Hans Neuberger, 1970, Climate in art. Weather. 25, pp. 46-56. Recensão crítica

6

Transcript of Hans Neuberger, 1970, Climate in art. Weather. 25, pp. 46-56. Recensão crítica

.

518 RECENSOES

recorreu a uma abordagem metodológica integrada artística, meteorológica e climatoló­gica. Como informação artística e pictórica recolheu: o nome do artista, a "escola/oficina" de arte a que pertenceu, a data da obra, o conteúdo iconográfico e o brilho/escuridão da pintura. Como informação meteorológica observável nos quadros registou a cor azul do céu, a visibilidade, a nebulosidade, o tipo de nuvens e a presença de edifícios habitáveis. Este último parâmetro, embora não seja directamente uma característica meteorológica permite perceber se, na pintura, há ou não um meio de providenciar abrigo para as figuras humanas representadas. Por último, como informação climatológica Neuberger obteve os dados mais antigos de temperatura, precipitação, nebulosidade e inundações presentes nos registos das estações meteorológicas acima referidas.

Tendo Neuberger estruturado o artigo em seis partes temáticas seguimos esta orga­nização para apresentar os principais resultados:

1. O autor confirmou a existência de diferenças climáticas entre as regiões estudadas - Verões secos e quentes na região mediterrânica contrastam fortemente com climas mais moderados de Paris, Londres e Uccle-De Bilt ["Climas Regionais", pág. 47].

2. O estudo revela que mais de metade do total de quadros contém informação meteorológica (53%), sendo que o restante corresponde a obras onde o céu está totalmente ausente, como retratos e cenas de interior ["As Observações", pág. 48].

3. As diferenças climáticas regionais supramencionadas reflectiram-se nos resultados obtidos para os aspectos meteorológicos. Para o parâmetro da visibilidade, as escolas que pintaram atmosferas com maior claridade foram as da região do Mediterrâneo sendo a britânica aquela onde mais surgiram'ambientes enevoados. Para a cor azul do céu, a escola britânica é a que de longe representa céus pintados mais pálidos e as espanhola e a italiana com céus mais azulados. Para as nuvens, Neuberger concluiu que todas as escolas desenhavam preferencialmente as nuvens médias e as nuvens de desenvolvimento vertical. Tendo em consideração que as nuvens que originam mau tempo são as nuvens baixas e as de desenvolvimento vertical e que a combinação destas duas classes anuncia temporal, a escola britânica é aquela que exibe maior número de obras com tempo tempestuoso. No estudo da nebulosidade, o autor não encontrou nenhum quadro pertencente à escola inglesa com um céu limpo, opondo-se as escolas alemã, espanhola e italiana com maiores valores para céus pintados limpos e pouco nublado·s . Por último, as escolas ita­liana e espanhola são aquelas que de longe apresentam maior número de obras com edifícios devido aos temas religiosos representados, opondo-se as escolas americana e britânica em que as cenas religiosas são muito raras ["Diferenças Regionais", pág. 49-50].

4. Ao comparar os registos, mais antigos possíveis, de nebulosidade e visibilidade das sete estações meteorológicas no período de 1850-1967 com os recolhidos através da observação das pinturas ao longo de todo o período (1400-1967) o autor concluiu que nas escolas espanholas e italianas há uma maior visibilidade na pintura do céu no período mais recente dado ter ocorrido uma considerável diminuição da nebulosidade durante esta época ["Relação entre a Visibilidade e a Nebulosidade Observada e Pintada", pág. 53].

5. Neuberger (1970) refere a existência de crónicas dos séculos XVII e XVIII que relatam o bloqueio por neve durante várias semanas do porto de Marselha e o congelamento dos canais de Veneza tornando-se acessíveis ao tráfego pedestre e de coches, assim como dos rios Tamisa, Tibre e Ebro durante invernos severos e

através c:UE;T :;;, nebulosidar ,," =

associado ­departameG:L pedagógica >C ea=5;' vindo a falece- ='

hora, os seus _ conceituado :-~ e hercúleo a longo pr3.Z0-~ o facto de

- --------- - -- - ----- ------

R ECENSÕES 519

do Mar Báltico, o qual pennjtiu o atravessamento dos exércitos suecos durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O autor cita ainda regi.stos de cheias repenti­nas que inundaram áreas costeiras inglesas, dinamarquesas, alemãs e holandesas apagando do mapa vilas inteiras. Neste sentido, Neuberger valeu-se das pinturas como um documento de va lor histórico para investigar a existência ou não da "Pequena Idade do Gelo" que afectou todo o hemisfério Norte. Tendo em conta as significativas alterações climáticas ocorridas de 1400 a 1967 o meteorologista dividiu o tempo total em três períodos: 1400-1549 (antes da "Pequena Idade do Gelo"), 1550-1849 (culminação da "Pequena Idade do Gelo", em que existiram anos sem Verões) e 1850-1967 (depois da "Pequena Idade do Gelo", com retracção de glaciares e aquecimento atmosférico substancial). Assim, através da análise dos parâmetros meteorológicos nas pinturas e dos registos temporais de nebulosidade e cheias para as setes regiões , Neuberger confirma as fortes evidências de um período com um clima invulgarmente gelado através da diminuição acentuada da visibilidade, do a umento da nebulosidade e das nuvens baixas e da diminuição do céu azul pintado. Estes resultados reflectem a escolha pelos artistas de cores mais escuras da paleta devido à a lteração do clima entre 1550-1849 que poderão ter influenciado os gostos e movimentos artísticos deste período L"A Pequena Idade do Gelo na Arte", pág. 55-56J.

6. O autor afirmou que, os resultados obtidos supor tam a sua tese de que os artistas, como cronistas conscientes ou subconsciente do seu ambiente, e o clima, como agente omnipresente nas actividades e expressões humanas, combinam-se para revelar que a experiência climática contemporânea do artista pode ser avaliada como médias dos elementos climáticos derivados das suas pinturas ["Conclusão", pág. 56].

É desta forma singular que Neuberger amarra Arte e Climatologia demonstrando, através das pinturas, a existência de uma consciencialização colectiva dos artistas para a nebulosidade e t ransparência do céu numa dada região durante um determinado período.

Mas o que motivou um meteorologista, um homem das Ciências da Terra, a trazer a Arte para esta área de conhecimento? H ans Hermann Neuberger nasceu na Alemanha, em 1910, e depois de se doutorar na Universidade de Hamburgo, em 1936, emigra com a sua família para os Estados Unidos da América em 1937, para leccionar como professor de Geofísica na, actual, Pennsylvania State University. Em 1943 é designado professor associado do Departamento de Meteorologia da universidade, presidindo alguns anos o departamento até 1970, ano em que se reforma. Mas a sua .longa e produtiva actividade pedagógica e científica prolonga-se por mais alguns anos na University of South Florida; vindo a falecer em 1996.

Durante os seus 85 anos de vida e quase 50 anos de carreira Hans Hermann Neu­berger publicou manuais, livros e artigos sobre meteorologia e climatologia e desenhou instrumentos de medi ção. Contudo, a partir do final da década de 1960 emergem, em boa hora, os seus gostos pessoais pela poesia e pintura. Isto ajuda-nos a compreender como um conceituado professor de Meteorologia em "final" de carreira realiza um projecto inovador e hercúleo ao analisar mais de 12000 quadros numa perspectiva do estudo do clima a longo prazo. Podemos contextualizar melhor o su rgimento deste artigo se acrescentarmos o facto de ter tido como colega de depar tamento Hans A. P anofsky (1917-1988), filho do

-

-~

520 RECENSÓES

historiador de arte Erwin Panofsky, e com o qual partilhou, com certeza, ao longo dos vinte anos de camaradagem muitas das suas ideias . Garantidamente este artigo teve enorme impacto uma vez que foi citado, desde aí, em, pelo menos, 13 outros artigos científicos no âmbito da climatologia, da óptica, da gestão de base de dados globais, da astronomia e da poluição atmosférica, e em mais de duas dezenas de livros sobre climatologia, física, matemática e redes de comunicação.

Neuberger ao interligar Arte e Ciência neste artigo, através de uma robusta fun­damentação dos resultados com tratamento estatístico adequado, tomou-o um marco na investigação de interface que se realiza entre História da Arte e Ciência. Embora existam alguns reparos a apontar ao estudo, ainda não houve até à data nenhuma outra investi­gação que repetisse o feito e/ou colmatasse os lapsos. A ampla amostra cobriu tanto obras europeias como americanas. Este trabalho faz prova da enorme capacidade de análise imagética do autor. Estatisticamente os dados foram trabalhados de forma apropriada com os métodos conhecidos à época (e.g. análises de regressões, distribuições e médias). Ainda, este estudo reforçou as afirmações feitas num outro artigo de 1967 proferidas pelo climatologista inglês Hubert Horace Lamb (1913-1997) sobre as mudanças climáticas na Grã-Bretanha. Lamb concluiu, entre outros, que por volta do séc. XVI a nebulosidade representada nas pinturas inglesas (e algumas holandesas) aumentou substancialmente; referia-se à "Pequena Idade do Gelo". Recentemente, um dos autores que refere o estudo de Neuberger, o geógrafo inglês John E. Thomes (2008), da University of Birmingham, afirma que o pintor inglês John Constable (1776-1837) era poderoso na representação dos céus porque fez muitas observações da atmosfera e teve acesso a um documento com a classificação das nuvens proposto por um seu contemporâneo meteorologista. Este exemplo ajuda a solidificar as conclusões de Neuberger quando diz que os pintores, na sua maioria, representavam conscientemente o que os envolvia.

Embora este estudo seja precursor e uma referência nos dias de hoje, também lhe são apontados alguns pontos fracos. Conceptualmente, o autor teve consciência de duas fontes de potencial erro mas não introduziu um factor de correcção para o contexto da produção artística. Um destes erros, é o facto dos artistas nascendo num país acabem por se deslocar para outro e representar paisagens diferentes das suas de origem. Outro é a vontade/imaginação do artista em conscientemente alterar o clima representado. Sobre estes pontos interrogamo-nos sobre a possível subestimação do número de "pintores emigrantes" e a necessidade de corrigir os resultados para ~s correntes artísticas do sur­realismo, cubismo e expressionismo. Que categorização foi atribuída a obras de artistas portugueses e russos que terão surgido na análise dos museus europeus? O levantamento meteorológico das obras de arte foi realizado presencialmente através da visualização de imagens fotográficas? Se não foi presencial não terá isto influenciado a recolha de dados de luminosidade, brilho, claridade, entre outros? As cerca de 6300 pinturas com dados de clima encontravam-se todas em igual e bom estado de conservação? Por último, é impor­tante referir a dificuldade em obtermos este artigo, uma vez que é difícil a sua obtenção para o público em geral e é inexistente a sua disponibilização gratuita em motores de pesquisa de bibliotecas on-line internacionais.

Este revolucionário estudo é, ainda hoje, passado mais de 40 anos, um marco na investigação mundial pois combina de forma inteligente Arte e (uma) Ciência. Neuberger

encarou a imager:;::: científica preci A Meteorologia CT contendo pequenz.::: ~_

importa realçar ~J:" ao campo da HE:ó:i damental que ÇE­

da uma abo~co:: compreensão do c:: ­com um homem ~ arte e com uma::­é uma das trêE­Meteorologia da do génio que foi ~,

trabalhos de ~

R ECENSÕES 521

encarou a imagem como uma fonte histórica relevante que contém informação histórico­científica preciosa; tendo tido em atenção a especificidade da materialidade da pintura. A Meteorologia/Climatologia é, neste esão pictórica e iconográfica representada. Mesmo contendo pequenas questões sobre a conceptualização e execução metodológica do estudo importa realçar este artigo porque ultrapassa o campo da Ciência para acrescentar valor ao campo da História da Arte, enquanto disciplina integradora e ponto de encontro fun­damental que valoriza o Património artístico. Este artigo salienta também a utilidade da uma abordagem multidisciplinar que contribui para a descodificação das obras e a compreensão do artista e do seu meio. Como epílogo imaginem uma foto a preto e branco com um homem esguio de fato ,. em pé, ao lado de um quadro exposto numa galeria de arte e com uma mão a apontar para umas nuvens cumuliformes aí representadas. Esta é uma das três fotografias que está presente na página digital do Departamento de Meteorologia da Pennsylvania State University como que a fazer prova para a História do génio que foi Neuberger ou, então, a iluminar as novas gerações para a produção de trabalhos de excelência.

Referências Bibliográficas

LAMB, H.H. 1967. Britain's changing climate. The Geographical Joumal. 133(4): 445-466 pp. THORNES, J.E. 2008. Cultural climatology and the representation of sky, atmosphere,

weather and climate in selected art works of Constable, Monet and Eliasson. Geo­forum . 39: 570-580 pp.

Ana Maria Costa (doutoranda do lHA-FLUL, bolseira FCT),

Vítor Serrão (IHA-FLUL)

Luís M. Carvalho (CEHFC-EU)