Etnias E Culturas No Brasil - VISIONVOX

138

Transcript of Etnias E Culturas No Brasil - VISIONVOX

Manuel Diégues Júnior

ETNIAS E CULTURAS NO BRASIL

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA

Rio de Janeiro — RJ

COLEÇÃO GENERAL BENÍCIO Volume 176

Capa

DOUNÊ

Diagramação

Léa Caulliraux

D559e DIÉGUES JUNIOR, Manuel

Etnias e culturas no Brasil. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1980.

p. 21 cm. (Col. General Benício, v. 176, publ. 497)

1. Cultura — Brasil. 2. Etnologia — Brasil. I. Título. II. Série.

Direitos para esta edição, restrita ao Quadro de Assinantes da Biblioteca do Exército Editora,cedidos pela Editora Civilização Brasileira S.A.

CDD 572.981 301.2981

FUNDADOR,

em 17 de dezembro de 1881,

Franklin Américo de Menezes Dória, Barão de Loreto

REORGANIZADOR, em 26 de junho de 1937, e fundador da Seção Editorial

Gen Valentim Benício da Silva

DIRETOR

Cel Inf Aldilio Sarmento Xavier

SUBDIRETOR

Cel Art Neomil Portella Ferreira Alves

CONSELHO EDITORIAL Militares:

Gen Div R-l Francisco de Paula e Azevedo Pondé nomeado em 10 de outubro de 1973

Gen Div R-l Jonas de Morais Correia Filho nomeado em 10 de outubro de 1973

Gen Div R-l Adailton Sampaio Pirassinunga nomeado em 8 de maio de 1958

Ten Cel Inf Pedro Schirmer nomeado em 11 de outubro de 1977

Ten Cel R-l Carlos de Souza Scheliga nomeado em 25 de abril de 1975

Civis:

Prof Pedro Calmon Moniz de Bittencourt nomeado em 28 de maio de 1975

Prof Francisco de Souza Brasil (Relator deste livro) nomeado em 10 de outubro de 1973

Prof Ruy Vieira da Cunha nomeado em 10 de outubro de 1973

Biblioteca do Exército — Palácio Duque de Caxias — Praça Duque de Caxias — Ala Marcílio

Dias — 3.° andar — Centro — RJ - CEP 20.221 - Endereço Telegráfico “BIBLIEX”

Apresentação

A Biblioteca do Exército Editora selecionou, para os assinantes da Coleção General Benício, nasua Programação Editorial de 1980, a consagrada obra Etnias e Culturas no Brasil, do eminentesociólogo Manuel Diégues Júnior, que nos oferece “uma síntese da formação humana, social ecultural de nossa gente”.

Trata-se de ensaio erudito, destinado ao sucesso desde o seu lançamento pelo Ministério daEducação e Cultura, em 1952, agora em edição especial, numa tiragem de 40.000 exemplares,que se reveste de interesse crescente, à medida que se sucedem as suas reedições, sempreampliadas e atualizadas, mercê do trabalho minucioso e devotado do Autor.

Este estudo fundamental, valiosa fonte de informações do processo evolutivo da sociedadebrasileira, abrange, essencialmente, as nossas relações de raça e de cultura, desde odescobrimento da Ilha de Vera Cruz até a atual realidade humana e cultural do Brasil.

O livro, cujo caráter didático é realçado pelo próprio Autor, apresenta, entre outros subsídios,uma base antropológica sólida e, portanto, merece ser lido e meditado pelos que procuramconhecer sempre e melhor os valores primordiais da organização social e cultural do nosso país.

Esta Editora oferece aos seus assinantes Etnias e Culturas no Brasil, jubilosa por contribuir, umavez mais, para a divulgação de importantes estudos sobre a formação sócio-cultural brasileira,tema de excepcional relevância nos dias de hoje.

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA

Prefácio

TRÊS anos após a última edição — publicada em 1977 — volta este Etnias e Culturas no Brasilcom a mesma idéia e a mesma pretensão: idéia de ser uma síntese, tão documentada einformativa quanto possível, da formação brasileira, tanto em seus aspectos propriamente étnicoscomo em seus aspectos validamente culturais; pretensão de ser útil, sobretudo como instrumentode trabalho, ao menos de iniciação, para estudantes ou até mesmo estudiosos, abrindo caminhosou indicando rumos, para desenvolvimento de seus estudos ou de suas pesquisas.

Contudo, nenhuma pretensão de ser pretensioso. Ao contrário: é o que ele não é, nem quer ser.Se ser útil, de modo particular a estudantes e estudiosos, é pretensioso, então este livro o é. Deoutra maneira, não; tanto assim que ele procura ser tão-só uma síntese de nosso panoramacultural, de nossa formação humana, de nossa evolução como povo e como cultura.

Toda essa evolução é um processo de sincretismo ou mais especificamente de relacionamentoentre grupos étnicos diferentes; e, por uma feliz coincidência, grupos representativos dos trêsgrandes estoques em que se divide a humanidade: o mongolóide, o caucasóide e o negróide.Indígenas, portugueses e africanos representaram essa presença, que podemos dizer universal, dohomem no Brasil; homens de várias origens que aqui se encontraram, aqui se juntaram e aqui semesclaram, criando o brasileiro como povo fisicamente marcado por sua diversidade.

É a partir destes mesmos grupos que se vai formar o que hoje podemos chamar de culturabrasileira: o resultado da criatividade dessas populações que, aqui se encontrando, originaram osalicerces desse panorama cultural que desfrutamos.

E a que não faltou — a essa originalidade de sua cultura — a contribuição de outros gruposeuropeus e mais modernamente asiáticos. O que testemunha o espírito de nossa formação, abertoa todos os contatos, sensível a acolher conhecimentos e influências, moldando uns e outros aoseu espírito criativo.

Graças ao processo de sincretismo, ou seja a capacidade de absorver e reformular o que serecebe, surgiu o abrasileiramento das diferentes manifestações culturais que assinalam oucaracterizam o que é nosso. Daí porque, em muitos momentos, manifestações não tipicamentebrasileiras se apresentam junto ou paralelamente àquelas que são caracteristicamente brasileiras.Ou tradicionalmente brasileiras.

É o sentido de pluralismo que podemos vislumbrar em algumas regiões. Pluralismo que se diluino sincretismo, que abrasileira, adaptando o estranho ao que é nosso. É esta capacidade deaceitar, de refundir, de recriar que dá significado particular à cultura brasileira, expressando apersonalidade da gente que a criou.

A exemplo do que foi feito em edições anteriores, fizemos alguns acréscimos em diferentescapítulos; igualmente ampliamos a bibliografia, acrescentando a indicação de estudos maisrecentes em torno dos assuntos aqui focalizados. Bibliografia, aliás, que se vem enriquecendocontinuamente, tantos são os estudos — alguns, aliás, do mais alto valor — que se têmpublicado; e através dos quais facetas novas per vezes se revelam e contribuições valiosas seacrescentam aos estudos brasileiros.

Não há negar a importância hoje em dia desses estudos; através deles se encontram valiosascontribuições que permitem não apenas interpretar, mas não raro também esclarecer, muitosaspectos de nossa formação. São estudos, sob diferentes perspectivas, que têm permitidoaprofundar-se o conhecimento de nossas características físicas e culturais.

É com a indicação dessas fontes que podemos oferecer aos leitores oportunidade de obteremmelhor aprofundamento, dado o valor das obras que se têm publicado sobre nossa formação,superando assim o pouco que este livro possa oferecer — como, aliás, oferece — a quem queiraaprofundar-se no tema, neste sedutor campo que é o estudo do Brasil no que ele tem de maisexpressivo: sua gente, sua cultura.

Tema este — o de nossa gente, o de nossa cultura — que oferece um campo vasto e variado,variado em que pese sua unidade, para estudo e também para pesquisas; com o que se pode,aliás, salientar a necessidade de maior número de pesquisas em torno desse tema na variedade ena riqueza de suas facetas. Não são poucas as pesquisas já existentes, não apenas as de carátergeral se não ainda as sobre a fixação dos diferentes grupos que contribuíram — e vêmcontribuindo — para nossa formação.

Na realidade, são muitos os estudos já realizados sobre a contribuição do africano ou doindígena, e não apenas sobre esses grupos em suas formas originais; menores talvez, ou quaseraros, estudos sobre o elemento português. O que não é de estranhar; sendo basicamente lusitananossa formação — língua, vestuário, tipo de habitação, por exemplo, originalmente portugueses— houve como que identificação materna ou, pelo menos, fraterna. Daí o pouco que se temestudado sobre a contribuição portuguesa em nossa formação; contribuição que, embora nãoúnica, pelo que se misturou com os demais grupos, tem suas marcas próprias, suas facetasdefinidas, sua influência decisiva.

Em relação aos grupos aqui chegados com a imigração, vêm se acumulando os estudos, o querevela o interesse pelo conhecimento da contribuição que nos trouxeram, cada um deles, emparticular — italiano, alemão, japonês, polonês, por exemplo — já se integrando em nossaformação, sobretudo a partir do século XIX, quando começa a intensificar-se a imigração.

Entregando mais uma vez ao público este livro, com acréscimos que acreditamos possamenriquecê-lo, esperamos suas páginas venham a despertar novas sugestões e indicar novas idéiascapazes, umas e outras, de contribuir para o maior desenvolvimento dos estudos brasileiros. Isto,e só isto, é o que desejamos.

Os primeiros contatos humanos

RELAÇÕES de raça e de cultura no Brasil se verificaram desde o instante da descoberta, quandoa armada portuguesa de Pedro Álvares Cabral entrou em contato com a terra brasileira e osgrupos aborígenes aí encontrados. Degredados que vinham na expedição, ou mesmo tripulantesdas embarcações, foram mandados à terra em várias ocasiões, procurando estabelecer contatoscom os indígenas.

Da carta de Pero Vaz Caminha, cronista que participava da expedição de Pedro Álvares Cabral,se recolhem informações sobre esses encontros, e também dados, alguns deles pormenorizados,sobre os hábitos, costumes e vida dos aborígenes. Pode dizer-se que Caminha fez quase obra desociólogo ou de antropologista social moderno, tais os elementos reunidos, uns sobre aspectosantropológicos ou particularmente somáticos, outros sobre aspectos culturais dos indígenas. Combase nestas informações de Caminha é que se poderão levantar os primeiros elementos para areconstituição do estudo cultural dos primeiros habitantes do Brasil no momento da descoberta.A carta do escrivão de Calecut é minuciosa ao informar acerca das condições de vida dosaborígenes; sua agricultura, seu tipo de habitação, sua curiosidade pelos animais mostrados nacaravela estão retratados naquele documento, e através dele terá o etnógrafo, ou o sociólogo, ouo antropologista, o material indispensável a fixar a situação do indígena à época dodescobrimento.

Quer traçando as características físicas dos indígenas — "a feição deles é serem pardos, amaneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes”, “os cabelos... são corredios... andavamtosquiados, de tosquia alta”, sendo que as mulheres “com cabelos muito pretos e compridos pelasespáduas” —, quer registrando-lhes os objetos, instrumentos ou utensílios, tal como o fez comreferência ao machado de pedra: “cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas,metidos em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes”, ou aotipo primitivo da jangada: “são três traves, atadas entre si”... “se metiam quatro ou cinco, ouesses que queriam”; o fato é que Caminha se tornou o primeiro etnógrafo do Brasil.

Sua acuidade, seu olhar seguro viram, naqueles contatos de poucos dias, o que mais tarde outroscronistas ou viajantes confirmaram, confirmando-o também até hoje as próprias pesquisasdiretamente etnográficas. Embora a princípio lhe tenham parecido sem pousada, o que denotavaa mobilidade indígena, possuíam os aborígenes choupanas, tal como as descreve Caminha,segundo lhe narrou o degredado Afonso Ribeiro, dentro do quadro que se lhe afigurava umapovoação. É de ver como se registram aí o tipo de construção, o material utilizado, as instalaçõesinternas, a existência da rede: “a uma povoação em que haveria nove ou dez casas, as quais eramtão compridas, cada uma, como esta sua nau capitânea. Eram de madeira, e das ilhargas detábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento,tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em quedormiam. Debaixo, para se esquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas

pequenas, uma num cabo e outra no outro".

A organização econômica do grupo indígena com que teve contato — o que, aliás, lhe pareceuantes desorganização — não escapou a Caminha, como não escapou, igualmente, o registro doarco e flecha e da alimentação baseada no cará ou na mandioca. A respeito da vida econômica, sebem tenha sido exagerado ao negar a total existência de agricultura, observa, contudo, a ausênciade criação: boi, vaca, cabra, ovelha, galinha. O que a natureza proporcionava — o inhame, frutosou frutas silvestres — servia-lhes de alimento. Era, pela descrição do cronista, um estado dequase pura economia coletora. O que não é de estranhar, pois estavam os indígenas em fase demovimento migratório.

De modo geral, temos, na carta de Caminha, uma sucinta, porém precisa, documentaçãoetnográfica do Brasil na hora da descoberta. O que ele disse a respeito dos indígenas não foijamais desmentido. Ao contrário: os que se seguiram, através do tempo, observando eregistrando a vida dos indígenas, confirmaram suas informações. São preciosas, úteis,importantes as observações de Caminha. Constituem a primeira de uma série, que se desenrolariapelos anos afora, neste mesmo século XVI, nos cronistas ou nas narrativas de viajantes quepousaram no Brasil e, mais acentuadamente, nas cartas ou informações dos padres da Companhiade Jesus. E que se prolongaram pelos séculos seguintes.

Aquelas primeiras relações entre lusitanos e indígenas que Caminha descreveu, posteriormente,se amiudaram com a vinda mais intensa de correntes humanas portuguesas para o territóriodescoberto, em particular a partir de 1534, quando se iniciou, em condições mais sistemáticas, aocupação do Brasil. Nesse processo o português revelou, mais uma vez, aquela aptidão que selhe tornou nata, como povo colonizador, de ambientar-se ou adaptar-se ao novo meio; integrou-se facilmente à tarefa de ocupação da terra, promovendo-lhe o povoamento.

E mais: concorreu com esse espírito de acomodação para que as relações com o elemento nativose fizessem de maneira cordial, ou ao menos não tanto destruidora, como se verificou em outrasáreas de colonização não portuguesa. Isto não exclui a existência de reações indígenas contra, osnovos donos da terra; mas essas reações foram quase sempre estimuladas, se não atiçadas, pelosfranceses estabelecidos em vários pontos com tráfico de pau-brasil com tribos indígenas, e muitomenos provocadas por inaptidão do português.

Com o empreendimento da colonização, que se caracterizou por um sistema de exploraçãolatifundiária- -monocultora-escravocrata, com base na plantação da cana-de-açúcar, o portuguêsintroduziu no Brasil, como escravo, o negro da África. Este, vindo de várias regiões africanas, eportador de culturas diversificadas em vários graus, contribuiu para as relações de raça e decultura como um dos três grupos fundamentais: os indígenas e o português, os outros dois.

Estes três grupos, portadores de níveis ou de graus de cultura diversos, ou diversificados,representaram os elementos básicos da formação étnica do Brasil; do intercruzamento verificadoresultaram os tipos antropológicos hoje espalhados pelo Brasil, através de vários graus decoloração ou de vários níveis de cruzamento étnico. Esta variedade de tipos, que corresponde àvariedade de relações étnicas, traduz o grau de mestiçagem, em larga escala, verificado no Brasil;mestiçagem que oferece justamente um panorama de democracia étnica e social encontrado noBrasil.

Como registrou o professor Arthur Ramos, no Brasil todos os possíveis contatos de raça sefizeram; e esses contatos tiveram variado grau de nuanças, porque, na realidade, nenhum dos trêsgrupos fundamentais — o indígena, o português ou o negro — possuía unidade ouhomogeneidade de raça. Antes poderíamos considerá-los mosaicos étnicos, tal a variedadeantropológica entre eles encontrada, o que exclui, de saída, qualquer possível unidade outendência de pureza racial em qualquer um deles; mesmo, e sobretudo, no português.

Os estudos etnográficos no Brasil

SE FOI Caminha, aliás num momento histórico, o primeiro cronista a assinalar não só ascaracterísticas tanto étnicas como culturais dos indígenas mas também os primeiros contatosentre o elemento aborígene e o colonizador, muitos outros se lhe seguiram na descrição da terra,dos seus habitantes, dos seus costumes, das relações que se estabeleceram, da sociedade que seformou. Cronistas, viajantes, cientistas, missionários tornaram-se deste modo as fontes a que setem de recorrer para o estudo etnográfico do Brasil.

A princípio, o indígena que se apresentava aos olhos dos europeus como um elemento exótico,curioso, quase pitoresco, mesmo, foi o motivo ou tema a prender esses cronistas, fossem elesviajantes ou cientistas, missionários ou simples colonos, às vezes tripulantes ou passageiros denaus que tocavam em portos brasileiros. A estas fontes é que se tem de recorrer para oconhecimento histórico da etnografia brasileira, e, em particular para seu estudo, de modo a fixaras características culturais do nossas populações.

O estudo etnográfico no Brasil andou sempre ligado ao indígena. Até quase nossos dias o que seentendia como matéria de etnografia era o indígena. Isto sucedeu como decorrência das própriascondições em que surgiu a etnografia, dedicando-se ao estudo dos povos ou grupos chamadosprimitivos ou naturais. Este sentido, que ainda perdura em algumas correntes teóricas, foi o quecaracterizou os nossos estudos etnográficos. É certo que, já em 1913, Roquette Pinto mostrava,em memorável discurso no Instituto Histórico, que “a etnografia no Brasil, hoje, não se podemais prender somente ao aborígene". Certo: etnografia não é só o indígena; é também o estudodo negro, dos mestiços, dos grupos imigrados; etnografia, enfim, é, e deve ser, o estudo daformação das populações brasileiras, através dos elementos culturais que as caracterizam. Ouseja, o estudo da cultura e dos homens que a criam e a transmitem.

Durante muito tempo, porém, o que se estudou, ou melhor, o que apenas se observou ouregistrou — ainda não com o nome de Etnografia, é claro — foi o indígena. Depois de Caminhaos que o seguiram nas narrativas sobre o Brasil se prendem ao aborígene: Vespucci, LuizRamirez, Hans Staden, o Diário da Navegação de Pero Lopes de Sousa, por exemplo, para citaralguns autores da primeira metade do século XVI. Todos eles fixam-se no indígena, e era naturalque assim sucedesse, pois se apresentava este como objeto de curiosidade por se tratar de umtipo novo, que surgia aos olhos dos viajantes europeus.

Na segunda parte do século XVI, mesmo nos séculos XVII e XVIII, continuam os indígenas aatrair as atenções. Naquela fase final do século XVI avultam como importantes para o estudo daetnografia brasileira as cartas e informações jesuítas. Esta importância ressalta, em primeirolugar, pela variedade, e, em segundo lugar, pela circunstância de se referirem os S. J. em suacorrespondência e suas informações não só aos indígenas mas também acerca da sociedade queentão se formava.

Aos jesuítas se deve a classificação dos indígenas em tupi e tapuia, classificação que se originoude chamarem os primeiros aos segundos de bárbaros. Essa diferença foi observada em relação àlíngua. Os tupis usavam uma espécie de língua geral, chamada “língua geral da costa”, e ostapuias, uma língua absolutamente diferente.

Nas cartas de Nóbrega vamos encontrar rico material sobre as crenças indígenas, as tradiçõessobre o dilúvio, a existência de um ser superior, que era identificado com o trovão, a existênciade feiticeiro, as idéias sobre agouros. Nóbrega observou ainda o uso do fumo como uma espéciede bebida de efeito narcótico. Numa carta do Pe. Antônio Pires se encontra a primeira descriçãodo tipo físico do mameluco.

As cartas de Anchieta são ricas de informações a respeito de costumes dos indígenas. Registrouigualmente certos hábitos da sociedade. Além das cartas, as informações a respeito da vida doshabitantes do Brasil.

Outro S. J. cuja obra contém muitos informes etnográficos é o padre Fernão Cardim. Além de terescrito um tratado sobre os índios do Brasil, deve-se a Cardim uma narrativa de viagem, onde seencontram preciosas informações sobre os hábitos sociais então conhecidos. Principalmente arespeito dos hábitos praticados nos engenhos de açúcar, da riqueza que apresentavam, Cardim dápreciosos informes. Descreveu também festas e a realização de um presépio armado durante oNatal e diante do qual houve danças de autos pastoris.

No meado do século podem registrar-se duas fontes não portuguesas, isto é, francesas; são asobras de André de Thevet e de Jean de Léry, vindos ao Brasil com a expedição francesa de 1555.O livro do primeiro é tido, por alguns autores, como algo de ficção, menos sensível à realidadedas coisas brasílicas, abundante de espírito criador; um quase-romancista, o primeiro a fixar anatureza brasileira. O contrário sucede com Léry: é considerado como fidedigno nos informesrecolhidos. Vale também, na obra de Léry, a farta ilustração que a enriquece de desenhos sobre avida do Brasil, sobretudo de seus índios.

Duas fontes valiosas aparecem nos fins do século. O "Tratado Descritivo do Brasil”, da autoriade Gabriel Soares de Sousa, é um precioso arrolamento, talvez o primeiro e mais completo, dastribos indígenas então conhecidas, distribuídas no espaço litorâneo brasileiro, tal como ageografia da época poderia permitir. Des Tupinambá faz uma descrição completa; e divulgaigualmente informações etnográficas a respeito de várias outras tribos.

Em 1591 instalou-se no Brasil o Tribunal da Inquisição, que funcionou na Bahia e emPernambuco. As confissões e denunciações do Santo Ofício — e eis a segunda fonte referidaacima — constituem um documentário interessantíssimo da vida brasileira naquele fim deséculo.

O conhecimento de práticas judaicas, ritos judaicos, maometanos ou luteranos, feitiçarias esortilégios, tipos de feiticeiros e de impostores, tudo enfim é registrado, revelado, informado. Osdepoimentos indicam hábitos então em uso, e não apenas praticados por judeus, mas igualmentepor portugueses ou já brasileiros.

O que se fez no decorrer destes séculos — do XVI ao XVIII — foi observar, registrar, anotar;não há, na realidade, estudo etnográfico no sentido moderno em que hoje o compreendemos.

Saindo dos registros acerca dos indígenas e, em parte, das observações, sobretudo jesuítas, sobrea sociedade que então se organizava, surgem informações sobre o negro no século XVII. Porestranho que pareça, foram holandeses os primeiros que chamaram a atenção para o elementonegro. Para os portugueses não se tratava propriamente de um tipo estranho, desde que com elasjá estavam de há muito em contato. Mas para os holandeses eram novidade, e daí o interesse comque os observaram, sem deixarem, também, de observar os indígenas.

São cronistas ou cientistas holandeses — Laet, Barleus, Marcgrave, Nieuhof — porém, e isto éimportante, os primeiros a assinalar o papel social e econômico do negro como escravo nasociedade brasileira. Barleus, que nunca veio ao Brasil mas escreveu à vista de documentos einformações recebidas, foi quem pela primeira vez deu uma classificação dos negros entrados noBrasil, tomando como referência o ponto de procedência. É claro que tal classificação carece demaior valor científico, mas constitui um ponto de partida para conhecimento dos grupos negrosimportados.

O XVII é o século das lutas pelo domínio e da expansão litorânea; pelo Norte, alcança-se aAmazônia, e ao mesmo tempo começa a penetração do Centro-Oeste, conquistada a serra do Mare atingido o planalto; no Nordeste, as lutas contra os holandeses concentram os cuidados dapopulação já abrasileirada, e. como que absorvem toda a História do Brasil naquele século, muitoembora tais lutas cheguem somente até os seus meados.

Ao alvorecer do século, em 1618, podemos anotar a fonte portuguesa mais importante: osDiálogos das Grandesas do Brasil, de autoria anônima, mas atribuída a Ambrósio FernandesBrandão, por Capistrano de Abreu, mais tarde confirmada por Jaime Cortesão. Os Diálogos,precioso documentário daquele momento brasileiro, contém informações sobre os grupos étnicosda população, sobre trajes, sobre agricultura, sobre técnicas de produção de cana e fabrico deaçúcar. Descrevem o uso da bolandeira utilizada no beneficiamento do algodão, o preparo damandioca e seus diversos quitutes, os modos de amarrar os madeiramentos nas construções decasa, os remédios caseiros etc.

Merece citar-se, igualmente, pela importância de que se reveste para o conhecimento doscostumes da época, a legislação consolidada nas "Ordenações Filipinas”; encontram-se aísubsídios de valor etnográfico, constituindo elas, também, uma fonte a ser utilizada. Sobretudoporque as leis refletem sempre o comportamento de cada povo: de um lado, aquilo que épermitido, e, de outro lado, aquilo que é proibido. E o proibido é sempre cuidadosamentetransgredido. Daí as punições. O que se pune está na legislação; consequentemente, pode incluir-se como hábitos, costumes, usos da população.

No desenrolar desses séculos, do XVII ao XIX, numerosos são os registros, observações,informações a utilizar para o estudo da etnografia brasileira. Cronistas, missionários, cientistas,uns mais aprofundadamente, outros mais superficialmente, escreveram sobre o Brasil, seu povo,costumes, hábitos, festas, vida em sociedade. No século XVII, por exemplo, a penetração daAmazônia deu ensejo a duas descrições, que, não tendo maior importância ou significaçãoetnográfica, servem como notícia acerca dos indígenas daquela região. São livros do Pe.Cristobal de Acuna e do Pe. Gaspar Carvajal. A este último se deve a primeira notícia sobre asamazonas, que diz ter visto combater, e as descreve como altas, alvas e de cabelos compridos etrançados. Mais interessante é a descrição de Acuna, com observações sobre o preparo de

bebidas, o preparo do timbó como veneno das flechas nas pescarias, o fabrico de embarcações, asmadeiras usadas, os apetrechos e utensílios.

No século XVIII há três fontes mais importantes: o livro Cultura e Opulência do Brasil,publicado sob o pseudônimo Antonil, revelado posteriormente tratar-se do Jesuíta JoãoAndreoni, o livro Compêndio Narrativo do Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira, e aobra de Alexandre Rodrigues Ferreira.

O livro de Antonil é uma minuciosa descrição das atividades econômicas, com informaçõessobre a vida social, os tipos humanos, as profissões, as técnicas de trabalho, sendo fundamentalpara o estudo etnográfico da economia do açúcar, da mineração e do fumo. O Peregrino daAmérica, publicado em 1728, é muito rico de notícias sobre hábitos e costumes sociais, sobrefestas religiosas, práticas de feitiçaria etc. O autor anota a maneira como os senhores chamavamos escravos, e nele encontram-se ainda as primeiras notícias sobre mouros e ciganos no Brasil.

Em fins do século XVIII surge a obra de Alexandre Rodrigues Ferreira, que, estudando osindígenas, o faz com certo caráter científico, não se prendendo apenas ao descritivo ou aoenumerativo, mas já analisando e dando-lhe significação. Grande parte de sua obra, publicadaalguma coisa na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, continua porém inédita.Somente no século XIX é que o estudo do indígena toma inteira feição científica: primeiro, comMartius, que lança os alicerces desse estudo, depois, com Von Den Steinen.

Nos começos do século XIX a melhor fonte está nas cartas de Luís dos Santos Vilhena. Mas éneste século que avultam as contribuições de cientistas estrangeiros, abordando o Brasil emvários de seus aspectos peculiares. A etnografia, como aliás vinha sucedendo antes, anda de parcom as ciências naturais: é na obra de botânicos, zoólogos, naturalistas que, de modo geral,vamos encontrar informes de natureza etnográfica. É o caso de Martius, por exemplo, a quem sedeve a primeira classificação dos indígenas em base científica; é o caso ainda de Gardner, deSaint Hilaire, de Pohl, de tantos mais.

Vale registrar que neste século não só o indígena é que atrai mais acentuadamente osobservadores; estes se alongam também aos negros e, de modo geral, abordam a própriasociedade, os aspectos de vida das populações brasileiras. Era natural que isto acontecesseporque, nos começos do século, a abertura dos portos permitiu a vinda ao Brasil de cientistasestrangeiros, e as atenções destes se voltaram para a sociedade que então se formava,emancipada de Portugal, surgindo de uma miscigenação ainda mal definida para os estranhos.Era, de certa maneira, a curiosidade por um ambiente novo, em que choques étnicos seprocessavam desde séculos, e onde diversidade de condições físicas indicava aspectos peculiares.

O indígena continua atraindo a observação desses estrangeiros, pela oportunidade que havia deestudá-los diretamente. Surge a primeira classificação antropológica: a que se deve a Alcidesd’Orbigny. Contudo, a obra que ia constituir-se a base dos estudos indígenas, entre nós, foi a deMartius. Devem-se a este três estudos, na época, da maior importância: a origem dos índios, aorganização social das tribos e a classificação dos indígenas pela linguística.

Se os dois primeiros se tornaram, com o correr dos tempos, superados em face de novaspesquisas — sobretudo de estudos parciais ou específicos sobre tribos em particular —, o último

constituiu o ponto de referência para o desenvolvimento do estudo científico dos nossosaborígenes. Estudando as línguas indígenas Martius as classificou pelas palavras-fio, de modo acaracterizar os grupos indígenas. O que, porém, veio revolucionar os estudos indígenas foram asexpedições de Von Den Steinen, em 1884 e 1887. Estas expedições constituem um marcofundamental no estudo sobre os indígenas, e o ponto de partida do desenvolvimento que estesestudos tomaram cientificamente.

O trabalho de Von Den Steinen foi praticamente a primeira pesquisa de campo sobre os nossosaborígenes. Ele conviveu com grupos do Xingu, que encontrou no mesmo estado da época dadescoberta. Os estudos de Steinen exerceram considerável influência nas classificaçõesposteriores, e além disso tiveram repercussão nos meios científicos europeus. Ele reviu aclassificação de Martius, e a proposta por ele tornou-se a base de todas as posteriores, que lheintroduziram apenas pequenas modificações ou adaptações, decorrentes mesmo dos trabalhosque se desenvolveram.

Foi ainda no século XIX que surgiram os estudos, já menos simples registro ou mera observação,sobre o negro africano no Brasil. Martius fez a classificação étnica dos grupos entrados. Estudou-se depois a língua desses grupos, destacando-se as contribuições de Macedo Soares, João Ribeiroe Sílvio Romero. Em várias obras do viajantes do século XIX vamos encontrar notícias einformações sobre o negro, oferecendo assim subsídios para os estudos posteriores, jácientificamente orientados.

Com Nina Rodrigues inicia-se uma fase que já se pode chamar científica nas observações arespeito do negro no Brasil. Utilizando o método comparativo, ele estudou os grupos negrosexistentes na Bahia, embora prejudicado em parte por certos preconceitos, que eram justamenteos da época, e dos quais não soube desvencilhar-se a fim de dar maior base científica aos seustrabalhos. A obra de Nina Rodrigues constitui o levantamento de um rico material paraconhecimento e interpretação das culturas negras no Brasil.

Depois da morte de Nina Rodrigues houve verdadeiro silêncio sobre sua obra, só interrompidocom os trabalhos de Manuel Querino. Em 1926 foram reeditados os livros de Nina Rodrigues, oque permitiu reiniciarem-se os estudos sobre o negro, desenvolvidos principalmente por ArthurRamos, na Bahia e, depois, no Rio de Janeiro, e Ulisses Pernambucano, no Recife. Em outrasáreas do País igualmente começaram a surgir estudos a respeito do negro, em particularestimulados pela realização de Congresso Afro-Brasileiro (Recife, 1934, e Bahia, 1937). UlissesPernambucano, no Recife, formou verdadeira escola de estudiosos do negro, que ainda hojeperdura. Arthur Ramos desenvolveu as pesquisas sobre as populações negras, analisando seusdiversos aspectos culturais, sendo sua obra, à época em que morreu, a mais relevante acerca donegro: “nossa maior autoridade em estudos afro-brasileiros”, dele disse Gilberto Freyre.

É uma obra de sociologia ou de história social, porém, que renova os estudos sociais no Brasil,afetando inclusive os estudos etnográficos: Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.Aparecida em 1933, esta obra renovou os métodos de estudo das relações culturais do negro edos outros grupos fundamentais — o português e o indígena —, além de ter fixado os valoresfundamentais da cultura brasileira através da formação da sociedade agrária e patriarcal.

Desta forma no século XX desenvolvem-se os estudos a respeito do indígena e do negro,

principalmente com as contribuições oriundas de pesquisas de campo. A esse respeito, emparticular quanto ao indígena, vale salientar a obra de Roquette Pinto, que revelou alguns gruposdo sertão mato-grossense até então desconhecidos; e ao lado deste e de outros brasileiros trazem-nos ainda sua contribuição estudiosos, e não simples observadores ou anotadores, de origemestrangeira: os alemães Koch Grunberg, Krause, Max Schmidt, Nimuendaju, e os italianosColbacchini, Boggiani, Trombetti.

Também neste século se voltam os estudiosos para o elemento branco, principalmente os gruposentrados com a imigração. Oliveira Viana estudou a evolução do povo brasileiro, enquantoaprecia a evolução da sociedade, da raça e das instituições. Bastante impregnado das idéiasarianistas de Lapouge e Gobineau, deixou-se dominar por preconceitos de superioridade dosgrupos brancos. Admitiu a arianização progressiva do povo brasileiro. Apesar de taispreconceitos, não se pode esquecer a obra de Oliveira Viana. Já antes dele Sílvio Romero basearao estudo do povo brasileiro através da influência étnica. Admitiu o domínio do fator racial eestudou como originário em cada uma das raças formadoras os aspectos, costumes, usos,tradições do povo brasileiro.

Com sua obra de 1933, Gilberto Freyre renovou a análise da formação brasileira, quer por haverdistinguido entre influências de raça e de cultura, quer pela metodologia usada, ainda hojeinfluente na orientação de estudiosos novos. Baseou-se na análise das relações culturais entreportugueses, índios e negros para mostrar principalmente ter havido um processo de troca devalores culturais.

Justamente na década de 1930-40 é que começaram a realizar-se, no Brasil, estudos de relaçõesde cultura já cientificamente fundamentados. Embora se assinalassem influências desse oudaquele grupo, a existência ou não de assimilação dos grupos imigrados, até então o assunto nãohavia preocupado os estudiosos atraindo-os para uma análise mais científica. Mesmo depois de30 ainda ligou-se tal problema — o de relações de cultura — dentro de um processo denacionalização.

Aliás, foi este sentido ou esta preocupação de nacionalização que despertou interesse pelo tema;mas o que se desejava era tomar os grupos imigrados integralmente brasileiros, com odesaparecimento impossível de seus valores de cultura. Somente mesmo nos últimos anos dadécada é que esses estudos desabrocham. Assinale-se, para melhor esclarecimento da posiçãocientífica desse estudo no Brasil, que foi também na década de 30-40 que se desenvolveu oconceito de aculturação nos centros mais adiantados em trabalhos de etnologia, antropologia ousociologia.

Desta forma, a partir dos últimos anos daquela década (30-40) — e deve situar-se o livroAssimilação e Populações Marginais no Brasil, de Emílio Willems como ponto de referência —é que se voltam os estudiosos para os temas de relações de cultura no Brasil. E na décadaseguinte tais estudos vão tornar-se mais fundamentados, ampliando-se, sobretudo, pelo campovasto, enorme, que apresentava à pesquisa e ao estudo.

É justamente então (1940-1950) que vamos ter, em dois grossos volumes, o primeiro estudo,fartamente alicerçado na talvez mais vasta bibliografia já reunida sobre os grupos étnicos quecontribuíram para a formação brasileira e os contatos físicos e culturais; e os estudos de

mestiçagem e de transculturação em conjunto, mais completos, se bem que de modo geral, atéentão publicados entre nós. Trata-se de Introdução à Antropologia Brasileira, de Arthur Ramos;o primeiro volume, de 1943, estuda os grupos não europeus (indígenas e negro-africanos), e osegundo, de 1947, os grupos europeus ou europeizados (portugueses e os entrados com aimigração) e a mestiçagem e a transculturação. É obra que reclama uma atualização, tendo emvista, em particular, o posterior desenvolvimento dos estudos de transculturação, e, de outraparte, a rica bibliografia surgida depois daquelas datas, sobretudo com o incremento daspesquisas de campo.

No campo da transculturação, têm preponderado, de certo modo, os estudos gerais, existindocarência de estudos sobre temas delimitados, mais aprofundados, que permitissem maiorpenetração da pesquisa para levantamento de material mais minucioso e sobretudo mais rico emdocumentação. Poucas são etnologicamente as contribuições que se podem assinalar sob esteaspecto, isto é, de estudos dos problemas surgidos com as relações culturais entre os diversosgrupos, as atitudes, as reações, as adaptações, as resistências, se não ainda aos aspectospeculiares de cada cultura entrada em contato. O que só mesmo nos últimos anos se vemverificando.

Com o desenvolvimento da sociologia, da antropologia, da etnologia, da psicologia, mesmo daeconomia, entre nós, os estudos etnográficos se vão aperfeiçoando, abrindo novas perspectivas,seja em relação a problemas dos grupos indígenas ou negros, seja em relação a problemas dosgrupos imigrados, seja ainda quanto à fixação dessas diversas correntes de imigração, analisandoe pesquisando sobre sua participação na vida regional. Os estudos etnográficos, sobretudo comos cursos das Faculdades de Filosofia, podem ter, e já vão tendo, rumos mais adiantados, oumenos empíricos.

Um outro aspecto a assinalar, como importante na situação atual dos estudos etnográficos noBrasil, é a realização de pesquisas de comunidade, fixando aspectos da vida material ou nãomaterial de agrupamentos humanos. Através desses estudos, bem expressivos em sua maioria, aEtnografia muito tem sido enriquecida. Várias comunidades, em diversos pontos do País, têmsido pesquisadas e estudadas; o material aí recolhido, muito útil para o conhecimento cultural daspopulações brasileiras, representa uma das contribuições mais valiosas para a nova orientação,tanto metodológica como de pesquisa de campo, nos estudos etnográficos no Brasil.

O quadro natural: o ambiente das relaçõesétnicas e de cultura

No ESTUDO da cultura de uma população não se pode prescindir do conhecimento dascondições naturais oferecidas pelo meio físico. Sabemos da influência que o ambiente oferece,condicionando o desenvolvimento da cultura. As relações entre esta e o meio físico vão refletirno grau cultural do respectivo grupo. O ambiente condiciona a vida humana, em primeiro lugaratravés do clima e do solo e, depois, pela vegetação, pelo relevo e pelos demais elementos que oconstituem.

Na influência do meio físico verificamos que cada grupo humano procura adaptar-se àscondições que o ambiente oferece. Entende-se como meio físico a existência de uma série deenergias e condições externas, vindas do cenário natural de uma região. Estas energias econdições atuam sobre o homem e influem na adaptação cultural; criam um sistema de relaçõesentre o homem e seu habitat, formando o ambiente adequado ao desenvolvimento da vidahumana.

No caso da ocupação do Brasil, as condições do meio tiveram considerável importância: oportuguês trouxe a experiência de seus contatos com outras populações tropicais e essaexperiência facilitou sua adaptação ao meio brasileiro. Desta forma, a experiência lusitanarevelou seu êxito na maneira como, expandindo-se pelo território, enfrentou as diversidadesfisiográficas e pôde manter o lastro de unidade cultural, apesar das peculiaridades regionais.

Os primeiros estabelecimentos fundados na faixa marítima somente começaram a expandir-sequando, de um lado, foram encontrados caminhos naturais, e, de outro, foi possível vencer aserra do Mar. Estes primeiros estabelecimentos fixaram-se em partes próximas da água, fosse ado mar ou a dos rios. O mar facilitou o comércio, pois o objetivo econômico da colonização eraproduzir para a metrópole. O transporte mais fácil e menos demorado entre Pernambuco e aEuropa deslocou a produção econômica do açúcar de São Vicente para o Nordeste.

O papel dos rios foi duplo: os rios pequenos constituíram fatores de fixação e justamente nassuas margens desenvolveram-se as atividades agrárias, enquanto os rios grandes representaramelementos de penetração. Foram os caminhos que os colonizadores encontraram para apenetração. Ressalta, neste caso, o papel do São Francisco, até onde chegaram as populaçõesnordestinas, com a pecuária irradiando-se do vale em várias direções. Verdadeiro leque que seabria através de caminhos — caminhos de boiada, sobretudo — para as mais variadas distâncias:para o Norte, para o Noroeste, para o Oeste, para o Sudoeste, para o Sul.

À diversidade de condições físicas que o território do Brasil apresenta se devem influências bemcaracterísticas no processo de fixação das populações. Ao lado das planícies litorâneas, onde foi

possível sedentarizarem-se os grupos humanos dedicados à lavoura canavieira, ou dos camposinteriores, que possibilitaram a adaptação da pecuária, num típico processo de criatório, outrosaspectos fisiográficos influíram na ocupação humana. No Extremo Norte a floresta tropicalrepresentou outro fator de condicionamento da fixação colonizadora. Os núcleos se dispersaram,através dos caminhos naturais que os rios ofereciam dentro da vastidão florestal, e o próprio rioAmazonas facilitou a penetração.

Já em outras condições processou-se a formação do Extremo Sul: a serra do Mar representou, aprincípio, uma barreira a dificultar a expansão portuguesa; desta forma a direção para o Sulcaminhou pela beira-mar, e somente mais tarde é que se transpôs o planalto. Em: consequênciadisso, quando os lusitanos alcançaram o Extremo Sul, já os espanhóis vinham vindo em direçãoEste. Daí as lutas territoriais verificadas no Sul, e só no século XVIII a região integrou-secompletamente no território brasileiro.

Vencida a serra do Mar para o centro, atingido o planalto e encontrados caminhos naturais, foipossível surgirem novos núcleos nas elevações montanhosas, e daí começar a caminhada para ointerior, acompanhando os veios auríferos que se iam descobrindo. Por condições naturais deorigens diversas, essa marcha pelo interior foi lenta, e se fez enquanto a exploração de ouro ediamantes possibilitou gênero de vida às populações; à proporção que se esgotavam os veios,começava a decadência.

A expansão humana se fez em ritmo lento, face às contingências do meio físico; as dificuldadesdo ambiente entravavam, muitas vezes, a marcha da penetração. O que caracterizou maisnitidamente a fixação do homem foi a formação de núcleos estáveis, com base na exploração dedeterminado produto: a economia e o homem se uniram para, na exploração da terra, assentar asedentariedade da colonização. Surgiram assim estabelecimentos de exploração econômica quese constituíram o ambiente ou a base física em que se processaram as relações étnicas e decultura na formação brasileira.

O povoamento se expandiu, lenta e mesmo diversamente, graças a esses estabelecimentos; cadaum deles representou uma etapa no processo de ocupação da terra pelo homem. A criaçãosucessiva desses núcleos de exploração econômica, que poderemos chamar genericamentefazenda, e que representam verdadeiros centros de comunidade, tornou possível a ocupação doterritório; neles se fixaram os grupos humanos e se plasmaram os tipos sociais.

Ao estudar-se o processo de colonização do Brasil pode verificar-se que esses estabelecimentosapresentaram maior importância que aqueles tipos de organização político-administrativa criadospelo governo metropolitano no Brasil. Primeiro, tateando na experiência de ocupar o novoterritório, as feitorias, espécies de armazéns ou depósitos onde se comerciava; depois, acapitania, de regime feudal ou semifeudal com a figura dominante do donatário, em cujaautoridade se concentravam todos os poderes, alguns deles, mais tarde, transferidos aogovernador-geral; finalmente, a vila, que corresponde ao município de hoje, centralizando a sededas autoridades régias, primeiras experiências de formação urbana.

Os verdadeiros focos de povoamento, onde se tornaram possíveis, em bases estáveis, as relaçõesdemográficas e as de cultura, bem como a estruturação da sociedade brasileira, foram aquelesque resultaram do agrupamento humano para uma exploração econômica. A atividade

desenvolvida nestes centros fixava as populações, dava-lhes uma organização social, criava ostipos sociais a ela ligados.

Os engenhos de açúcar foram os primeiros desses focos criados e desenvolvidos no Brasil. Nelesse reuniam, ao lado do proprietário ou “senhor de engenho", os lavradores, os moradores, osparentes, os agregados, os escravos. Criou-se, desde logo, uma escala social dentro da qual sedistribuíam as atividades e funções de natureza econômica, de variada nomenclatura, projetando-se na organização.

Logo depois, com a penetração para o mediterrâneo, aparecem as fazendas de criação; elas seoriginaram, de um lado, das necessidades do engenho em gado para determinados trabalhos epara alimentação e, de outro lado, do desenvolvimento natural da pecuária. Se o primitivopovoamento do Brasil se deveu, na área litorânea, ao açúcar, poderemos dizer que se deveu acriação ou à pecuária o povoamento do interior, do mediterrâneo nordestino, tendo como centrode referência o vale do São Francisco. E, em parte, o do Sul também.

À proporção que a ocupação do território se expandia, outros focos de povoamento se criaram,diversificando-se, em decorrência das próprias condições de diversidade regional da colônia, ascaracterísticas fundamentais dessa expansão, sempre visando à exploração dos recursos naturaisda terra. Surgem assim os sítios agro-extrativos da Amazônia, os veios de mineração no centro,as fazendas de criação, chamadas estâncias, no Extremo Sul. Deste modo constituiu-se, nessesestabelecimentos de exploração econômica, o ambiente das relações entre os grupos étnicos queparticiparam da formação brasileira; e, igualmente, das relações culturais surgidas.

Poderemos encontrar, em resumo, os seguintes tipos de exploração econômica, onde assentaramas bases do povoamento: os engenhos de açúcar, no litoral; os currais ou fazendas de gado, nointerior nordestino; os sítios agro-extrativos, na Amazônia: os veios de mineração, explorandoouro e diamantes, na área do centro interior; as estâncias gaúchas, no Extremo Sul. A estesnúcleos, de exploração econômica, juntam-se outros, não de exclusiva atividade econômica, masigualmente núcleos importantes como focos de relações étnicas e culturais: as aldeias ou missõesjesuítas, principalmente no Sul da Amazônia, e os postos militares de fronteira.

Não se restringe, porém, a enumeração a estes citados. Cumpre lembrar os núcleosposteriormente criados, surgidos com o decorrer da obra de expansão povoadora, tendo semprena exploração de um produto ou de produtos a base de sua constituição. Surgem assim: asfazendas de café, no vale do Paraíba e em São Paulo; os seringais, no Extremo Norte; asfazendas de cacau, no Sul baiano; as charqueadas, no Rio Grande do Sul; grupos extrativos,principalmente os ervais, na área mato-grossense com incursões na área paranaense e catarinensee na fronteira paraguaia; as salinas, no Nordeste e no Rio de Janeiro; as fazendas de tabaco e dealgodão, muitas delas vizinhas; das áreas já dominadas pela influência de outro produto e daí suapouca expressão — pouca em relação à que outros núcleos apresentam.

Destes núcleos econômico-sociais três deles, pelo menos — o engenho de açúcar, a fazenda decafé e a fazenda de cacau —, corresponderam, no Brasil, aa sentido da "plantation” americana, aíusado originariamente como uma área de terra plantada e, no período de colonização da Américado Norte, significando um grupo de colonos. Posteriormente, o termo se aplicou maisrestritamente a uma agricultura em larga escala nos climas quentes, conforme observa Mac

Cutchen (1) Aplica-se, assim, de modo geral a uma propriedade produtora, portanto, de baseeconômica.

Num sentido amplo, de centro de exploração econômica, não restritamente agrícola, mas tambémextrativista, vimos utilizando o termo “fazenda” como o estabelecimento em que se verificaramrelações étnicas ou de cultura no Brasil.

Pois a fazenda, esta fazenda assim considerada, se constituiu no Brasil o foco fundamental dopovoamento. Todos os estabelecimentos referidos são de base rural, porque os de origem urbana— os povoados, as vilas, as cidades — quase sempre nasceram do alongamento da influênciadaqueles núcleos econômicos que o eram igualmente de natureza social.

Através desses núcleos se fez o povoamento, geralmente de caráter disperso, pois eles seespalhavam aqui e ali pela extensão do território; mais tarde, com algumas formas de exploraçãoeconômica implantadas, este povoamento se tomou de caráter concentrado, embora internamentealguns desses núcleos, como as fazendas de criação, por exemplo, apresentassem dispersão namaneira de ocupação territorial.

(1) “Plantation”, in Encyclopedia of Social Science, vol. XIL.

A ocupação humana e a formação de regiõesculturais

A ESTE quadro natural se ligou, como vimos, o processo de ocupação humana do Brasil; e, comele, o da formação de regiões caracteristicamente culturais. As populações se estenderam portoda a faixa litorânea, ocupando os mais diversos pontos do território, em condições deadaptação ao meio natural. Entre 1535, quando começa a ocupação permanente do Brasil, a partirdo Nordeste agrário, até a ocupação da Amazônia e do Extremo Sul, decorreu um pouco mais de100 anos. Num século, consequentemente, a extensão territorial — beirando o litoral, é certo —havia sido ocupada; e ao mesmo tempo já se havia iniciado a ocupação interior, sobretudo naszonas fronteiriças de Espanha; o forte de Coimbra e o de Macapá são exemplos desta ocupação.

Talvez tal circunstância tenha impedido de se reconhecer a diversidade dessa ocupação, tantomais que, nos começos do século XIX, fracionada a unidade espanhola com a formação dasrepúblicas hispano-americanas, o Brasil se conservou uno, dentro de suas origens portuguesas. Omilagre da unidade nacional tão apregoado, tão discutido, tão exaltado. Resultou de taiscondições, e de outros fatores, que seria supérfluo examinar aqui este sentido de unidade que,além de territorial, se estendia à cultural; que não satisfeita de ser política alongava-se a sersocial e, por vezes, étnica.

Contudo, o Brasil era considerado um todo orgânico territorialmente unido e culturalmente uno.Um bloco monoliticamente único. Pura ilusão; ilusão que se vinha mantendo, mas que a aberturade novas perspectivas nos estudos sociais no Brasil começou a modificar. É a partir domovimento modernista, de um lado, e, de outro lado, com a revolução de 1930, que estas novasperspectivas passam a configurar-se. Caracterizam-se as formas regionais do Brasil: regiõesdiferenciadas culturalmente, embora a língua, o cristianismo, a organização da família, aestrutura política mantivessem a unidade exterior, começam a caracterizar-se nos estudos sociaisdo Brasil.

É certo que já no século XIX e nos começos do atual se sugerem possíveis classificações paradividir o Brasil, considerando o aspecto do estudo desejado. É do século XIX, por exemplo, aclassificação de André Rebouças a respeito de zonas agrícolas; no começo do século XX, SílvioRomero, com admirável antevisão, sugere a classificação de zonas sociais que se podemidentificar como regiões culturais. E numa antecipação, que diz respeito, sobretudo, ao campodos estudos de História do Brasil, lembra Martius, nos princípios do século XIX, que o Brasildeve ser estudado — ou devem ser estudadas suas formação e evolução históricas — através defocos de onde partiram as linhas-mestras de ocupação do território. Aliás, já então Martiuschamava atenção para o fato de “não ser suficientemente reconhecida no Brasil” essadiversidade. Isto é, a diversidade regional.

Outras classificações têm sido igualmente sugeridas. A de Arthur Orlando, em 1913, porexemplo; o escritor pernambucano indicava alguns tipos que se lhe afiguravam característicosdas populações brasileiras, e, como consequência, representativos delas. Lembraremos ainda aclassificação de Roquette Pinto, com base nas características do tipo físico — área de influênciacabocla, área de influência africana e área de influência européia; ou a de Tristão de Athayde,vendo o Brasil através das condições psicológicas das populações, e considerando as sociedadesintegrantes — o Litoral e o Sertão, a Cidade e o Campo, o Norte e o Sul; ou a de JoaquimRibeiro, baseada no que chama de “áreas de homogeneidade cultural”.

A partir de 1930 é que rigorosamente começamos a sentir o problema de uma classificaçãoregional do Brasil. Surgem algumas classificações. Ora com base em um aspecto cultural — aculinária, a linguagem, por exemplo —, ora com aspectos mais gerais, procurando encarar acultura em seu conjunto. É dessa natureza a classificação de Donald Pierson e Mário WagnerVieira da Cunha, que encontrou no Brasil cinco áreas culturais; é também a de Charles Wagley,que se referiu a regiões naturais; é ainda a de Preston James, que dividiu o nosso território emsete regiões culturais.

Do estudo de problemas culturais brasileiros pelos prismas regionais, concluímos que serianecessário reformular o conceito de regiões culturais; e ao dividir o Brasil, num quadro dessanatureza, não considerar isoladamente este ou aquele fator, pois que todos eles — psicológicos,geográficos, sociais, políticos, históricos — se interpenetram; e só de sua integração é queresultaria adequado conhecimento daquelas características essenciais de uma região: no caso, deuma região cultural brasileira.

De acordo com estudos que então formulamos, levantando a mais vasta bibliografia possível —sobretudo fontes puramente regionais, obras sobre Estados ou Municípios, às vezes romances,contos, novelas, não raro também poesia —, sem esquecer a documentação puramente histórica— papéis, falas presidenciais, MSS existentes em arquivos —, podemos então partir para umacaracterização de regiões culturais do Brasil. Tal caracterização funda-se no conhecimento doprocesso de ocupação humana, oportunidade em que se entrelaçam fatores do meio físico, fatoreseconômicos e fatores históricos. A geografia, a história e a economia se unem para dar feição àsociedade em formação. A característica regional surge desse entrelaçamento em que se fixam,de uma parte, o meio físico — a geografia — e, de outra parte, a atividade preponderante — aeconomia — de modo a caracterizar social e culturalmente os grupos humanos em contato. Éassim que surgem os diferentes tipos de ocupação econômica da terra, com a agricultura, com apecuária, com a mineração, com a extração vegetal, sobretudo a borracha, com a pesca e assimpor diante.

Este processo — o de ocupação humana — foi uma adaptação do homem ao meio; oestabelecimento não apenas de relações, mas de simbiose, principalmente social. O que surgiueconomicamente resultou das condições que o meio propiciava: aqui apto à cana-de-açúcar, ali,para o algodão, acolá, para a criação de gado, mais além, para a mineração, adiante, para oextrativismo, e assim por diante. O que resultou socialmente foi o surgimento de uma sociedadeem cada região, condicionada pelo sistema de ocupação. Cada sociedade marcada por tiposhumanos característicos, por condições sociais específicas, por situação representativa daatividade implantada.

Assim podemos identificar, com base nos elementos anteriormente expostos, as seguintes regiõesculturais:

1 — o Nordeste agrário do litoral;

2 — o mediterrâneo pastoril;

3 — a Amazônia;

4 — a mineração no Planalto;

5 — o Centro-Oeste;

6 — o Extremo Sul pastoril;

7 — a de colonização estrangeira;

8 — a do café;

9 — a faixa urbano-industrial.

A estas nove regiões tipicamente culturais, pela sua formação e pelas características que hojeapresentam, deveríamos acrescentar três outras que, apesar de sua ocupação humana e suaevolução histórica, embora ligadas a uma atividade econômica, estão unidas maisparticularmente a outras regiões, não raro as completando ou identificando-se com elas. São: aregião do Cacau, no Sul baiano; a do Sal, no Rio Grande do Norte e no Rio de Janeiro; e a daPesca, por todo o litoral, estendendo-se pela faixa de beira-mar do Brasil.

Nordeste Agrário do Litoral — Foi por esta parte do território brasileiro que começou a ocupaçãohumana do Brasil; a economia açucareira, a princípio com o engenho de açúcar e hoje com ausina, tornou-se o principal responsável pela formação da sociedade agrária, de linhasaristocráticas, de características patriarcais na organização da família. Caracteriza-se, do pontode vista étnico, pela maior mestiçagem entre brancos e negros, de que resultaram o mulato e ostipos secundários, como o cabra, o pardo etc. Do ponto de vista social, caracteriza-se pela funçãosocial, econômica, demográfica e política da Casa-Grande, como símbolo do engenho de açúcar,núcleo de exploração econômica que se tornou o principal centro regional.

Teve grande importância no Brasil colonial pela influência econômica e social do açúcar. Com aexploração das minas, no século XVIII, e mais tarde com o café, já no século XIX, entrou emdeclínio; contudo, a sociedade procurou manter suas formas aristocráticas e escravagistas. Nosfins do século XIX começou a transformar-se, do ponto de vista econômico, com a usina, isto é,a grande industrialização do açúcar, que se acentuou a partir dos fins da Primeira Grande Guerra.Surge então a figura do usineiro. Com a usina acentuou-se a concentração fundiária. E asociedade canavieira, limitando-se a um grupo cada vez mais restrito, perdeu suas formascaracterísticas.

Mediterrâneo Pastoril — Aberto à ocupação humana com a expansão das correntes litorâneas eonde a sociedade que se formou teve no vaqueiro o seu tipo humano característico, inclusive por

seu traje, como um dos três típicos do Brasil. A mestiçagem desenvolveu-se entre brancos eíndios, daí resultando o mameluco, e em parte entre os brancos e negros e entre negros e índios.Nessa região surgiram as mais fortes manifestações de misticismo religioso, traduzido dediferentes formas; também é a região onde apareceu o fenômeno do cangaceirismo, fruto doisolamento em que viviam as populações, e que atualmente está inteiramente desaparecido. Entreo cangaceirismo e o misticismo surgiram certos laços ou aproximações bastante expressivas,sobretudo pelo que a poesia popular traduz em seus romances de literatura de cordel.

Os currais e depois as fazendas de criação constituem o principal centro social desta região, emcujo território outras características se foram desenvolvendo de modo a criar novos aspectosculturais na região. Daí a divisão que sugerimos desta região em quatro sub-regiões, mais oumenos originadas de uma mesma expansão humana: a dos sertões, em que predominou oexclusivismo da pecuária na parte realmente mais árida do mediterrâneo; a dos babaçuais ecarnaubais, ocupada pela extração do babaçu e carnaúba, que desempenhou importante papel narespectiva ocupação humana; a das terras úmidas, assim caracterizada pela existência de umapequena agricultura principalmente de subsistência dentro dos quadros áridos de todo o conjuntoregional, tornando essa sub-região verdadeiro oásis; e a do agreste, em que se verifica aassociação da criação de gado à agricultura em condições propícias e sobretudo peculiares aorespectivo meio.

Amazônia — O domínio da floresta e da água marca-lhe a característica física, pois foram elas— a floresta e a água — que condicionaram o processo de ocupação humana e o modo de vidaregional. Ainda hoje, neste ambiente, mais do que em qualquer outro, a presença do indígena éfundamental, básica, característica; é ele ou seu descendente, em alguns casos, produto mestiçocom o branco, que representa o tipo físico, de par com sua participação em todas as atividadeseconômicas da região. O extrativismo, a princípio das drogas, hoje da borracha, da madeira oudo castanheiro, marca o estágio econômico da região. O seringal é o seu focal point, o centrosocial mais expressivo, principalmente pelo modo de vida que se desenvolveu com a extração daborracha, e cujo apogeu econômico marcou, de igual modo, o apogeu social da região. A florestae a água influíram na formação de mitos e crendices, ao mesmo tempo que contribuem aindahoje para a rarefação demográfica.

O isolamento muito contribuiu para o atraso dessa sociedade, muito embora nos primeiros anosdeste século os centros urbanos — Belém e Manaus — tivessem tido grande esplendor, com ariqueza proporcionada pela borracha. Todavia, contrastando com o meio urbano — o das capitais—, a situação do homem rural é a mais precária possível. Casa, de padrão o mais primitivo;alimentação, a mais precária. As condições próprias do meio originaram uma terminologiapeculiar à região, enriquecida de termos adotados de outras atividades para a vida na água e nafloresta. “Montaria” é canoa, por exemplo. O que, mais que qualquer outro traço, assinala estaregião é a presença do indígena; não é apenas participação no povoamento nem fato histórico; éfato atual pela existência de grupos índios em contatos com as populações locais já integradas nasociedade nacional. A herança indígena está viva na alimentação, nas bebidas, nas crenças, nouso da rede, na pajelança, na carne de jacaré, de tartaruga, de pirarucu, em técnicas de caça e depesca.

Mineração no Planalto — A ocupação se fez com a exploração dos minérios, a princípio o ouro,depois os diamantes. Transposta a serra do Mar pelos bandeirantes saídos de São Paulo, surgiu

essa região que se caracteriza pela formação dos arraiais de mineração, ambiente de riqueza, defausto, de vida social. Mamelucos, mulatos, reinóis, judeus, e não só paulistas e nordestinos,participam do processo de formação humana. O mameluco foi o veículo humano que, ao lado doelemento indígena, mais contribuiu — contribuição essencial — para a vitória sobre a serra,alcançando o planalto. Criaram-se nesta região condições culturais próprias, que caracterizaram avida em fausto e riqueza. Também aí brotou uma atividade intelectual intensa, a ponto de SílvioRomero chamar Ouro Preto “a Weimar brasileira”. Surgem também as primeiras manifestaçõesmais sólidas de vida urbana, irradiando-se dos arraiais a formação de núcleos mais estáveis, comvida social e econômica de cidade. A montanha contribuiu para marcar psicologicamente estasociedade, em cuja formação entraram elementos os mais variados; não só brasileiros de SãoPaulo, do Nordeste, do Rio de Janeiro, também reinóis, ilhéus, judeus. Em nossos dias, a regiãovem sofrendo grandes transformações. Mudança significativa se assinala com a introdução denovos valores técnicos e culturais, e sobretudo com o desenvolvimento da metalurgia, sob cujainfluência se verifica o processo de vida regional. Apesar dessas transformações, e de novasformas de vida surgidas, conservam-se numerosos hábitos tradicionais e os costumes do passadoainda persistem, ao lado de outros mais modernos.

Centro-Oeste — A mineração abriu o processo de ocupação humana desta região. Foi, porém,período de rápido esplendor, logo chegando à decadência que levou as populações regionais aoutras atividades: extração da erva-mate, gado, pequena agricultura, sem prejuízo dacontinuidade de exploração mineira. O elemento humano predominante foi o português,mestiçado com o indígena. Sente-se hoje em dia a influência cultural das correntes de origemespanhola, sobretudo paraguaios e bolivianos, na zona fronteiriça. Apesar de conservar hábitostradicionais, está passando por grandes transformações sobretudo nos últimos anos com osurgimento de Brasília.

A construção da nova capital tem provocado o aparecimento de uma série de novosagrupamentos humanos. Além disso, o japonês tem contribuído, principalmente em área doEstado de Mato Grosso, para modificar hábitos alimentares na população regional, sobretudocom o uso de verduras e legumes. Há acentuado desnível entre as classes sociais. O caminhãotem constituído um fator de introdução de novos valores culturais, de novas idéias, e maisrecentemente o avião.

Extremo Sul Pastoril — Teve sua formação originada da expansão de correntes paulistas,nordestinas e fluminenses e de ilhéus, estes vindos no século XVIII; a pecuária se tornou a suaprincipal atividade econômica, ainda hoje persistente apesar de se diversificar a vida regional. Ainfluência cultural vizinha da Argentina e do Uruguai dá a essa região aspectos peculiares,inclusive na linguagem bastante enriquecida de espanholismos. Grande foi a influência doscolonos portugueses vindos das ilhas — açorianos, principalmente. Acrescente-se que nestaregião existiram as missões religiosas, constituídas pelos padres da Companhia de Jesus; sãoconhecidas como os Sete Povos das Missões, enquanto outras missões ou reduciones seestendiam por território hoje argentino e paraguaio. Seu núcleo social mais expressivo é aestância. Foi aí que surgiu o gaúcho, tipo humano e social definido, portador de um dos trajestípicos do Brasil, de hábitos e costumes que marcam culturalmente a região. À criação de gadosdos primeiros povoadores juntou-se a agricultura dos ilhéus. O cavalo é o elemento maisrepresentativo da vida regional, ligado estreitamente à vida do homem. Também se assinala oaparecimento das charqueadas, onde melhor se desenvolveu a presença do elemento negro

escravo. Em que pese a pequena contribuição populacional do africano nesta região, a maistradicional e característica lenda do Rio Grande do Sul é relacionada com a escravidão: Negrinhodo Pastoreio.

Colonização Estrangeira — Esta começa a surgir no século XIX, espraiando-se por um territórioaté então não ocupado pelas correntes brasileiras ou luso-brasileiras. Sua ocupação humanadeveu-se a correntes alienígenas, inicialmente alemães e italianos, e depois poloneses, russos,árabes: mais modernamente registram-se suábios, holandeses e japoneses, que se espalharam porfaixas vazias do Extremo Sul, já hoje com seus descendentes emigrando para outras áreas.Marca-se pelas características culturais não portuguesas, ou não luso-brasileiras, mas européias,ou seja, mais particularmente alemãs e italianas. Embora se pudessem distinguir aí as zonas doprimitivo povoamento alemão e do povoamento inicial italiano, a região é estudada em seuconjunto, sem distinguir a respectiva origem, e isso porque apresenta, dado seu contraste com asdemais regiões de origem luso-brasileira ou já brasileira, esta característica comum. O processode assimilação cultural vem desenvolvendo-se com a troca de valores, a permuta de elementos, aintegração dos primitivos imigrantes e seus descendentes, criando, nessa região, um modo devida próprio.

Além de uma atividade agrária, que se baseou na pequena propriedade — os lotes que eramconcedidos a cada imigrante como lavrador —, desenvolveu-se, nesta região, uma atividadeindustrial, cuja característica principal é seu surgimento originado no artesanato rural. Imigrantesalemães e italianos praticavam seu artesanato, que foi pouco a pouco crescendo, desenvolvendo-se para atender às necessidades da comunidade em crescimento. Dele progressivamente vaisurgindo a industrialização. Fábricas de tecidos, de objetos metalúrgicos, indústria química,indústria de couro e numerosas outras assim se originaram. Artesãos europeus que tiveramoportunidade de converter as suas oficinas em estabelecimentos industriais. Daí a grandepercentagem da participação do imigrante em atividades industriais da zona de colonização: noRio Grande do Sul ou em Santa Catarina, por exemplo. Os estabelecimentos que formam o atualparque industrial dessa região nasceram dessa transformação artesanal; a princípio, a família, osfilhos como aprendizes; depois, alguns aprendizes de fora, os primeiros operários, alguns dessesjá com especialização de tarefas; mais tarde, aumenta o número de operários, assinalando-se adiversificação de funções. E assim cresceu o artesanato; cada estabelecimento se transformou emindústria, constituindo o parque da região em nossos dias.

Café — Constituída pela expansão dos cafezais, que incrementaram, no século XIX, a ocupaçãohumana que se irradiou do Rio de Janeiro pelo vale do Paraíba, alcançando Minas Gerais e SãoPaulo, daí se alastrando, já em nossos dias, por terras do Paraná. Sua fase de esplendor foimarcada no meado e nos começos da segunda metade do século XIX, distinguindo-se doismomentos históricos que se assinalam de peculiaridades culturais: o da exploração cafeeira pelotrabalho escravo (Rio de Janeiro, Minas Gerais e parte de São Paulo) e o da exploração cafeeirapelo trabalho livre do imigrante (Sul de Minas, parte de São Paulo). A fazenda de café, com suaorganização econômica e social, é o seu núcleo característico; dela irradia-se a influênciapolítica, e não apenas social, das grandes figuras do Império, chamados os Barões do Café:titulares, chefes de gabinete, ministros de Estado, senadores do Império. Encontra-se em fase degrandes transformações, sobretudo por dois fatores: a criação de gado introduzida nas zonasdecadentes de cafezais e a industrialização, que é o traço hoje mais significativo dodesenvolvimento econômico e social de São Paulo, do antigo Distrito Federal e Rio de Janeiro,

sobretudo no vale do Paraíba, já conhecido como o “vale das Chaminés”.

Faixa Urbano-Industrial — Surgiu modernamente sobre zonas de antiga ocupação cafeeira. É aregião onde se apresentam as transformações sociais, e não apenas econômicas, mais importantesdo Brasil moderno. Formou-se em virtude da expansão industrial no Estado do Rio, no de SãoPaulo e em parte no de Minas Gerais. Dela têm decorrido influências na estrutura social da faixaocupada pela industrialização, em decorrência da introdução de novas técnicas, novos costumes,novos modos de viver, relacionados principalmente com as atividades industriais e com aurbanização. Não se caracteriza apenas pela existência de indústrias de transformação depequeno vulto, mas ainda pela implantação de indústrias de base, de que se pode apresentar,como exemplo. o complexo industrial de Volta Redonda com a atividade siderúrgica.

Esta expansão industrial aliou-se ao surto urbano que se verificou justamente neste espaçoregional: foi o crescimento urbano do Rio de Janeiro, então capital da República, que, a partir docomeço do século, sentiu um processo de transformação urbana que não parou mais. E que iriainfluir em sua vizinhança, aliando-se ao não menor surto urbano de São Paulo — cidade que, jános fins do século XIX, iniciava seu ritmo de progresso com a transformação que sofreu em suacaracterística física e na formação cultural.

Ao contrário do verificado na região de colonização estrangeira, a industrialização nessa regiãoteve base no capitalismo, isto é, surgiu com a aplicação de capitais; criou-se a indústria, abrindo-se um estabelecimento com número já relativamente grande de operários, empregando-secapitais específicos em seu desenvolvimento. Houve, aliás, alguns aspectos particulares, quemerecem mencionar-se: a) — a transformação de agriculturas em indústrias; b) — sendoinicialmente de simples transformação de matéria-prima, a atividade alargou-se depois à grandeindústria, e chegou em nossos dias à indústria de base; c) — a participação do imigrante, sejacomo trabalhador operário, pois representou mão-de-obra disponível para essa atividade nova,seja como industrial aplicando capitais reunidos, que permitiriam ampliar essa primeiraexperiência em experiências mais largas; d) — a aplicação de capitais públicos nodesenvolvimento dessa industrialização, sobretudo na fase da grande indústria, com a criação doque, aplicando a terminologia de Chardonnet, podemos chamar de “complexos industriaisautárquicos”. Esse processo de industrialização se inicia nos fins do Império e começos daRepública, incentivando-se, porém, a partir da Primeira Grande Guerra. São Paulo e Rio deJaneiro constituem os principais centros desse desenvolvimento industrial, ligando-se as duascidades pelo crescimento industrial através do vale do Paraíba; nele justamente é que surgiu agrande indústria siderúrgica simbolizada em Volta Redonda.

A estas regiões, três outras se poderiam acrescentar, pelas características próprias que asassinalam, embora não se possa considerá-las independentes como as anteriormente citadas. Sãoelas: a do Sal, a do Cacau e a da Pesca.

A do sal se situa na área do Nordeste e no Estado do Rio de Janeiro, em faixas litorâneas, onde osal marítimo é explorado economicamente. Contudo não são estas duas faixas — embora com ascaracterísticas próprias que culturalmente marcam sua atividade — propriamente regiõesculturais, tal como as anteriormente consideradas.

É que ainda estão presas às regiões mais amplamente fixadas em que se inserem, delas recebendo

influência; e a elas ligadas por vários traços justamente culturais.

O que ocorre também com a do cacau. Apesar da exploração cacaueira ter característicaspróprias, tanto na vida social — e romances de Jorge Amado lhe traçam o perfil muitoclaramente — como na técnica da atividade econômica, na verdade esta possível região é muitoligada à do Nordeste agrário, da qual se poderá dizer, quando menos, que é um prolongamento.De modo que, possuindo embora certas características próprias, dela exclusivamente, não fogede ter manchas bem nítidas da região do Nordeste agrário, da qual recebe forte influência.

Da mesma forma sucede com a pesca. Espalhada por todo o litoral, do Norte ao Sul, vivendo deuma atividade que se define por traços próprios, por técnica exclusiva, na realidade éinfluenciada pela região maior — a da Amazônia, a do Nordeste agrário, a do Café, a do SulPastoril, a Urbano-Industrial — em cujo litoral se desenvolvem suas atividades próprias. Suastécnicas, especificamente a pesca no mar, têm, entretanto, variedades quanto ao uso deembarcações, ou quanto aos instrumentos de pesca, por exemplo.

O quadro delimitatório de regiões culturais do Brasil que acabamos de apresentar não tem, nempoderia ter, caráter estático; ao contrário: é profundamente dinâmico. Cada uma das regiõesindicadas vive o seu processo de transformações. Nenhuma delas se pode dizer sejaintegralmente uma parcela do Brasil arcaico; e mesmo a que se possa considerar mais adiantadaseria a rigor enquadrada exclusivamente num Brasil moderno. O que se verifica é que astransformações atingem as regiões, ou cada uma delas, em particular, às vezes de forma desigual,e sempre sem cobrir toda a sua área.

De modo que, dentro desse quadro aqui exposto, poderemos considerar as regiões culturais doBrasil como um sistema de vida em que a diversidade proporciona a unidade; seria, enfim, “oequilíbrio de contrastes” que nas diferentes regiões consideradas oferecem o panorama da vidabrasileira. O Brasil constitui, acima de tudo, esse- complexo de regiões, que através de umapaisagem variada, do ponto de vista físico, suscita também uma diversidade de aspectos, doponto de vista cultural.

Alguns alienígenas no período colonial

NÃO há negar hoje em dia que traços ou complexos de cultura integrantes da formação brasileiraou característicos, como valores de cultura, do Brasil moderno nos vieram, em grande parte, dosindígenas, da participação não menos expressiva do negro africano como escravo, efundamentalmente do português; do português, aliás — deve dizer-se —, foi a base essencial,constituindo-se, sobretudo, o esteio ou suporte a que os outros grupos se adaptaram ou seincorporaram.

Se aqui destacamos estes três grupos que foram os fundamentais, não quer dizer que tenham sidoexclusivos. Ao contrário: outros grupos alienígenas, desde cedo, participaram, em menor escala,é certo, dos processos de relações de raça e de cultura no Brasil. O francês, o espanhol, oholandês, o judeu, por exemplo, quase sempre, sobretudo os três primeiros, em áreas mais oumenos determinadas: no Sul, um pouco em São Paulo, e muito no que é hoje o Rio Grande doSul, o espanhol; no Nordeste, o holandês; em pontos esporádicos do Nordeste e do Leste, ofrancês. Por toda parte, o judeu.

São grupos étnicos estes que já nos começos do período colonial, e, pois, na fase que poderíamoschamar plástica da formação brasileira, tiveram contato com as populações luso-brasileiras. Aesses elementos devemos pinceladas não raro bem nítidas na formação étnica do brasileiro; doespanhol, em particular, grande foi a contribuição na área Sul do país. Mesmo em São Paulo, noscomeços da colonização, sua presença foi marcante, aparecendo de sobrenome espanholnumerosas famílias paulistas ainda hoje ostentando nas genealogias sua origem hispânica:Bueno, da Ribeira, Camargo, Quadros, Aguirre, Rondón, Lara, Ponce de León, Godoi, Aguilar.E muito Martínez se abrasileirou em Martins, Pérez em Peres, Fernández em Fernandes. NoExtremo Sul, pela vizinhança com as colônias de Castela, a influência espanhola foi grande, enotável se tornou sua contribuição não só étnica como também cultural ao brasileiro daquelaregião.

Como espanhol entendam-se os elementos do então reino de Castela, falando uma língua comum— o castelhano —, enriquecida embora por formas dialetais várias, e que para aqui setransferiram. Nestes primeiros tempos o castelhano ou espanhol que veio para o Brasil erageralmente da Extremadura e da Andaluzia, especialmente de Sevilha; vieram também de Galizae de outras províncias da moderna Espanha.

A vizinhança com as colônias espanholas fez com que a participação desses elementos se desseprincipalmente nas regiões de fronteira; foi sobretudo no Rio Grande do Sul que mais sensível severificou esta participação. E como sua vinda para a América, na tarefa de colonização dosdomínios de Castela, se deu na mesma época da colonização portuguesa no Brasil, não é deestranhar que espanhóis tivessem penetrado e se fixado em território luso-brasileiro. É certo quese apresentava bastante rigorosa a fiscalização lusitana contra estas entradas; na região do Sul do

Brasil a situação se tornava delicada pela convergência de interesses lusitanos e castelhanos emtorno da bacia do Prata. Aí espanhóis defendiam a posição estratégica que o rio da Pratarepresentava. Contudo, contrabandos entre a possessão castelhana e o Brasil se verificavam,sendo de notar-se que, em fins do século XVI e princípios do XVII, Buenos Aires se apresentavamais como burgo português que espanhol.

Os holandeses tiveram contato com os elementos luso-brasileiros ainda nos primeiros tempos dacolonização. Inicialmente, na área amazônica, até onde tentaram penetrar, dando começo, com osingleses, à lavoura canavieira e à indústria de açúcar, sendo de lá expulsos pelos portugueses;depois com a ocupação do Nordeste, a partir de 1630 e até 1654, quando, em definitivo, foramexpulsos. Já em 1624 os flamengos ameaçaram a Bahia; em 1630 invadiram Pernambuco e aí seinstalaram. O açúcar foi o motivo principal da preferência holandesa pela região nordestina.

O holandês, como grupo étnico, origina-se de antigos povos germânicos, surgindo do país emformação, a Holanda ou Netherlands, os Frísios, os Beucteres e os Batavos, estes últimos os maisimportantes. Mais tarde novos grupos se mesclam aos primitivos, constituindo-se as variedadesétnicas conhecidas como flamengo, ou neerlandês, ou holandês, ou batavo. De modo quequalquer uma destas palavras passou a ser usada como sinônimo dos povos que habitavam aHolanda ou Países Baixos.

Foram estes povos que ocuparam o Nordeste, e o fizeram com caráter inteiramente comercial.Em consequência, os principais elementos para aqui vindos eram comerciantes, mercadores,funcionários da Companhia das Índias Ocidentais, colonos entrados como “homens livres”; aolado deles aparecem aventureiros, soldados, mercenários etc. Em conjunto, porém, o que ressaltaé o elemento urbano, o citadino. Entre os cidadãos livres vêm franceses, escoceses, irlandeses;entre aventureiros ou mercenários aparecem alemães, judeus etc. Assim na totalidade do grupoholandês figuram elementos de várias nacionalidades; e figura, sobretudo, o judeu.

Do holandês, embora se possa afirmar que a influência étnica ou antropológica foi pequena, develembrar-se, entretanto, que houve numerosos casamentos de flamengos com brasileiras ouportuguesas. Como, entretanto, os holandeses se fixaram preferentemente na área urbana, que foisobretudo a dominada pelos invasores, com a expulsão inclusive de numerosos elementoscasados com gente da terra, verificou-se a extinção dos intercruzamentos e, em consequência, odesaparecimento de traços somáticos da etnia holandesa. Alguns traços de cultura, porém,ficaram; entre eles, o tipo de sobrado recifense, esguio e comprido de frente a fundo, o telhadoem duas águas, o sótão, o emprego do tijolo em maior escala do que até então.

A alimentação caracterizou-se pela entrada de artigos importados, não só holandeses como deoutros países: vinhos franceses, bacalhau da Terra Nova, toucinho moscovita, diversos gênerosda Holanda. Daí vinha quase toda a dieta do invasor — aveia, carne salgada, ervilhas, manteiga;o holandês não foi um elemento como o português que se adaptasse ao consumo dos gênerosregionais. Não revelou tal capacidade de adaptação. Daí, por vezes a crise de gêneros verificada,pela escassez dos produtos locais, ou pela ausência dos elementos importados.

A língua holandesa, de uso familiar ou comum no Recife ocupado, não deixou influênciamarcante na linguagem da região; poucas palavras se tornaram comuns. E assim mesmoesmaeceram-se, sob a influência da linguagem falada, abrasileirando-se inteiramente, até perder

mesmo seu sentido primitivo. O que ficou foi a lembrança de sua passagem pela região, parajustificar tudo aquilo — construção, templo, coisas para que não se tem explicação — comoreminiscência holandesa: é obra do tempo dos flamengos.

Os franceses constituem outro grupo europeu que desde cedo manteve contato com osaborígenes brasileiros. Admite Anchieta que já em 1504 os franceses estavam de relaçõesestabelecidas com grupos indígenas, comerciando pau-brasil. Principalmente na área entreParaíba e sul da Bahia, foi nos primeiros tempos onde mais se amiudou a presença do francês;mais tarde essa presença teve caráter de uma tentativa mais permanente no Maranhão, cujacapital ainda conserva hoje o nome do Rei de França, que os invasores lhe deram, e no Rio deJaneiro, onde tentaram estabelecer a França Antártica.

O francês, como se sabe, é um grupo étnico bastante mesclado, figurando em sua constituiçãoantropológica marcas de vários outros grupos mais antigos; constitui o francês, na realidade, um“complexo étnico”. Sua participação étnica no Brasil, apesar dos contatos com indígenas emvários pontos — contatos quase sempre rápidos ou transitórios —, é absolutamente nula, pois sehouve produtos mestiços de francês com indígena diluiu-se na evolução étnica, através dostempos, pela falta de continuidade.

Influência cultural francesa no Brasil, entretanto, somente vamos encontrar no século XIX, esobretudo na esfera intelectual e social. Aqui vale destacar particularmente a importância queteve o francês nos primeiros tempos da colonização, quando houve momento — registrouCapistrano de Abreu — em que seria duvidoso dizer se o Brasil continuaria luso ou se setransformaria em francês. Esta luta pelo domínio da terra ficou nas narrativas históricas e gravou-se também na toponímia: portos dos franceses eram vários no litoral, e deles alguns aindaconservam o nome.

O judeu foi elemento que se espalhou pelo território brasileiro com aquele seu admirável sensode mobilidade e quase de ubiquidade; o comércio entre os núcleos rurais e urbanos, nosprimeiros séculos, esteve quase exclusivamente em suas mãos; comerciavam como “mascates”, emuitos deles enriqueceram tomando-se proprietários de engenhos de açúcar.

Um documento de 1536, e que serviu ao visitador do Santo Ofício ao Brasil, permiteconhecerem-se os traços ou sinais de suspeição dos judeus. Resumiu-o o Prof. Roquette Pinto,em seu estudo sobre “Os Sinais da Suspeição”, nos seguintes termos: “Deviam ser denunciadosos que guardavam o sábado, não trabalhando e vestindo-se com roupas e ‘joyas’ de festa,alimpando-se às sextas-feiras ante suas casas, acendendo, à tarde de tais dias, candeeiros limpos,com mechas novas, deixando os que por si mesmo se apagassem; os que matassem carne’ e avesdegolando-os ‘ao modo judaico’, experimentando, primeiro, na unha do dedo da mão o fio docutelo; os que não comessem toucinho, nem lebre, nem coelho, nem peixe de couro; os quefizessem ‘oração contra a parede, sabadeando, abaixando a cabeça e alevantando-a’; os quebanhassem os defuntos, cortando-lhes as unhas e guardando-as, derramando a água de todos oscântaros da casa; os pais que deitassem a bênção aos filhos pondo-lhes as mãos sobre a cabeça;os que depois do batismo limpassem os filhos dos santos óleos por eles recebidos. Os jejuns, ascerimônias da Páscoa, a circuncisão e outras práticas usuais dos israelitas, evidentemente,deviam também ser denunciadas. Mas não eram, esses, simples sinais de suspeição; eramprovas”.

No século XVII os judeus começaram a entrar em maiores proporções no Brasil, já em grupos. Odomínio holandês, onde estava ausente o Santo Ofício, facilitou essa entrada em grupos. Com aexpulsão dos holandeses dispersaram-se os judeus; uns saíram para Amsterdam, outros para asAntilhas, a América do Norte (Nova Iorque, Filadélfia...) e outros pontos. Muitos, entretanto,permaneceram no Brasil, embora perseguidos, suspeitados, escondendo-se, até que o Marquês dePombal acabou com a separação e proibiu as perseguições. Esses judeus Sephardim, a partir deentão, tiveram facilitado o processo assimilativo.

O judeu, como se sabe, não oferece nenhuma homogeneidade étnica; não há raça judia, mas tiposou grupos judeus. Diversificados embora nos traços étnicos, guardam unidade social e religiosa.A unidade do grupo é, pois, de fundo espiritual e cultural. Etnicamente, os judeus correspondemaos tipos étnicos dos países onde se encontram, com os traços específicos de sua situaçãoparticular: o afastamento social, a adaptação alimentar, os hábitos de vida. Daí as variações dotipo físico do judeu.

Um outro grupo étnico também deve ser assinalado como presente nos processos de mestiçageme de transculturação no Brasil: o cigano. Temo-lo aparecendo aqui desde cedo, querreproduzindo-se entre si, quer cruzando-se com outros grupos. Admite Melo Morais Filho queele foi “a solda que uniu as três peças de fundição da mestiçagem atual do Brasil”. Se bem se nosafigure algo exagerado esse papel atribuído ao cigano, é fora de dúvida, entretanto, que se lhedeve alguma participação na formação étnica e cultural do brasileiro.

No período colonial aparecem ainda outros elementos alienígenas: italianos, alemães, ingleses.São, entretanto, contribuições de natureza puramente individual, participação de um homem oude uma figura, como é o caso de vários missionários religiosos e de viajantes ou cientistas queandaram pelo Brasil. Como corrente migratória ou de influência cultural ponderável, antes doséculo XIX, porém, não se podem considerar.

Os grupos indígenas, suas origens eclassificação

O ESTUDO dos indígenas brasileiros, quanto à sua origem, não se pode isolar do quadro doindígena americano, em geral. Teorias diversas, umas pela unicidade da corrente povoadora,outras pela pluralidade destas correntes, procuram explicar as origens étnicas do homemamericano. Dois grandes nomes se apresentam à frente dos grupos de estudiosos que defendemestas teorias: Hrdlicka, batendo-se pela existência de uma corrente povoadora única, e PaulRivet, pela pluralidade dessas correntes.

Hrdlicka, partindo da existência de uma raça única dos indígenas americanos, acredita em suaorigem mongolóide, tendo vindo à América de regiões setentrionais da Ásia oriental. O caminhodesta penetração foi o estreito de Behring, então um istmo unindo o Extremo Noroeste daAmérica ao Extremo Nordeste da Ásia. Os postulados fundamentais da teoria de Hrdlicka podemresumir-se nos quatro seguintes:

l. o homem americano, apesar de pequenas diferenças que possam existir entre os diversosgrupos, é racialmente uniforme;

2. os primitivos povoadores da América procederam totalmente da Ásia;

3. a entrada desses primitivos povoadores se efetuou por uma rota única, a do estreito deBehring;

4. estes asiáticos, ao chegarem à América, eram portadores de uma única cultura, de tipoinferior, produzindo-se seu ulterior desenvolvimento e subsequente diversificação cultural já nocontinente americano.

Outros autores, indo além, acreditam haver no indígena americano outras procedências e não aexclusivamente asiática. Entre eles é de destacar Paul Rivet, que baseando-se em provasantropológicas, culturais e linguísticas, encontra quatro grandes correntes migratórias: umelemento asiático — aliás universalmente reconhecido —, mais importante entre todos osgrupos, do qual se derivam certa uniformidade no aspecto étnico e determinadas característicasculturais do indígena americano; um elemento australiano, de que são principais remanescentesos índios Patagões e Onas; um elemento malaio-polinésio aproximado, por seus caracteresfísicos, dos melanésios, e verificado por semelhanças etnológicas e pela reconhecida capacidadede navegação desses povos; e um elemento esquimó, de origem uraliana, vindo pelo Ártico.

A posição do problema, ainda em debate, pode resumir-se nas seguintes palavras de ArthurRamos: “De um modo geral, o índio do Novo Mundo é considerado uma variante da raça

‘mongólica’, embora mais recentemente, como vimos, se admitam influências de outros gruposraciais”. A estas palavras se pode acrescentar a observação de que, embora de difícil soluçãodefinitiva e imediata, os estudos empreendidos, as pesquisas realizadas, as comparaçõesculturais, físicas ou linguísticas já efetuadas evidenciam, em primeiro lugar, a origem asiática e,em segundo lugar, a existência de mais de um grupo asiático nesse povoamento pré-hispânico daAmérica. É o que demonstrou, em livro recente, o professor Salvador Canais Frau.

Para o professor Canais Frau, baseado no que chama realidades paleogeográfica, antropológica,etnográfica e linguística, fixam-se em quatro as correntes pré-históricas de povoamento daAmérica, quer dizer, os grupos de onde se originou o indígena americano. Estes grupos são:

1. dolicóides primitivos de cultura inferior;

2. canoeiros mesolíticos;

3. braquióides de cultura média;

4. polinésios de alta cultura.

Estes quatro grupos chegaram ao continente americano por caminhos diferentes, embora os doisprimeiros, de uma parte, e os dois últimos, de outra parte, tenham percorrido, se bem que emperíodos diversos, quase as mesmas rotas: aqueles no Extremo Norte do continente, esteschegando, com pequenas modificações de caminho, no meio e quase ao Extremo Sul. A estesquatro grupos, já na época histórica, agregaram-se pequenas contribuições antropológicas eculturais, que se situaram no Nordeste do continente.

De particular importância para o estudo do indígena brasileiro é a terceira corrente; dela saiu oconjunto de populações mais ou menos braquióides de cultura média, que se estendem pelasregiões tropicais do Norte e do Sul. O principal centro deste grupo, ao ver do professor Frau, nãoestá longe do atual Panamá, em cujas regiões próximas ao istmo se têm encontrado grupo maiscompacto de indígenas com caracteres físicos semelhantes e maior número de elementosculturais de remota origem neolítica. As famílias linguísticas Aruaque, Caribe e Tupi-Guarani,além de outros grupos, como os Pano, Tucano, Jivaro e outros menores, igualmente procedemdesta terceira corrente de povoamento pré-hispânico. Tanto daquelas três famílias como deoutros grupos encontraram os descobridores tribos espalhadas pelo Brasil.

Se dele procedem as tribos brasilianas, claro que interessa conhecer mais pormenorizadamente ascaracterísticas somáticas e culturais que apresenta esse grupo de cultura média. Sua área dedomínio abrange uma larga extensão territorial: ocupa a área central e setentrional da América doSul.

No grupo das Antilhas, que já se extinguiu, os Aruaques eram o elemento mais representativo;estes indígenas ocupavam uma área territorial que vinha das Antilhas a embocadura do Plata e doEquador oriental até a costa atlântica. Seu centro de formação e dispersão foi a bacia amazônica.De cultura superior aos Tupis-Guaranis e aos Caribes, foram, entretanto, subjugados por estesúltimos.

A expansão desse grupo deu em consequência um grande mestiçamento, pela exogamia

existente. Igualmente usavam extinguir os grupos inimigos, matando os homens e incorporandoas mulheres dos vencidos ao seu grupo. Em decorrência disso tudo, houve grande mestiçagem,surgindo daí tipos dolicóides entre os braquióides.

O Aruaque dominou os vales do Amazonas e do Orenoco, por aí se dispersando os povos destalíngua. As tribos mais representativas desta família existentes no Brasil são, entre outras, osTariana, Manaus e Baniva, no Norte do Amazonas; os Arauás, Parecis, Mojos, Iamamandis,Ipurinás, no Sul do Amazonas; os Guanás, Terenos, Laianás, em zona mais meridional. OsCaribes foram família também muito estendida; seus povos se agrupavam principalmente naVenezuela, nas Guianas e ao Sul e ao Este do Amazonas. As principais tribos dos Caribessituadas no Brasil são os Motilones, Umanas, Pebes, Pimenteiras, Apiacás, Palmelas, Bocairis.

Os Tupis-Guaranis, por sua vez, ocupando igualmente larga área territorial, dividem-se emquatro grupos principais:

1. o setentrional, com as tribos Oliampis (únicos povos tupis ao Norte do Amazonas),Omáguas, Cocanas, Iurimaguas, no alto Amazonas;

2. o do Sul do Amazonas, que é o grupo compacto e numeroso, com os Parintintins,Tapanhunas, Mundu- rucus, Maués, Auetos, Canoeiros, Tapirapés, Guajiros etc.;

3. o da costa atlântica, onde foi encontrada, pelos descobridores, uma série numerosa de triboshoje já quase inteiramente desaparecidas, tais como os Tupinambas, Tupis, Carijós, Tapes etc.;

4. o do Paraguai e Chaco, cujo povo mais importante é o Guarani, contando-se ainda osGuaiaquis, Chiriguanos etc.

Conhecidas assim, de modo geral e sumário, as origens dos indígenas brasileiros, passaremos aexaminar o desenvolvimento dos estudos referentes à sua classificação. Pois um aspecto desdelogo a ressaltar é a diversidade de condições culturais que apresentam esses grupos indígenas,com características alguns deles que os definem perfeitamente no quadro brasileiro.

A classificação dos indígenas brasileiros tem sido feita com base na linguística. Primitivamenteestabelecem-se dois grandes grupos: os Tupis e os Tapuias, este último termo tupi que significaos grupos não-tupis, o que modernamente se verifica ser uma impropriedade. Esta classificaçãofeita nos meados do século XVI, pelos padres jesuítas, perdurou pelos séculos afora.

Só no século XIX, em sua primeira metade, reagindo contra essa classificação dual, Martiusestabeleceu nove grupos indígenas brasileiros: Tupi e Guarani; Jê ou Tapuia; Guck ou Coco;Grens ou Guerens; Pareci ou Porugi; Goitacás; Aruaque; Lenguas ou Guaiano; índios emtransição para a cultura e a língua portuguesa. Martius tomara por base a língua, embora nãodesprezasse outros elementos culturais; mas, em relação à língua, ele se deixou levar, em grandeparte, por uma falsa idéia a respeito da extensão do tupi.

Criticando esta classificação, pelo estudo mais particularizado de certas línguas ou dialetos, VonDen Steinen sugeriu, nos fins do século XIX, nova classificação, distribuindo os indígenas emoito grupos, a saber: Tupi; Jê; Caribe; Nu-Aruaque ou Maipure; Goitacá (Waitaka); Pano;Miranda; Guaicuru (Waikuru). Posteriormente, em face de novos estudos, o próprio Von Den

Steinen considerou os quatro primeiros grupos como definitivamente estabelecidos, ao passo queos restantes os incluía em quadro sujeito a revisões futuras.

A esta classificação seguiu-se a de Ehrenreich, companheiro de Von Den Steinen, em suasegunda viagem no Brasil. Tentou uma divisão dos indígenas sul-americanos em três provínciasetnográficas, na primeira das quais se compreendia o Brasil, com as três grandes famíliaslinguísticas: Tupi-Guarani, Aruaque e Caribe. Nesta e na classificação anteriormente referida deVon Den Steinen, é que se têm baseado as sugestões posteriores.

Destas merece destacar-se a de Rodolfo Garcia, que estudou, com base na linguística, além dosquatro grupos definitivamente classificados, mais os seguintes: Cariri, Pano, Goitacá e Guaicuru,Borôro, Carajá e Trumaí, índios da serra do Norte (Nhambiquara); Betóias ou Tucano, Tacanas,Pebas, Cahuapanas, Catuquinas e Macus. Mais modernamente, em sua obra já clássica sobre aAntropologia brasileira, o professor Arthur Ramos fixou-se nos quatro grupos definitivamenteaceitos e mais os seguintes, de identificação ainda não perfeita ou estabelecida: Borôro;Nhambiquara; Carajá e outros grupos menores. Observava Arthur Ramos que estas classificaçõesainda se apresentam incompletas, devendo processarem-se mais aprofundados estudos, quepermitam esclarecer as características culturais de modo a identificá-las de maneira mais ampla,e não apenas com base na linguística.

Modernamente deve-se ao professor Aryon Dall’Igna Rodrigues a classificação mais completa,se não mais cientificamente elaborada, acerca dos troncos, famílias e línguas indígenas no Brasil.Esta contribuição se pode considerar basicamente como ponto de partida para qualquer estudo dacontribuição do indígena. É a seguinte:

a) TRONCO TUPI —

Família Tupi-Guarani;

Família Juruna: língua dos Juruna;

Família Arikém: língua dos Karitiana;

Família Tupari: língua dos Tupari;

Família Ramarama: língua dos Uruku e Arara; Família Mondé: línguas dos Digut e Cinta-Larga;Família Puruborá: língua dos Puruborá.

b) TRONCO MACRO-JÊ —

Família Jê;

Família Maxacali; língua dos Maxacali;

Família Fulniô: língua dos Fulniô;

Família Borôro: língua dos Borôro;

Língua ainda não classificada em família: língua dos Karajá.

c) TRONCO ARUAK —

Família Arauá: língua dos Kulina, Dani, Yamamadi, Paumari e Jarauára;

Família Aruak: línguas dos Maniteneri, Kampa, Apurinã, Baniwa, Mandawaka, Wapitxana,Arikyana, Urukuyana, Palikur, Terêrta, Waurá, Yavralapiti, Mahinaku e Paresi.

d) FAMÍLIAS AINDA NÃO CLASSIFICADAS EM TRONCOS: —

Família Karib: línguas dos Mayongong, Taulipang, Makuxi, Parukotó-Xaruma, Pianokotó-Tiriyó, Aparai, Arara, Galibi, Matipuhy, Txikão e Bakairi;

Família Tukano: línguas dos Tukano, Wanana, Tariana e Kobewa;

Família Pano: línguas dos Karipuna, Yamináwa, Kaxináwa, Poyanáwa, Marubo, Máya eTamanáwa;

Família Xirianá: língua dos Guaharibo, Pakidai, Waiká e Xirianá;

Família Txapakura: línguas dos Urupá e Pakaá-nova;

Família Mura: língua dos Mura-Pirahã;

Família Makú: língua dos Makú;

Família Nambikwara: língua dos Sabanê, Nambikwara, Mamaindê, Manairisú, Sararé;

Família Guaikuru: língua dos Kadiwéu.

e) LÍNGUAS AINDA NÃO CLASSIFICADAS EM FAMÍLIAS —

Línguas dos Arikapú, Katukina, Guató, Trumai, Erigpactsá e Irantxe.

f) GRUPOS SOBRE CUJAS LÍNGUAS AINDA NÃO HÁ INFORMAÇÃO —

Morerebi, Orelha-de-Pau, Guajá, Agavotukeng e Ipewi.

A esta classificação o etnólogo Júlio Cezar Melatti apresentou, mais recentemente, algumasadaptações; mantendo, de modo geral, os grupos sugeridos, acrescentou mais um: o de gruposque deixaram de falar língua indígena: Karipuna, Galibi-Mawôrno, Potiguara, Kambiwá,Huamué ou Aticum, Pankarará, Pankararú, Xukuru-Kariri, Tuxá, Kaimbé, Kiriri, Pataxó eGuerem.

De fato é de verificar-se que todas as classificações até hoje apresentadas têm tomado comoponto de partida a linguística; nota-se a ausência de classificação de base cultural. Todavia osestudos já desenvolvidos, principalmente através de pesquisas monográficas, que se devem aetnólogos, antropólogos e sociólogos alemães, italianos, franceses, americanos e brasileirospermitem um conhecimento, em melhores condições, de aspectos culturais dos mais importantesgrupos indígenas; em particular dos quatro grupos classicamente reconhecidos, e ainda de outros,como os Borôros, Nhambiquaras, Carajás, Cariris, Guaicurus, Goitacás etc.

Daí a valiosa contribuição que se deve ao etnólogo Eduardo Galvão, ao apresentar à ReuniãoBrasileira de Antropologia (Curitiba, 1959) uma distribuição do indígena brasileiro segundoáreas culturais. É estudo que constitui hoje parte indispensável de referência para se conhecer,em seus aspectos culturais mais amplos, o elemento indígena, identificado segundo áreasculturais por ele ocupadas. É o seguinte o quadro de Galvão:

I — NORTE-AMAZÔNICA (com três subáreas) :

a) — Guiana Brasileira — Grupos Karib;

b) — Savana (Rio Branco e Cauaboris) — Grupos Xirianá;

c) — Rio Negro — Grupos Aruak-betoya.

II — JURUÁ-PURUS: Grupos Aruak, Pano e Katukina;

III — GUAPORÉ: Grupos Txapakura, Tupi, Nambikwara;

IV— TAPAJÓS-MADEIRA : Grupos Tupi;

V — ALTO XINGU: Grupos Tupi, Aruak, Karib Jê (intrusivo antigo), Tupi impuro (intrusivorecente);

VI — TOCANTINS-XINGU : Grupos Jê, Tupi, Isolado, Otüke;

VII — PINDARÉ-GURUPI : Grupos Tenetehára, Urúbu-Kaapor e Tupi;

VIII — PARAGUAI: Grupos Mbaya e Aruak;

IX — PARANÁ: Grupos Guarani;

X — TIETÊ-URUGUAI : Grupos Jê;

XI — NORDESTE: Grupos Camijó, Tupi, Pankararu, Kariri e Maxacali.

As principais tribos encontradas pelos portugueses foram: as dos Tupinambás e Tupiniquins nafaixa baiana, sendo que aqueles também se estendiam pela região maranhense; dos Caetés eTabajaras, na região pernambucana; dos Potiguaras na área litorânea nordestina (Ceará e RioGrande do Norte); dos Taramambé, mais no litoral paraense: dos Tamoios, no litoral de SãoVicente e Rio de Janeiro; dos Tupis e dos Guaranis, mais ao sul; dos Tupinas e Amoipiras, nointerior nordestino. Além das citadas, primeiras com as quais se deram os contatos lusitanos,muitas outras tribos, seguidamente, entraram em relações com os colonizadores.

Este processo de relacionamento foi se desenvolvendo no correr dos tempos à proporção que aexpansão do povoamento ia estabelecendo contatos com novas tribos. A partir dos começos doséculo atual, as populações indígenas encontraram na figura do General Rondon — CândidoMariano da Silva Rondon —, descendente de indígenas, um trabalhador incansável pelaincorporação das populações aborígenes à vida nacional. Por iniciativa sua criou-se o Serviço deProteção aos índios, hoje transformado na Fundação Nacional do índio (FUNAI), eestabeleceram-se princípios e normas para o contato e o relacionamento do elemento indígenacom a população nacional.

O tipo de contato, evidentemente, tem variado, de um lado pela integração de grupos indígenas,de outro lado pela maneira como outros grupos se isolam de qualquer contato com as populaçõesrurais. O etnólogo Darcy Ribeiro, considerando os tipos de contatos das populações indígenascom a sociedade nacional, reconheceu existirem quatro categorias quanto ao grau de integraçãodo indígena à sociedade nacional. São eles os seguintes: 1) intearados (índios incorporados comomão-de-obra ou produtores especializados): 2) contatos permanentes (contatos diretos epermanentes com a comunidade nacional); 3) contatos intermitentes (relações ocasionais com acomunidade nacional): 4) isolados (contatos acidentais com a população neo-brasileira).

Em 1973 através da lei n.° 6.001 de 19 de dezembro, foi aprovado o Estatuto do índio, com oqual se estabeleceu uma legislação própria em relação ao indígena; neste Estatuto as categoriasde Contatos Permanentes e Contatos Intermitentes foram englobadas em uma única, denominadade índios em Vias de Integração.

O que os indígenas nos legaram

QUANDO falamos em influências culturais indígenas estamos incorrendo numa generalizaçãoperigosa; não foi somente com uma tribo que os colonizadores e, depois, os colonos tiveramcontatos ou relações, mas com tribos de várias famílias ou grupos, portadores de culturas entre simais diferentes que semelhantes. Daí falarmos sempre em indígenas, nos vários grupos com osquais houve contato de portugueses, e não em indígena ou em uma única tribo ou grupobrasileiro.

O estudo mais particularizado das características culturais dos nossos grupos indígenas, situando-as ao tempo da descoberta, evidencia que cada um deles, ou pelo menos os que já estãosuficientemente ou claramente mais definidos, apresenta elementos que os individualizam. Écerto que, entre as tribos do grupo tupi, as semelhanças de língua e de outros valores culturaispermitem encontrar-se um certo grau de aproximação, embora não de unidade; maisparticularmente foi com estes grupos — os tupis — que se tomaram mais íntimas as relaçõesluso-indígenas.

De modo que os traços ou complexos culturais de origem indígena que penetraram na formaçãoda cultura luso-brasileira, interpenetrando-se com os trazidos pelos colonizadores, são quasesempre de tribos tupis. Isto não exclui, evidentemente, a presença de elementos ou traçosculturais de outros grupos indígenas, igualmente participando do processo transculturativoverificado desde a colonização. Daí poderem-se fazer, embora não com muito rigor científico,algumas generalizações na referência dos valores culturais incorporados pelos indígenas à nossacultura.

Contudo, poderemos ter uma idéia das condições culturais dos quatro grupos principais, fixandoos aspectos peculiares de cada um. Isto permitirá termos um quadro mais amplo antes deatingirmos a generalização que se impõe para melhor conhecimento do que resultou, no processode relações culturais entre indígenas e lusitanos; e depois entre indígenas, luso-brasileiros oumestiços.

Do Tupi sabe-se que foi o grupo de mais larga irradiação e, sobretudo, de maior contato com oscolonizadores. Espalhava-se este grupo pelo litoral da ilha de Marajó às margens da lagoa Mirim,no Sul; pelo interior encontrava-se ainda ao sul do rio Amazonas, estendendo-se em direçãoOeste até o Madeira e ocupando as partes interiores dos grandes tributários do Tocantins e doXingu e toda a bacia do Tapajós em direção Sul até as cabeceiras do Arinos, no centro de MatoGrosso; em outros pontos ainda pequenas tribos espalhavam-se.

Caça, pesca e coleta eram as principais atividades econômicas do tupi; a agricultura, praticavam-na apenas algumas tribos, e a cultura mais importante era a da mandioca. Praticavam essesindígenas a pesca nos grandes rios e no interior, utilizando o seguinte instrumental: anzol e linha,

arco e flecha, puçá, que era uma espécie de rede, barragem, veneno e à mão. Conheciam eusavam excitantes: o tabaco, o guaraná, no vale amazônico, e o mate, no Sul. Praticavam acestaria e a tecelagem, aquela com fibras vegetais, e esta com algodão silvestre.

Habitavam em ocas formando a maloca ou taba, que era um agrupamento de 4 a 7 casas,dispostas em tomo de um terreiro quadrangular, a ocara. Construíam a casa com troncos deárvores e as traves transversais eram ligadas com cipó. Cobriam-na com folhas de palmeira,geralmente pindoba. Havia duas ou três portas e o interior não tinha divisões. Utensíliosdomésticos eram poucos: recipientes de barro, bancos rústicos, redes tecidas de algodão.

Cortavam o cabelo em coroa-de-frade, fazendo-o com cristal de rocha ou conchas. Depilavam-se.Enfeitavam o corpo com tatuagem e pintavam-se com urucu e jenipapo. Eram comuns em váriosgrupos as deformações da cabeça e o uso de botoques ou tambetás. O arco e a flecha eram suasprincipais armas, feitos de madeira, não usando, porém, veneno nas flechas. Conheciam aindatacapes, lanças, punhais e, entre as tribos amazônicas principalmente, a zarabatana.

Do ponto de vista espiritual sabe-se que possuíam os eles idéias do ciclo dos heróis civilizadores:Sumé, Monã, Todavia, a interpretação ligou à idéia do ser supremo o nome de Tupã, divindadesecundária. Dominam entre eles idéias do ciclo dos heróis civilizadores: Sumé, Monã, Maira,Tamendonaré. Possuíam vários mitos e através deles a tradição do dilúvio. Havia começos deculto astrolatico com mitos solares e lunares: Guaraci e Jaci; a estes se juntavam outros gênioslocais: Jurupari, Caapora, Curupira, Iara, Anhangá.

A autoridade religiosa superior era o pajé, que juntava funções de sacerdote, curandeiro eadivinho. Predominava o xamanismo.

Quanto à organização social ainda não se têm conhecimentos bastante satisfatórios; sabe-se queentre alguns grupos havia sibs patrilineares e aldeias divididas em metades classificadas segundoas idades. Entre os Tapirapés encontrou Baldus grupos de comer e de dançar comoreminiscências de organização social. Havia patrilocalidade no casamento, havendopredominância absoluta do chefe da família: daí a existência da “couvade”. O morubixaba,assistido pelo conselho de anciãos da tribo, presidia à organização política.

O grupo Jê situava-se em todo o Brasil central, com pequenas exceções, ocupando o rio SãoFrancisco, a Este, até a bacia do Xingu, ao Oeste, e do médio Tocantins ao Norte até ao Sul e rioVerde, na parte meridional de Mato. Grosso. Em outros pontos situavam-se também algumastribos. Estes chamavam-se a si próprios de "nac-manuc”" ou “nac-horuc”, isto é, filhos da terra.Admite-se que habitavam eles na costa de onde foram expulsos pelos tupis, muito antes dodescobrimento, indo localizar-se na região interior.

Sua cultura material era muito rudimentar, desconhecendo totalmente a agricultura; praticavam acaça, a pesca e a coleta. Eram belicosos, assaltando outras tribos, à busca de recursosalimentares. A alimentação baseava-se na caça, na pesca e na coleta de mel, raízes, frutossilvestres e larvas.

Se algumas tribos jês possuíam choça em colmeia, em sua maioria porém usavam apenas umsimples anteparo. Eram raros os objetos domésticos. Desconheciam a cerâmica. Guardavamreservas alimentares em cabaças ou troncos de árvores. Seu leito eram folhas ou cascas de

árvores, não possuindo redes.

Pobres em ornamentação plumária, limitavam-se a colar as penas no corpo com mel. Nãopraticavam a tatuagem, mas pintavam o corpo com urucu e jenipapo. Perfuravam as orelhas, oslábios e o septo nasal. Introduziam botoques nas orelhas e nos lábios. Cortavam o cabelo emforma de coroa-de-frade; daí ter uma das suas tribos o nome de Coroados.

Os processos de caça eram rudimentares, ou melhor, conheciam apenas o anzol, e isto mesmo astribos que haviam tido contato com os tupis. Utilizavam o arco e flecha na caça. Cultivavamincipientemente o milho. Coziam os alimentos em pedras aquecidas ou em fornos subterrâneos.Consumiam crua a mandioca.

Conheciam, como os tupis, os heróis civilizadores: Maré se lhes apresentava como o criador dacoleta e o sistematizador da vida comunitária. Tinham idéias astroláticas. Entre as tribos dosbotocudos e dos camacãs exerciam grande influência os mitos solares e lunares, inclusive nadisposição das aldeias. Entre alguns grupos, como os Apinajés, o Sol era tido como o criador davida. Seus rituais, cantos e danças particularizavam referências ao Sol e à Lua como protetoresdas colheitas, da puberdade, da procriação.

A organização familiar era monogâmica; em algumas tribos do Chaco a poligamia era praticadapelos chefes. Entre os apinajés haviam matrilocalidade e matrilinearidade. Praticavam ritos depuberdade, que se iniciavam com a perfuração do septo nasal, do lábio e do lóbulo da orelha. Nadisposição da aldeia, tal como se observa entre os xerentes, além das casas das famílias, havia ascasas para os solteiros, para as associações de homens e para as associações de mulheres.

Os Aruaques ocupavam todas as ilhas do estuário do Amazonas e a faixa costeira do Norte,alongando-se por extensas áreas do Purus, na parte oeste do Amazonas, do Juruá, do Solimões edo rio Negro e, em pequenas áreas, por outras zonas. Deles recebemos numerosos termos que seincorporaram logo ao vocabulário espanhol, em face de terem sido com os aruaques os primeiroscontatos dos descobridores castelhanos. Sua principal área de domínio eram as Antilhas. Emterritório brasileiro a tribo mais importante, do ponto de vista cultural, foi a dos Aruãs, quealguns especialistas consideram autores da célebre cerâmica marajoara.

A habitação aruaque tinha forma cônica, e era coberta de folhas de palmeiras. A aldeia dispunha-se em forma circular. Havia, entre os grupos mais ribeirinhos do rios, habitações palafitas. Emrelação ao vestuário possuíam os aruaques ornamentação rica e apurada técnica nos adornos. Aprincipal peça era o “initi”, saiote de algodão tingido. Indicando cumprimento de rito depassagem possuíam a “hunokua”, que era uma espécie de faixa de algodão, usada na cabeça ouna cintura.

Praticavam a tatuagem e pintavam o corpo. Usavam tangas de barro cozido. Os homens furavamo septo nasal, onde colocavam penas.

A agricultura aruaque era bastante desenvolvida; cultivavam os indígenas a mandioca, o tabaco,o milho o a batata. Cerâmica, tecelagem e cestaria foram, indiscutivelmente, os maisdesenvolvidos artesanatos conhecidos entre as tribos brasilianas.

Tinham heróis civilizadores. Sua mitologia dava ao Sol e à Lua o papel de seus antigos chefes e

civilizadores, deles recebendo ensinamentos ora sob a forma humana, ora com o aspecto dearanha. Havia sobrevivências totêmicas. Na família conhecia-se a matrilinearidade e praticavama poligamia.

Os Caribes, Caribas ou Caraíbas, dos quais se originou a palavra canibal, por terem sido oprimeiro grupo onde se encontrou a prática de antropofagia, habitavam, em território brasileiro, amaior parte da área ao Norte do Amazonas, do Jaí até além do rio Branco, com pequenos gruposem outras áreas e em vários pontos. Destruíram numerosos grupos aruaques, e à época dadescoberta estes já se encontravam em decadência devido às lutas e às pressões guerreiras doscaribes.

As aldeias deste grupo se dispunham em forma circular, cobertas as casas com folhas depalmeiras. Existia a casa de dança para os rituais mágicos e religiosos. Conheciam também ashabitações palafitas, sobretudo os grupos situados na Venezuela, cujo nome (Veneza pequena) seoriginou justamente dessa forma de construção.

Não usavam tatuagem, mas depilavam-se completamente; não abusavam da pintura corporal enão conheciam nenhuma espécie de vestuário. A família era matrilinear, tendo o tio maternoautoridade de pai. Conheciam algumas tribos a “couvade”. Praticavam festas de plantação, decolheita e ritos de puberdade. Fabricavam máscaras de madeira ou de palha, representandoanimais, e as usavam em danças ou pantomimas nas festas.

A agricultura baseava-se na mandioca, milho e feijão. Conheciam a enxada de pau, seu principalinstrumento agrícola. Praticavam a caça e a pesca com arco e flecha, que eram, entretanto,bastante rudimentares. Tinham adiantada, porém, a navegação: possuíam canoas aperfeiçoadas efabricavam remos. A tecelagem era rudimentar, limitando-se ao fabrico de redes tecidas dealgodão.

Conhecidas assim, em suas linhas gerais, as condições culturais dos quatro principais gruposindígenas que entraram em contato com o colonizador, é possível agora passarmos a umaconsideração mais ampla, em relação aos aspectos da influência dos aborígenes na formaçãobrasileira. De modo geral vale salientar que os indígenas estavam, ao tempo da descoberta, emfase de grande migração interna, o que se dava não só com os tupis como ainda com outrosgrupos. Quanto aos indígenas da orla litorânea, estavam eles num momento de expansão, que setraduzia particularmente pelo vigor de sua linguagem.

A língua de maior expansão era o tupi-guarani, dividido em três grupos fundamentais: oamazônico ou “nheengatu”, o “tupi", usado na costa e conhecido como “língua geral” e o guaraniou “abaneenga”, falado na área meridional. Cada um desses grupos linguísticos era subdivididoem dialetos. Pelas pesquisas e estudos realizados sabe-se hoje que muito maior é o número delínguas indígenas conhecidas no Brasil; os troncos linguísticos sobem a cerca de 37.

A vitória da língua alienígena, a portuguesa, sobre a indígena, falada por maior número depessoas, foi uma decorrência do choque cultural, em face de não satisfazerem inteiramente asexpressões linguísticas do tupi às necessidades sociais do novo estado cultural criado. Daí tersido o tupi suplantado pelo português. Entretanto, enriqueceu-se o português falado no Brasil denumeroso vocabulário de origem indígena.

A cultura material era, de modo geral, desenvolvida, em especial pelo conhecimento e prática daagricultura, embora num sistema de exaustão de terras, que os fazia mudarem-se continuamente.Não conheciam roupas, senão algumas peças, como a tipóia, por eles mesmos tecida de algodãoque cultivavam, ou tangas. A forma de habitação variava, existindo em algumas tribos casasretangulares e, em outras, quadrangulares. Utilizavam folhas de palmeira para a construção dascasas. Para dormir usavam a rede.

Com a agricultura obtinham os elementos indispensáveis, sobretudo a mandioca, para a suaalimentação. Cultivavam ainda o milho, a batata, o amendoim etc. Quanto a animaisdesconheciam os chamados domésticos — boi, vaca, porco, galinha — mas criavam papagaios,araras, macacos, saguis. O tabaco usavam como fumo, espécie de narcótico, e, no Sul,cultivavam o mate como estimulante, o mesmo sucedendo, no Norte, com o guaraná.Fermentavam também o milho ou a mandioca ou frutas silvestres, fazendo bebidas, de que eramais usado o cauim.

Construíam canoas para seu uso em viagens nos rios. E quanto à cerâmica, variou suaimportância entre as diversas tribos. De modo geral a praticavam, principalmente como urnasfunerárias, ou recipientes para preparar bebidas, ou ainda como cachimbo. A decoração dessacerâmica era mais comum com os relevos produzidos pela pressão do dedo polegar; em algumasáreas os trabalhos se apresentam com maior valor artístico, usando-se mesmo desenhos em cores.Na organização social eram polígamos, sendo o adultério feminino castigado. Havia ritos depassagem. A propriedade era coletiva. A hierarquia tinha como figura mais importante o caciqueou morubixaba, a que se submetiam os demais membros da tribo. Conheciam música, bailavam ecantavam. A antropofagia era ritual. Numerosos eram os mitos, as lendas, as superstiçõesindígenas, muitas das quais se incorporaram ao folclore nacional.

Resumindo o que foi a participação dos indígenas na vida brasileira, escreveram, em seuCompêndio de História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero e João Ribeiro: “Aos índios devea nossa gente atual, especialmente nas paragens em que mais cruzaram, como é o caso noCentro, Norte, Oeste e Leste e mesmo Sul do país, muitos dos conhecimentos e instrumentos depesca, várias plantas alimentares e medicinais, muitas palavras da linguagem corrente, muitoscostumes locais, alguns fenômenos de mítica popular, várias danças plebeias e certo influxo napoesia anônima, especialmente no ciclo de romances de vaqueiros, muito corrente na regiãosertaneja do Norte, na famosa zona das secas, entre o Paraguaçu e o Parnaíba, a velha pátria dosCariris”.

Dessa generalização seria possível partirmos para o registro de uma enorme série de traços ecomplexos de cultura deixados pelos indígenas: tipos de construção, gêneros de alimentação,processos de caça e pesca, de agricultura, de tecelagem, de fabrico de cestas, de instrumentos demúsica, mitos, lendas, práticas religiosas e mágicas, receitas, atividades recreativas, música,palavras de linguagem corrente.

Assim o mundéu ou alçapão; ou também a arapuca, na caça de passarinhos, esta, e dequadrúpedes, aquele, o bodoque, a rede ou redinha, o puçá, a pesca a linha e o anzol, esteprimitivamente feito de osso, de pau ou de espinha de peixe, o arpão, o arco e a flecha, o uso deenvenenar os peixes com certas folhas, frutos ou raízes são de origem indígena. De origemindígena também o complexo da mandioca, introduzido na alimentação do colonizador; a

utilização do milho no preparo de vários quitutes; a moqueca; o moquém. O fabrico de cestas,utilizando-se a palha de bananeira ou de palmeiras, de figuras ou utensílios de barro, de canoas,de instrumentos de música são ainda traços culturais do indígena.

Outros elementos do quadro cultural indígena foram igualmente aceitos pelo colonizador e seestenderam às populações brasileiras. Um deles, o uso do tabaco; outro, certos hábitos aindamuito arraigados principalmente nos grupos rurais, como o banho de rio, o pé descalço, o defecarou o descansar de cócoras.

O uso da rede é também de procedência indígena, como o são ainda certos utensílios domésticos:a gamela, o coco de beber água, a cabaça para cuia de farinha, por exemplo.

Antecedentes étnicos e culturais do português

O ELEMENTO português que veio para o Brasil não constituía uma raça, mas um grupo étnico,que se vinha formando desde longos séculos. Nele figurava a maior variedade étnica, havendoassim verdadeira diversidade de tipos antropológicos. E, em consequência mesmo de suasorigens regionais, portadores de variados tipos culturais.

Para a formação desse grupo étnico concorreram elementos diversos, desde tempos pré-históricos, e ao processo de miscigenação com suas diversidades específicas não foram estranhasas próprias condições geográficas da Península Ibérica através da influência por ela exercida. Defato, há a ressaltar, inicialmente, a posição de península, que lhe deu certa individualização, indorefletir-se no processo de formação étnica e cultural dos povos que nela habitavam.

O sistema orográfico, de um lado, fez com que a península ficasse, de certo modo, isolada doresto da Europa, nascendo daí o seu maior contato com a África. Pois não se pode separar aformação ibérica dessas relações com grupos africanos. Por outro lado, dentro da própriapenínsula, não se podem esquecer as condições orográficas e o sistema fluvial que influíram parao maior ou menor contato entre os grupos.

De modo que esta situação de natureza geográfica justamente condiciona a formação dos gruposhumanos que, desde tempos imemoriais, aí se localizaram. E ainda hoje a existência decaracterísticas culturais de alguns grupos evidencia essa influência. O condicionamentogeográfico, embora importante, não foi, porém, absoluto, nem único; influiu, é certo, para aformação de áreas peculiares não só dentro da península como um todo regional, de formacomplexa, mas ainda, especialmente, dentro de Portugal.

A formação do território que é hoje Portugal se fez pela existência de áreas regionaisperfeitamente definidas. Em seu conjunto, Portugal pode definir-se como uma região complexa,isto é, caracterizada por vários elementos em que se sobrepõem várias regiões ou áreaselementares.

Na formação humana do português encontramos duas fases perfeitamente caracterizadas: a fasepré-histórica e a fase histórica. Na primeira, ibéricos, celtas e ligúrios são os elementosfundamentais, sem exclusão, é claro, de outros grupos menores, cuja influência todavia não teveimportância maior. Pouco se sabe da origem dos primeiros povoadores portugueses. Tudo indicaque os iberos vieram do Oriente, e que sejam ligados à grande família indo-européia.

Os celtas aparecem pelos séculos IX e VIII a.C.: são, como os iberos, também indo-europeus, jáconhecendo os metais. Terminaram fundindo-se com os iberos, dando origem ao surgimento denumerosas tribos celtibéricas. Sem dúvida o ibérico foi, entre todos esses grupos, o maisimportante. E ao que tudo indica, em sua formação entraram elementos de antiga presença na

área peninsular, geralmente conhecidas como pré-ibéricos. Não faltaram ainda a esse processo demestiçagem povos mediterrâneo camitas, originários da África.

Sobre esses primitivos grupos, nenhum dos quais verdadeiramente puro, e que se podemconsiderar as populações indígenas de Portugal, vieram sobrepor-se, como vimos, os celtas;tornaram-se estes de significativa importância na formação populacional de várias zonas dapenínsula, principalmente pela miscigenação com os iberos. Os celtiberos, produto dessamestiçagem, disseminaram-se pela península, resultando dessa movimentação, de um lado,novos contatos e, de outro, um insulamento geográfico de determinados núcleos em face dascondições do meio físico.

Esse insulamento contribuiu para que os novos grupos surgidos, em decorrência das misturasanteriores entre celtas, iberos e capsienses (estes, africanos), se apresentassem comcaracterísticas próprias e personalidade bem definida, ao se espalharem pelo território português.Surgiram desta forma três elementos principais: os célticos, particularmente ao Norte, oslusitanos, ao Centro, e os cônicos, ao Sul; entre estes dois últimos aparece ainda uma manchacéltica.

O lusitano foi o mais importante desses grupos; irrompendo da serra da Estrela, desde o séculoIII os lusitanos se concentraram na área entre o Douro e o Tejo. Tornaram-se os principaiselementos populacionais de Portugal, representando, sobretudo, o papel, que se tornoufundamental na caracterização demográfica, de elemento aglutinante da população. E suaimportância foi de tal forma que seu nome — o de Lusitano — se identificou com a da própriapopulação e estendeu-se mesmo à área geográfica: Lusitânia.

Encontravam-se estes grupos espalhados por Portugal, quando se verificou a segunda fasereferida, isto é, a histórica: as invasões romanas abrem este novo período. Com essas invasõesentram em território português povos diversos, numa variedade bem expressiva, e em queavultam sírios, armenóides, itálicos, judeus. Desses, foi o judeu, sem dúvida, o que teve maisampla difusão em Portugal, espalhando-se pelo território e influindo na constituiçãodemográfica. Em 1147 já havia sinagoga em Santarém. A influência judaica foi não somenteétnica, mas se traduziu também em aspectos políticos e sociais.

Dos romanos recebeu a formação portuguesa variada influência, que, de modo geral, se tornoubásica: o levantamento do nível intelectual da população, a facilidade de comunicações com aconstrução de estradas, a edificação de cidades, o sentido municipalista na organização política.Municipalismo de espírito democrático, sem dúvida, foi o que o romano implantou em Portugal;o que deu solidez à formação das estruturas municipais que mesmo as invasões subsequentes nãoconseguiram destruir, embora pudessem modificá-las. E não se esqueça que foi de origemromana o elemento que, introduzido em Portugal, se tornou um dos fundamentos de suaformação cultural: o cristianismo.

Estavam os romanos estabelecidos na península quando se verificaram as invasões germânicas,de que resultou a integração, na população portuguesa, de novos grupos humanos, entre elesalanos, vândalos, godos, suevos, visigodos. Predomina entre estes grupos o elemento deprocedência nórdica, que foi exercer maior influência na, constituição populacional do Norte dePortugal. Suevos e Visigodos foram talvez os mais importantes dentre estes povos. Se o suevo se

concentrou mais ao Norte, o visigodo espalhando seu domínio foi exercer influência napopulação, na instituição de costumes, usos e formas jurídicas, que modificaram em grande partea influência romana até então predominante.

Com os germanos introduziu-se em Portugal a aristocracia, que veio chocar-se com a democraciaromana. É certo que essa influência germânica não destruiu a tradição municipal; o meio deunovas características, adaptando o tipo tradicional, e contribuindo para sua conservação com asmodificações necessárias. Nos fins do século VI a monarquia visigótica modifica-se com aconversão do rei ao catolicismo, a que se seguiu a conversão dos nobres e do resto da populaçãogermânica. O abandono do arianismo abriu caminho para a unidade social, de que o cristianismose tornou o fundamento.

Todavia o domínio germânico foi, a seguir, também afastado, quando as invasões árabes levarama Portugal novos elementos étnicos e, através deles, valores culturais que contribuíram paramodificar o panorama até ali existente. Com essas invasões árabes podemos situar a presença,em Portugal, de berberes e árabes propriamente ditos, e, mais do que isso, a entrada, em grandeescala, do elemento mouro. Deste, a influência tanto étnica como cultural se tomou grande,salientando-se em modificações muito sensíveis nas características portuguesas.

Mouros eram os escravos trazidos ao tempo da reconquista e seus descendentes; ainda os forros,chamados mouriscos, que eram principalmente os mouros convertidos ao cristianismo; os cativosda África e seus descendentes, que haviam sido capturados; e, por fim, os que, a partir do séculoXVI, vieram de várias partes. Através desses grupos, de contatos tão diversos com as populaçõesassentadas em Portugal, surgiu a influência moura dentro do quadro geral da influência árabe, nacaracterização tanto étnica como cultural do português. Novos aspectos culturais surgem; e sefixam também novas faces antropológicas.

Numerosas as influências árabes na formação portuguesa, algumas delas ainda hoje persistentes.Na língua, nos trajes, na cultura intelectual, nas artes, nas indústrias, em vários campos, emsuma, essa influência se fez sentir. Na arquitetura, com os arabescos que abrem margem aochamado estilo mourisco; na agricultura, a introdução de técnicas de irrigação, da sericultura, dosmoinhos-de-água ou azenha; nas indústrias, os trabalhos em pele, o aperfeiçoamento de tecidosde lã e linho. Também o uso do papel a partir do século XI. Influência realmente notável a árabe,cujos traços ainda se fazem sentir, encontrando-se por toda parte da vida portuguesacontemporânea.

Dos mouros sabe-se que os libertos muito se isolaram, sempre que possível, do contato comoutros grupos, por meio das mourarias. As relações entre os cristãos e os muçulmanos emterritório português criaram dois tipos característicos da população portuguesa como resultado daatitude religiosa tomada: os moçárabes, que eram os cristãos dominados pelos muçulmanos, e osmudéjares, também chamados mouros forros, submetidos ao cristianismo.

Com a participação de tantos e tão diversos elementos provindos de origens várias, formou-se apopulação portuguesa. Não é possível fixar um tipo português único, mas pode indicar-se dentroda relativa homogeneidade populacional de Portugal a presença mais abundante de elementosceltas e germanos, no Norte, e de mediterrâneos e berberes, no Sul; ali, elementos vindos daEuropa central e setentrional, aqui os que procederam do Sul da Europa.

Foi esse elemento étnico, variado, heterogêneo, de origens diversas, que formou o quechamamos a cultura portuguesa, cultura por sua vez enriquecida pela diversidade dos valores quea constituíram, embora assentada numa base de unidade que lhe advém principalmente dosentimento cristão. Foi essa cultura, a que modernamente se chamou com acerto de luso-cristã,que através do mar se irradiou, se expandiu e se tornou o mais importante veículo a levar a povosorientais, africanos e americanos — como foi o caso do Brasil — valores culturais europeus; etrouxe daqueles povos outros valores que incorporou à cultura européia.

Fundamentos da cultura portuguesa

O CRISTIANISMO deu conteúdo espiritual à cultura portuguesa, formada como decorrência dainfluência exercida pelas diferentes correntes que contribuíram para a formação do povoportuguês. É com o cristianismo que se verifica a unidade social das populações portuguesas;deu um sentido comum aos diversos elementos que integram essa cultura. Dentro da diversidadede origens e de regiões, com que pôde surgir a cultura portuguesa, contribuiu o cristianismo parasua unidade.

Justamente no século VI, quando se verificou a conversão do rei visigodo Recaredo, deu-se aunidade espiritual na formação das populações de Portugal. Antes, ou seja, desde o século IV,havia mosteiros em Portugal; intensificam-se justamente com a perseguição que os Visigodosmoveram aos cristãos. Nos séculos V e VI constroem-se vários mosteiros; e multiplicam-se noperíodo visigodo. E continuaram a exercer papel importante na constituição espiritual dosportugueses. Quase sempre era em torno de um mosteiro que se formava um povoado e sedesenvolvia a população.

Nos mosteiros aliavam-se atividades espirituais e atividades temporais. Eram sobretudo escolas;constituíam aulas para as quais acorria a população local. Os primeiros estudos públicosinaugurados em 1269 funcionaram justamente num mosteiro: o de Alcobaça. Anteriormente aosestudos públicos, havia os estudos proporcionados pelas ordens religiosas. Mosteiros e conventosabrigavam as crianças para o ensino. De maneira que, através deles, se difundiam as idéiasreligiosas dando assim o cristianismo o lastro espiritual que sedimentou a formação culturalportuguesa.

E de tal modo essa cultura se identificou com o cristianismo, que, no século das navegações,foram os missionários um dos principais veículos de sua expansão. As ordens religiosasexerceram importante papel nessa formação e difusão; sobretudo no século XVI a criação daCompanhia de Jesus veio dar um sentido mais ativo à difusão da cultura portuguesa. Surgidacomo uma reação às idéias da Reforma, a Companhia de Jesus se constituiu um dos meios maisimportantes na irradiação da cultura portuguesa nas várias partes do mundo. Quaisquer quefossem as nacionalidades dos S. J., tornaram-se eles valiosos focos de divulgação da culturaportuguesa.

O cristianismo se tornou o verdadeiro sentido, ou a força fundamental, que caracterizou a culturaportuguesa, através de processos de acomodação baseados na simpatia e na compreensão, emvárias partes do mundo. O cristianismo se constituiu o valor mais característico na formaçãodessa cultura. A expansão portuguesa se marcou justamente por esse traço cristão levado atravésdos mares a outros continentes na colonização ou ocupação de novas áreas na Ásia, África eAmérica.

Daí constituir-se o que foi adequadamente chamado de cultura luso-cristã: o sentido espiritualque constitui a base de toda cultura como marca a distingui-la no meio de outras. É através desseconteúdo espiritual que se compreende a evolução de um povo. No caso de Portugal ocristianismo fundamentou este conteúdo, e traçou a unidade da cultura portuguesa. Todavia,dentro dessa unidade é possível encontrarem-se diversidades que traduzem, em especial,condições peculiares de regiões lusitanas.

De fato, a própria constituição de Portugal foi marcada, e já o vimos, pela existência de regiõescaracterizadas por essas diversidades oriundas do meio e do elemento étnico que nelas se fixou.Regiões diversas, fosse pela natureza física, fosse pelas condições de formação, criaram noterritório português culturas regionais ainda mais influenciadas pelas diferenças culturais dosestratos étnicos participantes dessa formação. Essa diversidade de culturas, ou a existência dessassubculturas, se manteve em equilíbrio graças à unidade espiritual que lhe deu a base cristã.

Foi, justamente, quando começou a expansão portuguesa que se verificou existir essa unidadeespiritual, para a qual concorreu, em particular, a presença do mar, interligando as diversas áreasdo litoral português. O mar, outro fundamento da cultura portuguesa, foi o elemento deunificação e de permanência de Portugal — disse Jorge Dias. Em primeiro lugar, porqueestreitou as comunicações internas e, em segundo lugar, porque levou o português a outroscontinentes, tornando possível a expansão dessa cultura. E ainda, em decorrência dessaexpansão, verificou-se em Portugal a transformação do povo agrário em marítimo. A atividadeeconômica baseada na agricultura transformou-se para traduzir-se numa atividade marítima deexpansão e de colonização além-mar. Colonizando, porém, e principalmente criando umaagricultura tropical, o português voltou às suas origens agrárias. O que sucedeu no Brasil; o quedeve ter sucedido, igualmente, em outras partes.

Foi possível assim a permanência de Portugal através da irradiação de sua cultura que se foialargando para constituir-se elemento vigoroso na caracterização de culturas asiáticas, africanasou americanas. Daí encontrarmos na cultura portuguesa essas influências marítimas, tornando-seo elemento característico na vida portuguesa. Refletiam-se, aliás, na literatura, tanto na erudita,como na popular. Criou um novo gênero literário, que surge em Portugal, e ainda hoje marca aliteratura portuguesa como uma de suas peculiaridades. Porque foi em Portugal onde primeiroapareceu esse novo gênero literário: o das navegações, o dos descobrimentos, o da aventuramarítima.

A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, abre este período da literatura portuguesa; inicia ogênero literário das viagens. Com as navegações e os descobrimentos alarga-se essa formaliterária. As descrições, os roteiros, as referências da vida colonial e marítima, as viagens, osmilagres marítimos enriquecem essa nova forma literária. Essa influência do mar na formação dacultura portuguesa vamos encontrar ainda em Gil Vicente, cuja obra reflete o drama da sociedadeda época dos descobrimentos. A literatura de Gil Vicente está ligada ao ambiente português dotempo das navegações; e esses descobrimentos passam então a constituir um verdadeiro cicloliterário e, consequentemente, parte hoje integrante da literatura portuguesa.

Essa influência na cultura literária alcança seu ponto mais alto com Os Lusíadas, em que Camõesescreve a própria epopeia das navegações. Uma das maiores obras poéticas, o maior poema épicoportuguês, figura assim no gênero das navegações e descobrimentos, como a culminância de um

ciclo literário de tão expressiva significação histórica e social, e não apenas literária.

A influência do mar refletiu-se também na literatura popular; e O folclore português estáenriquecido de narrativas, de romances, de xácaras, evocando episódios das navegações,aventuras dos descobrimentos, milagres com navegantes, audácia de marinheiros. Dessasxácaras, a mais célebre, mais característica desse ciclo popular, é sem dúvida a denominada “NauCatarineta”. Descreve uma viagem cheia de dificuldades, os marinheiros passando fome eresistindo a todas as tentações do demônio. Relembrem-se, como bem expressivo de como sejuntam, nessa literatura, o cristianismo e o mar, dois versos da “Nau Catarineta”, quando omarujo português recusa todas as propostas do demônio travestido de gajeiro, para manter sua fée seu ideal:

“A minh’alma é só de Deus O corpo dou eu ao mar”.

O cristianismo e o mar fundamentam os valores essenciais da cultura portuguesa, e dão a basesobre que essa cultura se formou e se expandiu, representando o espírito e o sentimento com quese transladou, com o português, para várias partes do mundo.

Expansão da cultura portuguesa

CONSTITUIU-SE o português elemento de intercomunicação cultural, expandindo-se através denovas áreas da Ásia, África e América. Foi a atração marítima o principal fator a influir para estairradiação. O mar tornou-se o campo de expansão da cultura portuguesa, dando-lhe permanênciano mundo. Foi não apenas o veículo, o caminho, mas ainda como que a própria inspiração dessacultura; ele e o cristianismo, como vimos antes. O mar deu ao português a oportunidade de levarà Ásia e à África elementos culturais que contribuíram para o levantamento das culturas dessespovos, sobretudo os fundamentais de um sistema de colonização que se baseou principalmentena acomodação e no entendimento, tornando possível aproximarem-se harmoniosamente culturasaté então exóticas ou diferentes.

Ao mesmo tempo o português trouxe desses povos elementos culturais que enriqueceram acultura européia, como foi o caso do fumo e do açúcar, e também o caso de várias especiarias, douso de certos tecidos, de utilização de determinadas técnicas. Estes elementos — a que sejuntaram outros incorporados à cultura portuguesa pelos povos que entraram em seu território emépocas diversas — o português trouxe dos grupos humanos com os quais teve contato e osintroduziu na Europa. Na toponímia africana e asiática persistem denominações de origemportuguesa, como portuguesas são também numerosas palavras incorporadas a outras línguas,inclusive européias, por terem sido trazidos pelo português os valores que essas palavrastraduziam.

Talvez nenhum povo no mundo tenha tido como o português a oportunidade de realizar, semsentir, a idéia de que as culturas podem desenvolver-se pela troca de seus valores. Se na épocanão fosse essa sua idéia, pode-se dizer, entretanto, que foi isso justamente o que se verificou; e oveículo através do qual se tornou possível a difusão da cultura portuguesa foi certamente a obrade colonização realizada. Esse sistema de colonização representou a tarefa de promover umainterpretação de culturas que teve como elementos principais os próprios colonos, osmissionários e até mesmo os aventureiros. Foram vários os aventureiros que, à procura de novosambientes, levaram a várias partes do mundo os valores culturais portugueses.

Entretanto, os principais veículos dessa expansão, sobretudo por assegurar a estabilidade dessacultura nas novas áreas, foram os colonos e os missionários. Como colonos entendam-se todosaqueles que participaram do processo de colonização, sobretudo pequenos agricultores, artífices,artesãos, geralmente formando o grosso desta massa colonizadora. São justamente os queocuparam o território brasileiro; que desenvolveram o povoamento.

Constituíram eles como que a força de equilíbrio entre os dois extremos que também emigrarame participaram do processo colonizador: os fidalgos e os criminosos e degredados. Mesmo entreestes havia os que foram punidos por crimes na época da maior gravidade, e que no correr dostempos se foram transformando, atenuando-se, e diminuindo sua significação, do ponto de vista

legal. Muitos desses criminosos o foram por crimes de amor; outros, por crime de lesa-majestade. De qualquer forma participaram da expansão da cultura portuguesa nas diversas áreasdo mundo.

Técnicas de trabalho, organização da família, vida doméstica, certos estilos de vida da populaçãoportuguesa foram disseminados pelos colonos: os pequenos lavradores, os artífices, os artesãos,por exemplo. Constituíram esses colonos a base sobre que assentou a implantação da culturaportuguesa nas várias áreas de colonização ou de ocupação lusitana.

Outro veículo importante foram os missionários, alguns mesmo não portugueses, mas que seidentificam de tal forma com essa cultura que se constituíram irradiadores de seus valores.Dentre estas ordens religiosas destaca-se a Companhia de Jesus, que encontrou em Portugal umdos mais sólidos focos de catolicismo; daí a importância que teve na irradiação da culturaportuguesa, numa como que identificação de valores. Completando a obra de colonização, osmissionários se transformaram cm consolidadores desta difusão cultural baseada no cristianismo.

De modo geral, o português se constituiu um difusor e divulgador da cultura européia na Ásia, noOriente, na África, na América; levou a essas áreas elementos culturais que poderiam contribuirpara o enriquecimento dessa culturas. Mas ao mesmo tempo tornou-se o português umdivulgador na Europa de elementos culturais da Ásia, da África, da América.

Da América, por exemplo, levou para a Europa o fumo e, mais tarde, as especiarias chamadas“drogas do sertão”, colhidas na Amazônia; levou da Ásia para a Europa o açúcar, a pimenta evárias outras especiarias. Da Ásia levou também tecidos, que permitiram novas formas devestuário, e passaram a constituir elementos modificadores dos trajes então conhecidos. Outrosvalores, igualmente de origem asiática, se incorporaram à cultura européia, como o guarda-sol,várias plantas e tecidos. Também da arquitetura asiática, sobretudo certas peculiaridades dotelhado chinês foram introduzidos na Europa, e pelos portugueses levados a outras áreas, como oBrasil.

A presença portuguesa nessas áreas se traduz pela permanência de palavras portuguesas, tanto natoponímia da África e da Ásia, como em valores introduzidos nas culturas dessas populações. Alíngua dos grupos indígenas, asiáticos ou africanos se enriqueceu de palavras portuguesas, quetraduziam basicamente aqueles elementos difundidos pelos lusitanos. Ainda hoje conservam-seem localidades, portos, baías, rios, serras, e isso tanto na África como na Ásia, palavras deorigem portuguesa, evidenciando a influência cultural realizada pelos lusitanos.

Os portugueses, porém, não se restringiram em levar para a Ásia, a África, ou a América osvalores culturais europeus, nem levar estes para aquelas áreas; fizeram, sobretudo, um trabalhode inter-relação dessas diferentes áreas: valores de umas foram levados às outras, numintercâmbio de elementos bastante expansivo. Ao mesmo tempo que se introduziam no Brasil,por exemplo, plantas européias, traziam eles espécies vegetais asiáticas para o Brasil; e do Brasillevaram plantas aqui originárias para áreas asiáticas.

Para o Brasil veio o coqueiro da Índia, que se aclimatou de tal maneira a ponto de abrasileirar-seem Coqueiro-da-Bahia, difundindo-se como elemento que se tornou característico da paisagemlitorânea, em especial do Nordeste brasileiro. Da Índia foram introduzidas, no Brasil, a manga e a

jaca; e da Ásia, de modo geral, a fruta-pão, a caramboleira, certas espécies de nozes. Da Índiaveio também a pimenteira, que se juntou à chamada “pimenta-da-terra”, que era conhecida dosnossos indígenas.

Do Brasil levaram para outras áreas alguns de nossos vegetais: o caju, por exemplo, que seexpandiu pela Ásia e pela África. E a mandioca foi levada pelos portugueses para a África, onderealizou verdadeira revolução.

A herança fundamental: a portuguesa

DE VÁRIAS províncias portuguesas vieram elementos humanos para a formação da populaçãobrasileira. Na verdade, porém, o que se verificava na população portuguesa da época dadescoberta era a variedade étnica; morenos e louros, trigueiros e ruivos encontram-se semuniformidade entre os homens lusitanos, uns braquicéfalos, outros dolicocéfalos, de origensregionais as mais variadas, e consequentemente trazendo nessas origens as marcas de suaprocedência, da maior ou menor influência deste ou daquele grupo.

Nesta variedade de tipos étnicos pode-se admitir que dois principalmente preponderaram, muitoembora não se possa fazer restrição à exclusividade de um ou de outro; foram eles: um, de tipomediterrâneo, de estatura variável, e outro de estatura mais alta, tostado, do norte de Portugal.“Nos primeiros tempos da colonização — observou Arthur Ramos — parece ter predominado opovoador vindo das províncias do centro e do sul, como a Extremadura, o Alentejo e o Algarve”.Esta afirmativa não se pode considerar absoluta, nem exclui a presença de elementos do norte, deViana especialmente. Pois os desta origem foram em grande número, numerosíssimos, emPernambuco, do qual dizia o padre Fernão Cardim que os vianenses são senhores; e recorda que,quando se faz arruaça contra algum vianense, logo grita este: “Aqui de Viana", e não “Aqui-del-rei”.

Quando se considera o elemento português vindo para o Brasil não se deve restringir aometropolitano, mas considerar também o ilhéu, ou os ilhéus. Açores e Madeira, principalmente,mandaram-nos elementos humanos para a colonização. A princípio esses ilhéus vieramindividualmente, sobretudo na implantação da economia açucareira, pois foram os madeirensesque trouxeram técnicas de produção de açúcar para o Brasil ou ainda como soldados.

No século XVIII, porém, verificou-se uma forma de imigração dirigida com o que se chamou os“casais”, isto é, famílias vindas dos Açores ou da Madeira que se localizaram principalmente naAmazônia e no Extremo Sul. A estes casais não se pode negar importância, e grandeimportância, no povoamento do Brasil, não só do ponto de vista étnico como também no social epolítico. Sua localização no Extremo Norte e no Extremo Sul teve por objetivo assegurar odomínio português através do “uti possidetis” na definição das fronteiras territoriais em 1750 e,posteriormente, em 1777.

Na formação populacional de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, especialmente, foiconsiderável a influência dos ilhéus. Os casais açorianos enriqueceram a ocupação da faixalitorânea do sul do Brasil, quer com o desenvolvimento demográfico, quer com a fixação de suacultura. Foram os casais ilhéus, aí como na Amazônia, povoadores, influindo demográfica eculturalmente para a ocupação portuguesa dessas regiões.

A esse elemento português, variado, etnicamente diverso, foi que se deveu o trabalho de

colonização do Brasil. Faltava-lhe, de fato, unidade étnica, homogeneidade racialmente definida.Era um grupo bastante mesclado, no qual figuravam fontes de várias origens, inclusive demouros e de judeus.

Verificou-se a descoberta do Brasil, e igualmente, a fase de colonização, quando estava Portugalno auge de sua expansão marítima e comercial. O país se constituía o centro das grandesatividades econômicas da época, em virtude de ser ele o verdadeiro empório de produtos eespeciarias de intensa procura pelos meios consumidores da Europa. Trazendo da Índia estasespeciarias, o português atraía para o seu mercado os interesses dos povos europeus. Tal fatocontribuiu também para o alargamento da expansão portuguesa no mundo.

Este espírito comercial ou mercantil marcou a exploração econômica do Brasil, a princípio com aextração do pau-brasil, depois com a produção do açúcar, ambos os produtos objetos de procuranos mercados consumidores. De modo que esta circunstância fez trazer para a colonização doBrasil elementos de vários graus sociais e, consequentemente, portadores de variado elementocultural.

Esses diversos elementos sociais permitem evidenciar-se que não houve exclusivismo decriminosos, como querem alguns, nem exclusivismo de aristocratas, como querem outros. Aocontrário: ao invés de exclusivismos encontramos elementos muito variados, que poderemossintetizar em cinco grupos principais:

1. Fidalgos e militares, os que tiveram preferência nas concessões de terras, e que constituíramos elementos de classe mais elevada na época, não só por sua origem, senão ainda por suaparticipação nas conquistas e navegações portuguesas;

2. Sacerdotes, que representavam a parte espiritual da colonização, influindo a organizaçãomoral da sociedade que se erigia, sobretudo os pertencentes a ordens religiosas, destacadamenteos jesuítas;

3. Degredados, aqueles que vieram para o Brasil em virtude de degredo a que eramcondenados, às vezes por crimes ou pecados assim considerados na época: em sua maioria,pecados de amor;

4. Criminosos, os que fugiram para o Brasil por verdadeiros crimes cometidos, aquiprocurando couto e homizio, ou, incorporando-se à vida desregrada verificada em algumascapitanias, contra o que, aliás, já falava Duarte Coelho;

5. Homens bons, lavradores, artífices, artesãos, que foram os verdadeiros colonizadores,capazes de uma atividade sedentária, permanente, de rotina.

Não sabemos exatamente quantos degredados teriam vindo para o Brasil, século a século.Mesmo com Tomé de Souza não veio o alto volume que geralmente se diz. Não teriam sido cem.E ainda assim este total foi dominado ou absorvido pela presença dos homens d’armas que nãoseriam também 600, como se acreditava, mas muito menos disso. Uns e outros se tornaramcolonos, artífices, operários. Não foi preponderante assim a presença do degredado; muito aocontrário, foi gente boa, embora não exclusivamente fidalga, e nem precisaria ser, o elementolusitano vindo para a colonização.

Por outro lado convém registrar que mesmo esses degredados estavam longe de ser do tipo do“engagé” levado para as Antilhas e para as colônias britânicas. Foi tipo social esse — o do“engagé” — que não tivemos na colonização do Brasil. O caso de degredados como elementocolonizador, tal como se verificou no Brasil, embora em pequena escala, foi comum na época emvárias áreas, e não só nas portuguesas.

Se houve elementos de vários graus sociais, entre os portugueses vindos para o Brasil, é justodestacar-se, entretanto, que o grosso desses contingentes era constituído de homens do povo;constituído, sobretudo, de homens dedicados às atividades agrícolas: lavradores, camponeses,colonos enfim. Foi de gente miúda — os “miúdos” assim chamados no próprio Portugal — oelemento mais forte na tarefa de colonização do Brasil: e não exclusivamente só oupreponderante o fidalgo, nem o criminoso.

Destes homens do povo, principalmente, é que se constituiu a influência maior datransculturação no Brasil, de origem lusitana, e a que se mesclaram as contribuições indígena eafricana; constituíram os três, em conjunto, o tronco básico sobre que se formou a nossasociedade e, com ela, se criaram os valores de cultura hoje próprios ou peculiares ao brasileiro.Do português nos ficou a língua, com as particularidades de adaptação do negro ou do indígenaatravés dos termos, palavras, frases, que se integraram no português do Brasil; ainda do lusitano,as instituições administrativas, as sociais, as morais; O tipo principal de habitação, a forma deconstrução dos povoados e vilas, o traje, os meios de transporte, a culinária, o mobiliário.

Fundamental, pois, se constituiu para a formação brasileira a contribuição do lusitano. Além dalíngua e da organização social, a religião, a arte, a vida de família, o espírito tradicionalista,enfim o “ethos” do brasileiro. A família foi a base da organização social; muito mais que oEstado centralizou a obra colonizadora, seja no aspecto da vida social, seja como unidadeeconômica — de produção ou de capital. Tornou-se, na frase de Gilberto Freyre, o grande fatorcolonizador do Brasil.

Desta transplantação de cultura que o português realizou no Brasil, trouxe-nos ele o tipo deconstrução de povoados, vilas ou cidades, implantando entre nós a mesma disposição nacolocação dos edifícios, das ruas, das praças, das casas residenciais. Do mesmo tipo de aldeia oucidade portuguesa é que se fez o povoado ou vida brasileira: "... os habitantes amontoados emruas sinuosas e estreitas, grimpando os dorsos dos montes à procura da alcáçova com a sua torre.Pouco afastada a igreja matriz, geralmente no mesmo largo dominado pelos paços do conselho, eentre os dois edifícios o pelourinho, onde a justiça por vezes tão cruel fazia pública a suaautoridade”. O desenho é de Afonso Arinos de Melo Franco que acrescenta: retirado o elementodecorativo da torre feudal, o quadro se aplica a uma típica cidade colonial brasileira.

Quanto à casa, em face da escassez de pedra e cal, rara aquela nos primeiros tempos do Brasil,caracterizou-se a habitação por ser de pedra e barro ou de taipa; as de trabalhadores ou depescadores ou de profissões mais humildes — principalmente nas zonas mais ricas de palmáceas,que foram justamente as da faixa litorânea, primeiro ocupadas pelos colonizadores —, quasesempre de palha, de que é expressão ainda em nossos dias o mocambo, em cuja construçãotambém influíram o indígena e o negro. O que se salienta na construção da casa no Brasil é autilização dos elementos naturais encontrados na terra: o barro, a taipa, a palha. Na cobertura,usou-se a telha; isto, porém, quando foi possível termos as primeiras olarias.

Tanto quanto possível a arquitetura trazida pelo português procurou adaptar-se às condiçõesregionais, sem prejuízo do caráter de defesa militar que por vezes apresentava a construção. Demodo geral, a casa-grande de engenho não representa nenhuma cópia fiel de arquitetura lusa,mas essencialmente uma correspondência ao ambiente brasileiro, uma tradução do espíritoadaptável do colonizador ao regime de vida no Brasil.

Nos meios urbanos já o tipo arquitetônico diferiu um pouco, para corresponder mais ao própriotipo português; os sobrados, em primeiro lugar, depois as casas de porta e janela e as de bica oubica-e-beira, ou de bica, beira e sub-beira, refletindo uma e outras influências portuguesas, quequase sempre traduzem a província nativa do proprietário. Em todas elas, tanto no tipo ruralcomo no urbano, um traço se verifica marcante: o fundo de influência popular, e não erudita, oque marca a importância dos elementos humanos de origem popular vindos para a colonização.

Não raro, através do elemento português, a arquitetura implantada no Brasil apresentou traçosárabes, traços esses, porém, já integrados na cultura lusitana: as rótulas, os muxarabis, osbalcões. Só no século XIX começou-se a usar mais comumente o vidro nas janelas.

Cadeiras de arruar, coches, liteiras, carros de duas rodas foram meios de transporte introduzidospelo português no Brasil; como ainda de introdução lusitana o mobiliário, nos seus váriosaspectos característicos, usado pelo brasileiro. Muitas vezes no Brasil esse mobiliário se adaptouàs condições do ambiente; o uso de couro, por exemplo, em banquetas, em tamboretes, ou emcadeiras, generalizado nas áreas de criação de gado.

Também nitidamente portuguesa a alimentação adotada pelo brasileiro, muito embora a ela setenham integrado elementos de origem indígena ou africana: a substituição do trigo pelamandioca, de influência indígena; o uso do dendê ou de certos quitutes africanos, de introduçãopelo elemento negro. Mas o preponderante na alimentação foi de proveniência portuguesa,sobretudo o uso de gêneros importados nos primeiros tempos da colonização. Daí muitosprodutos conservarem ainda hoje, no restritivo, a sua característica de origem: o queijo-do-reino,a farinha-do-reino, a pimenta-do-reino, o azeite português.

De base essencialmente lusitana é igualmente o folclore brasileiro: contos, adivinhas, estórias,romanceiros, danças dramáticas, mamulengos, festejos de Natal, de Ano-Bom ou de Reis, e deSão João, lendas, crenças, tradições, cantigas. O indígena e o negro evidentemente dosaram essaformação, e às vezes contribuíram com seus ritmos, seus contos, suas músicas, suas danças; masa parte fundamental de nosso folclore é, sem dúvida, lusitana, embora possamos hoje apresentá-lo intensamente mestiçado. Um produto não só de mestiçagem, mas igualmente detransculturação.

O domínio religioso do catolicismo se transplantou inteiro para o Brasil, e não se deixou mesclarpela participação indígena ou negra. Ao contrário: o negro africano é que recolheu muita coisado catolicismo para suas práticas religiosas, realizando aquele sincretismo tão bem estudado porespecialistas dos assuntos afro-brasileiros; por Nina Rodrigues e Arthur Ramos, por exemplo.

Ainda de origem portuguesa incluíram-se em nossa cultura, os trajes — a roupa, o chapéu, ocalçado — trazidos de acordo com os usos da metrópole, e que procurou o lusitano estender aosoutros grupos étnicos, muito embora adaptando-se, por sua vez, e principalmente nu intimidade

doméstica, às circunstâncias do clima. Igualmente, implantada pelo português, a organização dotrabalho no campo ou na fábrica ou nas oficinas, nestas predominando o sistema não somentelusitano, porque também ibérico, dos aprendizes ou dos filhos herdando dos pais as atividadesprofissionais; ainda as relações de comércio, as técnicas em geral, inclusive as de confecção demóveis ou de objetos de uso quotidiano, o crédito nas atividades mercantis.

O negro na África

Foi sob o regime escravagista que o negro africano entrou no Brasil, o que desde logocaracterizou sua situação; o que passou a participar da formação brasileira não foi puramente onegro da África, mas o negro escravo. Este é o aspecto que não se pode isolar do estudo dasculturas negras: a condição de escravo do elemento negro importado. O que contribuiu, essacondição, para que não nos transmitisse o africano sua cultura inteiramente pura, mas perturbadaou desvirtuada pela escravidão. Do negro africano, portanto, não se pode isolar sua condição deescravo; não se pode abstrair esta circunstância, ao estudá-lo e ao estudar sua influência naformação econômica e social do Brasil.

Isto faz com que se possa distinguir perfeitamente duas situações do negro; uma na África, outrano Brasil. Na África ele pôde revelar toda sua capacidade cultural e psíquica; era agricultor, eraartífice, era criador de gado, era técnico de mineração. No Brasil a situação modificou-se: ele nãopôde revelar integralmente toda essa sua capacidade de ação e de técnica apesar de suapredisposição para o ambiente dos trópicos; e sobretudo para sua integração no novo meio,mesmo com sacrifício de seu padrão cultural.

Como agricultor sabe-se, por exemplo, que o negro se tornou criador, em seu habitat, de umaagricultura eclética, sobretudo de cereais, diversificando sua base alimentar, sem o exclusivismodo arroz na Ásia, ou do milho nas Américas indígenas, ou do trigo na Europa. Admite-se mesmoque se deve ao negro africano a cultura dos tubérculos; e acrescenta Lipschutz, confirmando aatividade agrícola do negro africano, não só em seu ambiente como em outras áreas, que onde elepenetrou a agricultura ocupa lugar predominante.

Igualmente em relação a outras atividades, soube dominá-las o negro na África através de váriastécnicas: técnicas de criação de gado, de trabalhos de mineração, de artesanato, de trabalhos deferro. Tudo isso bem revela as condições culturais bastante variadas, e não raro com certos níveiselevados, demonstradas pelos negros africanos.

De modo que, antes de estudar a participação do negro na formação cultural do Brasil, devemosvê-lo em seu quadro natural, no próprio ambiente em que nasceu e viveu; e isto para quepossamos compreender o mecanismo de sua incorporação à vida brasileira, tanto à vida defamília como à. social, à econômica, à cultural. Esta participação, importante, mas grandementeperturbada, que o negro escravo teve no Brasil encontra seus antecedentes na África.

Sabe-se que não há apenas uma África, ou melhor, uma única África negra; encontram-senaquele continente condições culturais diversas, fazendo com que surjam vários graus de culturados diversos grupos: pigmeus ou hotentotes, bantos ou daomeanos, sudaneses ou bosquimanos.Uns de cultura primitiva, outros de cultura mais adiantada, alguns formados culturalmente sob ainfluência do islamismo. Não há africano, mas africanos; tanto étnica como culturalmente não

existe, como unidade, o “Homo Afer”. Há, na realidade, homens de diversos padrões culturais,de variadas condições de cultura, muitas vezes com características peculiares diversas entre osvários graus.

Os numerosos estudos, antigos e modernos, acerca das populações africanas mostram suadiversidade, cultural e linguística, e também física. Sintetizando as diferentes observações arespeito dos negros africanos, pode indicar-se a delimitação da África em áreas culturais de

Herskovits, bem assim a classificação de grupos étnicos e de línguas, estabelecida por DenisePaulme. Para a África, Herskovits encontrou as seguintes áreas culturais:

i) Joisán (Hotentotes e Bosquimanos); 2) Oriental do Gado; 3) Ponta Oriental; 4) Congo; 5)Costa da Guiné; 6) Sudão Ocidental; 7) Sudão Oriental; 8) Deserto; 9) Egito.

Em seu estudo sobre as civilizações africanas, Paulme identificou os seguintes grupos étnicos:melanoafricanos, compreendendo os sudaneses, guinéus, congoleses, nilóticos, sul-africanos;abissínios, compreendendo os oromi, ou "galla", ambara e tigray; os etíopes, compreendendo ossemicamíticos e os fulge; e os negritos ou pigmeus (joinon), compreendendo os bosquimanos ehotentotes. São populações não apenas diversificadas fisicamente, seja por suas origens, seja pelamestiçagem verificada no correr dos tempos; mas igualmente diversificadas pelos seus níveisculturais, os mais variados quanto a diferentes aspectos.

Em relação às línguas atualmente conhecidas na África, e aí compreendida também a partebranca do continente, Denise Paulme encontrou três grandes troncos linguísticos, distribuídos emvários ramos. São os seguintes: 1) línguas camito-semíticas, constituídas das línguas semíticas(África do Norte, do Egito a Marrocos, Etiópia e Eritréia); das línguas berberes (camíticas), daÁfrica do Norte e Saara; e das línguas kusníticas, espalhadas no Alto Egito (bedja), Eritréia,Etiópia, Somália, Quênia; 8) as línguas negro-africanas, distribuídas nas sudanesas, nilóticas,semibanto (selva da Guiné) e banto (do Equador ao Cabo); e 3) línguas joisan (Hotentotes eBosquimanos).

De modo que, seja por sua distribuição física, ou ainda em relação às línguas faladas, essaspopulações africanas distribuem-se em vários graus culturais; desde populações consideradasarcaicas ou primitivas até populações do alto adiantamento; desde populações que vivem dacoleta dos frutos naturais, desconhecendo a habitação e o togo, até populações que possuemagricultura, habitação e conhecimento de cerâmica.

Vale assinalar ainda que, nestes diversos graus culturais, havia alguns povos bastante adiantados;muitos desses grupos negros da África, ao contato com egípcios, berberes e, mais recentemente,árabes, puderam desenvolver suas condições de cultura, atingindo a alto nível de progresso. Istorevela, de um lado, a capacidade do negro e, de outro lado, as possibilidades de que ele seriacapaz; ou, de que, na realidade, ele foi capaz em seu próprio habitat.

Outro aspecto a considerar — principalmente para mostrar por que se fala em negro africano —é que na África não há somente negros, nem só a África tem negros. Nas populações africanasencontram-se grupos caucasóides, como os semitas e os camitas, além dos diversos gruposnegros, que muitas vezes se diversificam em condições étnicas e de cultura. Por outro ladoencontramos negros na Ásia, como os andamaneses, ou na Austrália, como os papuas das Novas

Hébridas, ou os da Nova Guiné.

Desta forma, ao situarmos o estudo do negro, antes de sua incorporação às populaçõesbrasileiras, convém considerar esta situação anterior: a que ele desfrutava na África. Situação deliberdade, de cultura em pleno desenvolvimento; situação também que representava ummomento de cultura traduzido pelos graus diversos manifestados pelos vários grupos de negros.Esta situação é que sofreu o impacto da escravidão, e consequentemente foi perturbada oumodificada. Quando eles, os negros africanos, manifestavam seus valores culturais autênticos epuros, foram surpreendidos pela caça escravagista.

O século XV foi o do primeiro contato do africano com o europeu, contato de consequênciasirremediáveis, pois abriu caminho para o comércio negreiro. A princípio, foi pequeno essecomércio. Mas no século XVI um fato novo transformaria toda a situação da África: a descobertada América. As populações africanas, a partir de então, foram atingidas por contínuas guerras,expedições de caça ao homem, extermínio dos que escapavam ao cativeiro. A exigência de mão-de-obra no trabalho que se implantara na América acarretou a escravidão do africano.

Aos milhares foram trazidos, século a século, para as Américas: a do Norte, a Central, asAntilhas, a Tropical, o Brasil. Sua predisposição de vida nos trópicos facilitava a imigração emmassa, pois facilmente se adaptavam os africanos às novas condições de vida. As sociedadesafricanas, com o comércio negreiro, se abastardaram; mais que a decadência social oueconômica, mais violento foi o abastardamento da organização social em que assentava a vidadas populações africanas. As sociedades se transformaram.

Depois, veio o século XIX; da escravidão passaram os africanos ao colonialismo. Novatransformação, desta voz para o domínio colonial dos povos europeus, que dividiram a África emporções subordinadas à metrópole européia. Perpetuaram-se, com o colonialismo, os modos devida africanos, arcaicos ou primitivos, sem que se modernizassem suas técnicas, seu comércio,suas atividades em suma. Ainda hoje a exploração coletora prevalece em numerosas sociedadesafricanas. O colonialismo explorou o território africano, impondo-lhe condições não apenas desubserviência, do ponto de vista político, mas de estagnação, se não de decadência, do ponto devista econômico.

As transformações que o domínio colonial impôs acarretaram desagregações, desequilíbrios,desajustamentos, de toda ordem.

De modo que ao alvorecer daquele século — o XVI — sofreu o africano as primeirasmodificações em suas estruturas. Pois a escravidão não trazia para o Brasil os africanos porgrupos ou tribos, nem mesmo por famílias, isto é, respeitando seu agrupamento étnico oufamiliar, ou sua condição cultural; essa vinda se fazia através dos grupos diversos que semisturavam nos portos de embarque, nos navios negreiros, e igualmente no território brasileiro,ao se distribuírem para as fazendas, os engenhos, as casas urbanas. Esta mistura de grupos, porvezes de culturas diversas, fez com que não se pudesse isolar nitidamente cada um deles; nemsempre foi possível reconhecer os valores característicos de cada um. Além disso, entre elespróprios permutaram elementos culturais.

O negro no Brasil

PARA O Brasil o homem da África foi trazido principalmente como mão-de-obra: a mão-de-obra capaz de substituir o indígena, pois este não estava afeito ao trabalho sedentário e de rotinada lavoura. O negro foi o elemento humano que completou a atividade do português comocriador de um sistema de agricultura tropical, que serviu de base no processo de colonização comque foi ocupado o território brasileiro.

Foi particularmente o escravo que influiu na organização econômica e social do Brasil,constituindo a escravidão uma daquelas três forças — as outras duas, a monocultura e olatifúndio — que caracterizam o processo de exploração da nova terra portuguesa; e que fixaramigualmente a paisagem social da vida de família ou coletiva no Brasil. Esta distinção já a faziaJoaquim Nabuco, em 1881, antecipando-se assim aos modernos estudos de interpretaçãoantropológica ou sociológica sobre o negro: “o mau elemento da população não foi a raça negra,mas essa raça reduzida ao cativeiro”, escreveu ele em O Abolicionismo.

Essa situação de escravo, portanto, marca como traço fundamental e indispensável de serassinalado a presença do negro africano no Brasil; a influência não foi do negro em si, mas doescravo e da escravidão, já observou Gilberto Freyre. Como escravo, e por causa da escravidão,o negro africano teve sua cultura perturbada; dela afastado bruscamente, misturou-se com outrosgrupos culturais. Esta circunstância contribuiu para que os valores culturais de que era portadorfossem prejudicados em sua completa autenticidade ao se integrar no Brasil.

Não puderam os escravos negros manter íntegra sua cultura, nem utilizar preferentemente suastécnicas em relação ao novo meio. Não foi possível aos negros revelarem e aplicarem todo o seuconjunto cultural: ou porque, ao contato com outros grupos negros, receberam ou perderamcertos elementos culturais, ou porque, como escravos, tiveram sua cultura deturpada. Daí ossincretismos e os processos transculturativos.

Talvez este fato tenha concorrido para fazer com que no novo meio nem sempre fosse o negroum conformado; um joão-bobo que aceitasse pacificamente o que lhe era imposto. Foi, aocontrário, e por vezes através de processos bastante expressivos — e o caso dos Palmares é típico—, um rebelado. Fugas, rebeliões, insurreições, formação de quilombos denunciam a reação donegro à situação que lhe era imposta. Todavia, um ponto deve ser desde logo salientado: apesardessa inconformação, dessa rebeldia, o negro no Brasil sempre foi melhor tratado que em outrasáreas. Desfrutou condições diferentes, para melhor em muita coisa, de seus irmãos em outrasregiões de escravidão.

Desde os primórdios da colonização, nesta situação de escravo, começou o negro africano a serintroduzido no Brasil, dentro da política colonizadora de Portugal de utilizar escravos como mão-de-obra. Desde o século XV que Portugal comerciava com escravos da África para a metrópole.

Com o descobrimento do Novo Mundo este comércio desenvolveu-se. Além de introduziremescravos no Brasil os portugueses também fizeram comércio para as colônias espanholas.

É difícil fixar hoje em dia o número de negros entrados no Brasil como escravos. Variam osautores quanto à estimativa. Uns elevam a 18 milhões, outros baixam a 3 milhões. Entre um eoutro desses números divergem e variam as estatísticas. A ausência de documentos coevosimpede que se estabeleça o número exato ou, ao menos, aproximado. De qualquer forma é justodizer que o grande número de escravos entrados no Brasil nos séculos XVI, XVII, XVIII eprimeira metade do XIX contribuiu para o desenvolvimento da população, para o fomentoeconômico e para as relações culturais.

Se não se conhece o volume exato de negros africanos entrados no Brasil, pelo mais nefastoprocesso de imigração dirigida que o mundo já presenciou, sabe-se, entretanto, quais foram osprincipais focos de entrada desses grupos em território brasileiro. Naturalmente, os primeirosforam Bahia e Pernambuco, onde a economia açucareira, a lavoura de algodão, as atividadesdomésticas, sobretudo nos engenhos de açúcar, exigiam mão-de-obra numerosa. Da Bahia osafricanos se irradiaram para Sergipe; e de Pernambuco, para Paraíba e as Alagoas.

Outro foco de entrada foi o Maranhão, onde a lavoura de algodão atraiu numerosa escravaria, aponto de o padre Antônio Vieira, em um de seus notáveis sermões, haver dito queparadoxalmente o algodão enegrecera o Maranhão. Daí a escravidão se espalhou para o Pará,onde ainda no século XVIII era grande a população negra.

Um quarto foco encontramos nas Minas Gerais; para ai foi a mineração o principal fator deatração do escravo. A princípio, eram os escravos levados de outras áreas — do Nordeste,principalmente — para os trabalhos de exploração do ouro e depois de diamante; mais tarde,eram escravos trazidos diretamente da África para o extrativismo mineiro. Assim rapidamente seengrossou a população negra escrava nas Minas Gerais.

Finalmente, outro foco de entrada foi o Rio de Janeiro, a antiga província fluminense; aprincípio, a cana-de-açúcar e mais tarde o café foram os motivos de atração do escravo. E àproporção que o café marchava para o interior, pelo vale do Paraíba, pelas Minas Gerais, peloterritório paulista, e isso já na segunda metade do século XIX, foi levando também o escravo, atémais ou menos às imediações da cidade de São Paulo, quando já encontra os cafezais trabalhadospelo imigrante italiano.

Isto não quer dizer que somente para estas áreas entrassem negros escravos; por todo o Brasileles se espalharam. Cada um desses focos referidos constituiu o porto principal de entrada; daíiam os negros africanos distribuindo-se por fazendas, por serviços domésticos, por cidades.Chegaram ao Extremo Sul, no Rio Grande, como chegaram ao Extremo Norte, no Amazonas;atingiram igualmente o Centro-Oeste, à proporção que se expandiu a exploração das minas deouro. De modo que todo o Brasil recebeu sua contribuição: aqui mais, ali menos, mas semprepresente o negro africano na paisagem social, econômica e cultural brasileira.

Apesar de registros e observações sobre os negros em obras de vários viajantes, missionários oucronistas, nos séculos XVII a XIX — saliente-se que foram os holandeses os primeiros a sevoltarem para a observação do negro —, somente nos fins da última centúria os estudos

africanistas tomaram uma certa feição científica. Deve-se isto à orientação dada por NinaRodrigues aos seus trabalhos sobre o negro na Bahia.

A princípio admitiu-se a presença exclusiva de negros bantos nas populações brasileiras.Originou-se esta concepção da primeira tentativa de classificação dos grupos negros por Martius;considerou o sábio alemão que os negros entrados no Brasil eram bantos, procedendoprincipalmente dos povos congos, cabindas, angolas e angicos. Esta concepção de umexclusivismo banto perdurou durante muitos anos, até que Nina Rodrigues levantasse a idéia doexclusivismo sudanês entre os negros na Bahia.

Baseou-se este cientista nas populações negras entradas na Bahia, onde predominaram grupossudaneses, e daí ter ele admitido existirem somente elementos dessa procedência. PosteriormenteJoão Ribeiro e Sílvio Romero voltaram a defender o predomínio banto, tomando como referênciaos negros entrados no Rio de Janeiro. Contudo, Sílvio Romero aconselhava sempre fazerem-sepesquisas regionais como necessidade indeclinável para perfeito conhecimento dos gruposnegros entrados no Brasil.

Durante muito tempo falava-se dos grupos negros como “peças da Guiné”, ou “peças da África”,ou “negro da Costa”; não se identificavam as tribos ou nações a que pertenciam. Calógeras fixaraas origens geográficas dos grupos, mas tomando por base os portos de embarque, o que nãoapresentava bastante consistência; é que, em cada porto, embarcavam geralmente negros dediversas nações, procedentes de vários pontos da África, e não exclusivamente de um só ponto.

Pouco a pouco é que se foi esclarecendo a verdadeira orientação que se deveria estabelecer nacaracterização da procedência dos grupos negros. De acordo com os estudos realizados porArthur Ramos, pode afirmar-se a existência de grupos negros entrados no Brasil, deconformidade com as culturas que representavam. Estes três grandes grupos proporcionam aseguinte distribuição:

a) Culturas Sudanesas, representadas principalmente pelos povos iorubanos, da Nigéria (Nagô,Ijechá, Eubá ou Egbá, Ketu, Ibadan, Yebu ou Ijebu e grupos menores); Daomeanos (Gege, Ewe,Fon ou Efan e grupos menores); Fanti-Ashanti, da Costa do Ouro (Mina propriamente dito, Fantie Ashanti, grupos menores da Gâmbia, da Serra Leoa, da Libéria, da Costa da Malagueta, daCosta do Marfim etc.);

b) Culturas Guineano-Sudanesas Islamizadas, ou Negro-Maometanas, representadas pelosseguintes grupos principais: Peuhl (Fulah, Fula etc.); Mandinga (Solinke, Bambara etc.); Haussá;Tapa, Borem, Gurunsi e outros grupos menores;

c) Culturas Bantas, constituídas por inúmeras tribos dos seguintes grupos: Angola-Congolês eContra-Costa.

Em que pesem as possíveis deficiências dessa classificação, a verdade é que tem servido de basea todos os estudos sobre a contribuição cultural do negro africano na formação brasileira.Numerosas tribos ou nações estão aí incluídas; mas é possível que várias outras tenham escapadoa essa classificação. Contudo, as características dos três grandes grupos classificados por ArthurRamos são ainda hoje as mais marcantes, ou pelo menos as de maior significação quando seestuda a participação do elemento negro africano na vida brasileira; em todos os aspectos da vida

brasileira.

A contribuição do negro africano

A PARTICIPAÇÃO da cultura africana no Brasil está hoje perfeitamente caracterizada atravésdos modernos estudos do Professor Arthur Ramos, de modo geral, e, em particular, dos capítulossobre o negro escravo no livro Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Entretanto devesituar-se na obra de Nina Rodrigues a fase precursora dos estudos sobre os africanos no Brasil,com as pesquisas por ele realizadas na Bahia. Só modernamente é que seu trabalho teve maislarga divulgação, graças a Arthur Ramos que o difundiu e continuou.

Também a Manuel Querino, Edison Carneiro, Nelson de Sena, Dante de Laytano, Luiz VianaFilho, Renato Mendonça, Donald Pierson, René Ribeiro, Roger Bastide, Waldemar Valente,Costa Pinto e outros devem-se numerosos trabalhos sobre o africano no Brasil, nos váriosaspectos de sua cultura e de sua contribuição à formação da cultura hoje brasileira.

Dele recebemos copiosa colaboração étnica, isto é, na constituição antropológica da população,como igualmente a recebemos no processo transculturativo; com o indígena e o português, oescravo negro nos deu muito de sua cultura, em vários aspectos específicos, que hoje se fixam navida brasileira.

Em virtude desta situação de escravo, com sua cultura deturpada, é que se considerou o negro umelemento inferior; não somente uma etnia como também uma cultura inferior. Como raça inferiorsempre foi olhada e encarada, negando-se-lhe, entretanto, a existência de condições sociais eculturais bem significativas. Condições essas, em grande parte, já reveladas no seu habitatnativo, em várias atividades, mas estranguladas ou asfixiadas em sua vida de escravo e comoescravo não raro afastado de sua família, de seu ambiente, de seus companheiros de grupo étnicoe cultural.

Todavia é possível verificar-se que muitas destas culturas ou simplesmente destes traçosculturais subsistiram no Brasil, principalmente em manifestações religiosas, o que revela acapacidade de resistência desses povos. É certo que alguns não sobreviveram; diluíram-se, oradesaparecendo, ora mesclando-se com outros que se revelaram mais fortes. O caso, por exemplo,de manifestações culturais geges ou fanti-ashanti absorvidas pelos nagôs, segundo registraArthur Ramos.

Das diversas culturas, ou apenas das sobrevivências culturais de origem africana, pode-se dizerque estão hoje sobremodo mescladas, não se as encontrando mais puras; é preciso lembrar que jáchegavam mesmo ao Brasil perturbadas pelo regime de escravidão, como vimos. Os três gruposda classificação de Ramos polarizaram mais à evidência seus traços culturais através dos iorubas,os sudaneses, dos malês, os islamizados ou negro-maometanos, dos angola-conguenses, osbantos. Se bem que os negros islamizados se tenham procurado isolar, sabe-se, entretanto, que oshaussás exerceram forte influência sobre outros grupos, bem como sobre grupos sudaneses,

sobretudo os nagôs, com os quais participaram de sublevações na Bahia, no século XIX.

Através desses elementos ou destes grupos ou tribos grande foi a contribuição cultural doescravo africano no Brasil. Os traços ou complexos culturais introduzidos pelo negro da África,através da escravidão, se manifestaram, e se manifestam, em várias atividades. Sistematizando-seo que foi a participação negra no processo transculturativo no Brasil poderemos lembrar, aseguir, alguns de seus aspectos ou elementos mais característicos, aqueles em que mais visível setornou a influência da cultura negra.

A ioruba, relembra Arthur Ramos, foi a mais adiantada das culturas negras puras, introduzidasno Brasil. O nagô se converteu, por algum tempo, pela influência da cultura ioruba, em “línguageral” dos negros; em nagô se realizavam, e se realizam, as cerimônias do culto, os cânticos dosterreiros, os atos litúrgicos. Esta língua entrou em contato com a portuguesa, passando a estamuitas de suas palavras, o que igualmente sucedeu com o quimbundo. Aliás, do ponto de vistalinguístico, o grupo banto deixou talvez mais forte influência, através do quimbundo; as maiorespesquisas e estudos sobre as sobrevivências africanas no português do Brasil têm demonstrado apreponderância linguística do elemento banto, embora sua cultura, de modo geral, fosse inferiorà ioruba.

A celebração do culto nagô se faz em templos próprios, os terreiros, constituindo seus altares ospejis. Os sacerdotes são chamados babalorixás ou babalaôs. Na religião ioruba se tem feito sentirforte sincretismo com o catolicismo e o espiritismo; sobretudo, o catolicismo, adaptando ossantos deste aos seus. Os outros grupos culturais mantiveram também suas práticas religiosassincretizadas com o catolicismo; talvez somente os maometanos se tenham isolado mais, sob esteaspecto, praticando na sua pureza a religião trazida.

Do candomblé, na Bahia, ou macumba, no Rio, xangô, no Nordeste, deve-se dizer que é umproduto já brasileiro, resultado do processo transculturativo, e não uma prática pura ouexclusivamente de negro africano. Surgiu no Brasil sob a influência, é certo, de grupos negros,mas como fenômeno já nosso, aqui transculturado.

Instrumentos de música como tambores, atabaques, ou campânulas, agogô, ou flauta, afofié,usados nas práticas religiosas, são igualmente de origem ioruba; entre os bantos, da mesmaforma, encontramos instrumentos de música tais como os tambores de jongo, o ingono, usado noNordeste, o zambê, a cuíca, o urucungo, o berimbau.

Da cultura material, podemos lembrar de origem ioruba numerosos pratos da culinária afro-brasileira; aí predominou, em particular na área baiana, a influência enorme da cozinha nagô. Ocomplexo do inhame como o uso do azeite-de-dendê são de origem ioruba, e mais alguns pratosde procedência africana: o vatapá, o acaçá, o bobó, o acarajé, o abará, o efó, o axoxó etc.

A influência ioruba se fez sentir ainda na indumentária: panos vistosos, saias rodadas, xales daCosta, braceletes, argolões etc. No traje, aliás, se mesclou profundamente a cultura ioruba com amaometana, sobretudo a do grupo haussá, dos quais veio o tipo característico da “baiana”;turbante ou rodilhas na cabeça, chinelinhos, saias rendadas, braceletes, colares etc.; neste modode vestir se misturaram influências ioruba e maometana, de maneira a caracterizar o traçoafricano na indumentária, de que é padrão o vestir à “baiana”.

Também de origem ioruba objetos de bronze, de ferro ou de madeira, fabricados para seus cultos,instrumentos de música, objetos de culto, ou de uso doméstico; ainda certos traços de arquiteturana construção dos pejis, embora o africano não tenha tido oportunidade, no Brasil, de revelar suacultura, sob este aspecto, pela ausência de construções de sua exclusiva iniciativa. Todavia, nosmocambos encontra-se grande influência negra, porém, mais do elemento banto.

A cultura gege pouco se revelou no Brasil; encontram-se traços de sua presença principalmenteno Maranhão, com a Casa das Minas. Encontram-se ainda sinais de sua influência emmanifestações folclóricas, tais como nos ranchos e ternos, em particular nas suas sobrevivênciastotêmicas, e em contos populares, registrados entre negros baianos. Algumas vezes estes contossincretizar com os de origem banto, mas é evidente a predominância do elemento gege emespecial naqueles que referem histórias de animais: de tartaruga, a “logozé” dos geges,sobretudo.

Da cultura maometana, trazida pelos negros sudaneses e hamito-semitas, a influência semanifestou através, principalmente, dos haussás. No Brasil os negros maometanos tomaram adenominação genérica de malês, e sua principal sobrevivência cultural foi a do traje de “baiana”.Este grupo maometano ou malê conservou várias instituições, vivendo em relativo isolamento,em consequência de que foram seus traços culturais desaparecendo. Mantinham seus hábitosseveros e isolavam-se em casa, para a prática dos cultos religiosos.

Entre os maometanos não se verificou sincretismo religioso, como quase não se verificounenhum traço transculturativo mais relevante. A presença do haussá na Bahia ou no Brasil, demodo geral, se revela pelas manifestações revolucionárias que promoveram em várias ocasiões:sobretudo na rebelião de 1835, na Bahia, que foi de origem haussá. Falavam os malês as línguasde seus países de origem, mescladas de expressões ou termos árabes, por vezes deturpados.Eram, entretanto, elementos de nível cultural alto, e talvez por isso se inclinassem àsmanifestações de rebeldias, em processos contra-aculturativos.

Já os bantos, embora de expressão cultural inferior, deixaram vários traços característicos de suainfluência. Além de seus cultos religiosos, com seus sacerdotes e suas práticas próprias, fixaramsua influência em instrumentos de música, em danças como os quilombos, os maracatus e emaspectos do bumba-meu-boi, principalmente nas sobrevivências totêmicas. Igualmente deproveniência banto os congos, que traduzem reminiscências de instituições sociais mantidas poresse grupo africano em suas terras nativas, quer quanto à organização monárquica (escolha do reido Congo), quer quanto a tradições do patriarcado (rei do Congo) e do matriarcado (rainhaGinga). Também o samba se admite que seja de procedência banto, originado do batuque angola-conguense; banto, igualmente o coco; outras danças — caxambu, sorongo, jongo, sarambu —parecem, da mesma forma, de origem banto pelo que os respectivos nomes podem sugerir.

Da cultura dos grupos bantos um dos traços mais visíveis ainda hoje, conservados e mantidospelas populações brasileiras, é a figa; era por eles fabricada e usada, como o eram também outrosobjetos em ferro e em madeira. Nos trabalhos de ferro se destacaram os negros moçambiques,excelentes ferreiros. Aliás trabalhos de metais e instrumentos de ferreiro, de procedênciaafricana, se encontraram em certas áreas de mineração, onde também o africano introduziu abatéia. De modo geral a mineração do ferro, entre nós, foi aprendida do negro africano. Ainda aprincipal sobrevivência negra na construção de mocambos é de origem banto.

Foi, porém, na língua que mais acentuadamente predominou a influência banto. O quimbundo, aprincipal língua deste grupo, espalhou-se em grande área do Brasil e introduziu termos seus noportuguês falado entre nós. Sobreviveu mais do que influências outras não materiais ou mesmomateriais o elemento negro na língua, refletindo-se enormemente na linguagem nascida noBrasil, desse choque transculturativo, entre o português e o negro escravo.

Examinado, assim, de modo particular quanto a cada uma das culturas negras, o que o escravoafricano nos trouxe e nos legou, podemos sintetizar sua participação no processo transculturativono Brasil. Sua contribuição abrangeu a vastidão de pratos que enriqueceram a alimentaçãobrasileira, mormente na área baiana, compreendendo também condimentos, modo de preparar eutensílios usados na cozinha, trajes típicos ou o gosto por certos usos e cores, técnicas detrabalho nas atividades da lavoura, da mineração, de indústrias rudimentares e da pecuária,inclusive o fabrico de instrumentos de ferro, instrumentos de música para suas orquestras oupráticas religiosas, influências na arquitetura do mocambo, introdução de plantas que seaclimataram no Brasil e ainda de vários costumes hoje brasileiros.

Estendeu-se ainda a contribuição do escravo negro ao sincretismo das práticas religiosas deprocedência africana, danças como os congos, quilombos, coco, jongo etc., vocábulos incluídosna linguagem comum do português no Brasil e igualmente modos e formas de expressão e dedizer. São elementos que põem em relevo a influência do negro. E, sobretudo, sua participaçãoinapagável e decisiva na vida de família do brasileiro, principalmente através da mulher negra,como mucama ou ama-de-leite, tratando e alimentando os filhos dos seus senhores.

A mestiçagem e seus resultados

DENTRE OS estabelecimentos que antes referimos como principais centros em que seprocessaram as relações étnicas e de cultura no Brasil, o engenho de açúcar e a fazenda decriação aparecem como os dois mais importantes. Deles é que vieram a surgir os tipos maiscaracterísticos de mestiços do Brasil: o mulato, oriundo do intercurso sexual entre o branco e oescravo negro, nos engenhos de açúcar; e o mameluco, originado das relações entre o branco e oindígena, nas fazendas de criação. O mulato foi o tipo étnico ou antropológico surgido nasociedade agrária, e o mameluco o da sociedade pastoril — sugeriu Arthur Ramos.

Do ponto de vista de distribuição geográfica, poderemos localizar a região litorânea do Nordestecomo aquela em que se verificou mais intensa a mestiçagem branco-negra, gerando o mulato;também o Rio de Janeiro e parte da área mineira devem incluir-se nesta região de miscigenaçãoafro-branca. Já a região interior do Nordeste e o Extremo Norte (Amazonas, Pará, parte doMaranhão) serviram de palco para o processo de mestiçagem branco-indígena, o que também sepode observar no Extremo Sul, na chamada área missioneira. Igualmente, dentro dessa região demiscigenação índio-branca, devemos incluir a área do Oeste brasileiro (Mato Grosso e Goiás).

A maior mistura com o elemento negro se constatou naquelas regiões para onde o escravoafricano foi importado como trabalhador agrícola: o Recôncavo Baiano, o Nordeste açucareiro,que foi o da faixa litorânea, parte do Maranhão, grande parte da velha província fluminense,onde o africano trabalhou na economia açucareira e mais tarde na economia cafeeira; aliás, essetraço, ou seja, a presença do elemento negro escravo, diferençou a cultura cafeeira no Rio deJaneiro, mais baseada no trabalho escravo, da de São Paulo, menos baseada nesse trabalho. Poisfoi para aí justamente que se encaminhou a mão-de-obra do imigrante estrangeiro, sobretudo doitaliano.

Dos contatos luso-indígenas é que surgiram os primeiros mestiços brasileiros: os mamelucos.Não os acobertava comumente casamento legal, que somente os padres da Companhia de Jesustrabalharam por implantar no Brasil, nem sempre saindo vitoriosos; o que se verificou, grossomodo, foi o amancebamento. Mancebia de lusitano com indígena; e também com negra. A comindígena foi das que logo escandalizaram os padres, ao chegarem ao Brasil, no meado do séculoXVI.

De Pernambuco, aos 2 de agosto de 1551, escrevia o padre Antônio Pires que os moradores sóagora estavam casando, o que antes não faziam, “porque queriam antes estar amancebados comsuas escravas e com outras negras forras”. Pela mesma época, o padre Nóbrega, também dePernambuco, registrava o ambiente ali encontrado: homens casados em Portugal vivendo, portoda a costa, em grandes pecados; pelo sertão se espalhavam filhos de cristãos vivendo e criando-se nos costumes do gentio. Os grandes pecados eram as mancebias; e esses filhos de cristãos, osmamelucos.

De um desses mestiços, filho de cristão e índia, escreve o padre Leonardo Nunes ser “mui alto decorpo e mui alegre”. Talvez seja esta a única, e é realmente a primeira, referência a um aspectodo tipo físico dos mamelucos nos primeiros tempos. Destes — acrescenta o mesmo padre — sãomuitos os que andam pela terra adentro. Aliás, escasseiam descrições do tipo físico dessesmestiços. Os cronistas não o guardaram, o que não seria de estranhar, desde que o curioso, oexótico, como tipo humano, aos olhos dos cronistas e viajantes, eram os indígenas puros, e nãoseus descendentes já mestiçados.

O fato de registrarmos aqui a importância das relações ilícitas no fomento da mestiçagem nãoexclui a existência de casamentos. Ao contrário: estes sempre houve, e muitos. A políticacolonizadora do português incentivara o casamento entre lusos e nativos; uniões entreconquistadores e conquistados, é certo, mas que constituíam um dos melhores fatores para a obrade formação social em bases estáveis: a família. Foi justamente nesse estímulo à mestiçagem quemais se fortaleceu o sentimento da formação da família na organização da sociedade brasileira.Nessa base — a da família monogâmica — foi que se esteou a obra da colonização portuguesano Brasil. Aqui e em outras áreas da colonização lusitana. A falta de mulheres brancas ouportuguesas, supria-a o colonizador com o elemento nativo; daí os casamentos entre europeus eindígenas a constituírem núcleos legais da miscigenação brasileira. O que sucedeu também naÍndia ou na África.

De modo que embora estimulando os casamentos teve o português também de tolerar as relaçõesilícitas; todavia, perseveraram sempre, e contribuíram beneficamente para o surgimento dosdiversos tipos de mestiços no Brasil. O fato é que o casamento por si não foi solução integral; asmancebias ou os encontros fortuitos — tanto os do mato como os da cozinha, e depois os dafonte — continuaram a gerar mestiços. As senzalas se tornaram depois, com o desaparecimentodo indígena ou seu afastamento para áreas mais recuadas, o ponto central de onde sairia o tipomestiço que encheu a paisagem da região agrária: o mulato.

O mulato constituiu o tipo humano característico da agricultura litorânea, da mesma forma que omameluco correspondeu ao tipo da sociedade móvel, que teve na pecuária seu elementoprincipal. São os tipos representativos da formação social brasileira, nos seus graus maisexpressivos, o que não exclui o aparecimento ou a existência de outros resultados demestiçagem, nuanças diversas, oriundos dos entrecruzamentos variados.

E não se deve esquecer também a mulata; vale lembrar que nenhum dos mestiços brasileirosteve, como ainda tem, o prestígio, não apenas sentimental, da mulata. Foi ela — a mulata — quese transformou no veículo de costumes, alguns chamados ou considerados nocivos. Da mulatacheia de vivacidade, o que contribuiu tão fortemente para o abrandamento do contato entre osenhor e o escravo, o branco e o negro, contato às vezes tão íntimo que fazia surgiremmulatinhos de olhos azuis e nariz afilado.

A mulata deve nossa vida social algo de vivo e agitado: do vivo com que coloriu a miscigenação,embranquecendo a população; do agitado pelo que difundiu entre os engenhos, as fazendas, asminas, as casas-grandes, os povoados, as cidades, naquilo que já no século XVIII o nossoAntonil e no XIX a inglesa Maria Graham chamavam de corrupção. A mulata se tornou oencanto de muitos brancos. E nela como que se gravou a beleza da raça que se formava,cantando-se sua sedução na poesia popular:

“Um laço de fita verde com três dedos de largura nas ancas de uma mulata mata qualquercriatura.”

Ao lado do mameluco e do mulato, e igualmente dos tipos étnicos fundamentais — o indígena, obranco e o negro —, vamos encontrar vários graus de mestiçagem dependendo quase sempre damaior ou menor preponderância de um dos grupos principais, por vezes diversificando de acordocom as peculiaridades regionais. O quadro da mestiçagem brasileira apresenta, de fato, umaspecto que merece não ser esquecido: a de certa influência, no tipo étnico, de elementos deatividade social, isto é, a caracterização do elemento, humano em função da ocupação ou daprofissão, principalmente no que se relaciona àqueles encargos de desbravamento e ocupação daterra. Não falta a essa caracterização antropológica influência do ambiente tanto físico comosocial.

Esta variedade de tipos mestiços permite ver, por outro lado, que nunca se levantou qualquerobstáculo às relações entre os lusitanos e a gente de cor. Parece fora de dúvida que o tipo físicojamais serviu de obstáculo para as relações entre lusitanos e indígenas, entre lusitanos e negros,ainda entre lusitanos e mestiços. A mestiçagem não constituiu aos olhos da gente branca nenhumcrime, nenhuma vergonha. Além disso o tratamento dispensado a esses grupos mestiços não tevecaráter de repulsão ou violência. Evidentemente, tal conceito não se aplica ao escravo; aoescravo, esclareça-se, mas não ao negro.

A importância do mestiço superou, em grande parte, a do próprio colonizador branco, para cujasatividades contribuiu aquele com seu esforço braçal, com sua colaboração, com sua integração naterra. Mestiço foi, e ainda é, o trabalhador rural, o agregado, o comboieiro, o carregador deaçúcar, nas labutas do engenho; o jangadeiro, o barqueiro, o canoeiro, o remeiro, o embarcadiço,nos serviços de transporte marítimo e fluvial; o vaqueiro, o boiadeiro, o tangerino, o tropeiro, opeão, o sertanista na penetração realizada pelo gado; o garimpeiro, o bateeiro, o faiscador, namineração; o pescador, o trepador de coqueiro, o seringueiro, o aguadeiro, o curtidor, o ervateiro,em várias atividades outras e ocupações indispensáveis à vida econômica do Brasil.

A caracterização do mulato e do mameluco como tipos mestiços principais, repitamos, não excluia existência de outros, de acordo com a gradação verificada em contatos entre os tiposoriginários e os resultantes dos primitivos cruzamentos, e entre esses cruzamentos secundários.Podemos, como ponto preliminar para estudo, estabelecer os seguintes tipos étnicos, no quadroantropológico brasileiro:

Denominação Procedência étnica

1. Branco Branco x Branco

2. Mulato Branco x Negro

3. Mameluco Branco x Índio

4. Crioulo Negro x Negro

5. Cafuzo, também chamado curiboca Negro x Índio

6. Cabra Negro x Mulato

7. Caboclo Índio x Índio

8. Pardo Descendente dos cruzamentos secundários entre mulato x mulato, crioulo xcrioulo, mulato x mameluco etc., onde vigora mais nítida a pigmentação morena ou tendendo aescura.

Dadas as peculiaridades não só culturais como ainda de ambiente físico com que se formaram eevoluíram as diversas regiões brasileiras, surgiu uma riqueza de denominação a caracterizar osdiversos tipos mestiços. Tapuia, que é considerado, no Nordeste, o indígena do interior, édenominação dada também ao descendente de branco e índio e, portanto, sinônimo demameluco. Na Amazônia, José Veríssimo caracterizou o mestiço de branco e índio comocuriboca, e o mameluco como originário do cruzamento entre o curiboca e o branco.

O pardo, que consideramos o mestiço de diversos tipos ou sub tipos, na Bahia é termo maisrestritamente empregado para o filho de branco com mulato, ou vice-versa. Os mestiços de índioe negro, chamados de modo geral cafuzos ou cafuz, são chamados também caboré, palavra, aliás,que em Minas Gerais significa índio, ou ainda cabo-verde, expressão usada na Bahia.

No pardo fundiram-se origens diversas, características físicas e morais de várias procedências;não apresenta uma característica fixa, invariável, rígida; antes varia, flutua, modifica-se, à mercêda maior ou menor influência do gene que preponderou em sua formação. De maneirasignificativa começou a surgir depois da Abolição, muito embora a expressão já apareça comumno século XVIII, mas aí quase sempre como sinônimo de mestiço, sem identificação de origemou de cor.

Os resultados da mestiçagem entre negros e mulatos apresentam uma sinonímia muito variada:são lulas, em Minas, Bahia, Alagoas; são pardavascos, na Bahia, em Goiás, Estados do Sul; sãocabras, no Nordeste; são cabrochas, em outras regiões. Aliás, pardavasco tem tomadomodernamente um sentido mais pejorativo, para o mestiço, qualquer que seja sua cor,pretensioso, posudo, metido a superior. Cabra é ainda expressão que se tem espalhado, noNordeste, para caracterizar qualquer mestiço tendendo a ter a pele clara.

Do cabra assinale-se, aliás, que na região açucareira não constituiu apenas um tipo étnico;alongou-se a um tipo social. O que a linguagem popular chama cabra é menos um característicoétnico que uma condição social; tanto pode ser o pardo como o moreno, às vezes o mulato,escuro e claro, tendendo a ter ou não a pele clara. O que é definido como cabra é umasignificação social, como classe de população de trabalhadores, qualquer que seja a cor: cabra deengenho, cabra de bagaceira, cabra de eito, cabra de usina.

Tornou-se assim o cabra um tipo social mais que um tipo étnico. E por extensão passou asignificar o valentão, o desordeiro, o capanga; é o cabra de peito. Daí a palavra cabroeira, grupode cabras, dados a desordens, perturbadores do sossego público. Não é, portanto, uma definiçãoétnica; e por este seu sentido social, talvez, menos que pelo antropológico, é que a poesia popularpode dizer que “o cabra não tem parente”.

Afora essas denominações aparecem ainda muitas outras, algumas já caídas em desuso,abrangendo diversas nuanças dos tipos mestiços, quase sempre segundo a coloração da pele. É ocaso do guajiru, mulato, de cor avermelhada-escura, semelhante à fruta desse nome; o caso dosarará, mulato arruivado, de cor clara e cabelos ruivos, mais ou menos encarapinhado, tambémchamado saruê ou ainda grauçá; o caso do olho-de-fogo, que é o indivíduo albino no Rio Grandedo Sul, também conhecido como preto-aça.

Existem igualmente outras denominações típicas, de uso já desaparecido, mas cujos nomesaparecem em documentos coloniais. O banda-forra, por exemplo, é o descendente de branco comnegra escrava, já hoje inexistente; o salta-atrás, filho de mameluco e negro; o mazombo, filho debrancos nascido no Brasil; o terceirão, originado do cruzamento entre branco e mulato.Documento do século XVIII referente a Pernambuco alude também ao carió, filho de índia comnegro; são os mesmos conhecidos ainda como carijó, curiboca ou cariboca. Para o mesmodocumento, entretanto, o curiboca ou cariboca é o filho de mulato com negra, ou então o filho demameluco e negra. A expressão era usada, porém, no litoral; no sertão, este tipo de mestiço era ochamado salta-atrás.

As correntes imigratórias no século XIX

O SÉCULO XVIII marcou-se como uma das fases mais intensas de intercruzamento étnico ecultural no Brasil, com o deslocamento da exploração econômica para a região das Minas Gerais,onde se descobriram minas de ouro e, mais tarde, de diamantes. A mutação econômica, da baseagrária para a base da mineração, trouxe influências não somente nas relações étnicas entre osdiversos grupos, mas igualmente na formação do quadro cultural.

Naquela região processaram-se novos contatos étnicos e de cultura: relações novasestabeleceram-se, pelo grande surto de aventureiros, nacionais e estrangeiros, que para aliacorreram. Com a exploração aurífera e diamantífera surgiram novos cruzamentos étnicos enovos processos transculturativos naquela região.

Evidentemente, os grupos étnicos eram os mesmos já conhecidos; foram engrossados, porém, decorrentes judaicas e espanholas e, sobretudo, de novas correntes imigrantistas de Portugal. Alémdisso, movimentaram-se para as minas escravos não só africanos de procedência como tambémcrioulos, isto é, filhos de africanos já nascidos no Brasil. O que caracterizou esse novo contatoétnico não foi o aparecimento de novos grupos, mas sim a intensidade com que foi feito, amobilidade quase permanente dos grupos humanos em decorrência do vaivém da procura dosveios e das pesquisas estabelecidas, a instabilidade das primitivas instalações.

De modo que um panorama novo de relações étnicas se estabeleceu na região das Minas Gerais,ao mesmo tempo que novos valores de cultura surgiram e se fixaram. Temos então uma fase deostentação e de luxo, decorrente ou estimulada pelo ouro abundante que se espalhou na região.Verificou-se desde logo uma elevação de classes sociais, como tradução dessa valorização deriqueza. Representativos dessa abundância de ouro são ainda hoje os templos religiosos e osedifícios públicos ou particulares existentes na região de antiga exploração aurífera.

Foi ainda neste mesmo século XVIII que se verificou a completa integração territorial do Brasil,com a definição de suas fronteiras através do tratado luso-espanhol de 13 de janeiro de 1750.Baseou-se este documento, conhecido geralmente como “Tratado de Madri” ou “Tratado de1750”, no princípio do “uti possidetis” e, para justificá-lo, a diplomacia portuguesa, orientadaentão pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, seguiu a política de povoar áreas do território comcasais açorianos. Foi o que sucedeu na Região Norte (Amazônica) e na Região Sul (SantaCatarina e Rio Grande do Sul), onde açorianos se instalaram, participando das relações étnicas eculturais nas áreas por eles desenvolvidas.

A mais vasta experiência de relações de raça e de cultura que o país presenciaria, entretanto,somente se deu no século XIX, com a abertura dos portos do Brasil ao comércio internacional, deum lado, e, de outro lado, com a introdução de novos grupos étnicos como imigrantes. Alemães,italianos, poloneses, austríacos, belgas, suíços começaram a entrar no Brasil, principalmente os

dois primeiros grupos, que se tornaram não somente os de maior expressão numérica comotambém de maior significação cultural. Sem esquecer ainda ingleses e franceses.

Pode-se dizer que a imigração no Brasil começa com a regência do Príncipe D. João, mais tardeD. João VI. Esse processo, que é tanto de imigração como de colonização, torna-se possívelprincipalmente com a repercussão de duas medidas adotadas pela Corte Portuguesa, maldesembarcados o Rei e sua comitiva; estimula-se com elas um novo processo de colonização.

Com a abertura dos portos — a primeira dessas medidas — é permitida a vinda ao Brasil denavios estrangeiros. Tal medida possibilita abrir-se o Brasil ao comércio internacional,estimulando novos contatos e, sobretudo, a vinda de outros valores, de outros grupos, enfim deoutras culturas.

Outra providência posterior completou esta: a Lei de 25 de novembro de 1808, segundo a qualera permitida a concessão de terras aos estrangeiros. Com esse ato se inicia a imigraçãoespontânea, uma vez que é possível ao estrangeiro tornar-se proprietário de terras. E issocorrespondia à aspiração de quem abandonava sua terra à procura de novos ambientes. Começaentão a iniciativa da formação de colônias, favorecendo inclusive a própria ocupação da terranaqueles espaços ainda vazios.

A partir de então começa o movimento imigratório para o Brasil. Esse movimento apresentaoscilações ora favoráveis, ora desfavoráveis, de modo que podemos fixar sua distribuição em trêsgrandes fases: a primeira, de 1808 a 1850; a segunda, de 1850 a 1888; a terceira, de 1888 emdiante. A fixação destas datas está relacionada ao regime de trabalho. O crescimento daimigração corresponde ao decréscimo do trabalho escravo. Imigração e escravidão são termosque se repelem, e não seria possível desenvolver-se o movimento imigratório paralelamente aotrabalho escravo.

A primeira tentativa oficial de colonização no período joanino é a fundação da colônia de NovaFriburgo, em 1818. O governo régio adquiriu a fazenda do Queimado, no município deCantagalo, e aí instalou colonos suíços. Esses colonos não encontraram nada preparado, tiveramde derrubar árvores, preparar terrenos, cultivar a terra.

O colono deveria ser católico e tinha direito a um lote de terra, animais, sementes e víveres. Ogoverno concedeu ainda um auxílio financeiro de 160 réis por dia no primeiro ano e metadedessa importância no segundo ano. Além dos primeiros dois mil suíços entraram posteriormentemil alemães.

Nesta primeira fase, de 1808 a 1850, encontra-se um índice de crescimento no volume daimigração até 1830. Nesta data o governo suspendeu o financiamento para a imigração,providência que determinou a queda do volume imigratório. Agravando esta circunstância ascondições internas do país dificultaram ainda mais a entrada do europeu livre. As lutas que seseguiram à Abdicação, a instabilidade dos governos regenciais e, sobretudo, a prolongada Guerrados Farrapos, principalmente na área para onde mais se estavam encaminhando os imigrantes,refletiram no movimento imigratório.

Entre 1830 e mais ou menos 1843, há um declínio nas entradas de imigrantes. O volumenumérico da imigração vai recomeçar a desenvolver-se principalmente a partir de 1846.

Em 1850 abre-se a segunda fase, marcada principalmente pela lei que extinguiu o tráfico deescravos. O ano de 1850 tem uma importância significativa para a história do Brasil. Sob oaspecto político é quando se inicia a grande obra do Imperador Pedro II, conseguindo, com aharmonia dos partidos políticos, abrir para o país uma fase de paz e de prosperidade.

Do ponto de vista econômico, vemos que, extinto o tráfico de escravos, os capitais neleinvestidos são aplicados no desenvolvimento da economia interna, principalmente através dacriação de indústrias e do fomento à construção de estradas de ferro. Começa a obra de Mauá;constroem-se a primeira estrada rodoviária e a primeira ferroviária.

Quanto ao aspecto social, há a assinalar o desenvolvimento da vida em sociedade. Declina opatriarcado rural, para surgir o patriarcado urbano, este, porém, já adaptado às novas condiçõesde vida criadas com a industrialização e em franca transição para as novas formas sociaisadvindas com a República. Influi a imigração neste desenvolvimento da vida social.

A terceira fase da imigração começa em 1888 e vem até nossos dias. Com a abolição daescravatura novas perspectivas se abriram à imigração. Justamente no decênio de 1891 a 1900 severifica o maior volume de entradas de imigrantes estrangeiros. Neste período não somente ogoverno federal como também os governos estaduais contribuíram para o desenvolvimento dascorrentes de imigração, concedendo auxílios que facilitaram a entrada dos imigrantes e sualocalização no território nacional.

De modo geral o desenvolvimento imigratório nesta fase está ligado ao progresso da economiacafeeira, em consequência da necessidade de braços, o que reclamava a presença de imigrantes.Também contribuíram para o aumento da imigração as facilidades concedidas pelos governosestaduais, principalmente a concessão de terras para o estabelecimento de colônias.

Este surto da imigração no século XX encontrou, porém, uma fase de arrefecimento com aGuerra de 1914. Com o mundo em luta, a entrada de imigrantes no Brasil foi prejudicada,reduzindo-se o volume das correntes imigratórias. Terminada a guerra procurou-se reatar acorrente no nível anteriormente verificado, mas novos fatores vieram contribuir para odecréscimo da imigração.

Com a Revolução de 1930, estabeleceram-se medidas restritivas à imigração, chegando-se em1932 à proibição da entrada de imigrantes. Em 1934, a Constituição estabeleceu uma quota deentrada de imigrantes, o que foi reiterado pela Constituição de 1937; foi fixada em 2% do totalde imigrantes já localizados no Brasil a quota de imigração anual de cada grupo.

Em 1938 começou a desenvolver-se a imigração, logo interrompido seu crescimento com aguerra mundial. Entre 1939 e 1945 verificou-se uma queda no volume da imigração no Brasil.Depois da guerra, entretanto, procurou-se desenvolver a imigração, o que realmente vemsucedendo.

Com relação aos grupos étnicos, as correntes imigratórias formam-se de alemães, com entradainicial em 1824 interrompendo-se entre 1830 e 1836, para reaparecer mais tarde, e intensamente,em 1847, crescendo numericamente a partir de 1850. Temos depois suíços, que, embora com suaprimeira entrada em 1820, somente a partir de 1846 reaparecem, aumentando o volume de sua

contribuição.

Os italianos, com pequenas quotas em 1836, 1847, 1852 e 1853, crescem mais expressivamente apartir de 1877, quando tomam a frente aos alemães no volume das entradas. Espanhóis, belgas,ingleses, suecos, franceses, austríacos aparecem em vários anos, registrando-se nuns pequenasentradas, noutros volume maior. A partir de 1871 surgem os imigrantes russos, que juntamentecom poloneses, depois de 1876, apresentam maior crescimento numérico. Turco-árabes ejaponeses começam a aparecer já no período republicano, o primeiro grupo ainda nos fins doséculo passado, o segundo nos começos do atual (1908).

Ao processar-se o recenseamento geral de 1920, o maior contingente de estrangeiros no Brasilera formado pelo grupo italiano, com 558.405 pessoas; a seguir vinham os espanhóis com219.142, franceses com 122.329, alemães com 52.870, turco-árabes com 50.251, japoneses com27.976, austríacos com 26.354. Com contingentes menos expressivos aparecem outros gruposétnicos.

Já em 1940, quando do recenseamento geral então realizado, o número de estrangeiros erainferior ao verificado no censo anterior. Os italianos com 285.124 pessoas e os espanhóis com147.897 continuavam em primeiro e segundo lugares; daí em diante apresentava-se a seguinteordem: japoneses com 140.693, alemães com 70.271; turco-árabes (sírios, libaneses, árabes,turcos etc.) com 48.894 e poloneses com 42.039. Como se vê, os japoneses passaram a ocupar oterceiro lugar entre as populações não brasileiras recenseadas em 1940. Com os alemães e ositalianos formam eles, hoje em dia, os principais grupos étnicos alienígenas que têm contribuídopara a formação cultural do país.

Em 1950 o censo demográfico acusou a presença, no Brasil, de 1.214.184 estrangeiros eestrangeiros naturalizados; representavam 2,34% do total da população recenseada em todo oPaís. A região Sul absorvia a maior parte dos grupos alienígenas; a população estrangeira aí erade 867.118, ou 71,4% do total estrangeiro recenseado. Outra grande parte se situava na regiãoLeste, com 296.879 pessoas, que representavam 24,5%. Com pequenos contingentesencontravam-se as demais regiões: o Centro-Oeste com 23.420 pessoas (1,9%), o Norte com17.361 (1,4%) e o Nordeste com 9.415 (0,8%).

No censo de 1960 o total de estrangeiros recenseados subia a 1.390.000 (em números redondos),representando 2,0% em relação à população total. No último recenseamento, realizado em 1970,o número se apresentava diminuído; foram recenseados 1.082.000 (em números redondos), o quese traduzia em 1,3% em relação à população total.

De acordo com os dados censitários de 1950 o principal contingente estrangeiro era constituídopelos portugueses; depois os italianos. Para 1960, não foi concluída, pelo Serviço Nacional deRecenseamento, a apuração do Censo Demográfico, motivo por que não existe dado nacionalpara o número de estrangeiros, segundo nacionalidades, para aquele ano.

Nos censos de 1950 e de 1970, encontramos a seguinte distribuição para as principaisnacionalidades:

Nacionalidades 1950 1970Nº absoluto % Nº absoluto %

Portugueses 336.856 28 410.216 38Italianos 242.337 20 128.726 12Espanhóis 131.608 11 115.893 11Japoneses 129.192 10 142.685 13Alemães e austriacos 83.227 7 48.818 4Poloneses 48.806 4 18.822 2Sirios e Libaneses 44.778 4 32.240 3Outras 197.371 16 185.345 17Total Brasil 1.214.175 100 1.082.745 100

De 1820 a 1970 — resumindo-se — o número de imigrantes entrados no Brasil superou o totalde 5.600.000, sendo o decênio de 1890-99 aquele que registrou maior volume de entradas, com1.183.018 pessoas. No decênio 1950-59 o total chegou a 558.007 pessoas entradas no país, aopasso que no último decênio — 1960-69 — o número caiu bastante, registrando-se apenas187.481 pessoas.

Espalhando-se, principalmente, pela região meridional, os elementos estrangeiros aí constituíramcolônias, muitas das quais se transformaram em vilas e cidades importantes. Formaramverdadeiros centros de comunidade, em suas colônias, não lhes faltando não raro as mesmascaracterísticas já acentuadas, anteriormente, com relação à formação de núcleos de exploraçãoeconômica, constituindo o ambiente das relações étnicas e de cultura no Brasil.

Ao mesmo tempo, influíram nas comunidades brasileiras que lhes eram vizinhas; e receberamdestas, da mesma forma, influência em vários elementos culturais.

Implantaram os traços ou complexos culturais por eles trazidos, cuja generalização é impossívelfazer, por isso que cada grupo estrangeiro apresenta aspectos específicos. Um traço, porém,encontramos comum: o trabalho familiar, isto é, a exploração agrícola resultante da unidadedoméstica de trabalho. Outro: a capacidade de elevar-se econômica e socialmente, o queverificaremos quase generalizado nas colônias meridionais.

Áreas de imigração e condições deassimilação

A s CORRENTES imigratórias dirigiam-se, principalmente, para o Sul do país. O Norte, oNordeste e o Leste recebem colonos ou imigrantes esporadicamente, e ainda assim sem o êxitoque coroa a imigração para a região Sul. Observa-se desta forma uma preferência por essa área,em particular de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Alguns autores têm atribuído essa preferênciaàs condições climáticas, isto é, à semelhança do clima nessa região ao clima existente nas áreasde procedência do imigrante.

Já hoje, porém, se sabe que o clima não é o fator todo-poderoso determinante da fixação dosimigrantes nessa região. Não é possível, por outro lado, negar sua influência, mas não exclusivacomo elemento que facilitou a permanência do imigrante. Devemos, porém, considerar comocausa mais direta dessa preferência pela região meridional as condições econômicas e sociais e,especialmente, maior área de terras inexploradas e menor presença do trabalho escravo. Oproblema da propriedade da terra foi fundamental na fixação dos imigrantes na região Sul. Aí aexistência de áreas ainda não ocupadas permitia a distribuição de lotes aos imigrantes, que destaforma se tornavam proprietários.

Enquanto isto, nas outras regiões, e principalmente no Nordeste, o trabalho escravo e a grandepropriedade impediam a colonização estrangeira. O desejo do imigrante era possuir terras quepudesse cultivar em seu proveito e benefício. No Nordeste, o regime da grande propriedadepouco propiciava a fixação do imigrante. Daí a preferência pelo Sul, com a circunstância de serainda diminuto o povoamento nas então províncias meridionais.

O primeiro núcleo de colonos estrangeiros, que se fixou no Sul, formou-se de alemães;constituíram eles a colônia de São Leopoldo em 1824, localizada nas terras da antiga FeitoriaImperial do Linho Cânhamo. A colônia de São Leopoldo iniciou-se com um grupo de 26alemães, que logo deram começo aos trabalhos de agricultura, recebendo posteriormente novosimigrantes. De modo que em 1830 já a colônia tinha mais de 4 mil pessoas. Para a fixação dessegrupo de alemães o governo imperial deu todas as facilidades não somente pela concessão deterras como ainda através de auxílios financeiros. Os alemães introduziram logo na colônia o usodo arado, com que melhor aperfeiçoaram a lavra da terra.

O desenvolvimento de São Leopoldo permitiu a expansão do grupo alemão não somente para opróprio território do Rio Grande como ainda para as províncias vizinhas. A primeira dessasexpansões se fez com a criação da colônia de Torres, constituída de alemães católicos, e a deTrês Forquilhas, formada de alemães protestantes.

Em Santa Catarina a primeira colônia teve o nome de São Pedro de Alcântara, e formou-se deum pequeno grupo de alemães vindos de São Leopoldo. A esse primeiro grupo vieram juntar-sealemães católicos, vindos de Bremen, em 1828. Em Santa Catarina as condições foram menosfáceis que as do Rio Grande do Sul. O terreno era áspero e difícil, o que exigiu um trabalhoárduo dos imigrantes. Nessa província o desenvolvimento colonizador só teve importância apartir de 1850, quando se fundou Blumenau. O nome veio de seu fundador, o médico alemão,Dr. Blumenau, que, tendo-se localizado em Santa Catarina, compreendeu a importância daquelaregião para a colonização. Tomou a iniciativa de ir à Europa e de lá trouxe imigrantes para aorganização da colônia.

A colonização estrangeira se fez, inicialmente, com a ocupação do vale do Itajaí, cuja riquezapossibilitou o desenvolvimento e a irradiação dos grupos humanos. Em Santa Catarinapredominou o sistema de colônias, o que permitiu incrementar-se a imigração estrangeiranaquela região. Este sistema contribuiu também para o crescimento demográfico da entãoprovíncia.

No Paraná, a primeira colônia foi iniciada em 1828. Logo, porém, malogrou, em consequênciados ataques de grupos indígenas ainda muito espalhados na região e que afastaram os colonos.Só nos primeiros anos da segunda metade do século é que se verificou novo surto colonizador,fundando-se a colônia de Superaguy, com franceses e suíços, e a colônia Dona Teresa, comfranceses. Todavia, essas duas colônias não foram exclusivamente estrangeiras, pois nelas seencontravam elementos nacionais.

Igualmente em outras áreas do Brasil, verificou-se, na mesma época, tentativa de colonizaçãoestrangeira. Na Bahia, em 1828, irlandeses formaram a colônia Santa Januária. Esses homens,entretanto, não estavam afeitos ao trabalho agrário, pois tinham sido soldados. Apesar daassistência recebida com ferramentas, rações diárias, auxílios financeiros, a colônia fracassouinteiramente. Os irlandeses se entregaram ao uso e abuso da cachaça e, em consequência,começaram a dispersar-se e a adoecer, de modo que se diluiu completamente a presença deles naregião. Também em Ilhéus se tentou uma colonização alemã, mas sem maiores consequências,pois os alemães se dispersaram pelas fazendas de cacau.

Pela mesma época formou-se uma colônia alemã em Pernambuco, no lugar Catucá, nasimediações de um quilombo de negros fugidos. Os alemães se dedicaram ao fabrico de carvão,transformando-se em carvoeiros. A colônia, porém, malogrou inteiramente, pois foi destruídapelos quilombos.

No Espírito Santo introduziram-se alemães em 1847, formando a colônia de Santa Isabel. Nosmeados do século, nova colônia se formou no vale de rio Santa Maria — é a célebre colônia deSanta Leopoldina, cuja descrição de seus costumes, dos hábitos alemães e mesmo da paisagemgeográfica se encontra no romance Canaã, de Graça Aranha. Ainda nessa época, é deimportância a fundação da colônia de Petrópolis, em 1846, hoje cidade próspera e desenvolvida,em cujos traços culturais, sobretudo de arquitetura, ainda se encontra a presença alemã.

Em São Paulo, o processo de imigração apresentou aspectos diferentes dos verificados em outrasáreas do Sul. Embora a princípio se tivesse verificado a formação de colônias, logo, porém,tornou-se mais comum a introdução de imigrantes como braço para a lavoura cafeeira.

Imigrantes eram distribuídos pelas fazendas de café, principalmente por iniciativa particular, e aínessas fazendas se dedicavam ao trabalho agrícola. Em sua fazenda Ibicaba, o Senador Vergueiroinstituiu o regime de parceria. Este regime era o pagamento do trabalho do imigrante com umapercentagem sobre a colheita. A princípio, o Senador Vergueiro trouxe para sua fazendalavradores minhotos. Em 1847 introduziu imigrantes alemães, que constituíam um total de 80famílias.

O regime de parceria foi principalmente uma experiência de trabalho livre, reclamado pelasnecessidades da lavoura cafeeira, cujo desenvolvimento se acentuou a partir de 1850. Logo sedesenvolveu um número de colônias desse tipo. Todavia, a ausência de uma base estável nasrelações entre fazendeiros e colonos criou um desajustamento e um ambiente de mal-estar,traduzido principalmente na chamada revolta de Ibicaba, que foi um levante dos colonos contra ofazendeiro.

O sistema de parceria serviu, porém, de transição para o regime de assalariado ou seja dopagamento do salário fixado antecipadamente ao trabalhador imigrante. O regime de assalariadocaracterizou principalmente, a partir de 1870, a organização de trabalho nas fazendas cafeeiras.A fazenda de café constituiu assim o principal núcleo de experiência e de aplicação do trabalholivre, procurando-se com o imigrante a substituição do trabalho escravo. Muitos colonos quetrabalharam conseguiram, pelos lucros auferidos, amealhar recursos, com os quais se tornaramposteriormente proprietários rurais. Esses lucros permitiram igualmente que colonos viesseminstalar-se na capital, onde passaram a desenvolver suas atividades.

As condições em que se distribuíram os imigrantes nessas diversas áreas da região meridionalinfluíram para o respectivo processo de assimilação, cuja maior ou menor facilidade serelacionou com a fixação adotada. Realmente, poderemos verificar dois tipos característicos dadistribuição do imigrante: um, reunindo-os em colônias, isolados inicialmente, e por muitos anos,de qualquer contato com os grupos brasileiros; e outro, distribuindo-os nas fazendas de café ouem centros urbanos, num contato mais imediato com os elementos nativos.

O primeiro, a que podemos chamar de concentração, predominou no Rio Grande do Sul, emSanta Catarina, no Espírito Santo; o segundo, que chamamos de dispersão, foi o que se verificouem São Paulo, tanto nas fazendas de café como na capital, no Distrito Federal (hoje Municípiodo Rio de Janeiro) e em outras capitais. Cada um desses tipos influiu a seu modo para a maior oumenor assimilação do imigrante; sobretudo quanto ao espaço de tempo em que decorreu oprocesso de assimilação e consequentemente de integração desses grupos alienígenas aoambiente brasileiro.

Não houve, decerto, uma assimilação absoluta, isto é, uma perda total pelo imigrante de seusvalores culturais para aceitação integral dos valores nativos: observou-se, ao contrário, umprocesso em que foi constante a permuta de elementos culturais, a troca recíproca de valores, oque beneficiou, de certo modo, os quadros sociais respectivos, de maneira a não perderem aspopulações brasileiras, em contato com os imigrados, as bases fundamentais de sua formação.

A localização do imigrante exerceu e exerce ponderável influência nos resultados do processo derelações de cultura: primeiro, de um ponto de vista estritamente geográfico, quanto às áreas porele ocupadas; e segundo, de um ponto de vista mais largo, quanto à maneira de distribuição do

imigrante.

A forma como foi localizado o imigrante, o que poderíamos chamar type of settlement,influenciou para a maior ou menor rapidez com que se desenvolveram as relações de cultura.Quando os imigrados foram isolados em colônias, tal como sucedeu no Rio Grande do Sul, novale do Itajaí, em parte da região serrana do Espírito Santo, o processo foi lento, retardado,decorreu moroso. O imigrado resistiu mais demoradamente à assimilação, o que somente seatenuou de uns trinta a quarenta anos para cá.

Quando, porém, os imigrados foram distribuídos em fazendas de café em S. Paulo, ou em áreasurbanas, como na capital de São Paulo e no antigo Distrito Federal, o processo de assimilação severificou mais rápido, acelerou-se e ativou-se. O contato imediato, constante, quotidiano, com oelemento brasileiro ou entre elementos de etnias diversas, facilitou a assimilação de traçosculturais, permutando-se mais rapidamente os valores de que cada grupo era portador.

Maior ou menor rapidez se observa ainda na inter-relação cultural em face da origem do grupoimigrado. De fato, o alemão, ou o italiano, por exemplo, embora a unidade cultural exterior comque se apresenta, tem peculiaridades próprias, de hábitos ou de sentimentos, conforme seja doNorte ou do Sul, do Centro ou do Oeste. Este fato tive oportunidade de verificar em meusestudos em relação ao italiano. Mesmo entre imigrantes do Norte da Itália, do Vêneto ou daLombárdia, o processo de assimilação tem marcha diferente. E esta diferença se acentuaconforme o imigrante, seja do Norte ou do Sul. Deve dar-se o mesmo em relação ao alemão, epossivelmente em relação a outros grupos.

Italianos, alemães e japoneses

Dos GRUPOS étnicos alienígenas que têm participado do processo de transculturação no Brasil,podemos destacar o italiano, o alemão e o japonês como os três mais importantes. Isto nãoexclui, evidentemente, a participação de outros. Todavia com aqueles três grupos se tornarammais relevantes as relações culturais.

Entraram no Brasil imigrantes italianos de várias regiões. Lombardos, genoveses, piemonteses,venezianos, foram dos mais destacados entre os que vieram para os trabalhos agrícolas, ao passoque apulvos, calabreses e campânios se fixaram, preferencialmente, nas zonas urbanas. Assim,tanto da Baixa Itália como da Alta Itália recebeu o Brasil imigrantes. Esta diversidade de regiãocorresponde, igualmente, à própria diversidade étnica do italiano, em geral.

Ao lado dessa diversidade étnica, temos também larga diversidade cultural, se bem não lhe falteum certo denominador comum, oriundo da fonte de onde promanou a formação italiana: aromana. Muito contribuiu s para o encontro desse denominador comum a cultura romana baseadano catolicismo. São aspectos dessa diversidade cultural, verificados dentro do quadro dessarelativa unidade, que trouxeram os italianos para o Brasil.

No Rio Grande do Sul, os primeiros colonos italianos instalam-se para um processo depermanência construtiva em 1875. Em São Paulo, a imigração italiana se incrementa por volta de1880, a partir de quando segue em crescendo constante. O que não exclui a presença, antes dessadata, de italianos em São Paulo.

Poucos anos antes iniciava-se e crescia a colonização italiana no Espírito Santo. Data de 1874 achegada dos primeiro imigrantes italianos em Santa Teresa, formando a colônia que se tornaria abela cidade de hoje. Três anos depois, em 1877, chegam a Ibiraçu. E vão neste crescendo,espalhando-se pela então Província, hoje Estado do Espírito Santo. O que sucedeu também emSanta Catarina: a começar do vale do Tubarão, o imigrante italiano vai formando colônias, eestas colônias, no correr dos anos, se transformaram em prósperas cidades catarinenses.

No Rio Grande do Sul deve-se ao italiano a vinicultura. É de origem italiana o desenvolvimentoda indústria do vinho naquele Estado, sendo hoje Caxias, núcleo fundado por milaneses, um dosmaiores centros de produção vinícola. Esta é a mais importante atividade do italiano, no campoda indústria no Rio Grande do Sul, não excluindo, contudo, outras por ele iniciadas —metalurgia, selaria, dos produtos animais, madeira, curtumes, tecelagem — apresentando ocaracterístico de terem surgido sempre de uma base artesanal. Na agricultura cultivam milho,fumo, legumes.

Em Santa Catarina, concentrado principalmente no vale do Tubarão, igualmente se destacou oitaliano na agricultura, baseada na pequena propriedade e formando pequenas colônias. Deve-se-

lhe a introdução da vinicultura e da sericultura. Também o estímulo às culturas agrícolas jáconhecidas e o incentivo à produção de banha e de salsicha.

Em São Paulo, o italiano iniciou suas atividades na lavoura de café; a princípio comoassalariados, meeiros, colonos, muitos imigrantes italianos — e sobretudo seus descendentes —chegaram a proprietários. A atividade industrial neste Estado diferiu da verificada no Rio Grandedo Sul, apresentando caráter capitalista, pela fundação de estabelecimentos com a aplicação decapitais, obtidos estes ou pela poupança nas atividades rurais ou urbanas, ou por crédito junto aoutros patrícios já ricos, ou ainda trazidos diretamente da Itália. Teve uma localização urbana,enquanto no Rio Grande do Sul teve uma localização rural.

Em outros Estados aparecem ainda os italianos como agricultores, o que não exclui sua presençaem profissões urbanas, participando da vida citadina como comerciantes, sócios de indústria oudonos de restaurantes, ou no exercício de pequenas profissões, como engraxates, garçons,choferes, sapateiros, carpinteiros etc.

A mais importante contribuição do italiano à economia do Brasil, dele como também do alemão,deve apresentar-se a reação contra a monocultura, difundindo largamente a policultura. Soube oitaliano aproveitar bem a terra, o que sucedeu igualmente com o alemão; contribuiu também paraa transição do trabalho escravo para o livre, através do sistema de parceria, do de salariado, do deempreitada e do misto.

Nos quadros da cultura das comunidades, onde o italiano aparece com influência, podemosdestacar os seguintes aspectos particulares: a organização social com base na vida de família e aconservação da religião católica; a aceitação dos princípios de organização política do país,respeitando-os e procurando dela participar pela ascensão social dos descendentes; também aaceitação dos tipos de casa brasileira, de tijolo e madeira, nas áreas onde os italianos sedispersaram, conservando, entretanto, nas áreas onde se concentraram (núcleos e colônias),elementos característicos de sua arquitetura, principalmente o uso do porão e a imitação do tipode casa, mormente do Norte da Itália; a aceitação da alimentação regional, principalmente afeijoada, sem prejuízo da manutenção e introdução, entre as populações brasileiras, do macarrão,da polenta, do risoto, da “pizza” e de outros pratos típicos e igualmente da extensão destes aogosto brasileiro; a adoção do vestuário regional, embora mantendo alguns traços do traje deorigem, manutenção de suas festas religiosas e culto a santos festejados na Itália, o uso dasanfona, jogos, como a marra, a bocha etc., festas domingueiras etc.

De modo geral, pelas condições de sua cultura aproximada ou semelhante ao “ethos” lusitano, epor consequência brasileiro, o italiano não apresentou maior dificuldade em sua integração navida brasileira. O que não exclui a conservação de vários traços de sua cultura, que penetraramnas comunidades ítalo-brasileiras de maneira expressiva.

Já o grupo alemão, de formação cultural diferente, não encontrou esta facilidade, agravando-se asituação, principalmente pela circunstância de se terem isolado, constituindo colôniasinteiramente germânicas; os cruzamentos étnicos com brasileiros ou com brasileiras severificaram, é certo, mas o isolamento espacial, de um lado, e, de outro, os trabalhos de formaçãode colônias em áreas até então virgens contribuíram para uma caracterização diversa no tipo deinfluência dos alemães nas comunidades por eles fundadas ou de que se aproximaram.

Escasseiam elementos estatísticos para afirmar-se com segurança a naturalidade do alemãoimigrado ao Brasil: não distinguiam os registros senão o país de procedência. Por informaçõescolhidas em outras fontes, pode-se, entretanto, afirmar que os alemães chegados eram tanto daAlemanha do Norte como do Sul. Da Pomerânia, do Holstein, da Saxônia, de Westfália, deOldenburg; também da Renânia, da Baviera, do Palatinado entraram alemães. Dos primeirosimigrantes do Rio Grande do Sul sabe-se que eram, em grande maioria, do Hesse, da Prússia, doWurtemberg, do Saxe. Predominavam, pois, elementos da Alemanha do Sul, ao passo que, nasentradas posteriores, o maior número provinha da Alemanha do Norte.

Os primeiros alemães chegados tiveram de enfrentar os árduos trabalhos de pioneiros,derrubando matas, abrindo caminhos e estradas, construindo suas casas. Constituíram eles oselementos fundadores de colônias que se criaram no Sul e no Espírito Santo, muitas delas hojecidades e municípios prósperos. Novas correntes vieram depois engrossar esses gruposprimitivos, contribuindo para reforçar o isolamento no contato com as populações brasileiras.

Dentro desse ambiente, para cuja caracterização tanto concorreu, o imigrante alemão implantouos principais aspectos de sua cultura. No que se refere à casa, sua construção passa por trêsetapas: primeiro, o rancho ou barracão, coberto de palha; depois, a casa de madeira, feita já detábuas preparadas na serraria, cobrindo-a também de tábuas fazendo as vezes de telhas; e, porfim, a casa de tijolos, coberta de telha, mas utilizando ainda o madeiramento. Estas três fases vãocorrespondendo à elevação social ou de nível econômico do colono, sempre, porém, comutilização de material da região, se bem que a técnica seja a trazida.

Não havia unidade cultural no elemento alemão vindo para o Brasil; recebemos alemães decultura variada, o que correspondia também à variedade étnica dos grupos emigrados. Daí certadiversificação verificada em núcleos alemães originada da formação étnica e cultural doselementos emigrados. Pode-se encontrar, todavia, um certo denominador comum, baseado notrabalho agrícola, o que facilitou, juntamente com a própria variedade cultural, os processostransculturativos.

Formando núcleos ou comunidades, mas raramente participando das comunidades brasileiras, oalemão aceitou vários traços culturais nossos, ao mesmo tempo que influiu na manutenção dostrazidos, alguns desses adaptando-se às condições locais, aos elementos aqui encontrados.

Assim é que os alienígenas procuravam aceitar hábitos ou costumes do país. Entre outros valoresnativos, por eles incluídos no seu quotidiano, poderemos lembrar: o uso do cavalo para montariaou serviços da colônia; corridas de cavalos como divertimento; utilização do carro de bois, mercêdo qual se tomava possível o trânsito nas primitivas veredas até que a melhoria da estradapermitiu o uso das carroças — as chamadas carroças coloniais; o uso de armas de fogo; o fabricode açúcar ou farinha de mandioca pelos processos regionais do engenho primitivo ou tosco e dotipiti; o chimarrão, bebido dentro dos mesmos processos locais, com a mesma paciência e amesma utilização da cuia em comum, em reuniões.

O que logo se destaca, de influência alemã, é a arquitetura, ou seja, a casa; ela caracteriza, grossomodo, o ambiente onde impera a influência alemã. Embora não apresente uma unidadecaracterística, pois são várias as técnicas de construção, a arquitetura apresenta sempre um traçocomum, que logo a faz ressaltar dando fisionomia própria à comunidade. É certo que não raro

foram adotados, no tipo de casa, elementos oriundos do meio, tal a varanda, aspecto esseverificado em Santa Catarina.

Quanto à alimentação teve o alemão de aceitá-la, em grande parte em face do que o meio opermitia. As condições do ambiente influíram na aceitação de novos padrões alimentares, ou naadaptação dos trazidos. Ao lado da cultura de produtos nativos, foi introduzida a de gênerosalienígenas, como a batatinha, o centeio, a alfafa. O colono procurou equilibrar o regime dealimentação importado com aquele que o nosso meio condicionava.

O que sucedeu ainda, em grande parte, com o vestuário. O trazido não se adaptava ao meio físicodo país, pelo que teve de substituí-lo. Mas esta substituição se fez, em parte, pela adoção de umtraje correspondente ao comum do Brasil, em prejuízo de certas peculiaridades do uso alemão.

O alemão contribuiu enormemente para o desenvolvimento econômico das áreas em que influiu.Predominou, e predomina, nas comunidades teuto-brasileiras, a pequena propriedade; seufracionamento se acentua com a distribuição de lotes ou a criação de novas propriedades parafilhos ou recém-emigrados. Ainda no campo econômico outra influência nitidamente alemã foi odesenvolvimento industrial, nas áreas rurais, e originado das primitivas atividades artesanais.

O aspecto religioso na organização das comunidades teuto-brasileiras apresenta peculiaridades,entre elas a manutenção de sacerdotes católicos ou protestantes, de acordo com o sentimentoreligioso do respectivo grupo, por intermédio de associações religiosas. É de notável relevo opapel do sacerdote, pela influência que exerce, sobretudo na família.

Conservaram os germânicos, na organização da família, os mesmos padrões de suas terras deorigem; os mesmos hábitos de família, nas atividades de trabalho, nos serões, nos casamentos,foram mantidos. O que era facilitado, principalmente, pelo caráter quase fechado das colônias,em grande parte espalhadas na área rural, distanciadas e isoladas dos núcleos demográficosnativos. A família teuto-brasileira manteve, tanto quanto possível, a mesma organização do tipode família do país de origem.

É em torno da organização dessa família, a chamada família-tronco, que giram os aspectos davida familiar dos imigrantes germânicos chegados ao Brasil e formando as respectivascomunidades: o casamento cedo, constituindo-se novas famílias que são novos grupos detrabalho; a permanência de um dos filhos, quando casa, com os pais; a prole numerosa, emboratendendo modernamente a diminuir, como elemento de riqueza; a ausência de prostituição; acoesão dos laços de parentesco entre descendentes e ascendentes; a distribuição das tarefasagrícolas entre as pessoas dos dois sexos pertencentes à família.

Nas populações teuto-brasileiras conservam-se e ainda se mantêm, sobretudo nas áreas rurais,afastados dos centros industriais — que se transformaram em grandes fatores transculturativos,modificando muitos dos traços primitivamente introduzidos e conservados —, costumes ehábitos, usos e processos de pura tradição germânica: o “kerb” é, no Sul do País, uma festapopular dos teutos ou teuto-brasileiros, que começa num domingo à tarde e termina namadrugada de quarta-feira. Embora de origem primordialmente religiosa, pois se liga àcomemoração da fundação da igreja, tem hoje caráter quase integralmente profano, ecorresponde, para as populações germânicas, ao carnaval brasileiro. Também em casamentos, em

aniversários, em enterros, conservam-se os primitivos modos de realizações das respectivascerimônias. A este respeito são muito interessantes as informações de Wagemann quanto aosalemães do Espírito Santo.

O grupo japonês é de presença mais recente no Brasil. Os resultados da transculturaçãoverificada ainda não se podem examinar de todo, em face de contarem-se pouco mais decinquenta anos da imigração japonesa no Brasil. Aqui se dedicaram os nipões à cultura agrária, edesenvolveram o plantio de verduras e legumes, começando muitas vezes por serem elespróprios os vendedores na rua.

Os japoneses, sobretudo pelo distanciamento étnico do elemento luso-brasileiro, de modo geral,têm-se mantido em maior isolamento. Todavia, como assinalamos, o espaço de tempo de suapresença ainda é curto para se medir a intensidade da assimilação étnica e da transculturação.Sua presença principal se verifica em São Paulo, norte do Paraná, Mato Grosso, Pará eAmazonas; aí se concentram 96°/o da população japonesa no Brasil.

O elemento nipônico, entrado no Brasil como imigrante, é geralmente do tipo denominado“pareano”, representativo das classes inferiores do Japão. É de pequena estatura, braquicéfalo,cabelos lissótricos negros, olhos negros oblíquos, nariz um pouco achatado, pele amarelada,maxilar forte. Isto não exclui a existência de grande heterogeneidade do japonês como grupoétnico: nele se acumularam vários elementos formadores de etnias diversas.

Sua cultura é nitidamente agrária, quanto à economia, e, quanto à religião, budista ou xintoísta.Em torno da agricultura se fixaram seus costumes e ritos religiosos, modificando profundamentea vida social e espiritual do japonês. A exploração agrícola baseia-se na família, dividida apropriedade em pequenas parcelas. Também se dedicam à pesca. Entre nós aceitaram osjaponeses, em vários aspectos, traços culturais brasileiros; mas o contrário também se verificoucom a manutenção de padrões culturais importados.

No Brasil se tem registrado a modificação do tipo japonês com a mestiçagem e a ação do meio;entretanto, parece-nos ainda curto o prazo de permanência do japonês no Brasil para se obteruma verificação completa, quer quanto à assimilação social, quer quanto à própriatransculturação. Contudo, não é possível esconder a existência, sobretudo na área rural, de tiposjaponeses já bastante atenuados os traços primitivos, em decorrência de cruzamento combrasileiros.

Mantêm os grupos japoneses muitos dos traços ou complexos de cultura originários,principalmente na religião, na organização da família, esta de tipo patriarcal, com monogamia, naescolha de noivas. Nas atividades agrárias muitos chegam a proprietários, desenvolvendo acultura de legumes e verduras, e também dedicando-se ao plantio do café.

Trazidos pelos japoneses aparecem no Brasil a indústria do charão (laca ou verniz oriental), acultura do lótus, o saquê, o feijão-soja, o broto de bambu como alimento, o cultivo do chá, acultura da juta, esta principalmente na Amazônia. Conservaram seu tipo de família patriarcal,com monogamia. Mantiveram, com pequenas alterações oriundas do novo meio, inclusive adispersão, o tipo de casa, coberta esta de palha de arroz com telhados duplos, lembrando o estilojaponês. Outros traços conservados na arquitetura: varandas, postigos e vestíbulo especial

(“togutshi”).

Ainda quanto aos tipos de casa conservaram muitos traços japoneses, aceitando, embora, outrospeculiares ao novo meio, inclusive a dispersão das habitações. Nas casas mantêm asobrevivência dos nichos religiosos para colocação dos deuses dos cultos xintoísta ou budista;diante desses altares é que fazem suas orações.

Cumpre registrar ainda a importância das atividades recreativas entre os japoneses,principalmente o beisebol, que entre eles constitui fator associativo. Já o futebol tem tido menor,ou quase nenhuma, atração para os nipônicos.

Nas cerimônias de casamento, como igualmente nos funerais, conservam ainda os japoneses noBrasil os mesmos hábitos e usos conhecidos em sua cultura originária.

Turco-árabes, poloneses e judeus

NÃO SÓ dos três grupos antes citados — italianos, alemães, japoneses — se deve falar; outrosgrupos imigrantes também têm participado do processo de relações de cultura no Brasil. Vamosdestacar ainda, a este respeito, outros três, cuja importância no Brasil contemporâneo é bastanteexpressiva. São grupos que igualmente vêm participando do processo transculturativo; edeixando suas marcas no que hoje podemos chamar de cultura brasileira. Turco-árabes,poloneses e judeus, por exemplo.

Datam de 1878 as primeiras entradas de poloneses, figurando, entretanto, nas estatísticasimigratórias com os russos. Só a partir de 1892 é que se destacam como grupo específico, Ocontingente polonês cresceu muito nos quadros da imigração, espalhando-se principalmente naregião Sul e, em particular, no Paraná. Em São Paulo e Rio Grande do Sul igualmente seencontra grande número de poloneses.

Embora filiados ao grupo étnico dos eslavos, aproximados assim da Rússia por sua históriaétnica, os poloneses culturalmente são latinos; entre eles predomina o catolicismo apostólicoromano; filiam-se, ainda sob outros aspectos, a padrões latinos de civilização ocidental. Nacultura material, em construção, em atividade agrícola, em indumentária, porém, aproximam-semais dos eslavos.

A imigração polonesa para o Brasil nos tem trazido, principalmente, agricultores; localizando-sena região madeireira do Sul, os poloneses dedicaram-se à exploração agrária e à construção decasas de madeira, havendo entre eles excelentes carpinteiros. Geralmente a colonização polonesaestá misturada com alemães, russos e outros eslavos, de menor expressão numérica. O principalnúcleo polonês é o de Ivaí, no Paraná. Em outras áreas se têm distribuído igualmente imigrantespoloneses, encontrando-se núcleos em vários municípios paranaenses, catarinenses e em algunsdo Rio Grande do Sul. Também no Espírito Santo se localizaram poloneses.

Dedicam-se principalmente ao trabalho agro-extrativo: extração de madeira, colheita de erva-mate, vinicultura, pecuária etc. Quando nas cidades, são comerciantes, em especial decomestíveis, e muitas vezes se confundem com os judeus. Aliás, judeus poloneses sãonumerosos. Um traço a destacar entre os poloneses é a sua agremiação em associações de finsculturais ou comerciais. Além de uma União Central dos Poloneses no Brasil, há associações deprofessores, de agricultores etc.

O elemento polonês se tem cruzado com o elemento brasileiro, o que no começo do século jáassinalava Pierre Denis, havendo, de igual maneira, cruzamento cultural; os poloneses, apesar deum bocado isolados, se adaptam à vida regional, aceitando a alimentação comum da populaçãonativa, e na agricultura — registra ainda Denis — adotaram os hábitos do trabalhador brasileiro.Cultivam o centeio, talvez o único produto por eles importado, ao lado de produtos nacionais,

como o milho, mate etc. Constroem casas de madeira, que são típicas em áreas paranaenses;utilizam também a madeira na construção de igrejas, procurando agrupar as residências em tornodo motivo religioso.

Popularmente conhecidos como turcos, temos os sírios, libaneses, árabes, palestinos e ospróprios turcos. De modo geral, incluem-se nessa denominação todos os emigrantes de línguaárabe e religião maometana, sem prejuízo de respeitável número de sírios e libaneses católicos.Há que distinguir, entretanto, esses diversos povos se bem que não se verifiquem entre elesprofundas divergências culturais. Ao contrário é possível encontrarem-se traços culturaissemelhantes. '

Sírios, libaneses e turcos já aparecem no Brasil na época colonial, pois Portugal mantinharelações com a Síria. A grande emigração para o Brasil, porém, se verificou na segunda metadedo século XIX, ou mais especificamente entre 1860 e 1870, continuando até 1890. Daí em dianteprosseguiu a entrada de libaneses e sírios, mas em números menores; neste século a imigraçãosíria, libanesa e turca, de modo geral, tem crescido.

Os sírios constituem um grupo de língua árabe, o que sucede também com os libaneses, que, emvirtude de sua organização em república independente, fazem questão de ser tratadosseparadamente daqueles. O árabe, como língua, é o idioma clássico do livro sagrado do Islam;representa uma vasta cultura, onde figuram alguns dialetos que diferenciam a língua árabe emhistórica e moderna. O termo árabe foi identificado com muçulmano, em virtude do surgimentodo Islam como unidade de religião e de império.

Entre sírios e libaneses dominam as religiões cristã e muçulmana, subdivididas em vários grupos.Entre nós os sírios e libaneses agrupam-se, principalmente, na igreja católica malequita e naigreja maronita. No Brasil, a presença de sírios e libaneses, ou seja dos chamados “turcos”, secaracteriza pelas atividades no comércio de fazendas e artigos de armarinho e, inicialmente, pelarealização do comércio ambulante, o “mascate” ou “matraca”.

Quando um “turco” chega a uma rua para atividade comercial, a rua logo se transforma; tomaoutro colorido, um colorido quase étnico. Foi o que se verificou na antiga rua do Açougue, emMaceió, hoje avenida Moreira Lima, onde mais ou menos em 1937 ou 1938 começaram os sírios— assim chamados genericamente na região os elementos de língua árabe — a abrir suas casascomerciais. O mesmo que anteriormente se tinha verificado na rua do Rangel, no Recife; ou emruas de São Paulo.

O que parece comprovar a observação de Deffontaines sobre os sírios de São Paulo: quando umchega, instala-se modestamente, vai prosperando, mandando buscar outros patrícios paravizinhos. E assim as ruas primitivamente típicas ou originais de traços brasileiros, com pretasvendendo em tabuleiros, por exemplo, vão-se transformando, tomando novo colorido, que épredominantemente racial ou étnico: sírio ou turco.

Os mostruários de bugigangas nas vitrinas, as camisas dependuradas, os sabonetes suspensos porcordões, bolsas escolares, brinquedos de criança, a variação, enfim, do colorido e dos objetosexpostos dão logo à fisionomia da rua o seu caráter sírio ou libanês.

Nas áreas urbanas das grandes cidades ou das capitais têm seus bairros preferidos, ruas

caracterizadas pelas lojas típicas com os mostruários, de vários artigos, expostos ao público noexterior da casa etc. Através desses grupos — sírios, libaneses, turcos — chegam até nós muitostraços culturais de arabização. Entre esses grupos se encontra facilidade de aceitação dos traçosculturais nativos ou brasileiros, sem prejuízo da conservação de alguns que lhes são peculiares,ou de transculturação já verificada sob vários aspectos.

De fato, podemos repetir com Arthur Ramos, sintetizando a participação desses grupos noprocesso transculturativo do Brasil: “Seus traços culturais já penetraram na vida brasileira,especialmente seus sistemas de negócios, as feiras, os mercados externos, o comércio ambulante,os pagamentos a prestação, hábitos tradicionais, oriundos das caravanas da antiguidade fenícia.Suas iguarias e hábitos alimentares também já influenciam as grandes cidades: a carne de espeto(“láhme mixue”), o quibe, seu prato principal; o “minjádra”, o popular prato de lentilhas: o“fatuxi”, o “tabúlí” etc. Seus doces “knape”, “barázak”, “manul”, “groibe”..., à base de manteiga,nozes picadas, tâmaras, gergelim, leite, farinha de trigo, açúcar, são apreciadíssimos. Aaculturação alimentar já se delineia: de um lado, eles substituem as nozes e amêndoas pelascastanhas de caju nos seus doces, de outro lado, adaptam ao seu paladar os pratos brasileiros,como a feijoada. Resultam às vezes curiosos sincretismos, como, por exemplo, o uso dochurrasco, de fontes indígenas e ao mesmo tempo sírias (o “láhme mixue”...).

Aos libaneses, em particular, se deve a sua presença em atividades industriais: em Minas Geraiso início da indústria de roupas feitas em Juiz de Fora e em São Paulo a participação na indústriatêxtil se podem apresentar como exemplos. No interior ainda se encontra a tradição dosmascates, espalhados pelos sertões, ou percorrendo as margens dos rios da região amazônicacomo “regatão”. Muitos se dedicam à lavoura e à criação, o que se verifica, particularmente, emMinas Gerais, sertão baiano, Goiás, Mato Grosso.

Os sírios e libaneses no Brasil caracterizam-se pela reunião em associações culturais, recreativas,religiosas, artísticas e comerciais. Jornais árabes, sírios ou libaneses particularmente encontram-se também em várias cidades brasileiras, sendo de notar-se que, em 1937, se fundou no Rio deJaneiro a Associação de Imprensa Libanesa.

Um aspecto a salientar no grupo sírio-libanês é a sua capacidade de adaptação, de aceitação doselementos culturais nativos. Da capacidade de adaptação do libanês, em particular, Tanus JorgeBastiani, em seu interessante livro Memórias de um Mascate, nos conta um episódio que mereceser referido. É o caso de um libanês, Kalil, que, julgado morto por seu companheiro Miguel, foipor este encontrado doze anos depois feito cacique de uma tribo amazônica. Integralmenteindígena, ou seja, transculturado com o grupo indígena que o acolheu quando de um naufrágio, olibanês Kalil não esquecia, porém, os pratos nacionais; e entre eles o “láhme mixue”.

No mais se havia integrado na vida tribal, e aos indígenas ensinara o manejo de armas de fogo, afabricação de artigos de couro, o preparo de produtos de borracha. Casado com a filha docacique, com a morte deste passou a exercer o comando da tribo. Chefiando um grupo indígenafoi que Miguel encontrou seu patrício Kalil nas selvas amazônicas.

O judeu está em contato com o Brasil não apenas desde o começo na colonização, mas desde aprópria descoberta; na armada de Cabral já aparecem alguns judeus, e a partir de então nãocessaram de chegar ao Brasil. Com judeus, ou seja, o judeu Fernando de Noronha, primeiro

arrendatário da terra do Brasil, fizeram-se os contratos iniciais de exploração do pau-brasil;Judeus igualmente vamos encontrar ligados às atividades da economia açucareira.

Sua grande atividade, porém, era, e é, o comércio. Pode-se dizer que está em suas mãos ocomércio internacional, talvez mesmo como uma consequência de sua dispersão, o que os terialevado a uma profissão menos sedentária. No entanto, não é rara a participação israelita emnumerosas outras atividades: de administração, de profissões liberais, de magistério.

Os judeus vindos para o Brasil eram os chamados Sefardins, isto é, da própria península Ibérica:de Espanha e Portugal. Com eles se desenvolve a migração judaica para o Brasil, nos séculos queprecedem à Independência. Tomaram-se de extraordinária importância para a história do Brasilcolonial, com a atuação do Tribunal do Santo Ofício, na Bahia em 1591-93, e em Pernambucoem 1593-95, e novamente na Bahia em 1618, os judeus que, a princípio, se concentravam nessasduas capitanias, dispersaram-se por todo o Brasil. Principalmente para o Sul.

Os judeus convertidos eram chamados cristãos-novos. Cristão-velho era denominação dada aosnão-judeus. Somente no século XVIII, com Pombal, esta distinção foi abolida. Todavia, persistiuo nome de cristão-novo para os convertidos, se bem que não oficialmente.

Modernamente o grande contingente de judeus entrados no Brasil é do grupo Ashkenazim,vindos principalmente da Alemanha, Polônia, Rússia. Sua chegada ao Brasil geralmente se fazem grupos, e se vão disseminando, sobretudo em áreas onde já se encontram outros patrícios.Dedicam-se às atividades de comércio; mantêm sua unidade cultural traduzida, em particular,pela religião.

No Brasil, de par com sua religião e sua língua, o “yiddish”, uma espécie de jargão hebreu-alemão, os judeus mantêm suas festas cíclicas, entre elas a Páscoa e o Yon Kipur, esta última suagrande solenidade anual. Várias sinagogas funcionam no Brasil. Mantêm também associaçõesbeneficentes e religiosas. No comércio dedicam-se em particular aos ramos de joias, móveis,fazendas etc. São igualmente proprietários de imóveis.

Da contribuição judaica no Brasil vale destacar aquela já citada por Solidônio Leite: o preparo doferro laminado, a chamada “folha-de-flandres”. Descoberta de um judeu brasileiro das MinasGerais, preso pela Inquisição, a técnica do preparo foi transmitida por aquele a um companheirode cela, em Lisboa; este, quando libertado, a levou para Bruges, de onde se expandiu.

Outros grupos alienígenas

Ao LADO de alemães, italianos e japoneses, como também de turco-árabes, poloneses e judeus,ainda se podem registrar outros grupos como participando do processo de formação brasileira. Seentre aqueles se encontram os mais destacados, outros igualmente têm trazido sua marca; alguns,inclusive, de maneira expressiva: o francês, por exemplo. Outros, de influência ainda recente,mas igualmente expressiva: o norte-americano, por exemplo.

Mesmo aqueles que tiveram alguma atuação no período colonial — e a eles já nos referimos —igualmente no processo de imigração aparecem com contribuições por vezes expressivas na vidabrasileira. Do espanhol, por exemplo, pode-se dizer que continuamos a receber influências noséculo XIX e, ainda hoje, através de sua presença contínua e constante nas correntes imigratórias.

Desde a abertura dos portos a entrada de elementos espanhóis no Brasil tem sido grande,principalmente na segunda metade do século passado. Encaminhavam-se geralmente para SãoPaulo, em cujas fazendas de café entravam como lavradores, ao lado de italianos. Além dostrabalhos na lavoura de café, dedicaram-se também a criação de gado e à plantação de bananas.Uma característica a assinalar no espanhol é que, reunidos os primeiros recursos financeirospossíveis, procura dedicar-se ao comércio. Daí a sua grande presença no comércio de São Pauloou do Rio de Janeiro, como ainda na Bahia e em outras cidades. Para as atividades comerciais,muitos espanhóis imigrantes vinham diretamente. Assim nas cidades aparecem comocomerciantes, atividades de pequeno comércio, motoristas, garçons etc. Na Bahia os espanhóistêm papel importante na vida comercial e social, mantendo inclusive hospital de beneficência noSalvador.

No Rio Grande do Sul a influência espanhola se tem estendido à língua falada; o castelhanoinfiltrou-se no falar português da região, enriquecendo-o de termos novos, de origem hispânica,sobretudo aqueles ligados às atividades e à vida na campanha. O gaúcho, como tipo social,igualmente é um produto onde a participação espanhola é grande. Aliás, a formação desteelemento cultural — o gaúcho — foi uma resultante das condições propícias do meio, onde semisturavam, nas vastas campanhas platinas, vários grupos étnicos; e entre estes predominou o deorigem espanhola, solto na liberdade das campinas e através destas espalhando seu viver.

Através do tipo de gaúcho se incorporaram à paisagem brasileira novos valores culturais,traduzidos principalmente nas atitudes cavalheirescas e no espírito bravio, nos usos ligados àatividade da campanha, nos costumes peculiares à região, entre eles o papel essencial que cabeao cavalo, no vestuário — o “sombrero” de feltro, com abas largas e barbicacho passando peloqueixo, o lenço no pescoço, a bombacha de pano riscado ou de quadrados, ampla, abotoada àaltura dos tornozelos, o chiripá, as botas russilhanas de couro, o “poncho”, na alimentaçãobaseada no churrasco e no chimarrão, na incorporação ao português de termos castelhanos, emespecial os referentes à campanha e à atividade pastoril, intimamente ligados à cultura do

gaúcho.

Fora do Extremo Sul é pequena a participação do espanhol na vida brasileira; um ou outro traçocultural se lhe pode atribuir. E alguns que se poderiam dar como de origem espanhola foram,sem dúvida, introduzidos pelo português. São alguns desses traços os que encontramos emmanifestações folclóricas como o fandango, dança dramática no Nordeste, ou as cavalhadas,conhecidas em diferentes partes do Brasil desde o período colonial; também o uso do pandeiro ede castanholas.

Igualmente o francês, por todo o Império, continuou a estar presente no Brasil, já agora atravésde forte influência intelectual. Se do ponto de vista imigratório, formando núcleos, suaimportância é pequena, ou quase nula, no campo das idéias sua participação foi bemsignificativa. Da França nos chegou a orientação da leitura de obras literárias e científicas;também nos mandou idéias de liberdade e igualdade entre os homens.

No capítulo da vida social a moda feminina aparece fortemente influenciada pelo gosto francês:modistas, cabeleireiros franceses, instalados em várias cidades do Brasil; hábitos e costumes devida em sociedade, entre eles a conversação em francês nos salões oficiais da alta- -roda; osbanquetes com culinária de origem e de nomes franceses; as danças francesas — a quadrilha,marcada com palavras em francês (“balancez”, “changez de danjes” etc.), ou o “pas-de-quatre”.

Ainda de proveniência francesa, trazida através de irmãs religiosas para seus colégios einternatos de meninas, jogos ou brinquedos de crianças, como o “marré- -marré-de-ci”, e o “naporta da viola”, originada da ronda francesa “Sur le pont d‘Avignon”; também as artes manuais.No campo da cultura intelectual, a influência maior foi, sem dúvida, a do romantismo, através deautores franceses e livros franceses que tanto encheram o mercado de idéias. Note-se também apenetração cultural francesa através de estudantes brasileiros em Universidades da França, comoa de Montpellier, onde iam estudar, já desde os tempos coloniais, numerosos filhos debrasileiros.

Quanto ao holandês, durante o Império sua entrada foi pequeníssima. Nos censos de 1920 e de1940 o grupo holandês não teve destaque especial por tão ínfimo o respectivo contingente,incluindo-se no total de outros grupos. Os elementos imigrados encontram-se em núcleosagrícolas do Paraná e de Santa Catarina, em mistura com colonos alemães, poloneses e de outrasnacionalidades, e ainda em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

Ultimamente, porém, a imigração holandesa tem trazido melhores contingentes humanos, parauma obra de colonização que se vem revelando magnificamente vitoriosa. É o caso das colôniasem S. Paulo, das do Paraná, sobretudo a de Castrolândia e mais recentemente a experiênciacolonizadora de Não-me-Toque, no Rio Grande do Sul. Destaca-se, sobretudo, a experiência deHolambra em São Paulo, iniciada na antiga fazenda Ribeirão (município de Moji-Mirim).

Os colonos, a partir de 1948, estabeleceram-se em 5.025 hectares, desenvolvendo atividades deagricultura — trigo, arroz, café, batata-doce, cana-de-açúcar, frutas — e de criação — gadoholandês, porcos, aves. Cada colono teve um lote de 15 hectares. A área total hoje cultivada ésuperior a 1.700 hectares, e oferece um rendimento excelente em face da introdução de técnicasmodernas, principalmente com o uso de adubos e fertilizantes.

Imigrantes holandeses, alguns transferidos de Holambra, outros chegados diretamente, sãoresponsáveis por outra experiência: a de Não-me-Toque, no Rio Grande do Sul. Esta tem tidoconstante aumento no número de colonos, expandindo suas atividades tanto de agricultura comode criação. Os lotes variam em tamanho, havendo de 10 hectares os mínimos e de pouco mais de60 os máximos. Tem sido usada maquinaria moderna, que incrementou os níveis de rendimentoda produção.

Os holandeses têm sido uns difundidores de métodos racionais de cultura agrária, através deadubação, fertilização e aplicação de rotação de culturas; e isto tanto em São Paulo como no RioGrande do Sul. Suas colônias são modelos neste sentido: o de aplicação de técnicas modernaspara recuperação de terras, não raro de terras esgotadas. Daí a influência cultural que têmexercido, contribuindo para que sua experiência possa servir de exemplo para os lavradoresbrasileiros.

Do inglês há pouco que dizer. Este foi elemento que não se misturou. Ao contrário: isolou-se. NoBrasil constituiu um grupo étnico que fugiu do contato com os demais grupos. Os contatosregistrados são de natureza histórica; os dos primeiros tempos de disputa da terra na áreaamazônica.

Como imigrante é escassa sua presença. Aqui entraram os ingleses principalmente comoindustriais, ou como chefes ou gerentes de empresas, e consequentemente trazendo o capitalfinanceiro da Inglaterra na fase da expansão econômica do Brasil imperial: estradas de ferro,bancos, casas comerciais, empresas técnicas etc. Durante o Império a influência correu ao ladoda francesa, porém mais restrita ao campo político: na prática do parlamentarismo, por exemplo,moldado às linhas britânicas. Também à moda masculina, sobretudo na fase de transição para aépoca da industrialização — quando maior foi a frequência de ingleses no Brasil — com o usoda roupa branca de brim, que pouco a pouco foi substituindo o pesado “croisé”, de origemfrancesa.

Destes elementos, embora de alto nível, há alguns traços de influência a registrar; ainda não fazmuito tempo Gilberto Freyre os relembrou em livro que mostra às claras os diversos aspectos daparticipação inglesa no Brasil. Essa influência se fez sentir em particular no desenvolvimentoindustrial, da técnica de produção, de transportes, da mecanização, em suma: moendas deengenho, estradas de ferro, bondes, cabo submarino, barcos a vapor, quase tudo obra de ingleses.Outros traços ingleses: o uso do boné, do guarda-pó em viagem de trem, do vidro emsubstituição às gelosias coloniais, das varandas de ferro em lugar das de madeira, etc. Ainda nainclusão no vocabulário brasileiro de numerosas palavras inglesas que passaram ao falar comum:iate, breque, macadame, grumete, warrantagem, lóide, bonde, destroier, etc.

Mas a grande influência inglesa, aqui chegada através de técnicos que trabalharam em fábricasou casas inglesas, foi no desporto; na introdução do futebol, que se tomou mania brasileira, eainda na introdução de outros desportos. Influência não somente na técnica de realização dojogo, mas igualmente na participação de numerosas expressões inglesas no português falado noBrasil: team, back, half, goal, center, penalty, water polo, baseball, tennis, muitas delas hojeinteiramente abrasileiradas

Do belga, ou do suíço, ou do sueco, ou de irlandeses, cujos grupos figuram entre nossos

imigrantes, a influência cultural tem sido nula. Não há a destacar um traço característico de modoque a presença desses grupos se dilui na massa geral de outros estrangeiros. Nem mesmo dosuíço que constituiu o núcleo fundador da Colônia de Nova Friburgo pode-se dizer que deixouum traço mais expressivo ou marcante, a não ser, em parte, no tipo de construção: o chalégeralmente chamado chalé suíço.

Encontramos sinais de presença dos belgas no Sul, mas, como assinalamos, diluídos ouparticipantes entre outros grupos mais numerosos ou mais influentes. Os austríacos também nãodeixaram nenhum traço cultural de maior relevo; suas primeiras entradas no Brasil datam de1868, sendo esporádica, se não nula, a imigração antes desse período. A partir de então oingresso de austríacos continuou ininterrupto, embora com visíveis oscilações.

Dos russos sabemos que entraram a partir de 1871, apresentando-se alguma concentração emSanta Catarina, onde se dedicam à agricultura, embora em expressão numérica insignificante.Outros grupos que se podem lembrar ainda são os húngaros, os romenos e os búlgaros, cujasentradas iniciais datam de 1908. Finlandeses também aparecem a partir de 1919.

Do norte-americano a influência é recente; está presente neste momento histórico da evoluçãobrasileira. E esta influência, se bem que esporádica anteriormente, se tornou expressiva com aSegunda Grande Guerra. Ou mais exatamente: depois de 1930, para acentuar-se com o períodode guerra depois de 1940. É interessante assinalar o que caracteriza esta contribuição norte-americana, se considerarmos a experiência da década de 1880, com a vinda de confederadosnorte-americanos para o Brasil.

Naquele instante se verificou um contato direto da cultura norte-americana, de que eramportadores os confederados fugidos para o Brasil, com a população brasileira; a rigor, entretanto,nada ficou entre nós deste contato. Se excluirmos a fundação da hoje cidade de Americana,município de São Paulo, e o estabelecimento de colégios, de que é expressão o ainda hojeexistente Mackenzie, nada mais restou da presença norte-americana no Brasil dos fins do séculoXIX.

Pouco depois iria verificar-se, entretanto, uma influência mais forte, esta de natureza política. AConstituição Republicana do Brasil de 1891 se baseou fundamentalmente na experiência norte-americana; nossa República se organizou nos moldes da República da América do Norte;inclusive transportando para o Brasil a denominação de “Estados Unidos”, que nada justificavase fizesse, dada a diferença do que se verificara na organização republicana das unidadespolíticas do Brasil em relação ao que se verificara na América do Norte. A partir destaexperiência, a rigor nenhuma outra se poderia encontrar como reflexo da influência culturalnorte-americana.

O que, porém, iria encontrar-se justamente em nossos dias, com o período pré e pós-guerra de1939. De fato, nas vésperas da guerra — ou mais exatamente nas imediações de 1930, compequenos ou isolados exemplos anteriores — começamos a receber influência norte-americanaem vários aspectos de vida brasileira. Primeiro, ao que parece, na arquitetura; o arranha-céubrasileiro é, sem dúvida, influência norte-americana. É um dos traços que marcam, entre váriosoutros, a mudança de polos de influência no Brasil: da Europa, a França sobretudo, transferindo-se para a América do Norte, ou seja, os Estados Unidos.

O tipo de construção vertical, que representou para o norte-americano o aproveitamento deespaço, desenvolveu-se no Brasil justamente tendo aquele modelo; inicia-se no Rio e em SãoPaulo, e logo depois passa a figurar em outras cidades, numa evidente transformação dapaisagem cultural. Mesmo as primeiras transformações urbanas que vamos encontrar em SãoPaulo e no Rio nos começos do século atual — e na então Capital da República, entre 1925 e 30— não haviam ainda incorporado este traço cultural norte-americano, que só depois passou a serimitado. Imitação, na realidade, foi o que se verificou, pois não se dera o contato direto, tal comosucedia com as influências alemãs, ou italianas, ou japonesas; nem mesmo se observara com apresença dos confederados norte-americanos no século XIX.

Com a guerra intensificam-se estas relações culturais, acentuando-se a aceitação, na paisagembrasileira, de outros traços de origem norte-americana. Não apenas hábitos sociais, certasmaneiras de trajar, a divulgação de palavras inglesas dos Estados Unidos para indicar certoscostumes, mas igualmente dois aspectos que merecem especial referência: um, a expansão dashistórias de quadrinhos, com personagens ou narrativas tipicamente americanos, ou de criaçãoamericana; outro, a difusão da Coca-Cola, em substituição ao guaraná ou aos refrescos de frutasbrasileiras.

Não se esqueça, igualmente, que um dos principais instrumentos desta difusão cultural se tornouo cinema: o cinema americano. Sua larga expansão no Brasil, penetrando hoje em cidades asmais distantes, se tornou um elemento de divulgação de aspectos culturais norte-americanos, quequase insensivelmente se incorporaram ao quadro brasileiro. Que se tornaram aceitos pelaspopulações brasileiras; e passaram, por isso mesmo, a ser usados e adotados, já não mais tendoem conta sua origem, mas simplesmente como coisas brasileiras.

E influência mais recente, talvez mais forte que qualquer outra, a de nossos dias, alongando-se aoque veio do pós-guerra. Sobretudo com a televisão. Através de programas marcadosessencialmente pela presença ou pela imitação de programação norte-americana, numa difusãodos chamados “enlatados”, a presença norte-americana vem se fazendo constante. Diária.

No português comum, do dia-a-dia, o uso de palavras da língua inglesa — e não só aquelas quenos foram trazidas pelo futebol, em grande parte já abrasileiradas — se torna comum,abrangendo a linguagem econômica, política e não raro também a literária.

Um amplo quadro de relações culturais

A AMPLA informação que até aqui se deu a respeito dos grupos humanos, não raro os maisdiferenciados, que contribuíram para a formação do homem brasileiro de hoje, pode sercompletada pela apreciação do que representou esta presença, ou seja: a contribuição queresultou de cada grupo em face dos contatos havidos. Na realidade, só há contribuição quando hácontatos; a simples presença do grupo não basta para que se verifique a criatividade cultural,justamente o que se encontra no processo de formação do Brasil e dos brasileiros de hoje.

De modo que como consequência desses contatos havidos, desde o momento em que osportugueses como descobridores e colonizadores ocuparam a terra, resultaram diferentesaspectos, surgindo consequentemente os vários elementos que caracterizam a nossa culturacontemporânea, isto é, o que podemos chamar de “cultura brasileira”. São elementos culturaisque introduzidos por um dos grupos ainda conservam a marca de sua origem; outros, que sesincretizaram, criando novos valores, que caracterizam justamente o amálgama de etnias eculturas no Brasil.

O processo de ocupação humana representou, como vimos, um sistema de adaptação do homemao meio, integrando-se e criando o que passamos a chamar de ambiente; a variedade dessesambientes — aqui a agricultura, ali a pecuária, depois o extrativismo mineral, mais além oextrativismo vegetal, como predominâncias econômicas em cada um — criou experiências queserviam como fatores de adequação do homem ao seu meio: o ambiente surgido já é por simesmo um processo de criatividade. De fato, o homem procura transformar a natureza,implantando atividades que lhe servem de subsistência, em primeiro lugar, e, depois, de abrigo,de vestuário, de comércio etc. Mas nesta transformação não se viola a vocação da terra; esta éigualmente adequada, respeitando-se as condições ecológicas que oferece.

Destas relações entre o homem e a natureza surgem as atividades e as técnicas de alimentação.Nos primeiros tempos o colonizador português teve dificuldades com a alimentação; as soluçõesapresentadas eram de duas espécies: adaptar-se à alimentação do indígena, baseada sobretudo namandioca, ou importar os gêneros europeus, como, por exemplo, o trigo. Ambas as soluçõesforam adotadas. A mandioca se tomou alimento comumente aceito, entrando em fácil e rápidacirculação; através de diversas formas e sobretudo da farinha, tornou-se alimento básico na mesado brasileiro. Utilizava-se como o pão da terra, na linguagem dos primeiros cronistas; faziam-sebolos, grudes, tapioca, cuscuz, por exemplo, onde se mesclaram gostos e técnicas indígenas eeuropeus; e a estes se agregaram também os gostos e técnicas africanos. O mesmo se verificoucom o milho, o zsa maíz americano, a cujo sabor logo se adaptou o colonizador; e o milhoincorporou-se, revelado numa variedade de quitutes, como produto generalizado e típico;caracteristicamente brasileiro também.

Quando se introduziu o gado, a carne entrou na alimentação. Mas no seu preparo conservaram-se

as técnicas conhecidas pelos indígenas. Uma delas, ainda, hoje importante, ou seja a carne cozidadiretamente na brasa; é o churrasco. No Nordeste ela é secada ao sol; surgiu assim a carne-de-sol, nas humildes oficinas do Ceará. Farinha e carne eram completados com os feijões, asbatatas, os inhames, as macaxeiras. Não foi difícil, no desenrolar deste processo, o surgimento dafeijoada. E à proporção que outros produtos se tornavam comuns, apareceu o cozido,originalmente português, mas enriquecido de temperos e complementos indígenas e africanos. Evão surgindo, assim, na continuidade do tempo, outras variedades da culinária brasileira.

A alimentação enriqueceu-se com a introdução da riqueza agrícola do africano. Transculturando-se com os produtos indígenas e europeus, surge uma variada culinária, geralmente conhecidacomo africana ou como cozinha afro-baiana. Baiana, por causa da Bahia, pois foi onde realmentenasceu o processo transculturativo da alimentação afro-luso-indígena; e daí se foi irradiando.Ovatapá, o caruru, o abará, são produtos desse processo transculturativo.

Outra fonte de alimentação era a pesca. Para apanhar os peixes no mar ou no rio, os precáriosconhecimentos técnicos do indígena foram enriquecidos com a colaboração africana e européia;em alguns casos já não se pode distinguir, com absoluta independência, o que foi originariamenteíndio, ou afro, ou luso. O amálgama foi completo. A técnica de cestaria, por exemplo; numerososos instrumentos fabricados de palha usados na pesca, que receberam aperfeiçoamentos europeus,embora originariamente fossem trabalhos rudimentares do aborígene ou do africano.

A jangada originariamente indígena, cuja presença já está denunciada na carta de Caminha,embora rudimentar, tosca, ajuntamento de paus apenas, foi enriquecida com o necessárioinstrumental de pesca. A vela, ao que parece, foi acréscimo aruaque ao tosco ajuntamento depaus do tupi. Pode ter sido européia também. Na canoa que o indígena fazia aproveitando otronco da árvore, cavando-o e preparando-o, a introdução de elementos europeus e africanos foimaior. Daí o surgimento de diferentes tipos de canoa, que vamos encontrar variando segundo asregiões, e não raro tomando nomes peculiares. Há até mesmo certas características próprias, queas individualizam: as cabeças de animais, por exemplo, nas canoas sanfranciscanas.

A segunda solução foi a introdução de produtos europeus. Importou-se a farinha de trigo, e opróprio trigo; também a pimenta; o queijo igualmente era trazido da Europa. O sistema deimportação dos gêneros europeus, vindos geralmente de Portugal, logo se caracterizou com orestritivo “do-reino”, o que explicava sua origem em contraste com o que se costumava produzirna terra. O “queijo-do-reino”, a “farinha-do-reino”, a “pimenta-do-reino”. Enquanto issoproduzia-se a “farinha-da-terra”; e mais tarde começam a surgir produtos dos laticínios e outrosque, conforme as zonas de produção, vão-se distinguindo também, com restritivos; é o caso doqueijo de Minas, do queijo do sertão; o da banana-da-terra, o da pimenta-da-terra, a carne dosertão.

Acontece, porém, que as dificuldades de navegação, a longa duração das viagens, se tornavamfatores prejudiciais à introdução desses produtos, os quais, em sua maioria, chegavamdeteriorados. De modo que o produto da terra se tornava básico e indispensável. Adaptação aoqueijo do sertão ou de minas, à farinha de mandioca, ao beiju, se tomou completa. Criou-se aalimentação já brasileira, produto desse processo transculturativo, em que sobretudo o africanoenriqueceu largamente, graças ao seu notável conhecimento de variedades agrícolas, no campode tubérculos, de raízes, de verduras, de legumes etc.

Esta adaptação se foi estendendo aos novos grupos que chegavam. Exemplo bem típico se podeencontrar com os holandeses. Dominando o Recife, aí se integraram na alimentação nativa.Durante as guerras de restauração, cercados na cidade pelas tropas brasileiras, os holandesesfuravam o cerco, ou o procuravam furar, a fim de buscar farinha de mandioca em Nazaré daMata, terra onde esse produto se constituiu uma riqueza pela sua abundância e boa qualidade. É oque conta Nieuhof, quanto a esses rompimentos de cerco, por parte dos holandeses, em busca dafarinha de mandioca.

As técnicas, no quadro da produção alimentar, foram as indígenas, pouco a pouco adaptadas peloportuguês; ou, o que se verificou também, modificadas pelas que ele conhecia, transculturando-se os elementos. No preparo da mandioca o processo cultural substituiu o “tipiti” aborígene pelaprensa portuguesa; esta já era conhecida como técnica de esmagamento em Portugal e por issonão demorou a substituir a forma primitiva do índio. Lavrava-se a terra com o pau-de-cavar quealgumas populações indígenas conheciam, embora numerosas outras o ignorassem. O lusointroduziu a enxada e o arado; este de pau, puxado pelo homem ou pelo boi. O arado de pau,primeiro a ser usado em terra brasileira, ficou conhecido, dada a sua antiguidade, como “paiAdão".

Durante muito tempo ainda perdurou ao lado do arado de ferro. E ambos, ao lado do trator, aindabisonho na sua dispersão nacional, continuam a enriquecer a paisagem agrícola do País, nocampo das técnicas.

No trabalho agrícola, no cuidado da terra, predominou a técnica da coivara, de origem indígena,mas que não era estranha também ao conhecimento de lusitanos e africanos; a queima da terra,como preparo do solo para plantio, é prática quase universalmente conhecida. Dada aprecariedade de conhecimento da rotação de culturas, o que predominou, de começo e se vemprolongando até nossos dias, é preferencialmente a rotação de terras. Esta mudança de áreasrepresenta, no fundo, uma tradição da coleta indígena que levava a tribo ao nomadismo.

Para fazer sua habitação o colono também procurou adaptar-se à natureza; ora utilizando materialpor esta fornecido, ora construindo seu abrigo de acordo com as condições do meio. A casapopular, de simples colonos, artífices, lavradores, reflete a primeira hipótese; a casa- grande deengenho, as casas dos primeiros agrupamentos urbanos, constituem a segunda. A casa é baixa,larga, ampla, gorda; acolhe, na sua extensão horizontal, a família patriarcal, abrigando-a do climatropical ou subtropical, com suas portas, numerosas janelas, a telha-vã, o piso de tijolo, avaranda. As varandas são propícias para armar redes. Mais tarde, já nos fins do século XIX, adifusão do mocambo constitui também uma adaptação ao meio; os elementos da natureza sãoaproveitados, e o tipo de construção, com suas águas amplas, representa uma adaptaçãoadmirável como solução climática.

Menos condicionada ao meio é a senzala, onde moravam os escravos. Esta foge inteiramente àadaptação ecológica, embora se utilize na casa a técnica nativa. É uma construção, sob certoaspecto, popular, pois usa técnicas conhecidas, inclusive a parede de adobe e o teto de telha-vã.Os problemas de aeração ou de iluminação é que não são devidamente resolvidos. Foi o que, empleno meado do século passado — 1856 — denunciou o médico pernambucano Joaquim deAquino Fonseca.

O indígena, pelo menos aquele com o qual logo entrou em contato o colonizador, não conheciaroupa; o vestuário, pois, foi introdução européia, e por isso mesmo logo o brasileiro passou aacompanhar a moda de Portugal, a princípio, e depois a inglesa, a francesa, a americana. A coisafoi variando, segundo os tempos. Precário de roupa era também o negro africano, que, todavia,encontrou admirável adaptação ecológica, no sistema de trabalho escravo, ao usar calça,despindo-se da cintura para cima, no eito. É certo que, em relação ao indígena, o africano eramuito mais rico, no que toca ao vestuário. Inclusive, aqueles grupos que estavam influenciadospelo islamismo, usavam trajes árabes: o camisolão (camisu), o gorro (ifá), as sandálias.

Deste modo o vestuário, no Brasil, procurou manter as linhas lusitanas, sem prejuízo de certasadaptações regionais. O sistema africano do trabalho, nu da cintura para cima, estendeu-se aocaboclo trabalhador rural, que às vezes usa camisa de pano muito leve, semi-aberta, de mangasarregaçadas. Os próprios senhores, segundo tradições chegadas aos nossos dias, usavam em casatrajes mais leves: o timão ou camisola e ceroula, por exemplo; aliviavam assim o pesadovestuário das visitas, dos almoços, das missas, dos passeios.

Mesmo os grupos estrangeiros, aqui chegados com a imigração, muitos deles trazendo seusvestuários de uso nas respectivas regiões de origem, também se adaptaram ao uso local.Sobretudo aliviaram certas peças do vestuário, adotando o traje comum do brasileiro, com o queatenderam às exigências ecológicas do ambiente.

A rigor, não se encontram no Brasil trajes típicos, específicos, que caracterizam um grupo ouuma região; neste ponto, portanto, não herdamos a variada riqueza do vestuário português, desensível diferenciação segundo as regiões de Portugal. Entretanto, podemos encontrar no Brasiltrês vestuários característicos: o dos vaqueiros do Nordeste, o das baianas e o do gaúcho. O trajedas baianas, surgido na Bahia, e daí seu nome, originou-se dos grupos africanos, cada um dandosua contribuição cultural: os sudaneses, através dos iorubas, com os panos vistosos, as saiasrodadas, a cor correspondendo a uma filiação a Orixá; os negro-maometanos, atravésespecialmente dos haussás, com os turbantes, as chinelas; e os bantos, com o xale da costa, osbraceletes, os argolões.

O do vaqueiro e o do gaúcho, embora se liguem ao exercício de uma mesma atividadeeconômica, oferecem particularidades, da mesma forma que se distinguem os dois elementostanto étnica como culturalmente. O do vaqueiro do Nordeste teve como base a utilização docouro de veado ou de bezerro, da cabeça aos pés; chapéu de aba, fundo chato ou cônico,quebrado de várias maneiras; gibão ou casaco de mangas, não raro usado sobre o ombro; oguarda-peito, que é uma espécie de avental, preso ao pescoço e cobrindo a frente do corpo até acintura; perneiras apertadas; sapatos grossos, alpargatas ou sandálias. De seu lado, o traje dogaúcho sofreu forte influência hispânica, através do contato com grupos espanhóis da áreagaúcha platina (Argentina e Uruguai). Caracteriza-se, geralmente, pelo uso das bombachas,calças largas caindo sobre as botas curtas, ou chiripá, pano que enrola as pernas amarrando-se naguaiaca (cinturão), o sombrero, chapéu desabado; chilenas ou grandes esporas; e o poncho,manto com abertura no pescoço.

Tanto num como noutro desses dois vestuários, vemos que se ligam às condições de clima, deum lado, e de outro lado, à defesa contra o meio. O do vaqueiro do Nordeste representa,principalmente, o contato com o meio físico da caatinga, em que o couro é defesa natural,

preservação contra a agressividade da flora. Por sua vez o gaúcho traduz o clima frio em quevive; a lã e a seda são meios de proteção contra o frio, melhor aclimatando o homem ao ambienterespectivo.

Afora algumas das técnicas já referidas, não foram poucas outras que se introduziram na vidabrasileira, contribuindo para a formação de seu quadro cultural contemporâneo. Do indígenacolheram-se o moquém; o aproveitamento da cabaça para cuia da farinha ou para banho — ocelebrado banho de cuia; a muqueca; o preparo do guaraná e do mate; o modo de andar a pé emfila por um, observado principalmente no interior, constituindo a fila indiana; o preparo de cestasde palha de coqueiro ou de folha de bananeira; a utilização de alimentos com base na mandioca;o preparo de vinhos copio o assai, ou de alimentos, como os da Amazônia, com base no pescado.

Do africano, por sua vez, pode-se arrolar uma contribuição não menos expressiva, que sediversificou bastante conforme a região por ele mais ou menos influenciada; dele recebemos opreparo de numerosos alimentos, com base na pimenta e no dendê, que constituem a chamadacozinha baiana; o uso da pedra de ralar, da colher de pau e da folha de bananeira nos trabalhos decozinha; a construção de mocambos, onde também figura a técnica indígena; certos instrumentosde música hoje popularíssimos entre nós: o berimbau, o atabaque, o jongo, a cuíca, tantos mais.

De outros grupos étnicos, posteriormente chegados ao Brasil, introduziram-se numerososelementos culturais, que se adaptaram ou que integralmente se fixaram na paisagem brasileira: aalimentação baseada nas massas de origem italiana, é um exemplo; técnicas de construçãoitaliana ou alemã; o chucrute, de origem alemã; bandas de música, clubes recreativos, jogoscomo o bolão, introduzidos pelos alemães; a carroça ou carroção, de origem polonesa, comum noSul; modas de vestuário, predominantes no século XIX e começos deste, em que se traduzia ainfluência francesa, no elemento feminino, e a inglesa, no masculino; danças, jogos e brinquedosinfantis, de origem francesa; o futebol, de origem inglesa, logo irradiando-se e inteiramentenacionalizado hoje em dia como o mais característico dos desportos brasileiros; as influênciasjaponesas, principalmente na diversificação alimentar com o uso de verduras e legumes, atéentão pouco disseminado.

Ainda o quadro de relações culturais

A ESTES aspectos de relações culturais verificadas no sistema adaptativo, podemos igualmenteacrescentar aqueles que se realizam no sistema associativo, onde não foi menor nem menosimportante o desenvolvimento do processo. Se é certo que o padrão da sociedade brasileira foifundamentalmente aquele predominante em Portugal, trazido pelos portugueses para além-mar,não há esconder, todavia, que esse processo se enriqueceu sobremaneira no Brasil.

Transladou-se para o Brasil a organização da sociedade acentuando-se aqui, com o espírito socialda época, o sistema escravista. A repugnância pelo trabalho manual já marcante na sociedadeportuguesa, segundo o expressivo depoimento de Clenardo, desenvolveu-se no Brasil; a mania defidalguia trouxe-a baila o surgimento de uma aristocracia rural, que, em seus inícios, era formadaprincipalmente dos senhores de engenho, aristocracia que a poesia de Gregório de Matosironizou em seus versos satíricos:

“Só sei que deste Adão de massapê,

Uns Fidalgos procedem desta terra.”

A família patriarcal encontrou no pater famílias, o seu ponto alto; o domínio do homem — dopai, do marido, do patriarca — se tornou destacado, e em torno dele se desenrolaram asatividades sociais. A mulher, salvo raras e históricas exceções, não tinha vez; não escolhiamarido, cuidava dos filhos, não recebia visitas, pois vivia em quase completa reclusãoinacessível aos olhos dos visitantes. Só aos poucos a situação foi mudando; lentamente embora,no decorrer dos séculos, as mudanças se foram verificando, sem uma alteração mais profundadas bases estruturais existentes. E só quando se desenvolve a vida urbana, e isto já nos fins doséculo XIX, é que a transformação se acelera.

Até então as modificações são lentas, demoradas, quase imperceptíveis. O patriarcalismo dominaa vida social. Esta, de modo geral, se faz nos meios rurais: festas em engenho, visitas de famíliade um engenho a outro, para passar o domingo ou para festas ou enterros, festas de botada,enfim, tudo aquilo que se ligava à vida no campo, pois predominava a sociedade rural, que, arigor, era quase única. O casamento endogâmico predominou, e somente com o crescimento davida urbana é que começou a desaparecer. É que as escolhas se faziam em família, com oscasamentos realizados ainda as moças quase meninas, com quinze anos, não raro com treze anosmesmo. Feita a escolha pelos pais o casamento se celebrava. Era uma das festas sociais da vidarural.

A organização da família, no regime patriarcal, e o casamento, não raro, eram marcados por suasraízes econômicas; relacionavam-se à própria estrutura, da economia regional ou às condições demanutenção de um novo lar. Daí os desdobramentos de propriedades por casamento, através dosdotes paternos. De outro lado, para evitar tais desdobramentos provocavam-se os casamentosendogâmicos, muito comuns nos primeiros tempos; a escolha se fazia dentro da própria família,sobretudo entre primos em primeiro grau.

Com o alargamento da sociedade brasileira, a quebra dos padrões patriarcais, a introdução dosgrupos imigrados, no século XIX, o panorama começou a transformar-se; e já em nossos dias ocasamento interétnico apresenta-se em níveis bem expressivos, mostrando agora, através deoutros elementos humanos, o desenvolvimento do processo de mestiçagem. Alguns dados pornós divulgados em estudo anterior possibilitam conhecer melhor este aspecto da paisagem socialcontemporânea do Brasil: a do casamento interétnico.

De fato, tem-se incrementado o casamento entre pessoas de origens étnicas diferentes. Mesmoentre os japoneses, grupo que tem sido apresentado, por numerosos autores, como infenso àmiscibilidade, preferentemente endoétnico, encontram-se dados estatísticos que permitemmostrar o grau de miscigenação que está havendo nas relações étnicas. E o mesmo sucede comoutros grupos. Intensificam-se os contatos sociais, que se aprofundam no processo demestiçagem, e não apenas no de transculturação.

E este ambiente rural projetou-se no urbano, quando este começa a surgir. De fato, os começosda vida urbana são grandemente marcados de hábitos e costumes, de usos e tradições, trazidos domeio rural; uma como que ruralização do meio urbano, da cidade. Estende-se até esta ainfluência do campo; e as famílias vindas dos engenhos, das fazendas de criação de gado, dasfazendas de algodão ou de café, alongam-se à vida citadina através de seus hábitos e seuscostumes.

Esta influência era, em geral, aquela mesma que se fazia sentir na organização política. A talponto chegou essa influência — a da família, através do chefe que é geralmente o líder político— que Gilberto Freyre lembra que “o rei de Portugal quase que reina sem governar”; a família,em geral, é que representa a organização do Estado. Transladado de Portugal o sistema político,nele logo se fez sentir a influência dos grandes proprietários, dos homens do campo. Naadministração, nas câmaras municipais, o domínio da grande propriedade se traduz de diversasmaneiras; e através dos chamados “homens bons” constituem-se os órgãos administrativos, ascâmaras municipais, as funções públicas, com elementos vindos do meio rural ou indicados pelosgrandes proprietários. Verificava-se assim um alongamento das relações sociais às relaçõespolíticas; o espírito associativo da família alongava-se à vida política.

Uma série de experiências marca a organização da administração pública no Brasil. Primeiro,foram as capitanias chamadas hereditárias, em que se dividiu o território brasileiro, em 1534. Acada donatário foram dados poderes de governante, no território de sua capitania.

Mais tarde, em 1548, veio a experiência do Governo-Geral, contra que se levantam os capitãesdonatários, na defesa de suas prerrogativas, o que contribui para que não tivesse o efeitodesejado, sobretudo o de unificação administrativa completa, a experiência do Governo-Geral.De fato, os donatários continuaram a ser, no âmbito de suas capitanias, senhores de baraço e

cutelo.

Com o Governo-Geral começam a funcionar os órgãos que se criaram nas vilas então fundadas— as Câmaras, as Provedorias, as Procuradorias, os Juizados. Sobre as novas autoridadesestende-se a influência da família. De certo modo, a Vila é um prolongamento da propriedaderural; dela depende, quer quanto à vida de seus habitantes, quer ainda quanto às suas autoridadesconstituídas.

De modo geral, as instituições transladadas tiveram aqui, no Brasil, de adaptar-se àspeculiaridades locais. O que se sente, desde os começos, e ainda hoje se reflete na organizaçãonacional, é a predominância dos costumes, ou do Direito costumeiro, sobre as leis, o Direitolegislado em Portugal como metrópole, ou mais tarde pelo próprio Brasil, como paísindependente. A unidade da organização política é a Vila; mas tanto quanto a Vila, a unidadereligiosa— a Freguesia — apresenta importância nos quadros desta estruturação. A Freguesiaconstituía a unidade eleitoral, a unidade demográfica, a unidade associativa. E tanto na Freguesiacomo na Vila se faz sentir a influência da família patriarcal.

Na Câmara se congregam as autoridades da Vila; compõem-na o Juiz (de Fora ou Ordinário,conforme o caso), como presidente, três ou quatro vereadores, um procurador, dois almotaces eum escrivão. A função deliberativa era exercida exclusivamente pelos Vereadores, sob apresidência do Juiz; daí chamar-se inicialmente “Vereança”, pois só mais tarde tomou o nome deCâmara. De acordo com as Ordenações Manuelinas e, posteriormente, as Filipinas, os JuízesOrdinários, os Vereadores, o Procurador, o Tesoureiro e o Escrivão eram eleitos, por eleiçãoindireta, entre os “homens bons” da terra. O Regime das Ordenações Filipinas, quanto àorganização municipal, prevaleceu até após a Independência do Brasil, ou seja a promulgação dalei de l.° de outubro de 1828.

No decorrer deste período, entretanto, outros aspectos foram moldando a organização política doBrasil; modificações foram sendo introduzidas de conformidade com as exigências do próprioambiente. É que a livre iniciativa do brasileiro foi, aos poucos, influenciando no processo daorganização política; o espírito de liberdade foi-se fazendo sentir na formulação dos problemaspolíticos de um território cuja importância era muito maior do que uma simples colônia demetrópole distanciada. Daí as alterações que aos poucos sofreu a legislação portuguesa no Brasil,quanto à organização da estrutura política.

Além do Governador-Geral, que pouco a pouco perdeu sua autoridade em face da influência dasdonatarias, havia os Governadores, Capitães-Generais e Capitães-Mores de Capitanias, e osCapitães-Mores de Cidades e Vilas. Posteriormente, em 1602, foi dado ao Governador e Capitão-General da Bahia o título de Vice-Rei; entretanto, não houve continuidade nesta concessão, poissó a partir de 1768 é que o título se tornou permanente, conferido agora ao Governador eCapitão-General do Rio de Janeiro, para onde se transferira, naquele ano, a capital do Brasil. Ohistoriador Arthur César Ferreira Reis explica muito bem a função e autoridade do Vice-Rei: “Oque houve, no Brasil, foi assim apenas um funcionário graduado, o Capitão-General eGovernador do Rio de Janeiro e territórios a ele subordinados ou sujeitos, distinguido com aconcessão desse título. Porque a esses vice-reis não se concederam poderes mais amplos, não selhes atribuiu uma atuação que cobrisse, por exemplo, toda a área brasileira de Norte a Sul e maisgovernantes de Capitanias maiores ou menores. Face, por exemplo, aos Capitães-Generais de

São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Maranhão e Pará, o Vice-Rei do Riode Janeiro era funcionário como eles, sem qualquer poder maior que o deles”.

Mais tarde o Brasil torna-se Reino Unido; é título que passa a incorporar-se ao do Rei dePortugal: Rei de Portugal, Brasil e Algarves. A presença do príncipe regente, depois D. João VI,no Brasil, a partir de 1808, torna-se de grande importância para o prestígio brasileiro. O Brasilpassava à sede da administração régia, o que lhe assegura mais amplo prestígio; de cá se governapara o que havia sido e era considerado Metrópole. E este fato, sem dúvida, iria refletir nacondução dos negócios de que resultaria a proclamação da Independência em 1822. Tornava-se oBrasil país independente, nação soberana, constituído o Império que a Constituição de 1824regeu até 1889 com a alteração, aliás, fundamental, de 1834, o chamado Ato Adicional.

Vale a pena, a esta altura, salientar a importância deste Ato Adicional, de agosto de 1834. AConstituição outorgada em 1824 havia cerceado as liberdades provinciais, estabelecendo com osentido unitarista do Império uma quebra da tradição autonomista, ou quase diria federalista, quevinha dos começos da colonização: de 1534, pelo menos. Desta forma, começou a reação dasProvíncias, que viam esfacelar-se a tradição de autonomia regional. E esta reação culminou coma assinatura do Ato Adicional que, modificando a Constituição, abria certas franquias àsProvíncias, muito embora a Presidência delas coubesse a pessoa nomeada diretamente peloImperador.

Contudo, se não completa, a liberdade começou a ser restaurada democraticamente; as facçõespolíticas, pouco a pouco, foram compreendendo a importância da situação, e outras regaliasforam sendo concedidas às Províncias. Estas passaram a ter Assembleias Provinciais, cujoscomponentes eram escolhidos em eleições. Abria-se assim caminho para preservação daliberdade política que, de fato, em 1889 a República restaurou completando-a com o sistemafederalista, que atendia à mais antiga tradição democrática brasileira.

O Império, organizado sob o regime unitário, manteve, em suas linhas gerais, a estrutura vindada colônia; as modificações introduzidas originaram-se do novo caráter de país independente quepassava a apresentar o Brasil. O Imperador, auxiliado por ministros, que constituíam o Gabinete,era a autoridade suprema, inclusive com o Poder Moderador, que era pessoal, acima doExecutivo que, com o Ministério, lhe cabia representar. As antigas Capitanias se transformaramem Províncias, governadas por Presidentes nomeados pelo Imperador. O poder legislativocompunha-se do Senado, ocupado por senadores vitalícios escolhidos pelo Imperador, em listatríplice de nomes eleitos pela respectiva Província, e de Câmara dos Deputados ou AssembléiaGeral; nas Províncias, funcionava a Assembléia Provincial. Nos Municípios continuavam aexistir as Câmaras Municipais ou de vereadores.

É evidente que muitos desses padrões sofreram transformações — e não raro transformaçõesprofundas — no correr dos tempos; o espírito de liberdade, e sobretudo de livre iniciativa,assegurou estas transformações em condições que ofereceram oportunidade para bem seconhecer o sentido da evolução brasileira. Não apenas este espírito de liberdade, de um lado, senão também a aceitação de novas idéias, de outro lado, foram contribuindo para estastransformações. E no quadro político mesmo devemos registrar a ascensão dos descendentes deimigrantes, não raro ainda em primeira ou segunda geração, que se incorporaram ao processopolítico, participam de partidos, disputam cargos eletivos, ocupam postos executivos, lideram

movimentos ou campanhas.

Essa ascensão política do descendente do imigrante, que se verifica destacadamente nos Estadosdo Sul, onde mais sensível foi a contribuição da imigração, constitui uma das características doespírito democrático da formação brasileira; não existe privilégios, nem tradicionalismo defamília a impedir a participação de qualquer brasileiro, seja qual for sua origem, no processopolítico, e, de modo geral, no processo social. Muitos desses descendentes de imigrantes têmascendido a altos cargos políticos — ministros de Estado, governadores, deputados, senadores daRepública; e não apenas a modestos cargos locais — de vereadores ou de prefeitos. Hoje em diagrande parte das posições políticas, administrativas ou legislativas, em qualquer dos âmbitos —o federal, o estadual ou o municipal — está ocupada por esses descendentes; podemos destacar,de modo particular, descendentes de imigrantes, de sírios e libaneses, de japoneses, em SãoPaulo, de italianos, de alemães, de poloneses, nos Estados do Sul, de alemães e italianos tambémno Espírito Santo e Minas Gerais.

Um estudo a ser feito seria o que mostrasse as origens étnicas dos componentes do CongressoNacional e das Assembleias Estaduais; este estudo evidenciaria como se intensifica, nos últimosanos, a participação dos descendentes de imigrantes em postos eletivos, e sua sensível influênciano desenvolvimento do processo político nacional. Evidenciar-se-ia também que, apesar depredominar no Nordeste os nomes de famílias de origem luso-brasileira — os nomes que, demodo geral, se consideram tradicionais: Albuquerque, Lopes, Amaral, Ribeiro, Costa, Silveira,Silva, tantos mais — também aí vão aparecer os descendentes de imigrantes, enriquecendo assimo quadro da política regional com sua participação.

Mas é sobretudo de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, que chegamsobrenomes testemunhando a origem imigrantista de seus antepassados. São descendentes deitalianos, de alemães, de japoneses, de poloneses, que se incorporam ativamente à vida nacional,uns no Congresso, outros na administração — ministros ou secretários de Estado, chefes deentidades autônomas, e alguns ocupando a Presidência da República: Mazzili, Médici, Geisel.

O fato de falar-se, quanto a estes descendentes, em ítalo-brasileiro, ou nipo-brasileiro, ou teuto-brasileiro, não indica, nem de longe, que se esteja fazendo uma distinção de natureza ideológicaou de sentido político ou até mesmo de discriminação. É antes, e unicamente, uma identificaçãoquando à origem com que ingressou e participa da cultura brasileira ou de nossa gente. Damesma forma que falamos que fulano é papa-gerimun, beltrano é cabeça-chata, sicrano é barriga-verde.

O que traduz, acima de tudo, o espírito de nossa formação: um povo aberto aos mais amploscontatos humanos e culturais; um espírito de aproximação, de colaboração, de integração.Contatos indiferentes à cor da pele ou à diversidade cultural; independentes de costumes ou delínguas; alheios às diferenciações de comportamento. Da mesma forma que portugueses eindígenas se entenderam desde o momento da descoberta, também portugueses e indígenas seentenderam com os negros trazidos pela escravidão. E todos juntos, no amálgama da populaçãohoje brasileira, se entenderam com os imigrantes chegados a partir do século XIX.

E, ainda dentro dessas considerações, deve verificar-se que essa ascensão social e política se temtornado possível também a elementos vindos de origens modestas, não raro marcados por uma

cor de pele mais escura, mas cujas condições de inteligência e de cultura possibilitaram o acessoa cargos públicos. O que se evidencia não apenas na representação legislativa, mas igualmentenas posições executivas; e não se esqueça que à Presidência da República chegou um desseselementos, não claro nem de olhos azuis, mas moreno, bem puxado a mulato

As relações associativas que se verificaram na organização econômica sentiram, mais do que emoutros setores, a influência de fatores da terra, ou dos contatos aqui havidos. O processo deadaptação e integração ao meio traduziu-se na organização econômica, de forma mais completa.O sistema de propriedade da terra transladado pelo português aqui tomou feição nova, sobretudocom o surgimento da plantation. Este tipo de propriedade representou uma criação em terratropical ou subtropical; e a América foi o seu campo de experiência. No Brasil, a plantation foi ade cana-de-açúcar; mais tarde a de café e a de cacau vieram incorporar-se a este quadro. Ao ladoda plantation desenvolveu-se a fazenda, como a grande propriedade, agrícola ou pastoril, e aindaextrativista. Multiplicaram-se as formas de relações de trabalho, sobretudo com a extinção doregime escravo.

A grande propriedade territorial foi a base da agricultura no Brasil. Era símbolo de riqueza, aolado da escravatura. O cultivo da terra volta-se para os produtos de exportação, sobretudo dematérias-primas, gêneros de alimentação e especiarias, que os mercados europeus consumiam emgrande escala. Planta-se cana-de-açúcar, e produz-se açúcar que é comerciado para a Europa;planta-se algodão, que igualmente é vendido para o exterior; as especiarias da Amazônia,chamadas “drogas do sertão”, são coletadas e enviadas também para a Europa, dada a escassezdos produtos asiáticos, cujo recebimento se torna retardado ou demorado. E assim voltada para ocomércio exterior é que se desenvolve a agricultura brasileira.

Isto não exclui, porém, a cultura dos gêneros de subsistência, o que ainda mais acentua oprocesso transculturativo, sobretudo com a mandioca, o milho, o feijão, o arroz, produtos uns daterra, outros trazidos pelo português. Tornou-se este — o português — um elemento estimuladordo intercâmbio de produtos da América para Europa e Ásia, da Ásia para a América e Europa, oude África para a América, ou desta para aquela.

De 1530, data do primeiro documento sobre o regime de propriedade da terra no Brasil, até opresente, poucas modificações sofreu esse regime; a situação da estrutura agrária não temrecebido transformação. O sistema da exploração latifundiária, através das grandes concessõesque se fizeram desde a colonização, continua vigorando. A estrutura que nos foi legada pelacolônia ainda hoje predomina, se bem que agora já se acentuando com a intensificação dominifúndio, em decorrência principalmente da parcelação de propriedade pelo regime deherança.

Somente duas experiências podem anotar-se como tentativa de quebra dessa velha estrutura. Aprimeira, ainda no século XVIII, é conhecida como colonização açoriana. Vieram imigrantes dosAçores, em especial para o Sul do Brasil — Santa Catarina e Rio Grande do Sul — e aí seestabeleceram pelo regime de pequena propriedade. A experiência, todavia, não tevecontinuidade, e por isso mesmo não exerceu a influência que seria de esperar. Ao contrário:continuou a florescer a grande propriedade.

A segunda experiência se verificou no século XIX, e para ela se utilizou a imigração européia,

principalmente alemães e italianos, que fundaram colônias no Rio Grande do Sul, Santa Catarinae Paraná, recebendo cada família um pequeno lote que, entretanto, não pôde prevalecer em outrasáreas, como a Bahia ou Pernambuco, por exemplo; aí o domínio quase imperial e exclusivista dagrande propriedade impediu o florescimento da pequena propriedade de colonos estrangeiros.Entretanto, no Sul, desenvolveu-se. É certo que, hoje, a pequena propriedade em algumas áreasse tornou verdadeiro minifúndio, em virtude da fragmentação pela herança, de um lado, e, deoutro lado, pela pressão demográfica.

Nem o Império, nem a República ofereceram ao regime de propriedade da terra no Brasilqualquer modificação substancial; o Império criado com a colaboração dos grandes proprietáriosrurais sofreu a influência destes em sua organização política, econômica e social.Consequentemente, nada se modificou que pudesse afetar os interesses dos grandes proprietários.Quanto à República, em parte, se deu o mesmo; os grandes senhores da terra e de escravosajudaram a fundar a República, e orientaram, como era natural, sua organização. Nem mesmo oCódigo Civil, promulgado em 1917, alterou a estrutura da propriedade rural ou, pelo menos, asrelações de trabalho no campo.

Apenas a Constituição de 1946 procurou modificar a situação ao condicionar o uso da terra aobem-estar social, podendo a lei ordinária promover a justa distribuição da propriedade com igualoportunidade para todos (art. 147). Todavia a execução deste dispositivo foi freada pelo quedispõe o artigo 141, § 16, ao estabelecer que a desapropriação por interesse social, que seria ocaso do artigo 147, somente pode verificar-se mediante prévio e justo pagamento em dinheiro.Assim se tem tornado inexequível a possibilidade de uma reestruturação do sistema agrárionacional.

A partir da Revolução de 1964 criaram-se novas condições para a reformulação do problemaagrário não só através do texto constitucional de 17 de outubro de 1969 (art. 161 e seusparágrafos) como ainda da legislação ordinária; a estes instrumentos político-jurídicos juntou-secomo principal o Ato Institucional n.° 9, de 25 de abril de 1969. Com este documento legalcriaram-se condições para a realização da Reforma Agrária compatível com as aspirações dedesenvolvimento econômico, mas executada sem violência ao direito de propriedade. O AtoInstitucional modifica a redação do parágrafo l.°, substitui o parágrafo 5.° e revoga o parágrafo11, tudo do artigo 157 da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, substituída pelo acimareferido novo texto constitucional de 1969.

Complementando o Ato Institucional n.° 9, foi assinado decreto-lei dispondo sobredesapropriações por interesse social, dentro dos novos critérios estabelecidos pelo AI-9. Comesse instrumental jurídico, de fundo político autenticamente revolucionário, abriram-seperspectivas para uma Reforma Agrária condizente com as exigências do progresso nacional e asaspirações do bem comum.

Passaremos agora a examinar alguns aspectos das relações culturais no sistema ideológico, ondeigualmente se verificam as características que tomou, no Brasil, esse processo. Começaremospela idéia religiosa.

O catolicismo transplantado pelo português para o Brasil aqui sofreu, como seria de esperar,certas adaptações oriundas da necessidade de atender às peculiaridades da nova terra. As

condições em que se processou a colonização do Brasil contribuíram para que se atenuassem osescrúpulos ou os princípios morais, exigidos pela Igreja Católica, para se aceitarem, poracomodação talvez, certos desregramentos ou irregularidades. Além do Equador, não haviapecado, era a concepção européia: ultra equinoxiálem non peccavi. Tudo se permitia, pois.

Coube ao catolicismo, neste processo de ocupação humana, a tarefa, não raro dificílima, dedisciplinar as relações sociais e a própria formação moral da sociedade que então se constituía.De modo que teriam os sacerdotes de usar de suficiente força no sentido de evitar os excessos,mas, de outro lado, de contemporizar tolerantemente com certas atitudes. Muitas destas atitudes,aliás, oriundas das classes dominantes, o que dificultava ainda mais o trabalho a ser realizado.

Ao lado do sentido puramente religioso trouxe o catolicismo que se adaptou ao Brasil o sentidode comemoração profana das festas de Igreja: festas populares tão comuns em todas as áreas dopaís, mesmo as mais intensamente apegadas ao catolicismo, como as rurais. Estas festas —novenas, tríduos, mês de maio, Natal — se caracterizam por seu prolongamento ao lado profano,a que talvez não seja estranha certa influência de festividades africanas. Ou, pelo menos,influência democratizante da participação dos escravos nessas festividades religiosas.

A religião católica no Brasil, praticada em suas missas, suas procissões, suas novenas, em seumês de maio, Semana Santa etc., apresenta este caráter de influência profana, ou, seria melhordizer, de extravasamento profano, sem que lhe falte, todavia, sentimento religioso e espíritocristão. O uso tradicional de roupas pretas, por exemplo, nos atos da Semana Santa, em particularos de quinta-feira e de sexta-feira, é um exemplo; exemplo, é certo, que se vem transformandonos últimos tempos, sobretudo nos meios urbanos, de modo a modificar esse hábito, que setornou uma das constantes de nosso sentimento religioso.

Não se deve esconder, porém, que a esse espírito religioso, mesmo o intensamente católico, nãofaltam certas sobrevivências acumuladas pela influência indígena ou pelas práticas africanas. Ouso de amuletos, por exemplo. A figa é coisa que quase todo brasileiro usa, com a finalidade deafastar os maus espíritos ou o mau-olhado; e a figa, como se sabe, foi introduzida pelo negroafricano. As benzeduras ou as curas de mau-olhado ou de doenças são outros traços recebidosnão apenas dos africanos como também dos indígenas. Os sonhos e sua interpretação, asadivinhações, os tabus são manifestações igualmente encontradas entre as populações católicasdo Brasil.

Não foi difícil, por isso mesmo, o sincretismo religioso verificado com os cultos africanostrazidos pelos escravos. Com as práticas dos nagôs, principalmente, surgiram formas sincréticas,de que resultou o candomblé. Este se tornou um produto já brasileiro, um resultado do processotransculturativo. Às práticas da religião dos orixás dos iorubas juntaram-se crenças católicas: enão é raro o terreiro de candomblé que não seja batizado com nome de santo católico: SantaBárbara e São Jerônimo, sobretudo.

O culto dos orixás, trazido pelos africanos, transformou-se no candomblé da Bahia, xangô doNordeste, macumba do Rio, tambor de crioula do Maranhão. A celebração é feita em templospróprios, os terreiros, constituindo seus altares, cuja visita é reservada aos iniciados, os pejis. Ossacerdotes são chamados Babaloríxás ou Babalaôs, e, quando se trata de sacerdotizas, Ialorixás.As filhas-de-santo são as crentes, filiadas sempre a um dos orixás. Cada um dos orixás foi

identificado com um santo católico.

O sincretismo, entretanto, alongou-se e abrangeu também o espiritismo, sobretudo na formaçãodo culto, no Rio de Janeiro, onde a forte influência banto deu em resultado os cultos chamadosde Umbanda ou Embanda. Desta forma verifica-se que os grupos culturais africanos mantiveramsuas práticas religiosas sincretizadas com o catolicismo ou com o espiritismo. Só os africanos decultura maometana se conservaram isolados, sob este aspecto, praticando sua religião em suapureza, com os ritos islamitas.

A prática religiosa se foi diversificando em diferentes manifestações, sejam as de origem negro-africana, sejam as de outras origens. A introdução do protestantismo, a princípio com algunsgrupos imigrados, depois de modo mais franco, com o proselitismo, é um desses aspectos.Rápido o protestantismo se tem disseminado no Brasil. A princípio a população chamava osprotestantes de bode; depois, foi aceitando, e o próprio espírito de tolerância e de liberdade dobrasileiro foi contemporizando. Através das diferentes seitas introduzidas, foi se divulgando noBrasil o anglicanismo, o adventismo, o batista, o sétimo dia, o pentecostal, e vários outros.

Deve assinalar-se que a essa introdução de outros cultos — no caso, em especial, os cultosprotestantes — não foi estranha a presença de correntes imigratórias européias, a partir do séculoXIX. Com os alemães introduziu-se o luteranismo no Brasil; e ainda hoje em várias áreas doPaís, que foram inicialmente de colonização alemã, encontram-se os templos luteranos; tambémos holandeses, mais recentemente, têm introduzido o protestantismo. Nos começos da imigração,em 1828, colonos saídos de São Leopoldo fundaram duas colônias, que se marcaram pelainfluência religiosa: os católicos deram início à colônia de Torres, e os protestantes, à de TrêsForquilhas.

De seu lado o imigrante italiano tem sido um disseminador de cultos a santos católicos até entãonão conhecidos no Brasil; santos, que eram os padroeiros de suas aldeias na Itália, se tornaramigualmente padroeiros de novas vilas brasileiras. Saliente-se, igualmente, que o culto dessespadroeiros se tem feito de maneira tradicionalmente brasileira: com novenas, festas de rua,barracas, banda de música, enfim o culto religioso aliado ao profano.

O catolicismo no Brasil, sem prejuízo dos sentimentos de fé e da confiança em Deus da maioriada população, apresenta algumas peculiaridades bem expressivas, sobretudo se considerarmos odesenvolvimento do processo transculturativo. Em primeiro lugar, destaquemos esse espírito deconfiança na proteção de Deus. No linguajar comum manifesta-se através de expressões que seouvem até de elementos não-católicos: “se Deus quiser”. Se Deus quiser o filho ficará bom, ohomem conseguirá melhorar de emprego, o advogado ganhará a causa, o médico curará oenfermo, o estudante passará nas provas, o motorista chegará a seu destino, e assim por diante.

No campo da realização dos atos religiosos, essa confiança em Deus se desdobra em duplosentido: há católicos que praticam esses atos, e há católicos que o são por tradição, conservandoa fé, mas não praticando os atos da sua crença. Os primeiros são os “praticantes”; os segundos os“históricos”. Pois entre os católicos brasileiros encontramos essa original divisão: os católicospraticantes e os católicos históricos. Aqueles são os que praticam a religião: missa aos domingos

e dias santos, e não raro até diariamente, confessam-se e comungam continuamente, praticamtodos os demais preceitos previstos. Os outros são os que se consideram católicos por tradição,pela formação brasileira, porque a família, desde os mais longínquos antepassados, é católica,respeitam a Igreja e os atos religiosos, vão às- missas comemorativas ou por alma de parentes ouamigos mortos. Todavia, não se julgam obrigados ao comparecimento às missas dominicais, aoconfessionário e à comunhão. Sem qualquer menoscabo ou pilhéria, mas sinceramente, dizem-se,declaram-se, proclamam-se católicos.

Um outro aspecto do catolicismo brasileiro encontramos, dentro do processo transculturativo, naincorporação de traços culturais não originariamente católicos. O caso dá Árvore de Natal, quecomeçou a disseminar-se no Brasil com influência de fontes não-católicas. É comum encontrar-se em toda casa de família católica, durante o Natal, a Árvore de Natal ao lado do Presépioarmado como símbolo de festejo do nascimento de Cristo. O elemento fundamental cristão que éo Presépio, trazido pelo português, e aqui integrando-se na sociedade constituída, completadopela Árvore de Natal, de origem nórdica, com fios de neve, no meio do calor de dezembro doBrasil tropical. Temos aí, bem evidenciado, o processo transculturativo, a receptividade dobrasileiro a novas idéias e a novas concepções.

O que se deve destacar, todavia, é a importância que exerceu o catolicismo no Brasil, no que serefere à preservação da liberdade do homem. Somente ele pôde — e, de modo geral, podepreservar a coexistência plural dos povos e nações — defender, no Brasil, o sentimento deliberdade do homem. Porque justamente o catolicismo, através da defesa da pessoa humana, aque atribuiu o livre arbítrio, tem capacidade de admitir e sentir a convivência de idéias ou depontos de vista ou, em geral, de homens diferentes.

Isto, porém, não se verifica nas ditaduras materialistas, sejam as do comunismo, do fascismo oudo capitalismo, incapazes de acolher o diálogo e, consequentemente, incapacitadas também desuportar a coexistência, e, sobretudo, a convivência. Daí o papel exercido pelo catolicismo noBrasil: este de ter preservado no homem brasileiro a idéia do diálogo, o pensamento da vidaplural, o espírito da convivência. Daí também a possibilidade do processo transculturativoverificado no Brasil.

Ao lado das crenças praticadas em cultos formalmente organizados, enriqueceu-se o brasileiro deconsiderável soma de crenças populares, umas de origem indígena, outras de origem africana,não raro também outras trazidas pelo português. Formas tradicionais ainda hoje persistem, nocampo das crenças populares: o saci, o boitatá, a mãe-d’água, o curupira, a mula-sem-cabeça.Muitas dessas crenças foram tomando formas regionais, caracterizando-se pelas peculiaridadesde cada região brasileira, sob a influência maior de um dos grupos étnicos.

Ao mesmo passo muitas lendas e superstições de origem portuguesa, algumas de fundo religioso,foram disseminando-se na população brasileira, às vezes descaracterizando-se de suas origensprimitivas para abrasileirar-se no processo transculturativo verificado. Tornou-se assimimportante, na vida humana brasileira, o sobrenatural; a crença nas lendas, nas superstições, nascrendices. Enorme é o uso das orações chamadas fortes, através das quais se implora a proteçãode santos contra doenças, contra mordidas de cobra, contra bichos-papões. O folclore brasileiro éuma riqueza muito grande e muito viva nesse campo. Umas de origem européia, e por issomesmo conservando ainda sua marca religiosa, outras de origem africana ou indígena, todas,

entretanto, se adaptaram ao meio brasileiro, reinterpretaram-se, transculturando-se no processode relações que o elemento humano, aqui vivendo, levou a efeito, sob a influência não menosexpressiva do ambiente criado.

Se passarmos agora a considerar um outro aspecto do processo de relações culturais — no caso,o da língua — verificaremos que o idioma que nos legou o colonizador tem sido fartamenteenriquecido pela contribuição indígena e negro-africana, e mais modernamente pela contribuiçãodos grupos imigrados, em especial dos alemães e italianos; em virtude de sua mais longapermanência no Brasil os imigrantes italianos e alemães têm participado do processotransculturativo no campo da língua falada.

A língua portuguesa escrita e falada no quinhentos, ao contato com o novo meio e o choquedessas influências, tem sofrido alterações sensíveis, a ponto de haver quem queira dar à língua,que nós hoje falamos, o nome de brasileira. Ou queira então, e este é o pensamento de outros,dar-lhe o caráter de dialeto. Parece, entretanto, que não devemos chegar a tais extremos.

É claro que o português do Brasil apresenta peculiaridades não só de ordem regional, se nãotambém de ordem cultural, pela influência que exerceram em sua formação e evolução oselementos indígenas e africanos. Tanto um como outro contribuíram para o enriquecimento doportuguês escrito e falado no Brasil; incorporaram-lhe novas palavras e novas expressões, emparticular aquelas que eram próprias do meio americano — nomes de vegetais, de animais, porexemplo — ou introduzidas pelo africano; enriqueceram-no de outra maleabilidade, atuandosobre o próprio sistema gramatical, e não apenas sobre o vocabular.

De outra parte, neste seu processo de evolução, já distanciado do português do século XVI, oportuguês do Brasil foi penetrado, em seu vocabulário, de expressões ou palavras francesas,inglesas, espanholas e modernamente norte-americanas; e também de formas alemãs ou italianas.Todas estas novas expressões se integraram no português do Brasil, em sua forma faladasobretudo, na linguagem popular principalmente, de modo a não se distinguirem mais comogalicismo, ou nas áreas onde predominaram os respectivos elementos étnicos, mais forte se fezsentir essa influência: a do italianismo em São Paulo, a do germanismo em Santa Catarina, a doespanholismo no Rio Grande do Sul, a do anglicismo por toda parte, graças ao papel notável quetem desempenhado o futebol na sociedade brasileira, a ponto de tornar-se esporte nacional.

É de observar-se, porém, que nas áreas menos abertas aos contatos culturais, como as sertanejas,conservam-se e permanecem na língua certas formas arcaicas, de uso do português dos primeirostempos de colonização. Contudo, com o desenvolvimento das comunicações, o intercâmbio maisfácil, a maior difusão literária, esta situação está-se modificando. Também em áreas ondepredominou o elemento açoriano, têm sido encontradas palavras e expressões de uso nas ilhasportuguesas.

Uma observação sobre o português do Brasil é que, enquanto, nas classes cultas, se procuraconservar o português ensinado nas gramáticas, o escrito, pois, o falado evoluiu rapidamente,modificando-se ao sabor de novas ou velhas influências. Daí as divergências, o quasebilinguismo, poderíamos dizer, existente no português do Brasil: um, o das gramáticas, o escrito;

outro, o falado pelo povo, ora conservando certos arcaísmos já desaparecidos em Portugal, oraenriquecendo-se de traços de outras origens. Entre estas, principalmente as indígenas.

O tupi foi durante muito tempo língua comumente falada no Brasil, principalmente na áreapaulistana, onde persistiu mais demoradamente a participação direta do indígena. O que sucedetambém na área amazônica, onde são comuns as línguas indígenas. A seu tempo, no séculoXVII, dizia o padre Vieira que “a língua que nas ditas famílias (referia-se às famílias dosportugueses e índios) se fala é a dos índios”. Principalmente, o que parece deduzir-se dedocumentação coeva — observa Sérgio Buarque de Holanda —, entre mulheres o uso da línguageral teve caráter quase exclusivista. E acrescenta que somente na primeira metade do séculoXVIII foi que se verificou a integração do paulista no mundo da língua portuguesa. Mas nos finsdesta centúria e começos da seguinte (XIX) ainda se falava o tupi em São Paulo. E, de modogeral, por todo o Brasil. Tanto assim que, em 1757, uma lei do Governo Pombal tornavaobrigatório o uso do português. É quando o tupi começa a ser substituído, ainda assimgradualmente. Em áreas como no Maranhão ou na Amazônia, em especial, o tupi continuoucomumente falado; e, como ele, outras línguas indígenas.

É de considerar também que, na regionalização da linguagem portuguesa no Brasil, muitocontribuiu a diversidade de motivo econômico na exploração das várias áreas brasileiras; cadatipo de exploração, com a organização que daí resultou, contribuiu para o aparecimento de novaspalavras ou expressões, correspondendo geralmente às peculiaridades locais. A preponderânciade determinado elemento étnico levando sua língua falada contribuiu ainda para que com maiorexpressão esta língua participasse do novo processo transculturativo. Daí observarmos, noportuguês do Brasil, certas peculiaridades regionais, com as quais se podem encontrar diferençasentre o falar de um cearense e de um gaúcho, de um pernambucano e de um paulista, de umgoiano e de um baiano. A esse propósito têm sido sugeridas várias classificações de áreaslinguísticas no Brasil.

Algumas formas dessas linguagens regionais apresentam certos traços característicos, queservem como que de identificação: o nheengatu na Amazônia, o linguajar dos violeiros do Ceará,o falar cantado dos nordestinos, a língua truncada do caipira paulista, as expressões platinas dossul-rio-grandenses — são observações feitas, a propósito, pelo historiador Renato Mendonça.

O quadro da formação brasileira que nos proporciona a evolução histórica do Brasil oferece esseresultado verdadeiramente admirável: o de um quase-continente, diferenciado por condiçõesfísicas, apresentando essa unidade que é, em princípio, um resultado da diversidade cultural. Ocontraste de regiões diversificadas física e culturalmente. O equilíbrio de fatores os maisvariados. A unidade sem uniformidade. Em suma: o pluralismo étnico e cultural.

Na realidade, esse é o quadro de nossos dias — o do pluralismo étnico e cultural — que encontrasuas raízes em fatores, os mais diversos, vindos do passado; e associando-se, intercomunicando-se, para oferecer este resultado do Brasil moderno. Nesse passado encontram-se as fontes deonde brotaram as águas que fizeram esse admirável mar de unidade, oferecendo condições para opluralismo de nossos dias.

Estudos sobre os grupos imigrados

Só de certo tempo a esta data se têm desenvolvido os estudos sobre os grupos estrangeiros noBrasil e, em particular, sobre as relações de cultura verificadas entre eles e as populaçõesbrasileiras de base portuguesa. Pode assinalar-se a década 1931-40 como o período em quecomeçaram tais estudos a preocupar nossos sociólogos, nossos etnólogos, nossos antropólogos;isto não exclui o fato de, anteriormente, se assinalarem influências desse ou daquele grupo, aexistência ou não de assimilação dos grupos para aqui imigrados.

De certo modo havia razão de ser nessa ausência, anterior à década referida, de estudos sobreassimilação ou de aculturação — que, seguindo a lição de Fernando Ortiz, preferimos chamartransculturação — de imigrantes. Justamente naquela época é que se desenvolvem, nos centroscientíficos mais adiantados, os estudos sobre os processos, de aculturação e de assimilação. Datade 1935 o Memorandum for the Study of Acculturation, de Robert Redfield, Ralph Linton eHerskovits, publicado inicialmente em “American Journal of Sociology”, vol. 3, novembro, eposteriormente em “American Anthropologist”, vol. XXXVIII, 1936. Em 1938, publicaHerskovits seu livro hoje clássico sobre o assunto: Acculturation.

Entre nós, a par de pequenos estudos, quase artigos, em jornais e revistas da época, o primeiroensaio sério, científico, sobre o problema da assimilação deve-se a Emilio Willems: Assimilaçãoe Populações Marginais no Brasil. Estudo sociológico dos imigrantes germânicos e seusdescendentes. Com este ensaio, verdadeiramente pioneiro na colocação do problema e nolevantamento da questão das relações de cultura dos grupos alienígenas entre nós, abria-se a sériede estudos de natureza científica que se iria seguir.

Outro aspecto merece salientar quanto ao aparecimento deste livro: proporcionou ensejo para oestudo e fixação de conceitos, em relação à idéia das expressões assimilação, aculturação,mudança cultural etc. Procurou o professor Willems não apenas descrever os fatos e deles tirar oselementos conceituais necessários; foi mais além procurando justamente dar conteúdo àquelasexpressões, ainda novas entre nós, como, de certo modo, ainda novas nos próprios meioscientíficos norte-americanos.

Neste seu ensaio Willems escrevia, por exemplo: “Assimilação e aculturação são aspectosdiversos de um processo único. Com relação à esfera social falamos em assimilação, enquantoque as mudanças verificadas na esfera cultural levam o nome aculturação. É inútilacrescentarmos que não pode haver assimilação sem haver ao mesmo tempo aculturação ou vice-versa”. Dentro deste esquema conceitual desenvolveu o professor Willems sua ordem de idéiaspara situar particularmente os problemas de assimilação.

Só mais tarde, em 1946, iria encarar os problemas de transculturação. É quando publica outromonumental estudo, ainda não igualado quer em relação aos próprios grupos germânicos, querem relação a outros grupos: A Aculturação dos Alemães no Brasil. Estudo antropológico dosimigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. Como o próprio título deixa entrever agora osimigrantes de origem alemã são estudados sob o aspecto das questões transculturativas.

Aquela procura de conceituação, a que pouco antes nos referimos, deu ensejo a uma troca deartigos, verdadeiramente útil para os que queiram compreender bem os problemas científicosligados à terminologia das relações de cultura. O professor Donald Pierson comentou o livro doprofessor Willems em artigo, no qual fazia algumas restrições à conceituação defendida peloautor (“Revista do Arquivo Municipal”, São Paulo, vol. LXXXVII, junho-julho de 1941); emartigo, nesta mesma revista, vol. LXXIX, outubro de 1941, o professor Willems respondeu,defendendo os conceitos por ele emitidos e mostrando o conteúdo das idéias nele expostas.

Este ligeiro esboço dos primeiros aspectos ligados aos estudos das relações de cultura entre nósmostra bem a importância de que se revestiram, e de que se vêm revestindo. Na realidade,desenvolveram-se em condições perfeitamente satisfatórias. E, muito embora, dentro de umrigorismo exigente, não se possa apresentar uma longa bibliografia, vale, todavia, considerar queesta é expressiva e valiosa; expressiva e valiosa principalmente se consideramos que são apenasdecorridos trinta anos ou um pouco mais do início de tais estudos, sob caráter verdadeiramentecientífico, entre nós.

Por outro lado, deve levar-se em conta ainda que as características com que se vêm processando,no Brasil, as relações de cultura entre os diversos grupos populacionais dão feição peculiar aosestudos de assimilação e transculturação.

O processo dessas relações apresenta entre nós condições novas. Não é, nem poderia ser,unilateral. Ao contrário: tem sido bilateral, e, às vezes, chega mesmo a ser polilateral. Não severifica o domínio absoluto de um grupo ou de uma população sobre outro grupo ou sobre outrapopulação, de uma cultura sobre outra: antes constata-se a participação de dois grupos, a permutade elementos culturais entre duas populações e às vezes entre mais de duas populações. No valedo Itajaí, por exemplo, sentimos que o encontro cultural ali se fez entre valores culturais nativos,isto é, caracteristicamente brasileiros, e valores culturais alemães e italianos. O colorido maisforte dos traços germânicos não quer dizer tenha havido um domínio absoluto dessa cultura sobreas demais; dentro daqueles traços exteriormente germânicos puros e exclusivos, vivem e semovimentam e se desenvolvem traços peculiarmente brasileiros, e ao lado deles traçosnitidamente italianos.

A década 1941-50 assinala o aparecimento do livro que se tornou fundamental e hoje básico,uma espécie de text-book para os estudos das populações estrangeiras no Brasil; é a Introdução àAntropologia Brasileira, de Arthur Ramos. O primeiro volume, divulgado em 1943, tratou dosgrupos indígenas e negros; o segundo, publicado em 1947, focalizou, na primeira parte, osgrupos europeus ou europeizados e, na segunda parte, os contatos raciais e culturais. É estesegundo volume que interessa particularmente aos estudiosos de relações de cultura.

Arthur Ramos, o jovem sábio tão prematuramente roubado às ciências sociais, estudou os gruposportuguês, espanhol, francês, anglo-saxão, italiano, alemão, holandês, eslavo, judeu, japonês e

outros (ciganos, sírios, libaneses, norte-americanos), e, na segunda parte, os seguintes temasrelacionados aos contatos culturais: os contatos e o problema geral da transculturação,assimilação e transculturação dos grupos europeus e esboço de uma antropologia histórica eregional do Brasil. É de ver, por esta síntese, à considerável importância desta obra.

Introdução à Antropologia Brasileira representa hoje um livro de que o estudioso não prescinde.Com este segundo volume pode penetrar no conhecimento das culturas européias e europeizadas,introduzidas no Brasil; e com esta chave admirável que é o livro de Ramos conhecer,compreender e interpretar os problemas das relações de cultura entre nós. O livro de ArthurRamos não é a revelação — assinale-se — mas a chave para este mister.

Vale registrar, como valiosos, diversos trabalhos publicados em revistas, algumas de naturezaespecializada. Na “Revista do Arquivo Municipal”, de São Paulo, tem sido divulgada uma sériebem interessante de pesquisas e estudos sobre aspectos culturais de grupos estrangeiros, além denumerosos outros estudos, que, embora não ferindo diretamente o problema, oferecem valiosacontribuição para sua análise. Em outras revistas especializadas — de folclore, de economia, desociologia — igualmente se vêm publicando interessantes artigos sobre aspectos culturais degrupos alienígenas.

Se é verdade que o fato só tem valor científico quando reduzido a número, tal como pensavaLorde Kelvin em referência de Roquette Pinto, pode assinalar-se a década de 41 a 50 como a dosurgimento de estudos que, através dos números, vieram revelar aspectos das relações culturaisde diversos grupos estrangeiros entre nós.

Queremos referir os estudos oriundos do censo nacional de 1940, publicados sob a orientação doprofessor Giorgio Mortara, chefe do Laboratório de Estatística do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística. Na série “Análises de Resultados do Censo Demográfico”, numerososestudos sócio-estatísticos dizem respeito aos grupos alemão, italiano, polonês e japonês. Atravésdos números recolhidos pelo censo demográfico analisaram-se o número de nacionaisalienígenas, a distribuição territorial, a permanência da língua nativa mantida no lar, acomposição dessas populações segundo sexo e idade, a época de imigração e grau de assimilaçãolinguística, enfim vários aspectos de interesse para os estudos transculturativos evidenciadospelos resultados censitários. Iguais estudos foram feitos também em relação ao censo de 1950.

Particularmente em relação à permanência do uso da língua materna, trazida pelos imigrantes, osestudos oriundos do censo de 1940 foram reunidos em volume (“Estudos Sobre as LínguasEstrangeiras e Aborígenes Faladas no Brasil” — Estatística Cultural n.° 2, Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística. Conselho Nacional de Estatística, Rio de Janeiro, 1950), em que sereúnem observações sobre o processo do que se denominou “assimilação linguística”, bem assimsobre este processo em relação à manutenção da língua alemã, da italiana, da espanhola, dajaponesa etc., em relação aos respectivos grupos imigrados e seus descendentes.

Foi sem dúvida contribuição das mais expressivas essa que o Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística proporcionou, com os resultados do censo demográfico de 1940 e através dos estudosorientados pelo professor Giorgio Mortara, aos estudiosos dos problemas de relações de cultura

entre nós. Ainda ao professor Mortara deve-se valioso estudo, igualmente baseado em dadoscensitários e estatísticos, sobre o que chamou “assimilação matrimonial”, isto é, aspectos dafusão entre grupos de origens étnicas e nacionais diversas, através dos casamentos realizados.Examinou particularmente o comportamento dos grupos português, italiano, espanhol, alemão,austríaco, húngaro, russo, sírio, japonês, anglo-americano, hispano-americano etc., focalizandoas tendências endogâmicas e exogâmicas e apresentando os diferentes índices oferecidos pelosvários grupos para a assimilação na população brasileira.

Se à estatística se deve tão valiosa contribuição para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dosestudos etnológicos entre nós, no que diz respeito aos grupos alienígenas, também à geografiadevem estes estudos apreciável colaboração. Os nossos geógrafos se têm voltado, comexpressiva acuidade, aliás, para os problemas de uso e de ocupação da terra, em suaspeculiaridades culturais, e não no campo estritamente do domínio físico; daí uma série deinteressantes artigos que se têm divulgado principalmente na “Revista Brasileira de Geografia”,no “Boletim Geográfico” e no “Boletim Paulista de Geografia”.

Assinale-se, em primeiro lugar, que se deve ao Conselho Nacional de Geografia, sob cuja égidese publicam as duas primeiras revistas citadas, a publicação, em português, do estudo de ErnstWagemann sobre os alemães do Espírito Santo: A Colonização Alemã no Espírito Santo, emtradução de Reginaldo SantAna. Também se deve a este outra tradução, não menos valiosa,porque prosseguimento das pesquisas e estudos de Wagemann: Uma Viagem de Estudos aoEspírito Santo, que é uma pesquisa demobiológica com o fim de contribuir para o estudo doproblema de aclimação em populações de origem alemã, devida a Gustav Giemsa e Ernst G.Nauck, igualmente publicada no “Boletim Geográfico”.

Em segundo lugar, registre-se a atividade de campo de vários geógrafos do Conselho, quasetodos através de estudos e pesquisas sob a orientação do extinto professor Leo Waibel. Do pontode vista da contribuição da Geografia aos estudos etnológicos de relações de cultura cumpreassinalar o ensaio Princípios da Colonização Européia no Sul do Brasil, de Leo Waibel, e aindaos de Orlando Valverde sobre a região colonial antiga do Rio Grande do Sul, de Nilo Bernardessobre a colonização européia no sul, de Faissol sobre a colônia alemã de Uvá, de LisiaCavalcanti Bernardes sobre aspectos da imigração no Paraná, de Arthur Hehl Neiva sobreaspectos geográficos da imigração.

Estudos em particular sobre alguns grupos imigrantes destacam-se os dois livros já citados doprofessor Willems, em relação aos alemães. Ainda do professor Willems é o ensaio sobre osjaponeses, o primeiro de base essencialmente científica — sem esquecer, é claro, algunspequenos artigos de revista como o de Willems e Baldus sobre casas e túmulos de japoneses, porexemplo — já publicado entre nós: Aspectos da Aculturação dos Japoneses no Estado de SãoPaulo.

À bibliografia sobre os japoneses se pode acrescentar a contribuição de Hiroshi Saito: O Japonêsno Brasil. É o estudo mais amplo, até agora conhecido, sobre a presença do japonês no Brasil e orespectivo processo de assimilação cultural. Como sobre os sírios e libaneses se pode registrar olivro de Clark S. Knowlton em que estuda a mobilidade social e espacial desses grupos. Sírios eLibaneses é o primeiro estudo em conjunto da participação dessas duas etnias no processobrasileiro. Outros estudos podem ser arrolados, mas não publicados em livros, e sim em revistas

ou outros periódicos.

Sem esquecer Um Brasil Diferente, de Wilson Martins, que é possivelmente o mais completolevantamento da presença do elemento estrangeiro no Brasil, com as características culturais quea imigração nos trouxe; estudo que se amplia ao que cada grupo nos aportou como expressão desua cultura a marcar um Brasil não puramente luso-indígena-negro, mas agora com traços que,sendo originalmente alienígenas, fazendo um Brasil diferente do Brasil originalmente tradicional,se vão incorporando na nossa vivência de todo o dia.

Outras publicações, mais recentes, poderiam ainda lembrar-se como enriquecimento dessesestudos sobre a contribuição do elemento imigrado à nossa formação; na bibliografia finalarrolam-se estas obras como indicação para maior pesquisa ou estudo de cada grupo ou de todosos grupos.

De certo, talvez, se afigure estranho não citar a necessidade de estudos sobre o português e oespanhol, grupos igualmente ponderáveis na população brasileira. Só em São Paulo osportugueses se representavam por mais de 139 mil pessoas, enquanto os espanhóis se elevavam amais de 90 mil, dados ambos do censo de 1950. Em 1954 entraram no País 30.062 portugueses e11.338 espanhóis.

Não há, todavia, o que estranhar; portuguesa é a nossa formação, portugueses os valores culturaisbásicos que se impregnaram no brasileiro; portugueses ainda o lastro, o espírito, o sentido denossa cultura. Seria estudar-nos a nós mesmos; o que não implica em esconder a necessidadedesse estudo, ou seja, das características portuguesas de nossa formação. Quanto ao espanhol, éevidente que a semelhança com nossa cultura básica — a portuguesa — dispensa igualmenteestudos mais aprofundados, muito embora não deixe de ser interessante conhecerem-se tambémos aspectos de sua influência, de sua presença, do comportamento de sua cultura entre nós, dasatitudes recíprocas nas relações.

Dos outros grupos pela diferença de condições culturais, pelos elementos que trouxeram, tornam-se indispensáveis estes estudos, muito embora a velha base cultural dos povos europeus muitocontribua para atenuar as diferenças ou os possíveis choques entre os grupos imigrados e aspopulações brasileiras. Mesmo quanto aos japoneses não seria difícil encontrarem-se pontos decontato com os portugueses que desde o século XVI estão em relações com o Japão. DesdeFernão Mendes Pinto aos jesuítas e missionários, aos portugueses que andaram por terras doJapão, naquela centúria e na seguinte, há referências às boas inclinações da gente japonesa, e,muito embora os hábitos diferentes, atritos e confusões se evitaram graças à habilidade com queos jesuítas se conduziram, interpretando valores culturais que facilmente se assimilaramreciprocamente. Inclusive a mesma técnica usada em relação aos indígenas no Brasil: a aceitaçãodos mesmos costumes, das mesmas maneiras, usadas pelos japoneses, e a adaptação a eles doscostumes, das maneiras dos portugueses.

Paisagem humana e cultural contemporânea

DIANTE de um mapa do Brasil as diversidades regionais, oriundas dos contrastes geográficos,são ainda enriquecidas pela variação da paisagem cultural. Torna-se possível, assim, em face dasvariedades geográficas e culturais, fixar duas regiões bem definidas, uma em que ainda semantém viva a predominância da base cultural lusitana, outra em que os traços culturais não-lusitanos — os alemães, os italianos, os poloneses, os japoneses — vêm dando nova coloração àpaisagem tanto física ou geográfica como social e cultural.

A imigração no Sul contribuiu para caracterizar essa segunda área. Os imigrantes participaramdo desenvolvimento econômico da região. O processo da produção cafeeira ainda no séculopassado ligou-se à contribuição do elemento alienígena, sobretudo do italiano e do espanhol, nasfazendas de café de São Paulo. Ao imigrante estrangeiro se deve ainda o desenvolvimentoindustrial no Rio Grande do Sul, com o regime de artesanato que foi a origem dosestabelecimentos industriais de hoje.

Participaram ainda as correntes imigratórias no desenvolvimento demográfico, contribuindo parao povoamento da região Sul. De modo geral no Brasil, no período de 1850 a 1950, a imigraçãoparticipou com 3,4 milhões de imigrantes para o aumento da população brasileira. Este totalrepresenta o excedente das imigrações sobre as emigrações. Também contribuiu o sistema decolonização para o fracionamento da propriedade territorial nas áreas onde apareceu. Comrelação a essa diferença de imigração sobre a emigração, pode-se estabelecer o que se chamou a“quota de permanência” do imigrante, isto é, quantos, daqueles que entraram, permaneceram noBrasil. O professor Emilio Willems calcula em 50%; o professor Artur Hehl Neiva em 60%; e Oprofessor Giorgio Mortara, em particular para o grupo italiano, em 63%.

O processo transculturativo, quanto à sua maior ou menor reação, não se pode estudar,entretanto, sem considerar certos aspectos gerais, fundamentais para que se possa conhecer ecompreender os efeitos produzidos. O primeiro deles evidencia que qualquer grupo alienígenanão pode nem deve ser estudado como um bloco uno; cumpre considerar a sua distribuiçãoregional, que é relevante para conhecimento do modo de reação cultural. Outro aspecto, aliás, játratado em capítulo anterior, é a forma de localização dos imigrantes.

Deste modo o processo transculturativo está ligado muito intimamente ao maior ou menorcontato entre os grupos imigrados e o brasileiro. A situação criada pela forma de localizaçãoinfluiu de maneira diversa para a efetivação das relações culturais, seus fatores e seus resultados.Assim, em decorrência de tais aspectos a que se deve aduzir ainda a própria origem regional doimigrante, é que se pode verificar o que resultou do contato dos imigrantes com o meio e aspopulações brasileiras.

Há sempre no imigrante um sentimento psicológico que não pode ser esquecido. O que ele

individualmente procura — e, com ele, sua família — é uma melhoria de sua condição social,um novo ambiente de bem-estar, que lhe proporcione melhor situação que a desfrutada no paísde origem. Daí vir o imigrante animado do desejo de ser proprietário, de lavrar uma terra própria,ou de tornar-se dono de pequena empresa industrial ou comercial.

Quando o contato com a nova terra não lhe proporciona logo esse ideal, ou não lhe dáperspectivas para tanto, o imigrante sente-se como que frustrado. Tal fato, aliás, se vemverificando em correntes imigratórias mais recentes. Surge então o problema da inadaptação, queé o aspecto exterior de sua frustração, e em consequência o de retorno à terra de origem.

A possibilidade de o imigrante tornar-se proprietário, com aquela mesma facilidade verificadanos primeiros tempos da imigração no Brasil, tem decrescido, em primeiro lugar, pela existênciaem menor quantidade de terras a ocupar na região meridional, e, em segundo lugar, porque oimigrante não traz mais aquele espírito pioneiro, do século XIX, capaz de enfrentar terrasvirgens, ainda a desbravar e povoar, em outras áreas do Brasil.

Por outro lado o desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro e de São Paulo e, em parte, o doRio Grande do Sul vem necessitando de mão-de-obra assalariada, também reclamada pelaslavouras. Mas esta mão-de-obra não tem um salário compensador, em face da própria situaçãoeconômica das indústrias e ainda da concorrência do trabalhador nacional emigrado de outrospontos do País, para o Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná. A influência da migração interna temsido bastante grande para atender às necessidades de mão-de-obra e igualmente para a existênciade baixos salários.

O imigrante, pois, vai ser operário industrial ou então trabalhador rural; surge o desgosto, ainadaptação e, em consequência, o desejo de retornar. É certo que a quota de retorno é aindapequena diante do número dos que se fixam. Mas há outro aspecto do problema que é o de ficarno país, mas não se fixar numa atividade; tomar-se o imigrado, de certo modo, instável notrabalho. Estes que ficam são geralmente trabalhadores qualificados, possuidores de certosconhecimentos técnicos. Infelizmente não dispomos de estatísticas atualizadas sobre asprofissões dos que ficam e dos que retornam para um estudo comparativo mais aprofundado.

O intercruzamento étnico dos grupos alienígenas com o elemento brasileiro tem sido muitasvezes limitado ou impedido por certos preconceitos, inclusive os de religião e até os de trabalho;de modo que o desenvolvimento dessas populações se tem feito quase sempre dentro dospróprios grupos étnicos. Esta afirmativa não exclui a existência de cruzamentos inter-raciaismodernamente bem significativos entre estrangeiros e brasileiros, formando assim um já amploquadro de descendência ítalo-brasileira, ou teuto-brasileira, ou mesmo nipo-brasileira ou polono-brasileira.

Mostrou o professor Giorgio Mortara que os índices de uniões ítalo-brasileiras e de uniõeshispano-brasileiras se evidenciam bastante elevados, o que não sucede, por exemplo, em relaçãoàs uniões teuto-brasileiras, ou austríaco-brasileiras, ou nipo-brasileiras, que são relativamentebaixas. No período de 1934-39, 71,26% de noivos italianos casaram-se com brasileiras, e 50,83%de noivas italianas casaram-se com brasileiros; no mesmo período, entre os noivos alemães,36,51% casaram-se com noivas brasileiras, e 20,83% de noivas alemãs foram escolhidas pornoivos brasileiros.

Tomando-se particularmente um Estado em que é grande o contingente imigrantista — o RioGrande do Sul — observa-se, através de dados estatísticos, que é em maior número o casamentode estrangeiro com brasileira, que entre estrangeiros, ou entre brasileiro e estrangeira. Em 1938houve 509 casamentos de estrangeiro com brasileira, 153 de brasileiro com estrangeira e 102 deestrangeiro com estrangeira. Em comparação com um ano mais recuado — o de 1910, porexemplo — encontramos, nesse ano, 167 casamentos de brasileiro com estrangeira, 403 deestrangeiro com brasileira, e 902 de estrangeiros entre si.

Outra particularidade a observar diz respeito aos casamentos segundo as nacionalidades. Em1937 houve 23 casamentos de brasileiro com alemã, 18 de brasileiro com italiana, 26 debrasileiro com polonesa, 6 de brasileiro com russa, afora os realizados entre brasileiros enacionais de outros países. De alemão com brasileira houve 96 casamentos e de alemão comalemã 29; de italiano com brasileira houve 57, e entre italianos 10; de russo com brasileira 26; depolonês com brasileira 65. Outros dados a analisar seriam também os de nascimentos registradosconforme a nacionalidade dos pais. No período de 1938-41 o maior número, sempre superior amil, é de filhos de pai estrangeiro com mãe brasileira, variando entre 350 e 550 os registros defilhos de pai brasileiro e mãe estrangeira.

É de observar-se, aliás, que muitos desses descendentes têm ascendido a altos cargos políticos —ministros de Estado, governadores, deputados, senadores da República. A ascensão social epolítica de filhos ou descendentes de imigrantes ou colonos se tem verificado, de modo sensível,principalmente nos Estados meridionais — de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Hoje em diagrande parte das posições políticas, administrativas ou legislativas está ocupada por estesdescendentes, particularmente de italianos ou sírios e libaneses em São Paulo e de alemães eitalianos nos Estados do Sul; em parte acontece o mesmo no Espírito Santo e Minas Gerais.

No Congresso dos Municípios, realizado em abril de 1950, a presença de prefeitos e vereadoresmunicipais das várias regiões brasileiras permitiu observar-se o contraste social e étnico entre oselementos de procedência sulista e os de procedência nordestina ou nortista; aqueles quasesempre claros, de olhos azuis, com sotaque nitidamente estrangeiro, trazendo no sobrenome aascendência de antigos imigrantes ou colonos — Zanchi, Vizioli, Melzer, Ravazzi, Pezzolo,Picarelli, Grubba, Brunetti, Zimmermann, Gehlen, Froeglich, Krause —, enquanto os outros,conservando a procedência lusitana, ou melhor, luso-brasileira, na coloração menos clara,ostentavam os sobrenomes legitimamente portugueses ou já hoje tradicionalmente brasileiros —Silva, Ribeiro, Amaral, Silveira, Costa, Cabral, Albuquerque, Castro, Lopes.

A predominância de sobrenomes de origem germânica, italiana ou turco-árabe, nas atividadespolíticas ou sociais dos Estados meridionais, corresponde a manutenção dos nomes de famíliasde procedência luso-brasileira nos Estados do Nordeste ou do Norte. Nessas áreas a colonizaçãoestrangeira não fincou pé, e em consequência conservam-se os tradicionais sobrenomes lusitanosou já brasileiros; alguns desses últimos, os brasileiros, originados de movimentos nativistas daprimeira metade do século XIX contra os lusitanos. Tanto quanto a este aspecto socialcorresponde o outro, o étnico; isto é, o elemento claro ou alourado, de olhos azuis, dos sulinos,em contraste com os morenos e pardos, alguns negróides, dos da região Nordeste e, em parte,mongolóides, da região Norte.

No caso do Brasil, país novo, de origem portuguesa, embora com características própriasdecorrentes de condições ecológicas e igualmente culturais, oriundas de outros grupos com osquais sua população tem tido contato, o processo das relações de cultura entre as populaçõesbrasileiras e as imigradas terá de colocar-se sob outros aspectos. Em primeiro lugar, nunca seapresenta unilateral. Ao contrário: tem sido bilateral e, às vezes, polilateral. Dele participamgrupos diversos, isto é, não apresenta a influência única de um grupo sobre outro, mas a permutade elementos culturais entre grupos. O que, aliás, tem sucedido desde o período colonial.

Acresce considerar que o período de tempo de imigração no Brasil, ao contrário do que sucedena Europa, é relativamente curto para um balanço mais aprofundado das respectivas condiçõesde contato entre os diversos grupos. Num sentido amplo, vai a pouco mais de cento e cinquentaanos, se o iniciarmos com a abertura dos portos; praticamente, porém, de 1808 até cerca de 1870o movimento imigratório foi pequeno. Somente abolida a escravidão foi que se intensificou aimigração, aumentada um pouco, é certo, nos anos que precedem o 13 de Maio. Desta maneiranão temos ainda uma vasta tradição imigratória a considerar. E alguns grupos mesmo, como osjaponeses, têm pouco mais de sessenta anos de imigração contínua, e outros, como os sírios elibaneses, vão a pouco mais disto.

Problemas políticos têm surgido em relação aos grupos teuto-brasileiros e nipo-brasileiros; emrelação aos outros não os tem havido de maior importância, e isto, ao que parece, em decorrênciada origem comum de uma mesma cultura ou de um mesmo “ethos” de portugueses e italianos e,em parte, de poloneses.

Sendo recente a participação do japonês na vida brasileira, pois data de 1908 sua primeiraentrada, parece cedo ainda para se aferirem inteiramente seus resultados. Não se pode afirmarexistir inassimilabilidade do nipônico, como também não se deve chegar ao extremo oposto deadmitir facilidade nessa assimilação.

Tais estudos já se podem fazer, entretanto, em relação ao alemão ou ao italiano.

Com essas correntes imigratórias, diferentes etnias participando da formação brasileira, quebrou-se aquela unidade originariamente lusitana, sem prejuízo da base comum e fundamental queainda hoje caracteriza a formação brasileira. Tornou-se o quadro dessa formação influenciadopor valores de outras origens, alguns também europeus, mas não ibéricos. Daí a incorporação ànossa cultura de elementos oriundos dessas fontes: de fontes italianas ou alemãs, polonesas ousírias ou libanesas, mais recentemente de fontes japonesas, e não apenas européias de váriasnacionalidades. O que tem contribuído em face dessas influências variadas, para o processo depluralismo étnico e cultural que o Brasil apresenta.

De modo que o Brasil constitui cenário em que se processam democraticamente as mais diversasrelações de raça e de cultura; desses contatos é que resultam, em grande parte, as diversidadesculturais de áreas ou regiões do país, de um lado, e, de outro lado, os aspectos maiscaracterísticos do Brasil moderno. O brasileiro herdou, e vem mantendo, do seu antepassadoportuguês, aquele mesmo espírito de tolerância e de adaptação que tanto caracterizou o lusitanocomo colonizador na aceitação das correntes imigratórias européias ou não-européias fixadas emcolônias no Brasil.

Formou-se, neste quadro cultural do Brasil contemporâneo, um sistema de coexistência dediferentes valores culturais. Para assegurar essa coexistência, não lhe faltou, a esse quadro, umcerto equilíbrio no sistema de experiência que representou esse contato de grupos portadores dediferentes culturas, e não apenas de diferentes níveis culturais. Tal como já assinalou GilbertoFreyre, o pluralismo implica uma certa forma de equilíbrio entre os elementos de segurança e oselementos de insegurança em cada cultura coexistindo com uma, duas ou mais outras culturas.

Deste modo podemos encontrar, no panorama da cultura brasileira, esse quadro: o das relaçõesde equilíbrio em que se desenvolveram as culturas européias ou não-européias vindas com aimigração, ao contato com os grupos representativos da tradição cultural brasileira; ou maisseguramente da cultura chamada luso-brasileira. Os diferentes fatores que têm contribuído para odesenvolvimento desse processo permitem considerar-se o Brasil como uma vasta experiência depluralismo étnico e cultural; e dessa experiência resulta o que já poderemos chamar de culturabrasileira.

A interpenetração cultural se vem fazendo, ao lado do cruzamento étnico, sem nenhumaresistência ao seu desenvolvimento. Ao contrário: com a aceitação ou a permuta de padrões ouvalores culturais, dentro do espírito cristão de tolerância e de fraternidade que o brasileiro searraigou como a mais legítima herança espiritual do português colonizador.

Um sistema quase natural e espontâneo de aceitação ou de aproximação é o que se vemverificando entre os elementos tradicionais e os elementos novos. O imigrante, de um lado,aceitou certos elementos que naquele momento se mostravam indispensáveis à suasobrevivência; e, de outro lado, começou a transmitir traços culturais que se constatavampossíveis de aceitação pelo brasileiro, embora nem sempre de modo rápido ou fácil. Daí oprocesso que se desenvolveu, fundindo-se ou absorvendo-se elementos, reinterpretando-seoutros, criando-se a maioria deles, como valores que hoje caracterizam esse novo quadro: o dacultura que podemos chamar brasileira.

Bibliografia

I — FORMAÇÃO DA SOCIEDADE: O AMBIENTE FÍSICO E O SOCIAL

ABREU, Capistrano de — Capítulos de História Colonial (1500-1800). Rio de Janeiro, Ediçãoda Sociedade Capistrano de Abreu, 1934.

AZEVEDO, Fernando de — A Cultura Brasileira. 2.a edição. São Paulo, Ed. Nacional, 1944.

BASTIDE, Roger — Brasil Terra de Contrastes. Trad. de Maria Isaura Pereira de Queiroz.Difusão Européia do Livro. São Paulo, 1959.

CARTAS jesuíticas — Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1931 e 1933 (vols. I, II e III).

CASTRO, Eugênio de — Ensaios de Geografia Linguística. 2.a ed. São Paulo, Edição Nacional,1941 (BPB, ser. 5, Brasiliana).

CHAVES DE MELO, Gladstone — Origem, Formação e Aspectos da Cultura Brasileira. Rio deJaneiro, Padrão Livraria Ed. Ltda. 1974.

DIÉGUES Júnior, Manuel — População e açúcar no Nordeste do Brasil. Rio de janeiro, Ed.Casa do Estudante do Brasil, 1954.

DUARTE, Nestor — A ordem privada e a organização política nacional (Contribuição àSociologia política brasileira). Brasiliana, vol. 172. Ed. Nacional, 1939.

FREYRE, Gilberto — Casa Grande & Senzala (formação da família brasileira sob o regime daeconomia patriarcal). 8.a edição. Rio de Janeiro, José Olympio, 1954 (Col. DocumentosBrasileiros, 36 e 36-A).

FREYRE, Gilberto — Ordem e Progresso (Processo de desintegração das sociedades patriarcal esemipatriarcal no Brasil sob o regime de trabalho livre: Aspectos de um quase meio século detransição do trabalho escravo para o trabalho livre e da Monarquia para a República). Rio deJaneiro, José Olympio, 1959.

FREYRE, Gilberto — Sobrados e Mocambos (decadência do patriarcado rural e

desenvolvimento do urbano). 2.a ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1951 (Col. DocumentosBrasileiros, 66, 66-A e 66-B).

HOLANDA, Sérgio Buarque de — Raízes do Brasil. 5.a ed. revista. Rio de Janeiro, JoséOlympio (Col. Documentos Brasileiros 1).

LAMBERT, Jacques — Os dois Brasis. Rio de Janeiro, MEC, INEP, Centro Brasileiro dePesquisas Educacionais, 1959 (Sociedade o Educação 1).

LIMA, Alceu Amoroso — Evolução intelectual do Brasil. Rio de Janeiro, Grifo Ed., 1971.

MELO FRANCO, Afonso Arinos de — Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil. Riode Janeiro, MEC Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1944 (Publ. 11).

PRADO JÚNIOR, Caio — Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. São Paulo. Liv.Martins, 1942.

ROMERO, Sílvio & RIBEIRO, João — Compêndio de História da Literatura Brasileira. Rio deJaneiro, Liv. Francisco Alves, 1906.

SODRÉ, Nelson Werneck — Síntese da História da Cultura Brasileira. R:o de Janeiro,Civilização Brasileira, 1970.

TORRES, João Camillo de Oliveira —- O Homem e a Montanha. Belo Horizonte, Liv. CulturaBrasileira, 1944.

VIANA, Francisco José Oliveira — Evolução do Povo Brasileiro, 2.a ed. São Paulo, Ed.Nacional 1933 (BPB, ser. 5. Brasiliana 10).

VIANA, Francisco José -Oliveira — Instituições Políticas Brasileiras, 2.a ed. Rio de Janeiro,José Olympio, 1940.

II — OS GRUPOS ÉTNICOS FUNDAMENTAIS E SUA CONTRIBUIÇÃO CULTURAL

ALBISETTI, César (Padre) — Estudos e notas complementares sobre os Bororós Orientais. In:Contribuições Missionárias. Rio de Janeiro, 1948 (Publ. da Sociedade Brasileira de Antropologiae Etnologia, n.° 2).

AYROSA, Plínio — Estudos Tupinológicos. São Pauio, s/ed., 1967.

BALDUS, Herbert — Ensaios de Etnologia Brasileira. São Paulo, Ed. Nacional, 1937 (BPB, ser.5, Brasiliana 101).

BASTIDE, Roger — Les réligions africaines au Brésil: vers une sociologie des interpenetrationsde civilisations. Paris. Presses Uni-versitaires de France, 1960 (Bibl. de Sociologie

contemporaine).

CANALS FRAU, Salvador — Prehistória de América. Buenos Aires. Ed. Sulamericana, (1950).Ver também do mesmo autor: Poblaciones indígenas de la Argentina. Buenos Aires. Ed.Sudamericana, especialmente a primeira parte.

CARNEIRO, Edison — Ladinos e crioulos (Estudos sobre o negro no Brasil). Rio de Janeiro,Civilização Brasileira, s/d (Retratos do Brasil 28).

CARISE, Iracy — Arte Negra na cultura brasileira. Máscaras africanas. Rio de Janeiro, s/ed.1975.

CORRÊA, Mendes — Raça e nacionalidade. Porto, Renascença Portuguesa, s/d.

DIAS, Jorge — Os elementos fundamentais da cultura portuguesa. In: Atas do ColoquiumInternacional de Estudos Luso-Brasileiros. Nashville, The Vanderbilt University Press, 1053.Reproduzido in Ensaios Etnológicos. Lisboa 1961 (Estudos de Ciências Políticas e Sociais 52)págs. 97-120.

EDUARDO, Octávio da Costa — The negro in Northern of Brazil: a study in acculturation. NewYork, J. J. Augustin Publisher. 1948 (American Ethnological Society Monographs, 15).

EHRENREICH, Paulo — A Etnografia da América do Sul ao começar do século XX. Revista doInstituto Histórico e Geográfico de São Pauto. 1906. São Paulo, II. 1907.

EHRENREICH, Paulo — Divisão e distribuição das tribos do Brasil, segundo o estado atual dosnossos conhecimentos. Revista da Sociedade de Geografia do Rio dc Janeiro (7), 1892, l.°boletim.

ESTUDOS Afro-Brasileiros: trabalhos apresentados ao Congresso Afro-Brasileiro l.°. Recife,1934. Pref. de Roquette Pinto. Rio de Janeiro, Ariel Ed. 1935.

GALVÃO, Eduardo — Áreas Culturais Indígenas: 1900-1959. Boletim do Museu ParaenseEmilio Goeldi. Nova Série, Antropologia n.° 8, janeiro de 1960.

GARCIA, Rodolfo — Etnografia Indígena. In: Dicionário Histórico, Etnográfico e GeográficoBrasileiro. Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1922. V. 1.

LODY, Raul Giovanni da Motta — Símbolos mágicos na arte do metal. Aragráfica Ed. Ltda.1974.

MAGALHÃES, Couto — O Selvagem. 3.a ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1935 (BPB, ser. 5,Brasiliana 3).

MARTINS, Oliveira — História da Civilização Ibérica. Obras Completas. Lisboa, Guimarães &Cia. Editores, 1954.

MELATTI, Júlio Cezar — índios do Brasil. Coordenada Editora de Brasília, 1970.

NOVOS Estudos Afro-Brasileiros. 2.° tomo. Trabalhos apresentados ao Congresso Afro-Brasileiro do Recife, l.° Pref. de Arthur Ramos. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1937(Bibl. Divulgação Científica 9).

NEGRO NO BRASIL, O — Trabalhos apresentados ao Congresso Afro-Brasüeiro 2.° Bahia,1937. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1940 (Bibl. Divulgação Científica 20).

OTT, Carlos F. — Vestígios de cultura indígena no sertão da Bahia. Salvador, Secretaria deEducação e Saúde, 1945 (Publ. do Museu da Bahia, n.° 5).

PALHA, Luiz (Frei) — Doze anos entre os índios Carajás. In: Contribuições Missionárias. Riode Janeiro, 1948 (Publ. da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, n.° 3).

PEREIRA, Nunes — A casa das minas: contribuição ao estudo das sobrevivências daomeianasno Brasil. Introd. de Arthur Ramos. Rio de Janeiro, Graf. C. Mendes, 1947 (Publ. da SociedadeBrasileira de Antropologia e Etnologia 1).

RAMOS, Arthur — As culturas Negras no Novo Mundo. 2.a ed. ampl. São Paulo, Ed. Nacional,1946 (BPB, serv. 5, Brasiliana 249).

RAMOS, Arthur — Las poblaciones del Brasil. México, Ed. Fondo de Cultura Econômica 1944(Col. Tierra Firme 5).

RAMOS, Arthur — O negro brasileiro; etnografia religiosa. 2.a ed. aum. São Paulo, Ed.Nacional, 1940 (BPB, serv. 5, Brasiliana 188).

RAMOS, Arthur — A aculturação negra no Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1942 (Brasiliana224).

RIBEIRO, Darcy — Línguas e culturas indígenas do Brasil. Rio de Janeiro, MEC, INEP, CentroBrasileiro de Pesquisas Educacionais, 1957.

RIBEIRO, Orlando — Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Coimbra, Coimbra EditoraLimitada, 1945.

RIBEIRO, René —- Religião e relações raciais. Rio de Janeiro, Ministério da Educação eCultura, Serv. Documentação, 1956.

RIBEIRO, René — Cultos Afro-brasileiros do Recife: um estudo de ajustamento social. Recife.Graf. Ed. Rec fe, 1952.

RODRIGUES, Nina — Os africanos no Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1952 (BPB, serv. 5,Brasiliana 9).

SAYERS, Raymond S. — O Negro na literatura brasileira. Trad. e notas de Antônio Houaiss.Rio de Janeiro, Ed. O Cruzeiro, s/d.

STEINEN, Von Den — O Brasil Central: expedição em 1884 para a exploração do Rio Xingu.

São Paulo, Ed. Nacional, 1942.

STEINEN, Von Den — Entre os aborígines do Brasil Central. São Paulo, Dep. de Cultura, 1940,(Sep. renumerada da Revista do Arquivo Municipal, ns. 34 a 58).

VASCONCELOS, Leite de — Etnografia portuguesa. Lisboa, Imp. Nacional, 1933, 1936 e1942. 3 v.

VASCONCELOS, Leite de — Etnologia. Lisboa, Imp. Nacional, 1938 (Opúsculos. N.° 5).

VIERTIER, Renate Brigitte — Os Kamayurá e o Alto Xingu. São Paulo, s/ed. 1969.

III — A IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA: ASPECTOS GERAIS

BASTANI, Tanus Jorge — O Líbano e os libaneses no Brasil. Rio de Janei.ro, 1945.

BASTO, Fernando. Lázaro de Barros — Síntese da História da Imigração no Brasil. Rio deJaneiro, s/ed. 1970.

CARNEIRO, Fernando — Historia da imigração no Brasil — uma interpretação. BoletimGeográfico, Rio de Janeiro, 6 (8), dezembro de 1948.

CARNEIRO, Fernando — Imigração e colonização no Brasil. Universidade do Brasil. FaculdadeNacional de Filosof a. Cadeira de Geografia do Brasil. Rio de Janeiro, 1950 (Publ. ser. 2).

CARVALHO, Delgado de —- Le Brésil Meridionale. Étude économique sur les Êtats du Sud.Rio de Janeiro, 1910.

COSTA, R. COSTELLA, I. & SALAME, P. A. (Org.) — Imigração italiana no Rio Grande doSul. Vida, Costumes e Tradições. Porto Alegre, Esco a Superior de Teologia São Lourenço deBrindes. Livraria Sulina, s/d.

GÓES MONTEIRO, Norma — Imigração em Minas: 1889-1930, Belo Horizonte, s/d., 1973.

HUTTER, Lucy Maffei — Imigração italiana em São Paulo (1880-1889). Os primeiros contactosdo imigrante com o Brasil. São Paulo, USP, 1972 (Publ. do Instituto de Estudos Brasileiros —USP).

INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Conselho Nacional de Estatística. Rio deJaneiro — Distribuição territorial dos estrangeiros no Brasil. Rio de Janeiro, Serv. Graf. IBGE,1958 (Estudos de Estatística Teórica e Aplicada, Estatística Demográfica 23).

LIRA, Tavares de - Imigração e colonização. In: Dicionário Histórico Etnográfico e GeográficoBrasileiro. Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1922.

NEIVA, Artur Helil — O problema imigratório brasileiro, Revista de Imigração e Colonização,Rio de Janeiro 5 (3), 1944.

PRADO, Eduardo — Imigration. In: Le Brésil en 1889,. Paris, Librairie Charles Delagrave,1889.

ROCHE, Jean — A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ed. Globo, 1969.

IV — A IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA: OS GRUPOS E SUA PARTICIPAÇÃO NA VIDABRASILEIRA

AULER, Guilherme — A Companhia de Operários (1839-1843). Subsídios para o estudo daemigração germânica no Brasil. Recife, Arquvo Público Municipal, Impr. Oficial, 1959.

AZEVEDO, Thales de — Gaúchos: fisionomia social do Rio Grande do Sul. 2.a ed. Salvador,Liv. Progresso, s/d.

BALHANA, Altiva Pillati — Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba, 1958.

BARBOSA, Mário de Lima — Les Français dans L'Histoire du Brésil. Rio de Janeiro, F.Briguiet, 1923.

CARVALHO, Bulhões — Progresso da imigração italiana no Brasil. R o de Janeiro, DiretoriaGeral de Estatística, 1925.

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel — O italiano no Brasil. O Observador Econômico e Financeiro.Rio de Janeiro, 19 (224) out. 1954.

DURHAM, Eunice Ribeiro — Assimilação e mobilidade. História do imigrante numacomunidade paulista. São Paulo, s/ed., 1966.

FREYRE, Gilberto — Um engenheiro francês no Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1960, 2v.

FREYRE, Gilberto — Ingleses no Brasil; aspectos da influência britânica sobre a vida, apaisagem e a cultura do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1948 (Col. DocumentosBrasileiros, 58).

FREYRE, Gilberto — Nós e a Europa Germânica. Em torno de alguns aspectos das relações doBrasil com a cultura germânica no decorrer do século XIX. Rio de Janeiro, Grifo Edições, 1971.

FROSI, Vitalina Maria & MIORANZA, Ciro — Imigração italiana no Nordeste do Rio Grandedo Sul. Processos de Formação e Evolução de uma comunidade ítalo-brasileira. S./l.,Universidade de Caxias do Sul/Instituto Superior Brasileiro Italiano de Estudos e Pesquisas/ Ed.Movimento.

KNOWLTON, Clark S. — Sírios e libaneses. Mobilidade Social e Espacial, São Paulo,Anhambi, 1960.

LEITE FILHO, Solidônio — Os judeus no Brasil. Rio de Janeiro, J. Leite & Cia., 1923.

LORENZONI, Júlio — Memórias de um imigrante italiano. Trad. de Arnilla Lorenzoni Parreira.Prefácio e notas de Itálico Marcom. Porto Alegre, Liv. Sulina Ed., s/ed. Estante do Centenário daImigração Italiana v. 1.

MELO NETO, José Antônio Gonsalves — Tempo dos Flamengos; influência da ocupaçãoholandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1947 (Col.Documentos Brasileiros 54).

MORAIS FILHO, Melo — Os ciganos no Brasil. Rio de Janeiro, 1886.

NEIVA, Artur Hehl — Estudos sobre a imigração semita no Brasil. Revista de Imigração eColonização, Rio de Janeiro 5 jun. 1944.

NOGUEIRA, Arlinda Rocha — A imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908-1922). São Paulo USP, 1973 (Publ. do Instituto de Estudos brasileiros — USP).

PEREIRA, João Batista Borges — Italianos no mundo rural paulista. São Paulo, Liv. PioneiraEd., 1974 (Publ. do Instituto de Estudos Brasileiros — USP — Biblioteca Pioneira de EstudosBrasileiros).

SAITO, Hiroshi — O japonês no Brasil. São Paulo, Ed. Sociologia e Política, 1961.

SEYFERTH, Giralda — A colonização alemã no vale do Itajaí-Mirim. Um estudo dedesenvolvimento econômico. Porto Alegre, Ed. Movimento, 1974.

S0USA, Newton Stadler de — O anarquismo da Colônia Cecília. Rio de Janeiro, CivilizaçãoBrasileira, 1970.

VÁRIOS — Os judeus na História do Brasil. Rio de Janeiro, 1936.

WAGEMANN, Ernst — A colonização alemã no Espírito Santo. Trad. de Reginaldo SantAna.Rio de Janeiro, Serv. Graf. IBGE, 1949.

WILLEMS, Emílio — A aculturação dos alemães no Brasil. Estudo antropológico dosimigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1940 (BPB. ser. 5.Brasiliana 250).

WILLEMS, Emílio — Assimilação e Populações marginais no Brasil. Estudo sociológico dosimigrantes germânicos e seus descendentes. São Paulo, Ed. Nacional, 1940 (BPB. ser. 5.Brasiliana 186).

WILLEMS, Emílio — Aspectos da aculturação dos japoneses no Es. tado de São Paulo. SãoPaulo, Univ. de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1948 (Mol. 82, ser.

Antropologia 3).

V — RELAÇÕES ÉTNICAS E DE CULTURA: PROBLEMAS E ASPECTOS GERAIS

AZEVEDO, Thales de — As Elites de Cor: Um estudo de ascensão social. São Paulo, Ed.Nacional, 1955 (Brasiliana, 282). AZEVEDO, Thales de — Democracia racial. Ideologia erealidade. Petrópolis, Ed. Vozes, 1975.

BASTIDE, Roger, e FERNANDES, Florestan — Brancos e Negros em São Paulo. São Paulo,Ed. Nacional, 1959 (Brasiliana, 205). DENIS, Pierre — O Brasil no século XX, Lisboa, 1910.

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel — Estudou de relações de cultura no Brasil. Rio de Janeiro,Ministério da Educação e Cultura, Serv. de Documentação, 1955 (Cad. de Cultura 52).

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel — Imigração, Urbanização e Industrialização. Estudo sobre algunsaspectos da contribuição cultural do imigrante no Brasil. Rio de Janeiro, MEC, INEP, CentroBrasileiro de Pesquisas Educacionais, 1963.

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel — Dois grupos étnico-culturais no Brasil: italianos e sírio-libaneses. In: “Aspectos da Formação e Evolução do Brasil.” Estudos publicados em 1952, noJornal do Commercio, no seu 112.° aniversário. Rio de Janeiro.

FREYRE, Gilberto — Interpretação do Brasil; aspectos da formação social brasileira comoprocesso de amalgamento de raças e culturas. Rio de Janeiro. José Olympio, 1947.

MARTINS, Wilson — Um Brasil Diferente; ensaio sobre fenômenos de aculturação do Paraná.São Paulo, Anhambi, 1955.

MORTARA, Giorgio — Contribuição para o estudo da assimilação matrimonial e reprodutiva -dos principais grupos estrangeiros na população do Brasil. In: “Pesquisa sobre populaçõesAmericanas”. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 1947 (Ser. Estudos Brasileiros deDemografia, monografia 3).

NEIVA, Artur Hehl e DIÉGUES JÚNIOR, Manuel — L‘Assimilation culturelle des imigrants auBrésil; (documento preparado para a Conferência sobre Assimilação Cultural dos Imigrantes. LaHabana, 1956. Mimeogr. Incluído como capítulo 10. In: The Cultural Integration of Imigrants; asurved based upon the papers and procedings the Uneseo Conference held in Habana, april 1956,by M. Diégues Jr., I. Isaac, A. H. Neiva, C. A. Price and J. Zubszysi Paris, Uneseo — 1959).

RAMOS, Artur — Introdução à Antropologia Brasileira. Rio de Janeiro, Casa do Estudante doBrasil, 1943 e 1947. 2 v. (2.a ed., 1962).

RAMOS, Arthur — Le métissage au Brésil. Paris, Hermann et Cie, 1952.

ROQUETE-PINTO, Edgar — Ensaios de Antropologia brasiliana. São Paulo, Ed. Nacional,1933 (BPB. ser. 5, Brasiliana 22).

SCHADEN, Egon — Problemas de aculturação no Brasil. In: Anais da Reunião Brasileira deAntropologia. 2a, Bahia, 1957.

WILLEMS, Emílio — Brasil. In: Aportaciones Positivas de los imigrantes; simpósio preparadopara la Uneseo por la Asociación Internacional de Sociologia y la Asociación Internacional deCiências Econômicas. Paris, Uneseo, s/d.

VI — PRINCIPAIS PERIÓDICOS DE INTERESSE PARA OS ESTUDOS DEANTROPOLOGIA NO BRASIL

América Latina. Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais. Rio de Janeiro.

Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Universidade de São Paulo. Série“Antropologia”, “Sociologia” e “Etnografia”.

Boletim do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Recife. Boletim Geográfico. Rio deJaneiro.

Boletim do Museu Nacional. Série Antropologia. Rio de Janeiro. Boletim do Museu ParaenseEmílio Goeldi. Belém do Pará.

Ciência e Trópico. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Recife.

Província de São Paulo. Porto Alegre.

Revista de Antropologia. São Paulo.

Revista do Arquivo Nacional. São Paulo.

Revista Brasileira de Cultura. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro.

Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro.

Revista de História. São Paulo.

Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro. Revista do MuseuPaulista. Nova Série. São Paulo.