusações de ameaça demorte feitas porMalcolm.Repórteres que cobriam o evento conjeturaram queMalcolmplanejavaformar“umexércitonacionalistanegro”.9

Otrabalhodeformarqualquertipodeexércitoprometiaser lentoepenoso.Pelo nome e pela natureza, ammi era uma organização religiosa cujocrescimentose limitavaaosmuçulmanos;Malcolmaindaestavaporestabelecerummovimentoque reunissenãomuçulmanos em tornoda sua causa, por issoprocuravamembrosdaNaçãoquepudessemsedesligar, apesardasprementesadvertências de James 67X e de outros para que evitasse conflito. Comparticipaçãoprevistanoprogramade rádiodeBobKennedyemBoston,em24demarço,Malcolmdecidiuirdecarro,maiscedo.AcompanhadodeJames67Xeprovavelmente também de Charles 37X Kenyatta, ele se reuniu com váriosmembros danoi, quase certamente para falar sobre recrutamento. Emboracorresseoriscodemeter-seemencrencacaçandoilegalmenteemterrasdeLouisX, a viagem fazia sentido do ponto de vista estratégico. Malcolm tinhaestabelecido amesquita deBoston, e a presença deElla na cidade dava-lhe umpontodeapoioespecialmentefirmeemcertapartedacomunidadenegra.O tema de discussão do programa de rádio de Bob Kennedy tinha sido

anunciado originariamente como “Negro: separação e supremacia”, masKennedy queria que Malcolm explicasse sua mudança de opinião desde quedeixara aNaçãodo Islã.Malcolmviu-se em terrenodifícil.Apesar de tudoquevieraapúblico,elesentiaumapersistentelealdadeparacomohomemque,maisdoquequalqueroutroemsuavida,desempenharaopapeldepai,e respondeureafirmando sua fidelidade espiritual e ideológica aoMensageiro.Afirmou, semhesitação, que tudo que sabia era “resultado da obra de Elijah”. Para conciliaressa declaração e o rompimento com a Nação, explicou que somente se

estabelecendocomoforçaindependentepoderiapôremaçãoosensinamentosdeMuhammad.Evitoufazercríticasalíderesdosdireitoscivis,abrindoapenasumaexceção. “Martin Luther King precisa inventar uma nova abordagem nospróximosanos”,previu,“ouseráumhomemsemseguidores.”Maisumavezsedeleitounaposedevingadordaraça:“Atéagorasóosnegrossangraram,eissonão é visto pelos brancos como derramamento de sangue. Para que o homembranco considere um conflito sangrento, é preciso que sangue branco sejaderramado”.10

Mas naquelemomentoMalcolm lutavamuito para aceitar o que sentia emrelação aos ensinamentos do Mensageiro. Ao longo dos anos, enquanto suafidelidade ao dogma central danoidiminuía, seu interesse pelo Islã ortodoxoaumentava cada dia mais. Em seu papel de ministro nacional, respondera adezenasdecartas,públicasouparticulares,deautoriademuçulmanosortodoxosatacando a Nação por seus princípios religiosos, e a pressão constante e odesdém não conseguiram abalar suas hipóteses sobre o Islã, aumentando suacuriosidade. Agora, sem uma organização que o definisse, percebeu que aestrutura do Islã ortodoxo poderia lhe dar uma nova base espiritual, e nessemomento, quando qualquer rumo lhe parecia possível, viu a oportunidade derealizar o sonho que acalentava desde a primeira visita ao Oriente Médio em1959:fazerumaperegrinaçãoaMeca.Antesde sua suspensãonoanoanterior, elevoltara a ter contato comodr.

Mahmound Shawarbi, o professor muçulmano que conhecera em outubro de1960 num evento patrocinado pelanoi. Os dois tinham mantido contatosesporádicos, mas, depois que Malcolm foi proibido de falar, seus encontrosficaram mais frequentes e intensos. O maior interesse de Malcolm pelo Islãortodoxo agradava imensamente a Shawarbi, e quandoMalcolm foi expulso daNação, Shawarbi começou imediatamente a dar-lhe instruções sobre os rituaisislâmicosapropriados.EncorajouaviagemdeMalcolmeusousuainfluênciacomos sauditas para abrir caminho pelos canais diplomáticos; além disso, avisouamigosecolegasnoOrienteMédiosobreaiminentevisitadeMalcolmàregião,pedindo-lhesquelhedessemassistência.Shawarbi foi essencial para o desenvolvimento de Malcolm em outros

sentidos. Persistentemente,mas sem confronto, ele o desafiava a repensar suavisão domundo com base na raça, admitindo quemuitos outrosmuçulmanosortodoxos também deixavammuito a desejar no que dizia respeito aos ideais

suprarraciaisqueprofessavam.FinalmenteconvenceuMalcolmdequeoAlcorão,talcomoconcebidonasrecitaçõesdoprofetaMaomé,eraracialmenteigualitário— e que consequentemente os brancos, por intermédio da submissão a Alá,iriamsetornarirmãosespirituaisdosnegros.11

NaépocadesuaviagemderecrutamentoaBoston,Malcolmjátinhatomadoa decisão de ir a Meca. A oportunidade de purificação espiritual naquelemomento de grande mudança e incerteza era importante demais para serdesperdiçada. Foi provavelmente durante essa viagem a Boston que MalcolmvisitouEllaelhepediuqueemprestasseodinheiro,cercade1300dólares,dequeprecisava para a peregrinação. Apesar de todos os problemas que um tinhacausadoaooutrodesdequeelepassara amorar comela aindaadolescente, elaconcordou.

Em26demarço,MartinLutherKing Jr. estavanoCapitólio complanos de

discutiroprocrastinadoprojetodeleidedireitoscivisde1964comossenadoresHubert Humphrey e Jacob Javits, entre outros. Naquele momento Kingatravessava um período difícil, quando até mesmo assessores próximos comoJamesBeveladvertiamque“aspessoasestãoperdendoafé...nomovimentonãoviolento”.12QuandoKing se deslocou até uma sala fora do plenário do Senadoparadiscutirasituaçãocoma imprensa,Malcolm,quetambémvisitavao lugaraquele dia, entrou para ouvir. Depois da conferência, os homens saíram porportasseparadas;masquandocaminhavapelamovimentadagaleriadoSenado,observandoas táticasprotelatóriasdossenadores favoráveisà segregação,KingdeparoucomMalcolmeváriosassessores.Malcolmprovavelmentenãodesejavaumencontroinformal,menosaindaumafotografiaencenada.FoiJames67Xque,astutamente, armara toda a cena, fazendo seu chefe contornar uma coluna demármore até que ele eKingde repente se viram frente a frente.Um fotógrafopresente na galeria tirou uma foto dos dois trocando um aperto demãos, queviria a simbolizar as duas grandes correntes de consciência negra quefloresceram nos anos 1960 e depois. Foi a única vez na vida que os dois seencontraram.13

Mas o aperto demãos assinalou uma transição paraMalcolm, cristalizandoumafastamentodaretóricarevolucionáriaquefaziaoseu“Mensagemàsbases”apontar para um rumoparecido como queKing trabalhara toda a vida adulta

paraalcançar:amelhoriadacondiçãonegrapelamudançadosistemaamericano.Trêsdiasdepoisdoencontro,Malcolm fezumdiscursono salãoAudubonparaseiscentas pessoas que serviu de alicerce para um discurso mais famoso quepronunciaria uma semana depois. Apesar de o tópico anunciado, “O voto ou abala”, parecer incendiário, o discurso trazia uma mensagem muito maisconvencional, que vinha definindo omovimento de direitos civis desde 1962: aimportância do direito de votar. No discurso, Malcolm enfatizou que osmoradoresdoHarlem,eporextensãoosnegrosdequalquer lugar,precisavamregistrar-secomoeleitores.Ficarapara trásaalegaçãodaNaçãodo Islãdequeparticipardosistemasurtiriapoucoefeito.AgoraMalcolmpropunhaumafrentenegraunidaqueassumisseocontroledofuturoeconômicoepolíticodosnegros.“União é a religião certa”, insistiu ele. “Os negros precisam esquecer suasdiferenças e discutir os pontos em que possam chegar a um acordo.”Tambémpôs em dúvida a capacidade domovimento de direitos civis de compensar osnegrospor“310anosde trabalhoescravonãopago”.14Masomais significativode tudo era a troca do uso da violência pelo exercício do direito do voto. Aoadotaressapostura,ele implicitamenterejeitavaaviolência,mesmoqueissoàsvezesfossedifícildedistinguirnocalordesuaretórica.Nodiaseguinteelesentou-separaumaentrevistacomoMilitant,ojornaldo

swp. Durante décadas, o partido promovera o nacionalismo negrorevolucionário.OpróprioLievTrótskiachavaqueosamericanosnegrosseriamavanguardadainevitávelrevoluçãosocialistanosEstadosUnidos.15AseparaçãodeMalcolmdaNaçãodoIslãeseuendossodoregistroeleitoraledosprotestosemmassa de afro-americanos pareciam, aos trotskistas, um avanço emdireçãoaosocialismo.QuandoMalcolm chegou à Igreja Metodista Cory, em Cleveland, em 3 de

abril, para falar num grande comício público patrocinado pela seção local docore, ele tinha refinado “O voto ou a bala”, transformando-o em umaformidávelpeçadeoratória.AmaiorpartedocoredeClevelandtinhaadotadoMalcolm comoum líder domovimento, e umamultidão de 2 a 3mil pessoas,incluindomuitosbrancos, enchia a igreja.Oprogramadanoite fora formatadocomoumdiálogoentreMalcolme seuvelhoamigoLouisLomax.Lomax falouprimeiro,apresentandoumamensagemdedireitoscivispró-integracionistaquemereceu o aplauso respeitoso da plateia.A fala deMalcolm foi extraída de seurecente discurso no Audubon, mas acabou formando algo maior, um feroz

comentário sobre a situação. De um lado, o discurso capturou o estado deespíritodosEstadosUnidosnegros,quepassavalentamentedacrençanaeficáciada não violência para uma insatisfação e impaciência generalizadas com omovimento de direitos civis. No começo de 1964, quando osncc e ocorecomeçavamatomarposiçõesmaislimitantes,aatmosferadapolíticaracialficoumais pesada, com a possibilidade de violência; a rigor, dentro de seis meses,tumultos raciais explodiriam em bairros negros em todo o Nordeste. “AgoratemosemcenanosEstadosUnidosdehoje”,disseMalcolmàmultidão,“o tipodenegroque jánãopretendeofereceraoutra face.”Ao levantaro fantasmada“bala”,elereconheciaqueumgrandeesforçoserianecessárioparadesviaropaísdarotadacatástrofe.Mas,aodiscutiro“voto”,mantinhaaesperançadequetalmudançadecursoerapossível.A primeira parte da palestra deMalcolm fazia um apelo em favor da união

negra,apesardasdisputas ideológicas.“Se temosdiferenças”,afirmouMalcolm,“sejamos diferentes cá entre nós; quando viermos para a frente, que não hajanada a discutir até acabarmos de discutir com o homem.” Esse sentimentocontradizia,frontalmente,o“Mensagemàsbases”,quetinharidicularizadoKinge outros ativistas de direitos humanos. ParaMalcolm, uma precondição para auniãoeraencontrarabasesecularparaumterrenocomum,razãopelaqualeletambémlutavaparadesconectarsuaidentidadedeministromuçulmanodesuasações políticas. “Assim como Adam Clayton é umministro cristão”, observouMalcolm,eleeraumministromuçulmanodedicadoàlibertaçãodosnegros“porquaisquermeiosnecessários”.Malcolmfezmeia-voltaentãoepassouadenunciarosdoisprincipaispartidospolíticos,bemcomoaestruturadepoderdosEstadosUnidos, que continuavamanegar àmaioriadosnegrosumaoportunidade realde votar. Malcolm acabou vendo o voto como ferramenta necessária para osafro-americanos assumirem o controle das instituições de suas comunidades.Lembrou a sua audiência o poder que um bloco de eleitores negros teria numpaísdividido,afirmandoque“foiovotodohomemnegro”quegarantiuavitóriada chapa Kennedy-Johnson na eleição presidencial anterior. Mas fixou namultidão a ideia de que das duas opções, o voto ou a violência, os EstadosUnidos com certeza ficariam com pelo menos uma. Assim estavapredeterminado, com jovens negros atirando coquetéis molotov nas ruas deJacksonville.“Estemêsserácoquetelmolotov,nopróximogranadademão,nomês seguintequalqueroutra coisa”, assegurouele àmultidão. “Seráovoto,ou

será a bala.” Mas, por mais sinistra que parecesse, a mensagem aindarepresentavaumpassoatrásdabeiradoabismodaviolênciainevitávelsugeridoem“Mensagemàsbases”.Ovotoofereciaumasaída:Malcolmsugeriuqueseogovernofederalgarantisseplenosdireitoseleitoraisaosafro-americanosemtodoo país poderia evitar uma conflagração sangrenta.O que havia de significativotambémarespeitododiscursoeraoquedeleagoraestavaausente:MalcolmjánãoafirmavaqueElijahMuhammadtinhaomelhorprogramaparasatisfazerosinteressesdosnegros.16

O pequeno grupo de trotskistas na Igreja Metodista Cory ficou eletrizadocomaapresentaçãodeMalcolm,quepareciaconfirmarsuaprópriateoriadequeonacionalismonegrorevolucionáriopoderiaserdeflagradopondo-seemmarchauma revolução socialista nos Estados Unidos. A cobertura do evento deCleveland peloMilitant destacou, em tom de aprovação, a reprimenda deMalcolm ao “partido Democrata; ao ‘conto do vigário que eles chamam deobstrução legislativa’ e aos ‘trapaceiros políticos brancos’ que impedem osnegros de controlarem sua própria comunidade”. Às vezes durante a falaMalcolm pareceu afastar-se de uma análise baseada em raça para adotar umaperspectiva de classe. “Não sou antibranco”, insistia Malcolm, “souantiexploração e antiopressão.” OMilitant mencionou o apoio de Malcolm àcriaçãodeumpartidonacionalistanegroesuaconvocaçãoparauma“convençãonacionalistanegraemagosto[de1964],comdelegadosdetodoopaís”.17

A palestra de Malcolm foi gravada, e logo milhares de cópias foramdistribuídas. Atrás apenas de “Mensagem às bases”, “O voto ou a bala” setornaria uma das falas mais citadas de Malcolm.18 Ofbi vigiou de perto apalestra, e parece ter reconhecido o novo apelo deMalcolm para um númerocada vez maior de brancos. A investigação concentrou a atenção em doisargumentoscentrais:queoprojetodeleidedireitoscivissendoprocrastinadonoSenado não seria aprovado ou, se a lei fosse assinada pelo presidente Johnson,não seria aplicada; e que os afro-americanos deveriam abrir clubes de tiros. “Élegal qualquer pessoa ter um fuzil ou espingarda e é direito de cada indivíduodefender-se de qualquer um que tente impedi-lo de obter o que é legalmenteseu”,teriaditoMalcolm,deacordocomorelatório.19

Pelocomeçodeabrilde1964,Malcolmnãoviaahoradedeixaropaís;diasdepois do discurso em Cleveland, comprou um bilhete aéreo para viajar peloOrienteMédio e pela África, com escalas em Lagos, Acra, Argel, Cairo, Jidá e

Cartum. Se a viagem prometia restauração espiritual, na prática oferecia umatrégua, dando-lhe pelomenos ummês para distanciar-se de suas relações cadavezmais combativas com aNação e seus representantes. O descanso já vinhatarde.Depoisdo rompimentode9demarço,ele tinhapassadoo restodomêsvendo a tensão aumentar. Elijah Muhammad pressionara dois irmãos deMalcolm, Philbert e Wilfred, ministros das mesquitas de Lansing e Detroit,respectivamente, para que o denunciassem publicamente como hipócrita etraidor.Pior,aNaçãovoltousuasbateriascontraorefúgiodeMalcolm.UmdiadepoisqueoartigodeHandlerapareceunoTimesanunciandoorompimento,ocapitão Joseph tinha ido à casa de Elmhurst para exigir os documentos deconstituiçãodamesquitaeoutrosobjetosdevalor,queMalcolmentregoucomrelutância.No último dia demarço, o advogado JosephWilliams, atuando emnome do secretário da Mesquita nº 7, Maceo X Owens, entrou com umarepresentação no condado do Queens exigindo o despejo de Malcolm e suafamília.20 Indignado, Malcolm conseguiu que o procurador de direitos civis doHarlem,PercySutton,contestasseaação,masabrigalogoodeixouesgotadoedeprimido.Não estava na disputa de corpo e alma.Ao longo domês de abril,pareciadesinteressadododesenrolardoprocessoeinteiramenteconcentradonaviagemquetinhapelafrente.Pouco mais de uma semana antes da data prevista para a partida, ammi

realizouumfórumnoturnonoAudubon,comMalcolmealíderdedireitoscivisdaCarolinadoNorte,WillieMaeMallory.AparticipaçãodeMalloryassociavaMalcolm diretamente ao sedicioso exilado Robert Williams, autor deNegroeswithGuns [Negros comarmas] eumdosprimeirosproponentesda autodefesaarmada dos negros. Malcolm insistiu em que o Movimento de Liberdade dosNegrosdeixassedeseconcentrarem“direitoscivis”epassasseaexigir“direitoshumanos”,comodefiniaaleiinternacional.Maisumavezressaltouanecessidadedo voto. O escritório dofbi em Nova York calculou que havia quinhentaspessoas na plateia. “Ele citou casos passados de linchamento de negros nosEstadosUnidos,acusandoogovernodegenocídio”,informouofbi.21

Em8deabril,emPalmGardens,NovaYork,Malcolmfezumapalestraquerompeuabruptamenteomoldedanoi.ApalestrapúblicatinhasidopatrocinadapeloFórumTrabalhistaMilitante,ogrupobeneficentedoPartidoSocialistadosTrabalhadores. Em tese, ele falava para um grupo eclético de ativistas nãoalinhados,marxistas independentesenacionalistasnegros,masnarealidadeera

umaplateiamajoritariamentemarxistacommuitosseguidoresleaisdeMalcolmtambémpresentes.22

Malcolmtambémpreparavaoscolegasparasua longaausência,autorizandoJames 67X a atuar como presidente interino dammi e a responder a todas ascomunicaçõeseàcorrespondência.Apesardetodososarranjosdeúltimominutoquelheexigiamatenção,eleconcordouemtomaroaviãoparairmaisumavezaDetroitfalarnumcomíciodogoal.Odiscursocomplicavasuaagendarealmentelotada,mas ele reconhecia queDetroit era terreno fértil para amensagemquevinhacultivandoem“Ovotoouabala”.NosanostranscorridosdesdequefizeraumasériedeummêsdesermõesnaMesquitanº5em1957,acidadecontinuaraadesenvolver-se comocentronacional damilitâncianegraoperária.Onúmerode membros da seção do sindicato United Auto Workers tinha crescidoexponencialmente, e, comoemmuitasoutras cidadesdo centro-oeste, a pesadabase industrial e a segregação real produziram uma massa de operáriosmilitantesqueviviamemguetospobrese arruinados. Já tinhamsidoplantadasas sementesdoviolentodescontentamentoque tomaria contada cidadeno fimda década. Malcolm registrara o amplo impacto de Detroit em seu discurso“Mensagemàsbases”emnovembrode1963,masagorasuaênfasenaexploraçãode classes e na difícil situação dos operários negros adequava-se ainda maisnaturalmente ao estado de espírito da comunidade negra da cidade. Nummomento em que buscavamultiplicar o número de seguidores nacionalmente,ele não podia se dar ao luxo de ignorar um compromisso oratório de altavisibilidadeperanteumaplateiatãopromissora.Ogoal reservou a IgrejaBatistaRei SalomãonobairroNorthwestGolberg

para o discurso deMalcolm,mas quando os líderes da igreja descobriram queMalcolm seria o principal orador, uma coalizão especial de ministros negrostentouinutilmenteimpedirsuaparticipação.23Apesardeseusesforços,maisde2mil pessoas apareceram para ouvi-lo. Aproveitando muitas ideias tiradas dosseus discursos emNovaYork eCleveland,Malcolm apresentou, talvez, amaisrefinadaversãode“Ovoto”que jamaisapresentaria; agravaçãodessediscursomostraMalcolm no auge de seus poderes de orador. Nessa versão, ele trouxepara o primeiro plano a seção sobre nacionalismo negro, fazendo uma dasexegesesmais incisivas já escritas. Falando numa entonação urgente e com osritmospulsantesdeummúsicode jazz,Malcolmdisseàmultidãoqueera “umnacionalista negro combatente da liberdade”.Mais uma vez fez um apelo para

que seus seguidores “deixem sua religião em casa, no guarda-roupa”, porque oobjetivo era unir todos os afro-americanos, independentemente de suas ideiasreligiosas, em apoio ao nacionalismo negro. Como em seu discurso deCleveland,Malcolmdeugrandeimportânciaaofortalecimentoeleitoraldosafro-americanos. “[Se] os negros votassem juntos”, insistiu, “poderiam decidir todasaseleições,porqueovotobrancoquasesempreestádividido.”Porbaixodaretórica,haviaumainconsistênciaclaraemsualógica.Malcolm

encorajavaosafro-americanosavotarem,atémesmoausaremtodaasuaforçaem apoio a qualquer dos dois grandes partidos; mas, simultaneamente, osacusava de racismo, de serem incapazes de equanimidade comos negros. “Souum dos 20 milhões de vítimas dos democratas — dos republicanos — doamericanismo”, declarou.O afro-americano que votava nos democratas “é nãoapenas um cretino, mas um traidor da raça”.24 Malcolm, a rigor, promovia oeleitoralismo, mas em termos práticos não oferecia aos negros nenhum meioefetivo de exercer seu poder. Em quem deveriam votar, se nenhum candidatoseriacapazdetrazeralívioreal?

De volta deDetroit namanhã de 13 de abril,Malcolmmal teve tempo de

despedir-sedamulheredos seguidoresantesdeembarcarnovooparaoCaironaquela noite. Viajou com o nome de Malik el-Shabazz. Ao desembarcar noCairo,notouapresençadevários funcionáriosdepeleescuradaempresaaéreanoterminal;teriam“estadoemcasanoHarlem”,anotouemseudiário.25

Durante os dois dias seguintes, Malcolm deliciou-se com a vida de turista,comoofizeraem1959.LivredasconstantespreocupaçõessobreaNação,desuasituaçãohabitacionalincertaedaspressõesdeconstruirumaorganização,elesepermitiu evaporar num estado de repouso, embora a viagem que tinha pelafrente trouxesse desafios próprios. Na quinta-feira, 16 de abril, ele entrou emcontatoe fezamizadecomumgrupodehajjsprestes a iniciar aperegrinaçãoaMeca.Comoeraparaláquetambémpretendiair,todosconcordaramemseguirjuntos para Jidá, na Arábia Saudita, centro oficial de embarque para ohajj.26

MalcolmsabiaqueparaentrarnacidadesantadeMecateriadeestabelecersuascredenciaisreligiosascomomuçulmanoortodoxoperanteumtribunalconhecidocomo “Tribunal do Hajj”. Tendo chegado no fim da sexta-feira, dia em que otribunalestavafechado,Malcolmconseguiucamanumdormitórioqueabrigava

centenasdehajjsinternacionais.Pelamaiorpartedodiaseguinte,eletentouemvãoreservardiaehoraparasuaapariçãono tribunal.O insucessodeixou-oemsituação difícil. Para ser considerado oficial, ohajj precisa ser completado entredatas determinadas, começando no oitavo dia doDhu al-Hijjah, o 12º mês docalendárioislâmico;em1964,essadatacaiuem20deabril.FicarmaistempoemJidá significava perder o início, o que tecnicamente tornaria a realização dosrituais umaumrah,enãoumhajjoficial,comoocorreracomaperegrinaçãodeElijahMuhammadanosantes.Frustrado,Malcolmlembrou-seentãodealgoquepudesseajudar.Duranteospreparativosdaviagem,odr.Shawarbilhederaumlivro,TheEternalMessageofMuhammad [AmensagemeternadeMaomé],deAbdul al-Rahman Azzam. Dentro do volume, Shawarbi anotara o nome e otelefone do filho do autor, que vivia em Jidá. Malcolm pediu a alguém quediscasse o número, e em pouco tempo o dr. Omar Azzam apareceu nodormitório. Em questão de minutos os objetos pessoais de Malcolm foramempacotadoseosdoishomensseguiramdecarroàresidênciadopaideAzzam.O velho Azzam permitiu queMalcolm ficasse em sua bemmobiliada suíte noHotelJeddahPalace.Aquelanoite,Malcolmjantoucomosdois,explicando-lhesasituação, e eles concordaram em ajudá-lo a obter permissão para participar dohajj.27

No dia seguinte, Malcolm, acompanhado por Abdul al-Rahman Azzam,compareceu diante do sheikMuhammadHarkon doTribunal deHajj, pedindohumildemente aos magistrados que lhe concedessem acesso a Meca. MalcolmforaapresentadoaosheikHarkondurantesuavisitaem1959eatétomarachánacasa do juiz,mas para conseguir aprovaçãoprecisaria convencê-lo de que tinhaabandonado as ideias heréticas da Nação do Islã. Azzam falou em seu nome,assegurandoaochefeárabequeMalcolmeraummuçulmanobastanteconhecidoe respeitado nos Estados Unidos e sincero devoto do Islã. O que se mostrouaindamais convincente foi a intervenção favorável deMuhammadAbdulAzzizMaged, o vice-chefe de protocolo do príncipe saudita Muhammad Faisal. AfamiliaridadedeMalcolmcomosAzzam lhedeuacessoaos círculos reais,umavez que a filha do velho Azzam era casada com o filho do príncipe Faisal. OendossodeMageddeterminouqueocasofosseaprovadode imediato,e logoopríncipeFaisalmandoudizerque—naspalavrasdeMalcolm—“tinhadecretadoqueeuseriahóspededeEstado”.28

A peregrinação deMalcolmmarcou seu ingresso formal na comunidade do

Islãortodoxo, inserindo-onatradiçãodeperegrinosqueremontaa1300anos,evinculando-o a colegas visitantes de todas as nacionalidades, etnias e classessociais imagináveis. Como ohajj é um dos cinco pilares do Islã, todos osmuçulmanos, se tiverem capacidade de fazê-lo, são obrigados a completá-lo; aessênciadesse ritual deperegrinaçãoéuma representaçãode episódiosdavidade Abraão (ou Ibrahim), Hagar e Ismael (ou Ismail). O acontecimento maisdramáticoéotawaf,noqualmilharesdeperegrinoscircundamaCaaba,o localquesimbolizaocentroespiritualdaféislâmica.EnquantocirculamemtornodaCaaba, os peregrinos procuram tocá-la ou beijá-la como sinal indicativo darenovação de sua aliança com Alá. Ohajj também inclui osay, a corrida deperegrinos entre dois pequenos morros, repetindo o desespero de Hagar embusca de água para o filho Ismael; tomar água do poço de Zamzam; orar naplaníciedeArafat;eandaratéovaledeMinapararepetiraprovaçãodeAbraão,quequasesacrificouofilhoIsmael.Ohajjpurgatodosospecadosanterioresdoperegrino, e geralmente coincide com grandesmudanças na vida individual domuçulmano, como casamento e aposentadoria. Para Malcolm, sua saída daNação do Islã foi o momento ideal para reexame e renovação espirituais,perfeitamenteadequadosaoobjetivodohajj.29

Comobeneficiáriodonepotismosaudita,Malcolmrecebeuseuprópriocarroparticular,quelhepermitiupercorrergrandepartedotrajetode190quilômetrosdohajjsemreceiodeficarparatrás.Acordoubemantesdoamanhecernaterça-feira,21deabril,edepoisdasprecesmatinaisedocafédamanhãpartiuparaomonteArafat.Comoveu-seprofundamentenaestradadeArafataovermilharesdeperegrinosdemuitas raçasavançaremaosesbarrõese cotoveladas, algunsapé,outrosemônibusatulhados,oumontadosemcamelosou jumentos. Jamaisimaginara que fosse possível o igualitarismo que agora testemunhava. “O Islãpromove a união de todas as cores e classes”, observou em seu diário. “Todomundo divide o que tem, os que têm com os que não têm, os que sabemensinamaosquenãosabem.”A fépartilhadapor todososparticipantespareciaeliminarasdivisõesdeclasse,pelomenostalcomoMalcolmaspercebia.Namanhã seguinte,Malcolm e outros peregrinos acordaram por volta das

duasdamadrugadaeviajaramparaMina,ondecadaum“atirousetepedrasnodemônio”,ummonumentobranco.EmseguidaforamparaMeca,ondeMalcolmdeudoisgrandesgirosemtornodaCaaba,cadaumde setevoltas; tentoumasjamais conseguiu tocar o local sagrado. “Bastou ver o fervor dos que se

amontoavamemvoltadelaparaperceberqueera inútil tentar”,escreveu.Maisumavez foi afetadopela tremendadiversidade doshajjs.Duranteos rituais dohajj, “todosestavamvestidosdebranco,ohorumdeduaspeças, comoombrodireito descoberto”, observou.30 No fim, “todos usam suas cores nacionais(vestimentas)eérealmentebonitodesever.ParecequetodosospaísesetodasasformasdeculturadaTerraestãorepresentadosaqui”.Contudo, por mais que Malcolm visse as distinções de raça e classe

desaparecerem na experiência unificadora dohajj, sua própria peregrinação foitudo,menosrepresentativa.Asdificuldadesdiplomáticasquequaseoimpediramde fazer a peregrinação foram resolvidas por árabes brancos obsequiosos, quetinhamligaçõescomafamíliarealsaudita,efizeramdeleumhóspededeEstado.Então,numdosúltimosdiasdohajj,ele se juntouaumacaravanachefiadapor“sua excelência o príncipe herdeiro Faisal... que incluía dignitários do mundointeiro”. Do outro lado do corredor do quarto de hotel de Malcolm estava ogrão-muftideJerusalém,HajjAminel-Husseini,primodeYasserArafat.Emseudiário,MalcolmobservouqueHusseini“parecemuitoquerido.Conhecebemasquestões internacionais e está em dia até com os últimos acontecimentos nosEstados Unidos”. E, sem vestígio de ironia, acrescentou que o grão-mufti“chamavaNovaYorkdeJudeuYork”.**Apesar disso, a poderosa visão de milhares de pessoas de diferentes

nacionalidades e etnias rezando em uníssono para o mesmo Deus comoveuMalcolm profundamente, que lutava para conciliar os poucos fragmentosremanescentes do dogma danoiem que ainda acreditava com o universalismoqueviumaterializadonohajj.Comomuitosturistas,Malcolmcomproudezenasde cartões-postais, que despachou para conhecidos nos Estados Unidos. Essascartas revelavam profunda mudança em sua atitude para com os brancos.EscrevendoparaAlexHaleyem25deabril,Malcolmconfessou:“Comeceiamedar conta de que ‘homem branco’, como a expressão é comumente usada,significacordapeleapenassecundariamente;primariamentedescreveatitudeseações”. No mundo muçulmano, ele viu indivíduos que nos Estados Unidosseriamclassificadoscomobrancoseque,noentanto,“erammaisgenuinamentefraternosdoquequalqueroutrapessoajamaisfoi”.31Malcolmnãodemorouparaatribuirao Islãopoderde transformarbrancosemnãoracistas.Essa revelaçãoreforçou suadecisãode afastar-se completamentedaNaçãodo Islã, não apenasdeseuslíderes,mastambémdesuateologia.

Se Malcolm encontrou muitos motivos de alegria em suas viagens peloOrienteMédio,tambémdesejouqueoIslãexercessepapelmaisativonocenáriomundial.AliforamplantadasassementesdasuaatividadedeevangelistadoIslãverdadeiro,mas ele via na relutância dos árabes ao proselitismoumproblemaquepoderia prejudicar a difusão da religião. “Os árabes são fracos em relaçõespúblicas”,escreveu.“DizeminshaAllah(seDeusquiser)eesperam;eenquantoesperam o mundo dá voltas.” Malcolm esperava que um dia os muçulmanosentendessem“anecessidadedemodernizarosmétodosdepropagaçãodoIslã,ede projetar uma imagem que o mundo moderno pudesse compreender”.32

Porém, voltar para casa com um novo conhecimento dos rituais religiososenchia-o de orgulho e exaltação. “Os muçulmanos negros dos Estados Unidosestariamentreosmelhoresmuçulmanosdaterraemqualquerlugardomundo,seprimeirofossemencorajadosaaprenderoverdadeiroritualdapreceeadizersuasprecesemárabe”,escreveu.Ao chegar a Jidá, Malcolm conheceu um africano “muito extrovertido e

franco”,secretáriodogabinetedoprimeiro-ministronigerianoAhmaduBello.Osecretário pôsMalcolm a par das recentesmanifestações de desobediência civilde negros na FeiraMundial deNova York em 1964 e falou de suas próprias edesagradáveis experiências com o racismo americano.33 “Tinha sofrido muitosultrajes que agora descreve com a mais intensa paixão, mas não conseguiaentender por que os negros não tinham estabelecido algum grau deindependênciaeconômicacomercial”,observouMalcolm.Emseguida,em25deabril,MalcolmtomouoaviãoparaMedina,naArábia

Saudita, e continuou a fazer minuciosas anotações em seu diário de viagem.Estavaconvencidodequenaperegrinação“todomundoesquecedesimesmoese volta paraDeus, e da submissão a umDeus único há uma fraternidade, naqualtodossãoiguais”.SentiuumapazinteriorquenãoexperimentavadesdeosanosdecárcereemMassachusetts.34“Nãohámaiorserenidademental”,refletiu,“do que quando se pode silenciar o barulho e o ritmo incessantes do mundoexteriormaterialistaebuscarumapazinteriordentrodesi.”Nanoitedomesmodia, Malcolm escreveu: “A essência do Islã em seus ensinamentos sobre aunidade deDeus cria para o crente obrigações genuínas, voluntárias, com seussemelhantes (todos eles uma só família, irmãos e irmãs uns dos outros)... overdadeirocrentereconheceaunidadedetodaahumanidade”.35

De volta a Jidá no dia seguinte, Malcolm percorreu o mercado local e

comprou um vistoso xale para Betty. Seus olhos foram atraídos por um colar,mas custava alémde suas possibilidades.EmboraMalcolmestivesse preparadopara deixar a Arábia Saudita e fazer uma rápida visita a Beirute, no Líbano, opríncipeFaisalentrouemcontatocomelenohotelepediu-lheque fosseaoseuencontro por volta domeio-dia do dia seguinte.Malcolmprotelou a viagem, equandoosdoisseencontraramopríncipeexplicou“quenãotinhaqualqueroutromotivoparaoferecer a excelentehospitalidadeque recebi... alémdaverdadeirahospitalidade oferecida por todos os muçulmanos a todos os muçulmanos”.Faisal fez perguntas a Malcolm sobre as crenças teológicas da Nação do Islã,sugerindo que, “pelo que já li, de autoria de escritores egípcios, eles adotamoIslãerrado”—emoutraspalavras,quesuacompreensãodosrituaiseraalheiaaoIslãortodoxo, e estava forados limitesda comunidadedos fiéis.Depoisde suaexperiênciaemMecaenohajj,Malcolmnadapôdecontestarounegar.Enquantotomavaprovidênciasnecessáriaspara se tornarumverdadeiromuçulmano, elereadquiriaacertezaqueoabandonaraacadanovarevelaçãosobreaperfídiaouas infidelidades de ElijahMuhammad. Agora conseguia ver o papel que o Islãpoderia desempenhar não só em sua vida espiritual, mas também em seutrabalho.Refletindo sobre as experiênciasnohajj,Malcolmconcluiuque “nossoêxitonosEstadosUnidosenvolverádoiscírculos,onacionalismonegroeoIslã”.Onacionalismoeranecessárioparavincularosafro-americanosàÁfrica,pensavaele.“EoIslãnosligaráespiritualmenteàÁfrica,àArábiaeàÁsia.”36

Malcolm partiu do movimentado aeroporto de Jidá e chegou a Beirute nomeiodanoitede29deabril;conseguiuquartonoPalmBeachHotelaconselhodo motorista do táxi que pegou no aeroporto. Parte de sua programação emBeiruteeraconheceraorganização IrmandadeMuçulmana (im)doLíbano,quesededicavaaorientarosprincípiosdoIslãparaobjetivospolíticos.AIrmandadefoi estabelecida originariamente no Egito em 1928 e espalhou-se por outrospaíses árabes, como Síria, Líbano, Iêmen e Sudão, durante a Segunda GuerraMundial e depois. Defendendo a independência nacional contra os colonialistaseuropeus,areformasocial,a filantropiaeamudançapolíticaemharmoniacomaspráticasislâmicas,pelaalturadosanos1950tinhadesenvolvidoumafortebaseentre profissionais de classe média, operários e intelectuais. No Egito, o maisdestacado teórico nesse sentido era SayyidQutb, que pregava o amplo uso dajihad.37

A atração de Malcolm pela Irmandade provavelmente se devia a seus

fundamentos islâmicos, que davam à política do mundo real uma firme baseespiritual.Ironicamente,essaposiçãoeraaopostadaqueeletinhaalcançadonosEstadosUnidos,quandoconcluiuqueprecisavasepararseusgruposreligiososepolíticos. Em Beirute,Malcolm visitou a casa do dr.Malik Badri, professor daUniversidade Americana, a quem tinha conhecido no Sudão em 1959. BadriinformouqueMalcolmestavaescaladoparafazerumapalestranodiaseguinte.38

Aquela noite, Malcolm reuniu-se com um grupo de estudantes sudaneses, que“estavam bem informados sobre os muçulmanos negros”, escreveu ele, “efizeram muitas perguntas a esse respeito e a respeito do problema racial nosEstadosUnidosemgeral”.Em30deabril,depoisdeumalmoçonacasadodr.Badri,Malcolmfezuma

palestra no Centro Cultural Sudanês em Beirute. O jornal local, oDaily Star,cobriuodiscurso,publicandonodiaseguinteumartigodeprimeirapágina.39ONew York Times também deu uma pequena notícia sobre a fala de Malcolm,descrevendo-asobretudocomoumataqueaMartinLutherKing.Deacordocomo Times, Malcolm “disse aos estudantes no Centro Cultural Sudanês que osnegrosnosEstadosUnidosnãoconseguiramavançarnadanotocanteàconquistados direitos civis”. Também declarou: “Só umaminoria de negros acredita nanãoviolência”.40

Aquela noite, Malcolm mencionou em seu diário que tinha visitado “osescritóriosdosirmãosmuçulmanos”41—ouseja,daIrmandade.Demanhãcedo,quandoMalcolm se preparava para tomar o avião para oCairo, o dr.Malic “eoutros membros da im me ofereceram uma festa de despedida muitocomovente”.ChegandoaoCaironamanhãseguinte,procurouseucontatolocal,Hussein el-Borai, diplomata egípcio que o ciceroneara pela cidade em 1959, efariaomesmoduranteavisitade1964.42OsdoishomensviajaramdetremparaavizinhaAlexandria,chegandoàantigacidadeportuárianocomeçodanoite.43

MalcolmpassouváriosdiascomoturistaemAlexandria,ondelogodescobriuque fotos dele em companhia do campeão de pesos pesados Muhammad Alicirculavam amplamente na imprensa egípcia; consequentemente, Malcolm foitratadocomoconvidadoespecial,segundoobservou,eperseguidoporcaçadoresde autógrafos. “Dizer que eu era um muçulmano americano que acabava devoltar dohajj já era suficiente”, escreveunodiário. “EmencionarClay causavauma‘avalanche’.”MalcolmpassouamaiorpartedodianoportodeAlexandria,“tentando desembaraçar-me da burocracia e passar artigos importados pela

alfândega”.44Depoisdeumcochilonofimdatarde,voltounaquelamesmanoitepara o Cairo, e durante dias refez contatos commuçulmanos locais, amaioriadosquaisconheceranosEstadosUnidosounaviagemde1959.Malcolmtambémcontinuava encontrando egípcios que se recusavam a acreditar que ele pudesseser ao mesmo tempo americano e muçulmano. Um garçom ignorou suasafirmações, dizendo a el-Borai que Malcolm “provavelmente era de Habachi(Abissínia)”.45

Na terça-feira de manhã, 5 de maio, o filho de dezenove anos do dr.Shawarbi,Muhammad Shawarbi, pegouMalcolm no hotel para dar uma voltapela cidade e depois o levou ao aeroporto, de onde ele partiria para Lagos, naNigéria.Depoisde alguns atrasos,MalcolmchegouaLagosem6demaio.Noaeroporto,um funcionárionigerianoo reconheceueoacompanhouatéoHotelFederalPalace.46

MalcolmpassoualgunsdiasvisitandoaNigéria,masdevidoaopoucotempode que dispunha se limitou essencialmente a duas grandes cidades, Lagos eIbadan.DiferentementedoCairo,suachegadaàNigéria,emmeioaummarderostosnegros,oinformoudequedesembarcaranocentrodalongalutahistóricaque cada vez encontrava mais expressão em sua retórica no Harlem. Mas asituação na prática dificilmente se comparava à idealização prometida por seusdiscursos. Ali na África Ocidental, o que ele viu foi uma terra castigada pelosefeitos de batalhas reciprocamente destrutivas; as promessas políticas feitasquando a Nigéria conquistou sua independência em 1960 não tinham sidocumpridas, e dois anos depois da viagem deMalcolm o paísmergulharia numpesadelodeditadurasmilitaresqueseprolongariapordécadas.Naquinta-feira,7demaio,ele teveumencontrocomrepórteresnohotel,e

no fim da tarde passeou de carro por Lagos. Na volta encontrou à sua esperadiversos contatos locais, entre eles o intelectual E.U. Essien-Udom.47 O grupopartiu de carro para Ibadan, uma viagem que Malcolm descreveria como“assustadora”.Aquela noite, pronunciouumvigoroso discurso naUniversidadedeIbadan,patrocinadopelaUniãoNacionaldeEstudantesNigerianos,paraumaplateia entusiástica de cerca de quinhentas pessoas. Malcolm diria depois quequase houve tumulto quando estudantes revoltados cercaram um palestranteantilhanoquecriticara seudiscurso.MasomaismemorávelparaMalcolmfoiahonra que lhe conferiu a Sociedade deEstudantesMuçulmanos daNigéria: umcartãodesóciocomonome“Omowale”,expressão iorubáquesignifica“ofilho

(acriança)quevoltou”.48

ComexceçãodeMeca,opontoaltodaviagemdeMalcolmduranteosmeses

deabrilemaiode1964foiavisitaaGana,ondechegouem10demaio.Foiparalá como convidado da pequena comunidade de expatriados afro-americanos nacapitalAcra,informalmenteencabeçadapeloescritoreatorJulianMayfield.Maisconhecido por seus romances de forte carga racial escritos nos anos 1950,Mayfield tinha fugido para Gana em 1961, depois do episódio de sequestro naCarolina doNorte quemandara tambémRobert F.Williams para o exílio emCuba. A ele se juntaram em Acra numerosos colegas afro-americanos radicais,como sua mulher Ana Livia Cordero, Maya Angelou, AliceWindom, PrestonKingeW.E.B.eShirleyDuBois.49

Malcolm conheceraMayfield poucos anos antes de sua chegada, na casa deRuby Dee e Ossie Davis, e manteve contato com ele graças ao seu crescenteinteressepelapolíticapós-colonial.QuandoMalcolmo informoude seupasseioafricano,Mayfield e os outros expatriados animaram-se com a possibilidade delevar a mais poderosa voz do nacionalismo negro ao país que havia muitoconcentravaasesperançasafricanasdeumfuturomelhor.Desdequesetornarao primeiro país negro africano a conquistar a independência, livrando-se docolonialismo em 1957, Gana passara a ser um símbolo de possibilidades paramuitos grupos diferentes. A ascensão ao poder de Kwame Nkrumah e seuPartidoPopulardaConvençãoofereceuummoldede autogovernoparaoutrospaíses colonizados do continente, enquanto a pacífica transferência de poder dogovernocolonialbritânico,comemoradapornegrosdomundointeiro,deumaismuniçãoparaosdefensoresamericanosdanãoviolência,queviramnatransiçãoumaprovaclaradaeficáciadosseusmétodos.Aestratégianãoviolentatambémtinha apoio dentro do Departamento de Estado dos Estados Unidos, sempreansiosoparalimitarainfluênciasoviéticanaÁfrica.Mas, assim como na Nigéria, o momento de celebração de Gana já havia

perdido o frescor quando Malcolm chegou. O controvertido assassinato dePatriceLumumba,doCongo,em1961,foiparamuitosumaterrívelguinadanosassuntos do continente, com as políticas dos países ocidentais para a Áfricacomplicando a já tensa política dos novos países que lutavam contra ainquietação civil e o caos governamental.Ousodaviolência pelos inimigosdo

movimento de independência da África — e, igualmente, pelos defensores dasupremacia branca nos Estados Unidos — fazia a não violência parecer umarespostaanêmica,aumentandoainfluênciadosquepropunhamumaabordagemrevolucionária. Na época da visita de Malcolm, Gana padecia de muitas dasmesmasdificuldadesqueeleviranaNigéria, e suaaparição teveoduploefeitode encorajar uma população faminta dos ideais que ele representava, e deixarautoridadesdogovernopoucoàvontadeparaoacolherem.Mas nada disso abateu o entusiasmo da comunidade de expatriados afro-

americanos deAcra, quehavia semanas aguardavam comgrande expectativa achegada de Malcolm. Quando ele chegou à casa de Mayfield no começo damanhãdesegunda-feira,11demaio,Mayfieldlhedissequetinhaarranjadodoisgrandesprogramasdediscursosparaele.UmeraumapalestranaUniversidadedeGana, organizada por Leslie Lacy, que se radicalizara durante seus anos deestudanteemBerkeleye,aomudar-separaGana, trabalharaparaestabeleceropopularGrupodeEstudosMarxistasnauniversidade.50Depois queMalcolm seacomodou,Mayfield levou-oparaalmoçarnacasadeLacy,ondeAliceWindomse juntou a eles. Tendo conhecido Malcolm quando ele fez um discurso naMesquita nº 2 de Chicago no começo dos anos 1960, ela sentia-se feliz porencontrar-secomelenoexterior.51

Durante o almoço, Malcolm explicou que tinha intenção de “dedicar seustalentosàconstruçãodauniãoentreosdiversosgruposdedireitosnosEstadosUnidos”, disse Windom. “Em sua opinião”, escreveu ela, “não se servirá anenhumobjetivoválidoexpondotodasasraízesdedissensão.” Issodeixavaemaberto a questão da luta bastante pública de Malcolm com a Nação, o que olevou a explicar sua saída da seita “em termos de divergências sobre direção eenvolvimentopolíticonalutaextrarreligiosapelosdireitoshumanosnosEstadosUnidos”.52SeuprimeirodiaemGanaemcompanhiadosexpatriadosofezsentir-se bem-vindo e satisfeito, e no fim daquela noite no hotel, escrevendo em seudiário, Malcolm aventou a possibilidade de fixar-se na África. “Tirar minhafamíliadosEstadosUnidos talvez sejabomparamimpessoalmente,mas ruimpoliticamente.”53

Numa carta de 11 de maio para ammi pondo os seguidores a par de suasviagens, Malcolm descreveu sua palestra triunfal na Universidade de Ibadan,ondetraçara“overdadeiroquadrodasnossasdificuldadesnosEstadosUnidos,eda necessidade de os países africanos independentes nos ajudarem a apresentar

nossacausaperanteasNaçõesUnidas”.Politicamente,amaisaltaprioridadeeraconstruir“auniãoentreosafricanosdoOcidenteeosafricanosdamãe-pátria,[oque] mudará o curso da história”. Essa carta marca o rompimento final deMalcolm com o conceito danoide homemnegro “asiático” e o começo de suaidentificaçãocomumpan-africanismosemelhanteaodifundidoporNkrumah.54

Àquela altura oGhanaian Times já tinha sido alertado da presença deMalcolm,eumbreveanúncio,“Xestáaqui”,apareceunaprimeirapáginaem12demaio.Nodiaseguinte,o jornalcobriusuaentrevistaà imprensa,naqualeleenfatizou “o estabelecimentodeboas relações entre afro-americanos e africanosnos Estados Unidos, o que deve ter resultados de longo alcance para o bemcomum”.55 Os dias seguintes foram repletos de funções de celebridade;acompanhado por JulianMayfield até a embaixada de Cuba para um encontrocom seu jovem embaixador, ArmandoEntralgoGonzalez, “que imediatamenteme homenageou com uma festa”; um almoço íntimo na casa da jovemMayaAngelou, uma dançarina que também trabalhava como professora, e que selembrava com carinho de seu encontro anos antes; encontros com osembaixadoresdaNigériaedoMali;eumaconversaprivadacomoministrodadefesadeGana,KofiBoaka,eoutrosministros,naresidênciadeBoaka.56

Nanoitede14demaio,MalcolmpronunciouodiscursoqueLeslieLacytinhaescrito para ele, falando para uma multidão que lotava o salão nobre daUniversidade de Gana. Alice Windom, observando a cena, comentou que“muitos brancos tinham ido para ‘se divertir’.57 Acabaram tendo uma durasurpresa”. O discurso obrigava Malcolm a ser o mais hábil que podia ser emtermos políticos, e ele elogiou calorosamente Nkrumah como um dos “líderesmais progressistas” do continente africano. O teste decisivo que propôs parachefes de Estado africanos foi a maneira como eram tratados pela imprensaamericana, e portanto pelo governo americano: “Os líderes daqui que recebemdosamericanosaplausose tapinhasnascostas,os senhorespodempôrnovasosanitário e puxar a descarga”, disse ele àmultidão, que explodiu em risadas eaplausos.Mas em sua apreciação de Nkrumah o discursomascarou a grande divisão

quesurgiranavidapolíticaganense.EmboraNkrumahfossereverenciadocomoheróinacionaldurantea independência,pormeadosdosanos1960seugovernotinha degenerado num regime autoritário caracterizado por eleições fraudadas,pela perda de um Judiciário independente, pelo declínio do Partido Popular da

Convenção como força democrática popular, pela expansão da corrupção e dosuborno e por um culto em torno da personalidade de Nkrumah. Apesar deNkrumah usar uma retórica marxista, seu regime podia ser descrito comobonapartista; profundamente hostil à existência de uma sociedade civil livre, egovernadodecimaporumaburocraciaalienadadapopulaçãodopaís.Em1964,C. L. R. James, antigo mentor de Nkrumah, rompeu publicamente com opresidente africano por causa da supressão dos direitos democráticos no país.Malcolmsemdúvidaouviuessascríticasdealgunsexpatriadosafro-americanos,mas sensatamenteusou seus comentários para enfatizaro terreno comumpan-africanistaqueos americanosnegros continuavamapartilhar comopresidenteganense.Às vezes, até pareceu endossar asmedidas autoritárias queNkrumahimpuseraàpolíticaeconômicaesocial,explicandoquesóquandoa“mentalidadecolonial fordestruída”asmassasdecidadãos“saberãoemqueestãovotando,elhesserádadaachancedevotarnissoounaquilo”.MalcolmtambémusouodiscursoparacaracterizarosEstadosUnidoscomo

“potênciacolonial”,semelhanteaPortugal,FrançaeGrã-Bretanha.EpreviuqueoHarlemestava“àbeiradaexplosão”.58OGhanaianTimesnoticiouoapelodeMalcolmemnomedauniãodoTerceiroMundo: “Sóumataqueacertadoentreasraçasnegra,amarela,vermelhaemorena,quesãomaisnumerosasdoquearaçabranca,acabarácomasegregaçãonosEstadosUnidosenomundo”.59

Namanhãseguinte,MalcolmdeveriafalarperanteoparlamentonacionaldeGana,masdevidoa atrasosnos transportes chegou logodepoisde encerrada asessão formal. No entanto, membros do parlamento ainda estavam lá, e amaioriasereuniunasalaprincipaldoedifício,ondeMalcolmfalouparaogrupoe envolveu os legisladores em animada discussão. Ao meio-dia, Malcolm foilevado para o castelo Christiansborg, a sede do governo ganense, para umencontroprivadodeumahoracomopresidenteNkrumah.Oencontroemsijáfoi um tanto extraordinário, levando em conta que Nkrumah relutava emassociar-se aMalcolm; só o apelo de Shirley, viúva deW. E. B. Du Bois, quecontinuouamigadeNkrumahdepoisdamortedomaridoem1963,convenceu-oaconcederaudiênciaaMalcolm.Depois,Malcolmfalouparaduzentosestudantesno Instituto Ideológico Nkrumah emWinneba, a cerca de 65 quilômetros deAcra.60 Até achou tempo para jantar com outros expatriados americanos naembaixadachinesa,ondeassistiramatrêsdocumentárioschineses,incluindoumqueproclamavaoapoiodaChinamaoistaàlibertaçãodosafro-americanos.61

Foiumavisita triunfaldepontaaponta.ComoobservouAliceWindom,“onome [de Malcolm X] era quase tão familiar para os ganenses como cãesselvagens, incêndios, aguilhão de gado e brancos raivosos, e sua decisão deentrarnacorrenteprincipaldalutafoiaclamadacomosinalanimador”.62Sódoisacontecimentosruinsmacularamumasemanaquaseperfeita.Oprimeirofoiumencontro negativo com Muhammad Ali, que percorria a África Ocidental.QuandoMalcolmdeixavaohotelparaoaeroporto,osdoishomensesbarraramum no outro e Ali o esnobou. Posteriormente, Ali manifestou com veemênciasualealdadeincondicionalaElijahMuhammad,ridicularizandoMalcolmparaumcorrespondente doNewYorkTimes e zombandoda “engraçada túnicabranca”que seu ex-amigo usava e da barba que passara a cultivar. “Cara, ele já era.Tantojáeraquesumiucompletamente.”Opugilistaacrescentoupalavrasdequemais tarde se arrependeria: “Ninguém presta mais atenção ao que Malcolmdiz”.63

Então,poucashorasdepoisdedeixarGana,MalcolmfoiatacadonoGhanaianTimes pelo tenente ideológico deNkrumah,H.M. Basner. Comunista, Basneracusou Malcolm de não compreender a “função de classe de toda opressãoracial”.AênfasedeMalcolmnalibertaçãodosnegrosenãonalutadeclassessóservirá aos interesses de “imperialistas americanos... SeMalcolmX acredita noque diz, então tantoKarlMarx como JohnBrown não podem, por sua origemracial, ser vistos como libertadores humanos”.64 Julian Mayfield respondeuimediatamenteàcríticadeBasner.MayfieldafirmouqueaquiloqueincomodavaBasner era a rejeição deMalcolm à clássica estratégia comunista quemandavanegrosseuniremaoperáriosbrancosparaconseguiremmudançassignificativas.“O americano negro já trilhou este caminho antes”, observou Mayfield.“Nenhum fator isolado atrasou tanto sua luta como a tentativa de unir-se abrancosliberaisouprogressistas.”Ooperárionegroamericanomédio“nãotemmais pontos emcomumcomooperário branconosEstadosUnidos doquenaÁfricadoSul”.65Mais tarde,LeslieLacyrecordou-sedequeoquehorrorizaraogrupodeexpatriadosafro-americanosfoiofatodeacríticadeBasneraMalcolmter “aparecido num jornal negro, revolucionário, controlado pelo governo...Nenhuma crítica, por mais objetiva que fosse, seria publicada atacandoNkrumah”.66

As experiências de Malcolm em Gana reforçaram sua dedicação ao pan-africanismo. Escrevendo para ammi, elogiouGana como “omanancial do pan-

africanismo... Assim como o judeu americano está em harmonia (política,econômica e culturalmente) com o judaísmo mundial, é hora de os afro-americanos se tornarem parte integrante dos pan-africanistas do mundo”. FezumapelopeloretornoàÁfrica“filosóficaeculturalmente”.67Antesdepartirem17 de maio, os expatriados americanos em Gana organizaram uma “festa dedespedida reservada”, escreveuMalcolmemseudiário, acrescentandoqueumaentusiástica“Maya[Angelou]levou-odeônibusatéoavião”.QuandooaviãofezbreveescalaemDacar,oadministrador francêsdoaeroportoescoltouMalcolmpelas instalações. “Assineimuitos autógrafos”, escreveuMalcolm, e rezou commuitasoutraspessoas.68

Ele chegou a Casablanca, no Marrocos, já tarde de noite, e passou o diaseguinte tranquilamente. Depois de passear por Casablanca de táxi, Malcolmjuntou-seaseucontatolocal,umsujeitochamadoIbrahimMaki,eaumamigo.Ostrêsacabaramnobairromuçulmano,Medina,ondeconversarame jantaramaté altas horas. “Eles tinham aguda consciência racial, orgulho de seremmuçulmanosnegroseestavamsedentosde‘progresso’maisrápido.”69

Malcolm comemorou o que seria seu último aniversário, completando 39anosem19demaiode1964.PartedessediafoigastanovoodeCasablancaparaArgel,ondeele chegoude tarde, antesde inspecionar a cidadeapé e jantarnofimdanoite.Masaquelacidade,aúltimadesuaviagemafricana,nãolherendeumuito. Malcolm ficou desapontado por encontrar pouca gente que sabia falaringlês;alémdisso,suaschamadasparaaembaixadadeGanaforaminfrutíferaseseu contato no Ministério do Exterior da Argélia estava ausente do escritórioquandoMalcolmpassoupara fazer-lheumavisita.Nodia 20,Malcolmpasseoupela cidade de táxi, debruçando-se na janela para tirar fotos. Enquanto isso, nomesmo dia nos Estados Unidos, como ficaria sabendo mais tarde, foi emitidaumaordemdeprisãocontraele,porterdeixadodecompareceraotribunalpararesponderaumamultaporexcessodevelocidadeaplicadanosdiasdavisitadeCassiusClayaNovaYork.70

Nodiadapartida,21demaio,MalcolmfoirapidamentedetidopelapolícianoaeroportodeArgel, que achavaque as fotos tiradas por ele representavamumrisco à segurança. Só foi liberado — com pedidos de desculpas — quandoapresentou provas de sua condição de muçulmano. Malcolm desembarcou noaeroporto jfk no fim da tarde, onde o aguardava uma multidão de cerca desessenta pessoas, na maioria parentes e amigos. Uma entrevista coletiva foi

arranjada para aquela noite no Hotel Theresa, durante a qual, como o fariareiteradamente nos dias seguintes, Malcolm ressaltou seu desejo de criar uma“organização aberta à participação de todos os negros, e [na qual] estaremosprontos para aceitar o apoio de pessoas de outras raças”. Malcolm admitiufrancamente que sua “filosofia racial” sofrera mudanças depois que ele viu —“milhares de pessoas de diferentes raças e cores, que me trataram como serhumano”.71

Malcolmestavaprontoparaentrarnacenapolítica internacional, livrando-sedoprovincianismoedoatrasodeYacubedaNação.Mas,aoretornaraomundode onde saíra um mês antes, descobriria que a profunda transformação quesofrera no Oriente Médio e na África não criara raízes semelhantes em seusirmãos dammi.Na recepçãodoaeroporto, apesardo rompimento coma seita,elesaindausavamouniformepadrãodaNaçãodoIslã,os“ternosazul-escuros,as camisas brancas e as gravatas-borboletas características, vermelhas oucinzentas”.72 Malcolm talvez tivesse feito uma viagem a um mundo diverso,espiritualepoliticamente,masseusseguidoresnãoseriamtransportadosparalácomamesmafacilidade.

**Aquiafraseeminglêstrazotrocadilhode“New”com“Jew”,queseperdeemportuguês:“callNewYorkJewYork”.(N.T.)

12.“DeemumjeitoemMalcolmX”21demaio-11dejulhode1964

AcrescentefamadeMalcolmdepoisdoseurompimentocomaNaçãodoIslãatraiuo interessedepessoasdemuitas categorias, e ao longodemarçoe abrilativistas seculares, escritores e até celebridades tentaram entrar pessoalmenteemcontato comele.Centenasdepessoas disputavam seu tempoe sua atençãonum momento em que ele precisava desesperadamente encontrar a paz. Aperegrinação aMeca não foi diferente de uma viagem a um país desconhecidoparadescobriroqueumcompromissoespiritual como Islã significaria em suavida.Masamilharesdequilômetrosdedistânciadesuaperegrinaçãoespiritual,um turbilhãode atividadepolítica continuava a rodopiar em tornodeMalcolmX.SemanasdepoisdorompimentodeMalcolm,aMesquitaMuçulmanajátinha

estabelecidoumarotinaemsuasedenoHotelTheresa.Naquelesprimeirosdias,geralmentecaóticos,aestabilidadecustavacaro.Asreuniõesdenegóciosdammieram realizadas nas noites de segunda-feira.Nas noites de quarta, celebrava-seumcultoreligiosoislâmico.Nasdequinta,oescritórioficavadisponívelparaasmulheres dammi, ainda conhecidas comomgt. Nas noites de domingo, seMalcolm estivesse na cidade, reservava-se o Audubon para um comício oueventopúblico.Uminformantedofbirelatouquenoencontrodammide26demarço de 1964, cerca de setenta pessoas compareceram à “reunião aberta”,seguidaporumasessãofechadarestritaacercade45“muçulmanosregistrados”.James67Xdirigiuareuniãoprivada,concentrando-seemquestõesdesegurançaeadvertindoirmãseirmãosa“teremcuidadocomanoi”.1

Enquanto viajava e pronunciava discurso pelo país nessa época, Malcolmconheceumuitos jovens afro-americanos que nunca tinham pertencido àNaçãoou feito contato comogrupo religioso, e queriamdedicar-se à suanova causa.UmdessesjovensidealistasquelhecausaramgrandeimpressãofoiLynneCarolShifflett.Nascida em 26 de janeiro de 1940, Shifflett pertencia a uma família daclasse média alta, e seus anos de infância e adolescência na Califórnia foramrepletosdasatividadessociaisdaburguesianegra,comoafiliaçãoàorganizaçãoJack and Jill.2Matriculando-se na Faculdade deLosAngeles nooutonode 1956,Shifflett logo foi eleita vice-presidente de entidade estudantil. Uma viagem detrês meses pela África em 1958, durante a qual conheceu o primeiro-ministroKwameNkrumah, de Gana, ampliou drasticamente sua visão política e social.Seuspais, solidáriosaoativismoda filha,patrocinaramumbailedegala comoobjetivodelevantarfundosparaosCavaleirosdaLiberdadenosul.3

Em 1963, Shifflett já se mudara para Nova York, onde fazia parte de umpequeno grupo de negros que trabalhavam na rede de televisão nbc, noRockefeller Center, e parece ter sido nessa época que Malcolm a conheceu.Shifflett o impressionou, e ele a incumbiu de identificar outros jovens ativistasseculares como ela que pudessem ajudá-lo a criar um novo grupo nacionalistanegro. Um dos primeiros que ela recrutou foi Peter Bailey, ambicioso jovemafro-americano que também trabalhava no Rockefeller Center, para Time Inc.Dois anosmais velho, Bailey foi praticamente criado pelos avós emTuskegee,Alabama,efizeraoserviçomilitarcomomédicodoexército,antesdematricular-senaUniversidadeHowardem1959.QuandoconheceuShifflett,Baileyjáestavabastante familiarizado com Malcolm graças aos comícios danoino Harlem.“Todosábado íamosàsuíte116paraouvi-lo falar”,disseBailey.“Emrazãodosmeus antecedentes integracionistas, o que ele dizia fascinava-meintelectualmente.”Baileynãochegoua ingressarformalmentenaNaçãodoIslã,mas continuou a frequentar eventos públicos em que Malcolm aparecia comoorador. Quando Malcolm foi silenciado em dezembro de 1963, Bailey estavaentreosqueachavamqueoscomentáriosdoministrosobre“asgalinhas”eramplenamente justificados: “O que ele disse foi que, como a situação do paíspermitia que acontecesse o que acontecia com os negros, os brancos tambémcomeçariamasentirosefeitosdisso”.4

No começo de 1964, Shifflett encontrou-se com Bailey no café da manhã eperguntou-lhe: “O que você acha de participar da fundação de uma nova

organizaçãonacionalistanegra?”.EmboraShifflettagissedemodoextremamentemisterioso, Bailey concordou em ajudar. “Ligo para você no sábado às oito damanhãedigoondedevemosnosencontrarequando”,disseela.“Enãomefaçaperguntas, apenas esteja lá.”5 Quando telefonou no sábado, ela lhe disse quefosse para um hotel no Harlem na rua 135 Oeste; no lugar indicado, eleencontrou um pequeno grupo de umas quinze pessoas. Minutos depois, ficouespantado ao ver Malcolm chegar. Aqueles encontros de sábado de manhã,voltadosparaacriaçãodeumaorganização independente, secular, emapoioàsideias de Malcolm, logo se tornariam rotina, embora basicamente sem a suadireçãopessoalfrequente.SabendodoperigorepresentadopelaNação,Malcolmcertificou-sedequeseupessoalnãotivessequalquerilusãosobreondeestavasemetendo.Baileyexplicou:“Malcolmnosdisse: ‘Vocêssabemqueseenvolvendocomigopodemserprocuradosepressionadospelapolíciaepelofbi...’Todos jásabiam disso e não se importavam”. Foi nesse pequeno grupo especialmenteformado de jovens seguidores que Bailey se tornou, segundo ele mesmo, um“verdadeirocrente”, totalmentededicadoaMalcolm.“Dealgumaforma,aquelehomemeracapazdeabsorveras ideias...Eradescontraído,riamuitoecontavapiadas.”6 Bailey afirmou que as reuniões de sábado começaram em janeiro oufevereirode1964,semanasantesdorompimentodeMalcolmcomaNação.7 Sefor verdade, isso explica o caráter altamente sigiloso daquelas reuniõesclandestinas, sugerindoqueMalcolmtalvez tenhaadotadoaduplaestratégiadecontinuar os apelos para reingressar na Nação e, simultaneamente, construirumabaseindependentelealasimesmo.HermanFerguson,oeducadordoQueens,logopassouafazerpartedonovo

grupo. Na opinião de Ferguson, Malcolm tornara-se grande demais para aNação. “Bem antes de conhecer Malcolm pessoalmente, [eu achava] que eleprecisava romper com a Nação do Islã, porque a seita o impedia de crescer,atrapalhava seu desenvolvimento.” O que nacionalistas negros como Fergusonbuscavamerauma“alternativaparaintegração”eparaMartinLutherKing.“Eunãosabiaoqueaconteceriaquando[Malcolm]saísse,masjátinhadecididoque,se ele saísse daNação do Islã... eu participaria de qualquer coisa queMalcolmfizesse”,disseFerguson.8

Desde o início, houve tensão e rivalidades entre os antigos membros danoidentro da Mesquita Muçulmana e os ativistas seculares recém-chegados,comoShifflett e Ferguson.Os irmãos e irmãs dammi “se sentiam donos dele”,

queixava-se Ferguson. James 67X, Benjamin 2X Goodman e os outros tinhamingressado nammi “com o conhecimento de que a Nação do Islã não seriaamistosacomeles”,prosseguiuFerguson.“Porissosesentiam,emgrandeparte,responsáveis por Malcolm e sua segurança.” Nas semanas seguintes aorompimento, os comícios noAudubon contavam com a participação de irmãosdammi que portavam armas para protegerMalcolm. “Seus fuzis e espingardaseramusadosostensivamente”,disseFerguson.Naépoca, eleestava convencidodequeaquelademonstraçãode força eranecessária: “Eu sentiaorgulhodequeeramhomens negros que... escoltavamnosso líder na saída do prédio, que eleestavaemsegurança,poiscontavacomessasarmas...Noquemediziarespeito,era assim que omovimento teria que ser”.Mas essa atitude agressiva acabouespicaçando a ira da Nação e estimulando em seus membros o desejo deretaliação. Membros da Nação não tinham licença para portar armas de fogo;apesar do pequeno tamanho dammi, 36 homens bem armados constituíamgenuínaameaçaàbemmaiorMesquitanº7.Enquanto se estruturava, a organização secular deMalcolm traíamembros,

como Ferguson, que só estavam esperando que Malcolm formasse um grupodistintodaNaçãoparaaderir.Umdosrecrutadosera,naverdade,umdosmaisantigos seguidores deMalcolm. Em Boston, já fazia quase cinco anos que EllaromperaasperamentecomLouisXeamesquitalocaldanoi.Elaprovavelmentese sentiu vingada quando o irmão decidiu deixar a seita, e nesse período asrelações entre os dois se estreitaram. Sua preocupação imediata era ajudarMalcolm a superar as dificuldades financeiras e as dúvidas pessoais durante atransição. Quando os adiantamentos prometidos pela editora Doubledaycomeçaramaatrasar,devidoaolentoprogressodolivro,Ellasubsidiouoirmãoe sua família. O dinheiro que lhe emprestou para ohajj estava separado parafinanciarsuaprópriaperegrinação,masEllaevidentementeachouqueosacrifíciofazia sentido.9 Depois ela sustentaria que, longe de buscar uma oportunidadepara realizar ohajj, seu irmão de início resistia à ideia. Supostamente, numaconversa emocionada tarde da noite, ela obrigouMalcolm a reconhecer que aNaçãodoIslãjamaisoadmitiriadevolta.10

Vários artistas, teatrólogos e escritores afro-americanos progressistasaprovaramasaídadeMalcolmdaNaçãoepreviramsuaparticipaçãoemcausasdedireitoscivis.OatoredramaturgoOssieDaviseraumdosmaisdestacados.DavisocupavaposiçãopeculiardentrodoMovimentodeLiberdadeNegra,não

muitodiferentedadeJamesBaldwin—umartistaquecontavacomaconfiançatanto de integracionistas como de separatistas negros. Davis servira comomestredecerimôniasnaMarchasobreWashingtonem1963,eviaemMalcolmumproponentedalutadeclassedosnegros,alguémqueadvogava“aassociaçãocomagentedasruas,osviciadosemdrogaseostrapaceiros—pessoasquenãopertenciam à classe média, e com as quais o King certamente não serelacionaria”.Lembro-medeandarpelaruacomMalcolm,daspessoasseaproximaremdele,dojeitocomoelereagia,bemdiferentedomeu.Enquantoalgumasorepreendiam,Malcolmsempreachavaalgobomparadizer.Malcolmeraespecialistanosdanoscausadospelaescravidãoeoracismoàimagemqueonegrotinhadesimesmo.Eraespecialista tambémnoquepoderia ser feitopara remediaraquelaausênciachocantedeautoestima. Sabia que era preciso mais do que leis sobre direitos civis, empregos e educação pararealmente ajudar o negro. E sabia que nenhuma das organizações tradicionais que atendiam ascomunidadesnegras—igrejas, faculdades,sororities efraternities, anaacp, aLigaUrbana—era capazde fazeroqueprecisava ser feito.Comoalgunsdenós, ele achavaquepedir aumhomemque já forasurradodetodasasformasparanãoserviolentoeratransformarapatologianegranoutrareligião.11

De sua parte, Malcolm tinha adorado a peçaPurlie Victorious (1960), de

Davis,queusavaestereótiposcômicosparacriticarduramenteoracismo,enosanos seguintes os dois se encontravam de vez em quando emmanifestações.12

Em1964,MalcolmtratavaDavisesuamulherativista,RubyDee,peloprimeironome. O irmão de Ruby, TomWallace, foi tão influenciado porMalcolm queingressounaNaçãodoIslã,edepoisnammi.Escritores e jornalistas que conheciamMalcolm, demodo geral, aprovaram

suaúltimamudança.PeterGoldmanmanteveestreitocontatocomele,esemprevoltava impressionado com“a complexidadee sofisticaçãode [seu]pensamentopolítico”.ComomuitosobservadoresduranteosmesesdesilênciodeMalcolm,oescritornãofaziaideiadorompimentoiminente.“Euouviraumzum-zumsobreciúmes da notoriedade de Malcolm”, disse Goldman, “mas não sabia que issotinha provocado uma crise.” Depois do fato, porém, ele passou a ver orompimentocomonecessárioparaaevoluçãointelectualdeMalcolm;asaídadaNação, combinada com suas excursões pela África, o levou a pensar“politicamente no afro-americano. Acho que seu nacionalismo foi enriquecidopelas viagens”. O Malcolm dos primeiros tempos tinha pregado um “modeloeconômicosimplista”.Em1964,eraoutrohomem,“movendo-se,achoeu,rumoaopan-africanismo,ecertamenterumoaumaconexãocomamaiorianãobranca

domundo”.13

AsaídadeMalcolmdaNaçãomudoumuitosuavida,mas tambémafetoua

Naçãodemaneirabemcuriosa.Paraalgumasfiguras-chave,asaídadeMalcolmeseusseguidorescriouoportunidades.NormanButler,de26anos,veteranodaMarinha,porexemplo,eramembrodaNaçãohaviapoucomaisdeumano,masduranteessebreveperíodoestabeleceuumareputaçãodedurezacomohomemda equipe de segurança. AMesquita nº 7 normalmente dava duas semanas desessões de treinamento, incluindo artesmarciais, para o Fruto do Islã.QuandoumdoshomensdeMalcolmfoiembora,Butlerassumiuocontroledasessãodasmanhãsdeterça-feira,comdrásticosresultados.Deummodestogrupodetrêsacincohomens,adivulgaçãodebocaembocafezogrupocrescerpara“desetentaa oitenta irmãos [que] nos apareciam por causa do nosso desempenho”. Logo,lembrava-se Butler, o grupo do Fruto nas manhãs de terça-feira “conseguiavender mais de 5 mil jornais” por semana. Embora Malcolm o tivessepromovido a tenente, Butler não teve dúvida sobre que partido deveria tomardurante o rompimento. “[Malcolm] cresceu muito”, lembrava-se, anos depois,comressentimento.“EletinhachegadonaprimeirapáginadoNewYorkTimes.”Para Butler, esse foi o ponto crucial que levou à expulsão de Malcolm. “Elequeriasermaiordoquetodososoutrosministros”,ecometeuoerrode“afastar-se ou ir além dos ensinamentos do Mensageiro, dizendo coisas que oMuhammadnãoqueriaquefossemditas.Foiessaagrandedificuldade.”14

Mas, apesar de todos aqueles que desenvolveram opiniões negativas arespeito de Malcolm, muitos membros da Nação que tomaram o partido deElijahMuhammadnorompimentomantinhamfortessentimentosdeafeiçãoporseu antigo ministro nacional. “Eu fui, na verdade, aluno dele”, disse Larry 4XPrescott. “Eugostavadele.Euoadmirava.Queria ser capazde fazeroqueelefazia.Eeraissooqueeleencorajavaemnós.”Larryconsiderouaimposiçãodosilêncio uma espécie de “teste”. Ele e os outros ministros assistentes “faziamvotos e orações para queMalcolm passasse em qualquer teste a que o líder osubmetesse”.Sónofimdefevereiro,quandoMalcolmvoltoudaFlóridae“falousobre a luta eMuhammadAli”,Larry percebeuqueoministro tinha ido longedemais. Sua entrevista no aeroporto jfk “foi uma violação do silêncio impostopelo Honrado ElijahMuhammad”. Para Larry, o rompimento subsequente foi

culpadeMalcolm.15

LarrycontestavavigorosamenteaideiadequeMalcolmsimplesmente“ficougrande demais” para a Nação e que sua saída era inevitável. Segundo selembrava, os rumores verdadeiramente negativos só começaram a circular nosdiasimediatamenteanterioresàsaídadeMalcolm.Referindo-seàsmulherescomqueElijahMuhammadtinhaidoparaacama,LarryexplicouqueMalcolmsabia“das esposas” muito antes da controvérsia sobre a imposição do silêncio.“Malcolm [podia] ver [que anoirecrutava] esses dedicados jovens, que tinhamsaídodas ruasdosEstadosUnidos,dasprisõesdosEstadosUnidos”,eeramosmaiores beneficiários dos ensinamentos da Nação. Larry admitia que osconvertidos mais escolarizados talvez “achassem que a Nação era restritivademais, que não lhes era permitido tomar suas próprias decisões”. QuandoMalcolm formou aMesquitaMuçulmanamas continuou a elogiar o programasocial de Muhammad, Larry achou “que Malcolm julgava poder direcionarmelhor as pessoas para aNação... dessa posição [externa], porquemuita gentenãoqueriasesubmeteraalgumasrestriçõesdaseita...Eraassimqueeuvia”.16

AsgrandesmudançasnavidadeMalcolmtambémforamdifíceisparaBetty,queagoraseviaobrigadaanegociarnaMesquitaMuçulmanaascincosemanasde ausência de Malcolm no exterior com parceiros pelos quais tinha poucasimpatia. Antes de partir, Malcolm instruíra os líderes dammi a dar proteçãoparasuamulherefilhas,sabendoque,emboraaNaçãoaindanãotivesseatacadoas famílias de dissidentes, àquela altura ele já não confiava que o grupo fossedeixar a sua em paz. Charles 37XKenyatta foi designado para tomar conta deBetty e das meninas, e ninguém mais tinha permissão de entrar em casa.Kenyatta diriamais tarde que de inícioBetty se incomodava com sua presençaconstante. “Elame odiava”, disse. “Não gostava nada da função que eu estavadesempenhando.” Betty tambémnão gostava de James 67X,mas sabia que elerepresentava o mais provável ponto de contato com Malcolm nammi, e lhetelefonava quase todas as noites durante as semanas em que o marido estevefora do país.17 Em seus esforços para lhe seguir os passos, ela interrogavaqualquerpessoaquepudessemanter-seemcontatocomele.Quasetodososdiastelefonava para Haley, o advogado de Malcolm, Percy Sutton e outros quepudessemterrecebidocartasoutelegramas.Malcolm,desuaparte,esforçava-separamanterBettyinformada,mandando-lhecartassobreoslugaresquevisitavaetelefonando-lheperiodicamente.Emcasa,Bettycolouummapa-múndinasala

deestarparaqueasmeninaspudessemtraçaroroteirodospaísesvisitadospelopai.Betty sentia, corretamente,queosnumerososcontatos commuçulmanoseoutras pessoas no Oriente Médio e na África poderiam libertá-lo da poderosainfluência da Nação. Mais tarde Attallah, a filha mais velha, expressaria essesentimento: “Quanto mais viajava, mas livre ele ficava, mais livres nósficávamos”.18

Mas essa liberdade teve um preço, especialmente quando as açõessubsequentes deMalcolm insuflarammais ainda a raiva nas fileiras da Nação.Em8demaio,oMuhammadSpeakspublicouaprimeiradeduaspartesdeumataque editorial a Malcolm, de autoria do “Ministro que mais o conhecia”. Oeditorial dizia que as razões dadas por Malcolm à mídia branca para a sua“deserção”eram“repletasdementiras,calúniaseimundíciesdestinadasaassacaraleivosias contra o sr. Muhammad e sua família”. Embora Louis X fosseapresentadocomoautordapolêmica,muitoprovavelmenteotextofoiredigidopor um editor danoiem Chicago, suposição que ganha substância porque onomedeLouisapareceunacolunacomo“MinistroLewis”.19

Nofimdeabril,James67XrecebeuumacartaqueMalcolmtinhaescritologodepoisdaexperiênciadohajj,resumindosuasnovasideiassobreraça.DevidoàtendênciadasúltimasdeclaraçõesdeMalcolm, James67X tevemedodeabriroenvelope, sabendo que as revelações contidas na comunicação de Malcolmpoderiam criar grandes problemas nas fileiras dammi. O próprio James nãoestavatotalmentepreparadoparaaceitarumamudançatãoradical.“Saídeumaorganização que diz queMeca é o único lugar nomundo onde umbranco nãopodeir...”,explicouele.AafirmaçãodeMalcolmdequebrancostambémpodiamsermuçulmanossignificavarejeiçãototalàteologiadaNação,oquetalvezfosseconveniente para uma nova visão das coisas, mas ainda era altamenteproblemáticaparaumgrupoqueacabaradedeixaraNaçãoeaindatinhamuitoadizeremfavordesuasopiniõesraciais.De início, James67Xnãosoubeoquefazer. “Estouandandodeum ladoparaoutrocomesta cartapensando: comoéquevoucontarpara[esse]pessoal?...Oquevocêquerdizercom‘branco’?OqueMalcolm queria dizer com ‘branco’?” Vários dias depois, James 67X fez a cartacircularnammi.MasserecusavaaacreditarqueMalcolmtivesse“adotadooIslãsunita”.20

A ambiguidade e a confusão em torno da carta talvez tenhaminadvertidamente ajudado a manter a união dentro da Mesquita Muçulmana

durantea ausênciadeMalcolm,pois seusmembros tinham todaa liberdadedeinterpretar os sentimentos do líder namensagem epistolar. Embora depois devoltarMalcolm se empenhasse em tornar suas ideiasmais concretas, a questãode saber quais eram suas crenças verdadeiras e arraigadas continuava a serdebatida pelos seguidores. Herman Ferguson achava que Malcolm “tinhaoferecidoaosbrancosapossibilidadedeoIslãcorrigirseusensodevalores”,masque,nofundodaalma,elesabia“queelesjamaisaceitariamosensinamentosdoIslã”.Mesmodepois do retorno deMalcolmpara osEstadosUnidos, Fergusoncontinuouachandoquesuavisãopolíticaaindatinhabaseracial.“Porque,seeutivesse suspeitado, ainda que por um breve instante, que Malcolm estavamudando seu jeito de pensar”, jurava Ferguson, “eu teria me afastado.”21

Durantedécadas,Bettydeurespostasinconsistentesaperguntassobreoimpactodohajj, do Islã e das viagens ao TerceiroMundo nas opiniões do seumaridosobre raça. Em 1989, porém, quando Anne Romaine, biógrafa de Haley, lheperguntouduranteuma entrevista: “A senhora achaque seumaridomudoudeopinião?”,Bettyrespondeubruscamente:“Não”.22

Apesar da intransigência de muitos de seus seguidores, a noção de queMalcolm passava por uma transformação começou a espalhar-se pela grandeimprensaepelaimprensanegra.Em8demaio,oNewYorkTimespublicouumartigodeM.S.Handlercomosurpreendentetítulode“MalcolmXsatisfeitocomatitude dos brancos em viagem a Meca”. Citando uma carta que MalcolmescreveranaArábia Saudita em25de abril,Handler afirmouqueo lídernegrologovoltariaaosEstadosUnidos“comnovasepositivasideiassobreasrelaçõesentre as raças”. Durante seuhajj,Malcolm escreveu, com palavras que seriammuitocitadasnosanosvindouros:“Cominomesmoprato,bebinomesmocopo,dorminamesmacamaounomesmotapete,enquantooravaaomesmoDeus...comcolegasmuçulmanoscujapeleeradobrancomaisbranco,cujosolhoseramdoazulmaisazul...[pela]primeiraveznavida...Nãoosenxergueicomohomens‘brancos’”. O que ele tinha testemunhado era tão profundo, admitia Malcolm,que “me forçou a ‘rearranjar’ boa parte dosmeus hábitos de pensamento, e adeixar de lado algumas conclusões anteriores”. Mas se Malcolm se mostravaotimista sobre a possibilidade de os Estados Unidos se transformarem emquestõesraciais,tambémafirmavaveroIslãcomoachavedessatransformação.“Acredito”, escreveu Malcolm, “que os brancos da geração mais nova, nasfaculdadeseuniversidades,comseuintelectojovememenosentorpecido,hãode

ver que ‘o futuro está predeterminado’ e de buscar a salvação espiritual nareligiãodoIslã,forçandoosbrancosamericanosdageraçãomaisvelhaamudarcomeles.”23

Semanas depois do artigo doTimes, James Booker, doAmsterdam News,formulouumaperguntaprovocadora:“SeráqueavisitadeMalcolmX,agoraEl-HajjMalikEl-Shabazz,aMecaeaoslíderesmuçulmanosdaÁfricaotransformoua ponto de torná-lo mais brando em seus sentimentos antibrancos e maisreligioso?”. Uma chave para essa aparente “mudança em suas atitudes demilitância racial” estava contida numa carta que ele enviara ao jornal cerca deumasemanaantes,naqualescreveraqueosproponentesdoIslãeramobrigados“a tomar posição firme em defesa de qualquer pessoa cujos direitos humanosestejam sendo violados, seja qual for a seita religiosa a que pertençam asvítimas”.Malcolmagora compreendiaque “o Islã reconhece todomundocomopartedeumasófamília”.24

As dificuldades e incertezas crescentes da vida deMalcolm refletiram-se no

progresso da autobiografia.QuandoMalcolm foi calado por ElijahMuhammadem dezembro de 1963, AlexHaley entrou em pânico. Sem consultarMalcolm,Haley contatou a Mesquita de Chicago para marcar um encontro com oMensageiro,eMuhammadlheassegurouqueasuspensão“nãoerapermanente”.Haley informou a seu agente, Paul Reynolds, que o “verdadeiro objetivo” daaçãodeMuhammadera reafirmar suasupremaciaeautoridadedentroda seita.“Eulhedissequeoeditor,vocêeeunãoqueríamosincorreremsuaindignação”,escreveuHaleyaReynolds.Muhammad“estavainteressadoemsaberdolivro,eeu resumi sua estrutura, capítulo por capítulo, o quemuito lhe agradou”. ParaPeterGoldman,Haley de início não percebeu a profundidade do racha, e nemMalcolm nem Elijah Muhammad acharam prudente explicar-lhe. A maiorprioridadedeHaleyerapublicarumlivroquedesse lucro,epara issoeleaindajulgavanecessáriocontarcomasbênçãosdeElijahMuhammad.25

Haley finalmente teve uma longa sessão de trabalho com Malcolm, poucoantesdoNatalde1963.Malcolmleuaúltimaversãodocapítulo“Laura”eopôs-se ao uso de gíria no livro, alegando que já não falava dessa maneira. Haleyconcordou,masfezqueixaaseuseditoreseagente:“Alguémdissequeofimdeumbomdemagogoétornar-secélebre”.EMalcolmnãoeraoúnicoquepassava

pordificuldadesfinanceiras;amudançadeHaleyparaonortedoestadodeNovaYorkdeixara-osemdinheiro.AeditoraDoubledayconcordouemlhefazermaisum adiantamento de 750 dólares a cada dois novos capítulos que fossemsubmetidos e aprovados. Profundamente grato,Haley declarou: “Pela primeiravez posso escrever sem me sentir acossado por intermitentes pressõesfinanceiras”.26 No começo de janeiro, durante uma severa nevasca, Haleyconseguiu dirigir até a cidade para passar algum tempo com Malcolm, e oencontrou deprimido emmeio ao desenrolar de sua suspensão.Num relato aoagente e aos editores, Haley observou que o tema do livro ficava “tenso, àmedidaque seu tempode inatividadeaumenta”.Malcolm leuváriaspáginasderascunho,ou seçõesde textonarrativoque serviamdebasepara cada capítulo.Haley estavamuito animado, porém, comos ensaios planejados para o fimdolivro, apresentando o programa social e político de Malcolm. “O material demais impacto,algumaspartestipolavadevulcão,éoqueconseguideMalcolmpara os três capítulos de ensaio, ‘O negro’, ‘O fim do cristianismo’ e ‘Vintemilhões de muçulmanos negros’”, observou Haley.27 Esses três capítulosrepresentavam uma espécie de roteiro indicativo da direção que Malcolm,naquelemomento,achavaqueosEstadosUnidosnegrosdeveriamseguir,alémdesuaconvicçãodequeosmuçulmanosdeveriamassumirpapeldeliderançanaconstruçãodeumafrenteunidadetodososnegros.Mas, apesar de Haley trabalhar muito, ainda faltavam meses para que

pudessesubmeterummanuscritopronto,oquedesagradouaWolcottGibbsJr.eoutrosexecutivosdaDoubleday.GibbspediuaHaleyque“por favor leveemconta que quanto mais você reescreve, mais distante ficamos de um livroterminado”.EpressionouHaleyparaqueestimassemelhoradatadeentregadomanuscrito final.28 Mesmo antes do pedido de Gibbs, Haley despachou outrocapítuloreescrito,“DetroitRed”,em28dejaneiro,masReynoldsnãogostoudaversãoeenviousugestõesderevisão.29Em6defevereiro,Haleyconcordouem“retomar‘DetroitRed’assimcomooutroscapítulos,emelhorá-losemqualquersentido que os senhores tiverem a bondade de me mostrar”. Ele queria,desesperadamente, terminar todo o rascunho antes de revisar e rearranjar oscapítulos,mas a insatisfaçãodeReynolds com seu trabalho recenteomantinhaocupadoconsertandocapítulosque jáajustaraereescrevera.Em7de fevereiro,Reynolds procurou Gibbs para explicar o seguinte: “Temo interferir em suafunção[deeditor],masqueroumlivrorealmentebomsobreMalcolmXeacho

quenemvocênemKencontestariamoquetenhoditoaele”.30

Emfevereirode1964,HaleycontinuavaconfusoarespeitodosproblemasdeMalcolm com aNação, achando que a suspensão era apenas temporária, e queele logo voltaria a juntar-se ao grupo. Em 11 de fevereiro, numa carta paraGibbs, sugeriu “que a proibição será... suspensa” em algummomento naquelemês.Aindavisualizavaoclímaxdo livrogirandoem tornodaadoçãodeElijahpor Malcolm, o biografado “dando uma volta em sua vida... para se tornar‘arquipuritano’, por assim dizer, e explodir tudo que veio antes”.31 Haley nãohesitava em melhorar o material, quando discutia com os editores, em partedevido às reais possibilidades comerciais da história, mas também,provavelmente, para justificar os muitos acréscimos de que necessitava paracompletá-la. Em 18 de fevereiro, ao submeter o último capítulo, “Hustler”,escreveu aos editores: “O que temos aqui é um livro que, quando chegar aopúblico, se diferenciará de tudo o que existe. Porque tem tanta coisa...Emocionante como é a vida criminosa de Malcolm que agora vemos, eu lhesdigoqueissonãoénadaemcomparaçãocomomaisimportante.Vamosouvirarespeito de suamudança subjetiva na prisão”.Haley previu que o livro estariaconcluído no fim de março, com um breve posfácio, que ele escreveria paraexpor suas próprias reflexões sobre Malcolm, e que seria submetido no mêsseguinte. Como Malcolm ainda não tinha rejeitado a visão separatista deMuhammad, Haley achava que seria preciso imiscuir-se no texto, para acabarcom as dúvidas dos leitores brancos de que a corrente predominante entre osnegros de fato desejava a integração. Como explicou a seu editor e agente:“Pretendobatercomforça, falandodopontodevistadonegroquetentoufazertodas as coisas consideradas necessárias para alcançar o sonho americano, eque... com frequência fica desiludido e desapontado... Vou dar alguns roteiroscomosquaistodoamericanoetodocristãoprecisalidar”.32

QuandoMalcolm deixou a Nação, logo ficou claro que o livro não poderiapermanecer como estava escrito, exigindo mais trabalho de Haley e umanecessária reavaliação do cronograma de entrega. Em 21 de março, Haleyencaminhou uma carta para Reynolds e o editor da Doubleday, KennethMcCormick,explicandoque“houve,nasúltimasduassemanas,maisatrasoentreos capítulos do que o normal”, devido a recentes mudanças deMalcolm, que,segundoenfatizou,“acrescentariammuitoaoteordramáticodolivro”.Maisumavez Haley reforçou o pedido de mais tempo contando vantagens sobre o

potencial daAutobiografia:“Senhores,háumadécada,outalvezmais, [que]umlivronãoincendeiaomercadocomoestevaiincendiar”.MasoprincipalobjetivodacartaeraexplicarqueorompimentodeMalcolmcomaNaçãopoderiaafetara recepção do livro. Ele agora imaginava um novo capítulo, “Iconoclasta”, noqualMalcolmerasuspenso“pelohomemqueaprenderaareverenciar(edizqueaindareverencia)”.HaleyexplicariaoqueeraanovaorganizaçãodeMalcolmeexaminaria suas relações comCassiusClay. Contou que o capitão Joseph tinhaconspirado para colocar uma bomba no carro de Malcolm e sugeriu que asrecentes ameaças de morte e a incerteza sobre onde Malcolm apareceria emseguida faziam da história um sonho de tabloide sensacionalista. “Pois estehomem é um assunto quente,muito quente, sei que os senhores concordam...este livro está tão impregnado de milhões de possibilidades de vendagem,incluindoumadisputaacirradapelosdireitosdepublicarnoexterior!”33

No fimdemarço,ReynoldsentrouemcontatocomGibbs, informando-ode

queMalcolm pedira que todos os royalties restantes fossem pagos àMesquitaMuçulmana. Reynolds anexou ainda um documento assinado por Malcolmaprovando todosos capítulos já concluídos.34Malcolm pressionou aDoubledaypormaisdinheiro,pedindoumadiantamentode2500dólaressobreos7500quedeveriareceberquandosubmetesseomanuscritocompleto.McCormickaprovoua solicitação deMalcolm,mas só emmeados de junho, quandoMalcolm tinhaoutravezsaídodopaís,Gibbsfinalmenteencaminhouocheque.35

QuandoMalcolm voltou para os EstadosUnidos em 21 demaio de 1964, aprimeira prioridade que tinha era reinventar sua imagem pública — eurgentemente. A impressão de celebrar a violência — fosse com alusões àprobabilidade de agitação negra ou com seus apelos para que os negros searmassem — alienava negros e brancos, e prejudicava seus esforços junto aoestablishmentdedireitoscivis.EraigualmenteimportantereivindicaroapoiodelíderesdoOrienteMédioedaÁfricaparasuanovacausa.Recém-revigorado,eleretomou os discursos e as viagens em ritmo extraordinariamente acelerado.AcompanhadodeJames67X,foideaviãoparaChicagoem22demaioedeuumaentrevista coletiva cobrindo assuntos diversos, desde as riquezas da África àbrutalidade da polícia dos Estados Unidos.36 Na noite seguinte, perante umaplateia de 1500 pessoas no Teatro Lírico Cívico de Chicago, apresentou suas

novas opiniões num debate com Louis Lomax. “A separação não é a meta doafro-americana”, disse à multidão — um anúncio que deve ter causado furorentre seus seguidores nacionalistas negros— “nem a integração é a suameta.São apenasmétodos para alcançar seu verdadeiro objetivo— o respeito comoserhumano.”37

Lomaxeasdemaispessoaspresentesàquelanoiteperceberamestarouvindoalgo de novo. Mas quais eram as implicações políticas, especialmente no quediziarespeitoaoMovimentoLiberdadeNegra?Numtomnotavelmenteparecidocom o de Martin Luther King, Malcolm fez um apelo por uma política querejeitasse explicitamente o ódio racial. Havia uma “lei universal de justiça”,declarouele,queera“suficientepara levara julgamentoosbrancosculpadosderacismo”.Insistiuemque“nãoénecessárioqueasvítimas—osafro-americanos— sejam vingativos... Melhor faríamos se usássemos o nosso tempo pararemover as cicatrizes de nosso povo”. Mas desejava também comunicar oespíritoderevoluçãoqueacreditavatertestemunhado,especialmentenoCairoeemAcra.DeacordocomoLosAngelesTimes,o“maioraplausoveioquandoeledisse que ‘se a questão racial não for rapidamente resolvida, os 22milhões denegros americanos poderiam facilmente empregar as táticas de guerrilha deoutrosrevolucionáriosnecessitados’”.38

OdilemadeMalcolmeraquepraticamentetodososinimigos—eamigos—viam nele o verdadeiro sacerdote da revolução social negra, e apesar de suascartas deMeca e de outros lugares do exterior, e de seu notável discurso emChicago, ele continuava a ser visto como um demagogo hostil aos brancos.Enquanto a exaustão do movimento de direitos civis tinha trazido muitosativistasdevoltaàsuaantigamaneiradepensar,suasnovasideiaspregavam,senão uma inversão, pelo menos uma grande mudança que os apanhou desurpresa. Enquanto em Chicago Malcolm tornava claras suas opiniõesracialmenteneutras,o comediantee crítico socialDickGregorydescrevia-oemumaentrevistaparaumjornalcomo“ummalnecessário”.AposiçãodopróprioGregory refletia a guinadapara a esquerda em relação às táticas deKing. “Soufavorável à não violência, mas com certo constrangimento”, disse ele. Amilitância negra crescia, e se a luta pelos direitos civis “durarmais seismeses,MalcolmXéohomemcomqueossenhoresterãodelidar”.39GregoryfezaindaaseguinteadvertênciaaocolunistaDrewParson,doLosAngelesTimes:“Istoéuma revolução, e um bomnúmero de negros têm armas...Dos 22milhões de

negros, só1milhãoestácomMalcolmX.Masmuitos jádizem: ‘Estoucansadode King’”. Na cabeça de Gregory, “Malcolm vai acabar sendo o único homemcapazdedeterumarevoltaracial”.40MasoquehaviademaisnotávelemrelaçãoaessescomentárioseraqueGregoryeMalcolmjáestavamdeacordoemmuitascoisas. Tinham trabalhado juntos em questões de direitos civis, e os doishomens, apesar de diferenças reais ou imaginárias, eram membros de act, ogrupodedireitoscivisestabelecidonocomeçodaqueleanoque incluía tambémlíderes tão diferentes como Adam Clayton Powell Jr. e o presidente dosncc,JohnLewis.41SeosaliadosdeMalcolmaindaoviamcomoGregoryvia,nãoédesurpreenderqueoutrosduvidassemdasinceridadedesuasnovasopiniões.A luta de Malcolm para decidir que atitude adotar também teve

consequências internas. Pelo fim de maio, ammi tinha 125 membros; paraconsternaçãodeJames,porém,amaiorianãoerarecém-chegadadaMesquitanº7,mas formavaumgrupoeclético,queem suaquase totalidade tinha rompidolaços comaNaçãohavia anos.O tipode insatisfaçãodeMalcolmcomaNaçãoera apenas um de uma grande variedade, e muitos membros dammi tinhamabandonado a antiga seita por razões que pouco tinham a ver com o novoprograma de ação de Malcolm. Alguns, como recordava James, “eram irmãosque queriam resolver as coisas com relação aRonald Stokes” emLosAngeles.TinhamdeixadoaNaçãoem1962“porqueocapitão Joseph jogaraumbaldedeágua friaemsuasaspirações”depunir apolíciadeLosAngeles.Outros saíramdevidoao rigordaNaçãodo Islã: “Pessoasqueachavam [anoi] uma boa ideiadiziam:‘Tudobem,masnãoconsigofazerestesajustesmoraisemminhavida’.Algunsex-muçulmanosnãopodiamvoltarparaaMesquitanº7porqueviviam,comosedizlánosul,emuniãoestável—juntossemsercasados.Eesperava-sequecasassem”.42

Essesmembrosdamminecessitariamdeumavisãoclaraparacanalizarsuasenergias,masMalcolmprecisavadefinirplenamenteoobjetivodogrupo.Jamestinha como inevitáveis as hostilidades com a Nação, que veria na MesquitaMuçulmana uma seita concorrente. Porém, elemesmo não sabia direito o queera ammi comoorganização religiosa, “porqueo irmãoMalcolmnão foimuitoespecífico”.Apesardasreuniõesregulares,ascoisaseramtãodesorganizadasqueele já se sentira tentado a renunciar à função de coordenador dammi.43 Pior,muitosmuçulmanos negligentes que afluíam para ammi ainda acreditavam navelha teologia da Nação. Numa reunião em 20 de maio, alguém perguntou a

Malcolmse“eletinhavistoW.D.Fard”duranteseuhajjaMeca—earespostaque recebeu foi que os membros dammi deviam rejeitar “as velhas noções”sobreoqueconstituíaaféislâmicaeadotar“arealidade”.44

Um dos poucos artigos de jornal a apresentar a conversão deMalcolm emtermos positivos foi publicado noWashington Post em 18 de maio. O dr.MahmoudShawarbi,nessaépocadiretordoCentroIslâmicodeNovaYork,eracreditado como o “homem que domesticouMalcolm”. Disse ele ao jornal quealgunsmuçulmanosárabesqueviviamnosEstadosUnidos tinhammanifestado“oposiçãoàsuatutelagemdeMalcolmX”combase“emtemoresdeque[ele]nãoseja sincero e use a religião e a peregrinação como artifício para fortalecer suaimagem pública”. Shawarbi fez uma defesa vigorosa. “Não duvido de suasinceridade”, disse, lembrando que Malcolm “às vezes até chorava durante aleitura de passagens do Alcorão”. Ele previu com exatidão que Malcolm embreve rechaçaria seu apeloparaqueosnegros formassemclubesde tiro, e queseusesforçospolíticosseestenderiamparaalémdosnegros.“Seeleadmitirtodomundo...efizerascoisascomtranquilidade,segundooIslã,tenhocertezadequeseráummovimentomuitogrande”,declarou.Areportagemobservava,porém,que a maioria dos observadores de direitos civis em Nova York estava“adotandoumaatitudedeesperarparaver”.45

Ofbi tambémnão esqueceuMalcolm.Nas primeiras horas de 29 demaio,MalcolmrecebeuumtelefonemadoescritóriodofbiemNovaYorksolicitandouma entrevista em sua casa. Ele consentiu,mas antes de os agentes chegarempôsumgravadordebaixodo sofá.Osagentes investigavamumcaso federaldeRochester,noqualumhomemqueaguardavajulgamentofizeraumadeclaraçãoincriminandoMalcolm.ElesqueriamsaberseMalcolmtinhacomparecidoaumareuniãodemuçulmanosnaquelacidadenanoitede14dejaneiro,paraplanejaroassassinatodopresidente Johnson.Felizmente, ele tinhaprovasdequenaqueladata e naquela hora estava com Alex Haley, trabalhando na autobiografia; adeclaração dada aofbi era “tão absurda”, escreveu Malcolm posteriormente,“que amimmepareceu algo inventado,mesmoque fossenegado, para servir,aindaassim,comopropaganda”.Osagenteslhepediram“quaisquerinformaçõesque queira nos dar sobre os muçulmanos”. Mas a parte mais curiosa daentrevista foi quando os agentes lhe perguntaram sobre sua situação nanoi.Malcolm respondeu que ainda cumpria a suspensão ordenada por ElijahMuhammad.“Eleéoúnicoquepodedaraossenhoresqualquerinformação.Não

possolhesdizernadaqueelenãodiria.”LongederevelarseurompimentocomaNação, eledefendeuvigorosamenteos esforçosdogrupopara “acabar comocrime”, e disse: “Eu francamente acredito queo que o sr.Muhammad ensina é1000% verdade... acredito mais nisso hoje do que dez anos atrás”.46 Ésurpreendente que se apresentasse como seguidor devoto, pois devia terconcluído,ouprevisto,queofbi se infiltraranammieàquelaalturacertamentesabiadorompimento.OmotivomaisprováveldesseobscurecimentodeliberadodeMalcolmémaissimples.AodeixarregistradooficialmenteseuapoioàNação,ele talvez tentasse lançar as bases para uma iminente ação legal sobre apropriedade de sua casa. Como Percy Sutton tinha contestado a legalidade datentativa da Nação de despejar Malcolm de sua residência paroquial em EastElmhurst, no Queens, a estratégia jurídica de Malcolm era afirmar que anoiapenas o tinha suspendido; e que ele ainda eraministro daMesquita nº 7,assim como ministro nacional danoi. Se pudesse estabelecer uma relaçãofuncional coma seita, talvez eles tivessemêxito em reivindicarodireito à casanoQueens.Posteriormente,aindanaqueleverão,Malcolmfalounumencontropúblicode

um grupo de especialistas patrocinado pelo Fórum Trabalhista MilitanteTrotskista. O fórum foi instigado por uma série de artigos de jornal sobre asuposta existência no Harlem de uma “gangue de ódio” formada por jovensnegros para matar brancos. Malcolm aproveitou a oportunidade para traçarparalelosentreo legadododomíniocolonialeuropeuqueeleviranaÁfricaeosistema de racismo institucional nos Estados Unidos. A Argélia, sob domíniocolonial francês, disse ele, “eraumestadopolicial; e é istoqueoHarlemé...Apolícia no Harlem, sua presença é como uma força de ocupação, como umexército de ocupação”. Também vinculou a luta dos afro-americanos àsrevoluçõeschinesaecubana.“OpovodaChinacansou-sedosopressorese... seinsurgiu. E não se insurgiu de modo não violento. Quando Castro estava nasmontanhas emCuba, disseram-lhe quenão tinha chance.Hoje ele está sentadoemHavana,eessepaís,comtodoopoderquetem,nãoconseguetirá-lodelá.”47

De significado ainda maior era a indicação dada pelo discurso de umaprofunda mudança no programa econômico de Malcolm. Durante anos, eleapregoaraasvirtudes,endossadasporGarvey,docapitalismoempresarial,masali,quandolheperguntaramquetipodesistemapolíticoeeconômicoqueria,eleobservouque“todosospaísesquehojeemergemdocapitalismosevoltampara

o socialismo.Não acredito que seja por acaso”. Pela primeira vez, estabeleceupublicamente a ligação entre opressão racial e capitalismo, dizendo: “Éimpossível paraumapessoabranca acreditar no capitalismo enão acreditar noracismo”.Inversamente,notouele,osquetinhamumfortecompromissopessoalcomaigualdaderacialeram,geralmente,“socialistas,ousuafilosofiapolíticaéosocialismo”. O queMalcolm parecia dizer era que oMovimento de LiberdadeNegra, até aquelemomento voltado para os direitos legais e para as reformaslegislativas, teria, em última análise, que lidar com o sistema de empresasprivadasdosEstadosUnidos.Fezumanovaanalogiaàsgalinhasparaprovarseupontodevista:“É impossível,paraumagalinha,pôrumovodepata—apesarde ambas fazerem parte damesma família de aves...O sistema neste país nãopodeproduzir liberdadeparaumafro-americano...E se algumdiaumagalinhaproduzirumovodepata, tenho certezadequeos senhores dirãoque se trata,semamenordúvida,deumagalinharevolucionária!”.48

Os comentários pró-socialistas diferiamnotavelmentedequalquer coisa queMalcolmtivesseditoantes.EnquantoviajavapelaÁfrica,elenãofizeraqualquermenção ao socialismo e falara pouco de desenvolvimento econômico. Mas oregime autoritário de Nkrumah em Gana, o país que mais o impressionara,estabelecianaquela épocaumaaliança comaUnião Soviética, e tanto aArgéliacomooEgitojáestavamcomprometidoscomversõesdosocialismoárabe.Essesfatores influenciaram seu pensamento, mas talvez o que mais pesou foi oentusiástico apoiodoPartidoSocialistadosTrabalhadores aopróprioMalcolm.Ostrotskistasviramneleolíderpotencialdeummovimentointeiramentenovoentreosnegros,ummovimentoqueemúltimaanáliseradicalizariatodaaclasseoperária americana. Malcolm deve ter se dado conta disso, percebendo aimportância de adotar partes de uma perspectiva socialista. No mais, haviaelementos do programa de ação trotskista, como a oposição tanto ao PartidoDemocratacomoaoPartidoRepublicano,comosquaisestavadeacordo.Assim,embora a nova direção econômica que adotara parecesse contradizer suasopiniões anteriores, a rigor ela representavauma evolução gradual, e nãoumarejeiçãobrusca.Malcolmcontinuavaa serumnacionalistanegroeaenfatizaraimportânciadodesenvolvimentodecomérciosdenegrosnascomunidadesafro-americanas.Eletambémreconheciaque,emboraammiprecisasseexpandir-separaoutras

cidades,a fimdeconsolidaraclienteladeseguidoresentreosmuçulmanos, sua

prioridadetinhadeseraorganizaçãopolíticasecularqueLynneShifflettePeterBailey vinham trabalhando para construir em seu benefício. “Dentro dospróximos oito dias”, prometeu numa entrevista em 30 demaio, lançaria “umaorganização aberta à participação de todos os negros, que estará disposta aaceitaroapoiodepessoasdetodasasraças”.Oprimeiroobjetivodonovogruposeria submeter“ocasodonegroamericanoàsNaçõesUnidas”.OqueMalcolmvisualizava com relação àonu era uma mudança estratégica no ativismo dedireitos civis dentro dos Estados Unidos. Em vez de aprovar reformaslegislativas no Congresso, ele pretendia apresentar as queixas dos negros aorganizações internacionais na esperança de uma intervenção global. Sob abandeira dos direitos humanos, questões vistas há muito como internas ouparoquiaisseriamapresentadasperanteumpúblicomundial.Ele tambémpareceudarumatréguaàNaçãodo Islãcomrelaçãoàcasaem

Elmhurst. Uma audiência sobre o caso estava marcada para 3 de junho noTribunal Cível do Queens, mas ele disse aoAmsterdam News que sefuncionáriosdaMesquitanº7lhepermitissemfalaraseusmembrosedefender-se das acusações, estava pronto para ceder aos sentimentos da maioria. Se osmembros danoilhe pedissem para mudar-se, ele prometeu desistir da casa.“Quero resolver este problema tranquilamente, privadamente, pacificamente, enão no tribunal do homem branco, que segundo os muçulmanos é umdemônio.”49 Masmelhor do que ninguém ele sabia que a Nação não era umasociedade debatedora com regras democráticas. Fez o apelo não porqueesperasse reconciliação, mas como manobra de relações públicas: parademonstrarumaposiçãorazoávelaosnegrosforadaNaçãodoIslã.Dias depois, o tribunal adiou o exame da ação de despejo, eMalcolmmais

uma vez queixou-se a um repórter de que “isto deveria ser levado para umtribunalmuçulmano...Estãonosdesviandodenossosprincípiosreligiososaometrazer para cá”. Malcolm certamente sabia que anoi, que o considerava“herege”, jamais concordariaemresolveradisputanum tribunalmuçulmano.50

OsimplesfatodequeMalcolmnãotinhacompradoapropriedadecomdinheiroprópriotornavaaltamenteimprováveloseuêxitonumjulgamento.Enquanto isso, ele continuava a recrutar seguidores para a sua nova

organização secular. Semanas depois de voltar da África, confiou a tarefa depreparar um documento de fundação, a “Declaração de metas e objetivosbásicos”,aumapanelinhadeativistaspolíticos,intelectuaisecelebridades,como

o romancista JohnOliver Killens e o historiador JohnHenrik Clarke. Algumassessõesdetrabalhodogrupoforamrealizadasnumhotelnaesquinadarua153Oeste com aOitavaAvenida, divisa setentrional doHarlem.51 Em 5 de junho,Malcolm viajou a Filadélfia com Benjamin 2X Goodman, um guarda chamadoLafayette Burton e outro indivíduo — provavelmente James 67X — paraparticipardereuniões,umadelasnumacasaparticularcommaissetepessoas,eoutranumabarbeariadaFiladélfia.Seuprincipalobjetivoeraconsolidarapoionacidade,comafinalidadeimediatadecriarumafilialdammi.Maslançoutambémo que poderia ser visto posteriormente como a primeira salva de tiros numabatalha contra a Nação do Islã, que logo se transformaria em guerra total.Durante essas reuniões, pela primeira vez ele manifestou a suspeita de que osecretário nacional danoi, John Ali, era informante dofbi; disse o mesmo arespeitodoimportanteministroLonnieXCross.52

EmWashington, J. EdgarHoover também andava frustrado com amarchados acontecimentos. Falsos relatórios sobre a “gangue do ódio” do Harlemchegaram-lhe às mãos, e suas suspeitas recaíram sobre Malcolm, cujapopularidadecomolídernegrocrescia inesperadamente,apesardesuaexpulsãoda Nação. Na sexta-feira, 5 de junho, um zangado Hoover despachou umtelegrama para o escritório dofbi em Nova York com ordens inequívocas:“DeemumjeitoemMalcolmX,chegadessaviolêncianegraemNovaYork”.53

Malcolmpoderia terescolhidooutrocaminho,masalgodentrodeleansiava

por uma solução final com a Nação do Islã. Num nível pessoal, ele distribuíagolpes,comraivaetristeza,contraafigurapaternaqueotraíradamaneiramaisvil. Além disso estava convencido de que a propagação do Islã ortodoxo nosEstadosUnidossóseriapossívelquandoasinfidelidadesdeElijahMuhammadea corrupção interna da Nação do Islã fossem completamente expostas. O quetalveztambémestimulasseMalcolmeraoreconhecimentodequeoseparatismoracial que pregara como ministro danoiera contraproducente, e que os afro-americanosprecisavamestenderamão,especialmenteparaoTerceiroMundo,afimdealcançarmudançassociaissignificativas.ANaçãodoIslãnãohesitaraemdeixarclarasuaposição.Durantetodoomês

de maio, líderes e ministros da seita não perderam oportunidade de incitar

sentimentosantagônicosaMalcolm.Emtodasasmesquitasdanoiosfiéiseramobrigados a jurar lealdade a Elijah Muhammad e a denunciar Malcolm comoherege. Em 15 demaio,membros daMesquita nº 7 foram informados de queMalcolm era “hipócrita e mentiroso”. Também foram lembrados de que seuantigoministro“costumavadizerquedariaumsoconabocadequalquerpessoaque falassemaldeMuhammad”.EmBuffalo,naMesquitanº23deNovaYork,osmembrosouvirama leituradeumacartadasedeemChicago indicandoqueem 1959ElijahMuhammad advertiraMalcolm de que não deveria aparecer noprogramadeMikeWallace.“AiradeAlácairásobreMalcolmX”,previaacarta,“porsuasações,primeiro,acreditando,edepoisnãoacreditandonaspalavrasdeAlá.”54NaMesquitanº17,em Joliet, Illinois,em31demaio,os frequentadoresforamadvertidosdequenãodeveriammanterarmasdefogoemcasa“porqueo‘demônio’[ohomembranco]estádeolho”.55

Emcertosentido,asaídadeMalcolmrepresentava,porsisó,umaameaçaàNação, e o fato de ter ele formado uma nova organização que muitoprovavelmenteatrairiamembrosprovocouresposta firme.Emmaio,RaymondSharrieffpuseraoFrutodoIslãemalertacontraqualquer tentativadeMalcolmde achar um ponto de apoio. Numa reunião do foi em Chicago, Sharrieffinformou os membros de que os homens de Malcolm estavam “recrutandoirmãos”paraammi.SequalquerpessoadoFrutofosseabordada,suaobrigaçãoera informar. “Queremos descobrir o que Malcolm está aprontando. Se seushomens dizem que são muçulmanos, e criam problemas, ficaremos malvistos.Descubram tudo que puderem, e me informem imediatamente.”56 No mêsseguinte,Sharrieffdirigiu-seaosmembrosdoFrutodaMesquitanº7,dizendoàplateia que “ElijahMuhammad gostavamuito do ex-ministroMalcolmX,maisdo que do próprio filho, mas Malcolm X magoou Elijah Muhammadprofundamente”. Sharrieff, então, previu: “Malcolm não vai demorar a sereliminado”. Um informante disse aofbi que Sharrieff deixou bem claro comoMalcolmdeveria ser tratado: “BigRed é o pior de todos comodesertor. É umhipócrita, um sujeito sorrateiro e desprezível... Se alguém abusar do nome deElijahMuhammadosmuçulmanosdevemenfiaropunhonabocadainfâmiaatéocotovelo”.57

Fossemotivadoporestratégia,conveniênciaoualgomaisprofundoepessoal,nos primeiros dias de junho Malcolm começou a expressar publicamente suasqueixascontraaNaçãodoIslã.Devezemquando,eleevitavafazeressetipode

crítica, como se soubesse que seria incapaz de controlar a resposta provocada,mastaismomentosdestinavam-seprovavelmente—comonaentrevistacomosagentesdofbi—acriarparasipróprioumacoberturarazoávelemsuadisputalegal para manter a casa. Mas os ataques, que atingiam profundamente aspretensõesdedivindadedoMensageiro,empurraramaNaçãoparaumasituaçãoemqueretaliarparecianecessárioàsuasobrevivência.Duranteomêsdejunho,abrigaentreMalcolmeaNaçãodo Islãchegouaumpontoemque jánãoerapossívelvoltaratrás.Em 6 de junho,Malcolm teve a oportunidade de iniciar um diálogo com o

Terceiro Mundo, quando três escritores japoneses, representando a Missão deEstudodaPazMundialHiroshima/Nagasaki,visitaramoHarlem.Ostrêseramhibakusha, sobreviventesdabombaatômica,e familiarizadoscomasatividadesdeMalcolm.Uma recepção foioferecidanoapartamentodoHarlemdaativistanipo-americana Yuri (Mary) Nakahara Kochiyama, que logo ingressaria naoaau; Malcolm foi convidado, mas não respondeu. Poucos minutos depois deiniciada a programação oficial às duas e meia da tarde, entretanto, Malcolmapareceu, acompanhado por James 67X, que falava fluentemente japonês, e umgrupo de seguranças. Depois da apresentação formal, dezenas de pessoascercaram-no amistosamente paraumaperto demãos.Kochiyama lembra-se deMalcolmterditoàdelegaçãojaponesa:“Abombaatômicadeixou-lhescicatrizes,senhores...Nóstambémtemosnossascicatrizes.Abombaquenosatingiufoioracismo”. Vários jornalistas japoneses também estavam presentes, dando aMalcolmuma tribuna.Eleelogioua liderançadeMaoTsé-tungeogovernodaRepública Popular daChina, notando queMao estava certo ao adotar políticasque favoreciam o campesinato, mais do que a classe operária, porque oscamponeses eram responsáveis por manter o país alimentado. Tambémmanifestou suaoposição ao crescente envolvimentomilitar dosEstadosUnidosnaÁsia,dizendo:“AlutadoVietnãéa lutadetodooTerceiroMundo—a lutacontraocolonialismo,oneocolonialismoeoimperialismo”.58

Horas depois, James 67X embarcou num avião para a Costa Oeste. Suamissão era obter assinaturas em documentos legais de diversas mulheresengravidadas por Elijah Muhammad, conseguir fotografias delas e arranjarentrevistas com oLosAngelesHerald-Dispatch. James cumpriu amissão;mas,emboraestivessemdispostasaentrarnaJustiçacontraMuhammad,asmulheresdemonstraram extrema relutância em divulgar suas acusações na mídia

nacional.59

Na noite seguinte,Malcolm estava escalado para falar num comício damminosalãoAudubon;oeventotinhasidoanunciadocomoum“InformeespecialdaÁfricaparaopovodoHarlem”.Nashorasqueantecederama suaaparição,eleligoupara algumasmulheresmuçulmanasna tentativadedescobrir outras quepudessem confirmar as histórias dos amores proibidos deMuhammad.60 Umaveznopalco,provocadoporumaperguntadopúblico,eledeclarouqueaNaçãodo Islã seria capaz de cometer assassinato para evitar a exposição das muitasinfidelidadesdeElijahMuhammadedos filhosque tivera forado casamento, eexplicouàmultidãoquesabiadasinfidelidadesdoMensageiroporqueoprópriofilho dele, Wallace Muhammad, lhe contara.61 Foi nesse comício que pelaprimeira vezMalcolm expôs publicamente, com detalhes, para uma plateia doHarlem,a conduta imprópriadeMuhammad.Emvistado tamanhodopúblico—cercade450pessoas—,váriosmembros leaisdaMesquitanº7comcertezaestavam presentes. Pode-se imaginar a ira do capitão Joseph e de seusdisciplinadores. A notícia dos comentários rapidamente chegou a Phoenix eChicago. Na manhã seguinte, Betty recebeu um telefonema anônimo com aprimeiradascentenasdeameaçasdemortequeseriamfeitascontraMalcolmapartirdeentão.62

Nodiaseguinte,MalcolmprocurouacbsNewsetentouconvencerarededetelevisãoalevaraoarumprogramaqueexpusessenacionalmenteosescândalosdeMuhammad.AquelanoiteeleapareceunoBarryGoodmanShow,narádiodeNova York, mas, durante sua participação de cinquenta minutos, preferiu nãomencionar nem os filhos ilegítimos nem as infidelidades. Em vez disso, falousobre a viagem à África, descrevendo o continente como “o melhor lugar daTerra”;dissetambémquenãohaviadiferença,dopontodevistapolítico,entreogovernadorsegregacionistaGeorgeWallace,doAlabama,eopresidenteLyndonJohnson.63

Enquanto assestava suas críticas contra a Nação do Islã, ele continuou apromover sua nova organização. Em 9 de junho, a primeira reuniãoorganizacional decisiva dos conselheiros políticos de Malcolm foi realizada noapartamento de Lynne Shifflett em Riverside Drive. Diferentemente dediscussõesclandestinasanteriores,areuniãofinalmentejuntouosjovensativistascheiosde idealismoeos experientesveteranosdoHarlem.Desteúltimogrupofaziam parte o historiador JohnHenrik Clarke, o fotógrafo Robert Haggins, o

romancista John Oliver Killes e o jornalista Sylvester Leeks. Clark foi quemsugeriu dar ao grupo o nome de Organização da Unidade Afro-Americana,inspiradanaOrganizaçãodaUnidadeAfricana(oua),fundadaem25demaiodoano anterior. Ele achava que a carta daoua podia servir de modelo para aoaau.64Talvez tenha sidoumpouco ambicioso.Emprimeiro lugar, aoua eraumblocodepaísesafricanosreunidosparaalcançarobjetivosestratégicos,enãoumacoalizãoadhocde indivíduos.Aoaaunãoerasequerumafrenteunidadegruposdenegrosamericanos,emaispareciaumaseitaestruturadadecimaparabaixo,comMalcolmcomochefecarismático.Emsegundolugar,poucose levouem conta como as decisões seriam tomadas, e quem seria responsável pelaorganização—epelofinanciamento—deeventospúblicos.Malcolmlidoucomessasquestõesdifíceisàsuamaneira: jogando-asnocolo

deJames67X.NocarroparaoapartamentodeShifflett,eleexplicousecamenteaJamesque“não tinha formado”aquelegrupo,mas “quis formá-lo.Elemedisseque eu era responsável por sua formação”. James imediatamente sentiu quehaveria problemas, e quando chegaram ao apartamento de Shifflett suassuspeitasseconfirmaram.“Fuiparaoapartamento[deShifflett]pensandoqueacoisaestavasendoformada”,disseele.“Eláestavamelessentados,falandosobreo grande organizador que cada umdeles era.”65Mais tarde,Malcolm designouShifflett secretária de organização daoaau, função equivalente à de James nammi.Suasposiçõesconcorrentesfomentaramumaanimosidadetãoprofundaquedécadas depois James 67X ainda tinha dificuldade de pronunciar o nome dela.Desde o início, lembrava-se James, “Malcolmos tratou bemdiferente de comonostratava”.Opessoaldaoaau jamaiscontribuíacomdinheiro“comodoação”para ajudar a manter Betty e a família. Os seguidores leais dammi “estavamacostumadosareceberordensecumprir.NãodiscutíamoscomirmãoMalcolm.Se ele dissesse isso de um jeito, sesugerisse alguma coisa, eu pensava ‘vamosnessa’,emandavaosirmãosfazerem”.66

Nomesmodiada reuniãodaoaau,MalcolmparticipoucomoconvidadodeumprogramadenotíciasdeMikeWallace,transmitidopelabbcemNovaYork,no qual ressaltou sua nova posição no tocante a raça — e atribuiu suas“declaraçõesanteriorescontraosbrancos”aofatodetersidomembrodaNaçãodoIslã.67Comaaproximaçãodofimdesemana,Malcolmsepreparoupara iraBoston, onde naquele domingo, na casa de Ella, deveria falar para um grandenúmero de potenciais seguidores, incluindo representantes da Liga Urbana

Nacional e docore.Na sexta-feira, a campanhapública contra aNação atingiuritmo febril, e quando ele apareceu no rádio para atribuir sua partida a “umproblemamoral”dentrodaseita,oapresentadordoprogramadisseaosouvintesqueMalcolm tinha chegado ao estúdio sob proteção de guardas armados, pormedodeataque.68Malcolmdeudetalhes sobreo comportamento imprópriodeMuhammad e informou que Wallace Muhammad tinha confirmado que essaconduta “ainda continuava”. Ele achava queMuhammad tinha pelomenos seisfilhos fora do casamento. Aquela noite, repetiu as acusações no programa deJerryWilliams, levadoao ar emBostonpela rádiowmex, e afirmouqueLouissoubedetudoantesdele.69

As aparições aumentaram a tensão em Boston, mas na manhã seguinteMalcolm deixou tranquilamente a cidade antes da hora prevista; uma reuniãoorganizadaàspressascomativistasdedireitosciviseconhecidosartistasnegrosnacasadeSidneyPoitier,nonortedoestadodeNovaYork,em13de junho,oobrigou a interromper a programação. Em vários sentidos, aquela foi umareuniãosemprecedentes.Primeiroporquereuniu indivíduos,ourepresentantesdesses indivíduos,que refletiamgrandescorrentesdoMovimentodeLiberdadeNegra. Martin Luther King, naquele momento em Saint Augustine, Flórida,preso por encabeçar protestos contra a segregação naquela cidade, foirepresentado pelo procurador Clarence Jones, advogado geral da SociedadeGandhideDireitosHumanos;Jonesfora“autorizadoafalaremnomedeKing”.Estavam presentes também Whitney Young, da Liga Urbana Nacional,representantes de A. Philip Randolph e docore, Benjamin Davis do PartidoComunista,eosartistasOssieDavis,RubyDeeeSidneyPoitier.Provavelmenteoprincipal assuntoda conversa foi apreparaçãodeumprogramacomumparaosgruposdivergentesdentrodoMovimentodeLiberdadeNegra.FoiMalcolm,porém, que apresentou a proposta mais atraente: seu plano, nas palavras deDavis, era “levar a questão do negro perante as Nações Unidas parainternacionalizar o assunto e colocá-lo diante do mundo inteiro”. A tática eraparecidacomadolídercomunistanegroWilliamPatterson,quenofimdosanos1940 tentou apresentar provas de linchamentos e discriminação racial nosEstados Unidos perante aonu. Clarence Jones gostou dessa abordagem,sugerindoqueo casodeveria ser apresentadoàonunaquelemêsde setembro.Malcolm foi incumbido de entrar em contato com os governos da África e doOrienteMédioquepudessemendossarainiciativa.70Suasatividadesnoexterior,

no segundo semestre de 1964, foram uma tentativa de pôr em prática essaestratégia.Graçasaescutastelefônicasilegaiseinformantes,ofbiestavaapardoquese

passou nessa reunião clandestina. Em 13 de junho, o escritório emNova Yorkinformou por teletipo ao diretor que “consistiu numa discussão sobre o futurogeral domovimentodedireitos civisnosEstados... amelhor ideia apresentadafoiadapessoaemquestãoparaqueseinternacionalizeomovimentodedireitoscivislevando-oàsNaçõesUnidas”.Umanotaanexadaaesserelatório,deautoriada Divisão de Inteligência Nacional e datada de 14 de junho, indicava que eleestava sendo distribuído para “o Departamento, o Estado, a cia e agênciasmilitaresdeinteligência”.71

EmBostonnodiaseguinte,umgrupode120pessoaslotouacasadeEllaparaouvir Benjamin 2X, designado por Malcolm para substituí-lo. Depois doencontro, Benjamin saiu para pegar o avião de volta para Nova York.Acompanhavam-no sete partidários locais, num comboio de três automóveis,com Benjamin no da frente. No trajeto, um Lincoln branco tentou bater noprimeiro carro, quaseoobrigando a sair da estrada.Minutosdepois, quandoocomboio entrou no Túnel Callahan, que liga o centro da cidade ao aeroportoLogan, um Chevrolet commembros danoiultrapassou o carro de Benjamin etentoujogá-locontraaparededeconcretodotúnel.UmdospassageirosdocarrodeBenjamin brandiu uma espingarda para os agressores, que recuaram.Aindadeespingardaempunhoparaseproteger,ogrupoentrounoaeroporto,ondefoiimediatamente preso junto ao balcão de passagens. Os oito homens foramdenunciados no Tribunal de Boston em 15 de junho e libertados depois depagaremmildólaresdefiançacadaum.72

A emboscada assinalou a primeira vez que membros danoitentaramseriamente ferir ou matar Malcolm ou seus tenentes num ambiente público.Além disso, a Nação reconheceu que a maioria dos departamentos de polícianutria tamanha animosidade contra Malcolm que não investigava, com anecessáriaagressividade,ataquesaeleeapessoasaeleassociadas.AnotíciadasprisõeschegourapidamenteaMalcolmemNovaYork,que se

preparavaparaumcomíciodedomingonoAudubon.Nopalcoaquelanoite,oitoirmãos dammi, armados de fuzis, flanquearam-no enquanto ele expunha,claramente e sem rodeios, o caso da conduta sexual de Muhammad. Malcolmdisse que, quando estava na Nação, conversara com Louis X, capitão Joseph,

MaceoXeváriosoutros,numatentativaderesolveroescândaloprivadamente.Entre1956e1962,ElijahMuhammadtinha“geradodeseisasete”filhosforadocasamento,explicou.OMensageiro justificava seusatosafirmandoqueagira “amandodeAlá”.AquelesaquemMalcolmconsultara“conspiraram”paraexpulsá-lodaNação.73AoampliarsuasqueixascontraMuhammadeasedeemChicagopara incluirLouisXeoutrosministrosdestacados,MalcolmdeclaravaguerraatodoogrupodelíderesdaNaçãodoIslã.NessaatmosferatóxicaaaçãomovidapelaNaçãofoifinalmenteapresentada,

namanhã seguinte, 15 de junho, noTribunal Cível doQueens.O julgamento,que durou dois dias, foi presidido pelo juiz Maurice Wahl; a Nação foirepresentada por JosephWilliams e o advogado deMalcolm era Percy Sutton.Vários jornais locais revelaram que a vida de Malcolm fora recentementeameaçada; o Departamento de Polícia de Nova York respondeumandando 32policiais cuidarem de sua proteção durante o julgamento. Ammi mandou ummodesto grupo de dez pessoas, enquanto aMesquita nº 7 foi representada porumafalangedecinquentahomensdoFruto,queencaravamcomraivaopessoaldammi.UmdosseguidoresdeMalcolmfoivisto forada lotadasaladotribunalportando um fuzil. Quando interpelado, descobriu-se que ele tinha dois fuzisdescarregados,enenhumamunição,porissonãofoipreso.74

O plano de Malcolm no julgamento era tirar vantagem da falta geral deinteresseporassuntosmuçulmanosnamídiabrancasugerindoque,adespeitodemuitos indícios em contrário, ele ainda era um leal seguidor de ElijahMuhammad,mas sua fé tinha sido retribuída comperfídia e traição.A casa doQueens— que ele nada fizera para perder— foi comprada por ele e deveriacontinuar sendo sua. No começo do testemunho de duas horas, Malcolmobservou que a Mesquita nº 7 tinha sido constituída legalmente no estado deNovaYorkem1956,queeleeraumdos“incorporadoresoriginais”, eque seusserviços para aquela organização “nunca foram interrompidos”. Seu principalargumento era que não só não renunciara a Nação do Islã, como também“nenhumministromuçulmanojamaisrenunciou”.Emseguida,descreveuparaotribunal sua recente designação como ministro interino da mesquita deWashington.Oministroanteriorforaremovidodocargo,mastiverapermissãopara defender-se numa audiência perante toda a congregação, que Malcolmpresidira.Quando interrogado pelo advogado danoi, Joseph Williams, Malcolm

afirmou que o envolvimento deMuhammad o desqualificava para presidir umcomitê sobre seu próprio caso. Culpou o capitão Joseph por “envenenar a talponto a comunidade que não seria possível realizar uma audiência. Elessimplesmente me puseram no limbo até terem a chance de consolidar suaposiçãocomfalsasinformaçõeseéporissoquenuncameconcederamaudiênciaperanteosmuçulmanos”.75

MasWilliamsnão se satisfezcomosargumentosdeMalcolm.“Nãoé fato”,perguntou a Malcolm, “que o Honrado Elijah Muhammad pode expulsarqualquer ministro que deseje?” Malcolm concordou com relutância, explicandoque Muhammad “é um homem divino... Ele sempre segue o procedimentoreligioso divino. É muito rigoroso... sempre foi sua política jamais tratar aspessoasdeumaformaquealguémpossaacusá-lodeinjustiça”.Williamsretrucou“queoHonradoElijahMuhammadexpulsaministroscom

ou sem motivo e essa tem sido a prática desde que o movimento começou”.Malcolmdiscordoucomveemência:“Não.OHonradoElijahMuhammadjamaisexpulsouumministrosemmotivo”.76

Williams adotou outra linha de ação. “Quando a suspensão sem causa foiimposta”,perguntou,“osenhortomoualgumamedidalegalparareconduzi-loaocargo?”“Tentei manter o assunto na esfera privada”, respondeu Malcolm. “Tentei

ficar longe dos tribunais e do público e pedi uma audiência particular... porquehaviafatosque,nomeuentender,seriamnocivosaomovimentomuçulmano.”“Agoraosenhorosestátornandopúblicos”,respondeuWilliams.“Sim”,reconheceuMalcolm,“massóporquemelevaramaumpontoemque

tenhodefalarparameproteger.”“Nãoéfatoqueosenhororganizououtramesquita”,perguntouWilliams.De início,Malcolm esquivou-se,mas finalmente admitiu que tinha criado a

Mesquita Muçulmana, “para divulgar os ensinamentos do Honrado ElijahMuhammadentreos22milhõesdenãomuçulmanos”.EnquantoWilliamsinsistia,aestruturadoargumentodeMalcolm—deque

continuava a ser um seguidor fiel de Elijah Muhammad — desmoronou. Asprovas contra ele eram óbvias demais para qualquer um que examinasse comcuidado.Williams notou, por exemplo, quemuitosmembros dammi eram ex-membros danoi. LembrouqueMalcolm tinha anunciado à imprensa que “nãoestavamais filiado”àMesquitanº7equerenunciaraà liderançaeàautoridade

espiritualdeMuhammad.Portanto,concluiu,acasadeEastElmhurstpertencia,pordireito,àNaçãodoIslã.77

Mas Malcolm não estava disposto a ceder. Lembrou que na verdade tinhadois cargos formais dentro danoi: ministro da Mesquita nº 7 e ministronacional. Fora suspenso, tecnicamente, como chefe da Mesquita nº 7, masMuhammadnãoaboliraocargodeministronacional.ArgumentouqueoacordoresidencialdeEastElmhursteraexclusivamente“entremimeoHonradoElijahMuhammad”,queolugartinhasido“compradoparamim”,equeoMensageiro“medissequeacasa seriaminha”.Elijah tinha ressaltadoquese tratavadeumpresentepessoal:“Elemedisse,muitasvezes,quedeveriaestaremmeunome,queeraparamimporcausadotrabalhoqueeufaziaetinhafeito”.78

Williams tentou destruir esse argumento dando a entender que MalcolmembolsaradinheirodaNaçãoduranteanos—equegrandepartedoshonoráriosdeseusdiscursospúblicostinhaidopararemseubolso.TentoupintaravidadeMalcolm na Nação como uma longa e confortável carona nos recursos daorganização, perguntando: “Não é verdade que toda mesquita para onde osenhorvaiéaprópriamesquitaquearcacomasdespesasdosenhor?”.Malcolmrevidou, classificando essas afirmações de caluniosas e assegurando que overdadeiro motivo da sua “suspensão” em dezembro de 1963 foi um assunto“muitoparticular”.“NuncatenteiganharnadapessoalmentedaNaçãodoIslã.Épor isso que vivi [no começo do ministério] em um quarto, e depois em trêsquartos.” Mas Williams continuou a pôr em dúvida os motivos de Malcolm.“Senhor,quandoestacasaestavasendocomprada”,observouele,“osenhornemsequerestavapresentequandoelessereuniramparacomprá-la.Quandotiveramumaprimeiraconversanamesquita sobreacasao senhornãoestavapresente,estava?” Ele astutamente usava as viagens apostólicas de Malcolm paracaracterizarseudesinteressepelaaquisiçãodapropriedade.79

Malcolm deve ter sentido uma forte angústia, sentado perante um juizbranco,sendoacusadoderouboecorrupçãonumaorganizaçãopelaqualhouveum tempo em que teria sacrificado a vida. Era capaz de aceitar muita coisa,menos a desonra. E as manobras legais eram apenas uma forma de evitar aquestão central, a verdadeira razão do rompimento, que ele ainda hesitava emdeclararoficialmente.DisseaWilliamsqueosfundosparacompradaresidêncianão tinham saído da pessoa jurídica Mesquita nº 7; provedores da mesquitajamais se reuniram para emitir um cheque cobrindo o pagamento inicial. “Ele

veiodocorpoespiritualdosmuçulmanos.”Então,depoisdequaseduashoras,ele finalmentecontouao tribunalque“o

HonradoElijahMuhammadtomaraparasinoveesposas,alémdaquejátinha...Este éomotivodaminha suspensão”. Insistiu emdeixarbemclaroque estavapreparado paramanter “tudo em segredo e na esfera privada, se tivessemmeconcedidoumaaudiência...Elespreferiramsubmeteraumtribunalpúblico,emvezdemanteraquestãosóentremuçulmanos”.80

O que Malcolm talvez não tenha compreendido direito, até o dia dojulgamento, era que a campanha ideológica contra ele transformava-se numajihad religiosa, e que as questões levantadas pelo julgamento no Queensserviramapenasparaaumentaratensãoentreosdoislados.Noprimeirodiadojulgamento,180homensparticiparamdereuniãoderotinadofoidaMesquitanº7, cujo tema foi “E que importa se [ElijahMuhammad] não é tão puro assim,lembre-sedoqueelefezporvocêeporeu[sic]”.Nessapalestra,ooradordisse:“Precisamos destruirMalcolm”.Umcapitão do foi—provavelmente Joseph—instruiu o Fruto nos seguintes termos: “Malcolm não deve ser tocado, o resto,tudo bem” — afirmação equivalente a declarar aberta a temporada de caça aqualquerseguidordeMalcolm.81

Na noite do dia seguinte, pouco depois das onze horas, seis seguidores deMalcolm, tendo ouvido um zum-zum de que seu líder fora sequestrado oumorto,dirigiram-se àMesquitanº7,na rua116Oeste,número102.Ohomemque instigava o confronto eraWilliam George, ele próprio armado com umacarabinaM-1calibre3.0contendotrintabalas.HerbertDudley,de51anos,outromalcolmita, levava um fuzil Beretta 6.75. De trinta a 35 membros da Naçãosaíramàruaparaenfrentarosatacantescomarmasimprovisadasdeautodefesa,comocabosdevassoura.Durantealgunsminutos,houveumtensoimpasse,poisnenhum dos lados estava preparado para iniciar as hostilidades. ODepartamento de Polícia de Nova York correu para a rua e concordou, emgrandeparte, comaversãodogrupodanoidequeopessoaldeMalcolmtinhaprovocadooincidente.Osmalcolmitasforampresosesuasarmasconfiscadas.82

Umdiadepois,naMesquitanº24,emRichmond,Virgínia,oministroNicholas,deWashington,declarouque“MalcolmXdeveriamesmosermorto,porensinarcoisascontraElijahMuhammad”.83

Pormaisque consumissemMalcolm,o julgamentoe as ameaças contra suavida não o impediam de manter uma programação agitada, de palestras eprovidências para estabelecer organizações. Ele já sabia que tinha os diascontados—“Provavelmente já souumhomemmorto”, declarou sem rodeios aMikeWallace—eaolongodoverãoparticipoudeeventosemritmoacelerado,esforçando-se para alcançar suas metas.84 Aceitou muitos convites para falar,incluindo um de Henry Kissinger em Harvard, e continuou a trabalharsimultaneamente para consolidar o tamanho e a credibilidade dammi e daoaau.85 Presidindo as reuniões de negócios dammi no Harlem, anunciou queestava pensando em pedir aos membros dammi um dízimo de dez dólaressemanais, durante seis meses. Um relatório seria distribuído dando conta de“todoodinheirorecebido”,assimcomodetodososgastos.Seuplanoerafundarum jornal semelhante aoMuhammad Speaks. Organizações afiliadas àmmitambém deveriam ser criadas em Boston e na Filadélfia, depois em outrascidades. Finalmente estava claro que Malcolm tinha em mente um sistemaislâmico nacional que um dia pudesse competir com a Nação do Islã.86 NumcomíciodamminofimdejunhoeleenalteceuoIslãcomoa“únicaféverdadeira”para os negros e promoveu aoaau, que desenvolveria “um programaeducacional” para destacar as contribuições dos negros à história. Essa novaformação não participaria de protestos não violentos; prometeu que em vezdisso“elestomariamoqueéseudedireito”.87

Também retomou sua correspondência com um novo senso de urgência. Anotícia de uma greve de operários na Nigéria chegou-lhe aos ouvidos, e eleescreveu para seu amigo Joseph Iffeorah, doMinistério de Obras e Inspeções,pedindoinformações.88Malcolmtambémeraaltamentecortêsemseusesforçospara recrutar seguidores. Uma carta que escreveu em 22 de junho para umajovem afro-americana solteira que trabalhava na revistaNew Yorkermesclavacharmeelisonja.“Suacartarecenteé,defato,umadasmaisbemescritasquejárecebi”, respondeu ela. Era “muito poética, mas ao mesmo tempo seuspensamentoserammuitoclaros”.AjovemdisseaMalcolmquenãoqueriafiliar-se à organização porque preferia sentir-se “livre”. Malcolm lembrou-lhe que épreciso haver “umaorganização para coordenar os talentos de várias pessoas”.Insistiuparaqueela fosse à reuniãopúblicade fundaçãodaoaau noAudubon,em28dejunho.“Mesmoquenãotenhanenhumdesejodetornar-separticipanteativa,gostariaquevocêviessenodomingo,comoespectadora.”89Ajovem,Sara

Mitchell, não só foi ao comício, mas dentro de alguns meses tornou-se umainestimávellíderdaoaau.Oprogresso deMalcolmnaquelas semanas esteve sob constante ameaça de

seranuladopelaviolênciadesuabrigacadavezmaispúblicacomaNação.Nasruas, as coisas estavam saindo de controle. No bairro Corona, no Queens, oministro assistente Larry 4X Prescott fundara recentemente um restaurantemuçulmano no Northern Boulevard. Em 22 de junho, Bryan Kingsley, dedezessete anos, seguidor de Malcolm, estava à toa na porta do restaurante,falando alto. Larry saiu e deu-lhe um tapa na cabeça, com força, antes de —juntamentecomoutrosmembrosdanoi—correratrásdelepelarua.Omeninotelefonou para Tom Wallace, irmão de Ruby Dee e partidário veemente deMalcolm.Wallacepegousuacaminhoneteefoiatéorestaurante,puxouumfuzile afrontou Larry e outro membro danoi. “Thomas e eu tínhamos trabalhadojuntos,eeuconheciabemoseucaráter”,disseLarry4Xrecordandooepisódionuma entrevista em 2006. “Eu disse: ‘Bem, vá em frente e atire se vaimesmoatirar em mim’.” Wallace avisou-lhe que não se aproximasse, mas Larrycaminhouemsuadireção,convencidodequeelenãoapertariaogatilho.Quandochegoumais perto, Larry agarrou o fuzil e, virando a coronha, “golpeei-o comela.Edepoisquebreitodasas janelasdoseucarro”.Comorostoarrebentadoesujo de sangue,Wallace apresentou acusações contra ele no Departamento dePolícia de Nova York, que prendeu Larry imediatamente. Mas Larry, por suavez, acusouWallace de agressão física, e Wallace também foi preso. Os doistiveram de pagar fiança de quinhentos dólares cada um, e seus casos foramencaminhadosparaoTribunalPenaldoQueens.90

MalcolmficouextremamenteaborrecidocomasurraqueWallace levou.Deumpontodevistapessoal,eraumaprofundatraição:Larry4Xtinhasidoumdosseus mais confiáveis protegidos. Talvez pior ainda, o incidente ameaçavaprejudicarasconexõesdequeprecisavaparasuaobrapolítica,poisOssieDaviseRubyDeehaviamse tornadocruciaisparaseuacessoàcomunidadenegradeartes e entretenimento. Para oAmsterdam News, Malcolm disse queMuhammaderaresponsávelpelaescaladadaviolência.“OsseguidoresdeElijahMuhammad”,explicouMalcolm,“nãofazemnadasemqueelemande.”Larry 4X lembrava-sede sua apariçãonoTribunalPenal doQueensporque

ele usava “um terno e uma gravata-borboleta”. Todos os outros presoscomeçaramarir.“Diziam:‘Olhemsóessecara,arrumadinhocomoumgigolô,e

atacou uma pessoa!’.” Logo depois que Larry foi levado ao tribunal, Malcolmentrounasala:“Eleveio falarcomigo”,disseLarry.“Disse—eéemparteporisso que perdi o respeito por ele —: ‘Larry, você está morto’.” O tribunalrejeitou as acusações contra os dois homens, mas o dano estava feito. “Foi aúltimavezquefaleicomMalcolm”,declarouLarry.“Depois,sópiorou.”91

Oespancamento deTomWallace e incidentes do gêneronaquelas semanaslevaram Malcolm a divulgar uma “carta aberta” de conciliação endereçada aElijah Muhammad. Os dois grupos, escreveu Malcolm, precisavam cuidar dasquestõesdedireitosciviscomqueosnegrossulistassedefrontavam.“Emvezdedesperdiçartodaessaenergiabrigandounscomosoutrosdeveríamostrabalharem unidade... com outros líderes e organizações.”Na superfície, era um apelopara que os lados em desacordo pusessem fim à violência, mas para algunsmembrosda seita a cartadeMalcolmeraumanovaprovocação.EmseuapeloMalcolm perguntava a Muhammad como era possível que, tendo a Nação serecusadoausardeviolênciaemrespostaa“racistasbrancos”emLosAngeleseRochester, pudesse o grupo recorrer à violência contra outro grupo negromuçulmano. A recusa inicial de Muhammad a autorizar violência retaliatóriacontra o uso excessivo de força pela polícia ainda era um ponto sensível paramuitosseguidoresdeMalcolm.92

No meio da discussão, Malcolm conseguiu pilotar aoaau rumo ao seutriunfantenascimentopúblico.Numgrandecomícioem28dejunho,milpessoassereuniramnosalãodoAudubonparacomemorara fundaçãooficialdogrupo.Aapenasvinteepoucosquarteirõesdedistância, aNaçãodo Islã realizava seuprópriocomícioperanteumamultidãopelomenosseisvezesmaior,masoqueocorrianoAuduboneraumeventodecrucialimportâncianahistóriadosnegrosnosEstadosUnidos—osurgimentodeumgrupopolíticonacionalistanegroquetinha o potencial de redefinir tanto a política predominante domovimento dedireitosciviscomoapolíticaeleitoraldosnegros.E,diferentementedaNaçãodoIslã, oumesmodaMesquitaMuçulmana, aoaau erapuramente secular,oqueampliava vastamente seu alcance potencial. Como afirmou Herman Ferguson:“EuachavaqueseMalcolmpudesse...apresentarseuladopolíticomenosoladoreligioso,issoafastariamuitaspreocupaçõesdosnegros”.Essesentimentopodiaser percebido profundamente entre os primeiros organizadores do grupo.Mesmo antes do comício de fundação, “pessoas não religiosas” como Shifflett,Fergusoneoutrassentiamque“nãofaziampartedavelhaguarda.Haviatensão

e ressentimento”.93 Finalmente, portanto, seu momento chegara, quandoMalcolmpublicamentefezumgestoparaacorrentepredominantedalutapelosdireitos civis e para os elementos mais progressistas da classe média negra.Presentes no comício para reconhecerem a guinada de Malcolm estavam oadvogadoConradLynn, a escritora PauleMarshall, o editor de jornalWilliamTatumeJuanitaPoitier,mulherdeSidneyPoitier.OcomícioatingiuseupontoaltoquandoMalcolmleua“DeclaraçãodeMetas

eObjetivosBásicos”daoaau,naqualonovogruposecomprometiaa“unificaros americanos de ascendência africana em sua luta por direitos humanos edignidade” e prometia dedicar-se “à construção de um sistema político,econômicoesocialde justiçaepaz”nosEstadosUnidos.Adeclaraçãoenaltecia,entre outros documentos históricos, a Declaração de Independência e aConstituição americanas, que “são os princípios em que acreditamos e essesdocumentos, sepostosemprática, representamaessênciadasesperançasedasboas intenções da humanidade”. Essencial para o programa daoaau era acampanha de Malcolm para levar os Estados Unidos perante aonu, onde“possamos indiciar Tio Sam pelas contínuas e criminosas injustiças que nossopovo sofrenestegoverno”.94 A ousada declaração colocava aoaau firmementedentrodaricatradiçãodeprotestosdosEstadosUnidosnegros,queremontavaaFrederickDouglas,noséculoxix.Em vez de satanizar os brancos,Malcolm agora lhes oferecia um papel em

sua iniciativa de direitos humanos. Aliados brancos poderiam contribuirfinanceiramente para aoaau e eram encorajados a trabalhar pela justiça racialdentro das comunidades brancas. A libertação dos negros, porém, tinha umpreço: a filiação àoaau custava dois dólares, e esperava-se que cadamembrodoasse um dólar por semana para a organização. O grupo também prometeumobilizar toda a comunidade afro-americana, “quarteirão por quarteirão, paraconscientizar a comunidade de seu poder e potencial”.95 Num sentido maisamplo, a fundação daoaau foi a primeira grande tentativa de consolidar onacionalismonegrorevolucionáriodesdeotempodeGarvey.

Emjunho,PaulReynoldsnegociouuma“vendaúnicaeexclusiva”deexcertos

daAutobiografia que sairiam noSaturdayEveningPost antes da publicação do

livro. Para obter o consentimento da Doubleday, Reynolds se ofereceu parareduzir os adiantamentos dos autores para 15 mil dólares. Como Haley eMalcolm já tinham recebido, juntos, um total de 17 769,75 dólares, os autorestiveramdeconcordaremdevolver2500dólares, alémdenão solicitarqualqueradiantamentoextradaDoubledayatéqueo livro fossepublicado. Infelizmente,Haley ainda estava em apuros financeiros, e o novo acordo daDoubleday nãolheoferecianenhumincentivomaterialparaterminaroprojetodolivro.96

Embora a programação de Malcolm tivesse se tornado muito agitada paraacomodar novas entrevistas com Haley, os dois continuavam a se comunicar.Em 8 de junho, Haley confessou que tinha submetido o postal enviado porMalcolm a “um dos melhores grafologistas do país” e queria incluir “essesachados objetivos” no posfácio daAutobiografia. A análise descrevia Malcolmcomoumapersonalidadeextrovertida,abertaanovasideiasepossuidorade“umdefinidosensodedeterminação,umavocação.Seusobjetivossãopráticos”.Masa pessoa em questão era também “um pensador não muito profundo” emostrava“faltadedecisãoemseumododeser”.Apesardasbasesduvidosasdorelatório, Haley escreveu, confidencialmente, que “chegamuito perto de você,achoeu,dasminhasavaliaçõespessoais”.97

Menos de duas semanas depois, Haley escreveu outra vez para Malcolm,assimcomoparaPaulReynolds.Nacartadesetepáginasdatilografadas,insistiuparaqueMalcolmfossecauteloso:“Àsvezesachoquevocênãocompreendedefato qual será o efeito deste livro. Nunca houve, pelomenos em nossa época,nenhum livroparecido.Vocêpercebeque, para fazer essas coisas, precisa estarvivo?”. Pediu ao assunto do seu livro que levasse em conta as dificuldades queBettyenfrentariaseelemorresse—“e,pelorestodavida,tentandoexplicarparaas quatro filhas de vocês como você foi homem”.98 Para Reynolds, Haleyapresentou um plano totalmente diferente. Repassando a “abundância dematerial” no manuscrito ainda inconcluso, ele disse que o livro poderiabeneficiar-se de “reescritas cuidadosas e sucessivas, destilando, alinhando eequilibrando... para acertá-lo”. Terminá-lo, ele agora reconhecia, era“importantíssimo”, porque colocava a pessoa em questão “na cena mundial”.CitouumartigodeMalcolm,“PorquesouafavordeGoldwater”,eaexistênciadodiáriodesuaviagemrecente,uma“pitadaatédedelicadosassuntosreligiososepolíticos internacionais”.Haleydissequequeria editar e ampliaro artigo eodiário, afirmando que os textos “manteriam [Malcolm] no palco, ao mesmo

tempo que lhe assegurariam mais fundos”.99 (Esse material extraordinário sóestaria acessível a especialistas e ao público em geral em 2008.Malcolm nuncatevetempo,ouoportunidade,paradesenvolverseusdiáriosdeviagemeformarumsegundolivro.)Comsuasseveras limitaçõesdeagenda,ele liaosrascunhosd aAutobiografia de Haley à medida que iam sendo produzidos. Os capítulosensaísticosfinais,quetinhamsidopreparadosantes,foramcortados,decisãoquepodetersidoexclusivamentedeHaley;sãoosquehojechamamosde“capítulosdesaparecidos” do livro. Malcolm provavelmente achava que aAutobiografiapoderia tornar-se parte crucial de seu legado político, o que aumentava suadeterminação de completar o projeto. Ironicamente, sua longa ausência dosEstadosUnidos a partir de julhodeu aHaleyumadesculpa paranão trabalharcom empenho. No começo do verão, Haley voltou sua atenção para projetosliterários potencialmentemais lucrativos. Já estava tentando vender a KennethMcCormick a ideia para um livro chamadoBefore This Anger [Antes dessaraiva],queumadécadadepoisseriaobest-sellerRoots[Negrasraízes].Nessemeio-tempo,Malcolmfoicercado—porescritores,poroutrosativistas

àprocuradefavoresealiançaseporpessoasquesóqueriamguardarconsigoumpedaçodaHistória.Amaioriaencontrou-secomeleumaouduasvezes,masfoimudadapor esses encontros; algumas foram transformadaspor sua retóricaouporseusescritos,outras,ainda,porsuamensagem.RobertPennWarren,umdosmaisrespeitadosescritoresdosuldosEstados

Unidosnosanos1960,conheceuMalcolmnoHotelTheresaem2dejunho,ondeambostiveramumaconversareveladora.DeinícioWarrenficousurpresocomoquantoMalcolmeraanimado:“Descobriqueorostopálido,umtantoamareloemonótono, que parecia tão velado, tão impassível, como se estivesse acima dequalquer sentimento, fizerabrotar em suavida tão implacável emaliciosa—osúbito riso lupino,os pálidos lábios rosadospuxadospara trás paramostrarosdentes fortes”.Aomesmo tempo intimidado e fascinado,Warren apresentou aMalcolm uma série de situações nas quais liberais brancos tinham dadoassistênciaanegros.Quandomencionouque“ohomembranco”estavadispostoaserpresoparaseoporàsegregação,Malcolmretrucou:“Minhaopiniãopessoalé que ele nada fez para resolver o problema”. E, prosseguindo, ressaltou anecessidade de transformar arranjos institucionais na política econômica dosEstadosUnidos,paraqueosnegrospudessemadquirirpoder.Aturdido,Warrenpediu mais uma chance para o liberalismo: “O senhor não vê, no sistema

americano,apossibilidadedeautorregeneração?”.“Não”,respondeuMalcolm.100

Malcolm estava se divertindo à custa de Warren — pois semanas depoisafirmou,precisamente,o argumentodoescritor, em seuapelo aosdocumentosde fundação do país na abertura da conferência daoaau, uma solicitação àdemocracia que não teria proposto se julgasse as instituições políticas dosEstados Unidos incapazes de reforma. Warren nervosamente perguntou-lhesobre os objetivos políticos do novo movimento. Em termos práticos, o queMalcolm buscava não era fundamentalmente diferente do que levas deimigrantes europeus — irlandeses, italianos, judeus — lutavam para adquirir:representaçãoequitativaparaseusgruposétnicosnosváriossetoresdogoverno.“Umavezqueonegroseassenhoreiepoliticamentedesuaprópriacomunidade,isso significa que políticos também serãonegros, o que por sua vez quer dizerqueonegroestarámandandorepresentantesnegrosatéparaosetorfederal.”Aestratégia de Malcolm não chegava a ser uma receita leninista para umarevolução social, mas Warren, liberal branco com consciência de culpa, nãoconseguia entender seus objetivos. Deu importância demais à retóricaincendiáriadeMalcolmeaoscomentários insuficientes sobreoprogramasocialquepropunha.Nummomentotenso,WarrenperguntouseMalcolmacreditavaemassassinatopolítico,“e[ele]virouorostoduroeimpassível,osolhosveladosparamimedisse:‘Nãoseinadaaesserespeito’”.101

Na outra ponta do espectro político houve uma série de encontros entreMalcolm e o ativista político Max Stanford (mais tarde conhecido comoMuhammadAhmed).Os dois se conheceram em 1962, quando Stanford, entãocom21anos,procurouMalcolmparaperguntarsepodiafiliar-seàNaçãodoIslã.Malcolmodeixaraperplexoaoresponder:“VocêpodesermaisútilaoHonradoElijahMuhammadtrabalhando fora”.O jovem levaraaspalavrasdeMalcolmasério, e naquele mesmo ano ele e o ativista de Cleveland, Donald Freeman,criaram um pequeno grupo nacionalista militante, o Movimento de AçãoRevolucionária(RevolutionaryActionMovement,ram).InicialmentesediadonaUniversidade deOhio, o grupomarcou presença na Filadélfia dos anos 1960 e,logo em seguida, estabeleceu relações com seções docore no Brooklyn e emCleveland. Ideologicamente, foram influenciados pormilitantes negros como oexiladoRobertWilliamseosmarxistasindependentesGraceLeeeJamesBoggs.Oramvia-se como uma organização clandestina, “uma terceira força”, comoexplicava Stanford Lee, “entre a Nação do Islã e osncc”. No fim demaio de

1964, Stanford chegou ao Harlem pedindo para ver Malcolm. Os dois seencontraramno restaurante 22West, o favoritodeMalcolm,ondeStanford fezum pedido audacioso:Malcolm aceitaria ser o porta-voz internacional do ram?RobertWilliamjátinhaconcordadoemserodiretorinternacional.102

Naquelaépoca, apropostaprovavelmente interessouaMalcolm.Poralgumtempo,eleachouqueaausênciadeobjetivosclarosedeumafrenteunidadentrodo Movimento de Liberdade Negra devia-se, em parte, a deficiências deorganização. Anaacp, ocore, asclc. e outros grupos pareciam facções emdisputa em nível nacional; pior, o provincianismo e a ciumeira de seus líderescomfrequênciaatrapalhavamacooperaçãonasbases.ParaStanford,oquefaziafalta era uma estruturamais clandestina, de estilomilitar, que pudesse operarforadoolharvigilantedamídia.“Oramseriaaorganizaçãoclandestinadeestilomilitar”, explicou Stanford, enquanto “aoaau seria a frente pública, a frenteunida.”103Narua22Oeste,Malcolmdeuumaolhadanacartadeorganizaçãodomovimento e disse: “Vejo que vocês estudaram a estrutura daNação do Islã”.Tinha razão: o modelo baseava-se na Nação do Islã, assim como no PartidoComunista.Stanford ficou meses em Nova York, e nas reuniões daoaau ficava

impressionadocomashabilidadesetnográficasaprimoradasdeMalcolm,e seuspoderesdeobservação.Lembrava-seele:

Às vezes havia de vinte a trinta pessoas em nosso apartamento, incluindo Malcolm e John Henrik[Clarke].Malcolm não podia dirigir a reunião. Era outra pessoa que dirigia. E a discussão do assuntopassava por todos na sala. E as pessoas defendiam diferentes pontos de vista.Malcolm era o último adizeralgumacoisa.Deixavaaspessoasdizeremoquetinhamadizer.Eentãofalava:“Possodizerumacoisa?”. Dava para ouvir a queda de um alfinete. E ele dizia: “Irmã fulana de tal tem um bomargumento,eelaachaquetemposiçãocontráriaàde irmãofulanodetal.Eo irmãofulanodetal temumbom argumento.Mas...”. E sintetizava toda a discussão.Mostrava a cada um seus pontos fortes eseus pontos fracos, e como tudo estava inter-relacionado... Era incrível. Ali estava um homem dereputação internacional. [Masmesmo assim] podiamanter esse [relacionamento] [e] tinha essa relaçãocomirmãseirmãosvindosdafaculdade.104

Stanfordtambémestavaagudamentesintonizadocomoestadoemocionalde

Malcolmnaquelaépoca.“AúnicavezqueviMalcolmagiremocionalmente,eemcerto sentido irracionalmente”, lembrava o jovem, “foi em suas ações públicascontraanoiemjunho-julhode1964”.Aquelesatosameaçavamdestruirarelação

potencialcomogrupodeStanford.QuandoMalcolm“acusouElijahdecometeradultériocomsuassecretárias,eanunciounaruaqueeletinhafilhosilegítimos”,oramdiscordou decisivamente de suas táticas. “Malcolm estava muitoperturbado”, disse Stanford, porque, espiritual e pessoalmente, “ele não tinhaapenasenganadoaspessoas,masabusarafisicamentedaspessoasviolandooquesupunha fosse a política de Elijah. Por isso, sentia-se omaior idiota da face daTerra.”105

Stanford afirma que Malcolm finalmente concordou em ter algum tipo deassociaçãocomoram,eordenouaJames67Xqueservissedeintermediário.MasStanford teve menos êxito em convencê-lo a mudar aoaau de endereço.Malcolmestavadecididoa“construirumabase”emNovaYork,apesardeJamese Grace Lee Boggs insistirem para que mudasse para Detroit, cidade ondecontava commilhares de seguidores entusiásticos, e onde havia “mais da baseradical”.Oram,explicouStanford,“queriaqueeleexpandisseaoaauportodoopaís, pois achávamos que eles não poderiam atacá-lo se ele tivesse uma basenacional”.106 Mas Malcolm não mudou de opinião. Talvez temesse que,transferindosuasoperaçõesparaforadoHarlem,osmilharesdemembrosleaisdaMesquitanº7jamaislhepermitiriamrestabeleceraliumpontodeapoio.Nosanos 1960, Malcolm já não vivia na comunidade do Harlem, mas o bairrocontinuava sendo ametáfora central dos EstadosUnidos negros urbanos, e elecompreendiaqueasinadaquelelugarporvezesmágico,comfrequênciatrágico,estavaestreitamenteligadaàsua.

Até aquele momento, Malcolm vivera anos sob vigilância de autoridades

tantofederaisquantolocais,porém,noverãode1964,ohomemqueescutavadooutro lado do telefone grampeado veio a desempenhar papel importante,emboraoculto,emsuavida.GerryFulcherconcluíraosestudosnaacademiadepolícia da cidademenos de dois anos antes, e como jovem policial nascido noHarlem tinha assimilado opiniões racistas e conservadoras do pai sobre osnegros.“EuqueriaacabarcomocrimeemNovaYork...”,disseele,recordandosuaatitudenaépocaemque tinhaacabadode sairdaacademia. “Euqueria serumsuperpolicial.”Noseuprimeirodiadetrabalho,Fulchereumparceiroforamdesafiados por um afro-americano que feriu seriamente o colega de Fulcher,jogando-lhe uma cadeira. Fulcher conseguiu algemar o sujeito, e seu sargento,

quandochegouaolugardoincidente,deuumaordemclara:“Nãoqueroqueessenegro esteja andando quando você chegar à delegacia”. Fulcher talvez fosseinexperiente,masnão iadesobedecer.“Por issoeu,comosujeitoalgemado,osbraçosparatrás,batineleatédizerchega”,contou.“Emetorneiumherói.”107

Depois de um ano nas ruas, Fulcher foi promovido a detetive e transferidopara a unidadeboss. No começo de 1964, recebeu sua primeira incumbênciaimportante, a vigilância encoberta deMalcolmX. Fulcher já tinhadecididoqueMalcolmera“umdosvilões”,opiniãocompartilhadapormuitospoliciaiscolegasseus. “Todo o movimento de direitos civis”, diria ele posteriormente, “eraconsideradoumavariedadedocomunismonacabeçados tirasdaquele tempo.”FulcherconsideravaMalcolm“umex-viciadoemdrogasetraficante,quandoerachamado de Big Red... sabíamos de tudo isso”. Depois do rompimento com aNação,Malcolm tornara-seumaameaça aindamaior,possível líderde agitaçãocivil e de protesto negro. Do ponto de vista daboss, todas as atividades deMalcolmprecisavam ser acompanhadas de perto, o que incluía o recrutamentodetirasnegrosparaentrarnogrupodeMalcolmenaMesquitanº7.AmissãodeFulchernãoeramenosinvasiva.Umpequenoquartoforapreparadonasededa28ª- Delegacia com equipamento de gravação de áudio ligado aos microfonesocultosquedetetivestinhaminstaladonotelefonedeMalcolmnoHotelTheresa.Osaparelhosdeescutapodiamregistrarqualquerconversadentrodasalaondeficavao telefone.A tarefadeFulchereradupla:grampearMalcolm,entregandoasgravaçõespessoalmenteàsautoridadespoliciaisnumabasediária;eassistiraeventosdaoaau,fazendoavigilânciageral.108

Fulcherlogoaprendeuquegrampearexigiadiligênciaeumaatençãoparaosdetalhesquetornavamotrabalhodifícil.“Eueraobrigadoaescutaromicrofoneocultootempotodo,equandoouviaotelefonetocarquasetinhadesincronizarcomomomentoemqueeleotiravadogancho”,disseFulcher.“Eentãoeutinhaquegravar,decidiroquebotarnos rolos [de fita].”De início,eledesempenhousuas tarefas comorgulho, achando queMalcolmodiava os brancos e pretendiaderrubar o governo dos Estados Unidos. “São inimigos da polícia”, declarouFulcher,recordandosuasopiniõesem1964e1965.“Eles[apolícia]aproveitavamtodas as oportunidades que tivessemparamatá-los.”Noquedizia respeito aospoliciais,Malcolmeseusseguidoresdeveriamserselecionadosparaataque.Em poucas semanas, à medida que escutava as conversas telefônicas, as

reuniõesdeescritórioeosdiscursospúblicosdeMalcolm,“oqueeuouvianada

tinha a ver com o que eu esperava”. O policial ficava impressionado com asanálisespolíticasdohomemquevigiava,ecomseusargumentos.“Eulembrodedizer amimmesmo: ‘Vejamos, nisso ele tem razão... Ele quer [que os negros]tenham empregos. Quer que eles recebam educação. Quer que entrem nosistema.Quehádeerradonisso?’”FulcherlogoconcluiuqueMalcolmnãoera“oinimigo dos brancos em geral”, o que o levou a dar-se conta de que toda aatitude doDepartamento de Polícia de Nova York para comMalcolm e,maisamplamente, para com o Movimento de Liberdade Negra precisava serrepensada.Mencionousuaspreocupaçõesaossuperioresmasnãochegoualugaralgum.Dentrodaboss,“todasasorganizaçõesnegraseramsuspeitas”.Apartirdeentão,guardousilênciosobresuasopiniões,enquantocontinuavaagrampeare gravar. Oboss até colocou um aparelho de gravação debaixo do palco doAudubon, para assegurar que a polícia pudesse transcrever e analisar osdiscursosdeMalcolm.109

Nodiaseguinteaodocomíciodefundaçãodaoaau,Malcolmreuniu-secomalgunsmembros para fazer uma avaliação do evento e começar a planejar suasegundaexcursãoaoexterioraqueleano.Nodomingo,cercadenoventapessoaspreencheram formulários para se filiarem àoaau, bem menos do que oesperado.110 ONew York Times estimara que apenas seiscentas pessoascompareceram ao comício. Malcolm rapidamente atribuiu o pouco número denovos membros ao fato de que a maior parte dos moradores do Harlem nãodispunhadosdoisdólaresdataxadefiliação.111

Seaoaaudeiníciocareciademembros,nãofoidevidoaqualquertréguanaluta pelos direitos civis. Nas duas semanas anteriores ao comício, notícias dodesaparecimento de três voluntários noMississippi no primeiro dia do projetoFreedomSummer [Verão livre] tinhamatraído a atençãodopaís, comativistasem toda parte exigindo rigorosa investigação. O próprio Martin Luther Kingainda estava em SaintAugustine, entrando e saindo da cadeia, e sob tremendapressão. Nas primeiras horas da manhã de 30 de junho, Malcolm passou umtelegrama para King falando de sua preocupação com ataques racistas amanifestantespró-direitos civis emSaintAugustine. Sugeriuque as autoridadesfederais não estavam dispostas a proteger os obreiros dos direitos civis, e porissoestavapreparadoparausarseupessoaldosulnaorganizaçãodeunidadesdeautodefesa capazes de enfrentar a Ku Klux Klan.112 Para os jornalistas, elequalificouessesgruposde“pelotõesdeguerrilheiros...Oselementosdakkkno

sul são bem conhecidos.Achamos que, sempre que atacaremo negro, o negrodevetersuachancederevidar”.113

Ainda naquele dia, foi de avião para Omaha, em Nebraska, a convite doComitê de Coordenação de Cidadãos para as Liberdades Civis. Ao chegar lá,insistiu em seus gracejos provocativos, dizendo que “em Omaha, como emoutros lugares, a Ku Klux Klan tinha acabado de trocar seus lençóis poruniformes da polícia”. Depois de falar para uma plateia local no auditóriomunicipal,deixouohotelàstrêsdamadrugada,ehorasdepoisestavanocentrode Chicago. Era convidado de um programa de rádio que recebia chamadastelefônicas dosouvintes, o que alertoumilhares de furiososmembrosdanoidesuapresençanacidade.EmboratenhaconfirmadoqueparticipariadoprogramaOfftheCuffna televisãodeChicago, jamaispôdechegaràemissora;ameaçasàsua vida, agora feitas abertamente nas ruas, forçaram-no a voltar de imediatoparaNovaYork.114

Noiníciodejulho,aex-noivadeMalcolm,EvelynWilliams,eLucilleRosary

entraram com uma ação de investigação de paternidade contra ElijahMuhammad.115Aacusação levoua lutadentrodomundomuçulmanonegroaopontodeebulição,comameaçasdemortecontraMalcolmvindasagoradetodosos lados. Naquele mesmo dia, James 3X Shabazz, o poderoso ministro damesquitadeNewarkeativolíderdaMesquitanº7,divulgouumviolentoataqueaMalcolm, chamando-o de “omaior hipócrita de todos os tempos” e “cão queretorna ao próprio vômito”. Numa noite do começo de julho, do dia 4 ou 5,Malcolm procurou o Departamento de Polícia de Nova York e avisou que iavoltar sozinho para casa às 11h30 da noite, e a presença da polícia talvez fossenecessária.Quandoparounafrentedecasa,nãoviuninguémdoDepartamentode Polícia de Nova York; o que viu foram dois negros desconhecidos seaproximarem do carro a pé. Pisou no acelerador, deu a volta no quarteirão eesperou antes de ir para casa. Depois deu queixa na polícia, e um policialfinalmente foi destacado para ficar na frente da residência, mas só por 24horas.116

Apesardessa intimidação,Malcolmnão ia se tornar fugitivopolíticoemsuaprópria cidade. Na noite do dia seguinte, aoaau patrocinou seu segundocomício público, novamente no Audubon. Embora amaioria dosmembros da

mmi não pertencesse àoaau, Benjamin 2X Goodman foi encarregado deapresentar Malcolm à plateia.117 Malcolm informou aos ouvintes: “Nestemomento as coisas estãomuitodifíceis paraomeu lado, vocês sabem. Sim, eusei,podeparecerqueestoubrincando,masésério”.118

Em8 de julho,Malcolm apareceu outra vez noBarryGray Show emNovaYork.Em9dejulho,escreveuparaHassanSharrieff,ofilhodissidentedeEtheleRaymond Sharrieff, que recentemente rompera com a Nação e denunciara ogrupo. Malcolm escreveu para dizer que era incapaz de mandar-lhe dinheiro,mas se comprometia a ajudá-lo na organização “dos fiéis” na Filadélfia, emChicagoeemoutrascidades“comoapoiodoirmãoWallace”Muhammad.119

Malcolm chegara a um ponto em que a própria segurança física eramenosimportante do que as realizações de objetivos políticos. Os principais eram,primeiro,forjarumaaliançapan-africanistaentreosnovospaíses independentesafricanos e os Estados Unidos negros; e, logo depois, as relações dammi comautoridadesdeArábiaSaudita,Egitoe todoomundomuçulmano—metasqueexigiam sua ida ao exterior. Essa segunda viagem ao exterior no mesmo anoafastava-o cada vez mais da mira da Nação. Malcolm pode ter pensado que acruel jihad que a Nação travava contra ele talvez se atenuasse depois de umalongaausênciadosEstadosUnidos.Nanoitede9de julho,viajandocomonomedeMalikel-Shabazz,Malcolm

embarcounovoo 700 da twaparaLondres.120Demanhã, ao chegar, concedeuumaentrevistacoletivanaqualacusouogovernodosEstadosUnidosde“estardesrespeitando a carta daonu ao violar direitos humanos básicos”. Tambémpreviu que no verão de 1964 os Estados Unidos veriam derramamento desangue.121

Malcolmacreditavaprofundamentenopoderdaprofecia,ediasdepoisdesuapartida de Nova York a violência sobre a qual vinha advertindo em seusdiscursos finalmente explodiu nas ruas do Harlem. Em 18 de julho os tirosdisparadospelapolíciacontraumnegrodequinzeanosresultaramnumamarchafuriosaqueterminoucomamultidãocercandoadelegacianarua123,amesmaondeMalcolm encabeçara o protesto contra o incidente que envolveu JohnsonHinton, em 1957. A diferença é que agora, quando a polícia começou a fazerprisões, o povo resistiu; pessoas correram pelo distrito comercial do Harlemquebrandojanelaseroubandotudooquepodiam.122

EmLondres,porém,preparadoparaumaviagemmuitoimportante,elenão

poderia imaginar esses detalhes. Depois de alugar um quarto de hotel parapassaranoite,ligouparaumdeseuscontatos,quelhedeunúmerosdetelefonee outras informações para contato com líderes africanos. Malcolm conseguiuatrair três jornalistas britânicos para uma entrevista de vinteminutos. No diaseguinte,11dejulho,partiuparaoCairo.123

Agrande forçadeMalcolmera suacapacidadede falaremnomedaquelesaquem a sociedade e o Estado negavam voz por preconceito racial. Elecompreendiaseusanseiosepreviasuasações.Agorapodiaverapossibilidadedeum futuro sem racismo para sua gente,mas o que não pôde prever foram osterríveisperigosà suavolta,na formade traiçãoemorte.PoucosdiasantesdeMalcolm retornar da África, disse Max Stanford, lembrando-se do episódio 45anos depois, Malcolm o apresentara a Charles 37X Kenyatta numa recepçãoprivada. Stanford apressou-se a explicar que Charles “tinha estado napenitenciária,naNação,equeeleconfiavaemCharlesmaisdoqueemqualqueroutro homem no mundo”. Malcolm prometeu aos dois “que nós três nosencontraríamosquandoelevoltassedaÁfrica”,disseStanford.“EaúltimacoisaquefalouparaCharlesfoi:‘TomecontadeBettyparamim’.”124

13.“Nalutapeladignidade”11dejulho-24denovembrode1964

AvoltadeMalcolmaoCairomarcouoiníciodeumatemporadadedezenovesemanasnoOrienteMédioenaÁfrica.AosairdeNovaYork,deixoupara trásduas organizações incipientes cujo êxito dependia quase inteiramente de seuenvolvimentopessoal, eo custode sua ausência tantopara ammi comopara aoaau foi considerável. Mas diversos fatores importantes conspiraram paramantê-lo longe. Pormais que quisesse dar um alicerce para suas ideias, nessaépoca ele continuou a passar por dramáticas mudanças em sua vida,completandouma transformaçãoque começara coma saídadaNaçãodo Islã eforaaceleradapelarecenteviagemaoOrienteMédio.Agora,incumbidodelevarà África o plano de colocar o governo dos Estados Unidos perante aonu porviolações de direitos humanos, ele sentiu pela primeira vez a plenitude e aprofundidadedesuaherançaafricana.SeohajjderaaMalcolmoportunidadedeapreender a totalidade de sua vida demuçulmano, a segunda viagem à Áfricamergulhou-o numpan-africanismode base ampla que pôs em relevo seu papeldecidadãonegrodomundo.Num torvelinho de quase cinco meses, ele foi hóspede de honra de vários

chefesdeEstadoe figuraqueridaparaosafricanosdemuitospaíses.Apesardenem todos os momentos terem sido fáceis, a viagem representou um nítidocontrastecomalabutadeconstruiraoaauemmeiodasconstantesameaçasdeviolênciadaNaçãodoIslã.Arigor,estaseriaarazãoparaMalcolmpermanecertanto temponaÁfrica: a segurança.EstavaconvencidodequeaNação tentariamatá-loquandovoltasseparacasa.

TinhaplanejadoavisitaaoEgitoparacoincidircomaconferênciadaoua (17a 21 de julho) no Cairo, mas acabou ficando mais tempo na cidade do queprevira, por achar que as amizades que ali fazia lhe renderiam dividendos alongoprazo.Nosprimeiros doismeses, empenhou-senumcursominuciosodeestudos preparado por clérigos muçulmanos, em sociedade com o ConselhoSupremo de Assuntos Islâmicos (Supreme Council on Islamic Affairs,scia)sediadonoCairo.Deacordocomodr.MahmoudShawarbi,oscia tambémfoiamplamente responsável por subsidiar as despesas de Malcolm no OrienteMédio, na África e na Europa durante a segunda viagem.1 Além disso, ele semanteveemfrequentecomunicaçãocomaLigaMuçulmanaMundial(Rabitatal-Alamal-Islami),deMeca, fundadanaArábiaSauditaem1962paradisseminarareligião e contrapor-se às ameaças representadas pelo comunismo.Aobuscaroreconhecimento dessas organizações, Malcolm esperava destruir o acesso danoiao mundo muçulmano ortodoxo, bem como elevar sua posição pessoal delídermuçulmanodemaiordestaquenosEstadosUnidos.Omais importante de tudo paraMalcolm era que aquela foi também uma

viagem de autodescoberta. Como ministro danoi, ele pregara uma teologiafundada no ódio. Só agora, quando sua separação da Nação do Islã seconsolidava, sentiu uma urgente necessidade de reexaminar a vida. Semantivesse as camisas brancas engomadas, as gravatas-borboletas, os ternosescuros,dequeformacomunicariaagorasuanovaidentidade?MalcolmchegouaoCairodepoisdameia-noitede12de julhoehospedou-se

de início no Hotel Semiramis. Nos dias seguintes, enquanto aguardavaautorização para assistir à conferência daoua como observador, ocupou seutempoinstalando-seefazendocontatocomoslíderesmaisimportantes.Nanoitedodiaseguinteàsuachegada,entrouemcontatocomodr.Shawarbi,queestavatãoansiosopara terumaconversapolíticaqueele e seuentourage, constituídona maioria por afro-americanos, foram para o saguão do hotel, ondeconversaramatéastrêsdamadrugada.2Malcolmreuniu-setambémcommuitosdignitários, incluindo o líder político do Quênia Tom Mboya, assim comoHassan Sabn al-Kholy, diretor do Escritório de Assuntos Gerais de Nasser,3 ejantou com Shirley GrahamDu Bois, que conhecera anteriormente emGana.4

Visitou ainda aUniversidade doCairo, as pirâmides e outros lugares (comumcinegrafista da abc a tiracolo), e deu entrevistas para oObserver de Londres eparaaagênciadenotíciasupi.

Na conferência, ele imediatamente começou a distribuir um memorandoconvocando os países africanos recém-independentes a condenarem os EstadosUnidos por violação de direitos humanos dos negros. “O racismo dos EstadosUnidos é omesmo da África do Sul”, afirmou. Pediu aos líderes africanos queadotassem políticas pan-africanistas endossando as lutas dos afro-americanos.“Rezamosparaquenossosirmãosafricanos”nãotenhamescapadodadominaçãodaEuropa,observouMalcolm,issoparanãosetornaremvítimasdo“dolarismoamericano”.5

No fim, Malcolm não convenceu, e não por qualquer grande falha deargumento ou refluxo de paixão; sua retórica simplesmente foi incapaz detriunfar sobre a fria lógica da política internacional.Nomundo político bipolardos anos 1960, apoiar uma resolução formal que condenasse severamente osEstadosUnidosporviolaçãodedireitoshumanosemseupróprioterritórioseriainterpretado pelo governo americano como um ato de parceria com a UniãoSoviética ou com a China comunista. Aoua aprovou uma morna resoluçãoaplaudindo a adoção de leis de direitos civis, embora criticando a falta deprogresso racial.6 Pelo fim de julho, as análises da imprensa sobre a reuniãotinhamchegadoaosEstadosUnidos,ondeaopiniãogeraleraqueMalcolmtinhafracassado.7MashouveumaanálisefavorávelnoNewYorkTimes,deautoriadeM.S.Handler;depoisdeexaminarasoitopáginasdomemorandodeMalcolm,funcionários do governo americano disseram que, se Malcolm tivesse“conseguido convencerpelomenosumgovernoafricano a fazer a acusaçãonasNaçõesUnidas, oGoverno dos EstadosUnidos estaria diante de umproblemadelicado”. Os Estados Unidos poderiam ser incluídos na mesma categoria daÁfricadoSulcomovioladoresdedireitoshumanos.8

Quando a conferência terminou,Malcolm fez uma pausa para decidir o quefazer em seguida. A recusa dos governos africanos a apoiá-lo só poderia sersuperada, ele deve ter pensado, se visitasse os países mais importantes parapedir apoio.Cuidarpreviamenteda logísticadaviageme falar comdezenasdecontatoslocaisnaÁfricalevariapelomenosummês.Alistaeralonga,incluindo:emGana,Maya Angelou, o editor doGhanaianTimes T.D. Baffoe, o escritorJulian Mayfield, e Alice Windom, recentemente nomeada assistenteadministrativa da Comissão Econômica daonu para a África; na Nigéria, oacadêmicoE.U.Essien-Udom;naArábiaSaudita,opríncipeFaisal,MuhammadAbdulAzzizMaged,ministrodePlanejamentoEconômicoeRelaçõesExteriores;

e em Paris, Alioune Diop, publisher e editor dePrésence Africaine, o maisdestacado periódico de cultura negra francófona. E era preciso ainda cuidar deacomodaçõeseviagens.EmcartaaBettydatadade4deagosto,quecomeçavacom“Minhaquerida

esposa”, Malcolm instruiu-a a pedir a Lynne Shifflett que cooperasse com oprocurador Clarence Jones e outros para submeter as questões raciais àonu.Deu a entender que provavelmente voltaria para os Estados Unidos emsetembro.PediuaindaaBettyparadizeraCharlesKenyattaqueelereconheciaasdificuldadesde ficar tantotemponoexterior,mas“osganhoscompensamosriscos”.9

ElequeriausarorestodotemponoCairoparareexaminarsua identidadeesuas práticas comomuçulmano e pessoa de ascendência africana.Durante seusdoze anos na Nação, obedecendo às rigorosas instruções dietéticas deMuhammad, ele só comia uma refeição por dia, sobrevivendo à base deincontáveisxícarasdecafé.Eseessasregrasqueregemavidaeocorpodecadaum, perguntava-se agora, fossem derrubadas, abrandadas? A mescla única deculturas árabe, islâmica e africana do Egito criou também um ambientemuitodiferenteemrelaçãoaodosEstadosUnidos.Reuniõesanunciadasparaasseisdatardesócomeçavamumahoraemeiadepois,ouaindamaistarde;muitagentecostumava tirar um cochilo ao meio-dia e jantar tarde. A vida social e a vidapúblicatinhamumritmopróprio,maislento.As anotações do diário de viagem de Malcolm revelam que em algumas

semanas ele sofreu umametamorfose cultural. Por exemplo, passou a almoçartodos os dias, quebra radical da ortodoxia danoi. Começou também a tirarcochilosnomeiododia,geralmenteentreasduaseascincodatarde,eajantarcomcontatoseamigoslocaisàsnovedanoite,oudepois,voltandoparaohotelapósameia-noite.Guardouascamisasengomadasecomproutúnicasecalçasdeestilo árabe e africano, o que realçava sua aparência de pan-africanista emuçulmano.Eaproveitouaoportunidadeparamergulharnacultura,assistindoamuitosfilmesepeças—consideradosmaldiçõesparaanoi10— incluindoTheSuezandtheRevolution [OcanaldeSuezea revolução],aoar livre.11 Issonãoquer dizer queMalcolm tenha se retirado da atividade política; pelo contrário,apesardamudançadehábitos,continuouextremamenteocupado—escrevendoensaios para a imprensa egípcia; dando entrevistas para jornais, redes detelevisão e agências de notícias internacionais; monitorando as atividades da

oaau e dammi e transmitindo ordens; reunindo-se com educadores, líderespolíticoserepresentantesdegovernosafricanoseárabes;eestudandooAlcorão.Encontrava-se frequentemente com o filho mais novo de Elijah Muhammad,Akbar,queestavamatriculadonaUniversidadeAl-AzhardoCairoeacabaradesedemitirdaNaçãodoIslãporcausadarecusadopaiaresponderàsacusaçõesde imoralidade.12 O que havia de novidade em sua vida, entretanto, era aliberdade que se dava — a rápida viagem a Alexandria para ver o aquário,digamos,ouafarraturísticanaBarragemdeAssuãeemLuxornofimdeagosto.A presença pública de Malcolm na conferência daoua também provocou

exame cuidadoso nos EstadosUnidos. Exemplo disso foi uma coluna deVictorRiesel,noLosAngelesTimes,comotítuloprovocativode“IntrigasafricanasdeMalcolm X”. Riesel, que dizia ter assistido à conferência do Cairo comoobservador, afirmava queMalcolm não esteve lá: “Ele preparou uma série deprovocantesdocumentoscontraosEstadosUnidosaqui...[dandoaimpressão]deque assistiu à conferência. Isso é bobagem. Não passou nem perto. Não foicredenciado”. Riesel acreditava que Malcolm estivesse mancomunado com oscomunistas chineses, cujas “transmissões dão-lhe destaque e à sua seitadissidente”. Também tinha observado Malcolm jantando com Shirley GrahamDuBois,aquemacusavadeser“hámuitotempoativanoscírculoscomunistasmundiais”. Anticomunista ferrenho, Riesel provavelmente redigiu sua colunacombaseeminformaçõesobtidasdiretamentedavigilânciadeMalcolm,dequesomenteaciapoderiadispor.PintouMalcolmcomoumaameaçaaindamaioràsegurançanacionaldoquequandopertenciaàNaçãodoIslã.“Cruzeiseuspassosemdiversascidades—especialmenteemIbadan,naNigéria,ondefezdiscursostão incendiários contra os Estados Unidos que só poderiam ser impressos emamianto.”13

UmpontoaltoparaMalcolmdurante suaestadanoEgito foia recepçãoemsuahomenagem,oferecidapeloConselhoSupremodeAssuntosIslâmicos,nodia2 de agosto, em Alexandria. Mais de oitocentos estudantes muçulmanos,representando 93 países, estavam presentes quando ascia anunciou a outorgade vinte bolsas de estudos naUniversidade deAl-Azhar para a organização deMalcolm. Malcolm ficou emocionado, e escreveu para Betty dizendo que oevento foi “amelhor emais cálida recepçãoque tivena vida”.O fato deElijahMuhammadsótersidocapazdemandarumafro-americanoparaestudaremAl-Azhar—ofilhoAkbar—enquantoammilogodespachariavinteestudantespara

se matricularem era, certamente, uma “bênção maravilhosa”.14 Um maumomento veio dias depois, em 6 de agosto, quando num restaurante deAlexandria ele comeu um prato exótico chamado “espanhol”. À meia-noite,estava vomitando, com diarreia e acessos de cólica. Em seu diário, reconheceusentir-se “tão miserável que achei que fosse mesmo morrer”. De manhã,finalmente, um médico lhe aplicou uma dolorosa injeção e deu umas pílulas,mas,comoparaprovarsuaindestrutibilidade,elenãoencurtouaprogramação.15

Semanas depois chegou a suspeitar que talvez tivesse sido envenenadodeliberadamente.NasegundasemanadeagostoavidadeMalcolmcomeçouaentrarnarotina.

Isso incluíaviagensàantigacidadeportuáriadeAlexandria,queexercia fascínioespecial sobre ele. Gostava de tomar o trem lá, comer em seus restaurantes efazercontatoscomacadêmicoselídereslocais.Em 11 de agosto ele comeu melancia sossegadamente no restaurante do

HiltoncomDavidDuBois,filhodeShirley.DuBoisentrevistouMalcolmparaoEgyptian Gazette, juntamente com outra longa entrevista para um diferenterepórter doGazette, e ele só voltou para casa à meia-noite. No dia seguinte,MalcolmcomeçouaescreverumartigoparaoGazette.Na tarde de 15 de agosto, Malcolm teve um encontro com o xeque Akbar

Hassan, reitor daUniversidadeAl-Azhar.O xequeHassan entregou aMalcolmum certificado concedendo-lhe autoridade para ensinar o Islã. Logo, MalcolmdescobririaoqueaamizadecomogovernoNasserpoderiasignificar,quandofoitransferido,comohóspededeEstado,paraumaluxuosasuítenoHotelShepherd.Impressionado,Malcolmdeclarouemseudiário:“Aládefatomeabençoou”.16

Em19deagosto,MalcolmpassoupartedodiavisitandooMuseuEgípcioe,maisumavez,aspirâmides,mastambémdiscutiuasituaçãopolíticanosEstadosUnidoseaoaaucomoscontatoslocaisNasiral-DineKalidMahmoud.Malcolmteve outro encontro com David Du Bois. Em 21 de agosto, divulgou umadeclaração à imprensa nonomedaoaau sumarizandoa recente conferênciadaoua.17

Primeiro, a plateia que queria atingir era, como ele mesmo disse, “oelemento bem-intencionado do público americano”. Repetindo KwameNkrumah, exigiu um pan-africanismo continental, um tipo de federação quepudesseunirtodosospaíses.ElogiouopapeldopresidenteNasserporlançarasbasesdosEstadosUnidosdaÁfrica, e ficou impressionadocomoempenhodas

delegaçõesafricanasemderrubaroregimedoapartheidnaÁfricadoSul,ecomas guerrilhas africanas que combatiamo colonialismo europeu empaíses comoAngola e Moçambique. Também reconheceu que muitos participantes daconferência “achavam que Israel nada mais era do que uma base, na pontanordeste do continente, para a forma de ‘colonialismo benevolente’ do séculoxx”.18

Mas o mais interessante da declaração foram as justificativas que Malcolmapresentouparaestarnaconferência,easconexõesquetraçouentreumaÁfricaunida e os interesses dos americanos negros. “Minha vinda à Conferência deCúpula não foi inútil, como certos elementos da imprensa americana tentaram‘sugerir’, mas, em vez disso... mostrou-se muito proveitosa.” Ele deu ênfaseespecial à solidariedade política que os delegados africanos lhe demonstraram:“Nãoencontreinenhumaportafechada”.19

O artigo deMalcolm para oEgyptianGazette, “Racismo: o câncer que estádestruindo os Estados Unidos”, foi devidamente publicado, para sua grandesatisfação. “Não sou racista”, começava o ensaio, “e não aprovo nenhum dosprincípios do racismo... Minha peregrinação religiosa a Meca trouxe-me umanova visão da verdadeira fraternidade do Islã, que abrange todas as raças dahumanidade.” Prosseguindo, distanciou-se pessoalmente de qualquer programanacionalista negro, insistindo em que todos os negros almejavam as mesmasmetas. “O objetivo comum de 200 milhões de afro-americanos é respeito edireitoshumanos. Não teremos direitos civis nos Estados Unidos enquantonossosdireitos humanos não forem restaurados.” Também caracterizou asdiferençasentreorganizaçõesdedireitosciviscomomerasquestõesde“métodospara atingir esses objetivos comuns” e usou um argumento apresentado anosantes por Frantz Fanon sobre o impacto psicológico destruidor do racismonosoprimidos:“Arecusaareconhecerosdireitoshumanoscastrapsicologicamenteavítimaeatornaescravamentalepsicológicadosistema...”.20

De26a29deagosto,ele foinovamenteumturistaávido,visitandoAssuãeLuxor de avião e passando anoitenestaúltima, comalgumapompa, noHotelNewWinter Palace, antes de seguir para o túmulo de Tutancâmon e outrostemplos antigos no Vale dos Reis.21 Foi numa visita aos pontos turísticos deLuxorqueMalcolmmanifestouoreceio,emseudiário,detalvezter“exageradonamão”ficandotantotemponoexterior.De volta aoCairo, recebeu uma carta deReuben Francis informando que a

Mesquita Muçulmana tinha sido admitida na Federação Islâmica dos EstadosUnidos e do Canadá, e que Malcolm também fora nomeado para o conselhoadministrativo da federação, dois importantes selos de legitimidade.22 Ammiestava em condição de funcionar como conduto de ajuda financeira árabe e,indiretamente,deapoiopolíticoparaosafro-americanos.Asaçõesda federaçãoteriamoefeitodeisolaraNaçãodoIslã,tornandodifícilparaElijahMuhammaddesenvolvergrandesiniciativasnomundomuçulmanoortodoxo,oumandar-lhedelegações. Esse êxito talvez tenha também decidido para os líderes danoiodestinodeMalcolm.Masocorreiotambémlhetrouxenotícias incômodas.Em1ºdesetembro,o

juizMauriceWahlemitiraumaordememfavordaNaçãodoIslãsobreacasadeMalcolm;eleeafamíliareceberamordemparadesocuparacasadoQueensaté31de janeirode 1965.23 Enquanto isso, o secretáriode Justiça interinoNicholasKatzenbach escreveu para J. EdgarHoover sugerindo que ofbi investigasse sedurante a estada no Cairo Malcolm violara a Lei Logan, que tornava ilegalcidadãos fazeremacordosnãoautorizadoscomgovernosestrangeiros.24AcartadeKatzenbachmostraquetantoofbicomoaciaestavammonitorandoMalcolmna África. Omais notável era a dimensãoDavi e Golias da situação.Malcolmdispunha de poucos recursos e viajava sem guarda-costas,mas o secretário deJustiça e o diretor dofbi tinham tanto medo do que ele, sozinho, pudesseconseguirqueprocuravamqualquermotivoplausívelparaprendê-loeprocessá-loassimquevoltasseparaosEstadosUnidos.Comoiníciodooutono,aproximava-seaeleiçãoparapresidentedosEstados

Unidosem1964,eopresidenteJohnsoneoPartidoDemocratatentavamganharoapoiodomovimentodedireitos civis,na esperançade conquistarovotodosnegros.EnquantoobservavadaÁfrica,Malcolmtalveztenha levadoemcontaaeleiçãoaodecidirpermanecerforadopaísaténovembro.Quasesozinhoentreoslíderesnegrosmaisimportantes,elecontinuouaapoiarBarryGoldwatercomoocandidatomais apto para cuidar dos interesses dos negros.Mas a oposição deGoldwater àLei dosDireitosCivis fazia dele, a rigor, o candidatodos brancossulistasqueacreditavamnasupremaciaracial,eaesmagadoramaioriadosafro-americanosadotouoPartidoDemocrata.MartinLutherKingeoutroslíderesdedireitos civis da corrente dominante tinham até decidido respeitar umamoratória nas manifestações durante o outono para ajudar Johnson a vencer.Malcolm deve ter reconhecido que seus argumentos a favor de Goldwater

convenceriampoucagente.Melhorseriaevitarodebateenãocriticaroslíderesdedireitoscivis.AssemanasextrasnoexteriordariamaMalcolmoportunidadeaindamaiordefazercontatocomaselitespolíticasafricanas.Quando na noite de 11 de setembro centenas de estudantes da Associação

AfricananoCairosereuniramparaprotestarcontraaintervençãoamericananoCongo, Malcolm falou-lhes com prazer. Mais tarde, ainda naquela noite,telefonouparaBetty: “Vai tudobem, incluindo67X”, escreveuele a respeitodaconversa,“e isso levantoumeusânimosabatidos”.Quatrodiasdepois, teveumencontrocomShawarbi,quelheinformouque,emsuapróximavisitaaoKuwait,ele seria hóspede do governador local.25No começo de setembro,Malcolm fezumaviagemdedoisdiasaGaza,reunindo-secomváriasautoridadesevisitandocampos de refugiados palestinos perto da fronteira de Israel. Orou namasjid,acompanhadodelíderesreligiosos,antesdeconcederumaentrevistacoletivanoedifício do Parlamento de Gaza.26 A Nação tinha admirado o Estado de Israelcomoexpressãoconcretado sionismo judaico; apartirdeentão,MalcolmveriaIsraelcomorepresentanteneocolonialdoimperialismoamericano.Malcolm tambémesteve presente emuma entrevista coletiva deAhmed al-

Shukairy,oprimeiropresidentedaOrganizaçãoparaaLibertaçãodaPalestina.Depois da conferência, os dois tiveram um conversa particular.27 O encontroofereceu o contexto para o polêmico ensaio de Malcolm noEgyptian Gazette,“Lógica sionista”, no qual denunciava o sionismo israelense como “uma novaformadecolonialismo”destinadaa“enganarasmassasafricanas,levando-asasesubmeteremvoluntariamenteà suaautoridadeeorientação ‘divinas’”.Malcolmnotouqueogoverno israelense fizerauma sériedeacenos “benevolentes”parapaísesafricanos,“comsimpáticasofertasdeajudaeconômicaeoutrospresentestentadores, que ele expõe sedutoramente diante dos países africanos recém-independentes, cujas economias passam por grandes dificuldades”. Essacombinação de imperialismo americano e interferência israelense em assuntosafricanos constituía o “dolarismo sionista” que tinha levado à ocupação daPalestina árabe, um ato de agressão para o qual não existia “qualquer baseinteligenteoulegalnahistória—nemsequernareligiãodelespróprios”.28

A recém-descoberta hostilidade deMalcolm contra Israel deve ser explicadanãoapenasporsuasobrigaçõesparacomNasser,mastambémpelasmudançasde corrente dentro de determinado país africano. Nos anos 1950, sob ainfluência anticomunista do pan-africanista George Padmore, a recém-

independente Gana tinha sido hostil à União Soviética e simpática a Israel.Padmoremorreu em1959, e pela alturade 1962Gana examinava seriamente apossibilidadedetornar-seclientedoestadosoviético,seguindoomodelocubano.O comércio entre o Egito, aliado soviético, e Gana quase dobrou entre 1961 e1962, eMkrumah demonstrou solidariedade aNasser anunciando seu plano deestabelecerum“estadoseparadoparaosrefugiadosdaPalestina”.29A teseanti-israelensedeMalcolmrefletiaosinteressesdessesdoisaliados.Essavisãocalculistarefletiaadifícilsituaçãoemqueeletentavaequilibrar-se

durante o tempo que passou no Oriente Médio. O governo secular do Egitoadotava posição vigorosamente em desacordo com grupos como IrmandadeMuçulmana, que se envolvera no complô paramatarNasser em 1954 e depoisforaexpulsodopaís.Malcolm,emdívidacomambososlados,nãopodiasedaraoluxodetomarposiçõesquepudessemofenderqualquerumdeles.DuranteaestadanoCairo, seusestudos islâmicos foramdirigidospeloxequeMuhammadSurur al-Sabban, secretário-geral da Liga Muçulmana Mundial. Esse grupo foifinanciadopelogovernosauditaerefletiaopiniõespolíticasconservadoras,eporisso Malcolm teve de usar de considerável tato e discernimento político.30

Simultaneamente, também se correspondia como dr. SaidRamadan, genro deHassan al-Banna, fundador da Irmandade Muçulmana. Expulso do Egito,Ramadan também fundou a Liga Islâmica Mundial e em 1961 estabeleceu oCentro Islâmico na Suíça. Ao longo de toda a correspondência,Malcolm nuncadeixoudepressionarRamadanacercadotemaraça-Islã.Acertaaltura,Ramadanlhe fezumapelo: “Comoéqueumhomemcomumespírito comoo seu, comum intelectocomoo seu, comumaperspectivaglobal comoa suaé incapazdevernoIslã...umamensagemqueconfirma...aunidadeetnológicaea igualdadede todas as raças, fulminandocom isso aprópria raizdadiscriminação racial?”.Malcolm respondeu que, independentemente do universalismo do Islã, eraobrigado a lutar em nome dos afro-americanos. “Como americano negro”,explicou, “sinto que minha primeira responsabilidade é para com meus 22milhões de compatriotas negros.”31 O diálogo cordial mostra o interesse cadavezmaiordeMalcolmpelapolíticabaseadana féda IrmandadeMuçulmana—interesseque,sabia,precisavaesconderdogovernoNasser.Em16de setembro,MalcolmvoltouàUniversidadeAl-Azhar,onderecebeu

um certificado que estabelecia suas credenciais demuçulmanoortodoxo. Posouparafotografiase,maistarde,comemoroucomShawarbieoutrosamigos.32Ao

partir para Jidá dois dias depois, ficou emocionado com as “comoventesdespedidas” e a generosidade dos amigos árabes,mas aproveitou parameditarsobre o ponto crucial de um conselho dado por um amigo: “A importância denãoserdesviadodocaminhoporbrigasdesnecessáriascomElijahMuhammad”.Em 21 de setembro, o príncipe Faisal designou Malcolm visitante oficial daArábia Saudita, status que cobria todas as despesas locais e punha à suadisposiçãoumcarrocommotorista.33

NumencontrocomSeyyidOmarel-Saghaf,ovice-ministrodoDepartamentode Relações Exteriores da Arábia Saudita, Malcolm apresentou sua proposta esolicitação de fundos para estabelecer umamesquita ou um centro islâmico noHarlem,paradifundiroIslãortodoxo.34Em22desetembro,escrevendoparaM.S. Handler, Malcolm elogiou a “atmosfera sossegada, sadia e fortementeespiritual” daArábia Saudita, lugaronde “opensamentoobjetivo” erapossível.SobaNaçãodoIslã,“vividentrodosestreitoslimitesdeum‘mundoemcamisade força’... Eu representava e defendia [Elijah Muhammad] além do nível dointelecto e da razão”. Jurou que “jamais descansaria enquanto não desfizesse omalquefizatantosnegrosinocentes”,eafirmouqueagoraera“ummuçulmanono sentidomais ortodoxo;minha religião é o Islã comoobservado e praticadopelosmuçulmanosnaCidadeSantadeMeca”.35

Suasnovasmetaspolíticas,prosseguiuele,estavamfirmemente inseridasnacorrentepredominantedomovimentodedireitoscivis.“Nãosouantiamericano,contrárioàscaracterísticaseaosinteressesamericanos,sediciosoousubversivo.Nãoacreditonapropagandaanticapitalistadoscomunistas,nemnapropagandaanticomunista dos capitalistas.” Esforçava-se agora para estabelecer para simesmo uma posição relativamente objetiva de não alinhamento terceiro-mundista. Diferentemente de seus endossos anteriores do socialismo emdetrimento do capitalismo, nesses comentários paraHandler ele parecia recuarparaumafilosofiaeconômicamaispragmática.“Souafavordequalquerumedequalquer coisa que beneficie a humanidade (os seres humanos) inteira, sejacapitalista, comunista ou socialista, porque todos têm suas vantagens edesvantagens...”Então,numtrechonotável,parecerepudiarnãosóahistóriadeYacub,masoconceito fascistoidedequetodososnegros,comonegros, tinhamde exibir certos traços culturais ou aderir a conjuntos de crenças rígidas paraconfirmarsuaidentidaderacial:

Sou um muçulmano que acredita, do fundo do coração, que só Alá é Deus e que Muhammad ibn

Abdullah... é oÚltimoMensageiro de Alá—mas alguns demeus amigosmais queridos são cristãos,

judeus, budistas, hindus, agnósticos e até ateus — alguns são capitalistas, socialistas, conservadores,

extremistas...algunssãoaté“PaiTomás”—algunssãonegros,marrons,vermelhos,amarelosealguns

até brancos. Todos esses ingredientes (características) religiosos, políticos, econômicos, psicológicos e

raciaissãonecessáriosparaformarumaFamíliaHumanaeumaSociedadeHumanacompleta.36

Numa segunda carta paraHandler, datada do dia seguinte, ele criticou sua

crença anterior em Elijah Muhammad “como líder divino sem defeitoshumanos”. A carta foi motivada, porém, pela notícia de que Surur al-SabbannomearaMalcolm representante daLiga IslâmicaMundial nosEstadosUnidos,comautoridadeparainaugurarumcentrooficialnacidadedeNovaYork.AligaofereceuquinzebolsasparamuçulmanosamericanosestudaremnaUniversidadeIslâmica de Madihah (Medina). Esse presente, combinado com as vinte bolsasoferecidas no Cairo, dava a Malcolm 35 bolsas de estudo plenamentefinanciadas.37

Naúltimasemanadesetembroelevoltouàrotinamovimentada.DepoisdeumabreveescalanoKuwait,ondetentousemêxitoobterapoiofinanceiroparaammi do secretário doExterior,Malcolmviajou a Beirute em 29 de setembro.38

FoirecebidonoaeroportolibanêsporumlíderestudantilchamadoAzizaheporcercadedezestudantes americanosbrancos, queo informaramqueo reitordaUniversidadeAmericana lhe dera permissão para falar numa das salas de aula.Malcolm, Azizah e outros estudantes almoçaram no apartamento de umaexpatriada americana, a sra. Brown. Uma das estudantes brancas presentes,MarianFayeNovak,reconstituiuobreveencontrocomele,eoqueficaóbviodeseurelatoéquemesmoos simpatizantesdacausadeMalcolmaindaviamneleas políticas da Nação do Islã, mais do que as novas crenças. Outra estudantebranca,Sara,disse:“Achoquevocêestáabsolutamentecerto,Malcolm...quandoacusa o branco de ter o diabo dentro de si”. Incomodada com a observação,Novak respondeu, na defensiva: “Não escolhi esta pele, mas é a única quetenho”.Saraapressou-seapedirdesculpas,segundoNovak,“nãoporela,eseusantepassados em particular, mas por mim e pelos meus, também, enquantoMalcolmbalançavaacabeçaesorria”.NovakestereotipaarespostadeMalcolm,emboraelenãotenhaditoumapalavraduranteaconversa.39

Apesar de o grupo dispor de poucas horas para anunciar o discurso de

Malcolmaquela tarde,osestudantesdaUniversidadeAmericananãosehaviamesquecido de sua espetacular apresentação como orador no começo do ano, euma multidão compareceu.40 No fim daquele dia, Malcolm tomou o avião deBeiruteparaCartum,edeláseguiuànoiteparaAdisAbeba,chegandoem30desetembro. O grande evento em Adis Abeba foi uma palestra para mais dequinhentosestudanteseprofessoresnogrêmioestudantildaFaculdadeem2deoutubro, notável pela riqueza de detalhes que produziu para o relatório dofbisobreoevento.Ofbi(eacia)nãopoupouesforçospararastrearMalcolmdepoisde sua partida do Cairo, e parece tê-lo seguido de perto pela maior parte dotempo que permaneceu no exterior. O relatório de inteligência de Adis Abebasugereque“outroobjetivodavisitadeMalcolmfoipermitircontatodiretoentreosnegrosdosEstadosUnidoseaÁfrica”.41

Em5 de outubro,Malcolmvoou paraNairóbi, e depois de tirar um tempolivreparavisitarumparquenacional, entrouemcontatocomovice-presidenteOginga Odinga e marcou um encontro para três dias depois. Quando seencontraram, Odinga foi “polido, alerta e solidário”, e Malcolm em seguidarecebeu um convite para falar no parlamento queniano em 15 de outubro.42

Nesseínterim,decidiuvisitarZanzibareTanzânia,naesperançadeconsolidarasrelações políticas pan-africanas com líderes tanzanianos que conhecera naconferência do Cairo. O mais destacado dos que ele esperava encontrar eraAbdulrahman Muhammad Babu, revolucionário marxista de Zanzibar que em1964 tinha ajudado a arquitetar a revolução social desse país insular e asubsequentefusãocomaentãoTanganica.43

Durante vários dias, Malcolm conheceu expatriados afro-americanos quemoravamemDaresSalaam,capitaldaTanzânia,econcedeuváriasentrevistasaosmeios de comunicação. Teve um encontro com oministro Babu em 12 deoutubro, embora o ponto alto da excursão à Tanzânia tenha sido um breveencontro com o presidente Julius K. Nyerere no dia seguinte. Como KwameNkrumah,Nyereresubiraaopodernaondadelevantescoloniaisquevarrerama África no fim dos anos 1950 e começo dos anos 1960, e, diferentemente demuitos líderes que caíam tão rápido quanto surgiam durante aqueles anostumultuosos,elecontinuariamuitopopular,enopoder,até1985.Acompanhadode Babu, Malcolm fez uma avaliação do homem chamado pelos cidadãos demwalimi,ouprofessor.Éum“homemmuitoastuto, inteligente,charmoso,querimuitoecontamuitapiada(masmortalmentesério)”.44

Enquanto as viagens de Malcolm o levavam a altos círculos de poder dapolíticaafricana,elepareciaencontrarfigurasimportantesparaondequerquesevirasse. E, à medida que sua presença em Dar es Salaam se tornava maisconhecida, a agenda ficava mais lotada. Em 14 de outubro, ele visitou aembaixada de Cuba para conversar com o embaixador, que era afro-cubano.Aquela noite,Malcolm foi o convidado de honra num jantar que incluía váriostanzanianosimportantes.ProtelouavoltaparaNairóbiporváriosdias,equandotomou o avião poucos dias depois descobriu que tinha como companheiros deviagemtantoopresidentedoQuênia,JomoKenyatta,comooprimeiro-ministrodeUganda,MiltonObote.Duranteovoo,queparouprimeiroemMombaça,umdos ministros quenianos informou ao presidente quem era Malcolm, sendoconvidadoemseguidaasentar-senumapoltronaentreosdoislíderes.Chegandotarde em Mombaça, Kenyatta resolveu passar a noite ali, mas MalcolmcontinuouafalarcomOboteduranteovooparaNairóbi.Depoisdepassarpelaalfândega queniana, TomMboya, o segundo políticomais poderoso, depois deKenyatta, foi buscar Malcolm “e me pôs de volta no meio dos convidadosespeciais”.45

Durante sua estada no Quênia, rostos famosos se misturavam a rostosfamiliares.Namanhã de domingo, 18 de outubro,Malcolm esbarrou comdoislíderes dosncc, o diretor JohnLewis eDonHarris, que iamparaZâmbia.Aolongododia,umconviteformalfoientreguenohoteldeMalcolm,emnomedeMboya, solicitando sua presença aquela noite na première de gala de UhuruFilms (“uhuru” é uma palavra suaíli que significa “liberdade”). Malcolmcompareceu à cerimônia, e no intervalo teve a satisfação de conversar comMboya e amulher.Malcolm descreveuMboya, que também seria assassinado,comoapersonificaçãodo “movimentoperpétuo”.Aovoltar tardeparaohotel,MalcolmfaloucomDonHarrisdosnccsobre“cooperaçãofutura”.46

Em20deoutubro,MboyaeamulherforambuscarMalcolmnohoteledeláseguiram de carro para um encontro com o presidente Kenyatta. Levado paraassistir aumdesfilenumpalanque,ele saboreouoconvíviocomosconvidadosespeciais, que se sentaram com o presidente para tomar chá e café. Malcolmsentou-sepertode Jane, filhadeKenyatta, comquemcontinuouaconversarnohotel,oEquatorInn.Naquelatarde,Malcolmalmoçoucomasra.Mboya,comafamília do presidente e com um chefe de polícia branco. “Tomei vinho narefeição”, admitiu Malcolm no diário. Depois do almoço, Malcolm ouviu o

discurso de Kenyatta, no qual o presidente assumiu ousadamente “totalresponsabilidade pela organização da Mau Mau”, a revolta indígena contra odomíniobritâniconoQuêniadosanos1950.47Acadapasso,Malcolmeratratadocomoumdignitárioemvisita,eodestaquequeganhouaolongodeváriosdiasem cerimônias sociais e públicas deve ter deixado atônitos a cia e ofbi. OfbipassaraanostentandosepararMalcolmdeElijahMuhammad,naexpectativadeque o cisma danoienfraquecesse a organização e desabonasse seus líderes.DepoisdosupostofracassonaconferênciadoCairo,Malcolmdeveriaterperdidoforça.MasacadaparadadoseuitinerárioofbirecebianovosrelatóriossobreoamplocalendáriosocialdeMalcolmesuacrescentecredibilidadeentreoschefesde Estado africanos. Seu perfil na mídia também não parava de crescer. Oescritório dofbi em Nova York informou ao diretor que quando estava emNairóbi Malcolm “aparecia com destaque em atividades sociais”. Em 21 deoutubro, Malcolm foi entrevistado na tv local, e explicou que em todas asoportunidadesque surgiram—emDar es Salaam,Nairóbi eoutras cidades—ele insistira com líderes “para condenar, por racismo, os Estados Unidos nasNaçõesUnidas”.48

Sua popularidade obrigou o governo americano a intensificar esforços.Malcolmveio a saber depois que a embaixada dosEstadosUnidos emNairóbiprocurouosafro-americanosqueviviamnacidadeeosaconselhoua ficar longedele.Umafesta tevedesercancelada,enquantoaembaixada faziapressãoparadesacreditá-lo. Àquela altura, as autoridades americanas sabiam tudo sobre arevelação espiritual deMalcolm emMeca, seu rompimento com aNação e atéseus acenos para omovimento de direitos civis.Mas nem oDepartamento deEstado nem as agências de inteligência tinham intenção de contar a “verdade”sobreMalcolm.49

Apesardaoposiçãoveladadaembaixadaamericana,Malcolmobteveumdosseus maiores triunfos em 15 de outubro, quando discursou no parlamento doQuênia. Depois de sua fala, o parlamento propôs, e aprovou, o que Malcolmdescreveucomo“umaresoluçãodeapoioànossalutapelosdireitoshumanos”.50

Seu plano, incubado depois da derrota noCairo, finalmente dera resultados.Ofato de um Estado soberano da África endossar sua formulação de direitoshumanosfoiumtremendoavançopolítico.Aresoluçãoprovocouresposta imediatadasautoridadesamericanas.Dentro

de poucas horas, Malcolm reuniu-se com o embaixador americano e vários

assessores,queo submeterama intenso interrogatório sobre suas relaçõescomautoridadesquenianaseexigiramdetalhessobretodososseuscontatosrecentes.O embaixador declarou aMalcolm sem rodeios que o considerava racista,masMalcolmmantevea frieza.Expôsvigorosamentesuasposiçõeseseusobjetivos,desafiando as autoridades a mostrarem que ele tinha cometido algumailegalidade.DeNairóbi,MalcolmvoltourapidamenteaAdisAbeba,antesdepartirem28

de outubro para a Nigéria, onde o acadêmico Essien-Udom, seu amigo, lhepreparara diversas cerimônias. Malcolm chegou a Lagos dois dias depois e,quando se sentou para jantar sozinho, foi interrompido por um telefonema: asecretáriadopresidentenigerianoNnamdiAzikiwequeriamarcarumencontroprivadoentreosdoishomensnamanhãseguinte.Escrevendoposteriormentearespeito, Malcolm disse que não faltava humildade a Azikiwe, e notou que opresidentetinhaumaboacompreensãodosprincipaisprotagonistasdalutapelosdireitoscivisnosEstadosUnidos.Aindanaqueledia,Malcolmfoiaumafestadaqual participaram jornalistas, o corpo diplomático e autoridades nigerianas.“Houvemuitoexamedeconsciência”,falouelesobreadifícilsituaçãodapolíticanigeriana. Malcolm deve ter tido calafrios ao esboçar esta previsão, quelamentavelmenteseconcretizaria,comaGuerradeBiafraapoucas semanasdedistância:“Sócommuitosanguederramadoseconseguiráconsertarestepaís,enãovejocomoevitaristo”.51

Foinessaviagemqueele finalmenteentendeu, em todaa suaprofundidade,as divisões entre os africanos no período pós-independência. Em 1º denovembro, por exemplo, foi acuado por dois jovens repórteres, durante horas,que,parasuasurpresa,discordavamdoscomentáriospositivosquefizerasobreseu presidente numa cerimônia pública. O estado de espírito entre os jovensnigerianos,refletiuele,“émuitoimpacienteeexplosivo”.52

Nas24semanasentreabrilenovembrode1964,momentoemqueMalcolm

esteve foradosEstadosUnidos, seus seguidores ficaram incumbidosdemoldarsuaimagemesuamensagem.Nãodeumuitocerto,noentanto.“Malcolmsabiaque estávamos enfrentando problemas”, admitiu Herman Ferguson,posteriormente. “Havia ressentimentos [nammi] contra os membros daoaau,quenãotinhamlutadonaNaçãodoIslã.”Outrafontedeconflitoeraopapeldas

mulheres na organização. Antigos membros danoiachavam que “as mulheresdesempenhampapelsecundárioemrelaçãoaoshomens.Oshomenssãolíderes,osprotetores,osguerreiros”,observouFerguson.Malcolmtentouquebraressepatriarcalismo, insistindo em que naoaau “as mulheres [devem ter] posiçãoigual à dos homens”. Esse novo compromisso com a igualdade entre os sexosperturbava e até indignava muitos membros. “Dois irmãos me procuraram”,disse Ferguson. “Queriam que eu conversasse [com Malcolm] sobre suaspreocupações com o papel das mulheres, e dizer que muitos irmãos nãoaceitavam.”FergusondecidiunãotransmitiroapelodiretamenteaMalcolm.“Asmulheres em quem Malcolm parecia depositar muita confiança, elas eramresponsáveis,eraminstruídas.”53

Emmeadosdejunho,atensãoentreammieaoaaueventualmenteexplodiaemcombatesverbais.James67XnãofaziasegredodesuaprofundahostilidadeaShifflett. Os dois brigavam constantemente, por qualquer motivo, fosse oconteúdodoscomíciospúblicosdaoaaueosconvitesparaoradores,fossealutad aoaau para recrutar novos membros. “A Mesquita Muçulmana e aoaau...foramcadaqualparaoseulado”,explicouFerguson.“Algumaspessoasvinhamenãoerampartedammi, e ninguémdammi era parte daoaau. Portanto, haviauma distância.”54 Mesmo dentro daoaau, havia divisões entre pragmáticoscomoShifflett,quequeriamqueaoaausejuntasseaautoridadesnegraseleitasea grupos de direitos civis, e gente como Ferguson, que se consideravarevolucionárionacionalistaepan-africanista.Oquesedesenvolveufoiumnúcleo“de pessoas dedicadas” que realizavam amaior parte do trabalho sem recebersalário,eagrandemaioriadosmembrosdaoaau,quesóaparecianoscomícios.Como resultado, pelo fimde julho alguns comitês daoaau criadosummês

antescomeçaramadesmoronar.OativistadaCarolinadoSulJamesCampbelleFergusonestabeleceramaEscoladaLibertação,quedavaaulaseatraiumaisdedez alunos. Peter Bailey lançou o boletim daoaau, Blacklash, e Muriel Graychefiou um comitê cultural de artesmuito produtivo.Mas a discórdia faccionalofendeumuitagentedaoaau,quesesentiadesencorajadaedesorientadasemapresença do líder. A maioria tinha aderido sob inspiração de Malcolm, masdurante sua longa ausência membros tiveram de assumir maioresresponsabilidades. “Nós esperávamos que [Malcolm] fosse uma espécie de ímãpara atrair as pessoas”, explicou Ferguson. Centenas apareciam regularmente

para eventos daoaau, mas se recusavam a pagar a taxa de adesão de doisdólares.55 Paradoxalmente, Ferguson culpava Malcolm pelas dificuldades derecrutamento.“QuandoalguémficavaconhecidocomomembrodaorganizaçãodeMalcolm,eramuitonotado.Eramais fácil serumBlackPantherdoqueummalcolmita.”Fergusontambématribuíaosproblemasdaoaauàmmi,quecadavez dava menos assistência. “Malcolm reconhecia as limitações dos irmãos”,observou.“Ele...contavamsuavidaparaeleeelesabiadisso.”Mas,“emmatériadeconstruiredesenvolveretrazerpessoas,elestendiamaassustaraspessoas”.Numa manhã de domingo bem cedo, no escritório do Hotel Theresa, poucoantesdesuasegundaviagemaoexterior,Malcolmficou furiosoquandoviuumirmão dammi estirado numa cadeira confortável. “Você não tem nada parafazer?”, repreendeu. “Vá distribuir panfletos!” Ferguson contou o amargodesfecho da história: “O sujeito saiu e passamos semanas sem vê-lo. E quandovoltamosavê-loeleestavatodoenfaixado.Tinha idoparaometrô,oscarasdaNaçãodoIslãoatacarameeletevequeirparaohospital”.Nesseperíododifíciltrêsindivíduostiverampapelcrucial:James67XWarden

(Shabazz), Benjamin 2X Goodman (Karin) e Charles 37X Morris (Kenyatta).Todos esses companheiros íntimosdeMalcolm tinham feitoo serviçomilitar epertencidoànoi;BenjamineJameshaviamalcançadoposiçõesdeautoridadenaseita.Quandoocorreuorompimento,todospararamtudoparaseguirMalcolm,mesmo sem saber para onde ele ia. As atividades desse trio em grande partedecidiram a maneira como Malcolm foi apresentado ao público no segundosemestrede1964.Opoderde Jamesvinhaempartedo fatodesereleaúnicapessoacapazde

agirouescreveremnomedeMalcolm.“Pagavaascontas, alugavaoAudubon,[escrevia] todos os releases que ele fazia.” James até “comprava livros sobrecomo preparar entrevistas coletivas, e aconselhava Malcolm sobre como lidarcomaimprensa”.Tambémtinhaautoridadeparadespacharcartasereleasesemnome deMalcolm, os quais ele próprio redigia. Por todo esse trabalho, Jamesrecebeuumtotaldecemdólaresdurantequaseumano.Eapesardossacrifícios,Malcolmdevezemquandopunhaemdúvidasualealdade.Também ouvia poucos agradecimentos de seus colegas, que o achavam

notoriamente reservado e discutidor. Estava constantemente recebendo umatorrentedeordensdeMalcolm,mas,emborapudessefalarlivrementeemnomedo líder, raramente tinha autoridade para tomar decisões de fato importantes.

Emcertaocasião,quandoparticipavadeumareuniãodenegóciosdaoaau, ficoutão frustrado com a desorganização e a incapacidade do grupo de “resolverqualquercoisa”que se levantoue jogousuamalaSansonitecomforçaemcimade uma mesa próxima. “O irmão Malcolm me encarregou de formar estaorganização”, advertiu. “Vou sair agora com estas palavras de despedida: ouvocês organizam, oueu organizo.”Depois dessa severa reprimenda, “as coisascomeçaramaacontecer”.56

Benjamin 2X tinha mais facilidade para se insinuar. Sua função básica omantinha o tempo todo ocupado com ammi; diferentemente de James, não foiincumbido de formar aoaau, o que, para ele, tornavamais fácil desdobrar-separaajudarnoseudesenvolvimento.Em18de julho,quandoapolíciadeNovaYorkatirouemJamesPowell,o incidentequeprecipitariaarevoltadoHarlem,Benjamim falou como representante daoaau numa manifestação de protestoorganizadaàspressaspelocorenoHarlem.Apesardenãotertomadopartenostumultos,depoisdissoo interessedoDepartamentodePolíciadeNovaYorkedofbiporeleaumentouimensamente.Deacordocomagentesqueestavamnocomício, Benjamim “incitou-os declarando que os negros deveriam pegar emarmaspara seproteger equeosnegrosdeveriamestarprontosparaderramarsangue em nome da liberdade”. À procura de um culpado, especialmente comMalcolm fora do país, ofbi e o Departamento de Justiça concentraram-se emBenjamin, embora tenham acabado decidindo que não havia provas suficientesparaprendê-lo.57

Durante todooverão, James eBenjamin tentarambravamentepreencherovácuo deixado pelo líder ausente. Em 5 de julho, Benjamin falou no segundocomíciopúblicodaoaau,noAudubon;em12de julho,presidiuumcomíciodaoaau que atraiu 125 pessoas e teve como oradores convidados Percy Sutton eCharles Rangel, que pediram ao público para promover o registro eleitoral.58

Quasepor faltadeoposição, James tornou-seoenviadodeMalcolmàesquerdaamericana. Falou numa reunião na Universidade Columbia, patrocinada pelocomitê trotskista DeBerry-Shaw da campanha presidencial em 23 de julho.59

Aproximadamenteuma semanadepois, fezumapalestranoFórumTrabalhistaMilitante do Partido Socialista dos Trabalhadores em Manhattan, acusando asautoridadesdeusaremarecenterevoltanoHarlemcomopretextopara“conter”a comunidadenegra.60 Com a ausência deMalcolm se prolongando, no fim dooutono James finalmente começou a tomar grandes decisões políticas e

financeiras sem sua contribuição. No começo de agosto, quando um grupo deseguidoresquisabrirumafilialdamminaFiladélfia,eleprometeuquequaisquerfundosarrecadados localmentealipermaneceriamatéqueogrupo“conseguisseficar empé”.61 A decisão de James não só rompia o centralismo autocrático danoi,mastambémfragmentavaosrecursospotenciaisdasforçaspró-Malcolm.Enquantooverãoprosseguia,Jamesseviucomrelativamentepoucosaliados

dentro dammi porque, ironicamente, osmembros achavam que ele tinha sidoexcessivamente obsequioso com aoaau, permitindo que o grupo usurpasserecursos e espaço na sede dammi. Explicou James: “Tínhamos um espaço, e ohomem tende a ser muito cioso do seu território... E eles vieram, e queriamfazercoisasà suamaneira,ou falarcomos irmãosdeumjeitoaqueos irmãosnãoestavamacostumados”.Jamesachavaqueosmembrosdaoaausejulgavam“indivíduos intelectualmente capazes, que estavam tomando o controle dessesex-criminosos, esses... mentecaptos, e isso provocava ressentimentos”. Mas seJames era o principal alvo da sua raiva, não fora a fonte dela. Nisso, aresponsabilidaderecaíasobreopróprioMalcolmesobreasmudançasquefizeraemseuprogramadeação,porvontadeouconcessão,afimdeampliaroapelodesua mensagem. Ao separar política de religião, ele inadvertidamenteenfraquecera a autoridade política dammi. Sua determinação de desempenharumpapel importante nomovimento de direitos civis significava denunciar boaparte do seu passado, e crenças da Nação do Islã, especialmente a vigorosaênfase nas divisões de classe dentro da comunidadenegra.Mas ammi eraumapersonificação desse passado, e seus membros se ressentiam desses negros declassemédia,mais instruídos, que agora queriam se apoderar do seuministro.“ Aoaau parecia nos tratar como notícia velha”, disse James, amargamente.“‘Estamostomandoolugardeles’,nãovê?”62

O próprio modo marxista com que James encarava a comunidade negra otornava profundamente descrente da missão daoaau, sentimento esse emdesarmoniacomsuaincumbênciadeajudarogrupoadecolar.Paraele,artistasdaoaaucomoOssieDaviseRubyDee,eintelectuaiscomoJohnOliverKillens,representavam a pequena burguesia negra que Malcolm no passado pintaracomo parte do problema. “Seu pão tem manteiga do lado integracionista”,queixava-se.“Nãoerampessoasquevivessemdaprevidênciasocial.Eramclassemédia para os Estados Unidos em geral e classe média alta para os EstadosUnidosnegros.Nãosepreocupavamemsabersehavialeitenageladeira.”James

achavaqueMalcolmtinhacriadoaoaaubasicamenteparaservirdeplataformapara a realização de seus objetivos internacionais. “Um diplomata ou políticoafricano poderia vê-la e aceitá-la [aoaau] e achar que... o que era bompara opovo afro-americano seria bom também para seu grupo.” Durante a visita àÁfrica em abril-maio, Malcolm ficava surpreso quando “algumas das pessoasmais revolucionárias de lá diziam: ‘Bem, e qual é a posição deMartin LutherKingsobreisso?’.EachavamqueseMartinLutherKingnãoestivesseenvolvido,quemeraesserecém-chegadoMalcolm?”,prosseguiuJames.“Porisso,[Malcolm]fez alguns ajustes.” Um deles foi adotar uma estratégia de recrutamento quelevavanegros de classemédia, celebridades liberais e intelectuais para aoaau.“Alémdisso”,acrescentouJames,asopiniõesdeMalcolm“estavammudandotãorapidamentequeabemdizerquandoeleatingiaumdeterminadonível [elas setornavam] obsoletas, porque ele já estava em outro lugar.” Isso era políticapragmática e egoísta: “Ele precisava de gente de estatura e substância que lhepermitisse ter essa espécie de diálogo com a África, ou com aonu, ou comorganismos internacionais.Epessoas comoOssieDavis eRubyDeeouSidneyPoitiersãomuitoconhecidas”.63

Ocabodeguerraentreaoaau e ammi finalmentedesabrochouemconflitoaberto quando vários irmãos dammi foram presos sob acusação de posse dearmas.Emboraos irmãos fossem tambémmembrosdaoaau,ogruponão feznenhumesforçoparapagarfiança.“Quandoelessaíram”,disseJames,“estavamatrasadosemsuasmensalidades [naoaau]...Eresolveramiraumareunião[daoaau], quando as irmãs disseram: ‘Não, vocês não podem assistir à reunião,porque suasmensalidades estão atrasadas’.”Os irmãos ficaram atônitos, e nosmeses seguintesmuitosmembrosdammi comdupla filiação deixaram aoaau,ousimplesmenteseafastaramdasduasorganizações.UmrevoltadomembrodammichamadoTalfiqapresentousuasqueixasaJames,queexplicouqueMalcolmlheatribuíraaresponsabilidadedeconstruiraoaau.“[Esseirmão]tinharespeitosuficiente pormim para adiar seus planos de revolução.”64 A fragmentação seagravouquandoBetty começoua formar seuprópriogrupode adeptos. “Bettytinhaumgrupoemsuacasa,queachavaquedevia[assumirocontrole]daoaau,porque Lynne Shifflett não andava depressa o suficiente.” Betty também tinhaespecial antipatiapor Shifflett, temendoumpossível envolvimento sexual entreela e seu marido. De acordo com Max Stanford, Betty, furiosa, invadiu uma

reuniãodaoaaueacusouShiffletteumasecretáriadaoaaudedormiremcomMalcolm.Betty sentia-se particularmente vulnerável como esposa infeliz num

casamentotenso.ElaforadeixadaparatrásporMalcolmsobaguardadeCharles37X Kenyatta, que ocupava cargo de alguma importância dentro dammi.Durante a ausência deMalcolm, as relações entre protetor e protegida ficarammaiscomplicadas—emaisíntimas—doqueMalcolmpoderiaterimaginado.65

Kenyatta,aindaumdosfavoritosdeMalcolmgraçasaseucharmesuaveeàsuanatureza fácil, jamais caíra nas graças de James 67X ou qualquer dos outrosantigosbaluartesdaNaçãoquevieramquandohouveorompimento.Asuspeitaque tinham dele não diminuíra na nova fase dammi. Mas Malcolm designaraKenyattaoúnicoguarda-costasdamulheredasfilhasenquantoestivesseforadopaís,dando-lheautoridadeparacontrolaroacessoàresidênciadeShabazz.Kenyatta viu-se presidindo uma casa à beira do colapso, enquanto Betty

lutavaparacarregaro fardodaausênciadeMalcolm.Tinhadadoà luzaquartafilha,GamilahLumumba,66 trêsdiasapósa fundaçãodaoaau,e foiapenasoitodias depois queMalcolm, com seu velho hábito de sumir sempre que apareciaumbebêemcasa,partiuparaaÁfrica.67Criarquatrofilhassozinhajáseriaduro,comapífia renda familiar, àquelaalturaprovenienteapenasdosadiantamentosdo livro de Malcolm, dos honorários de palestras e de pequenas doações dededicadosmembrosdammi.Agora,porém,elasetornaraoalvomaisacessívelda campanha intimidativa da Nação. As ameaças demorte feitas por telefone,queMalcolmdeixaraparatrás,continuavamatocarcominsuportávelfrequênciaem sua casa, exaurindo suamulher, que não as podia evitar.O capitão Josephtinha inventadoumaestratégia de importunaçãopara instilar aindamaismedonafamília.MembrosdoFrutodoIslãforaminstruídosatelefonarparaacasadeMalcolmacadacincominutos.Sealguématendesse,omembrodofoifariaumaameaça qualquer — ou não diria nada — e depois de um longo silênciodesligaria.“Vocênuncamaisvaiverseumarido”,umdelesameaçouBetty.“Nósopegamos.Cortamossuagarganta.”68OfluxoconstantedessasligaçõesestiolouasforçaseapaciênciadeBettynalongaausênciadeMalcolm.Embora Kenyatta tivesse sido designado para protegê-la, Betty deve ter

sentidoomaiscompletoabandono.Comquatrofilhasabaixodecincoanos,semumasituaçãofinanceiraadequada,ecuidandosozinhadeumarecém-nascida,elamal podia acreditar que as responsabilidades políticas domarido pudessem ter

precedência sobre as necessidades pessoais dela. Acabou antipatizando com amaioriadosassessoresdeMalcolm, incluindo JameseBenjamin,por levaremomarido para longe dela.Mas logo se tornoumais íntima de Kenyatta de umaforma que chamou a atenção dofbi e causou grande consternação entre osauxiliaresmaisleaisdeMalcolm.James 67X tinha visto presságios perturbadores no que lhe pareceu um

comportamento impróprio de Betty em sua casa na ausência de Malcolm. Elatinha um ar coquete, quase encorajando visitantes masculinos a fazerempropostas sexuais.Numa ocasião, o próprio James foi alvo de suas insinuaçõesamorosas. “Essamulher tiroumeus óculos”, lembrava-se ele, “colocou-os atrásdelaemedisse: ‘Venhapegá-los’.Éporissoquenuncamaisvoltoàquelacasa.”ElelogodescobriuqueKenyattatambémlhedavamotivosparasuspeita.Malcolm frequentemente mandava instruções do exterior para seu próprio

endereço,eJamesdescobriuqueKenyattaretinha,pordiasoumesmosemanas,comunicaçõesdamaiorimportância.Foioiníciodeumjogodepoder:KenyattaachavaqueJameseraseurivalmaisimportantenasatençõesdeMalcolm,eporissorestringiuseveramenteseuacessoaBetty.Em setembro de 1964, ofbi observou que Kenyatta viajava de carro com

frequênciapara foradacidadeemcompanhiadeumamulher identificadacomo“[editado] deMalcolm X”. Era, de fato, Betty Shabazz, que gostava de sair dacidadecomaquelehomembonito.Dentrodesemanas,circulavamboatosdentrodaoaau,dammiedaMesquitanº7,sugerindoqueBettyeKenyattatinhamumenvolvimentosexualeatéplanejavamsecasar.69Overdadeirograudasrelaçõesentreelesédifícildeestabelecer,masaquilofezsoaroalarmeparaJames67Xeoutroslíderesqueouviramfalardaligação.PelospadrõesdoIslãortodoxo—emesmo da Nação do Islã — a relação era altamente imprópria e ameaçavaconstranger todosos envolvidos.Alémdisso,osdois lados comportavam-sedeforma extraordinariamente óbvia, uma vez que ambos deviam saber queestavamsobvigilânciadofbi.MasMalcolm, ignorante do que se passava em sua ausência, ficou cada vez

maisdependentedeBettyenquantoestavafora.Durantemeses,correspondia-secomelapormeiodetelegramas,cartasetelefonemas.Numacarta,datadade26de julho, dizia sentir muita falta de Betty e das meninas, “e rezo para queestejambemeemsegurança”.GrandepartedacorrespondênciainicialdescreviasuasatividadesnoCairoenaconferênciadaonu.“Perceboquemuitagentenos

EstadosUnidos pode achar que estoume esquivando deminhas obrigações delíder... vindopara cá”, confessou. “Maso que estou fazendo aqui serámais útilparaotodo[ênfasedeMalcolm]alongoprazo.”70

Noutra carta, datada de 4 de agosto, ele escreveu: “Parece que pelomenosummêsvaisepassarantesqueeuaveja”,estimandoavolta,naquelemomento,parameadosoufinsdesetembro.TambémdescreveusuasconversascomAkbarMuhammad,contandoaBettyqueAkbar“dizque sabequeopaiestáerradoenãoconcordacomaafirmaçãodopaidequeémensageirodivino.Masaindaoestouobservando”.Econtinuou:“Aprendianãoconfiaremninguém”.71

Mesmo durante o período em que ficou mais íntima de Kenyatta, Bettymandava cartas e revistas paraMalcolm, desincumbindo-se de tarefas políticasemseunomeetentandomantê-loinformadopelomenosparcialmente.Jánofimda viagem de Malcolm ela foi à Filadélfia participar de uma reunião dosseguidores de Wallace Muhammad, mas ficou desapontada com o que ouviu.Apesar de ter rompido com o pai e com aNação do Islã,Wallace não propôsumafusãocomgruposdeMalcolm,e,emvezdisso,caracterizouMalcolmcomohomemde “reputação violenta”.72 Betty informou queWallace era “igualzinhoaopai” e disse acreditar que “todomundo” estava tentandousarMalcolmparaconseguiroquequeria.FoitambémnessaépocaqueBettyseenvolveudiretamentenastensõesentre

aoaaueammi.Alémdogrupoquesereuniaemsuacasaetramavaassumirocontroledaoaau,elatinhaencontrossecretoscomochefedasegurançadammiReuben X Francis, que planejava criar um novo grupo de jovens. Ofbi ouviuumaconversatelefônicaentreFranciseBettynaqualeleexplicavaqueogrupo,aOrganização deCadetesAfro-Americanos, funcionaria separadamente dammiporque “nãoqueroqueos funcionários saibammuita coisa a respeitodela”.Oslíderesdammieram“corruptos”,eessenovogrupoprecisavasermantidolongedeles “para evitar contaminação”. Talvez para agradar Betty, Francis tambémdefendeu Charles 37X Kenyatta, afirmando que líderes dammi “estão tentandoincriminá-loparaquefiquemalaosnossosolhos”;elaconcordouemseencontrarcomelemaisparao fimdasemana.73O fatodequeummembrodissidentedammitinhaaconfiançadelhecontarumsegredoprovavelmenteindicavaqueelaeratidacomoinfluenteforçapolíticaporsuaprópriaconta.EtambémimplicavaqueseudescontentamentocomJames,ecomamaneiracomoammieradirigida,eradeconhecimentopúblico.

Nooutonode1964,provavelmentedevidoà suarelaçãocomBetty,CharlesKenyattateveaaudáciadecontestarpublicamentealiderançadeJames67X.Osdetratoresde Jamesqueixavam-sedequeele era reservadodemais,ditatorial ecomunista enrustido—ummarxista que desonestamente se apresentava comonacionalista negro. Em razão de suas responsabilidades administrativas, elealienaramuitosmembros;suainequívocaantipatiaporShifflettepelaoaauerauma garantia de poucos aliados naquela organização. Em contraste, Kenyattamantinha relações cordiais com membros daoaau e comparecia a eventos.Quandoabrigadosdoishomenspelopodersetornoupública,membrosdammificaramdivididos.Masvelhoshábitoscustamadesaparecer.Atradiçãodanoidepermitir que oministro, ou líder supremo, tomasse decisões importantes fez amaioria dosmembros dammi adiar qualquer julgamento sobre a liderança atéMalcolm voltar.74 Apesar disso, o longo verão de discórdia tinha deixadomembrosdeambososgruposcomosnervosemfarraposequasenenhumsensodedireção.OsconflitoscontínuoscomaNaçãodo Islã sóaumentavamoclimade ansiedade. A ausência de Malcolm dos Estados Unidos não diminuírapraticamente em nada a acrimoniosa campanha da Nação contra ele e seusdefensores.TodosqueriamavoltadeMalcolm,mastemiamqueelaprovocasseumanovaescaladadeviolência.

Pelocomeçodenovembrode1964,Malcolmestavahaviaquatromeses fora

dosEstadosUnidos.Sabiadasdissensõesedoquasecolapsodesuas incipientesorganizações.Semdúvida,sentiafaltadamulheredasfilhas.Tinha,noentanto,moldadoumanova imagem,outrareinvenção,nocontinenteafricano.NenhumoutrocidadãodosEstadosUnidos,particularmentesemtítulosouposiçãooficial,tinha sido acolhido e homenageado comoMalcolm. Em vez de ser visto comoum fanático racista, algo que ainda vigorava no senso comum da imprensaamericana, foi identificadopelamídia africana como combatente da liberdade epan-africanista.Porém,nãoeraaadulaçãoqueafetavaMalcolm;erao romancecomaprópriaÁfrica,suabeleza,suadiversidadeesuacomplexidade.FoiopovoafricanoqueadotouMalcolmcomofilhohámuitotempoperdido.DevetersidodifícildeixartudoaquiloparatrásevoltarparaosEstadosUnidosparaenfrentarasameaçasdemorteeacrescenteviolênciaqueeleestavacertodequeviriam.

A etapa final de sua viagem pela África o levou de volta a Gana e àcomunidade de expatriados, para a qual ele apenas crescera em estatura nosmeses transcorridos desde sua visita. Maya Angelou, Julian Mayfield e outrosforamrecebê-lonoaeroportodeAcraem2denovembro,elogoosexpatriadosdisputavamentresiotempoeaatençãodeMalcolm.Nodiaseguinte,MalcolmteveogostodereverAngelou,passandoamanhãcomelae jantandojuntosnacasada intelectualNanaNketsiacommaismeiadúziadeartistaseescritores.75

TambémpassouváriashorascomShirleyDuBois,naépocadiretoraexecutivadatelevisãoganense;depois,osdoisvisitaramatelevisãonacionaleasestaçõesderádiodeGana.76TalvezseuiminenteretornoparaosEstadosUnidosotenhadeixadoinquieto,porquenessaépocanãoconseguiadormirànoite,recorrendoapílulas.77 Além disso, estava exausto depois de semanas de fatigantes eintermináveis viagens internacionais.Relaxara suas regras sobre o consumodeálcool, apesar das restrições muçulmanas; depois de uma entrevista para umjornal,sentiu-secansadoeanotounodiárioquetomararumcomcoca-colaparadespertar.78Nãotardariaatermaismotivosparaocuparopensamento,quandorecebesse a notícia de que Lyndon Johnson soterrara Goldwater numa vitóriaesmagadoranaeleiçãoparapresidente,obtendo96%dosvotosentreosnegros.Shirley Du Bois, Julian Mayfield e Malcolm sentaram-se para um rápido

almoço com o embaixador da China antes de um encontro com o presidenteNkrumahnocomeçodatardede5denovembro.Maisumavezaconversanãofoi gravada, mas seu conteúdo pode ser garimpado nos discursos de MalcolmsobreasNaçõesUnidasduranteorestodaviagem.UmadasrazõesdeMalcolmvoltaraAcraerapromoverodesenvolvimentodaoaaunocontinenteafricano;na comunidade de expatriados suas ideias, especialmente a de submeter asquestões raciais dos Estados Unidos àonu, foram recebidas com grandecomoção. “A ideia era tão estimulante para a comunidade de residentes afro-americanos”, disse Angelou, “que decidi que deveria voltar para os EstadosUnidos e ajudar a estabelecer a organização.” A decisão de voltar para ajudarMalcolm rendeu aMaya status imediato entre os expatriados. “Meus amigos”,lembra-se Maya, “começaram a tratar-se como se eu de repente me tornasseespecial...Minhaestaturadefinitivamenteaumentara.”79

Nasexta-feira,6denovembro,umadelegaçãodeadmiradores,comoShirleyDu Bois, Nana Nketsia, Maya Angelou, entre outros, desejou boa viagem aMalcolm.QuandoseuaviãopartiuparaaLibéria,elefinalmentesedeucontade

queestavadefatodeixandoGana,eficoutriste,pensandoemquantoseapegaraàquelacomunidade.AoverMayaeoutraafro-americana“acenarem‘tristemente’da grade”, ele as caracterizou como “duas mulheres muito solitárias”.80

Chegando aMonróvia, na Libéria, mais oumenos aomeio-dia,Malcolm foi aumadançarealizadanaprefeitura,eemseguidasaiuparaumclubecampestre.Depoisdealgunspasseios turísticosedeumcoquetelnodiaseguinte,Malcolmpassou horas comendo e bebendo— e sendo contestado num vigoroso debatecomexpatriadoseoutraspessoassobreopapeldeIsraelnaÁfrica.Membrosdaeliteliberianaargumentaramque“técnicos[afro-americanos]egentecomoutrashabilidades” precisavam migrar para a Libéria, mas, como qualquer classedominante de qualquer lugar, falaram com franqueza de sua determinação decontinuar no poder. Os americanos negros seriam bem-vindos à Libéria, “masnãoqueremosque interfiramnanossaestruturapolítica interna.Nossomedoéqueentremnapolítica”.81

Namanhãde9denovembro,Malcolmvisitouamansãoexecutivaliberiana,onde foi apresentado a membros do Gabinete; mas o presidente WilliamTubmanestava “ocupadodemais” para recebê-lo.Malcolm seguiu entãoparaoaeroporto—depoisde trêsdiasmovimentadospartiuparaConakry,naGuiné.Chegando no começo da noite, foi levado de carro, para sua surpresa,diretamenteparaa“residênciaparticular [dopresidenteSékouTouré],ondemehospedarei enquanto estiver emConakory [sic] .Não sei o que dizer! Louvadoseja Alá!”. Foram postos à sua disposição três serviçais, um motorista e umoficialdoExército.Enquanto tentava processar esse extraordinário reconhecimento de status,

Malcolm pensou no quanto tinha mudado nos últimos meses. “Minha cabeçaparece estar mais em paz desde que deixei Meca em setembro. Meuspensamentos são fortes e claros e acho mais fácil me expressar.”Paradoxalmente,acrescentou:“Minhamentetemsidoquaseincapazdeproduzirpalavrasefrasesultimamenteeissomepreocupa”.82Oquepareciaquererdizerera que suas experiências noOrienteMédio e na África tinham ampliado seushorizontes, mas o limitado vocabulário do nacionalismo negro era insuficienteparafazerfaceaosdesafiosqueeleviatãoclaramentediantedaÁfrica.Malcolmsentiuqueprecisavacriarnovas ferramentas teóricaseumdiferente sistemadereferênciaquenãoselimitassearaça.Malcolm foi conduzidode carro porConakry comoum chefe deEstado em

visitaoficialnamanhãseguinteàsuachegada.UmarápidavisitaàembaixadadaArgélia lhecausouumconstrangimentomomentâneo,porcausadaentusiásticarecepção que lhe deram. “É difícil acreditar que eu seja tão conhecido (erespeitado)aquinestecontinente”,refletiuposteriormente.“Aimagemnegativaque a imprensa ocidental vem tentando pintar de mim certamente não teveêxito.”Naquela noiteMalcolm finalmente foi apresentado aopresidenteTouré,que o abraçou com entusiasmo. “Eleme cumprimentou porminha firmeza naluta pela dignidade.” Os dois marcaram um almoço para o dia seguinte. Denoite, Malcolm foi a uma boate, mas talvez por ser a Guiné um paísmajoritariamente muçulmano, limitou-se, sensatamente, ao café e ao suco delaranja.83

NoalmoçocomopresidenteTouréeváriosoutrosconvidadosinternacionaisnodiaseguinte,MalcolmnotouqueTouré“comeudepressa,maspolidamente,epôs várias vezes comidanomeuprato”.Depois que vários convidados saíram,Touré voltou ao tópico que tanto o animara no encontro da noite anterior, abusca de “dignidade”.Malcolm conhecia a extraordinária história do presidente—comosindicalistamilitanteerevolucionárioantifrancês,oúnicolídernaÁfricafrancófona a desafiarDeGaulle recusando aunião comaFrançametropolitanaem 1958. ParaTouré, dignidade significava autonomia africana, conceitomuitopróximo do seu novo léxico de pan-africanismo. “Estamos cientes da suareputação de combatente da liberdade”, disse Touré aMalcolm, “por isso falofrancamente,numalinguagemdecombate,comvocê.”84

Nosdiasqueseseguiram,Malcolmpassouporumasériedecontratemposdeviagem;semqueele soubesse, seuvooquepartiadeConakry foi remarcado,eele teve de passar mais uma noite na cidade. No voo para Dacar em 13 denovembro, um irmão reconheceu Malcolm, “e o aeroporto todo sabia” dapresençadomuçulmanoamericanonegroquandoeledesembarcou.Passageirosaproximaram-se pedindo autógrafo.Ele seguiu viagem, comumabreve paradapara trocar de avião emGenebra e depoisParis, ondepassou anoitenoHotelTerminusSt.Lazare.MalcolmtomouoaviãoparaaArgélianamanhãseguinte,masavisitanãofoiprodutiva.Abarreiradalínguafrancesa,lamentouMalcolm,era tão “tremenda” que foi quase impossível comunicar-se com eficácia.85

Continuando a trajetória de voos cruzados, Malcolm chegou a Genebra namanhãde16denovembro.SeuobjetivoerafazercontatocomoCentroIslâmicodacidadeefortalecerseusvínculoscomaIrmandadeMuçulmana.Naquelatarde

eleteveasurpresadeencontrarumajovemchamadaFifi,secretáriadasNaçõesUnidasecidadãsuíça,quetinhatrabalhadocomMalcolmnoCairo.Elafoivê-lonohotel,ondeconversaramdurantehoras,eosurpreendeudizendoque“estavaloucamente apaixonada pormim e parece disposta a fazerqualquer coisa paraprovar”.86 Malcolm dormiu tarde no dia seguinte, depois foi fazer compras,adquirindo um novo sobretudo e um terno. O dr. Said Ramadan, do CentroIslâmico, fez-lhe uma visita e o levou primeiro à suamesquita, e depois a umjantar com vários convidados.QuandoMalcolm voltou ao hotel, por volta dasnovedanoite,“Fifiestavabatendoàminhaportaquandosubiasescadas”.Elafoicomeleparaoquartoesaiuduashorasdepois.Demodonãohabitual,Malcolmnãoregistrouoquehouveentreeles; a julgarpelodiário,Fifiparece ter sidoaúnicamulherqueeleadmitiuemseuâmbitoprivadodurantetodootempoquepassounoexterior.Depoisqueelasefoi,Malcolmsaiuecaminhouumpouconachuva,“sozinhoemesentindosolitário...pensandoemBetty”.87

ElechegouaParisem18denovembro,hospedando-senoHotelDelavine,88

ondepassariaumasemana (apesarde receberumconviteparavisitarLondres)para falar a uma multidão na Maison de la Mutualité cinco dias depois. Suareputaçãointernacionaloprecedeu,eemboraaapariçãonaMutualiténãotenhasidoamplamentecobertapelaimprensaamericana,umrepórterselembravadeque “não havia um centímetro quadrado de espaço sobrando na sala deconferência”. Os que chegaram tarde ficaram em pé ou sentados no chão. OscomentáriosformaisdeMalcolmsupostamenteabordariamotema“Alutanegranos Estados Unidos”, mas, como confessou no diário, faltava-lhe concentraçãomental para formular novas ideias políticas, especialmente depois da vitória deJohnson.Emvezdisso,asubstânciadeseuscomentáriosconsistiuemrespostasàs perguntas que lhe fizeram.Desde o início, voltou-se ideologicamente para aesquerda.Quandoperguntadosobre“comoépossívelquealgunsaindapreguema não violência?”, respondeu com um ataque a King, dizendo: “É fácilcompreender — isso mostra o poder do dolarismo”. Os “imperialistas” é que“distribuemoutroprêmiodapazparamaisumaveztentarfortaleceraimagemda não violência”. A viagem à África e ao Oriente Médio também parecia terreavivadosuasexaltadasopiniõesantissemitas.“Osnegrosamericanostêmsidoespecialmente manipulados para chorar mais pelos judeus do que por elesmesmos”, queixou-se, contando uma história fictícia de judeus progressistas eafirmando,incorretamente,queelesnãotinhamparticipadocomoCavaleirosda

Liberdade. “Se fossem barrados nos hotéis, compravam os hotéis. Contudo,quando se juntam a nós não nos ensinam a resolver nosso problema dessamaneira.”Jáemoutrosaspectos,nãoobstante,Malcolmficaramaistolerante.Chegoua

anunciarsuasnovasopiniõessobreromanceecasamento inter-raciais:“Comoéque alguém pode ser contra o amor? Se uma pessoa quer amar outra, seja elaquem for, é assunto seu”. E profeticamente conjeturou que num futuromulticultural era concebível que “a cultura negra venha a ser a culturadominante”.NodiaseguinteaodiscursoemParis,24denovembro,MalcolmXfinalmentechegouemNovaYork;massuavoltaparacasanaquelediacoincidiucomamortedesessentarefénsbrancosduranteumatentativabelgo-americanade resgate contra os rebeldes congoleses em Stanleyville. Ao desembarcar noaeroporto JohnF.Kennedy, cerca de sessenta seguidores o receberamexibindocartazes que diziam “Bem-vindode volta, IrmãoMalcolm”.Nãoperdeu tempopara acusar a responsabilidade tanto do governo americano como do regimecongolês deMoiseTshombe namatança em Stanleyville. Era “o financiamentodosmercenáriosdeTshombeporJohnson”.Maisumavezprovocandoodestino,eledescreveuoenvolvimentodosEstadosUnidosnoCongocomo“asgalinhasvoltandoparaogalinheiro”.89

14.“Estehomemmerecemorrer”24denovembrode1964-14defevereirode1965

No Comício de Boas-Vindas preparado pelaoaau para Malcolm em 29 denovembro no Audubon, Charles 37X misturou-se à modesta multidão detrezentaspessoas,trocandoapertosdemãoeexibindoseucostumeirocharmeesua leveza de espírito. Ninguém tinha mencionado a Malcolm, ainda recém-chegado, os boatos relativos a Betty e a seu traiçoeiro tenente. James 67X,porém, sabia. Em outubro, na esperança de aliviar a tensão em torno daliderança damminaausênciadeMalcolm,eleviajouaBostonesehospedounacasa deEllaCollins, onde teve encontros com seguidores dammi. Durante suaestada,EllaconversoucomJamessobreafofoca.Dealgumaforma,anotíciadaligaçãoamorosaentreCharleseBettyajudoua sossegá-lo, talvezporqueagoraestava de posse de algo para usar vantajosamente caso a briga pelo poder seagravasse.Naverdade, aproveitouaoportunidadepara reafirmar sua liderançaagindocommagnanimidade.Em18deoutubro,eleeBenjamin2Xconvocaramuma reunião dammi no Harlem, durante a qual incentivaram os membros aassistiremaocomíciodaoaauprevistoparaaquelemesmodia,umpoucomaistarde.1Duasnoitesdepois,fezumanovareuniãoemseuapartamentodarua113Oeste para discutir a formação de um programa de judô dammi. Osparticipantes, entre eles Reuben Francis, eram alguns dos seus detratoresmaisacerbos; demodo que esse aceno aos adversários pode ter aplacado temores.2

ComopróprioKenyatta, Jamesmostrougenerosidade,convidandoorivalparafalar em cerimônias. À época do comício no Audubon, James já tinharestabelecidoemboapartesuafunçãodeliderançanammi.3

Ainda assim, membros daoaau e dammi estavam animados por teremMalcolm de volta. Discussões e rixas que ameaçavam destruir as duasorganizações poderiam ser resolvidas agora. Ambos os grupos tinham seguidodepertooitinerárioeasaventurasdeMalcolmnoexterior,ashonrariasquelheforam concedidas por personalidades como KwameNkrumah, Jomo Kenyatta,JuliusNyerere,SékourTouréeopríncipeFaisal,comopartedoreconhecimentopelosseusesforços.Masasmudançaspelasquaisvisivelmentepassaraduranteaviagem produziram reações conflitantes entre seus seguidores. Aoaau tinhaaprovado a evolução política de Malcolm e os frequentes comentários que eleenviava a M. S. Handler para publicação noTimes. Para ammi, entretanto, apergunta a ser respondida era se Malcolm X ainda era o seu Malcolm — odedicado separatista negro que esposava as principais ideias que promoveracomoministrodaNaçãodoIslã.MuitosconcordavamcomHermanFergusoneviam os comentários de Malcolm fazendo um aceno de paz para os brancosdurante uma entrevista coletiva em maio como uma espécie de cortina defumaçanecessária,emboraasnotíciasdelenaÁfricasómostrassemacaminhadanumadireçãomais inclusiva.Ammi, comopé fincadoemquestõesraciais,nãoviamuito o que aprovar namudançamais profunda da visão filosófica de seulíder. James 67X, por exemplo, estava feliz porqueMalcolm “nãomudou umavírgula em suaposição” após a segunda temporadanaÁfrica.Emesmodepoisde suavolta, Jamesdisse, comalívio, que “ele se referia a certas pessoas comodemônios”.4

Mas os partidários de mentalidade separatista não poderiam estar muitofelizescomosentimentosubjacenteemseudiscursonacerimôniadeboas-vindasno Audubon. Ele foi apresentado por Clifton DeBerry, o candidato do PartidoSocialista dos Trabalhadores à presidência em 1964. Depois de mencionarrapidamente os acontecimentos recentes em Stanleyville, Malcolm dedicou amaiorpartedesuafalaanarraraviagem,indodepaísapaíseconcentrando-sena inéditamudança social do continente africano.5 “Esta é a era da revolução”,anunciou, orgulhosamente, aproveitando a oportunidade para traçar paralelosnegativosentreos líderesdedireitos civisquenosEstadosUnidospregavamanãoviolênciaeosrevolucionáriosafricanosquelutavamparaderrubarditadurascoloniais. “Sempre que se ouve um homem dizer que deseja a liberdade, maslogoemseguida,semtomarfôlego,dizoquenãofaráparaconsegui-la...elenãoacredita na liberdade.”Mas ao defender a necessidade de uma abordagempan-

africanista, Malcolm mais uma vez fez uma distinção importante entre osbrancosque“nãoagemcerto”eosbrancosantirracistas.“Quandodigohomembranco,nãoestoumereferindoatodosvocês”,explicou,“porquealgunsdevocêstalvezsejamcorretos.Esequalquerumdevocêsagecorretocomigo,paramimestá tudo bem com todos vocês.” A afirmação deixava pouca margem àinterpretação de sua mudança de valores: nem todos os brancos eram“demônios”; muitos eram antirracistas e simpatizantes da luta dos negros,enquanto líderes africanos como Tshombe, apesar de negros, representavamuma ameaça aos interesses dos negros.6 A mensagem lhe custou o apoiodaquelesquequeriamumaatitudemaisduranoquediziarespeitoàraça.Da África, Malcolm entrara em contato com James 67X para arranjar uma

rápida turnê de palestras pela Grã-Bretanha, para a qual partiria em 30 denovembroevoltariaem6dedezembro—maisumavezsaindoparaoexteriorquandomalacabaradevoltarparaosEstadosUnidos.Demanhãcedonodiadaviagemele reservoualgum tempopara falar compatrocinadoresde colegasdomundomuçulmano, tendode fazerdelicadosmalabarismos.Duranteaviagem,cortejara a Liga Muçulmana Mundial em Meca e o Conselho Supremo paraAssuntos IslâmicosnoCairo—umbraçodogovernodeNasser—edeambosrecebera patrocínio financeiro. Os dois grupos tinham um profundocompromissocomosideaismuçulmanos,mas,foraisso,nãopoderiamsermaisdiferentes, com o conservadorismo e ferrenho anticomunismo da saudita LigaMuçulmana Mundial em franco desacordo com Nasser, que àquela alturapraticamente fizeradoEgitoumclientedaUniãoSoviética.OcismaexigiaqueMalcolm fosse um pluralista nomundomuçulmano, abordagem que produziraavançosreaisdurantesuasviagens.QuandoestavaemMeca,aLigaMuçulmanaMundial concordara em designar o xeque AhmedHassoun para a comunidademuçulmana de Nova York, demodo queMalcolm escreveu para o secretário-geraldaliga,MuhammadSurural-Sabban,manifestandosuagratidão.Contudo,esta carta era,naverdade,umdisfarcepara tocarnumassuntomelindroso.AovoltarparacasaMalcolmencontraraammipraticamentequebrada,semdinheiroparapagarosaláriodeHassounoucobrirsuasdespesasdealojamento.AtribuiuafaltaderecursosaorompimentocomElijahMuhammad:“Nósrepresentamososmuçulmanos afro-americanosque romperamcomoMovimentoMuçulmanoNegro. Tivemos que deixar para trás nossas riquezas”. Calculando que asdespesasmensaisdeHassounchegariamaquatrocentosouquinhentosdólares,

não pediu dinheiro abertamente, mas indiretamente solicitou “instruções pararesolveroproblema”.7

Naquelamanhã,talvezprevendoosproblemasquepoderiacausarnoEgitoanotíciadoseuenvolvimentocomaLigaMuçulmanaMundial,Malcolmtambémprocurou Muhammad Taufik Oweida do Conselho Supremo para AssuntosIslâmicos. Como oscia tinha concedido aMalcolm vinte bolsas de estudo, elereconhecia a importância de apresentar uma frente oficial organizada para seusgrupos, observando que “é preciso reorganizarmuita coisa por aqui”. A tarefaimediata era “separar nossas atividades religiosas das não religiosas”, o queimplicava aumentar a divisão entre ammi e aoaau. Então, num comentáriorevelador, Malcolm explicou suas razões para cultivar os muçulmanos maisconservadoresnaArábiaSaudita:

Eume desdobrei para estabelecer, amim e àMesquitaMuçulmana, também com aLigaMuçulmanaMundial,quetemsedeemMeca.Esperoquecompreendamminhaestratégiadecimentarboasrelaçõescomeles.Meu coração estánoCairo, e acreditoque as forças de relaçãomais progressistas domundomuçulmano estão noCairo. Acho que posso sermais útil e demais valor para essas forças de relaçãoprogressistas no Cairo se me consolidar também com as forças mais moderadas ou conservadorassediadasemMeca.8

Pousando em Londres em 1º de dezembro, ele passou os dias seguintes

preparando-se para sua mais importante aparição no Reino Unido, numacerimônianaUniversidadedeOxfordnodia3.Ogrêmioestudantiloconvidaraa defender, num debate formal, a declaração de Barry Goldwater de que“extremismonadefesadaliberdadenãoévício,emoderaçãonabuscadajustiçanão é virtude”. A bbc transmitiu pela tv a cerimônia, que apresentou trêsoradores a favor damoção e três contra. Em sua apresentação,Malcolmmaisuma vez se distanciou cuidadosamente do passado de Muçulmano Negro,ressaltando seu compromisso com o Islã ortodoxo. Argumentou que como ogovernoamericanotinhasidoincapazdesalvaguardaravidaeapropriedadedeafro-americanos durante séculos, não era desarrazoado que negros adotassemmedidas extremas para defender suas liberdades.Também tentou fundamentaresse sentimentonumaabordagemmultirracial. “Acredito firmemente,no fundodocoração”,declarou,quequandoohomemnegroagir“lançandomãodetodososmeiosnecessáriosparaconseguirsualiberdadeoupôrfimaessainjustiça,nãoachoqueestarásozinho...Eu,porexemplo,mejuntareiaqualquerum,nãome

interessaa cor,desdequequeiramudaressa condiçãomiserável.”9 Poucosdiasdepois,ele falouparaumaplateiapredominantementemuçulmanade trezentaspessoas na Universidade de Londres, e a imprensa britânica registrou suamudançadevisão.OManchesterGuardiandeclarou:“HouveumaépocaemqueosbrancosnosEstadosUnidosochamavamderacista,extremistaecomunista”,mas, com base em sua apresentação na universidade, o que se viu foi osurgimento de um novo Malcolm X: “descontraído, doce e razoável. Tem asegurançadodr.BillyGrahameosdetalhesdesaparecemdebaixodaspoderosasgeneralidadesdesuamensagem.Equeninguémduvidedoseupoder”.10

Malcolmvoltou aosEstadosUnidos em6dedezembro, enessemesmodiateve um encontro privado com Wallace Muhammad.11 Ainda que os doishomenstenhamseguidoomesmotrajetoaofugirdasideiasdaNaçãoeganharainimizade do grupo nesse processo, a verdade é que suas jornadas acabaramlevando-os para circunstâncias diferentes. Apesar de discordarem de ElijahMuhammad e do que para eles era uma versão herética do Islã, Wallacecontinuavasendoopríncipeherdeiro,commuitomaisaperderdoqueMalcolm.E enquanto Malcolm crescera de estatura e continuara a gerar manchetes,Wallace labutava praticamente na obscuridade na Filadélfia e em Chicago,exercendoachefiadegruposmuçulmanostãopequenosquepareciamsemprenaiminênciadedissolução.Arigor,nofimde1964, faltavampoucassemanasparaqueeleabandonasseafunçãodelídereabrisseumnegóciodelimpezadetapetesemChicago.Tambémsofrera,durantemeses,ameaçasdemortedoshomensdopai,masemseucaso,diferentementedeMalcolm,retirar-seecontinuarvivoeraumaopção,eumaopçãobastantesedutora.Apesar dos obstáculos,Malcolm continuou a acalentar a ideia de uma fusão

com Wallace, talvez por acreditar que eles dois à frente de uma grandeorganização muçulmana representariam o repúdio mais vigoroso possível àNaçãodoIslã.Duranteoencontro,MalcolmdisseaWallacequeagorasesentiaumverdadeiromuçulmanoortodoxo,equenãoconsideravaamminemaoaauorganizações permanentes. Isso fazia certo sentido;Malcolm já percebia que ammi, por coincidir em parte com aNação, estavamal equipada para crescer etornar-se a espécie de organização religiosa com o alcance por ele desejado. Aoaau ainda era jovem demais, e rudimentar demais, para que pudessemetamorfosear-se em alguma coisa mais eficaz politicamente, sem deixar deincorrer em tantos custos irrecuperáveis. Pode até ter proposto que Wallace

fosse o imame de umammi reestruturada, tornando-se, com isso, o principalbeneficiário dos amplos contatos queMalcolm estabelecera no Oriente Médio.Wallacedemonstrouinteresse,masnãosecomprometeu.AretóricaincendiáriadeMalcolm o deixava pouco à vontade, e seu interesse nesse projeto conjuntoacabavaondeaspaixõespolíticasdeMalcolmcomeçavam.Alémdissosabia,tãobem quanto qualquer um, dos prováveis dissabores que a Nação causaria aMalcolm a qualquer momento. Tomar partido tão publicamente significariaultrapassarosmesmoslimitesqueMalcolmatravessara,eelenãotinhaamenorvontadede juntar-sea seuparenteespiritualnacondiçãodehomemvisadoporseupai.12Perspicazcomosempre,Malcolmpercebeuascausasdesuarelutância,epoucassemanasdepoisdoencontroescreveuparaWallace(queentãoadotaraonomedeWalith)pedindo-lheque cuidassede seus seguidoresnaFiladélfia, e“esqueçaChicago... eu ignoraria totalmente oMovimentoMuçulmanoNegro”.Foi uma tentativa explícita demanterWallace afastado de sua contínua guerracomElijahMuhammad.“Vocênãoécruelobastanteparalidarcomumhomemcomo seupai e seus capangas sanguinários.13 Éumpoucopor issoque elenãomexe com você, mas sabe que eu também posso ser igualmente cruel eimpiedoso.”QuandovoltoudeLondres,Malcolm soubedas relações entre suamulher e

CharlesKenyatta. James 67X tremia sódepensarnomomento emqueo chefelheperguntassesobreoassunto,e,quandoMalcolmofez,teveocuidadodeserdeliberadamente vago. Sozinhos no escritório, Malcolm virou-se para James edisse, tristemente: “Quer dizer que minha mulher andou ‘valsando por aí’enquantoestivefora,nãoé?”.Jamesmanteveosolhos fixosnospapéis sobreamesaenadadisse,mesmo

quando Malcolm insistiu: “Irmão, dizem que minha mulher está saindo comCharles37”.Jamesnãoquisconfirmar,nemdaraentenderqueouviraosboatosdeElla,

por issomentiu, porém tentando deixar margem em sua resposta para váriasinterpretações sobre o comportamento de Charles. “Não estou sabendo denada”,disseaMalcolm.“Masleveistoemconsideração:Charles37éhomemdarua, emuito egoísta. Por isso pode agir demodo a parecer que exista algumacoisaentreeleesuamulher.”Malcolm pensou um instante e disse: “Se alguma coisa estiver mesmo

acontecendo, não vou deixar que meus problemas pessoais interfiram no que

tenhodefazer”.14

Numareuniãologodepois,MalcolmpôsfimdefinitivamenteaoconflitoentreJameseCharles reafirmandoque Jamesera seu tenente.Nomundoempretoebranco dammi, essa decisão rapidamente fez deCharles personanongrata e oexpôs a considerável risco de retaliação. Os velhos instintos das ganguesarmadasdofoinuncaforaminteiramentesufocadosentreosirmãosdammi,quenão hesitavam em castigar dissidentes e traidores. Mas Malcolm interveio deimediato para acalmar a tempestade. Ele fez espalhar a notícia de queCharlesnãodeveria,absolutamente,sofrermalnenhum,equeelenãoseriaimpedidodeparticipardas reuniõesdammi oudaoaau. “Corriaàbocamiúdaqueeraparamatar[Kenyatta]”,disseJames.“EfoiMalcolmquemoimpediude‘finalizarcomextremoprejuízo’.”15

A habilidade com que Malcolm neutralizou a situação de Betty deu aimpressãodequeobom sensoprevaleceu; contudo, internamente, anotícia dainfidelidade parece ter afrouxado de vez os vínculos matrimoniais do próprioMalcolm.Difícilé saber seaprimeiradas transgressõesmaritaiscometidasporMalcolm ocorreu antes disso. As conjeturas de Betty sobre a natureza dasestreitasrelaçõesdeMalcolmcomLynneShiffletttalvezfossemparanoicas,mastambémpodeserquetivessemumfundodeverdade.Eashesitantesanotaçõesde Malcolm no diário sobre a noite que passou com Fifi na Suíça sugerem apossibilidadedeumenvolvimentomais íntimo.Nesseparticular,nãoépossívelter certeza de nada, embora depois de sua volta da ÁfricaMalcolm parece teriniciadoum caso amoroso ilícito comuma secretária daoaau chamadaSharon6XPoole,dedezoitoanos.Poucosesabearespeitodelaoudasrelaçõesentreosdois,excetoqueparecemterprosseguidoatéamortedeMalcolm.ElaingressounaMesquitanº7poucosmesesantesdeMalcolmserproibidodefalar.Rumoresa respeito do caso não se espalharam amplamente, como os boatos sobre oenvolvimentodeBettycomKenyatta, restringindo-seaocírculomais íntimodeMalcolm,paraoqualprotegê-loeraasupremapreocupação.Embora o fantasma da violência interna tivesse sido reprimido, ameaças

externas continuavam a fazer notar sua presença deprimente. Em 12 dedezembro,Malcolm falouparaumgrupo local,oDomesticPeaceCorps, comoparte de sua Série de Palestras de Enriquecimento Cultural. Diante de umaplateiadeduzentaspessoas,narua137Oeste,Malcolmfezumapeloaosnegrospara que permanecessem nos Estados Unidos, mas “migrando para a África

cultural, filosófica e espiritualmente”. Ressaltando que rejeitava a violência“apesar do que a imprensa possa dizer”, também reiterou sua oposição a“qualquer forma de racismo”. Os americanos negros precisavam formar umacoalizão com países africanos emergentes e independentes. Falou novamentecontra o bombardeio de aldeias congolesas por mercenários belgas e “pilotoscubanosanti-Castro treinadosnosEstadosUnidos”,quecaracterizoucomoatosdeassassinatoemmassa.Masalgunsdoscomentáriosmaisinteressantestinhama ver com a capacidade do governo americano de reformar-se. “A história dosEstadosUnidoséadeumpaísquefazoquequer,quaisquerquesejamosmeiosnecessários... mas quando se trata dos interesses de vocês e dos meus, entãotodos esses meios se tornam limitados”, afirmou. “Lidamos com um inimigopoderoso,e,repito,nãosouantiamericanooucontrárioaosvaloresamericanos.Acho que há muita gente boa nos Estados Unidos, mas acho também que hámuita gente ruim nos Estados Unidos, e parece que os maus detêm todo opoder.”16 Era o seu jeito de admitir que a solução para o dilema racial dosEstados Unidos não seria encontrada sem ajuda só pelos afro-americanos.Tambémestavampresentesnapalestradezenasdemembrosdanoi,vestidosdeternoescuroeusandobuttonsemvermelhoebrancocomosdizeres“EstoucomMuhammad”, lembrete da ameaça constante. Seis policiais foram designadosparaapalestra,enãohouveproblemas.Naquelasemana,paragrandeeuforiadeMalcolm,Ernesto“Che”Guevara,o

antigolíderguerrilheirodarevoluçãocubana,chegouàcidadeparafalarperantea Assembleia Geral daonu em 11 de dezembro. Naquela altura, Guevara eratalvez o que havia de mais análogo a Malcolm na cena mundial, defensorimplacável da luta dos povos oprimidos e revolucionário aplicado. ComoMalcolm, preocupava-se profundamente com o que se passava na África. Aoestabelecer amplas conexões entre a revolução cubana e outras lutas mundoafora, ele fez menção especial ao “penoso caso do Congo, único na históriamoderna, quemostra comoos direitos dos povos podem ser frustrados com amais absoluta impunidade”. Disse que a raiz de miséria do Congo era sua“imensa riqueza, que os países imperialistas queremmanter sob seu controle”.Numa linguagem notoriamente parecida com a de Malcolm, descreveu adinâmica do neocolonialismo como uma forma de colaboração militar eeconômica entre as potências ocidentais: “Quem cometeu esses crimes?Paraquedistas belgas, levados por aviões americanos, que decolaram de bases

inglesas...Todososhomenslivresdomundodeveriampreparar-separavingarocrimenoCongo”.17

Malcolm convidouGuevara para falar no comício daoaau noAudubon em13dedezembro:oargentinodeclinou,entretanto,temerosodequesuapresençapudesse ser vista como incursão provocativa na política interna americana.Apesar disso,muitos dos temas queGuevara abordounaonu foramessenciaispara a discussão daquela noite, especialmente quandoMalcolm subiu ao palcopara preencher o tempo enquanto o ministro tanzaniano AbdulrahmanMuhammadBabu,quetambémestavaemNovaYorkparaaAssembleiaGeral,nãochegava.“Vivemosnummundorevolucionárioenumaerarevolucionária”,disse Malcolm à multidão — de quinhentas pessoas, ou mais, muito mais,segundoalgunsrelatos18—que superlotavao salão. Precisamosnos dar conta,disseele,“darelaçãodiretaentrealutadosafro-americanosnestepaísealutadenossopovonomundointeiro”.Paraaquelesquepudesseminsistiremresolveracrise racial noMississippi antes de se preocuparemcomoCongo, ele advertiu:“VocêsjamaisconsertarãooMississippi.SóquandoperceberemaconexãoentrevocêseoCongo”.Aafirmaçãodefiniaalógicapan-africanista,masiamaisfundoàluzdasconexões“imperialistas”queGuevaratinhatraçadonaonu.Subjacenteao principal argumento deMalcolm sobre a unidade da luta dos negros, haviauma importante questão relativa à exploração. Para os americanos negros, a“conexãocomoCongo”tinhatantoavercomospontosemcomumdaopressãoeconômicaquantocomaraça.Foiessesalto,deideiasespecificamentesobreraçapara ideias mais amplas sobre classe, política e economia que fez avançar opensamentodeMalcolmnofimde1964,uma liçãoquesuasviagenspelaÁfricapuseramemfoco.Maselecontinuoua terdificuldadepara tornarsuamudançadepensamento

compreensível para plateias doHarlem, emgeral porque ainda recorria a umalinguagempolíticamais antiga e ineficiente, que juntava praticamente todos osbrancosnumsógrupohostil.Tambémdefiniao inimigocomo“ohomem”,emvez de usar termos relativos a classe e política mais ricos em matizes. Naverdade,acertaaltura,quandopregavauma“atitudefirmee inflexívelcontraohomem”, Malcolm foi obrigado a parar no meio da frase e explicar que aexpressão “o homem” significava “o segregacionista, linchador e explorador”.19

Esses esforços de oratória mostravam sua mente ainda em transição, aindalutando para encontrar uma nova terminologia que traduzisse ideias cada vez

maiscomplexasnumalinguagemacessívelàsmultidões.Babu finalmente chegou ao Audubon com quase duas horas de atraso,mas

antes de ele subir ao palco Malcolm presenteou o público com uma deliciosasurpresa:umadeclaraçãodesolidariedadedeGuevara,queMalcolmleuemvozaltacommuitoorgulho:“QueridosirmãoseirmãsdoHarlem,eugostariamuitodeestar comvocêse como IrmãoBabu,masas condiçõesatuaisnão sãoboaspara essa reunião. Recebam as calorosas saudações do povo cubano eespecialmente as de Fidel, que se lembra com entusiasmo de sua visita aoHarlem poucos anos atrás. Unidos venceremos”. Enquanto a plateia aplaudia,Malcolm saboreava omomento.O homem, disseMalcolm, “não estámais emposição de dizer aos negros quem devemos aplaudir e quem não devemosaplaudir. E vocês não veem nenhum cubano anti-Castro por aqui — nós oscomemos”.20

Provas circunstanciais apresentadas por James 67X sugerem queMalcolm eGuevara tiveram um rápido encontro naquela semana de dezembro. Emboranãohajaprovadireta,pode-sedizercomsegurançaqueasaçõessubsequentesdeGuevaraem1965carregavamemsioprogramarevolucionáriodeMalcolmparao continente. Os dois homens eram espíritos afins politicamente, vínculo esserevelado não apenas pela semelhança de visão do mundo, mas pelas viagenssubsequentes de Guevara. Dias depois de sua fala naonu, Guevara tomou oavião para a África e, literalmente, seguiu os passos de Malcolm a partir daArgélia; em 8 de janeiro estava naGuiné; e de 14 a 24 de janeiro visitouAcra.Encontrou-secomJuliusNyerere,e foipelaTanzâniaqueguerrilheiroscubanosconseguiram passar com segurança para as províncias orientais do Congo.Ademais,diasdepoisdoassassinatodeMalcolm,GuevarateveumencontrocomNasser noCairo, onde conseguiu o apoio do governo egípcio para a guerra deguerrilha.21O fatode ambos terem tido fim tãoviolento emnomeda lutaquetravaram,edeganharemcomamorteestaturadeíconesrevolucionários,pareceuniraindamaisoslegadosquedeixaram.

Em seus últimos dois meses na África e no Oriente Médio, Malcolm tinha

faladorelativamentepoucoempúblicosobrearixacomaNaçãodoIslã.Depoisde voltar, tentou guardar silêncio sobre a disputa, mas as engrenagens postaspara funcionar dentro da seita já não podiam ser detidas. Não haveria mais

negociações.Oministrocarismáticoque levaraosmembrosaofrenesiagorasetornara objeto dessa violenta energia, e a franqueza com que Malcolm falousobreaNaçãoao longode1964tinhadadoaseus líderescombustívelmaisquesuficienteparamanterasfogueirasacesas.Asadesõesàseitaficaramestagnadassem o apelo de Malcolm para recrutar novos membros e, enquanto avançavapelos escaninhos da justiça, a ação de reconhecimento de paternidade contraElijahMuhammadcontinuavaaproduzirrevelaçõesprejudiciais,quesópodiamser refutadas dizendo-se que eram mentiras espalhadas pelo antigo ministronacional.Apesar deMalcolm ter guardado relativo silêncio sobre a Nação durante o

tempo que passou fora do país, suas ações políticas tinham sido por demaisprovocadoras.MuhammadeasedeemChicagoreagiramfuriosamenteàsbem-sucedidas negociações de Malcolm com organizações islâmicas no Cairo e emMeca, cujo efeito foi fazer aNação do Islã parecer cada vezmais, nos EstadosUnidosenoOrienteMédio,umgrupoforados limitesdoverdadeiroIslã. Isso,mais do que qualquer outra coisa, enfureceuMuhammad, que trabalhara duropara islamizar a Nação nos últimos anos, embora sempre em torno da ideiacentral herética de sua própria divindade. Contratar professores de árabe,cultivar relações compaíses islâmicos— tudohavia sido feito para fortalecer aboa-fé da Nação, mas ao adotar o Islã ortodoxo como seu próprio programaMalcolmmarginalizaraaseitadeumsógolpe,limitandooaumentodonúmerodemembros nomomentomais crítico. Essa jogada, que continuou a produzirramificações àmedida queMalcolm aumentava o seu raio de ação, tornou seuassassinatoaindamaisnecessáriodeumpontodevistainstitucional.Durante toda a longa ausência deMalcolm no verão e no outono, aNação

tinha travadooque sepoderia chamarde jihadunilateral contra ele.Em15dejulho,JohnAliinformounumareuniãodaMesquitanº7queoXforaretiradodonomedeMalcolm.Lembrou aos fiéis queMalcolm, afinal de contas, tinha sido“ladrão, viciado em drogas e gigolô”.22 Esses discursos cáusticos foramcomplementados com uma campanha caluniosa nas páginas doMuhammadSpeaks. Em 25 de setembro, o capitão Joseph e o líder deAtlanta, JeremiahX,publicaram um artigo intitulado “Biografia de um hipócrita”, tentandocaracterizar toda a carreira de Malcolm na Nação como uma história deoportunismo. Como Malcolm tinha inaugurado pessoalmente, ou ajudara adesenvolverquasetodasasmesquitasentre1953e1962,atarefadeleseradifícil.

No entanto, costumavam denegrir a imagem de Malcolm e identificavamdezenas de transgressões que supostamente tinham enfraquecido a Nação doIslã.Nomesmonúmero,oministroCarldeWilmington,Delaware,descreveuMalcolmcomoum“cata-ventoquemudacomadireçãodosventos”.OcapitãoClarence 2X Gill, de Boston, também denunciou Malcolm e todos os outroshipócritas,dizendo:“QueAláosqueimeno inferno”.23QuandoMalcolmvoltoupara os EstadosUnidos foi recebido por outro ataque violento emMuhammadSpeaks, datado de 26 de novembro, de autoria de Edwina X da mesquita deNewark. Segundo ela, a luta para derrotar tudo aquilo que Malcolmrepresentava era vital: “Como em todas as grandes lutas pela verdade e pelaliberdade, háos invejosos, os insinceros eoshipócritas que tentarãomacular edestruir a obra de um líder divino. Tivemos um desses hipócritas nanoinaformadeMalcolmXLittle”.Emseguida,advertiuela:“Paraaquelequeescutoua verdade e ainda assim quer se perder— nada resta senão a destruição totalpara tal desertor”.24 Provavelmente o ataque mais influente apareceu noMuhammad Speaks assinado por Louis X em 4 de dezembro. “O dado estálançado, e Malcolm não escapará, especialmente depois dessa fala maldosa eboba”,declarouFarrakhan.“UmhomemcomoMalcolmmerecemorrer.”25Essafrase-códigoeraumchamadoàsarmasdentrodaseita.Nas ruas, logo ficou claro que a segurança se tornara insuficiente para o

pessoal dammi. No fim de outubro, KennethMorton, que deixara amesquitaquandoMalcolmsaiu,foiatacadodeemboscadapormembrosdoFrutonafrentedasuacasanoBronx.Veioamorrer,detãoseveramenteespancadonacabeça.Ocapitão Joseph negou que a Mesquita nº 7 e seus funcionários tivessem tidoqualquerenvolvimentonamortedeMorton,masninguémnammiprecisavadeprovasparaconvencer-sedequenãodeviachamarmuitaatenção.26Benjamin2Xescapouporpoucodeumasurra,oudealgopior,nasmãosdoex-motoristadeMalcolm, Thomas 15X Johnson, e um grupo de malfeitores da Nação que operseguiram por várias quadras. James 67X, alvo quase tão visado quanto opróprioMalcolm,evitavadormirnomesmolugarmaisdeumanoite,revezandoentre quatro apartamentos, incluindoummantido por seu antigo companheirodequarto,AnasLuqman.27

Apesarda tempestadequese formava,Malcolmnãoreduziu suasatividadespúblicas.Emmeadosdedezembro tirouvários dias para falarnaFaculdadedeDireito deHarvard: na palestra “A revolução africana e seu impacto no negro

americano”expôssuasideiassobreoIslã,estabelecendoligaçõescomojudaísmoeo cristianismo.Ele adotava a “fraternidade de todos os homens”, disse, “masnãoacreditoemdesperdiçarfraternidadecomninguémquenãoestejadispostoapraticá-la comigo”. Mais uma vez explorou um tema desenvolvido por FrantzFanon, sugerindo um vínculo entre a autorreinvenção da identidade negra e odesmantelamento do racismo. “Vítimas de racismo são criadas à imagem dosracistas”,afirmou.“Quandoasvítimaslutamvigorosamenteparaseprotegerdaviolência de outros, atribui-se-lhes a imagem do criminoso, pois a imagem docriminoso é projetada sobre a vítima.” A libertação, sugeriu ele, não erasimplesmentepolítica,mastambémcultural.Seuargumentocentral,porém,eraanecessidadedequeosnegrostransformassemsualuta,mudando-ade“direitoscivis” para “direitos humanos”, redefinindo racismo como “um problema paratoda a humanidade”. Aoaau era a favor de submeter “nosso problema àsNações Unidas”, assim como apoiava o voto dos negros e a educação doseleitores.Com a aproximação do Natal, Malcolm foi convidado a aparecer na Igreja

InstitucionalMetodistaEpiscopalCristãWilliams, noHarlem, onde o principalorador era a combatente da liberdade do Mississippi, Fannie Lou Hamer. OpúbliconaWilliams foi um tanto pequeno, cerca de 175 pessoas,masMalcolmfez uma apresentação animada e provocativa. Suas explorações da filosofia dosmovimentossociaisnosúltimosmesesopuseramfrenteafrentecomumvelhodebate dentro da esquerda ocidental sobre como os seres humanos descobremque são atores sociais, perguntando se uma força externa, como um partidorigorosamenteorganizado, seria necessária para conduzir os oprimidos à plenaconsciência política, ou se os oprimidos têm capacidade de transformar suasituação por conta própria. Investigando o assunto, Malcolm se colocoufirmemente no campo que geralmente se chama de espontaneidade. “Eu, pormim, acredito que se dermos às pessoas um entendimento completo doproblemaquetêmdiantedesi,edascausasbásicasqueoproduzem,elascriarãoseu próprio programa”, declarou. “E quando as pessoas criam um programa oque se tem é ação.”28 A rigor, os comentários de Malcolm rejeitavamimplicitamenteateoriamarxista-leninistadeumpartidorevolucionáriodeestilomilitar e endossavam a crença de C. L. R. James de que os oprimidos têm opoderdetransformaraprópriaexistência.Se as pessoas comuns têm inteligência e potencial para mudar as próprias

condições, em torno de que princípios econômicos isso deveria ocorrer? Maisuma vez Malcolm recorreu ao socialismo, explicando-o, porém, num contextonovo,geopolítico.Emsuaopinião,adivisãogeopolíticabásicadomundonãoeraentre os EstadosUnidos e aUnião Soviética,mas entre os EstadosUnidos e aChinacomunista. “Entreospaíses asiáticos, sejameles comunistas, socialistas...quase todos... que conquistaram independência inventaram algum tipo desistema socialista, e não é por acaso.” Embora Malcolm não tenha visitado aChina ou Cuba, era claro que as sociedades socialistas que mais admiravabaseavam-senosmodelosdeMaoTsé-tungeFidelCastro.QueelebuscasseexemplosnaÁsia,eespecificamentenaChina,faziasentido,

diante do rumo tomado por suas recentes investigações históricas da políticamundial; e essa visão poderia também ser colocada num contexto bem maisantigo de interesse dos negros pelaChina comomodelo para a luta dos povosoprimidos.Jánaviradadoséculo,W.E.B.DuBoisfizerareferênciaà“linhadacor” emThe Souls of Black Folk [As almas do povo negro], deixandosubentendido que povos “de cor” incluíam africanos, asiáticos, judeus e outrasminoriasmundoaforaqueestavamenvolvidasnumalutacontraoimperialismoocidental.Combasenesseargumento,algunsnegros tinhamacalentadograndesimpatia pelo império japonês nos anos 1930. Uma geração depois, muitosnegrosesquerdistasviamMaoTsé-tungcomoolídertriunfantedeumpovonãobranco.A ideia de identificaçãodosnegros comaÁsia tinha se refletido aténaideologiadaNaçãodoIslã,queviraosafro-americanoscomogenealogicamente“asiáticos”, classificação queMalcolm abandonara antes de notar a conexão poroutros caminhos, em termosdepolíticaglobal.Ele foi encorajadoa seguir essadireção por suas relações com Shirley Graham Du Bois e o filho, David, queempunharam com entusiasmo a tocha carregada durante tanto tempo por seupatriarca.Abemdaverdade,nofimdavidaW.E.B.DuBoistornara-sefigurareverenciada na Ásia, tanto pelos chineses como por Nehru na Índia. EleperceberanaChinarevolucionáriaumtriunfodetodosospovosdecor.29

No discurso da igrejaWilliams,Malcolm recorreu ao triunfo do socialismoasiático para voltar à noção de que o capitalismo como sistema econômico erainerentementeexplorador.“Nãosepodeoperarumsistemacapitalistasemquese seja um pouco ladrão; para ser capitalista é preciso ter o sangue de outrapessoa para sugar.” A maré da história para os povos de ascendência africanavoltava-se inextricavelmente para o leste: “Quando olhamos o continente

africano, quando vemos as dificuldades que existem entre o Oriente e oOcidente,descobrimosqueospaísesdaÁfricadesenvolvemsistemassocialistaspararesolverseusproblemas”.30

Na cerimônia,Malcolm convidou Fannie LouHamer e os Freedom Singersdosncc, que viajavam com ela, para irem ao comício daoaau no Audubonaquelanoite.Obem-sucedidocomíciocomHamerabriuparaMalcolmeparaaoaau um canal há muito tempo desejado para o trabalho político com umaorganização progressista no sul. As atenções dentro domovimento de direitoscivis voltavam-se naquelemomento para Selma, Alabama, onde vários gruposesperavam lançar uma grande iniciativa de direitos eleitorais no ano-novo.Malcolm achou Selma intrigante e continuou os esforços para redefinir suaimagemnacomunidadededireitoscivis.NavésperadoNatal,acompanhadodeJames67X,visitouacasadeJamesFarmer.MalcolmsouberaqueolíderdocoreiniciariaumaviagemdeseissemanaspelaÁfricaequeriasugerircontatoslocais.FarmerficouestranhamenteofendidocomapresençadeJames.“Porquetrouxeoguarda-costas?”,perguntou.“Achaquevoumatarvocê?”Malcolm explicou que a presença de James era necessária porque “hámuita

gente atrás de mim... estão a fim de me pegar”. Durante a visita, Farmer foibuscardoiscartões-postaisqueMalcolmlhemandaradeMeca,eperguntouseaspalavrasdeMalcolmnaquelescartõesrefletiamumanovavisãoracial.Malcolmconfirmouque seu pensamento tinhamudadoprofundamente e que a distânciaentreosdoislíderes,apesardeaindaconsiderável,tinhadiminuído.31

MasoprogressodeMalcolmemmuitasfrenteseracadavezmaisestorvadopelaNaçãodoIslã,quecomeçaraaapertarocercoàsuavolta.Pelofimdoano,ele não estava seguro em cidade alguma com a presença danoi, e quandoviajava era submetido a intimidação física e ameaças diretas. Em 23 dedezembro,quandoapareceunoprogramadeJoeRaineynaFiladélfia,aemissorarecebeuumrecadodequehaveriaumatentado contra a suavida.Apolícia foichamada para protegerMalcolm assim que ele saísse da emissora.32 Dois diasdepois, noNatal, aNaçãomandouaMalcolmum recado claro, brutal em seuspormenores,quandoquatromembrosdoFrutodeBoston,chefiadospelocapitãodamesquitaClarenceGill, atacaramde emboscada o companheiro deMalcolmLeon 4X Ameer no saguão do Hotel Sherry Biltmore de Boston. Ameer, ex-funcionáriodanoiquetinhasidoincumbidoderepresentarMuhammadAlijuntoàimprensa,caíraemdesgraçacomAliquandoMalcolmrompeucomaNação,e

passoua seescondernoBiltmore.Sofreu imensamentenasmãosdeGill e seushomens,atéqueasurrafoiinterrompidaporumpolicialarmado.Masnãofoiopior.Maistarde,aindanaquelanoite,depoisqueGillseretiraraparaoquartodehotelafimderecuperar-se,umasegundaganguedaNaçãoinvadiuoquartoparaterminar o que seus irmãos tinham começado. Ameer foi tão severamentemaltratadoquepassoumaisdeduassemanashospitalizado:apesardisso,Gilleseushomens,queforampresosapósoprimeiroincidente,pagaramapenasumamultadecemdólarescadaum.33

No dia seguinte às surras de Ameer, Malcolm voltou à Filadélfia comoconvidado do programa de Red Benson, na emissora wpen. O programa eratransmitido de um auditório aberto ao público, e logo ficou claro que sem apresença do pessoal da segurança dammi e num palco ou tribuna, Malcolmestariacompletamentevulnerável.Pelomenosquatromembrosdanoiestavamnaplateiaduranteoprograma.34Retornando à Filadélfia quatro dias depois, àsduasdatardede30dedezembro,MalcolmconcedeuumaentrevistacoletivanoHotel Sheraton, criticando tanto os jornais da imprensa negra quanto os daimprensa branca pela cobertura da crise noCongo e naÁfrica em geral.Cincohoras depois, esteve no jantar da Irmandade Muçulmana Internacional, ondefalou por trinta, quarenta minutos. Um número significativo, talvez mais detrintaentreospresentes,erademembrosdanoidaFiladélfiahostisaMalcolm.Porvoltadasnovedanoite,Malcolmeumgrupodesegurançasdammi,assimcomoseguidoresdammiedaoaau,tinhamvoltadoparaoSheraton.Umahorae meia depois, aproximadamente quinze membros danoientraram no hotel elançaramumataque frontalaosmembrosdammi.Aconfusãosóparouquandoumpolicialapareceu.MalcolmligouparaBetty, instruindo-aanãopermitirqueninguémentrasseemcasa.35Umdosseusúltimosatosde1964foiescreverparaAkbar Muhammad, advertindo-o de que líderes danoiestavam tentando“destruir sua imagem diante dos muçulmanos negros da mesma forma quedestruíram aminha”. Aconselhou-o a dar uma entrevista coletiva denunciando“essa gente violenta e cruel”. Acontecimentos recentes o tinham feitocompreenderqueórgãos internacionaisdomundo islâmiconãoconsideravamaseita “um movimento autêntico... é hora [para eles] de falar francamente everificaroqueestoudizendo.Vouenviarcartasparafuncionáriosreligiososlánomundomuçulmano, anexandodeclaraçõesde seupai contravocê,nasquais eleafirma seroMensageirodeAlá, e insistireiparaque tomemumaatitudea seu

favor”.36Metendo-seno longoconflitoentreAkbareopai, talveza intervençãodeMalcolmtenhasidomanipulativademais.Entretanto,suaameaçabásica—demobilizarorganizaçõesislâmicasinternacionaisparaboicotaraNaçãodoIslã—não era blefe.A sededaNação temia, de fato, queMalcolmpudesse encabeçaruma campanha internacional que efetivamente excluísse o grupo daummah.Akbar e Wallace tinham sido petulantes em suas críticas contra ElijahMuhammad,epoucodoquedisseramameaçava,defato,causardanosàNação.NãoeraocasodeMalcolm.Ofatwa,ousentençademorte,podeounãotersidoassinadoporElijahMuhammad;nãohácomosaber.ÉmuitomaisprovávelqueMuhammad,comoolendárioReiHenriqueii,nãotenhaanunciadoumadecisão,mas deixou bem claros seus sentimentos, permitindo que os subalternostomassemporcontaprópriaainiciativaassassina.37

Apesar de suas muitas outras obrigações, Malcolm continuou a dispor detempoparaAlexHaley.O jornalista agora compreendia a importânciadamaisrecentereinvençãodeMalcolm,oqueexigiaqueeleestendesseaAutobiografia.Numacartadeoutubrode1964paraPaulReynolds,Haleytinhaestimadoqueolivro estaria pronto para ser entregue àDoubleday no fim de janeiro de 1965.“Estouumpoucoirritado”,queixou-seHaley,porqueMalcolmtem“atrapalhadoum bocado o projeto, primeiro, por se ausentar tanto tempo, depois, com suanovaconversão.”MasHaleyreconheciaqueaadoçãodaortodoxia islâmicaporMalcolmpoderia,nofimdascontas,contribuirparaaumentaravendadolivroedespertar “intenso interesse nos países muçulmanos onde ele é visto como omais famoso Irmão Ortodoxo dos Estados Unidos”.38 Em 19 de novembro,Haleyentrouemcontato comReynoldsnovamente, “felizporpoder informar”queMalcolmvoltariaaosEstadosUnidosdentrodeumasemana.“Portantovoupegarumavião segunda-feiraparaesperá-loe conseguir as informaçõesdequepreciso para escrever os capítulos finais.”39 Haley teve vários encontros comMalcolm em dezembro de 1964 e janeiro de 1965, incorporando suas novasopiniões nos capítulos finais daAutobiografia. Porém é de surpreender que aoaaufossemencionadatãopoucasvezesnonovomaterial.Em14defevereiro,Haley informou a Reynolds que estava “muito ocupado em terminar o livrosobre Malcolm X... Os senhores o terão antes de março... é um livro muitoforte”.40

CadavezmaisMalcolmfuncionavacomoumímãpararepresentantesdalutapelaliberdade,ejánãooviamcomoumseparatistaracial.Ofimde1964foiummomento de convergência, quandoMalcolm, tendo se afastado do separatismoinflexível, se alinhou com elementos do movimento de direitos civis que seradicalizavam. Tivesse Malcolm continuado a aproximar suas opiniões dacorrentedominante,édifícilimaginarcomoterianegociadosuasrelações,algunsanos depois, com os Panteras Negras, grupo nascido em grande parte daestrutura intelectualqueMalcolmmontaradocomeçoameadosdosanos1960.Mas naquelemomentoMalcolm era capaz de abarcar tanto os elementosmaisesquerdistas da luta quanto os mais convencionais. No início de 1965, FloydMcKissik,deideiasparecidascomasdeMalcolm,assumiuocontroledocorenolugardeJamesFarmer,dandoprosseguimentoaodecisivoafastamentodogrupodomodelointegracionistanãoviolentodeKing.EnosmesesseguintesaoVerãoda Liberdade, osncc também se fragmentou namesma linha, com o pacifistaBob Moses se opondo ao cada vez mais radical Stokely Carmichael, quesubsequentemente ingressaria nos Panteras Negras e mais tarde formaria oPartidoRevolucionáriodeTodososPovosAfricanos.Pertodofimde1964,umacarta do futuro cofundador dos Panteras, Bobby Seale, acompanhada de umaordem de pagamento, tinha chegado aos escritórios daoaau solicitando umaassinaturadeBlacklash.Esse foi também o período do esforçomais coordenado e bem-sucedido de

Malcolm para cortejar a corrente dominante dos direitos civis. Pouco antes doAno-Novo, ele recebeu uma delegação de 37 adolescentes de McComb,Mississippi, cuja viagem aNova York foi patrocinada pelosncc. Ao saudar osjovensem seuescritórionoHotelTheresa,Malcolmaconselhou-os apensarempor conta própria, aplaudindo aqueles que estavam comprometidos com a nãoviolência, embora reiterando que “se só os negros forem não violentos, entãoissonãoé justo”.Apresentouaoaau como“umanovaabordagem”, rejeitandoas tradicionais estratégias integracionistas e separatistas em favor de “tornarnosso problema um problema mundial”. As dificuldades do Mississippi nuncaseriam superadas se continuassem concentrando-se estritamentenos problemasdo Mississippi. “É importante que saibam que quando vocês estão lá noMississippinãoestãosozinhos...VocêstêmtantopoderdoseuladoquantoaKuKlux Klan tem do lado dela.” Malcolm prometeu mandar alguns dos seusmilitantes para ajudar os combatentes da liberdade. “Vamos organizar irmãos

aqui em Nova York que sabem como cuidar desses assuntos, e eles vão seinfiltrarnoMississippicomoJesusseinfiltrouemJerusalém.”41

No domingo, 3 de janeiro, o programa noturno daoaau no Audubon tevefilmes em cores produzidos por Malcolm durante as viagens. Apesar do friosevero,oprogramaatraiuumpúblicodesetecentaspessoas.42DoisdiasdepoisMalcolmvisitouMontrealporummotivoinusitado:paraaparecernoprogramade televisãoda cbcFrontPageChallenge.De formatosemelhanteaoprogramaamericanoWhat’sMyLine?,dosanos1950,convidadosrespondiamaperguntasfeitasporparticipantesderostocoberto,quetentavamadivinharsuaidentidade.OsparticipantesdoprogramadeMalcolmeramGordonSinclair,BettyKennedyeCharles Templeton. Por que ir a um programa de brincadeiras na televisão?Talvez fosse outra maneira de obter fundos para a família. Ou talvez umaoportunidade de mostrar o lado mais descontraído de sua personalidade paraumagrandeaudiência.43

Ele também continuou a expandir sua retórica sobre as conexõesinternacionais entre Ásia, África e os Estados Unidos negros. Como oradorprincipal no Fórum Trabalhista Militante em Palm Gardens, em 7 de janeiro,comentouquerizicultoresvietnamitastinhamlutadocomêxito“contratodasasarmas de guerra altamente mecanizadas” dos Estados Unidos. A explosão deuma bomba nuclear pela China, declarou ele, “foi um grande avanço científicopara o povo oprimido da China”. Os chineses comunistas mostraram “seuavançadoconhecimentocientíficoapontodeumpaístãoatrasadocomoonossodizerqueaChinaé,emborapobreeatrasada,capazdedesenvolverumabombaatômica.Eu tinhade ficarmaravilhado”.Ele vinculava esses acontecimentos aolegado do imperialismo e do colonialismo. Malcolm explicou que MoiseTshombe era um “agente do imperialismo ocidental” na África, e chamou aatenção para o fato de que em 1964 tanto a Rodésia do Norte como aNiassalândia, depois de anos de esforços, tinham vencido potências coloniais,tornando-se os independentes Zâmbia e Malawi, respectivamente. Vistos emconjunto, esses acontecimentos internacionais eram todos impulsionados pelasmesmas forças políticas globais, e questões afro-americanas precisavam sertratadasdentrodomesmocontextodinâmico.44

Nosdias seguintes,Malcolmescreveuuma sériede cartaspara consolidar aoaau comomovimento internacional.ACarlosMoore, umnegro cubano anti-Castro que apesar de tudo dera assistência a Malcolm durante a semana que

passouemParis,Malcolmpediuajudaparaabrirumescritórionaquelacidade.45

NumacartamuitoamistosaparaMayaAngelou,Malcolmelogiousuacríticaaosque falam “acima da compreensão das massas”, dizendo que ela era capaz decomunicar-secom“muita[alma]esempremantémospésfirmesnochão.Éissoque faz de você,você”. Sem apelos explícitos, a carta deMalcolm fez Angelousentir-se tão lisonjeada que apressou sua decisão de abandonar o emprego deprofessora em Gana e juntar-se imediatamente a esse homem em quemdepositarasuaféesuasesperanças.46

Em17dejaneiro,MalcolmapareceunumavigíliapúblicanoHarlem,naqualmilharesdepessoassereuniramenfrentandoaneveparaexigiradessegregaçãodas escolas. Embora sempre alerta sobre os ataques danoi, ele parece terconcluído que multidões maiores representavam um impedimento mais forteparaaviolência.Nessecaso,tambémpodetersidoinfluenciadopelofatodequea maioria dos manifestantes era branca, o que tornava uma investida maisimprovável. Organizado pela equal, um grupo de pais, o protesto começou àsquatro da tarde de sábado e terminou 24 horas depois. Entre os participantesestavam o reverendo Milton Galamison e o dr. Arthur Logan, do grupo depressãoharyou(HarlemYouthOpportunities),doisliberaisnegrosqueMalcolmtentavaconquistar.Entretanto, apesar de ter desafiado o frio e as ameaças potenciais para

comparecer, os comentários de Malcolm sobre o esforço, segundo relato doTimes, não foram nem solidários nem encorajadores. “Os brancos deveriamdedicarmais tempoa influenciarosbrancos”,afirmou.“Essaspessoas têmboasintenções,masestãomalorientadas.”Aqueixa—deque“oHarlemnãoprecisaque lhe digam o que fazer a respeito de integração” — demonstravaincompreensão.47

Malcolmcrioumuitosproblemascomoesseemseusdiscursosecomentáriosno começode 1965, emparte porque tentava alcançar públicosmuito diversos.Assumiatonseatitudesdiferentesdependendodogrupo,egeralmenteexpunhaopiniões contraditórias no intervalo de poucos dias. Só não foi apanhado commaisfrequêncianessascontradiçõesporqueasnotíciasviajavamlentamentepelopaís, porque a política dos negros recebia insuficiente cobertura e porque osdiscursosnãocostumavamsergravados.EmseusdiscursosposterioresforadosEstados Unidos falava sempre o Malcolm mais revolucionário: ali aparecia oMalcolm que às vezes defendia a violência armada, semeando considerável

controvérsia,comologoseriaocasonaInglaterra.NosEstadosUnidoseramaisdócil, mais conciliador, apesar de, em muitas ocasiões, elogiar King e outroslíderes de direitos civis num dia e ridicularizá-los como democratas liberais nodiaseguinte.Tambémcontavacomoapoiodostrotskistas,dirigindo-lhesapelosexplícitos emdiscursos quepareciamapoiar um sistema socialista, e quequasesempre sacrificavam possíveis alianças com a direita ideológica. Mas Malcolmnãosecontinha,poisacreditavasinceramentequeosnegroseoutrosamericanosoprimidostinhamquerompercomosistemabipartidárioexistente.Essejogodeequilíbrioajudaaexplicarsuascontradições,mascomrelaçãoà

ambivalência sobre King e os liberais do movimento, as crenças políticas deMalcolmpodem tê-lo induzido a equivocar-se sobre a importância fundamentalda luta convencional pelos direitos civis para a grandemaioria dos americanosnegros.Enquanto criticavamosdefeitosda abordagemnãoviolenta, ele eumafacção cadavezmaior da esquerdanegranão souberam reconheceroquantooprogresso, mesmo gradual, era compensador. Em vários discursos, Malcolmsubestimou o espetacular mandato eleitoral que Lyndon Johnson recebera demilhões de eleitores negros alegando que os afro-americanos tinham sidoenganados e “controlados por líderes do tipo Pai Tomás”. Parece não lhe terocorridoquegrandesmudançassociaisgeralmenteocorremmediantepequenastransformaçõesde conduta individual; que, paraosnegros a quemodireitodevotarforanegadoportrêsgerações,daroseuvotoacandidatosreformistasnãoeratrairacausaouser“mantidonaplantationporcapatazes”.48Paraeles,Kingeraumafiguralibertadora,enãoumPaiTomás.Damesmaforma,eleinterpretoumalosentimentoquemoveuocomícioda

equalpeladessegregaçãodasescolas.Em1965,asmassasdepaisefilhosnegrosnão aguentavammais as escolas demá qualidade e a prática racial de colocarcriançasnegraselatinasemgruposcomdificuldadedeaprendizado.Avigíliaerapartedeuma lutadacidade inteiraporumareformaeducacional.Asmudançassociais importantes para amaioria das pessoas ocorrem em torno de questõespráticasqueelasenfrentamtodososdias,masMalcolmaindaassim foi incapazde perceber a necessária relação entre reformas graduais e mudançarevolucionária.Naquelemesmofimdesemana, JackBarneseBarrySheppard,da trotskista

Aliança Socialista Jovem, entrevistaramMalcolmpara a publicação do grupo, aYoung Socialist. No artigo resultante,Malcolm explicava por que, nos últimos

meses, deixara de usar a expressão “nacionalismo negro” para descrever suavisãopolítica.NaprimeiravisitaaGanaemmaio,eleficaraimpressionadocomo embaixador argelino, “um revolucionário no verdadeiro sentido da palavra”.QuandosoubequeafilosofiadeMalcolmerao“nacionalismonegro”,oargelinoperguntou: “Issoquerdizerqueeleéoquê?Eoque sãoos revolucionáriosdoMarrocos, do Egito e da Mauritânia?”. A expressão “nacionalismo negro” eraaltamente problemática num contexto global, porque excluía um númerodemasiado grande de “verdadeiros revolucionários”.49 Foi essa a grande razãoque levouMalcolmabuscarrefúgio,comfrequênciacadavezmaior,narubricapolíticadopan-africanismo.Maseletalveztenhareconhecidotambémquehaviaenormes dificuldades com essa categoria teórica, que ia do anticomunismo deGeorgePadmore ao raivosomarxismo-leninismodeNkrumahno exílio depoisde1966.Apesar da recente relutância em ser descrito como nacionalista negro,

Malcolm ainda enxergava a ação política dividida em categorias distintamenteraciais, o que pode explicar melhor o fato de ele não ter adotado nenhumamedidapara integrar seusgrupos.Porexemplo,quandoBarneseSheppard lheperguntaramquecontribuiçãoosjovens—especialmenteestudantes—brancosantirracistas poderiam dar, o conselho que deu foi que não ingressassem emorganizações negras. “Os brancos sinceros deveriam organizar-se, entre si, einventar uma estratégia para destruir o preconceito existente nas comunidadesbrancas.”No anoque vinha pela frente,Malcolmpreviumais sanguenas ruas,porque brancos liberais e negros moderados seriam incapazes de canalizar ainquietação social em fermentação. “Líderes negros perderam o controle dopovo.Equandoaspessoascomeçaremaexplodir—esuaexplosãoéplenamentejustificada,nãoéinjustificada—,oslíderesnegrosnãopoderãoconter.”50

No dia seguinte, Malcolm tomou o avião para Toronto, onde apareceriacomoconvidadonoPierreBertonShow,nocanalcfto.Nãoquisdiscutirosfilhosque Muhammad teve fora do casamento, mas mesmo assim deu um jeito decriticá-lo severamente como falso profeta. “Quando deixei de respeitá-lo comohomem”, disse ele a Berton, “vi que também não era divino.Não haviaDeusalgum nele.” Malcolm agora dizia que Deus abraçava judeus, cristãos emuçulmanos — “Todos acreditamos no mesmo Deus” — e negava que osbrancos fossem “demônios”, ressaltando que “isto é o que Elijah Muhammadensina... Ninguém deve ser julgado pela cor da pele, mas por seu

comportamento visível, por suas ações”. Malcolm rejeitou explicitamente aexigênciapolíticaseparatistadeumestadooupaísnegro,declarando:“Acreditonumasociedadenaqualaspessoaspossamvivercomosereshumanos,combasena igualdade”.QuandoBerton perguntou se seu convidado ainda acreditava naescatologia da Nação do Islã sobre “um Armagedom”, Malcolm habilmenteconverteu essa teoria danoina linguagem da revolução e da luta de classesmarxista:AcreditoquehaveráumchoqueentreoOriente eoOcidente.Acreditoque

haveráumconfrontofinalentreosoprimidoseaquelesqueexercemaopressão.Acredito que haverá um choque entre os que desejam liberdade, justiça eigualdadepara todos eosquequerema continuaçãodo sistemadeexploração.Acreditoquehaverá esse tipode confronto,masnão achoque serábaseadonacordapele,comoensinaElijahMuhammad.51

No próximo comício público daoaau, realizado em24 de janeiro, ele falou

sobreahistóriaafricanaeafro-americana,desdeasantigascivilizaçõesnegraseda escravidão negra aos tempos atuais. Os líderes daoaau planejaram maisduaspalestrasdeMalcolmdepoisdessa:asegundaanalisandoascondiçõesatuaise a terceira sobre o futuro, apresentando o programa da organização para ograndepúblico.Malcolm estudou bastante história, mas não era historiador. Sua

interpretação do trabalho escravo nos Estados Unidos pintava a cultura negracomo completamente dizimada pela instituição da escravidão, e igualava asconsequências da escravidão nos Estados Unidos às piores formas de opressãoracial. Como análise histórica, essa abordagem não leva em conta,adequadamente, as incontáveis formas de resistência organizadas por negrosescravizados. Em termos políticos, no entanto, a ênfase no excepcionalismoamericano e sua implacável opressão dos negros era uma brilhante ferramentade motivação para afro-americanos. Peter Goldman explicou que Malcolm“diferenciava os Estados Unidos do resto do mundo... Não acho queromantizasseaEuropaOcidental,masacreditoqueprovavelmentepensassequeelesestavamemsituaçãoumpoucomelhordoqueanossa”.52SituarosEstadosUnidosnopiorníveldeopressãoracial,pioratédoqueaÁfricadoSul,era,demaneiracuriosa,reconheceraimportânciadalutaafro-americana.

Dois dias após o comício daoaau,Malcolm fezumdiscursonoDartmouthCollege, em Hanover, New Hampshire. A palestra foi preparada por umuniversitáriomuçulmano,OmarOsman,afiliadoaoCentroIslâmicodeGenebra.O interesse despertado foi tão grande que, enquanto 1500 pessoascompareceram, quinhentas não conseguiram entrada. A fala de Malcolm tinhapor base sua nova imagem de defensor dos direitos humanos. Barreiras comoreligião,raçaecorjánãopodiamserusadascomopretextoparainaçãodiantedainjustiça. “Precisamos abordar o problema, acima de tudo, como sereshumanos”,declarouele,“esejaláoqueforquesomosalémdisso.”53

Palestras ousadas como essa para grandes plateias contrastavam com oconfuso esforço que frequentemente fazia para evitar altercações com aNação,embora continuasse,mesmonessa fase tardia, e apesar dos conselhos daquelesquesepreocupavamcomoseubem-estar,aprovocarosantigosirmãos.ElenãoabdicaradoseuenvolvimentonaaçãodereconhecimentodepaternidadecontraElijah Muhammad em Los Angeles, prestes a ser retomada. O caso foraprotelado até que finalmente se marcou uma audiência para 11 de janeiro de1965. Porém, no dia da audiência, nem Evelyn Williams nem Lucille Rosaryapareceram. Em consequência, o juiz tirou o caso de pauta até que umaexplicação fossedada, equandoa explicaçãoveionão chegoua surpreender: asmulheres tinham sido tão intimidadas pelanoique começaram a temer pelaprópria integridade. Viviam juntas em Los Angeles, mas se mudaram duasvezes, pormedo.54Quando contatadopela promotoraGladysTowlesRoot, deLosAngeles,Malcolmaconselhou-aaacelerarseusesforços,dizendo:“Seocasonãoforjulgadologo,nãoestareivivoparatestemunhar”.Sua profecia ganhou credibilidade quase de imediato. Aproximadamente às

onzeequinzedanoitede22de janeiro,Malcolmabriuaportada frenteedeualguns passos para fora de casa quando, de súbito,muçulmanos escondidos alipertosaíramcorrendoemsuadireção.“Atacaramtrêssegundosantesdahora”,contouMalcolmmais tarde.Ele correude volta para dentro, trancou a porta echamou a polícia.Mas a Nação dera o recado: se saísse da casa,Malcolm nãoestariaseguroempartealguma.Apolíciachegou,vasculhouasquadrasvizinhas,mas, comoeradeesperar,nãoencontrouosagressores.Malcolmdesmentiuasalegações da imprensa de que só viajava com um guarda-costas e retorquiu:“Meuguarda-costaséavigilância”.55Arigor,viajavarotineiramentecomJames67X ouReuben Francis, ou com ambos, e passara a levar uma caneta comgás

lacrimogêneoparadefesapessoal.Sem se deixar intimidar pelo ataque,Malcolm tomou o avião para a Costa

Oeste,onde,em28dejaneiro,sereuniucomEvelyn,LucilleeGladysRootparagarantir que persistissem na ação judicial. Malcolm prometeu testemunharpessoalmentenaaudiência.56Então,porcoincidência,umgrupodepartidáriosdanoiesbarrou em Malcolm no saguão do hotel. Nos dois dias seguintes,acompanharamseusmovimentos,mantendo-sesemprepertoparaqueMalcolmsoubesse que estava sendo observado e que eles poderiam atacar a qualquermomento.RootdissedepoisqueMalcolmpareciamuitoassustadodurantetodaa viagem. No dia em que deixou a cidade, dois carros com homens do FrutoseguiramoautomóveldeMalcolmnarodoviaparaoaeroporto.Semnenhumaarma para se defender, Malcolm achou uma bengala no carro, enfiou-a pelajanela e apontou-a como se fosse um cano de fuzil. E convenceu: os atacantesrapidamente recuaram. No aeroporto, porém, havia outros muçulmanosesperando.ODepartamentodePolíciadeLosAngelesreagiu levandoMalcolmpor um túnel subterrâneo para tomar seu avião.57 Antes do embarque, ocomandante manteve todos os passageiros fora e ordenou uma inspeçãocompletadaaeronaveàprocuradebombas.QuandochegouaChicago,Malcolmfoicolocadosobestritaproteçãopolicial.58

AparadaemChicagofoi,emsi,umaousadaprovocação.MalcolmforaàbasedaNação como propósito de enfraquecermais ainda sua influência. Estava aliparaserentrevistadopelopessoaldogabinetedosecretáriodeJustiçadeIllinois,quepensavaemtê-locomotestemunhanumaaçãojudicial.Cooper,seguidordeElijahMuhammad e detento na penitenciária estadual de Illinois, processava oestado, com base naConstituição, alegando que, quando estava no cárcere, foiimpedido de obter um exemplar do Alcorão e outro material de leiturarelacionadoàNaçãodoIslã.Comotestemunha,MalcolmdiriaqueaNaçãonãoera uma organização religiosa legitimamente islâmica, e que portanto nãomerecia ter acesso a instituições penais.59 Essa recém-descoberta hostilidade àsatividades religiosasdaNaçãodentrodasprisões contradizia frontalmente seusvastos esforços para converter presos, que remontavam a seu próprioencarceramentonosanos1940.SuaoposiçãoàNaçãoeratãointensaqueestavaprontoparaapoiarosesforçosdosecretáriodeJustiçadeIllinoisparaimpediroacesso da seita aos detentos do sistema penal. Esse objetivo em si já irritava aNação,masMalcolmnãopassoucaladopelacidade.Emvezdisso,dedicoudez

horas de seu tempo a dar entrevistas para a televisão, o rádio e os jornais,incluindoumaapariçãogravadanopopularKup’sShow,daemissorawbkb.ApesardeMalcolmterretornadoasalvoparaNovaYorkem31dejaneiro,o

incidenteemLosAngelesdeixou-oabalado.Naquelanoiteelepareceucontidoaofalar num comício daoaau noAudubonperante 550pessoas, público inusitadoparaogrupo.60No dia seguinte, deuuma entrevista reveladora aoAmsterdamNews:“Minhamortefoiordenadapeloschefesdomovimento”,disse,referindo-se ànoi. Estava convencido de que quanto maior a publicidade negativa emtornodas tentativasdaNaçãoparamatá-lo,mais seguroestaria;epensavaquese alguém lhe fizesse mal a polícia prenderia imediatamente membros daNação.61 A declaração, no entanto, não teve efeito imediato. Dois dias depois,quando Malcolm apareceu como participante de um grupo de discussão noprograma de tvHotline, da wpix em Nova York, com Ossie Davis, JimmyBreslineoutros,malfeitoresdaNaçãocercaramoshomensdeMalcolmforadoestúdio de televisão, precipitando uma briga violenta. Mais uma vez Malcolmescapouileso.62

Naqueles últimos dias, muitos companheiros mais próximos de Malcolmnotarammudanças perturbadoras em seu comportamento e em sua aparênciafísica. Durante anos, Malcolm comparecera a reuniões e palestras públicasimpecavelmentevestido, semprecomumacamisabranca limpaegravata.Masagora,estavasemprecansado,mesmoexaustoeatédeprimido.Ossapatosnãoeram engraxados; a roupa estava frequentemente amarrotada. Havia inclusive“umaespéciedefatalismo”emsuasconversas,comoobservouopesquisadordavidadeMalcolm,Abdur-RahmanMuhammad.EmsuasconversaspessoaiscomAnasLuqmannessaépoca,Malcolmruminavaaideiadeque“osmachosdesuafamília não morriam de morte natural”. Para Luqman, pouco antes doassassinato, o líder parecia resignado ao seu destino: “Seja o que for que vaiacontecer, vai acontecer”. O desencanto dos seguidores de Malcolm com seulídertambémtinhaaverdiretamentecomaconfusãoeaalienaçãoquesentiama respeito das novas orientações políticas que receberam. Em termos práticos,como explica Abdur-Rahman Muhammad, os antigos muçulmanos negros queseguiram Malcolm nammi “não tinham aderido ao Islã ortodoxo.Não tinhamaderidoaonegóciodaoaau.Eressentiam,decididamente,ofatodequeaoaaupareciaserondeMalcolminvestiatodaasuaenergia”.Apesar das incertezas e das crises de depressão,Malcolmpreparava-se para

seguiremfrente.Em3defevereiro,pegoucedooaviãodeNovaYorkechegouaMontgomery,Alabama,porvoltadomeio-dia.Umahoraemeiadepoisfalavapara 3 mil estudantes no salão Logan do Instituto de Tuskegee. O auditórioestavatãosuperlotadoquemesmoantesdeoprogramaoficialcomeçarcentenasdepessoastiveramdeserbarradas.OtítulodeMalcolmparaapalestra,“Escaladasideologiaspolíticas”,nãorefletiaoconteúdo,quecobriaboapartedoterrenoexploradoemoutrosdiscursosrecentes.ElecondenouoregimedeTshombe,osvínculosdogoverno Johnsoncomesse regime, eo crescenteenvolvimentodosEstadosUnidosnoVietnã,sugerindoqueosEstadosUnidostinham“caídonumaarmadilha”. Quando perguntado sobre sua disputa com Elijah Muhammad,respondeu comumargumento suave, teológico: “Elijah acredita queDeus viráconsertar tudo... Não estou disposto a me sentar e esperar que Deus venha...Acreditoemreligião,masnumareligiãoqueincluaaçõespolíticas,econômicasesociais destinadas a eliminar algumas dessas coisas, e fazer umparaíso aqui naterra,enquantoesperamospelaoutra[vida]”.63

Os estudantes afiliados aosncc que assistiram à palestra convidaram-no avisitar Selma, então quartel-general da campanha nacional pelos direitoseleitorais dos negros, apenas 160 quilômetros a oeste, no centro do CinturãoNegro. Malcolm não pôde recusar. A beleza da luta de Selma era sua brutalsimplicidade:centenasdenegrosfazendofilatodososdiasnoprédiodoCondadodeSelma-Dallasparaexigirodireitodefazeroregistroeleitoral;apolíciabrancadocondadoedacidadeespancando-oseprendendo-os.Atéaprimeirasemanadefevereiro, 3400 pessoas tinham sido presas, incluindo Martin Luther King.Grupos terroristas como a Ku Klux Klan, protegidos pela escuridão da noite,intimidavam obreiros de direitos civis, famílias negras e casas com seusocupantes. Em 4 de fevereiro, Malcolm falou para trezentas pessoas na IgrejaMetodista Episcopal Africana Brown Chapel. Significativamente, embora acerimônia tivesse sido arranjada por intermédio dosncc, depois de algumasnegociaçõespassouasercopatrocinadapelasclc.,deKing.NosermãoMalcolmelogiouadedicaçãodeKingànãoviolência,masadvertiuque,seosbrancosdosEstados Unidos se recusassem a aceitar o modelo não violento de mudançasocial,seupróprioexemplode“autodefesa”armadaeraumaalternativa.Depoisdapalestra,teveumencontrocomcorettaScottKing,declarandoquenofuturotrabalhariadecomumacordocomseumarido.Antesdeirembora,informouaosobreiros dosncc que planejava iniciar uma campanha de recrutamento para a

oaaunosuldentrodepoucas semanas.64Nessaúnicavisitaele tinhaampliadosignificativamente o objetivo e amissão daoaau, de fazer lobby naonu paradesempenhar um papel ativista nas trincheiras locais da luta pelos direitoseleitoraisepelaorganizaçãodecomunidades.DevoltaaNovaYork,comproupassagensaéreasparaLondres,comescalas

emPariseGenebra,naquelaqueseriasuaúltimaviagemaoexterior.PlanejavaassistiraoprimeiroCongressodoConselhodeOrganizaçõesAfricanasrealizadoem Londres de 6 a 8 de fevereiro, e de lá seguir para Paris e trabalhar comCarlosMoore na consolidação da presença daoaau. Chegando a Londres, deuentrevistas à agência de notícias Nova China e aoGhanaian Times. Comoacontecera tantas vezes, o bom relacionamento que tinha estabelecido comativistas domovimento em Selma eTuskegee logo cedeu a vez a sentimentosmaisradicais.Eledisseàmídiachinesaque“omaioracontecimentode1964foiaexplosãodeumabombaatômicapelaChina,poisissoéumagrandecontribuiçãoparaa lutadospovosoprimidosdomundo”.LamentouaLeideDireitosCivisde1964,quedescreveucomo“nadamaisqueumartifíciopara enganaropovoafricano”,ecaracterizouoracismodosEstadosUnidoscomo“parte inseparáveldetodoosistemapolíticoesocial”.Alémdisso,suaoposiçãoàGuerradoVietnãintensificava-se:aescolhabásicaqueosEstadosUnidostinhamdefazereraentre“morrer lá ou retirar-se... O tempo é contra os Estados Unidos e o povoamericanonãoapoiaaGuerradoVietnã”.65

Em sua entrevista aoGhanaian Times, ele deu publicidade ao chamado deNkrumahpeloestabelecimentodeumgovernodeuniãoafricana.Oslíderesquerejeitavam a criação de uma união, declarou ele, “estão prestando um serviçomaior ao imperialismo do que Moise Tshombe”.66 Mais uma vez Malcolm, ovisionário, previu os futuros contornos da história, com a criação da UniãoAfricana meio século depois. Falando na conferência em 8 de fevereiro, eleencorajouaimprensaafricanaacontestarosestereótiposracistaseasdistorçõesdos africanos na mídia ocidental. Na imprensa ocidental, comentou, ocombatentedaliberdadeaparece“comoumcriminoso”.67

Em9de fevereiro,Malcolm tomouo aviãoparaParis,masna alfândega asautoridadesodetiveramenãopermitiramsuaentrada.Duranteumsubsequenteatraso de duas horas, ele ficou sabendo que o governo de Charles de Gaulledecidira que sua presença era “indesejável”, e que sua palestra seguinte naFederação de Estudantes Africanos poderia “provocar manifestações”.

Retornando a Londres, rapidamente organizou uma entrevista coletiva,contestandoadecisão francesa. “Nãocheguei sequeraocontrolede imigração”,reclamou.“Eupoderiamuitobemtersidotrancafiado.”68

Arranjou-se em Londres uma entrevista gravada por telefone, cujo áudioseria reproduzido em alto-falantes para um público de trezentas pessoas emParis.Oincidentepareciatê-lofeitovoltaratrás,emaisumavezeleretomoualinguagem da união e da harmonia racial. “Não defendo a violência”, explicou.“Na verdade, a violência que existe nos EstadosUnidos é a violência de que onegro tem sido vítima naAmérica.”Nas questões do nacionalismo negro e domovimento sulista de direitos humanos, elemais uma vez assumiu o papel deKing: “Acredito em adotar uma posição inflexível contra quaisquer formas desegregaçãoediscriminaçãocombasenaraça.Eunãojulgoumhomempelacordapele”.Elejásuspeitavadequearestriçãoasuaviagemeramaisprofundadoquea

mera preocupação do governo francês, e no dia seguinte enviou uma carta deprotestoaosecretáriodeEstadodosEstadosUnidos,DeanRusk.“Apesardeserportadordeumpassaporteamericano,tiveminhaentradanegadanaFrançasemexplicação.”Pediuque“umainvestigaçãosejafeitaparadeterminarporqueesseincidente ocorreu”.69 A mudança de planos forçada permitiu que Malcolmexplorasse a política racial da Grã-Bretanha durante vários dias, e nessemeio-tempo foi entrevistado pela revistaFlamingo,publicação sediadaemLondres elida basicamente por negros na Grã-Bretanha. O que surpreende é a durezademonstradaporMalcolmaodistanciar-sedosmoderadosnalutapelosdireitoscivis nos Estados Unidos. “King e os da sua espécie acreditam em oferecer aoutra face”, declarou, quase com desprezo. “Seus combatentes da liberdadeseguemasregrasdojogoestabelecidaspeloschefõesemWashington,acidadelado imperialismo.” Mais uma vez repudiou qualquer identificação como“racialista”: “Adotoo julgamentode ações enãode cor”.Pareceuque faziaumapelo não pelo direito de votar ou por mudanças eleitorais, mas por umainsurreiçãoinspiradaemGuevara.“AmoMauMau”,declarou,aplaudindoalutada guerrilha queniana nos anos 1950. “Quando se põe fogo debaixo da panela,descobre-se o que tem dentro.” E acrescentou: “A raiva produz ação”.Quandoperguntado sobre suas razões para deixar aNação, concentrou-se na política, enãoempersonalidadesounareligião.“A irmandadeoriginal [danoi] tornou-sedescuidada e conservadora.” Acusou alguns líderes danoide ganância, e em

resposta a isso “formei aMesquitaMuçulmana, que não se limita aos direitoscivis nos Estados Unidos, mas aos direitos humanos para o negro no mundointeiro”.70

Em11defevereiro,elefezumapalestranaEscoladeEconomiadeLondres,onde avaliou de forma franca e vigorosa a política racial nos Estados Unidos.Paraele,estigmasraciaisprojetavamaimagemnegativadepessoasnãobrancascomocriminosas;comoresultado,“issotornapossívelparaaestruturadepodermontar um estado policial”. Malcolm traçou paralelos entre o tratamento deafro-americanosnosEstadosUnidos e as condições das populações antilhanas easiáticasnaGrã-Bretanha,ondeestereótipos racistas levamàapatiapolíticadasminorias,quepassamaacreditarna impossibilidadedemudanças.“Métodosdeestadopolicialsãousados...parasuprimirahonestaejustalutadopovocontraadiscriminaçãoeoutrasformasdesegregação”,insistiu.71

Malcolm descreveu uma mudança de gerações que separou velhos líderesafricanosdaascendentegeraçãodejovensrevolucionários.Aantiga“geraçãodeafricanos... achava que seria capaz de negociar... e acabou conseguindo algumtipode independência”.Anovageraçãorejeitavaogradualismo:“Sealgoéseu,pordireito,ouvocêlutaporeleoucalaaboca”.Emseguidatratoudoproblemadaidentidadeculturalnegra.“NoOcidente,nóssomoslevadosaodiaraÁfricaea odiar os africanos.” Os antilhanos na Grã-Bretanha, disse ele, “não queremaceitar suas origens; não têm origens, não têm identidade... querem seringleses”. O mesmo processo de confusão de identidade ocorria entre afro-americanos. “Quandohabilmentenos fazemodiar aÁfrica... nossa cor se tornaumacorrente.Torna-seumaprisão.”Umapreçopelaculturanegralibertariaosnegros,permitindo-lhesdefenderosprópriosinteresses.Finalmente,Malcolmvoltouaoconceitodeumarevoluçãoafricanaemduas

etapas—primeiroareformagradual,depoisarevolução.Sugeriuqueomesmoprocesso social poderia estar ocorrendo nos Estados Unidos. “O movimentoMuçulmano Negro foi um dos principais ingredientes da luta pelos direitoscivis”, afirmou, surpreendentemente, sem fazer nenhuma referência à imensaquantidadedeprovasemcontrário.“[Osbrancos]deveriamagradeceraMartinLutherKing,poiseleconteveosnegrosatérecentemente.Maseleestáperdendoacapacidadedelidarcomasituação;estáperdendoocontrole.”72

ParaMalcolm,abuscaestratégicadofortalecimentodopan-africanismooudoTerceiroMundosignificavaatingirnovospúblicosqueesperavamdeleinspiração

eliderança.Sul-asiáticoseantilhanosquesofriamdiscriminaçãoétnicaereligiosanacidadeoperáriainglesadeSmethwick,porexemplo,contataram-noparapedirapoio.Abbc, quena época filmavaumdocumentário sobreSmethwick, seguiuMalcolmcomsuascâmeras—apesarde sua tentativa frustradadearranjarumencontro entre Malcolm e Peter Griffiths, político de direita do PartidoConservador, que representava SmethwicknoParlamento.Depois de reunir-secom líderes de minorias locais, Malcolm concluiu que as autoridades estavamcomprando casas vazias e vendendo-as apenas para brancos, restringindo, comisso, as casas disponíveis para asiáticos e negros. Numa entrevista coletiva navizinhaBirmingham,eledenunciouocomplôparadiminuiravendaeoaluguelde casasna cidadeanãoeuropeus. “Disseram-mequeosnegrosdeSmethwickestão sendo tratados do mesmo jeito como os negros são tratados emBirmingham, Alabama — como Hitler tratava os judeus”, acusou. Isso já erasuficientemente inflamatório, mas, como costumava fazer, levou o argumentoaindamais longe,paraumchamadoàrevoluçãoviolenta.“Seaspessoasdecorcontinuarem a ser oprimidas aqui”, advertiu, “vai haver uma batalhasangrenta.”73

Desencadeou-se um grande debate nacional, com a bbc violentamentecriticadaporajudarnasinvestigaçõesdeMalcolm.AtéoSun,naépocaumjornalliberal, opinou em editorial que a visita de Malcolm tinha sido um “errolamentável”. Cedric Taylor, presidente da Conferência Permanente dasOrganizações Antilhanas no distrito de Birmingham, condenou a visita. “Ascondições aqui são totalmente diferentes das do Alabama”, disse ele a umrepórterdoLosAngelesTimes.Aseuverosantilhanosdesuacidadenãoeram“otipodegentequeseguiriaMalcolmX”.74

Antes de deixar o Reino Unido, Malcolm foi entrevistado por umcorrespondente do jornal liberal sul-africanoSunday Express. Sua retórica foiaindamaisveemente,eelefezumapeloaosnegrosdeAngolaedaÁfricadoSulpara que usassem a violência “até o fim... Não dou aos negros [sul-africanos]nenhum crédito... por se restringirem, ou por se confinarem às regras básicasque limitamoraiodeaçãodesuasatividades”.RejeitouochefeAlbertLuthuli,agraciadocomoPrêmioNobeldaPaz,como“apenasoutroMartinLutherKing,usado paramanter os oprimidos sob controle”. ParaMalcolm, os “verdadeiroslíderes”daÁfricadoSuleramNelsonMandela,doCongressoNacionalAfricano,e Robert Sobukwe, fundador do Congresso Pan-Africano. Em seguida,

considerouapossibilidadedeaoaauadotaracausadosaborígenesaustralianos.“Assimcomooracismosetornouinternacional,alutacontraeletambémestásetornandointernacional...Asvítimas[doracismo]erammantidasseparadasumasdas outras.” A grande questão, para ele, era explicar a importância do pan-africanismo — que os negros, independentemente de nacionalidade e língua,tinham uma origem comum. “Acreditamos”, explicou, “que é uma luta só naÁfrica do Sul, em Angola, em Moçambique e no Alabama. É tudo a mesmacoisa.”75

QuandoMalcolmchegouaoaeroportoJohnF.Kennedyem13defevereiroasnotícias que o esperavam eram sinistras. Semanas antes, ele submetera aotribunal do Queens um pedido de ordem de “exibição dos fatos” destinado aadiaroususpenderodespejodesuafamília.Àquelaalturaeraóbvio,porém,quea famíliaperderiaacasae teriadeprocurarumamoradia temporária.MalcolmtambémficousabendoqueBettyestavagrávidadenovo,dessavezdegêmeos.Asituaçãofinanceira,quejáeraextremamentedifícil—sustentarquatrocrianças—,logoficariaaindamaiscomplicada,comseis.Não obstante, seus pensamentos logo se voltaram para a política. Não

conseguirasuperarasimplicaçõesmaioresdoincidentenaalfândegafrancesa.Aoentrar no escritório do Hotel Theresa, admitiu aos companheiros que tinhacometidoum“errograve”concentrandosuaatençãonasededanoiemChicago,“achando que todos os meus problemas vinham de Chicago, e não vêm”. Oscolegasentão lheperguntaramdeondevinhao“problema”. “DeWashington”,respondeuMalcolm.76

Depoisdealgumashorasdeconversacomsuaequipenoescritório,pegouocarro e foi para a casa de East Elmhurst. Dessa vez, não houve incidentes.Malcolmdeveria acordar cedo para ir de avião aChicago fazer um importantediscurso naquele dia.Como em tantas outras noites, caiu no sono no andar decima,enquantotrabalhavaemseuestúdio.77

Às 2h45 da madrugada, o sono da família Shabazz foi bruscamenteinterrompidopelobarulhodeumajanelaquebradanotérreo,esegundosdepoisum coquetelmolotov explodiu, enchendo rapidamente a casa de fumaçanegra.EnquantoMalcolm descia as escadas correndo para o quarto das crianças, veioumasegundabomba.Umaterceiraatingiuumajaneladosfundos,masresvaloue não pegou fogo. Malcolm ajudou Betty a sair pela porta dos fundos, depois

juntouascriançase levou-asparaoquintal.Poucossegundosdepois,entroudenovonacasaagoraemchamaspararecuperarroupasecoisasdevalor.“Quaseme assustei com sua coragem e eficiência nummomento de terror”, refletiriaBetty posteriormente. “Eu sempre soube que ele era forte. Mas naquela horadescobriotamanhodasuaforça.”78Quandoosbombeiroschegaramparaapagaroincêndio,acasajáestavaenvoltaemchamas.79

Hádécadasespecula-seintensamentesobreoataqueàcasadeMalcolmem14de fevereiro de 1965. As ações das três partes têm sido questionadas: deMalcolm,daNaçãodoIslãedapolícia.Comoa famíliaShabazzestavaemviasde ser despejada, alguns acham que o próprio Malcolm jogou as bombas pormalícia.Oargumentoquepõeaculpanaseitaéevidente,combasenaescaladadeviolênciacontraMalcolm.Atearfogoemsuacasacombombas,pôremriscoavidadamulheredasquatrofilhasseria,pelalógica,opróximopasso.Tambémseconjeturouqueoboss ouofbi,ou talvez seus informantes, tenham lançadoasbombas,versãosustentadaporbaluartesdaoaaucomoHermanFergusonePeter Bailey. Os indícios mais convincentes apontavam para a Nação do Islã.Quasequarenta anos depois do ataque a bomba,Thomas 15X Johnson admitiuqueaNação“semdúvidaalgumafez isso”.LembravaqueumdosparticipantesfoiEduardX—“bomamigomeu,esódepoisdoqueaconteceuéqueeusoubeque ele tinha tomado parte”. Edward era “apenas um seguidor devoto. Ele eoutrosirmãosfizeramaqueleataquecomabombaincendiária[à]casa”.Os partidários de Malcolm juntaram-se rapidamente em frente à casa em

chamas,onde foidecididoqueBettyeasquatromeninas seriam levadasparaaresidênciadeTomWallace,quetambémmoravanoQueens.Empé,sobofriocongelante, Betty descobriu que Malcolm ainda tencionava viajar a Detroitnaquelemesmodia,eexplodiunumaraivaquaseincontrolável.80Maseleestavade cabeça feita. O ataque a bomba não o intimidaria a ponto de cancelar seuscompromissos de orador. Naquela noite, a morte não o atingira, nem à suafamília;masnãoconseguiriaescapardelaaseguir.

15.Amortecheganahora14-21defevereirode1965

QuandoMalcolm desembarcou no aeroporto deDetroit às nove emeia damanhãehospedou-senoHotelStatlerHilton,seusamigosficarampreocupadoscomsuasegurançaetambémcomsuasanidade.Suacasaacabaradeseratacadaa bomba, e amulher e as filhas estavamescondidas.O casaco tinhaum cheiroforte de fumaça; ele havia recuperado a roupa na casameio incendiada.Desdeque fora arrancado do sono pelas bombas, não dormira mais. Um amigo deDetroitdeu-lheumsedativo;Malcolmtirouumcochilo,mastinhaumaagendaacumprir, e logo foi acordado para dar uma entrevista à rede de tv wxyz, àsquatrodatarde.EmseguidafoilevadoparaoauditórioFord,ondepronunciouodiscurso de abertura da primeira cerimônia anual do Dignity Projection andScholarshipAward,naqualSidneyPoitiereaestreladeóperaMarianAndersontambémreceberiamprêmios.OprogramafoipatrocinadopelaCompanhiaAfro-Americana de Radiodifusão, e presidido por um bom amigo de Malcolm, oadvogado Milton Henry, que também era líder do Partido Liberdade Já emMichigan.1

O reverendo Albert Cleage lembrava-se da apreensão de Malcolm nosbastidores, antes da cerimônia, cansado e irritadiço, por efeito da inalação defumaça,equandoelesubiuàtribunasuaacuidadecostumeiratinhaidoembora.2

De início divagou contando histórias de suas viagens à África e ao OrienteMédio,masdepoisencontrouterrenomaisfirmenotemadaidentidadeculturalqueultimamenteseinsinuaraemsuasfalas.Elecaracterizouodecêniode1955a1965como“aeranaqualtestemunhamososurgimentodaÁfrica.Oespíritode

Bandung criou uma unidade funcional que tornou possível aos asiáticos,oprimidos, e aos africanos, oprimidos... trabalharem juntos para conquistar aindependência”.NosEstadosUnidos,apareceramomovimentodedireitosciviseosmuçulmanosnegros.ANaçãodoIslã“assustoutantoobrancoqueobrancocomeçouadizer:‘GraçasaDeusexistemtioRoy[Wilkins],tioWhitneyetioA.Philip’”. A plateia riu; Malcolm não só ridicularizou os moderados, comotambém tentou descrever o papel daNação do Islã sob luzmais favorável.OsMuçulmanos Negros, disse, “fizeram o movimento de direitos civis ficar maismilitante e mais aceitável para a estrutura de poder dos brancos... Forçamosmuitos líderes de direitos civis a serem ainda mais militantes do quepretendiam”.Masem1965,asituaçãoexigia“novosmétodos...Sócompodersedialogacomopoder.Sócomumpoucodeloucuraselidacomumaestruturadepodertãocorrupta”.3

Em Nova York, o pessoal da mídia se reunira na frente dos restoschamuscados da casa. Os coquetéis molotov tinham destruído dois quartos edanificado severamente trêsoutros.Numgestoousado,o capitão Joseph foi decarro até a casa e falou com os repórteres. “Somos donos deste lugar, cara”,protestou.“Temosdinheiro investidonisto...Elenãotevesequeragentilezadenos telefonar.” Circularam alegações que sugeriam o envolvimento da Nação,masoministrodeNewark,JamesShabazz,disseaosrepórteresser“improvável[aNação]atacarabombaumacasaqueestáprestesa receberdevolta.Éclaroque preferiríamos receber nossa propriedade a receber um prédio queimado...Certamentenãofomosnósquejogamosasbombas”.4Haviatambémconjeturasde que Malcolm fora o responsável, depois que os detetives acharam umapequena garrafa contendo gasolina dentro de uma penteadeira de criança, e aNação deu corda a esses rumores na imprensa. Da sua parte, Malcolm pôs aculpaneles:“Nãotenhocompaixão,misericórdiaouperdãoparaqualquerpessoaqueataquebebêsdormindo”,disseàimprensa.“Aúnicacoisaquelamentoéquedoisgruposnegros tenhamdebrigarassimeacabarumcomooutro.”Paraosmaisíntimos,contudo,eleaventoupossibilidadesmaisconspiratórias.“ANaçãodoIslãnãoatacamulheresoucrianças”,HermanFergusonlembrava-sedetê-loouvidodizer.“ANaçãonãoteriatocadofogoemminhacasacomminhamulhereminhasfilhasládentro.Foiogoverno.”5MalcolmnãopoderiasaberaquiloqueThomas15Xconfirmariadepois—queanoiforadefatoaresponsável.Ele chegoudevolta aNovaYorkem15de fevereiro, epassoupartedodia

verificandoosestragoscausadosàresidênciaefazendoentrevistas.Aoaau tinhaplanejado apresentar seu programa aquela noite,mas o incêndio da casa tinhaalteradoaagenda, levandoumpúblicodesetecentaspessoasacomparecerparaouvir o queMalcolm tinha a dizer. Benjamin 2X abriu a reunião comuma falarápida.OdiscursodeMalcolm,“Háumarevoluçãoemandamentonomundo”,não foi sua derradeira palestra pública,mas foi sem dúvida amais importanteentre as de suas duas últimas semanas de vida. Começou pelas bombasincendiárias, dizendo-se espantado de ver a Nação “usar as mesmas táticasusadaspelaKuKluxKlan”.6Depois de tocar emváriosoutros assuntos, voltouaopontoinicialparaapresentarsuainterpretaçãodecomoaNaçãotinhaperdidoocaminho.Explicouqueantesde1960“nãohaviamelhororganizaçãoentreosnegrosdestepaísdoqueomovimentomuçulmano.Eramilitante.Fezaforçadohomem negro neste país ganhar ímpeto”. Contudo, depois que MuhammadvoltoudeMecanocomeçode1960,houveumamudança.Muhammadcomeçoua ficar “mais interessado em riquezas. E, sim,mais interessado emmoças”. Aplateia arrebentou em gargalhadas. De acordo com Malcolm, havia umaconspiração para “abafar notícias que possam abrir os olhos” dosmembros danoisobre seu líder. Enquanto Elijah Muhammad dirigisse a Nação do Islã, ogrupo “não fará nada na luta que o homem negro enfrenta neste país”. Provadisso era a incapacidade demonstrada pela Nação de contestar as atividadesterroristas daKuKluxKlan. “Agora eles sabemcomo fazer.Mas só comoutroirmão.” Enquanto a plateia aplaudia, Malcolm acrescentou, solenemente: “Seimuito bemonde e comquemestoumemetendo...Mas em toda aminha vidanuncadisseoufiznadasemestarpreparadoparasofrerasconsequências”.7

DepoisdeumaviagemdeumanoiteaRochesterparafazerumapalestra,elevoltou aNovaYork coma desagradável tarefa de esvaziar a casa arruinada.Aordemdotribunalparadespejara famíliaShabazzseriacumpridanamanhãde18 de fevereiro, por isso pouco depois da uma da manhã ele e uns quinzemembrosdammiedaoaau foramàcasaantesdachegadadooficialdejustiça.Emquatrohoras tiraram tudo—móveis, roupas, arquivos,mesas, fotografias,cartas— e puseram numa pequena van de mudança e em três caminhonetes.Poucas horas depois, quando apareceu acompanhado de vários assistentes, ooficialdejustiçaencontrouacasatotalmentevazia.8

Malcolm trabalhava pelo segundo dia sem dormir, mergulhado numredemoinhodeatividadessobimpulsodoseuestadogeraldeagitaçãoedepura

forçadevontade.Semanasantes,tinhaplanejadoiraJacksonem19defevereiropara falar num comício do Partido Democrático da Liberdade de Hamer,Mississippi.9Oataqueoobrigaraareveraagendae,emvezdeviajar,deumaisentrevistas. Aquelamanhã falou comoNewYorkTimes, declarando ao jornalquevivia“comoumhomemjámorto”.Oscomentáriosquevinhafazendohaviamesessobreaprópriamorteassumiramnovagravidadeà luzdoatentadocomasbombas.“Essacoisacomigo”,disseexplicitamente,“seráresolvidacommorteeviolência.”10

No fimdamanhã, foi entrevistadoporumaequipede filmagemda abc.Aomeio-dia,Malcolmpronunciouseuúltimodiscursopúblico,perante1500alunosno ginásio do Barnard College, explicando que a revolta negra nos EstadosUnidos“épartedarebeliãocontraaopressãoeocolonialismoquecaracterizamestaépoca”.EssediscursocobriamuitoterrenoesugeriaalgumaleituraemseusecosdeDuBoiseatémesmodeLênin.“Assistimoshojeaumarebeliãoglobaldos oprimidos contra os opressores”, declarou, “dos explorados contra osexploradores.” Malcolm condenou os países industrializados ocidentais por“deliberadamentesubjugaremonegroporrazõeseconômicas.Essescriminososinternacionais estupraram o continente africano para abastecer suas feitorias, esãoresponsáveispelobaixopadrãodevidapredominanteemtodaaÁfrica”.11

Aquele dia ele foi à casa do amigo Gordon Parks, o grande fotógrafo eescritor que ele conhecera e em quem aprendera a confiar em 1963, quando arevistaLife designou Parks para cobrir a Nação do Islã. Havia um ano queMalcolm lhe mandava cartões-postais do exterior, e Parks, intrigado com aevolução das novas crenças do amigo, pedira a Malcolm que se sentasse parauma entrevista. O tom foi amistoso, e a discussão, séria. “Irmão, ninguém écapaz de protegê-lo de um muçulmano, a não ser outro muçulmano — oualguém treinado nas táticasmuçulmanas”, explicouMalcolm quando Parks lheperguntouoquefaziaparaseproteger.“Eusei. Inventeimuitasdessastáticas.”Ao longo da entrevista, Malcolm parecia quase melancólico, e suas palavrastranspiravam remorso pelos estragos causados por sua intolerância racial nopassado. “Irmão, lembra aquela vez em que uma universitária branca veio aorestaurante—aquequeriaajudarmuçulmanosebrancosaseentenderem—,eulhe disse que não havia amenor chance e ela foi embora chorando?” Parks fezque sim com a cabeça. Malcolm prosseguiu: “Eu hoje me arrependo daqueleincidente”. Tinha visto muitos estudantes brancos trabalharem para ajudar as

pessoas em toda a África. “Como muçulmano fiz muitas coisas que hojelamento.”12

Naquelamesma semana, cerca de sessentamembros dammi e daoaau sereuniram para discutir o ataque a Malcolm e suas implicações de segurança.“Decidimos que a partir daquele dia todas as pessoas que viessem aos nossoscomíciosseriamrevistadas”,comentouPeterBailey,e“foiaíquecometemosumerrocrucial—[Malcolm]derrubouapropostaporquenãoqueriatermaisnadaavercomissoderevistaraspessoasqueiamaoscomícios.”13Faziaquestãonãosóde que ninguém fosse revistado, mas queria também que todo o pessoal desegurança dammi estivesse desarmado na cerimônia daquele domingo, 21 defevereiro.Aúnicaexceçãoseriaoguarda-costasechefedasegurançadeMalcolm,Reuben X Francis. Quase todos contestaram a posição de Malcolm, mas nãohavia tradiçãooupráticademocráticanahorade tomardecisõesdentrodammioudaoaau.OqueMalcolmexigia,obtinha.O fato de que seus guardas estariam desarmados foi comunicado ao

DepartamentodePolíciadeNovaYorkporseusinformantesnammienaoaaueporpoliciaisàpaisana.OmaisimportanteagentedapolíciainfiltradoeraGeneRoberts. Veterano com quatro anos de serviço naMarinha americana, Robertsfoi admitido na academia do Departamento de Polícia de Nova York e, logoquando começou a trabalhar como policial, foi transferido para oboss comodetetive. Sua primeira missão foi infiltrar-se na recém-formadammi; seucodinomenoDepartamentodePolíciadeNovaYorkera“Adam”.Supervisoresd oboss tomaram providências para garantir a segurança e o anonimato deRoberts, mesmo entre os colegas da polícia. Junto com as de outros tirasdisfarçados, sua foto de identidade era mantida separadamente no quartel-general doboss. Roberts recebeu um emprego de fachada como vendedor deroupasnoBronx.Pelofimde1964,eramembrointegraldaequipedesegurançadammi,montando guarda em cerimônias públicas comoumdos guarda-costasdeMalcolm.Durante todaamissãoRoberts tevemedodequesuacondiçãodepolicial fosse revelada. Ele e amulher, Joan, chegaram amandar a filha para acasadospaisdeJoannaVirgínia,parasuaproteção.PorintermédiodeRoberts,todos os planos e decisões importantes dammi e daoaau eram prontamentereveladosaoDepartamentodePolíciadeNovaYork.14

No sábado, 20 de fevereiro,Malcolm eBetty saíram embusca de umnovolugarparamorar.Umcorretormostrou-lheumapropriedadenumacomunidade

integradamaspredominantementejudaicaemLongIsland.Acasaeraatraente,eelesgostaram,masos3mildólaresexigidosdeentradaestavammuitoalémde suas possibilidades. O custo estimado da mudança de roupas, mobílias eoutrosobjetospessoaiserademildólares.MaisumavezelerecorreuaEllapararesolver suasdificuldades financeiras.Antes,ou logodepois,doataque,quandoestava claro que teria de arranjar um novo endereço,Malcolm já havia faladocomela,queconcordaraemcomprarumanovacasaemseunome;depoisdeumcurtoperíodo,o título seria transferidoparaBettyouparaAttallah (então comseis anos). Todos sabiam que o nome deMalcolm era tão polêmico que seriaimpossívelcomprarumacasanonomedeBettyemumbairrointegrado.Àtarde,MalcolmligouparaAlexHaleyafimdesabercomoandavaolivro.

Numa estranha e oportuna coincidência, Haley lhe disse que a autobiografiacompleta seria despachada para a Doubleday no fim da semana seguinte.15

Quando anoiteceu, Malcolm deixou Betty na casa de Tom Wallace, ondeconversoudurantehorasantesdesairparasehospedarnoNewYorkHilton,naparte central da cidade, pagando dezoito dólares por umquarto de solteiro no12ºandar.Jantounorestaurantedohotel,oOldBourbonSteakHouse,evoltouparaoquarto,alipermanecendoatéodiaseguinte.Naquelanoite,épossívelqueSharon6Xtenhaestadocomelenoquarto.16

Mais tarde, vários afro-americanos entraram no saguão perguntando onúmerodoquartodeMalcolm.Alguémfaloucomochefedasegurança,queosinterpelou,eeleslogoforamembora.17

OsplanosparaassassinarMalcolmX foramdiscutidosnaNaçãodo Islãpor

quase um ano antes da manhã de 21 de fevereiro de 1965. A demora paraexecutar o crime tinha várias razões. Primeiro, até os últimos dias antes doassassinato, Elijah Muhammad não baixou uma ordem explícita para que seuantigo porta-voz nacional fosse morto, e, a despeito de toda a raiva incitadacontraMalcolmnosmesesprecedentes, ninguém seria capazdepraticar a açãosemordensclarasvindasdecima.Segundo,emborafosseatacadopublicamentecomoherege,Malcolmpreservavao respeitoeatéoamordeumasignificativaminoriadentrodanoi.Algunsaindareconheciamacontribuiçãoquetinhadadoà seita, apesar dos erros. Amelhor prova da permanência do seu legado foi a

feroz jihad que os inimigos moveram contra ele em cada mesquita danoi,durantemeses.Terceiro,Malcolmtornou-sealvoesquivoedifícilausentando-sedosEstadosUnidospor24semanas,deabrilanovembrode1964.Umatentativade assassinato num país islâmico ou africano seria impensável, mesmo para aNaçãodoIslã.Enquantoestivesseforadopaís,estariaasalvo.No ponto em que se encontrava a Nação no fim de 1964, os benefícios de

matar Malcolm superavam os custos potencialmente significativos. SeuenvolvimentonadivulgaçãodoscasosdeinvestigaçãodepaternidadedeEvelynWilliams e Lucille Rosary e seu êxito em estabelecer conexões entre ammi eorganizações islâmicas internacionais criaramumasituaçãonovaeameaçadora.Chefesdanoitemiamqueapróprialegitimidadedaseitafossepostaemdúvida;e adeserçãodeWallace eAkbarMuhammad reforçouesses temores.A cúpulada seita estava convencida de que só a morte de Malcolm poderia anular osavanços que fizera e permitir que voltassem a conquistar novosmembros e atocarseusnegóciosempaz.Ainda assim Elijah Muhammad sabia que se Malcolm tivesse uma morte

violenta aNação do Islã se tornaria, de imediato, o principal suspeito.Matá-loquase certamente submeteria o grupo a uma investigação local e talvez atéfederal,porissoosarquitetosdoassassinatoprecisavamdescobrirumplanoquedesviasseaatençãodasedenacional,detalmaneiraquesepudesse,comalgumaplausibilidade, negar qualquer envolvimento. Nessa perspectiva, o ano gastogerando raiva entre os membros trazia um benefício extra: seria mais fácilafirmar que o assassinato tinha sido obra de membros sem princípios quedecidiramresolveroassuntoporcontaprópria.Eles foram ajudados a manter distância pela estrutura de punição que se

desenvolvera dentro da organização, e que se tornara uma máquina bemazeitadaquandoaNaçãofoidominadapelomedoepelaviolêncianosmesesqueseseguiramàsaídadeMalcolm.Amaioriadosmembrossabiaqueasunidadesdisciplinares e suas equipes quase nunca executavam ações excepcionais nascidadesondesuasmesquitasestavamlocalizadas.Emoutraspalavras,ocapitãoJosephpodia autorizar equipes doHarlema atacar o pessoal deMalcolm,ou aatormentá-lo,masnãoacometerhomicídio.Medidas tãoexcepcionaisprimeiroteriamde serautorizadaspelacúpuladeChicago,edepoisexecutadasporumaturmadeNewark, BostonouFiladélfia.O grupo deNewark seria responsávelpor Malcolm na cidade de Nova York, mas só agiriam por ordem direta do

capitãoJoseph,deRaymondSharrieffedeJohnAli.OutrosgruposdeassassinospoderiamserorganizadostantonaCostaOestecomonaCostaLeste.18

Finalmente, a convergência de interesses entre instituições policiais e desegurançanacionaleaNaçãodo Islã fezdoassassinatodeMalcolmumserviçofácil.Tantoofbi comoobosspuseram informantesdentrodaoaau, dammied anoi, transformando as três organizações em ninhos de rato de lealdadesconflitantes. JohnAli foi citado por várias partes como informante dofbi, e háboasrazõesparaacreditarquetantoJamesShabazz,deNewark,comoocapitãoJosephdavam informaçõesaosdepartamentosdepolícia locaiseaofbi; obossinstalou amplas escutas telefônicas nas três organizações, mantendo-as sobconstante vigilância, enquanto a cia seguia de perto os passos deMalcolm emsuas viagens pelo OrienteMédio e pela África. Mas, apesar de permaneceremabertososcanaisdecomunicaçãoentreasdiversasorganizaçõesinteressadasemcalarMalcolm,édifícildeterminaroqueofbieapolíciaautorizaram—se,porexemplo, sugeriram sutilmente que certos crimes poderiam ser cometidos porseusagentesnãopoliciais.Umaprovaindiretadequeissopodeterocorridoéarecusa, tantodoboss comodofbi,quasemeio séculodepoisdoassassinatodeMalcolm,adisponibilizarmilharesdepáginasdeprovasrelacionadasaocrime.O que ficou estabelecido é que mais oumenos quandoMalcolm voltou da

África, emmaio de 1964, doismembros damesquita deNewark começaram aplanejaroassassinato,muitoprovavelmenteporordemdiretadoministroJamesShabazz, cujo controle da mesquita tornava inevitável o seu envolvimento. OmaisvelhodosdoiseraosecretárioassistentedamesquitaBenjaminXThomas,de 29 anos, pai de quatro filhos e empregado de uma fábrica de envelopes deHackensack. Seu parceiro mais jovem trabalhava numa fábrica de produtoseletrônicosLeonXDavis,dePaterson,NovaJersey,decercadevinteanos.OsdoiserammembrosativosdoFrutodoIslã.ProvavelmentequandoviajavamnoChryslerpretodeBen,elesviramo jovemTalmadgeHayer,outromembrodamesquitadeNewark,devinteepoucosanos,numaruanocentrodePaterson.ConvidaramHayeraentrarnocarroederamumasvoltas.BeneLeontentaramdescobriroqueHayerachavadeMalcolmedeseurompimentocomanoi.Emsemanas,Hayertornou-seoterceirohomemdecididoaparticipardoassassinato.“Eu tinha um pouco de amor e admiração pelo Honrado Elijah Muhammad”,escreveudepois, “emeioque sentiaque aquilo eraumacoisaqueeu tinhaquedefender.”19

Rapidamente, mais dois membros danoiaderiram à conspiração deNewark.WillieXBradleytinha26anos,eraalto,escuro,corpulentoecomumahistóriadeviolência.WilburXMcKinley,por contraste, tinhamaisde35anos,eramagro e, comoos outros três homens da conspiração, não passava de 1,75metrodealtura.Proprietáriodeumapequenaempresadeconstrução,WilburXtrabalharaparaamesquitadeNewark.Apesar de surras como a de Leon Ameer em Boston terem se tornado

perturbadoramente comuns para a Nação, a execução de membros oudissidentes ainda era extremamente rara. Entretanto, quando a Nação pareciaenfrentarsériasdificuldadesnaesteiradadeserçãodeMalcolm,brutaismedidasdisciplinarespassaramasertomadascommaisfrequência.NoBronx,nofimde1964, por exemplo, Benjamin Brown, danoi, abriu sua própriamesquita “Pazuniversal”, que exibia uma grande foto de Muhammad na janela da frente.Brown não pedira, porém, uma autorização à Mesquita nº 7 ou à sede emChicago,esuasaçõesforamjulgadasinsurrecionais.Nocomeçodanoitede6dejaneirode1965, trêsmuçulmanos saltaramnamesquitadeBrown, reclamaramdo retrato deMuhammad ali exposto e foram embora. Horas depois, quandosaíadamesquita,Brown foi assassinadocomumtironas costas,disparadoporumriflecalibre22.ODepartamentodePolíciadeNovaYorkinvestigouamortee prendeu três homens, todos membros danoi, sendo dois deles tenentes daMesquita nº 7: Thomas 15X Johnson eNorman 3X Butler. A polícia encontrouum rifle de repetição Winchester, do mesmo calibre, na casa de Johnson.Dispararam uma vez, e em seguida a arma emperrou. Mais tarde Butler eJohnsonforamsoltosmediantefiança,masapolíciaestavaconvencidadequeosdois homens participaram da morte de Brown, pois eram reconhecidos“aplicadoresdalei”.20

Thomas15XfoiumcuriosocasonagrandecruzadadaNaçãoparaenvenenaras opiniões dos membros. Motorista de Malcolm durante anos, Johnsonabandonara o chefe durante o cisma com a Nação. Mas, de início, nãocompartilhava a obsessão por destruirMalcolm que infectara outrosmembrosdo foi. Quando Malcolm foi proibido de falar em dezembro de 1963, Johnsondisse ter ficado surpreso com os membros da mesquita, mas imaginou que oministrologoseriareintegrado.QuandoMalcolmcriouammieaoaau,porém,JohnsontomoufirmementeopartidodaNaçãocontraele.JáoendurecimentodeThomas 15X começou na audiência do tribunal do Queens sobre a disputa da

propriedadedosShabazz.“Malcolmnãoeraapenasumministro,eraumgrandeministro”, declarou Johnson, passando a explicar que, em vista da sua posição,membros danoitinhamconcordadoemcomprarumacasaparaeleea família.“Porém, quem sai não pode ficar com a casa.Compramos para você um carronovoetudoomais...Enquantovocêforcorreto,issoéseu.”Johnson afirmouque a ordempara assassinarMalcolmveio diretamente do

secretáriodesegurançanacionalJohnAli,quedurantevisitaaNovaYorkreuniutenentesdaMesquitanº7semapresençadocapitãoJoseph,dandoumasériederazõesparaamortedeMalcolm.Nasmaisdequatrodécadasquesepassaram,contudo, nada surgiu que pudesse confirmar ou desmentir definitivamente aafirmação de Johnson sobre o envolvimento de Ali. Johnson teve grandedificuldade para aceitar os argumentos do secretário nacional, e notou que “osoutrostenentesnãoseconvenceramtambém”.Semanasdepoisnovasinstruçõesvieram deChicago: “ElijahMuhammad deu ordens específicas.Disse ele: ‘Nãotoquem[emMalcolm]’”.Consequentemente,JohnsonesuaturmaespancavameatormentavamopessoaldeMalcolm,masnenhumplanofoipostoemaçãoparamatá-lo. Afirmou Johnson: “Eu via Malcolm todo dia no Hotel Theresa”.Malcolmchegavaedizia:“Comovai?”,eofatodesuavítimamanterumgraudecortesiadeixouJohnsonimpressionado.21

Pelooutonode1964,porém,quandoa raivacontraMalcolm infectava todasas partes da Nação, Johnson finalmente convenceu-se de que ele deveria sermorto.Recebeu instruçõesdequatro lugares-tenentes “deque tínhamosde ir àFiladélfia.Eleestavafalandolá...enossatarefaeramatá-lo”.OgruposeguiudecarroparaolocaldapalestradeMalcolm(provavelmenteem26dedezembro),masMalcolm tinha previsto um ataque dessa natureza. “Elemandou na frenteum sujeito meio parecido com ele.” Os pretensos assassinos foram atrás dochamariz,demodoqueMalcolmescapou.Johnsontambémpodeterparticipadopelo menos em mais uma tentativa de assassiná-lo na Filadélfia. Se estivessepresentenosalãodoAudubonem21defevereirode1965,porexemplo,Thomasteria participado com vontade do assassinato. O fato de estar ausente naquelatarde,emesmoassimtersidocondenadoàprisãoperpétuapelocrime, levantaprofundasdúvidassobreostribunaiseaaplicaçãodaleinosEstadosUnidos.22

Nas últimas semanas de vida deMalcolm, dois assuntos preocupavam seus

seguidores emparticular. Primeiro, as óbviasmudanças políticas, ideológicas ereligiosas sofridas por Malcolm desorientavam detratores e partidários. Suaevolução parecia continuar a desdobrar-se no sentido da tolerância e dopluralismo, ao longode divisórias raciais e religiosas.EmRochester, em19 defevereiro, Malcolm havia declarado à plateia: “Acredito em um único Deus, eacreditoqueDeustemapenasumareligião...Deusensinouatodososprofetasamesma religião... Moisés, Jesus, Maomé, ou alguns outros... Todos tinham amesmadoutrina,eessadoutrinadestinava-seadarpurificaçãodehumanidade”.Isso, junto com suas declarações sobre não julgar os homens pela cor da pele,provocavagrandepreocupaçãoentreosseguidoresapegadosàcrençadequeosnovos pronunciamentos de Malcolm eram meras mudanças cosméticas parareforçarseuapelopúblico.Algunsrenitentes,comoJames67X,simplesmenteserecusavam a acreditar que o chefe tinha mudado. Betty, por razões próprias,adotouamesmaposição.EnopúblicodoHarlemquelealmenteapareceraparaoscomíciosdoAudubonhaviatremendaansiedade.Depois que Betty acusou publicamente Lynne Shifflett de dormir com

Malcolm, Shifflett demitiu-se da função de secretária-geral daoaau no fim de1964.23Semanasdepois,quandovoltoudaÁfrica,Malcolmasubstituiuporoutramulhernegraeloquente,inteligente,SaraMitchell,ajovemdoNewYorkTimesque lheescreveraemjunho.Apesardepartilharalgumasdasopiniõesdeclassemédia de Shifflett, no fundo Mitchell era uma nacionalista progressista e viaMalcolm dessa posição privilegiada. Anos depois, Mitchell descreveu asatividades de Malcolm em 1965 dizendo que “por trás de seus esforços aindahavia uma suprema e irrealizada ambição: a redenção da ‘desacreditada’virilidade do negro americano.Era isso que o esporeava; que não lhe permitiapararoumesmodescansar”.ParaMitchell, asnovasorganizaçõesqueMalcolmestabelecera tinham funções bem distintas. A Mesquita Muçulmana “foi criadaparaestimularoestudoeaconsideraçãodeumaalternativareligiosa”,aopassoque a Organização da Unidade Afro-Americana se destinava “à correlação eunificação finais de vários aspectos da luta negra”. Ela reconhecia as limitaçõesdos dois grupos, a falta de recursos e de pessoal permanente, em regime dededicação integral. “Consequentemente, prazos não eram cumpridos eadiamentoseraminevitáveis.Nesseínterim,dedosinsatisfeitosapontavamparaeledetodososlados.”24

Mitchell sentia que vastos grupos da comunidade nacionalista negra fora da

Nação estavam insatisfeitos com a nova orientação de Malcolm. Muitos afro-americanos tinham “sentido um orgulho discreto de si mesmos” quandoMalcolmpromoviaa“supremacianegra”,masnoprocessodemudança“ficaramdesapontados e aborrecidos; pois ele nãomais oferecia a voz ousada, cáustica,repreensiva”.AchavatambémqueapreocupaçãodeMalcolmemfazerpalestrasparauniversidadesde elite tinha efeitosnegativos em setores empobrecidosdanegritude. “Negros nas bases começaram a se perguntar se a participação deMalcolm em fóruns tipo Ivy League significava que o ‘seu’ Malcolm osabandonaraemtrocada ‘boavida’edeobjetivosmaisaltos.”Deumpontodevista organizacional, Mitchell achava esse efeito altamente problemático.Praticamente sozinha nos círculos administrativos mais chegados a Malcolm,Mitchell temia que os saltos ideológicos de seu líder em novas direçõesafastassemantigos seguidores fiéis, semnoentantoatrairnovos seguidoresemnúmero suficiente. Como resultado disso, “o isolamento e a solidão foram ospreçosquepagouporseupioneirismoradical”.25

James 67X ficou feliz de ver-se livre de Lynne Shifflett, e rapidamentedesenvolveuumarelaçãodetrabalhomuitomelhorcomMitchell.26Masatensãoe a insatisfação descritas porMitchell criaram uma atmosfera de incerteza embenefíciodeoportunistascomoCharles37XKenyatta.Emdezembroepartedejaneiro, depois queMalcolm descobriu seu envolvimento com Betty, Kenyattatinha desaparecido das cerimônias dammi e daoaau. Em 24 de janeirofinalmente apareceu num comício daoaau, fazendo reclamações. Anunciouacerbamenteparaváriosmembrosqueammi e aoaau tinham“acabado”paraele.DeuaentenderqueJameseraresponsávelporirregularidadesfinanceiras.A“melhormaneiradeconseguirdinheiroésairetrabalhar”,aconselhou.27

Mas as apreensões com as posições de Malcolm eram superadas pelostemoressobreasuasegurança.Pelocomeçode1965,amaioriadoscolegasmaispróximos de Malcolm achava que se não mudasse de rumo ele logo estariamorto, e pôs-se,muito aflita, a imaginar formas de salvar a vida do líder.Elessabiam que vários governos africanos tinham oferecido cargos a Malcolm; aEtiópia quis lhe dar refúgio; os sauditas teriam permitido que ele e a famíliavivessem no reino como hóspedes do Estado. A comunidade de expatriadosamericanos de Gana insistiu para que ele levasse Betty e as filhas para Acra.Amigoscélebrespuseramàsuadisposiçãocasasdeveraneioeoutrasresidênciasondeele e a famíliapoderiamviver anonimamente.RubyDee,muitonervosa,

sugeriu até esconderMalcolm atrás de uma parede secreta em sua casa, planovetadoporOssieDavis,seumarido.28

Na sexta-feira, 19 de fevereiro,MayaAngelou chegou deGana, pronta paratrabalhar como voluntária na equipe daoaau. Ficara sabendo das bombasjogadasnacasadeMalcolmetremiaquandofaloucomeleportelefoneaindadoaeroporto jfk. “Quasemepegaram”, admitiu ele.29Malcolmofereceu-se para irbuscarAngelounoaeroporto,maseladissequeiaprimeiroaSãoFranciscoverafamília.Quandochegouemcasa,amãeaaconselhouanãotrabalharcomaquele“agitador”: “Se acha que tem de fazer isso— trabalhar de graça— volte paraMartinLutherKing”.30

EmboraamaioriadosmalcolmistasdesconfiassequeaNaçãodoIslãtramavaa morte do líder, muitos também suspeitavam que o governo americanoestivessepor trásdas tentativasdeassassinato. “Sabíamosoqueacontecia comos negros, e [Malcolm] sempre falou sobre o envolvimento do governo nosproblemas que enfrentávamos”, disse Herman Ferguson. Malcolm,supostamente, achava que “a cia ia matá-lo” quando esteve fora do país, e arecusadaalfândegafrancesaemdeixá-loentraraumentousuassuspeitasdequeogoverno semetia em seus assuntos. Ferguson achavaquedurante asúltimassemanas membros daoaau não fizeram o suficiente para proteger Malcolm:“Não percebemos os sinais que deveríamos ter percebido... Como bucha decanhão, as pessoas se sentavam e falavamdo perigo queMalcolm corria. Tipoassim, ‘o irmãodevia sermais cauteloso’”.31 Váriosmembros daoaau tinhamlugares em Manhattan os quais Malcolm poderia usar como esconderijo parapassaranoite.Discutiu-seaideiadedesignar-lhemotoristas,masnadafoifeito.Amarchaparaodesastreprosseguia.É difícil saber o que Malcolm deve ter pensado em fazer diante da

probabilidadedeassassinatoiminente.32Durantedécadas,apóssuamorte,James67Xaindatevedúvidassobreseseu líderde fatoqueriamorrer.33Tinhavividomaisdeumano sobas ameaçasdaNação, enosúltimosdiaspareciadividido,oraaceitandooque julgavaseroseudestino,oradesejandoeesperandoqueoproblemade alguma forma desaparecesse e lhe permitisse retomar a vida. Emsuaúltimasemana,passouboapartedotempolongedafamília,evitandoexpô-laa riscos. Também parece ter viajado sem guarda-costas, apesar de há muitotempoJames67XouReubenXoacompanharemparaonde fosse.Comunicava-secompouca frequência,eàsvezesera impossívelparamembrosdammi e da

oaau lhe transmitirem informações. Àmedida que omundo se fechava sobreele, Malcolm, que sempre foi um indivíduo extremamente reservado, nãocomentou nada com ninguém. Lutou desesperadamente para afastar dúvidas etemoresalheios.O fato de ter prosseguido com seus discursos agressivos contra a Nação

mesmo sabendo que assim a Nação não teria escolha senão atacá-lo parecesugerir que de certa forma ele talvez desejasse a morte. Ao se tornar maisconscientedatradiçãoislâmicaemseusúltimosanos,Malcolmprovavelmenteseinformou sobre o terceiro imã xiita,Husayn ibn Ali, e seu trágico assassinato.HusayneranetodoprofetaMaomé,efilhodeAliibnAbiTalibeFátima,filhadeMaomé.ApósoassassinatodeAlieaabdicaçãodeHasan,o irmãomaisvelho,Husayn, atraiu a lealdade de muitos muçulmanos. Em Karbala, em 680 d.C.,ondehojeéoIraque,Husayneumpequenobandodeseguidoresforamatacadospor adversários religiosos; quase todos foram mortos ou capturados. Husaynmorreubravaegloriosamente,detalmaneiraqueseuassassinatotornou-sepeçafundamentalna culturaxiitademartírio, sofrimentoe resistência àopressão.Aobservânciaxiitado lutodaAshurarecriaatragédiacomodramadapaixão,noqual os participantes praticam o remorso e a autopunição pelo assassinato deHusaynevoltamacomprometer-secomalutapelaliberdadeepelajustiça.34

ComoHusayn,Malcolm tomou a decisão consciente de não se esquivar ouescapar da morte — o que poderia ter conseguido facilmente; tivessepermanecido vários anos na África, o nível de animosidade da Nação do Islãcertamenteteriabaixado.AoescolhervoltarparaosEstadosUnidos,eleaceitoua possibilidade real de ser assassinado a qualquermomento,mesmo enquantodormia em casa. Se não desejava amorte, ainda assim parecia preparado paraabraçá-la como parte inevitável do seu destino. Essa interpretação ajudaria aexplicar por que Malcolm insistiu tanto para que ninguém no Audubon fosserevistado e nenhum de seus homens, exceto Reuben X, usasse armas. Ao nãofiscalizar a entrada de armas,Malcolm tornou o assassinatomais provável; aodesarmar seus seguranças, evitou que se tornassem alvos numa troca de tiros,pois muito provavelmente os assassinos de Malcolm não atirariam emseguranças desarmados. Se alguém devia morrer, deve ter pensado, que fosseele.Os órgãos policiais agiram com amesma reticência no que dizia respeito a

intervir no destino de Malcolm. Em vez de investigar as ameaças contra sua

vida, ficaram de longe, quase à espera de o crime ocorrer. “Tinham amentalidade de quemquer o assassinato”, disseGerry Fulcher, alta patente doDepartamento de Polícia deNova York, embora seja improvável que policiaisestivessem envolvidos diretamente no assassinato. “Queriam manter as mãoslimpas do ato em si.” Fulcher sabia que o Departamento de Polícia e obossinfiltraram Gene Roberts nammi e naoaau, e além disso recrutaram outrosinformantes que deram à polícia informações de dentro. Pelo começo de 1965,Fulcherjávinhagravandoconversasnoescritóriodammiedaoaauhaviamaisde nove meses. Depois que Malcolm voltou do exterior, Fulcher ouviucuidadosamenteseusargumentoseficouaindamaisconvencidodequeapolíciaestava cometendo um grave erro contra ele. “Ali estava um sujeito quedeveríamos apoiar”, concluiu. Uma das tiradas favoritas dos policiais era falardos “‘negros que vivem da previdência’. [Malcolm] também os queria fora”,afirmou. Malcolm “deveria ter sido companheiro, não inimigo” dos órgãospoliciais,insistiaFulcher,“massempreoviramcomoinimigo”.35

Poressaépoca,porém,MalcolmeoDepartamentodePolíciadeNovaYorkjá tinham atingido uma espécie de dissuasão.Mesmo antes de deixar aNação,Malcolm estabelecera o que Peter Goldman chamou de “distante cooperação”comapolícia,naesperançadeevitarosconfrontoseostiroteiosqueocorreramem Los Angeles. Por isso informava a polícia sempre que ia realizar comíciospúblicos, e ordenou a Reuben X Francis e a outros subordinados querepassassem informações.Em1964e1965,oDepartamentodePolíciadeNovaYorkdestacavaregularmentededeza25policiaisparaoscomíciosdammiedaoaaurealizadosnoAudubon.Muitosiamparadentrodoprédio,masraramentepara o grande salão, o lugar dos comícios. A maioria ficava do lado de fora,agrupada perto da entrada ou do outro lado da rua, num pequeno parque. Ocomandantedodestacamento eumoudois policiais sentavam-senumaguaritadevidronosegundoandar,deondepodiamvigiarasentradasdosdoissalõesdebaile,oRosa,eomaior,oGrande.36

Do outro lado do Hudson, em Newark, o pequeno grupo formado naprimaverade1964parapraticaroassassinatodesfizera-seduranteaausênciadeMalcolmdopaís.Masquandoelevoltouaquestãodesaberseecomocometeroassassinato fora reativada. Talmadge Hayer teve várias conversas com BenThomas eLeonDavis.Hayerdisseposteriormente aGoldmanque, sendoBenadministrador de mesquita, ele supôs naturalmente desde o início que altos

funcionários danoitinham autorizado amissão. “Houvemuitas perguntas quenão fiz”, explicou Hayer. “Achei que alguém dava as instruções: ‘Irmão, vocêprecisalevarissoadiante’.Penseiquetodosestivéssemosdeacordo.”37

Quando começou a examinarmaneiras dematarMalcolm, o grupo pensouem atirar nele na frente da casa emEast Elmhurst;mas um dia, ao fazerem oreconhecimento da área, encontraram a casa fortemente protegida por guardasarmados. Por um tempo acalentaram a ideia de simplesmente seguirMalcolmpeloHarlemeatacá-loemalgumacerimôniapúblicaemquefossefalar;contudo,de acordo comHayer, considerações de ordem prática interferiram. Todos osconspiradores de Newark trabalhavam em tempo integral, de modo que nãopodiam sair do trabalho e passar horas dirigindo pelo Harlem. O grupofinalmente se decidiu por uma abordagem simples, porém ousada: atirar emMalcolmnumcomíciodoAudubon,diantedecentenasdeseguidoresedezenasde seguranças provavelmente armados. A vantagem do plano era o elementosurpresa. O pessoal de Malcolm achava que nos comícios ele estava seguro;jamais considerou a possibilidade de um assalto frontal, algo que seria suicida.Osintegrantesdogrupodeassassinatoeram,noentanto,seguidoresdevotosdeElijahMuhammad,dispostosasacrificaravidaparamatarMalcolm.38Portanto,se um pretenso assassino está preparado para morrer, qualquer um pode sermorto.Aprobabilidadedeêxitoera“muitobaixa”,disseHayer.“Masagenteachava

quetinhadeiremfrente...e foioquefizemos.Porqueali?...Eraoúnicolugaronde sabíamos que ele estaria.”39 Hayer conhecia armas e foi designado paracomprá-las com seu próprio dinheiro. Ele e outros do grupo de assassinatoestiveramnum comício daoaau,provavelmenteem janeirode1965,e ficaramsurpresos ao descobrir que ninguém era revistado na entrada principal.Sentaram-se e observaram o posicionamento dos guardas, quando eramsubstituídos etc. Na noite de 20 de fevereiro, o grupo pagou para entrar numbailenosalãodoAudubon,aproveitandoparaverificartodasassaídaspossíveis.Os conspiradores voltaram para a casa de Ben Thomas. Decidiram que o

primeiro tiro contra Malcolm, o tiro mortal, seria disparado por WilliamBradley. “Willie” tinha sido estrela do atletismo na escola secundária,destacando-se no beisebol. Aos vinte e poucos anos, porém, tinha engordado,chegandoapesarmaisdecemquilos.Aindaeraatléticoemseusmovimentoseaprendera ausar espingarda, contudo.Ficou combinadoqueo assassinato seria

cometidonatardeseguinte,domingo,21defevereiro.40

Na manhã do dia 21, um telefonema acordou Malcolm em seu quarto no

Hilton. A voz disse em tom de ameaça: “Acorde, irmão”. Ele verificou a hora;eramoitohorasdeumamanhãdeinverno,masodianãoseriagélido.41Apesardisso,Malcolmresolveunãobrincarcomotempo.Pôsumacompridaroupadebaixo sob o terno — o mesmo paletó que usara durante a viagem pela Grã-Bretanha.Aproximadamenteàsnovehoras, ligouparaBetty,pedindoqueela fosseao

comíciode tarde, e levasse asmeninas.Opedido surpreendeu-a e lhe agradou.Desde o retorno da ÁfricaMalcolm voltara a desencorajar o envolvimento deBetty nos assuntos dammi e daoaau, e no começo da semana dera ordensestritasparaquenãofossenodomingodevidoàameaçadeviolência.Porémnãolhe explicou por que havia mudado de ideia. Betty e as filhas ainda estavamhospedadas com osWallace, e à uma da tarde ela começou a arrumar-se. Asmeninas foram enfiadas em belos casacos de neve. Estavam entusiasmadas.Attallah Shabazz depois recordaria: “Ainda era uma aventura emocionante nosaprontarmospara veropapai”.42 SeMalcolm esperava o dia do juízo, por quepediria a Betty que levasse as filhas para assistir ao seu possível assassinato?Podeserque,apesardoscomentáriossobreosperigosqueocercavamtodososdias, ainda não tivesse certeza absoluta. Ou pode ser que a ambivalênciafuncionasse como mecanismo de defesa, uma forma de não pensar em algoaterrador e inevitável. Talvez, como Husayn, quisesse que sua morte fossesimbólica,umdramadapaixãoquerepresentassesuascrenças.Àumadatarde,MalcolmdeixouoHiltoneseguiuparaonortedacidadeem

seuOldsmobile.Quando chegou à rua 146Oeste, esquina comaBroadwaynoOeste de Harlem, parou e estacionou. Adquirira o hábito de não estacionar ocarro nos lugares onde falava, para não ficar vulnerável a ataques. Enquantoaguardavaoônibusdonorte,umautomóvelcomplacadeNovaJerseyreduziuavelocidade e parou onde ele estava.Malcolm não reconheceu omotorista, umjovemafro-americanochamadoFredWilliams,masviuCharlesXBlackwell,dammi, sentado no banco de trás. Tranquilizado, Malcolm entrou atrás. O carrorapidamente percorreu as vinte quadras ao norte do Audubon. Já eram quaseduas da tarde, mas ainda havia muita gente em pé, sinal de que nenhum

programaformalcomeçaranopalcodosalão.43

Quando entrava no Audubon,Malcolm deve ter notado a falta da presençahabitualdepoliciaisnafrentedoprédio.DeacordocomPeterGoldman,umdos“maisgraduadosassessores[deMalcolm]faloucomocapitãodeserviço,pedindoqueapolíciadeixasseoprédioeficassenumlugarmenospúblico”.LevandoemcontaoataqueabombaeasrestriçõesqueMalcolmimpuseraaossegurançasdammi— nada de armas, nem de revistar pessoas na porta principal—, é difícilimaginar a lógica desse bizarro pedido, ou mesmo a razão de a polícia o teracatado. Seja como for, cerca de dezoito policiais foram transferidos para umcerto ponto a várias quadras de distância, na Broadway, no HospitalPresbiterianoColumbia.44

QuandoMalcolmentrounograndesalãonosegundoandar,PeterBailey foiimediatamente ao seu encontro com um pacote deBlacklash. Havia algo napublicação daoaau que não estava certo, e Malcolm dera ordens para nãodistribuirnenhumexemplar. “Pelaprimeiravez”,disseBailey,Malcolmparecia“perturbado,nãoamedrontado...mas[como]umapessoaquetemacabeçacheiadecoisas.”MalcolmperguntouseBaileyreconheceriaoreverendoGalamison,eBailey disse que sim. Malcolm então lhe pediu que esperasse por Galamisonpertodaportaprincipalnoandardebaixo;quandochegasse,o líderdedireitoscivis deveria ser conduzido para a sala dos fundos, atrás do palco principal dosalão.45

Daentradaaosfundosatéopalco,osalãotinha55metros.NapequenasalaatrásdopalcoosprincipaisassessoresdammiedaoaauaguardavamMalcolm:SaraMitchell,James67XeBenjamin2X.Elesperceberamdeimediatoqueolíderestava de péssimo humor.Malcolm se jogou numa cadeira demetal dobrável,mas minutos depois estava de pé, andando nervoso de um lado para outro.Benjamin lembrava-se de que “ele estava nervoso como eu nunca tinha visto...Tinha perdido completamente o controle”. Quando James explicou que asecretária deGalamison falara comelehoras antes para dizer que a agendadoministroestava tão cheia aquela tardeque lhe seria impossíveldirigir donortedacidadeparafalaraopúblicodoAudobon,Malcolmquissaberporquenãoforainformado antes. Com muito cuidado, James lembrou que Malcolm não lhedisseranavésperaondepassariaanoite, epor issonãopôde localizá-lo.Horasantes, explicou, tinha telefonado para Betty pedindo que ela lhe passasse ainformação. Malcolm explodiu: “Você deixou esse recado para umamulher!...

Devia saber que isso não se faz!”.46 Continuou a agredir verbalmente todomundo à sua volta. Quando Sheikh Hassoun tentou abraçá-lo, gritou: “Foradaqui!”.47 Benjamin e Hassoun saíram juntos da sala, e o primeiro subiu àtribunaparainiciaroprograma.Empoucosminutos,Malcolmpediudesculpasaosquetinhamficadonasala.

“Alguma coisa pareciaerrado”, disse. Acrescentou que “não sabia mais o quefazer”.48 O programa daoaau, que deveria ser anunciado no comício, e foraadiado uma vez por causa do atentado a bomba, ainda não estava pronto;Galamisonemuitosoutrosoradoresconvidadosnãoestariampresentes.Oêxitodo evento dependia agora de ele fazer um discurso apropriadamente animado.“NosbastidoresMalcolmtentouafastartodososproblemaspessoais”,observouMitchell. “Quando alguém sugeriu que ele deixasse as pessoas se preocuparemcomele,paravariar,elerespondeumeio irritado: ‘Não importaoqueacontececomigo,nãopossosairporaíreclamando.Oquedigoprecisaserditopensandonosproblemasdeles’.”49

AturdidocomaraivadeMalcolm,Benjaminpassouosprimeirosminutosdesua fala tentando concentrar-se. Pediu reiteradamente às pessoas para “ficaremsentadas”e“deixaremoscorredores livres”.Levoucercadecincominutosparaencontrar terreno retórico familiar, e, tendo estabelecido um ritmo, lembrou àplateiaquepormaisdeumanoMalcolmtinhafaladocontraainvasãoamericanado sudeste da Ásia. “Portanto esta noite, quando o irmão ministro Malcolmestiver diante dos senhores, espero que os senhores abram a mente e osouvidos”, disse. “Ele tentará fazer qualquer coisa por nós sem pedir licença àestrutura de poder que controla o sistema político em que vivemos.” Semmencionar o recente ataque a bomba e as ameaças de morte cada vez maisfrequentes,Benjaminressaltouacoragempessoaldolídereosmuitossacrifíciosquefezpelacausacomum.Quandoumapessoadessasestá“emnossomeio,nãose preocupa com as consequências pessoais, e só se preocupa como bem-estardas pessoas, trata-se de um homem bom. Um homem assim”, enfatizou oorador, “merece apoio. Um homem assim precisa ter êxito. Porque homensassim não aparecem todos os dias. Poucos homens arriscariam a vida pelosoutros”. Alguém na plateia concordou: “Isso mesmo!”. A maioria “fugiria damorte, mesmo tendo razão”, continuou Benjamin. Malcolm X era sem dúvidaum líder que “não dá a mínima para as consequências, e para ele tudo queimporta são as pessoas... Espero que os senhores compreendam”. O público

reagiucomaplausos.50

EnquantoBenjamin 2X continuava a falar, na entrada principal e no saguãodo segundo andar do Audubon apinhavam-se de retardatários. Por volta das14h50,Bettychegou.ParaalgunsseguidoresdeMalcolm,ocomparecimentodeirmã Betty foi uma surpresa agradável, pois ela aparecera poucas vezes empúblico desde que ele voltou daÁfrica. Jessie 8XRyan, dammi, levantou-se dacadeiraaoladodamulhereconduziuBettyeasmeninasaumacabinepertodopalco. A apariçãomuito notória de Betty levou a plateia a supor queMalcolmnãodemorariaparainiciarseudiscurso.51Haviaàquelaalturaaproximadamentequatrocentaspessoassentadas.Às 2h55 da tarde, o destacamento de seguranças dammi fez a terceira e

últimamudança de tarefas. Poucosminutos antes das três horas, sem nenhumaviso,Malcolmentrouabruptamentenopalcocomumapastanamãoesentou-sepertodeBenjamin2X. “Semmaisdelongas, trago-lhesoministroMalcolm”,anunciou Benjamin às pressas.52 Quando os aplausos começaram, Benjamindeixouatribunaparasentar-sedooutroladodopalco,masMalcolmoimpediudesentar-see, inclinando-seligeiramente,pediu-lhequeficasseatentoàchegadadeGalamison.ComoGalamison tinha cancelado suaparticipação, aordemnãofaziasentido,masBenjaminobedientementedesceudopalcoeMalcolmocupouatribuna.Os aplausos entusiásticos duraram quase um minuto enquanto Malcolm

percorriacomosolhosaplateiadeadmiradores.Àsuaesquerda,oguarda-costasGeneXRobertsdeixoucalmamenteocamarotedoisedirigiu-separaofundodosalão, a poucos centímetros deReubenXFrancis.Ao fazer isso, coincidente oudeliberadamente, afastou-se da primeira linha de fogo segundos depois. “As-salaam alaikum”, declarou Malcolm em árabe, pronunciando as tradicionaispalavrasmuçulmanas de saudação. “Walaikum salaam”, responderam centenasde pessoas. Antes que ele pudesse proferir outra frase, houve um distúrbio nafrentedosalão,aaproximadamenteseisousetefilasdopalco.“Tireasmãosdosmeusbolsos!”,gritouWilbusMcKinleyparaoutroconspiradorsentadoaolado.Enquantoosdoisfingiambrigar,oempurra-empurradistraiuaatençãodetodaaplateia, incluindo a equipe de segurança dammi. Do palco, Malcolm gritava:“Parem!Parem!Parem!Parem!”.53

Os principais guardas da tribuna aquela tarde eram Charles X Blackwell eRobert 35X Smith, escolhas inusitadas, uma vez que não costumavam servir

nessa funçãoe tinhampouca experiêncianaproteçãodeMalcolm.William64XGeorge, poroutro lado, havia protegidoMalcolmna tribunavárias vezes,masnessediafoipostodoladodefora.Nomomentodacomoção,BlackwelleSmithcometeram um crasso erro tático: saíram de seus postos e caminharam nadireção dos dois altercadores. Gene Roberts, GeorgeWhitney e vários outrosseguranças se aproximaram dos homens por trás.54 Malcolm ficoucompletamentesozinhoedesprotegidonopalco.Naqueleexatomomento,umabombaincendiáriadefumaçainflamou-senofundodosalão,provocandopânico,gritos e muita confusão. Só então Willie Bradley, sentado na primeira fila,levantou-seedirigiu-seàspressasparaatribuna.Aumadistânciadetrêsmetros,ergueuaespingardadecanocurtoquetraziadebaixodosobretudo,caprichounamira e disparou.As balas de chumbopenetraramdiretamenteo lado esquerdodeMalcolm,abrindoumburacodedezoitocentímetrosemvoltadocoraçãoedopeitoesquerdo.Foiotiromortal,ogolpequeexecutouMalcolmX;outrasbalascausaramterrívelestragomasnãoforamdecisivas.Estranhamente, esse único disparo de espingarda foi insuficiente para

derrubar Malcolm. Como recordou Herman Ferguson: “Houve uma grandeexplosão,umestrondoqueencheuoauditóriocomosomdearmadisparando”.Simultaneamente,doishomens—Hayernaprimeira fila,comuma45 juntodoestômago,eLeonXDavissentadoao lado,tambémsegurandoumrevólver—levantaram-se, correram para o palco e esvaziaram as armas em Malcolm.Ferguson, ainda sentado a poucos centímetros do palco, apreendeu tudo o queaconteceuemseguida:

Malcolm endireitou-se por ummomento... amão levantou e ele enrijeceu.O tiro de espingarda [foradisparado]contraeleporumdosassassinos,queatiroudeperto...AtingiuMalcolmàqueima-roupanopeitoesquerdo...Emseguidaouviu-seumtiroteio...Durouváriossegundos.Eeumelembrodeterdito:“Se eles pelomenos pararem de atirar talvez a gente possa sobreviver...”. Quando pararam,Malcolmtombouparatrás...esuanucabateunochãocomforça.55

Ferguson foi talvezaúnica testemunhaquenão se jogounochãopara fugir

dalinhadefogo.Econtinuouseurelato:

Depoisdaquelebarulhotodo,tirosegritosdaspessoas,houveumsúbitosilêncio...Vitodasascadeirasetodas as pessoas deitadas no chão.Havia três homens parados no centro do corredor, de frente para aporta.Umdelespareciaterumaarmanamão.[Estavam]paradosemfila,umatrásdooutro.Eficaram

congeladosnotempo[eno]espaçomaisalgunssegundos,depoisforamembora,correndoesaltandoporcimadascadeirasedoscorpos.56

A maioria dos seguranças também correra em busca de cobertura ao

primeiro disparo, não tendo feito esforço algum para proteger Malcolm ouprenderosassassinos.OsguardasdetribunaCharlesXBlackwelleRobert35XSmith tinhamdeixadosuasposiçõese roladopelochão tentandosalvar-se. JohnDavis, formalmente o chefe do destacamento da tribuna, admitiu, depois, àpolíciaquequandoostiroscomeçarameletambém“caiunochão”.57Charles37XKenyatta foi outro que se jogou no chão e disse posteriormente que “não viunada”.58

OsrelatosdeváriastestemunhassugeremqueBradleygirounoscalcanharesparaaesquerdaedeveter feitoumsegundodisparoporcimadaplateia,quaseacertando Ferguson. Em seguida correu pelo corredor da direita do salão eenfiou-senobanheirodasmulheres,aunsvintemetrosdopalco.Livrando-sedaespingarda, ele e provavelmenteum segundo conspirador descerampara a ruaporum lancede escada estreito e raramenteusado, fugindo com facilidade.Osoutros dois pistoleiros, Hayer e Leon X Davis, preferiram, inexplicavelmente,passar porumcorredor polonês, tentando fugir pela entradaprincipal do salãonarua166Oeste,a55metrosdedistância.Paraaumentaraconfusão,abombaincendiária de fabricação caseira, composta de fósforos e filmes enfiados numameia,aindaimpregnavaosalãodefumaça.Os dois atiradores, tentando escapar pela entrada principal, esperavam

esconder-se no meio do grande público em pânico, mas antes de chegarem àmetadedosalãoGeneRobertsosinterceptou.Umdosatacantes,provavelmenteHayer, disparou contra ele à queima-roupa. A bala atravessou o sobretudo deRoberts,masnãooatingiu.Robertsagarrouumacadeiradobráveleatirou-anaspernas deHayer, fazendo-o tropeçar e cair; depois disso,Hayer tentou chegaraosesbarrõesà saída, jáatulhada.Nessemeio-tempo,ReubenXFrancisarmoupontariaeatirouneleadoismetrosemeiodedistância,disparandotrêsvezes.Hayer só foi atingido uma vez, na coxa esquerda; sentindo dores, continuou acorrertropeçandoescadaabaixo,ondefoiimediatamentecercadoporpartidáriosde Malcolm enfurecidos, e severamente espancado. Na confusão, Leon X e osoutrosconspiradoresconseguiramescapar.59

Do seu solitário posto avançado de segurança junto à porta da frente,

William64XGeorgetinhaouvidoostiroseimediatamentecorreupelaruaparachamarapolícia,queempoucosminutosestavadiantedoAudubon.60Voltandoparaaentradaprincipaleaescadadafrente,WilliamviuHayerseragarradopordois irmãosdammi e daoaau,Alvin JohnsoneGeorge44X,quearrastavamoatirador ferido pelo chão. “A multidão começou a bater nele”, diria Williamposteriormente.Naquelemomento,opatrulheiroThomasHoychegouàcenaetentou levar Hayer para dentro de sua viatura pela porta traseira. SegundosdepoisosargentoAlvinAronoffeopatrulheiroLouisAngeloschegaramnoutraviatura e ajudaram Hoy a dispersar a multidão irada. Aronoff disparou orevólverparaoaltoeospoliciais finalmenteconseguiramcolocarHayerdentrodeumaviatura.O relato testemunhal mais minucioso de um jornalista foi o do freelance

Welton Smith, cuja reportagem apareceu noNewYorkHeraldTribune. Smithprimeiro viu um homem de “sobretudo preto nomeio do salão” levantar-se e“[gritar]paraohomemdolado:‘Tireasmãosdosmeusbolsos!’.”Dispararam-setirosdopalcoquandoSmithfoiviolentamenteempurradoparaochãoporoutraspessoas.Todososdisparosocorreram“emquinzesegundos”.QuandoSmithselevantou,viudoishomensperseguiremaqueledesobretudopreto,queseviroueatirounosperseguidoresenquantocorriaparaasaídaprincipal.Smithlocalizouabombade fumaçano fundodosalão,apagouoestopimeprocurouáguaparaensopá-lo.Minutosdepois,viucercadeoitopessoasdebruçadassobreMalcolm.Enquanto seguranças dammi tentavam impedir que outros subissem no palco,SmithviuYuriKochiyama,daoaau, inclinar-se sobreMalcolmegritar: “Aindaestávivo!Ocoraçãoestábatendo!”.61

Felizmente Betty tinha testemunhado apenas os primeiros segundos doassassinatodomarido.Quandoouviuoestampidodo tirodeespingardaela sevirou instintivamente para o palco. “Não havia mais ninguém lá em quemestivessem atirando”, disse ela. Mais dois assassinos armados com revólveresavançaram disparando contra Malcolm. Betty diria depois que tinha visto omarido cair no palco debaixo de fogo. Mas outras pessoas viram-na juntarrapidamenteasmeninasapavoradase jogá-lasnochão,protegidasparcialmentepor um banco de madeira e por seu próprio corpo. Enquanto os tirosprosseguiam, Betty gritou: “Estãomatandomeumarido!”.Durante a fuga dosassassinos,asmeninasShabazzcomeçaramachorareafalaralto.“Seráquevãomatar todomundo?”, perguntouumadelas.Betty viu pessoas correremparao

palco, arrasadas com o que tinha acontecido. Levantando-se finalmente, elacorreu em direção ao corpo, soluçando e gritando; amigos tentaram segurá-la,porque estava claramente histérica.62 Depois de verificar se sua mulher, Joan,estava bem — ela se sentara na frente, perto de alguns repórteres —, GeneRoberts correuparaopalco.Percebeude imediatoqueMalcolmestavamorto,mas ainda assim tentou desesperadamente ressuscitá-lo por respiração boca aboca.63JoanRobertsficaraprofundamenteabaladacomoassassinatodeMalcolme o quase assassinato do marido. Chorou descontrolada no táxi a caminho decasa.Quarentaanosdepois,GeneRobertscomentouque“ohorrordoincidenteperseguiu-aduranteanos”.Enquanto a fumaça flutuava em cima, membros dammi e daoaau

tropeçavam de um lado para outro do salão, desorientados, atônitos, semconseguir acreditar no que acabavam de testemunhar.O jornalista Earl Grant,que também era daoaau, usavaum telefonepúblico perto da porta da frente,fazendo uma chamada para solicitar fundos a pedido de Malcolm, quando oprimeiro tiro estalou. Ele tentou voltar para dentro, mas foi empurrado pelaspessoasquecorriamaosairdoprédio.Nomomentoemquefinalmentechegouaopalco,acamisadeMalcolmtinhasidoabertaeosangue lhecobriaotronco.Grantpegouacâmeraderepórterepôs-seafotografar.64SuasfotossetornariamasprincipaisimagensdamortedeMalcolmX.QuandoHermanFerguson finalmente conseguiu chegar à entrada principal,

viu à sua direita “uma grande comoção na rua... Uma multidão segurava umhomem no alto, empurrando-o e puxando-o”. Vagando em estado de choque,Ferguson foi parar na esquina da Broadway com a rua 166 Oeste, refletindosobre“oqueeu tinhaacabadodever—amortedeMalcolm”.Poucosminutosdepois reconheceu irmãos dammi e daoaau passando apressados com umamaca de hospital, que empurraram para dentro do prédio. Logo um grupo depoliciaiseosirmãosvoltaramcarregandoocorpo:“OlheiparaMalcolm.Jádavaparaverapalidez,apalidezcinzentadorosto...Acamisaestavaaberta,ocolareagravatapuxados.Via-seopeito... [e]umasériedecercadesete furosdebala,furosgrandesosuficienteparaenfiarodedomindinho.E[pensei]comigoqueelenãoexistiamais”.65

Ferguson ficouminutos parado na esquina, perdido, tentando decidir o quefazer. Nesse momento um carro de polícia, que seguia para o norte pelaBroadway,fezumaviradabruscaeparouapoucoscentímetros.Aviaturatinha

dois policiais, um que lhe pareceu “de alta patente” por causa “das trançasdouradas no chapéu”. Este saiu do carro e entrou no Audubon, voltando logodepoiscomumhomemdepeleesverdeadaque“obviamentesentiamuitador”.Enquantoohomemeratratadonobancotraseiro,Fergusonfoiatéocarro.“Eleestavacurvado,segurandootronco,etivedemeabaixarparaveroseurosto.”Ferguson imaginouqueohomem tinha sidobaleado; achandoqueo feridoera“um dos nossos”, perguntou o que havia acontecido. A viatura saiu em altavelocidade — mas em vez de dobrar à direita na Broadway para o HospitalPresbiterianoColumbia,omaispróximo,“elesseguiramparaorio[Hudson],dooutroladodarua,descendoaladeira,edesapareceramdevista”.Quandoosfrenéticosirmãosdammiedaoaaueospoliciaiscomocorpode

Malcolmchegaramaopronto-socorrodoHospitalPresbiteriano,ummédicofezimediatamente uma traqueostomia num esforço para ressuscitá-lo. DepoisMalcolm foi conduzido ao terceiro andar do hospital, onde outros médicos sepuseram a trabalhar. Os médicos sabiam que Malcolm estava muitoprovavelmente morto quando chegou ao pronto-socorro, mas continuaram atentar ressuscitá-lodurantequinzeminutos,antesdedesistir.Às trêsemeiadatardenumpequenoescritóriosuperlotadodeseguidoresdeMalcolmedeváriosjornalistas, um médico anunciou, de maneira estranhamente impessoal: “OcavalheiroqueossenhoresconheciamcomoMalcolmXestámorto”.66

Os principais tenentes de Malcolm não testemunharam pessoalmente otiroteio.Mitchell,Benjamin2XeJames67Xestavamtodosjuntosnosbastidores.“Ouviumbarulhoparecidocomrojão”,disseosegundo.“Ouvidisparosdearmadefogo...Comeceia transpiraremcadaporodocorpo.Eusabiaqueeleestavamorto.” Benjamin tentou levantar-se, mas não conseguiu: “Fiquei sentado,aturdido,olhandopelaporta abertaparao corponopalco...Então,de repente,aquilosefoi,opesonosombros,esentiumgrandealíviotomarcontademim,oalívio deMalcolm diante de todos os sofrimentos. Amorte acaba as coisas nahoracerta.Sejamquais foremos instrumentosusadosparacausá-la,quandoelachega,cheganahora”.67

SaraMitchell achouparticularmente interessantes as ações dos discípulos deMalcolm,quesereuniramemvoltadocorpo:“‘Talvezeleaindaconsiga’,diziamuns aos outros, e para a mulher dele, Betty, e juntos tentavam orar para ele,trazê-lodevoltaàvida”.Posteriormente,Mitchell reclamou: “Depoisdos tiros,minutos terríveis se passaram, e nenhumpolicial apareceu”.Apesar deumdos

principais centros médicos da cidade ficar a poucas quadras de distância,nenhumaambulânciachegouaoAudubon,oquefezcomquehomensdopróprioMalcolm tivessem de ir correndo ao pronto-socorro para buscar uma maca.Várias mulheres “conduziram a atordoada mulher de Malcolm para fora ereuniram as quatro meninas para que fossem levadas para casa. Só então ospoliciais entraram no prédio”.Membros dammi e daoaau ficaram indignadosquando a polícia finalmente apareceu. “Sua aparição foi tão absurdamentetardia”, disse Mitchell, “que uma mulher chorosa gritou e acenou para quefossemembora,dizendo:‘Nãotenhampressa;venhamamanhã!’.”68

“Quandoostirospipocaram”,disseJames67X,“Benjamin...sejogounochão.Eu saí... As pessoas estavam no palco, Malcolm deitado no chão, e vi a vidaabandonar seu corpo.”69Um filme a respeitodoquehouve em seguidamostraJames ajoelhado sobre Malcolm aparentemente removendo alguma coisa docorpo. Então, de maneira inexplicável, sem dar ordens aos subordinados, ouassumir o comando, atravessou rapidamente o que restava da multidãodesorientada,passouporváriospoliciaisquechegavame saiudoprédio. James67X afirmaria anos depois que sua primeira intenção foi “atirar no [capitão]Joseph”emretaliação.70

OspatrulheirosGilbertHenrye JohnCarroll tinhamsidodesignadosparao

pequeno salão Rose, longe do lugar dos tiros. Quando o barulho dos disparoscomeçou, Henry fez uma ansiosa tentativa de pedir reforço policial, mas “nãoconseguiumaresposta”nowalkie-talkie.Osdoispoliciaisencaminharam-separaa entradadoAudubon,única rota direta parao salão,mas forambarrados porcentenas de pessoas que gritavam e empurravam ao descer para a rua pelaescadaprincipal.71Nomeiodocaosedaconfusão,foiimpossívelparaospoliciaisidentificaremumassassinoemfuga.Aproximadamenteàs3h05datarde,menosdedoisminutosdepoisdostiros,

o tenenteBernardMulligandoboss soubequeMalcolm tinha sidobaleado.OsdetetivesHenry Suarez eKennethEgan, doDepartamento de Polícia deNovaYork,foramdespachadosimediatamenteparaacenadocrime.72

Minutos depois chegaram ao Audubon, onde encontraram outros policiaistentandodesesperadamenterestauraraordem.InformadosdequeMalcolmforalevado para o hospital, Suares e Egan seguiram para o hospital, onde falaram

com os detetives Ferdinand “Rocky” Cavallaro e Thomas Cusmano, da 34ª-DelegaciadoDepartamentodePolíciadeNovaYork.Ospoliciais anotaramosnomes de todos que tinham ido do salão de festas para o hospital; tambémdescobriram que, embora o assassinato tivesse ocorrido apenas dez minutosantes, um suspeito ferido, “Tommy Hagan”, já estava sendo interrogado nadelegacia.Às3h14médicoslhesdisseramqueMalcolmtinha“chegadomorto”aopronto-socorro.73

No hospital, Egan e Suarez obtiveram os objetos pessoais encontrados naroupa de Malcolm, catalogando-os cuidadosamente: “Um diário vermelho de1965 que estava no bolso do paletó tinha três furos de bala; um dispositivo decanetadegáslacrimogêneo‘Penguin’comdoiscartuchostg-4paraomesmo,umdosquaisestavanacanetaparausoimediato”.74

Pelas 3h35, Cavallaro e Cusmano tinham voltado para o Audubon, ondesouberam que uma das armas provavelmente usadas no assassinato, umaespingarda de cano curto J. C. Higgins “envolta num paletó de homem”, foraencontrada em cima de umamesa no fundo do palco do lado esquerdo. Juntocom outros policiais, vasculharam os salões vazios em busca de outras provasmateriais relacionadas ao crime. Lugares onde havia buracos de bala e outrosentulhosbalísticos foramdevidamenteassinalados,eaunidadede fotografiadoDepartamento de Polícia de Nova York foi chamada. Os investigadoresdescobriram também que várias outras pessoas tinham sido feridas durante oassassinato, todas levadas depois para o hospital, e assim foram interrogá-las.WillieHarris,membrodaoaaude51anos,estavasentadonaantepenúltimafilaquando a confusão começou. Depois da saraivada de tiros, tentou fugir pelaportaprincipal.ComoexplicouaodetetiveJamesRushin:“Fuiatingidoporumabala.Saídosalão,procureiumpatrulheiro...edissequetinhasidoferido”.75

O detetive James O’Connell, do Departamento de Polícia de Nova York,tambémtomouodepoimentodeoutrohomemquerecebiatratamentomédico,WilliamParker,de36anos,supervisordeprédiosdeAstoria,noQueens.ParkerlevaraNathaniel, o filho de seis anos, ao comício “para ver sobre o que era areunião”.Sentadonaterceirafila,pertodocorredordomeio,eleagarrouofilhoe se jogou no chão ao ouvir o primeiro tiro. Enquanto a fuzilaria continuava,Parkersentiuumadoragudanopéesquerdo.Sóquandodesciaaescadacomofilho percebeu que tinha sido atingido. Em vista da quantidade de balasdisparadas naquele ambiente fechado, é de admirar que, além de ferimentos

menorescomoesse,Malcolmtenhasidooúnicomorto.76

Enquanto os membros dammi e daoaau que ficaram no Audubonacompanhavamas fases iniciais da investigaçãodoDepartamentodePolícia deNova York, a maioria dos policiais que estavam na cena do crime pareciaindiferente ao fuzilamento. Earl Grant lembrou que os primeiros policiais aentrarem no Audubon “passeavam mais ou menos no ritmo que se poderiaesperar quando fazem a patrulha num parque onde nada acontece... Nenhumtinhasacadoaarma!”.Alguns tiras“atéandavamdemãonobolso”.77Cercade150pessoasqueestavamnaplateiaetinhamfugidoparaaruavoltaramaosalão.Umnegro gritou, na sua frustração: “Não há esperança porra nenhuma para anossagentenestepaísnojento.Éprecisolutarcontraosbrancosnojentoselutartambémcontraos negros estúpidos”.Uma senhora de idade antilhanadisse aorepórterWeltonSmith: “Vocêshomensnãodeixemeles escaparemsempagar.Fizerammal aMalcolm e vocês não vão deixar eles escaparem sem pagar porisso. Eles não podem nos segurar. E o branco não pode nos segurar. A gentesabequefoiobrancoqueos incitou”.Outrohomem,cheioderaiva,declarouaSmith:“Seiqueospoliciaisderamumamãonisso...Vejacomoapolíciademorouprachegaraosalãodepoisdoqueaconteceu.Devemtersidounsdezminutos,eaambulância levouquasemeiahoraparavirdohospitalque ficadooutro ladodarua.Enãomedigaquefoisócoincidência”.78

A profunda falta de confiança no comportamento nada profissional doDepartamentodePolíciadeNovaYorknãoeragratuita.Amaioriadospoliciaisde rua desprezava Malcolm, que para eles não passava de um perigosodemagogoracista.Muitosachavamqueeletinhaincendiadoaprópriacasanumaespécie de golpe publicitário. Além disso, achavam que, devido à retóricainflamadadeMalcolm,erainevitávelqueolídernegrofossemortopelaprópriaviolência que estimulara. A maioria dos policiais tratou o caso não como umimportanteassassinatopolítico,mascomoumfuzilamentodebairro,numguetoescuro,umabaixanalutaentreduasganguesnegrasrivais.79

Pouco antes das quatro da tarde, James 67X voltou ao Audubon, ondepoliciaisquiseramsaberondeestivera.Elerespondeu:“Euestavaindo...”.EntãoJames seperguntou: “Como sabemqueeu saí?...Devem ter fotografado tudo”.Dias depois a polícia lhe mostrou “ummapa dos lugares... onde todo mundoestavasentadonosalãodoAudubon”.80Apolícia exigiuque James eReubenXfossem à 34ª- Delegacia, para onde foram levados de carro por um detetive

chamado Kitchman. Aparentemente, Reuben ou James deixaram algumamuniçãonobancodetrásdocarrodeKitchman,poisnodiaseguinteodetetiveencontroualibalascalibre32.Reubenfoiacusadodeassaltoepossedearmanocaso dos tiros disparados contraHayer. Às 8h20, o promotor público deNovaYork, Herbert Stern, e o detetive da polícia, William Confrey tiveram umaentrevista com James, que não rendeu muito. Às 8h32 da noite, informou apolícia: “O sr.Warden parou de falar”.81 James foi solto, indo imediatamenteparaoHotelTheresa,ondeencontroualgunsirmãosdammiedaoaau.Duashorasdepois,SterninterrogouReubenX;osdetetivesdapolíciaJohnJ.

Keeley e William Confrey assistiram à entrevista. A história de Reuben eraapenasumpoucomenosobscuradoqueadeJames.Eledisseque“tinhachegadoaosalãoantesdeMalcolmeficadonofundodosalão”.Depoisdostiros,afirmouque“viudoishomenscorreremparaasaída”.Reuben“correuatráseviuqueumtinhasidoagarradopelapolícia”.Atestouquedepoishavia“voltadoparaosalão”eque“nãotinhamaisnadadevalorparaacrescentar”.82Diasdepois,Reubenfoisoltomediantefiança.“IrmãoReuben”foiimediatamentesaudadocomo“herói”por membros dammi e daoaau e outros ativistas negros como o únicosegurançaqueteveacoragemderevidarostirosdosassassinosdeMalcolm.Enquanto isso, no Audubon, a unidade de fotografia do Departamento de

Polícia de Nova York desempenhava seu trabalho forense. Os detetives sereuniram informalmente para avaliar as provas que obtiveram, concluindo queasmanifestaçõesderivalidadeentredois“gruposnegrosqueestimulamoódio”poderia provocar tumultos em todo o Harlem— e ter de abafar um levantedesse porte era uma possibilidade que lhes dava mais preocupações do que oisoladoassassinatopúblicodeumhomemnegro.Paraprevenirqualqueratodevingança dos partidários deMalcolm, os policiais ordenaramqueo restauranteNationdoHarlemfechasse.Paraosdetetivesquetrabalhavamnocaso,haviamuitosfatosquenãofaziam

sentido.OpedidofeitopelaequipedeMalcolmparaqueodestacamentopolicialdecostume ficasseváriasquadrasafastadodoAudubonpareciaestranho,assimcomo a anuência da polícia à luz do recente incêndio da casa.83 Os detetivestambémficaramdesconfiadosaosaberquequase todosossegurançasdammied aoaau estavam desarmados e que nenhuma pessoa da plateia tinha sidorevistada. Mas o tempo não estava a favor da justiça. Quando a equipe delegistas terminou o trabalho, a administração do Audubon pediu à polícia que

saísse do prédio o quanto antes. Um baile patrocinado por uma igreja negraestava marcado para aquela noite. Notavelmente, a polícia jamais concluiu aanálise forense da cena do crime: a parede de trás do palco estava coberta deburacosdebaladediferentescalibres;osanguedeMalcolmaindacobriapartedopalcodespedaçado—apesardisso,ospoliciais concordaramem sair.Pelas seisda tarde, três empregadas limpavam o sangue de Malcolm, arrumavam ascadeirase limpavamopiso.Oanimadobaileda festadeaniversáriodeGeorgeWashingtonfoidefatorealizadonosalãodoAudubon,comoanunciado,àssetedanoite,apenasquatrohorasapósoassassinato.84

Enquanto isso, ofbi tentava juntar as peças de sua interpretação dos fatos.Pelomenoscincoinformantessecretosestavamnosalãonomomentodostiros.Um deles informou que o primeiro a atacar tinha sido um homem em pé naprimeira fila ou ali perto.Ele “pôs amão esquerdanobolso esquerdo e puxoualgumacoisa.DepoisestendeuobraçonadireçãodeMalcolmX”.Segundoesseinformante,Malcolm“disse, agitado: ‘Não faça isso’ e recuoupara a esquerda”.Oprimeiropistoleirofezentãoquatrooucincodisparos.85

Outro informante, Jasper Davis, localizou o distúrbio inicial na sétima ouoitava fila a contar do palco. Outros homens sentados perto dos dois quebrigavamtambémselevantaram,“aumentandoaconfusão”.Sóentão,informouDavis,eleescutou“umtirovindodafrentedosalão”.86Umterceiro informantecalculou que de quatro a cinco indivíduos participaram do tiroteio. Doispistoleiros “passaram por ele” correndo, e dois outros correram “pelo salão”.87

Ummemorandodofbicomdatade22defevereirodescreveReubenXFranciscomo tendo “atirado num dos supostos chamarizes”, o que sugere que ofbiachava que Hayer era um dos dois homens envolvidos na confusão inicial depoucoantesdoprimeirotiro.Omesmomemorandoinformaqueoutrosquatroindivíduostambémtinhamsidoatingidos.Horasdepoisdotiroteio,acrescentouuminformante,“membrosdeconfiançadammi sereuniramnoHotelTheresa”,ondeJames67X“declarouquenuncatinhadirigidoumaorganizaçãomasfariaoquepudesse para preservar a ideia emanter o programavivo.Ele disse queogrupoaprenderaumalição,equeagoraprecisavareforçarasegurançatantodemembroscomodelíderes,eporfimdeclarou:‘Estamosemguerra’”.88

Outra importanteprovadofbiestava ligadaaRonaldTimberlake,membrod aoaau e informante infiltrado.89 Horas depois do tiroteio, Timberlaketelefonouparao escritóriodofbi emNovaYork informandoque tinhaemseu

poderumadasarmasassassinas.Deixouclaroque sóentregariaaarmaparaofbi, e não para o Departamento de Polícia de Nova York. No dia seguinte,porém, 22 de fevereiro, ele fez um relato do assassinato para a polícia,especificandoquechegaraaoAudubonaproximadamenteàs2h10datardedodiaanterior, onde “ficou um tempo no fundo do salão”. Quando a confusão naplateia começou, Malcolm instruiu as pessoas que permanecessem em seuslugares.TirosforamdisparadoscontraMalcolmporquatrooucincoassaltantes,que depois tentaram fugir. Timberlake afirmou que tinha atirado uma cadeiracontrao atiradormais próximo. Suadescriçãodohomemque tentoudeter eraminuciosa:negro,1,80metrodealtura, trajandoumsobretudode tweedcinza-escuroecalçasazuis.Timberlaketropeçouneleeosdoisrolarampelochão.Umsegundo pistoleiro que Timberlake também descreveu como negro, deaproximadamente vinte anos e 1,70 metro de altura, trajando jaqueta trêsquartosmarrom-escura, puloupor cimadeles e fugiupela escada central e, emseguida, pela porta da frente. Segundos depois, quando as pessoas já tinhamcongestionadoa escada,Timberlake sacoua arma,masnão conseguiu localizarosoutrosatiradoresousequersairpelaportadafrente.Pôsorevólvernobolsoevoltouaosalãoparaprocurarosobretudo.Depoisdeesperaralgunsminutos,simplesmentefoiemboraparacasa.Maistarde,eleidentificaria“TommyHagen[Hayer]”comoumdosdoispistoleirosquetinhavisto.90

AnotíciadoassassinatodeMalcolmfoidivulgadapelamídiaemquestãode

minutos,nacional e internacionalmente.Na sededaNaçãodo Islã emChicago,ElijahMuhammadficouchocado,segundorelatodeumneto.“ÓmeuDeus...!”,teria murmurado Muhammad. O rompimento emocional com seu discípulo“perdido-achado” finalmente tivera um fim trágico. “Sabem de uma coisa, eugostariamesmoeradeirparacasaagora”,disseMuhammadaonetoeaoutrossubordinados danoi.91 Foi uma decisão sábia. Sem dúvida a fiel força desegurança de Muhammad, o Fruto do Islã, percebeu que o assassinato deMalcolmcertamentedeflagrariaumatodeviolênciaretaliatóriacontraseulíder.O escritório de Chicago, apesar de protegido por um grupo de homensaltamente treinados, poderia ser dedifícil defesa contraumassalto frontal: já amansão de Muhammad em Hyde Park tinha sido construída para serpraticamente inexpugnável. Diversos membros da família e outros seguidores

devotos tinham residências perto dela, de modo que os seguranças danoipodiam rondar rotineiramente as calçadas em volta da propriedade.Muhammadeseusconselheirosretiraram-separaafortalezaeaguardaram.A terrível notícia do assassinato de Malcolm chegou rapidamente a Alex

Haley em sua casa no norte do estado de Nova York. Menos de duas horasdepois, suador foipostade ladoporconsideraçõespráticas.HaleydatilografouumacartaparaPaulReynolds,temendoqueseulucrativonegóciopudesseestarem perigo. “Nenhum de nós desejaria que fosse assim”, escreveuHaley, “mascomoestelivrorepresentaaúnicaherançafinanceiradeMalcolmparaamulhereasquatrofilhaspequenas... ficofelizdesaberqueestáprontopara iraopreloagora no auge do interesse, para o que serão grandes vendas internacionais, eedições em brochura, e tudo o mais.” Também avisou a Reynolds que aDoubledaydeveriapreparar-separaumpossívelproblemafinanceiro:

Tenho quase certeza de que nos próximos dois ou três dias a viúva de Malcolm, irmã Betty, me

procuraráparapediradiantamentodaDoubledayoudequalqueroutroquesejapossívelafimdeajudá-la

aatravessarasdificuldadesdaspróximassemanas.Elaestásemcasadesdeasemanapassada,mudaram-se

nomeiodanoite,antecipando-seaodespejolegaldodiaseguinteparadevolveracasaaosmuçulmanos.

EMalcolm,falandocomigoontem,dissequetinha“duzentosoutrezentosdólares”,queseriamtodoo

dinheirodequeBettydispõe.92

Poucosdiasdepois,Haley teveoutra ideia.Noutra cartaparaReynolds, ele

sugeriu:“TalvezumarevistaestejadispostaapagarbemporumaentrevistadeElijahMuhammad. Eu poderia conseguir”.Haley propôs algo na linha de suasentrevistas anteriores comMalcolm e Martin Luther King Jr., para aPlayboy.HaleygarantiuaReynoldsquenãocorrerianenhumriscopessoalnessamissão.“SeiquenãohaveráperigopeloladodacercadafacçãodeMuhammad;elesvãoquerer que eu faça. Associam meu nome com a grande publicidade, feitadignamente, de que precisam desesperadamente.” Alguns amigos de Malcolmpoderiam“ficarexasperadosporeuestaremChicagocomMuhammad”,maserapossívellidarcomeles.“Primeiroarranjeocontrato”,aconselhouHaley;depoisele entraria “em contato com irmã Betty e com dois assessores próximos deMalcolmparalhesdizerquetenhoumaencomenda,éumtrabalhoprofissional”.OutrobenefícioparaHaleyseriamanteralinhadecomunicaçãocomacúpuladaNação. “Isso me dará a oportunidade de dizer a Muhammad coisas que eu

gostaria de dizer com relação ao livro — que ele não é atacado como talvezpense,equenaverdadeéelogiadoporMalcolm.”Haleyinsistiaemque“algunsoutros escritores podem agora ter mais ‘nome’ (Baldwin, Lomax, Lincoln)...[mas] a verdade é que eu tenho o melhor acesso interno à confiança dosmuçulmanos”. Nada resultou dessas propostas, e os temores de Haley eReynolds eram perfeitamente justificados. Dentro de duas semanas, numadecisão terrivelmente imprudente, o dono da Doubleday, Nelson Doubleday,canceloubruscamenteocontrato.93

Nodiadoassassinato,o“aplicadordalei”danoiNormanButleraindaestavaem liberdade condicional pela morte de Benjamin Brown. Naquela manhã elevisitou ummédico em busca de tratamento para lesões na perna, resultado deviolenta surra que tomara durante sua recente prisão. Butler passara a maiorpartedodomingoassistindoàtvemcasa.QuandoviuasnotíciasdoassassinatodeMalcolmtelefonouparaaMesquitanº7e, finalmente,conseguiufalarcomocapitão Joseph, que o aconselhou enfaticamente a se deixar ver por outraspessoas o quanto antes— ir à loja da esquina “comprar uma garrafa de leite”,falar com vizinhos de prédio e assim por diante.94 Butler decidiu não seguir oconselhodeJoseph;afinaldecontas,nãoestevenacerimôniadoAubudon.Jogou-sedenovonacadeiraecontinuouaassistiràtv.95Essadecisãolhecustariaduasdécadasdevida.Thomas 15X Johnson, assim como Butler, não sabia que Malcolm “seria

mortonaqueledomingo”.Naépoca,vivianumapartamentodeúltimoandaremfrenteaozoológicodoBronx.UmvizinholigouparaJohnsonegritou:“Ligueatv...BigRedacaboudesermorto!”.DepoisdofuzilamentodeBenjaminBrowne da prisão de Johnson, o capitão Joseph proibira Johnson de assistir àscerimôniasdaMesquitanº7.Durantesemanas,Josephtiveraencontrosprivadoscom ele, dando-lhe ordens. Johnson não ficou nem um pouco surpreso com oassassinatodeMalcolm:“Eujásabia—JohnAlifalou”.96Sentiu-sefelizporsaberqueMalcolm,enfim,estavamorto.Em Detroit, na Mesquita nº 1 da Nação do Islã, o irmão mais velho de

Malcolm,Wilfred X Little, conduzia uma cerimônia aquela tarde de domingoquando recebeu a notícia do assassinato.Anotícia o abalou terrivelmente,masele prosseguiu. Ao encerrar a cerimônia, anunciou solenemente aos fiéis queMalcolm tinha sido assassinado. Algumas pessoas tinham conhecido seu irmãoanos antes, quando ele ainda era seu enérgico ministro assistente. “Não faz

sentidodeixar-se levarpelaemoção”,disseoministroWilfredaorebanho.97 “Éeste o tempo emque vivemos.Quandomorremos, nossos problemas acabam.Problemastêmosquevivem.”NaquelatardededomingononortedaCalifórnia,MayaAngelouconversava

aotelefonecomaamigaIvonne.Angeloulembra-sedeque“nãohaviaânimonavoz[deIvonne]”quandoeladisse:“Essesnegrosaquisãomalucos,querodizer,malucosmesmo.Docontrário,porqueacabamdemataraquelehomem láemNova York?”. Sem acreditar, Angelou ainda conseguiu colocar o telefone numamesa.Entrounoquartoe trancouaporta. “Nãopreciseiperguntar”,disse. “Eusabiaque ‘aquelehomemláemNovaYork’eraMalcolmXequealguémtinhaacabadodematá-lo.”Demanhã, na cama, a primeira coisa que pensou foi que“tinha voltado da África para dedicar minhas energias e minha inteligência àoaau,eagoraMalcolmestavamorto”.98

16.VidadepoisdamorteOcorpodeMalcolmLittleestavanasmãosdodr.MiltonHelpernnamanhã

desegunda-feira,22defevereirode1965.Médicolegistaveterano,Helperntinhadirigidomais de 12mil autópsias, e participado de outras 50mil.1 Enquanto oestenógrafoFrankSmithtranscreviaoscomentáriosespecializadosdeHelpern,aautópsia prosseguia: “O corpo é o deumhomemadulto de cor, 1,90metro dealtura, 80,74 quilos na balança. Há uma ligeira calvície frontal. Há um largobigode de cor castanha, também um cavanhaque de pelos castanhos com fiosbrancos”. Fisicamente, Malcolm estava em boas condições: esbelto, masmusculoso. “As mãos são bem desenvolvidas. As unhas, bem aparadas.”Examinandoacabeça,Helperndeterminouquenãohouvehemorragiasnocourocabeludo.OcérebrodeMalcolmera“pesado,com1700gramas”.Umapartedocérebrofoitirada,nãorevelando“nenhumaanormalidade”.2

Helperninspecionouasprovasfornecidaspelosmúltiplosferimentosdebala.A maior parte dos danos foi causada pelo tiro inicial de espingarda, incluindodois ferimentos no antebraço direito, e mais dois na mão direita. A força dodisparoperfuraraopeito, rasgando “a cavidade torácica,opulmãoesquerdo,opericárdio,ocoração,aaorta,opulmãodireito”.Ferimentosdebaladerevólverespalhavam-se pelo resto do corpo: vários na perna direita, um chumbodespedaçaraoindicadoresquerdoeosdedosmédios,umfragmentodechumboincrustadono ladodireitodoqueixo,um“ferimentodebalana coxa esquerda”que se estendia “através do osso inominado até a cavidade peritoneal,penetrando os intestinos, o mesentério e a aorta”. Helpern metodicamentecontou 21 ferimentos separados, dez produzidos pelo disparo inicial. A provaforenseindicavaquetrêsarmasdiferentestinhamsidousadas—umaespingardade cano curto,uma9mmautomática eum revólver 45, provavelmenteLuger.HelpernseparouchumbosebalasparaarealizaçãodemaistestespeloescritóriodebalísticadoDepartamentodePolíciadeNovaYork.3

Aversãodapolíciaparaoassassinatoerasimples.Amorte foiaculminaçãode uma briga de quase um ano entre dois grupos negros que estimulavam oódio.ODepartamentodePolícia deNovaYork tinhaduasprioridades em sua

investigação:aprimeiraeraprotegeraidentidadedeseuspoliciaisàpaisanaedeseusinformantes,comoGeneRoberts;asegundaeraentrarcomprocessosbem-sucedidos contra membros danoicom histórico de violência. O apressado ecaóticotratamentodasprovasforensesnacenadocrimesugerequetinhapoucointeresseemsolucionarohomicídio.Desde o início, a polícia concentrou sua atenção em Norman 3X Butler e

Thomas 15X Johnson, os dois tenentes danoique acreditava terem participadodo ataque a tiros contra Benjamin Brown no Bronx. A hipótese da morte deMalcolmeradequeButlerfoiosegundopistoleiro,juntocomHayer.Johnsonfoisupostamente o atirador de espingarda, apesar de ser talvez dez centímetrosmais alto e ter pele mais clara do que o escuro e encorpado Willie Bradley.Apesar disso, as suspeitas da polícia não eram inteiramente infundadas. Váriosmembros daoaau e dammi localizaramButlerou JohnsonnoAudubonnodiadoassassinato.GeorgeMathews,quepertenciaaosdoisgrupos, informouaumdetetivedoDepartamentodePolíciadeNovaYorkque“Butlerparecia serumdoshomensque tiverama altercação,masquenão jurava”.4Um “número nãoespecificado”de testemunhasviuButler em filasde suspeitos eduas afirmaramqueeleestavadentrodosalãonodiadotiroteio.Mas a prova mais intrigante contra Butler veio de Sharon 6X Poole, a

secretária daoaau de dezoito anos com quem Malcolm se envolverasecretamentenassemanasanteriores.Poucosminutosdepoisdostiros,eladisseaumrepórterqueumdosassassinosera,semdúvida,membrodaMesquitanº7doHarlem.5Sharonestavasentadanaprimeirafilaquandootiroteiocomeçou,ese jogou no chão como quase todo mundo. Disse que ainda era capaz deidentificarumdosassassinoscomoumhomemdeternomarromquepertenciaànoidoHarlem.Em26de fevereiro,apolíciaprendeuButleremsuacasaeo levoudecarro

para ser interrogado numa delegacia, o que levou oTimes e outros jornais dopaísaafirmaremqueapolíciaestavasolucionandoocaso.6Nodiaseguinte,semsercontatadapreviamente,Sharon6XtelefonouparaoDepartamentodePolíciadeNovaYork e apresentou o que parecia umahistória convincente.Mais umavezexplicouqueestavasentadanaprimeirafilaquandootiroteiocomeçou.Ela“viu Malcolm ser baleado, levar as mãos ao peito e cair para trás”. Um dosatiradoresquepassaramporelacorrendodearmanamãoeraparecidocom“asfotosdeNormanButler”queelatinhavistonosjornais.DescreveuButlercomo

um homem de “35 anos, 1,82 metro de altura, físico regular, 75 quilos, pelemorena...[O]elementodisparavasuaarmaemtodasasdireçõesnumatentativadesairdorecinto”.Sharon6Xtambémdisseàpolíciaque“todososguardas[dammi] tinhamrecebidoordemparanãoportarnenhumaarma,querdizer, todosmenosReubenFrancis”.7

Suasdeclaraçõesconcentravam-senaMesquitanº7doHarlem,masapolíciajamaisexaminouaspossíveis ligaçõesdeSharoncommembrosdamesquitadeNewark.Depoisdeentrarnosalãonatardedoassassinato,Sharon6Xsentou-sena primeira fila perto de Linwood X Cathcart, danoide Nova Jersey, cujapresença perturbou membros dammi que o reconheceram. A ocupação doslugarespodetersidocoincidência,masédifícilacreditarnissodiantedosindíciosposteriores relacionados a Sharon eCathcart.Mais de quarenta anos depois doassassinato, Cathcart e Sharon 6X Poole Shabazz vivem juntos na mesmaresidênciadeNovaJersey,eShabazztemguardadoabsolutosilênciosobresuasrelaçõescomMalcolmXecomCathcart.8

Umjúrideacusaçãofoiconvocadoem1ºdemarço,eapromotoriapúblicadeNova York apresentou vigorosamente a teoria de que apenas três homens—Hayer,JohnsoneButler—tinhamcometidooassassinato.Johnsonfoipresoem3demarço.Testemunhastambémdisseramtê-lovistonoAudubon.Orepórterfotográfico Earl Grant forneceu ao Departamento de Polícia de Nova Yorkdetalhes importantes sobreoassassinatoque lhe tinhamsidoconfiadosporumcolega dammi,CharlesXBlackwell, umdos que guardavama tribunanahorado assassinato. Em 8 de março, Grant disse à polícia que Blackwell viu umassassino“fugirdaáreadecadeirasparaobanheirofemininolocalizadonoladolestedosalão”.Blackwell“achaqueessapessoa[ThomasJohnson]estápresaporesse crime— ele conhece Johnson de reuniões anteriores”. Blackwell tambémidentificou“outrapessoaqueconhececomoBenjamin,dePatersonouNewark,sentada mais ou menos na terceira fila do lado esquerdo”.9 Embora a políciaestivesse satisfeita por Johnson ter sido visto na cena do crime, o fato deBlackwell identificar Ben X Thomas, da mesquita de Newark, um dosverdadeirosassassinos,não foi investigado.Em10demarço,o júrideacusaçãodeterminou que Hayer, Butler e Johnson tinham “deliberada, criminosa edolosamente”matadoMalcolmX.10

A polícia tinha consciência de que os muçulmanos de Nova Jersey podiamestar envolvidos no assassinato. Guardas dammi mencionaram a presença de

LinwoodCathcartnograndesalão,eelefoientrevistadopeloDepartamentodePolícia de Nova York em 25 de março;11 Robert 16X Gray, da mesquita deNewark, fora entrevistado três dias antes.12 Mas a polícia não investigousistematicamente os vínculos de Hayer com a mesquita de Newark, nem seempenhou em explicar por que ele se associou a Butler e Johnson, doisfuncionários mais graduados danoique ficavam no Harlem. Aparentemente apolícia não levou em conta que o protocolo danoijamais permitiria que“aplicadoresdalei”damesquitadoHarlemassassinassemMalcolmàluzdodia,porque esses homens certamente seriam reconhecidos por muita gente naplateia.ApastadeJosephGravittnoDepartamentodePolíciadeNovaYorkestávazia,indicandotalvezquequaisquerprovasobtidasdocapitãodaMesquitanº7foramdestruídasanosatrás.13

Dentro das organizações de Malcolm, logo se suspeitou da afirmação doDepartamento de Polícia de Nova York, e passou-se a sussurrar sobre apossibilidadedeumserviçointerno.Desdeodiadoassassinato,algumaspessoasdammicomeçaramareveraopiniãodequeReubenXFrancistinhasidooheróidodiapor atirar emTalmadgeHayer. Seapolícia fora solicitadaa transferirodestacamento na frente do Audubon para um ponto a várias quadras dedistância, sóduaspessoas,alémdeMalcolm, teriamautoridadeparanegociararetirada:James67XeReuben.Alémdisso,muitoscomeçaramaseperguntarporque Charles X Blackwell e Robert 35X Smith foram destacados para protegerMalcolmaqueledia, senenhumdosdois tinhamuita experiêncianumaposiçãodefensiva avançada, e se o guarda de tribuna rotineiro, William 64X George,estava presente mas montando guarda na porta. A posição de Reuben comochefe da segurança de Malcolm, responsável por entender-se com a polícia earranjar destacamentos para a proteção de Malcolm, fez alguns irmãosacreditaremqueeletalveztivesseparticipadodoassassinato.Gerry Fulcher estava convencido de que Reuben Francis “foio cara. Ele

organizoutudo.Equisdarnopéquandoviuqueacoisaiaesquentar.Acabariamchegandoaele”.AmaiordúvidadeFulchererasaberseFrancisera informanted ofbi ou do Departamento de Polícia de Nova York. Se Francis participou,acreditaFulcher,“eletinhaquetercontatosdentrodaagência[fbi],oucomnossoescritório”.Mas o papel de Francis continua incerto; até os registros da políciasão pouco claros, porque oboss e ofbi raramente revelam informaçõesimportantessobreinformantes.“Aúltimacoisaqueofbidiriaaoboss”,afirmou

Fulcher,“équeFranciserainformante.”14

Franciscomeçouadizeraoutraspessoasqueasituaçãonãoeraboaparaelepermanecer emNovaYork. Soltomediante o pagamento de 10mil dólares defiança, começou a manifestar temores de que promotores públicos oprocessassem por ter atirado emHayer, por isso resolveu sair do país.15 AnasLuqman,quetambémtinhasidoarrastadopelapolíciaedepoislibertado,achavaqueissofaziasentido,eosdoishomensprepararamumplanoparadirigiratéafronteiradoMéxicoeseescondernodeserto.Francisrecrutoumaistrêshomensligados ànoique, por diferentes razões, também queriam deixar os EstadosUnidos.Luqmaninsistiuparaqueumdeles,umrapazdedezesseteanos,ficasse.“Então saímos dirigindo”, lembrava-se Luqman,mais de quarenta anos depois.Apósváriosdiasdeestradaogrupoatravessouafronteira.Os homens de Malcolm tendo ou não desempenhado algum papel em sua

morte, quase todos os malcolmistas estavam convencidos do amploenvolvimento das instituições policiais e do governo americano. Numaentrevista em 1968, Peter Bailey acusou o Departamento de Polícia de NovaYorkeofbide“saberemqueodestinodoirmãoMalcolmestavadestinadoaserassassinado”. Bailey achava que tanto Thomas Johnson como Norman Butlereram inocentes. Embora não tivesse testemunhado o tiroteio— aguardava noandardebaixoachegadadoreverendoGalamison—,eledesenvolveuumaforteteoriasobrecomoocorreuoassassinato.“AchoqueoirmãoMalcolmfoimortoporassassinosprofissionais”,disse,“nãoporamadores.”Baileyduvidavaque“osmuçulmanos fossem capazes de fazê-lo”.16 Consequentemente, a maioria dosmembros daoaau e dammi resolveu não colaborar com a polícia. Nãocompreenderam que havia uma acirrada competição, e um clima dedesconfiança,entreapolíciaeofbi.MesmodentrodoDepartamentodePolíciadeNovaYork,obossoperavaacimadalei,protegendoseusprópriosagenteseinformantespagosdorestodaforçapolicial.Consequentemente,nãohaviaumaestratégia unificada de policiamento que pudesse atrapalhar a investigação damorte de Malcolm. No fim, a cooperação com os detetives da polícia talveztivesse aumentado a probabilidade de os verdadeiros assassinos de Malcolmprestaremcontasàjustiça.Nofimdascontas,aversãopolicialdosacontecimentosganhoucredibilidade

com a exploração sensacionalista, pela mídia, da imagem de Malcolm inimigodosbrancos.UmareportagemdoNewYorkTimes,porexemplo,traziaotítulo

“Malcolm X vivia em dois mundos, preto e branco, ambos amargos”.17 Numeditorial, oTimes descreveu Malcolm como “um homem extraordinário ecomplicado, que canalizou para o mal muitos talentos genuínos... Malcolm Xtinhatodososingredientesdeliderança,massuacrençaimpiedosaefanáticanaviolêncianãosóoafastoudoslíderesconfiáveisdomovimentodedireitosciviseda esmagadoramaioria dos negros. Ela tambémo destinou à notoriedade, e aum fim violento”. O editorial sugeria que o rompimento de Malcolm com anoiforamotivadopor ciúmes,maisdoquepordivergênciaspolíticasouéticas.Também dava a entender que nacionalistas negros radicais, da Nação ou dequalquer outro grupo, foram os responsáveis pelo assassinato. “Omundo queviu através de seus óculos de armação de chifre era deformado e sombrio”,concluíaoeditorial.“Maseleotornouaindamaissombriocomsuaexaltaçãodofanatismo.Ontem,alguémsaiudessatrevaproduzidaporeleeomatou.”18

Diasdepois,arevistaTimenãodeixoudúvidasobreoqueachava:“MalcolmX tinha sidogigolô,viciadoemcocaínae ladrão.Eraumdemagogodescarado.Seu evangelho era o ódio”. A revista também concordava com a teoria doassassinato oferecida pelo Departamento de Polícia de Nova York. “Oassassinato de Malcolm, quase certamente, veio das mãos dos muçulmanosnegros que ele desertara.” Mas não bastava condenar Malcolm em termosideológicos;Time inventou uma história para ridicularizar-lhe o caráter. OprogramadedomingoàtardenoAudubontinhacomeçadoatrasado,declarouarevista, porqueMalcolm “caracteristicamente fizera seus partidários esperaremquase uma hora, enquanto tomava chá e comia uma banana split numrestaurantedoHarlemaliperto”.19

Outraspublicações expressaram sentimentosparecidos.OSaturday EveningPost, em seu obituário, foi mais sensível do que a maioria, mas se mostroufrustrado e confuso como líder negro assassinado. “Ohediondo assassinato deMalcolm X levou muita gente a tentar uma avaliação desse jovem demagogoviolento e desconcertante. Terá sido sua morte parte inevitável da luta pelaigualdade do negro?”, perguntava o obituário. “Sua morte parece mais ummartíriodoqueumaexecuçãonosubmundodasgangues.Masosamericanosjáestãocansadosdeassassinatos,cansadosdasoluçãodeconflitospelaviolência.”20

O título da reportagem inicial doNew York Herald Tribune, que saiunaquele domingo mas com primeira edição datada de 22 de fevereiro, dizia:“MalcolmXassassinadoporpistoleirosenquantoquatrocentosassistemnosalão:

polícia resgata dois suspeitos”.O texto dizia queHayer fora “levado para umacela na Prisão de Belevue e trancafiado por uma dezena de policiais. O outrosuspeito foi levadoparaodistritopolicialdaavenidaWadsworth,paraondeasmais altas patentes policiais acorreram imediatamente”.21 Horas depois, naúltima edição doHerald Tribune, o subtítulo da reportagem foi trocado para“Políciaresgataumsuspeito”.Asreferênciasaumsegundosuspeitolevadoparao distrito policial da avenidaWadsworth foram eliminadas.22 Posteriormente,nacionalistasnegrosetrotskistasacusariamoDepartamentodePolíciadeNovaYorkde“acobertar”opróprioenvolvimentonoassassinatoeliminandoprovasetestemunhas,incluindoacapturadeumassaltantequetalvezfosseumagentedoboss.23 A polícia e os jornalistas da grande imprensa como Peter Goldmanridicularizaram essas conjeturas. Goldman atribuiu a confusão ao fato de querepórteres interrogaramopolicialThomasHoy“nacenadocrimeeAronoffnadelegacia”, sem perceberem que os dois “falavam do mesmo homem... [Aconfusão]durouosuficienteparacriartodoumfolcloreemtornoda ‘prisão’deum misterioso segundo suspeito — mitologia que sobrevive até hoje”.24 Noentanto,o relatodeHermanFergusonem2004sobreumsegundohomemquetinha sido baleado e levado pela polícia dá alguma credibilidade à versão do“segundo suspeito”.Seum informanteoudetetivedofbi oudoboss levouumtiro, ou fez parte do grupo de assassinato, é quase certo que a polícia jamaispermitiria que sua participação se tornasse pública. Outra possibilidade era apresençademaisdeumgrupodeassassinosnosalãonaqueledomingo.Apesarde Ferguson e muitas testemunhas terem visto três atiradores, algunsobservadores, incluindo informantes dofbi, afirmam que eram quatro oumesmocinco.Vinte e quatro horas depois do assassinato, quase todas as organizações

nacionais de direitos civis tinham se distanciado deMalcolm e dos sangrentosacontecimentos do Audubon. Para Martin Luther King, por exemplo, oassassinatodeMalcolm“revelouquenossa sociedadeaindaédoenteobastantepara manifestar divergências matando. Não aprendemos a ser contra semsermos violentamente contrários”. O líder danaacp RoyWilkins lamentou a“morte brutal” de Malcolm como “manifestação chocante e horrenda dainanidadederecorrer-seàviolênciacomoformaderesolverdiferenças”.Falandoem nome dosncc, o jovemmilitante dessegregacionista JulianBond informouaoNewYorkTimes: “Acho que amorte deMalcolm, ou de qualquer homem,

nãopodeinfluenciarnossacrençaarraigadananãoviolência”.25

DeLondres, JamesBaldwin respondeuvinculandoocrimeaoenvolvimentodogovernodosEstadosUnidos.“Quemquerqueotenhacometido”,conjeturou,“foi formadono cadinhodomundoocidental, da república americana.”26MuitomaisexplícitofoiJamesFarmer,docore,queestavabemapardametamorfosedeMalcolmemanifestaradúvidas sobre seo assassinatodo líder era resultadode uma rixa com a Nação do Islã. “Acho que foi um assassinato político”,declarou.Dificilmenteera“poracasoquesuamortetenhaocorridonumaépocaem que suas opiniões mudavam [na direção da] corrente dominante domovimento de direitos civis”. A insistência de Farmer para que houvesse uma“investigação federal do assassinato”, porém, praticamente não recebeu apoio.Paraopúblico,estavaclaroqueaNaçãodoIslãeraresponsávelpelamorte.27

A morte de Malcolm provocou uma reação em cadeia de violência e

intimidaçãoquemanteve seuspartidários sobo regimedomedoedeixou suasorganizaçõesemruínas.Nanoitedoassassinato,houveumprincípiodeincêndiono apartamento de Muhammad Ali, mas depois se descobriu que tinha sidoacidental. Ali informou à imprensa queMalcolm fora seu amigo “enquanto eramembro do [Nação do] Islã. Agora não quero falar sobre ele”. Talvez aindasuspeitando do incêndio em seu apartamento, Ali protestou: “Todos ficamoschocados com o modo como [Malcolm] foi morto”. Negou que ElijahMuhammad,ououtraspessoasdanoi,estivessemenvolvidasnoassassinato.28

Dois dias depois, no começo da manhã de 23 de fevereiro, grupos nãoidentificados subiram ao telhado de um prédio vizinho da Mesquita nº 7 ejogaram coquetéis molotov no quarto andar da mesquita, provocando umincêndioquelogoficouimpossíveldecontrolar,comchamaserguendo-seatédezmetros de altura. O fogo rapidamente se espalhou para a vizinha IgrejaGetsêmani de Deus em Cristo, e em pouco tempo 75 bombeiros lutavamdesesperadamente para apagá-lo. Quando um pedaço da mesquita caiu, cincobombeiroseumcivilforamferidos.Dentrodeumahora,todaaparteinternadoprédioestavadestruída.OFrutodoIslãfoiconvocado,enãodemorouparaquecerca de trezentas pessoas parassempara ver o incêndio. Enquanto amultidãocresciaeasemoçõesseintensificavam,apolícia,preocupada,pediureforço.29Nogélidoardanoite,Larry4XPrescottagasalhou-sejuntodocapitãoJoseph,quese

puseraachorar.FoiumchoqueparaLarryveroquaseestoicoeprofundamentereservadoJosephassoberbadopelador.30

Adestruição damesquita fortaleceu a convicção pública de que uma guerraabertadeganguesera iminente.Apolíciapassouavigiar amesquitadaNaçãono Brooklyn e suas dez empresas no entorno; amesquita doQueens tambémrecebeu a mesma proteção. Em Chicago equipes faziam vigília 24 horas paraprotegeravidadeMuhammad,aindaenclausuradonamansãodeHydePark.31

Ocapitão Josephdescreveuo incêndionoHarlemcomo“umataqueperversoeinsidioso...Apiorcoisaquealguémpode fazerémexercomotemploreligiosodeoutro”.32

A Nação iria se vingar não nas ruas do Harlem, mas em Chicago, naconvenção do Dia do Salvador. Durante os preparativos, administradorestrabalharam em estreita colaboração com a polícia de Chicago para tomarmedidas extraordinárias de segurança em torno do salão de convenção. Umabrigada antibomba da polícia inspecionou criteriosamente as instalações; todospassaram por barreiras policiais antes de entrar. O próprio ElijahMuhammad“nãofaráummovimentosemestaracompanhadodepelomenosseissegurançasda sua brigada, o Fruto do Islã”, informou oChicago Tribune.33 Duas milpessoasestavampresentesquandoaconvençãocomeçouem26de fevereiro.Acerimônia foi orquestrada como um triunfo dos vitoriosos. “Malcolm era umhipócrita que recebeu aquilo que pregava”, proclamou Muhammad. “Poucassemanasatrásveioaesta cidadeparadispararumarajadadeódioe injúrias.Enãosecontentoucomisso;saiupelopaístentandomecaluniar.”34

A plateia assistiu ao espetáculo de Wallace Muhammad e dos irmãos deMalcolm,Wilfred X e Philbert X, subindo ao palco para pedir perdão e jurarlealdade ao Mensageiro.Wallace disse que esteve confuso, que tinha sido umerroabandonaraNaçãoeopai.Emlágrimas,anunciouque“sóDeusestavaemposiçãodejulgarumafiguratãoexcelsa”comoElijahMuhammad.Lendotextospreparadosparaeles,WilfredePhilbertdenunciaramo irmãomortopor“seuserros”edeixaramclaroquenãoassistiriamaosepultamento.Wilfreddeclarouàconvenção:“Nãodevemospermitirquenossoinimigonatural,ohomembranco,secoloqueentrenós[para]noslevaramatarunsaosoutros.Anotíciadamortedemeuirmãomechocou,masdofundodocoraçãopediaAláquemefortaleçacomoseguidordeElijahMuhammad”.35

EmNova York surgiram graves questões sobre comoMalcolm deveria ser

sepultado.Pelospreceitosislâmicos,aautópsiaforaumaprofanaçãodocorpo.Atradição muçulmana exige também o enterro imediato do morto, e quando aconvençãodoDiadoSalvadorcomeçouocadáverdeMalcolmjáestavaexpostohavia quatro dias na funerária Unity do Harlem, trajando um terno de estiloocidental. Desde a terça-feira, 30 mil pessoas tinham ido prestar uma últimahomenagem.Aolongodasemana,Bettyeseusamigoshaviamfaladocommaisdedez igrejasdoHarlem, incluindoa IgrejaBatistaAbissíniadeAdamClaytonPowell,embuscadeumlugarondepudessemrealizarosúltimosritos;todassenegaram,temendoumaretaliaçãodanoi.Finalmente,aIgrejaTemplodaFédeDeus em Cristo, na avenida Amsterdam, no oeste de Harlem, concordou emcederoauditório.Empoucashorasaigrejarecebeuseguidasameaçasdebomba,mas a cerimônia foi realizada sem incidentes.Antes do funeral, o sheikAhmedHassoun preparou e enrolou o corpo de Malcolm numkafan, a tradicionalmortalhamuçulmana.36

Mais de mil pessoas lotaram a Igreja do Templo da Fé no sábado, 27 defevereiro, para assistir ao sepultamento de Malcolm. Alguns líderes demovimentoapareceram—BayardRustin,JamesFarmer,DickGregory,alémdeJohn Lewis e James Forman dosncc —, mas a maioria manteve distância,provavelmentetemendoviolência.AdamClaytonPowellJr.nãoestevepresente,nemamaioriadoslíderescívicosdoHarlem.BettypediraaOssieDaviseRubyDee que presidissem o programa, e os dois leram em voz alta dezenas demensagens de pêsames de dignitários como King, Whitney Young e KwameNkrumah.37 Mas foi o monólogo de Davis sobre o significado da vida deMalcolmpara os negros doHarlemque empolgou a imaginação do público, e,nas décadas seguintes, superaria tudo omais que ocorreu naquele dia.Usandoanotaçõesrabiscadasnamesadacozinhadesuacasa,Davisdisseestaspalavras:

Muitos hão de se perguntar por que o Harlem acha que este jovem capitão, valente, tempestuoso econtrovertidodeveserenaltecido—enossarespostaseráumsorriso...Diremos:Ossenhoreschegaramaconversar com o irmão Malcolm? A tocá-lo, a receber um sorriso dele? Se o tivessem conhecido,saberiamporqueéprecisohonrá-lo:Malcolmeranossavirilidade,nossanegrae atuantevirilidade...Eentãoeleserávistopeloquefoi,peloqueé:umpríncipe—nossoesplêndidopríncipenegro—quenãohesitouemmorrer,porquetãograndeeraoseuamorpornós.38

Terminada a oração fúnebre de Davis, Betty foi até o caixão para ver o

maridopelaúltimavez.Acompanhadapordoispoliciaisàpaisana,elasecurvou

ebeijouatampadevidrocolocadasobreocorpo.Nessemomento,desfez-seemlágrimas.Ocortejo,queincluíatrêscarroscomafamília,vinteviaturaspoliciaise dezoito carros com outros amigos, partidários e admiradores, seguiu emdireção norte para o Condado de Westchester. Cerca de 20 mil pessoasenfrentaramo frio severo ao longoda rota para o cemitério.Apenas duzentas,incluindo jornalistas, foram autorizadas a chegar perto do túmulo. Depois dasúltimas orações, o caixão foi baixado. Ainda houve tempo para uma últimacontrovérsia, que, emmuitos sentidos, ilustraodilemaqueMalcolmenfrentounofimdavida.Irmãosdammiedaoaaunotaramquetodososfuncionáriosdocemitério que iam sepultar o corpo eram brancos. Nenhum homem branco,queixaram-seeles,deveriaterpermissãodeatirarterranocorpodeMalcolm.Osfuncionáriosforamconvencidosaentregarsuaspás,enachuvafina,osprópriosirmãoscuidaramdeenterrarMalcolm.39

Nas semanas que se seguiram ao incêndio da mesquita e ao funeral,partidários deMalcolm temerampela vida.ANação estava convencida de quemalcolmistas empedernidos eram responsáveis pelo ataque, e que suas açõesmereciam castigo. Em 12 de março, Leon 4X Ameer, em grande parterecuperadoda surrabrutal sofridanasmãosdeClarenceGill ede seushomensemdezembro,falouduranteumareuniãodetrotskistasdeBoston,afirmandoterprovadequeogovernoamericanoestavaenvolvidonamortedeMalcolm.Nodia seguinte seu corpo foi encontrado no quarto que alugava no Hotel SherryBiltmore.UmmédicolegistadeterminouqueamortedeAmeerfoicausadaporcomaresultantedeumaoverdosedecomprimidosparadormir.40Outra vítimafoi Robert 35X Smith, um dos guardas da tribuna de Malcolm no dia doassassinato. “Bob Caratê”, como era conhecido, morreu quando saltou ou foiempurrado na frente de um trem do metrô. Interrogado anos depois sobre amorte,Larry4XPrescottexplicousemmeiaspalavras:“Elefoimortonometrô.Disseramquenósoempurramosda[plataforma]dometrô,oucoisaparecida,noquenãoacredito”.41

Nem aoaau nem ammi tinham desenvolvido procedimentos para tomardecisões coletivas, e semMalcolm os débeis vínculos que uniam os grupos seromperam. Líderes trabalhavam voluntariamente, por devoção pessoal aMalcolm, e a morte dele representou mais do que a negação de sua presençafísica: congelou o universo deles. Malcolm se tornara a vanguarda dareformulação do nacionalismo negro, do pan-africanismo e da versão do Islã

desenvolvida localmente, e com frequência seus devotos ficavam para trás,desnorteados—porvezeschegandoaopontodesuprimirsuascartas,porqueasmudanças de ideologia do líder eram demasiado perturbadoras. Sem aarquiteturadavisãosocialdeMalcolm,paraeleseraquaseimpossívelaproveitaroseulegadoparaconstruirqualquercoisa.Logoevaporou-seaconfiançaentreamaioriadosmembros,evínculossedesfizeram.Olhandoparatrás,MaxStanforddisse:“Aoaautentouseorganizardepressa

demais”.Oquesedesejavaeraaliderançacoletiva,masnarealidade“amaioriadaspessoasera fascinadaporMalcolm”.Mesmoquandotinhadivergênciascomele, Stanford reconheceu: “Malcolm me enfeitiçava. Era mais desenvolvido”política e intelectualmente do que quase todos os seus seguidores.Consequentemente, quando Malcolm se tornou “um porta-voz das massasaclamadomundialmente”,ninguém,depoisdasuamorte,estavapreparadoparavestiromantodelíder.42Deinício,James67Xachouqueestivesseàaltura.Diasapós o assassinato, ele se reuniu com os membros do Movimento de AçãoRevolucionária, Max Stanford e Larry Neal. De acordo com Stanford, Jamesdisse:“Malcolmformouumacéluladoramemalgumapartedammi edissequese algo lhe acontecesse, eu saberia o que fazer”. Os representantesdoramconcordaram em trabalhar com James e outros ativistas dammi. “Oacordo era para [James] continuar a atuar internacionalmente e dentro do país,como Malcolm”, lembrava-se Stanford, “porque ele podia falar parecido comMalcolm.”Mas James dedicava tanto tempo a simplesmentemanter os gruposvivos que não conseguia fazer mais nada. Devido às antigas e problemáticasdiferenças entre ammi e aoaau, não havia ninguém, emnenhumdos grupos,que fossecapazde inspiraraconfiançaea fédosmembrosdooutrogrupo.Osativistas de orientação secular, além disso, não tinham qualquer interesse noprojeto espiritual islâmico dammi.Diante da falta de recursos administrativos,ou até mesmo de um escritório permanente, nenhuma das duas organizaçõespôdesermantida.Enquanto osmais importantes partidários deMalcolm desapareciam, James

ficava sozinhopara lidar comBettyShabazz.MesmohorasdepoisdamortedeMalcolm,asrelaçõesdeBettycomammieaoaau ficaramhostis.Elaculpouospartidários de Malcolm pelo assassinato; em sua raiva e amargura, instruiumembros daoaau a jogaremno lixo documentos importantes domarido, quetinham sido levados para a casa de Wallace por uma questão de segurança.

ExigiuqueJameslheencaminhassetodasascartasnãoabertasdammi, incluindoasendereçadas aMalcolm,paraquepudesseexaminar tudodeantemão. Jamesrecusou.“Eraumaviúvadeluto,aviúvadeumherói”,explicou,masumaviúvaque,namelhorhipótese,tinhaumacompreensãolimitadadotrabalhodammiedaoaau.A tarefa de ajudar e proteger Betty e as meninas foi assumida, em grande

parte, por RubyDee, Juanita Poitier e outras amigas, namaioria celebridades.Essasmulheres estabeleceram oComitê deMães Solícitas para dar assistência.Percy Sutton, James Baldwin e John Oliver Killens também participaramativamente. Em algumas semanas, mais de 6 mil dólares foram levantados,incluindo uma contribuição de quinhentos dólares de ShirleyGrahamDuBois.Emagosto,ocomitêorganizouumconcertobeneficentequeatraiumilpessoasegeroumaisquinhentosdólaresparaacompradeumacasa.Opúblicomais lealde Malcolm, que era constituído pelos pobres e pela classe operária, jamaisabandonou Betty. Ela recebia envelopes com pequenas quantias em dinheiro,enviados aoHotel Theresa ou para a caixa postal dammi. James 67X escreveupara vários contatos internacionais de Malcolm solicitando recursos. AnúnciosforamdivulgadosnasemissorasderádiodeNovaYork.Irmãosmaisagressivosd ammi chegaram a visitar comerciantes negros do Harlem exigindo“contribuições” em dinheiro e mercadorias para Betty e as crianças.43 Apesardisso, alguns seguidores fiéis de Malcolm achavam desconcertante ocomportamento de Betty na época. Parecia-lhes que ela rejeitava os pobres eoperários que seguiam Malcolm, preferindo os acenos da burguesia negra.Ferguson situouapolítica elitistadeBettyno contextododiscurso “Mensagemàsbases”deMalcolm:“Elapassoudeescravadocampoparaescravadacasa”.44

Quando os mais confiáveis aliados de James 67X se dissiparam, e asdificuldades de trabalhar comBerry ficarammais evidentes, ele se lembrou dapromessa feita a Malcolm de trabalhar para ele durante doze meses. Essaobrigaçãoterminounametadedemarçode1965,eelepassouaexaminaroutrasopções.Estava exausto, e, alémdisso,osmaldososboatosdeCharlesKenyattaproduziramumefeitovenenoso;algunsirmãosdammiseperguntavamporqueJamesseausentaradoAudubonporquaseumahoradepoisdostiros,epunhamemdúvidasuasrelaçõescordiaiscomosmarxistasdoram.Demodoque,quandoEllaCollins procurou James e exigiuodireitode assumir ammi e aoaau combase em seus laços de sangue com Malcolm, ele de início resistiu, mas logo

concordouemrenunciar.EllarecebeutambémosdocumentosdeconstituiçãodaMesquitaMuçulmana,tornando-selíder,defato,dosdoisgrupos.Em15demarço,Elladeuumaentrevistacoletivanasededaoaauedammi.

DescritanoNewYorkTimescomo“umamulher forte,desaiapretaeblusadeimensosbotões”,Collins“eradefalaconcisaecríptica”,muitodiferentedoirmãocarismático.ApretensãodeCollinsaopostodelídertinhaporbasesuaduvidosaalegaçãodeserdiretoraexecutivadaseçãodaoaau emBostondesde junhode1964. Também afirmou que Malcolm a designara, pessoalmente, como “suasucessora” em 20 de fevereiro de 1965. No geral, Collins expressou opiniõesconservadoras. Disse que não tinha “desejo de lutar contra” Muhammad ou aNaçãodoIslã;atribuiuoincêndionacasadeMalcolmnoQueensaforças“bemmaiores do que os muçulmanos negros”; e quando perguntada se aoaaurejeitariaapoio“comunistaouesquerdista”,Collinsrespondeu:“Achoquesim”.45

Em poucos dias, a política reacionária de Collins— em comparação com a deMalcolm — e seu comportamento beligerante afastaram os poucos ativistasveteranos restantes. Logo depois, James 67X informou aoramque tencionavadesistir de qualquer atividade política futura. Numa reunião que talvez tenhasido a última, James anunciou misteriosamente “que ia desaparecer, e que ogrupo inicial que estava com Malcolm entraria na clandestinidade”. Quandorepresentantes doramsugeriram que a organização da juventude poderiaoferecernovaspossibilidades,Jamesriu,dizendoqueeles“estavamloucos”eque“a juventude era louca”.46 Depois disso, segundo Max Stanford, “eledesapareceu”.James resolveu entrar na clandestinidade porque tanto aoaau como ammi

desmoronaramrapidamentesemMalcolm.Quemofereceuomelhor—eopior— exemplo disso foi Charles Kenyatta. Poucos dias depois do assassinato, eleinsinuou à imprensa que amorte tinha sidoum serviço interno, executadopormarxistasepeloram.ConversoumuitocomoDepartamentodePolíciadeNovaYork e em 15 demarço foi entrevistado pelofbi.Disse achar “muito estranhoque os guarda-costas de Malcolm X não estivessem ao lado dele no palco”.Afirmou também que não tinha reconhecido nenhum dos guarda-costas deMalcolm no fundo do salão. E acrescentou que ele e Malcolm “eram amigosmuitoíntimos”equefrequentementediscutiam“certasquestõesrelativasànoieàmmi”. Em seguida, Kenyatta passou a criticar duramente os seguidoresmaisfiéisdeMalcolm.Emboraoinformetenhasidoeditado,éclaroquecontouaofbi

que James67Xnãoera“umnacionalistanegro,masumcomunistamarxista”,eque Malcolm tinha mentido de propósito ao dizer que as bolsas estariamdisponíveisparamembrosdammiquequisessemestudarnoCairo;aquilo“sófoidito por Malcolm para parecer importante”. Em suma, Kenyatta avisou aosagentesdofbiqueele“poderiaseropróximoaserassassinado”.47

O julgamentodeHayer,Butlere Johnsoncomeçouno invernoseguinte,em

12 de janeiro de 1966. A promotoria pública foi representada pelo veteranopromotor Vincent J. Dermody. O juiz era Charles Marks, de 71 anos, juristasevero na aplicação da lei, pessoalmente responsável pela condenação de umquarto de todos os presos que esperavam no corredor da morte em NovaYork.48 A ação contra Hayer foi facilmente resolvida, porque ele tinha sidobaleadotentandofugirdacenadocrime;emseubolsoforaencontradoumpentedemunição compatível comasbalas calibre 45 extraídasdo corpodeMalcolm.NasaçõescontraButlereJohnson,porém,nãohavia,claro,provasmateriaisqueosvinculassemaoassassinato.Ambostinhamálibisparaa tardededomingo,enãohavialigaçãopalpávelentreeleseHayer,alémdeseremmembrosdanoi.49

Haviatambémumproblemanacadeiadecomando:apolícianãotinhaamenorideiadequem,defato,deraaordemparamatar.AprincipaltestemunhadeacusaçãoeraCary2XThomas(tambémconhecido

como AbdulMalik). Nascido emNova York em 1930, commais oumenos 25anossetornaraviciadoemheroínaetraficantededrogas.Duranteanosentrouesaiu da cadeia por tráfico de drogas, e no começo de 1963 foimandado para oHospital Belevue depois de um colapso nervoso. Em dezembro daquele ano,ingressounaMesquitanº7,mas logosaiu, ficandodo ladodeMalcolmquandohouveorompimento.AbrevepassagemdeThomaspelaNaçãosignificavaqueele conhecia pouco a seita, ou as razões da saída de Malcolm. Depois deentrevistado pelos detetives, a promotoria pública decidiu detê-lo comotestemunha. Por quase um ano ficou sob custódia preventiva.Uma vez,muitoperturbado,ateoufogonocolchãodacela.50

Emseu testemunhooriginalperanteo júrideacusação,Thomas foiumdospoucos membros que alegaram ter visto os três homens — Hayer, Butler eJohnson—nomomentodoassassinato.ExplicouqueButlere Johnsoneramos

doishomensquealtercavamenquantoHayeratacouMalcolmcomaespingardadecanocurto.ComoHayernãotinhaqualquersemelhançafísicacomoatirador,os promotores e a polícia convenceram Thomas a rever seu testemunho.Durante o julgamento de 1966,mais bem preparado, disse que Johnson, e nãoHayer, portava a espingarda;Hayer eButler eramosdois assaltantes armadosde revólveres.Mas continuou a cometer pequenos erros que enfraqueciam seutestemunho,porexemplo,identificandoHayercomomembrodaMesquitanº7;tambémadmitiuaojúriquenãotinha,naverdade,vistorevólveresnasmãosdeButlerouHayer.51

Butleresforçava-separacompreendercomooassassinatoocorrera,eporqueeleacabousendojulgado.NãoconheciaHayer,arigorjamaisseencontraracomele.Depoisdaprisão,Butlerdescobriu,parasuatristeza,queaspromessasqueaNaçãolhefizeraeramvazias.“Ninguémtomoucontadosmeusfilhos,ninguémcuidou de minha mulher”, queixou-se. “Acho que as pessoas — a cidade, oestado, os federais, quem quer que fosse — queriam ver o caso encerrado, econseguiram alguém para dizer que eu estava lá e cometi o crime.” Butler, jáforadaprisão,tendocumpridosuapena,insisteemdizerque“todomundosabeque havia quatro ou cinco pessoas envolvidas. Não foram procurar maisninguém”.52

Enquanto a acusação apresentava seus fracos argumentos, Johnson e Butlertransbordavam de confiança. Acreditavam que não havia como o júri condená-los. A rigor, durante o julgamentoHayer informou ao tribunal que Johnson eButler não participaram do assassinato; ele e três outros homens tinhamcometidoocrime.Hayeratéforneceudetalhesprecisos.MasJohnsontemia,comrazão, que essas confissões de última hora fossem usadas contra ele e Butler.Dermody argumentou, efetivamente, queHayer simplesmente cumpria ordensdos chefões danoipara se sacrificar a fim de absolver os coautores doassassinato.53OadvogadodeJohnsontambémpiorouasituaçãoaousarCharlesKenyattacomotestemunhadedefesa.Johnsonestavaextremamenteapreensivo:“Quando quiseram pôr Charles Kenyatta no banco para testemunhar a meufavor, fuicontra. Jamaisconfieinele—jamais”.54Kenyattaconcordaraemdizerao júri que teria sido impossível para Butler e Johnson entrar no grande salãoaquela tarde porque ambos eram conhecidos militantes danoi. Kenyattatambém queria deixar registrada publicamente sua crença em que uma“conspiração interna de esquerda” foi talvez responsável pelo assassinato de

Malcolm.Mas,quandointerrogadoporDermody,tambémidentificouJohnsoneButlercomomembrosdeum“pelotãodeaplicaçãoda lei [danoi] formadoporcemhomens”.55

QualquerchancedeJohnsoneButlerseremabsolvidosdesintegrou-secomaaparição de Betty Shabazz. Betty testemunhara apenas rapidamente ofuzilamento,por issoseutestemunhotrouxepoucas informações.Eladescreveuo caos: “Todo mundo se jogara no chão, havia cadeiras no chão, pessoasrastejando...”.Elaempurraraas filhasparabaixodeumbancoeascobriracomseucorpoatéque tudopareceuacalmar-se.Demody fezpoucasperguntas,eosadvogadosdedefesapassaramainterrogá-la.Mas,enquantodeixavalentamenteo banco das testemunhas, a raiva tomou conta dela, que cerrou os punhosfuriosa. Parada perto da mesa da defesa, Betty gritou: “Eles mataram meumarido! Eles mataram meu marido!”. Enquanto dois funcionários do tribunalconduziam a viúva para fora, ela continuou a fazer suas acusações nummurmúrio.Osadvogadosdedefesaexigiramqueo julgamentofossecancelado,maso juizMarks suavemente instruiuo júri a ignorarasdeclarações feitasporBetty foradobancodastestemunhas.56Peloque Johnson lembradacena,Bettyparoudiantedamesadadefesa“ecomeçouagritareaapontarparamim:‘Elesmatarammeumarido!’.Efoientãoqueojúrimecondenou”.57

Johnson estava certo.Hayer, Butler e Johnson foram todos condenados porhomicídiopremeditado.Em14deabril,o juizMarksdisseacadaumdelesqueseriam encarcerados numa penitenciária estadual de Nova York pelo resto davida. Peter L. F. Sabbatino, um dos advogados de defesa, respondeuprofeticamente: “Não acredito que a solução apresentada aqui hoje seráconfirmadapelahistória”.58

ArecriaçãodaimagempóstumadeMalcolmcomeçou,curiosamente,comos

músicosde jazz. JohnColtrane,osaxofonistamaisrespeitadodosanos1960, foiprofundamente influenciado pelo estilo retórico deMalcolm e por sua filosofiapolítica de nacionalismo negro.59 A nova geração de músicos, que apareceudepois do bebop, rejeitava amoderação política e a não violência; a raiva e amilitância identificadas emMalcolm capturaram seu estado de espírito. Para omúsico Archie Shepp,Malcolm inspirou “inovações” namúsica afro-americana,fazendo do jazz uma “extensão do movimento nacionalista negro”.60 Amiri

Baraka (LeRoi Jones), reconhecendo as ligações entre a arte negra e o protestopolítico,descreveuColtranecomoo“novoMalcolmnofogodobop”.61AeficáciadasapresentaçõespúblicasdeMalcolm,ousodomomentopropícioeacadênciade sua voz tinham extraordinária semelhança com o jazz. Como explicou JohnOliver Killens: “Sempre vi Malcolm X como um artista... mas um artista dapalavrafalada”.62

ApopularidadedeMalcolmentremilhõesdeamericanosbrancos,porém,sócomeçou com a publicação, no fim de 1965, daAutobiografia de Malcolm X.DepoisqueaDoubledaycancelouolivro,PaulReynoldsofereceuomanuscritoaoutroseditores,eacabouconseguindoumcontratocomaeditoraGrovePress.AsresenhasdanarrativadavidadeMalcolmforamesmagadoramentepositivas.Eliot Fremont-Smith, doNew York Times, elogiou aAutobiografia, “livrobrilhante, doloroso, importante... Como documento da nossa época, suasintuições talvez sejamcruciais; sua relevâncianãopode serpostaemdúvida”.63

NoNation,declarouTrumanNelson,“suahonestidadeuniforme,suapaixão,seunobre propósito, mesmo suas múltiplas e não resolvidas ambiguidades fazemdele ummonumento àmais dolorosa das verdades”.64Mas o comentáriomaisarguto sobre as memórias de Malcolm foi escrito por seu antigo parceiro dedebates, Bayard Rustin. NoWashington Post, Rustin caracterizou o livro,vigorosamente, como “a odisseia de um negro americano em busca deidentidadeede lugarna sociedade”.Rustinquestionoucomveemência anoçãode que Malcolm era apenas produto do “gueto do Harlem”; os primeiroscapítulos do livro sobre a infância de Malcolm no centro-oeste “são leituraessencial para qualquer um que queira compreender as dificuldades do negroamericano”.Haviamuitascríticasa fazercontraapolíticadeMalcolm,eRustinnão mediu palavras. O nacionalismo negro de grupos como a Nação do Islã,disseele,oferece“umaarenade lutaparanegrosdeclassebaixaaquemforamnegados poder e status no mundo exterior”. Foi ali que Malcolm fez suainteligênciae“suaardenteambiçãoteremêxito”.65

Rustin continuou a criticar severamente os “comentários antissemitas” deMalcolm e suas opiniões de antigo nacionalista negro, mas reconhecia que eleestava tentando “dobrar uma esquina” para ser assimilado pela correntepredominante do movimento de direitos civis. Tivesse tido êxito, observouRustin,“teriadadoenormecontribuiçãoàlutapelaigualdadededireitos.Comose viu, sua contribuição foi substancial. Ele trouxe esperança e uma dose de

dignidadeparamilharesdedesesperadosnegrosdosguetos”.AssimcomoAlexHaley, Rustin menosprezava a eficácia do nacionalismo negro como possívelforçadecontestaçãoàdesigualdaderacial.AmbosentenderammaloúltimoanofrenéticodeMalcolm,emsuaopiniãoumesforçoparaadquirir respeitabilidadecomo reformista liberal e favorável à integração — o que não era umainterpretaçãocompletaeprecisa.AcaracterizaçãofeitaporRustindestinava-seanegaramilitânciaeopotencialradicaldos“negrosdocampo”,asmassasnegrasdos guetos. Rustin queria dizer que Malcolm teria inevitavelmente dado ascostas ao gueto. “A vida deMalcolm foi trágica, numa escala heroica. Teve deescolher,mas nunca fez as escolhas fáceis e confortáveis.”Malcolm poderia tersido “umadvogadode sucesso,bebericandocoquetéis comoutrosmembrosdaburguesianegra”.66NavisãodeRustin,oMalcolmtransformadoeraumliberalpragmático,nãoumrevolucionário.EraumavisãopartilhadaporHaley, sendopor isso, aliás, que aAutobiografia não se parece com um manifesto deinsurreição negra, e está muito mais na linha da autobiografia de BenjaminFranklin. Isso talvez ajude a explicar a enorme popularidade do livro e suaadoçãonocurrículodecentenasdefaculdadesemilharesdeescolassecundárias.De 1965 a 1977, foram vendidos mais de 6 milhões de exemplares daAutobiografianomundointeiro.67

Nosanosseguintes,ofbicontinuariaavigiardepertoCharlesKenyatta,por

achar que representava um risco à segurança. Oboss e o Departamento dePolíciadeNovaYork,porém,consideravam-noinformanteconfiável,comquemdesenvolveramestreitasrelaçõesdetrabalho.Pelofimdeabrilde1965,Kenyattafoi visto pronunciando discursos longos e confusos na rua 125. E, pelo fim de1966, estava de volta à Nação do Islã, provavelmente para informar à políciasobreasatividadesdaseita.Nofimdosanos1960,abriunoHarlemsuaprópriaorganização, que dizia identificar-se com a revolta dosMauMau, noQuênia, ecomanecessidadedeintroduzirnosEstadosUnidosomesmonívelderevoluçãonegra. Ao mesmo tempo, Kenyatta continuava a trabalhar estreita ecordialmentecomoinformantedoboss.Arigor,eratidoemtãoaltacontaqueoDepartamentodePolíciadeNovaYorkinsistiucomofbiparadesistirdevigiá-lo.AforçadeKenyattavinhadesuacapacidadedemanipularaimagemdebraço

direitodeMalcolm,enquantocoletavainformaçõesdanosassobreoutrosgruposnegros. Seu verdadeiro papel como semeador de confusão só ficou evidentequando sua ficha nofbi foi disponibilizada em 2007. Financeiramente, ganhoudinheiroexplorandoseuparentescopolíticocomMalcolmdurantedécadas.68

Benjamin 2X Goodman reagiu ao assassinato culpando, estranhamente, aplateia,nagrandemaioria secular,porentrarempânico,permitindo,com isso,que os assassinos fugissem. “Uma plateia muçulmana”, dizia ele, “não teriaentradoempânico.Teria reagidoà situaçãocomdisciplinamilitar,enãocomoum rebanho de vacas numa trovoada.” Estava convencido de que, sem o“estourodaboiada”,os“irmãosmuçulmanos...provavelmente teriamprendidoos cinco assassinos”.69 Decidiu abandonar a atividade política, passando atrabalhar com programas educacionais para crianças, por meio doOportunidades Ilimitadas para a Juventude do Harlem (Harlem YouthOpportunities Unlimited,hayrou), grupo de pressão com sede no Harlem,financiadopelogoverno federal.Concordandoemreunir-se comagentesdofbiem22deabrilde1966,Goodmandisseque“emmuitasocasiões indivíduos [daMesquita nº 7 danoi] [o] convidaram para retornar à fé, como professor”.Benjaminadmitiuque“naverdade,pensaramuitoemaceitar”.Reescrevendoahistória,negouqueammialgumdiativesseseoposto“àsmetaseaosobjetivosbásicos” daNação do Islã.Durante a entrevista, prometeu, ingenuamente, queseriasempre“irmão”deumagentedofbi,masnãodariainformaçõesemtrocade dinheiro.O agente especial encarregado do assunto, informando aHoover,observou: “Isso indica que Goodman, se tratado apropriadamente,delicadamente, pode ser induzido a voltar para anoi, assumindo o cargo deministro assistente, possivelmente promovido a ministro, e ser de ajudaextremamentevaliosaparaofbi”.70 Infelizmente,BenjaminnuncavoltouparaaNação,emaistarde,assimcomoMalcolm,adotouoIslãortodoxo.ReubenFranciseAnasLuqmannãoprecisaramdemuitosdiasescondidosno

deserto mexicano para passarem a suspeitar intensamente dos dois antigosmembros danoicom quem tinham viajado para o sul a fim de escapar daatenção da polícia depois do assassinato.MasLuqman sempre foimuito poucoclarosobreoqueteriaacontecidoquandoatensãofugiudocontroleeaviolênciaexplodiu.Luqmanadmitiaapenasquequandoogruporesolveusedesfazer,tudodesmoronou. Houve uma altercação, e o cadáver de um antigo membro danoifoiabandonadonodeserto.PelaversãodeLuqman,umex-membrochamado

John“perdeuacabeça,fezamaiorconfusão,enãodeuconta”.Luqmandissequeemseguidacomprouumbarcodepesca,eeleeReubenviveramumtempodoslucros da pesca.Mas acabaram se separando; Luqman acha queReuben voltouparaNovaYork.71Ahistóriaéestranhadocomeçoaofim,poisasdenúnciasdeFranciscontra James67Xerambemconhecidas,eLuqmaneraomelhoramigodeJames,comquemdividiaumquarto.TeriasidoFrancisohomemassassinadono deserto mexicano? Desde 1965, boatos sobre o seu aparecimento têmpipocadodevezemquando,masnenhumaprovaconvincentedequeestivessenos Estados Unidos — ou em qualquer outra parte do mundo — jamais foiapresentada.72

Ella Collins comprou uma bela casa geminada no Harlem, que se tornariasede daoaau. Peter Goldman, que visitou Collins no começo dos anos 1970,observou que “o número de afiliados ficou reduzido a um punhado, e suasatividadesmaisvisíveisnoHarlemeramascomemoraçõesanuaisdonascimentoedamortedeMalcolm”.73

Enquanto isso, James 67X simplesmente sumiuna obscuridade.De 1976 até1988, viveu na Guiana. Quando voltou para os Estados Unidos foi serenfermeiro; já sexagenário, casou-se novamente e constituiu nova família. Suavidaanterior,comoprincipalassessordeMalcolm,tornou-seremotacomooutroplaneta.74

MuhammadAlivoltouaenfrentarSonnyListonemLewiston,noMaine,em25 de maio de 1965 em sua segunda luta pelo título de campeão dos pesospesados.Apesar deAli ter nocauteado rapidamenteListon, a luta foi deslocadapara segundoplanopelo torvelinhodeatividadespoliciaisem tornodoevento.Acionadosporameaçasdebomba,duzentospoliciaisdoMaineforammandadospara o anfiteatro. Agentes dofbi e a polícia montada também estavampresentes. O clima era tão tenso que o cantor da cerimônia, Robert Goulet,esqueceualetradohinonacional.Nos dois anos seguintes,Ali alcançou espetaculares conquistas no boxe.Em

novembro de 1965, humilhou o antigo campeão de pesos pesados FloydPatterson.Mesesdepois,foireclassificadoporsuazonadecircunscriçãocomo1-A (imediatamente disponível para serviçomilitar), e logo avisado de que seriaconvocado para servir nas Forças Armadas. A resposta de Ali, em oposição àGuerra do Vietnã — “Não vou brigar com os vietcongues, não” — deixou aNação, paradoxalmente, namesma posição política deMalcolmX.QuandoAli

resistiuàconvocação,seutítulo foi tiradoeele ficouproibidode lutarpormaisde três anos. Tornou-se herói da geração que rejeitava tanto a guerra como ocomplexoindustrial-militar.Paramilhõesdemuçulmanosnomundointeiro,Alitornou-se símbolo de resistência ao imperialismo americano. Haveria muitasreviravoltas na magnífica, mas imperfeita, jornada de Ali, da reconquista dotítulodecampeãodospesospesadosem1974,quandoderrotouGeorgeForemanno Zaire, à sua surpreendente aparição em 1996 nas Olimpíadas de Atlantasegurandouma tochana abertura da cerimônia.ComoMalcolmantes dele,Alitambémevoluiuemsuacrença,passandodaNaçãodoIslãparaoIslãortodoxo.Apesardasenfermidadesfísicas,encontroupaznavida.Caberia aWallaceMuhammad concluir a reabilitação póstuma deMalcolm.

Suacapitulaçãoanteopai em1965 foi tão transparentemente fabricadaque suaexpulsãodaseita,anosdepois,eraprevisível.Masem1974eleestavadevoltaàNação, pregando o Islã ortodoxo e contestando ministros importantes, comoFarrakhan. Quando Elijah Muhammad morreu, em 25 de fevereiro de 1975,Wallace foimais hábil do que os irmãos e rapidamente assumiu o controle dequase todas as operações da Nação.75 Dentro de um ano, procedeu a umarevoluçãoislâmicaortodoxadentrodaseita.FarrakhanfoidestituídodocargodeministrodoHarlemecondenadoaservirnumamesquitamenor,nossubúrbiosde Chicago. A história de Yacub, a desmoralização dos brancos, a defesa derigorososeparatismoracial—tudoissofoirejeitado.Emjunhode1975,aNaçãodo Islã anunciouque aceitaria seguidores brancos, e algunsbrancos, de fato, sefiliaram.76 Os arquivos da organização — milhares de publicações e jornais,gravações de áudio, registros internos e fotografias— foram em grande partedestruídos, e uma nova memória, marcada indelevelmente pela ortodoxia, foiimposta. Depois Wallace mudou de nome, passando a chamar-se W. DeeMoham med,paranãoserconfundidocomopai.77Como novo imã do grupo, W. Deen Mohammed abriu os registros

financeirosdaNaçãopelaprimeiravezparatodososmembros.Sóaempresadeimportaçãodepeixes tinhauma rendabruta anual de 22milhõesdedólares.ANação empregavamais demil pessoas e era dona de 6milhões de dólares emterrasaráveis—mas,assimmesmo,comumadívidade4,5milhõesdedólares,provocadaemparteporgestãonegligente.PorémadecisãodoimãMohammedquemaischocouosrenitentesfoiarestauraçãodeMalcolmX.Em2defevereirode1976,MohammedanunciouqueaMesquitanº7doHarlemseria rebatizada

com o nome de El-HajjMalik El-Shabazz, e elogiouMalcolm como “omelhorministro que a Nação do Islã jamais teve, à exceção do Honrado ElijahMuhammad”.78Quandoo nomeNação do Islã foi descartado e substituído porComunidade Mundial de Al-Islam no Ocidente, Farrakhan achou demais ecomeçouareconstituiravelhaNaçãodoIslãemtornodesi.ArespostadoimãMohammed, em 1977, foi excomungá-lo.79 A fidelidade aos ensinamentos deElijahMuhammadagorasignificavaserexpulsodacomunidadedaféislâmica.E mesmo anos depois da morte doMensageiro, episódios constrangedores

provocadosporsuasinfidelidadessexuaiscontinuaramaviràtona.Em1981,porexemplo,trêsindivíduosquesediziamfilhosilegítimosdeMuhammadentraramcomumaaçãojudicial,novalorde5milhõesdedólares,contrafilhos,parentesedoishomensbrancosqueteriamconvertidomilhõesdedólaresdopatrimôniodeMuhammadembenefíciopróprio.OsdemandanteseramofilhoeafilhadeJuneMuhammad—AbdullaYasinMuhammad(nascidoem30dedezembrode1960)eAyeshaMuhammad (nascida em 4 de setembro de 1962), e a filha deEvelynWilliams,MarieMuhammad(nascidaem30demarçode1960).80

Larry 4X Prescott de início apoiou os esforços deWallace para reformar aNaçãodoIslã.Mas,quandoFarrakhanrompeucomWallacepararestabeleceravelhanoi, Prescott ficou com Farrakhan. Agora, como Akbar Muhammad,olhandoquatrodécadasparatrás,ele identificaerrosdejulgamentoqueosdoislados teriam cometido. Depois do ataque a bomba à casa de Malcolm, porexemplo, James 3X Shabazz foi umdos que acusaramMalcolmde atear fogo àprópria casa. “EMalcolm respondeu: ‘Vocês achamque eu seria capazde tocarfogonumacasacomminhascriançasládentro?...’Eficouparecendoqueéramosmalucos.”MasaretóricadeShabazztevecomoefeitointensificarossentimentosdehostilidadeaMalcolmentre“osirmãosdamesquita,osquetomavamsopadefeijãoecafépreto,quecomeçaramadizer:‘É,elechegouaopontodeincendiaraprópria casa’.Foipor aí”.Prescott sugeriuqueammi era pequenademais pararepresentar “um desafio à Nação”. O que realmente motivava Malcolm,acreditavaele,era“quererestarnafrentedomovimentodedireitoscivis”.81Esserepúdio geral à Nação do Islã e à revelação das infidelidades de ElijahMuhammad favoreceu os objetivos de Malcolm. Uma reconciliação de últimahoraentreasfacçõesnuncamaisseriapossível.Alguns dos que ajudaram no assassinato de Malcolm começaram a

desaparecerdecenajánosanos1970.OcorpodeJames3XShabazz,de52anose

chefedamesquitadeNewark, foi encontradoem4de setembrode1973,pertodeseucarro,estacionadonaentradadagaragem.Numamorteestilomáfiaquelembrava a de Bugsy Siegel, James tinha sido baleado pouco acima do olhoesquerdo,comoutroferimentodebaladatestaparaocérebro.Deixoumulheretrezefilhos.82Aparentemente,amortedeJames3Xnãofoiumatardiaretaliaçãoà deMalcolmX,mas o resultado de uma guerra entre a corruptamesquita deNewarkeumaganguecriminosalocal,aNovoMundodoIslã,pelocontroledeextorsõesepistoleirosdealuguel.TrêsmilpessoascompareceramaoenterrodeShabazz, incluindo o prefeito de Newark Kenneth Gibson e Farrakhan. Osassassinatos em Newark continuaram. Em 18 de setembro de 1973, doismuçulmanos forammortos a tiros, os corpos encontrados num carro perto deuma fábrica de automóveis. Um exemplar doMuhammad Speaks cobria seusrostos. Ummês depois, as cabeças dosMichael X Huff eWarren XMarcello,chefesdamesquitadeNewark, foramachadasnumlotepertodacasade James3X Shabazz. Os corpos foram encontrados depois, a 6,5 quilômetros dedistância.83

HouvetambématentadoscontraavidadeRaymondSharrieff.Numadessasocasiões,emoutubrode1971,alguémaproximou-sedesuamansãoemChicagoe descarregou cinco tiros de espingarda para dentro; Sharrieff foi ferido pordiversosdisparos.No fimdedezembrode1971,umassaltante atirouna janelado seu escritório no centro da cidade, quase acertando a secretária.84 Sharrieffmorreu,pacificamente,decausasnaturais,em18dedezembrode2003.85

MembrosdafamíliadeElijahMuhammadtambémcomeçaramadesaparecerdecena.Oterceiro filhodeElijah,eex-empresáriodeMuhammadAli,HerbertMuhammad,brigouanosnajustiçacomoirmãomaisjovem,Wallace,nosanos1990.Em26deagostode2008,Herbertmorreudecomplicaçõesdecorrentesdeumacirurgianocoração,deixandoamulher,AminahAntoniaMuhammad, seisfilhoseoito filhas.86Cercadeduas semanasdepois, em9de setembrode2008,WallaceMuhammadmorreu. Na época da suamorte,Muhammad era o líderespiritual de 185 mesquitas com cerca de 50 mil membros. Na morte, foiproclamado o “imã dos Estados Unidos” por Ahmed Rehab, do Conselho deRelaçõesAmericano-Islâmicas.87

Nos últimos anos de vida, o conflito entre Ella e Betty ficou ainda maisintenso.Nocomeçodosanos1990,quandoSpikeLeepropôsumfilmebiográficodeMalcolm,aoestilohollywoodiano,EllaficouindignadaaodescobrirqueBetty

foracontratadacomoconsultora.“SpikeLeeestáatrásdedinheiro,deprestígio”,queixou-se Ella, desdenhosamente, a um repórter. “Ele não conhece os fatos.”Ellaprotestou,dizendoqueBetty “não sabeobastante sobreMalcolmpara serconsultoradecoisaalgumaquetenhaavercomavidadele.Suasatividades[comele] forammuito limitadas”. Betty vingou-se eliminando qualquer referência aEllano filmedeLee. “Não tenhoomenor respeitopor essa senhora”, explicouBetty friamente aoBoston Globe. “Não foi uma boa influência para ele.”88

Enquantoorenascimentodo interesseporMalcolmexplodianaculturapopularamericana, a situação pessoal de Ella ficou muito pior. Incapaz de continuarmantendoasededaoaaunoHarlem,mudou-separaBoston.Suasaúdeentrouemdeclínioquandoumadiabetes foidiagnosticada;em1990, foiencontradaemseuapartamento,deitadasobreasprópriasfezes.Umadaspernas, inchadacomumaúlceragangrenosa,estavacobertade larvasdemoscavarejeira.Empoucotempo,asduaspernasforamamputadas.Ellateveumamortedolorosaem6deagostode1996.89

DepoisdamortedeMalcolm,BettyShabazzlevouumavidabem-sucedidaegratificante. Em 1972 matriculou-se num curso de doutorado em educação naUniversidadedeMassachusetts-Amherst,recebendoodiplomatrêsanosdepois.Serviu, subsequentemente, como administradora acadêmica da Faculdade,Medgar Evers, no Brooklyn, tornando-se uma espécie de celebridade entregruposnegrosprofissionaisedeclassemédia.MasjamaisselivroudasombradeMalcolm, de sua morte terrível e do desejo de punir os culpados. Suaanimosidade concentrou-se principalmente em Farrakhan, que para ela tinhatraídoMalcolm e participado diretamente da conspiração para assassiná-lo. OsataquesdeBettyaFarrakhanprovavelmenteinspiraramafilhaQubilahatentarcontratar um pistoleiro para matá-lo em 1995. O pretenso assassino, MichaelFitzpatrick, era informante dofbi, e Qubilah foi rapidamente presa e acusadanum tribunal federal. Numa manobra astuta, Farrakhan defendeu Qubilah,alegandoqueajovemtinhacaídonumaarmadilhadofbi.Aaçãojudicialmovidapelogovernonãosesustentouduranteojulgamento.BettyfoiobrigadaaelogiarpublicamenteFarrakhan,porsua“bondadeemquererajudarminhafilha”.90

Tragicamente, um ano depois das tribulações legais de Qubilah, seuperturbado filho de doze anos, chamado pela família de “Pequeno Malcolm”,ateou fogoumanoitenoapartamentoda avó.Betty, dormindoem seuquarto,ficou horrivelmente queimada. Lutoumais de três semanas numhospital, com

severasqueimadurasemmaisde80%docorpo.Osmédicosadotarammedidasagressivas, operando cinco vezes para remover camadas de pele chamuscada eimplantar pele artificial. Mas os danos eram grandes demais, e Betty Shabazzmorreu em 23 de junho de 1997. O presidente William Jefferson Clintonregistrouseufalecimento,aplaudindo-aporseucompromissocoma“educaçãoeedificaçãodemulheresecrianças”.91ComoMalcolmX,notouarepresentantedodistritodeColumbiaEleanorHolmesNorton, Shabazz “será lembradanãoporsua morte, mas pela vida virtuosa que levou e pela torre de força em que seconverteu”.92AcerimôniapúblicaemmemóriadeBetty,realizadanaprestigiosaIgreja Riverside, em Manhattan, incluiu depoimentos do governador, GeorgePataki,edoprefeitorepublicano,RudolphGiuliani.Oprefeito, impopularentrenegrosoperáriosepobresdeNovaYork,foivaiadoquandocomeçousuafala.Ésignificativo que a filha mais velha, Attallah Shabazz, corresse à tribuna emdefesadeGiuliani,elogiandoosgestosdebondadedoprefeitoconservadorparacomsuamãe,ecriticandoopúblicomajoritariamentenegropelagrosseria.SuadefesadeGiuliani talvez refletisseapolíticanegraburguesadamãe,masnãoadopai.93

Desdeoiníciodainvestigaçãocriminal,queseseguiuàmortedeMalcolm,odetetive Gerry Fulcher, doboss, sentia-se incomodado com o que consideravaerros importantes. Os problemas começavam na cena do crime. A mais altaprioridade,disseFulcherposteriormente,deveriatersido“protegertodaaárea.A gente se livra de todomundo que não servirá como testemunha”.Qualquerprova deve ser preservada. “A gente não quer ninguém encontrando coisas...”Na opinião de Fulcher, o tratamento dado pelo Departamento de Polícia deNovaYorkàcenadoassassinato foi“totalmentecontrárioaoquedeveria seroprocedimento operacional padrão. Aquilo deveria ter sido coberto a noiteinteira”. Em casos de grande visibilidade, não é incomum encontrar “cenas decrimequepermaneçamdiastrancadas”.Fulchermanifestousuasdesconfiançasapoliciais colegas seus na época do assassinato. Talvez por causa disso, foiafastadodainvestigação.DisseFulcher:

Eudeveria ter sidoparte indispensávelnadescobertadoque sepassou,eassimpordiante,porqueeles

deveriammeinterrogarintensamente...Fuiinformado,decara,sabecomoé:“Fiqueforadisto,vocênão

estáenvolvido”.Mefezpensarquepoderiamestarobtendosuashistóriascorretamente,porassimdizer,

sem a interferência deste jovem que não sabia de nada... Tudo que queriam saber era “você escutou

alguma coisa no telefone?”. Para mim era só para constar. Sabiam que eu não escutaria nada pelo

telefone, porque não havia ninguém lá [no escritório do Hotel Theresa]. Sabiam qual era a

programação...Porissoachoquedesempenhavamseuspapéis.Achoquefoiumaasneira.Equandosubi

e tentei me juntar a eles, sabe como é — “Não, não, é aqui que conseguimos nossas histórias

corretamente.Vocêestáfora,cara”.94

Meses depois do assassinato, Fulcher foi transferido do quartel-general do

boss para um dos distritos policiaismais perigosos da cidade, Fort Apache noBronx.Ficoulámenosdetrêsanos,antesdepedirdemissãodaforça.95

Nocomeçode1978,oadvogadoradicalWilliamKunstlerpegouoscasosdeThomas 15X Johnson e Norman 3X Butler, e apresentou petição à divisão derecursos da Suprema Corte de Nova York solicitando novo julgamento. Suaprincipal prova eraumadeclaração assinadaporTalmadgeHayer identificandooutrosquatrohomens,“torpedosdeNovaJersey”,quetinhamsidoresponsáveispeloassassinadodeMalcolmX.Kunstler informouàSupremaCorteque“ofbisabiaotempotodoquehavia[outros]quatrohomensenvolvidosnamorteequedois dos condenados eram inocentes”. Ofbi recusou-se a revelar à corte suasdescobertas sobre o assassinato de Malcolm. Kunstler também mencionouboatos, jamais confirmados, de que Reuben Francis tinha reaparecidorecentemente “nos velhos lugares que costumava frequentar, gastando grandessomasdedinheiroqueteria,supostamente,recebidodofbi”.96Outradeclaraçãofoi submetida por Benjamin Goodman (então Ben Karim), afirmando que “emnenhummomentovio rostodeButleroude Johnson,queconheçobemecomcertezaterianotado”.97

Em 1º de novembro, o juiz Harold J. Rothwax da suprema corte estadualnegou pedido para revogar a condenação de Butler e Johnson em 1996. Asinformações da declaração talvez tivessem absolvido os dois homens,identificando,aomesmotempo,outrosquatroque,diziaHayer,eramculpados.Mas o juiz considerou o documento insuficiente para justificar um novojulgamento.98Ao longode1978e1979gruposdedireitoscivisadotaramocasode Butler e Johnson, apresentando uma petição ao Comitê Seleto da CâmaraAmericana de Representantes sobre Assassinatos, solicitando uma investigaçãodamortedeMalcolmX.Apetiçãoacusava:“A‘versãooficial’dizqueMalcolmXfoivítimadeumavendetadosmuçulmanos.Muitasperguntasnãorespondidasemuitos eventos não explicados anteriores ao assassinato... não confirmam, de

formaalguma,a ‘versãooficial’”.SignatáriosdapetiçãoincluíamOssieDavis,obispo metodista episcopal africano H. H. Brookins, Maxine Waters, daassembleia legislativa do estado da Califórnia, e Huey P. Newton do PartidoPanteras Negras.99 Apesar do empenho da campanha, nenhuma audiência foirealizadapeloCongresso.Norman Butler foi posto em liberdade condicional em 1985 e Thomas

Johnson em 1987. Durante décadas, os dois homens movimentaram-se paralimparonome. Johnson,quemudaradenomeparaKhalil Islam,morreuem4de agosto de 2009.100 Butler adotou o nome de Muhammad Abdul Aziz, e nocomeçodosanos1990foicontratadocomoconsultordeserviçosdeapoionumaclínica de reabilitação de drogados do Harlem. Em 1998, Aziz serviu,brevemente, como chefe de segurança daMesquita nº 7 doHarlem. No iníciodos anos 1990, Hayer foi encarcerado em tempo parcial na Instituição PenalLincoln,emManhattan,ondeficavaconfinadodozehorasporsemananosfinsdesemana.Depoisdedezessetetentativasfrustradas,Hayerfinalmenteconseguiualiberdade condicional plena em abril de 2010. Hayer disse à comissão deliberdadecondicional: “Tivemuito tempo...parapensar sobre [oassassinatodeMalcolm]...Compreendobemmelhor adinâmicadosmovimentos... e conflitosquepodemsurgir,mastenhoprofundoarrependimentoporminhaparticipação”.Foi ummea-culpa estranhamente impessoal, um pedido de desculpas, a rigor,sem enunciar o crime que tinha cometido. A liberdade condicional concedida aHayer provocou reação negativa do Comitê de Comemoração de Malcolm X,que anunciou numa entrevista coletiva que os crimes de Hayer eram sériosdemaisparapermitirsualibertação.101

AlémdeTalmadgeHayer, os supostos assassinos deMalcolmX, de acordocomadeclaraçãodeHayer,continuaramavivernaNaçãodoIslãcomoantes.Omais graduado do grupo, o administrador da mesquita de Newark BenjaminThomas, foimortoem1986, com48 anos.LeonDavis continuouemPaterson,Nova Jersey, trabalhando numa fábrica de aparelhos eletrônicos; manteve suafiliação com aNação e o foi durante décadas.O comercianteWilburMcKinleytambémcontinuouligadoàmesquitadeNewark.102

OsupostoassassinoWillieBradleyingressounumavidadecrimes.Em11deabrilde1968,oBancoNacionaldeLivingston,NovaJersey,foiassaltadoportrêshomens mascarados brandindo três pistolas e uma espingarda de cano curto.Escaparam com mais de 12500 dólares.103 No ano seguinte, Bradley e outro

homem, James Moore, foram acusados do assalto ao banco e levados ajulgamento.104 Bradley, porém, recebeu tratamento privilegiado, e manteveadvogado próprio, separado de Moore.105 As acusações contra ele foramrejeitadas; enquanto isso, depois que um primeiro julgamento terminou semveredicto,Moorefoicondenadonosegundo.106

O tratamento recebidoporBradleynasmãosdo sistemade justiça criminalde 1960 a 1970 faz suspeitar que ele talvez fosse informante dofbi, depois doassassinato de Malcolm X ou muito provavelmente até antes. Isso tambémpoderiaexplicarporqueBradleydeixouacenadocrimeporumasaídadiferentedosoutrosatiradores,oqueoprotegeuderetaliaçãodamultidão.EsugerequeBradley e possivelmente outros membros da mesquita de Newark podem tercolaboradoativamentenofuzilamentocomapolícialocalecomofbi.AsprovasexistentesdeixamnoarumadúvidasobreseoassassinatodeMalcolmXfoiumainiciativasódaNaçãodoIslã.EmTheDeathandLifeofMalcolmX[Amorteeavida de Malcolm X], Goldman não identifica Bradley pelo nome, mas parecereferir-seaelequandonotaqueumdosassassinos“foirastreadoatéumaprisãoestadualdeNova Jersey,ondecumpriapenade7,5 anosaquinzeanosporumcrimegrave”.107

Bradleycontinuouaenfrentarproblemaslegaisatéosanos1980.Em1983,foiindiciado por doze delitos, incluindo roubo, “ameaça terrorista”, assalto àmãoarmadaepossedesubstânciasdeusocontrolado.Primeirorejeitouasacusações,mas acabou condenado por sete delitos e foi encarcerado. Sua vida sofreu umareviravoltagraçasaumarelaçãoromânticacomCarolynF.Kelly.Antigalíderdacomunidade negra de Newark, Kelly, republicana, encabeçou a defesa dopugilista Rubin “Furacão” Carter nos anos 1970, o que ajudou a derrubar suacondenaçãoporhomicídio.ProprietáriadoCentrodeCampeonatodePrimeiraClasse, estabelecimento de boxe em Newark, Kelly foi a primeira mulher noestado a promover lucrativas lutas de boxe profissional. Pelo ano de 2000,Bradleygeralmentepodiaserencontradonastardesdesexta-feiranoginásiodeboxedamulher.Emoutubrode2009,foiadmitidoformalmentenoHallAtléticoda Fama de Newark, por suas conquistas como jogador de beisebol na escolasecundária.108

Em 2010, Bradley chegou a aparecer brevemente num vídeo de campanhapela reeleiçãodocarismáticoprefeitodeNewarkCoryBooker.AmetamorfosedeBradley,dacriminalidadeparaarespeitabilidade,pareciacompleta.109

Masascoisascomeçaramadesmoronaremmaiode2010,comapublicaçãonainternetdeartigoinvestigativosobreBradleydeautoriadojornalistaRichardPrince.Noartigo,o jornalistaAbdur-RahmanMuhammadacusavadiretamenteBradleydeser“ohomemquedisparouoprimeiroemaismortaltiro”,matandoMalcolmX.OjornalistaKarlEvanzz,autordeváriosestudossobreaNaçãodoIslã, exigiu que Bradley fosse exposto e processado “por privarMalcolm X deseus direitos civis da mesma forma que os homens da Klan que matavamativistas negros foram processados... Bradley matou Malcolm X para impedirqueeleexercessea liberdadedeexpressão,a liberdadedereligiãoea liberdadede reunião”.110 Semanas depois, o cineasta Omar Shabazz lançou umdocumentário citando Bradley, Hayer e outros membros danoicomo osverdadeirosassassinosdeMalcolmX.111Oobjetivodessescríticosparecia seroindiciamentodeBradleyporautoridadesfederaisoulocais.O principal beneficiário do assassinato de Malcolm foi Louis Farrakhan. A

rigor, a transição de Ministro Louis X de Boston para Louis Farrakhan só foipossível graças aomodelo de liderança queMalcolm instituíra anos antes. Poruma década,Malcolmdivulgou amensagemde salvação deElijahMuhammadpelosEstadosUnidos, epormaisdez anos, de 1965 a 1975,Farrakhan assumiupapelidêntico,comooministronacionaldaNaçãodoIslã.AssimcomoMalcolmtinha previsto, a maioria daqueles que dentro da Nação do Islã o tinhamcriticado, e tentado diminuir sua influência, se opôs também a Farrakhan. AfamíliadeElijahMuhammad tinhaciúmesemedodele,porque,quantomaisopatriarcaseavizinhavadamorte,maispareciapossívelqueFarrakhanusurpasseomantodelíder.Contudo,elejamaisconseguiuselivrardasombradeconjeturaseboatosem

torno de sua possível participação no assassinato de Malcolm. A vívidacaracterização de Farrakhan de Malcolm como homem “merecedor da morte”talvez tenha determinado irrevogavelmente sua reputação. Numa entrevistacomMikeWallacedécadasdepoisdoassassinato,Farrakhanadmitiu:“Possoatéter sido cúmplicedoassassinatodo irmãoMalcolm,no sentidodeque,quandoMalcolm falava contra oMensageiro, eu falava contra ele, e isso ajudou a criarumaatmosfera [naqual]Malcolmfoiassassinado”.112Mas essa admissão jamaissatisfez osmalcolmistas de hoje, que continuam a exigir a reabertura do caso.Farrakhan temperfeitaconsciênciadeque“mesmoagoraháalgunsnegrosqueexigemumjúrideacusação—porquenãoháprescriçãoparahomicídio—para

queeusejalevadoàpresençadeumjúrideacusaçãoeinterrogado”.113

NemmesmoemseussonhosFarrakhanconsegueescapardesualigaçãocomMalcolm. Numa entrevista de história oral dada em 2007, ele falou de suarevelaçãonoturna:

Deusétestemunha,eutiveumavisãodeirmãoMalcolm.Eleapareceucomo

uma visão de sonho... E, de cabelo grisalho. Sabem que ele tinha aquelecabelinho pouco, às vezes aquele nó, e vi o grisalho em seus cabelos. E ele seaproximou demim e disse: “Irmão Louis, o que deu errado?”. E eu lhe disse:“Irmão,vocêestavamarcadoparasentarnacadeira [deElijahMuhammad].Eleprecisavatestá-lo,paraverquemvocêera.Evocênãofoiaprovado.Nãoéqueelefossecontravocê,masqueriasaberquemvocêerarealmente...”.Estouaquiporquemeuirmãomorreuparaqueeupudesseviver.Paramimémuitodifícilsimplesmente desmerecê-lo, porque estive na mesma situação. E sei como édolorosoquandoamamos,trabalhamosparaaspessoas,eelassevoltamcontranósetentamnosdestruir.Issoeucompreendo.114

Hoje, Farrakhan ainda tenta demonstrar sua contínua lealdade filial a

Malcolm, apesar do papel central que desempenhou como proponente da suamorte.Osonhoqueeledescreve,noentanto,atribuiacausadamorteaerrosdopróprioMalcolm. Farrakhan sugere queElijahMuhammad tencionava fazer deMalcolm seu herdeiro espiritual, ignorando as reivindicações deWallace e dosoutros filhos. Muhammad estaria simplesmente testando Malcolm, paradeterminarsetinhaasqualidadesdeliderançanecessáriasparadirigiraNação.ÉverdadequeMalcolm,depoisdeamordaçado,deiníciotentoudesesperadamentepermanecernaNaçãodo Islã;mas, quandohouveo rompimento, ele se livroudas restrições que lhe haviam sido impostas.O que Farrakhan tem dificuldadepara admitir é que somente ao aceitar o universalismo e o humanismo do Islãortodoxo, explicitamente rejeitando a separação racial, Malcolm alcançou umpúblico verdadeiramente global. Se continuasse vivo, Malcolm poderia terencabeçadoumacampanhainternacionalpelosdireitoshumanosparaosnegros,mas só alcançaria esse objetivo distanciando-se do credo sectário da Nação doIslã.Semanas depois do ataque a bomba e da destruição da Mesquita nº 7 em

fevereirode1965,Louis foi convidadopara ir aNovaYork falar à congregaçãoda Nação naquela cidade. Só meses depois Elijah Muhammad telefonou paradizerqueeleseriatransferido,afimdeservircomoministrodaMesquitanº7noHarlem. Sob supervisãodeLouis, amesquita seria reerguida; e ele semudariapara a casa reconstruída de Malcolm em Elmhurst. Em agosto de 1965,Muhammad anunciou a designação de Louis perante um público de 6 milmembrosnoCentroCobo,emDetroit.115

Ao ser informadode seunovo cargo,Farrakhan, exultante, pegouo carro efoiatéumparquenosarredoresdeBoston.Anosantes,comocorredornaescolasecundária, aquele tinha sido para ele um lugar de solidão, onde corria e seexercitava.Dizelequecorreuporumcamporelvado,as lágrimasrolandopelaface, depois se jogou no chão de joelhos e, olhando para o céu, confessou paraMalcolm: “Eu não queria tomar tua mesquita — eu não queria tomar tuacasa!”.116 Contada por Farrakhan, é uma história forte, até plausível.Mas seráverdadeira?Apenas trêshorasdepoisdamortedeMalcolmX,LouisFarrakhanproferiu

um sermão, como convidado, na Mesquita nº 25, em Newark — a mesmamesquitaondeosassassinosforamrecrutadoseseorganizaram.117SuapresençaemNewarknaquelediafatalterásidosimplescoincidência,oualgomais?Nofuturo,quandomilharesdepáginasrelativasàsatividadesdevigilânciado

fbi e doboss finalmente se tornarem acessíveis, julgamentos mais definitivosserão feitos sobre as conexões entre Elijah Muhammad, Malcolm X, LouisFarrakhan e diversas instituições policiais. Não será grande surpresa se vier àtona um documento dofbi com a transcrição de um telefonema de ElijahMuhammadparaumsubordinadoautorizandooassassinatodeMalcolm.Hoje,os indícios sugerem que Farrakhan, por exemplo, não esteve pessoalmenteenvolvido, nem teve conhecimento prévio do complô; porém, ele estavaperfeitamenteconscientedasconsequênciasdesuaferozcondenaçãodeMalcolm,assimcomodasforçasdentrodaNaçãodoIslãquelivrariamElijahMuhammaddo ministro turbulento. E pode ter suspeitado que a ordem para falar namesquita de Newark naquele 21 de fevereiro de 1965 não era uma tarefainteiramente inocente.Foiambição,enãooenvolvimentodiretonocrime,queimpediuFarrakhandeveroqueocorriaàsuavolta.

EpílogoReflexõessobreumavisãorevolucionária

Uma biografia mapeia a arquitetura social da vida de um indivíduo. Obiógrafo traça o mapa da evolução do biografado ao longo do tempo, e osdiversos desafios e testes que esse indivíduo enfrenta oferecem vislumbres doseu caráter. Mas o biógrafo tem um fardo adicional: explicar acontecimentos,perspectivas e ações de outros, que o biografado não poderia ter conhecido, equenoentantotiveramimpactodiretonasuavida.Malcolm X hoje tem status de ícone no panteão dos heróis americanos

multiculturais. Mas na época de sua morte era amplamente vilipendiado erepudiado como demagogo irresponsável. Malcolm procurou deliberadamenteficar à margem, desafiando o governo dos Estados Unidos e as instituiçõesamericanas.Tudoissoteveumcusto.OEstadoorotuloucomosubversivoeumriscoparaasegurança.AanimosidadedeJ.EdgarHoovercontraMalcolmX,porexemplo, resultou em atos de escuta telefônica ilegal, vigilância e intervençõespoliciaisqueprovavelmenteforamalémdequalquercoisaqueMalcolmpudesseimaginar. Malcolm não estava de todo ciente, até tarde demais, da profundahostilidade que provocara dentro da Nação do Islã, e que levou um grupo defuncionários em torno de Muhammad a advogar sua morte. Ele depositou amaior confiançanumguarda-costasquepode terplanejadoe ajudadoa realizarsuaexecuçãopública.LíderescomoMalcolmtêmenormeconfiançaemsieemsuacapacidadedeconvencerosdemais.Eraextremamentedifícilparaeleprever,oumesmoreconhecer,umatraição.AforçadeMalcolmestavaemsuacapacidadedereinventar-se,parafuncionar

eatéprosperaremambientesmuitodiversos.Desenvolveucuidadosamentesuaapresentação física, a maneira de aproximar-se dos outros, utilizando-se deexperiênciaspassadasassimcomodofolcloreedaculturaafro-americanos.Teceuumanarrativadesofrimentoeresistência,detragédiaetriunfo,queempolgouaimaginação de negros do mundo inteiro. Viveu a existência de um músicoitinerante, viajando constantemente de cidade em cidade, passando noite apósnoite em pé no palco, manipulando sua melodiosa voz de tenor como uminstrumento. Tinha consciência de ser um artista que se apresentava comoveículo de transmissão da raiva e da impaciência das massas negras. Afro-americanos pobres podiam admirarMartin Luther King, masMalcolm não sófalava a mesma língua, como tinha passado pelas mesmas experiências— emlaresadotivos,emprisões,emfilasdedesemprego.Malcolmeraamadoporquepodiaseapresentarcomoumdeles.Um grande talento dessas notáveis figuras é a capacidade de apreender sua

época,defalarparaummomentoúnicodahistória.TantoMartincomoMalcolmforam líderes assim, mas expressaram suas visões pragmáticas de maneirasdiferentes. King personificou as lutas históricas travadas por gerações de afro-americanospelaigualdadeplena.Estabeleceu,predominantemente,organizaçõespolíticas negras, como a Montgomery Improvement Association em 1955 e aSouthern Christian Leadership Conference em 1957, mas sua ênfase era aconquista da dessegregação e da cooperação inter-racial. King jamais jogounegroscontrabrancos,ouusouasatrocidadescometidasporextremistasbrancoscomo justificativa para condenar os brancos por atacado. Já Malcolm, por suavez,duranteamaiorpartede suacarreirapública tentoucolocarosbrancosnadefensiva em suas relações com afro-americanos. Sentia agudamente — eexpressava-as — as variadas emoções e frustrações dos negros pobres e dosoperários. Sua mensagem constante era o orgulho negro, o autorrespeito e aconsciência do legado recebido. Numa época em que a sociedade americanaestigmatizava e excluía pessoas de ascendência africana, a defesa militante deMalcolm foi surpreendente. Ele deu amilhões de afro-americanosmais jovensuma profunda confiança. Essas expressões estavam na base do que em 1966 setornouomovimentoBlackPower,eMalcolmfoisuafonteoriginal.Malcolm acabou ocupando um espaço central na rica tradição popular de

delinquentesedissidentesnegros,emlutacontraahierarquiasocialestabelecida.Antesdaguerracivil,esseshomensderesistênciasechamavamGabrielPossere

Nat Turner. Na música afro-americana, a tradição inclui o notório folclore deStagger Lee, o inventivo guitarrista de blues Robert Johnson e o carismáticoartista de hip-hop Tupac Shakur. O que esses fora da lei negros tinham emcomum era um calmo desdém pelo status quo burguês, pelo sistema desupremacia branca, com suas leis, seus tribunais. Mais significativamente, atradição dos negros fora da lei era transgredir a ordemmoral. Nesse sentido,DetroitRed,comoMalcolmoconstruiu,eraoanti-herói,ojazzistadamodaqueria dos costumes convencionais, que consumia drogas ilegais e praticava sexoilícito, que violava todas as regras. Um examemais rigoroso daAutobiografiarevela que muitos elementos da narrativa de Detroit Red são fictícios; apesardisso,asexperiênciasdopersonagemencontrameconasplateiasnegras,porqueo contexto do racismo, do crime e da violência é parte integral da vida nosguetos.A outra dimensão da aparência de Malcolm era a identidade de pregador

íntegro,dohomemquededicouavidaaAlá.Esse foioutropapelque tambémteve profundas repercussões na cultura afro-americana. Com sua linguagempoderosa,Malcolminspirouosnegrosaseveremnãocomovítimas,mascomodonosda capacidadede se transformareme de transformarem sua vida.ComoMarcus Garvey,Malcolm insistiu, audaciosamente, na noção de que o racismonãodecidiriaofuturodosnegros;edeque,emvezdisso,pessoasdeascendênciaafricana estavam destinadas à grandeza. Desenvolveu profundo amor pelahistória dos negros e utilizou em muitas palestras suas intuições tiradas daherança culturalde afro-americanose africanos.Malcolmencorajouosnegros acelebraremsuaculturaeosrelatosderesistêncianegraaocolonialismoeuropeue à dominação branca. E apesar da genuína conversão ao Islã ortodoxo, suajornada espiritual estava vinculada à sua consciência negra. Poucas semanasdepois do assassinato, o poetaAmiri Baraka proclamou: “Amaior contribuiçãode Malcolm foi pregar a consciência negra ao homem negro. Agora sóprecisamosencontraracarnedanossacriaçãoespiritual”.ParaBaraka,Malcolmsignificava a estética negra, um conjunto de valores e critérios pararepresentações culturais afirmando o gênio e a criatividade das pessoas deascendência africana.Malcolm forneceu omolde daquilo que os artistas negrosdeveriamalmejar.“Oartistanegroénecessárioparamudarasimagenscomqueseu povo se identifica, afirmando o sentimento negro, a inteligência negra, odiscernimento negro”, disse Baraka.1 Em março de 1965, Baraka saiu de

GreenwichVillageemigrouparaoHarlem,ondeestabeleceuoTeatro-escoladeRepertóriodeArtesNegras (BlackArtsRepertoryTheatreSchool,barts).Foioalicerce onde floresceu o movimento moderno das artes negras, envolvendomilhares de poetas, teatrólogos, dançarinos e outros produtores culturais.Malcolm tornou-se a sua musa, a expressão ideal da negritude. Até mesmo oNewYorkTimes, numa avaliação da contínua influência noHarlem, observouque “a ideia central deMalcolm, que se firmou depois de suamorte, é que osnegrosprecisamseaterestreitamenteasuaprópriaculturanegra,ealimentá-la,emvezde‘integrá-laparaquedeixedeexistir’”.2

StokelyCarmichael,talvezomaisimportantearquitetodomovimentoBlackPower, localizou a origem do seu desenvolvimento em Malcolm. Naautobiografia,CarmichaelexplicaquecomoestudantedaUniversidadeHowardnocomeçodosanos1960viaBayardRustin,deinício,comoseumentorpolítico.AssistiuaodebateentreRustineMalcolmemWashington,em30deoutubrode1961,certodequeRustinvenceriaodebate“demãosatadas”.Mas,comotantosoutros, ficou fortemente impressionado com a argumentação de Malcolm. “OqueMalcolmdemonstrouaquelanoite...foiopoderbruto,apotênciavisceral,dainfluência que nossa negritude coletiva, não expressa claramente em palavras,exercia sobre nós. Nunca vou esquecer.” Três décadas depois do triunfo deMalcolmsobreRustin,Carmichaelaindase inspiravanohomemorgulhosoqueera a personificação da negritude: “A luz de um refletor seguiu-o enquantocaminhava,magro,ereto, imaculadamentevestido,paraomicrofonenumpalcoemtudoomaisescuro”.3

ExisteumatendênciaderevisionismohistóricoainterpretarMalcolmXpelaslentespoderosasdeMartinLutherKing:deacordocomessacorrente,aevoluçãodeMalcolm faria dele um reformista liberal pró-integração. Essa opinião não éapenas errada, mas injusta com Malcolm e com Martin. King se via, comoFrederickDouglas, acimade tudo comoumamericano,quepretendiaobterosmesmos direitos civis e privilégios cívicos desfrutados por outros americanos.Lutouparaapagara faixacoloridadeestigmaeexclusãoquerelegavaminoriasraciais à cidadania de segunda classe. Como na bem-sucedida campanhapresidencialdeBarakObamaem2008,Kingpretendiaconvencerosamericanosbrancosdeque“raçanãotemamenorimportância”—emoutraspalavras,queas diferenças físicas e de cor que parecem distinguir negros de brancos nãodeveriamterpesoalgumnaaplicaçãodajustiçaedaigualdadededireitos.

Emnítidocontraste,Malcolmseviaanteseacimade tudocomoumnegro,uma pessoa de ascendência africana cidadã dos Estados Unidos. Era umadiferença crucial que o separava de King e outros líderes de direitos civis.QuandopertenciaàNaçãodoIslã,MalcolmseconsideravamembrodatribodeShabazz,fictícioclãnegroasiáticoinventadoporW.D.Fard.Masnasfasesfinaisde sua carreira, especialmente em 1964-5, Malcolm vinculava sua consciêncianegra ao imperativo ideológico de autodeterminação, ao conceito de que todostêm o direito de decidir o próprio destino.Malcolm via os americanos negroscomo uma nação oprimida dentro da nação maior, com cultura, instituiçõessociais e psicologia de grupo próprias. As lembranças que tinham da luta pelaliberdade diferiam completamente das lembranças dos americanos brancos.Nofim da vida, percebeu que os negros podiam, de fato, alcançar representação emesmopoderdentrodosistemaconstitucionaldosEstadosUnidos.Massemprepensou,anteseacimadetudo,nosinteressesdosnegros—oquemuitosnegrospercebiaminstintivamente,amando-oporcausadisso.King apresentou aos americanos brancos uma estreita narrativa sugerindo

queosnegrosestavampreparadosparaprotestar semviolência,emesmoparamorrer,a fimdeconcretizarapromessados fundadores.Malcolm,porsuavez,propunhaqueosoprimidos tinhamodireitonaturaldeautodefesaarmada.Suanarrativa era a da história do racismo estrutural—do tráfico transatlântico deescravos à guetização— e seu remédio eram reparações para os negros, umacompensaçãoaos anosdeexploraçãoqueosnegros sofreram.Épor essa razãoqueMalcolm, tivesse ele sobrevivido até os anos 1990, não seria um defensorentusiásticodaaçãoafirmativacomopontocentraldasreformasdedireitoscivis.A ação afirmativa jamais pretendeu promover o pleno emprego, ou atransferênciaderiquezaparaafro-americanos.OqueMalcolmbuscavaeraumareestruturação fundamental da riqueza e do poder nos Estados Unidos— nãouma revolução social violenta, mas ainda assim uma mudança radical esignificativa.Outra diferença crucial entre os dois líderes era sua relação com a classe

média afro-americana. King era produto da pequena burguesia instruída eendinheirada de Atlanta. Tinha diplomas da Faculdade Morehouse e daUniversidadedeBoston;Malcolmsaiudaescolasemconcluiroprimeiroanodoensinomédio. Sua “universidade” foi a Colônia Penal deNorfolk.Mais do quequalquer outro líder negro do século xx, Malcolm exigiu que os negros das

classes profissionais e gerenciais tivessem mais responsabilidade para com asmassas de pobres e operários afro-americanos.Emdiscursos como “Mensagemàs bases”, condenou severamente os líderes negros de classe média por seusacordos com mediadores brancos influentes. Exigia maior integridade eresponsabilidadedosnegrosprivilegiados,comoelementoessencialdaestratégiaparaalcançaraliberdadedosnegros.Emsuahistóriaoralde2003,OssieDavisexplicou,quandolheperguntaram

porquese referiraaMalcolmcomo“esplêndidopríncipenegro”emsuaoraçãofúnebre: “Porque um príncipe não é um rei”.4 Deu a entender que a morteprematuradeMalcolminterrompeusuamaturidadeeodesenvolvimentodeseupleno potencial de líder. Outra maneira de examinar o achado de Davis éperguntarseavisãodejustiçaracialdeMalcolmfoiplenamenteconcretizadaoualcançada.Mais uma vez a comparação entreMartin eMalcolm é iluminadora.DepoisdoassassinatodeKing,suaimagemcresceu,passandodecontestadordaGuerra do Vietnã e polêmico paladino dos direitos civis a defensor de unsEstadosUnidos cegospara a cor dapele. Seu aniversário foi comemoradopelogovernoamericanocomoferiadonacionaldedicadoaoserviçopúblico.Políticosde todos os matizes ideológicos aplaudem a não violência de King, masraramenteexaminamsuaferozimpaciênciacomainjustiçaracialesuarelevânciaparaanossaépoca.JáMalcolm,durantedécadas,foiescarnecidoeestereotipadopor seu extremismo racial.No entanto, para amaioria dos americanos negrosele se tornou figura emblemática de encorajamento dos negros, quedestemidamente contestou o racismo onde quer que o identificasse, e inspiroujovens negros a sentirem orgulho de sua história e cultura. Esses aspectos dapersonalidade pública de Malcolm ficaram indelevelmente gravados nomovimento Black Power; estavam presentes no brado “É a nossa vez!” dosproponentes negros de HaroldWashington na vitoriosa campanha do PartidoDemocrata para prefeito deChicago em 1983. Estavam expressos parcialmentenocomparecimentoinéditodeeleitoresembairrosnegrosduranteascampanhasde Jesse Jackson nas eleições presidenciais de 1984 e 1988 e na bem-sucedidatentativa eleitoral de Barack Obama em 2008. Malcolm de fato previu que oeleitorado negro poderia, potencialmente, representar o equilíbrio de podernumarepúblicabrancadividida.A visão revolucionária de Malcolm também desafiou os Estados Unidos

brancosapensaremefalaremdeoutramaneiraarespeitoderaça.Numaépoca

em que artistas brancos ainda pintavam o rosto de negro para atuar,Malcolmdesafiouosbrancosaexaminaremaspolíticasepráticasdediscriminaçãoracial.Antes de os pós-modernistas escreverem sobre “privilégio branco”, Malcolmfalou dos efeitos destruidores do racismo sobre suas vítimas e seuspromulgadores.Pertodofimdavida,imaginouadestruiçãodopróprioracismo,e a possibilidade de criar uma ordem social humana livre de injustiça racial.Ofereceu a esperança de que os brancos pudessem superar séculos desocializaçãonegativa comosnegros, e de queuma sociedade racialmente justaera viável. Não adotou a “cegueira da cor”, mas, como Frantz Fanon, achavapossíveldesmantelarashierarquiasraciaisexistentesnasociedade.Malcolmtambémmudouinternacionalmenteodiscursoeapolíticarelativos

a raça. Num período em que líderes afro-americanos dedicavam seus esforçosparamudarpolíticas federaiseestaduais sobreasrelaçõesentreraças,Malcolmpercebeu que o êxito da luta interna por direitos civis requeria que ela fosseampliada numa campanha internacional por direitos humanos. As NaçõesUnidas, não o Congresso ou a Casa Branca, tinham de ser o fórum central.Igualmente importantes eram as distinções que ele fez entre política negradentrodosEstadosUnidoseaspolíticasdelibertaçãonaÁfricaenoCaribe.Apesardesuaretóricaradical,comodeixaclaro“Ovotoouabala”,Malcolm

emsuamaturidadeacreditavaqueos afro-americanospoderiamusaro sistemaeleitoraleodireitodevotoparaconquistarmudançasimportantes.Suaposição,de propor uma educação e mobilização em massa do eleitorado negro, erapraticamente idêntica à dosncc, e seria mais tarde adotada pelo Partido dosPanteras Negras em Oakland nos anos 1970. Mas fora dos Estados Unidos,apesardeseurespeitoporNkrumah,elenãoviaapolíticaeleitoraleamudançasocialgradualcomoumaabordagemviávelparaa transformaçãodesociedadespós-coloniais.ApoiavaaviolênciarevolucionáriacontraoregimedoapartheidnaÁfrica do Sul, e a guerra de guerrilha contra o regime neocolonial noCongo enas colônias portuguesas de Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. NelsonMandela, que em 1961 fundou o Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação), osecretobraçoarmadodoCongressoNacionalAfricano,eraheróideMalcolmporsua identificação com os ataques guerrilheiros contra a África do Sul branca.Embora hoje Mandela seja visto como um reconciliador das raças, muitosemelhanteaKing,meio séculoatráso futuropresidentedaÁfricadoSul tinhaopiniõesmuitoparecidascomasdeMalcolmsobreanecessidadedalutaarmada

naÁfrica.5Porisso,aideiadequehavia“doisMalcolmsX”—umquedefendiaaviolência quando era membro da Nação, e outro que apoiava a mudança nãoviolenta—é absolutamenteerrada.ParaMalcolm, a autodefesa armada jamaissignificouviolênciapelaviolência.Malcolm concebeu uma versão moderna do pan-africanismo, baseada no

antirracismo global. A Conferência Mundial das Nações Unidas Contra oRacismo, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, foi, em muitossentidos, a materialização da visão internacional de Malcolm. Centenas deorganizaçõesnãogovernamentaisdereligião,dejustiçasocialededireitoscivistravaram diálogos transnacionais, examinando o racismo de uma perspectivaverdadeiramente global. Dos 11500 delegados e observadores, cerca de 3 mileram americanos, e quase dois terços americanos negros.6 Malcolm acreditavaque a liberdade dos negros nos Estados Unidos dependia de uma estratégiageopolíticainternacionalista.A dimensão irrealizada da visão racial de Malcolm foi a do nacionalismo

negro. Ideologia política surgida antes da Guerra Civil, o nacionalismo negrobaseava-se na crença de que o pluralismo racial conducente à assimilação eraimpossível nos Estados Unidos. Tão descrentes eram os nacionalistas nacapacidadedeosbrancossuperaremopróprioracismoquechegaramanegociarcom grupos terroristas como a Ku Klux Klan, na equivocada suposição de queerammais honestos em suas atitudes raciais doqueos liberais.Mas, àmedidaqueasexperiênciasinternacionaisdeMalcolmganhavamvariedadeeamplitude,sua visão social se expandia. Ele ficou menos intolerante e mais aberto acoalizõesmultiétnicaseinter-religiosas.Emseusúltimosmesesdevidarecusavaaidentificaçãode“nacionalistanegro”,buscandoabrigoideológiconosconceitosracialmente neutros do pan-africanismo e da revolução no Terceiro Mundo.Também passou a rejeitar a violência pela violência, jamais abandonando,porém,oidealnacionalistade“autodeterminação”,odireitodepaíseseminoriasoprimidosdecidiremporcontaprópria seu futuropolítico.DiantedaeleiçãodeBarackObama,levanta-seagoraaquestãodesaberseosnegrostêmumdestinopolíticoseparadodeseusconcidadãosbrancos.Seasegregaçãoracial legal ficoupermanentementeparatrásnopassadodosEstadosUnidos,avisãodeMalcolmhoje teria de redefinir radicalmente autodeterminação, bem como o significadodepodernegronumambientepolíticoqueamuitosparece“pós-racial”.Finalmente, e talvez mais relevante, Malcolm X representa a ponte mais

importante entreopovo americano emais de 1 bilhãodemuçulmanosmundoafora.Antes da reformada lei de imigraçãode 1965, omais destacadogrupo aidentificar-se comomuçulmanoamericano foi aheréticaNaçãodo Islã.Quandose informou melhor sobre o Islã ortodoxo, Malcolm se dispôs a propagar osignificadodessa féparaplateias foradequalquer contexto racial.Mesmoantesde sua morte, Malcolm tornou-se amplamente conhecido e respeitado nasdiásporas islâmicas e árabes. Tentou comunicar-se com seitas e organizaçõesislâmicasquerefletiamopiniõeseprincípios teológicosmuitodivergentes—osmuçulmanoswahabitasnaArábiaSaudita,ossocialistasnasseristasnoEgito,ossufis africanos no Senegal, a IrmandadeMuçulmana no Líbano, a Organizaçãopara a Libertação da Palestina. Evitava discussões que pusessem muçulmanoscontramuçulmanos; enfatizava a capacidade do Islã para transformar o crente,levando-odoódioeda intolerânciaparaoamor.Suaprópriaenotávelhistóriapessoalpersonificouessareinvenção.Eoquedizerdo futurodeMalcolmdepoisdamorte?Assimcomoacultura

dohip-hopfoidecisivaparapromoverseusegundorenascimentonosanos1990,pareceprovávelqueoIslãinfluenciaráseulegadofuturo.7

O processo de reinvenção jihadista começou com a revolução iraniana. Ogoverno do aiatolá Khomeini foi o primeiro a imprimir um selo postal com aimagemdeMalcolm, lançadoem1984parapromoveroDiaUniversal daLutacontraaDiscriminaçãoRacial.8Menosdeduasdécadasdepois,suainfluênciafoidescoberta nas cavernas das montanhas do Afeganistão, no radicalismo doconvertidoislâmicoetalibanistaJohnWalkerLindh.Brancoamericanodeclassemédia alta do rico condado de Marin, na Califórnia, Lindh foi apresentado aMalcolmquandoamãeo levouparavero filmedeSpikeLee.Depoisde ler aAutobiografia,o fascíniodeLindhevoluiupara ferrenhadedicação.Emoutubrode 2001, quando as forças americanas invadiram o Afeganistão, Lindh foicapturado entre os combatentes talibãs e agora cumpre pena de vinte anos deprisão.O conselheiro religiosodeLindh, Shakeel Syed, está convencidode queLindhpoderia“seronovoMalcolmX”.9

A rede terrorista Al-Qaeda também tem consciência suficiente da políticaracial americanapara estabelecer claras distinções entre líderes afro-americanosconvencionais e revolucionários negros comoMalcolm.Umvídeo daAl-QaedadivulgadodepoisdaeleiçãodeBarackObamaemnovembrode2008descreviaopresidente eleito como “traidor da raça” e “hipócrita” em comparação com

Malcolm X. “E em [Barack Obama] e Colin Powell, [Condolezza] Rice esemelhantes, as palavras de Malcolm X [que Alá tenha piedade dele] sobre‘negrosdecasa’seconfirmam”,declarouovicedaAl-Qaeda,Aymanal-Zawari.Malcolm foi descrito como figura essencial para as tradições políticas dos“honrados negros americanos”.10 O que há de irônico nisso é que Malcolmcertamentecondenariaosataques terroristasdoOnzedeSetembrode2001porrepresentarem a negação de princípios do Islã. Uma religião baseada nacompaixãouniversalenorespeitoaosensinamentosdaToráedosEvangelhos,Malcolmsaberia,nãotemnadaemcomumcomaquelesqueempregamoterrorcomoferramentapolítica.AjornadadeautodescobertadeMalcolmeabuscadeDeusoconduziramàpazeoafastaramdaviolência.Masháoutro legadoquepode ter grande influêncianaherançadeixadapor

Malcolm: a política de humanismo radical. O primeiro encontro real de JamesBaldwin comMalcolmocorreu em 1961, quando foi solicitado paramediar umgrupo de discussão que incluía o líder da Nação do Islã num programaradiofônico. Malcolm fora convidado para debater com um jovem ativista dedireitos civis que acabara de voltar de protestos pela dessegregação no sul.Baldwin teve medo de que o célebre agitador fosse arrasar com o jovemmanifestante. Baldwin escreveria depois que estava ali “para jogar um salva-vidas sempre que Malcolm parecesse levar o menino para águas profundasdemais”. Para surpresa de Baldwin, Malcolm “compreendeu aquele menino edirigiu-se a ele como se falasse com um irmão mais novo”. Baldwin ficouprofundamentecomovido.“JamaisesquecereiMalcolmeomenino,umdiantedooutro, e sua extraordinária gentileza: ele foi uma das pessoas mais gentis queconhecinavida.”11

Um profundo respeito pela humanidade negra e uma profunda crença nelaestavamnocernedafévisionáriadesserevolucionário.Equandosuavisãosocialseampliou,passandoaincluirpessoasdediferentesnacionalidadeseidentidadesraciais,seugentilhumanismoeantirracismopoderiamtersetornadoplataformapara uma nova espécie de política étnica radical e global. Em vez do ferozsímbolodeviolênciaétnicaeódioreligioso,comooqueaAl-Qaedaquisprojetarnele, Malcolm X deveria ser visto como um representante da esperança e dadignidadehumanas.Pelomenosparaosafro-americanos,elejápersonificaessasmaiselevadasaspirações.

NosanosemqueeraDetroitRed:fotostiradaspelapolíciadepoisdaprisãodeMalcolmemBoston,em1944.

Durantetodaavida,ameia-irmãdeMalcolm,EllaCollins,foiumafontetantodeconfortocomodecontrariedade.Aqui,elafaladepoisdoassassinatodoirmão,emfevereirode1965.

ElijahMuhammadtornou-separaMalcolmnãoapenasummensageirodivino,masummentordeconfiança;suasestreitasrelaçõesaceleraramaascensãodeMalcolmnaNaçãodoIslã.Acima,osdoisjuntosem1961.

Malcolm,príncipeherdeirodanoi,falanafestadoDiadoSalvador,em1961.SentadosdaesquerdaparaadireitaestãoLouisFarrakhan,oministroassistentedeChicagoJamesShabazz,ElijahMuhammad,Wallace

Muhammad,JohnAlieClaraMuhammad.

MalcolmmostraumaimagemdoassassinatodeRonaldStokesnumcomício,em1962.ApífiarespostadanoiàmortedeStokescontribuiriaparaafastarmaisaindaMalcolmdasedeemChicago.

Malcolm,BenjaminGoodman(àesquerda,dechapéupreto)eoministrodeNewarkJames3XShabazz(àdireita,deóculos)protestamcontraabrutalidadedapolícianoTribunalPenaldoCondadodeNovaYork,

em1963.

Grupodeconselheirosdonoi:ElijahMuhammad(sentado)nodiaseguinteaoassassinatodeMalcolm.Empé,daesquerdaparaadireita,estãoHerbertMuhammad,JohnAlieoministroassistentedeChicago,James

Shabazz.

Aoganhardestaque,Malcolmatraíadoispúblicosbemdiferentes.Aqui,elefalaparaumaplateiademaioriabrancanaUniversidadedeHartford,Connecticut,em29deoutubrode1963.

NoHarlem,elecontinuavaaatrairgrandesmultidõesdenegrosurbanos,comonestecomíciodanoinaesquinadarua115comaavenidaLenox,em1963.

ElijahMuhammadsaúdaumarecém-convertida.Suaquedaporjovenssecretáriasdanoisetornariaumsegredodepolichinelo,queMalcolmtevedificuldadeparaaceitar.

DepoisderompercomaNação,asviagensdeMalcolmolevaramaoOrienteMédioeàÁfricaembuscadoseucentroespiritualepolítico.AquieleaparecenumencontrocomosheikAbdelRahmanTag(primeiroà

direita),quelogosetornariareitordaUniversidadeAl-Azhar,noCairo,em1964.

Enquantobuscavaidentificaraslutasdosafro-americanoscomasdosnegrosnorestodomundo,MalcolmfoiadotadopelosrevolucionáriosdoTerceiroMundo;entreessesestavaogeneralAbdulrahmanMuhammad

Babu,líderdaRevoluçãoZanzibarita,queaquiaparececomMalcolmem1964.

Enquantoseupensamentopolíticosedesenvolvia,Malcolmpassouaacreditarqueosnegrospoderiamtrabalhardentrodosistemaparamelhorarsuascondiçõesdevida.Em1965,eleobservouumasessão

conjuntadoLegislativodoestadodeNovaYork,nagaleriadaCâmaraemAlbany.

AlutadeMalcolmcomanoitornou-semaiscontenciosaquandoaseitareivindicouapropriedadedesuacasaeexigiuqueelesemudasse.Aqui,ocapitãodoFrutodoIslãJosephXGravittmostraaumpoliciala

ordemdedespejodeMalcolmemfevereirode1965.

MalcolmemsuacasanobairrodeEastElmhurstdepoisdoincêndioprovocadoporumabombaem15defevereirode1965.

Instantesdepoisdoassassinato,opolicialàpaisanadoDepartamentodePolíciadeNovaYorkGeneRobertstentaressuscitarMalcolmX.

Thomas15XJohnson,ex-motoristadeMalcolmnanoi,éarroladocomosuspeitoporseuassassinatoem3demarçode1965.

Outrofuncionárioencarregadodefazercumprirasregrasdanoi,Norman3XButler,baseadonoHarlem,éescoltadoparaaprisãocomosegundosuspeitoem26defevereirode1965.

ReubenFrancis,chefedasegurançadamesquitamuçulmanadeMalcolm,deixaaprisãoemNovaYorknodiaseguinteaoassassinato.

OcorpodeMalcolméexpostoparaasúltimashomenagensnaIgrejaTemplodaFédeDeusemCristo,naparteocidentaldoHarlem.

AMesquitanº-7édevoradapelaschamasem23defevereirode1965,doisdiasdepoisdoassassinatodeMalcolm.

Agradecimentosenotasdepesquisa

Asorigens deste livro remontamao invernode 1969,meuprimeiro anonoEarlham College, em Indiana, quando li pela primeira vez aAutobiografia deMalcolmX.Malcolmtornara-sefiguraemblemáticadomovimentoBlackPower,e devorei os volumes editados de seus discursos e entrevistas. Como muitosoutros,nãodei importância às inconsistências entre trechosde seusdiscursos egravaçõeseostextosimpressosdessesmesmosdiscursosempublicações.Quasetodas as obras acadêmicas sobreMalcolm se baseavam numa seleção bastantelimitada de fontes primárias, nas transcrições de seus discursos e em fontessecundárias,comoartigosdejornal.Quase duas décadas depois, em 1988, eu dei um curso de política afro-

americana que incluía aAutobiografia de Malcolm X como parte das leiturasobrigatórias, na Universidade de Ohio. Uma leitura atenta do texto revelounumerosas inconsistências, erros e personagens fictícios, em conflito com averdadeira história da vida de Malcolm. Parecia também faltarem seçõesanalíticas.Oquemais chamava a atenção era a ausência de qualquer discussãodetalhada sobre os dois grupos que Malcolm formou em 1964 — MesquitaMuçulmanaeOrganizaçãoparaaUnidadeAfro-Americana.AAutobiografiaeratradicionalmente aceita como o testamento político deMalcolm, apesar de emgrande parte guardar silêncio sobre grandes questões políticas.Havia tambémumaestranha,mas inequívoca, fissuranotexto,separandooscapítulosdeumaquinzedeumsegundo“livro”queiadocapítulodezesseisaodezenove.Cercadedois quintos do livro tratavam apenas dos anos de infância e juventude deMalcolm, descrevendo as façanhas do adolescente Malcolm, “Detroit Red”. Só

anosdepoisdescobriqueboapartedahistóriadeDetroitRederafictícia,equeoenvolvimentorealdeMalcolmcomroubosecrimesgravestevecurtaduração.NaUniversidadedoColoradoemBoulder,ondelecioneide1989a1993,pus-

me a trabalhar no que eu imaginava que seria uma modesta biografia deMalcolmX.Oestudoforaprojetadoinicialmenteparamapearaevoluçãodeseupensamentopolíticoesocial.Contrateiumaequipedeestudantespesquisadores,encabeçadapelaalunadedoutoradoEleanorHubbard,ecomeçamosaprepararumabibliografiadequasemilobrassobreolídernegro.Na vida as oportunidades raramente aparecem sem custo. Em 1993, fui

nomeado diretor do recém-criado Instituto de Pesquisas em Estudos Afro-AmericanosdaUniversidadeColumbia.Pelosdezanosseguintes,meuprincipalobjetivo foi consolidar o Instituto; o projeto da biografia deMalcolm ficou emsuspenso.Sóem1999-2000,depoisdediversosencontroscomumadas filhasdeMalcolm, IlyasahShabazz, foique retornei àbiografia.Mas ao lerquase todaaliteraturasobreMalcolmproduzidanosanos1990,fiqueiimpressionadocomseucaráter vazio e com a falta de fontes originais. Malcolmistas construíram emtornodoseulíderumalendaqueapagavatodasasmáculasetodososerrosqueele tinha cometido. Outra versão de “malcolmologia” equiparava-o,simplisticamente, a Martin Luther King, ambos defendendo a harmoniamulticultural e a compreensão universal. Decidi então escrever um estudocompletoeabrangentedavidadeMalcolm.OMalcolm histórico, o homem com todas as suas virtudes e todos os seus

defeitos, estava sendo estrangulado pela lenda emblemática construída à suavolta. Havia muitos motivos para isso. Inexplicavelmente, Betty Shabazz— edepois seusherdeiros—negou-seacolocaràdisposiçãodopúblicocentenasdedocumentosdeMalcolmX—cartaspessoais, fotografias, textosdediscursos—que só foram liberados em 2008. Depois do assassinato de Malcolm em 1965,muitoscompanheiros seusmaischegadosentraramnaclandestinidade, fugiramdopaís,ousimplesmenteserecusaramaconversarcomacadêmicos.ANaçãodoIslã,acusadadeassassinarMalcolm,obviamentenãotinhanenhummotivoparavirapúblicoexplicarporqueseopuseraaoantigolíderdosmuçulmanosnegros.O líder danoiLouis Farrakhan fez discursos e declarações sobre suas relaçõescomMalcolm,masnuncaapresentouumahistóriadetalhadadesuavidanapartequediz respeitoaoassunto.E finalmente tantoofbi comooDepartamentodePolícia de Nova York continuaram a suprimir milhares de páginas com

transcriçõesdeatividadesdevigilânciaeescutastelefônicasrelativasaMalcolm.Às vezes essesmúltiplos obstáculos eram tão difíceis de contornar que pareciaimpossívelescreverumabiografiaséria.Meugrandeimpulsoinicialveioquandofinalmentepercebiqueachavepara

a reinterpretação da vida de Malcolm estava na desconstrução crítica daAutobiografia. Nesse processo, fui tremendamente ajudado por Jonathan Cole,então reitor da Universidade Columbia, e pelo vice-reitor Michael Crow, quederam apoio financeiro em 2001-4 para o desenvolvimento de uma versãomultimídiadaAutobiografia.Emdadomomento,haviamaisdevintealunosdegraduação e pós-graduação trabalhando no Projeto Malcolm X, redigindocentenas de perfis e resumos de pessoas, instituições e grupos importantesmencionados naAutobiografia.OCentroparaEnsino eAprendizadodeNovasMídiasdeColumbia,dirigidoporFrankMoretti,produziunossoextraordinários i t e :http://ccnmtl.columbia.edu/project/mmt/malcolmx, que acelerouimensamente o desenvolvimento inicial da biografia. Um recursomais recentede multimídia, apresentando material sobre Malcolm X, está disponível emhttp://mxp.manningmarable.com.Enquanto desconstruíamos aAutobiografia, aprendi a apreciar o livro como

brilhante obra literária, no entanto mais um livro de memórias do quepropriamente uma reconstrução factual e objetiva da vida de um homem.Consequentemente, o livro tratamais de personalidades do que das diferençasideológicas e políticas mais profundas que afastaram Malcolm da Nação.Também diz pouco sobre as viagens de Malcolm pelo Oriente Médio e pelaÁfrica,emjulho-novembrode1964.Outroimportanteelementonapreparaçãodestabiografiaforamosconselhos

críticosdeClayborneCarson,diretordoProjetodeDocumentosMartinLutherKing Jr., da Universidade de Stanford. Estive no campus de Stanford em 2001paravercomoClaytinhaorganizadoseuprojeto,eatribuídoresponsabilidadesespecíficas a estudantes pesquisadores. Clay sugeriu que a chave para escreveruma biografia completa de Malcolm X seria a construção de uma tabelaextremamente detalhada de sua vida; para cobrir os últimos dois anos, 1963 a1965, haveria registros quase diários. Cada registro indicaria de onde veio ainformação e, semprequepossível, conteriamúltiplas fontes de documentação.Ao longo de seis anos, uma imensa cronologia foi desenvolvida, que serviu dealicerceparaestabiografia.

Umdetalheadicionalnaleituradestaobraéaquestãodosnomes.Amaioriadas figurascentraisnavidadeMalcolmmudoudenomeduasoutrêsvezes,oumais. O valioso e ríspido chefe de equipe de Malcolm, James Warden,geralmente era chamadode James 67Xquandopertencia àMesquita nº 7, e deJames Shabazz em 1964-5. No entanto, havia, na mesma época, outro JamesShabazz,James3XMcGregor,chefedamesquitadeNewark, inimigomortaldeMalcolm.Consequentemente,WardenéchamadoemtodoolivrodeJames67X.Há problemas parecidos com outros nomes: o confiávelministro assistente deMalcolm,Benjamin2XGoodman,eratambémBenjaminKarimdepoisdeadotaro Islãortodoxo;Thomas15XJohnson, injustamentecondenadopeloassassinatodeMalcolm, foi posteriormenteKhalil Islam; LouisWalcott, também chamadode Louis X, o ministro da mesquita danoiem Boston, é conhecido hoje nomundo inteiro como Louis Farrakhan. Wallace Muhammad, filho de ElijahMuhammadqueherdouaposiçãode líderdaNaçãodo Islã em1975,mudouaortografia do nome para Warith Mohammed. Com a exceção parcial deFarrakhan,procureiserconsistentenaidentificaçãodaspersonalidadesprincipaisem todo o texto. Essa diretriz também se estende a pessoas como MayaAngelou,quedurantepartedesuavidanosanos1960eraconhecidacomoMayaMaké.Qualquerobradestetipoéprodutodacolaboraçãodemuitosindivíduos.Um

dosmeus assistentes de doutoradonaUniversidadeColumbia,ZaheerAli, deumuitas contribuições importantes como diretor adjunto do ProjetoMalcolm Xdurante quatro anos, especialmente no desenvolvimento da versãomultimídiadaAutobiografia.OvastoconhecimentodeZaheerarespeitodaNaçãodoIslã,assimcomodoIslãortodoxo,ampliounossoestudoparaquepudesse incluirasvozes de muçulmanos negros como Louis Farrakhan. A sucessora de Zahher,Elizabeth Mazucci, foi em grande parte responsável pela preparação dacronologiadeMalcolmXepororganizarmilharesdepáginascomosresultadosda atividade de vigilância dofbi. Foi esse o cerne cronológico que tornoupossível a construção da biografia, e sou profundamente grato a Elizabeth porseusanosdeesforço incansável.AestudantededoutoradoElizabethHinton foide fundamental importância no cruzamento de várias fontes, como arquivos ejornais, para documentar da melhor maneira possível os acontecimentosimportantesnavidadeMalcolm.RussellRickford,agoraprofessordehistórianaFaculdade de Dartmouth, foi de inestimável utilidade, agendando sessões de

história oral e entrevistas com contemporâneos de Malcolm. Desde 2008 oProjeto Malcolm X tem sido coordenado com habilidade por Garret Felber,extraordinário pesquisador e jovem acadêmico dos Estados Unidos negros doséculo xx. Garrett tem a estranha emisteriosa capacidade de localizar osmaisraros e obscuros documentos relativos à vida de Malcolm. Neste último ano,nosso mais novo pesquisador, Kevin Loughram, também deu importantecontribuiçãoparaoprojeto.As primeiras versões de vários capítulos desta biografia foram lidas por Ira

Katznelson,RenateBridenthal,HishaamAidi,SamuelRobertseBillFletcher Jr.Seus comentários e críticas foram extremamente valiosos.RichardCohen,meumagníficoeditor, trabalhoucomigonodesenvolvimentodecadacapítulo.Meuseditores da Viking Penguin, particularmenteWendyWolf e Kevin Doughten,foramextremamentesolidáriosaolongodetodaaevoluçãodomanuscrito.Porquase dezoito meses, Kevin e eu nos comunicávamos quase todos os dias,discutindo várias versões de capítulos, no esforço para construir uma narrativaeficientequealcançasseopúblicomaisvastopossível.Tenhoabundantesdívidasdegratidão tambémcomminhaagente,ElyseCheney,eminhaadvogada,LisaDavis,quetrabalharamcomigonesteprojetoquaseumadécada.Sara Crafts foi a principal digitadora demanuscritos demuitos projetos de

livrosanteriorese fezummagnífico trabalhoprocessandodiferentesversõesdecada capítulo e acompanhando de perto os manuscritos corrigidos. Semprevalorizei sua amizade e seus conselhos. CourtneyTeague,minha secretária noCentro de História Negra Contemporânea de Columbia, foi indispensável nacoordenação de meu seminário sobre Malcolm X, e também na digitação demanuscritos.Ambasprestaramajudainestimávelnaexecuçãodoprojeto.Umúltimoeimprevistoobstáculoparaaconclusãodestaobraveionaforma

de grave problema de saúde. Há 25 anos eu sofria de sarcoidose, doença quedestruiugradualmenteminhas funçõespulmonares.Noúltimoanodepesquisapara este livro, não pude viajar e carregava comigo tubos de oxigênio pararespirar.Emjulhode2010,recebiumtransplanteduplodepulmões,e,depoisdedois meses de hospitalização, consegui me recuperar completamente. Durantetoda a provação, a redação, a edição e a pesquisa da biografia de Malcolm Xprosseguiram. Por isso, sou profundamente grato a meus pneumologistas, dr.David Lederer e dra. Doreen Addrizzo-Harris; a meu cirurgião, dr. FrankD’Ovidio; e a toda a equipe de transplante de pulmão — coordenadores,

enfermeiros e terapeutas físicos e ocupacionais do Hospital Presbiteriano deNovaYork, todosessenciaisparaoêxitodacirurgiaeparaminha recuperação.Igualmente importante para o meu restabelecimento foi a minha família —incluindo SandraMullings,AliaTyner,MichaelTyner, PansyMullings, PaulineMullings,PaulMullings,MalaikaMarableSerrano,SojournerMarableGrimmett,JoshuaMarable, AdrianaNova e ChrisNova, que passaram noites e noites nohospitaleforamsolidáriosduranteminhasdifíceissemanasdeconvalescença.Amaiordívidadegratidãoécomminhaparceira intelectualecompanheira,

Leith Mullings. Durante anos, ela pacientemente escutou, ou leu, incontáveiscapítulosdavidadeMalcolm.Efezumaleituracríticadorascunhofinaldolivrointeiro, linha por linha, apresentando importantes sugestões. Leith tambémdeixou sua vida em segundo plano por mais de dois anos, enquanto eu medebatiacomminhascrisespulmonares,comacirurgiaecomarecuperação.Semseuconstanteencorajamentoeinfalívelapoio,eunãoteriasobrevivido.E,porúltimo,souprofundamentegratoaoverdadeiroMalcolmX,ohomem

por trás do mito, que corajosamente desafiou e transformou a si mesmo,tentando enxergar um mundo sem racismo. Com todos os seus erros econtradições, Malcolm é hoje um padrão definitivo pelo qual todos os outrosamericanosqueaspiremaomantodelíderdeveriamsermedidos.

ManningMarable25desetembrode2010

Notas

siglasutilizadasnasnotas

manyMunicipalArchivesintheCityofNewYork[ArquivosMunicipaisdaCidadedeNovaYork]rwlRobertW.WoodruffLibrarySpecialCollectionsDepartment [DepartamentodeColeçõesEspeciaisda

BibliotecaRobertW.Woodruff]mxfbiArquivodeMalcolmXnofbimxc-sMalcolmXCollection,SchomburgCenterforResearchinBlackCulture[ColeçãoMalcolmX,Centro

SchomburgdePesquisadeCulturaNegra]utlscUniversityofTennesseeLibrarySpecialCollection[ColeçãoEspecialdaBibliotecadaUniversidadede

Tennessee]kmcTheKenMcCormickCollectionoftheRecordsofDoubledayandCompany[ColeçãoKenMcCormick

dosRegistrosdaDoubledayandCompany]

prólogo—avidaalémdalenda.

1. Ver Eric William Allison, “Audubon Theatre and Ballroom”. In: Kenneth T. Jackson (Org.),The

EncyclopediaofNewYorkCity.NewHaven:YaleUniversityPress,1995,p.66.2.Cartaaoeditor,ShirleyG.Quill,NewYorkTimes,1abr.1990.Quillobservouque“bemantesdoterrível

assassinato de Malcolm X, o salão do Audubon era conhecido como o berço do Sindicato dosTrabalhadores de Transporte (Union Municipal Transit Workers,twu), o primeiro sindicato detrabalhadoresdesistemadetrânsitomunicipaldahistóriadotrabalhismomoderno”.

3.“GirlandManShotinDanceHall”,TheNewYorkTimes,22set.1929.4.“TheNegroesatthemasslevelarereadytoact”;M.S.Handler,MalcolmXSplitswithMuhammad”,The

New York Times, 9 mar. 1964; e M. S. Handler, “Malcolm X Sees Rise in Violence”,The New YorkTimes,13mar.1964.

5. Emanuel Perlmutter, “Murphy Says CityWill Not Permit Rights Violence”,TheNewYorkTimes, 16mar.1964.

6.EntrevistacomHermanFerguson,membrodaoaauetestemunhaoculardoassassinatodeMalcolmX,27jun.2003.

7.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,2.ed.rev.Urbana:UniversityofIllinoisPress,1979,pp.269,274.

8.Id.,ibid.,pp.416-9.9.DeclaraçãodeWilliam64X àPromotoriaPública deNovaYork, 18mar. 1965.As entrevistas da polícia

relacionadas às investigações do assassinato deMalcolm X estão disponíveis nas pastas do Caso 871-65,série i, Departamento de Gravações e Serviço de Informações da Cidade de Nova York, ArquivosMunicipais da Cidade de Nova York (Municipal Archives in the City of New York, citado, daqui emdiante, comomany).OarquivodopromotorpúblicosobreoassassinatodeMalcomXestádivididoemtrês séries, de acordo comperíodos cronológicos correspondentes ao assassinato.Aprimeira série incluimaterial da investigação policial e do indiciamento; a segunda inclui o julgamento do caso em 1966; aterceira abrange os apelos dos assaltantes condenados Norman Butler, Thomas Johnson, e TalmadgeHayer(tambémconhecidocomoThomasHagan).Adisponibilidadededocumentosinternosdofbinãoeditados e um exemplar da transcrição na íntegra do Grande Júri para o julgamento do assassinato deMalcolmXéalgobastantesignificativonasériei.Osarquivosdopromotorpúblicoestavamvedadosaopúblico até 1993, quando foram transferidos para omany. Parauma análise abrangentedo arquivo, verElizabeth Mazucci, “St. Malcolm’s Relics: A Study of the Artifacts Shaped by the Assassination ofMalcolmX”.ColumbiaUniversity,2005.Tesededoutorado.

10.NaentrevistacomoDepartamentodePolíciadeNovaYork(NewYorkPoliceDepartment,citadodaquiemdiantecomonypd),LinwoodXCathcartfoisolicitadoaexaminarfotosdeNormanButlereThomasJohnson, doismembros danoique tinham sidopresospelo assassinatodeMalcolmX.LinwoodXdissequenãoconseguiaidentificarJohnsoneButlerpelasfotos.DeclarouquenenhumdosdoisestavapresenteaocomícionosalãoAudubon.Então,paraprovocar,segundoosregistrospoliciais,“osr.CathcartdissequeMalcolmXpodiasercomparadoaBenedictArnold,poistambémeraumtraidor,equeAlácuidedetodosnós”.Ver entrevistadeAugursLinwoodC.Cathcart comonypd.Caso 871-65, série i,many, 22mar.1965.

11.TestemunhodeLangstonSavagenograndejúrieentrevistadonypdcomLangstonSavage.Caso871-65,sériei,many,22mar.1965.

12.EntrevistacomJames67XWarden(tambémconhecidocomoAbdullahAbdurRazzaqeJamesShabazz),21jul.2003.

13.PolicialWilliamE.Confrey, “Entrevista comMr.WilliamFogel, gerentedo salãodoAudubon”.Caso871-65,sériei,many,21fev.1965.

14.PeterGoldman,op.cit.,pp.418-9.15.TranscriçãodediscursodeBenjamin2XGoodman(tambémconhecidocomoBenjaminKarim),nosalão

doAudubon,21fev.1965.Cópiaegravaçãoemáudioempoderdoautor.16.Ibid.VertambémPeterGoldman,op.cit.,pp.271-3.17. Transcrição de discurso de Benjamin 2X Goodman. Os comentários iniciais deMalcolm X podem ser

ouvidosnagravação.18.MalcolmXeAlexHaley,TheAutobiographyofMalcolmX.NovaYork:Ballantine,1999,p.462.19.PeterGoldman,op.cit.,p.378.20.VerJamesBaldwin,OneDay,WhenIWasLost:AScenarioBasedonAlexHaley’sTheAutobiography

ofMalcolmX.NovaYork:Dell,1972;DavidLeeming,JamesBaldwin:ABiography.NovaYork:HenryHolt, 1994, pp. 297-9; e Brian Norman, “Reading a Closet Screenplay: Hollywood, James Baldwin’sMalcolmX and theThreat ofHistorical Irrelevance”,AfricanAmericanReview, v. 39, n. 2, pp. 103-18,primavera2005.

21.PaulDeloney,“BlackParlaysinCapitalHailNixonandThurmond”,TheNewYorkTimes,12jun.1972.22.WilliamT.StricklandeCheryllY.Greene(Orgs.),MalcolmX:MakeItPlain.NovaYork:Viking,1994,

p.225.

23.SamRoberts,“DanQuayle,MalcolmXandAmericanValues”,TheNewYorkTimes,15jun.1992.24.“WilltheRealMalcolmXPleaseStandUp?”,LosAngelesSentinel,7jan.1993.25.GeraldHome,‘“Myth’andtheMakingof ‘MalcolmX’”,AmericanHistoricalReview,v.98,n.2,p.448,

abr.1993.26. Manning Marable,Living Black History: How Reimagining the African-American Past Can Remake

America’sRacialFuture.NovaYork:BasicCivitas,2006,p.147.27.MalcolmXeHaley,op.cit.,p.xxv.28.Id.,ibid.,p.256.29.Id.,ibid.,p.xxv.30.VeraanálisedacarreiracriminosadeDetroitRedemRodnellP.CollinsePeterA.Bailey,SeventhChild:

AFamilyMemoirofMalcolmX(NovaYork:Kensington,1998).

1.“depé,raçapoderosa!”

1.Certificado de óbito deEarly (Earl) Little, 30mar. 1931,DapartamentoMunicipal de Saúde,Divisão de

Estatísticas,númerooficial1338243.Cópiaempoderdoautor.HáincertezasobreadatadenascimentodeEarl Litte. Segundo o censo de 1930, E. Little nasceu em 1891-2.Mas em seu formulário de pedido depassaporte,Malcomdá1889comodatadenascimentodopai,“J.EarlyLittle”.VerMemorandomxfbi ,27jul.1959;eRelatórioresumidomxfbi,escritóriodeNovaYork,17nov.1959,p.31.

2.“Reynolds”,TheButlerHerald,Georgia,20jun.1911.3.WalterWhite,RopeandFaggot.NovaYork:Amo,1969,pp.254-6.4.SarahA.Soule,“PopulismandBlackLynchinginGeorgia,1890-1900”,SocialForces,v.71,n.2,pp.431-49,

dez.1992.5.IraBerlin,TheMakingofAfricanAmerica.NovaYork:Viking,2010,p.172.6. Os primeiros anos de Earl Little e Louise Norton são descritos emWilliam T. Strickland e Cheryll Y.

Greene (Orgs.), op. cit.Um tratamento literáriodas complexas e quase sempre tensas relações entreospaisdeMalcolmédadoemJanCarew,GhostsinOurBlood:WithMalcolmXinAfrica,England,andtheCaribbean (Westport, ct: Lawrence Hill, 1994). Ver tambémMary G. Rolinson,Grassroots Garveyism(ChapelHill:UniversityofNorthCarolinaPress,2007,pp.193-4).

7. LouisA.DeCaro Jr.,On the SideofMyPeople:AReligiousLife ofMalcolmX.NovaYork:NewYorkUniversity Press, 1996, pp. 41-2. O censo de 1930 situa o nascimento de Louise Little em 1898-9. Noformuláriodepedidodepassaporteapresentadoem1959,Malcolmdeclaraquesuamãenasceuem1896.VerRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17nov.1959.

8.VerLeoW.Bertley,“TheUniversalNegroImprovementAssociationofMontreal,1917-1974”,Califórnia:UniversidadeConcordia,1980.Tesededoutorado.

9.HáumvolumesubstancialdeestudosacadêmicossobreoconflitoentreBookerT.WashingtoneW.E.B.Du Bois. Para começar, o melhor é o de August Meier,Negro Thought in America, 1880-1915 (AnnArbor:UniversityofMichiganPress,1963).OutrasfontessobreWashingtoneDuBoisincluemLouisR.Harlan,BookerT.Washington:TheMakingofaBlackLeader,1856-1901(NovaYork:OxfordUniversityPress, 1972); LouisR.Harlan,BookerT.Washington:TheWizardofTuskegee,1901-1915 (Nova York:OxfordUniversityPress,1983);KevinGaines,UpliftingtheRace:BlackLeadership,PoliticsandCultureintheTwentiethCentury (ChapelHill:UniversityofNorthCarolinaPress,1996);MichaelRudolphWest,The Education of Booker T. Washington (Nova York: Columbia University Press, 2006); RaymondWalters,W. E. B. Du Bois andHis Rivals (Columbia: University of Missouri Press, 2002), e ManningMarable,W.E.B.DuBois:BlackRadicalDemocrat,2.ed.(Boulder,co:Paradigm,2005).

10.LouisA.DeCaroJr.,op.cit.,pp.13-5.11.RobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),MarcusGarvey:LifeandLessons.Berkeley:UniversityofCalifornia

Press,1987,p.lxiv.12.BlackMan,v.1,p.5,jul.1935.13.MarcusGarvey,“Autobiography”.In:RobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,pp.92-3.14.RichardBrentTurner,IslamintheAfrican-AmericanExperience.Bloomington:IndianaUniversityPress,

1997,p.81.15.MarcusGarvey”,op.cit.,pp.49-50.16.KellyMiller,“AfterMarcusGarvey:WhatoftheNegro?”,ContemporaryReview,v.131,pp.492-500,abr.

1927.17.LouisA.DeCaroJr.,op.cit.,p.15.18. Robert A. Hill e Barbara Blair (Orgs.), op. cit., p. xxxvii. Há numerosos estudos sobre Garvey e o

garveyismo. São obras importantes: Robert A. Hill (Org.),The Marcus Garvey and Universal NegroImprovementAssociationPapers (Berkeley:UniversityofCaliforniaPress, 1983);RupertLewis,MarcusGarvey:Anti-ColonialChampion(Trenton,nj:AfricaWorldPress,1988);ClaudrenaN.Harold,TheRiseandFallof theGarveyMovement in theUrbanSouth,1918-1942 (Londres:Routledge,2007);eEmory J.Tolbert,TheUNIAandBlackLosAngeles(LosAngeles:CenterforAfro-AmericanStudies,UniversityofCaliforniaPress,1980).

19. Peter Cole,Wobblies on the Waterfront: Interracial Unionism in Progressive-Era Philadelphia.Champaign:UniversityofIllinoisPress,2007,pp.138-9.

20. Robert Gregg,Sparks from the Anvil of Oppression: Philadelphia’s African Methodists and SouthernMigrants,1840-1940.Filadélfia:TempleUniversityPress,1993,pp.189-90;eRobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,v.1,1826-ago.1919,p.515.AvendadoprédiodaigrejadeEasonfoiumtiropelaculatra,pois os fiéismoveram uma ação cível contra ele. Amaioria dosmembrosmobilizou-se para substituirEasonpeloreverendoB.J.Bolding.DepoisdacontrovérsiaEasontransferiuquasetodasassuasatividadespró-GarveyparaoHarlem,ondecontinuavatremendamentepopular.VerRobertGregg,op.cit.,p.190.

21.JamesWalkerHoodEason,“DeclarationofAims”.In:RobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,v.2,ago.1919-31ago.1920.Berkeley:UniversityofCaliforniaPress,1983,pp.502-7.

22.RichardBrentTurner,op.cit.,p.80.23. Ver TonyMartin,Race First: The Ideological andOrganizational Strategies ofMarcusGarvey and the

Universal Negro Improvement Association (Nova York: Dover, 1976); e E. U. Essien-Udom,BlackNationalism:ASearchforanIdentityinAmerica(Chicago:UniversityofChicagoPress,1962).

24.VerMichaelW.Schuyler,“TheKuKluxKlan inNebraska,1920-1930”,NebraskaHistory,v. 66,n. 3,pp.234-56, 1985; e Eldora F. Hess, “The Negro in Nebraska”, University of Nebraska at Lincoln, 1932.Dissertaçãodemestrado.

25.MichaelW.Schuyler,op.cit.,pp.235-6.26.Id.,ibid.,pp.235-6.27.Id.,ibid.,pp.247-8.28. Hugo Black ingressou formalmente na Ku Klux Klan em Birmingham em 1923. Sua admissão se deu

perante1700membrosdaKlannaseçãoRobertE.Lee.VerHowardBall,HugoBlack:ColdSteelWarrior(Oxford:OxfordUniversityPress,1996,p.61).RobertByrd ingressounakkkem1942,aos24anos,VerEricPianin,“ASenator’sShame”,TheWashingtonPost,19jun.2005.

29.“HonradoMarcusGarveyfaladeentrevistacomaKuKluxKlan”,TheNegroWorld,jul.1922.In:RobertA.HilleBarbaraBlair (Orgs.),op.cit.,v.4, set.1921-set.1922.Berkeley:UniversityofCaliforniaPress,1985,pp.707-15.

30. ColinGrant,Negrowith aHat:TheRise andFall ofMarcusGarvey.Oxford:OxfordUniversity Press,2008,pp.360-1;eRobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,v.1,p.515.

31.SegundoRodnellP.Collins, filhodameia-irmãdeMalcolmpelo ladopaterno,EllaCollins,apopulaçãonegra deOmaha temia que as atividades de Little “fizessem os brancos caírem em cima de nós”. Ver

Rodnell P. Collins e Peter A. (orgs.), op. cit., p. 15. O livro de Collins contém muitas informaçõespreciosassobreasrelaçõesentreEllaeMalcolm.MasCollinseseughost writer,PeterBailey, enfeitaramanarrativacomsuasprópriasconjeturas.

32.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.1.33.MichaelW.Schuyler,op.cit.,pp.236-9.34. Peter Goldman, op. cit., p. 26. Malcolm se lembraria depois: “Nasci num hospital segregado, demãe

segregadaepaisegregado”.35.NegroWorld, 27mar. 1926.O relatodeLouiseLittle emNegroWorld,de3de julhode1926,observa

queadivisãoOmahadareuniãodaunianaquelediateverecitaldepoesia,orações,umaseleçãomusicaleumadiscussão“sobrequestõesdeorganização”.VerLouiseLittle,“Omaha,Neb.Report”,NegroWorld,3jul.1926.

36.RobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,p.lxv.37.MaryG.Rolinson,op.cit.,p.158.38.JoeWilliamTrotterJr.,BlackMilwaukee:TheMakingofanIndustrialProletariat,1915-45,2.ed.Urbana:

UniversityofIllinoisPress,2007,p.60.39.Id.,ibid.,pp.87,90,93.40.Id.,ibid.,p.57.41.Id.,ibid.,pp.125,135-6.Vertambém“NewsofDivisions”,NegroWorld,29jan.1927,5fev.1927e19fev.

1927.42. Earl Little, W. M. Townsend e Robert Finney, “Clube Industrial Internacional de Milwaukee”, para

presidenteCalvinCoolidge,8jun.1927.In:RobertA.HilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,v.6,set.1924-dez. 1927 (Berkeley:University ofCalifornia Press, 1989, pp. 561-2).Dois anos antes, em 27 de abril de1925,aDivisãonº207dauniaemMilwaukeetinhafeitoumapeloaopresidenteCoolidgepedindoperdãoexecutivo para Garvey. O apelo da seção da unia observava que “o sr. Garvey está sofrendo, e vemsofrendoháalgunsanos,deasmabrônquicaeésujeitoaataquesdevertigem”.In:Id.,ibid.,p.204.

43.Arigor,a famíliaLittlepode ter semudadodeMilwaukeeantes.DeacordocomNegroWorldemsuaediçãode27demaiode1927, constavaqueEarlLittle forao líderda filialdaunianoportode Indiana(EastChicago,Indiana).

44.LouisA.DeCaroJr.,op.cit.,pp.44-5.45. Entrevista comWilfred Little (Wilfred Shabazz), emWilliam Strickland eCheryllGreene (Orgs.), op.

cit.,p.21.46.Id.,ibid.47.G.W.Waterman,Relatórioespecial, caso2155, “SuspectedArson”,CidadãosdoEstadodeMichiganv.

EarlLittle(decor),8nov.1929,emDepartamentodePolíciadeLansing,Michigan;einformaçõessobreGeorgeW.Watermannoscensosde1910e1920.

48.LouisA.DeCaroJr.,op.cit.,pp.45-6.49. Ver JosephTumini, “Sweet Justice”,MichiganHistoryMagazine, v. 83, n. 4, pp. 23-7, jul./ago. 1999; e

KevinBoyle,ArcofJustice:ASagaofRace,CivilRights,andMurderintheJazzAge.NovaYork:HenryHolt, 2004. Gladys Sweet contraiu tuberculose no cárcere e morreu com 27 anos. Dr. Ossian Sweetmudou-sedevoltaparaaresidênciadaGarlandAvenueem1928.Problemasfinanceirosobrigaramodr.Sweetavenderacasanosanos1950;elecometeusuicídioem1960.

50.BrucePerry,Malcolm:TheLifeofaManWhoChangedAmerica.Barrytown,ny:StationHill, 1991,p.11.

51.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.6-7.52. Douglas K. Meyer, “Evolution of a Permanent Negro Community in Lansing”,Michigan History

Magazine,v.55,n.2,pp.141-54,1971.53.EntrevistacomWilfredLittle,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,p.20.54.Id.,ibid.,p.21.55.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.5-6.

56.RobertHilleBarbaraBlair(Orgs.),op.cit.,p.lxvi.57.VerRonaldJ.Stephens,“GarveyisminIdlewild,1927to1936”,JournalofBlackStudies,v.34,n.4,pp.462-

88,mar.2004.58. Ver Thomas N. Maloney e Warren C. Whatley, “Making the Effort: The Contours of Racial

DiscriminationinDetroit’sLaborMarkets”,JournalofEconomicHistory,v.55,n.3,pp.456-93,set.1995.Em1930,aFordMotorCompanyempregava25%detodososoperáriosnegrosdeDetroit.VertambémJoyceShawPeterson,“BlackAutomobileWorkersinDetroit,1910-1930”,JournalofNegroHistory,v.64,n.3,pp.177-90,verão1979.

59.VerRonaldJ.Stephens,op.cit.;e“ConcentrationofuniaDivisionsbyRegions,1921-1933”.In:RobertA.Hill(Org.),op.cit.,v.5,1826-ago.1919,pp.751-2.

60.LouisA.DeCaroJr.,op.cit.,p.43.61.Id.,ibid.62.EntrevistacomWilfredLittle,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,p.19.63.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.46.64.BrucePerry,op.cit.,p.6.65.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.4.66.PeterH.Amann,“VigilanteFascism:TheBlackLegionasanAmericanHybrid”,ContemporaryStudies

inSocietyandHistory,v.25,n.3,pp.490-52,jul.1983;citaçãodap.406.67. Ver Kenneth R. Dvorak, “Terror in Detroit: The Rise and Fall of Michigan’s Black Legion”, Bowling

GreenStateUniversity,1990.Tesededoutorado;citaçãodap.106.VertambémMichaelS.Clinansmith,“TheBlackLegion:HoodedAmericanisminMichigan”,MichiganHistoryMagazine,v.55,n.3,pp.243-62,1971.

68.EntrevistacomFlorentinaBaril,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,pp.14-25.69.BrucePerry,op.cit.,pp.12-3.70.WilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,p.25.71.Id.,ibid.72.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.10.73.EntrevistacomPhilbertLittle,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,p.25.74.“ManRunOverbyStreetCar”,StateJournal,Lansing,Michigan,28set.1931.75.LouiseLittle,“PetitionforWidow’sAllowance”,VaradeSucessõesdoCondadodeIngham,Michigan,24

fev.1932;U.S.Begley,m.d.,petiçãoaojuizdaVaradeSucessõesdoCondadodeIngham,Michigan,26jan.1932;J.Wilson,dentista,petiçãoàVaradeSucessõesdoCondadodeIngham,Michigan,14jan.1932;eJohnL.Leighton,petiçãoàVaradeSucessõesdoCondadodeIngham,Michigan,16jan.1932,registrosdoEspóliodeEarlLittle,ArquivoA-4053,VaradeSucessõesdoCondadodeIngham,Michigan.

76.EntrevistacomYvonneLittle,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,p.26.77.EntrevistacomPhilbertLittle,ibid.,p.27.78.EntrevistacomCyrilMcGuine,ibid.,p.27.79.EntrevistacomYvonneLittleWoodward,ibid.,p.28.80.EntrevistacomWilfredLittle,ibid.,p.28.81.Ver SusanStein-Roggenbuck, “‘WhollyWithin theDiscretionof theProbateCourt’: JudicialAuthority

andMothers’PensionsinMichigan,1913-1940”,SocialServiceReview,v.79,n.2,pp.294-321,jun.2005.Osistemade“pensõesdemães”deMichigansó foicompletamente integradoaoprogramaAjudaaFilhosDependentesdogovernofederalem1940.

82.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.12-3.83.Id.,ibid.,pp.18-9.84.EntrevistacomWilfredLittle,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,pp.15-6.85.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.14-5.86.Id.,ibid.,pp.15-8;eThaddeusM.Smith,“GohannaFamily”.In:RobertL.Jenkins(Org.),TheMalcolmX

Encyclopedia.Westport,ct:Greenwood,2002,p.240.

87.EntrevistadeYvonneLittleWoodward,emWilliamStricklandeCheryllGreene(Orgs.),op.cit.,p.29.88.EntrevistadeWilfredLittle,ibid.,p.28.89.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.21;eBrucePerry,op.cit.,pp.30-2.90.Id.,ibid.,p.19;eThaddeusM.Smith,op.cit.,p.240.91.Omeio-irmãodeMalcolmXpeloladomaterno,RobertLittle,discutiuasexperiênciasdeMalcolmcoma

família Gohanna e com o sistema de adoção de crianças em Michigan, em Clara Hemphill, “KeepChildren”,Newsday,NovaYork,13maio1991.

92.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.21;eBrucePerry,op.cit.,pp.30-2.93.AtestadomédicoparaainternaçãodeLouiseLittle,3jan.1939,emWilliamStricklandeCheryllGreene

(Orgs.),op.cit.,p.32.94.ArquivosobresaúdementaldeLouiseLittle(B-4398),VaradeSucessõesdoCondadodeIngham.95.VerCatherine JeanWhitaker,AlmshousesandMental Institutions inMichigan,1871-1930.Universityof

Michigan,1986.Tesededoutorado;e“KalamazooPsychiatricHospital”,SaladeHistóriaLocalClarenceL.Miller,BibliotecaPúblicadeKalamazoo,Kalamazoo,Michigan.

96.WilliamA.Decker,AsylumfortheInsane:HistoryoftheKalamazooStateHospital.TraverseCity,mi:Arbutus,2007,pp.34,195,196,199.

97. ClaraHemphill, op. cit. Ver também relatório dofbi sobreMalcolmX, ny 105-8999, 23maio 1955.OnúmerodorelatórioindicaqueoarquivofoipreparadopeloescritóriodofbiemNovaYork.

98.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.34-5.99.Id.,ibid.,p.36.100.Id.,ibid.,pp.37-8.101. Fotografia do time de futebol de Mason, 1940, reproduzida emWilliam Strickland e Cheryll Greene

(Orgs.),op.cit.,p.34.102.Id.,ibid.,p.39.103.RodnellP.Collins,op.cit.,pp.209-10.104.Id.,ibid.

2.Alendadedetroitred.

1.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.54.2.RodnellP.Collins,op.cit.,pp.51-2.3.Id.,ibid.,pp.50-1.4. Memorando dofbi Ella X Collins, Elvin V. Semrad, M.D., para Daniel Lynch, Escrivão, Tribunal

MunicipaldeBoston,9jun.1960.5.RodnellP.Collins,op.cit.,pp.60-1.6.VioletShowers Johnson,TheOtherBlackBostonians:West Indians inBoston,1900-1950.Bloomingtone

Indianapolis:IndianaStateUniversityPress,2006,pp.38,84.7.RodnellP.Collins,op.cit.,pp.42-3.8.ShowersJohnson,op.cit.,pp.36-7,121-2.9. Ver Robin D. G. Kelley, “The Riddle of the Zoot: Malcolm Little and Black Cultural Politics During

WorldWarii”.In:JoeWood(Org.),MalcolmX:InOurOwnImage.NovaYork:St.Martin’s,1992,pp.155-82.

10.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.45-7.11.RodnellP.Collins,op.cit.,p.42.12.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.45-7.

13.VerJessaDrucker,“Numbers”.In:KennethT.Jackson,(Org.),EncyclopediaofNewYorkCity,p.856.14.Adança“LindyHop”começounofinaldosanos1920foiadançamaispopularduranteduasdécadas.Esse

nome deriva do famoso aviador Charles Lindbergh, em homenagem a seu voo solo em 1927 sobre oOceanoAtlântico.VerMarshalle JeanStearns,JazzDance:TheStoryofAmericanVernacularDance,2.ed. rev. (NovaYork:DaCapo, 1994); e L. F. Emery,BlackDance in theU.S. from 1619 to 1970 (PaloAlto:NationalPressBooks,1972).

15.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.52-3.16.Ver“MotionPictures”.In:AugustusLoweVirgilA.Cliff(Orgs.),EncyclopediaofBlackAmericaNova

York:DaCapo,1984,pp.277-9.17.Id.,ibid.,p.277.18.“LaborUnions”e“A.PhilipRandolph”,ibid.,pp.493,727.19. Christine Hoyt para Malcolm Little, 7 fev. 1941, em “Malcolm X Collection, 1941-1955”, Coleção de

Manuscritosn.827,RobertW.WoodruffLibrary(citado,daquiemdiante,comorwl).SpecialCollectionsDepartment,UniversidadeEmory,Atlanta,Georgia.

20.CartadePeterHawryleiwparaMalcolmLittle,22mar.1941,ibid.21.PhilbertLittleparaMalcolmLittle,6mar.1941,ibid.22.ReginaldLittleparaMalcolmLittle,22mar.1941,ibid.23.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.54.24.Id.,ibid.,pp.55-6.25.Id.,ibid.,pp.56-7.26.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.55.27.RobinDavisG.Kelley,op.cit.,pp.159-60.VertambémChesterB.Himes,“ZootRiotsAreRaceRiots”,

Crisis,v.50,pp.200-1,jul.1943.28. Ver Eric Lott, “Double V,Double-Time: Bebop’s Politics of Style”,Callaloo, n. 36, pp. 597-605, verão

1988;eDouglasHenryDaniels,“LosAngelesZootRace‘Riot’:ThePachucoandBlackCultureMusic”,JournalofNegroHistory,v.82,n.2,pp.201-20,primavera1997.

29.EleanorL.MatthewsparaMalcolmLittle,9out.1941;eMatthewsparaLittle,21out.1941,“MalcolmXCollection,1941-1955”,rwl.

30.GloriaStrotherparaMalcolmLittle,29out.1941,ibid.31.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.64.32.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.72.33.RobertL.Jenkins,“BeatriceCaragulianBazarian”.In:RobertL.Jenkin(Org.),op.cit.,pp.94-5.34.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.62-3.35.KofiNatambu,MalcolmX.Indianápolis:Alpha,2002,pp.57-8.36.MalcolmLittleparaZolmaHolman,18nov.1941.AcartaestáempoderdoWrightMuseum,Detroit,

Michigan, e foi exibida na exposiçãoMalcolmX, SchomburgCenter, BibliotecaPública deNovaYork,2005.

37.CatherineHainesparaMalcolmLittle,25jun.1942,“MalcolmXCollection,1941-1955”,rwl.38.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.71.39. “Members of NineHarlemDraft Boards Praised by Gen. Davis as They GetMedals”,TheNew York

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40.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.74.41.Id.,ibid.,p.75.42.Id.,ibid.43.Id.,ibid.,p.80.44.VerMarcFerris, “Small’sParadise”. In:KennethT. Jackson (Org.), op. cit., p. 1079;WallaceThurman,

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Heaven.NovaYork:HarperandRow,1977.45.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.75.46.VerBethL.Savage(Org.),AfricanAmericanHistoricPlaces.Washington:PreservationPress,1994.47.VerSondraKathrynWilson,MeetMeattheTheresa:TheStoryofHarlem’sMostFamousHotel.Nova

York:SimonandSchuster,2004;AmandaAaron,“HotelTheresa”.In:KennethT.Jackson(Org.),op.cit.,p.364;eMalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.76.

48.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.76.49.Id.,ibid.,p.80.50.Id.,ibid.51.WilfredLittle,citadoemLouisA.DeCaro,op.cit.,p.68.52.MalcolmXeAlexHaley,op. cit., p. 108.Ver tambémAlbertMurray,TheBlueDevilsofNada (Nova

York:Pantheon,1996),pp.99-102.53. Ver “Personal Business Records”, O.K. Tailoring Company, 24 mar. 1942, “Order received and owes

$28.45”; e Empire Credit Clothing Company, 14 jul. 1942, “Owes $25.00”, em “Malcolm X Collection,1941-1955”,rwl.

54. Boyle Brothers Collection Service, sem data, “Threatening court action”; Boyle Brothers CollectionService,semdata,“ThreateningcourtactionifLittledoesnotpay”,ibid.

55.“DiningCarEmployeesUnionBill”,semdata,“Owesfivedollarsinuniondues”,ibid.56.MalcolmXeAlexHaley,Autobiography,p.82.57.Id.,ibid.,pp.82-3.58.KofiNatambu,op.cit.,p.63.59.Id.,ibid.,p.64;eRodnellP.Collins,op.cit.,p.42.60.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.83,99-101.61.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.68.62.Id.,ibid.,pp.66-7.63.Id.,ibid.,p.67.64.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.79.65.Id.,ibid.,p.85.66.GilbertOsofsky,Harlem:TheMakingofaGhetto:NegroNewYork,1890-1930.NovaYork:Harperand

Row,1966,pp.115-7.67.David Levering Lewis,WhenHarlemWas inVogue.Nova York: AlfredA. Knopf, 1981, pp. 28, 104-5,

217-8.68.GilbertOsofsky,op.cit.,pp.3,28,128-31,137.69.Hulan Jack foieleitopresidentedodistritodeManhattanem1953,oque fezdele,naépoca,omaisalto

funcionário negro dosEstadosUnidos.Depois de sua reeleição em1957, Jack foi condenadopor aceitaruma doação ilegal de 4500 dólares, e obrigado a renunciar. Ver Calvin B. Holder, “Hulan Jack”. In:KennethT.Jackson(Org.),op.cit.,p.607.

70.HermanD.Bloch,“TheEmploymentStatusoftheNewYorkNegroinRetrospect”,Phylon,v.20,n.4,pp.327-44,1959;citaçõesdaspp.333e327.

71.Id.ibid.,p.337.72.CherylGreenberg, “ThePolitics ofDisorder:ReexaminingHarlem’sRiots of 1935 and 1943”,Journal of

UrbanHistory,v.18,n.4,pp.395-441,ago.1992;citaçãodap.399.73.Id.,ibid.,pp.403-8.74.Id.,ibid.,p.414.75.Id.,ibid.,pp.418-9.76.Dominic J.Capeci, “FromDifferentLiberalPerspectives:FiorelloH.LaGuardia,AdamClaytonPowell

Jr.,andCivilRights inNewYorkCity,1941-1943”,JournalofNegroHistory,v.62,n.2,pp.160-73,abr.1977;citaçõesdaspp.160-3.

77.Id.,ibid.,p.164.

78.Ver “TheCourier’sDouble ‘V’ forDoubleVictoryCampaignGetsCountry-WideSupport”,PittsburghCourier,14fev.1942;eLeeFinkle,ForumforProtest(Cranbury,nj:AssociatedUniversityPresses,1975).

79. Philip S. Foner,Organized Labor and the Black Worker, 1619-1981, 2. ed. Nova York: InternationalPublishers,1981,p.265.

80.JamesBaldwin,TheFireNextTime.NovaYork:Dell,1970,p.76.81.Ibid.,pp.50,52.FontessobreosalãoSavoyincluem:JervisAnderson,ThisWasHarlem,1900-1950 (Nova

York:Farrar,StrauseGiroux,1982);MorganSmitheMarvinSmith,Harlem:TheVisionofMorganandMarvinSmith (Lexington,ky:UniversityPressofKentucky,1997);eMarshallStearnse JeanStearns,op.cit.

82. Russell Gold, “Guilty of Syncopation, Joy, and Animation: The Closing ofHarlem’s Savoy Ballroom”,StudiesinDanceHistory,v.5,n.1,pp.50-64,1994;citaçãodaspp.54,56.

83.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.116.84.DominicJ.Capeci,op.cit.,p.166.85.Id.,ibid.,p.167.86.HarvardSitkoff,“TheDetroitRaceRiotof1943”,MichiganHistory,v.53,n.3,pp.183-206,1969;citação

daspp.195-6.87.CherylGreenberg,op.cit.,pp.426-7.88.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.116-7.89. Ver Harvard Sitkoff, “Racial Militancy and Interracial Violence in the SecondWorldWar”,Journal of

AmericanHistory,v.58,n.3,pp.661-81,dez.1971;ePaulT.Murray,“BlacksandtheDraft:AHistoryofInstitutionalRacism”,JournalofBlackStudies,v.2,n.1,pp.57-76,set.1971.

90.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.74.91.Id.,ibid.,pp.108-10.92.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,28jan.1955.93.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.112.94.Id.,ibid.,p.118.95.Id.,ibid.,p.122.96.PeterGoldman,op.cit.,pp.30-1.97.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.69.98.Id.,ibid.99.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.112.100.Id.,ibid.,p.115.101.HáumavastaliteraturasobreoimpactodobebopduranteaSegundaGuerraMundial.Ver,porexemplo,

Eric Lott, “Double V, Double-Time: Bebop’s Politics of Style”; Scott DeVeaux, “Bebop and theRecordingIndustry:The1942afmRecordingBanReconsidered”, Journalof theAmericanMusicologicalSociety, v. 41,n. 1, pp. 126-65, primavera 1988; IraGitler (Org.),Swing toBop:AnOralHistoryof theTransition of Jazz in the 1940s (Oxford: Oxford University Press, 1985); e Scott DeVeaux,The Birth ofBebop:ASocialandMusicalHistory(Berkeley:UniversityofCaliforniaPress,1997).

102.FrankKofsky,BlackNationalismandtheRevolutioninMusic.NovaYork:Pathfinder,1970,p.56.103.EricLott,op.cit.,pp.597-605.104.FrankKofsky,op.cit.,pp.64-5.105.Id.,ibid.106.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.126-7.107. JohnT.Herstrom,23 jul.1946,arquivoprisionaldeMalcolmLittlenoEscritóriodeDefesaPúblicado

DepartamentoPenaldeMassachusetts.108.“FichaCriminaldeMalcolmLittle”,ibid.;eMemorandomxfbi,EscritóriodeBoston,17fev.1953.109.MalcolmLittle,“Out-StateProgressReport”,14fev.1953.DivisionofPardons,Paroles,andProbation,

Michigan,emArquivoPrisionaldeMalcolmLittle.110. Bruce Perry afirma emMalcolm que em diversas ocasiões, em 1944-5, Malcolm praticou atos

homossexuais por dinheiro. Esses “encontros entre homens”, observa Perry, “lhe davam umaoportunidadedealíviosexual...”.Perrycitatambémencontrosem1945emBoston,ondeumbrancorico,chamadoWilliamPaulLennon,pagouaMalcolmpara“lhetirararoupa,colocá-lonacama,cobri-lodetalco emassageá-lo até ele atingir o clímax. Como um garoto de programa, ele se vendia, como se omelhor que tivesse para oferecer fosse o corpo”. Perry diz ainda que Malcolm alegaria depois, comodesculpa para suas ações, que, na verdade, outro homem dera “satisfação” ao seu cliente branco. Asafirmações de Perry, quando publicadas em 1991, provocaram uma tempestade de críticas de pessoasdevotadasàimagemicônicadeMalcolm,queobservavamqueaúnicafontecomcredibilidadeparafalardessasaventurasera“Shorty”Jarvis.VerBrucePerry,op.cit.,pp.75-7,82-3.Depoisdapublicaçãodolivrode Perry, outras provas surgiram respaldando, genericamente, suas afirmações. Por exemplo, segundoRodnellCollins,Malcolmcontoudetalhes paraEllaCollins sobre “umacordoque ele eMalcolm Jarvistinhamfeitocomumvelhomilionáriobranco,quelhespagavaparaqueesfregassemtalcoemseucorpo”.VerRodnellP.Collins,op.cit.,p.76.

111.CensoFederaldosEstadosUnidos,1910,RhodeIsland,ProvidenceCounty.112. Robert Grieve,An Illustrated History of Pawtucket, Central Falls, and Vicinity: A Narrative of the

GrowthandEvolutionoftheCommunity.Pawtucket,ri:PawtucketGazetteandChronicle,1897,p.368.VertambémCensoFederaldosEstadosUnidos,1900,RhodeIsland,ProvidenceCounty;eEdwardField,StateofRhodeIslandandProvidencePlantationsat theEndof theCentury:AHistory (Boston:MasonPublishing,1902),p.598.

113.TheCatalogueofBrownUniversity.Providence,ri:BrownUniversityPress,1960,p.33.114.Nocensode1920,WilliamPaulLennon,de31anos,apareceresidindonacasadospaisemRhodeIsland.

VerCensoFederaldosEstadosUnidos,1920,RhodeIsland,ProvidenceCounty.115.Anúncioclassificadonº5,semtítulo,TheNewYorkTimes,2out.1942;eanúncioclassificadon.23,sem

título,TheNewYorkTimes,4out.1942.116.“EmploymentHistory”,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.117.Herstrom,23jul.1946,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.118.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.143.119.RodnellP.Collins,op.cit.,pp.68-9.120.Herstrom,23 jul. 1946, arquivoprisionaldeMalcolmLittle;LouisA.DeCaro,op. cit.,pp. 72-3; eKofi

Natambu,op.cit.,pp.100-1.121.MalcolmLittle,“Out-StateProgressReport”,14fev.1953,DivisionofPardons,Paroles,andProbation,

Michigan,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.122.Ibid.;eLouisA.DeCaro,op.cit.,p.73.123.MalcolmL.Jarvis,MyselfandI.NewHaven,ct:YaleUniversityPress,1995,pp.33-5.124.Id.,ibid.,p.42.125.RodnelleP.Collins,op.cit.,p.46.126.MalcolmL.Jarvis,op.cit.,p.34.127.LouisA.DeCaro,op.cit.,pp.73-4;KofiNatambu,op.cit.,pp.113-4;eMalcolmXeAlexHaley,op.cit.,

p.153.128. Robert L. Jenkins, “Beatrice Caragulian Bazarian”, In: Robert L. Jenkins (Org.), op. cit., p. 95; e Kofi

Natambu,op.cit.,p.119.129.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.96.130.Id.,ibid.,p.94.

3.Elesetorna“x”.

1.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.155.2.“MassachusettsStatePrisonPsychometricReport (ofMalcolmLittle)”,1maio1946,arquivoprisionalde

MalcolmLittle.3.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.155.4.JohnF.Rockett,7maio1946,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.5. “Bay State Prison Started: Governor Calls Old Charlestown Institution ‘a Disgrace’”,The New York

Times, 14maio1952; eAlbertMorris, “Massachusetts:TheAftermathof thePrisonRiotsof 1952”,ThePrisonJournal,v.34,n.1,pp.35-7,abr.1954.MichaelStephenHindusexaminouasterríveiscondiçõesdosprisioneirosdeCharlestownno séculoxix, comparando-as à escravidãonaCarolinadoSul.VerMichaelStephen Hindus,Prison and Plantation: Crime, Justice and Authority in Massachusetts and SouthCarolina,1767-1878(ChapelHill:UniversityofNorthCarolinaPress,1980).

6. “Sacco andVanzetti”. In:Paul Finkelman (Org.),EncyclopediaofAmericanCivilLiberties. Nova York:Routledge, 2006, v. 2, pp. 1395-6; “End of Seven Years of Legal Fight”,ChicagoDailyTribune, 23 ago.1927;e“SaccoandVanzettiPayDeath-ChairPenalty”,LosAngelesTimes,23ago.1927.SaccoeVanzettiforamcondenadosem1921,numjulgamentodominadoporpreconceitoscontraimigrantesehostilidadeàssuasopiniõespolíticas.

7.“BayStatePrisonStarted”,TheNewYorkTimes,14maio1952.8.KofiNatambu,op.cit.,p.118.9.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.156.10. Ivan Fras e Joseph Joel Friedman, “Hallucinogenic Effects ofNutmeg inAdolescents”,New York State

JournalofMedicine,1fev.1969,pp.463-5;R.B.Payne,“NutmegIntoxication”,NewEnglandJournalofMedicine, v. 269, p. 36, 1963; e G. Weiss, “Hallucinogenic and Narcotic-Like Effects of PowderedMyristica(nutmeg)”,PsychiatricQuarterly,v.34,n.1,pp.346-56,1960.Weissnotaque“dosesdeduasoutrês colheres de sopa de noz-moscada tendiam a narcotizar os que a tomavam contra a desagradávelexperiênciadoencarceramento,semapagarasdistinçõesdelimiteentreoeueomundoexterior”.

11.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.155.12.RodnellP.Collins,op.cit.,pp.74-5.13.Id.,ibid.,pp.75-6.14.Id.,ibid.,p.71.15.“InstitutionHistoryofMalcolmLittle”,maio1951,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.16.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.156-7.17.Id.,ibid.,p.157.18.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.79.19.FrantzFanon,BlackSkin,WhiteMasks.NovaYork:Grove,1967,p.38.20.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.79.21.AlbertMorris,op.cit.,pp.35-7.22.“TransferSummary”,31mar.1948,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.23.MalcolmLittleparaMr.Dwyer,NorfolkPrisonColonyTransportationBoard,28jul.1947,ibid.24.“InstitutionHistoryofMalcolmLittle”,maio1951,ibid.25.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.158;eLouisA.DeCaro,op.cit.,p.80.26.EntrevistadeWilfredLittleShabazzcomLouisA.DeCaroJr.,14ago.1992.In:LouisA.DeCaro,op.cit.,

pp.80-1.27.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.158.NaAutobiografia,MalcolmsituaaépocadascartasdePhilberte

ReginalddepoisdesuatransferênciaparaaprisãodeConcord,emjaneirode1947.MasWilfredLittle,ementrevistacomLouisA.DeCaroJr.,em1992,declarouqueessascartaschegaramquandoMalcolmaindaestavaemCharlestown.

28. Carl R. Doering (Org.),A Report on the Development of Peneological Treatment at Norfolk PrisonColonyinMassachusetts.NovaYork:BureauofSocialHygiene,1940,pp.33-4,42-4,73,111.

29. Id., ibid., pp. 35-44. Ver também George B. Vold, “A Report on the Development of Penological

TreatmentatNorfolkPrisonColonyinMassachusetts”,AmericanJournalofSociology,v.46,n.6,p.917,maio 1941. Vold observou que “os criminologistas vão saber apreciar este relato de um esforço empenologiararoemmuitossentidos”.

30.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.313.31.“InstitutionHistoryofMalcolmLittle”,maio1951,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.32.MalcolmXeHaley,op.cit.,pp.161-3.33.KarlEvanzz,TheMessenger:TheRiseandFallofElijahMuhammad.NovaYork:Pantheon,1999,p.161.34.WilliamT.StricklandeCheryllY.Greene(Orgs.),op.cit.,pp.59-60.35.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.pp.167-71.36.MalcolmLittleparaHenriettaLittle,16out.1950,MalcolmXCollection,SchomburgCenterforResearch

in Black Culture (Citado, daqui em diante, comomxc-s), caixa 3, pasta 1. Em carta para Henrietta,Malcolmcontouqueestavamuitofelizporque“Alánosdeu,aPhilberteamim,umairmãmaravilhosa”.

37.MalcolmLittleparaPhilbertLittle,18dez.1949,mxc-s,caixa3,pasta1.38.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.172.39. Ver Reza Aslan,NoGod but God: TheOrigins, Evolution and Future of Islam (Nova York: Random

House, 2003), pp. 43, 60, 79-81, 84-44; eRobertDannin,Black Pilgrimage to Islam (Nova York:OxfordUniversityPress,2002),p.8.

40.RezaAslan,op.cit.,p.100.41.RichardBr.Turner,op.cit.,p.13.42.Id.,ibid.,pp.22-5,27-32,36-7.43. Wilson Jeremiah Moses,The Golden Age of Black Nationalism. Nova York: Oxford University Press,

1976,p.21.44.RichardB.Turner,op.cit.,p.50.45.Id.,ibid.,pp.92-3.46.Id.,ibid.,pp.94-104.47.Id.,ibid.,pp.109-28.48.MuftiMuhammadSadiq,artigoemMoslemSunrise,23jan.1923,citadoemibid.,p.129.49.Id.,ibid.,pp.129-34.AliteraturadocumentandoahistóriaeaevoluçãodomovimentoglobalAhmadiyya

inclui: Humphrey J. Fisher,The Ahmadiyya Movement (Londres: Oxford University Press, 1963); eYohannon Friedman,Prophecy Continuous: Aspects of Ahmadi Religious Thought and Its MedievalBackground(Berkeley:UniversityofCaliforniaPress,1989).

50.RichardB.Turner,op.cit.,p.127.51. LouisA.DeCaro Jr.,Malcolmand theCross:TheNationof Islam,MalcolmX, andChristianity.Nova

York:NewYorkUniversityPress,1998,pp.11-2.52.ErdmannDoaneBeynon, “TheVoodooCultAmongNegroMigrants inDetroit”,American Journal of

Sociology,v.43,n.6,p.897,maio1938.53.Id.,ibid.,p.900.54.Id.,ibid.,p.896.55.MattiasGardell,IntheNameofElijahMuhammad:LouisFarrakhanandtheNationof Islam.Durham,

nc:DukeUniversityPress,1996,p.56.56.Id.,ibid.,pp.151-3.57.RichardB.Turner,op.cit.,p.151;eLouisA.DeCaro,MalcolmandtheCross,pp.29-30.58.RichardB.Turner,ibid.,pp.152-5;eLouisA.DeCaro,ibid.,pp.22-31.59. Carlos D. Morrison,The Rhetoric of theNation of Islam, 1930-1975: A Functional Approach. Howard

UniversityLibrary,1996,pp.73-4.Tesededoutorado;eMattiasGardell,op.cit.,pp.60-1.60.MattiasGardell,ibid.,p.56.61.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.212-3.62.MattiasGardell,op.cit.,p.58.63.Id.,ibid.,pp.58-9;eRichardBrentTurner,op.cit.,pp.166-7.

64.RichardB.Turner,op.cit.,pp.167-8.65.Id.,ibid.,p.168.66.MaluHalasa,ElijahMuhammad:ReligiousLeader.NovaYork:ChelseaHouse,1990,p.60.67.ElijahMuhammad,TheSupremeWisdom:SolutiontotheSo-CalledNegroes’Problem.NewportNews,

va:TheNationalNewportNewsandCommentator,1957,v.1,pp.12-3.68.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.170.69. Elijah Muhammad,The Message to the Blackman in America. Newport News, va: United Brothers

CommunicationSystems,1965,capítulo125,pp.1-6.70.RichardB.Turner,op.cit.,p.169.71. Quintin Hoare e Geoffrey Nowell Smith (Orgs.),Selections from the Prison Notebooks of Antonio

Gramsci.NovaYork:InternationalPublishers,1971,pp.xcii-xciii.72.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.187.73. Entrevista comRobinD. G. Kelley, 26 jul. 2001. Kelly afirma que existia uma “importante intercessão

entregrandespregadores” comoMalcolmeosgrandes jazzistas, que costumamse referir a tocar como“pregar”.Nojazz,explicaKelley,“hácorosgritadosconhecidoscomocorosdepregadores,nosquaisháchamadaserespostas.AlguémcomoBenWebstertocavaumaescala,edepoisdeixavadetocaraescalaseguinte...Ao falar,Malcolmdeixavaumespaçopara resposta, umespaçoparaos fiéis fossena rua, oudentrodeumamesquita,dizerem:‘Amen,Preach’”.

74.Id.,ibid.Avoluma-seumaliteraturaacadêmicasobrearetóricaeousoeficazdalinguagemporMalcolmX.VerJohnFranklinGay,TheRhetoricalStrategiesandTacticsofMalcolmX(MovementTheory,Neo-Aristotelian, BlackMuslims, Persuasion)”, Universidade de Indiana, 1985. Tese de doutorado; AndrewAnn Dinkins,Malcolm X and the Rhetoric of Transformation: 1948-1965, Universidade de Pittsburgh,1995.Tese de doutorado;Archie Epps, “TheRhetoric ofMalcolmX”,HarvardReview, n. 3, pp. 64-75,inverno1993;CelesteMichelleConditeJohnLouisLucaites,“MalcolmXandtheLimitsoftheRhetoricof Revolutionary Dissent”,Journal of Black Studies, v. 23, n. 3, pp. 291-313, mar. 1993; e Scott JosephVarda,ARhetoricalHistoryofMalcolmX,UniversityIowa,2007.Tesededoutorado.

75.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.178-83.76.CartadeMalcolmLittleparaPhilbertLittle,semdata(aproximadamentemeadosde1948),caixa3,pasta

1,mxc-s.77.CartadeMalcolmparaPhilbert,28nov.1948,ibid.78.CartadeMalcolmparaPhilbert,4fev.1949,ibid.79.CartadeMalcolmparaPhilbert,4fev.1949,ibid.80.CartadeMalcolmparaPhilbert,12dez.1949,ibid.81.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.190.82.Id.,ibid.,p.192.83.Id.,ibid.,p.190.84.Id.,ibid.,p.192.85.“TransferSummaryforMalcolmLittle”,23mar.1950,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.86.CartadeMalcolmparaPhilbert,26mar.1950,caixa3,pasta1,mxc-s.87.Ver“FourConvictsTurnMoslems,GetCallsLookingtoMecca”,BostonHerald, 20abr. 1950; e “Local

Criminals in Prison, ClaimMoslem Faith Now: Grow Beards,Won’t Eat Pork; Demand East-FacingCellstoFacilitate‘PrayertoMecca’”,SpringfieldUnion,Massachusetts,21abr.1950.

88.CartadeMalcolmLittleparacomissárioMacDowell,6jun.1950,arquivoprisionaldeMalcolmLittle.89.CartadeMalcolmLittleparaHarryS.Truman,29jun.1950,emRelatórioresumidomxfbi,Escritóriode

Detroit, 16 mar. 1954, p. 6. Ver também Karl Evanzz,The Judas Factor: The Plot to Kill Malcolm X(NovaYork:Thunder’sMouth,1992),p.11.

90.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.57-8.91.CartadeMalcolmparaPhilbert,11dez.1950,caixa3,pasta1,mxc-s.92.CartadeMalcolmparaPhilbert,19dez.1951,ibid.

93.CartadeMalcolmLittle,9 jan.1951,emRelatórioresumidomxfbi ,EscritóriodeBoston,4maio1953,pp.5-6;eMemorandomxfbi,EscritóriodeBoston,17fev.1953.EsserelatórioindicaqueMalcolm“teveumafichanoarquivodecomunistas”dofbi.

94.KarlEvanzz,op.cit.,p.10.95.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.92.96.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.193.97. Carta de Ralph E. Johnson, secretário executivo do Estado para Elliott E. MacDowell, comissário,

DepartamentodeCorreções,6dez.1950;cartadeGeorgeE.ThompsonparaGovernorPaulA.Dever,13dez.1950;ecartadeMacDowellparaDever,19dez.1950,todosnoarquivoprisionaldeMalcolmLittle.

98.CartadeMalcolmLittleparacomissárioMacDowell,13dez.1950, ibid.Ver tambémLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.94.

99.PhilipJ.Flynn,MassachusettsSupervisorofParole,paraGusHarrison,StateSupervisorofParole,Divisionof Pardons, Paroles and Probation, State of Michigan, Lansing, Michigan, 27 jun. 1952, em arquivoprisionaldeMalcolmLittle.

100.P. J. Flynn,Massachusetts SupervisorofParole, paraParoleBoard, 4 ago. 1952;FlynnparaHarrison, 6ago.1952;eFlynntoHarrison,12ago.1952,ibid.

101.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.95.102.AlbertMorris,op.cit.,pp.36-7.103.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.195-6.

4.“elesnãosãocomooministro”

1.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.197-8.2.RobertDannin,op.cit.,p.170.3.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.196-7.4.Id.,ibid.,pp.198-200.5.Memorandomxfbi,EscritóriodeDetroi,16mar.1954.6.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.201-2.7.Id.,ibid.,pp.203-4.8. Ismail al-Faruqi citado em Larry Poston,Islamic Da’wah in the West: Muslim Missionaries and the

DynamicsofConversiontoIslam.NovaYork:OxfordUniversityPress,1992,p.6.9.Arquivode JosephGravitt (tambémconhecido comocapitão JosepheYusuf Shah),fbi, escritório de St.

Louis,Missouri, 17 jan. 1955; Robert L. Jenkins, “(capitão) Joseph X Gravitt (Yusuf Shah)”, em RobertJenkins(Org.),op.cit.,pp.243-6.VertambémKarlEvanzz,op.cit.;RodnellP.Collins,op.cit.,p.137.

10.FerruccioGambino,“TheTransgressionofaLaborer:MalcolmXintheWildernessofAmerica”,RadicalHistory,v.55,pp.7-31,inverno1993.

11.Memorandomxfbi,EscritóriodeDetroit,16mar.1954;e“WoodWorkers”,Time,20jul.1936.12.FerrucioGambino,op.cit.,p.22.13.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.204.14.Id.,ibid.,p.205.15.“TheCommonwealthofMassachusettsParoleBoardCertificationofDischarge,MalcolmLittle#8077”,

arquivoprisionaldeMalcolmLittle;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeDetroit,16mar.1954,p.4.

16.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.206-7.17.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,24jan.1955.

18.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.205.19.Memorandomxfbi,EscritóriodaFiladélfia,30abr.1954.20.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.208-9.21.Id.,ibid.,p.216.22.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,7set.1954,páginadecapa.23.Id.,ibid.,p.3.24.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.217-8.25.Memorandomxfbi ,EscritóriodaFiladélfia,30abr.1954;eMemorandomxfbi ,EscritóriodaFiladélfia,

23ago.1954.26. SharronY.Herron, “Raymond Sharrieff”, emRobert L. Jenkins (Org.), op. cit., pp. 503-4.Ver também

ClaudeAndrewClegg iii,AnOriginalMan:TheLife andTimesofElijahMuhammad (NovaYork:St.Martin’s,1997).

27.KarlEvanzz,op.cit.,p.162.28.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodaFiladélfia,19nov.1954.29.Id.,ibid.;eMemorandomxfbi,EscritóriodaFiladélfia,23ago.1954.30.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.219.31.Memorandomxfbi ,EscritóriodaFiladélfia,30abr.1954;eMemorandomxfbi ,EscritóriodaFiladélfia,

23ago.1955.32.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.221-2.33. Por exemplo, ver “50 Called on Rubbish: Harlem Tenants Summoned for Tossing Refuse from

Windows”,TheNewYorkTimes,1maio1954;e“93FaceRubbishCharges”,TheNewYorkTimes, 12maio1954.

34. “Tuberculosis Death Rate Here Declines 12 Percent from the Level of a Year Ago”,The New YorkTimes,10jun.1954.

35. Alphonso Pinkney e Roger Woock,Poverty and Politics in Harlem. New Haven, ct: College andUniversityPressServices,1970,p.27.

36.LayhmondRobinsonJr.,“OurChangingCity:HarlemNowontheUpswing”,TheNewYorkTimes, 8jul.1955.

37.“BoycottofBanksSlatedinHarlem”,TheNewYorkTimes,5mar.1955.38. “G.O.P. Appeal in Harlem”,The New York Times, 18 out. 1956; e “Powell Sees Shift of Negroes to

G.O.P”,TheNewYorkTimes,7nov.1956.39.“10000inHarlemProtestVerdict”,TheNewYorkTimes,26set.1955.40.RichardBrentTurner,op.cit.,p.135.41.Id.,ibid.42.RobertDannin,op.cit.,p.58.43.Id.,ibid.,pp.61,112.44.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,28jan.1955.45.Relatórioresumidomxfbi ,23maio1955,p.25;eRelatórioresumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,

23abr.1957,p.22.46.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,9jun.1955.47.MemorandofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,7jan.1955.48.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,9jun.1955.49. Memorandomxfbi , Escritório deNovaYork, data ilegível (aproximadamentemeados de 1955).Com

basenavigilânciacontraMalcolmXnosprimeiroscincomesesde1955,oescritóriodofbiemNovaYorkaconselhouoescritóriododiretorJ.EdgarHoover:“Emvistadalongafiliaçãoativadoobservadonomcie suaposição comoministrodomci, assimcomode seusdiscursos edeclarações contraogovernodosEstados Unidos, acredita-se que ele seria capaz de cometer atos hostis à defesa nacional e à segurançapúblicaemsituaçõesdeemergência”.

50.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,31jan.1956,pp.33-4.51.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,23maio1955,pp.23-4.52.CurtisAustin,“LouisFarrakhan”.In:RobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,pp.218-9.53.LouisFarrakhan,“TheMurderofMalcolmXandItsEffectsonBlackAmerica:Twenty-FiveYearsLater”,

palestrafeitanoMalcolmXCollege,Chicago,Illinois,21fev.1990.Textodafalaempoderdoautor.54.KarlEvanzz,op.cit.,p.168.55. Entrevista de Louis Farrakhan (também conhecido como Louis X Walcott), 27 dez. 2007; e Louis

Farrakhan,op.cit.56.EntrevistacomFarrakhan,27dez.2007.57.Ibid.58.Ibid.59.LouisFarrakhan,op.cit.60.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.61.KarlEvanzz,op.cit.,pp.168-9.62.EntrevistascomJames67XWarden,24jul.2007e1ago.2007.63.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,31jan.1956,p.18.64.Ibid.,pp.6-7.65.Ibid.,p.7.66.Ibid.,p.10.67.Ibid.,p.22.68.Ibid.,p.11.69.Ibid.,pp.33-4.70. Ver Yvonne Haddad e Jane Smith,Mission to America: Five Islamic Sectarian Communities in North

America.Gainesville:UniversityPressofFlorida,1993,pp.49-78.71.Id.,ibid.,p.252.72.FrederickMathewsonDenny,AnIntroductiontoIslam.NewYork:Macmillan,1985,p.105.73.Id.,ibid.,p.237.74.HamidEnayat,ModernIslamicPoliticalThought.Londres:I.B.Taurus,1982,pp.22,26-7.75.Id.,ibid.,p.23.76.RobertDannin,op.cit.,pp.274-5.77.GeorgeMcTumanKahin,TheAsian-AfricanConference:Bandung,Indonesia,April1955. Ithaca:Cornell

UniversityPress,1956,p.39.78. Id., ibid.,p. 81.VerLizMazucci, “GoingBack toOurOwn: InterpretingMalcolmX’sTransition from

‘BlackAsiatic’to‘Afro-American’”,Souls,v.7,n.1,pp.66-83,inverno2005.79.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,23maio1955.80. Melani McAlister, “One Black Allah: The Middle East in the Cultural Politics of African American

Liberation,1955-1970”,AmericanQuarterly,v.51,n.3,p.631,1999.81.EntrevistacomJames67XWarden,24jul.2007.82.LouisFarrakhan,op.cit.83.EntrevistadeJames67XWarden,24jul.2007.84.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,31jan.1956,p.10.85. LouisA.DeCaro,On theSideofMyPeople, p. 88.DeCaro entrevistou Shabazz na Filadélfia em17 de

maiode1993.86.Id.,ibid.,p.109.87.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.226.88.Id.,ibid.,p.229.89.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYorkparaoDiretor,semdata.90.Ibid.91.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.226-7.

92.RodnellP.Collins,op.cit.,p.137.93.VerKarlEvanzz,op.cit.,pp.184-5.94.Transcriçãodegravaçãodeáudio. JulgamentosdisciplinaressupervisionadosporMalcolmXnoTemplo

nº7danoi,noHarlem,emmeadosde setembrode1956.GravaçãocedidapelaNaçãodo Islã eAkbarMuhammad.

95.Ibid.96.Ibid.97.MemorandofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,12dez.1956.98.MemorandofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,23out.1956.99.RodnellP.Collins,op.cit.,p.104.100.TillmanDurdin,“BarriersforNegroHereStillHighDespiteGains”,TheNewYorkTimes,23abr.1956.101. JamesHicks, “RiotThreatasCopsBeatMuslim: ‘God’sAngryMen’TanglewithPolice”,Amsterdam

News, 4maio 1957; e Evelyn Cunningham, “Moslems, Cops Battle in Harlem”,Pittsburgh Courier, 4maio1957.

102.JamesHicks,op.cit.103.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.238-9.104.JamesHicks,op.cit.;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.112-3.105.JamesHicks,op.cit.106.Id.,ibid.;e“400MarchtoScorePoliceinHarlem”,TheNewYorkTimes,29abr.1957.107.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.239;e“MoslemAnnounces$MillionnySuit”,PittsburghCourier, 9

nov.1957.UmagrandeplacadepratafoienxertadanocrâniodeHintonparasubstituiroossoqueasurrapolicialesmigalhara.Hintonficoupermanentementeincapacitado.

108.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.113.

5.“irmão,oministroprecisacasar”

1.MalcolmX,“God’sAngryMen”,AmsterdamNews,1jun.1957.2. Ver “Mr. XTellsWhat Islan [sic]Means”,AmsterdamNews, 20 abr. 1957; eMalcolmX, “God’s Angry

Men”,AmsterdamNews,27abr.1957.3.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,30abr.1958.4.“2,000atMoslemFeastinHarlem”,AmsterdamNews,20jul.1957.5.“NewYorkerstoHonorMarcusGarvey”,ChicagoDefender,2ago.1957.6.“MoslemSpeakerElectrifiesGarveyCrowd”,AmsterdamNews,19ago.1957.7.CartadeThomasA.NielsonparaPaulR.Taylor,chefesdepolíciadeLansing,Michigan;cartadeNielson

para JohnW.WheartyMilton,Massachusetts; carta deNielson para Edward S. Piggins, comissário depolíciadeDetroit;cartadeNielsonparaMichigan,comissãodedepoimentos,Inkster,Michigan;cartadeNielson para Walter Carroll, chefe de polícia, Dedham, Massachusetts; carta de Nielson parasuperintendente da prisão estadual, Charlesten [sic], Massachusetts; e carta de Nielson parasuperintendente,Massachusetts State Reformatory, ConcordMassachusetts, todos em 15maio 1957 emarquivo sobre Malcolm X no Bureau of Special Services (citado, daqui em diante, comoboss),DepartamentodePolíciadeNovaYork.

8.“MalcolmXWillLectureFourWeeksatDetroitSpot”,PittsburghCourier,17ago.1957.9.“‘Negroes,NoCompromiseonCivilRights’MalcolmX”,LosAngelesHeraldDispatch,22ago.1957.10.W.HaywoodBums,“TheBlackMuslimsinAmerica:AReinterpretation”,Race,v.5,n.1,pp.29-31,jul.

1963.

11.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,30abr.1958.12.“MalcolmXMakingHitinDetroit”,AmsterdamNews,7set.1957.13.“MalcolmXReturns;DetroitMoslemsGrow”,AmsterdamNews,26out.1957.14. Louis A. DeCaro,On the Side ofMy People, p. 117; e “Malcolm Shabazz Speaker atdc Brotherhood

Feast”,AmsterdamNews,30nov.1959.15.“MalcolmXinBoston”,AmsterdamNews,9nov.1957;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.

117.16.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,22jun.1961.17.TelegramadeMalcolmXparaStephenKennedy,comissáriodonypd,2nov.1957,boss.18.MemorandodeWalterUpshurparaooficialcomandantedoboss,7nov.1957,ibid.19.Resumoconsolidadomxfbi,EscritóriodeNovaYork,22ago.1961,p.20.20.“MalcolmXSpeaksinDetroitAgain”,AmsterdamNews,14dez.1957.21.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.117.22.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.274.23.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.118.24. Ibid.,p.120;e“MoslemFightR.R.StationBias, Jailed”,PittsburghCourier, 7mar. 1957.Oprocurador-

geraldocondadoaplicoumultasde226dólaresparacadaumdosdoismuçulmanos.Levandoemcontaque eles tinham espancado severamente o policial branco que tentara prendê-los, foi uma multarazoavelmentebranda.

25.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.276-7.26.EntrevistacomJames67XWarden,24jun.2007.27.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.28.Ibid.29.Russell J.Rickford,BettyShabazz:ALifeBeforeandAfterMalcolmX.Naperville, il:Sourcebooks,2003,

pp.2-11,23,27,31.30.Id.,ibid.,p.39.31.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,19maio1959,p.20.32.MalcolmXeAlexHaley,opp.cit.,pp.231-2.33.CartadeMalcolmXparaElijahMuhammad,25mar.1959.Cópiaempoderdoautor.34.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.231-2.35.Id.,ibid.36. Robert Dannin observa que “a maioria dos comentaristas muçulmanos considera a sexualidade uma

atividade puramente carnal capaz de provocar caos e confusão no organismo social se não forsistematicamentecontrolada”.VerRobertDannin,op.cit.,p.217.

37.FrederickM.Denny,op.cit.,pp.300-1.38.Corão,suraxxiv,versículo31.39.VerElijahMuhammad,op.cit.,especialmentecapítulo35.40.EntrevistacomJasmineGriffin,6ago.2001.41.VerCynthiaS’thembileWest,“RevisitingFemaleActivisminthe1960s:TheNewarkBranchNationof

Islam”,BlackScholar,v.26,n.3-4,pp.41-8,outono1996/inverno1997.42.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.231-4.43.Id.,ibid.,p.234.44.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.62-6.45.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.46.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.62-6.47.Id.,ibid.,pp.66-70;eMalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.234-5.48.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.71-3.49.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.235.50.Id.,ibid.,pp.235-6.

51.Id.,ibid.,p.236.52.KarlEvanzz,op.cit.,p.261.53.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.103;eentrevistacomJames67XWarden,24jul.2007.54.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.78.55.Id.,ibid.,p.109.56.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.232;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,19maio

1959,pp.31-2.57.RelatórioResumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,19maio1958,p.6.58.Ibid.,pp.18,22.59.CartadeMalcolmXparaElijahMuhammad,25mar.1959.60.RelatórioResumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,19nov.1958,pp.6-10; “BuildHeavenonEarth”,

LosAngelesHeraldDispatch,27mar.1958.61.“MoslemsCelebrateThirdPakistanRepublicDayinL.A.”,LosAngelesHeraldDispatch,27mar.1957.62.“SeesAggressiveZionismasThreattoWorldPeace”,LosAngelesHeraldDispatch,10abr.1958;e“Arab

Director,MalcolmXHitU.S.Press,Radio,tv”,AmsterdamNews,3maio1958.Naentrevistacoletivade7deabrilde1958,Mendinegouquehouvesseconflitoentre“árabesejudeus”;aúnicadificuldaderealqueexistiaeraentreárabese“sionistasagressivos”.

63.“ChristiansWalkOutonMoslems”,AmsterdamNews,26abr.1958.64.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.237-8.65.CartadeMalcolmXparaElijahMuhammad,25mar.1959.66.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.144.67.CartadeMalcolmXparaElijahMuhammad,25mar.1959.68.A incursãopolicialde1958nacasadeMalcolmXnaEastElmhurst,noQueens,énarradacomdetalhes

em “ThreeMoslems Seized as Police Fighters:Home of ‘X’Group’s Leader Site of Battle”,AmsterdamNews, 24 maio 1958; “Moslems Await ‘D-Day’ in ny Court”,Pittsburgh Courier, 24 maio 1958; e“MoslemsFreed,CryforArrestofCops”,PittsburghCourier,28mar.1959.

69.MemorandododetetiveWilliamK.DeFossettparaooficialcomandantedoboss,27maio1958,boss.70. “ThreeMoslems Seized asPolice Fighters”,AmsterdamNews; “MoslemsAwait ‘D-Day’ in nyCourt”,

PittsburghCourier;e“MoslemsFreed,CryforArrestofCops”,PittsburghCourier,28mar.1959.71.“MoslemsAwait‘D-Day’innyCourt”,PittsburghCourier,28mar.1959.72. Relatório resumidofbi Sanders, arquivo de Betty Sanders (também conhecida como Betty Shabazz e

BettyX),EscritóriodeNovaYork,30jun.1958.73.RelatórioresumidofbiSanders,EscritóriodeNovaYork,9dez.1964.74. Relatório resumidofbi Sanders, Escritório de Nova York, 2 jun. 1959. Betty Shabazz também fez um

discursonareuniãodanoiemHartford,Connecticut,em13desetembrode1959.75.Resumoconsolidadomxfbi,EscritóriodeNovaYork,22ago.1961,pp.55-6.76. “Moslems Freed, Cry for Arrest of Cops”,Pittsburgh Courier; e Relatório do julgamento de Little-

Molette-Simmons,Memorando,27mar.1959,boss.77.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,2jul.1958.78.ComoobservouOliver Jones Jr.,aNaçãodoIslãutilizava-sedasdemandas tradicionaisdonacionalismo

negro, mas não estava preocupada, prioritariamente, com a preparação de um programa e de umaestratégiapolíticaparaalcançaressesobjetivos.A“crença[dosmuçulmanos]numanaçãoprópria jamaisproduziu um programa político para a criação desse lar nacional”, observou Jones. “A rigor, osmuçulmanosvoltavam-separaAlá,enãoparaWashington,embuscadasoluçãofinal”.VerOliverJonesJr.,“TheBlackMuslimMovementandtheAmericanConstitutionalSystem”,JournalofBlackStudies,v.13,n.4,pp.417-37,jun.1983.

6.“oódioproduzidopeloódio”

1.Umaboareferência,genericamente,éAugustMeiereElliottRudwick,FromPlantationtoGhetto, 3. ed.

(NovaYork:HillandWang,1976),pp.267-79.2.Myrlie Evers-Williams eManningMarable (Orgs.),TheAutobiography ofMedgar Evers:AHero’s Life

andLegacyRevealedThroughHisWritings,LettersandSpeeches.NovaYork:BasicCivitas,2005,pp.14-5.

3.DevonW.Carbada eDonaldWeise (Orgs.),TimeonTwoCrosses:TheCollectedWritings of BayardRustin.SãoFrancisco:Cleis,2003,pp.x-xxv.

4.MarthaBiondi,ToStandandFight:TheStruggleforCivilRightsinPostwarNewYorkCity.Cambridge:HarvardUniversityPress,2003,p.162.

5.MartinBaumlDuberman,PaulRobeson.NovaYork:Ballantine,1989,pp.454-5,460.6.Id.,ibid.,pp.461-2.7.VerTimothyB.Tyson,RadioFreeDixie:RobertF.WilliamsandtheRootsofBlackPower.ChapelHill:

UniversityofNorthCarolinaPress,1999.8.BarbaraRansby,EllaBakerandtheBlackFreedomMovement:ARadicalDemocraticVision.ChapelHill:

UniversityofNorthCarolinaPress,2003,pp.178-83.9. Ver Charles Rosenberg, “Davis, Benjamin J. Jr.”. In: Paul Finkelman (Org.),Encyclopedia of African

AmericanHistory,1896tothePresent:FromtheAgeofSegregationtotheTwenty-firstCentury.NovaYork:OxfordUniversityPress,2009,pp.14-5,v.2.

10.BarbaraRansby,op.cit.,pp.153-5,157-8.11.MarthaBiondi,op.cit.,pp.215-9.12.HaroldCruse,TheCrisisoftheNegroIntellectual:FromItsOriginstothePresent.NovaYork:William

Morrow,1967,p.227.13.Id.,ibid.,p.245.14.JonLeeAnderson,CheGuevara:ARevolutionaryLife.NovaYork:Grove,1997,pp.399,416,409.15.PenielE.Joseph,Waiting‘TiltheMidnightHour.NovaYork:HenryHolt,2006,pp.29-30.16.HaroldCruse,op.cit.,pp.356-7.17.ElijahMuhammadparaoministroJames3XShabazz,28abr.1959.Cópiaempoderdoautor.18.VerAlNall, “MoslemTrialBegins”,AmsterdamNews,7mar. 1959;AlNall, “MoslemsAccuseCops”,

AmsterdamNews,14mar.1959;eAlNall,“MoslemsGoFree”,AmsterdamNews,21mar.1959.19.“SayPaperHelpedFree5Moslems”,AmsterdamNews,11abr.1959.20.ValAdams,“WallaceMayGetNewtvPrograms”,TheNewYorkTimes,11fev.1959.21. Ver “Louis Lomax, 47, Dies in Car Crash”,The New York Times, 1 ago. 1970; David Shaw, “Louis

Lomax,BlackAuthor,Killed inCrash”,LosAngelesTimes,1ago.1970;e“AuthorLomaxKilledWhenHisAutoOverturns”,ChicagoTribune,1ago.1970.

22.Memorandofbi,ArquivodeLouisE.Lomax,CartaM.A.JonesparaLouisB.Nichols,2fev.1956.23.Memorandofbi,ArquivodeLouisE.Lomax,EscritóriodeChicago,7fev.1956.24.Ibid.25.Memorandofbi,ArquivodeLouisE.Lomax,CartaG.C.MooreparaW.C.Sullivan,23fev.1969.Esse

memorando declara: “Arquivos dofbi mostram que Lomax é um charlatão inescrupuloso que temcriticadoseveramenteofbieoDiretor”.OfbiobservoutambémqueToKillaBlackMan [Paramatarumhomemnegro],olivroqueLomaxpublicouem1968,atribuiuoassassinatoao“governoamericano,particularmenteacia...”.

26.WaltDutton,“ControversyIsLomaxForte”,LosAngelesTimes,23abr.1965.27.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.134.28.LouisE.Lomax,“10,000MuslimsHoldMeetinginWashington”,AmsterdamNews,6 jun.1959.Lomax

informouemsuareportagemque“depoisdodiscurso,osr.Muhammadfoiescoltadopelapolíciadevoltaparaohotelonde,pelaprimeiravez,elesesubmeteuaumaentrevistafilmadaparaatv...Umrepórtereuma equipe de cinegrafistas voaram de Nova York para Washington com essa finalidade”. Nessaentrevista,Muhammadpreviuque“aiminentedestruiçãodohomembrancoocorreráantesde1970”.

29.JackGould,“NegroDocumentary:Wallace’sGuidetothe‘BlackSupremacy’MovementChallengedbyExperts”,TheNewYorkTimes,23jul.1959.

30.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.240-2.31.VerMikeWallaceeGaryPaulGates,CloseEncounters.NovaYork:WilliamMorrow,1984;SusanKing,

“QandA:MikeWallace:40YearsofAsking”,LosAngelesTimes,23set.1990;eDonnaRosenthal,“MikeWithoutMalice”,SanFranciscoChronicle,23set.1990.

32.VerM.S.Handler,“AuthorDescribesSlayingof3RightsWorkersinMississippi”,TheNewYorkTimes,26out.1964;WaltDutton,“ControversyIsLomaxForte”;e“LouisLomax,47,DiesinCarCrash”,TheNewYorkTimes.

33.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.134-5;Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,29jul. 1959; Relatório resumidomx fbi , Escritório de Nova York, 17 nov. 1959, pp. 34-5; e Resumoconsolidadomxfbi,22ago.1961,p.55.

34.VerC.EricLincoln,TheBlackMuslimsinAmerica(Boston:Beacon,1961).LincolnachavaqueaNaçãodo Islã, apesar de suas crenças não ortodoxas, tinha certa legitimidade quando se dizia parte da grandecomunidade religiosa islâmica. Sua principal tese, porém, era que a Nação era essencialmente ummovimento político nacionalista negro, que usava o Islã como pretexto para exigir total separação dosbrancosamericanosedesuareligião,ocristianismo.

35.Ver Louis E. Lomax,When theWord IsGiven... (Cleveland:WorldPublishing, 1963); eHerbNipson,“BlackMuslims:PromiseandThreat”,ChicagoTribune,10nov.1963.

36.“HonradoElijahMuhammad/TheMessengerMagazine”,AmsterdamNews,7nov.1959.37.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.180-1.38.CartadeMalcolmparaBettyShabazz,1abr.1959,mxc-s,caixa3,pasta2.39.CartadeMalcolmparaBettyShabazz,1abr.1959,mxc-s,caixa3,pasta2.40.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.135.41.YusufIbrahim,cartaaoeditor,PittsburghCourier,1mar.1958.42.ElijahMuhammad,MessagetotheBlackmaninAmerica,capa.43.“MisterMuhammad’sMessagetoAfrican-AsianConference”,PittsburghCourier,18jan.1958.44.Memorandomxfbi ,EscritóriodeWashington,27 jul.1959;eRelatórioresumidomxfbi ,Escritóriode

NovaYork,17nov.1959,pp.31-2.45.Relatório resumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,17nov.1959,pp.8,21;eResumoconsolidadomx

fbi,EscritóriodeNovaYork,22ago.1961,p.22.46.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.139.47.“ArabsSendWarmGreetingsto‘OurBrothers’ofColorinU.S.A.”,PittsburghCourier,15ago.1959.48.Ibid.49.Ibid.50.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17nov.1959,p.33.51.Ibid.,p.23.52.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.168.53.“MuhammadSpeaks”,LosAngelesHeraldTribune,14jan.1960.54.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.23.55.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,18mar.1960.56.Ibid.57.Ver“DefendsMuslimLeaderatMeet”,ChicagoDefender,15mar.1960.58.Ibid.59. Ver Relatório resumidofbi, Arquivo de Leon 4X Phillips (também conhecido como Leon Ameer),

EscritóriodeNovaYork, jan. 1962; e “MalcolmXon ‘Unity’”. In:LouisE.Lomax,op. cit., pp. 128-35.Esse discurso está reproduzido em John Bracey Jr., August Meier e Elliott Rudwick (Orgs.),BlackNationalism in America (Nova York: Bobbs-Merrill, 1970), pp. 413-20. Um original datilografado dodiscursodeMalcolmestálocalizadoemmxc-s,caixa5,pasta1.

60.LouisE.Lomax,op.cit.,p.129.61.MemorandododetetiveErnestB.Lattyparaooficialcomandante,30maio1960,boss.62.Ibid.,pp.4-12.63.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.64.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17nov.1960,pp.17-8.65.VerYaleDailyNews(NewHaven),21out.1960;Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17

nov.1960,pp.22-3;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,maio1961,p.17.66.MaxFrankel,“AngryCastroQuitsHotelinRowOverBill;MovestoHarlem”,TheNewYorkTimes, 20

set. 1960; “CastroMovesOut ofHotel inHuff, TakesHis Party toOne inHarlem”,TheWashingtonPost,20set.1960;eJulesDuBois,“IrateCastroMovestoHarlemHotel”,ChicagoTribune,20set.1960.

67. Mel Opotowsky, “Castro Settles Down in Harlem, Paying Double, Minding Manners”,TheWashingtonPost,21set.1960;ePhilipBenjamin,“TheresaHotelon125thSt.IsUnruffledbyItsCubanGuests”,TheNewYorkTimes,21set.1960.

68.“NikitaVisitsCastroinHarlem”,ChicagoDefender,21set.1960;HarrisonE.Salisbury,“RussianGoestoHarlem, ThenHugs Cuban at U.N.”,TheNewYorkTimes, 21 set. 1960; e “Police BreakUpHarlemCrowdasGroupsMingle”,TheNewYorkTimes,22set.1960.

69.“FidelCastro”,emRobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,p.144.70. Carlos Moore,Castro, the Blacks, and Africa. Los Angeles: University of California Center for Afro-

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umaconvocaçãodoexércitoporquetodosospregadores,ministroserabinosestavamisentosdoserviçomilitar”. A condenação e a prisão deWallace, como a de seu pai nos anos 1940, foram “por ensinar areligião do Islã!”. Ver “Courts Jail Muslim Ministers; Taught Negroes in Faith of Islam Religion!”,MuhammadSpeaks,dez.1961.

76.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.77.Ibid.78.DevonW.CarbadaeDonaldWeise(Orgs.),op.cit.,pp.164-5.79.CharlesRosenberg,“Davis,BenjaminJ.Jr.”.In:PaulFinkelman(Org.),op.cit.,pp.14-5.80.DevonW.CarbadaeDonaldWeise(Orgs.),op.cit.,pp.165-6.81.Id.,ibid.,pp.168-71.82.Evers-WilliamsandMarable(Orgs.),op.cit.,pp.181-2.83. Manning Marable,Race, Reform and Rebellion: The Second Reconstruction and Beyond in Black

America,1945-2006.Jackson:UniversityPressofMississippi,2007,p.62.84.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1961,pp.5-8.85.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1961,p.6.86.Ibid.,p.19.87.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.180-1.88.MattiasGardell,op.cit.,p.273.89.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1961,pp.5-19.

7.“tãocertocomodeusfezasmaçãsverdes”

1.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.1,105.2.CartadeMalikShabazzparaMrs.MalikShabazz,25jan.1961,mxc-s,caixa3,pasta2.3.KarlEvanzz,op.cit.,p.211.4.StanleyG.Robertson,“PaternityChargeFacesMuhammad:It’sDenied”,LosAngelesSentinel,9jul.1964;

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5.KarlEvanzz,op.cit.,pp.238-9.6.Id.,ibid.,pp.215-7.7.Id.,ibid.,p.218.8.Id.,ibid.,pp.218-9.9.Id.,ibid.,pp.238-9,248.10.Id.,ibid.,pp.248-9.11.“MalcolmXRipsjfkAdvisor”,PittsburghCourier,4 fev.1961;Robert JamesBranham,“‘IWasGoneon

Debating’:MalcolmX’sPrisonDebatesandPublicConfrontations”,ArgumentationandAdvocacy,v.31,p.125,inverno1995;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1961,p.14.

12.“MuslimsGivetheJFKManaFit”,NewJerseyHeraldNews,4fev.1961.13.Ver“InvitedbyCampusnaacp”,PittsburghCourier, 11 fev. 1961; “MuslimMalcolmXOutasHoward

U. History Speaker”,Pittsburgh Courier, 25 fev. 1961; e “Malcolm May Not Talk at Howard”,AmsterdamNews, 25 fev. 1961. Louis A.DeCaro declara que um funcionário danaacp interveio paracancelarapalestra.VerLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.174.

14.LouisA.DeCaro,op.cit.,p.174.15. “1,500 Hear Integration-Non-Segregation Debate”,Chicago Defender, 11 nov. 1961; e “Malcolm X’s

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18.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.19.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,23jan.1962.20. “uc Forbids”,SanFranciscoChronicle, 7maio 1961; “Malcolm ‘X’ Raps uc”,SanFranciscoChronicle, 9

maio 1961; “West CoastUniversity Bars”,Afro-American (Baltimore), 20maio 1961; eMemorandomxfbi,EscritóriodeSãoFrancisco,19maio1961.

21.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1961,p.18.22.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1961,p.17;eLouisA.DeCaro,OntheSide

ofMyPeople,p.182.23. “A Partial Transcript of a Sermon by Malcolm X at Elder Solomon Lightfoot Michaux’s New York

ChurchofGod,June16,1961”.In:LouisA.DeCaro,MalcolmandtheCross,pp.223-35.Michauxfoiumdos primeiros radio-televangelistas afro-americanos. Lewis, irmão de Michaux, tinha uma livraria paranegrosna125thStreet,doHarlem,queeraumpontodeencontrodenacionalistasnegros.

24.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,14abr.1961.25.MartinMeredith,TheFirstDanceofFreedom:BlackAfricainthePost-WarEra.NovaYork:Harperand

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27.MayaAngelou,TheHeartofaWoman.NovaYork:RandomHouse,1981,pp.166-70.28. Relatório resumidofbi Gravitt, Escritório deNova York, 23 jan. 1962; e Resumo consolidadomxfbi ,

EscritóriodeNovaYork,25ago.1963,pp.25,26.29.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,23jan.1962.30.CartadeElijahMuhammadparaMalcolmX,23mar.1961,mxc-s,caixa3,pasta8.31.TelegramadeA.PhillipRandolphparaMalcolmX,11ago.1961,mxc-s,caixa3,pasta13.32.RelatórioresumidofbiPhillips,EscritóriodeNovaYork,jan.de1962.33.HaroldL.Keith, “LeadersBuryDifferences,Merge:NewYorkGroupFormed toUpliftNegroMasses”,

PittsburghCourier,7out.1961.34. Evelyn Cunningham, “Panel Will Continue; Malcolm X and Randolph Spark Rally in Harlem”,

PittsburghCourier,16set.1961.35.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,23jan.1962.36.Relatórioresumidofbi,ArquivodeRaymondXSharrieff,EscritóriodeChicago,8fev.1962e8ago.1962.37.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.38.Ibid.39.ClaudeAndrewClegg,op.cit.,pp.113,181.PeterGoldmancontestaClaudeA.Cleggfrontalmentenessa

questão.ParaGoldman,“umdecretoadministrativode1961subordinouoscapitãesde temploapenasaChicago”.VerPeterGoldman,op.cit.,p.110.

40.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,11jan.1963.41.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.177.42.LivrodeEscrituraçãodoSecretário,Mesquitanº7.Cópiaempoderdoautor.43.EntrevistacomJames67XWarden,24jul.2007.44.fbiResumo consolidado,ArquivodeCharles 37XMorris (tambémconhecido comoCharlesKenyatta),

EscritóriodeNovaYork,4 ago.2006;MemorandofbiMorris,EscritóriodeWashington,6nov.1968;eMemorandofbiMorris,EscritóriodeNovaYorkparadiretoria,13mar.1968.

45.MemorandofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,13mar.1968.46. Ibid.; e Charles Kenyatta, entrevista de história oral, 1970, Moorland-Spingarn Research Center,

ManuscriptDivision,HowardUniversityLibrary.47.MemorandofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,13mar.1968.48.MarkJacobson,“TheManWhoDidn’tShootMalcolmX”,NovaYork,1out.2007,p.41.49.Id.,ibid.,p.40.50.JohnL.Esposito,TheOxfordDictionaryofIslam.NovaYork:OxfordUniversityPress,2003,p.138.51.MarkJacobson,op.cit.,pp.40-1.52.EntrevistacomThomas15XJohnson(tambémconhecidocomoKhalilIslam),29set.2004.53.Ibid.54.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.270.55.VerWilliamH. Schmaltz,Hate:GeorgeLincolnRockwell and theAmericanNaziParty. Washington:

BatsfordBrassey,1999.56.ParaasconexõesentreoPartidoNazistaAmericanoeaNaçãodoIslã,verClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.

152-6;eWilliamH.Schmaltz,op.cit.,pp.119-20.57.ClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.154-5.58. William H. Schmaltz, op. cit., pp. 120-1; e “Separation or Death: Muslim Watchword”,Amsterdam

News,1jul.1961.59.GeorgeLincolnRockwell,“TheJew:MomentofLiesintheSouth”,RockwellReport,3jan.1962.

60.WilliamH.Schmaltz,op.cit.,pp.133-4;e“U.S.NazibossAmong3,000atRally”,ChicagoTribune,26fev.1962.

61.ClaudeA.Clegg,op.cit.,p.154.62.“RockwellandCo.:TheySpeakforAllWhite”,MuhammadSpeaks,abr.1962.63.WilliamH.Schmaltz,op.cit.,pp.159-60,201.RockwellcontinuouacitarasopiniõesdeMalcolmXcomo

justificativaparasuasprópriasposiçõesracistasatéaépocadesuamorteem1967.NumaentrevistacomAlexHaley,publicadanarevistaPlayboyemabrilde1966,porexemplo,Rockwelldeclarouque“quantomais vocês insistem nisso (integração),mas os brancos ficam enlouquecidos...Malcolm disse amesmacoisaqueestoudizendo”.Ver“InterviewwithGeorgeLincolnRockwell”,Playboy,v.13,n.4,pp.71-2,74,76-82,154,156,abr.1966.

64.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,11jan.1963.65.JohnD’Emilio,LostProphet:TheLifeandTimesofBayardRustin.NovaYork:FreePress,2003,p.324;e

PeterGoldman,op.cit.,p.67.66. Relatório resumidomx fbi , Escritório de Nova York, 17 maio 1962, p. 7; e Relatório resumidofbi

Gravitt,EscritóriodeNovaYork,11jan.1963.67.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,18out.1962;eRelatórioResumidofbi,Arquivo

deBenjamin2XGoodman(tambémconhecidocomoBenjaminKarim),EscritóriodeNovaYork,11jan.1963.

68.CartadeElijahMuhammadparaMalcolmX,15fev.1962,mxc-s,caixa3,pasta8.69.MalcolmX e James Farmer, “Separationor Integration:ADebate”,Dialogue, v. 2, n. 3, pp. 14-8,maio

1962.70.Id.,ibid.71.Id.,ibid.72.Id.,ibid.73.“MalcolmXPacksPowell’sChurch”,semdata,mxc-s,caixa5,pasta17.VertambémRelatórioresumido

fbiGravitt, Escritório deNovaYork, 11 jan. 1963; Relatório resumidofbi Phillips, Escritório deNovaYork,21mar.1963.

74.“LouisFarrakhan”.In:RobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,pp.218-9;eKarlEvanzz,op.cit.,pp.296-7.75.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.143-4.76.Id.,ibid.,pp.144-5.77. Ver Douglas Flamming,Bound for Freedom: Black Los Angeles in Jim Crow America. Berkeley:

UniversityofCaliforniaPress,2005,p.69.78. Stephen Meyer Grant,As Long as They Don’t Move Next Door: Segregation and Racial Conflict in

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AmericanLosAngelesfromtheGreatDepressiontothePresent(Berkeley:UniversityofCaliforniaPress,2003).OmelhorestudodocumentandoosfatoressocioeconômicosepolíticosquelevaramaostumultosdeWatts em1965,no centro-sul deLosAngeles, éGeraldHorne,FireThisTime:TheWattsUprisingandthe1960s(Charlottesville:UniversityofVirginiaPress,1995).

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81.Id.,ibid.82.Id.,ibid.;e“StudyShowsLosAngelesPoliceWereInvestigatingMuslimsatTimeofRiot”,Amsterdam

News,12maio1962.83.FrederickKnight,“JustifiableHomicide,PoliceBrutality,orGovernmentalRepression?”,JournalofNegro

History,v.79,n.2,pp.12-196,primavera1974;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.184.84.PeterGoldman,op.cit.,p.97.85.Id.,ibid.,pp.97-8.

86.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.87.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.88.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.89. Relatório resumidomx fbi , Escritório de Nova York, 16 nov. 1962, pp. 17-8; e “Conduct Rites for

CaliforniaBlackMuslimRiotVictim”,ChicagoDefender,7maio1962.90.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.91.ClaudeA.Clegg,op.cit.,p.171.92.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.93.PeterGoldman,op.cit.,p.98.

8.daoraçãoaoprotesto

1.FrederickKnight,“JustifiableHomicide,PoliceBrutality,orGovernmentalRepression?”,JournalofNegro

History,v.79,n.2,p.190,primavera1974.2. “Malcolm X Heads Rally Sunday”,Amsterdam News, 26 maio 1962; Relatório resumidofbi Gravitt,

Escritório emNovaYork, 11 jan. 1963; eRelatório resumidofbi Phillips, Escritório emNova York, 21mar.1963.

3.CartadoministroJohnShabazzparaoirmãoministroMalcolmX,1jan.1962,mxc-s,caixa12,pasta1.4. Jack V. Fox, “Negro Leaders Lambaste Malcolm X’s Delight in Death of Atlanta Whites”,Chicago

Defender,14jul.1962.VertambémClaudeA.Clegg,op.cit.,p.201.5.JackV.Fox,op.cit.6.Memorandomxfbi,Cartadodiretorparaadidojurídicofrancês,8ago.1962.7.WallaceTurner,“MilitancyUrgedonU.S.Negroes”,TheNewYorkTimes,26nov.1962.8.Relatórioresumidomxfbi ,EscritórioemNovaYork,16nov.1962,p.8;RelatórioresumidofbiGravitt,

EscritórioemNovaYork,11 jan.1963;eRelatório resumidofbiSharrieff,EscritóriodeChicago,12 fev.1963.

9.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritórioemNovaYork,11jan.1963.10.“MuhammadAsksforBlackState,TaxExemptions”,ChicagoDefender,16 jul.1962;Relatórioresumido

fbi Gravitt, Escritório em Nova York, 11 jan. 1963; e Relatório resumidofbi Sharrieff, Escritório deChicago,12fev.1963.

11.H.D.Quigg,“2,000JamHarlemSquaretoHearMuslimLeadersExtolTheirCause”,ChicagoDefender,24jul.1962;eRelatórioresumidofbiGravitt,EscritórioemNovaYork,11jan.1963.

12.“2,500atMoslemRally”,AmsterdamNews,28jul.1962.13.Rickford,BettyShabazz,p.123;eClegg,AnOriginalMan,pp.180-1.14.Relatórioresumidomxfbi,EscritórioemNovaYork,16nov.1962,p.23;eRelatórioconsolidadomxfbi

,EscritóriodeNovaYork,25set.1963,p.17.15.TaylorBranch,PillarofFire.NovaYork:Touchstone,1998,p.X2.16.“MayorYortySaysCultBacks‘Hate’”,TheNewYorkTimes,27jan.1962.17.TaylorBranch,op.cit.,pp.10-1.18.Relatórioresumidomxfbi,EscritórioemNovaYork,16nov.1962,p.19.19.Id.,ibid.,p.24.20.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.21.VerPeterGoldman,“BlackMuslimsFailtoFlourishHere”,St.LouisGlobe-Democrat,2jan.1962.22.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.23.Ibid.

24.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.6.25.Id.,ibid.26.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.27.ManningMarable,op.cit.,p.150.28.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.29.Relatórioresumidomxfbi,EscritórioemNovaYork,16nov.1962,p.24.30.RelatórioresumidomxfbiGoodman,EscritórioemNovaYork,8set.1960.31.Ibid.,27out.1961.32.Ibid.,17out.1962.33.Ibid.34.PeterGoldman,op.cit.,p.19.35.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.105-6.36.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.37.PeterGoldman,op.cit.,pp.8,96.38.RelatórioresumidomxfbiGravitt,EscritórioemNovaYork,11jan.1963.39. Carta de Malcolm X para o editor, “What Courier Readers Think: Muslim vs. Moslem!”,Pittsburgh

Courier,6out.1962;eDiáriosdeViagem(Transcrição):OrienteMédioeOestedaÁfrica,abr.-maio1964,mxc-s,caixa5,pasta18.

40.CartadeYahyaHayariparaoeditor,“WhatCourierReadersThink:ABlastatMuhammad”,PittsburghCourier,27out.1962.

41.CartadeMalcolmXparaoeditor,“AmsterdamNewsReadersWrite”,AmsterdamNews,24nov.1962;eEdwardCurtis iv, “Islamismand ItsAfricanAmericanMuslimCritics:BlackMuslims in theEraof theArabColdWar”,AmericanQuarterly,v.59,n.3,pp.88-9,set.2007.

42.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.201-2;eEdwardCurtis,op.cit.,p.90.43.Id.,ibid.,p.159.44.Id.,ibid.,pp.159-60.45.HáumavastaliteraturasobreMuhammadAli(CassiusClay).Paraumaintroduçãogeralaoassunto,ver:

David Remnick,King of theWorld:Muhammad Ali and the Rise of an American Hero (Nova York:RandomHouse,1998);JohnMillereAaronKenedi(Orgs.),MuhammadAli:Ringside (Boston:Bullfinch,1999); Anthony O. Edmonds,MuhammadAli: A Biography (Westport, ct: Greenwood, 2006); eMikeMarqusee,RedemptionSong:MuhammadAliandtheSpiritoftheSixties(NovaYork:Verso,1999).

46.EntrevistadeAlexHaleycomMuhammadAli.In:JohnMillereAaronKenedi(Orgs.),op.cit.,pp.39,42.47.AnthonyO.Edmonds,op.cit.,p.37.48.DavidRemnick,op.cit.,p.165.49.Id.,ibid.50.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17maio1962,p.11.51.“RacialMilitancyandPrideUrgedatWestCoastRally”,ChicagoDefender,28nov.1962.52.WallaceTurner,“MilitancyUrgedonU.S.Negroes”,TheNewYorkTimes,26nov.1962.53.Id.,ibid.;RobinD.G.KelleyeBetsyEsch,“BlackLikeMao:RedChinaandBlackRevolution”,Souls,v.

1,n.4,pp.6-41,out.1999.54.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.185;e“JailTerm”,Militant(NovaYork),4fev.1963.55.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,27jan.1964.56.TelegramadeMalcolmXparaoprefeitoRobertWagner,NovaYork,2jan.1963,mxc-s,caixa5,pasta18.57. “Muslims Protest Rights Violation by Police”,Chicago Defender, 10 jan. 1963; “Rights Violated”,

DemocratandChronicle,8jan.1963;“MuslimAssails”,DemocratandChronicle,15fev.1963;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.185.

58.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.185.59.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,27jan.1964.60.VerMuhammadSpeaks,4fev.1963;eMilitant,4fev.1963.

61.DiscursodeMalcolmX,“TwentyMillionBlackPeopleinaPolitical,EconomicandMentalPrison”.In:BrucePerry(Org.),MalcolmX:TheLastSpeeches.NovaYork:Pathfinder,1989,pp.25-57.

62.Id.,ibid.63.Id.,ibid.Vertambém“MuslimLeaderAsksNegroNationinU.S.”,ChicagoDefender,26jan.1963.64.“Meredith,GanttEntries‘Hypocritical’:MalcolmX”,ChicagoDefender,31jan.1963.65.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,6maio1963.66. LouisA.DeCaro,On theSideofMyPeople, p. 185; e Relatório resumidomxfbi , Escritório deNova

York,16maio1963,p.19.67.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,16maio1963,pp.18-20.68.Ibid.69. Alfred Balk eAlexHaley, “BlackMerchants ofHate”,SaturdayEveningPost, v. 236, pp. 67-74, 26 jan.

1963.70.KofiNatambu,op.cit.,p.263.71.“Negroes:Death,LostSheep”,13fev.1964,mxc-s,caixa9,pasta1.72.TaylorBranch,op.cit.,p.17.73.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,16maio1963,p.21.74.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.301.75.Id.,ibid.,p.303.76.ManningMarable,op.cit.,p.172.77.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.78.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.303-4.

9.“elesedesenvolviarápidodemais”

1.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.304.2.Id.,ibid.,p.305.3.Id.,ibid.Vertambém,PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.113-4;ClaudeA.Clegg,op.

cit.,pp.188,191-2;andLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.191.4.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,15nov.1963,pp.6,9.5.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.6.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.300-1.7.CartadeElijahMuhammadparaMalcolmShabazz,25abr.1963,mxc-s,caixa3,pasta6.8.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,27jan.1964;eMemorandomxfbi,Escritóriode

NovaYork,15maio1963e23maio1963.9.TaylorBranch,op.cit.,p.163.10.CartaabertadeElijahMuhammad,25abr.1963,mxc-s,caixa3,pasta8.11.“MalcolmXComingHere”,TheWashingtonPost,1maio1963.12.“MalcolmXind.c.withSolutiontoCrimeRate”,ChicagoDefender,13maio1963.Aentrevistacoletiva

foiconcedidaem9demaiode1963.13.Memorandomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,15maio1963;eRelatórioresumidomxfbi ,Escritóriode

NovaYork,15nov.1963,p.26.14.“MalcolmXinD.C.withSolutiontoCrimeRate”,op.cit.15.“14MuslimsGoonTrialinFatalRiot”,LosAngelesTimes,9abr.1963.16.BillLane,“JurySelectionforMuslimTrialFair”,LosAngelesSentinel,12abr.1963;e“14MuslimsGoon

TrialinFatalRiot”,op.cit.

17.“RowFlaresOverJurorsinMuslimRiotTrial”,LosAngelesTimes,25abr.1963.OrepórterBillLane,doLosAngelesSentinel, afirmouque seis dos doze jurados eramnegros.VerBill Lane, “Jury Selection forMuslimTrialFair”,op.cit.

18.“NegroesAskSegregatedCourtSeats”,LosAngelesTimes,1maio1963.19.“MuslimRiotDescribedbyOfficer”,LosAngelesTimes,2maio1963.20.“TopNewYorkMuslimSaysL.A.IsonTrial”,LosAngelesTimes,4maio1963.21.GladwinHill,“Muslims’DefenseOpenedonCoast”,TheNewYorkTimes,12maio1963;“UseofWord

‘Negro’ Issue in Muslim Trial”,Chicago Defender, 8 maio 1963; e “Malcolm X Raps L.A. Press asFavoringCopsinTrial”,ChicagoDefender,25maio1963.

22.“MuslimTrialInterruptedbyAttorney”,LosAngelesTimes,7maio1963.23.“MuslimTrialtoJury,MalcolmXIsRousted”,LosAngelesSentinel,23maio1963.24. Ben Burns, “First Negro-Owned Station to Hit Airwaves”,ChicagoDefender, 8 maio 1963; e “Negro

PicketSluggedatBlackMuslimRally”,LosAngelesTimes,5maio1963.25.“9MuslimsGuiltyinCoastRiot”,LosAngelesTimes,14jun.1963;e“11Convictedon37of42Countsin

MuslimTrial”,LosAngelesSentinel,20jun.1963.26. “BlackMuslimRiotersGet PrisonTerms”,ChicagoTribune, 1 ago. 1963; e “6 Jurors SayMuslimsGot

UnfairTrial”,AtlantaDailyWorld,1set.1963.27. C. Portis, “Celebrities and Celebrators Pour into City”,New York Herald Tribune, 15 maio 1963;

Memorandomxfbi , Escritório deNova York, 15maio 1963; e “Miscellaneous Financial Documents”,mxc-s,caixa11,pasta15.

28. “Black Muslim Raps Hearing Postponement”,The Washington Post, 17 maio 1963; M. S. Handler,“Malcolm X Scores Kennedy on Racial Policy”,The New York Times, 17 maio 1963; e “Malcolm XDenouncesjfkonCivilRights”,ChicagoDefender,25maio1963.

29.Memorandomxfbi ,EscritóriodeWashington,13maio1963,14maio1963, e23maio1963; “400HearMalcolm X Speak Here”,TheWashington Post, 13 maio 1963; Louis A. DeCaro,On the Side of MyPeople,p.163;eClaudeA.Clegg,op.cit.,p.217.

30. “Malcolm X Denies Muslims Preach Hate”,Chicago Defender, 18 out. 1962; “‘Rights Violated’ —Muslims”,ChicagoDefender,20out.1962;e“MuslimsChainedinN.Y.Courtroom”,AmsterdamNews,27out.1962.

31.“MalcolmXinCourt”,AmsterdamNews,17nov.1962.32.H.D.Quigg,“DebateMuslimClaimtoBeLegitimateReligion”,ChicagoDefender,18jun.1963.33. Memorandomx fbi , Escritório de Washington, 3 jun. 1963; e Memorandomx fbi , Escritório de

Washington,6ago.1963.34. “D.C. RejectsMalcolm X Prayer Role”,TheWashingtonPost, 29 jun. 1963; e “BlackMuslim Tension

Eases”,TheWashingtonPost,1ago.1963.35. Transcrição da entrevista de Kenneth Clark comMalcolm X, levada ao ar na wndt-tv, Nova York, e

wgbh-tv,Boston,em4jun.1963,mxc-s,caixa5,pasta11.36.RelatórioresumidofbiSharrieff,EscritóriodeChicago,19ago.1963.37.EntrevistacomThomas15XJohnson(tambémconhecidocomoKhalilIslam),29set.2004.38.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.39.EntrevistacomThomas15XJohnson,29set.2004.40.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.41.EntrevistacomThomas15XJohnson,29set.2004.42.Ibid.43.Ibid.44.EntrevistacomLarry4XPrescott(tambémconhecidocomoAkbarMuhammad),7nov.2007.45.Ibid.,9jun.2006.46.Ibid.47.Ibid.,7nov.2007.

48.AlexHaley,“MalcolmXInterview”,Playboy,v.10,n.5,pp.53,56-60,62,maio1963.49.Id.,ibid.,pp.56-57.50.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.392.51.Id.,ibid.,pp.393-4.52.Carta deAlexHaley paraMalcolmX, “Author/CollaboratorLetter ofAgreement”, 1 jun. 1963,mxc-s,

caixa3,pasta6.53.“ProductionInformation”,5jun.1963,TheKenMcCormickCollectionoftheRecordsofDoubledayand

Company(kmc),DivisãodeManuscritos,BibliotecadoCongresso,caixa44,pasta9.54.AlexHaley,“Author/CollaboratorLetterofAgreement”.55.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.393-5.56.CartadeAlexHaleyparaOliverSwan,5ago.1963,AnneRomaineCollection,SpecialCollectionsLibrary,

UniversityofTennessee(utlsc),Knoxville,Tennessee,sérieI,caixa3,pasta24.57.Ibid.58.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,5set.1963,ibid.59.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,22set.1963,ibid.60.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,25set.1963,mxc-s,caixa3,pasta6.61.AnnGeracimos,“Mrs.MalcolmX:HerRoleasWife”,NewYorkHeraldTribune,30jun.1963.Emborao

artigo fosse, teoricamente, sobre Betty, Malcolm temperou a entrevista com ataques à “civilizaçãoocidental”,que“destruiuafeminilidadedamulher...Empenha-seemfazerdamulheraquiloqueelanãoé.Asociedadeocidentalperdeuocontatocomolareafamília”.

62.Ibid.63.JohnD’Emilio,op.cit.,p.328.64.“PreambletotheMarchonWashington”,DevonCarbadaeDonaldWeise(Orgs.),op.cit.,pp.112-5.65.JohnD’Emilio,op.cit.,pp.340-2,355.66. David J. Garrow,Bearing the Cross: Martin Luther King, Jr., and the Southern Christian Leadership

Conference.NovaYork:Vintage,1986,pp.265,268.67.JohnD’Emilio,op.cit.,pp.344-5;ePeterGoldman,op.cit.,pp.102-3.68.JohnD’Emilio,op.cit.,p.340.69.ReleasesdaMesquitanº7,29jun.1963.ComíciodeHarlem,mxc-s,caixa5,pasta17.70.TelegramadeAdamClaytonPowell,Jr.,paraMalcolmX,28jun.1963,mxc-s,caixa3,pasta11.71.ThomasP.Ronan, “MalcolmXTellsRally inHarlemKennedyFails toHelpNegroes”,TheNewYork

Times, 30 jun. 1963; “Romney Bobs Up and Leads Rights Parade”,Chicago Tribune, 30 jun. 1963;Relatório resumidofbi Gravitt, Escritório de Nova York, 27 jan. 1964; e Relatório resumidofbiGoodman,EscritóriodeNovaYork,13dez.1964.

72. “Muhammad Son Calls for Unity”,Muhammad Speaks, 20 jul. 1963; “Muhammad’s Son at RallySaturday”,AmsterdamNews,13jul.1963;eReleasedaMesquitanº7,“ElijahMuhammad’sSontoSpeakinHarlematOutdoorRally”,mxc-s,caixa5,pasta17.

73.LouisE.Lomax,op.cit.,pp.84-7.74.Id.,ibid.,pp.87-91.Escrevendonofimde1963,LomaxestavaconvencidodequeAkbarMuhammad,ou

“quasecertamente”outrofilhodeElijahMuhammad,herdariaopostodelíderdanoi;MalcolmXjamaischefiariaaNação,segundoacreditavaLomax:“VejoMalcolm,pois,nãocomoolídermáximo,mascomoprimeiro-ministroeeminênciaparda”.

75.“IslamicExportsPlantoMicroscopeMuslims”,ChicagoDefender,15jul.1963.76.“PoliceHaulOff300PicketsinRacialProtest”,LosAngelesTimes,23jul.1963.77.HomerBigart,“BuildingTradesAccusedofSnubbyRacialGroups”,TheNewYorkTimes,6ago.1963.78.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,15nov.1963,pp.5,6,7e12;Relatórioresumidofbi

Gravitt, Escritório deNovaYork, 27 jan. 1964; eRelatório resumidofbiGoodman,Escritório deNovaYork,13fev.1964.

79.MartinArnold,“BrooklynRallyHeldbyMuslims”,TheNewYorkTimes,28jul.1963.

80.RelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,27jan.1964.81.KarlEvanzz,op.cit.,p.266.82.BenBurns,“jfkGagsAbouttfxandMalcolmX”,ChicagoDefender,5jun.1963.83.CartadeElijahMuhammadparaMalcolmShabazz,1ago.1963,mxc-s,caixa3,pasta8.84.“MuslimLeaderPlanstoJoinWashingtonMarch”,ChicagoDefender,10ago.1963.85.RelatórioresumidofbiSharrieff,EscritóriodeChicago,19fev.1964.86.Ibid.,p.11.87.“UnityRally”,18ago.1963,mxc-s,caixa5,pasta3.88.Ibid.89.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.166-7.90.TaylorBranch,op.cit.,pp.130-1.91.“naacpOfficialSays250,000WillMarch”,LosAngelesTimes,26ago.1963.AdeclaraçãodeMalcolmfoi

tiradadeumaentrevistaparaocanaldetelevisãocbs.92.WilliamRaspberry,“RightsLeadersReaffirmBeliefThatMarchersWillBeOrderly”,The

WashingtonPost,26ago.1963.93.EntrevistacomLarry4XPrescott,7nov.2007.94.“TheFarceonWashington”,semdata,mxc-s,caixa5,pasta5.Vertambém“‘NoMuslimsind.c.March’:

MalcolmX”,ChicagoDefender,26ago.1963.95.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004;ePeterGoldman,op.cit.,pp.102-6.96.PeterGoldman,op.cit.,p.104.97.Id.,ibid.,p.107.98.DavidJ.Garrow,op.cit.,p.383.99.Id.,ibid.,pp.284-5.100.ComentáriodeManningMarableementrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.101.RelatórioresumindofbiSharrieff,EscritóriodeChicago,19fev.1964;RelatórioresumidofbiGoodman,

EscritóriodeNovaYork,13fev.1964;eRelatórioresumidofbiGravitt,EscritóriodeNovaYork,27jan.1964.

102.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.297-300,eClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.181,324.SegundoArmiyaNu’man, ministro assistente naMesquita nº 7 comandada por Farrakhan no começo dos anos 1970, oprimeiroministronacionaldanoitinhasidoSultanMuhammad,ministrodoTemplonº3deMilwaukeenosanos1930.MalcolmfoiapenasosegundoministronacionalasernomeadonaNação.

103.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.398.104.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,25set.1963,mxc-s,caixa3,pasta6.105.CartadeWolcott(Tony)GibbsJr.paraAlexHaley,1out.1963,kmc,caixa44,pasta9.106.CartadeAlexHaleyparaTonyGibbs,11out.1963,AnneRomaineCollection,utlsc,sériei,caixa3,pasta

24.107.CartadeWolcottGibbsJr.paraAlexHaley,24out.1963,kmc,caixa44,pasta9.108.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,24out.1963,AnneRomaineCollection,utlsc, série i, caixa3,

pasta1.109.CartadeAlexHaleyparaTonyGibbs,27out.1963,kmc,caixa44,pasta9.110. Carta de Alex Haley para Paul Reynolds, Kenneth McCormick, e Tony Gibbs, 14 nov. 1963, Anne

RomaineCollection,utlsc,sériei,caixa3,pasta24.111.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,14nov.1963,mxc-s,caixa3,pasta6.112.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,18jun.1964,p.17.113.“America’sGravestCrisisSincetheCivilWar”,UniversidadedaCalifórniaemBerkeley,11out.1963,em

BrucePerry(Org.),op.cit.,pp.59-79.114.Id.,ibid.,pp.66-7.115.Id.,ibid.,pp.72-3.

116.Id.,ibid.,pp.78-9.117. “MalcolmX,Back,Will SpeakFriday”,AmsterdamNews, 19out. 1963; eRelatório resumidomxfbi ,

EscritóriodeNovaYork,15nov.1963,pp.16-7.118.“ProfessortoDirectBlackMuslimsHere”,TheWashingtonPost,21out.1963.119.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,18jun.1964,p.9.120.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,15nov.1963,p.18.121.AsobrasdeGeorgeBreitmansobreMalcolmXincluem:GeorgeBreitman(Org.),MalcolmX:TheMan

andHis Ideas (Nova York: Pathfinder, 1965); George Breitman (Org.),Malcolm X on Afro-AmericanHistory(NovaYork:Pathfinder,1967);GeorgeBreitman,TheLastYearofMalcolmX:TheEvolutionofa Revolutionary (Nova York: Schocken, 1967); George Breitman (Org.),By Any Means Necessary:Speeches, Interviews, and a Letter by Malcolm X (Nova York: Pathfinder, 1970); e George Breitman(Org.),MalcolmXSpeaks:SelectedSpeechesandStatements(NovaYork:Grove,Weidenfield,1990).

122.AcartaconvidandoMalcolmXparaaconferência,datadade26deoutubrode1963,édogoal.Acartadelineava os objetivos e a filosofia política do goal; também convidava Malcolm a participar do seuconselhoconsultivo.TalvezomaisimportantesobreacarreiradeMalcolmXdepoisdanoiéqueogoaloferecia um modelo democrático de organização de protesto que pode ter influenciado a evoluçãosubsequente daOrganização daUnidadeAfro-Americana (oaau) em 1964.As declarações e os objetivospolíticosdaoaauassemelham-seclaramenteaosdogoal.VerGrouponAdvancedLeadership(goal)paraMalcolmX,26deoutubrode1963,mxc-s,caixa15,pasta11.

123.“MessagetotheGrassroots”,10nov.1963.In:GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.3-17.124.Id.,ibid.,pp.9-10.125.Id.,ibid.,pp.12-17.126.GraceLeeBoggs, “Let’sTalkAboutMalcolmandMartin”,palestra realizadanoBrechtForum,Nova

York,4maio2007.127.Malcolmécitadonumacartadatadadenovembrode1963,deAlexHaleyparaKenMcCormick,Anne

RomaineCollection,utlsc,sériei,caixa3,pasta24.128.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,14nov.1963,mxc-s,caixa3,pasta6.129.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,19nov.1963,ibid.130.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.131.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.191.132.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.133.“ReminiscencesofMalcolmX:ALecture”,OralHistoryResearchOffice,UniversidadeColumbia,Nova

York.HáumatranscriçãoincompletadafaladeMalcolmXemmxc-s,caixa5,pasta12.134.Ibid.135.Ibid.136.EntrevistacomHermanFerguson,27jun.2003.137.EntrevistacomHermanFerguson,24jun.2004.138.Ibid.139.EntrevistacomHermanFerguson,27jun.2003.

10.“asgalinhasvoltamparaogalinheiro”

1.ClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.200-1.2.KarlEvanzz,op.cit.,pp.271-2.3.ClaudeA.Clegg,op.cit.,p.201.

4.“MalcolmXScoresU.S.andKennedy:LikensSlayingto ‘ChickensComingHometoRoost’”,TheNewYorkTimes,2dez.1963;eentrevistacomHermanFerguson,27jun.2003.

5.Ibid.6.Ibid.7.Ibid.8.Ibid.9.“MalcolmXScoresU.S.andKennedy”,op.cit.10.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.11.EntrevistacomHermanFerguson,27jun.2003.12.ClaudeA.Clegg, op. cit., p. 202; eLouisA.DeCaro,On the Side ofMyPeople, pp. 191-2. Parece que

Malcolm continuou a ter acesso à secretária da Mesquita nº 7 até o começo de 1964. Marilyn E.X.,secretária deMalcom, escreveu para Frank Quinn do San Francisco Council for Civic Unity em 30 dedezembrode1963pedindocópiadeumaentrevistacomMalcolmXnumprogramade tv local, “CitiesandNegroes”.VercartadeMarilynE.X.paraFrankQuinn,30dez.1963,mxc-s,caixa3,pasta4.

13.“MalcolmXSuspendedforjfkRemarks”,AmsterdamNews,7dez.1963.14.Ibid.;e“MalcolmXSuspended”,ChicagoDefender,5dez.1963.15.“XOntheSpot”,Newsweek,dez.1963.16.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.17.EntrevistacomJames67XWarden,17jun.2003.18.Ibid.19. Russell J. Rickford, op. cit., pp. 164-5. Rickford conjetura que a “persistente lealdade” de Malcolm à

noi“talveztenhaprovocadomaisbrigasemcasa”.20.“MalcolmXExpectedtoBeReplaced”,TheNewYorkTimes,6dez.1963.21.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.191-2.22.“MalcolmAnswersJackieRobinson”,ChicagoDefender,7dez.1963.Vertambém“RejectRacistViewsin

OpenRetorttoMalcolm”,ChicagoDefender,14dez.1963.23.“MalcolmXMaintainsSilence”,AmsterdamNews,14dez.1963.24.CartadeMalcolmXparaMartinMiller,6dez.1963,mxc-s,caixa3,pasta4.25.“ASummingUp:LouisLomaxInterviewsMalcolmX”.In:LouisE.Lomax,op.cit.,pp.169-80.26.ClaudeA.Clegg,op.cit.,p.203.27.KarlEvanzz,op.cit.,p.278.28.ClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.203-5.29.Id.,ibid.,pp.205-6.30.Id.,ibid.,pp.203-7;ePeterGoldman,op.cit.,p.125.31.ClaudeA.Clegg,op.cit.,p.207;ePeterGoldman,op.cit.,pp.125-6.32.PeterGoldman,op.cit.,p.126.33.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.34.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,12fev.1964.35.PeterGoldman,op.cit.,pp.127-9.36.DavidRemnick,op.cit.,p.168.37.Fotografia,“ClayCelebrateswithMalcolmX”,ChicagoDefender,6fev.1964.38.Fotografia,“MalcolmX’sFamilyandFriend”,AmsterdamNews,1fev.1964.39.DavidRemnick,op.cit.,pp.168-9.40.“MalcolmXinFlorida”,AmsterdamNews,25jan.1964.41.“CassiusClayAlmostSaysHe’saMuslim”,AmsterdamNews,25jan.1964.42.DavidRemnick,op.cit.,p.169.43.EntrevistacomJames67XWarden,24jul.2007.44.“NotebookSeparationfromnoi”,mxc-s,caixa9,pasta2.45.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.192.

46.“NotebookSeparationfromnoi”,mxc-s,caixa9,pasta2.47.Ibid.48.ClaudeLightfoot,“NegroNationalismandtheBlackMuslims”,PoliticalAffairs,v.41,n.7,pp.3-20, jul.

1962.49.MelanieMcAlister,op.cit.,pp.622-56;eMalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.224-5.50.MelanieMcAlister,op.cit.,p.628.51.LouisE.Lomax,op.cit.,pp.177-80.52.“NotebookSeparationfromnoi”,mxc-s,caixa9,pasta2.53.DavidRemnick,op.cit.,pp.170-2.54.PeterGoldman,op.cit.,pp.128-9.55.DavidRemnick,op.cit.,pp.186-8.56.Id.,ibid.,pp.176,183-200.57.Id.,ibid.,pp.204,207-8;ePeterGoldman,op.cit.,p.129.58.DavidRemnick,op.cit.,p.207.59.“ClayTalkswithMalcolmHere”,TheNewYorkTimes,2mar.1954.60.SteveCady,“Clay,on2-HourTourofU.N.,TellsofPlanstoVisitMecca”,TheNewYorkTimes,5mar.

1964.61.DavidRemnick,op.cit.,p.213.62.“...andtoCompletetheReport”,ChicagoTribune,2mar.1964.63.“ReportClay,MalcolmXPlanNewOrganization”,ChicagoDefender,2mar.1964.64.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.65.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.66.Ibid.67.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.68.Ibid.69.EntrevistacomLangstonHughesSavage(tambémconhecidocomoAnasLuqman),6set.2008.70.Ibid.71.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.72.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.73.Ibid.74.“ClayPutsBlackMuslimXinHisName”,TheNewYorkTimes,7mar.1964.75.DavidRemnick,op.cit.,p.214.76.“ClaytoTakeDraftPhysical”,TheNewYorkTimes,7mar.1964.77.“ClayDropsMalcolmX”,PittsburghCourier,21mar.1964.78.“OrderArrestofBrotherMalcolm”,ChicagoDefender,21maio1964.79.MalcolmX,“WhyIQuit”,AmsterdamNews,14mar.1964.80.M.S.Handler,“MalcolmXSplitswithMuhammad”,TheNewYorkTimes, 9mar. 1964; e “Occasional

Statements,OpenLetters,DeclarationsandLetterstotheEditor,1962-1964”,mxc-s,caixa5,pasta18.81.M.S.Handler,op.cit.82.EntrevistadeWilliamH.GeorgecomopromotorpúblicoassistenteHerbertStern,18demarçode1964,

many.83.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,18jun.1964,p.33.84.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.85.“MalcolmXCharts”,Jet,2abr.1964;eMemorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,11mar.1964.86.“TelegramtoMuhammad”e“MalcolmX:WhyIQuit”,AmsterdamNews,14mar.1964.87.M.S.Handler,“MalcolmXSeesRiseinViolence”,TheNewYorkTimes,12mar.1964.88.Ibid.;Memorandomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,13mar.1964;LouisA.DeCaro,OntheSideofMy

People,p.195;e“OccasionalStatements”,mxc-s,caixa5,pasta18.89.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.163.

90.Id.,ibid.,p.171.

11.umarevelaçãonohajj

1.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,13mar.1964.2.“‘GetGuns,’SaysMalcolmX”,ChicagoDefender,14mar.1964;“TopNewYorkCopVowsFightAgainst

MalcolmX”,ChicagoDefender,17mar.1964;“NegroesSeekOuster”,ChicagoDefender,19mar.1964;eMemorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,26mar.1964.

3.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,13mar.1964;eMemorandomxfbi,EscritóriodeBoston,3abr.1964.

4.“MalcolmXTellsofDeathThreat”,AmsterdamNews,21mar.1964.5.Memorandomxfbi ,EscritóriodeChicago,17mar.1964;Memorandomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,

13mar.1964;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,18jun.1964,p.35.6.Memorandomxfbi,EscritóriodeBoston,3abr.1964.7.Memorandomxfbi,EscritóriodeParis,26ago.1964.8.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,18jun.1964,p.48.9.“MalcolmXMayFormBlackNationalArmy”,AmsterdamNews,25mar.1964;“MalcolmXSaysForma

NewParty”,ChicagoDefender,26mar.1964;eRelatórioresumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,18jun.1964,p.36.

10.Ibid.11.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.207-8.12.DavidJ.Garrow,op.cit.,p.319.13.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.14.“MalcolmXtoOrganizeMassVoterRegistration”,Militant,6abr.1964.15.Ateoriada“revoluçãopermanente”deTrótskisugeriaquesociedadesrevolucionáriaspoderiam“pular”

etapaseconômicasdedesenvolvimento—porexemplo,dofeudalismoparaosocialismo—contornandoocapitalismo.NosEstadosUnidos, issosignificavaqueavanguardadarevoluçãosocialistanãoviriadoproletariado industrial,masdos setoresmaisoprimidosda classeoperáriaedocampesinato.Osnegros,nesse caso, seriam uma força importante dentro da vanguarda da revolução socialista americana. OPartidoSocialistadosTrabalhadores,aconselhavaTrótski,deveriaapoiarmovimentosquepromovessemonacionalismonegroedemandasporautodeterminação.VerManningMarable,BlackAmericanPolitics:FromtheWashingtonMarchestoJesseJackson(Londres:Verso,1985),p.52.

16. Id., ibid.; George Breitman (Org.), op. cit., p. 23; e Robert Terrill,Malcolm X: Inventing RadicalJudgment(Lansing:MichiganStateUniversityPress,2004),pp.121-33.

17. “2,000HearMalcolmX inCleveland”,Militant, 13 jun. 1964.Em tomde provocação,Malcolm acenoutambémcomofantasmadalutaarmadadosnegrosdentrodosEstadosUnidos.Naconvençãopropostaparaagosto,declarouMalcolm:“Sefornecessárioformarumexércitonacionalistanegro,formaremosumexércitonacionalistanegro.”

18.“TheBallotortheBullet”,transcrição,mxc-s,caixa5,pasta8.19.mxfbi,EscritóriodeCleveland,7abr.1964;e“OrganizeRifleClubinOhio”,AmsterdamNews,11abr.

1964.20.JamesBooker,“SeektoEvictMalcolmXfromHomeinQueens”,AmsterdamNews,31mar.1964.21. Memorandofbi, ArquivoMuslimMosque, Incorporated (mmi), Escritório deNova York, 5 abr. 1964;

Diáriosdeviagem(Transcrição):OrienteMédioeOestedaÁfrica,abr./maio1964,mxc-s,caixa5,pasta13.

22.GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.45-57;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.282.23.“MalcolmX’sDetroitDateSparksBattleofMinisters”,Afro-American,11abr.1964.24.Memorandomxfbi,EscritóriodeDetroit,9abr.1964;Memorandomxfbi,EscritóriodeDetroit,14abr.

1964;e“LeadingDixiecratinWhiteHouse”,ChicagoDefender,14abr.1964.25.Diáriosdeviagem,13-14abr.1964,mxc-s,caixa5,pasta13.26.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.326-31;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.204.27.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.328-31,336-7;LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.205;e

“MalcolmXGetsReligion”,ChicagoDefender,14maio1964.28.Diáriosdeviagem,17-19abr.1964,mxc-s,caixa5,pasta13;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,

p.205.29.CartadeMalcolmX,Jidá,ArábiaSaudita,20abr.1964.In:LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.

206;“MalcolmXGetsReligion”,ChicagoDefender;“MalcolmXHasNewNameinArabia”,AmsterdamNews,9maio1964;eJohnL.Esposito,op.cit.,pp.103-4.

30.Diáriosdeviagem,22-23abr.1964,mxc-s,caixa5,pasta13.31.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.179.32.Diáriosdeviagem,22-23abr.1964,mxc-s,caixa5,pasta13.33.Diáriosdeviagem,24abr.1964,ibid.34.Diáriosdeviagem,25abr.1964,ibid.35.Diáriosdeviagem,26-27abr.1964,ibid.36.Diáriosdeviagem,23abr.1964,mxc-s,caixa5,pasta13.37. John L. Esposito, op. cit., pp. 217-8. Em 1980, Hafez al-Assad ordenou a morte de qualquer sírio que

pertencesseàIrmandadeMuçulmana.38.Diáriosdeviagem,27-29abr.1964,ibid.39.Diáriosdeviagem,30abr.1964,ibid.;eItineráriodeMalcolmX,30abr.1964,mxc-s,caixa13,pasta7.40.“NegroModerationDecriedbyMalcolmXinLebanon”,TheNewYorkTimes,2maio1964.41.Diáriosdeviagem,1maio1964,mxc-s,caixa5,pasta13.42.DeclaraçãodeAbdulBasitNaeem,5ago.1959,boss;Diáriosdeviagem,mxc-s,caixa5,pasta13;ecarta

deMalcolmXparaHusseinel-Borai,1jun.1964,e7jan.1965,mxc-s,caixa3,pasta4.43.Ibid.44.Diáriosdeviagem,2-3maio1964,mxc-s,caixa5,pasta13.45.Diáriosdeviagem,4maio1964,ibid.46.Diáriosdeviagem,5maio1964,ibid.47.Diáriosdeviagem,7maio1964,ibid.;E.U.Essien-Udom,BlackNationalism:TheSearchforanIdentity

inAmerica(Chicago:UniversityofChicagoPress,1963)apresentouumacríticafavorávelàNaçãodoIslã.48. Carta de AliceWindom para Christine, maio 1964, Documentos de JohnHenrik Clarke,Manuscritos,

DivisãodeArquivoseLivrosRaros,SchomburgCenterforResearchinBlackCulture,caixa24,pasta33;ItineráriodeMalcolmX,mxc-s,caixa13,pasta7;e“MalcolmXGivesAfricaTwistedLook”,NewYorkJournalAmerican,25jul.1964,queincluitrechosdodiscursodeMalcolm.

49.KevinGaines,AfricanAmericansinGhana.ChapelHill:UniversityofNorthCarolinaPress,2006,pp.198-9;eRobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,pp.376-7.

50.Ver Leslie Lacy, “MalcolmX inGhana”. In: JohnHenrikClarke (Org.),MalcolmX:TheMan andHisTimes(Trenton,nj:AfricaWorldPress,1990),pp.217-25.

51.“AliceWindom”.In:RobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,pp.566-7.52.CartadeAliceWindomparaChristine,maio1964,DocumentosdeJohnHenrikClarke,caixa24,pasta33.53.Diáriosdeviagem,11maio1964,mxc-s,caixa5,pasta13.54.CartadeMalcolmXparammi,11maio1964,mxc-s,caixa13,pasta2.55.“XIsHere”,GhanaianTimes,12maio1964;e“CivilRightsIssueinU.S.IsMislabeled”,GhanaianTimes,

13maio1964.

56.AliceWindomparaChristine,May1964,DocumentosdeJohnHenrikClarke,caixa24,pasta33;ItineráriodeMalcolmX,mxc-s,caixa13,pastas6-7;eDiáriosdeviagem,14-16maio1964,mxc-s,caixa5,pasta13.

57.CartadeAliceWindomparaChristine,maio1964,DocumentosdeJohnHenrikClarke,caixa24,pasta33.58. Calvin Smith (Org.),Where To, Black Man?. Chicago: Quadrangle, 1967, pp. 211-20. O texto é a

transcriçãodapalestradeMalcolmnaUniversidadedeGana.VertambémManningMarable,AfricanandCaribbeanPolitics:FromKwameNkrumahtotheGrenadaRevolution(Londres:Verso,1987),pp.136-43.

59.“AfricanStatesMustForceU.S.forRacialEquality”,GhanaianTimes,15maio1964.60.CartadeAliceWindomparaChristine,maio1964,DocumentosdeJohnHenrikClarke,caixa24,pasta33;

Diários de viagem, 15maio 1964,mxc-s, caixa 5, pasta 13; e Itinerário deMalcolmX,mxc-s, caixa 13,pastas6-7.

61. AliceWindom para Christine, maio de 1964, Documentos de John Henrik Clarke, caixa 24, pasta 33;Memorandofbi,ArquivodoRevolutionaryActionMovement (ram),CartadeW.R.WannallparaW.C.Sullivan,1out. 1964; eRelatório resumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,20 jan. 1965,p. 70.VertambémWilliamWorthy,“TheRedChineseandtheAmericanNegro”,Esquire,pp.132,173-79,out.de1964.

62.CartadeAliceWindomparaChristine,maio1964,DocumentosdeJohnHenrikClarke,caixa24,pasta33.63.EntreosqueacompanhavamAliestavaHerbertMuhammad.Ver“CassiusWithoutHisLip”,Ghanaian

Times, 18maio 1964; “MuhammadAliMeetsHisHero (Nkrumah)”,GhanaianTimes, 19maio 1964; eLloydGarrison,“ClayMakesMalcolmEx-Friend”,TheNewYorkTimes,18maio1964.

64.H.M.Basner,“MalcolmXandtheMartyrdomofRev.ClaytonHewett”,GhanaianTimes,18maio1964.65.JulianMayfield,“BasnerMissesMalcolmX’sPoint”,GhanaianTimes,19maio1964.66.LeslieA.Lacy,“AfricanResponsestoMalcolmX”.In:LeRoiJoneseLarryNeal(Orgs.),BlackFire.Nova

York:WilliamMorrow,1968,pp.32-8.67.CartadeMalcolmXparammi,11maio1964,mxc-s,caixa13,pasta2.68.Diáriosdeviagem,18maio1964,mxc-s,caixa5,pasta13.69.Ibid.70.Diáriosdeviagem,19maio1964,ibid.;ItineráriodeMalcolmX,mxc-s,caixa13,pasta7;“WarrantIssued

for Malcolm X”,Chicago Daily News, 19 maio 1964; “Order Arrest of Brother Malcolm”,ChicagoDefender,21maio1964;e“WarrantforMalcolmasSpeedertoBeIssued”,TheNewYorkTimes,20maio1964.AacusaçãocontraMalcolmeradequeeledirigiaa88quilômetrosporhoranumtrechodaponteTriborough,emNovaYork,ondeavelocidademáximapermitidaerade64quilômetrosporhora,em6demarçode1964.

71. Diários de viagem, 21 maio 1964,mxc-s, caixa 5, pasta 13; Itinerário deMalcolm X, caixa 13, pasta 7;Relatório resumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,20 jan.1965,p.90; “MalcolmXMakes It In fromMecca”,ChicagoDefender,25maio1964;“MalcolmSaysHeIsBackedAbroad”,TheNewYorkTimes,22maio1964;e‘“MyNextMove’:MalcolmX:AnExclusiveInterview”,AmsterdamNews,30maio1964.

72.“MalcolmSaysHeIsBackedAbroad”,TheNewYorkTimes,22maio1964.

12.“deemumjeitoemmalcolmx”

1.Memorandofbimmi,EscritóriodeNovaYork,26mar.1964.2.“LynnShifflettin‘BigSister’Contest”,LosAngelesSentinel,28abr.1955;“MarionDeManHostsTeenager

Party”,Los Angeles Sentinel, 25 ago. 1955; “Jack, Jill Conference First for Teen-Agers”,Los AngelesSentinel,1set.1955;e“FoundersDayNotedbySigmaGammaRho”,LosAngelesSentinel,27dez.1956.

3. “The Guest Comer”,Los Angeles Sentinel, 11 jul. 1957; “College Girl Relates African Experiences”,Los

AngelesSentinel,13nov.1958;“PhotoofShifflett”,LosAngelesSentinel,30abr.1959;“PhotoofShifflett”,LosAngelesSentinel,22out.1959;e“PhotoofShifflett”,LosAngelesSentinel,6jul.1961.

4.EntrevistacomPeterBailey,4set.1968,DivisãodeManuscritos,CentrodePesquisaMoorland-Spingarn,BibliotecadaUniversidadeHoward.

5.EntrevistacomPeterBailey,20jun.2003.6.EntrevistacomPeterBailey,4set.1968.7.EntrevistacomPeterBailey,20jun.2003.8.EntrevistacomHermanFerguson,24jun.2004.9.Ibid.10.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.199-200.11. “AConversationwithOssieDavis”,Souls,v.2,n.3,pp.6-16,verão2000,citação,p.15.Davis também

previu queMalcolmX voltaria a ser “figura central em qualquer iniciativa para unir, reagrupar, nossasforças,eparanosprepararmosparaoferozataquequecertamentecairiasobrenósnestenovoséculo”.

12.VerVonHugoWashington,AnEvaluationofthePlayPurlieVictoriousandItsImpactontheAmericanTheaterScene,WayneStateUniversity,1979.Tesededoutorado.

13.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.14.EntrevistacomNorman3XButler(tambémconhecidocomoMuhammadAbdulAziz),22dez.2008.15.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.16.Ibid.17.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.180-1.18.Id.,ibid.,p.182.19. Ministro Lewis, “Minister Who Knew Him Best Part I, Rips Malcolm’s Treachery, Defection”,

MuhammadSpeaks,8maio1964.VertambémministroLouis,“FallofaMinister”,MuhammadSpeaks, 5jun.1964.

20.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.21.EntrevistacomHermanFerguson,24jul.2004.22.EntrevistacomBettyShabazz,27jan.1989,AnneRomaineCollection,utlsc,sériei,caixa3,pasta24.23.M. S.Handler, “MalcolmX Pleased byWhites’ Attitude onTrip toMecca”,TheNewYorkTimes, 8

maio1964.24.JamesBooker,“IsMeccaTripChangingMalcolm?”,AmsterdamNews,23maio1964.25.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,11dez.1963,kmc,caixa44,pasta1.26.CartadeAlexHaleyparaKennethMcCormick,TonyGibbs,Jr.,ePaulReynolds,28dez.1963,ibid.27.AlexHaleyparaKennethMcCormick,TonyGibbs,Jr.,ePaulReynolds,19jan.1964,kmc,caixa44,pasta

2.28.CartadeWolcottGibbsJr.,paraAlexHaley,29jan.1964,ibid.29.CartadeAlexHaleyparaKenMcCormick,WolcottGibbs,Jr.,ePaulReynolds,28jan.1964,ibid.30.CartadePaulReynoldsparaTonyGibbsJr.,7fev.1964,ibid.31.CartadeAlexHaleyparaTonyGibbsJr.,11fev.1964,ibid.32.CartadeAlexHaleyparaKenMcCormick,PaulReynolds,eTonyGibbsJr.,18fev.1964,ibid.33.CartadeAlexHaleyparaKenMcCormickePaulReynolds,21mar.1964,ibid.34.CartadePaulReynoldsparaAnthonyGibbsJr.,30mar.1964,ibid.35.CartadeAnthonyGibbsJr.paraRobertBanker,7abr.1964,ibid.36.Memorandomxfbi ,EscritóriodeChicago,27maio1964; e “MalcolmSaysHe IsBackedAbroad”,op.

cit.37.“GoalsChangedbyMalcolmX”,LosAngelesTimes,24maio1964;Relatórioresumidomxfbi,Escritório

deNovaYork,20 jan.1965,pp.10-1,15,98-100;Relatórioresumidofbimmi,EscritóriodeNovaYork,6nov.1964,p.14;e“PhotoStandalone”,ChicagoDefender,20maio1964.

38.“GoalsChangedbyMalcolmX”,LosAngelesTimes;eGeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.178-9.39.JudithMartin,“GregoryPredictsSocialRevolution”,TheWashingtonPost,28abr.1964.

40.DrewPearson,“AComedianSoundsaWarning”,LosAngelesTimes,19maio1964.GregorytambémfazcomparaçõesentreMalcolmeaKuKluxKlan:“AKlandizaosnegros: ‘Nãosemetamcomasmulheresbrancas.Nãomoremnumbairrobranco’.MalcolmXdizamesmacoisa”.

41.“CivilRightsChiefsFormNationalUnit”,TheNewYorkTimes,17abr.1964.42.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.43.Ibid.44.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.231.45.JesseLewis,“ManWho‘Tamed’MalcolmIsHopeful”,TheWashingtonPost,18maio1964.46.“AVisitfromthefbi”.In:JohnHenrikClarke(Org.),op.cit.,pp.182-204.47.GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.64-71.48. Ibid., pp. 68-9.Malcolm também usou o fórum em busca de potenciais aliados brancos, indicando seu

rompimento com o separatismo racial danoi. “Trabalharemos com qualquer pessoa, qualquer grupo,pouco importa a cor”, declarouMalcolm, “desde que estejam genuinamente interessados em tomar asmedidas necessárias para acabar com as injustiças de que os negros deste país são vítimas” (p. 70).VertambémRelatórioresunimdomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.78-9.

49.“‘MyNextMove’:MalcolmX”,op.cit.50. Relatório resumidomx fbi , Escritório de Nova York, 20 jan. 1965, p. 56; e Relatório resumidofbi

Goodman,EscritóriodeNovaYork,16out.1964.51.RobertE.Terrill,op.cit.,p.138.52.Memorandofbimmi,EscritóriodaFiladélfia,3jun.1964;Memorandofbimmi,EscritóriodaFiladélfia,9

jun.1964;Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.59;RelatórioresumidofbiGoodman,EscritóriodeNovaYork,16out.1964;e“Schedule”,4-7jun.1964,mxc-s,caixa13,pasta7.

53.mxfbi ,TelegramadeJ.EdgarHooverparaEscritóriodeNovaYork,5 jun.1964;e“Schedule”,4-7 jun.1964,mxc-s,caixa13,pasta7.

54.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.55.55.Ibid.56.RelatórioresumidofbiSharrieff,EscritóriodeChicago,27ago.1964.57.Ibid.58. Marjorie Lee, Akemi Kochiyama-Sardinha, e Audee Kochiyama-Holman (Orgs.),Passing It On: A

MemoirbyYuriKochiyama. LosAngeles: uclaAsianAmerican StudiesCenter Press, 2004, pp. 67-70; e“Schedule”,4-7jun.1964,mxc-s,caixa13,pasta7.

59.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.20-1.60.TaylorBranch,op.cit.,p.328.61. Relatório resumidofbi Morris, Escritório de Nova York, 1 mar. 1965; e Relatório resumidomx fbi ,

EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.3-4,22.62.TaylorBranch,op.cit.,p.329.63. Memorandomxfbi , Escritório de Nova York, 9 jun. 1964; Relatório resumidomxfbi , Escritório de

NovaYork,20jan.1965,pp.16,21;eLouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.331.64.Memorandofbi,Arquivodaoaau,EscritóriodeNovaYork,19jun.1964.65.EntrevistacomJames67XWarden,18jun.2003.66.EntrevistacomJames67XWarden,24jul.2007.67.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.15.68.TaylorBranch,op.cit.,p.346.69.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.22-3,59;eTaylorBranch,op.cit.,

p.346.70.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,16jun.1964.71.mxfbi,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,13jun.1964.72.RelatórioresumidofbiGoodman,EscritóriodeNovaYork,10out.1964;Memorandofbimmi,Escritório

de Boston, 15 jun. 1964; efbi mmi, Teletipo, Escritório de Boston, 15 jun. 1964. Os homens queacompanhavamBenjamineramosex-membrosdanoiAubreyBarnette,RobertLeeWise,JohnThomas,FrankTerrelongo,GoulbourneBusby Jr.,LarrynDouglas,eo sobrinhodeMalcolmRodnellCollins,dedezenoveanos.

73.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.60.74. “Malcolm X Death Threat Brings Heavy Court Guard”,New York Telegraph and Sun, 1 jun. 1964;

“Muslims Deny Fight Going On within Ranks”,ChicagoDefender, 18 jun. 1964; emx fbi , Teletipo,EscritóriodeNovaYork,16jun.1964.

75.TranscriçãodoJulgamentodoTribunalCíveldoCondadodeQueens,15-16jun.1964.76.Ibid.77.Ibid.78.Ibid.79.Ibid.80.Ibid.81.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.70.82. Memorandomxfbi , Escritório deNova York, 19 jun. 1964.Os homens presos eramWilliamGeorge,

HerbertDudley, JesseRyans,VincentWoldan, JamesVestal, eGeorgeWhitney.Ver tambémfbimmi,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,17jun.1964.

83.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.75.84.TaylorBranch,op.cit.,p.332.85.CartadeMarilynE.X.paraHenryKissinger,18jun.1964,mxc-s,caixa3,pasta4.86.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.4-5.87.Ibid.,p.4.88.CartadeMalcolmXparaJosephIffeorah,22jun.1964,mxc-s,caixa3,pasta4.89.CartadeMalcolmXparaSaraMitchell,22jun.1964,ibid.90.“MuslimFactionsKeepFighting”,AmsterdamNews,27jun.1964;eentrevistacomLarry4XPrescott,9

jun.2006.91.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.Atéhoje,Larry4Xnãosearrependedesuasações:“Tomei

a arma dele e espanquei-o com ela. E é bom que saibam que eu não tinha intenção de atirar. Masdefinitivamentedei-lheumasboaspancadasnotraseirocomela”.

92. Carta deMalcolm X para ElijahMuhammad, 23 jun. 1964,mxc-s, caixa 13, pasta 1; e “Malcolm X toElijah:Let’sEndtheFighting”,NewYorkPost,26jun.1964.

93.EntrevistacomHermanFerguson,24jun.2004.94. “OrganizationofAfro-AmericanUnity,AStatementofBasicAimsandObjectives”. In: JohnH.Clarke

(Org.),op.cit.,pp.335-42;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1964,pp.25,29,76.

95. “OrganizationofAfro-AmericanUnity,A StatementofBasicAims andObjectives”, op. cit.;RobertE.Terrill,op.cit.,pp.138-9;WilliamW.Sales,FromCivilRights toBlackLiberation:MalcolmXandtheOrganizationofAfro-AmericanUnity.Boston: SouthEnd, 1994, pp. 104-7;DavidHerman, “MalcolmXLaunches a New Organization”,Militant, 13 jul. 1964; e “Program of Organization of Afro-AmericanUnity”,Militant,13jul.1964.

96.CartadeWolcottGibbsJr.,paraRobertBanker,1jul.1964,kmc,caixa44,pasta1;eCartadaDoubledayandCompany,Inc.,paraAlexHaleyeMalcolmX,àsvezeschamadodeMalikShabazz,8jul.1964,kmc,caixa44,pasta1.Emmeadosde julhode1964,Haleydisseaoseuagente literário,PaulReynolds,queaAutobiografiaestavapraticamenteterminada;seuposfáciopoderiaserescritoemmenosdeumasemana.“Poderáestarpronto...pelofimdomês.”VerCartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,14jul.1964,kmc,caixa44,pasta1.

97.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,8jun.1964,mxc-s,caixa3,pasta6.

98.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,21jun.1964,ibid.99.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,21jun.1964,ibid.100.RobertPennWarren,WhoSpeaksfortheNegro?.NovaYork:RandomHouse,1965,pp.251-66.101.Id.,ibid.,p.260.102.EntrevistacomMaxStanford(tambémconhecidocomoMuhammadAhmed),31jan.2003.103.Ibid.104.Ibid.105.Ibid.106.EntrevistacomMaxStanford,28ago.2007.Emsuaentrevistade2007,Stanfordatribuiuarevelaçãoda

mácondutasexualdeElijahMuhammadporMalcolmaumsensodehumilhação.DepoisdojulgamentonoQueens,MalcolmjustificouseuataqueaMuhammadexplicandoaStanfordquetinhasidoumbobo,eque saírapelomundodizendoqueElijahMuhammad“éumhomemsanto”, quandonaverdadeElijahMuhammadandavaenvolvidocommuitasmulheres.“Estavaarrasado, totalmente...SabequeMalcolmfoimalandroderua,manipuladordemulheres,certo?Poisomanipuladorfoimanipulado.”

107.EntrevistacomGerryFulcher,3out.2007.108.Ibid.109.Ibid.110.“MalcolmXRepeatsCallforNegroUnityonRights”,TheNewYorkTimes,29jun.1964.111.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.29.112.fbioaau,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,30jun.1964.113.“MalcolmSendingArmedTroopstoMississippi”,ChicagoDefender,2jul.1964.114.Memorandomxfbi ,EscritóriodeChicago,26 jul.1964;eMemorandomxfbi ,EscritóriodeChicago,

23jul.1964.115.“TwoPaternitySuits”,TheNewYorkTimes,4 jul.1964;“DenyPaternitySuits”,ChicagoDefender, 6

jul.1964;e“Ex-SweetheartofMalcolmXAccusesElijah”,AmsterdamNews,11jul.1964.Em7dejulho,RosemarydeuàluzemLosAngelesoutracriançacujopaieraMuhammad.

116. “Malcolm X Flees forHis Life”,PittsburghCourier, 11 jul. 1964; “New York Police Put Guard”,TheWashingtonPost,5jul.1964;eJohnShabazz,“MuslimMinisterWritestoMalcolm”,MuhammadSpeaks,3jul.1964.

117.RelatórioresumidofbiGoodman,EscritóriodeNovaYork,16out.1964.118.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.204.119.CartadeMalcolmXparaHassanSharrieff,9jul.1964,mxc-s,caixa3,pasta4.120.mxfbi,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,10jul.1964;eMemorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,

10jul.1964.121.“MalcolmXSeeksU.N.Aid”,ChicagoDefender,13jul.1964;e“MalcolmXtoMeetLeadersinAfrica”,

TheNewYorkTimes,10jul.1964.122. Peter Goldman,The Death and Life of Malcolm X, pp. 204-5. Goldman via corretamente Malcolm

“como uma força contra tumultos no Harlem”, não porque a estrutura de poder dos Estados Unidosbrancosnãomerecesseseralvoderevoltas,mas“porqueeleamavademaisoHarlem”(p.204).

123.VerDiáriosdeviagem(Transcrição):ÁfricaeOrienteMédio,jul./nov.1964,9-11jul.1964,mxc-s, caixa5,pasta14.

124.EntrevistacomMaxStanford,28ago.2007.

13.“nalutapeladignidade”

1.“MalcolmXReportsHeNowRepresentsWorldMuslimUnit”,TheNewYorkTimes,11out.1964.2.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.105;“MalcolmXinCairo”,TheNew

YorkTimes,14jul.1964;eDiáriosdeviagem(Transcrição):ÁfricaeOrienteMédio,jul./nov.1964,12jul.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.

3.Diáriosdeviagem,13-17jul.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.4.Ibid.5.Discursonaoua,17jul.1964,mxc-s,caixa14,pasta5;eDiáriosdeviagem,17-21jul.1964,mxc-s,caixa5,

pasta14.6. “Malcolm X Bids Africans Take Negro Issue to U.N.”,The New York Times, 17 jul. 1964; e Louis A.

DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.236-8.7.“MalcolmXFailswithAfricans”,ChicagoDefender,27jul.1964.8.M.S.Handler,“MalcolmXSeeksU.N.NegroDebate”,TheNewYorkTimes,13ago.1964.9.CartadeMalcolmXparaBettyShabazz,4ago.1964,mxc-s,caixa3,pasta2.10.Diáriosdeviagem,4ago.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.11.Ibid.12.“Muhammad’sSontoQuit,SaysReport”,ChicagoDefender,17ago.1964.13.VictorRiesel,“AfricanIntriguesofMalcolmX”,LosAngelesTimes,7ago.1964.14.CartadeMalcolmXparaBettyShabazz,4ago.1964,mxc-s,caixa3,pasta2.15.Diáriosdeviagem,6-7ago.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.16.Diáriosdeviagem,11-16ago.1964,ibid.17.Ibid.;Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,8set.1964;e“The2ndAfricanSummitConference”,

mxc-s,caixa5,pasta18.18.MalcolmX, “TheSecondAfricanSummitConference,August 21, 1964”. In: JohnH.Clarke (Org.), op.

cit.,pp.294-8.19.Id.,ibid.,pp.299-300.20. “Racism: The Cancer That Is Destroying America”,mxc-s, caixa 5, pasta 10. Fanon apresentou esse

argumentoemBlackSkin,WhiteMasks(NovaYork:Grove,1967).21.Diáriosdeviagem,26-29ago.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.22.Diáriosdeviagem,20ago.1964,ibid.23. Relatório resumidomxfbi , Escritório deNova York, 20 jan. 1965, pp. 57-8, 140; e “Order Eviction of

MalcolmX”,AmsterdamNews,5set.1964.24.MemorandofbiGoodman,cartadeNicholasKatzenbachparaodiretor,set.1964.25. Diários de viagem, 12 set. 1964, ibid; Memorandomx fbi , Escritório de Nova York, 10 set. 1964; e

Anúncio,ChicagoDefender,12set.1964.26.Diáriosdeviagem,5set.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.27.Diáriosdeviagem,15set.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.Al-Shukarifoinomeadopresidentedaolpnuma

conferênciadeJerusalémde31demaioa4dejunhode1964.28.MalcolmX,“ZionistLogic”,EgyptianGazette,17set.1964.29.ManningMarable,AfricanandCaribbeanPolitics,p.134.30. EdwardE.Curtis iv,Islam inBlackAmerica.NovaYork:StateUniversityofNewYorkPress, 2002,p.

100.31. Id., ibid., pp. 104-5; e Antoine Sfier (Org.),TheColumbiaWorldDictionary of lslamism. Nova York:

ColumbiaUniversityPress,2007,pp.290-1.32.Diáriosdeviagem,16set.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.33.Diáriosdeviagem,18-19set.1964,ibid.34.Diáriosdeviagem,22set.1964,ibid.;eMemorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,5out.1964.35.CartadeMalcolmXparaM.S.Handler,22set.1964,documentosdeAlexHaley,DivisãodeManuscritos,

Arquivos e Livros Raros, Centro Schomberg de Pesquisa de Cultura Negra, caixa 3, pasta 1; e M. S.

Handler,“MalcolmRejectsRacistDoctrines”,TheNewYorkTimes,4out.1964.36.CartadeMalcolmXparaM.S.Handler,22set.1964,documentosdeAlexHaley,caixa3,pasta1.37.CartadeMalcolmXparaM. S.Handler, 23 set. 1964, ibid.; e “MalcolmXReportsHeNowRepresents

WorldMuslimUnit”,TheNewYorkTimes,11out.1964.38. Diários de viagem, 24-25 set. 1964,mxc-s, caixa 5, pasta 14. De acordo com ofbi, Malcolm foi à

embaixada dos eua no Kuwait em 29 de setembro de 1964 e obteve um novo atestado médico. VerMemorandomxfbi,EscritóriodeWashington,1out.1964.

39.MarianFayeNovak,“MeetingMr.X”,AmericanHeritage,v.46,n.1,pp.36-9,fev./mar.1995.40.CartadeAlexHaleyparaMalcolmX,14out.1964,mxc-s,caixa3,pasta6;Diáriosdeviagem,29set.1964,

mxc-s,caixa5,pasta14.41.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.16-8.42.Diáriosdeviagem,8out.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.43. Sobre A. M. Babu, ver Carole Boyce Davies (Org.),Encyclopedia of the African Diaspora: Origins,

Experiences,andCulture(SantaBarbara:abc-Clio,2008),p.139;eJohnH.Clarke(Org.),op.cit.,p.261.44.Diáriosdeviagem,12-13out.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.45.Diáriosdeviagem,16-17out.1964,ibid.46.Diáriosdeviagem,18out.1964,ibid.47.Diáriosdeviagem,19-20out.1964,ibid.48.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,pp.22-23.49.Diáriosdeviagem,19-20out.1964,mxc-s,caixaS,pasta14.50.Diáriosdeviagem,21-22out.1964,ibid.51.Diáriosdeviagem,24-30out.1964,ibid.52.Diáriosdeviagem,1nov.1964,ibid.53.EntrevistacomHermanFerguson,24jun.2004.54.Ibid.55.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.56.Ibid.57.RelatórioresumidofbiGoodman,EscritóriodeNovaYork,16out.1964.58.Ibid.;Memorandofbioaau,EscritóriodeNovaYork,13jul.1964.59.RelatórioResumidofbimmi,EscritóriodeNovaYork,6nov.1964,p.28.60.Ibid.,p.44.61.Memorandofbimmi,EscritóriodaFiladélfia,5ago.1964.62.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.63.Ibid.64.Ibid.65.RelatórioresumidofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,1mar.1965.66.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.197.OsegundonomedeGamilaheraumahomenagemaomártircongolês

PatriceLumumba,assassinadoem1961comajudadacia.67.Id.,ibid.68.Id.,ibid.,pp.200-1.69.RelatórioresumidofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,1mar.1965.70.CartadeMalcolmparaBettyShabazz,29jul.1964,mxc-s,caixa3,pasta2.71.CartadeMalcolmparaBettyShabazz,4ago.1964,mxc-s,caixa3,pasta2.72.Relatório resumidofbiShabazz,EscritóriodeNovaYork,30ago.1968;Memorandofbimmi,Escritório

daFiladélfia,29set.1964.73.Memorandofbimmi,EscritóriodeNovaYork,27ago.1964.74.RelatórioresumidofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,1mar.1965.75.Diáriosdeviagem,1-2nov.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.

76.Diáriosdeviagem,4nov.1964, ibid.VerGeraldHorne,RaceWoman:TheLivesofShirleyGrahamDuBois(NovaYork:NewYorkUniversityPress,2000).

77.Diáriosdeviagem,2-3nov.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.78.Diáriosdeviagem,4-5nov.1964,ibid.79.MayaAngelou,ASongFlungUptoHeaven.NovaYork:RandomHouse,2002,p.3.80.Diáriosdeviagem,6nov.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.81.Diáriosdeviagem,7nov.1964,ibid.82.Diáriosdeviagem,8-9nov.1964,ibid.83.Ibid.84.Diáriosdeviagem,11nov.1964,mxc-s,caixa5,pasta14.85.Diáriosdeviagem,12-14nov.1964,ibid.86.Diáriosdeviagem,15nov.1964,ibid.87.Diáriosdeviagem,16nov.1964,ibid.88.VerNicolDavidson,“AliouneDiopandtheAfricanRenaissance”,AfricanAffairs,v. 78,n. 310,pp.3-11,

jan.1979.89.“MalcolmXAccusesU.S.andTshombe”,LosAngelesTimes,25nov.1964;“MalcolmX,BackintheU.S.,

Accuses Johnson on Congo”,TheNewYorkTimes, 25 nov. 1964; Memorandomxfbi , Escritório deNovaYork,25nov.1964;Relatórioresumidomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,20 jan. 1965,p.B; emxfbi,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,24nov.1964.

14.“estehomemmerecemorrer”

1.Memorandomxfbi,EscritóriodaFiladélfia,22out.1964.2.Memorandofbimmi,EscritóriodeNovaYork,22out.1964.3.RelatórioresumidofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,1mar.1965;eMemorandomxfbi ,Escritóriode

NovaYork,1dez.1964.4.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.5.“TheHomecomingRallyoftheoaau”.In:GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.132-56.6.Id.,ibid.7.CartadeHajjMalikel-ShabazzparaMuhammadSourourel-Sabban,30nov.1964,mxc-s,caixa3,pasta4.8.CartadeHajjMalikel-ShabazzparaMuhammadTaufikOweida,30nov.1964,mxc-s,caixa3,pasta4;9. Ibid.,pp.252-3;Memorandomxfbi ,EscritórioemLondres,9dez.1964;Memorandomxfbi ,Escritório

deLondres,11jan.1965;e“CheersforMalcolmXatOxford”,DailyTelegraph,4dez.1964.10.“MilitantMuslim”,ManchesterGuardianWeekly,10dez.1964.11.Relatórioresumidofbimmi,EscritóriodeNovaYork,21fev.1965,p.40;mxfbi,Teletipo,Escritóriode

NovaYork,6dez.1964;eoconviteparaumarecepçãodorepresentantetanzanianodasNaçõesUnidas,9dedezembrode1964,emDocumentosdaoaau,CentroSchomburgdePesquisadeCulturaNegra.

12.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,p.236.13. Carta de Hajj Malik el-Shabazz (Malcolm X) paraWalithMohammed (WallaceMuhammad), 21 dez.

1964,mxc-s,caixa3,pasta4.14.EntrevistacomJames67XWarden,24jul.2007.15.Ibid.16.“CommunicationandReality”.In:JohnH.Clarke(Org.),op.cit.,pp.307-20.17.WilliamGálves,CheinAfrica:CheGuevara’sCongoDiary.Melbourne,Austrália:Ocean,1999,pp.27-8.18. Ofbi calculou que em 13 de dezembro de 1964 havia 2 mil pessoas na plateia do Audubon. Ver

Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,8jan.1965.19.“AttheAudubon,December13,1964”.In:GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.88-104;eMemorandomx

fbi,EscritóriodeNovaYork,8jan.1965.20.Id.,ibid.21.OmelhorestudodasatividadesguerrilheirasdeErnestoCheGuevaranoCongoem1965éodeWilliam

Gálvez,CheinAfrica,especialmentepp.29-32,35-6,43.Umaexcelentebiografiaéde JonLeeAnderson,CheGuevara(NovaYork:Grove,1997).

22.Relatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,20jan.1965,p.56.23. VerMuhammad Speaks, 25 set. 1964, especialmente capitão Joseph e Jeremiah X, “Biography of a

Hypocrite”.24.EdwinaX,“OpenInvitation:CometoMuhammad’sMosque”,MuhammadSpeaks,26nov.1964.25. Louis X, “BostonMinister Tells ofMalcolm:Muhammad’s Biggest Hypocrite”,Muhammad Speaks, 4

dez.1964.26.ClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.226,330;e“MuslimsCharged”,AmsterdamNews,14nov.1964.27.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.28. “At theAudubon”. In:GeorgeBreitman (Org.), op. cit., pp. 115-36;Memorandomxfbi ,Escritóriode

NovaYork,21dez.1964,e22dez.1964;e“MalcolmFavorsMauMauinU.S.”,TheNewYorkTimes, 21dez.1964.

29. Discurso de W. E. B. Du Bois em seu 91º aniversário (21 fev. 1959), de Pequim, apresentou ideiasparecidassobreaChinacomomodeloparaosnãoeuropeusoprimidosdomundo.Malcolmmanteve-seemcomunicaçãocomafamíliaDuBois;narealidade,tinhaacabadodeescreverparaDavidDuBoisem15dedezembrode1964, insistindoparaqueabrisseumafilialdaoaaunoEgito.VerManningMarable,W.E.B.DuBois,pp.205-6;ecartadeMalcolmXparaDavidGraham,15dez.1964,mxc-s,caixa3,pasta4.

30.“AttheAudubon”.In:GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.115-36.31.ReminiscênciasdeJamesFarmer(1979),emUniversidadeColumbia,ColeçãodeRelatosePesquisasOrais.32. Relatório resumidofbimmi, Escritório de Nova York, 21 maio 1965, p. 27; Memorandomx fbi ,

EscritóriodeNovaYork,30dez.1964.33.“ConvictMuslimsinBoston”,AmsterdamNews,6fev.1965;TaylorBranch,op.cit.,p.549.34. Memorandomxfbi , [citado] paraW. C. Sullivan, 29 dez. 1964; e Memorandomxfbi , Escritório da

Filadélfia,19jan.1965.35.Memorandomxfbi,EscritóriodaFiladélfia,19jan.1965.36.CartadeHajjMalikel-ShabazzparaAkbarMuhammad,30dez.1964,mxc-s,caixa3,pasta7.37.Ibid.38.Carta deAlexHaleyparaPaulReynolds, 17 out. 1964,AnneRomaineCollection, utlsc, série i, caixa 3,

pasta24.39.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,19nov.1964,ibid.40.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,14fev.1965,ibid.41.“ToMississippiYouth”.In:GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.137-46.42.“IsMalcolmXClueingInAfricansonU.S.?”,Militant,11jan.1965.43. mx fbi , Teletipo, Escritório de Washington, 6 jan. 1965; Memorandomx fbi , Escritório de

Washington,cartadodiretorparaOttawa,3jan.1965;e“FrontPageChallengewithMalcolmX”,cbc,5jan. 1965 (Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=Id98ph7tzb8&feature=related> [parte 1] e<http://www.youtube.com/watch?v=iusthrNcgqq&feature=related>[parte2];últimoacessoem:5fev.2013).

44.“ProspectsforFreedomin1965”.In:GeorgeBreitman(Org.),op.cit.,pp.147-56.45.CartadeMalcolmXparaCarlosMoore,15jan.1965,mxc-s,caixa3,pasta4.46.CartaMalcolmXparaMayaMake,15jan.1965,ibid.

47.“1,000inVigilDefyColdinHarlem”,TheNewYorkTimes,18jan.1965.48. Ibid.Malcolmprometeuqueem1965osnegros“nãoserãocontrolados...nãoserãomantidosnocurral,

nãoserãorefreadosdeformaalguma”.49.Ibid.50.Ibid.51.EntrevistadeMalcolmXcomPierreBertonemToronto,19jan.1965,emDavidGallen(Org.),Malcolm

X:AsTheyKnewHim(NewYork:CarrollandGraf,1992),pp.179-87.52.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.53.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.201-2,248.54.KarlEvanzz,op.cit.,p.315.55.JamesBooker,“MalcolmXSpeaks”,AmsterdamNews,6fev.1965.56.“MalcolmXWastoTestifyHereinSuits”,LosAngelesTimes,25fev.1965.57. Relatório resumidomxfbi , Escritório deNova York, 8 set. 1964, pp. 19-20, 37; e PeterGoldman,The

DeathandLifeofMalcolmX,pp.250-1.58.PeterGoldman,op.cit.,p.251; “MalcolmXHadFearofDeathWhile inL.A.”,LosAngelesTimes, 23

fev. 1965; Memorandomx fbi , Escritório de Chicago, 29 jan. 1965;mx fbi , Teletipo, Escritório deChicago,31jan.1965;eRelatórioresumidomxfbi,EscritóriodeNovaYork,8set.1964,p.36.

59.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,17fev.1965;Memorandofbioaau,EscritóriodeChicago,4 fev. 1965, e 18 fev. 1965;mxfbi , Teletipo, Escritório deChicago, 31 jan. 1965;Memorandomxfbi ,EscritóriodeChicago,4fev.1965,e18fev.1965.

60.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,2fev.1965;efbioaau,Anexo,EscritóriodeNovaYork,2fev.1965.

61. JamesBooker,“MalcolmXSpeaks”,AmsterdamNews,6 fev. 1965; eSteveClark (Org.),February1965:TheFinalSpeeches.NewYork:Pathfinder,1992,pp.17-9.

62.“Booker,MalcolmXSpeaks”,AmsterdamNews,6 fev.1965;eMemorandomxfbi ,EscritóriodeNovaYork,9fev.1965.

63.SteveClark(Org.),op.cit.,pp.20-2.64. “StopDemonstrations”,ChicagoDefender, 6 fev. 1965; SteveClark (Org.), op. cit., pp. 23-8; emxfbi ,

Teletipo,Escritório deNovaYork, 4 fev. 1965.Poucas semanas depois,Malcolm fezuma interpretaçãobem diferente de sua experiência em Selma. Na palestra de 15 de fevereiro de 1965 no Audubon, elecriticou“meubomamigo,ojustoreverendodr.Martin[risadas]emAlabama,usandocriançasdeescolapara fazeroqueogoverno federaldeveria fazer...Criançasdeescolanãodeveriamfazerpasseatas”.UmdosassistentesdeKingnãoqueriaqueMalcolmfalassecomjovensenvolvidosnoprotesto.“Ascriançasfazemquestãodequeeusejaouvido.Muitosestudantesdosnccfazemquestãodequeeusejaouvido.Éminhaúnicaoportunidadedefalarparaeles.”VerSteveClark(Org.),op.cit.,pp.138-9.

65.Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,2fev.1965;Memorandomxfbi,EscritóriodeNovaYork,8fev.1965,e9fev.1965;eMemorandomxfbi,EscritóriodeTóquio,19fev.1965.

66.SteveClark(Org.),op.cit.,pp.32-3.67.Id.,ibid.,p.33.68.Id.,ibid.,pp.34-41;mxfbi,Cabograma,EscritóriodeParis,11fev.1965;Memorandomxfbi,Escritório

deNovaYork,10fev.1965,e11fev.1965;e“FranceBarsMalcolm”,ChicagoDefender,10fev.1965.69.CartadeMalcolmXparaDeanRusk,10fev.1965,mxc-s,caixa3,pasta4.70.SteveClark(Org.),op.cit.,pp.42-4.71.Id.,ibid.,pp.46-65.72.Id.,ibid.73.“Aid toMalcolmXbybbcAssailed”,TheNewYorkTimes, 14 fev. 1965; “MalcolmXPaysSmethwick

Call”,TheWashingtonPost, 14 fev. 1965; e “MalcolmXOnTour”,NewYorkHeraldTribune,14 fev.1965.

74.GeneSherman,“MalcolmXStirsUpResentmentinBritain”,LosAngelesTimes,14fev.1965.75.SteveClark(Org.),op.cit.,pp.69-72.76.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.222.77.Id.,ibid.78.Id.,ibid.,pp.222-4;“MalcolmX’sHomeIsBombed”,ChicagoTribune,15fev.1965;“ThreeFireBombs

HitHomeofMalcolmX”,LosAngelesTimes,15fev.1965;“MalcolmX,KinFleeBombing”,NewYorkDailyNews,15fev.1965;“WhoBombedMalcolmX’sHome?”,NewYorkPost,15fev.1965;“MalcolmXDeniesHeIsBomber”,AmsterdamNews,20fev.1965;e“MalcolmXAccusesMuslims”,TheNewYorkTimes,16fev.1965.

79.EntrevistacomThomas15X Johnson,29 set.2004.Depoisdamortede Johnson’s,opesquisadorAbdur-Rahman Muhammad, estudioso de Malcolm X, também confirmou que membros danoiforamresponsáveisporatacarabombaacasadosShabazz.

80.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.222-4.

15.amortecheganahora

1.Memorandotmxfbi,cartadeW.C.SullivanparaJ.F.Bland,1fev.1965;Memorandomxfbi ,Escritório

deDetroit,14fev.1965e17fev.1965;eSteveClark(Org.),op.cit.,pp.75-107.2. Reverendo Albert Cleage, “Myths AboutMalcolm X”,International Socialist Review, v. 28, n. 5, p. 33,

set./out.1967.3.SteveClark(Org.),op.cit.,pp.75-107.4. “MalcolmX’sHome Is Bombed”,ChicagoTribune; “Three Fire BombsHitHome ofMalcolmX”,Los

AngelesTimes;e“MalcolmX’sHomeisFire-Bombed”,TheWashingtonPost,15fev.1965.5.“MalcolmAccusedMuslimsofBlaze;TheyPointtoHim”,TheNewYorkTimes,18fev.1965;“Malcolm

XPromisesNamesofBombers”,LosAngelesSentinel,18fev.1965;“MalcolmXDeniesHeIsBomber”,AmsterdamNews;e“BottleofGasolineFoundonDresserinMalcolmXHome”,TheNewYorkTimes,17fev.1965.

6. Bruce Perry (Org.), op. cit., pp. 111-49; “Malcolm Links Klan,Muslims”,New York Post, 16 fev. 1965;Relatório resumidofbi Goodman, Escritório de Nova York, 17 fev. 1966; e Memorandomx fbi ,EscritóriodeNovaYork,16fev.1965.

7.BrucePerry(Org.),op.cit.,pp.124-6.8.“MalcolmXAvertsWritbyMovingOut”,TheNewYorkTimes,19fev.1965.9.JamesBooker,“MalcolmXSpeaks”,AmsterdamNews,6fev.1965.10.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.266.11.MartinParis, “NegroesAreWilling toUseTerrorism, SaysMalcolmX”,ColumbiaDailySpectator, 19

fev.1965.12.SteveClark(Org.),op.cit.,pp.240-2.13.EntrevistacomPeterBailey,4set.1968,DivisãodeManuscritos,CentroMoorland-SpingarndePesquisa,

BibliotecadaUniversidadeHoward.14.RogerAbel,TheBlackShield.Bloomington,in:AuthorHouse,2006,pp.471-2.15.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.225;ePeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.267-8.16.RelatodeJames67XWarden,18jun.2003;eentrevistacomAbdur-RahmanMuhammad,4out.2010.17.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.268.18.Id.,ibid.19. Michael Friedly,MalcolmX:TheAssassination. Nova York: Carroll andGraf, 1992, p. 104; e notas do

advogadoWilliamKunstler,Arquivo871-65,many.20.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.250-1.21.EntrevistacomThomas15XJohnson,29set.2004.22.Ibid.23.DepoimentodeMaxStanford,28ago.2007;eentrevistacomAbdur-RahmanMuhammad,4out.2010.24.SaraMitchell,op.cit.,pp.15-7.25.Id.,ibid.,pp.17-8.26.EntrevistacomJames67XWarden,1ago.2007.27.RelatórioresumidofbiMorris,EscritóriodeNovaYork,1mar.1965.28.RussellJ.Rickford,op.cit.,p.215.29.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.266.30.MayaAngelou,op.cit.,pp.8-11,14.31.EntrevistacomHermanFerguson,24jul.2004.32.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.418.33.EntrevistascomJames67XWarden,18jun.2003e1ago.2007.34.JohnL.Esposito(Org.),op.cit.,pp.27,120.35.EntrevistacomGerryFulcher,3out.2007.36.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.261-2.37.Id.,ibid.,p.416;enotasdoadvogadoWilliamKunstler,arquivo871-65,sérieI,many.38. Peter Goldman,TheDeath andLife ofMalcolmX, pp. 416-7; e entrevista comPeterGoldman, 12 jul.

2004.39.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.417-8.40.AlmustafaShabazz,DepartamentodecorreçõesdeNovaJersey.Informaçõespodemserobtidasonlineno

site sobre criminosos de Nova Jersey (<http://www.state.nj.us/corrections/>). Nos anos 1970 e 1980,BradleyadotouonomedeAlmustafaShabazz.Seu sobrenomeShabaaz indicaqueelemanteve relaçõescomanoi.

41.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.268.42.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.226-7.43.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.269-70.44.Ibid.,p.269;eentrevistacomPeterGoldman,11jul.2004.45.EntrevistacomPeterBailey,20jun.2003.46.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.271;eentrevistascomJames67XWarden,18 jun.

2003e1ago.2007.47.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.271.48.Id.,ibid.49.SaraMitchell,op.cit.,p.7.50. Peter Goldman,The Death and Life of Malcolm X, p. 271; Transcrição do discurso de Benjamin 2X

Goodman, pronunciado no salão do Audubon, 21 fev. 1965. Cópia da gravação de áudio em poder doautor.

51.EntrevistadeBettyShabazznonypd,1mar.1965,Arquivo871-65,série i,many;eentrevistacomJessie8XRyannonypd,semdata,Arquivo871-65,sériei,many.

52.TranscriçãododiscursodeBenjamin2XGoodman.As sucessivasversõesapresentadasporBenjamindeseus comentários finais quase não guardam semelhança alguma com o que ele de fato disse em 21 defevereirode 1965.Parao jornalista/historiadorPeterGoldman,Benjamin contouque tinha apresentadoMalcolmcomestascomoventespalavras:“Eulhesapresento...alguémqueestádispostoacorrerriscoporvocês...Umhomemquedariaavidaporvocês”.VerPeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.271-3.

53.Id.,ibid.54.Robertsreagiuàcomoçãonaplateiadeslocando-sedosfundosparaafrentedosalão.VerPeterGoldman,

TheDeathandLifeofMalcolmX,p.273.55.EntrevistacomHermanFerguson,27jun.2003.56.Ibid.57.EntrevistacomJohnD.Davisnonypd,5mar.1965,Arquivo871-65,sériei,many.58.EntrevistacomCharles37XMorrisnonypd,semdata,ibid.59.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.275-7.60.EntrevistacomWilliamH.GeorgenaPromotoriaPúblicadeNovaYork,18mar.1965,Arquivo871-65,

sériei,many.61.WeltonSmith,“The15SecondsofMurder:Shots,aBomb,andDespair”,NewYorkHeraldTribune,22

fev. 1965. Outros minuciosos relatos jornalísticos do assassinato de Malcolm incluem: John Mallon,“GunnedDownasHeAddressesRally; 3MenWounded”,NewYorkDailyNews,22 fev. 1965;WalterBlitz,“GunmenKillMalcolmX:BlackNationalistIsShotatRallyinny”,ChicagoTribune,22 fev. 1965;“There Are Three Who Will Remember”,New YorkWorld-Telegram, 22 fev. 1965; e Richard Barr,“MalcolmXSlain:TheReasonWhy”,NewYorkJournal-American,22fev.1965.

62.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.229-30.63.RobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,pp.471-2.64.EarlGrant,“TheLastDaysofMalcolmX”,emSteveClarke(Org.),op.cit.,p.96.65.EntrevistacomHermanFerguson,24jul.2004.66.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.278.67.BenjaminKarim,PeterSkutcheseDavidGallen,RememberingMalcolm.NovaYork:Carroll andGraf,

1992,p.190.68.SaraMitchell,op.cit.,p.20.69.EntrevistadeAbdullahAbdur-RazaaqcomojornalistaGilNoble,LikeItIs,abc,7jun.1998,NovaYork.70.Ibid.Nessaentrevistaconcedidaàtelevisãoem1998,Abdur-Razaaqinsistiu:“Nãotenhoamenordúvida

dequeMalcolm foi executado.Elenão foi assassinado.Quando se assassina alguém, leva-se emconta amaneirade fazê-loeaplateiaqueassiste.E,quandoalguéméexecutado,existeumaautoridadeportrásdocrime...Nãotenhoamenordúvidadequeofbi,obossdoDepartamentodePolíticadeNovaYork[estavam]mancomunadoscomaquelesqueapertaramogatilho”,declarouJames.

71.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.274.72.Cronologiadainvestigação,21fev.1965,Arquivo871-65,sériei,many.73.Ibid.74.Ibid.75.EntrevistacomWillieHarrisnonypd,21fev.1965,Arquivo871-65,sériei,many.76.EntrevistacomWilliamParkernonypd,21fev.1965,ibid.77.EarlGrant,op.cit.,p.96.78.WeltonSmith,op.cit.79.Numaentrevista em2004,PeterGoldman levantouapergunta com toda a franqueza: “Oqueapolícia

deveria ter feito?... Deveria ter levadomuito a sério a ameaça.Não deveria ter dito à imprensa que oataqueabomba,porexemplo, tinhasidoumgolpepublicitário.Deveria ter sidomaisagressivaemsuatentativa” de impedir o assassinato. Para Goldman, ofbi foi muito mais responsável por deflagar oassassinato de Malcolm X do que onypd, porque “pôs fogo na guerra civil” entre os seguidores deMalcolmeanoi.EntrevistadePeterGoldman,12jul.2004.

80.Abdur-Razaaq,noprogramaLikeItIs,7jul.1998.81.EntrevistacomJamesWardencomopromotorpúblicoassistentedeNovaYork,HerbertSter,eonypd,

21fev.1965,Arquivo871-65,sériei,many.82.EntrevistadeReubenFranciscomHerbertSterneonypd,21fev.1965,ibid.83.EntrevistacomPeterGoldman,12jul.2004.84.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.271-2.

85.fbi“RelatóriodeInformante”,nãoidentificado,22fev.1965,Arquivo871-65,sériei,many.Notadoautor:ofbimantinhaváriosarquivosemabertosobreMalcolmX,ElijahMuhammadeoutroslíderesdanoinasededofbieemdiferentesescritóriosnosEstadosUnidos.Cadadocumento,mesmorelevantesrecortesde jornal relativos ao assunto, era catalogado separadamente. Nos casos de vários documentosimportantes dofbi, editados ou não, que estão disponíveis no arquivo do Promotor Público deNovaYorksobreoassassinatodeMalcolmX,simplesmenteidentifiqueicadaumporseuconteúdoedata.

86.JasperDavisReport,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,23fev.1964,nosarquivosdoPromotorPúblico,ibid.

87.fbi,Teletipo,EscritóriodeNovaYork,22fev.1965,ibid.88.Ibid.89.TeletiposobreRonaldTimberlake,EscritóriodeNovaYork,22fev.1965,ibid.90.EntrevistacomRonaldTimberlakenonypd,22fev.1964,ibid.91.ClaudeA.Clegg,op.cit.,p.228.92.CartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,21 fev.1965;ecartadeAlexHaleyparaPaulReynolds,27 fev.

1965,ColeçãoAnneRomaine,utlsc,sériei,caixa3,pasta24.93.CartadeKennethMcCormickparaAlexHaley, 16mar. 1965; cartadeHaleyparaMcCormick,22mar.

1965;cartadeMcCormickparaBobBanker,7abr.1965;ecartadeMcCormickparaHaleyeoEspóliodeMalcolmX, por vezes chamadodeMalik Shabazz, 19 abr. 1965, todosna coleçãoAnneRomaine,utlsc,série i, caixa3,pasta23.Nocomeçodemarçode1965,NelsonDoubleday,donodaeditoraDoubledayandCompany,ordenouaseueditorchefeKennethMcCormickquecancelasseoacordo.Doubledaytinhapago adiantamentos de mais de 15 mil dólares para Haley e Malcolm X. McCormick posteriormenteescreveriaparaHaleydizendoque“omaisdifícilfoiligarparaPaulReynoldsepedir-lhequemostrasseaAutobiografiadeMalcolmXaoutroseditores.NumadecisãopolíticanaDoubleday,naqualfuiminoriaevoto vencido, decidiu-se quenão publicaríamoso livro”.Ver carta deMcCormick paraHaley, 16mar.1965.

94.MichaelFriedly,op.cit.,p.36;eentrevistacomNorman3XButler,22dez.2008.95.KarlEvanzz,TheJudasFactor:ThePlottoKillMalcolmX.NovaYork:Thunder’sMouth,1992,pp.282,

303.96.EntrevistacomThomas15XJohnson,8set.2004.97.LouisA.DeCaro,OntheSideofMyPeople,pp.274-5.98.MayaAngelou,op.cit.,pp.24-5.

16.vidadepoisdamorte

1.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.287.2.AutópsiadeMalcolmX,Dr.MiltonHelpern,22fev.1965,Arquivo871-65,Sériei,many.3.Ibid.4.EntrevistacomGeorgeMatthewsnonypd,8abr.1965,Arquivo871-65,Sériei,many.5.EntrevistacomSharon6XShabazznosalãoAudubon,21fev.1965,nofilmedocumentárioproduzidopor

OmarShabazz,InsideJob:BetrayaloftheBlackMessiah,19maio2010.6.MichaelFriedly,op.cit.,pp.34-7.7.EntrevistacomSharon6XShabazznonypd,27fev.1965,Arquivo871-65,Sériei,many.8.EntrevistacomAbdur-RahmanMuhammad,4nov.2010.9.EntrevistacomEarlGrantnonypd,8mar.1965,Arquivo871-65Sériei,many.10.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.305-7.

11.EntrevistacomLinwoodXCathcartnonypd,25mar.1964,Arquivo871-65,Sériei,many.12.EntrevistacomRobert16XGraynonypd,22mar.1965,ibid.13.ArquivodeJosephGravitt,semdata,ibid.14.EntrevistacomGerryFulcher,3out.2007.15.PeterKihss,“MosqueFiresStirFearofVendettainMalcolmCase”,TheNewYorkTimes,24fev.1965.16.EntrevistacomPeterBailey,4set.1968.17. Philip Benjamin, “Malcolm X Lived in TwoWorlds,White and Black, Both Bitter”,The New York

Times,22fev.1965.18. “MalcolmX”,TheNewYorkTimes,22 fev.1965.Acoberturaeoseditoriaisda imprensadeumladoa

outrodosEstadosUnidosforam,comrarasexceções,parecidoscomosdoTimes.OLosAngelesTimes,porexemplo,declarouque“hámaisdedezanos,onomedeMalcolmXtemsidoquasesinônimodeódioà raça branca”.Mesmo “depois do rompimento” com a Nação, “ele deixou claro que ainda odiava osbrancos, a quem chamava de ‘demônios brancos’”.Ver “Hatred forWhitesObsessedMalcolmX”,LosAngelesTimes,22fev.1965.

19.“DeathandTransfiguration”,Time,5mar.1965.20.“MalcolmX(1925-1965)”,SaturdayEveningPost,v.238,n.6,p.88,27mar.1965.21. JimmyBreslin, “MalcolmXSlainbyGunmenas400 inBallroomWatch:PoliceRescueTwoSuspects”,

NewYorkHeraldTribune,22fev.1965(primeiraediçãoimpressaem21fev.1965).22.Id.,ibid.23. Ver George Breitman,Herman Porter e Baxter Smith (Orgs.),The Assassination ofMalcolm X. Nova

York:Pathfinder,1976.24.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.276.25.DouglasRobinson,“RightsLeadersDecry‘Violence’”,TheNewYorkTimes,22fev.1965.26.“WhatThey’reSaying”,Afro-American,6mar.1965.27.FredPowledge,“coreChiefCallsSlayingPolitical”,TheNewYorkTimes,24fev.1965.28.DavidRemnick,op.cit.,p.304.29. “MuslimMosqueBurns inHarlem; Blast Reported”,TheNewYorkTimes, 23 fev. 1965;WalterBilitz,

“See Fire as Reprisal”,Chicago Tribune, 23 fev. 1965; e “nyc Mosque Destroyed in Blast”,ChicagoDefender,24fev.1965.

30.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.31.PeterKihss,op.cit.AmesquitadanoiemSãoFranciscotambémfoiatacadacombombasincendiárias.32.PaulL.Montgomery,“MuslimsEnragedby‘SneakAttack’”,TheNewYorkTimes,24fev.1965.33. Thomas Fitzpatrick, “5,000 Muslims Meet Today in Security Vise”,Chicago Tribune, 26 fev. 1965; e

ThomasFitzpatrick,“HeavyGuardReadiedforMuslimChief”,ChicagoTribune,25fev.1965.34.ThomasFitzpatrick,“MuslimSectHearsChiefHitMalcolm”,ChicagoTribune,27fev.1965.35. Id., ibid.; “Muhammad PassesUp Session of Convention”,LosAngelesTimes, 28 fev. 1965; e Thomas

Fitzpatrick, “Elijah’s Men Maul Foe, 30, at Sect Rally”,ChicagoTribune, 1 mar. 1965. Cerca de 7,500pessoas compareceram à convenção que durou três dias.Muhammad Ali também subiu ao palco pararenovarseusvotosdelealdadeaopatriarca.

36.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.242-52.37.Id.,ibid.,pp.252-3.38.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,pp.461-2;eentrevistacomOssieDavis,29jun.2003.39.MalcolmXeAlexHaley,op.cit.,p.462;eRussellJ.Rickford,op.cit.,pp.254-5.40.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.308.41.EntrevistacomLarry4XPrescott,9jun.2006.42.EntrevistacomMaxStanford,28ago.2007.43.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.255-65.44.Id.,ibid.,pp.268-70.45.EntrevistacomJames67XWarden,24jul.2007e1ago.2007.

46.EntrevistacomMaxStanford,28ago.2007.47.MemorandofbiMorrisEscritóriodeNovaYork,4jun.1965.48.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.318.49.Id.,ibid.,pp.310,318-20,329-33.50.RobertL.Jenkins,“CaryThomas”.In:RobertL.Jenkins(Org.),op.cit.,pp.531-2.51.MichaelFriedly,op.cit.,pp.42-3;eentrevistascomCaryThomasnonypd,3mar.1965e12mar.1965,

Arquivo871-65,sériei,many.52.EntrevistacomNorman3XButler,22dez.2008.53.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.335-9,348-53.54.Id.,ibid.,pp.339-40;eentrevistacomThomas15XJohnson,29set.2004.55.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolm.X,pp.339-40.56.Id.,ibid.,pp.333-5.57.EntrevistacomThomas15XJohnson,29set.2004.58.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,pp.357-9,373-4.59.ManningMarable,LivingBlackHistory,p.197;eFrankKofsky,op.cit.,p.155.60.FrankKofsky,op.cit.,p.64.61.AmiriBaraka(tambémconhecidocomoLeRoiJones),“JazzCriticismandItsEffectontheArtForm”.In:

DavidBaker(Org.),NewPerspectivesinJazz.Washington,D.C.:Smithsonian,1986,p.66.62.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.383.63.EliotFremont-Smith,“AnEloquentTestament”,TheNewYorkTimes,5nov.1965.64.TrumanNelson,“Delinquent’sProgress”,Nation,8nov.1965,pp.336-8.65.BayardRustin,“MakingHisMark”,TheWashingtonPost,14nov.1965.66.Id.,ibid.67.EricPace,“AlexHaley,70,AuthorofRoots,Dies”,TheNewYorkTimes,11fev.1992.68.Verfbi,ArquivodeMorris.69.BenjaminKarim,PeterSkutcheseDavidGallen,op.cit.,p.191.70.MemorandofbiGoodman,EscritóriodeNovaYork,27abr.1966.71.Ibid.72.EntrevistacomLangstonHughesSavage,6set.2008.73.DavidRemnick,op.cit.,p.240.74.Id.,ibid.,pp.253-6.75.SobreaascensãodeWallaceMuhammadaopodernanoi,verCliftonE.Marsh,FromBlackMuslimsto

Muslims:TheResurrection,Transformation,andChangeoftheLost-FoundNationoflslaminAmerica,1930-1995,2.ed.(Londres:Scarecrow,1996),pp.101-11,157-71;ClaudeA.Clegg,op.cit.,pp.98,162,181-3,206-7,273-4,282;“SonWillSucceedElijahMuhammad”,AmsterdamNews,1mar.1975;“ThereIsNoPower StruggleAmongBlackMuslims”,AmsterdamNews, 22mar. 1975; e “An InterviewwithElijahMuhammad’sSuccessor”,AmsterdamNews,9abr.1975.

76.“NewMuslimLeaderInvitesContributionsfromWhites”,AmsterdamNews,23abr.1975;e“MuslimstoAcceptWhiteFollowers”,AmsterdamNews,25jun.1975.

77.“W.DeenMohammed:ALeapofFaith”,ChicagoTribune,20out.2002.78.CliftonE.Marsh,op.cit.,pp.103-6.79.Id.,ibid.,pp.107-10.80.“SuitChargesLateMuslimLeader’sEstateMisused”,Jet,28mar.1981.81.EntrevistacomLarry4XPrescott,7nov.2007.82.“MuslimSlaininJersey”,AmsterdamNews,8set.1973.83.KarlEvanzz,TheMessenger,p.377.84.Id.,ibid.,p.364.85.Óbitosde Illinois,RaymondSharrieff, ÍndicedeÓbitosdaPrevidênciaSocialdosEstadosUnidos,Busca

deFamílianaInternet(<www.familysearch.org>;19jun.2010).

86. RichardGoldstein, “JabirHerbertMuhammad,WhoManagedMuhammad Ali, Dies at 79”,The NewYorkTimes,27ago.2008.

87.MargaretRamirez,ManyaBracheareRonGrossman,“ImamW.DeenMohammed,1933-2008”,ChicagoTribune,10set.2008;ePatriciaSullivan,“W.D.Mohammed:ChangedMuslimMovementinU.S.”,TheWashingtonPost,10set.2008.

88.BillCunninghameDanielGolden,“Malcolm:TheBostonYears”,BostonGlobe,16fev.1992.89.Id.,ibid.90.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.359-61,364-6,437-9,505-13.91.EmanuelParker,“NationMournsLossofBettyShabazz”,LosAngelesSentinel,26jun.1997.92.Id.,ibid.93.RussellJ.Rickford,op.cit.,pp.536-45.94.EntrevistacomGerryFulcher,3out.2007.95.Ibid.96.LesMatthews,“MalcolmXKillerTalks;Names4”,AmsterdamNews,29abr.1978.97.CharlesKaiser,“2HeldNotGuiltyinMalcolmCase”,TheNewYorkTimes,27jul.1978.98.“FederalHearingsAskedintoMalcolmXMurder”,TheNewYorkTimes,30abr.1979.99.Ibid.;e“ProbeRequestedinMalcolmDeath”,LosAngelesSentinel,20jul.1978.100.RobertFleming,“KhalilIslam;WronglyConvictedofKillingMalcolmX,Dies”,BlackStarNews,7ago.

2009.101.JenniferPeltz,“ThomasHagen,OnlyMantoAdmitRoleinMalcolmXAssassination,IsFreedonParole

innyc”,AssociatedPress,27abr.2010.102. Ver Zak Kondo,Conspiracys: Unraveling the Assassination ofMalcolm X.Washington, D.C.: Nubia,

1993.103.Processo:UnitedStatesofAmericav.JamesHenryMooreandWilliamBradley,título18U.S.C.sessões

2113(d)e(D.N.J.1699);e“LivingstonBankIsHeldUp”,TheNewYorkTimes,12abr.1968.104.Processo:UnitedStatesofAmericav.JamesHenryMoore,appellant,andWilliamBradley,453F2d601

(3dCir.1971).105.Processo:UnitedStatesofAmericav.WilliamBradley,NoticeofAppearance,19jul.1969.106.Processo:UnitedStatesofAmericav.WilliamBradley,OrderforDismissal21ago.1970.107.PeterGoldman,TheDeathandLifeofMalcolmX,p.428.108. “Sports Briefs”,Amsterdam News, 21 fev. 1981; Collie J. Nicholson, “King Refutes New York Post

Claim”,Los Angeles Sentinel, 24 jun. 1999; e Newark Athletic Hall of Fame (Disponível em:<http://www.newarkathletichalloffame.org/_fileCabinet/nahfpastInductees.pdf>; último acesso em: 5fev. 2013). Carolyn Kelly-Shabazz foi formalmente admitida no Hall Atlético da Fama de Newark em2005.

109.OmarShabazz,op.cit.110. Richard Prince, “Malcolm X Scholars Point to a Trig-german”, 24 maio 2010, Maynard Institute

(Disponível em:<http://mije.org/richardprince/malcolm-x-scholars-id-triggerman>;últimoacessoem:5fev.2013).

111.OmarShabazz,op.cit.112. Entrevista comLouis Farrakhan, 27 dez. 2007; e entrevista deMikeWallace comLouis Farrakhan,60

Minutes,cbs,29set.2009.113.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.114.Ibid.115.“MuslimsNameSuccessortoMalcolmX”,Afro-American,28ago.1965.116.EntrevistacomLouisFarrakhan,9maio2005.117.EntrevistacomLouisFarrakhan,27dez.2007.

epílogo—reflexõessobreumavisãorevolucionária

1.LeRoiJones,Home:SocialEssays.NovaYork:WilliamMorrow,1966,pp.238-50.2.“MalcolmXaHarlemIdolonEveofMurderTrial”,TheNewYorkTimes,5dez.1965.3. Stokely Carmichael (Kwame Ture) e Ekwueme Michael Thelwell,Ready for Revolution. Nova York:

Scribner,1993,pp.253,259.AcrescentouCarmichael:“ErarevigoranteparajovensafricanosouviralguémselevantarparadescrevertãodestemidamenteosEstadosUnidosreaisqueosnegrosconheciameviviamtodos os dias. Em especial num ambiente tão inexoravelmente sensível aosmelindres damesma classedominantebrancaresponsávelporperpetuaraopressãodanossagente”(p.261).

4.EntrevistacomOssieDavis,29jun.2003.5.WilliamMervinGumede,ThaboMbekiandtheBattlefortheSouloftheANC.CidadedoCabo,Áfricado

Sul:ZebraPress,2007,p.24.6.VerManningMarable,Race,ReformandRebellion,pp.238-40.7. As vendas daAutobiografia deMalcolmX aumentaram 300% de 1989 a 1992, durante a época áurea da

música hip-hop. Ver Lewis Lord, Jeannye Thornton e Alejandro Bodipo-Memba, “The Legacy ofMalcolmX”,U.S.NewsandWorldReport,15nov.1992.

8.PaulLee,“UnseenUnity”,MichiganCitizen,30set.2009.9.PhilipSherwell,“TheNewMalcolmX?”,SundayTelegraph,9abr.2006.10.MarkMazzetti,“Al-QaedaOffersObamaInsultsandaWarning”,TheNewYorkTimes,20nov.2008.11.JamesBaldwin,“MalcolmandMartin”,Esquire,v.77,n.4,pp.94-7,195-202,abr.1972.

Siglaseglossário

afl-cio:AmericanFederationofLabor andCongressof IndustrialOrganizations [FederaçãoAmericanadoTrabalhoeoCongressodeOrganizaçõesIndustriais]

boss:BureauofSpecialServices[EscritóriodeServiçosEspeciais]core:CongressofRacialEquality[CongressodeIgualdadeRacial]hayrou:HarlemYouthOpportunitiesUnlimited[OportunidadesIlimitadasparaaJuventudedoHarlem]kkk:KuKluxKlanmmi:MuslimMosque,Inc.[MesquitaMuçulmana]naacp:NationalAssociationfortheAdvancementofColoredPeople[AssociaçãoNacionalparaoProgressodePessoasdeCor]

noi:NationofIslam[NaçãodoIslã]oaau:OrganizationofAfro-AmericanUnity[OrganizaçãoparaaUnidadeAfro-Americana]oua:OrganizaçãodaUnidadeAfricanaram:RevolutionaryActionMovement[MovimentodeAçãoRevolucionária]scia:SupremeCouncilonIslamicAffairs[ConselhoSupremodeAssuntosIslâmicos]sclc.:SouthernChristianLeadershipConference[ConferênciaSulistadeLiderançaCristã]sncc:StudentNonviolentCoordinatingCommittee[ComitêNãoViolentodeCoordenaçãoEstudantil]

“AWhite Man’s Heaven Is a Black Man’s Hell”: Canção composta para a Nação do Islã pelo cantor decalipsoefuturoministronacionalLouisFarrakhan.

As-salaamalaikum:Saudaçãoverbalárabe;otermo“salaam”significa“paz”easaudaçãopodesertraduzidacomo“Apazestejaconvosco”.

Caaba:ConstruçãocúbicadeautoriadeAbraão,deacordocomatradiçãoislâmica,ficadentrodaMasjidal-HaramemMecaeéopontoparaoqualtodososmuçulmanosdirigemsuaspreces.ACaabaécontornadaduranteohajj,processochamadodetawaf.

Cincopilaresdo Islã:Os cincodeveresde todomuçulmano sunita, incluindoshahada, salat, zakat, sawmehajj.

ConvençãodoDiadoSalvador:Reuniãoanualdanoi,realizadaemChicago,porvoltade26defevereiro,emhonradonascimentodofundador,W.D.Fard.

Família real:Nomeque se referia à família deElijahMuhammad,mais especificamente amulherClara, asfilhasEtheleLottie,eosfilhosNathaniel,Herbert,ElijahJr.,AkbareWallace.OgenroRaymondSharriefftambémeraíntimodafamíliaedetinhagrandeparceladepoder.

Fitna:Doverboárabequesignifica“seduzir,tentar,atrair”,fitnapodesereferiràtentaçãoqueosfiéisdevem

enfrentar ou ao período de caos e desordem que precede a salvação. Também pode descreverfragmentaçãoouguerracivildentrodacomunidademuçulmana.

FrutodoIslã:“Fruto”,comoégeralmentechamado,éumgrupoparalimitarformadoapenasdehomensdaNação do Islã, encarregado da segurança, e cujos membros são recrutados de várias mesquitas. Osmembrossecaracterizampelosdistintosuniformesemazulebrancoepelobonécomumaestrelaeumcrescenteouasiglafoi.

Hajj: O quinto pilar do Islã, ohajj é amaior peregrinação anual domundo e deve ser empreendida pelomenosumaveznavidapor todososmuçulmanos físicaou financeiramentecapazes.É realizadaentreosétimoeo13ºdias,duranteo12ºmêsdocalendárioislâmico.

História de Yacub:De acordo com a teologia danoi, o dr. Yacub (tambémgrafado comoYakub) foi umcientistaqueviveuemMecaem8400a.C.Depoisqueeleeseusseguidores foramexiladosnumailhadoMarEgeu,Yacubbuscouvingar-se enxertandoo genenegro doHomemOriginal até que a raça brancafossecriada,bemdepoisdesuamortecomaidadede152anos.

Homemoriginal: Expressão usada pelaNação do Islã para afirmar que os negros foram os primeiros sereshumanosdaTerraeporissooscriadoresdacivilizaçãohumana.

Imã:Líderespiritualoucomunitáriomuçulmanoquedirigeasprecesnascerimôniasreligiosas.Jihad:Obrigação religiosa que significa “luta”, jihad é o esforço para alcançar a perfeição no Islã; tambémpode se referir aumaguerra santa contraos infiéis.Algunseruditos sunitas a categorizamcomoo sextopilarextraoficialdoIslã.

Kafan:Roupabrancalimpaemqueocorpoéenvoltoduranteumfuneralislâmicotradicional.LegiãoNegra(BlackLegion):GrupoligadoàKuKluxKlanquetambémadvogavaoódio,eracompostodequase 30 mil pessoas e centrava-se em Detroit e outras cidades do centro-oeste. A Legião Negra foiresponsável por numerosos crimes contra imigrantes, minorias e suspeitos de serem comunistas;supostamenteogrupofoiresponsávelpelamortedopaideMalcolmX,EarlLittle.

Meca:AcidademaissantadoIslã,Mecaévedadaaosnãomuçulmanoseéondeserealizamas festividadesdohajj.

Medina:AsegundacidademaissantadoIslã,MedinaéondeestásepultadooprofetaMaomé,efoiparaondeelemigroudeMeca,em622d.C.

MuhammadSpeaks:JornaloficialdaNaçãodoIslã,oMuhammadSpeaksfoicriadoporMalcolmXem1960comoumpequenopanfletodeNovaYork;ocontroleeditorial foi rapidamente transferidoparaHerbertMuhammad,ecomo tempoo jornal cresceuapontode tornar-seo semanárionegromaisamplamentedivulgado,comumacirculaçãoestimadaentre600mile900milexemplaresnocomeçodosanos1970.

NaveMãe: Nave espacial cilíndrica que, segundo a crença, carregava 1500 navesmenores para destruir osEstadosUnidoseaInglaterraduranteojulgamento,deacordocomaescatologiadanoi.

Orgena:PeçaescritaporLouisFarrakhannofimdosanos1950,Orgena (“Umnegro”,escritode trásparaafrente)contaumahistórianaqualumhomemnegroéalienadodesuaculturaoriginaleescravizado,antesde se tornar cidadão de segunda classe e redescobrir sua herança cultural. A peça foi representada,maisnotoriamente,noCarnegieHallenoTownHalldeNovaYork.

Pescar:ConverterpessoasparaaNaçãodoIslã.PoçodeZamzam:PoçolocalizadodentrodaMasjidal-Haram,nãomuitolongedaCaaba.Peregrinosbebemáguadopoçotodoanoduranteohajjouaumrah.

Salat: Um dos cinco pilares, osalat designa a prece formal, a ser praticada cinco vezes por dia: alvorecer,meio-dia,tarde,pôrdosoleanoitecer.

Sawn:Vocábuloárabeparajejum,significa“abster-sedealimento,bebidaerelaçõessexuais”,nostermosdaleiislâmica.PraticarosawnduranteoRamadãéumdoscincopilares.

Shahada:Adeclamaçãodashahada,quesignifica“testemunho”,éomaisimportantedoscincopilaresdoIslã.Adeclamaçãopodesertraduzidacomo“SóAláéDeuseMaoméoseuprofeta”.

Sunismo: Refere-se àqueles que aceitam a Suna, ou as palavras e ações do profeta Maomé; é a maiorcomunidademuçulmana,abrangendoquase90%dosmuçulmanosdomundo.

Tawaf:Ritual islâmicodohajj edoumrahparademonstrarauniãodos fiéis,noqualmuçulmanosdãosetevoltasemtornodaCaabaemsentidoanti-horário.

TreinamentodeMoçasIslâmicas(mgt)eAuladeCivilizaçãoGeral:AulasemanalparamulheresdentrodaNação do Islã que enfatizava as prendas domésticas, como cuidar da casa, criar filhos, cozinhar etc.Também oferecia um espaço social para asmulheres domovimento se encontrarem e compartilharemsuasopiniõesreligiosasepolíticas.

Tribo de Shabazz:De acordo com a teologia danoi, aTribo de Shabazz foi a única sobrevivente de trezetribosqueviveram66trilhõesdeanosatrás.Erachefiadaporumcientistadomesmonome,esegundoacrençamembrosdanoieramdescendentesdatriboqueacabaramsefixandonaatualMeca.

Ummah:Vocábulo árabe que significa “comunidade” ou “nação”, refere-se aomundo árabe, ou, no Islã, àdiásporadefiéisnomundointeiro.

Umrah:Peregrinaçãomenordoqueohajj,refere-seaviagensalocaissagradosforadatemporada.Walaikumsalaam:RespostatípicaaoAs-salaamalaikum;significa“Econtigoestejaapaz”.X: Todo membro da Nação do Islã era solicitado a abandonar o sobrenome e substituí-lo por X, querepresentavaosobrenomeancestraldesconhecido,eliminadoduranteaescravidão.NúmerosprecediamoXsemaisdeummembrodedeterminadamesquita tivesseomesmoprenome,na sequênciadadatadefiliação.

Xiismo: Segundomaior ramo do Islã, o xiismo considera Ali (primo e genro deMaomé) e sua linhagemcomooslegítimosherdeirosdoprofeta.

Zakat:Outrodoscincopilares,zakatéapercentagemcalculadadosbensourendimentosdofielaserdoadaparaosnecessitadoseparaacomunidade.