Imunidade Tributária e a Sociedade de Economia Mista
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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE SETE LAGOAS - UNIFEMM Unidade Acadêmica de Ensino de Direito - UEDI
Curso de Direito
ANDRÉ FILIPE LOPES AGUIAR
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
SETE LAGOAS 2014
ANDRÉ FILIPE LOPES AGUIAR
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
Monografia apresentada à Unidade Acadêmica de Ensino de Direito – UEDI, do Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM, como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Tributário Orientador: Roberto Nogueira Lima
SETE LAGOAS
2014
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE SETE LAGOAS - UNIFEMM
Unidade Acadêmica de Ensino de Direito - UEDI Curso de Direito
ANDRÉ FILIPE LOPES AGUIAR
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA Monografia apresentada à Unidade Acadêmica de Ensino de Direito – UEDI, do Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM, como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Direito.
Sete Lagoas de de 2014.
Aprovado com a nota ______________.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________
ORIENTADOR: Prof. Roberto Nogueira Lima
_____________________________
AVALIADOR: Prof.
_____________________________
AVALIADOR: Prof.
Agradecimentos:
A
Vívian, pelas inúmeras revisões.
Ao Professor Roberto Nogueira pela
disponibilidade e segura orientação.
A Professora Nívea Cordeiro, por ter me
apresentado o Direito Tributário.
Nessa zona cinza em que convivem a
aparência e a realidade é que medram as
ideologias, cuja origem pode ser remota e
cuja importância pode ser negligenciável,
em certo momento, sem que cessem de
trabalhar ativamente o terreno, para
assumirem relevo indispensável quando o
gatilho do tempo as convoque a
desempenhar o papel que o processo
histórico lhes reserva.
Plauto Faraco de Azevedo
RESUMO
As Sociedades de Economia Mista foram idealizadas para atuarem como
interventoras no mercado econômico, sempre que tal ação encontrasse relevante
interesse público ou fosse necessário para manter a segurança nacional. Por serem
controladas pelo Estado, são a ferramenta dada pelo legislador para que o poder
público pudesse manter o sistema capitalista de acordo com os interesses sociais.
Todavia, essas pessoas jurídicas, inicialmente configuradas para atuarem na
economia de mercado são corriqueiramente criadas a fim de prestarem serviços
públicos. Decorrente disso cria-se o problema jurídico de enquadrar essas entidades
em algum ordenamento jurídico: ou o privado ou o público. Pelas peculiaridades de
serem pessoas jurídicas de direito privado, fazerem parte da administração pública
indireta e prestarem serviço público, encontram-se na parte cinza dos conceitos
jurídicos: não são totalmente submetidas ao direito privado, tampouco se submetem
por completo ao direito público. As discussões jurisprudenciais e doutrinárias estão
longe de chegarem à concórdia e o tema está sob repercussão geral no Supremo
Tribunal Federal. Faz-se necessário o debate temático a fim de que a celeuma seja
resolvida e dissipe as constantes dúvidas sobre o tema.
Palavras-chave: Imunidade Tributária. Sociedade de Economia Mista. Serviço
Público.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 10
3 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS ............................................................................... 12
3.1 Imunidade Recíproca ........................................................................................ 17
3.2 Sociedade de Economia Mista ......................................................................... 20
3.3 Serviço Público ................................................................................................. 26
3.4 Empresa Pública ............................................................................................... 30
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 33
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39
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1 INTRODUÇÃO
É fato que os poderes Legislativo e Executivo nunca primaram por
respeitar técnicas jurídicas quando estas são necessárias. Inúmeras leis e atos
administrativos são realizados com total atecnia, o que leva a complexas celeumas a
serem resolvidas pelo Judiciário.
Nesse contexto temos situação peculiar e que urge por resposta: por
quem o serviço público é prestado (por qual pessoa jurídica), sendo que em análise
mediata remete à forma de descentralização da atividade estatal.
Inicialmente pensou-se em um sistema dicotômico, o qual possibilita o
Estado prestar serviço público e ao mesmo tempo realizar intervenções no mercado
quando necessário. Idealizaram-se autarquias e fundações para atuarem no primeiro
cenário e empresas públicas e sociedades de economia mista para desenvolverem a
segunda função.
Todavia o quadro atual é a flagrante promiscuidade entre os institutos
acima, havendo notícia de sociedades de economia mista sendo criadas para
prestar serviço público e até mesmo instituições bancárias autárquicas. É um total
descontrole já instaurado e sem volta.
Com esse prisma deve ser resolvido o problema do tratamento a ser dado
às sociedades de economia mista que desempenham papel inerente a autarquia. Os
problemas tributários gerados são enormes e as dúvidas jurisprudenciais
recorrentes. O que deve ser respondido é até onde as sociedades de economia
mista podem/devem ter seu regime jurídico privado mitigado e, mais
especificamente, se é possível estender a elas privilégios tributários concedidos as
autarquias.
Durante muito tempo o ramo jurídico apoiou-se em um dos maiores
predecessores que se há notícia, o sistema romano. Dele retiraram-se vários
ensinamentos, dentre eles o brocardo in claris cessat interpretatio. Não é o
paradigma atual. Já é pacífico entre os operadores do Direito que toda norma exige
um exercício de interpretação, tendo em conta que devem ser vistas vislumbrando a
unicidade do sistema jurídico.
Contudo, até que ponto a interpretação deve ir ainda não é algo claro. No
tema em questão vê-se que a ampliação da imunidade tributária a pessoas jurídicas
que não constam no rol do art. 150, VI, alínea ‘a’ e seu §2º (BRASIL, CF, 2014, p.
9
59) requer elevado processo de cognição e interpretação dos princípios
constitucionais e diretrizes, implícitas e explícitas. A controvérsia do tema em
questão é atualíssima e poucos doutrinadores já se posicionaram a respeito, sendo
escassa a oferta de obras dedicadas ao assunto.
A hipótese que será discutida é se cabe imunidade tributária recíproca às
sociedades de economia mista e, caso afirmativo, em quais situações.
O trabalho foi dividido em duas partes. A primeira trata-se da parte teórica
na qual há a exposição dos conceitos necessários para a discussão do tema. A
segunda parte é a conclusão, tópico este que amarra a parte doutrinária ao
questionamento a ser respondido e aponta a direção jurídica tomada após análise
do tema.
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2 METODOLOGIA DA PESQUISA
O objeto do presente trabalho faz parte de um novo paradigma que ganha
força nos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. Ainda há pouco tempo as
correntes majoritárias dos ramos Administrativo e Tributário portavam-se de forma
extremamente legalista, tomando como supedâneo o texto frio da lei, agarrando-se
fortemente ao que se observa superficialmente nos institutos jurídicos.
Sendo assim, para esse entendimento, empresa pública é o que a lei diz
ser, bem como imunidade tributária e sociedade de economia mista. Os requisitos
para a correta relação entre o mundo jurídico e o mundo real são aqueles previstos
na legislação, nada existindo fora dela. Reinava a idéia de completude, como se o
legislador fosse capaz de prever todas as situações fáticas aplicáveis ao abstrato
dos regulamentos legais.
A dinâmica atual privilegia a essência em detrimento da aparência dada
em superfície. Apesar de representar novo paradigma na jurisprudência pátria, cabe
notar que não é nova tal concepção. Em 1863 Lassalle (2001, p. 37) havia delineado
esse entendimento na matéria constitucional
Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: “Esta árvore é uma figueira.” Bastará esse papel para transformar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula, produzindo maçãs e não figos.
Dessa forma é que a discussão se empresas estatais fazem jus à
imunidade tributária torna-se importante. Isso porque há estatais que se comportam
como autarquias, tendo apenas sido constituídas no formato de empresas.
Se for possível pensar em ampliar a imunidade para as empresas
públicas, há de questionar também se não é possível estender tal benefício às
sociedades de economia mista.
Nestas novas decisões e formas de interpretar trazidas pelo Supremo
Tribunal Federal nos últimos anos, não há que se olvidar da tendência expansionista
de conceder imunidade tributária aqueles que, a princípio, não deveriam gozá-la.
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É neste contexto que se insere a discussão deste trabalho. No novo
paradigma, ao menos abstratamente, caso uma sociedade de economia mista atue
de tal forma a estreitar sua estrutura com a do próprio Estado, tendo em conta que a
imunidade pretende proteger os entes federados, cada um em sua esfera, abre-se a
possibilidade para indagar se possível é ampliar a imunidade tributária recíproca
para as sociedades de economia mista, fato já existente no que toca às empresas
públicas. E mais, se possível é, em que condições tal imunidade seria deferida a
essas estatais.
São esses questionamentos que se pretende discutir e chegar à
conclusão que se mostre a mais acertada.
Os dados pesquisados referem-se à pesquisa bibliográfica,
principalmente em livros, bem como em documentos, dando ênfase a jurisprudência
e pareceres jurídicos. Portanto, a abordagem da questão posta será de caráter
qualitativo, posto a natureza doutrinária do trabalho.
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3 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Quando da elaboração do texto constitucional, o constituinte elegeu
certos valores que, tomando os princípios e toda a sistemática pretendida pelo texto,
merecem guarida especial, proteção relevante. Uma das inúmeras formas de
proteger esses ideais foi à adoção da técnica legislativa da imunidade tributária. Em
linhas gerais a imunidade nada mais é que a “couraça de ferro” que protege uma
gama de princípios e ideais da atuação tributária estatal, em qualquer de suas
esferas. É o abismo que separa o poder de tributar do ente federado diante as
instituições resguardadas pelo instituto ora analisado (CORDEIRO, 2014).
A doutrina diverge no que diz respeito ao conceito tecnicamente mais
adequado para a imunidade tributária. Para Coêlho (2006, p. 165) “a imunidade é
uma heterolimitação ao poder de tributar. A vontade que proíbe é a do constituinte. A
imunidade habita exclusivamente no edifício constitucional”. Tal definição expõe
outra característica da imunidade. Ela é encontrada exclusivamente no texto
constitucional. É dizer, só haverá imunidade se a regra estiver estabelecida na Carta
Magna. Como ficou claro, o ilustre tributarista propõe que a imunidade constitui-se
em uma limitação ao poder de tributar. De fato, as regras clássicas encontram-se na
seção que leva esse nome (Das Limitações do Poder de Tributar). Todavia, há
doutrinadores que não coadunam com o exposto alhures. Veja-se:
Recortamos o conceito de imunidade tributária, única e exclusivamente, com o auxílio de elementos jurídicos substanciais à sua natureza, pelo que podemos exibi-la como a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no Texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas (CARVALHO, 2012, p. 236 ).
Já nesses dizeres em epígrafe tem-se que a imunidade versa sobre a
incompetência para tributar. Não é mera limitação, pois se assim fosse ter-se-ia que
existia competência a ser exercida e que esta foi limitada pela imunidade.
Aproximar-se-ia sobremaneira do instituto isenção, tendo como divergência principal
entre os institutos apenas a fonte legal.
Corrobora com os dizeres deste último doutrinador o conceito costurado
por Amaro (2012, p. 176):
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A imunidade – já dissemos linhas atrás – configura simples técnica legislativa por meio da qual o constituinte exclui do campo tributável determinadas situações sobre as quais ele não quer que incida este ou aquele gravame fiscal, cuja instituição é autorizada, em regra, sobre o gênero de situações pelo qual aquelas estariam compreendidas.
Amaro (2012) acrescenta que nas situações imunes, a barreira para
tributar é tal que sequer existe ou preexiste poder de tributar. Portanto, não é
simples limitação, já que não é possível limitar aquilo que não existe. Aduz, ainda,
que tampouco seja amputação de parcela do poder de tributar, seguindo o mesmo
raciocínio, já que é impossível retirar aquilo que ab initio não se tem.
Dos conceitos dados por três dos maiores expoentes do Direito Tributário
imperioso dizer que assiste razão aos dois últimos. De fato o instituto ora estudado
não é limitação ao poder de tributar, mas verdadeira exclusão do mundo jurídico
tributário das situações ali delineadas pelo legislador. Sequer existe poder de tributar
anterior à regra imune para que haja limitação. Em linhas mais simplórias, o poder
de tributar nunca alcançou as situações imunes para que se fale em heterolimitação.
Já no que toca ao fato de que a fonte das imunidades é exclusivamente a
Carta Magna não há dissidência. Não existe notícia no campo doutrinário de
pensadores que preguem de forma diversa.
Sendo assim, em breves palavras, tendo como base os ensinamentos
acima expostos, é possível declarar que o conceito mais acertado de imunidade
tributária é a opção legislativa constitucional de não conceder aos entes federados o
poder de tributar determinadas situações ou pessoas.
Cabe dizer ainda, conforme Amaro (2012), que, para a aplicação da
imunidade, é irrelevante o fator capacidade contributiva do sujeito, visto que se
pretende proteger valores reputados relevantes pela Constituição Federal de 1988.
Posto o conceito que será utilizado daqui em diante, necessário frisar o
objetivo da imunidade. Como dito anteriormente, visa proteger valores. Carrazza
(2004, p. 25) explica
Por isso tudo, a interpretação dos preceitos imunizantes há de ser o mais possível generosa, posto expressarem a vontade do constituinte – explicitamente manifestada – de preservar da tributação valores de particular significado político, social ou econômico.
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É dizer, cabe ao intérprete da norma constitucional proporcionar visão
ampliativa às regras de imunidade tributária, tomando por base o valor que se
pretendeu proteger ao editar a regra imunizante. Conclui-se que não cabe
interpretação restritiva quando o assunto for imunidade tributária, ainda que seja
esse o entendimento da jurisprudência e parte da doutrina.
Topograficamente há imunidades previstas na Seção II, “Das Limitações
do Poder de Tributar” da CF de 1988, apesar de não serem conceitualmente
limitações ao poder de tributar, conforme visto nos parágrafos anteriores. O artigo
150, VI, prevê em suas alíneas as imunidades clássicas:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (BRASIL, CF, 2014, p. 59).
O presente trabalho tratará da imunidade contida na alínea “a”, motivo
pelo qual deixará de expor linhas gerais sobre a mesma, discorrendo com maior
profundidade no tópico apropriado.
A alínea “b” guarda em si o valor da crença, bem como a igualdade de
proteção a todas elas, já que os dizeres do texto são “de qualquer culto”. Andou bem
o legislador em instrumentalizar a laicização do Estado por meio da imunidade.
Dessa forma os credos não precisam temer as transições de governos e oscilações
políticas, inerentes ao sistema democrático. Um governante católico jamais poderá
utilizar-se da máquina estatal para sufocar credo diverso do seu com tributos, verbi
gratia (CARVALHO, 2012). O art. 5º da Carta Magna, em seu inciso VI (BRASIL, CF,
2014, p. 21) prevê a liberdade religiosa como direito individual e coletivo.
Acertadamente Carvalho (2012, p. 241-242) leciona:
Dúvidas surgiram sobre a amplitude semântica do vocábulo culto, pois, na conformidade da acepção que tomarmos, a outra palavra – templo – ficará prejudicada. Somos por uma interpretação extremamente lassa da locução culto religioso. Cabem no campo da sua irradiação semântica todas as
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formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam.
Coaduna com seu entendimento os ensinamentos de Coêlho (2006), o
qual diz que não fica adstrito o que dispõe a Constituição aos edifícios comumente
usados para culto. A expressão “templo” estende-se a todo e qualquer lugar em que
se oficie um culto.
A alínea “c” prediz a imunidade dos partidos políticos, inclusas as
fundações a eles ligadas, os sindicatos dos trabalhadores e instituições de educação
e assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos previstos em lei.
Separando didaticamente a alínea supra, tem- se que cada imunidade ali
aglutinada refere-se a um valor constitucionalmente relevante, conforme explicado
anteriormente.
Os partidos políticos estão irremediavelmente afetados à ordem
democrática escolhida pela Carta Magna. É o símbolo máximo do parágrafo único
do art. 1º da Lex Mater, o qual determina que todo poder emana do povo (BRASIL,
CF, 2014, p. 20). Obviamente, por questões organizacionais, esse povo deve
acomodar-se em instituições que representem seus desejos e objetivos para a
nação, de forma a viabilizar o exercício desse poder. Tais instituições são os
partidos (COÊLHO, 2006).
A proteção dada a eles justifica-se pela relevância de seu papel para a
ordem democrática conforme demonstrado acima. Portanto, deve estar fora do
alcance de interferências sazonais dos governos, os quais poderiam aproveitar-se
da situação momentânea de poder e pressionar a extinção de oposições pela via
tributária. A existência dos partidos é inerente à democracia, sem os quais é
impossível sua dinâmica existencial (COÊLHO, 2006, p. 333).
Já no que diz respeito aos sindicatos dos trabalhadores, frise-se bem, dos
trabalhadores, vem na esteira dos artigos 6º e 7º da Constituição Federal (BRASIL,
CF, 2014, p. 25-28), os quais determinam inúmeras normas e aderem direitos à
classe trabalhadora. Historicamente, tais instituições foram incômodas para os
governantes, já que explicitavam as mazelas da classe, bem como formavam
enormes contingentes de eleitorado, capazes de mudarem os rumos de pleito
eleitoral.
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Entendeu-se então que deveriam gozar também da proteção imunitária, a
fim de manter sua independência e evitar-lhes serem extintos quando
importunassem o poder público.
Por fim, deverão estar fora do mundo atingido pelo poder de tributar as
instituições de educação e de assistência social, desde que cumpram os requisitos
previstos em lei. Discute-se se tal lei deveria ser ordinária ou complementar, não
sendo tal celeuma relevante para nosso estudo. O que se tem na doutrina é que,
cumprido os requisitos previstos em lei, estará salvaguardada a instituição
educacional ou assistencial. Mais uma vez recorre-se à importante doutrina de
Coêlho (2006, p. 334) para determinar quais sejam tais requisitos. São eles:
cumprimento de obrigações acessórias; escrita regular; não-remessa de lucros para
o exterior; não-distribuição de receitas, implicando sua reaplicação no múnus
educacional e assistencial; rigidez estatutária e reversão patrimonial a fins não
comerciais.
A intenção mediata do legislador ao propor tal imunidade foi obviamente
incentivar a proliferação destas instituições devido seus benefícios sociais que
trazem (COÊLHO, 2006). O Poder Público é sabidamente deficitário em diversas
áreas nas quais deveria atender a população e, portanto, patrocina indiretamente a
criação de instituições que exerçam seu papel. Tamanha proteção tributária somente
é outorgada quando cumpridos os requisitos. Os ensinamentos de Amaro (2012)
ressaltam que a imunidade configura-se ou não. Portanto, o não cumprimento não
quer dizer que a imunidade ficou suspensa ou resolveu-se, como se fosse
submetida a tais institutos típicos do Direito Civil (cláusula suspensiva e resolutiva).
Ou a imunidade ocorre ou deixa de ocorrer, não perfazendo um estado de limbo
quando do não atendimento dos requisitos, já que se estaria diante da sua não
configuração.
A alínea “d” é onde se materializou o art. 5º, IV da CF/1988 (BRASIL, CF,
2014, p. 21). A proteção aos livros, periódicos e jornais, bem como seu principal
insumo, o papel, tem por fim proteger a atividade intelectual, bem como o acesso à
informação, sem que essa seja manipulada pelo poder público indiretamente, ao
exercitar seu poder de tributar. Dessa forma protegem-se os instrumentos
frequentemente responsáveis por manter os governantes dentro dos limites
estipulados pela lei, ou no caminho que a sociedade deseja que seja traçado. Os
livros exercem o papel educacional, são supedâneo para a atuação consciente e
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efetiva do povo no controle das instituições públicas. Os jornais e periódicos
informam a sociedade, e, portanto, precisam ser totalmente independentes da esfera
governamental para trabalharem sem ter que falsear a realidade (COÊLHO, 2006, p.
327).
A imunidade é objetiva, nada tendo que ser apurado subjetivamente para
que seja aplicada, visto sua eficácia imediata (COÊLHO, 2006, p. 345).
Além dessas imunidades clássicas, há ainda outras imunidades dispersas
pelo texto constitucional, até mesmo fora do Título VI “Da Tributação e do
Orçamento”. O que deve ser relembrado é que a imunidade tem de estar na
Constituição Federal e não necessariamente no Título apropriado a discutirem-se
regras tributárias. Ademais, é notória a ausência de técnica para a colocação
topográfica dos temas pelo constituinte, o que em nada altera a qualidade de
imunidade das demais regras.
3.1 Imunidade Recíproca
O instituto imunidade tributária recíproca colaciona-se entre aqueles que
instrumentalizam objetivos constitucionais. A forma de Estado adotada no Brasil foi a
federativa, o que implica a harmonização das três esferas: federal, estadual e
municipal. Como um relógio, o qual somente funciona quando todas as engrenagens
operam conjuntamente, assim é o sistema federativo. Cada peça gira
autonomamente, mas tal movimento somente faz sentido quando unido.
Pois bem, um dos meios que protegem a configuração escolhida pelo
constituinte de organização estadista é a figura da imunidade tributária recíproca.
E por tratar de assunto de elevada importância para o Estado
Democrático de Direito, foi inserido no rol de cláusulas pétreas, expressamente
elencadas no artigo 60, § 4º, em seu inciso I, da Constituição da República de 1988:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado (BRASIL, CF, 2014, p. 43).
Conforme o texto constitucional, enquanto estiver em vigor, nem mesmo
admitir-se-á a mera ventilação de propostas que tenham como caráter evidente ou,
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ainda que de forma indireta, tendência a abolir a forma federativa do Estado. Como
dito alhures, sendo a imunidade tributária recíproca um dos mais fortes protetores do
sistema federativo, na vigência da atual Carta Magna, tal instituto jurídico jamais
poderá ser alvo de discussão com fulcro a extirpá-lo do ordenamento jurídico pátrio.
Tem-se ainda que decorre do princípio da isonomia das pessoas políticas.
Não há sujeição (ao menos no sentido jurídico) entre Estados, União ou Municípios.
De fato, conforme ensinamentos de Carrazza (2004, p. 28), o poder de tributar
pressupõe o exercício de supremacia entre quem tributa e quem é tributado. Não por
acaso que o fato gerador (deixando de lado as discussões sobre a impropriedade do
termo) é também conhecido como fato imponível. Ou seja, é a relação vertical que
se tem quando pretende tributar alguém, jamais a horizontal. Sendo assim, o
princípio da isonomia entre os entes federados, o qual os coloca em relações
horizontais, veda veementemente a tributação recíproca, por total incongruência
lógica entre o poder de tributar e a relação jurídica existente entre eles (CARRAZZA,
2004).
Mais uma vez, o constituinte entendeu por bem deixar expresso o
princípio da isonomia entre os entes, a fim de evitar discussões sobre sua
aplicabilidade e alcance, apesar de ser algo inerente ao formato federativo. No Título
III, Da Organização do Estado, no artigo 18 caput da Mater Legis:
“Art. 18 A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição” (BRASIL, CF, 2014, p. 29).
A autonomia é essencial para a fluidez do pacto federativo e mesmo
estando expressamente veiculado no Texto Maior ainda gera discussões no meio
político, como por exemplo, os índices usados pela União para atualizar a dívida
pública dos Estados para com ela, discussão que será deixada de lado por não ser
alvo deste estudo, posta apenas como exemplo de que mesmo aquilo que está
expresso é invariavelmente discutido e rediscutido, quiçá aquilo que é fruto de
trabalho cognitivo.
Importante frisar o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos
da América, país símbolo do modelo federativo. O famoso julgamento McCulloch vs.
Maryland definiu diretrizes seguidas até hoje pelos americanos, bem como por
aqueles que optaram por ter como modelo seu formato de Estado. A primeira delas
diz respeito ao poder destrutivo do tributo. Entende-se que a capacidade para
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tributar envolve ao mesmo tempo a capacidade para destruir. Sendo assim, em um
Estado Federado não se admite que a União destrua os demais entes, nem que
estes se destruam ou aquela seja destruída por estes. Vai contra a lógica
determinada por qualquer modelo federado. Indubitável, portanto, não ser possível
aos entes tributarem-se por estar inserido no poder de tributar (ou competência, nos
termos usados pela Suprema Corte) o poder de destruir (CARRAZZA, 2004). O
julgamento é datado de 1819.
Muito em função das celeumas ocorridas na América do Norte, o
legislador brasileiro entendeu por bem inserir a imunidade expressamente no Texto
Constitucional de 1891, sendo tal norma copiada com certas variações nas demais.
Foi Rui Barbosa o responsável pela inserção da cláusula no anteprojeto brasileiro,
principalmente, como dito acima, a fim de evitar as discussões travadas na Suprema
Corte americana, já que, sob o ponto de vista técnico, é desnecessário previsão de
tal natureza em qualquer Estado que adote o sistema federativo organizacional
(CARRAZZA, 2004, p. 29).
Conclui-se por fim que a imunidade tributária recíproca é determinação
constitucional, e tem por supedâneos o sistema federativo e o princípio da isonomia
entre os entes políticos. De fato, este último decorre do próprio sistema federativo, o
que leva a crer que o ponto principal para ter-se imunidade recíproca é o tipo de
organização que foi adotado nas terras canarinhas, inspirado no modelo norte-
americano.
Dúvidas não há, portanto, que os entes não devem utilizar-se da
competência tributária para cobrar impostos uns dos outros. O texto constitucional,
contudo, foi além, notadamente no § 2º e 3º do artigo 150, VI:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; § 2º. A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. § 3º. As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel (BRASIL, CF, 2014, p. 59).
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As autarquias e fundações também estão sob o pálio da imunidade, por
expressa determinação legal. No tocante às fundações, necessário é entender que
tanto as fundações públicas de direito público quanto às de direito privado devem
gozar da imunidade. Isso porque aquelas possuem natureza autárquica, incidindo,
portanto na regra das autarquias. Já as de direito privado inserem-se por serem
fundações e o texto dizer que são imunes.
Já nesse ponto do estudo, pela leitura do § 3º do artigo 150, VI, transcrito
acima, percebe-se o conflito aparente de princípios: de um lado a imunidade, de
outro a livre concorrência, ambos valores consagrados pelo constituinte. Há aqui a
preocupação de que a imunidade não interfira no sistema econômico escolhido, qual
seja, o capitalismo. Ainda que bastante mitigado, o grande ensinamento de Adam
Smith sobre a não intervenção estatal no mercado ainda é ponto basilar da
economia de capital. Atento a essa perspectiva, o legislador inseriu exceção sobre a
aplicabilidade imunitória: não ocorrerá, tratando-se das instituições da Administração
Indireta, acaso estas estiverem inseridas no contexto do mercado privado.
De forma contrária, é possível entender que autarquias e fundações
prestadoras de serviço público ou qualquer outra atividade regida pelo direito
público, farão jus à imunidade dada ao ente que os criou.
Atente-se para a lição de Carrazza (2004) ao estabelecer que palavras e
expressões são aquilo que usamos para definir a realidade que nos rodeia. Em nada
muda a essência do que realmente é.
Esses dizeres são importantes no sentido de entender o paradigma
jurídico em que se insere a presente discussão. É dizer, o nomen iuris dado a
alguma entidade não determina o regime jurídico a ser aplicado. Deve ser analisado
o que efetivamente tal entidade é, qual papel desempenha, o motivo de ter sido
criada. Nesse contexto vale mais o sentido material exercido pela pessoa jurídica
que o efeito formal dado a esta.
3.2 Sociedade de Economia Mista
O magistral professor de Direito Administrativo, Mello (2012, p. 195),
conceitua Sociedade de Economia Mista nos seguintes dizeres:
Sociedade de economia mista federal há de ser entendida como a pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetidas a
21
certas regras especiais decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular.
Do conceito ofertado pelo ilustre professor é possível extrair o que define
a sociedade de economia mista, diferindo-a das demais sociedades anônimas.
Primeiramente a criação daquelas depende de autorização legal da casa legislativa
do respectivo ente, em respeito à antiga lição de que a Administração Pública
somente atua secundum legem, jamais praeter legem. Cabe ressaltar que a lei
autoriza a criação e não efetivamente cria a empresa estatal em questão, fato
criticado pela maioria esmagadora da doutrina, no Decreto-Lei n. 200, já que este
afirma que a criação se dá por meio de lei (MELLO, 2012).
Outra característica presente no conceito esposado acima é quanto ao
regime jurídico, qual seja, o de Direito Privado mitigado, ou submetido a algumas
regras do Direito Público. Isso porque, ainda que inserida no contexto privado,
possuem vinculação com a Administração Direta que as criou. Há ainda a presença
de numerários públicos no patrimônio da empresa estatal, o que requer que esta
siga regras públicas no que couberem, principalmente as referentes à publicidade,
instrumento ímpar para o controle do Estado.
Já quanto à constituição empresarial, tem-se que, necessariamente, deve
ser Sociedade Anônima, no sentido dado pela Lei 6404/76 (BRASIL, S/A, 1976). A
ressalva é que sempre a maioria do capital votante deve estar sob propriedade
pública, por meio direto ou de uma de suas entidades. Importante dizer que o capital
com direito a voto deve estar nas mãos do ente público e não necessariamente a
maioria do capital latu sensu. O que importa é que o controle das ações da
companhia esteja em poder da Administração Pública. Existem vários tipos de
ações, interessando para o conceito de Sociedade de Economia Mista somente
aquelas que dão direito a voto (JUSTEN FILHO, 2014).
Deixa claro ainda, na parte final do conceito apontado pelo eminente
professor, que deve haver capital privado na composição social da empresa estatal,
e que este deve ser remanescente. É dizer, o capital privado tem de ser presente,
mas nunca superior ao estatal, no tocante às ações que dão direito a voto.
22
Insta dizer que, apesar de colocar o conceito na esfera federal, é aplicável
a teoria da simetria concêntrica, a qual determina o uso da legislação federal (no
caso, o Decreto-Lei 200/67) nas demais esferas.
Cabe colacionar ainda o conceito de Meirelles (2013, p. 424), em sua
prestigiada obra de Direito Administrativo Brasileiro:
As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de Direito Privado, com participação do Poder público e de particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação e funcionamento. São entidades que integram a Administração indireta do Estado, como instrumentos de descentralização de seus serviços.
Ponto importante trazido a baila por Meirelles (2013) é o campo de
atuação das Sociedades de Economia Mista, podendo atuar tanto na atividade
econômica quanto na prestação de serviço público.
Não quer dizer, contudo, que o autor acima incentiva a atuação dessas
sociedades estatais no serviço público. É que para o autor, a legislação deu à
Administração pública meios de descentralizar seus serviços públicos, os quais
deveriam preferencialmente ser utilizados, verbi gratia, a criação de autarquias.
Ainda em sua obra, o autor condena as distorções que se observam no contexto
fático, no qual os entes atribuem atividades econômicas às autarquias, e serviços
públicos às entidades estatais, o que gera insolúveis celeumas jurídicos,
administrativos e principalmente tributários, atabalhoando os tribunais com
mandados de segurança, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal
Federal. Portanto, o ideal seria a correta utilização das ferramentas administrativas
de descentralização, a fim de evitar discussões, como a que agora propõe o
presente trabalho. Todavia, não sendo o que efetivamente ocorre, mister é enfrentar
a questão posta, qual seja, a outorga de serviços públicos às sociedades de
economia mista e suas conseqüências. (MEIRELLES, 2013, p. 398).
Acrescente-se ainda aos ditos anteriores o que diz Di Pietro (2012, p.
502) sobre o regime jurídico aplicável quando existir a dicotomia prestadora ou não
de serviço público:
Quando, porém, o Estado fizer a gestão privada do serviço público, ainda que de natureza comercial ou industrial, aplicam-se, no silêncio da lei, os
23
princípios de direito público, inerentes ao regime jurídico administrativo. Nem poderia ser diferente, já que alguns desses princípios são inseparáveis da noção de serviço público, tais como o da predominância do interesse público sobre o particular, o da igualdade de tratamento dos usuários, o da mutabilidade do regime jurídico, o da continuidade do serviço público e, como conseqüência, o das limitações ao direito de greve, o da obrigatoriedade de sua execução pelo Estado, ainda que por meio de concessionários e permissionários, daí resultando o direito do usuário à prestação do serviço.
Sendo assim, nos casos de ocorrer prestação de serviço público por parte
de empresa estatal, o regime jurídico aplicável seria o de Direito Público, derrogando
quase que por completo as normas do Direito Privado. Conforme explica a autora,
certos princípios são inseparáveis da noção de serviço público, como parte radical
do conceito deste, não podendo ser afastados pelo regime jurídico que instituiu o
prestador do serviço.
Uma implicação prática disso é a aplicação dos privilégios referente aos
bens afetados ao serviço público para as empresas estatais. É pacífico na doutrina e
jurisprudência que os privilégios das fundações e autarquias, no tocante aos bens,
são extensíveis à sociedade de economia mista que presta serviço público.
Interessante é o posicionamento adotado por Carvalho Filho (2008, p.
448) ao distinguir serviços públicos não-econômicos de serviços públicos
econômicos, acrescentando que, concernente a estes últimos, não deve ser dado
nenhum privilégio as sociedades de economia mista que os preste. Isso porque,
segundo o doutrinador, os serviços públicos econômicos são aqueles que, mesmo
prestados por empresas estatais, poderiam também ser ofertados pela iniciativa
privada. Aproximar-se-iam demasiadamente de atividade econômica estes últimos, o
que descaracterizaria a qualidade pública justificável para aplicação dos privilégios,
a princípio, devidos apenas as autarquias e fundações.
Acrescenta o autor:
Com a devida vênia, pensamos de forma diversa. Todas as empresas públicas e sociedades de economia mista, como entidades paraestatais que são, devem sujeitar-se ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas, porque, como já visto, todas exercem, em sentido amplo, atividades econômicas. Desse modo, não importará se o objeto é a prestação de serviço público ou o desempenho de atividade econômica stricto sensu. Na medida em que o Estado as institui, cobrindo-lhes com as vestes do direito privado, deve arcar com os efeitos tributários normais incidentes sobre as demais empresas privadas. A imunidade e os privilégios fiscais só se justificam para as pessoas de direito público, estas sim representando o próprio Estado. Por outro lado, não conseguimos vislumbrar no § 2º do citado art. 173 da CF amparo para essa distinção: as
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empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Desse modo, não podemos aceitar essa visão que privilegia tributariamente o Estado no que toca às entidades paraestatais, quando ele mesmo tem à sua disposição outros mecanismos (administração direta, autarquias, fundações públicas) suscetíveis da incidência desses privilégios, como emana do texto constitucional (CARVALHO FILHO, 2008, p. 452).
Percebe-se a resistência que tem Carvalho Filho (2008) em coadunar
com a idéia de conceder os privilégios dos entes autarquias e fundações públicas às
empresas estatais. De fato, conforme vimos nos ensinamentos de Meirelles (2013),
o ente político possui outras formas de descentralizar sua atuação e prestação de
serviço público de forma a manter os privilégios que lhes são inerentes, como a
imunidade tributária recíproca, não justificando, portanto, na ausência de regra legal
que o diga, estender tais privilégios às sociedades de economia mista pelo simples
fato de prestarem serviço público. No entendimento desses dois doutrinadores,
caberia ao ente utilizar-se do meio adequado para descentralizar sua atuação e
gozar do privilégio, e não intentar judicialmente discussão para a aplicação também
às suas empresas estatais.
Todavia, o próprio Carvalho Filho (2008) ressalva a situação ímpar de a
empresa estatal prestar serviço público na modalidade monopólio. Corroborado por
Carrazza (2004), leciona o autor que, nesses casos excepcionais, admite-se à
aplicação dos privilégios que, a princípio, inaplicáveis seriam por não ocorrer
concorrência com o particular. Inexistiriam, portanto os motivos da restrição trazida
pelo artigo 173, § 2º da Constituição da República de 1988, in verbis:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 2º. As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensíveis às do setor privado (BRASIL, CF, 2014, p. 65).
Tal restrição refere-se àquelas que exercem atividade econômica,
conforme determina o parágrafo primeiro do artigo acima transcrito. Investigando o
sentido dessa limitação tem-se que vem para proteger a livre concorrência e
rechaçar o abuso do poder econômico. Inexistindo risco ao valor concorrencial
inerente ao sistema de capital, bem como, por decorrência do primeiro, a
possibilidade de abuso do poder econômico (só haverá abuso se existir
25
concorrência, por dedução lógica), aplicável seria os privilégios do ente político à
empresa estatal.
Doutrinador de semelhante prestígio ao de Carvalho Filho (2008), Justen
Filho (2014) defende o regime jurídico diferenciado para as Sociedades de
Economia Mista. Tal característica insere-se no próprio conceito proposto por ele, o
qual diz que “sociedade de economia mista é uma sociedade anônima sujeita a
regime diferenciado, assim qualificado por lei, que se encontra sob controle de um
sujeito estatal” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 307). Destaca o autor ainda que tal regime
diferenciado refere-se não só à dicotomia público/privado, mas incisivamente à
aplicação da Lei da S/A (Lei 6.404/76), a qual determina em seu escopo regras não
pertinentes à empresa estatal.
Leciona em sua obra, quanto à legalidade, que a sociedade de economia
mista é qualificada por lei, é dizer, a lei fala qual pessoa jurídica é sociedade de
economia mista e qual não o é. Portanto, não é suficiente apenas o controle social
da empresa, mas crucial a qualificação legal desta. Sendo assim, temos a
possibilidade de existir sociedade controlada, a qual possui capital majoritário em
mãos de ente público, todavia não foi qualificada como sociedade de economia
mista por lei (JUSTEN FILHO, 2014, p. 309).
Ponto importante é a determinação legal do artigo 237 da Lei 6.404/76,
transcrito abaixo:
“Art. 237 A companhia de economia mista somente poderá explorar os
empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou a sua
constituição” (BRASIL, S/A, 2014, p. 909).
Nesse contexto convém destacar a Sociedade de Economia Mista criada
para a prestação de serviço público. Por estar adstrita à lei autorizadora, de
nenhuma forma tal sociedade empresarial poderá explorar o mercado ou mesmo
prestar outro tipo de serviço público que não àquele do texto legal. A conseqüência
disso é que, em certas situações, a depender da prestação pública exercida pela
estatal, não ocorrerá concorrência com o particular e nem haverá o risco de ocorrer,
visto que a pessoa jurídica em questão não dispõe de discricionariedade para
escolher o objeto social a ser realizado (CARRAZZA, 2004).
Tácito (1997), em seu compêndio de pareceres sobre Direito
Administrativo, reafirma a subsidiariedade do Estado na economia, vigorando o
sistema constitucional de supremacia da atividade privada. A atividade econômica
26
pública deve sempre ser complementar à atividade privada, e ocorrer de forma
excepcional (TÁCITO, 1997, p. 1213). Ainda que haja cada vez maior pressão sob o
poder público para o fornecimento de serviços, não necessariamente tais prestações
revestiriam do caráter serviço público, no puro sentido essencial dado a este pela
doutrina.
3.3 Serviço Público
Viu-se nos tópicos anteriores a importância da temática “serviço público”
para o objeto em estudo. Grande parte da doutrina e jurisprudência atual tendem a
simpatizar com a concessão de privilégios às empresas estatais, desde que estas
sejam prestadoras de serviço público. É dizer, o regime jurídico continua sendo
privado mitigado, ocorrendo supressão de mais aspectos privados do regime se
presente a prestação pública (CARRAZZA, 2004).
Para tanto, necessário é conceituar serviço público. A tarefa árdua de
fazê-lo deve-se pelo atual contexto político vivido pelo país, já que várias atividades
que, superficialmente, tratam-se de atividade econômica, podem ser tidas como
serviços públicos e, não raras vezes, estes possuem facetas de atividade mercantil.
Para Mello (2012, p. 687) o conceito é:
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - , instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.
Mais uma vez, serão analisados os pontos cruciais do conceito.
Primeiramente é comodidade. Não no sentido voluptuário, mas na acepção de
necessário, ou ao menos útil. O alvo do serviço público sempre será a coletividade,
apesar de a fruição real dos serviços dar-se individualmente (mesmo que na
companhia de outras pessoas, a fruição é individual, v. g., os cidadãos que utilizam
o transporte público. Apesar de haverem mais pessoas utilizando o serviço, a fruição
é individual).
Será aquilo que o Estado assume como pertinente a seus deveres, e é
aqui que o conceito torna-se extremamente flexível. Foge à esfera jurídica o que
27
realmente será serviço público porque o próprio conceito determina que seja aquilo
que o Estado entende ser. Passa por uma política de estado ou de governo,
portanto, o rol de prestações públicas. Contudo, observe-se que, uma vez tidos por
públicos, tais serviços reger-se-ão pelo Direito Público, trazendo consigo todo o
sistema normativo inerente a tão exação.
Conclui-se que o conceito de Mello (2012) necessita de fonte exógena
para completar-se. Analogicamente ao Direito Penal, seria como uma norma penal
em branco, necessitando de complemento fora do próprio Direito para efetivar-se.
Tais disposições feitas pelo professor possuem a qualidade de
dificilmente tornarem-se obsoletas, notadamente devido aos avanços tecnológicos
que diariamente inserem no cotidiano da comunidade facilidades que, podem, a
critério do Poder Público, transfigurarem-se em serviço público.
Não por acaso Meirelles (2013, p. 377) aduz: “realmente, o conceito de
serviço público é variável e flutua ao sabor das necessidades e contingências
políticas, econômicas, sociais e culturais de cada comunidade, em cada momento
histórico.”
Portanto, não foge do conceito já apresentado o que defende o publicista
Meirelles (2013), apenas dando ênfase ao fato de que o serviço público pode ser
algo essencial, secundário ou simples conveniência do Estado. A dificuldade mora
ainda na determinação do que seria essencial, secundário e conveniente. Pode ser
que para o governo, algo tido como essencial de fato é mera conveniência. A
oscilação caminha lado a lado com o conceito de serviço público. De fato, grande
parte, se não todos, dos doutrinadores que se aventuraram em impor traços rígidos
ao conceito ora estudado terminaram por renovar o conceito posteriormente ou
ficaram obsoletos.
No entendimento de Carvalho Filho (2008), não faz parte de serviço
público às meras conveniências estatais. Para o autor o conceito apropriado é “toda
atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de
direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da
coletividade”.
Não obstante a leve divergência, coaduna com os outros autores ao
determinar que o caráter essencial, inerente ao serviço público, não possui
parâmetros definidos, sofrendo oscilações por fatos de lugar e tempo. Exemplifica
que há países que consideram certo serviço como algo essencial, impossível de ser
28
tratado como atividade privada, ao passo que em outros se trata de atividade
mercantil, sequer subordinando-se ao Direto Público local.
Não é prudente ignorar a lição de Di Pietro (2012, p. 106), para quem
serviço público é:
Toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
Há de se destacar, por fim, o que diz Justen Filho (2014):
Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público (JUSTEN FILHO, 2014, p.727).
Interessante o elemento trazido pelo conceito acima transcrito, qual seja,
a insuficiência de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa
privada. De fato, esse item inovador esclarece muito o porquê de certas atividades
essenciais para a manutenção humana não se configurarem em serviços públicos, e
outras de importância inferior sim.
Para o doutrinador, por exemplo, a produção e fornecimento de alimentos,
bem como de medicamentos, indubitavelmente relacionam-se com a satisfação de
direitos fundamentais e concretizam a dignidade da pessoa humana. Contudo, não
figuram no rol de serviços públicos, visto que a atuação econômica privada é
plenamente eficaz em satisfazer tais necessidades de modo adequado (JUSTEN
FILHO, 2014, p. 729).
Percebe-se que os exemplos trazidos acima seriam considerados
serviços públicos se analisados sob o prisma de outros conceitos, quando de fato
não o são. Portanto, a solução proposta, qual seja, de considerar serviço público,
além das características incontroversas, aquilo que a iniciativa privada é incapaz de
fornecer adequadamente, é magistral.
Tal assertiva ainda explica o porquê de ser abundante o rol de serviços
públicos em países pouco desenvolvidos, quando comparados com países de
elevado Índice de Desenvolvimento Humano, como os nórdicos. É que nestes a
29
iniciativa privada, melhor aparelhada, é capaz de fornecer grande parte dos insumos
inerentes à dignidade da pessoa humana e, invariavelmente, até mais. Já nas
Nações pobres o setor econômico é inócuo perante a demanda social, o que
determina maior atuação estatal.
Percebe-se que ainda neste conceito ele é flutuante, principalmente de
país para país, e, em se tratando do Brasil, o qual possui proporções continentais,
pode ocorrer até mesmo de região para região. Dependerá da estrutura econômica
presente.
Tendo como supedâneo os conceitos da doutrina mais autorizada no
assunto, pode-se concluir que serviço público varia conceitualmente no tempo e no
espaço. É dizer, conforme a história da sociedade desenvolve o que outrora se
considerava essencial ao ponto de dar-lhe o revestimento de Direito Público, deixa
de sê-lo, para tornar-se novamente em momento posterior. O espaço refere-se aos
inúmeros ordenamentos jurídicos que há no mundo, cada qual com suas
peculiaridades. Se, conforme Di Pietro (2012), o serviço público é o que a lei
determina, o fator territorialidade é essencial para determiná-lo, já que as normas
brasileiras, por óbvio, aplicam-se somente eu seu espaço soberano.
Fica claro que, embora haja na Constituição Federal de 1988 e em leis
esparsas que certos serviços são eminentemente públicos, tal rol seria o mínimo
existencial, que de tamanha essencialidade preferiu o legislador positivar a fim de
sempre terem caráter público, ou ao menos que dificultasse a perda de tal caráter.
O conceito mais amplo trazido por Meirelles (2013) é o que melhor
protege o cidadão e permite que sejam inseridas como serviço público determinadas
ações que, naquele momento, devem ser consideradas como tal. A interpretação
mais favorável para o interesse público, para a comunidade, deve sempre ser aquela
a nortear as decisões judiciais e as políticas estadistas e governamentais.
Por fim, apesar do conceito extremamente amplo e flutuante de serviço
público, importante dizer que tal liquidez é o que define o instituto. Mantendo-se
como um intertexto aberto, permite que evolua, e, notadamente no ordenamento
pátrio, o qual se preocupou em elencar serviços mínimos a serem prestados pelo
Estado, tal característica é de sobremodo bem vinda, já que só pode resultar numa
amplitude do que será serviço público.
Deve-se ainda destacar a distinção que faz Carvalho Filho (2008) entre
serviços públicos não-econômicos e serviços públicos econômicos. Os primeiros são
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aqueles tidos como próprios do Estado, ou seja, “aqueles que só o Estado pode
executar, como a segurança pública, a prestação de justiça, a defesa da soberania
nacional” (CARVALHO FILHO, 2008, p. 449).
Já aqueles econômicos são os que, mesmo prestados diretamente pelo
Estado, poderiam ser igualmente prestados pelo particular, além de possuírem
caráter superavitário. Obviamente, o particular somente terá interesse, salvo as
instituições filantrópicas e de caráter assistencial, nos serviços públicos capazes de
apresentarem receitas, superávit, passíveis de aferição lucrativa. Cabe lembrar,
mesmo nos serviços públicos econômicos, o objetivo primário é o interesse público,
ainda que prestado pelo particular, e o lucro é sempre secundário.
3.4 Empresa Pública
Outro conceito relevante para o presente estudo é a outra forma de
empresa estatal, qual seja, empresa pública. A apresentação conceitual dá-se a
título de demonstrar que, no tocante a este formato de empresa, há enorme simpatia
do Supremo Tribunal Federal em ampliar a imunidade tributária recíproca para
alcançá-las, já que as consideram longa manus do Estado. Nesse sentido, informa
Justen Filho (2014, p. 302) que “a jurisprudência do STF vem se assentando no
sentido de que as empresas estatais prestadoras de serviços públicos devem
usufruir do regime de direito público próprio das autarquias”.
Mais uma vez socorre-se do conceito do aclamado publicista Mello (2012,
p. 191) para elucidar o assunto. O professor assim diz:
Deve-se entender que empresa pública federal é a pessoa jurídica criada por força de autorização legal como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetidas a certas regras especiais decorrentes de ser coadjuvante da ação governamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas em Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de Direito Público interno ou de pessoas de suas Administrações indiretas, com predominância acionária residente na esfera federal.
Uma rápida análise do conceito ofertado acima já permite perceber a
semelhança que guarda com aquele descrito quando da análise da Sociedade de
Economia Mista.
31
Cabe pontuar, portanto, as diferenças. A mais importante delas é, sem
dúvida, a formação do capital. A Empresa Pública só o é quando sua constituição
societária for exclusivamente de capital público, neste último compreendido aquele
despendido por entidade da Administração Direta e Administração Indireta. É dizer,
não só os entes políticos são autorizados a instituir empresas públicas, mas também
o são as instituições autárquicas, fundacionais, empresas públicas e sociedades de
economia mista, quando a lei instituidora (ou criadora, no caso das autarquias) o
permitir, ou seja, quando houver previsão legal.
Outro ponto diametralmente oposto ao das sociedades de economia mista
é concernente ao seu formato empresarial. Enquanto aquelas somente podem
adotar a forma de Sociedade Anônima, as empresas públicas podem adotar
qualquer forma admitida em Direito.
Questão inconteste na doutrina é o regime jurídico dessas empresas,
sendo obrigatoriamente o Direito Privado. O que diverge é até que ponto tal regime é
afastado para aplicarem-se os ditames do Direito Público, especialmente àquelas
prestadoras de serviço público.
O conceito abordado na obra de Meirelles (2013, p. 420) traz maior
número de informações, já que aborda o campo de atuação da empresa pública.
Leciona o doutrinador:
Empresas públicas são pessoas jurídicas de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial.
Neste conceito é importante chamar a atenção para a possibilidade de
empresa pública prestar serviços públicos, como de fato existem várias que o fazem.
Apesar de essencialmente terem sido idealizadas para atuar na área econômica,
nas hipóteses permitidas em lei, os governantes têm usado o instituto
invariavelmente para descentralizar a prestação do serviço público (atitude criticada
por Meirelles (2013) e Carvalho Filho (2008), conforme explicitado no item 2.2
Sociedade de Economia mista). De fato, tal atitude traz diversos problemas técnico-
jurídicos, visto a dificuldade de enquadrar essas entidades em algum ordenamento
32
jurídico que lhes sejam o correto à sua natureza híbrida, mas que, por prestarem
serviço público, as aproxima do ordenamento publicista.
Desnecessário discorrer demasiadas linhas a fim de conceituar empresa
pública, visto não ser o objeto desse estudo. Sua função é apenas demonstrar,
conforme dito alhures, que há fortes linhas que aproximam as empresas públicas
das sociedades de economia mista e que, quanto aquelas, o Supremo Tribunal
Federal vem demonstrando forte tendência a reconhecer a imunidade tributária
recíproca quando prestadoras de serviço público. Contudo, alerta Justen Filho
(2014, p. 304) para a situação das estatais que dediquem cumulativamente à
prestação de serviço público e explorem atividade econômica. Efetivamente há dois
grandes exemplos de empresas públicas nessa situação, quais sejam, a Empresa
Brasileira de Correios – ECT e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeronáutica
(Infraero). Ainda não há solução para essa celeuma jurídica. Todavia, tem-se que o
Supremo Tribunal Federal reconheceu a imunidade tributária à ECT, sem ressalvas,
ou seja, abrangendo todo o conjunto de atividades desenvolvidas (RE 601392).
Dessa forma, percebe-se a tendência em revestir as estatais, ainda que cumule o
serviço público e a atividade econômica, com o ordenamento jurídico público.
33
4 CONCLUSÃO
Tendo em conta todo o apanhado teórico feito anteriormente se conclui
pela possibilidade de estender o instituto da imunidade recíproca à sociedade de
economia mista, desde que esta preencha o requisito de ter sido criada como longa
manus do ente instituidor.
Inserido no conceito de longa manus deve ser entendido que a sociedade
anônima criada sob o prisma das sociedades de economia mista com o intuito de
exercer atividade inerente ao Estado merece guarida tributária nos mesmos moldes
do ente federado. É possível aplicar na presente discussão o brocardo jurídico ubi
idem ratio, ibi idem jus. Isso porque a razão de existir o instituto imunidade tributária
recíproca é proteger o ente federado e, como conseqüência lógica, permitir que
execute tudo aquilo que o pacto federativo lhe impôs (os serviços públicos têm
responsabilidade prestacional dividida entre as esferas federal, estadual e municipal,
sendo que mesmo aqueles de responsabilidade conjunta, como a saúde, possuem
divisão interna). Nesse diapasão, ainda que não seja a forma juridicamente
adequada, caso determinada pessoa jurídica de direito público constitua uma de
direito privado com fim de prestar serviço público essencial, deve esta última gozar
da imunidade recíproca.
Poder-se-ia cogitar que, em determinadas situações restaria ferido o
princípio da livre concorrência nos casos em que o particular apresenta-se apto a
prestar o serviço público via concessão. Todavia o ente não é obrigado a conceder o
serviço público. Trata-se de mera faculdade, podendo o ente executar diretamente
ou de forma descentralizada a prestação básica. Colocando a discussão nesse
prisma, nota-se que não há concorrência desleal visto somente haver possibilidade
de o particular aventurar-se no âmbito dos serviços públicos caso o ente abra
processo licitatório (ou não o faça quando houver permissivo legal).
Ocorre a delegação de um serviço público antes que haja a abertura
deste para que o particular o preste. Portanto nem sequer cogitou-se concorrência,
tendo em mente o poder público optar em não conceder para o setor privado a
exploração prestacional pública.
No âmbito teórico houve nítida divisão dos mecanismos de
descentralização. Em caso de atividade inerente ao Estado, cria-se autarquia ou
fundação. Se a situação for de intervenção no domínio econômico, autoriza-se a
34
criação de empresas públicas e sociedades de economia mista. A grande celeuma é
que estas últimas vêm sendo instituídas para exercer finalidades autárquicas e,
quando da ocorrência de tal fenômeno, o caráter privado dessas empresas mitiga-se
quase que por completo.
Não é relevante a forma como o Estado propõe-se a executar o serviço
público. Não se discute se é prestado pelas variantes existentes no Direito
Administrativo, quais sejam, Sociedade de Economia Mista, Empresa Pública,
Autarquia e Fundações. Este é o novo olhar dado ao Direito como um todo,
menosprezar as formalidades quando sopesadas frente ao conteúdo material. Isso
quer dizer que mais vale a realidade fática apresentada do que aquela no papel.
A análise das sociedades de economia mista permite concluir duas regras
teóricas básicas: são regidas por regras de direito privado e foram elaboradas no
sentido de permitir a intervenção estatal na economia, quando isso fosse necessário.
Contudo, vê-se que o expediente de criar tais pessoas jurídicas com o intuito de
prestar serviços públicos foi definitivamente introduzido em todas as esferas da
federação, sendo certo que tal movimento é irreversível. O número de empresas
estatais nessa situação aumenta exponencialmente. E há exemplos no sentido
contrário. O Estado de Minas Gerais protagonizou a criação de uma esdrúxula
autarquia bancária, a Minas Caixa (MINAS GERAIS, Lei nº 210/1986). Neste caso,
de forma inversa, mas utilizando analogia idêntica.
Por ser formalmente autarquia, a princípio e apegando-se às
formalidades, deveria tal instituição financeira valer-se da imunidade tributária, fato
que afrontaria de morte o texto constitucional. Ou seja, se a imunidade restasse
configurada apenas apoiando-se na forma jurídica dada à administração pública
indireta, a extinta Minas Caixa teria privilégios tributários inimagináveis para uma
instituição financeira. O formalismo é insuficiente para responder às complexidades
do mundo jurídico.
Outro ponto é o pagamento de contraprestação pelo usuário, o que, a
princípio ensejaria na não aplicação da imunidade tributária. Todavia, o texto legal
em questão (§3º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988) refere-se aos casos
em que haja concessão ao particular da exploração do serviço público. Isso fica
muito claro ao cotejar-se com o parágrafo anterior do referido artigo, o qual estende
às autarquias e fundações a imunidade tributária recíproca desde que o patrimônio,
a renda e o serviço estejam vinculados as suas finalidades essenciais. Ou seja, em
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um parágrafo o constituinte prescreveu a situação quando o serviço público fosse
prestado de forma descentralizada pela Administração Pública, por meio das
autarquias e fundações. No outro, preocupou-se em limitar o instituto imunitório caso
o serviço público seja prestado por particular através de concessão.
Entender o explicitado acima de forma diversa é defender, por exemplo,
que a Empresa Brasileira de Correios e a Infraero recolham impostos. A prestação
dos respectivos serviços requer contrapartida dos usuários. Se existe a
contraprestação e valendo-se dos ditames exarados no artigo 150, §3º da
Constituição Federal de 1988, o qual afasta a imunidade nos casos em que ocorra
contraprestação, tais empresas restariam fora da guarida imunitória. É dizer, a
aplicação indistinta do §3º do artigo 150 da Carta Magna causaria enorme
perplexidade jurídica e levaria ao total esvaziamento do instituto tributário posto em
discussão aqui. É cristalino que a anomalia instaurada ao criarem-se sociedades de
economia mista e empresas públicas, cuja finalidade é prestar serviço público, atrai
a aplicação do art. 150,§2º da Constituição Federal. O motivo de ter sido estendido
às autarquias tal privilégio foi em função de sua finalidade. Se a sociedade de
economia mista realiza a mesma atividade de uma autarquia, ou seja, prestar
serviço público, aplica-se a ela a regra conferida as autarquias. É dizer, o motivo
determinante utilizado pelo constituinte para conceder a imunidade do art. 150, §2º
foi a prestação pública. Novamente faz-se necessário utilizar o brocardo ubi idem
ratio, ibi idem jus. Constatada tal finalidade nas sociedades de economia mista
imperioso é afirmar que restou realizado o instituto imunitório na modalidade
recíproca.
Tome-se como exemplo o serviço de água e esgoto prestado por
autarquia. Elas são remuneradas pelo usuário e nem por isso deixam de gozar da
imunidade tributária. O simples fato de semelhante serviço ser prestado por
sociedade de economia mista, nos mesmos moldes e condições, não afasta a
imunidade. A diferença de instituição não pode impedir a aplicação de instituto que
tem como objetivo proteger o pacto federativo e foi outorgado em função da
finalidade e não da forma jurídica adotada. Em via transversa, seria novamente o
formalismo sobrepujando a realidade fática, esta que é sobremaneira entranhada em
meandros, intransponíveis se adotarmos o modelo clássico formal de interpretação
jurídica.
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Ainda analisando as contrariedades de se outorgar o instituto da
imunidade recíproca às sociedades de economia mista, sem dúvida a maior delas
deve ser o de distribuir lucros aos acionistas privados. Cabe aqui ressaltar que a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afastava a possibilidade de estender o
instituto tributário aqui analisado a empresas estatais rogando este argumento.
Porém, recentemente o tema foi posto em repercussão geral (RE 600867/SP).
A distribuição de lucro proveniente de ente federado não é algo incomum
ao capitalismo pátrio. As letras do tesouro nada mais fazem que remunerar o
particular com dinheiro público após este ter investido no próprio Estado. O
argumento de que não se pode distribuir lucro ao particular é muito simplório para
afastar a imunidade do serviço prestado por sociedade de economia mista. A
emissão de papéis da dívida pública é medida necessária para financiar todo o
arcabouço prestativo que a Constituição incumbiu o Estado de executar, sem a qual
tornaria inviável grande parte dos direitos sociais conquistados (deixam-se de lado
as questões de política cambial por não ser pertinente).
É necessário pensar no sentido contrário daqueles que entendem a
distribuição de lucro como retirada do âmbito público de dinheiros. Antes da
distribuição houve investimento e tal ação moveu do plano privado recursos a serem
aplicados no serviço público. É, em linhas gerais, o mesmo expediente adotado
quando da emissão de papéis da dívida pública. Ou seja, é forma de financiar o
serviço público utilizando-se de investimento particular e não o contrário, forma de o
setor privado lucrar utilizando-se de serviço público.
É necessário compreender que, além de proteger o pacto federativo, a
imunidade traz consigo a modicidade dos preços públicos. Tal interpretação é a que
melhor se amolda ao sistema jurídico vigente, tendo em conta ser impossível saber
a real intenção do poder constituinte, cabendo aos operadores do direito interpretar
a Carta Magna dando-lhe maior efetividade possível dentro dos limites impostos. É
dizer, os termos trazidos na Constituição da República de 1988 são como uma obra
literária. O autor nem sempre previu que determinada passagem pudesse ter o
sentido que os leitores lhe dão. Todavia, em sendo tal sentido conferidor de maior
efetividade a obra, bem como mantendo o sistema lógico, não deve ser obstada a
interpretação. De fato, estamos diante de intertexto aberto, a ser paulatinamente
construído no plano concreto pela sociedade que o lê.
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Sendo assim, a imunidade tributária teria como efeito reflexo a
modicidade das tarifas. Como exposto na parte teórica, não há que se falar em lucro,
mas sim em superávit. A intenção primária é realizar a prestação pública. Acaso
ocorram numerários excedentes são mera conseqüência. Portanto, considerando o
caráter extremamente secundário das aferições superavitárias, sopesando
conjuntamente com a prestação pública, este último fator atrai a incidência da
imunidade em força maior que a distribuição de superávits a afasta.
Ademais, o interesse particular de que haja superávit, conjuntamente
analisado com o interesse público de realizar o melhor serviço é equação que tem
como único resultado a eficiência, princípio tão pregado e de pouca concretude na
Administração Pública. O ente tem obrigação de zelar pela qualidade do serviço, o
que impede interesses particulares solaparem a prestação. Por outro lado, o
particular tem desejo na ocorrência de superávits e, portanto zelará pelo gasto
consciente, otimização de processos e modernização tecnológica.
Posto dessa forma é possível enxergar com clareza o princípio da
eficiência. Tal palavra não indica nada mais que algo feito com a capacidade
máxima e custando o mínimo possível.
Insta ressaltar que a aplicação da imunidade aqui defendida refere-se tão
somente ao serviço público e à possível distribuição de lucro para o ente federado.
O lucro a ser distribuído para os particulares será normalmente tributado já que
estes jamais usufruirão do instituto imunitório.
Destrinchando o exposto acima se tem esferas distintas que não se
tangenciam. A imunidade é dirigida ao serviço e a todos os instrumentos afetados a
este, da mesma forma que ocorre com as autarquias. Obviamente, o superávit
auferido pelo ente estatal devido sua participação societária na empresa também é
imune, por dicção clara do texto constitucional, o qual abriga a renda dos entes sob
o manto da imunidade. Portanto temos a imunidade tributária recíproca estendida
aos serviços e a estrutura inerente. Acresça-se a isso eventual superávit alcançado
no fim de exercício financeiro e distribuído ao ente federado.
Já quando do momento de remunerar os acionistas privados com a fatia
do superávit que lhes cabe, ao realizar a operação de pagamento, tal dinheiro
extrapola a esfera coberta pela imunidade, pelo óbvio motivo de o particular não
gozar de imunidade tributária recíproca. Portanto, no momento dos depósitos, esses
valores estarão sujeitos a tributação normalmente feita em qualquer operação
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financeira do mesmo tipo (pagamento de dividendos), seguindo a regra exclusiva do
direito privado. A divisão do superávit para a esfera privada é a linha limite de
aplicação dos ditames administrativistas, brocardos do direito público e legislações
correlatas. Dali em diante volta a viger por completo o Direito Privado.
Esse raciocínio é muito simples quando comparado a bens afetados e
não afetados ao interesse público. Por analogia, o dinheiro até o momento da
divisão de dividendos está afetado ao serviço público de forma irremediável, sendo
em tudo imune. A partir da operação financeira de depósito desses valores ocorre a
desafetação automática, o que por si só induz a não realização da imunidade
tributária recíproca. Portanto, o particular jamais irá beneficiar-se da eventual
imunidade concedida à Sociedade de Economia Mista. Os únicos beneficiados são
os usuários e o interesse público, quando a conjuntura proposta é analisada de
forma difusa.
Em apertada síntese conclui-se como critério para a aplicação da
imunidade tributária recíproca em Sociedades de Economia Mista o fato de terem
sido criadas com finalidade de prestar serviço público, comportando-se como
autarquia, finalisticamente. Acaso ocorra tal circunstância, as demais características
são de somenos importância para afastar a aplicação do instituto.
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REFERÊNCIAS
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