A casa como espaço familiar e espaço social: um estudo semiótico do espaço
Espaço e Cultura em processo
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Autores: Profª Dra. Raquel Dias Vieira Braga; Prof. M. Sc. Mauro Santoro Campello; Prof. M. Sc. Sávio Guimarães Colaboradores Bolsistas vinculados à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG): acadêmicos: Gabriel Moreira da Cruz e Nathália Moreira Carvalho. Colaboradores Bolsistas vinculados à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF): acadêmicos: Paulo Stuart Angel Jacob da Silveira e Filipe Quaresma Poyares de Oliveira. Colaborador Voluntário: acadêmico Fabrício Oliveira Zanoli
ESPAÇO E CULTURA EM PROCESSO
RESUMO
No Brasil, como noutros lugares, várias ocorrências históricas empreendidas a partir de particularidades urbanas ou refletidas em tais áreas explicitam vínculos existentes entre um sítio espacial e o caráter cultural ali conformado. Minas Gerais configura-se como uma importante expressão dessa associação. A sua história pode, inclusive, associar-se com facilidade a uma ‘história dos caminhos’. Afinal, seu desbravamento foi vital para a transição entre diversas regiões, isto antes que riquezas, do ouro ao café, a consolidassem como rota de exploração e escoamento de materiais. Com a abertura do Caminho Novo da Estrada Real, patrocinado pela Coroa Portuguesa, a inóspita ‘região das matas mineiras’ foi ocupada por diversos povoados, como aqueles formados próximos ao Rio Paraibuna e que posteriormente conformaram a cidade de Juiz de Fora, também marcada como entreposto comercial entre centros coloniais mineiros e do litoral sudeste. Da primeira edificação da região ali erguida, uma Alcaydemoria, quando a localidade caracterizava-se como ponto de passagem de tropeiros, ao adensamento ocorrido após a abertura da variante do Caminho Novo, da construção da primeira Rodovia pavimentada do país e da Estrada de Ferro, todas patrocinadas pelo Império, outros desdobramentos de intervenções urbanas consolidaram a variada materialidade cultural local.
ABSTRACT
In Brazil, as elsewhere several historical events are undertaken from urban particularities or reflected in such areas explaining links between a spacial site and the cultural character conformed there. Minas Gerais appears as an important expression of this association. Its history can even associate easily with a 'history of paths'. After all, its clearing was very important for the transition among many regions. Before wealth, from gold to coffee, Minas Gerais was consolidated as a route of exploitation and distribution of materials. With the opening of New Way of Royal Road, sponsored by the Portuguese Crown, The inhospitable ‘region of Minas Gerais forests' was occupied by many villages, as those formed next to the Paraibuna River and that subsequently create the Juiz de Fora city, also marked as a commercial warehouse between colonial centers of Minas Gerais and the south-east coast.
From the first edification of the region built there, a Alcaydemoria, when the locality was characterized as crossing point of tropeiros (men who were leaders of empire troops about 1695, in Brazil), to the densification occurred after the opening of variant of the New Way and to the construction of the first paved road of the country and the Iron Road, all sponsored by Empire, Another deployments of urban interventions have consolidated the varied cultural materiality of that place.
INTRODUÇÃO
O atual estado de Minas Gerais, situado na Região Sudeste do Brasil, é
resultado das inúmeras incursões empreendidas pelos desbravadores em busca das
riquezas minerais, que ocorreu no final do século XVI e início do século XVII. A
multiplicidade de etnias e culturas permitiu que surgissem vilas, arraiais e cidades de
características diversas. Esta multiplicidade é resultante da miscigenação de
indígenas, europeus e negros africanos. Assim a então região das minas se formou
neste cenário. Cidades surgem com contornos coloniais, barrocos e modernos,
como a Cidade de Juiz de Fora, objeto deste artigo.
Juiz de Fora tem sua história atrelada a busca das riquezas minerais. Ela
surge na segunda metade do século XIX, quando o ideário da modernização é
empreendido pela Revolução Industrial. Porém não se pode negar que sua formação
está ligada a construção de uma estrada com características diferentes das então
existentes, que não passavam de caminhos, cuja função era diminuir a distancia
entre as principais regiões produtoras de metais e pedras preciosas e as cidades
localizadas na costa sudeste brasileira, principalmente no atual Estado do Rio de
Janeiro e São Paulo. O objetivo deste artigo é demonstrar a origem de sua formação
onde os aspectos culturais são, em parte, elementos que ajudaram a configurar o
seu espaço.
Este artigo está estruturado em duas partes. A primeira trata da conformação
do território mineiro através do surgimento dos vários caminhos que conformam o
que se convencionou denominar Estrada Real. Ao longo destes caminhos surgem as
primeiras aldeias e povoados que futuramente darão origem às cidades mineiras
como Ouro Preto, Mariana e Juiz de Fora, entre tantas outras.
A segunda parte é reservada à conformação da Cidade de Juiz de Fora, que
surge na virada da metade do século XIX, através da sua diversidade cultural. A sua
formação está atrelada a modernidade que a industrialização promoveu na região da
Zona da Mata Mineira e Vertentes, a qual Juiz de Fora foi a sua principal depositária,
sendo inclusive denominada de ‘Manchester Mineira’ em referência a cidade inglesa.
A ESTRADA REAL: CONFIGURANDO ALDEIAS E POVOADOS
A descoberta e exploração do ouro e de outras riquezas minerais, nas terras
que compreendem o atual Estado de Minas Gerais, provocaram movimentações
populacionais internas e até externas, desenhando e caracterizando o mercado e o
desenvolvimento urbano do Brasil, e mais especificamente da região sudeste do
país. Ocorre o abandono gradativo da agricultura (principalmente voltada para o
cultivo da cana-de-açúcar, na fase anterior à descoberta do ouro) e da exploração
de recursos naturais (madeira, pesca, etc.), que resultavam de empreendimentos
planejados e laboriosos, em prol de uma corrida desenfreada e aventureira em
busca do ouro, que, inclusive conforme afirma Ernani Silva Bruno (1967), resultou
numa organização social e urbana características, com base nos resultados
imprevisíveis da mineração, onde o sucesso dependia da sorte.
"A formação social de cunho mais democrático que aquela que ocorrera nas áreas cuja ocupação se fizera em função da cultura canavieira e o desenvolvimento de uma civilização mais voltada para as concentrações urbanas imprimiu alguns traços novos à feição de algumas zonas da região – assinalando-se, de outra parte, o notável crescimento da cidade do Rio de Janeiro." (BRUNO, 1967, p. 53)
A infra-estrutura portuária instalada (Santos e Rio de Janeiro), a construção
de caminhos que comunicassem as minas com o mar, o surgimento de postos de
comércio para atendimento das necessidades dessa nova indústria, e o próprio
deslocamento da capital da antiga colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, foram
definições territoriais importantes, resultantes da exploração do ouro e de outros
minerais em Minas Gerais.
O fator mais importante dessa ocupação das terras interiores foi, desde os
últimos anos do século dezessete, a descoberta de numerosas jazidas de ouro, em
território mineiro, tendo a localização dessas minas determinado a situação de vários
núcleos de população, que daí por diante se formaram. Condicionados de modo
geral por esse surto minerador, outros fatores secundários (como a necessidade de
abastecimento e de comunicação da zona mineradora com a costa) favoreceram
também a ocupação de novas terras no próprio território de Minas Gerais, como no
da antiga Capitania do Rio de Janeiro e, em escala menor, no do Espírito Santo,
onde se esboçou a formação de novos povoados.
É importante recuperar a definição dos caminhos, que
ligavam Minas Gerais à costa, parte dos quais hoje em
dia ainda podem ser percorridos e passaram a compor o
que se convencionou denominar Estrada Real que na
realidade é composta por três caminhos. O mais antigo,
ou Primeiro Caminho (fig. 01), partia de Parati, subindo a
Serra do Facão e passava pela vila paulista de Taubaté
e transpondo, a partir daí, a Serra da Mantiqueira.
Fig. 01 – Mapa de 1707 do Caminho Velho Fonte: { HYPERLINK
"http://www.veep.com.br/erfaq_35.jpg" }
O Segundo Caminho, ou Caminho Novo (fig. 02), que foi aberto
por volta do ano de 1.700 pelo bandeirante Garcia Rodrigues
Paes, com a finalidade de facilitar o transporte do ouro de
Minas Gerais, mais precisamente, da antiga Vila Rica (hoje
Ouro Preto) para o Rio de Janeiro. Este caminho, que partia da
Baía da Guanabara, por terra até Irajá, seguia pelo Rio Iguaçu
e transpunha os rios Paraíba e Paraibuna, reduzindo o tempo
de viagem de 30 para 15 dias e também propiciando melhores
condições para fiscalização do transporte do ouro até a corte.
Fig. 02 – Caminho Novo Fonte: { HYPERLINK "http://www.estradareal.org.br/mapa_press.pdf" }
“parece-me conveniente ao serviço de Vossa Majestade buscar todos os caminhos para que os quintos do ouro de lavagem não se extraviem e continue o aumento das minas (...) porque pende o interesse de se aumentar os quintos pela brevidade do caminho; porque por este donde agora vão aos Cataguazes se porá do Rio não menos de três meses e de São Paulo 50 dias; e pelo caminho que se intenta abrir, se porão pouco mais de 15 dias.” (in: Ofício de Artur de Sá Menezes à Coroa, em {
HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/24_de_maio" \o "24 de maio" } de { HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/1698" \o "1698" }.)
O Caminho Novo passava pela Zona da Mata Mineira e, desta forma, permitiu
maior circulação de pessoas pela região, que, anteriormente, era formada de mata
fechada, habitada por poucos índios das tribos Coroados e Puris.
Às suas margens surgiram diversos postos oficiais de registro e fiscalização
de ouro, que era transportado em lombos de mulas, dando origem às cidades de
Barbacena e Matias Barbosa. Outros pequenos povoados foram surgindo em função
de hospedarias e armazéns, ao longo do caminho, como o Santo Antônio do
Paraibuna, que daria origem, posteriormente, à cidade de Juiz de Fora. Nesta
época, o Império passa a distribuir terras na região, para pessoas de origem nobre,
denominada sesmarias, facilitando o povoamento e a formação de fazendas que,
mais tarde, se especializariam na produção de café. Em 1853, a Vila de Santo
Antônio do Paraibuna é elevada à categoria de cidade e, em 1865, ganha o nome de
cidade do Juiz de Fora.
O Terceiro Caminho
(utilizado em 1725) (fig. 03)
partia da praia dos Mineiros
(na Baía de Guanabara),
utilizava a via fluvial do Rio
Inhomirim e prosseguia por
terra até chegar ao Rio
Paraíba.
Fig. 03 – Terceiro Caminho (Caminho de Proença) – São Paulo
Fonte: { HYPERLINK "http://www.preservale.com.br/artigo_mariabeltrao" }.
A mineração atirava os povoadores para brenhas distantes, permanecendo
entre eles, e os focos de origem, o deserto em toda a sua plenitude primitiva. E
dessa forma foi às vezes demorando o povoamento das zonas intermediárias.
Em Minas Gerais, a partir de 1675, ainda na fase de procura de minas
auríferas, fundaram-se os primeiros arraiais: o de Ibituruna, o de Santana (no Rio
Paraopeba) e o de São João do Sumidouro (no vale do Rio das Velhas). Alguns
anos depois, os de Itacambira, Olhos D'água e Conquista. Em seguida o daqueles
cuja localização foi o reflexo imediato da descoberta de jazidas.
Assim é provável que tenham se formado os arraiais de Antônio Dias, no
Tripuí (núcleo de Vila Rica ou Ouro Preto), de Mariana, do Rio das Velhas ou
Sabará, de Santa Bárbara, de Bom Retiro (depois Santa Luzia), de Conceição de
Mato Dentro, de Prados, de Porto Real da Passagem (em seguida São João Del
Rei, hoje Tiradentes), de Morro do Pilar, de Piranga, de Piedade de Pitangui. Ao
mesmo tempo outros povoados começaram a se esboçar no trajeto dos caminhos
que da costa (nas áreas fluminense e paulista) se dirigiam para as zonas de
mineração: o de Alterosa, o de Pouso Alegre, o de Baependi, o de Aiuruoca,
situados no sudoeste ou no extremo sul do território de Minas Gerais.
Em 1705, o povoamento de Minas é intensificado com a suspensão das
medidas, antes tomadas por Portugal, para impedir a entrada de "estranhos" no
território das Minas. Ocorre em seguida a Guerra dos Emboabas, em
conseqüência das rivalidades pela posse e exploração das minas entre paulistas,
que foram seus descobridores, e forasteiros, principalmente reinóis, que viviam de
mascatear. Este conflito terminou com a restituição das lavras aos paulistas em
1711.
O povoamento é intensificado na zona de mineração (área centro-oeste de
Minas), com a criação das primeiras Vilas, depois da luta entre paulistas e
emboabas, quais sejam:
1711 – Mariana 1 (fig. 04), Sabará (fig. 05) e Ouro Preto (fig. 06 e 07) 1713 – São João Del Rei (fig. 08) 1714 – Caeté 1715 – Pitangui 1718 – Tiradentes (fig. 09)
1 Mariana foi elevada a cidade em 1745
Fig. 04 - Mariana, MG Fig. 05 – Sabará, MG. Fonte: Foto por Douglas Montes Fonte: { HYPERLINK
"http://www.cidadebrasileira.brasilescola.com/minas-gerais/historia-sabara.htm" }
Fig. 06 – Vila Rica – Atual Ouro Preto, MG Fig. 07 – Vila Rica – Atual Ouro Preto, MG. Fonte: { HYPERLINK "http://www.gobrasil.net/images/MG-ouropreto02-460.jpg" } Fonte: { HYPERLINK "http://www.sinfrecar.org.br/?pasta=65&documento=95" }
Fig. 08 – São João Del Rei, MG Fig. 09 – Tiradentes, MG. Fonte: { HYPERLINK "http://www.missminasgeraismundo.com/mina" } Fonte: { HYPERLINK
"http://img.photobucket.com/albums/v283/lucianosr/estradareal.jpg" }
Em 1718 ocorre também a instituição das Casas de Fundição em Minas com a proibição do transporte do ouro em pó, quando ocorre a Inconfidência Mineira com a condenação de Felipe dos Santos.
Outras povoações foram se formando na primeira metade do séc. XVIII:
Na área de mineração: Curral Del Rei (onde posteriormente planejou-se a implantação de Belo Horizonte), Barão de Cocais, Raposos, Rio Piracicaba,
Conceição do Mato Dentro, Congonhas (fig. 10), Lagoa Dourada, Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo (Barbacena).
Ao Sul e Sudoeste: Pouso Alto, Baependi, Aiuruoca, Alterosa, Prados, Lavras, Carrancas (1720), Camanducaia, Campanha, Piauí, Itapecerica, Queluz (Cons. Lafaiete), Cabo Verde, Ouro Fino.
Na Zona Central: Curvelo (1720), Tijuco (Diamantina – 1729), Serro (1714), Peçanha.
Nordeste: Minas Novas (1728).
Vale do São Francisco e extremo Noroeste: já havia Morrinhos e esboçaram-se Montes Claros, Paracatu e São Romão.
Fig. 10 – Congonhas, MG Fonte: { HYPERLINK "http://www.leis.brasilflog.com.br/1163893641.jpg" }
O período em que se verificou maior produção aurífera foi o que decorreu de
1741 a 1761 e os diamantes foram de 1727 a 1763, período que definiu novos
rumos para o Brasil e principalmente delineou a configuração das Minas Gerais.
Modificou-se bastante a paisagem social da região, de fins do séc. XVII a
meados do séc. XVIII. Em primeiro lugar pelo fato de que a ocupação do território
mineiro se revestiu de cunho mais democrático que a ocupação dos territórios
costeiros, pela natureza das operações realizadas. O sistema das demarcações nas
minas permitiu uma promiscuidade da gente de todas as castas, e, além disso,
venciam ali, até certo ponto, não os que podiam mais, mas os que dispunham de
sorte.
Outra modificação significativa é o incremento desproporcional que foi
provocado ao mais importante núcleo urbano da região – a cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro. Devido às riquezas que a terra mineira passou a produzir, ganhou
a povoação da Baía da Guanabara considerável importância, sobretudo depois que
o Reino fechou o porto de Santos e obrigou a que fossem exportados, pelo Rio de
Janeiro, todo o ouro e os diamantes descobertos.
E a mineração, que desloca o eixo econômico da Brasil Colonial do Norte
para o Sul, provoca a transferência da sede do governo da América Portuguesa da
Bahia para o Rio de Janeiro.
A DIVERSIFICAÇÃO URBANA: DOCUMENTANDO A HISTÓRIA DE UMA CIDADE
Do mesmo modo que o desbravamento da região de Minas Gerais se efetivou
por meio dos diversos Caminhos que compõem a Estrada Real, e que, após seu
abandono por diversos outros sistemas viários, vem passando, atualmente, por uma
crescente reapropriação por ter se tornado um significativo registro histórico-cultural
e um promissor eixo turístico-cultural, os demais desdobramentos históricos
ocorridos no território mineiro, em seus 853 municípios, também podem se
assimilados como importantes documentos do processo histórico pelos quais têm
passado tais localidades.
Uma destas várias localidades passíveis de um diversificado estudo segundo
sua arqueologia urbana consiste na cidade de Juiz de Fora, situada na região da
chamada Zona da Mata Mineira (fig. 11), a 184 km do Rio de Janeiro e a 272 km da
capital mineira Belo Horizonte. Dentre as várias versões locais sobre o seu
surgimento no contexto do ciclo do ouro como um meio de passagem entre as minas
e os portos litorâneos, esta localidade, tornada ‘Vila de Santo Antônio do Paraibuna’
em 1850, ‘Cidade do Paraibuna’ em 1856, e ‘Cidade de Juiz de Fora’ em 1865 (fig.
12), possui hoje uma população estimada de 513.348 habitantes, consistindo numa
das cinco cidades mais populosas do Estado de Minas Gerais.
Fig. 11 – Mapa do Estado de MG Fig. 12 – Juiz de Fora – 1900 em destaque a região de Juiz de Fora Fonte: DIPAC – Prefeitura de Juiz de Fora
Fonte: upload.{ HYPERLINK "Artigo%20Coimbra%20com%20imangens.doc" }.org
Mas apesar do seu crescimento e conseqüente fragmentação urbana, a partir
de uma leitura atenta de seus diferentes e sucessivos eixos urbanos nos é permitido
realizar, entre muitos fragmentos históricos, interessantes descobertas sobre este
lugar, sobre sua cultura e sua gente. Tal como bem escreveu Ítalo Calvino, em suas
‘Cidades Invisíveis’, nada imaginárias, sobre esta possibilidade de leitura do espaço
físico das cidades a partir de suas mais diversas expressões formativas: “as
populações e os costumes mudaram diversas vezes, restam o nome, o lugar em que
está situada, os objetos mais resistentes.” (CALVINO, 1990, p. 99)
Como no caso de tantas outras cidades mineiras, a história de Juiz de Fora
tem seu início ligado à abertura do Caminho Novo da Estrada Real, por volta de
1700, quando o bandeirante Garcia Rodrigues Paes, estimulado pelos interesses da
Coroa Portuguesa na agilidade e fiscalização da rota do ouro, iniciou tal
empreendimento estreitando a rota do Caminho Velho da Estrada Real ao desbravar
a chamada ‘Região das Matas Mineiras’, região até então ocupada apenas por
aventureiros e fugitivos, e etnias indígenas consideradas bravias (OLIVEIRA, 1966).
Situada neste caminho, a futura cidade de Juiz de Fora, começou seu
crescimento paulatino por meio dos típicos armazéns e hospedarias que
incentivaram, por toda a região, a formação de povoados à sua volta. Com o tempo,
um destes povoados, situado ao redor da
chamada ‘Fazenda do Juiz de Fora (fig.
13)’, tornou-se a designação geral para
toda a localidade pelo fato de tal fazenda
ter se tornado um nome de referência
usual a todos que visitavam ou passavam
por tais povoados.
Fig. 13 – Fazenda do Juiz de Fora Fonte: { HYPERLINK "http://www.asminasgerais.com.br/Zona%20da%20Mata" }
“A ausência de registros sobre o nome do magistrado que legou a designação de seu cargo à Fazenda e posteriormente ao Município, tem estimulado, desde fins do século XIX, uma série de interpretações e tentativas de sua identificação, tendo sido mais apontados como o ‘juiz de fora’, João Carlos Ribeiro e Silva, que, em tal Fazenda, teria residido desde 1715, ou, tido como mais provável, Luís Fortes Bustamante e Sá, que teria comprado a sesmaria situada entre a da Tapera e a de Marmelos, onde mandara erguer tal
edificação a partir de 1713. E este lapso histórico ainda veio a se agravar em meados do último século quando os vários alertas locais, que chegaram a ser atendidos pela antiga Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) na figura de Rodrigo Mello Franco, não foram suficientes para evitar a demolição do casarão na década de 1940 diante da morosidade do poder público de então para a preservação do casarão que deu nome ao Município.” (GUIMARÃES, 2008, p. 16)
Assim como a histórica Fazenda do Juiz de Fora, todas as edificações da
época em tal região eram erguidas à margem esquerda do Rio Paraibuna, o qual
servira de orientação ao traçado do Caminho Novo da Estrada Real que, nesta
localidade seguiu paralela ao curso deste rio. E ao contrário da Fazenda do Juiz de
Fora, ainda hoje, algumas das primeiras
edificações locais, como a Fazenda da
Tapera [fig. 14] e a Fazenda Ribeirão das
Rosas resistem à ação do tempo e da
especulação imobiliária à margem esquerda
do rio e em regiões mais afastadas do local
de implantação da Fazenda do Juiz de Fora
que se tornou a centralidade da cidade.
Fig. 14 – Fazenda do Tapera Fonte: DIPAC – Prefeitura de Juiz de Fora
Tal centralidade efetivou-se em meados do século XIX, quando o engenheiro
alemão Henrique Guilherme Fernando Halfeld, contratado
em 1836, pela Província de Minas, interessada na “(...)
abertura de um caminho que da Vila Rica fosse a
Paraibuna” (OLIVEIRA, 1966, p. 18), promoveu o
alargamento do estreito e tortuoso ‘Caminho Novo’, já
centenário na época e cujo traçado só foi alterado na
região onde o engenheiro transpôs a margem esquerda do
Rio Paraibuna a uma já existente picada informal de grande
economia de percurso existente à margem direita do rio e
então aperfeiçoada numa linha reta quilométrica à época
designada ‘Estrada Nova’ (fig. 15).
Fig. 15 – Planta da Estrada Nova do Paraibuna feita por Halfeld, 1844. Fonte: Junqueira, Patrícia Thomé De Cidade a centralidade, Rio de Janeiro, 2006.
Assim surge o que tornaria logo a ‘Rua Direita’ da localidade que passou a
concentrar as ocupações, a circulação e os investimentos locais. Ainda mais
prolongada posteriormente e designada Avenida Barão do Rio Branco (fig. 16 e 17).
Oliveira (op. cit.) argumenta que em carta envia aos parentes, cuja data não foi
possível determinar, o engenheiro Henrique Halfeld declara ter fundado, no Brasil,
uma cidade, ou seja, a Cidade de Juiz de Fora.
Fig. 16 – Avenida Barão do Rio Branco Fig. 17 – Rua Direita 1906 Fonte: DIPAC – Prefeitura de Juiz de Fora Fonte: DIPAC – Prefeitura de Juiz de Fora
Esta avenida veio a se estabelecer, definitivamente, como o eixo central da
cidade de Juiz de Fora além de apontar para as duas direções antagônicas entre as
quais se delineou a história da cidade e a vida de seus habitantes, tal como bem
sintetizou o reconhecido memorialista juiz-forano Pedro Nava em 1972:
“A primeira é o rumo do mato dentro, da subida da Mantiqueira, da garganta do João Aires, dos profetas carbonizados nos céus em fogo, das cidades decrépitas, das toponímias de angústia, ameaça e dúvida – Além Paraíba, Abre Campo, Brumado, Turvo, Inficionado, Encruzilhada, Caracol, Tremedal, Ribeirão do Carmo, Rio das Mortes, Sumidouro. Do Belo Horizonte (não esse, mas o outro, que só vive na dimensão do tempo). e do bojo de Minas. De Minas toda de ferro pesando na cabeça, vergando os ombros e dobrando os joelhos dos seus filhos. A segunda é a direção do oceano a fora, serra do Mar abaixo, das saídas e das saídas e das fugas por rias e restingas, angras, barras, bancos, recifes, ilhas – singraduras de vento e sal, pelágicas e genealógicas – que vão ao Ceará, ao Maranhão, aos Açores, a Portugal e ao encontro das derrotas latinas do mar Mediterrâneo.” (NAVA, 2002, p. 5)
Após o traçado desta ‘Variante do Caminho Novo’ que estimulou o maior
povoamento da região possibilitando a formação do município mineiro de Juiz de
Fora, vários outros traçados urbanos auxiliaram na continuidade do crescimento
local, tal como a primeira rodovia pavimentada do país, a Rodovia União e Indústria,
logo sucedida pela Estrada de Ferro Dom Pedro II, ambas empreendidas por
iniciativa do mineiro Mariano Procópio Ferreira Lage e patrocinadas pelo Império
Brasileiro interessado no escoamento, desta vez, do chamado ‘ouro verde’, o café,
que transferiu o investimento nas antigas cidades coloniais mineiras para as
extensas áreas agrícolas da região e, além de consolidar a Província das Minas
Gerais como uma rota de exploração e escoamento de materiais, também firmou a
cidade de Juiz de Fora, por seu posicionamento geográfico, como importante
entreposto comercial entre grandes centros, inicialmente as cidades coloniais
mineiras e as cidades localizadas no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo.
Por ter surgido em fins do ciclo do ouro e por ter se estabelecido como
entreposto comercial, Juiz de Fora não teve características barrocas como a grande
maioria das cidades de Minas Gerais. Entretanto, os barões do café, grandes
responsáveis pela economia inicial da cidade, importaram a idéia de modernidade
para esta cidade por meio da adoção de planos de saneamento urbano, calçamento
público, iluminação dentre outras mudanças que, já no século XIX tornaram Juiz de
Fora num pólo de investimentos financeiro por meio da criação de pequenas
fábricas, logo seguidas por grandes indústrias. Juiz de Fora chegou, inclusive, a ser
considerada a ‘Manchester Mineira’ (fig. 18), por sua grande importância no cenário
econômico quando se tornou uma das primeiras cidades a se industrializar no país.
Neste momento as elites locais importaram e adotaram, tanto para as residências
como os equipamentos institucionais, a
linguagem estética do ecletismo que,
na época vigente por toda a Europa,
pólo mundial da economia e cultura até
então, tornou-se, por muito tempo, a
feição urbana mais característica
também de Juiz de Fora.
Fig. 18 – Fábrica Bernardo Mascarenhas, 1888. Fonte: DIPAC – Prefeitura de Juiz de Fora
Com o passar do tempo, e com a própria evolução do sistema econômico,
também as feições da cidade passou por outra transformação, afinal, os movimentos
de vanguarda, que mais tarde dariam origem ao modernismo, também ecoaram na
cidade revelando-se no traçado urbano, em prédios institucionais erguidos no centro
da cidade e nas várias residências edificadas, que representaram, entre tantos
outros motivos, uma nova possibilidade de expressar o caráter progressista da
cidade reativado por administradores políticos, arquitetos e engenheiros que
elevaram seu skyline por meio da verticalidade moderna (fig. 19 e 20) e, tal como em
todo o país, concentraram os investimentos no alargamento e no traçado de vias
automobilísticas que, até somente nos dias atuais, por intermédio não só da
emersão das questões ambientais agravadas pela emissão de poluentes pelos
automóveis, mas também em razão do saturamento da malha urbana
automobilística existente frente à quase duplicação demográfica local nos últimos 50
anos e triplicação do número de automóveis na cidade nas últimas décadas.
Fig. 19 – Banco do Brasil – 1941. Fig. 20 – Clube Juiz de Fora – 1956. Fonte: Acervo dos autores (2007) Fonte : { HYPERLINK "http://www.ceramicanorio.com" }
Ocorridos tantos desdobramentos, ainda que o Município de Juiz de Fora seja
hoje caracterizado, tal como o próprio país, por uma identidade cultural múltipla
devido às tantas interações étnicas e culturais aqui ocorridas, o processo histórico
local parece renovar-se agora por meio da crescente reumanização das vias que, tal
como em todo o mundo, ao promover a interconexão funcional de muitas das
mesmas tornadas exclusivas a pedestres por meio de sua conversão em calçadões,
têm se tornado os pontos mais movimentados da cidade ou consolidado tal vocação
no caso de sítios históricos locais cada vez mais celebrados. E, em Juiz de Fora, tais
Calçadões, como o Calçadão de Pedras
Portuguesas da Rua Halfeld (fig. 21), a principal
rua nos trajetos e no imaginário dos habitantes
da cidade, assim com as mais de 40 Galerias de
Juiz de Fora, outra tradição urbana local e que
auxiliaram na manutenção da centralidade física
e social da cidade apesar de seu contínuo
crescimento e adensamento, tais vias
rehumanizadas podem ser consideradas rotas
importantes por também ampliarem as
possibilidades de encontro, de convivência, de
expressões e trocas, promotoras da cidade
como um produto essencialmente humano.
Fig. 21 – Rua Halfeld.
Fonte: bp1.{ HYPERLINK "Artigo%20Coimbra%20com%20imangens.doc" }.com
Afinal, o espaço que o homem modifica continua a exercer, mesmo que não
de modo determinante, sua influência numa rede de interações que se manifesta,
tanto pela implantação, escala, volume ou forma (LYNCH, 1999) que estes últimos
assumem quanto pelos comportamentos (JACOBS, 2000) humanos também
passíveis de alteração segundo um dado contexto de inserção. Logo, assim como
tantos outros logradouros e espaços construídos pelo homem, tais eixos, além de
sua função básica de circulação, reforçam, com o tempo, sua função como fontes
potenciais ao conhecimento do espaço onde são traçados, e reconhecimento próprio
inclusive, tal como bem explicitado pelo escritor José Saramago em sua assertiva
tão propícia à finalização deste: “Choque e adequação, reconhecimento e
descoberta, confirmação e surpresa. O viajante viajou no seu próprio país.”
(SARAMAGO, 1998, p).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil – Geral e Regional – Vol. IV Rio e Minas. São Paulo, Editora Cultrix, 1967.
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