EXPERIMENTOS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DOS CINCO PRIMEIROS AXIOMAS DA GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA A...

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EXPERIMENTOS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DOS CINCO PRIMEIROS AXIOMAS DA GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA A DEFICIENTES VISUAIS Ana Maria M. R. Kaleff Universidade Federal Fluminense – Niterói – RJ [email protected] Fernanda Malinosky C. da Rosa Mestranda em Educação Matemática – UNESP – Rio Claro [email protected] Viviane Lopes Rodrigues SEEDUC/RJ [email protected] Resumo Apresentam-se experimentos educacionais que permitem motivar o educando com deficiência visual para a aprendizagem dos cinco primeiros axiomas da Geometria Euclidiana por meio da utilização de pequenos aparelhos manipulativos de baixo custo, especialmente criados ou adaptados para esse fim, a partir de materiais comumente encontrados no comércio. Junto a esses recursos, apresentam-se atividades escritas, tanto em fonte ampliada quanto em Braille, que auxiliam ao educando a compreender conceitos introdutórios à Geometria Euclidiana. Os experimentos, além de auxiliarem o educando vidente e o com deficiência visual na construção do conhecimento e no desenvolvimento da habilidade da visualização de conceitos geométricos, satisfazem aos princípios educacionais apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais, às suas Adaptações Curriculares e ao Modelo de van Hiele do desenvolvimento do pensamento geométrico. Tais recursos destinam-se a alunos e professores do Ensino Fundamental e do Médio, bem como aos da Educação de Jovens e Adultos. Além de se buscar o desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem com vistas à inclusão do aluno com deficiência visual, também se busca desenvolver a capacitação e a qualificação de recursos humanos para o trabalho com esse aluno. Tais experimentos foram aplicados por licenciandos aos deficientes visuais do Ensino Médio do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Palavras-chave: Cinco Axiomas Euclidianos. Inclusão. Deficiente Visual. Experimentos Educacionais. Materiais Concretos. Introdução

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EXPERIMENTOS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DOS CINCO PRIMEIROS AXIOMAS DA GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA A DEFICIENTES VISUAIS

Ana Maria M. R. Kaleff Universidade Federal Fluminense – Niterói – RJ

[email protected]

Fernanda Malinosky C. da Rosa Mestranda em Educação Matemática – UNESP – Rio Claro

[email protected]

Viviane Lopes Rodrigues

SEEDUC/RJ [email protected]

Resumo

Apresentam-se experimentos educacionais que permitem motivar o educando com

deficiência visual para a aprendizagem dos cinco primeiros axiomas da Geometria

Euclidiana por meio da utilização de pequenos aparelhos manipulativos de baixo custo,

especialmente criados ou adaptados para esse fim, a partir de materiais comumente

encontrados no comércio. Junto a esses recursos, apresentam-se atividades escritas, tanto

em fonte ampliada quanto em Braille, que auxiliam ao educando a compreender conceitos

introdutórios à Geometria Euclidiana. Os experimentos, além de auxiliarem o educando

vidente e o com deficiência visual na construção do conhecimento e no desenvolvimento

da habilidade da visualização de conceitos geométricos, satisfazem aos princípios

educacionais apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais, às suas Adaptações

Curriculares e ao Modelo de van Hiele do desenvolvimento do pensamento geométrico.

Tais recursos destinam-se a alunos e professores do Ensino Fundamental e do Médio, bem

como aos da Educação de Jovens e Adultos. Além de se buscar o desenvolvimento de

metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem com vistas à inclusão do aluno com

deficiência visual, também se busca desenvolver a capacitação e a qualificação de recursos

humanos para o trabalho com esse aluno. Tais experimentos foram aplicados por

licenciandos aos deficientes visuais do Ensino Médio do Colégio Pedro II, no Rio de

Janeiro.

Palavras-chave: Cinco Axiomas Euclidianos. Inclusão. Deficiente Visual. Experimentos

Educacionais. Materiais Concretos.

Introdução

As atividades e os artefatos didáticos manipulativos destinados ao ensino do aluno

com deficiência visual arrolados nos experimentos educacionais tratados a seguir, foram

desenvolvidos e adaptados durante 2010, no âmbito da disciplina Educação Matemática –

Geometria, obrigatória aos licenciandos do curso de Matemática da Universidade Federal

Fluminense (UFF) e isso se deu no Laboratório de Ensino de Geometria (LEG). Esse

estudo, desenvolvido sob a orientação da primeira autora desse artigo visa, por um lado, à

formação, à capacitação para a inclusão escolar de deficientes visuais e à qualificação de

licenciandos e de professores de Matemática em formação continuada para a inclusão e,

por outro, à criação de materiais didáticos que auxiliem no processo de ensino-

aprendizagem da geometria euclidiana para alunos do Ensino Fundamental e do Médio,

além da adaptação destes materiais para o ensino do aluno com deficiência. Nos anos que

se seguiram, o estudo foi ampliado no âmbito do projeto Desenvolvimento de Atividades

para Ampliação do Acervo Didático do LEG, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão da

UFF.

A justificativa para os procedimentos realizados apoia-se em documentos oficiais,

já existentes no Brasil, que além de preverem a matrícula do deficiente em escolas

regulares e a formação de professores aptos a trabalhar com sua inclusão, também

recomendam aos sistemas de ensino a adaptação do currículo à admissão, em seu quadro

profissional, de recursos humanos capacitados, bem como de recursos materiais e

financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da inclusão na

educação (BRASIL, 2001a e 2001b).

Cabe mencionar que as atividades didáticas para deficientes visuais aqui relatadas

satisfazem os princípios educacionais apresentados nos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN) para o ensino da matemática para as séries do Ensino Fundamental e do

Médio, bem como as Adaptações Curriculares propostas pela Secretária de Educação

Especial (BRASIL, 1998a, 1998b e 1999). Os recursos didáticos específicos e voltados

para a Geometria são estabelecidos segundo o Modelo de van Hiele do desenvolvimento do

pensamento geométrico, proposto por van Hiele (1986). Tais recursos têm como ponto de

partida aqueles desenvolvidos para alunos videntes, ou seja, com visão normal, e

apresentados por Kaleff (2008). Os estudos de Barbosa (2004) formam a fundamentação

matemática teórica para a Geometria Euclidiana desses recursos. Por outro lado, a principal

fonte de referência sobre o ensino e a aprendizagem do aluno deficiente visual é o acervo

da Revista Benjamin Constant do Instituto Benjamin Constant. Em Kaleff e Rosa (2012),

encontram-se outros experimentos educacionais já adaptados a esses alunos, bem como

mais informações sobre o LEG e seus projetos.

Apresentação dos Primeiros Cinco Axiomas de Euclides

A Geometria tem fundamental importância no desenvolvimento dos alunos, pois os

ajuda na resolução de problemas do cotidiano, no melhor aproveitamento do espaço

tridimensional, auxiliando no desenvolvimento da habilidade de percepção visual e tátil, na

visualização e no estabelecimento de conexões entre a Matemática e outras áreas do

conhecimento. Vale lembrar também a sua importância histórica para o desenvolvimento

dessa ciência, pois foi por volta do século VI a.C. que a Geometria começou a se

transformar em um sistema de representações de ideias relacionadas a especulações

abstratas, baseadas em raciocínios dedutivos. Essa transformação atingiu o seu ápice na

época de Euclides (cerca de 300 a.C.). Foi ele quem compilou e estruturou os

conhecimentos matemáticos consensuais até então estabelecidos, reunindo-os em 13 livros

denominados "Os Elementos". Esta estruturação consistia em 23 definições (sem quaisquer

comentários); postulados (cinco afirmações consideradas como proposições geométricas) e

axiomas (cinco afirmações consideradas verdades estabelecidas por si mesmas). A partir da

combinação dessas afirmações e de leis da lógica clássica, Euclides estabeleceu relações

consideradas verdadeiras e denominadas de teoremas, cuja veracidade lógica podia ser

constatada por meio de seqüências de raciocínio dedutivo.

O Livro I de ”Os Elementos” se inicia com a lista das definições e, considerando

que “postular” significa “pedir para aceitar”, Euclides “pede” ao seu leitor para aceitar

como verdades as afirmações geométricas que formula como postulados. Segundo

Carvalho (1994), os cinco primeiros postulados são os seguintes: 1º - Pede-se, como coisa

possível que se tire, de um ponto qualquer para outro ponto qualquer, uma linha reta; 2º -

Que uma linha reta determinada continua em direção de si mesma, até onde seja

necessário; 3º - Que com qualquer centro e qualquer intervalo se descreve um círculo; 4º -

Todos os ângulos retos são iguais e o 5º - Se uma linha reta encontrando-se com outras

duas retas fizer ângulos internos, da mesma parte, menores que dois retos, estas duas retas,

produzidas ao infinito, concorrerão para a mesma parte dos ditos ângulos internos.

Por sua vez, as noções comuns ou axiomas tratam de “coisas” e “quantidades”. Por

exemplo, o primeiro “As coisas que são iguais a uma terceira são iguais entre si” e o

terceiro: “Duas quantidades que se ajustam perfeitamente uma com outra são também

iguais”.

A partir de 1796, uma nova versão do 5º Postulado, tornou-se muito conhecida

devido aos estudos de John Playfair, que mostrou a equivalência lógica dessa nova

afirmação com aquela apresentada nos “Os Elementos”. Essa versão do postulado, por ser

bem mais simples e de fácil compreensão do que a original, passou a ser considerada no

ensino e apresentada na maioria dos livros didáticos como 5° Postulado da Geometria

Euclidiana, ou seja: Por um ponto do plano, não pertencente a uma determinada reta, passa

uma e somente uma reta paralela à reta considerada.

No final do século XIX, o matemático David Hilbert formalizou o sistema teórico

criado por Euclides, considerando os elementos da Geometria como entes pertencentes a

conjuntos abstratos e não mais como representantes dos conteúdos do mundo a nossa volta.

Também passou a considerar tanto os postulados como os axiomas, segundo uma nova

nomenclatura, chamando-os indistintamente de axiomas. Essa nomenclatura é a que

aparece na maioria dos livros atuais e será utilizada, a seguir, na apresentação do conjunto

dos experimentos educacionais que tratam dos cinco axiomas.

Os Experimentos Educacionais: Recursos Manipulativos e Atividades

Inicialmente, cabe ressaltar que todos os dez experimentos educacionais aqui

apresentados, podem ser realizados individualmente pelo aluno (vidente ou com

deficiência visual), sem o auxílio de um professor, a partir de um caderno adaptado

(denominado Caderno de Atividades) e escrito tanto em fonte impressa em tipo grande (no

mínimo 18 pontos) como em Braille.

Os recursos manipulativos concretos são compostos por uma prancha de apoio –

criada em papelão e plástico emborrachado, elaborada segundo Kaleff (2008); folhas de

papel especial de gramatura 180g e utilizadas para a escrita Braille; duas réguas

sobrepostas confeccionadas em papelão tipo Paraná; peças arredondadas e tiras de madeira;

um pino arredondado, uma seringa e um disco plástico com diversas perfurações;

prendedores de papel e, ainda, fichas com formas geométricas traçadas em alto relevo.

A atividade do primeiro experimento se inicia com a apresentação dos conceitos

básicos da Geometria, como ponto, reta e plano. O aluno com deficiência visual é levado a

associar os pontos do sistema de escrita Braille com o conjunto de pontos do plano,

enquanto que um fio fino, e bem esticado, sugere uma representação da reta e a folha de

papel representa uma porção do plano. Na sequência, é pedido ao aluno que coloque uma

folha de papel sob as cantoneiras da prancha de apoio e marque um ponto qualquer com

um lápis. A folha é retirada da prancha e virada no verso, para que o aluno perceba o ponto

criado por ele. A seguir, é pedido que faça uma dobra no papel, passando por esse ponto, e

depois mais duas dobras diferentes entre si e da primeira, sobre esse mesmo ponto. O aluno

ainda é questionado, se pode criar outras dobras diferentes, além das que ele já fez. É dessa

forma, que ele é levado a observar que essas dobras representam retas e que por um único

ponto podem passar infinitas retas. No segundo experimento, por meio de uma ficha com

representações em alto relevo, apresentam-se os conceitos de retas concorrentes.

A atividade descrita a seguir, visa à introdução do 1º Axioma. O aluno deve colocar

uma nova folha de papel na prancha de apoio e marcar dois pontos quaisquer. Em seguida,

ele retira a folha e a dobra sobre os pontos marcados, de forma que a marcação da dobra

seja bem definida e passe pelos pontos marcados. Então, é pedido que ele desdobre a folha

e repita o procedimento. É assim que o aluno é levado a perceber que a dobra representa

parte de uma reta que se prolonga para fora do limite do papel e, ainda que, por esses dois

pontos distintos passa uma única reta. Essa afirmação corresponde ao 1º Axioma. A partir

dessa atividade, já no terceiro experimento, é apresentada ao estudante uma ficha com a

representação, em alto relevo, de uma reta com dois pontos e com ela será introduzido o

traçado e aos conceitos de segmento de reta, de semirreta e semiplano.

Sobre outra folha de papel na prancha de apoio, o aluno deve marcar alguns pontos

distintos e é questionado sobre a quantidade de pontos que ele pode criar na folha e no

plano. Com isso ele é levado a perceber que em um plano cabem infinitos pontos. Com um

fio de linha qualquer, é pedido ao aluno que faça alguns nós e que coloque o fio bem

esticado sobre a prancha. Ele é novamente questionado sobre a quantidade de nós que

poderá fazer neste fio. Assim, o estudante é levado a associar este fio a uma reta e os nós

Figura 1: Prancha de apoio e fichas com representação em alto relevo de retas concorrentes e de reta sobre dois pontos. Fonte: Acervo LEG.

aos pontos e, com isso ele pode perceber que terá quantos nós quiser, se prolongar o fio e,

portanto, que uma reta possui infinitos pontos. Essa afirmação corresponde ao 2º Axioma.

Para a introdução do conceito de ângulo, já no quarto experimento, é usado um

artefato chamado de réguas sobrepostas. Este permite movimentos e as réguas podem ser

abertas em qualquer posição sobre o plano de uma mesa. É pedido ao aluno que coloque

uma folha de papel na prancha de apoio e fixe a régua aberta em uma posição qualquer

sobre ela. Então, deve contornar as bordas interiores das duas réguas. Finalmente, o aluno

deve retirar o papel da prancha e, virando-o, poderá perceber o desenho em alto relevo que

fez e, além disso, comparar esse desenho com a representação que está em uma ficha

apresentada a ele. Com esse procedimento espera-se que o aluno compreenda o conceito de

ângulo.

No quinto experimento, com um disco de plástico rígido e uma ficha com a

representação em alto relevo de uma circunferência, o aluno é apresentado ao conceito de

círculo e de circunferência e seus elementos.

No sexto experimento, o aluno trabalha com um conjunto de artefatos que

permitem desenhar circunferências. Este é formado por duas peças arredondadas de

madeira de tamanhos diferentes e com um furo central; uma peça de material plástico e

duas tiras de madeira com dois furos, um em cada extremidade. É pedido ao aluno que fixe

Figura 2: Prancha de apoio, réguas sobrepostas e ficha com representação em alto relevo. Fonte: Acervo LEG.

Figura 3: Disco de plástico rígido e ficha com representação em alto relevo de circunferências com seus respectivos raios. Fonte: Acervo LEG.

uma das peças de madeira sobre uma folha de papel, que estará sobre a prancha de apoio

sem tampar o furo central. Ele é orientado a colocar a ponta do lápis nesse furo, marcando

um ponto. Ainda, mantendo a peça de madeira fixada sobre o papel, pede-se que encaixe a

peça de material plástico no furo central. Em seguida é pedido que encaixe um dos furos da

tira de madeira na peça de material plástico. Finalmente, com a ponta do lápis no furo

restante da tira de madeira, pede-se ao aluno que contorne a peça arredondada de madeira.

O aluno deve então retirar o papel da prancha e, virando-o, poderá perceber o desenho em

alto relevo que realizou, comparando-o com o da ficha mostrada anteriormente. A seguir, é

pedido ao aluno que faça o mesmo procedimento com o outro disco em uma nova folha.

Depois, ele deverá colocar as duas folhas, lado a lado, e imaginar que formam uma única

porção do plano. Assim, o aluno pode perceber, pelo tato, que as circunferências não

possuem o mesmo centro e nem o mesmo raio. Com isso pode estabelecer que: com um

ponto qualquer do plano e com um raio qualquer é sempre possível se desenhar uma

circunferência no plano. Essa afirmação corresponde ao 3º Axioma de Euclides.

O conjunto de artefatos do sétimo experimento permite desenhar as representações

de circunferências concêntricas. No procedimento, o aluno é levado a perceber que o disco

de plástico possui diversos furos pequenos e um furo central maior. É pedido ao aluno que

monte um novo objeto da seguinte maneira: primeiro deve colocar o furo central do disco

de plástico no pino (plástico) e em seguida a seringa. O aluno deve então fixar esse objeto

no papel sobre a prancha de apoio e, colocando a ponta do lápis no furo pequeno, ele deve

girar o disco em torno da seringa. Procedimento análogo o aluno deve realizar para cada

um dos demais furos. Após essas orientações o aluno deve retirar a folha de papel da

prancha e virá-la a fim de perceber o desenho em alto relevo que realizou e, além disso,

comparar com o da ficha apresentada a ele. Ao final, o aluno poderá perceber que estas

circunferências possuem um mesmo centro, mas seus raios são de diversos tamanhos. Com

esses procedimentos poderá compreender o conceito de circunferências concêntricas.

Figura 4: Peças arredondadas de madeira, prancha de apoio, disco de plástico rígido, seringa, pino de plástico e ficha com a representação em alto relevo de circunferências concêntricas.

Fonte: Acervo LEG.

No nono experimento, as atividades apresentam ao aluno os conceitos de retas

perpendiculares e feixe de retas paralelas. Deve manusear as tiras de papelão e os

prendedores de papel. Ele é orientado a colocar a tira menor sobre o lado menor da prancha,

fixando-a com os prendedores. É solicitado ao aluno que encoste uma régua qualquer nesta

tira menor e desenhe a representação de uma reta no papel, que está sobre a prancha de

apoio. A seguir, ele deve realizar o mesmo procedimento colocando a tira de papelão maior

ao longo do lado maior da prancha, traçando a representação de uma reta com a régua.

Após isso, deve retirar o papel da prancha e, virando-o, perceber o desenho em alto relevo

que ele realizou. Deverá também comparar o seu desenho tateando aquele que está em uma

ficha colocada à sua frente. O aluno é levado a perceber que as representações que ele

desenhou são de retas perpendiculares e que os ângulos formados por elas são ângulos

retos. Além disso, é introduzido o 4º Axioma, sobre dois ângulos retos serem iguais entre si.

Para a introdução do conceito de retas paralelas, é pedido ao aluno que prenda a

tira de papelão ao longo do lado menor da prancha de apoio, assim como foi feito no

procedimento anterior. Ele será orientado a encostar uma régua qualquer na tira de papelão

e fazer a representação de uma reta, depois ele deslizará a régua, ao longo da tira, sem

desencostá-la, para obter outras representações de retas. Em seguida, ele deve retirar o

papel da prancha e, virando-o, para novamente perceber o desenho em alto relevo que ele

realizou, e poderá compará-lo com a forma desenhada na ficha apresentada. Nesse

procedimento, o aluno é levado a perceber a representação de um feixe de retas paralelas

criadas em alto relevo. Além disso, ele será questionado sobre quantas retas paralelas

passariam por um mesmo ponto fora de uma determinada reta. O aluno pode perceber que

há somente uma única reta paralela àquela passando por esse ponto, e, assim poderá ser

introduzido à afirmação do 5º Axioma de Euclides, segundo a versão de Playfair. Para

Figura 5: Prancha de apoio, tiras de papelão rígido, prendedores de papel e ficha com a representação em alto relevo de retas perpendiculares e ficha com dois “bonecos”. Fonte: Acervo LEG.

finalizar, no décimo experimento e visando à introdução do conceito de direção, é

apresentada ao aluno uma ficha com a representação em alto relevo de dois bonecos.

Algumas Constatações Estes experimentos foram expostos em Mostras do Museu Interativo Itinerante do

LEG, nas quais alunos com deficiência visual puderam realizar as atividades. Também foi

aplicado a um aluno vidente e a seis outros com deficiência visual, na faixa etária entre 15

e 22 anos, do 1º e do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. A

testagem desses recursos, realizada por três licenciandos, se deu durante duas sessões de

duas horas cada. O comportamento dos participantes se mostrou sempre muito positivo e

alguns pontos merecem ser enfatizados,como se apresenta a seguir.

Desde a primeira vez em que os alunos viram a prancha de apoio a aprovaram, pelo

fato de haver em cada um de seus cantos uma cantoneira para prender o papel Braille. Eles

alegaram que algumas pranchas de desenho, com as quais já haviam tido contato, não

possuíam recursos para a fixação do papel. Sobre a adequação para a utilização desse

recurso, a aluna M. (cega, 16 anos) comentou: “A prancha, eu amei!”.

Os alunos compreenderam bem os conceitos iniciais até serem apresentados ao

terceiro experimento de introdução aos segmentos de retas e semirretas, a partir da ficha

com a representação de uma reta com dois pontos. Quanto a esta o aluno L. (com baixa

visão, 22 anos) observou sobre a inadequação do contraste de cores, pois como o barbante

e o papel possuíam quase a mesma tonalidade de cor, ele não conseguia enxergar o

desenho. Sugeriu que se modificasse o barbante para o de uma cor que contrastasse com a

do papel, para que alunos com baixa visão possam ver melhor o desenho.

Quando questionados sobre o procedimento de traçar circunferências utilizando os

materiais, a aluna E. (cega, 16 anos) afirmou que: “Gostei da ideia, achei bem criativa,

bem legal e pode ajudar bastante. [...] dá uma boa ideia de quando a gente pode

movimentar as coisas, assim fica mais fácil para nossa compreensão”. A aluna M. (cega,

16 anos) fez o seguinte comentário: “Gostei muito dos discos de madeira, apesar de não

poder fazer tantas circunferências quanto com o disco de plástico, mas também dá para

ter uma idéia. Uma reforça a outra. Com esses discos, a gente se enrola menos do que com

o compasso, porque a gente tem uma coisa fixa. Podemos largar um pouco o lápis e ficar

segurando só o pino de plástico ou largar o pino e segurar o lápis no lugar, diferente do

compasso”. Por sua vez, o aluno L. (baixa visão, 22 anos) comentou: “Adorei os discos de

madeira, é ‘maneiro’ fazer as circunferências”.

Os participantes afirmaram ter gostado da ideia de representar a retas

perpendiculares e as paralelas utilizando as tiras de papelão. Cabe enfatizar que a aluna D.

(cega, 15 anos) indicou ter finalmente compreendido durante os experimentos o que eram

retas perpendiculares, dizendo “Que legal! Isso é que são retas perpendiculares?” O

entusiasmo demonstrado, ao tocar no desenho em alto relevo, foi por nunca ter sido

mostrado a ela um tal modelo dessas retas, pois afirmou que seus professores apenas

descreviam oralmente tais retas e ela as imaginava. Aparentemente, era a primeira vez que

a aluna se deparava com a forma apresentada no desenho! Finalizando, cabe o oportuno

depoimento da aluna E. (cega, 16 anos): “Gostei de tudo, o material em si está bom, está

bem perceptível. Gostei da ideia da prancha, eu acho que os materiais poderiam ajudar a

gente nas nossas aulas de Matemática. Eu gosto muito das atividades que vocês fazem aqui,

acho que podem ajudar bastante e até mesmo para a prova do ENEM que a gente vai fazer”.

Referências BARBOSA, J. L. M. Geometria Euclidiana Plana. 7. ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática. 2004. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Matemática (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1998a. _______. Ministério da Educação. Secretária de Educação Especial. Parâmetros Curriculares Nacionais - Adaptações Curriculares. Brasília: MEC/SEF, 1998b. Disponível em: http://www.conteudoescola.com.br/pcn-esp.pdf. Acesso em: 15 mar. 2012. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros Curriculares Nacionais- Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF, 1999. _______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução n° 2/2011. Brasília, DF: CNE/CEB, 2001a. _______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer n° 17/2001. Brasília, DF: CNE/CEB, 2001b. CARVALHO, J. B. P. Os Elementos de Euclides. Cadernos da RPM - Revista do Professor de Matemática, nº 1, 1994. KALEFF, A. M. M. R. Tópicos de Ensino de Geometria: A Sala de Aula Frente ao Laboratório de Ensino e à História da Geometria. Rio de Janeiro: CEDERJ, 2008. KALEFF, A. M. M. R.; ROSA, F. M. C. Buscando a Educação Inclusiva em Geometria. Revista Benjamin Constant. nº 51. Abril de 2012. p. 22-33. Disponível em: http://www.ibc.gov.br/?catid=160&blogid=1&itemid=10223. Acesso em: 15 jun. 2013. VAN HIELE, P.M. Structure and insight: a theory of Mathematics Education. Orlando: Academic Press. 1986.