Classificação da sociedade limitada

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1 THIAGO ANDRÉ TOFANELLI COSTA* Advogado CLASSIFICAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA *Publicações de artigos, participações em eventos acadêmicos disponíveis no Curriculum Acadêmico completo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/8954665811467275

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THIAGO ANDRÉ TOFANELLI COSTA* Advogado

CLASSIFICAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA

*Publicações de artigos, participações em eventos acadêmicos disponíveis no Curriculum Acadêmico completo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/8954665811467275

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O comércio civiliza as nações, enriquece os povos e constitui poderosas as monarquias, que se arruínam com a sua decadência e abatimento de cultura; mas é preciso que nele se pratique com mútua fidelidade. A alma do comércio consiste na liberdade. Alvará do Rei de Portugal, de 17 de agosto de 1758.

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RESUMO

A finalidade deste trabalho consiste na análise da classificação da sociedade limitada, um dos mais importantes e controvertidos temas do direito societário brasileiro. Inicialmente, examinam-se a origem da sociedade limitada no direito estrangeiro e, posteriormente, a história e a evolução sob o enfoque do direito brasileiro. Dentre outros assuntos, analisamos a classificação híbrida das sociedades limitadas, já que podem apresentar características de matiz personalista e capitalista, sendo de fundamental importância sua correta inserção num dos dois tipos societários, tornando possível a solução de diversas questões de ordem prática, tais como: cessão das quotas sociais; penhorabilidade das quotas por dívidas particulares dos sócios e a sucessão no falecimento dos sócios.

Palavras-chave: Sociedade Limitada. Classificação. Cessão. Penhorabilidade. Sucessão.

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ABSTRACT

This study aims the analysis of limited society classification, one of the most important and controvertial themes of societarian Brazilian Law. At first, the limited society origin in the foreign Law is examined, later, the history and evolution of Brazilian Law focussing. Among other themes, it is analysed the hibrid classification of limited societies, since they may present personalist and capitalist shades characteristics, being of extreme importance its correct insertion in one of the two societarian types, making the solution of several practical order issues possible, such as: social shares disposal; pledging possilbility of the shares over partners’ particular debts and partners’ death succession.

Keywords: Limited Society. Classification. Share. Pledging. Succession.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................7 2 HISTÓRICO ................................................................................................8 2.1 Origem da sociedade limitada sob o enfoque da legislação inglesa ....8 2.2 Origem da sociedade limitada sob o enfoque de outras legislações....9 2.3 Origem e evolução na legislação brasileira ..........................................10 3 CONCEITO E REGIME LEGAL DA SOCIEDADE LIMITADA .................12 3.1 Conceito de sociedade limitada..............................................................12 3.2 Regime legal anterior ..............................................................................13 3.3 Regime legal no Código Civil de 2002 ...................................................15 4 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ..19 4.1 Conceito de sociedade empresária .......................................................19 4.2 Classificação das sociedades empresárias ..........................................20 4.3 Classificação quanto à extensão da responsabilidade dos sócios

pelas obrigações sociais ........................................................................20 4.4 Classificação quanto à livre alienabilidade da participação

societária ou quanto à estrutura ............................................................23 4.5 Classificação das sociedades de acordo com o Código Civil de

2002 ..........................................................................................................25 5 CLASSIFICAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA ......................................27 5.1 Classificação das sociedades limitadas no regime do Código Civil

de 2002 .....................................................................................................28 6 CESSÃO DAS QUOTAS SOCIAIS E DISSOLUÇÃO PARCIAL DA

SOCIEDADE LIMITADA ...........................................................................32 6.1 Cessão das quotas sociais ....................................................................32 6.2 Dissolução parcial da sociedade limitada ............................................33 7 CAUSAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE LIMITADA ......35 7.1 Direito de recesso ...................................................................................35 7.1.1 Exercício do direito de recesso .................................................................40 7.1.2 Valor do reembolso ...................................................................................41 7.2 Retirada de sócio ....................................................................................46 7.3 Expulsão de sócio ...................................................................................49 7.4 Falecimento de sócio ..............................................................................51 7.5 Dos credores particulares de sócio ......................................................54 7.5.1 Liquidação de quota a pedido de credor de sócio e falência de sócio ......58 8 CONCLUSÃO ............................................................................................60 REFERÊNCIAS .........................................................................................63 ANEXO A – Decreto n. 3.708 de 10 de janeiro de 1.919 ........................65

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ANEXO B – Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2.002 ..............................68

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1 INTRODUÇÃO

Por intermédio do Departamento Nacional do Registro de Comércio, há

informação de que mais de 97% das sociedades registradas nas juntas comerciais

brasileiras constituem-se por quotas de responsabilidade limitada, condição que a

torna o tipo societário de maior presença na economia brasileira e, portanto, justifica

o estudo sobre tal modelo societário.

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada foi introduzida no direito

brasileiro pelo Decreto n.° 3.708/19 e, posteriormente, teve novo regime

estabelecido pela Lei n.° 10.406/02 que a denominou “sociedade limitada”.

Ante o elucidado, objetiva a presente monografia examinar o novo regime

legal da sociedade limitada na doutrina e na jurisprudência, no que concerne a sua

classificação como personalista ou capitalista e contratual ou institucional e salientar

a inegável importância de sua correta inserção a determinado tipo societário,

solucionando, evidentemente, diversas questões de ordem prática, tais como:

cessão das quotas sociais; penhorabilidade das quotas por dívidas particulares dos

sócios e a sucessão no falecimento dos sócios.

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2 HISTÓRICO

2.1 Origem da sociedade limitada sob o enfoque da legislação inglesa

A princípio, no século XVIII, a burguesia, enriquecida pelo grande comércio

colonial e pelo desenvolvimento industrial, pugnou a nobreza e seus privilégios. A

Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, se generalizou por toda a Europa,

influenciando o mundo com suas técnicas.

O capitalismo, que possibilitou a formação e proliferação de empresas

pertencentes a um número restrito de indivíduos, isolados ou agrupados em

sociedades, das quais são acionistas e, a incessante busca pelo lucro, exigiu que o

Estado disciplinasse, de maneira sistemática e simplificada a formação de diversos

tipos de sociedades.

Neste contexto, surgiram na Inglaterra as sociedades de responsabilidade

limitada, com as chamadas private partnerships e eram constituídas mediante ato do

Parlamento, denominado act of incorporation que conferia personalidade jurídica à

sociedade, limitava a responsabilidade dos sócios ao valor de suas ações e permitia

a livre alienação da participação societária com terceiros. Ulteriormente, a

concessão da autorização da sociedade limitada, deixou de ser do Parlamento e

passou a ser da Coroa.

O Companies Act, Lei de 7 de agosto de 1.862 disciplinou a legislação

societária e criou um tipo de sociedade de responsabilidade limitada, sem ações, as

Limited by garantee, onde os sócios respondiam limitadamente por quantia

previamente estipulada. Dispôs também sobre as sociedades limited by shares, de

responsabilidade limitada por ações, abolindo a autorização governamental e

conferindo, pelo registro, personalidade jurídica às sociedades, livre negociação da

participação societária e limitação da responsabilidade dos sócios ao capital social.

O Companies Act, de 1.862, tornou as companhias livres da exigência da

autorização governamental e fez com que prosperassem na Inglaterra para grandes

empreendimentos. Como as partnerships ainda eram regidas pelo common law, que

tornava complexa a sua constituição, os empresários as transformavam em

companhias, que no direito consuetudinário ficaram conhecidas por private

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companies, a fim de se diferenciarem das public companies.

Ante a proliferação das private companies, disciplinadas pelo direito

consuetudinário, editou-se, tendo por base normas de uso habitual, o Companies

consolidation Act, de 1.900, que sofreu diversas alterações quando, em 1.929,

estabeleceu um modelo societário dispondo sobre as seguintes regras:

(1) restrições à negociabilidade das ações; (2) limitação do número de sócios a cinqüenta; (3) vedação da subscrição pública; (4) inexistência de número mínimo de sócios; (5) autorização para administração por um só gerente; (6) dispensa de formalidades referentes à publicidade das demonstrações contábil-financeiras. (CALÇAS, 2003, p. 16).

De acordo com os ensinamentos de Isaac Halperin (1956, p. 1), a sociedade

limitada embora oficialmente surgida na Alemanha, teria nascido na Grã-Bretanha

com as private companies, onde já haveria referências a ela em 1.881.

Portanto, ante a preleção do mestre Manoel de Queiroz Pereira Calças:

as private companies, originarias das sociedades anônimas, assemelham-se às sociedades da responsabilidade limitada do direito alemão, o pioneiro e grande influenciador da adoção de tal modelo societário no mundo ocidental [...] por isso, pode-se concluir que as sociedades de responsabilidade limitada originaram-se na Inglaterra, onde, com emancipação das private companies das sociedades anônimas, passam a ser adotadas pela grande maioria dos empresários. (CALÇAS, 2003, p. 16).

2.2 Origem da sociedade limitada sob o enfoque de outras legislações

A sociedade limitada foi introduzida na França, por lei, em maio de 1.863, que

a denominou société de responsabilité limitée e autorizou sua constituição sem

autorização governamental. Um dos principais requisitos da nova sociedade era o

valor do capital social, que não poderia exceder a 20 milhões de francos, por isso,

Thaller (apud CALÇAS, 2003, p. 18), ao tratar de tal sociedade como um novo

regime, afirma que elas podem constituir-se livremente, mas “ce sont de véritables

sociétés anonymes, notins le mon, au capital de 20 millions au maximum”. A nova

sociedade, em nada se diferenciava da das sociedades anônimas, estando apenas

liberada da exigência da autorização governamental, portanto, Rubens Requião

(1976, p. 224) denota que a sociedade limitada “era, na realidade, uma sociedade

anônima simplificada, ainda cercada por formalismos e excessiva publicidade, tanto

que foi revogada, na França, pela Lei de 1.867”.

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Na Alemanha, em 1.892, a sociedade limitada, denominada Gesellschaft mit

beschränkter Haftung, originou-se, ao contrário da grande maioria dos demais tipos

de sociedade cuja organização de fato precede a disciplina normativa, da iniciativa

parlamentar, como um tipo próprio de organização societária e não como uma

sociedade anônima simplificada. Para Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 364), a

sociedade “corresponde de tal forma aos anseios do médio empresariado que a

iniciativa alemã se propaga, e inspira os direitos de vários outros países”.

O governo italiano, em 1.922, através de uma grande comissão de juristas,

elaborou uma nova legislação comercial, onde se incluía no projeto a società a

garanzia limitata. Entre os juristas, destaca-se Alberto Asquini, que defende a

introdução da sociedade limitada na Itália, denotando:

A legislação italiana, não pode ficar fechada nas rígidas formas das sociedades tradicionais. Aproveite-se a experiência dos outros, contendo a sociedade de responsabilidade limitada em termos de poder ser utilmente adotada e sujeitando-se a uma severa disciplina legislativa, que a impeça, tanto quanto possível, de fazer ciladas ao crédito público. (FERREIRA, 1925, p. 10-11 apud CALÇAS, 2003, p. 19).

A sociedade de responsabilidade limitada, denominada Della società a

responsabilità limitata, está atualmente disciplinada no Codice Civile italiano de

1.942. Com uma alteração em 1.993, introduziu-se no direito italiano a sociedade de

responsabilidade limitada com único sócio, constituída por ato unilateral.

2.3 Origem e evolução na legislação brasileira

No Brasil, em 1.865, o projeto do Ministro da Justiça Nabuco de Araújo,

inspirado na legislação francesa, objetivou criar essa sociedade por ações

simplificada, chamada de sociedade de responsabilidade limitada, o que não foi

possível, pois a propositura não recebeu o apoio do Conselho de Estado e foi

rejeitada em 1.867, pelo Imperador Dom Pedro II (COELHO, 2004, p. 364).

Em 1.912, Inglês de Souza, confiado pelo Decreto n.° 2.379, de 04 de janeiro

de 1.911, de elaborar a reforma do Código Comercial Imperial de 1.850, incluiu a

sociedade de responsabilidade limitada em seu projeto, com as características do

modelo alemão, prevista a responsabilidade de cada sócio até o montante total do

capital social, onde destacou que a responsabilidade dos sócios tinha por objeto

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animar a concorrência das atividades e dos capitais do comércio, sem ser preciso

recorrer à sociedade anônima, reservada para as grandes empresas industriais, que

necessitam capitais muito avultados e prazo superior ao ordinário da vida humana

(FERREIRA, 1961, p. 393).

Ocorreu que, com o atraso na aprovação do Código Comercial de 1.850, o

Deputado Joaquim Luís Osório, baseado no projeto de Inglês de Souza, apresentou,

em 20 de setembro de 1.918, projeto de lei especial que introduzia a sociedade por

quotas de responsabilidade limitada. O projeto foi aprovado e sancionado pela

Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, como Decreto n.° 3.708, de 10 de

janeiro de 1.919.

A ligeira aprovação do projeto evidenciou inúmeras críticas, como a de

Waldemar Ferreira que, ao referir-se a nova Lei, discorreu:

Como se vê do estudo feito ao Decreto n.° 3.708, e do confronto que dele fizemos com as raras legislações estrangeiras que admitiram as sociedades de responsabilidade limitada, por quotas, deixou ele de referir-se a pontos de extrema relevância. Não foi, ao menos, estudado e discutido, como devera, nas duas casas do Congresso Nacional. Apresentado o projeto à Câmara dos Deputados, em sessão de 21 de setembro de 1.918, pelo sr. Joaquim Luis Osório, deputado pelo Estado do Rio Grande do Sul, passou em branca nuvem pelos trâmites parlamentares, como se o assunto fora de importância contestável. Promulgado e publicado, foi recebido com legítima surpresa, que se tornou maior diante da sua deficiência, que vai ser, evidentemente, um tormento para o comercio e para os tribunais, quando o tiverem de aplicar. Estamos a ver nele uma sementeira de decepções. E também de demandas. (FERREIRA, 1925, p. 299 apud CALÇAS, 2003, p. 24).

Em epítome, durante mais de 80 anos de aplicação do Decreto n.° 3.708/19

às sociedades brasileiras, pode-se afirmar, ante os ensinamentos dos estudiosos

Waldirio Bulgarelli (2001, p. 121) e José Waldecy Lucena (2001, p. 29), que

dissertaram sobre o tema, que a disciplina sintética e, ao mesmo tempo, aberta

constante da lei das sociedades por quotas ensejou o predomínio de sua utilização

como modelo societário, constituindo-se na mais importante das sociedades

empresárias previstas em nossa legislação.

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3 CONCEITO E REGIME LEGAL DA SOCIEDADE LIMITADA

3.1 Conceito de sociedade limitada

Através de informação do Departamento Nacional do Registro do Comércio,

mais de 97% das sociedades registradas nas juntas comerciais brasileiras são do

tipo limitada, condição que a torna o tipo societário de maior presença na economia

brasileira.

Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 153) justifica o sucesso apontando duas

características das limitadas, ou seja, a limitação da responsabilidade dos sócios e a

contratualidade. Assim, em razão da primeira, os investidores podem limitar as

perdas, em caso de insucesso da empresa e, em razão da segunda, as relações

entre os sócios podem pautar-se nas disposições de vontade destes, sem maiores

rigores, como é o caso das sociedades anônimas. Afirma que, sendo a limitada

contratual, e não institucional, a margem para negociações entre os sócios é maior.

Durante a vigência do Decreto n.° 3.708/19, a doutrina enumerou diversos

conceitos para a sociedade limitada, de acordo com suas principais características:

(1) constitui-se como sociedade em nome coletivo, regulando-lhe o contrato social os artigos 300 a 302 do Código Comercial; (2) capital social dividido em quotas, que são intransmissíveis a terceiros sem unânime assentimento dos demais sócios; (3) declara-se no contrato social que todos os sócios respondem solidariamente pelas obrigações sociais, até o limite do capital social; (4) pode adotar firma ou denominação social sempre acrescida da palavra limitada; (5) administra-se por sócios-gerentes, e não por estranhos, podendo aqueles todavia delegar o uso do nome social; (6) inadmitem-se sócios de indústria, sendo de capital todos os sócios; (7) permite-se a aquisição de suas próprias quotas; (8) consente-se-lhe a criação de diretoria, assembléia geral de quotistas e conselho fiscal, sujeitos, no caso de omissão do contrato social, aos dispositivos da lei de sociedades anônimas, quanto a sua composição, convocação, instalação, funcionamento, deliberações etc.; (9) outorga-se aos sócios divergentes de alterações do contrato social o direito de recesso. (FERREIRA, 1961, p. 415).

Para João Eunápio Borges (1959, p. 119), sociedades limitadas “são aquelas

nas quais todos os sócios assumem, quer perante a sociedade, quer perante

terceiros, uma responsabilidade limitada”.

Rubens Requião (1976, p. 259) a conceitua como sendo “a sociedade onde

duas ou mais pessoas se reúnem para a obtenção de lucro comum, limitando sua

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responsabilidade à soma do capital social”.

Fran Martins (1958, p. 313) define-a como “aquela que é formada por duas ou

mais pessoas, assumindo todas, de forma subsidiária, responsabilidade solidária

pelo total do capital social”.

O Código Civil de 2.002, ao disciplinar a sociedade limitada, não a conceituou,

deixando essa tarefa para a doutrina, que, ao fazê-la, procura sempre ressaltar a

responsabilidade solidária de todos os sócios pela integralização do capital social.

Alberto Simão Filho (2004, p. 3) conceitua a sociedade limitada como sendo

“aquele tipo social em que o capital é dividido em quotas iguais ou desiguais, e a

responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, respondendo

todos os sócios solidariamente pela integralização do capital social”.

Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 111) entende ser a sociedade limitada “pessoa

jurídica de direito privado não-estatal, que explora empresarialmente seu objeto

social ou a forma de sociedade por ações”.

Em epítome, a sociedade limitada é aquela em que cada sócio tem sua

responsabilidade restrita ao valor de suas quotas, mas todos são responsáveis pela

integralização total do capital social (artigo 1.052, do Código Civil de 2.002).

3.2 Regime legal anterior

Na vigência do Decreto n.° 3.708/19, pairava a mais absoluta e

aparentemente inconciliável divergência entre os estudiosos das sociedades

limitadas, no que dizia respeito à determinação da Lei supletivamente aplicável às

omissões do referido decreto ou do contrato social, em razão da redação do artigo

181 (CARVALHOSA, 2003, p. 37).

Waldemar Martins Ferreira, ao discorrer sobre o assunto, denotou:

O artigo 18 do Decreto n.° 3.708/19, em suma, não tem a elasticidade que se lhe tem dado. O que ele diz, e com certeza, é que, ‘no que não for regulado no estatuto social’, às sociedades por quotas se aplicarão as disposições da lei das sociedades anônimas. E isso mesmo, no que puder ser aplicado. Daí à conclusão, a que muitos chegaram, de que todos os

___________

1 O artigo 18 dizia que “serão observados quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas”.

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preceitos referentes às sociedades anônimas se lhe aplicarão vai um exagero de hermenêutica, que em erronia se torna. Nos pontos em que o contrato social for omisso, e como elemento supletivo, sendo compatíveis, vigorarão as regras das sociedades anônimas. Nem tudo podem os sócios pactuar. As convenções, em que eles podem se ajustar, são as de natureza privada, que não ofendam nem contrariem normas que só o poder legislativo pode ditar. Deixou a lei ao seu arbítrio organizarem a sociedade por quotas à feição da em nome coletivo, ou à imagem e semelhança da anônima. Sociedade híbrida, mista de uma e de outra, pode, mercê de uma concepção original, apresentar-se como uma mescla de ambas, por um feliz ajustamento, harmônico, dos órgãos de uma e de outra. Ficou, pois, aos quotistas o encargo de, no contrato social, traçarem o perfil da sociedade, por este ou aquele modelo, determinando o seu aparelhamento, discriminando os seus órgãos administrativos e lhes precisando as funções. Tal seja o ramo de comércio ou de indústria, a que a sociedade se dedique, tal a forma que mais lhe convenha. Eis aí a principal missão dos sócios, no convencionarem o seu contrato social, a lei máxima da sua sociedade, no em que não contrariem as leis. Sendo o contrato omisso, no que, podendo ele ser regulado e objeto de disposição contratual, não for, e só neste caso, se lhe aplicarão, na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas. (...) As disposições da lei das sociedades anônimas, em suma, são subsidiárias, não da lei que institui as sociedades por quotas, mas do estatuto ou contrato social destas. (FERREIRA, 1925, p. 148 apud CALÇAS, 2003, p. 33).

Entendimentos divergentes foram apresentados por outros autores, no

sentido de que a Lei de Sociedades Anônimas não era supletiva das omissões do

contrato social, mas sim do próprio Decreto n.° 3.708/19. (apud CARVALHOSA,

2003, p. 37-38).

João Eunápio Borges (1959, p. 176-177) entende que “quando forem omissos

o contrato social e o decreto n.° 3.708, serão observados, na parte aplicável, os

dispositivos da Lei de Sociedades Anônimas”.

José Waldecy Lucena (2001, p. 78-88), salienta que apesar de

aparentemente haver séria divergência na interpretação da inteligência do artigo 18

da Lei das Limitadas, na verdade, possível é conciliar tanto a doutrina como a

jurisprudência formadas sobre o tema. Basta partir da premissa de que o ato

constitutivo da sociedade limitada é um contrato, e, por isso, deve ser regido pelos

princípios que regem o direito contratual. Destarte, em primeiro lugar, o contrato

social da sociedade por quotas deve observar os requisitos essenciais, de natureza

cogente, impostos pelo Decreto n.° 3.708/19 e pelos artigos 300 a 302 e 289 do

Código Comercial, estes integrantes de forma expressa da Lei das Sociedades

Limitadas. De modo que o contrato social regular-se-á, compulsoriamente, pelas

disposições dos artigos 300 a 302 do Código Comercial e deverá observar as regras

impositivas sobre limitação da responsabilidade dos sócios à importância total do

capital social; a sociedade adotará uma firma ou denominação que sempre serão

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seguidas da palavra limitada; a omissão da palavra limitada na firma ou

denominação acarretará a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios-

gerentes; não haverá sócios de indústria; no caso de falência, todos os sócios

responderão solidariamente pela parte que faltar para a integralização do capital

social; os sócios-gerentes que atingirem com excesso de mandato ou praticarem

atos contrários à lei ou ao contrato responderão solidária e ilimitadamente pelas

obrigações decorrentes de tais atos; os sócios que divergirem da alteração do

contrato social poderão retirar-se da sociedade e terão direito ao reembolso de suas

quotas etc. Por outro lado, os sócios terão liberdade de disciplinar as matérias

consideradas dispositivas, tais como estabelecer cláusula de unanimidade, ou

quorum especial para determinadas deliberações sociais, regular a alienabilidade

das quotas sociais, estabelecendo plena liberdade ou impondo restrições ou direito

de preferência. Se o contrato social e o Decreto n.° 3.708/19 forem omissos sobre a

matéria, incidirá a Lei das Sociedades por Ações, na parte que for aplicável.

Portanto, a Lei das Sociedades por Ações só incidirá na sociedade limitada se a

matéria for de ordem dispositiva dos sócios e estes não a regularam expressamente

no contrato. Na seqüência, caso inaplicáveis as normas das sociedades anônimas,

seja por incompatibilidade, seja por também ser omissa a lei das anônimas, o

intérprete deverá aplicar o Código Comercial, nos termos de seu artigo 291. Na

eventualidade de o Código Comercial, as leis e os usos comerciais não fornecerem

a solução, incidirá o Código Civil e, por derradeiro, omisso o sistema positivo,

aplicar-se-á o artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil: na omissão da lei, o juiz

decidirá os casos de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de

direito.

3.3 Regime legal no Código Civil de 2.002

A sociedade limitada está disciplinada em capítulo especifico do Código Civil

de 2.002 (artigos 1.052 a 1.087) e, nas omissões deste, rege-se pelas normas da

sociedade simples (artigo 1.053, caput). Portanto, o legislador civil determinou a

aplicação subsidiária das normas da sociedade simples às sociedades limitadas,

ante a inexistência de norma de regência específica.

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Modesto Carvalhosa faz uma descrição pormenorizada dos dispositivos da

sociedade simples aplicáveis à sociedade limitada. Nesse sentido, pode-se

identificar como aplicáveis supletivamente às sociedades limitadas, por força do

caput do artigo 1.053, salvo disposição em contrário do contrato social, os seguintes

artigos que tratam das sociedades simples:

(i) art. 998, que trata da inscrição dos atos de constituição da sociedade no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para as sociedades limitadas simples, ou seja, cujo objeto seja atividade não empresária; (ii) parágrafo único do art. 999, que trata da averbação das alterações do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para as sociedades limitadas simples, ou seja, não empresárias; (iii) art. 1.000, que trata da inscrição das filiais no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para as sociedades limitadas simples; (iv) art. 1.001, que trata do início e término da responsabilidade dos sócios; (v) art. 1.005, que trata da responsabilidade do sócio pela evicção dos bens e pela solvência dos créditos conferidos ao capital social; (vi) art. 1.007, primeira parte, que trata da proporção da participação dos sócios nos lucros sociais; (vii) art. 1.008, que trata da nulidade da estipulação que exclua um dos sócios da participação dos lucros e perdas, mas apenas no que se refere aos lucros, já que os sócios da sociedade limitada não respondem pelas suas perdas, conforme a responsabilidade inerente ao tipo societário; (viii) art. 1.009, que trata da solidariedade entre os administradores e os sócios que receberem lucros ilícitos ou fictícios; (ix) art. 1.011 que trata do dever de diligência dos administradores, dos impedimentos para o exercício do cargo de administrador e da aplicação das normas do mandato às atividades dos administradores; (x) art. 1.012, que trata da responsabilidade pessoal e solidária dos administradores pelos atos praticados antes da averbação do seu termo de posse no registro competente; (xi) art. 1.013, §§ 1º e 2º, que tratam, respectivamente, da impugnação por um administrador dos atos praticados por outro, e da responsabilidade pelas operações praticadas em desacordo com a maioria dos sócios; (xii) art. 1.014, que trata da necessidade do concurso de todos os administradores nos atos de competência conjunta; (xiii) art. 1.015, que trata dos atos que os administradores estão autorizados a praticar em nome da sociedade, no silêncio do contrato, e da oponibilidade a terceiros dos atos praticados com excesso por parte dos administradores; (xiv) art. 1.016, que trata da responsabilidade dos administradores por culpa no desempenho de suas funções; (xv) art. 1.017, que trata da responsabilidade dos administradores que aplicarem em proveito próprio ou de terceiros créditos ou bens sociais e do conflito de interesses entre o administrador e a sociedade; (xvi) art. 1.018, que trata da substituição do administrador por mandatário da sociedade, para atos específicos; (xvii) art. 1.021, que trata do direito do sócio de examinar a qualquer tempo os livros de documentos, bem como o estado de caixa e da carteira da sociedade, salvo se a sociedade limitada for dotada de conselho fiscal, caso em que a fiscalização dos livros e documentos da sociedade, do seu estado de caixa e carteira de clientes será atribuição não dos sócios, mas desse órgão; (xviii) art. 1.022, que trata da representação da sociedade para a aquisição de direitos e assunção de obrigações, e da representação em juízo; (xix) art. 1.024, que trata do beneficio de ordem dos sócios na execução das dividas da sociedade;

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(xx) art. 1.026, que trata de penhora de quotas por dívida do sócio; (xxi) art. 1.027, que trata da participação dos herdeiros ou cônjuge do sócio na divisão periódica dos lucros enquanto não liquidada a quota do sócio morto ou separado; (xxii) art. 1.028, que trata das hipóteses de não-liquidação da quota do sócio em caso de morte; (xxiii) art. 1.030, que trata da possibilidade de exclusão de sócio por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou por incapacidade superveniente; (xxiv) art. 1.031, que trata da forma de apurar o valor devido ao sócio pela liquidação da quota na hipótese de a sociedade se dissolver quanto a esse sócio; Além desses, deve-se lembrar que há outros artigos que versam sobre a sociedade simples e que são aplicáveis às sociedades limitadas por remissão expressa contida no Capítulo IV, quais sejam: (i) art. 997, por remissão do art. 1.054; (ii) parágrafo único do art. 1.033, por remissão do parágrafo único do art. 1.057; (iii) art. 1.004, por remissão do art. 1.058; (iv) art. 1.010, por remissão do art. 1.072; (v) arts. 1.031 e 1.032, por remissão do art. 1.086; (vi) arts. 1.044 e 1.033, por remissão do art. 1.087. (CARVALHOSA, 2003, p. 41-43).

Constatada a necessidade de aplicação subsidiária e verificada a sua

ineficiência no preenchimento da lacuna, entende a doutrina ser aplicável

analogicamente a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.° 6.404/76). Nesse sentido é

a posição de Fábio Ulhoa Coelho:

Em princípio, nas omissões do capítulo do Código Civil de 2.002 referente às limitadas, aplicam-se as regras da sociedade simples, também dispostas neste mesmo código (CC, art. 1.053, caput). (COELHO, 2005, p. 154).

Afirmou ainda que:

O diploma legal de regência supletiva da limitada pode ser, porém, a lei das sociedades anônimas (LSA). Para isto, é necessário que os sócios contratem neste sentido. Em conseqüência, se o contrato social contemplar cláusula expressa, determinando a aplicação da lei das sociedades por ações aos casos não regulados no capítulo específico do Código Civil de 2.002 referente às limitadas, o regime das sociedades simples não se aplica. (COELHO, 2005, p. 154)

Modesto Carvalhosa, ao discorrer sobre o assunto, afirma que:

Assim, exemplificativamente, não podem ser aplicadas às sociedades limitadas as regras da sociedade anônima atinentes à constituição da sociedade; à limitação de responsabilidade dos sócios; aos direitos e obrigações dos sócios entre si e para com a sociedade; à emissão de títulos estranhos ao capital social, tais como debêntures, partes beneficiárias, e bônus de subscrição; à abertura do capital com apelo à poupança pública; à emissão de quotas sem valor nominal; à emissão de certificados de quotas; e à subsidiária integral [...] Por outro lado, são plenamente aplicáveis às sociedades limitadas as regras da sociedade anônima no que respeita, sobretudo, à sua estrutura organizacional, aos direitos, deveres e responsabilidades dos administradores – por exemplo, as regras de organização e funcionamento dos órgãos da administração –, bem como aquelas que regem os pactos parassociais, como o acordo de acionistas. (CARVALHOSA, 2003, p. 45).

18

O mestre Manoel de Queiroz Pereira Calças, ao versar sobre a regência legal

da sociedade limitada na vigência do Código Civil de 2.002, estabelece a seguinte

aplicação:

(1º) normas do capitulo específico que regulam a sociedade limitada (artigos 1.052 a 1.086); (2º) na constituição e dissolução da sociedade, deve ser observado o regime do Código Civil (artigos 1.054 e 1.087); (3º) no silêncio do contrato e nas omissões do capítulo específico do Código Civil, aplica-se o regime das sociedades simples (artigo 1.053); (4º) se o contrato social prever a regência supletiva da Lei das Sociedades por Ações e a matéria for contratual, incide a lei do anonimato; (5º) nas lacunas do Código Civil, será aplicável, por analogia, a Lei das Sociedades por Ações. (CALÇAS, 2003, p. 39).

19

4 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

4.1 Conceito de sociedade empresária

Conceitua-se sociedade empresária ante a utilização de dois institutos

jurídicos, quais sejam: a pessoa jurídica e a atividade empresarial.

No direito brasileiro as pessoas jurídicas são divididas em dois grandes

grupos, de um lado as de direito público, de outro as de direito privado. No primeiro

grupo figuram a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios e

as autarquias e, no segundo, todas as demais que não são de direito público. O que

diferencia um de outro grupo é o regime jurídico a que estão subordinados.

As pessoas jurídicas de direito público se beneficiam de uma posição jurídica

diferenciada em razão da superioridade dos interesses que o direito determinou que

tutelassem e as pessoas jurídicas de direito privado estão sujeitas a um regime

jurídico caracterizado pela isonomia, ou seja, não existe valoração diferenciada dos

interesses defendidos por elas. Assim, uma pessoa jurídica de direito público se

relaciona com uma pessoa jurídica de direito privado em situação privilegiada, o

mesmo não ocorre quando duas pessoas jurídicas de direito privado se relacionam,

haja vista existir igualdade entre elas.

Disso decorre a subdivisão no grupo de pessoas jurídicas de direito privado.

De um lado, empresas estatais, cujo capital é formado majoritária ou totalmente por

recursos originários do poder público que compreende a sociedade de economia

mista, onde particulares também participam, embora minoritariamente. De outro

lado, as pessoas jurídicas de direito privado não-estatais, que compreendem a

fundação, a associação e as sociedades. As sociedades, igualmente, se diferenciam

da fundação e da associação pela sua característica econômica, e se subdividem

em sociedades simples e empresárias.

O que caracteriza uma pessoa jurídica de direito privado não-estatal como

sociedade simples ou empresaria será o modo de explorar seu objeto. Assim, o

objeto social empresarialmente explorado, ou seja, organizando os fatores de

produção, caracterizará a sociedade como empresária. Por conseguinte, a não

exploração empresarial do objeto social conferirá caráter simples à sociedade.

20

De acordo com o disposto no artigo 982, do Código Civil de 2.002, considera-

se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de

empresário. Portanto, o critério de identificação da sociedade empresária será o

modo de exploração do objeto social.

Em se tratando de sociedades por ações, estas serão sempre empresárias,

ainda que o seu objeto não seja empresarialmente explorado, conforme o disposto

no parágrafo único do artigo supracitado.

Feitas essas considerações, a sociedade empresária pode ser conceituada

como “a pessoa jurídica de direito privado não-estatal, que explora

empresarialmente seu objeto social ou a forma de sociedade por ações” (COELHO,

2005, p. 111).

Portanto, sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, constituídas no

mínimo por pessoas naturais ou pessoas jurídicas, que celebram um contrato social

pelo qual se obrigam reciprocamente a contribuir com bens ou serviços, para o

exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (artigo 981 do

Código Civil).

4.2 Classificação das sociedades empresárias

As sociedades empresárias são classificadas, principalmente, quanto à

extensão da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais e quanto à livre

alienabilidade da participação societária.

4.3 Classificação quanto à extensão da responsabilidade dos sócios pelas

obrigações sociais

Nas sociedades empresárias impera o princípio da autonomia patrimonial, ou

seja, da personalização da sociedade empresária, fazendo com que os sócios não

respondam, em regra, pelas obrigações da sociedade. Sendo a pessoa jurídica

solvente, ou seja, possuindo bens suficientes em seu patrimônio para o integral

21

cumprimento de todas as suas obrigações empresariais, o patrimônio particular de

cada sócio é intangível por dívida social. Assim, somente após a integral liquidação

do capital social é que se poderá propor alguma responsabilidade por parte dos

sócios, que será condicionada a diversos fatores.

Os bens particulares dos sócios poderão ser penhorados por dívidas da

sociedade. No entanto, há uma relação de ordem pelo qual a penhora deve atingir

os bens da sociedade e somente depois de esgotado o patrimônio social a penhora

poderá atingir os bens particulares dos sócios (artigo 1.024 do Código Civil

combinado com o artigo 596 do Código de Processo Civil)2.

De acordo com o disposto no artigo 990, do Código Civil de 2.002, todos os

sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, no entanto, é

feita uma distinção legal sobre a responsabilidade do sócio. O sócio que contratou

pela sociedade não tem direito ao benefício de ordem previsto no artigo 1.024, do

Código Civil de 2.002, e, portanto, responde solidariamente com a própria

sociedade. Por outro lado, os sócios que não contratam pela própria sociedade têm

direito ao benefício de ordem e não são solidários com a sociedade.

A responsabilidade dos sócios na sociedade empresária é, em regra,

subsidiária, ou seja, é de responsabilidade da própria sociedade, fazendo com que

eventual responsabilização por dívidas sociais ocorra somente após a liquidação

total do patrimônio social. Assim, somente depois de esgotados os bens da

sociedade é que se poderá pensar em executar o patrimônio particular do sócio por

saldos existentes no passivo da sociedade.

Fábio Ulhoa Coelho, ao discorrer sobre o assunto alvitra que:

O direito brasileiro da atualidade não conhece nenhuma hipótese de limitação de responsabilidade pessoal. Assim, quando a sociedade estiver respondendo por obrigação sua, terá responsabilidade ilimitada; também o sócio, quando responder por ato seu, ainda que relacionado com sua vida social, terá responsabilidade ilimitada. Somente se concebe, no presente estágio evolutivo do direito nacional, a limitação da responsabilidade subsidiária. Os sócios respondem, assim, pelas obrigações sociais, sempre de modo subsidiário, mas limitada ou ilimitadamente. (COELHO, 2005, p. 117).

___________

2 Código Civil. Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Código de Processo Civil. Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

22

Desse modo, segundo o critério que considera a responsabilidade dos sócios,

as sociedades empresárias dividem-se em sociedades ilimitada, limitada e mista.

A sociedade ilimitada é aquela em que todos os sócios respondem

ilimitadamente pelas obrigações sociais. Assim, sendo o patrimônio social

insuficiente para o pagamento dos credores da sociedade, o saldo do passivo

poderá ser reclamado dos sócios, de forma ilimitada, ou seja, os credores poderão

saciar seus créditos até a integral satisfação, enquanto suportarem os patrimônios

particulares dos sócios. Nesta categoria existe apenas a sociedade em nome

coletivo.

Será mista a sociedade em que uma parte dos sócios tem responsabilidade

ilimitada e outra parte tem responsabilidade limitada. São desta categoria as

sociedades em comandita simples, cujo sócio comanditado responde ilimitadamente

pelas obrigações sociais, enquanto o sócio comanditário responde limitadamente; e

a sociedade em comandita por ações, em que os sócios diretores têm

responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais e os demais acionistas

respondem limitadamente.

Por fim, será limitada a sociedade em que todos os sócios respondem de

forma limitada pelas obrigações sociais. Assim, os credores somente poderão

alcançar os patrimônios particulares dos sócios até um determinado limite, devendo

suportar as perdas do saldo que o excede. Fazem parte desta categoria a sociedade

limitada e a sociedade anônima.

Em cada tipo societário, portanto, estão previstas as regras de determinação

do limite da responsabilidade dos sócios. Os sócios da sociedade limitada e os

comanditários da sociedade em comandita simples respondem até o limite do capital

social não-integralizado. Na sociedade anônima o acionista responderá até o limite

do valor não-integralizado da parte do capital social que ele subscreveu, o mesmo

ocorre com o acionista não-diretor da sociedade em comandita por ações.

O sócio, ao ingressar na sociedade empresária deve contribuir para o capital

social. Estando a sociedade em constituição ou havendo majoração do capital

social, o ingressante deverá subscrever uma parte do capital social, ou seja, o

ingressante comprometer-se-á a pagar uma quantia determinada para a sociedade,

contribuindo, assim, com o capital social e legitimando a sua pretensão à percepção

de parcela dos lucros gerados pelos negócios sociais. A subscrição do capital social

poderá ser feita à vista ou a prazo. Conforme o sócio paga o que se comprometeu

23

ao subscrever o capital social, integralizar-se-á a sua participação na sociedade,

assim, o capital social estará totalmente integralizado quando todos os sócios

cumprirem com as respectivas obrigações, quais sejam, de contribuir para a

formação da sociedade ou para o aumento do capital social.

Na sociedade limitada e na sociedade em comandita simples, o sócio e o

comanditário, respectivamente, respondem pelas obrigações sociais até o total do

capital social não-integralizado, ou seja, até o limite da quantia do que ainda não foi

integralizado no capital social da sociedade. O sócio que integralizou totalmente a

sua quantia subscrita do capital social poderá ser responsabilizado pelas obrigações

sociais, subsidiariamente, dentro do limite da quantia que o seu sócio não

integralizou. Poderá, posteriormente, em ação de regresso, ressarcir-se do prejuízo

causado pelo sócio inadimplente, porém responderá perante a massa dos credores

da sociedade pelo total do capital não integralizado.

Os acionistas da sociedade anônima, ou os da comandita por ações com

responsabilidade limitada, respondem somente pela quantia que subscreveram e

ainda não integralizaram. Diverge-se, portanto, a questão da responsabilidade do

sócio pelas obrigações sociais nas sociedades anônimas, posto que o acionista

nunca poderá ser responsabilizado pela não-integralização da participação

societária devida por outro acionista.

Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 119) comenta que o limite da responsabilidade

subsidiária dos sócios pode ser “zero”, assim, se todo o capital social já estiver

integralizado, os credores da sociedade não poderão alcançar o patrimônio

particular de qualquer sócio com responsabilidade limitada, suportando o prejuízo.

4.4 Classificação quanto à livre alienabilidade da participação societária ou

quanto à estrutura

No Direito Comercial existem sociedades em que os atributos individuais dos

sócios interferem, ou não, com a realização do objeto social. Em algumas, a

circunstância de ser o sócio competente, honesto ou dinâmico tem relevância para o

sucesso ou fracasso da empresa, ao passo que em outras, referidas características

subjetivas decididamente não influem no desenvolvimento do objeto social.

24

Portanto, quando as particularidades pessoais dos sócios podem

comprometer o desenvolvimento da empresa a que se dedica a sociedade, os

integrantes desta devem ter garantias acerca do perfil de quem pretenda fazer parte

do quadro associativo. Entretanto, havendo o desinteresse sobre o perfil individual

dos sócios, o direito não se preocupa com a alienação das quotas, posto que o perfil

do eventual novo sócio não repercutirá no sucesso da empresa.

Em função disso, o Direito Comercial criou um grupo de sociedades em que a

alienação da participação societária por um dos sócios, a terceiro estranho ao

convívio social, depende da anuência dos demais sócios e um grupo em que esse

ato jurídico independe de anuência.

Cumpre salientar que a participação societária da sociedade limitada é

denominada de quota, que faz parte do patrimônio do sócio e não da sociedade.

Desse modo, o sócio, titular da quota, pode dispor da participação societária,

alienando-a, a exemplo da disponibilidade que tem dos demais bens de seu

patrimônio. O adquirente de uma quota torna-se sócio da sociedade e passa a

exercer os direitos que esta condição lhe confere. Portanto, nas sociedades em que

as características subjetivas dos sócios podem comprometer o sucesso da empresa

a que se dedica a sociedade, garante-se o direito de impedir o ingresso de terceiro

estranho ao quadro associativo, fazendo com que, em se tratando de adquirente não

sócio, a alienação da participação societária esteja condicionada à anuência dos

demais. Entretanto, nas sociedades em que os atributos pessoais dos sócios não

interferem na realização do objeto social, a alienação da participação societária é

livre, independentemente da anuência dos demais sócios.

Feitas essas considerações, no tocante às condições da alienação da

participação societária, as sociedades se dividem em duas categorias, sendo as

sociedades de pessoas, onde os sócios têm direito de impedir o ingresso de

estranho no quadro social e as sociedades de capital, em relação às quais opera o

princípio da livre alienabilidade da participação societária.

As sociedades de pessoas são aquelas em que se leva em consideração,

preponderantemente, os atributos pessoais dos sócios. São chamadas de

sociedades personalistas e nelas incide o princípio da affectio societatis (afeto de

sócio). Nessas sociedades, a alienação das quotas sociais para estranhos depende

do consentimento dos demais sócios.

25

As sociedades de capital são aquelas em que a preocupação dos sócios se

restringe a conseguir o capital necessário para o exercício da atividade social. Os

acionistas da sociedade anônima, por exemplo, tem liberdade para alienar suas

ações para estranhos.

Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 122) afirma que “não existe sociedade

composta exclusivamente por pessoas ou exclusivamente por capital”, mas “toda

sociedade surge da conjugação desses dois elementos”, que considera

imprescindíveis. Afirma que o que faz a sociedade ser “de pessoas” ou “de capital”

é, na verdade, o direito de o sócio impedir o ingresso de terceiro não-sócio no

quadro societário existente nas de perfil personalista e ausente nas de perfil

capitalista.

4.5 Classificação das sociedades de acordo com o Código Civil de 2.002

O Código Civil classificou as sociedades conforme sua inscrição no registro

civil ou na junta comercial, em simples e empresária, de acordo com a

personificação, ou seja, personificadas ou não-personificadas e quanto ao modo de

constituição e dissolução.

As sociedades simples são aquelas que exercem objeto social, consistente

em atividade intelectual de natureza científica, literária, ou artística. São as

sociedades dos profissionais liberais como, por exemplo, de advogados, médicos,

engenheiros e outros. Elas exercem atividade econômica com finalidade lucrativa.

As sociedades rurais também são sociedades simples, porém, têm a faculdade de

adotar o modelo de sociedade empresária e, neste caso, poderão inscrever-se na

Junta Comercial. As sociedades simples têm a obrigação de inscrever-se, no prazo

de 30 (trinta) dias, no registro civil da respectiva sede. As sociedades de advogados

podem constituir-se somente como sociedades simples, bem como se inscreverem

na Ordem dos Advogados do Brasil.

Sociedades empresárias são aquelas que exercem atividade econômica

organizada de produção ou circulação de bens ou de serviços e são obrigadas a

inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis, que é a Junta Comercial.

26

As sociedades não-personificadas não são pessoas jurídicas, ou seja, não

tem subscrição no registro público competente. São sociedades não-personificadas

a sociedade em comum (antigas sociedades de fato ou irregulares) e a sociedade

em conta de participação (artigo 993, do Código Civil de 2.002).

Sociedades personificadas são pessoas jurídicas, e adquirem personalidade

jurídica a partir da inscrição do seu ato constitutivo no registro civil ou na Junta

Comercial. São sociedades personificadas: (1) sociedade em nome coletivo; (2)

sociedade em comandita simples; (3) sociedade limitada; (4) sociedade em

comandita por ações; (5) sociedade anônima; (6) sociedades cooperativas e (7)

sociedades simples.

Quanto ao modo de constituição e dissolução as sociedades podem ser

contratuais e institucionais.

Sociedades contratuais são aquelas constituídas por contrato social e que se

dissolvem por distrato. Nestas sociedades admite-se que os sócios se retirem

quando houver a perda da affectio societatis, através da ação de dissolução parcial

da sociedade. São sociedades contratuais: (1) sociedade em nome coletivo; (2)

sociedade em comandita simples; (3) sociedade limitada; (4) sociedade simples e (5)

sociedade em conta de participação.

As sociedades institucionais são aquelas consideradas como instituição,

podendo ser constituídas por assembléia geral de fundadores ou por escritura

publica, e são regidas por estatuto social. São sociedades institucionais a sociedade

anônima e a sociedade em comandita por ações.

27

5 CLASSIFICAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA

A sociedade limitada é um tipo singular de sociedade, podendo ser

classificada como personalista ou capitalista em função do intuitu personae ou do

intuitu pecuniae. Essa classificação tornou-se um dos mais importantes e

controvertidos temas do direito societário brasileiro.

Para De Plácido e Silva (1965, p. 190) “as sociedades limitadas, em

realidade, formam um tipo especial, mostrando-se um intermédio ou têrmo médio,

entre as sociedades de pessoas e as sociedades de capitais”.

Ainda que existam significativos pronunciamentos doutrinários atribuindo

pouca importância à classificação das sociedades limitadas sob o aspecto capitalista

ou personalista, como ressalta Cesare Vivante (apud REQUIÃO, 1989, p. 336), a

doutrina majoritária entende ser de inegável importância a discussão da natureza

personalista ou capitalista da sociedade, solucionando, evidentemente, diversas

questões de ordem prática.

Waldemar Martins Ferreira (1961, p. 219) entende que “a melhor distinção

que se pode fazer entre as formas de sociedades não é com base no seu caráter

pessoal ou pecuniário, mas com base na medida de responsabilidade dos sócios”.

José Xavier Carvalho de Mendonça (apud CARVALHOSA, 2003, p. 35)

acrescenta que a responsabilidade dos sócios pode ser ilimitada nas chamadas

sociedades de pessoas – ainda que apenas para alguns sócios, como nas

sociedades em comandita simples e nas sociedades em conta de participação – e

limitada nas chamadas sociedades de capitais3. Essa classificação, baseada na

responsabilidade, é adotada no direito inglês.

A sociedade limitada será considerada de pessoas quando, para sua

constituição, os sócios apreciarem as qualidades pessoais, fazendo com que a

alienação da participação societária para estranhos dependa da anuência dos

demais.

___________

3 J.X. Carvalho de Mendonça entende que a melhor classificação das sociedades é aquela do direito inglês, que agrupa as sociedades, de acordo com o critério da responsabilidade, em: (1) sociedades de responsabilidade ilimitada; (2) sociedades de responsabilidade limitada; (3) sociedades de responsabilidade ilimitada e limitada.

28

A confiança recíproca entre os sócios, evidentemente, é fator essencial para

que a sociedade limitada seja classificada como de pessoas. Alguns princípios que

imperam na organização da sociedade decorrem dessa confiança, tais como o

impedimento de livre cessão das quotas sociais a terceiros estranhos à sociedade, a

tomada de determinadas deliberações por unanimidade e a dissolução da sociedade

em razão de morte, interdição ou falência de alguns dos sócios.

Por outro lado, a sociedade será considerada de capital quando na sua

constituição, no que concerne ao quadro societário, não se atribui importância às

qualidades pessoais dos sócios, fazendo com que haja plena liberdade na alienação

da participação societária.

Importa mais aos sócios, o acúmulo capital, em si, do que as qualidades

pessoais dos demais sócios. Em conseqüência disso, as quotas de participação no

capital, de cada sócio, podem ser livremente cedidas a terceiros estranhos, e a

sociedade perdura a despeito da morte, interdição ou falência de um dos sócios.

Desde a introdução da sociedade limitada em nosso ordenamento positivo,

sua classificação como personalista ou capitalista, comporta inconciliável discussão

entre a doutrina e a jurisprudência.

Waldemar Martins Ferreira (1961, p. 219), desde seu primeiro trabalho sobre

as sociedades limitadas, apregoou que nelas “o elemento pessoal deve ser tomado

em consideração quer na relação dos sócios entre si, quer na relação deles com a

sociedade, que com terceiros”.

Hermano de Villemor Amaral (1921, p. 100) afirmava ser ela uma sociedade

de pessoas, enfatizando “os laços que unem os associados entre si e para com a

sociedade, os quais impõem um grande cuidado em sua escolha”.

Rubens Requião (1976, p. 259) também a incluía no grupo das sociedades de

pessoas.

5.1 Classificação da sociedade limitada no regime do Código Civil de 2.002

Segundo entendimento consolidado pela doutrina contemporânea a

sociedade limitada, sendo de natureza contratual, poderá ser constituída como

personalista ou capitalista, de acordo com a vontade de seus sócios, ou seja, o tipo

29

não define a natureza da sociedade limitada, são os sócios, e não a lei que a

definem. Portanto, Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 368) esclarece que a negociação,

traduzida no contrato social, elucida se a limitada será de pessoa ou de capital.

Destarte, se as qualidades pessoais dos sócios forem importantes para o

sucesso do empreendimento, estes poderão levar em conta seus atributos pessoais,

vale dizer, honestidade, capacidade de trabalho, inteligência, competência e outros.

Assim, poderão regular a sociedade com o matiz personalista, para preservar a

importância conferida à personalidade dos sócios e admitir somente o ingresso no

quadro societário de pessoas previamente aprovadas por eles.

Por outro lado, desprezada a qualificação pessoal dos sócios, a sociedade

será constituída, levando-se em conta, exclusiva, ou preponderantemente, a

necessidade de levantar o numerário suficiente para o desenvolvimento da atividade

social. Portanto, a sociedade limitada poderá ser constituída sob o aspecto

personalista ou capitalista.

Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 369), ao analisar a natureza da sociedade

limitada, que “pode ser de pessoas ou de capital, de acordo com a vontade dos

sócios”, afirmou, em respeitada manifestação pioneira, ter ela assumido “uma

configuração híbrida, revelando ora os traços daquelas, ora os desta”.

Modesto Carvalhosa (2003, p. 36-37), explica que sociedade limitada surgiu

para preencher uma lacuna entre os tipos societários de responsabilidade ilimitada e

a sociedade anônima, de responsabilidade limitada, porém, sujeita a onerosas

formalidades de funcionamento. Assim, sustenta que a sociedade limitada já nasceu

com esse caráter híbrido, mesclando características tanto de um quanto de outro

grupo, ou seja, de sociedade de pessoas e de sociedade de capitais. Afirma que

esse tipo societário, como já referido, é singular, guardando um particularismo

próprio de posição intermediária que ocupa entre as sociedades de pessoas e as

sociedades de capital. Afirma que o hibridismo da sociedade limitada já se verificava

desde o decreto n.° 3.708/19, em seu artigo 2°, onde determinava que a constituição

da sociedade se regeria pelos artigos 300 a 302 do Código Comercial (os quais se

aplicavam às sociedades de pessoas) e, o artigo 18, orientava a aplicar

subsidiariamente, no que coubesse, a Lei das Sociedades Anônimas às sociedades

limitadas. Destarte, o artigo 1.053, e seu parágrafo único, do Código Civil de 2.002,

30

que determinam a definição das regras supletivamente aplicáveis à sociedade

limitada4.

Para José Waldecy Lucena:

as sociedades limitadas, de um lado, beneficiam-se da limitação da responsabilidade de seus sócios e da maior separação entre a pessoa do sócio e sua quota social, que resulta da vinculação do direito de voto à quota e não ao sócio, elementos estes trazidos das sociedades de capital. De outro lado, beneficiam-se da facilidade de organização e constituição, da possibilidade de impor restrições à livre cessão de quotas, da liberdade de escolha dos sócios a respeito das pessoas com quem desejam se associar e das causas pessoais de dissolução da sociedade, elementos estes tirados das sociedades de pessoas. (LUCENA, 1997, p. 48 apud CARVALHOSA, 2003, p. 36).

O Código Civil reconhece o caráter híbrido da sociedade limitada, permitindo

expressamente que a autonomia privada molde-a, conforme os interesses de seus

sócios. Prevalecerá, portanto, o caráter de uma sociedade de pessoas, caso silencie

o contrato social. Por outro lado, terá feição de uma sociedade de capitais, caso opte

o contrato social pela regência das regras da sociedade anônima, o que já se

verificava no laconismo do Decreto nº 3.708/19.

Segundo entendimento da jurista Vera Helena de Mello Franco:

A opção do Código Civil de 2.002, entretanto, é criticável; uma vez que, sendo a sociedade simples, em sua origem, no direito suíço e italiano, um modelo jurídico para as sociedades de responsabilidade solidária e não comerciais, não seriam suas regras as mais adequadas à regência supletiva das sociedades limitadas, que, conforme se verifica na prática, são sociedades comerciais por excelência, servindo, inclusive, em nossos dias, como modelo para a formatação de grandes empresas industriais e comerciais e joint ventures

5. Ademais, a estrutura orgânica adotada para a administração da sociedade limitada no Código de 2.002 – que passa a permitir a administração por terceiros e a realização de assembléia geral dos sócios – levaria a uma aproximação mais natural da sociedade limitada à forma societária das anônimas. (FRANCO, 2001, p. 81-85 apud CARVALHOSA, 2003, p. 40).

___________

4 O artigo 1.053, “caput” e parágrafo único, do Código Civil de 2.002, dispõem, respectivamente, que a sociedade limitada rege-se, nas omissões deste capítulo, pelas normas da sociedade simples e que o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

5 joint venture ou empreendimento conjunto é uma associação de empresas, não definitiva e com fins lucrativos, para explorar determinado(s) negócio(s), sem que nenhuma delas perca sua personalidade jurídica. Difere da sociedade comercial (partnership) porque se relaciona a um único projeto cuja associação é dissolvida automaticamente após o seu término. Um modelo típico de joint venture seria a transação entre o proprietário de um terreno de excelente localização e uma empresa de construção civil, interessada em levantar um prédio sobre o local. Há várias empresas brasileiras que investem nesse tipo de sociedade. Um exemplo foi a Autolatina, uma união das empresas automobilísticas Volkswagen e Ford, que perdurou até meados de 1996. A VW ofereceu à Ford os motores AP-1800 e AP-2000 (em substituição aos antiquados CHT) e a plataforma do sedã Santana. A Ford, em contrapartida, ofertou a VW a plataforma do Escort, que originou os modelos Logus e Pointer. Mais um exemplo é a Sony Ericsson, a união dessas duas empresas foi feita para a produção de celulares. E também há a Benq Siemens (Wikipédia, 2007).

31

Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 370-371), em manifestação pioneira, após

reconhecer a operacionalidade dessa tradicional classificação, vista por alguns como

inútil, critica-a apenas pelo fato de ser ela insuficiente para distinguir, nas relações

intra-societárias, as sociedades que são constituídas por dois tipos diferentes de

sócios: os que são pessoalmente importantes para o empreendimento e que

deverão trabalhar efetivamente para ser atingido o fim social (os quais ele denomina

empreendedores), e os que se limitam a colaborar para a formação do capital social,

sem qualquer envolvimento pessoal com a atividade econômica explorada (que ele

chama de investidores). Alvitra que o direito positivo brasileiro deveria traçar a

distinção entre os sócios empreendedores e os investidores, para distinguir com

maior precisão, questões como responsabilidade dos sócios pelas obrigações

sociais, alienação das quotas sociais e penhorabilidade das quotas.

Em suma, a sociedade limitada pode ser disciplinada, no contrato social,

como sociedade de pessoas ou de capital. Se o contrato social estabelecer que as

quotas sociais possam ser alienadas para estranhos, independentemente da

anuência dos demais sócios, a sociedade é de capital. Ela será de pessoas, se o

contrato previr que o ingresso de novos sócios ou, que a venda de quotas para

estranhos, dependa da concordância da unanimidade dos sócios. Na omissão do

contrato, o sócio pode ceder sua quota total ou parcialmente para quem já seja

sócio, independentemente da anuência dos outros, ou a estranho, se não houver

oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

A eficácia da cessão depende da averbação do respectivo instrumento na

Junta Comercial, subscrito pelos sócios anuentes, que devem representar, no

mínimo, três quartos do capital social (artigo 1.057, do Código Civil de 2.002).

Portanto, na omissão do contrato social, a sociedade limitada é disciplinada como

uma sociedade personalíssima.

32

6 CESSÃO DAS QUOTAS SOCIAIS E DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE

LIMITADA

6.1 Cessão das quotas sociais

A sociedade limitada tem posição intermediária entre as demais sociedades,

podendo ser classificada como de pessoas ou de capital, de acordo com a vontade

dos sócios, no momento de sua constituição, conforme dispor o contrato social. Essa

posição intermediária faz com que a sociedade limitada constitua um tipo híbrido e

interfere significativamente na cessão das quotas sociais. Assim, possuindo a

sociedade limitada estrutura semelhante às sociedades de pessoas, onde as

qualidades pessoais dos sócios é fator determinante, estes terão preferência à

cessão das quotas em relação ao terceiro estranho ao convívio social. Porém,

quando a limitada possuir estrutura próxima à das sociedades de capital, as quotas

poderão ser livremente cedidas à terceiro, haja vista ser a pecúnia o elemento

fundamental da constituição social.

O Decreto n.° 3.708/19 não tratou expressamente sobre a cessão das quotas.

Surgiram, portanto, duas correntes doutrinárias sobre a matéria.

A primeira corrente defendia que a cessão das quotas sociais nas limitadas

seria possível mediante aprovação de todos os sócios, como ocorre nas sociedades

de pessoas. De maneira diversa, a segunda corrente defendia a livre cessão das

quotas, considerando a limitada mais próxima das sociedades de capital6.

José Waldecy Lucena observa que:

algumas legislações estrangeiras, consideradas mais restritivas, exigem o consentimento da maioria dos sócios para a cessão de quotas, e também fornecem os meios de liberação do sócio cedente. O Decreto n.° 3.708/19, inspirado no sistema alemão de livre cessão das quotas, não dispôs, contudo, sobre a liberação do sócio cedente. Sob esse prisma, não haveria qualquer lógica em filiar a sociedade limitada ao sistema rígido de restrição à cessão de quotas sem, em contrapartida, prever os meios de liberação. (LUCENA, 1997, p. 283 apud CARVALHOSA, 2003, p. 80).

___________

6 Os juristas Rubens Requião e Fran Martins entendiam que, no regime do Decreto n.° 3.708/19, o contrato social poderia dispor livremente sobre a cessão das quotas sociais, mas, em caso de omissão deste, deveria ser aplicado o referido no artigo 334, do Código Comercial de 1850.

33

Portanto, na vigência do Decreto n.° 3.708/19, prevalecia o entendimento

sobre a possibilidade de livre cessão das quotas, caso os sócios não tivessem

convencionado expressamente as restrições cabíveis no contrato social. Omisso o

contrato, prevaleceria a possibilidade de livre cessão das quotas sociais.

O Código Civil de 2.002 disciplinou a matéria em seu artigo 1.057, dispondo

que, na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota total ou parcialmente, a

quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não

houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Modesto Carvalhosa (2003, p. 81-83) alvitra que o artigo 1.057 deve ser lido à

luz do princípio constitucional da livre associação e da liberdade de associar-se

(artigo 5°, inciso XVII e XX, da Constituição Federal de 1988), direcionando a regra,

principalmente no que diz respeito à questão de os demais sócios da limitada

poderem “impedir” a cessão das quotas sociais, caso haja oposição de um quarto do

capital social, a fim de não ser compreendido de forma absoluta e intransigente,

representando total desobediência ao princípio constitucional. Assim, a oposição dos

demais sócios reduz-se à mera preferência de ordem na aquisição das quotas do

sócio cedente, que poderá, em qualquer caso, ceder suas quotas.

Portanto, os sócios têm total liberdade para regular a cessão das quotas no

contrato social, estipulando restrições ou estabelecendo o regime de livre cessão

das quotas. Porém, em caso de omissão do contrato, o Código Civil de 2.002 adotou

posição singular. Estabeleceu que a cessão das quotas entre os próprios sócios dar-

se-á sem necessidade de aprovação dos demais e, entre sócio e terceiro, estranho

ao convívio social, a eficácia da cessão estará condicionada a não oposição de

titulares de mais de um quarto do capital social.

6.2 Dissolução parcial da sociedade limitada

A jurisprudência consolidou o instituto da dissolução parcial da sociedade

limitada a fim de evitar que apenas a vontade ou os problemas de ordem pessoal de

um sócio pudessem dissolver totalmente a sociedade empresária, interpretando que,

nos casos em que a lei prevê o direito do sócio de pleitear a dissolução da

sociedade, esse pedido pode e deve ser interpretado como de extinção do vínculo

34

jurídico que une o sócio à sociedade.

Portanto, a dissolução parcial da sociedade pode ocorrer em caso de:

(a) saída de sócio; (b) exercício do direito de recesso; (c) expulsão de sócio; (d) falecimento de sócio; (e) liquidação de quota a pedido de credor de sócio; (f) falência de sócio (CALÇAS, 2003, p. 180).

35

7 CAUSAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE LIMITADA

7.1 Direito de recesso

Na Constituição Federal, no rol dos direitos e garantias fundamentais, está

assegurado, no artigo 5°, incisos XVII e XX, ser plena a liberdade de associação

para fins lícitos e que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer

associado. Referida garantia constitucional pode ser aferida sob o ângulo positivo e

negativo, ou seja, ao direito de associar-se livremente corresponde, em

contrapartida, o direito dos associados se desligarem livremente das associações ou

sociedades das quais pertencerem.

Como ensina Alexandre de Moraes:

É plena a liberdade de associação, de tal forma que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou mesmo permanecer associado, desde que para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar, sendo que sua criação e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, vedada a interferência estatal em seu funcionamento, constituindo-se um direito que, embora atribuído a cada pessoa (titular), somente poderá ser exercido de forma coletiva, com várias pessoas [...] As associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado. Dessa forma, qualquer ato normativo editado pelos poderes Executivo ou Legislativo, no sentido de dissolução compulsória, será inconstitucional. A Constituição Federal limita a atuação do Poder Judiciário, autorizando-o à dissolução somente quando a finalidade buscada pela associação for ilícita. (MORAES, 2004, p. 102 e 104).

Por definição genérica de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (1989,

p. 96), “associação viria, pois, a ser reunião estável e permanente de pessoas,

objetivando a defesa de interesses comuns, desde que não proibidos pela

constituição ou afrontosos da ordem e dos bons costumes”.

No que concerne ao Direito Comercial, o direito conferido às pessoas de

ingressarem ou não, em determinada sociedade comercial, bem como dela se

retirarem, é uma decorrência da garantia constitucional de liberdade conferida às

pessoas, constituindo mera expressão da livre manifestação da vontade. O sócio

poderá retirar-se voluntariamente da sociedade comercial a que pertença de duas

maneiras diferentes: (a) alienar sua participação societária para outro sócio ou para

terceiro; (b) exercer o direito de retirada. A alienação de suas quotas societárias

para outro sócio ou para terceiro é feita sem a participação da sociedade, a qual não

36

participa das negociações. A alienação das quotas para quem já seja sócio

independe da audiência dos outros sócios, salvo se houver cláusula contratual que

disponha de modo diverso. Outrossim, se a alienação das quotas for feita para

terceiro, a eficácia do negócio e a retirada do alienante do quadro societário ficará,

salvo disposição contratual diversa, sujeita a não haver oposição de sócio ou sócios

que representem mais de um quarto do capital social, de acordo com o disposto no

artigo 1.057, do Código Civil. Cumpridas determinadas condições, altera-se o

contrato social, com a saída do alienante, que será substituído pelo sócio adquirente

ou por terceiro que passa a ostentar a qualidade de sócio, arquivando-se o

instrumento de alteração na Junta Comercial, de acordo com o disposto no artigo

1.057, § 3°, do Código Civil.

A outra alternativa para o sócio que pretenda desligar-se do quadro societário

é o exercício do denominado direito de recesso ou de retirada. Nessa hipótese, o

sócio dissidente comunica à sociedade que pretende retirar-se do quadro societário,

exigindo que a sociedade o reembolse do valor de sua participação no patrimônio

social. O sócio dissidente pratica ato unilateral de natureza potestativa, pela simples

manifestação de vontade de encerrar o contrato social, que, por ser de natureza

plurilateral, de acordo com a sólida concepção ascarelliana, admite o rompimento do

vínculo jurídico que o une à sociedade e a cada sócio. A sociedade, ao receber o

comunicado do sócio dissidente, não poderá impedi-lo de sair e terá de reembolsá-lo

pelo valor da totalidade de sua participação no capital social.

O Decreto n.° 3.708/19, em seu artigo 15, regulava o direito de recesso,

dispondo que “assiste aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a

faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo reembolso da quantia

correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado”.

Portanto, os sócios que divergirem de qualquer deliberação da maioria que

implique alteração do contrato social, têm o direito a retirar-se da sociedade,

recebendo o pagamento do valor do reembolso de suas respectivas quotas.

O Código Civil regula o direito de retirada de maneira diversa, consoante à

sociedade seja celebrada por tempo indeterminado ou determinado.

De modo que, se a sociedade é convencionada por tempo indeterminado,

como ocorre com a grande maioria das sociedades, qualquer sócio pode retirar-se

da sociedade mediante notificação aos demais sócios com a antecedência mínima

de 60 dias (artigo 1.029, do Código Civil). Porém, o Código Civil prevê que os

37

demais sócios, nos 30 dias subseqüentes à notificação do dissidente, poderão optar

pela dissolução total da sociedade (artigo 1.029, parágrafo único, do Código Civil).

Nas sociedades contratadas por tempo determinado, o direito de retirada do

sócio fica subordinado à alegação e comprovação judicial da existência de justa

causa. Portanto, o sócio dissidente não tem o direito de se retirar da sociedade

convencionada por tempo determinado, antes do exaurimento do lapso temporal

pactuado, salvo se houver o consenso unânime dos sócios (artigo 1.033, II, do

Código Civil), ou se ocorrer uma das hipóteses previstas em lei, como a justa causa

(artigo 1.029, parte final, do Código Civil), que lhe conferem o direito de recesso se

houver modificação do contrato social, fusão da sociedade, incorporação de outra,

ou dela por outra (artigo 1.077, do Código Civil)7. Nestas hipóteses, o sócio

dissidente poderá postular em ação judicial o reconhecimento de seu direito de se

retirar da sociedade e de receber valor do reembolso de suas quotas.

Portanto, seja a sociedade de prazo determinado ou indeterminado, o sócio

contrário à deliberação que altere o contrato social, ou que aprove fusão da

sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, poderá retirar-se da sociedade

no prazo de 30 dias contado da reunião ou assembléia. O sócio dissidente deverá

comunicar, por escrito, sua intenção de retirar-se e, acordada sua saída, bem como

o pagamento do reembolso, evidentemente será desnecessário o ajuizamento de

ação judicial.

Havendo discordância sobre o direito de recesso ou valor do reembolso, ao

dissidente caberá o ajuizamento de ação judicial, para o reconhecimento de seu

direito de retirada e a fixação do valor do reembolso que deverá receber.

O mestre Manoel de Queiroz Pereira Calças, ao discorrer sobre o disposto no

artigo 1.077, do Código Civil de 2.002, explica que:

Relativamente ao direito de recesso fundamentado na alteração do contrato, verifica-se que a previsão legal é, aparentemente, de extrema amplitude, pois, em tese, qualquer modificação do contrato autoriza o dissidente a retirar-se da sociedade. Entendemos, porém, que há uma limitação que decorre do próprio sistema, ou seja, apenas alteração contratual que prejudicar os direitos do sócio enseja o direito de recesso. (CALÇAS, 2003, p. 129).

___________

7 O artigo 1.077, do Código Civil de 2.002, dispõe que “quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no artigo 1.031”.

38

Portanto, nosso regime legal continua a permitir, de forma mais ampla, a

retirada do sócio que discordar de modificação do contrato social que lhe cause

prejuízo.

Nelson Abrão, em seus comentários ao Projeto de Código Civil (antigo artigo

1.080), afirmou o seguinte:

Dispondo o art. 1080 do Projeto de Código Civil que, ‘quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, terá o sócio, que dissentiu, o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no artigo 1.034’, realizou três aperfeiçoamentos em relação à norma vigente: 1 – restringiu os casos de recesso às alterações mais importantes do contrato. (ABRÃO, 2000, p. 175).

Manoel de Queiroz Pereira Calças afirma que:

Nos termos em que foi redigido o artigo 1.077 do novo Código Civil, todas as deliberações que modificarem o contrato social e que causarem prejuízo aos direitos dos sócios ensejam o direito de os prejudicados retirarem-se da sociedade e receberem o respectivo reembolso. (CALÇAS, 2003, p. 131).

Portanto, pode-se concluir nas palavras do mestre Manoel Calças (2003, p.

131) que “o direito de recesso fundamenta-se na justa causa, tal qual previsto para a

exclusão do sócio, pelo que, apenas se a alteração contratual causar prejuízo ao

direito de sócio, este poderá valer-se do direito de retirada”.

Assim, além das causas autorizativas do direito de recesso previstas no artigo

1.077 do Código Civil de 2.002, o prejuízo ao sócio, causado pela alteração

contratual, é requisito fundamental para a concessão do direito de retirada.

Questiona-se sobre a exigência, ou não, da divergência expressa do sócio na

deliberação do contrato social para poder valer-se do direito de recesso. O sócio que

absteve de votar quando da deliberação que aprovou a modificação do contrato

social poderia valer-se do direito de retirada? E o sócio ausente da votação? E o

sócio que votou favoravelmente poderá retratar-se e retirar-se?

Trajano Miranda Valverde ao comentar o assunto invocou o artigo 107 do

Decreto n.° 2.627/40, antiga Lei das Sociedades por Ações que tratava do direito de

recesso, e afirmou que só o acionista que tivesse comparecido à assembléia e se

manifestou contra a aprovação da matéria poderia retirar-se da companhia. Para

tanto, denotou:

A lei não protegeu, acertadamente, os abstinentes e os ausentes. Os acionistas que compareceram à assembléia geral, mas se abstiveram de votar, ou votaram em branco, e os que a ela não compareceram, não podem exercer o direito de recesso. Não é tudo. Para positivar a sua dissidência, o acionista deverá declarar o seu voto, a fim de que conste da ata essa circunstancia. (VALVERDE, 1941, p. 554).

39

Posição contrária sustenta Egberto Lacerda Teixeira (1956, p. 212),

invocando o comentário de Waldemar Martins Ferreira, enfatizando que se a lei não

disse quando é que se concretiza a divergência e se o recesso pode ser exercitado

até 30 dias após a publicação da ata, é obvio que ao acionista ausente deve

assegurar-se o recurso ao recesso quando, dentro daquele prazo, manifestar sua

divergência.

O direito de recesso do acionista dissidente bem como ao que se tenha

abstido de votar contra a deliberação ou ao que não tenha comparecido à

assembléia geral está previsto na atual Lei das Sociedades por ações (artigo 137 e

seu § 2°, com redação dada pela Lei n.° 9.457/97).

O artigo 1.077, do Código Civil de 2.002, prescreve apenas que o direito de

recesso poderá ser exercitado pelo sócio que dissentiu na votação que aprovou a

modificação do contrato social, e no caso das demais matérias que menciona.

Manoel de Queiroz Pereira Calças entende que:

além do expressamente dissidente, tanto o sócio que, presente na reunião ou assembléia, se abstém de votar, como o ausente terão o direito de retirar-se da sociedade, desde que exercitem seu direito no prazo de 30 dias. (CALÇAS, 2003, p. 132)

Modesto Carvalhosa (1997, p. 745), tratando do direito de recesso na

sociedade anônima, arrola dois pressupostos para o exercício de tal direito: (1) ter

havido deliberação eficaz da assembléia sobre as matérias que autorizam a retirada;

(2) não ter havido consentimento do sócio com a deliberação e, ainda, enfatizou que

ocorrendo o consentimento do sócio, manifestado na assembléia geral, não poderá

tal sócio arrepender-se do voto proferido para o efeito de exercitar o direito de

retirada [...] a prova do não-consentimento é negativa, ou seja, deve provar que não

compareceu à assembléia ou, se o fez, que votou contra a decisão ou se absteve de

votar. Evidenciado que pela ação ou omissão o acionista dissentiu, está ele

legitimado para exercer o direito de recesso.

Portanto, o direito de recesso poderá ser exercido pelos sócios que

discordarem da deliberação que se enquadre no artigo 1.077, do Código Civil de

2.002, respeitado o prazo decadencial de 30 (trinta) dias. A legitimidade para exercer

esse direito pertence aos sócios que compareceram na assembléia e discordaram

expressamente da deliberação ou se abstiveram de votar, bem como aos ausentes

da reunião ou assembléia. O sócio retirante deverá apenas comunicar à sociedade

sua intenção de retirar-se, e, a partir de então, perderá o status de sócio, passando

40

a ter o direito de exigir, amigável ou judicialmente, o valor do reembolso de suas

quotas.

7.1.1 Exercício do direito de recesso

O novo Código Civil prevê, em seu artigo 1.077, o direito de retirada do sócio

quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra,

ou dela por outra para os sócios dissidentes.

Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 184-185) entende que se trata de

uma hipótese que enseja o ajuizamento da ação de dissolução parcial da sociedade,

pois, exercitado o direito de recesso com fundamento no artigo 1.077 do novo

Código Civil, observado o prazo decadencial de 30 dias, incidirá o artigo 1.031, que

determina a apuração do valor da quota do dissidente, com base no balanço

especialmente levantado, que levará em conta a situação do patrimônio liquido da

sociedade na data do exercício do direito de recesso. Invoca a definição de balanço

de determinação que, segundo ensina José Manoel de Arruda Alvim, é a:

demonstração contábil especialmente elaborada para permitir a mensuração da participação societária do sócio dissidente, excluído ou pré-morto. Em se tratando de procedimento judicial, compete ao perito judicial contábil sua elaboração. (ALVIM, 2002, p. 294 apud CALÇAS, 2003, p. 184-185).

Observa que os tribunais têm entendimento consolidado de que, não havendo

acordo entre o sócio dissidente e os remanescentes, no que diz respeito ao valor do

reembolso fixado com base no balanço de determinação, será inevitável a ação de

dissolução parcial da sociedade e apuração de haveres, devendo ser observado o

critério de justiça e da proibição do enriquecimento ilícito, impondo-se a apuração

mais real e justa possível do valor da participação do dissidente no patrimônio

societário. Da mesma forma, em caso de retirada voluntária de sócio, a hipótese

exigirá a formação do litisconsórcio passivo necessário entre os sócios

remanescentes e a sociedade. (CALÇAS, 2003, p. 185).

41

7.1.2 Valor do reembolso

O reembolso é a quantia devida pela sociedade ao sócio dissidente,

resultante de sua participação na sociedade, ou seja, é a operação pela qual a

sociedade paga ao sócio retirante o valor de sua participação no patrimônio social.

O Decreto n.º 3.708/19, ao conferir em seu artigo 15, o direito de recesso ao

sócio contrário à deliberação que legitimava a alteração do contrato social,

estabelecia que, ao sócio que se retira, deve ser pago o reembolso da quantia

correspondente a seu capital, na proporção do último balanço aprovado.

Porém, a interpretação do artigo 15 tem ocasionado grande divergência

doutrinária e jurisprudencial.

Parte da doutrina entende que o direito de recesso ou retirada do sócio da

sociedade deve ser tratado como autêntica dissolução parcial da sociedade. Alvitra

Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 134) que é “uma criação pretoriana

urgida sob o viés do princípio da preservação da empresa que objetivou evitar a

dissolução total da sociedade quando esta fosse pretendida apenas por um sócio”.

Seguindo essa linha de raciocínio, afirmam os doutrinadores que o sócio

contrariado em seu interesse pela alteração do contrato social, tem o direito de

recesso, recebendo seus haveres, isto é, capital e lucros verificados no último

balanço aprovado.

Conforme os ensinamentos de Rubens Requião (1989, p. 358), se o balanço

não estiver aprovado, ou se os valores contábeis do ativo, especialmente o

movimentado, estiverem desatualizados, de molde a causar prejuízo ilícito ao sócio

retirante, “os tribunais têm entendido dever apurar-se esses haveres num balanço de

determinação, atualizando-se aquele ativo, de forma a proceder-se a uma justa

apuração de haveres”.

O Superior Tribunal de Justiça já manifestara acórdão ratificando esse

entendimento, julgando recurso especial no qual se tratava do valor do reembolso

em caso de exercício de direito de recesso. Nesse sentido:

O fato de já ter sido feita extrajudicialmente a apuração de haveres, e, na época, ter sido o autor notificado para acompanhá-la, com a indicação de técnico, e, ainda, de ter sido posto à sua disposição ‘o valor apurado pela sociedade a título de balanço de determinação’, recusando-se a assinar o recibo de entrega do documento, como indicado na sentença, não desqualifica o seu interesse de questionar judicialmente os valores

42

apurados no dito balanço de determinação, estando, desse modo, configurado o interesse de agir. A apuração feita pelos sócios remanescentes não exclui, havendo divergência, a apuração judicial. (Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, RT 736/166).

Do acórdão, consta ainda, a seguinte posição:

Se o recorrente considera que o apurado não corresponde ao valor real que deveria receber, feita a apuração por balanço de determinação, é evidente que o autor, ainda que tivesse acompanhado toda a operação, tem interesse de agir, requerendo a apuração judicial diante da discordância com os números que foram encontrados, eis que pode vir a ser prejudicado pela elaboração de balanço em desconformidade com a realidade da empresa. (RT 736/166-168).

Parte do acórdão acima, juntamente com a lição Rubens Requião, consolidam

forte entendimento que vigora na jurisprudência, no sentido de que, valendo-se o

sócio minoritário do direito de recesso exercido em face de alteração contratual, tem

o direito de discordar dos valores constantes do último balanço aprovado, e mesmo

do balanço especialmente levantado para apuração de seu reembolso, podendo

exigir uma aferição real, fundada no ativo e passivo físicos efetivamente apurados,

tal qual se tratasse de uma autêntica dissolução total da sociedade.

O Supremo Tribunal Federal proferiu acórdão que tem servido de paradigma

para o entendimento pretoriano sobre o tema em exame. Nesse sentido:

Dissolução de sociedade limitada. Pedida a dissolução total por sócio dissidente, não é possível, em princípio, decretar a dissolução parcial, com simples apuração contábil dos haveres do autor. Admitida que seja a dissolução parcial em atenção à conveniência da preservação do empreendimento, dar-se-á ela mediante forma de liquidação que se aproxime da dissolução total. Nesse caso, deve ser assegurada ao sócio retirante situação de igualdade na apuração de haveres, fazendo-se esta com a maior amplitude possível, com a exata verificação, física e contábil dos valores do ativo. (RE nº 89.464-SP, Rel. Min. Décio Miranda, RTJ 89/1054).

Ratificando o entendimento que o Supremo Tribunal Federal consolidou sobre

a matéria, o Ministro Moreira Alves proferiu seu voto nesse mesmo julgamento:

Entendo, porém, que, se se acolhe a dissolução parcial, isto implica que, por essa dissolução, o sócio dissidente sai da sociedade, como sairia se houvesse dissolução total. Apenas, a diferença entre ambas as soluções é com relação aos demais sócios, que, se fosse total, não poderiam continuar na sociedade, que se teria extinguido. Como é parcial, eles continuam na sociedade que permanece. Ora, assim entendendo, considero que, com referência ao sócio que sai, a ele não se deve aplicar, por analogia, o artigo 15, da Lei de Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, uma vez que este artigo dá ao sócio dissidente a possibilidade de retirar-se, possibilidade essa que ele só se utilizará se verificar que o valor dos bens, constante do balanço social, corresponde exatamente à realidade. Em se tratando, porém, de dissolução parcial, em que ele se retira sem se utilizar dessa faculdade de retirada voluntária, entendo que aqui deverá aplicar-se a regra da dissolução total com referência a ele, isto é, que seja feita, quanto a ele, a avaliação dos bens sociais, para o efeito de retirada da sua cota com base nos valores reais, e não apenas nos valores contábeis. (RTJ

43

89/1070, Min. Moreira Alves).

Alberto Gomes da Rocha de Azevedo afirma que:

não se pode considerar o recesso como simples solução alternativa à dissolução da sociedade, pois configura direito de natureza diversa e destina-se a evitar a dissolução, bem como enfatiza sua característica potestativa, mercê do que basta que a comunicação do recedente seja entregue à sociedade, para que o vínculo societário seja rompido instantaneamente, transformando o retirante em credor da sociedade de uma soma em dinheiro, equivalente ao valor da quota no momento do recesso. (AZEVEDO, 1975, p. 90-91 apud CALÇAS, 2003, p. 136).

O autor, ao analisar a questão sobre o valor do reembolso, na vigência do

Decreto n.° 3.708/19, em seu artigo 15, invoca o dispositivo do anteprojeto do

Código Civil, que atualmente corresponde ao artigo 1.031 do Código Civil de 2.002,

dispondo que:

Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

Em seguida, afirma que a inteligência do artigo inclina-se pela fixação do valor

do reembolso com base no valor patrimonial da quota. Defende ainda, a inclusão no

valor do reembolso das seguintes verbas: valor correspondente ao fundo de reserva,

valores incorpóreos representados pela clientela local, direito ao arrendamento

(ponto comercial), aviamento ou goodwill, sustentando que é a maioria, que em

verdadeiro ato de força modifica o contrato, razão pela qual, se a deliberação dos

majoritários vulnerar direitos intangíveis do sócio de modo a assegurar ao minoritário

o direito de recesso, esse direito tem a finalidade de sanção contra a sociedade,

com o escopo de cobrir o abuso e evitar a manipulação impune da maioria, razão

pela qual o valor do reembolso deve ser o mais pleno possível. (apud CALÇAS,

2003, p. 136).

Vera Helena de Mello Franco (apud CALÇAS, 2003, p. 137), em sentido

contrário, entende que dissolução e recesso são institutos distintos e devem receber

tratamento jurídico diferenciado. O recesso é o tratamento jurídico criado para tutelar

o minoritário das sociedades de capitais em face dos desmandos dos controladores,

que se originou da necessidade de se encontrar um meio-termo entre o postulado da

intangibilidade do pacto social e a possibilidade de ser ele alterado pela vontade

majoritária dos sócios. Para o exercício do direito de recesso, é de rigor que haja o

dissenso do minoritário em relação à deliberação imposta pelos majoritários e, nesse

caso, terá ele o direito de receber o reembolso, conforme estabelecido no contrato

44

ou de acordo com o patrimônio líquido contábil, nos termos da lei. Destarte, recesso

é fenômeno dissociativo e não dissolutório. Por essa razão, para apurar os haveres

do sócio retirante, só se leva em consideração o valor do patrimônio líquido apurado

no balanço contábil, já que não se trata de direito à partilha do acervo empresarial,

que só ocorre se houver dissolução e subseqüente liquidação. Por isso, o valor real

dos bens que compõem o patrimônio social não pode ser levado em consideração

na apuração do reembolso do recedente, até porque a sociedade permanecerá em

atividade.

José Waldecy Lucena (2001, p. 581-582), seguindo essa linha de

pensamento, afirma que com base na cristalização do entendimento jurisprudencial

de que o sócio de sociedade limitada tem o direito de pedir a dissolução parcial da

mesma, sem expressar os motivos de seu pleito, o direito de recesso em tais

sociedades perdeu muito de expressão, já que, se o sócio tem um meio menos

gravoso de libertar-se da sociedade, evidentemente que jamais recorrerá ao meio

mais gravoso.

Para fundamentar esse entendimento, cita os ensinamentos de José Xavier

Carvalho de Mendonça:

Por que exercer o direito de recesso, cuja causa há de ser comprovada e avaliada, se com o pedido de dissolução parcial de sociedade, apenas fundado em ato unilateral de denúncia de sócio, qual o permite o Código Comercial (artigo 335, 5°), atinge o dissidente o mesmo desiderato e de forma menos onerosa, mais simples e de resultado mais seguro? Assim, o direito de recesso, nas sociedades limitadas está restrito às alterações de contrato social de sociedades por prazo determinado, sabidamente de número reduzidíssimo, as quais não podem, consoante averbado, ser dissolvidas por vontade unilateral do sócio. Todos os casos de recesso, em sociedades de prazo indeterminado, caem hoje, como enfatizado, na vala comum da dissolução parcial de sociedade por ato de vontade unilateral do sócio, sem declinação de causa, motivo ou justificativa. (MENDONÇA, 1945, p. 218 apud LUCENA, 2001, p. 581-582).

Priscila Maria Corrêa da Fonseca (2002, p. 193-197) critica o entendimento

emanado do Supremo Tribunal Federal que acabou por equiparar dois institutos

diversos, isto é, o direito de recesso, decorrente da divergência com a alteração

contratual, e a dissolução parcial, decorrente da dissolução, conferindo a ambos

tratamento idêntico e afastando a incidência do artigo 15 do Decreto n.° 3.708/19

para ordenar a avaliação de haveres do sócio que se retira “com a exata verificação

física e contábil dos valores do ativo”, e afirma que tal inovação pretoriana acabou

por converter o direito de retirada em verdadeira letra morta, pois, entre optar pela

retirada regulada pela Lei das Limitadas ou pela dissolução parcial, o sócio que

45

pretender afastar-se da sociedade o fará por esta última via processual, já que,

dessa forma, conseguirá que seus haveres sejam apurados em valores reais ou de

mercado e não consoante a contabilidade social.

A jurista enfatiza ainda o equívoco de se identificar o direito de recesso que

tem a natureza de extinção parcial do vínculo societário, com a dissolução parcial

que foi concebida pela jurisprudência para favorecer o sócio que, tendo o direito à

dissolução total da sociedade, ao deduzir sua pretensão de dissolução integral, tem

reconhecida apenas a dissolução parcial, preservando-se a sociedade, mas

pagando-se ao sócio o valor de seus haveres avaliado pelo critério que deveria ser

aplicado à liquidação da sociedade. (FONSECA, 2002, p. 193-197).

Alvitra que tal entendimento jurisprudencial deu-se não porque os tribunais

confundiram o direito de recesso com a dissolução parcial do contrato social, mas

porque entenderam que o sistema legal para calcular o reembolso do sócio

minoritário recedente em face de alteração contratual pode causar injustiça ao

dissidente, já que, normalmente, o valor patrimonial contábil é muito inferior ao valor

patrimonial real. (FONSECA, 2002, p. 193-197).

Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 138-139), ao discorrer sobre o

assunto, faz referência ao artigo 1.077 do Código Civil de 2.002, que

“olimpicamente, ignorou a sólida construção pretoriana sobre a dissolução parcial da

sociedade” e se limita a preceituar que, se o contrato social for omisso sobre a forma

de apuração do valor do reembolso do sócio que dissentir de alteração contratual, a

fusão da sociedade, a incorporação de outra, ou dela por outra, incidirá o disposto

no artigo 1.031, que determina seja o reembolso do retirante apurado com base na

situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço

especialmente levantado.

Por isso, entende que:

os tribunais deverão continuar a reconhecer ao sócio dissidente o direito de ser reembolsado de suas quotas em valor a ser apurado com base na situação patrimonial real da sociedade, da forma mais exata e ampla possível. Assim, mesmo que o contrato social venha a estabelecer a forma pela qual será apurado o valor do reembolso do sócio que exercitar o direito de retirada, toda vez que houver controvérsia entre os sócios e tal critério se mostrar injusto, iníquo, com possibilidade de violação do principio que proíbe o enriquecimento sem causa, o sócio retirante terá o direito de pleitear a apuração judicial de seus haveres de modo justo. (CALÇAS, 2003, p. 138-139).

Sustenta, ainda, que:

apesar de dever prevalecer na apuração do quantum o critério de justiça,

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isto é, justo, real e exato valor, que nesse aspecto se sobrepõe ao contratado pelos sócios, já no que concerne à forma de pagamento do valor real apurado, deverá ser observado o que for estabelecido no contrato. Assim, se o contrato social estabelecer que o valor do reembolso será pago em determinado número de prestações, deverá ser observado, inclusive, no que concerne à taxa de juros eventualmente pactuada. Caso não haja previsão de juros, incidirá a taxa legal, cumprindo observar que a correção monetária deve ser automaticamente aplicada, em face do consolidado entendimento pretoriano de que a atualização monetária não é pena nem configura acréscimo, constituindo-se em mecanismo econômico-jurídico que objetiva manter intangível o valor intrínseco da moeda, corroído pela inflação. (CALÇAS, 2003, p. 139).

7.2 Retirada de sócio

O sócio de sociedade celebrada por prazo indeterminado tem o direito de

retirar-se da sociedade a qualquer tempo, motivada ou imotivadamente, conforme o

princípio constitucional que assegura o direito de se associar ou desassociar. De

maneira que, se um sócio comunica unilateralmente aos demais que pretende

desligar-se do quadro societário, rompendo, dessa forma, o vinculo jurídico que o

mantém na sociedade, aos demais não é lícito opor-se.

Dispõe o artigo 1.029 do Código Civil de 2.002 que o sócio, neste caso,

deverá notificar os demais, com antecedência mínima de 60 dias. Estabelecido o

acordo sobre o valor do reembolso a ser pago ao sócio que se retira, bastará ser

elaborada a alteração contratual, excluindo-se o sócio retirante, promovendo-se a

redução do capital social ou mantendo-se o valor do capital social com a

transferência das quotas do retirante para os sócios que permanecerem, havendo

plena liberdade para a renegociação da nova divisão da participação societária dos

remanescentes.

A plena da retirada do sócio perante terceiros decorrerá do arquivamento da

alteração do contrato social na junta comercial. Havendo discordância entre os

sócios em relação ao valor a ser pago ao que se retira, será de rigor o ajuizamento

da ação judicial de dissolução parcial para ser promovida a apuração dos haveres

do retirante.

O artigo 1.031, do Código Civil, dispõe que na resolução da sociedade em

relação a um sócio, o valor de sua quota será apurado, salvo disposição contratual

em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade que será aferida na

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data da retirada do sócio por meio de um balanço especialmente levantado, cabendo

à sociedade pagar em dinheiro o valor da quota, no prazo de 90 dias a partir da

liquidação, salvo acordo ou disposição contratual em contrário.

Manoel Calças (2003, p. 181), ao tratar do valor do reembolso do sócio que

se vale do direito de recesso, observa que a tendência da jurisprudência dos

tribunais pátrios é manter a mesma interpretação conferida ao artigo 15 do Decreto

n.° 3.708/19 e, no caso de saída voluntária de sócio em que há dissenso sobre o

valor do reembolso, independentemente de haver ou não cláusula contratual sobre a

matéria, conferir ao sócio que sai da sociedade o direito de exigir uma avaliação

física, real e justa de sua participação no patrimônio social, sob pena de malferir-se

o postulado que veda o enriquecimento ilícito.

Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

A dissolução de sociedade por quotas de responsabilidade limitada por quebra de affectio societatis deve ser feita como se fosse dissolução total, com a devida apuração de haveres e nomeação de liquidante extrajudicial se evidenciada a exacerbação de ânimo entre os sócios. (RT 801/166, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Na dissolução de sociedade de responsabilidade limitada, a apuração de haveres, no caso de sócio retirante ou pré-morto, ou ainda por motivo de quebra da ‘affectio societatis’, há de fazer-se como de dissolução total se tratasse posto que, segundo a jurisprudência do STJ, essa linha de entendimento tem por escopo preservar o quantum devido ao sócio retirante, que deve ser medido com justiça, evitando-se, de outro modo, o locupletamento indevido da sociedade ou sócios remanescentes em detrimento dos retirantes. (STJ, REsp. 38.160/SP, Rel. Waldemar Zveiter, j. 13/12/1993).

Possui legitimidade ativa para a propositura da ação de dissolução parcial da

sociedade o sócio retirante, que a promoverá contra a sociedade e os demais

sócios. A sociedade também terá legitimidade ativa para propor ação de dissolução

parcial da sociedade que em rigor, objetivará apenas a apuração judicial dos

haveres do sócio retirante.

Apesar de haver controvérsia na jurisprudência, entende-se que “sendo a

ação proposta pelo sócio retirante, deverá figurar no pólo passivo a sociedade e os

sócios remanescentes, em litisconsórcio necessário” (CALÇAS, 2003, p. 181).

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento predominante de que na

ação de dissolução parcial de sociedade proposta pelo sócio que se retira, impõe-se

a citação como réus dos sócios remanescentes e da sociedade. Nesse sentido:

Sociedade. Dissolução. Necessidade de citação dos sócios. Hipótese de litisconsórcio necessário (REsp. 6.473/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro). Cabe ao autor eleger com quem pretende litigar em juízo, assumindo os riscos de eventual erro na escolha. Do equívoco poderá resultar que perca a

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demanda, mas a pretensão haverá de ser decidida como formulada. Ainda em caso de litisconsórcio necessário, o juiz determinara que o autor promova a citação. Se não o fizer, extingue-se o processo, mas não será forcado a contender com quem não queira. (STJ, REsp. 43.531/SP, Rel. Eduardo Ribeiro, j. 23/5/1994). Sociedade. Legitimidade para a causa. Embora a pretensão de retirada de sócio, enquanto envolve modificação do contrato, só possa ser atendida pelos remanescentes, o certo é que o pagamento dos haveres far-se-á com o patrimônio da sociedade. Justifica-se sua presença no processo. (STJ, REsp. 44.132/SP, Rel. Eduardo Ribeiro, j. 11/12/1995).

Esse também é o entendimento predominante do Tribunal de Justiça de São

Paulo:

Sociedade por quotas. Responsabilidade limitada. Sócio. Retirada. Apuração de haveres. Existência de litisconsórcio passivo necessário entre a sociedade e os sócios remanescentes. Legitimidade passiva destes. Artigo 47, CPC. (TJ, RJTJESP 105/247). No mesmo sentido: (RT 757/339).

Theotônio Negrão (apud CALÇAS, 2003, p. 182) anota precedentes

jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça que ora afirmam dever ser a ação de

dissolução parcial da sociedade movida contra os sócios remanescentes, ora em

sentido contrario. Assim:

A ação de dissolução parcial deve ser promovida pelo sócio retirante contra a sociedade e os sócios remanescentes, em litisconsórcio necessário. (RSTJ 88/180).

No mesmo sentido: RSTJ 132/391, REsp. 105.667-SC; STJ-i 132/391, REsp.

105.667-SC; STJ-RT 677/220, STJ-RJ 277/82, RT 601/96, 757/339, JTJ 158/121,

204/217, RJTJERGS 173/224).

Em sentido contrario:

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada não é litisconsorte passiva necessária na ação de sua dissolução parcial. (STJ, REsp. 39.197-0-RJ; no mesmo sentido: STJ-RT 781/192, RJTAMG 61/209).

Manoel de Queiroz Pereira Calças observa que:

apesar de haver corrente pretoriano que afirma ser exclusivamente dos sócios remanescentes – e não da sociedade – a legitimidade passiva para a ação de dissolução parcial da sociedade, perfilhamos o ponto de vista que entende trata-se de hipótese de litisconsórcio necessário, nos exatos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil, pelo que devem figurar no pólo passivo os sócios remanescentes e a sociedade. (CALÇAS, 2003, p. 183).

José Manoel de Arruda Alvim destaca a hipótese em que é necessário o

litisconsórcio decorrente da:

indispensabilidade da propositura da demanda contra todos, porque todos estejam ligados à relação jurídica, a lei processual dispõe que, toda vez que a sentença tenha, à luz dessa hipótese, necessariamente, que produzir efeitos em face de diversas pessoas, todas deverão ser citadas. Neste caso, o que incumbe ao juiz é verificar se todos aqueles que serão afetados pela sentença, de modo uniforme, num ou em ambos os pólos do processo, estão no processo. [...] Sendo caso de litisconsórcio necessário (simples ou unitário), a participação de todos os litisconsortes no processo é

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indispensável, sendo ineficaz sentença proferida sem a presença de todos. (ALVIM, 2000, p. 96-99 apud CALÇAS, 2003, p. 183).

Destarte, Cândido Rangel Dinamarco afirma que:

A necessidade do litisconsórcio é ditada no art. 47, caput, que indica as duas situações conduzentes a ela. Na árdua tarefa de decifrar as palavras confusas desse dispositivo, chega-se a conclusão de que o litisconsórcio será necessário quando for unitário e também quando a lei o determinar. Fora dessas hipóteses é facultativo. [...] Nos casos de litisconsórcio necessário, o sujeito só poderá agir em associação com outro ou em face de dois ou vários, também em conjunto. Por isso é que se diz que a necessariedade se resolve em uma legitimidade necessariamente conjunta (Liebman); e o caráter excepcional do litisconsórcio necessário deve conduzir a evitar interpretações que atribuam arbitrariamente a necessidade a casos não estritamente cobertos pelas duas hipóteses do art. 47 do Código de Processo Civil. O litisconsórcio só será necessário: (a) quando a causa versar um objeto incindível, conforme disposição genérica contida no art. 47 do Código de Processo Civil ou (b) quando assim a lei o estabelecer de modo específico, embora o objeto não seja incindível. A incindibilidade do objeto do processo não só impedem que se profiram decisões conflitantes em relação aos litisconsortes (unitariedade), como também exige que todos eles estejam no processo (necessariedade). Essa é uma imposição de pura lógica, porque o absurdo é o mesmo: (a) na sentença que pretendesse cindir o incindível mediante duas decisões conflitantes e (b) na que ditasse uma solução para um dos sujeitos sem ditá-la em relação aos outros porque não foram partes. (DINAMARCO, 2001, p. 349-350).

Portanto, de acordo com a lição dos processualistas José Manoel de Arruda

Alvim e Cândido Rangel Dinamarco, o litisconsórcio será necessário quando a

sentença produzir efeitos em relação a diversas pessoas que integram determinada

relação jurídica.

O mestre Manoel de Queiroz Pereira Calças evidencia que:

na ação de dissolução parcial de sociedade ajuizada pelo sócio que voluntariamente pede a resolução do contrato social é de rigor que no pólo passivo sejam incluídos os sócios remanescentes e a sociedade. Essa afirmação decorre da aceitação da teoria ascarelliana de que o contrato societário é de natureza plurilateral, que cria vínculos jurídicos entre cada um dos sócios e a sociedade que eles instituíram, bem como entre cada sócio e os demais. Ora, se há vínculos jurídicos que interligam os sócios entre si, bem como os sócios com a sociedade, a sentença a ser proferida produzirá efeitos em relação a todos os que integram o contrato social (sócios e sociedade), mercê do que a hipótese é de litisconsórcio necessário entre todos. (CALÇAS, 2003, p. 184).

7.3 Expulsão de sócio

O novo Código Civil ignorou toda a construção jurisprudencial sobre a

dissolução parcial da sociedade limitada, optando por regular a exclusão dos sócios

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minoritários por deliberação da maioria capitalista. Assim, pela nova lei, quando a

maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender

que um ou mais sócios minoritários estão colocando em risco a continuidade da

empresa em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade

alterando o contrato social, desde que prevista no contrato a possibilidade de

exclusão por justa causa (artigo 1.085, do Código Civil de 2.002).

Referido dispositivo inovou nosso direito positivo, ao permitir que os sócios

minoritários só possam ser excluídos extrajudicialmente da sociedade, desde que

observados os seguintes requisitos materiais: (a) deliberação da maioria

representativa de mais da metade do capital social; (b) imputação ao sócio que se

pretende excluir de prática de ato de inegável gravidade e que ponha em risco a

continuidade da empresa; (c) previsão contratual de possibilidade de exclusão de

sócio por justa causa.

Há, ainda, a previsão de determinados requisitos formais, pois a exclusão só

poderá ser deliberada em reunião ou assembléia de sócios, especialmente

convocada para a finalidade, devendo ser dada ciência ao sócio acusado em tempo

hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa (parágrafo

único do artigo 1.085, do Código Civil de 2.002).

Entretanto, a maioria capitalista só poderá expulsar o sócio minoritário se este

praticar atos de inegável gravidade que ponham em risco a continuidade da

empresa e desde que conste do contrato social a exclusão por justa causa. A

exclusão só poderá ser deliberada em assembléia ou reunião de sócios

especialmente convocada para tal finalidade, cientificando-se previamente o sócio

para garantir-lhe a possibilidade de exercitar seu direito de defesa.

Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 106) alvitra que, para ensejar ao

sócio o direito de se defender, é de rigor que da convocação do sócio para a reunião

ou assembléia deverá constar qual o ato considerado de inegável gravidade que

coloca em risco a continuidade da empresa que lhe está sendo imputado. O sócio

poderá comparecer acompanhado de advogado, ou fazer-se representar de

advogado, conforme prevê o estatuto da advocacia (artigo 7º, VI, d, da Lei nº

8.906/94, e artigo 1.074, § 1º, do Código Civil de 2.002).

A ausência do sócio não impedirá a realização da assembléia ou reunião,

desde que presentes sócios titulares de mais da metade do capital social que

poderão deliberar pela expulsão do sócio, alterando o contrato social.

51

Deliberada a expulsão do sócio, caberá à Junta Comercial apenas examinar

se foram observados os requisitos formais para a exclusão do sócio para fins de

arquivamento da alteração do contrato social.

O sócio excluído extrajudicialmente poderá postular no Judiciário sua

reintegração ao quadro societário para anular a deliberação dos sócios que o

excluírem da sociedade, alegando que não foram observados os requisitos formais

ou materiais.

Admite-se também a exclusão do sócio extrajudicialmente pela maioria, no

caso de sócio remisso (artigo 1.058, do Código Civil de 2.002), falência do sócio, ou

quando sua quota for liquidada (artigos 1.026 e 1.030, ambos do Código Civil de

2.002).

O sócio, em qualquer hipótese de exclusão, terá direito de receber o

reembolso do valor de suas quotas, ou do saldo, em caso de liquidação, apurado

com base na situação patrimonial da sociedade na data da exclusão, verificado em

balanço especialmente levantado. O valor deverá ser pago pela sociedade, em

dinheiro, no prazo de 90 dias contados da data da liquidação, salvo se houver

previsão contratual diferenciada sobre prazo e pagamento do valor do reembolso.

A maioria dos sócios também poderá excluir o sócio que cometer falta grave

no cumprimento de suas obrigações ou por incapacidade superveniente, por meio

judicial, deliberando, para tanto, em reunião ou assembléia, o ajuizamento de ação

de dissolução parcial da sociedade (art. 1.030, do Código Civil de 2.002).

Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 417) sustenta que será obrigatória a

observância da exclusão pela via judicial quando o sócio a ser expulso for o

majoritário, ou quando o contrato social não tiver clausula permissiva. Nesse caso, a

ação será ajuizada pela sociedade e pelos demais sócios, que, mesmo na condição

de minoritários, terão a representação excepcional da sociedade.

7.4 Falecimento de sócio

O Decreto n.° 3.708/19 não disciplinou expressamente sobre o ingresso dos

herdeiros na sociedade, entretanto, a doutrina era pacífica em admitir a transferência

de quotas no caso de falecimento de sócio da sociedade limitada.

52

Nesse sentido é a posição de Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto:

Nossa lei de sociedade por cotas de responsabilidade limitada filia-se às que admitem a transferência das quotas por ato causa mortis, divergindo, assim, do Código Comercial, que determina a dissolução da sociedade pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário. O art. 7° do Dec. n. 3.708, ao fixar as normas de procedimento quanto ao sócio remisso, permite que a sociedade cobre do sócio, seus herdeiros e sucessores, a soma devida pela sua cota, o que quer dizer que a transmissão por ato causa mortis, se opera, ope legis. Realmente, a sociedade só pode exigir o valor da cota de um sócio e, se a lei permite ou cobrar dos herdeiros ou excluí-los, é porque considera estes como sócios. Não se compreende que a lei autorizasse a cobrança dos herdeiros do sócio, para, depois de completado o pagamento da cota, considerar a sociedade como dissolvida, nos termos do art. 335, n. 4, do Código Comercial [...] Portanto, firmou dois princípios: 1, a sociedade não se dissolve com a morte de um sócio; 2, os herdeiros continuam como sócios. Do contrário não seria possível reclamar deles a soma devida pelo de cujus. (PEIXOTO, 1958, p. 222 e 223).

Modesto Carvalhosa (2003, p. 89) alvitra que “esse entendimento fundava-se

no princípio da continuidade da empresa, em razão do interesse público na

preservação da atividade econômica” e “evitava os óbvios inconvenientes

resultantes da apuração de haveres dos herdeiros”.

Neste enfoque orienta Egberto Lacerda Teixeira:

A continuação da sociedade com os herdeiros maiores do sócio falecido tem, indiscutivelmente, a vantagem de evitar o inconveniente: a) da compra, pela sociedade, da quota do de cujus, o que só pode dar-se com a utilização de fundos disponíveis, destinados ao reforço do capital ou à futura distribuição de lucros; b) do pagamento, pela sociedade, aos herdeiros do de cujus do valor da sua quota, o que determinará inevitavelmente a diminuição do capital social; c) de os sócios não estarem em condições de exercer o direito de preferência para aquisição, em nome próprio, das quotas do sócio falecido, o que levaria, salvo acordo com os herdeiros, à dissolução da sociedade. (TEIXEIRA, 1956, p. 253).

Assim, falecendo sócio da sociedade limitada, esta poderá ser parcialmente

dissolvida, apurando-se os haveres do sócio falecido que deverão ser pagos ao

espólio do de cujus, a fim de serem tais valores atribuídos aos respectivos

sucessores, ainda que omisso o contrato social.

Discorre neste diapasão José Waldecy Lucena:

E se é omisso o contrato social, a respeito da morte de sócio, é de se entender, como já se averbou, a existência nele de cláusula explícita de continuação da sociedade com os herdeiros do sócio pré-morto, o que enseja, para estes, as mesmas soluções supra-indicadas: os sócios estão obrigados a recepcionar os herdeiros, mas estes, a seu líbito, podem optar pelo ingresso na sociedade ou pelo recebimento dos respectivos haveres. (LUCENA, 2001, p. 297).

Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 186) ressalta que o contrato

social pode dispor que, no caso de falecimento de sócios, seus herdeiros, querendo,

poderão ingressar na sociedade, substituindo o pré-morto. No entanto, exsurge

53

evidente que, não querendo os herdeiros do falecido ingressar no quadro societário,

em substituição ao pré-morto, terão eles o valor correspondente às quotas do autor

da herança, apurado com base no patrimônio liquido da sociedade. Outrossim,

mesmo que o contrato autorize a substituição do sócio falecido por seus herdeiros,

caso os sócios remanescentes não concordem com a admissão dos sucessores do

pré-morto na sociedade, os herdeiros terão apenas o direito de receber os valores

correspondentes à participação societária do falecido. Observa que o entendimento

de que as quotas do sócio falecido são transferidas aos seus herdeiros deve

permanecer no regime do Código Civil de 2.002.

Dispõe o artigo 1.028 do Código Civil de 2.002, aplicável às sociedades

limitadas, que, não havendo disposição diferente no contrato, morrendo um dos

sócios, liquidar-se-á sua quota, tomando-se por base a situação patrimonial da

sociedade à data do óbito, verificada em balanço patrimonial especialmente

levantado. Assim, discordando os sucessores dos valores apurados no balanço

especial de determinação, poderão valer-se da ação de apuração de haveres.

(CALÇAS, 2003, p. 186).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido que, no caso de

morte de sócio da sociedade limitada, seus herdeiros têm legitimidade para pleitear

a dissolução da sociedade e apuração de haveres. Nesse sentido:

Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Sócio. Morte. Dissolução parcial. Herdeiros. Apuração de haveres. CPC/39, artigo 668 recepcionado pelo artigo 1.028, VII, do CPC vigente. I – Se a morte ou retirada de qualquer dos sócios não causar a dissolução da sociedade, serão apurados exclusivamente os seus haveres, fazendo-se o pagamento pelo modo estabelecido no contrato social, ou pelo convencionado, ou ainda, pelo determinado pela sentença. II – A apuração de haveres, no caso de dissolução parcial de sociedade de responsabilidade limitada, há de ser feita de modo a preservar o valor devido aos herdeiros do sócio, que deve ser calculado com justiça, evitando-se o locupletamento da sociedade ou dos sócios remanescentes. (STJ, REsp. 282.300-0-RS, Rel. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 4/9/2001).

Em suma, falecendo sócio de sociedade limitada, caberá a seus sucessores e

aos sócios remanescentes decidir se a sociedade prosseguirá ou será dissolvida. Se

os sucessores do falecido concordarem em substituí-lo no quadro societário e os

sócios remanescentes anuírem com tal pretensão, a sociedade será mantida.

Porém, se não houver interesse dos sucessores do sócio pré-morto em o

substituírem, ou, por outro lado, os sócios remanescentes não concordarem com a

admissão dos sucessores do de cujus, mas quiserem manter a sociedade, será de

rigor a apuração de haveres do falecido a fim de serem pagos seus herdeiros.

54

(CALÇAS, 2003, p. 187).

A jurisprudência é pacífica:

No contrato de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, plausível é a cláusula que prevê a continuação da sociedade com os sócios remanescentes e, excepcionalmente, faculta a admissão de herdeiro de sócio morto em substituição a este. No entanto, tal faculdade depende do consenso entre a maioria dos sócios que restou e o herdeiro do falecido, sem o que restará a este receber, tão somente, os haveres que o de cujus possuía na sociedade. (RT 771/216, Rel. Des. Aldo Magalhães).

Portanto, no sistema do Código Civil de 2.002, os herdeiros do sócio pré-

morto poderão ingressar livremente na sociedade, desde que não haja disposição

contratual em sentido contrário.

7.5 Dos credores particulares de sócio

A possibilidade ou impossibilidade de credores particulares pleitearem, em

execução, a penhora das quotas de devedor inscrito no quadro societário de

limitada, vem sendo, há tempos, objeto de séria divergência doutrinária e

jurisprudencial, principalmente pela omissão do Código Comercial e do Decreto n.º

3.708/19, que não disciplinaram sobre o assunto, causando grave controvérsia

doutrinária e jurisprudencial.

Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 107), ao discorrer sobre o

assunto, invoca o artigo 292, do Código Comercial, que estabelecia que o credor

particular de um sócio só pode executar os fundos líquidos que o devedor possuir na

sociedade, não tendo este outros bens desembargados, ou se, depois de

executados, os que tiver não forem suficientes para o pagamento. Afirma que tal

disposição consubstancia uma conseqüência lógica decorrente da personificação da

sociedade, pois, desde que o direito positivo concedeu expressamente às

sociedades comerciais a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial, torna-se

evidente que o patrimônio da sociedade, ou a fração do mesmo, não pode ser

penhorada por dívida particular de sócio. Por isso mesmo, o sócio não é co-

proprietário do fundo social e não tem direito de exigir qualquer fração dele,

enquanto a sociedade subsistir. Dissolvida a sociedade e realizada sua liquidação, o

fundo social será utilizado, primeiramente, para pagar todo o passivo societário e, se

55

houver acervo final, este será dividido proporcionalmente entre os sócios.

Waldemar Ferreira (1961, p. 126-128) sustenta que os sócios têm mera

expectativa de direito ao resíduo dos fundos sociais, mercê do que era correta a

disposição do artigo 292 do Código Comercial, que só permitia ao credor de sócio

pedir a penhora de fundos líquidos que o sócio-devedor possuísse na sociedade.

Manoel Calças (2003, p. 108) acrescenta que por “fundos líquidos”, segundo

doutrina e jurisprudência formadas sobre o tema, entendiam-se os créditos em

contas correntes, resultantes de depósitos que os sócios entregavam à caixa social,

a título de empréstimo, ou os lucros apurados em balanços anuais que ao invés de

serem pagos eram debitados nas contas particulares dos sócios.

Rubens Requião (1976, p. 268), alvitra que o Código de Processo Civil de

1939, em seu artigo 942, inciso XII, declaradamente impossibilitava a penhora de

fundos sociais pelas dívidas particulares do sócio, não compreendendo, entretanto,

a vedação quanto aos “lucros líquidos verificados em balanço”. Alvitra que essa

regra não foi repetida no Código de Processo Civil de 1973 e afirma que esse

silêncio não importa em dizer que o Código haja admitido a penhora dos bens da

sociedade ou mesmo dos fundos sociais, pelas dívidas particulares do sócio, pelo

fato de que entre o sócio e a sociedade ergue-se a personalidade jurídica desta,

com sua conseqüente autonomia patrimonial, por isso, pertencendo o patrimônio à

sociedade, não pode o credor particular do sócio penhorá-lo para garantia do

pagamento de seu crédito.

Portanto, os fundos líquidos não eram quotas sociais, mas os lucros sociais

apurados em determinado exercício social, dos quais não houve deliberação social,

ou seja, são quantias disponíveis para que a sociedade delibere reinvestimento ou

distribuição entre os sócios. Assim, os “lucros líquidos verificados em balanço” eram

perfeitamente penhoráveis em execuções particulares movidas por credor de sócio.

Ante essa interpretação, a doutrina passou a discutir sobre a possibilidade da

penhora das quotas sociais, havendo respeitável entendimento de que a penhora

das quotas seria possível apenas se o contrato social admitisse a livre cessão das

quotas sociais a estranhos ao quadro societário, independentemente de anuência

dos demais sócios. Na omissão do contrato, as quotas eram impenhoráveis, pelo

fato de que o arrematante poderia ingressar livremente no quadro societário,

existindo assim, um estranho no convívio social da empresa, o que seria

incompatível com a classificação intuitu personae da sociedade limitada.

56

O Supremo Tribunal Federal, em acórdão relatado pelo Ministro Barros

Monteiro, afirmou, em suma, que a transferência das quotas não foi disciplinada pelo

Decreto n.° 3.708/19, diploma que não exige o consentimento da maioria absoluta

dos quotistas para que um deles ceda a terceiro sua respectiva quota, razão pela

qual, se o contrato social não proibir explicitamente a cessão das quotas a estranho,

o quotista poderá alienar suas quotas com plena liberdade, decidiu, portanto, pela

penhorabilidade das quotas sociais (RE n.° 24.118-SP).

Em 1988, a nova Constituição Federal delegou ao Superior Tribunal de

Justiça competência para interpretar o direito federal infraconstitucional que, após

alguma divergência, fixou o entendimento de que as quotas sociais são penhoráveis

por dívidas particulares dos sócios.

Em sentido contrário à penhora das quotas sociais em execução promovida

contra o sócio, o acórdão relatado pelo Ministro Eduardo Ribeiro, assim ementado:

Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Penhorabilidade das quotas do capital social. O artigo 591 do CPC, dispondo que o devedor responde pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, ressalva as restrições estabelecidas em lei. Entre elas se compreende a resultante do disposto no artigo 649, I, do mesmo Código que afirma impenhoráveis os bens inalienáveis. A proibição de alienar as quotas pode derivar do contrato, seja em virtude de proibição expressa, seja quando se possa concluir, de seu contexto, que a sociedade foi constituída intuitu personae. Hipótese em que o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais sócios. Impenhorabilidade reconhecida. (STJ, REsp. 34.882-5/SP, Rel. Eduardo Ribeiro, j. 9/8/1993).

Prevaleceu, portanto, o entendimento em sentido favorável à penhora das

quotas sociais. Nesse sentido, o acórdão relatado pelo Ministro Sávio de Figueiredo

Teixeira, assim ementado:

I – Representando as quotas os direitos do quotista sobre o patrimônio da sociedade, a penhora que recai sobre elas pode ser atacada pela sociedade por via dos embargos de terceiro. II – A penhorabilidade das quotas, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida. III – Os efeitos da penhora incidente sobre as quotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social proibição à livre alienação das mesmas. IV – Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das quotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1.117, 1.118 e 1.119). V – Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a quota seja arrematada com inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de sócio. (STJ, REsp. 30.854-2-SP, Rel. Sávio de Figueiredo Teixeira).

O Superior Tribunal de Justiça decidiu em acórdão mais recente que:

I – A penhorabilidade das cotas pertencentes ao sócio em sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida, com sustentação, inclusive, no art. 591, CPC, segundo o qual ‘o devedor responde, para o cumprimento de suas

57

obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei’. II – Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários. Assim, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1.117, 1.118 e 1.119), assegurado ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade. (STJ, REsp. 147.546-RS, Rel. Sávio de Figueiredo Teixeira, j. 6/4/2000).

O Código Civil de 2.002 não disciplina sobre a penhorabilidade das quotas

sociais, mas estabelece a posição do credor particular de sócio em relação aos bens

penhoráveis, em seu artigo 1.026, onde o credor particular de sócio pode, na

insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este

couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Quando se trata de execução movida contra sócio de sociedade, existe uma

hierarquia de bens penhoráveis, onde, apenas na insuficiência de outros bens,

poderá a penhora afetar os lucros do sócio devedor.

Portanto, afirma Manoel Calças que:

o legislador civil estabeleceu uma ordem de preferência de bens penhoráveis, quando se trata de execução movida contra sócio de sociedade, preceituando que, apenas na insuficiência de outros bens do devedor, poderá a penhora recair sobre os lucros que couberem ao sócio devedor na sociedade. Outrossim, a autorização para a penhora recaia sobre a parte que couber ao sócio devedor na liquidação da sociedade é totalmente despicienda, haja vista que, integrando a participação proporcional do sócio no acervo final da sociedade seu patrimônio particular, evidentemente, responde pelas dívidas particulares do aludido sócio. (CALÇAS, 2003, p. 110).

O Código Civil de 2.002 inovou, dispondo no parágrafo único do artigo 1.026

que, se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da

quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do artigo 1.031, será depositado em

dinheiro, no juízo da execução, até 90 dias após a liquidação.

Ricardo Fiuza, ao comentar referido artigo, afirma:

Este artigo diz respeito à execução dos bens particulares do sócio em virtude de dívidas pessoais, e não da sociedade, como tratado nos dispositivos anteriores. Se os bens particulares do sócio devedor forem insuficientes para o pagamento de suas dívidas, fica facultado ao credor executar os lucros a que o sócio porventura tiver direito na sociedade, ou no caso de a sociedade encontrar-se em processo de dissolução, a parte que o sócio teria direito na liquidação dos bens patrimoniais, após a quitação de todas as dívidas da sociedade. Se esta se encontrar em funcionamento regular, ou seja, se não estiver dissolvida, e não existirem lucros a distribuir, o credor do sócio poderá requerer, judicialmente, a liquidação das quotas do sócio devedor, na proporção necessária à satisfação de seu crédito, de acordo com o procedimento de liquidação previsto no art. 1.031 do Código. (FIUZA, 2002, p. 926).

58

Neste caso, a quota do sócio devedor será liquidada para satisfazer sua

dívida particular, em execução movida pelo credor. Inexistindo outros bens

penhoráveis, nem parcela de lucros a serem distribuídos ao devedor, nem parte de

acervo final da sociedade por não estar dissolvida, o credor poderá requerer a

liquidação da quota do devedor. A quota do sócio devedor terá seu valor apurado

em balanço especialmente levantado, com base na situação patrimonial da

sociedade, na data em que for pedida a liquidação.

A sociedade terá o prazo de 90 dias, contados a partir da liquidação, para

depositar, em dinheiro, no juízo da execução, o valor da quota liquidada (artigo

1.026, parágrafo único, combinado com o artigo 1.031, §§ 1° e 2°, do Código Civil de

2.002). Com a liquidação da quota do sócio devedor a sociedade terá o capital social

reduzido, salvo se os sócios suprirem o valor da quota.

Exceção ocorre quando o contrato social previr expressamente a regência

supletiva da sociedade limitada pela Lei das Sociedades por Ações, hipótese em

que a quota do devedor não será liquidada e o credor deverá pedir sua penhora.

7.5.1 Liquidação de quota a pedido de credor de sócio e falência de sócio

O pedido de liquidação de quota e a falência de sócio são casos diferentes de

dissolução parcial da sociedade, decorrentes da situação jurídica de insolvência do

sócio devedor.

De acordo com o disposto no artigo 1.030, parágrafo único, do Código Civil de

2.002, será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou

aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do artigo

1.026.

Portanto, o credor particular de sócio insolvente poderá requerer a liquidação

de sua quota em caso de a sociedade não estar em liquidação e não haver

possibilidade de penhora de lucros que lhe couberem. O valor da quota liquidada

será apurado com base na situação patrimonial da sociedade, em balanço

patrimonial especialmente levantado (artigo 1.030, do Código Civil de 2.002). Porém,

a liquidação da quota do devedor não poderá ser requerida quando a sociedade

limitada for regida supletivamente pela Lei das Sociedades por Ações, hipótese em

59

que o credor deverá requerer a penhora das quotas do sócio devedor.

Outrossim, o sócio, empresário individual e declarado falido, será excluído da

sociedade, que levantará o valor de sua quota, em balanço patrimonial

especialmente levantado, no prazo de 90 dias da liquidação, e o depositará, em

dinheiro, nos autos da falência.

Em ambos os casos, havendo discordância sobre o valor da quota liquidada,

o próprio devedor ou a massa falida poderá postular a apuração de seus haveres, de

forma real, justa e completa, de modo a impedir o enriquecimento ilícito da

sociedade e dos sócios remanescentes.

Manoel de Queiroz Pereira Calças ressalta que:

As duas formas implicam dissolução parcial da sociedade. De qualquer forma, nas duas hipóteses, considerando-se os princípios que os tribunais têm aplicado nos outros casos de dissolução parcial da sociedade, tudo leva a crer que, ocorrendo a liquidação de quota de sócio a pedido de credor individual ou da massa falida do sócio, fixando a sociedade, unilateralmente, com base no balanço especial por ela realizado, o valor da quota do sócio devedor ou falido, o próprio devedor ou sua massa falida, discordando do valor atribuído à quota liquidada, poderá, posteriormente, na via judicial, postular a apuração de seus haveres, de forma real, justa e completa, de molde a impedir o locupletamento ilícito da sociedade e dos sócios remanescentes. (CALÇAS, 2003, p. 188).

60

8 CONCLUSÃO

As sociedades de responsabilidade limitada originaram-se na Inglaterra e o

direito alemão foi o pioneiro e grande influenciador da adoção de tal modelo

societário no mundo ocidental.

A sociedade limitada foi introduzida na legislação brasileira pelo Decreto n.°

3.708, de 10 de janeiro de 1.919 que, ante sua disciplina sintética e objetividade

ensejou o predomínio de sua utilização como modelo societário, constituindo-se na

mais importante das sociedades empresárias previstas em nossa legislação.

A sociedade limitada é aquela em que cada sócio tem sua responsabilidade

restrita ao valor de suas quotas, mas todos são responsáveis pela integralização

total do capital social.

Atualmente, a sociedade limitada está disciplinada em capítulo específico do

Código Civil de 2.002 (artigos 1.052 a 1.087) e, nas omissões deste, rege-se pelas

normas da sociedade simples (artigo 1.053, caput). Constatada a necessidade de

aplicação subsidiária e verificada a sua ineficiência no preenchimento da lacuna,

entende a doutrina ser aplicável analogicamente a Lei das Sociedades Anônimas

(Lei nº 6.404/76).

Sociedades empresárias são pessoas jurídicas de direito privado, constituídas

no mínimo por pessoas naturais ou pessoas jurídicas, que celebram um contrato

social pelo qual se obrigam reciprocamente a contribuir com bens ou serviços, para

o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (artigo 981

do Código Civil).

As sociedades empresárias são classificadas, principalmente, quanto à

extensão da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais e quanto à livre

alienabilidade da participação societária. De acordo com esse critério, as sociedades

empresárias dividem-se em sociedades ilimitada, limitada e mista.

A classificação da sociedade limitada é hibrida, podendo ser constituída com

natureza capitalista ou personalista, de acordo com a vontade dos sócios, ou seja,

são os sócios que atribuem à limitada o matiz capitalista ou personalista. Ante o

silêncio das cláusulas contratuais concernente à natureza capitalista ou personalista,

a sociedade deve ser considerada como pessoalista, em virtude da incidência do

Código Civil, especialmente do artigo 1.028, que trata das conseqüências da morte

61

de sócio, e prevê a liquidação das quotas do falecido, bem como do artigo 1.057,

que estabelece que o sócio só pode alienar suas quotas a terceiro estranho à

sociedade se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital

social.

O Código Civil de 2.002 mantém a disciplina da responsabilidade dos sócios

perante a sociedade como restrita ao valor de suas quotas, porém, todos são

solidariamente responsáveis pela integralização do capital social.

A regência legal da sociedade limitada a partir da vigência do novo Código

Civil é a seguinte: (1) normas do capítulo específico que regulam a sociedade

limitada (artigos 1.052 a 1.087); (2) na constituição e dissolução da sociedade, deve

ser observado o regime do Código Civil (artigo 1.054 e 1.087); (3) no silêncio do

contrato e nas omissões do capítulo específico do Código Civil, aplica-se o regime

das sociedades simples (artigo 1.053); (4) se o contrato prevê a regência supletiva

da Lei das Sociedades por Ações e for matéria contratual, incide a Lei do anonimato;

(5) nas lacunas do Código Civil, será aplicável, por analogia, a Lei das Sociedades

por Ações.

A sociedade limitada se constitui por contrato de natureza plurilateral que

objetiva criar uma organização, interna e externa, conferindo-lhe personalidade

jurídica e patrimônio separado.

O contrato de sociedade limitada que tenha por objeto atividade ilícita,

impossível e indeterminável é nulo.

A sociedade limitada adquire personalidade jurídica com a inscrição de seu

ato constitutivo na junta comercial, conforme o disposto no artigo 985, do Código

Civil de 2.002.

Com a exclusão de sócio remisso, deliberada por acordo dos demais sócios,

poderá ser aprovada a aquisição das quotas do sócio excluído pela própria

sociedade limitada, desde que a aquisição seja feita com fundos disponíveis e sem

redução do capital social, conforme o disposto no revogado artigo 8° do Decreto n.°

3.708/19, haja vista ter o novo Código Civil silenciado nesse sentido.

O limite de responsabilidade pessoal de cada sócio, na sociedade limitada,

decorre da responsabilidade de cada sócio restrita ao valor de suas quotas, assim,

ao assinar o contrato social, o subscritor assume a obrigação individual de

integralizar o valor das quotas que subscrever.

62

A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais não é

absoluta, havendo situações em que os sócios, mesmo já totalmente integralizado o

capital social, poderão ser responsabilizados particularmente por dívidas da

sociedade.

O novo Código Civil não regulou a questão da penhorabilidade das quotas

sociais por dívidas particulares dos sócios, porém, inovou ao disciplinar sobre a

liquidação de quota a pedido de credor de sócio.

Os sócios que comparecerem à assembléia e discordarem da deliberação

compatível com o artigo 1.077, do Código Civil de 2.002, os que se abstiveram de

votar ou os ausentes da reunião ou assembléia, podem exercer o direito de recesso.

Porém, o sócio que concordou com a deliberação e votou favoravelmente, não

poderá, posteriormente, arrepender-se e retratar-se, para poder exercer o direito de

retirada.

O valor do reembolso a ser pago ao sócio dissidente, ante o disposto nos

artigos 1.077 e 1.031, deverá ser apurado em balanço especialmente levantado com

base na situação patrimonial da sociedade à data da resolução.

A Lei das Sociedades por ações não poderá ser invocada (nem mesmo se

prevista no contrato social como supletiva do capítulo do Código Civil referente às

limitadas) quando se cuida de constituição da sociedade limitada, de sua extinção ou

de resolução do contrato social em relação a parte dos sócios. Como sociedade

contratual, a limitada obedece, nesses temas, somente o disposto nos artigos 1.033,

1.044 e 1.087, do Código Civil de 2.002.

A legitimidade ativa para a propositura da ação de dissolução parcial da

sociedade será do sócio retirante, que a promoverá contra a sociedade e os demais

sócios remanescentes, em litisconsórcio passivo necessário.

Falecendo sócio de sociedade limitada, caberá a seus sucessores e aos

sócios remanescentes decidir se a sociedade prosseguirá ou será dissolvida. Se os

sucessores do falecido concordarem em substituí-lo no quadro societário e os

remanescentes aprovarem tal pretensão, a sociedade será mantida. Porém, se não

haver interesse dos sucessores do sócio pré-morto em o substituírem, ou, por outro

lado, os remanescentes não concordarem com a admissão dos sucessores do de

cujus, mas quiserem manter a sociedade, será de rigor a apuração de haveres do

falecido.

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REFERÊNCIAS

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64

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ANEXO A – Decreto n. 3.708 de 10 de janeiro de 1.919

Regula a constituição de sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

O Vice-Presidente da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, em exercício: Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a seguinte resolução:

Art. 1o Além das sociedades a que se referem os arts. 295, 311, 315 e 317 do Código Comercial, poderão constituir-se sociedades por quotas, de responsabilidade limitada.

Art. 2o O título constitutivo regular-se-á pelas disposições dos arts. 300 a 302 e seus números do Código Comercial, devendo estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importância total do capital social.

Art. 3o As sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, adotarão uma firma ou denominação particular.

§ 1o A firma, quando não individualiza todos os sócios, deve conter o nome ou firma de um deles, devendo a denominação, quando possível, dar a conhecer o objetivo da sociedade.

§ 2o A firma ou denominação social deve ser sempre seguida da palavra - limitada. Omitida esta declaração, serão havidos como solidária e ilimitadamente responsáveis os sócios gerentes e os que fizerem uso da firma social.

Art. 4o Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada não haverá sócios de indústria.

Art. 5o Para todos os efeitos, serão havidas como quotas distintas a quota primitiva de um sócio e as que posteriormente adquirir.

Art. 6o Devem exercer em comum os direitos respectivos os co-proprietários da quota indivisa, que designarão entre si um que os represente no exercício dos direitos de sócio. Na falta desse representante, os atos praticados pela sociedade em relação a qualquer os co-proprietários produzem efeitos contra todos, inclusive quanto aos herdeiros dos sócios. Os co-proprietários da quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações que faltarem para completar o pagamento da mesma quota.

Art. 7o Em qualquer caso do art. 289 do Código Comercial poderão os outros sócios preferir a exclusão do sócio remisso. Sendo impossível cobrar amigavelmente do sócio, seus herdeiros ou sucessores a soma devida pelas suas quotas ou preferindo a sua exclusão, poderão os outros sócios tomar a si as quotas anuladas ou transferi-las a estranhos, pagando ao proprietário primitivo as entradas por ele realizadas, deduzindo os juros da mora e mais prestações estabelecidas no contrato e as despesas.

66

Art. 8o É licito às sociedades a que se refere esta lei adquirir quotas liberadas, desde que o façam com fundos disponíveis e sem ofensa do capital estipulado no contrato. A aquisição dar-se-á por acordo dos sócios, ou verificada a exclusão de algum sócio remisso, mantendo-se intacto o capital durante o prazo da sociedade.

Art. 9o Em caso de falência, todos os sócios respondem solidariamente pela parte que faltar para preencher o pagamento das quotas não inteiramente liberadas.

Assim, também, serão obrigados os sócios a repor os dividendos e valores recebidos, as quantias retiradas, a qualquer titulo, ainda que autorizadas pelo contrato, uma vez verificado que tais lucros, valores ou quantias foram distribuídos com prejuízos do capital realizado.

Art. 10. Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.

Art. 11. Cabe ação de perdas e danos, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contra o sócio que usar indevidamente da firma social ou que dela abusar.

Art. 12. Os sócios-gerentes poderão ser dispensados de caução pelo contrato social.

Art. 13. O uso da firma cabe aos sócios-gerentes; se, porém, for omisso o contrato, todos os sócios dela poderão usar. É licito aos gerentes delegar o uso da firma somente quando o contrato não contiver cláusula que se oponha a essa delegação. Tal delegação, contra disposição do contrato, dá ao sócio que a fizer pessoalmente a responsabilidade das obrigações contraídas pelo substituto, sem que possa reclamar da sociedade mais do que a sua parte das vantagens auferidas do negocio.

Art. 14. As sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, responderão pelos compromissos assumidos pelos gerentes, ainda que sem o uso da firma social, se forem tais compromissos contraídos em seu nome ou proveito, nos limites dos poderes da gerência.

Art. 15. Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado. Ficam, porém, obrigados às prestações correspondentes às quotas respectivas, na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das obrigações contraídas, até a data do registro definitivo da modificação do estatuto social.

Art. 16. As deliberações dos sócios, quando infringentes do contrato social ou da lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustado tais deliberações contra os preceitos contratuais ou legais.

Art. 17. A nulidade do contrato social não exonera os sócios das prestações correspondentes às suas quotas, na parte em que suas prestações forem necessárias para cumprimento das obrigações contraídas.

67

Art. 18. Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas.

Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1.919, 98o da Independência e 31o da República.

Delphim Moreira da Costa Ribeiro

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ANEXO B – Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2.002

Institui o Código Civil.

O Presidente da República

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

SUBTÍTULO II

Da Sociedade Personificada

CAPÍTULO I

Da Sociedade Simples

Seção I

Do Contrato Social

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou

público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se

pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se

jurídicas;

II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;

III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo

compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;

V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em

serviços;

VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus

poderes e atribuições;

VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações

sociais.

Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado,

contrário ao disposto no instrumento do contrato.

Art. 998. Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá

requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do

69

local de sua sede.

§ 1o O pedido de inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do

contrato, e, se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da

respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da

autoridade competente.

§ 2o Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será a

inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e obedecerá a número de

ordem contínua para todas as sociedades inscritas.

Art. 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria

indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais

podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a

necessidade de deliberação unânime.

Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada,

cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente.

Art. 1.000. A sociedade simples que instituir sucursal, filial ou agência na

circunscrição de outro Registro Civil das Pessoas Jurídicas, neste deverá também

inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.

Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição da sucursal, filial ou

agência deverá ser averbada no Registro Civil da respectiva sede.

Seção II

Dos Direitos e Obrigações dos Sócios

Art. 1.001. As obrigações dos sócios começam imediatamente com o

contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se

extinguirem as responsabilidades sociais.

Art. 1.002. O sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções,

sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato

social.

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente

modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá

eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do

contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade

e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

70

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às

contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos

trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo

dano emergente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios

preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao

montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art.

1.031.

Art. 1.005. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou

uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir

crédito.

Art. 1.006. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo

convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena

de ser privado de seus lucros e dela excluído.

Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das

perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste

em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das

quotas.

Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de

participar dos lucros e das perdas.

Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta

responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os

receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.

Seção III

Da Administração

Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir

sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de

votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.

§ 1o Para formação da maioria absoluta são necessários votos

correspondentes a mais de metade do capital.

§ 2o Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de

empate, e, se este persistir, decidirá o juiz.

71

§ 3o Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação

interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a

seu voto.

Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas

funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar

na administração de seus próprios negócios.

§ 1o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei

especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a

cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno,

concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro

nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de

consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da

condenação.

§ 2o Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as

disposições concernentes ao mandato.

Art. 1.012. O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve

averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de

requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade.

Art. 1.013. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social,

compete separadamente a cada um dos sócios.

§ 1o Se a administração competir separadamente a vários administradores,

cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos

sócios, por maioria de votos.

§ 2o Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que

realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo

com a maioria.

Art. 1.014. Nos atos de competência conjunta de vários administradores,

torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a

omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave.

Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos

os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a

oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser

oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

72

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio

da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da

sociedade.

Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a

sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios,

aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-

los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se

houver prejuízo, por ele também responderá.

Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em

qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na

correspondente deliberação.

Art. 1.018. Ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas

funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da

sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar.

Art. 1.019. São irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração

por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida

judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios.

Parágrafo único. São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a

sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio.

Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas

justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem

como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

Art. 1.021. Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a

qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira

da sociedade.

Seção IV

Das Relações com Terceiros

Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede

judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os

havendo, por intermédio de qualquer administrador.

73

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem

os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo

cláusula de responsabilidade solidária.

Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por

dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das

dívidas sociais anteriores à admissão.

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens

do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da

sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor

requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art.

1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após

aquela liquidação.

Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou

judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social,

mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

Seção V

Da Resolução da Sociedade em Relação a um Sócio

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio

falecido.

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio

pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos

demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo

determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os

demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o

sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios,

por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade

74

superveniente.

Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio

declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo

único do art. 1.026.

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio,

o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-

á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da

sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais

sócios suprirem o valor da quota.

§ 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a

partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus

herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos

após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas

posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

Seção VI

Da Dissolução

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição

de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por

tempo indeterminado;

II - o consenso unânime dos sócios;

III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo

indeterminado;

IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e

oitenta dias;

V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.

Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de

qualquer dos sócios, quando:

I - anulada a sua constituição;

II - exaurido o fim social, ou verificada a sua inexeqüibilidade.

75

Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem

verificadas judicialmente quando contestadas.

Art. 1.036. Ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar

imediatamente a investidura do liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios

inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e

ilimitadamente.

Parágrafo único. Dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o sócio

requerer, desde logo, a liquidação judicial.

Art. 1.037. Ocorrendo a hipótese prevista no inciso V do art. 1.033, o

Ministério Público, tão logo lhe comunique a autoridade competente, promoverá a

liquidação judicial da sociedade, se os administradores não o tiverem feito nos trinta

dias seguintes à perda da autorização, ou se o sócio não houver exercido a

faculdade assegurada no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Caso o Ministério Público não promova a liquidação judicial

da sociedade nos quinze dias subseqüentes ao recebimento da comunicação, a

autoridade competente para conceder a autorização nomeará interventor com

poderes para requerer a medida e administrar a sociedade até que seja nomeado o

liquidante.

Art. 1.038. Se não estiver designado no contrato social, o liquidante será

eleito por deliberação dos sócios, podendo a escolha recair em pessoa estranha à

sociedade.

§ 1o O liquidante pode ser destituído, a todo tempo:

I - se eleito pela forma prevista neste artigo, mediante deliberação dos sócios;

II - em qualquer caso, por via judicial, a requerimento de um ou mais sócios,

ocorrendo justa causa.

§ 2o A liquidação da sociedade se processa de conformidade com o disposto

no Capítulo IX, deste Subtítulo.

CAPÍTULO IV

Da Sociedade Limitada

Seção I

Disposições Preliminares

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita

ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização

76

do capital social.

Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas

normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da

sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997,

e, se for o caso, a firma social.

Seção II

Das Quotas

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo

uma ou diversas a cada sócio.

§ 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem

solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da

sociedade.

§ 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.

Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de

transferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte.

§ 1o No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente

podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio

de sócio falecido.

§ 2o Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa

respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização.

Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou

parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a

estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital

social.

Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros,

inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do

respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios

podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si

ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver

pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as

77

despesas.

Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias

retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros

ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.

Seção III

Da Administração

Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas

designadas no contrato social ou em ato separado.

Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não

se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade.

Art. 1.061. Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação

deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não

estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização.

Art. 1.062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo

mediante termo de posse no livro de atas da administração.

§ 1o Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta

se tornará sem efeito.

§ 2o Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer

seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome,

nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o

ato e a data da nomeação e o prazo de gestão.

Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em

qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato

separado, não houver recondução.

§ 1o Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição

somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no

mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa.

§ 2o A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no

registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao

da ocorrência.

§ 3o A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade,

desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do

renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação.

78

Art. 1.064. O uso da firma ou denominação social é privativo dos

administradores que tenham os necessários poderes.

Art. 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração

do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico.

Seção IV

Do Conselho Fiscal

Art. 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o

contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos

suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembléia anual prevista

no art. 1.078.

§ 1o Não podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis

enumerados no § 1o do art. 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou

de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos

administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau.

§ 2o É assegurado aos sócios minoritários, que representarem pelo menos um

quinto do capital social, o direito de eleger, separadamente, um dos membros do

conselho fiscal e o respectivo suplente.

Art. 1.067. O membro ou suplente eleito, assinando termo de posse lavrado

no livro de atas e pareceres do conselho fiscal, em que se mencione o seu nome,

nacionalidade, estado civil, residência e a data da escolha, ficará investido nas suas

funções, que exercerá, salvo cessação anterior, até a subseqüente assembléia

anual.

Parágrafo único. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes ao da

eleição, esta se tornará sem efeito.

Art. 1.068. A remuneração dos membros do conselho fiscal será fixada,

anualmente, pela assembléia dos sócios que os eleger.

Art. 1.069. Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato

social, aos membros do conselho fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os

deveres seguintes:

I - examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o

estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-

lhes as informações solicitadas;

79

II - lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos

exames referidos no inciso I deste artigo;

III - exarar no mesmo livro e apresentar à assembléia anual dos sócios

parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem,

tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico;

IV - denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo

providências úteis à sociedade;

V - convocar a assembléia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta

dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes;

VI - praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos a que se

refere este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da

liquidação.

Art. 1.070. As atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não

podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus

membros obedece à regra que define a dos administradores (art. 1.016).

Parágrafo único. O conselho fiscal poderá escolher para assisti-lo no exame

dos livros, dos balanços e das contas, contabilista legalmente habilitado, mediante

remuneração aprovada pela assembléia dos sócios.

Seção V

Das Deliberações dos Sócios

Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias

indicadas na lei ou no contrato:

I - a aprovação das contas da administração;

II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado;

III - a destituição dos administradores;

IV - o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato;

V - a modificação do contrato social;

VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do

estado de liquidação;

VII - a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas

contas;

VIII - o pedido de concordata.

80

Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010,

serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social,

devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no

contrato.

§ 1o A deliberação em assembléia será obrigatória se o número dos sócios for

superior a dez.

§ 2o Dispensam-se as formalidades de convocação previstas no § 3o do art.

1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes

do local, data, hora e ordem do dia.

§ 3o A reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os

sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas.

§ 4o No caso do inciso VIII do artigo antecedente, os administradores, se

houver urgência e com autorização de titulares de mais da metade do capital social,

podem requerer concordata preventiva.

§ 5o As deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato

vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes.

§ 6o Aplica-se às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato, o

disposto na presente Seção sobre a assembléia.

Art. 1.073. A reunião ou a assembléia podem também ser convocadas:

I - por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais

de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais

de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de

convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas;

II - pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do

art. 1.069.

Art. 1.074. A assembléia dos sócios instala-se com a presença, em primeira

convocação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda,

com qualquer número.

§ 1o O sócio pode ser representado na assembléia por outro sócio, ou por

advogado, mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados,

devendo o instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata.

§ 2o Nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria

que lhe diga respeito diretamente.

81

Art. 1.075. A assembléia será presidida e secretariada por sócios escolhidos

entre os presentes.

§ 1o Dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da

assembléia, ata assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da

reunião, quantos bastem à validade das deliberações, mas sem prejuízo dos que

queiram assiná-la.

§ 2o Cópia da ata autenticada pelos administradores, ou pela mesa, será, nos

vinte dias subseqüentes à reunião, apresentada ao Registro Público de Empresas

Mercantis para arquivamento e averbação.

§ 3o Ao sócio, que a solicitar, será entregue cópia autenticada da ata.

Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as

deliberações dos sócios serão tomadas:

I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social,

nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071;

II - pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos

casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071;

III - pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou

no contrato, se este não exigir maioria mais elevada.

Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade,

incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de

retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no

silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

Art. 1.078. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por

ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:

I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço

patrimonial e o de resultado econômico;

II - designar administradores, quando for o caso;

III - tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

§ 1o Até trinta dias antes da data marcada para a assembléia, os documentos

referidos no inciso I deste artigo devem ser postos, por escrito, e com a prova do

respectivo recebimento, à disposição dos sócios que não exerçam a administração.

§ 2o Instalada a assembléia, proceder-se-á à leitura dos documentos referidos

no parágrafo antecedente, os quais serão submetidos, pelo presidente, a discussão

e votação, nesta não podendo tomar parte os membros da administração e, se

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houver, os do conselho fiscal.

§ 3o A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado

econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros

da administração e, se houver, os do conselho fiscal.

§ 4o Extingue-se em dois anos o direito de anular a aprovação a que se refere

o parágrafo antecedente.

Art. 1.079. Aplica-se às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato,

o estabelecido nesta Seção sobre a assembléia, obedecido o disposto no § 1o do art.

1.072.

Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada

a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

Seção VI

Do Aumento e da Redução do Capital

Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas,

pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.

§ 1o Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para

participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares.

§ 2o À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art.

1.057.

§ 3o Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por

terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembléia dos sócios, para

que seja aprovada a modificação do contrato.

Art. 1.082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente

modificação do contrato:

I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis;

II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade.

Art. 1.083. No caso do inciso I do artigo antecedente, a redução do capital

será realizada com a diminuição proporcional do valor nominal das quotas, tornando-

se efetiva a partir da averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata

da assembléia que a tenha aprovado.

Art. 1.084. No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita

restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as

prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do

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valor nominal das quotas.

§ 1o No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da

assembléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a

essa data, poderá opor-se ao deliberado.

§ 2o A redução somente se tornará eficaz se, no prazo estabelecido no

parágrafo antecedente, não for impugnada, ou se provado o pagamento da dívida ou

o depósito judicial do respectivo valor.

§ 3o Satisfeitas as condições estabelecidas no parágrafo antecedente,

proceder-se-á à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que

tenha aprovado a redução.

Seção VII

Da Resolução da Sociedade em Relação a Sócios Minoritários

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios,

representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios

estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável

gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social,

desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou

assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo

hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, aplicar-se-á o disposto

nos arts. 1.031 e 1.032.

Seção VIII

Da Dissolução

Art. 1.087. A sociedade dissolve-se, de pleno direito, por qualquer das causas

previstas no art. 1.044.

CAPÍTULO V

Da Sociedade Anônima

Seção Única

Da Caracterização

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Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em

ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das

ações que subscrever ou adquirir.

Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe,

nos casos omissos, as disposições deste Código.

Brasília, 10 de janeiro de 2.002, 181o da Independência e 114o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Aloysio Nunes Ferreira Filho