EXEGESE DOUTRINÁRIA
por
Marcos Henrique de Araújo
Parte integrante da Disciplina:
Teologia Bíblica
Tema: Cristologia
Sub-tema: As Duas Naturezas de Cristo
Seminário e Instituto Bíblico Betânia
Altônia – Paraná
2000
PREFÁCIO
Por muito tempo venho sonhando fazer uma exegese
séria em Filipenses 2 de 1 a 11. Depois de horas diante de
livros volumosos, antigos e de difícil leitura, acabo de
tornar realidade meu sonho. A recompensa eu já obtive, em
parte, pelo prazer que a pesquisa e o meditar proporciona. No
transcorrer da pesquisa, redação e digitação divaguei,
devaneei pelo cansaço, mas quando lúcido, me deixei enebriar
pela graça que flui do texto sagrado, pelo exemplo de Jesus e
pelas sábias palavras de Paulo e dos renomados comentaristas
que consultei.
O texto escolhido é um texto importantíssimo para a
teologia, em especial para a cristologia, parte essencial da
teologia cristã, que, lamentavelmente, tem recebido pouca ou
quase nenhuma atenção. Esta exegese, feita dentro das
limitação que as circunstâncias impuseram, é dedicada aos
alunos do Seminário e Instituto Bíblico Betânia. Meu intuito,
além de exaltar a Cristo, foi de deixá-la como parte
2
integrante da matéria de teologia, a fim de incorporar e
reforçar o ensino que aqui se faz da pessoa e obra de Jesus
Cristo.
Agradeço a Jesus pelo exemplo, ao Espírito Santo
pela inspiração, a Paulo pelo discernimento espiritual, a
Iracy, minha esposa, pela encarnação do exemplo de Cristo e a
Raquel e Lucas, minhas “pequenas alegrias” no Senhor.
Soli Deo Gloria
Altônia – Paraná
Janeiro de 2000
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................
..............................................................
..04
1.ANÁLISE
TEXTUAL.......................................................
................................................05
1.1 Texto
3
Original......................................................
...........................................................05
1.2 Tradução da
Perícope......................................................
................................................06
2. CONTEXTO
HISTÓRICO ....................................................
..........................................08
2.1
Autoria.......................................................
..............................................................
.......08
2.2 Data e
Lugar.........................................................
..........................................................09
2.3
Destinatários.................................................
..............................................................
....10
2.4 Situação Política e Social de
Filipos.......................................................
4
..........................12
2.5 Situação Religiosa de
Filipos.......................................................
....................................13
2.6 – Propósitos da
Epístola......................................................
............................................14
2.7 Problemas Abordados na
Epístola......................................................
.............................15
2.8 – A
Crucificação..................................................
...........................................................16
2.9 – Nota
Textual.......................................................
.........................................................20
3. ANÁLISE
SEMÂNTICA.....................................................
.............................................22
4. SÍNTESE DO
SIGNIFICADO...................................................
5
.......................................78
5. RELEITURA
PASTORAL......................................................
.........................................79
6. RELEITURA
TEOLÓGICA.....................................................
........................................89
BIBLIOGRAFIA..................................................
..............................................................
100
INTRODUÇÃO
Ao decidir por elaborar uma exegese do texto de
Filipenses 2.1 a 11, tínhamos em mente uma elaboração bíblico
teológica, onde o tema em consideração deveria ser a natureza
humana de Jesus Cristo. Mas, como fruto do próprio labor da
pesquisa, o tema a natureza divina de Jesus Cristo surgiu
6
naturalmente. Da análise do texto surgiu também uma pequena
exposição teológica que o próprio texto que se fez necessária
a partir do propósito a que esta exegese se destina.
Foram três semanas intensas de pesquisa e muitas
descobertas. O texto fascina os leitores das Escrituras e
inspiram belos sermões. Sua análise se faz necessária pra
qualquer estudioso das Escrituras que deseje aprofundar-se no
conhecimento das nuances do ensino cristológico nas epístolas
paulinas.
Por ser uma exegese com pressupostos gramáticos-
históricos, num primeiro momento iremos fazer uma exposição do
contexto histórico no qual e epístola em consideração está
inserida. Num segundo momento iremos fazer uma síntese do
significado, onde um breve resumo será fornecido do conteúdo
geral do texto em apreço.
Num terceiro e último momento iremos elaborar uma
releitura pastoral e uma releitura teológica. A releitura
pastoral se preocupará em expor os ensinos práticos que se
depreendem do texto analisado. Na releitura teológica será
apresentado o tema as duas naturezas de Cristo, sua realidade
e relações.
7
1. ANÁLISE TEXTUAL
1.1 TEXTO ORIGINAL – FILIPENSES 2.1 A 11
1 Fonte: Novo Testamento Trilingüe - Soc. Rel. Ed. Vida Nova – Primeira Edição – 1998
1.2 TRADUÇÃO DA PERÍCOPE
TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA BÍBLIA – FILIPENSES 2.1 A 11
2.1 – Se há, pois, um apelo em Cristo, um encorajamento no
amor, uma comunhão no Espírito, um impulso de afeta e
compaixão,
2.2 – então cumulai a minha alegria vivendo em pleno acordo.
Tende um mesmo amor, um mesmo coração; procurai a unidade;
2.3 – nada façais por rivalidade, nada por vanglória, mas, com
humildade, considerai os outros superiores a vós.
2.4 – Que cada um não olhe só por si mesmo, mas também pelos
outros.
2.5 – Comportai-vos entre vós assim, como se faz em Cristo:
2.6 – ele, que é de condição divina, não considerou como presa
a agarrar o ser igual a Deus.
2.7 – Mas despojou-se, tomando a condição de servo, tornando-
se semelhante aos homens, e por seu aspecto, reconhecido como
homem;
10
2.8 – ele se rebaixou, tornando-se obediente até a morte, e
morte numa cruz.
2.9 – Foi por isso que Deus o exaltou soberanamente e lhe
conferiu o Nome que está acima de todo nome,
2.10 – a fim de que ao nome de Jesus todo joelho se dobre, nos
céus, na terra e debaixo da terra,
2.11 – e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a
glória de Deus Pai.
NOVO TESTAMENTO TRILÍNGÜE – VERSÃO ALMEIDA REVISTA E
ATUALIZADA
2.1 – Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma
consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há
entranhados afetos de misericórdias,
2.2 – completai a minha alegria. De modo que penseis a mesma
coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o
mesmo sentimento.
2.3 – Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por
humildade, considerando cada um os outros superiores a si
11
mesmo.
2.4 – Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu,
senão também cada qual o que é dos outros.
2.5 – Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus,
2.6 – pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como
usurpação o ser igual a Deus;
2.7 – antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de
servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em
figura humana,
2.8 – a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a
morte e morte de cruz.
2.9 – Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o
nome que está acima de todo nome,
2.10 – para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos
céus, na terra e debaixo da terra,
2.11 – e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para
glória de Deus Pai.
12
2. CONTEXTO HISTÓRICO
2.1 Autoria
Esta epístola aos Filipenses é aceita como de
autoria paulina por quase todos os eruditos, embora alguns
julguem que ela represente mais de uma epístola. Policarpo, em
sua Carta aos Filipenses 3:2 – afirma que Paulo enviou epístolas à
comunidade cristã de Filipos, daí a concepção de que a
presente composição literária seja o ajuntamento de algumas
destas epístolas que foram enviadas. Alguns identificam o
capítulo três como uma carta à parte. Apesar da dúvida
permanecer quanto à integralidade da epístola, ela mesma
reivindica a autoria paulina – 1:1. O conteúdo geral, o estilo
e o vocabulário dela aponta para a autoria paulina.2
Hendricksen, Barclay, Bruce, Barth, Muller, Lenski,
Martin e Penissi concordam com as afirmações de Champlin e
deixam claro a opinião da grande maioria dos comentaristas
2 Champlin R. N – O Novo Testamento Interpretado, 1995, Vol 5 -.p. 1
13
bíblicos a favor da autoria paulina.
2.2 Data e Lugar
A datação desta epístola, bem como as de Efésios e
Colossenses, depende do lugar onde Paulo as redigiu. É certo,
a deduzir pelas referências às cadeias – 1:13 e 14, que Paulo
se encontrava aprisionado. Três foram as cidades, segundo
relato de Atos dos Apóstolos, onde Paulo ficou aprisionado –
Cesaréia, Éfeso e Roma. A cidade de Roma tem sido apresentada
como o lugar aceito tradicionalmente como lugar origem das
chamadas cartas de prisão. Alusões à casa de César – 4:22 e ao
pretório – 1:13, dão a entender que Roma tenha sido o lugar de
origem desta epístola.
Cesaréia tem sido apresentada como outra possível
14
origem. Em 1731, na cidade de Leipzig, surgiu um escrito de um
erudito chamado Oeder, que defendia a tese da origem da carta
em Cesaréia. Alguns problemas surgem naturalmente desta tese.
Em primeiro lugar, a natureza suave da prisão imposta a Paulo
em Cesaréia – Atos 25:21 e 26:32, contrasta com os perigos de
morte a que Paulo faz alusão nestas epístolas da prisão. Além
disto, Paulo fala de uma grande comunidade cristã em 1.12 e
13, o que contrasta com a insignificante comunidade cristã
existente nesta cidade.
Uma outra possibilidade é a cidade de Éfeso. Alguns
comentaristas, entendendo literalmente o texto de I Cor.
15.32, acham que Paulo ficou preso, sob grave risco de vida,
na cidade de Éfeso, evento que Lucas não narrou em seus Atos
dos Apóstolos. Algo que pesa a favor da tese de Éfeso é a
menção às constantes idas e vindas de Epafrodito de Filipos ao
lugar onde Paulo se encontrava aprisionado. Caso fosse a
prisão em Roma estas idas e vindas seriam, na opinião de
alguns, senão impossíveis em menos de dois anos, raras, dada a
distância entre Filipos e Roma. Éfeso é muito mais próximo de
Filipos do que Roma. O possível e iminente martírio é visto em
conexão com I Cor. 15:32. Quanto `a data, se de Cesaréia,
15
entre 56 a 58 AD, se de Éfeso, mais cedo ainda, cerca de 53 ou
54 AD, mas, se de Roma, como pensam a maioria dos
comentaristas, de 58 a 62 AD.3
2.3 Destinatários
Paulo escreve esta carta a “todos os santos em Cristo
Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos...” – 1:1. Esta
comunidade cristã foi fundada pelo próprio apóstolo Paulo
quando de sua primeira estada naquela cidade macedônica. Foi
durante a sua Segunda viagem missionária que Paulo, depois de
uma visão em Trôade, onde um varão macedônico lhe apareceu em
uma visão, “navegou de Trôade /.../ a Neápolis e dali a Filipos, cidade da
Macedônia, primeira do distrito e colônia.”- Atos 16:6 a 12.
Como não havia sinagoga em Filipos, Paulo e Silas,
seu companheiro nesta viagem, se dirigiram a um grupo de
mulheres judias que se reuniam nas margens do rio Gangites –
Atos 16:13. Lídia, uma vendedora de púrpura da cidade de
3 Idem, p. 2-3
16
Tiatira, teve o seu coração aberto por Deus para atender às
coisas que Paulo dizia. Sua casa foi a primeira e se agregar
ao cristianismo, em terras européias por influência do
ministério apostólico de Paulo – Atos 16:14 e 15..
Uma certa jovem adivinha, seguindo a Paulo e Silas
dizia serem estes “servos do Deus Altíssimo” e que anunciavam “o
caminho da salvação”- Atos 16:16 e 17. Paulo, recusando a
propaganda gratuita e suspeita, repreendeu o demônio e este
retirou-se da jovem. Aqueles que lucravam com as adivinhações
que a jovem fazia acusaram a Paulo e Silas de causarem
tumultos e propagarem costumes e crenças inaceitáveis a
cidadão romanos – Atos 16:19 a 21. Depois de açoitados, Paulo
e Silas foram presos “com toda segurança” – Atos 16:22 e 23.
Por volta da meia noite, Paulo e Silas oravam e
cantavam louvores a Deus, quando sobreveio um terremoto que
sacudiu os alicerces da prisão abrindo as portas e soltando as
cadeias de todos os presos. O carcereiro se desesperou e quis
por fim à sua vida por temer a execução sumária, imposta pelo
império aos carcereiros relapsos e incompetentes. Paulo o
impediu de fazer tal loucura e evangelizou a ele e sua casa.
Depois de batizá-los, Paulo exigiu que os pretores viessem
17
pessoalmente libertá-los, uma vez que havia açoitado e
aprisionado um cidadão romanos sem o devido julgamento – Atos
16:26 a 39. Saídos do cárcere, Paulo e Silas voltaram à casa
de Lídia para rever os irmãos e partiram para a cidade de
Tessalônica – Atos 16.40 e 17:1.
Esta pequena comunidade foi visitada outras vezes
pelo apóstolo – Atos 20:1 a 6 e II Cor. 2.:13. Paulo, além de
não se esquecer dos irmão de Filipos, ele não se esqueceu
também dos ultrajes que sofrera naquela cidade – I Tes. 2:1 e
2.
Quando Paulo escreve a epístola que foi canonizada
pela Igreja, uma comunidade cristã bem organizada e
estruturada se encontrava naquela cidade macedônica. A
referência a bispos e diáconos, a primeira referência a alguma
hierarquia na Igreja Primitiva, dá-nos a entender que já havia
algum avanço em termos de estruturação administrativa daquela
jovem igreja. A ausência de citação do Antigo Testamento, no
corpo da epístola, e de nomes de judeus, indica que a igreja
de Filipos era, em sua maior parte constituída por gentios.4
4 Bíblia de Estudo de Genebra – 1999 - p. 1411 – Nota Introdutória à Carta de Paulo aos Filipenses
18
2.4 Situação Política e Social de Filipos
A situação política e social era das melhores que
uma colônia romana pudesse desejar para seu naturais. A cidade
de Filipos tem sua história contada a partir do quarto século
antes de Cristo. No ano 360 aC, Filipe II, pai de Alexandre
Magno, a tomou dos tracianos, a fortificou, explorou e deu a
ela seu próprio nome – COLÔNIA IULIA (AUGUSTA) PHILIPPENSIS.
Em 176 aC, o romano Aemilius Paulus transferiu a colônia para
o império romano.
Sua distância da cidade portuária de Neápolis
(cerca de 14 quilômetros pela Via Egnatia) a prejudicou e
Anfípolis ficou sendo a sede administrativa da província de
Macedônia. Em 42 aC Filipos foi cenário das batalhas entre as
facções republicanas de Brutus e Cassius e os exércitos
romanos de Otávio e Marco Antônio. Após a derrota de Marco
Antonio e Cleópata, em 31 aC, na batalhe de Actium, alguns
soldados de Otávio se estabeleceram nesta colônia macedônica.
Otávio Augusto concedeu a Filipos o privilégio e
status de jus italicum, o privilégio pelo qual “a posição legal,
19
integral, dos colonizadores, com respeito a propriedade, transferência de terra,
pagamento de impostos, administração local e leis, considerava-os como se estivem
em solo italiano, onde mediante uma ficção legal, de fato estavam”. 5
A presença de magistrados (oficiais de justiça) e
pretores (praetores duunviri) em Filipos atesta o status
privilegiado que a cidade gozavam perante o império romano.
Por ser uma colônia romana, os cidadãos naturais dali gozavam
dos privilégios que acompanhavam a cidadania romana, os
direitos de “libertas, immunitas e jus Italicum” – governo próprio,
isenção de impostos imperiais e direitos iguais aos dos
cidadãos italianos.
As cidades romanas se dividiam em duas classes
distintas: 1) as municipia ou cidades livres, e; 2) as colônias.
As cidades livres eram aquelas que eram incluídas no estado e
as colônias eram rebentos vindos de dentro do estado. Não
havia diferença alguma entre elas no que tange aos direitos e
privilégios. As colônias eram, inicialmente, postos avançados
dos exércitos imperiais e meios de subsistência dos pobres de
Roma. Posteriormente, muitas delas, inclusive Filipos, se
tornaram o lar dos veteranos de guerra do vasto exército
5Martin, R. P. – Filipenses – Introdução e Comentário – 1985- p. 15 a 17
20
romano.6
2.5 Situação Religiosa de Filipos
Quando de sua primeira visita a Filipos, o apóstolo
Paulo foi preso sob duas acusações: 1) distúrbio da ordem
social, e; 2) Introdução de uma religião ilícita – Atos 16:20
e 21. A religião praticada em Filipos era aquela que tinha a
sanção pública do Estado. O clima religioso de Filipos era o
de sincretismo. O panteão grego de deuses, mais o romano,
uniam-se em um culto de adoração importado do ocidente próximo
e esta fusão foi imposta do pano de fundo da religião indígena
traciana da região.
Artemis, (deusa da caça) sob o nome de Bendis,
Marte, (deus da agricultura e da guerra) sob o nome de
Mindrito, Silvano, (deus dos campos e florestas), Iris,
Serápis, Apolo, Asclépio, Men e Cibele tinham a devoção dos
filipenses. O deus Sabázeo, era identificado com Iavé dos
6 Champlin, R. N. – O Novo Testamento Interpretado – 1995 - Vol. 3 – p. 334
21
judeus e Zeus dos gregos, sendo o “Deus Altíssimo” proclamado pela
adivinha que gritava atrás de Paulo e Silas, dizendo serem
estes seus servos.
O culto ao imperador era também uma prática comum
no contexto religioso sincretista de Filipos. O título de religio
licita concedido por Roma à religião de Filipos, atesta o caráter
pagão da religiosidade filipense.7
2.6 – Propósitos da Epístola
Paulo, pelo que o texto de Filipenses 2:19 a 30
indica, estava prestes a enviar a Filipos Timóteo e Epafrodito
e esta epístola foi primeiramente redigida para encorajar a
comunidade cristã filipense a receber esses mensageiros, uma
vez que, ao que tudo indica, em especial o último, não gozava
da aceitação de toda a comunidade, talvez em especial da parte
daqueles a quem Paulo denomina “maus obreiros´ em 3:2.
O irmãos de Filipos haviam enviado, por diversas
7 Martin, op. cit. - p. 18 a 20
22
vezes, ajuda financeira ao apóstolo Paulo e ele aproveita o
ensejo para agradecer-lhes pelos donativos recebidos – 1:5,
4:10 a 14. Em meio à perseguição enfrentada pelos irmãos de
Filipos, Paulo busca animá-los com o seu exemplo, com palavras
de incentivo e exortações à alegria e firmeza cristã – 1:27 a
30, 2:15 a 18 e 4:1 e 4.8
Além destas objetivos, recomendação de Epafrodito e
Timóteo, agradecimento e palavras de ânimo aos perseguidos,
Paulo lida com alguns problemas que haviam surgido no seio
daquela comunidade cristã. Estes serão abordados no próximo
sub-ponto deste contexto histórico.
2.7 - Problemas Abordados na Epístola
Três problemas podem ser claramente identificados:
1) Questões pessoais não resolvidas – 4:2; 2) Surgimento de
grupos que almejavam a primazia e pregavam uma pseudo-
perfeição já obtida – 3:12 a 16, e; 3) Surgimento de um grupo
judaizante (talvez farisaico) que pregava o retorno à lei
8 Champlin, R. N. op. cit. Vol. 5 - p. 3
23
mosaica como meio para se obter salvação – 3:2 a 11.
Quanto às questões pessoais não resolvidas alguns
comentaristas julgam que além da conhecida animosidade nutrida
por Evódia e Síntique, duas líderes de congregação em seus
respectivos lares– 4:2, ainda havia alguns que, movidos por
desejo vanglória, se julgavam donos do rebanho e colocavam em
risco a unidade cristã. A perícope escolhida para esta exegese
tenha este problema como seu objeto de consideração.
Quanto ao surgimento de grupos que almejavam a
primazia e pregavam uma pseudo-perfeição já obtida – 3:12 a 16
– alguns comentaristas advogam a tese de que havia alguns
partidos dentro da comunidade que se julgavam aptos para
dirigir o destino da comunidade e procurava influenciá-la no
sentido de se julgarem perfeitos, sem necessidade de
progresso. Contra esses Paulo exorta a comunidade a “desenvolver
a salvação com tremor e temor” – 2:12 e “esquecer-se das coisas que para trás
ficam, avançando, prosseguir para o alvo da soberana vocação de Deus em Cristo”
– 3:13 a 16.
Quanto ao último grupo, o daqueles que queriam
fazer a comunidade voltar aos rudimentos da lei, Paulo é
severo em sua linguagem chamando-os de “cães”, “maus obreiros”,
24
“falsa circuncisão” e “inimigos da cruz de Cristo” – 3:2 e 18. Contra
esses Paulo adverte os irmãos a permanecerem firmes na
mensagem do evangelho da graça de Cristo.9
Tanto as questões pessoais, como o surgimento
destes dois grupos, atentam contra a unidade cristão , e,
segundo Paulo devem ser extirpados do corpo de Cristo para que
este seja sadio e possa se desenvolver com liberdade e
maturidade. Mas, para que isto se torne uma realidade, é
necessário, segundo Paulo que os filipenses tenham “o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus”- 2:5.
2.8 – A Crucificação
Cícero, grande orador e escritor romano dizia: “o
próprio nome (da cruz) deveria ser excluído não só do corpo, mas também dos
pensamentos, dos olhos, dos ouvidos dos cidadãos romanos”. Este seu dizer
ressalta o caráter hediondo desta modalidade de execução que
existia nos tempos de Jesus e Paulo.
9 Idem – p. 3
25
A crucificação era um método muito antigo de
execução, tão antigo quanto bárbaro. Geralmente a crucificação
se dava fora dos limites de uma cidade, em geral a vítima era
constrangida a carregar, parte de sua cruz, até ao lugar onde
seria levantado. As mãos, (provavelmente o pulso ou o
metacarpo) eram cravadas, primeiro a mão direita e depois a
esquerda. Nalgumas execuções os pés eram também perfurados por
longos e grossos cravos. Nalgumas cruzes não haviam encosto
para apoiar os pés, noutras havia um encosto próprio para que
a vítima pudesse sobre ele se apoiar.
A morte era lenta, podendo chegar até a nove dias.
As dores experimentadas pelo crucificado eram intensas, as
artérias da cabeça e do estômago ficavam grossas de sangue. Às
vezes havia febre traumática e tétano. Nalgumas ocasiões, para
acabar com o sofrimento do crucificado, um soldado quebrava
suas pernas para que a morte viesse mais rápido. As pernas
eram literalmente esmagadas, quando não eram queimadas por uma
fogueira acesa pelos soldados no pé da cruz. A tortura da cruz
era a forma mais horrenda, desumana e sem misericórdia que
jamais foi inventada pelo homem
26
Praticada primeira pelos persas, e posteriormente
pelo romanos, a execução pela cruz não era reconhecida pelos
judeus como objeto de execução. Apedrejamento era tudo o que
os líderes judaicos tinham como meio de re-orientação da
sociedade e execução sumária dos malfeitores. Os judeus,
depois de enforcarem, dependuravam o corpo da vítima numa
árvore indicando que este era amaldiçoado por Deus – Deut.
21:22 e 23.10
É provável que a tinha uma viga atravessada
para completar a forma de cruz que conhecemos. O homem
condenado podia ser afixado à cruz que ficava deitada no chão
no local da execução ou amarrado à viga transversal e erguido
juntamente com a viga horizontal. Talvez a cruz fosse um pouco
mais alta do que altura de um homem de estatura mediana. O uso
de pregos não era muito comum. O corpo da vítima, muitas vezes
era dado a parentes ou conhecidos, mas havia casos em que era
deixado apodrecer no patíbulo servindo de comida dos
predadores e corvos.
Na judéia dos tempos de Jesus, a sentença de
crucificação e da execução dependia inteiramente das10 Champlin, R. N. – Novo Testamento Interpretado – 1995 – Vol. 1 – p. 632 E 633 Termo grego para cruz.11
27
autoridades romanas. Os libertos eram isentos desta pena de
modo geral. Ela era aplicada apenas aos escravos e em casos de
crimes sérios aos libertos também. As ofensas contra o Estado
eram os casos mais comuns. A pena visava a manutenção da ordem
e a crueldade da execução cumpria bem este propósito. A morte
vinha devagar, depois de horas de agonias extraordinárias,
provavelmente por exaustão ou sufocação. Esta forma cruel de
execução era uma arma punitiva muito importante nas mãos dos
dominadores romanos. Tanto Josefo como Cícero a julgavam-na
repugnante e indigna da humanidade.12
Josh McDowell, em seu livro As Evidências da Ressurreição
de Cristo dedica algumas páginas para discorrer sobre a execução
sumária por crucificação. Segundo ele,
A partir de várias referências encontradas nos trabalhos de Heródoto
e Tucídides pode se asseverar que, se não foram os persas que
inventaram a crucificação, pelo menos eles a praticavam em larga
escala. Uma das melhores fontes sobre a prática da crucificação é a
inscrição de Behisto na qual Dario conta que crucificou vários líderes
rebeldes que ele havia conquistado.
12 Brown, Colin – Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – Vol. 1 - p. 557 a 559
28
Foi Alexandre Magno quem a introduziu no ocidente.
Há indícios de que os romanos aprenderam a crucificar suas
vítimas com os cartagineses. Will Durant escreveu que “até
mesmo os romanos se compadeciam de suas vítimas.”
A crucificação, dada à sua natureza repulsiva e
degradante, não era praticada contra os cidadãos romanos,
sendo reservada aos escravos, a fim de desencorajar revoltas,
ou para aqueles que se rebelassem contra o governo romano.
Após o tribunal sentenciar à morte por crucificação, a vítima
era despida de suas roupas e amarrada a um poste para ser
chicoteada. O chicote, conhecido como flagrum tinha um cabo
flexível ao qual eram atadas longas tiras de couro. Na ponta
destas tiras eram colocados pedaços de ossos agudos e dentados
e chumbo. O judeus, por força da lei mosaica, limitavam os
açoites ao número de 40. Os fariseus defendiam a cifra de 39,
mas os romanos desconheciam limites em termos de números de
chicotadas.
Os efeitos do flagrum eram inomináveis. Alguns
especialistas dizem que ele no início cortava apenas a pele,
depois, atingindo os tecidos subcutâneos, produziam um
gotejamento contínuo de sangue, sendo administrado em grande
29
número de vezes, além de provocar rompimento de veias
arteriais, com abundantes jorros de sangue, ainda produziam
contusões grandes e profundas. Por fim, as costas da vítima se
tornavam “uma massa irreconhecível de tecido ferido e sangrento”.
Eusébio, em sua Epístola à Igreja de Esmirna confirma o
relato médico afirmando que “as veias do condenado ficam expostas o que
também acontece com os próprios músculos, tendões e vísceras da vítima”. O uso
da coroa de espinhos não era uma prática comum, mas servia
para ampliar os sofrimentos do agonizante. As zombarias da
parte dos soldados era uma prática constante e humilhante.
Um pedaço de madeira, que pesava cerca de 49
quilos, era amarrado aos ombros da vítima que desfilava com
ele em direção ao lugar de sua execução. Este pedaço de
madeira é chamado de patibulum. Por muito tempo o uso dos pregos
na crucificação foi contestado, até que em 1969, o Dr. Haas,
do Departamento de Anatomia da Universidade Hebraica e da
Faculdade de Medicina de Hadassah, o confirmou, através do
exame feito num esqueleto de um homem, encontrado nos
arredores de Jerusalém, com um prego de cerca de 20
centímetros cravado no osso de seu calcanhar.
Neste caso, do achado arqueológico das cavernas de
30
Giv’at há-Mivtar, há claras evidências de que as pernas da
vítima foram intencionalmente quebradas com um golpe de
misericórdia, o que no caso de Jesus foi desnecessário.
Fixado à cruz, o condenado agonizava por horas,
dores nos braços, cãibras nos músculos, paralização dos
músculos peitorais e intercostais, extrema dificuldade para
respirar e dores profundas para se manter em posição que
possibilite a respiração, desmaio por falta de uma adequada
circulação sangüínea e sufocação rápida seguida de
insuficiência coronária podiam levar a vítima à morte em
questão de horas ou mesmo se prolongar por alguns dias.13
2.9 – Nota Textual:
Lohmeyer, na primeira edição de seu comentário
sobre Filipenses e em sua monografia Kurios Jesus – Eine Untersuchung
zu Phil 2:5 – 11 apresentou a tese, amplamente aceita entre os
comentarista atuais, de que os versos 6 a 11 formam uma
13 McDowell, Josh, - Evidências da Ressurreição de Cristo – 1994 – p. 62 a 72
31
composição independente, que Paulo incorporou em sua
argumentação. O julgamento predominante é que este texto foi
composto por outra pessoa e não por Paulo.
Contra a tese de Lohmeyer surgiram renomados
comentaristas como M. Diblius, W. Michaelis, F. Scott, L.
Cerfaux e J. M. Furness. F. W. Beare, tentando mediar os
extremos, vê aqui, “não um louvor pré-paulino, mas um louvor composto em
círculos paulinos, sob influência de Paulo, mas introduzindo certos temas na
proclamação da vitória de Cristo que são elementos elaborados independentemente
de Paulo”.
Hofius em Der Christushymnus Philliper 2,6-11 argumenta,
com bastante base, que a composição segue o padrão dos salmos
do Antigo Testamento, que reiteram os atos salvíficos de Iavé,
mediante confissão e agradecimentos.14
Independente de ser um texto paulino ou pré-
paulino, o que realmente vai importar é que Paulo fez uso ou
redigiu ele em plena consonância com o ensino dos apóstolos,
inspirado pelo Espírito Santo, demonstrando profundo
discernimento do mistério envolvido na encarnação do Logos e
14 Bruce Frederic Fyrie – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – Filipenses Ed. Vida – p. 85
32
as implicações decorrentes desta encarnação. O texto, se de
Paulo ou de outro, reflete a límpida teologia paulina que
exalta a Cristo e magnifica o nome do Pai.
33
3. ANÁLISE SEMÂNTICA
VERSO 1:
“Se há, pois, alguma
exortação...”
A conjunção subordinativa ocorre quatro vezes
neste primeiro verso. Ela enfatiza a certeza do que será
referido.15 Clarke diz que se trata de uma afirmação forte que
não expressa dúvida alguma. 16 A partícula que é um adjetivo
indefinido, acompanha a conjunção e dá a ela a confirmação de
seu caráter fatual. Paulo, longe de lançar dúvidas sobre a
experiência cristã dos filipenses, ele enfatiza a realidade da
mesma e se vale desta realidade para introduzir sua exortação
à unidade cristã.
15 LOH I. Jin and NIDA, Eugene A. A Translators Handbook on Paul’s Letter to the Philippians – p.47 –1977 tradução minha Clark in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From the Condensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark – p. 1167 – 1983 – Tradução minha16 LXX é a abreviatura para a versão grega do Antigo Testamento Hebraico, a versão dos Setenta.
34
O substantivo nominativo feminino ocorre
29 vezes no NT. Sua raiz é o verbo que literalmente
significa “falar com alguém ao lado” ou ainda, “falar com alguém de
modo positivo e benevolente”. O cognato “confortar”,
“consolar” e “encorajar” difere dele por possuir implicações
sentimentais. No grego clássico o termo foi usado como
sinônimo de palavras de ânimo, discurso persuasivo,
encorajamento e alívio. Na LXX17 ocorre com o sentido
sentimental em Isaías 57.17 e 18, Salmo 3.18 e 119.50. No NT é
uma expressão de amor, um dos fundamentos da vida da Igreja e
parte importantíssima da atividade apostólica – Fil. 2.1, I
Cor. 14.3 e 4.18
“em Cristo...”
O texto sugere que há uma obrigação colocada sobre
os filipenses, oriunda diretamente de sua vida comum “em
Cristo”, para trabalhar juntos, em harmonia.19 Pennisi alega que,
para o apóstolo, a base da exortação à unidade é o seu fato17
18 Brown, Colin– op. cit. vol. 1 – p. 469 e 47019 Martin – op. cit.p. 99
35
“em Cristo”. É desta realidade que Paulo infere a exortação à
humildade a ao desprendimento. A exortação apostólica se
inicia no capítulo primeiro a partir do verso 27, onde os
filipenses são concitados a viver acima de tudo “de modo digno do
evangelho de Cristo .. lutando juntos pela fé evangélica...” 1.27. Paulo,
antevendo o perigoso caminho da desunidade propõe que se
preste a devida atenção ao fato da união “em Cristo”, união do
crente com Cristo e também do crente com o outro crente “em
Cristo”- Ef. 4.1 a 6 e I Cor. 12.13.20
“...alguma consolação de
amor...”
O substantivo nominativo neutro difere de
no sentido de não ser uma consolação verbal. É um
estímulo ou incentivo, um encorajamento – I Tes. 5.14.21
Sófocles a usava como sinônimo de encorajamento. O termo
20 Pennisi João – O Livro de Filipenses – p. 41 e 42 – Primeira Edição – 1978 Mueller, Jac J. – The Epistles of Paul to the Philippians and to Philemon– First Published – p. 73– 1983 –Tradução minha21
Hendriksen, William – New Testament Commentary –Fifth Printing – p. 98– 1985 – Tradução minha
36
aponta para a idéia de consolação a alguém que sofre. A
ocorrência de ao lado de é comum nas
poucas ocorrências do termo – I Cor. 14.3 e 4 e I Tes. 5.14. A
preposição pode indicar “o contrário”, isto é, aquilo que
desvia a mente da preocupação. Esta ajuda ou conforto procede,
segundo se infere do texto, do amor de Cristo, que provê este
incentivo para a unidade.22 O substantivo genitivo feminino
infere procedência, ou seja, consolação que provém do
amor, que advém do amor, no caso, do amor de Cristo.
“...alguma comunhão do
Espírito...”
O substantivo nominativo feminino deriva de
- “comum”, “comunal”. O verbo - “tornar comum”, e o
verbo - “partilhar”, “ter parte em”, formam o corolário que
dá sentido ao termo que aponta para o sentido de
“associação”, “participação” e “comunhão”. Na filosofia grega o
termo expressava a estreita união e laços fraternais entre os
22
37
homens. Indicava ainda o ideal a ser buscado, a expressão
normal para a maneira de se constituir a vida social.
Na LXX este termo ocorre exclusivamente nos
escritos poéticos traduzindo o hebraico habar – lit. “unir”,
“juntar”. Já no NT se encontra ausente nos evangelhos sinóticos
e João, por ser um termo tipicamente paulino. Lucas o emprega
em Atos para expressar o estilo de vida da igreja primitiva –
Atos 2.42 e 4. 32. Paulo sempre o emprega no sentido religioso
– I Cor. 1.9, II Cor. 13.13, Fil. 1.5, Gál. 2.9, I Cor. 10.16,
II Cor. 1.7. Pedro o usa para aludir à nossa co-participação
na glória de Cristo “que há de ser revelada” – I Pedro 5.1. João o
usa no sentido de demonstrar o conteúdo da relação existente
entre o crente e Cristo e dos crentes entre si – I João 1.3 e
6 e 7 – “permanecer nele” é a forma encontrada por João para
expressar o sentido da verdadeira I João 2.6 e 3.6.23
Comentando este verso, Martin opina que deve ser “a
participação comum no Espírito, pelo qual fomos batizados em um corpo (I Cor.
12.13)...” o fator determinante para “a morte de toda desavença e espírito
de partidarismo”24. Getz lembra que “os cristãos não estão apenas unidos a
23 Brown , Colin - op. cit. – vol. I – p. 457 a 45924 Martin – op. cit. - p. 100 Getz Gene A – A Estatura de um Cristão – Estudos em Filipenses– Ed. Vida – Primeira edição – p. 90– 1984
38
Cristo, mas também uns aos outros”25 e Barclay ressalta que “o cristão
vive na presença, no convívio, na ajuda e na orientação do
Espírito”26. A ação unificadora do Espírito Santo é uma de suas
principais atividades desenvolvida no contexto da Igreja. Unir
os santos é uma tarefa que somente o Espírito Santo é capaz de
criar. Lembremos sempre que a unidade deve ser preservada “no
vínculo da paz”. Esta unidade pode e deve ser preservada, mas
nunca pode ser criada, ela é, acima de tudo “unidade do Espírito” –
Ef. 4.3 – criada por Ele, procedente dEle. O uso do caso
dativo para o substantivo infere procedência, ou seja,
comunhão que procede do Espírito.
“...se há entranhados afetos e
misericórdias...”
No grego clássico, o substantivo feminino
significava “as partes internas” as “entranhas” – coração, pulmão,
fígado, baço e rins. O sentido figurado veio a surgir em
decorrência da associação havida entre os órgãos internos e as25 Barclay, William – The Lethers to Philipians, Colosians, and Thessalonians –The WestminsterPress – Second Edition – p. 123– 1959
26
39
emoções fortes. Na LXX traduz o hebraico rahamim – Prov. 26.22 e
beten – “parte interna”. No NT, geralmente alude à contração
convulsiva – Mc 1.41, 6.34, 8.2 e 9.22, Mat. 14.14, 15.32,
9.36, 20.34, 17.15. Para Paulo é o homem total capaz de amar –
II Cor. 6.12 e Fil. 1.8.27
O substantivo nominativo deriva de -
lit. “lamentação”, “dó”, “pena”, “simpatia”. Desde Homero, o termo
passou a ter o sentido de “ter compaixão”, “compadecer-se”. Na LXX
ocorre cerca de 80 vezes trazendo consigo o sentido de “ter
compaixão”, “ser gracioso”. No NT o adjetivo é apresentado
como uma faceto do Ser divino – Luc. 6.20, 36 e 49, Rom. 9.15,
12.1 e 11, II Cor. 1.3, Col. 3.12, Heb. 10.28 e 29 e Tg. 5.11.
Nesta perícope é usado com o significado de toda a ação divina
em nosso favor, que confirma o que foi dito pelo salmista:
“...as Suas ternas misericórdias permeiam todos os seus atos.” – Sal. 145.9
27 Brown, Colin – op. cit. Vol. III – p. 182 e 183
40
VERSO 2:
“...completai a minha
alegria...”
Derivado de - lit. “cheio”, “plenitude”; emprega-
se também com o sentido de “cumprir”, “satisfazer”, “atender”,
“realizar”, “chegar ao fim”. Na LXX traduz termos importantes como
male, saba, tamam e salem – II Reis 4.4, Gen. 21.19, 42.25, Sal.
96.11 e 98.17. No NT seu uso nos escritos joaninos são feitos,
geralmente, em conexão como substantivo - alegria – João
3.29, 15.11, 16.22, 17.13, I João 1.4, II João 12 – o mesmo
acontece aqui no texto paulino. O imperativo aoristo infere
uma ordem enfática.
O substantivo acusativo feminino denota o
estado de alegria bem como o objeto dela. Deve-se notar a
conexão etimológica com o substantivo - “graça” – que nem
sempre foi claramente distinguida de , quanto ao
significado. Na LXX traduz simhah e sason. O ensino
41
veterotestamentário aponta para Deus como o doador da
verdadeira alegria – I Reis 8.66, Jer. 15.16 e Sal. 16.5.
No NT, o evangelho de Lucas se apresenta como o
evangelho da alegria, uma simples vista panorâmica das
ocorrências do termo nos leva a concluir que isto é verdadeiro
– Luc. 1.14, 44, 47, 68 e 69, 2.5, 2.11, 10.17 e 20, 13.17,
15.7, 10 e 23, 24.11, 41 e 52. Paulo tem para si o mérito de
ressaltar o caráter paradoxal da alegria cristã. Esta
epístola, escrita da prisão, traz consigo este traço marcante
da teologia paulina – Fil. 1.5, 18, 2.1, 2, 17 e 18, 4.4 e 6.
Em Filipenses a alegria é portanto um “mesmo assim”.28
“...de modo que penseis a mesma
coisa...”
O substantivo de onde deriva o verbo
é traduzido no grego clássico por “pensar”, “julgar”,
“prestar atenção a”, “fixar a mente em”, “ter opinião”. O substantivo
aponta para um “modo de pensar”, “mentalidade”, “disposição
mental”, às vezes, “bom senso”. A raiz ocorre no grego
28 Colin Brown – op. cit. Vol. I – p. 133 a 138
42
clássico e se acha mais nos seus significados comuns embora
freqüentemente tenha o significado mais pleno de
discernimento, entendimento judicioso. Na LXX traduz hakam e
bin com seus derivados – Gen. 3.1, Jó 5.13, Prov. 24.5, Dan.
5.12, Is. 40.28, Jer. 10.12, Prov. 3.19. Percebe-se na LXX uma
tendência no sentido de preencher o significado destas
palavras em harmonia com a doutrina veterotestamentária da
sabedoria.
Das 29 ocorrências do termo no NT, 23 delas se
acham nos escritos paulinos. Nestas ocorrências, o contexto
define o sentido do termo. Em Rom. 12.3 e Fil. 2.3 denota uma
mentalidade humilde, um pensar em humildade, em Rom. 8.6 e 7 o
contexto aponta para a tensão entre fixar a mente “na carne” ou
“no espírito”.29
O tempo presente implica numa ação habitual e
contínua, isto é, Paulo exorta os cristãos filipenses a
manterem a unidade de pensamento como um estilo de vida. Este
“pensar a mesma coisa” não deve ser tido como uma formalidade
externa, ritual ou especulativa, deve, sim, caracterizar o
modo contínuo de mentalidade que os crentes filipenses devem
29 Colin Brown – op. cit. – Vol. III – p. 152 a 157
43
manter em todo o tempo a fim de evitar que haja crentes, que
como Evódia e Síntique, não “pensem concordemente no Senhor”- 4.2.
O uso do modo subjuntivo expressa o desejo do apóstolo.
“...tenhais o mesmo
amor...”
44
Comentando esta parte do verso 2, Barth afirma que
Paulo fala da conduta digna do evangelho em termos de unidade
– a mesma exortação em Cristo, o mesmo alento por amor, a
mesma participação no Espírito e a mesma sincera compaixão – é
disto tudo que eles devem zelar para que a alegria do apóstolo
seja completa.30
Getz confirma o parecer de Barth ao afirmar que
Paulo exorta os filipenses a amar como Cristo ama, não
condicionalmente, não apenas quando os outros amam. O amor
condicional é fácil, difícil é amar quando somos rejeitados ou
criticados. A marca suprema da maturidade cristã é o amor. 31
Penissi completa a idéia afirmando ser o amor “o remédio para as
doenças espirituais que destroem a unidade: o egoísmo, o orgulho, os ciúmes,
etc.”32
Bruce é da opinião que o apóstolo Paulo exorta, na
verdade, para que tenham unanimidade de coração, aquela
unanimidade sincera de propósitos, pela qual ninguém deseja
impor um veto sobre as pessoas.33 Wiersbe julga ser necessário
esclarecer que “a unidade espiritual vem de dentro; é uma questão de
30 Barth, Gerhard – A Carta aos Filipenses - Ed. Sinodal – Primeira Edição – p. 42 – 1983 Getz – op. cit. - p. 9431 Penissi - op. cit. – p. 42 e 4332 Bruce – op. cit. - p. 7133 Wiersbe, Warren W. – Seja Alegre - Primeira Edição– p. 64 - 1979
45
coração.”34 Shedd conclui que este amor ao qual se refere o
apóstolo, “deve ser o mesmo amor que Deus tem”.35
“...sejais unidos de alma...”
O adjetivo grego é raro nas Escrituras
sendo aqui a única ocorrência do mesmo. Denota harmonia, união
de espírito, implicando em falar as mesmas coisas, pensar nas
mesmas coisas e ter um alvo comum.36 O termo está estreitamente
ligado a 1) - “soar junto”, “estar em acordo”, “em
harmonia”, “concordar com alguma coisa”; 2) e -
“harmonia”; 3) - “acordo”, “pacto” e 4) -
“computar”, “contar com” trazendo consigo a idéia de unanimidade.
O apóstolo, segundo opinião de Shedd, “exorta a igreja
de Filipos a ser ligada em unidade de alma (gr. Sumpsuchoi, “almas juntas”). Ele
insiste em que aqueles cristãos pensem como um só, para que sejam unidos no
34 Shedd, Russel P. – Alegrai-vos no Senhor – Uma Exposição de Filipenses – Soc. Rel. Ed. Vida Nova – Primeira Edição – Reimpressão – p. 49 – 199335
36 Rieneker, Fritz e Rogers, Cleon – Chave Lingüística do Novo Testamento Grego – Soc. Rel. Ed. Vida Nova p. 407 - 1988
46
pensamento, no coração e no espírito”.37 Getz conclui seu comentário do
verso 2 afirmando que “o pensar as mesmas coisas e atitudes e ações de
amor podem produzir um único resultado: a unidade do corpo de Cristo”.38
VERSO 3:
“Nada façais por partidarismo...”
37 Shedd – op. cit. - – p. 49 e 5038 Getz - op. cit. – p. 94
47
O substantivo acusativo feminino significa
“egoísmo”, “ambição egoísta”. A palavra é relacionada a um
substantivo que significava originalmente, “o dia de um
trabalhador” e era usada especialmente para o corte e amarração
do trigo ou acerca dos que faziam o trabalho. Mais tarde, veio
a denotar uma perseguição de trabalho ou cargo político por
meios desonestos. Então veio a significar “disputadores de posições”
referindo-se às brigas a fim de conseguir espaço e poder. Por
fim, veio a significar “ambição egoísta”, “ambição que não tem
nenhuma noção de serviço e cujos únicos objetivos são o lucro e o poder”.39
O termo não é muito comum, ocorrendo apenas sete
vezes no NT – Rom. 2:8, II Cor. 12:20, Gál. 5:20, Fil. 1:16,
2:3 e Tg 3:14 e 16. Este sentimento faccioso, porfias,
discórdias e partidarismos, segundo Barclay, descreve “o sentido
errado para a pregação e o espírito errado de encarar a vida”.40
“...ou vanglória...”
Este substantivo acusativo feminino 39 Rienecker, Fritz e Rogers, Cleon – op. cit. p. 407 Barclay– op. cit. p. 67 a 6940
48
ocorre apenas aqui neste texto e em nenhum outro lugar do NT.
O adjetivo ocorre em Gál. 5.26 e significa “desejoso de
louvor”, “orgulhoso”, “jactancioso”, refere-se ao homem que adquire
uma reputação sem fundamento. O substantivo feminino
aponta para o sentido de “orgulho”, “desejo de louvor”, “vaidade”,
“ilusão”, expressa “o desejo vão pela honra”, “a fútil sede pela glória”.
O mesmo sentido é conhecido no uso secular do
termo. Para os gregos, a fama e a glória estava entre os
valores mais importantes da vida. Os rabinos também tinham em
alta estima a honra do homem. Foi Jesus quem censurou a
piedade que busca nos homens a sua honra – Mat. 6:2 – e
declarou que tal atitude é incompatível com a fé – João 5.44.
Paulo, seguindo o exemplo de Jesus, não buscava a glória que
vem dos homens – I Tes. 2:6, aceitava a desonra – II Cor. 6:8
e 4:10, vivia para tributar honra a Cristo – II Cor. 8:19 e
aguardava a honra e louvor que vem de Cristo – Rom. 2:7, 10 e
5:241
“...mas por humildade...”
41 Brown, Colin, - op. cit. - vol 2 – p. 311 e vol 4 – p. 688
49
O adjetivo denota alguém que é “modesto”,
“humilde”, deriva do verbo - lit. “abaixar”, “humilhar”. O
acréscimo aponta para um estado de mente, uma
mentalidade, algo que depende de como a pessoa se encara
diante de si mesma e dos outros. Assim, fala de
“modéstia de mente”, “de mente humilde”.
O uso clássico do termo se contrasta com o uso
bíblico. No grego secular se empregava o termo para denotar
“alguém que é pobre”, “sem poder”, alguém que “está em baixo”,
“socialmente baixo”, “sem importância”, alguém “desanimado”,
“abatido”.. Para Plutarco e Epicteto o termo sempre teve uma
conotação pejorativa – “pensar pobremente”, “ser pusilânime”, “estar
fraco”, “ter uma mente servil”. O sentido depreciativo é a tônica do
uso secular do termo. A razão disto se vê no antropocentrismo
característico dos clássicos gregos. Na LXX, com sua visão
teocêntrica, a perspectiva muda completamente, o humilde é
alguém que é virtuoso e se curva diante da majestade de Jeová
– Prov. 16:19, 29:23, Ez. 21:26 e Miq. 6:8.
O exemplo de Cristo – Mateus 11:29 – e o
ensinamento de Cristo – Mat. 18:1 a 5 e 23:12 – servem de base
50
para a argumentação paulina em Fil. 2:1 a 11. É a humildade de
Cristo o fundamento sobre o qual surge a disposição de servir.
Paulo, seguindo o ensinamento de Cristo, recomenda a humildade
– Rom. 12:3 e 16, Ef. 4:2, Col. 3:12 e oferece o seu próprio
exemplo – fil. 4:12 e 13, Atos 20:19. Pedro também a recomenda
– I Pedro 5:5 e 6.42
“...considerando cada um os outros superiores a si mesmo.”
O verbo implica num julgamento consciente,
baseado numa cuidadosa pesagem dos fatos.43 Já o verbo
expressa o sentido de “exceder”, “ultrapassar”, “ser
superior”. Deriva de que geralmente tem uma conotação
negativa de orgulho e jactância. Aqui, todavia, pelo que o
contexto indica fala de uma perspectiva que devemos ter em
relação ao outro e não de uma atitude arrogante deste outrem
em relação a nós. Ocorre 5 vezes no NT: Rom. 13:1, Fil 2:3,
3:8, 4:7 e I Pe. 2:13.44
42 Idem – vol. 1 – p. 386 a 39143 Vincent in Rienecker, Fritz e Rogers, Cleon - op. cit. p. 40744 Brown, Colin, op. cit. vol. 3 - p.351
51
Deve-se ainda notar a presença do pronome recíproco
que ressalta o dever de cada um pensar o mesmo a
respeito do outro, num ambiente de total reciprocidade, sem
espaço para o partidarismo ou vanglória.
VERSO 4:
“Não tenha cada um
em vista o que é propriamente seu...”
Paulo faz aqui uma antítese com o conceito de
partidarismo cuja principal preocupação é com o lucro e fama a
ser obtida. Ter em vista o que do outro e não meramente o que
é seu expressa o espírito altruísta que Paulo resgatará com o
exemplo de Cristo. O contrário desta prática se vê na igreja
de Corinto – I Cor. 6:7.45
O verbo significa “observar”, “passar em
revista”, “fiscalizar”, “vigiar”, “escrutinar” e também “inspecionar” e
45 Loh e Nida – op. cit. p. 52 e 53
52
“examinar”. Ele indica a atividade de olhar ou prestar a atenção
a uma pessoa ou coisa. Ocorre apenas 6 vezes no NT: Lucas
11:35, Rom. 16:17, II Cor. 4:18, Gál. 6:1, Fil. 2:4 e 3:17.46
“...senão também cada qual
o que é dos outros.”
Atentar para o que é dos outros não deve ser visto
como sinônimo de negligência daquilo que a nós foi confiado.
Paulo exorta os filipenses a considerar atentamente os
interesses (necessidades, alvos e projetos) dos outros, sem
advogar qualquer atitude de intromissão indevida no alheio ou
descaso para com a mordomia pessoal. A presença de
enfatiza que cada um deve fazer isso.47
Bruce fala em termos de ter interesse em proteger
os interesses alheios e esclarece que este assunto é melhor
explorado em Romanos 15:1 a 3. É o exemplo de Cristo o
argumento supremo de Paulo na exortação que faz aos
46 Brown, Colin, op. cit. vol. 1. - p. 30047 Loh e Nida, op cit. p. 53
53
filipenses, principalmente no que diz respeito ao interesse
altruísta pelo bem-estar do próximo.48
Comentando esta primeira seção da perícope em
apreço, John Gill afirma que este capítulo todo contém
diversas exortações à unidade, ao amor, à concórdia, à
humildade e simplicidade de mente. Segundo ele, “as afeições
mútuas se fundamentam na consolação que há em Cristo, no conforto que provém
do amor, na comunhão que procede do Espírito e nos entranhados afetos e
misericórdia”. E conclui asseverando que a maneira adequada de se
manter a unidade é não fazer as coisas visando seu próprio
interesse e na busca de vanglórias, mas fazendo as coisas com
humildade, nutrindo uma elevada imagem do outro e buscando os
interesses do mesmo.49
Mattew Henry vê que a perícope em apreço está
intimamente ligada à exortação contida na perícope anterior –
1:27 a 30. Segundo ele, o “andar digno do evangelho” é expresso
pelo apóstolo em termos de unidade, humildade e altruísmo.50
48 Bruce - op. cit. - p. 72 e 7349 Gill, John in ONLINE BIBLE – Versão 2.0 – São Paulo – SP - Sociedade Bíblica do Brasil - 1999
50Henry, Mattew in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From theCondensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark – Mineapolis –Minesota – Bethany House Publishers - p. 1168 – 1983 Lenski, R. C. H. – The Interpretation of St Paul’s Epistles to the Galatians, to the Ephesians and to Philippians – The Wartburg Press – p. 768 - 1946 – Tradução minha
54
Fazendo uma avaliação da exortação paulina, contida
nestes primeiros quatro versos, Lenski, afirma que Paulo
infere a necessidade dos cristãos nutrirem um espírito que
favoreça a unidade. Para isto, alguns atos deverão ser
eliminados – egoísmo, orgulho e competitividade - e algumas
virtudes devem ser acrescentadas – altruísmo, humildade e
desprendimento.51
O expositor T. Croskery esclarece que a natureza e
condições da unidade de mente que o apóstolo almeja,
pressupõe: 1) Uma certa concordância em materia doutrinal;
2)Concordância de métodos e alvos e, 3) Um esforço concorde ao
longo da linha do amor comum. Para ele, os fundamentos desta
unidade de mente são: 1) A consolação de Cristo; 2)O conforto
do amor; 3)A comunhão do Espírito e, 4) O entranhados afetos e
misericórdia. Esta unidade de mente, segundo ele, é:
1)contrária às facções vanglória; 2)estima a humildade de
mente e, 3) estima a atitude abnegada frente ao interesse no
bem-estar dos outros.52
Concluindo sua análise da primeira seção desta51 Croskery, T. in THE PULPIT COMMENTARY –WM.B. Eerdmans Publishing Co. – Vol 20 – p. 71– 1977 –Tradução minha54 Wiersbe, Warren – op. cit. p. 6352
55
perícope, Wiersbe enfatiza a diferença que há entre unidade e
uniformidade. Segundo ele, a unidade é espiritual e vem de
dentro, já a uniformidade é resultado de pressões externas.
Prosseguindo, ele diz: “o segredo da alegria, a despeito das circunstâncias
é uma mente integral, /.../ e o segredo da alegria a despeito das pessoas, é uma
mente submissa”.53
VERSO 5:
“Tende
em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus...”
O verbo ocorre 26 vezes no NT, sendo 23
destas ocorrências nos escritos paulinos. Nestes casos há
referência, não tanto ao processo de pensar, propriamente
dito, mas, sim, ao conteúdo daquilo que é pensado. Da
pressuposição de que o homem sempre tem algum alvo em mente, o
esforço e o empenho fazem parte da sua natureza, e esta é a
idéia por trás do verbo O substantivo feminino
expressa, não meramente a atividade do intelecto, como também
53
56
uma moção da vontade; é não somente interesse como decisão
simultaneamente. Daí o significado pode estender-se à idéia de
“tomar partido” com uma pessoa ou coisa – Mat. 16.23.
A tradução, e por conseguinte a interpretação de
Filipenses 2:5, é bastante disputada. À primeira vista a
versão Almeida Revista e Corrigida parece convencer: “Haja em
vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Neste caso,
auto-humilhação de Cristo seria um modelo para uma atitude
semelhante da parte dos membros da igreja. A pergunta porém é,
se a expressão idiomática não deve ser
considerada uma fórmula, como só acontece nos escritos
paulinos, para o relacionamento entre o crente e Cristo, se
assim for, o texto deve ser vertido: “Tende os mesmos pensamentos
entre vós que tendes na vossa comunhão com Cristo”. Desta forma a chamada
à unidade cristã baseia-se no fato da igreja possuir nova
vida, que flui da auto-humilhação de Cristo e se processa sob
Seu senhorio e em consonância com ele.
A Revised Standard Version traduz “Tenham esta mente entre
vocês, qual vocês têm em Cristo”. Esta tradução interpretada tem seu
apoio em Filipenses 4:2. Daí a hesitação dos tradutores em ver
aqui, tanto: “Tenham entre vocês a disposição que vocês experimentaram em
57
Cristo Jesus”; como: “Adotem entre vocês, um perante o outro a mesma atitude
que vocês adotaram perante Cristo”.54 É a ausência de um verbo no
original para a segunda parte do verso que tem provocado
desencontros entre os comentaristas e tradutores.
Wiersbe opina que “a mente de Cristo significa a atitude que
Cristo mostrou”.55 Muller, por sua vez, ressalta o fato de Cristo
ser o perfeito exemplo de como deve comportar-se em humildade,
auto-renúncia e altruísmo.56
Champlin prefere verter o texto por : “Tende a
mentalidade”, ou “Tende a disposição mental” e observa que tal
mentalidade deve ser altruísta, “de interesse pelos outros, ao ponto
mesmo de sofrermos das barbaridades do homens, a fim de podermos servir a
outros.”57
A falta de uma mentalidade adequada é que nos faz
orgulhosos e egoístas. É a disposição mental que governa o
nosso modo de tratar as pessoas e de pensar sobre elas. Por
esta razão, as Escrituras ordena que adquiramos o ponto de
vista de Jesus.58
Adam Clarke enfatiza que esta mentalidade de Cristo54 Loh e Nida – op. cit. – p. 54 e 5555 Wiersbe – op. cit. p. 6356 Muller – op. cit. p. 7657 Champlin – op. cit – vol 5 – p.2758 Shedd, op. cit. p. 56
58
consiste na busca, não de sua própria glória, mas a de Deus,
em benefício da raça humana, o que, segundo ele, é a síntese
do exemplo de Cristo.59 Gerhard Barth opina que o imperativo
não apenas dá início a uma nova seção, como também dá
continuidade à exortação precedente à unanimidade e à
humildade desprendida. Segundo ele, a fórmula paulina
aponta não somente para “a mentalidade que Jesus
tinha”, mas, também, “a mentalidade que vigora em Cristo Jesus”, a qual
“está fundamentada pelo evento salvífico e é cabível no âmbito de Cristo”. Em
suma: “aquilo que Jesus fez abriu-nos a possibilidade de nos largarmos a nós
mesmos e estar aí para os outros”.60
William Hendriksen alerta: “embora não possamos copiar
o ato redentivo de Cristo e nem sofrer sua morte vicária, podemos e devemos copiar
o espírito que foi básico para esses atos”.61 B. C, Caffin, discordando da
tradução “entre vós”, opta por “em vós” por julgar necessário
ressaltar o caráter pessoal da exortação paulina – “em vós
mesmos”, “em vosso coração”, o que para ele significa “amar o que
59 Adam Clarke in. THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From theCondensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clarke– Bethany HousePublishers p. 1168 Barth Gerhard – op. cit. p. 43 e 44 Hendriksen, William - op. cit. p. 103 Cafin in THE PULPIT COMMENTARY –WM.B. Eerdmans Publishing Co. – Vol 20 – p. 59 – 1977 – Tradução minha60
61
59
Ele ama, detestar o que Ele detesta, os pensamento, desejos e motivos do cristão
devem ser os pensamentos, desejos e motivos que enchiam o sagrado coração de
Jesus”.62
Se “entre vós”- em vossa comunidade cristã, ou “entre
vós, tal como entre vós e Cristo”, ou ainda “em vós mesmos” o fato a ser
destacado aqui é o caráter imperativo desta expressão. Paulo
evoca a responsabilidade do cristão ter uma mentalidade que
seja coerente com Cristo e com a fé professada. Coerente com
Cristo no sentido de não ser contrária à Sua mentalidade
humilde, altruísta e despretenciosa, e, com a fé professada,
porque faz parte da exortação anterior de “andar de modo digno do
evangelho de Cristo” – 1.:27
VERSO 6:
“...pois ele, subsistindo em
forma de Deus...”
62
60
O verbo (26 vezes no NT) vertido como
“subsistir”, segundo opinião de Rienecker e Rogers, “expressa a
continuação de um estado ou condição anterior”.63 Cerfaux, citado por
Brown, entende que Paulo ensina, através do uso deste termo
que “fora da Sua natureza humana, Cristo não tem outro modo de existência senão
a divindade”. Citando Culmann, Colin Brown observa que acerca de
Cristo, o verso diz não somente que Ele era cercado da Glória
de Deus, como também que tinha a forma de Deus. Assim, o termo
refere-se ao Seu modo divino de existência, seu estado pré-
encarnado, aquilo que caracterizava sua existência antes da
encarnação64.
O uso deste verbo no modo particípio, no
tempo presente e voz ativa, expressa a continuação de um
estado precedente e denota que ambas existências, a pré-
encarnacional e a pós-encarnacional é marcada pela contínua
existência em forma de Deus, A divindade é inseparável de Sua
personalidade.65 O modo verbal e o tempo usado em contraste com
os aoristos que seguem nos versos 7-9, aponta para o fato de
63 Rienecker e Rogers – op. cit. p. 40764 Brown, Colin – op. cit. Vol. 2 – p. 278 e 27965 Muller, op. cit. p. 78
61
que Cristo foi e é eternamente “em forma de Deus”.66
O substantivo dativo feminino alude à
“aparência exterior da realidade interior”. Aqui, especificamente, se
refere à aparência externa da substância divina, isto é, a
divindade do Cristo pré-existente na exibição de Sua glória de
ser a imagem do Pai. Ocorre três vezes no NT.67
De Homero em diante tem o significado de
“forma”, no sentido de aparência externa. Aristóteles
distinguia entre e Segundo ele, a matéria - tem
em si mesma grande número de possibilidades de se tornar em
forma, e, assim, de se manifestar como uma forma. Na LXX o
termo ocorre com rara freqüência. Traduz as palavras temunah –
Jó 4:16 tabnit – Is. 44:13 e selem – Dan. 3:19.
Aqui em Filipenses 2:6 e 7 as expressões
e não significa que a natureza essencial de Cristo
foi diferente de Sua forma, como uma casca externa, ou um
papel desempenhado por um ator. Mas, que a natureza essencial
de Cristo é definida como sendo divina, isto é, encarada como
algo que existe ‘em’ a substância e o próprio poder divinos.68
Ralph Martin, citando Käsemann esclarece: “Paulo não66 Hendriksen, op. cit. p. 10567 Rienecker e Rogers – op. cit. - p. 40768 Brown, Colin – op. cit. – Vol. 2 – p. 278 e 279
62
diz que o pré-encarnado Cristo era a ‘forma de Deus’, mas, que Ele estava em forma
de Deus”.69 Penissi afirma que “em forma de Deus quer dizer que Cristo
subsistia na forma essencial e intrínseca de Deus e não apenas na forma exterior.
Cristo era e ainda é, igual a Deus, o Pai, não no sentido de ser idêntico, ou a mesma
pessoa, mas de ter a mesma natureza e a mesma glória.”
Bruce argumenta que a posse da forma implica
necessariamente na participação na essência. 70 Lenski fala em
termo de igualdade de existência em poder, autoridade e
majestade.71 Barclay faz distinção entre e sendo a
forma aquela parte que, em qualquer circunstância permanece a
mesma. Assim, Paulo começa dizendo que Cristo era, essencial e
inalteravelmente Deus. A é essência imutável, enquanto
é a forma externa que muda de tempo em tempo e de
circunstância em circunstância.72
Segundo Muller, o que está claro é o fato de
significar “a expressão do ser que é identificado com a natureza essencial e o
caráter de Deus, em que o revela”. Assim, segundo ele,
denota igualdade e é sinônimo de - “ser igual a
Deus” Champlin crê que a frase - se refere à69 Martin, Ralph op. cit. - p. 10770 Bruce - op. cit. - p. 7771 Lenski, op. cit. p. 77772 Barclay, op. cit. p. 3573 Muller, op. cit. p. 78 e 79
63
natureza essencial de Cristo que participava desde a
eternidade passada da divindade. envolve a
participação na - ou seja, na substância.74
A do verso 6 faz contraste com o
do verso 7. Paulo mostra que Jesus usou sua
igualdade com Deus como uma oportunidade, não para a auto-
exaltação, mas para seu auto-esvaziamento.75
“...não julgou como usurpação...”
Esta frase é única no NT. A expressão pode ser
entendida no sentido ativo “roubando”, ou no sentido passivo
“prêmio adquirido pelo roubo”. De qualquer forma parece aludir ao
fato de Cristo não fazer uso de Sua igualdade com Deus para
obter riquezas, poder, domínio, prazer e glória.76
O substantivo acusativo deriva do verbo
- lit. “agarrar”, “apanhar”. O substantivo é
visto como “roubo”, ou “aquilo que foi roubado”, “presa”, “despojo”.74 Champlin, 1995, vol 5 – p. 27 e 28.75 Jamieson, Fausset e Brown in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT – From the Condensed Ditions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark –Bethany House Publishers – p. 1168.76 Rienecker e Rogers – op. cit. p. 407
64
Na LXX traduz gazal – Lev. 6:4, 19:13, Is. 10:2 e Amós 3:5.
No NT, o substantivo ocorre 14 vezes com o
sentido ativo de “furtar”, “levar embora”, “arrastar para longe”,
“conduzir à força” – Mat. 12:29, João 6:15, 10:12, 28 e 29, Atos
23:10 e Judas 23. Este termo tem sido entendido como
significando a coisa agarrada, ou levada como despojo, presa,
além do ato de agarrar, o que implica em afirmar que Cristo
não considerava a igualdade com Deus como algo a que ele
devesse se apegar tenazmente. Jesus Cristo, ao invés de ver a
igualdade com Deus como algo a ser mantida, ele não se apegou
a isto, mas fez disto um trampolim a partir do qual pudesse
socorrer o homem, identificando-se com ele em sua
condescendência. Ele bem poderia fazer uso disto para
demonstrar seu poder e domínio universal, mas, indo no sentido
contrário da intenção dos partidaristas de Filipos, ele se
humilha e se dispõe a servir, quando já era Senhor de todos.77
Martin vê o sentido de como “aquilo a que
Cristo recusou usurpar, arrebatar”.78 Bruce demonstra aceitar a tradução
da GNB (......) que diz: “ele não pensou que à força deveria
tentar permanecer igual a Deus”.79 77 Brown, Colin, - op. cit. - vol 1 - p. 239 a 24278 Martin, op. cit. p. 11379 Bruce, op. cit. p. 78
65
Shedd comenta: “Jesus Cristo não considerou sua igualdade com
Deus como alguma coisa da qual não poderia abrir mão. De boa vontade, desistiu
de sua semelhança com Deus, aparente, externa, e assumiu a forma de um
escravo”.80 Esta sua observação condiz com o sentido do verbo
que quer dizer: “valorizar muito”, “julgar valioso”, “julgar
vantajoso”.
O texto em apreço sugere, segundo Barth, que Cristo
“não se apegou sequiosamente a alguma coisa, como a um achado muito
especial”. 81 O contexto imediato nos assegura que aquilo a que
Cristo não se apegou sequiosamente era o “ser igual a Deus”. Este
status – igualdade com Deus – não deve ser visto como algo a
que Cristo almejasse obter, uma vez que já fora dito que ele
“subsistia em forma de Deus”- v.6
Muller esclarece que não deve ser
entendido em termos de actio rapiendi do latim – “ato de raptar”,
“roubar”, “apossar-se”, nem de res rapienda – “a coisa a ser roubada”,
mas, res rapta “o roubo em si”, “coisa roubada”.82 Assim, se diz que
Jesus Cristo não considerava o ser igual a Deus como um
resultado de uma usurpação, um roubo, algo que ele tivesse
obtido e a que devesse se apegar tenazmente. Jesus não via sua80 Shedd, op. cit. p. 5781 Barth, op. cit. - p. 4682 Muller, op. cit. p. 79
66
igualdade com Deus como fruto de penoso trabalho que ele
valorizasse tanto ao ponto de impedir que ele agisse com
absoluta condescendência em santo desprendimento.
“...o ser igual a Deus...”
Um judeu que lesse estas palavras escritas por
Paulo iria julgá-lo blasfemo e jamais admitiria que alguém
fosse colocado em tal patamar de igualdade absoluta com Jeová.
A igualdade com Deus era um pensamento intolerável ao
religioso judeu, e soa como franca rebelião contra o governo
divino.83
83 Brown, Colin, op. cit. vol 1 – p. 242
67
Há uma clara antítese entre - “ser
igual a Deus” e “a si mesmo se esvaziou” e ela é
demonstrada pelo uso da conjunção adversativa - “mas”,
“porém”, “antes”.84 Ser igual a Deus foi o que Jesus não julgou
como usurpação e o que segue deve ser entendido à luz deste
seu desapego.
VERSO 7:
“...antes a si mesmo se
esvaziou...”
O verbo “esvaziar-se”, “tornar vazio” ocorre 5
vezes no NT – Rom. 4:14, I Cor. 1:17, 9:15, II Cor. 9:3 e Fil.
2:7. O substantivo masculino “vazio” ocorre 18 vezes –
Mar. 12:3, Lucas 1:53, 20:10 e 11, Atos 4:25, I Cor. 15:10, 14
84 Jamieson, Fausset e Brown in THE BETHANY PARALLEL COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT –From the Condensed Editions of Mattew Henry, Jamieson & Fausset & Brown and Adam Clark –Mineapolis – Minesota – Bethany House Publishers - p. 1168 – 1983
68
e 58, II Cor. 6:1, Gál. 2:2, Ef. 5:6, Fil. 2:16, Col. 2:8, I
Tes. 2:1, 3:5 e Tg. 2:20.
O verbete se refere a coisas, mas também pode
ser metaforicamente aplicado a pessoas. Literalmente o termo
quer dizer “vazio” e metaforicamente “sem conteúdo”, “sem base”,
“sem verdade”, “sem poder”, “sem resultado”, “sem proveito”. O verbo
faz alusão ao ato de esvaziar-se, e, assim, “destruir”, “tornar
inútil”.
Nos escritos de Homero o termo é usado como
antônimo para - “cheio”. Nos escritos platônicos ele é
muito usado no seu sentido metafórico significando ou falta de
conteúdo, ou um efeito que falta. Pode também significar “oco”,
“sem profundidade”, “sem juízo”, ou com o sentido ético de
“ineficaz”, “vão”. Heródoto usou o verbo no sentido de “despojar”
ou “levar a nada”.
A LXX não possui nenhum termo equivalente para
Ele traduz 19 temos hebraicos. Foi empregado em Jer.
14:3, Êx. 3:21 – vasos vazios; Deut. 15:13 – mãos vazias;
Juízes 9;4 e 11:3 – homens sem valor. Foi usado ainda em Is.
30:7, Jer. 18:15, Is. 29:8, 65:23, Jó 27:12, 21:34, 7:3, 6 e
69
7:16. No NT o verbete é raro nos sinóticos e ocorre quase
exclusivamente nos escritos paulinos. O verbo ocorre
apenas nos escritos paulinos. Paulo se vale do termo para
falar: da falta de frutos, ineficácia da obra da graça – II
Cor. 6:1; a nulidade da pregação do evangelho, caso Cristo não
houvesse ressuscitado – I Cor. 15.14; perigo de nulidade da
obra missionária – I Tes. 3:5; a nulidade das palavras pagãs –
Ef. 5:6. Quando usando o verbo, Paulo fala de modo negativo e
passivo: anulação da fé – Rom. 4:14; anulação da cruz de
Cristo – I Cor. 1:17; desmentir a jactância do apóstolo – II
Cor. 9:3.
O significado preciso de tem sido
assunto de muitos debates. A maioria considera o trecho de
Fil. 2:6 a 11 um hino pré-paulino 85,daí o surgimento de
variadas interpretação como a de Käsemann e Oepke que vê o
trecho como um hino “contra o pano de fundo de um redentor divino”. Para
eles,
Jesus trocou livremente seu modo divino de ser – v.6 – pela existência
terrestre comum e humana /.../ o Cristo celestial não explorou de
modo egoístico, Sua força e modo de ser /.../ pelo contrário,
85 vide 2.9 - Nota Textual
70
mediante sua própria decisão, Se esvaziou dela, deixando-a de lado,
assumindo a forma de um servo ao tornar-se homem...
Esta posição radical de Käsemann e Oepke reflete a
interpretação literalista sem uma devida consideração com o
pano de fundo geral das Escrituras. Se Paulo quisesse dizer
que Jesus Cristo abriu mão de sua existência divina, seu modo
divino de ser, por uma existência ou modo humano de ser, o
ensino neo testamentário estaria laborando em duas frentes,
uma que afirma a eterna deidade de Cristo, como o texto de
João 1:1 a 18 reflete, e outra que ensina que ao tornar-se
homem Jesus Cristo, o Verbo, desistiu de ser Deus. A grande
maioria dos textos, tanto paulinos, como joaninos e petrinos,
com conteúdo cristológico apontam para a primeira hipótese,
deixando assim, a tese de Käsemann e Oepke desprovida de
embasamento sério nas Escrituras.
Lohmeyer e J. Jeremias consideram a passagem dentro
do pano de fundo da igreja primitiva palestiniana e de sua
visão concernente a Isaías 53:12 – “... porquanto ele derramou sua
alma na morte...”. J. Jeremias vê um paralelo inegável entre o
verbo usado por Paulo e o verbo hebraico usado por Isaías
71
neste trecho claramente cristológico. Desta forma, eles negam
que o trecho em consideração faça alusão à encarnação de
Cristo e o vê como alusivo à entrega de si mesmo dando sua
vida na cruz.
Embora pareça fruto de pesquisa exaustiva, estas
conclusões de Lohmeyer e J. Jeremias negam a clara progressão
do texto paulino. A morte, e morte de cruz é vista, neste
contexto, como o clímax de uma progressão que se inicia no ato
de despojamento, cujo conteúdo é claramente encarnacional. A
morte, o derramar da alma na morte é visto como conseqüencial
e final no esvaziamento que envolve tudo o que segue nos
versos 7 e 8 de Filipenses capítulo dois.
Esta primeira parte do verso 7 tem dado origem ao
debate cristológico mais controvertido nos últimos tempos. A
noção mais comum, da assim chamada, doutrina kenótica diz que
Cristo se esvaziou dos seus atributos divinos, ou não fez uso
deles, durante o período de sua vida na terra. A onipresença,
a onisciência e a onipotência geralmente figuram nesta lista
de atributos que, supostamente Cristo abandonou.
A Fórmula da Concórdia86 (Epit. VIII, Afirm. 3-11,
86 Maiores detalhes: Enciclopédia Histórico- Teológica da Igreja Cristã – Walter A Elwell – p. 320 e 321
72
Neg. 20) condenou esta concepção quenoticista. Zinzendorf e
Charles Wesley reafirmaram a doutrina em seus dias. Ernest
Sartorius e W. F. Gess ensinaram-na e Gottfried Thomasius e
Charles Gore foram os principais defensores do quenosticismo
no Século XIX.
Foi Charles Gore em Lux Mundi (1889) que apelou à
tese quenótica para “reconciliar os pontos de vista liberais e críticos quanto
ao Antigo Testamento com a aceitação da autoridade de Jesus como ensinador”.
Com base na referida tese, ele admitia que Jesus “acomodava Seus
ensinos aos Seus ouvintes” por ser, ele próprio “sujeito às limitações de
seu tempo”. Gore, desta forma, como fez Thomasius, procurava
dialogar com os liberais adaptando a cristologia ortodoxa ao
discurso liberal.
Desta prática questionável de Gore, surgiram duas
questões seriíssimas: Em primeiro lugar, o que dizer dos
atributos de onisciência, onipresença e onipotência em relação
à kenosis de Cristo ? Se Cristo se despojou de atributos
divinos essenciais, fica difícil ver como sua divindade pode
ainda ser sustentada. O despojamento destes atributos faria de
Cristo um ser menos que Deus e algo mais do que um homem, o
que sumariza o arianismo em seu postulado original.
73
E quanto às funções cósmicas do Logos ? Durante a
encarnação o Logos as abandonou ? Ou será que o Verbo Divino
que sustenta o universos estava tanto dentro dEle (de Cristo)
vivendo a vida divina nesta vida humana, como também fora dEle
? Talvez uma solução seja pensarmos em categorias de mente
consciente e inconsciente. Ou seja, Jesus, durante sua vida
encarnada, estava consciente apenas daquilo que lhe era
necessário, como filho e servo do homem.
Em segundo lugar, nem os evangelhos, nem Filipenses
2:7 apresentam qualquer abandono de algum atributo divino por
parte de Jesus Cristo. No entanto, todos mostram que Jesus
aceitou, de modo inequívoco, a posição e o papel de servo.
Como tal, Jesus aceitou as limitações que eram de conformidade
com a vontade do Pai.87
Champlin, em sua Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia,
no verbete Kenosis, faz extenso comentário sobre esta
controvérsia cristológica. Segundo ele, “a teologia aplica o termo
kenosis ao ato de Cristo, o Filho de Deus, ao tornar-se homem, o que significa que
ele se esvaziou de seus atributos e poderes divinos, embora não de sua natureza
divina”. Dando prosseguimento à sua opinião sobre o assunto ele
87 Brown, Colin, op. cit. Vol. 4 – p.688 a 692
74
diz “...o Logos, ou Verbo celeste, desistiu de aferrar-se ao que possuia quando
de seu esvaziamento, em uma atitude contrária à de Adão que procurou obter algo
que ele não tinha...”. Sua observação é pertinente e faz justiça ao
contexto onde o termo ocorre, ou seja, a Filipenses 2:7 e seu
contexto imediato.
Champlim conclui sua definição do conteúdo
teológico do termo afirmando que “o termo kenosis, portanto deve ser
aplicado à idéia de auto-limitação do Logos (o Filho de Deus) quando de sua
encarnação...”, pois “...se falarmos em termos de auto-limitação, então o
Cristo divino pode ser reconciliado, em nossas mentes, com o Cristo humano” e
adverte: “No entanto, até que ponto houve a limitação dos atributos divinos, é
algo que não sabemos precisar”.
Sua moderação ao tratar do assunto serve de séria
advertência a quem se dedicar a discorrer sobre o tema sem a
devida compreensão da imensas implicações teológicas
decorrentes de uma parcial ou tendenciosa abordagem do mesmo.
Champlin teme anular a natureza humana de Cristo ao
colocar a natureza divina como elemento de explicação para
muitas coisas que ocorreram na vida de Cristo, por outro lado
sente a necessidade de não negar a natureza divina para não
75
ferir qulquer doutrina razoável concernente à divindade de
Jesus. Sua solução vem em termos de auto-limitação e se nega a
ir além disto optando pelo pressuposto teológico conhecido
como obscuratio, uma vez que, segundo ele “nenhuma explicação
adequada sobre esta dificuldade foi jamais oferecida, embora haja evidências cabais
para crermos que foi extamente isso que aconteceu na pessoa de Jesus Cristo”.88
Lewis Sperry Chafer, em sua obra Teologia Sistemática
indaga: “uma vez que Ele se esvaziou, a pergunta que a kenosis faz é : Do que Ele
se esvaziou ?” e responde: “Cristo esvaziou-se do interesse próprio, não se
apegando ao Seu estado de exaltação, que, embora fosse Seu de direito, não
manteve como um prêmio caro demais para renunciar em benefício dos outros”.
Chafer dá continuidade ao seu ponto de vista citando o Doutor
Charles Lee Feinberg que enumera e comenta quatro tipos de
especulação kenótica, a saber: 1) Teoria Absoluto Dualista; 2)
Teoria Absoluto Metamórfico; 3) Teoria Absoluto
Semimetamórfico e, 4) Teoria Real mas Relativo.
Defendida por Thomasius e outros, a primeira teoria
divide os atributos divinos em duas categorias, os éticos e
imanentes e os relativos ou físicos. Segundo eles, Cristo se
esvaziou dos últimos. Já a segunda teoria, defendida por Gess,
88 Champlin, N. R. e Bentes, João M. - Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Vol. 3 – 1995, p. 698
76
Godet e Newton Clark afirma o “suicídio divino” em que Cristo se
esvaziou de todos os atributos divinos para tornar-se uma alma
puramente humana. A terceira teoria, defendida por Edbrard,
advoga a tese de que Cristo se valeu de um disfarce, no
sentido de que as qualidades divinas foram mudadas em forma de
um homem. A Quarta e última teoria afirma que o Logos, ainda
que encarnado, possuía a natureza divina num sentido real e
verdadeiro, mas ele a tem dentro dos limites restritos da
consciência humana. Ou seja, “quando o Logos eterno assumiu a
humanidade, Ele desisitu da visibilidade de Sua glória”.89
George Eldon Ladd, em Teologia do Novo Testamento dá
grande ênfase a uma correta compreensão do verbete que
pode ser entendido em termos de res rapta, o que faria o texto
dizer que “Cristo existia na forma e glória de Deus, mas ele não considerava este
estado de igualdade com Deus algo a ser forçosamente retido, e sim, esvaziou-se
dele, tomando para si a forma de um servo”. Todavia, se o termo for
visto em termos de res rapienda, ou seja, “ele existia em forma e glória de
Deus, mas não possuia igualdade de status com Deus” Ele então “não
considerava esta igualdade algo de que forçosamente se apropriar; pelo contrário,
ele esvaziou-se tomando a forma de servo e se humilhando até à morte”.
89 Chafer, Lewis Sperry – Teologia Sistemática – Imprensa Batista Regular - p. 306 a 308
77
Não se definindo por nenhuma das interpretações
proposta, Ladd conclui afirmando que “tudo o que o texto afirma é que
ele esvaziou-se, tomando para si outra coisa, a saber, a maneira de ser, a natureza
ou forma de um servo ou escravo”.90
A implicação clara da interpretação favorável à
hipótese res rapienda é a negação do status de igualdade que
Cristo possuía em relação a Deus. Negar este fator seria
afirmar novamente o arianismo e comprometer a realidade da
natureza divina de Cristo.
Reconhecendo a importância da controvérsia e
procurando negar a teoria que afirma que Cristo se esvaziou de
sua divindade, Rienecker e Rogers esclarece “a palavra não significa
que Ele esvaziou-se de Sua divindade par ganho pessoal, ela é uma expressão vívida
da inteireza de Sua auto-renúncia e Sua recusa de usar o que Ele tinha para o seu
próprio benefício”.91 Penissi salienta a submissão do Cristo
encarnado a todas as vicissitudes e fraqueza da nossa vida,
para ele o esvaziamento de Cristo deve ser entendido nestes
termos.92
Bruce acha, de conformidade com Lightfoot, que “Ele
despojou-se de si próprio; não de sua natureza divina, visto que isso seria impossível,90 Ladd, George Eldon – Teologia do Novo Testamento – Ed. Exodus – Primeira Edição – p.392 e 393.91 Riencker e Rogers – op. cit. – p. 40792 Penissi – op. cit. - p. 49
78
mas, das glórias, das prerrogativas da divindade” não significando que
Cristo tenha trocado “sua natureza (ou forma ) divina pela natureza (ou
forma) de escravo”, significa sim, “que Ele demonstrou a natureza (ou
forma) de Deus na natureza (ou forma) de um escravo”.93
Muller advogando o caráter metafórico do termo
salienta que “em sum sentido literal e absoluto Cristo, não poderia ter-
se esvaziado, portanto um sentido metafórico se aplica a - levar a nada,
anular e tornar sem efeito”, daí sua afirmação conclusiva: “a kenosis de
Cristo deve ser entendida no que vem depois”. A saber, “tomar a forma de servo” o
que explana o como da kenosis, pois “nada é mencionado de algum
abandono de atributos divinos, a natureza divina ou forma de Deus. Em sua
encarnação ele permaneceu em forma de Deus”. Em nota de rodapé, ele
faz interessante comentário sobre o desenvolvimento e
implicações do debate quenótico. Segundo ele:
À parte das considerações exegéticas, graves objeções de natureza
dogmática podem ser lançadas contra a moderna teoria quenótica.
Apelando a Fil. 2:7, II Cor. 8:9, João 17:5, Marcos 13:32 e outros
raltivos, se mantém que a quenósis consiste num real auto-esvaziar-
se de Cristo em Sua encarnação por um total ou parcial abandono
de Seus atributos divinos e uma abdicação de algumas prerrogativas
93 Bruce – op. cit. p. 79
79
inconsistente com a própria experiência humana.
Muller alista três diferentes maneiras de se
conceber a moderna teoria quenótica: 1) desistência de algum
atributo divino – Thomasius, Kaftan, Delitzsch, Lange, e
outros; 2) Desistência e auto-entrega – Liebner, Gess, Godet,
Hofmann, e outros; e 3) Abandono da existência divina a fim de
assumir a humana – Ebrard, Martensen, Van Oosterzee, Bruce,
Gore, Fairbairn, Denney, Mackintosh, e outros. Para em seguida
levantar cinco objeções a estas teorias.
Em primeiro lugar, elas afetam – e anulam - a
doutrina bíblica da Trindade, pois, se uma das adoráveis
Pessoas da Santa Trindade, o Filho, abandona Seus atributos
divinos ou Sua maneira de existência cessa por um tempo de ser
Deus, então, a doutrina da Trindade fica seriamente
comprometida. Em segundo lugar, elas afetam a reconhecida
doutrina da imutabilidade de Deus. Segundo esta doutrina,
Deus, o Filho é imutável. As Escrituras e a Igreja confessam
que não há mudança alguma naquele que a si mesmo se denominou
Eu Sou.
Em terceiro lugar, elas põem em perigo e destroem a
80
verdadeira e eterna deidade do Filho. A deidade do Filho é
fruto da inteireza de seus atributos e prerrogativas. O
abandono dalgum atributo, dalguma prerrogativa e mesmo de sua
existência divina, desmerece este ensino dogmático das
Escrituras. Em quarto lugar, elas inviabilizam a obra
mediadora de Cristo. Cristo sem os atributos divinos não é
Deus-homem, mas apenas homem.
Por fim, o Cristo das teorias quenóticas não é o
Cristo das Escrituras, nem o Cristo dos credos da Igreja. As
Escrituras revelam um Cristo que é verdadeiramente Deus e
verdadeiramente homem. Os credos da Igreja confirmam o ensino
bíblico quando afirmam “nosso Senhor Jesus Cristo ... perfeito em deidade ...
perfeito em humanidade... verdadeiro Deus e verdadeiro homem... manifesto em
duas naturezas, sem confusão, sem conversão, indivisivelmente e
inseparavelmente ... combinado em uma pessoa e uma hipóstase...” (Credo de
Calcedônia) e, “...um Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem...”
(Fórmula da Concórdia) e também “...verdadeiro Deus e verdadeiro
homem, no entanto um Cristo... (Confissão de Fé de Westminster).94
Quanto ao caráter metafórico do termo, ele é uma
necessidade óbvia, uma auto-anulação seria inconcebível dentro
94 Muller – op. cit. - p. 80 a 85
81
do contexto. Cristo se esvaziou dalguma coisa que fosse menos
do que seu ser inteiro. Do que ele se esvaziou é o grande
dilema teológico em pauta, o fato de que ele se esvaziou é
indiscutível, que a encarnação e tudo o que ela representa faz
parte do escopo deste esvaziamento de Cristo é também uma
obviedade. De fato, Cristo de esvaziou e se esvaziou ao
encarnar-se, ou para encarnar-se as dimensões exatas do ato em
si e as implicações teológicas do ato de Cristo formam o cerne
do debate que se arrasta desde os dias apostólicos.
Hendriksen toca num ponto sutil do texto, segundo
ele “é evidente que Crsito não se esvaziou de sua existência ‘em forma de Deus’ /.../
O verbo ekenosen [ele esvaziou-se] não pode referir-se à ‘morphe theou’ [forma de
Deus] mas a einai isa theo isto é, ser em igualdade com Deus”, e, de acordo
com Berkhof, sumariza: Cristo desistiu de: 1) sua relação
favorável com a lei divina – Rom. 8:3 e Gál. 4:4; 2; 2) sua
glória celestial – João 17:5; 3) seu exercício independente de
sua autoridade – Heb. 5:8 e João 5:30.95
Champlin, em seu Novo Testamento Interpretado, além das
observações já feitas em sua enciclopédia, acrescenta que “este
versículo tem recebido um extraordinário número de interpretações” e que esta
95 Hendriksen – op. cit. p. 106 e 107
82
diversidade de opiniões se constitui um fator que provoca
“desespero e paralisia intelectual nos estudantes”. Em seguida ele discorre
sobre quatro fatos que são salientados neste verso, a saber:
1)Cristo se identificou conosco em nossa natureza humana; 2)
Em sua encarnação , ele se auto-limitou realizando tudo pelo
poder de sua humanidade espiritualizada, mediante a virtude da
presença e da capacitação dada pelo Espírito Santo; 3) Embora
impecável, aprendeu certas coisas por meio daquilo que sofreu;
e, 4) Ele tomou sobre si nosso próprio tipo de natureza
humana, debilitado como está pelo pecado – Rom. 8:3.
Champlin se mostra incisivo em negar que o Cristo
encarnado tenha cesssado de ser Deus. Segundo ele, “Cristo pôs de
lado o poder e os atributos divinos (posto que não a natureza divina) a fim de que a
encarnação tivesse uma significação vital para toda a humanidade”. E tece 3
considerações: 1) Paulo não tencionava estabelecer qualquer
declaração teológica exata. Ele meramente salientou o fato
que, ao invés de Jesus escolher as glória celestiais e poderes
elevados, preferiu a esfera humilde dos homens, a fim de poder
redimir seus eleitos. Qualquer coisa que vá além disso, na
tentativa de expressar o sentido do trecho, penetra no campo
da teologia especulativa; 2) Jesus jamais deixou de ser o que
83
Ele é essencialmente, ou seja, Deus; e, 3) Cristo pôs de lado
os seus poderes e atributos divinos, para que pudesse
compartilhar plenamente da condição humana em sua fraqueza e
sorte.96
O Doutor H. Wayne House em seu livro Teologia Cristã em
Quadros apresenta-nos, na trigésima ilustração um quadro que
ilustra bem fornece-nos o pensamento principal de cada uma das
muitas teorias quenóticas existentes.
O que se depreende, dos quadros fornecidos por ele,
é que todas as teorias e teorias sub-quenóticas estão em
consenso quanto ao fato do esvaziamento do Logos. O texto em
consideração é claro em vindicar esta verdade e negá-la seria
uma imensa falta de consideração para com o texto bíblico.
Segue os quadros na próxima página:
TEORIAS QUENÓTICAS TRADICIONAISCRISTO ESVAZIOU-
SE
O Filho de Deus pôs de lado a sua
participação na Deidade quando tornou-se
homem. Todos os atributos da sua divindade
96 Champlin, R. N. op. cit. – vol 3 p. 30.
84
DA CONSCIÊNCIA
DIVINA
literalmente cessaram quando ocorreu a
encarnação. O Logos tornou-se uma alma que
residiu no Jesus humano.CRISTO ESVAZIOU-
SE
DA FORMA ETERNA
DE SER
O Logos trocou a sua forma eterna por uma
forma temporal condicionada pela natureza
humana. Nesta forma temporal, Cristo não
mais possuía todos os atributos pertinentes
à Deidade, embora pudesse exercer poderes
sobrenaturais.CRISTO ESVAZIOU-
SE
DOS ATRIBUTOS
RELATIVOS DA
DEIDADE
Esta noção faz uma distinção entre
atributos essenciais, tais como verdade e
amor, e aqueles relacionados com o universo
criado, tais como onipotência e
onipresença.
CRISTO ESVAZIOU-
SE DA INTEGRIDADE
DA EXISTÊNCIA
DIVINA INFINITA
Na encarnação de Cristo, o Logos assumiu
uma vida dupla. Um “centro vital” continuou
a funcionar conscientemente na Trindade, ao
passo que o outro encarnou-se com a
natureza humana, inconsciente das funções
cósmicas da Deidade.CRISTO ESVAZIOU-
SE
DA ATIVIDADE
DIVINA
O Logos entregou ao Pai todas as suas
funções e responsabilidades divinas. O
Logos encarnado estava inconsciente das
atividades internas da Trindade.
CRISTO ESVAZIOU- O Logos removeu a atuação dos atributos
85
SE
DO EXERCÍCIO
EFETIVO DAS
PRERROGATIVAS
DIVINAS
divinos do campo do real para o potencial.
Ele reteve sua consciência divina mas
renunciou às condições de infinidade e à
sua forma.
E também as principais teorias Sub-quenóticas:
TEORIAS SUB-QUENÓTICAS CRISTO ESVAZIOU-SE DO USO
DOS ATRIBUTOS DIVINOS
O Logos possuía os atributos
divinos, mas escolheu não usá-los.
CRISTO ESVAZIOU-SE DO
EXERCÍCIO INDEPENDENTE
DOS ATRIBUTOS DIVINOS
O Logos sempre possuiu e pôde
utilizar as prerrogativas da
Deidade, mas sempre em submissão ao
poder do Pai e pelo poder do Pai (e
do Espírito Santo). O Cristo
encarnado nunca fez nada
independentemente por meio de sua
própria divindade.CRISTO ESVAZIOU-SE DAS
ENSÍGNIAS DA MAJESTADE,
AS PRERROGATIVAS DA
DIVINDADE
O Logos esvaziou-se da forma
exterior da divindade. (esta noção
é vaga quanto ao seu significado
preciso.)97
As três primeiras teorias lidam basicamente com o97 House, H. Wayne – Teologia Cristã em Quadros –Ed. Vida– ilustração 30.
86
conceito de atributos divinos. A primeira chega a pontos
extremos de negar a continuidade dos atributos divinos, a ela
cabe a objeção de Muller de que a doutrina da Trindade foi
destruída por completo. A segunda faz de Cristo um ser maior
do que os homens e menor do que Deus, talvez esta teoria
devesse ser creditada a Ário. A terceira faz distinção entre
os atributos divinos, estas distinções são de caráter
especulativo e vão além dos limites da própria teologia.
As três últimas teorias deixam de lado a temática
atributos divinos e se concentram nas funções cósmicas e
prerrogativas divinas do Logos encarnado. A noção da
existência de um “centro vital” à parte do encarnado é confuso e
chega à beira do absurdo. O esvaziamento da atividade divinas,
embora não esteja presente no texto em consideração, parece
mais aceitável do que tudo o que já foi dito, embora pareça
negar a imutabilidade divina. A última teoria tem um caráter
confuso que é a “remoção da atuação dos atributos divinos do campo do real
para o potencial”. Esta noção cria uma certa idéia de dupla
personalidade em Cristo, uma consciente e outra inconsciente,
uma real e outra potencial. Se parece muito com o
Eutiquianismo.
87
As teorias sub-quenóticas têm a seu favor o
reconhecimento da radicalidade das teorias. Elaborando novos
conceitos, elas buscam evitar o que seria absurdo e
especulativo nas teorias. O não uso dos atributos divinos é
uma possibilidade, embora não conte com o aval das Escrituras
que dá a entender que houve uso dos atributos divinos pelo
Cristo encarnado. A tese da renúncia do uso independente
parece concordar com o contexto de Filipenses 2:7 que fala em
termos de obediência e renúncia. Mas, se tomarmos João 17:5,
veremos que há mais coisas envolvidas do que simplesmente o
uso independente dos atributos divinos. A última teoria sub-
quenótica é vaga e por esta razão indigna de maiores
considerações.
“...assumindo a forma de
servo...”
O verbo - particípio aoristo de é
traduzido por “assumindo”, “tomar”, “receber”, “tomar para si”,
“tomar como seu”, “tomar posse”. Refere-se originalmente a
88
“agarrar”, “apanhar”, mas também significa “receber”, regularmente
com o acusativo do objeto; abrangia todas as áreas da vida
desde as coisas simples até o benefício espiritual. Os
compostos de fortalecem ou aumentam o seu significado
básico.98
O substantivo masculino - “escravo”, “servo” se
contrasta com o substantivo pois se diz que aquele que
subsistia em (forma de Deus) agora toma para si a
(forma de servo).
Sendo a liberdade pessoal a posse mais valiosa para
o grego ático, o pela própria natureza das coisas não
pertencia a si mesmo, mas, sim, a outra pessoa. Sua posição
acarretava a abrogação da própria autonomia pessoal e a
subordinação da vontade àquela outra pessoa, daí o sentimento
de repulsa e desprezo dos gregos para com a posição de um
escravo. A vida do escravo era labuta e serviço compulsório
sem o alívio no lar ou nas obras públicas. O termo traz
consigo o sentido de dependência e subordinação.
No AT o termo faz referência às experiência de
Israel no Egito – Deut. 15:12 e à prática hebraica – Núm.
98 Brown, Colin, - op. cit. – Vol. 4 – p. 634
89
31:7, Deut. 20:10, I Reis 20:39 e II Crôn. 28:8. As Leis de
Esmuna e o Código de Amurabi nunca consideravam o escravo como
parte injustiçada. O At prescreve algumas leis humanitárias
visando a integridade física do escravo – Deut. 23:15 e 16,
Êx. 21:5 e 6, Lev. 23:39 a 55. Somente os profetas protestaram
contra a prática – Is. 50:1 e Amós 2:6.
O substantivo nas parábolas de Jesus
representa alguém que goza de alguns privilégios – Mat. 24:45,
apesar disso deve-se observar que a absoluta submissão ao seu
amo é algo que também se faz presente – Mat. 6:24 e 8:9 e não
deve esperar louvores – Lucas 17:7 a 10. O termo e seus
cognatos são freqüentes nos escritos paulinos.
O NT não censura a divisão da sociedade em termos
de senhores e escravos. Paulo reconhece a legitimidade de
possessão de Filemon sobre Onésimo, apesar de admitir a tensão
existente entre esta situação e a fé no único Senhor Jesus
Cristo – I Cor. 7:21. Paulo se vale da situação social
reinante para ilustrar a verdade que fora da esfera reinante
de Cristo, todos os homens estão nas garras implacáveis de uma
escravidão completamente diferente, eles são
- “escravos do pecado” – Rom. 6:17.
90
Empregando o termo em relação a Cristo, Paulo o
exalta. Ele afirma que Cristo se despojou, tomando sobre si a
forma de servo – Fil. 2:7 – ao tornar-se homem, o Pre-
existente tomou para si a - forma – de um - servo.
Ao assumira forma de servo, Jesus entrou em solidariedade com
a humanidade, na sua sujeição ao pecado, à lei e à morte. Como
servo, ele se sujeitou à lei – Gál. 4:4, levou sobre a si a
maldição da lei – Gál. 3:13, assumiu uma forma “em semelhança de
carne pecaminosa”- Rom. 8:3, fazendo-se, assim, irmão dos homens
“que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida”- Heb.
2:15. É a forma de servo que descreve com exatidão a
encarnação de Jesus Cristo como sendo a mais profunda das
humilhações.99
Wiersbe salienta que o serviço é a segunda
característica de uma mente submissa.100 Lenski chama a atenção
para o fato de todos os aoristos dos versos 6 e 7 serem
pontilear dando a entender ações simultâneas.101 Barth adverte
que “não significa que ele se tornou escravo no sentido sociológico. Ele tomou
sobre si toda a existência humana escravizada na miséria e na morte tornando-se
99 Brown, Colin, - op. cit. – vol. 2 – p.82 a 87100 Wiersbe – op. cit. p. 71101 Lenski, op. cit. p. 779
91
solidário conosco na profundeza de nossa aflição”.102
“...tornando-se em
semelhança de homens...”
O termo ocorre apenas 6 vezes no NT – Rom.
1:23, 5:14, 6:5, 8:3 e Apoc. 9:7. Aqui a frase expressa o fato
que seu modo de manifestação assemelhava-se ao dos homens. O
apóstolo vê-O solenemente como ele poderia aparecer para os
homens.103
O termo significa “do mesmo tipo”, “da mesma condição”,
“do mesmo caráter”, “aparência igual”, “correspondência”. É normal
considerar que as descrições diferentes nos versos 7 e 8 dizem
respeito a atos sucessivos. Mesmo assim, o esvaziar-se, o
assumir a forma de um servo e nascer na semelhança dos homens
claramente não eram atos sucessivos. O humilhar-se e a
obediência não são etapas que se seguiram até que a cruz
tomasse o lugar deles, mas cada uma dessas descrições se
aplica à totalidade da vida de Cristo, cujo ápice se deu na
102 Barth, op. cit. p. 46 e 47103 Rienecker e Rogers – op. cit. - p. 408
92
cruz.104
B. C. Caffin, valendo-se de Lightfoot chama a
atenção para o fato de referir-se apenas `aparência
externa. Isto significa que Cristo “não tomou para si uma
pessoa”, mas, “a natureza humana”. Desta forma, Cristo, o segundo
Adão, representa não o homem individual, mas a raça humana.
Barclay salienta que o verbo descreve um estado que
não é permanente, uma fase que é completamente real mas que
passa.105
O termo - “homem”, “ser humano” estabelece
o contraste que há entre os humanos, deuses e animais. Na LXX
traduz adam ou enos. Adam se refere à natureza humana e enos à
mortalidade – I Sam. 15:21 e Salmo 8:5. Os conceitos
antropológicos mais importantes do NT se encontram nos
escritos paulinos. É Paulo que ressalta o termos - corpo
– fil. 1:20 e 3:21, - carne – II Cor. 4:10 e 11, Rom. 8:1,
I Cor. 15:50, alma – II Cor. 12:15 e 15:44 e -
espírito – Rom. 8:16. Assim, no NT o homem é encarado como um
ser completo – penumatopsicossomático.106
Penissi vê aqui uma alusão ao fato de Cristo, ao104 Brown, Colin – op. cit. - vol. 4 p. 691 e 692.105 Barclay op. cit. p. 35106 Brown, op. cit. vol. 2 p. 375
93
ter-se encarnado, assumir para si todas as fraquezas e
vicissitude da nossa vida vida.107 Barth chama a atenção para o
o fato de que: “Fala-se aqui, portanto, de seu tornar-se ser humano, que não
se constitui de mero disfarce – é despojamento, desistência de sua posição e
subsistência divinas” e acrescenta “Paulo usa ‘semelhança’ para diferenciar a
adoção de condição humana por parte de Jesus, de uma adoção da pecaminosidade
humana”.108
Hendriksen salienta que a humanidade de Cristo é
“semelhante” à nossa porque difere dela em dois aspectos: Em
primeiro lugar, a humanidade de Cristo teve seu princípio de
modo diferenciado, ele foi gerado pelo Espírito Santo, no
ventre de uma virgem; e em segundo lugar, sua humanidade não
foi contaminada com os resultados do pecado, isto é, não era
inerentemente pecaminosa.109
“... e, reconhecido
em figura humana...”
O substantivo neutro é raro no NT,107 Penissi, op. cit. p.49108 Barth, op. cit. p. 46 e 47109 Hendriksen, op. cit. p. 110
94
ocorrendo apenas duas vezes – I Cor. 7:31 e aqui. O termo
refere-se a “aparência externa”, “forma”, “maneira”, “contorno”,
“figura”, “porte”, “postura” e “caráter”. O pensamento grego não faz
muita diferença entre o externo e o interno. Daí o termo poder
significar “a forma que é vista” e que se altera,, “mera aparência” em
oposição à realidade, um “simulacro”. Em Fil. 2:7 refere-se ao
modo em que a humanidade de Jesus apareceu visível a qualquer
um. Em I Cor. 7:31 refere-se à aparência do mundo.110
B. C. Caffin esclarece que o uso do aoristo
implica que se limita ao tempo de vida terrestre de Cristo,
quando ele apareceu como um homem entre os homens. O verbo
- modo particípio aoristo passivo de - é
traduzido com muita propriedade por “ser achado”, “achou-se”, “foi
reconhecido”. Caffin ainda esclarece que é o oposto de
e implica numa aparência externa e transitória.111
VERSO 8:
110 Brown, Colin – op. cit. - p.281111 B. C. Caffin in THE PULPIT COMMENTARY –WM.B. Eerdmans Publishing Co. – Vol 20 – p. 60 – 1977 Penissi, op. cit. p. 50
95
“...a si mesmo se
humilhou, tornando-se obediente...”
A maneira deste humilhar-se de Cristo é definida
pelo verbo obedecer e expandida pelo verbo morrer, com o
acréscimo do tipo ignominioso de morte, a morte de cruz. Há de
se salientar aqui, que tanto o esvaziar-se como o humilhar-se
são verbos reflexivos que ressaltam o caráter expontâneo do
despojamento e auto-humilhação do Senhor Jesus Cristo. O uso
do particípio implica que o supremo ato de auto-humilhação
consiste na submissão voluntária do Senhor a morrer. Paulo usa
o exemplo de Cristo para fazer contraste com a titude e os
sentimentos orgulhosos dos filipenses, que seguiam os padrões
mundanos. Foi o exemplo de Cristo que deu “um sentido positivo à
qualidade da humildade, mostrando que é o caminho certo a seguir, mesmo que
pareça terminar em derrota e em vergonha pessoal”.112
Bruce comenta:
A vida inteira do Senhor, da manjedoura ao túmulo, foi marcada porgenuína humildade. Ele ‘a si mesmo se esvaziou’ ao tornar-se homeme a seguir, como homem, humilhou-se mais ainda. O texto todocelebra a humilhação de Jesus, humilhação coroada pela morte decruz. Segundo os padrões do primeiro século, nenhuma outra
112
96
experiência poderia ser mais repugnante e degradante do queesta”.113
O adjetivo masculino “obediente”, deriva-se
do substantivo “servo”, “assistente”, “um remador” e do
verbo “prestar serviços”, “ser útil” e tem a mesma raiz de
- “escutar”, “obedecer”.
Paulo usa este adjetivo em relação a Cristo – Fil.
2:8, à expectativa do apóstolo em relação aos coríntios – II
Cor. 2:9, viu nos filipenses – 2:12, uma marca dos primeiros
cristãos – Atos 6:7. Na LXX ocorre apenas em Deut. 20:11,
Prov. 4:3 e 13:1. O sentido original é “abrir” no sentido de
atender à porta. Para Paulo, o padrão de obediência é Jesus
Cristo de quem foi dito que foi obediente até a morte e morte
de cruz. A obediência de Cristo faz claro contraste com a
desobediência de Adão – Rom. 5:19.114
Comentando este verso Champlin afirma:
O quadro sugere que Deus, o Criador, que se deu eternamente a simesmo, para que pudéssemos existir, desde toda a eternidade tinhaem si mesmo essa disposição mental de dar-se de si mesmo, detransmitir-se a outros, e essa atitude se tornou supremamente visívelquando da manifestação de Deus em Cristo, mas que atinge atémesmo crentes individuais, a fim de que cada um deles sedesvencilhe de si próprio e entre em uma nova união com a vida
113 Bruce, op. cit. p. 80114 Brown, Colin – op. cit.,- vol. 3 - p. 368 e 369
97
altruísta de Deus.115
O verbo no tempo aoristo descreve um ato, não uma
disposição. Cristo se humilhou por viver uma vida de completa
obediência que culminou em sua morte. Um claro contraste com
Adão – Rom. 5:12 a 21.116
Segundo Shedd, “a atitude mental de Cristo não parece ser
muito vantajosa sob nenhum ponto de vista prático” mas “será o princípio pelo
qual o mundo será governado”. Por esta razão, segundo ele, “Deus quer
que a igreja, o local geográfico visível do reino de Cristo, viva agora sob Seu
domínio, a experiência da abnegação perfeita e completa”.117
“...até a morte e
morte de cruz.”
115 Champlin R. N. – op. cit. – vol. 5 p. 30116 Loh e Nida – op. cit. p. 59 e 60117 Shedd, op. cit. p. 59
98
A preposição genitiva - “até” (18 vezes no NT)
e a conjunção superordenativa - “mesmo assim”, introduzem um
detalhe mais enfático da humilhação, e leva para um clímax de
morte em meio a um sofrimento vergonhoso e amaldiçoado, a mais
ignominiosa da mortes.118
O substantivo que ocorre duas vezes no
verso 8, significa tento o ato de morrer como o estado da
morte. Na literatura clássica os homens são apresentados como
“mortais” em contraste com os deuses. Para os gregos a
morte significava o fim da atividade da vida, encerramento do
período de vida, a destruição da existência. Às vezes a morte
era personificada.
No pensamento do AT a morte significava o fim total
da existência do homem – II Sam. 12:15. No NT a morte é
encarada de modo similar, não como um processo natural, e sim,
como um evento que indica claramente a condição pecaminosa do
homem. A declarações acerca da morte de Jesus formam o ponto
central da história da salvação no NT.119 autoridade foi levada
a efeito a execução.120
118 Rienecker e Rogers – op. cit. - p. 408119 Brown, Colin. Op. cit. vol 3 p. 197 a 207120 Idem. vol. 1 p. 558 – Maiores Detalhes ver 2.8 – A Crucificação
99
VERSO 9:
“...Pelo que
também Deus o exaltou sobremaneira...”
Este verbo ocorre apenas aqui e em nenhum outro
lugar do NT. Deriva-se de - “alto”, de onde provém -
“alto”, “exaltado”, - “altura”, “o exaltado”, “altíssimo”,
“exaltar”, “erguer” e “elevar acima de todas as alturas”.
No AT ocorre mais de 150 vezes e 50
vezes. Somente Jeová tem o direito de exaltar e humilhar – I
Sam. 2:7. O sentido negativo da palavra – “ser orgulhoso”, “altaneiro”,
“arrogante” é raro – Sal. 37:20, 131:1 e 2 e Ez. 28:5. Já o
sentido positivo – “exaltar”, “louvar”, é mais comum – Sal. 18:46,
27:5 e 6, 30:1, 34:3, 57:5, Êx. 15:2, Sal. 107:32. Deus exalta
o justo – Sal. 37:34, 89:17, 112:9; Deus é exaltado pelos
adoradores – Sal. 99:5 e 9, 97:9, 34:3 e 148:14. O ímpio se
exalta– Sal. 75:4 e 5, Is. 2:11 e 17.
No NT ocorre 20 vezes, destas, 6 aludem
100
`exaltação de Cristo – João 3:14, 8:28, 12:32 e 34, Atos 2:32
e 5:31. Filipenses 2:9, a última desta lista, faz um contraste
com os versos anteriores – 6 a 8. Sendo colocada depois da
humilhação a exaltação deve ser vista como conseqüência da
primeira e consiste na designação de Cristo como Soberano, não
somente sobre a comunidade dos crentes como também sobre o
universo inteiro – Rom. 1:4, I Tim. 3:16 e Heb. 1:3 e 4.121
Na literatura mitológica babilônica, egípcia e
grega a exaltação é salientada como obra exclusiva dos deuses,
a qual os mortais em vão buscam angariando contra si a ira dos
deuses.122
Martin observa que o verbo pode
significar que Deus o exaltou a uma posição superior
(comparativamente) àquela que Ele detinha antes (quando era,
então a forma de Deus). Mas, acrescenta que Moule diverge
afirmando que Cristo, em seu estado pre-existente “era Filho de
Deus; agora, após sua exaltação recebeu a dignidade de Senhor. Contudo parece
não haver intenção de se estabelecer comparações”. O uso do aoristo
implica em referência aos fatos históricos da ressurreição e
ascensão de Cristo. Segundo o próprio Martin, “o poder senhorial
121 Ibidem - vol. 1 – p. 163122 Rienecker e Rogers, op, cit, p. 408
101
deve ser visto como tendo sido entregue nas mãos da pessoa histórica de Jesus de
Nazaré, o qual não é uma figura cósmica, ou ditador despótico, mas alguém a quem
os crentes podem atribuir uma face e um nome”.123
Pennissi, contempla o horizonte que surge deste
fato. Para ele, “Jesus o eterno propósito de Deus”, daí Ele
ter sido exaltado por Deus, de tal forma a conferir-lhe, “maior
honra que tinha antes de humilhar-se “.124 Lenski opina que “a forte base
sobre a qual Paulo fundamenta sua admoestação – v. 1 a 5 – inclui a humilhação e
exaltação de Cristo e o fato de que ambas vêm juntas”. Segundo ele, “o pleno
uso dos atributos divinos comunicados à natureza humana no tempo da encarnação
constituiu a exaltação”125.
Muller afirma que “depois – e por causa – de seu auto-
esvaziamento e auto-humilhação Cristo experimentou sua exaltação por Deus”.126
Champlin, comentando o verso 9 enfatiza a presença de três
lições dadas pelo texto: 1) Lição teológica – Cristo foi
supremamente exaltado devido ao êxito de sua missão; 2) Lição
ética – É um absurdo o homem exaltar a si mesmo, pois a
verdadeira exaltação vem através da humildade, e 3) Lição
pastoral – Paulo advertia as facções quanto à gravidade de seu
123 Martin, op. cit. p. 114.124 Pennissi – op. cit. p. 50125 Lenski, op. cit. p. 787126 Muller, op. cit. p. 87
102
erro – os elementos facciosos deveriam notar que a auto-
exaltação, envolve a usurpação das prerrogativas divinas.127
Gerhard Barth observa que o verso 9 inicia a
Segunda estrofe do hino. O que fica ressaltado, segundo ele,
nesta Segunda estrofe, é o fato de que Deus, o Pai, passa a
ser o sujeito ativo, passando a ser “motivo condutor predominante a
exaltação de rebaixado e obediente”. E, ressalta que a conjunção
superordenativa - “por isso” liga as duas estrofes e “designa o
rebaixamento obediente como razão da exaltação”. A exaltação de Cristo,
segundo ele “não significa apenas a restauração de seu estado anterior em
subsistência divina, mas que ele lhe concede mais do que possuía anteriormente”.128
“..
.e lhe deu o nome que está acima de todo nome...”
O verbo derivado de - “dar de
graça”, “dar graciosamente”, ocorre 23 vezes no NT. O tempo
aoristo chama a ênfase para o ato histórico do Pai. Depois da
auto-humilhação e obediência, o Pai concede ao Filho aquilo a127 Champlin, op. cit. – vol 3 -p. 31128 Barth, op. cit. p. 47
103
que Ele poderia ter-se agarrado.129
Colin Brown observa que, “na fé e no pensamento de,
virtualmente todas as nações, o nome é inextrincavelmente vinculado com a pessoa,
seja do homem, do deus, ou de um demônio”. Qualquer pessoa que conhece
o nome de um ser pode exercer poder sobre ele. Os sofistas
opinavam que o nome pertencia por natureza às coisas. Platão
julgava que as palavras são símbolos fonéticos, que recebem
seu significado mediante o costume, sendo, portanto, de pouca
relevância para o conhecimento verdadeiro. As frase e fórmulas
mágicas da antigüidade revelam a crença no poder e na eficácia
dos nomes dos deuses e dos demônios.
Os israelitas também tinham consciência clara da
significância dos nomes pessoais e próprios. Dar nome é
exercer senhorio e domínio – Gên. 2:19 e 20, II Sam. 12:18 e
Sal. 49:11, 147:4, Is. 43:1 e 63:19. Um dos aspectos mais
fundamentais e essenciais da revelação bíblica é o fato de
Deus não ficar sem nome. O nome de Javé é uma expressão
poderosa de Sua soberania pessoal e de sua atividade.
No NT o nome de Jesus é a base da proclamação a
todas as nações – Atos 8:12, 9:16 e Rom. 1:5. Quem invoca o
129 Rienecker e Rogers, op. cit. p. 408
104
nome do Senhor é salvo – Atos 2:17 a 21 e Rom. 10:13. A
plenitude da obra salvífica de Cristo é contida no nome dEle.130
B. C. Caffin acha que “o nome” - se refere ao nome
Jeová, o nome majestoso, cheio de glória e dignidade, que no
grego tem seu equivalente no termo - verso 10.131
A preposição - “acima”, “sobre” tem sua origem
na figura de uma pessoa de pé ou encurvada sobre outra para
protegê-la ou guardá-la, e de um escudo levantado acima da
cabeça que sofre o golpe ao invés da pessoa.132
O nome de Jesus é mencionado no próximo verso para
deixar claro que aquele que foi exaltado foi o mesmo que, em
estado de humilhação foi conhecido pelo nome de Jesus de
Nazaré. Quando encarnado, o Logos divino se deixou nominar
porque veio para servir, para oferecer-se em sacrifício. Sua
submissão ao Pai fez dele um servo dos homens, e foi neste
estado que ele suportou a morte de cruz. E foi também, a este
Jesus, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, foi morto e
sepultado, que Deus ressuscitou ao terceiro dia, que, tendo
sido assunto ao céu, assenta-se à mão direita de Deus Pai130 Brown, Colin op. cit. vol 3 p. 276 a 283131 B. C. Cafin in THE PULPIT COMMENTARY – Grand Rapids – Michigan – WM.B. EerdmansPublishing Co. – Vol 20 - p.61 – 1977 Brown, Colin. Op. cit. vol 3 p. 655132
105
Todo-poderoso.
VERSO 10:
“...para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho...”
O substantivo - “joelho” é seguido pelo verbo
que alude ao ato de ajoelhar-se, similar a -
“cair de joelho”. No mundo grego somente o escravo ajoelha-se
diante do seu senhor, e o suplicante diante dos deuses. No AT
o ato de ajoelhar-se veio em decorrência das exigências dos
reis – I Crôn. 29:20. O adorador se curvava diante de Jeová –
Sal. 95:6. No NT, exceto em Heb. 12:12, o termo somente
ocorre em associação com verbos suplementares – Rom. 11:4, Ef.
3:14 e Fil. 2:10.
O ato de ajoelhar-se expressa o reverente temor
diante de um rei, isto é, o reconhecimento do seu poder e
soberania. Aqui é o reconhecimento que Jesus, na Sua majestade
106
universal e significância cósmica, é Senhor de tudo.133
Dobrar os joelhos, no nome de Jesus ‘é adorá-lo
nessa esfera de autoridade, graça e glória que o seu nome
representa; por estar, alguém consciente dentro do reino no
qual ele é o Senhor reconhecendo a justiça dos títulos de
“Jesus”, “Salvador” e ‘Senhor” e aceitando as obrigações que esses
títulos implicam.134 Dobrar-se ao nome de Jesus é, naturalmente,
concordar com os passos descendentes e humilhantes que Ele
tomou, para que Ele seja exaltado, Senhor sobre tudo.135
“...nos céus,
na terra e debaixo da terra...”
O adjetivo pronominal - “celestial”, deve
ser entendido num sentido local, indicando a esfera das
bênçãos relacionadas com o Espírito – Ef. 1:3. Ele se refere
ao céu conforme visto da perspectiva da nova era trazida por
Cristo, e por essa razão deve ser estreitamente ligado com o
133 Idem - p. 321134 Champlin – Vol. 3 – p. 31135 Shedd. Op. cit. p. 61
107
Espírito da nova era.136
Este adjetivo contrasta com a terra e o mar.
Significa “o céu”, “pertencente ao céu”, “divino”. No AT se vê um
mundo em três andares. Não há uma cósmica única – Gên. 7:11,
II Reis 7:2, Jó 26:11, II Sam. 22:8, Is. 40:22, Sal. 104:2,
Is. 34:4, Amós 9:6. No NT não há qualquer menção vários céus,
mas somente de um. A expressão “o céu e a terra” significa o
universo. Jesus é a apresentado como o Senhor que foi
levantado até o trono de Deus, e a Quem tudo quanto há na
terra e no céu prestará homenagem – Fil. 2:10.137
O adjetivo pronominal - “terrestre” contrasta
com a água, refere-se à área onde o homem trabalha. Na
mitologia grega figura entre as divindades mais antigas onde,
é a mãe de quem procede toda a vida. No AT eres é criação de
Jeová – Gên. 1:1 e 2. No NT se reforça a idéia de que tanto a
terra como o céu são criação de Deus. Significa lit. “sobre a
terra” embora também possa estar ligado com o dualismo do céu e
da terra, para então significar “terrestre”.138
A expressão singular - “sob a terra”, dá a
entender os espíritos dos mortos, que estão no hades. De136 Rienecker e Rogers, op. cit. p. 386137 Brown, Colin – op. cit vol. 1. p.421 138Idem - vol. 4 p. 600
108
acordo com o NT esses espíritos estão vivos e Cristo exerce um
certo ministério entre eles, visando o bem deles.139
Não apenas seres humanos, mas também anjos e
demônios, em alegre e espontaneidade ou temor relutante,
reconhecem a soberania do crucificando.140 Aqui toda a criação,
todos os seres racionais, classificados em três grupos –
celestial, terrenal e submundano - reconhecem a soberania de
Cristo.141 Freqüentemente se supôs que esta tríade se referia a
anjos no céu, aos homens na terra e aos que partiram para o
reino dos mortos. O judaísmo antigo e a cristandade inicial
consideravam o cosmo habitado de poderes, anjos e demônio,
bons ou malignos, poderes que determinam os diversos âmbitos
do cosmo e que eram seus representantes. São espíritos
poderosos que representam e dominam o cosmo tripartido.142
B. C. Caffin observa que não o nome Jesus que está
em pauta e sim, “ao nome de Jesus”, ou seja, ao nome que a Jesus
será conferido pelo Pai, um nome “sobre todo nome” que “ninguém
conhece, senão ele mesmo” – Apoc. 19:12.143.
139 Champlin. op. cit. vol. 5 p. 32140 Bruce. Op. cit. p. 82141 Muller op. cit. p. 88142 Barth. Op. cit. p. 48143 Caffin in THE PULPIT COMMENTARY – Grand Rapids – Michigan – WM.B. Eerdmans Publishing Co. –Vol 20 – p. 61 – 1977 Brown, Colin, op. cit. vol. 3 p. 389
109
VERSO 11:
“...e toda língua
confesse...”
O substantivo ocorre 50 no NT referindo-se
ora à língua, membro do corpo humano, outras vezes à
linguagem, e outras vezes à faculdade da fala. Na LXX traduz
lason e lisan – Êx. 4:10, Juízes 7:5, Gên. 11:7, Prov. 18:21. O
termo refere-se ao idioma ou linguagem, enquanto
faz mais alusão ao órgão da fala.144
O verbo subjuntivo aoristo médio de
- “confessar” é fruto do composto - “o mesmo”,
“semelhante” e - “dizer”, significa, portanto, “dizer a mesma
coisa”. Na LXX traduz yadah, nadar e saba – “louvar”, “votar” e
“jurar” – Jó 40:14, Jer. 44:25, Êx. 16:8. Das 26 vezes que
ocorre no NT, 10 destas ocorrências estão nos escritos
144 Idem - vol 1 p. 465
110
joaninos. O composto significa “confessar com louvor” –
Sal. 18:49, II Crôn. 31:2, Sal. 100:4, I Crôn. 25:3, II Crôn.
20:22, Ne. 12:27, Sal. 147:7, Mat. 3:6, Atos 19:18, Rom.
14:11, 15:9 e Tg. 5:16.145
“...que Jesus Cristo é
Senhor...”
O substantivo ocorre mais de 700 vezes no NT
e significa “senhor”, “amo”, “dono”, “quem tem controle”. O termo
leva consigo implicações de legalidade e autoridade
reconhecida do senhorio. Quando um deus é chamado “senhor” o
termo predominante é e faz contraste com .
No grego clássico mais antigo não se
empregava como título divino, embora se aplicasse aos deuses.
Não havia entre eles a noção de serem servos dos deuses. Os
imperadores romanos gostavam de referir-se a si mesmos como
- “Senhor de todo o mundo”. Na LXX ocorre
mais de 9000 vezes e traduz adon – “senhor”, ba’al – “senhor”, gebir
145
111
– “comandante”, mara – “senhor” e sallit – “governante”.
Na maioria das vezes que ocorre na LXX – cerca de
6.156 vezes – o termo substitui o nome próprio hebraico de
Deus, o tetragrama YHWH. A LXX procurou evitar a expressão
vocal do nome de Deus. O verbete ‘adonay surgiu no período pós-
exílico.
No NT o termo é predominantemente lucano e paulino.
Deus é freqüentemente chamado - Rom. 4:8, Luc. 1:66, Atos
11:21, Mat. 1:20, 2:13, 28:2, Tg 5:10 e 14, Atos 5:9, 8:39,
Rom. 12:19, II Cor. 6:17, Jo. 20:28 e Apoc. 4:11. Jesus também
é chamado - Jo. 4:14 e 15, 5:7, 6:34, 13:6, Mat.7:21,
21:20, Luc. 6:46, Mc 2:28 e 29, Rom. 10:9, I Cor. 12:3 e fil.
2:11. O nome “sobre todo nome” é o nome de Senhor e a posição que
lhe corresponde. Todos os poderes e seres no universo devem
dobrar o joelho diante dele.146
A confissão “Jesus Cristo é o Senhor” representa o ponto
mais alto do drama da salvação, delineados nestes versos
poéticos. Jesus é o homem novo, e, portanto, o Senhor do mundo
novo.147 Bruce opina que esta confissão da igreja primitiva é “a
quintessência do credo cristão” no qual a palavra Senhor recebe o mais146 Brown, Colin op. cit. vol 4 p. 423147 Kasemann in Martin op. cit. p. 115 Bruce op. cit. p. 84
112
augusto sentido, pois, quando “se prestam honras assim ao Cristo
humilhado e exaltado, a glória de Deus não é diminuída, mas aumentada”.148
Lenski acha que a confissão do senhorio universal
de Cristo se dará na Parousia, ocasião apontada por ele como
simultânea ao juízo final – Sal. 24:7 a 10, Heb. 1:6 e I Pe.
3:22.149 Muller acha que nesta ocasião “toda contradição cessará e toda
dúvida terminará” porque o “reconhecimento e a confissão geral do senhorio de
Cristo trará glória a Deus Pai, o que é o último propósito de todas as coisas”.150
Shedd comenta, com muita propriedade, “o egoísmo e o orgulho dos
filipenses atestavam que a confissão ‘Jesus Cristo é o Senhor’ era inócua para a vida
deles”.151
Champlin, citando Kennedy, observa:
O termo Senhor se transformou em uma das palavras mais amorfas
do vocabulário cristão. Se penetrássemos em seu significado e lhe
déssemos o efeito prático que ela tem, isso recuperaria, em grande
medida, a atmosfera que havia na era apostólica.152
148 Lenski op. cit. p. 793 Muller op. cit. p. 89149 Shedd op. cit. p. 61150 Champlin – op. cit. - vol 3 - p. 32.151
152
113
“...para glória de Deus Pai.”
O substantivo feminino - “esplendor”. “glória”,
“reputação”, freqüentemente se emprega, na Bíblia, como sinônimo
de reconhecimento da obra de outra pessoa, dando-lhe a posição
e as honras que merece. Porém, ela é uma qualidade que
pertence a Deus e é reconhecida pelo homem somente em resposta
a ele. sugere algo que irradia daquele que a tem, deixando uma
impressão.
O termo também traz consigo os sentidos de
“opinião”, “conjectura”, “reputação”, “louvor”, “fama”, ela é “o valor
atribuído por alguém a outrem”. Na LXX o termo expressa a glória e
poder de Deus - Sal. 24:7 e Is. 42:8. Traduz kabod - Êx. 16:7,
33:18, Is. 40:5. A glória de Deus se vê na criação - Sal.
19:1, Is. 6:3; na salvação - Êx. 14:7 a 18, Sal. 96:3; em sua
presença no santuário - Êx. 40:34 e 35, I Reis 8:10 e 11, Sal.
26:8. A arca da aliança era seu símbolo - I Sam. 5 e 6.
No NT o termo ocorre 165 vezes sendo 77 delas nos
escritos paulinos. O uso do AT é repetido no NT sendo Deus
apresentado como o “Deus da glória” – Atos 7:2; “o Pai da glória” –
Ef. 1:17; “a glória majestosa” – II Pe. 1:17. A glória de Deus se
114
manifesta na operação do poder salvífico de Deus – Mat. 17:2 a
5, João 1:13, 2:11, II Cor. 4:4 e 6.
Warren Wiersbe diz que “a nossa salvação tem como objetivo
supremo a glória de Deus” e “a alegria de uma mente submissa vem /.../ acima de
tudo do conhecimento de que estamos glorificando a Deus”.153
A expressão ocorre mais de 400 vezes no
NT. Ela expressa o sentido de geração e descendência natural e
física de todos os homens a partir de Deus. No AT Deus é
chamado de Pai apenas 15 vezes – Deut. 32:6, Is. 63:16, 64:8,
Jer. 31:9, Mal. 1:6 e 2:10. No NT o sentido religioso
prevalece sobre o secular. Deus é Pai de Jesus – Mat. 11: 25 a
27, Luc. 10:22; e dos que crêem – Luc. 6:36, Mc. 11:25, Mat.
6:8 e Luc. 12:32.
Hendriksen acha que Paulo faz aqui um clímax no
texto afirmando que “haverá um amplo reconhecimento e proclamação da
soberania do Senhor Jesus” e assim, “o servo será reconhecido como o grande
conquistador”.154 Caffin, concluindo sua exposição do texto em
apreço, observa que “a glória de Deus Pai é o supremo e último objeto da
encarnação do Salvador”.155
153 Wiersbe op. cit. p. 76154 Hendriksen – op. cit. p. 116 e 117155 Caffin in THE PULPIT COMMENTARY – Grand Rapids – Michigan – WM.B. Eerdmans Publishing Co. –Vol 20 – p. 61– 1977 Barth op. cit. p.
115
Barth vê aqui o clímax do texto e cita-o como
cumprimento cabal de Is. 45:23, onde segundo ele “o poder e o
senhorio esperado para Javé no tempo final, segundo Is. 45, agora é exercido por
Jesus Cristo”. Barth crê que a expressão “para a glória de Deus Pai”
seja um acréscimo paulino ao cântico primitivo.156
156
116
4. SÍNTESE DO SIGNIFICADO
Paulo, o “Apóstolo dos Gentios” escreve da prisão de
Roma, aos santos que vivem na cidade macedônica de Filipos na
intenção de agradecer-lhes pelos donativos enviados em
ocasiões anteriores, recomendar-lhes Epafrodito, animá-los
frente às perseguições e exortá-los a zelar pela unidade
cristã.
Na perícope em apreço, Paulo se vale da exortação
que há em Cristo, da consolação que provém do amor, da
comunhão propiciada pelo Espirito Santo e dos entranhados
afetos e misericórdias, para exortá-los a completar sua
alegria de modo que tenham a mesma disposição mental,
unanimidade no coração, vivam em harmonia tendo propósitos
comuns.
Para que os irmãos filipenses pudessem viver este
elevado nível de comunhão, o apóstolo os orienta a nada fazer
movidos por ambição egoísta que vise ganho próprio ou ainda
desejo vão pela honra pessoal, antes, como é próprio, ajam com
humildade de mente, considerando cada um o outro como superior
117
a si mesmo. E, também que não se deixem prender a seus
próprios interesses, antes sejam solidários para com a
necessidade dos outros.
Para que vivam de modo digno do evangelho de Cristo
(1:27) eles, segundo Paulo, devem nutrir a mesma mentalidade
que houve também em Jesus Cristo. Para ilustrar seu ensino,
Paulo lança mão da trajetória feita por Cristo desde a glória
celestial, passando pelos diversos níveis de condescendência,
até a ressunção dEle à mais sublime posição – a de Senhor
Absoluto do universo criado. Assim, Paulo, exaltando a
humildade de Cristo, faz um contraste gritante com a
mentalidade dalguns crentes de Filipos e os adverte quanto ao
erro.
5. RELEITURA PASTORAL
A UNIDADE QUE SE MANTÉM
PELA IMITAÇÃO DE CRISTO
INTRODUÇÃO:
118
Paulo, autor da presente epístola, a escreve à
comunidade filipenses tendo em mente alguns objetivos. Em
primeiro lugar, como convém, Paulo queria agradecer-lhes por
terem se tornado “cooperadores no evangelho, desde o primeiro dia até
agora” (1:5). Em segundo lugar, Paulo queria confortá-los e
animá-los em meio às perseguições que estes irmãos enfrentavam
por parte de seus patrícios, para isso Paulo interpõe uma
narrativa de seus sofrimentos na prisão romana e os benefícios
que o evangelho de Cristo teve, em decorrência destes
sofrimentos e privações (1:12 a 26) e os exorta a se manterem
alegres em meio a estas tribulações (2:18, 3:1 e 4:4).
Em terceiro lugar Paulo faz uma comovente e
convincente recomendação aos irmãos filipenses em relação a
Epafrodito, obreiro cristão a quem Paulo chama “cooperador e
companheiro de lutas” (2:25 a 30). Paulo, como todo bom pastor, dá
especial atenção à saúde do rebanho. Ele detecta alguns
procedimentos danosos à unidade da igreja filipense, esses
males proviam de disputas internas pelo poder e intromissão de
homens mau intencionados, a quem Paulo chama de “cães”, “maus
119
obreiros” e “falsa circuncisão” (3:2).
Estes grupos criavam um ambiente hostil ao
ministério de Paulo entre os irmãos de Filipos. Paulo os
desmascara e exorta a igreja filipense a tomar algumas
atitudes corretivas a fim de evitar a ação danosa das facções
e ensinos espúrios que preconizavam um perfeccionismo baseado
em atos e ritos externos que levavam seus postuladores à
soberba e não a nutrirem uma mentalidade humilde e altruísta
(3:12 a 4:1).
Dando especial atenção às facções que lutavam pelo
poder, nesta perícope Paulo detecta três males (aos quais
chamaremos de “nódulos cancerígenos” que atentam contra a unidade
da corpo de Cristo) e receita um tratamento (quimioterápico)
de efeito garantido que consiste numa decisão de nutrir a
mesma mentalidade de Cristo. Para ilustrar bem em que consiste
esta mentalidade Paulo se vale de um hino cristão primitivo
onde o exemplo de Cristo é evocado e posto como modelo para
seguirmos seus passos andando assim “de modo digno do evangelho de
Cristo”(1:27).
Quais são esses “nódulos cancerígenos” que atentam
contra a unidade do corpo de Cristo ? Como detectá-los em
120
nossas igrejas do século XXI ? Em que consiste esta
mentalidade de Cristo ? Como aplicar este tratamento proposto
por Paulo à igreja hodierna ? Afinal, estes problemas são
atuais ? E a profilaxia paulina ainda se mostra efetiva nos
dias de hoje ?
Estas perguntas causam inquietação e geram outras
que precisamos responder. Muitos já tem dito que o século XIX
foi marcado pela pergunta: É a Bíblia uma livro confiável, a
verdadeiro Palavra de Deus ? Inúmeros debates foram feitos,
muitos livros escritos sobre o tema e o século XX se iniciou
com uma resposta favorável às Escrituras. Tirada a dúvida do
Século XIX, a grande indagação do Século XX foi; A Bíblia
funciona ? O século terminou com o assunto sobre a mesa. A
teologia se mostrou cautelosa com o pragmatismo que surgiu no
período pós-guerra. E a pergunta continua válida no Século
XXI.
É possível usar os mesmos recursos e artifícios
propostos pelos apóstolos a uma igreja que se encontra
envolvida por uma sociedade relativista e de poucos
referenciais seguros ? Como reagiria a igreja hodierna a um
sermão contra-cultural ? O que pensa o homem pós-moderno das
121
propostas apostólicas ? Paulo e suas profilaxias resistem às
mudanças sociais e culturais de uma sociedade em constante
mudança ?
Crendo que os problemas não mudaram com o tempo, se
olharmos ao redor iremos detectar também os mesmos males
presentes em nossas igrejas, há ainda disputas pelo poder, há
busca incansável de espaços e elogios e nunca o homem se
mostrou tão individualista como no presente. Se os problemas
são os mesmos, é certo concluir que a solução para eles deve
ser a mesma proposta pelo apóstolo nos tempos primitivos da
igreja cristã.
Introduzindo sua exortação a “andar de modo digno do
evangelho de Cristo”(1:27) andando “firmes em um só espírito, como uma só
alma, lutando juntos pela fé evangélica” (1:28), Paulo usa de quatro
fontes apelativas: 1) a exortação que há em Cristo; 2) a
consolação que procede do amor; 3) a comunhão propiciada pelo
Espírito; e 4) os entranhados afetos e misericórdia. O que
Paulo deseja mesmo é que sua alegria seja plena e para isto
propõe que os irmãos pensem a mesma coisa, tenham o mesmo
sentir, sejam unânimes e busquem o mesmo ideal (2:1 e 2)
Com isto em mente passemos a discorrer sobre os
122
males detectados por Paulo na comunidade filipense:
I - O primeiro nódulo cancerígeno que Paulo detecta
estar presente nesta comunidade é o partidarismo “nada façais por
partidarismo” (2:3a). Como se define este problema ? Em primeiro
lugar cumpre analisar o sentido do termo. Ele pressupõe uma
“ambição egoísta”, uma “ambição que não tem nenhuma noção de serviço e
cujos únicos objetivos são o lucro e o poder”. O uso desta terminologia em
termos de proibição, infere a presença de pessoas que
disputavam poderes e posições dentro da igreja. Noutros
contextos o termo é traduzido por “faccioso” – Rom. 2:8, “porfias”
em II Cor. 12:20, “discórdias” em Gál. 5:20 (uma das obras da
carne) e “sentimento faccioso” em Tiago 3:14 e 16.
A presença deste nódulo cancerígeno no corpo de
Cristo denota um alinhamento da igreja aos padrões mundanos.
Jesus condenou a existência deste tipo de sentimento faccioso
entre os discípulos – Mateus 18:1 a 5. Jesus deplorou a
mentalidade mundana dos discípulos e chamou a atenção deles
para a simplicidade de mente que há numa criança que não busca
posições, nem tem estratégias elaboradas para se tornar o mais
poderoso, o manda-chuva da criançada. A advertência de Jesus é
muito válida: “se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de
123
modo algum entrareis no reino dos céus” (v.3) e sua conclusão é
pertinente ao caso: “portanto, aquele que se humilhar como esta criança,
esse é o maior no reino dos céus” (v.4).
Tanto Marcos como Lucas ressaltam que o assunto
“quem é o maior no reino dos céus ?” era matéria de discussão entre
eles (Marcos 9:33 a 37 e Lucas 9:46 a 48). Todos os sinóticos
fazem menção que Jesus tomou uma criança como exemplo de
mentalidade humilde que não busca auto-promoção. Esta
mentalidade pueril é apresentada por Jesus como um antídoto
eficaz contra a competitividade característica da mente
mundana (ou mundanizada) dos adultos.
Jesus volta a tocar no assunto quando a mãe de
Tiago e João faz a Ele um estranho pedido – Mateus 20:20 a 28
com Marcos 10:35 a 45 (Marcos fala que foram Tiago e João que
pediram). Ela pedia a Jesus que no reino de Jesus os seus dois
filhos se assentassem um à direita e outro à esquerda dEle
(Mat. 20:21). Jesus responde a ela (ou a eles) que uma
identificação em seus sofrimentos e morte era um quesito a ser
preenchido pelos candidatos (v.22) e que esta concessão estava
debaixo do auspício do Pai (v.23).
Da parte dos discípulos houve uma indignação
124
generalizada (v.24). Repreendendo a indignação dos dez e
esclarecendo a fonte da mentalidade dos dois solicitantes
Jesus declara: “os governantes dos povos os dominam” e “os maiorais
exercem autoridade sobre eles” e adverte: “não é assim entre vós; pelo
contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva, e quem
quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo” interpondo seu exemplo “tal
como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos”(vs. 25 a 28)
A mentalidade mundanizada dominava o coração e
mente de Tiago e João. Jesus os desmascara e estabelece a
contra-culturalidade do Seu reino. As antíteses tornar-se
grande e ser servo demonstram que a mentalidade mundana sempre
será um corpo estranho no contexto do reino de Deus.
Para vencer o mal do partidarismo existente entre
os filipenses Paulo se vale do ensino e exemplo de Cristo.
Contrastando com a mentalidade mundana dos partidarista está a
ação voluntária de Cristo de abdicar sua posição de igualdade
com Deus a fim de assumir “forma de servo, tornando-se em semelhança
humana, e reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se
obediente até a morte e morte de cruz” (Fil. 2:7 a 8). Enquanto os
partidaristas brigavam por poder Jesus “não teve como usurpação o
125
ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou” (v.6 e 7a). Não ter como
usurpação significa que Cristo “não se apegou sequiosamente” à
igualdade com Deus “como a um achado muito especial”.
Pertinente é o comentário de Shedd:157 “Jesus Cristo não
considerou sua igualdade com Deus como alguma coisa da qual não poderia abrir
mão. De boa vontade, desistiu de sua semelhança com Deus, aparente, externa, e
assumiu a forma de um escravo”.
Uma mente desprendida que se acomoda às coisas
humildes (Rom. 12:3 e 16) é o como da exortação a não nos
conformarmos com o presente século, antes nos transformarmos
pela renovação de nossa mente a fim de experimentarmos a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus (Rom. 12:1).
O desprendimento de Cristo é o antídoto contra o
partidarismo. Na busca frenética pelo poder o homem se
encontra preso a coisas e ideais que se tornam estorvo ao seu
desenvolvimento espiritual. Jesus abriu mão da glória celeste
(João 17:5), Ele que era rico, se fez pobre (II Cor. 8:9) para
que por sua pobreza nos tornássemos ricos. Como se pode ver o
contraste é evidente. Na mentalidade mundana a busca pelo
poder se torna uma preocupação fundamental. Parece estar no157Shedd, op. cit. p. 57 Termo derivado do nome próprio Diótrefes, mau obreiro que pretendia dominar o rebanho – III João 9ss
126
cerne da vida a necessidade de aceitação e para isso o homem
se dispõe a té mesmo a impor-se por meio do poder.
Na igreja não deve haver este tipo de sentimento
faccioso. A disputa pelo poder tem sido causa de inúmeras
divisões denominacionais. Grupos minoritários se sentem
dominados por grupos majoritários. Nalgumas comunidades o
pastor quer dominar o rebanho como se as ovelhas fossem suas
propriedades, noutras há um diotrefismo,158 onde um certo
mandatário arroga dominar o rebanho em benefício próprio.
Todos estes sintomas atestam a presença deste nódulo
cancerígeno que deve ser extirpado por todos os membros da
comunidade. Isto se dará quando houver uma adequação de nossa
mentalidade pretenciosa à mentalidade desprendida de Cristo:
“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”
(Filipenses 2:5). Por sentimento devemos entender mentalidade.
II - O segundo nódulo cancerígeno que Paulo detecta
estar presente na comunidade filipense é a vanglória – “nada
façais ... por vanglória” (v.3b). A vanglória significa “desejo de
louvor”, “vaidade”, “ilusão”, e expressa “o desejo vão pela honra”, “a
fútil sede pela glória”. Ou seja, “a busca da glória que vem dos homens”
158
127
(João 12:43, Rom. 2:29, I Tes. 2:6). Para extirpar este nódulo
da vanglória, Paulo receita a mentalidade de Cristo: “Tende em
vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5)
O desejo vão pela honra tem motivado muitos a
transgredirem a lei do amor e valorizar as pessoas pelo que
elas dizem a nosso respeito e não pelo que elas são. A pessoa
que busca louvores não suporta uma crítica, ainda que esta
esteja muito bem fundamentada em fatos inegáveis. Os escribas
e fariseus praticavam “todas as suas obras com o fim de serem vistos dos
homens”, (Mateus 6:2 a 8 e 16 a 18) eles amavam “o primeiro lugar
nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas”, e ainda amavam “as
saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens” (Mateus 23:5
a 7).
Em seu contundente sermão de censura (Mateus 23)
Jesus condenou tais atitudes e convocou os discípulos a evitar
serem tomados deste danoso proceder exortando-os a exaltarem a
simplicidade e a afirmação da igualdade de todos perante Deus.
Jesus os ensinou a não se ufanarem com títulos de Pai, Mestre
e Guia, porque há um só Pai e um só Guia e Mestre. Todos que
têm a Deus por Pai e a Jesus por Mestres são irmãos e
condiscípulos (v.8 a 10). A exortação encerra com uma
128
colocação já referida no ponto anterior: “Mas o maior dentre vós será
vosso servo. Quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (v.11 e 12)
Humildade é o antídoto contra a busca de vanglória.
A mentalidade humilde de Cristo deve se constituir objeto de
nosso aprendizado (Mateus 11:29) e condição imprescindível
para ter acesso ao reino de Deus (Mat. 5:3). Enquanto o que
vangloria busca a honra, o humilde se contenta com as coisas
mais indignas (João 13:1 a 17). Há no homem humilde uma
inclinação ao serviço, ao que se vangloria uma inclinação à
tirania (III João 5 a 12). O andar em humildade é tudo o que
Deus requer de nós (Miquéias 6:8) e tem a promessa da
exaltação de Deus em contrapartida com a humilhação dos
soberbos (Sal. 138:6, 147:6, Prov. 3:34, 29:23, Ez. 21:26,
Luc. 1:52, Tiago 4:6 e 10 e I Pedro 5:5 e 6).
A voluntariosa humildade de Cristo se contrasta com
os cobiçosos de vanglória. Enquanto Jesus se humilhou ao ponto
de sair da posição original de igualdade com Deus, “pois ele
subsistindo em forma de Deus” e assumiu “forma de servo”, (Fil. 2:6 e
7). Os que buscam louvores saem de uma posição baixa e desejam
galgar patamares superiores, movidos por um senso de
realização egoísta que fará uso de qualquer subterfúgio ou
129
artifício para exaltar-se, invariavelmente às custas de
humilhação aos demais.
A exaltação de Cristo (Fil. 2:9 a 11) acaba se
tornando um sonoro aviso de que Deus dá graça aos humildes, e
por inferência também leva-nos a concluir que o mesmo que
exalta o humilde também humilhará o soberbo, aquele que busca
o que altivo neste mundo e desprezível diante de Deus (Sal.
101:5, Is 2:11 e 12 com Lucas 16:15)
Andando na contra-mão do mundo Cristo veio de uma
posição exaltada para assumira mais baixa posição que um homem
poderia assumir – a posição de servo – e como servo ele ainda
obedeceu ao Pai até o ponto de experimentar a mais ignominiosa
e terrível forma de morte – a morte de cruz. Paulo lança mão
deste exemplo de Cristo para incutir nos filipenses a
necessidade de se nutrir uma mentalidade humilde que se
submete ao controle divino e não busca imposição ou louvores.
Como resultado de sua humilhação extrema Jesus
logrou ser exaltado pelo Pai à posição mais extrema no
universo. O servo de todos se torna, por um ato gracioso e
soberano de Deus o Senhor, diante de quem todo joelho se
dobrará e toda língua confessará (v.9 a 11). Cristo nos ensina
130
o caminho da exaltação, o mesmo caminho da auto-humilhação.
Andar buscando louvores dos homens é andar na contra-mão do
ensino e exemplo de Cristo e se constitui um atentado contra a
unidade da igreja.
III - O terceiro e último nódulo cancerígeno que
Paulo detecta na comunidade filipense é o egoísmo. O egoísmo é
aqui retratado pela preferência na busca de seus próprios
interesses em detrimento aos interesses dos outros. Paulo diz:
“Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o
que é dos outros.” (v.4). Novamente a partícula de negação
identifica um tipo de comportamento a ser eliminado.
Uma mentalidade egoísta faz com que venhamos a agir
de modo a valorizar o que temos e o que as pessoas têm em
detrimento ao que as pessoas são. Faz com que nossas relações
se tornem utilitaristas. É o egoísmo que se fecha às
necessidades das pessoas (I João 3:17) é o egoísmo a fonte de
todas as guerras (Tiago 4:1 e 2). O egoísmo pode ser definido
como aquela preferência por si mesmo em detrimento a Deus e ao
próximo. Há alguns teólogos que identificam-no como a fonte de
todos os demais pecados.
Jesus deplorou o egoísmo quando contou a parábola
131
do bom samaritano (Lucas 10:25 a 37). Os ladrões, movidos pelo
egoísmo se apossaram, violentamente, dos pertences do homem
que descia de Jerusalém para Jericó (v.30). O sacerdote,
movido por egoísmo, ao ver o homem ferido à beira do caminho,
passou de largo, pois temia por sua vida e pertences (v.31). O
levita, motivado pelo egoísmo e pelo péssimo exemplo do
sacerdote, fez o mesmo (v.32). Já o samaritano, movido por um
espírito altruísta “passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele, ...
pensou-lhe os ferimentos ... e colocando-o sobre o seu próprio animal ... levou-o para
uma hospedaria e cuidou dele”. (vs.33 e 34). E Jesus, ao final,
dirigindo-se ao intérprete da lei disse: “Vai e procede tu de igual
forma”.
O altruísmo é o antídoto contra o egoísmo. Foi a
mentalidade altruísta de Cristo que o fez abandonar a posição
exaltada ao lado do Pai e assumir a forma de servo indo até a
morte e morte de cruz. Jesus jamais buscou seu próprio
interesse. Sua vida e morte foi para Deus e por nós. Diversas
vezes Ele reiterou sua absoluta entrega ao serviço de Deus e
dos homens. Ele declarou ter vindo a este mundo buscar e
salvar o perdido (Lucas 19:10), dar sua vida em resgate por
muitos (Mateus 20:28) e como bom pastor dar sua vida pelas
132
suas ovelhas (João 10:11 e 15 a 18).
Jesus não pode salvar-se a si mesmo porque
precisava salvar os outros – Mateus 27:42. Ele provou o amor
de Deus por nós tendo morrido em nosso lugar – Rom. 5:8. Sua
vida foi colocada como propiciação pelos nossos pecados (Rom.
3:24 e 25 com Heb. 2:17). Jesus veio para dar vida eterna a
todos os que nele crêem – João 3:16 a 19, porque ele levou
sobre si as nossas enfermidades e foi traspassado por nossas
transgressões (Is. 53:4 e 5).
A mentalidade altruísta de Jesus não conheceu
limites, ela foi até ao ponto mais extremo, à insuportável
morte de cruz. Todos os horrores que Cristo suportou antes e
durante a sua crucificação foram atos de puro altruísmo. Ele
não precisa passar por tudo o que passou. Sua vida na glória
poderia ter sido mantida sem nenhum prejuízo para Ele, mas,
movido por amor, o Deus eterno se limitou ao tempo, o infinito
se limitou ao espaço e o imortal se permitiu morrer a nossa
morte para que vivêssemos a sua vida.
Fica evidente que Paulo sugere aos filipenses que
eles façam como Jesus fez e busque o interesse, (lê-se
necessidades e alvos) dos outros ao invés de cuidar
133
exclusivamente de seus próprios interesses. Jesus ensinou com
sua palavras e exemplificou com sua vida a necessidade de uma
mentalidade altruísta entre os súditos de Seu reino.
CONCLUSÃO:
Na comunidade filipense Paulo detecta três males e
receita três antídotos. Contra o partidarismo Paulo recomenda
o desprendimento; contra a vanglória Paulo recomenda a
humildade e para o egoísmo Paulo recomenda o altruísmo. Todos
estes três antídotos devem ser visto como síntese de uma só
coisa: “ter a mentalidade de Cristo” (v.5). E isto vale para a Igreja
de Cristo em todos os tempos, em especial para a do Século
XXI.
RELEITURA TEOLÓGICA
AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO,
REALIDADE E RELAÇÕES
SEGUNDO FILIPENSES 2:5 A 8
IINTRODUÇÃO:
134
O título desta releitura teológica propõe um claro
limite para ela. Os versos 5, 6, 7 e 8 do segundo capítulo da
carta de Paulo aos Filipenses servirá de limite natural para a
reflexão. Qualquer outro texto citado ou conteúdo inferido dos
mesmos, será mero instrumento de argumentação que visará
corroborar o conteúdo do texto selecionado:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo
Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como
usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de
homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.
O contexto deste trecho pode ser conhecido em suas
particularidades no corpo da exegese elaborada nas páginas que
antecedem esta releitura. A razão de limitar o trecho é dupla:
Um trecho menor fica mais facilmente examinado e esta parte,
sem a anterior (2:1 a 4) e a posterior (2:9 a 11) representa o
cerne da discussão teológica que nos interessa no momento.
135
À luz do crivo hermenêutico Sola Scriptura (somente as
Escrituras) e seu pressuposto Tota Scriptura (Toda a Escritura),
procederemos uma análise das frases chaves do texto
selecionado. O crivo hermenêutico é deveras conhecido e
dispensa comentários. Contudo, o pressuposto citado acima
necessita ser aclarado.
Por Tota Scriptura queremos dizer que um determinado
texto nunca deve ser tomado como elemento interpretativo do
restante das Escrituras e sim o inverso, ou seja, toda as
Escrituras devem ser tomadas como princípio norteador da
interpretação que se deve dar a um texto específico. É assim
que procederemos a análise do texto referido acima
Para nos auxiliar em nossa argumentação iremos
adotar os comentários teológicos de Lewis Sperry Chafer, em
seu livro Teologia Sistemática. Ele nos fornecerá algumas
diretrizes válidas para a análise dos pressupostos teológicos
contidos no texto em consideração.
No primeiro ponto desta releitura teceremos algumas
considerações acerca da natureza divina de Cristo como
apresentada por Paulo no texto de Filipenses 2:5 a 8. No ponto
136
seguinte iremos discorrer sobre a natureza humana de Cristo
observando os limites do texto. E, num último ponto iremos
abordar a relação existente entre as duas naturezas na pessoa
única de nosso Senhor Jesus Cristo. Como frases chaves do
primeiro ponto usaremos as seguintes: “pois ele, subsistindo em forma
de Deus” e “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”; do segundo
ponto: “tornando-se em semelhança de homens” e “reconhecido em figura
humana” e, o último: “a si mesmo se esvaziou”. Nos valeremos do
tipo de argumentação tomista (usada por São Tomás de Aquino)
que estabelece primeiro o que não significa para, em seguida,
estabelecer o que significa.
I – QUANTO À NATUREZA DIVINA DE CRISTO
O que Paulo diz sobre a natureza divina de Cristo
neste texto? Esta pergunta, para ser respondida precisa ser
primeiro contextada. Se partirmos do pressuposto que Cristo é
divino então podemos já responder que Paulo fala de Cristo
como possuidor da “forma de Deus”, e “igual a Deus”, o que seria
137
algo precipitado. Não concluindo antes de expor, é necessário
indagar: Paulo ensina que Cristo é Deus neste texto? Se a
resposta a esta pergunta for positiva, o como deste ensino
deve se constituir o conteúdo deste ponto. Ou seja, como Paulo
ensina a divindade de Cristo neste texto?
Em primeiro lugar, ele afirma que Cristo subsistia
“em forma de Deus” e em segundo lugar, que Cristo “não teve como
usurpação o ser igual a Deus”. O que significa então subsistir em
forma de Deus e ser igual a Deus, neste contexto?
Em primeiro lugar não pode significar:
a) Que subsistir em forma de Deus seja diferente de
possuir a natureza divina. O verbo usado por Paulo e
traduzido como subsistir, por enfatizar a condição de um estado
anterior, aponta para o fato de que Cristo foi e é eternamente
“em forma de Deus”. Esta forma de Deus, em consonância com o
conteúdo total das Escrituras, não pode ser entendida como
mera aparência exterior da realidade interior, mas, à
aparência externa da substância divina, isto é a divindade do
Cristo pré-existente na exibição de Sua glória de ser a imagem
do Pai.
Então, por força da lógica, devemos concluir que
138
subsistir “em forma de Deus” significa possuir a própria natureza
divina em si mesmo. Paulo fala de Cristo como possuidor da
natureza divina quando de seu estado pré-encarnado. Entendemos
que outra forma de ver a frase contradiz o conteúdo geral das
Escrituras, deve-se concluir que esta é a maneira correta de
se encarar a frase “subsistindo em forma de Deus”.
O que ensinam as Escrituras? Segundo Chafer, 1) As
Escrituras chamam a Cristo de Deus: João 1:1, 1:18, Atos
20:28, Heb. 1:6 a 8, Tito 2:13 e I João 5:20; 2) Cristo
possui atributos divinos: Eternidade – Saías 9:6, Miquéias 5:2
João 1:1 e 8:58; Imutabilidade – Malaquias 3:6, Salmo 102: 25
a 27 com Hebreus 1:10 a 12 e 13:8; Onipotência – Apoc. 1:8 e
Fil. 3:21; Onipresença – Efésios 1:23, Mateus 18:20 e 28:20; e
3) prerrogativas divinas: Criar todas as coisas – João 1:3 e
10 e Col. 1:16 e 17; Preservar todas as coisas -.Heb. 1:3 e
Col. 1:17; Ressucitar os mortos – II Cor. 1:9 com João 5:21,
28 e 29 e 11:25; Recompensar os santos – II Cor. 5:10; Julgar
o mundo – João 5:22 e Apoc. 20:12; Receber adoração – Sal.
95:6 com João 5:23, Lucas 24:52.159
Colin Brown, fazendo justiça ao conteúdo bíblico,
159 Chafer, op. cit. p. 261 a 283
139
concernente ao assunto, esclarece que em Filipenses 2:6 e 7 as
expressões não significa que a natureza essencial de
Cristo foi diferente de Sua forma, como uma casca externa, ou
um papel desempenhado por um ator. Mas, que a natureza
essencial de Cristo é definida como sendo divina, isto é,
encarada como algo que existe ‘em’ a substância e o próprio
poder divinos.160
Bruce falou em termos de participação na essência
divina161 e Barclay esclarece que a é a essência imutável,
enquanto é a forma externa que muda de tempo em tempo e
de circunstância em circunstância.162
A afirmação paulina de que Cristo possuía (em seu
estado pré-encarnado) e continuou possuindo – como indica o
verbo usado – (em seu estado encarnado e ressurreto) a “forma de
Deus” é mais uma asserção da realidade da natureza divina de
Jesus Cristo.
b) Não significa também que ser igual a Deus seja
diferente de equiparação absoluta com o Pai – Interpretando a
expressão “ “não julgou como usurpação” como
160 Brown, Colin – op. cit. – Vol. 2 – p. 278 e 279 Bruce, op. cit. p. 77161 Barclay, op. cit. p. 35162
140
algo a que Jesus Cristo aspirava e não como a algo pertencente
a ele a que ele não julgou digno de apego, poderia se concluir
que Cristo não era igual a Deus, mas que poderia vir a ser,
como de fato veio a ser depois de exaltado por Deus. Esta
concepção faz do Cristo pré-encarnado um ser inferior a Deus
que, por causa da sua condescendência e absoluta obediência a
Deus veio a se tornar igual a Deus.
Mas, a expressão “ser igual a Deus” não deve ser vista
como algo a que Cristo aspirava e sim, como algo que já era
sua posse no estado pré-encarnado. O uso da expressão “Eu sou”
(João 8:58, 11:25, 14:6) por Jesus nos leva concluir que Ele é
o próprio Jeová do Antigo Testamento. Assim, a frase “ser igual a
Deus” deve levar-nos a concluir que Jesus é tão divino quanto
Seu próprio Pai. Ele mesmo disse: “Quem me vê a mim, vê o Pai” –
João 14:9 e “eu e o Pai somos um” - João 10:30. Ele é “a expressão
exata do seu Ser” – Heb. 1:3, aquele que revelou o Pai – João
1:18, o detentor da imagem de Deus – Col. 1:15 em quem habita
a plenitude da divindade – Col. 2:9. A eternidade do Cristo-
Deus com Deus e sendo Deus, conforme João 1:1, leva-nos a
concluir que ser igual a Deus pressupõe equivalência absoluta
do Logos em relação ao Pai.
141
Das considerações feitas, uma conclusão se
depreende: Quando Paulo afirmou que Jesus Cristo subsistia “em
forma de Deus” e que Cristo “não teve como usurpação o ser igual a Deus”
ele afirmou, em consonância com o ensino de toda a Escritura,
que Jesus Cristo é, sempre foi e sempre será tão divino quanto
Deus Pai. Portanto, nenhuma outra conclusão contrária pode ser
considerada coerente com o ensino Paulino.
II – QUANTO À NATUREZA HUMANA DE CRISTO
Paulo, além de afirmar a divindade de Cristo, neste
texto em consideração, claramente afirma que ele, esvaziou-se
“tornando-se em semelhança de homens” e foi “reconhecido em figura
humana”. Estas duas frases serão consideradas neste ponto.
O que significa tornar-se em semelhança de homens?
Em que sentido Jesus foi reconhecido em figura humana?
Em primeiro lugar, não pode significar, como
pensavam os docetistas, que ele parecia ser humano. O termo
segundo B. C. Caffin e Lightfoot expressa que Jesus
Cristo, não assumiu uma pessoa, mas sim, a natureza humana em
142
sua plenitude163. Barclay complementa afirmando que a frase
expressa a admissão, da parte do encarnado, de uma realidade
nova, ainda que não expresse permanência.164 O ensino docetista-
gnóstico é preconceituoso por partir do pressuposto de que a
matéria é má, ensino este que se encontra nas bases de sua
teodicéia e cosmogonia. Assim, este pressuposicionalismo
docético, os impede de compreender o ensino geral das
Escrituras que afirma uma encarnação real e plena.
O ensino geral das Escrituras foi bem compreendido
por Barth quando afirmou: “Fala-se aqui, portanto, de seu tornar-se ser
humano, que não se constitui de mero disfarce – é despojamento, desistência de sua
posição e subsistência divinas” e acrescenta “Paulo usa ‘semelhança’ para
diferenciar a adoção de condição humana por parte de Jesus, de uma adoção da
pecaminosidade humana165”. Fica evidente, Paulo afirma que Jesus
Cristo assumiu para si uma nova realidade plena em suas
manifestações e essência.
O que as Escrituras ensinam a respeito desta
questão? Elas ensinam que a humanidade de Jesus Cristo era
plena em todos os sentidos. Elas ensinam que Jesus possuía um
corpo, alma e espíritos humanos. Este ensino está colocado em163 B. C. Caffin, op. cit. p. 60164 Barclay, op. Cit. p.35165 Barth, op. cit. p. 46
143
posição central no aspecto cristológico da fé cristã – I João
4.2 e 3; Mateus 26.38 e João 13.21.166
Também ensinam que Cristo possuía limitações
humanas: ele ficava cansado - João 4.6, ele teve sede – João
4.7, cresceu em sabedoria – Lucas 2.40, foi tentado – Lucas
4.2, ele orava – Mateus 26.36, sentia sono – Lucas 8.23, e por
fim, morreu – João 19.30.
A frase “reconhecido em figura humana” não pode
significar que Jesus Cristo tenha sido confundido com os
homens, mas não tenha sido humano em plenitude. A expressão ser
reconhecido em figura humana deve ser entendida como alusiva à fase
terrestre de Jesus Cristo. A palavra grega faz alusão à
aparência externa e alude apenas ao aspecto visível da
humanidade de Jesus Cristo.
As Escrituras ensinam que Jesus Cristo foi
reconhecido como perfeitamente humano por algumas pessoas. A
mulher samaritana no poço de Sicar – João 4.9, os membros do
sinédrio - João 10.33, Pilatos – João 19.5, e, Pedro o
designou varão – Atos 10.38.
Das considerações feitas neste ponto devemos
166 Chafer, op. Cit. p.299
144
extrair a seguinte conclusão: Jesus possuía plena humanidade.
Ele não tomou para si um corpo já existente, ele encarnou-se,
ou seja, fez para si um corpo, o Verbo eterno assumiu a
natureza humana. Esta natureza humana era perfeita em sua
essência e manifestações. O Verbo assumiu forma humana e foi
reconhecido pelos humanos como possuidor de humanidade plena.
As Escrituras não deixam dúvidas quanto à genuinidade da
natureza humana de Cristo. Tudo o que nos faz humanos, estava
presente na pessoa de Jesus Cristo.
III – QUANTO À RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE AS DUAS NATUREZAS
Mais difícil de se estabelecer do que o ensino
acerca das naturezas de Cristo é a relação existente entre
ambas na única personalidade de Jesus. Muitos debates foram
feitos nos primeiros séculos da cristandade a fim de se chegar
a um consenso quanto ao assunto. Desde o início da Igreja já
havia alguns que compreendiam mal esta intrincada relação. Os
docetistas negavam a natureza humana de Cristo e assim,
evitavam o problema. Os ebionistas negavam a natureza divina e
145
obtinham o mesmo resultado. Ambos laboravam em grande erro,
mas ficavam livres de ter que harmonizar as duas naturezas na
única personalidade do Salvador.
Mais sério do que o erro dos docetistas e dos
ebionistas foi o erro de Ário. Ele negava a realidade plena da
natureza divina de Cristo, colocando-o um pouco abaixo de
Deus. Embora deixasse a natureza humana intacta, ele reduzia a
natureza divina por causa de seu zelo pelo monoteísmo a-
trinitariano.
Apolinário por sua vez, tentando afirmar a natureza
divina acabou reduzindo drasticamente a natureza humana de
Jesus. Para ele Jesus possuía corpo e alma humanos, mas o
espírito que havia dentro de Jesus era proveniente de cima.
Assim, Jesus era quase humano, todavia, animado por um
espírito divino.
Nestório, apesar de afirmar tanto a natureza divina
quanto a humana de Jesus, negava que houve qualquer tipo de
relação entre ambas. Desta forma ele parecia conceber Jesus
como um homem que era carregado por Deus.
Já o ancião Eutiques ensinava que a natureza divina
se fundiu à natureza humana de tal modo que era impossível
146
divisar qualquer distinção entre ambas depois da encarnação.
Ele afirmava que Jesus possuía duas naturezas antes de
encarnar e somente uma depois de encarnado. Esta terceira
natureza resultante da fusão das duas anteriores era divina e
humana apenas em partes, não era em plenitude.
Todos estes ensinos condenados pela igreja laboram
em três frentes. Alguns negam uma ou outra natureza, no caso
os docetistas e ebionistas. Outros optaram por diminuir, em
alguns aspectos alguma das naturezas, no caso o arianismo que
diminui a natureza divina, Apolinário diminuiu a natureza
humana e Eutiques diminuiu ambas. Nestório negou um outro
ponto essencial, ou seja, a relação existente entre ambas as
naturezas.
O ensino ortodoxo procurou contornar estes erros
afirmando três coisas: 1) A realidade das duas naturezas na
única personalidade do Salvador; 2) Um natureza nada
acrescenta ou diminui à outra; e 3) As duas naturezas se
harmonizam na única personalidade do Salvador.
Muitas dúvidas têm surgido ultimamente em torno do
assim chamado mistério quenótico. O ponto nevrálgico do debate
é o real sentido da expressão paulina a si mesmo
147
se esvaziou. O que significa esta expressão? Como devemos entendê-
la à luz de todo o ensino das Escrituras?
Em primeiro lugar não deve significar que a
natureza divina tenha adicionado algo à natureza humana. O
erro de Apolinário está nesta categoria. A natureza divina não
divinizou a humana, nem a humana humanizou a divina. Elas
permaneceram intactas em si mesmas. A expressão calcedônica:
“confessamos...nosso Senhor Jesus Cristo ... e perfeito na humanidade... com alma
racional e corpo...” se opõe ao ensino de Apolinário. A fé calcedônica
não aceitou nenhum tipo de diminuição em qualquer uma das
naturezas de Cristo.
Em segundo lugar não pode significar que a natureza
humana tenha diminuído algo da natureza divina. Ao afirmar:
“confessamos ... nosso Senhor Jesus Cristo ... que é perfeito em sua divindade...” a
fé calcedônica rejeitava os ensinos de Ario e Nestório. O
esvaziamento de Cristo jamais deve ser entendido como um
desistir de sua existência divina. Nenhum atributo foi
abandonado por ocasião da encarnação. Nenhuma prerrogativa
divina foi deixada de lado.
148
O que houve então? Jesus Cristo assumiu uma natureza
humana e a colocou lado a lado com a natureza divina que possuía
anteriormente. Ele apenas colocou-se submisso ao Pai no que
tange ao uso de seus atributos e prerrogativas divinas para
realizar a obra que o Pai confiara a ele realizar.
Em terceiro lugar não pode significar que as duas
naturezas tenham se fundido formando uma terceira. A expressão
calcedônica:“...de uma essência com o Pai segundo a divindade e da mesma
essência que nós segundo a humanidade...” refuta o ensino de Eutiques.
Não houve nenhuma espécie de fusão. A natureza divina
persistiu em Cristo em perfeita harmonia com a humana sem que
houvesse qualquer interferência entre elas. Jesus não era às
vezes divino, às vezes humano, como pensam muitos que ignoram
o ensino geral das Escrituras. Jesus é Deus-homem, desde a
eternidade Deus e dentro do tempo Deus e homem.
Concluímos afirmando que Jesus sempre foi e sempre
será absolutamente igual a Deus. Em nenhum momento ele deixou
de ser como é o Pai. Quando encarnou-se, o Verbo divino, que
sempre foi e é igual ao Pai, passou também a ser, em todos os
sentidos, igual aos homens e desde então continua identificado
a toda a raça humana.
149
CONCLUSÃO
Concluímos esta releitura teológica reiterando o
que afirmamos acima, depois de levantarmos os devidos
questionamentos. Subsistir em forma de Deus equivale a possuir
a natureza de divina. Ser igual a Deus pressupõe equiparação
absoluta do Logos com o Pai. Tornar-se em semelhança de homens
e ser reconhecido em figura humana equivale a ser humano como
qualquer outro ser humano. Esvaziar-se equivale a fazer o que
é necessário para compatibilizar as duas naturezas com a
personalidade única do Salvador. Assim, estabelece-se o ensino
bíblico e histórico concernente às duas naturezas de Cristo,
sua realidade e relações.
150
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