Exegese de Filipenses 2 1 a 11 Henrique

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EXEGESE DOUTRINÁRIA por Marcos Henrique de Araújo Parte integrante da Disciplina: Teologia Bíblica Tema: Cristologia Sub-tema: As Duas Naturezas de Cristo Seminário e Instituto Bíblico Betânia Altônia – Paraná

Transcript of Exegese de Filipenses 2 1 a 11 Henrique

EXEGESE DOUTRINÁRIA

por

Marcos Henrique de Araújo

Parte integrante da Disciplina:

Teologia Bíblica

Tema: Cristologia

Sub-tema: As Duas Naturezas de Cristo

Seminário e Instituto Bíblico Betânia

Altônia – Paraná

2000

PREFÁCIO

Por muito tempo venho sonhando fazer uma exegese

séria em Filipenses 2 de 1 a 11. Depois de horas diante de

livros volumosos, antigos e de difícil leitura, acabo de

tornar realidade meu sonho. A recompensa eu já obtive, em

parte, pelo prazer que a pesquisa e o meditar proporciona. No

transcorrer da pesquisa, redação e digitação divaguei,

devaneei pelo cansaço, mas quando lúcido, me deixei enebriar

pela graça que flui do texto sagrado, pelo exemplo de Jesus e

pelas sábias palavras de Paulo e dos renomados comentaristas

que consultei.

O texto escolhido é um texto importantíssimo para a

teologia, em especial para a cristologia, parte essencial da

teologia cristã, que, lamentavelmente, tem recebido pouca ou

quase nenhuma atenção. Esta exegese, feita dentro das

limitação que as circunstâncias impuseram, é dedicada aos

alunos do Seminário e Instituto Bíblico Betânia. Meu intuito,

além de exaltar a Cristo, foi de deixá-la como parte

2

integrante da matéria de teologia, a fim de incorporar e

reforçar o ensino que aqui se faz da pessoa e obra de Jesus

Cristo.

Agradeço a Jesus pelo exemplo, ao Espírito Santo

pela inspiração, a Paulo pelo discernimento espiritual, a

Iracy, minha esposa, pela encarnação do exemplo de Cristo e a

Raquel e Lucas, minhas “pequenas alegrias” no Senhor.

Soli Deo Gloria

Altônia – Paraná

Janeiro de 2000

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................

..............................................................

..04

1.ANÁLISE

TEXTUAL.......................................................

................................................05

1.1 Texto

3

Original......................................................

...........................................................05

1.2 Tradução da

Perícope......................................................

................................................06

2. CONTEXTO

HISTÓRICO ....................................................

..........................................08

2.1

Autoria.......................................................

..............................................................

.......08

2.2 Data e

Lugar.........................................................

..........................................................09

2.3

Destinatários.................................................

..............................................................

....10

2.4 Situação Política e Social de

Filipos.......................................................

4

..........................12

2.5 Situação Religiosa de

Filipos.......................................................

....................................13

2.6 – Propósitos da

Epístola......................................................

............................................14

2.7 Problemas Abordados na

Epístola......................................................

.............................15

2.8 – A

Crucificação..................................................

...........................................................16

2.9 – Nota

Textual.......................................................

.........................................................20

3. ANÁLISE

SEMÂNTICA.....................................................

.............................................22

4. SÍNTESE DO

SIGNIFICADO...................................................

5

.......................................78

5. RELEITURA

PASTORAL......................................................

.........................................79

6. RELEITURA

TEOLÓGICA.....................................................

........................................89

BIBLIOGRAFIA..................................................

..............................................................

100

INTRODUÇÃO

Ao decidir por elaborar uma exegese do texto de

Filipenses 2.1 a 11, tínhamos em mente uma elaboração bíblico

teológica, onde o tema em consideração deveria ser a natureza

humana de Jesus Cristo. Mas, como fruto do próprio labor da

pesquisa, o tema a natureza divina de Jesus Cristo surgiu

6

naturalmente. Da análise do texto surgiu também uma pequena

exposição teológica que o próprio texto que se fez necessária

a partir do propósito a que esta exegese se destina.

Foram três semanas intensas de pesquisa e muitas

descobertas. O texto fascina os leitores das Escrituras e

inspiram belos sermões. Sua análise se faz necessária pra

qualquer estudioso das Escrituras que deseje aprofundar-se no

conhecimento das nuances do ensino cristológico nas epístolas

paulinas.

Por ser uma exegese com pressupostos gramáticos-

históricos, num primeiro momento iremos fazer uma exposição do

contexto histórico no qual e epístola em consideração está

inserida. Num segundo momento iremos fazer uma síntese do

significado, onde um breve resumo será fornecido do conteúdo

geral do texto em apreço.

Num terceiro e último momento iremos elaborar uma

releitura pastoral e uma releitura teológica. A releitura

pastoral se preocupará em expor os ensinos práticos que se

depreendem do texto analisado. Na releitura teológica será

apresentado o tema as duas naturezas de Cristo, sua realidade

e relações.

7

Boa leitura.

8

1. ANÁLISE TEXTUAL

1.1 TEXTO ORIGINAL – FILIPENSES 2.1 A 11

1 Fonte: Novo Testamento Trilingüe - Soc. Rel. Ed. Vida Nova – Primeira Edição – 1998

1.2 TRADUÇÃO DA PERÍCOPE

TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA BÍBLIA – FILIPENSES 2.1 A 11

2.1 – Se há, pois, um apelo em Cristo, um encorajamento no

amor, uma comunhão no Espírito, um impulso de afeta e

compaixão,

2.2 – então cumulai a minha alegria vivendo em pleno acordo.

Tende um mesmo amor, um mesmo coração; procurai a unidade;

2.3 – nada façais por rivalidade, nada por vanglória, mas, com

humildade, considerai os outros superiores a vós.

2.4 – Que cada um não olhe só por si mesmo, mas também pelos

outros.

2.5 – Comportai-vos entre vós assim, como se faz em Cristo:

2.6 – ele, que é de condição divina, não considerou como presa

a agarrar o ser igual a Deus.

2.7 – Mas despojou-se, tomando a condição de servo, tornando-

se semelhante aos homens, e por seu aspecto, reconhecido como

homem;

10

2.8 – ele se rebaixou, tornando-se obediente até a morte, e

morte numa cruz.

2.9 – Foi por isso que Deus o exaltou soberanamente e lhe

conferiu o Nome que está acima de todo nome,

2.10 – a fim de que ao nome de Jesus todo joelho se dobre, nos

céus, na terra e debaixo da terra,

2.11 – e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a

glória de Deus Pai.

NOVO TESTAMENTO TRILÍNGÜE – VERSÃO ALMEIDA REVISTA E

ATUALIZADA

2.1 – Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma

consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há

entranhados afetos de misericórdias,

2.2 – completai a minha alegria. De modo que penseis a mesma

coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o

mesmo sentimento.

2.3 – Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por

humildade, considerando cada um os outros superiores a si

11

mesmo.

2.4 – Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu,

senão também cada qual o que é dos outros.

2.5 – Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em

Cristo Jesus,

2.6 – pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como

usurpação o ser igual a Deus;

2.7 – antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de

servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em

figura humana,

2.8 – a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a

morte e morte de cruz.

2.9 – Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o

nome que está acima de todo nome,

2.10 – para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos

céus, na terra e debaixo da terra,

2.11 – e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para

glória de Deus Pai.

12

2. CONTEXTO HISTÓRICO

2.1 Autoria

Esta epístola aos Filipenses é aceita como de

autoria paulina por quase todos os eruditos, embora alguns

julguem que ela represente mais de uma epístola. Policarpo, em

sua Carta aos Filipenses 3:2 – afirma que Paulo enviou epístolas à

comunidade cristã de Filipos, daí a concepção de que a

presente composição literária seja o ajuntamento de algumas

destas epístolas que foram enviadas. Alguns identificam o

capítulo três como uma carta à parte. Apesar da dúvida

permanecer quanto à integralidade da epístola, ela mesma

reivindica a autoria paulina – 1:1. O conteúdo geral, o estilo

e o vocabulário dela aponta para a autoria paulina.2

Hendricksen, Barclay, Bruce, Barth, Muller, Lenski,

Martin e Penissi concordam com as afirmações de Champlin e

deixam claro a opinião da grande maioria dos comentaristas

2 Champlin R. N – O Novo Testamento Interpretado, 1995, Vol 5 -.p. 1

13

bíblicos a favor da autoria paulina.

2.2 Data e Lugar

A datação desta epístola, bem como as de Efésios e

Colossenses, depende do lugar onde Paulo as redigiu. É certo,

a deduzir pelas referências às cadeias – 1:13 e 14, que Paulo

se encontrava aprisionado. Três foram as cidades, segundo

relato de Atos dos Apóstolos, onde Paulo ficou aprisionado –

Cesaréia, Éfeso e Roma. A cidade de Roma tem sido apresentada

como o lugar aceito tradicionalmente como lugar origem das

chamadas cartas de prisão. Alusões à casa de César – 4:22 e ao

pretório – 1:13, dão a entender que Roma tenha sido o lugar de

origem desta epístola.

Cesaréia tem sido apresentada como outra possível

14

origem. Em 1731, na cidade de Leipzig, surgiu um escrito de um

erudito chamado Oeder, que defendia a tese da origem da carta

em Cesaréia. Alguns problemas surgem naturalmente desta tese.

Em primeiro lugar, a natureza suave da prisão imposta a Paulo

em Cesaréia – Atos 25:21 e 26:32, contrasta com os perigos de

morte a que Paulo faz alusão nestas epístolas da prisão. Além

disto, Paulo fala de uma grande comunidade cristã em 1.12 e

13, o que contrasta com a insignificante comunidade cristã

existente nesta cidade.

Uma outra possibilidade é a cidade de Éfeso. Alguns

comentaristas, entendendo literalmente o texto de I Cor.

15.32, acham que Paulo ficou preso, sob grave risco de vida,

na cidade de Éfeso, evento que Lucas não narrou em seus Atos

dos Apóstolos. Algo que pesa a favor da tese de Éfeso é a

menção às constantes idas e vindas de Epafrodito de Filipos ao

lugar onde Paulo se encontrava aprisionado. Caso fosse a

prisão em Roma estas idas e vindas seriam, na opinião de

alguns, senão impossíveis em menos de dois anos, raras, dada a

distância entre Filipos e Roma. Éfeso é muito mais próximo de

Filipos do que Roma. O possível e iminente martírio é visto em

conexão com I Cor. 15:32. Quanto `a data, se de Cesaréia,

15

entre 56 a 58 AD, se de Éfeso, mais cedo ainda, cerca de 53 ou

54 AD, mas, se de Roma, como pensam a maioria dos

comentaristas, de 58 a 62 AD.3

2.3 Destinatários

Paulo escreve esta carta a “todos os santos em Cristo

Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos...” – 1:1. Esta

comunidade cristã foi fundada pelo próprio apóstolo Paulo

quando de sua primeira estada naquela cidade macedônica. Foi

durante a sua Segunda viagem missionária que Paulo, depois de

uma visão em Trôade, onde um varão macedônico lhe apareceu em

uma visão, “navegou de Trôade /.../ a Neápolis e dali a Filipos, cidade da

Macedônia, primeira do distrito e colônia.”- Atos 16:6 a 12.

Como não havia sinagoga em Filipos, Paulo e Silas,

seu companheiro nesta viagem, se dirigiram a um grupo de

mulheres judias que se reuniam nas margens do rio Gangites –

Atos 16:13. Lídia, uma vendedora de púrpura da cidade de

3 Idem, p. 2-3

16

Tiatira, teve o seu coração aberto por Deus para atender às

coisas que Paulo dizia. Sua casa foi a primeira e se agregar

ao cristianismo, em terras européias por influência do

ministério apostólico de Paulo – Atos 16:14 e 15..

Uma certa jovem adivinha, seguindo a Paulo e Silas

dizia serem estes “servos do Deus Altíssimo” e que anunciavam “o

caminho da salvação”- Atos 16:16 e 17. Paulo, recusando a

propaganda gratuita e suspeita, repreendeu o demônio e este

retirou-se da jovem. Aqueles que lucravam com as adivinhações

que a jovem fazia acusaram a Paulo e Silas de causarem

tumultos e propagarem costumes e crenças inaceitáveis a

cidadão romanos – Atos 16:19 a 21. Depois de açoitados, Paulo

e Silas foram presos “com toda segurança” – Atos 16:22 e 23.

Por volta da meia noite, Paulo e Silas oravam e

cantavam louvores a Deus, quando sobreveio um terremoto que

sacudiu os alicerces da prisão abrindo as portas e soltando as

cadeias de todos os presos. O carcereiro se desesperou e quis

por fim à sua vida por temer a execução sumária, imposta pelo

império aos carcereiros relapsos e incompetentes. Paulo o

impediu de fazer tal loucura e evangelizou a ele e sua casa.

Depois de batizá-los, Paulo exigiu que os pretores viessem

17

pessoalmente libertá-los, uma vez que havia açoitado e

aprisionado um cidadão romanos sem o devido julgamento – Atos

16:26 a 39. Saídos do cárcere, Paulo e Silas voltaram à casa

de Lídia para rever os irmãos e partiram para a cidade de

Tessalônica – Atos 16.40 e 17:1.

Esta pequena comunidade foi visitada outras vezes

pelo apóstolo – Atos 20:1 a 6 e II Cor. 2.:13. Paulo, além de

não se esquecer dos irmão de Filipos, ele não se esqueceu

também dos ultrajes que sofrera naquela cidade – I Tes. 2:1 e

2.

Quando Paulo escreve a epístola que foi canonizada

pela Igreja, uma comunidade cristã bem organizada e

estruturada se encontrava naquela cidade macedônica. A

referência a bispos e diáconos, a primeira referência a alguma

hierarquia na Igreja Primitiva, dá-nos a entender que já havia

algum avanço em termos de estruturação administrativa daquela

jovem igreja. A ausência de citação do Antigo Testamento, no

corpo da epístola, e de nomes de judeus, indica que a igreja

de Filipos era, em sua maior parte constituída por gentios.4

4 Bíblia de Estudo de Genebra – 1999 - p. 1411 – Nota Introdutória à Carta de Paulo aos Filipenses

18

2.4 Situação Política e Social de Filipos

A situação política e social era das melhores que

uma colônia romana pudesse desejar para seu naturais. A cidade

de Filipos tem sua história contada a partir do quarto século

antes de Cristo. No ano 360 aC, Filipe II, pai de Alexandre

Magno, a tomou dos tracianos, a fortificou, explorou e deu a

ela seu próprio nome – COLÔNIA IULIA (AUGUSTA) PHILIPPENSIS.

Em 176 aC, o romano Aemilius Paulus transferiu a colônia para

o império romano.

Sua distância da cidade portuária de Neápolis

(cerca de 14 quilômetros pela Via Egnatia) a prejudicou e

Anfípolis ficou sendo a sede administrativa da província de

Macedônia. Em 42 aC Filipos foi cenário das batalhas entre as

facções republicanas de Brutus e Cassius e os exércitos

romanos de Otávio e Marco Antônio. Após a derrota de Marco

Antonio e Cleópata, em 31 aC, na batalhe de Actium, alguns

soldados de Otávio se estabeleceram nesta colônia macedônica.

Otávio Augusto concedeu a Filipos o privilégio e

status de jus italicum, o privilégio pelo qual “a posição legal,

19

integral, dos colonizadores, com respeito a propriedade, transferência de terra,

pagamento de impostos, administração local e leis, considerava-os como se estivem

em solo italiano, onde mediante uma ficção legal, de fato estavam”. 5

A presença de magistrados (oficiais de justiça) e

pretores (praetores duunviri) em Filipos atesta o status

privilegiado que a cidade gozavam perante o império romano.

Por ser uma colônia romana, os cidadãos naturais dali gozavam

dos privilégios que acompanhavam a cidadania romana, os

direitos de “libertas, immunitas e jus Italicum” – governo próprio,

isenção de impostos imperiais e direitos iguais aos dos

cidadãos italianos.

As cidades romanas se dividiam em duas classes

distintas: 1) as municipia ou cidades livres, e; 2) as colônias.

As cidades livres eram aquelas que eram incluídas no estado e

as colônias eram rebentos vindos de dentro do estado. Não

havia diferença alguma entre elas no que tange aos direitos e

privilégios. As colônias eram, inicialmente, postos avançados

dos exércitos imperiais e meios de subsistência dos pobres de

Roma. Posteriormente, muitas delas, inclusive Filipos, se

tornaram o lar dos veteranos de guerra do vasto exército

5Martin, R. P. – Filipenses – Introdução e Comentário – 1985- p. 15 a 17

20

romano.6

2.5 Situação Religiosa de Filipos

Quando de sua primeira visita a Filipos, o apóstolo

Paulo foi preso sob duas acusações: 1) distúrbio da ordem

social, e; 2) Introdução de uma religião ilícita – Atos 16:20

e 21. A religião praticada em Filipos era aquela que tinha a

sanção pública do Estado. O clima religioso de Filipos era o

de sincretismo. O panteão grego de deuses, mais o romano,

uniam-se em um culto de adoração importado do ocidente próximo

e esta fusão foi imposta do pano de fundo da religião indígena

traciana da região.

Artemis, (deusa da caça) sob o nome de Bendis,

Marte, (deus da agricultura e da guerra) sob o nome de

Mindrito, Silvano, (deus dos campos e florestas), Iris,

Serápis, Apolo, Asclépio, Men e Cibele tinham a devoção dos

filipenses. O deus Sabázeo, era identificado com Iavé dos

6 Champlin, R. N. – O Novo Testamento Interpretado – 1995 - Vol. 3 – p. 334

21

judeus e Zeus dos gregos, sendo o “Deus Altíssimo” proclamado pela

adivinha que gritava atrás de Paulo e Silas, dizendo serem

estes seus servos.

O culto ao imperador era também uma prática comum

no contexto religioso sincretista de Filipos. O título de religio

licita concedido por Roma à religião de Filipos, atesta o caráter

pagão da religiosidade filipense.7

2.6 – Propósitos da Epístola

Paulo, pelo que o texto de Filipenses 2:19 a 30

indica, estava prestes a enviar a Filipos Timóteo e Epafrodito

e esta epístola foi primeiramente redigida para encorajar a

comunidade cristã filipense a receber esses mensageiros, uma

vez que, ao que tudo indica, em especial o último, não gozava

da aceitação de toda a comunidade, talvez em especial da parte

daqueles a quem Paulo denomina “maus obreiros´ em 3:2.

O irmãos de Filipos haviam enviado, por diversas

7 Martin, op. cit. - p. 18 a 20

22

vezes, ajuda financeira ao apóstolo Paulo e ele aproveita o

ensejo para agradecer-lhes pelos donativos recebidos – 1:5,

4:10 a 14. Em meio à perseguição enfrentada pelos irmãos de

Filipos, Paulo busca animá-los com o seu exemplo, com palavras

de incentivo e exortações à alegria e firmeza cristã – 1:27 a

30, 2:15 a 18 e 4:1 e 4.8

Além destas objetivos, recomendação de Epafrodito e

Timóteo, agradecimento e palavras de ânimo aos perseguidos,

Paulo lida com alguns problemas que haviam surgido no seio

daquela comunidade cristã. Estes serão abordados no próximo

sub-ponto deste contexto histórico.

2.7 - Problemas Abordados na Epístola

Três problemas podem ser claramente identificados:

1) Questões pessoais não resolvidas – 4:2; 2) Surgimento de

grupos que almejavam a primazia e pregavam uma pseudo-

perfeição já obtida – 3:12 a 16, e; 3) Surgimento de um grupo

judaizante (talvez farisaico) que pregava o retorno à lei

8 Champlin, R. N. op. cit. Vol. 5 - p. 3

23

mosaica como meio para se obter salvação – 3:2 a 11.

Quanto às questões pessoais não resolvidas alguns

comentaristas julgam que além da conhecida animosidade nutrida

por Evódia e Síntique, duas líderes de congregação em seus

respectivos lares– 4:2, ainda havia alguns que, movidos por

desejo vanglória, se julgavam donos do rebanho e colocavam em

risco a unidade cristã. A perícope escolhida para esta exegese

tenha este problema como seu objeto de consideração.

Quanto ao surgimento de grupos que almejavam a

primazia e pregavam uma pseudo-perfeição já obtida – 3:12 a 16

– alguns comentaristas advogam a tese de que havia alguns

partidos dentro da comunidade que se julgavam aptos para

dirigir o destino da comunidade e procurava influenciá-la no

sentido de se julgarem perfeitos, sem necessidade de

progresso. Contra esses Paulo exorta a comunidade a “desenvolver

a salvação com tremor e temor” – 2:12 e “esquecer-se das coisas que para trás

ficam, avançando, prosseguir para o alvo da soberana vocação de Deus em Cristo”

– 3:13 a 16.

Quanto ao último grupo, o daqueles que queriam

fazer a comunidade voltar aos rudimentos da lei, Paulo é

severo em sua linguagem chamando-os de “cães”, “maus obreiros”,

24

“falsa circuncisão” e “inimigos da cruz de Cristo” – 3:2 e 18. Contra

esses Paulo adverte os irmãos a permanecerem firmes na

mensagem do evangelho da graça de Cristo.9

Tanto as questões pessoais, como o surgimento

destes dois grupos, atentam contra a unidade cristão , e,

segundo Paulo devem ser extirpados do corpo de Cristo para que

este seja sadio e possa se desenvolver com liberdade e

maturidade. Mas, para que isto se torne uma realidade, é

necessário, segundo Paulo que os filipenses tenham “o mesmo

sentimento que houve também em Cristo Jesus”- 2:5.

2.8 – A Crucificação

Cícero, grande orador e escritor romano dizia: “o

próprio nome (da cruz) deveria ser excluído não só do corpo, mas também dos

pensamentos, dos olhos, dos ouvidos dos cidadãos romanos”. Este seu dizer

ressalta o caráter hediondo desta modalidade de execução que

existia nos tempos de Jesus e Paulo.

9 Idem – p. 3

25

A crucificação era um método muito antigo de

execução, tão antigo quanto bárbaro. Geralmente a crucificação

se dava fora dos limites de uma cidade, em geral a vítima era

constrangida a carregar, parte de sua cruz, até ao lugar onde

seria levantado. As mãos, (provavelmente o pulso ou o

metacarpo) eram cravadas, primeiro a mão direita e depois a

esquerda. Nalgumas execuções os pés eram também perfurados por

longos e grossos cravos. Nalgumas cruzes não haviam encosto

para apoiar os pés, noutras havia um encosto próprio para que

a vítima pudesse sobre ele se apoiar.

A morte era lenta, podendo chegar até a nove dias.

As dores experimentadas pelo crucificado eram intensas, as

artérias da cabeça e do estômago ficavam grossas de sangue. Às

vezes havia febre traumática e tétano. Nalgumas ocasiões, para

acabar com o sofrimento do crucificado, um soldado quebrava

suas pernas para que a morte viesse mais rápido. As pernas

eram literalmente esmagadas, quando não eram queimadas por uma

fogueira acesa pelos soldados no pé da cruz. A tortura da cruz

era a forma mais horrenda, desumana e sem misericórdia que

jamais foi inventada pelo homem

26

Praticada primeira pelos persas, e posteriormente

pelo romanos, a execução pela cruz não era reconhecida pelos

judeus como objeto de execução. Apedrejamento era tudo o que

os líderes judaicos tinham como meio de re-orientação da

sociedade e execução sumária dos malfeitores. Os judeus,

depois de enforcarem, dependuravam o corpo da vítima numa

árvore indicando que este era amaldiçoado por Deus – Deut.

21:22 e 23.10

É provável que a tinha uma viga atravessada

para completar a forma de cruz que conhecemos. O homem

condenado podia ser afixado à cruz que ficava deitada no chão

no local da execução ou amarrado à viga transversal e erguido

juntamente com a viga horizontal. Talvez a cruz fosse um pouco

mais alta do que altura de um homem de estatura mediana. O uso

de pregos não era muito comum. O corpo da vítima, muitas vezes

era dado a parentes ou conhecidos, mas havia casos em que era

deixado apodrecer no patíbulo servindo de comida dos

predadores e corvos.

Na judéia dos tempos de Jesus, a sentença de

crucificação e da execução dependia inteiramente das10 Champlin, R. N. – Novo Testamento Interpretado – 1995 – Vol. 1 – p. 632 E 633 Termo grego para cruz.11

27

autoridades romanas. Os libertos eram isentos desta pena de

modo geral. Ela era aplicada apenas aos escravos e em casos de

crimes sérios aos libertos também. As ofensas contra o Estado

eram os casos mais comuns. A pena visava a manutenção da ordem

e a crueldade da execução cumpria bem este propósito. A morte

vinha devagar, depois de horas de agonias extraordinárias,

provavelmente por exaustão ou sufocação. Esta forma cruel de

execução era uma arma punitiva muito importante nas mãos dos

dominadores romanos. Tanto Josefo como Cícero a julgavam-na

repugnante e indigna da humanidade.12

Josh McDowell, em seu livro As Evidências da Ressurreição

de Cristo dedica algumas páginas para discorrer sobre a execução

sumária por crucificação. Segundo ele,

A partir de várias referências encontradas nos trabalhos de Heródoto

e Tucídides pode se asseverar que, se não foram os persas que

inventaram a crucificação, pelo menos eles a praticavam em larga

escala. Uma das melhores fontes sobre a prática da crucificação é a

inscrição de Behisto na qual Dario conta que crucificou vários líderes

rebeldes que ele havia conquistado.

12 Brown, Colin – Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – Vol. 1 - p. 557 a 559

28

Foi Alexandre Magno quem a introduziu no ocidente.

Há indícios de que os romanos aprenderam a crucificar suas

vítimas com os cartagineses. Will Durant escreveu que “até

mesmo os romanos se compadeciam de suas vítimas.”

A crucificação, dada à sua natureza repulsiva e

degradante, não era praticada contra os cidadãos romanos,

sendo reservada aos escravos, a fim de desencorajar revoltas,

ou para aqueles que se rebelassem contra o governo romano.

Após o tribunal sentenciar à morte por crucificação, a vítima

era despida de suas roupas e amarrada a um poste para ser

chicoteada. O chicote, conhecido como flagrum tinha um cabo

flexível ao qual eram atadas longas tiras de couro. Na ponta

destas tiras eram colocados pedaços de ossos agudos e dentados

e chumbo. O judeus, por força da lei mosaica, limitavam os

açoites ao número de 40. Os fariseus defendiam a cifra de 39,

mas os romanos desconheciam limites em termos de números de

chicotadas.

Os efeitos do flagrum eram inomináveis. Alguns

especialistas dizem que ele no início cortava apenas a pele,

depois, atingindo os tecidos subcutâneos, produziam um

gotejamento contínuo de sangue, sendo administrado em grande

29

número de vezes, além de provocar rompimento de veias

arteriais, com abundantes jorros de sangue, ainda produziam

contusões grandes e profundas. Por fim, as costas da vítima se

tornavam “uma massa irreconhecível de tecido ferido e sangrento”.

Eusébio, em sua Epístola à Igreja de Esmirna confirma o

relato médico afirmando que “as veias do condenado ficam expostas o que

também acontece com os próprios músculos, tendões e vísceras da vítima”. O uso

da coroa de espinhos não era uma prática comum, mas servia

para ampliar os sofrimentos do agonizante. As zombarias da

parte dos soldados era uma prática constante e humilhante.

Um pedaço de madeira, que pesava cerca de 49

quilos, era amarrado aos ombros da vítima que desfilava com

ele em direção ao lugar de sua execução. Este pedaço de

madeira é chamado de patibulum. Por muito tempo o uso dos pregos

na crucificação foi contestado, até que em 1969, o Dr. Haas,

do Departamento de Anatomia da Universidade Hebraica e da

Faculdade de Medicina de Hadassah, o confirmou, através do

exame feito num esqueleto de um homem, encontrado nos

arredores de Jerusalém, com um prego de cerca de 20

centímetros cravado no osso de seu calcanhar.

Neste caso, do achado arqueológico das cavernas de

30

Giv’at há-Mivtar, há claras evidências de que as pernas da

vítima foram intencionalmente quebradas com um golpe de

misericórdia, o que no caso de Jesus foi desnecessário.

Fixado à cruz, o condenado agonizava por horas,

dores nos braços, cãibras nos músculos, paralização dos

músculos peitorais e intercostais, extrema dificuldade para

respirar e dores profundas para se manter em posição que

possibilite a respiração, desmaio por falta de uma adequada

circulação sangüínea e sufocação rápida seguida de

insuficiência coronária podiam levar a vítima à morte em

questão de horas ou mesmo se prolongar por alguns dias.13

2.9 – Nota Textual:

Lohmeyer, na primeira edição de seu comentário

sobre Filipenses e em sua monografia Kurios Jesus – Eine Untersuchung

zu Phil 2:5 – 11 apresentou a tese, amplamente aceita entre os

comentarista atuais, de que os versos 6 a 11 formam uma

13 McDowell, Josh, - Evidências da Ressurreição de Cristo – 1994 – p. 62 a 72

31

composição independente, que Paulo incorporou em sua

argumentação. O julgamento predominante é que este texto foi

composto por outra pessoa e não por Paulo.

Contra a tese de Lohmeyer surgiram renomados

comentaristas como M. Diblius, W. Michaelis, F. Scott, L.

Cerfaux e J. M. Furness. F. W. Beare, tentando mediar os

extremos, vê aqui, “não um louvor pré-paulino, mas um louvor composto em

círculos paulinos, sob influência de Paulo, mas introduzindo certos temas na

proclamação da vitória de Cristo que são elementos elaborados independentemente

de Paulo”.

Hofius em Der Christushymnus Philliper 2,6-11 argumenta,

com bastante base, que a composição segue o padrão dos salmos

do Antigo Testamento, que reiteram os atos salvíficos de Iavé,

mediante confissão e agradecimentos.14

Independente de ser um texto paulino ou pré-

paulino, o que realmente vai importar é que Paulo fez uso ou

redigiu ele em plena consonância com o ensino dos apóstolos,

inspirado pelo Espírito Santo, demonstrando profundo

discernimento do mistério envolvido na encarnação do Logos e

14 Bruce Frederic Fyrie – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – Filipenses Ed. Vida – p. 85

32

as implicações decorrentes desta encarnação. O texto, se de

Paulo ou de outro, reflete a límpida teologia paulina que

exalta a Cristo e magnifica o nome do Pai.

33

3. ANÁLISE SEMÂNTICA

VERSO 1:

“Se há, pois, alguma

exortação...”

A conjunção subordinativa ocorre quatro vezes

neste primeiro verso. Ela enfatiza a certeza do que será

referido.15 Clarke diz que se trata de uma afirmação forte que

não expressa dúvida alguma. 16 A partícula que é um adjetivo

indefinido, acompanha a conjunção e dá a ela a confirmação de

seu caráter fatual. Paulo, longe de lançar dúvidas sobre a

experiência cristã dos filipenses, ele enfatiza a realidade da

mesma e se vale desta realidade para introduzir sua exortação

à unidade cristã.

15 LOH I. Jin and NIDA, Eugene A. A Translators Handbook on Paul’s Letter to the Philippians – p.47 –1977 tradução minha Clark in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From the Condensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark – p. 1167 – 1983 – Tradução minha16 LXX é a abreviatura para a versão grega do Antigo Testamento Hebraico, a versão dos Setenta.

34

O substantivo nominativo feminino ocorre

29 vezes no NT. Sua raiz é o verbo que literalmente

significa “falar com alguém ao lado” ou ainda, “falar com alguém de

modo positivo e benevolente”. O cognato “confortar”,

“consolar” e “encorajar” difere dele por possuir implicações

sentimentais. No grego clássico o termo foi usado como

sinônimo de palavras de ânimo, discurso persuasivo,

encorajamento e alívio. Na LXX17 ocorre com o sentido

sentimental em Isaías 57.17 e 18, Salmo 3.18 e 119.50. No NT é

uma expressão de amor, um dos fundamentos da vida da Igreja e

parte importantíssima da atividade apostólica – Fil. 2.1, I

Cor. 14.3 e 4.18

“em Cristo...”

O texto sugere que há uma obrigação colocada sobre

os filipenses, oriunda diretamente de sua vida comum “em

Cristo”, para trabalhar juntos, em harmonia.19 Pennisi alega que,

para o apóstolo, a base da exortação à unidade é o seu fato17

18 Brown, Colin– op. cit. vol. 1 – p. 469 e 47019 Martin – op. cit.p. 99

35

“em Cristo”. É desta realidade que Paulo infere a exortação à

humildade a ao desprendimento. A exortação apostólica se

inicia no capítulo primeiro a partir do verso 27, onde os

filipenses são concitados a viver acima de tudo “de modo digno do

evangelho de Cristo .. lutando juntos pela fé evangélica...” 1.27. Paulo,

antevendo o perigoso caminho da desunidade propõe que se

preste a devida atenção ao fato da união “em Cristo”, união do

crente com Cristo e também do crente com o outro crente “em

Cristo”- Ef. 4.1 a 6 e I Cor. 12.13.20

“...alguma consolação de

amor...”

O substantivo nominativo neutro difere de

no sentido de não ser uma consolação verbal. É um

estímulo ou incentivo, um encorajamento – I Tes. 5.14.21

Sófocles a usava como sinônimo de encorajamento. O termo

20 Pennisi João – O Livro de Filipenses – p. 41 e 42 – Primeira Edição – 1978 Mueller, Jac J. – The Epistles of Paul to the Philippians and to Philemon– First Published – p. 73– 1983 –Tradução minha21

Hendriksen, William – New Testament Commentary –Fifth Printing – p. 98– 1985 – Tradução minha

36

aponta para a idéia de consolação a alguém que sofre. A

ocorrência de ao lado de é comum nas

poucas ocorrências do termo – I Cor. 14.3 e 4 e I Tes. 5.14. A

preposição pode indicar “o contrário”, isto é, aquilo que

desvia a mente da preocupação. Esta ajuda ou conforto procede,

segundo se infere do texto, do amor de Cristo, que provê este

incentivo para a unidade.22 O substantivo genitivo feminino

infere procedência, ou seja, consolação que provém do

amor, que advém do amor, no caso, do amor de Cristo.

“...alguma comunhão do

Espírito...”

O substantivo nominativo feminino deriva de

- “comum”, “comunal”. O verbo - “tornar comum”, e o

verbo - “partilhar”, “ter parte em”, formam o corolário que

dá sentido ao termo que aponta para o sentido de

“associação”, “participação” e “comunhão”. Na filosofia grega o

termo expressava a estreita união e laços fraternais entre os

22

37

homens. Indicava ainda o ideal a ser buscado, a expressão

normal para a maneira de se constituir a vida social.

Na LXX este termo ocorre exclusivamente nos

escritos poéticos traduzindo o hebraico habar – lit. “unir”,

“juntar”. Já no NT se encontra ausente nos evangelhos sinóticos

e João, por ser um termo tipicamente paulino. Lucas o emprega

em Atos para expressar o estilo de vida da igreja primitiva –

Atos 2.42 e 4. 32. Paulo sempre o emprega no sentido religioso

– I Cor. 1.9, II Cor. 13.13, Fil. 1.5, Gál. 2.9, I Cor. 10.16,

II Cor. 1.7. Pedro o usa para aludir à nossa co-participação

na glória de Cristo “que há de ser revelada” – I Pedro 5.1. João o

usa no sentido de demonstrar o conteúdo da relação existente

entre o crente e Cristo e dos crentes entre si – I João 1.3 e

6 e 7 – “permanecer nele” é a forma encontrada por João para

expressar o sentido da verdadeira I João 2.6 e 3.6.23

Comentando este verso, Martin opina que deve ser “a

participação comum no Espírito, pelo qual fomos batizados em um corpo (I Cor.

12.13)...” o fator determinante para “a morte de toda desavença e espírito

de partidarismo”24. Getz lembra que “os cristãos não estão apenas unidos a

23 Brown , Colin - op. cit. – vol. I – p. 457 a 45924 Martin – op. cit. - p. 100 Getz Gene A – A Estatura de um Cristão – Estudos em Filipenses– Ed. Vida – Primeira edição – p. 90– 1984

38

Cristo, mas também uns aos outros”25 e Barclay ressalta que “o cristão

vive na presença, no convívio, na ajuda e na orientação do

Espírito”26. A ação unificadora do Espírito Santo é uma de suas

principais atividades desenvolvida no contexto da Igreja. Unir

os santos é uma tarefa que somente o Espírito Santo é capaz de

criar. Lembremos sempre que a unidade deve ser preservada “no

vínculo da paz”. Esta unidade pode e deve ser preservada, mas

nunca pode ser criada, ela é, acima de tudo “unidade do Espírito” –

Ef. 4.3 – criada por Ele, procedente dEle. O uso do caso

dativo para o substantivo infere procedência, ou seja,

comunhão que procede do Espírito.

“...se há entranhados afetos e

misericórdias...”

No grego clássico, o substantivo feminino

significava “as partes internas” as “entranhas” – coração, pulmão,

fígado, baço e rins. O sentido figurado veio a surgir em

decorrência da associação havida entre os órgãos internos e as25 Barclay, William – The Lethers to Philipians, Colosians, and Thessalonians –The WestminsterPress – Second Edition – p. 123– 1959

26

39

emoções fortes. Na LXX traduz o hebraico rahamim – Prov. 26.22 e

beten – “parte interna”. No NT, geralmente alude à contração

convulsiva – Mc 1.41, 6.34, 8.2 e 9.22, Mat. 14.14, 15.32,

9.36, 20.34, 17.15. Para Paulo é o homem total capaz de amar –

II Cor. 6.12 e Fil. 1.8.27

O substantivo nominativo deriva de -

lit. “lamentação”, “dó”, “pena”, “simpatia”. Desde Homero, o termo

passou a ter o sentido de “ter compaixão”, “compadecer-se”. Na LXX

ocorre cerca de 80 vezes trazendo consigo o sentido de “ter

compaixão”, “ser gracioso”. No NT o adjetivo é apresentado

como uma faceto do Ser divino – Luc. 6.20, 36 e 49, Rom. 9.15,

12.1 e 11, II Cor. 1.3, Col. 3.12, Heb. 10.28 e 29 e Tg. 5.11.

Nesta perícope é usado com o significado de toda a ação divina

em nosso favor, que confirma o que foi dito pelo salmista:

“...as Suas ternas misericórdias permeiam todos os seus atos.” – Sal. 145.9

27 Brown, Colin – op. cit. Vol. III – p. 182 e 183

40

VERSO 2:

“...completai a minha

alegria...”

Derivado de - lit. “cheio”, “plenitude”; emprega-

se também com o sentido de “cumprir”, “satisfazer”, “atender”,

“realizar”, “chegar ao fim”. Na LXX traduz termos importantes como

male, saba, tamam e salem – II Reis 4.4, Gen. 21.19, 42.25, Sal.

96.11 e 98.17. No NT seu uso nos escritos joaninos são feitos,

geralmente, em conexão como substantivo - alegria – João

3.29, 15.11, 16.22, 17.13, I João 1.4, II João 12 – o mesmo

acontece aqui no texto paulino. O imperativo aoristo infere

uma ordem enfática.

O substantivo acusativo feminino denota o

estado de alegria bem como o objeto dela. Deve-se notar a

conexão etimológica com o substantivo - “graça” – que nem

sempre foi claramente distinguida de , quanto ao

significado. Na LXX traduz simhah e sason. O ensino

41

veterotestamentário aponta para Deus como o doador da

verdadeira alegria – I Reis 8.66, Jer. 15.16 e Sal. 16.5.

No NT, o evangelho de Lucas se apresenta como o

evangelho da alegria, uma simples vista panorâmica das

ocorrências do termo nos leva a concluir que isto é verdadeiro

– Luc. 1.14, 44, 47, 68 e 69, 2.5, 2.11, 10.17 e 20, 13.17,

15.7, 10 e 23, 24.11, 41 e 52. Paulo tem para si o mérito de

ressaltar o caráter paradoxal da alegria cristã. Esta

epístola, escrita da prisão, traz consigo este traço marcante

da teologia paulina – Fil. 1.5, 18, 2.1, 2, 17 e 18, 4.4 e 6.

Em Filipenses a alegria é portanto um “mesmo assim”.28

“...de modo que penseis a mesma

coisa...”

O substantivo de onde deriva o verbo

é traduzido no grego clássico por “pensar”, “julgar”,

“prestar atenção a”, “fixar a mente em”, “ter opinião”. O substantivo

aponta para um “modo de pensar”, “mentalidade”, “disposição

mental”, às vezes, “bom senso”. A raiz ocorre no grego

28 Colin Brown – op. cit. Vol. I – p. 133 a 138

42

clássico e se acha mais nos seus significados comuns embora

freqüentemente tenha o significado mais pleno de

discernimento, entendimento judicioso. Na LXX traduz hakam e

bin com seus derivados – Gen. 3.1, Jó 5.13, Prov. 24.5, Dan.

5.12, Is. 40.28, Jer. 10.12, Prov. 3.19. Percebe-se na LXX uma

tendência no sentido de preencher o significado destas

palavras em harmonia com a doutrina veterotestamentária da

sabedoria.

Das 29 ocorrências do termo no NT, 23 delas se

acham nos escritos paulinos. Nestas ocorrências, o contexto

define o sentido do termo. Em Rom. 12.3 e Fil. 2.3 denota uma

mentalidade humilde, um pensar em humildade, em Rom. 8.6 e 7 o

contexto aponta para a tensão entre fixar a mente “na carne” ou

“no espírito”.29

O tempo presente implica numa ação habitual e

contínua, isto é, Paulo exorta os cristãos filipenses a

manterem a unidade de pensamento como um estilo de vida. Este

“pensar a mesma coisa” não deve ser tido como uma formalidade

externa, ritual ou especulativa, deve, sim, caracterizar o

modo contínuo de mentalidade que os crentes filipenses devem

29 Colin Brown – op. cit. – Vol. III – p. 152 a 157

43

manter em todo o tempo a fim de evitar que haja crentes, que

como Evódia e Síntique, não “pensem concordemente no Senhor”- 4.2.

O uso do modo subjuntivo expressa o desejo do apóstolo.

“...tenhais o mesmo

amor...”

44

Comentando esta parte do verso 2, Barth afirma que

Paulo fala da conduta digna do evangelho em termos de unidade

– a mesma exortação em Cristo, o mesmo alento por amor, a

mesma participação no Espírito e a mesma sincera compaixão – é

disto tudo que eles devem zelar para que a alegria do apóstolo

seja completa.30

Getz confirma o parecer de Barth ao afirmar que

Paulo exorta os filipenses a amar como Cristo ama, não

condicionalmente, não apenas quando os outros amam. O amor

condicional é fácil, difícil é amar quando somos rejeitados ou

criticados. A marca suprema da maturidade cristã é o amor. 31

Penissi completa a idéia afirmando ser o amor “o remédio para as

doenças espirituais que destroem a unidade: o egoísmo, o orgulho, os ciúmes,

etc.”32

Bruce é da opinião que o apóstolo Paulo exorta, na

verdade, para que tenham unanimidade de coração, aquela

unanimidade sincera de propósitos, pela qual ninguém deseja

impor um veto sobre as pessoas.33 Wiersbe julga ser necessário

esclarecer que “a unidade espiritual vem de dentro; é uma questão de

30 Barth, Gerhard – A Carta aos Filipenses - Ed. Sinodal – Primeira Edição – p. 42 – 1983 Getz – op. cit. - p. 9431 Penissi - op. cit. – p. 42 e 4332 Bruce – op. cit. - p. 7133 Wiersbe, Warren W. – Seja Alegre - Primeira Edição– p. 64 - 1979

45

coração.”34 Shedd conclui que este amor ao qual se refere o

apóstolo, “deve ser o mesmo amor que Deus tem”.35

“...sejais unidos de alma...”

O adjetivo grego é raro nas Escrituras

sendo aqui a única ocorrência do mesmo. Denota harmonia, união

de espírito, implicando em falar as mesmas coisas, pensar nas

mesmas coisas e ter um alvo comum.36 O termo está estreitamente

ligado a 1) - “soar junto”, “estar em acordo”, “em

harmonia”, “concordar com alguma coisa”; 2) e -

“harmonia”; 3) - “acordo”, “pacto” e 4) -

“computar”, “contar com” trazendo consigo a idéia de unanimidade.

O apóstolo, segundo opinião de Shedd, “exorta a igreja

de Filipos a ser ligada em unidade de alma (gr. Sumpsuchoi, “almas juntas”). Ele

insiste em que aqueles cristãos pensem como um só, para que sejam unidos no

34 Shedd, Russel P. – Alegrai-vos no Senhor – Uma Exposição de Filipenses – Soc. Rel. Ed. Vida Nova – Primeira Edição – Reimpressão – p. 49 – 199335

36 Rieneker, Fritz e Rogers, Cleon – Chave Lingüística do Novo Testamento Grego – Soc. Rel. Ed. Vida Nova p. 407 - 1988

46

pensamento, no coração e no espírito”.37 Getz conclui seu comentário do

verso 2 afirmando que “o pensar as mesmas coisas e atitudes e ações de

amor podem produzir um único resultado: a unidade do corpo de Cristo”.38

VERSO 3:

“Nada façais por partidarismo...”

37 Shedd – op. cit. - – p. 49 e 5038 Getz - op. cit. – p. 94

47

O substantivo acusativo feminino significa

“egoísmo”, “ambição egoísta”. A palavra é relacionada a um

substantivo que significava originalmente, “o dia de um

trabalhador” e era usada especialmente para o corte e amarração

do trigo ou acerca dos que faziam o trabalho. Mais tarde, veio

a denotar uma perseguição de trabalho ou cargo político por

meios desonestos. Então veio a significar “disputadores de posições”

referindo-se às brigas a fim de conseguir espaço e poder. Por

fim, veio a significar “ambição egoísta”, “ambição que não tem

nenhuma noção de serviço e cujos únicos objetivos são o lucro e o poder”.39

O termo não é muito comum, ocorrendo apenas sete

vezes no NT – Rom. 2:8, II Cor. 12:20, Gál. 5:20, Fil. 1:16,

2:3 e Tg 3:14 e 16. Este sentimento faccioso, porfias,

discórdias e partidarismos, segundo Barclay, descreve “o sentido

errado para a pregação e o espírito errado de encarar a vida”.40

“...ou vanglória...”

Este substantivo acusativo feminino 39 Rienecker, Fritz e Rogers, Cleon – op. cit. p. 407 Barclay– op. cit. p. 67 a 6940

48

ocorre apenas aqui neste texto e em nenhum outro lugar do NT.

O adjetivo ocorre em Gál. 5.26 e significa “desejoso de

louvor”, “orgulhoso”, “jactancioso”, refere-se ao homem que adquire

uma reputação sem fundamento. O substantivo feminino

aponta para o sentido de “orgulho”, “desejo de louvor”, “vaidade”,

“ilusão”, expressa “o desejo vão pela honra”, “a fútil sede pela glória”.

O mesmo sentido é conhecido no uso secular do

termo. Para os gregos, a fama e a glória estava entre os

valores mais importantes da vida. Os rabinos também tinham em

alta estima a honra do homem. Foi Jesus quem censurou a

piedade que busca nos homens a sua honra – Mat. 6:2 – e

declarou que tal atitude é incompatível com a fé – João 5.44.

Paulo, seguindo o exemplo de Jesus, não buscava a glória que

vem dos homens – I Tes. 2:6, aceitava a desonra – II Cor. 6:8

e 4:10, vivia para tributar honra a Cristo – II Cor. 8:19 e

aguardava a honra e louvor que vem de Cristo – Rom. 2:7, 10 e

5:241

“...mas por humildade...”

41 Brown, Colin, - op. cit. - vol 2 – p. 311 e vol 4 – p. 688

49

O adjetivo denota alguém que é “modesto”,

“humilde”, deriva do verbo - lit. “abaixar”, “humilhar”. O

acréscimo aponta para um estado de mente, uma

mentalidade, algo que depende de como a pessoa se encara

diante de si mesma e dos outros. Assim, fala de

“modéstia de mente”, “de mente humilde”.

O uso clássico do termo se contrasta com o uso

bíblico. No grego secular se empregava o termo para denotar

“alguém que é pobre”, “sem poder”, alguém que “está em baixo”,

“socialmente baixo”, “sem importância”, alguém “desanimado”,

“abatido”.. Para Plutarco e Epicteto o termo sempre teve uma

conotação pejorativa – “pensar pobremente”, “ser pusilânime”, “estar

fraco”, “ter uma mente servil”. O sentido depreciativo é a tônica do

uso secular do termo. A razão disto se vê no antropocentrismo

característico dos clássicos gregos. Na LXX, com sua visão

teocêntrica, a perspectiva muda completamente, o humilde é

alguém que é virtuoso e se curva diante da majestade de Jeová

– Prov. 16:19, 29:23, Ez. 21:26 e Miq. 6:8.

O exemplo de Cristo – Mateus 11:29 – e o

ensinamento de Cristo – Mat. 18:1 a 5 e 23:12 – servem de base

50

para a argumentação paulina em Fil. 2:1 a 11. É a humildade de

Cristo o fundamento sobre o qual surge a disposição de servir.

Paulo, seguindo o ensinamento de Cristo, recomenda a humildade

– Rom. 12:3 e 16, Ef. 4:2, Col. 3:12 e oferece o seu próprio

exemplo – fil. 4:12 e 13, Atos 20:19. Pedro também a recomenda

– I Pedro 5:5 e 6.42

“...considerando cada um os outros superiores a si mesmo.”

O verbo implica num julgamento consciente,

baseado numa cuidadosa pesagem dos fatos.43 Já o verbo

expressa o sentido de “exceder”, “ultrapassar”, “ser

superior”. Deriva de que geralmente tem uma conotação

negativa de orgulho e jactância. Aqui, todavia, pelo que o

contexto indica fala de uma perspectiva que devemos ter em

relação ao outro e não de uma atitude arrogante deste outrem

em relação a nós. Ocorre 5 vezes no NT: Rom. 13:1, Fil 2:3,

3:8, 4:7 e I Pe. 2:13.44

42 Idem – vol. 1 – p. 386 a 39143 Vincent in Rienecker, Fritz e Rogers, Cleon - op. cit. p. 40744 Brown, Colin, op. cit. vol. 3 - p.351

51

Deve-se ainda notar a presença do pronome recíproco

que ressalta o dever de cada um pensar o mesmo a

respeito do outro, num ambiente de total reciprocidade, sem

espaço para o partidarismo ou vanglória.

VERSO 4:

“Não tenha cada um

em vista o que é propriamente seu...”

Paulo faz aqui uma antítese com o conceito de

partidarismo cuja principal preocupação é com o lucro e fama a

ser obtida. Ter em vista o que do outro e não meramente o que

é seu expressa o espírito altruísta que Paulo resgatará com o

exemplo de Cristo. O contrário desta prática se vê na igreja

de Corinto – I Cor. 6:7.45

O verbo significa “observar”, “passar em

revista”, “fiscalizar”, “vigiar”, “escrutinar” e também “inspecionar” e

45 Loh e Nida – op. cit. p. 52 e 53

52

“examinar”. Ele indica a atividade de olhar ou prestar a atenção

a uma pessoa ou coisa. Ocorre apenas 6 vezes no NT: Lucas

11:35, Rom. 16:17, II Cor. 4:18, Gál. 6:1, Fil. 2:4 e 3:17.46

“...senão também cada qual

o que é dos outros.”

Atentar para o que é dos outros não deve ser visto

como sinônimo de negligência daquilo que a nós foi confiado.

Paulo exorta os filipenses a considerar atentamente os

interesses (necessidades, alvos e projetos) dos outros, sem

advogar qualquer atitude de intromissão indevida no alheio ou

descaso para com a mordomia pessoal. A presença de

enfatiza que cada um deve fazer isso.47

Bruce fala em termos de ter interesse em proteger

os interesses alheios e esclarece que este assunto é melhor

explorado em Romanos 15:1 a 3. É o exemplo de Cristo o

argumento supremo de Paulo na exortação que faz aos

46 Brown, Colin, op. cit. vol. 1. - p. 30047 Loh e Nida, op cit. p. 53

53

filipenses, principalmente no que diz respeito ao interesse

altruísta pelo bem-estar do próximo.48

Comentando esta primeira seção da perícope em

apreço, John Gill afirma que este capítulo todo contém

diversas exortações à unidade, ao amor, à concórdia, à

humildade e simplicidade de mente. Segundo ele, “as afeições

mútuas se fundamentam na consolação que há em Cristo, no conforto que provém

do amor, na comunhão que procede do Espírito e nos entranhados afetos e

misericórdia”. E conclui asseverando que a maneira adequada de se

manter a unidade é não fazer as coisas visando seu próprio

interesse e na busca de vanglórias, mas fazendo as coisas com

humildade, nutrindo uma elevada imagem do outro e buscando os

interesses do mesmo.49

Mattew Henry vê que a perícope em apreço está

intimamente ligada à exortação contida na perícope anterior –

1:27 a 30. Segundo ele, o “andar digno do evangelho” é expresso

pelo apóstolo em termos de unidade, humildade e altruísmo.50

48 Bruce - op. cit. - p. 72 e 7349 Gill, John in ONLINE BIBLE – Versão 2.0 – São Paulo – SP - Sociedade Bíblica do Brasil - 1999

50Henry, Mattew in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From theCondensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark – Mineapolis –Minesota – Bethany House Publishers - p. 1168 – 1983 Lenski, R. C. H. – The Interpretation of St Paul’s Epistles to the Galatians, to the Ephesians and to Philippians – The Wartburg Press – p. 768 - 1946 – Tradução minha

54

Fazendo uma avaliação da exortação paulina, contida

nestes primeiros quatro versos, Lenski, afirma que Paulo

infere a necessidade dos cristãos nutrirem um espírito que

favoreça a unidade. Para isto, alguns atos deverão ser

eliminados – egoísmo, orgulho e competitividade - e algumas

virtudes devem ser acrescentadas – altruísmo, humildade e

desprendimento.51

O expositor T. Croskery esclarece que a natureza e

condições da unidade de mente que o apóstolo almeja,

pressupõe: 1) Uma certa concordância em materia doutrinal;

2)Concordância de métodos e alvos e, 3) Um esforço concorde ao

longo da linha do amor comum. Para ele, os fundamentos desta

unidade de mente são: 1) A consolação de Cristo; 2)O conforto

do amor; 3)A comunhão do Espírito e, 4) O entranhados afetos e

misericórdia. Esta unidade de mente, segundo ele, é:

1)contrária às facções vanglória; 2)estima a humildade de

mente e, 3) estima a atitude abnegada frente ao interesse no

bem-estar dos outros.52

Concluindo sua análise da primeira seção desta51 Croskery, T. in THE PULPIT COMMENTARY –WM.B. Eerdmans Publishing Co. – Vol 20 – p. 71– 1977 –Tradução minha54 Wiersbe, Warren – op. cit. p. 6352

55

perícope, Wiersbe enfatiza a diferença que há entre unidade e

uniformidade. Segundo ele, a unidade é espiritual e vem de

dentro, já a uniformidade é resultado de pressões externas.

Prosseguindo, ele diz: “o segredo da alegria, a despeito das circunstâncias

é uma mente integral, /.../ e o segredo da alegria a despeito das pessoas, é uma

mente submissa”.53

VERSO 5:

“Tende

em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus...”

O verbo ocorre 26 vezes no NT, sendo 23

destas ocorrências nos escritos paulinos. Nestes casos há

referência, não tanto ao processo de pensar, propriamente

dito, mas, sim, ao conteúdo daquilo que é pensado. Da

pressuposição de que o homem sempre tem algum alvo em mente, o

esforço e o empenho fazem parte da sua natureza, e esta é a

idéia por trás do verbo O substantivo feminino

expressa, não meramente a atividade do intelecto, como também

53

56

uma moção da vontade; é não somente interesse como decisão

simultaneamente. Daí o significado pode estender-se à idéia de

“tomar partido” com uma pessoa ou coisa – Mat. 16.23.

A tradução, e por conseguinte a interpretação de

Filipenses 2:5, é bastante disputada. À primeira vista a

versão Almeida Revista e Corrigida parece convencer: “Haja em

vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Neste caso,

auto-humilhação de Cristo seria um modelo para uma atitude

semelhante da parte dos membros da igreja. A pergunta porém é,

se a expressão idiomática não deve ser

considerada uma fórmula, como só acontece nos escritos

paulinos, para o relacionamento entre o crente e Cristo, se

assim for, o texto deve ser vertido: “Tende os mesmos pensamentos

entre vós que tendes na vossa comunhão com Cristo”. Desta forma a chamada

à unidade cristã baseia-se no fato da igreja possuir nova

vida, que flui da auto-humilhação de Cristo e se processa sob

Seu senhorio e em consonância com ele.

A Revised Standard Version traduz “Tenham esta mente entre

vocês, qual vocês têm em Cristo”. Esta tradução interpretada tem seu

apoio em Filipenses 4:2. Daí a hesitação dos tradutores em ver

aqui, tanto: “Tenham entre vocês a disposição que vocês experimentaram em

57

Cristo Jesus”; como: “Adotem entre vocês, um perante o outro a mesma atitude

que vocês adotaram perante Cristo”.54 É a ausência de um verbo no

original para a segunda parte do verso que tem provocado

desencontros entre os comentaristas e tradutores.

Wiersbe opina que “a mente de Cristo significa a atitude que

Cristo mostrou”.55 Muller, por sua vez, ressalta o fato de Cristo

ser o perfeito exemplo de como deve comportar-se em humildade,

auto-renúncia e altruísmo.56

Champlin prefere verter o texto por : “Tende a

mentalidade”, ou “Tende a disposição mental” e observa que tal

mentalidade deve ser altruísta, “de interesse pelos outros, ao ponto

mesmo de sofrermos das barbaridades do homens, a fim de podermos servir a

outros.”57

A falta de uma mentalidade adequada é que nos faz

orgulhosos e egoístas. É a disposição mental que governa o

nosso modo de tratar as pessoas e de pensar sobre elas. Por

esta razão, as Escrituras ordena que adquiramos o ponto de

vista de Jesus.58

Adam Clarke enfatiza que esta mentalidade de Cristo54 Loh e Nida – op. cit. – p. 54 e 5555 Wiersbe – op. cit. p. 6356 Muller – op. cit. p. 7657 Champlin – op. cit – vol 5 – p.2758 Shedd, op. cit. p. 56

58

consiste na busca, não de sua própria glória, mas a de Deus,

em benefício da raça humana, o que, segundo ele, é a síntese

do exemplo de Cristo.59 Gerhard Barth opina que o imperativo

não apenas dá início a uma nova seção, como também dá

continuidade à exortação precedente à unanimidade e à

humildade desprendida. Segundo ele, a fórmula paulina

aponta não somente para “a mentalidade que Jesus

tinha”, mas, também, “a mentalidade que vigora em Cristo Jesus”, a qual

“está fundamentada pelo evento salvífico e é cabível no âmbito de Cristo”. Em

suma: “aquilo que Jesus fez abriu-nos a possibilidade de nos largarmos a nós

mesmos e estar aí para os outros”.60

William Hendriksen alerta: “embora não possamos copiar

o ato redentivo de Cristo e nem sofrer sua morte vicária, podemos e devemos copiar

o espírito que foi básico para esses atos”.61 B. C, Caffin, discordando da

tradução “entre vós”, opta por “em vós” por julgar necessário

ressaltar o caráter pessoal da exortação paulina – “em vós

mesmos”, “em vosso coração”, o que para ele significa “amar o que

59 Adam Clarke in. THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From theCondensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clarke– Bethany HousePublishers p. 1168 Barth Gerhard – op. cit. p. 43 e 44 Hendriksen, William - op. cit. p. 103 Cafin in THE PULPIT COMMENTARY –WM.B. Eerdmans Publishing Co. – Vol 20 – p. 59 – 1977 – Tradução minha60

61

59

Ele ama, detestar o que Ele detesta, os pensamento, desejos e motivos do cristão

devem ser os pensamentos, desejos e motivos que enchiam o sagrado coração de

Jesus”.62

Se “entre vós”- em vossa comunidade cristã, ou “entre

vós, tal como entre vós e Cristo”, ou ainda “em vós mesmos” o fato a ser

destacado aqui é o caráter imperativo desta expressão. Paulo

evoca a responsabilidade do cristão ter uma mentalidade que

seja coerente com Cristo e com a fé professada. Coerente com

Cristo no sentido de não ser contrária à Sua mentalidade

humilde, altruísta e despretenciosa, e, com a fé professada,

porque faz parte da exortação anterior de “andar de modo digno do

evangelho de Cristo” – 1.:27

VERSO 6:

“...pois ele, subsistindo em

forma de Deus...”

62

60

O verbo (26 vezes no NT) vertido como

“subsistir”, segundo opinião de Rienecker e Rogers, “expressa a

continuação de um estado ou condição anterior”.63 Cerfaux, citado por

Brown, entende que Paulo ensina, através do uso deste termo

que “fora da Sua natureza humana, Cristo não tem outro modo de existência senão

a divindade”. Citando Culmann, Colin Brown observa que acerca de

Cristo, o verso diz não somente que Ele era cercado da Glória

de Deus, como também que tinha a forma de Deus. Assim, o termo

refere-se ao Seu modo divino de existência, seu estado pré-

encarnado, aquilo que caracterizava sua existência antes da

encarnação64.

O uso deste verbo no modo particípio, no

tempo presente e voz ativa, expressa a continuação de um

estado precedente e denota que ambas existências, a pré-

encarnacional e a pós-encarnacional é marcada pela contínua

existência em forma de Deus, A divindade é inseparável de Sua

personalidade.65 O modo verbal e o tempo usado em contraste com

os aoristos que seguem nos versos 7-9, aponta para o fato de

63 Rienecker e Rogers – op. cit. p. 40764 Brown, Colin – op. cit. Vol. 2 – p. 278 e 27965 Muller, op. cit. p. 78

61

que Cristo foi e é eternamente “em forma de Deus”.66

O substantivo dativo feminino alude à

“aparência exterior da realidade interior”. Aqui, especificamente, se

refere à aparência externa da substância divina, isto é, a

divindade do Cristo pré-existente na exibição de Sua glória de

ser a imagem do Pai. Ocorre três vezes no NT.67

De Homero em diante tem o significado de

“forma”, no sentido de aparência externa. Aristóteles

distinguia entre e Segundo ele, a matéria - tem

em si mesma grande número de possibilidades de se tornar em

forma, e, assim, de se manifestar como uma forma. Na LXX o

termo ocorre com rara freqüência. Traduz as palavras temunah –

Jó 4:16 tabnit – Is. 44:13 e selem – Dan. 3:19.

Aqui em Filipenses 2:6 e 7 as expressões

e não significa que a natureza essencial de Cristo

foi diferente de Sua forma, como uma casca externa, ou um

papel desempenhado por um ator. Mas, que a natureza essencial

de Cristo é definida como sendo divina, isto é, encarada como

algo que existe ‘em’ a substância e o próprio poder divinos.68

Ralph Martin, citando Käsemann esclarece: “Paulo não66 Hendriksen, op. cit. p. 10567 Rienecker e Rogers – op. cit. - p. 40768 Brown, Colin – op. cit. – Vol. 2 – p. 278 e 279

62

diz que o pré-encarnado Cristo era a ‘forma de Deus’, mas, que Ele estava em forma

de Deus”.69 Penissi afirma que “em forma de Deus quer dizer que Cristo

subsistia na forma essencial e intrínseca de Deus e não apenas na forma exterior.

Cristo era e ainda é, igual a Deus, o Pai, não no sentido de ser idêntico, ou a mesma

pessoa, mas de ter a mesma natureza e a mesma glória.”

Bruce argumenta que a posse da forma implica

necessariamente na participação na essência. 70 Lenski fala em

termo de igualdade de existência em poder, autoridade e

majestade.71 Barclay faz distinção entre e sendo a

forma aquela parte que, em qualquer circunstância permanece a

mesma. Assim, Paulo começa dizendo que Cristo era, essencial e

inalteravelmente Deus. A é essência imutável, enquanto

é a forma externa que muda de tempo em tempo e de

circunstância em circunstância.72

Segundo Muller, o que está claro é o fato de

significar “a expressão do ser que é identificado com a natureza essencial e o

caráter de Deus, em que o revela”. Assim, segundo ele,

denota igualdade e é sinônimo de - “ser igual a

Deus” Champlin crê que a frase - se refere à69 Martin, Ralph op. cit. - p. 10770 Bruce - op. cit. - p. 7771 Lenski, op. cit. p. 77772 Barclay, op. cit. p. 3573 Muller, op. cit. p. 78 e 79

63

natureza essencial de Cristo que participava desde a

eternidade passada da divindade. envolve a

participação na - ou seja, na substância.74

A do verso 6 faz contraste com o

do verso 7. Paulo mostra que Jesus usou sua

igualdade com Deus como uma oportunidade, não para a auto-

exaltação, mas para seu auto-esvaziamento.75

“...não julgou como usurpação...”

Esta frase é única no NT. A expressão pode ser

entendida no sentido ativo “roubando”, ou no sentido passivo

“prêmio adquirido pelo roubo”. De qualquer forma parece aludir ao

fato de Cristo não fazer uso de Sua igualdade com Deus para

obter riquezas, poder, domínio, prazer e glória.76

O substantivo acusativo deriva do verbo

- lit. “agarrar”, “apanhar”. O substantivo é

visto como “roubo”, ou “aquilo que foi roubado”, “presa”, “despojo”.74 Champlin, 1995, vol 5 – p. 27 e 28.75 Jamieson, Fausset e Brown in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From the Condensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark –Bethany House Publishers – p. 1168.76 Rienecker e Rogers – op. cit. p. 407

64

Na LXX traduz gazal – Lev. 6:4, 19:13, Is. 10:2 e Amós 3:5.

No NT, o substantivo ocorre 14 vezes com o

sentido ativo de “furtar”, “levar embora”, “arrastar para longe”,

“conduzir à força” – Mat. 12:29, João 6:15, 10:12, 28 e 29, Atos

23:10 e Judas 23. Este termo tem sido entendido como

significando a coisa agarrada, ou levada como despojo, presa,

além do ato de agarrar, o que implica em afirmar que Cristo

não considerava a igualdade com Deus como algo a que ele

devesse se apegar tenazmente. Jesus Cristo, ao invés de ver a

igualdade com Deus como algo a ser mantida, ele não se apegou

a isto, mas fez disto um trampolim a partir do qual pudesse

socorrer o homem, identificando-se com ele em sua

condescendência. Ele bem poderia fazer uso disto para

demonstrar seu poder e domínio universal, mas, indo no sentido

contrário da intenção dos partidaristas de Filipos, ele se

humilha e se dispõe a servir, quando já era Senhor de todos.77

Martin vê o sentido de como “aquilo a que

Cristo recusou usurpar, arrebatar”.78 Bruce demonstra aceitar a tradução

da GNB (......) que diz: “ele não pensou que à força deveria

tentar permanecer igual a Deus”.79 77 Brown, Colin, - op. cit. - vol 1 - p. 239 a 24278 Martin, op. cit. p. 11379 Bruce, op. cit. p. 78

65

Shedd comenta: “Jesus Cristo não considerou sua igualdade com

Deus como alguma coisa da qual não poderia abrir mão. De boa vontade, desistiu

de sua semelhança com Deus, aparente, externa, e assumiu a forma de um

escravo”.80 Esta sua observação condiz com o sentido do verbo

que quer dizer: “valorizar muito”, “julgar valioso”, “julgar

vantajoso”.

O texto em apreço sugere, segundo Barth, que Cristo

“não se apegou sequiosamente a alguma coisa, como a um achado muito

especial”. 81 O contexto imediato nos assegura que aquilo a que

Cristo não se apegou sequiosamente era o “ser igual a Deus”. Este

status – igualdade com Deus – não deve ser visto como algo a

que Cristo almejasse obter, uma vez que já fora dito que ele

“subsistia em forma de Deus”- v.6

Muller esclarece que não deve ser

entendido em termos de actio rapiendi do latim – “ato de raptar”,

“roubar”, “apossar-se”, nem de res rapienda – “a coisa a ser roubada”,

mas, res rapta “o roubo em si”, “coisa roubada”.82 Assim, se diz que

Jesus Cristo não considerava o ser igual a Deus como um

resultado de uma usurpação, um roubo, algo que ele tivesse

obtido e a que devesse se apegar tenazmente. Jesus não via sua80 Shedd, op. cit. p. 5781 Barth, op. cit. - p. 4682 Muller, op. cit. p. 79

66

igualdade com Deus como fruto de penoso trabalho que ele

valorizasse tanto ao ponto de impedir que ele agisse com

absoluta condescendência em santo desprendimento.

“...o ser igual a Deus...”

Um judeu que lesse estas palavras escritas por

Paulo iria julgá-lo blasfemo e jamais admitiria que alguém

fosse colocado em tal patamar de igualdade absoluta com Jeová.

A igualdade com Deus era um pensamento intolerável ao

religioso judeu, e soa como franca rebelião contra o governo

divino.83

83 Brown, Colin, op. cit. vol 1 – p. 242

67

Há uma clara antítese entre - “ser

igual a Deus” e “a si mesmo se esvaziou” e ela é

demonstrada pelo uso da conjunção adversativa - “mas”,

“porém”, “antes”.84 Ser igual a Deus foi o que Jesus não julgou

como usurpação e o que segue deve ser entendido à luz deste

seu desapego.

VERSO 7:

“...antes a si mesmo se

esvaziou...”

O verbo “esvaziar-se”, “tornar vazio” ocorre 5

vezes no NT – Rom. 4:14, I Cor. 1:17, 9:15, II Cor. 9:3 e Fil.

2:7. O substantivo masculino “vazio” ocorre 18 vezes –

Mar. 12:3, Lucas 1:53, 20:10 e 11, Atos 4:25, I Cor. 15:10, 14

84 Jamieson, Fausset e Brown in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT –From the Condensed Editions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark –Mineapolis – Minesota – Bethany House Publishers - p. 1168 – 1983

68

e 58, II Cor. 6:1, Gál. 2:2, Ef. 5:6, Fil. 2:16, Col. 2:8, I

Tes. 2:1, 3:5 e Tg. 2:20.

O verbete se refere a coisas, mas também pode

ser metaforicamente aplicado a pessoas. Literalmente o termo

quer dizer “vazio” e metaforicamente “sem conteúdo”, “sem base”,

“sem verdade”, “sem poder”, “sem resultado”, “sem proveito”. O verbo

faz alusão ao ato de esvaziar-se, e, assim, “destruir”, “tornar

inútil”.

Nos escritos de Homero o termo é usado como

antônimo para - “cheio”. Nos escritos platônicos ele é

muito usado no seu sentido metafórico significando ou falta de

conteúdo, ou um efeito que falta. Pode também significar “oco”,

“sem profundidade”, “sem juízo”, ou com o sentido ético de

“ineficaz”, “vão”. Heródoto usou o verbo no sentido de “despojar”

ou “levar a nada”.

A LXX não possui nenhum termo equivalente para

Ele traduz 19 temos hebraicos. Foi empregado em Jer.

14:3, Êx. 3:21 – vasos vazios; Deut. 15:13 – mãos vazias;

Juízes 9;4 e 11:3 – homens sem valor. Foi usado ainda em Is.

30:7, Jer. 18:15, Is. 29:8, 65:23, Jó 27:12, 21:34, 7:3, 6 e

69

7:16. No NT o verbete é raro nos sinóticos e ocorre quase

exclusivamente nos escritos paulinos. O verbo ocorre

apenas nos escritos paulinos. Paulo se vale do termo para

falar: da falta de frutos, ineficácia da obra da graça – II

Cor. 6:1; a nulidade da pregação do evangelho, caso Cristo não

houvesse ressuscitado – I Cor. 15.14; perigo de nulidade da

obra missionária – I Tes. 3:5; a nulidade das palavras pagãs –

Ef. 5:6. Quando usando o verbo, Paulo fala de modo negativo e

passivo: anulação da fé – Rom. 4:14; anulação da cruz de

Cristo – I Cor. 1:17; desmentir a jactância do apóstolo – II

Cor. 9:3.

O significado preciso de tem sido

assunto de muitos debates. A maioria considera o trecho de

Fil. 2:6 a 11 um hino pré-paulino 85,daí o surgimento de

variadas interpretação como a de Käsemann e Oepke que vê o

trecho como um hino “contra o pano de fundo de um redentor divino”. Para

eles,

Jesus trocou livremente seu modo divino de ser – v.6 – pela existência

terrestre comum e humana /.../ o Cristo celestial não explorou de

modo egoístico, Sua força e modo de ser /.../ pelo contrário,

85 vide 2.9 - Nota Textual

70

mediante sua própria decisão, Se esvaziou dela, deixando-a de lado,

assumindo a forma de um servo ao tornar-se homem...

Esta posição radical de Käsemann e Oepke reflete a

interpretação literalista sem uma devida consideração com o

pano de fundo geral das Escrituras. Se Paulo quisesse dizer

que Jesus Cristo abriu mão de sua existência divina, seu modo

divino de ser, por uma existência ou modo humano de ser, o

ensino neo testamentário estaria laborando em duas frentes,

uma que afirma a eterna deidade de Cristo, como o texto de

João 1:1 a 18 reflete, e outra que ensina que ao tornar-se

homem Jesus Cristo, o Verbo, desistiu de ser Deus. A grande

maioria dos textos, tanto paulinos, como joaninos e petrinos,

com conteúdo cristológico apontam para a primeira hipótese,

deixando assim, a tese de Käsemann e Oepke desprovida de

embasamento sério nas Escrituras.

Lohmeyer e J. Jeremias consideram a passagem dentro

do pano de fundo da igreja primitiva palestiniana e de sua

visão concernente a Isaías 53:12 – “... porquanto ele derramou sua

alma na morte...”. J. Jeremias vê um paralelo inegável entre o

verbo usado por Paulo e o verbo hebraico usado por Isaías

71

neste trecho claramente cristológico. Desta forma, eles negam

que o trecho em consideração faça alusão à encarnação de

Cristo e o vê como alusivo à entrega de si mesmo dando sua

vida na cruz.

Embora pareça fruto de pesquisa exaustiva, estas

conclusões de Lohmeyer e J. Jeremias negam a clara progressão

do texto paulino. A morte, e morte de cruz é vista, neste

contexto, como o clímax de uma progressão que se inicia no ato

de despojamento, cujo conteúdo é claramente encarnacional. A

morte, o derramar da alma na morte é visto como conseqüencial

e final no esvaziamento que envolve tudo o que segue nos

versos 7 e 8 de Filipenses capítulo dois.

Esta primeira parte do verso 7 tem dado origem ao

debate cristológico mais controvertido nos últimos tempos. A

noção mais comum, da assim chamada, doutrina kenótica diz que

Cristo se esvaziou dos seus atributos divinos, ou não fez uso

deles, durante o período de sua vida na terra. A onipresença,

a onisciência e a onipotência geralmente figuram nesta lista

de atributos que, supostamente Cristo abandonou.

A Fórmula da Concórdia86 (Epit. VIII, Afirm. 3-11,

86 Maiores detalhes: Enciclopédia Histórico- Teológica da Igreja Cristã – Walter A Elwell – p. 320 e 321

72

Neg. 20) condenou esta concepção quenoticista. Zinzendorf e

Charles Wesley reafirmaram a doutrina em seus dias. Ernest

Sartorius e W. F. Gess ensinaram-na e Gottfried Thomasius e

Charles Gore foram os principais defensores do quenosticismo

no Século XIX.

Foi Charles Gore em Lux Mundi (1889) que apelou à

tese quenótica para “reconciliar os pontos de vista liberais e críticos quanto

ao Antigo Testamento com a aceitação da autoridade de Jesus como ensinador”.

Com base na referida tese, ele admitia que Jesus “acomodava Seus

ensinos aos Seus ouvintes” por ser, ele próprio “sujeito às limitações de

seu tempo”. Gore, desta forma, como fez Thomasius, procurava

dialogar com os liberais adaptando a cristologia ortodoxa ao

discurso liberal.

Desta prática questionável de Gore, surgiram duas

questões seriíssimas: Em primeiro lugar, o que dizer dos

atributos de onisciência, onipresença e onipotência em relação

à kenosis de Cristo ? Se Cristo se despojou de atributos

divinos essenciais, fica difícil ver como sua divindade pode

ainda ser sustentada. O despojamento destes atributos faria de

Cristo um ser menos que Deus e algo mais do que um homem, o

que sumariza o arianismo em seu postulado original.

73

E quanto às funções cósmicas do Logos ? Durante a

encarnação o Logos as abandonou ? Ou será que o Verbo Divino

que sustenta o universos estava tanto dentro dEle (de Cristo)

vivendo a vida divina nesta vida humana, como também fora dEle

? Talvez uma solução seja pensarmos em categorias de mente

consciente e inconsciente. Ou seja, Jesus, durante sua vida

encarnada, estava consciente apenas daquilo que lhe era

necessário, como filho e servo do homem.

Em segundo lugar, nem os evangelhos, nem Filipenses

2:7 apresentam qualquer abandono de algum atributo divino por

parte de Jesus Cristo. No entanto, todos mostram que Jesus

aceitou, de modo inequívoco, a posição e o papel de servo.

Como tal, Jesus aceitou as limitações que eram de conformidade

com a vontade do Pai.87

Champlin, em sua Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia,

no verbete Kenosis, faz extenso comentário sobre esta

controvérsia cristológica. Segundo ele, “a teologia aplica o termo

kenosis ao ato de Cristo, o Filho de Deus, ao tornar-se homem, o que significa que

ele se esvaziou de seus atributos e poderes divinos, embora não de sua natureza

divina”. Dando prosseguimento à sua opinião sobre o assunto ele

87 Brown, Colin, op. cit. Vol. 4 – p.688 a 692

74

diz “...o Logos, ou Verbo celeste, desistiu de aferrar-se ao que possuia quando

de seu esvaziamento, em uma atitude contrária à de Adão que procurou obter algo

que ele não tinha...”. Sua observação é pertinente e faz justiça ao

contexto onde o termo ocorre, ou seja, a Filipenses 2:7 e seu

contexto imediato.

Champlim conclui sua definição do conteúdo

teológico do termo afirmando que “o termo kenosis, portanto deve ser

aplicado à idéia de auto-limitação do Logos (o Filho de Deus) quando de sua

encarnação...”, pois “...se falarmos em termos de auto-limitação, então o

Cristo divino pode ser reconciliado, em nossas mentes, com o Cristo humano” e

adverte: “No entanto, até que ponto houve a limitação dos atributos divinos, é

algo que não sabemos precisar”.

Sua moderação ao tratar do assunto serve de séria

advertência a quem se dedicar a discorrer sobre o tema sem a

devida compreensão da imensas implicações teológicas

decorrentes de uma parcial ou tendenciosa abordagem do mesmo.

Champlin teme anular a natureza humana de Cristo ao

colocar a natureza divina como elemento de explicação para

muitas coisas que ocorreram na vida de Cristo, por outro lado

sente a necessidade de não negar a natureza divina para não

75

ferir qulquer doutrina razoável concernente à divindade de

Jesus. Sua solução vem em termos de auto-limitação e se nega a

ir além disto optando pelo pressuposto teológico conhecido

como obscuratio, uma vez que, segundo ele “nenhuma explicação

adequada sobre esta dificuldade foi jamais oferecida, embora haja evidências cabais

para crermos que foi extamente isso que aconteceu na pessoa de Jesus Cristo”.88

Lewis Sperry Chafer, em sua obra Teologia Sistemática

indaga: “uma vez que Ele se esvaziou, a pergunta que a kenosis faz é : Do que Ele

se esvaziou ?” e responde: “Cristo esvaziou-se do interesse próprio, não se

apegando ao Seu estado de exaltação, que, embora fosse Seu de direito, não

manteve como um prêmio caro demais para renunciar em benefício dos outros”.

Chafer dá continuidade ao seu ponto de vista citando o Doutor

Charles Lee Feinberg que enumera e comenta quatro tipos de

especulação kenótica, a saber: 1) Teoria Absoluto Dualista; 2)

Teoria Absoluto Metamórfico; 3) Teoria Absoluto

Semimetamórfico e, 4) Teoria Real mas Relativo.

Defendida por Thomasius e outros, a primeira teoria

divide os atributos divinos em duas categorias, os éticos e

imanentes e os relativos ou físicos. Segundo eles, Cristo se

esvaziou dos últimos. Já a segunda teoria, defendida por Gess,

88 Champlin, N. R. e Bentes, João M. - Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Vol. 3 – 1995, p. 698

76

Godet e Newton Clark afirma o “suicídio divino” em que Cristo se

esvaziou de todos os atributos divinos para tornar-se uma alma

puramente humana. A terceira teoria, defendida por Edbrard,

advoga a tese de que Cristo se valeu de um disfarce, no

sentido de que as qualidades divinas foram mudadas em forma de

um homem. A Quarta e última teoria afirma que o Logos, ainda

que encarnado, possuía a natureza divina num sentido real e

verdadeiro, mas ele a tem dentro dos limites restritos da

consciência humana. Ou seja, “quando o Logos eterno assumiu a

humanidade, Ele desisitu da visibilidade de Sua glória”.89

George Eldon Ladd, em Teologia do Novo Testamento dá

grande ênfase a uma correta compreensão do verbete que

pode ser entendido em termos de res rapta, o que faria o texto

dizer que “Cristo existia na forma e glória de Deus, mas ele não considerava este

estado de igualdade com Deus algo a ser forçosamente retido, e sim, esvaziou-se

dele, tomando para si a forma de um servo”. Todavia, se o termo for

visto em termos de res rapienda, ou seja, “ele existia em forma e glória de

Deus, mas não possuia igualdade de status com Deus” Ele então “não

considerava esta igualdade algo de que forçosamente se apropriar; pelo contrário,

ele esvaziou-se tomando a forma de servo e se humilhando até à morte”.

89 Chafer, Lewis Sperry – Teologia Sistemática – Imprensa Batista Regular - p. 306 a 308

77

Não se definindo por nenhuma das interpretações

proposta, Ladd conclui afirmando que “tudo o que o texto afirma é que

ele esvaziou-se, tomando para si outra coisa, a saber, a maneira de ser, a natureza

ou forma de um servo ou escravo”.90

A implicação clara da interpretação favorável à

hipótese res rapienda é a negação do status de igualdade que

Cristo possuía em relação a Deus. Negar este fator seria

afirmar novamente o arianismo e comprometer a realidade da

natureza divina de Cristo.

Reconhecendo a importância da controvérsia e

procurando negar a teoria que afirma que Cristo se esvaziou de

sua divindade, Rienecker e Rogers esclarece “a palavra não significa

que Ele esvaziou-se de Sua divindade par ganho pessoal, ela é uma expressão vívida

da inteireza de Sua auto-renúncia e Sua recusa de usar o que Ele tinha para o seu

próprio benefício”.91 Penissi salienta a submissão do Cristo

encarnado a todas as vicissitudes e fraqueza da nossa vida,

para ele o esvaziamento de Cristo deve ser entendido nestes

termos.92

Bruce acha, de conformidade com Lightfoot, que “Ele

despojou-se de si próprio; não de sua natureza divina, visto que isso seria impossível,90 Ladd, George Eldon – Teologia do Novo Testamento – Ed. Exodus – Primeira Edição – p.392 e 393.91 Riencker e Rogers – op. cit. – p. 40792 Penissi – op. cit. - p. 49

78

mas, das glórias, das prerrogativas da divindade” não significando que

Cristo tenha trocado “sua natureza (ou forma ) divina pela natureza (ou

forma) de escravo”, significa sim, “que Ele demonstrou a natureza (ou

forma) de Deus na natureza (ou forma) de um escravo”.93

Muller advogando o caráter metafórico do termo

salienta que “em sum sentido literal e absoluto Cristo, não poderia ter-

se esvaziado, portanto um sentido metafórico se aplica a - levar a nada,

anular e tornar sem efeito”, daí sua afirmação conclusiva: “a kenosis de

Cristo deve ser entendida no que vem depois”. A saber, “tomar a forma de servo” o

que explana o como da kenosis, pois “nada é mencionado de algum

abandono de atributos divinos, a natureza divina ou forma de Deus. Em sua

encarnação ele permaneceu em forma de Deus”. Em nota de rodapé, ele

faz interessante comentário sobre o desenvolvimento e

implicações do debate quenótico. Segundo ele:

À parte das considerações exegéticas, graves objeções de natureza

dogmática podem ser lançadas contra a moderna teoria quenótica.

Apelando a Fil. 2:7, II Cor. 8:9, João 17:5, Marcos 13:32 e outros

raltivos, se mantém que a quenósis consiste num real auto-esvaziar-

se de Cristo em Sua encarnação por um total ou parcial abandono

de Seus atributos divinos e uma abdicação de algumas prerrogativas

93 Bruce – op. cit. p. 79

79

inconsistente com a própria experiência humana.

Muller alista três diferentes maneiras de se

conceber a moderna teoria quenótica: 1) desistência de algum

atributo divino – Thomasius, Kaftan, Delitzsch, Lange, e

outros; 2) Desistência e auto-entrega – Liebner, Gess, Godet,

Hofmann, e outros; e 3) Abandono da existência divina a fim de

assumir a humana – Ebrard, Martensen, Van Oosterzee, Bruce,

Gore, Fairbairn, Denney, Mackintosh, e outros. Para em seguida

levantar cinco objeções a estas teorias.

Em primeiro lugar, elas afetam – e anulam - a

doutrina bíblica da Trindade, pois, se uma das adoráveis

Pessoas da Santa Trindade, o Filho, abandona Seus atributos

divinos ou Sua maneira de existência cessa por um tempo de ser

Deus, então, a doutrina da Trindade fica seriamente

comprometida. Em segundo lugar, elas afetam a reconhecida

doutrina da imutabilidade de Deus. Segundo esta doutrina,

Deus, o Filho é imutável. As Escrituras e a Igreja confessam

que não há mudança alguma naquele que a si mesmo se denominou

Eu Sou.

Em terceiro lugar, elas põem em perigo e destroem a

80

verdadeira e eterna deidade do Filho. A deidade do Filho é

fruto da inteireza de seus atributos e prerrogativas. O

abandono dalgum atributo, dalguma prerrogativa e mesmo de sua

existência divina, desmerece este ensino dogmático das

Escrituras. Em quarto lugar, elas inviabilizam a obra

mediadora de Cristo. Cristo sem os atributos divinos não é

Deus-homem, mas apenas homem.

Por fim, o Cristo das teorias quenóticas não é o

Cristo das Escrituras, nem o Cristo dos credos da Igreja. As

Escrituras revelam um Cristo que é verdadeiramente Deus e

verdadeiramente homem. Os credos da Igreja confirmam o ensino

bíblico quando afirmam “nosso Senhor Jesus Cristo ... perfeito em deidade ...

perfeito em humanidade... verdadeiro Deus e verdadeiro homem... manifesto em

duas naturezas, sem confusão, sem conversão, indivisivelmente e

inseparavelmente ... combinado em uma pessoa e uma hipóstase...” (Credo de

Calcedônia) e, “...um Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem...”

(Fórmula da Concórdia) e também “...verdadeiro Deus e verdadeiro

homem, no entanto um Cristo... (Confissão de Fé de Westminster).94

Quanto ao caráter metafórico do termo, ele é uma

necessidade óbvia, uma auto-anulação seria inconcebível dentro

94 Muller – op. cit. - p. 80 a 85

81

do contexto. Cristo se esvaziou dalguma coisa que fosse menos

do que seu ser inteiro. Do que ele se esvaziou é o grande

dilema teológico em pauta, o fato de que ele se esvaziou é

indiscutível, que a encarnação e tudo o que ela representa faz

parte do escopo deste esvaziamento de Cristo é também uma

obviedade. De fato, Cristo de esvaziou e se esvaziou ao

encarnar-se, ou para encarnar-se as dimensões exatas do ato em

si e as implicações teológicas do ato de Cristo formam o cerne

do debate que se arrasta desde os dias apostólicos.

Hendriksen toca num ponto sutil do texto, segundo

ele “é evidente que Crsito não se esvaziou de sua existência ‘em forma de Deus’ /.../

O verbo ekenosen [ele esvaziou-se] não pode referir-se à ‘morphe theou’ [forma de

Deus] mas a einai isa theo isto é, ser em igualdade com Deus”, e, de acordo

com Berkhof, sumariza: Cristo desistiu de: 1) sua relação

favorável com a lei divina – Rom. 8:3 e Gál. 4:4; 2; 2) sua

glória celestial – João 17:5; 3) seu exercício independente de

sua autoridade – Heb. 5:8 e João 5:30.95

Champlin, em seu Novo Testamento Interpretado, além das

observações já feitas em sua enciclopédia, acrescenta que “este

versículo tem recebido um extraordinário número de interpretações” e que esta

95 Hendriksen – op. cit. p. 106 e 107

82

diversidade de opiniões se constitui um fator que provoca

“desespero e paralisia intelectual nos estudantes”. Em seguida ele discorre

sobre quatro fatos que são salientados neste verso, a saber:

1)Cristo se identificou conosco em nossa natureza humana; 2)

Em sua encarnação , ele se auto-limitou realizando tudo pelo

poder de sua humanidade espiritualizada, mediante a virtude da

presença e da capacitação dada pelo Espírito Santo; 3) Embora

impecável, aprendeu certas coisas por meio daquilo que sofreu;

e, 4) Ele tomou sobre si nosso próprio tipo de natureza

humana, debilitado como está pelo pecado – Rom. 8:3.

Champlin se mostra incisivo em negar que o Cristo

encarnado tenha cesssado de ser Deus. Segundo ele, “Cristo pôs de

lado o poder e os atributos divinos (posto que não a natureza divina) a fim de que a

encarnação tivesse uma significação vital para toda a humanidade”. E tece 3

considerações: 1) Paulo não tencionava estabelecer qualquer

declaração teológica exata. Ele meramente salientou o fato

que, ao invés de Jesus escolher as glória celestiais e poderes

elevados, preferiu a esfera humilde dos homens, a fim de poder

redimir seus eleitos. Qualquer coisa que vá além disso, na

tentativa de expressar o sentido do trecho, penetra no campo

da teologia especulativa; 2) Jesus jamais deixou de ser o que

83

Ele é essencialmente, ou seja, Deus; e, 3) Cristo pôs de lado

os seus poderes e atributos divinos, para que pudesse

compartilhar plenamente da condição humana em sua fraqueza e

sorte.96

O Doutor H. Wayne House em seu livro Teologia Cristã em

Quadros apresenta-nos, na trigésima ilustração um quadro que

ilustra bem fornece-nos o pensamento principal de cada uma das

muitas teorias quenóticas existentes.

O que se depreende, dos quadros fornecidos por ele,

é que todas as teorias e teorias sub-quenóticas estão em

consenso quanto ao fato do esvaziamento do Logos. O texto em

consideração é claro em vindicar esta verdade e negá-la seria

uma imensa falta de consideração para com o texto bíblico.

Segue os quadros na próxima página:

TEORIAS QUENÓTICAS TRADICIONAISCRISTO ESVAZIOU-

SE

O Filho de Deus pôs de lado a sua

participação na Deidade quando tornou-se

homem. Todos os atributos da sua divindade

96 Champlin, R. N. op. cit. – vol 3 p. 30.

84

DA CONSCIÊNCIA

DIVINA

literalmente cessaram quando ocorreu a

encarnação. O Logos tornou-se uma alma que

residiu no Jesus humano.CRISTO ESVAZIOU-

SE

DA FORMA ETERNA

DE SER

O Logos trocou a sua forma eterna por uma

forma temporal condicionada pela natureza

humana. Nesta forma temporal, Cristo não

mais possuía todos os atributos pertinentes

à Deidade, embora pudesse exercer poderes

sobrenaturais.CRISTO ESVAZIOU-

SE

DOS ATRIBUTOS

RELATIVOS DA

DEIDADE

Esta noção faz uma distinção entre

atributos essenciais, tais como verdade e

amor, e aqueles relacionados com o universo

criado, tais como onipotência e

onipresença.

CRISTO ESVAZIOU-

SE DA INTEGRIDADE

DA EXISTÊNCIA

DIVINA INFINITA

Na encarnação de Cristo, o Logos assumiu

uma vida dupla. Um “centro vital” continuou

a funcionar conscientemente na Trindade, ao

passo que o outro encarnou-se com a

natureza humana, inconsciente das funções

cósmicas da Deidade.CRISTO ESVAZIOU-

SE

DA ATIVIDADE

DIVINA

O Logos entregou ao Pai todas as suas

funções e responsabilidades divinas. O

Logos encarnado estava inconsciente das

atividades internas da Trindade.

CRISTO ESVAZIOU- O Logos removeu a atuação dos atributos

85

SE

DO EXERCÍCIO

EFETIVO DAS

PRERROGATIVAS

DIVINAS

divinos do campo do real para o potencial.

Ele reteve sua consciência divina mas

renunciou às condições de infinidade e à

sua forma.

E também as principais teorias Sub-quenóticas:

TEORIAS SUB-QUENÓTICAS CRISTO ESVAZIOU-SE DO USO

DOS ATRIBUTOS DIVINOS

O Logos possuía os atributos

divinos, mas escolheu não usá-los.

CRISTO ESVAZIOU-SE DO

EXERCÍCIO INDEPENDENTE

DOS ATRIBUTOS DIVINOS

O Logos sempre possuiu e pôde

utilizar as prerrogativas da

Deidade, mas sempre em submissão ao

poder do Pai e pelo poder do Pai (e

do Espírito Santo). O Cristo

encarnado nunca fez nada

independentemente por meio de sua

própria divindade.CRISTO ESVAZIOU-SE DAS

ENSÍGNIAS DA MAJESTADE,

AS PRERROGATIVAS DA

DIVINDADE

O Logos esvaziou-se da forma

exterior da divindade. (esta noção

é vaga quanto ao seu significado

preciso.)97

As três primeiras teorias lidam basicamente com o97 House, H. Wayne – Teologia Cristã em Quadros –Ed. Vida– ilustração 30.

86

conceito de atributos divinos. A primeira chega a pontos

extremos de negar a continuidade dos atributos divinos, a ela

cabe a objeção de Muller de que a doutrina da Trindade foi

destruída por completo. A segunda faz de Cristo um ser maior

do que os homens e menor do que Deus, talvez esta teoria

devesse ser creditada a Ário. A terceira faz distinção entre

os atributos divinos, estas distinções são de caráter

especulativo e vão além dos limites da própria teologia.

As três últimas teorias deixam de lado a temática

atributos divinos e se concentram nas funções cósmicas e

prerrogativas divinas do Logos encarnado. A noção da

existência de um “centro vital” à parte do encarnado é confuso e

chega à beira do absurdo. O esvaziamento da atividade divinas,

embora não esteja presente no texto em consideração, parece

mais aceitável do que tudo o que já foi dito, embora pareça

negar a imutabilidade divina. A última teoria tem um caráter

confuso que é a “remoção da atuação dos atributos divinos do campo do real

para o potencial”. Esta noção cria uma certa idéia de dupla

personalidade em Cristo, uma consciente e outra inconsciente,

uma real e outra potencial. Se parece muito com o

Eutiquianismo.

87

As teorias sub-quenóticas têm a seu favor o

reconhecimento da radicalidade das teorias. Elaborando novos

conceitos, elas buscam evitar o que seria absurdo e

especulativo nas teorias. O não uso dos atributos divinos é

uma possibilidade, embora não conte com o aval das Escrituras

que dá a entender que houve uso dos atributos divinos pelo

Cristo encarnado. A tese da renúncia do uso independente

parece concordar com o contexto de Filipenses 2:7 que fala em

termos de obediência e renúncia. Mas, se tomarmos João 17:5,

veremos que há mais coisas envolvidas do que simplesmente o

uso independente dos atributos divinos. A última teoria sub-

quenótica é vaga e por esta razão indigna de maiores

considerações.

“...assumindo a forma de

servo...”

O verbo - particípio aoristo de é

traduzido por “assumindo”, “tomar”, “receber”, “tomar para si”,

“tomar como seu”, “tomar posse”. Refere-se originalmente a

88

“agarrar”, “apanhar”, mas também significa “receber”, regularmente

com o acusativo do objeto; abrangia todas as áreas da vida

desde as coisas simples até o benefício espiritual. Os

compostos de fortalecem ou aumentam o seu significado

básico.98

O substantivo masculino - “escravo”, “servo” se

contrasta com o substantivo pois se diz que aquele que

subsistia em (forma de Deus) agora toma para si a

(forma de servo).

Sendo a liberdade pessoal a posse mais valiosa para

o grego ático, o pela própria natureza das coisas não

pertencia a si mesmo, mas, sim, a outra pessoa. Sua posição

acarretava a abrogação da própria autonomia pessoal e a

subordinação da vontade àquela outra pessoa, daí o sentimento

de repulsa e desprezo dos gregos para com a posição de um

escravo. A vida do escravo era labuta e serviço compulsório

sem o alívio no lar ou nas obras públicas. O termo traz

consigo o sentido de dependência e subordinação.

No AT o termo faz referência às experiência de

Israel no Egito – Deut. 15:12 e à prática hebraica – Núm.

98 Brown, Colin, - op. cit. – Vol. 4 – p. 634

89

31:7, Deut. 20:10, I Reis 20:39 e II Crôn. 28:8. As Leis de

Esmuna e o Código de Amurabi nunca consideravam o escravo como

parte injustiçada. O At prescreve algumas leis humanitárias

visando a integridade física do escravo – Deut. 23:15 e 16,

Êx. 21:5 e 6, Lev. 23:39 a 55. Somente os profetas protestaram

contra a prática – Is. 50:1 e Amós 2:6.

O substantivo nas parábolas de Jesus

representa alguém que goza de alguns privilégios – Mat. 24:45,

apesar disso deve-se observar que a absoluta submissão ao seu

amo é algo que também se faz presente – Mat. 6:24 e 8:9 e não

deve esperar louvores – Lucas 17:7 a 10. O termo e seus

cognatos são freqüentes nos escritos paulinos.

O NT não censura a divisão da sociedade em termos

de senhores e escravos. Paulo reconhece a legitimidade de

possessão de Filemon sobre Onésimo, apesar de admitir a tensão

existente entre esta situação e a fé no único Senhor Jesus

Cristo – I Cor. 7:21. Paulo se vale da situação social

reinante para ilustrar a verdade que fora da esfera reinante

de Cristo, todos os homens estão nas garras implacáveis de uma

escravidão completamente diferente, eles são

- “escravos do pecado” – Rom. 6:17.

90

Empregando o termo em relação a Cristo, Paulo o

exalta. Ele afirma que Cristo se despojou, tomando sobre si a

forma de servo – Fil. 2:7 – ao tornar-se homem, o Pre-

existente tomou para si a - forma – de um - servo.

Ao assumira forma de servo, Jesus entrou em solidariedade com

a humanidade, na sua sujeição ao pecado, à lei e à morte. Como

servo, ele se sujeitou à lei – Gál. 4:4, levou sobre a si a

maldição da lei – Gál. 3:13, assumiu uma forma “em semelhança de

carne pecaminosa”- Rom. 8:3, fazendo-se, assim, irmão dos homens

“que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida”- Heb.

2:15. É a forma de servo que descreve com exatidão a

encarnação de Jesus Cristo como sendo a mais profunda das

humilhações.99

Wiersbe salienta que o serviço é a segunda

característica de uma mente submissa.100 Lenski chama a atenção

para o fato de todos os aoristos dos versos 6 e 7 serem

pontilear dando a entender ações simultâneas.101 Barth adverte

que “não significa que ele se tornou escravo no sentido sociológico. Ele tomou

sobre si toda a existência humana escravizada na miséria e na morte tornando-se

99 Brown, Colin, - op. cit. – vol. 2 – p.82 a 87100 Wiersbe – op. cit. p. 71101 Lenski, op. cit. p. 779

91

solidário conosco na profundeza de nossa aflição”.102

“...tornando-se em

semelhança de homens...”

O termo ocorre apenas 6 vezes no NT – Rom.

1:23, 5:14, 6:5, 8:3 e Apoc. 9:7. Aqui a frase expressa o fato

que seu modo de manifestação assemelhava-se ao dos homens. O

apóstolo vê-O solenemente como ele poderia aparecer para os

homens.103

O termo significa “do mesmo tipo”, “da mesma condição”,

“do mesmo caráter”, “aparência igual”, “correspondência”. É normal

considerar que as descrições diferentes nos versos 7 e 8 dizem

respeito a atos sucessivos. Mesmo assim, o esvaziar-se, o

assumir a forma de um servo e nascer na semelhança dos homens

claramente não eram atos sucessivos. O humilhar-se e a

obediência não são etapas que se seguiram até que a cruz

tomasse o lugar deles, mas cada uma dessas descrições se

aplica à totalidade da vida de Cristo, cujo ápice se deu na

102 Barth, op. cit. p. 46 e 47103 Rienecker e Rogers – op. cit. - p. 408

92

cruz.104

B. C. Caffin, valendo-se de Lightfoot chama a

atenção para o fato de referir-se apenas `aparência

externa. Isto significa que Cristo “não tomou para si uma

pessoa”, mas, “a natureza humana”. Desta forma, Cristo, o segundo

Adão, representa não o homem individual, mas a raça humana.

Barclay salienta que o verbo descreve um estado que

não é permanente, uma fase que é completamente real mas que

passa.105

O termo - “homem”, “ser humano” estabelece

o contraste que há entre os humanos, deuses e animais. Na LXX

traduz adam ou enos. Adam se refere à natureza humana e enos à

mortalidade – I Sam. 15:21 e Salmo 8:5. Os conceitos

antropológicos mais importantes do NT se encontram nos

escritos paulinos. É Paulo que ressalta o termos - corpo

– fil. 1:20 e 3:21, - carne – II Cor. 4:10 e 11, Rom. 8:1,

I Cor. 15:50, alma – II Cor. 12:15 e 15:44 e -

espírito – Rom. 8:16. Assim, no NT o homem é encarado como um

ser completo – penumatopsicossomático.106

Penissi vê aqui uma alusão ao fato de Cristo, ao104 Brown, Colin – op. cit. - vol. 4 p. 691 e 692.105 Barclay op. cit. p. 35106 Brown, op. cit. vol. 2 p. 375

93

ter-se encarnado, assumir para si todas as fraquezas e

vicissitude da nossa vida vida.107 Barth chama a atenção para o

o fato de que: “Fala-se aqui, portanto, de seu tornar-se ser humano, que não

se constitui de mero disfarce – é despojamento, desistência de sua posição e

subsistência divinas” e acrescenta “Paulo usa ‘semelhança’ para diferenciar a

adoção de condição humana por parte de Jesus, de uma adoção da pecaminosidade

humana”.108

Hendriksen salienta que a humanidade de Cristo é

“semelhante” à nossa porque difere dela em dois aspectos: Em

primeiro lugar, a humanidade de Cristo teve seu princípio de

modo diferenciado, ele foi gerado pelo Espírito Santo, no

ventre de uma virgem; e em segundo lugar, sua humanidade não

foi contaminada com os resultados do pecado, isto é, não era

inerentemente pecaminosa.109

“... e, reconhecido

em figura humana...”

O substantivo neutro é raro no NT,107 Penissi, op. cit. p.49108 Barth, op. cit. p. 46 e 47109 Hendriksen, op. cit. p. 110

94

ocorrendo apenas duas vezes – I Cor. 7:31 e aqui. O termo

refere-se a “aparência externa”, “forma”, “maneira”, “contorno”,

“figura”, “porte”, “postura” e “caráter”. O pensamento grego não faz

muita diferença entre o externo e o interno. Daí o termo poder

significar “a forma que é vista” e que se altera,, “mera aparência” em

oposição à realidade, um “simulacro”. Em Fil. 2:7 refere-se ao

modo em que a humanidade de Jesus apareceu visível a qualquer

um. Em I Cor. 7:31 refere-se à aparência do mundo.110

B. C. Caffin esclarece que o uso do aoristo

implica que se limita ao tempo de vida terrestre de Cristo,

quando ele apareceu como um homem entre os homens. O verbo

- modo particípio aoristo passivo de - é

traduzido com muita propriedade por “ser achado”, “achou-se”, “foi

reconhecido”. Caffin ainda esclarece que é o oposto de

e implica numa aparência externa e transitória.111

VERSO 8:

110 Brown, Colin – op. cit. - p.281111 B. C. Caffin in THE PULPIT COMMENTARY –WM.B. Eerdmans Publishing Co. – Vol 20 – p. 60 – 1977 Penissi, op. cit. p. 50

95

“...a si mesmo se

humilhou, tornando-se obediente...”

A maneira deste humilhar-se de Cristo é definida

pelo verbo obedecer e expandida pelo verbo morrer, com o

acréscimo do tipo ignominioso de morte, a morte de cruz. Há de

se salientar aqui, que tanto o esvaziar-se como o humilhar-se

são verbos reflexivos que ressaltam o caráter expontâneo do

despojamento e auto-humilhação do Senhor Jesus Cristo. O uso

do particípio implica que o supremo ato de auto-humilhação

consiste na submissão voluntária do Senhor a morrer. Paulo usa

o exemplo de Cristo para fazer contraste com a titude e os

sentimentos orgulhosos dos filipenses, que seguiam os padrões

mundanos. Foi o exemplo de Cristo que deu “um sentido positivo à

qualidade da humildade, mostrando que é o caminho certo a seguir, mesmo que

pareça terminar em derrota e em vergonha pessoal”.112

Bruce comenta:

A vida inteira do Senhor, da manjedoura ao túmulo, foi marcada porgenuína humildade. Ele ‘a si mesmo se esvaziou’ ao tornar-se homeme a seguir, como homem, humilhou-se mais ainda. O texto todocelebra a humilhação de Jesus, humilhação coroada pela morte decruz. Segundo os padrões do primeiro século, nenhuma outra

112

96

experiência poderia ser mais repugnante e degradante do queesta”.113

O adjetivo masculino “obediente”, deriva-se

do substantivo “servo”, “assistente”, “um remador” e do

verbo “prestar serviços”, “ser útil” e tem a mesma raiz de

- “escutar”, “obedecer”.

Paulo usa este adjetivo em relação a Cristo – Fil.

2:8, à expectativa do apóstolo em relação aos coríntios – II

Cor. 2:9, viu nos filipenses – 2:12, uma marca dos primeiros

cristãos – Atos 6:7. Na LXX ocorre apenas em Deut. 20:11,

Prov. 4:3 e 13:1. O sentido original é “abrir” no sentido de

atender à porta. Para Paulo, o padrão de obediência é Jesus

Cristo de quem foi dito que foi obediente até a morte e morte

de cruz. A obediência de Cristo faz claro contraste com a

desobediência de Adão – Rom. 5:19.114

Comentando este verso Champlin afirma:

O quadro sugere que Deus, o Criador, que se deu eternamente a simesmo, para que pudéssemos existir, desde toda a eternidade tinhaem si mesmo essa disposição mental de dar-se de si mesmo, detransmitir-se a outros, e essa atitude se tornou supremamente visívelquando da manifestação de Deus em Cristo, mas que atinge atémesmo crentes individuais, a fim de que cada um deles sedesvencilhe de si próprio e entre em uma nova união com a vida

113 Bruce, op. cit. p. 80114 Brown, Colin – op. cit.,- vol. 3 - p. 368 e 369

97

altruísta de Deus.115

O verbo no tempo aoristo descreve um ato, não uma

disposição. Cristo se humilhou por viver uma vida de completa

obediência que culminou em sua morte. Um claro contraste com

Adão – Rom. 5:12 a 21.116

Segundo Shedd, “a atitude mental de Cristo não parece ser

muito vantajosa sob nenhum ponto de vista prático” mas “será o princípio pelo

qual o mundo será governado”. Por esta razão, segundo ele, “Deus quer

que a igreja, o local geográfico visível do reino de Cristo, viva agora sob Seu

domínio, a experiência da abnegação perfeita e completa”.117

“...até a morte e

morte de cruz.”

115 Champlin R. N. – op. cit. – vol. 5 p. 30116 Loh e Nida – op. cit. p. 59 e 60117 Shedd, op. cit. p. 59

98

A preposição genitiva - “até” (18 vezes no NT)

e a conjunção superordenativa - “mesmo assim”, introduzem um

detalhe mais enfático da humilhação, e leva para um clímax de

morte em meio a um sofrimento vergonhoso e amaldiçoado, a mais

ignominiosa da mortes.118

O substantivo que ocorre duas vezes no

verso 8, significa tento o ato de morrer como o estado da

morte. Na literatura clássica os homens são apresentados como

“mortais” em contraste com os deuses. Para os gregos a

morte significava o fim da atividade da vida, encerramento do

período de vida, a destruição da existência. Às vezes a morte

era personificada.

No pensamento do AT a morte significava o fim total

da existência do homem – II Sam. 12:15. No NT a morte é

encarada de modo similar, não como um processo natural, e sim,

como um evento que indica claramente a condição pecaminosa do

homem. A declarações acerca da morte de Jesus formam o ponto

central da história da salvação no NT.119 autoridade foi levada

a efeito a execução.120

118 Rienecker e Rogers – op. cit. - p. 408119 Brown, Colin. Op. cit. vol 3 p. 197 a 207120 Idem. vol. 1 p. 558 – Maiores Detalhes ver 2.8 – A Crucificação

99

VERSO 9:

“...Pelo que

também Deus o exaltou sobremaneira...”

Este verbo ocorre apenas aqui e em nenhum outro

lugar do NT. Deriva-se de - “alto”, de onde provém -

“alto”, “exaltado”, - “altura”, “o exaltado”, “altíssimo”,

“exaltar”, “erguer” e “elevar acima de todas as alturas”.

No AT ocorre mais de 150 vezes e 50

vezes. Somente Jeová tem o direito de exaltar e humilhar – I

Sam. 2:7. O sentido negativo da palavra – “ser orgulhoso”, “altaneiro”,

“arrogante” é raro – Sal. 37:20, 131:1 e 2 e Ez. 28:5. Já o

sentido positivo – “exaltar”, “louvar”, é mais comum – Sal. 18:46,

27:5 e 6, 30:1, 34:3, 57:5, Êx. 15:2, Sal. 107:32. Deus exalta

o justo – Sal. 37:34, 89:17, 112:9; Deus é exaltado pelos

adoradores – Sal. 99:5 e 9, 97:9, 34:3 e 148:14. O ímpio se

exalta– Sal. 75:4 e 5, Is. 2:11 e 17.

No NT ocorre 20 vezes, destas, 6 aludem

100

`exaltação de Cristo – João 3:14, 8:28, 12:32 e 34, Atos 2:32

e 5:31. Filipenses 2:9, a última desta lista, faz um contraste

com os versos anteriores – 6 a 8. Sendo colocada depois da

humilhação a exaltação deve ser vista como conseqüência da

primeira e consiste na designação de Cristo como Soberano, não

somente sobre a comunidade dos crentes como também sobre o

universo inteiro – Rom. 1:4, I Tim. 3:16 e Heb. 1:3 e 4.121

Na literatura mitológica babilônica, egípcia e

grega a exaltação é salientada como obra exclusiva dos deuses,

a qual os mortais em vão buscam angariando contra si a ira dos

deuses.122

Martin observa que o verbo pode

significar que Deus o exaltou a uma posição superior

(comparativamente) àquela que Ele detinha antes (quando era,

então a forma de Deus). Mas, acrescenta que Moule diverge

afirmando que Cristo, em seu estado pre-existente “era Filho de

Deus; agora, após sua exaltação recebeu a dignidade de Senhor. Contudo parece

não haver intenção de se estabelecer comparações”. O uso do aoristo

implica em referência aos fatos históricos da ressurreição e

ascensão de Cristo. Segundo o próprio Martin, “o poder senhorial

121 Ibidem - vol. 1 – p. 163122 Rienecker e Rogers, op, cit, p. 408

101

deve ser visto como tendo sido entregue nas mãos da pessoa histórica de Jesus de

Nazaré, o qual não é uma figura cósmica, ou ditador despótico, mas alguém a quem

os crentes podem atribuir uma face e um nome”.123

Pennissi, contempla o horizonte que surge deste

fato. Para ele, “Jesus o eterno propósito de Deus”, daí Ele

ter sido exaltado por Deus, de tal forma a conferir-lhe, “maior

honra que tinha antes de humilhar-se “.124 Lenski opina que “a forte base

sobre a qual Paulo fundamenta sua admoestação – v. 1 a 5 – inclui a humilhação e

exaltação de Cristo e o fato de que ambas vêm juntas”. Segundo ele, “o pleno

uso dos atributos divinos comunicados à natureza humana no tempo da encarnação

constituiu a exaltação”125.

Muller afirma que “depois – e por causa – de seu auto-

esvaziamento e auto-humilhação Cristo experimentou sua exaltação por Deus”.126

Champlin, comentando o verso 9 enfatiza a presença de três

lições dadas pelo texto: 1) Lição teológica – Cristo foi

supremamente exaltado devido ao êxito de sua missão; 2) Lição

ética – É um absurdo o homem exaltar a si mesmo, pois a

verdadeira exaltação vem através da humildade, e 3) Lição

pastoral – Paulo advertia as facções quanto à gravidade de seu

123 Martin, op. cit. p. 114.124 Pennissi – op. cit. p. 50125 Lenski, op. cit. p. 787126 Muller, op. cit. p. 87

102

erro – os elementos facciosos deveriam notar que a auto-

exaltação, envolve a usurpação das prerrogativas divinas.127

Gerhard Barth observa que o verso 9 inicia a

Segunda estrofe do hino. O que fica ressaltado, segundo ele,

nesta Segunda estrofe, é o fato de que Deus, o Pai, passa a

ser o sujeito ativo, passando a ser “motivo condutor predominante a

exaltação de rebaixado e obediente”. E, ressalta que a conjunção

superordenativa - “por isso” liga as duas estrofes e “designa o

rebaixamento obediente como razão da exaltação”. A exaltação de Cristo,

segundo ele “não significa apenas a restauração de seu estado anterior em

subsistência divina, mas que ele lhe concede mais do que possuía anteriormente”.128

“..

.e lhe deu o nome que está acima de todo nome...”

O verbo derivado de - “dar de

graça”, “dar graciosamente”, ocorre 23 vezes no NT. O tempo

aoristo chama a ênfase para o ato histórico do Pai. Depois da

auto-humilhação e obediência, o Pai concede ao Filho aquilo a127 Champlin, op. cit. – vol 3 -p. 31128 Barth, op. cit. p. 47

103

que Ele poderia ter-se agarrado.129

Colin Brown observa que, “na fé e no pensamento de,

virtualmente todas as nações, o nome é inextrincavelmente vinculado com a pessoa,

seja do homem, do deus, ou de um demônio”. Qualquer pessoa que conhece

o nome de um ser pode exercer poder sobre ele. Os sofistas

opinavam que o nome pertencia por natureza às coisas. Platão

julgava que as palavras são símbolos fonéticos, que recebem

seu significado mediante o costume, sendo, portanto, de pouca

relevância para o conhecimento verdadeiro. As frase e fórmulas

mágicas da antigüidade revelam a crença no poder e na eficácia

dos nomes dos deuses e dos demônios.

Os israelitas também tinham consciência clara da

significância dos nomes pessoais e próprios. Dar nome é

exercer senhorio e domínio – Gên. 2:19 e 20, II Sam. 12:18 e

Sal. 49:11, 147:4, Is. 43:1 e 63:19. Um dos aspectos mais

fundamentais e essenciais da revelação bíblica é o fato de

Deus não ficar sem nome. O nome de Javé é uma expressão

poderosa de Sua soberania pessoal e de sua atividade.

No NT o nome de Jesus é a base da proclamação a

todas as nações – Atos 8:12, 9:16 e Rom. 1:5. Quem invoca o

129 Rienecker e Rogers, op. cit. p. 408

104

nome do Senhor é salvo – Atos 2:17 a 21 e Rom. 10:13. A

plenitude da obra salvífica de Cristo é contida no nome dEle.130

B. C. Caffin acha que “o nome” - se refere ao nome

Jeová, o nome majestoso, cheio de glória e dignidade, que no

grego tem seu equivalente no termo - verso 10.131

A preposição - “acima”, “sobre” tem sua origem

na figura de uma pessoa de pé ou encurvada sobre outra para

protegê-la ou guardá-la, e de um escudo levantado acima da

cabeça que sofre o golpe ao invés da pessoa.132

O nome de Jesus é mencionado no próximo verso para

deixar claro que aquele que foi exaltado foi o mesmo que, em

estado de humilhação foi conhecido pelo nome de Jesus de

Nazaré. Quando encarnado, o Logos divino se deixou nominar

porque veio para servir, para oferecer-se em sacrifício. Sua

submissão ao Pai fez dele um servo dos homens, e foi neste

estado que ele suportou a morte de cruz. E foi também, a este

Jesus, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, foi morto e

sepultado, que Deus ressuscitou ao terceiro dia, que, tendo

sido assunto ao céu, assenta-se à mão direita de Deus Pai130 Brown, Colin op. cit. vol 3 p. 276 a 283131 B. C. Cafin in THE PULPIT COMMENTARY – Grand Rapids – Michigan – WM.B. EerdmansPublishing Co. – Vol 20 - p.61 – 1977 Brown, Colin. Op. cit. vol 3 p. 655132

105

Todo-poderoso.

VERSO 10:

“...para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho...”

O substantivo - “joelho” é seguido pelo verbo

que alude ao ato de ajoelhar-se, similar a -

“cair de joelho”. No mundo grego somente o escravo ajoelha-se

diante do seu senhor, e o suplicante diante dos deuses. No AT

o ato de ajoelhar-se veio em decorrência das exigências dos

reis – I Crôn. 29:20. O adorador se curvava diante de Jeová –

Sal. 95:6. No NT, exceto em Heb. 12:12, o termo somente

ocorre em associação com verbos suplementares – Rom. 11:4, Ef.

3:14 e Fil. 2:10.

O ato de ajoelhar-se expressa o reverente temor

diante de um rei, isto é, o reconhecimento do seu poder e

soberania. Aqui é o reconhecimento que Jesus, na Sua majestade

106

universal e significância cósmica, é Senhor de tudo.133

Dobrar os joelhos, no nome de Jesus ‘é adorá-lo

nessa esfera de autoridade, graça e glória que o seu nome

representa; por estar, alguém consciente dentro do reino no

qual ele é o Senhor reconhecendo a justiça dos títulos de

“Jesus”, “Salvador” e ‘Senhor” e aceitando as obrigações que esses

títulos implicam.134 Dobrar-se ao nome de Jesus é, naturalmente,

concordar com os passos descendentes e humilhantes que Ele

tomou, para que Ele seja exaltado, Senhor sobre tudo.135

“...nos céus,

na terra e debaixo da terra...”

O adjetivo pronominal - “celestial”, deve

ser entendido num sentido local, indicando a esfera das

bênçãos relacionadas com o Espírito – Ef. 1:3. Ele se refere

ao céu conforme visto da perspectiva da nova era trazida por

Cristo, e por essa razão deve ser estreitamente ligado com o

133 Idem - p. 321134 Champlin – Vol. 3 – p. 31135 Shedd. Op. cit. p. 61

107

Espírito da nova era.136

Este adjetivo contrasta com a terra e o mar.

Significa “o céu”, “pertencente ao céu”, “divino”. No AT se vê um

mundo em três andares. Não há uma cósmica única – Gên. 7:11,

II Reis 7:2, Jó 26:11, II Sam. 22:8, Is. 40:22, Sal. 104:2,

Is. 34:4, Amós 9:6. No NT não há qualquer menção vários céus,

mas somente de um. A expressão “o céu e a terra” significa o

universo. Jesus é a apresentado como o Senhor que foi

levantado até o trono de Deus, e a Quem tudo quanto há na

terra e no céu prestará homenagem – Fil. 2:10.137

O adjetivo pronominal - “terrestre” contrasta

com a água, refere-se à área onde o homem trabalha. Na

mitologia grega figura entre as divindades mais antigas onde,

é a mãe de quem procede toda a vida. No AT eres é criação de

Jeová – Gên. 1:1 e 2. No NT se reforça a idéia de que tanto a

terra como o céu são criação de Deus. Significa lit. “sobre a

terra” embora também possa estar ligado com o dualismo do céu e

da terra, para então significar “terrestre”.138

A expressão singular - “sob a terra”, dá a

entender os espíritos dos mortos, que estão no hades. De136 Rienecker e Rogers, op. cit. p. 386137 Brown, Colin – op. cit vol. 1. p.421 138Idem - vol. 4 p. 600

108

acordo com o NT esses espíritos estão vivos e Cristo exerce um

certo ministério entre eles, visando o bem deles.139

Não apenas seres humanos, mas também anjos e

demônios, em alegre e espontaneidade ou temor relutante,

reconhecem a soberania do crucificando.140 Aqui toda a criação,

todos os seres racionais, classificados em três grupos –

celestial, terrenal e submundano - reconhecem a soberania de

Cristo.141 Freqüentemente se supôs que esta tríade se referia a

anjos no céu, aos homens na terra e aos que partiram para o

reino dos mortos. O judaísmo antigo e a cristandade inicial

consideravam o cosmo habitado de poderes, anjos e demônio,

bons ou malignos, poderes que determinam os diversos âmbitos

do cosmo e que eram seus representantes. São espíritos

poderosos que representam e dominam o cosmo tripartido.142

B. C. Caffin observa que não o nome Jesus que está

em pauta e sim, “ao nome de Jesus”, ou seja, ao nome que a Jesus

será conferido pelo Pai, um nome “sobre todo nome” que “ninguém

conhece, senão ele mesmo” – Apoc. 19:12.143.

139 Champlin. op. cit. vol. 5 p. 32140 Bruce. Op. cit. p. 82141 Muller op. cit. p. 88142 Barth. Op. cit. p. 48143 Caffin in THE PULPIT COMMENTARY – Grand Rapids – Michigan – WM.B. Eerdmans Publishing Co. –Vol 20 – p. 61 – 1977 Brown, Colin, op. cit. vol. 3 p. 389

109

VERSO 11:

“...e toda língua

confesse...”

O substantivo ocorre 50 no NT referindo-se

ora à língua, membro do corpo humano, outras vezes à

linguagem, e outras vezes à faculdade da fala. Na LXX traduz

lason e lisan – Êx. 4:10, Juízes 7:5, Gên. 11:7, Prov. 18:21. O

termo refere-se ao idioma ou linguagem, enquanto

faz mais alusão ao órgão da fala.144

O verbo subjuntivo aoristo médio de

- “confessar” é fruto do composto - “o mesmo”,

“semelhante” e - “dizer”, significa, portanto, “dizer a mesma

coisa”. Na LXX traduz yadah, nadar e saba – “louvar”, “votar” e

“jurar” – Jó 40:14, Jer. 44:25, Êx. 16:8. Das 26 vezes que

ocorre no NT, 10 destas ocorrências estão nos escritos

144 Idem - vol 1 p. 465

110

joaninos. O composto significa “confessar com louvor” –

Sal. 18:49, II Crôn. 31:2, Sal. 100:4, I Crôn. 25:3, II Crôn.

20:22, Ne. 12:27, Sal. 147:7, Mat. 3:6, Atos 19:18, Rom.

14:11, 15:9 e Tg. 5:16.145

“...que Jesus Cristo é

Senhor...”

O substantivo ocorre mais de 700 vezes no NT

e significa “senhor”, “amo”, “dono”, “quem tem controle”. O termo

leva consigo implicações de legalidade e autoridade

reconhecida do senhorio. Quando um deus é chamado “senhor” o

termo predominante é e faz contraste com .

No grego clássico mais antigo não se

empregava como título divino, embora se aplicasse aos deuses.

Não havia entre eles a noção de serem servos dos deuses. Os

imperadores romanos gostavam de referir-se a si mesmos como

- “Senhor de todo o mundo”. Na LXX ocorre

mais de 9000 vezes e traduz adon – “senhor”, ba’al – “senhor”, gebir

145

111

– “comandante”, mara – “senhor” e sallit – “governante”.

Na maioria das vezes que ocorre na LXX – cerca de

6.156 vezes – o termo substitui o nome próprio hebraico de

Deus, o tetragrama YHWH. A LXX procurou evitar a expressão

vocal do nome de Deus. O verbete ‘adonay surgiu no período pós-

exílico.

No NT o termo é predominantemente lucano e paulino.

Deus é freqüentemente chamado - Rom. 4:8, Luc. 1:66, Atos

11:21, Mat. 1:20, 2:13, 28:2, Tg 5:10 e 14, Atos 5:9, 8:39,

Rom. 12:19, II Cor. 6:17, Jo. 20:28 e Apoc. 4:11. Jesus também

é chamado - Jo. 4:14 e 15, 5:7, 6:34, 13:6, Mat.7:21,

21:20, Luc. 6:46, Mc 2:28 e 29, Rom. 10:9, I Cor. 12:3 e fil.

2:11. O nome “sobre todo nome” é o nome de Senhor e a posição que

lhe corresponde. Todos os poderes e seres no universo devem

dobrar o joelho diante dele.146

A confissão “Jesus Cristo é o Senhor” representa o ponto

mais alto do drama da salvação, delineados nestes versos

poéticos. Jesus é o homem novo, e, portanto, o Senhor do mundo

novo.147 Bruce opina que esta confissão da igreja primitiva é “a

quintessência do credo cristão” no qual a palavra Senhor recebe o mais146 Brown, Colin op. cit. vol 4 p. 423147 Kasemann in Martin op. cit. p. 115 Bruce op. cit. p. 84

112

augusto sentido, pois, quando “se prestam honras assim ao Cristo

humilhado e exaltado, a glória de Deus não é diminuída, mas aumentada”.148

Lenski acha que a confissão do senhorio universal

de Cristo se dará na Parousia, ocasião apontada por ele como

simultânea ao juízo final – Sal. 24:7 a 10, Heb. 1:6 e I Pe.

3:22.149 Muller acha que nesta ocasião “toda contradição cessará e toda

dúvida terminará” porque o “reconhecimento e a confissão geral do senhorio de

Cristo trará glória a Deus Pai, o que é o último propósito de todas as coisas”.150

Shedd comenta, com muita propriedade, “o egoísmo e o orgulho dos

filipenses atestavam que a confissão ‘Jesus Cristo é o Senhor’ era inócua para a vida

deles”.151

Champlin, citando Kennedy, observa:

O termo Senhor se transformou em uma das palavras mais amorfas

do vocabulário cristão. Se penetrássemos em seu significado e lhe

déssemos o efeito prático que ela tem, isso recuperaria, em grande

medida, a atmosfera que havia na era apostólica.152

148 Lenski op. cit. p. 793 Muller op. cit. p. 89149 Shedd op. cit. p. 61150 Champlin – op. cit. - vol 3 - p. 32.151

152

113

“...para glória de Deus Pai.”

O substantivo feminino - “esplendor”. “glória”,

“reputação”, freqüentemente se emprega, na Bíblia, como sinônimo

de reconhecimento da obra de outra pessoa, dando-lhe a posição

e as honras que merece. Porém, ela é uma qualidade que

pertence a Deus e é reconhecida pelo homem somente em resposta

a ele. sugere algo que irradia daquele que a tem, deixando uma

impressão.

O termo também traz consigo os sentidos de

“opinião”, “conjectura”, “reputação”, “louvor”, “fama”, ela é “o valor

atribuído por alguém a outrem”. Na LXX o termo expressa a glória e

poder de Deus - Sal. 24:7 e Is. 42:8. Traduz kabod - Êx. 16:7,

33:18, Is. 40:5. A glória de Deus se vê na criação - Sal.

19:1, Is. 6:3; na salvação - Êx. 14:7 a 18, Sal. 96:3; em sua

presença no santuário - Êx. 40:34 e 35, I Reis 8:10 e 11, Sal.

26:8. A arca da aliança era seu símbolo - I Sam. 5 e 6.

No NT o termo ocorre 165 vezes sendo 77 delas nos

escritos paulinos. O uso do AT é repetido no NT sendo Deus

apresentado como o “Deus da glória” – Atos 7:2; “o Pai da glória” –

Ef. 1:17; “a glória majestosa” – II Pe. 1:17. A glória de Deus se

114

manifesta na operação do poder salvífico de Deus – Mat. 17:2 a

5, João 1:13, 2:11, II Cor. 4:4 e 6.

Warren Wiersbe diz que “a nossa salvação tem como objetivo

supremo a glória de Deus” e “a alegria de uma mente submissa vem /.../ acima de

tudo do conhecimento de que estamos glorificando a Deus”.153

A expressão ocorre mais de 400 vezes no

NT. Ela expressa o sentido de geração e descendência natural e

física de todos os homens a partir de Deus. No AT Deus é

chamado de Pai apenas 15 vezes – Deut. 32:6, Is. 63:16, 64:8,

Jer. 31:9, Mal. 1:6 e 2:10. No NT o sentido religioso

prevalece sobre o secular. Deus é Pai de Jesus – Mat. 11: 25 a

27, Luc. 10:22; e dos que crêem – Luc. 6:36, Mc. 11:25, Mat.

6:8 e Luc. 12:32.

Hendriksen acha que Paulo faz aqui um clímax no

texto afirmando que “haverá um amplo reconhecimento e proclamação da

soberania do Senhor Jesus” e assim, “o servo será reconhecido como o grande

conquistador”.154 Caffin, concluindo sua exposição do texto em

apreço, observa que “a glória de Deus Pai é o supremo e último objeto da

encarnação do Salvador”.155

153 Wiersbe op. cit. p. 76154 Hendriksen – op. cit. p. 116 e 117155 Caffin in THE PULPIT COMMENTARY – Grand Rapids – Michigan – WM.B. Eerdmans Publishing Co. –Vol 20 – p. 61– 1977 Barth op. cit. p.

115

Barth vê aqui o clímax do texto e cita-o como

cumprimento cabal de Is. 45:23, onde segundo ele “o poder e o

senhorio esperado para Javé no tempo final, segundo Is. 45, agora é exercido por

Jesus Cristo”. Barth crê que a expressão “para a glória de Deus Pai”

seja um acréscimo paulino ao cântico primitivo.156

156

116

4. SÍNTESE DO SIGNIFICADO

Paulo, o “Apóstolo dos Gentios” escreve da prisão de

Roma, aos santos que vivem na cidade macedônica de Filipos na

intenção de agradecer-lhes pelos donativos enviados em

ocasiões anteriores, recomendar-lhes Epafrodito, animá-los

frente às perseguições e exortá-los a zelar pela unidade

cristã.

Na perícope em apreço, Paulo se vale da exortação

que há em Cristo, da consolação que provém do amor, da

comunhão propiciada pelo Espirito Santo e dos entranhados

afetos e misericórdias, para exortá-los a completar sua

alegria de modo que tenham a mesma disposição mental,

unanimidade no coração, vivam em harmonia tendo propósitos

comuns.

Para que os irmãos filipenses pudessem viver este

elevado nível de comunhão, o apóstolo os orienta a nada fazer

movidos por ambição egoísta que vise ganho próprio ou ainda

desejo vão pela honra pessoal, antes, como é próprio, ajam com

humildade de mente, considerando cada um o outro como superior

117

a si mesmo. E, também que não se deixem prender a seus

próprios interesses, antes sejam solidários para com a

necessidade dos outros.

Para que vivam de modo digno do evangelho de Cristo

(1:27) eles, segundo Paulo, devem nutrir a mesma mentalidade

que houve também em Jesus Cristo. Para ilustrar seu ensino,

Paulo lança mão da trajetória feita por Cristo desde a glória

celestial, passando pelos diversos níveis de condescendência,

até a ressunção dEle à mais sublime posição – a de Senhor

Absoluto do universo criado. Assim, Paulo, exaltando a

humildade de Cristo, faz um contraste gritante com a

mentalidade dalguns crentes de Filipos e os adverte quanto ao

erro.

5. RELEITURA PASTORAL

A UNIDADE QUE SE MANTÉM

PELA IMITAÇÃO DE CRISTO

INTRODUÇÃO:

118

Paulo, autor da presente epístola, a escreve à

comunidade filipenses tendo em mente alguns objetivos. Em

primeiro lugar, como convém, Paulo queria agradecer-lhes por

terem se tornado “cooperadores no evangelho, desde o primeiro dia até

agora” (1:5). Em segundo lugar, Paulo queria confortá-los e

animá-los em meio às perseguições que estes irmãos enfrentavam

por parte de seus patrícios, para isso Paulo interpõe uma

narrativa de seus sofrimentos na prisão romana e os benefícios

que o evangelho de Cristo teve, em decorrência destes

sofrimentos e privações (1:12 a 26) e os exorta a se manterem

alegres em meio a estas tribulações (2:18, 3:1 e 4:4).

Em terceiro lugar Paulo faz uma comovente e

convincente recomendação aos irmãos filipenses em relação a

Epafrodito, obreiro cristão a quem Paulo chama “cooperador e

companheiro de lutas” (2:25 a 30). Paulo, como todo bom pastor, dá

especial atenção à saúde do rebanho. Ele detecta alguns

procedimentos danosos à unidade da igreja filipense, esses

males proviam de disputas internas pelo poder e intromissão de

homens mau intencionados, a quem Paulo chama de “cães”, “maus

119

obreiros” e “falsa circuncisão” (3:2).

Estes grupos criavam um ambiente hostil ao

ministério de Paulo entre os irmãos de Filipos. Paulo os

desmascara e exorta a igreja filipense a tomar algumas

atitudes corretivas a fim de evitar a ação danosa das facções

e ensinos espúrios que preconizavam um perfeccionismo baseado

em atos e ritos externos que levavam seus postuladores à

soberba e não a nutrirem uma mentalidade humilde e altruísta

(3:12 a 4:1).

Dando especial atenção às facções que lutavam pelo

poder, nesta perícope Paulo detecta três males (aos quais

chamaremos de “nódulos cancerígenos” que atentam contra a unidade

da corpo de Cristo) e receita um tratamento (quimioterápico)

de efeito garantido que consiste numa decisão de nutrir a

mesma mentalidade de Cristo. Para ilustrar bem em que consiste

esta mentalidade Paulo se vale de um hino cristão primitivo

onde o exemplo de Cristo é evocado e posto como modelo para

seguirmos seus passos andando assim “de modo digno do evangelho de

Cristo”(1:27).

Quais são esses “nódulos cancerígenos” que atentam

contra a unidade do corpo de Cristo ? Como detectá-los em

120

nossas igrejas do século XXI ? Em que consiste esta

mentalidade de Cristo ? Como aplicar este tratamento proposto

por Paulo à igreja hodierna ? Afinal, estes problemas são

atuais ? E a profilaxia paulina ainda se mostra efetiva nos

dias de hoje ?

Estas perguntas causam inquietação e geram outras

que precisamos responder. Muitos já tem dito que o século XIX

foi marcado pela pergunta: É a Bíblia uma livro confiável, a

verdadeiro Palavra de Deus ? Inúmeros debates foram feitos,

muitos livros escritos sobre o tema e o século XX se iniciou

com uma resposta favorável às Escrituras. Tirada a dúvida do

Século XIX, a grande indagação do Século XX foi; A Bíblia

funciona ? O século terminou com o assunto sobre a mesa. A

teologia se mostrou cautelosa com o pragmatismo que surgiu no

período pós-guerra. E a pergunta continua válida no Século

XXI.

É possível usar os mesmos recursos e artifícios

propostos pelos apóstolos a uma igreja que se encontra

envolvida por uma sociedade relativista e de poucos

referenciais seguros ? Como reagiria a igreja hodierna a um

sermão contra-cultural ? O que pensa o homem pós-moderno das

121

propostas apostólicas ? Paulo e suas profilaxias resistem às

mudanças sociais e culturais de uma sociedade em constante

mudança ?

Crendo que os problemas não mudaram com o tempo, se

olharmos ao redor iremos detectar também os mesmos males

presentes em nossas igrejas, há ainda disputas pelo poder, há

busca incansável de espaços e elogios e nunca o homem se

mostrou tão individualista como no presente. Se os problemas

são os mesmos, é certo concluir que a solução para eles deve

ser a mesma proposta pelo apóstolo nos tempos primitivos da

igreja cristã.

Introduzindo sua exortação a “andar de modo digno do

evangelho de Cristo”(1:27) andando “firmes em um só espírito, como uma só

alma, lutando juntos pela fé evangélica” (1:28), Paulo usa de quatro

fontes apelativas: 1) a exortação que há em Cristo; 2) a

consolação que procede do amor; 3) a comunhão propiciada pelo

Espírito; e 4) os entranhados afetos e misericórdia. O que

Paulo deseja mesmo é que sua alegria seja plena e para isto

propõe que os irmãos pensem a mesma coisa, tenham o mesmo

sentir, sejam unânimes e busquem o mesmo ideal (2:1 e 2)

Com isto em mente passemos a discorrer sobre os

122

males detectados por Paulo na comunidade filipense:

I - O primeiro nódulo cancerígeno que Paulo detecta

estar presente nesta comunidade é o partidarismo “nada façais por

partidarismo” (2:3a). Como se define este problema ? Em primeiro

lugar cumpre analisar o sentido do termo. Ele pressupõe uma

“ambição egoísta”, uma “ambição que não tem nenhuma noção de serviço e

cujos únicos objetivos são o lucro e o poder”. O uso desta terminologia em

termos de proibição, infere a presença de pessoas que

disputavam poderes e posições dentro da igreja. Noutros

contextos o termo é traduzido por “faccioso” – Rom. 2:8, “porfias”

em II Cor. 12:20, “discórdias” em Gál. 5:20 (uma das obras da

carne) e “sentimento faccioso” em Tiago 3:14 e 16.

A presença deste nódulo cancerígeno no corpo de

Cristo denota um alinhamento da igreja aos padrões mundanos.

Jesus condenou a existência deste tipo de sentimento faccioso

entre os discípulos – Mateus 18:1 a 5. Jesus deplorou a

mentalidade mundana dos discípulos e chamou a atenção deles

para a simplicidade de mente que há numa criança que não busca

posições, nem tem estratégias elaboradas para se tornar o mais

poderoso, o manda-chuva da criançada. A advertência de Jesus é

muito válida: “se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de

123

modo algum entrareis no reino dos céus” (v.3) e sua conclusão é

pertinente ao caso: “portanto, aquele que se humilhar como esta criança,

esse é o maior no reino dos céus” (v.4).

Tanto Marcos como Lucas ressaltam que o assunto

“quem é o maior no reino dos céus ?” era matéria de discussão entre

eles (Marcos 9:33 a 37 e Lucas 9:46 a 48). Todos os sinóticos

fazem menção que Jesus tomou uma criança como exemplo de

mentalidade humilde que não busca auto-promoção. Esta

mentalidade pueril é apresentada por Jesus como um antídoto

eficaz contra a competitividade característica da mente

mundana (ou mundanizada) dos adultos.

Jesus volta a tocar no assunto quando a mãe de

Tiago e João faz a Ele um estranho pedido – Mateus 20:20 a 28

com Marcos 10:35 a 45 (Marcos fala que foram Tiago e João que

pediram). Ela pedia a Jesus que no reino de Jesus os seus dois

filhos se assentassem um à direita e outro à esquerda dEle

(Mat. 20:21). Jesus responde a ela (ou a eles) que uma

identificação em seus sofrimentos e morte era um quesito a ser

preenchido pelos candidatos (v.22) e que esta concessão estava

debaixo do auspício do Pai (v.23).

Da parte dos discípulos houve uma indignação

124

generalizada (v.24). Repreendendo a indignação dos dez e

esclarecendo a fonte da mentalidade dos dois solicitantes

Jesus declara: “os governantes dos povos os dominam” e “os maiorais

exercem autoridade sobre eles” e adverte: “não é assim entre vós; pelo

contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva, e quem

quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo” interpondo seu exemplo “tal

como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua

vida em resgate por muitos”(vs. 25 a 28)

A mentalidade mundanizada dominava o coração e

mente de Tiago e João. Jesus os desmascara e estabelece a

contra-culturalidade do Seu reino. As antíteses tornar-se

grande e ser servo demonstram que a mentalidade mundana sempre

será um corpo estranho no contexto do reino de Deus.

Para vencer o mal do partidarismo existente entre

os filipenses Paulo se vale do ensino e exemplo de Cristo.

Contrastando com a mentalidade mundana dos partidarista está a

ação voluntária de Cristo de abdicar sua posição de igualdade

com Deus a fim de assumir “forma de servo, tornando-se em semelhança

humana, e reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se

obediente até a morte e morte de cruz” (Fil. 2:7 a 8). Enquanto os

partidaristas brigavam por poder Jesus “não teve como usurpação o

125

ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou” (v.6 e 7a). Não ter como

usurpação significa que Cristo “não se apegou sequiosamente” à

igualdade com Deus “como a um achado muito especial”.

Pertinente é o comentário de Shedd:157 “Jesus Cristo não

considerou sua igualdade com Deus como alguma coisa da qual não poderia abrir

mão. De boa vontade, desistiu de sua semelhança com Deus, aparente, externa, e

assumiu a forma de um escravo”.

Uma mente desprendida que se acomoda às coisas

humildes (Rom. 12:3 e 16) é o como da exortação a não nos

conformarmos com o presente século, antes nos transformarmos

pela renovação de nossa mente a fim de experimentarmos a boa,

agradável e perfeita vontade de Deus (Rom. 12:1).

O desprendimento de Cristo é o antídoto contra o

partidarismo. Na busca frenética pelo poder o homem se

encontra preso a coisas e ideais que se tornam estorvo ao seu

desenvolvimento espiritual. Jesus abriu mão da glória celeste

(João 17:5), Ele que era rico, se fez pobre (II Cor. 8:9) para

que por sua pobreza nos tornássemos ricos. Como se pode ver o

contraste é evidente. Na mentalidade mundana a busca pelo

poder se torna uma preocupação fundamental. Parece estar no157Shedd, op. cit. p. 57 Termo derivado do nome próprio Diótrefes, mau obreiro que pretendia dominar o rebanho – III João 9ss

126

cerne da vida a necessidade de aceitação e para isso o homem

se dispõe a té mesmo a impor-se por meio do poder.

Na igreja não deve haver este tipo de sentimento

faccioso. A disputa pelo poder tem sido causa de inúmeras

divisões denominacionais. Grupos minoritários se sentem

dominados por grupos majoritários. Nalgumas comunidades o

pastor quer dominar o rebanho como se as ovelhas fossem suas

propriedades, noutras há um diotrefismo,158 onde um certo

mandatário arroga dominar o rebanho em benefício próprio.

Todos estes sintomas atestam a presença deste nódulo

cancerígeno que deve ser extirpado por todos os membros da

comunidade. Isto se dará quando houver uma adequação de nossa

mentalidade pretenciosa à mentalidade desprendida de Cristo:

“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”

(Filipenses 2:5). Por sentimento devemos entender mentalidade.

II - O segundo nódulo cancerígeno que Paulo detecta

estar presente na comunidade filipense é a vanglória – “nada

façais ... por vanglória” (v.3b). A vanglória significa “desejo de

louvor”, “vaidade”, “ilusão”, e expressa “o desejo vão pela honra”, “a

fútil sede pela glória”. Ou seja, “a busca da glória que vem dos homens”

158

127

(João 12:43, Rom. 2:29, I Tes. 2:6). Para extirpar este nódulo

da vanglória, Paulo receita a mentalidade de Cristo: “Tende em

vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5)

O desejo vão pela honra tem motivado muitos a

transgredirem a lei do amor e valorizar as pessoas pelo que

elas dizem a nosso respeito e não pelo que elas são. A pessoa

que busca louvores não suporta uma crítica, ainda que esta

esteja muito bem fundamentada em fatos inegáveis. Os escribas

e fariseus praticavam “todas as suas obras com o fim de serem vistos dos

homens”, (Mateus 6:2 a 8 e 16 a 18) eles amavam “o primeiro lugar

nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas”, e ainda amavam “as

saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens” (Mateus 23:5

a 7).

Em seu contundente sermão de censura (Mateus 23)

Jesus condenou tais atitudes e convocou os discípulos a evitar

serem tomados deste danoso proceder exortando-os a exaltarem a

simplicidade e a afirmação da igualdade de todos perante Deus.

Jesus os ensinou a não se ufanarem com títulos de Pai, Mestre

e Guia, porque há um só Pai e um só Guia e Mestre. Todos que

têm a Deus por Pai e a Jesus por Mestres são irmãos e

condiscípulos (v.8 a 10). A exortação encerra com uma

128

colocação já referida no ponto anterior: “Mas o maior dentre vós será

vosso servo. Quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (v.11 e 12)

Humildade é o antídoto contra a busca de vanglória.

A mentalidade humilde de Cristo deve se constituir objeto de

nosso aprendizado (Mateus 11:29) e condição imprescindível

para ter acesso ao reino de Deus (Mat. 5:3). Enquanto o que

vangloria busca a honra, o humilde se contenta com as coisas

mais indignas (João 13:1 a 17). Há no homem humilde uma

inclinação ao serviço, ao que se vangloria uma inclinação à

tirania (III João 5 a 12). O andar em humildade é tudo o que

Deus requer de nós (Miquéias 6:8) e tem a promessa da

exaltação de Deus em contrapartida com a humilhação dos

soberbos (Sal. 138:6, 147:6, Prov. 3:34, 29:23, Ez. 21:26,

Luc. 1:52, Tiago 4:6 e 10 e I Pedro 5:5 e 6).

A voluntariosa humildade de Cristo se contrasta com

os cobiçosos de vanglória. Enquanto Jesus se humilhou ao ponto

de sair da posição original de igualdade com Deus, “pois ele

subsistindo em forma de Deus” e assumiu “forma de servo”, (Fil. 2:6 e

7). Os que buscam louvores saem de uma posição baixa e desejam

galgar patamares superiores, movidos por um senso de

realização egoísta que fará uso de qualquer subterfúgio ou

129

artifício para exaltar-se, invariavelmente às custas de

humilhação aos demais.

A exaltação de Cristo (Fil. 2:9 a 11) acaba se

tornando um sonoro aviso de que Deus dá graça aos humildes, e

por inferência também leva-nos a concluir que o mesmo que

exalta o humilde também humilhará o soberbo, aquele que busca

o que altivo neste mundo e desprezível diante de Deus (Sal.

101:5, Is 2:11 e 12 com Lucas 16:15)

Andando na contra-mão do mundo Cristo veio de uma

posição exaltada para assumira mais baixa posição que um homem

poderia assumir – a posição de servo – e como servo ele ainda

obedeceu ao Pai até o ponto de experimentar a mais ignominiosa

e terrível forma de morte – a morte de cruz. Paulo lança mão

deste exemplo de Cristo para incutir nos filipenses a

necessidade de se nutrir uma mentalidade humilde que se

submete ao controle divino e não busca imposição ou louvores.

Como resultado de sua humilhação extrema Jesus

logrou ser exaltado pelo Pai à posição mais extrema no

universo. O servo de todos se torna, por um ato gracioso e

soberano de Deus o Senhor, diante de quem todo joelho se

dobrará e toda língua confessará (v.9 a 11). Cristo nos ensina

130

o caminho da exaltação, o mesmo caminho da auto-humilhação.

Andar buscando louvores dos homens é andar na contra-mão do

ensino e exemplo de Cristo e se constitui um atentado contra a

unidade da igreja.

III - O terceiro e último nódulo cancerígeno que

Paulo detecta na comunidade filipense é o egoísmo. O egoísmo é

aqui retratado pela preferência na busca de seus próprios

interesses em detrimento aos interesses dos outros. Paulo diz:

“Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o

que é dos outros.” (v.4). Novamente a partícula de negação

identifica um tipo de comportamento a ser eliminado.

Uma mentalidade egoísta faz com que venhamos a agir

de modo a valorizar o que temos e o que as pessoas têm em

detrimento ao que as pessoas são. Faz com que nossas relações

se tornem utilitaristas. É o egoísmo que se fecha às

necessidades das pessoas (I João 3:17) é o egoísmo a fonte de

todas as guerras (Tiago 4:1 e 2). O egoísmo pode ser definido

como aquela preferência por si mesmo em detrimento a Deus e ao

próximo. Há alguns teólogos que identificam-no como a fonte de

todos os demais pecados.

Jesus deplorou o egoísmo quando contou a parábola

131

do bom samaritano (Lucas 10:25 a 37). Os ladrões, movidos pelo

egoísmo se apossaram, violentamente, dos pertences do homem

que descia de Jerusalém para Jericó (v.30). O sacerdote,

movido por egoísmo, ao ver o homem ferido à beira do caminho,

passou de largo, pois temia por sua vida e pertences (v.31). O

levita, motivado pelo egoísmo e pelo péssimo exemplo do

sacerdote, fez o mesmo (v.32). Já o samaritano, movido por um

espírito altruísta “passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele, ...

pensou-lhe os ferimentos ... e colocando-o sobre o seu próprio animal ... levou-o para

uma hospedaria e cuidou dele”. (vs.33 e 34). E Jesus, ao final,

dirigindo-se ao intérprete da lei disse: “Vai e procede tu de igual

forma”.

O altruísmo é o antídoto contra o egoísmo. Foi a

mentalidade altruísta de Cristo que o fez abandonar a posição

exaltada ao lado do Pai e assumir a forma de servo indo até a

morte e morte de cruz. Jesus jamais buscou seu próprio

interesse. Sua vida e morte foi para Deus e por nós. Diversas

vezes Ele reiterou sua absoluta entrega ao serviço de Deus e

dos homens. Ele declarou ter vindo a este mundo buscar e

salvar o perdido (Lucas 19:10), dar sua vida em resgate por

muitos (Mateus 20:28) e como bom pastor dar sua vida pelas

132

suas ovelhas (João 10:11 e 15 a 18).

Jesus não pode salvar-se a si mesmo porque

precisava salvar os outros – Mateus 27:42. Ele provou o amor

de Deus por nós tendo morrido em nosso lugar – Rom. 5:8. Sua

vida foi colocada como propiciação pelos nossos pecados (Rom.

3:24 e 25 com Heb. 2:17). Jesus veio para dar vida eterna a

todos os que nele crêem – João 3:16 a 19, porque ele levou

sobre si as nossas enfermidades e foi traspassado por nossas

transgressões (Is. 53:4 e 5).

A mentalidade altruísta de Jesus não conheceu

limites, ela foi até ao ponto mais extremo, à insuportável

morte de cruz. Todos os horrores que Cristo suportou antes e

durante a sua crucificação foram atos de puro altruísmo. Ele

não precisa passar por tudo o que passou. Sua vida na glória

poderia ter sido mantida sem nenhum prejuízo para Ele, mas,

movido por amor, o Deus eterno se limitou ao tempo, o infinito

se limitou ao espaço e o imortal se permitiu morrer a nossa

morte para que vivêssemos a sua vida.

Fica evidente que Paulo sugere aos filipenses que

eles façam como Jesus fez e busque o interesse, (lê-se

necessidades e alvos) dos outros ao invés de cuidar

133

exclusivamente de seus próprios interesses. Jesus ensinou com

sua palavras e exemplificou com sua vida a necessidade de uma

mentalidade altruísta entre os súditos de Seu reino.

CONCLUSÃO:

Na comunidade filipense Paulo detecta três males e

receita três antídotos. Contra o partidarismo Paulo recomenda

o desprendimento; contra a vanglória Paulo recomenda a

humildade e para o egoísmo Paulo recomenda o altruísmo. Todos

estes três antídotos devem ser visto como síntese de uma só

coisa: “ter a mentalidade de Cristo” (v.5). E isto vale para a Igreja

de Cristo em todos os tempos, em especial para a do Século

XXI.

RELEITURA TEOLÓGICA

AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO,

REALIDADE E RELAÇÕES

SEGUNDO FILIPENSES 2:5 A 8

IINTRODUÇÃO:

134

O título desta releitura teológica propõe um claro

limite para ela. Os versos 5, 6, 7 e 8 do segundo capítulo da

carta de Paulo aos Filipenses servirá de limite natural para a

reflexão. Qualquer outro texto citado ou conteúdo inferido dos

mesmos, será mero instrumento de argumentação que visará

corroborar o conteúdo do texto selecionado:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo

Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como

usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou,

assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de

homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,

tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.

O contexto deste trecho pode ser conhecido em suas

particularidades no corpo da exegese elaborada nas páginas que

antecedem esta releitura. A razão de limitar o trecho é dupla:

Um trecho menor fica mais facilmente examinado e esta parte,

sem a anterior (2:1 a 4) e a posterior (2:9 a 11) representa o

cerne da discussão teológica que nos interessa no momento.

135

À luz do crivo hermenêutico Sola Scriptura (somente as

Escrituras) e seu pressuposto Tota Scriptura (Toda a Escritura),

procederemos uma análise das frases chaves do texto

selecionado. O crivo hermenêutico é deveras conhecido e

dispensa comentários. Contudo, o pressuposto citado acima

necessita ser aclarado.

Por Tota Scriptura queremos dizer que um determinado

texto nunca deve ser tomado como elemento interpretativo do

restante das Escrituras e sim o inverso, ou seja, toda as

Escrituras devem ser tomadas como princípio norteador da

interpretação que se deve dar a um texto específico. É assim

que procederemos a análise do texto referido acima

Para nos auxiliar em nossa argumentação iremos

adotar os comentários teológicos de Lewis Sperry Chafer, em

seu livro Teologia Sistemática. Ele nos fornecerá algumas

diretrizes válidas para a análise dos pressupostos teológicos

contidos no texto em consideração.

No primeiro ponto desta releitura teceremos algumas

considerações acerca da natureza divina de Cristo como

apresentada por Paulo no texto de Filipenses 2:5 a 8. No ponto

136

seguinte iremos discorrer sobre a natureza humana de Cristo

observando os limites do texto. E, num último ponto iremos

abordar a relação existente entre as duas naturezas na pessoa

única de nosso Senhor Jesus Cristo. Como frases chaves do

primeiro ponto usaremos as seguintes: “pois ele, subsistindo em forma

de Deus” e “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”; do segundo

ponto: “tornando-se em semelhança de homens” e “reconhecido em figura

humana” e, o último: “a si mesmo se esvaziou”. Nos valeremos do

tipo de argumentação tomista (usada por São Tomás de Aquino)

que estabelece primeiro o que não significa para, em seguida,

estabelecer o que significa.

I – QUANTO À NATUREZA DIVINA DE CRISTO

O que Paulo diz sobre a natureza divina de Cristo

neste texto? Esta pergunta, para ser respondida precisa ser

primeiro contextada. Se partirmos do pressuposto que Cristo é

divino então podemos já responder que Paulo fala de Cristo

como possuidor da “forma de Deus”, e “igual a Deus”, o que seria

137

algo precipitado. Não concluindo antes de expor, é necessário

indagar: Paulo ensina que Cristo é Deus neste texto? Se a

resposta a esta pergunta for positiva, o como deste ensino

deve se constituir o conteúdo deste ponto. Ou seja, como Paulo

ensina a divindade de Cristo neste texto?

Em primeiro lugar, ele afirma que Cristo subsistia

“em forma de Deus” e em segundo lugar, que Cristo “não teve como

usurpação o ser igual a Deus”. O que significa então subsistir em

forma de Deus e ser igual a Deus, neste contexto?

Em primeiro lugar não pode significar:

a) Que subsistir em forma de Deus seja diferente de

possuir a natureza divina. O verbo usado por Paulo e

traduzido como subsistir, por enfatizar a condição de um estado

anterior, aponta para o fato de que Cristo foi e é eternamente

“em forma de Deus”. Esta forma de Deus, em consonância com o

conteúdo total das Escrituras, não pode ser entendida como

mera aparência exterior da realidade interior, mas, à

aparência externa da substância divina, isto é a divindade do

Cristo pré-existente na exibição de Sua glória de ser a imagem

do Pai.

Então, por força da lógica, devemos concluir que

138

subsistir “em forma de Deus” significa possuir a própria natureza

divina em si mesmo. Paulo fala de Cristo como possuidor da

natureza divina quando de seu estado pré-encarnado. Entendemos

que outra forma de ver a frase contradiz o conteúdo geral das

Escrituras, deve-se concluir que esta é a maneira correta de

se encarar a frase “subsistindo em forma de Deus”.

O que ensinam as Escrituras? Segundo Chafer, 1) As

Escrituras chamam a Cristo de Deus: João 1:1, 1:18, Atos

20:28, Heb. 1:6 a 8, Tito 2:13 e I João 5:20; 2) Cristo

possui atributos divinos: Eternidade – Saías 9:6, Miquéias 5:2

João 1:1 e 8:58; Imutabilidade – Malaquias 3:6, Salmo 102: 25

a 27 com Hebreus 1:10 a 12 e 13:8; Onipotência – Apoc. 1:8 e

Fil. 3:21; Onipresença – Efésios 1:23, Mateus 18:20 e 28:20; e

3) prerrogativas divinas: Criar todas as coisas – João 1:3 e

10 e Col. 1:16 e 17; Preservar todas as coisas -.Heb. 1:3 e

Col. 1:17; Ressucitar os mortos – II Cor. 1:9 com João 5:21,

28 e 29 e 11:25; Recompensar os santos – II Cor. 5:10; Julgar

o mundo – João 5:22 e Apoc. 20:12; Receber adoração – Sal.

95:6 com João 5:23, Lucas 24:52.159

Colin Brown, fazendo justiça ao conteúdo bíblico,

159 Chafer, op. cit. p. 261 a 283

139

concernente ao assunto, esclarece que em Filipenses 2:6 e 7 as

expressões não significa que a natureza essencial de

Cristo foi diferente de Sua forma, como uma casca externa, ou

um papel desempenhado por um ator. Mas, que a natureza

essencial de Cristo é definida como sendo divina, isto é,

encarada como algo que existe ‘em’ a substância e o próprio

poder divinos.160

Bruce falou em termos de participação na essência

divina161 e Barclay esclarece que a é a essência imutável,

enquanto é a forma externa que muda de tempo em tempo e

de circunstância em circunstância.162

A afirmação paulina de que Cristo possuía (em seu

estado pré-encarnado) e continuou possuindo – como indica o

verbo usado – (em seu estado encarnado e ressurreto) a “forma de

Deus” é mais uma asserção da realidade da natureza divina de

Jesus Cristo.

b) Não significa também que ser igual a Deus seja

diferente de equiparação absoluta com o Pai – Interpretando a

expressão “ “não julgou como usurpação” como

160 Brown, Colin – op. cit. – Vol. 2 – p. 278 e 279 Bruce, op. cit. p. 77161 Barclay, op. cit. p. 35162

140

algo a que Jesus Cristo aspirava e não como a algo pertencente

a ele a que ele não julgou digno de apego, poderia se concluir

que Cristo não era igual a Deus, mas que poderia vir a ser,

como de fato veio a ser depois de exaltado por Deus. Esta

concepção faz do Cristo pré-encarnado um ser inferior a Deus

que, por causa da sua condescendência e absoluta obediência a

Deus veio a se tornar igual a Deus.

Mas, a expressão “ser igual a Deus” não deve ser vista

como algo a que Cristo aspirava e sim, como algo que já era

sua posse no estado pré-encarnado. O uso da expressão “Eu sou”

(João 8:58, 11:25, 14:6) por Jesus nos leva concluir que Ele é

o próprio Jeová do Antigo Testamento. Assim, a frase “ser igual a

Deus” deve levar-nos a concluir que Jesus é tão divino quanto

Seu próprio Pai. Ele mesmo disse: “Quem me vê a mim, vê o Pai” –

João 14:9 e “eu e o Pai somos um” - João 10:30. Ele é “a expressão

exata do seu Ser” – Heb. 1:3, aquele que revelou o Pai – João

1:18, o detentor da imagem de Deus – Col. 1:15 em quem habita

a plenitude da divindade – Col. 2:9. A eternidade do Cristo-

Deus com Deus e sendo Deus, conforme João 1:1, leva-nos a

concluir que ser igual a Deus pressupõe equivalência absoluta

do Logos em relação ao Pai.

141

Das considerações feitas, uma conclusão se

depreende: Quando Paulo afirmou que Jesus Cristo subsistia “em

forma de Deus” e que Cristo “não teve como usurpação o ser igual a Deus”

ele afirmou, em consonância com o ensino de toda a Escritura,

que Jesus Cristo é, sempre foi e sempre será tão divino quanto

Deus Pai. Portanto, nenhuma outra conclusão contrária pode ser

considerada coerente com o ensino Paulino.

II – QUANTO À NATUREZA HUMANA DE CRISTO

Paulo, além de afirmar a divindade de Cristo, neste

texto em consideração, claramente afirma que ele, esvaziou-se

“tornando-se em semelhança de homens” e foi “reconhecido em figura

humana”. Estas duas frases serão consideradas neste ponto.

O que significa tornar-se em semelhança de homens?

Em que sentido Jesus foi reconhecido em figura humana?

Em primeiro lugar, não pode significar, como

pensavam os docetistas, que ele parecia ser humano. O termo

segundo B. C. Caffin e Lightfoot expressa que Jesus

Cristo, não assumiu uma pessoa, mas sim, a natureza humana em

142

sua plenitude163. Barclay complementa afirmando que a frase

expressa a admissão, da parte do encarnado, de uma realidade

nova, ainda que não expresse permanência.164 O ensino docetista-

gnóstico é preconceituoso por partir do pressuposto de que a

matéria é má, ensino este que se encontra nas bases de sua

teodicéia e cosmogonia. Assim, este pressuposicionalismo

docético, os impede de compreender o ensino geral das

Escrituras que afirma uma encarnação real e plena.

O ensino geral das Escrituras foi bem compreendido

por Barth quando afirmou: “Fala-se aqui, portanto, de seu tornar-se ser

humano, que não se constitui de mero disfarce – é despojamento, desistência de sua

posição e subsistência divinas” e acrescenta “Paulo usa ‘semelhança’ para

diferenciar a adoção de condição humana por parte de Jesus, de uma adoção da

pecaminosidade humana165”. Fica evidente, Paulo afirma que Jesus

Cristo assumiu para si uma nova realidade plena em suas

manifestações e essência.

O que as Escrituras ensinam a respeito desta

questão? Elas ensinam que a humanidade de Jesus Cristo era

plena em todos os sentidos. Elas ensinam que Jesus possuía um

corpo, alma e espíritos humanos. Este ensino está colocado em163 B. C. Caffin, op. cit. p. 60164 Barclay, op. Cit. p.35165 Barth, op. cit. p. 46

143

posição central no aspecto cristológico da fé cristã – I João

4.2 e 3; Mateus 26.38 e João 13.21.166

Também ensinam que Cristo possuía limitações

humanas: ele ficava cansado - João 4.6, ele teve sede – João

4.7, cresceu em sabedoria – Lucas 2.40, foi tentado – Lucas

4.2, ele orava – Mateus 26.36, sentia sono – Lucas 8.23, e por

fim, morreu – João 19.30.

A frase “reconhecido em figura humana” não pode

significar que Jesus Cristo tenha sido confundido com os

homens, mas não tenha sido humano em plenitude. A expressão ser

reconhecido em figura humana deve ser entendida como alusiva à fase

terrestre de Jesus Cristo. A palavra grega faz alusão à

aparência externa e alude apenas ao aspecto visível da

humanidade de Jesus Cristo.

As Escrituras ensinam que Jesus Cristo foi

reconhecido como perfeitamente humano por algumas pessoas. A

mulher samaritana no poço de Sicar – João 4.9, os membros do

sinédrio - João 10.33, Pilatos – João 19.5, e, Pedro o

designou varão – Atos 10.38.

Das considerações feitas neste ponto devemos

166 Chafer, op. Cit. p.299

144

extrair a seguinte conclusão: Jesus possuía plena humanidade.

Ele não tomou para si um corpo já existente, ele encarnou-se,

ou seja, fez para si um corpo, o Verbo eterno assumiu a

natureza humana. Esta natureza humana era perfeita em sua

essência e manifestações. O Verbo assumiu forma humana e foi

reconhecido pelos humanos como possuidor de humanidade plena.

As Escrituras não deixam dúvidas quanto à genuinidade da

natureza humana de Cristo. Tudo o que nos faz humanos, estava

presente na pessoa de Jesus Cristo.

III – QUANTO À RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE AS DUAS NATUREZAS

Mais difícil de se estabelecer do que o ensino

acerca das naturezas de Cristo é a relação existente entre

ambas na única personalidade de Jesus. Muitos debates foram

feitos nos primeiros séculos da cristandade a fim de se chegar

a um consenso quanto ao assunto. Desde o início da Igreja já

havia alguns que compreendiam mal esta intrincada relação. Os

docetistas negavam a natureza humana de Cristo e assim,

evitavam o problema. Os ebionistas negavam a natureza divina e

145

obtinham o mesmo resultado. Ambos laboravam em grande erro,

mas ficavam livres de ter que harmonizar as duas naturezas na

única personalidade do Salvador.

Mais sério do que o erro dos docetistas e dos

ebionistas foi o erro de Ário. Ele negava a realidade plena da

natureza divina de Cristo, colocando-o um pouco abaixo de

Deus. Embora deixasse a natureza humana intacta, ele reduzia a

natureza divina por causa de seu zelo pelo monoteísmo a-

trinitariano.

Apolinário por sua vez, tentando afirmar a natureza

divina acabou reduzindo drasticamente a natureza humana de

Jesus. Para ele Jesus possuía corpo e alma humanos, mas o

espírito que havia dentro de Jesus era proveniente de cima.

Assim, Jesus era quase humano, todavia, animado por um

espírito divino.

Nestório, apesar de afirmar tanto a natureza divina

quanto a humana de Jesus, negava que houve qualquer tipo de

relação entre ambas. Desta forma ele parecia conceber Jesus

como um homem que era carregado por Deus.

Já o ancião Eutiques ensinava que a natureza divina

se fundiu à natureza humana de tal modo que era impossível

146

divisar qualquer distinção entre ambas depois da encarnação.

Ele afirmava que Jesus possuía duas naturezas antes de

encarnar e somente uma depois de encarnado. Esta terceira

natureza resultante da fusão das duas anteriores era divina e

humana apenas em partes, não era em plenitude.

Todos estes ensinos condenados pela igreja laboram

em três frentes. Alguns negam uma ou outra natureza, no caso

os docetistas e ebionistas. Outros optaram por diminuir, em

alguns aspectos alguma das naturezas, no caso o arianismo que

diminui a natureza divina, Apolinário diminuiu a natureza

humana e Eutiques diminuiu ambas. Nestório negou um outro

ponto essencial, ou seja, a relação existente entre ambas as

naturezas.

O ensino ortodoxo procurou contornar estes erros

afirmando três coisas: 1) A realidade das duas naturezas na

única personalidade do Salvador; 2) Um natureza nada

acrescenta ou diminui à outra; e 3) As duas naturezas se

harmonizam na única personalidade do Salvador.

Muitas dúvidas têm surgido ultimamente em torno do

assim chamado mistério quenótico. O ponto nevrálgico do debate

é o real sentido da expressão paulina a si mesmo

147

se esvaziou. O que significa esta expressão? Como devemos entendê-

la à luz de todo o ensino das Escrituras?

Em primeiro lugar não deve significar que a

natureza divina tenha adicionado algo à natureza humana. O

erro de Apolinário está nesta categoria. A natureza divina não

divinizou a humana, nem a humana humanizou a divina. Elas

permaneceram intactas em si mesmas. A expressão calcedônica:

“confessamos...nosso Senhor Jesus Cristo ... e perfeito na humanidade... com alma

racional e corpo...” se opõe ao ensino de Apolinário. A fé calcedônica

não aceitou nenhum tipo de diminuição em qualquer uma das

naturezas de Cristo.

Em segundo lugar não pode significar que a natureza

humana tenha diminuído algo da natureza divina. Ao afirmar:

“confessamos ... nosso Senhor Jesus Cristo ... que é perfeito em sua divindade...” a

fé calcedônica rejeitava os ensinos de Ario e Nestório. O

esvaziamento de Cristo jamais deve ser entendido como um

desistir de sua existência divina. Nenhum atributo foi

abandonado por ocasião da encarnação. Nenhuma prerrogativa

divina foi deixada de lado.

148

O que houve então? Jesus Cristo assumiu uma natureza

humana e a colocou lado a lado com a natureza divina que possuía

anteriormente. Ele apenas colocou-se submisso ao Pai no que

tange ao uso de seus atributos e prerrogativas divinas para

realizar a obra que o Pai confiara a ele realizar.

Em terceiro lugar não pode significar que as duas

naturezas tenham se fundido formando uma terceira. A expressão

calcedônica:“...de uma essência com o Pai segundo a divindade e da mesma

essência que nós segundo a humanidade...” refuta o ensino de Eutiques.

Não houve nenhuma espécie de fusão. A natureza divina

persistiu em Cristo em perfeita harmonia com a humana sem que

houvesse qualquer interferência entre elas. Jesus não era às

vezes divino, às vezes humano, como pensam muitos que ignoram

o ensino geral das Escrituras. Jesus é Deus-homem, desde a

eternidade Deus e dentro do tempo Deus e homem.

Concluímos afirmando que Jesus sempre foi e sempre

será absolutamente igual a Deus. Em nenhum momento ele deixou

de ser como é o Pai. Quando encarnou-se, o Verbo divino, que

sempre foi e é igual ao Pai, passou também a ser, em todos os

sentidos, igual aos homens e desde então continua identificado

a toda a raça humana.

149

CONCLUSÃO

Concluímos esta releitura teológica reiterando o

que afirmamos acima, depois de levantarmos os devidos

questionamentos. Subsistir em forma de Deus equivale a possuir

a natureza de divina. Ser igual a Deus pressupõe equiparação

absoluta do Logos com o Pai. Tornar-se em semelhança de homens

e ser reconhecido em figura humana equivale a ser humano como

qualquer outro ser humano. Esvaziar-se equivale a fazer o que

é necessário para compatibilizar as duas naturezas com a

personalidade única do Salvador. Assim, estabelece-se o ensino

bíblico e histórico concernente às duas naturezas de Cristo,

sua realidade e relações.

150

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